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Universidade Federal de São Carlos
Centro de Educação e Ciências Humanas
Programa de Pós-Graduação em Educação
A PORTA ESTÁ ABERTA:
APRENDIZAGEM COLABORATIVA, PRÁTICA INICIANTE,
RACIOCÍNIO CLÍNICO E TERAPIA OCUPACIONAL
Taís Quevedo Marcolino
São Carlos
2009
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A PORTA ESTÁ ABERTA:
APRENDIZAGEM COLABORATIVA, PRÁTICA INICIANTE,
RACIOCÍNIO CLÍNICO E TERAPIA OCUPACIONAL
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Universidade Federal de São Carlos
Centro de Educação e Ciências Humanas
Programa de Pós-Graduação em Educação
A PORTA ESTÁ ABERTA:
APRENDIZAGEM COLABORATIVA, PRÁTICA INICIANTE,
RACIOCÍNIO CLÍNICO E TERAPIA OCUPACIONAL
Taís Quevedo Marcolino
Tese apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Educação da
Universidade Federal de São Carlos,
na área de concentração Processos
de Ensino e de Aprendizagem,
como parte dos requisitos para a
obtenção do título de Doutor Em
Educação.
Orientadora: Profa. Dra. Aline Maria
de Medeiros Rodrigues Reali
São Carlos
2009
Ficha catalográfica elaborada pelo DePT da
Biblioteca Comunitária/UFSCar
M321pe
Marcolino, Taís Quevedo.
A porta está aberta : aprendizagem colaborativa, prática
iniciante, raciocínio clínico e terapia ocupacional / Taís
Quevedo Marcolino. -- São Carlos : UFSCar, 2009.
307 f.
Tese (Doutorado) -- Universidade Federal de São Carlos,
2009.
1. Educação. 2. Terapia ocupacional. 3. Aprendizagem
colaborativa. 4. Raciocínio clínico. 5. Prática profissional. 6.
Formação profissional. I. Título.
CDD: 370 (20
a
)
Para
Jô Benetton
Pela oferta de um pertencimento,
de um sentir-se em casa, pela
oferta de uma trilha, onde
caminho a meu modo, em
diferentes geografias e com
diferentes acompanhantes.
Ao reler, senti como se fosse dar um lugar,
um espaço para as coisas, como a metáfora de um balaio,
onde fui colocando muitas coisas,
coisas que eu achava que cabiam, ficava em dúvida se cabiam;
sem saber de que jeito, ora desajeitado,
ora de forma mais cautelosa,
ora sabendo que aquilo eu queria, e precisava do contorno
e do auxílio daquele balaio,
ora sem perceber que precisava disso,
só tendo percebido enquanto estava no processo de
organizá-lo para colocar no balaio e
outras vezes até, só no momento em que você segurava minha mão
e me ajudava com suas questões a pensar
se era naquele lado do balaio que aquilo precisava ficar.
Ou até mesmo, me mostrando que
eu havia colocado aquilo no balaio (sem ter me dado conta!!)
Mas acho que esse balaio é como a casinha do Snoop, sabe?
Parece pequena por fora, mas por dentro...
tem cada coisa, e cada vez pode se criar mais um cômodo.
É necessária alguma organização que
constantemente vai sendo construída e reconstruída,
mas a desorganização sempre esteve presente também,
e acho que vai continuar e sempre muito bem acolhida!
E que importância esse acolhimento!
(Mariana, décimo sexto diário)
AGRADECIMENTOS
Às instituições...
À Prefeitura Municipal de o Carlos, pela possibilidade do afastamento para a
realização desta pesquisa;
À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, pelo financiamento
desta pesquisa de março de 2007 a fevereiro de 2009;
Ao Departamento de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo, pela
receptividade para a realização de parte desta pesquisa junto às alunas do curso de
especialização em Terapia Ocupacional em Saúde Mental e por todo o apoio de seus
funcionários;
À Escola de Terapia Ocupacional da University of Western Ontario, UWO, Canadá,
pelo acolhimento e oferta de conhecimento.
Às pessoas...
A minha orientadora Aline Reali, por investir no projeto e, acima tudo, pela
confiança;
Às pesquisadoras que compuseram a banca de avaliação no exame de qualificação,
Graça Mizukami, Regina Tancredi e Viviane Maximino, por me mostrarem alguns
caminhos e por me ajudarem a perceber minha profunda relação com o universo da
pesquisa;
À pesquisadora Dra. Marialva Tavares, da Fundação Carlos Chagas, pelo cuidado,
ensino e colaboração no uso do software ALCESTE;
À Lílian Magalhães, pelos artigos, pela oportunidade, pelo acolhimento, pela
comida, e por me mostrar a beleza da primavera;
À Anne Kinsella, pela disponibilidade em ensinar, pelos textos, pelas estimulantes
conversas;
À Ann Bossers e Mary Beth Bezzina, por me ajudarem a compreender a importância
da mentoria na formação de terapeutas ocupacionais na UWO;
Aos terapeutas ocupacionais que me ajudaram muito com a oferta de suas
publicações: Carolyn Unsworth, Julie Piergrossi, Lena Haglund, Linda Mason, Liz
Townsend, Margo Peterson, Simon Rouse;
Às amigas do grupo de estudos do CETO: Benetton, Sonia Ferrari, Alessandra
Reis, Alessandra Pellegrini, Ana Paula Mastropietro, Augusta de Carvalho, Gabriela
Cruz de Moraes, Giovana Martini, Giovana Pellatti, Luciene Vaccaro, Renata Varella,
Tatiane Ceccato, Viviane Maximino, pela possibilidade de APRENDER, desta
constante insatisfação;
Aos amigos da UFABC, por transformar Santo André em um lugar do qual tenho
saudades;
Aos acompanhantes do blog doutorandices, por me ajudarem a viver a solidão da
tese somente nos momentos em que ela se fez necessária;
Ao querido grupo de dança contemporânea, em especial, à Melina Sanchez, por
todo o cuidado no final da escrita da tese;
À Glória Velasco e ao José Otávio Motta Pompeu, pelo cuidado e pelas conversas
que organizam a mente;
À Deigles Amaro e à Gabriela Pernambuco Barboza Gomes, pela atenção e pela
disponibilidade em compartilhar comigo suas construções;
À Cecília Villares e à Tatiane Ceccato, por me permitir aprender com vocês e por
colaborar verdadeiramente;
E finalmente meu agradecimento mais importante e emocionado, obrigada Clarice,
Fernanda, Isadora, Luiza, Mariana, Marisa, por me permitirem ir com vocês a
lugares íntimos, afetivos, construir sentidos, criar histórias e voltar transformada;
A minha família, pelo amor de ser família e que é construído cotidianamente;
Ao Leo, que transcende tudo isso
...
RESUMO
Esta pesquisa-ação procura compreender as contribuições de um
programa de mentoria baseado na aprendizagem colaborativa para o
desenvolvimento profissional e do raciocínio clínico de terapeutas
ocupacionais em início de carreira, sustentada pelo referencial teórico-
metodológico da epistemologia da prática profissional, do raciocínio
narrativo e da comunidade de aprendizagem. A intervenção da pesquisa
caracterizou-se pela participação em um grupo de aprendizagem
colaborativa, composto por seis terapeutas ocupacionais iniciantes, duas
terapeutas ocupacionais experientes, e pela mentora-pesquisadora; além da
produção de diários reflexivos pelas profissionais iniciantes. Os dados
provenientes das transcrições dos encontros do grupo e das narrativas
escritas nos diários foram submetidos a três etapas de análise: uma análise
temática e do processo de desenvolvimento dos temas; uma análise das
transformações nos modos de trabalhar no grupo em uma linha do tempo;
e a análise dos processos reflexivos evidenciados nas narrativas escritas. Os
resultados procuram elucidar aspectos relacionados à configuração do
trabalho colaborativo ao longo do tempo, indicando momentos-chave de
mudanças caracterizados pela elaboração aberta e honesta dos conflitos e
pela construção de relações de confiança, permitindo a explicitação do não-
saber e a possibilidade de trabalhar sobre a tensão essencial entre ser
terapeuta ocupacional e a assistência em terapia ocupacional. As
negociações e elaborações centradas no primeiro pólo abarcaram dilemas
relacionados à competência profissional no início da carreira, ao trabalho na
saúde mental, às questões de identidade profissional e às negociações com
os contextos institucionais. As produções em torno do segundo pólo
evidenciaram a construção de uma assistência que se contrapõe ao modelo
biomédico, e a apropriação de conceitos teóricos que sustentam a ação do
terapeuta ocupacional no manejo da relação terapeuta-paciente-atividades.
Além disso, os resultados referentes à análise dos processos reflexivos
evidenciados nas narrativas escritas, tomados como processos de raciocínio
clínico, suscitaram diferenças em relação à literatura da área, indicando que
o raciocínio procedimental esteve voltado para a dinâmica da relação
triádica, em um agir intencional para a construção de histórias terapêuticas;
além disso, os resultados evidenciaram relações entre o raciocínio de
diagnóstico situacional e o raciocínio condicional, no esforço de
compreender o paciente em sua vida cotidiana, suas condições sociais e
emocionais em uma cultura. Neste sentido, é possível localizar esta
pesquisa-ação como uma investigação que transita no universo da formação
e da prática profissional, e que congrega resultados voltados para ampliar a
discussão sobre como processos colaborativos podem ser meios potentes
para disparar atitudes investigativas capazes de sustentar uma
aprendizagem voltada para o desenvolvimento do terapeuta e de sua
prática. Ao colocar a terapia ocupacional como objeto de estudo e os
terapeutas ocupacionais como sujeitos capazes de produzir conhecimentos
sobre a prática, esta pesquisa também se deparou com resultados que,
além de elucidarem aspectos constitutivos de uma assistência centrada no
sujeito-alvo, também oferecem parâmetros para discussões e novas
pesquisas interessadas em construir conhecimentos que possibilitem
maiores e melhores sustentações para o que fazemos.
Palavras-chave: Terapia Ocupacional. Aprendizagem Colaborativa.
Desenvolvimento Profissional. Raciocínio Clínico. Profissional Reflexivo.
ABSTRACT
This action-research tries to reveal the contributions of a mentorship
program focused on collaborative learning to improve professional
development and clinical reasoning of occupational therapists in the
beginning of the career, supported by the epistemology of practical
rationality, narrative reasoning and learning community framework. The
intervention included the participation on a collaborative group of six
beginner occupational therapists, two experienced occupational therapists,
and the mentor-researcher, and the writing of reflective journals by the
beginner professionals. The information provided by the transcriptions of
the group meetings and by the reflective journals was submitted to a three-
stage study: an analysis of the themes and their development; an analysis
of the transformations of the modus operandi of the group in a timeline;
and a final analysis of the reflective processes that showed up in the written
narratives. The results reveal dynamical aspects of the collaborative work
and indicate mutation points characterized by an open and honest
treatment of the conflicts and by the building of mutual confidence, allowing
the recognition of the doubts and enabling negotiation on the essential
tension between being an occupational therapist and the practice of
occupational therapy. The negotiations and constructs centered around the
first pole involved dilemmas related to the professional competence in the
beginning of the carrier, to the work in mental health, to the questions
regarding professional identity and to the negotiations with institutional
contexts. The production related to the second pole highlighted the
construction of an assistance that contrasts with the biomedical model and
the appropriation of theoretical concepts that sustain the practice of the
occupational therapist regarding the triadic relation therapist-patient-
activities. Besides that, the results of the reflexive processes revealed in the
journals and viewed as clinical reasoning processes were interpreted
differently of the literature, indicating that the procedural reasoning was
aiming to the dynamics of the triadic relationship, in an intentional practice
of creating therapeutic histories. Moreover, the results also highlighted
relations between the situational diagnostic reasoning and the conditional
one, reflecting an effort to view the patient in his/her daily life and culture-
molded social and emotional conditions. Given this context, it is possible to
view this research-action as an investigation embedded in the universe of
professional formation and practice, and that gathers results that amplify
the discussion of how powerful collaborative processes are in boosting
investigative attitudes capable of sustaining the learning that care to the
development of the therapist and his/her practice. By placing occupational
therapy practice as a study subject and occupational therapists as agents
capable of generating knowledge about it, this research revealed results
that, besides highlighting constitutive aspects of a client-centered care, also
indicates new directions to forthcoming further studies to strength the
foundations of occupational therapy practice.
Key-words: Occupational Therapy. Collaborative Learning. Professional
Development. Clinical Reasoning. Reflective Professional.
LISTA DE QUADROS
QUADRO 01 Objetivos da pesquisa e da intervenção 30
QUADRO 02 Projeto do grupo como Comunidade de
Aprendizagem - Engajamento
52
QUADRO 03 Projeto do grupo como Comunidade de
Aprendizagem - Imaginação
52
QUADRO 04 Projeto do grupo como Comunidade de
Aprendizagem - Alinhamento
53
QUADRO 05 Desenvolvimento dos temas ao longo dos 18
encontros do grupo
64
QUADRO 06 Modelo de formação de uma comunidade
profissional de professores
66
QUADRO 07 Resumo dos três primeiros encontros do grupo 76
QUADRO 08 Resumo do quarto e do quinto encontros do
grupo
81
QUADRO 09 Resumo do sexto, sétimo e oitavo encontros do
grupo
85
QUADRO 10 Resumo do nono e do décimo encontros do
grupo
89
QUADRO 11 Resumo do décimo primeiro, décimo segundo e
décimo terceiro encontros do grupo
93
QUADRO 12 Resumo do décimo quarto, décimo quinto e
décimo sexto encontros do grupo
96
QUADRO 13 Resumo do décimo sétimo encontro do grupo 100
QUADRO 14 Resumo do décimo oitavo encontro do grupo 102
QUADRO 15 Palavras e radicais da classe 2 da análise das
transcrições dos encontros do grupo feita pelo
programa ALCESTE
121
QUADRO 16 Estágios do desenvolvimento e características
do raciocínio clínico na prática de terapia
ocupacional
128
QUADRO 17 Palavras e radicais da classe 1 da análise das
transcrições dos encontros do grupo feita pelo
programa ALCESTE
135
QUADRO 18 Palavras e radicais da classe 3 da análise das
transcrições dos encontros do grupo feita pelo
programa ALCESTE
198
QUADRO 19 Repetição do Quadro 16 - Estágios do
desenvolvimento e características do raciocínio
clínico na prática de terapia ocupacional
210
QUADRO 20 Diferentes aspectos do raciocínio clínico em
Terapia Ocupacional
212
QUADRO 21 Palavras e radicais da classe 1 da análise dos
diários das terapeutas ocupacionais iniciantes
feita pelo programa ALCESTE
215
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 01 Linha do tempo do grupo, encontros 01 a 10 74
FIGURA 02 Linha do tempo do grupo, encontros 11 a 18 75
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ATOESP
CAPS
Associação dos Terapeutas Ocupacionais do Estado
de São Paulo
Centro de Atenção Psicossocial
CETO Centro de Especialidades em Terapia Ocupacional
MTOD Método Terapia Ocupacional Dinâmica
PROESQ
UFSCar
Programa de Esquizofrenia da Escola Paulista de
Medicina da UNIFESP
Universidade Federal de São Carlos
UNIFESP Universidade Federal de São Paulo
USP Universidade de São Paulo
SUMÁRIO
1 Introdução 16
2 Metodologia 28
3 Sobre a responsabilidade coletiva para o crescimento
individual
68
4 Sobre ser terapeuta ocupacional 124
5 Sobre a assistência em terapia ocupacional 163
6 Sobre a investigação do raciocínio clínico 205
7 Considerações Finais 233
8 Referências 241
APÊNDICE A – Exemplo de crônica do grupo 253
APÊNDICE B Excertos do nono e do décimo primeiro diários
de Clarice
267
APÊNDICE C – Excertos do décimo diário de Mariana 271
ANEXO A – Parecer do Comitê de Ética em Pesquisa 273
ANEXO B – Termo de consentimento pré-informado 274
ANEXO C Parte do relatório da análise das transcrições dos
encontros do grupo de aprendizagem colaborativa feita pelo
programa computacional ALCESTE
275
16
1 INTRODUÇÃO
Embora meu interesse em investigar a prática profissional em Terapia
Ocupacional seja visível desde a formação inicial (MARCOLINO e PALHARES,
2000; MARCOLINO, 2001), foi com a formação clínica no Método Terapia
Ocupacional Dinâmica MTOD, pelo Centro de Estudos de Terapia
Ocupacional CETO
1
, que pude estabelecer conexões mais claras e férteis
entre a experiência vivida na clínica e a possibilidade de investigação e
produção de conhecimento (MARCOLINO, 2003). A posição do CETO, nas
palavras de Benetton (2008), é a de colocar a terapia ocupacional
2
os
procedimentos técnicos e de conduta ética necessários para exercer a
profissão Terapia Ocupacional como objeto de estudo, e isto indica que o
conhecimento produzido tem que ser relevante para a prática.
Benetton (2005) situa este modo de produzir conhecimento
apoiando-se nas construções sobre as ciências modernas feitas por
Stengers (2002), de que a incerteza é a marca das ciências de campo, e
que para compreender o objeto é o sujeito quem precisa inventar modos de
investigar capazes de reunir indícios e identificar relações que tornem o
objeto inteligível. O que diferencia esta inteligibilidade de uma opinião
qualquer e não a deixa vulnerável a qualquer opinião embora crie espaço
para a vulnerabilidade é a possibilidade de pôr à prova de terceiros este
modo de investigar. A terapia ocupacional (prática), posta como objeto de
estudo, implica o terapeuta ocupacional (estudioso) na invenção de práticas
de investigação que ofereçam possibilidades (abertas ao risco) de
apreensão/compreensão “das condições humanas de intervenções, na
ocorrência de uma terapia ocupacional” (BENETTON, 2005, p. 6), dos
fenômenos relativos ao saber fazer acerca da terapia ocupacional. A terapia
ocupacional é ‘feita existir’ pelo terapeuta ocupacional que investiga, e este
modo de conhecer é diferente daquele que pretende provar uma existência.
Esta proposta de produção de conhecimento demanda uma prática de
pesquisa para apreender e compreender uma outra prática, de cuidado.
Esta experiência de cuidar é produzida por terapeutas ocupacionais, o que
os torna indissociáveis de qualquer investigação.
1
Hoje o CETO é o Centro de Especialidades em Terapia Ocupacional.
2
Adotarei a grafia sugerida por Benetton (1994, 2008): Terapia Ocupacional, com letras maiúsculas,
indica a profissão, e terapia ocupacional, com letras minúsculas, indica os procedimentos técnicos.
17
Desde a pesquisa de mestrado, cujo foco foi a investigação de
procedimentos educativos na assistência em terapia ocupacional, venho
construindo um modo de pesquisar centrado na experiência vivida pelos
profissionais, naquilo que é possível ser explicitado sobre suas
compreensões, crenças, intenções e dilemas para conduzir os processos
terapêuticos, em particular, e seu trabalho, de modo geral que nesta
pesquisa será ampliado também para um modo de formação.
Nesta construção, o primeiro pressuposto é a valorização da
experiência do profissional e de seus conhecimentos produzidos em
contexto, encontrado na epistemologia da racionalidade prática de Donald
Schön (1983). Esta epistemologia se contrapõe a uma abordagem exclusiva
de racionalidade cnica que coloca a atividade profissional como resultado
da aplicação de teorias e técnicas científicas na resolução de problemas
instrumentais da prática, ignorando ou mesmo violando a experiência. Não
há aqui uma defesa de que ciência e técnica são irrelevantes para a prática,
mas uma compreensão de que grande parte dos problemas práticos não
responde à aplicação direta do conhecimento técnico-científico (KINSELLA,
2007b), pois estão imersos em situações complexas repletas de incertezas,
singularidades e conflito de valores.
Outros dois pressupostos, também encontrados em Schön (1983,
2000), são a necessidade do processo de reflexão na construção de
sentidos sobre a experiência, e o caráter tácito sobre o qual ela é
construída.
Quando o profissional está diante de zonas indeterminadas da prática
situações inesperadas, confusas, que lhe causam surpresa, seja ela boa
ou não – ele se envolve em um processo reflexivo para tentar compreender
o problema (problem setting), nomeá-lo e estruturá-lo, e inicia uma
negociação talentosa (artistry) com a situação. Ao referenciar-se no
trabalho de Michael Polanyi e Gilbert Ryle (KINSELLA, 2007a), Schön
(1983, 2000) sustenta que este processo é tácito e envolve tanto o uso de
estruturas implícitas teorias em uso na prática e modelos normativos de
realidade que guiam a construção da realidade pelo profissional, onde e
em quê ele centra seu olhar; como um saber-na-ação, um saber-como que
é revelado no fazer, em situações em que não tempo para refletir e
ponderar sobre como agir. Todo este conhecimento cito é essencial para
a prática profissional diária e mesmo quando o profissional utiliza teorias e
18
técnicas científicas de maneira consciente, depende dele para seus
julgamentos e ações.
O processo de reflexão impulsiona o profissional a se tornar mais
consciente do que é tácito, perceber melhor sua prática, avaliar suas ações
e redefinir seus significados, descobrir se seus referenciais estão coerentes
com suas crenças e compreensões pessoais, e amesmo produzir novos
conhecimentos a partir dessas reflexões. Ele pode ser um processo mais
imbricado no fazer, embodied reflection segundo Kinsella (2007b), um
pensar-fazer que acontece no momento da ação, nomeado por Schön
(1983) de reflexão na ação, bem como ser um processo mais intencional,
uma forma rigorosa de pensar atrelada ao fazer, após a ocorrência da ação,
reflexão sobre a ação, e que demanda uma ação conseqüente
qualitativamente diferente de uma ação rotineira (RODGERS, 2002).
Neste último, Schön (1983) apóia-se nas proposições de John Dewey
(KINSELLA, 2007b; RODGERS, 2002) ao definir este modo de reflexão como
um meio de propiciar a produção de sentidos sobre a experiência, para
atribuir valores aos eventos da vida. A reflexão aqui se torna um processo
de fazer-significar que conduz o sujeito de uma experiência para outra, e
propicia uma maior compreensão das relações que se estabelecem com
outras experiências e idéias, criando assim uma condição de continuidade
da aprendizagem.
Entretanto, este movimento de tornar explícito o que tem caráter
tácito, que é dinâmico e difícil de ser apreendido, sempre é uma
construção, como interpretações parciais que representam tentativas de
impor alguma estabilidade ao processo dinâmico que é conhecer-na-ação
(KINSELLA, 2007a)
Na tentativa de investigar esta efemeridade e dinamismo dos
pensamentos e das ações da experiência vivida, a narrativa se apresenta
como outro componente de nossa prática de investigação. Clandinin e
Connely (2000) consideram o estudo da narrativa como um modo de
investigar a forma como os seres humanos experimentam o mundo, e
nomeiam a narrativa tanto fenômeno, as histórias ou os relatos das
experiências vividas que têm sua efemeridade fixada no texto, como
método de investigação, uma forma de caracterizar os fenômenos da
experiência humana. Entretanto, cabe aqui uma pergunta anterior sobre
19
em qual sentido podemos considerar que a narrativa é sobre a experiência
vivida?
Para esta questão, considero as elaborações da antropóloga Cheryl
Mattingly (1998), encontradas em seu estudo da prática de terapeutas
ocupacionais na pesquisa sobre raciocínio clínico em Terapia Ocupacional
3
,
bastante apropriadas e instigantes. Esta autora foi tomada pela questão da
narrativa, pois se deparou com terapeutas ocupacionais usando a narrativa
como uma forma de raciocínio, um modo de perceber e estruturar o
problema clínico (problem setting), organizar seu pensamento para a ação
futura. Neste sentido, a narrativa estava mais implicada com ações futuras
do que com o narrar de eventos passados, levando-a a considerar seu papel
na criação da experiência.
Para Mattingly (ibidem), na medida em que as histórias envolvem
ação e experiência são sempre sobre alguém tentando fazer alguma
coisa e as conseqüências disso para essa pessoa e para outras – é possível
compreender as histórias não somente como referência à experiência
passada, mas identificando-as na estrutura própria da ação, em uma
função organizadora.
A organização que a narrativa oferece à ação está relacionada
diretamente ao sentido de finalidade que desejamos imprimir às nossas
ações. Neste sentido, a vida vivida não é caracterizada como uma sucessão
de eventos sem forma, uma seqüência bruta no tempo, mas é construída
através de fazer determinadas coisas para que determinados fins
aconteçam e outros não, “ao invés da ação preceder as histórias, as
histórias precedem e nos ajudam a tornar a ação coerente” (MATTINGLY,
1998, p. 33, tradução nossa). As ações, então, podem ser aqui
compreendidas como “começos”, pois quando estamos no meio da
experiência não nos é possível conhecer suas conseqüências, e estabelecer
seus sentidos.
Embora na antropologia médica, uma das compreensões mais
comuns da narrativa se relacione à necessidade de se estabelecer
coerência à desorganização que a doença imprime na vida das pessoas,
esta não é a característica principal da relação entre narrativa e
experiência encontrada em Mattingly (ibidem), e assumida neste trabalho.
3
The Boston Clinical Reasoning Study, pesquisa financiada pela Associação Americana de Terapia
Ocupacional (AOTA) e pela fundação Americana de Terapia ocupacional (AOTF), realizada no final da
década de 1980.
20
Mas sim, a qualidade do drama na narrativa, que a aproxima do fato da
vida estar sempre em suspense, em que o inesperado pode acontecer a
qualquer momento, e que nossas ações vão sendo construídas numa
negociação entre a história que desejamos construir e o que realmente
acontece.
Deste modo, ao narrar e refletir sobre nossa experiência passada, é
possível uma leitura mais complexa do modo como esta experiência foi
construída, uma leitura que a aproxime da estrutura narrativa de uma
trama. O conceito de trama, referenciado no filósofo Aristóteles
(ARISTÓTELES, 1970 citado em MATTINGLY, 1998), é o de um todo
compactado com começo, meio e fim, que coloca os eventos não como
uma seqüência temporal uma coisa depois da outra mas como uma
estrutura atemporal e causal em que uma coisa acontece por causa de
outra coisa.
Os sentidos desta causalidade, das conexões entre ões, motivos e
conseqüências, repousam em outro lugar, que não na experiência vivida
em si. Mattingly (ibidem) propõe que o desvelar do sentido emergente
precisa de uma teoria capaz de reconhecer o lugar dos roteiros culturais, e
também a importância dos contextos imediatos; a importância do papel do
discurso, mas prestar atenção à ação não-verbal; os sentidos públicos
compartilhados por um grupo cultural, mas também oferecer meios para
interpretar os sentidos privados, a paisagem interna dos motivos, desejos,
crenças e emoções particulares.
Ao particularizar estas relações entre narrativa e experiência para
investigação da prática na Terapia Ocupacional, Mattingly (1998) situa as
ações do terapeuta ocupacional em uma terapia em suspense, e oferece
elementos para compreender a complexidade da prática terapêutica de
uma perspectiva fenomenológica, que se afasta do discurso biomédico do
cuidado de doenças.
Os terapeutas ocupacionais estão preocupados em ajudar seus
pacientes a construírem experiências significativas que os coloquem de um
modo diferente diante de suas vidas. Essa mudança implica em deixar uma
posição passiva diante de uma vida interrompida pelo advento de uma
doença, deficiência ou outra situação, enquanto compromisso com uma
história a ser construída, para assumir uma posição ativa, que o implique
na criação de novas possibilidades de “fazer como projeto para o ser”,
21
como coloca Benetton (2006). Neste sentido, “o terapeuta trabalha para
fazer a terapia um tempo que é sobre um ‘tornar-se’, sobre transformação”
(MATTINGLY, 1998, p. 64), e este tempo clínico é um tempo narrativo.
Uma tarefa inicial do terapeuta ocupacional, e que se mantém
durante todo o processo terapêutico, é a de interpretar as ações e o mundo
de valores, crenças e expectativas do paciente e colocar estas observações
e informações em uma história que faça sentido. Neste processo, uma
imagem do paciente é criada no presente, e também uma imagem
prospectiva de futuro, como um todo compactado passado-presente-
futuro, através da qual o terapeuta vislumbra aonde o paciente pode
chegar.
A imagem prospectiva também se ajusta ao longo do processo, e
oferece um sentido de finalidade, uma direção para a história desejada que
se pretende criar. Esta história desejada ajuda a dar coerência às ações do
terapeuta ocupacional, e mesmo sendo atos isolados, assumem um sentido
ao pertencer ao todo da trama. Esta operação de colocar em uma trama os
eventos que ocorrem durante o processo terapêutico foi nomeada por
Mattingly (ibidem) de entrelaçamento terapêutico.
Entretanto, isso também deixa os terapeutas ocupacionais em uma
posição vulnerável em relação a uma disjunção entre o que desejam e a
história que realmente se desenovela. Os sentidos são instáveis, e vão
sendo construídos em uma negociação existencial, altamente retórica por
parte do terapeuta, sobre o sentido da doença, o lugar da terapia dentro
da história da doença que se desenovela, e o sentido da vida que deve ser
reconstruída diante da doença grave” (MATTINGLY, ibidem, p. 20-21,
tradução nossa).
Os pacientes são chamados a oferecer um sentido de começo para
uma história de poder social que possibilite a ação, para ir ao encontro do
que realmente importa na vida. Para que a terapia tenha sucesso, paciente
e terapeuta têm que se ver em uma mesma história, o que implica no
desejo, por parte do paciente, de construir alguma nova vida, na qual o
terapeuta possa investir muitas vezes o próprio foco da terapia é a
criação deste desejo. Deste modo, a narrativa é chamada não somente
como possibilidade de dar coerência ao caos vivido pela interrupção da
história de vida antiga, mas principalmente pela necessidade de localizar o
desejo.
22
Neste caminho, os terapeutas ocupacionais solicitam que os
pacientes se envolvam em atividades e exercícios, que vão além do
oferecimento de assistência técnica na construção de habilidades, mas que
se colocam como meios para a criação de experiências significativas.
Mattingly (1998) se apóia na tradição hermenêutica do filósofo Gadamer
para compreender as experiências significativas como experiências
poderosas que envolvem um senso de unidade, de que algo ocorreu e é
diferente do tempo sem marcas. Esta experiência não é recebida
passivamente, mas é ativamente construída.
Ao agir podemos vir a decidir que aqueles fins que
desejamos não são tão desejados depois de tudo e muda
nossa orientação teleológica em favor de um futuro
diferente (MATTINGLY, ibidem, p. 93, tradução nossa)
Os terapeutas ocupacionais parecem dar mais valor à trilha
percorrida ao longo do processo de tratamento, aos eventos de
transformação ao longo do caminho, do que a uma lista de objetivos
atingida.
Nesta trilha, o inesperado é algo comum, pois as coisas mudam de
modo diferente do que o terapeuta ocupacional e o paciente anteciparam,
e uma das habilidades profissionais mais valorizadas é a capacidade de
agir no improviso. Esta característica levou Mattingly (ibidem) a diferenciar
a terapia ocupacional de um ritual de cura, nos moldes antropológicos.
O processo terapêutico em terapia ocupacional pode ser considerado
um ritual enquanto um tempo de transformação, mas não possui a
diferenciação do cotidiano que o ritual demanda. Na terapia ocupacional a
ação terapêutica é uma mistura entre o simbólico e o técnico, pois a
mesma ação ‘conta’ nos dois domínios, é “esta proximidade da terapia
ocupacional do cotidiano que oferece às intervenções suas possibilidades
simbólicas” (MATTINGLY, ibidem, p. 165, tradução nossa). E a mensagem
simbólica oferecida é a que as pessoas são capazes de fazer a transição de
pacientes para membros da sociedade. Além disso, o estilo altamente
improvisado de trabalho separa a terapia ocupacional da mágica ritual, em
que as determinadas coisas têm que ser feitas, pois a eficácia da trama
terapêutica repousa justamente no abandono de qualquer estrutura pré-
formulada.
23
Por fim, cabe ressaltar o caráter altamente social de todo este
processo, pois ao olhar para as experiências pessoais de transformação,
podemos perder de vista a natureza social e orientada para a ação que
tanto a experiência como o contar histórias oferecem. A experiência é aqui
compreendida como algo que é social, construída pelas interações, mas
que, o que quer que seja público, não possui a estabilidade de um fato
social.
Deste modo, inicio a investigação da prática em terapia ocupacional
apoiada em um corpo teórico-metodológico constituído pelas conexões
estabelecidas entre a importância da experiência na produção de
conhecimento sobre a prática; o processo reflexivo na produção de
sentidos sobre a experiência e meio para a continuidade da aprendizagem
e transformação da prática; a narrativa como ferramenta que permite o
acesso à experiência (que é sobre) na medida em que aproxima as
características narrativas do drama e do suspense na compreensão e na
criação das experiências; e a compreensão do processo de terapia
ocupacional do ponto de vista fenomenológico.
A construção da questão de pesquisa
Ao trilhar minha formação em pesquisa em Educação,
especificamente na área de processos de ensino e de aprendizagem
voltados para formação profissional, deparei-me com questões pertinentes
a este campo e que tinham implicações diretas na produção de
conhecimento para o campo da Terapia Ocupacional.
Uma destas implicações está relacionada à aprendizagem da prática
profissional como um processo de aprendizagem situada, de
experimentações no mundo da prática, mediadas por um profissional
experiente, seja ele um professor, mentor/tutor ou supervisor (FONE,
2006; LAVE; WENGER, 1991; LORENZO et al., 2006; MILNER; BOSSERS,
2005; SANGOLE; ABREU; STEIN, 2006; WILDING; MARAIS-STRYDOM;
WIMPENNY et al., 2006). Este modo de aprendizagem, bastante em voga
atualmente na reformulação dos cursos de nível superior no Brasil,
principalmente na área da Saúde (ALMEIDA; FEUERWERKER; LLANOS,
1999), implica em uma mudança nas relações hierárquicas entre teoria e
prática. O conhecimento teórico não precisa ser oferecido previamente,
24
para depois ser aplicado na prática, mas a aprendizagem deve abarcar a
aquisição conjunta de teoria e prática, posição também sustentada pela
epistemologia da prática de Donald Schön (1983, 2000).
Estas mudanças também têm se incorporado à formação inicial em
Terapia Ocupacional (BAPTISTE, 2003; DRUMMOND, 2007a; LORENZO et
al., 2006). Entretanto, ao refinar meu interesse na pesquisa, pude
identificar que ele estava voltado para as relações entre produção de
conhecimento sobre a prática e continuidade da aprendizagem profissional
após o período de graduação.
Uma das maneiras de continuar o processo de aprendizagem
profissional se dá através da busca por atividades de educação continuada,
compreendidas como eventos educacionais formais ou informais ao longo
da carreira profissional (ANDERSEN, 2001; HAHN, 2000; HOLLIS, 1991;
KINSELLA, 2001; ROBERTS, 2002; SCHEMM; BROSS, 1995; WELCH;
DAWSON, 2006). No Brasil, Hahn (2000), Lopes (1999) e Mângia (1990)
pontuam que esta busca origina-se de percepções dos profissionais sobre
carências na formação anterior; de lacunas entre a articulação teoria-
prática, principalmente em situações de assistência concreta em serviços
públicos; e por se depararem com situações de difícil manejo.
As principais atividades educacionais procuradas são os cursos de
pós-graduação, como especializações, aprimoramentos e residências;
grupos de estudo; supervisões clínicas; e cursos de aperfeiçoamento
(HAHN, 2000; LOPES, 1999; ROBERTS, 2002). Em alguns países, como no
Canadá, Inglaterra e Austrália (MILNER; BOSSERS, 2005; MORLEY, 2007;
WILDING; MARAIS-STRYDOM, 2002), os programas de mentoria, em que
um profissional mais experiente guia/orienta profissionalmente um
profissional menos experiente, são oferecidos com muita regularidade, por
associações profissionais, universidades ou empresas.
Entretanto, as práticas de supervisão sempre foram as estratégias
mais utilizadas para o ensino da prática clínica, tanto na formação inicial, no
período dos estágios (AIKEN; MENAKER; BARSKY, 2001; HAGEDORN e
ADAMS, 2006; HAHN, 1990), como na formação continuada, oferecida em
programas formais, principalmente para profissionais em início de carreira
(HAHN, 2000; HUMMELL e KOELMEYER, 1999; MCINSTRY, 2005; PARKER,
1991; SWEENEY; WEBLEY; TREACHER, 2001a; 2001b; 2001c) e também
25
informalmente quando os profissionais se deparam com situações de difícil
manejo clínico (HAHN, 2000).
A literatura estudada localiza a supervisão como uma estratégia
voltada para o desenvolvimento profissional de modo geral, não somente
restrito aos aspectos da assistência aos pacientes (FONE, 2006; WIMPENNY
et al, 2006; HAGEDORN; ADAMS, 2006), e alguns trabalhos o
estabelecem diferenças entre mentoria e supervisão (MILNER e BOSSERS,
2004, 2005). Entretanto, no Brasil, o principal objetivo da supervisão
parece estar voltado para o desenvolvimento de habilidades de manejo e
raciocínio clínico, sendo o desenvolvimento profissional um subproduto
deste processo.
Neste sentido, com a intenção de construir uma proposta de pesquisa
que nos possibilitasse a investigação de um processo de formação
continuada e da prática profissional em terapia ocupacional em todos os
seus aspectos, delineamos um programa de mentoria para profissionais em
início de carreira. Esta proposta apoiou-se na prerrogativa da formação de
terapeutas ocupacionais que, no processo de reflexão sobre sua prática,
desenvolvessem atitudes investigativas que pudessem disparar processos
de produção de conhecimentos sobre a prática.
Além disso, ao considerar que a aprendizagem da prática profissional
pode ser potencializada se for assentada sob um processo coletivo e
colaborativo que ofereça direcionamentos para a reflexão e aprendizagem
(ALSOP, 2002; TANCREDI; REALI; MIZUKAMI, 2005; TREMBLAY;
TRYSSENAAR; JUNG, 2001; WILDING; MARAIS-STRYDOM, 2002), nosso
programa de mentoria baseou-se em uma proposta de relacionamento
colaborativo entre profissionais iniciantes e experientes, focado na
mutualidade, no valor da interdependência e da aprendizagem recíproca
(JOHNSON; GEROY; GRIEGO, 1999; SANGOLE; ABREU, STEIN, 2006;
TANCREDI, REALI e MIZUKAMI, 2005; TOAL-SULLIVAN, 2006; WANG e
ODELL, 2002). Nesta direção, elegemos o referencial da Comunidade de
Aprendizagem, de Ethiènne Wenger (1998), segundo o qual a
aprendizagem é considerada resultado da negociação de significados entre
pessoas engajadas em um empreendimento comum.
Outro fator relevante na construção de nossa pesquisa abarcou o
continuum de desenvolvimento profissional (DREYFUS E DREYFUS, 1986),
composto por vários estágios de desenvolvimento que os profissionais
26
percorrem ao longo da carreira, como novato, iniciante avançado,
competente, proficiente e expert. Em Terapia Ocupacional há algumas
sistematizações baseadas neste referencial e que indicam diferentes
habilidades de raciocínio clínico processo usado pelos profissionais para
planejar, dirigir, conduzir e refletir sobre o cuidado do cliente e de
raciocínio profissional quando o foco do pensamento está voltado para
outras questões que envolvem a prática profissional nos diferentes estágios
de desenvolvimento ao longo da carreira (SCHELL, 2002; SCHELL, SCHELL,
2008). Deste modo, partimos do pressuposto de que características
comuns encontradas em profissionais menos e mais experientes, e que
uma direção a seguir no que se refere à aprendizagem da prática,
entretanto, como não se compreende ao certo como se a passagem de
um estágio para outro, preferimos deixar esta questão como um guia mais
geral ao invés de nos debruçarmos sobre as diferentes categorias como
ponto de partida.
Diante desta perspectiva, foi possível construir uma questão de
pesquisa voltada para a investigação sobre como processos colaborativos
de aprendizagem podem contribuir para o desenvolvimento do raciocínio
clínico e profissional de terapeutas ocupacionais em início de carreira.
Como pretendíamos investigar um processo educacional colaborativo,
optou-se pela pesquisa-ação. Deste modo, a intervenção da pesquisa
caracterizou-se por um Programa de Mentoria, composto pela participação
de profissionais iniciantes e profissionais experientes em um grupo de
aprendizagem colaborativa, e pela produção de diários reflexivos sobre a
prática feita pelas profissionais iniciantes, acompanhadas individualmente
por mim, como mentora-pesquisadora.
O delineamento da pesquisa-ação, incluindo as estratégias para a
análise dos dados, está descrito no segundo capítulo. Os resultados da
pesquisa foram organizados em quatro partes, do terceiro ao sexto
capítulo. O terceiro capítulo engloba os resultados referentes às
transformações nos modos de trabalhar no grupo em direção à
aprendizagem colaborativa. O quarto e o quinto capítulos apresentarão os
temas conversados no grupo e as construções colaborativas sobre ser
terapeuta em início de carreira e sobre a assistência em terapia
ocupacional, respectivamente. Além disso, como venho trabalhando, desde
o mestrado, na investigação dos processos reflexivos como expressões do
27
raciocínio clínico, foi possível realizar algumas análises centradas nos
diários reflexivos das participantes e tecer algumas considerações
interessantes sobre esta questão e que serão apresentadas no sexto
capítulo. As considerações finais do trabalho serão apresentadas no sétimo
capítulo.
Deste modo, procuramos construir uma estrutura teórico-
metodológica de pesquisa-ação preocupada em evidenciar aspectos que
pudessem promover discussões acerca de processos de formação
profissional sustentados na aprendizagem colaborativa e na negociação das
tensões inerentes ao desenvolvimento profissional de terapeutas
ocupacionais em início de carreira e à prática em terapia ocupacional.
28
2 METODOLOGIA
Esta investigação tem o formato metodológico de uma pesquisa-ação
colaborativa, pois é uma modalidade de investigação qualitativa interessada
na produção de conhecimentos sobre a prática bem como em seu
aprimoramento. É construída a partir dos critérios da pesquisa acadêmica,
embora a metodologia deva ser subserviente à prática. Caracteriza-se por
ser participativa, no sentido de incluir todos os envolvidos (pesquisadores e
participantes), e colaborativa em seu modo de trabalhar (MIZUKAMI et al.,
2002; TRIPP, 2005). Embora não possa perder de vista esta perspectiva,
André (2006) ressalta que este tipo de pesquisa demanda o cuidado de não
valorizar excessivamente o pragmatismo imediato das demandas da prática
profissional em detrimento do rigor e da qualidade que a pesquisa exige.
Nesta direção, a questão de pesquisa que norteou o trabalho foi
construída de modo a abarcar estas duas faces da pesquisa-ação.
Quais as contribuições de um programa de mentoria,
baseado na aprendizagem colaborativa, para o
desenvolvimento profissional e do raciocínio clínico de
terapeutas ocupacionais em início de carreira?
Além do objetivo geral de compreender as possibilidades de um
programa de mentoria, com foco na aprendizagem colaborativa, para o
desenvolvimento profissional e do raciocínio clínico de terapeutas
ocupacionais iniciantes, foi possível delinear outros objetivos específicos,
decorrentes da questão principal, e que podem ser assim listados:
1. Compreender como se configura o processo de aprendizagem
colaborativa ao longo do tempo, nas inter-relações entre as
diferentes ferramentas formativo-investigativas (grupo, diários e
feedback);
2. Compreender quais os principais dilemas e as principais demandas
dos iniciantes ao longo do processo de mentoria;
3. Identificar o que é possível apreender sobre da prática em terapia
ocupacional através desse processo;
4. Identificar o que é possível apreender sobre processos de raciocínio
clínico através desse processo.
29
Esta modalidade de pesquisa implica a realização de uma intervenção
que, neste estudo, foi organizada em um programa de mentoria, composto
por um grupo de aprendizagem colaborativa, com a participação de seis
terapeutas ocupacionais (participantes da pesquisa), alunas do segundo ano
do curso de especialização em Terapia Ocupacional em Saúde Mental, do
Departamento de Psiquiatria da Escola Paulista de Medicina, da
Universidade Federal de São Paulo, por mim, como mentora-pesquisadora,
e por outras duas terapeutas ocupacionais experientes, professoras-
supervisoras do curso de especialização, Cecília Cruz Villares e Tatiane Luize
Ceccato. O programa também envolveu a produção de diários reflexivos
sobre a prática pelas participantes e de devolutivas dos diários ou feedback,
feitas por mim, com a intenção de favorecer o processo reflexivo e a
investigação da prática, em direção à sua melhoria.
Neste sentido, pesquisa e intervenção possuem objetivos diferentes
que precisam caminhar conjuntamente para que o trabalho de investigação
sobre a prática se constitua. Estes objetivos estão apresentados no Quadro
01, na página 28.
Aspectos éticos foram respeitados, como a submissão do projeto a
um Comitê de Ética em Pesquisa e sua respectiva aprovação (ANEXO A), e
a não-identificação dos participantes da pesquisa, como garantido no termo
de consentimento livre e esclarecido (ANEXO B), que escolheram nomes
fictícios: Clarice, Fernanda, Isadora, Luiza, Mariana e Marisa. Além disso,
nomes fictícios e alterações de gênero foram estratégias utilizadas para
evitar a identificação de pacientes e membros da equipe citados pelas
participantes.
A seguir apresentarei as participantes e as colaboradoras da pesquisa
e o contexto em que elas estavam inseridas: o Curso de Especialização em
Terapia Ocupacional em Saúde Mental. Na seqüência, apresento a
composição das ferramentas utilizadas tanto para promover a formação
como para a coleta de dados da pesquisa.
30
Quadro 01 – Objetivos da Pesquisa e da Intervenção
OBJETIVOS DA PESQUISA
OBJETIVOS DA INTERVENÇÃO
1. Compreender como o programa de
mentoria, pode contribuir para o
desenvolvimento profissional e do raciocínio
clínico de terapeutas ocupacionais
iniciantes;
2. Compreender como se configura o
processo de aprendizagem colaborativa ao
longo do tempo, nas inter-relações entre as
diferentes ferramentas formativo-
investigativas;
3. Compreender quais os principais dilemas
e as principais demandas dos iniciantes ao
longo do processo de mentoria;
4. Procurar identificar o que é possível
apreender sobre da prática em terapia
ocupacional através desse processo;
5. Procurar identificar o que é possível
apreender sobre processos de raciocínio
clínico através desse processo.
1. Favorecer a discussão dos principais
dilemas e dificuldades trazidos pelos
participantes e a elaboração destas
questões de forma colaborativa;
3. Favorecer a troca entre os participantes e
discutir questões relacionadas à prática;
5. Favorecer a atitude investigativa sobre a
própria prática;
6. Discutir a literatura sobre prática
profissional, prática reflexiva, raciocínio
clínico, período de transição após a
formação inicial.
7. Discutir questões sobre a cultura
profissional e sua relação com a prática
cotidiana.
8. Auxiliar no desenvolvimento do raciocínio
clínico, de modo a incluir outras dimensões
(procedimental, narrativo, pragmático,
condicional) na construção do pensamento
sobre seus pacientes e suas estratégias de
ação.
As participantes da pesquisa: as terapeutas ocupacionais iniciantes
Como dito anteriormente, seis terapeutas ocupacionais iniciantes,
alunas do segundo ano de especialização em Terapia Ocupacional em Saúde
Mental da UNIFESP participaram como sujeitos da pesquisa. Todas haviam
acabado de sair da graduação quando começaram o curso de
especialização, e tinham entre 22 e 26 anos de idade no início da pesquisa.
Elas cursaram a formação inicial em três escolas distintas, nomeadas por
mim de: ESCOLA A, Instituição Privada de Ensino Superior, localizada na
região metropolitana de o Paulo; a ESCOLA B, Instituição Privada de
Ensino Superior localizada no interior do Estado de São Paulo; e ESCOLA C,
Instituição Pública de Ensino Superior, localizada no interior do Estado de
São Paulo.
Para melhor caracterizar estas terapeutas ocupacionais, considero
interessante apresentar a narrativa inicial feita por elas, logo no início de
nosso trabalho, para contar suas trajetórias profissionais. As narrativas
estão apresentadas na íntegra.
Clarice, 24 anos, formada pela ESCOLA A
“Meu primeiro contato com a profissão se deu quando estava
morando [em outro país] (1999) e um grupo de jovens deficientes foi
passar uma semana realizando diversas atividades na escola onde residia,
acompanhados por alguns profissionais e por estudantes de meu colégio
31
como voluntários. Ficava encantada e ao mesmo tempo intrigada com a
maneira pela qual os profissionais cuidavam desses jovens, era uma
maneira ao mesmo tempo acolhedora e um tanto cuidadosa, mas nada
paternalista.Quando estavam indo embora do local perguntei quais
profissionais compunham aquela equipe, e recebi como resposta:
terapeutas ocupacionais. Na hora, como nunca tinha escutado acerca da
profissão, deixei passar e não pergunteis muitos detalhes. Assim que
cheguei ao Brasil e estava na época de prestar vestibular, fui atrás de
alguns profissionais, na tentativa de uma melhor compreensão, e mesmo
não entendendo muito bem acabei prestando. Durante a graduação
também não consegui obter muitas respostas, não conseguia compreender
como uma mesma profissão, com seus procedimentos e estudos, poderia
estar atuando em tantas e diversas áreas, como psiquiatria, reabilitação
física, neurologia, geriatria, comunidades carentes. Eram tantas
possibilidades, que me deixavam confusas. Procurei logo de início, estágios
de observação, sempre na tentativa de compreender melhor onde eu estava
entrando. Foi a partir desses estágios que comecei, bem devagar a captar
um pouco mais da terapia ocupacional. Por toda a graduação, pensava em
trabalhar com neurologia infantil, fiz alguns estágios nessa área e não tinha
grandes dúvidas acerca dessa escolha, entretanto, ficava encantada e
também com uma sensação um tanto provocativa, durantes as aulas de
saúde mental, onde me deparava com a questão dos manicômios, da
reforma psiquiátrica. Nessas aulas, ministrada pela S. T., me seduzia muito
as concepções que ela trazia de Homem, doença, sociedade e da própria
atuação da terapia ocupacional. Quando estava no último ano de graduação
passei pelo estágio obrigatório de Saúde Mental no CAPS adulto, o qual foi
um grande motivador para eu fazer a escolha dessa pós, aliada também
com a idéia que em qualquer problemática que eu fosse atuar, era
imprescindível antes, ter uma maior compreensão do método dinâmico, o
qual acredito ser o mais pertinente para a prática que me disponho a
realizar. Ao chegar na especialização, tendo em mente diversas buscas que
estava procurando, me deparei com uma grande e importante dificuldade
que, acredito que a profissão carrega, mas que também vem ao encontro
de questões pessoais. Sentia, então, muita dificuldade de discutir com os
diversos profissionais sobre os casos que atendia, me perguntava qual
linguagem utilizar? Que tipo de questões deveria levar? Falava de todo o
32
processo na terapia ocupacional ou apenas o que eu achava importante
para eles fecharem um diagnóstico? Enfim, eram muitas dúvidas que
permeavam o trabalho, algumas delas, sinto que superei, e obviamente
outras entraram no lugar, e algumas ainda me questiono. Foi um ano
bastante intenso, com aprendizagens, momentos difíceis, inseguranças,
dúvidas, mas que sem dúvida me ajudaram a amadurecer de mais, tanto
profissional como pessoalmente. Ter contato com a historia, o sofrimento
que cada paciente carrega, e poder, conjuntamente, auxiliá-los, oferecer
um espaço de escuta e de acolhimento, de possibilidades de mudança, é
algo que me uma enorme potencialidade para continuar investindo em
minha profissão. Chego nesse ano com uma sensação bastante satisfatória,
pois consigo aos poucos, me colocar mais perante outros profissionais, o
que no decorrer do último ano foi um tanto difícil; me apropriar do que diz
respeito à minha profissão e saber que ainda tenho um longo percurso pela
frente, devo assumir que um percurso que tenho medo de estar o
cansada como me sinto agora, mas que sei que será importante e
potencializador para novas buscas, questões, reflexões e assim, melhorar
em minha maneira de atuar e compreender melhor minha clínica e tudo o
que ela implica.”
Fernanda, 22 anos, formada pela ESCOLA A
“Minha aproximação com a terapia ocupacional se deu de forma lenta
e inusitada. Não conhecia a profissão e entrei em contato através de um
guia de estudante, no último ano de colegial e cursinho. Foi um ano que me
relacionei com muitas pessoas, que estavam nesse momento de decidir qual
faculdade e curso iriam prestar, e percebi que conhecer o interesse dos
outros, de certa forma, me despertava interesse também. Isso aconteceu
em relação a diversas profissões, até que li sobre Terapia Ocupacional e a
sensação foi outra. Foi um certo encantamento e um desejo de saber mais.
A partir disso, fui pesquisar em sites e meu interesse ficou cada vez maior.
Acredito que me chamou atenção, tanto pelo fato de ser algo
‘desconhecido’, como pela possibilidade de cuidar de populações excluídas e
usar a ‘arte’ como recurso – nesse primeiro momento foi esse entendimento
que tive. Durante a graduação, pude desconstruir algumas idéias, como
“terapia ocupacional é uma mistura de fisioterapia e psicologia”, e fui
conhecendo aos poucos os procedimentos e embasamento destes dentro da
33
terapia ocupacional. Em meio a inúmeras crises, fui me encantando cada
vez mais e sentindo vontade de conhecer, ler, conversar, cuidar. Nas
disciplinas de Terapia Ocupacional em Saúde Mental, Reabilitação
Psicossocial, me aproximei de um jeito particular de olhar o sujeito, e de
uma linguagem que muito me agradava. Os autores que tive contato, em
artigos e trabalhos, e a própria professora dessas disciplinas, contribuíram
muito para escolha da especialização na Paulista
4
. Era a chance de conhecer
pessoalmente, interagir e aprender com aquelas pessoas que até então eu
conhecia apenas a ‘escrita’. Outros fatores que influenciaram diretamente
nessa escolha, estavam relacionados com a possibilidade de trabalhar em
equipe, estar em diferentes programas, com diferentes supervisores e seus
referenciais. Também tive contato com algumas supervisoras, durante os
estágios, que fizeram especialização na UNIFESP e que, além de indicarem
essa formação, tinham uma forma de trabalhar que eu acreditava ser pelo
percurso que fizeram e que eu gostaria de experimentar. Inicialmente, na
especialização, tive muito receio do que estaria por vir. Desde o momento
da seleção, com a prova, entrevista e dinâmica, tive a sensação de que
havia muita coisa para aprender, desconstruir e construir, e isso exigiria
muita dedicação e envolvimento. Ser aprovada foi uma surpresa e tive
alguns ganhos logo iniciais. A possibilidade de estar junto a algumas amigas
de graduação, com quem tenho muita afinidade e trocas, e conhecer
pessoas novas, que tiveram formações diferentes. Outro ponto foi a minha
permanência em São Paulo. Meus pais se mudaram para Campinas no final
de 2005, e se não fosse pela especialização, eu teria mudado também.
Morar sozinha (no primeiro ano com meu irmão e agora sozinha) tem sido
uma experiência única e muito desejada, embora difícil em muitos
momentos. Acredito que no primeiro ano muitas coisas mudaram. As
experiências foram e são muita intensas, a ‘exigência’ de uma postura
crítica e reflexiva é grande, por todas as partes, o aprendizado é contínuo,
dentro e fora da especialização. Inicialmente tive que aprender como me
posicionar, como criar meu espaço nos lugares que estava chegando, junto
às equipes fixas e móvel. Trabalhar em equipe foi e é um grande desafio.
Lidar com minhas limitações, com minhas expectativas, minha dificuldade
de expor o que penso, de participar das discussões, de me apropriar do que
faço, da minha exigência comigo e os demais, da aproximação com os
4
Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo, UNIFESP
34
pacientes, com os supervisores e seu jeito de trabalhar e conceber a clinica;
estar num espaço de convivência do CAPS, assim como estar e coordenar
grupos que vinham em um processo, elaborar e desenvolver projetos em
co-terapia, fazer grupos no hospital geral, participar de atendimentos de
família na Crise, e me organizar em todas essas atividades, dentro de uma
grade horária pouco flexível, foi um grande aprendizado. Acho que todos
esses aspectos foram conquistas pelo fato de ter vivenciado, aprendido e
suportado tudo isso de alguma forma. Vejo que ainda tenho muita coisa
para aprender, principalmente a ter mais flexibilidade para algumas coisas,
me posicionar mais em outras. Mas vejo que houve algum amadurecimento
da minha parte. Vim de um momento inicial bem ansiosa e receosa, para
um outro em que consigo ter mais calma, distanciamento, formular mais
perguntas e dividir mais o que penso, sinto e faço, inclusive falar das
minhas dificuldades e permitir ser orientada. Também iniciei análise nesse
período do primeiro ano, o que tem me ajudado muito. Mas sinto que a
cada mudança de programa, de supervisor, de mini-equipe, é possível
repensar muito da minha prática. Vejo que ainda estou conhecendo meu
jeito de ser terapeuta, e em muitos momentos isso é angustiante. Vejo que
além de lidar com os pacientes, com situações difíceis, de entrar em contato
com sofrimento de todas as ordens, com histórias de vida tocantes, ainda
tem o manejo de tudo isso dentro de um determinado contexto
institucional, que interfere de maneira direta no nosso estar ali dentro e no
nosso trabalho. O quanto se tem de autonomia, o quanto a filosofia do
programa já traça certo plano de tratamento, o quanto se abre espaço para
o novo, para a criação, para o espontâneo, o quanto aquela equipe é
flexível, disponível, reconhece seu trabalho, enfim, a clínica vai além dos
atendimentos individuais, grupos e procedimentos específicos. Estou
caminhando no segundo ano de especialização, e espero conseguir controlar
minhas pernas para que o trajeto seja realizado com passos cautelosos,
embora tenha vontade de sair correndo em alguns momentos acredito
que a mesma intensidade que envolve e desperta vontade de mergulhar e
aprofundar, também causa exaustão, desânimo, desespero. São muitos os
momentos em que questiono minhas intervenções e ausência delas, o uso
das atividades, o trabalho em equipe e em co-terapia. Isso em alguns
momentos potencializa, em outros desvitaliza, mas não sei bem como
explicar o que sinto. Nesse segundo ano tenho buscado me posicionar mais.
35
Isso ajuda o a me sentir pertencente aos lugares, como me apropriar
do que eu faço, e gerar discussões que são sempre muito ricas. Tenho
buscado ouvir mais o que os outros dizem, com uma escuta um pouco
menos contaminada, mas isso ainda é muito difícil. Pretendo me organizar
melhor no tempo e nas atividades, pois sinto falta da sensação de alivio de
conseguir fazer as coisas dentro de um tempo possível para que elas sejam
discutidas e assimiladas. Gostaria de me permitir experimentar mais, com
maior entrega, exposição, ousadia. Sinto que seria um movimento
interessante para enriquecer meu aprendizado em relação à clínica, e às
relações gerais. Também pretendo buscar espaço de descanso, lugares para
conhecer, atividades para fazer, e me restringir menos ao espaço da
especialização, até para poder ter melhores associações e perspectivas.
Gostaria de conhecer mais sobre os procedimentos da terapia ocupacional,
como exercitar meu olhar para o uso que cada um faz da atividade, como
essa experiências se dão para cada um, como manejar isso, como criar um
espaço que possa facilitar a comunicação, a criação de narrativas, a
transformação... Enfim, gostaria muito de explorar mais as potencialidade
de usar a atividade como um instrumento (recurso) e talvez aprender a
defini-la melhor! Tenho muita expectativa em relação a esse grupo de
aprendizagem colaborativa e desenvolvimento profissional, primeiro pelo
fato de estar com esse grupo especificamente, que vem em um processo de
constituição muito interessante e é um grupo em que sinto muita potência.
Acho que a proposta de pensarmos sobre o que pensamos, de tentar
dialogar sobre nossas experiências pode ser muito rico nesse momento, em
que já vivenciamos muitas coisas e ainda temos muito pela frente. A
possibilidade de exercitar o raciocínio clínico, pensar e repensar nossas
intervenções me desperta muito interesse. Assim como, as diferentes
formas de olhar para o que se faz, como se faz, porque se faz, com quem e
para que se faz. Me lembro da empolgação que fiquei quando presenciei sua
apresentação no encontro cientifico da ATOESP, em que me encantou o
jeito de refletir e compreender os procedimentos e raciocínio do profissional
ao relatar um atendimento. As possibilidades ao entrar em contato com a
descrição, as formas de se descrever um processo e refletir sobre ele é uma
das expectativas que tenho, é algo que gostaria de desenvolver neste
processo de aprendizado.”
36
Isadora, 22 anos, formada na ESCOLA A
“Durante alguns anos, quando ainda estava no colégio pensava em
fazer medicina, sempre me interessei por assuntos relacionados à saúde, e
mesmo sem conhecer muito tinha uma afinidade pelas questões da loucura,
queria fazer medicina para fazer psiquiatria, entrei em um cursinho
preparatório com essa intenção. Quando estava no segundo semestre do
ano do ensino médio, e com as inscrições dos vestibulares de medicina
feitas, recebemos uma revista de profissões, como ainda estava muito em
dúvida quanto a essa escolha, comecei a ler sobre as profissões
relacionadas à saúde, e foi assim que descobri que existia uma profissão
chamada Terapia Ocupacional, me interessei logo pela descrição da revista
e pela possibilidade de trabalhar em saúde mental sem fazer medicina, fui
atrás de saber mais sobre, onde prestar, o que estudava, entre outros
dados. Ainda assim fiz as provas para Medicina, e também as de Terapia
Ocupacional, entrei na ESCOLA A, e comecei então a entrar em contato com
o que é Terapia Ocupacional, que até aquele momento não me era muito
conhecido, estava ali já estudando, mas ainda tinha muitos
questionamentos. A cada aula na faculdade meu interesse crescia e com ela
uma admiração pela profissão, desde o começo buscava ler artigos sobre a
prática da Terapia Ocupacional, com a população de saúde mental.
Chegando nos estágios e na escolha do trabalho de conclusão de curso, fiz
escolhas mais próximas a este campo de atuação, pensando em que
caminho faria após o termino da graduação. Termino a graduação sentindo-
me ainda muito despreparada para uma prática profissional independente
de um processo de aprendizagem, queria me aprofundar na prática da
Terapia Ocupacional em Saúde Mental, ter um espaço para pensar e estudar
mais esta prática, e foi assim minha escolha por fazer especialização. Dessa
forma, pensando na abrangência de programas e abordagens dentro da
saúde mental que poderia vivenciar, opto pela especialização da UNIFESP.
Entro na especializão bastante ansiosa e com muitas expectativas quanto
a atuar com essa população e ter a oportunidade de estudar, e me
aprofundar nesse conhecimento. Ao longo deste primeiro ano de
especialização tive a possibilidade de ampliar meus conhecimentos sobre a
Terapia Ocupacional, sobre os transtornos mentais, sobre o processo de
adoecimento dessa população, aprendendo muito com o trabalho em
equipe, com as discussões de caso e as supervisões, onde além de um
37
espaço para discutirmos a prática também é um espaço para estudarmos a
especificidade da Terapia Ocupacional. Pensando neste ano de
especialização, acredito que pude aprender e conquistar muita coisa no
sentido de ampliação da minha experiência como terapeuta ocupacional,
entre estas conquistas, vejo a possibilidade de estudar várias teorias, e
conhecer vários caminhos a se seguir quando estamos com o paciente,
entender um pouco dessas escolas teóricas, nos possibilita entender
determinada situação por vários pontos de vista. Um aspecto que para mim
ainda vem sendo pensado é o uso da atividade, como a entendemos, o que
para nós é atividade, para quem ela faz sentido, valorizamos a atividade
como nosso instrumento, nos apropriando dele, ampliamos esse conceito de
atividade para as ações humanas? Venho estudado e me aprofundado
nessas questões, e ao mesmo tempo em que considero uma grande
conquista, vejo como uma dificuldade pela pouca produção que temos e
pelo modo que ainda vemos nosso instrumento de trabalho. Para este ano
de especialização espero continuar a estudar mais a clínica da Terapia
Ocupacional, agora com maior aprofundamento que neste primeiro ano
tive a oportunidade de conhecer mais amplamente, estudar grupos,
dispositivo pelo qual me interesso muito, estudar outras teorias, estar mais
ativa no contato com os pacientes, refletir sobre os meus atendimentos e
minhas intervenções. E dessa forma acredito que este grupo de
aprendizagem colaborativa e desenvolvimento profissional possa colaborar
para este aprofundamento que cito anteriormente, minhas expectativas
quanto a esse grupo é que tenhamos um espaço para minuciosamente olhar
para nossa pratica profissional, pensar sobre nossas ações e nossos
pensamentos, sem a obrigatoriedade de responder uma demanda do
paciente ou da instituição, acredito que dessa forma e esse grupo possa ser
um caminho para refletirmos e que essa reflexão possa contribuir para que
fiquemos mais apropriadas a nossa atuação profissional.”
Luiza, 26 anos, formada pela ESCOLA B
“A escolha pela Terapia Ocupacional aconteceu quando eu estava no
último ano do Curso Normal (magistério). O primeiro contato que tive com
a profissão foi através de uma colega de classe que nas discussões sobre
escolha da profissão ela dizia que iria fazer faculdade de Terapia
Ocupacional (essa colega fazia acompanhamento em Terapia Ocupacional,
38
ela tinha algumas dificuldades no aprendizado, escrita, fala, leitura, mas
não sei especificamente qual era a indicação para o seu acompanhamento).
Quando a escutei pela primeira vez não passou pela minha cabeça fazer o
curso, mas fiquei com o registro de tudo que ela me contara na cabeça.
Assim pensei inicialmente fazer faculdade de história, pedagogia, biologia,
entre outras (eu sou uma pessoa muito indecisa!!!), porém no decorrer
último ano, fui tendo contato com matérias que acredito que ajudaram na
minha escolha. Nessas matérias (me lembro o nome de apenas uma delas,
que era PA problemas de aprendizagem), de maneira geral, conhecíamos
algumas questões relacionadas a problemas biológicos, psicológicos e
emocionais que as crianças nasciam ou desenvolviam no decorrer do
desenvolvimento e discutíamos estratégias para oferecer uma melhor
qualidade de vida na escola e na família para essas crianças (era uma
mistura de assuntos da educação e saúde). O contato com essas matérias
me despertou grande prazer no aprendizado e o estudo desses assuntos.
Assim pelo meu interesse tanto de conhecimentos da educação, como da
saúde comecei a procurar alguma profissão que pudesse conciliar os dois.
Inicialmente pensei em fazer pedagogia, mas apenas o conhecimento e
atuação da pedagogia não preenchiam meu desejo, e então me lembrei das
conversas com minha colega e resolvi pesquisar sobre a Terapia
Ocupacional. Assim com a pesquisa tive a certeza que esta profissão
contemplava o que eu acreditava e queria ter como aprendizado e atuação
profissional. Realizei minha graduação na ESCOLA A na minha própria
cidade e para mim foi uma experiência muito rica. O contato com os
professores, com as turmas dos anos anteriores e posteriores oferecia um
ambiente acolhedor e amigável. Além da excelente atuação e dedicação dos
professores em oferecer um ensino de qualidade e compartilhar os seus
conhecimentos com os alunos, a abertura e o incentivo destes para o
desenvolvimento de projetos davam para os alunos (ou melhor alunas
que a maioria esmagadora em todos os anos eram mulheres), o
entusiasmo, disposição e prazer no que realizávamos, além de oportunidade
para que experimentássemos e arriscássemos em diversas situações de
nossa pratica ainda como estudantes. As áreas de atuação que acabei me
envolvendo mais durante a graduação foram a Terapia Ocupacional no
Campo Social e Saúde Mental, participei de muitos projetos de atuação na
comunidade e nos serviços de saúde mental, trabalhos em favelas, no
39
centro cultural da cidade, trabalho em comunidades carentes, com
pacientes de um grande hospital psiquiátrico, a participação no projeto da
Universidade Solidária, entre outros foram marcando meu percurso na
graduação. A partir desse caminho fiz a escolha de realizar a especialização
em Saúde Mental, por acreditar que esta poderia me dar bases para a
atuação em outras áreas. Apesar da visão reducionista que o mundo
cientifico faz das especializações, tenho consciência que a minha escolha
pela especialização em Saúde Mental é o disparador de muitos outros
caminhos que posso seguir. Não procurei a especialização como meio de
reduzir mais sim de adquirir conhecimentos: uma boa base teórica e
pratica, para ampliar e abrir novos caminhos. Por este motivo procurei a
especialização da UNIFESP acreditando que esta oferece uma atuação
ampla em diversos serviços e atuação. Nesse primeiro ano de prática e
estudo acredito que tive um grande aprendizado quanto ao conhecimento
dos aspectos médico-psiquiátricos (patologias, exame psíquico, anamnese,
história de vida) e também quanto à prática clínica da Terapia Ocupacional
(acho que aqui ainda estou engatinhando, mais para frente vou poder falar
melhor sobre isso), porém acredito que minhas maiores conquistas e
aprendizados deste um primeiro ano de prática profissional foram a respeito
do estar com o outro no contexto terapêutico. A partir dos meus
pensamentos quanto a isso, muitas reflexões foram surgindo. Assim
acredito que meus aprendizados nesse ano estão relacionados à escuta e ao
diálogo com as pessoas que chegam até mim para fazermos terapia
ocupacional, da reação que essas pessoas poderiam ter diante da minha
ação enquanto terapeuta (acho importante pensar que a ação e a reação
são fenômenos que estão em constante movimento, ou seja através da
minha ação eu provoco uma reação no outro, que através de uma ação
provoca uma reação em mim e assim por diante, FÍSICA!!! Deu para
entender??) e a minha sensibilização enquanto terapeuta para perceber
qual a necessidade da pessoa que está diante de mim. Durante esse ano
me perguntei muitas vezes: o que essa pessoa está querendo me dizer?
Como poderei ajudá-la? O que ela entendia do que eu falava? Como eu a
escutava? Acho que tudo isso que citei me faz pensar, e não poder deixar
de citar, em uma das coisas que fizeram, ou melhor, ainda faz parte, dos
meus pensamentos e reflexões quanto a minha prática, que é a questão do
uso da fala e do diálogo. Tenho tentado fazer uso e refletir a respeito desse
40
recurso que muitas vezes nós como terapeutas ocupacionais ficamos
tímidos para usá-lo. Quando penso quais são as minhas expectativas para
esse ano e quais os meus anseios de aprendizado, acho que na verdade
ainda é aprender a respeito do que aprendi durante todo o ano anterior,
pois acho que aprender sobre a escuta, o diálogo, não é uma questão
simples. Quero também prestar mais atenção na prática e fundamento da
Terapia Ocupacional a partir do uso da atividade, e procurar as “formas”
que a Terapia Ocupacional se apresenta em outros espaços (além da
UNIFESP e do Hospital São Paulo). Além disso estou na prática tentado
ampliar minha atuação clínica e aprendizado para outros espaços de
atuação, contextos e settings. Como já disse em outras ocasiões acredito
que a participação nesse grupo me ajudará a pensar na minha prática e nos
meus pensamentos sobre essa minha prática e refletir e dialogar com eles
(acredito que aqui mais uma vez o diálogo aparecera como recurso
indispensável!!). Acho que esse grupo poderá trazer uma vivência intensa
com meus próprios pensamentos, que muitas vezes durante o ano anterior
foi muito sofrido, ficar mais leve e confortável a partir do momento que
poderei compartilhar, refletir e, como já disse, dialogar com outras pessoas
e em uma outra situação e contexto (diferente das supervisões, aulas e
equipes) essas vivências.”
Mariana, 25 anos, formada pela ESCOLA A
“Na verdade, desde criança, sempre quis ser arquiteta, mas pensava
também em psicologia, no entanto, meus pais sempre preferiram a primeira
escolha. Sendo assim, logo no colégio escolhi fazer um curso técnico já
direcionado para a área de arquitetura, principalmente por desejar começar
a trabalhar cedo, penso que hoje, não teria tanta pressa. Iniciei o curso
de quatro anos e no início do segundo ano, entrei em meu primeiro estágio,
para ser desenhista. Passei por mais quatro empregos, e me formando
ingressei no curso de Arquitetura, continuando a trabalhar na área. Ao
longo do primeiro ano, me senti muito envolvida com as matérias de
psicologia, filosofia, história da ciência, história da arte e urbanismo. Ia
sentindo falta de estudar mais sobre o humano e começando a pensar na
possibilidade de trabalhar com pessoas. Além disso, no início do segundo
semestre, uma tia minha, muito próxima e querida faleceu de repente, foi
muito difícil e sofrido. Quando estava nas últimas semanas para fechar o
41
ano, não consegui mais ir, sentia-me muito desanimada e desinteressada
pelas coisas, somando estes sentimentos, às minhas dúvidas quanto à
escolha da profissão. Acabei trancando a faculdade. Fiquei sem estudar por
um ano, durante esse ano pude me recuperar e pesquisar outras profissões;
assistir aulas do curso de Psicologia, mas acabei encontrando a Terapia
Ocupacional, que me encantou. Naquele momento, sabia que havia
encontrado a profissão que me completaria enquanto pessoa. Fui conhecer
a ESCOLA A e adorei as matérias e conteúdos da grade e também a M.,
coordenadora do curso, a qual me recebeu de forma muito acolhedora.
Acabei ficando por lá, onde pude aprender muito, o tempo todo tendo
minhas professoras como ideais para a terapeuta na qual queria me tornar.
Todas elas foram fundamentais em minha vida e muito responsáveis pelas
escolhas que tenho feito. Durante a graduação, sempre tive afinidade com
as temáticas que envolviam, não a psiquiatria, mas principalmente a
saúde mental, com qualquer população, as com questões sicas,
neurológicas, sempre olhava muito para a saúde mental. Nos estágios,
gostei muito de estagiar com Neurologia, com minha professora M. T., e em
um CAPS Álcool e Drogas com a supervisora A. P. B., que fez a
especialização na UNIFESP. Nos estágios, sempre me intrigava muito
compreender o raciocínio clínico que nhamos e principalmente essas duas
pessoas e a S. T., traziam inquietações que me incentivavam a pensar que
a faculdade havia sido somente um começo, muito inicial, e que dali por
diante precisaria enveredar a busca por novos e intensos caminhos. Não
conseguia pensar em me formar e ir para a clínica, sem estar amparada
por estudos e espaços para reflexão. Então, comecei a pensar qual caminho
traçaria, pois não gostaria de começar com uma especialização que me
afunilasse muito a possibilidade de ampliação de populações e sabia que
gostaria de me aproximar mais da terapia ocupacional psicodinâmica.
Sendo assim, decidi prestar o aprimoramento do CAISM Santa Casa,
como segunda opção, e a primeira, a especialização da UNIFESP, onde
acabei ficando. Hoje, após um ano, vejo que de fato, foi a melhor escolha.
Não consigo pensar em minha prática, reflexões e inquietações, sem estar
na especialização. Cada vez mais, me surpreendo com a complexidade da
clínica, das intersecções com os demais campos de conhecimentos, com a
gravidade dos casos com os quais nos deparamos e com o quanto às
supervisões são fundamentais. Além disso, é muito fácil sentir-se só, em
42
meio a tantas angústias. Não sei se mudei muitas concepções em si, acho
que na verdade, tenho é criado muitas delas e aprimorado as poucas que
tinha. Sinto que mundos tem se aberto diante de mim, mundos estes, os
mais diversos: os teóricos, e que se aplicam em questões práticas na
clínica, mas acho que principalmente, os das mais variadas formas do
sofrer, do viver, do que seja ter dignidade, viver com determinada doença,
do morrer, do que é cultura, do que é rede ou o social. Penso essas terem
sido também minhas maiores conquistas e aprendizagens, junto da
conquista de ter meus pacientes, que a cada dia me ensinam mais, seja
através de suas próprias vivencias, ou quando me impulsionam a querer me
aprimorar e estudar mais para estar junto deles. Me sinto também
surpresa, pois quando pensava em caminhos teóricos, não imaginava que
fossem tantos e tão complexos, sinto que as questões aumentam. Penso
que uma outra aprendizagem muito importante, foi a de poder trabalhar em
equipe, estar junto de profissionais de outras áreas. Pois muitas vezes é
uma dificuldade: trabalhar em grupo o é algo fácil, o que di com
profissionais para os quais, temos que apresentar o que fazemos, de que
forma fazemos e também ter o cuidado e interesse de ser receptiva para o
que eles também nos ensinaram de suas práticas, não perdendo de vista,
os pacientes. Penso ter sido imensamente rico passar por diferentes
estágios, em diferentes configurações de settings, como por exemplo, no
hospital geral, que fomentava muitas questões, (e que ainda fomenta),
quanto ao meu papel, função, foco de intervenção, o qual necessita estar
contextualizado na proposta do programa e na função, nas quais estamos
inseridas. Para, a partir disso, pensar o raciocínio clínico e metas e objetivos
dos atendimentos. Inquietações que muito me ajudaram a pensar em
minha clínica no PROESQ, por exemplo, pois por ser uma clínica mais
tradicional, e intervenções com pacientes que estão muito em
tratamento, penso que torna-se fácil perder-se de vista os projetos
terapêuticos. Por isso, penso que estar em clínicas tão diferentes
enriqueceu os questionamentos como um todo, levando-me a pensar sobre
quais são as minhas crenças quanto a minha prática, como configuro meu
raciocínio clínico, quais são as questões para as quais dou maior ou menor
escuta... Sendo assim, foram muitos e os mais variados dilemas. Em
minhas expectativas para esse ano, na verdade, algumas que se
mantém e outras que passam a surgir, também mediante ao que vem
43
sendo ofertado: continuar aproveitando os espaços para refletir e aprimorar
minha prática e meu raciocínio clínico, compreender melhor os instrumentos
que minha profissão me oferece, estudar mais o manejo clínico, aproveitar
as aulas que terei sobre grupos, psiquiatria social, construcionismo,
laboratório de atividades e nosso grupo, aproveitar minha monografia para
estudar de forma mais profunda algumas questões, além de iniciar-me na
aprendizagem da escrita, estar atenta às questões e possíveis caminhos
teóricos com os quais mais tenha afinidade, para pensar na continuidade de
meus estudos após este ano, organizar-me para ler mais, conseguir
aproveitar estar na UNIFESP e o amparo das supervisoras, para
experimentar a produção de pôsteres e um artigo, e aprender a despedir-
me destes meus pacientes, o que acho que será bem difícil. Para mim,
todas estas expectativas de aprendizagens descritas, são também
dificuldades, as quais pretendo pelo menos, começar a superar. Quanto às
expectativas para este grupo, penso em poder aproveitá-lo para refletir
mais, não só sobre minha prática, mas principalmente sobre meu fazer,
sobre como faço e por que faço o que faço. Em estar com minhas colegas,
em um espaço que poderemos trocar mais o que pensamos e na
possibilidade de estar com três profissionais mais experientes, que acredito
que ajudaram na elaboração de questionamentos e reflexões sobre o nosso
cotidiano profissional.”
Marisa, 23 anos, formada pela ESCOLA C
“Foi apenas no terceiro colegial que decidi fazer terapia ocupacional.
Havia descoberto a profissão no final do ano anterior, quando li, por acaso,
sua descrição no Manual do Vestibular da USP, que eu estava prestando
como ‘treineiro’ naquele ano. Fiz um acompanhamento psicológico num
grupo de orientação vocacional e nele fui descobrir melhor a profissão,
entrei em contato com uma profissional e direcionei minha escolha. Meu
conhecimento sobre a terapia ocupacional ainda era muito superficial, mas
parecia juntar algumas coisas que eu buscava: o cuidado com o outro, as
atividades, a possibilidade de trabalhar com crianças. Apenas prestei
vestibular para Terapia Ocupacional e passei na ESCOLA C, a minha
primeira escolha. Adorei o curso, a cada dia ficava mais encantada com a
profissão. Logo no primeiro ano me envolvi em um projeto de um grupo
terapêutico para mães de pacientes atendidos pelo serviço de Terapia
44
Ocupacional. Fiquei dois anos neste projeto, e que fui descobrindo meu
interesse pela área de Saúde Mental e pelos adultos também! No último ano
da faculdade, fiz estágio em um CAPS e adorei. Era nisto que eu gostaria de
trabalhar! Neste estágio, uma de minhas supervisoras havia feito
especialização na UNIFESP, e foi ela quem me incentivou a fazer também.
Eu havia decidido que queria fazer algum aprimoramento em Saúde
Mental, considerando que a bagagem da graduação era insuficiente e que
era nesta área que eu queria atuar. Prestei aprimoramento em vários
lugares, a UNIFESP era minha primeira opção e foi o único lugar em que eu
passei. Eu tinha muitas expectativas em relação à especialização. E esse
primeiro ano foi muito rico. Acho que aprendi muito e minha concepção da
terapia ocupacional mudou muito. Sentia que eu tinha um feeling para
atuar na área (tive experiências muito boas e bem sucedidas), mas que não
tinha embasamento teórico para tal. Também tinha pouco conhecimento do
Método de Terapia Ocupacional Dinâmica, o que foi aprofundado neste ano.
Acho que um grande ganho deste ano foi conseguir me colocar mais frente
a uma equipe, dificuldade sentida nas minhas experiências de estágio.
Sinto-me agora mais segura para falar sobre minha prática e expor minha
opinião. Tenho grandes expectativas em relação a este grupo de
aprendizagem colaborativa. Penso que vai ser um espaço confortante para
refletirmos sobre nossa formação. Inclusive eu estava motivada a fazer
minha monografia em cima de um caso que atendi durante todo este ano e
que me fez refletir muito a respeito do meu crescimento profissional. Em
tempo, uma dificuldade que estou tendo em escrever esse diário é que
estou na dúvida de como fazê-lo. Normalmente, os diários são escritos para
gente, mas este vai ser entregue a alguém. Será que quem ler vai
entender? Devo explicar melhor? Que linguagem devo usar?”
As colaboradoras da pesquisa
Inicialmente, o grupo de aprendizagem colaborativa seria formado
somente por mim e pelas profissionais iniciantes, alunas do segundo ano do
curso de especialização. Entretanto, quando apresentei a proposta para a
então coordenadora da especialização, Cecília Cruz Villares, tanto ela como
outra supervisora do curso, Tatiane Luize Ceccato, demonstraram grande
interesse em acompanhar o processo de pesquisa e intervenção. Desta
forma, julgou-se interessante a inclusão destas duas terapeutas
45
ocupacionais no grupo, pois isso poderia potencializar os objetivos da
intervenção, por serem duas terapeutas ocupacionais experientes e que
trabalham com formação de terapeutas ocupacionais. Além disso, estas
participações também poderiam acrescentar resultados interessantes para a
pesquisa, principalmente relacionados à interação entre profissionais
iniciantes e profissionais experientes e suas contribuições para o
desenvolvimento profissional.
Desta forma, estas duas profissionais foram convidadas a participar
do grupo de aprendizagem colaborativa como integrantes e não somente
como observadoras, tendo em vista a proposta de fomentar a aprendizagem
colaborativa, além de colaborar para a condução do processo de pesquisa-
ação, ao poder me auxiliar a compreender a trajetória do grupo.
O Curso de Especialização em Terapia Ocupacional em Saúde Mental
A etapa de intervenção da pesquisa foi realizada junto ao curso de
especialização em Terapia Ocupacional em Saúde Mental, do Departamento
de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo. Segundo seu projeto
pedagógico (CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM TERAPIA OCUPACIONAL EM
SAÚDE MENTAL, 2005), este curso está em funcionamento desde 1984, e
tem como objetivos principais a formação de terapeutas ocupacionais
especializados em saúde mental e a complementação da formação
universitária com atualização, aperfeiçoamento e visão crítica da prática
profissional. Além disso, o curso visa a capacitação teórico/prática específica
em saúde mental; o desenvolvimento de atitudes profissionais pertinentes
ao trabalho em equipe multiprofissional; e o desenvolvimento de
habilidades terapêuticas, de reflexão profissional e da visão crítica das
necessidades de saúde no campo da saúde mental.
O curso segue o modelo da residência médica e de outros cursos de
especialização oferecidos pelo Departamento de Psiquiatria (Psicologia,
Assistência Social) que buscam a interdisciplinaridade e o trabalho em
equipe multiprofissional. Tem duração de dois anos, com carga horária de
3840 horas, em regime de dedicação exclusiva de 40 horas semanais, em
que os alunos cumprem parte da carga horária em disciplinas teóricas (658
horas) e parte em disciplinas práticas-assistenciais (3182 horas).
Anualmente, são oferecidas seis vagas, mas somente duas bolsas do
46
Programa de Aprimoramento Profissional da Fundação de Desenvolvimento
Administrativo do Estado de São Paulo (FUNDAP).
O quadro de disciplinas teóricas inclui
5
:
a) Teoria e Técnica da Terapia Ocupacional em Saúde Mental, cujo foco está
na discussão dos conceitos fundamentais para a prática em terapia
ocupacional, como processo terapêutico, instrumental da terapia
ocupacional em saúde mental, setting terapêutico, relação terapeuta-
paciente-atividades, processos verbais e não verbais, campo terapêutico e
transferencial, concepções de atividades, bem como, o estudo da
especificidade da clínica de terapia ocupacional para diversas populações
em saúde mental, diagnósticos e serviços de assistência em saúde mental;
b) Laboratório de Atividades, cuja proposta é proporcionar um espaço de
experimentação e de vivências de atividades para oferecer ao aluno a
possibilidade de aprender e desenvolver novas técnicas e linguagens no
campo da terapia ocupacional, e reproduzir o contexto de aprendizagem do
setting terapêutico, ao possibilitar a articulação entre a história pessoal do
aluno e sua postura profissional;
c) Abordagens Grupais em Terapia Ocupacional, que abrange as diversas
possibilidades de intervenção grupal em diversos settings terapêuticos, as
referências teóricas e os principais aspectos técnicos necessários para o
desenvolvimento deste tipo de intervenção;
d) Introdução ao Pensamento Sistêmico, cuja proposta abrange o estudo do
Pensamento Sistêmico e da Teoria da Complexidade e sua contribuição para
o campo da terapia familiar, para o cuidado de sistemas sociais mais
amplos e para a terapia ocupacional;
e) Recursos Teóricos e Instrumentais para o Atendimento a Sistemas
Familiares e Rede, que visa desenvolver posturas e habilidades
conversacionais para a coordenação de atividades diversas que envolvem
uma multiplicidade de partes e opiniões, tais como famílias, equipes de
instituições de assistência à saúde, educação e social;
f) Psicopatologia, cujo objetivo é familiarizar o aluno aos principais
conceitos e práticas envolvidas no processo diagnóstico dos diversos
transtornos mentais;
5
Tanto o quadro de disciplinas teóricas como o de disciplinas práticas-assistenciais foi construído a partir
do Projeto Pedagógico do Curso de 2005 e de informações das participantes da pesquisa.
47
g) Psiquiatria Social, que visa levar o aluno a conhecer as características
macro e micro-sociais em que o indivíduo está inserido, ao considerar que
os distúrbios mentais surgem da dialética das relações sociais;
h) Políticas de Saúde Mental no Brasil, que procura trabalhar os conceitos
de saúde e doença mental, o histórico da saúde e das políticas de saúde e
de saúde mental no Brasil;
O quadro de disciplinas práticas-assistenciais inclui:
a) Prática Assistencial na Unidade Psiquiátrica do Hospital São Paulo
(Enfermaria de Psiquiatria), que é uma enfermaria mista, com 18 leitos, que
favorece a aprendizagem do cuidado de pacientes em crise, em um trabalho
de equipe multiprofissional.
b) Prática Assistencial no CAPS II (Centro de Atenção Psicossocial) do
Departamento de Psiquiatria da UNIFESP, cuja assistência se junto a
pacientes em regime ambulatorial e de semi-internação, em diferentes
estágios da evolução do quadro psiquiátrico (situações de crise,
estabilização ou cronicidade), e que tem a proposta de promover a
aprendizagem do cuidado em saúde mental a partir de uma complexidade
de ações em um trabalho interdisciplinar.
c) Prática Assistencial em Ambulatório de Crise (Setor de Pronto Socorro),
cujo foco do trabalho está voltado para adultos em crise psiquiátrica,
encaminhados para um atendimento ambulatorial intensivo de três meses,
com a proposta de esclarecer, elaborar e dar uma resolução à crise.
d) Prática Assistencial no Serviço de Interconsulta em Saúde Mental da
UNIFESP/EPM - Serviço de Atenção Psicossocial Integrada em Saúde Mental
do Hospital São Paulo (SAPIS-HSP), cuja proposta é a de desenvolver o
manejo integrado de condições biológicas, psicológicas e sociais em saúde
no hospital geral, e a consultoria específica de terapia ocupacional, de
aspectos diagnósticos e de intervenção para populações internadas.
e) Prática Assistencial em Programas do Ambulatório do Departamento de
Psiquiatria da Escola Paulista de Medicina: PROESQ (Programa de
Esquizofrenia), cujo trabalho é voltado para a prática do trabalho em equipe
multiprofissional a adultos portadores de esquizofrenia.
f) Prática Assistencial no Centro de Referência da Infância e da Adolescência
CRIA, cujo trabalho é voltado para questões psiquiátricas encontradas na
infância e na adolescência e com diferentes modalidades de tratamento,
individuais e grupais.
48
g) Preceptoria
6
, é um espaço destinado à reflexão sobre as atividades
teórico-práticas desenvolvidas no curso e aos aspectos institucionais,
pretende promover um maior entrosamento entre o grupo de
especializandas, bem como entre elas e as supervisoras. Caracteriza-se por
ter uma proposta flexível de acordo com as necessidades do grupo.
É importante ressaltar que em todas as práticas assistenciais,
também denominadas estágios, supervisões específicas de terapia
ocupacional, supervisões multiprofissionais, reuniões de equipe
multiprofissional e reuniões clínicas de discussão de casos específicos.
Após esta descrição do contexto formativo e de prática profissional
das participantes da pesquisa, pretendo apresentar as ferramentas
formativo-investigativas componentes da pesquisa-ação. Estas ferramentas
foram utilizadas tanto para promover a formação como para a coleta de
dados da pesquisa e serão descritas a seguir: o grupo de aprendizagem
colaborativa como comunidade de aprendizagem e a crônica do grupo, os
diários reflexivos, as experiências de ensino e de aprendizagem, as
devolutivas ou feedback, o diário de pesquisa e as entrevistas com as
colaboradoras.
O grupo de aprendizagem colaborativa como Comunidade de Aprendizagem
A proposta do grupo de aprendizagem colaborativa, como uma das
estratégias do programa de mentoria, foi a de manter-se aberto e flexível
para trabalhar a partir das necessidades relativas ao desenvolvimento
profissional trazidas pelos membros do grupo. Ao invés de assumir uma
concepção prévia de mentoria (WANG, ODELL, 2002) elegendo somente um
ou outro aspecto do desenvolvimento profissional, como trabalhar questões
relacionadas à auto-estima e segurança, ou trabalhar o desenvolvimento de
conhecimentos práticos situados no contexto, ou o fomento de uma prática
crítica e transformadora, todos estes aspectos foram considerados
relevantes neste programa. Entretanto, o foco deste trabalho não esteve
centrado em uma relação em que o conhecimento é direcionado de
profissional(is) experiente(s) para profissionais iniciantes, mas sim em uma
6
Consiste em um espaço de acompanhamento do andamento das atividades teórico-práticas e de
resolução de conflitos gerados nos estágios, quando não houver possibilidade de resolução junto à própria
supervisora específica do programa. A preceptora é a profissional de ligação entre as especializandas e o
Setor de Terapia Ocupacional (informação obtida por correio eletrônico junto a Fernanda, participante da
pesquisa, em 02/02/2009).
49
postura colaborativa, a partir da qual a aprendizagem individual também
contribui para a aprendizagem coletiva.
Neste sentido, ao valorizar a colaboração e o coletivo, o processo de
mentoria ganhou um matiz diferente, flexível, baseado na relação entre as
pessoas e totalmente sustentado pela construção em processo,
especialmente porque, como ressaltam Sangole, Abreu e Stein (2006) um
dos elementos que guia o processo de mentoria são as características dos
sujeitos envolvidos, de maior ou menor abertura para se engajar na
aprendizagem, trabalhar em conjunto, assumir riscos para expor seus
dilemas e reflexões.
Na tentativa de construir um arcabouço teórico-metodológico que
levasse em consideração a complexidade proposta, o grupo de
aprendizagem colaborativa foi projetado a partir do referencial da
Comunidade de Prática e Identidade, desenvolvida por Ethiènne Wenger e
colaboradores (LAVE; WENGER, 1991; WENGER, 1998).
A Comunidade de Prática e Identidade (CoP) tem sido um referencial
teórico-metodológico bastante utilizado para promover e investigar o
desenvolvimento profissional (CARROLL, 2005; CHOI, 2006; SCHELL;
SCHELL, 2008; WELCH; DAWSON, 2006). A CoP implica em um processo de
participação ativa que constrói e molda o conhecimento a todo tempo,
através do diálogo consigo mesmo e com os demais e encoraja os
participantes a refletirem, pesquisarem, analisarem e avaliarem
coletivamente suas próprias ações, valores e conhecimentos.
Para a CoP, a prática é considerada o fazer em um contexto histórico
social que estrutura e significado ao que se faz, inclui o explícito e o
tácito. Ela também pode ser compreendida em função da identidade, como
um campo de negociação das formas de ser uma pessoa neste contexto,
como a forma de ser no mundo, não somente o pensar ou o falar, mas a
forma como se vive o dia-a-dia.
Uma CoP é constituída a partir do engajamento mútuo de pessoas em
um empreendimento articulado, no qual a negociação de significados
(compartilhar e produzir repertórios, conhecimentos, modos de fazer,
instrumentos, histórias) é o eixo condutor. Envolve a interação entre a
participação dos indivíduos e a reificação (o que é produzido pela
participação) para organizar ações e interações de modo a produzir novos
sentidos e novas formas de participação, sempre com o foco na prática.
50
A CoP oferece possibilidades de identificação ou não-identificação,
contribuindo para processos de formação e transformação na identidade dos
indivíduos. Uma CoP possui membros totais, que são participantes mais
antigos e experientes, possuidores da economia de significados, e também
membros periféricos, que normalmente são iniciantes ou colaboradores. A
tensão entre estas formas de pertencer pode levar à produção de novos
significados. Outras tensões provenientes da interação entre aspectos locais
e globais, como membros que pertencem a outras comunidades e
funcionam como brokers (no sentido de quebrar conceitos) e o próprio fato
da CoP estar inserida em um contexto social mais amplo, também
corroboram para facilitar ou dificultar a produção de novos significados para
prática.
Wenger (1998) ressalta que três modos de pertencimento que
influenciam o modo de produzir de uma CoP: a) o engajamento, que se
caracteriza por ser o envolvimento ativo nos processos mútuos de
negociação de significado; b) a imaginação, que é a criação de imagens e
conexões que transcende o tempo e o espaço e extrapola nossas
experiências criando novas imagens do mundo e de s mesmos; c) o
alinhamento, que é a coordenação de nossa energia e de nossas atividades
para estar de acordo com uma proposta comum, com estruturas maiores
sociais, culturais, organizacionais.
A partir deste referencial, o conhecimento prático é reconhecido como
uma participação competente na prática, dentro de um regime local de
competência. Ele não é estático, pois novos conhecimentos podem surgir
pela negociação de significados. Neste contexto, a aprendizagem da prática
caracteriza-se por ser uma experiência significativa proveniente da
interação entre a experiência e o regime de competência local, sempre sob
influência de aspectos globais.
Wenger (1998) denomina especificamente Comunidade de
Aprendizagem (CoA) o engajamento mútuo em torno de um
empreendimento cujo foco é a aprendizagem. Uma CoA envolve tanto a
possibilidade de criação de conhecimento, na dinâmica entre saberes
considerados centrais para o regime de competência e saberes periféricos,
como o favorecimento de transformações de identidade, através do
processo de tornar-se ou de desejar se tornar uma determinada pessoa,
favorecendo reconfigurações tanto locais como sociais.
51
Nesta direção, Wenger (1998) enfatiza que a aprendizagem em si não
pode ser projetada, mas que se pode construir projetos que a facilitem ou a
inibam. Para que haja um contexto rico para a aprendizagem, este autor
ressalta a importância de projetos que favoreçam a combinação entre os
três modos de pertencimento e propõe uma arquitetura que envolve quatro
dimensões para cada modo de pertencimento: a) participação versus
reificação, envolve a interação entre a parcialidade das pessoas e a
ambigüidade dos artefatos; b) projetado versus emergente, envolve a
interação entre o projeto, que é o elemento estruturador, e a habilidade de
negociar novos significados para a prática e para a identidade a partir do
que emerge no contexto, em resposta ao projeto; c) local versus global,
envolve a interação entre a prática que é local e as relações globais, pois a
relevância da aprendizagem precisa de parâmetros globais; d) identificação
versus negociação, envolve a oferta de uma estrutura para identificações e
posses de significados que precisa ser negociada.
É importante ressaltar que a combinação entre os modos de
pertencimento pode produzir características específicas da aprendizagem. A
combinação entre engajamento e imaginação produz uma prática reflexiva
(Schön, 1983), pois a imaginação favorece a adoção de outras perspectivas,
a exploração de futuros possíveis e de representações que disparem novas
interpretações tanto para a prática como para a identidade. Por sua vez, a
combinação entre imaginação e alinhamento possibilita agir com respeito a
uma imagem mais ampla de mundo, além disso, o alinhamento fica mais
robusto, pois maior compreensão direcionada pela imaginação, ao
pensar em efeitos mais amplos, necessidades de adaptações. A combinação
entre engajamento e alinhamento permite expandir as possibilidades de
identidade e aprendizagem, ver a participação em um contexto mais amplo,
perceber suas posições e assumir novos critérios de competência.
A partir deste referencial, foi possível construir um projeto de grupo,
norteador da intervenção, apresentado nos Quadros 02, 03 e 04, para cada
modo de pertencimento respectivamente.
52
Quadro 02 – Projeto do Grupo como Comunidade de Aprendizagem - Engajamento
Dimensões
Adaptação ao Projeto do Grupo
1. PARTICIPAÇÃO X REIFICAÇÃO
Caracteriza-se pela combinação de
participação e reificação em ações e
interações e na criação de histórias
compartilhadas.
Favorecer a participação no grupo, estimular
discussões, oferecer artefatos (tarefas e materiais)
que favoreçam a reflexão sobre a prática, estimular
o compartilhar de reflexões sobre a prática e a
criação de histórias compartilhadas.
2. PROJETADO X EMERGENTE
Caracteriza-se por ser uma
improvisação situada num regime de
confiança e compromisso.
Estar aberto às reais necessidades de
desenvolvimento profissional e ter agilidade para
trabalhar no aqui-e-agora do grupo e/ou redefinir
caminhos.
3. LOCAL X GLOBAL
Caracteriza-se pelas influências do
ser-multimembro, brokers, de
interagir com periferialidades e
conversações entre o local e o global.
Facilitar o estabelecimento de conexões entre a
experiência vivida de cada participante em
diferentes contextos e a produção do grupo de
modo a permitir a construção de novos sentidos
sobre a prática profissional, sobre o modo de
produzir no grupo; favorecer a problematização do
que vem de fora e o que é local de modo a produzir
novos significados.
4. IDENTIFICAÇÃO X NEGOCIAÇÃO
Caracteriza-se pela mutualidade em
ações compartilhadas, pela
negociação situada, e pela
transformação de aspectos marginais
em aspectos periféricos.
Incentivar o envolvimento no grupo e o compartilhar
de experiências de modo a favorecer processos de
identificação e de negociação de significados;
estimular a negociação da posse de significados,
tanto ao oferecer material teórico para favorecer o
acesso à economia de significados relacionados à
pesquisa como apropriar-se dos significados
relacionados à prática pertencentes às demais
participantes; favorecer a periferialidade como
possibilidade de estar no grupo.
Quadro 03 – Projeto do Grupo como Comunidade de Aprendizagem – Imaginação
Definição Adaptação ao Projeto do Grupo
1. PARTICIPAÇÃO X REIFICAÇÃO
Caracteriza-se pelas histórias,
pelo brincar com formas,
recombinações, questionamentos.
Oferecer tarefas e materiais que auxiliem a
produção de histórias sobre a prática, favorecer
a imaginação de práticas
a partir de diferentes
situações e contextos; favorecer o
questionamento de atitudes e compreensões
sobre a prática.
2. PROJETADO X EMERGENTE
Caracteriza-se por imaginar
cenários, mundos possíveis,
simulações, percepção de novos
padrões.
Projetar tarefas e oferecer materiais que
estimulem a percepção de possíveis contextos,
de possíveis situações dilemáticas, do percurso
narrativo de tomar decisões e ajudar o grupo a
lidar com as questões emergentes de modo a
produzir sentidos de forma colaborativa.
3. LOCAL X GLOBAL
Caracteriza-se por pensar sobre
modelos, mapas, representações,
visitas,viagens.
Estimular o compartilhar de modelos e
representações existentes sobre a prática
profissional e estimular a produção de novos
sentidos sobre eles relacionando-os às
singularidades da prática individual e da
prática produzida localmente.
4.IDENTIFICAÇÃO X NEGOCIAÇÃO
Caracteriza-se pela possibilidade
de vislumbrar novas trajetórias,
empatia com determinadas
trajetórias, esteriótipos,
explicações
Possibilitar a identificação com novas
trajetórias profissionais, favorecer a reflexão
sobre esteriótipos profissionais, sobre modelos
de prática esteriotipados, favorecer a
negociação de significados sobre trajetórias
paradigmáticas, favorecer a busca por
explicações de imagens estáticas e a
negociação para novas possibilidades
53
Quadro 04 – Projeto do Grupo como Comunidade de Aprendizagem - Alinhamento
Definição
Adaptação ao Projeto do Grupo
1. PARTICIPAÇÃO X REIFICAÇÃO
Caracteriza-se pelos estilos e
discursos.
Ajudar o grupo a tomar posse do discurso da
investigação da própria prática e a produzir um
estilo colaborativo de trabalho.
2. PROJETADO X EMERGENTE
Caracteriza-se pela comunicação, pelo
feedback, em um processo de
coordenação, renegociação,
realinhamento.
Favorecer a comunicação; oferecer retornos
relacionados às produções das participantes de
modo a alinhar/realinhar a produção de acordo com
os objetivos da pesquisa ação e também estar
aberto a redefinir/realinhar os objetivos da pesquisa
às necessidades e demandas do grupo e que
possam ser contempladas no projeto; compartilhar
procedimentos e direcionamentos de ações no
grupo.
3. LOCAL X GLOBAL
Caracteriza-se pela oferta de
standards, de uma infra-estrutura
compartilhada, de centros de
autoridade.
Produzir uma prática que favoreça o
estabelecimento de necessidades locais de
aprendizagem, mas relacionadas à produção mais
global dentro da área de Terapia Ocupacional e
Educação e do campo da pesquisa em
desenvolvimento profissional.
4. IDENTIFICAÇÃO X NEGOCIAÇÃO
Caracteriza-se pela oferta de
inspiração, campos de influência, e
pela reciprocidade das relações de
poder.
Favorecer a possibilidade de identificação com uma
prática profissional crítica e reflexiva; possibilitar o
acesso a autores que trabalhem nesta direção;
permitir que as relações de poder possam ser
recíprocas no sentido de assumir responsabilidades
pela continuidade da aprendizagem no grupo e dos
caminhos que o trabalho no grupo pode tomar.
A crônica do grupo
Mesmo tendo escolhido o referencial da Comunidade de
Aprendizagem como guia principal para o trabalho no grupo, minha
formação em “Coordenação de Grupos em Instituições de Saúde”, em 2000,
foi centrada no referencial de Grupos Operativos de Pichón-Rivière
(BAREMBLITT, 1986; PICHÓN-RIVIÈRE, 2005). O trabalho com grupos
operativos também valoriza a comunicação no grupo, em seus aspectos
explícitos e implícitos, como elemento-chave que favorece a aprendizagem.
Neste trabalho, além do coordenador do grupo, existe o observador, que
não participa diretamente das discussões no grupo, mas está presente nos
encontros fazendo anotações sobre a comunicação verbal e não-verbal. O
observador e o coordenador são responsáveis por elaborar a crônica do
grupo, que é o registro do que foi produzido no grupo como uma história,
com base no relato descritivo feito pelo observador. Para a elaboração da
crônica, Lucchese e Barros (2007) descrevem a necessidade de considerar o
relato do que aconteceu antes da reunião e na reunião em si, o tema
principal e os conteúdos mais relevantes discutidos no grupo, temas não
compreendidos e incômodos percebidos. A análise da reunião deve pautar-
se em características da abertura (tema eleito, como foi vivido pelo
coordenador, clima da sessão), do desenvolvimento (contradições,
54
ansiedades, alianças entre subgrupos, e os papéis funcionais e
disfuncionais) e de encerramento (clima do grupo e o modo do
encerramento). Lucchese e Barros (2007) sugerem que a crônica do grupo
pode ser considerada como um diário de campo, e mesmo como uma etapa
da análise de dados, por contar com a colaboração conjunta do coordenador
e do observador.
Em nossa pesquisa, as crônicas dos grupos caracterizaram-se como
os relatos narrativos do encontro dos grupos, feitos a partir de minhas
interpretações com base nas transcrições do grupo, justificadas com
excertos de falas das participantes (APÊNCIDE A). Estas narrativas foram
entregues às participantes, antes de cada encontro, o que favoreceu a
reflexão sobre o que havia sido discutido no encontro anterior, e as
concordâncias ou discordâncias destas interpretações. Neste sentido, elas
foram utilizadas como ferramentas para a continuidade da aprendizagem,
favorecendo o engajamento e o processo de negociação de significados,
pois eram a reificação do que havia sido produzido em cada grupo. Além
disso, foram utilizadas como uma primeira análise colaborativa, não entre
coordenador e observador, mas entre coordenador e demais participantes
do grupo, em uma construção colaborativa da pesquisa-ação que favoreceu
a análise posterior da trajetória do grupo e do processo de aprendizagem
colaborativa.
Os diários reflexivos e as devolutivas
Os diários reflexivos podem ser considerados como contexto de
aprendizagem profissional, na medida em que o profissional é levado a
descrever o que faz, a lidar com suas compreensões sobre a prática. Eles
têm sido utilizados como instrumentos para facilitar o processo de reflexão
sobre a ação (SCHÖN, 1983; 2000) tanto para o ensino da prática
profissional na formação inicial, como para promover o desenvolvimento
profissional (FISH, 2006; LORENZO et al., 2006; NEISTADT, 1996;
RODGERS, 2006; SCHELL; SCHELL, 2008; TRYSSENAAR, 1995; ZABALZA,
1994).
Como discutido no capítulo introdutório, o princípio norteador do uso
de diários para favorecer a reflexão sobre a prática repousa nas relações
entre narrativa e experiência. Neste sentido, o processo de narrar a própria
experiência possibilita ao sujeito reconstruir sua trajetória e lhe oferecer
55
novos sentidos com vistas a ações futuras, estabelecendo uma relação
dialética entre experiência vivida e narrativa. Cunha (1997) sustenta que o
sujeito, ao organizar suas idéias para o relato, reconstrói sua experiência de
forma reflexiva, o que lhe oferece novas bases para a compreensão de sua
prática. Ao contar sua experiência, os sujeitos precisam lidar com suas
crenças, expectativas e, ao falar do passado, também conseguem anunciar
novas possibilidades e intenções, em um interjogo em que a experiência
produz a narrativa, que, por sua vez, também produz a experiência.
É importante retomar que o processo de reflexão sobre a ação é aqui
compreendido como uma forma rigorosa de pensar, que ela está atrelada à
ação e que demanda uma ação conseqüente, que é qualitativamente
diferente de uma ação rotineira (RODGERS, 2002). Portanto, não se trata
de qualquer processo de pensamento, mas de um pensamento voltado para
a ação, para a prática (SCHÖN, 1983, 2000).
Desta forma, os diários foram incorporados a esta pesquisa com a
intenção de possibilitar um processo mais individualizado para favorecer a
aprendizagem de cada participante e possibilitar o acompanhamento deste
processo.
Além disso, outro fator importante do trabalho com os diários, e que
tem sido bastante discutido na literatura (ALSOP, 2002; COLE, 2003;
LEDET, SPARZA, PELOQUIN, 2005; MILNER, BOSSERS, 2005; MORLEY,
2007, WELSH, DAWSON, 2006; WIMPENNY et al., 2006) é que o processo
de reflexão individual não é suficiente para promover o desenvolvimento
profissional, e que instâncias coletivas podem ajudar a guiar este processo,
oferecer parâmetros para a reflexão e confrontar o profissional de modo que
o processo de reflexão sobre a prática possa atingir uma dimensão mais
profunda e direcionada.
Neste sentido, além da contribuição do grupo de aprendizagem
colaborativa, as devolutivas para cada diário também se ajustaram a este
propósito. As devolutivas ou feedback (DUNCAN, BUCHANAN, 2006;
RODGERS, 2006) podem ser compreendidas como um processo
deliberativo, mas não impositivo, no sentido de impor determinado
conhecimento como absoluto. Duncan e Buchanan (2006) sustentam que
escrever comentários a partir das reflexões de outros profissionais ou
estudantes tem a intenção de ajudar a identificar áreas que precisam de
mais atenção, facilitar a avaliação de seu desempenho e processo de
56
aprendizagem; facilitar o engajamento no processo de construção do
conhecimento; motivar a aprendizagem ao apontar áreas ainda não
exploradas e que demandam por construção de sentidos e ajudar o
profissional ou estudante a mapear a prática de acordo com o conhecimento
existente ou esquemas teóricos. Rodgers (2006) também ressalta que a
devolutiva não deve ser confundida com um julgamento avaliativo sobre o
que é bom ou não, certo ou errado, mas uma exploração sobre o que pode
ajudar e sustentar a aprendizagem, e que a devolutiva é uma oportunidade
de olhar com mais calma, respirar e tentar compreender em que contexto o
profissional estava, como ele deve ter chegado lá, para onde ele deve ir a
partir disso e qual pode ser a melhor forma de chegar onde deseja.
O diário de pesquisa
O diário de pesquisa ou notas de campo é a ferramenta essencial
para a coleta de dados na pesquisa qualitativa de cunho etnográfico, e
contém a descrição do que foi observado pelo pesquisador; as falas das
pessoas durante a atividade de observação, ou em entrevistas formais ou
informais; as interpretações e hipóteses iniciais do pesquisador; os
sentimentos, as reações e as reflexões do pesquisador durante o processo
de coleta de dados. Estas anotações podem ser feitas em um mesmo
documento, com marcadores diferentes para cada tipo, ou em documentos
diferentes, uma para a observação e outro para o registro das reflexões do
pesquisador. Além disso, o diário de pesquisa também pode ser
caracterizado como um registro das estratégias que estão funcionando ou
não e das hipóteses do pesquisador para o sucesso ou fracasso (PATTON,
1990).
Como esta pesquisa se caracterizou por ser uma pesquisa-ação e a
coleta de dados não se sustentou somente na observação, o diário de
campo foi utilizado para o registro de minhas reflexões acerca do trabalho
de intervenção e de pesquisa. Como a pesquisa-ação colaborativa demanda
que o pesquisador desempenhe vários papéis coordenador de grupo e
líder de desenvolvimento profissional e pesquisador (CARROLL, 2005) o
diário de pesquisa se constituiu como uma ferramenta no auxílio das
reflexões sobre as dificuldades e facilidades tanto no processo do grupo
como sobre o processo de pesquisa.
57
As entrevistas com as colaboradoras da pesquisa
Tendo em vista a proposta de fomentar a aprendizagem colaborativa,
além de colaborar para a condução do processo de pesquisa-ação, ao poder
me auxiliar a compreender a trajetória do grupo, foram realizadas duas
entrevistas com as colaboradoras, uma a cada final de semestre (julho e
novembro).
O Processo de Pesquisa-Ação Colaborativa: pesquisa e intervenção
construídas conjuntamente
De 07 de março a 28 de novembro de 2007, coordenei o grupo de
aprendizagem colaborativa para o desenvolvimento profissional, em
encontros quinzenais, com duração de uma hora, num total de 18
encontros, realizados na sala de atendimento de Terapia Ocupacional do
Departamento de Psiquiatria. Esta atividade foi incorporada como curso de
extensão, junto à Pró-Reitoria de Extensão da Universidade Federal de São
Paulo.
Estes encontros aconteciam às quartas-feiras e começavam por volta
das 17 horas. Sentávamos ao redor de uma mesa que comportava
exatamente nossas nove cadeiras. A sala também possuía algumas
prateleiras com trabalhos iniciados pelas pessoas que eram atendidas ali,
outros trabalhos das especializandas, desenvolvidos na disciplina
Laboratório de Atividades, e também trabalhos feitos pelos residentes e
especializandos de Terapia Ocupacional, Psicologia e Serviço Social, em um
grupo voltado para o cuidado em saúde destes profissionais. Além disso,
havia armários para guardar os materiais e uma pia.
O início dos encontros costumava ser bastante informal,
conversávamos sobre notícias da semana, as terapeutas ocupacionais
iniciantes, muitas vezes, entravam na sala conversando sobre algum caso,
reunião ou situação relacionada ao trabalho daquele dia ou semana.
Algumas vezes, elas também chegavam atrasadas, por alguma demanda
urgente de algum paciente ou quando vinham de alguma reunião de equipe.
Quando todas ou a maioria estava na sala, começávamos o grupo
geralmente comentando a crônica do grupo anterior, pois nosso
compromisso era de lê-la antes de nossos encontros. Na seqüência, quando
havia alguma tarefa prévia, como a leitura de textos ou de narrativas sobre
58
a prática, ou mesmo algum exercício que deveria ter sido feito em casa,
começávamos a conversar sobre eles. A maioria dos encontros do grupo
possuiu uma programação prévia. No início, esta programação estava mais
relacionada a uma aproximação das participantes da pesquisa e da
construção de um modo de trabalhar, tanto que nos primeiros encontros, eu
elaborava uma lista de temas que estavam sendo discutidos nos diários e a
levava para o grupo, como material reificado para organizar a discussão. Na
medida em que o tempo foi avançando, a responsabilidade desta
programação foi sendo compartilhada no grupo, e as próprias participantes
elegeram materiais para organizar as discussões no grupo. Além disso,
houve alguns encontros sem que uma tarefa prévia tivesse sido combinada,
mas isso também teve o seu sentido construído na história deste grupo,
como poderá ser visto no próximo capítulo.
Os encontros eram gravados em áudio e transcritos por mim, e a
partir desta transcrição, eu elaborava a crônica de cada grupo, que tinha o
objetivo de narrar o que tinha sido conversado (história ou memória do
grupo), tanto para que alguma participante que tivesse faltado pudesse
saber o que tinha sido discutido, como para servir de base para outras
discussões, como material reificado proposto por Wenger (1998).
Fazer esta crônica não era uma tarefa trivial, pois exigia que eu me
voltasse para as transcrições e tentasse compreender o sentido daquela
conversa. Neste processo de transcrever e elaborar a crônica, eu me via
muito imersa na produção do grupo, e era possível identificar questões,
problemas, levantar hipóteses sobre o que estava acontecendo e qual
poderia ser uma possível ação em resposta a estas compreensões. Estas
hipóteses eram anotadas em meu diário de pesquisa. Depois de elaborada,
a crônica era enviada por correio eletrônico a todas as integrantes, as quais
tinham o compromisso de lê-la antes dos encontros do grupo.
Além da participação nos grupos, as terapeutas ocupacionais
iniciantes produziam um diário reflexivo e me entregavam quinzenalmente,
antes da realização dos encontros do grupo, por meio de correio eletrônico.
Os diários eram lidos e eu escrevia uma devolutiva para cada participante,
na maioria das vezes, também antes do encontro do grupo daquela
quinzena. Estes retornos privilegiavam, de modo geral, um maior
aprofundamento no processo de reflexão sobre a prática, e para isso, eu
procurava tecer comentários e questionamentos que pudessem levá-las a
59
explicitar suas crenças, identificar conseqüências de suas ações, levantar
hipóteses, clarear o que estavam querendo dizer, aprofundar na descrição
de alguma situação para facilitar sua compreensão ou a compreensão de
aspectos implícitos e, com o tempo, foi possível questionar concepções e
conceitos, oferecer material teórico para leitura e reflexão. Entretanto, fui
construindo um modo particular de conversar com cada uma delas, a partir
de suas necessidades, do quanto conseguiam descrever e se aprofundar nas
situações, procurando identificar quais aspectos poderiam estar dificultando
a reflexão e trabalhando sobre eles.
Neste sentido, ao longo do processo de pesquisa-ação, foi sendo
construído uma retro-alimentação entre diários e encontros do grupo, em
um movimento que ia dos diários para o grupo, tanto através da lista de
temas que eu levava nos primeiros encontros como pelo compartilhar de
questões trabalhadas nos diários pelas próprias terapeutas ocupacionais
iniciantes, e em um movimento do grupo para os diários, pois estes
também ofereciam novas idéias para a escrita reflexiva.
Ao longo deste processo, também realizei análises preliminares dos
conteúdos dos diários, descritas posteriormente, relacionadas aos diferentes
tipos de processos reflexivos utilizados pelas participantes. Estas análises
preliminares favoreceram o processo de reflexão sobre a ação dos diários,
pois a partir delas era possível orientar as participantes a se aprofundarem
e a explorarem diferentes tipos de reflexão.
Além disso, foram realizadas duas conversas, de uma hora de
duração, com as colaboradoras da pesquisa, nos dias 04 de junho e 14 de
novembro, com o objetivo de avaliar o percurso do grupo, as percepções e
reflexões das colaboradoras tanto sobre o grupo como sobre a interação
profissionais experientes e profissionais iniciantes, e também sobre
desdobramentos futuros desta experiência para o curso de especialização,
como por exemplo, a inclusão de estratégias formativas exclusivas para
favorecer o processo de reflexão sobre a ação.
O registro cotidiano de minhas impressões e reflexões sobre o
processo de pesquisa-ação colaborativa foi feito em um diário de pesquisa,
e abarcou principalmente reflexões sobre minhas compreensões das
vicissitudes do grupo; de minha atuação na intervenção, tanto no grupo
como no retorno aos diários; das relações teóricas estabelecidas com os
60
referenciais e com a literatura da área; e das dificuldades e problemas a
serem resolvidos.
Neste sentido, a relação que foi sendo construída entre os diferentes
elementos da pesquisa-ação (grupo e crônicas, diários reflexivos e
devolutivas, diálogo com as colaboradoras e diário de pesquisa) teve o
objetivo de garantir coerência e coesão teórico-metodológica à pesquisa.
A Análise dos Dados
Os dados foram provenientes das transcrições dos encontros do grupo,
das crônicas, dos diários reflexivos das participantes, das devolutivas aos
diários reflexivos, das conversas com as colaboradoras e dos diários de
pesquisa. Tendo em vista o objetivo principal e os objetivos específicos
desta pesquisa, a construção do arcabouço para a análise dos dados
precisou lançar mão de metodologias que oferecessem procedimentos
capazes de abarcar toda a complexidade da investigação.
Nesta direção, a análise dos dados foi organizada em três grandes
eixos, envolvendo a análise dos temas conversados no grupo, de seu
desenvolvimento ao longo do processo e das repercussão destes temas nas
trajetórias individuais; uma análise das transformações nos modos de
trabalhar no grupo em uma linha do tempo; e a análise dos processos
reflexivos e de raciocínio clínico.
Embora cada eixo tenha algumas ferramentas analíticas específicas
que serão descritas adiante, o trabalho de análise, de modo geral, percorreu
o caminho de identificar os temas discutidos tanto no grupo como nos
diários e o processo de desenvolvimento destes temas ao longo do período
de intervenção.
Para uma primeira etapa de análise temática, os dados (transcrições
do grupo, diários das participantes e devolutivas da pesquisadora) foram
submetidos à análise computacional do software ALCESTE Analyse
Lexicale par Contexte d’un Ensemble de Segments de Texte. Este programa
oferece uma análise quantitativa de dados textuais, a partir de leis de
distribuição do vocabulário textual, de critérios para considerar os dados
como indicadores de um fenômeno de interesse.
A idéia subjacente é que o sentido das sentenças pode ser captado se
for possível identificar as palavras que aparecem juntas nas frases e que
61
são ditas pelo maior número de sujeitos possível. Segundo Kronberger e
Wagner (2003), os pressupostos do ALCESTE são: a) pontos de vista de um
grupo social sobre um objeto produzem diferentes maneiras de falar sobre o
objeto; b) o vocabulário (palavras) é visto como uma fonte para detectar
diferentes maneiras de pensar sobre o objeto; c) o objetivo da ALCESTE é
identificar classes de palavras que representem as diferentes formas de
discurso a respeito do objeto de pesquisa.
O processamento do ALCESTE se da seguinte forma: a) o programa
prepara o corpus de análise composto pelas Unidades de Contexto Iniciais
(UCIs), que é todo o conjunto textual relativo a um tema específico; b) o
programa classifica o corpus, dividindo o material textual em Classes,
formadas por Unidades de Contexto Elementar (UCEs). As UCEs são
segmentos do texto, de tamanho em torno de três linhas, e que geralmente
respeitam a pontuação (CAMARGO, 2005). Deste modo, cada Classe é
composta por várias UCEs a partir da classificação segundo a distribuição de
vocabulário, feita pela freqüência e pelo χ
2
das palavras. A principal
característica das UCEs de determinada Classe é possuírem um vocabulário
semelhante entre si e diferente das outras Classes; c) o programa gera um
dendograma que representa a Classificação Hierárquica Descendente (CHD)
que indica a fragmentação do texto e as relações entre as diferentes
classes, mostrando a estabilidade entre elas. Deste modo, o que a análise
feita pelo ALCESTE oferece são classes de vocabulário que indicam sua
pertinência a algum tema ou sub-tema. O programa não analisa o
sentido/significado de suas frases, esta etapa fica por conta do pesquisador,
de suas intenções e escopo teórico.
Sendo assim, os resultados oferecidos pelo software serviram como
ponto de partida para a compreensão dos temas abordados na pesquisa.
Como utilizamos o programa da Fundação Carlos Chagas, em São Paulo,
sob orientação da pesquisadora Dra. Marialva Tavares, a distância nos
impediu de fazer outras experimentações de análise, necessárias para quem
está aprendendo a manejar o programa. Deste modo, os resultados
oferecidos pelo software foram incorporados à pesquisa principalmente
como uma fonte para a triangulação dos dados e para a compreensão do
vocabulário mais utilizado para a descrição de alguns fenômenos
específicos.
62
Neste caminho, a análise temática (grupo e diários) e do
desenvolvimento dos temas ao longo do tempo foi a primeira a ser
realizada, e na seqüência, foi possível analisar o processo do grupo. A
análise dos processos reflexivos explicitados nos diários foi realizada em
duas etapas, a primeira realizada ao longo do período de coleta de dados e
centrada somente na estrutura e conteúdo das reflexões, e uma segunda
etapa posterior em que procurei relacionar tais processos com as categorias
de raciocínio clínico em Terapia Ocupacional.
A análise temática e do processo de construção colaborativa de sentidos no
grupo e de suas repercussões nas trajetórias individuais
Inicialmente, as transcrições dos encontros do grupo e todos os
diários das participantes foram submetidos à análise quantitativa do
ALCESTE. Com este material em mãos, procurei realizar a análise de
conteúdo (BARDIN, 2004; FRANCO, 2007) para identificar os sentidos das
classes de vocabulário identificadas. Encontrei três temas diferentes, que
serão descritos posteriormente, mas diante da impossibilidade de realizar
outras experimentações, não foi possível obter informações sobre como
estes três grandes temas foram desenvolvidos ao longo do tempo.
Deste modo, recorri às crônicas do grupo, pois este material já
continha uma análise preliminar, feita de forma colaborativa entre
pesquisadora e participantes. Realizei uma leitura inicial mais livre e uma
segunda leitura procurando identificar blocos temáticos de conversa em
cada grupo. Em seguida, realizei uma nova leitura e comecei a agrupar os
blocos de conversa de mesmo tema e que apareciam ao longo dos
encontros do grupo. Alguns temas apareceram em muitos encontros e
outros em poucos encontros, ou em uma única reunião.
Os dezessete blocos de conversa iniciais
7
foram sendo agrupados por
proximidade dos temas, o que resultou em quatro grandes categorias: o
processo de pesquisa-ação; a prática iniciante em Terapia Ocupacional; a
assistência em terapia ocupacional; a prática em contexto. Uma nova
leitura identificou que uma parte da categoria prática em contexto se
relacionava a questões de prática iniciante (dificuldades de lidar com o
7
Desligamento (1), Tensões com o Discurso Biomédico (2), Equipe (3), Escrita do Diário (4), Não
Canônico (5), Pesquisa (6), Pesquisa como um Fantasma (7), Prática em Contexto (8), Prática em Saúde
Mental (9), Prática Iniciante (10), Raciocínio Clínico (11), Relação Iniciantes-Experientes (12), Terapia
Ocupacional (13), Terminalidade (14), Interconsulta (15), Trabalho no Grupo (16), Trânsito Grupo
Outros Espaços (17)
63
contexto) e outra parte, a questões da assistência em terapia ocupacional
(especificidades contextuais da assistência).
Deste modo, em meu processo de análise temática encontrei três
grandes categorias, semelhantes às identificadas pelo ALCESTE, e também
o processo do desenvolvimento destes temas ao longo do grupo. Para
facilitar a visualização de como os temas foram aparecendo nos encontros
do grupo, construí um quadro em que relacionei o tema e seu aparecimento
no grupo (QUADRO 05).
Quando fiz a leitura dos diários, foi possível perceber que os mesmos
temas se fizeram presentes, porém cada participante se dedicou mais a um
ou outro tema. Fiz novos quadros para cada participante, categorizando
temas que apareciam nos diários, e identifiquei em quê cada uma delas
havia focado suas reflexões.
Os resultados que indicam como estes temas foram sendo
trabalhados ao longo do tempo e como eles se particularizaram na trajetória
de algumas participantes serão apresentados no quarto e no quinto
capítulos. No terceiro capítulo, que trata do processo de aprendizagem
colaborativa, estes resultados da análise temática e processual foram
submetidos a um novo procedimento, descrito na seqüência, para
aprofundar a compreensão sobre as transformações ocorridas no trabalho
do grupo.
A análise das transformações nos modos de trabalhar no grupo em uma
linha do tempo
Diante das análises temática e do desenvolvimento dos temas
relacionados ao processo da pesquisa-ação, foi possível identificar
encontros-chave que pareciam demarcar uma transição entre um modo
grupal de produzir e outro, mais colaborativo. Este mapeamento preliminar
foi submetido a uma nova análise utilizando-se a linha do tempo do grupo.
64
65
Esta ferramenta foi desenvolvida por Grossman, Winenburg e
Woolworth (2001) ao trabalhar com comunidades de professores, pois
perceberam que o trabalho no grupo vai se transformando ao longo do
tempo e que uma história particular vai sendo construída. Estas vicissitudes
ao longo do trabalho em grupo podem ser analisadas a partir de quatro
dimensões, a saber:
a) a formação da identidade do grupo e as normas de interação: o senso de
individualismo e os subgrupos iniciais se transformam em um senso de
responsabilidade coletiva que regula a interação, a partir do reconhecimento
e contribuição das diferentes perspectivas;
b) as rotas dissonantes: a negação inicial das diferenças e dos conflitos
precisa se transformar em uma compreensão e em um uso produtivo das
diferenças para a resolução dos conflitos, de forma aberta e honesta;
c) a negociação da tensão essencial: discordâncias sobre os motivos de
estar no grupo, sobre os objetivos de cada participante, são vistas,
inicialmente, como irreconciliáveis, mas precisam caminhar na direção de
uma responsabilidade coletiva;
d) responsabilidade coletiva para o crescimento individual: a compreensão
de que o crescimento profissional é de responsabilidade individual
transforma-se em um comprometimento com o crescimento dos colegas e
com a aceitação de direitos e obrigações para com os membros do grupo.
Além disso, é possível compreender como o grupo se desenvolve em
direção a uma maior maturidade em seu modo de trabalhar, como mostra o
quadro 06. A partir desta grade de análise, pudemos uma linha do tempo
(FIGURAS 01 e 02, p. 72 e 73) e procurei analisar como estas quatro
dimensões estiveram presentes em cada momento.
Entretanto, ao olhar somente para a linha do tempo do grupo como
evidência das transformações nos modos de trabalhar do grupo, o processo
vivido pelas diferentes participantes ficou bastante diluído. Deste modo,
decidi apresentar a trajetória de uma das participantes, Luiza, para
exemplificar as possibilidades de articulação entre a participação no grupo,
a escrita dos diários e as devolutivas.
66
Quadro 06 – Modelo de formação de uma comunidade profissional de professores
COMEÇO DESENVOLVIMENTO MATURIDADE
1. Formação da identidade do grupo e normas de interação
Identificação em
subgrupos
Pseudo-comunidade (falso
senso de unidade:
supressão do conflito)
Identificação com todo o
grupo
Indivíduos são
intercambiáveis e não são
essenciais
Reconhecimento das
contribuições únicas dos
membros
Reconhecimento que o
grupo é enriquecido pelas
múltiplas perspectivas
(senso de perda quando
algum membro falta)
Incivilidade subliminar Discussão das normas de
interação
Desenvolvimento de
novas normas de
interação
Senso de individualidade
se sobrepõe à
responsabilidade com o
grupo
Reconhecimento da
necessidade de regular o
comportamento do grupo
Responsabilidade coletiva
e regulação do
comportamento grupal
2. Rotas dissonantes
Negação da diferença Apropriação da visão
divergente pela posição
dominante
Compreensão e uso
produtivo da diferença
Conflitos ficam
mascarados, ocultos da
visão
Os conflitos vêm à cena e
são temidos
O conflito é uma
característica esperada na
vida do grupo e é
trabalhado com abertura
e honestidade
3. Negociação da tensão essencial
Falta de concordância
sobre os objetivos da
comunidade profissional;
diferentes posições são
vistas como
irreconciliáveis
Aceitação com má
vontade que os indivíduos
possam desenvolver
atividades diferentes
Reconhecimento de que a
aprendizagem do
professor e a do
estudante estão
fundamentalmente
conectadas
4. Responsabilidade coletiva para o crescimento individual
Crença de que os
professores têm
responsabilidades para
com os alunos e não para
com os colegas; o
crescimento intelectual é
de responsabilidade
individual
Reconhecimento de que
os colegas podem ser
fontes de aprendizagem
Comprometimento com o
crescimento dos colegas
As contribuições para o
grupo são atos volitivos
individuais
Reconhecimento de que a
participação é esperada
de todos os membros
Aceitação dos direitos e
das obrigações de ser
membro da comunidade
(e.g. “gestação
intelectual
8
”, “desejo de
esclarecimento”)
Quadro retirado de Grossman, Winenburg e Woolworth (2001, p. 988, tradução nossa)
8
Intellectual midwifery literalmente significa obstetrícia intelectual. Adotamos o termo gestação
intelectual compreendendo aquela expressão como o cuidado para o nascimento e desenvolvimento das
idéias.
67
Análise dos processos reflexivos e de raciocínio clínico
Desde a pesquisa de mestrado, tenho procurado investigar a forma e
o conteúdo da reflexão sobre a ação explicitada em narrativas escritas de
terapeutas ocupacionais com a intenção de compreender aspectos do
raciocínio clínico.
Dando continuidade a este trabalho, os diários das participantes da
pesquisa foram submetidos, primeiramente, a uma análise para identificar a
estrutura do pensamento reflexivo evidenciado. Esta análise foi feita a partir
das categorias propostas por Hatton e Smith (1995), detalhadas na referida
pesquisa de mestrado (MARCOLINO, 2005; MARCOLINO e MIZUKAMI,
2008). As quatro categorias propostas por estes autores identificam relatos
que vão desde um registro não reflexivo dos eventos e no qual não
justificativa para a ocorrência das ações, chamada de narração descritiva;
relatos que evidenciam um tipo de pensamento que procura oferecer
justificativas para as ações, baseadas no julgamento pessoal ou em
referências da literatura, chamada de descrição reflexiva; um outro tipo de
relato que se apresentam como uma forma de discurso consigo mesmo,
uma exploração de possíveis razões, como um retorno aos fatos usando
diferentes alternativas para levantar e explicar hipóteses, nomeada de
reflexão dialógica; e uma reflexão caracterizada por demonstrar uma
consciência de que as ações e os eventos não são apenas explicados por
muitos pontos de vista, mas também pelos diferentes contextos sócio-
histórico-político-culturais, chamada de reflexão crítica. A partir desta
análise, procurei identificar o conteúdo destas reflexões e relacioná-los aos
modos de raciocínio clínico em Terapia Ocupacional a partir do trabalho de
Schell e Schell (2008), que procura agrupar os diferentes tipos de raciocínio
clínico em Terapia Ocupacional e oferecer pistas para reconhecê-los no
discurso dos profissionais.
Entretanto, estas categorias não se mostraram totalmente adequadas
para esta análise. Foram observados alguns desajustes entre o significado
proposto para alguns tipos de raciocínio e o sentido do uso deste raciocínio
na prática das terapeutas ocupacionais. Deste modo, foi possível identificar
quais categorias continham esses desajustes e discutir estas diferenças a
luz de um referencial mais próximo da prática das terapeutas ocupacionais
da pesquisa. Este processo de análise e seus resultados serão discutidos em
detalhe no sexto capítulo.
68
3 SOBRE A RESPONSABILIDADE COLETIVA PARA O
CRESCIMENTO INDIVIDUAL
Neste capítulo pretendo apresentar a história do grupo de mentoria,
em uma linha do tempo (GROSSMAN; WINENBURG; WOOLWORTH, 2001)
que possibilite compreender as vicissitudes dos modos de trabalhar no
grupo, de forma a compreender aspectos do processo de aprendizagem
colaborativa. Além do processo do grupo, apresento a trajetória de uma das
participantes, Luiza, procurando evidenciar as conexões entre as diferentes
ferramentas formativo-investigativas na promoção da aprendizagem.
Deste modo, o que segue é uma composição do desenvolvimento do
grupo ao longo do tempo, com destaque para alguns aspectos que parecem
evidenciar como o grupo foi se transformando. Neste sentido, antes mesmo
de olhar para o grupo em ação, considero necessário contar o início de sua
configuração, pois há alguns elementos singulares que caracterizaram sua
formação.
A história deste grupo começou bem antes de eu conhecer as
profissionais com quem iria trabalhar na pesquisa, quando, em um contexto
pessoal, precisei me mudar de São Carlos para Santo André, no ABC
Paulista. Eu estava finalizando as disciplinas e iniciando a organização de
como seria a coleta de dados da pesquisa. Diante deste imprevisto, embora
eu pudesse manter a coleta de dados em São Carlos, pensei que poderia
ser uma grande oportunidade para me aproximar de terapeutas
ocupacionais com as quais eu tinha uma maior ligação teórica e prática.
Como descreverei com maiores detalhes no quinto capítulo, a terapia
ocupacional da UNIFESP sempre foi reconhecida, na área de saúde mental,
por sua produção teórica e assistencial inovadora, com profissionais
voltadas para o estudo e a sistematização da assistência em terapia
ocupacional com diferentes populações-alvo. Dentre os quais, destacam-se
as produções voltadas para a assistência de pessoas portadoras de
psicoses, e do Programa de Esquizofrenia/PROESQ (VILLARES, 1995,
1998a, 1998b, 1999), do Programa de Álcool e Drogas/PROAD (TEDESCO,
1997, BENETTON; TEDESCO, 1996), da Interconsulta em Saúde Mental
(TEDESCO et al., 2003) e do Ambulatório de Crise (BENETTON, 1994;
1995).
69
As terapeutas ocupacionais do Departamento de Psiquiatria da Escola
Paulista de Medicina da UNIFESP são contratadas para os programas
assistenciais e a ligação entre elas se dá pelo curso de especialização, como
supervisoras (informação verbal
9
). Muitas delas passaram pela formação
clínica no CETO (em Terapia Ocupacional Psicodinâmica ou no Método
Terapia Ocupacional Dinâmica), destas nem todas atuam exclusivamente
sob este referencial, mas este modo de pensar e praticar terapia
ocupacional ainda é uma das referências na assistência e na formação na
especialização.
Deste modo, o que me moveu inicialmente para procurar desenvolver
a pesquisa em parceria com a UNIFESP foi sua proposta de formação
profissional, conectada a um modo de pensar e praticar terapia ocupacional
próximos do meu referencial. Assim, em meados de 2006, além de me
inscrever em duas disciplinas optativas oferecidas pelo Programa de Pós-
Graduação em Psiquiatria e Psicologia Médica, comecei os contados com a
então coordenadora do curso de especialização, Cecília Cruz Villares.
Nesta trajetória, propus trabalhar com as terapeutas ocupacionais do
segundo ano da especialização. Na época, eu tinha tido contato com a
literatura da área que indicava o primeiro ano de prática como um período
muito intenso na socialização profissional, principalmente em relação às
tensões no ambiente institucional, às primeiras experimentações no
trabalho em equipe e a grandes expectativas em relação ao trabalho, que
acabavam por limitar uma reflexão mais profunda sobre a prática
assistencial. Além disso, este período de maior turbulência tenderia a se
ajustar ao final do primeiro ano, a partir do qual o foco da reflexão se
voltaria para as competências da assistência (ATKINSON; STEWARD, 1997;
TRYSSENAAR; PERKINS, 1999). Desta forma, a proposta de investigar a
prática de terapia ocupacional no início da carreira ganhou um matiz
diferente, com a hipótese de que poderíamos nos aprofundar mais nas
tensões relacionadas à assistência do que nas tensões institucionais e de
socialização profissional.
Após todos os trâmites burocráticos, fiz meu primeiro contado com as
terapeutas ocupacionais iniciantes, então finalizando o primeiro ano do
curso de especialização, em treze de dezembro de 2006. Este encontrou
9
Informação dada por Cecília Villares, em 28 de fevereiro de 2007, em uma das conversas para organizar
a pesquisa.
70
aconteceu em uma das salas de aula, antes do início de uma das aulas do
curso. Uma das terapeutas ocupacionais me conhecia pessoalmente da
UFSCar, e todas haviam acabado de ler o meu trabalho de mestrado, com a
supervisora Gabriela Cruz de Moraes. Percebi um clima de muito
entusiasmo. Quando abordei a perspectiva da pesquisa, de um grupo de
aprendizagem colaborativa, em que as participantes deveriam se tornar
investigadoras da própria prática, uma delas, Luiza, disse que recentemente
havia se pegado pensando em seus pensamentos. Além disso, quando falei
da proposta de discutir a questão da prática iniciante, Marisa contou um
pouco do seu processo com uma paciente, do quanto se sentia insegura no
começo e como, aos poucos, foi se sentindo sua terapeuta. Assim, em um
clima de grande disponibilidade, finalizamos este encontro, trocando
endereços eletrônicos para futuros contados.
Ainda antes de iniciar a intervenção da pesquisa, tive uma reunião
com Cecília Villares e com Tatiane Luize Cecatto, na época coordenadora do
curso de especialização e supervisora na Enfermaria de Psiquiatria,
respectivamente. Conversamos sobre a proposta da pesquisa, sobre o
trabalho de Donald Schön, que era um autor conhecido e, em parte,
utilizado como referência na especialização, a própria Cecília havia
começado a trabalhar nesta perspectiva em seu curso de Construcionismo
10
.
Diante do grande entusiasmo com a pesquisa, convidei-as a participarem do
grupo como colaboradoras, não restritas ao papel de observadoras, mas
participando colaborativamente das discussões, pois esta era a proposta.
Em contrapartida, fui convidada a colaborar em um dos programas
assistenciais do Departamento de Psiquiatria, e juntei-me a Tatiane Cecatto
na Enfermaria de Psiquiatria do Hospital São Paulo, às terças-feiras, quando
10
O construtivismo pode ser definido como uma teoria prática ou como uma perspectiva em torno de
determinados pressupostos epistemológicos sobre o conhecimento, a linguagem e as relações humanas: a)
ênfase na especificidade cultural e histórica das formas de conhecermos o mundo; b) reconhecimento da
primazia dos relacionamentos na produção e sustentação dos conhecimentos; c) interligação entre
conhecimento e ação; d) valorização de uma postura crítica e reflexiva. No campo da psicologia social, o
construtivismo não dita técnicas ou métodos específicos, mas orienta o profissional em sua prática nas
seguintes questões: a) os sentidos são produzidos nas relações através da linguagem enquanto uma
atividade compartilhada. Assim, os sentidos não são individuais, mas sempre construídos através da nossa
participação em práticas discursivas que são sempre social, histórica e culturalmente situadas; b) a
linguagem não representa as idéias (ou o mundo, ou a realidade), mas as constroem ativamente.; c) se os
sentidos são construídos através destas atividades partilhadas, as teorias ou modelos são sempre modos
locais de entendimento e não verdades universais. Neste sentido, todas as teorias são necessariamente
idéias sobre a prática (informação cedida por Cecília Villares, por correio eletrônico, datado de
06/02/2009).
71
aconteciam os grupos de terapia ocupacional e as supervisões específicas
de área, e às quartas-feiras, nas reuniões clínicas da equipe
11
.
Acertamos um local para a realização dos encontros do grupo, a sala
de terapia ocupacional do Departamento de Psiquiatria, que é um espaço
onde ocorrem vários atendimentos em diferentes programas bem como
algumas atividades formativas do curso. Também nesta conversa, elas me
informaram que a especialização havia mudado seu formato no ano
anterior, e que alguns pontos não haviam dado certo. Além disso, os
estágios, que antes eram de quatro meses, passaram a ser de três meses,
e estas questões provavelmente estariam presentes na conversa do grupo,
pois esta turma estava vivenciando muitas mudanças na estrutura do curso.
Conversamos também sobre o grupo de terapeutas ocupacionais que iria
participar da pesquisa, e elas me deram uma primeira imagem delas, como
jovens inteligentes, diferenciadas, disponíveis, e também muito exigentes
consigo mesmas.
Desta forma, uma das características deste grupo é que ele começou
com uma história anterior. Grossman, Winenburg e Woolworth (2001)
discutem que este tipo de grupo carrega esta história para a formação da
nova comunidade. Além disso, pensando nas proposições de Wenger
(1998), de que as comunidades de prática possuem tanto membros totais,
participantes mais antigos e experientes, possuidores da economia de
significados, e também membros periféricos, que normalmente são
iniciantes ou colaboradores, podemos pensar que este grupo começa com
uma certa configuração.
Se considerarmos a Comunidade de Prática do curso de
especialização, na qual estava inserida a prática privilegiada para nossa
investigação, o grupo teve início com participantes membros totais (as duas
supervisoras
12
), membros periféricos, mas com posse de muitos dos
significados da comunidade (as profissionais iniciantes, alunas do segundo
ano do curso) e comigo, também como membro periférico, sem posse de
muitos dos significados desta comunidade. Por outro lado, em relação à
11
A participação no grupo de terapia ocupacional e nas supervisões ocorreu de março a junho, e a
participação nas reuniões clínicas aconteceu até dezembro de 2007. Essas atividades, embora não tenham
sido incorporadas diretamente ao processo de coleta de dados, permitiram-me o acesso à cultura
institucional do Departamento de Psiquiatria da UNIFESP e do Hospital São Paulo, à organização dos
estágios dos cursos de especialização e da residência médica, e à compreensão de alguns aspectos da
inserção da Terapia Ocupacional neste contexto, o que facilitou minha compreensão em algumas
discussões no grupo e nos diários reflexivos.
12
Sendo que uma delas era a coordenadora do curso até o ano anterior.
72
comunidade de aprendizagem proposta, era eu quem possuía a posse de
muitos significados relacionados ao referencial da pesquisa.
Além disso, havia outras características nestas relações. O grupo das
profissionais iniciantes já possuía toda uma vivência conjunta de seu
primeiro ano de prática e, como havia sido dito pelas supervisoras, tendo
vivenciado muitas mudanças na estrutura curricular do curso. Um outro
ponto importante é que quatro, das seis participantes, eram da mesma
turma da graduação. Das colaboradoras, uma estava como supervisora, no
primeiro e no segundo ano, e a outra estava como professora de uma das
disciplinas do curso nos dois anos, e também como supervisora neste
segundo ano. minha relação com as iniciantes era inaugural, embora a
delas para comigo não, pois haviam acabado de estudar meu trabalho.
Deste modo, este foi o contexto inicial do grupo, com grande
disponibilidade para o trabalho conjunto, para colaborar na pesquisa, para
investigar a prática e para aprender, mas com uma diversidade de formas
de participação e de identificação de seus membros em outras comunidades
de prática (da formação inicial, do curso de especialização, e da própria
Terapia Ocupacional).
A linha do tempo do grupo
Para Grossman, Winenburg e Woolworth (2001) uma comunidade de
aprendizagem profissional leva algum tempo para se formar e trabalhar de
modo que seus membros desenvolvam uma “disposição para se engajar na
crítica de modo a promover compreensões coletivas” (p. 980, tradução
nossa). Seguindo a proposta destes autores, há quatro dimensões que
auxiliam a compreensão das transformações dos modos de trabalhar na
comunidade.
Estas dimensões, apresentadas em detalhes no capítulo anterior,
buscam compreender as diferenças na interação dos membros, manifestada
pelo discurso e pelas ações, como uma evidência do desenvolvimento de
uma comunidade de aprendizagem. Esta análise transita entre aspectos que
buscam compreender a formação da identidade do grupo e suas normas de
interação; as rotas dissonantes ou os pontos de fragilidade e de negação de
conflitos; a negociação da tensão essencial na compreensão dos objetivos
(da tarefa) da comunidade de aprendizagem; e aspectos que evidenciem a
responsabilidade coletiva para o crescimento individual.
73
A compreensão de qual foi a tensão essencial para esta comunidade
de aprendizagem somente foi possível após o todo o processo de análise.
Para Grossman, Winenburg e Woolworth (2001) a tensão essencial de uma
comunidade de aprendizagem da docência está centrada em dois pólos, na
aprendizagem do professor e na aprendizagem do aluno, e não deve ser
tratada como uma dicotomia, mas considerando estes aspectos
fundamentalmente conectados. Sem querer fazer uma transposição
simplista, os resultados deste trabalho, como serão vistos a seguir, indicam
que a tensão essencial polarizou-se entre as aprendizagens para o
desenvolvimento profissional (desenvolver-se enquanto terapeuta
ocupacional) e aprendizagens voltadas para o processo terapêutico na
assistência aos pacientes.
Para a implementação destas análises, fui transitando entre três
materiais: as crônicas do grupo; um quadro resumo com os temas
discutidos em cada encontro; e a tabela do desenvolvimento dos temas ao
longo dos 18 encontros (QUADRO 05, p. 62). Com estes materiais, foi
possível identificar momentos-chave, que evidenciaram mudanças nos
modos de compreensão dos objetivos do trabalho em grupo e da interação
de seus membros. Estes momentos foram sistematizados nas figuras 01 e
02.
Deste modo, o foco deste capítulo está no detalhamento destes
diferentes momentos no trabalho grupal, procurando evidenciar as
características predominantes de cada período e elucidar alguns aspectos do
meu trabalho como mentora e coordenadora do grupo. As construções
produzidas pelo grupo neste processo serão melhor detalhadas no quarto e
no quinto capítulos.
74
75
76
Primeiro momento: o grupo como espaço de conforto
Neste primeiro momento, que abarca os três primeiros encontros, o
foco da discussão pareceu estar voltado para compreender e construir a
identidade grupal, tanto ao discutir as expectativas em relação ao trabalho
e ao objetivo do grupo, como ao diferenciar este espaço dos outros espaços
oferecidos na formação. Além disso, parece que as participantes se
deparam com uma primeira tensão entre os aspectos individuais e coletivos,
reificada na escrita dos diários.
Nestes encontros, o clima do grupo oscilou entre momentos de
grande disponibilidade e entusiasmo por participar desta experiência, e
momentos de maiores tensões, diante da percepção de que investigar a
própria prática não era uma tarefa tão fácil. No quadro 07 é possível ver o
resumo dos primeiros três encontros do grupo.
Quadro 07 – Resumo dos primeiros três encontros do grupo
encontro,
dia
07/03
Apresentei minha história profissional, a história do desenvolvimento da
pesquisa e questões éticas relativas à pesquisa. O grupo falou das expectativas
em relação ao trabalho do grupo e das expectativas e dificuldades vivenciadas
no segundo ano de especialização. O grupo demarcou diferenças entre o espaço
do grupo e de supervisão. A pesquisadora forneceu explicações sobre pesquisa-
ação e sobre os diários reflexivos, e o grupo se organizou em relação a datas de
encontros e de entrega dos diários.
encontro,
dia
04/04
As participantes falaram do quanto a escrita do diário mobilizou emoções e
também da dificuldade para transpor a clínica em palavras. Em seguida, o grupo
conversou sobre um dos temas que apareceram no primeiro diário: professoras
e supervisoras que foram modelo de prática e incentivo para a escolha da
especialização. O grupo voltou a conversar sobre os diários reflexivos, para
quem é escrito, para quem ele serve, e o dilema na escrita entre o discurso
médico e a escrita da clínica de terapia ocupacional. Falaram do grupo como um
espaço de conforto, do processo de reflexão, e do incômodo como disparador de
reflexões. Discutiram também sobre a imagem de terapeuta ocupacional ideal e
o quanto isso se encontra presente na prática das participantes. Sugeri a leitura
do texto: Cunha (1997).
encontro,
dia
18/04
O grupo conversou sobre a crônica, como um novo elemento, e sobre o trabalho
colaborativo do grupo e a co-responsabilidade. Também discutiu sobre a escrita
do diário a partir da discussão do texto (CUNHA, 1997), sobre o processo de
escolha sobre o que escrever, como escrever, tomar consciência das questões
angustiantes e organizar o pensamento. Também falaram do trânsito entre o
grupo e outros espaços da formação. Voltaram a falar do grupo, dos diferentes
tipos de reflexão, e das narrativas, como as experiências anteriores afloram a
consciência, narrativas como produção de vida, e do desejo de escrever
estimulado pelo texto lido. Também se discutiu brevemente sobre raciocínio
clínico, sobre os temas dos diários da semana, o posicionamento diante da
equipe, a proposta de formação da especialização, o compartilhar de
experiências entre experientes e iniciantes e os principais dilemas no primeiro
ano de prática.
Figura 02 – Linha do tempo do grupo, encontros 11 a 18.
77
A formação da identidade do grupo e as normas de interação (1
13
)
Nestes primeiros encontros, a construção da identidade do grupo
parece ter perpassado as expectativas para o trabalho grupal, as
diferenciações entre outros espaços formativos oferecidos no curso de
especialização, a organização do trabalho, tanto em seus aspectos
pragmáticos como do entendimento das tarefas relacionadas ao trabalho
em grupo.
As expectativas giraram em torno do grupo como um espaço seguro,
sossegado e confortável para investigar o raciocínio clínico através do
processo de reflexão. Esta compreensão teve seu contraponto na
supervisão clínica, oferecida em todos os estágios do curso de
especialização, como um lugar em que as demandas da prática dificultam
uma reflexão mais atenta ao que se faz.
14
“Eu sou a Clarice e seguindo um pouco a Luiza, eu fico com a sensação de
que aqui vai ser um espaço onde a gente vai poder refletir sobre a nossa
prática, mas de um modo muito mais minucioso do que numa supervisão [...]
refletir porque que a gente tomou tal caminho e não aquele, porque agiu
desta maneira ou usou esta palavra, usou este termo e não aquele [...]
talvez, eu ache que é isso, é pensar sobre o nosso pensamento e pensar sobre
a nossa ação e pensar sobre o nosso raciocínio clínico, acho que para mim a
palavra que fica aqui é reflexão, uma reflexão bem minuciosa.” (Clarice,
primeiro encontro)
“Eu fico pensando que é um espaço menor, que a gente vai estar entre
terapeutas ocupacionais, que a gente vai estar olhando de outros ângulos, e
que talvez seja um pouco esse lugar de descanso, que eu acho que é diferente
da supervisão, que na supervisão [...] tem que dar conta daquilo rápido, ... e
agora o que eu faço? [...] aqui talvez seja uma coisa mais sossegada...”
(Mariana, primeiro encontro)
A construção inicial da identidade do grupo pareceu também ter
passado pela tentativa de compreender as tarefas relacionadas ao trabalho
no grupo, como a escrita dos diários. Esta questão pareceu envolver tanto
um pragmatismo de saber como e sobre o que escrever, como estar
imbuída da subjetividade de compreender o que se faz neste grupo, qual
seu objetivo, para que ele serve.
13
A indicação numérica em cada dimensão se refere ao momento do grupo que está sendo analisado, o
número 1 para o primeiro momento, o número 2 para o segundo momento, e assim por diante. Esta
estratégia foi pensada para facilitar a leitura do texto.
14
Os excertos com as falas das participantes foram corrigidos gramaticalmente nas situações em que a
linguagem coloquial infringiu a linguagem formal, principalmente em expressões coloquiais ( para está,
pra, para), e de concordância verbal e nominal.
78
“[...] será que é um relatório ou é um diário [...]? eu escrevo para mim ou
para outra pessoa [...] que tipo de linguagem [...] eu tenho que usar?”
(Marisa, segundo encontro)
“[...] essa idéia de diário [...] eu tinha um caderninho que ficava fechado com
a chavinha, era eu comigo mesma e... mas não foi isso que eu pensei na hora,
foi: ‘bom alguém vai ler, [...] primeiro eu queria me fazer entender [...]”
(Fernanda, segundo encontro)
“[...] [se eu] não quiser fazer de um caso específico, mas falar sobre um
tema, não um desses temas...” (Luiza, terceiro encontro)
Além disso, outro aspecto que pareceu estar relacionado à formação da
identidade grupal e seu modo de funcionamento foi a organização das
tarefas de cada participante, o envio dos diários pelas terapeutas
ocupacionais iniciantes e a percepção de que é necessário organizar o
tempo para realizar as tarefas.
“[...] tem que ter alguma regularidade [...] Por conta de pesquisa e por conta
de preparar o grupo, [...] antes desses encontros de quinze dias, eu queria
poder ter os diários [...] será que é possível me entregar isso na sexta-feira
anterior [...]?” (Taís, primeiro encontro)
“[...] e aquela coisa que a gente ia falando [...] que me um branco na hora
que eu sento para escrever, que eu vou ter que parar, eu vou ter que fazer
[...] durante a semana [...] pontuar algumas coisas na minha semana que eu
vou querer escrever...” (Mariana, terceiro encontro)
As rotas dissonantes (1)
As fragilidades e os conflitos apareceram em duas ocasiões. Uma
primeira tensão pareceu ter surgido quando questionei a compreensão das
participantes iniciantes de que o espaço grupal seria um espaço de conforto,
se esta imagem não poderia estar se contrapondo a uma fantasia de que a
prática pudesse ser avaliada. Este questionamento não teve repercussão no
grupo, o que pode indicar uma negação inicial das diferenças entre
profissionais experientes e iniciantes, talvez gerada principalmente pelas
expectativas do trabalho no grupo.
“Acho que pelo contrário, mas um espaço para a gente poder aproveitar, mas
não como algo avaliativo [...] Uma reflexão da nossa prática, da nossa
formação da nossa profissão, das nossas ões, mas em nenhum momento
avaliativo.” (Clarice, primeiro encontro)
79
A outra tensão deste primeiro momento pareceu estar relacionada
justamente à escrita dos diários, ao que cada participante conta sobre a sua
prática, e esta tensão pareceu oscilar entre momentos em que as
participantes assumem que não conseguiram falar o que queriam, que a
leitura do outro e a pesquisa interferem na escrita, e momentos em que se
envolveram e vislumbraram as possibilidades da escrita.
“[...] eu tive muita dificuldade, [...] resistência... Está muito pobre, apesar de
tudo que tem aqui, eu não falei tudo o que eu queria” (Fernanda, segundo
encontro)
“[...] enquanto eu estava escrevendo, pensando que alguém ia ler e eu acho
que isso interfere muito no jeito que se escreve e no conteúdo [...] se eu
queria que alguém lesse aquilo ou não...” (Fernanda, segundo encontro)
“A gente vai colaborar com a sua pesquisa, [...] tem as duas coisas. [...] acho
que me fez bem escrever, me fez pensar várias coisas para fazer também,
mas...” (Clarice, segundo encontro)
“[...] eu li o texto, eu fiquei muito apaixonada [...] ele é bem até poético [...]
porque dá vontade de escrever, de experimentar a sensação...” (Mariana,
terceiro encontro, sobre o texto de CUNHA, 1997)
A negociação da tensão essencial (1)
Embora este primeiro momento do grupo pareça estar mais voltado
para a construção da identidade e do trabalho grupal, o grupo começou a
negociar a tensão essencial ao apresentar tensões relacionadas ao início da
prática e também relacionadas à escolha do referencial para a prática em
terapia ocupacional.
“[...] o raciocínio [...] com o paciente, parece que a cada dia está piorando,
[...] eu estava com uma ilusão que [...] agora no segundo ano eu ia estar
melhor [...]” (Luiza, primeiro encontro)
“[...] tem muito a ver com o método, com as concepções e a visão de sujeito,
e assim com as pessoas que eu me identifiquei, que tinham esse olhar e que
era um olhar que me agradava muito, que afinava muito, tem a ver, e daí tem
a ver com a pessoa também.” (Mariana, segundo encontro)
A responsabilidade coletiva para o crescimento individual (1)
As falas das participantes voltaram-se para o trabalho colaborativo, o
compartilhar da crônica, a co-responsabilidade necessária para um trabalho
em grupo, o que pareceu mostrar um desejo de que este caminho seja
seguido, aprendido. Embora o foco tenha se voltado mais para os benefícios
individuais da escrita, como o alívio, a organização e a possibilidade de
80
entender o que está incomodando, houve muitas falas indicativas do quanto
as questões pareciam envolver todo o grupo.
“[...] mas ao mesmo tempo fico pensando que a Luiza fala [...] da co-
responsabilidade, o quanto que isso ajuda [...] a exercitar [...] que a gente
pensa que durante a semana você tem que ter isso em mente, isso por si
vai sendo um exercício [...] de olhar e de pensar...” (Mariana, terceiro
encontro)
“E quando eu li [a crônica do grupo anterior] fui me acalmando um pouco e
muitas coisas que foram surgindo eram coisas que eu também sentia, mas
algumas delas eu não coloquei no diário, então foi muito familiar para mim o
que foi discutido.” (Clarice, terceiro encontro)
“[...] como a gente também lê aquilo, como a gente escreve [...] eu acabei
pensando [...] no que eu vinha falando em vários espaços [...] que vinha [...]
me tocando de uma forma que eu queria entender mais.” (Fernanda, terceiro
encontro)
“Para mim foi um alívio escrever assim, uma situação que estava me
angustiando muito [...] mas escrever e poder me organizar deu um alívio. Foi
bom.” (Clarice, terceiro encontro)
Segundo momento: o incidente com as supervisoras
Neste segundo momento, um incidente externo ao grupo, a saída de
três supervisoras do curso de especialização (uma delas era uma das
colaboradoras do grupo), foi o elemento que disparou toda uma conversa
sobre a identidade grupal (quem pertence ao grupo) e o trabalho no grupo
(o que pode ser dito) ao construir um sentido de que o desenvolvimento
profissional abarca outros aspectos da vida que não somente aqueles
relacionados aos pacientes. As tensões entre o íntimo e o público (individual
e coletivo) estiveram presentes e os conflitos foram explicitados no grupo,
tanto relacionados à pesquisa (escrevo para mim ou para contribuir para a
pesquisa?) como centrados na minha presença, como terapeuta ocupacional
que poderia avaliar a prática das iniciantes. Após estes dois encontros, o
grupo organizou uma primeira tarefa colaborativa motivada por um dos
temas que uma das participantes estava discutindo em seu diário. No
quadro 08 é possível ver o resumo do quarto e do quinto encontros do
grupo.
81
Quadro 08 – Resumo do quarto e quinto encontros do grupo
encontro,
dia
02/05
O que disparou as discussões do grupo foi a saída de algumas supervisoras.
Discutiu-se sobre o que se pode falar neste espaço e quem pertence ao grupo,
sobre como se a troca entre profissionais experientes e iniciantes. Falaram
sobre a escrita do diário e o dilema entre questões técnicas e sentimentos.
Também foi possível falar sobre a pesquisa com um fantasma que poderia
bloquear as produções, e sobre mim, como terapeuta ocupacional que poderia
avaliar a prática. Falou-se também sobre as expectativas que se criam em
relação aos pacientes e sobre a prática em saúde mental, da necessidade de
cuidar de si para ser terapeuta. Por fim, a questão da saída das supervisoras foi
conversada a partir de uma perspectiva de desenvolvimento profissional.
encontro,
dia
23/05
O grupo discutiu sobre quem pertence ao grupo e o que cabe no grupo,
motivado pela crônica do grupo anterior. Também se discutiu sobre a
experiência vivida na constituição do terapeuta, sobre a construção colaborativa
do grupo, sobre o processo de pesquisa, sobre o diário reflexivo como uma
ferramenta de formação e de ampliação para investigação de outras idéias
sobre a prática. Além disso, o grupo se organizou para o próximo encontro,
elegendo um tema específico para discussão e dois textos, sendo um deles da
autoria de uma das colaboradoras: CECATTO (2002)
15
e BENETTON (2006)
16
.
A formação da identidade do grupo e as normas de interação (2)
A saída das supervisoras estava sendo vivida pelas participantes do
grupo, profissionais iniciantes e colaboradoras, com muito sofrimento. O
quarto encontro teve início com a proposta de uma das colaboradoras (que
não iria sair da especialização) de que ela sairia do grupo para que as
terapeutas ocupacionais iniciantes pudessem conversar comigo sobre essa
questão. A outra colaboradora, que iria se afastar de suas funções como
supervisora, não havia podido ir ao encontro do grupo.
Diante de um clima tenso, e sem compreender se essa questão seria
algo para ser discutido naquele espaço, começamos a conversar sobre o
que pode ser dito no grupo e quem pertence ao grupo. No quarto e no
quinto encontros, fiz um esforço consciente de moldar este incidente como
uma questão relacionada à vivência profissional de todas as participantes e
como possibilidade de reflexão. No início do quinto grupo, sugeri a leitura
da crônica do quarto grupo, na tentativa de uma meta-reflexão sobre o que
havia sido produzido, e que pudesse levar as participantes a vislumbrarem
as possibilidades do nosso trabalho.
Considero que este foi um momento de virada no modo de interagir
grupal e de se reconhecer como uma nova comunidade, voltada para as
aprendizagens relacionadas ao que é profissional.
15
CECATTO, Tatiane Luize. O manejo da transferência na terapia ocupacional. Texto apresentado
para a conclusão do curso Clínica Psicanalítica: Conflito e Sintoma, do Instituto Sedes Sapientiae, São
Paulo, 2002.
16
BENETTON, Jô. Uma terapeuta muito ativa. In: Trilhas Associativas: ampliando subsídios
metodológicos à clínica da terapia ocupacional. Campinas: Arte Brasil Editora / Unisalesiano Centro
Universitário Católico Auxilium, 2006, p. 101-103.
82
“[...] eu não tive tempo de perguntar para vocês se vocês queriam hoje
estarem só vocês aqui, terem mais liberdade de falar o que [...] quisessem
falar em relação ao momento, [...] é um momento de desencaixe, de crise,
tudo, dentro de uma experiência maior [...]” (Cecília, quarto encontro)
“[...] eu fico um pouco confusa [...] se é um espaço também para a gente, o
que é que a gente ...” (Clarice, quarto encontro)
“[...] mas por mim eu nem tinha pensado nisso, de você não estar aqui. Por
mim eu acho que não tem problema nenhum, é o arranjo que a gente tinha
feito daqui, é parte do grupo.” (Marisa, quarto encontro)
“Eu não tinha idéia que tinha falado de outras coisas, acho que eu tinha um
pouco desse começo [...] da sensação de que seria aqui o espaço ou não,
disso eu lembro, dem diante eu achei que o assunto fosse muito a questão
da saída, de como é que estava e eu não...” (Fernanda, quinto encontro, após
a leitura da crônica do grupo anterior)
“[...] o que gerou dúvida num primeiro momento, que era o espaço ou não,
[...] e a gente vendo, acho que todo mundo compartilha disso, olha a
transformação, [...] acho que isso de alguma forma ajuda a gente a pensar na
proposta maior deste grupo [...]” (Tatiane, quinto encontro)
As rotas dissonantes (2)
Grossman, Winenburg e Woolworth (2001) sustentam que os
conflitos precisam se tornar públicos para que a comunicação e a produção
grupal não fiquem estagnadas. Neste movimento de construir a identidade
do grupo, alguns conflitos que já haviam aparecido puderam ser ditos
publicamente no grupo e trabalhados de modo que eles deixassem de
bloquear a produção grupal. Estes conflitos estiveram relacionados à escrita
da prática individual permeada pela participação na pesquisa e pela minha
leitura, como terapeuta ocupacional, capaz de avaliar a prática das
iniciantes. O conflito íntimo-público, neste momento, se fez presente na
polaridade participante-pesquisadora.
“[...] eu acho que tem muito a ver com a pesquisa sim [...] eu acho que eu
penso ‘[...] isso vai [...] fazer bem para mim, [...] escrever sobre isso, falar
sobre isso, mas não vai servir para nada’, pensando na pesquisa, [...] e na
investigação da prática e tal, [...] para pensar o diário como [...] investigação
da prática e não desabafo.” (Marisa, quarto encontro)
“[...] acho que na primeira vez, na segunda, para mim também tinha esse
peso, mas dessa última vez, eu fui escrevendo e não fui lembrando tanto
desse peso da pesquisa, eu fui mesmo dando continuidade a um pensamento
que eu estava tendo das outras vezes, [...] do que estava me mobilizando
[...] às vezes eu até entro aqui e fico com um pouco de vergonha vendo que
[...] você leu e aí eu fico pensando ‘[...] como será, [...] eu estou colocando
um pouco o que eu estava sentindo’, às vezes, é essa a sensação que me
83
causa e não tanto o medo de escrever, mas o medo do depois.” (Clarice,
quinto encontro)
“[...] não pensando tanto na pesquisa, mas pensando em você enquanto
terapeuta ocupacional” (Clarice, quarto encontro)
Outro conflito que começou a ser desvelado no grupo esteve
relacionado à própria compreensão do que é a pesquisa, para na seqüência,
como será mostrado no próximo item, começar a vislumbrar possibilidades
de trabalhar colaborativamente.
“[...] o que é que é a sua pesquisa?” (Luiza, quinto encontro)
“Como é que você vai pegar os dados, vai analisar, mas o que é que você
pretende encontrar? É uma tese e tal, então você tem [...] uma pergunta
[...]” (Luiza, quinto encontro)
A negociação da tensão essencial (2)
Estes dois encontros pareceram ter sido essenciais para a negociação
da tensão essencial de estar no grupo. A construção colaborativa de
sentidos sobre o incidente com as supervisoras como possibilidade de
reflexão sobre o desenvolvimento profissional, abriu a porta para investigar
o que envolve ser um terapeuta, no atendimento dos pacientes e no
trabalho de modo geral.
“[...] o terapeuta é a história de um corpo que vive. Faz [...] parte do
crescimento mesmo, de viver, [...] sair, ter diversão e tal e também [...] de
experimentar esses sentimentos [...], de perder, de ganhar, de sofrer.”
(Marisa, quarto encontro)
“[...] várias vezes tive uma experiência na vida de momentos muito difíceis na
minha vida pessoal e que eu sei que eu fui muito boa terapeuta para os meus
pacientes, [...] também teve momentos em que eu sei que eu estive impedida
de poder atendê-los. Ser um profissional crítico, [...] íntegro, ético [...].
Porque é diferente de falar assim, ‘eu posso atender os pacientes quando
eu estiver super bem’” (Cecília, quarto encontro)
“Eu tive uma impressão que estava muito fora da proposta do grupo [...] na
outra semana e lendo eu fiquei ‘[...] tem muito a ver com o que é ser um
terapeuta’.” (Mariana, quinto encontro)
“[...] é um grupo de aprendizagem colaborativa, a gente está refletindo a
prática e o que é ser terapeuta ocupacional, que não é só [...] a prática que
forma o terapeuta, que todas as vivências, as questões [...] não é só a relação
com o paciente, com o trabalho, mas com a instituição, os outros
profissionais, as questões de vida mesmo, que tudo isso vai constituindo a
gente como terapeuta, [...]” (Marisa, quinto encontro)
84
A responsabilidade coletiva para o crescimento individual (2)
Nesta segunda etapa do trabalho grupal, foi possível observar o
movimento do grupo de construir uma identidade, procurar compreender o
que é aprender colaborativamente e como isso pode acontecer neste grupo,
e começar experimentar tarefas mais colaborativas, de compartilhar as
experiências que vinham sendo construídas em suas trajetórias
individuais, nos diários. Como uma primeira tarefa, o grupo escolheu um
dos temas
17
para discutir no próximo encontro.
“[...] quando a Clarice fala da curiosidade dela de ler os diários para trocar
com as pessoas [...] na verdade o espaço é esse [...] de [...] poder olhar o
que as pessoas têm pensado, mas que a gente pode trocar aqui.” (Taís, quinto
encontro)
“Mas eu fico pensando assim, aprendizagem colaborativa é aprender com o
outro [...] eu queria poder [...] de alguma forma [...] saber o que as outras
pessoas estão pensando também, para ver se acrescenta para mim, para o
meu desenvolvimento, na minha aprendizagem. Porque eu acho que eu
sempre escrevo a mesma coisa [...] eu queria poder estar aberta para ver o
que outras pessoas falariam sobre esse assunto.” (Luiza, quinto encontro)
“Mesmo escolhendo um [tema] para começar, vai permear todos os outros,
acho que a gente pode escolher também outro para se aprofundar num outro
momento.” (Isadora, quinto encontro)
Terceiro momento: é bom trocar aqui!
Nesta etapa, que envolve o sexto, sétimo e oitavo encontros, as
terapeutas ocupacionais iniciantes experimentaram levar para o grupo
questões e experiências que vinham discutindo individualmente em seus
diários reflexivos. Estas conversas abarcaram questões importantes da
prática profissional, entretanto, em muitos momentos, a discussão ficou
centrada em aspectos mais teóricos e mais gerais, as dúvidas o
apareceram ou não foram trabalhadas no grupo. No quadro 09 é possível
ver o resumo do sexto, sétimo e do oitavo encontros.
17
Nestes primeiros encontros, eu fazia uma lista dos temas que cada uma das participantes discutia em
seus diários e levava para o grupo, sem a identificação de qual participante estava discutindo uma ou
outra questão. Esta estratégia foi pensada inicialmente como uma maneira de mostrar ao grupo o que
parecia importante ser discutido, mas sem direcionar a discussão, abrindo possibilidades de escolha e de
construção coletiva sobre como aquelas questões deveriam ser tratadas.
85
Quadro 09 – Resumo do sexto, sétimo e oitavo encontros do grupo
encontro,
dia 06/06
O tema de discussão no grupo foi o manejo do campo transferencial na terapia
ocupacional, e discutiu-se primeiramente a diferença do manejo da
transferência em outras profissões. Também se discutiu sobre a transferência
na complexidade da prática e sobre a dualidade das reflexões quando se deseja
obter respostas para determinados problemas e a reflexão caminha somente
para ampliar a compreensão e não oferecer respostas. Refletiu-se sobre os
procedimentos de terapia ocupacional a partir da contratransferência, a história
dessa proposta de se fazer terapia ocupacional e a relação entre teoria e
prática, construindo um sentido sobre o que é estar no limbo na prática. Além
disso, discutiu-se sobre os dilemas da prática iniciante, de desejar saber uma
resposta em contraposição às inúmeras possibilidades de construção de um
processo terapêutico.
encontro,
dia 20/06
O grupo discutiu sobre a questão da dificuldade do desligamento, tema trazido
por uma das participantes que estava refletindo sobre esta questão em seu
diário. Os principais desdobramentos dessa conversa aconteceram em relação à
responsabilidade dos terapeutas diante dos pacientes, as tensões existentes
entre as especializandas, os supervisores, a instituição de ensino-assistência e
as demandas dos pacientes e o manejo destas tensões para a melhora da
prática. Foi possível conversar sobre o papel do diário reflexivo no processo de
tomar consciência e de ampliar a compreensão e o grupo construiu um sentido
sobre o desligamento, de investir de um outro jeito, ao invés de somente
desinvestir. Também se conversou sobre as modificações no modo de participar
do grupo e sobre minh
as aprendizagens como pesquisadora.
encontro,
dia 04/07
As participantes falaram do desejo de começarem a dividir suas reflexões com o
grupo e uma delas relatou um caso de estava atendendo na interconsulta
psiquiátrica e seu dilema de não estar correspondendo ao que a equipe
esperava da atuação em terapia ocupacional. A partir daí, o grupo discutiu sobre
algumas questões profissionais da Terapia Ocupacional, como a separação entre
o físico e o mental, e o processo de terapia ocupacional a partir das demandas
do paciente, a dificuldade de validar as intervenções de terapia ocupacional.
Também se discutiu sobre o quanto casos difíceis causam grande impacto nos
profissionais da saúde e o quanto estratégias como o diário ajudam a
compreender o que fica implícito. Falou-se também da complexidade da prática
em terapia ocupacional, principalmente quando se tem uma composição de
papéis profissionais: terapeuta ocupacional e interconsultor.
A formação da identidade do grupo e as normas de interação (3)
Nestes três encontros, parece-me que a identidade do grupo foi
sendo refinada nas interações, nas experimentações em colaborar na
discussão, de trocar, de expor seus pensamentos. Como no excerto a
seguir:
Marisa: Porque senão você vai priorizar o ensino, então tem o rodízio, é como
na residência [...] a cada três meses troca e [...] como que fica o paciente
[...]?
[...]
Mariana: [...] para eu sofrer menos então agora eu começo a desinvestir, que
eu fico pensando também na Interconsulta, que um lugar onde as
supervisoras falam muito o contrário, [...] ‘não, essa fase de troca de
estágio é quando vocês têm que investir mais’ [...]
Fernanda: É, mas fica muito difícil, assim, como se posicionar diante de tudo
isso, [...]
Luiza: É sua responsabilidade e o que é que você faz com essa
responsabilidade, não é? [...]
86
As rotas dissonantes (3)
O movimento do grupo nestes três encontros esteve voltado para a
negociação da tensão essencial. Neste caminho, poucos conflitos puderam
ser percebidos. Entretanto, em dois momentos, uma das participantes,
Luiza, fez duas colocações no sexto grupo que parecem ir de encontro ao
que as demais participantes estavam produzindo. Estas colocações
ganharam pouco espaço na conversa do grupo, mas pareciam indicar que
havia alguma tensão presente, que podia tanto abarcar a forma como Luiza
estava compreendendo o que estava sendo discutido, como evidenciar um
modo de conversa mais superficial, não trabalhando sobre as dissonâncias.
“[...] existe essa tal da transferência, [...] que a gente pega emprestado de
outras áreas, mas o que é que a gente enquanto pessoa, enquanto terapeuta,
[...] do que a gente carrega dentro da gente de vivência, [...] como é que a
gente faz para lidar com todas... Cada um tem um manejo com a
transferência, que eu acho que são muitas opiniões, [...] e na verdade
ninguém chega a conclusão nenhuma, talvez não tenha uma conclusão.”
(Luiza, sexto encontro)
“[...] estou fazendo um curso de acompanhamento terapêutico [...] dizendo
que [...] qualquer pessoa podia ser acompanhante terapêutico [...] eu estou
começando a rever [...] Sobre transferência, [...] eu acho que ajuda [...] mas
eu estou percorrendo outros espaços que dizem que é o contrário, [...] você
tem que estar disposta ao encontro.” (Luiza, sexto encontro)
A negociação da tensão essencial (3)
A negociação da tensão essencial pareceu ter sido o foco destes
encontros. As discussões giraram em torno dos dois pólos da tensão
essencial, tanto de aspectos relacionados ao início da prática, como da
prática de terapia ocupacional, de sua complexidade, de aspectos da cultura
profissional, e da responsabilidade para com os pacientes como elemento-
chave da assistência. O movimento da conversa pareceu oscilar entre
momentos em que as participantes explicitavam seus dilemas e trocavam
experiências, e momentos em que trilhavam aspectos mais gerais da
prática, discutindo de modo genérico sobre como compreendiam o processo
de terapia ocupacional, mas sem trocar experiências. A conversa pareceu
ter sido homogênea, sem discordâncias, sem falas que questionassem o
ponto de vista dos participantes.
“[...] uma dinâmica minha também de [...] não corresponder àquilo que eles
estão esperando, [...] E aí, chegar para ela e falar ‘isso não vai ser possível’,
para mim era muito desesperador.” (Clarice, oitavo encontro)
87
“[...] não é uma relação dual, [...] a gente fala de uma relação triádica
18
e aí
eu fico pensando que então tem outros instrumentos [...] tem outras coisas
que acontecem que intermedeiam [...] a relação [...]” (Mariana, sexto
encontro)
“[...] para você poder associar e pensar num caminho, para você ter um
pouco claro o porq das suas intervenções, o porquê das atitudes daquela
paciente, mas de poder perceber isso e o simplesmente ficar afetada e
paralisada com aquilo.” (Fernanda, sexto encontro)
“[...] não deixar que essa característica de instituição de ensino ultrapasse
essa responsabilidade que você tem com o paciente [...]” (Marisa, sétimo
encontro)
“[...] que é essa idéia que se faz da Terapia Ocupacional? [...] oferecer uma
atividade que vai estancar isso que tem que aparecer?” (Clarice, oitavo
encontro)
A responsabilidade coletiva para o crescimento individual (3)
Estas experimentações de colaboração no grupo pareceram começar
a consolidar uma responsabilidade das participantes para com o trabalho
grupal. A crônica foi considerada um elemento que, ao contar a história do
grupo anterior, reedita a produção grupal. Além disso, a partir de uma
proposta minha para avaliar o grupo até aquele momento, o grupo pôde
fazer uma análise de seu próprio trabalho colaborativo, valorizando o
compartilhar, as trocas, como possibilidades de crescimento e
aprendizagem individual.
“Sempre quando eu vou ler [...] Parece que a gente não tem a dimensão de
tudo que a gente falou, de tudo que foi dito. Eu fico com essa sensação de
que... e é bom olhar depois.(Isadora, sétimo encontro, sobre a crônica do
grupo anterior)
“[...] para mim fez sentido quando você disse que parece que a gente foi
passando por esses estágios. No começo era muito difícil pensar o que eu
colocava, de que maneira eu colocava, o que levava de conteúdo, [...] Mas
agora [...] para mim está sendo muito bom poder escrever, quando eu
escrevo, eu quero logo ver o que é que você escreveu em cima para eu poder
refletir também, então eu acho que talvez a gente esteja caminhando para
esse estágio, mas não que a gente não vá, em alguns momentos, voltar, eu
acho que não dá para fixar...” (Clarice, sétimo encontro)
18
Termo usado pela primeira vez em Fidler e Fidler (1963), para definir uma “dinâmica relacional
instrumentalizada pelo terapeuta ocupacional através do uso da atividade. Define a terapia ocupacional
como um processo de comunicação baseado na tríade terapeuta-paciente-atividade” (TEDESCO, 2007).
Atualmente, nas proposições do MTOD, a relação triádica é considerada o núcleo duro organizador da
assistência, “é através dela que todos os procedimentos são pensados e realizados. É uma relação
dinâmica no sentido de possuir movimento, ora o paciente está mais próximo da atividade, ora do
terapeuta, e assim acontece com os três termos.” (MORAES, 2007, p. 19). Nesta concepção, as atividades
são consideradas como um “dos termos que constrói e sustenta a relação em terapia ocupacional e
genericamente abarca todos os acontecimentos e fazeres de uma terapia.” (MORAES, 2008, p. 31), ela
não estabelece por si só um processo de comunicação, mas oferece potencialidades para isso.
88
“Eu concordo também. Eu estou sentindo que está diferente de quando a
gente começou, e é isso, estamos construindo.” (Fernanda, sétimo encontro)
“É muito bom poder trocar aqui”. (Clarice, oitavo encontro)
Quarto momento: o que é esta pesquisa mesmo?
Entre o oitavo e o nono encontros, houve um período de férias e a
entrega dos diários e a participação no grupo foram irregulares. Quando
retornamos, todas pareciam estar muito entusiasmadas com o novo
semestre. Mostrei ao grupo os resultados de algumas análises preliminares
da trajetória de cada uma nos diários ao longo do período anterior, estes
dados mostraram os temas sobre os quais que as participantes haviam
investido suas reflexões e em quais diários eles haviam sido trabalhados. É
importante ressaltar que estes resultados não foram compartilhados no
grupo, mas enviados individualmente por correio eletrônico para cada
participante.
No nono encontro, o grupo estava diferente, mais tenso, as
terapeutas ocupacionais iniciantes comentaram que havia sido muito difícil
escrever o diário. A conversa caminhou na direção de tentar elucidar porque
todas estavam tão diferentes, e o conflito entre o íntimo e o público ganhou
um novo matiz, polarizado não mais entre participante-
pesquisadora/terapeuta ocupacional, como no quarto e quinto grupos, mas
sim na dualidade participante-pesquisa a ser publicada. No quadro 10 é
possível ver o resumo do nono e do décimo encontros.
A formação da identidade do grupo e as normas de interação (4)
Estes dois encontros foram muitos diferentes um do outro, mas
extremamente complementares. No nono encontro, após uma discussão
sobre o quanto tinha sido interessante ter lido o caso apresentado no texto
de Tatiane, no sexto encontro, o grupo organizou um novo jeito de
trabalhar, em que cada participante traria uma narrativa de sua prática.
89
Quadro 10 – Resumo do nono e do décimo encontros do grupo
encontro,
dia 25/07
O grupo conversou sobre o compromisso estabelecido para a escrita dos diários
e compartilhei com o grupo alguns resultados de uma análise preliminar sobre
as interações no grupo em direção à melhoria da prática. O tema da melhoria
da prática veio à tona, o grupo fez um exercício procurando lembrar sobre o
processo vivido no semestre anterior e depois disso, procurou construir um
sentido sobre a melhora da prática, sobre a tomada de consciência do processo
de raciocínio clínico e as contribuições dos diários reflexivos. Foram discutidas
algumas questões profissionais da terapia ocupacional, como o processo de
terapia ocupacional, o pensamento narrativo e as singularidades de cada
atendimento. O grupo conversou também sobre o processo de escrita dos
diários e o quanto o momento de vida de cada uma das participantes influencia
nesta escrita.
10º
encontro,
dia 08/08
Retomei a questão do resgate da trajetória de cada uma nos diários a partir da
devolutiva que tinha enviado durante a semana por correio eletrônico. As
participantes comentaram da dificuldade na escrita, da tensão que se faz
presente na hora da escrita, e isso levou a uma discussão sobre o quanto as
ações são efêmeras e o recurso da escrita pode ser interessante para fazer com
elas se fixem e para que se possa refletir sobre elas. Além disso, levantei uma
questão sobre o quanto a pesquisa estaria contribuindo para estas tensões na
escrita e o grupo pode conversar sobre a ambigüidade entre as questões
íntimas contidas nos diários e que se tornaram públicas com a pesquisa, mas
também o quanto foi possível perceber a direção do investimento nas reflexões
a partir destes resultados. Depois disso, voltou-se a falar sobre a pesquisa, seus
objetivos, a proposta da intervenção para a melhoria da prática e os resultados
da pesquisa como resultados que precisam fazer sentido para as participantes.
Esta nova proposta pareceu reconhecer e valorizar a perspectiva de
cada uma das integrantes. A forma de interagir pareceu estar mais
consolidada no grupo.
“Eu gostei muito de poder compartilhar também essa escuta do diário.”
(Clarice, nono encontro)
“É acho que vocês se apropriaram desse jeito de pensar e fazer. (Cecília,
nono encontro)
“Como observadora hoje, eu acho que teve uma diferença de funcionamento
tão interessante, fluiu, [...] na hora de compartilhar também, senti que foi
fluindo de uma forma fácil, a impressão que eu tive, [...] Essa fala refletiu,
essa conversa refletiu, uma começa, a outra pega o gancho, a outra continua,
[...] uma coisa meio serpenteada, [...]” (Cecília, nono encontro)
As rotas dissonantes (4)
Após a entrega das análises preliminares dos diários, no nono
encontro, e, por correio eletrônico, entre o nono e o décimo encontro, o
grupo começou o décimo encontro de uma forma muito diferente, mais
tenso. Esta tensão foi evidenciada quando as terapeutas ocupacionais
iniciantes ressaltaram as dificuldades na escrita dos diários, inicialmente
justificadas pelas mudanças em suas experiências nos estágios. Uma das
colaboradoras que não tinha vindo no encontro anterior, mas tinha lido a
crônica, pontuou esta diferença.
90
“Eu fiquei [...] com dificuldade de escrever o diário [...] eu não conseguia nem
escrever, não tinha o que escrever [...] eu vinha [...] discutindo alguns
assuntos e estava muito pautada nas experiências do CAPS, que agora eu não
estou mais.” (Fernanda, décimo encontro)
“Eu senti dificuldade também de escrever, [...] porque eu saí de férias e
[...] senti que deu uma atrapalhada [...] acho que para mim também junta
com uma fase que eu estou vivendo, que é a saída da Enfermaria para a Crise
e para o CRIA que são espaços muito diferentes [...] estou meio num
estranhamento [...] acho que também tem a ver com isso.” (Mariana, décimo
encontro)
“Eu fiquei pensando [...] na expectativa de cada uma em relação à escrita,
[...] porque lendo [...] as duas últimas crônicas, fica muito diferente da
conversa de hoje, [...] o quanto as coisas vão fluindo, o quanto está sendo
bom escrever, [...] diferente das falas de hoje, [...] da coisa mais tensa, [...]”
(Tatiane, décimo encontro)
Essa diferença fez com que eu levantasse a hipótese de que as
análises dos diários, a pesquisa, poderia ser o elemento da tensão. Ao
colocar essa questão para ser discutida no grupo, veio à tona o conflito
entre o que é íntimo e o que ficará público pela pesquisa.
“Eu não tinha pensado nisso, mas ouvindo você falando não me soa
estranho.” (Fernanda, décimo encontro)
“Eu senti isso, do meu processo,... Mas acho que eu tinha falado isso no
encontro anterior, o quanto que também ao mesmo tempo eu tinha me
enfiado no diário de um jeito que eu esquecia até que tinha alguém lendo [...]
isso também me incomodou um pouco, [...] nossa, é meu ou não é meu?’”
(Fernanda, décimo encontro)
“[...] acho que para mim foi diferente, acho que não foi nesse momento que
eu falei que ia virar uma pesquisa, mas acho que em outro momento, [...] nos
primeiros diários eu tinha [...] falado sobre algumas questões [...] depois eu
comecei a pensar na coisa da pesquisa.” (Luiza, décimo encontro)
Ao trabalhar este conflito no grupo, o processo da pesquisa pode ser
mais bem compreendido e as participantes conseguiram inclusive nomear o
quanto a análise de sua trajetória nos diário mostrou-lhes aspectos que elas
não estavam percebendo, como foi possível tomar consciência de si através
da pesquisa.
“[...] saber que ia ser uma pesquisa acho [...] eu fiquei paralisada, [...]”
(Luiza, décimo encontro)
“[...] o que eu quero saber importa menos do que o que você quer saber
sobre a sua prática, [...] se isso importar a você querer investigar mais, [...]
também me interessa [...]” (Taís, décimo encontro)
91
A negociação da tensão essencial (4)
Antes do conflito relacionado à pesquisa que tomou conta do décimo
encontro, o grupo conseguiu trabalhar sobre a tensão essencial. As análises
preliminares dos diários levaram-me a propor uma discussão sobre o que
poderia ser evidência de uma prática melhor. Este tema fez o grupo centrar
a conversa em aspectos específicos da assistência em terapia ocupacional,
procurando compreender o raciocínio clínico e o processo terapêutico como
uma construção a partir das singularidades dos sujeitos envolvidos, e
também de si, como terapeutas ocupacionais, neste processo e nas
possibilidades de aprendizagem do grupo e dos diários.
“[...] o processo de terapia ocupacional, ele também é tão construído, [...]
são os primeiros pacientes, são as primeiras [...] experimentações, [...] a
princípio a gente fica também no fragmento, e que na hora que você pode ter
uma distância, [...] ‘mas olha a construção disso, e isso teve a ver com isso,
que nesse momento eu pude devolver assim ou ele pôde [...] trazer assim’,
então eu acho que ir tendo mais essa noção também desse todo [...]”
(Mariana, nono encontro)
“[...] eu li o texto da Mattingly, da natureza narrativa do raciocínio clínico, eu
fiquei muito com isso na cabeça [...] raciocínio narrativo para pensar as
nossas condutas com o paciente, de ver o contexto, de ir construindo as
histórias, [...] e a gente faz muito pouco isso [...] na hora de pensar na nossa
prática, [...] a gente acaba sendo muito mais generalista [...] acaba não
pensando muito, [...], ao que levou a gente a fazer aquilo [...] e que o diário
é um espaço para isso, para a gente ir investigando [...]” (Marisa, nono
encontro)
“Você em ação.” (Cecília, nono encontro)
A responsabilidade coletiva para o crescimento individual (4)
A nova proposta de organização do trabalho nos próximos encontros
pode ser compreendida como uma maneira mais madura do grupo interagir
e se responsabilizar coletivamente, e perceber que neste movimento de
compartilhar experiências em narrativas, o crescimento individual é muito
mais potente e propicia uma maior identificação com todo o grupo.
“[...] só queria acrescentar que o dia que a gente fez as leituras [...] me
acrescentaram muito [...] mais no da Tatiane, porque falava de um processo
[...] eu tinha muita vontade mesmo de ver uma outra pessoa atuando [...]”
(Mariana, nono encontro)
“[...] eu sempre fico com muita vontade de ver o processo também das
outras, [...] eu acho que isso vai cooperando muito para o nosso
desenvolvimento, para a nossa prática, [...]” (Clarice, nono encontro)
92
“Eu acho uma ótima idéia, ainda mais quando [...] a gente [...] vivencia
muitas coisas parecidas, [...] com a sua singularidade, mas quando traz a
produção de cada uma que esaqui, acho que fica mais acessível também.”
(Clarice, nono encontro)
Quinto momento: eu esperava outra coisa, mas foi bom!
Nestes encontros, o grupo parece ter conseguido trabalhar sobre a
tensão essencial, compartilhando experiências sobre a prática, refletindo
sobre o processo de raciocínio clínico, compreendendo especificidades do
trabalho com determinadas populações e em determinados contextos.
Parece-me que, neste momento, a conversa girou em torno de explicitar as
crenças e compreensões sobre o processo de terapia ocupacional.
As narrativas compartilhadas foram as de Marisa (décimo primeiro
encontro) e Clarice (décimo segundo encontro), e no décimo terceiro
encontro, solicitei um exercício em que todas as iniciantes deveriam
produzir uma narrativa procurando explicitar aspectos de seu raciocínio
diagnóstico. Embora os encontros tenham sido bastante produtivos, ao final
de cada um, todas as proponentes (Marisa, Clarice e eu) mostraram um
certo desapontamento, porque a conversa do grupo não seguiu como
gostaríamos ou tínhamos imaginado – a tensão entre o desejo individual e a
produção do grupo continuou presente, mas não veio a tona. No quadro 11
é possível ver o resumo do décimo primeiro, décimo segundo e décimo
terceiro encontros.
A formação da identidade do grupo e as normas de interação (5)
O grupo esteve bastante centrado na experimentação deste novo
jeito de trabalhar, as participantes conseguiram compartilhar mais
experiências sobre suas práticas, o que pode ser compreendido como um
aumento das relações de confiança. As falas iam se complementando, em
um movimento
serpenteado, como bem descreveu Cecília, no nono encontro, resultando na
construção colaborativa de sentidos sobre várias questões relacionadas ao
processo de terapia ocupacional, que será apresentada em maiores detalhes
no quinto capítulo.
“[...] me vieram várias situações que eu vivi quando eu estava na
Interconsulta [...]” (Tatiane, décimo primeiro encontro)
93
“[...] eu fiquei meio mexida [...] porque na verdade, eu atendi o Luís, [...] que
era um paciente bem difícil, [...]” (Mariana, décimo primeiro encontro)
“[...] o meu diário dessa semana foi sobre esse caso [...] e as coisas que eu
vou pensando enquanto eu estou atendendo, enquanto eu estou ouvindo [...]”
(Isadora, décimo primeiro encontro)
“[...] esse paciente foi realmente um dos mais marcantes que eu atendi até
hoje, [...]” (Clarice, décimo segundo encontro)
“[...] e eu lembro assim que eu comecei a ficar angustiada, tanto que eu nem
falava muito desse caso, eu na verdade não falo desse caso até hoje [...]”
(Luiza, décimo segundo encontro)
“[...] eu estou fazendo a avaliação com esse paciente para uma apresentação
que vai ter numa reunião clínica, [...]” (Marisa, décimo terceiro encontro)
Quadro 11 – Resumo do décimo primeiro, décimo segundo e décimo terceiro
encontros do grupo
11º
encontro,
dia 22/08
No décimo primeiro grupo, uma das participantes, Marisa, trouxe uma narrativa
sobre sua prática para ser compartilhada. Esta participante falou da tensão
presente na hora da escrita de um texto que seria apresentado no grupo,
relatou a história da escolha do texto ressaltando o impacto que lhe causou o
episódio vivenciado com a paciente. O grupo começou a conversar sobre a
assistência de terapia ocupacional na clínica da terminalidade, ora se
aprofundando mais na compreensão do caso e das ações da terapeuta, ora
procurando generalizar procedimentos. Discutiu-se a falta de recursos para lidar
com a morte e também sobre a assistência em cuidados paliativos. O grupo
pareceu construir um sentido sobre o quanto o tempo é um elemento presente
no raciocínio clínico dos terapeutas ocupacionais, especialmente nesta clínica.
Falou-se também da proposta de terapia ocupacional no hospital, da
possibilidade de se construir outras relações com as pessoas, outros discursos
sobre si, que não somente o de doente.
12º
encontro,
dia
05/09
Uma das participantes, Clarice, compartilhou no grupo uma narrativa sobre sua
prática, em que atendeu em seu primeiro ano de prática, um adolescente na
interconsulta psiquiátrica, ela contou algumas particularidades do caso e
também de seu momento de vida quando realizou os atendimentos. O grupo
conversou novamente sobre a falta de recursos para lidar com a morte, e sobre
o uso de sentimentos para conduzir o processo terapêutico, como uma
ferramenta para o raciocínio clínico, e da distância disso com o discurso médico.
O grupo também falou sobre as tensões presentes na prática de terapia
ocupacional no contexto hospitalar, ter que lidar com os equipamentos
hospitalares, assepsia, morte e doenças, e que estas questões também estão
presentes no raciocínio profissional. O grupo também pode discutir sobre a
prática na interconsulta no segundo ano, ressaltando que a cobrança é maior,
mas que é mais possível vislumbrar possibilidades mais criativas de trabalho. A
partir do texto trazido pelas participantes, a pesquisadora propôs que o grupo
pudesse fazer algumas narrativas procurando identificar elementos do raciocínio
diagnóstico para o atendimento em terapia ocupacional. Ao final, Clarice falou
que esperava uma outra discussão, mas que gostou do que foi produzido.
13º
encontro,
dia
19/09
Iniciei o grupo apresentando uma análise preliminar do material produzido pelas
participantes a respeito do diagnóstico situacional. A partir disso, as
participantes começaram a discutir sobre a dificuldade de escrita da prática e
das diferenças entre esta investigação e a supervisão, onde este processo acaba
não sendo privilegiado. Falaram da diferença da escrita que é demandada pela
instituição, mais técnica e desta, para investigar a prática e o processo de
terapia ocupacional. Em seguida, as participantes compartilharam como foi fazer
o exercício e o quanto este processo de escrita ajudou a compreender melhor o
caso e a investigar outras situações. O grupo tamm discutiu a necessidade de
refletir sobre a prática e a narrativa como uma ferramenta para auxiliar esta
investigação. O grupo também conversou sobre as diferentes etapas de um
processo terapêutico e que, dependendo de onde se está, será possível uma
compreensão diferente.
94
As rotas dissonantes (5)
Embora estes encontros não tenham se caracterizado pela presença
de conflitos evidentes que paralisassem a produção grupal, algumas tensões
estiveram presentes, principalmente relacionadas à intenção prévia de
algumas integrantes do grupo quando levaram suas narrativas para serem
compartilhadas, ou quando eu mesma propus um exercício. Esta tensão foi
percebida somente no processo de análise de dados, depois que toda a
intervenção tinha terminado. O grupo pareceu produzir
colaborativamente, mas foi possível notar certo desapontamento pela
produção grupal não ter se direcionado da maneira como teríamos
imaginado.
“Acho que a primeira coisa que me vem é o alívio de ter podido trazer para
um espaço esse caso, porque antes parecia que era algo que eu não podia
tocar muito, [...] mas além de poder dividir e entender um pouco mais, foi
tentar exatamente isso, investigar o meu raciocínio, [...] e que eu acho que a
gente acabou direcionando para uma outra coisa, de discutir a questão da
Interconsulta, [...] o que é que vai despertando na gente, o quanto é difícil,
[...] eu acho que foi super proveitoso, mas pensando no que eu estava [...]
imaginando que ocorreria, foi por um outro caminho [...].” (Clarice, décimo
segundo encontro)
“Acho que, na verdade, é quando eu mesma tenho dúvidas [...] sobre como
agir e quais condutas são as melhores. Por exemplo, no exercício do
diagnóstico situacional, não sei se foi [...] acertado, o fato é que foi uma
escolha que hoje eu avalio que poderia ter sido melhor acertada, mas que, de
qualquer forma, foi possível produzir em cima dela. E agora temos textos
escritos de todas para podermos refletir sobre.” (Taís, diário de pesquisa,
30/09/2007
19
)
A negociação da tensão essencial (5)
Durante estes encontros, o grupo continuou na direção de negociar a
tensão essencial entre a aprendizagem voltada para o desenvolvimento
profissional e as aprendizagens relacionadas ao processo terapêutico. A
conversa do grupo abarcou reflexões sobre o que é a prática de terapia
ocupacional com pacientes no hospital geral, de modo a construir um
sentido de processo de terapia ocupacional. Houve momentos em que o
foco da discussão foi o processo da terapeuta ocupacional neste contexto,
dos sentimentos provocados, das hesitações, da postura profissional diante
de situações complicadas e humanamente delicadas. Além disso, o grupo
19
Como isso não foi mencionado no grupo, decide explicitar o conteúdo do diário de pesquisa em que
aparece este conflito.
95
trabalhou sobre as dificuldades de investigar o raciocínio e da condição de
cada profissional em lidar com dificuldades ao longo da carreira profissional.
“[...] vai se remetendo a experiências de cada uma, [...] acho que é um
fragmento que remete não só ao caso, mas aos procedimentos da terapia
ocupacional nessa clínica, [...]” (Tatiane, décimo primeiro encontro)
“[...] eu fiquei muito atenta a como você foi escrevendo [...] o tempo todo
falando de você, das tuas dúvidas, do que é que te passou pela cabeça, do
que você sentiu, [...]” (Cecília, décimo primeiro encontro)
“Eu acho que é uma clínica que desperta tantos sentimentos de impotência o
tempo todo, que o gostoso, de certa forma, é se sentir potente, [...] ‘olha, ela
está falando que gosta de mim’.” (Isadora, décimo primeiro encontro)
“... acho importante, [...] da gente poder entender que isso faz parte da
nossa clínica, [...] mobilizar questões mais nossas, que tem a ver também
com valores, com cultura, [...] o que vai te despertando, [...]” (Tatiane,
décimo segundo encontro)
“[...] é uma tensão diferente [...] não é que vai impedir o seu raciocínio mas
ele vai ser algo a mais que você vai ter que pensar,... (Mariana, décimo
segundo encontro)
“[...] a partir do relato que a gente fez e dos procedimentos que a gente foi
tendo com o caso, poder repensar porque que a gente fez esse caminho.
Então, o que é que me balizou, o que é que me dá sustento para eu seguir por
esse caminho, [...] o que é que me teoriza para eu estar na prática?” (Clarice,
décimo terceiro encontro)
A responsabilidade coletiva para o crescimento individual (5)
Nestes três encontros, as integrantes do grupo trabalharam
fortemente na produção de narrativas reflexivas sobre suas práticas, na
discussão colaborativa, no compartilhar de mais experiências a partir da
narrativa proposta. Após estes três encontros, o grupo reorganizou seu
modo de trabalhar, propondo que as narrativas produzidas para a
investigação do raciocínio diagnóstico pudessem ser compartilhadas nos
próximos encontros.
Sexto momento: abrimos a porta que não podia ser aberta.
O sexto momento abarcou o décimo quarto, décimo quinto e décimo
sexto encontros do grupo. Estes três encontros marcaram uma nova de
forma de produzir no grupo. Na medida em que as relações de confiança e
responsabilidade coletiva foram crescendo, as participantes do grupo
puderam experimentar lugares diferentes dos experimentados até então.
Nas discussões anteriores sobre terapia ocupacional e sobre ser terapeuta,
96
as participantes compartilharam experiências e sentimentos relacionados ao
ser terapeuta e ao cuidado em terapia ocupacional, porém de um modo
muito homogêneo, em que as diferenças não ressoavam no grupo. A partir
do momento em que a conversa homogênea foi quebrada pelo
questionamento do que estava nas entrelinhas, o grupo manteve-se coeso,
foi possível trabalhar o rompimento do papel de competente, a confissão do
não-saber (GROSSMAN, WINENBURG E WOOLWORTH, 2001) e elaborar
tensões entre as profissionais iniciantes e experientes. Estes encontros do
grupo estão resumidos no quadro 12.
Quadro 12 Resumo do décimo primeiro, décimo quarto, décimo quinto e décimo
sexto encontros do grupo
14º
encontro,
dia
03/10
As participantes começaram falando do grande investimento na escrita dos
diários e do movimento cíclico de escrever, ter novas compreensões e ter o
desejo de escrever novamente. Outra participante contextualizou o caso de sua
narrativa. A partir disso, o grupo começou a conversar sobre os dilemas
presentes na prática, como usar e manejar as atividades, a especificidade da
terapia ocupacional e o impacto destas questões em seu cotidiano profissional.
Falaram da falta de clareza em saber como e porque estão usando as
atividades, do sentimento de impotência vivido por não saberem explicar o que
fazem, embora na prática se sintam boas terapeutas ocupacionais.
15º
encontro,
dia
17/10
Uma das participantes ressaltou que ficou aliviada pela discussão sobre o uso de
atividades ter sido abordado no grupo. A partir de outra narrativa, o grupo
começou construir um sentido sobre ‘ótima participação no grupo de terapia
ocupacional’ colocação presente na narrativa, e o discurso seguiu alternando-se
entre as particularidades do caso e a questão do convite relacional feito pelo
paciente ao terapeuta, e da dificuldade de reconhecer esse convite para
poderem tratar, podendo construir um sentido sobre ‘o que é tratar em terapia
ocupacional’, e da atitude ativa do terapeuta para reconhecer a dinâmica
relacional e agir propositadamente de modo a promover mudanças. O grupo
discutiu a angústias vividas quando se está diante de um caso difícil, e também
que é necessária a compreensão de que o paciente tem uma vida para além do
tratamento, e que muitas vezes, diante de impossibilidades, é importante lançar
mão da rede relacional do paciente para alguma sustentação. O grupo também
falou do quanto compartilhar com colegas amplia as compreensões.
16º
encontro,
dia
31/10
A narrativa escolhida para ser compartilhada no grupo foi a de Luiza. Ela falou
sobre sua dificuldade em compreender minha devolutiva, mas que mudou suas
concepções após estas devolutivas. O grupo discutiu sobre algumas
particularidades do caso, ressaltando contradições na compreensão de Luiza e
do restante da equipe, e também conversou sobre a concepção da compreensão
da atividade terapêutica. O grupo discutiu o quanto diferentes concepções de
terapia ocupacional influenciam o raciocínio clínico, e o quanto o grupo e os
diários ajudam nesse processo de explicitar estas concepções. O grupo procurou
construir um sentido sobre a ação do terapeuta ocupacional e sua
responsabilidade na condução do processos terapêutico, que ele é um dos
elementos da relação triádica, que muitas vezes ressalta somente um efeito da
atividade sobre o paciente. Discutiu-se sobre a ação do terapeuta em propor
atividades, como isso é compreendido em diferentes concepções, e também as
participantes falaram de certa insegurança em assumirem uma postura mais
diretiva. Conversou-se também sobre desenvolvimento profissional, o fato de
ter dúvidas e incertezas ao longo da carreira pode ser compreendido como um
estímulo para o crescimento. O grupo também ressaltou o quanto este trabalho
tem permitido abandonar alguns mitos sobre a prática de terapia ocupacional e
a importância de confiar mais em si na atuação.
97
A formação da identidade do grupo e as normas de interação (6)
Algumas falas no grupo pareceram indicar que a supressão do
conflito, de falar somente das certezas e o das dúvidas, foi deixada de
lado e, na medida em que o conflito veio a tona, fortaleceu a identificação
das participantes com todo o grupo.
“[...] ‘ah, pelo menos não sou só eu’ [...] e a sensação que eu tenho é que
hoje [...] escutando, eu falei ‘nossa, verdade, tudo faz sentido [...]’” (Luiza,
décimo quarto encontro)
“Nossa, incrível! Eu falei ‘meu, deus, queria estar lá’ e foi dando muito uma
sensação gostosa, sabe, nossa eu o estou sozinha nas minhas angústias,
nas minhas dúvidas, no que eu quero estudar na minha monografia, está
sendo discutido tão bem essa coisa da especificidade da Terapia Ocupacional,
está falando de uma Terapia Ocupacional e várias problemáticas, de várias
terapias ocupacionais, e a atividade, e o material, e o encontro’, foi incrível
[...] ver que todo mundo passa por essas angústias, por essas dúvidas. Foi
emocionante também, as falas, [...] como foi colocado, o que as pessoas
traziam, [...] acho que alguém até usou essa coisa de ‘abrir a porta, abrir a
ferida’.” (Clarice, décimo quinto encontro)
“[...] é uma angústia que está tão presente, mas que virou segredo, [...] que
nem alguém colocou aqui ‘que a gente pouco pode conversar’.” (Clarice,
décimo quinto encontro)
As rotas dissonantes (6)
A possibilidade de assumir as dúvidas e o não-saber permitiu que
uma nova tensão entre as profissionais experientes e as iniciantes viesse à
tona e que pode ser trabalhada no grupo. Novos sentidos sobre o
desenvolvimento profissional puderam ser construídos, como poderá ser
visto na negociação da tensão essencial.
“[...] eu me sinto muito incomodada por ter essas crises, sabe, [...] na hora
em que a Ciça chegou, eu falei ‘ai meu deus, como que eu vou falar para a
minha supervisora que eu o sei isso ainda, sabe’.” (Marisa, décimo quarto
encontro)
“Eu acho que eu fico muito em crise por ainda ter essas dúvidas [COMEÇOU A
CHORAR] ‘[...] mas eu sou formada dois anos’ e deu fico pensando
[...] isso que você acabou de falar, [...] eu que não cheguei a isso ainda ou as
pessoas não pensam nisso, [...] não estão com essas inquietações, [...] droga
eu não queria chorar, [...] eu fiquei mais incomodada com isso.” (Marisa,
décimo quarto encontro)
“[...] desde que elas [as dúvidas] não sejam sentidas como alguma coisa que
não devia acontecer, porque aí você se sente errado, você se sente
incompetente.” (Cecília, décimo quarto encontro)
“[...] a cobrança é muito grande.” (Fernanda, décimo quarto encontro)
98
“[...] eu ia falar isso, [...] eu lembro no começo do grupo ‘a Ciça e a Tati vão
estar aqui’ [...]” (Luiza, décimo sexto encontro)
A negociação da tensão essencial (6)
Nestes encontros, as participantes conseguiram dividir um segredo,
como explicitou Clarice, e ao explicitar a dúvida, o peso do não-saber foi
compartilhado por todo o grupo e isso nos impulsionou a questionar mais, a
dividir os pensamentos, mesmo que eles não estivessem ainda organizados.
Esta produção envolveu o reconhecimento de que o processo terapêutico é
guiado pela terapeuta ocupacional, pela sua ação, pelos seus procedimentos
a partir do que ela entende que tem que ser feito, pelas experimentações.
Esta construção partiu da discussão sobre o instrumento de trabalho, as
atividades, sobre o que é tratar em terapia ocupacional, e sobre o lugar que
o terapeuta ocupacional ocupa, em um jogo entre a assistência e a própria
formação.
“[...] de como você pensa a terapia ocupacional, de como você pensa a
atividade, de como você pensa o processo, [...] de qual é o seu tempo
também, porque é isso, você es entrando numa relação [...] ‘bom, então
apresentar a atividade, apresentar o material, e eu me pego em questões
assim mas o que é a atividade, mas o que é o material?’ ou ‘o que é que a
gente chama de atividade, não é? [...] atividade é o material?’, [...] eu tenho
me pegado, [...] nessas questões, [...] eu estou muito em conflito [...]”
(Mariana, décimo quarto encontro)
“[...] acho que é, [...] minha crise, [...] da terapeuta ocupacional.(Marisa,
décimo quarto encontro)
“[...] a gente está em vários espaços diferentes e as pessoas cobram coisas
diferentes a partir da compreensão que elas têm do que a gente pode fazer, e
aí a gente fica muito perdida, [...] eu acho que é uma imaturidade profissional
assim, pelo menos é como eu me sinto, porque faz total sentido, [...]”
(Fernanda, décimo quarto encontro)
“Que experiência é essa que você proporciona [...] ela está exatamente
ocupando o lugar que ela sempre ocupou, [...] para essa paciente se a gente
ocupar um lugar que sempre foi o que ela convidou as pessoas, que mudança
que a gente está fazendo, não é? [...] isso é tratamento? Que eu acho que
não é tão simples assim, aliás, nada é simples, [...]” (Clarice, décimo quinto
encontro)
“[...] foi um caso que mexeu muito comigo, [...] que eu fui pensando depois,
[...] acho que escrevendo me deu [...] essa idéia ‘nossa, olha, eu apareci!’
[...] eu estava me esquecendo ali no meio daquela atividade.” (Luiza, décimo
sexto encontro)
“A gente sempre cai na questão, [...] atividade e paciente, [...] mas quando
vocês foram falando [...] é o paciente, é o que ele demanda, o que não
demanda, a atividade que a gente oferece, mas como que a gente está nisso
tudo?” (Tatiane, décimo sexto encontro)
99
A responsabilidade coletiva para o crescimento individual (6)
As falas destes encontros parecem evidenciar a importância do
trabalho no grupo, do compartilhar, do quanto este espaço tem ocupado a
vida profissional. Além disso, o que está sendo vivido nesta experiência
começa a ser pensado não somente no contexto da pesquisa, mas além, na
formação no curso de especialização, e para a vida.
“[...] a gente vem com certos mitos, [...] de que vai para a prática, de que vai
aprender, então não vai mais ter dúvidas, [...] e acho que também esse
grupo, eu acho ele também é essa função, de ajudar a gente a perceber que
[...] pode compartilhar, se você falar acho que você pode refletir, pensar
sobre as coisas, se sempre pode estudar, pode buscar pessoas, [...] que
compartilhem junto, mas acho que é um tempo, [...] que se consegue e volta,
aí vai mais um pouquinho, [...]” (Mariana, décimo sexto encontro)
“[...] então para mim é uma questão, para eu pensar, não é? Que eu acho
que é um espaço rico, é um espaço de muita reflexão, que eu gostaria que
fosse contemplado durante o processo de formação de vocês, então se ele não
é contemplado no espaço de supervisão, como é que a gente faz, não é?”
(Cecília, décimo quarto encontro)
“Agora vai, a gente tem quanto tempo mesmo?” (Clarice, décimo sexto
encontro)
“A vida toda.” (Fernanda, décimo sexto encontro)
Sétimo momento: dá para pensar isso com outras pessoas!
Neste encontro, o grupo trabalhou sobre a narrativa de Fernanda, um
texto que trouxe questões da ordem da assistência em saúde mental, em
um jogo entre a complexidade e gravidade dos casos, a falta de recursos
pessoais e institucionais para lidar com alguns casos, e principalmente o
terapeuta como um sujeito que vive em tensão, entre o desejo de acreditar
e investir em uma nova vida que possa sair do ovo, sem que ele se quebre
antes.
O grupo começou a se despedir, a avaliar esta experiência,
ressaltando que, mesmo os assuntos mais difíceis podem ser
compartilhados. No quadro 13 é possível ver o resumo do décimo sétimo
encontro.
100
Quadro 13 – Resumo do décimo sétimo encontro do grupo
17º
encontro,
dia
14/11
Entreguei para as participantes todas as crônicas do grupo, como um elemento
para ajudar nas reflexões para o último grupo. As participantes falaram sobre a
dificuldade na escrita do diário, apontando para o final do trabalho e que ficou
difícil escolher o que escrever e como. Uma das participantes do grupo,
Fernanda, trouxe uma narrativa para ser compartilhada e falou sobre suas
inquietações diante do caso. O grupo começou a discutir sobre as
particularidades no atendimento de pacientes portadores de transtorno de
personalidade borderline, sobre a distância entre as produções teóricas e a
prática com esta clientela, e das implicações disto para o terapeuta na vivência
de sentimentos de raiva, impotência e frustração. O grupo também pareceu
procurar generalizar esta idéia para o trabalho na saúde mental de modo geral,
mas que estes pacientes tem uma especificidade na contratransferência, como
um caminho para estabelecer o cuidado, e também conversou sobre a dualidade
entre se haveria quem seria ‘intratável’ e a crença de que algo sempre pode ser
acrescentado para a pessoa. Por fim, Fernanda falou o quanto foi interessante
poder trocar com o grupo para refletir estas situações e principalmente ver que
realmente são situações difíceis e complexas.
A formação da identidade do grupo e as normas de interação (7)
Neste encontro, o grupo começou a se despedir em um movimento
de avaliar a experiência vivida e não trazer novas questões para reflexão.
“Uma coisa que eu fiquei pensando também: ´[...] mas é o penúltimo, [...]
mas eu vou começar a entrar num assunto...’” (Mariana, décimo sétimo
encontro)
“Eu concordo com a Mariana, [...] acho que tudo que a gente está fazendo
agora pela penúltima ou última vez está sendo muito difícil, e nesse diário eu
não consegui, [...] ‘nossa, eu não vou conseguir escrever nada, não vai sair
nada, não vai’ e aí eu comecei a reler todos, [...] principalmente a sua
devolutiva, e eu falei o, acho que eu preciso, eu estou precisando
fechar.’ (Isadora, décimo sétimo encontro)
A negociação da tensão essencial (7)
A discussão do grupo em torno da narrativa trazida por Fernanda
centrou-se nas possibilidades de cuidado em saúde mental. A conversa
oscilou entre as dificuldades e a complexidade da assistência, mas
intensamente centrada no sujeito terapeuta, nas escolhas, desejos,
investimentos, responsabilidades.
“[...] mesmo você não descrevendo um atendimento, uma sessão de grupo,
você, com as suas questões e a forma como você escreve, [...] vai trazendo
muito material para a gente pensar, [...] é muito intenso e traz questões de
diversas ordens [...] pode pegar por vários caminhos, [...]” (Tatiane, décimo
sétimo encontro)
“[...] eu não consegui [...] fazer perguntas para o texto, eu fiquei com
perguntas para mim, [...]” (Mariana, décimo sétimo encontro)
101
“Até aonde a gente vai? Qual é o nosso limite? Qual o direito da escolha do
paciente? Até onde ele pode escolher? Não sei. O quanto que a gente investe?
Será que a gente tem uma clínica, hoje, apropriada para esse tipo de
paciente, que é uma clientela que parece que vai ficando sem lugar, sem
contorno, tanto em atendimentos mais intensivos, até numa internação,
quanto, acho que é isso, fiquei pensando agora em pacientes com transtorno
alimentar, como que, acho que a gente precisa se equipar assim, [...]”
(Mariana, décimo sétimo encontro)
“... porque eu acho que tem a ver com tudo isso, [...] com o ambiente que a
gente proporciona, [...] em como a gente apresenta as atividades ou o grupo,
que escorrega, [...] e [...] volta tudo, [...] a gente fracassa junto com elas,
a sensação de quem cuida, pelo menos que eu tenho [...] porque vive de um
outro jeito assim, acho que cabem milhares de coisas principalmente
impotência e raiva.” (Fernanda, décimo sétimo encontro)
“[...] eu sempre acredito eu alguma coisa fica.” (Cecília, décimo sétimo
encontro)
“[...] eu tinha [...] uma certa expectativa de sair aliviada com algumas coisas
e acho que foi o contrário, [...] mas acho que tem um outro lado [...] de ver
que dá para pensar isso com outras pessoas, [...] que é uma dificuldade
natural saber que isso causa em todo mundo [...]” (Fernanda, , décimo sétimo
encontro)
“[...] eu acho que a importância da gente se dar conta disso, do meu ponto
de vista, é de pensar o que a gente faz com isso [...], é a possibilidade que a
gente tem, porque eventualmente vai resultar em algo terapêutico para o
outro [...] mas é a nossa responsabilidade, entrar nessas histórias, uma vez
que a gente entra, e que isso afeta a gente desse jeito, [...] pensar o que faz
com isso? Eu, eu tenho que escolher como eu vou responder a isso.” (Cecília, ,
décimo sétimo encontro)
As rotas dissonantes e a responsabilidade coletiva para o crescimento
individual (7)
Tanto neste encontro, como no seguinte, foi possível perceber um
grupo sólido, implicado na discussão, os conflitos ou as fragilidades o
foram peças-chave da discussão, mas sim, havia um clima, embora tenso
no décimo sétimo encontro pelo tema discutido, de comprometimento com
os colegas do grupo e com a discussão.
Oitavo momento: isso gerou muitas crises, mas elas não nos
paralisaram
Este encontro foi construído a partir da avaliação de toda a
experiência: da participação no grupo, da escrita dos diários e das
devolutivas. O discurso valorizou a participação no grupo, a identificação
das questões comuns, a ressonância desta experiência em outros espaços
da formação e da prática, a responsabilidade e o comprometimento de cada
102
integrante. Além disso, as participantes valorizaram o trabalho grupal de
conversar sobre questões consideradas tabus, de aprofundar em questões
delicadas da prática e de ser terapeuta. As profissionais iniciantes falaram
de sua segurança, de reconhecer limites, de aprender a compartilhar. As
mais experientes ressaltaram a importância da experiência, a possibilidade
de aprender e crescer, e também de perceber seu crescimento ao longo da
carreira. No quadro 14 é possível ver o resumo do décimo oitavo encontro.
Quadro 14 – Resumo do décimo oitavo encontro do grupo
18º
encontro,
dia
28/11
O grupo começou a discutir o quanto ter feito a retrospectiva ajudou a
compreender melhor a dimensão daquela experiência, e que muitas não tinham
se dado conta de algumas coisas. Também falaram da falta que este espaço irá
fazer, e a importância da regularidade tanto nos encontros do grupo como na
entrega dos diários e da devolutiva, para a construção de uma postura
investigativa. Além disso, falou-se sobre a importância de investigar com os
supervisores possíveis mudanças na prática e na identidade que eles poderiam
associar a este espaço. O grupo falou sobre o tempo para a construção da
intimidade do grupo e que aos poucos foi ficando mais fácil e mais tranqüilo
trazer experiências para serem compartilhadas, da mesma forma o diário, que
deixou pra trás a questão ‘de para quem eu escrevo’ para se transformar num
instrumento de investigação mesmo. As participantes falaram de seus ganhos,
ressaltando o quanto se sentem mais seguras na prática, principalmente diante
de situações complicadas, que anteriormente pensariam que par ser uma boa
terapeuta elas deveriam saber o que fazer. Uma das colaboradoras falou sobre
o desejo de perpetuar esta experiência na formação da especialização. Também
se falou que a postura investigativa estimulada no grupo gerou crises, mas que
a garantia de continuidade fez com que as crises não causassem paralisia. O
grupo também conversou sobre o quanto foi possível discussões sobre uma
prática mais sofisticada, com maior aprofundamento.
A formação da identidade do grupo e as normas de interação (8)
O grupo pode refletir sobre a importância desta experiência,
valorizando o pertencimento, a influência na identidade deste grupo de
terapeutas ocupacionais da especialização, do trânsito do que acontecia no
grupo e do uso dos diários em outros espaços, a criação de uma
possibilidade de interagir com confiança e intimidade que possibilitou falar
de si.
“[...] acho que eu vou me dar conta de que acabou mesmo depois. Eu vou
sentir muita falta mesmo, porque eu acho que essa coisa dessa constância,
sabe, da gente saber da existência desse lugar de fato e de que estava
sempre aqui quinzenalmente e de poder pensar juntas, e que as coisas tinham
devolutiva, e que aqui a gente podia dividir e perceber, muitas vezes, o
quanto que as outras pessoas tinham as mesmas questões, isso dava muito
alívio, [...]. Eu acho que tem questões que nós seis enquanto grupo, eu acho
que isso mexeu muito com a nossa identidade de grupo, [...] o nosso grupo,
[...] eu acho que isso foi muito importante, [...] de ir percebendo que as
dúvidas eram parecidas, as angústias, que eu acho que era uma coisa que ia
circulando aí nesses quinze dias entre a gente, meio em códigos, brincadeiras,
103
e mexe com tudo isso. [...] refletir, acho que fez uma marca muito profunda,
assim. (Mariana, décimo oitavo encontro)
“[...] acho que isso foi ajudando em rios outros espaços daqui da
especialização, [...]” (Fernanda, décimo oitavo encontro)
“[...] eu lembro muito de uma supervisão da Cecília, eu levando um diário que
eu enviava para você em outro espaço, [...], e acho que isso vem contar
muito da importância desse espaço, da importância que teve essa escrita, da
possibilidade da gente refletir e receber um retorno [...]” (Clarice, décimo
oitavo encontro)
“[...] o quanto isso ia aplicando [...] dia-a-dia as coisas que a gente ia
discutindo aqui, e a gente ia usando também esse recurso, [...] de fazer um
diário sobre um paciente que eu vou apresentar em reunião clínica, [..] para
aprofundar, para perceber o que eu fiz. Foi [...] se incorporando mesmo, [...]
na nossa prática.” (Marisa, décimo oitavo encontro)
“[...] parecia que o meu diário tinha muito a ver com o que as outras pessoas
tinham escrito também, [...] porque no grupo eu me sentia muito parte, [...]”
(Luiza, décimo oitavo encontro)
“[...] acho que esse espaço acolheu muito a gente no sentido de poder trazer,
discutir, pensar, voltar em algumas discussões, sem ter que finalizar com uma
resposta [...] a gente saia daqui [...] pensando e discutindo e falando em
outros espaços [...] foi muito importante.” (Isadora, décimo oitavo encontro)
“[...] essa coisa da imagem [...] e da intimidade que vai sendo criada aos
poucos.” (Taís, décimo oitavo encontro)
“[...] para mim ficou muito uma coisa da reflexão, do estudo, como algo muito
potente mesmo, mas não é então só refletir, mas é bem o grupo [...]”
(Tatiane, décimo oitavo encontro)
As rotas dissonantes (8)
Neste encontro, embora o foco da discussão não tenha caminhado no
sentido de avaliar os conflitos e as fragilidades do grupo ao longo do
processo, a fala de Marisa, a seguir, parece clarear o quanto o processo de
reflexão e de colaboração no grupo gerou conflitos, impulsionou as
participantes a assumir posições, a explicitar seus pensamentos, e o não-
saber, mas que isso pôde ser acolhido e trabalhado no grupo, e estas crises
não as paralisaram.
“[...] acho que essa postura reflexiva, crítica, investigativa, incentivada no
grupo, foi gerando milhares de crises, foi muito difícil, porque quando a gente
falava a gente assumia que a gente estava pensando essas coisas, e era um
momento para parar, para pensar nisso, que às vezes você [...] trabalhando
como terapeuta ocupacional, você vai passando por cima e eu acho que essa
postura trouxe à tona milhares de coisas e a gente tinha esse espaço para que
elas fossem acolhidas, [...] a gente tinha uma resposta, [...] de não escrever
sozinha, [...] e se afundar nelas. Então, a gente dividia aqui depois, a gente
tinha um retorno, tinha essa continuidade, [...] podia voltar nesses assuntos
104
ao longo do tempo, daí ir repensando algumas coisas, o que impediu que as
crises paralisassem.” (Marisa, décimo oitavo encontro)
A negociação da tensão essencial (8)
As aprendizagens adquiridas, as mudanças percebidas, foram
valorizadas na perspectiva de que o trabalho no grupo e nos diários
demandou um investimento intenso e constante. O que possibilitou falar de
questões conflituosas, de tabus, de crises, mas também de se perceber, de
se conhecer, e de ver as mudanças na prática.
“[...] é um dos únicos espaços onde muitas coisas que parecem ser tabus para
a gente podiam aparecer, [...] que a gente trocava.” (Clarice, décimo oitavo
encontro)
“[...] foi muito importante para ver o quanto precisa de uma organização, isso
ajuda muito no raciocínio, na organização dos casos, a refletir, a entender
melhor todo um contexto. Então eu acho que [...] é impossível não ver uma
diferença na prática e no nosso raciocínio, acho que isso fica muito concreto
com as devolutivas dos diários e dos professores.” (Clarice, décimo oitavo
encontro)
“Mas eu acho que foram muitas descobertas, no meu jeito, desde o meu jeito
de escrever, até assim, porque que eu escolhi aquele caso, o que é que eu
ressaltei desses casos, o que eu não ressaltei, quando você perguntava
alguma coisa, o que é que eu respondia, o que é que eu ignorava, sabe, acho
que foram vários caminhos, [...]” (Fernanda, décimo oitavo encontro)
“[...] para mim foi muito impactante e acho que por isso que eu paralisei,
sabe? Que eu fiquei ‘gente, olha isso!’ [...] eu fui percebendo o quanto, acho
que cada um mesmo vai tendo um ritmo, [...] uma particularidade, [...] de
construção [...] do conhecimento e aí eu vi que eu [...] consegui fazer, mas
eu falei ‘nossa, olha Luiza!’, [...] eu percebi que eu paralisei em alguns
momentos, mas [...] depois eu peguei [...] o gancho de novo e também foi
muito interessante perceber isso e [..] quem falou, a Clarice, falou da coisa do
tabu, [...] acho que às vezes a gente tem medo de se aprofundar nas coisas
para não mexer em coisas que tão construídas muito tempo. Acho que eu
peguei o diário e deu para pegar muito do meu jeito de funcionar, da
dificuldade de pedir ajuda, às vezes.” (Luiza, décimo oitavo encontro)
“[...] o que eu acho que eu sinto é uma maior tranqüilidade nos momentos
em que eu me apavoro, que bate o pavor de não saber o que fazer em uma
situação difícil, e acho que antes eu ficava muito mais ‘nossa, acho que isso
eu devia saber’, [...] e acho que ao longo desse processo, [...] da gente ir
descobrindo que eram questões, [...] às vezes para umas mais, para outras
menos, e que a gente podia compartilhar e foi muito legal participar [...] com
vocês três, [...] ouvir um pouco de vocês, acho que isso também ia
acalmando a gente, então eu acho que nesse sentido eu vou sentindo
diferença, muita diferença na prática sabe, e às vezes também eu acho que
ficava muito assustada com a minha confusão diante da situação, então de ir
podendo ver que tem um lugar para isso, [...] é possível se organizar, então
de escrever, de ter alguém com quem conversar [..], [...] que possa pensar
um pouco esse raciocínio junto, eu acho que fez muita diferença sim para
minha prática. Acho que é isso, nesse sentido também eu não consigo talvez
105
denominar tanto, mas eu sinto que muita mudança aconteceu.” (Mariana,
décimo oitavo encontro)
“[...] é que foi um espaço muito de [...] respiro e de alimentação, [...] respiro
no sentido de ‘[...] com os anos acho que de fato algumas coisas vão sendo
mais fáceis’, então de poder olhar, acho que eu peguei o processo do grupo e
de cada uma, eu vivi esse processo de saída daqui e entrar num lugar novo,
diferente, [..], que também me encheu de muitas inseguranças e incertezas, e
poder estar aqui ‘[...] eu já passei pelas mesmas questões’ e de fato acho que
a experiência dá uma diferença [...] e por outro lado eu também acho que de
alimentação no sentido assim de compartilhar com você [...] questões muito
próximas e isso independia de... [...] para mim também era muito legal ouvir
vocês, ‘[...] isso ainda é a nossa prática!’ e poder compartilhar com as
meninas foi muito bacana e acho que isso foi positivo para a vida profissional,
[..]” (Tatiane, décimo oitavo encontro)
“Muito sofisticada, [...] do ponto de vista de pensamento, de articulação
teórico-clínica, de se pensar no lugar, se ver, [...]” (Cecília, décimo oitavo
encontro)
A responsabilidade coletiva para o crescimento individual (8)
A responsabilidade das participantes para com o grupo, o
envolvimento, o comprometimento, o cuidado, foram considerados os
elementos responsáveis para que a produção grupal tenha feito sentido,
para que a experiência tenha sido rica, e leve a desejar que ela possa ser
multiplicada.
“[...] Eu acho que foi sim um caminho do grupo todo de ir aprofundando mais
as discussões, a investigação, que eu acho que tem muito a ver com o
envolvimento que a gente foi tendo, acho que esse espaço foi muito bem
cuidado, eu acho que isso fez toda a diferença.” (Fernanda, décimo oitavo
encontro)
“[...] da possibilidade daqui ser um espaço, [...] muito [...] pela nossa
dedicação também e pelo seu cuidado, na forma como você devolvia os
diários, como você colocava a reflexão, como convidava a gente, [...]”
(Clarice, décimo oitavo encontro)
“[...] a experiência é sempre maior que a narrativa
20
, [...] a gente também
tem essa dimensão que a experiência foi muito boa, foi muito rica, foi muito
[...] interessante em todos esses aspectos, [...] acho que vai ficar uma marca
importantíssima que eu gostaria [...] de multiplicar, o que eu tenho é esse
olhar também. E como colocar isso numa narrativa de forma a transmitir isso
da melhor maneira possível, a potência dessa experiência.”
(C
ecília, décimo
oitavo encontro)
A trajetória de Luiza: a transformação alimentada pela participação
no grupo, pela escrita dos diários e pelas devolutivas.
Após a descrição e análise do processo do grupo, pretendo apresentar
a trajetória de uma das terapeutas ocupacionais iniciantes, de modo a
20
Referência ao autor Michael White.
106
vislumbrar um percurso e as possíveis potencialidades deste tipo de
trabalho.
A trajetória de Luiza foi composta utilizando informações
provenientes de seus diários reflexivos, das devolutivas que eu dava aos
diários bem como de suas contribuições para o trabalho grupal. Cada uma
de suas narrativas nos diário reflexivo era nomeada de ato, como episódios
de uma trama em construção, cujo sentido de finalidade era sua própria
transformação. Sendo assim, esta história será contada com ênfase em três
momentos: primeiro ato ou as ambigüidades; segundo ato ou em meio a
óleo e fogo; ato final ou que o milho vire pipoca!
Primeiro ato ou as ambigüidades
Logo em sua primeira narrativa e no primeiro grupo, Luiza
apresentou suas principais inquietações: que seu olhar tem se voltado para
questões relacionadas à escuta e ao diálogo com o outro e ao movimento
do processo terapêutico diante de suas ações como terapeuta; e da
expectativa de que no segundo ano de prática seria uma terapeuta
ocupacional muito melhor, sem tantas dúvidas e incertezas e que estava
percebendo que não era bem assim. Também ressaltou o quanto as
vivências da graduação foram boas e importantes na sua formação.
“Assim acredito que meus aprendizados nesse ano estão relacionados a escuta
e ao diálogo com as pessoas que chegam ate mim para fazermos terapia
ocupacional, da reação que essas pessoas poderiam ter diante da minha ão
enquanto terapeuta [...] e a minha sensibilização enquanto terapeuta para
perceber qual a necessidade da pessoa que esta diante de mim. [...] Quero
também prestar mais atenção na prática e fundamento da Terapia
Ocupacional a partir do uso da atividade [...]” (primeiro diário, grifo da
autora)
“[...] parece que a cada dia está piorando, [...] eu estava com uma ilusão que
[...] agora no segundo ano eu ia estar melhor [...] e agora parece que não
estou tão boa como eu imaginava [...]” (primeiro encontro)
“[...] foi uma experiência muito rica. O contato com os professores, com as
turmas dos anos anteriores e posteriores [...] participei de muitos projetos de
atuação na comunidade e nos serviços de saúde mental, trabalhos em favelas,
no centro cultural da cidade, trabalho em comunidades carentes, com
pacientes de um grande hospital psiquiátrico, a participação no projeto da
Universidade Solidária, [...] foram marcando meu percurso na graduação.”
(primeiro diário)
“[...] para mim foi muito mais fácil falar da graduação, lembrar das coisas
boas do que falar de agora.” (primeiro encontro)
107
Entretanto, durante todo o primeiro semestre, tanto na escrita dos
diários como na participação do grupo, Luiza teve muita dificuldade em falar
destas questões. Em seus diários mostrava ambigüidade, ora falando de seu
desejo de investigar seus sentimentos no contato com os pacientes, ora
explorando outras questões interessantes da prática, como a influência do
contexto institucional e o estigma, mas sem descrever situações a partir das
quais ela pudesse refletir sobre suas ações, ou quando as descrevia, não
dava continuidade a elas no diário seguinte.
“Só para não deixar de citar, tenho percebido na minha prática que existe
algo muito importante para conseguirmos estar com nossos pacientes, não
estar, mas cuidar, acolher, ajudar, e outras coisas que nós como
terapeutas devemos fazer para os nossos pacientes. Esse algo é algo que
não encontramos em livros. As pessoas (que conseguem reconhecer)
costumam definir como feeling [...], outros como sexto sentido, outras como
sabedoria. E o que sei é que esse algo não encontramos nos livros, nas
técnicas e métodos [...] Entrando em uma reflexão sobre um caso, resolvi
escrever sobre uma questão importante no atendimento a pacientes
psiquiátricos.” (terceiro diário)
“Mas eu acho que, uma coisa que a gente a todo o momento é convidado a
sempre dar nome [...] tem coisa que não tem palavras, tem sensações,
mas depende muito do lugar que você es inserido, [...] pessoas da
instituição esperam que você dê uma resposta [...] Eu acho que muitas
vezes a gente sente [...] quase que obrigados a tomar uma decisão, uma
coisa que a instituição acredita e que você acaba deixando [...]” (segundo
encontro)
“Acho que nessa oportunidade, não consegui contribuir muito com o estudo
e com o grupo, mas percebo a importância de ter escrito esse pequeno
relato, ou confissão, da minha dificuldade, pois consegui nessa situação
organizar os tantos assuntos que tem ocupado meus pensamentos a
respeito da minha pratica. Acho que esses pensamentos são, de certa
forma, pessoal e humano, porém acredito que isso é que me constitui como
pessoa, e a minha pessoa como terapeuta.” (quarto diário)
Nestes primeiros escritos e também no grupo, Luiza pareceu justificar
essa ambigüidade pelas dificuldades em compreender a pesquisa, se estaria
colaborando para os resultados da pesquisa. Outras hipóteses para esta
questão podem estar relacionadas tanto à sua compreensão de que refletir
sobre a prática deveria ter um caráter de uma reflexão sócio-crítica, de uma
prática profissional não alienante, como às dificuldades para expor
pensamentos e sentimentos que ela estivesse considerando que não
deveria ter”, mas isso não foi trabalhado na ocasião.
“Estou a algum tempo tentando me decidir pelo o que escrever nesse
terceiro diário. Na realidade o que havia pensado em escrever, que é o que
108
ultimamente mais tenho refletido, acredito que não será útil para cumprir
com o objetivo do trabalho realizado com esse diário.” (terceiro diário)
“[...] a gente escom uma proposta de escrever um diário no Laboratório,
acho que o coisas diferentes, no Laboratório eu posso dizer nossa,
quero desistir de tudo, vou fugir’ [...] Aqui eu não posso dizer isso,
entendeu? Aqui eu tenho que falar...” (segundo encontro)
“Tem a ver com a proposta desse grupo, [...] falar dessa reflexão sobre a
prática” (segundo encontro)
“[...] as terapeutas [...] acabavam tendo o discurso compatível com o que a
instituição acreditava, no que a instituição colocava como filosofia, [...]
pensavam muito pouco na prática [...]” (segundo encontro)
“[...] não sei se tem a ver [...] o que eu quero falar, mas quando eu fui
escrever o diário dessa semana, [...] eu ainda voltei naquilo, se eu deveria
ou o escrever, [...] acabei falando de duas coisas, [...] eu comecei a falar
de uma coisa que eu não sabia se cabia muito, [...] se poderia ajudar você
[...] eu tenho vontade de falar [...] até mesmo em supervisão ou outros
lugares [...] coisas que às vezes não tem relação, [...] eu não estou com
uma dúvida assim ‘eu não sei o que fazer com esse paciente’, [...] mas são
coisas assim, [...] eu não sei o que ele sentiu na hora que ele estava
dizendo isso, ‘eu senti isso’, [...]” (quarto encontro)
Muitas de suas narrativas e de suas falas no grupo também estiveram
permeadas pelo seu momento atual, de cansaço, do medo de adoecer,
principalmente em relação ao trabalho na saúde mental e às inquietações
relacionadas ao seu papel profissional de estagiária-especializanda (quarto
diário, quarto encontro do grupo, quinto diário, sétimo encontro do grupo).
“Não digo que não tenho coisas que poderia falar, pois tenho. Poderia falar de
como esta sendo para mim ser terapeuta e do que isso tem me levado a
pensar sobre eu mesma e sobre ser terapeuta. Ser terapeuta está me levando
a pensar nas nossas escolhas, do quanto não-terapêutico é ser terapeuta, do
quanto na vida não há resposta, do quanto as relações são complexas e existe
um jogo nelas, o quanto corremos o risco de adoecer...” (quarto diário)
“Todo mundo precisa de um lugar e também precisa ser reconhecido pelo que
faz e pelo que é. Quantas vezes não falamos isso sobre os nossos pacientes...
o que estou querendo dizer é que ocupar o lugar de especializanda parece-me
que é não ter um lugar definido e acredito que isso trazer alguns conflitos
[...]” (quinto diário)
“[...] o que tenho percebido e tenho pensado é que não existem respostas e
caminhos certos e pré-determinados para algumas questões da nossa prática
e que ser terapeuta é você estar disposto para o encontro com o outro e
justamente o perder sua potência criativa... Não estou dizendo que não
acho que as supervisões são importantes ou que esse olhar de cima (super-
visão) não seja importante, mas sinto que muitas vezes fico presa, ou melhor
sou colocada nesse “lugar” de estagiária-especializanda.” (quinto diário)
“... a nossa prática é o ensino.” (sétimo encontro)
“É sua responsabilidade e o que é que você faz com essa responsabilidade,
não é?” (sétimo encontro)
109
“[...] na sensação de impotência que dá, muito grande, [...] eu fico super
esgotada, [...]” (sétimo encontro)
Em minhas devolutivas aos seus diários, procurei tecer comentários
que ajudassem Luiza a refletir sobre o uso do diário em seu benefício, e
valorizar os aspectos implícitos, como os sentimentos e crenças, como alvo
da reflexão. Meus comentários procuraram ressaltar que embora as
reflexões trazidas por ela fossem interessantes, ela não estava discutindo o
impacto destas situações em sua prática, sugerindo que este poderia ser
um caminho para a reflexão.
“Na primeira parte do seu diário, vi mais a sua prática, as suas inquietações. E
acho que isso me motivou a fazer perguntas, a ajudá-la a pensar... Você pode
pensar também numa dualidade pensamento X sentimentos (feelings)...
Penso que seria uma grande escolha sua poder seguir por este caminho. Em
relação à segunda parte, suas reflexões são interessantes, mas se referem a
questões mais amplas que permeiam todo o cuidado em saúde,
especificamente em saúde mental. Mas aqui você pouco fala da sua prática,
no sentido de refletir sobre o impacto que isso teve em você quando você
atua como terapeuta ocupacional, ou como um membro de equipe... ou sobre
seus sentimentos diante deste tipo de agressão (posso chamar assim?)”
(devolutiva do terceiro diário)
“Bem, para mim também fica uma questão: como lidar com algo que é tão
pessoal e íntimo [...] em um espaço (diário reflexivo) que se propõe a ajudar
no seu desenvolvimento profissional? Acho que tem tudo a ver. Se vo
quiser, vamos descobrindo os caminhos. Talvez poder pensar em situações
nas quais você perceba que se sente mais desgastada... por que se sente
assim? De que forma tem se colocado para o trabalho e para a aprendizagem?
E diante dos pacientes? Eu tenho percebido que descrever uma ou mais
experiências em que estas questões tenham surgido, ajuda a organizar o
pensamento e isso pode formatar melhor a nossa conversa.” (devolutiva do
quarto diário)
“Você se sentia assim no ano passado também? Desde quando esta questão
te incomoda? Como você gostaria que fosse? Em que situações você se sente
amarrada? Sempre? Quando quer fazer o quê? [...] Qual molde você não tem
gostado? Posso falar assim? [...] Luiza, além disso, como foi ler os textos para
a discussão em grupo e refletir sobre as questões que você vinha trazendo?
Foi possível tecer algumas relações? Acho que também aquele é um caminho
fértil...” (devolutiva do quinto diário)
Estas questões pareceram colocar Luiza em movimento. Em vários
momentos no grupo e nos diários, ela fez perguntas procurando
compreender a pesquisa e relacioná-la ao modo como estava produzindo.
“[...] que é que é a sua pesquisa?” (quinto encontro)
110
“Porque eu acho que tem dois lados, [...] o grupo de aprendizagem
colaborativa e o grupo de aprendizagem colaborativa que está participando da
pesquisa da Taís, [...] como [...] a gente se propõe, independente da sua
pesquisa, a fazer um grupo de aprendizagem colaborativa, como seria?
(quinto encontro)
“[...] aprendizagem colaborativa é a aprender com o outro, [...] eu queria
poder assim, [...] de alguma forma, [...] saber o que as outras pessoas estão
pensando [...] para ver se acrescenta para mim [...]” (quinto encontro)
No sexto encontro do grupo, quando se discute a questão do manejo
do campo transferencial da terapia ocupacional
21
, novas questões
aparecem. Luiza explicita no grupo uma tensão em relação à compreensão
do conceito de transferência e como ele pode ser agregado à prática. Neste
momento, parece que Luiza fala de uma diferença de seu referencial teórico
em relação às outras integrantes do grupo (e ao discurso da
especialização?), fala de outro curso que tem feito, e de como as coisas
ainda estão um pouco confusas. Após o grupo e a leitura dos textos, Luiza,
em seu diário, começou a estabelecer relações entre a idéia de
transferência e seu desejo de investigar os sentimentos na relação
terapêutica.
“[...] eu não sei se eu vou saber falar muito assim da transferência em si, [...]
eu acho que isso tudo faz [...] muito sentido, [...] mas eu acho também que o
que eu vou percebendo em outros espaços [...] dentro [...] do mundo da
Psiquiatria [...] é de que [...] vai muito do que cada pessoa [...]” (sexto
encontro)
“[...] eu acho que [...] existe essa tal da transferência
22
, [...] mas o que é que
a gente enquanto pessoa, enquanto terapeuta, [...] do que a gente carrega
dentro da gente de vivência, [...] como é que a gente faz para lidar com [...]
tudo isso, entendeu?” (sexto encontro)
21
Embora este conceito seja mais bem trabalhado no quinto capítulo deste trabalho, em Benetton (2006,
p. 99) encontramos “Induzir ao sentir e ao se relacionar é a melhor forma de manejar o campo
transferencial em terapia ocupacional. Observem que não digo o campo transferencial na, mas da terapia
ocupacional, porque descobri que não posso observar esse campo como um psicanalista e que a
transferência positiva permite um trabalho com a realidade do fazer de forma mais adequada do que a
neurose de transferência [...] o conceito de ‘transferência leiga’ demonstrada e exemplificada por Freud
como a de um professor, deve ser considerada, e uma boa forma de trabalhá-la é fazê-la sintaxe da
narrativa instrumentada pela relação de trabalho e produção [...] Nós, terapeutas ocupacionais,
começamos a ser chamadas de tia [...], amigas, professoras... até mãe. [...] uma rede social, e o melhor é
que nosso ser terapeuta ocupacional já provoca isso.”
22
Transferência: “Designa em psicanálise o processo pelo qual os desejos inconscientes se atualizam
sobre determinados objetos no quadro de um certo tipo de relação estabelecida com eles e,
eminentemente, no quadro da relação analítica. Trata-se aqui de uma repetição de protótipos infantis
vivida com um sentimento de atualidade acentuada. É à transferência no tratamento que os psicanalistas
chamam a maior parte das vezes transferência, sem qualquer outro qualificativo. A transferência é
classicamente reconhecida como o terreno em que se dá a problemática de um tratamento psicanalítico,
pois são a sua instalação, as suas modalidades, a sua interpretação e a sua resolução que caracterizam
este.” (LAPLANCHE, 1992, p. 514)
111
“Quando fui olhando os temas que surgiram percebi que eu nesse um ano e
meio de prática me preocupei muito pouco, ou melhor dizendo, prestei pouca
atenção, me angustiei pouco, com as questões especificas da terapia
ocupacional como o uso das atividades e toda a sua complexidade, nomeei
pouco a transferência e a contratransferência [...] Acho que até agora estive
muita envolvida nos desdobramentos de assuntos como: o que é estar com o
outro enquanto terapeuta, que relação é esta que se estabelece no encontro
entre uma pessoa/ terapeuta e entre uma pessoa/paciente, que conhecimento
precisamos para estar nesse lugar de terapeuta, como usar os
“conhecimentos” que não são aprendidos em livros, mas sim com a vida, sem
nos sentirmos constrangidos, [...] A respeito da discussão no último encontro
[...] a transferência/contratransferência
23
é aquilo que sentimos e pensamos a
partir da relação com o paciente e a situação terapêutica [...] vejo que nesses
pontos o assunto da contratransferência se cruza com o caminho das minhas
reflexões, que é conciliar o meu eu de pessoa com o meu de terapeuta.
Gostaria de finalizar esse diário compartilhando que o encontro com grupo me
ajudou e me ajuda a refletir sobre questões e transitar caminhos no qual
ainda não tinha transitado e interligar essas novas questões e esses novos
caminhos com os caminhos transitados por mim.” (sexto diário)
Em minha devolutiva, procurei valorizar as relações estabelecidas por
Luiza, no sentido de que ressaltar como esta teoria nomeia estas questões,
e que e que isso pode ser útil para ampliar as reflexões, do terapeuta se
conhecer para saber como agir de modo terapêutico, diante do que o
paciente lhe provoca. Além disso, retomei uma conversa que tivemos no
corredor, na qual Luiza me falou que sempre lhe disseram que ela é muito
crítica, como algo negativo também, procurando convidá-la a refletir em
quê este “ser crítica” atrapalhava sua prática.
Até este momento, parece que Luiza foi fazendo movimentos de
aproximação do que parece realmente querer investigar, e que talvez lhe
pareça muito ameaçador, e movimentos de distanciamento deste foco. Nas
próximas participações, ela parece falar mais de si, de seus pensamentos
nas experimentações com os pacientes, em sua ansiedade de iniciante.
Entretanto, estas reflexões parecem vir prontas, como se tivessem sido
pensadas em outros espaços.
Luiza tirou férias no período do oitavo grupo. Em seu sétimo e oitavo
diários, após suas férias, ela começou a descrever situações com dois
pacientes e começou a falar sobre sua ansiedade de profissional iniciante,
de suas expectativas em relação à melhora dos pacientes, do quanto tem
percebido que precisa esperar o tempo do paciente. Em nossa conversa,
procuro oferecer caminhos a partir dos quais Luiza possa assentar e
23
Contratransferência: “Conjunto de reações inconscientes do analista à pessoa do analisando e, mais
particularmente, à transferência deste.” (LAPLANCHE, 1992, p. 102)
112
aprofundar suas reflexões, valorizando as situações que ela começou a
descrever.
“Conhecendo o potencial de Miranda e o desejo pela realização de uma
atividade para geração de renda, comecei a pensar no encaminhamento para
uma oficina ou um local de trabalho protegido. Numa supervisão, ao colocar o
caso para discussão foi possível rever melhor as minhas expectativas e planos
para ela. Percebi que a idéia de inseri-la nesses locais agora, poderia ser um
pouco prematuro, pensando que apesar de ela se destacar nos grupos e ser
muito habilidosa, tinha dificuldades muito básicas que ainda precisavam ser
trabalhadas, para que assim essa inserção fosse mais cuidada e com maiores
chances de ser bem sucedida.” (sétimo diário)
“Pensando sobre a ansiedade, eu me lembrei de uma outra situação que
aconteceu recentemente [...] O que acho muito importante abordar sobre
essa questão [...] é que precisamos prestar a atenção sobre qual referencial
estamos colocando as expectativas do atendimento. Será que estamos
colocando sobre a expectativa do paciente ou sobre a nossa expectativa, pelos
nossos valores, crenças e muitas vezes onipotência enquanto terapeuta?”
(oitavo diário)
“Mas eu fico pensando que cada terapeuta tem as suas singularidades, então,
mesmo que se saiba que os terapeutas iniciantes costumam atuar desta
forma, como foi isso para você? [...] O que foi te levando a ajustar melhor a
imagem para a realidade e possibilidades dos pacientes? Do contexto em que
eles se encontram? Do contexto em que você se encontra? [...] Também fico
pensando que está é uma grande continuidade para um assunto que você tem
discutido desde o começo, que é a de aprender a olhar para a pessoa que está
com você na relação, percebê-la, conhecê-la. É isso mesmo?(devolutiva do
oitavo diário)
No nono grupo, após a entrega da alise preliminar dos conteúdos
dos diários das participantes que eu havia feito, Luiza falou sobre seu
processo, ressaltando que suas reflexões não estiveram relacionadas à sua
prática, no sentido dela descrever suas ações e pensamentos quando estava
atendendo, mas sim sobre os significados de sua prática, e ressaltou que
neste próximo semestre pretende modificar seu modo de escrever.
Segundo ato: em meio a óleo e fogo.
Neste segundo momento, Luiza começou a lidar com seu dilema, ao
se dizer disposta a mudar a maneira de produzir suas narrativas sobre a
prática. No décimo encontro do grupo, quando estávamos discutindo a
influência da pesquisa na produção dos diários reflexivos, Luiza falou que
andava insatisfeita com seu diário, e que tem sido muito difícil. Concordou
que a pesquisa pode ter sido uma tensão presente, mas relatou que achou
muito interessante olhar para sua trajetória nos diários a partir da análise
113
preliminar, que isto a ajudou a ter consciência sobre questões que não
havia percebido até então.
Neste movimento de buscar mudanças, Luiza solicitou uma conversa
comigo. Fomos almoçar juntas no final do mês de agosto. A conversa, cujo
mote foi a melhora da escrita dos diários, girou em torno de ajudar Luiza a
compreender a pesquisa e sua participação nela. Ela falou de seu momento
de vida e de suas inquietações e desilusões, do seu medo de adoecer, e
disse que tinha muito receio de explorar isso no diário, pois tinha medo de
estragar a pesquisa. Procurei ajudá-la a compreender que a pesquisa
tratava da prática de terapeutas ocupacionais iniciantes e esses dilemas e
angústias eram bastante pertinentes, e que o principal da pesquisa é que
ela pudesse aproveitar a oportunidade para investigar sua prática, usar
essas ferramentas para melhorar o que julgasse necessário.
Neste encontro percebi Luiza bastante ansiosa para mudar, que tanto
o grupo como as atividades da especialização faziam-na perceber que
algumas coisas precisavam ser mudadas, embora ela não soubesse
exatamente o quê e nem como. Ela usou uma metáfora, de que gostaria de
se transformar em pipoca, e que sabia que, antes disso, o milho precisa ser
posto em óleo e fogo, e que estava disposta a isso.
Em seu nono diário, ela descreve o caso de um de seus pacientes,
conta um episódio em que eles conseguiram trabalhar a partir das
necessidades dele e que depois ele não retorna aos atendimentos. Ela
levanta algumas hipóteses e procuro trabalhar com ela suas possibilidades
de ação a partir destas hipóteses, na tentativa de ajudá-la a se aprofundar
na reflexão sobre a prática. Além disso, a questiono sobre seu desejo de
transformação, para que ela pudesse ficar mais consciente sobre com quais
aspectos ela estava incomodada.
“Fico pensando qual seria o motivo de ele não querer mais o atendimento. Me
passou pela cabeça as hipóteses de talvez ele não estar suportando, nesse
momento, entrar em contato com a dificuldade que aparece no setting da
Terapia Ocupacional, que é a sua dificuldade em realizar projetos, prosseguir
com eles, [...] talvez a relação comigo, o fato de eu ter entrado de férias, [...]
ou pelo fato de ele não ver sentido na minha intervenção [...] Mas acho que o
mais importante nessa situação é o que fazer se o paciente optar por não
continuar o atendimento, sendo que como terapeutas e responsáveis pelo seu
tratamento indicamos e sabemos os benefícios que a intervenção pode trazer
para sua qualidade de vida.” (nono diário)
“Você fala de algumas hipóteses, e diante delas como seria melhor agir, talvez
o exercício se ‘isso’ (a hipótese), o que seria melhor eu fazer? [...] Depois da
114
nossa conversa, também fiquei pensando que as transformações acontecem
quando abertura será que você o es muito ansiosa para se
transformar? Em que você gostaria de se transformar?” (devolutiva do nono
diário)
Quando o grupo discutiu a partir das narrativas de Marisa e de Clarice,
Luiza foi bastante participativa, oferecendo muitos exemplos sobre o que é
a prática com pacientes terminais e no hospital geral, principalmente
ressaltando o quanto o tempo é uma tensão presente no raciocínio do
profissional.
Do nono para o décimo diário, Luiza mudou novamente de situação, e
narrou sua história com uma paciente que estava atendendo na enfermaria
psiquiátrica, a qual lhe dirigia sentimentos de grande hostilidade e
agressividade. Luiza estava tentando refletir sobre esses sentimentos que a
paciente lhe causava e pensar em ações diante deles. Entretanto, para
mim, suas compreensões pareciam a colocar em um lugar em que ela
deveria evitar e superar esses sentimentos, ao invés de compreendê-los
relacionalmente na história da paciente. Neste sentido, tanto sugeri que
Luiza pudesse explicitar outras situações similares para podermos investigá-
las mais profundamente, como ressaltei que seria uma pena se ela não
seguisse adiante com essas reflexões e escolhesse outra situação para
refletir no próximo diário, e que questões levantadas na devolutiva anterior
também poderiam ajudá-la a investigar melhor esta situação de agora.
“É a primeira vez que isso acontece com você? Se não, como foi
anteriormente? Qual o contexto? Como você lidou? Foi uma experiência que
se transformou em boa ou não? Decidi começar por aí, pois pode ser que você
tenha vivido situações semelhantes e tenha aprendido algo com elas, que
possa te fortalecer para pensar nessa situação de agora. [...] Sabe Luiza,
quando você decide falar de um caso diferente e não dar continuidade ao
diário anterior, compreendo a importância dessa sua narrativa de hoje, mas
acho que seria muito triste se você abandonasse novamente esse assunto em
um próximo diário e trocasse por outra situação dilemática sem se aprofundar
verdadeiramente nisso tudo que você falou aqui [...]” (devolutiva do décimo
diário)
Para as próximas atividades do grupo, Luiza produziu uma narrativa
específica procurando identificar aspectos de seu raciocínio diagnóstico. Esta
narrativa foi compartilhada no décimo sexto grupo e retomarei seu
conteúdo adiante. As questões da influência das questões institucionais e
contextuais na prática sempre estiveram em suas reflexões, e em vários
momentos isso sempre veio à tona, mas não alvo de outras construções.
115
“[...] acho que isso amadurece a nossa atuação, no sentindo de ter uma
prática dentro do possível e não do impossível. O que é possível fazer dentro
de um determinado contexto [...]?” (nono diário)
“[...] eu acho que conta também que a clínica é muito a relação, tem coisas
que você não vai chegar perguntando [...] para a pessoa que você conheceu
ontem, [...] um mês e meio para fazer tudo, [...] com o paciente e entrar nas
questões mais difíceis, como é que você faz isso, não é?” (décimo terceiro
encontro)
A partir do décimo segundo diário, Luiza escolheu uma situação e
conseguiu trabalhar nela mais profundamente. Retomou o caso discutido no
nono diário e conseguiu explicitar seu dilema: ter que fazer atividades com
os pacientes em terapia ocupacional. Em minha devolutiva, além de
oferecer questões que pudessem ajudá-la a se aprofundar no próprio caso,
procurei tecer questionamentos que pudessem provocar reflexões sobre
suas crenças relacionadas ao processo em terapia ocupacional.
“Como relatei um pouco no diário anterior, nos atendimento de Jussara fica
presente a dificuldade em sair do verbal, por muito tempo ficamos apenas nas
conversas. Me lembro que no primeiro ou no segundo atendimento relatou
não gostar e não querer fazer atividades, dizendo que ela gostava mesmo era
de falar. Essa fala de Jussara me deixou bastante preocupada: Como
começaria um projeto com ela? Ficava claro para mim que Jussara seria
diferente de outros pacientes que eu havia atendido onde geralmente eu
apresentava a proposta do atendimento, os materiais e as técnicas e, a partir
do desejo, interesses ou conhecimentos anterior os pacientes escolhiam a
atividade, ou até mesmo os pacientes já vinham pelo interesse de fazer
atividades. [...] Em muitos momentos passava pela minha cabeça alguma
dúvida sobre a intervenção com o caderno, na realidade, o pensamento que
me assombrava era de que talvez o ideal fosse usar os materiais... isso
aconteceu principalmente depois de uma supervisão da mini-equipe onde
depois que eu contei sobre os atendimentos com Jussara uma das residentes
disse que achava que ela deveria fazer alguma atividade que sua
dificuldade consistia na execução e com o caderno, na realidade, não estava
executando alguma atividade [...]” (décimo segundo diário)
“Pensamento que assombrava: “talvez devesse usar materiais...” Luiza, penso
que você tem uma imagem de “fazer terapia ocupacional da forma correta” na
sua cabeça que precisa vir à tona para que vopossa olhar para ela e ver o
que é que tem aí que você pode aproveitar e o que você tem que jogar fora. O
que aquela residente sabe de terapia ocupacional? Na verdade, por que a
carapuça te serviu? [...] Uma outra questão que me veio: você justifica que
foi o desejo dela. O paciente pode fazer o que desejar no atendimento de
terapia ocupacional? E se o que ele escolher fazer for justamente para se
manter numa posição intocável, imutável? [...] são essas questões... acho que
são muitas e também muito intensas, mas o milho precisa de fogo alto e óleo
para virar pipoca.” (devolutiva do décimo segundo diário)
116
Nos encontros subseqüentes, quando o grupo se voltou para as
questões do uso das atividades na terapia ocupacional, Luiza pareceu ter
chegado a um ponto crucial, de lidar com o que a estava incomodando.
Diante de um exercício de imaginação, quando pedi que o grupo imaginasse
um espaço de atendimento de terapia ocupacional, a maioria das
participantes visualizou uma sala com mesa e materiais, mas Luiza
imaginou um grupo e um espaço comunitário.
Neste momento, ela pareceu ter ficado consciente de um de seus
dilemas, as diferenças entre o que aprendeu na graduação e o grande valor
que sempre deu a estas experiências, e a realidade diferente do curso de
especialização e da assistência em terapia ocupacional mais centrada no
atendimento ambulatorial e no uso das atividades. A seguir, seguem
excertos tanto das falas de Luiza como das minhas falas neste grupo.
“[...] é uma coisa que eu sempre acho que eu penso pouco, [...] desde que eu
comecei a especialização, [...] desde que a gente começou o grupo, eu [...]
pensava pouco na questão da atividade em si, dessa coisa do material, [...] eu
não tive uma faculdade que falasse assim ‘a atividade’, [...] teve uma coisa
muito maior, acho que vem desde a nossa formação, desde a graduação,
depende muito do enfoque do curso que você faz, [...] porque quando eu
cheguei aqui, [...] eu falei ‘nossa, acho que é isso que eu tenho que usar,
[...]?’ Só que quando você pega aqueles [...] pacientes que você não
consegue entrar, [...] com o material e fica sempre aquela ‘[...] e o material,
e o material?’ [...] ‘eu preciso fazer isso?’.” (décimo quarto encontro)
“[...] será que isso atrapalha o seu jeito de pensar com os pacientes, que fica
esse fantasma de que você tem que usar, fazer e...” (Taís, décimo quarto
encontro)
“[...] acho que é por causa da minha graduação. Na minha graduação era
totalmente diferente, [...] porque a gente [..] tinha uma coisa muito na
comunidade, [...] eu vejo um [...] grupo de pessoas, [...] fazer coisas junto,
[...] na minha graduação não tinha [...] atendimento, a gente ia nas
comunidades carentes, a gente fazia festa junina, [...] a comunidade estava
com um problema [...] de esgoto, a gente ia lá na prefeitura com eles, pegava
um membro da comunidade, criava associação, [...]” (Luiza)
“Acho que a minha crise é isso, agora que caiu a ficha, que eu vim de um
contexto completamente diferente, acho que foi muito diferente estar aqui,
ver essa clínica mesmo, eu acho que eu não estava acostumada com a clínica,
sabe, [...] quando penso em terapia ocupacional eu o vejo uma sala, por
exemplo.” (décimo quarto encontro)
No próximo diário, décimo terceiro, Luiza continuou a investigar a
mesma situação descrita no diário anterior, ela procurou justificar algumas
de suas ações e explorou suas crenças sobre o uso de atividades na terapia
ocupacional. Explicitou suas compreensões em relação ao paciente e a
117
importância dele fazer atividades, e falou da importância de esperar o
tempo do paciente. Escreveu também que sente que falta algo para ser
explicitado/compreendido e explicado em relação a esta questão.
Talvez tenha sido no décimo quinto encontro do grupo, a partir da
discussão sobre o que é tratar em terapia ocupacional, que algo diferente
foi percebido por Luiza. Quando Cecília Villares e eu questionamos o desejo
do paciente em fazer atividades como indicativo de que o processo
terapêutico estava fluindo, ela realmente fez uma cara de espanto.
Cecília: Mas [...] o que é que isso tem a ver com se tratar?
Taís: [...] essa idéia de que se o paciente está fazendo algo que ele goste, que
ele escolheu, [...] a coisa está fluindo.
Cecília riu.
Cecília: A cara da Luiza!
Luiza começou a rir.
(décimo quinto encontro)
Ato final: que o milho vire pipoca!
Na devolutiva do diário, ressaltei que estava percebendo um sincero
desejo de Luiza de investigar sua prática, e comecei a resgatar algumas
questões discutidas no grupo e que se referiam ao uso de atividades.
Perguntei para Luiza como ela via estas questões e como estava se sentindo
no grupo em relação a estas discussões? Em seguida, procurei
contextualizar seu dilema em relação ao uso das atividades, principalmente
quando o paciente não demonstrava o desejo de fazer ou não conseguia.
Nesta direção, resgatei uma narrativa anterior de Luiza e que seria discutida
no próximo grupo, procurando questionar algumas de suas compreensões a
respeito do processo terapêutico vivenciado naquele caso e procurando
introduzir o conceito de sujeito em atividade no lugar de atividade
terapêutica, e também valorizando as ações da terapeuta para que o
processo acontecesse.
O que procurei fazer, com estes comentários, foi conduzir Luiza a se
dar conta da cisão que estava estabelecendo entre o uso de atividades e a
ação do terapeuta ocupacional. Como imaginava que estas questões
deveriam aparecer no próximo encontro do grupo e foco se voltaria para
Luiza e sua narrativa, procurei oferecer elementos para sua reflexão que a
ajudassem a lidar e dar conta do trabalho grupal.
No próximo diário, sua resposta foi a seguinte:
118
“Vou ser sincera que não foi nada fácil escrever esse diário! Li e reli várias
vezes os seus comentários. A reação que tive ao ler pela primeira vez foi uma
sensação de estranhamento e também de dúvida com relação ao que você me
dizia... Tinha a sensação de que não estava compreendendo o que você queria
me dizer, mas depois de ler algumas vezes, essas sensação foi se perdendo,
ficando um sentimento de descoberta (sensação de tudo fazer sentido) e
conexões e relações entre as questões levantadas e também outras
experiências dentro da minha prática, porém encontrei muita dificuldade de
escrever e detalhar todas essas idéias e pensamentos. Por esse motivo optei
por fazer meus comentários a partir do seu próprio texto... Portanto meus
comentários estão em azul logo depois do seu. Não foi possível responder a
todas as questões e não sei se consegui aprofundar e enriquecer muito a
discussão, mas tenha a certeza que tentei fazer o melhor...” (décimo quarto
diário)
No décimo sexto encontro do grupo, em que trabalharíamos a partir
da narrativa de Luiza, ela começou contando sobre sua dificuldade para
compreender minha devolutiva, mas depois falou de sua mudança na
concepção e do dilema de assumir determinadas concepções teóricas na
prática, mesmo que muitas vezes não se concorde com elas. Retomou a
questão de suas compreensões sobre o processo da paciente,
principalmente no fato de ter entendido que era a atividade a grande
mobilizadora de todo o conflito da paciente e de sua grande tensão de não
saber o que fazer naquela situação. Também foi relatando o fato de ter
percebido sua ações de terapeuta para gerenciar a situação e retomou
algumas discussões de outros grupos sobre a relação entre atividade-
material. Luiza falou para o grupo que estava admitindo que esera sua
crise, e pareceu ampliar suas compreensões quando o grupo discute que ter
dúvidas e incertezas tanto faz parte como pode ajudar no crescimento
profissional.
“Mas é interessante que na época, [...] ficava muito ‘nossa, que é que eu vou
fazer agora com essa atividade’ Eu ficava desesperada, e [...] acho que eu
estava esquecendo que tinha eu ali também, [...] eu sou a terapeuta e eu
posso provocar alguma coisa, [...] e é muito interessante que agora, olhando
para isso, [...] como eu estava mesmo presa nessa coisa da atividade, [...] e
é muito interessante essa possibilidade, [...] que a gente também faz parte,
que não é só a atividade, que tem uma ão que é do terapeuta.” (décimo
sexto encontro)
“É [...] uma coisa que eu vou tentar investigar agora, essa coisa do desejo e a
nossa intervenção, porque eu acho que é uma coisa que sempre ficou [...] um
fantasminha [...] na minha cabeça [...] esperar o tempo do paciente’, é uma
coisa que [...] eu tenho discutido no diário também.” (décimo sexto encontro)
“[...] eu fico muito insegura de falar eu proponho’, não consigo [...], não sei
nem se eu devo falar, essa é a minha crise, não sei se eu devo falar ou se eu
consigo falar.” (décimo sexto encontro)
119
“[...] ‘nossa, admiti minhas crises, essa é minha crise, gente!’ Coloquei na
mesa minhas crises [...] acho que depois que eu entrei aqui, eu acho todo
mundo bom, tão inteligente, [...] acho que é ruim você admitir que está
errada, que eu ainda não sei...” (décimo sexto encontro)
Nos dois últimos diários, Luiza construiu uma narrativa organizando
seus pensamentos sobre o processo em terapia ocupacional, valorizando a
ação do terapeuta ocupacional. Além disso, ressaltou a importância do
trabalho no grupo e com os diários, também explicitada no último grupo,
em que pôde baixar a guarda, olhar para dúvidas e questionamentos, e
transitar mais livremente em uma narrativa sobre sua prática.
“Fazer essa retrospectiva não foi uma tarefa fácil, porém retomar e reler os
diários me possibilitou reeditar e perceber muitos aspectos importantes sobre
meu percurso nesse trabalho. Percebo que a minha participação no grupo e na
realização dos diários trouxe para mim crescimento profissional e pessoal. O
sentimento que fiquei ao ler os diários é de satisfação em ter conseguido uma
evolução na investigação da minha pratica, uma sensação de ter alcançado
um amadurecimento nesse sentido. Porém ao mesmo tempo, fico com uma
sensação de que poderia ter aproveitado mais esse espaço do diário se eu
tivesse percebido que eu estava estabelecendo um movimento inicial de não
me aprofundar nas questões, de o aceitar o convite que era feito para isso.
Assim sendo, percebo claramente uma dificuldade inicial em seguir uma linha
de investigação, ou seja, de me aprofundar nas questões. Ao reler os diários
um aspecto importante que me dei conta foi de que eu não estava percebendo
esse movimento de não me aprofundar nas questões, até que em um dos
diários você me chamou a atenção para isso [...] Pensando a esse respeito
acredito que essa dificuldade vinha de um mecanismo de proteção, no sentido
de que quando nos aprofundamos em questões, discutimos fundo, nos leva a
maior exposição. Admitir e demonstrar que existem incertezas e opiniões
sobre determinados assuntos, interrogar suas verdades e conceitos, abalar
estruturas cristalizadas, não é uma situação fácil. Apesar de todas essas
‘escorregadas’ felizmente consegui aprofundar alguns temas, compartilhar as
dúvidas e as incertezas. Acredito que além da intervenção feita por você, o
recurso que me ajudou a ‘baixar a guarda’ foi de perceber que muitas das
minhas questões eram compartilhadas por outros membros do grupo. Acho
que quando eu consegui (pena que nos últimos diários) me libertar dos meus
pré-conceitos e transitar com maior liberdade sobre a minha narrativa e
minhas idéias consegui me disponibilizar para realizar a investigação de minha
prática. Apesar da dificuldade inicial no grupo, nunca me senti fora das
discussões quanto ao conteúdo do diário, muito pelo contrário o grupo me
ajudou a encontrar um lugar em mim mesma que aceitou o convite para a
investigação. A partir das reflexões e das trocas no grupo me percebi em
muitos momentos da prática pensando nas questões levantadas nesse espaço.
Acho que essa investigação me deixou mais apropriada do meu lugar e função
como terapeuta. Acho que o milho não vira pipoca por si só, ele precisa de
óleo e fogo. Assim acho que esses elementos (Óleo: Grupo e diários; Fogo:
crises, trabalho, disciplina, pensamentos, reflexão, dedicação, cansaço,
tristeza, [...]) nessa experiência, foram grandes aliados para a transformação
do milho para a pipoca. Mas tenho certeza que ainda existem e sempre
existirão muitos milhos para estourar... E, para finalizar, não sei se a minha
peça teve o melhor script, porém sei que é única e exclusiva.” (décimo sexto
diário)
120
A partir desta trajetória, alguns aspectos do processo de
aprendizagem colaborativa podem ser evidenciados. No início, Luiza, diante
da grande expectativa para investigar e melhorar a ptica a partir da
proposta do grupo e da escrita dos diários, foi se deparando com barreiras
subjetivas para se expor e compartilhar seus pensamentos. Como ela
mesma analisa em sua última narrativa:
“[...] essa dificuldade vinha de um mecanismo de proteção,
no sentido de que quando nos aprofundamos em questões,
discutimos fundo, nos leva a maior exposição. Admitir e
demonstrar que existem incertezas e opiniões sobre
determinados assuntos, interrogar suas verdades e
conceitos, abalar estruturas cristalizadas, não é uma
situação fácil.”
Na medida em que o grupo foi estabelecendo um estilo colaborativo
próprio, ganhando confiança, e assumindo conjuntamente o não-saber, os
dilemas relacionados à tensão essencial puderam ser trabalhados. Nesta
direção, o meu trabalho na coordenação do grupo e, principalmente, na
devolutiva dos diários para Luiza, também pode atingir um nível mais
profundo, de questionamento das crenças e valores que me pareciam ser o
cerne de seu dilema.
Ao assumir uma atitude investigativa sobre sua prática e seus
referenciais, Luiza pode reconhecer e nomear sua crise, relacionada às
tensões entre suas experiências e referenciais teórico-práticos da formação
inicial e os do curso de especialização. Neste movimento, ela pareceu
encontrar um novo lugar, com implicações tanto para sua formação como
para o cuidado dos pacientes, “[...] essa investigação me deixou mais
apropriada do meu lugar e função de terapeuta” (décimo sexto diário).
Discussão
Neste capítulo, ao focar a análise nas vicissitudes nos modos de
trabalhar no grupo, foi possível vislumbrar uma trajetória construída pelo
engajamento das participantes no grupo, pelo desvelar de conflitos que
paralisavam o trabalho, pelo partilhar da confiança. Na análise das
transcrições do grupo, feita pelo programa ALCESTE (ANEXO C), uma
categoria de vocabulário pareceu estar totalmente voltada para as
conversas do grupo relativas a esta construção da pesquisa-ação.
121
Os excertos selecionados pelo programa computacional abarcaram
tanto minhas falas, ao oferecer alinhamentos sobre a pesquisa e fomentar a
construção dos modos colaborativos de trabalhar no grupo; como as falas
das demais participantes, com questionamentos acerca da pesquisa, do
funcionamento do grupo e dos diários. As palavras e radicais específicos
desta classe encontram-se no quadro 15.
Quadro 15 – Palavras e radicais da classe 2 da análise das transcrições dos
encontros do grupo feitas pelo programa computacional ALCESTE
entend+(168
24
), grupo+(132), ide+(108), ler+(58), maneira+(95), olh+(105),
pesquis+(45), poder+(165), pod+(184), texto+(74), traz+(60), compartilh+(34),
tema+(44), tent+(94), gente(362), investig+(35), materi+(46), poss+(88),
produz+(26), quis+(31), reflet+(33), troux+(31), usar(30), ajud+(55),
caminh+(49), colabor+(19), compreens+(15), discut+(36), dit+(14), diz+(88),
exercício(23), faz+(235), ger+(32), ir(51), list+(14), melhor+(19),
pensamento+(29), pud+(27), queir+(18), reflex+(32), surg+(21), trazendo(17),
ações(11), aparec+(35), aprendendo(9), aprofund+(12), apropri+(11), clar+(35),
constru+(19), contribu+(11), descrev+(12), dest+(12), determinad+(13),
discuss+(24), elabor+(13), elemento+(13), encontros(13), entendi+(17),
escolh+(31), estud+(25), experi+(49), ferramenta+(10), fez(38), gostaria(13),
identidade(9), informac+(15), interess+(54), introduz+(9), justific+(12),
leitura+(16), organiz+(29), percepc+(10), presente+(26)
Radicais como entend+, investig+, reflet+, compreens+, discut+,
contribu+, aprofund+, parecem evidenciar conversas voltadas para a
compreensão dos diferentes aspectos da pesquisa-ação. Outros radicais,
como compartilh+, colabor+, constru+, experi+, parecem indicar as
possíveis construções colaborativas desta experiência. Embora este
resultado ofereça uma sustentação de que muito da conversa do grupo
esteve implicada nas compreensões sobre o trabalho grupal, a escrita dos
diários e a pesquisa, foi com a análise das transformações nos modos de
trabalhar no grupo em uma linha do tempo (GROSSMAN; WINENBURG;
WOOLWORTH, 2001) que o processo desta construção pode ser
vislumbrado.
Os resultados evidenciados neste capítulo indicam que o grupo
passou por diferentes fases, caminhando para uma maior maturidade em
sua maneira de produzir, na medida em que as participantes conseguiram
identificar o grupo como uma nova comunidade de aprendizagem, que
demandava cuidado, responsabilidade para com as participantes e com as
tarefas, e disponibilidade para compartilhar.
24
Esta numeração se refere à freqüência que a palavra apareceu na classe. A freqüência média por palavra
em todo o corpus foi 21.
122
A resolução dos conflitos no grupo, inicialmente disparada pelas
profissionais mais experientes, passou a ser motivada também pelas
participantes mais iniciantes, garantindo que o trabalho não ficasse
estagnado e que a conversa pudesse voltar-se para o que parecia ser
importante. Nesta direção, a negociação da tensão essencial, embora
estivesse presente desde os primeiros encontros, foi tomando novas
direções na medida em que começou a ser possível explicitar o não-saber e
sair do papel de competente (GROSSMAN; WINENBURG; WOOLWORTH,
2001) para produzir sentidos sobre algumas questões da prática,
consideradas intocáveis em outros espaços.
Segundo Wenger (1998), a aprendizagem se em um equilíbrio
dinâmico entre a continuidade e a descontinuidade, em que a negociação de
significados é um processo aberto, com potencial constante de incluir novos
elementos. Os eventos desestabilizadores, que provocam descontinuidade,
possibilitam que a comunidade reorganize sua história, produzindo uma
nova continuidade da aprendizagem.
Na história do grupo apresentada neste capítulo, bem como nas
trajetórias das participantes da pesquisa, representadas aqui por Luiza, os
momentos de quebra, de descontinuidade como as tensões provocadas
pela pesquisa, pela relação entre profissionais iniciantes e experientes,
entre o saber e o não-saber – possibilitaram reorganizações tanto em
direção ao modo de trabalhar no grupo, como em direção a compreensões
partilhadas e construídas em colaboração.
O projeto inicial do grupo, sustentado no referencial da Comunidade
de Prática e Identidade (WENGER, 1998) foi tomando forma. O grupo foi
aprendendo uma prática reflexiva, de imaginar outras perspectivas e
produzir representações sobre a prática que disparavam outras
interpretações, mas com o respaldo do grupo e das conversas nos diários,
espaços para negociar a prática e sustentar as possíveis transformações.
Além disso, o alinhamento à proposta da pesquisa-ação, de produzir um
estilo colaborativo próprio, e o engajamento no grupo favoreceram que
cada participante pudesse perceber sua posição e negociar novos critérios
de competência como ser um profissional iniciante e não se sentir
incompetente por ter dúvidas.
Ao avaliar o trabalho no grupo, percebo que é importante ressaltar
que as elaborações possíveis também tiveram espaços individuais de
123
construção, formalizados nos diários reflexivos. Neste sentido, a integração
entre o individual e o coletivo parece ter adquirido uma característica
singular neste trabalho. A conversa diário-devolutiva propiciou um olhar
mais direcionado às necessidades de cada terapeuta ocupacional iniciante, e
as escolhas sobre o que levar para o grupo pode, inclusive, ser construída
neste espaço fora do grupo. Este formato que difere do formato da
comunidade de aprendizagem da docência estudada por Grossman,
Winenburg e Woolworth (2001), em que o espaço grupal era o único espaço
de troca, e as conversas com a intenção de resolver conflitos fora do grupo
foram percebidas como problemas, que não facilitavam a produção grupal.
Em nossa pesquisa, a contribuição dos espaços individuais de trabalho entre
mim e cada participante iniciante pode ser visto na trajetória de Luiza
apresentada anteriormente, para a qual o espaço fora do grupo, tanto da
conversa diário-devolutiva como da conversa entre nós duas durante o
almoço, parece ter sido fundamental para que ela conseguisse explicitar
seus dilemas para si mesma, para depois levá-los ao espaço grupal,
contribuindo, no décimo sexto grupo, para uma conversa esclarecedora
sobre os dois pólos da tensão essencial: o terapeuta ocupacional em
desenvolvimento e sua prática de cuidado em terapia ocupacional.
Construções que serão apresentadas e discutidas nos capítulos
subseqüentes.
124
4 SOBRE SER TERAPEUTA OCUPACIONAL
Neste capítulo serão apresentados os resultados relativos aos temas
discutidos no grupo e às construções colaborativas de sentido ao redor de
questões que circundam a prática profissional em terapia ocupacional. Além
disso, serão apresentadas parte das trajetórias desenvolvidas nos diários
reflexivos de duas participantes, Marisa e Fernanda, para exemplificar como
algumas destas questões se particularizaram nas produções individuais.
A formação e as aprendizagens do terapeuta ocupacional, tomados
como um dos pólos componentes da tensão essencial, foram temas que
estiveram fortemente imbricados nas conversas do grupo e nas narrativas
dos diários reflexivos. Ao longo de toda a experiência, parece ter sido
possível transformar algumas compreensões e crenças relacionadas à
competência na prática. Além disso, outras questões voltadas para a
formação profissional e o desenvolvimento no início da carreira também se
fizeram presentes, como a escolha profissional, o trabalho de ser terapeuta,
a identidade profissional, o trabalho em equipe, o contexto institucional, a
necessidade de ajustar o foco do trabalho com os pacientes. Muitas destas
discussões foram disparadas pela responsabilidade das terapeutas
ocupacionais com seus pacientes, e na negociação necessária para trabalhar
a partir de suas necessidades.
Estes resultados parecem estar alinhados às pesquisas sobre a
prática iniciante em Terapia Ocupacional dos últimos vinte anos. Embora
estas investigações estejam voltadas para compreender o primeiro ano de
prática e o processo de transição estudante-terapeuta, elas podem servir de
apoio para a discussão dos nossos resultados.
O período inicial tem sido considerado um momento intenso de
aprendizagens e de socialização profissional e a literatura a mostra que
escassez de pesquisas para retratar a realidade do início da carreira, ou
mesmo da transição estudante–terapeuta ocupacional. Nesta direção, três
estudos, Atkinson e Steward (1997), Spalding (2000) e Tryssenaar e
Perkins (1999) apresentam elementos que nos permitem mapear alguns
estágios vivenciados neste período de transição.
Tryssenaar e Perkins (1999) acompanharam seis terapeutas
ocupacionais e fisioterapeutas (todas do sexo feminino) durante o período
do último estágio e o primeiro ano de prática, no Canadá. Estes autores
125
identificaram quatro estágios pelos quais todos os sujeitos haviam passado:
Estágio de Transição (ansiedade pela prática livre de supervisores e normas
da escola e pelo status profissional), Estágio de Euforia e Angústia
(experimentação da prática profissional com momentos de grande prazer e
momentos de grande angústia diante das situações práticas vivenciadas),
Estágio de Realidade da Prática (encontro com a realidade nem sempre
prazerosa do trabalho) e Estágio de Adaptação (início de um novo
relacionamento com o mundo da prática profissional).
No primeiro estágio, o de Transição, o maior tema recorrente foram
as grandes expectativas relacionadas ao fim da formação inicial e aos
longos anos de estudante e ao início da carreira profissional, principalmente
a um menor estresse financeiro e ao status profissional. Os participantes
também relataram acreditar que seu desenvolvimento profissional
dependeria somente de sua criatividade e determinação. Tryssenaar e
Perkins (1999) acrescentam que estas expectativas foram bastante intensas
nos diários reflexivos mesmo a despeito do nervosismo sobre esta fase de
transição.
Um outro tema recorrente foi a questão da Competência, que esteve
mais presente no Estágio de Euforia e Angústia. Torna-se importante
ressaltar que a competência foi motivo de angústia sob duas formas
diferentes. Inicialmente, as questões sobre competência estavam bastante
auto-centradas, voltadas para as habilidades de cada um para tratar os
clientes, os terapeutas iniciantes acreditavam que terapeutas mais
experientes se sairiam muito melhor que eles e que os pacientes
melhorariam ainda mais. Com o passar do tempo, a questão da
competência ficou mais voltada para preocupações relativas ao bem-estar
dos clientes.
O tema da Política das instituições empregadoras, incluindo questões
organizacionais, burocracia, hierarquia, esteve presente, sem exceções, nos
diários de todas as participantes. As pesquisadoras expressaram a surpresa
diante deste fato e questionaram o modelo de formação profissional voltado
para a melhor prática ao invés de também contemplar os aspectos pouco
prazerosos da prática profissional.
No que se refere ao tema Choque (Shock), ele apareceu bastante
durante os Estágios de Euforia e Angústia e durante a Realidade da Prática,
e mostrou às pesquisadoras o quanto situações referentes ao
126
conhecimento, habilidades e atitudes afetaram a vida profissional e a vida
pessoal dos participantes: estresse, medo do desânimo/desencanto com a
profissão (burnout), preocupações sobre como conduzir determinados
tratamentos, e controle do ritmo e do estresse do trabalho. Além disso, os
terapeutas iniciantes relataram que acreditavam que a vida profissional
fosse menos estressante que a vida de estudante.
Um outro tema bastante recorrente nos diários reflexivos foi a
Educação, que apareceu durante todo o período de coleta de dados. Os
terapeutas iniciantes pontuaram fatos positivos de seus processos de
formação inicial: sentiam-se capazes de procurar informações, resolver
problemas, e questões profissionais e organizacionais. Além disso, também
relataram falhas em seus processos educacionais, mas de uma forma que,
para as autoras, mostrou-se difícil localizar estes pontos no currículo
escolar. Neste item, as autoras também se colocaram dizendo que um dos
caminhos que as universidades têm seguido é a de oferecer uma formação
que procure ensinar ao estudante a como tornar-se um aprendiz por toda a
vida (lifelong learner).
Como um último tema recorrente, as Estratégias apareceram
principalmente durante os dois últimos estágios (Realidade da Prática e
Adaptação) de modo que os participantes começaram a desenvolvê-las para
adaptar a vida profissional e pessoal à nova realidade. As participantes
procuraram enfrentar seus problemas com muita determinação,
ingressaram em cursos de educação continuada, procuraram por mentores
através dos professores antigos ou através dos novos relacionamentos
profissionais e, algumas vezes, foram diretamente aos seus superiores com
sugestões para resolver determinados problemas.
Atkinson e Steward (1997) realizaram uma pesquisa com recém-
graduados, nos Estados Unidos, e os resultados apontam que: a) todos os
sujeitos (n=25) que responderam os questionários conseguiram emprego
nos primeiros seis meses de formados; b) o principal empregador foi o
Serviço de Saúde; c) o que motivou a escolha pela área de atuação foi a
oferta do emprego; d) a localização da vaga de trabalho devido a fatores
pessoais, como laços familiares, influenciou na escolha.
Em um primeiro momento, os profissionais iniciantes da pesquisa
ressaltaram que se sentiam preparados para buscar informações,
planejamento e progressão do tratamento, avaliações gerais, atividades de
127
vida diária e análise de atividades. Entretanto, expuseram que se sentiam
despreparados para avaliações mais especializadas, e para situações
atípicas tanto no tratamento dos pacientes como no manejo com a equipe
técnica.
Após sete meses, um novo questionário foi aplicado e os resultados
apontaram para uma melhora na confiança profissional devido a uma maior
experiência (conhecimentos e habilidades práticas) e à crença de que eles
não tinham que saber tudo; uma maior espontaneidade e flexibilidade na
prática. Por um lado, ressaltaram a importância da formação inicial ter
valorizado a prática reflexiva e a aprendizagem independente, e por outro,
teceram críticas de que foram “... preparados para procurar, mas não
especificamente para como eles devem fazer” (ibid., p. 341). Em relação à
educação continuada, a grande maioria (n=23) estava envolvida em
formação em serviço (obrigatórios) ou cursos voltados para as necessidades
da prática.
Spalding (2000), na intenção de compreender como os profissionais
recém-graduados deram continuidade ao seu desenvolvimento profissional
e quais aprendizagens foram significativas na situação de trabalho,
entrevistou, uma vez por mês ao longo do primeiro ano de prática, dois
terapeutas ocupacionais, selecionados por estarem mais comprometidos
com a proposta da pesquisa. Para a análise dos dados, a autora utilizou o
modelo de aquisição de habilidades e desenvolvimento de Dreyfus e Dreyfus
(1986), que caracteriza as habilidades correspondentes aos diferentes
estágios de desenvolvimento profissional: novato, iniciante avançado,
competente, proficiente e expert.
Embora Spalding (2000) tenha se apoiado no trabalho original de
Dreyfus e Dreyfus (1986), Schell e Schell (2002) procuraram sistematizar
as várias pesquisas de Terapia Ocupacional relacionadas a esta questão e
construíram o quadro a seguir (QUADRO 16) que será apresentado para
facilitar a identificação dos diferentes estágios.
A principal contribuição do trabalho de Spalding (2000) foi a
discussão de que o profissional não pode ser incluído como um todo em
uma única categoria de desenvolvimento profissional, mas sim que algumas
habilidades podem estar mais presentes em um estágio e outras em um
estágio posterior. Deste modo, a pesquisadora considerou como novato os
128
Quadro 16 Estágios do Desenvolvimento e Características do Raciocínio Clínico na
Prática de Terapia Ocupacional (SCHELL, 2002, p. 86)
Estágio Anos de
Prática
Reflexiva
Características
Principiante
0
Não tem experiência e, portanto, depende da teoria para orientar a
prática. Utiliza raciocínio de procedimentos, baseado em regras para
orientar as ações, mas não reconhece indicações contextu
ais, e,
portanto, não tem habilidade para adaptar regras à situação. Usa o
raciocínio narrativo para estabelecer relações sociais, mas o
informa significativamente sobre a prática. O raciocínio pragmático é
enfatizado em termos de habilidades de sobrevid
a no emprego.
Reconhece questões éticas evidentes.
Principiante
Avançado
< 1
Começa a incorporar as informações contextuais ao raciocínio baseado
em regras. Reconhece diferenças entre as expectativas teóricas e a
apresentação de problemas. A experiência l
imitada impede o
reconhecimento de padrões, conseqüentemente não estabelece bem
as prioridades. Está adquirindo habilidades no raciocínio pragmático
e narrativo. Começa a reconhecer questões éticas mais sutis.
Competente
3 Realiza automaticamente mais ha
bilidades terapêuticas e acompanha
mais questões. É capaz de desenvolver um horizonte comum com as
pessoas que recebem o serviço. Separa dados relevantes e é capaz
de priorizar o tratamento, à luz dos objetivos de alta. O
planejamento é deliberado, eficien
te e responde a questões
contextuais. Emprega raciocínio condicional para mudar o
tratamento durante as sessões e para prever as necessidades de
alta, mas não possui a flexibilidade de profissionais mais avançados.
Reconhece dilemas éticos impostos pela pr
ática, mas pode ser
menos sensível a respostas ét
ic
as justificadamente diferentes.
Competente
25
5
Percebe situações como um todo. Tem mais experiência, que permite
avaliação mais direcionada, maior flexibilidade no tratamento.
Combina de forma criativa dif
erentes condutas de diagnóstico e
procedimentos. É mais atento às histórias ocupacionais e à sua
relevância para o tratamento. Mais hábil em negociar recursos para
atender às necessidades do paciente/cliente. Maior sofisticação no
reconhecimento da naturez
a da situação do raciocínio ético.
Especialista
10 O raciocínio torna-
se um processo intuitivo rápido que é profundamente
internalizado e está incrustado em um extenso repertório de
experiências de casos. Isso permite a prática com análise menos
rotineira
, exceto ao se deparar com situações onde a conduta não
esteja funcionando. Uso muito hábil da história ocupacional durante
a intervenção para promover satisfação prolongada com o
desempenho ocupacional.
comportamentos de aderência a regras gerais em detrimento do contexto,
que apareciam tipicamente em situações novas. Entretanto, quando os
terapeutas ocupacionais reconheciam uma necessidade de aprendizagem,
tornaram-se pró-ativos em identificar fontes de aprendizagem,
principalmente a leitura e as discussões com supervisores para aprender
informações relevantes do contexto. Além disso, as participantes
ressaltaram que as experiências vividas nos estágios puderam ser
transferidas para outras situações do trabalho atual.
Neste sentido, poucas habilidades dos participantes puderam ser
localizadas no estágio de novato, pois pareciam estar mais próximas do
25
Parece-me que houve um erro de impressão no livro, pois em outros trabalhos é possível identificar esta
fase como PROFICIENTE, e não competente.
129
estágio de iniciante avançado, levando a autora a indicar que as mil horas
de estágio realizadas durante a formação inicial poderiam ser responsáveis
por este fato. No estágio de iniciante avançado, a prática reflexiva e o
aprendizado pela experiência foram as características principais, entretanto
os iniciantes precisaram de ajuda para estabelecer prioridades.
No estágio de competência, o critério de inclusão das habilidades foi a
capacidade de priorizar o trabalho de acordo com as necessidades do
cliente, de planejar e individualizar suas ações, de usar muito mais a prática
reflexiva e de ter um sentimento de maestria. Spalding (2000) também
encontrou habilidades do estágio de proficiência, como transferir
aprendizagens prévias para novas situações clínicas, em menos de um ano
de prática das profissionais.
No sexto capítulo, voltaremos a essa questão, quando discutiremos
os aspectos do raciocínio clínico e de seu desenvolvimento evidenciados em
nossa pesquisa.
De modo geral, estes três trabalhos apresentados indicam que, ao
longo do primeiro ano de prática, os profissionais iniciantes estudados
melhoraram sua auto-confiança e adquiriram habilidades para trabalhar em
contexto, não em um contínuo linear, mas avançando em alguns aspectos e
menos em outros, impossibilitando a categorização de um profissional
exclusivamente em um estágio.
Complementando estes trabalhos, outras pesquisas (ATKINSON;
STEWARD, 1997; BARNITT; SALMOND, 2000; HUMMELL; KOELMEYER,
1999; MCINSTRY, 2005; MORLEY, 2006, 2007; MORLEY et al., 2007;
PARKER, 1991; RUGG, 1996; SUTTON; GIFTIN, 2000; SWEENEY; WEBLEY;
TREACHER, 2001c; TOAL-SULLIVAN, 2006; TRYSSENAAR, 1999; WRIGHT,
2001) se dedicaram a compreender quais são as principais dificuldades e
quais são as estratégias mais utilizadas neste período de início de prática
profissional. uma grande variedade em relação às metodologias
utilizadas nestas pesquisas, aos sujeitos das pesquisas (algumas trabalham
somente com terapeutas ocupacionais e outras também incluem
fisioterapeutas) e, principalmente, em relação ao contexto em que a prática
profissional está inserida (diferentes países, prática em hospital,
comunidade, privada). Entretanto, consideramos interessante agrupar as
dificuldades encontradas nestes trabalhos para poder discuti-las
posteriormente em relação aos nossos resultados.
130
Deste modo, as principais dificuldades, ou fatores estressores, no
período de transição estudante-terapeuta ocupacional estiveram
relacionadas à identidade profissional, às características pessoais, ao
relacionamento com a equipe, à falta de suporte e supervisão, à falta de
conhecimentos e habilidades, ao ambiente físico e ao ajustamento ao
trabalho.
Em relação à identidade profissional, as dificuldades relatadas foram
a insatisfação no trabalho pela falta de reconhecimento da Terapia
Ocupacional por outros profissionais (HUMMELL; KOELMEYER, 1999;
PARKER, 1991), incertezas acerca da identidade e do papel profissional
(MORLEY, 2007; TOAL-SULLIVAN, 2006), não ser valorizado como igual
(HUMMELL; KOELMEYER, 1999), sentimentos de inadequação dos
terapeutas relacionados às suas habilidades e à sua confiança (MORLEY,
2007; PARKER, 1991; TRYSSENAAR; PERKINS, 2001) e níveis inesperados
de confusão em relação ao papel profissional (TRYSSENAAR, 1999;
MORLEY, 2007).
As pesquisas também apresentam a falta de confiança e dúvida de si
mesmo (HUMMELL; KOELMEYER, 1999; TRYSSENAAR; PERKINS, 2001)
como dificuldades relacionadas a características pessoais.
O trabalho em equipe foi um fator estressor quando havia dificuldade
de comunicação com colegas não terapeutas ocupacionais (PARKER, 1991;
TRYSSENAAR, 1999) e com gerenciamento de conflitos na equipe
(ATKINSON; STEWARD, 1997; HUMMELL; KOELMEYER, 1999; MCINSTRY,
2004).
Os profissionais em início de carreira também falaram de suas
dificuldades com a falta de suporte e supervisão dentro do local de trabalho
(HUMMELL; KOELMEYER, 1999), o descompasso entre o que esperavam e o
que recebiam da supervisão (MORLEY, 2006, SWEENEY; WEBLEY;
TREACHER, 2001c); a falta de feedback e de trabalho articulado com
profissionais mais experientes (MORLEY, 2007; SWEENEY; WEBLEY;
TREACHER, 2001c), o limite de tempo para reflexão (BARNITT; SALMOND,
2000) a falta de suporte, ou por não reconhecer que tiveram suporte ou por
usar suportes informais e não a supervisão para manter uma imagem mais
profissional (MORLEY, 2007; MORLEY et al., 2007)
Outras dificuldades estiveram relacionadas ao tema conhecimento e
habilidades, como a falta de conhecimento prático requerido (HUMMELL;
131
KOELMEYER, 1999; MORLEY, 2007), a falha entre teoria e prática,
principalmente o fato dos profissionais sentirem-se preparados para
conhecimento teórico e de pesquisa, mas com dificuldades para
contextualizar esse conhecimento (ATKINSON; STEWARD, 1997; MORLEY,
2007; TOAL-SULLIVAN, 2006; TRYSSENAAR; PERKINS, 2001), não se
sentirem preparados para atividades mais específicas, como prescrição de
cadeira de todas, terapia de o, reabilitação cognitiva (ATKINSON;
STEWARD, 1997; TOAL-SULLIVAN, 2006), não terem orientação adequada
no local de trabalho, não possuírem avaliações padronizadas e protocolos de
tratamento, e a falta de atividades de educação continuada (HUMMELL;
KOELMEYER, 1999).
O ambiente sico também foi apontado como um fator gerador de
dificuldades na prática iniciante, como a limitação de recursos, tanto de
equipamentos como de espaços (HUMMELL; KOELMEYER, 1999; PARKER,
1991) e o isolamento físico na localização da sala ou setor de Terapia
Ocupacional (HUMMELL; KOELMEYER, 1999).
Os fatores estressores relacionados ao ajustamento ao trabalho
englobam desde a rotina de ir ao trabalho todos os dias e trabalhar em
maiores períodos de tempo do que o estágio (HUMMELL; KOELMEYER,
1999), a mudança de endereço e moradia, o relacionamento com novos
colegas (WRIGHT, 2001), as mudanças organizacionais (MORLEY et al.,
2007), a demanda dos superiores por maiores iniciativas e independência
(BARNITT; SALMOND, 2000), o fato de muitas vezes terem que trabalhar
sozinhos, isolados (MORLEY et al., 2007; PARKER, 1991), a necessidade de
se familiarizar com políticas e procedimentos (MORLEY, 2007; MORLEY et
al., 2007; TOAL-SULLIVAN, 2006; TRYSSENAAR; PERKINS, 2001), as
dificuldades com o manejo do estresse (HUMMELL; KOELMEYER, 1999;
MORLEY, 2007; TRYSSENAAR; PERKINS, 2001) e, principalmente, as
expectativas aumentadas sobre a prática, não condizentes com a realidade,
configurando o que foi nomeado de choque da realidade (MORLEY, 2006,
2007; MORLEY et al., 2007; RUGG, 1996; SUTTON; GIFTIN, 2000;
TRISSENAAR; PERKINS, 1999, WRIGHT, 2001).
Muitas das dificuldades parecem estar localizadas em um estágio
mais anterior, de choque com a realidade, e do desejo de que o ambiente
de trabalho se molde às necessidades dos profissionais, como a demanda
por avaliações padronizadas e conhecimentos prontos que deveriam ter sido
132
aprendidos durante a formação inicial. Estas dificuldades parecem ir
diminuindo à medida que há uma maior adaptação ao trabalho, e na medida
em que a expectativa, inicialmente irreal, torna-se mais ajustada à
realidade.
Outras, entretanto, apontam para outros tipos de problema que
incidem diretamente sobre a necessidade de melhora na formação inicial,
como a falta de preparo para lidar com as demandas políticas e
burocráticas, com o manejo do estresse ou mesmo com profissionais da
equipe.
O descompasso entre o que é esperado e o que é oferecido na
supervisão também vem sendo alvo de algumas pesquisas (MORLEY, 2006;
SWEENEY; WEBLEY; TREACHER, 2001a; 2001b; 2001c) preocupadas com a
melhora da prática profissional iniciante. Entretanto, embora não haja
muitas pesquisas relacionadas a esta questão, é possível pontuar que a
oferta formal de supervisão e acompanhamento por um profissional mais
experiente (como em um sistema de trainee), não é uma prática comum na
realidade brasileira, ficando restrita aos programas de aprimoramento e
residência ou a estratégias individuais e pontuais dos profissionais diante de
dificuldades na prática (HAHN, 1999). Embora, as atuais propostas de
formação inicial para profissionais da saúde demonstrem maiores
preocupações com a formação prática (ALMEIDA; FEUERWERKER; LLANOS,
1999; BELLODI et al., 2004; GEIB, et al., 2007).
Neste trabalho, também não discutimos o fenômeno do burnout,
investigado em alguns trabalhos (BASSETT; LLOYD, 2001; LLOYD; KING,
2001) que também sugerem outros fatores estressores para a insatisfação
profissional, embora esta questão não esteja relacionada especificamente a
profissionais iniciantes.
Como estratégias para o enfrentamento das dificuldades, para
facilitar o período de transição estudante-terapeuta, e para melhorar a
aprendizagem da prática profissional, a literatura sugere principalmente o
acesso regular a supervisão ou programas de mentoria de qualidade, que
ofereçam feedback aos profissionais iniciantes em relação ao seu
desempenho (HUMMELL; KOELMEYER, 1999; MORLEY, 2006, 2007;
PARKER, 1991; SWEENEY; WEBLEY; TREACHER, 2001c; TRYSSENAAR,
1999). O feedback também foi identificado como uma importante estratégia
de aprendizagem não somente na supervisão, mas em situações informais
133
no trabalho, que podem ser feitos tanto pelo supervisor como por outros
profissionais mais experientes da equipe (MORLEY, 2007; MCINSTRY,
2004). A supervisão também facilita o acesso à linguagem do local de
trabalho, seus costumes e valores, permitindo ao profissional iniciante
sentir-se mais pertencente àquela comunidade (MCINSTRY, 2004).
Além disso, outras estratégias também foram encontradas na
literatura, relacionadas ao suporte profissional e social; à educação
continuada; a estratégias voltadas para fortalecer a identidade profissional
e as habilidades pessoais, e ao ambiente de trabalho.
As estratégias relacionadas ao suporte social envolvem o apoio de
outros colegas (PARKER, 1991) e grupos de suporte fora do ambiente de
supervisão (HUMMELL; KOELMEYER, 1999; MORLEY, 2007), suporte de
família e amigos, de outros recém-formados e de colegas de trabalho, mas
fora do ambiente de trabalho, grupo de novatos (HUMMELL; KOELMEYER,
1999). Além disso, ressaltam que é importante que os profissionais em
início de carreira tenham conhecimento de que o início é estressante, de
que talvez precisem mudar a forma de oferecerem cuidado, de aprenderem
estratégias de manejo do tempo, e de procurarem encontrar um equilíbrio
de trabalho no dia (HUMMELL; KOELMEYER, 1999; RUGG, 2003; MORLEY,
2006; MORLEY et al., 2007).
Outras estratégias educacionais encontradas na literatura foram: o
acesso a educação continuada, como cursos de formação, congressos
(HUMMELL; KOELMEYER, 1999) e as oportunidades de reflexão sobre a
prática, pois ajudam a reduzir o choque de realidade ao oferecer meios para
construir sentidos da prática do mundo real e promover estratégias de
suporte, mesmo que nos primeiros seis meses de ingresso na prática, haja
uma maior busca por habilidades técnicas e menos tempo seja dedicado a
atividades mais reflexivas (MORLEY, 2006)
A identidade profissional, como vista anteriormente, é um importante
fator para a satisfação ou insatisfação no trabalho do profissional iniciante,
pois ela pode ser valorizada ou não pela equipe ou pelo local de trabalho.
Algumas estratégias que podem auxiliar a transição estudante-terapeuta e
auxiliar a aprendizagem e o desenvolvimento profissional envolvem a
existência de modelos de prática fortes, a possibilidade de trabalhar e/ou
observar profissionais mais experientes, e profissionais que inspirem uma
forte liderança, para mostrar papéis e direções mais fortes (HUMMELL;
134
KOELMEYER, 1999; MCINSTRY, 2004; MORLEY, 2006, 2007; MORLEY et al.,
2007).
A literatura aponta para a necessidade de desenvolvimento de
habilidades interpessoais para sustentar relações com colegas, equipes e
usuários dos serviços e habilidades intrapessoais: auto-consciência,
reflexão, pensamento crítico e habilidades emocionais, como controlar
sentimentos e manejar o estresse (MORLEY, 2007). E sugere que
características pessoais, como auto-confiança, entusiasmo e motivação
(HUMMELL; KOELMEYER, 1999) também facilitam o período de transição.
Em relação ao ambiente de trabalho, uma melhor orientação das
políticas e dos procedimentos (HUMMELL; KOELMEYER, 1999) e mesmo
programas de indução no local de trabalho, de modo que a equipe possa ser
mais compreensiva e flexível com os iniciantes (PARKER, 1991), foram
estratégias encontradas.
Cabe ressaltar que o estágio foi considerado uma fonte importante de
aprendizado (HUMMELL; KOELMEYER, 1999) que facilitou tanto o período de
transição como a aprendizagem das habilidades necessárias ao
desenvolvimento da prática profissional.
De modo geral, os trabalhos procuraram discutir estratégias mais
preocupadas com a facilitação da transição estudante-terapeuta
ocupacional, embora alguns deles, incluíssem ou fossem inteiramente
dedicados (MCINSTRY, 2004) a investigar estratégias e processos de
aprendizagem próprios do período de início de carreira.
Nesta direção, nosso trabalho situa-se na interface entre os processos
de ensino e de aprendizagem e os sentidos sobre a prática iniciante em
terapia ocupacional, produzidos a partir destes processos. Parte dessa
construção grupal esteve relacionada ao terapeuta ocupacional, sua
formação, escolhas, crenças a respeito da competência profissional, e das
possibilidades de negociação. Os sentidos de algumas destas questões
foram construídos ao longo de todo o processo, enquanto que o de outras
foi trabalhado em apenas um encontro ou somente em algumas conversas,
como poderá ser vislumbrado a seguir. Além disso, cada terapeuta
ocupacional iniciante pode construir seus próprios sentidos destas questões
em seus percursos nos diários reflexivos, dois destes percursos, o de Marisa
e de Fernanda, serão discutidos aqui.
135
Este tema parece estar contido em uma das classes identificadas pela
análise das transcrições dos encontros do grupo feita pelo programa
computacional ALCESTE, cujo vocabulário específico parece indicar a
discussão das dificuldades explicitadas pelas profissionais iniciantes, como
pode ser visto no quadro 17.
Quadro 17 – Palavras e radicais da classe 1 da análise das transcrições dos
encontros do grupo feitas pelo programa computacional ALCESTE
fic+(317
26
), ia(99), temp+(151), cheg+(88), difícil+(125), paciente+(155),
atendi+(68), atend+(45), escrevi(31), hora+(76), meio+(53), sab+(186),
sair+(40), semana+(83), sent+(65), angusti+(32), cap+(32), cas+(30), dai(72),
deix+(65), dia+(54), dificuldade+(52), enfermaria+(41), fal+(472), gost+(41),
inteir+(28), Interconsulta(38), mes+(28), mont+(29), pass+(104), sai+(37),
sentindo(28), super+(57), ultim+(35), vontade(40), abr+(17), acab+(73),
afet+(14), com+(13), confort+(13), confus+(15), consegu+(91), cont+(60),
deslig+(19), deu(41), entr+(75), época(16), escrevendo(24), escrev+(122),
família(13), fim(14), fiqu+(125), grave+(11), intern+(25), investi+(11), lig+(20),
limit+(19), marido(13), mostr+(16), muita(57), nisso(68), perd+(22), pint+(12),
preocup+(25), pronto_socorro(11), residente+(16), said+(18), segunda(17),
sozinh+(16), termin+(29), tido+(11), tranq(18), trat+(13), vou(143),
acompanh+(16), ag(9), ambulatori+(9), ano+(57)
Este vocabulário parece indicar tanto dificuldades vividas na
assistência aos pacientes e na negociação com os contextos institucionais,
expressas em radicais como: dificuldade+, temp+, paciente+, família,
grave+, atendi+, deslig+, interconsulta, pronto-socorro, ambulatori+,
enfermaria+; como dificuldades relacionadas às vivências das terapeutas
diante de seu trabalho, expressas nos radicais: angusti+, sab+, confus+,
sent+, sentindo, limit+, sustentando também nossos resultados obtidos
pela análise temática e do desenvolvimento processual dos temas ao longo
do tempo, como pode ser visto a seguir.
De “ser um melhor terapeuta é não ter dúvidas” para “as dúvidas
como alimento para o desenvolvimento profissional”
O principal dilema sobre o qual o grupo pareceu ter se debruçado, ao
longo de toda a experiência, envolveu aspectos relacionados às crenças
sobre o que é um terapeuta competente.
Logo no primeiro e no segundo encontros do grupo, Luiza falou de
suas expectativas em ser uma “terapeuta melhor” após o primeiro ano de
prática, e também relacionou este sentimento de desapontamento ao
26
Este número se refere à freqüência da palavra na classe. A freqüência média por palavra em todo o
corpus foi 21.
136
cuidado em saúde mental com pacientes graves, com os quais se sente sem
poder e com dificuldades em ver os resultados do seu trabalho.
“[...] o raciocínio [...] com o paciente, parece que a cada dia está piorando,
[...] eu estava com uma ilusão que [...] agora no segundo ano eu ia estar
melhor [...]” (Luiza, primeiro encontro)
“[...] ano que vem eu vou ser uma terapeuta ocupacional muito melhor [...] e
aí eu vi que não, que não é bem assim.” (Luiza, primeiro encontro)
“Acho que deviam escrever [...] como ficar mais aliviada no início da carreira,
porque é muito difícil, [...] tudo é difícil, tudo é sofrido, [...] ‘eu não vou dar
conta, não vou dar conta’” (Luiza, segundo encontro)
“[...] é que às vezes vopega uns pacientes tão complicados [...] que você
não consegue se sentir nem um pouco conseguindo [...] Eu me senti com
menos poder” (Luiza, segundo encontro)
Uma primeira resposta a este dilema foi dado por Marisa, ao resgatar
uma experiência vivida na graduação, em que todos os alunos se
envolveram na construção de uma “terapeuta ocupacional ideal”,
totalmente fora da realidade possível.
“[...] estava todo mundo muito incomodado [...] e a gente construiu a
terapeuta ideal com vários materiais, e era o quanto a gente idealizava uma
coisa de semi-deusa [...] era até engraçado depois [...] ver o quanto a gente
precisava saber tudo [...] se cobrava de saber tudo e ter todas as respostas,
[...]” (Marisa, segundo encontro)
O grupo retomou esta questão no sexto grupo, quando Mariana
trouxe à tona a idéia de que deveria saber, mas a contrapôs às
possibilidades de construção possibilitadas por seu trabalho com os
pacientes.
“[...] por eu ser uma terapeuta nova, sem prática, [...] eu fico com a idéia de
que eu deveria saber [...] acho que ‘um terapeuta deve saber isso, [...]’. E
[...] é muito bom [...] poder ver [...] que também talvez a gente não vá saber
muitas coisas, porque isso também da possibilidade de construção sempre,
[...]” (Mariana, sexto encontro)
“Por mais que você tenha algumas coisas que te ajudem a pensar num
caminho, mas você não sabe o resultado desse caminho, não é?” (Taís, sexto
encontro)
“[...] é angustiante mas ao mesmo tempo rico [...]” (Mariana, sexto encontro)
Durante muitos encontros do grupo esta questão não apareceu nas
conversas, retornando somente no décimo quarto grupo, momento em que
137
a conversa homogênea começou a ser quebrada, o papel de competente
pode ser abandonado e houve espaços para o não-saber. Neste encontro, o
não-saber voltou a ser identificado como imaturidade profissional, mesmo
quando as terapeutas ocupacionais tinham um sentimento de maestria
(SPALDING, 2000), de saber ser terapeuta ocupacional. Cecília e eu
começamos a apresentar a possibilidade deste não-saber poder ser vivido
como algo que leve à aprendizagem e ao desenvolvimento e, neste
momento, houve o reconhecimento de que a cobrança consigo mesma é
muito grande.
“[...] não sei se a gente está num momento de descobrir, e a gente está em
vários espaços diferentes e as pessoas cobram coisas diferentes a partir da
compreensão que elas têm do que a gente pode fazer, e a gente fica muito
perdida, [...] eu acho que é uma imaturidade profissional [...] pelo menos é
como eu me sinto [...]” (Fernanda, décimo quarto encontro)
“[...] acho que essa diferença que você está trazendo [...] faz um sentido,
[...] entre alguma coisa que [...] é vivenciada, refletida, vivenciada de novo,
refletida e vivenciada de novo, que é a construção da experiência e da
maturidade profissional que permite que isso venha com mais tranqüilidade
[...] ‘por enquanto eu precise de uma cola de vez enquanto para poder me
lembrar disso, mas daqui um tempo isso vai vir naturalmente, com a
experiência [...] eu acredito.” (Cecília, décimo quarto encontro)
“[...] tenho acreditado cada vez mais que as pessoas que mais se incomodam
com a sua prática são as que crescem.” (Taís, décimo quarto encontro)
“Eu acho que eu fico muito em crise por ainda ter essas dúvidas [COMEÇOU A
CHORAR] ‘[...] mas eu sou formada dois anos’ e daí eu fico pensando
[...] isso que você acabou de falar, [...] eu que não cheguei a isso ainda ou as
pessoas não pensam nisso, [...] não estão com essas inquietações, [...] droga
eu não queria chorar, [...] eu fiquei mais incomodada com isso.” (Marisa,
décimo quarto encontro)
“[...] porque quando eu estou lá, na ação, [...] eu sei ser terapeuta
ocupacional, eu acho que eu sei e funciona, mas quando eu vou falar ou
pensar sobre isso, conseguir tentar definir o que eu faço, daí eu fico
totalmente atrapalhada [...]” (Marisa, décimo quarto encontro)
“[...] desde que elas [as dúvidas] não sejam sentidas como alguma coisa que
não devia acontecer, porque aí você se sente errado, você se sente
incompetente.” (Cecília, décimo quarto encontro)
“[...] imagina, dois anos de formada e essas crises ainda. (Luiza, décimo
quarto encontro)
“Mas, por que vocês acham que dois anos é tanto?” (Cecília, décimo quarto
encontro)
“... a cobrança é muito grande.” (Fernanda, décimo quarto encontro)
138
Finalmente no décimo sexto encontro, mobilizadas por um
questionamento feito por Cecília, o grupo prosseguiu na construção de um
significado sobre o não-saber, de que com o tempo, as dúvidas vão sendo
vividas mais naturalmente e que ao nomeá-las é possível buscar ajuda,
compartilhar, estudar.
“[...] eu queria resgatar uma coisa, [...] você falou agora a pouco ‘[...] mas
eu nem sei como é que é falar isso que... eu tenho essa dúvida’, [...]” (Cecília,
décimo sexto encontro)
“[...] admitir que tenha dúvidas [...] você não acha muito mais saudável e
maduro ter essa questão do que ir fazendo sem parar para pensar nisso?
Porque [...] eu tenho ficado um pouco ligada nisso que vocês estão fazendo
aqui [...] como se vocês não devessem ter essas dúvidas. Eu com, sei [...]
com quantos anos de prática, tenho dúvidas, [...], se eu fiz o melhor, se eu
propus o que não é para propor, se eu esperei e não era para esperar [...] A
gente o tempo todo está se olhando, se perguntando. Então, o que eu fico
pensando é ‘será que isso, justamente, o é um sinal de estar pensando na
prática e caminhando nisso?’” (Cecília, décimo sexto encontro)
“[...] ‘nossa, admiti minhas crises, essa é minha crise, gente!’ Coloquei na
mesa minhas crises [...] acho que depois que eu entrei aqui, eu acho todo
mundo bom, tão inteligente, ‘[...] aqui é todo mundo semi-deus’ [...] acho
que é ruim você admitir que está errada, que eu ainda não sei [...]” (Luiza,
décimo sexto encontro)
“[...] acho que é um sinal de que está aqui pensando e também de não estar
confiante demais [...] e acomodada [...] tem um limite entre estar
confortável, eu acho que é bom você se sentir mais confortável, tem certas
coisas que a gente de fato vai tendo mais segurança de fazer e mais jogo de
cintura [...] e por outro lado, eu acho bom sair de um atendimento ‘como é
que será que eu estava hoje?’ Eu acho que isso [...] me faz ficar
compromissada naquele paciente, na relação, no processo, entendeu?”
(Cecília, décimo sexto encontro)
“[...] a gente vem com certos mitos [...] de que vai para a prática, de que vai
aprender, então não vai mais ter dúvidas, e [...] é um tempo que a gente vai
vendo que é natural, e acho que também esse grupo [...] ele também é essa
função, de ajudar a gente a perceber que pode, pode compartilhar, se você
falar acho que você pode refletir, pensar sobre as coisas, você sempre pode
estudar, pode buscar pessoas, [...] mas acho que é um tempo, [...] que se
consegue e volta, vai mais um pouquinho, [...] agora eu me sinto mais
tranqüila de falar assim [...]” (Mariana, décimo sexto encontro)
A fala de Mariana, no último encontro do grupo, pareceu simbolizar
toda esta construção do grupo.
“[...] o que eu acho que eu sinto é uma maior tranqüilidade nos momentos
em que eu me apavoro, que bate o pavor de não saber o que fazer em uma
situação difícil, e acho que antes eu ficava muito mais ‘nossa, acho que isso
eu devia saber’, [...] e acho que ao longo desse processo, [...] da gente ir
descobrindo que eram questões, [...] às vezes para umas mais, para outras
139
menos, e que a gente podia compartilhar e foi muito legal participar [...] com
vocês três, [...] ouvir um pouco de vocês, acho que isso também ia
acalmando a gente, então eu acho que nesse sentido eu vou sentindo
diferença, muita diferença na prática sabe, e às vezes também eu acho que
ficava muito assustada com a minha confusão diante da situação, então de ir
podendo ver que tem um lugar para isso, [...] é possível se organizar, então
de escrever, de ter alguém com quem conversar [..], [...] que possa pensar
um pouco esse raciocínio junto, eu acho que fez muita diferença sim para
minha prática. Acho que é isso, nesse sentido também eu não consigo talvez
denominar tanto, mas eu sinto que muita mudança aconteceu.” (Mariana,
décimo oitavo encontro)
Ser terapeuta na saúde mental: da necessidade de cuidar de si à
consciência de escolher como responder ao que nos afeta
Embora algumas questões relacionadas às dificuldades do trabalho no
campo da saúde mental tenham sido colocadas por Luiza nos dois primeiros
encontros, foi no quarto encontro, quando as participantes estavam
fragilizadas e o grupo estava debruçado nas questões da saída das
supervisoras, que as singularidades de ser terapeuta retornaram.
Em um primeiro momento, Clarice ressaltou o quando a garra e a
determinação do início contribuem para manter-se na carreira e investir
nela. Entretanto, na medida em que se deparou com uma realidade muito
diferente da imaginada, que viu colegas muitos desgastados com seu
trabalho, e percebeu a grande necessidade de investir em si mesma,
explicitou seu medo sobre onde encontrar forças para continuar.
“Eu fico pensando numa fantasia [...] no início a gente vem com uma garra
tão grande, [...] a gente vai sendo muito mobilizada por essa garra, por uma
determinação de que as coisas podem melhorar e tudo mais e com o tempo,
com a nossa prática, a gente vai se deparando com uma realidade que me
parece ser muito diferente daquela do começo e me preocupa muito pensar
da onde eu vou tirar força para continuar [...] eu vejo [...] muitas pessoas
[...] desgastadas [...] com a clínica [...] porque a gente tem que investir
demais no nosso ser [...] na terapia ocupacional, na saúde mental, na área da
saúde, [...] é um medo grande...” (Clarice, quarto encontro)
O grupo foi percorrendo um caminho de reconhecer a necessidade de
cuidar de si para continuar na carreira e para cuidar do outro. Nesta
direção, um primeiro sentido construído foi o de se dissociar do trabalho,
para depois poder ser nomeado de cuidar de si e se divertir.
“O medo de como lidar com o que vai despertando na gente também [...]”
(Clarice, quarto encontro)
140
“Que para a gente poder cuidar do outro a gente também precisa cuidar disso,
[...]” (Clarice, quarto encontro)
“Acho que um espaço é a terapia e outro fundamental, é a gente estar juntas,
poder dividir um pouco do sofrimento que vai passando, um pouco da alegria,
e às vezes até dissociar um pouco [...]” (Clarice, quarto encontro)
“Mas por que é que isso não pode ser chamado se divertir?” (Cecília, quarto
encontro)
“... divertimento é quando a gente põe a vida entre parênteses” (Cecília,
quarto encontro)
“Cuidar de si” (Taís, quarto encontro)
“Namorar, dançar [...]” (Cecília, quarto encontro)
“... a gente fala para os nossos pacientes ‘vocês precisam ampliar o seu
repertório, [...], vamos fazer mais coisas, [...]’ [...] ‘que é que eu tenho
ampliado? [...] até [...] de pedir ajuda mesmo, [...] a gente fala para os
nossos pacientes ‘olha, pede ajuda, [...], não há problema nenhum nisso’ e a
gente não consegue, [...]” (Luiza, quarto encontro)
“É colocar ser terapeuta entre parênteses também” (Marisa, quarto encontro)
“[...] é uma coisa que a gente sempre conversa, que é um momento que a
gente está investindo muito na formação e parece que não tem espaço para
essas coisas, [...]” (Mariana, quarto encontro)
As particularidades do trabalho em saúde mental estiveram nas
entrelinhas de muitas das discussões do grupo, como no décimo segundo
grupo, em que Mariana descreveu o quanto é tênue a separação entre
cuidar e deixar-se sucumbir, tensão criada pela profundidade do
envolvimento na relação de cuidado. Também valorizou a possibilidade de
reflexão e raciocínio para sustentar o cuidado.
“Não sei, eu fico pensando [...] que um medo, porque são situações tão
limites assim, tão de susto, [...] que parece que você vai sucumbir junto, [...]
porque você vai vivendo muito perto, [...] a grande riqueza [...] é algo que vai
te distanciando, para você até pensar onde que a atividade entra, [...] e
pensar o raciocínio que você vai fazendo todo dia, [...] que dá muito medo de
você, [...] em algum momento sucumbir junto, se revoltar junto, [...] vai
ficando também muito identificada [...]” (Mariana, décimo segundo encontro)
Esta mesma questão foi o foco da discussão do décimo sétimo
encontro. Em um clima de grande tensão diante da narrativa de Fernanda
sobre sua trajetória no cuidado de uma paciente portadora de transtorno de
personalidade borderline. O grupo pode falar da falta de recursos
institucionais e de recursos emocionais para cuidar de casos muito graves,
como isso afeta o terapeuta e o implica relacionalmente, demandando que
141
ele se perceba na relação e faça escolhas que viabilizem o cuidado, mas na
dimensão de que a pessoa tem uma vida que vai além da terapia. Muitas
destas construções foram apresentadas por Cecília, como uma quebra de
uma conversa homogênea muito centrada na contratransferência que esta
história de impossibilidades causou.
“Até aonde a gente vai? Qual é o nosso limite? Qual o direito da escolha do
paciente? Até onde ele pode escolher? Não sei. O quanto que a gente investe?
Será que a gente tem uma clínica, hoje, apropriada pra esse tipo de paciente,
que é uma clientela que parece que vai ficando sem lugar, sem contorno,
tanto em atendimentos mais intensivos, até numa internação, [...] acho que é
isso, fiquei pensando agora em pacientes com transtorno alimentar, como
que, acho que a gente precisa se equipar [...]” (Mariana, décimo sétimo
encontro)
“Às vezes, até ferramenta emocional parece que falta, não é? [...] também é
uma dinâmica dela vir [...] cavando o não-lugar, a não-possibilidade, de como
lidar com isso, não é? Não sei, até chorei.” (Mariana, décimo sétimo encontro)
“... me encanta a teoria, sabe? [...] só que a prática é bem diferente [...] a
reflexão do profissional que vai ampliando as nossas intervenções, a gente vai
vendo até onde alcança [...] ‘[...] o que é que eu preciso fazer?’ [...] que
escorrega, e [...] volta tudo, [...] a gente fracassa junto com elas, a sensação
de quem cuida, pelo menos que eu tenho. [...] um dos livros que eu leio fala
disso, de que é como se fosse um ovo em cima de um penhasco, a qualquer
momento pode cair e pode quebrar, imagina a contratransferência do
profissional que cuida [...] mas o ovo também é um lugar de nascimento,
pode cair e quebrar como pode nascer uma existência, que é muito difícil,
[...] se você achar que vai quebrar e vai cair você vai investir para quê?
que a prática te mostra que vai sim quebrar, vai sim depender de alguém, que
vai ser difícil, [...] é a própria paciente falando [...] ‘estou bem agora, mas é
isso, eu sou deprimida, e eu sei que daqui a pouco eu não vou controlar meu
impulso e eu vou me agredir de novo, [...]’ [...] porque vive de um outro jeito
[...] acho que cabem milhares de coisas, principalmente impotência e raiva.”
(Fernanda, décimo sétimo encontro)
“[...] essa área que a gente escolheu é meio cruel [...] com o terapeuta,
porque esses sentimentos são muito constantes [...]” (Marisa, décimo sétimo
encontro)
“Você não acha que a gente vive todas essas frustrações o tempo todo [...] o
que eu sinto diferença com essa população [...] é muito difícil a
contratransferência [...] ter empatia, [...] ao menos eu, eu me sinto assim,
me uma raiva da pessoa, [...] uma dificuldade de compreender ‘como não
sustenta? Estava bem, não é?’” (Mariana, décimo sétimo encontro)
“Não sei [...] quando eu vou lendo, eu fico pensando que é uma paciente
super grave, mas acho que foi feito tanto por ela que acho que vai aquela
questão também nosso limite diante da escolha dela frente à vida [...] a
terapia ocupacional foi possibilitando muita coisa para ela [...] Então, não sei,
[...] perto do problema que ela tem [...] possa parecer muito pouco, mas não
sei se...” (Mariana, décimo sétimo encontro)
“A gente precisa de mais suporte, [...] vai investindo, mas tem uma hora que
cai, e nessa hora que cai, chega o limite [...] da gente [...]” (Marisa, décimo
sétimo encontro)
142
“[...] eu fui pensando na contratransferência individual, de cada um, de cada
uma de nós [...] e coletivamente [...] vocês falavam do vazio, agora e eu
fiquei pensando [...] do pesado que o vazio também é, [...] como é
insuportável para a gente lidar com isso, e [...] para onde a gente leva isso,
não é? Como a gente acolhe ou não acolhe? Digere ou não digere? [...] é o
que vai produzindo na gente [...] talvez seja o único jeito, não sei se o único
jeito, mas o jeito, o caminho mais possível da gente chegar perto dessas
situações. [...] o que produz na gente, e talvez [...] essa seja a possibilidade
de você, ao longo de um tempo longo, [...] porque também acho que está
trazendo um recorte de tempo, [...] e a história, em geral, dessas pessoas é
de muitas interrupções, [...] talvez isso seja o que a gente possa passar a
possibilidade de continuar trabalhando, sem garantia nenhuma [...]” (Cecília,
décimo sétimo encontro)
“[...] eu acho que a importância da gente se dar conta disso, do meu ponto de
vista, é de pensar o que a gente faz com isso [...] uma vez que a gente entra,
e que isso afeta a gente desse jeito, [...] pensar o que faz com isso? Eu, eu
tenho que escolher como eu vou responder a isso.” (Cecília, décimo sétimo
encontro)
Questões de identidade profissional: qual é o meu lugar?
O tema da identidade profissional apareceu sob duas perspectivas,
uma voltada para a terapeuta ocupacional e seu lugar profissional no curso
de especialização, e voltada para a Terapia Ocupacional, na especificidade
de seu cuidado, questão que será tratada na próxima seção.
O curso de especialização foi escolhido por ser uma possibilidade de
aprender e se aprofundar na prática, entretanto, ainda é um período em
que as terapeutas ocupacionais estão inseridas em um contexto de ensino,
para a complementação da formação universitária (CURSO DE
ESPECIALIZAÇÃO EM TERAPIA OCUPACIONAL EM SAÚDE MENTAL, 2005).
Neste sentido, esta prática supervisionada foi vivida por algumas das
terapeutas ocupacionais especializandas, explicitada principalmente por
Luiza, como restritiva da sua autonomia profissional. De qualquer forma, o
tempo da especialização parece ter sido o tempo também de uma
preparação para a vida profissional de verdade, para além de toda a prática
protegida proporcionada por este mundo verde
27
.
“[...] enquanto especializandas, categoria, [...] eu acho que [...] a gente tem
a responsabilidade, a gente se empenha para ter, [...], mas por outro lado, a
gente não tem essa, eu não sei como é que eu vou explicar isso, [...]
autonomia, [...] a gente ainda está num lugar meio... Essa responsabilidade é
partilhada e outra pessoa que é [..] superior [...] a gente veio procurar a
especialização, é uma prática diferente do que a gente ia ter fora, no
mundo.” (Luiza, sétimo encontro)
27
Termo utilizado pelas terapeutas ocupacionais iniciantes para descrever a prática da especialização.
143
“A nossa prática [...] é uma prática profissional, mas é diferente do que se a
gente estivesse no mundo fora, num ambiente de trabalho comum, acho
que cada um tem um papel, acho que tem o ensino...” (Luiza, sétimo
encontro)
“Talvez a questão da autonomia sim, mas do profissional acho que não, não
sei...” (Clarice, sétimo encontro)
“[...] Claro que aqui a gente tem espaço para discutir, o estou dizendo
isso, mas, [...] por mais que eu avalie que o paciente [...] tem indicação para
atendimento individual, mesmo se eu me propusesse a fazer o atendimento
individual dela, o seria possível, e eu nem proponho porque eu sei que não
é possível, [...] ‘não, não dá porque você está aqui para aprender, para seguir
um cronograma’, [...] isso faz parte da organização do trabalho, [...] da
instituição, [...]” (Luiza, sétimo encontro)
“[...] a Clarice não está aqui, mas ela estava me falando ‘ai meu deus eu
preciso começar a pensar o que é que eu vou fazer da minha vida, porque a
[...] a vida de verdade, profissional, começa quando termina essa
especialização, que não deixa de ser, [...] um grande guarda-chuva que vocês
têm aqui.” (Cecília, décimo quarto encontro)
“O mundo verde.” (Fernanda, décimo quarto encontro)
Outras questões de identidade profissional
Os dilemas relacionados à identidade profissional apareceram sob
duas perspectivas, ora relacionados à especificidade do cuidado em terapia
ocupacional, representado no uso de atividades, ora relacionados à
necessidade de reconhecimento e valorização do trabalho e do raciocínio
profissional do terapeuta ocupacional.
A discussão sobre a especificidade do cuidado em terapia ocupacional
surgiu inicialmente motivada pela discussão do manejo do campo
transferencial da terapia ocupacional, no sexto grupo. Embora não tenha
sido uma conversa que tenha se estendido, sob esta perspectiva, a
identidade profissional pareceu ser construída a partir dos procedimentos
em terapia ocupacional, em oposição ao das práticas psicoterápicas.
“[...] a gente vai buscar [...] esses conceitos [...] na psicanálise, [...] e [...] o
manejo é muito diferente e isso vai me dando um certo incômodo, [...]”
(Mariana, sexto encontro)
“[...] porque é o manejo na terapia ocupacional [...] você fica nessa dúvida,
será que é a mesma coisa que um grupo em que um psicanalista, [...] um
psicólogo, psiquiatra esteja coordenando do que um grupo de terapia
ocupacional? [...] como que é pensar isso na terapia ocupacional?” (Mariana,
sexto encontro)
“[...] não é uma relação dual, [...], a gente fala de uma relação triádica e [...]
tem outras coisas que acontecem que intermedeiam muito a relação que eu
144
acho que perpassam essas transferências, contratransferências, então, não sei
se para a gente ter o mesmo raciocínio que talvez você tivesse numa outra
abordagem, numa outra especialidade [...]” (Mariana, sexto encontro)
“[...] acho que eu entendo a questão em como é que a gente usa isso, não
como a gente percebe, mas como que a gente faz e com que instrumento.”
(Fernanda, sexto encontro)
No oitavo grupo, o tema da identidade profissional reapareceu,
bastante centrado nas dificuldades de explicitar o raciocínio clínico para a
equipe, levando em consideração que o processo terapêutico é construído
na relação e que não há protocolos prontos para nossa ação. Além disso,
Mariana ressaltou o reconhecimento que seus colegas dão ao seu trabalho,
mas do quanto desconhecem seus modos de proceder, e isso parece
produzir uma insatisfação perene.
“[...] validar também para a equipe, [...] ‘nesse momento o que é possível,
ele está falando o que é possível, [...]’, [...]” (Clarice, oitavo encontro)
“... na coisa da terapia ocupacional [...] o quanto a gente realmente não tem
algo pronto, [...] a gente vai construindo, do jeito que a gente vai fazendo, a
gente vai fazendo com as pessoas, ... a gente tem dificuldade...” (Tatiane,
oitavo encontro)
“Eu acho que tem todas essas particularidades, [...] saúde mental e [...] a
interconsulta [...] que não é o que é tido como o tradicional, o científico, o que
é valido, o resultado que talvez a sociedade espere, [...] alguém fala
‘nossa, a maleta mágica, [...]’, [...] parece que você abre a maleta, encanta
todo mundo, porque eu acho que também tem a dificuldade de entender como
a coisa acontece, [...] tem muito a ver com uma relação, [...] por outro lado
eu acho que a gente também vai entrando, [...] num lugar que muito
medo de dizer que não é isso, porque se não for isso, [...] mas eu me coloco
nesse lugar, se eu disser que não é isso ‘[...] e agora, [...]?’” (Mariana, oitavo
encontro)
“[...] que não é isso, mas tem validade, mas tem importância” (Mariana,
oitavo encontro)
“[...] pensar muito na questão [...] do raciocínio clínico, [...] como é que a
gente passa para o outro aquilo que a gente esvivendo, o que a gente está
pensando, o que a gente está raciocinando, [...]” (Clarice, oitavo encontro)
“[...] tem muita relação com a questão de o ter um lugar [...] tem muito a
ver com a colocação da pessoa e a questão da identidade, identidade
profissional e o tanto que isso angustia [...]” (Mariana, oitavo encontro)
“[...] é algo que fica no nível de uma insatisfação perene, [...] que você
escuta a respeito do que você faz, mesmo quando esmuito perto daquilo
que você sente que faz, não te parece satisfatório, não parece que abarca de
fato tudo o que a gente faz, [...] Eu fico com essa sensação, eu senti isso,
várias vezes, [...] por que é que a gente gostaria [...] de ser conhecido? [...]
Que seria algo que me faria sentir mais valorizada? Será que a gente retorna
145
com a velha questão de que a gente continua colocando como mais
valorizadas as atividades terapêuticas, [...] um trabalho mais na linha
dinâmica, psicanalítica [...] seria algo de mais valor porque é mais profundo e
a gente continua trabalhando no nível [...] do funcional, [...]” (Cecília, oitavo
encontro)
No décimo quarto encontro, quando o grupo começou a discutir o uso
de atividades, a questão da identidade profissional retornou. A tensão
pareceu estar centrada em dois pólos, um que foi a tentativa de algumas
participantes em compreender a especificidade da terapia ocupacional ora a
partir de seus instrumentos, nomeados de atividade ou de ação, ora pelos
seus objetivos. O outro pólo, que pareceu fazer mais sentido para o grupo,
e que foi trazido por Cecília e por mim, situou a especificidade nos
procedimentos do terapeuta ocupacional, em seus modos de agir, de
construir uma conversa com os pacientes, de auxiliá-los a se ver e a se
mover em suas ações” (Cecília
,
décimo quarto encontro).
“[...] porque eu acho que se fala muito [...] que o diferencial é a atividade, e
daí tem essa diferença de atividade e material, e que às vezes as pessoas
confundem achando que então o diferencial da terapia ocupacional é trabalhar
com o material, [...]” (Marisa, décimo quarto encontro)
“[...] para mim não faz [...] sentido dizer que [...] o diferencial da terapia
ocupacional é a atividade, [...] porque se for falar então que [...] a gente está
fazendo atividade, então o psicólogo também esfazendo atividade, [...] eu
acho mesmo que o diferencial é o olhar, é o objetivo que a gente [...] e daí a
gente pode usar os recursos que a gente quiser, [...] pode usar material, a
gente faz atividade, a gente faz na sala, a gente vai na comunidade, [...]”
(Marisa, décimo quarto encontro)
“Eu acho que é a ação, [...]” (Luiza, décimo quarto encontro)
“[...] que é terapêutico para ela, a gente percebe, tem uma coisa saudável
que para ela é ficar com todos os materiais, mas [...] isso o é a terapia.”
(Luiza, décimo quarto encontro)
“Entretanto, se ela quiser chamar de terapia ela vai chamar.” (Cecília, décimo
quarto encontro)
“A quem isso incomoda?” (Taís, décimo quarto encontro)
“À terapeuta.” (Fernanda, décimo quarto encontro)
“[...] qual [...] é a atuação, [...] para fazer com que aquilo [...] possa se
tornar uma experiência significativa, possa ter um lugar, [...] como é que é
você ajudar o outro a se colocar em ação? [...] numa ão que tenha esse
caráter de possibilitar que o novo apareça, [...]” (Taís, décimo quarto
encontro)
146
“[...] eu estava pensando quando a Marisa falou, [...] você chega [...] num
beco sem saída se você leva que a linguagem é uma atividade compartilhada,
então estamos usando a linguagem, estamos fazendo atividade, então o
psicólogo também ‘então, eu estou fazendo terapia ocupacional?’ [...] essa é
uma conversa interessante e eu acho que não é assim que acontece, que a
maioria das pessoas que trabalha com o registro da terapia diferente da
nossa, [...] que usa a linguagem em si, o qualifica desse jeito, o usa a
linguagem como atividade [...] Se um dia chegarem a ter essa preocupação,
talvez nós tenhamos que sentar para conversar e falar ‘bom, qual é a
diferença?”, mas por enquanto essa diferença é na medida em que a gente
trabalha com esse registro, isso nos permite, mesmo quando estamos com
um paciente [...] numa atividade de conversar, nos permite ter uma
aproximação para aquilo que está sendo dito que é ‘não vou atrás de entender
algum elemento do inconsciente que se desperta nessa relação que faz com
que ele fale ou ou fique ou projete [...] mas a gente se mantém sempre
com um pé naquilo que está sendo dito, que é o que amarra com a realidade,
que projeta uma ação.” (Cecília, décimo quarto encontro)
“[...] auxiliar essa pessoa a se ver e [...] e se mover nas suas ações, nos seus
projetos, nas suas atividades, [...] então, é uma diferença que é sutil em
alguns momentos [...] não é um caminho exclusivo, mas é um caminho [...]
que ajuda as pessoas [...] a reconstruírem [...] um estar no mundo em que
elas sejam mais protagonistas, [...] é uma questão de qualificação, da mesma
forma como o teu paciente se apropria daquilo dizendo que ele faz terapia
ocupacional, ele acha que ele faz isso e se isso faz bem para ele, [...] ele está
levando essa experiência.” (Cecília, décimo quarto encontro)
“Ele es levando isso para a vida dele, e a gente sente isso como
profundamente desqualificador? [...] porque eu acho que existe um discurso
que é desqualificador [...] na nossa prática, que nos atrapalha, que incomoda
[...] ‘ah, faz aí uma terapia ocupacional’..” (Cecília, décimo quarto encontro)
“[...] isso que a gente está conversando hoje, faz total sentido [...] então se
faz sentido... É porque tem algo dentro de mim [...], mas por que é que
quando eu estou na prática isso me pega de um jeito que parece que é um
vírus que você de uma respirada, você se contaminou, ‘mas, não é terapia
ocupacional, porque que ela quer dar argila para ela? Ela é psicóloga, vai dar
argila’ [...] a gente fica muito perdida, [...] eu acho que é uma imaturidade
profissional [...] pelo menos é como eu me sinto, porque faz total sentido,
[...]” (Fernanda, décimo quarto encontro)
Embora esta discussão pareça ter ficado em suspensão, no sentido do
grupo não ter explicitado respostas para as questões da Cecília, “por que é
que a gente sente isso como profundamente desqualificador?” e da
Fernanda, “mas por que é que quando eu estou na prática isso me pega de
um jeito que parece que é um vírus [...]?”, a conversa do grupo ao longo do
tempo pareceu conter algumas indicações. Mariana falou da diferença no
manejo do campo transferencial (sexto grupo); ela e Clarice trouxeram a
dificuldade de expor seu raciocínio e dos outros profissionais
compreenderem seus procedimentos, que são construídos na relação
(oitavo grupo); ao deslocar a questão da especificidade profissional de seu
recurso (atividade ou ação), o grupo pareceu ter assumido um significado
147
de que o que é específico se encontra na ação do profissional (décimo
quarto grupo).
Nesta direção, algumas hipóteses podem ser pensadas. O e se não
for issoque incomoda Mariana, o rus que pega Fernanda na prática e o
discurso desqualificador, apontado por Cecília, parecem estar relacionados
ao fazer atividade, por qualquer um, pelo psicólogo que argila para o
paciente, ou pelo outro profissional que entende desse jeito. Em
contraposição fez total sentido, para este grupo, quando nossa
especificidade foi colocada na base de nossos procedimentos, construídos
na relação, e voltados para auxiliar as pessoas a se ver e a se mover em
suas ações, projetos e atividades.
O trabalho em equipe
Quando as terapeutas ocupacionais iniciantes produziram sua
primeira narrativa sobre suas trajetórias profissionais, algumas delas
ressaltaram o quanto o trabalho em equipe foi alvo de suas aprendizagens.
“Acho que um grande ganho deste ano foi conseguir me colocar mais frente a
uma equipe, dificuldade sentida nas minhas experiências de estágio. Sinto-me
agora mais segura para falar sobre minha prática e expor minha opinião.”
(Marisa, primeiro diário)
“Penso que uma outra aprendizagem muito importante foi a de poder
trabalhar em equipe, estar junto de profissionais de outras áreas. Pois muitas
vezes é uma dificuldade: trabalhar em grupo não é algo fácil, o que dirá
com profissionais para os quais temos que apresentar o que fazemos, de que
forma fazemos e também ter o cuidado e interesse de ser receptiva para o
que eles também nos ensinaram de suas práticas, não perdendo de vista, os
pacientes.” (Mariana, primeiro diário)
“Inicialmente tive que aprender como me posicionar, como criar meu espaço
nos lugares que estava chegando, junto às equipes fixas e móvel. Trabalhar
em equipe foi e é um grande desafio.” (Fernanda, primeiro diário)
Talvez por esse tema parecer ter ocupado boa parte das reflexões
das profissionais em seu primeiro ano de prática, ao longo do trabalho em
grupo, foram poucas as discussões relacionadas à equipe. As situações
trazidas que foram compartilhadas estiveram ora circundadas por uma
discussão sobre a identidade profissional, como visto no item anterior, ora
disparadas pelas diferenças na compreensão da condução dos casos e das
necessidades dos pacientes, como aconteceu no oitavo grupo. A narrativa
de Clarice compartilhada no grupo mostrou seu dilema de agir de acordo
148
com suas compreensões do caso, que entraram em conflito com o que a
equipe fixa da Enfermaria e também uma de suas colegas do setor de
interconsulta demandavam de seu trabalho.
O caso era o de uma adolescente e que havia ficado tetraplégica após
uma cirurgia para a retirada de um tumor. Clarice estava percebendo o
movimento da equipe para que ela, como terapeuta ocupacional e como
interconsultora da psiquiatria, colocasse a garota para funcionar, para
pintar com a boca, e cuidar de sua saúde mental, em resposta aos
sentimentos da equipe, ligados ao fato dela ser jovem e ter ficado naquelas
condições. Neste contexto, muito mais do que perceber seu dilema, Clarice
pode compartilhar no grupo suas angústias relacionadas a este dilema, e
também como, com seu trabalho, estava conseguindo resolver este
problema, ao explicitar suas compreensões aos colegas e convidá-los a
compor uma ação conjunta.
“[...] eu quero chegar num foco, [...] eu atendo em parceria com um
residente e ele ficou super mobilizado com o caso, [...]” (Clarice, oitavo
encontro)
“[...] esse movimento passou a não ser assim o saudável, [...] ela vai
causando uma coisa da gente se envolver tanto que a gente perde um pouco
a dimensão [...] a gente não consegue de fora observar e interagir com o caso
e com a equipe, [...]” (Clarice, oitavo encontro)
“E o que aconteceu ... esse residente virou para mim e falou [...] sobre a
possibilidade de começar uma atividade de pintura com a boca, [...] fiquei
super constrangida, [...] colocar uma atividade dessas, [...] é tirar toda a
possibilidade dela entrar em contato [...] Então, vem mostrando alguém que
começa a entrar em contato [...] com essa nova condição, e aí as pessoas não
agüentam poder ver isso, [...]” (Clarice, oitavo encontro)
“Bastante, [...] uma dinâmica minha também de [...] não corresponder àquilo
que eles estão esperando, [...] ficam me olhando como se eu fosse a
possibilidade de uma salvação. E aí, chegar para ele e falar ‘isso não vai ser
possível’, para mim era muito desesperador.” (Clarice, oitavo encontro)
“[...] em que posição isso te coloca perante a equipe, perante os outros
profissionais, [...] e como [...] não transformar isso num conflito, maior do
que já é.” (Cecília, oitavo encontro)
“[...] eu me sinto muito sozinha nesse percurso [...] e todo mundo de uma
maneira e eu de fora [...] ‘será que eu não estou entendendo o que está
acontecendo?’ [...] vai me dando um pouco essa sensação de um vazio, [...]
eu precisava encontrar parceiros, [...]” (Clarice, oitavo encontro)
“[...] eu falei ‘vou ter que encarar, vou ter que dividir um pouco esse meu
pensamento, [...] ‘nossa, que interessante que vocês conseguem pensar
dessa maneira, [...] vamos marcar uma reunião com todo mundo para vocês
poderem falar um pouco isso que vocês estão pensando’. Então, [...] deu um
149
alívio tão grande poder ter esse retorno, falar ‘ressoou’, [...] não foi uma coisa
que estava só comigo.” (Clarice, oitavo encontro)
“[...] e o residente foi falando ‘nossa, você tem razão, [...] tão angustiado que
eu queria ver as coisas acontecerem [...]” (Clarice, oitavo encontro)
“[...] eu estava conversando com o residente e ele falou ... ‘mas eu não sei o
que é que eu estou fazendo, como é que eu estou ajudando [...] no caso [...]
‘não, mais olha, de a gente poder sustentar estar do lado dela, tentar
segurar essa tristeza que ela espassando, poder mostrar para ela que ela
não está sozinha, que tem pessoas que o atravessar isso com ela, se a
gente agüentar isso, você acha que isso não é trabalho?’ Então foi
interessante que eu fui respondendo para ela, mas eu também fui
respondendo para mim, não é?” (Clarice, oitavo encontro)
Tensões entre o contexto institucional e a responsabilidade para
com os pacientes: o agir na marginalidade a partir do que parece
ser a última chance
A discussão sobre o quanto o contexto institucional influencia as
ações das terapeutas ocupacionais esteve presente desde o segundo grupo,
quando Luiza contou de uma experiência na época da graduação.
“... a terapeuta tem que tomar uma decisão, e ela toma a decisão pelo que a
[...] a instituição pediu. Eu acho que, muitas vezes, a gente sente [...] nem
convidado, mas quase que obrigados a tomar uma decisão, uma coisa que a
instituição acredita e que você acaba deixando,” (Luiza, segundo encontro)
Esta questão também foi discutida nos diários de todas as
participantes, e se mostrou uma dimensão da prática para a qual elas
sempre estiveram muito atentas. Nas conversas do grupo, este tema foi
mais trabalhado em duas situações, quando Fernanda convidou-nos a
discutir sobre as questões relacionadas ao desligamento dos pacientes, e
quando Isadora compartilhou sua história com uma paciente que não se
encaixava em nenhum programa de atendimento. Em todas estas
narrativas e reflexões, o alvo sempre foi a responsabilidade assumida para
com os pacientes, para que suas histórias não ficassem interrompidas ou
que, pelo menos, pudessem ter algum começo.
Na discussão do sétimo grupo, impulsionada pela necessidade de se
desligar prematuramente de um dos serviços em que fazia estágio, por
motivos das mudanças ocorridas no curso de especialização, Fernanda
compartilhou suas preocupações sobre o caso de Patrícia, uma paciente que
tinha um vínculo institucional frágil, mas que ela estava investindo
algum tempo e que tinha criado uma relação promissora. Fernanda narrou
150
toda a trajetória de Patrícia na instituição, de suas faltas, das tentativas da
equipe de desligá-la dos atendimentos, e de sua insistência para construir
alguma história com ela, mesmo à margem dos procedimentos
institucionais.
Diante da necessidade de terminar o estágio e das preocupações com
Patrícia, ela recebe a orientação de um de seus supervisores que para se
desligar é preciso desinvestir. A conversa do grupo girou em torno desta
questão, discutimos aspectos éticos relacionados às escolhas diante de
situações como esta, como quando Mariana conta que, no rearranjo dos
estágios, precisou escolher de qual de seus grupos iria sair, pensado em
seus desejos ou em qual deles ficaria menos desestruturado com sua saída.
Na tentativa de construir um outro sentido sobre o desligamento, o grupo
chegou a uma idéia de que para se desligar é preciso investir de um outro
jeito, construindo possibilidades de cuidar dos pacientes.
“[...] que [...] desligar, a gente precisa desinvestir um pouco, desacelerar um
pouco o ritmo do atendimento, [...] eu não sei se eu concordo e eu não sei se
eu consigo fazer isso, mas ao mesmo tempo eu não sei qual seria a saída...”
(Fernanda, sétimo encontro)
“[...] eu me sentia sozinha, então se desligar significa que ela vai ficar
sozinha...” (Fernanda)
“[...] quando [...] a empatia que a gente tem pelo paciente não é a mesma
[...] da equipe, [...] porque o que a gente constrói [...] não é compartilhado
por outros profissionais, sei como lidar com isso, [...]” (Marisa, sétimo
encontro)
“[...] do caso da Patrícia, [...] a maior dificuldade ultrapassa a questão do
afeto só, [...] como que você deixa alguém que você que não está bem,
que ninguém es conseguindo, [...] avaliar aquilo, [...] você enquanto
terapeuta, como que você faz para que essa história não [...] se perca, [...]”
(Mariana, sétimo encontro)
“[...] dentro do ensino, da instituição, das mudanças, que é prioridade do que
a gente está vivenciando, [...] as coisas ficam [...] em planos diferentes...”
(Clarice, sétimo encontro)
“[...] o caminho para desligar é desinvestir, mas [...] é pensando em quem?
(Mariana, sétimo encontro)
“[...] não é no paciente, porque, [...] você vai investir num [...]
encaminhamento, [...] passar a referência, você vai investir de outras
maneiras, você não vai desinvestir do paciente que é tua responsabilidade,
[...] daí você está colocando acima de tudo a instituição que é de ensino, [...]”
(Marisa, sétimo encontro)
“[...] a gente teve que deixar um grupo porque cada uma de nós estava em
dois grupos, [...] a gente teve que fazer um desligamento em três meses,
[...]” (Mariana, sétimo encontro)
151
“[...] foi muito difícil primeiro porque a gente tinha que escolher de qual grupo
sair, [...] que grupo que você se sentia mais potente, que te dava mais
vitalidade, [...] por outro lado, [...] qual grupo será que ficaria menos
desestruturado com uma saída o próxima de duas terapeutas, [...]
pensando na questão da responsabilidade...” (Mariana, sétimo encontro)
“[...] não deixar que essa característica de instituição de ensino [...]
ultrapasse essa responsabilidade que você tem com o paciente, [...]” (Marisa,
sétimo encontro)
“[...] é que sempre a gente acaba, nem que seja no final da supervisão,
ouvindo ‘pensa no aprendizado que é isso para vocês’ e me causa um
incômodo porque a gente sabe que é um aprendizado, a gente sabe que isso
vai se repetir inúmeras vezes [...] na nossa vida profissional, mas nesse
momento acho que não é nisso que a gente quer pensar, não é? A gente quer
a melhor maneira de desligar, a melhor maneira para o paciente não se sentir
abandonado, [...]” (Fernanda, sétimo encontro)
“[...] a gente tem as hierarquias, a gente está dentro, [...] é muito difícil,
[...] por outro lado isso é muito positivo também porque a gente [...] está
numa instituição que tem um monte de coisa legal, tem oportunidade de [...]
circular de um CAPS para uma Enfermaria Psiquiátrica, [...] E se o for mais
esse, qual outro programa poderia ser?” (Mariana, sétimo encontro)
No décimo quinto encontro, a narrativa trazida por Isadora também
levou o grupo a discutir questões relacionadas às tensões entre o contexto
institucional e a responsabilidade para com os pacientes. Isadora contou-
nos a história de Aparecido, um homem com cinqüenta anos, que traz
comprometimentos importantes relacionados a um possível transtorno
alimentar e que não conseguia ser cuidado em nenhum programa. Nas
construções do grupo, vamos compreendendo que parte disto se deve por
sua forma de lidar com a situação e não aceitar cuidado, e outra parte pela
maneira como os procedimentos institucionais limitam as possibilidades de
um verdadeiro acolhimento.
De qualquer maneira, Isadora contou de seu envolvimento com o
caso, de ver as necessidades de Antonio, seu sofrimento, a urgência de
algum cuidado, e se viu sozinha, sem respaldo institucional, sem condições
de cuidar. A idéia de que o paciente tem uma vida para além do tratamento
e de uma rede de apoio para estas situações, trazida por Cecília, pareceu
ressoar no grupo em oposição aos impedimentos que, muitas vezes, os
procedimentos institucionais produzem.
“[...] na verdade, agora [...] o pessoal da Interconsulta não quer mais atendê-
lo, ele está, [...], perdido aqui no hospital, ninguém quer assumir.” (Isadora,
décimo quinto encontro)
152
“[...] ele foi ver a Enfermaria e [...] falou que não gostou do lugar, e também
não vai colaborando.” (Isadora, décimo quinto encontro)
“Mas isso significa que você é uma das únicas pessoas que está investindo de
alguma forma...” (Cecília, décimo quinto encontro)
“Na verdade [...] ele continua ligando para mim, para o Milton e para o
Henrique que o atendeu no pronto-socorro, [...]” (Isadora, décimo quinto
encontro)
“[...] ele vem procurar e a gente fala sempre a mesma coisa ‘que ele precisa
de internação, que não tem como atendê-lo ambulatorialmente’. Nessa última
vez, [...] ele fala ‘então eu não tenho mais jeito, vou ter que ir’. Mas [...]
quando a gente liga no pronto-socorro o pessoal fala ‘ah, pode mandar vir
mas, ele vai ficar em pé, porque a gente não tem mais maca para colocá-lo’
[...]” (Isadora, décimo quinto encontro)
“Ele vem, e [...] não tinha vaga, ele ficou 10 dias na retaguarda e foi embora,
disse que não ia mais ficar. É um paciente muito difícil de aderir ao
tratamento, muito difícil, porque ele não se considera.” (Isadora, décimo
quinto encontro)
“E que no caso dele fica ainda mais complicado [...] fazer esses cuidados, por
ser alguém que parece que transita, [...] precisa disso, [...] quanto talvez
chega essa oportunidade, ele não agüenta, [...]” (Clarice, décimo quinto
encontro)
“[...] a gente ia fazer mais [...] um programa que decide o tratar, então a
gente não importa, [...] ‘mas como assim a gente não pode mais fazer nada?’,
[...] as pessoas o tempo todo falando [...] ‘ah, ele vai morrer’ [...] mas a
gente o pode mais fazer [...] a gente entende que tem um limite de cada
Programa, mas eu o estou muito tranqüila de ter que sair de cena nesse
momento, meio que capengando, era o único espaço que ela realmente tinha
algum suporte [...], algum apoio. o é um caso que deixa muito tranqüila,
não.” (Isadora, décimo quinto encontro)
“Porque muitas vezes, de fato, a gente fica travada por procedimentos
institucionais, então esse paciente não é praquela instituição, ponto, para
onde eu levo, o que eu faço com isso. [...] às vezes, por mais que faça não
vai conseguir ter êxito, mas do ponto de vista de poder se sentir, [...]
conversando com mais pessoas e podendo dizer ‘olha, essa situação é grave e
ele tem que ser internado’ [...] eu acho que a idéia da rede para mim, quando
a gente tenta pôr em prática, [...] ela dá um pouco mais de potência, de
movimento, [...] de ver quem mais fez parte e poderia ser incluído nessa
conversa, para dizer ‘olha, nós aqui não estamos conseguindo mais’.” (Cecília,
décimo quinto encontro)
“[...] é muito bom falar desse caso para alguém, [...] porque se eu estava
sozinha quando eu estava atendendo, [...] sozinha com a angústia de não
estar atendendo [...]” (Isadora, décimo quinto encontro)
“[...] parece que [...] esse tratamento, essa terapia é a última salvação, [...]
em alguns pacientes [...] a gente tem exatamente essa experiência ‘é a última
chance’, [...] mas por um outro lado, também tem [...] uma certa organização
que [...] existia, que existe, e que as pessoas de alguma forma o buscar
[...] pra resolver as situações e continuar vivendo, [...] isso me ajuda a
pensar um pouco [...] a não ficar com toda a carga, [...] nessa história, diante
[...] da experiência de impossibilidade que a gente tem mesmo nessas
situações [...]” (Cecília, décimo quinto encontro)
153
“Encontrar o foco” e “acertar o tempo”: negociações com o contexto
institucional
Embora esta questão contextual venha a ser trabalhada no próximo
capítulo, voltada para compreender a questão temporal como uma tensão
presente no raciocínio clínico e na criação de histórias com os pacientes,
alguns aspectos pareceram estar também relacionados aos conflitos vividos
na negociação com os procedimentos institucionais. Estes conflitos giraram
em torno da necessidade de encontrar o foco, as prioridades do tratamento,
diante de um curto espaço de tempo, ou mesmo de ansiedades e conflitos
vividos pelas terapeutas ocupacionais iniciantes ao se depararem com o
curto tempo de atendimento imposto pela alta hospitalar ou pela morte.
Esta questão apareceu em muitas narrativas dos diários reflexivos
das participantes, mas no grupo, ela surgiu em dois momentos, no décimo
segundo grupo, ao conversarmos sobre os procedimentos de terapia
ocupacional na clínica da terminalidade, e no décimo quinto grupo, quando
a narrativa tratava de um atendimento que ocorria no Ambulatório de Crise,
cujo tempo de tratamento é de três meses.
Nestes dois momentos, as terapeutas ocupacionais iniciantes
procuraram nomear a questão temporal como uma tensão presente em seu
raciocínio, que foi vivida no primeiro ano de prática com muito sofrimento,
mas que ainda não era uma tarefa fácil, que estava em constante
negociação com a realidade institucional, encontrar o foco em tão curto
tempo para criar histórias significativas com os pacientes.
“Mas acho que é o tempo.” (Luiza, décimo segundo encontro)
“[...] e como a gente vai poder intervir [...]” (Tatiane, décimo segundo
encontro)
“[...] e eu ficava [...] sofrendo porque eu achava que eu tinha que ter
encontrado outros horários, [...] para terminar, [...] mas pelo menos para
estar lá, eu fiquei me sentindo muito mal, [...] de não ter vencido esse tempo,
[...]” (Luiza, décimo segundo encontro)
“[...] sempre é impactante, sempre é sofrido, mas eu acho que você consegue
descolar um pouco mais, [...] do que pelo menos no começo, no começo eu
sentia que em muitas situações eu, [...] ficava muito paralisada mesmo,
assim, assustada, com muito medo, acho que na segunda vez, pelo menos eu
me permiti chegar em momentos ‘não, isso é muito difícil mesmo, deu, aqui é
o meu limite, hoje, por hoje é só’ que eu acho que no começo [...] eu lembro
que a gente ficava muito angustiada com essa questão do tempo, então assim
a gente não saía, não ia embora às seis horas, [...], oito horas da noite estava
atendendo paciente.” (Mariana, décimo segundo encontro)
154
“[...] e eu acho que fica mais [...] claro o foco, [...] o nosso papel fica mais
claro, então fica mais fácil ver um foco [...] e ver que o adianta eu ficar
aqui o dia inteiro com o paciente...” (Marisa, décimo segundo encontro)
“Porque é uma experiência de um tempo diferente, de um ritmo diferente,
[...] você tem que encontrar o foco, [...] você conversou com o paciente, lá na
supervisão, ‘[...] qual é o foco? Qual é o foco? Qual é o foco?’ [...] surgem
milhares de coisas na terapia ocupacional, e rias questões, ‘bom, o tempo é
curto mas eu entro com a atividade, vou apresentar o material, dá para a
gente conversar, e aí surgir...’ É um tempo muito restrito, parece que você
não pode pensar, você tem que agir, pensar, agir, pensar, agir, pensar, agir, e
assusta, [...] Também não para a gente mexer em um monte de coisas e
deixar o cara falar um monte de coisa e falar ‘bom, eu vou trabalhar isso’,
[...] eu acho meio [...] insano.” (Mariana, décimo quinto encontro)
Trajetórias de Marisa e Fernanda: questões da prática iniciante
particularizadas nos diários
Muitas das questões discutidas neste capítulo foram alvos de reflexão
nos diários das terapeutas ocupacionais iniciantes, em maior ou menor
grau. Para exemplificar como a discussão do grupo foi particularizada nas
trajetórias individuais das participantes da pesquisa, apresentarei a
trajetória que Marisa e Fernanda desenvolveram em suas narrativas.
O diário de Marisa: reflexões sobre a apropriação de ser terapeuta
Marisa viveu uma experiência muito intensa junto a um paciente que
atendeu ao longo de seu primeiro ano de prática. Logo em nossa primeira
reunião, antes mesmo de começar a pesquisa, ela falou da importância
dessa experiência para a transição estagiária-terapeuta. Entretanto, no
início do segundo ano, Marisa estava passando pela Enfermaria Psiquiátrica,
quando este paciente, Vicente, foi internado. Por causa de uma doença
clínica importante, os medicamentos psicotrópicos não estavam mostrando
resultado, o que fez com que Vicente tivesse uma piora psiquiátrica muito
grande e uma mudança na relação com Marisa, tornando-se mais agressivo.
Toda esta situação pareceu ter disparado a necessidade de Marisa de
refletir sobre o que foi ser terapeuta de Vicente para ajudá-lo a elaborar
seus sentimentos e suas compreensões.
Logo no segundo diário, Marisa começou pontuando o quanto estas
vivências estavam ocupando seus pensamentos, sua vida.
“A princípio, pensei ‘é claro que falarei do Vicente, sobre o que mais eu
poderia falar?’ Porém, também me veio à cabeça: ‘o Vicente de novo???’ Não
agüento mais falar dele! Sinto-me até invadida por ele. Já discuti seu caso em
155
quase todas as supervisões, com vários supervisores, com os colegas. Ele está
presente nas conversas de corredores, [...] com as amigas que moram
comigo, com a minha família, na minha terapia... Até nos meus sonhos ele
aparece!!!” (segundo diário)
Do terceiro ao sétimo diário, Marisa contou a história vivida no ano
anterior, falou sobre o desafio de cuidar de Vicente e como, aos poucos, foi
se sentindo segura como terapeuta ocupacional. Também falou de seu
sentimento de frustração com da situação atual dele. Diante destas
experiências tão dissonantes, Marisa centrou suas reflexões na imagem que
fazia de Vicente, em como suas expectativas foram se ajustando, em um
movimento de significar estas vivências em sua própria trajetória.
“[...] consigo ver que aprendi muito com ele (a duras penas, é claro). Vicente
foi meu paciente [...] durante todo o ano passado. [...] Logo quando recebi o
caso me disseram que seria um paciente difícil, que não aderia ao
tratamento [...] Fiquei entusiasmada por ser um caso desafiador. Na
graduação, num dos meus estágios, havia atendido individualmente um
paciente que não aderia ao tratamento, mas que fez um vínculo muito
importante comigo. No início, Vicente me surpreendeu, parecendo muito mais
receptivo do que o esperado. Com o passar do tempo, por vezes era hostil e
agressivo comigo, me desqualificando como terapeuta. Fazia-me ter a
sensação de sempre estar pisando em ovos; qualquer coisa que eu fizesse
poderia colocar nossa relação em jogo. Eu ficava muito insegura por conta
disso. Cheguei a falar em supervisão que ele fazia-me sentir como uma
estagiária, e não uma profissional formada. [...] Eu tinha mil planos para dar
continuidade nos atendimentos, mas, [...] teve uma crise e foi internado [...]
Seu caso era grave e raro [...] o contato com a equipe foi ficando cada vez
mais difícil, mostrando-se negativista, [...]
Toda esta situação foi muito difícil
e frustrante para mim. Parecia que não tinha construído vínculo algum com
ele, que não havia ficado registro nenhum de nossa relação. Não sabia como
ajudá-lo, mas estava tentando e se agredida por ele foi muito doloroso.
(terceiro diário)
“Assim que o vínculo terapêutico com Vicente estava estabelecido e que
iniciamos com as atividades [...], eu fiz mil planos para nossos atendimentos.
Imaginava que ele poderia, ao aproximar-se de sua história de vida, re-
significar suas vivências, de maneira que nem tudo virasse sintoma, mas que
também encontrasse, na patologia, a explicação para alguns comportamentos
seus que lhe causavam muita angústia. [...] Imaginava poder ampliar seu
cotidiano, inseri-lo em outras atividades fora do espaço de tratamento [...]
Mesmo depois que foi internado, imaginava que poderíamos continuar nosso
trabalho neste novo ambiente. [...] Agora, fica muito difícil pensar nele no
futuro. Não sei se quando ele tiver alta vai querer continuar a ser atendido por
mim [...] De todo jeito, aprendi muito com essa experiência. Acho que ele foi
importantíssimo na minha constituição (ou apropriação?) como terapeuta,
principalmente no processo de me ver como uma terapeuta formada,
qualificada para tal e não mais uma estagiária. Comecei a ter segurança das
minhas intervenções, da minha formação [...]” (quarto diário)
“[...] voltando a falar da imagem potencial positiva do paciente... Fiquei
pensando numa situação em que isso aconteceu e lembrei do Vicente, [...]
Quando eu comecei a atendê-lo [...] eu via muito potencial nele, apesar da
primeira impressão que me passaram na passagem dos casos, de que ele era
156
um paciente difícil. Ele era [...] inteligente [...] Eu ficava pensando: “o lugar
dele não é aqui [...], a gente tem que encaminhá-lo para fora, inseri-lo em
outros espaços”. Ao conhecê-lo melhor, fui percebendo que ele era muito
delirante e persecutório e que esses sintomas prejudicavam muito a vida
dele... Mas eu via potencial nele [...] fazia planos [...] isso fazia eu investir
mais, estudar, pensar em como podia ajudá-lo melhor. [...] Ele era um grande
desafio para mim porque, apesar do tanto que eu acreditava nele, ele [agia]
[...] como se não tivesse nada mais a ganhar. Quando ele começou a
enxergar outras possibilidades nos atendimentos, eu fiquei muito mais
animada, isso me dava mais ‘gás’ para investir nele. E quando ele teve uma
nova crise, eu fiquei frustrada por ver esse caminho dele interrompido, ainda
mais com o rumo que a situação foi tomando [...] São as perdas de uma
doença crônica. Mas isso (o prognóstico, saber do curso da doença) o me
impediu de investir nesses pacientes, de ter uma imagem positiva deles...
(sexto diário)
“Ao ler o artigo da Mattingly, pude entender melhor alguns conceitos, e acho
que isso vai ajudar nas minhas próximas reflexões nestes diários. [...]
Entendendo assim, para pensar de um outro modo meu processo com o
Vicente e como a imagem potencial que tinha dele foi se ‘ajustando’. Acho que
tinha uma expectativa minha muito grande quando comecei a atendê-lo, ele
seria como um desafio. [...] Na medida em que fui tendo boas experiências
com ele, minhas expectativas foram aumentando e fui investindo cada vez
mais nesse caso. Tive que sustentar nossos atendimentos e nossa relação, e
acho que por isso que me sentia tão “pisando em ovos” com ele. Eu não podia
falhar ou pôr nossa relação em risco, acho que era minha a função de mantê-
lo. Parecia que a todo tempo ele tentava destruir essa nossa relação e eu não
podia dar-lhe motivos para isso talvez por isso nem anunciar que eu ia tirar
férias era possível. Acho que foi uma mescla de sentimentos mesmo. De uma
insegurança no início, pelo modo como ele me tratava e por ser uma
terapeuta iniciante, inexperiente, mas que foi também me desafiando e
incentivando a continuar. E dos meus sentimentos de contratransferência
também, do tanto que eu me envolvi com sua história, de como ele me
fascinava e me desafiava. À medida que nosso processo foi se constituindo,
que fui vendo resultados, fiquei muito animada, acho que até vislumbrada.
Por isso que acho que fiquei tão frustrada diante de sua crise. Fiquei triste por
ele, porque via que ele estava sofrendo muito, mas acho que também senti
um pouco como um fracasso meu. Acho que quando somos recém-formadas,
queremos abraçar o mundo, colocar todo mundo no colo. um sentimento
de que tudo é possível e que todos os problemas têm solução. Os artigos que
lemos, as histórias que ouvimos em supervisão e na sala de aula, o em
grande maioria exemplos de casos bem sucedidos, bonitos, emocionantes. Me
formei apaixonada pela profissão. E não é nada fácil se deparar com as
limitações da nossa clínica no início da prática. Acho que são situações que
geram o sentimento de frustração, mas que nos fazem crescer e aprender
muito. Com o tempo, [...] lidar com estas limitações, vai ficando mais fácil,
acho que vamos tendo uma visão menos idealizada da nossa profissão.”
(sétimo diário)
O diário de Fernanda: construção de sentidos sobre o desligamento
Em seus primeiros diários, Fernanda centrou suas reflexões na
situação que estava vivendo em um de seus estágios, a necessidade de
desligar-se do estágio, dos grupos e dos pacientes, antes do prazo que
havia sido estabelecido no início da especialização. Além disso, a saída das
supervisoras também fez com que este sentimento de perda aumentasse.
157
Em seu terceiro e quarto diários, ela descreveu seus sentimentos em
relação ao desligamento, e contou sua história com uma paciente, Patrícia,
na qual investiu muito, começava a ver os resultados aparecendo, mas
também as inúmeras necessidades da paciente, e refletiu sobre seu desejo
de não se desligar do caso, desinvestindo dele.
“[...] vejo a questão do posicionamento atravessada pelo fato do
desligamento que terei que fazer nesse espaço. [...] Essa é uma questão
ainda delicada para mim, pois tinha como certo uma permanência de dois
anos que foi interrompida. Me desligar desse grupo, é sair no meio de um
processo que muito pouco tempo me sinto fazendo parte. É também me
remeter à outros espaços que tenho que me desligar e entrar em contato com
o fato de estar no segundo ano da especialização e em todos os programas
que passar daqui para frente, saber que sea última vez. Também é parar e
pensar no jeito que vivo esse desligamento - como parte de todo processo que
tem começo, meio e fim, como perda, como algo que é interrompido...enfim,
ainda não consigo identificar. [...] Recebemos a notícia da saída de três
terapeutas ocupacionais do setor e ainda não sei como assimilar tais ‘perdas’.
Não consigo pensar nem no impacto que isso terá na minha formação e nem
no caminho e escolha de cada uma delas que poderá render bons frutos,
penso apenas na sensação de vazio que tenho ao pensar nas presenças’ que
faziam parte da história que tenho construído a cada dia na especialização, de
uma construção que vai além do profissional no quanto algumas pessoas
deixam marcas, no quanto estabelecemos relações, conexões, (ainda)
incompreensíveis, e o quanto que saber que essas "presenças" não estarão
por perto, naquele cenário, na rotina em que vivo, me é bastante sufocante.”
(terceiro diário)
“Fiquei pensando muito na questão do desligamento nesses últimos dias, acho
que muito tem a ver com o momento de mudanças pelo qual estamos
passando com a saída de alguns profissionais, mas também em relação ao
meu desligamento de alguns estágios, pacientes e equipe. Fiquei pensando
muito em como me posicionar diante disso, como trabalhar essa questão de
se desligar de um paciente, de um programa, quando isso não parte de um
desejo meu ou de uma necessidade do paciente, mas de uma questão prática,
de um tempo que é imposto pela instituição e pelo funcionamento da
especialização. Tenho ouvido em alguns momentos de que para se desligar de
alguma coisa precisamos gradualmente ir desinvestindo, mas não vejo muito
como fazer isso. Quando penso nisso, acho que falo de uma situação
especifica que é uma paciente que atendo individualmente no Caps. Comecei
a atendê-la [...] nossos contatos se davam no espaço de convivência, pois ela
não participava dos grupos e não conseguia chegar na sala de terapia
ocupacional. [...] Lembro que era muito sofrido buscar uma relação com ela,
pois a paciente ficava parada, não falava comigo e nada do que eu dizia
parecia ter eco. Tentava estar próxima, à espera de alguma reação e para de
alguma forma mostrar que tinha alguém ali, junto dela. [...] Falo de tudo isso,
pois queria de alguma forma mostrar que o processo com Patrícia foi bastante
difícil, mas que teve muitas mudanças ao longo do tempo. [...] Ao mesmo
tempo fico com a questão do desinvestir para desligar” e não sei o quanto
isso é viável. Até concordo que tenho que desacelerar um pouco, buscando
outras pessoas para cuidar junto e ir saindo de cena, mas vejo tanto pelo lado
dela, que mostrou ter registro desse nosso espaço, confiou no que eu dizia, foi
se mostrando aos poucos para mim, como no meu lado, que tenho investindo
muito e posso agora ter alguns retornos, que venho escutado ela falar da
dificuldade e da rejeição, e tenho que dizer que nosso tempo acabou. [...]”
(quarto diário)
158
Em nossa conversa diário-devolutiva, contei uma experiência similar
vivida por mim, e estimulei Fernanda a buscar em suas próprias
experiências recursos com os quais pudesse lidar com essa situação.
Fernanda lembrou-se de uma experiência similar vivida em um de seus
estágios da graduação, e começou a estabelecer relações entre essas
vivências, conseguindo reconhecer seu repertório para lidar com esta
situação angustiante. Antes do sexto diário, Fernanda conseguiu
compartilhar essas questões no grupo, e ressaltou o quanto poder organizar
alguns pensamentos no diário foi importante para depois compartilhar com
as demais colegas.
“Essa questão do desligamento é ainda um pouco nebulosa. [...] Quando
comecei a escrever o diário anterior, me vi numa tentativa de justificar o
porquê não seria possível me desligar de Patrícia nesse momento. E ao
começar a escrever, senti vontade de falar de alguns aspectos do processo
que ficaram marcados para mim. Foi muito importante poder falar disso,
inclusive para olhar o processo e repensar muitas coisas [...] que não sei o
quanto tinha me dado conta. E foi bem interessante quando li o seu retorno.
Além de ‘ouvir’ suas experiências, os seus questionamentos me fizeram voltar
no meu texto com uma experiência que tive no estágio na graduação
atravessando a leitura. E enquanto lia, fui me dando conta que as
experiências eram muito próximas, e poder pensar na forma como me despedi
do paciente, da finalização que teve nosso processo, geraram outras
inquietações que permeiam minhas experiências atuais e de alguma forma
‘tranqüilizou’ [...] por me dar conta de que tenho algumas referências para
lidar com isso [...] Lembrar dessa experiência, nesse momento, foi até mais
do que bem vinda. Estou em um momento de muita desvitalização na
especialização, e às vezes, a sensação é tão ruim e tão intensa que começo
inclusive a questionar a minha escolha profissional. Poder relembrar desse
paciente que acompanhei, também em um CAPS, me fez sentir de novo a
sensação deliciosa de escolher algo que me faz muito sentido, que é a terapia
ocupacional e a vontade de lidar com a problemática da saúde mental (foi
durante esse estágio que pude sentir na pele a certeza de que era isso que
desejara ser e fazer) [...] Mas vejo que tiveram alguns fatos que fazem muita
diferença quando olho para minha experiência atual. [...] Ter esse tempo
delimitado ao mesmo tempo em que foi angustiante, pois era possível investir
muito mais nesse processo com ele, também foi muito organizador. E
lembrando dessa experiência, vejo que meu movimento foi de investir até o
último momento, no mesmo ritmo e intensidade, mas com o foco de que o
processo comigo seria finalizado... e outros encontros aconteceriam. Acho que
a maior dificuldade de me desligar de Patrícia nesse momento, tem muito a
ver com meu desligamento repentino do Caps. Eu tinha um tempo de dois
anos, que diante da gravidade do caso, talvez fosse pouco também. Mas era
com esse tempo que contava. Me sinto muito desconfortável com essa
mudança e de certa forma isso reflete no meu funcionamento dentro...
poderia ter começado a falar da minha saída assim que soube, e talvez nesse
momento, o desligamento seria mais fácil e até mais cuidado. Mas
infelizmente acho que só agora tenho conseguido pensar nesse desligamento;
precisava falar disso comigo primeiro, [...]” (quinto diário)
159
“Gostaria de retomar um pouco do que falei no diário passado. Fui me dando
conta enquanto relia e mesmo durante a semana, que fez muito sentido poder
trocar nossas experiências. Acho que pude falar do caso do Márcio de outra
perspectiva. A partir do que você falou lembrei dele e só me dei conta que
ele é uma presença muito viva para mim, mas até então não havia feito
nenhuma ligação da vivência que tive com ele e a experiência com Patrícia. E
conseguir fazer isso, estimulada pelo seu relato, me ajudou a nomear algumas
coisas que sentia quando atendia Márcio (tanto em relação à equipe, como ao
nosso encontro e a própria instituição) e que se aproximam muito do que
sinto em relação ao processo de Patrícia e a situação do nosso desligamento.
Como falei no outro diário, acho que colaborou muito reviver esses momentos
e usá-los como ‘bagagem’ para lidar com situações que tenho vivido
atualmente na especialização. Vejo que não consigo usar todos os espaços
que tem sido oferecido para falar das minhas angustias ou inquietações. Aqui
no diário, acho que aos poucos pude ir me sentindo mais a vontade; acho que
tem muito a ver com a configuração do grupo e da forma como as coisas
acontecem e são cuidadas, e acho que o fato de ter a escrita como um recurso
e esse primeiro momento mais reservado para depois discutir em grupo
também facilita.” (sexto diário)
Discussão
A discussão dos resultados apresentados neste capítulo pretende
mais situar a conversa do grupo em relação ao que vem sendo estudado na
área, do que procurar compreender quais as características dos estágios de
desenvolvimento profissional que estão presentes para uma ou outra
terapeuta ocupacional iniciante. Neste sentido, tomarei os temas como um
todo, mesmo tendo consciência de que eles se apresentavam de maneiras
diferentes para cada uma delas.
Deste modo, tomando a prática profissional na especialização como
uma prática protegida, uma transição entre a formação inicial e o mercado
de trabalho, é possível relacionar as experiências vividas pelas terapeutas
ocupacionais iniciantes, mesmo após o primeiro ano de prática, aos estágios
do período de transição estudante-terapeuta propostos por Tryssenaar e
Perkins (1999).
O Estágio de Transição é caracterizado pelas expectativas de viver
uma prática livre das orientações dos supervisores da graduação. Como elas
estiveram durante dois anos em uma prática diferenciada, conforme as
palavras de Luiza, possivelmente esta transição possa ter sido vivida em
diferentes intensidades, chegando a ser mais intensa no período final da
especialização, em que elas precisaram buscar atividades profissionais no
mercado de trabalho. Em certo sentido, eu tinha uma hipótese inicial de que
este seria um tema mais constante no segundo semestre, entretanto, ele
apareceu poucas vezes, e talvez seja possível inferir que, embora esta
160
tensão estivesse presente, não chegava a se constituir um conflito central
eleito para ser discutido no grupo. Entre outras coisas, as terapeutas
iniciantes também contavam com outros espaços da formação para
trabalhar estas questões que, como Cecília pontuou no décimo quarto
grupo, são tensões comuns vividas anualmente.
No Estágio de Euforia e Angústia, Tryssenaar e Perkins (ibidem)
ressaltam que a competência profissional é um dos alvos principais das
reflexões dos iniciantes, tanto auto-centradas como, em um momento
posterior, centradas nos clientes. Considero que foi justamente nesta
questão a maior produção do grupo relacionada à prática do início da
carreira. Em relação à competência auto-centrada, o grupo foi percorrendo
um caminho de idas e vindas em que a crença de que elas deveriam saber,
de que não teriam dúvidas na prática, e a fantasia da terapeuta ocupacional
ideal, foram sendo desconstruídas e substituídas por uma compreensão de
que ter dúvidas faz parte da prática profissional e pode impulsionar o
desenvolvimento, levando o profissional a refletir, a estudar, a buscar
ajuda.
As preocupações de competência centradas no cliente estiveram
presentes o tempo todo, de modo explícito, quando se discutia qual a
melhor forma de agir, de negociar, de compreender a situação, de se
compreender na relação, para que o melhor para o paciente pudesse ser
feito, como nas discussões que envolveram as tensões em relação ao
contexto institucional.
Estas discussões também podem ser compreendidas como evidências
da negociação com a realidade da prática. Neste sentido, o grupo trabalhou
ora construindo estratégias mais maduras e flexíveis, como a discussão do
oitavo grupo e do trabalho de Clarice diante de seu dilema com a equipe,
ora explicitando a falta de estratégias para lidar com situações difíceis em
que os procedimentos institucionais são impedimentos para o cuidado dos
pacientes.
Nestes casos, as estratégias utilizadas pelas terapeutas ocupacionais
foram construídas na marginalidade da instituição, sem a garantia de
supervisão, sem suporte da equipe. Embora isso pudesse ser
superficialmente categorizado como um comportamento mais típico de
profissionais iniciantes e pouco flexível diante da realidade, por outro lado,
mostra o quanto as terapeutas ocupacionais investiram e se
161
responsabilizaram por seus pacientes, construindo uma ética de cuidado
que se contrapôs, naqueles momentos, à ética institucional.
Se procurarmos compreender a produção grupal em termos de
estágios de desenvolvimento, as terapeutas ocupacionais iniciantes
contaram situações do primeiro ano de prática em que tiveram dificuldades
para se adaptar ao contexto, como no trabalho no hospital geral, o que
poderia ser caracterizado como uma habilidade do estágio de principiante.
Entretanto, elas ressaltam que se sentem mais tranqüilas em relação
a esta questão e com maior flexibilidade para lidar com o contexto. Quando
o questionamento das regras acontece, ele está muito mais centrado nos
pacientes do que em suas dificuldades para se ajustar ao trabalho, embora
este questionamento também tenha ocorrido em algumas conversas,
quando, por exemplo, falam de suas dificuldades vividas no atendimento
aos pacientes em crise, de encontrar o foco e se ajustar ao tempo. Estas
características parecem estar próximas dos estágios de principiante
avançado e de competente. Como boa parte das características específicas
dos estágios de desenvolvimento está relacionada às habilidades de
tratamento, retomaremos esta discussão no sexto capítulo, quando
analisaremos o raciocínio clínico explicitado nos diários reflexivos.
Tryssenaar e Perkins (1999) também relatam que os profissionais
iniciantes vivem momentos de choque, em que situações profissionais
estressantes afetam a vida pessoal, com sentimentos de desânimo, medo,
desesperança. Estes sentimentos foram vividos pelas profissionais que
participaram de nossa pesquisa, porém, pareceram estar relacionados mais
ao cuidado em saúde mental, do que às outras questões próprias do início
da carreira. Basset e Lloyd (2001), ao fazerem uma revisão sobre as
pesquisas que envolvem estresse e burnout de terapeutas ocupacionais na
área de saúde mental, ressaltam que a probabilidade da vivência destas
situações tem aumentado. Como principais fatores para o estresse, os
autores indicam questões relacionadas à natureza dos clientes (cronicidade
da doença mental, dificuldades e demora de mudanças no estilo de vida),
às implicações do tratamento (longo período de tratamento em terapia
ocupacional, intensidade do investimento do terapeuta na aliança
terapêutica, expectativas mal ajustadas em relação aos clientes).
Em nosso trabalho, sentimentos de desânimo, medo de adoecer,
desvitalização, impotência, foram relatados pelas terapeutas ocupacionais
162
iniciantes e compartilhados também pelas profissionais mais experientes,
como sentimentos conhecidos. Nesta direção, diante do reconhecimento de
que ser terapeuta é estar exposto a vivências que podem produzir tais
sentimentos, o grupo voltou sua conversa para produzir entendimentos de
que o terapeuta precisa “colocar ser terapeuta entre parênteses” (Marisa,
quarto encontro do grupo), aprender a se olhar nas situações e, estando
nelas, refletir sobre como pode responder às demandas sem carregar o
peso todo em si (Cecília, décimo sétimo grupo).
Além das questões relacionadas à natureza dos clientes e do
tratamento em saúde mental, Basset e Lloyd (2001) identificaram pesquisas
que indicam outros fatores desencadeantes de estresse e burnout em
terapeutas ocupacionais no campo da saúde mental, como a falta de
recursos, de supervisão e treinamento, os poucos incentivos na carreira e
as dificuldades em definir sua identidade profissional. Mesmo terapeutas
ocupacionais mais experientes sentem-se acuados quando são solicitados a
definirem o que fazem como terapeutas ocupacionais.
Em nosso trabalho, este dilema também pareceu estar ligado a uma
tentativa de reconhecimento de especificidade da terapia ocupacional. O
grupo pareceu falar de uma insatisfação relacionada às percepções das
terapeutas de que outros profissionais, colegas de trabalho, embora
reconheçam a importância, têm dificuldades para entender seu raciocínio e
seu trabalho. Entretanto, talvez o outro lado desta mesma moeda possa ser
vislumbrado quanto elas próprias explicitam suas dificuldades para nomear
o que fazem, ter clareza conceitual, e transitar entre o que parece ser
solicitado a elas (terapeuta ocupacional faz atividade, atividade é material,
é produto) e suas compreensões de que o processo terapêutico é construído
na relação. Este não-saber abriu novas possibilidades de refletir sobre a
prática e construir sentidos sobre ela, possibilitando o trabalho grupal sobre
o outro pólo da tensão essencial, a assistência em terapia ocupacional, que
será tratada no próximo capítulo.
163
5 SOBRE A ASSISTÊNCIA EM TERAPIA OCUPACIONAL
“Havia mais generosidade do que eu fora
preparada. Eu vi pequenas ternuras ao invés de
intervenções [...]” (Cheryl Mattingly
28
)
“Eu não podia desconsiderar estas mulheres, ou a
feminilidade de suas preocupações com os
detalhes da vida cotidiana [...] Há uma certa
fluidez nesta prática, do ridículo ao sublime, do
trivial ao essencial [...]” (Cheryl Mattingly
29
)
Logo no primeiro diário, as terapeutas ocupacionais indicaram os
motivos pelos quais buscaram o Curso de Especialização em Terapia
Ocupacional da UNIFESP:
“[...] por acreditar que esta poderia me dar bases para a atuação em
outras áreas. Apesar da visão reducionista que o mundo cientifico faz
das especializações, tenho consciência que a minha escolha pela
especialização em Saúde Mental é o disparador de muitos outros
caminhos [...] o [...] como meio de reduzir, mas sim de adquirir
conhecimentos: uma boa base teórica e pratica, para ampliar e abrir
novos caminhos [...] acreditando que esta oferece uma atuação ampla
em diversos serviços e atuação.” (Luiza)
“Nessas aulas, ministrada pela S. T., me seduzia muito as concepções
que ela trazia de Homem, doença, sociedade e da própria atuação da
terapia ocupacional. Quando estava no último ano de graduação passei
pelo estágio obrigatório de Saúde Mental no CAPS adulto, o qual foi um
grande motivador para eu fazer a escolha dessa pós, aliada também com
a idéia que em qualquer problemática que eu fosse atuar, era
imprescindível antes, ter uma maior compreensão do método dinâmico,
o qual acredito ser o mais pertinente para a prática que me disponho a
realizar.” (Clarice)
“Termino a graduação sentindo-me ainda muito despreparada para uma
prática profissional independente de um processo de aprendizagem,
queria me aprofundar na prática da Terapia Ocupacional em Saúde
Mental, ter um espaço para pensar e estudar mais esta prática, e foi
assim minha escolha por fazer especialização. Dessa forma, pensando
na abrangência de programas e abordagens dentro da saúde mental
que poderia vivenciar, opto pela especialização da UNIFESP.” (Isadora)
“Logo no primeiro ano me envolvi em um projeto de um grupo
terapêutico para mães de pacientes atendidos pelo serviço de terapia
ocupacional. Fiquei dois anos neste projeto, e aí que fui descobrindo meu
interesse pela área de Saúde Mental e pelos adultos também! No último
ano da faculdade, fiz estágio em um CAPS e adorei. Era nisto que eu
gostaria de trabalhar! Neste estágio, uma de minhas supervisoras havia
feito especialização na UNIFESP, e foi ela quem me incentivou a fazer
também [...] Também tinha pouco conhecimento do Método de Terapia
Ocupacional Dinâmica, o que foi aprofundado neste ano.” (Marisa)
28
Mattingly (1998, p.22, tradução nossa)
29
Mattingly (1998, p.51, tradução nossa)
164
“Acabei ficando por lá, onde pude aprender muito, o tempo todo tendo
minhas professoras como ideais para a terapeuta na qual queria me
tornar. Todas elas foram fundamentais em minha vida e muito
responsáveis pelas escolhas que tenho feito. Durante a graduação,
sempre tive afinidade com as temáticas que envolviam, não a
psiquiatria, mas principalmente a saúde mental, com qualquer
população, as com questões físicas, neurológicas, sempre olhava muito
para a saúde mental. Nos estágios, gostei muito de estagiar com
Neurologia, com minha professora M. T., e em um CAPS Álcool e Drogas
com a supervisora A. P. B., que fez a especialização na UNIFESP. Nos
estágios, sempre me intrigava muito compreender o raciocínio clínico
que nhamos e principalmente essas duas pessoas e a S. T., traziam
inquietações que me incentivavam a pensar que a faculdade havia sido
somente um começo, muito inicial, e que dali por diante precisaria
enveredar a busca por novos e intensos caminhos. Não conseguia pensar
em me formar e ir para a clínica, sem estar amparada por estudos e
espaços para reflexão. Então, comecei a pensar em qual caminho
traçaria, pois não gostaria de começar com uma especialização que me
afunilasse muito a possibilidade de ampliação de populações e sabia que
gostaria de me aproximar mais da terapia ocupacional psicodinâmica.”
(Mariana)
“Nas disciplinas de Terapia Ocupacional em Saúde Mental, Reabilitação
Psicossocial, eu me aproximei de um jeito particular de olhar o sujeito e
de uma linguagem que muito me agradava. Os autores que tive
contato, em artigos e trabalhos, e a própria professora dessas
disciplinas, contribuíram muito para escolha da especialização na
Paulista [...] Também tive contato com algumas supervisoras, durante
os estágios, que fizeram especialização na UNIFESP e que além de
indicarem essa formação, tinham uma forma de trabalhar que eu
acreditava ser pelo percurso que fizeram e que eu gostaria de
experimentar.” (Fernanda)
Os motivos giraram em torno de melhorar o conhecimento teórico e
prático, o conceito ampliado de saúde mental da terapia ocupacional da
UNIFESP, o fato do curso oferecer oportunidades de aprendizagens em
diferentes serviços e programas e o referencial teórico da terapia
ocupacional psicodinâmica, do método dinâmico, ou do Método Terapia
Ocupacional Dinâmica. A aproximação deste referencial se deu tanto pelos
seus pressupostos já estudados na graduação, “um jeito particular de olhar
o sujeito”, de “concepções ... de Homem, doença, sociedade e da própria
atuação da terapia ocupacional”, como, e principalmente, pela experiência
vivida junto a terapeutas ocupacionais (professoras ou supervisoras) que
trabalhavam sob influência destes pressupostos.
O Método Terapia Ocupacional Dinâmica (MTOD) é fruto de mais de
trinta anos de investigação da prática clínica terapia ocupacional a partir de
elaborações de teorias da técnica feita por Benetton no CETO
(BENETTON, 1994, 2006). No início, as experimentações e elaborações
165
teóricas de Jô Benetton estiveram mais próximas do modelo médico
influenciado pelas teorias psicológicas, a partir das leituras de Wittkower,
Azima, Fidler, Tosquelles, Sivadon, entre outros. O abandono deste
referencial foi justificado pelo caráter funcional dado ao tratamento pelas
atividades, em que na falta ou defeito de alguma função, o tratamento
viria de uma ação reativa para desenvolvê-la.
Embora o caráter funcional tenha sido abandonado, o principal
referencial para estas construções, na década de 1980, veio da Psicanálise,
com o estudo da psicodinâmica do indivíduo. Uma metodologia
psicodinâmica para a Terapia Ocupacional foi sendo construída, nomeada
na época de terapia ocupacional psicodinâmica, compreendida como
processo de comunicação em que terapeuta e atividades podiam ser
usados pelo paciente como fenômenos afetivos, ora fazendo parte da
realidade interna, ora da realidade externa do indivíduo, como os
fenômenos transicionais de Winnicott.
havia uma compreensão de que o terapeuta ocupacional podia
manejar a transferência e a contratransferência, não como provocadas e
interpretadas pelo psicanalista, mas a transferência leiga ou positiva para a
instauração do afeto, como uma indicação sobre como se colocar em ação,
embora o conceito de maternagem, como organização da relação, ainda
fosse bastante presente. O objetivo da terapia ocupacional estava
localizado em promover uma integração do indivíduo consigo mesmo para
sua futura reinserção social (como se dizia na época). As atividades, agora
afastadas de seu caráter funcional, foram incorporadas como
instrumento de trabalho, sendo nomeadas de terceiro termo de uma
relação que acontece quando existe um terapeuta ocupacional e um sujeito
que apresente algum motivo para fazer terapia ocupacional.
Na medida em que suas investigações das teorias da técnica
avançaram, Benetton passou a privilegiar o estudo da relação triádica
como cleo central e estrutural da prática em terapia ocupacional. Deste
modo, ao dar importância à dinâmica do fazer no setting da terapia
ocupacional, e ao social, enquanto possibilidade de construção de cotidiano
mediada pelo fazer Atividades, houve um afastamento do pensamento
psicodinâmico “puro”. Embora não tenha havido o abandono da
compreensão da dinâmica psíquica do sujeito e de seu desenvolvimento,
dos aspectos psicológicos da relação e da compreensão de que a inclusão
166
social passa pela integração da pessoa consigo mesma mas estas
questões não se colocam mais importantes do que outras.
Com esta breve retrospectiva do desenvolvimento de alguns
aspectos do MTOD, encontrados principalmente em Benetton (2006), é
possível compreender que, ao longo destes trinta anos, uma metodologia
de assistência em terapia ocupacional foi sendo delineada, assumindo
diferentes nomes na medida em que o foco do trabalho estava situado na
psicodinâmica do individuo ou na dinâmica da relação triádica.
De qualquer modo, a escolha da maioria das terapeutas ocupacionais
participantes da pesquisa por este Curso de Especialização perpassou a
escolha por este modo de praticar terapia ocupacional. Esta influência vem,
inicialmente, da própria Benetton, como uma das professoras e
supervisoras do Curso de Especialização, até 1996 (informação verbal)
30
.
Muitas de suas construções foram realizadas na Escola Paulista de
Medicina, com a colaboração de outras terapeutas ocupacionais e das
alunas da especialização (BENETTON, 1994). Atualmente, as professoras e
supervisoras do curso ou tem a formação no CETO, em diferentes épocas,
ou são formadas pelo Curso de Especialização, embora nem todas utilizem
somente este referencial para a prática e para o ensino.
Deste modo, o referencial do MTOD se coloca como um dos
parâmetros para analisar e discutir a produção do grupo a respeito da
assistência em terapia ocupacional.
Um dos primeiros dilemas relacionados à prática de terapia
ocupacional apareceu logo no segundo grupo, disparado pelo exercício da
escrita narrativa nos diários reflexivos. Escrever a prática clínica de modo
narrativo implicou o afastamento da escrita biomédica dos relatórios,
praticada rotineiramente pelas terapeutas ocupacionais nos serviços.
Inicialmente, esta tensão foi sentida ao vislumbrar as possibilidades de ver
o que acontece na prática e perceber as dificuldades de transformar em
palavras o processo construído com os pacientes.
“... a padronização, uma linguagem que também é importante, mas o quanto
que a gente tem que prestar atenção para isso, para também não perder
outras coisas que são da nossa clínica e que [...] ao transformar isso numa
linguagem mais padronizada [...] a gente pode perder a essência [...] na
relação no processo terapêutico, [...]” (Tatiane, segundo encontro)
30
Informação fornecida por Jô Benetton, através de correio eletrônico datado de 30/01/2009.
167
“... que eu sinto muita dificuldade de [...] ver o que eu tenho feito com eles
[...] como que [...] eu transformo aquilo em palavras, ou nomeio [...] até [...]
melhor elaborado, [...] digo da minha prática, dos meus instrumentos [...]”
(Luiza, segundo encontro)
Mattingly (1998) ressalta as possibilidades da narrativa como uma via
para oferecer sentidos ao que aconteceu, desvelando singularidades,
sutilezas e ambigüidades ao olhar para as conexões e motivos das ações na
experiência vivida,
Profissionais da saúde
31
também podem ser capazes de dar
um tipo diferente de voz à prática quando eles descrevem sua
prática em termos narrativos ao invés da prosa insossa do
discurso biomédico (ibidem, p.14, tradução nossa).
Ao aprofundar-se na escrita narrativa, o grupo posicionou-se diante de
sua prática profissional, como um processo construído na relação entre os
sujeitos, que não dispõe de um roteiro pré-estabelecido (FERRARI, 1997).
“[...] da terapia ocupacional, [...] é uma coisa compartilhada, [...], o quanto a
gente realmente não tem algo pronto, [...], a gente vai construindo, [...]”
(Tatiane, oitavo encontro)
“[...] o processo de terapia ocupacional, ele também é tão construído, [...]”
(Mariana, nono encontro)
“[...] eu [...] li [...] o texto da Mattingly, [...] da natureza narrativa [...] do
raciocínio clínico, [...] que a gente tem esse [...] raciocínio narrativo para
pensar as nossas condutas com o paciente, de ver o contexto, de ir
construindo as histórias, [...] de [...] somando todo, para ir compondo [...] a
nossa relação com o paciente, [...] e a gente faz muito pouco isso [...] na
hora de pensar na nossa prática, [...] a gente acaba sendo muito mais
generalista [...]” (Marisa, nono encontro)
“[...] quando fala da singularidade daquele terapeuta, da história daquele
sujeito, dessa construção [...] se for outra pessoa é outra pessoa, é outra
história, [...] isso parece que me tranqüilizou [...]” (Mariana, nono encontro)
Entretanto, esta prática que é construída e compartilhada, que não
está centrada na doença, não encontra respaldo na assistência em saúde
calcada no modelo biomédico, não espaços para registrar estas ações,
elas não fazem parte dos procedimentos reembolsáveis pelos seguros de
saúde (MATTINGLY, ibidem). Esta característica também foi demarcada
pelas participantes do grupo.
31
Healers no original.
168
“[...] eu acho que o que eu acrescentei [...] muito os meus sentimentos que
no trabalho [de conclusão do estágio] não apareceu, era mais a questão da
descrição, e aqui eu acho que o que eu inclui muito foi a questão do que eu ia
sentindo, o que ia me mobilizando, [...] que eu achava que não cabia num
trabalho.” (Clarice, décimo segundo encontro)
“Mas interessante isso, [...] que na verdade, o que nos move também no
raciocínio clínico, na condução dos casos, é o que também a gente [...] sente,
como ressoa, [...] e como em alguns espaços a gente não vai se sentindo à
vontade mesmo de falar [...] sobre isso, mesmo sabendo que a gente está
num serviço de saúde mental [...] se a gente for chamar [...] alguns termos
de técnicos, a gente vai falar da transferência, a contratransferência, [...] e
[...] não é assim, a gente acaba não conseguindo [...] falar, como se fosse
algo [...]” (Tatiane, décimo segundo encontro)
Mattingly (1998) e Fleming e Mattingly (1994) discutem que a tensão
com o modelo biomédico é inerente à profissão Terapia Ocupacional, que,
ao longo de sua história, afastou-se de uma prática centrada na promoção
de ocupações para o equilíbrio das atividades de lazer, trabalho e descanso,
em uma vida desequilibrada pelo advento da doença, e se voltou para o
cuidado dos déficits, de seus impactos nas atividades de vida diária e
prática a partir de uma perspectiva de melhorar a funcionalidade
biomecânica ou cognitiva. Mattingly (ibidem) descreve como percebeu
claramente esta cisão, quando as terapeutas ocupacionais dividiam suas
sessões de atendimento em duas partes: a do “trabalho”, que envolvia o
cuidado dos déficits, e a do “não-trabalho”, caracterizada pela construção
do rapport, e da conversa rotineira sobre a vida (chit-chat), sem se
aprofundar muito em questões problemáticas, além de se sentirem erradas
ao abordarem a vida dos pacientes e acharem que estavam perdendo
tempo de tratamento. Estas questões não ficaram restritas às terapeutas
ocupacionais que trabalhavam com pacientes com ficits físicos e
neurológicos, mas também envolveram as que trabalhavam em settings
psiquiátricos, ao abordarem constantemente aspectos superficiais da vida
ao invés da exploração dos sentidos dos pacientes. Mesmo profissionais que
se importavam com a criação de experiências significativas, nas quais os
pacientes pudessem investir e transformar seu modo de se ver e de se
colocar em ação no mundo, ocultavam este aspecto do discurso público.
Além disso, a preocupação com a imagem profissional diante da
equipe de trabalho também foi um dos aspectos relevantes que evidenciou
esta cisão. O fato das terapeutas ocupacionais desejarem ser reconhecidas
como profissionais, com um trabalho técnico especializado, e sem invadir a
169
área dos colegas assistentes sociais e psicólogos, colocava os aspectos
fenomenológicos da prática na marginalidade, em um mundo subterrâneo.
Estes aspectos, embora fossem valorizados na comunidade profissional (a
prática centrada nas necessidades do cliente, habilidades de empatia, de
construir histórias significativas com os pacientes) não apareciam no
discurso público e, muitas vezes, nem na assistência.
Neste sentido, uma diferença marcante entre a prática investigada
por Mattingly (1998) e a prática investigada em nossa pesquisa. A tensão
encontrada aqui não parece ser da ordem da assistência, enquanto uma
tensão presente no raciocínio clínico das profissionais, mas da ordem da
política profissional, das relações de poder. Na assistência, as terapeutas
ocupacionais da nossa pesquisa estavam atentas aos aspectos que
poderiam provocar interrupções narrativas, e que as afastariam das
necessidades de seus pacientes. No oitavo grupo, isso pode ser visto ao
observar o intenso trabalho de Clarice de se manter focada no que estava
percebendo sobre as necessidades de sua paciente, em um processo que é
construído, em oposição às demandas da equipe, de que ela investisse em
uma atividade funcional de pintura com a boca.
“E o que aconteceu [...] esse residente virou para mim e falou [...] sobre a
possibilidade de começar uma atividade de pintura com a boca, [...] fiquei
super constrangida, [...] colocar uma atividade dessa, [...] é tirar toda a
possibilidade dela entrar em contato [...] alguém que começa a entrar em
contato [...] com essa nova condição. E as pessoas não agüentam poder
ver isso, [...]” (Clarice, oitavo encontro)
“[...] que é essa idéia que se faz da terapia ocupacional? [...] oferecer uma
atividade que vai estancar isso que tem que aparecer?” (Clarice, oitavo
encontro)
“[...] tem essa possibilidade que a terapia ocupacional que trabalha com
adaptação, [...] é como se magicamente se resolvessem todos os problemas,
[...]” (Mariana, oitavo encontro)
“[...] tem algo que é um pedido dele aí?” (Cecília, oitavo encontro)
“Ele pede que eu leve o gesso, que ele quer sim pintar e eu falo ‘como que
você está pretendendo fazer isso?’ Ele fala ‘eu quero que você pinte e eu vou
te dizendo como’.” (Clarice, oitavo encontro)
Entretanto, diante das relações de política profissional, a tensão com o
universo biomédico parece ganhar um novo matiz. As preocupações das
terapeutas ocupacionais desta pesquisa pareceram evidenciar o desejo de
reconhecimento deste trabalho fenomenológico pelo mundo biomédico, em
170
uma tentativa de se afastar do que Cecília nomeou de paradoxo da mágica,
aquilo que tem resultado, mas não é inteligível. Também ressaltaram o
quanto o exercício de investigar a prática através da escrita narrativa e de
compartilhá-las no grupo favoreceu a apropriação do raciocínio clínico e o
conseqüente diálogo com os colegas de equipe.
“Eu acho que tem todas essas particularidades, [...] que não é o que é tido
como o tradicional, o científico, o que é valido, o resultado que talvez a
sociedade espere, [...] alguém fala ‘nossa, a maleta
32
mágica, [...]’, [...]
parece que você abre a maleta, encanta todo mundo, porque eu acho que
também tem a dificuldade de entender como a coisa acontece, [...] tem muito
a ver com uma relação, [...]” (Mariana, oitavo encontro)
“[...] que não é isso, mas tem validade, mas tem importância” (Mariana,
oitavo encontro)
“Que é o paradoxo da gica, [...] o que é mágico é uma ilusão, não é, mas
tipo, faz parecer que é, é algo que você não entende o que está por traz, mas
que, [...] produz um resultado, [...]” (Cecília, oitavo encontro)
“[...] pensar muito na questão [...] do raciocínio clínico, [...] como é que a
gente passa para o outro aquilo que a gente esvivendo, o que a gente está
pensando, [...] eu vou ter que escrever para as pessoas poderem me
entender melhor?’” (Clarice, oitavo encontro)
“[...] eu até lembrei que numa supervisão [...] a gente estava falando [...]
que era difícil a gente conseguir explicar o nosso raciocínio [...] para os outros
profissionais, [...] como que a gente conseguia passar [...] a nossa avaliação,
[...] e [...] mais ainda o nosso processo na terapia ocupacional, [...] acho que
no diário [...] a gente treinava [...] isso de conseguir passar [...] a nossa
visão [...]” (Marisa, nono encontro)
“[...] quando a gente discute aqui [...] e no diário, as coisas ficam muito mais
claras, depois é muito mais fácil poder, [...], levar para [...] lugares onde
outros profissionais o compondo, poder levar o nosso raciocínio, [...]”
(Clarice, nono encontro)
“[...] sobre o raciocínio e da explicação e da legitimação dos procedimentos,
[...] que é reificado na pílula, [...] científico, o remédio que causa efeito, [...]
enquanto a gente está falando da ação do terapeuta junto ao paciente através
do que acontece, você tem que realmente usar e validar um outro caminho de
entendimento, porque não existe isso para justificar [...] isso que alguém
engole, [...]” (Cecília, nono encontro)
Nesta terapia ocupacional, os aspectos fenomenológicos da prática
abarcaram tanto a compreensão do mundo dos motivos, crenças e valores
dos pacientes e daqueles que se relacionam com eles
33
, bem como a
32
Maleta com materiais para fazer atividades.
33
Este é um dos pressupostos do diagnóstico situacional, mais detalhado no sexto capítulo deste trabalho,
que é um diagnóstico descritivo e interpretativo, não classificatório, que procura estabelecer conexões e
sentidos entre o que o sujeito pensa de si, o que pensam as pessoas que se relacionam com ele, como seu
171
construção do processo terapêutico, feito no improviso (MATTINGLY,
1998), a partir do que é vivido na relação entre terapeuta ocupacional,
paciente e Atividades (BENETTON, 2006). O que é costumeiramente levado
ao mundo subterrâneo, na prática descrita por Mattingly (1998) e por
Fleming e Mattingly (1994), é justamente o centro de toda a preocupação
destas terapeutas ocupacionais.
O grupo deu continuidade a esta discussão no cimo primeiro e no
décimo segundo encontros, quando combinamos que narrativas sobre a
prática seriam compartilhadas. Porém, a conversa pareceu ganhar uma
maior profundidade pois, quando a assistência em terapia ocupacional foi
posta diante do modelo biomédico, diante do que não é canônico em sua
prática, foi possível explicitar compreensões e crenças sobre o processo
terapêutico em terapia ocupacional e as particularidades desse processo no
contexto hospitalar.
Mas o que pode ser considerado canônico e não-canônico em terapia
ocupacional? Jerome Bruner (1997) sustenta que as ões dos seres
humanos são situadas em uma cultura, em uma matriz socialmente
construída sobre como deveriam ser as coisas (canonicidade), e que estes
significados culturais orientam e controlam os atos individuais. Quando se
está diante de acontecimentos esperados, neste sistema cultural, não
necessidade de explicações. Entretanto, diante de algo excepcional,
imprevisível (não-canonicidade), surge a necessidade humana de oferecer
explicações narrativas que consigam estabelecer conexões entre este
excepcional e o canônico, de modo que um sentido possa ser construído
para o sujeito – a sua interpretação, os seus motivos.
Ao observar os elementos que dispararam o processo reflexivo no
grupo (e também nos diários) podemos ter indicações do que foi
considerado excepcional, fora do usual, que demandou novas comprensões,
e que poderia oferecer indicações sobre a canonicidade de nossa prática.
Um primeiro elemento canônico pode ser encontrado na fala de Isadora, no
décimo primeiro grupo, quando ela explicita sua dificuldade em trabalhar
com um paciente em estado terminal, pois está acostumada com uma
terapia ocupacional que trabalha com projetos de vida.
cotidiano está organizado e sendo vivido, e o que a terapeuta ocupacional observa sobre sua situação
sócio-relacional e sobre sua relação com o fazer nos atendimentos (BENETTON, 1994, 2006)
172
“[...] a gente eso acostumada a fazer projetos de vida, construir projetos
junto com o paciente e na verdade, nesse caso, não tem como fazer projeto,
[...] um projeto de morte, como se fosse mesmo uma última atividade, [...]”
(Isadora, décimo primeiro encontro)
No décimo segundo encontro, ao conversar sobre os dilemas do
tempo de atendimento no hospital geral, aparece um outro elemento que
pode ser considerado canônico em um atendimento de terapia ocupacional,
pelo menos na saúde mental, que é um período de tratamento mais longo,
como o da clínica da psicose, da psiquiatria.
“É um tempo muito diferente do que a gente viveu na Psiquiatria.” (Clarice,
décimo segundo encontro)
“[...] o tempo na Interconsulta é bem diferente do tempo [...] da clínica na
psicose [...]” (Luiza, décimo segundo encontro)
“Ou do tempo que a gente esacostumada a ter em um atendimento que a
gente pensa [...] na terapia ocupacional.” (Clarice, décimo segundo encontro)
Uma outra indicação desta canonicidade pode ser observada quando,
no décimo quarto encontro, proponho que as participantes imaginem uma
terapeuta ocupacional atendendo. A descrição destas imaginações mostrou
o espaço comum
34
do trabalho do terapeuta ocupacional, a sala de
atendimento do Programa de Esquizofrenia (PROESQ), uma sala com mesa,
materiais e armários.
“[...] o básico [...] é o encontro.” (Marisa, décimo quarto encontro)
“[...] me veio a sala do PROESQ, [...] eram duas pessoas, uma sala.” (Marisa,
décimo quarto encontro)
“Com um monte de coisa ao redor.” (Fernanda, décimo quarto encontro)
“É, armários, materiais.” (Marisa, décimo quarto encontro)
Neste sentido, os principais elementos que engatilharam a conversa
sobre a terapia ocupacional desejada e praticada foram os aspectos não-
canônicos da prática em saúde mental: o espaço físico de trabalho, o tempo
de atendimento e a possibilidade iminente da morte no hospital geral.
34
Não utilizei o termo setting, pois seu conceito “deve ser entendido em sua dimensão subjetiva, pois não
se trata só do lugar do atendimento, a sala de terapia ocupacional, com seus materiais, atividades, a
terapeuta, o grupo, uma vez que podemos levá-lo para qualquer lugar desde que exista, no mínimo, uma
relação triádica” (FERRARI, 2005, p. 14, grifo da autora)
173
A discussão de narrativas sobre a prática das terapeutas
ocupacionais, Marisa e Clarice, no serviço de Interconsulta em Saúde
Mental, com pacientes portadores de ndrome da imunodeficiência
adquirida (AIDS) em estado terminal, disparou uma conversa sobre o
trabalho do terapeuta ocupacional neste contexto.
Mattingly (1998) pontua que o hospital possui dois espaços-tempo,
um deles é expresso no tempo do médico, rápido e eficiente; o outro, é o
espaço-tempo dos outros profissionais da saúde, que se movem mais
devagar e que passam mais tempo com os pacientes, muitas vezes em
situações informais. No hospital, os pacientes não têm controle sobre seu
tempo e são organizados para sofrer, esperar e para que tudo seja feito por
eles. Mariana, no décimo primeiro grupo, ressaltou esta questão.
“[...] eu acho que é um lugar que chama muito a atenção, [...] num tempo
[...] que não existe, que [...] é um vácuo [...] ele é a espera, ele é o nada,
[...]” (Mariana, décimo primeiro encontro)
O herói do primeiro espaço-tempo é o médico em sua batalha contra a
doença. Entretanto, o terapeuta ocupacional, que transita no segundo
espaço-tempo, demanda que os pacientes assumam um outro lugar no
hospital, e que se transformem de pacientes passivos em pacientes ativos.
Como coloca Mattingly (ibidem), é na aliança com o terapeuta ocupacional
que o paciente é designado como o herói narrativo, aquele que deve lutar
as batalhas.
As terapeutas ocupacionais da pesquisa ressaltaram que a terapia
ocupacional implica falar da vida, e que os pacientes se sentem mais vivos,
estabelecem outras relações, outros diálogos com os demais pacientes e
com a equipe em um discurso que o é o da doença. Ao oferecer
atividades, outro lugar é possibilitado: de quem é cuidado (doente) para
alguém mais ativo, que produz, que pode cuidar do outro, presentear o
outro. O vácuo que é a espera, é o nada, é preenchido pelas possibilidades
de construir algo, construir narrativas, mesmo que seja uma história que
esteja quase terminando.
“[...] você oferecer atividades, você oferecer um outro espaço, você oferecer
vida, que muitas vezes não tem dentro de um hospital é você oferecer um
outro papel também, você pode sair do papel de quem é cuidado, de quem
está o tempo inteiro como doente, para se tornar alguém mais ativo, que
174
produz, que pode cuidar do outro, que pode presentear o outro.” (Clarice,
décimo primeiro encontro)
“[...] e a hora que tem a possibilidade de construir algo [...] que remeta às
histórias, eu acho que você constrói narrativas mesmo com eles, [...] de
alguma forma, é a atividade e a relação com o terapeuta, acho que pudesse
trazer um pouco do lá fora, para aí você poder, [...] continuar alguma história,
mesmo que seja uma história que está quase terminando, que, [...] está
numa incerteza [...] fazer algo diferente, [...] é algo que os ajuda a se unirem
por um discurso que o seja o da doença, mas de ‘ah, você faz isso’, ‘ah,
você vem daí’ [...] e a equipe que entra e e [...] fala ‘nossa, mas você faz
isso?’ [...] ou então [...] ‘nossa, quando vocês estão aí é mais fácil pegar
acesso
35
’, [...] acho que isso da dor, [...] não que não tenha a dor, mas acho
que é uma dor diferente, parece que, talvez não seja tão sozinho, [...]”
(Mariana, décimo primeiro encontro)
Neste lugar, os pacientes se encontram afastados de sua vida
cotidiana, e esta separação é institucionalmente marcada e aumentada pelo
universo não-comum da clínica em que eles se encontram confinados
(MATTINGLY, 1998). O terapeuta ocupacional, ao estar atento às
habilidades, aos projetos, às atividades, quando se coloca diante de
pacientes para os quais a morte é eminente, tem menor possibilidade de se
distanciar deles enquanto pessoas, com histórias de vida e projetos que vão
ficar inacabados. Neste sentido, as atividades, que personificam os
pacientes, parecem imprimir outras possibilidades relacionais dentro do
hospital, em oposição à despersonalização imposta pelo cuidado da doença.
“[...] a morte estava o tempo todo, [...] ao mesmo tempo as internações
longas, [...] e os grupos, [...] eram onde as pessoas de fato se conheciam de
uma outra forma, [...] não era o leito tal, [...] tinha uma coisa [...] de poder
contar, [...] da vida, [...] do que tinha acontecido até então, [...] de
apresentar a família, o que gostava, o queo, [...]” (Tatiane, décimo
primeiro encontro)
“Que talvez a gente, pela maneira como a gente aborda [...] os nossos
pacientes, [...] não dá para o provocar esse tipo de ação.” (Cecília, décimo
primeiro encontro)
“[...] e que muitos profissionais, [...] evitam isso porque o que é que você faz
quando você conhece mais uma pessoa que você sabe que vai morrer dali a
pouco? Quer dizer, esse distanciamento em manter com o transplantado, ou
isso ou aquilo, ele é defensivo, claro, [...] você não entra tanto em contato
com aquela pessoa, com a vida dela, com os projetos dela que serão
interrompidos, [...] e a terapeuta ocupacional não tem alternativa, [...]
(Tatiane, décimo primeiro encontro)
“[...] que fala da vida, que fala das habilidades, que fala das atividades, [...]”
(Tatiane, décimo primeiro encontro)
35
Acesso aos vasos sanguíneos.
175
“[...] acho que é uma equipe que passa muitos apuros, [...] uma carga de
sofrimento muito grande [...] e o quanto que quando tinha uma produção,
porque eu acho que também é diferente [...] de ir para uma conversa [...]
aquele material fica e aquele material circula, [...] então a equipe que entra à
tarde, e pergunta ‘mas quem, fez com quem, fez onde?’, então isso parece
que vai dando uma outra vida também, vai tendo uma circulação.” (Mariana,
décimo primeiro encontro)
“E que não é só naquele tempo, parece que se perdura mais um pouco, [...]
muito interessante a atividade [...] a gente pode ir [...] construindo, [...] nas
Enfermarias, no Hospital Geral [...] não tem um setting, [...] é tudo muito
flexível [...] é muito criado, [...] é tão potente por isso mesmo [...]” (Mariana,
décimo primeiro encontro)
“[...] eu tive uma situação [...] de um rapaz também terminal [...] e que tinha
tido um bebê, [...] e o bebê não podia entrar [...] e tinha toda essa questão
que ele queria conhecer o filho [...] e ele levou isso para o grupo e o grupo foi
se mobilizando para pensar na forma que ele podia fazer isso e ele fez um
porta-retrato, [...] a esposa [...] foi lá e a gente convidou ela para participar,
então a idéia é que ela tirasse uma foto, [...] e levasse para ele, [...] e aquela
foto andava, [...] as pessoas foram conhecendo, [...] era só ‘eu vou morrer
sem conhecer meu filho, eu vou morrer sem conhecer meu filho’, [...] um
jeito muito concreto, mas que depois ele andava com o porta-retrato
apresentando para as pessoas [...] enfim, nós mobilizamos o hospital inteiro e
[...] no final de semana conseguimos, o bebê veio, nesse dia ele faleceu, e o
porta-retrato ela quis deixar na Enfermaria [...]” (Tatiane, décimo primeiro
encontro)
Este trabalho no hospital parece exigir uma desconstrução do que é
habitual para a construção de algo novo, de novas possibilidades de criação.
“[...] é um fragmento que remete não ao caso, mas aos procedimentos da
terapia ocupacional nessa clínica, então, me vieram rias situações que eu
vivi quando eu estava na Interconsulta [...] eu comecei o serviço da
Hematologia, [...] era uma grande novidade e foi uma grande aprendizagem,
e não tinha muita regra, [...] a gente vai fazendo também pelo que a gente
vai sentindo na relação [...]. Foi difícil pra mim, porque era assim como se eu
tivesse que desconstruir algo pra construir outra coisa, [...]” (Tatiane, décimo
primeiro encontro)
“[...] interessante o quanto casos da Interconsulta tão aparecendo aqui no
grupo, [...] por causa dessa clínica que é tão diferente, [...] desse setting que
é diferente, [...] desse trabalho [...] que é diferente, [...]” (Marisa, décimo
segundo encontro)
“Mas eu acho que essa clínica diferenciada, [...] nova e acho que possibilita a
gente ter mais liberdade para experimentar e arriscar mais, [...]” (Luiza,
décimo segundo encontro)
Entretanto, ao mesmo tempo em que o contexto hospitalar parece
oferecer muitas possibilidades de criação, também é sentido por elas como
se ali não fosse seu lugar, e o discurso público destas ações nem sempre é
fácil e está conquistado.
176
“[...] agora eu acho que é difícil a gente também se apropriar de que a gente
pode fazer isso, [...] eu nem contava muito esse caso porque eu ficava
achando que a gente tinha contribuído praquilo, mas assim foi um processo
super bonito que assim ele morreu no dia que a esposa entrou na Enfermaria,
[..] o filho esaqui [...] horas depois ele faleceu.” (Tatiane, décimo primeiro
encontro)
“Mas eu acho que cai na mesma coisa, do mesmo jeito que não se falar muito
de morte, falar sobre um procedimento, alguma técnica que trabalhar isso
é muito difícil ainda.” (Tatiane, décimo primeiro encontro)
“Eu imagino que gere polêmica, que gere mal estar.” (Cecília, décimo primeiro
encontro)
“Na Hematologia principalmente, porque [...] o tempo todo o que está em
jogo é a questão da infecção, [...] isso é muito difícil, [...] mesmo nos
materiais, nas coisas, [...] às vezes parece até que você está fazendo uma
coisa errada, [...]” (Mariana, décimo primeiro encontro)
Mattingly (1998) compreende a terapia ocupacional como o “ritual do
cotidiano” atuado no mundo não-cotidiano da clínica. Nesta direção, as
terapeutas ocupacionais desta pesquisa ressaltaram o quanto este universo
de doenças, assepsias, sondas, macas no qual o são conhecidas, se
coloca como uma tensão, que não paralisa seu trabalho, mas que se faz
presente em seu raciocínio.
“[...] a gente chega no hospital [...] a gente não está acostumada, as
pessoas não estão acostumadas com a gente, e você chega com a maleta,
você o sabe onde você põe, onde você encosta, vai fazer grupo onde?”
(Mariana, décimo primeiro encontro)
“‘Que é que vocês levam nessa maleta’, [...]?” (Luiza, décimo primeiro
encontro)
“Não tem mesa, não tem [...]” (Mariana. Décimo primeiro encontro)
“[...] pega aquele negócio de comer.” (Luiza, décimo primeiro encontro)
“[...] eu acho que o raciocínio clínico é o mesmo [...] os instrumentos são os
mesmos, mas [...] o espaço físico é outro, as questões daquele espaço são
outras, [...] aquele não é um espaço, [...] propriamente da Terapia
Ocupacional, que ali é o quarto de um paciente que está internado, toda hora
entra uma enfermeira e faz procedimentos, aquele lençol branco, [...] vai
mexer, pode mexer a mão?’ [...]” (Mariana, décimo primeiro encontro)
“[...] de repente ela ficou muito mal e [...] um dia eu cheguei, ela o podia
sair da cama, e foi o rápido [...] que na outra semana quando eu voltei ela
não podia mais ter contato, era isolamento de contato, e eu não sabia o que
eu fazia, porque falavam ‘olha, o entra com material, ela está com uma
infecção muito grave’ [...] e eu coloquei luva, [...] avental, entrei como um
robozinho, [...] e eu ficava desesperada, [...] ‘que é que eu vou fazer?’ [...]”
(Luiza, décimo primeiro encontro)
177
“[...] é uma tensão diferente [...] não é que vai impedir o seu raciocínio mas
[...] vai ser algo a mais que você vai ter que pensar, [...]” (Mariana, décimo
primeiro encontro)
“[...] ia atender uma paciente e, [...] ela tinha Lupus e eu nem sabia o que é
que era [...] como que eu vou guiar, [...] o que eu estou dizendo para ela se
eu também não sei se ela vai morrer amanhã, [...] são coisas que fogem mais
do nosso domínio, [...]” (Marisa, décimo primeiro encontro)
Uma outra tensão vivida na assistência de terapia ocupacional no
ambiente hospitalar foi o tempo cronológico, imposto pela internação ou
pelo desenvolvimento da doença, em contraposição ao tempo narrativo da
criação de histórias com os pacientes, do processo terapêutico. Para
Mattingly (1998), o tempo terapêutico é um tempo narrativo, caracterizado
pela vivacidade dos eventos e por sua contribuição para a trama que está
sendo criada; cuja centralidade está no ator, e não na doença e no seu
tempo físico; governado pelo desejo de que certos fins aconteçam e não por
qualquer trivialidade; é um tempo de transformação; em que nada é
garantido; em que há incertezas sobre o que vai acontecer.
“E o que é que é o processo também nessa clínica, não é? O que é que é o
tempo, o que é que é o processo?” (Clarice, décimo segundo encontro)
“Mas acho que é o tempo.” (Luiza, décimo segundo encontro)
“[...] e como a gente vai poder intervir com [...]” (Tatiane, décimo segundo
encontro)
“Com este tempo.” (Taís, décimo segundo encontro)
No embate com o tempo cronológico, as terapeutas ocupacionais
contaram sobre seu trabalho de construir narrativas com os pacientes que,
nas palavras de Mattingly (1998), pudessem lhes oferecer possibilidades de
encontrar algo desejável para o futuro. As diferentes tramas compartilhadas
puderam revelar um estilo altamente improvisado de trabalho, de
procedimentos que podem ser infinitos (BENETTON, 1994), quando
centrados nos sujeitos. Neste processo, rios procedimentos utilizados por
elas puderam ser nomeados, como a possibilidade de escolher fazer
atividades menores para lidar com o tempo que se tem de vida; de oferecer
possibilidades de viver e de construir alguma história que faça sentido ainda
que a morte esteja eminente ou justamente por esse motivo, história que
pode ser narrada pelas atividades realizadas com a terapeuta; de despedir-
178
se pelas atividades feitas com a terapeuta ocupacional; de usar o corpo da
terapeuta para continuar em atividade.
“[...] é a primeira vez que ela fala de morrer, nunca tinha isso, era sempre no
planejamento das atividades, um pedido sempre de fazer coisas para os
outros, [...] ela mesma [...] vai diminuindo, [...] antes ela fazia projetos
maiores, agora ela pede para eu fazer a unha dela, [...] pergunta essa
semana se tem pecinhas pequenas de madeira, quer fazer coisas pequenas,
[...]” (Isadora, décimo primeiro encontro)
“[...] quando ela escolhe as peças pequenas, [...] pintar a unha, é o aqui e
agora [...] de poder pensar [...] o quanto a gente [...] não tem tudo pronto
mas o quanto [...] a gente vai conseguindo, [...] estabelecer sentido, [...]
para o que a gente vai fazendo, [...]” (Tatiane, décimo primeiro encontro)
“[...] porque tinha toda essa questão de o tempo todo [...] não querer mais
tentar, o querer mais viver, o querer falar com ninguém, [...] era de um
jeito muito hostil, [...] que na terapia ocupacional em alguns momentos
tinham [...] uns relâmpagos de vida, [...] se eu saía e largava a maleta lá com
uma atividade começada, quando eu voltava, ela estava em cima [...]”
(Mariana, décimo primeiro encontro)
“[...] quando o pessoal fala do tempo [...] eu fui visualizando que a atividade
vai demarcando muito [...] me veio [...] a imagem da piora dela marcada
muito com a atividade.” (Clarice, décimo segundo encontro)
“[...] o quadro parou num tal momento que ele o tinha mais forças para
fazer, aí a escrita parou num tal momento porque ele não tinha mais
condições de continuar, porque ele entrou em coma, [...] a atividade vai
demarcando muito a vivência da piora.” (Clarice, décimo segundo encontro)
“Eu me lembrei de um caso que a Fernanda atendeu, [...] uma paciente que
vira e mexe ficava com baixa de plaquetas, [...] e [...] não pode [...] fazer
nenhum esforço, e essa paciente, [...] ela fazia muito isso [...] de controlar o
tempo e ‘então eu quero aquela pequena porque eu vou terminar hoje, eu
quero fazer agora, hoje’ e quando não dava mesmo assim ela queria fazer,
então a Fernanda ia fazendo e ela dizendo, [...] pelas mãos da Fernanda ela
falava ‘agora eu vou colocar a rosa, agora eu vou colocar a transparente’ e
[...] foi tão bonito, [...]” (Mariana, décimo primeiro encontro)
“[...] a Ana Paula Mastropietro, [...] uma das coisas que ela mais conta dos
atendimentos de terapia ocupacional [...] é da possibilidade dos pacientes se
despedirem [...] ela entende essa despedida como uma Atividade, então eles
fazem e aquela produção é uma maneira de poder se despedir das pessoas
que gostam, que cuidaram, [...] isso eu estou fazendo para dar para tal
pessoa’.” (Taís, décimo primeiro encontro)
No décimo primeiro grupo, Cecília chamou a atenção para a
possibilidade de ver este trabalho como um ritual de passagem.
“Mas é isso que eu estou dizendo, que talvez a gente careça de linguagem
para falar do que seriam rituais, [...]” (Cecília, décimo primeiro encontro)
“Olha que ritual, [...] isso pode se tornar um ritual [...] e um ritual que
acolhe, que significa [...], que contextualiza, que conforta, [...] que do meu
179
ponto de vista libera a pessoa dessa solidão. Eu acho que [...] é muito bonito
isso que você está trazendo, estou enxergando a possibilidade, [...]”
(Cecília, décimo primeiro encontro)
Mattingly (1998) também identificou aspectos da terapia ocupacional
que se assemelham ao ritual de cura, principalmente a possibilidade de
transformação através de uma jornada. Entretanto, ressaltou o quanto esta
jornada está inserida em um universo que transita entre o técnico e o
simbólico, em que as ações dos terapeutas não invocam o sagrado, ao
contrário, incluem o cotidiano e são construídas no improviso, no suspense
de não conhecer o próximo passo, pois ele depende da leitura da resposta
do outro, dos sentidos que parecem estar sendo construídos.
Nestes dois encontros, o grupo compartilhou muitas experiências
sobre a prática e um senso do que se acredita ser o processo terapêutico
em terapia ocupacional parece ter sido construído. Diante dessa construção,
o grupo parece ter dado um passo importante na direção de começar a
pensar conceitualmente esse processo, e não somente compartilhar as
descrições de seu trabalho.
“[...] os três casos que eu tenho atendido me inquietam muito nesse sentido,
[...] eu o estava nem conseguindo nomear muita coisa, quando você
devolve, eu acho que para começar a discriminar um pouco o que é que
acontece, [...] tem a ver com o raciocínio clínico, [...] tem algumas coisas que
talvez sejam comuns, a gente vai tendo as mesmas [...] disciplinas, passando
pelos mesmos estágios, a gente vai descobrindo [...] uma singularidade do
nosso trabalho [...] de como você pensa a terapia ocupacional, de como você
pensa a atividade, de como você pensa o processo [...] de qual é o seu tempo
[...] porque é isso, você está entrando numa relação [...] ‘bom, então
apresentar a atividade, apresentar o material, e eu me pego em questões
assim ‘mas o que é a atividade, mas o que é o material?’ Ou o que é que a
gente chama de atividade, não é? [...] eu tenho me pegado [...] nessas
questões, [...] eu estou muito em conflito [...]” (Mariana, décimo quarto
encontro)
Esta preocupação de compreender o que acontece na relação triádica
e a possibilidade de nomear estes fenômenos foram alvos da reflexão das
terapeutas ocupacionais desde o início, mas somente após compartilharem
experiências e reflexões sobre suas práticas, é que elas parecem ter
conseguido trazer explicitamente este dilema.
Logo no primeiro diário, muitas delas explicitaram o desejo de
compreender melhor o instrumento Atividades.
180
“São muitos os momentos em que questiono minhas intervenções e
ausência delas, o uso das atividades, o trabalho em equipe e em co-
terapia.” (Fernanda, primeiro diário)
“Quero também prestar mais atenção na prática e fundamento da
Terapia Ocupacional a partir do uso da atividade, ...” (Luiza, grifo da
autora, primeiro diário)
“... compreender melhor os instrumentos que minha profissão me
oferece, ...” (Mariana, primeiro diário)
“Um aspecto que para mim ainda vem sendo pensado é o uso da
atividade, como a entendemos, o que para s é atividade, para quem
ela faz sentido, valorizamos a atividade como nosso instrumento, nos
apropriando dele, ampliamos esse conceito de atividade para as ações
humanas? Venho estudado e me aprofundado nessas questões, e ao
mesmo tempo em que considero uma grande conquista, vejo como uma
dificuldade pela pouca produção que temos e pelo modo que ainda
vemos nosso instrumento de trabalho.” (Isadora, primeiro diário)
O uso das atividades é alvo de questionamento, demanda prestar
mais atenção, clama por compreender para quem ele produz sentido.
Entretanto, este não foi o primeiro termo da relação triádica eleito para a
discussão do grupo, mas sim a relação terapêutica, a partir de uma
conversa, no sexto grupo, sobre o manejo do campo transferencial. Este
tema vinha sendo trabalho por Mariana em seu diário, e para organizar a
conversa do grupo, Tatiane Ceccato, uma das colaboradoras, ofereceu um
texto seu, em que ela apresenta uma discussão teórica e um caso
36
. Para
esta discussão, também sugeri a leitura de um dos capítulos do livro Trilhas
Associativas, de Jô Benetton
37
.
Primeiramente, o grupo procurou diferenciar o manejo do campo
transferencial pelo terapeuta ocupacional do manejo do psicanalista, e as
participantes falaram das atividades como um elemento que interfere nesta
relação. Apresentaram o desejo de saber como isso se coloca na prática e a
discussão transitou em um campo mais conceitual, e as participantes pouco
falaram de como esta questão se apresenta em seus dilemas práticos.
“[...] a gente vai buscar muito esses conceitos [...] na psicanálise [...] e [...] o
manejo é muito diferente e isso vai me dando um certo incômodo [...]”
(Mariana, sexto encontro)
36
CECATTO, Tatiane Luize. O manejo da transferência na terapia ocupacional. Texto apresentado
para a conclusão do curso Clínica Psicanalítica: Conflito e Sintoma, do Instituto Sedes Sapientiae, São
Paulo, 2002.
37
BENETTON, Jô. Uma terapeuta muito ativa. In: Trilhas Associativas: ampliando subsídios
metodológicos à clínica da terapia ocupacional. Campinas: Arte Brasil Editora / Unisalesiano Centro
Universitário Católico Auxilium, 2006, p. 101-103.
181
“[...] não é uma relação dual, [...], a gente fala de uma relação triádica e aí
eu fico pensando que então tem outros instrumentos, [...] tem outras coisas
que acontecem que intermedeiam muito a relação que eu acho que
perpassam essas transferências, contratransferências, então o sei se
para a gente ter o mesmo raciocínio que talvez você tivesse numa outra
abordagem, numa outra especialidade [...]” (Mariana, sexto encontro)
“[...] acho que eu entendo a questão como é que a gente usa isso, não
como a gente percebe, mas como que a gente faz e com quê instrumento.”
(Fernanda, sexto encontro)
A partir do texto de Tatiane, as participantes do grupo procuraram
estabelecer relações entre a prática descrita e os conceitos, valorizando a
ação da terapeuta ocupacional de guiar o processo terapêutico pelo que ela
sentia na relação com a paciente, de suas ações se voltarem para instaurar
uma nova relação, e da possibilidade das atividades oferecerem uma
abertura e demarcarem as possibilidades dessa nova relação.
“[...] é muito confortante [...] ler o caso, acho que ver toda essa dificuldade e
saber que é possível suportar e intervir, [...] qual que é o manejo, [...] a
sensação às vezes é muito [...] de um total desânimo em situações difíceis
[...] não que dê vontade de desistir [...] mas eu acho que é muito difícil, [...]”
(Fernanda, sexto encontro)
“No que ela sentia, ...” (Mariana, sexto encontro)
“[...] de perceber isso, e de poder associar, é difícil, com a história [...] para
você poder associar e pensar num caminho, para você ter um pouco claro o
porquê das suas intervenções, o porquê das atitudes daquela paciente, mas
de poder perceber isso e não simplesmente ficar afetada e paralisada com
aquilo, [...]” (Fernanda, sexto encontro)
“[...] parece que ela vai usando a para quebrar um ciclo, [...] e ela vai
fazendo intervenções que parece que ela vai ajudando [...] uma construção,
ela vai possibilitando que as coisas continuem acontecendo [...]” (Mariana,
sexto encontro)
“E acho que essa questão [...] de poder olhar praquilo concretamente [...] e
ver uma história que pôde ser construída e que não é falada, [...], ‘então,
lembra quando a gente fez, então, olha, lembra você fez’, principalmente por
ser uma paciente super grave [...] acho que para ela foi muito importante
poder ver [...] poder olhar para uma outra coisa [...] que fosse dela, mas de
um outro jeito.” (Mariana, sexto encontro)
Entretanto, quando tentei iniciar uma discussão que procurasse
estabelecer relações entre o manejo da relação e o manejo das Atividades
não houve ressonância no grupo, a conversa não teve sua continuidade
neste momento.
“[...] essa idéia da atividade, [...] ela está na relação. [...] se ela está na
relação, então, [...], isso ... produz um formato na minha cabeça, eu não vou
182
pegar e fazer uma análise anterior [...] que [...] vai estimular isso, isso, isso
[...]” (Taís, sexto encontro)
“Isso não vai me satisfazer.” (Cecília, sexto encontro)
“[...] entender o manejo das atividades, mas o que é que é manejo das
atividades? É o manejo das atividades ou é o manejo da relação?” (Taís, sexto
encontro)
Esta questão permaneceu intocada até que no décimo quarto grupo,
depois de todo o trabalho grupal acerca do processo terapêutico em terapia
ocupacional, Mariana pode trazer à tona dilemas mais conceituais da
prática. Isto parece ter aberto uma nova etapa da produção no grupo, ao
possibilitar uma conversa sobre questões consideradas tabus, segredos, que
não se falam em lugar algum, que ‘elas deveriam saber’, que geram
crises.
A discussão sobre o uso de atividades retornou ao grupo. Em um
primeiro momento, a tentativa foi de encontrar a especificidade do trabalho
do terapeuta ocupacional pelo questionamento de situações cotidianas
vividas na prática, como quando se depararam com outros profissionais que
também fazem uso de atividades em seu trabalho; pela maneira como
outros profissionais compreendem a prática do terapeuta ocupacional e pela
cobrança pelo produto das atividades feitas pelos pacientes, principalmente
nas supervisões do Ambulatório de Crise
38
; quando os pacientes que pedem
materiais para fazerem atividades fora do horário dos atendimentos de
terapia ocupacional.
“[...] eu me pego em questões assim ‘mas o que é a atividade, mas o que é o
material?’ Ou ‘o que é que a gente chama de atividade, [...]? Atividade é o
material?’ [...] eu estou muito em conflito [...] se eu acredito [...] nesse
raciocínio clínico que é o tempo todo proposto e cobrado, [...] e como que eu
de alguma forma negocio isso, como que eu minimamente cuido de quem está
ali, [...] vou pensando com relação às diferenças de gênero, [...] homem e
mulher, [...] será que [...] vão ser vividas da mesma forma [...], pelos
mesmos materiais, pelas mesmas propostas, pela mesma forma de
apresentação, de convite a fazer algo juntos, [...] da própria dinâmica da
pessoa, [...] que é que ela entende por fazer junto, [...]” (Mariana, décimo
quarto encontro)
“[...] eu me identifiquei com uma questão [...] que é uma coisa que eu tenho
penado muito, [...] eu não tive uma faculdade [...] que falasse [...] a
atividade, [...] quando eu cheguei aqui [...] eu falei ‘nossa, acho que é isso
38
Neste momento, o Ambulatório de Crise estava passando por muitas alterações em seu modo de
funcionamento, de equipe, e do tipo de clientela atendida, e estava sem uma terapeuta ocupacional
supervisora. As participantes do grupo falaram em vários momentos de terem que levar a atividade feita
pelo paciente para a supervisão, e de ter que lidar com o que percebiam como uma distorção dos outros
profissionais em relação ao seu trabalho.
183
que eu tenho que usar, não é?’ que quando você pega aqueles pacientes
que [...] você oferece e não sei se é porque não discordam muito, [...] e eles
vão e escolhem alguma coisa [...] está tudo tranqüilo, [...] e esses
pacientes que você não consegue entrar [...] com o material e fica sempre
aquela ‘[...] e o material, e o material?’” (Luiza, décimo quarto encontro)
“Acho que a minha crise é isso, agora que caiu a ficha, que eu vim de um
contexto completamente diferente, acho que foi muito diferente estar aqui,
ver essa clínica mesmo, eu acho que eu não estava acostumada com a clínica,
[...]” (Luiza, décimo quarto encontro)
“[...] acho que é [...] minha crise, [...] da terapeuta ocupacional.” (Marisa,
décimo quarto encontro)
“[...] a minha crise [...] é pensar isso [...] o que é que é o diferencial, porque
eu acho que se fala muito [...] que é o diferencial é a atividade, e dtem
essa diferença de atividade e material, e que às vezes as pessoas confundem
achando que então o diferencial da terapia ocupacional é trabalhar com o
material [...] sei lá, não sei [...]” (Marisa, décimo quarto encontro)
“[...] para mim o faz tanto sentido dizer que [...] o diferencial da terapia
ocupacional é a atividade, [...] porque se for falar então que [...] quando a
gente fala [...] a gente está fazendo atividade, então o psicólogo também está
fazendo atividade [...] eu acho mesmo que o diferencial é o olhar, é o objetivo
que a gente está trabalhando [...] e daí a gente pode usar os recursos que a
gente quiser, [...]” (Marisa, décimo quarto encontro)
“Eu acho que é a ação, [...]” (Luiza, décimo quarto encontro)
“Mas é, é muito difícil [...] definir.” (Marisa, décimo quarto encontro)
“[...] o nosso corpo também é, de certa forma, um instrumento, [...]” (Luiza,
décimo quarto encontro)
“Tem a maior questão na Enfermaria que é parecida com isso. [...] a
paciente falou com todas as palavras que a gente tem que deixar os materiais
para os pacientes fazerem atividade, fazerem terapia ocupacional.(Luiza,
décimo quarto encontro)
“[...] é realmente um conflito que pega muito na gente, porque [...] eu
entendo que o meu instrumento de trabalho é a atividade, então, é muito
complicado falar que eu não sei nomear, eu não sei conceituar, eu não sei
como eu uso, é difícil, eu acho que escrever um caso é difícil por isso, tem
coisas que eu falo [..] propus, mas não consigo pensar de onde veio’, [...] E
na Enfermaria a gente começa a discutir e eu falo assim não, mas tem uma
função ela ficar com o material, porque com o material ela é saudável, é o
único momento saudável quando ela esfazendo crochê’, [...] que eu
não estou lá com ela na atividade.” (Fernanda, décimo quarto encontro)
“Então, é terapia ocupacional.” (Luiza, décimo quarto encontro)
“É? Daí [...] ela traz o entendimento dela, porque ela leva para o grupo que
todo mundo tem que fazer terapia ocupacional, [...]” (Fernanda, décimo
quarto encontro)
A busca pela especificidade da profissão, geradora de conflitos, voltou-
se para a dificuldade de conceituar o instrumento de trabalho. Diante deste
184
dilema, as profissionais mais experientes pareceram tentar lançar novos
olhares para a questão, em uma tentativa de clarear a compreensão e
procurar nomear onde estava o problema. As idéias que foram lançadas
para o grupo giraram em torno de ponderar o quanto, embora terapeuta e
paciente precisem se ver na mesma história, cada um possui uma
perspectiva diferente do que está acontecendo (MATTINGLY, 1998), e
constrói sentidos diferentes sobre o que é vivido, e deste modo o paciente
pode nomear de terapêutico aquilo que ele assim considerar.
“Mas será que ela não está falando do que acontece na terapia que é
terapêutico, [...]” (Cecília, décimo quarto encontro)
“[...] que é terapêutico para ela, a gente percebe, tem uma coisa saudável
que para ela é ficar com todos os materiais, mas [...] isso o é a terapia.”
(Luiza, décimo quarto encontro)
“Entretanto, se ela quiser chamar de terapia ela vai chamar.” (Cecília, décimo
quarto encontro)
“A quem isso incomoda?” (Taís, décimo quarto encontro)
“À terapeuta.” (Fernanda, décimo quarto encontro)
“[...] em relação a como é que ele legitima, como ele pode legitimar uma
proposta sua dentro de uma forma de entender que faça sentido, é com
código que faz sentido [...]” (Cecília, décimo quarto encontro)
Uma outra tentativa de clarear alguns aspectos da discussão, foi lançar
luz sobre o sujeito que precisa entrar em atividade, ser protagonista de sua
história, em contraponto a ele escolher uma atividade como algo externo à
relação e à ação do terapeuta. Mesmo uma conversa como uma atividade
do terapeuta ocupacional e do paciente provavelmente estará voltada para
auxiliar o paciente a “se mover nas suas ações, nos seus projetos, nas suas
atividades” (Cecília).
“[...] eu acho que tem uma coisa muito forte de atividade relacionada a
produto material, de que o paciente é quem escolhe o que ele faz [...] e de
que se ele não faz uma atividade isso é um dilema, uma atividade enquanto
um produto material [...] a minha pergunta é [...] se o que ele escolhe fazer
[...] o que é que isso significa em relação à possibilidade do seu trabalho com
ele, [...] se ele pode escolher qualquer coisa, mesmo que com essa escolha
ele possa se manter no mesmo lugar, imutável, se a atividade também pode
entrar nesse lugar, por que de repente ele está fazendo um produto, mas isso
pode significar que ele fique absolutamente no mesmo lugar [...] fica muito
nesse dilema da atividade enquanto algo que é externo [...] à tua ão [...]
enquanto terapeuta, [...]” (Taís, décimo quarto encontro)
185
“[...] qual é a tua ão [...] para fazer com que aquilo [...] possa se tornar
uma experiência significativa, possa ter um lugar, [...] como é que é você
ajudar o outro a se colocar em ação? [...] numa ação que tenha esse caráter
de possibilitar que o novo apareça, [...]” (Taís, décimo quarto encontro)
“[...] a linguagem de uma atividade compartilhada [...] a maioria das pessoas
que trabalha com o registro da terapia diferente da nossa [...] não usa a
linguagem como atividade [...] na medida em que a gente trabalha com esse
registro, isso nos permite, mesmo quando estamos com um paciente [...]
numa atividade de conversar, nos permite ter uma aproximação para aquilo
que está sendo dito que é [...] o que amarra com a realidade, que projeta
uma ação.” (Cecília, décimo quarto encontro)
“[...] auxiliar essa pessoa a se ver e [...] se mover nas suas ações, nos seus
projetos, nas suas atividades, [...] então, é uma diferença que é sutil em
alguns momentos, [...] o efeito terapêutico tanto pode funcionar aqui [...] tem
muitas coisas que funcionam para as pessoas [...] a nossa não é [...] um
caminho exclusivo, mas é um caminho [...] que ajuda as pessoas [...] a
reconstruírem [...] um estar no mundo em que elas sejam mais protagonistas
[...] é uma questão de qualificação, da mesma forma como o teu paciente se
apropria daquilo dizendo que ele faz terapia ocupacional, ele acha que ele faz
isso e se isso faz bem para ele [...] ele está levando essa experiência.”
(Cecília, décimo quarto encontro)
Esta conversa deu início a uma construção mais sofisticada sobre a
assistência em terapia ocupacional, o lugar do terapeuta, seu trabalho na
dinâmica da relação triádica. Mas que foi disparada porque o não-saber
pode ser compartilhado, porque veio à tona uma tensão implícita na prática
profissional.
“Eu acho que é muito delicado, porque [...] é nosso instrumento, então a
gente tem obrigação de saber, [...] depois eu penso ‘nem sei se é
instrumento, se é um método’, enfim, tem várias questões, mas é difícil falar
disso, porque eu acho que [...] é falar da gente [...] para quem escolhe ser
terapeuta ocupacional, [...] é muito, muito, muito difícil, acho que é uma
porta que se abre e não acho que à toa [...] nesse grupo [...] acho que cabem
muitas coisas.” (Fernanda, décimo quarto encontro)
“Nossa, incrível! Eu falei ‘meu, deus, queria estar lá’ e foi dando muito uma
sensação gostosa [...] ‘eu não estou sozinha nas minhas angústias, nas
minhas dúvidas [...]’ Foi emocionante também, as falas, [...] como foi
colocado, o que as pessoas traziam, [...] acho que alguém até usou [...] ‘abrir
a porta, abrir a ferida’ [...] é uma angústia que está tão presente, mas que
virou segredo, [...] ‘que a gente pouco pode conversar’.” (Clarice, décimo
quinto encontro)
No décimo quinto encontro, a discussão conceitual adquiriu uma nova
profundidade, quando o grupo se volta para discutir o que é o tratamento
em terapia ocupacional. Esta discussão foi disparada quando, na narrativa
compartilhada por Isadora, ela diz que sua paciente teve uma ‘ótima
participação no grupo de terapia ocupacional’, mas explicita ambigüidades
186
do caso que não sustentam um tratamento. As primeiras tentativas de
construção de um sentido sobre o que seria uma ótima participação
transitaram entre uma boa relação com o terapeuta, nomeada por elas de
vinculação, em conseguir trocar com os demais participantes do grupo, em
usar as atividades como possibilidades de percorrer um caminho diferente.
“Sabe uma coisa que [...] me chamou a atenção, quando você coloca aqui a
palavra ‘ótima participação no grupo de terapia ocupacional’, [...] ótima, [...]
parece alguém que conseguiu se dar muito bem com materiais, atividades,
enfim, que teve uma participação [...] mas daí mostrou dificuldade em dar
continuidade ao tratamento, em seus projetos [...] não consegue fazer direito,
fala que vai acabar em casa, [...]” (Clarice, décimo quinto encontro)
“[...] o que é que é esse ótima’ [...] é quando você fala das atividades, da
participação [...] ou com o aproveitamento?” (Taís, décimo quinto encontro)
“[...] a idéia nem é de tentar fazer esse julgamento do que é [aqui no caso],
mas é de tentar entender [...] o que é que a gente podia entender como uma
ótima participação num grupo de terapia ocupacional [...]?” (Taís, décimo
quinto encontro)
“[...] de uma vinculação com você [...]” (Clarice, décimo quinto encontro)
“[...] se o paciente consegue trocar [...]” (Luiza, décimo quinto encontro)
“[...] num sentido não de quem conseguiu as trocas, mas que usando a
atividade talvez fosse possível conseguir trilhar [...]” (Mariana, décimo quinto
encontro)
Nesta direção, uma nova contribuição à conversa foi feita pelas
profissionais mais experientes, no sentido de ajudar o grupo a pensar sobre
qual a relação que a paciente estava convidando a terapeuta a entrar,
tecendo comentários sobre o caso e também trazendo pesquisas
(HELFRICH; KIELHOFNER, 1993; FINLAY, 1997) que indicam como a
questão da percepção da transferência, do convite relacional, pode ser algo
problemático para terapeutas ocupacionais.
“[...] esse movimento de [...] ser tratada, ser cuidada, mas ela não uma
abertura para ela mesma poder começar a pensar [...] você falou aqui da
vinculação, eu pensei ‘que é que vai significar isso com alguém que não faz
um vínculo com a instituição? Ela está te convidando a quê? A ser aliada dela
contra a instituição, [...], você entra na farsa, no segredo, como vai ser esse
convite, não é? [...]” (Cecília, décimo quinto encontro)
“[...] muito interessante isso até porque quando você escreve uma das
primeiras coisas que ela diz [...] ‘começa me contando sobre sua saída do
hospital de uma relação muito complicada com a médica que estava de
plantão’ [...] Então é isso, que lugar ela quer que você ocupe, que convite é
esse?” (Clarice, décimo quinto encontro)
187
“[...] uma delas [...] era vista pela terapeuta como alguém muito
participativa, eu acho que encaixaria num ‘ótima participação’, [...] e ela fazia
tudo no grupo, ela dava idéias, ela fazia as atividades, [...] então a terapeuta
a tinha como uma paciente [...] que aderia ao tratamento, e na fala dela ‘eu
aprendi a lidar com o que cada um quer de mim em diferentes lugares’, e [...]
outro paciente que a terapeuta dizia ‘ele não adere, é resistente [...] ele não
participa’, [...] e na fala dele [...] ‘não, eu preciso de um tratamento que me
ajude a fazer coisas na vida, porque eu preciso trabalhar, eu preciso estudar
[...] outro trabalho era bem explícito [...] ‘como é que eles [os terapeutas]
entendem que o paciente é bom ou que o paciente é ruim’. [...] um paciente
bom [...] era aquele que participava, que fazia as coisas que elas pediam [...]
os pacientes ruins eram os resistentes, os que eram difíceis, os que eram
chatos, os que elas o tinham vontade de atender, [...] quem é que é que
precisa daquilo que a gente tem para oferecer e como é que é cuidar desses
pacientes? [...] o que é uma ótima participação na terapia ocupacional [...]?”
(Taís, décimo quinto encontro)
Deste pondo em diante, o grupo começou a trabalhar na construção
de uma compreensão sobre o que é tratar em terapia ocupacional,
estabelecendo algumas relações com o caso, mas principalmente falando de
uma atitude ativa do terapeuta ao compreender a dinâmica relacional do
paciente e agir propositadamente de modo a promover mudanças.
“Eu fiquei pensando que eu acho que se perguntasse pra paciente acho que
ela falaria que ela teve uma ótima participação, [...] ela estava entretida, ela
quis estar lá, [...] teve um bom vínculo com as terapeutas ocupacionais [...]
acho que se fez sentido para ela [...]” (Marisa, décimo quinto encontro)
“Mas [...] o que é que isso tem a ver com se tratar?” (Cecília, décimo quinto
encontro)
“[...] volto com uma pergunta bem provocativa que às vezes eu ouço vocês
falarem, [...] que [...] se o paciente está fazendo algo que ele gosta, que ele
escolheu, [...] a coisa está fluindo.” (Taís, décimo quinto encontro)
“Eu estou me lembrando da crônica quando alguém fala assim [...] poder
estar em terapia ocupacional, fazer terapia ocupacional tem a necessidade de
mudança, [...] uma experiência que possibilite mudança’, [...]” (Clarice,
décimo quinto encontro)
“Que experiência é essa que você proporciona [...] ela está exatamente
ocupando o lugar que ela sempre ocupou, [...] para essa paciente se a gente
ocupar um lugar que sempre foi o que ela convidou as pessoas, que mudança
que a gente está fazendo, não é? [...] isso é tratamento? Que eu acho que
não é tão simples assim, aliás, nada é simples, [...]” (Clarice, décimo quinto
encontro)
“[...] ‘por que a paciente provoca isso em nós e o que fazemos com isso?’ [...]
com esse tipo de convite, que nos imobiliza, que nos desqualifica, [...]”
(Cecília, décimo quinto encontro)
“[...] quando você fala em estratégia, eu fico pensando que tem uma ão do
terapeuta, que compreende, que faz essa leitura, que levanta essas hipóteses,
que [...] vai ter uma ação, [...] que não é simplesmente aleatória [...] de ir
188
jogando as coisas, ... tem aí ... uma coisa mais propositada, ...” (Taís, décimo
quinto encontro)
Esta conversa teve sua continuação no décimo sexto grupo, quando
Luiza compartilhou uma narrativa sobre o atendimento de uma paciente que
havia sofrido um acidente e que, ao fazer um porta-retratos de mosaico
39
na terapia ocupacional, começa a ficar agressiva. Ela explicitou suas
compreensões sobre o processo, centradas na técnica do mosaico como
geradora dos conflitos na paciente. A discussão no grupo girou em torno de
questionar esta compreensão e redimensioná-la ao mudar o foco da técnica
da atividade para a relação com a terapeuta, que possibilitou que elas
continuassem em Atividade.
“[...] tinha muito a ver com a questão da atividade [...] do que é que era a
atividade, dos materiais, que o coisas que a gente estava discutindo nos
grupos anteriores [...] indicar ou não atividades [...] eu estava pensando
muito no mosaico da atividade [...] eu fiquei pensando [...] acho que eu
estou pensando [...] atividade como expressão do inconsciente, [...] eu
achava que ela não queria mais fazer a atividade [...] porque a atividade
lembrava [...] o acidente [...] na época [...] eu não sabia se eu oferecia outra
atividade [...] foi muito difícil lidar com isso [...] pensar em outra coisa que
realmente possa acolhê-la um pouco mais [...] porque eu sentia assim que
tinha alguma coisa que estava pegando na minha relação com ela [...]gico,
eu propus uma atividade, não, ela escolheu uma atividade e aí eu fui
mexendo na atividade, [...] e virou assim uma coisa trágica, [...] foi muito
difícil lidar, ela ficou muito abalada com a atividade [...]” (Luiza, décimo sexto
encontro)
“[...] você foi se preocupando [...] com o material que foi oferecido [...] eu
fiquei pensando, ‘será que qualquer atividade que fosse oferecida [...] não
traria à tona isso? Porque esse era o sofrimento dela [...] acho que talvez essa
coisa do caco [...] facilitou [...] ela verbalizar e usar isso como um canal pra
poder falar do sofrimento, [...]” (Clarice, décimo sexto encontro)
“[...] talvez a escolha dela também não seja à toa. (Tatiane, décimo sexto
encontro)
“Mas é interessante que na época [...] ficava muito [...] que é que eu vou
fazer agora com essa atividade?’ Eu ficava desesperada, e [...] estava
esquecendo que tinha eu ali também [...] eu sou a terapeuta e eu posso
provocar alguma coisa, não é?’ [...] é muito interessante essa possibilidade
[...] que a gente também faz parte, que não é a atividade, que tem uma
ação que é do terapeuta.” (Luiza, décimo sexto encontro)
“Não sei, [...] porque às vezes [...]a impressão que a atividade era aquela
técnica ou aquele material, [...] eu fico pensando porque vocês continuaram
em atividade, [...]” (Mariana, décimo sexto encontro)
39
“Mosaico ou arte musiva é um embutido de pequenas peças de pedra ou de outros materiais (vidro,
mármore, cerâmica ou conchas) formando determinado desenho.” (WIKIPÉDIA, 2009)
189
“Acho que o que saiu do foco naquele momento foi a técnica [...] mas na
verdade a relação continuou [...] acho que cada um [...] quando fala atividade
[...] acaba pensando alguma coisa...” (Mariana, décimo sexto encontro)
As profissionais experientes pareceram introduzir na conversa o olhar
para a ação da terapeuta ocupacional no processo terapêutico, que muitas
vezes fica implícita nas narrativas dos casos. Além disso, esta questão se
particularizou em um novo dilema explicitado pelas profissionais iniciantes:
a dificuldade de nomear sua ação ao propor caminhos para o processo
terapêutico. Este dilema parece estar mais relacionado ao propor
atividades, diante de uma fragilidade da relação que começa a se
configurar, ou talvez diante da crença de que o processo construído na
relação se oponha à crença de um terapeuta que conduza o processo.
“A gente sempre cai na questão, [...] atividade e paciente, [...] tem esses
elementos, mas quando vocês foram falando [...] é a tua postura a partir
daquele momento no caso [...] você se aproxima [...] não é o espaço de
acolhimento, é a função materna que você vai podendo oferecer [...] o que a
gente vai dizendo é que é o material ou é você que se dispôs a estar mais
perto? [...] a gente cria o espaço, [...] é o paciente, é o que ele demanda, o
que não demanda, a atividade que a gente oferece, mas como que a gente
está nisso tudo?” (Tatiane, décimo sexto encontro)
“Eu desde a primeira fala de hoje que eu estou com isso [...] de [...] que o
paciente escolhe, faz aquilo que ele deseja fazer... eu pensei ‘mas, é
sempre assim? É desse jeito? Sem nenhuma intervenção nossa? Onde está
[...] o terapeuta? E se o que ele desejar fazer for alguma coisa que a gente
achar que é perigosa, que naquele momento não vai ajudar muito, quer dizer,
eu não queria nem focar na atividade, mas focar na gente, quais o as
nossas decisões e a nossa responsabilidade daquilo que a gente [...] dizer
para o paciente ‘ah, boa idéia, mas e que tal se for assim também?Ou ‘ah,
eu também pensei que poderia’ [...] quer dizer, [...] acho que o tempo todo
vocês tão falando de vocês, das decisões que vocês têm que tomar.” (Cecília,
décimo sexto encontro)
“É, e é que eu acho que junta com isso que você trouxe de se esconder na
atividade, que parece que não está evidente que é você que está ali presente,
sentando junto e fazendo intervenções [...]” (Luiza, décimo sexto encontro)
“[...] sempre ficou [...] um fantasminha na minha cabeça [...] por exemplo,
‘esperar o tempo do paciente’ [...] ‘trabalhar com o desejo do paciente’ [...]”
(Luiza, décimo sexto encontro)
“O que eu estava querendo te dizer é que mesmo nas situações em que é
assim mesmo, esperar e atender são dois verbos de ação praticados pelo
terapeuta, esperar o tempo do paciente e atender o desejo do paciente são
duas ações praticadas pelo terapeuta, entende? Então é isso que eu estava
querendo evidenciar, a ação que está ali.” (Cecília, décimo sexto encontro)
“[...] fica muitas vezes uma tensão [...] é muito difícil você propor uma ação
nessa relação porque você não conhece muito [...] daquela história e aí
também muitas vezes, [...] se eu proponho alguma atividade ou alguma coisa
190
que o paciente não goste ou que naquele momento confronte alguma coisa
com o que ele está vivendo, que a relação não sustente, que ele o volte,
que ele vá embora, [...]” (Mariana, décimo sexto encontro)
“Mas quando você traz isso [...] é pela atividade ou é pelo ‘eu proponho’? Ou
pelos dois?” (Cecília, décimo sexto encontro)
“É, eu acho que é essa dinâmica.” (Mariana, décimo sexto encontro)
“[...] o que é que é o ‘eu proponho’ [...] não sei, [...] eu fico muito insegura
de falar ‘eu proponho’, o consigo [...] nem sei se eu devo falar, essa é a
minha crise, não sei se eu devo falar ou se eu consigo falar.” (Luiza, décimo
sexto encontro)
“É que o que a gente [...] o acredita é na indicação de atividades para
resolver alguma coisa [...] que eu não posso indicar eu abdico [...] da ação
e [...] o processo vai acontecer, não sei se não é um medo, se não tem [...]
essa imagem lá atrás.” (Taís, décimo sexto encontro)
Antes de iniciar a discussão destas construções, considero
interessante olhar para como elas tomaram formas particulares para cada
participante. Para exemplificar estas singularidades, apresentarei o trabalho
de Clarice, na investigação de seu raciocínio e em suas compreensões de
que o raciocínio narrativo, além de possibilitar uma apropriação de sua
prática, pode lhe oferecer um lugar privilegiado diante de uma equipe de
trabalho. Isadora procurou investir algumas narrativas na tentativa de
explicitar e compreender seu processo com um paciente, a partir do manejo
da relação terapêutica para a promoção de mudanças que o levasse a se
perceber e a se relacionar, não mais na paralisia da doença.
Mariana também percorreu um caminho semelhante, mas em uma
construção que abarcou muitas narrativas, nas quais pode, aos poucos,
explicitar suas dúvidas e seus dilemas centrados em como manejava a
relação terapêutica a partir dos sentimentos vividos com os pacientes, e
explicitar sua crença na possibilidade da instauração do afeto, em uma
relação que vai sendo construída, além de estabelecer relações com seus
conhecimentos anteriores e com as novas leituras feitas neste processo.
Clarice: a apropriação do raciocínio narrativo para compreender a prática e
se colocar profissionalmente
Clarice esteve muito atenta à questão da investigação do raciocínio
clínico durante todo o processo de intervenção, e de seu embate com o
modelo biomédico, trazendo muitas questões para o grupo nesta direção.
Em seu oitavo diário, explicitou suas reflexões sobre como ela poderia
transmitir seu raciocínio para os outros profissionais, tendo em vista que o
191
trabalho em equipe é uma prerrogativa para a assistência na saúde mental.
Sua questão principal foi perceber a necessidade de explicitar mais o seu
raciocínio para que a equipe pudesse compreender sua intervenção com um
determinado paciente.
“[...] comecei a contar um pouco sobre como estavam sendo os nossos
encontros [...] mas me sentia um pouco insegura para relatar de maneira
mais vasta, mesmo acreditando que para uma melhor compreensão isso seria
necessário. Quando fui falar sobre a atividade que o paciente estava
realizando, observei que uma indagação ficou no ar [...] era algo diferente
para eles, eu senti, pois saía um pouco desse campo conhecido [...] e quando
fomos ao encontro do paciente, tal raciocínio havia ficado muito claro para
todos, chegando o supervisor a dizer: Clarice, que ótima idéia. [...] fiquei com
a impressão que se eu tivesse explicado melhor meu raciocínio até chegar na
atividade, não seria necessário conhecerem o paciente, para então,
compreenderem melhor o que estava acontecendo na terapia ocupacional.
[...] estava em jogo nesse caso uma insegurança minha de poder colocar o
raciocínio como acreditava ser o melhor para compreender minha intervenção
[...] se eu acredito que para a melhor compreensão seja necessário muitas
vezes apresentar o raciocínio de maneira mais extensa, porque eu devo
sempre, observar quem são os ‘expectadores’, e a partir daí decidir a maneira
que lançarei minhas intervenções? Acho, muitas vezes, que pensamos de mais
no que o outro quer ouvir, e com isso, perdemos a oportunidade de
apresentar nossa profissão, como ela realmente é. [...]” (Clarice, oitavo
diário)
O raciocínio narrativo, característico do pensamento do terapeuta
ocupacional na condução dos processos terapêuticos, demanda uma
descrição mais detalhada do contexto, das compreensões e dos fenômenos.
Para o diálogo com o outro, Clarice foi percebendo que a descrição pode ser
uma ferramenta útil para se fazer entender diante da equipe.
Nesta direção, ela também foi usando o espaço do diário para
descrever situações e refletir sobre elas, procurando compreender crenças,
valores e teorias implícitas que guiam seu raciocínio clínico. No nono diário,
ela descreveu uma situação para ser compartilhada no grupo e, no décimo
primeiro utilizou esta descrição para refletir sobre suas ações. Diante da
dificuldade de recortar trechos destes diários, eles estão apresentados,
praticamente na íntegra, no apêndice B.
Como avaliação de seu processo, Clarice pontuou a importância da
apropriação do raciocínio narrativo, em contraponto ao modelo biomédico
de causa-efeito, para compreender melhor sua prática, conquistar seu
espaço e ser aceita profissionalmente.
“Foi através dos diários, dos encontros e das devolutivas, que aprendi na
prática o poder e a necessidade que m a organização da escrita, das trocas,
192
do relatar e pensar prática e teoricamente os casos atendidos, os serviços, as
narrativas, as composições da profissão e suas variantes. Fui me dando conta
que por não desempenhar uma profissão que funciona na base da causa-
efeito, além de suas outras particularidades, não poderia seguir a mesma
linha de pensamento e principalmente de trocas (enquanto discussões de
casos), me baseando nessa norma quase dominante no meio médico ao qual
estamos inseridas, e que posso sim, utilizar uma fala por vezes mais
descritiva, sem tanto rigor psicopatológico, mais voltado para meu olhar e
conceituações teóricas, e mesmo assim, conquistar meu espaço e ser aceita
profissionalmente. É essencial então, falar que por todo esse caminho
percorrido, minha prática sofreu uma alteração importante e como
conseqüência a minha forma de conceber a profissão (identidade) e meu
modo de estar diante dela e das outras áreas com as quais dialogo
constantemente.” (Clarice, décimo terceiro diário)
Isadora: o manejo do campo transferencial para a promoção de mudanças,
para se perceber e se relacionar
Isadora, do décimo segundo ao décimo quinto diários, voltou suas
reflexões para compreender o manejo do campo transferencial na terapia
ocupacional. Para isto descreveu os acontecimentos do atendimento de
Carla, uma paciente atendida ambulatorialmente, com muitas dificuldades
em perceber os ganhos que teve ao longo de oito anos de tratamento.
Procurou descrever como foi percebendo-se cansada, irritada, com dores de
cabeça, e tecendo relações entre esses sentimentos e o que eles podiam lhe
dizer sobre a paciente, oferecendo uma resposta, em forma de
procedimentos, que pudesse levar a paciente a se perceber, a sentir e a se
relacionar, não mais paralisada pela doença.
“[...] Em alguns momentos fui tentando questionar algumas coisas [...] Essas
tentativas me pareciam vazias, Carla ficava cada vez mais alterada,
questionando sua alta e o momento que pararia de tomar a medicação. [...] e
eu [...] sentindo-me, a todo o momento, atacada, cansada e muito irritada
[...] Começo então a fazer um paralelo de como Carla chegou [...] e [...]
peço-lhe que me conte brevemente este histórico, no primeiro momento Carla
resiste dizendo não querer lembrar do passado, mas aos poucos consegue
dizer os ganhos que teve, e principalmente falar sobre o espaço da Terapia
Ocupacional como o espaço no qual pode falar coisas que não fala para
ninguém. [...] Nesse momento me percebo menos irritada, começo a ver
Carla como alguém que por algum tempo se mostrou passiva as propostas
oferecidas, [...] me dou conta também, baseado em atendimentos anteriores
onde enfocava a maneira que se relaciona com as pessoas, que é assim como
Carla destrói o tratamento, a forma que vai destruindo suas relações e que
talvez este seja o local, mesmo que difícil para mim de tolerar, que possa
perceber está maneira enviesada de estar com o outro. [...] O atendimento
termina e me sinto sugada, muito cansada, com uma enorme dor de cabeça
parecia que tinha vivido um exaustivo combate, que a principio pensava ter
sido contra o que Carla trazia e que mais tarde passada toda a irritação,
percebi que o combate que me cansara tanto havia sido contra os meus
próprios sentimentos, contra a possibilidade de o perceber o que Carla
estava me provocando e desta forma não poder ajudá-la a perceber esta
193
maneira de expor seus sentimentos e questionamentos.” (Isadora, décimo
segundo diário)
“[...] Carla [...] chega com a folha, [...] logo me diz ‘semana passada você me
deixou com a pulga atrás da orelha, não parei de pensar naquelas perguntas
[...] escrevi algumas coisas’ [...] consegue falar de sua dificuldade em me
ouvir no ultimo atendimento, percebia que estava muito nervosa, porém havia
conseguido pensar em como estava e também nas questões que tinha levado
para mobilizar sua reflexão. Percebo que Carla estava bastante diferente,
conseguia me ouvir, e colocava seus questionamentos de forma adequada,
começo perceber também que hoje eu não estava irritada em atendê-la, como
em alguns dos outros atendimentos. [...] ‘tenho muita raiva de ser doente
[...] Chega o próximo atendimento, [...] Carla pergunta para mim ‘que pontos
positivos e negativos você consegue perceber em mim?’ [...] Carla começa a
descrever seus pontos positivos e negativos em relação a forma de se
relacionar com as pessoas, e eu me utilizo desta atividade para conseguir
pontuar algumas coisas para Carla. Percebo que Carla se concentra na
atividade, reflete, investiga seu modo de funcionar no dia a dia, procura
descrever situações difíceis para exemplificar o que relata. [...]” (Isadora,
décimo terceiro diário)
“[...] Acredito que atender a Carla ao longo destes 10 meses, foi algo que
possibilitou muita reflexão e muito aprendizado a respeito do uso das
atividades na Terapia Ocupacional, contratransferência, dificuldade no manejo
entre outras questões que pude discutir ao longo da escrita dos diários. [...]
Carla sempre foi considerada uma paciente muito difícil de atender, pois
mostrava sempre impossibilidades às propostas das terapeutas, e dessa forma
o meu medo de que as minhas intervenções também não tivessem muito
efeito sempre esteve muito presente. [...] Outro sentimento que me
acompanhou neste período foi a irritação, a impossibilidade de Carla me ouvir,
nas vezes que chegava gritando ao atendimento, os ataques ao tratamento,
nas vezes em que pede para ir embora, o pedido de alta... Isso tudo trazido
de forma tão agressiva, muitas vezes me chegava como irritação e o como
um pedido de cuidado. Aprendi muito como me perceber, localizar de onde
estava vindo esse sentimento, o que ela estava querendo dizer, como poderia
ajudá-la... Sentia-me cansada (às vezes ainda me sinto), como eu poderia
transformar essas queixas em reflexões, como poderia transformar minha
irritação em instrumento para que Carla pudesse se perceber, e refletir sobre
as muitas questões interessantes que trazia... [...]” (Isadora, décimo quinto
diário)
Mariana: a terapeuta ativa, do limbo à instauração do afeto
O manejo do campo transferencial foi alvo das reflexões de Mariana
desde o início do trabalho, tanto é que a conversa do sexto grupo foi
motivada como um tema trazido por ela. Em seus diários, Mariana
descreveu muitas situações clínicas, procurando explicitar os sentimentos
sentidos na relação com os pacientes e refletindo sobre suas ações, na
tentativa de relacionar conceitos teóricos às suas experimentações.
Do segundo ao quarto diários, Mariana descreve situações com três
pacientes, Lauro, Carlos Henrique e Rita. Lauro é um adolescente portador
da síndrome da imunodeficiência adquirida e está internado em estágio
terminal da doença. No contado com Mariana, ele pede para ser atendido
194
mas toma atitudes como se ela não estivesse ali, conversa com outras
pessoas, não faz o que Mariana pede. Ela descreve como se sentia nestas
situações e como manejou a relação procurando oferecer a Lauro
informações sobre o modo dele se relacionar com as pessoas, e o que
provocava nelas.
[...] Nesse momento, pensei por pouco tempo, mas dentro de mim foi quase
uma eternidade, pensei a raiva que sentia daquele menino me tratando
daquele jeito, do que para ele estaria servindo fazer algo juntos, porque
naquele momento, pensei que o servia de nada, que meus procedimentos
não estavam fazendo marca nenhuma, [...] muito pelo contrário, que eu
precisava pontuar algo a ele, dar um contorno em tudo aquilo. Então, chamei-
o e disse a ele, com tranqüilidade, que ele iria sim lavar aquele pincel. Que
afinal de contas, ele que o havia usado. Ele o pega e passa a lavá-lo, mas me
xingando e fazendo bico. Nesta hora, paro e digo para ele: Eu tento estar
perto de você, às pessoas tentam, mas você o deixa [...] para mim é muito
difícil suportar estar com você, você agride muito! Lauro pára de me xingar,
me olha, acaba de lavar o pincel e sai andando. Nesse momento, fiquei com
uma sensação estranha, de dúvidas quanto à forma que agi. Pensava: será
que contra-atuei? Será que devia ter agido assim? Como deveria ter agido? O
que um terapeuta mais experiente faria? [...] [no próximo atendimento] Lauro
consegue trazer questões referentes à não estar na escola, mas fala da
proximidade de seu aniversário de 15 anos. Pela primeira vez, conheço
alguém para quem nunca havia sido apresentada, conta do quanto gosta de
cozinhar, [...] me conta às técnicas que conhece. Mas de repente ele silencia,
emudece, triste e desvitalizado ao ver um grupo de jovens rindo, carregando
livros e cadernos, se cala na voz, no pincel, na postura... Acaba o atendimento
sem que retorne alguma daquela vitalidade experimentada por nós. [...]
consigo pensar o quanto que fiquei decepcionada em ver o quanto ele é grave,
o quanto é frágil e que sua melhora depende de muitas outras variáveis que
não dos investimentos feitos pela equipe que o atende. Acho que perceber
isso vontade de desistir muitas vezes, mas ao mesmo tempo, essa
agressividade dele tem muita vida, é muito ativa. [...] Refletindo a partir de
tudo isso, à forma como intervi [...] acredito que talvez tenha sido desajeitada
e meio misturada com todos estes sentimentos que acompanham o estar com
ele. Porém, ao mesmo tempo acredito que, de fato, algo precisava ali ser
pontuado para que ele visse que, mais do que eu ser uma pessoa viva que
sentia, ele era, e que suas atitudes marcavam o seu derredor.” (segundo
diário)
No terceiro e no quarto diários, Mariana descreveu uma situação
semelhante vivida com Carlos Henrique, um paciente portador de
esquizofrenia, que atendia mais de um ano em regime ambulatorial, em
atendimentos grupais e individuais. Contou que Carlos se relaciona com
mulheres de forma indiscriminada, paquerando a todas, inclusive Mariana,
que a todo momento tinha que lhe colocar limites. Relatou que, em um
atendimento em grupo, a partir de uma discussão sobre a estação de rádio
que estava tocando, ele começou a ficar bravo, a alterar o tom de voz com
ela e a dizer que ia embora. Mariana responde dizendo que ele poderia ir,
195
mas ele não vai e continua reclamando dela. Neste momento, Mariana diz
que percebia que algum tempo ele estava descontente e já que estava
tão irritado seria interessante finalizar aquele atendimento.
Refletindo sobre esta situação, Mariana procurou estabelecer relações
entre aspectos teóricos e suas compreensões das relações com Carlos
Henrique e Lauro. Neste contexto, também apresenta seus sentimentos em
relação a outra paciente, Rita, com a qual sente-se paralisada, empobrecida
afetivamente.
“[...] Durante os dias seguintes, me martirizei com a idéia de ter sido muito
dura com ele, pouco continente quanto ao seu caos e agressividade, todavia
paradoxalmente me punha a pensar na falta de limites e contornos que me
apresentava, a fim de que eu os delineasse. Como fazê-los? Quais eram e são
os meus limites? Até onde é terapêutico para os pacientes recebermos
simplesmente o que nos trazem? [...] Em contrapartida, fico pensando em
discussões teóricas em que discutimos as dificuldades de discriminação da
vivência de alguém com uma psicose, em que exatamente se faltam os limites
e contornos. Muitas vezes o limites do eu para o outro [...] Para minha
surpresa, ele chega para o atendimento individual muito diferente, falante,
amistoso, sem ataques. Falamos sobre o atendimento passado e ele conta o
quanto estava nervoso e que tinha sido muito bravo comigo, pede-me
desculpas. [...] Fico pensando que mais do que continuar aquele atendimento,
no qual Carlos estava muito agressivo, tenha sido importante dar-lhe um
limite, dizendo que daquele jeito não daria para continuarmos, mas
garantindo que na semana seguinte estaria lhe esperando. Penso que o
manejo de situações como estas, sempre me trazem grande insegurança,
tenho medo de que o paciente ou o vínculo não sustentem certas intervenções
que busquem dar limites ou mesmo que falem dos meus limites, a onde
aceito que os pacientes tenham certas reações.” (terceiro diário)
[...] Penso que tanto no caso de Lauro, quanto no de Carlos Henrique, como
talvez com qualquer outro paciente, sinto medo de que as relações não se
sustentem, caso eu seja dura, de um limite ou um não muito fortemente.
Acho que isso pode ter a ver com um mito que [...] trago dentro de mim, hoje
de uma forma menos intensa, mas ainda presente, de que um terapeuta deve
suportar tudo, estar ali para agüentar. [...] Sem contar as contra-
transferências, quando, além de todas as minhas crenças e dificuldades
pessoais, tenho que administrar sentimentos e sensações sentidas na relação
com aquele paciente e no que ele espera de mim, no caos que ele traz, na sua
falta de limites e discriminações... Tenho uma outra paciente, Rita [...] Passa
a maior parte do tempo, num silêncio esvaziado, passa não, passamos a
maior parte do atendimento assim. Parece que paraliso junto com ela [...] e
me sinto empobrecida de possibilidades, não consigo falar muita coisa, ou
pensar coisas interessantes, possibilidades para experimentar com ela. É
como se tudo ficasse minado. [...] provavelmente é uma sensação vivida por
ela.” (quarto diário)
Mariana continuou na investigação de sua prática, permeada pelos
sentimentos sentidos na relação com os pacientes. No quinto diário, e
depois, do sétimo ao décimo, Mariana narrou seu trabalho com Helena, uma
paciente que se encontra em uma situação muito grave da doença,
196
portadora de esquizofrenia muitos anos, e com um isolamento afetivo
muito intenso. Mariana procurou nomear os sentimentos vividos junto a
Helena, o quanto se sente inundada por ela, a proximidade que ela
demanda, a intensa alegria e intensa tristeza sentidas na
contratransferência. Mariana conseguiu explicitar algumas crenças, de como
procura manejar a relação a partir da busca pelo afeto, por uma relação em
constante construção, como diz no décimo diário, exposto quase na íntegra
no apêndice C. A partir da leitura de alguns textos
40
sugeridos por mim, ela
pode ampliar suas reflexões, nomear o que sentia (sentir-se no limbo, de
posse de fragmentos) e, no décimo sexto diário, avaliar as possibilidades
desse percurso na busca por um raciocínio clínico.
“Há duas semanas, numa quarta feira, inicio o dia como os outros, sempre ao
chegar ou sair [...] vou até Helena, cumprimentando-a. Novamente, a
paciente se levanta e me as costas. Neste momento, decido dizer a ela
como me sentia em relação a como a percebia. Digo-lhe que percebia intenso
sofrimento nela, o que muito me angustiava, na medida em que me
despertava muita vontade de cuidar, mas que o sabia como acessá-la,
como me aproximar. Helena começa a chorar muito, mas continua de costas
para mim e sem me dirigir a palavra. [...] O que escolho discutir? O mesmo, o
que sinto na relação e em relação. Helena me atordoa, de tanta intensidade.
Tanto na alegria, quanto na tristeza. Me convida a uma realidade, a qual não
me preocupei em descrever tanto aqui, mas que é muito diferente e também
muito real da perspectiva da qual Helena parte. Tem muito a ver com sua
história de vida e com a dinâmica familiar: cada um por si, ninguém pode
contar ou confiar em ninguém, mesmo porque, pouco se enxerga o outro, e se
não o enxergamos, logo ele não existe. [...] Penso que a angustia, da qual lhe
falei, é um sentimento de contratransferência que sentia ao estar com ela, ao
vê-la sofrer e sem conseguir cuidar. De alguma forma, divido com ela essa
minha sensação, responsabilizando-a quanto ao que me causava e lhe
mostrando tanto a minha humanidade quanto a sua. A partir daí, parece que é
possível compartilharmos coisas. Ainda não sei aprofundar muito no que sinto,
mas sei que é muito forte, que por vezes, tenho vontade de investir tudo o
que tenho em Helena, dar-lhe tudo de mim, cuidar o máximo que posso, e
tentar mostrar que não está sozinha. Mas fico pensando na relação destes
sentimentos com a contratransferência, e tentando avaliar criticamente
minhas respostas a estes sentimentos. Principalmente porque após alguns
atendimentos, sinto-me tão cansada e esgotada, que parece que vivi junto
com ela muitas de suas vivencias. Qual é o limite? Como não entrar tão
fundo? Tem momentos em que sinto que entro junto com ela em suas
vivências, em sua lógica de raciocínio, em seu desespero e alegria. [...] São
muitas as questões. O interessante, é que após escrever tudo isso, me lembro
‘sem querer’, ‘coincidentemente(??)’ de Rita e sem controlar o pensamento,
penso: com ela, é exatamente o contrário, com ela é o esvaziamento do qual
tento fugir, e que nem mesmo consigo escrever. [...]” (quinto diário)
“[...] Acredito que independente disso foi uma intervenção que estava
pautada num raciocínio clinico, no sentido de eu ter uma crença de que talvez
40
BENETTON, J. A articulação entre o ‘falar’ e o ‘fazer’: a construção da historicidade na psicose.
Revista de Terapia Ocupacional da Universidade de São Paulo, v. 3, n. ½, p. 4-7, 1992. / PERRIER,
F. Fundamentos teóricos de uma psicoterapia da esquizofrenia. A evolução psiquiátrica, n. 11, 1958.
197
isso pudesse trazer uma mudança na forma dela de negar-se a se relacionar
comigo, na medida em que, independente do espaço que ela me dava, eu
apontava à ela que existia ali uma relação, e que ela me causava coisas.
[...] tinha algumas fantasias de que esse tipo de intervenção pudesse trazê-la
mais para perto de mim. Independente disso, esta aflição existe mesmo e
acho que preciso cuidar disso, porque acredito que por vezes tem a ver com
as contra-transferências, por ver o paciente sofrendo muito sem conseguir
pelo menos estar próximo para dividir algumas coisas com ele... No entanto,
penso que fico ansiosa, angustiada talvez além da conta, com uma emoção
expressa muito aflorada. Preciso pensar mais sobre isso.” (sexto diário)
“Acredito que as questões com relação às contratransferências venham se
clareando mais. Os textos ajudaram muito. Ler o texto da Jô, como disse
anteriormente, me deu uma sensação de alívio, porque estava com a
impressão de que estava recebendo, colhendo rias informações,
conseguindo compreender muitas de suas vivências, mas sem conseguir
muitas vezes costurar estes fragmentos com ela. Além disso, quando olhava
para o nosso processo, ia percebendo diversos caminhos que iniciávamos
juntas através das atividades, as quais iam surgindo e que ela ia dando
continuidade de forma independente. [...] Penso que iniciarmos muitas
atividades tenha a ver com as contratransferências que sentia na relação com
Helena, do quanto a partir dos sentimentos que me despertava, me dava uma
intensa vontade de cuidar dela, responder a algumas de suas demandas e que
de fato eu ia percebendo como necessidades; frente a um importante
isolamento e impossibilidade de relacionar-se; frente ao seu comportamento
de desconfiança constante e paradoxalmente o seu pedido de que alguém
pudesse ser confiável para ela, respondesse aos seus pedidos, [...] Acho que
para essas ões, usei muito de meu repertório, acessei talvez sem dar-me
conta muitas de minhas experiências passadas, de outros atendimentos e
supervisões. Acho que até do pouco que li sobre a psicose e da necessidade
de uma função mais maternal, mais próxima do que com outras populações. E
por isso até o medo de não conseguir estar mais próxima, mas a
possibilidade de perceber o quanto de fato, a atividade media e pode
demarcar a presença do terapeuta mesmo sem sua presença concreta, a
atividade talvez como um objeto transicional, discutido por Winnicott. Quando
li o trecho que você me enviou do artigo da Jô, no qual fala do terapeuta
como receptáculo de muitos fragmentos e de uma comunicação que é
unilateral e da sensação de se estar no limbo, parece que foi como nomear o
que eu sentia. Do quanto me perdia por vezes nestes fragmentos, achando
que não me encontraria mais [...]” (sétimo diário)
“Relendo acho que muitas coisas passaram, e do que consegui perceber hoje
no balaio, acho que falei muito de meus sentimentos em relação, e na relação
com os pacientes. De que forma manejava ou se manejava situações a partir
deles, como usar isso em favor das pessoas que atendi e atendo em minha
vida profissional? A minha resposta frente ao que o outro me causa. Uma
busca por uma escuta mais apurada e um esforço em sair de um raciocínio de
senso comum em busca de um raciocínio mais clínico.” (décimo sexto diário)
Discussão
Ao recorrer ao vocabulário apresentado pelo ALCESTE, específico da
classe que parece abarcar a conversa do grupo sobre a assistência em
terapia ocupacional, apresentado no quadro 18, foi possível identificar
palavras e radicais que parecem sustentar nossa análise de que a conversa
198
do grupo girou em torno da assistência em terapia ocupacional (prat+,
profiss+, clínica+, terapia ocupacional, casos). Conversa que esteve
centrada no raciocínio clínico das terapeutas ocupacionais, preocupadas em
estabelecer uma posição diferenciada diante do modelo assistencial
biomédico (raciocínio clínico, difer+, conflito+, institucion+, contexto+,
padroniz+, funcion+, posição, saúde mental, postura+, atitude+) e nas
possibilidades de compreensão dos fenômenos da prática e da apropriação
de sua ação como terapeutas (ação, decis+, terapeut+, tecn+, manej+,
transferenci+, procedimento+, atividade+, contratransferência,
instrumento+).
Além disso, foi possível encontrar palavras e radicais indicativos de
uma investigação da prática que não esteve centrada somente na descrição
da experiência, mas na busca pelo estabelecimento de relações com a
teoria (acredit+, conceito+, teor+, discurso, literatura, concepç+, critic+,
associ+).
Quadro 18 – Palavras e radicais da classe 3 da análise das transcrições dos
encontros do grupo feita pelo programa computacional ALCESTE
ação(28), acredit+(23), atenção(18), cham+(34), conceito+(12), decis+(15),
difer+(56), institucion+(13), manej+(18), procedimento+(17), professor+(16),
raciocínio-clínico(18), supervisor+(17), tecn+(15), teor+(31), terapia-
ocupacional(64), tom+(24), transferenci+(19), conflito+(9), contexto+(20),
lid+(34), maior+(21), mod+(10), posição(9), postura+(10), prat+(51),
profiss+(9), saúde-mental(12), ambiente+(8), área+(10), atitude+(8),
clinica+(22), discurso(10), literatura(9), pela+(24), reabilit+(7),
terapeutas_ocupacio(16), terapeut+(31), associ+(7), atividade+(50), casos(13),
categoria+(7), concepç+(5), contratransferência(11), critic+(8), ensin+(12),
funcion+(9), instituic+(15), instrumento+(9), lingu+(7), mudança+(10), os(56),
padroniz+(5), , profissional+(14), racionalidade(5), reflexiv+(9),
Esta conversa mais sofisticada, como nomeou Cecília Villares em
nosso último encontro, parece ter sido possível porque havia alguma
aproximação de uma semântica comum. Os conceitos de Atividades, lugar e
ação do terapeuta ocupacional, dinâmica da relação triádica, estão
assentados em construções teóricas produzidas pelo processo de teoria da
técnica
41
(BENETTON, 1994, 2006) o que possibilitou uma conversa para
41
Como descrito em BENETTON (2006, p. 87): “Assim o processo terapêutico de S.G. foi uma
investigação acerca dos procedimentos terapêuticos e da construção metodológica; um objeto profícuo de
estudo e aprendizagem. Foi essa condição de sempre pesquisar que me possibilitou rever muitos aspectos
do instrumento ‘atividades’ em terapia ocupacional.”
199
além de descrições e narrações da prática, mas imbuída da possibilidade de
estabelecer relações entre os fenômenos da prática e proposições teóricas
42
.
Nesta jornada, o principal conflito relacionado à prática veio à tona.
Saber fazer terapia ocupacional, no sentido de ver que é possível construir
histórias terapêuticas com os pacientes, não pareceu ter sido suficiente, era
preciso saber explicar (BENETTON, 2005), e não somente para os outros
profissionais, mas, principalmente, para si próprio. Retomando brevemente
a discussão do capítulo anterior sobre identidade profissional, muito mais do
que não se fazer entender pelos demais profissionais ou pela sociedade de
modo geral, naquela insatisfação perene diante do que se diz da Terapia
Ocupacional, o dilema me pareceu estar centrado justamente na falta de
clareza para compreender e explicar o que se faz.
Nesta direção, em uma primeira construção, o grupo expôs suas
crenças em relação ao processo terapêutico em terapia ocupacional,
posicionando-se em oposição ao modelo biomédico de assisncia. Embora
eu não queira tecer um panorama sobre a Terapia Ocupacional no Brasil,
esta contraposição me parece ser uma constante, assim como a construção
de práticas e de discursos valorizadores da pessoa e do contexto sócio-
cultural (DRUMMOND, 2007b; GALHEIGO, 2007; MÂNGIA, 1998).
Na tentativa de relacionar esta posição da prática em terapia
ocupacional aos dilemas no atendimento dos pacientes, deparei-me com as
primeiras construções da, então, terapia ocupacional psicodinâmica
(BENETTON, 1999), feitas em grupo de estudos de terapeutas ocupacionais
nas décadas de 1970-80, e que preconizavam:
Qualquer tipo de atividade deveria ser utilizada para o
atendimento de pacientes, e a escolha deveria vir
preferencialmente deles. Caso contrário, deveríamos fazê-lo
principalmente através do diálogo, onde procuraríamos o
“gosto” do paciente. [...]
Ensinar e aprender nos grupos de atividades fazia parte de um
jogo onde o “bom humor” e o “entusiasmo” do terapeuta eram
aspectos fundamentais.
42
Não há aqui uma tentativa de impor estes conceitos como universais para a Terapia Ocupacional, tendo
em vista a própria crença da necessidade de colocar as terapias ocupacionais como objeto de estudo para
que suas próprias conclusões possam ser encontradas. Entretanto, ao tomá-los como base de uma
conversa sobre a prática, nós os colocamos à prova e os deixamos vulneráveis à prova de terceiros
(BENETTON, 2005).
200
Era necessário manter o ambiente de trabalho agradável para
o paciente; não quanto à estética das salas, mas também
na tentativa de contemporizar brigas e discussões.
[...]
Não gostávamos e não queríamos o médico fazendo, à
distância, prescrição das atividades. Por um lado, achávamos
que deveriam dar-nos liberdade para com o paciente decidir
sobre a atividade e, por outro lado, que sua presença em
nossas salas e reuniões fosse promotora de uma autoridade
partilhada.
[...] (BENETTON, 1999, p. 36-37)
Desta forma, trabalhar a partir da escolha do paciente pode ter se
constituído como um dos marcos desta contraposição, da não indicação de
atividades como remédio ou, no pior caso, como indicada pelo médico.
Entretanto, foi justamente quando o desejo do paciente era não fazer ou
não entrar em atividade, como querer abandonar o tratamento, falar
somente da doença, ou somente de si na doença, que as terapeutas
ocupacionais voltaram suas reflexões primeiramente para as atividades, e
depois para o próprio conceito do que é tratar em terapia ocupacional e qual
o lugar e a ação do terapeuta ocupacional reflexões que provavelmente
não se esgotam neste trabalho, nem para estas pessoas.
As atividades vistas como oferta de material, mesmo que como
técnica que sustente uma produção subjetiva, passaram a ser questionadas.
O desejo de investigá-las como instrumento esteve presente desde o início.
A denominação instrumento, e não recurso terapêutico, parece indicar a
presença de uma semântica comum, pois compreendemos que um recurso
“pode ser abandonado, substituído, ou mesmo excluído dos procedimentos”
(BENETTON, 2008, p. 27), enquanto que o instrumento Atividades
denomina-se
o terceiro termo de uma relação que ocorre a partir do
pressuposto que existe uma terapeuta ocupacional e um
segundo indivíduo que apresente qualquer tipo de motivo,
necessidade ou vontade de se encontrar para fazer terapia
ocupacional (BENETTON, 1994, p. 22).
201
Isto implica que as Atividades são constituintes da relação triádica, e
que, segundo Moraes (2008), abarcam todos os acontecimentos e fazeres
de uma terapia ocupacional
43
. Neste sentido, elas não podem ser
qualificadas e significadas previamente, pois se apresentam como
potencialidades, que podem ser qualificadas na trajetória singular de cada
sujeito na relação triádica, na história que vai sendo construída
44
.
[...] atributos, traços e déficits podem, portanto, ser definidos
como desejáveis, indesejáveis, bons, maus, vantajosos ou
desvantajosos dependendo da forma como são vividos e
experimentados pelo sujeito e são significados na relação
triádica, não se definindo por si. (FERRARI, 2008, p. 37)
Neste sentido, a ligação entre o manejo das Atividades e o manejo da
relação, colocada por mim no sexto encontro do grupo, não pode ser
trabalhada naquele momento talvez porque fosse justamente a questão
central do dilema, demandando tempo e trabalho do grupo para vir à tona.
Deste modo, pela análise do caminho percorrido pelo grupo, uma hipótese
que se apresentou é a de que o dilema se caracterizou por uma separação
entre a relação terapêutica, construída a partir do manejo do campo
transferencial feito pela terapeuta, e as atividades, como um elemento
externo à ação do terapeuta, da escolha do paciente ou de sua posse
exclusiva, ou como oferta de materiais que pareciam não ter seu sentido na
instauração de uma relação. A indicação de atividades era visto como algo
incorreto, pois esta compreensão parecia estar assentada na idéia de que
isto exclui o sujeito da relação, não o considera, se impõe à sua escolha.
Entretanto, a discussão de que esta escolha, nomeada no grupo de desejo
do paciente, poderia manter o sujeito em sua paralisia, abriu novas
possibilidades para compreender o lugar do terapeuta no manejo das
atividades.
43
Razão pela qual a palavra se encontra grafada no plural.
44
Para o MTOD, esta história é elaborada em uma trilha associativa, “técnica de análise de atividades,
após sua realização pelo paciente, onde este participa ativamente do processo, comparando-as e
analisando-as e daí retirando uma narrativa que, de preferência, constitua a história de uma relação numa
terapia ocupacional” (BENETTON, 2006, p. 95-95).
202
Neste sentido, o trabalho do grupo, do décimo quarto ao décimo
sexto encontro, pareceu favorecer a aproximação de um modo mais
integrado de compreender os fenômenos da prática, em que as técnicas de
realização de atividades, que podem implicar no uso de materiais, estão
contempladas nas Atividades, mas “por si só, não abarcam todo o
significado do termo” (MORAES, 2008, p. 31). Além disso, o terapeuta
ocupacional se torna ativo, ao compreender relacionalmente o paciente (e
também as repercussões de sua situação
45
em sua vida), e agir no manejo
da relação triádica de modo a a quebrar um ciclo” (Mariana, sexto grupo),
ao promover “uma experiência que possibilite mudança” (Clarice, décimo
quinto grupo).
Neste sentido, há que se considerar se a escolha do paciente por uma
atividade não está localizada fora da relação triádica, numa tentativa de
excluir o terapeuta. Nas situações descritas pelas terapeutas ocupacionais
da pesquisa em que os pacientes escolhiam conversar somente sobre a
doença ou não querer continuar o tratamento, as terapeutas pareceram ter
sido postas de lado, a relação se fez dual, entre o paciente e sua atividade
de se queixar ou elocubrar sobre sua doença, como no caso narrado por
Isadora. Neste caso, quando a terapeuta ocupacional propôs a atividade de
escrever sobre as diferenças percebidas por Carla durante o seu tratamento
e ela pergunta à terapeuta “que pontos positivos e negativos você consegue
perceber em mim?”, a relação triádica fez-se presente.
Desta forma, foi a ação da terapeuta ocupacional, sustentada pela
compreensão da relação com a paciente a partir de seus sentimentos e das
informações anteriores que possuía sobre ela, que possibilitou uma
atividade de comunicação sobre o se ver e se relacionar no mundo, como
mais um episódio dentro de uma história maior que vinha sendo
construída.
Para o MTOD, o agir da terapeuta ocupacional ativa está imbricado na
transferência positiva para a instauração do afeto
46
, do sentir e do se
relacionar, através da participação livre e ativa do sujeito-alvo nas
45
Tudo o que pode compor um diagnóstico situacional.
46
Na literatura da área, as questões relacionadas aos fenômenos transferenciais não aparecem como
possibilidades de manejo, de serem transformados em procedimentos para o cuidado, mas como
fenômenos que o terapeuta tem que ficar atento para não introduzir questões pessoais no relacionamento
com os clientes (MOSEY, 1978 citado por BENETTON, 1994; SCHELL; SCHELL, 2008). Esta me
parece ser uma questão bastante pertinente para a formação profissional, já explicitada por Benetton
(1994).
203
experimentações potenciais na relação triádica, de modo a criar
possibilidades de ligação entre o pensar e o fazer, de ter uma imagem de si,
que lhe permita condutas livremente elaboradas, e traduzidas em atos do
tipo auto/hetero normativas” (BENETTON; GOUBERT, 2000, p. 12) em seu
cotidiano.
É muito diferente ver o mundo distorcido e ficar torto ou
apenas querer endireitá-lo, do que transitar pelo mundo do
sentir como via de acesso para a construção ou mesmo
reconstrução. [...] é na dependência de sua forma de
relacionar-se que se encontra a introdução das providências
que sua profissão pode abarcar. Ela [a terapeuta ocupacional]
deverá, então, saber o sentido que sua ativa presença
promove no reconhecimento do desejo e da necessidade.
(BENETTON, 2006, p. 103)
Neste cenário, transitar na dinâmica da relação triádica implica uma
atuação improvisada, como sugeriu Mattingly (1998), a partir da ação e
reação do terapeuta e do paciente em Atividades, como pode ser
vislumbrado nas reflexões nos diários de Clarice, Isadora e Mariana.
Entretanto, esta ação improvisada não é aleatória, é guiada por um
raciocínio clínico essencialmente narrativo, como pretendo discutir no
próximo capítulo. Estes improvisos, por nós chamados de procedimentos,
podem ser infinitos na medida em que lidamos com ações e motivos
humanos, mas também podem ser, além de descritos, repetidos, refletidos
e nomeados.
Ao nomear alguns procedimentos utilizados pelas terapeutas
ocupacionais da pesquisa junto a pacientes terminais, e compará-los aos
trabalhos de Mastropietro (2001) e Mastropietro, Santos e Oliveira (2005,
2006, 2008), foi possível perceber que muitos deles estavam descritos
por estes autores. Entretanto, eles foram narrados pelas terapeutas
ocupacionais da pesquisa, iniciantes e experientes, como construções no
improviso, centradas nas necessidades dos pacientes e nas crenças de que
o processo terapêutico é construído na relação. Este fato parece corroborar
com a proposição de que, ao colocar a terapia ocupacional como objeto de
estudo, podemos chegar a algumas conclusões que ofereçam melhores
sustentações para a prática; conclusões que podem ser revistas, refeitas,
204
ampliadas, na medida em que a reflexão sobre os fenômenos da prática nos
possibilitar o acesso a novas pistas.
Nesta direção, a investigação do raciocínio clínico pode ser um
caminho fértil, que propicie o acesso ao pensamento dos profissionais em
processo, dentro dos limites que a explicitação dos aspectos tácitos da
prática nos permitir, e que possibilite elaborações sobre a prática que mais
bem sustentem nossas ações. No próximo capítulo, pretendo apresentar
algumas das construções possíveis ao investigar os processos reflexivos
evidenciados nos diários, e tomados como raciocínio clínico.
205
6 SOBRE A INVESTIGAÇÃO DO RACIOCÍNIO CLÍNICO
Uma das questões que inicialmente motivaram esta pesquisa foi a
investigação dos processos de raciocínio clínico e de seu desenvolvimento,
disparada principalmente pelos resultados obtidos na pesquisa de mestrado.
Desde esta época, tenho me aproximado de uma metodologia de
investigação dos processos reflexivos, e vislumbrava a possibilidade de
relacionar mais diretamente tais processos ao que vem sendo produzido
sobre raciocínio clínico em terapia ocupacional.
Entretanto, ao longo do delineamento da metodologia, o foco da
investigação acabou se ajustando mais à produção grupal decorrente da
aprendizagem colaborativa. A investigação do raciocínio clínico embora
tenha sido o carro-chefe de toda a pesquisa, investigar minuciosamente o
pensamento em um espaço de conforto, esteve presente muito mais como
uma base sobre a qual pudemos assentar nossa conversa colaborativa, do
que a partir de metodologias exclusivas voltadas para a investigação
minuciosa do pensamento.
Deste modo, acredito não ser um abuso dizer que o que foi
apresentado como resultado até agora se refere ao raciocínio clínico e
profissional de terapeutas ocupacionais. Porém, diante de todo o material
produzido neste trabalho, parecia haver mais sobre esta questão a ser
explorado.
O foco da pesquisa do mestrado foi a investigação dos procedimentos
de terapia ocupacional em sua dimensão pedagógica. Investiguei a prática
de uma terapeuta ocupacional experiente, que trabalhava com os
pressupostos do MTOD, por meio de relatos de sessões clínicas. Os
processos reflexivos explicitados nestes relatos, tomados como evidências
de raciocínio clínico, mostraram que as ações educativas da terapeuta
ocupacional estavam centradas em seu modo de compreender as
necessidades de aprendizagem da paciente em suas experimentações no
processo de realização de Atividades
47
e as conseqüências de suas ações
neste processo. Entretanto, o raciocínio clínico explicitado também abarcou
outras dimensões, mais ou menos conectadas à dimensão pedagógica,
como a necessidade de compreender os sentidos da paciente sobre suas
47 O termo Atividades será grafado com a letra inicial maiúscula sempre que se referir ao
instrumento do terapeuta ocupacional, terceiro termo da relação triádica.
206
experiências; o contexto sócio-relacional em que a paciente estava inserida;
a dinâmica da relação terapêutica; e como as ações da terapeuta
ocupacional poderiam guiar a criação de experiências significativas. Estas
outras dimensões não foram aprofundadas na época.
A pluralidade de aspectos inerentes ao pensamento profissional vem
sendo apontada pela literatura da área desde o Estudo do Raciocínio Clínico,
a primeira grande pesquisa em larga escala para a investigação do
raciocínio clínico em Terapia Ocupacional. Nesta pesquisa foram
encontrados tanto modos de pensamento proposicional ou científico,
voltados para a generalização das particularidades, como modos de
pensamento narrativo, trilhados no particular e que se preocupam com as
conexões entre os eventos específicos para explicar os motivos (BRUNER,
1997).
Na área da saúde, o pensamento proposicional, mais característico do
pensamento médico, do diagnóstico da doença ou síndrome a partir dos
sintomas, foi encontrado de uma forma particular nos terapeutas
ocupacionais. Primeiramente, Rogers e Holms (1991) apresentaram o
raciocínio diagnóstico como um tipo de raciocínio voltado para a percepção
e identificação do problema a ser tratado, com as etapas conhecidas do
raciocínio médico de identificação de pistas, geração e teste de hipóteses.
Para estas autoras o problema a ser identificado e resolvido está
relacionado aos déficits funcionais ou do desempenho ocupacional.
Além disso, Mattingly e Fleming (1994) nomearam de raciocínio
procedimental o pensamento voltado para compreender as conseqüências
das condições clínicas na funcionalidade do paciente. Neste sentido, ele se
distingue do raciocínio médico na medida em que está voltado para
objetivos de tratamento, de encontrar os procedimentos mais eficazes para
melhorar o desempenho funcional da pessoa com determinado déficit. É um
raciocínio que vai sendo testado na ão, de forma não linear, ao procurar
encontrar a ação que resultará na melhora da função, mas a partir dos
detalhes da situação particular do paciente.
o raciocínio narrativo, como dito anteriormente, foi considerado o
modo de pensar característico da condução do processo terapêutico em
terapia ocupacional. Como diz Mattingly (1991b), mesmo os terapeutas
ocupacionais que trabalham voltados para a recuperação de déficits, para a
melhora fisiológica, acabam precisando encontrar motivos para fazer seus
207
pacientes aderirem ao tratamento e se exercitarem. Para Mattingly e
Fleming (1994), os dois principais modos de raciocínio narrativo são o
raciocínio interativo, que se apresenta quando o terapeuta se preocupa com
a qualidade de sua interação com o paciente, a partir de diferentes razões,
e o raciocínio condicional, que é um raciocínio social mais complexo, que
procura compreender a pessoa inteira no contexto da vida cotidiana (life-
world), compreender como a pessoa se e vê-la no futuro de modo que a
pessoa possa partilhar essa imagem. É uma produção de sentido no
contexto da cultura e é chamado de condicional, pois depende de uma
condição, a do terapeuta e do paciente se engajarem no tratamento para
que algo possa mudar em alguma direção imaginada.
Outras pesquisas concomitantes e posteriores ao Estudo do Raciocínio
Clínico (BARRIS, 1987; FONDILLER; ROSAGE; NEUHAUS, 1990; SCHELL;
CERVERO, 1993; UNSWORTH, 2004, 2005) também identificaram que os
aspectos ligados ao contexto em que ocorre o tratamento e as
características pessoais do terapeuta ocupacional influenciam o raciocínio
clínico. Schell e Cervero (1993) nomearam este raciocínio de pragmático.
Além disso, questões éticas que envolvem o tratamento, como os
benefícios e os riscos para o paciente; a melhor ação para determinada
pessoa quando o tempo de tratamento é curto; as discordâncias entre o
desejo do paciente e do terapeuta, e também dos demais membros da
equipe, tanto podem ser enquadradas no que se chama de raciocínio
pragmático como também têm sido tratadas como questões específicas de
um raciocínio ético (SCHELL; SCHELL, 2008).
De modo geral, todos os autores têm afirmado que esta divisão em
diferentes focos de pensamento auxilia a investigação e o ensino, mas que,
na prática, eles funcionam de forma integrada. Como vimos em Schön
(1983), a prática profissional é em sua maior parte tácita, intuitiva, e um
dos grandes embates metodológicos nas pesquisas sobre raciocínio clínico
se refere a como acessar os aspectos tácitos (HARRIES; HARRIES, 2001a,
2001b, 2007).
A maior parte da literatura da área (BARRIS, 1987; CREEK, 2007;
FONDILLER; ROSAGE; NEUHAUS, 1990; GIBSON et al., 2000; HAGEDORN,
1996; JENKINS et al., 1994; MITCHEL; UNSWORTH, 2004, 2005; MUNROE,
1996; ROSA; HASSELKUS, 2005; ROBERTSON, 1996a, 1996b; STRONG et
al., 1995; UNSWORTH, 2001a, 2001b, 2004, 2005) tem indicado o uso de
208
metodologias que envolvem a narrativa e a reflexão sobre a ação,
principalmente em situações de inquirição, após a ocorrência da prática ou
em situações imaginárias, como casos hipotéticos. Algumas pesquisas usam
recursos de gravação de sessões de tratamento em áudio e vídeo, e outras
ainda gravam a sessão utilizando uma câmera de cabeça, procurando se
aproximar ao ximo da visão do terapeuta ocupacional no momento da
ação.
De qualquer modo, compreendendo estes resultados como
construções possíveis sobre como a prática é compreendida pelos
profissionais (KINSELLA, 2007a; SCHÖN, 1983), sabe-se que os diferentes
modos de raciocínio clínico apresentam-se integrados na prática (CABTREE,
1998; MATTINGLY; FLEMING, 1994; UNSWORTH, 2005). Mattingly e
Fleming (1994) indicavam que o raciocínio procedimental e o raciocínio
interativo agem conjuntamente. Unsworth (2005) encontrou resultados que
sugerem que os diferentes raciocínios tanto funcionam separadamente,
como em seqüência e também em formas mistas. Ao solicitar que os
profissionais descrevessem e refletissem sobre a gravação de suas sessões
de tratamento, foram encontrados grandes trechos de cada tipo de
raciocínio
48
, e também trechos que mostravam diferentes tipos de raciocínio
em uma rápida sucessão, além de trechos mistos, em que cada excerto
codificava ao mesmo tempo dois tipos diferentes de raciocínio, como um
raciocínio voltado para a função, mas que vislumbrava aspectos futuros
codificado como um misto de procedimental e condicional.
Outras pesquisas (CREEK, 2007; GIBSON et al., 2000; HAGEDORN,
1996; JENKINS et al., 1994; MITCHEL; UNSWORTH, 2005; ROSA,
HASSELKUS, 2005; STRONG et al., 1995; ROBERTSON, 1996a, 1996b;
UNSWORTH, 2001a), têm procurado identificar características do raciocínio
clínico de profissionais iniciantes e de experientes. Como já havia sido
apontado por Fleming (1991), estes estudos confirmam que os profissionais
mais experientes possuem um corpo mais organizado de conhecimentos,
desprezam informações irrelevantes, elaboram muitas hipóteses, são mais
rápidos e utilizam menos esforços para a identificação e resolução de
problemas. Além disso, mudam mais rapidamente de um raciocínio para
48
Ela usou somente as categorias iniciais de Mattingly e Fleming (1994); procedimental, interativo e
condicional; e o raciocínio pragmático, de Schell e Cervero (1993).
209
outro, seu raciocínio é mais intuitivo e tácito, e sua prática tende a ser mais
centrada no cliente.
Em contraposição, os iniciantes tendem a precisar da confirmação de
suas hipóteses pela coleta de dados, ao invés de testá-las, mesmo quando
geram mais hipóteses, tendem a considerar somente uma ou duas delas, e
seu raciocínio é mais explícito, no sentido de demandar um esforço mais
consciente. A prática fica mais voltada para a compreensão do problema do
cliente, e há maiores dificuldades para estabelecer relações entre diferentes
situações ou com referenciais teóricos, pois menor conhecimento de
experiências relevantes às situações.
Neste sentido, segundo a literatura, os profissionais iniciantes tendem
a guiar sua prática utilizando mais o raciocínio procedimental, e o raciocínio
narrativo vai sendo incorporado à prática na medida em que o profissional
ganha experiência, sendo o raciocínio condicional encontrado somente em
profissionais bastante experientes.
Para facilitar a leitura, procurei resgatar a sistematização dos
diferentes estágios de desenvolvimento profissional relacionados ao
desenvolvimento do raciocínio clínico, feita por Schell (2002), apresentada
no quarto capítulo, agora com a indicação do quadro 19.
Não há explicação clara sobre como o terapeuta progride de um
estágio para outro. Alguns autores (LEICHT; DICKERSON, 2001) sugerem
que há influência das características pessoais do profissional, como aspectos
cognitivos, valores pessoais mais igualitários e necessidade de poder e de
controle, outros autores (ROBERTSON, 1996a, 1996b) sugerem que a
diferença-chave não são os anos de experiência, mas sim as habilidades de
reflexão na e sobre a ação e de raciocínio, ressaltando que as experiências
práticas é que podem mudar a representação interna de um problema. Em
complementação, Spalding (2000) sustenta que as habilidades profissionais
seriam melhores guias para o desenvolvimento do que os anos de
experiência, pois ao acompanhar dois terapeutas ocupacionais iniciantes
durante o primeiro ano de prática, ela obteve resultados que sustentam que
o desenvolvimento profissional se a partir de habilidades isoladas, que
podem ser categorizadas como pertencentes a um estágio inferior ou
superior do desenvolvimento, e que não seria possível enquadrar o
profissional como um todo em um único estágio.
210
Quadro 19 Repetição do Quadro 16 - Estágios do Desenvolvimento e
Características do Raciocínio Clínico na Prática de Terapia Ocupacional
Estágio Anos de
Prática
Reflexiva
Características
Principiante 0
Não tem experiência e, portanto, depende da teoria para orientar a
prática. Utiliza raciocínio de procedimentos, baseado em regras para
orientar as ações, ma
s não reconhece indicações contextuais, e,
portanto, não tem habilidade para adaptar regras à situação. Usa o
raciocínio narrativo para estabelecer relações sociais, mas o
informa significativamente sobre a prática. O raciocínio pragmático é
enfatizado e
m termos de habilidades de sobrevida no emprego.
Reconhece questões éticas evidentes.
Principiante
Avançado
< 1
Começa a incorporar as informações contextuais ao raciocínio baseado
em regras. Reconhece diferenças entre as expectativas teóricas e a
apresen
tação de problemas. A experiência limitada impede o
reconhecimento de padrões, conseqüentemente não estabelece bem
as prioridades. Está adquirindo habilidades no raciocínio pragmático
e narrativo. Começa a reconhecer questões éticas mais sutis.
Competente 3
Realiza automaticamente mais habilidades terapêuticas e acompanha
mais questões. É capaz de desenvolver um horizonte comum com as
pessoas que recebem o serviço. Separa dados relevantes e é capaz
de priorizar o tratamento, à luz dos objetivos de alta. O
planejamento é deliberado, eficiente e responde a questões
contextuais. Emprega raciocínio condicional para mudar o
tratamento durante as sessões e para prever as necessidades de
alta, mas não possui a flexibilidade de profissionais mais avançados.
Reconh
ece dilemas éticos impostos pela prática, mas pode ser
menos sensível a respostas étnicas justificadamente diferentes.
Competente
49
5
Percebe situações como um todo. Tem mais experiência, que permite
avaliação mais direcionada, maior flexibilidade no trata
mento.
Combina de forma criativa diferentes condutas de diagnóstico e
procedimentos. É mais atento às histórias ocupacionais e à sua
relevância para o tratamento. Mais hábil em negociar recursos para
atender às necessidades do paciente/cliente. Maior sofis
ticação no
reconhecimento da natureza da situação do raciocínio ético.
Especialista 10 O raciocínio torna-
se um processo intuitivo rápido que é profundamente
internalizado e está incrustado em um extenso repertório de
experiências de casos. Isso permite a
prática com análise menos
rotineira, exceto ao se deparar com situações onde a conduta não
esteja funcionando. Uso muito hábil da história ocupacional durante
a intervenção para promover satisfação prolongada com o
desempenho ocupacional.
Quadro retirado de Schell (2002, p. 86)
Sem a intenção de fazer qualquer mapeamento do desenvolvimento
do raciocínio clínico, no sentido de ver o que pôde ser ampliado em
decorrência do trabalho de aprendizagem colaborativa
50
, ou de enquadrar
as profissionais em estágios, retomei as narrativas escritas nos diários
reflexivos na tentativa de ver o que poderia ser apreendido sobre o
raciocínio clínico das participantes da pesquisa, e quais relações poderiam
ser estabelecidas com a literatura.
49
Parece-me que houve um erro de impressão no livro, pois em outros trabalhos é possível identificar esta
fase como PROFICIENTE, e não competente.
50
Principalmente porque as terapeutas ocupacionais estavam inseridas em um contexto de formação mais
amplo. Além disso, esta não foi a proposta da pesquisa.
211
Deste modo, procurei analisar as narrativas escritas à luz das
mesmas categorias utilizadas por mim na pesquisa de mestrado, como
descrevi no segundo capítulo. Como este processo foi realizado ao longo de
toda a intervenção, mapear estes diferentes tipos de reflexão ajudou-me a
identificar quais participantes estavam se aprofundando mais em suas
reflexões, para quais era mais evidente observar uma ligação de seus
pensamentos com mudanças na prática, e guiar minhas ações formativas a
partir destas informações. Entretanto, ao tentar associar estes diferentes
tipos de reflexão às categorias de raciocínio clínico, deparei-me com
algumas dificuldades, principalmente por não encontrar parâmetros claros
para definir os diferentes raciocínios e porque muitos trechos
apresentavam-se dúbios ou aparentemente sem categoria. Em um
momento posterior, após a finalização da intervenção, deparei-me com a
sistematização feita por Schell e Schell (2008) no Quadro 20.
Esta sistematização, além de definir os tipos de raciocínio, oferece
pistas para reconhecê-los no discurso dos terapeutas ocupacionais. Deste
modo, fiz uma nova tentativa de categorizar os relatos escritos. Neste
momento, foi ficando mais claro onde estava o problema, e ele parecia
estar localizado na definição de três tipos de raciocínio: o diagnóstico, o
procedimental e o interativo.
A conceituação do raciocínio diagnóstico apresentada por Schell e
Schell (2008), como um raciocínio interpretativo ou de análise de causas ou
natureza das condições que requerem a intervenção do terapeuta
ocupacional, não limita este raciocínio à questão da funcionalidade ou do
desempenho ocupacional, como é assumido por grande parte dos autores
que investigam raciocínio clínico. Neste sentido, quando as condições que
requerem as intervenções de um terapeuta ocupacional estão relacionadas
às dificuldades dos sujeitos em sua inserção no cotidiano, os déficits,
mesmo os físicos, sensoriais ou neurológicos (MARCOLINO, 2003;
TAKATORI, 2003; TITO, MORAES, 2007) apresentam-se como condições a
mais para compor o diagnóstico, e não como condições únicas.
212
Quadro 20 –Diferentes aspectos do raciocínio em Terapia Ocupacional
Aspecto do
Raciocínio
Descrição e Foco Pistas para reconhecê-lo no discurso do
terapeuta
Raciocínio
Científico
Envolve o uso de lógica aplicada e
métodos científicos, como teste de
hipótese, reconhecimento de
padrões, tomada de decisões
baseada em teorias e evidência
estatística.
Impessoal, focado no diagnóstico,
guiado por teorias, evidência de
pesquisa ou no que ‘tipicamente’
acontece com clientes , como o que
está sendo considerado.
Raciocínio
Diagnóstico
Raciocínio investigativo ou de
análise de causas ou natureza das
condições que requerem a
intervenção do terapeuta
ocupacional; pode ser considerado
um componente do raciocínio
científico.
Utiliza tanto informações pessoais como
impessoais; o terapeuta tenta explicar
porque os clientes estão vivenciando os
problemas utilizando uma combinação
de informações baseadas na teoria e
baseadas no cliente.
Raciocínio
Procedimen-
tal
Raciocínio com o qual o terapeuta
pondera e usa intervenções para
identificar condições; pode ser
baseado em teorias ou pode
refletir os hábitos ou a cultura da
instituição.
Quando o terapeuta usa procedimentos
ou rotinas de tratamento pensando na
eficaz resolução dos problemas
identificados, os quais são tipicamente
utilizados com clientes naquela área ou
naquela instituição, tende a ser mais
impessoal e guiado pelo diagnóstico.
Raciocínio
Narrativo
Processo de raciocínio usado para
compreender as circunstâncias
particulares das pessoas/clientes,
imaginando prospectivamente o
efeito da doença, incapacidade ou
problemas de desempenho
ocupacional em suas vidas
cotidianas, e criando uma história
colaborativa com clientes e suas
famílias através da intervenção.
Pessoal, focado no cliente, incluindo
passado, presente e futuro; envolve
uma apreciação da cultura do cliente
como base para compreender sua
narrativa e relacioná-la à sua condição
atual.
Raciocínio
Pragmático
Raciocínio prático usado para
ajustar as possibilidades da terapia
à realidade do serviço/instituição,
tais como opções de horário,
pagamento pelos serviços,
disponibilidade de equipamentos,
habilidades do terapeuta,
direcionamentos da instituição ou
da gerência, e a situação pessoal
do terapeuta.
Geralmente o é focado na condição
do cliente, mas em toda a questão
física e social que envolve o encontro
terapêutico bem como o senso interno
do terapeuta a respeito do que ele ou
ela é capaz de fazer e qual seu tempo e
energia para este tratamento.
Raciocínio
Ético
Raciocínio direcionado para
analisar um dilema ético,
geralmente alternando soluções, e
determinando ações que devem
ser tomadas; é uma abordagem
sistemática a um conflito moral.
Tensão freqüente à medida que o
terapeuta tenta determinar qual é a
coisa ‘certa’ a ser feita, particularmente
quando se encontra diante de dilemas
na terapia, em que competição
entre princípios e riscos e benefícios.
Raciocínio
Interativo
Pensamento direcionado para a
construção de um relacionamento
interpessoal positivo com os
clientes, permitindo a identificação
colaborativa do problema bem
como sua solução
O terapeuta se preocupa com o que o
cliente gosta ou não; uso de elogios,
comentários empáticos, e
comportamentos não-verbais para
encorajar e oferecer suporte para a
colaboração do cliente.
Raciocínio
Condicional
Uma composição de todas as
forma de raciocínio no sentido de
responder de modo flexível às
mudanças nas condições ou
predizer possíveis futuros para os
clientes.
Encontrado tipicamente em terapeutas
mais experientes que conseguem ‘ver’
futuros múltiplos, baseado em
experiências anteriores e na informação
disponível no momento.
Quadro retirado de Schell, Schell (2008, p. 7-8, tradução nossa)
213
O diagnóstico situacional (BENETTON, 1994, 2006; TITO; MORAES,
2007; MORAES, 2008), utilizado pelas terapeutas ocupacionais participantes
da pesquisa, é compreendido como um diagnóstico interpretativo das
condições sócio-emocionais e culturais nas quais se encontra o sujeito-alvo,
ao se relacionar fatos e experiências, e que vai se modificando ao longo do
tratamento. Este diagnóstico é feito a partir de um levantamento de
informações sobre quem é esse sujeito, como ele se e como as pessoas
que fazem parte da sua convivência o vêem, tanto frente ao tratamento
como ao seu cotidiano. Além disso, a terapeuta ocupacional lança o da
observação do paciente em ação nos primeiros encontros, como ele faz,
onde e quando faz, qual é seu repertório no fazer. Diante destas
informações, a terapeuta ocupacional delineia um primeiro diagnóstico
situacional dinâmico que guiará seus procedimentos em direção à criação de
uma história potencialmente voltada para a construção de um cotidiano, da
vivência de “espaços saudáveis mentais, físicos ou sociais, observados
através das capacidades e habilidades” (BENETTON; TEDESCO; FERRARI,
2003). Neste sentido, o raciocínio do diagnóstico situacional é muito mais
narrativo (próximo do raciocínio condicional) do que científico, porque está
voltado para identificar e compreender as particularidades das condições
sócio-relacionais e da realidade externa ao sujeito que desfavorecem sua
participação na vida cotidiana.
Nesta direção, o raciocínio procedimental, como apresentado por
Schell e Schell (2008), de estar voltado para ponderar e usar intervenções,
baseado em teorias ou na cultura institucional, entra em conflito com a
proposta de terapia ocupacional que adotamos. Se o foco do trabalho está
na inclusão social do sujeito-alvo, a partir da construção de cotidiano, os
procedimentos do terapeuta ocupacional devem ser guiados pelas
necessidades do paciente/cliente, e em contexto.
Amaro (2009) resgata Benetton (1994) para discutir o termo
procedimentos, como ações intencionais da terapeuta ocupacional para
transitar na relação triádica, a partir do que compreende como necessidade
do paciente e para ampliar sua participação na vida cotidiana. Os diferentes
modos de fazer demandados pela presença das Atividades nesta relação, e
a possibilidade de “criar, produzir, construir e reconstruir história”
(BENETTTON; TEDESCO; FERRARI, 2003, p. 39) fazem com que os
214
procedimentos possam ser infinitos, e alvos de construção constante
(AMARO, 2009; BENETTON, 1994).
Assim sendo, entendo que na minha área específica de
atuação, minha intervenção é sempre pensada e colocada em
ação por meio de procedimentos e esses são as atividades,
as ões e seus modos de serem realizadas, em articulação
com o que provocou que elas fossem feitas dessa maneira,
no contexto em que elas estão sendo efetivadas e ao que
elas têm como intenção, ao serem realizadas da maneira
específica em que estão. (AMARO, 2009
51
, p.47)
Na medida em que estamos considerando o raciocínio procedimental
como a construção das ações intencionais do terapeuta ocupacional para
agir dinamicamente na relação triádica, a relação/interação com o paciente
não se restringe à busca de sua colaboração no tratamento, como
apresentam Schell e Schell (2008). Mas sim, o manejo da relação
terapêutica é entendido como procedimento e, deste modo, implica na
compreensão do terapeuta sobre os aspectos relacionais do paciente, pela
transferência da terapia ocupacional
52
e pela contratransferência, e nos
modos de se colocar na relação para que novas mudanças possam ocorrer.
Embora Schell e Schell (2008) falem sobre a transferência e a
contratransferência na prática, como reações emocionais poderosas e o
ajustáveis a uma pessoa racional, eles apenas ressaltam a importância de
se considerar a influência destes fenômenos quando usam o raciocínio
narrativo, mas não como manejar estes sentimentos e incorporá-los ao
tratamento. Benetton (1994) havia discutido a dificuldade dos terapeutas
ocupacionais em compreenderem e incorporarem estes conceitos na prática
terapêutica. Além disso, o conceito do paciente colaborativo, almejado via
raciocínio interativo, parece oferecer um risco ao raciocínio narrativo, pois
reações não colaborativas ou agressivas podem ser enquadradas como
pouca colaboração ou resistência ao tratamento (FINLAY, 1997;
HELFRIECH; KIELHOFNER, 1994; ROSA; HASSELKUS, 1996) ao invés de
serem compreendidas como possíveis informações sobre o mundo relacional
51
Grifo da autora.
52
Como transferência positiva.
215
e/ou do desejo do sujeito, e passíveis de serem incluídas no processo
terapêutico.
Nesta direção, a partir do momento em que consegui tecer estas
relações, voltei-me para as alises dos processos reflexivos procurando
entender muito mais como se apresentava o pensamento das terapeutas
ocupacionais explicitado nas narrativas, do que criar novas categorias. É
importante ressaltar que a profundidade da reflexão foi bastante variável de
uma participante para outra, mas a intenção foi apenas caracterizar as
singularidades de conteúdo das reflexões
A narração descritiva: personagens, ações e contexto.
Como disse no segundo capítulo, na análise ao longo do processo de
intervenção, lia os diários das participantes e grifava com cores diferentes
os trechos da narrativa a partir das categorias de reflexão. Trechos
descritivos e que não apresentavam justificativas ou razões para os
eventos, ou recortes da literatura, foram classificados como narração
descritiva. Como estes trechos são descritivos, eles apresentam alguns
elementos narrativos da história escolhida pelas participantes para centrar
suas reflexões, principalmente descrições sobre os atores, a ação e o
cenário ou contexto (HAMILTON, 2008).
Grande parte da narração descritiva esteve centrada na descrição dos
pacientes e de suas histórias. Este fato foi surpreendentemente percebido
quando, ao analisar os dados textuais dos diários reflexivos pelo programa
computacional ALCESTE, uma classe discursiva inteira estava focada
somente nas histórias dos pacientes. As principais palavras e radicais desta
classe encontram-se listadas no quadro 21.
Quadro 21 Palavras e radicais da classe 1 da análise dos diários das terapeutas
ocupacionais iniciantes feitas pelo programa computacional ALCESTE
cas+(36), convers+(66), mãe(34), atendi+(108), dizendo(34), diz+(75),
pergunt+(47), atividade+(73), cheg+(44), chor+(18), comec+(65), dia+(42),
família(25), filho+(13), gost+(26), horar+(15), irm+(16), materi+(31), mor+(13),
pai+(18), seguinte+(18), tel+(15), aceit+(21), acompanhamento(7),
agressiv+(12), alta+(13), and+(7), apresent+(19), atendimento individ(8),
bijuteria+(8), combin+(11), comportamento+(9), com+(13), continu+(32),
cont+(52), deit+(7), deixa_l+(7), desenhos(8), desenh+(11), digo(16), fal+(107),
far+(9), fic+(98), grupo de terapia oc(19), hospital(11), intern+(28), ir(19),
letra+(8), madeira(7), marido(7), medica+(20), mes+(17), mulher+(7),
música+(13), par+(16), pec+(11), pedindo(7), ped+(23), pint+(9), porta+(9),
proesq(17), quer+(52), respond+(19), sala(14), semana+(39), sintoma+(8),
teve(22), tia(7), abertura+(6), acompanhante terape(5), amiga+(5).
216
Em geral, eram histórias que envolviam pacientes em situações muito
difíceis, com histórias familiares complicadas, em contextos de pobreza e
falta de recursos, pacientes que não se encaixavam nos programas de
atendimento institucional e, principalmente, em situações relacionais
delicadas com os terapeutas, de agressividade ou de extrema passividade.
“O tempo foi se passando, as tentativas de internação através da mãe de
Fábio eram todas frustradas e assim a preocupação da equipe com sua
situação ficava ainda maior. Os supervisores propuseram então mais uma
visita domiciliar porém agora com o objetivo de TRAZER Fábio para o hospital.
Assim a visita foi agendada com muita dificuldade de a mãe aceitar, pois esta
dizia que Fábio falava que não queria ninguém em sua casa.” (Luiza, terceiro
diário)
“Enfim, Cícera tem conversado comigo sobre a internação e diz que se for o
melhor para ela, aceita. Fala do quanto está difícil, que o consegue chegar
no horário do atendimento porque fica parada, fala que se sente rejeitada
pela equipe, [...] Ao mesmo tempo fala que comigo isso é diferente, pois
mesmo quando ela não vem eu ligo para saber como ela está. E de alguma
forma, eu fui acompanhando esse percurso dela no CAPS e também fui me
sentindo sozinha nesse caso...” (Fernanda, quarto diário)
Como o diagnóstico situacional é descritivo e interpretativo, alguns
relatos de narração descritiva continham uma compreensão mais compacta
sobre a situação em que se encontravam os pacientes. Alguns destes
relatos também apresentavam perspectivas de futuro e creio que podem ser
compreendidos como raciocínio condicional. Neste sentido, podemos
vislumbrar conexões entre o raciocínio de diagnóstico situacional e o
raciocínio condicional.
“Comecei a atender a Lourdes em agosto deste ano, após uma discussão em
míni-equipe, na qual foi combinado que ela passaria por uma avaliação de
terapia ocupacional. Seu caso seria apresentado em setembro em Reunião
Clínica e consideramos importante ampliar a compreensão acerca de sua
situação para a composição de seu projeto terapêutico no ambulatório.
Lourdes é uma paciente nova no Proesq, foi encaminhada no início deste ano.
Tem o diagnóstico de Esquizofrenia Catatônica. A avaliação de Lourdes na
terapia ocupacional ainda está em andamento, já que tivemos apenas 4
contatos até então. Porém, posso apontar algumas percepções que tenho
dela. Acho que algo importante foi a imagem que eu fazia de Lourdes antes de
conhecê-la, por causa da descrição da médica que a atendia. Ela me contou
que Lourdes era uma jovem de 27 anos que havia passado por diversas
internações psiquiátricas. Durante as crises, entrava em um estado de
catatonia, não se movia e nem falava, chegando a urinar e defecar na própria
roupa. Era uma paciente bastante comprometida, muito empobrecida.
Atualmente, reside com o pai e a mãe (que também tem alguma doença
mental em investigação) e não fazia nada durante todo o dia. Frente a esta
primeira imagem, me surpreendi com Lourdes em nosso primeiro contato, não
a achei tão comprometida. Ela foi bastante receptiva a mim e à proposta de
fazer terapia ocupacional, estava bem arrumada, higiene adequada, mostrava
217
um sorriso no rosto durante toda nossa conversa.” (Marisa, décimo segundo
diário)
“Bom, para contextualizar, trarei alguns dados acerca da paciente. Atendo
Luana desde novembro de 2006 no Proesq. Sua maior questão se encontra na
dificuldade de estabelecer relações. É uma paciente que sempre se apresentou
muito hostil no contato, chegando diversas vezes a me agredir verbalmente e
menosprezar meu trabalho e meu papel enquanto terapeuta (tal situação se
repetiu em outros atendimentos que teve como com psicólogos e psiquiatras).
Ela, ao contrário da maioria dos pacientes que atendi, consegue ser
bastante independente, circulando por diversos lugares, cuidando sozinha da
casa, entretanto, não consegue se aproximar das pessoas. Esse então tem
sido o foco dos atendimentos, ou seja, poder trabalhar o que ocorre entre
nossa relação, como verbalizar o que ela vai me despertando, dentre outras
coisas, para que com o tempo ela possa ampliar esse trabalho para as
relações fora do setting terapêutico.” (Clarice, segundo diário)
A narração descritiva também apresenta os contextos em que as
histórias se desenvolveram, principalmente em suas características
incomuns, que contribuíram para que o processo reflexivo fosse disparado
posteriormente.
“O estágio tem a duração de três meses [...] e que, neste trimestre,
conseguiu pacientes após um mês e uma semana de seu inicio. O que reflete
em um processo com menos de dois meses de duração. Além disso, mais uma
particularidade deste serviço contribui para estas minhas sensações que
descrevo aqui: nas supervisões que são interdisciplinares tem-se a exigência
de que a terapeuta ocupacional leve ‘a atividade’, ou melhor, a produção para
a reunião para que todos vejam o que o paciente tem feito. Há, portanto,
certa pressão para que haja um produto.” (Mariana, décimo segundo diário)
As ações que se desenvolveram na história também foram
apresentadas nos relatos de narração descritiva. Nas palavras listadas pelo
ALCESTE, a maioria dos verbos envolve ações de diálogo (convers+,
escut+, diz+, aceit+) e de realização de atividades (apresent+, pint+,
combin+), além disso, palavras relacionadas aos materiais envolvidos
nas atividades (bijuteria, madeira, materi+) e aos espaços de atendimento
(atendimento individual, grupo de terapia ocupacional). As ações aqui não
são apresentadas com suas justificativas, neste sentido, não nos é possível
saber claramente ou inferir seus sentidos.
“Somente após diversas conversas sobre o que envolvia ela entrar em contato
com esses materiais, foi que Maria conseguiu expor sua dificuldade para unir,
durante essa vivência de intensa ruptura que é uma internação, aspectos
saudáveis de sua vida, como o manuseio com materiais apresentados de
início. Com a realização da atividade escolhida pela paciente, a pintura de um
quadro atividade esta que era de intenso domínio de sua parte - e minhas
intervenções, a mesma passou a abordar diversos assuntos que
218
ultrapassavam a questão clínica, trazendo dados de sua vida como
relacionamentos, trabalho, sonhos, família, além de diversas fantasias acerca
da morte. Nesse momento também começamos a abordar sua dificuldade
com relação à equipe, o que lhe trazia tristeza e insatisfação, e tornava a
internação mais desgastante. Maria conseguia escutar as minhas
intervenções, assim como mostrar uma possibilidade de reflexão e posteriores
mudanças na sua forma de abordar a equipe.” (Clarice, nono diário)
A narração descritiva também apresentou poucos trechos em que as
próprias terapeutas ocupacionais relataram situações pessoais relevantes
para uma reflexão futura. Não pretendo apresentar estes trechos, pois
penso que seria uma exposição desnecessária da vida pessoal das
terapeutas ocupacionais, tendo em vista o reconhecimento possível, entre
elas, participantes da pesquisa.
A descrição reflexiva como evidência do raciocínio procedimental
Na etapa seguinte, busquei por trechos que apresentassem a
descrição de eventos ou ações e também justificativas para estes eventos
ou ações, ou o reconhecimento de pontos de vista encontrados em
pesquisas ou na literatura que se contrapunham, classificados como
descrição reflexiva. Além disso, procurei analisar cada trecho tentando
encontrar estruturas similares e identifiquei justificativas baseadas em
julgamentos pessoais, ora na compreensão da profissional (fiz isto, pois
acredito que), ora baseadas na intenção da ação (fiz isto na tentativa de,
com a intenção de); justificativas que se baseavam em teorias e crenças; e
mesmo justificativas com uma combinação de julgamentos pessoais com
teorias e crenças.
Com esta análise em mãos, pareceu-me que eu estava diante do
raciocínio procedimental das terapeutas ocupacionais, das justificativas, dos
motivos explicitados para suas ações. Deste modo, a partir da sua
estrutura, procurei analisar os conteúdos das descrições reflexivas e os
resultados serão apresentados a seguir. O evento ou a ação/decisão da
profissional serão apresentados com grifo cheio
, e as expressões gramáticas
que antecedem as justificativas serão apresentadas com grifo pontilhado
.
A descrição reflexiva pode ser baseada em julgamentos pessoais,
tanto a partir de compreensões da terapeuta ocupacional, como de
intenções. Quando se tratam de compreensões, a principal característica
deste tipo de relato é a descrição da ação ou da decisão da profissional,
seguida de expressões gramaticais que indiquem compreensão, como
219
conjunções ou locuções conclusivas: logo, portanto, por isso, pois;
explicativas: porque, que, pois; ou causais: porque, visto que, uma vez
que, já que.
Os conteúdos destas reflexões indicaram que as ações das
profissionais foram motivadas,
... por aspectos relacionais: pelo desejo de aproximação e continência do
paciente; pelo lugar que deseja ocupar na relação, ou pela
contratransferência ou pela história de vida do paciente; pela percepção do
momento, da condição do paciente naquele momento.
“Ao me colocar no lugar de Pedro, fui percebendo que estar nesse lugar não
devia estar sendo fácil e que tudo isso explicava o clima de vergonha e
timidez que pairou no nosso encontro, e por isso optei por não entrar nas
questões onde pudesse expor ainda mais do que a própria situação que nos
encontramos.” (Luiza, segundo diário)
“Avalio que seria mais interessante que eu fizesse minha própria tela
, que
para fazermos uma exigiria mais trocas entre nós do que era possível
naquele momento.” (Mariana, oitavo diário)
“Vou então pensando que
, mais do que nunca, preciso ser muito transparente
com ele, construir
os atendimentos junto dele, pois ele sentiu-se e sente-se
em muitos momentos à mercê das decisões das outras pessoas.” (Mariana,
décimo primeiro diário)
... pelo diagnóstico situacional; pelo que a terapeuta ocupacional sabe sobre
o paciente, sobre suas habilidades, capacidades e limites.
“Aceitei então escrever lembrando da sua dificuldade em realizar as
atividades, passar da fase de planejamento para a execução, entendi,
portanto,
a importância de sustentar inicialmente esse projeto junto com ele.”
(Luiza, décimo segundo diário)
... pelo desejo de dar continuidade aos procedimentos que têm se mostrado
eficazes.
“... escolho então por deixar para próxima semana, [pois] percebo que tem
funcionado com Marcelo deixar algo pendente, algo que vai ser retomado,
mas que será exposto com o tempo necessário para refletir.” (Isadora, décimo
quarto diário)
Quando a descrição reflexiva acontece a partir das intenções da
profissional, a principal característica deste tipo de relato é a descrição da
ação ou da decisão da profissional, seguida de conjunções ou locuções
220
finais: que, para que, a fim de que, na tentativa de que, com a intenção
que, com o intuito de.
Alguns excertos apresentam as ações motivadas pelo acolhimento,
pela continência do paciente.
“... escolho deixá-la a vontade para falar, tento não interrompê-la e também
não fazer muitos questionamentos, pensando em possibilitar um acolhimento
e oferecer um espaço de cuidado.” (Isadora, décimo terceiro diário)
“Passo a desenhar também
, com o intuito de deixá-la mais à vontade e menos
desconfiada.” (Mariana, quinto diário)
Entretanto, o conteúdo da maioria destes relatos nos leva a perceber
o processo de criação da história terapêutica, são relatos altamente
retóricos e persuasivos, que contém ações das terapeutas ocupacionais
marcadas por intenções que pretendem levar a mudanças no modo do
paciente pensar sobre si, sobre suas ações na vida cotidiana, sobre seu
tratamento.
“Fiz contatos com a família, para saber como estava, marcamos conversas
com a mãe na tentativa de
garantir alguma organização para que ele viesse
para o tratamento.” (Fernanda, quarto diário)
“Tentei colocar que era justamente isso que estávamos trabalhando neste
atendimento: a busca por um novo projeto que lhe desse sentido, lhe
atribuísse um novo papel, lhe motivasse... Mas acho que essa fala teve pouca
repercussão para ela. Fiz essa intervenção
na tentativa de trazer para o
campo do tratamento essas melhoras, para
modificar seu discurso de melhora
mágica.” (Marisa, décimo segundo diário)
“Também peço a ele para não ser injusto comigo, que ele tentasse entender o
que eu estava falando, mesmo que isso fosse difícil para ele (uma tentativa de
também responsabilizá-lo, senão mais uma vez a ‘culpafica toda no outro).”
(Clarice, terceiro diário)
As descrições reflexivas também mostram procedimentos disparados
por intenções investigativas, quando a profissional descreve uma ação ou
decisão e a justificativa se caracteriza como uma intenção de investigar a
situação ou a reação do paciente/cliente. As conjunções também são de tipo
final, seguidas de expressões que denotam intenção de compreender,
investigar: para ver se, para compreender melhor, compreender melhor.
Estes procedimentos investigativos apareceram em pequeno número
nos diários reflexivos, quando apareceram estiveram bastante centrados na
221
intenção de compreender o repertório do paciente e também os sentidos do
paciente sobre o que estava vivenciando.
“... apesar de ter pedido que eu a atendesse, quando abro a maleta de
materiais, olha-os com desdém dizendo-me que eu que escolhesse o que ela
faria, procuro então colocar apenas a opção de duas escolhas
para ver se
consegue fazer.” (Mariana, segundo diário)
“Passo a lhe questionar mais sobre
como estava de fato vendo este
adoecimento, ou se para ele era mesmo um adoecimento. Além disso, queria
compreender melhor como estava compreendendo toda esta situação, como
lia o que lhe ocorria e assim encontrar uma forma de me aproximar mais
dele, de encontrar algum lugar de acesso, alguma demanda dele, que ele
trouxesse ou que poderíamos construir juntos para o nosso atendimento, que
também fizesse sentido para ele.” (Mariana, décimo primeiro diário)
Os relatos de descrição reflexiva também apresentam compreensões
com intenções como justificativas para as ações. A característica destes
relatos é a combinação entre suas compreensões e as intenções em relação
ao caso. Neste sentido, a estrutura gramatical segue os tipos anteriores,
mas de forma alternada.
“... isso me preocupava muito, sabendo da importância da realização da
atividade no caso, devido a
sua dificuldade de sair do verbal entre outras
questões, porém no decorrer dos atendimentos fui achando, a partir das
nossas conversas, uma entrada para a realização de algo que ficasse além do
diálogo, algo que pudesse marcar concretamente os nossos encontros e
conversas. (Luiza, nono diário)”
“Conversamos muito sobre isso, e avalio
a necessidade de lhe oferecer algo
que tivesse a ver com nossa relação e que pudesse ser uma pequena
tentativa de sustentar sua estada em casa, a partir de nossa conversa.
Falamos sobre comida, e ela conta que muito não cozinhava, mas que
gostaria de fazê-lo. Fala de seus pratos favoritos e fico de levar-lhe algumas
receitas para que escolhesse para o fim de semana, para que assim, essa
saída fosse menos assustadora, mais estruturada e conhecida e também mais
saudável.” (Mariana, oitavo diário)
Um outro tipo de relato tipo descrição reflexiva foram justificativas
apresentadas de forma hipotética, ou porque as ações ainda não haviam
acontecido ou tentando mostrar o pensamento que antecipou a ação.
Embora a elaboração de hipóteses seja mais característica da reflexão
dialógica, como será visto adiante, o relato não se caracterizava como uma
volta ao passado, ao contrário, era um pensamento voltado para uma
possível ação futura e suas conseqüências.
222
A estrutura gramatical destes relatos caracteriza-se por apresentar
uma hipótese de ação, com expressões como: fico pensando se, penso em,
pensando se, achava que se, em muitas delas com a conjunção condicional:
se. Embora as ações sejam hipotéticas, as justificativas também são feitas
a partir de compreensões ou de intenções da profissional, conforme
discutidas nos casos anteriores.
“Mas retomando a questão do cuidado, me peguei diversos dias pensando se
eu deveria ligar para ele para saber como está
, na tentativa de mostrar um
maior cuidado e continência nesse momento, ainda mais depois de escutar o
quanto ele ficou feliz e se sentiu cuidado com relação ao médico.” (Clarice,
quarto diário)
“Não sabia muito bem o que fazer, porém achava que se
talvez pegássemos a
tela, a partir dela, Helena pudesse se acalmar, se afastar um pouco do que
estava tão assustador para ela, na medida em que fôssemos falando sobre o
que faríamos, como faríamos, para
depois até podermos retornar ao que
estava lhe acontecendo naquele dia, de um outro jeito.” (Mariana, oitavo
diário)
A descrição reflexiva também pode ser baseada em teorias e crenças.
Estes relatos são caracterizados pela tentativa de explicitar as crenças e
teorias que sustentam a compreensão da terapeuta como justificativa para
suas ações ou decisões. Neste sentido, apresenta uma estrutura gramatical
com expressões que demonstram crença: acho que, acredito que, e
expressões que denotam finalidade, como nos casos discorridos
anteriormente.
Este trabalho não tem a intenção de explorar as diferenças entre
teoria e crenças. Argyris e Schön (1974) sustentam que os profissionais
usam tanto conhecimento teórico que consegue ser explicitado como
teorias-em-uso na prática, de caráter mais tácito e que guiam os
comportamentos mais espontâneos. O que foi possível observar nestes
relatos de descrição reflexiva, foram procedimentos justificados pelo
raciocínio teórico ou científico, pelo conhecimento relacionado tanto a
aspectos da doença como de pressupostos teóricos de terapia ocupacional,
ambos adequados ao contexto do paciente e ao modo de compreender da
terapeuta ocupacional.
“No primeiro atendimento tento refletir com ele se seriam os remédios que
estavam lhe deixando menos feliz ou se poderiam ter outras razões, pois fico
com a impressão que tinha a ver com o fato de estar menos acelerado e
hipoativo por estar saindo de um quadro de mania, e também pelo próprio
fato de ir se dando conta do que lhe aconteceu, do quanto se desorganizou,
223
se expôs a situações delicadas na frente de vizinhos, familiares...” (Mariana,
décimo primeiro diário)
A reflexão dialógica como evidência para os raciocínios diagnóstico,
condicional, ético e para o raciocínio teórico
Além da descrição reflexiva, também foram encontrados trechos que
apresentavam uma volta atrás ao acontecimento dos eventos ou ações e
que pareciam levar a um nível diferente de pensamento, um discurso
consigo mesmo e uma exploração da experiência, dos eventos ou ações,
usando qualidades de julgamento e possíveis alternativas ou hipóteses e
que foram qualificados como reflexão dialógica. Estes relatos podiam tanto
se caracterizar por serem uma reflexão mais analítica ou mais integrativa
de fatores e perspectivas, ou por reconhecerem inconsistências na tentativa
de oferecer razões e críticas.
Após esta primeira identificação, analisei cada excerto procurando
identificar estruturas e conteúdos similares entre eles e foi possível
identificar três grupos distintos: as reflexões dialógicas focadas na relação
teoria-prática; as focadas na compreensão de situações com os pacientes; e
as voltadas para explorar a aprendizagem em processo.
A estrutura gramatical dos relatos tipo reflexão dialógica caracteriza-
se por apresentar expressões que indicam reflexão: acho que, penso que,
senti que, acredito que; e estas reflexões se referem a um evento ou ação
que ocorreu, neste sentido, é possível identificar, no corpo de alguns
trechos, expressões que especifiquem esse retorno ao passado, como: em
momentos anteriores, anteriormente, em outros atendimentos, em
atendimentos anteriores. As expressões gramáticas que indicam reflexão
bem como temporalidade serão grifadas em pontilhado.
Nas reflexões dialógicas focadas em questões teóricas, as
profissionais procuravam explicitar suas crenças e a suas compreensões a
respeito de questões teóricas, ora a partir de situações vivenciadas com
pacientes, em um movimento que ia do específico (pensamento narrativo)
para o geral (pensamento proposicional), ora a partir de questionamentos
centrados na própria teoria. As principais questões teóricas abordadas nas
reflexões dialógicas foram a relação entre teoria e prática do uso das
atividades em Terapia Ocupacional; a função e dos objetivos da atuação da
terapeuta ocupacional; e o processo de terapia ocupacional.
Neste sentido, o movimento das reflexões dialógicas foi o de...
224
... refletir sobre aspectos teóricos a partir do que é vivido na prática,
“Entretanto, muitas vezes sinto que eu mesma tenho dificuldades em dar
limites e contornos. Para mim é muito difícil dizer não, confrontar, por isso
penso ser um tema que tanto me tem chamado a atenção. Em contrapartida,
fico pensando
em discussões teóricas em que discutimos as dificuldades de
discriminação da vivência de alguém com uma psicose, em que exatamente
se faltam os limites e contornos. Muitas vezes não limites do eu para o
outro.” (Mariana, terceiro diário)
... pensar em ações e direcionamentos ao refletir sobre aspectos teóricos,
“Tinha como raciocínio também que o terapeuta ocupacional enquanto
interconsultor possui um papel fundamental de poder diminuir a situação de
estresse em que se encontra o paciente (entendo aqui paciente enquanto
observação das relações, vivências...) e que no caso de Maria um fator
estressor importante estava localizado na relação com a equipe, onde através
de meus procedimentos específicos, era possível reapresentar a paciente, me
colocando como uma ponte para integrar o cuidado.” (Clarice, décimo diário)
... refletir sobre teorias e crenças que guiam suas ações,
“Pensando nessa questão eu acho que na relação triádica e no processo
terapêutico o terapeuta é um elemento fundamental. Fiquei pensando
se nós,
enquanto terapeutas, não pudermos e não “abalarmosas estruturas muitas
vezes cristalizadas dos nossos pacientes, o processo terapêutico perde o
sentido. Acredito que
essas estruturas são figuradas pelos desejos, pelas
escolhas, posições, lugares que os nossos pacientes vão tendo ao longo da
sua vida, no seu cotidiano e que não podem deixar de aparecer no encontro
terapêutico.” (Luiza, décimo quinto diário)
“Pensando bem
, algo primordial que elejo em meu raciocínio, desde um
primeiro contato, seria a busca pelo afeto, por algum elo afetivo que ligue
esta pessoa a mim e vice-versa. Elo este, que em mim me soa como o mais
primordial da relação humana, ou numa relação humana.” (Mariana, décimo
diário)
Unsworth (2005) relata ter encontrado um tipo de raciocínio de
generalização, como uma subcategoria para os diferentes tipos de raciocínio
clínico. Os terapeutas ocupacionais de sua pesquisa pareciam inicialmente
refletir sobre situações particulares com seus clientes e, em seguida,
ampliavam estas reflexões para suas experiências ou conhecimento de
base, fazendo generalizações, em uma sucessão rápida, como um ajuste no
zoom de uma câmera fotográfica. Embora isso demande maiores
investigações, pareceu-me similar a alguns excertos de reflexão dialógica
encontrados aqui.
Em outro tipo de reflexão dialógica, quando a reflexão está voltada
para ampliar as compreensões sobre situações específicas com os
pacientes, as participantes pareceram tanto para ampliar seus
225
entendimentos sobre como aquelas pessoas se encontravam diante de seus
problemas, como a respeito de quais seriam as melhores ações a serem
tomadas nas situações específicas, e em relação a dilemas éticos
vivenciados nos casos. Conteúdos referentes à imagem do paciente no
presente e no passado; à compreensão de aspectos relacionais dos
pacientes; ao que parece estar implícito, escondido na história de vida; do
advento da doença na história de vida; e a como o paciente se relaciona
com o fazer.
Este tipo de reflexão pareceu-me evidenciar o raciocínio de
diagnóstico situacional em ão, quando voltado para alguma questão mais
específica, ou um raciocínio condicional, voltado para compreender o
paciente como um todo e para a imagem de futuro. Diferentemente dos
excertos de narração descritiva, em que as terapeutas ocupacionais
descreviam um diagnóstico situacional do momento, estas reflexões
dialógicas parecem apresentar o movimento do raciocínio, os aspectos em
que o terapeuta ocupacional está voltado para tentar compreender para
agir.
“Acredito que esse é um importante caminho com Joana, o de ao mesmo
tempo possibilitar que toda essa vivência venha à tona e possa ser acolhida e
menos solitária, assim como o de encontrar outras coisas que dêem a Joana
um papel de ser humano, mas não um ser humano que é preenchido por essa
existência delirante, que constrói todo o seu mundo em torno dessa patologia,
mas que possa se constituir, se reconhecer e ser reconhecida como alguém
que além de tudo isso tenha habilidades, potenciais que ofereçam a ela a
dignidade de sentir-se passível de trocas, de experiências, de encontro com o
outro, que não o reduza à questão da patologia e suas conseqüências. Sei que
nossa profissão é a mais indicada para oferecer esses objetivos, mas tenho
encontrado tanta mas tanta dificuldade, pois sinto Joana tão cristalizada
nesse lugar, e ao mesmo tempo em que ela me solicita nas entrelinhas uma
mudança, ela também se sente confortável nesse lugar mais conhecido, e
qualquer caminho a tomar implica em tanto sofrimento.” (Clarice, décimo
diário)
“No primeiro momento, Carla resiste dizendo não querer lembrar do passado,
mas aos poucos consegue dizer os ganhos que teve, e principalmente falar
sobre o espaço da Terapia Ocupacional como o espaço no qual pode falar
coisas que o fala para ninguém. Nesse momento me percebo menos
irritada, começo a ver
Carla como alguém que por algum tempo se mostrou
passivo as propostas oferecidas, negando as possibilidades de ampliação e
que neste momento de uma forma destrutiva estava questionando a
importância e a eficácia deste tratamento (me dou conta
também, baseado
em atendimentos anteriores, onde enfocava a maneira que se relaciona com
as pessoas, que é assim como Carla destrói o tratamento, a forma que vai
destruindo suas relações e que talvez este seja o local, mesmo que difícil para
mim de tolerar, que possa perceber esta maneira enviesada de estar com o
outro).” (Isadora, décimo segundo diário)
226
“Nosso atendimento durou 2 horas. Foi muito intenso, o estar com ela é muito
intenso. Parece que
o filtra o que sente, suas emoções são brutas, o que
sente e pensa simplesmente sai, e muito na e em relação ao outro que está
com ela.” (Mariana, quinto diário)
“Retomando assim a proposta da terapia ocupacional, de fazermos algo
juntos, de discutir outras questões referentes ao seu dia-a-dia, ao fato de não
estar mais trabalhando, sendo que sempre foi alguém muito ativo, que
cinco meses vinha trabalhando no Paraná, em um cargo importante em uma
empresa, voltando para São Paulo somente aos finais de semana. Imagino
que esta abrupta mudança de rotina possa estar lhe causando minimamente
algum estranhamento e algum nível de adaptação a ela.” (Mariana, décimo
primeiro diário)
Alguns excertos também estiveram relacionados a dilemas éticos
vivenciados no processo terapêutico, principalmente relacionados a tensões
entre as condutas pensadas pelas terapeutas ocupacionais e outros
membros da equipe, e que parecem evidenciar aspectos do raciocínio ético.
“Mas o que está me angustiando nessa situação, além de obviamente todo
esse contexto, é que a discussão de contar ou não ao paciente acerca da
gravidade de sua situação não está muito em pauta, os médicos com quem
conversei estão bastante determinados que o certo a fazer é poupá-lo de mais
esse sofrimento, mas não sei se concordo, aliás acho que sou contra, ainda
não sei ao certo, mas penso que
esta situação deveria ser trabalhada com ele,
ele não é mais uma criança apesar de ter apenas 16 anos, e acho que ele tem
o direito de saber, pois é alguém que sempre procurou perguntar e
compreender seu quadro, mas sempre com a esperança de obter uma fala de
que voltaria a andar em breve.” (Clarice, sexto diário)
Outros excertos de reflexão dialógica, encontrados nos diários,
estiveram voltados para ampliar as compreensões sobre a aprendizagem e
o desenvolvimento profissional, e sobre as contribuições da participação no
grupo de mentoria e da escrita dos diários.
“Fiquei com uma sensação de que o diário passado havia ficado curto, e
estava ansiosa por relê-lo, mas temerosa, o fiz hoje. E então me
surpreendi muito, achei-o bem denso e que falei de muitas coisas. Acho que
meu estranhamento foi o de que escrevi muitas coisas e todas densas sem
discorrer muito. Achei
a princípio, que precisaria ter discorrido mais, mas não
consegui. É interessante perceber isso também, às vezes, parece que
tem um
limite interno do quanto adentrar e me aprofundar nas questões que coloco,
principalmente por saber que não preciso esgotar o assunto e o tanto que
penso num único momento de entrega do diário. Saber que vou continuar dali
dias parece que
torna possível um afastamento saudável, para depois olhar
novamente para as mesmas questões que, dentro de mim, já se ampliaram de
uma forma que posso vê-las e discuti-las de um outro lugar. E de repente,
vejo que têm ligações com muitas outras situações que vivencio em outros
atendimentos, e passo a identificar melhor minhas dúvidas e dificuldades.”
(Mariana, quinto diário)
227
“Porque acho a que
muitos momentos de angustia, aflição ou até quando
emprego a palavra desespero, penso que
tem a ver com a dificuldade de
poder ter momentos de maior distanciamento das situações e sentimentos
despertados na relação com o paciente. Além disso, penso
na relação desses
sentimentos com o que discutimos no último grupo, quanto a acreditar que
um outro terapeuta mais experiente, com mais conhecimento saberia o que
fazer, que faria o certo, o que na verdade não é real. Com certeza um
profissional mais experiente tem um repertorio maior de experiências que
pode acessar e usar, mas isso não significa que existe um certo. Acho que
tenho pensado muito estas questões.” (Mariana, sexto diário)
A reflexão crítica como evidência do raciocínio pragmático
Em uma última etapa, procurei por excertos de reflexão crítica,
caracterizados por demonstrarem maior consciência de que as ações e os
eventos não seriam explicados somente por fatores locais, mas que
também seriam influenciados por contextos históricos e sócio-políticos. Em
seguida, ao analisar os conteúdos destas reflexões, surgiram questões
ligadas ao estigma da doença mental e à realidade social como uma
dificuldade para o processo de inserção social de seus pacientes; à
influência de questões institucionais; à hierarquia das categorias
profissionais na área da saúde; e ao tempo de atendimento, como uma
implicação institucional ou da condição dos pacientes, nos casos de
terminalidade. Estas reflexões parecem ser evidências do raciocínio
pragmático, embora também me pareçam estar bastante conectadas às
compreensões e decisões das singularidades do caso.
Além das mesmas expressões gramaticais localizadas nas reflexões
dialógicas, os indicadores para identificar a reflexão crítica estiveram mais
localizados no conteúdo da reflexão, ambos estão sublinhados em tracejado
no texto.
“Isso me faz pensar o quanto a nossa filosofia de trabalho e atuação esbarra
em questões institucionais e também como a questão da hierarquia das
classes profissionais é uma realidade, onde algumas profissões se sobressaem
sobre outras, sendo aqui a classe médica sobre os outros profissionais de
saúde.” (Luiza, segundo diário)
“Escrevo essa frase, pois uma inquietação me acompanha desde então, acerca
do quanto nós terapeutas temos que cuidar de nossos pacientes, ou até
quanto é um cuidado necessário, que não ultrapassa e acaba invadindo o
outro, sua privacidade, seus sentimentos, emoções, momentos mais frágeis,
mais solitários? Penso que
esse cuidado vem também muito ao encontro de
uma preocupação e um conceito ou pré-conceito de que nossos pacientes
psiquiátricos não conseguem decidir por seus atos, não que isso seja uma
mentira, pois acredito que em alguns momentos muitos não são capazes de
fazer isso, mas às vezes me dá uma sensação de universalização desse
228
pensamento, como se fosse uma verdade absoluta que esses pacientes não
têm poder de escolha sobre suas vidas, vidas aqui não só relacionadas à
morte.” (Clarice, quarto diário)
“Meu incômodo permeou a falta de confiança que se faz de nossa avaliação
(não foi a primeira vez que me deparei com tal situação), e com a afirmação
da hierarquia que insiste em continuar em nossa área de atuação,
como se
não fossemos profissionais suficientemente bons para observar e refletir nesse
campo, com essas configurações. Parece que
não conseguimos deixar de
carregar nossa herança na psiquiatria de que nossa profissão vai apenas ao
encontro da ocupação e do lazer, e que não temos capacidade de decidir sem
a presença do psiquiatra sobre qual rumo tomar com cada paciente. Porque
eles podem fazer a avaliação e aí sim decidir se encaminham ou não para
outros profissionais e nós não? Sei que estou em uma escola médica e que tal
situação é apenas uma entre tantas que terei que me deparar e enfrentar,
mas muitas vezes não me sinto carregada de instrumentos para defender
aquilo que acredito. (Clarice, quinto diário)
“O contrato de atendimento do Ambulatório é de apenas três meses, fico
pensando em como aproveitar bem este tempo. Às vezes sinto que esta
experiência está me beneficiando mais do que a paciente e acho isso uma
questão muito delicada. Apesar de estarmos em uma instituição-escola, o
aprendizado não deve sobrepor a assistência.” (Isadora, décimo segundo
diário)
Discussão
Os resultados apresentados neste capítulo favorecem a discussão de
aspectos importantes relacionados ao raciocínio clínico em terapia
ocupacional bem como ao raciocínio de profissionais com menos
experiência.
Em relação à literatura da área, encontramos algumas diferenças
estruturais na conceituação de alguns tipos de raciocínio, muito
provavelmente pela diferença no modo de praticar terapia ocupacional, ou
por diferenças sócio-culturais e de cultura profissional.
Quando estava pesquisando sobre os procedimentos de terapia
ocupacional, deparei-me com a lista de procedimentos da Associação
Brasileira dos Terapeutas Ocupacionais, ABRATO (ASSOCIAÇÃO
BRASILEIRA DOS TERAPEUTAS OCUPACIONAIS, 2007). Esta lista indica
como procedimentos: consulta; avaliação; aplicação de testes; aplicação de
atividades terapêuticas ocupacionais; dispositivos de tecnologia assistiva;
de ergonomia e atividades de trabalho; orientações e capacitações;
consultoria, supervisão, assessoria, apoio, auditoria; e contextos de
atendimento (hospitalar, ambulatorial, domiciliário, de longa permanência,
outros). Na especificação da aplicação de atividades terapêuticas
229
ocupacionais, os procedimentos eram descritos por duas palavras
estimulação e treino de atividades do desempenho ocupacional e de
habilidades componentes do desempenho ocupacional.
Neste sentido, como bem observaram as participantes da pesquisa,
diante da necessidade de categorizar, generalizar e deixar nossos
procedimentos com uma inteligibilidade mais próxima do discurso
biomédico, e também para fins de reembolso dos seguros-saúde, muito se
perde do que realmente as terapeutas ocupacionais fazem na prática.
Tanto a identificação do problema (problem setting), vista no
raciocínio de diagnóstico situacional e no raciocínio condicional, como a
resolução de problemas (problem solving), vista no raciocínio
procedimental, não tiveram seu foco na recuperação da função ou do
desempenho ocupacional. Ao invés disso, o pensamento das profissionais
pareceu estar voltado para compreender as particularidades dos pacientes,
a pessoa inteira no contexto da vida cotidiana, e agir intencionalmente para
a construção de alguma história que possibilite que a pessoa possa ser um
ser humano [...] que possa se constituir, se reconhecer e ser reconhecido
como alguém que além de tudo isso tenha habilidades, potenciais que
ofereçam a ele a dignidade de sentir-se passível de trocas, de experiências,
de encontro com o outro, que não o reduza à questão da patologia e suas
conseqüências (Clarice, décimo segundo diário), ou “... um sujeito em
ação, sujeito ativo em sua vida, alguém que pode se apropriar de seus atos
e assim ser protagonista de sua própria história...” (Isadora, primeiro
diário).
O raciocínio procedimental, na medida em que o consideramos
evidenciado na descrição reflexiva, esteve muito centrado no manejo da
relação triádica. Quando reli os trechos escolhidos para exemplificar as
diferentes formas da descrição reflexiva, listei as ações das terapeutas
ocupacionais e, somente com estes excertos, foi possível perceber que ora
elas estavam mais centradas na relação terapeuta-paciente (respeitar o
momento do paciente, ser transparente, ouvir o paciente, conversar,
interrogar sobre o que pensa de sua situação, conversar com a família
53
),
ora mais centradas na relação com as Atividades (oferecer atividades,
encontrar pistas na história do paciente para sugerir alguma atividade,
53
Poderíamos considerar a conversa com a família e com outras pessoas da convivência da pessoa como
ações para além da relação triádica, na inclusão do quarto termo.
230
sustentar o projeto de atividade, dar continuidade à atividade, falar sobre
ela, oferecer escolhas, fazer a sua própria atividade), e este é justamente o
procedimento que resulta na dinâmica da relação triádica.
Quando o Estudo do Raciocínio Clínico foi realizado (MATTINGLY;
FLEMING, 1994) os resultados mostraram que a interação foi considerada
um aspecto secundário no discurso da maioria das terapeutas ocupacionais,
preocupadas mais em descrever e justificar procedimentos voltados para a
disfunção. Entretanto, a pesquisa revelou que a interação aparecia como
base para a construção dos processos terapêuticos. A ligação entre o
raciocínio procedimental e o raciocínio interativo também é encontrada em
outros trabalhos. Roberts (1996) sugere que o que está sendo chamado de
raciocínio interativo pode ser, na verdade, o conteúdo do raciocínio
procedimental. Munroe (1996) ao analisar decisões clínicas de 30
terapeutas ocupacionais experientes que trabalhavam em prática
comunitária, após observar sessões clínicas e entrevistar as participantes,
encontrou resultados que evidenciaram que mais de 75% das decisões
tiveram justificativas interativas. Ward (2003) também questiona a
definição de raciocínio procedimental com o foco na disfunção e no déficit.
Ao pesquisar a prática de terapeutas ocupacionais na saúde mental, a
autora sustenta que os procedimentos no campo psicossocial são
fortemente baseados na facilitação da interação.
Mesmo quando as descrições reflexivas apontavam para a teoria e
para as crenças das profissionais como justificativas para suas ações, elas
estavam voltadas para as particularidades do caso, para a construção da
história, evidenciando modos de raciocínio mais narrativos.
Nossos resultados também evidenciaram relações entre o raciocínio
diagnóstico e o raciocínio condicional. A partir do momento em que
consideramos o raciocínio do diagnóstico situacional como voltado para
compreender o sujeito em sua vida cotidiana, suas condições sociais e
emocionais em uma cultura, isso o aproxima do que a literatura tem
chamado de raciocínio condicional. Embora este último demande a criação
de uma imagem do paciente no futuro, que guiará a criação da história
terapêutica, a definição de diagnóstico situacional implica que ele esteja
mais voltado para a aquisição de informações e suas interpretações como
guia para o processo terapêutico. O que pode se colocar como uma questão
para pesquisas futuras.
231
Como o foco do trabalho não foi a investigação minuciosa do
raciocínio das terapeutas ocupacionais e os diários reflexivos não foram
utilizados somente como ferramenta de coleta de dados, creio que podemos
considerar estes resultados como construções de terapeutas ocupacionais
extremamente implicadas em conhecer o modo como pensavam e
compreendiam os problemas da prática, em um jogo entre aprendizagem e
investigação. E o raciocínio clínico evidenciado esteve, por todo o tempo,
extremamente centrado no sujeito-alvo de suas intervenções.
Neste sentido, ao retomar a literatura sobre raciocínio clínico de
profissionais iniciantes, percebo que poucos parâmetros sobre os quais
se possa estabelecer uma conversa produtiva. Muitas das participantes da
pesquisa, por exemplo, aprenderam a elaborar um diagnóstico situacional
desde a formação inicial, inclusive em disciplinas voltadas para o ensino da
prática com pacientes portadores de déficits físicos ou neurológicos. Neste
sentido, o raciocínio narrativo e mesmo o condicional parecem fazer parte
do pensamento destas iniciantes.
Ao longo da pesquisa-ação, elas pontuaram dificuldades com suas
expectativas em relação aos pacientes, à criação de imagem de futuro, e
também quando o foco não esteve totalmente voltado para o paciente,
interrompendo a história que estava sendo criada, principalmente por
dificuldades em perceber o que estava sendo pedido a elas. Entretanto,
houve momentos em que conseguiram perceber que o foco na
funcionalidade do paciente, solicitado pela equipe, não estava de acordo
com o que suas compreensões das necessidades sobre as quais deveriam
trabalhar.
Quando o raciocínio abarcou questões teóricas, tanto na descrição
reflexiva como na reflexão dialógica, parece ter apresentado um caráter
muito mais exploratório e investigativo, de entender os conceitos teóricos e
de experimentá-los na prática, e possivelmente de modo diferente do que
seria encontrado em um profissional mais experiente, para o qual algumas
questões (como o uso de atividades) não deveriam se apresentar de forma
tão explícita.
Deste modo, este exercício de investigação dos processos reflexivos
como evidência do raciocínio clínico parece ter apontado muitas outras
questões para pesquisa, e pode oferecer indicações de alguns caminhos que
232
parecem apontar para algumas pistas, como pretendo apresentar nas
considerações finais deste trabalho.
233
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta pesquisa-ação foi construída na interface entre o campo da
Educação, na investigação de um modo de formação assentado na
colaboração, e o campo da Terapia Ocupacional, na tentativa de apreender
e compreender a experiência de cuidar de terapeutas ocupacionais no início
da carreira. Os resultados encontrados possibilitam a discussão de como a
promoção de atitudes investigativas sobre a prática profissional,
fomentadas pelo encontro consigo mesmo (nos diários) e pelo embate com
o outro (nas devolutivas, no grupo) podem disparar processos de
aprendizagem que se configuram como verdadeiras jornadas de
transformação (MATTINGLY, 1998).
Embora as discussões deste capítulo pretendam abarcar a avaliação
tanto de aspectos metodológicos como dos resultados da pesquisa, o
encontro entre o que é educativo e o que é terapêutico, em parte discutido
por mim na pesquisa de mestrado, sustentará algumas destas
considerações finais.
No que se refere à pesquisa, considero que alguns aspectos da
composição metodológica merecem destaque. Deste modo, o uso do
programa computacional ALCESTE, muito mais do que confirmar os grandes
temas conversados no grupo ou nos diários como triangulação dos dados
também ofereceu direcionamentos para a análise. Quando me deparei
com quatro diferentes temas conversados no grupo, busquei nas três
classes de vocabulário identificadas pelo ALCESTE parâmetros para uma
conversa com a minha análise, e foi possível encontrar núcleos comuns que
agregaram os blocos de conversa em três grandes temas. Além disso, a
identificação de vocabulários específicos nos possibilitou ampliar a
compreensão sobre como a conversa se deu no grupo e a consciência
acerca das palavras próprias de nosso repertório profissional para
conversarmos sobre determinadas questões.
A maior dificuldade em assumir somente os resultados oferecidos
pelo ALCESTE foi a impossibilidade de realizar maiores experimentações
com o software, pois ficamos limitadas a apenas uma rodada de análise.
Neste sentido, é importante esclarecer que o programa computacional
oferece uma variedade de informações, como poder ser observado no
ANEXO C, como a identificação de quais participantes foram mais relevantes
234
em determinada classe, ou em qual grupo se deu determinada discussão.
Além de possibilitar que parte dos dados analisados possa ser inserida
para uma nova análise. Deste modo, os resultados poderiam ter sido mais
refinados, ao analisar separadamente o conjunto dos excertos
54
(UCEs) de
cada classe. Além disso, tendo em vista que o relatório final do programa
identifica o participante e o encontro do grupo ou diário
55
relativo cada UCE,
talvez esse procedimento pudesse ter possibilitado a análise do processo de
desenvolvimento dos temas.
Cabe ressaltar que a falta de conhecimentos estruturais referente ao
processo de análise quantitativa, ainda muito comum nas Ciências
Humanas, também se constitui em um elemento limitador para o uso deste
tipo de ferramenta.
Um outro elemento importante na construção da pesquisa-ação foi a
crônica do grupo. A elaboração da crônica possibilitou-me uma imersão
mais profunda no trabalho do grupo, a sensação de descoberta, iniciada
na tarefa de transcrever os encontros, ganhava uma nova dimensão na
medida em que era necessário nomear o que estava sendo discutido. Além
disso, a leitura deste material pelas demais participantes e sua discussão no
início de cada novo grupo pareceu ter favorecido um processo preliminar de
análise dos dados, feito colaborativamente entre pesquisadora, sujeitos da
pesquisa e colaboradoras.
Para os fins da intervenção, a crônica caracterizou-se como o
elemento de reificação da produção grupal, garantindo a continuidade da
história ou memória do grupo. Ela se configurou como elemento promotor
de aprendizagem tanto para os participantes que haviam faltado ao
encontro anterior como para os que estiveram presentes, pois oferecia uma
nova dimensão ao que havia sido construído, como quando fizemos a leitura
da crônica do quarto grupo no início do quinto grupo
56
, quando as
participantes tomaram consciência de como os temas relativos ao universo
profissional poderiam ser trabalhados naquele espaço.
Ainda em relação às questões metodológicas, a utilização do quadro
de análise para a construção da linha do tempo do grupo, proposto por
Grossman, Winenburg e Woolworth (2001), favoreceu a compreensão de
54
Além do relatório final, o ALCESTE oferece relatórios separados com todos os excertos (UCEs) de
cada classe, e inclusive, os excertos que foram excluídos da análise.
55 Estas categorias de identificação são adicionadas previamente pelo pesquisador.
56
Como dito no segundo capítulo, o acordo era de que a crônica fosse lida em casa, mas neste encontro
ela foi lida no grupo, como uma estratégia para trabalhar sobre o que podia ser o trabalho grupal.
235
como a nova comunidade de aprendizagem foi se constituindo e,
principalmente, de quais foram os principais conflitos vividos no trabalho
em grupo. Alguns destes conflitos estiveram centrados na polaridade
íntimo-público, com diferentes variações. Num primeiro momento, a tensão
localizou-se entre o que é íntimo, produzido nos diários individuais, e que
pode vir à tona e ser avaliado pela terapeuta ocupacional-pesquisadora; em
outro momento, a tensão caracterizou-se pelo que é íntimo e será acessado
pelos leitores da pesquisa. Em uma relação menos explícita, esta produção
íntima também pode se tornar pública para si próprio ao olhar para as
minhas análises dos temas discutidos nos diários ao longo do primeiro
semestre, no nono e no décimo encontros, as participantes da pesquisa
mostraram-se surpresas ao perceberem que haviam discutido determinadas
questões.
Este movimento de retro-alimentação, entre grupo e diários, entre a
pesquisa e a intervenção, pareceu ter imprimido um dinamismo às
diferentes produções, possibilitando a construção de uma grande história
coletiva e de trajetórias individuais, que puderam ser acompanhadas de
perto. Para mim, esta foi uma característica fundamental deste trabalho,
presente tanto para os fins da intervenção, do desenvolvimento profissional,
como para os fins da produção de conhecimento.
Ao avaliar meu trabalho como mentora e coordenadora deste grupo,
identifico algumas questões importantes passíveis de considerações.
Mesmo tendo sido professora em disciplinas teórico-práticas em cursos de
graduação em Terapia Ocupacional e tendo coordenado grupos na
assistência em saúde, a configuração deste trabalho me colocou novos
desafios. Um primeiro desafio foi justamente o caráter da prática iniciante
em conduzir uma pesquisa que agregou uma intervenção, que tinha o
compromisso de produzir conhecimento, e que demandou de mim uma
constante atenção às produções no grupo e nos diários como passíveis do
estabelecimento de relações com meus referenciais.
Já na intervenção, tive a necessidade de me manter consciente,
através do meu diário de pesquisa, de várias tensões: a ansiedade por
explicar a pesquisa versus ao tempo de cada participante em produzir o seu
sentido sobre o que estava fazendo ali; o cuidado em o oferecer uma
resposta ou um direcionamento que bloqueasse a possibilidade do
surgimento do novo, que imprimisse a minha visão e impedisse que aquela
236
participante chegasse às suas próprias conclusões; a necessidade de
estudar e buscar leituras nos referenciais teóricos, que me ajudassem a
conduzir meu trabalho, a conversar com uma prática da maneira como o
outro a narrava e a explicava; a humildade em reconhecer que eu não tinha
repertório e posse de alguns significados que me ajudassem a compreender
mais profundamente algumas questões trazidas pelas profissionais
iniciantes, principalmente relacionadas ao trabalho no hospital, pois minha
experiência neste campo era muito reduzida. Esta última questão me trouxe
muitas reflexões sobre a aprendizagem da prática profissional nos moldes
universitários, no sentido de refletir sobre o que autoriza um professor
universitário a ensinar uma prática assistencial quando ele próprio não a
exerce cotidianamente, não vive na pele as angústias e os dilemas dessa
natureza. Eu particularmente tive muitas dificuldades nestas situações, pois
o meu repertório não parecia suficiente, e me vi fazendo muitos exercícios
de imaginação para tentar me aproximar do que seria aquela angústia que
me estava sendo contada e poder estabelecer uma conversa que fizesse
sentido.
Neste percurso, identifico que foi na condução da conversa diário-
devolutiva que me senti em casa, mesmo as dúvidas geradas neste
processo, sobre qual a melhor palavra para expressar o que eu queria dizer,
sobre como responder a uma situação que parecia me pedir uma resposta
prática, sobre como lidar com um relato que me convidava somente a ser
observadora (no sentido de não me convidar para uma conversa), foram
sendo resolvidas na medida em que me voltava para reflexões sobre quais
necessidades eu conseguia identificar em cada participante e como eu
poderia convidá-la a assumir um lugar ativo na sua aprendizagem.
Neste sentido, pude ir percebendo que meu jeito de ser
educadora/mentora estava totalmente imbricado no meu jeito de ser
terapeuta ocupacional, de instaurar uma relação pela transferência positiva,
que afinal é a do professor-aluno, de criar futuros possíveis para cada uma
das participantes e guiar as minhas ações para os fins desejados, ajustando
estas imagens na medida em que novos acontecimentos surgiam, mas
mantendo-as sempre coladas ao desejo de desenvolvimento do outro.
Então, foi inevitável não pensar na ética e na estética proposta pelo
MTOD (BENETTON, 1994; 2006; FERRARI, 2008), de que o que é ético tem
que ser decidido em cada situação, como no convite para almoçar com
237
Luiza e trabalhar sobre uma rota dissonante fora do espaço grupal, e o que
é estético tem que ser nomeado dentro da relação, no que adquire caráter
de funcionalidade, que é produzido e é considerado útil pelo sujeito, e não
em padrões coletivos de normatividade, que no caso do ensino e da
aprendizagem estão centrados na aquisição de competências e habilidades
(VOLICH, 2000).
Neste sentido, embora minhas ações no grupo e principalmente nas
respostas aos diários reflexivos tivessem o caráter geral de fomentar
atitudes investigativas, estimular a reflexão sobre a ação e o compartilhar
como possibilidade de contribuir para a aprendizagem do colega e poder
aprender com ele, estiveram intrinsecamente voltadas para o
estabelecimento desta relação com cada uma das terapeutas ocupacionais
iniciantes.
Nesta direção, um elemento que merece ser discutido é a
configuração deste grupo como um espaço de conforto que, mesmo a
despeito de todos os conflitos, tensões e crises geradas, manteve-se
voltado para a reflexão sobre a prática, sobre o raciocínio clínico, ao invés
de se debruçar sobre as urgências (incêndios) da prática. Mesmo sabendo
que as terapeutas ocupacionais iniciantes tinham muitos espaços de
supervisão clínica e que estas urgências tinham o seu lugar de resolução
garantido, este fato nos leva a pensar que uma característica importante
para projetos que tenham a intenção da investigação sobre a prática
precisam garantir um espaço em que as urgências não sejam o foco do
trabalho. Neste sentido, as supervisões, que são as estratégias mais
utilizadas para a aprendizagem da prática em Terapia Ocupacional
57
,
também podem lançar mão destes espaços sem urgências se é que
muitas delas não se configurem desta forma, o que nos coloca aqui uma
questão para pesquisa.
Outras tantas questões para pesquisa também pode ser encontradas
nos resultados referentes às construções do grupo acerca da tensão
essencial entre desenvolver-se profissionalmente como terapeuta
ocupacional e o cuidar em terapia ocupacional. As questões relacionadas à
competência profissional, às demandas afetivas do terapeuta ocupacional
na saúde mental, à identidade e ao processo de transição estudante-
57 Embora cada vez mais novas metodologias ativas de aprendizagem venham se incorporando aos
cursos de formação inicial.
238
terapeuta, às negociações com os contextos institucionais, muito mais do
que apresentar um mapeamento dos dilemas dos profissionais iniciantes,
colocam-se como temas para investigação, ainda pouco explorados no
universo da pesquisa nacional.
Um outro aspecto relevante para futuras pesquisas é a tensão entre o
tempo cronológico e o tempo narrativo, e como os terapeutas ocupacionais,
iniciantes ou experientes, trabalham para criar experiências significativas
em um tempo que é curto.
Neste sentido, ao colocar a terapia ocupacional como objeto de
estudo, apreendido nas conversas no grupo e nas escritas reflexivas dos
profissionais, algumas questões relacionadas à assistência ganharam novas
bases. As tensões entre a prática em terapia ocupacional e o modelo de
assistência biomédico, descritos em Mattingly (1998) e Fleming e
Mattingly (1994), puderam ser compreendidas à luz de um modo de cuidar
que aparece no mundo público e que, mesmo o tendo um espaço formal
para seu registro, busca uma negociação por reconhecimento e espaço
profissional, de maneira bastante diferente da prática fenomenológica
marginal das colegas norte-americanas. Estes resultados nos permitem
levantar questões sobre como os terapeutas ocupacionais, que valorizam os
aspectos fenomenológicos da prática, vêm negociando estas tensões em
outros contextos no campo da Saúde e também em outros campos de
assistência, não somente em suas percepções das tensões institucionais,
mas principalmente no que é público sobre sua prática.
Nossos resultados também oferecem novas possibilidades de
discussão sobre os dilemas de identidade profissional. Esta questão
constantemente se apresenta para o debate na comunidade da Terapia
Ocupacional (FURTADO, 1999; LIMA, 1999; GALHEIGO, 1999). Embora o
seja nossa intenção neste trabalho tecer relações entre nossos resultados e
a literatura da área, podemos apresentar alguns aspectos na intenção de
contribuir para este debate. Em nossa pesquisa, o dilema da identidade,
que surgiu da insatisfação diante do outro que não sabe o que eu faço,
voltou-se para eu não se explicar o que eu faço. Nesta direção, os conceitos
sobre o uso de atividades, o que é tratar em terapia ocupacional, e a ão
do terapeuta ocupacional foram chamados à conversa, e nomeados
inicialmente como a porta que não podia ser aberta, o segredo, o tabu, o
que eu já deveria saber e não sei, mas que não pode se tornar público.
239
Ao nomear esta tese, pensei muito se deveria colocar um artigo
definido, a porta está aberta, ou um artigo indefinido, uma porta está
aberta. Sem ter a prerrogativa de que a” porta foi aberta, no sentido de
responder a todas as questões, decidi manter a forma como foi dita no
grupo, dada a importância desta construção.
Neste sentido, o desejo de se contrapor ao paradoxo da mágica,
nomeado por Cecília Villares, de ver o resultado, mas não saber explicá-lo,
parece ter encontrado alguns caminhos, tanto nas produções do grupo,
como nas análises dos processos reflexivos, tomados como evidência do
raciocínio clínico das profissionais. Os resultados apresentados no sexto
capítulo parecem indicar possibilidades de investigação para as diversas
terapias ocupacionais, dos modos de proceder, investigar, diagnosticar, e
compreender dos terapeutas ocupacionais na prática, que, nesta pesquisa
foram analisados à luz das proposições do MTOD.
Da mesma forma que anteriormente as terapeutas ocupacionais da
pesquisa já haviam se contraposto ao discurso biomédico, os resultados das
análises de seus processos de raciocínio clínico evidenciados nos diários,
parecem ter corroborado para apresentar aspectos constituintes dessa
prática: a importância das narrativas, das histórias dos sujeitos; os
procedimentos que estão sustentados na dinâmica de uma relação a três
(paciente, terapeuta e atividades); o raciocínio diagnóstico que procura
abarcar o que se sabe do sujeito em seu cotidiano, em seu mundo
relacional, social, e nas suas relações com o fazer; as preocupações éticas e
relacionadas ao contexto institucional, centradas nas necessidades dos
sujeitos; e as relações estabelecidas entre a problemática de seus pacientes
e um contexto mais amplo, que ultrapassa os limites institucionais, de
pensar o estigma, as relações de poder.
Diante deste desvelar e do desejo de se afastar da mágica,
afastamento defendido por Mattingly (1998) ao situar a terapia
ocupacional como “ritual do cotidiano”, foi impossível não me lembrar de
Nascimento (1990) em seu clássico texto “O mito da atividade terapêutica”.
A mágica do mito da atividade terapêutica ou do novo mito da relação
terapêutica desconectada da vida do sujeito-alvo parece não ter mais lugar
como explicação para o acontecer de uma terapia ocupacional. A
investigação do que fazemos, em sua complexidade, parece desvelar como
fazemos e possibilita o estabelecimento de relações entre as construções
240
teóricas já existentes e possivelmente novas elaborações, sem que com isso
precisemos nos afastar da magia, no sentido da poesia, que nosso trabalho
tem.
241
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APÊNDICE A – Exemplo de crônica do grupo
Crônica do décimo quarto encontro do grupo de aprendizagem colaborativa
O grupo teve início às 17h. As participantes começaram falando da
PRODUÇÃO DOS DIÁRIOS, como algo de GRANDE INVESTIMENTO, que
impulsiona a participação no grupo e também a pensar sobre a prática,
desencadeando um movimento cíclico de NOVAS COMPREENSÕES QUE
LEVAM AO DESEJO DE RETORNAR À ESCRITA, da dificuldade inicial de
escrever sobre a prática que vai sendo substituída por um desejo maior de
escrever, trabalho que vem produzindo frutos. Também se falou sobre um
evento que havia acontecido no fim de semana, o fórum Clínico do CETO,
no qual a pesquisadora fez uma apresentação do seu trabalho de pesquisa,
e que também inspirou as participantes a investirem em seus diários.
“Eu queria falar de uma diferença que eu senti, fazia algum tempo que eu não
escrevia o diário, e aí eu escrevi dessa vez e eu acho que eu cheguei diferente
para esse grupo, [...] o fato de não produzir o diário acho que fica um pouco
de fora assim do grupo, [...]”
“[...] acho que eu fiquei muito amedrontada de escrever por conta de ser uma
descrição de caso, [...] eu achei muito interessante depois que eu escrevi o
diário que eu falei de outras coisas que não de um caso específico, o quanto
que parece que abriu a porta, [...] deu vontade, tanto que eu falo desse caso,
e do outro caso, então antes que não podia nenhum, agora pode, não sei, eu
estou pensando muito nessa questão da escrita, assim, do lugar que está
tendo porque fez toda a diferença quando eu sentei para escrever o diário,
[...]”
“Então eu acho que tem sido um recurso que tem facilitado muito a reflexão e
acho que tem feito parte, [...]”
“Mas acho que também, eu estou tentando me organizar mais para fazer os
diários [...] uma sensação muito boa, [...] de dever cumprido, [...] na
verdade é a única coisa que eu to com a sensação de dever cumprido [...]”
“Acho que é a única coisa que eu estou tentando investir é isso.”
“Para mim foi super atropelado, [...] o diário essa semana [...] teve o evento
do CETO [...] depois eu fui para Campinas [...] na segunda de manhã eu
comecei [...] mandei umas seis horas. E daí até conversando com a Mariana
[...] a gente estava conversando sobre uma situação comum, [...] que eu
tinha, [...] escrito, [...] acho que eu estava com esse incômodo do estágio e
tinha tentado falar dele no diário, mas [...] não tive tempo suficiente para me
dedicar e parece que eu não tinha me dado conta do que estava me
incomodando e d conversando hoje, eu nossa, era isso, sabe, era isso,
sobre isso que eu queria falar no diário’ e acabei fazendo outros caminhos,
falando de outras coisas, mas, porque eu não estava conseguindo muito
nomear isso, ‘nossa o próximo quero escrever hoje, agora, sabe’”
“[...] porque o deu tempo de eu ler a sua resposta também, [...] daí eu
vou mandar uma, [...] réplica, [...] para falar do que é que estava me
incomodando, [...]”
254
“[...] esse diário foi muito bom escrever, [...] ver a sua fala no CETO me
despertou várias coisas, o diário era uma coisa que eu gostava de fazer,
[...] no começo eu tinha um horário reservado e no final de semana eu fazia,
depois eu comecei a perder esse horário com outras coisas, depois eu falei
‘nesse estágio eu consigo fazer na segunda de manhã’, [...] aí acho que esse
foi melhor ainda para fazer, [...]”
“É, na verdade eu estava inspirada pelo CETO, sério, eu estava muito
inspirada, foi engraçado como as coisas afetam mesmo o que a gente escuta,
[...] durante o fórum também eu ia tendo rias idéias, ‘nossa, acho que o
diário [...]’”
“Acho que, principalmente a tua fala, mas outras falas também, outras
reflexões, me ajudou muito a pensar... até mais gostoso escrever e pensar em
algumas coisas.”
“Eu consegui resgatar um pouco do outro diário, [...] consegui, [...] continuar
[...] no mesmo tema que eu estava trabalhando, e eu estava muito curiosa
para ver a sua resposta, [...]”
“[...] foram muito inspirados mesmo, não sei se foi o Fórum, o que é que foi,
mas assim, todos estavam muito inspirados, trabalhados, [...] fico pensando
nessa coisa do investimento, é muito legal assim de ver mesmo o
investimento, [...] por outro lado, eu me remeto muito ao grupo passado, eu
tive uma sensação um pouco ruim aqui, e, e eu acho que teve um pouco a ver
com o fato de eu estar muito cansada, muito envolvida numa série de coisas e
estar menos centrada, então quando eu chego e me deparo com a questão do
sofrimento, do quanto foi difícil escrever, pensar no caso, hoje a TV falando
‘olha, eu não consegui fazer’, [...] que tem um risco muito grande [...] de
você mostrar pros outros, de você ver, [...] que significa, [...] questionar [...]
suas concepções, [...] tem muitas coisas que estão implícitas nesse ato, e que
se a gente não tiver a sensibilidade de deixar com que isso venha, [...] fica
muito quebrado, [...] a sensação que eu tive na semana passada do trabalho
que eu tinha feito em cima do trabalho de vocês. para mim ficou um peso de
fala ‘nossa, mas, eh, ôpa! Tem coisas que eu não enxerguei aqui’, eu não
tinha enxergado o quando que é difícil fazer isso, não é um pedido tão fácil,
[...] mas por outro lado, acho que vocês têm falado aqui mesmo é que a
gente tem conseguido colher frutos disso, [...]”
“[...] agradecer mesmo vocês, a fala, o trabalho está sendo possível por
isso. Depois eu passo por email, fiquei com vontade de passar por email o
texto pronto.”
Em seguida, a coordenadora chamou o grupo para conversar sobre o
texto de Marisa em que ela compartilhou uma situação de sua prática. Em
uma primeira discussão, falou-se do quanto é um TEXTO REFLEXIVO, que
convida a entrar no caso e também do CONTEXTO EM QUE A PRÁTICA
ACONTECE, o ambulatório de crise, e das PARTICULARIDADES deste
serviço: a demanda pelo foco do trabalho com o paciente, o tempo curto, a
necessidade de se construir uma relação.
“Como foi? Quem quer falar alguma coisa de como foi ler?”
“[...] é muito interessante até a forma que ela escreveu, [...] te convida a
entrar no caso mesmo, [...] quando você fica perguntando alguma coisa em
relação à atitude dele, [...] eu acho que dá vontade mesmo de parar [...] eu
precisava parar para continuar, porque eu acho que convida muito a entrar,
[...]”
255
“As pausas.”
“[...] o que me chamou a atenção é o quanto que tem uma questão [...] eu
vou chamar de contexto, [...] quando fala Ambulatório de Crise, se
subentende algumas coisas, então acho que muitas das suas reflexões e
inquietações, eu tive quando eu passei no ambulatório, [...] e eu acho difícil
alguém que [...] não tivesse tido, [...]”
“Porque é uma experiência de um tempo diferente, de um ritmo diferente [...]
você tem que encontrar o foco [...] você conversou com o paciente, na
supervisão, ‘[...] qual é o foco? Qual é o foco? Qual é o foco?’ [...] surgem
milhares de coisas na TO, e várias questões, ‘bom, o tempo é curto mas eu
entro com a atividade, vou apresentar o material, para a gente conversar,
e surgir’, é um tempo muito restrito, parece que você não pode pensar,
você tem que agir, pensar, agir, pensar, agir, pensar, agir, e assusta, [...]
Também não dá para gente mexer em um monte de coisas e deixar o cara
falar um monte de coisa e falar ‘bom, eu vou trabalhar isso’, [...] eu acho
meio [...] insano.
“[...] a gente não trata disso aqui, não é’. Sutilmente a gente houve várias
vezes isso, não é.”
Marisa explicitou seu caminho na construção do texto, apresentando
como PRINCIPAIS DILEMAS a questão do curto prazo para o atendimento e
do uso das atividades, das relações entre gênero e atividade no seu
trabalho, explicitando que percebe diferenças no modo de fazer e escolher
de homens e mulheres.
“[...]eu acabei escrevendo dele nesse diário, [...] os três casos que eu tenho
atendido me inquietam muito nesse sentido, [...] eu não estava nem
conseguindo nomear muita coisa, quando você devolve eu acho que dá para
começar a discriminar um pouco o que é que acontece, [...] tem a ver com o
raciocínio clínico, [...] por mais que a gente vá tentando estudar, [...] como
que cada um pensa e tal, tem algumas coisas que talvez sejam comuns, a
gente vai tendo as mesmas, [...] disciplinas, passando pelos mesmos
estágios, a gente vai descobrindo também muito uma singularidade do nosso
trabalho, [...] de como você pensa a TO, de como você pensa a atividade, de
como você pensa o processo, [...] de qual é o seu tempo também, porque é
isso você es entrando numa relação [...] ‘bom, então apresentar a
atividade, apresentar o material, e eu me pego em questões assim ‘mas o
que é a atividade, mas o que é o material?’ ou ‘o que é que a gente chama de
atividade, não é? [...] atividade é o material?’, [...] eu tenho me pegado, [...]
nessas questões, [...] eu estou muito em conflito [...] se eu acredito na
forma, nesse raciocínio clínico que é o tempo todo proposto e cobrado, [...] e
como que eu de alguma forma negocio isso, como que eu minimamente cuido
de quem está ali, porque assim, tudo bem, eu estou para aprender, [...] o
quanto parece que muito mais a gente que aprende com eles do que de fato a
gente cuida, porque pensar um mês [...] e três semanas, [...] então no meio
disso, pensando então que tem um contexto, [...] esse ambulatório que é
assim, que tem essas características, como tratar um raciocínio clínico, [...]
Não sei, e aí até uma coisa que eu abro meu diário falando, na verdade eu
achei que eu ia falar de questões e eu acabei indo por outro caminho, [...] vou
pensando com relação às diferenças de gênero, [...] homem e mulher, [...]
será que [...] vão ser vividas da mesma forma por um, pelos mesmos
materiais, pelas mesmas propostas, pela mesma forma de apresentação, de
convite a fazer algo juntos, [...] da própria dinâmica da pessoa, [...] do ritmo
de vida, da dinâmica de vida, [...] que é que ela entende por fazer junto, [...]”
256
“E essas coisas do nero e do ambulatório de crise e tal, [...] como é que
vocês entenderam as colocações que ela fez e com este caso, [...]”
A partir deste momento, o grupo voltou a conversar para os DILEMAS
presentes em nas práticas das participantes em relação a como usar,
manejar as ATIVIDADES NA PRÁTICA TERAPÊUTICA, sobre qual a
ESPECIFICIDADE DA TERAPIA OCUPACIONAL em relação a outras
profissões que também usam atividades e, principalmente, sobre o
IMPACTO DESTAS QUESTÕES NO SEU COTIDIANO PROFISSIONAL. As
participantes falaram da FALTA DE CLAREZA em saber como e porque estão
usando as atividades, das diferenças entre a prática aprendida na
FORMAÇÃO INICIAL E A EXIGIDA NO COTIDIANO PROFISSIONAL atual, do
SENTIMENTO DE INCOMPETÊNCIA vivido por não saberem explicar o que
fazem, embora na prática se sintam boas terapeutas ocupacionais.
Num primeiro momento, apareceu a dificuldade de DISTINGUIR
ATIVIDADES E MATERIAIS, e o dilema sobre a necessidade e também a
FALTA DE CLAREZA ao usar as atividades e os materiais na prática do
terapeuta ocupacional, e o quanto este dilema pode INTERFERIR NO
RACIOCÍNIO CLÍNICO.
“[...] eu me identifiquei com uma questão [...] que é uma coisa que eu tenho
penado muito, [...] no rum do CETO [...] o CETO é um lugar que fala
muito sobre a atividade, [...] é uma coisa que eu sempre acho que eu penso
pouco, [...] desde que eu comecei a [...] especialização, [...] todo lugar que a
gente passa cada um com um tipo de atendimento, [...] desde que a gente
começou [...] o grupo, [...] eu acho que eu falava, pensava pouco na questão
da atividade em si, dessa coisa do material, [...] eu não tive uma faculdade
[...] que falasse assim a atividade, [...] teve uma coisa muito maior, acho que
vem desde a nossa formação, desde a graduação, depende muito do enfoque
do curso que você faz, [...] porque quando eu cheguei aqui, a gente vê, [...] a
questão da caixinha de madeira, da tela, da tinta, disso tudo, [...] eu falei
‘nossa, acho que é isso que eu tenho que usar, não é?’ que quando você
pega aqueles pacientes que [...] você oferece e não sei se é porque não
discorda muito, você oferece e eles vão e escolhem alguma coisa e tal,
está tudo tranqüilo, [...] e esses pacientes que você não consegue entrar, [...]
com o material e fica sempre aquela [...] e o material, e o material?’ Eu pelo
menos fico pensando, e foi o que eu escrevi no meu diário dessa semana, que
o paciente que eu atendo no PROESQ, ele, eu não imagino como é que eu vou
fazer para entrar com material com ele um dia assim, [...] eu não consigo
imaginar o meu paciente do PROESQ fazendo alguma, pintando uma caixinha
de madeira, sabe, assim, eu o sei nem como chegar nisso e isso assim fica
na minha cabeça, [...] ‘eu preciso fazer isso?’”
“Tenho que chegar nisso? Não tenho? E os outros profissionais também ficam
‘e aí, quando você vai fazer atividade com ele? Quando que você vai fazer
atividade?’ E aí eu fico ‘[...] será que eu preciso fazer atividade?’”
“Porque é cobrado também na supervisão que você leve a atividade.”
“[...] o lugar pede isso, e é meio difícil porque [...] o facilita uma reflexão,
[...] é muito mais voltado para o ensino, então você podia pensar, então é
que eu posso falar do procedimento, [...] investigar, refletir melhor, mas eu
não sinto que tem espaço lá, quando eu passei [...] não tinha uma
supervisora de TO específica, tinha duas psiquiatras, uma assistente social
que queriam ver a atividade e interpretar, enfim, então acho que é um
contexto diferente não ter esse espaço, [...]”
257
“A atividade a partir da concepção delas.”
“Eu acho que tem duas coisas aqui, [...] tem uma questão que é: tem um
espaço, que talvez o se restrinja à questão do ambulatório de crise,
porque talvez tenha uma cobrança, de uma maneira geral, dos outros
profissionais em achar que como você é terapeuta ocupacional e [...] da tua
relação com o outro surge um produto, [...] e normalmente isso é legal, [...]
tem uma compreensão de que isso produz algum resultado, [...] Isso é uma
coisa que está aí no ambulatório de crise, me parece que isso é muito
presente e talvez não lá; e uma outra coisa, é que eu acho que se traduz
em duas perguntas que talvez a gente possa tentar investigar se são as
mesmas que é será que eu preciso fazer atividade?’ ou será que eu preciso
usar material?’ e se isso é a mesma coisa?
“[...] eu digo por mim, porque eu acho que essas perguntas, pelo menos para
mim, enquanto terapeuta ocupacional eu não tenho essa resposta, [...] talvez
seja uma falha minha de, eu não sei, e aonde que, nossa eu quero fazer CETO
porque algum, eu não tenho tão certo porque e se eu tivesse certeza, eu acho
que eu ficaria mais tranqüila.”
“[...] isso é um conflito.”
“É.”
“[...] será que isso atrapalha o seu jeito de pensar com os pacientes, que fica
esse fantasma de que você tem que usar, fazer e?”
A partir dessa discussão, a coordenadora propôs um EXERCÍCIO DE
IMAGINAÇÃO sobre a prática do terapeuta ocupacional o grupo começou a
conversar sobre ESPECIFICIDADE PROFISSIONAL. A situação de CRISE em
relação ao uso de atividades começou a ser explicitada, primeiramente a
partir da consciência de uma das participantes sobre MODOS DIFERENTES
DE SER TERAPEUTA OCUPACIONAL, um aprendido durante a formação
inicial e outro que lhe é demandado na especialização. Além disso,
começaram a conversar sobre ELEMENTOS QUE ESPECIFICAM A TERAPIA
OCUPACIONAL: o encontro, o uso da atividade em contraposição ao olhar e
aos objetivos, a ação, o corpo do terapeuta no fazer junto.
“[...] vamos fazer [...] um exercício de imaginação, [...] fechar o olho e ter
essa imagem de terapeuta ocupacional atendendo. Que imagem vem?
“Difícil.”
“[...] básico assim, é o encontro.”
“[...] me veio a sala do PROESQ, eu acabei também de sair de um
atendimento no PROESQ, mas era isso, assim, eram duas pessoas, uma
sala.”
“Com um monte de coisa ao redor.”
“[...] armários, materiais.”
“Nossa, eu, acho que é por causa da minha graduação. Na minha graduação
[...] é totalmente diferente, [...] porque a gente tinha uma coisa muito na
comunidade, [...] então, nossa eu vejo um [...] grupo de pessoas, eu vejo
muito um grupo, [...] fazer coisas junto, [...] na minha graduação não tinha
258
assim atendimento, a gente ia nas comunidades carentes, a gente fazia festa
junina, [...] a comunidade estava com um problema [...] de esgoto, a gente ia
na prefeitura com eles, pegava um membro da comunidade, criava
associação, então, na minha graduação ficou muito presente essas coisas,
eu cheguei aqui, é outra coisa, [...] é muito do contexto que você está.”
“[...] é uma justificativa, mas de qualquer maneira isso te gera um conflito.”
“Gera total, [...]”
“Talvez você possa cuidar disso, [...] num primeiro momento a gente costuma
fazer a imagem do ideal, [...] encontrar que elementos são esses e onde é
que isso tem a ver, não é?”
“Acho que a minha crise é isso, agora que caiu a ficha, que eu vim de um
contexto completamente diferente, acho que foi muito diferente estar aqui,
ver essa clínica mesmo, eu acho que eu não estava acostumada com a clínica,
sabe, [...] quando pensa em TO eu não vejo uma sala, por exemplo.”
“Acho que é a minha crise.”
“Mas eu acho que [...] a crise, até essa questão das terapias ocupacionais,
[...] depende muito do contexto [...] da população, [...]”
[Neste momento, uma das colaboradoras chega para o grupo.]
“[...] eu acho que, [...] esqueci o que eu ia falar, [...]”
“[...] acho que é, [...] minha crise, [...] da terapeuta ocupacional.”
“[...]a minha crise, [...] é pensar isso, [...] o que é que é o diferencial, porque
eu acho que se fala muito [...] que é o diferencial é a atividade, e daí tem
essa diferença de atividade e material, e que às vezes as pessoas confundem
achando que então o diferencial da terapia ocupacional é trabalhar com o
material, [...] a atividade assim, enquanto, [...] sei lá, não sei [...]”
“[...] para mim não faz tanto sentido dizer que a diferença, o diferencial da
terapia ocupacional é a atividade, [...] porque se for falar então que, [...]
quando a gente fala, [...] a gente esfazendo atividade, então o psicólogo
também está fazendo atividade, e daí, eu acho mesmo que o diferencial é o
olhar, é o objetivo que a gente estrabalhando [...] e da gente pode usar
os recursos que a gente quiser, [...] a gente pode usar material, a gente faz
atividade, a gente faz na sala, a gente vai na comunidade, [...]”
“Eu acho que é a ação, [...]”
[UMA DAS PARTICIPANTES COMEÇA A CHORAR]
“Mas é, é muito difícil, [...] definir.”
“Que independente de que ação, [...] porque por exemplo pensando no que
eu pensei como imaginário, é você es lá, o nosso corpo também é, de
certa forma, um instrumento, assim, para você está agindo, [...] estar com
o outro enquanto corpo mesmo, [...] e a gente faz junto assim.”
259
O grupo continuou a investigar os CONFLITOS relacionados ao uso de
atividades e à terapia ocupacional. Exploraram SITUAÇÕES VIVENCIADAS
NO COTIDIANO profissional: uma situação em que um paciente trouxe uma
atividade que fez em casa e outra na qual os pacientes se apropriaram do
nome terapia ocupacional ao fazerem atividades, sem a presença da
terapeuta ocupacional. Neste sentido, falou-se da apropriação, por parte
dos pacientes, do que é terapêutico e de nomear isso em outros contextos,
e do quanto isto poderia estar sendo sentido como desqualificador.
“[...] faz junto, posso dar um exemplo essa coisa da ação, [...]”
“[...] no texto hoje é da dificuldade de fazer com que ele faça algo com você,
não é?”
“[...] ele fica muito falando da doença, do sintoma, [...] de que ele acha que o
remédio está piorando e a Mariana vai levantando as hipóteses, e aí a
Mariana vai tentando dizer para ele que o objetivo ali era deles construírem
um projeto juntos, de fazer algo juntos e tal. Na outra sessão ele chega com
um pão feito, e fala assim ‘olha, eu fiz o que você pediu’.”
“O que você mandou.”
“Chega com um pão, [...] ele esteve em ação, não esteve? Ele usou materiais,
não usou? E aí?”
“Daí não tem encontro.”
“Não tem a terapeuta.
“Não tem a relação triádica.”
“Não tem o seu corpo na relação. É que nem lá na Enfermaria.”
“Tem a maior questão lá na Enfermaria que é parecida com isso. Se os
pacientes tão, [...] pedindo os materiais, a paciente falou com todas as
palavras que a gente tem que deixar os materiais pros pacientes fazerem
atividade, fazer terapia ocupacional.”
“[...]mas é muito difícil, é realmente um conflito, que pega muito na gente
porque pelo menos eu entendo que o meu instrumento de trabalho é a
atividade, então, é muito complicado falar que eu não sei nomear, eu não sei
conceituar, eu não sei como eu uso, é difícil, eu acho, escrever um caso é
difícil por isso, tem coisas que eu falo ‘ah, ah propus, mas não consigo pensar
de onde veio’, acho que é muito, muito ralinho, a, a experiência com a
atividade na minha prática. E aí na Enfermaria a gente começa a discutir e eu
falo assim ‘não, mas tem uma função ela ficar com o material, porque com o
material ela é saudável, é o único momento saudável quando ela está fazendo
crochê’, tanto que com a agulha de crochê e com a linha ela nunca se
enforcou nem se furou, agora qualquer outra coisa, inclusive de comer, ela se
acaba, então, tem uma função terapêutica deixar os materiais com ela,
realmente a gente deixa, só que aí eu não to lá com ela na atividade.”
“Então, é terapia ocupacional.”
“É? Daí ela traz, ela traz o entendimento dela, porque ela leva pro grupo que
todo mundo tem que fazer terapia ocupacional, então para ela, ela está
fazendo, e eu já não sei se ela está fazendo ou não, que eu acho que tem uma
função, não acho que é qualquer coisa, entendeu, [...]”
260
“Mas será que ela não está falando do que acontece na terapia que é
terapêutico, [...]”
“[...] que é terapêutico para ela, a gente percebe, tem uma coisa saudável
que para ela é ficar com todos os materiais, mas aí isso não é a terapia.”
“Entretanto, se ela quiser chamar de terapia ela vai chamar.”
“A quem isso incomoda?”
“À terapeuta.”
“[...] teve uma das histórias do [...] moço policial, onze homicídios e que [...]
aceitou ser preso, ele é professor de terapia ocupacional, no presídio. Quer
dizer, qual é o lugar disso, o que uma terapia ocupacional de quatro anos fez
com ele, que aí ele se apropria disso e diz que ele, hoje ele é professor de
terapia ocupacional lá dentro. A quem isso poderia incomodar?”
A partir de uma das situações práticas trazidas, a discussão caminhou
para as compreensões sobre COMO OS PACIENTES PODEM ENTENDER DO
CONVITE PARA FAZER JUNTO, para fazer atividades, a partir da história de
vida de cada um e da compreensão possível naquele momento.
“E o pão? É terapêutico?”
“[...] a questão, [...] não foi tanto ele ter feito o pão fora ou não, mas ele ter
feito porque ele acha que eu mandei, [...] do quanto que ele está dentro ou
não [...] do quanto que ele vai entendendo esse momento que ele está
vivendo, se ele está entendendo que aqui é um tratamento [...] que é um
momento de que ele precisa, [...] de um cuidado, que isso pode voltar a
acontecer e, e me parece que ele vai fazendo muito para nos agradar [...]
muitas vezes é até interessante [...] esse trânsito entre o setting e o fora e
ampliar, e como que isso pode ir entrando, então ele foi e falou com a mãe, a
mãe deu uma receita, mas assim, o que me preocupa [...] é como que ele
está vivenciando tudo isso, que a impressão que eu tenho é que ele faz
porque ele acha que ele vai me agradar e que é, é isso que eu espero dele.”
“Que eu até te perguntei o que é que isso diz dele, porque com essa idéia o
que você também consegue entender dele? [...] voltando para a gente tentar
entender o raciocínio da Mariana, o que eu perguntei, ‘mas o que é que você
sentiu disso?’ então ela fala ‘eu acho que ele tentou me agradar’, [...] será
que é uma tentativa de se aproximar que ele consegue, do jeito que ele pode,
que ele entende? Porque também não é fácil, [...] para alguém que talvez
nunca fez junto, que é que é? E eu conto até uma história [...] eu fui [...]
num espetáculo de dança interativa, com meu marido, [...]”
“Então eu fico pensando que, às vezes, fazer esse convite para algumas
pessoas é compartilhar momentos, reflexões muito distantes.”
“Eu estava pensando que essa fala dele [...] ‘eu fiz o que você mandou’
poderia ser dentro de um entendimento que a minha terapeuta sabe o que é
bom, ela estudou para isso, [...] e se ela disse para eu fazer alguma coisa é
porque deve fazer bem’, como uma prescrição, um remédio, [...] somos todos
doutores [...] em relação a como é que ele legitima, como ele pode legitimar
uma proposta sua dentro de uma forma de entender que faça sentido, é com
código que faz sentido [...]”
261
A partir desta conversa, tanto a pesquisadora como a colaboradora
apresentaram uma compreensão sobre a questão da atividade, não como
uso de materiais, mas o ENTRAR EM ATIVIDADE, no sentido de haver
AÇÕES DO TERAPEUTA OCUPACIONAL PARA AJUDAR O PACIENTE A SE
COLOCAR EM ATIVIDADE, em experimentações que possibilitem o
aparecimento de mudanças. A questão da ESPECIFICIDADE PROFISSIONAL
é retomada a partir de um paralelo entra a linguagem usada por psicólogos
e por terapeutas ocupacionais, principalmente em uma compreensão de que
o terapeuta ocupacional usa o recurso da linguagem bastante centrado nos
PROJETOS DE VIDA, nas possibilidades de reconstrução de MODOS DE
ESTAR NA VIDA, de se tornar PROTAGONISTA de sua vida.
“[...] ‘bom, como é que é entender isso? E aí, voltando para a questão da
ação e da atividade, dos materiais que parece que fica um engodo, [...] para
mim faz muito sentido quando é que a pessoa entra em atividade, e para
mim, entrar em atividade, também significa entrar na relação, [...] às vezes
eu escuto vocês falando [...] tem uma ligação muito forte com fazer
atividades/produtos/materiais, entende?”
“[...] é um trabalho difícil esse de [...] fazer com que essa discussão saia [...]
do etéreo, [...] e venha para um lugar que a gente consiga conversar. Eu vou
tentar falar um pouco [...] do meu processo de pensamento, das minhas
hipóteses, [...] eu acho que tem uma coisa muito forte de atividade
relacionada a produto material, de que o paciente é quem escolhe o que ele
faz, [...] e de que se ele não faz uma atividade isso é um dilema, uma
atividade enquanto um produto material, [...] a minha pergunta é, [...] se o
que ele escolhe fazer, vamos dar esse exemplo do falar, eu quero falar sobre
isso, eu quero falar da doença, só quero falar, e falar, e elaborar [...]’, [...] se
esta escolha dele o que é que isso significa em relação à possibilidade do seu
trabalho com ele, [...] quando ele escolhe algo, [...] se ele pode escolher
qualquer coisa, mesmo que com essa escolha ele possa se manter no mesmo
lugar imutável, se a atividade também pode entrar nesse lugar, por que de
repente ele está fazendo um produto, mas isso pode significar que ele fique
absolutamente no mesmo lugar, que escolher aquilo é não possibilitar
mudança, [...] e que também, [...] fica muito nesse dilema da atividade
enquanto algo que é externo [...] à tua ão diante daquilo, enquanto
terapeuta, de entender como é que você pode usar, manejar, entender aquilo,
usar como instrumento mesmo [...]”
“[...] qual que é a atuação, [...] para fazer com que aquilo [...] possa se
tornar uma experiência significativa, possa ter um lugar, [...] como é que é
você ajudar o outro a se colocar em ação? [...] numa ão que tenha esse
caráter de possibilitar que o novo apareça, [...]”
“[...] eu estava pensando quando a Marisa falou, [...] você chega [...] num
beco sem saída e você leva que a linguagem de uma atividade compartilhada,
então estamos usando a linguagem, estamos fazendo atividade, então o
psicólogo também então, eu estou fazendo terapia ocupacional?’ [...] essa é
uma conversa interessante e eu acho que não é assim que acontece que a
maioria das pessoas que trabalha com o registro da terapia diferente da
nossa, da terapia interpessoal que usa a linguagem em si, não qualifica desse
jeito, não usa a linguagem como atividade.
“Não tem essa preocupação que nós temos, por que nós temos essa
preocupação? Se um dia chegarem a ter essa preocupação, talvez nós
tenhamos que sentar para conversar e falar ‘bom, qual é a diferença?”, mas
por enquanto essa diferença é na medida em que a gente trabalha com esse
registro, isso nos permite, mesmo quando estamos com um paciente [...]
262
numa atividade de conversar, nos permite ter uma aproximação praquilo que
está sendo dito que é não vou atrás de entender algum elemento do
inconsciente que se desperta nessa relação que faz com que ele fale ou ou
fique ou projete [...] mas a gente se mantém sempre com um pé naquilo que
está sendo dito que é o que amarra com a realidade, que projeta uma ação.”
“Não é uma qualquer conversa.”
“[...] não é uma investigação sobre os processos que essa pessoa tem de
percepção de si, de constituição de self, de relação com o mundo, mas é estar
nela, imerso nela, e através disso, [...] auxiliar essa pessoa a se ver e, [...], e
se mover nas suas ões, nos seus projetos, nas suas atividades, [...] então,
é uma diferença que é sutil em alguns momentos, mas é, eu teria muita
vontade de fazer uma experiência de registrar uma mesma fala de um
paciente e qual seria a conversa que um psicólogo daria em continuidade e a
que nós damos, porque é diferente, a gente embarca em caminhos diferentes,
e a gente chega a lugares diferentes talvez, o efeito terapêutico tanto pode
funcionar aqui, [...] tem muitas coisas que funcionam paras pessoas, que são
terapêuticas, a nossa não é exclusiva, não é um caminho exclusivo, mas é um
caminho, é um caminho que ajuda as pessoas [...] a reconstruírem, [...] um
estar no mundo em que elas sejam mais protagonistas, [...] é um fio condutor
importante. E é uma questão de qualificação, da mesma forma como o teu
paciente se apropria daquilo dizendo que ele faz terapia ocupacional, ele acha
que ele faz isso e se isso faz bem para ele, [...] ele está levando essa
experiência.”
“Ele está levando isso para vida dele, e a gente sente isso como
profundamente desqualificador.”
“[...] porque eu acho que existe um discurso que é desqualificador, [...] na
nossa prática, que nos atrapalha, que incomoda, não é, ‘ah, faz aí uma terapia
ocupacional’.”
O grupo validou as colocações da pesquisadora e da colaboradora, e
colocou a questão sob o ponto de vista do CRESCIMENTO PROFISSIONAL,
do quanto a maturidade pode levar a uma maior tranqüilidade no que se
refere à ESPECIFICIDADE PROFISSIONAL, a partir das experiências vividas
e refletidas.
“[...] que é isso, não está longe do nosso pensamento isso que a gente está
conversando hoje, faz total sentido o que você está falando, o que todo
mundo está falando, então se faz sentido é porque tem algo dentro de mim
que diz isso, mas por que é que quando eu estou na prática isso me pega de
um jeito que parece que é um vírus que você de uma respirada, você se
contaminou, ‘mas, o é terapia ocupacional, porque que ela quer dar argila
para ela? Ela é psicóloga, vai dar argila’ [...] eu acho que talvez com a
experiência [...] a gente se sentir mais tranqüilo em relação à nossa prática,
[...] não sei se a gente está num momento de descobrir, e a gente está em
vários espaços diferentes e as pessoas cobram coisas diferentes a partir da
compreensão que elas têm do que a gente pode fazer, e a gente fica muito
perdida, [...] eu acho que é uma imaturidade profissional assim, pelo menos é
como eu me sinto, porque faz total sentido, [...]”
“[...] acho que essa diferença que você está trazendo que faz um sentido,
[...] entre alguma coisa que é, é vivenciado, refletido, vivenciado de novo,
refletido e vivenciado de novo, que é a construção da experiência e da
maturidade profissional que permite que isso venha com mais tranqüilidade, o
que você esdizendo é que talvez ‘por enquanto eu precise de uma cola de
263
vez enquanto para poder me lembrar disso, mas daqui um tempo isso vai vim
naturalmente, com a experiência você vai está, não, eu acredito.”
“[...] eu assim tenho acreditado cada vez mais que as pessoas que mais se
incomodam com a sua prática é quem cresce.”
A partir disto, RETOMOU-SE a questão da atividade e um outro
CONFLITO se tornou explícito: o de estar formada dois anos e ainda
não ter clareza teórica sobre o uso da atividade. O grupo discutiu sobre
essa CRISE, sobre a necessidade de pensar sobre ela, principalmente a
partir de uma perspectiva de desenvolvimento profissional e da
possibilidade de aprender com ela.
“[...] tem que olhar para isso mesmo, pensar, refletir, poder elaborar, e como
a gente es pensando nessa coisa da prática, no sentido do teu raciocínio,
[...] eu fiquei [...] pensando o quanto que isso interfere, [...] de você tomar
uma atitude para que o outro entre em ão, o que é que é isso, como é que
você entende como é que você pode fazer isso, se você ficar paralisada em
achar que você tem que botar ele para fazer uma atividade-material,
entendeu? E não colocar-se em atividade, que colocar-se em atividade é
diferente de fazer uma atividade-material, embora colocar-se em atividade
pode passar e, e eu acredito que muitas vezes passa mesmo por experimentar
fazer coisas, [...] se colocar no lugar de quem tem esta ação, de quem
experimenta.”
“[...] eu me sinto muito incomodada por ter essas crises, sabe, [...] acho que
até, a hora que a Cecília chegou eu falei ‘ai meu deus [...] como que eu vou
falar para minha supervisora que eu não sei isso ainda, sabe’”
“Eu acho que eu fico muito em crise por ainda ter essas dúvidas [...]
[COMEÇOU A CHORAR] ‘[...] mas eu já sou formada a dois anos’ e daí eu fico
pensando [...] isso que você acabou de falar, [...] eu que não cheguei a isso
ainda ou as pessoas não pensam nisso, [...] não tão com essas inquietações,
[...] droga eu não queria chorar, [...] eu fiquei mais incomodada com isso.”
“Talvez o buraco seja muito mais”
“É, mas eu acho que uma coisa assim, porque quando eu estou na ação,
[...] eu sei ser terapeuta ocupacional, eu acho que eu sei e funciona, mas
quando eu vou falar ou pensar sobre isso, conseguir tentar definir o que eu
faço, daí eu fico totalmente atrapalhada,[...]”
“Na verdade eu vou te colocar uma pergunta, não precisa responder agora,
mas assim porque que o meu lugar como supervisora, de repente vira de
censora?”
“Mas não é que foi isso, é que fica”
“Só to te colocando essa questão porque eu acho que isso atrapalha mais do
que ajuda, [...] porque acho que crise [...] com o que eu faço, como que eu
faço, ela pode ser útil mesmo, eu continuo tento crise, periodicamente.”
“[...] eu acho que elas nos movem mesmo.”
“[...] desde que elas não sejam sentidas como alguma coisa que não devia
acontecer, porque aí você se sente errado, você se sente incompetente.”
264
“E que talvez seja isso que você falou, ‘como é que eu com quase dois anos
de formada não sei isso ainda.’”
“[...] fica um peso super grande.”
“No meu caso é isso, assim.”
“[...] eu falei ‘gente’, eu escrevi, [...] mando, ai fico falando ‘nossa, que é
que será que ela vai pensar disso que eu escrevi, não é?’, imagina, dois anos
de formada e essas crises ainda. Assim, eu fiquei super preocupada assim
com a sua resposta, escutando, [...] da questão do material eu fico mais,
eu fico mais confortável, ‘ah, pelo menos não sou só eu’ [...] e a sensação que
eu tenho é que hoje assim escutando eu falei ‘nossa, verdade, tudo faz
sentido, não é’ que eu sei que semana que vem eu vou está confusa de
novo, sabe.”
“[...] eu vou aprender todo dia, todo dia eu aprendo de Terapia Ocupacional.”
“Mas, por que vocês acham que dois anos é tanto?”
“Eu tenho vinte e cinco anos de formada, mais até, vinte sete.”
“[...] a cobrança é muito grande.”
Em seguida, uma nova crise foi explicitada. A partir da fala de uma
das colaboradoras sobre profissionais que não se acomodam e o quanto a
formação oferecida na especialização pode contribuir para isso, o grupo
começou a falar sobre a CRISE DO FIM DA ESPECIALIZAÇÃO e a
necessidade de começar a pensar na vida profissional a partir de agora.
“[...] eu concordo [...] que as pessoas que têm mais inquietações, que
questionam e refletem e o se acomodam são as pessoas que eu vejo que
vão produzindo, [...] um trabalho interessante, [...] que crescem na prática,
[...] que inclusive alguns lugares depois [...] de multiplicadoras, esse é muito
um perfil, [...] não ficam numa prática pequena ou onde fica um jeito de
transformar, eu fiquei super feliz no sábado quando eu fui no Evangelista,
que a C. organizou lá, [...] e aí no final veio um musicoterapeuta conversar
comigo [...] ‘olha eu estou trabalhando com a C. aqui, eu nunca trabalhei com
uma terapeuta ocupacional tão boa, e eu trabalho muito tempo aqui’, [...]
eu fiquei super contente, eu falei ‘nossa, eu sempre sinto vocês como cria,
[...] da gente, muito’.”
“[...] ‘olha, acho que tem a C., tem o jeito da C., [...] e tem a formação’, [...]
ela entrou e em quatro meses, [...] propôs um monte de coisas
interessantes, dentro da instituição. E eu acho que é um pouco isso, acho que
a crise, [...] faz parte desse processo, [...] talvez para dar uma tranqüilizada
porque eu acho que vocês tão num momento de crise de final de
especialização.”
“Eu também penso.
“Há vinte e tantos anos, [...] nesse lugar, eu vejo isso acontecer
periodicamente, no segundo semestre do último ano começa dar essa, essa
crise.”
“É o tema da semana esse.”
“É o tema do semestre, [...] a DG não está aqui mas ela estava me falando ‘ai
meu deus eu preciso começar a pensar o que é que eu vou fazer da minha
265
vida, porque a vida começa, não é, a vida de verdade, profissional, começa
quando termina essa especialização, que o deixa de ser, não é, um grande,
um grande guarda-chuva que vocês têm aqui.”
Por fim, retoma-se a tarefa do grupo de ajudar a investigar processos
de raciocínio clínico de Marisa, e a coordenadora pontua a importância do
tema discutido no grupo no sentido de abrir NOVAS POSSIBILIDADES DE
REFLEXÃO sobre a prática de cada uma. As participantes falam do desejo de
refletir mais sobre estas questões e da importância de COMPARTILHAR NO
GRUPO ALGO QUE NÃO É FALADO EM OUTROS CONTEXTOS E QUE ERA
VIVIDO EM SEGREDO.
“[...] a gente está indo pro final do grupo e aí, [...] sinceramente a minha
opinião é que eu acho que foi contemplado, porque eu, [...] quando tem um
choro, quando tem uma coisa ‘[...] é isso, é, faz sentido mais lá’, [...] eu acho
que o tem como a gente dizer que isso não espresente, então o sei se
a gente sai com um uma sessão fechadinha começo-meio-fim, [...] mas [...]
coisas para talvez vocês poderem ficar atentas e [...] voltar [...] de alguma
maneira isso, [...] desde o começo, [...] o uso de atividades sempre apareceu
e eu acho que a gente tem que refazer essa pergunta porque uso de
atividades fica muito lá fora, [...]”
“Eu estou até com vontade de escrever o diário de novo”
“[...] eu estou meio acelerada agora, [...] porque eu estou sentindo que eu
voltei pro grupo hoje, depois das férias acho que é o primeiro grupo que eu
participo, [...] quando a Marisa falou eu senti ‘[...] abriu a porta que não
podia ser aberta’, sabe, porque eu acho que é uma questão para todo mundo,
e na conversa a gente fica, discute o caso, discute o caso, mas é muito difícil
falar ‘eu não sei o que eu estou fazendo, eu não sei’”
“Eu acho que é muito delicado, porque [...] é nosso instrumento, então a
gente tem obrigação de saber, [...] depois eu penso ‘nem sei se é
instrumento, se é um método’, enfim, tem várias questões, mas é difícil falar
disso, porque eu acho que [...] é falar da gente, assim, sei para quem
escolhe ser terapeuta ocupacional, eu fico pensando que é muito, muito,
muito difícil, acho que é uma porta que se abre e não acho que à toa assim
nesse grupo, assim, acho que é um espaço que é isso, é muita coisa nos
corredores, aqui acho que cabem muitas coisas [...]”
Na mesma direção, o grupo ressaltou a importância do ESPAÇO DE
REFLEXÃO EXPERIMENTADO NO GRUPO e da necessidade desse espaço se
fazer presente durante da formação oferecida pelo curso de especialização,
pois não necessariamente está contemplado nas supervisões.
“Olha, eu não quero mais ser supervisora, ano que vem eu quero ficar no
lugar da Taís.”
“[...] para mim tem sido uma questão [...] estar num lugar diferente e à
medida que eu considero que é tão importante quanto a supervisão, eu acho
que isso tem que estar contemplado de alguma forma, que pelo que vocês
vêm falando, não está. Então, a minha postura aqui não é diferente da minha
postura como supervisora e é isso que me intriga.”
“[...] então para mim é uma questão, para eu pensar, não é? Que eu acho
que é um espaço rico, é um espaço de muita reflexão, que eu gostaria que
fosse contemplado durante o processo de formação de vocês, então se ele não
é contemplado no espaço de supervisão, como é que a gente faz, não é?”
266
Por fim, foi feita a proposta das participantes encaminharem para
Marisa suas questões para ajudá-la a investigar melhor seu processo de
raciocínio clínico. Além disso, combinou-se qual seria o texto para a próxima
semana.
Ainda antes da finalização do grupo, a coordenadora fala que até o
fim do ano só tem 4 encontros e que talvez pudessem trabalhar nesses 4
encontros e finalizar em 12 de dezembro.
Uma das participantes pergunta se não iriam continuar o grupo no
ano que vem. A pesquisadora fala do seu desejo de continuar a trabalhar
com elas através do diário e que podiam combinar depois. Fala o quanto a
tarefa de responder aos diários também a obriga a refletir sobre a sua
prática, e a pensar sobre o seu desenvolvimento. Além disso, falou da
necessidade de contato com as participantes para conversas sobre a
pesquisa e que talvez pudessem continuar pois podem ficar como um
suporte para esse primeiro ano após a especialização e como um contato
com a pesquisa.
267
APÊNCIDE B – Excertos do nono e do cimo primeiro diários de
Clarice
Nono diário de Clarice
“[...] Janaína foi uma das primeiras e mais marcantes pacientes que atendi
na minha primeira passagem pelo serviço de interconsulta. [...] ainda sinto
necessidade de poder dividir e entender melhor o raciocínio que fui
utilizando e a forma como ia abordando e conduzindo os atendimentos. [...]
a equipe [...] solicitava uma avaliação do paciente por uma possível
hipótese de depressão. Só mais tarde, com o contato com o paciente e com
a própria equipe, compreendi que o que estava por trás desse pedido era
uma dificuldade de manejo do caso, por ser um paciente que demandava
muito de toda a equipe e que a todo momento queria saber acerca das
medicações, dos procedimentos, [...] a paciente [...] após escutar a
proposta dos atendimentos, mostrou-se bastante disposta e interessada,
relatando ter um contato prévio com alguns materiais apresentados. [...]
bastante ‘demandante’ com relação à minha presença. [...] trouxe uma
reflexão com relação à paciente como alguém que necessitava ter
constantes momentos de troca com outras pessoas, trocas essas, que
pudessem aos poucos serem ampliadas para além de sua doença e da
própria internação, que essa era uma importante dificuldade de Janaína.
[...] era essa sua forma de pedir ajuda e poder agüentar o peso de sua
doença e a incerteza com relação ao seu prognóstico [...] ela abordava
constantemente sua doença e a insatisfação com diversos procedimentos e
com [...] a equipe [...] por ‘não lhe darem a devida atenção’ [...] foi difícil
inicialmente aceitar a entrada de alguma atividade que permitisse sair um
pouco do verbal e entrar em contato com questões mais saudáveis que
pudessem retomar sua história anterior à internação, [...]. Somente após
diversas conversas sobre o que envolvia ela entrar em contato com esses
materiais, que Janaína conseguiu expor sua dificuldade para unir, durante
essa vivência de intensa ruptura que é uma internação, aspectos saudáveis
de sua vida, como o manuseio com materiais apresentados de início. Com a
realização da atividade escolhida pela paciente, a pintura de um quadro
atividade esta que era de intenso domínio de sua parte - e minhas
intervenções, a mesma passou a abordar diversos assuntos que
268
ultrapassavam a questão clínica, trazendo dados de sua vida como
relacionamentos, trabalho, sonhos, família, além de diversas fantasias
acerca da morte. Nesse momento também começamos a abordar sua
dificuldade com relação à equipe, o que lhe trazia tristeza e insatisfação,
e tornava a internação mais desgastante. Janaína conseguia escutar as
minhas intervenções, assim como mostrar uma possibilidade de reflexão e
posteriores mudanças na sua forma de abordar a equipe. [...] Concomitante
com esse trabalho, também realizava diversas conversas com a equipe, na
tentativa de lhes trazer uma visão diferente do caso, pois os mesmos se
apresentavam bastante desgastados no contato e, por conseqüência, no
cuidado com a paciente. [...] Com a piora de seu quadro, Janaína torna-se
impossibilitada fisicamente de dar continuidade à atividade que estava
realizando. Busco então, pensar conjuntamente com a paciente, um novo
projeto que pudesse ajudá-la a vivenciar esse momento. Janaína que
sempre se apresentou bastante devota às questões religiosas, começa a
dividir seus ensinamentos e crenças durante nossos encontros [...] por
intermédio do empréstimo de minhas mãos, [inicia] a escrita de alguns
discursos religiosos para serem proferidos, com o auxílio de seus familiares,
em sua comunidade. Nesse momento também localizo o pastor da paróquia
do hospital e solicito que venha ao encontro de Janaína [...]”
Décimo primeiro diário de Clarice
“[...] Um raciocínio que estabeleci inicialmente, relacionado ao pedido, foi
permeado pela vivência que tive com a paciente, que me permitiu conhecer
melhor sua dinâmica, associado com a idéia que existem dois tipos de
pedido: o explícito, que é aquele verbalizado pelo profissional e o latente,
que é o que está nas entrelinhas do pedido e na observação do campo, [...]
Portanto, ter como base a necessidade de observação desse campo foi
fundamental para compreender o que estava em jogo com o pedido e o que
era necessário eu observar e começar a intervir nessas dinâmicas. [...] Não
para descartar também a dificuldade da vivência e do oferecimento de
um cuidado, quando se sabe que o prognóstico é bastante reservado. Ter
em mente esse conhecimento me ajudava muito a compreender alguns
sentimentos que permeavam a equipe. Associado a esse raciocínio, outros
que me balizaram estão diretamente relacionados com a crença (enquanto
269
algo estudado) e a experiência, de que habitualmente a condição de doente
acarreta diversas conseqüências para quem a está vivenciando, sem deixar
obviamente de lado a individualidade de cada um, [...] mas que
proporcionam a possibilidade de um olhar para essas questões, que são:
uma ruptura com a rotina que estava estabelecida antes da internação, o
que implica em uma separação com as atividades que estavam
acostumados a realizar, até um distanciamento de pessoas e situações que
promoviam uma sensação de pertencimento e de produtividade perante a
sociedade. No caso de Janaína as questões religiosas e a pintura eram
atividades que integravam seu cotidiano, [...] lhe garantiam uma
participação ativa nos grupos de pertencimento e uma função enquanto
pessoa produtiva. [...] foram possíveis de serem retomadas durante os
meus atendimentos, justamente por ter um olhar voltado para essas
questões e utilizar instrumentos que permitem uma recuperação dessas
vivências e papéis, adequando-se ao momento que o paciente está
vivenciando [...] O rompimento fica menor quando se tem a possibilidade
de ‘estar’ nesses lugares e nessas funções, da maneira possível no
momento. Além disso, através das produções era possível garantir à
paciente e aos seus cuidadores (familiares, equipe) um novo olhar que o
colocava não como paciente, mas também como alguém que possui
desejos, habilidades, funções, participações [...] Durante a internação
ocorre um contato intenso com questões que, muitas vezes, não eram tão
presentes na vida das pessoas, como o adoecer e a proximidade da morte,
e o desgaste físico e emocional que isto acarreta, levando à impossibilidade
de se pensar e vivenciar momentos mais saudáveis. Com Janaína essa era
uma importante questão a ser observada e trabalhada, pois ela
conseguia inicialmente abordar suas queixas com relação a essa vivência de
adoecimento, o que lhe trazia intenso sofrimento e desgaste na forma de
lidar com essa situação e com a própria equipe. Quando se tornou possível
entrar em contato com outras vivências que ampliassem a questão do
adoecimento, podendo trazer à tona os desejos, sonhos, receios, fantasias e
histórias, a internação passa a ser um pouco menos desgastante, podendo
proporcionar o aparecimento e vivência de momentos mais saudáveis, que
permitissem um afastamento da condição de doente, necessária em
diversos momentos. [...] Tinha como raciocínio também, que o terapeuta
ocupacional enquanto interconsultor possui um papel fundamental de poder
270
diminuir a situação de estresse em que se encontra o paciente (entendo
aqui paciente enquanto observação das relações, vivências [...]) e que no
caso de Janaína um fator estressor importante estava localizado na relação
com a equipe, onde através de meus procedimentos específicos, era
possível reapresentar a paciente, me colocando como uma ponte para
integrar o cuidado. Nessa linha de pensamento, também achava
imprescindível chamar/convidar outras pessoas para comporem o cuidado,
baseado na história de Janaína e na necessidade que ela apresentava de
poder ter atenção, [...] entrei em contato com a paróquia do hospital,
convidando o pastor para fazer parte desse cenário. Outro balizador de
meus procedimentos estava baseado na comprovação de que é possível que
o paciente observe sua dinâmica, entre em contato com sua maneira
singular de agir perante o mundo e, portanto de se conhecer e reconhecer
através do processo de terapia ocupacional. Nesses momentos torna-se
mais fácil às intervenções ficarem ao alcance do paciente, pois
inevitavelmente sua forma de estar, fazer e se colocar diante das relações,
do fazer, da ação humana, fica concreta, visível, experenciada, tornando-se
mais acessível o apontamento e a observação de sua dinâmica. No relato do
caso de Janaína, fica explícito que a partir da relação triádica abriu-se a
possibilidade de uma reflexão sobre seus sentimentos e posicionamentos na
relação com a equipe, com a internação e com o próprio adoecimento. E por
fim, o que me permitiu um enorme cuidado foi a contratransferência [...],
que me convidava, me balizava, me dava mais subsídio para estar em
contato com o sofrimento dela.”
271
APÊNDICE C – Excertos do décimo diário de Mariana
Décimo diário de Mariana
Sinto que foram muito importantes os questionamentos que me fez no
retorno de meu último diário. Ler a questão que me coloca sobre a minha
concepção do que seja vínculo, e de que forma emprego este conceito
quando conto meu raciocínio na clínica, me ampliou algo no exato momento
em que li. Foi como se descortinasse alguma coisa que ficava e
provavelmente, ainda fica dentro de mim, bastante nebulosa. Acho que de
fato, nunca tinha parado para pensar se este tipo de vinculação que tinha
em mente até então, era ou não possível com alguém com esquizofrenia!
Penso que quando falo disso, tenho a idéia de que seja quando alguém
deixou uma marca de si ou de algo que tenham feito juntos, no outro, como
se aquele outro, dono da marca, pudesse ser identificado, reconhecido
como aquele com quem se viveu isso, aquilo, aquilo outro... E algo
reconhecido, no sentido de algo conhecido, não mais tão desconhecido, e
que por isso mesmo, possibilitaria assim, com o tempo e experiências em
conjunto, uma maior aproximação, um maior aprofundamento da relação,
dos laços afetivos. Pensando bem, algo primordial que elejo em meu
raciocínio, desde um primeiro contato, seria a busca pelo afeto, por algum
elo afetivo que ligue esta pessoa a mim e vice-versa. Elo este, que em mim
me soa como o mais primordial da relação humana, ou numa relação
humana. Seguindo nessa linha de raciocínio, pensaria que numa relação
terapêutica, o vínculo, o vincular-se, sempre estivesse presente. É como se
para mim, dependesse muito mais da forma como eu me aproximaria e de
que ‘ganchos, entradas, aberturas’ a relação comigo, com os materiais ou
nas atividades pudesse despertar. No entanto, quando me volto para a sua
pergunta, fico pensando que pessoas com uma estrutura psicótica,
pensando que dentro deste grupo existem variações neste funcionamento e
seus prejuízos, exatamente tem a dificuldade em reconhecer o outro como
um outro, diferenciar-se. Se o outro não está separado como objeto, como
poderá existir vínculo, ou que tipo de vínculo poderá existir? Não sei, penso
que cada sujeito é um, não daria para, em uma definição explorar como
cada pessoa com psicose se relacionaria. Mas existem coisas em comum na
forma de estar, perceber e relacionar-se com e no mundo, que fazem
272
destas pessoas parte de um mesmo conjunto, mesmo existindo variações e
diferenças, com histórias de vida e experiências próprias. Desta forma, é
estranho, ou talvez ingenuidade acreditar que posso falar de vínculo, a
partir da minha perspectiva, que na verdade acho que tem muito a ver com
como me vinculo às pessoas na minha vida, como aprendi isso com os
meus. É como se tentasse traçar um caminho focando dentre os objetivos a
vinculação com um paciente, mas partindo de um referencial que é meu, da
forma como eu vivo as coisas e me relaciono. A qual provavelmente é muito
diferente das dos outros, mas mais ainda da de alguém com um quadro de
esquizofrenia. É incrível como às vezes, me pego usando palavras para as
quais não me atento tanto ao significado, mas se olhar para ela com mais
atenção e de forma reflexiva, é possível perceber que não se usa à toa, mas
dentro de um raciocínio às vezes compartilhado em partes por outros, mas
também muito próprio. Talvez outras pessoas ao descreverem o
atendimento, em algum momento, também falem de vínculo, de vincular-
se, mas provavelmente definiriam diferente da forma como fiz. Cada um
dará um peso diferente ao termo no processo terapêutico e acho que muito
particular e em conseqüência a história de vida de cada um... [...] Penso
que Helena é alguém com uma estrutura muito psicótica, com grande
prejuízo na relação interpessoal, ou melhor, consigo mesma e com o
mundo. A partir de sua pergunta, pensaria que vinculação com ela, alguém
com um quadro grave de esquizofrenia, seria algo que não é lugar no qual
se chega na relação, mas uma relação que a todo tempo vai sendo tecida,
construída ou desconstruída, não como um vínculo em si, mas mais como
uma possibilidade de relação de proximidade, compartilhamento de
vivências e situações. Não ficamos separadas cada qual como uma pessoa,
mas sim unidas, coladas, muitas vezes, como algo que pode dar certo e
algo que pode falhar, se extinguir a qualquer momento. Não sei se dá para
entender meu raciocínio, mas estou digitando tudo que está vindo em
minha mente, acho que são coisas que vou reler e repensar, reformular, no
entanto, por agora é como me vem.”
273
ANEXO A – Parecer do Comitê de Ética em Pesquisa
274
ANEXO B – Termo de consentimento pré-informado
TERMO DE CONSENTIMENTO PRÉ-INFORMADO
1.
Terá plena liberdade para participar do estudo e essa participação será
inteiramente voluntária, sem nenhum tipo de pressão;
2.
Estará livre para desistir da participação em qualquer momento, e esta
decisão não irá prejudicar o andamento do Curso de Especialização;
3.
Sua participação não implicará em nenhum risco;
4.
Todo seu relato será mantido em sigilo nominal;
5.
Não será possível identificá-lo, pois ao invés do seu nome, colocaremos
números, nomes imaginários ou código de identificação e não serão
citados quaisquer nomes ou lugares que venha a mencionar na
entrevista. Com isso, podemos garantir seu o anonimato e o das pessoas
eventualmente citadas por você;
6.
Sua participação consistirá em participar de um grupo de aprendizagem
colaborativa e produzir narrativas/relatos escritos sobre situações
dilemáticas que você vivencia na prática;
7.
As sessões do grupo serão gravadas e depois transcritas, desde que
você concorde e manifeste sua concordância;
8.
Os dados desse estudo poderão ser divulgados, sem que isso
comprometa o anonimato dos participantes, como já citado no item 5;
9.
Se houver qualquer dúvida ou solicitação de esclarecimentos, você
poderá entrar em contato com a equipe científica pelos telefones [...] ou
[....], ou pelo e-mail [....].
Diante dos esclarecimentos prestados, concordo em participar do
estudo “Grupo de Aprendizagem Colaborativa e o Desenvolvimento do
Raciocínio Clínico de Terapeutas Ocupacionais Iniciantes”, na qualidade de
voluntário.
Eu, __________________________________________________, desejo
participar de forma inteiramente voluntária neste estudo e estou livre para,
em qualquer momento, desistir da entrevista, sem prejuízo algum para
mim.
Eu ( ) autorizo / ( ) não autorizo a gravação das sessões do grupo.
Assinatura:
Data:
275
ANEXO C - Parte do relatório da análise das transcrições dos
encontros do grupo de aprendizagem colaborativa feita pelo
programa computacional ALCESTE
-------------------------------------
* Logiciel ALCESTE (4.7 - 01/12/02) *
-------------------------------------
Plan de l'analyse :totaltha.pl ; Date : 13/ 3/**; Heure : 11:45:51
[...]
---------------------
A1: Lecture du corpus
---------------------
A12 : Traitement des fins de ligne du corpus :
N° marque de la fin de ligne :
Nombre de lignes étoilées : 1807
--------------------------
A2: Calcul du dictionnaire
--------------------------
Nombre de formes distinctes : 5872
Nombre d'occurrences : 121688
Fréquence moyenne par forme : 21
Nombre de hapax : 2696
Fréquence maximum d'une forme : 7920
86.60% des formes de fréq. < 12 recouvrent 10.44% des occur.;
94.79% des formes de fréq. < 47 recouvrent 20.09% des occur.;
97.51% des formes de fréq. < 116 recouvrent 30.08% des occur.;
98.76% des formes de fréq. < 234 recouvrent 40.15% des occur.;
99.34% des formes de fréq. < 529 recouvrent 50.43% des occur.;
99.63% des formes de fréq. < 896 recouvrent 60.66% des occur.;
99.81% des formes de fréq. < 1488 recouvrent 71.18% des occur.;
99.91% des formes de fréq. < 2435 recouvrent 80.00% des occur.;
99.98% des formes de fréq. < 5419 recouvrent 93.49% des occur.;
100.00% des formes de fréq. < 7920 recouvrent100.00% des occur.;
[...]
A34 : Fréquence maximale d'un mot analysé : 3000
Nombre de mots analysés : 2992
Nombre de mots supplémentaires de type "r" : 402
Nombre de mots supplémentaires de type "s" : 27
Nombre d'occurrences retenues : 121351
Moyenne par mot : 34.924570
Nombre d'occurrences analysables (fréq.> 3) : 46959 soit 39.616480%
Nombre d'occurrences supplémentaires : 71575
Nombre d'occurrences hors fenêtre fréquence : 2817
-------------------------------------------
B1: Sélection des uce et calcul des données
-------------------------------------------
B11: Le nom du dossier des résultats est &&_0
B12: Fréquence minimum d'un "mot" analysé : 4
276
B13: Fréquence maximum d'un "mot" retenu : 9999
B14: Fréquence minimum d'un "mot étoilé" : 1
B15: Code de fin d'U.C.E. : 1
B16: Nombre d'occurrences par U.C.E. : 25
B17: Elimination des U.C.E. de longueur < 0
Fréquence minimum finale d'un "mot" analysé : 4
Fréquence minimum finale d'un "mot étoilé" : 1
Nombre de mots analysés : 1163
Nombre de mots supplémentaires de type "r" : 291
Nombre total de mots : 1454
Nombre de mots supplémentaires de type "s" : 27
Nombre de lignes de B1_DICB : 1481
Nombre d'occurrences analysées : 46959
Nombre d'u.c.i. : 1807
Nombre moyen de "mots" analysés / u.c.e. : 11.532170
Nombre d'u.c.e. : 4072
Nombre d'u.c.e. sélectionnées : 4072
100.00% des u.c.e. sont sélectionnées
Nombre de couples : 100578
--------------------
B2: Calcul de DONN.1
--------------------
Nombre de mots par unité de contexte : 10
Nombre d'unités de contexte : 3498
--------------------
B2: Calcul de DONN.2
--------------------
Nombre de mots par unité de contexte : 12
Nombre d'unités de contexte : 3269
[...]
----------------------------
C1: intersection des classes
----------------------------
Nom du dossier traité C:\Arquivos de programas\ADT-
Image\Thais\&&_0
\
Suffixe de l'analyse :121
Date de l'analyse :13/ 3/**
Intersection des classes RCDH1 et RCDH2
Nombre minimum d'uce par classe : 204
DONN.1 Nombre de mots par uc : 10
Nombre d'uc : 3498
DONN.2 Nombre de mots par uc : 12
Nombre d'uc : 3269
3229 u.c.e classées sur 4072 soit 79.30 %
Nombre d'u.c.e. distribuées: 3627
[...]
277
Classification Descendante Hiérarchique...
Dendrogramme des classes stables (à partir de B3_rcdh1) :
----|----|----|----|----|----|----|----|----|----|
Cl. 1 (1631uce) |-----------------------------------------------+
16 |+
Cl. 2 (1052uce) |-----------------------+ |
11 |-----------------------+
Cl. 3 ( 546uce) |-----------------------+
Classification Descendante Hiérarchique...
Dendrogramme des classes stables (à partir de B3_rcdh2) :
----|----|----|----|----|----|----|----|----|----|
Cl. 1 (1631uce) |-----------------------------------------------+
14 |+
Cl. 2 (1052uce) |-------------------------------------+ |
12 |---------+
Cl. 3 ( 546uce) |-------------------------------------+
----------------------
C2: profil des classes
----------------------
Chi2 minimum pour la sélection d'un mot : 10.76
Nombre de mots (formes réduites) : 1454
Nombre de mots analysés : 1163
Nombre de mots "hors-corpus" : 27
Nombre de classes : 3
3229 u.c.e. classées soit 79.297650%
Nombre de "1" analysés : 35468
Nombre de "1" suppl. ("r") : 42887
Distribution des u.c.e. par classe...
1eme classe : 1631. u.c.e.17037. "1" analysés ;21327. "1" suppl..
2eme classe : 1052. u.c.e.12309. "1" analysés ;14606. "1" suppl..
3eme classe : 546. u.c.e. 6122. "1" analysés ; 6954. "1" suppl..
--------------------------
Classe n° 1 => Contexte A
--------------------------
Nombre d'u.c.e. : 1631. soit : 50.51 %
Nombre de "uns" (a+r) : 38364. soit : 48.96 %
Nombre de mots analysés par uce : 10.45
num effectifs pourc. chi2 identification
4 17. 18. 94.44 13.98 abr+
6 73. 105. 69.52 15.69 acab+
28 14. 15. 93.33 11.06 afet+
49 32. 36. 88.89 21.45 angusti+
94 68. 85. 80.00 30.37 atendi+
95 45. 47. 95.74 39.04 atend+
140 32. 33. 96.97 28.79 cap+
146 30. 31. 96.77 26.80 cas+
158 88. 107. 82.24 44.58 cheg+
200 13. 13. 100.00 12.79 com+
212 13. 13. 100.00 12.79 confort+
213 15. 15. 100.00 14.77 confus+
222 91. 139. 65.47 13.00 consegu+
244 60. 86. 69.77 13.11 cont+
273 72. 96. 75.00 23.74 dai
278
289 65. 82. 79.27 27.83 deix+
311 19. 21. 90.48 13.51 deslig+
319 41. 56. 73.21 11.75 deu
331 54. 65. 83.08 28.14 dia+
337 125. 168. 74.40 40.48 dificil+
338 52. 66. 78.79 21.55 dificuldade+
402 41. 47. 87.23 25.73 enfermaria+
415 75. 112. 66.96 12.56 entr+
422 16. 16. 100.00 15.75 epoca
428 24. 29. 82.76 12.17 escrevendo
429 31. 31. 100.00 30.67 escrevi
430 122. 197. 61.93 10.94 escrev+
479 472. 808. 58.42 26.94 fal+
480 13. 13. 100.00 12.79 familia
498 317. 466. 68.03 66.83 fic+
502 14. 15. 93.33 11.06 fim
505 125. 196. 63.78 14.69 fiqu+
533 41. 48. 85.42 23.75 gost+
537 11. 11. 100.00 10.81 grave+
549 76. 93. 81.72 37.31 hora+
551 99. 109. 90.83 73.35 ia
599 28. 30. 93.33 22.21 inteir+
609 25. 27. 92.59 19.29 intern+
613 38. 41. 92.68 29.55 inter_consulta
619 11. 11. 100.00 10.81 investi+
646 20. 22. 90.91 14.46 lig+
648 19. 19. 100.00 18.73 limit+
652 14. 14. 100.00 13.78 lino
675 25. 27. 92.59 19.29 marc+
677 13. 13. 100.00 12.79 marido
684 53. 62. 85.48 30.93 meio+
692 28. 29. 96.55 24.81 mes+
708 29. 30. 96.67 25.81 mont+
714 16. 17. 94.12 13.00 mostr+
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Classe n° 2 => Contexte B
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280
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1425 * 194. 549. 35.34 2.29 * 9 entao
1427 * 35. 80. 43.75 4.66 * 9 hoje
1431 * 188. 522. 36.02 3.35 * 9 mais
1433 * 20. 43. 46.51 3.85 * 9 melhor
1446 * 72. 193. 37.31 2.09 * 9 so
1447 * 113. 216. 52.31 41.05 * 9 talvez
1448 * 244. 673. 36.26 5.23 * 9 tambem
1452 * 194. 549. 35.34 2.29 * M E
1455 * 85. 142. 59.86 50.32 * *gru_01
1457 * 83. 174. 47.70 19.14 * *gru_03
1459 * 85. 152. 55.92 39.56 * *gru_05
1463 * 108. 194. 55.67 50.10 * *gru_09
1464 * 75. 158. 47.47 16.77 * *gru_10
1472 * 69. 165. 41.82 6.76 * *gru_18
1481 * 667.1197. 55.72 463.81 * *par_9
Nombre de mots sélectionnés : 171
--------------------------
Classe n° 3 => Contexte C
--------------------------
Nombre d'u.c.e. : 546. soit : 16.91 %
Nombre de "uns" (a+r) : 13076. soit : 16.69 %
Nombre de mots analysés par uce : 11.21
num effectifs pourc. chi2 identification
3 6. 9. 66.67 15.90 abord+
8 28. 45. 62.22 66.69 acao
19 26. 82. 31.71 13.11 acontec+
21 23. 28. 82.14 85.55 acredit+
31 4. 5. 80.00 14.19 agenda+
33 7. 12. 58.33 14.71 agir
41 4. 5. 80.00 14.19 alun+
42 8. 9. 88.89 33.28 ambiente+
67 6. 9. 66.67 15.90 aprendizagem_colabo
77 10. 12. 83.33 37.82 area+
80 4. 5. 80.00 14.19 arte+
83 100. 446. 22.42 11.19 as
85 7. 10. 70.00 20.12 associ+
89 18. 22. 81.82 66.42 atencao
97 8. 9. 88.89 33.28 atitude+
98 50. 158. 31.65 25.68 atividade+
107 4. 4. 100.00 19.68 autonomia
110 3. 3. 100.00 14.76 auxiliar+
139 4. 5. 80.00 14.19 campo+
145 13. 24. 54.17 23.89 casos
147 7. 10. 70.00 20.12 categoria+
153 34. 53. 64.15 85.59 cham+
168 22. 46. 47.83 31.75 clinica+
186 3. 3. 100.00 14.76 compet+
283
189 5. 8. 62.50 11.86 complexidade
197 8. 13. 61.54 18.50 comum
201 12. 12. 100.00 59.19 conceito+
202 5. 5. 100.00 24.61 concepc+
210 9. 9. 100.00 44.35 conflito+
215 7. 12. 58.33 14.71 conheci+
233 4. 4. 100.00 19.68 contempl+
235 20. 32. 62.50 47.81 contexto+
240 11. 19. 57.89 22.85 contratransferencia
257 7. 11. 63.64 17.15 crenca+
261 8. 10. 80.00 28.42 critic+
266 3. 3. 100.00 14.76 cultura+
271 146. 682. 21.41 12.45 da
284 15. 17. 88.24 61.88 decis+
307 5. 7. 71.43 14.84 desenvolv+
333 6. 8. 75.00 19.26 diferenci+
335 56. 134. 41.79 61.60 difer+
352 10. 13. 76.92 33.46 discurso
383 4. 5. 80.00 14.19 educacao
385 4. 4. 100.00 19.68 efetivamente
407 12. 21. 57.14 24.35 ensin+
408 3. 3. 100.00 14.76 entemente
444 4. 4. 100.00 19.68 esquizofren+
487 4. 4. 100.00 19.68 fator+
506 5. 7. 71.43 14.84 fisica+
515 46. 156. 29.49 18.46 form+
525 9. 14. 64.29 22.46 funcion+
569 5. 8. 62.50 11.86 implicit+
595 13. 13. 100.00 64.14 institucion+
596 15. 30. 50.00 23.60 instituic+
597 9. 13. 69.23 25.43 instrumento+
605 7. 11. 63.64 17.15 interfer+
611 9. 19. 47.37 12.62 intervenc+
627 4. 4. 100.00 19.68 juntos
631 18. 46. 39.13 16.40 lado+
645 34. 75. 45.33 44.15 lid+
650 7. 10. 70.00 20.12 lingu+
654 9. 10. 90.00 38.14 literatura
668 21. 34. 61.76 49.21 maior+
672 18. 25. 72.00 54.42 manej+
693 3. 3. 100.00 14.76 metodo
703 5. 7. 71.43 14.84 modelo+
704 10. 11. 90.91 43.02 mod+
718 10. 14. 71.43 29.75 mudanca+
747 4. 5. 80.00 14.19 objetivos
759 56. 195. 28.72 20.60 os
765 5. 5. 100.00 24.61 padroniz+
779 5. 8. 62.50 11.86 particular+
780 32. 107. 29.91 13.31 part+
787 6. 11. 54.55 11.13 pedido+
792 24. 48. 50.00 37.97 pela+
810 8. 15. 53.33 14.23 perme+
829 9. 9. 100.00 44.35 posicao
836 10. 11. 90.91 43.02 postura+
840 4. 5. 80.00 14.19 pragmat+
841 5. 5. 100.00 24.61 praquel+
845 51. 139. 36.69 40.45 prat+
862 17. 22. 77.27 57.45 procedimento+
873 16. 17. 94.12 72.51 professor+
874 13. 27. 48.15 18.91 profissionais
875 14. 27. 51.85 23.66 profissional+
876 9. 9. 100.00 44.35 profiss+
885 6. 9. 66.67 15.90 propor
888 7. 11. 63.64 17.15 propo+
893 4. 5. 80.00 14.19 psicanalise
909 69. 279. 24.73 13.30 quest+
913 18. 21. 85.71 71.22 raciocinio_clinico
915 5. 5. 100.00 24.61 racionalidade
918 7. 7. 100.00 34.47 reabilit+
932 9. 12. 75.00 28.93 reflexiv+
937 6. 11. 54.55 11.13 relacoes
284
991 4. 5. 80.00 14.19 saude
992 12. 14. 85.71 47.38 saude_mental
1005 5. 6. 83.33 18.88 sens+
1020 7. 12. 58.33 14.71 simples+
1025 4. 5. 80.00 14.19 sintoma+
1030 3. 3. 100.00 14.76 sociais
1043 17. 24. 70.83 50.04 supervisor+
1044 26. 76. 34.21 16.58 supervis+
1057 15. 17. 88.24 61.88 tecn+
1067 31. 33. 93.94 140.81 teor+
1068 16. 27. 59.26 34.76 terapeutas_ocupacio
1069 22. 52. 42.31 24.27 terapeuta_ocupacion
1070 31. 75. 41.33 32.60 terapeut+
1072 8. 17. 47.06 11.06 terapia+
1073 64. 92. 69.57 186.88 terapia_ocupacional
1087 24. 40. 60.00 53.53 tom+
1098 19. 22. 86.36 76.05 transferenci+
1104 3. 3. 100.00 14.76 trav+
1117 6. 9. 66.67 15.90 usa
1153 7. 12. 58.33 14.71 vis+
1164 * 317.1786. 17.75 2.01 * a
1165 * 395.2208. 17.89 4.78 * e
1176 * 141. 658. 21.43 12.01 * 1 tem
1182 * 9. 33. 27.27 2.55 * 1 tinham
1192 * 28. 108. 25.93 6.47 * 3 sao
1206 * 256.1420. 18.03 2.26 * 4 de
1207 * 5. 14. 35.71 3.54 * 4 dentro-de
1211 * 4. 8. 50.00 6.25 * 4 diante-de
1214 * 12. 29. 41.38 12.47 * 4 entre
1218 * 22. 88. 25.00 4.21 * 4 pelo
1220 * 51. 240. 21.25 3.48 * 4 por
1224 * 33. 153. 21.57 2.48 * 4 sobre
1231 * 3. 7. 42.86 3.36 * 5 a-medida-que
1234 * 119. 602. 19.77 4.30 * 5 como
1239 * 9. 33. 27.27 2.55 * 5 enquanto
1252 * 7. 21. 33.33 4.06 * 5 por-isso-que
1291 * 9. 26. 34.62 5.85 * 7 cada-um
1298 * 5. 13. 38.46 4.32 * 7 delas
1302 * 6. 14. 42.86 6.74 * 7 de-quem
1304 * 14. 52. 26.92 3.77 * 7 elas
1306 * 19. 63. 30.16 8.03 * 7 eles
1307 * 10. 37. 27.03 2.73 * 7 em-que
1316 * 195.1030. 18.93 4.40 * 7 isso
1325 * 26. 74. 35.14 17.91 * 7 muitas
1327 * 124. 586. 21.16 9.21 * 7 na
1337 * 6. 14. 42.86 6.74 * 7 nossas
1338 * 14. 47. 29.79 5.63 * 7 nosso
1339 * 4. 11. 36.36 2.97 * 7 nossos
1343 * 44. 178. 24.72 8.18 * 7 outro
1346 * 9. 26. 34.62 5.85 * 7 o-que-e
1354 * 6. 16. 37.50 4.85 * 7 quais
1355 * 10. 39. 25.64 2.14 * 7 qual
1361 * 3. 8. 37.50 2.42 * 7 seus
1362 * 6. 21. 28.57 2.05 * 7 si
1372 * 9. 29. 31.03 4.16 * 7 todas
1375 * 10. 31. 32.26 5.25 * 7 tua
1402 * 20. 83. 24.10 3.13 * 9 ali
1426 * 6. 14. 42.86 6.74 * 9 exatamente
1443 * 7. 22. 31.82 3.50 * 9 realmente
1445 * 9. 33. 27.27 2.55 * 9 sim
1450 * 18. 76. 23.68 2.54 * M A
1456 * 40. 176. 22.73 4.48 * *gru_02
1459 * 33. 152. 21.71 2.62 * *gru_05
1460 * 44. 205. 21.46 3.23 * *gru_06
1467 * 44. 155. 28.39 15.27 * *gru_13
1468 * 54. 231. 23.38 7.41 * *gru_14
1479 * 120. 416. 28.85 48.43 * *par_7
1480 * 41. 169. 24.26 6.86 * *par_8
Nombre de mots sélectionnés : 163
Nombre de mots marqués : 1315 sur 1454 soit 90.44%
285
[...]
Projection des colonnes et mots "*" sur le plan 1 2 (corrélations)
Axe horizontal : 1e facteur : V.P. =.1758 ( 58.87 % de l'inertie)
Axe vertical : 2e facteur : V.P. =.1228 ( 41.13 % de l'inertie)
+-----|---------|---------|---------+---------|---------|---------|-----+
20 | *gru_18 |
19 |
| |
18 | *gru_10 | |
17 | | |
16 | #02 | |
15 | | |
14 | *gru_09
| |
13 | | |
12 | *gru_03 | |
11 | *par_9 | |
10 | *gru_01 | |
9 | |
|
8 | *gru_05 | |
7 | | |
6 |
| |
5 | | |
4 | |
|
3 | |
*gru_17
2 | | |
1 | |
*gru_16
0 +-----------------------------------+-----------------------------------
+
1 | |
*par_5
2 | |
*gru_07
3 | | #01
4 | |
*par_6
5 | | *par_2
6 | |
*gru_15
7 |
| *gru_11
8 | | *par_3
9 | |
*par_1
10 | *gru_13 | *gru_04
11 | | *par_4 |
12 |
| |
13 | *par_8 | *gru_12 |
14 | | |
15 | #03 | |
16 | *gru_14 | |
17 | *par_7*gru_02
| |
18 | | |
19 | | *gru_08 |
20 | | *gru_06 |
+-----|---------|---------|---------+---------|---------|---------|-----+
Nombre de points recouverts 0 dont 0 superposés
x y nom
286
Projection des mots analyses sur le plan 1 2 (corrélations)
Axe horizontal : 1e facteur : V.P. =.1758 ( 58.87 % de l'inertie)
Axe vertical : 2e facteur : V.P. =.1228 ( 41.13 % de l'inertie)
+-----|---------|---------|---------+---------|---------|---------|-----+
20 | grupo+ | |
19 | surg+ ir ler+troux+poss+ |
18 | discut+
traz+pud+pouquinho+ |
17 | melhor+ ..tent+materi+produz+ |
16 |quis+list+pod+dit+trazendocompreens+ |
15 | olh+ texto+gente | |
14 | usartema+ .maneira+pensamento+ | |
13 | investig+pesquis+ |
|
12 | reflet+ caminh+poder+ | |
11 | ide+exercicio | |
1
0 | ger+entend+ | |
9 | ajud+ | |
8 | |
|
7 | faz+ | |
6 | diz+ | |
5 | reflex+
| |
4 | | |
3 | | |
2 | |
semana+
1 | |
super+
0 +-----------------------------------+------------------------sab+gost+-
dia+
1 | prat+ | cheg+dai
deix+
2 | | iaatendi+ cas+
3 | | fic+escrevi
angusti+
4 | | temp+sent+ cap+
5 | |
dificil+mes+ .fal+
6 | | atend+meio+
sentindo
7 | | enfermaria+hora+
8 | terapeuta_oc |
inter_consul
9 | | |
10 | |
|
11 | os | |
12 | | |
13 | reflexiv+
| paciente+|
14 | acao atividade+categoria+ | |
15 | mod+manej+. ..contratransfconflito+ |
16 |decis+lingu+... ..profissionalacredit+ |
17 | atencaolid+ .tecn+conceito+terapia_ocup |
18 | tom+cham+teor+ ...raciocinio_csupervi
sor+ |
19 | critic+ pela+casosclinica+ |
20 | terapeut+| |
21 |
instituic+ |
+-----|---------|---------|---------+---------|---------|---------|-----+
Nombre de points recouverts 35 dont 19 superposés
x y nom
34 -3 dificuldade+
34 -4 inteir+
34 -3 mont+
34 -1 pass+
34 -3 sai+
34 -1 ultim+
34 -1 vontade
-20 -17 transferenci
-20 -16 profiss+
-19 -17 ambiente+
287
-21 -16 area+
-19 -17 atitude+
-20 -17 discurso
-20 -16 reabilit+
-19 -17 terapeutas_o
-19 -17 associ+
-20 -16 concepc+
-21 -16 ensin+
-21 -16 instrumento+
-17 17 compartilh+
-16 17 queir+
-22 14 colabor+
34 -5 sair+
-23 -15 contexto+
-20 -15 institucion+
-19 -15 posicao
-23 -16 literatura
-22 -16 procedimento
-21 -16 professor+
-18 -16 postura+
-17 -16 mudanca+
-17 -17 saude_mental
-16 -18 funcion+
-15 -18 maior+
-14 -18 difer+
[...]
-----------------------------------------
D1: Sélection de quelques mots par classe
-----------------------------------------
Valeur de clé minimum pour la sélection : 0
Vocabulaire spécifique de la classe 1 :
fic+(317), ia(99), temp+(151), cheg+(88), dificil+(125), paciente+(155),
atendi+(68), atend+(45), escrevi(31), hora+(76), meio+(53), sab+(186),
sair+(40), semana+(83), sent+(65), angusti+(32), cap+(32), cas+(30), dai(72),
deix+(65), dia+(54), dificuldade+(52), enfermaria+(41), fal+(472), gost+(41),
inteir+(28), inter_consulta(38), mes+(28), mont+(29), pass+(104), sai+(37),
sentindo(28), super+(57), ultim+(35), vontade(40), abr+(17), acab+(73),
afet+(14), com+(13), confort+(13), confus+(15), consegu+(91), cont+(60),
deslig+(19), deu(41), entr+(75), epoca(16), escrevendo(24), escrev+(122),
familia(13), fim(14), fiqu+(125), grave+(11), intern+(25), investi+(11),
lig+(20), limit+(19), lino(14), marc+(25), marido(13), mostr+(16), muita(57),
nisso(68), perd+(22), pint+(12), preocup+(25), pronto_socorro(11),
residente+(16), said+(18), segunda(17), sozinh+(16), termin+(29), tido+(11),
tranq(18), trat+(13), vou(143), acompanh+(16), ag(9), ambulatori+(9),
ano+(57);
Vocabulaire spécifique de la classe 2 :
entend+(168), grupo+(132), ide+(108), ler+(58), maneira+(95), olh+(105),
pesquis+(45), poder+(165), pod+(184), texto+(74), traz+(60), compartilh+(34),
tema+(44), tent+(94), gente(362), investig+(35), materi+(46), poss+(88),
pouquinho+(33), produz+(26), quis+(31), reflet+(33), troux+(31), usar(30),
ajud+(55), caminh+(49), colabor+(19), compreens+(15), discut+(36), dit+(14),
diz+(88), exercicio(23), faz+(235), ger+(32), ir(51), list+(14), melhor+(19),
pensamento+(29), pud+(27), queir+(18), reflex+(32), surg+(21), trazendo(17),
acoes(11), aparec+(35), aprendendo(9), aprofund+(12), apropri+(11),
bacana+(10), clar+(35), constru+(19), contribu+(11), descrev+(12), dest+(12),
determinad+(13), discuss+(24), elabor+(13), elemento+(13), encontros(13),
entendi+(17), escolh+(31), estud+(25), experi+(49), ferramenta+(10), fez(38),
gostaria(13), identidade(9), informac+(15), interess+(54), introduz+(9),
justific+(12), leitura+(16), organiz+(29), percepc+(10), presente+(26);
Vocabulaire spécifique de la classe 3 :
acao(28), acredit+(23), atencao(18), cham+(34), conceito+(12), decis+(15),
difer+(56), institucion+(13), manej+(18), procedimento+(17), professor+(16),
raciocinio_clinico(18), supervisor+(17), tecn+(15), teor+(31),
terapia_ocupacional(64), tom+(24), transferenci+(19), conflito+(9),
contexto+(20), lid+(34), maior+(21), mod+(10), posicao(9), postura+(10),
288
prat+(51), profiss+(9), saude_mental(12), ambiente+(8), area+(10),
atitude+(8), clinica+(22), discurso(10), literatura(9), pela+(24),
reabilit+(7), terapeutas_ocupacio(16), terapeut+(31), associ+(7),
atividade+(50), casos(13), categoria+(7), concepc+(5),
contratransferencia(11), critic+(8), ensin+(12), funcion+(9), instituic+(15),
instrumento+(9), lingu+(7), mudanca+(10), os(56), padroniz+(5), praquel+(5),
profissional+(14), racionalidade(5), reflexiv+(9), terapeuta_ocupacion(22),
abord+(6), acontec+(26), agenda+(4), agir(7), alun+(4),
aprendizagem_colabo(6), arte+(4), as(100), autonomia(4), auxiliar+(3);
Mots outils spécifiques de la classe 1 :
estamos(7), estava(218), estou(115), tinha(177), tive(30), ha(22), houve(3),
era(139), foi(258), fui(81), seria(35), sou(12), antes-de(4), apesar-de(6),
ate(122), com(430), conforme(3), depois-de(10), durante(17), fora(16),
segundo(10), sem(41), senao(7), assim(387), ate-que(6), bem-que(4), caso(81),
depois-que(11), desde-que(4), embora(17), nem(43), porque(302), por-isso(12),
por-mais-que(11), quando(187), que-nem(7), sempre-que(4), tanto(53), tao(60),
ai(375), bom(44), certo(15), viva(3), alguem(54), algum(25), aonde(4),
aqueles(3), comigo(19), consigo(21), dela(55), dele(38), ela(265), ele(155),
eu(996), la(117), me(233), meu(63), muitos(7), na(333), nada(28), naquela(8),
nenhum(12), nenhuma(11), ninguem(20), no(305), tantas(4), tantos(4), toda(31),
todo(75), tudo(101), varias(29), oito(3), quarto(6), quatro(6), tres(17),
agora(113), ainda(53), antes(22), ate-a(6), ate-o(6), atras(9), a-noite(4),
bastante(24), bem(45), depois(61), de-manha(5), em-geral(2);
Mots outils spécifiques de la classe 2 :
estao(35), estaria(3), estavam(12), esteve(3), temos(3), ter(95), teria(8),
tiveram(5), foram(22), ser(101), sera(33), sido(11), alem-de(5), de(517), de-
acordo-com(2), para(421), perante(2), sobre(80), tras(2), assim-como(2),
como(237), mais-do-que(4), nem-que(2), ou(97), para-que(13), quanto(43),
que(868), se(217), tal(36), legal(47), muito-bom(7), olha(32), puxa(3), tudo-
bem(15), vamos(20), algo(71), alguma(79), algumas(39), alguns(20), aquela(22),
aquelas(6), aquele-que(3), aquilo(48), cada-uma(27), com-que(15), deles(5),
de-que(71), essa(187), esse(137), esses(16), estas(4), este(12), isso(380),
mim(61), minha(62), onde(34), outras(57), outros(32), o-que(157), o-que-e-
que(6), por-onde(2), pouco(147), poucos(3), quem(49), seu(20), sua(28),
suas(12), tais(12), te(34), teu(13), tuas(4), varios(11), voce(257),
voces(172), cinco(4), primeiro(29), sete(2), um(411), vinte(3), afinal(3),
aqui(158), a-toa(3), ca(14), certamente(2), de-todo(7), em-cima(10),
entao(194);
Mots outils spécifiques de la classe 3 :
tem(141), tinham(9), sao(28), seriam(2), dentro-de(5), diante-de(4),
entre(12), pelo(22), por(51), a-medida-que(3), enquanto(9), ja-que(2), logo-
que(1), mas(171), mesmo-que(4), por-isso-que(7), sem-que(1), uma-vez-que(2),
aquele(7), cada(8), cada-um(9), delas(5), de-quem(6), elas(14), eles(19), em-
que(10), esta(98), muitas(26), nossa(27), nossas(6), nosso(14), nossos(4),
outro(44), o-que-e(9), proprio(2), quais(6), qual(10), que-se(13), seus(3),
si(6), todas(9), tua(10), dez(2), ali(20), exatamente(6), la-fora(2),
provavelmente(2), realmente(7), sim(9), A(18), E_(18), O(16), e(395);
Mots étoilés spécifiques de la classe 1 :
*gru_04(115), *gru_07(147), *gru_08(77), *gru_11(156), *gru_12(141),
*gru_15(151), *gru_17(90), *par_1(220), *par_2(141), *par_3(126), *par_4(218),
*par_5(167), *par_6(185);
Mots étoilés spécifiques de la classe 2 :
*gru_01(85), *gru_03(83), *gru_05(85), *gru_09(108), *gru_10(75),
*gru_18(69), *par_9(667);
Mots étoilés spécifiques de la classe 3 :
*gru_02(40), *gru_06(44), *gru_13(44), *gru_14(54), *par_7(120), *par_8(41);
289
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D1: Sélection des mots et des uce par classe
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D1 : Distribution des formes d'origine par racine
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Formes associées au contexte A
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A9 fic+ : fica(91), ficado(2), ficam(13), ficando(10), ficar(54), ficaram(2),
ficasse(2), ficava(44), ficavam(3), fico(99), ficou(52);
A9 ia : ia(122);
A9 temp+ : tempao(1), tempo(165);
A8 cheg+ : chega(21), chegada(1), chegado(2), chegando(11), chegar(27),
chegasse(2), chegava(6), chego(5), chegou(18);
A8 dificil+ : dificil(136), dificilima(1);
A8 paciente+ : paciente(128), pacientes(47);
A7 atendi+ : atendi(13), atendimento(48), atendimentos(13);
A7 atend+ : atende(7), atendem(1), atender(30), atendeu(6), atendia(4),
atendiam(1), atendo(3);
A7 escrevi : escrevi(33);
A7 hora+ : hora(74), horas(11);
A7 meio+ : meio(55), meios(1);
A7 sab+ : sabado(4), sabe(140), sabem(3), saber(42), sabia(22);
A7 sair+ : sair(42), sairam(1), sairiamos(1);
A7 semana+ : semana(80), semanas(9);
A7 sent+ : sentar(6), sente(12), sentem(3), sentia(21), sentir(17),
sentirem(1), sentiu(5), sento(5);
A6 angusti+ : angustia(10), angustiada(8), angustiado(1), angustiam(1),
angustiando(2), angustiante(5), angustias(5);
A6 cap+ : capaz(1), caps(32);
A6 cas+ : casa(31), casada(1), casado(1);
A6 dai : dai(79);
A6 deix+ : deixa(18), deixado(1), deixamos(1), deixando(2), deixar(30),
deixaram(1), deixava(3), deixe(1), deixei(5), deixo(3), deixou(5);
A6 dia+ : dia(46), dias(13);
A6 dificuldade+ : dificuldade(50), dificuldades(6);
A6 enfermaria+ : enfermaria(41), enfermarias(2);
A6 fal+ : fala(127), falado(6), falam(4), falamos(1), falando(100),
falar(168), falaram(8), falas(3), falasse(2), falava(35), falavam(4), fale(3),
falei(74), falem(1), falo(21), falou(61);
A6 gost+ : gosta(4), gostado(1), gostar(2), gostava(4), goste(1), gostei(13),
gosto(3), gostosa(2), gostoso(11), gostou(3);
A6 inteir+ : inteira(4), inteiro(24);
A6 inter_consulta : inter_consulta(40);
A6 mes+ : mes(15), mesa(4), meses(14), mesinha(1);
A6 mont+ : montado(1), montagem(1), montar(1), monte(33), montou(1);
A6 pass+ : passa(13), passada(15), passado(17), passagem(9), passando(12),
passar(20), passaram(2), passava(3), passe(2), passei(6), passo(3),
passou(11);
A6 sai+ : sai(22), saia(14), saio(4);
A6 sentindo : sentindo(28);
A6 super+ : super(65), superar(1);
A6 ultim+ : ultima(14), ultimas(2), ultimo(23);
A6 vontade : vontade(43);
A5 abr+ : abre(2), abria(1), abrir(11), abriu(5), abro(1);
A5 acab+ : acaba(19), acabado(4), acabam(2), acabando(2), acabar(3),
acabaram(1), acabava(4), acabei(21), acabo(2), acabou(16);
A5 afet+ : afeta(7), afetado(2), afetam(1), afetando(1), afetava(1), afeto(2),
afetou(1);
A5 com+ : coma(2), come(4), comer(8), comeram(2), comia(1);
A5 confort+ : confortando(1), confortante(3), confortar(1), conforto(9);
A5 confus+ : confusa(9), confusao(2), confuso(4);
A5 consegu+ : consegue(38), conseguem(2), conseguia(24), conseguimos(1),
conseguir(20), conseguiram(1), conseguisse(1), conseguiu(12);
290
A5 cont+ : contado(1), contando(7), contar(10), contato(35), contatos(1),
contava(1), contei(2), contente(2), conto(4), contou(3);
A5 deslig+ : desliga(3), desligado(1), desligando(1), desligar(18);
A5 deu : deu(41);
A5 entr+ : entra(19), entrada(1), entrado(3), entram(1), entrando(4),
entrar(37), entrasse(1), entrava(2), entrei(7), entro(4), entrou(6);
A5 epoca : epoca(18);
A5 escrevendo : escrevendo(26);
A5 escrev+ : escreve(14), escrevei(1), escrever(115), escreveu(8),
escrevia(4), escrevo(6);
A5 familia : familia(16);
A5 fim : fim(14);
A5 fiqu+ : fique(5), fiquei(140);
A5 grave+ : grave(9), gravemente(1), graves(2);
A5 intern+ : interna(2), internacao(10), internada(9), internado(2),
internar(3), internou(1);
A5 investi+ : investi(1), investimento(12);
A5 lig+ : liga(5), ligada(3), ligado(7), ligando(5), ligar(1), ligo(1),
ligou(1);
A5 limit+ : limitacao(4), limitada(2), limitando(1), limite(10), limites(2);
A5 lino : lino(14);
A5 marc+ : marca(11), marcada(4), marcado(1), marcante(4), marcantes(1),
marcar(2), marcas(1), marco(1), marcou(1);
A5 marido : marido(14);
A5 mostr+ : mostra(1), mostrando(4), mostrar(7), mostrava(4), mostrou(2);
A5 muita : muita(60);
A5 nisso : nisso(74);
A5 perd+ : perda(3), perdas(4), perde(8), perdem(1), perder(6), perdeu(2),
perdia(1);
A5 pint+ : pinta(1), pintando(3), pintar(5), pintavam(1), pinte(1), pinto(2),
pintou(1);
A5 preocup+ : preocupa(2), preocupacao(7), preocupada(15), preocupando(2),
preocupar(2);
A5 pronto_socorro : pronto_socorro(14);
A5 residente+ : residente(16), residentes(2);
A5 said+ : saida(14), saidas(4), saido(2);
A5 segunda : segunda(18);
A5 sozinh+ : sozinha(16), sozinho(3);
A5 termin+ : termina(2), terminado(2), terminais(1), terminal(6),
terminando(3), terminar(12), terminasse(1), terminei(2), termino(2);
A5 tido+ : tido(10), tidos(1);
A5 tranq : tranq(18);
A5 trat+ : trata(1), tratada(3), tratam(1), tratando(2), tratar(8);
A5 vou : vou(175);
A4 acompanh+ : acompanha(1), acompanhando(7), acompanhar(4), acompanhasse(1),
acompanhava(1), acompanhei(1), acompanhou(3);
A4 ag : ag(9);
A4 ambulatori+ : ambulatoriais(1), ambulatorial(2), ambulatorio(6);
A4 ano+ : ano(39), anos(22);
A4 assust+ : assusta(3), assustada(3), assustei(1), assustou(2);
A4 atendendo : atendendo(25);
A4 boa+ : boa(16), boas(1);
A4 consegui : consegui(28);
A4 coorden+ : coordena(1), coordenacao(2), coordenando(2), coordenava(1),
coordeno(1);
A4 dav+ : dava(18);
A4 deixar_de_investir : deixar_de_investir(10);
A4 desesperad+ : desesperada(6), desesperador(1);
A4 direit+ : direitinho(4), direito(9);
A4 doenca : doenca(20);
A4 domingo : domingo(7);
A4 engracad+ : engracada(3), engracado(7);
A4 entregu+ : entregue(1), entreguei(6);
A4 entreg+ : entrega(1), entregado(1), entregando(3), entregar(10),
entrego(1), entregou(1);
A4 ent+ : enta(4), entam(1), entar(4), ento(1);
A4 envolvida : envolvida(7);
A4 esper+ : espera(6), esperam(1), esperando(8), esperar(5), esperava(2),
espere(1), esperei(1), espero(5), esperou(1);
A4 estagio+ : estagio(21), estagios(1);
A4 final+ : final(28);
291
A4 grande+ : grande(23), grandes(1);
A4 hospit+ : hospitais(1), hospital(15);
A4 irma+ : irma(9), irmas(1);
A4 jog+ : joga(1), jogada(2), jogar(2), jogava(1), jogo(6), jogou(4);
A4 lembr+ : lembra(1), lembrado(2), lembrando(16), lembrar(8), lembrava(8),
lembrei(19), lembro(25);
A4 li : li(29);
A4 limbo : limbo(9);
A4 marisa : marisa(24);
A4 medic+ : medica(3), medicacao(1), medicavam(1), medicina(3), medico(4);
A4 mistur+ : misturada(1), misturado(2), misturando(2), misturar(2),
misturou(3);
A4 morr+ : morra(1), morre(3), morrer(17), morreram(1), morreu(4);
A4 oportunidade+ : oportunidade(9), oportunidades(1);
A4 parec+ : parece(49), parecem(2), parecer(1), pareceram(1), pareceu(1),
parecia(10);
A4 pes+ : pesado(3), pesando(2), peso(7);
A4 principalmente : principalmente(13);
A4 problema+ : problema(17), problemas(8);
A4 program+ : programa(12), programado(1), programas(1), programou(1);
A4 quase : quase(16);
A4 refer+ : refere(1), referem(1), referencia(10), referente(1);
A4 resposta+ : resposta(26), respostas(5);
A4 reuni+ : reuniao(11), reunioes(3);
A4 roteir+ : roteirinho(1), roteiro(10);
A4 sabendo : sabendo(10);
A4 sei : sei(216);
A4 sexta_feira : sexta_feira(11);
A4 surpresa : surpresa(8);
A4 teve : teve(58);
A4 tir+ : tira(5), tirando(1), tirar(6), tirasse(1), tire(1), tirei(3),
tiro(2), tirou(1);
A4 vaga : vaga(9);
A4 ve : ve(17);
A4 vi : vi(14);
A4 vida : vida(52);
A4 viu : viu(8);
A3 acostumad+ : acostumada(6), acostumadas(1), acostumado(3);
A3 atende_la : atende_la(9);
A3 atende_lo+ : atende_lo(5), atende_los(1);
A3 boca : boca(6);
A3 comec+ : comeca(29), comecada(2), comecado(3), comecando(7), comecar(24),
comecasse(1), comecei(20), comeco(27), comecou(13);
A3 compromiss+ : compromissada(1), compromisso(5);
A3 continu+ : continua(7), continuam(3), continuar(25), continuei(2),
continuem(2), continuo(2), continuou(1);
A3 deprimid+ : deprimida(2), deprimidas(1), deprimido(4);
A3 desliga+ : desligamento(17), desligamentos(3);
A3 despert+ : desperta(1), despertando(2), despertaram(1), despertou(7);
A3 devolutiva+ : devolutiva(13);
A3 dev+ : deve(9), dever(2), devesse(2), devessem(1), devia(4), deviam(1),
devo(2);
A3 estranh+ : estranha(1), estranheza(1), estranho(7);
A3 fase+ : fase(5), fases(1);
A3 feri+ : feriado(1), ferias(7);
A3 gratific+ : gratifica(1), gratificante(5);
A3 hematologia : hematologia(7);
A3 hematologialogia : hematologialogia(6);
A3 horario+ : horario(10), horarios(1);
A3 ila : ila(6);
A3 ilo : ilo(8);
A3 indo : indo(10);
A3 maleta : maleta(6);
A3 morte : morte(19);
A3 paralis+ : paralisada(3), paralisado(2), paralisam(1), paralisassem(1),
paralisava(1), paralisavam(1), paralisei(3), paralisias(1);
A3 ped+ : pede(7), pedia(1), pediam(2), pedir(5), pediu(1);
A3 proesq : proesq(12);
A3 psicolog+ : psicologa(2), psicologia(2), psicologo(4);
A3 responsabilidade : responsabilidade(15);
A3 ruim : ruim(9);
292
A3 saindo : saindo(9);
A3 semestre : semestre(6);
A3 sensac+ : sensacao(39), sensacoes(6);
A3 suport+ : suportando(1), suportar(1), suporte(4);
A3 telefone : telefone(7);
A3 trist+ : triste(2), tristeza(5), tristezas(1);
A3 unic+ : unica(7), unicas(1), unico(9);
A2 adapt+ : adaptacao(3), adaptar(2);
A2 adiant+ : adianta(2), adiantar(2);
A2 afetiva+ : afetiva(2), afetivamente(2);
A2 ambulatorio_de_cris : ambulatorio_de_crise(15);
A2 ansiedade : ansiedade(5);
A2 aristides : aristides(4);
A2 atendido+ : atendido(3), atendidos(1);
A2 atent+ : atenta(2), atentado(1), atento(1);
A2 ativ+ : ativa(1), ativas(1), ativo(3);
A2 banc+ : banca(2), bancar(1), banco(2);
A2 bonit+ : bonita(1), bonito(11);
A2 cair : cair(6);
A2 caiu : caiu(5);
A2 caixinha+ : caixinha(6);
A2 chor+ : chorar(2), chorava(1), chorei(2);
A2 conclu+ : concluir(2), conclusao(6);
A2 conseguindo : conseguindo(13);
A2 continuidade : continuidade(7);
A2 contrario+ : contrario(3), contrarios(1);
A2 cor+ : cor(2), cora(1), cores(1);
A2 croche : croche(7);
A2 debilitada : debilitada(4);
A2 diminu+ : diminuir(2), diminuiu(2);
A2 dissoci+ : dissociacao(2), dissociada(7), dissociando(1), dissociar(2);
A2 esp+ : espelho(1), esposa(3);
A2 esquecendo : esquecendo(5);
A2 esqueci+ : esqueci(3), esquecia(1);
A2 evad+ : evade(3), evadiu(2);
A2 facil+ : facil(34);
A2 falec+ : faleceram(1), faleceu(3);
A2 ficar+ : ficarem(1), ficaria(4);
A2 impossibilidade+ : impossibilidade(2), impossibilidades(3);
A2 internet : internet(4);
A2 invest+ : investe(4), investir(11), investiu(2);
A2 lev+ : leva(11), levado(3), levam(1), levando(6), levar(13), levasse(1),
levava(2), leve(1), levei(1), levo(1), levou(3);
A2 loucura : loucura(6);
A2 madeira : madeira(4);
A2 med+ : medo(21);
A2 meia : meia(5);
A2 mex+ : mexa(1), mexe(2), mexer(10), mexeu(2);
A2 nando : nando(4);
A2 noite : noite(5);
A2 penultim+ : penultima(1), penultimo(3);
A2 perdida : perdida(5);
A2 porta : porta(11);
A2 psiquiatr+ : psiquiatra(8), psiquiatras(1), psiquiatria(10),
psiquiatrica(2);
A2 quarta : quarta(4);
A2 raiva : raiva(5);
A2 reconhec+ : reconhece(2), reconhecer(2), reconhecerem(1);
A2 reli : reli(5);
A2 reuniao_clinica : reuniao_clinica(5);
A2 sincera+ : sincera(3), sinceramente(2);
A2 sofrendo : sofrendo(4);
A2 sofr+ : sofre(1), sofrer(4), sofreu(1), sofria(1);
A2 unidade_de_terapia_ : unidade_de_terapia_intensiva(5);
A2 uns : uns(8);
A2 veio : veio(44);
A2 verbaliz+ : verbalizado(1), verbalizar(2), verbalizasse(1), verbalizou(1);
A2 via : via(5);
A2 vincul+ : vincula(1), vinculacao(2), vincular(1), vincularam(1),
vinculo(4);
A2 vindo : vindo(5);
293
A2 vinh+ : vinha(17), vinham(5);
A2 virginia : virginia(4);
A2 vir+ : vir(17), vira(4), viram(5), virar(4), virou(4);
A2 vomit+ : vomita(3), vomitando(1), vomitar(1), vomito(1);
------------------------------
Formes associées au contexte B
------------------------------
B9 entend+ : entende(9), entendem(1), entender(59), entenderam(2),
entendesse(1), entendeu(104), entendia(1), entendo(8);
B9 grupo+ : grupo(149), grupos(2);
B9 ide+ : ideal(4), ideia(106), ideias(9);
B9 ler+ : ler(66), leram(1);
B9 maneira+ : maneira(98), maneiras(6);
B9 olh+ : olhada(2), olhado(1), olhando(18), olhar(82), olhava(2), olhei(3),
olhem(1), olho(7), olhou(1);
B9 pesquis+ : pesquisa(46), pesquisado(1), pesquisando(1), pesquisas(4);
B9 poder+ : poder(166), poderem(7), poderia(20), poderiam(2);
B9 pod+ : pode(155), podem(12), podemos(3), podia(41), podiam(2);
B9 texto+ : texto(65), textos(22);
B9 traz+ : traz(18), trazem(1), trazer(44), trazia(2);
B8 compartilh+ : compartilha(5), compartilhada(2), compartilhando(1),
compartilhar(26), compartilhem(1);
B8 tema+ : tema(26), temas(27);
B8 tent+ : tenta(6), tentado(3), tentando(17), tentar(67), tentasse(2),
tente(1), tentei(6), tentem(1), tento(3), tentou(1);
B7 gente : gente(518);
B7 investig+ : investigacao(3), investigando(1), investigar(34),
investigou(1);
B7 materi+ : materiais(7), material(44);
B7 poss+ : possa(33), possam(10), posse(3), possivel(18), posso(33);
B7 pouquinho+ : pouquinho(34);
B7 produz+ : produz(5), produzir(15), produziu(5), produzo(1);
B7 quis+ : quis(11), quiser(10), quiseram(1), quiserem(6), quisessem(3);
B7 reflet+ : reflete(2), refletem(1), refletir(32);
B7 troux+ : trouxe(30), trouxeram(1);
B7 usar : usar(30);
B6 ajud+ : ajuda(14), ajudado(1), ajudando(4), ajudar(27), ajude(3),
ajudem(1), ajudo(1), ajudou(9);
B6 caminh+ : caminhando(6), caminhar(1), caminhei(1), caminho(42),
caminhou(2);
B6 colabor+ : colabora(1), colaboracao(5), colaborando(7), colaborar(8),
colaborou(1);
B6 compreens+ : compreensao(14), compreensoes(2);
B6 discut+ : discute(2), discutia(2), discutir(31), discutiu(2), discuto(1);
B6 dit+ : ditado(1), dito(13);
B6 diz+ : diz(8), dizem(1), dizer(84), dizia(1);
B6 exercicio : exercicio(25);
B6 faz+ : faz(77), fazem(6), fazer(177), fazia(13), faziam(1);
B6 ger+ : gera(2), gerais(1), geral(25), gere(2), gerou(3);
B6 ir : ir(58);
B6 list+ : lista(10), listando(1), listar(1), listei(3);
B6 melhor+ : melhora(1), melhorado(1), melhorar(6), melhore(3), melhores(1),
melhoria(7), melhorou(3);
B6 pensamento+ : pensamento(25), pensamentos(4);
B6 pud+ : pude(2), puder(2), puderam(1), puderem(1), pudesse(19), pudessem(5);
B6 queir+ : queira(19), queiram(2);
B6 reflex+ : reflexao(28), reflexoes(5);
B6 surg+ : surge(2), surgia(1), surgiam(2), surgir(2), surgiram(8),
surgirem(1), surgisse(1), surgiu(5);
B6 trazendo : trazendo(18);
B5 acoes : acoes(13);
B5 aparec+ : apareca(2), aparece(5), aparecem(3), aparecer(5), apareceram(7),
apareceu(12), aparecia(3), apareciam(1);
B5 aprendendo : aprendendo(9);
B5 aprofund+ : aprofundando(2), aprofundar(9), aprofundava(2);
B5 apropri+ : apropria(1), apropriando(2), apropriar(6), apropriaram(1),
aproprio(1);
B5 bacana+ : bacana(10);
B5 clar+ : clara(3), claras(3), clareza(1), claro(31);
294
B5 constru+ : construcao(10), construir(10), construiu(1);
B5 contribu+ : contribua(2), contribuir(9), contribuiu(1);
B5 descrev+ : descreva(1), descreve(2), descrever(10), descreveu(1);
B5 dest+ : desta(3), deste(9), destes(1);
B5 determinad+ : determinada(9), determinadas(1), determinado(4);
B5 discuss+ : discussao(18), discussoes(7);
B5 elabor+ : elabora(1), elaboracao(2), elaborado(2), elaborando(2),
elaborar(7);
B5 elemento+ : elemento(5), elementos(8);
B5 encontros : encontros(14);
B5 entendi+ : entendi(16), entendimento(2);
B5 escolh+ : escolha(6), escolhas(2), escolhe(8), escolhem(1), escolher(16),
escolheu(4), escolhia(1), escolho(1);
B5 estud+ : estuda(1), estudando(1), estudantes(1), estudar(11), estudei(2),
estudo(9), estudou(3);
B5 experi+ : experiencia(39), experiencias(11), experiente(1), experientes(5);
B5 ferramenta+ : ferramenta(8), ferramentas(4);
B5 fez : fez(41);
B5 gostaria : gostaria(14);
B5 identidade : identidade(9);
B5 informac+ : informacao(11), informacoes(4);
B5 interess+ : interessa(2), interessada(1), interessante(40),
interessantes(7), interessar(3), interesse(3);
B5 introduz+ : introduz(1), introduzir(8);
B5 justific+ : justifica(1), justificada(1), justificado(3), justificando(1),
justificar(6);
B5 leitura+ : leitura(15), leituras(3);
B5 organiz+ : organiza(2), organizacao(5), organizada(1), organizando(1),
organizar(22);
B5 percepc+ : percepcao(6), percepcoes(4);
B5 presente+ : presente(24), presentes(3);
B5 princip+ : principais(4), principal(2), principio(6);
B5 produc+ : producao(11), producoes(2);
B5 produto+ : produto(7), produtos(1);
B5 propost+ : proposta(29);
B5 quer+ : quer(67), querem(8), querer(5), queria(42), queriam(2), quero(17);
B5 quest+ : questao(81), questoes(55);
B5 relacion+ : relacionada(2), relacionado(1), relacionais(2), relacional(4),
relacionando(2), relacionar(1);
B5 relat+ : relatam(1), relatando(4), relatar(1), relato(30);
B5 repente : repente(22);
B5 resultado+ : resultado(12);
B5 retornos : retornos(9);
B5 retorn+ : retornam(1), retornando(4), retorno(29);
B5 sentid+ : sentido(69);
B5 tatiana : tatiana(19);
B5 uso : uso(14);
B4 analis+ : analisada(1), analisar(3), analise(6);
B4 anotacoes : anotacoes(5);
B4 coisa+ : coisa(177), coisas(168);
B4 colaborativa+ : colaborativa(3), colaborativamente(1);
B4 compreend+ : compreende(1), compreender(10);
B4 copia+ : copia(3), copias(1);
B4 daquilo : daquilo(24);
B4 descobrindo : descobrindo(4);
B4 descrit+ : descrita(1), descritas(1), descrito(4);
B4 desej+ : deseja(1), desejar(1), desejo(16);
B4 dess+ : dessa(44), dessas(11), desse(29), desses(11);
B4 diario+ : diario(65), diarios(39);
B4 diario_reflexivo : diario_reflexivo(4);
B4 diss+ : disse(5), disso(63);
B4 divid+ : dividir(9), dividiu(1);
B4 dupla+ : dupla(4), duplamente(1);
B4 eleg+ : eleger(5), elegeu(1);
B4 encaix+ : encaixa(1), encaixado(1), encaixar(2), encaixava(1);
B4 encerr+ : encerrando(1), encerrar(3), encerrou(1);
B4 encontr+ : encontra(1), encontrar(5), encontrei(3), encontro(31);
B4 envi+ : enviado(2), enviar(2), enviavam(1), envio(1);
B4 escritos : escritos(4);
B4 estimul+ : estimula(2), estimulado(1), estimular(2), estimulo(1);
B4 exemplo+ : exemplo(32);
295
B4 fantasma+ : fantasma(4), fantasmas(1);
B4 guard+ : guardado(1), guardar(2), guardei(1);
B4 identificar : identificar(6);
B4 implic+ : implic(1), implica(1), implicada(1), implicado(2), implicou(1);
B4 individu+ : individuais(1), individual(13);
B4 inquiet+ : inquieta(3), inquietacao(1), inquietando(2);
B4 integra+ : integra(4), integrador(1);
B4 le : le(12);
B4 madur+ : madura(1), maduras(1), maduro(4);
B4 momento+ : momento(69), momentos(10);
B4 motiv+ : motivacao(1), motivada(1), motivar(1), motivo(2), motivou(2);
B4 necessariamente : necessariamente(13);
B4 nest+ : nesta(4), neste(7);
B4 palpavel : palpavel(5);
B4 percebido : percebido(5);
B4 pergunt+ : pergunta(36), perguntando(2), perguntar(7), perguntas(12),
perguntava(1), perguntei(3), pergunto(3), perguntou(1);
B4 pront+ : pronta(1), pronto(10);
B4 recurso+ : recurso(7), recursos(1);
B4 relendo : relendo(5);
B4 saib+ : saiba(6), saibam(2);
B4 tenh+ : tenha(22), tenham(7), tenho(42);
B4 tentativa+ : tentativa(11);
B4 tese : tese(5);
B4 tipo+ : tipo(28), tipos(8);
B4 top+ : topam(1), topando(1), topicos(3);
B4 torn+ : tornar(3), torno(1), tornou(1);
B4 total+ : total(4), totalmente(5);
B4 transform+ : transforma(2), transformacao(3), transformando(1),
transformar(3), transforme(1), transformo(1), transformou(1);
B4 trazido+ : trazido(5), trazidos(1);
B4 uma+ : uma(430), umas(10);
B3 ach+ : acha(9), acham(14), achando(2), achar(4), acharam(2), achava(7),
achei(29), acho(477), achou(6);
B3 afasta+ : afasta(3), afastamento(3);
B3 ampli+ : amplia(3), ampliacao(2), ampliando(3), ampliar(6), ampliasse(1),
amplie(1), ampliou(2);
B3 aprendizagens : aprendizagens(5);
B3 atu+ : atuacao(3), atuais(1), atual(3), atuando(1), atuar(2);
B3 barbar+ : barbara(1), barbaro(2);
B3 ciclo : ciclo(3);
B3 conect+ : conectado(1), conectando(1), conectar(1);
B3 construid+ : construida(7), construido(1);
B3 construindo : construindo(9);
B3 contamin+ : contaminacao(2), contaminada(1);
B3 convers+ : conversa(26), conversado(3), conversando(6), conversar(28),
conversas(3), conversava(1), conversou(5);
B3 convite+ : convite(9), convites(1);
B3 dar+ : dar(40), darem(1), daria(4);
B3 descritivo+ : descritivo(2), descritivos(2);
B3 dos : dos(39);
B3 doutor+ : doutorado(3), doutores(1);
B3 entendid+ : entendida(1), entendido(5);
B3 estrutura : estrutura(4);
B3 extrema+ : extremamente(3), extremas(1);
B3 faria : faria(3);
B3 imediat+ : imediata(5);
B3 mund+ : mundo(45);
B3 numero : numero(4);
B3 portfolio+ : portfolio(1), portfolios(2);
B3 precis+ : precisa(18), precisam(1), precisar(3), precisava(7), precise(4),
preciso(6);
B3 process+ : processado(1), processo(40);
B3 recorr+ : recorrentes(3), recorrer(1);
B3 resgat+ : resgatando(1), resgatar(3), resgate(1), resgato(1);
B3 sess+ : sessao(3), sessoes(4);
B3 singularidade : singularidade(3);
B3 situacoes_de_dilema : situacoes_de_dilema(3);
B3 tarefa+ : tarefa(9), tarefas(2);
B3 trabalhos : trabalhos(4);
B3 troc+ : troca(1), trocando(1), trocar(12), trocas(2), trocava(1), troco(2);
296
B3 vao : vao(31);
B2 acess+ : acessar(3), acessivel(1), acesso(2);
B2 aflita : aflita(3);
B2 artigo+ : artigo(5), artigos(3);
B2 avaliativ+ : avaliativa(1), avaliativo(1);
B2 busc+ : busca(1), buscar(6);
B2 curiosidade : curiosidade(7);
B2 desenvolvimento_pro : desenvolvimento_profissional(6);
B2 despedida+ : despedida(1), despedidas(1);
B2 dimens+ : dimensao(11), dimensoes(1);
B2 estej+ : esteja(8), estejam(2);
B2 evidente+ : evidente(7), evidentes(1);
B2 expectativa+ : expectativa(11), expectativas(1);
B2 explic+ : explica(2), explicado(1), explicar(16), explicitar(1);
B2 for+ : for(12), forem(3);
B2 individualmente : individualmente(2);
B2 obrig+ : obriga(2), obrigada(1), obrigado(1), obrigava(1);
B2 otim+ : otima(8);
B2 produzindo : produzindo(5);
B2 projet+ : projete(1), projeto(11);
B2 registr+ : registra(1), registrado(3), registrar(1), registro(4);
B2 respond+ : responda(1), responde(2), responder(11);
B2 separ+ : separado(1), separar(4), separei(2);
B2 trajetoria+ : trajetoria(9);
B2 transcric+ : transcricao(2);
B2 trecho+ : trecho(5), trechos(1);
B2 util : util(2);
------------------------------
Formes associées au contexte C
------------------------------
C9 acao : acao(28);
C9 acredit+ : acredita(7), acreditado(1), acreditar(2), acreditava(2),
acreditei(2), acredito(16);
C9 atencao : atencao(18);
C9 cham+ : chama(6), chamado(1), chamam(6), chamando(4), chamar(7),
chamaram(2), chamem(1), chamo(1), chamou(9);
C9 conceito+ : conceito(11), conceitos(2);
C9 decis+ : decisao(8), decisoes(10);
C9 difer+ : difere(1), diferente(47), diferentes(10);
C9 institucion+ : institucionais(7), institucional(6);
C9 manej+ : maneja(1), manejar(4), manejo(16);
C9 procedimento+ : procedimento(7), procedimentos(10);
C9 professor+ : professor(6), professora(3), professoras(2), professores(9);
C9 raciocinio_clinico : raciocinio_clinico(19);
C9 supervisor+ : supervisor(5), supervisora(10), supervisoras(1),
supervisores(3);
C9 tecn+ : tecnica(12), tecnicas(1), tecnico(3), tecnicos(1);
C9 teor+ : teoria(20), teorias(2), teorica(4), teoricas(2), teorico(4);
C9 terapia_ocupacional : terapia_ocupacional(72);
C9 tom+ : toma(3), tomada(1), tomado(1), tomam(1), tomando(5), tomar(11),
tomaram(1), tomei(1), tomem(1), tomo(1), tomou(2);
C9 transferenci+ : transferencia(19), transferencial(1), transferencias(3);
C8 conflito+ : conflito(9), conflitos(1);
C8 contexto+ : contexto(18), contextos(2);
C8 lid+ : lida(8), lidando(2), lidar(19), lidava(1), lidei(1), lido(4);
C8 maior+ : maior(13), maiores(2), maioria(6);
C8 mod+ : moda(1), modo(9);
C8 posicao : posicao(9);
C8 postura+ : postura(11), posturas(1);
C8 prat+ : pratica(59), praticas(1), pratico(1), praticos(1);
C8 profiss+ : profissao(7), profissoes(2);
C8 saude_mental : saude_mental(12);
C7 ambiente+ : ambiente(7), ambientes(1);
C7 area+ : area(8), areas(2);
C7 atitude+ : atitude(5), atitudes(3);
C7 clinica+ : clinica(21), clinicas(1);
C7 discurso : discurso(12);
C7 literatura : literatura(9);
C7 pela+ : pela(26), pelas(4);
297
C7 reabilit+ : reabilitacao(7), reabilitar(1);
C7 terapeutas_ocupacio : terapeutas_ocupacionais(16);
C7 terapeut+ : terapeuta(23), terapeutas(6), terapeutica(3), terapeuticas(2),
terapeutico(2);
C6 associ+ : associa(1), associacao(3), associar(3), associasse(1);
C6 atividade+ : atividade(47), atividades(15);
C6 casos : casos(13);
C6 categoria+ : categoria(5), categorias(3);
C6 concepc+ : concepcao(3), concepcoes(2);
C6 contratransferencia : contratransferencia(9), contratransferencial(1),
contratransferencias(1);
C6 critic+ : critica(5), criticas(2), critico(1);
C6 ensin+ : ensina(1), ensinado(1), ensinar(3), ensinem(1), ensino(10);
C6 funcion+ : funciona(5), funcionam(1), funcionar(9);
C6 instituic+ : instituicao(16), instituicoes(3);
C6 instrumento+ : instrumento(7), instrumentos(2);
C6 lingu+ : lingua(1), linguagem(6);
C6 mudanca+ : mudanca(7), mudancas(5);
C6 os : os(68);
C6 padroniz+ : padronizacao(2), padronizada(2), padronizado(1), padronizar(1);
C6 praquel+ : praquela(4), praquele(1);
C6 profissional+ : profissional(17);
C6 racionalidade : racionalidade(5);
C6 reflexiv+ : reflexiva(5), reflexivas(1), reflexivo(4);
C6 terapeuta_ocupacion : terapeuta_ocupacional(23);
C5 abord+ : aborda(1), abordagem(4), abordar(1);
C5 acontec+ : aconteca(1), acontecam(1), acontece(13), acontecem(4),
acontecer(4), acontecesse(1), aconteceu(4), acontecia(1);
C5 agenda+ : agenda(3), agendas(1);
C5 agir : agir(8);
C5 alun+ : alunas(1), aluno(3);
C5 aprendizagem_colabo : aprendizagem_colaborativa(8);
C5 arte+ : arte(3), artes(1);
C5 as : as(121);
C5 autonomia : autonomia(5);
C5 auxiliar+ : auxiliar(2), auxiliares(1);
C5 campo+ : campo(3), campos(1);
C5 compet+ : competencia(1), competente(3);
C5 complexidade : complexidade(5);
C5 comum : comum(8);
C5 conheci+ : conhecimento(4), conhecimentos(3);
C5 contempl+ : contempla(1), contemplado(3), contemplando(1);
C5 crenca+ : crenca(4), crencas(4);
C5 cultura+ : cultura(2), culturais(2);
C5 da : da(195);
C5 desenvolv+ : desenvolvem(1), desenvolver(4);
C5 diferenci+ : diferencia(1), diferenciada(2), diferencial(6);
C5 educacao : educacao(4);
C5 efetivamente : efetivamente(4);
C5 entemente : entemente(3);
C5 esquizofren+ : esquizofrenia(4);
C5 fator+ : fator(1), fatores(3);
C5 fisica+ : fisica(4), fisicamente(1);
C5 form+ : forma(31), formacao(12), formado(2), formar(1), formato(3),
formei(1);
C5 implicit+ : implicito(5);
C5 interfer+ : interfere(4), interferem(1), interferia(1), interferiu(1);
C5 intervenc+ : intervencao(3), intervencoes(6);
C5 juntos : juntos(4);
C5 lado+ : lado(15), lados(3);
C5 metodo : metodo(3);
C5 modelo+ : modelo(5);
C5 objetivos : objetivos(4);
C5 particular+ : particular(3), particulares(1), particularmente(1);
C5 part+ : parte(19), partir(18);
C5 pedido+ : pedido(7);
C5 perme+ : permeando(3), permear(1), permeava(1), permeia(2), permeou(1);
C5 pragmat+ : pragmatica(2), pragmaticas(1), pragmatico(1);
C5 profissionais : profissionais(13);
C5 propor : propor(7);
C5 propo+ : propoe(6), propoem(1);
298
C5 psicanalise : psicanalise(4);
C5 relacoes : relacoes(6);
C5 saude : saude(4);
C5 sens+ : sensivel(1), senso(4);
C5 simples+ : simples(4), simplesmente(4);
C5 sintoma+ : sintoma(2), sintomas(2);
C5 sociais : sociais(4);
C5 supervis+ : supervisao(29), supervisoes(1);
C5 terapia+ : terapia(10), terapias(1);
C5 trav+ : trava(1), travada(1), travam(1);
C5 usa : usa(6);
C5 vis+ : visa(1), visao(4), visivel(1), visoes(1);
C4 aument+ : aumenta(1), aumentam(1), aumentando(1), aumentou(1);
C4 coloc+ : coloca(9), colocando(1), colocar(14), colocava(1), coloco(2),
colocou(1);
C4 complex+ : complexa(2), complexas(1), complexo(2);
C4 condut+ : condutas(2), condutor(1);
C4 consciencia : consciencia(5);
C4 consider+ : considera(1), considerado(1), consideravam(1), considero(1);
C4 conteudo+ : conteudo(3), conteudos(1);
C4 das : das(40);
C4 diante : diante(8);
C4 dizendo : dizendo(13);
C4 duas : duas(15);
C4 efeito+ : efeito(2);
C4 especificamente : especificamente(3);
C4 especific+ : especifica(3), especificas(2), especifico(2);
C4 exig+ : exige(4), exigencia(3), exigencias(1);
C4 exist+ : existam(1), existe(7), existem(3), existir(1);
C4 explicit+ : explicita(2), explicito(2);
C4 gener+ : generico(1), genericos(1), genero(2);
C4 inclusive : inclusive(6);
C4 independ+ : independe(1), independente(4);
C4 inseguranca+ : inseguranca(2), insegurancas(2);
C4 linha+ : linha(2), linhas(2);
C4 ment+ : mental(1), mente(1), mentir(1), mentira(1);
C4 narrativ+ : narrativa(4), narrativas(2), narrativo(3);
C4 populacao : populacao(5);
C4 pratica_profissiona : pratica_profissional(7);
C4 proporcion+ : proporciona(3);
C4 propria+ : propria(3), propriamente(1);
C4 qualidade : qualidade(3);
C4 raciocin+ : raciocinio(12);
C4 rel+ : relacao(33), relatos(3), reler(1);
C4 sej+ : seja(19), sejam(2);
C4 terapias_ocupaciona : terapias_ocupacionais(2);
C4 trabalh+ : trabalha(9), trabalham(1), trabalhamos(1), trabalhando(5),
trabalhar(9), trabalhava(1), trabalhe(1), trabalhei(2), trabalho(20);
C4 vej+ : vejo(8);
C4 versus : versus(4);
C4 vivi : vivi(4);
C3 acontecendo : acontecendo(14);
C3 aliment+ : alimentacao(2), alimentando(2);
C3 alternativa+ : alternativa(2);
C3 aplic+ : aplicam(1), aplicar(2);
C3 aprend+ : aprende(5), aprender(5), aprendo(1);
C3 baliz+ : baliza(1), balizando(1);
C3 bas+ : base(4);
C3 conseq : conseq(3);
C3 constroi : constroi(3);
C3 convid+ : convida(3), convidado(1), convidou(1);
C3 cri+ : cria(4), criada(1), criar(2), criava(1), crie(1), criou(1);
C3 curios+ : curiosa(5);
C3 definir+ : definir(2);
C3 desenvolvimento : desenvolvimento(4);
C3 donald : donald(4);
C3 emoc+ : emocao(1), emocoes(2);
C3 grupo_de_orientacao : grupo_de_orientacao_ao_profis<(2);
C3 igual : igual(3);
C3 imagem : imagem(9);
C3 imers+ : imersa(2);
299
C3 import+ : importante(15), importantes(1);
C3 inici+ : iniciais(1), inicial(3), iniciante(2), iniciantes(5), inicio(1);
C3 justamente : justamente(4);
C3 legitim+ : legitimacao(1), legitimar(1);
C3 livro+ : livro(4);
C3 mesmos : mesmos(2);
C3 monografia : monografia(7);
C3 morrendo : morrendo(2);
C3 mor+ : moral(1), morei(1);
C3 natural+ : natural(2), naturalmente(2);
C3 num+ : num(26), numa(20);
C3 ocupacion+ : ocupacionais(1), ocupacional(1);
C3 pelos : pelos(2);
C3 priori+ : priori(1), prioridade(1);
C3 remet+ : remeta(1), remete(2), remetiam(1);
C3 sentidos : sentidos(3);
C3 sistematiz+ : sistematizar(1), sistematizei(1);
C3 suger+ : sugere(1), sugerir(1), sugeriu(1);
C3 tend+ : tende(1), tendencia(2);
C2 cobr+ : cobra(1);
C2 descric+ : descricao(4), descricoes(2);
C2 diagnostic+ : diagnostico(8);
C2 dialog+ : dialogando(2), dialogo(2);
C2 dilema+ : dilema(7);
C2 do : do(149);
C2 experiment+ : experimenta(2), experimentar(6);
C2 fac+ : faca(4), faceis(1), faco(9);
C2 habilidade+ : habilidade(1), habilidades(2);
C2 imagens : imagens(3);
C2 lugar+ : lugar(34), lugares(5);
C2 perpass+ : perpassa(1), perpassam(2);
C2 pesquisador+ : pesquisador(1), pesquisadora(2), pesquisadores(1);
--------------------------
D1: Tri des uce par classe
--------------------------
Clé sélectionnée : A
2260 40 E_ na verdade ela, da #semana #passada para essa que ela #comeca a
#falar de #morte, do #medo, de estar #assustada, mas que prefere #morrer,
porque e muito #sofrimento, que ela nao #ag #enta mais #ficar muito #tempo
#internada, #sair da #casa.
182 22 pronto agora ai eu #vou #escrever, #deixa eu #comecar pela parte
mais #facil e depois eu #vou #voltando, #dai eu #escrevi #meio sobre o-que
#veio na #cabeca na #hora e tal e ai #parei, e #dai #fiquei de #voltar #nisso
para #continuar mas eu #acabei nao #voltando,
2268 22 e ela #comeca a #falar de como foi #dificil #perder a #mae, de
#saber que a #mae tem a mesma #doenca, que ela tem a mesma #doenca que a #mae,
do #pai ela #fala um pouco menos, que ela #sofreu muitas agressoes do #pai,
ela tem bastante #raiva, assim,
2342 22 mas foi um #atendimento que eu me #envolvi muito, eu #ia um #dia
sim, um #dia nao, eu #ficava la uma #hora e #meia sem perceber o #tempo
#passar, porque era uma #paciente muito #gostosa de #atender, assim, e #dai
depois eu #ia #passar para a isadora,
2689 22 nao, isso e muito #dificil mesmo, #deu, aqui e o meu #limite, hoje,
por hoje e so! que eu acho que no #comeco tambem eu #lembro que a gente
#ficava muito #angustiada com essa questao do #tempo, entao assim a gente nao
#saia, nao #ia embora, seis #horas daqui, assim, oito #horas da #noite estava
#atendendo #paciente.
1341 20 entao vamos #comecar a #falar sobre o #desligamento, ele nao #vinha,
essa situacao de #falar e ele #ficar #semanas sem #vir, para mim era muito
#angustiante tambem.
2329 19 no #contato com ela, assim, eu #chegava para o #atendimento, ela tem
15 #anos, ela esta #pesando 16 #quilos, ela tem uma aparencia assim muito
#debilitada, mas ela #ficava tao viva no #atendimento que, assim, eu #saia de
la tao bem-que eu #ficava #duvidando:
2450 19 mas assim, eu nem #contava muito esse caso porque eu #ficava achando
que a gente tinha contribuido praquilo, mas assim foi um processo #super
#bonito que assim ele #morreu no #dia que a #esposa #entrou na #enfermaria, la
na #unidade_de_terapia_intensiva e #viram:
300
2641 19 o #dia que ele #mudou de quarto eu #quase morri na #porta, porque eu
nao #conseguia mais ver o #nome dele e eu nao #conseguia #entrar na
#enfermaria, eu #fiquei um #tempo para #entrar,
3307 19 na verdade assim, mas ela #continua #ligando para mim, para o
#aristides e para o felipe que #atendeu ela no #pronto_socorro, ela #continua.
tanto e que assim outro #dia a #marisa #veio me dar um recado, que ela esta
muito mal, que ela esta na #casa dela.
3862 19 tudo-bem, ela #deixa o #telefone, e eu #fico sem #saber se eu #ligo
ou nao, se eu nao tivesse tanto #medo e inseguranca de agir eu ja tinha
#ligado para ela #quase todo #dia da #semana para #saber como ela tinha
#passado, se ela esta #indo?
3863 19 acho que a informacao e que ela nao esta #indo mais para o #caps,
ela nao esta #conseguindo #sair de #casa, eu #fico, nao #sei, assim, acho que
eu #fico muito com #vontade de #saber como ela esta.
758 16 me #marcou muito isso, e eu pensava muito na minha #responsabilidade
perante os #pacientes, que eu estava #passando um #tempo ali, eu #sabia que eu
#ia embora, entao eu tinha essa #preocupacao do #vinculo que eu estava criando
e #sabendo que eu #ia deixa_los,
1365 16 de #estagio ou de #semestre ou quadrimestre a gente #acaba #vivendo
um pouco isso de ter que interromper o processo com algum #paciente. mas no
meu #longitudinal que foi o #proesq que eu #ficaria dois #anos eu nao tinha
#comecado a pensar #nisso ainda.
1611 16 e do proprio #paciente, e eu estava me #sentindo muito #sozinha
porque eu estava sem essa #residente junto comigo, e ai #ficava tudo muito
#misturado e eu nao estava #sabendo muito bem-como poder #comecar com ela e
#passar um pouco a minha avaliacao,
1649 16 eu ate #lembro que eu #escrevi e ai depois-de #meia #hora eu #entrei
na #internet, que boba achando que #ia receber uma #resposta! E era #domingo!
eu #falei: #clarice!
1767 16 mas o primeiro, eu tambem nao #entreguei, eu #saia de #ferias na
#sexta e era para #entregar na #segunda, eu tinha me #programado para fazer no
#sabado de-manha e eu #ia viajar no #sabado mesmo,
2675 16 #caps, #ambulatorio_de_crise e #inter_consulta, e eu #ficava assim
#sofrendo porque eu achava que eu tinha que ter encontrado outros #horarios,
outros lugares para estar la, #sabe, para #terminar, ou nao #sei se para
#terminar, mas pelo menos para estar la,
2974 16 para mim foi #super atropelado, assim, o diario essa #semana porque
#teve o evento la do #ceto no #sabado, entao, o #dia #inteiro, e ai depois eu
fui para campinas que tinha um #compromisso por-la, e cheguei no #domingo a-
noite aqui, #super mal, assim,
Clé sélectionnée : B
518 20 eu #tentei #fazer um #tema, #dar #uma generalizada, #entendeu, do
que aconteceu. por-que? porque tambem eu #acho que voces #trazem algumas
#questoes que e aquela #coisa #dupla, #uma #coisa e #ir seguindo o #caminho
#individual e a outra e o-que que o #grupo #pode em si #eleger como um #tema
para se #aprofundar?
400 19 mas isso e #uma #coisa que eu #queria #conversar com voces porque
essa #ideia #dessa #coisa #colaborativa, de voces tambem #poderem me #ajudar:
#acho que isso aqui #faz #sentido, ou: nao #acho que.
303 16 mas isso tambem #pode servir para #pesquisa, como #uma #ferramenta
de #pesquisa porque eu #posso #olhar para aquele #material para #produzir
conhecimento, #entendeu? tem #umas #ideias e eu #achei que #podia ser legal
que voces #pudessem #ler o-que que e a #experiencia.
1028 15 se #aprofundar mais. mas #acho que a resposta seria: nao, nao
#precisa #fazer o #diario de-acordo-com o #tema, #acho que vai ser mais #uma
#tarefa para #pensar, mas assim, para #compartilhar, mas #acho que essa e a
#ideia da #colaboracao, alguem de alguma #maneira #fez com-que esse #tema
#surgisse aqui,
1560 15 E_ A sensacao que eu #tenho e que nao esta #pronto, #entendeu? esse
e um #grupo colaborativo, #totalmente #acho que e #uma #construcao assim, a
#gente esta #aprendendo a #fazer, e ai e quando alguem se arrisca mais a
contar, a #trocar, #conversa sobre isso e se #apropria #disso, e eu tambem
#acho que nao esta #pronto assim.
385 13 #acho que a #gente #pode #encerrar. E isso? legal. entao, eu #trouxe
esse #texto aqui muito #motivada por essa #questao que voce colocou do
#diario, porque trata_se de #uma #reflexao sobre as narrativas que e esse
#processo de #narrar, de #descrever e #refletir,
998 13 mas eu estava #pensando que eu #acho que-se a #gente #for por esse
#caminho assim tambem de #ir vendo essas #questoes seria #interessante porque
301
#acho que de #motivar mesmo a #pensar sobre outras #coisas e eu #penso assim-
que seria muito-bom para mim/
962 12 essa e a #ideia de #fazer #uma #lista de #coisas que a #gente
#queira #conversar, #entendeu? E a #lista esta aqui, esta #pronta. E a #gente
tem seis #encontros, alem-de #ler a #pesquisa, a #gente ja tem seis #temas que
estao pegando para todo #mundo, entao, a #gente #pode #olhar, no #encontro que
#vem a #gente vai trabalhar sobre o manejo das atividades,
1309 12 se voces #quiserem tambem #pode #ajudar #ler esse, e ficar com #uma
imagem #desse trechinho aqui para #poder #conversar, talvez #poder #trazer
algo a mais para #gente, #entendeu?
1924 12 com esse #material tambem #poder #dar um #retorno a partir #daquilo
e a #gente ter #uma #conversa no #grupo, porque tambem hoje a #gente falou
muito #dos #diarios algumas pessoas tambem falaram da #conversa no #grupo
tambem como um outro #elemento e ai #acho que a #gente #pode.
3259 12 para-que todo #mundo #saiba ou #dar o #retorno para ela e voce #pode
#dar um #retorno no proximo #grupo para #gente se isso tambem seria
#interessante, se seria #uma outra forma de #poder #fazer isso.
486 11 deu para #entender? entao eu #acho que eu vou #poder #dar #retornos
para voces nos #diarios, mas, de #uma #maneira #geral, a #gente acaba
conduzindo um pouco o #pensamento para essa #maneira de #pensar.
586 11 de #repente: olha eu #encontrei um #texto que tem a ver, e a #gente
#pode #compartilhar tambem essa oferta de #material para #pensar em-cima. que
e que voces #acham?
907 11 olha, sao #coisas que voces estao falando, que talvez #interesse a
mais #gente e que a #gente tem #uma #tarefa de #poder #construir melhor o-que
que o #grupo vai #fazer, que eu #acho que nao esta #pronto, a #gente esta
#aprendendo como trabalhar, nao tem #uma,
953 11 eu #acho que a #gente #podia #ler o #projeto, #acho que e um
#momento mais #maduro, assim, para #gente #ler, #pensar, tem #uma #coisa muito
louca que eu nao sei se eu #dou conta de #fazer que e #olhar os #movimentos,
como e que o #grupo #produz #colaborativamente.
1010 11 talvez a #gente #precise mesmo #escolher algo para comecar! #acho
que e mesmo #uma primeira #tarefa do #grupo de #escolher por-onde a #gente
comeca e talvez #poder #pensar que #material #pode nos #organizar para #pensar
sobre isso.
1328 11 como eu tinha #entendido, eu fiquei #pensando que #podia ser
qualquer um #dos #temas que a #gente tinha #levantado no outro #grupo que era
aquela #lista que a #gente #fez, mais os dois #textos, mais o da #jo,
2909 11 muitas #perguntas aqui que eu #acho que isso sim seria #uma
fotografia da hora que eu fiz e depois agora eu #lendo eu falava: mas tudo-
bem, talvez isso eu ja #saiba, mas tem #umas #coisas aqui que eu #acho que
talvez a #gente ainda nao #saiba e que #podia #fazer esse #caminho de o #grupo
#poder #olhar para os outros #textos e #produzir.
3336 11 que eu #acho que tambem #pode ser #uma outra #maneira de #dizer,
#pensar o-que que e esse: #otima.
Clé sélectionnée : C
1011 31 essa #relacao #do que a mariana #sugeriu com o #manejo #das
#atividades na #terapia_ocupacional para mim e algo que e muito junto,
entendeu? #permeia dois temas que #as #vezes e um so, porque quando voce fala
nas #atividades de #forma #particular para aquela #pessoa, tambem tem a ver um
pouquinho com o projeto #daquela #pessoa e ai #conseq #entemente com o-que eu
#percebo,
334 27 #as #terapeutas acabavam tendo o #discurso compativel com o-que a
#instituicao #acreditava, no que a #instituicao #colocava la como filosofia,
foi muito interessante com #relacao a #alta em #reabilitacao.
937 27 por-que e que #as #terapeutas_ocupacionais. que que vai com #os
#objetivos e #procedimentos #nessas #diferentes #areas e como e que eu uso?
que que mais me #chama a #atencao para eu #agir?
2780 27 O primeiro que apareceu foi a ideia de uma #imagem #inicial; depois
#as informacoes #do cotidiano e #das #relacoes #familiares e #sociais; o
levantamento de hipoteses e interpretacoes a #partir #do #modo como o paciente
se #coloca em #acao; #as #crencas sobre o processo de #terapia #ocupacional;
525 24 sem #potencia para poder #lidar com isso, o quanto #os
#profissionais podem se responsabilizar por-isso? isso #permeou muito; e o
#discurso #versus a #pratica, aquilo que eu #acredito #versus aquilo que eu
realmente consigo fazer, entao olhar para #as #necessidades, desejos #da
#pessoa, por exemplo, e formular #intervencoes a #partir #da #teoria e nao
daquilo que esta ali,
2900 23 porque tem essa ideia de voce ser um profissional_reflexivo que
entrou muito na #moda ai na decada de 80 com essa ideia de-que #aprender a
302
#pratica nao e #simplesmente #aplicar #teorias, voce tem que particularizar
#praquele #contexto,
3143 23 e ai ele #trabalha #num #ambiente 80 por cento masculino, ele e
#professor #da #area de exatas. E ele dizia: tais, isso aqui desconstruiria
#os meus #colegas, porque eles nao tem ideia de-que esse mundo #existe.
116 22 favorecer a troca entre #os participantes e discutir questoes
#relacionadas a #pratica, favorecer a transformacao dos #sujeitos em
#pesquisadores #da #propria #pratica. acho que essa e uma ideia chave discutir
a #literatura sobre #pratica_profissional, pratica_reflexiva,
#raciocinio_clinico, #periodo de transicao apos a #formacao #inicial, que e
essa constituicao #do ser #terapeuta,
348 22 sera que so #os anos de #pratica e que garantem que o #profissional
#seja #reflexivo e #conseq #entemente mais #competente? A #literatura diz que
quanto mais #reflexivo e o #profissional ele #tende a ser mais #competente e
habil #naquilo que ele faz, mas que #qualidade de pensamento e essa?
304 21 que a #base, todo o #trabalho #do texto, tanto #do #donald, que vai
#da epistemologia #da #racionalidade #pratica e depois #do #raciocinio_clinico
na #terapia_ocupacional e essa ideia #da experiencia, que a #partir #da
experiencia, eu vivo, eu reflito,
3169 20 eu estou fazendo #terapia_ocupacional? essa e uma conversa
interessante e eu acho que nao e assim-que #acontece, que a #maioria #das
#pessoas que #trabalha com o registro #da #terapia #diferente #da nossa, #da
#terapia inter_pessoal que #usa a #linguagem em si, nao #qualifica desse
#jeito,
1039 19 entao na verdade o-que eu #faco e #justamente isso, na verdade nao
e, a gente #usa a #transferencia e #contratransferencia, mas e muito
#diferente o #manejo no espaco.
1389 19 entao, muitas #vezes, nao e que nao #seja #importante, mas acho que
e algo anterior, dentro #do #ensino, #da #instituicao, #das #mudancas, que e
#prioridade #do que a gente esta vivenciando, nao que nao #seja #importante,
mas #as coisas ficam em planos #diferentes.
1395 19 nao #da #autonomia, mas acho que o #profissional de certa #forma tem
que ter um pouco de #autonomia, eu nao estou #dizendo que a gente nao tem, a
gente tem, mas que eu #acredito, eu nunca fui no mundo la-fora, eu nunca
#trabalhei como #terapeuta_ocupacional,
1690 19 essa dicotomia, que como e que isso e possivel? E ai mais ainda para
#terapia_ocupacional, que #funcionar e #funcionar so o #corpo? #funcionar e
#funcionar so a #mente? #funcionar e #funcionar so #as #emocoes? como e que e
isso?
1977 19 mas assim eram coisas que eram trabalhadas naquele grupo #especifico
atraves-de #imagens. tem uma #pesquisadora australiana, uma #pesquisadora de
#terapia_ocupacional tambem dessa #linha de #raciocinio_clinico, que ela
#aprimorou esse #metodo, ela #coloca uma c mera na cabeca #da
#terapeuta_ocupacional, eu acho isso muito engracado, tem que abstrair,
113 18 e que isso tambem cabe aqui. E a #intervencao, quais seriam #os
#objetivos, que seriam #os frutos que voces poderiam colher daqui? entao,
#auxiliar no #desenvolvimento #do #raciocinio_clinico de #modo a incluir
varias dimensoes procedimental, #narrativo, #pragmatico, condicional,
483 18 entao esse e um outro tipo. E ai outro tipo que eles #chamam de
reflexao #critica, mas nao e porque ela #seja melhor, e quando voce a #partir
#daquele #contexto levanta questoes #institucionais, burocraticas, #sociais,
#do pais, #do mundo, porque tambem e #complexo.
522 17 como-se #colocar #diante #da #equipe, de co_terapeutas, de
#supervisores quando voce tem uma #posicao ou uma compreensao #diferente e
isso #cria um #incomodo, como e que voce #lida com isso;
[...]
------------------------------
D3: C.A.H. des mots par classe
------------------------------
C.A.H. du contexte lexical A
Fréquence minimum d'un mot : 5
Fréquence minimum d'un mot : 6
Fréquence minimum d'un mot : 7
Fréquence minimum d'un mot : 8
Fréquence minimum d'un mot : 8
303
Fréquence minimum d'un mot : 8
Fréquence minimum d'un mot : 8
Nombre de mots sélectionnés : 76
Valeur de clé minimum après calcul : 5
Nombre d'uce analysées : 1003
Seuil du chi2 pour les uce : 1
Nombre de mots retenus : 76
Poids total du tableau : 3295
|----|----|----|----|----|----|----|----|----|----|
A8 paciente+ |--------------------------+-----------+-----+---++
A9 fic+ |--------------+-----------+ | | ||
A9 temp+ |--------------+ | | ||
A7 sab+ |-----------+-----------------+--------+ | ||
A5 termin+ |-----------+ | | ||
A9 ia |---------------+-------------+ | ||
A6 sentindo |---------------+ | ||
A8 dificil+ |-----------+-----------------+----------+---+ ||
A5 sozinh+ |-----------+ | | ||
A6 pass+ |------------+----------------+ | ||
A5 said+ |------------+ | ||
A7 meio+ |--------------+----------------+--------+ ||
A6 mont+ |--------------+ | ||
A7 atendi+ |------------------+------------+ ||
A5 familia |------------------+ ||
A6 sai+ |------------------+-------------+---------+---+-+|
A5 consegu+ |------------------+ | | | |
A7 semana+ |------------------+-------------+ | | |
A6 dia+ |------------------+ | | |
A6 fal+ |-------------+-------------------+--------+ | |
A6 super+ |-------------+ | | |
A7 sent+ |--------------------+------------+ | |
A8 cheg+ |------+-------------+ | |
A5 trat+ |------+ | |
A5 vou |---------------------+---------------+-----+--+ |
A6 ultim+ |----------+----------+ | | |
A5 escrev+ |----------+ | | |
A5 fiqu+ |----------------+---------------+----+ | |
A5 nisso |----------------+ | | |
A5 escrevendo |----------------------+---------+ | |
A5 preocup+ |----------------------+ | |
A5 deu |----------------+------------+---------+---+ |
A5 segunda |----------------+ | | |
A7 escrevi |------------------+----------+ | |
A5 fim |------------------+ | |
A5 acab+ |-------------+-----------------+-------+ |
A5 perd+ |-------------+ | |
A7 hora+ |-------------------+-----------+ |
A6 dai |-------------------+ |
A5 com+ |------------------------+------------+----+----+-+
A5 confus+ |------------------------+ | | |
A5 marc+ |-------------------------+-----------+ | |
A6 deix+ |--------------+----------+ | |
A5 pint+ |--------------+ | |
A5 afet+ |------------------------+-------------+---+ |
A5 confort+ |------------------------+ | |
A6 dificuldade+ |-------------------+-----------+------+ |
A6 vontade |---------+---------+ | |
A5 muita |---------+ | |
A5 epoca |--------------------+----------+ |
A5 lino |--------------------+ |
A6 angusti+ |----------+-------------------+--------+-----+-+
A5 residente+ |----------+ | | |
A5 grave+ |--------------+---------------+ | |
A5 limit+ |--------------+ | |
A5 mostr+ |--------------------+------------+-----+ |
A5 cont+ |--------+-----------+ | |
A5 entr+ |--------+ | |
A6 enfermaria+ |----------------------+----------+ |
304
A5 abr+ |----------------------+ |
A6 gost+ |--------+---------------+-------------+----+-+
A5 tranq |--------+ | | |
A6 inter_consulta |---------+--------------+ | |
A5 tido+ |---------+ | |
A5 deslig+ |-------------+----------------+-------+ |
A5 investi+ |-------------+ | |
A7 sair+ |----------------+-------------+ |
A6 cap+ |----------------+ |
A5 intern+ |---------------+------------+---------+----+
A5 marido |---------------+ | |
A5 lig+ |---------------+------------+ |
A5 pronto_socorro |---------------+ |
A6 cas+ |-------------------+--------------+---+
A6 inteir+ |-------------------+ |
A7 atend+ |-------------------+--------------+
A6 mes+ |-------------------+
C.A.H. du contexte lexical B
Fréquence minimum d'un mot : 5
Fréquence minimum d'un mot : 6
Fréquence minimum d'un mot : 7
Fréquence minimum d'un mot : 8
Fréquence minimum d'un mot : 8
Fréquence minimum d'un mot : 8
Fréquence minimum d'un mot : 8
Nombre de mots sélectionnés : 90
Valeur de clé minimum après calcul : 5
Nombre d'uce analysées : 1052
Seuil du chi2 pour les uce : 0
Nombre de mots retenus : 90
Poids total du tableau : 3999
|----|----|----|----|----|----|----|----|----|----|
B5 quest+ |-----------------------+------------+-------+---+
B9 grupo+ |--------+--------------+ | | |
B6 trazendo |--------+ | | |
B9 pod+ |--------------+--------------+------+ | |
B9 traz+ |--------------+ | | |
B9 texto+ |-------------------+---------+ | |
B7 gente |--------+----------+ | |
B7 troux+ |--------+ | |
B6 discut+ |-----------------+---------------+-------+--+ |
B6 queir+ |-----------------+ | | |
B5 discuss+ |--------------------------+------+ | |
B7 pouquinho+ |--------------+-----------+ | |
B5 tatiana |--------------+ | |
B6 colabor+ |------------------+---------------+------+ |
B5 aprofund+ |------------------+ | |
B8 compartilh+ |----------------------+-----------+ |
B5 bacana+ |----------------------+ |
B5 constru+ |-----------------------+-----------+-------+--+-+
B6 diz+ |----------+------------+ | | | |
B5 quer+ |----------+ | | | |
B9 poder+ |------------------------+----------+ | | |
B9 olh+ |----------+-------------+ | | |
B5 retorn+ |----------+ | | |
B7 poss+ |------------+------------------+-------+---+ | |
B7 usar |------------+ | | | |
B6 pud+ |------------------+------------+ | | |
B5 ferramenta+ |------------------+ | | |
B5 elemento+ |--------------------+-------------+----+ | |
B5 experi+ |--------------------+ | | |
B9 pesquis+ |----------------------+-----------+ | |
B7 materi+ |----------------------+ | |
B9 ide+ |------------------------+-----------+-------+-+ |
305
B6 ir |------------------------+ | | |
B5 sentid+ |------------+---------------+-------+ | |
B6 faz+ |-------+----+ | | |
B5 uso |-------+ | | |
B9 entend+ |---------------+------------+ | |
B8 tent+ |---------------+ | |
B5 fez |------------+------------------+--------+---+ |
B5 relacion+ |------------+ | | |
B7 quis+ |-------------------+-----------+ | |
B5 princip+ |-------------------+ | |
B6 pensamento+ |-----------------+-------------+--------+ |
B5 organiz+ |-----------------+ | |
B6 ajud+ |---------------------+---------+ |
B5 estud+ |---------------------+ |
B5 elabor+ |------------------+-------------+-------+---+--++
B5 produto+ |------------------+ | | | |
B6 compreens+ |-------------------+------------+ | | |
B6 dit+ |-------------------+ | | |
B6 surg+ |--------------+----------+---------+----+ | |
B5 presente+ |--------------+ | | | |
B9 maneira+ |---------------+---------+ | | |
B6 ger+ |---------------+ | | |
B5 produc+ |------------+----------------+-----+ | |
B5 retornos |------------+ | | |
B7 produz+ |------------+----------------+ | |
B5 resultado+ |------------+ | |
B5 clar+ |-----------------+--------------+--------+--+ |
B5 propost+ |-----------------+ | | |
B5 dest+ |---------------------+----------+ | |
B5 determinad+ |---------------------+ | |
B7 investig+ |-------------------+--------------+------+ |
B5 descrev+ |-------------------+ | |
B6 exercicio |--------------------+-------------+ |
B5 gostaria |--------------------+ |
B5 aprendendo |-------------------+---------------+-------+--++
B5 apropri+ |-------------------+ | | |
B5 informac+ |--------------------+--------------+ | |
B5 introduz+ |--------------------+ | |
B6 melhor+ |----------------------+-------------+------+ |
B5 contribu+ |----------------------+ | |
B5 entendi+ |------------------------+-----------+ |
B5 identidade |------------------------+ |
B6 list+ |-------------+---------------+-------+-----+--+
B5 encontros |-------------+ | | |
B5 aparec+ |---------------+-------------+ | |
B5 repente |---------------+ | |
B9 ler+ |----------------+--------------+-----+ |
B5 relat+ |----------------+ | |
B8 tema+ |-------------------+-----------+ |
B5 interess+ |-------------------+ |
B6 reflex+ |---------------+-------------+---------+---+
B5 escolh+ |---------------+ | |
B7 reflet+ |-----------------+-----------+ |
B6 caminh+ |-----------------+ |
B5 leitura+ |----------------+--------------+-------+
B5 percepc+ |----------------+ |
B5 acoes |-----------------+-------------+
B5 justific+ |-----------------+
C.A.H. du contexte lexical C
Fréquence minimum d'un mot : 5
Fréquence minimum d'un mot : 6
Fréquence minimum d'un mot : 7
Nombre de mots sélectionnés : 100
Valeur de clé minimum après calcul : 2
Nombre d'uce analysées : 546
Seuil du chi2 pour les uce : 0
306
Nombre de mots retenus : 100
Poids total du tableau : 2060
|----|----|----|----|----|----|----|----|----|----|
C9 conceito+ |--------------------+-------------+-------+---+-++
C6 funcion+ |--------------------+ | | | ||
C6 categoria+ |--------------------+-------------+ | | ||
C3 import+ |--------------------+ | | ||
C3 cri+ |-------------------------+---------+------+ | ||
C9 institucion+ |-----------+-------------+ | | ||
C8 contexto+ |-----------+ | | ||
C2 diagnostic+ |--------------------------+--------+ | ||
C4 duas |--------------------+-----+ | ||
C4 raciocin+ |------------+-------+ | ||
C9 atencao |----+-------+ | ||
C9 cham+ |----+ | ||
C9 difer+ |--------------------+--------------+-------+--+ ||
C9 procedimento+ |--------------------+ | | ||
C9 transferenci+ |---------+------------------+------+ | ||
C6 contratransferenci |---------+ | | ||
C8 lid+ |-----------+----------------+ | ||
C5 perme+ |-----------+ | ||
C6 instrumento+ |-----------------+------------+-------+----+ ||
C2 dilema+ |-----------------+ | | ||
C8 conflito+ |------------------+-----------+ | ||
C5 agir |------------------+ | ||
C9 acao |-------------------+-----------+------+ ||
C7 terapeut+ |-------------------+ | ||
C4 diante |-------------------+-----------+ ||
C8 posicao |----------+--------+ ||
C4 coloc+ |----------+ ||
C2 do |---------------------------+-------------+----+-+|
C9 terapia_ocupaciona |---------------+-----------+ | | |
C5 da |---------------+ | | |
C7 terapeutas_ocupaci |--------------+-------------------+------+ | |
C5 as |--------------+ | | |
C6 terapeuta_ocupacio |---------------------+------------+ | |
C8 saude_mental |------------+--------+ | |
C7 area+ |------------+ | |
C6 mudanca+ |---------------+-------------+---------+----+-+ |
C5 acontec+ |---------------+ | | | |
C4 rel+ |---------------------+-------+ | | |
C5 terapia+ |--------+------------+ | | |
C4 das |--------+ | | |
C6 casos |----------------+--------------+-------+ | |
C6 ensin+ |----------------+ | | |
C8 maior+ |-----------------+-------------+ | |
C4 narrativ+ |-----------------+ | |
C2 experiment+ |-----------------+------------+---------+---+ |
C5 propo+ |----------+------+ | | |
C3 aprend+ |----------+ | | |
C6 associ+ |------------------+-----------+ | |
C5 conheci+ |------------------+ | |
C7 pela+ |-------------------+------------+-------+ |
C5 form+ |-------------------+ | |
C4 exig+ |-----------------------+--------+ |
C9 manej+ |-------------+---------+ |
C6 atividade+ |--------+----+ |
C5 vis+ |--------+ |
C8 postura+ |---------------+------------+---------+----+---+-+
C6 profissional+ |---------+-----+ | | | |
C6 reflexiv+ |---------+ | | | |
C6 critic+ |-------------------+--------+ | | |
C4 especific+ |-------------------+ | | |
C8 profiss+ |---------------+--------------+-------+ | |
C7 clinica+ |---------------+ | | |
C8 mod+ |-------------------+----------+ | |
C5 intervenc+ |-------------------+ | |
C6 lingu+ |----------+------------------+--------+----+ |
C5 comum |----------+ | | |
307
C5 lado+ |--------------+--------------+ | |
C4 dizendo |--------------+ | |
C4 trabalh+ |---------------+---------------+------+ |
C3 num+ |---------------+ | |
C4 vej+ |---------+--------------+------+ |
C2 lugar+ |---------+ | |
C4 sej+ |-------------------+----+ |
C9 supervisor+ |--------+----------+ |
C5 supervis+ |--------+ |
C7 ambiente+ |--------------------+-----------+-------+----+-+
C4 exist+ |--------------------+ | | |
C3 acontecendo |----------------------+---------+ | |
C2 fac+ |----------------------+ | |
C5 crenca+ |-----------------+---------------+------+ |
C3 imagem |-----------------+ | |
C9 acredit+ |--------------+-----------+------+ |
C9 teor+ |--------------+ | |
C7 discurso |---------------+----------+ |
C5 simples+ |---------------+ |
C8 prat+ |-----------------------+----------+-------+--+
C5 part+ |-----------------------+ | |
C6 os |---------+----------------+-------+ |
C5 profissionais |---------+ | |
C7 reabilit+ |-------------+------------+ |
C6 instituic+ |-------------+ |
C9 raciocinio_clinico |-----------------+-----------+--------+---+
C5 interfer+ |-----------------+ | |
C7 atitude+ |-------------------+---------+ |
C9 decis+ |----------+--------+ |
C9 tom+ |----------+ |
C9 professor+ |---------------+--------------+-------+
C7 literatura |---------------+ |
C9 tecn+ |----------------+-------------+
C3 inici+ |----------------+
--------------------
* Fin de l'analyse *
--------------------
Date : 13/ 3/**; Heure : 12:17:23
Temps d'execution : 0 h 31 mn 32 s
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