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Andréa Branco Simão
A Primeira Relação Sexual, o Primeiro Casamento e o Nascimento do
Primeiro Filho: Um Estudo Quantitativo e Qualitativo de Duas
Coortes de Mulheres em
Belo Horizonte
Belo Horizonte, MG
UFMG/Cedeplar
2005
Andréa Branco Simão
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Andréa Branco Simão
A Primeira Relação Sexual, o Primeiro Casamento e o Nascimento do
Primeiro Filho: Um Estudo Quantitativo e Qualitativo de Duas
Coortes De Mulheres em
Belo Horizonte
Tese apresentada ao curso de doutorado do Centro de
Desenvolvimento e Planejamento Regional da Faculdade
de Ciências Econômicas da Universidade de Minas Gerais
como requisito parcial à obtenção do Título de Doutor em
Demografia.
Orientador: Prof
a
. Paula Miranda-Ribeiro
Co-orientador: Prof. André Junqueira Caetano
Belo Horizonte, MG
Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional
Faculdade de Ciências Econômicas - UFMG
2005
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iv
Ao Marco, Juliano e Clarissa,
as maiores e melhores conquistas de minha vida.
v
AGRADECIMENTOS
Muitas pessoas contribuíram para que eu pudesse chegar até aqui. A elas eu
gostaria de dizer muito obrigada, do fundo do meu coração. Ao Marco Túlio, meu
companheiro e grande amigo, sou eternamente grata, pois ele nunca me deixou desistir
de uma jornada, mesmo quando meus objetivos pareciam muito audaciosos e difíceis de
serem conquistados. Aos meus filhos, Juliano e Clarissa, peço desculpas pelos inúmeros
momentos em que estive ausente, pelo mau humor, pela falta de paciência e por ter,
muitas vezes, esquecido de que são apenas crianças e querem o colo da mãe. Espero
que, um dia, possamos olhar para trás e dizer que tudo isto valeu à pena.
Aos meus avós, Celso e Isolina e aos meus pais, Felipe Joaquim e Beatriz, que
nunca mediram esforços para que eu pudesse chegar à universidade, queria poder dizer
o quanto vocês foram importantes para que eu conseguisse percorrer os caminhos que
escolhi. Aos meus avós e ao meu pai, a minha saudade eterna. Sei que estão sempre
olhando por mim. A Luciana, Cristina e Fernanda, gostaria de dizer o quanto é bom ter
vocês como irmãs. À minha irmã Luciana e ao meu cunhado Adroaldo, tenho que
agradecer pelo carinho e palavras de incentivo durante este último ano de doutorado, tão
difícil e cansativo para mim e para minha família. Obrigada pelos dias maravilhosos em
Florianópolis e em Governador Celso Ramos.
Ao meu sogro Waldemiro e à minha sogra Marília, sempre tão carinhosos e
preocupados comigo, o meu mais profundo agradecimento. Sinto-me uma filha muito
querida e amada por vocês. Obrigada por tudo. O que fazem por mim é muito mais do
que realmente mereço!
A Paula Miranda-Ribeiro, minha orientadora, tenho que agradecer por muitas
coisas, mas, antes de tudo, pelo carinho com que sempre me tratou, pelo incentivo nas
horas de desânimo, pela compreensão e pelo suporte e estímulo intelectual. Além disto,
tenho que agradecer pela oportunidade de ter feito parte da equipe que trabalhou numa
das pesquisas que subsidia este estudo e pela introdução ao mundo dos métodos
qualitativos.
A André Junqueira Caetano, meu co-orientador, gostaria de agradecer pelas
inúmeras contribuições dadas para realização deste trabalho, pela paciência infinita para
me explicar as coisas e por sempre me incentivar a melhorar o que já fiz. Você e Paula
vi
certamente foram grandes incentivadores. “Believe in yourself”, prometo que vou tentar
não esquecer estas palavras! Obrigada.
A Cibele Comini César, gostaria de agradecer por ter me auxiliado a decifrar a
estatística, algo às vezes tão difícil para quem vem da área de humanas e pelas inúmeras
contribuições para o desenvolvimento deste estudo. Também queria agradecer pelo
carinho com que sempre me tratou e pela amizade.
Além disto, gostaria de registrar o meu mais profundo agradecimento aos demais
professores do Cedeplar, e dizer que me considero uma pessoa extremamente
privilegiada por ter sido aluna deste Centro. Aqui eu não poderia deixar de fazer um
agradecimento especial ao professor José Alberto Magno de Carvalho pelo auxílio com
algumas questões burocráticas e, principalmente, pelos ensinamentos transmitidos tanto
em sala de aula como fora dela. Ao professor Eduardo Rios-Neto pela idéia inicial do
tema a ser trabalhado e pelas oportunidades que me ofereceu. À professora Ignez, por
ter sido minha orientadora de curso e por ter despertado meu interesse para muitas
questões ligadas à fecundidade. Ao professor Roberto, pela preocupação constante com
o bem-estar dos alunos e pela atenção que me dispensou em momentos difíceis que
enfrentei ao longo do curso. À professora Carla, pelo carinho que tem com os alunos e
por sempre estar pronta a ajudar. À professora Moema, por ter tornado a matemática
algo mais simples para uma assistente social. À professora Simone, por ter
compartilhado comigo seus conhecimentos na área da Demografia Econômica. À
professora Laura, por sempre incentivar os alunos a publicarem seus trabalhos e a
participarem de eventos científicos. À professora Diana, pelos ensinamentos
transmitidos.
Aos professores que participaram de minha banca de qualificação, Paula, André,
Ignez, Taís, Eduardo, Letícia e Carla, o meu agradecimento pelas críticas e sugestões.
Além dos professores do Cedeplar, gostaria de dizer muito obrigada ao meu
orientador de mestrado e amigo, professor Samuel Cohn, o qual contribuiu imensamente
para a minha formação profissional. Sua convicção nas minhas habilidades intelectuais
me torna uma pessoa mais confiante e me estimula e encoraja a prosseguir investigando
questões relacionadas ao Brasil.
vii
A Ann Marie Moore agradeço pela oportunidade de ter participado de grupos
focais realizados em Recife para sua tese de doutorado e pelas inúmeras sugestões para
a realização dos meus próprios grupos.
Sem dúvida alguma, também tenho muito a agradecer aos colegas e amigos que
dividiram comigo conhecimentos, dúvidas, alegrias, ansiedades e vitórias durante estes
cinco anos de curso. Não vou mencionar nomes, pois seriam muitos, mas posso dizer
que sem eles tudo teria sido muito mais difícil e sem graça. Luiza de Marilac de Souza e
Aloísio Joaquim de Freitas, em especial, compartilharam comigo cada momento desta
jornada. Amizade como a deles tem um valor inestimável. A Carolina Costa, pelo
amizade sincera e sólida que construímos ao longo do curso. Que ela seja eterna.
Eu também gostaria de agradecer às pessoas que me ajudaram na concretização
dos grupos focais. A Carolina, Luiza e Vânia Cândida queria dizer muito obrigada por
terem deixado suas tarefas para me auxiliar como anotadoras. A Mariângela, Ângela,
Claudinéia, Nina, Ana Paula Viegas, Dona Zélia, Dona Dayse e à professora Carla,
queria agradecer por terem me ajudado a recrutar participantes para os grupos. Ao
Almada, tenho que agradecer pelas transcrições feitas com tanto carinho e cuidado. Meu
trabalho qualitativo somente foi possível porque estas pessoas me auxiliaram.
À equipe da pesquisa SRSR, pelos longos e proveitosos dias que passamos
juntos. Pelas discussões, pelos momentos de descontração e, em especial, por tudo o que
aprendemos no período da pesquisa. Em especial ao Lizandro, pela disponibilidade
constante e por sempre querer ajudar!
Aos colegas e amigos do Departamento de Desenvolvimento de Recursos
Humanos da UFMG, em especial, ao Sílvio Roberto, a Marisa, a Nilma e a Rosi,
agradeço sincera e profundamente por compreenderem o significado e a importância da
minha qualificação profissional e por sempre procurarem me auxiliar com as questões
burocráticas. Também gostaria de agradecer a todos os funcionários do Cedeplar. Eles
trabalham diariamente para que possamos ter os recursos necessários para o
desenvolvimento de nossas atividades.
Por fim, o meu mais profundo e sincero agradecimento às mulheres que
participaram das pesquisas que subsidiam este trabalho. Sem elas, nada disto teria sido
possível ou teria sentido.
Peço desculpas se esqueci de alguém...
viii
RESUMO
Este trabalho apresenta um estudo sobre os comportamentos sexual, nupcial e
reprodutivo de mulheres brancas e negras, entre 20 e 29 anos e entre 50 e 59 anos, de
diferentes níveis de escolaridade, residentes no município de Belo Horizonte.
Particularmente, este estudo é desenvolvido em duas etapas correlacionadas, sendo que,
na primeira, realiza-se uma comparação entre as idades de ocorrência da primeira
relação sexual, do primeiro casamento e do nascimento do primeiro filho das diferentes
coortes de idade e raça/cor. Na segunda etapa, efetua-se uma investigação acerca de
normas e valores relativos aos comportamentos sexual, nupcial e reprodutivo,
observando-se similaridades e contrastes entre mulheres de diferentes coortes de idade,
raça/cor e escolaridade. O objetivo central deste estudo é verificar se existem diferenças
nos comportamentos sexual, nupcial e reprodutivo de mulheres brancas e negras entre
20 e 29 anos e entre 50 e 59 anos em Belo Horizonte, enfatizando as idades à primeira
relação sexual, ao primeiro casamento e ao nascimento do primeiro filho e investigar se
existem diferenças nas normas e valores relativos a estes comportamentos quando as
mulheres brancas e negras, de diferentes níveis de escolaridade e coortes de idade (20 a
24 anos e 50 a 59 anos), são comparadas.
Os dados utilizados neste trabalho advêm da pesquisa “Saúde Reprodutiva,
Sexualidade e Raça/Cor” (SRSR), desenvolvida pelo Centro de Desenvolvimento e
Planejamento Regional (Cedeplar), em 2002, bem como de dezessete grupos focais
realizados pela autora em Belo Horizonte, entre 2003 e 2004. A partir dos dados da
pesquisa SRSR, uma análise descritiva da amostra é realizada, segundo coortes de
idade, estratificadas por raça/cor. Também a partir dos dados SRSR, são apresentadas as
parturições das mulheres até os 19 e até os 24 anos de idade Além disto, são
apresentadas estimativas de curvas de sobrevivência, obtidas por meio do estimador de
Kaplan-Meier. Essas curvas são comparadas através dos testes de log-rank. Por fim,. as
taxas de progressão de parturição (PPR) são apresentadas para as mulheres duas coortes.
Para subsidiar a análise qualitativa, foram realizados grupos focais compostos
por mulheres de mesma raça/cor, mesmo grupo etário e mesmo nível de escolaridade.
Os resultados quantitativos obtidos indicam que as mulheres da coorte mais
jovem têm a primeira relação sexual e o primeiro filho mais cedo do que tinham as
mulheres da coorte mais velha. Entretanto, a idade de primeiro casamento praticamente
ix
se manteve inalterada. Entre as mulheres da coorte mais jovem, embora as brancas e
negras iniciem a vida sexual em idades similares, as negras têm o primeiro filho mais
cedo do que as brancas.
A análise qualitativa revela diferenças de valores e comportamentos entre as
gerações estudadas. Por exemplo, apesar de, nas coortes mais jovens, a virgindade ser
considerada um valor importante para o casamento, na prática isto não ocorre. Um outro
exemplo de contradição entre norma e comportamento pode ser observado nos grupos
de mulheres jovens e de baixa escolaridade, nos quais a ocorrência do primeiro filho se
dá na adolescência, apesar de a norma propalada pela maioria considerar que a idade
apropriada para o primeiro filho está acima dos 20 anos de idade. A análise qualitativa
também revela que o nascimento do primeiro filho é visto como um evento que acarreta
uma sobrecarga de responsabilidades exclusivamente para as mulheres, prejudicando
suas vidas escolar e profissional.
As contribuições importantes deste trabalho são encontradas em duas frentes. A
primeira é a investigação de fatores associados à saúde sexual e reprodutiva de mulheres
representativas do município de Belo Horizonte. A segunda é a abordagem mais ampla
acerca dos comportamentos sexual, nupcial e reprodutivo de mulheres que, ao utilizar
uma análise conjunta de dados quantitativos e qualitativos, possibilita o entendimento
de fatores demográficos e socioculturais associados a estes comportamentos.
x
ABSTRACT
This work presents a study about the sexual and reproductive behavior of white
and negro (black + brown) females, from 20 to 29 years-old and 50 to 59 years-old,
with different educational levels, in the city of Belo Horizonte, state capital of Minas
Gerais, Brazil. It is carried out in two correlated stages. First, it consists of a
comparative analysis of first sexual intercourse, first marriage, and first childbirth
among females at different ages and race/skin color. Second, it investigates norms, and
values related to sexual and reproductive behavior, observing similarities and contrasts
among females of different age cohorts, race/skin color and educational levels. This
study has two main goals. The first one is to verify the existence of differences in the
sexual, nuptial and reproductive behaviors of white and negro women from 20 to 29
years-old and from 50 to 59 years-old in Belo Horizonte, focusing on the age of first
sexual intercourse, first marriage and birth of the first child. The second one is to verify
the differences in the norms and values related to the sexual, nuptial and reproductive
behaviors when women from 20-24 years-old and from 50 to 59 years-old, from
different educational levels are compared.
The data used in the present study come from the survey “Saúde Reprodutiva,
Sexualidade e Raça/Cor” (SRSR), conducted by the Centro de Desenvolvimento e
Planejamento Regional (Cedeplar) in 2000, and from seventeen focus groups meetings
carried out by the author in Belo Horizonte in 2003 and 2004. SRSR data analysis
provides basic descriptive information about the selected sample and also yields the
parity progression ratios (PPR) and the survival curves via Kaplan-Meier estimates.
Log-rank tests are used to compare these curves. Finally, by using the SRSR data,
females’s parity at ages of 19 and 24 are calculated.
The qualitative analysis is based on focus groups meetings with females of the same
race/skin color, age cohort, and educational level. The analysis reveals values and
behavioral differences among the generations of females included in the study. For
example, although the majority of the youngest cohorts values virginity until marriage,
actually it does not happen. Another example of contradiction among norms and
behaviors can be found in the groups with low educational level. In these groups, the
first childbirth occurs during the teenager years, despite the norm spread by the majority
that the proper age to have the first child is after 20 years-old. The qualitative analysis
xi
also reveals that the first childbirth is understood as an event that brings overwhelming
responsibility for females, eventually jeopardizing their school and professional lives.
The main contributions of this study are found in two fronts. First, it is an
investigation of aspects related to female sexual and reproductive health that is
representative of Belo Horizonte in the city level. Second, it is a far-reaching approach
about female sexual, nuptial and reproductive behavior to the extent that it brings
together quantitative and qualitative data, improving the understanding of social,
cultural and demographic factors related to these behaviors.
xii
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO........................................................................................................1
2 IDADE À PRIMEIRA RELAÇÃO SEXUAL, AO PRIMEIRO CASAMENTO
E AO NASCIMENTO DO PRIMEIRO E FECUNDIDADE...................................12
2.1 IDADE À PRIMEIRA RELAÇÃO SEXUAL.................................................................15
2.2 IDADE AO PRIMEIRO CASAMENTO .......................................................................17
2.3 IDADE AO NASCIMENTO DO PRIMEIRO FILHO.......................................................20
3 DADOS E METODOLOGIA................................................................................26
3.1 ANÁLISE QUANTITATIVA ....................................................................................27
3.1.1 Fonte de dados............................................................................................27
3.1.2 Variáveis utilizadas.....................................................................................29
3.1.3 Metodologia................................................................................................33
3.2 ANÁLISE QUALITATIVA.......................................................................................35
3.2.1 Os grupos focais: aspectos teóricos ...........................................................35
3.2.2 Os grupos focais: a prática ........................................................................40
3.2.2.1 O perfil das participantes.........................................................................40
3.2.2.2 O processo de seleção das participantes..................................................42
3.2.2.3 O número de grupos realizados e as características das participantes.....43
3.2.2.4 O guia de discussão, a transcrição e a análise dos grupos.......................46
3.2.2.5 Questões éticas e validade do estudo.......................................................47
3.2.2.6 Forma de apresentação dos resultados ....................................................48
4 RESULTADOS QUANTITATIVOS....................................................................50
4.1 DESCRIÇÃO DA SUB-AMOSTRA ...........................................................................50
4.2 I
DADE À PRIMEIRA RELAÇÃO SEXUAL.................................................................55
4.3 I
DADE AO PRIMEIRO CASAMENTO .......................................................................61
4.4 I
DADE AO NASCIMENTO DO PRIMEIRO FILHO.......................................................66
5 A PRIMEIRA RELAÇÃO SEXUAL...................................................................76
5.1 E
XISTE UMA IDADE IDEAL, OU MAIS ADEQUADA, PARA A PRIMEIRA RELAÇÃO
SEXUAL
?.......................................................................................................................77
5.1.1 Negras entre 20 e 24 anos, baixa escolaridade..........................................78
5.1.2 Negras entre 20 e 24 anos, alta escolaridade ............................................81
5.2 BRANCAS ENTRE 20 E 24 ANOS, BAIXA ESCOLARIDADE......................................82
5.2.1 Brancas entre 20 e 24 anos, alta escolaridade...........................................82
5.2.2 Negras entre 50 e 59 anos, baixa escolaridade..........................................84
5.2.3 Negras entre 50 e 59 anos, alta escolaridade ............................................86
5.2.4 Brancas entre 50 e 59 anos, baixa escolaridade........................................87
5.2.5 Brancas entre 50 e 59 anos, alta escolaridade...........................................87
5.2.6 Síntese.........................................................................................................89
5.3 A QUESTÃO DA VIRGINDADE...............................................................................91
5.3.1 Negras entre 20 e 24 anos, baixa escolaridade..........................................92
5.3.2 Negras entre 20 e 24 anos, alta escolaridade ............................................94
5.3.3 Brancas entre 20 e 24 anos, baixa escolaridade........................................97
5.3.4 Brancas entre 20 e 24 anos, alta escolaridade...........................................98
xiii
5.3.5 Negras entre 50 e 59 anos, baixa escolaridade........................................100
5.3.6 Negras entre 50 e 59 anos, alta escolaridade ..........................................101
5.3.7 Brancas entre 50 e 59 anos, baixa escolaridade......................................103
5.3.8 Brancas entre 50 e 59 anos, alta escolaridade.........................................104
5.3.9 Síntese.......................................................................................................105
5.4 AS CONVERSAS E A BUSCA DE INFORMAÇÕES SOBRE SEXO ...............................107
5.4.1 Negras entre 20 e 24 anos, baixa escolaridade........................................108
5.4.2 Negras entre 20 e 24 anos, alta escolaridade ..........................................110
5.4.3 Brancas entre 20 e 24 anos, baixa escolaridade......................................113
5.4.4 Brancas entre 20 e 24 anos, alta escolaridade.........................................114
5.4.5 Negras entre 50 e 59 anos, baixa escolaridade........................................117
5.4.6 Negras entre 50 e 59 anos, alta escolaridade ..........................................117
5.4.7 Brancas entre 50 e 59 anos, baixa escolaridade......................................119
5.4.8 Brancas entre 50 e 59 anos, alta escolaridade.........................................120
5.4.9 Síntese.......................................................................................................122
5.5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................123
6 O PRIMEIRO CASAMENTO............................................................................130
6.1 QUANDO CASAR?..............................................................................................131
6.1.1 Negras entre 20 e 24 anos, baixa escolaridade........................................131
6.1.2 Negras entre 20 e 24 anos, alta escolaridade ..........................................132
6.1.3 Brancas entre 20 e 24 anos, baixa escolaridade......................................133
6.1.4 Brancas entre 20 e 24 anos, alta escolaridade.........................................134
6.1.5 Síntese.......................................................................................................138
6.2 O QUE É IMPORTANTE PARA CASAR E QUEM SE CASA HOJE EM DIA?..................139
6.2.1 Negras entre 20 e 24 anos, baixa escolaridade........................................139
6.2.2 Brancas entre 20 e 24 anos, baixa escolaridade......................................141
6.2.3 Brancas entre 20 e 24 anos, alta escolaridade.........................................142
6.2.4 Negras entre 50 e 59 anos, baixa escolaridade........................................142
6.2.5 Negras entre 50 e 59 anos, alta escolaridade ..........................................144
6.2.6 Brancas entre 50 e 59 anos, baixa escolaridade......................................146
6.2.7 Brancas entre 50 e 59 anos, alta escolaridade.........................................147
6.2.8 Síntese.......................................................................................................149
6.3 O
S PROJETOS DE VIDA E O CASAMENTO ............................................................151
6.3.1 Negras entre 20 e 24 anos, baixa escolaridade........................................151
6.3.2 Negras entre 20 e 24 anos, alta escolaridade ..........................................152
6.3.3 Brancas entre 20 e 24 anos, alta escolaridade.........................................152
6.3.4 Negras entre 50 e 59 anos, baixa escolaridade........................................153
6.3.5 Negras entre 50 e 59 anos, alta escolaridade ..........................................154
6.3.6 Brancas entre 50 e 59 anos, alta escolaridade.........................................155
6.3.7 Síntese.......................................................................................................155
6.4 S
OLTEIRA QUE ENGRAVIDA DEVE CASAR?........................................................156
6.4.1 Negras entre 20 e 24 anos, baixa escolaridade........................................157
6.4.2 Negras entre 20 e 24 anos, alta escolaridade ..........................................160
6.4.3 Brancas entre 20 e 24 anos, baixa escolaridade......................................163
6.4.4 Brancas entre 20 e 24 anos, alta escolaridade.........................................163
6.4.5 Negras entre 50 e 59 anos, baixa escolaridade........................................166
6.4.6 Negras entre 50 e 59 anos, alta escolaridade ..........................................167
xiv
6.4.7 Brancas entre 50 e 59 anos, de baixa escolaridade.................................168
6.4.8 Brancas entre 50 e 59 anos, de alta escolaridade....................................169
6.4.9 Síntese.......................................................................................................171
6.5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................172
7 O NASCIMENTO DO PRIMEIRO FILHO .....................................................180
7.1 EXISTE UMA IDADE IDEAL, OU MAIS ADEQUADA, PARA O NASCIMENTO DO
PRIMEIRO FILHO
?........................................................................................................181
7.1.1 Negra entre 20 e 24 anos, baixa escolaridade .........................................181
7.1.2 Negra entre 20 e 24 anos, alta escolaridade............................................183
7.1.3 Brancas entre 20 e 24 anos, baixa escolaridade......................................188
7.1.4 Brancas entre 20 e 24 anos, alta escolaridade.........................................191
7.1.5 Negra, 50 a 59 anos, baixa escolaridade .................................................193
7.1.6 Negra, 50 a 59 anos, alta escolaridade....................................................194
7.1.7 Branca, 50 a 59 anos, baixa escolaridade................................................195
7.1.8 Branca, 50 a 59 anos, alta escolaridade..................................................196
7.1.9 Síntese.......................................................................................................197
7.2 AS MUDANÇAS..................................................................................................200
7.2.1 Negra, 20 a 24 anos, baixa escolaridade .................................................200
7.2.2 Negra, 20 a 24 anos, alta escolaridade....................................................202
7.2.3 Branca, 20 a 24 anos, baixa escolaridade................................................205
7.2.4 Branca, 20 a 24 anos, alta escolaridade..................................................207
7.2.5 Negra, 50 a 59 anos, baixa escolaridade .................................................209
7.2.6 Negra, 50 a 59 anos, alta escolaridade....................................................209
7.2.7 Branca, 50 a 59 anos, alta escolaridade..................................................210
7.2.8 Síntese.......................................................................................................211
7.3 OS ESTUDOS .....................................................................................................213
7.3.1 Negra, 20 a 24 anos, baixa escolaridade .................................................213
7.3.2 Negra, 20 a 24 anos, alta escolaridade....................................................214
7.3.3 Branca, 20 a 24 anos, baixa escolaridade................................................215
7.3.4 Branca, 20 a 24 anos, alta escolaridade..................................................217
7.3.5 Negra, 50 a 59 anos, baixa escolaridade .................................................218
7.3.6 Negra, 50 a 59 anos, alta escolaridade....................................................219
7.3.7 Branca, 50 a 59 anos, baixa escolaridade................................................219
7.3.8 Branca, 50 a 59 anos, alta escolaridade..................................................220
7.3.9 Síntese.......................................................................................................220
7.4 O TRABALHO ....................................................................................................222
7.4.1 Negra, 20 a 24 anos, baixa escolaridade .................................................222
7.4.2 Negra, 20 a 24 anos, alta escolaridade....................................................225
7.4.3 Branca, 20 a 24 anos, baixa escolaridade................................................226
7.4.4 Branca, 20 a 24 anos, alta escolaridade..................................................227
7.4.5 Negra, 50 a 59 anos, baixa escolaridade .................................................228
7.4.6 Negra, 50 a 59 anos, alta escolaridade....................................................229
7.4.7 Branca, 50 a 59 anos, baixa escolaridade................................................229
7.4.8 Branca, 50 a 59 anos, alta escolaridade..................................................230
7.4.9 Síntese.......................................................................................................231
7.5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................232
8 CONCLUSÃO......................................................................................................240
xv
9 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...............................................................249
10 ANEXOS............................................................................................................259
xvi
LISTA DE GRÁFICOS
GRÁFICO 1 -TAXAS ESPECÍFICAS DE FECUNDIDADE - MUNICÍPIO DE BELO HORIZONTE,
1980, 1991 E 2000 ......................................................................................................3
GRÁFICO 2 - CURVAS DE SOBREVIVÊNCIA DA IDADE À PRIMEIRA RELAÇÃO SEXUAL,
SEGUNDO COORTES DE IDADE
, BELO HORIZONTE, 2002............................................56
GRÁFICO 3 - CURVAS DE SOBREVIVÊNCIA DA IDADE À PRIMEIRA RELAÇÃO SEXUAL,
SEGUNDO RAÇA
/COR, COORTE 1 (20 A 29 ANOS), BELO HORIZONTE, 2002................57
GRÁFICO 4 - CURVAS DE SOBREVIVÊNCIA DA IDADE À PRIMEIRA RELAÇÃO SEXUAL,
SEGUNDO RAÇA
/COR, COORTE 2 (50 A 59 ANOS), BELO HORIZONTE, 2002................58
GRÁFICO 5 - CURVAS DE SOBREVIVÊNCIA DA IDADE À PRIMEIRA RELAÇÃO SEXUAL,
SEGUNDO COORTE DE IDADE
, MULHERES BRANCAS, BELO HORIZONTE, 2002...........59
GRÁFICO 6 - CURVAS DE SOBREVIVÊNCIA DA IDADE À PRIMEIRA RELAÇÃO SEXUAL,
SEGUNDO COORTE DE IDADE
, MULHERES NEGRAS, BELO HORIZONTE, 2002 .............60
G
RÁFICO 7 - CURVAS DE SOBREVIVÊNCIA DA IDADE AO PRIMEIRO CASAMENTO, SEGUNDO
COORTE DE IDADE
, BELO HORIZONTE, 2002..............................................................62
GRÁFICO 8 - CURVAS DE SOBREVIVÊNCIA DA IDADE AO PRIMEIRO CASAMENTO, SEGUNDO
RAÇA
/COR, COORTE 1 (20 A 29 ANOS), BELO HORIZONTE, 2002 ...............................63
GRÁFICO 9 - CURVAS DE SOBREVIVÊNCIA DA IDADE AO PRIMEIRO CASAMENTO, SEGUNDO
RAÇA
/COR, COORTE 2 (50 A 59 ANOS), BELO HORIZONTE, 2002 ...............................64
GRÁFICO 10 - CURVAS DE SOBREVIVÊNCIA DA IDADE AO PRIMEIRO CASAMENTO, SEGUNDO
COORTES DE IDADE
, MULHERES BRANCAS, BELO HORIZONTE, 2002.........................65
GRÁFICO 11 - CURVAS DE SOBREVIVÊNCIA DA IDADE AO PRIMEIRO CASAMENTO, SEGUNDO
COORTE DE IDADE
, MULHERES NEGRAS, BELO HORIZONTE, 2002.............................66
GRÁFICO 12 - CURVAS DE SOBREVIVÊNCIA DA IDADE AO NASCIMENTO DO PRIMEIRO
FILHO
, SEGUNDO COORTE DE IDADE, BELO HORIZONTE, 2002...................................67
GRÁFICO 13 - CURVAS DE SOBREVIVÊNCIA DA IDADE AO NASCIMENTO DO PRIMEIRO
FILHO
, SEGUNDO RAÇA/COR, COORTE 1 (20 A 29 ANOS), BELO HORIZONTE, 2002 ....68
GRÁFICO 14 - CURVAS DE SOBREVIVÊNCIA DA IDADE AO NASCIMENTO DO PRIMEIRO
FILHO
, SEGUNDO RAÇA/COR, COORTE 2 (20 A 29 ANOS), BELO HORIZONTE, 2002 ....69
G
RÁFICO 15 - CURVAS DE SOBREVIVÊNCIA DA IDADE AO NASCIMENTO DO PRIMEIRO
FILHO
, SEGUNDO COORTE DE IDADE, MULHERES BRANCAS, BELO HORIZONTE, 2002 70
G
RÁFICO 16 - CURVAS DE SOBREVIVÊNCIA DA IDADE AO NASCIMENTO DO PRIMEIRO
FILHO
, SEGUNDO COORTE DE IDADE, MULHERES NEGRAS, BELO HORIZONTE, 2002..71
xvii
LISTA DE TABELAS
TABELA 1 - IDADE MÉDIA AO CASAR DE PESSOAS DE 15 ANOS OU MAIS DE IDADE, POR
CARACTERÍSITCAS SELECIONANDAS
. BRASIL, 2000...................................................19
TABELA 2 - IDADE MEDIANA DE NASCIMENTO DO PRIMEIRO FILHO E PROPORÇÃO DE
ADOLESCENTES QUE HAVIAM INICIADO A VIDA REPRODUTIVA
. BRASIL URBANO, 1996.
..................................................................................................................................23
TABELA 3 CARACTERÍSTICAS SOCIODEMOGRÁFICAS DAS PARTICIPANTES DOS GRUPOS
FOCAIS
, SEGUNDO COORTE DE IDADE E RAÇA/COR.....................................................44
TABELA 4 - INFORMAÇÕES GERAIS SOBRE OS GRUPOS FOCAIS .........................................45
TABELA 5 - NÚMERO DE GRUPOS FOCAIS REALIZADOS PARA CADA PERFIL......................45
TABELA 6 - DISTRIBUIÇÃO PERCENTUAL DE MULHERES ENTRE 20 E 29 ANOS (COORTE 1) E
ENTRE
50 E 59 ANOS (COORTE2), SEGUNDO RAÇA/COR, POR ANOS DE ESTUDO, BELO
HORIZONTE, 2002 .....................................................................................................51
TABELA 7 DISTRIBUIÇÃO PERCENTUAL DE MULHERES ENTRE 20 E 29 ANOS (COORTE 1) E
ENTRE
50 E 59 ANOS (COORTE 2), SEGUNDO RAÇA/COR, POR SITUAÇÃO CONJUGAL,
BELO HORIZONTE, 2002............................................................................................52
TABELA 8 - DISTRIBUIÇÃO PERCENTUAL DE MULHERES ENTRE 20 E 29 ANOS (COORTE 1) E
ENTRE
50 E 59 ANOS (COORTE 2), POR RAÇA/COR, SEGUNDO SUAS PARTURIÇÕES ATÉ
OS
19 ANOS, BELO HORIZONTE, 2002........................................................................53
TABELA 9 - DISTRIBUIÇÃO PERCENTUAL DE MULHERES ENTRE 20 E 29 ANOS (COORTE 1) E
ENTRE
50 E 59 ANOS (COORTE 2), POR RAÇA/COR, SEGUNDO SUAS PARTURIÇÕES ATÉ
OS
24 ANOS, BELO HORIZONTE, 2002........................................................................54
TABELA 10 - DISTRIBUIÇÃO PERCENTUAL DE MULHERES ENTRE 20 E 29 ANOS (COORTE 1)
E ENTRE
50 E 59 ANOS (COORTE 2), SEGUNDO A ÉPOCA DO NASCIMENTO DO PRIMEIRO
FILHO
, BELO HORIZONTE, 2002.................................................................................55
TABELA 11 - IDADES MEDIANAS À RIMEIRA RELAÇÃO SEXUAL, AO PRIMEIRO CASAMENTO
E AO NASCIMENTO DO PRIMEIRO FILHO
, SEGUNDO COORTE DE IDADE, BELO
HORIZONTE, 2002 .....................................................................................................72
T
ABELA 12 - IDADES MEDIANAS À PRIMEIRA RELAÇÃO SEXUAL, AO PRIMEIRO CASAMENTO
E AO NASCIMENTO DO PRIMEIRO FILHO
, POR COORTE DE IDADE, SEGUNDO RAÇA/COR,
BELO HORIZONTE, 2002............................................................................................72
TABELA 13 - SÍNTESE DOS TESTES DE LOG-RANK OBTIDOS PARA OS EVENTOS ESTUDADOS,
SEGUNDO AS CATEGORIAS DE ANÁLISE
, BELO HORIZONTE, 2002..............................72
TABELA 14 - TAXA DE PROGRESSÃO DE PARTURIÇÃO ATÉ OS 19 ANOS, POR COORTE DE
IDADE E RAÇA
/COR, SEGUNDO ORDEM DE PARTURIÇÃO, BELO HORIZONTE, 2002.....73
T
ABELA 15 - TAXAS DE PROGRESSÃO DE PARTURIÇÃO ATÉ OS 24 ANOS, POR COORTE DE
IDADE E RAÇA
/COR, SEGUNDO ORDEM DE PARTURIÇÃO, BELO HORIZONTE, 2002.....74
xviii
LISTA DE QUADROS
QUADRO 1 - VARIÁVEIS UTILIZADAS NA ANÁLISE QUANTITATIVA...................................32
QUADRO 2 - SÍNTESE DOS RESULTADOS QUALITATIVOS - PRIMEIRA RELAÇÃO SEXUAL,
BELO HORIZONTE, 2002..........................................................................................128
QUADRO 3 - SÍNTESE DOS RESULTADOS QUALITATIVOS - PRIMEIRO CASAMENTO, BELO
HORIZONTE, 2002 ...................................................................................................177
QUADRO 4 - SÍNTESE DOS RESULTADOS QUALITATIVOS - NASCIMENTO DO PRIMEIRO
FILHO
, BELO HORIZONTE, 2002...............................................................................238
1
1 INTRODUÇÃO
Estudos sobre níveis e padrões de fecundidade são extremamente importantes, uma
vez que mostram a situação e as tendências em relação ao número de filhos tidos e indicam a
distribuição relativa dos nascimentos entre as mulheres em idade reprodutiva. Além disto, os
padrões de fecundidade que se estabelecem a partir do nascimento do primeiro filho e do
tamanho final de família alcançado são, em grande parte, responsáveis pela probabilidade de
sobrevivência dos filhos, pela morbidade e mortalidade nos primeiros anos de vida e pela
saúde da mãe (POPULATION HANDBOOK, 1992). Em conjunto, informações sobre níveis
e padrões de fecundidade fornecem subsídios para análises que investigam o comportamento
reprodutivo de uma população e são, por conseguinte, fundamentais para a elaboração, a
implantação e o municiamento de políticas públicas voltadas para a saúde materna e infantil.
Neste trabalho, a preocupação central é analisar a relação entre três eventos do ciclo de vida e
o atual padrão etário da fecundidade, a partir de dados disponíveis para o município de Belo
Horizonte. As idades da mulher à primeira relação sexual, ao primeiro casamento e ao
nascimento do primeiro filho são os eventos selecionados. Características sociodemográficas
tais como coorte de idade, raça/cor e escolaridade, já apontadas em diferentes estudos como
importantes para a fecundidade, são consideradas na análise.
A trajetória histórica da fecundidade brasileira caracterizou-se, até o final dos anos de
1960, pela manutenção de um número elevado de filhos por mulher em praticamente todas as
regiões. Em relação às décadas anteriores, os anos de 1970 foram marcados por um processo
de declínio da Taxa de Fecundidade Total (TFT)
1
, a qual apresentou uma queda em torno de
30% durante a década (MERRICK & BERQUÓ, 1983). Esta redução no número de filhos
tidos se intensificou nos anos de 1980, quando a TFT chegou a 4,4 filhos por mulher, e
continuou nos anos de 1990 e 2000, períodos em que as TFTs registradas para o país foram de
2,9 e 2,3, respectivamente. Análises sobre as tendências da fecundidade no país mostram que,
embora o declínio da fecundidade tenha ocorrido tanto nas áreas urbanas quanto nas áreas
rurais, englobando as diversas regiões do país, inclusive a região Nordeste, onde,
tradicionalmente, as taxas de fecundidade sempre foram elevadas, a queda no número de
filhos tidos teve início nos grandes centros urbanos, atingindo, primeiramente, as mulheres de
1
A Taxa de Fecundidade Total (TFT) representa o número médio de filhos que uma mulher teria se mantivesse o
mesmo comportamento das taxas específicas de fecundidade da população pesquisada e se sobrevivesse até o
final de seu período reprodutivo (CARVALHO, SAWYER e RODRIGUES, 1998).
2
status socioeconômico mais elevado e difundindo-se, gradualmente, para todas as regiões,
classes sociais e grupos de raça/cor (MERRICK & BERQUÓ, 1983; SIMÕES & OLIVEIRA,
1988; CARVALHO, 1988; FARIA, 1989; FRIAS & CARVALHO, 1992; CAMARANO,
1996; LAZO, 1999/2000; IBGE, 2000).
Informações recentes mostram que, em relação aos grupos de raça/cor, a TFT das
mulheres brancas, que em 1980 era de 3,5 filhos, declinou para 2,4 em 1980 e para 2,1 em
2000. Para as negras, em 1980 a TFT que chegava a 5,5 passou para 3,4 em 1991 e para 2,8
em 2000. Na região Sudeste, pioneira neste processo, as mulheres brancas e negras também
apresentam taxas diferenciadas de fecundidade ao longo das últimas décadas. Em 1980,
enquanto a fecundidade das brancas era de 3,1 filhos por mulher, a das negras era de 4,2. Em
1991, as brancas passam a apresentar uma fecundidade de 2,2 filhos e, as negras, de 2,8. Em
2000, as brancas apresentam uma taxa de 1,8 filhos e as negras, de 2,5 (ATLAS RACIAL,
2004).
Dentro deste contexto de declínio, ocorreram mudanças importantes no padrão da
fecundidade no país. Nos anos 70, a fecundidade concentrava-se entre as mulheres do grupo
etário de 25 a 29 anos. Já no início dos anos 80, apesar da fecundidade ainda se concentrar
entre as mulheres que tinham entre 25 e 29 anos, houve uma importância crescente da
fecundidade entre as jovens do grupo de 20 a 24 anos. Em meados daquela década, observou-
se o deslocamento da concentração da fecundidade para o grupo de 20 a 24 anos (SIMÕES &
OLIVEIRA, 1988; WONG, 2000). Os dados dos Censos Demográficos mostram que, no
período entre 1980 e 2000, o peso da fecundidade das mulheres entre 20 e 24 anos que, em
1980, representava 24% da TFT, passou a representar 28% em 2000. Estes dados também
mostram que a fecundidade das mulheres entre 15 e 19 anos passou de 9%, em 1980, para
19% em 2000. Neste mesmo período, o peso da fecundidade das mulheres entre 25 e 29 anos
caiu de 26%, em 1980, para 24% em 2000. O peso dos grupos etários a partir de 30 anos na
TFT passou a ser cada vez menor, declinando de 41% para 28% no período entre 1980 e 2000
(IBGE, 1980, 1991 e 2000). Neste sentido, o aumento da fecundidade das jovens entre 15 e 19
anos, a concentração da fecundidade no grupo de 20 a 24 anos e a redução do peso da
fecundidade das mulheres acima de 30 anos na TFT do país tiveram um papel fundamental na
conformação de um padrão reprodutivo tipicamente jovem.
Este processo de rejuvenescimento da fecundidade, caracterizado pela redução da
contribuição da fecundidade de mulheres dos grupos etários mais avançados e pela crescente
3
participação das mulheres mais jovens na TFT é, segundo WONG (2000), um fenômeno
generalizado em todas as regiões do país. O município de Belo Horizonte não ficou de fora
deste processo, como mostra o GRAF. 1, a seguir.
Gráfico 1 -Taxas Específicas de Fecundidade - Município de Belo Horizonte, 1980, 1991
e 2000
0,000
0,050
0,100
0,150
0,200
0,250
15-20 20-24 25-29 30-34 35-39 40-44 45-49
1980 1991 2000
Fonte: IBGE, Censos Demográficos de Minas Gerais, 1980, 1991 e 2000.
A curva de 1980 mostra que a fecundidade das mulheres do município apresentava um
padrão de fecundidade relativamente tardio. Mas, assim como constatado para o Brasil e para
a região Sudeste, neste período, o pico da fecundidade estava entre as mulheres do grupo de
25 a 29 anos. Nos anos 90, embora a curva ainda mostre uma concentração da fecundidade
entre as mulheres de 20 a 29 anos, é possível observar que o nível da fecundidade do
município declinou de forma bastante acentuada em relação à década anterior. Em 2000, além
da queda no nível, a taxa de fecundidade das mulheres entre 15 e 19 anos apresentou uma
pequena elevação, a qual, aliada ao declínio nas taxas das mulheres mais velhas e à
concentração entre aquelas com menos de 30 anos, também contribuiu para o
rejuvenescimento da estrutura da fecundidade no município. Considerar a concentração da
fecundidade nos grupos etários mais jovens como um pano de fundo para análise do
comportamento sexual, nupcial e reprodutivo é importante por quatro razões em particular.
Primeiro, porque este processo de rejuvenescimento da fecundidade que ocorreu em
todo o país, inclusive no município de Belo Horizonte, pode estar refletindo uma mudança nas
normas e valores relacionados aos comportamentos sexual, nupcial e reprodutivo, a qual pode
ter propiciado a adoção de novas práticas sexuais e reprodutivas, particularmente entre as
mulheres mais jovens.
4
Segundo, porque este processo de rejuvenescimento da fecundidade está vinculado ao
encerramento precoce da vida reprodutiva das mulheres, normalmente por meio do uso de um
método contraceptivo irreversível, ou seja, a esterilização feminina. Segundo dados da
Pesquisa Nacional sobre Demografia e Saúde -PNDS - (BEMFAM, 1996), no Brasil, 21% das
mulheres recorrem à esterilização com menos de 25 anos. O uso de um método terminal por
mulheres jovens implica na impossibilidade de maior espaçamento entre os nascimentos e
também de retomada da fecundidade.
Terceiro, porque, neste contexto de rejuvenescimento, as maiores contribuições para a
TFT vêm de mulheres jovens mais pobres, negras, menos escolarizadas e que vivem nas
regiões metropolitanas do Sudeste (BERQUÓ, 2004). Segundo informações recentes, no
Brasil, em 2000, a TFT das mulheres brancas era de 2,1 filhos e a das negras, de 2,8. No
Sudeste, em 2000, enquanto a TFT das mulheres brancas era de 1,8 filhos, a das negras era de
2,5 (ATLAS RACIAL, 2004).
Por fim, a análise deste processo é crucial nas investigações populacionais, já que este
é um fenômeno que aponta para a necessidade de elaboração e implementação de políticas de
saúde reprodutiva que possibilitem, e tornem viável, o uso de métodos contraceptivos por
indivíduos que assim o desejarem. Como as jovens iniciam as atividades sexuais cada vez
mais cedo, um melhor acesso a métodos contraceptivos poderia, além de evitar a gravidez não
planejada, possibilitar o adiamento do nascimento do primeiro filho e atuar,
conseqüentemente, no sentido de reduzir as taxas de fecundidade observadas entre
adolescentes, entre as quais há maior proporção de gravidezes não planejadas (GUPTA &
LEITE, 2001). É importante lembrar que, segundo dados da PNDS (BEMFAM, 1996), a
idade mediana de primeira relação sexual da coorte de 25 a 29 anos já era mais baixa do que a
da coorte entre 40 e 44 anos. Enquanto a da coorte mais velha era de 19,9 anos, a da coorte
mais jovem era de 18,8 anos. Além disto, políticas de saúde direcionadas para atender as
necessidades insatisfeitas por contracepção, entre mulheres jovens, também poderiam tornar o
espaçamento entre os nascimentos, e não o encerramento da vida reprodutiva, uma estratégia
para que o tamanho de família desejado fosse conquistado, já que, no Brasil, muitas mulheres
se esterilizam com menos de 25 anos.
Diante deste cenário, este estudo tem dois objetivos. O primeiro é verificar se existem
diferenças em aspectos dos comportamentos sexual, nupcial e reprodutivo de mulheres
brancas e negras entre 20 e 29 anos e entre 50 e 59 anos em Belo Horizonte, enfatizando as
5
idades à primeira relação sexual, ao primeiro casamento e ao nascimento do primeiro filho. O
segundo é investigar se existem diferenças nas normas e valores relativos a estes
comportamentos quando as mulheres brancas e negras, de diferentes níveis de escolaridade e
coortes de idade (20 a 24 anos e 50 a 59 anos), são comparadas. Segundo ABERCROMBIE,
HLL & TURNER (1994), “normas são prescrições que servem como guias para a ação
social. O comportamento humano exibe certas regularidades, as quais são produtos da
aderência a expectativas ou normas. Porém, uma norma social não é, necessariamente, o
comportamento de fato e o comportamento normativo não é simplesmente o padrão que
ocorre com mais freqüência. O termo se refere à expectativa social sobre qual
comportamento é correto ou mais apropriado e implica legitimidade, consenso e prescrição.
Enquanto o desvio das normas é punido com sanções, as normas são adquiridas por
internalização e socialização” (p. 287-288). Já valores “são idéias compartilhadas sobre
objetivos desejáveis e tipicamente indicam se as coisas são boas ou más, desejáveis ou
indesejáveis” (BRINKERHOFF, WHITE & ORTEGA, 1992, p.40)
O foco da análise quantitativa está voltado para o comportamento das mulheres entre
20 e 29 anos e entre 50 e 59 anos. A escolha do grupo mais jovem justifica-se pelo fato de
que, no município de Belo Horizonte, é entre as mulheres deste grupo etário que a
fecundidade se concentra. A coorte entre 50 e 59 anos foi escolhida por ser o grupo etário
mais avançado incluído na pesquisa “Saúde Reprodutiva, Sexualidade e Raça/cor” (SRSR) e
porque a distância de tempo que separa este grupo do grupo mais jovem permite verificar as
possíveis mudanças ocorridas ao longo do tempo nos aspectos dos comportamentos sexual,
reprodutivo e de casamento analisados aqui. Na análise qualitativa, porém, a coorte mais
jovem inclui somente mulheres entre 20 e 24 anos. A idéia por trás deste procedimento é
captar as normas e valores relacionados com alguns aspectos dos comportamentos sexual,
nupcial e reprodutivo de mulheres que acabaram de passar pela adolescência e ainda estão
experimentando uma fase de definição e consolidação de projetos de vida. O recorte de idade
da coorte mais velha permanece inalterado, ou seja, dela fazem parte as mulheres entre 50 e
59 anos.
A inclusão do componente racial no estudo, o qual tem sido pouco explorado pelos
trabalhos desenvolvidos nessa área, amplia a análise dos comportamentos sexual, nupcial e
reprodutivo e possibilita um maior entendimento das desigualdades raciais no país. Além
disso, em função das informações apresentadas anteriormente, a consideração de categorias
6
educacionais distintas na investigação, mesmo que somente na etapa qualitativa, permite uma
discussão mais elaborada acerca dos comportamentos sexual, nupcial e reprodutivo. Por fim,
o enfoque na realidade municipal supre uma lacuna nos estudos referentes ao comportamento
reprodutivo neste âmbito, já que informações detalhadas neste nível de desagregação são
praticamente inexistentes. Investigações como PNDS (BEMFAM, 1996), por exemplo, que
tratou, além de outras coisas, de diversos aspectos do comportamento reprodutivo das
mulheres brasileiras, além de já estar bastante antiga, não tem representatividade nesta esfera.
Por ter sido o local de uma das mais recentes pesquisas sobre saúde sexual e
reprodutiva, o município de Belo Horizonte possui dados atuais e representativos, que
permitem análises sobre atividade sexual, casamento e fecundidade. Este fato, aliado às
transformações na fecundidade que ocorreram nas últimas décadas no município, tornam a
capital de Minas Gerais um excelente ponto para estudo. Além disto, o município apresentou,
no último Censo Demográfico, uma TFT de 1,65 filho por mulher, a menor entre as capitais
da região Sudeste. Vale ressaltar que 49% desta taxa foi devida à contribuição das mulheres
entre 20 e 29 anos (ATLAS, 2003). Assim, comparar o comportamento desta coorte com o de
uma coorte de mulheres que iniciou seu período reprodutivo no final dos anos 50 e início dos
anos 60, a partir de quando foram constatadas diversas mudanças no comportamento
reprodutivo das mulheres brasileiras, é uma estratégia para compreender como diferenças no
comportamento sexual, de casamento e reprodutivo podem colaborar para o processo de
rejuvenescimento da fecundidade, observado nas décadas mais recentes.
Em relação à idade de início da atividade sexual, análises sobre os determinantes
próximos da fecundidade ressaltam que esta é uma das variáveis que pode influenciar,
diretamente, o tempo de duração da vida reprodutiva e, conseqüentemente, os níveis e padrões
da fecundidade (DAVIS & BLAKE, 1956). No Brasil, os dados da Pesquisa Nacional sobre
Demografia e Saúde (BEMFAM, 1996), mostram que a idade mediana à primeira relação
sexual, entre as mulheres de 20 a 49 anos de idade, era de 19,4 anos. Isto significa que, até
chegarem ao final do período reprodutivo e, na ausência de fatores inibidores, essas mulheres
ficavam, aproximadamente, 29 anos expostas ao risco de reproduzir. A comparação entre
coortes mostra que, enquanto as mulheres entre 45 e 49 anos informaram ter tido a primeira
relação sexual aos 20,7 anos, aquelas entre 25 e 29 anos declararam que o fizeram aos 18,8
anos. Um aspecto importante quanto à idade de entrada em atividade sexual é que, enquanto
as mulheres sem nenhuma escolaridade iniciavam sua vida sexual com uma idade mediana de
7
17,6 anos, a idade mediana que aquelas com doze ou mais anos tinham sua primeira relação
era de 22,4 anos (BEMFAM, 1996).
A literatura indica que a idade da mulher ao primeiro casamento sinaliza, em muitos
países, incluindo o Brasil, o início efetivo da exposição para o risco de nascimentos
socialmente sancionados. Como tal, esta idade é um determinante fundamental do número de
filhos que uma mulher terá. Alguns autores chamam a atenção para o fato de que o adiamento
da idade ao casar reduz a duração do tempo que a mulher é capaz de reproduzir e explicam
que, quando a entrada em união é mais tardia, acima dos 30 anos, por exemplo, o potencial de
fecundidade perdido pode nunca ser recuperado (BONGAARTS & POTTER, 1983). No
Brasil, a análise da idade ao primeiro casamento de mulheres de diferentes coortes mostra que
este indicador permaneceu constante, em torno dos 22 anos, para todos os grupos etários.
Utilizando dados dos Censos Demográficos, COSTA (2004) estimou, para o Brasil, uma
idade média ao primeiro casamento de 23,0 anos para 1970, de 22,6 para 1980, de 22,7 para
1991 e de 22,7 para 2000. É importante salientar que a autora considera como casamento
tanto as uniões formais quanto as informais. Embora praticamente constante nas últimas
décadas, a idade média ao primeiro casamento apresenta variações quando mulheres de
diferentes categorias educacionais são analisadas. De acordo com os dados da PNDS
(BEMFAM, 1996), por exemplo, é possível observar que, enquanto a idade mediana à
primeira união das mulheres sem nenhuma escolaridade era de 18,8 anos, a daquelas com
nove ou mais anos de escolaridade era de 23,1 anos. Portanto, considerando que a idade ao
primeiro casamento é diferente para mulheres com maior e menor escolaridade, e que
proporções cada vez maiores de mulheres entram na escola e prosseguem seus estudos, é
importante investigar seu papel na conformação do padrão etário da fecundidade.
Finalmente, a idade em que a mulher tem o seu primeiro filho tem conseqüências
demográficas importantes. Dentre tais conseqüências estão as mudanças no padrão etário e o
declínio da fecundidade. O aumento na proporção de nascimentos entre jovens de 15 a 19
anos, em conjunto com a concentração dos nascimentos entre mulheres de 20 a 24 anos,
devido ao declínio das taxas de fecundidade de mulheres mais velhas, têm contribuído para o
rejuvenescimento do padrão etário da fecundidade e para a queda da TFT nas décadas mais
recentes. Os dados da PNDS (BEMFAM, 1996) mostram uma ligeira diminuição na idade
mediana ao nascimento do primeiro filho, em virtude de que uma maior proporção de
mulheres vem tendo filhos antes de 17 anos de idade. De fato, 16% das mulheres que tinham
8
entre 20 e 24 anos na época da pesquisa, tiveram seu primeiro filho antes dos 17 anos. Entre
as mulheres de 40 e 44 anos, um pouco mais de 10% teve seu primeiro filho antes de 17 anos.
Para os grupos de mulheres com mais de 25 anos de idade, a idade mediana de nascimento do
primeiro filho manteve-se em torno dos 22,3 anos, variando somente no grupo entre 45 e 49
anos, o qual apresentou uma idade mediana de 23 anos. Este processo de rejuvenescimento,
caracterizado, particularmente, por um aumento na proporção de nascimentos entre mulheres
mais jovens, tem implicações concretas em diversas dimensões. Em termos de saúde,
mulheres que têm seus filhos em idades muito jovens podem apresentar, eventualmente,
situações de maior risco de saúde, especialmente se possuem menos de 17 anos e pertencem a
estratos mais pobres. Os filhos destas jovens também ficam expostos à situações de risco. Em
termos sociais, taxas de fecundidade elevadas entre mulheres mais jovens estão, geralmente,
correlacionadas com menor escolaridade (BEMFAM, 1996; GUZMÁN, CONTRERAS &
HAKKERT, 2001). Num estudo sobre a relação entre idade materna e mortalidade neonatal
em Belo Horizonte em 1993, CÉSAR, MIRANDA-RIBEIRO & ABREU (2000) verificam
que o fator de risco para a mortalidade neonatal para mães com menos de 20 anos torna-se
ainda mais grave em virtude dos baixos níveis educacionais e da maior proporção de mães
adolescentes pertencentes a camadas mais pobres da população.
Para atingir os objetivos propostos neste estudo, são utilizados dados quantitativos e
qualitativos. Os dados de natureza quantitativa estão disponíveis na pesquisa “Saúde
Reprodutiva, Sexualidade e Raça/Cor” (SRSR), realizada pelo Cedeplar, em 2002. Dentre
outros aspectos, o questionário utilizado pela pesquisa SRSR coletou informações referentes a
casamento, atividade sexual e fecundidade. Estas informações foram captadas de forma a
permitir comparações por idade e raça/cor. No total, foram entrevistadas 1.302 mulheres
entre 15 e 59 anos em Belo Horizonte e os resultados são representativos para o município. Já
os dados qualitativos são provenientes de dezessete grupos focais, realizados pela autora entre
2003 e 2004, com mulheres de 20 a 24 anos e de 50 a 59 anos, brancas e negras, de diferentes
categorias educacionais, residentes no município de Belo Horizonte. Estes grupos contaram
com a participação de 109 mulheres. Embora os resultados obtidos a partir de grupos focais
não possam ser generalizados, eles podem esclarecer aspectos levantados pela análise
quantitativa e, ainda, revelar novas e importantes questões a serem investigadas em futuros
estudos, sejam estes de caráter quantitativo ou qualitativo.
9
Para operacionalizar os objetivos deste estudo, algumas estratégias metodológicas são
adotadas. Na etapa quantitativa, é feita uma análise descritiva da amostra, segundo coorte de
idade, estratificada por raça/cor, escolaridade e situação conjugal. Em seguida, são analisadas
curvas de sobrevivência para cada evento de interesse, obtidas por meio do estimador de
Kaplan-Meir. Estas curvas são comparadas por meio do teste de log-rank. As informações
para este exercício são encontradas nas histórias de nascimentos e de casamento e atividade
sexual da pesquisa SRSR. Já na etapa qualitativa, a análise das falas das mulheres que
participaram nos grupos focais realizados no município é desenvolvida para captar as normas
e valores relacionados a alguns aspectos do comportamento sexual, nupcial e reprodutivo das
mulheres das diferentes coortes e verificar se ocorreram mudanças nestas normas e valores ao
longo do tempo.
Este estudo apresenta duas contribuições importantes. A primeira é a investigação de
fatores associados à saúde sexual e reprodutiva, representativa de mulheres no município de
Belo Horizonte. A segunda é a abordagem mais ampla acerca de aspectos dos
comportamentos sexual, nupcial e reprodutivo de mulheres que, ao utilizar uma análise
conjunta de dados quantitativos e qualitativos, possibilita o entendimento de fatores
demográficos e socioculturais associados a estes comportamentos. Num contexto onde o
aumento e a concentração das taxas de fecundidade acontecem entre mulheres mais jovens do
período reprodutivo, é importante conhecer os diferenciais e entender os valores e as normas
que permeiam os comportamentos sexual, nupcial e reprodutivo de mulheres de diferentes
coortes etárias e grupos de raça/cor. Um panorama com informações desta natureza podem
ajudar a melhorar a compreensão acerca do atual padrão etário da fecundidade, observado no
país. Além disto, é importante reforçar a questão de que, em um país onde as diferenças
raciais são bastante expressivas, tanto em termos de esperança de vida, quanto de mortalidade
infantil, de mercado de trabalho, de escolaridade, e de fecundidade (ATLAS RACIAL, 2004),
análises que contemplem o quesito raça/cor são ferramentas importantes para revelar as
diferenças e apontar caminhos a serem seguidos no sentido de eliminá-las ou, ao menos,
minimizá-las.
Esta tese está organizada em oito capítulos, sendo o primeiro esta introdução. O
capítulo 2 apresenta uma revisão de pesquisas e estudos relacionados à fecundidade e aos
comportamentos sexual, nupcial e reprodutivo. O objetivo deste capítulo é oferecer um pano
de fundo para as análises desenvolvidas em capítulos subseqüentes. Em seguida, no capítulo
10
3, as fontes de dados e os métodos utilizados no estudo são apresentadas. Como este estudo
utiliza dados de fontes distintas, o capítulo está dividido em duas partes. A primeira é
dedicada à descrição da fonte de dados quantitativos e à metodologia utilizada para trabalhar
com os mesmos. Considerando que a fonte de dados empregada neste estudo é bastante
recente e ainda pouco utilizada por pesquisadores de diferentes áreas, um breve histórico da
pesquisa sobre Saúde Reprodutiva, Sexualidade e Raça/Cor (SRSR) é apresentado neste item.
A segunda parte deste capítulo aborda as questões relacionadas ao trabalho qualitativo,
enfatizando tanto os aspectos teóricos, quanto práticos, referentes aos grupos focais - método
escolhido para a investigação acerca das normas e valores que permeiam os comportamentos
sexual, nupcial e reprodutivo de mulheres de Belo Horizonte. O capítulo 4 apresenta os
resultados da análise quantitativa, realizada a partir dos dados da SRSR.
Os capítulos 5, 6 e 7 são destinados à análise dos dados qualitativos, coletados por
meio de 17 grupos focais realizados em Belo Horizonte entre 2003 e 2004. O capítulo 5 trata
das falas relacionadas à primeira relação sexual. Neste capítulo são enfatizados aspectos
referentes à idade considerada ideal, ou mais adequada, para o início da vida sexual, à
virgindade e às conversas sobre sexo e saúde reprodutiva. O capítulo 6 analisa as falas sobre o
primeiro casamento. Nele, são apresentadas as falas relacionadas à idade ideal, ou mais
adequada para uma jovem se casar, o que é importante para se casar e quem se casa hoje em
dia, a relação entre projetos de vida e casamento e se uma jovem solteira que engravida deve
se casar. Além da percepção das participantes a respeito da existência de uma idade ideal, ou
mais adequada, para o casamento, neste capítulo também são analisadas questões referentes
ao vínculo entre planos futuros e casamento, casamento e estudo e casamento e trabalho. No
capítulo 7, são enfocadas as falas sobre o nascimento do primeiro filho. Finalmente, o capítulo
8 apresenta uma síntese reflexiva dos principais resultados encontrados neste estudo e aponta
algumas sugestões para investigações futuras sobre o tema. As referências bibliográficas e os
anexos são apresentados logo após o capítulo 8.
Os resultados quantitativos deste estudo indicam que, em Belo Horizonte, existem
diferenças no comportamento sexual e reprodutivo das coortes etárias analisadas. Em
comparação às mulheres da coorte mais velha, as mais jovens apresentam idades mais baixas
à primeira relação sexual e ao nascimento do primeiro filho. Porém, a idade ao primeiro
casamento da coorte mais jovem é muito próxima à da coorte mais velha. Ou seja, a idade das
mulheres ao primeiro casamento permaneceu praticamente a mesma neste período de 20 a 30
11
anos que separa as duas coortes. Os resultados também mostram que, embora as mulheres
brancas e negras, da geração mais jovem, iniciem a vida sexual na mesma idade, as negras se
casam mais cedo do que as brancas. Na geração mais velha, as brancas se casavam mais cedo
do que as negras. Os resultados relativos à idade de nascimento do primeiro filho mostram
que as mulheres da coorte mais jovem começam sua vida reprodutiva mais cedo do que
começavam as mulheres da coorte mais velha, sendo que as negras mais jovens apresentam
parturições mais elevadas do que as brancas.
Os resultados da análise qualitativa sugerem mudanças em algumas normas e valores
que regem certos aspectos dos comportamentos sexual, nupcial e reprodutivo e eles também
indicam que não existe uma única norma que guia estes comportamentos. De acordo com os
resultados, as normas e os valores podem variar de acordo com as características das
participantes, particularmente com a escolaridade. Além disto, os resultados também revelam
contradições entre a norma propalada pelas participantes e o comportamento apresentado.
Em conjunto, a comparação das duas coortes mostra que houve uma mudança nas
idades de início da vida sexual e de nascimento do primeiro filho das mulheres em Belo
Horizonte e que as normas e valores são elementos importantes para a compreensão dos
comportamentos sexual, nupcial e reprodutivo dos indivíduos.
12
2 IDADE À PRIMEIRA RELAÇÃO SEXUAL, AO PRIMEIRO
CASAMENTO E AO NASCIMENTO DO PRIMEIRO E
FECUNDIDADE
Ao longo das últimas décadas, as mulheres brasileiras vêm apresentando mudanças
notáveis em seu comportamento reprodutivo. Dentre estas mudanças, está a redução do
número de filhos tidos, a qual veio acompanhada pelo declínio dos nascimentos entre as
mulheres com mais de 30 anos, pela concentração destes nascimentos entre aquelas de 20 a 24
anos e pelo aumento das taxas específicas de fecundidade entre as jovens de 15 a 19 anos. Em
outras palavras, o declínio da fecundidade brasileira veio seguido por um processo de
rejuvenescimento de seu padrão etário, um fenômeno que torna a história da trajetória da
fecundidade brasileira digna de estudos mais detalhados sobre seus determinantes.
Alguns pesquisadores têm apontado as transformações sociais, econômicas, culturais e
políticas, ocorridas no país, como responsáveis pelas variações observadas nas taxas de
fecundidade. Estas mudanças, aliadas à difusão de informações, à assimilação de novas idéias
e atitudes reprodutivas, a ideais de famílias menores e maior acesso a métodos contraceptivos
atuaram no sentido de alterar os níveis e padrões reprodutivos das mulheres brasileiras
(MERICK & BERQUÓ, 1983; FARIA, 1989; FARIA & POTTER, 1990; GUPTA & LEITE,
2001). Outros pesquisadores sugerem que as variações nas taxas de fecundidade também
podem ocorrer em função de fatores comportamentais, dentre os quais estão as idades em que
as mulheres iniciam sua vida sexual, se casam, têm seu primeiro filho e o intervalo que dão
entre os nascimentos dos filhos (DAVIS & BLAKE, 1956; BONGAARTS & POTTER,
1983). Aliado a todos estes fatores, também existe indicações de que os níveis e padrões de
fecundidade variam em função de características socio-demográficas da mulher, tais como
coorte de nascimento, escolaridade e categoria de raça/cor (MERRICK & BERQUÓ, 1983;
BERCOVICH, 1987; BERCOVICH, 1991; FRIAS & CARVALHO, 1994).
Quanto aos eventos que marcam o início da vida reprodutiva, a literatura sugere que o
início da atividade sexual, o primeiro casamento e o nascimento do primeiro filho são passos
fundamentais na formação da família e, em muitas sociedades marcam, também, a transição
da adolescência para a fase adulta, especialmente para as mulheres. Em relação ao nascimento
do primeiro filho, pode-se argumentar que ele se constitui num fato extremamente relevante
para mulher, pois marca o início de uma nova etapa em sua vida e determina seu
13
comportamento reprodutivo futuro. Alguns autores assinalam que a idade de nascimento do
primeiro filho está associada com a idade dos nascimentos subseqüentes. Mulheres que têm o
primeiro filho em idades mais jovens apresentam uma probabilidade mais elevada de ter um
segundo nascimento, ou nascimento de ordens superiores, num espaço de tempo mais curto
(BUMPASS, RINDFUSS & JANOSIK, 1978; BONGAARTS & POTTER, 1983). Neste
contexto, aspectos sócio-demográficos, tais como idade, raça/cor e escolaridade, são
apontados como fatores que influenciam as experiências sexuais e reprodutivas ao longo do
curso de vida. Adicionalmente, padrões normativos ou expectativas culturais sobre a idade
apropriada para o acontecimento dos eventos influenciam a idade e a seqüência dos mesmos
durante o curso de vida dos indivíduos. Dentro desta perspectiva, existem expectativas em
relação à idade de início da vida sexual, de casamento e de nascimento do primeiro filho.
Eventos que acontecem fora da seqüência, ou que desviam das normas vigentes, podem ter
conseqüências negativas, tanto em termos sociais como econômicos (HEATON, FORSTE &
OTTERTROM,. 2002; ELDER, 1978, 1985, apud. HEATON, FORSTE & OTTERTROM,
2002).
Os aspectos sócio-demográficos que influenciam o comportamento reprodutivo,
interferindo na idade dos eventos e, conseqüentemente, nos resultados de fecundidade, são
tratados em uma série de estudos. Em relação à coorte de nascimento, um estudo sobre a
fecundidade nas regiões brasileiras, a partir de 1903, indica que, com o passar dos tempos, as
taxas de fecundidade vão declinando. As gerações que iniciaram o período reprodutivo no
começo do século XX, até a década de 40, apresentaram uma maior estabilidade nos seus
padrões de fecundidade. Em contrapartida, as gerações de 1948, em diante, são compostas por
mulheres cujo início do período reprodutivo se deu quando transformações importantes
aconteceram na sociedade brasileira, ocasionando reduções expressivas nas taxas de
fecundidade do país (FRIAS & CARVALHO, 1994).
Quanto à escolaridade, estudo como o desenvolvido por CASTRO MARTIN &
JUAREZ (1995), para a América Latina, sugere que os anos de estudo podem influenciar o
comportamento reprodutivo e, conseqüentemente, a fecundidade de mulheres jovens, de
várias formas. A primeira delas é funcionando como uma fonte de conhecimento; a segunda,
como um veículo de desenvolvimento socioeconômico e, a terceira, como um vetor
transformador de atitudes. Neste contexto, ao contrário das mulheres com menor escolaridade,
as mulheres mais escolarizadas tendem a adiar mais os eventos que marcam o início do
14
período reprodutivo. Num estudo sobre a dinâmica da fecundidade no Rio de Janeiro, no
período entre 1991 e 2000, CAVENAGHI & ALVES (2003) verificam que as mulheres mais
escolarizadas e que participam do mercado de trabalho têm taxas de fecundidade específicas
mais baixas que as demais e apresentam um padrão cuja cúspide se encontra no grupo entre
25 e 29 anos. Segundo eles, as mulheres menos escolarizadas e fora do mercado de trabalho
concentravam sua fecundidade entre 20 e 24 anos.
Já em relação à categoria raça/cor, alguns estudos sugerem que a fecundidade da
população de mulheres pretas, no Brasil, até a primeira metade do século XX, era menor do
que a da população branca. A reversão deste quadro só veio acontecer no final dos anos de
1960, quando a fecundidade das brancas declinou de forma vertiginosa. Em relação ao padrão
etário da fecundidade, segundo raça/cor, estudos empíricos sugerem que, por iniciarem sua
vida sexual mais cedo do que as brancas e por terem, em maiores proporções, mais filhos na
adolescência do que as brancas, as negras estão sujeitas a apresentarem um padrão de
fecundidade mais jovem (BERCOVICH, 1981, 1991; PERPÉTUO, 2000). No que se refere à
situação educacional, a população negra apresenta desvantagem em relação à branca, embora
o nível educacional de ambas tenha aumentado nas últimas décadas. Esta situação se reflete
nos resultados de fecundidade destes estratos populacionais. Como BERCOVICH (1991)
mostra em seu estudo sobre a fecundidade da população negra no Brasil, as TFTs das
mulheres pretas e pardas, sem instrução, é maior do que a das brancas também sem
escolaridade. Em 1980, a autora observou que a diferença na fecundidade das mulheres pretas
e brancas sem instrução foi de 20%. Para o nível mais elevado de escolaridade (8 anos ou
mais de estudo), os resultados revelam que a fecundidade das pretas foi menor do que a das
brancas. Estes resultados sugerem que o comportamento reprodutivo das mulheres brasileiras
sofre um efeito mais acentuado da escolaridade do que da cor. Em relação à raça/cor, o estudo
de CAVENAGHI & ALVES (2003) mostra que as mulheres brancas do Rio de Janeiro, entre
1991 e 2000, possuíam TFTs mais baixas do que as mulheres negras. Porém, observam que as
mulheres negras com 4 anos e mais de estudo possuíam menos filhos que as brancas com 0 a
3 anos de estudo. Este resultado, segundo os autores, ressalta o fato de que o grau de
escolaridade, mais do que a cor da pele, é que influencia os níveis de fecundidade.
Em conjunto, as idades dos eventos que marcam o início da etapa reprodutiva e as
características sócio-demográficas da população estudada são aspectos essenciais para o
entendimento saúde reprodutiva das mulheres, com conseqüências importantes sobre as
15
características de fecundidade de uma população. Assim, para melhorar o entendimento a
respeito do atual padrão de fecundidade brasileiro, os itens a seguir tratam de uma seleção de
aspectos comportamentais e de características sócio-demográficas relacionadas com a
fecundidade.
2.1 Idade à primeira relação sexual
A idade na qual a mulher tem sua primeira relação sexual exerce um efeito importante
sobre a seqüência e o tempo de eventos subseqüentes no processo reprodutivo. Por exemplo, a
partir do momento em que a mulher inicia sua vida sexual, ela passa, efetivamente, a estar
exposta ao risco de engravidar e de ter um filho nascido vivo. O estudo desenvolvido por
UDRY & CLIQUET (1982) a respeito da relação entre idade à menarca e idade ao primeiro
casamento e nascimento do primeiro filho, realizado nos Estados Unidos, na década de 80,
sugere que existem certos mecanismos biológicos e sociais que funcionam como elos de
ligação entre a seqüência e a idade em que os eventos reprodutivos acontecem. Dentre os
mecanismos biológicos está a idade à menarca. Segundo estes autores, em muitos locais a
menarca é um sinal de que a jovem alcançou a maturidade sexual e está pronta para se casar
ou iniciar sua vida sexual. Mulheres que têm a menarca mais cedo tendem a iniciar a vida
sexual e reprodutiva mais jovens, pois o aumento dos hormônios na puberdade aumenta a
libido, levando-as a iniciarem a sua vida sexual. Dentro deste contexto, quanto mais jovem
uma mulher inicia sua vida sexual, maior é o seu tempo de exposição ao risco de procriar.
Adicionalmente, quanto mais cedo uma mulher inicia sua vida sexual, maior é o tempo em
que ela fica exposta ao risco de conceber fora do casamento e de ter doenças sexualmente
transmissíveis (DST), contrair o HIV e AIDS (POPULATION HANDBOOK, 1992). Nos
países em desenvolvimento, incluindo o Brasil, há indícios de que a idade à primeira
menstruação vem diminuindo e que a redução desta idade pressupõe que a capacidade de
procriação pode se iniciar mais cedo e influenciar, conseqüentemente, a conformação do
padrão etário da fecundidade (NACIONES UNIDAS, 1997).
Embora dados sobre o início da atividade sexual sejam mais escassos, pesquisas sobre
sexualidade e comportamento reprodutivo, realizadas na década de 90, têm enfatizado que as
mulheres brasileiras estão iniciando sua vida sexual cada vez mais cedo (BEMFAM, 1992;
BEMFAM, 1996). Uma das últimas pesquisas, de abrangência nacional, que apresenta
informações referentes à idade da mulher à primeira relação sexual é a PNDS (BEMFAM,
1996). Os resultados desta pesquisa, já citados no capítulo 1 deste trabalho, mostram uma
16
queda de 9,2% na idade mediana de primeira relação sexual da coorte de 45 a 49 anos em
relação à coorte de 25 e 29 anos, a qual passou de 20,7 para 18,8 anos (BEMFAM, 1996).
Os resultados da PNDS (BEMFAM, 1996) também apontam para diferenças regionais
no que se refere à idade mediana à primeira relação sexual. As mulheres residentes na região
Centro-Leste, composta pelos estados do Espírito Santo e Minas Gerais, apresentaram uma
idade mediana de 20,3 anos. Comparada às das demais regiões incluídas na pesquisa, as
mulheres da região Centro-Leste foram as que apresentaram a idade mediana à primeira
relação sexual mais elevada. Por outro lado, quando as medianas das regiões foram
comparadas
por coortes de idade, a região Centro-Leste foi a que apresentou a maior queda na
idade mediana, passando de 22,8 anos entre as mulheres de 45 a 49 anos, para 21,4 entre as de
20 a 24 anos, refletindo uma queda de 6,3%.
A idade à primeira relação sexual segundo o nível de instrução das respondentes da
PNDS (BEMFAM, 1996), também foi investigada. Para as mulheres entre 20 e 49 anos, sem
nenhuma escolaridade, a idade mediana à primeira relação ficou em 17,6 anos. Em contraste,
para aquelas que tinham 12 ou mais anos de estudo, a idade mediana de início da vida sexual
chegou a 22,4 anos. Os resultados desta pesquisa indicam que, à medida que a escolaridade
aumentou, a idade mediana à primeira relação sexual também se elevou. Resultados de
análises sobre as idades de início e transição entre os eventos que caracterizam o início do
período reprodutivo mostram uma forte correlação entre aumento nos níveis de escolaridade
feminina e idades mais avançadas de início da atividade sexual, casamento e nascimento do
primeiro filho. Neste sentido, políticas que incentivam mulheres mais jovens a prosseguirem
seus estudos podem funcionar como forças propulsoras para o adiamento destes eventos para
idades além da adolescência e da fase de adulta jovem.
Além das informações mencionadas, os resultados da PNDS (BEMFAM, 1996)
permitem que se estabeleça um paralelo entre a idade à primeira relação sexual e ao primeiro
casamento. A partir deste paralelo, é possível verificar que as mulheres se uniam cerca de um
ano e meio após terem tido a primeira relação sexual. Numa análise sobre transições
familiares na América Latina, HEATON, FORSTE & OTTERTROM (2002) observam que,
em praticamente todos os países do continente, inclusive no Brasil, a maioria das mulheres
tinha sua primeira relação sexual ainda durante a adolescência, mas adiavam, por um certo
período de tempo, a entrada em união e a maternidade. Em geral, os resultados indicaram que
a escolaridade das mulheres estava positivamente correlacionada com a idade em que os
17
eventos aconteciam. O início da atividade sexual era mais tardio entre aquelas com nível de
escolaridade mais elevado.
No conjunto, estes resultados apontam para a importância da idade de início da
atividade sexual na vida dos indivíduos, particularmente da mulher, e deixam evidentes as
implicações que esta variável, em conjunto com características sócio-demográficas da mulher,
tais como coorte de nascimento, raça/cor e escolaridade, têm para a fecundidade. Além disto,
dado que se aceita que a maior parte dos nascimentos ocorre dentro do casamento, é
fundamental apresentar a evolução deste evento no Brasil e apontar as diferenças existentes
segundo algumas características específicas. Conhecer as relações entre as idades de início da
vida sexual, de primeiro casamento e de nascimento do primeiro filho é necessário para a
ampliação do entendimento que se tem acerca do comportamento reprodutivo. Diante disto, o
próximo item apresenta alguns dados e considerações referentes à idade da mulher ao
primeiro casamento no Brasil, onde, assim como em muito países da América Latina e do
Caribe, a sexualidade tem uma ligação estreita com valores morais e o início da vida sexual é
visto como positivo quando acontece dentro de uma união (RIVAS, 1997 apud CONTRERAS
& HAKKERT, 2001).
2.2 Idade ao primeiro casamento
Em diversas sociedades, existe um consenso acerca de que o casamento, aqui
entendido como qualquer tipo de união (formal ou informal), é o contexto socialmente
sancionado para o nascimento dos filhos. Embora, a idade ao primeiro casamento não limite,
mas apenas sinalize o início do período tempo de exposição efetiva ao risco de procriar, ela
desempenha um papel fundamental sobre o número de filhos que uma mulher deverá ter até o
final de sua vida reprodutiva.
Nos países em desenvolvimento, em geral, a idade da mulher ao primeiro casamento
tende a ser mais baixa do que a observada para as mulheres que vivem em países
desenvolvidos e industrializados e, tipicamente, coincide com a maternidade em idades mais
jovens (HOPES AND REALITIES). Mulheres que se casam mais cedo apresentam
probabilidades mais elevadas, em relação àquelas que se casam mais tarde, de transformarem
a maternidade no foco central de suas vidas, deixando para segundo plano seu
desenvolvimento profissional (HOPES AND REALITIES). Apesar deste argumento poder ser
considerado polêmico, o estudo de DURCH (1980), sobre os padrões de nupcialidade em
18
países em desenvolvimento e suas implicações para a fecundidade sugere que, embora a
mulher que conquista níveis mais elevados de escolaridade tenda a adiar o casamento e a
maternidade, a ocorrência de uma gravidez mais cedo geralmente antecipa o casamento e
pode prevenir a mulher de obter uma maior escolaridade. Um estudo sobre diversos países da
América Latina mostra que, no Brasil, enquanto mulheres sem nenhuma escolaridade se
casavam em torno dos 20 anos, aquelas com nove ou mais anos de estudo se casavam, pela
primeira vez, em torno dos 26 anos (HEATON, FORSTE & OTTERTROM, 2002). Além
disto, as mulheres que se casam mais jovens também revelam probabilidades mais elevadas
de se divorciarem ou separarem de seus companheiros do que as que se casam mais tarde
(SINGH & SAMARA, 1996). No Brasil, uma análise dos dados da Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílios (PNAD), de 1984, revela que, uniões de mulheres com menos de 18
anos tendiam a se dissolver com maior intensidade e que, provavelmente, estas uniões
estavam associadas com a gravidez antes do casamento ou até mesmo com uniões consensuais
(MIRANDA-RIBEIRO, 1993).
Mais recentemente, os dados da PNDS (BEMFAM, 1996) mostram que as mulheres
urbanas de 20 a 49 anos apresentaram uma idade mediana ao primeiro casamento em torno de
21,3 anos. Para as diferentes gerações de mulheres, esta idade permaneceu em torno dos 21,0
anos. Por outro lado, quando a comparação da idade mediana ao primeiro casamento era feita
segundo categorias de escolaridade, os dados mostraram que, entre as mulheres de 25 a 29
anos, por exemplo, enquanto aquelas sem nenhuma escolaridade se casavam com uma idade
mediana de 17,8 anos, aquelas que tinham entre 9 e 11 anos de estudo se uniam pela primeira
vez com uma idade mediana de 23,0 anos.
Embora, em muitos países em desenvolvimento, o padrão tradicional de casamento em
idade mais jovem esteja cedendo espaço para casamentos em idades mais avançadas, no
Brasil, de acordo com dados censitários, a mudança na idade média de entrada em união,
entre 1980 e 2000, foi praticamente inexistente. Levando-se em conta as pessoas de 15 anos
ou mais, a idade média ao primeiro casamento, nestes períodos, se manteve constante - 24,1,
em 1980, 24,3 em 1991 e, 24,2 anos em 2000. Por outro lado, análises que incluíram a
variável raça/cor revelam pequenas diferenças. Para 2000, considerando-se as pessoas de 15
anos e mais e que se declararam brancas, a idade média ao primeiro casamento foi de 24,5
anos. Entre as pretas, essa idade foi de 24,3 anos e, entre as pardas, foi de 23,9. A idade média
mais elevada ao primeiro casamento foi verificada entre a população que se declarou como
19
amarela, 27 anos, o que pode ser atribuído ao fato desta população apresentar uma estrutura
de idade mais envelhecida do que as demais (IBGE, 2000).
Quando a idade média ao primeiro casamento foi estimada em função da escolaridade,
constatou-se que, em 2000, para as pessoas de 15 anos ou mais, a maior média estava entre as
pessoas que possuíam 11 anos ou mais de estudo. Entre elas, a idade foi de 26,6 anos. Já entre
as pessoas com menor escolaridade (menos de 4 anos), a idade média ao primeiro casamento
ficou em torno de 24 anos. Em contraste com estes grupos, a idade média mais baixa ao
primeiro casamento foi observada entre os indivíduos que tinham entre 4 e 7 anos de estudo:
22,7 anos. O recorte da idade média ao primeiro casamento, por sexo, segundo os anos de
estudo, revelou que, no Brasil, enquanto as mulheres sem nenhuma instrução se casavam, em
média, aos 21,5 anos, aquelas com 11 anos ou mais faziam o mesmo aos 25,1 anos de idade
(IBGE, 2000). A TAB. 1, a seguir, apresenta uma síntese das idades médias ao primeiro
casamento para pessoas de 15 anos ou mais, segundo algumas características selecionadas.
Tabela 1 - Idade média ao casar de pessoas de 15 anos ou mais de idade, por
caracterísitcas selecionandas. Brasil, 2000.
Idade média
24,0
22,7
26,6
21,5
20,2
20,6
22,7
25,1
24,5
24,3
23,9
27,0
22,1
Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2000.
Caracterísitcas selecionadas
Indígena
11 anos e mais de estudo
Cor/raça
Branca
Preta
Escolaridade (masc. e fem.)
< de 4 anos de estudo
entre 4 e 7 anos de estudo
11 anos e mais de estudo
Parda
Amarela
Escolaridade feminina
entre 1 e 3 anos de estudo
sem instrução e < de 1 ano
entre 4 e 7 anos de estudo
entre 8 e 10 anos de estudo
Em termos regionais, os dados do censo demográfico de 2000 mostram que, entre as
mulheres da região Sudeste, nos períodos entre 1980 e 2000, a idade média ao primeiro
20
casamento permaneceu praticamente constante, em torno dos 23 anos. O estado de Minas
Gerais apresentou a maior idade média ao casar da região: 25,2 anos (IBGE, 2000). Acredita-
se que mulheres que possuem níveis mais elevados de escolaridade sentem-se mais
estimuladas a adiar o casamento e estão mais expostas a idéias e informações que as levam a
aceitar o uso de contracepção e a valorizar famílias menores. Neste sentido, mulheres que se
casam em idades mais avançadas, e têm maior escolaridade, podem ter um número menor de
filhos não somente porque elas têm um tempo de exposição ao risco de procriar mais
reduzido, mas também porque suas atitudes e expectativas são diferentes, se comparadas com
as que têm níveis mais baixos de escolaridade (DURCH, 1980).
No Brasil, o rejuvenescimento do padrão etário da fecundidade tem sido
acompanhado, ao longo das últimas décadas, por uma estabilidade na idade média ao primeiro
casamento. Embora a maior parte dos nascimentos ainda aconteça dentro de uma união, a
estabilidade da idade ao casar não implica, necessariamente, na estabilidade do tempo de
exposição ao risco de procriar. Existem pesquisas que indicam que o início da atividade
sexual e da vida reprodutiva vem acontecendo cada vez mais cedo e, com muita freqüência,
antes do estabelecimento do casamento, tornando as mulheres de gerações mais recentes mais
vulneráveis a terem filhos mais jovens, se comparadas com as de gerações anteriores
(BEMFAM, 1992; BEMFAM, 1996). Considerando as evidências dos vínculos existentes
entre as idades à primeira relação sexual e ao primeiro casamento com a idade de nascimento
do primeiro filho, é necessário apresentar algumas considerações a respeito do
comportamento desta última variável e de sua importância no processo de rejuvenescimento
da fecundidade observado no Brasil nos últimos tempos. O item a seguir apresenta, alguns
dados a respeito da idade da mulher ao primeiro casamento, bem como algumas reflexões
teóricas acerca desta variável demográfica.
2.3 Idade ao nascimento do primeiro filho
Se as idades da mulher à primeira relação sexual e ao primeiro casamento são
importantes porque sinalizam o início da exposição ao risco de procriar, a idade de
nascimento do primeiro filho também é de extrema relevância, pois marca a entrada da
mulher em seu período de contribuição efetiva para a fecundidade e tem um peso importante
para a definição do seu comportamento reprodutivo futuro. Pesquisas realizadas na década de
90 têm mostrado que as mulheres vêm iniciando a vida reprodutiva mais jovens, expressando
21
preferências por famílias menores e encerrando a formação familiar mais cedo (BEMFAM,
1992; BEMFAM, 1996). Na ausência de contracepção, o início da vida reprodutiva em idades
mais jovens amplia as chances da mulher ter um maior número de filhos durante o período
reprodutivo e dela procurar por um aborto para resolver uma gravidez não planejada. Alguns
estudos mostram evidências de uma forte correlação entre a idade da mulher ao nascimento
do primeiro filho e o número e espaçamento dos nascimentos subseqüentes (BUMPASS,
RINDFUSS & JANOSIK, 1978; BONGAARTS & POTTER, 1983).
No Brasil, a PNDS (BEMFAM, 1996) mostra que cerca de 50% das mulheres com
menos de 25 anos não haviam tido filhos e que a idade mediana ao nascimento do primeiro
filho, para as mulheres com mais de 25 anos, girou em torno de 22,3 anos. A idade mediana
mais elevada foi observada entre as mulheres de 45 a 49 anos: 23 anos. Adicionalmente, os
dados desta pesquisa apontam para a diminuição da idade mediana da mulher ao nascimento
do primeiro filho e sugerem que este fato estava relacionado com o aumento nas proporções
de mulheres que estavam tendo filhos antes do 17 anos. Por exemplo, enquanto 16% das
mulheres entre 20 e 24 anos informaram ter tido o primeiro filho com menos de 17 anos,
menos de 11% das mulheres entre 45 e 49 anos relataram o mesmo.
A análise dos dados sobre a idade da mulher ao nascimento do primeiro filho, segundo
anos de estudo, também revela que, entre as mulheres sem nenhuma escolaridade que tinham
entre 25 e 29 anos à época da pesquisa, a idade mediana de nascimento do primeiro filho
havia sido de 18,6 anos. Por outro lado, entre aquelas que possuíam entre 5 e 8 anos de
estudo, esta mediana foi de 21,5 anos. Para as coortes mais velhas, também se observou que o
aumento na escolaridade implicou em uma idade mediana mais elevada de nascimento do
primeiro filho. Este fato pode ser constatado, por exemplo, entre as mulheres que tinham entre
30 e 34 anos. Para este grupo, enquanto entre as mulheres sem nenhuma escolaridade, a idade
mediana de nascimento do primeiro filho foi em torno de 19 anos, entre as que tinham entre 5
e 8 anos foi em torno de 22 anos e, entre aquelas que informaram ter 12 ou mais anos de
estudo, a idade mediana foi bastante próxima de 29 anos (BEMFAM, 1996). Para alguns
pesquisadores, mulheres menos escolarizadas têm probabilidades mais elevadas de
desenvolverem valores familiares mais fortes do que aquelas com maior escolaridade. Estes
valores familiares refletem um desejo maior por um número mais elevado de filhos, o qual,
em conseqüência, leva a uma transição mais rápida para a maternidade (TEACHMAN &
HECKERT, 1985). Adicionalmente, mulheres que adiam a maternidade tendem a investir e
22
conquistar níveis mais elevados de capital humano do que as que iniciam sua carreira
reprodutiva mais cedo. Conseqüentemente, o nascimento do primeiro filho em uma idade
mais jovem deixa de ser a alternativa mais atrativa para as mulheres que almejam maior
escolaridade (CARD, 1981).
Estudos recentes sobre as transições das jovens brasileiros para a maternidade revelam
uma relação entre entrada no mercado de trabalho, saída da escola e nascimento do primeiro
filho. Ao utilizar dados da Pesquisa sobre Padrões de Vida-1996/1997 (PPV), OLIVEIRA &
RIOS-NETO (2004) verificam que ter o primeiro filho e depois sair da escola é uma transição
comum para as mulheres brasileiras que têm filhos até 15 anos. Para as que esperam além
desta idade, a saída da escola acontece em um momento anterior ao nascimento do primeiro
filho. Quanto à participação no mercado de trabalho, os autores mostram que a decisão de
entrar no mercado antecede a maternidade. A maior parte das mulheres que entrou no
mercado de trabalho até os 15 anos, segundo os resultados do estudo, teve o primeiro filho
somente entre 20 e 24 anos. A partir disto, os autores sugerem que o comportamento
brasileiro se assemelha ao europeu, no sentido de que as mulheres, primeiro, buscam a
independência financeira, para depois iniciarem a maternidade.
O estudo de ARRUDA (2004) sobre as transições para a vida adulta mostra, a partir de
dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) que, entre 1981 e 2001, as
mulheres adiaram em pelo menos um ano a saída da escola - a idade mediana de saída da
escola, que em 1981, era 17,5 passou para 18,4 anos em 2001. Já a idade mediana de
nascimento do primeiro filho foi adiada em aproximadamente dois anos, passando de 18,2
anos em 1981 para 20,6 anos em 2001. Também de acordo com os resultados obtidos pela
autora, embora não existam diferenças significativas na idade de saída da escola, segundo
raça/cor, as mulheres negras apresentam cerca de 1,6 anos a menos de estudo do que as
brancas. Em relação à idade de nascimento do primeiro filho, os resultados do estudo
realizado por ARRUDA (2004) mostram que, em 2001, enquanto as mulheres brancas
iniciaram sua vida reprodutiva aos 21,2 anos, as negras o fizeram aos 20 anos. A transição
mais cedo para a maternidade é, tradicionalmente, efetuada por mulheres menos
escolarizadas. A autora acredita que o adiamento da saída da escola e da entrada no mercado
de trabalho caracterizam um prolongamento da juventude.
A verificação da evolução da idade mediana de nascimento do primeiro filho, segundo
grupos de idade, para as mulheres urbanas, a partir de dados da PNDS (BEMFAM, 1996)
23
mostrou uma pequena redução, passando de 23,3 anos entre as mulheres de 45 a 49 anos para
22,4 anos entre aquelas que tinham de 25 a 29 anos na época da pesquisa. Na região Centro-
Leste, que inclui o estado de Minas Gerais, a diferença na idade mediana de nascimento do
primeiro filho entre as mulheres do grupo etário de 25 a 29 anos e aquelas do grupo de 45 a
49 anos foi de 2,4 anos. Enquanto as mulheres da região Centro-Leste, que tinham entre 25 e
29 anos, à época da pesquisa, tiveram seu filho por volta dos 21,4 anos, aquelas entre 45 e 49
anos tiveram em torno dos 23,8 anos (BEMFAM, 1996). Além das informações mencionadas,
também é importante ressaltar que, entre as mulheres de 15 a 19 anos, 18% já havia iniciado
sua vida reprodutiva, seja porque informaram já ter tido algum filho ou porque estavam
grávidas, pela primeira vez, na época em que a pesquisa foi conduzida. A comparação entre as
regiões brasileiras revelou que, as proporções mais baixas de adolescentes que já haviam
engravidado estavam na região Centro-Leste (9%). Além disto, também foram as jovens sem
nenhuma escolaridade que, em maiores proporções, haviam se tornado mães durante a
adolescência (51%). Entre as que possuíam de 9 a 11 anos de estudo, somente 4% informou
ter sido mãe enquanto adolescente (BEMFAM, 1996). A TAB. 2, a seguir, sintetiza estas
informações.
Tabela 2 - Idade mediana de nascimento do primeiro filho e proporção de adolescentes
que haviam iniciado a vida reprodutiva. Brasil urbano, 1996.
Idade mediana
22,4
23,3
21,4
23,8
18,0
9,0
nenhuma escolaridade 5,1
entre 9 e 11 anos de estudo 4,0
Fonte: BEMFAM, 1996.
Adolescentes que haviam iniciado a vida
reprodutiva segundo escolaridade
25 a 29 anos
45 a 49 anos
região Centro-leste
Percentual
15 a 19 anos
Caracterísitcas selecionadas
25 a 29 anos
Coorte de idade
Adolescentes que haviam iniciado a vida
reprodutiva
Coorte de idade - região Centro-leste
45 a 49 anos
24
Num estudo a respeito das conseqüências da gravidez na adolescência sobre os filhos
de jovens americanas, CARD (1981) enfatiza que, em geral, mesmo as mães adolescentes
mais privilegiadas (brancas e com melhor situação socioeconômica) não eram poupadas das
diversas conseqüências de um nascimento em idades mais jovens. Pelo contrário, as
conquistas educacionais e ocupacionais, assim como os casamentos destas jovens mulheres,
eram mais afetados por um nascimento na adolescência do que eram as das mulheres que se
encontravam em situações menos privilegiadas. A autora também ressalta que as
conseqüências da gravidez na adolescência também são muito mais sentidas pela mulher do
que pelo companheiro. Este fato se deve, segundo CARD (1981), ao fato de que, além de ser a
mulher que carrega, fisicamente, a criança, é ela, também, quem, geralmente, assume as
maiores responsabilidades para criá-la. Neste contexto, o homem pode, mais facilmente,
deixar para trás a história de uma paternidade não planejada. Mesmo quando ambos assumem
as responsabilidades que resultam do nascimento de um filho, ainda assim é mais fácil para o
homem conciliar a paternidade com seus papéis de estudante e/ou trabalhador.
Além da coorte de nascimento e da escolaridade, a contracepção é outro fator
relacionado com a idade da mulher ao nascimento do primeiro filho. Mulheres que utilizam
métodos contraceptivos mais eficazes e de forma mais efetiva apresentam probabilidades mais
elevadas de adiarem o nascimento do primeiro filho. Por outro lado, mulheres que se tornam
mães mais jovens apresentam probabilidades mais baixas de utilizarem contracepção. Como
resultado, mulheres que têm o primeiro filho mais jovens tendem a ter os nascimentos
subseqüentes mais rapidamente, dando intervalos menores entre um e outro nascimento
(TEACHMAN & HECKERT, 1985). Segundo alguns pesquisadores, as mulheres mais
velhas, por estarem mais preparadas para avaliar as conseqüências de nascimentos com
intervalos pequenos, podem usar contracepção mais efetivamente do que as mais jovens
(MARINI & HODSON, 1981). Por outro lado, as mulheres mais jovens, por terem menos
experiência, apresentam maiores dificuldades para avaliar as conseqüências potenciais de seu
comportamento de fecundidade (CARD, 1981).
Embora a discussão apresentada neste capítulo não tenha esgotado as reflexões sobre o
tema e nem tenha utilizado um referencial teórico específico, ela traçou um panorama que
permite que análises mais reflexivas sejam desenvolvidas a partir dos resultados empíricos
obtidos para o município de Belo Horizonte.
25
De uma maneira geral, as informações apresentadas mostram que houve mudanças no
comportamento sexual e reprodutivo no Brasil e que estas mudanças variaram, dentre outras
coisas, de acordo com a idade, o nível de escolaridade, o local de residência e a raça/cor das
mulheres. Em relação às mulheres de gerações passadas, as mais jovens estão iniciando a vida
sexual e tendo o primeiro filho mais cedo, mas se casando praticamente na mesma idade em
que as mais velhas se casavam. As mulheres menos escolarizadas e também as negras,
segundo os dados apresentados, são as que, normalmente, iniciam a vida sexual e fazem a
transição para a maternidade mais cedo. Fatores de ordem social, econômica e cultural, além
da difusão das informações, da assimilação de novas idéias e atitudes, da emergência de ideais
de famílias menores são apontados como tendo um papel importante neste processo de
transformação do comportamento sexual e reprodutivo que vem acontecendo nas décadas
mais recentes. Considerando que a primeira relação sexual, o primeiro casamento e o
nascimento do primeiro filho são eventos importantes no estabelecimento da saúde sexual e
reprodutiva dos indivíduos e passos fundamentais para a formação de família e para
fecundidade, verificar a existência de diferenças nas idades de início destes eventos e nas
normas e valores que os regem, comparando mulheres de diferentes gerações, é fundamental..
A abordagem mais ampla de um tema como o comportamento sexual e reprodutivo permite
um entendimento mais profundo de uma parte importante da vida das mulheres.
Antes de passar para a análise dos resultados, o capítulo a seguir apresenta as fontes de
dados e as metodologias empregadas neste estudo.
26
3 DADOS E METODOLOGIA
Para responder as perguntas inicialmente apresentadas neste estudo, duas estratégias
metodológicas são utilizadas. Primeiro, é desenvolvida uma análise quantitativa de dados
sobre atividade sexual, casamento/uniões e fecundidade, representativos para o município de
Belo Horizonte. Segundo, é realizada uma análise qualitativa de dados oriundos de grupos
focais feitos em Belo Horizonte. A complexidade dos aspectos relacionados ao
comportamento sexual e reprodutivo aponta para a vantagem de utilizar metodologias
distintas.
A combinação destas metodologias contribui para ampliar o conhecimento acerca do
comportamento sexual e reprodutivo, pois os resultados revelam uma variedade de
perspectivas e diferentes formas de avaliar um mesmo fenômeno. Se, por um lado, o enfoque
quantitativo fornece resultados que podem ser generalizados, ele não oferece as motivações,
as normas e os valores por trás dos comportamentos observados. A abordagem qualitativa,
por sua vez, não produz informações representativas da população, mas auxilia e
complementa a interpretação dos resultados, enriquecendo, assim, o entendimento do objeto
de estudo. Nas pesquisas aplicadas sobre saúde sexual e reprodutiva, existem poucos
problemas que não permitem a conjugação destas metodologias (ULIN et al. 2002). Neste
estudo, a conjugação destas abordagens é de extrema importância, pois, enquanto os
resultados quantitativos podem revelar se diferenças observadas no comportamento sexual e
reprodutivo de determinados grupos populacionais são estatisticamente significantes, a
investigação qualitativa pode ampliar a compreensão destes comportamentos ao identificar as
normas, os valores e as atitudes que permeiam tais comportamentos. A possibilidade de
conjugar os resultados para expandir a compreensão sobre o comportamento sexual/conjugal e
reprodutivo torna, assim, esta estratégia de trabalho bastante desejável.
A seguir, as fontes de dados e as metodologias empregadas neste estudo são
apresentadas. Os dados e a metodologia quantitativa são abordados em primeiro lugar.
Posteriormente, são abordadas as questões relativas aos dados e à metodologia qualitativa.
27
3.1 Análise quantitativa
3.1.1 Fonte de dados
A análise quantitativa é baseada nas informações disponíveis na pesquisa “Saúde
Reprodutiva, Sexualidade e Raça/Cor” - (SRSR). Esta pesquisa, financiada pela Fundação
Ford e coordenada pelos professores Paula Miranda-Ribeiro e André Junqueira Caetano,
ambos do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar) da Universidade
Federal de Minas Gerais (UFMG), iniciou-se no dia 1
o
de abril de 2001 e teve uma duração de
dois anos.
Desenhada para qualificar alunos de graduação e pós-graduação das diversas áreas das
ciências sociais para atuarem em atividades de pesquisa, particularmente aquelas direcionadas
à saúde reprodutiva, sexualidade e raça/cor, a pesquisa caracterizou-se por ter sido elaborada,
implementada e executada por estudantes dos cursos de Ciências Sociais, Sociologia e
Demografia da UFMG. Além disso, a pesquisa também contou com a participação de uma
representante da sociedade civil, integrante do Movimento Negro. Os integrantes da pesquisa
tiveram a oportunidade de passar por todas as etapas da investigação, que incluíram desde a
elaboração dos objetivos, do instrumento de coleta de dados, aplicação de questionário,
codificação e digitação dos dados e análise preliminar dos mesmos (RELATÓRIO SRSR,
2003).
A pesquisa coletou informações que possibilitam a caracterização e a avaliação da
situação e da qualidade da saúde reprodutiva da população feminina dos municípios de Belo
Horizonte e Recife. Quatro aspectos foram enfatizados durante o processo de investigação.
Em primeiro lugar, a pesquisa reuniu informações a respeito da fecundidade das respondentes
e das estratégias de planejamento da fecundidade utilizadas pelas mesmas, investigando,
também, a existência serviços de atenção ambulatorial e hospitalar, voltados para demandas
relativas a atendimento de pré-natal, parto e puerpério (imediato e tardio), acompanhamento
ginecológico e prevenção, anticoncepção e aborto legal, quesitos definidos como direito em
lei, regulamentos e portarias federais, estaduais e municipais. Em segundo lugar, a pesquisa
levantou informações sobre o nível de conhecimento que as respondentes possuíam em
relação a esses direitos. Em terceiro lugar, o acesso aos serviços existentes e avaliação dos
mesmos por parte das entrevistadas foi investigado. Por fim, a pesquisa averiguou a utilização
de serviços públicos e serviços privados, controlando pela participação em planos e seguros
de saúde (RELATÓRIO SRSR, 2003).
28
As informações foram captadas de forma a permitir comparações por raça/cor, idade,
situação socioeconômica e município de residência. Além disso, o estudo foi desenhado para
que a existência de diferenças estatisticamente significantes entre as mulheres dessas diversas
subpopulações pudesse ser verificada, considerando-se a influência e os efeitos do
comportamento sexual das mesmas sobre sua saúde reprodutiva.
As informações foram coletadas de mulheres que possuíam, na época da pesquisa,
entre 15 e 59 anos completos, residentes em domicílios particulares permanentes, situados nos
municípios de Belo Horizonte e Recife. Diferente do recorte etário geralmente utilizado em
pesquisas de natureza demográfica e epidemiológica, a investigação incluiu mulheres entre 15
e 59 anos, para que aspectos da sexualidade e saúde reprodutiva feminina fossem melhores
compreendidos, mesmo após o final do período fértil da maioria das mulheres. As jovens
entre 13 e 14 anos, assim como as mulheres com 60 anos e mais, não fizeram parte da
população alvo da pesquisa, porque a investigação não tinha como objetivo estudar aspectos
específicos da sexualidade destas subpopulações, ainda que tenham implicações para a saúde
reprodutiva da população em geral (RELATÓRIO SRSR, 2003).
O plano amostral utilizado para o desenvolvimento da pesquisa SRSR foi o de
conglomerado. Na primeira etapa, adotou-se um cadastro baseado no arquivo agregado de
setores censitários do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), contendo
informações preliminares sobre os totais de pessoas e domicílios recenseados pelo referido
Instituto durante o Censo Demográfico de 2000. O plano amostral estratificado conglomerado
foi em 3 estágios. No primeiro estágio, o cadastro de setores do IBGE foi usado para
estratificar e selecionar uma amostra de setores em cada um dos municípios. Os setores
selecionados na amostra foram visitados pelas entrevistadoras, que fizeram a operação de
listagem dos domicílios encontrados em cada um deles. Foi então selecionada uma amostra de
domicílios, os quais foram visitados pelas entrevistadoras para cadastramento dos moradores
e identificação da população elegível. Nos domicílios com moradoras elegíveis, somente uma
mulher era selecionada. Tal seleção acontecia através de sorteio. Os setores que
representavam cadeias e asilos foram excluídos e os setores normais foram agrupados por
região de planejamento. As favelas foram agrupadas como um setor à parte. Esta combinação
produziu 70 setores em cada município (RELATÓRIO SRSR, 2003).
A amostra dos setores foi feita através do método de seleção sistemática, com
probabilidades proporcionais ao tamanho, sendo usada como medida de tamanho o número
29
total de domicílios particulares encontrado em cada setor por ocasião do Censo Demográfico
de 2000. Essa estratégia, combinada com a idéia de selecionar um número fixo de domicílios
por setor, permitiu a obtenção de uma amostra de domicílios com probabilidades
aproximadamente iguais de seleção em cada um dos municípios (RELATÓRIO SRSR, 2003).
Para obter 1.200 domicílios em cada município, uma amostra sistemática simples foi utilizada
para selecionar cerca de 22 domicílios em cada setor. Os dados foram coletados no domicílio
da entrevistada, a qual respondeu um questionário individual com perguntas distribuídas em
quatorze sessões do questionário e que incluíram desde a caracterização do domicílio,
caracterização da entrevistada, utilização de plano de saúde, reprodução, história de
gravidezes e de nascimentos, pré-natal e pós-parto, anticoncepção,
atendimento/acompanhamento médico, casamento e atividade sexual, planejamento da
fecundidade até a caracterização do marido/companheiro.
No total, foram realizadas 2.408 entrevistas completas com mulheres entre 15 e 59
anos. Em Belo Horizonte, foram feitas 1.301 entrevistas completas, sendo que, destas, 361
entrevistas foram com mulheres entre 20 e 29 anos e 173 com mulheres entre 50 e 59 anos.
Juntas, estas duas coortes somam 534 mulheres. Excluindo-se, porém, as mulheres que se
classificaram como amarelas e indígenas, estas duas coortes passam a somar 521 mulheres,
auto-declaradas brancas, pretas e pardas, as quais são o alvo deste estudo.
3.1.2 Variáveis utilizadas
Em função dos objetivos deste estudo, foram selecionadas variáveis de diferentes
seções do questionário. Para operacionalização da metodologia e, em função dos objetivos do
estudo, algumas variáveis foram recodificadas.
Embora exista no banco de dados a variável “idade em anos completos”, a idade da
entrevistada foi gerada a partir das informações de mês e ano de nascimento, contidas na
seção de caracterização da entrevistada. Com base nesta nova variável de idade, a variável
“coorte” foi construída. O objetivo central deste procedimento foi evitar o problema da
preferência por dígitos, que pode ocorrer nas declarações de idade relativas a anos completos.
No caso desta investigação, existem duas coortes de interesse, a de 20 a 29 anos e a de 50 a 59
anos, as quais passaram a ser denominadas como “coorte 1” e “coorte 2”, respectivamente.
Todas as análises desenvolvidas neste estudo são feitas a partir das informações disponíveis
para estas mulheres. É importante frisar que não só a idade das mulheres, mas também as
30
idades em que experimentaram os eventos investigados, foram construídas a partir das
informações disponíveis para mês e ano. Somente para aquelas que não sabiam informar as
datas de ocorrência dos eventos, foram consideradas as informações referentes à idade em
anos completos. É importante esclarecer que a informação sobre a idade de primeira relação
sexual foi extraída a partir da idade declarada e comparada com a data informada. Onde havia
inconsistência nas informações, prevaleceu a informação dada na questão relativa a idade em
anos completos.
Como o interesse deste estudo é analisar as diferenças no comportamento sexual e
reprodutivo que mulheres de duas gerações distintas apresentavam quando tinham entre 20 e
29 anos, a parturição destas pessoas é verificada em dois pontos: até os 19 anos e até os 24
anos. É importante esclarecer que esta análise envolve histórias de nascimentos incompletas.
Para lidar com o problema das histórias de nascimentos incompletas, a estratégia adotada
neste ponto da análise foi a seguinte: 1) para comparar a parturição que as duas coortes
apresentaram até os 19 anos, as 521 mulheres da amostra selecionada são incluídas na análise;
2) para comparar a parturição até os 24 anos, somente as mulheres com mais de 24 anos são
incluídas, perfazendo, assim, um total de 319 mulheres.
A classificação de raça/cor das entrevistadas foi feita a partir da resposta dada pelas
mesmas à pergunta que segue os moldes do IBGE, cujas alternativas de resposta são: 1)
branca; 2) preta; 3) parda; 4) amarela e 5) indígena. Para fins desta análise, as mulheres que se
auto-declararam pretas e pardas foram agrupadas na categoria “negra”. As mulheres que se
auto-classificaram como “amarela” e como “indígena” foram excluídas da análise, pois, além
de representarem uma parcela muito pequena da população do município (menos de 5%),
objetivo do estudo é comparar as brancas e as negras. Em função disto, a variável raça/cor, na
análise, é composta por duas categorias: 1) branca e 2) negra (pretas e pardas). A decisão de
agrupar as pretas e as pardas em uma única categoria tem três razões. A primeira reside no
fato de que a maioria dos autores utiliza este agrupamento. Assim, adotar o mesmo
procedimento que a maior parte dos autores utiliza facilita comparações com resultados de
estudos já realizados. A segunda está na questão da migração entre as categorias de raça/cor.
Como CARVALHO, WOOD & ANDRADE (2003) constataram, existe uma mobilidade na
autodeclaração de cor, sendo que este processo é mais visível entre pardos e pretos. A terceira
diz respeito às ambigüidades na classificação da cor. TELLES (2003) apontou que há uma
probabilidade maior de que os entrevistados e entrevistadores concordem sobre quem é
31
branco do que sobre quem é preto ou pardo e que isto demonstra que as distinções entre
branco e não branco é a divisão racial mais clara na mente dos brasileiros. Assim, é coerente
unir as categorias pretas e pardas em uma única categoria, uma vez que as diferenças entre
pretos e pardos é bem mais ambígua do que a divisão entre brancos e pardos.
O QUA. 1, exibido ao final desta discussão, apresenta as variáveis usadas na análise e
indica a seção de origem das mesmas no questionário da pesquisa SRSR. O item seguinte ao
QUA.1 trata das metodologias utilizadas neste estudo.
32
Quadro 1 - Variáveis utilizadas na análise quantitativa
Seção Variáveis
Identificação
Munic - Município de residência - Belo Horizonte.
V0103 - data de nascimento - mês, ano.
V0104 - idade em anos completos.
Caracterização da entrevistada
V0126 - qual é a sua cor/raça segundo as seguintes
categorias - 1) branca, 2) preta, 3) parda, 4) amarela, 5)
indígena.
V0300 - já teve filho(a) nascido(a) vivo(a) - 1) sim, 2)
não.
V0305 - total de filhos(as) nascidos(as) vivos(as).
V0506 - mês e ano de nascimento do filho(a).
V0508 - idade do(a) filho(a) em anos completos.
V1108 - em que mês e ano casou/começou a viver com
seu marido/companheiro? mês, ano.
V1109 - que idade tinha quando casou/começou viver
com ele?
Reprodução e Casamento
V1116 - quantos anos tinha quando teve a primeira
relação sexual?
Fonte: Elaboração própria, com base no questionário SRSR.
33
3.1.3 Metodologia
O primeiro passo para análise dos dados quantitativos é realizar uma caracterização
das mulheres de 20 a 29 anos e de 50 a 59 anos. Nesta etapa, são descritas as distribuições das
mulheres segundo coorte de idade, escolaridade, raça/cor e situação conjugal. Também são
analisadas as distribuição de mulheres que tiveram filhos antes ou depois da primeira união. O
segundo passo é comparar o comportamento sexual, reprodutivo e de casamento destas duas
coortes, verificando similaridades e diferenças. Para isto, as histórias das mulheres da coorte
mais velha são reconstruídas para quando elas tinham entre 20 e 29 anos. Esta reconstrução
das experiências passadas é possível porque o banco de dados possui, além da história de
nascimentos, perguntas sobre as datas e idades, em anos completos, de primeira relação
sexual e primeiro casamento. Esta é uma característica extremamente importante deste banco
de dados, pois permite que se conheçam as datas exatas de todos os eventos de interesse, ou
seja, da primeira relação sexual, do primeiro casamento e do nascimento do primeiro filho.
Tomar estes eventos como referência é uma estratégia para ampliar a compreensão do
comportamento sexual e reprodutivo das mulheres.
É importante lembrar, entretanto, que os dados não se referem somente à mulheres
com histórias de vida sexual e reprodutiva completas. Isto significa que, na data da entrevista,
existiam mulheres nas coortes de interesse que ainda não haviam experimentado os eventos
analisados neste estudo. Este fato não permite que se conheça a freqüência exata associada a
cada intervalo, ou seja, os dados são censurados. A presença de observações censuradas é um
problema para as técnicas convencionais de análise descritiva e, por esta razão, requerem um
tratamento especial. Para lidar com este problema dos dados censurados, o método de Kaplan-
Meier é utilizado para estimar funções de sobrevivência. A partir destas funções, são obtidas
as idades medianas de ocorrência dos eventos, já que a presença de censura impossibilita que
elas sejam estimadas a partir da análise descritiva tradicional. Modelos de sobrevivência são
adequados para análises onde o tempo de exposição ao risco de experimentar um evento não é
o mesmo para todos os indivíduos (ALLISON, 1995; SOARES & COLOSSIMO, 1995). Para
realizar esta análise utiliza-se o pacote estatístico SPSS versão 10.0.
Kaplan-Meier (KM) é um estimador não paramétrico de máxima verossimilhança,
utilizado para estimar funções de sobrevivência, S(t), onde t é a idade de ocorrência do evento
de interesse. É importante esclarecer que a função de sobrevivência é a probabilidade que o
tempo de um evento seja maior do que t, onde t pode ser qualquer número não negativo
34
(ALLISON, 1995; SOARES & COLOSSIMO, 1995). No caso dos eventos incluídos neste
estudo, a menor idade registrada para cada um foi assumida como o tempo de início da
observação. No caso da primeira relação sexual, por exemplo, a menor idade relatada foi de 9
anos; para o primeiro casamento, de 11 anos; e para o nascimento do primeiro filho, a menor
idade relatada foi de 13 anos. O estimador Kaplan-Meier é definido da seguinte maneira:
=
ttjj
nj
dj
tS
:
^
1)(
onde: t é a idade de ocorrência dos eventos;
nj são os indivíduos sob o risco de experimentar o evento no tempo t;
dj é o número de eventos que aconteceram no tempo t.
Para verificar se as diferenças nas distribuições de sobrevivência, ou seja nas idades de
ocorrência dos eventos, são significativas, utiliza-se o teste de logrank. Este teste é uma das
alternativas estatísticas disponíveis para testar a hipótese nula de que as funções de
sobrevivência são iguais entre as coortes (ALLISON, 1995; SOARES & COLOSSIMO,
1995). Em outras palavras: existem diferenças nas curvas de idade de primeira relação sexual,
de primeiro casamento e de nascimento do primeiro filho quando se comparam as coortes em
estudo? A expressão estatística do teste de logrank é a seguinte:
)(
1
1
1
ed
j
r
j
j
=
onde: r é o número de vezes de ocorrência dos evento;
d
1j
é o número de eventos que aconteceram no grupo 1, no tempo j;
e
1j
é o número esperado de eventos no grupo 1, no tempo j. Neste caso, o número de
eventos esperados é dado por n
1j
d
j
/n
j ,
onde n
j
é o número total de casos sob o risco de um
evento antes do tempo j; n
1j
é o número sob risco antes do tempo j no grupo 1; e d
j
é o total de
eventos no tempo j nos grupos analisados.
Após a análise quantitativa dos dados, este estudo apresenta a análise dos dados
qualitativos, coletados por meio de grupos focais. Diante disto, o restante deste capítulo se
destina a apresentar questões pertinentes a esta método. Em primeiro lugar, é feita uma
35
introdução das questões teóricas relativas aos grupos focais e, posteriormente, são
apresentados aspectos ligados à prática.
3.2 Análise qualitativa
3.2.1 Os grupos focais: aspectos teóricos
A história da pesquisa qualitativa dentro das ciências sociais não é recente. Já nas
décadas de 20 e 30, os trabalhos sociológicos da “Escola de Chicago” apontavam para a
importância de investigações dessa natureza para o estudo da vida humana. Também na
primeira metade do século XX, a Antropologia oferecia à comunidade científica os estudos
inovadores de pesquisadores como Boas, Mead, Radcliffe-Brown e Malinowisk, os quais
delineavam os métodos envolvidos num trabalho de campo e que se baseavam,
particularmente, em observações de costumes e hábitos de sociedades e culturas estrangeiras
(DENZIN & LINCOLN, 1994; GOLDENBERG, 1998).
Como uma das técnicas de coleta de dados empregada pelas pesquisas de natureza
qualitativa, o grupo focal tem suas raízes nas entrevistas realizadas com grupos. No entanto,
sua origem está na área de Comunicação, e não na Antropologia. Os trabalhos conduzidos por
Paul Lazarsfeld e Robert Merton, no início dos anos 1940, são considerados como um marco
para o desenvolvimento desta técnica. Merton e seus colaboradores lançaram mão dos grupos
focais para examinar os efeitos de propaganda de guerra. Já Lazarsfeld e sua equipe de
investigadores utilizaram os grupos focais dentro das pesquisas de mercado. Apesar de terem
sido empregados já nos anos 40, os grupos focais somente foram postos em evidência por
pesquisadores de mercado durante as décadas de 70 e 80 (MORGAN, 1988). Nas pesquisas
sociais, somente a partir dos anos 80 é que os grupos focais começaram a ser amplamente
utilizados como uma ferramenta básica para coletar dados em investigações na área da saúde
(VANLANDINGHAN & TRUJILLO, 2002) e também nas relacionadas a questões de saúde
reprodutiva e sexualidade (KNODEL & PRAMUALRATANA 1987; MIRANDA-RIBEIRO,
1997; OTOIDE, ORONSAYE & OKONOFUA, 2001).
O grupo focal pode ser definido como uma técnica de investigação que tem por
objetivo extrair dados descritivos de um subgrupo populacional e sua base está na interação
que ocorre entre os participantes, a qual se dá durante a discussão de um tema de interesse do
investigador. O grupo focal, portanto, faz uso da interação grupal para produzir dados e
36
apreender fatos que poderiam ser menos acessíveis sem a interação encontrada no grupo
(BENDER & EWBANK, 1994; MORGAN, 1988). Essa técnica pode ser uma fonte efetiva de
dados para estudos que se propõem a investigar normas sociais, expectativas, valores e
crenças (ULIN et al. 2002). Além disso, ela pode ser empregada para ampliar o entendimento
que o pesquisador possui a respeito da dinâmica das atitudes, opiniões, motivações e
preocupações expressas por indivíduos que integram um determinado grupo (KNODEL,
ANTHONY & NAPAPORN, 1988; MIRANDA-RIBEIRO, 1997). Os dados oriundos da
realização de grupos focais também são úteis para a geração de novas hipóteses, baseadas nas
perspectivas dos informantes, para a exploração de variáveis intermediárias que permitam
explicações mais adequadas sobre certas relações encontradas em dados vindos de surveys,
bem como para a validação, a partir da comparação de diferentes perspectivas, de resultados
obtidos por meio de outros métodos. O sucesso desta técnica depende, contudo, da troca de
idéias entre os participantes, quando estes respondem perguntas específicas apresentadas pelo
moderador do grupo e discutem temas em questão.
Assim como em estudos de outras áreas, nas pesquisas relacionadas à saúde, a técnica
de grupo focal pode ser aplicada para diversos fins. Primeiro, ela pode ser utilizada para
coletar dados exploratórios como, por exemplo, para identificar padrões típicos de
comportamento em torno da gravidez. Segundo, a técnica também pode ser usada para
desenvolver uma hipótese, tais como sobre a relação negativa que se verifica entre nível de
escolaridade e de fecundidade. Por fim, a técnica pode ser aliada à realização de surveys para
auxiliar na formulação de uma explicação para os resultados encontrados (BENDER &
EWBANK, 1994).
Usualmente, os grupos focais são compostos de seis a doze pessoas (KNODEL,
ANTHONY & NAPAPORN, 1988). Existem algumas controvérsias em relação ao número
mais adequado de participantes para a realização de um grupo focal. MORGAN (1988), por
exemplo, sugere que o menor número aceitável de participantes para um grupo focal é quatro
pessoas e que o limite máximo de participantes – embora seja menos claro – é de doze
pessoas. ULIN et al. (2002), por outro lado, sugerem que, para a maior parte dos propósitos,
grupos que possuem entre oito e dez pessoas são ideais para a realização de bons estudos.
Grupos formados por seis a dez pessoas são usualmente recomendados (MORGAN, 1988).
Não há uma rigidez em torno da questão de quantas pessoas devem integrar um grupo focal.
Entretanto, o pesquisador deve lembrar que o desenho dos grupos influencia o caráter, a
37
qualidade e a confiabilidade dos resultados obtidos. Um dos pontos que o pesquisador deve
ter em mente, quando está estruturando seu trabalho, é de que grupos menores podem
possibilitar que cada participante contribua de forma mais intensa. Por outro lado, caso alguns
participantes fiquem inibidos durante a conversa, ou sejam extremamente tímidos e
reservados, grupos maiores podem ser mais proveitosos. Apesar das divergências quanto ao
número de integrantes necessários para a realização de um grupo focal, a maior parte dos
autores ressalta que, qualquer que seja o tamanho do grupo, é sempre importante recrutar um
número extra de pessoas para cobrir os possíveis faltantes. Uma boa regra é recrutar 20% a
mais de pessoas do que o que realmente se deseja ter no grupo. A decisão quanto ao número
de participantes depende, contudo, dos objetivos traçados pelo pesquisador em seu projeto de
investigação (MORGAN, 1988; BENDER & EWBANK, 1994; ULIN et al. 2002).
O número de grupos a ser realizado também é um aspecto ligado aos objetivos do
estudo. Um determinante importante para que se estabeleça quantos grupos serão necessários
para satisfazer as metas propostas é o número de diferentes subgrupos sob investigação. Outro
aspecto a ser considerado no momento de propor a quantidade de grupos refere-se aos
recursos, tanto financeiros quanto de tempo, disponíveis para a realização do trabalho. Quanto
mais homogêneo é o perfil da população a ser analisada, menor será o número de grupos
necessários. Entretanto, vale ressaltar que, com apenas um grupo de cada subpopulação, o
pesquisador corre o risco de estar observando apenas a dinâmica daquele único conjunto de
participantes. Em geral, o objetivo é realizar somente o número de grupos necessários para se
obter a resposta para a questão apresentada no estudo (MORGAN, 1988). O critério da
saturação deve ser considerado quando se avalia o número de grupos a serem realizados. De
acordo com esta regra, o pesquisador deve fazer grupos focais com participantes de um
mesmo perfil até que as informações comecem a se repetir e as novidades à respeito do tema
em questão sejam mínimas. Geralmente, as novidades começam a se esgotar no terceiro
grupo. Assim, para este estudo, a realização de dois grupos de cada perfil é o ideal. Este é o
número mínimo indicado pela literatura (MORGAN, 1988; ULIN et al. 2002).
Em relação à seleção dos participantes, BENDER & EWBANK (1994) apontam duas
possibilidades. Os mesmos podem ser selecionados tanto por meio de estratégias aleatórias
como por meio de estratégias de conveniência. Em determinadas ocasiões, uma estratégia
pode ser considerada como ideal em termos de rigor, mas pode ser impraticável na realidade.
38
Em algumas localidades ou para alguns temas, a estratégia de conveniência pode ser a única
forma viável de reunir as pessoas.
Outro aspecto importante que deve ser considerado no momento de recrutar os
participantes diz respeito à esclaridade dos mesmos. Geralmente, colocam-se juntas pessoas
que têm formações homogêneas. Enquanto o critério para agrupar participantes pode variar de
uma pesquisa para outra, é necessário selecionar participantes que tenham algo a dizer uns
para os outros durante a realização de um grupo, e que se sintam confortáveis na presença dos
demais integrantes (KNODEL, ANTHONY & NAPAPORN, 1988; MORGAN, 1988).
Também é importante lançar mão de estratégias que facilitem a expressão de diversos pontos
de vista. Assim, sexo, idade, raça/cor e grau de instrução geralmente se tornam variáveis
centrais na formação dos grupos. Além disso, em muitos casos, a segmentação dos grupos
pode facilitar a análise dos dados, favorecendo a realização de comparações e o contraste da
visão que diferentes subgrupos populacionais possuem acerca de um determinado tema
(ULIN et al., 2002).
Quanto à inclusão, em um mesmo grupo, de participantes que se conhecem, estudiosos
da técnica geralmente enfatizam a importância do anonimato das pessoas. Entretanto, em
muitas circunstâncias, as pessoas convidadas a participarem se sentem mais seguras e
confortáveis se sabem que encontrarão alguém conhecido no grupo. Em muitos casos, nos
grupos onde existem pessoas conhecidas, uns podem instigar os outros a expor suas
percepções. Entretanto, o pesquisador deve ter em mente que, se o tópico discutido é
especialmente sensitivo, os participantes podem não querer compartilhar suas percepções com
pessoas que conhecem. Assim, também esta decisão depende do objetivo do estudo e ela deve
ser explícita, pois pode influenciar a extensão e a profundidade da informação coletada
(BENDER & EWBANK 1994; ULIN, 2002).
Na prática, os grupos focais são conduzidos por um moderador e anotados por um
relator. Ambos têm um papel fundamental no processo como um todo (KNODEL,
ANTHONY & NAPAPORN, 1988). O trabalho inicial do moderador é criar um ambiente
bastante amistoso, que não seja de avaliação e onde os participantes se sintam livres para
expressar suas opiniões sem se preocuparem se as outras pessoas do grupo, ou o próprio
moderador concordam, ou discordam, com suas idéias. Um bom moderador deve encorajar a
interação entre os participantes, deixando-os à vontade e proporcionando momentos para que
todos possam se expressar (MORGAN, 1988). De acordo com MOORE (2004), o moderador
39
possui uma certa flexibilidade para trabalhar as questões que emergem durante a realização do
grupo. Embora seja adequado que tenha um roteiro pré-estabelecido, o moderador deve
respeitar o fluxo natural da discussão, deixando que questões não contempladas no roteiro,
mas relevantes para a discussão, sejam tratadas e discutidas pelos participantes.
Assim como o moderador, o relator também possui um papel fundamental durante a
realização dos grupos focais. Cabe a ele seguir e registrar a discussão cuidadosamente,
anotando frases chaves que colocam algumas falas no contexto. Também cabe ao relator
registrar o pseudônimo ou o número de identificação usado por cada participante durante o
grupo de modo que, posteriormente, o pesquisador possa estabelecer uma relação entre o
perfil e a fala de cada participante. Além disso, cabe ao relator observar e registrar o processo
do grupo em detalhe, enriquecendo a transcrição com mensagens não verbais (ULIN et al.
2002). Os participantes do grupo devem ser informados da presença e dos papéis do
moderador e do relator. É importante ressaltar que, para evitar perdas de informações,
geralmente, os grupos focais são gravados. Isto implica obter a anuência dos participantes
para este procedimento e reforçar a questão da confidencialidade das informações e
identidade dos participantes. Faz parte das exigências do Comitê de Ética em Pesquisa que,
em cada grupo, as pessoas assinem um termo denominado “consentimento informado” (ver
anexos), onde constam algumas informações sobre a pesquisa, a importância da gravação e a
questão da confidencialidade.
Quando realizados de forma adequada, os grupos focais produzem um material
extremamente rico para análise. E, embora a abordagem qualitativa não sirva produzir
informações representativas da população, ela pode possibilitar a exploração de tópicos
poucos compreendidos ou difíceis de serem captados por meio de outra metodologia. No caso
deste estudo, o uso de uma metodologia qualitativa contribui para ampliar o conhecimento
acerca de determinantes fecundidade, pois os resultados revelam aspectos do comportamento
sexual, reprodutivo e de casamento a partir da perspectiva de mulheres de diferentes
subgrupos populacionais que dificilmente seriam captadas de outra forma.
Nesse estudo, a técnica de grupos focais foi escolhida para viabilizar o conhecimento
acerca das normas e valores relacionados a um conjunto de aspectos do comportamento
reprodutivo, quais sejam: a primeira relação sexual, o primeiro casamento e o nascimento do
primeiro filho. Estes eventos são analisados a partir da percepção de grupos de duas coortes
de mulheres de Belo Horizonte, com diferentes características sócio-demográficas.
40
Informações sobre aspectos subjetivos tais como valores e normas são notoriamente difíceis
de serem captadas em surveys padrões. Nesse sentido, o emprego de uma técnica qualitativa
pode ajudar a produzir uma descrição do fenômeno que está sendo investigado, mostrando
como os indivíduos percebem o mundo em que vivem. Além disso, o uso de um enfoque
qualitativo fornece dados bastante detalhados, pois captura a perspectiva do próprio
participante. Assim, o emprego de grupos focais é uma estratégia válida para conhecer as
normas e os valores que permeiam o comportamento sexual, nupcial e reprodutivo de
mulheres de diferentes subgrupos populacionais.
Os próximos itens descrevem como os grupos focais deste estudo aconteceram na
prática. Neles, são apresentados o perfil ideal das participantes, o processo de seleção das
mesmas, o número do grupos realizados e as características das participantes de cada um, o
guia de discussão, a transcrição e análise dos dados e questões relacionadas à ética e validade
do estudo.
3.2.2 Os grupos focais: a prática
Os grupos focais para este estudo fora realizados no município de Belo Horizonte
entre fevereiro de 2003 e maio de 2004. Quarto município brasileiro em população, Belo
Horizonte possui 53% de seu contingente populacional composto por mulheres (1.181.263) e,
entre as capitais da região Sudeste, foi a que apresentou a menor TFT em 2000 – 1,65. A
contribuição da população entre 20 e 29 anos para esta taxa foi cerca de 24%. Também vale
apontar que a população do município de Belo Horizonte representa 13% da população do
Estado e 1% da população do país e faz parte de uma das mais importantes áreas
metropolitanas do país (ATLAS, 2004). Embora a pesquisa SRSR também tenha coletado
dados no município de Recife, os grupos focais ficaram limitados a Belo Horizonte. Essa
decisão fundamentou-se, particularmente, no custo extremamente elevado para o
desenvolvimento da etapa qualitativa em Recife. O item a seguir apresenta uma descrição do
perfil das participantes dos grupos focais.
3.2.2.1 O perfil das participantes
Para participar dos grupos focais, foram selecionadas mulheres entre 20 e 24 anos e
entre 50 e 59 anos, brancas e negras (pretas e pardas) com diferentes níveis de escolaridade.
Diferente da etapa quantitativa, a fase qualitativa do estudo não incluiu as mulheres de 25 a 29
41
anos. Selecionar somente aquelas entre 20 e 24 anos foi uma estratégia adotada para captar as
normas, valores e atitudes relacionadas à idade de primeira relação sexual, primeiro
casamento e nascimento do primeiro filho que permeiam um grupo de mulheres que deixou
recentemente a adolescência. Enquanto as jovens entre 20 e 24 anos acabaram de passar pela
adolescência e ainda estão construindo sua história reprodutiva, as mulheres entre 50 e 59
anos já vivenciaram, muito provavelmente encerraram, esta fase de suas vidas. Além disso,
enquanto as mulheres entre 20 e 24 anos ainda estão experimentando uma fase de
consolidação de valores e definição de projetos de vida, as mulheres entre 50 e 59 anos estão
em uma etapa onde os valores e projetos de vida já estão consolidados e os efeitos dos
caminhos seguidos durante a juventude já se efetivaram. Assim, a opção de trabalhar com
mulheres entre 20 e 24 anos e entre 50 e 59 anos foi feita para viabilizar o conhecimento
acerca das normas e dos valores relacionados ao comportamento sexual, nupcial e reprodutivo
que permeiam a vida de mulheres que estão vivendo momentos bastante distintos do ciclo de
vida.
Em relação ao recorte de raça/cor, optou-se por trabalhar com a divisão de grupos
baseada na auto-classificação. Os grupos foram divididos segundo a classificação “brancas e
negras”. O grupo de negras foi composto por todas aquelas mulheres que se definiram como
pretas ou pardas, dentro de um espectro que variava da cor preta até a morena clara. As razões
para agrupá-las numa única categoria (negra) está no fato de que a maioria dos autores
utilizam este procedimento e na questão de que existe um consenso maior à respeito de quem
é branca sobre de quem é preto ou pardo (para maiores detalhes, vide item “Variáveis
utilizadas”).
A classificação de escolaridade variou de acordo com a coorte de idade. Isto porque,
ao longo das décadas, os anos médios de estudo foram avançando e as mulheres apresentaram
grandes conquistas educacionais. Neste contexto, as coortes mais jovens possuem, em média,
uma maior escolaridade do que as mais velhas. Assim, para fins dos grupos focais, as
categorias de escolaridade ficaram assim especificadas:
1) Coorte de 20 a 24 anos:
Baixa escolaridade - ensino fundamental incompleto ou completo.
Alta escolaridade – superior incompleto ou mais.
2) Coorte de 50 a 59 anos:
Baixa escolaridade - ensino fundamental incompleto ou completo.
42
Alta escolaridade – ensino médio completo ou mais.
Os recortes por idade, escolaridade e cor resultaram em oito grupos com
características distintas. A teoria a respeito de grupos focais postula que o ideal é que os
grupos seja realizados até que o tema em questão atinja um ponto de saturação. Entretanto, em
função das limitações financeiras, nesse estudo ficou estabelecido que dezesseis (16) grupos
seriam suficientes para atender aos objetivos da pesquisa. Ou seja, o estudo foi desenhado
para que fossem realizados, pelo menos, dois grupos por subgrupo populacional incluído no
estudo, estratégia que atende a regra colocada pela literatura. O item a seguir relata como
aconteceu o processo de seleção das participantes.
3.2.2.2 O processo de seleção das participantes
A seleção dos participantes dos grupos focais ocorreu de diversas formas. Em muitas
ocasiões, o recrutamento foi feito pela própria autora. Em outras, alunas dos cursos de
mestrado e doutorado em Demografia e Sociologia se ofereceram como voluntárias para
auxiliar a recrutar participantes. Além disso, pessoas fora da academia também ajudaram na
seleção de participantes, indicando e/ou contatando mulheres que se encaixavam no perfil
desejado. Em geral, os contatos eram feitos pessoalmente e, em algumas situações, através de
telefone. As redes de contatos foram extremamente úteis para o andamento dessa fase do
trabalho.
Para encontrar mulheres com as características desejadas, diversos locais de Belo
Horizonte foram percorridos. As mulheres mais jovens e com escolaridade mais elevada
foram selecionadas em universidades privadas e também na UFMG. Já as com menor
escolaridade foram selecionadas a partir de contatos com líderes comunitários e com diretores
de escolas públicas. As escolas públicas procuradas foram aquelas que possuíam o programa
educacional Ensino de Jovens e Adultos (EJA). Este programa é destinado a atender pessoas
que reiniciam seus estudos, mas estão fora da idade escolar tradicional. As mulheres entre 50
e 59 anos foram selecionadas em associações comunitárias, academias de ginástica,
instituições públicas (tais como o Hospital Universitário da UFMG), Igrejas, etc.
Um dos maiores obstáculos durante o processo de recrutamento das participantes
aconteceu no momento de selecionar mulheres brancas e negras, entre 50 e 59 anos, com
ensino fundamental incompleto ou completo. Embora, em muitas ocasiões, as mulheres
convidadas confirmassem sua participação nos grupos, os mesmos não aconteciam devido ao
43
número muito baixo de pessoas que compareciam. Cinco grupos marcados para mulheres
negras de baixa escolaridade e quatro para brancas, também de baixa escolaridade, da coorte
mais velha, não puderam ser realizados por esta razão. Em função desta situação, foi realizado
somente um grupo para cada um destes perfis. É importante ressaltar que as redes de contatos
foram extremamente importantes para recrutar participantes. Alunas e servidoras da UFMG
foram fundamentais para formação dos grupos ao indicarem possíveis participantes.
Um protocolo de contato foi elaborado para recrutar as mulheres com o perfil
desejado. No primeiro momento, a participante em potencial deveria ser informada sobre os
objetivos do estudo e indagada se possuía interesse em participar de um dos grupos. Ela era,
também, informada de que precisava ser residente no município de Belo Horizonte. Caso
demonstrasse interesse, era questionada sobre sua idade, sua escolaridade e sobre como se
classificava em termos de raça/cor. A auto-classificação da raça/cor e a informação sobre a
escolaridade serviam como base para incluir a mulher em um determinado grupo. Para
assegurar a presença das mulheres que aceitavam participar do encontro, contatos posteriores
eram estabelecidos para relembrar a data, horário e local do encontro e reforçar a importância
da presença de cada pessoa para a realização do grupo e sucesso do estudo.
3.2.2.3 O número de grupos realizados e as características das participantes
No total, foram agendados 33 grupos, dos quais somente 17 foram, de fato, realizados.
Destes, 11 foram com mulheres entre 20 e 24 anos e 6 com mulheres entre 50 e 59 anos. Dos
33 grupos agendados, 15 foram descartados porque não apresentaram, no mínimo, seis
participantes e 1 não aconteceu por falha na comunicação entre a moderadora e a recrutadora
do grupo. Para garantir a qualidade na coleta dos dados, era agendado somente um grupo para
cada dia. A única exceção aconteceu no dia 14 de julho de 2003, quando dois grupos foram
marcados para o mesmo dia. Apesar disso, a qualidade do trabalho não ficou comprometida
porque houve um espaço de tempo suficientemente grande para que as anotações do primeiro
grupo fossem feitas e verificadas e para que a moderadora pudesse relaxar antes de conduzir o
segundo grupo.
No total, 109 mulheres participaram dos grupos. Destas, 71 tinham entre 20 e 24 anos
e 38 entre 50 e 59 anos. Em relação à composição por raça/cor, das mulheres entre 20 e 24
anos, 35 participaram dos grupos de brancas e 36 dos de negras. Das mulheres entre 50 a 59
anos, 20 participaram dos grupos de brancas e 18 dos de negras. Quanto à escolaridade, das
44
jovens brancas, 23 eram de alta escolaridade e 12 de baixa. Entre as negras, 18 eram de baixa
e 18 de alta escolaridade. Entre as mais velhas, das brancas, 7 tinham menor escolaridade e 13
eram de alta escolaridade. Entre as negras, 6 eram de baixa escolaridade e 12 de alta
escolaridade. A TAB. 3, a seguir, permite a visualização da caracterização das participantes
dos grupos focias.
Tabela 3 – Características sociodemográficas das participantes dos grupos focais,
segundo coorte de idade e raça/cor
Branca Negra Branca Negra
Alta escolaridade
23 18 13 12
Baixa escolaridade
12 18 7 6
Total
35 36 20 18
Solteira
25 24 4 6
Casada/unida
10 12 10 8
Separada/divorciada
0023
Viúva
0041
Total
35 36 20 18
Sem filhos
28 30 4 6
Com filhos
7 6 16 12
Total
35 36 20 18
Fonte: Elaboração própria.
20 a 24 anos 50 a 59 anos
A lista dos grupos realizados, incluindo a coorte de idade, as características das
participantes em termos de raça/cor e escolaridade, o número de presentes, a data e o local
onde aconteceram estão na TAB. 4 a seguir. Os grupos realizados como pré-teste estão
assinalados com asteriscos. Estes grupos foram importantes para a elaboração da versão final
do roteiro de discussão, pois serviram para que diversos pontos do mesmo fossem verificados,
tais como número, ordenamento e fraseamento de questões. Cabe ressaltar que, estes grupos
não foram excluídos porque foram extremamente ricos e as modificações feitas no roteiro, a
partir deles, foram insignificantes.
45
Tabela 4 - Informações gerais sobre os grupos focais
1* 20 a 24 Negra Baixa 6 27/02/03 Cedeplar/Centro
2* 20 a 24 Negra Baixa 6 18/03/03 Cedeplar/Centro
3 50 a 59 Negra Baixa 6 03/04/03 Cedeplar/Centro
4 20 a 24 Negra Alta 6 10/04/03 Cedeplar/Centro
5 20 a 24 Branca Alta 6 02/07/03 Cedeplar/Centro
6 20 a 24 Negra Alta 6 03/07/03 Cedeplar/Centro
7 50 a 59 Branca Baixa 7 07/07/03 Marajó/Oeste
8 20 a 24 Negra Baixa 6 08/07/03 Venda Nova/Norte
9 20 a 24 Negra Alta 8 14/07/03 Fafich/Pampulha
10 20 a 24 Branca Alta 9 14/07/03 Cedeplar/Centro
11 50 a 59 Branca Alta 7 15/07/03 Cedeplar/Pampulha
12 50 a 59 Branca Alta 6 18/07/03 Jaraguá/Pampulha
13 20 a 24 Branca Alta 6 21/07/03 Fafich/Pampulha
14 50 a 59 Negra Alta 6 16/04/04 Cedeplar/Centro
15 20 a 24 Branca Baixa 6 20/04/04 Cachoeirinha/Centro
16 20 a 24 Branca Baixa 6 03/05/04 Sta.Terezinha/Noroeste
17 50 a 59 Negra Alta 6 04/05/04 Cedeplar/Centro
Fonte: Elaboração própria.
Número de
participantes
Data Local/RegiãoIdade Raça/cor EscolaridadeGrupo
O número de grupos realizados para cada perfil é apresentado de forma sintética na
TAB. 5 a seguir.
Tabela 5 - Número de grupos focais realizados para cada perfil
Branca Negra Total
Baixa escolaridade
235
Alta escolaridade
336
Total
5611
Branca Negra Total
Baixa escolaridade
112
Alta escolaridade
224
Total
336
Fonte: Elaboração própria.
Coorte de 50 a 59 anos
Coorte de 20 a 24 anos
Para ampliar a qualidade da análise, junto com o consentimento informado, foram
entregues fichas individuais de caracterização, onde as participantes informavam sua idade,
escolaridade, religião, estado civil, número de filhos e sua raça/cor. Estas informações
viabilizaram que a interpretação das falas e a descrição dos grupos fossem feitas dentro de um
46
contexto de diferenças e similaridades. Estes documentos de caracterização eram bastante
simples e curtos. As participantes eram capazes de preenchê-los em poucos minutos. Aquelas
que tinham dificuldades para preencher as informações recebiam ajuda da moderadora ou da
relatora.
A moderação dos encontros foi feita pela própria autora, a qual contou com a
colaboração de alunas do curso de Mestrado e Doutorado em Demografia para a anotar,
observar e registrar os encontros. Vale ressaltar que, embora não possuísse nenhum
treinamento específico para desempenhar o papel de moderadora, a autora decidiu que, ao
invés de contratar um moderador profissional, conduziria os próprios grupos. Uma das
maiores razões para esta decisão está no argumento encontrado de KNODEL &
PRAMURALTANA (1987), os quais enfatizaram que é mais fácil aprender a conduzir um
grupo focal do que fazer com que um moderador profissional saiba, detalhadamente, o que
você realmente deseja captar em seu estudo. Embora a literatura aponte para a importância da
presença de uma relatora durante a realização dos grupos, isto nem sempre foi possível no
caso deste estudo. Os recursos financeiros bastante limitados impediram a contratação de uma
pessoa para desempenhar este papel. Para superar este problema, ao finalizar cada encontro, a
moderadora fazia anotações gerais a respeito do grupo e, quando necessário, descrevia com
mais detalhes alguma situação especial que havia marcado a reunião. Para garantir a
qualidade dos trabalhos, a moderadora sempre chegava trinta minutos antes do horário
marcado para o início do grupo para organizar o local do encontro, rever o roteiro e preparar o
lanche a ser servido para as participantes.
Todos os grupos realizados foram gravados com a anuência das participantes.
Posteriormente, as fitas foram entregues a um profissional habilitado para serem transcritas.
Esta etapa do trabalho foi financiada com recursos próprios e com um auxílio financeiro
fornecido pelo Cedeplar.
3.2.2.4 O guia de discussão, a transcrição e a análise dos grupos
O roteiro utilizado nos encontros (ver anexos) foi desenvolvido em função dos
objetivos do estudo, considerando a revisão de literatura na área da saúde e comportamento
reprodutivo, diálogos informais com adolescentes e jovens e a participação, como
observadora, em três grupos focais conduzidos em Recife com mulheres acima de 18 anos em
47
um estudo sobre o grau de controle feminino sobre a primeira relação sexual (MOORE,
2004).
As questões elaboradas para atingir os objetivos propostos incluíam aspectos
relacionados à namoro, virgindade, iniciação sexual, contracepção, casamento, gravidez,
relações familiares, escolaridade e trabalho. É importante esclarecer que, para este estudo nem
todas as questões exploradas nos grupos foram utilizadas. Assim como em qualquer outro tipo
de pesquisa, o material coletado geralmente não é utilizado na integra em um único estudo. O
material coletado foi transcrito por um profissional especializado e entregue em disquetes
para a pesquisadora.
A análise do material qualitativo baseia-se na proposta de ATTRIDE-STIRLING
(2001), denominada redes de temas. Esta proposta analítica é uma forma de organizar a
análise temática dos dados qualitativos categorizando os temas que surgem nos textos em
diferentes níveis e incluiu seis passos básicos: 1) a codificação do material. Este é o primeiro
passo para reduzir o material e encontrar os segmentos de textos que possuem significado
relevante para a análise; 2) identificação dos temas. Uma vez que o texto foi codificado, os
temas são extraídos dos segmentos codificados; 3) construção de redes temáticas, ou seja, os
temas semelhantes são colocados num mesmo grupo e os grandes grupos são identificados e
nomeados; 4) descrição e exploração das redes temáticas. Esta é a primeira arte da análise,
pois, quando as redes são construídas, várias leituras devem ser feitas para melhorar a
compreensão e significado dos temas; 5) sumário dos temas. Depois que a rede de temas foi
descrita e explorada, é feito um sumário dos temas principais e padrões que a caracterizam e;
6) interpretação dos padrões encontrados.
3.2.2.5 Questões éticas e validade do estudo
Nos grupos focais, as falas das participantes são o material utilizado para conhecer os
sentimentos, pensamentos, ou opiniões a respeito do tema investigado. Por essa razão,
análises dessa natureza estão sujeitas a alguns problemas que podem afetar a validade do
estudo. Dentre esses problemas está a possibilidade de encontrar resultados falsos ou
enganosos, ou, ainda, resultados que revelem somente parte do que as participantes pensam
ou sentem sobre o assunto.
Para assegurar a qualidade das informações apresentadas nesse estudo e para garantir
que os resultados reflitam de forma fidedigna as falas, os sentimentos e os pensamentos das
48
participantes, alguns cuidados fundamentais foram tomados antes e durante a realização dos
grupos. Primeiro, considerando que problemas com a validade poderiam vir de como as
participantes entenderiam as questões, as mesmas foram pré-testadas em diferentes ocasiões e
com mulheres de diferentes perfis de idade, escolaridade e raça/cor.
Segundo, outra fonte de problemas para a validade do estudo poderiam advir de como
a moderadora entenderia as respostas dadas pelas participantes a algumas questões. Para
eliminar problemas dessa natureza, em casos de dúvidas em relação ao significado da
resposta, esclarecimentos eram solicitados até que as dúvidas fossem eliminadas. Nessas
situações, indagações como “Você poderia falar mais um pouco sobre isso?”, “Como assim?
Você poderia explicar um pouco melhor?”, e assim por diante, eram feitas. Quando as dúvidas
ainda permaneciam, cabia à moderadora fazer um sumário da fala, questionando se o
entendimento havia sido correto. Além disso, em todos os grupos, as falas de todas as
participantes foram cuidadosamente escutadas.
Um terceiro aspecto que poderia afetar a validade do estudo poderia ter a origem no
quão confortável cada participante se sentia para expressar suas idéias e opiniões diante do
restante do grupo. Para evitar que esse tipo de problema afetasse a validade da pesquisa, no
início de todos os grupos, era realizada uma técnica de descontração e interação, onde as
pessoas se apresentavam, diziam o que mais gostavam de fazer, onde e com quem viviam.
Além disso, no início dos trabalhos, era enfatizada a questão de que não existiam respostas
certas ou erradas, o que realmente interessava era a opinião, a fala de cada participante.
Finalmente, o fato de que todas as informações eram confidenciais e que jamais a fala seria
associada com a identidade das participantes era ressaltado para as integrantes de cada grupo
focal.
3.2.2.6 Forma de apresentação dos resultados
É importante esclarecer que, nos resultados qualitativos, as falas das participantes são
apresentadas sem correções de erros de concordância, isto para permitir que as falas reflitam
de forma mais fidedigna possível o que foi realmente dito pelas participantes. Este
procedimento foi possível porque todas as transcrições foram feitas pelo mesmo profissional.
As participantes foram numeradas de forma que o leitor tenha certeza de que as falas
apresentadas refletem opiniões que vêm de diferentes pessoas e não de uma mesma.
49
Durante a apresentação das falas, dois símbolos são utilizados. Ao início da frase, as
reticências significam que a frase é uma continuação da fala da participante anterior. Entre
palavras, elas indicam uma pausa ou um prolongamento da última palavra ou da última sílaba.
No final, as reticências significam uma frase inacabada, ou o corte da fala da participante,
feito por outra participante. Palavras entre parênteses expressam os vários tipos de
manifestações durante as falas, como risos, tosses, pigarros, ruídos, etc. As palavras entre
colchetes são aquelas adicionadas pela moderadora, após a transcrição, para ampliar o
entendimento da frase.
Nos capítulos qualitativos, as falas são organizadas por temas. Para cada tema, as falas
são apresentadas segundo a raça/cor, coorte de idade e escolaridade das participantes. Em
seguida, é feita uma síntese do tema que foi apresentado. No final de cada capítulo são
apresentadas algumas considerações gerais e, por fim, um quadro resumo contendo os
principais achados de cada tema. O objetivo central deste quadro é sintetizar os achados e
mostrar semelhanças e diferenças segundo raça/cor, coorte de idade e escolaridade.
É importante salientar que este estudo não apresenta todos os resultados obtidos por
meio dos grupos focais, os quais, como em toda pesquisa, coleta muito mais informação do
que utiliza em uma única análise.
No capítulo que segue, são apresentados os resultados obtidos por meio da análise
quantitativa dos dados. Os resultados apresentam as curvas de sobrevivência de cada evento,
obtidas a partir do estimador de Kaplan-Meier. Para verificar se as diferenças entre estas
curvas são significativas, os resultados dos testes de log-rank são apresentados.
50
4 RESULTADOS QUANTITATIVOS
O objetivo deste capítulo é analisar aspectos do comportamento sexual, nupcial e
reprodutivo de mulheres brancas e negras de duas coortes de gerações distintas. Os aspectos
enfatizados são a idade da mulher à primeira relação sexual, ao primeiro casamento e ao
nascimento do primeiro filho.
A análise apresentada é desenvolvida com base nos dados da pesquisa “Saúde
Reprodutiva, Sexualidade e Raça/Cor” (SRSR), realizada no município de Belo Horizonte em
2002, e está assim dividida: em primeiro lugar, é apresentada uma análise descritiva da
amostra, segundo coortes, estratificadas por raça/cor, escolaridade e situação conjugal. As
parturições que as mulheres das coortes 1 e 2 apresentaram até os 19 anos e até os 24 anos
também são apresentadas nesta etapa do estudo. Em seguida, são apresentadas as estimativas
das curvas de sobrevivência, obtidas por meio do estimador de Kaplan-Meier. Para comparar
estas curvas, são apresentados os resultados dos testes de log-rank. Junto com os resultados
das curvas, são apresentadas as idades medianas de ocorrência dos eventos. Por fim, as taxas
de progressão de parturição (PPR) até os 19 anos e até os 24 anos das mulheres da coorte 1 e
2, são analisadas.
4.1 Descrição da sub-amostra
A análise desenvolvida nesta etapa do estudo se concentra no comportamento sexual e
reprodutivo e de casamento de mulheres brancas e negras, entre 20 e 29 anos (Coorte 1) e
entre 50 e 59 anos (Coorte 2), residentes em Belo Horizonte em 2002. Como mencionado no
capítulo metodológico, as mulheres que se auto-classificaram como pretas e pardas
configuram, conjuntamente, a categoria negra, enquanto as que se auto-classificaram como
amarelas e como indígenas foram excluídas da investigação. Vale lembrar que estas mulheres
foram excluídas da análise porque representam um pequeno percentual da amostra (menos de
5%) e porque o interesse central deste estudo está na diferença entre brancas e negras. Em
função deste procedimento e da seleção dos grupos etários de interesse, a análise é feita a
partir dos resultados obtidos para 521 mulheres (40% do total da amostra). Destas, 355 (68%)
têm entre 20 e 29 anos e 166 (32%) têm entre 50 e 59 anos.
Na Coorte 1, 158 mulheres (45%) se auto-declararam branca e 197 (55%) negras. Na
Coorte 2, por outro lado, 86 (52%) se declararam brancas e 80 (48%) se declararam negras. É
51
importante esclarecer que, para este estudo, é considerada a declaração sobre raça/cor, dada
pela entrevistada, à pergunta que apresenta como possibilidades de resposta as cinco
categorias utilizadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ou seja,
branca, preta, parda, amarela/oriental e indígena. Como mostram os resultados, entre as
mulheres mais jovens, mais de 50% se autoclassificou como negra. Isto não deve causar
surpresa pois, no Brasil, existe uma certa mobilidade na classificação de raça/cor a qual pode
ser afetada por diversos fatores, sendo um deles a idade (CARVALHO, WOOD &
ANDRADE, 2003).
Em relação à escolaridade, os dados revelam as diferenças segundo raça/cor e também
segundo coorte de idade no município de Belo Horizonte. A TAB. 6 mostra a distribuição
percentual das mulheres, de 20 a 29 anos (coorte 1) e de 50 a 59 anos (coorte 2), segundo
raça/cor, por anos de estudo. Nota-se que, no município, na Coorte 1, 11,7% das mulheres
negras têm até 4 anos de estudo, ao passo que, entre as brancas, este percentual é de 3,8%. A
diferença se inverte para aquelas cm 12 anos e mais de estudo, com 27,8% das brancas
presentes na categoria, contra 14,7% das negras. Estes diferenciais também são observados na
Coorte 2, indicando que, em ambas as coortes, as mulheres brancas apresentam maior
escolaridade do que as negras.
Tabela 6 - Distribuição percentual de mulheres entre 20 e 29 anos (coorte 1) e entre 50 e
59 anos (coorte2), segundo raça/cor, por anos de estudo, Belo Horizonte, 2002
Branca Negra Branca Negra
0
0,6 1,0 7,0 8,8
1 a 4 anos
3,8 11,7 22,1 48,8
5 a 8 anos
25,9 28,9 16,3 13,8
9 a 11 anos
41,8 43,7 26,7 21,3
12 e mais
27,8 14,7 27,9 7,5
Total
100,0 100,0 100,0 100,0
N
158 197 86 80
Fonte: Pesquisa SRSR, Cedeplar, Belo Horizonte, 2002.
Anos de estudo
Coorte 1 Coorte 2
Com relação à nupcialidade, a TAB. 7 traz as distribuições percentuais das mulheres
segundo coorte de idade e raça/cor, por situação conjugal. Comparando-se as brancas e as
negras, em cada coorte de idade, observa-se que, a proporção de mulheres casadas ou unidas,
na coorte mais jovem (Coorte 1) é superior entre as negras. Esta situação se inverte na Coorte
52
2, indicando que a proporção de mulheres brancas casadas ou unidas é mais elevada do que a
de negras. Na Coorte 1, a proporção de nunca unidas brancas e negras é próxima, com uma
pequena superioridade para as negras. Isto indica que a dificuldade que a mulher negra da
geração passada parecia apresentar no mercado de casamento, em relação à mulher branca,
pode ter diminuído entre as mais jovens.
Tabela 7 – Distribuição percentual de mulheres entre 20 e 29 anos (coorte 1) e entre 50 e
59 anos (coorte 2), segundo raça/cor, por situação conjugal, Belo Horizonte, 2002
Branca Negra Branca Negra
Nunca unida
53,2 57,4 7,0 44,4
Casada/unida
33,5 37,0 69,8 43,7
Separada/divorcia
d
13,3 5,1 13,9 7,6
Viúva
0,0 0,5 9,3 4,3
Total
100,0 100,0 100,0 100,0
N
158 197 86 80
Fonte: Pesquisa SRSR, Cedeplar, Belo Horizonte, 2002.
Situação conjugal
Coorte 1 Coorte 2
Os dados apresentados na TAB. 8 permitem observar que, na Coorte 1 há um
percentual mais elevado de negras, do que de brancas, que já atingiu a parturição de ordem 1.
Enquanto 18% das brancas chegaram a parturição de ordem 1 até os 19 anos, entre as negras
este percentual é 21%. O percentual mais elevado de mulheres que permaneceram na
parturição de ordem zero, até esta idade, é verificado entre as mulheres brancas. Na Coorte 2 é
possível observar que, embora um percentual maior de negras, do que de brancas, apresente
parturição de ordem zero, também é entre elas que se verifica o percentual mais elevado de
mulheres com parturição de ordem 1.
A comparação intercoorte, de mulheres de mesmo grupo de raça/cor, permite verificar
que, até os 19 anos, o percentual de mulheres brancas da Coorte 1 que atingiu a parturição de
ordem 1 é bem superior ao da Coorte 2. Entre as brancas mais jovens, 18% chegou a
parturição de ordem 1 até os 19 anos. Já entre as mais velhas, somente 9% o fez até esta
idade. Esta situação também se repete para as negras, onde chama a atenção o fato de que a
parturição de ordem um é duas vezes maior para as mais jovens, em relação às mais velhas,
21% e 10%, respectivamente. Aqui vale ressaltar que os resultados apontam para o fato de
que as mais jovens estão tendo filho mais cedo – cerca de ¼ delas já havia tido pelo menos
um filho até os 19 anos, contra cerca de menos de 15% na coorte mais velha.
53
Tabela 8 - Distribuição percentual de mulheres entre 20 e 29 anos (coorte 1) e entre 50 e
59 anos (coorte 2), por raça/cor, segundo suas parturições até os 19 anos, Belo
Horizonte, 2002
Parturição Branca Negra Branca Negra
0
76,6 74,5 83,9 85,0
1
17,7 20,9 9,2 10,0
2
5,1 4,1 6,9 5,0
3
0,6 0,5 0,0 0,0
4
0,0 0,0 0,0 0,0
Total
100,0 100,0 100,0 100,0
N
158 196 87 80
Fonte: Pesquisa SRSR, Cedeplar, Belo Horizonte, 2002.
Coorte 1 Coorte 2
Os resultados apresentados na TAB. 9, a seguir, permitem a análise da parturição que
as mulheres de Belo Horizonte, incluídas neste estudo, atingiram até os 24 anos. Segundo
mostram os resultados, na Coorte 1, o maior percentual de mulheres com parturição de ordem
zero até os 24 anos é verificado para as brancas (56,6%). Já o percentual de negras da Coorte
1 que chegaram até os 24 anos com parturição de ordem 1 é mais elevado do que o de
brancas, 28,6% e 26,3%, respectivamente. Também vale ressaltar a diferença entre brancas e
negras na Coorte 1. Enquanto 9% das negras atingiram a parturição de ordem três até os 24
anos, entre as brancas este percentual foi de 2,6%.
Na Coorte 2, mais brancas do que negras chegam aos 24 anos com parturição de
ordem um. Por outro lado nas parturições de ordem três ou maiores, o percentual de negras é
sempre maior do que o de brancas. Um aspecto interessante revelado pelos resultados
apresentados na TAB. 9 refere-se ao fato de que, na Coorte 2, é possível encontrar mais do
que o dobro de mulheres brancas do que de negras com parturição de ordem um. Quando a
comparação leva em conta as brancas da Coorte 1 e da Coorte 2, observa-se que o percentual
de jovens, ou seja, de mulheres da Coorte 1, chegou a parturição de ordem um até os 24 anos
é muito similar ao da Coorte 2. Para as negras, observa-se percentuais mais elevados de
jovens chegando a parturição de ordem um até os 24 anos. O percentual de negras mais jovens
que chega até a parturição de ordem um, até os 24 anos, é quase três vezes maior do que o das
mais velhas. Dado que a variável parturição se refere a filhos nascidos vivos, uma das
possíveis explicações para este resultado pode estar na melhora das condições de saúde das
mulheres negras mais jovens, em relação as mais velhas, em particular da saúde reprodutiva
54
(OLIVEIRA, 1999). Adicionalmente, vale ressaltar que na Coorte 2, a parturição de ordem
zero é mais alta entre as negras. Este resultado pode estar associado com à proporção de
negras que nunca se casou, como mostrado anteriormente, ou com as maiores dificuldades no
mercado de casamento enfrentadas pelas negras da coorte mais velha.
Tabela 9 - Distribuição percentual de mulheres entre 20 e 29 anos (coorte 1) e entre 50 e
59 anos (coorte 2), por raça/cor, segundo suas parturições até os 24 anos, Belo
Horizonte, 2002
Parturição Branca Negra Branca Negra
0
56,6 49,4 41,0 57,0
1
26,3 28,6 26,0 10,1
2
14,5 11,7 21,0 20,3
3
2,6 9,1 7,0 8,9
4
0,0 1,2 5,0 3,7
Total
100,0 100,0 100,0 100,0
N
76 77 86 80
Fonte: Pesquisa SRSR, Cedeplar, Belo Horizonte, 2002.
Coorte 1 Coorte 2
Outro aspecto interessante para a análise refere-se a distribuição percentual de
mulheres que informaram ter tido o nascimento do primeiro filho antes ou depois da primeira
união.
2
Em Belo Horizonte, segundo mostram os dados, o nascimento do primeiro filho
geralmente acontece dentro de uma união, o que indica que, apesar da maior aceitação de
nascimentos fora do casamento, ainda existe uma grande vinculação entre casamento/união e
maternidade. Ou seja, ter filhos dentro de uma união estável ainda é uma norma observada na
sociedade. Entretanto, a maior proporção de mulheres com nascimentos pré-união na coorte
mais jovem revela que houve uma alteração na forma de entrada na maternidade. Os dados da
TAB.10 a seguir mostram estes resultados.
2
É importante esclarecer que as informações referentes à época em que o primeiro filho nasceu foram das pelas
entrevistadas e não levam em conta o tempo da concepção, somente do nascimento.
55
Tabela 10 - Distribuição percentual de mulheres entre 20 e 29 anos (coorte 1) e entre 50
e 59 anos (coorte 2), segundo a época do nascimento do primeiro filho, Belo Horizonte,
2002
Branca Negra Branca Negra
Antes da primeira união
6,3 6,6 3,5 3,8
Depois da primeira união
32,3 28,9 86,0 76,3
Nunca teve filho
61,4 62,9 10,5 18,8
e solteira
0,0 1,5 0,0 0,0
Não informou
0,0 0,0 0,0 1,3
Total
100,0 100,0 100,0 100,0
N
158 197 86 80
Fonte: Pesquisa SRSR, Cedeplar, Belo Horizonte, 2002.
Coorte 1 Coorte 2
Nascimento do primeiro filho
O item a seguir é dedicado à análise dos resultados relativos à idade de início da vida
sexual. Em primeiro lugar, são apresentadas as informações acerca das idades medianas de
primeira relação e, em seguida são mostradas as curvas de sobrevivência obtidas para estes
eventos com seus respectivos testes de significância (log-rank). É importante destacar que o
ponto de início para a primeira relação sexual é 9 anos de idade, para o primeiro casamento é
11 anos e para o nascimento de primeiro filho, 13 anos. A justificativa para utilização destas
idades é que, na pesquisa SRSR, estas foram as menores idades registradas para cada evento.
4.2 Idade à primeira relação sexual
Em relação à idade de início da vida sexual, os dados da pesquisa SRSR mostram que
as mulheres da Coorte 1, ou seja, aquelas entre 20 e 29 anos, apresentam uma idade mediana
de primeira relação de 18 anos. Já entre as mulheres entre 50 e 59 anos, que formam a Coorte
2, esta idade foi de 21 anos.
As curvas apresentadas no GRAF. 2 permitem que se faça uma comparação entre o
comportamento da idade de início da vida sexual das mulheres da Coorte 1 com os da Coorte
2 em termos de idade de primeira relação sexual. O que se constata, a partir das curvas de
sobrevivência, é que as mulheres mais jovens, ou seja, as que pertencem à Coorte 1, iniciam
sua vida sexual mais cedo do que iniciavam as mulheres da Coorte 2. A diferença neste
comportamento, de acordo com o resultado do teste de log-rank, é estatisticamente
significante (valor-p=0,000). Esta diferença que se verifica na idade de início da vida sexual
entre as duas coortes de idade, que de acordo com comparação das idades medianas, é de
56
cerca de 3 anos, pode ser um indicador de que, ao longo do tempo, houve mudanças nas
normas e nos valores que guiam o comportamento sexual.
Gráfico 2 - Curvas de sobrevivência da idade à primeira relação sexual, segundo coortes
de idade, Belo Horizonte, 2002
Idade (anos)
34292419149
S(t)
1,2
1,0
,8
,6
,4
,2
0,0
COORTE
Coorte 2
Coorte 2-censurado
Coorte 1
Coorte 1-censurado
Fonte: Pesquisa SRSR, Cedeplar, Belo Horizonte, 2002.
O fato dos resultados anteriores mostrarem que as Coortes 1 e 2 se comportam de
maneira distinta em relação à idade de início da atividade sexual aponta para a necessidade de
analisar a possibilidade de desigualdades também no comportamento de mulheres brancas e
negras, de uma mesma coorte, no que se refere à idade de início da vida sexual. Assim, o
próximo passo é verificar se, ao observar as mulheres brancas e negras da mesma coorte de
idade, a diferença neste comportamento permanece.
As curvas que permitem a comparação da idade de início da vida sexual das mulheres
brancas e negras, da coorte mais jovem, são apresentadas a seguir. Como é possível verificar
no GRAF. 3, ao longo das idades estas mulheres se comportam da mesma maneira em relação
à idade de início da vida sexual. Este comportamento muda somente no final da curva,
indicando que, em torno dos 24 anos, a probabilidade de jovens negras terem tido sua
primeira relação sexual é mais elevada do que a de jovens brancas. Quanto à idade mediana
57
de primeira relação, os dados mostram que, tanto para brancas, quanto para as negras da
coorte mais jovem, ela é de 18 anos. Este resultado, aliado ao resultado anterior, sugere que a
diferença na idade de início da atividade sexual varia em função da coorte de nascimento e
não da raça/cor da mulher, para esta coorte. De acordo com o teste de log-rank, esta diferença
não é estatisticamente significante (p=0,2127).
Gráfico 3 - Curvas de sobrevivência da idade à primeira relação sexual, segundo
raça/cor, coorte 1 (20 a 29 anos), Belo Horizonte, 2002
Idade (anos)
34292419149
S(t)
1,2
1,0
,8
,6
,4
,2
0,0
Raça/cor - Coorte 1
negra
negra-censurado
branca
branca-censurado
Fonte: Pesquisa SRSR, Cedeplar, Belo Horizonte, 2002.
Quando a mesma comparação é feita para as mulheres mais velhas, ou seja, para
aquelas da Coorte 2, os resultados mostram que é possível observar uma diferença no
comportamento de brancas e negras. As curvas indicam que as mulheres brancas iniciavam a
vida sexual mais rapidamente do que as negras. As idades medianas de início da vida sexual
para as brancas era de 19 anos e, para as negras, de 22 anos. Assim, além da velocidade de
início da vida sexual ter sido mais rápida para as brancas, a maior parte das primeiras relações
também se concentrou nas idades mais jovens. Apesar disto, o resultado do teste de log-rank
indica que esta diferença não é significativa (valor-p = 0,1944). O GRAF. 4 permite a
visualização deste cenário.
58
Gráfico 4 - Curvas de sobrevivência da idade à primeira relação sexual, segundo
raça/cor, coorte 2 (50 a 59 anos), Belo Horizonte, 2002
Idade (anos)
34292419149
S(t)
1,2
1,0
,8
,6
,4
,2
0,0
Raça/cor - Coorte 2
negra
negra-censurado
branca
branca-censurado
Fonte: Pesquisa SRSR, Cedeplar, Belo Horizonte, 2002.
Os resultados até aqui apresentados sugerem que a idade de início da atividade sexual
não tem diferenças segundo raça/cor, mas sim segundo coorte de idade. Assim, é importante
verificar como as curvas para as mulheres da mesma raça/cor, porém de diferentes coortes se
configuram.
O GRAF. 5, a seguir, mostra as curvas de idade de primeira relação sexual para as
mulheres brancas da Coorte 1 e da Coorte 2. Como pode ser verificado, as mulheres brancas
mais jovens têm a primeira relação sexual mais cedo do que tinham as mulheres brancas mais
velhas. Vale lembrar que a idade mediana de primeira relação sexual para as brancas da
Coorte 1 é de 18 anos e, para as da Coorte 2 é de 19 anos. O teste de comparação apresentou
um valor-p de 0,0340.
59
Gráfico 5 - Curvas de sobrevivência da idade à primeira relação sexual, segundo coorte
de idade, mulheres brancas, Belo Horizonte, 2002
Idade (anos)
34292419149
S(t)
1,2
1,0
,8
,6
,4
,2
0,0
Coorte Branca
Coorte 2
Coorte 2-censurado
Coorte 1
Coorte 1-censurado
Fonte: Pesquisa SRSR, Cedeplar, Belo Horizonte, 2002.
Entre as negras, as mais jovens, ou seja, aquelas que pertencem à Coorte 1, iniciam a
vida sexual mais cedo do que as negras da Coorte 2 iniciavam. Esta informação pode ser
visualizadas no GRAF. 6, apresentado em seguida. É importante salientar que o resultado do
teste de log-rank indica que as diferenças na curva de idade de primeira relação sexual de
mulheres negras de diferentes coortes é significante (valor-p=0,0000). Quanto à idade
mediana de primeira relação, para as negras da Coorte 1, ela é de 18 anos e, para as da Coorte
2, ela é de 22 anos. A diferença nestas medianas pode estar relacionada ao fato de que,
antigamente, a primeira relação sexual estava ligada ao casamento e as negras, por terem mais
dificuldades no mercado matrimonial, se casavam mais tarde e em menores proporções do
que as brancas. Outra possível explicação para este resultado pode ser o fato de que, para as
negras, a virgindade era um atributo que poderia lhes garantir um bom casamento.
60
Gráfico 6 - Curvas de sobrevivência da idade à primeira relação sexual, segundo coorte
de idade, mulheres negras, Belo Horizonte, 2002
Idade (anos)
34292419149
S(t)
1,2
1,0
,8
,6
,4
,2
0,0
Coorte Negra
Coorte 2
Coorte 2-censurado
Coorte 1
Coorte 1-censurado
Fonte: Pesquisa SRSR, Cedeplar, Belo Horizonte, 2002.
De uma maneira geral, os resultados apresentados indicam que, ao longo das décadas,
em Belo Horizonte, o comportamento das mulheres de diferentes coortes etárias mudou em
relação à idade de primeira relação sexual. As mulheres da Coorte 1, ou seja, as mais jovens,
passaram a ter sua primeira relação mais cedo do que as mulheres da Coorte 2 tiveram. Os
resultados também apontam no sentido de que existem diferenças significativas na idade de
primeira relação sexual segundo raça/cor para as mulheres da Coorte 2, o que não é o caso
entre as mulheres da geração mais jovem.
O fato das mulheres mais jovens iniciarem sua vida sexual mais cedo pode ter
implicações tanto no plano individual como no plano social. No plano individual, jovens que
iniciam sua vida sexual sem estarem suficientemente esclarecidas a respeito, por exemplo, do
papel dos métodos contraceptivos, poderão ter que enfrentar desafios como a ocorrência de
infecções sexualmente transmissíveis e de uma gravidez não planejada. No plano social, o
início da vida sexual por mulheres cada vez mais jovens tem implicações em diversas esferas,
dentre as quais podem ser citadas a da saúde e a da escola. No âmbito da saúde, os serviços
devem estar mais preparados para atender uma clientela com características e demandas mais
61
específicas. Adicionalmente, as escolas devem repensar a sua postura frente ao novo
comportamento das jovens, assumindo, em conjunto com a família, um papel mais ativo no
que se refere à educação afetivo-sexual, auxiliando a abrir caminhos para que os indivíduos
exerçam sua sexualidade de maneira mais saudável e responsável.
Como, ainda hoje, existe uma ligação muito estreita entre relacionamento sexual e
casamento, o próximo item é voltado para a análise da idade ao primeiro casamento.
4.3 Idade ao primeiro casamento
Para a interpretação dos resultados relativos à idade de primeiro casamento é
importante lembrar que, neste estudo, tanto as uniões formais, quanto as informais, são
denominadas como casamento. Dentro deste contexto, a idade mediana de primeiro
casamento, das mulheres da Coorte 1 e da Coorte 2 são praticamente idênticas: 22,8 anos e
23,3 anos, respectivamente.
As curvas de sobrevivência, exibidas no GRAF. 7, refletem a similaridade no
comportamento da idade ao primeiro casamento apresentadas pelas Coortes 1 e 2. É
importante frisar que a censura dos dados é uma característica das informações relativas à
idade de primeiro casamento e pode ocorrer devido à duas razões: primeiro, porque a mulher
não se casou ou, segundo, porque se casou depois dos 30 anos, idade determinada como limite
superior para os eventos estudados. Como a fecundidade se concentra entre as mulheres com
menos de 30 anos, os eventos ocorridos quando a mulher tinha 30 anos ou mais foram
desconsiderados. O teste de log-rank confirma que não há diferença entre as curvas ( valor-p
= 0,8055).
62
Gráfico 7 - Curvas de sobrevivência da idade ao primeiro casamento, segundo coorte de
idade, Belo Horizonte, 2002
Idade (anos)
3126211611
S(t)
1,2
1,0
,8
,6
,4
,2
0,0
COORTE
Coorte 2
Coorte 2-censurado
Coorte 1
Coorte 1-censurado
Fonte: Pesquisa SRSR, Cedeplar, Belo Horizonte, 2002.
No GRAF. 8, a seguir, é possível verificar como se comportam as curvas de idade ao
primeiro casamento de mulheres brancas e negras da Coorte 1. A partir delas, é possível
observar que as negras se casam, pela primeira vez, mais jovens do que as brancas. Por outro
lado, as brancas concentram suas primeiras uniões nas idades mais jovens. Para elas, a idade
mediana de primeiro casamento é de 22,3 anos, enquanto para as negras é de 23,2. É
importante registrar que o teste de log-rank não é significativo para esta situação (valor-
p=0,9225).
63
Gráfico 8 - Curvas de sobrevivência da idade ao primeiro casamento, segundo raça/cor,
coorte 1 (20 a 29 anos), Belo Horizonte, 2002
Idade (anos)
3126211611
S(t)
1,2
1,0
,8
,6
,4
,2
0,0
Raça/cor - Coorte 1
negra
negra-censurado
branca
branca-censurado
Fonte: Pesquisa SRSR, Cedeplar, Belo Horizonte, 2002.
Diferente do que acontece entre as mulheres da coorte mais jovem, entre as mulheres
da Coorte 2, ou seja, entre as mais velhas, as brancas se casavam pela primeira vez um ano
mais cedo do que as negras. Os dados mostram que as brancas tinham uma idade mediana de
22,6 e as negras de 23,7 anos. Apesar das diferenças observadas nas curvas, o teste de log-
rank não é estatisticamente significante (valor-p=0,5625). O GRAF. 9 mostra os resultados
obtidos para as brancas e negras da Coorte 2. É importante ressaltar que, entre as mulheres
mais velhas, a idade ao primeiro casamento era bastante próxima à idade à primeira relação
sexual. Ou seja, diferente das jovens, a iniciação sexual acontecia dentro do casamento.
64
Gráfico 9 - Curvas de sobrevivência da idade ao primeiro casamento, segundo raça/cor,
coorte 2 (50 a 59 anos), Belo Horizonte, 2002
Idade (anos)
3126211611
S(t)
1,2
1,0
,8
,6
,4
,2
0,0
Raça/cor - Coorte 2
negra
negra-censurado
branca
branca-censurado
Fonte: Pesquisa SRSR, Cedeplar, Belo Horizonte, 2002.
E entre as mulheres brancas de diferentes coortes, o que acontece? O GRAF. 10 indica
que a entrada no primeiro casamento é muito similar entre as mulheres da Coorte 1 e da
Coorte 2. A idade mediana de primeiro casamento das brancas da Coorte 1 é de 22,3 anos
enquanto que a das mulheres da Coorte 2 é de 22,6 anos. O teste de log-rank mostra que não
há diferença entre a idade de casamento das mulheres da Coorte 1 e da Coorte 2 (log-
rank=0,4583).
65
Gráfico 10 - Curvas de sobrevivência da idade ao primeiro casamento, segundo coortes
de idade, mulheres brancas, Belo Horizonte, 2002
Idade (anos)
20151050
S(t)
1,2
1,0
,8
,6
,4
,2
0,0
Coorte Branca
Coorte 2
Coorte 2-censurado
Coorte 1
Coorte 1-censurado
Fonte: Pesquisa SRSR, Cedeplar, Belo Horizonte, 2002.
O GRAF. 11 exibe a história de idade de primeiro casamento para as mulheres negras
das duas gerações estudadas. As curvas indicam que a velocidade de entrada no primeiro
casamento das negras da Coorte 2 era muito similar à das mulheres da Coorte 1. Porém, é
preciso observar que existe uma grande censura na linha relativa à Coorte 1, indicando que
muitas negras mais jovens ainda não se casaram. Embora as curvas mostrem esta diferença, o
teste de log-rank revela que ela não é estatisticamente significante (valor-p=0,6708). Segundo
os dados, as negras da Coorte 1 têm uma idade mediana de primeiro casamento de 23,2 anos e
as da Coorte 2, de 23,7.
66
Gráfico 11 - Curvas de sobrevivência da idade ao primeiro casamento, segundo coorte
de idade, mulheres negras, Belo Horizonte, 2002
Idade (anos)
20151050
S(t)
1,2
1,0
,8
,6
,4
,2
0,0
Coorte Negra
Coorte 2
Coorte 2-censurado
Coorte 1
Coorte 1-censurado
Fonte: Pesquisa SRSR, Cedeplar, Belo Horizonte, 2002.
O que se pode concluir a partir dos resultados obtidos para a idade de primeiro
casamento? Em primeiro lugar, é possível dizer que não houve mudanças significativas no
comportamento das mulheres mais jovens em relação ao das mais velhas. A idade de primeiro
casamento permaneceu praticamente a mesma neste período que separa as duas coortes, ou
seja, entre 22 e 23 anos.
O próximo item examina as curvas de sobrevivência obtidas para a idade de nascimento
do primeiro filho. A análise é feita, assim como as anteriores, comparando-se, em primeiro
lugar, as duas coortes de idade, em segundo, os dois grupos de raça/cor, em terceiro as
mulheres da mesma coorte, mas de diferentes grupos de raça/cor e, por fim, as mulheres da
mesma cor, mas de gerações diferentes.
4.4 Idade ao nascimento do primeiro filho
Como se observa no GRAF. 12, a seguir, a probabilidade das mulheres mais jovens,
ou seja, daquelas da Coorte 1, terem o primeiro filho mais cedo do que as da Coorte 2 é mais
67
elevada. Apesar desta diferença na curva, o teste de log-rank não se mostra significativo
(valor-p=0,2284). Vale lembrar, entretanto, que este resultado é coerente com o que se
observou anteriormente em relação às idades de início da vida sexual e de primeiro
casamento. Dado que as mulheres mais jovens iniciam a vida sexual antes do que as mulheres
da Coorte 2, é plausível que apresentem uma idade de primeiro filho menor, pois iniciam seu
tempo de exposição ao risco de conceber mais cedo do que iniciavam as mulheres da geração
mais velha. Quanto à idade mediana de nascimento do primeiro filho, para a Coorte 1 ela é de
24 anos e, para a Coorte 2, de 24,7 anos.
Gráfico 12 - Curvas de sobrevivência da idade ao nascimento do primeiro filho, segundo
coorte de idade, Belo Horizonte, 2002
Idade (anos)
3025201510
S(t)
1,2
1,0
,8
,6
,4
,2
0,0
COORTE
Coorte 2
Coorte 2-censurado
Coorte 1
Coorte 1-censurado
Fonte: Pesquisa SRSR, Cedeplar, Belo Horizonte, 2002.
O comportamento das curvas de idade de nascimento do primeiro filho mostra que,
embora as brancas e negras apresentem uma velocidade de início da maternidade muito
similar, ela ainda é mais rápida para as negras, tal como pode ser visto no GRAF. 13. Em
termos de idade mediana, os dados mostram que ela é de 25,2 anos para as brancas e de 23,2
anos para as negras. Adicionalmente, é importante esclarecer que o teste de log-rank é
significativo no caso destas curvas (valor-p=0,0730).
68
Gráfico 13 - Curvas de sobrevivência da idade ao nascimento do primeiro filho, segundo
raça/cor, coorte 1 (20 a 29 anos), Belo Horizonte, 2002
Idade (anos)
3025201510
S(t)
1,2
1,0
,8
,6
,4
,2
0,0
Raça/cor - Coorte 1
negra
negra-censurado
branca
branca-censurado
Fonte: Pesquisa SRSR, Cedeplar, Belo Horizonte, 2002.
O GRAF. 14 mostra os resultados das curvas obtidas para a idade de nascimento do
primeiro filho das mulheres brancas e negras da Coorte 2. O que se pode concluir, a partir
delas, é que nas idades mais jovens a probabilidade das negras terem o primeiro filho antes
das brancas é mais elevada. Porém, a partir de cerca de 20 anos, a probabilidade das mulheres
brancas terem tido o primeiro filho antes das negras é mais elevada. Contudo, assim como na
situação anterior, o teste de log-rank também não foi significativo para este caso (p=0,3374).
Quanto à idade mediana ao primeiro filho, ela é de 24 anos para as brancas e de 25,3 para as
negras. Um possível explicação para a diferença nestas idades medianas pode estar
relacionada com o fato de que as negras se casavam um pouco mais tarde. Porém, como a
diferença não é grande, parece que as mulheres negras esperavam mais para ter o primeiro
filho.
69
Gráfico 14 - Curvas de sobrevivência da idade ao nascimento do primeiro filho, segundo
raça/cor, coorte 2 (50 a 59 anos), Belo Horizonte, 2002
Idade (anos)
3025201510
S(t)
1,2
1,0
,8
,6
,4
,2
0,0
Raça/cor - Coorte 2
negra
negra-censurado
branca
branca-censurado
Fonte: Pesquisa SRSR, Cedeplar, Belo Horizonte, 2002.
As curvas apresentadas no GRAF. 15, a seguir, refletem o comportamento das
mulheres brancas de gerações diferentes. Estas curvas indicam que as mulheres brancas mais
jovens apresentam uma probabilidade mais elevada de terem o nascimento do primeiro filho
mais cedo do que as da coorte mais velha. Apesar disto, é necessário dizer que o teste de log-
rank indica que a hipótese nula (aquela que diz que não existe diferença entre as curvas) não
pode ser rejeitada (p=0,5720). Em outras palavras, o teste indica que a diferença observada
não é significante. Vale lembrar que a idade mediana de nascimento do primeiro filho é de
25,2 anos para as brancas da Coorte 1 e de 24 para as da Coorte 2. A difusão e maior
disponibilidade de contracepção pode explicar o fato das mulheres brancas mais jovens
estarem iniciando a vida sexual mais cedo do que iniciavam as mais velhas, mas estarem
tendo o primeiro filho cerca de um ano mais tarde.
70
Gráfico 15 - Curvas de sobrevivência da idade ao nascimento do primeiro filho, segundo
coorte de idade, mulheres brancas, Belo Horizonte, 2002
Idade (anos)
3025201510
S(t)
1,2
1,0
,8
,6
,4
,2
0,0
Coorte Branca
Coorte 2
Coorte 2-censurado
Coorte 1
Coorte1-censurado
Fonte: Pesquisa SRSR, Cedeplar, Belo Horizonte, 2002.
A análise das curvas relacionadas à idade de nascimento do primeiro filho das
mulheres negras sugere que as diferenças são significativas entre as mulheres da Coorte 1 e da
Coorte 2. (valor-p=0,026). As negras da Coorte 1, de acordo com o que mostra o GRAF. 16,
têm probabilidade de terem o primeiro filho mais jovens do que as mulheres negras da Coorte
2. Este resultado é compatível com o resultado observado para a idade de primeira relação
sexual, que indica que as negras mais jovens também iniciam a atividade sexual mais cedo do
que iniciavam as mais velhas. A idade mediana das negras da Coorte 1 é de 23,2 anos e das
negras da Coorte 2 é de 25,3 anos.
71
Gráfico 16 - Curvas de sobrevivência da idade ao nascimento do primeiro filho, segundo
coorte de idade, mulheres negras, Belo Horizonte, 2002
Idade (anos)
3025201510
S(t)
1,2
1,0
,8
,6
,4
,2
0,0
Coorte Negra
Coorte 2
Coorte 2-censurado
Coorte 1
Coorte 1-censurado
Fonte: Pesquisa SRSR, Cedeplar, Belo Horizonte, 2002.
Os resultados encontrados a partir das estimativas das curvas de sobrevivência
permitem que algumas considerações sejam feitas a respeito da idade de nascimento do
primeiro filho entre as mulheres de Belo Horizonte que pertencem a duas gerações distintas.
Primeiro, as mulheres da Coorte 1 estão iniciando sua incursão na maternidade mais cedo do
que faziam as mulheres da Coorte 2. Segundo, na coorte mais jovem, as negras e brancas
apresentam um comportamento bastante parecido, muito embora as curvas mostrem que as
negras tiveram seu primeiro filho um pouco mais jovens do que as brancas.
A TAB.11, a seguir, apresenta uma síntese das idades medianas encontradas para
cada evento estudado segundo coorte de idade.
72
Tabela 11 - Idades medianas à rimeira relação sexual, ao primeiro casamento e ao
nascimento do primeiro filho, segundo coorte de idade, Belo Horizonte, 2002
Idades medianas
Coorte 1 Coorte 2
Primeira relação sexual
18,0 21,0
Primeiro casamento
22,8 23,3
Nascimento do primeiro filho
24,0 24,7
Fonte: Pesquisa SRSR, Cedeplar, Belo Horizonte, 2002.
A TAB. 12 mostra as idades medianas para cada um dos eventos por coorte de idade,
segundo raça/cor.
Tabela 12 - Idades medianas à primeira relação sexual, ao primeiro casamento e ao
nascimento do primeiro filho, por coorte de idade, segundo raça/cor, Belo Horizonte,
2002
Branca Negra Branca Negra
Primeira relação sexual
18,0 18,0 19,0 22,0
Primeiro casamento
22,3 23,2 22,6 23,7
Nascimento do primeiro filho
25,2 23,2 24,0 25,3
Fonte: Pesquisa SRSR, Cedeplar, Belo Horizonte, 2002.
Idades medianas
Coorte 1 Coorte 2
Os resultados obtidos para os testes de log-rank também são apresentados de forma
sintetizada na TAB.12 a seguir.
Tabela 13 - Síntese dos testes de log-rank obtidos para os eventos estudados, segundo as
categorias de análise, Belo Horizonte, 2002
Coorte 1 e Coorte 2
0,0000 0,8055 0,2284
Coorte 1- Brancas e Negras
0,2127 0,9225 0,0730
Coorte 2 - Brancas e Negras
0,1944 0,5625 0,3374
Brancas - Coorte 1 e Coorte 2
0,0340 0,4583 0,5720
Negras - Coorte 1 e Coorte 2
0,0000 0,6708 0,0260
Fonte: Pesquisa SRSR, Cedeplar, Belo Horizonte, 2002.
Teste log-rank (valor p)
Primeira
relação sexual
Primeiro
casamento
Nascimento do
primeiro filho
73
Além das curvas de sobrevivência, outro aspecto que pode revelar um pouco mais
sobre o comportamento sexual e reprodutivo de mulheres de diferentes coortes em Belo
Horizonte é análise da taxa de progressão de parturição (PPR). Considerando a parturição até
os 19 anos, os dados de Belo Horizonte revelam que, na coorte mais jovem, a probabilidade
das negras passarem da parturição de ordem zero para a de ordem um é mais elevada do que a
das jovens brancas. Porém, das jovens que chegaram a parturição de ordem um, as brancas
apresentam um probabilidade mais elevada de passar para a parturição de ordem dois. Na
coorte mais velha, as mulheres brancas apresentam probabilidades mais elevadas de passarem
da parturição de ordem zero para de ordem um e de ordem um para ordem dois do que as
negras. A comparação intercoorte mostra que a probabilidade das jovens passarem da
parturição de ordem zero para a de ordem um é mais elevada do que era a das mais velhas.
Estas informações podem ser visualizadas na TAB. 14 a seguir.
Tabela 14 - Taxa de progressão de parturição até os 19 anos, por coorte de idade e
raça/cor, segundo ordem de parturição, Belo Horizonte, 2002
Parturição Branca Negra Branca Negra
0 0.234 0.259 0.161 0.160
1 0.243 0.176 0.429 0.385
2 0.111 0.111 0.000 0.200
3 0.000 1.000 0.000 1.000
Coorte 1 Coorte 2
Fonte: Pesquisa SRSR, Cedeplar, Belo Horizonte, 2002.
Em relação à parturição até os 24 anos, os dados mostram que as jovens negras são
as que apresentam a probabilidade mais elevada de passar da parturição de ordem zero para a
parturição de ordem um até os 24 anos de idade. A comparação intercoorte revela que entre as
brancas, as mais velhas apresentam probabilidades mais elevadas de passarem para
parturições de ordem superior do que as mulheres brancas mais jovens. As informações
relativas às taxas de progressão de parturição até os 24 anos estão na TAB. 15.
74
Tabela 15 - Taxas de progressão de parturição até os 24 anos, por coorte de idade e
raça/cor, segundo ordem de parturição, Belo Horizonte, 2002
Parturição Branca Negra Branca Negra
0 0.570 0.686 0.581 0.430
1 0.456 0.398 0.560 0.765
2 0.308 0.424 0.357 0.385
3 0.000 0.214 0.000 0.300
4 0.000 0.000 0.000 0.000
Fonte: Pesquisa SRSR, Cedeplar, Belo Horizonte, 2002.
Coorte 1 Coorte 2
Os resultados quantitativos deixam evidente as mudanças ocorridas de uma geração
para outra em diversos aspectos. Em termos educacionais, por exemplo, as mulheres mais
jovens apresentam um melhor nível de escolaridade, quando comparadas às mais velhas. Esta
melhora é particularmente visível quando se compara a categoria de 12 anos e mais de estudo,
a qual revela que hoje quase duas vezes mais jovens negras chegam a universidade. Quanto à
situação conjugal, os dados mostram que na geração mais velha mais mulheres negras do que
brancas permaneciam solteiras, o que possivelmente pode explicar o fato de que uma
proporção maior de negras da geração mais velha apresentava parturição de ordem zero.
De uma maneira geral, os resultados apresentados até aqui mostram que também
houve mudanças no comportamento sexual e reprodutivo da coorte mais jovem em relação à
mais velha. A geração mais jovem, como apontam os dados sobre a idade à primeira relação
sexual, iniciam sua vida sexual mais cedo e têm o primeiro filho mais cedo do que tinham as
mulheres da geração mais velha. Apesar disto, a idade mediana de primeiro casamento
permaneceu praticamente constate para estas coortes. Além disto, o percentual de mulheres
mais jovens que relatam ter tido o primeiro filho antes da primeira união é mais alto do que
entre as mais velhas, o que é coerente com o fato de que as mais jovens se iniciam
sexualmente mais cedo e remete a uma reflexão sobre a questão do uso de contraceptivos e
sobre a maior aceitação dos nascimentos pré-maritais nos dias de hoje.
Algumas perguntas emergem destes resultados, como por exemplo, existe uma idade
considerada ideal, ou mais adequada para que uma mulher se torne mãe? Como elas percebem
a relação entre o nascimento do primeiro filho e a formação escolar e participação no mercado
de trabalho? As respostas para estas perguntas, dificilmente captadas por meio de pesquisas
75
tipo surveys, são exploradas por meio de uma metodologia qualitativa e apresentadas em um
capítulo posterior.
Embora a idade de primeiro casamento não tenha se alterado, é importante lembrar
que a idade de primeira relação sexual mudou, ficando mais baixa para as mulheres da coorte
mais jovem. Este cenário sugere que, em comparação com as mais velhas, as mulheres da
coorte mais jovem estão ficando mais tempo expostas ao risco de conceber um filho antes do
casamento. Dentro deste contexto, é importante saber como elas percebem a questão da idade
de início da vida sexual e do primeiro casamento. Houve mudanças nas atitudes, normas e
valores que regem estas idades? Como a maternidade fora do casamento é percebida pelas
mulheres de diferentes gerações de idade e grupos de raça/cor? Os dados disponíveis não
permitem responder estas questões. Entretanto, considerando a importância que estes eventos
apresentam, tanto em termos de fecundidade, quanto de saúde reprodutiva, eles são
explorados na etapa qualitativa.
O próximo capítulo deste trabalho apresenta resultados obtidos no grupos focais
relativos à primeira relação sexual.
76
5 A PRIMEIRA RELAÇÃO SEXUAL
Pesquisas sobre saúde reprodutiva e sexualidade, desenvolvidas em diferentes regiões
do Brasil, indicam que as mulheres estão tendo sua primeira relação sexual cada vez mais
cedo e em um contexto social diferente daquele de gerações passadas (BEMFAM, 1992;
BEMFAM, 1996). Este novo padrão de comportamento tem uma série de conseqüências para
a vida dos indivíduos. Por exemplo, aqueles que começam a vida sexual mais jovens
apresentam probabilidades mais elevadas de terem um maior número de parceiros, de
experimentarem mais doenças sexualmente transmissíveis, de terem relações insatisfatórias e
de enfrentarem gravidezes não planejadas, se comparados com aqueles que se iniciam
sexualmente mais tarde (BROWNING & LAUMANN, 2001).
Socialmente percebida como um rito de passagem, a iniciação sexual é fortemente
influenciada por normas, valores e crenças que prevalecem em uma sociedade. O início da
vida sexual molda as noções sobre o feminino e o masculino, fazendo com que a busca pela
autonomia, traduzida nas idéias do que seja “tornar-se homem” e “fazer-se mulher” tenha um
papel importante na vida das pessoas. O início da vida sexual também abre espaço para a
conformação da noção de maturidade. Ser uma pessoa madura implica em ser emancipada e
independente, tanto no sentido físico quanto emocional (CASTRO, ABRAMOVAY &
SILVA, 2004). Entre as gerações mais jovens, entretanto, a crença em valores tradicionais e,
em particular, na importância da preservação da virgindade até o casamento, parece ter
declinado frente a transformações sociais que ocorreram ao longo do tempo, tais como o
aumento da escolaridade e a maior exposição aos meios de comunicação (CASTRO,
ABRAMOVAY & SILVA, 2004).
Considerando estas mudanças no comportamento sexual das mulheres mais jovens, em
relação àquelas de gerações passadas, e as possíveis conseqüências deste comportamento em
termos demográficos, é importante conhecer as normas e os valores que conduzem a
sexualidade das mulheres de diferentes gerações, grupos de raça/cor e escolaridade. Um maior
conhecimento destes fatores pode contribuir para o entendimento de alguns aspectos
relacionados ao novo padrão reprodutivo observado no país, bem como para elaboração e
implementação de pesquisas e programas voltados para saúde sexual e reprodutiva,
consoantes com a atual realidade das mulheres.
77
Dentro deste contexto, o objetivo central deste capítulo é identificar e comparar
normas e valores relacionados a quatro aspectos do comportamento sexual de mulheres de
diferentes gerações e perfis, residentes em Belo Horizonte. Especificamente, este capítulo
pretende responder as seguintes questões: 1) Existe uma norma em relação à idade de início
da vida sexual? 2) Qual o significado atribuído à virgindade e como ele se relaciona com o
comportamento sexual adotado pelas mulheres? 3) Onde as mulheres buscam informações
sobre sexo? 4) Em relação às questões apresentadas, quais as similaridades e diferenças que
marcam o comportamento das mulheres de diferentes coortes e perfis sócio-demográficos? Os
diálogos extraídos dos grupos focais, e apresentados a seguir, são utilizados para responder
estas questões.
Este capítulo está organizado da seguinte maneira. As falas referentes aos tópicos
discutidos são apresentadas para cada tipo de grupo realizado, seguidas por uma síntese das
questões mais relevantes levantadas por cada um. Posteriormente, são feitas considerações
finais sobre os temas discutidos. Por fim, um quadro síntese, comparando as principais idéias
de cada coorte de idade, grupo de raça/cor e escolaridade é apresentado.
5.1 Existe uma idade ideal, ou mais adequada, para a primeira relação sexual?
A primeira relação sexual é um tema bastante complexo, que implica em uma
discussão não só das vivências pessoais, mas também de questões ligadas às normas, aos
valores, às atitudes e à sexualidade de uma maneira geral. Dentro do universo feminino, a
partir do momento em que a mulher inicia sua vida sexual, ela passa a estar exposta a uma
série de novos acontecimentos, muitos dos quais deverão ser encarados de forma mais
amadurecida e responsável. Nas discussões que se travaram nos grupos focais, a mensagem
central foi de que, muito mais do que a idade, a primeira relação sexual requer que a mulher
seja suficientemente madura e responsável para arcar com as possíveis conseqüências desta
relação, principalmente a gravidez. Apesar de acreditarem que a idade não é o fator mais
importante, muitas mulheres ressaltam que a maturidade vem com a idade e, por esta razão, o
ideal seria “esperar mais” para ter a primeira relação sexual. Outras, entretanto, defendem que
cada mulher tem um tempo próprio para ter a primeira relação sexual, pois, enquanto algumas
amadurecem mais cedo e são capazes de assumir as conseqüências de seus atos, outras
demoram mais a atingir este patamar. Os diálogos extraídos dos grupos focais retratam estes
aspectos de maneira mais elucidativa.
78
5.1.1 Negras entre 20 e 24 anos, baixa escolaridade
Para as mulheres entre 20 e 24 anos, negras e de baixa escolaridade, a primeira relação
sexual deve acontecer quando o final da adolescência já estiver mais próximo. Na concepção
de algumas participantes, o ideal seria que a vida sexual de uma mulher começasse somente
quando ela tivesse, pelo menos, 18 anos. Segundo elas, caso a primeira relação sexual resulte
em gravidez, as jovens com menos de 18 anos não estão preparadas para o nascimento de um
filho. Além disto, estas mulheres também acreditam que, até esta idade, as jovens não têm
maturidade e não sabem dizer “não” caso o companheiro insista para ter uma relação sexual.
Esta visão reforça a noção de que a responsabilidade pelo acontecimento do ato sexual é da
mulher, a qual deve saber dizer “não” aos avanços sexuais do homem, como uma estratégia
para evitar uma gravidez não planejada. Em seu estudo sobre o controle feminino na primeira
relação sexual, MOORE (2004) observa que as mulheres que escolhem o parceiro e o
momento para que a primeira relação aconteça, relatam suas experiências de uma forma
positiva e dizem que iniciaram a vida sexual por vontade própria e não devido à coerção do
parceiro. No caso deste estudo, o diálogo a seguir revela a percepção que mulheres de Belo
Horizonte possuem a este respeito.
M: Existe uma idade certa, ou mais adequada, para a mulher ter sua primeira
relação sexual?
P3: Acho que existe uma idade certa sim...acho que é melhor depois dos 18
anos.
P4: Acho que 18 ainda é muito jovem...jovem não é bom...não tem
maturidade...a mulher não sabe dizer não...aí...se engravida é problema na
certa....
(Grupo 1, 20 a 24 anos, Baixa Escolaridade, Negra)
Adicionalmente, é possível observar que a preocupação central, expressa por estas
jovens, é particularmente voltada para a gravidez. Na verdade, o discurso destas mulheres
mostra uma ligação estreita entre idade de início da vida sexual e gravidez. Além disto, na
percepção destas participantes, a AIDS - como conseqüência da relação sexual - e as doenças
sexualmente transmissíveis (DST) fazem parte do universo masculino. Também segundo elas,
as propagandas sobre o uso de métodos contraceptivos, veiculadas nos meios de
comunicação, reforçam a visão tradicional de que a responsabilidade pela contracepção é um
79
papel que cabe à mulher. Já o desafio de se proteger contra as inúmeras doenças sexualmente
transmissíveis, incluindo a AIDS, é uma tarefa masculina. É importante ressaltar que as falas
destas jovens negras e de baixa escolaridade sugerem que a camisinha é um método
masculino e a mulher parece não ter poder para exigir que o parceiro a utilize durante uma
relação. Já a pílula ou o dispositivo intra-uterino (DIU), que embora evitem a gravidez, não
protegem contra as doenças sexualmente transmissíveis (DST), incluindo a AIDS, são vistos
como métodos femininos. O diálogo a seguir deixa evidente esta visão e aponta para a
necessidade de implementação de ações que incentivem as mulheres a adotarem práticas
sexuais mais seguras.
P2: O rapaz bota a camisinha no bolso, o marido (com ênfase), o marido
(com ênfase), cê entendeu? Vai, tem a camisinha, não pega doença, não
engravida [a mulher]...aí manda vê. E a mulher não, já é, diferente. Não tem
uma propaganda: mulher, não tenha filho! Tome anticoncepcional!
P6: Mulher, põe o DIU. (risos).
P3: Diminua sua despesa: tome anticoncepcional! Devia mostrar. Meninas,
deixem de ser, como que é? Faz uma propaganda, uma propaganda
verdadeira, real. Não adianta mostra a propaganda com aquela atriz: ah, o
microvilar agora... é seguro. Pronto. Acabô. Aí vem propaganda: use
camisinha! A camisinha não dá. Camisinha foi feita prá home e o resto foi
feito prá mulher.
(Grupo 1, 20 a 24 anos, Baixa Escolaridade, Negra)
Além do mais, estas jovens acreditam que, caso a relação sexual resulte em gravidez
antes do casamento, existe uma possibilidade muito grande de abandono pelo companheiro.
No estudo realizado com adolescentes de treze capitais brasileiras, CASTRO,
ABRAMOVAY & SILVA (2004) também observam que uma das grandes dificuldades
enfrentadas pelas jovens que engravidam refere-se à instabilidade na relação com o parceiro,
o qual, geralmente, não mostra interesse em assumir a paternidade e a relação com a mulher.
A afirmação de uma das participantes retrata a questão do abandono.
P3: ...depois que ocê tiver grávida....ocê é largada...isso machuca demais...
(Grupo 1, 20 a 24 anos, Baixa Escolaridade, Negra).
80
Ainda na concepção das jovens negras e de baixa escolaridade, o fato do homem não
querer assumir a paternidade faz com que muitas mulheres precisem recorrer à suas famílias
para dividir os cuidados com a criança. Este não é um acontecimento desejável, pois, na maior
parte das famílias, a reação à gravidez não é positiva. Segundo as participantes deste grupo, as
jovens que enfrentam esta situação são muito cobradas pelos pais. Geralmente, eles não
aceitam a gravidez e, muitas vezes, expulsam a grávida de casa. O diálogo, a seguir, expressa
estas questões.
P2: Se a pessoa engravidar dentro de casa é a pior coisa que tem. Ah, a
família toca na cara: ocê arranjô menino...Aí a gente pede: mãe, deixa eu ir
ali? Ela diz: não, prá quê que ocê arranjô menino. Leva seu filho junto. É o
tempo inteiro. Tempo inteiro isso, o tempo inteiro xingando, brigando,
expulsado a gente de casa. É... é horrível.
(Grupo 1, 20 a 24 anos, Baixa Escolaridade, Negra)
Vale apontar que, ao estudar as influências culturais e demográficas sobre a formação
de famílias e fecundidade na comunidade do Alto Vera Cruz, em Belo Horizonte,
KAUFMANN (1991) também constata que as mulheres que engravidam sem estarem casadas
correm o risco de serem expulsas de casa, mesmo se a gravidez é conseqüência de um
estupro.
Adicionalmente, os depoimentos destas jovens negras e de baixa escolaridade sugerem
que as diferenças de gênero, que ainda permeiam os relacionamentos, geram situações menos
favoráveis para a mulher. Isto porque é ela quem, geralmente, assume a conseqüência mais
visível advinda da relação sexual: a gravidez. Assim, caso a relação sexual resulte em
gravidez, a vida da mulher certamente passará por mudanças, já que é ela quem assume os
cuidados com a criança, sofre com abandono do companheiro, com o afastamento dos amigos
e com as cobranças da família. As falas a seguir são elucidativas neste sentido.
P49: A família, eu acho, que no primeiro momento... rejeita, né? É repulsão.
Mas, geralmente, prá mulher, na minha opinião, é mais complicado porque,
prô homem, continua... praticamente a mesma coisa. A mulher é que vai
assumir, a mulher é que vai acordá à noite, ela que vai ter responsabilidade
prô resto da vida com a criança. Os amigos... alguns se afastam. Alguns têm
a mesma posição de rejeição que muitos pais e aí começam: ah! Eu não
quero que você fique andando com aquela pessoa e tal.
81
(Grupo 8, 20 a 24 anos, Baixa Escolaridade, Negra).
Em consonância com os achados desta investigação, alguns estudos sugerem que as
mulheres, particularmente as de nível socioeconômico mais baixo e de menor escolaridade,
que iniciam sua vida sexual sem casar, normalmente não são bem vistas em sua comunidade
(KAUFMANN, 1991; MIRANDA-RIBEIRO, 1997; MOORE, 2004). Para os homens,
segundo os depoimentos das participantes deste grupo, manter relações sexuais antes do
casamento parece não trazer nenhuma conseqüência negativa, pois, ao contrário do que ocorre
com as mulheres, eles são incentivados a iniciarem sua vida sexual o mais rápido possível
(CASTRO, ABRAMOVAY & SILVA, 2004).
5.1.2 Negras entre 20 e 24 anos, alta escolaridade
As falas das jovens negras e de alta escolaridade revelam que elas não acreditam que
exista uma idade ideal, ou mais adequada, para que a mulher inicie sua vida sexual. Na
concepção destas jovens, a relação sexual só deve acontecer quando a mulher tiver condições
de utilizar métodos que evitem não somente a gravidez, mas também as doenças sexualmente
transmissíveis, incluindo, entre elas, a AIDS. Adicionalmente, elas também acreditam que a
primeira relação sexual só deve acontecer se a mulher puder assumir a gravidez, caso ela
aconteça.
P19: Eu acho que não tem uma idade certa. Mas, eu acho que a jovem tem
que tê condição de se prevenir. Pois mesmo com todos os métodos tem a
possibilidade de pegá uma DST, uma AIDS ou até mesmo uma gravidez.
P22: Não tem idade certa, mas...então, se ocê não tem... responsabilidade
ainda prá assumir [uma gravidez], caso ocorra alguma coisa que você não tá
planejando... aí você não deve ter uma relação sexual...
(Grupo 4, 20 a 24 anos, Alta Escolaridade, Negra).
Embora as falas das jovens negras de alta escolaridade mostrem um certo nível de
apreensão com as doenças sexualmente transmissíveis, inclusive com a AIDS, elas revelam
que a grande preocupação que as mulheres deste grupo apresentam em relação ao início da
vida sexual é com a gravidez. As falas a seguir deixam evidentes esta preocupação.
82
P19: As pessoas têm que pensar em tudo que pode acontece [fazendo sinal
com as mãos, indicando uma barriga de gravidez]. Ocê não tem só que
pensar na parte boa da coisa não. Que, aliás, é o que todo mundo faz, né?
(risos).
P24: Ninguém lembra da parte, da outra parte. Ocê tem que tá preparado prá
tudo. Porque as coisas podem acontecer, né? [também fazendo um gesto
para indicar uma barriga de gravidez].
(Grupo 4, 24 a 20-24 anos, Alta Escolaridade, Negra).
O item a seguir analisa a visão das mulheres brancas entre 20 e 24 anos, de baixa e alta
escolaridade, acerca da primeira relação sexual .
5.2 Brancas entre 20 e 24 anos, baixa escolaridade
Na percepção das jovens brancas e de baixa escolaridade, embora não exista uma
idade ideal para que a mulher inicie sua vida sexual, o melhor é esperar “um pouco mais”. Na
visão destas jovens, das quais uma grande parte foi mãe com menos de 17 anos, existe uma
hora certa para que cada evento aconteça na vida de uma mulher. Quando começam muito
cedo, as transições de uma fase para outra também acontecem mais cedo. O diálogo entre as
jovens brancas expressa essa percepção.
P93: Tem que transá e namorá na hora certa, no tempo certo. Porque se
começá cedo fica assim igual eu. Namorei cedo, tive menino cedo. Então,
hoje em dia, o que eu podia tá começando agora, comecei com dezesseis
anos. Então, não precisa correr, correr prá quê?
P96: É verdade, correr prá que. Eu não escutei a minha mãe, aí
ó...[indicando que teve a primeira relação e se tornou mãe adolescente].
P97: Correr prá quê?
(Grupo 15, 20 a 24 anos, Baixa Escolaridade, Branca).
5.2.1 Brancas entre 20 e 24 anos, alta escolaridade
Também na visão das jovens brancas de alta escolaridade, não existe uma idade ideal,
ou mais adequada, para que a mulher tenha sua primeira relação sexual. Para estas mulheres, a
maturidade, a oportunidade, a presença de um parceiro fixo e “legal” são fatores que pesam
83
para determinar quando uma jovem pode iniciar sua vida sexual. O diálogo a seguir mostra
estes pontos.
P27: Idade não. A mulher tem que ter maturidade e isso depende de cada
um. Pode ser que, de repente, com quatorze anos uma menina tenha
maturidade, prá outra isso pode acontecer com... dezessete anos.
P26: Não é só idade, mas também oportunidade. Às vezes ela não teve
oportunidade.
P30: Exatamente. Independente da idade, às vezes aparece um cara legal,
né?
P25: No meu caso assim, eu perdi a minha virgindade com quinze anos,
com o meu primeiro namorado. Eu tive sorte. Ele era um cara muito legal,
mas muitas meninas ... têm medo porque não tem namorado na época,
assim, e não tão afim, também, de transá com qualquer um.
P27: Eu acho muito complicado. Enquanto tem umas de quatorze anos que
estão super preparadas, têm outras que acham que estão preparadas. Essa
questão de idade é muito complicada.
(Grupo 5, 20 a 24 anos, Alta Escolaridade, Branca).
A oportunidade, um dos requisitos mencionados pelas participantes brancas, de alta
escolaridade, como importante para que a mulher tenha a primeira relação sexual, se refere à
existência de um local para que a relação aconteça. Sobre este aspecto, MOORE (2004)
ressalta que a falta de privacidade e o contínuo monitoramento social de jovens por seus pais,
vizinhos, empregados ou outros adultos, particularmente entre as jovens de melhor nível
socioeconômico, são aspectos identificados como obstáculos para a primeira relação sexual.
Além disto, como o diálogo anterior sugere, para as jovens brancas de alta
escolaridade, a maturidade é considerada como um requisito importante para que a mulher
tenha sua primeira relação sexual. Embora estas participantes não definam o que entendem
por maturidade, elas deixam implícito que existe uma diferença entre uma mulher achar que é
madura e ela ser, de fato, madura. Geralmente, a noção de maturidade, nas falas destas
participantes, vem associada à questão da idade. Quanto mais a idade avança, mais madura,
ou preparada, a mulher se torna para assumir as responsabilidades trazidas pela entrada na
vida adulta, tal como, por exemplo, a gravidez.
84
Para um outro grupo de jovens brancas de alta escolaridade, a maturidade também é
considerada como um atributo necessário para a primeira relação sexual. Na concepção destas
mulheres, maturidade implica em saber que a relação sexual representa um comportamento de
risco, onde doenças sexualmente transmissíveis podem ser contraídas. Não ter maturidade
suficiente pode fazer com que a mulher se arrependa de ter tido a primeira relação sexual.
Mulheres com mais idade tendem a ser mais maduras e preparadas para iniciarem sua vida
sexual. O diálogo abaixo mostra estas questões.
P52: Idade eu acho que não. Eu acho que...
P54: Tem que tá segura daquilo que pode acontecê, que a camisinha pode
estourar, você pode pegá uma doença, por mais que você se proteja. Você
tem que... se munir de armas prá você... minimizar essa chance.
M: Hum hum.
P51: Eu acho que você tem que tomá cuidado, né? Todo cuidado é pouco.
P52: E [ter] maturidade também...
P53: É. E não se arrependê.
P52: Eu acho que a maturidade vem com a idade. Eu não vô dizer aqui que
eu acho que uma menina de treze anos tem maturidade para ela transá,
porque acho que não tem...
P53: Pelo contrário (risos)...
P51: Eu também acho que não. Isso acaba vindo com a idade também. Eu
acho que [a idade] influencia um pouco.
(Grupo 9, 20 a 24 anos, Alta Escolaridade, Branca).
Para analisar se houve mudanças nas atitudes, nas normas e nos valores relacionados à
idade de primeira relação sexual, ao longo do tempo, as percepções apresentadas por mulheres
entre 50 e 59 anos, de diferentes perfis sócio-demográficos, são consideradas a seguir.
5.2.2 Negras entre 50 e 59 anos, baixa escolaridade
Na concepção mulheres negras mais velhas e de baixa escolaridade, a primeira relação
sexual só deve acontecer quando uma jovem tiver, pelo menos, 18 anos. Até esta idade, elas
85
devem estar voltadas para os estudos, se preparando para ter um futuro melhor. Na visão
destas mulheres, depois que uma jovem tem sua primeira relação sexual, ela certamente vai
desejar ter a segunda, a terceira, e assim por diante. Esta visão é semelhante a que
KAUFMANN (1991) captou entre as mulheres residentes na comunidade do Alto Vera Cruz.
De acordo com aquelas mulheres, “se uma mulher dorme com um homem, não existe nada
que a impeça de dormir com quatro” (pg. 251). Dentro deste contexto, as mulheres negras,
mais velhas e de baixa escolaridade, deste estudo, acreditam que as jovens que iniciam sua
vida sexual muito cedo diminuem o interesse pelos estudos, pois passam a “esquentar a
cabeça”. Em função disto, a melhor coisa, na percepção destas participantes, é que a jovem
espere mais para iniciar a vida sexual. Embora esperar seja o ideal, elas acham que, nos dias
de hoje, as jovens priorizam o sexo. Tal prioridade pode ser constatada no comportamento dos
casais, que já no primeiro encontro falam em “ir para cama”. As falas a seguir são incisivas
neste sentido.
P16: Ah! eu acho que a pessoa tem que tê pelo menos 18 anos.
M: Por que?
P16: Porque nessa idade de dezoito anos, é uma época que elas [as
mulheres] estão se realizando no estudo, se preparando prô futuro,
entendeu? Então, porque dos sete anos, até os dezoito, é o período de escola.
Elas não têm que esquentá a cabeça. Porque depois que tem a primeira
[referindo-se à relação sexual], tem a segunda, tem a terceira, a quarta, aí...
P18: É, aí vai embora..então melhó é esperá.
P15: Eu acho que tem que começá mais velha mesmo, porque hoje em dia,
Andréa, a primeira coisa que, no primeiro encontro: vamo prá cama!
(Grupo 3, 50 a 59 anos, Baixa Escolaridade, Negra).
Este diálogo das mulheres negras e de baixa escolaridade também sugere uma
preocupação com a seqüência na qual os eventos acontecem durante o ciclo de vida das
jovens. Em relação à ordem dos eventos na vida dos jovens, RINDFUSS & SWICEGOOD
(1987) lembram que, em geral, muitos eventos tipicamente usados para definir a transição
para a vida adulta, como por exemplo, a saída da escola e a entrada na maternidade, vêm se
tornando cada vez mais concentrados em pequenos períodos de tempo e ocorrendo em idades
86
cada vez mais baixas do que no passado. Mas, as jovens que dão continuidade aos estudos,
sem interrupção, geralmente fazem a transição para a maternidade mais tardiamente do que
aquelas que interrompem a formação escolar. A esse respeito, HOGAN (1978) enfatiza que
cada coorte se depara com um conjunto de normas reguladoras que indicam o tempo mais
apropriado para que cada evento aconteça na vida dos indivíduos. Já CASTRO,
ABRAMOVAY & SILVA (2004) lembram que as expectativas a respeito do curso natural, ou
esperado, do ser jovem, incluem um ciclo de vida orientado para a diversão, para as relações
sem compromissos tanto, de ordem econômica como familiar, para o estudar e para o se
preparar para os papéis de adulto que deverão ser futuramente desempenhados. Na visão das
participantes negras, mais velhas e de baixa escolaridade, as jovens precisam estudar.
Portanto, o início da vida sexual deve ser postergado.
5.2.3 Negras entre 50 e 59 anos, alta escolaridade
As negras entre 50 e 59 anos e de alta escolaridade acreditam que o mais adequado é a
mulher esperar para ter a primeira relação sexual. Na concepção deste grupo, as mulheres
mais velhas estão mais preparadas, tanto para decidir se realmente desejam ter a relação
sexual, quanto para escolher um parceiro ideal. O “realmente gostar” do companheiro é um
aspecto enfatizado por estas participantes, as quais também acreditam que as mulheres que
iniciam a vida sexual muito jovens correm um risco maior de apresentar traumas emocionais,
se comparadas àquelas que iniciam mais tarde. O diálogo a seguir ilustra estas questões.
P88: Eu acho que existe [uma idade certa para a primeira relação sexual].
M: Por que?
P89: Porque a gente tem que se prepará e tem que gostá realmente [do
parceiro]...
P86: E querer mesmo.
P91: E querer mesmo. E tem muitas mulheres que entram novas numa
relação assim... só prá... concluir aquele ciclo da vida sem preparo, ocê
entendeu? E a mulher sofre muito com isso. Mas, sofre mesmo.
P87: É porque esse entrar tão nova numa relação pode fazer com que a
mulher fique traumatizada [emocionalmente].
87
P86: Eu acho que as muito novas não estão preparadas para decidir e
escolher direito se querem ter sexo..
P90: E não busca o parceiro de acordo, às vezes, né? Num... num faz aquela
escolha realmente certa, né?
P91: Adequada.
(Grupo 14, 50 a 59 anos, Alta Escolaridade, Negra)
Após apresentar a visão das mulheres negras, o item seguinte enfatiza a percepção que
as mulheres brancas e da coorte mais velha, possuem sobre o tema.
5.2.4 Brancas entre 50 e 59 anos, baixa escolaridade
Para as brancas de baixa escolaridade, entre 50 e 59 anos, não existe uma idade ideal para
a primeira relação sexual. Na perspectiva destas participantes, o importante é que a primeira
vez de uma mulher aconteça como resultado de uma relação de carinho e de amadurecimento
do namoro. Segundo elas, as mães que sugerem que suas filhas iniciem a vida sexual mais
tarde são, geralmente, taxadas de “caretas”. Além disto, elas argumentam que as jovens, hoje
em dia, não têm mais o medo que elas tiveram de experimentar o sexo antes do casamento. O
diálogo a seguir elucida estas questões.
P41: Eu acho que num tem idade não. Eu acho que sexo é conseqüência
(com ênfase). Tá namorando, aí vem o carinho, aí com o tempo amadurece
aquele namoro e vem o desejo.
P38: Então, se ocê tem filha, se ocê fala uma coisa com ela nesse
ponto...[para iniciar a vida sexual mais tarde] ela vai falá que a mãe é careta.
Ocê entendeu?
P42: E eles não têm medo [de ter a primeira relação sexual jovens e sem
casar]. Eles acham que é normal.
(Grupo 7, 50 a 59 anos, Baixa Escolaridade, Branca).
5.2.5 Brancas entre 50 e 59 anos, alta escolaridade
Entre as brancas de alta escolaridade, embora haja controvérsias sobre a existência de
uma idade mais adequada para a primeira relação sexual, muitas apontam 18 anos como um
ponto de referência para o início da vida sexual. Atualmente, na visão destas participantes, as
88
jovens estão iniciando a vida sexual muito cedo e isto faz com que muitas fases da vida sejam
puladas e uma série de projetos, interrompidos. Estas mulheres também acreditam que, além
da idade, o amadurecimento é um elemento que permite que uma jovem tenha sua primeira
relação sexual. O diálogo abaixo mostra estas questões.
P74: Eu acho que deve tê pelo menos... mais...idade.
P77: Deixá amadurecê um pouquinho mais, né?
P79: É. Esse negócio de começa... igual essas adolescentes de doze, treze,
catorze anos, tá muito jovem.
P76: Hoje é tudo muito rápido. Melhor é esperar mais...
P74: Eu acho que a idade certa é dezoito anos.
P79: Com 18 anos é mais adequado.
P77: Talvez com dezesseis anos...
P79: Não. Dezesseis não, É muito cedo.
P74: Dezoito mesmo.
P78: Dezoito, é. Uma idade boa.
P79: Eu acho que não tem uma idade marcada, não.
P74: É, mais aí podem achá que é com doze, então...
P76: Mas, também não acho com doze, treze anos deve namorá...
P79: Essa fase da adolescência é tão boa, que a gente tem tanta coisa que
num deve sê interrompida prá podê passá prô namoro, prum relacionamento
mais profundo ....
P75: Mas, se a gente tivé que escolhê uma idade seria... [aponta para a
participante que menciona 18 anos]
(Grupo 12 , 50 a 59 anos, Alta Escolaridade, Branca)
Além dos aspectos mencionados, as brancas de alta escolaridade, da coorte mais velha,
ressaltam que, para iniciar a vida sexual, uma jovem tem que encontrar um parceiro ideal e
que a valorize. Para elas, isto é fundamental porque, para a mulher, a primeira relação sexual
é um acontecimento que marca para sempre e que ela irá recordar pelo resto de sua vida.
89
P77: Eu acho assim, começou namorar, tá namorando, ambos tão
apaixonados, aí pronto.
P78: Com a minha filha, eu sempre falei com ela o seguinte: não transa por
transar. Nunca falei que é proibido transar. Procura a hora certa, a pessoa
certa, mais ou menos na idade certa. Eu sei que quando ela transou, ela já
estava na faculdade, já estava namorando com... quase dezenove anos.
Então, eu acho que prá ela foi a idade certa. Mas, eu nunca falei que isso é
proibido, que não se deve fazer. Eu sempre disse: procure uma pessoa prá te
valorizar, a primeira vez. Prô cê num fazer, igual aqueles colegas, que eu
sabia que fazia em escada de prédio, dentro de carro...
P78: Tem que ser isso. Então, a mulher tem que pensar que vai ser, queira
ou não queira, vai ser a primeira vez, vai ser uma coisa que vai te marcar,
prô cê lembrar. Então, isso eu passei prá ela...
(Grupo 12 , 50 a 59 anos, Alta Escolaridade, Branca)
5.2.6 Síntese
As vozes das mulheres de diferentes gerações e perfis sócio-demográficos indicam que
não existe uma norma única a respeito da idade de início da vida sexual, na verdade, ela é
diferente para mulheres de diferentes grupos etários e escolaridade.
As falas das jovens negras revelam alguns aspectos importantes. O primeiro refere-se
ao fato que não existe um consenso a respeito da existência de uma idade ideal para que uma
mulher inicie sua vida sexual. As jovens negras e de baixa escolaridade acreditam que a
mulher deve esperar, pelo menos, até os 18 anos de idade para ter sua primeira relação. A
pouca maturidade, a menor capacidade de dizer “não” ao homem e o pouco preparo para
cuidar de um filho, vistas como características de uma mulher com menos de 18 anos, são
apontadas, por estas participantes, como as principais razões para que as mulheres esperem
mais para iniciarem sua vida sexual. É interessante observar que a maior parte das
participantes negras de baixa escolaridade foi mãe adolescente. Este fato pode ajudar a
explicar o motivo que leva estas mulheres a enfatizarem a importância de esperar para ter a
primeira relação sexual. Possivelmente, estas jovens tiveram que amadurecer mais cedo para
assumir as conseqüências da vida sexual. Já as negras de alta escolaridade argumentam que
não existe uma idade ideal para que a mulher inicie sua vida sexual. Para elas, uma jovem só
deve iniciar sua vida sexual se tiver possibilidades de usar contraceptivos e de assumir a
gravidez, caso ela aconteça.
90
O segundo aspecto relevante observado na fala das jovens negras, tanto de baixa
quanto de alta escolaridade, refere-se ao fato de que a gravidez não planejada é o resultado
mais temido da relação sexual. Isto pode ser porque a gravidez é algo bastante imediato e
mais visível do que uma DST ou até mesmo do que a AIDS. As doenças sexualmente
transmissíveis e a AIDS são mencionadas como uma preocupação pelos grupos de alta
escolaridade, provavelmente, porque as mais escolarizadas são mais capazes de avaliar as
conseqüências de uma doença sexualmente transmissível, quando comparadas com as
mulheres menos escolarizadas.
Para as jovens brancas e de baixa escolaridade, embora não exista uma idade ideal
para que a mulher tenha sua primeira relação sexual, o mais adequado seria esperar até mais
tarde. Para elas, quanto mais cedo a jovem inicia a vida sexual, mais cedo irá experimentar os
eventos como o casamento e a maternidade. As jovens brancas e de alta escolaridade também
acreditam que não existe uma idade correta para que a mulher tenha a primeira relação,
contudo, o melhor seria que esperassem até mais tarde. Para estas jovens, a maturidade, a
oportunidade e ter um companheiro indicam que a relação pode acontecer, independente da
idade. Ter maturidade, na concepção destas participantes, significa que a jovem está
preparada para assumir os riscos e as conseqüências de uma relação sexual. É importante
ressaltar que, elas, o uso de contracepção durante a primeira relação sexual está muito mais
vinculado à proteção contra doenças sexualmente transmissíveis do que à gravidez, vista por
elas como um evento muito distante, já que ainda não concluíram a universidade e a chegada
de um filho representaria, além da interrupção dos estudos, a limitação da liberdade sem
responsabilidade. Questões relacionadas ao nascimento do primeiro filho são abordadas em
um capítulo posterior.
Entre as negras da geração mais velha, tanto as de baixa quanto de alta escolaridade,
acreditam que é melhor que a mulher espere para iniciar sua vida sexual. Assim como as
negras de baixa escolaridade da geração mais jovem, as negras de baixa escolaridade, entre 50
e 59 anos, também alegam que a primeira relação sexual não deveria acontecer antes que a
mulher tivesse, pelo menos, 18 anos. Na visão destas participantes, ao esperarem até os 18
anos para iniciarem sua vida sexual, as jovens têm a oportunidade de se preparar para o
futuro, concluindo, pelo menos, parte de sua educação. As de alta escolaridade argumentam
que as jovens que iniciam muito cedo a vida sexual estão sujeitas a traumas emocionais, pois
não estão preparadas para escolher o parceiro e não sabem se, realmente, desejam ter a
91
relação. Entre as participantes brancas da geração mais velha, a questão da idade é polêmica.
As de baixa escolaridade alegam que não tem idade para que uma mulher inicie sua vida
sexual. O fundamental é que exista carinho e um relacionamento mais maduro. Entre as de
alta escolaridade, as opiniões são divididas: enquanto algumas dizem que não tem idade para
a primeira relação, outras acham que a jovem deve esperar até os 18 anos. As brancas de alta
escolaridade que defendem que é melhor esperar para ter a primeira relação, postulam que as
jovens que iniciam a vida sexual antes dos 18 anos têm seus projetos de vida comprometidos,
pois algumas atividades são interrompidas e muitas etapas são saltadas.
A primeira relação sexual implica, necessariamente, na perda da virgindade. Assim, o
próximo item analisa o que as mulheres pensam sobre virgindade.
5.3 A questão da virgindade
Vista como um marco na diferenciação das gerações, a questão da virgindade foi
discutida em praticamente todos os grupos focais. No discurso de muitas participantes,
persiste a mensagem de que existe uma cobrança, bastante intensa, para que as jovens de hoje
em dia iniciem sua vida sexual mais cedo. A pressão para que a jovem tenha sua primeira
relação sexual, segundo uma grande parte das participantes, é feita, principalmente, pelas
amigas. Os meios de comunicação também são apontados como um mecanismo que exerce
uma influência importante na forma como as pessoas, atualmente, encaram a questão da
virgindade. Adicionalmente, as falas dos grupos indicam mudanças expressivas nas normas e
atitudes relacionadas à virgindade. Enquanto entre as mais velhas havia uma cobrança para
que a mulher permanecesse virgem até o casamento, entre as mais novas, a pressão é para que
elas iniciem sua vida sexual o mais cedo possível. Para muitas, embora os pais de hoje em dia
sejam mais flexíveis em relação à virgindade, do que eram os de gerações passadas, ainda
mantém uma postura mais tradicional e esperam que suas filhas tenham a primeira relação
sexual o mais tarde possível, de preferência depois de casadas. Em relação ao papel da
virgindade na sociedade atual, MIRANDA-RIBEIRO (1997) lembra que, embora hoje em dia
os namoros tenham se tornado mais liberais, a virgindade ainda tem um papel central na
construção, na manutenção e na perda da boa reputação. De acordo com CASTRO,
ABRAMOVAY & SILVA (2004), a virgindade ainda continua sendo um marco na
diferenciação do comportamento de homens e mulheres. Nos grupos focais realizados em
diferentes capitais brasileiras, as autoras constatam que, para muitos participantes, a
92
experiência sexual mais cedo está vinculada à idéia de desvalorização da mulher. O discurso
que valoriza a mulher pela virgindade, de acordo com as autoras, está presente entre jovens de
ambos os sexos e, também, entre pessoas de gerações diferentes. Segundo elas, são inúmeras
as falas que apregoam a virgindade como um valor e que difundem a idéia de que as jovens
“deveriam se guardar” virgens até o casamento. Para os homens, por outro lado, as autoras
constatam que ainda persiste uma forte pressão social para que a vida sexual ocorra o mais
cedo possível, pois, no imaginário social, quanto mais cedo se der essa iniciação, mais
experiência e eficiência os rapazes levam para a vida adulta. Este discurso, segundo os
resultados obtidos pelas pesquisadoras, é sustentado tanto pelas próprias mulheres, quanto
pelos homens, sendo que os pais colaboram para sua manutenção.
Este item vai abordar questões sobre virgindade, considerando partes de diálogos que
aconteceram nos grupos focais. A análise é voltada, especificamente, para o significado que
mulheres de diferentes perfis atribuem à virgindade e como estes significados se relacionam
com o comportamento sexual adotado por estas mulheres.
5.3.1 Negras entre 20 e 24 anos, baixa escolaridade
Os depoimentos das jovens negras e de baixa escolaridade mostram que a virgindade
ainda permanece como um valor importante e como um demarcador das diferenças de gênero.
Enquanto, para a mulher, ser virgem representa uma possibilidade de ser valorizada, para o
homem, a virgindade não tem este mesmo significado. Segundo as participantes, ela não é um
requisito importante ou necessário para que o homem seja bem visto em seu círculo de
amizades, entre as mulheres ou até mesmo em sua família.
Na visão destas jovens, a preservação da virgindade feminina até o casamento tem um
lado positivo e um negativo. O lado positivo é que a mulher virgem pode ser mais valorizada
pelo companheiro. O lado negativo é que, ao deixar para conhecer sexualmente o parceiro
somente depois do casamento, a mulher pode enfrentar uma situação de incompatibilidade
sexual e se sentir frustrada, optando, posteriormente, por uma separação. As falas a seguir são
elucidativas neste sentido.
M: E virgindade? O que jovens como vocês pensam sobre isto?
93
P4: Eu acho que virgindade é importante...se eu pudesse casar de novo,
casaria virgem. Acho que isso valoriza a mulher, valoriza um pouquinho
mais o casamento...pra quem vai casar vestida de noiva na igreja...
P2: Tipo assim, uma menina... querendo casá virgem, ela pensa: vô esperá
aquele home, e vai, e casá virgem com aquela pessoa. E depois do
casamento viu que não era aquilo que era queria, que ela pensou, vai e...
separa.
P3: Tipo assim, eu acho que... em muitos casos... a mulher casa virgem e o
home não, né? Prá ele isso não é importante. É tipo assim, a gente dedica,
quer se entregá prá aquela pessoa, mas, depois que se entrega, não é aquilo
que a gente qué.
(Grupo 1, 20 a 24 anos, Baixa Escolaridade, Negra)
Neste estudo, entrelaçados aos depoimentos que sugerem que a virgindade permanece
como um valor importante, estão, também, depoimentos que revelam a existência de uma
pressão social para que as jovens iniciem sua vida sexual e percam sua virgindade. Os
maiores apelos para que a virgindade seja perdida surge entre as amigas, as quais fazem
comentários jocosos sobre o fato de uma jovem ainda não ter tido sua primeira relação sexual.
O comportamento do grupo assume, portanto, um papel fundamental na forma como a
virgindade é percebida entre os jovens. Algumas jovens revelam, por exemplo, que ser virgem
em um grupo onde a maior parte não é resulta, geralmente, num tratamento diferenciado. De
acordo com as jovens negras de baixa escolaridade, o fato de ser virgem pode ser motivo para
rejeição e críticas por parte de pessoas do mesmo grupo. O diálogo a seguir revela estas
questões.
P48: Você tá ficando passada, hein! Você tá ficando velha. (risos).
P45: É. Vai deixá pra terra comê? É assim que dizem... (risos).
P44: É, você vai deixá pra terra comê? Todo mundo te pergunta.
(gargalhadas).
P49: ...se você fô vê...numa escola de adolescente de dezesseis a dezoito
anos, a maioria delas tem uma vida sexualmente ativa. Então... se todas as
meninas naquele meio têm uma vida sexual ativa e eu não, de repente elas
vão me tratá como a diferente. Eu acho que isso influencia muito.
(Grupo 8, 20 a 24 anos, Baixa Escolaridade, Negra)
94
5.3.2 Negras entre 20 e 24 anos, alta escolaridade
Os depoimentos das negras jovens e de alta escolaridade também deixam evidente
que, mesmo hoje em dia, existe uma preocupação, por parte das mulheres, em se “guardar”
para o marido. A perda da virgindade, na concepção de algumas destas participantes, é vista
como algo muito especial e a primeira relação sexual só deve acontecer quando a mulher
encontrar um companheiro que dê o devido valor para o “tesouro” que ela conserva para lhe
oferecer. Assim como as negras de baixa escolaridade, as de alta escolaridade acreditam que,
mesmo se “guardando” para o homem ideal, a jovem corre o risco de entrar na relação e não
ser valorizada pelo companheiro. Neste caso, a frustração com a situação parece ser o
sentimento mais comum. O diálogo a seguir é elucidativo neste sentido.
P22: ...a moça tenta se guardar prô marido... pensando na questão da
virgindade como um tesouro. Assim... do que ela tem de melhor prá
oferecer.
P21: É. E de repente ela se casa e ...ela espera uma valorização do marido,
pelo fato dela ter se guardado prá ele. E quando ela percebe que não
acontece essa valorização aí que ela diz: ah, não acredito.. (risos).
P24: Eu me guardei prá esse cara, olha o quê ele faz. Quando acontece uma
situação assim, aí que vem essa frustração. Quando... não... não tem aquela
valorização que ela esperava.
P22: Você cria uma... uma expectativa tão grande, né? De uma coisa tão
mágica...
P19: Assim, a probabilidade de se frustrar depois é... é bem maior.
(Grupo 4, 20 a 24 anos, Alta Escolaridade, Negra).
Mesmo acreditando que permanecer virgem até o casamento não é sinônimo de
satisfação sexual e de valorização pelo companheiro, algumas jovens negras de alta
escolaridade revelam que gostariam de se casar virgens. Para elas, o fato da pressão para que
a mulher se case virgem ter diminuído, faz com que elas banalizem os relacionamentos e se
desvalorizem, tendo relações sexuais somente porque as demais pessoas estão tendo.
Adicionalmente, para estas mulheres, a questão da virgindade, ou o fato de ser virgem, ainda
continua sendo um motivo para críticas. O diálogo a seguir revela estes aspectos.
95
P33: Eu acho que isso modificou. Antigamente,... a maioria das pessoas
casava virgem. Era uma pressão até mesmo social.
P31: Verdade.
P33: Hoje em dia isso modificou um pouco....é mais uma questão de
princípio até mesmo dentro da família...
P35: ...igual eu falei, eu namoro há três anos. Eu não, não tive relação e não
pretendo tê. Eu queria mesmo, é o sonho mesmo, casá sem... eu acho que
não precisa necessariamente você ir já com alguma experiência. Mesmo
porque eu acho assim... que... a banalização tá tão grande, né? ... Eu acho
que a gente tem que se valorizá, apesar de que, igual ela falô, se amanhã ou
depois achá que tá na hora e tudo, tudo bem... mas, eu acho que não tem que
sê feito porque tá todo mundo fazendo. Agora, é, é, é... mudô, os tempos
mudaram. Agora, você já não tem que casá,... mais virgem e tal.
P31: Então assim, eu acho que... por mais que a sociedade tenha mudado
...acho que é... tudo questão de valor mesmo. É uma coisa minha, é um
princípio meu.
P34: ...essa questão da virgindade é motivo de crítica, de risada.
(Grupo 6, 20 a 24 anos, Alta Escolaridade, Negra).
O papel dos meios de comunicação na forma como a virgindade é tratada na sociedade
atual é apontado por algumas jovens negras de alta escolaridade. Uma das participantes
lembra as críticas e pressões vividas por Edwiges, personagem interpretada por Carolina
Dieckmann na novela das oito da Rede Globo, Mulheres Apaixonadas, que foi ao ar na época
da pesquisa de campo. Na visão da participante, havia uma pressão muito grande para que
Edwiges, uma jovem que prezava a virgindade, tivesse seu primeiro relacionamento sexual
com o namorado, que era muito “malhada” porque se mostrava relutante em ter este
relacionamento. Segundo estas participantes, críticas para pessoas que fazem a opção de
permanecerem virgens, não deveriam ser aceitas. A influência dos meios de comunicação,
particularmente da televisão, na forma como as pessoas percebem muitos acontecimentos é
apontada em pesquisas anteriores, as quais revelam que, geralmente, a televisão mostra estilos
de vida baseados na classe média e alta carioca. Neles, as mulheres são, sexualmente, mais
liberadas, e a censura para o sexo antes do casamento é muito pequena ou inexistente, o que
pode influenciar a maneira como as pessoas pensam e agem (KAUFMANN, 1991;
96
MIRANDA-RIBEIRO, 1997). Uma parte do diálogo entre jovens negras de alta escolaridade
expressa as percepções apresentadas por estas participante.
P83: A cobrança é muito grande. E assim... chega uma hora que você pira,
sabe?
P85: Uai! A própria novela agora... você vê o pessoal, todo mundo
malhando a pobre da menina lá, porque ela tinha de transá com o namorado
de qualquer maneira [referindo-se à personagem de Edwiges, vivida por
Carolina Dieckmann, na novela das oito da Rede Globo, Mulheres
Apaixonadas] Eu falei: gente, que coisa impressionante.
(Grupo 13, 20 a 24 anos, Alta Escolaridade, Negra)
As falas de algumas jovens negras e de alta escolaridade também ressaltam a idéia de
que, atualmente, existe uma cobrança para que a mulher deixe de ser virgem. A opção por
continuar virgem, particularmente se a mulher tiver um namorado, é apontada, por estas
jovens, como um fato que surpreende muitos amigos. Continuar virgem é considerado um
comportamento fora dos padrões normais e criticado pelas pessoas do mesmo círculo. Embora
reconheçam que existe uma cobrança, principalmente das amigas, em relação à perda da
virgindade, estas jovens argumentam que a relação sexual não deve acontecer somente porque
os amigos estão pressionando, mas sim se ela for uma opção da própria mulher.
P53: Às vezes, se você tá namorando há um certo tempo, as pessoas já
cobram isso de você: prá tê relação com o namorado.
M: Quem cobra?
P53: Quem cobra são os amigos, é...
P52: E você não tem que cedê também, porque é uma opção sua continuar
virgem, num tem que cedê porque os amigos cobram.
P51: É, com certeza.
P53: Tem cobrança sim. Aliás...
P51: Se tem, eu nunca vi.
P53: Tem sim... às vezes você viaja com namorado, num sei o quê. Ah! Mas
vocês não vão dormir no mesmo quarto, não sei o quê. É... às vezes quando
97
você... tem mais tempo de namoro, as pessoas assustam com isso” [o fato de
continuar virgem].
P50: Mas isso é muito comum [ser virgem].
P54: Mas sai um pouco fora.
P53: Se você não tem aquele comportamento, então, as pessoas, assim, às
vezes não criticam abertamente, mas, elas se assustam. Isso é uma crítica.
(Grupo 9, 20 a 24 anos, Alta Escolaridade, Negra).
A seguir estão as visões das jovens brancas acerca da virgindade. Mais uma vez são
comparados os grupos de baixa com os de alta escolaridade.
5.3.3 Brancas entre 20 e 24 anos, baixa escolaridade
Entre as brancas, jovens e de baixa escolaridade, a questão da virgindade é vinculada à
valorização da mulher. Para elas, nos dias de hoje, a mulher está sendo desvalorizada pelo
homem porque o procura para iniciar sua vida sexual, ou, nas palavras das participantes, “se
oferece”. As falas das jovens deste grupo também indicam que, além da responsabilidade pela
valorização ser uma tarefa feminina, ela só é conquistada se a mulher preservar a sua
virgindade, não se “oferecendo” ao homem. Aquelas que perdem a virgindade, segundo a
concepção das participantes deste grupo, “não são flores que se cheirem”. O diálogo a seguir
retrata esta concepção.
P98: Ah! Os namoros de hoje em dia tão, tão assim que... (risos) num dá prá
falá muito.
P101: Tão desvalorizando a mulher, né?
P103: As mulheres ficam bem... desvalorizadas.
M: É? Por que os homens estão desvalorizando as mulheres.
P100: Ah! Hoje em dia é difícil. Um ali... enrola a mulher, depois sai fora,
arruma outra. Tá tudo assim. Tudo descarado.
P102: Mas, isso depende delas também, né?
P101: É. Também depende da mulher ... se a mulher não for flor que se
cheira...
98
P103: É. Eu acho que as mulheres ...podiam se valorizá melhor, né? Elas
que tem que se valorizá.
M: E o quê que elas fazem para desvalorizar?
P98: Se oferecem, né?
P99: Tem muita mulher que se oferece prô homê, perde a virgindade e
pronto.
P101: É. Hoje em dia...tá muito assim...a mulher qué perde a virgindade e se
oferece..
P99: Não, não é o homem que procura a mulher. Tem mulher que insiste e
sai e vai atrás do homem.
(Grupo 16, 20 a 24 anos, Baixa Escolaridade, Branca)
5.3.4 Brancas entre 20 e 24 anos, alta escolaridade
Já as jovens brancas de alta escolaridade enfatizam a existência de apelos e de pressão
para que, atualmente, as mulheres jovens iniciem a vida sexual. Elas também ressaltam que
muitas pessoas, ao saberem que uma mulher jovem ainda é virgem, expressam um certo
espanto. Para elas, a importância e valorização da virgindade se transformaram. Enquanto as
mulheres de gerações passadas eram valorizadas por serem virgens, hoje em dia, uma mulher
que decide se casar virgem é motivo de crítica. A questão da valorização da mulher, segundo
estas participantes, atualmente, já não reside mais no fato dela permanecer virgem, mas sim
ao contrário. O diálogo a seguir elucida estas questões.
P58: As pessoas hoje te perguntam espantadas: você é virgem?
P61: Antigamente, se não era, tinha surpresa, né?
P64: Você vê como que as coisas mudam...
P66: Antes, ser virgem era ser valorizada...hoje...
P64: Não, uma pessoa que quer casar virgem, coitada, ela...
P65: É muita influência da mídia, sabe?
P61: É novela.
P63: Virgem agora é coisa de passado...
99
P62: É motivo... antigamente era motivo... você... quando transava, era
motivo de zombaria. Nossa! Que pilantra e tal. Hoje, se você num faz isso,
você é motivo de sê... boba, sabe? De gozação das pessoas.
(Grupo 10, 20 a 24 anos, Alta Escolaridade, Branca)
Além dos aspectos mencionados, na percepção das jovens brancas de alta
escolaridade, assim como na das negras de alta escolaridade, a mídia, em particular as
novelas, tem um papel importante no estabelecimento dos valores relacionados à virgindade.
Além disto, as jovens brancas de alta escolaridade também mencionam a existência de
diferenças regionais em relação à questão da virgindade. Para elas, nas cidades de interior, as
mulheres ainda continuam sendo valorizadas por serem virgens e o preconceito com as não-
virgens é percebido nas atitudes dos homens. Na capital, a forma de encarar a virgindade, tal
como sugerem as falas destas participantes, é diferente do interior, o qual segundo elas, parece
ter parado no tempo. MIRANDA-RIBEIRO (1997) também obtém resultados similares em
seus grupos focais. Segundo a autora, algumas jovens também relatam diferenças regionais na
percepção da virgindade, alegando que, na capital, ou nas cidades maiores, as atitudes, idéias
e comportamentos com relação ao sexo são mais permissivos do que em localidades menores.
O diálogo, a seguir, mostra estas questões.
P61: Mas, eu num sei. Vocês vieram do interior... também, né? Eu morei um
tempo no interior. Então, a coisa aqui em Belo Horizonte é muito diferente
do que eu percebi na cidade que eu morei.
P62: Como assim?
P60: Porque a coisa lá [na cidade do interior], ela parece que parô mesmo no
tempo. (risos).
P60: Continua tendo problemas. Ah! A menina num é virgem mais, e tal.
Não que ela vai tê... tem que casá virgem. Mas... existem alguns problemas
assim, certos preconceitos masculinos com relação à mulher que não é mais
virgem...
P64: Eu acho que é medo...
(Grupo 10, 20 a 24 anos, Alta Escolaridade, Branca)
100
Se, na concepção das participantes mais jovens, a pressão para que a mulher se
preserve virgem até o casamento diminuiu nos tempos mais recentes, e até se revertem no
sentido de rejeitar a virgindade feminina, o que as mulheres de uma geração mais antiga
pensam sobre o assunto? A discussão que segue enfoca a visão das mulheres entre 50 e 59
anos.
5.3.5 Negras entre 50 e 59 anos, baixa escolaridade
Na percepção das mulheres da coorte mais velha, negras e de baixa escolaridade,
atualmente existe uma cobrança muito grande para que as jovens deixem de ser virgens. Para
não se sentirem constrangidas com o fato de ainda serem virgens, muitas jovens acabam
mentindo sobre o fato de já terem, ou não, tido uma relação sexual. Além disto, as falas destas
mulheres também enfatizam a importância atribuída à virgindade na época em que eram
jovens. Segundo elas, as mulheres que não eram virgens ao casar poderiam ser devolvidas à
família de origem, caso o noivo percebesse, ou desconfiasse, que elas já haviam tido um
relacionamento sexual. De acordo com a fala destas mulheres, a mensagem de que uma jovem
deveria preservar a virgindade era enfatizada pela família, particularmente pela mãe, a quem
cabia conversar sobre o casamento e sobre a noite de núpcias. Em seu estudo sobre a transição
da sexualidade no Brasil, MIRANDA-RIBEIRO (1997) aponta que, entre as mulheres das
gerações passadas, a perda da virgindade poderia significar a ruína da reputação de uma
mulher. Além disto, uma jovem que tivesse perdido sua virgindade teria uma redução drástica
nas chances de se casar na Igreja, de véu e grinalda. Na verdade, segundo os resultados
encontrados pela autora, nas gerações mais velhas, uma mulher poderia ser devolvida após o
casamento se o noivo soubesse que ela já não era mais virgem.
P16: Hoje... as moças têm vergonha de falá que é virgem.
P18: Elas têm vergonha.
M: Por que vocês acham que elas têm vergonha?
P17: Uai, eu, acho que é porque sempre tem uma cobrança que... às vezes
pode até sê virgem, mas, não quer contar não. Não quer dá o braço a torcer
pra não ser motivo de chacota, né?
P16: A virgindade, na minha época era... coisa que deveria ser guardada...
muito bem guardada. Moça que não era virgem na minha época, não tinha
101
mesmo valor. E era, inclusive o que a minha mãe passava prá mim assim
que... se no dia do casamento, se a gente não fosse virgem o rapaz devolvia
a gente prô pai. Eu sempre ficava com aquela... expectativa, né?. E... eu
sempre tinha aquela... aquela, aquela cisma, né? Que sempre eles falavam: a
moça que não é virgem, ela é devolvida.
(Grupo 3, 50 a 59 anos, Baixa Escolaridade, Negra)
5.3.6 Negras entre 50 e 59 anos, alta escolaridade
As mulheres negras de alta escolaridade, entre 50 e 59 anos, não apresentam uma
visão homogênea a respeito da importância atribuída à virgindade atualmente. Enquanto
algumas participantes acreditam que ser virgem ainda é relevante, outras enfatizam que a
virgindade, hoje em dia, não é mais um aspecto tão valorizado. Para muitas, atualmente, a
maior preocupação das jovens está associada à possibilidade de encontrar um parceiro ideal,
ou seja, alguém em que elas confiem e com quem tenham mais afinidades. A pressão para
perder a virgindade, tão mencionada em outros grupos, segundo a percepção destas mulheres,
não existe mais. Segundo estas participantes, casar virgem, ou não, já não é um dilema para as
jovens de hoje. O diálogo a seguir mostra o que as mulheres negras, de alta escolaridade, entre
50 e 59 anos, pensam a respeito da virgindade.
P108: Eu acho que é importante ser virgem, sim.
P107: Eu não sei...
P105: Eu acho que não.
P104: Eu acho que não, mas, tem que está...
P107: Preparada para perder...
P108: Ter maturidade, pelo menos, né? No caso das minhas filhas, e dos...
dos amiguinhos que eu conheço dela. Que... elas não fazem... não estão
fazendo questão, porque eu acho que uma época, houve uma época que
quanto mais jovem perdesse a virgindade era mais legal. Hoje, pra elas isso
já não tem importância.
P104: Não existe essa pressão mais, né?
P106: Não existe pressão.
P105: De deixá de ser virgem.
102
P104: Num é careta mais, né?
P108: É. Então, hoje elas não fazem questão de perder a virgindade assim,
né? Irresponsavelmente ou...
P107: Por perder, né? Transar por transá.
P108: Por perder, né? E num importa se tem quinze, dezesseis, dezessete
anos, né? Num tem uma idade. Hoje eu vejo que elas não se incomodam de
casá virgem, mas, se incomodam sim de... de se entregarem prá pessoas que
elas... não têm confiança, que tem mais haver com elas, né? Que tenha um
relacionamento mais...saudável.
P106: Mais próximo. Mais... seguro, sei lá. Mais profundo.
(Grupo 17, 50 a 59 anos, Alta Escolaridade, Negras)
Ao serem indagadas sobre como a virgindade era vista no tempo em que em que
estavam na juventude, as negras de alta escolaridade ressaltaram que a virgindade era
associada com a reputação da mulher. Segundo elas, havia uma separação social bastante
clara entre a mulher que se conservava virgem e aquela que havia perdido a virgindade. As
virgens eram vistas com bons olhos pela sociedade. Aquelas que não eram virgens eram
rotuladas como “galinhas” ou “cocotas” e corriam o risco de não se casarem.
P104: Se alguém descobrisse que a gente tinha perdido a virgindade, era
falada, né? Mulher falada.
P105: Perdia a moral.
P108: Nem casava, né? Às vezes nem casava.
P109: Ficava como se fosse uma marca.
P104: É. A reputação da mulher naquela época, naquele tempo lá, né?
Quando era jovem a reputação da gente ficava exatamente entre as pernas.
P104: Todo mundo sabia se você era virgem ou não. (risos).
P106: As meninas que transavam, todo mundo sabia que elas já não eram
virgens...Tinha uma separação.
P108: Tinha. As galinhas, as cocotas, as num sei o quê. Tinham um rótulo
as meninas que transavam, né? E... e a gente que num transava, que era
103
mais... que era careta tinha até... um desconforto de ficar junto com essas
meninas.
P104: Ah! Não podia.
P107: É, aí a gente ficava com... um rótulo ... que se a gente andasse com a
fulana de tal. Ah, não, fulana de tal... não pode andar com ela não.
P107: Era como se fosse uma doença.
P107: Uma doença grave. Contagiosa. (risos).
(Grupo 17, 50 a 59 anos, Alta Escolaridade, Negras)
Os diálogos a seguir revelam o que as mulheres brancas pensam a respeito da
virgindade.
5.3.7 Brancas entre 50 e 59 anos, baixa escolaridade
Apesar de acreditarem que hoje em dia estão mais abertas e preparadas para
conversarem com suas filhas sobre temas como a virgindade, há relatos de participantes
brancas da coorte de 50 a 59 anos que sinalizam a existência de dificuldades em lidar como o
tema no âmbito familiar. No testemunho a seguir, está a indicação de uma das participantes a
respeito do problema que teve em dialogar com a filha, quando soube que a mesma havia tido
uma relação sexual com o namorado. Outro aspecto importante que esta fala traz à tona se
refere à ligação estabelecida entre experiência sexual e casamento. Na concepção desta
participante, o relacionamento sexual entre namorados pode servir para indicar se o
casamento deve, ou não, acontecer.
P38: Eu acho que por mais que a gente procure acompanha tudo isso, a
gente não consegue...eu sei que minhas filhas não contam tudo prá mim. Eu
quero que elas estejam bem preparadas, eu não acho que as mulheres
precisam se guardar. Eu achava, né? Eu falava isso, né? Eu acho mulher não
tem que [se guardar] ... porque eu acho que se eu não tivesse me guardado,
se eu tivesse experimentado antes, não teria casado com ele, né? Então, eu
pensava isso, tudo isso. Eu pensava assim: eu vô prepará minhas filhas, eu
vô prepará as minhas filhas. A... minha terceira filha, com quatorze anos, eu
peguei ela num flagra, no maior... garra [sexo] com o rapaz no sofá, foi um
susto, né? Aí, a gente tenta, né?
(Grupo 7, 50 a 59 anos, Baixa Escolaridade, Branca)
104
A visão apresentada anteriormente é compartilhada por muitas companheiras do
grupo, as quais mencionam que também acham muito difícil ter um diálogo aberto sobre sexo
com seus filhos e filhas. Além disto, elas também revelam que se casavam sem saber nada
sobre sexo e com muito medo do que aconteceria na noite de núpcias. Para elas, se soubessem
que não teriam afinidade sexual com o parceiro, e da importância que isto têm na vida de um
casal, não teriam se casado. O diálogo a seguir elucida estas questões.
P42: É muito difícil, né? Essa coisa de falar sobre sexo, da gente abrir
mesmo. De falá claro.
P41: Mas, é muito difícil. Por mais que a gente queira, eles também não se
abrem com a gente totalmente. A mãe não é amiga, a primeira amiga da
filha não.
P40: Agora, a gente mesmo, quer saber de uma coisa, sabe quando eu tive
orgasmo na minha vida? Nunca...como é que vô conversar com minha filha?
Se pudesse, nem teria casado.
P38: Eu vivi com meu marido muitos anos e nunca tive orgasmo com
ele..que casamento...
P43: A gente tinha medo da noite do casamento..
P40: Por isso que eu tô falando, como é que a gente vai conversa com as
filhas...
(Grupo 7, 50 a 59 anos, Baixa Escolaridade, Branca)
5.3.8 Brancas entre 50 e 59 anos, alta escolaridade
Para o grupo de brancas da coorte de 50 a 59 anos e de alta escolaridade, hoje em dia,
as jovens têm muita vergonha de revelar que ainda são virgens. A pressão do grupo é
apontada como uma das razões centrais para que as mulheres mais novas não queiram deixar
transparecer que ainda não tiveram nenhuma relação sexual e continuam virgens. Na
concepção destas mulheres, a televisão também tem um papel importante neste
comportamento, apresentando padrões que devem ser seguidos se um jovem quiser continuar
pertencendo ao grupo, ou à “tribo”.
Além disto, para estas participantes, muitos profissionais de saúde também não estão
preparados para lidar com o assunto quando recebem pacientes jovens. O relato de uma das
participantes sugere que, ao tentarem abrir espaços para um diálogo sobre sexo e sexualidade
105
com as jovens, estes profissionais estão, em muitas ocasiões, atuando como agentes de
pressão, insistindo para saber sobre a vida sexual das mulheres. Na concepção de algumas
mulheres deste grupo, esta postura pode gerar desconforto e descontentamento entre as jovens
que ainda não iniciaram sua vida sexual. As falas destas mulheres estão em consonância com
as das mulheres negras de baixa escolaridade, no sentido de que, para elas, existe uma
cobrança muito grande para que as jovens percam sua virgindade.
P70: Eu acho que é muito mais estar (com ênfase)... porque hoje em dia eu
já vi moças, por exemplo, meninas na televisão, ter vergonha de falá que é
virgem.
P73: A novela tá mostrando isso.
P67: ... as perguntas que se fazem aos jovens é... quando que ocê perdeu...
P72: Sua virgindade. Pergunta-se tanto prô rapaz como, quanto prá moça
um tipo de coisa dessa. E eles têm vergonha de falá que não.
P67: Eu tenho a impressão que muitos, mesmo que não tenham tido a...
P71: É... o relacionamento sexual, fala que teve, prá não ficá tendo gozação
da turma. Prá não ficá sendo criticado pela turma. Então, é aquele negócio
de tribo, prá você sê aceito dentro do...
P73: Da tribo, do grupo, você tem que sê igual a eles. Se você for diferente,
eles não te aceitam. Aí, inclui a questão da... sexualidade, do relacionamento
e outras coisas piores ainda, que é o uso de drogas....
P71: E isso é tão sério, em nível de profissionais competentes como eu pude
vivenciá ontem. A minha filha ...ela foi à ginecologista...ela falô: mamãe, eu
não estou gostando mais daquela médica porque ela fica muito tempo
falando: e a sua atividade sexual, e a sua vida sexual, sabe? Tanto a de vinte
um, como a dezessete. Eu falei: olha, você vai falá prá ela que você não
quer tocá nesse assunto. Você não tem vida sexual ativa...
(Grupo 11, 50 a 59 anos, Alta Escolaridade, Branca)
5.3.9 Síntese
De uma forma geral, é possível dizer que há um consenso entre as participantes dos
grupos focais de que a virgindade ainda continua sendo vista como um atributo feminino importante.
Entre as participantes da coorte mais jovem, somente as brancas de alta escolaridade não percebem a
virgindade como uma característica feminina relevante nos dias de hoje. Mas por que a virgindade é
106
considerada importante? Para algumas jovens, porque ela representa a possibilidade de valorização da
mulher pelo companheiro. Apesar disto, enfatizam que, ao “guardar a virgindade” para o casamento,
a mulher pode estar correndo um risco de perceber, depois de casada, que não tem afinidade sexual
com o companheiro e se sentir bastante frustada por causa disto.
Embora as jovens enfatizem que, hoje em dia, a virgindade ainda é considerada uma
característica desejável entre as mulheres, elas frisam que existem inúmeras pressões para que
uma mulher deixe de ser virgem. Os amigos e a televisão são as principais fontes de incentivo
para que uma menina perca sua virgindade. Algumas jovens lembram, ainda, que o valor
atribuído à virgindade pode variar em função dos locais onde as pessoas vivem. Em cidades
menores, a perda da virgindade é encarada com mais preconceito do que nas cidades maiores.
Em grandes centros urbanos, como é o caso de Belo Horizonte, ser virgem é considerado
quase como um comportamento fora do normal e as pessoas que optam por permanecerem
virgens são motivos de piadas e comentários jocosos. Apesar disto, muitas jovens enfatizam
que gostariam de se casar virgens, pois a liberdade para ter sexo antes do casamento gerou
uma certa banalização nas relações.
A mudança no significado e no valor conferido à virgindade, ao longo dos tempos, foi
apontada por muitas participantes. As mulheres entre 50 e 59 anos revelam que, quando eram
jovens, existiam dois grupos de mulheres solteiras: as virgens e as que não eram mais virgens.
Enquanto as virgens eram valorizadas e bem vistas pela sociedade, as que não eram mais
virgens eram marginalizadas. A virgindade de uma mulher servia, portanto, para lhe garantir
uma boa reputação, definida em uma das falas da seguinte maneira: “Quando era jovem, a
reputação da gente ficava exatamente entre as pernas”. Atualmente, de acordo com todos os
grupos, isto já não ocorre. Entre as participantes da coorte mais velha, somente as negras de
baixa escolaridade são enfáticas ao dizer que a virgindade permanece um atributo importante
nos dias de hoje. Entre as negras de alta escolaridade, o tema é bastante controvertido - para
algumas, ser virgem ainda é importante; para outras, isso é algo que já não tem mais
importância. Entre as brancas, é consenso que a virgindade não é importante. Para elas, ter a
liberdade de iniciar uma vida sexual ainda na juventude e antes de casar faz com que as
pessoas aumentem suas chances de terem casamentos melhores. Para elas,hoje é mais
importante ter experiência”. Assim como para as jovens, a maior parte das mulheres desta
coorte de idade também acredita que existe uma pressão para que as jovens, hoje em dia,
deixem de ser virgens.
107
Os diálogos dos grupos mostram que a primeira relação sexual de uma jovem e a
perda da virgindade ainda são assuntos envoltos em tabus, preconceitos e incertezas. Estudos
sobre sexualidade geralmente enfatizam a resistência, a insegurança e a dificuldade que
muitas pessoas apresentam para conversarem abertamente sobre estes temas (CASTRO,
ABRAMOVAY & SILVA, 2004; MIRANDA-RIBEIRO, 1997). Neste sentido, indaga-se:
com quem as jovens estão conversando sobre sexualidade? Onde elas procuram informações
para sanar suas dúvidas? Estas questões são abordadas no item a seguir.
5.4 As conversas e a busca de informações sobre sexo
De uma maneira geral, há um consenso entre as participantes de que as conversas sobre
temas como a primeira relação sexual e a virgindade, normalmente, não acontecem dentro da
família. Embora muitas reconheçam que o ideal seria conversar com a mãe ou com um
médico ginecologista para esclarecer dúvidas e obter informações corretas sobre questões
ligadas à sexualidade e ao comportamento sexual, elas enfatizam que as informações sobre
estes assuntos são, geralmente, obtidas em conversas com amigas, em programas de televisão
ou em revistas. Uma das conseqüências deste comportamento é a obtenção de informações
parciais ou erradas.
Segundo as mulheres mais jovens, as mães normalmente apresentam posturas mais
rígidas e possuem mais dificuldades para conversarem com as filhas sobre sexo do que as
amigas. A formação que receberam, envolta em preconceitos e tabus, é vista como uma das
maiores razões para tal comportamento. Além disto, muitas jovens enfatizam que uma mãe
dificilmente aceita o pedido de uma filha para ir ao ginecologista sem suspeitar que ela está
querendo iniciar sua vida sexual, ou até mesmo, que já iniciou. Este clima de desconfiança,
assim como o medo de represálias, fazem com que as jovens procurem outras pessoas, ou
outras fontes de informação, quando o tema a ser tratado é ligado ao comportamento sexual.
Para as mulheres da geração mais velha, as dificuldades para conversar sobre sexo
com as filhas são obstáculos que ainda não foram superados. Muitas relatam que ficam
constrangidas e que, pela formação que tiveram, não se sentem à vontade para iniciar um
diálogo neste sentido com seus filhos e filhas. Para elas, pensar que estão preparadas para
estas conversas é uma coisa, mas conversar, de fato, é outra.
O rápido panorama apresentado indica a dificuldade para que os diálogos sobre temas
relacionados a aspectos do comportamento e da vida sexual aconteçam entre mães e filhas.
Diante deste cenário, pergunta-se: com quem as jovens conversam sobre temas relacionados à
108
sexualidade, tais como a primeira relação, virgindade, contracepção, doenças sexualmente
transmissíveis, etc? Onde elas buscam informações para sanar as dúvidas que apresentam em
relação à vida sexual e reprodutiva? E as mulheres da geração mais velha, com quem
conversavam? Onde obtinham informações sobre sexo e sexualidade? Os diálogos, a seguir,
são apresentados com o intuito de esclarecer estas perguntas.
5.4.1 Negras entre 20 e 24 anos, baixa escolaridade
Em relação às conversas com as mães sobre temas relacionados à vida sexual e à
contracepção, a fala de uma das jovens negras de baixa escolaridade indica que diálogos sobre
esses assuntos não ocorrem facilmente. Uma das grandes dificuldades para conversar com as
mães se deve à reação que as mesmas apresentam quando as filhas revelam que já iniciaram
sua vida sexual ou que pretendem iniciá-la. A fala de uma das jovens retrata o embaraço que
muitas mães apresentam para lidar com questões referentes ao comportamento sexual e dá
indícios de que a mãe, mesmo que inconscientemente, não deixa que a filha exerça sua
sexualidade de forma saudável. Não auxiliar na prevenção de doenças sexualmente
transmissíveis e de gravidez configura esta situação.
P2: ...o dia que eu deixei de ser virgem, eu contei prá minha mãe depois de
uma semana....Minha mãe nunca (com ênfase) conversô comigo de verdade.
Quem foi conversar foi uma amiga. Ela falava uma coisinha aqui e outra ali.
Uma vez eu falei assim prá minha mãe: mãe, o dia que eu transá com o meu
namorado, a senhora qué que eu conte prá você antes ou depois? Ela faló
assim: você que sabe. É lógico que eu só fui contar depois. E ela fez um
escândalo (com ênfase). E eu nem grávida tava, né? Só que é o seguinte: eu
acho assim... não digo que a culpa é deles, mas, se eu, com quatorze anos,
chegasse prá minha mãe: mãe, eu tô tomando anticoncepcional. Mãe, eu tô
com cinco camisinhas na gaveta. Mãe, eu quero tomá injeção prá não
engravidá. Ela não consentiria, ela não apoiaria...A família, ela não é... tipo
assim, se a gente quer se prevenir ela não ajuda.
(Grupo 1, 20 a 24 anos, Baixa Escolaridade, Negras)
Adicionalmente, segundo as negras mais jovens e de baixa escolaridade, o ideal seria
que as conversas sobre sexualidade acontecessem em casa mas, uma vez que elas não
acontecem, as jovens conversam e procuram informações em outros locais e com outras
pessoas. O sentimento de vergonha, presente na relação entre mãe e filha, é apontado como o
maior obstáculo para que as conversas sobre temas mais íntimos aconteçam. A falta de
109
diálogo também é apontada como uma das razões que impede que as filhas e as mães
estabeleçam conversas abertas sobre sexo e sexualidade.
Um aspecto interessante colocado por estas participantes se refere à forma como os
contraceptivos são utilizados pelas jovens. A falta de informação adequada, de diálogo com a
mãe e de consulta a um profissional especializado, segundo elas, faz com que muitas utilizem
contraceptivos de maneira indiscriminada.
M: Mas aonde as mulheres, da idade de vocês, buscam informação sobre
sexo? E sobre contracepção, por exemplo?
P45:... a questão é em casa mesmo. E muitas vezes... não acontece isso na
casa [conversas sobre sexo e comportamento sexual]. Então, elas vão
procurá fora, então, pegam informação errada, pela metade...
P47: Eu tomo o anticoncepcional que a minha, minha prima toma. Ocê qué
toma? Aí, você não procura o médico, num faz nada, vai na farmácia e
compra. Pega o anticoncepcional e toma. Você nem sabe... quais são os
efeitos que ele vai fazê no seu corpo. Ocê toma aquilo sem sabe direito o
que pode acontecer.
M: E por que as jovens não conversam com as mães?
P48: Ah! Vergonha.
P46: Se fô olhá, é vergonha.
P49: Não tem diálogo, diálogo mesmo. Igual eu, por exemplo, eu não tenho
diálogo aberto com a minha mãe. Então, talvez, pode sê, um dos casos que...
é... ocorre isso [buscar informação fora de casa].
(Grupo 8, 20 a 24 anos, Baixa Escolaridade, Negra)
Adicionalmente, na visão das jovens negras e de baixa escolaridade, as meninas
brancas, que geralmente fazem parte de famílias com melhores condições de vida, têm um
nível mais elevado de informação sobre aspectos que envolvem a sexualidade e a saúde
reprodutiva. Para elas, isto acontece porque as brancas, além de terem pais mais informados e
abertos ao diálogo, levam as filhas ao ginecologista para receberem informações sobre
contracepção. Já entre as famílias negras, as quais são, em média, mais pobres e têm menor
escolaridade, as questões relacionadas a sexo, sexualidade e contracepção ainda continuam
sendo tratadas como um tabu.
110
Segundo as falas destas participantes, as mães evitam conversar sobre contracepção
com suas filhas porque pensam que, ao tocarem no assunto, podem estar induzindo suas filhas
a iniciarem a vida sexual. A vergonha, segundo estas jovens, também permeia as relações
entre mãe e filha e impede que as conversas sobre sexo e comportamento sexual sejam
estabelecidas. Outro aspecto interessante no diálogo destas jovens se refere ao medo de
repreensão, por parte da mãe, caso ela saiba que a filha utiliza algum método contraceptivo.
M: Mas isso é igual prá todo mundo? [a dificuldade de conversar com as
mães e de obter informações].
P22: .. assim, as brancas, de melhor condição...quando ela é mais nova, o
pai e a mãe levam prá consultar. É...prá tomar anticoncepcional, ou então...
usar diafragma, se quisé, né? ... Também têm meninas que, mesmo se não
usa, já tá... mais informada, né? Posso utilizá essa... palavra. Você já tem
mais aceso a informação. Agora as outras...
P19: É. Nesse ponto eu acho que... é um pouco assim mesmo porque... o que
acontece... isso nem sempre, mas muitas vezes, vem... da formação dos pais.
Os pais que tiveram uma formação a mais... eles geralmente vão querer
conversar mais com os filhos sobre isso [sexo e comportamento sexual].
Vão querer falá: óh, minha filha, óh, é melhor ocês prevenir porque
senão...Eles vão falá mais. E... muitas vezes no meio mais pobre, onde os
pais não tiveram tanta... é... instrução também a respeito disso e... tem um
tabu um pouco de falá...
P23: É, tem vergonha até hoje de falá, né?
P19: Tem vergonha. E, e muitas vezes até pensam que se eles falarem é, é...
como se eles tivessem incentivando os filhos a....
P22: ...a ter relações. Então, muitos deles... se privam, preferem... jogar
algumas coisas tipo... cuidado! Não sei o quê. Mas, abertamente não fala, aí
fica um... um clima, um ambiente meio assim de... a filha, às vezes, a, a
menina tem vergonha te tomá um...um anticoncepcional porque a mãe pode
vê e vai brigá, né? Acontece um pouco isso. Pensando em condições, né? E
considerando que a maioria da população pobre é negra, né? Aí, a gente é...
pensa assim um pouco ainda...
(Grupo 8, 20 a 24 anos, Baixa Escolaridade, Negra)
5.4.2 Negras entre 20 e 24 anos, alta escolaridade
O grupo de mulheres negras de alta escolaridade ressalta que os pais não são as
primeiras pessoas a serem procuradas para conversas sobre sexo. As experiências do início da
111
vida sexual são, geralmente, compartilhadas com amigas. Os pais são procurados para estas
conversas somente quando já conquistaram a confiança de suas filhas. As revistas para
adolescentes são apontadas como uma fonte de informação para superar as dúvidas que
aparecem. Quanto a isto, MIRANDA-RIBEIRO (1997) observa que as fontes de informação
mais utilizadas pelas jovens são as impessoais - revistas e televisão - pois elas evitam as
perguntas, o contato e a vergonha. Nas relações pessoais, os pares assumem o primeiro lugar.
O dialogo a seguir ilustra a visão apresentadas pelas participantes dos grupos.
M: Quando uma pessoa começa a ter relações sexuais, vocês acham ela
procura alguém prá conversar sobre isso? Quem?
P19: Vai procurar, com certeza.
P20: Procura colegas.
P21 e 23: Colegas. As colegas. (risos)
P22: É. Os pais, assim, são poucos. Poucos. É... a não ser que já tenha tido
uma convivência de... de confiança nesse sentido com... a mãe ou com o pai,
aí a... a filha vai falar. Mas, geralmente, vai ser um amigo ou então nas
revistas Querida da vida, né? (risos). Estas revistas aí. Essas coisas.
(Grupo 4, 20 a 24 anos, Alta Escolaridade, Negra)
Além da vergonha, a diferença de idade entre as mães e as filhas também é vista como
um aspecto que dificulta as conversas sobre sexo, sexualidade e contracepção. O depoimento
de uma das participantes sugere que, embora algumas mães não passem informações para
suas filhas através de conversas, elas tentam repassar informações oferecendo livros que
contenham assuntos que possam interessar as filhas. Também segundo estas participantes, as
amigas são as pessoas mais procuradas para sanar as dúvidas em assuntos relacionados à vida
sexual e a contracepção. As falas, a seguir, mostram estes aspectos.
M: Mas, vocês acham que, hoje, as mulheres, quando elas têm dúvidas,
quem que elas procuram prá conversar?
P31: As amigas.
P33: As amigas. (risos).
112
P34: A minha mãe, em especial...hoje ela já tá com sessenta e cinco anos.
Então, ela é daquela... geração que... não chegava e falava com o filho, não
era dessa de conversá. Não tinha isso.... não tinha aquela coisa dela chegá [e
conversar sobre sexo]. Era muito vergonhoso, entendeu? ... até mesmo na
época que a minha irmã mais velha ficou menstruada, a minha mãe, ela não
chegô prá minha irmã e conversô... Ela pegou um livro, falando a respeito
disso e colocô em cima da cama da minha irmã. Foi quando a minha irmã
leu e... começô a entendê, né?
(Grupo 6, 20 a 24 anos, Alta Escolaridade, Negra)
Um aspecto interessante ressaltado pelas negras de alta escolaridade é sobre a
qualidade da informação que recebem quando procuram amigas para conversar sobre
contracepção ou comportamento sexual. Embora confirmem que as amigas são as pessoas
mais procuradas para conversar, as participantes deste grupo ressaltam que, às vezes, as
amigas são tão mal informadas quanto elas. A televisão também é mencionada como uma
fonte de informação, particularmente sobre métodos contraceptivos e a internet surge como
uma nova fonte de informações para as jovens de nível socioeconômico mais elevado. As
falas a seguir revelam a rigidez na atitude da mãe quando a filha procura informações sobre
sexo e mostram onde estas jovens buscam informações para sanar suas dúvidas.
P80: A amiga (com ênfase).
P82: Amiga. (risos).
P83: Às vezes ela é tão mal informada quanto você. Até mesmo pior do que
você.
P85: Agora, a questão de amiga ... eu tenho uma amiga que... se eu chegá
prá ela e falá com assim: como é que eu vô fazê? Como é que eu uso uma
camisinha? Ela cai dura e podre na minha frente. Entendeu? Não tem
informação nenhuma. Então assim... eu tento me informá olhando na
internet, às vezes eu olho...
M: Hum hum.
P85: Em pleno cuidado. Porque... se a minha mãe entrá no quarto e me vê lá
numa sala com alguma coisa de sexo, ela quebra o computador e me enche
de porrada. Então assim, tem que tomá cuidado, né? Mas, tem vezes que eu
dô uma procurada, tento sabê alguma coisa sobre métodos conceptivos. Ou
então, na televisão às vezes passa falando... das pílulas, falando de... outro
método... Então assim, eu conheço um site e vô procurando. Porque se eu
113
chegá e falá: mãe, eu quero usá esse método prá num tê menstruação... ela
acha que vai, que vai transá sem casá, entendeu?
P84: É duro estabelecer um canal de comunicação [com a mãe].
(Grupo 13, 20 a 24 anos, Alta Escolaridade, Negra)
O próximo item apresenta a percepção que jovens brancas possuem sobre a questão.
5.4.3 Brancas entre 20 e 24 anos, baixa escolaridade
Para as jovens brancas e de baixa escolaridade, o parceiro também deve ser capaz de
informar ou esclarecer as dúvidas que as mulheres têm em relação à contracepção e à
sexualidade. Os homens mais velhos, como sugerem as falas a seguir, são vistos como
pessoas que detém um conhecimento maior do que o delas e como pessoas experientes.
P95: Tem vez que a gente pega... uns rapaz mais velho...e eles num explica
nada também. Por exemplo, minha mãe não falô nada prá mim, entendeu?
Aí ocê num sabe nada de remédio, de período fértil e ocê pega um homem
de uns vinte, eu tendo uns quinze, dezesseis anos, e ele uns vinte e
bordoada! Ele tinha que te explicá, né?
P97: Ele é mais experiente. Mais vivido, né? Ele podia pelo menos tê... tê
explicado muita coisa, né? Mas, muitos não explicam.
(Grupo 15, 20 a 24 anos, Baixa Escolaridade, Branca).
A expectativa expressa pelas jovens brancas e de baixa escolaridade, de que os
homens, particularmente aqueles mais velhos do que as mulheres, são mais experientes e
conhecem mais acerca de questões relacionadas com a saúde reprodutiva, é consistente com
os achados de MOORE (2004). Ela observa que, ao relatarem as experiências que haviam tido
em sua primeira relação sexual, as mulheres geralmente apontavam seus companheiros como
detentores de informações que elas não possuíam e que deveriam ser compartilhadas com
elas. Este cenário, onde o homem é tido como o dono do conhecimento, segundo MOORE
(2004), reduz qualquer incentivo para que as mulheres ajam como protagonistas em suas
histórias de iniciação sexual. Na verdade, faz com elas se coloquem inteiramente nas “mãos”
dos homens e fiquem mais expostas às orientações sobre o que é certo e sobre o que é errado
em termos de sexo e, também, em relação a aspectos ligados à saúde reprodutiva.
114
Embora acreditem que os companheiros devem repassar informações para as
mulheres, as jovens brancas de baixa escolaridade relatam que, assim como outras jovens,
procuram as amigas para conversar. Para elas, as conversas com as mães não acontecem
porque as filhas geralmente têm medo e respeito pela figura materna. O diálogo a seguir
retrata as impressões das jovens brancas.
M: E... com quem que vocês acham que as jovens conversam hoje em dia?
P92: Hoje em dia conversam com amigos.
P97: Porque, geralmente, a jovem não tem aquela intimidade com a mãe,
né?
P95: A gente tem que aprendê a dialogá com ela.
P96: Mas, geralmente, ninguém conta prá mãe. A mãe é a última a ficá
sabendo.
P95: Acho que é medo, né?
P97: Não é medo. É o respeito que a gente tem pela mãe...
(Grupo 15, 20 a 24 anos, Baixa Escolaridade, Branca).
5.4.4 Brancas entre 20 e 24 anos, alta escolaridade
Para as mulheres jovens, brancas e de alta escolaridade, as conversas sobre a vida
sexual também acontecem com as amigas. Segundo elas, o fato de terem a mesma idade e
estarem vivenciando as mesmas experiências torna o diálogo com elas mais fácil do que com
as mães.
M: E por que com amiga é mais fácil conversar sobre isso?
P51: Porque elas têm mais ou menos a mesma idade da gente, né?
P50: É. A mesma idade.
P51: A mesma experiência...
P52: Mais abertura, né?
(Grupo 9, 20 a 24 anos, Alta Escolaridade, Branca
115
De acordo com estas participantes, as mães só são incluídas na conversa depois que a
filha já teve a primeira relação. Mesmo assim, esta conversa só acontece quando acontece
alguma coisa inesperada no caminho, que tanto pode ser uma gravidez como uma doença
sexualmente transmissível. Na palavra das participantes: “quando a situação já está de uma
forma que não tem como voltar atrás...” As falas a seguir são elucidativas neste sentido.
M: E aonde é que fica a mãe?
P50: A mãe ainda é um tabu.
P54: A mãe é um tabu mesmo.
P50: Com o tempo você acaba conversando. Mas isso é depois...
P51: Quando... a situação já está... de uma forma que... ela não tem como
voltar atrás.
(Grupo 9, 20 a 24 anos, Alta Escolaridade, Branca)
O médico ginecologista também é citado por algumas participantes brancas e de alta
escolaridade como uma fonte de informação. No entanto, a procura por este profissional
somente é mencionada no caso da mulher desejar utilizar algum método contraceptivo. Além
disto, segundo as falas destas participantes, a procura de orientação especializada para tomar
contraceptivos é um privilégio de mulheres de melhores condições socioeconômicas. Na visão
destas jovens, as pessoas que necessitam de atendimento da rede pública não procuram
informações de profissionais porque precisam esperar por muito tempo para serem atendidas.
Outro aspecto importante ressaltado por estas jovens se refere ao fato de que elas,
geralmente, não contam para as mães que estão usando contracepção. Caso a mãe encontre
comprimidos anticoncepcionais em poder de suas filhas, estas dizem que o utilizam por
alguma outra razão. Problemas como cólicas são usados para esconder das mães a verdadeira
razão de estarem utilizando métodos contraceptivos.
P58: Eu fui ao médico e tudo assim, entendeu? Mas eu...
M: Mas vocês acham que... este é o comportamento normal, ou não?
116
P62: Ah! Eu acho que não. Acho que geralmente, pelo menos as meninas
que eu conheço, vão ao médico. Às vezes até escondido da mãe. A mãe, às
vezes, nem sabe.
P64: Aí, arranja uma desculpa assim: ah! Eu morro de cólica. Eu preciso
tomá uma pílula. Eu preciso de tomá a pílula.
P63: O médico falô que eu preciso de tomá pílula porque eu morro de
cólica. Na verdade... tá escondendo na pílula [que está tendo relações como
namorado]. Aí, consegue transá com o namorado e tal. Aí, arruma uma
desculpa.
P60: Mas, eu acho que isso é da nossa classe social, assim...
P65: Eu acho que na classe mais baixa...
P66: Você vai enfrentá três meses de fila do SUS???
P63: É. Eu acho que é uma coisa é a nossa classe, que a gente vai ao
médico, tira dúvidas com o médico e conversa.... Então...
(Grupo 10, 20 a 24 anos, Alta Escolaridade, Branca)
Na fala de uma das participantes branca de alta escolaridade, o saber é apontado como
uma das razões que faz com que o médico ginecologista, e não a mãe e nem as amigas, seja
procurado para fornecer informações e orientação sobre o uso de contracepção. As diferenças
geracionais também vêm à tona mais um vez nas falas das mulheres mais jovens e são
indicadas como fatores que dificultam o diálogo entre mãe e filha. A fala a seguir é incisiva e
elucidativa a este respeito.
P64: Eu também acho que com minha mãe. ... como a minha mãe é mais
velha ...casô até mais velha, é de família tradicional, o meu avô é super
tradicional.... eu tenho certeza que ela casô virgem. Então, quando eu falei...
prá minha mãe [que tomava anticoncepcional e mantinha relações com o
namorado]...... ela ficô assim meio abalada assim, né? ...ela nem gosta de
comentá isso. E eu prefiro, eu acho que prá não aborrecê-la, apesar de eu sê
super amiga da minha mãe, eu prefiro não comentá com ela ... Eu prefiro
conversá com o ginecologista que tem muito mais informação do que a
minha mãe e tem amigas também... que podem conversar comigo, mas com
a minha mãe eu acho...
(Grupo 10, 20 a 24 anos, Alta Escolaridade, Branca)
117
Se, para as mulheres mais jovens, as conversas com as mães não são uma realidade
comum e as informações que precisam geralmente são obtidas com as amigas, como foi isto
para as mulheres mais velhas? Os diálogos a seguir expressam as percepções das mulheres
entre 50 e 59 anos.
5.4.5 Negras entre 50 e 59 anos, baixa escolaridade
A fala de uma das participantes negras de baixa escolaridade, da coorte de 50 a 59
anos, retrata a ausência de diálogo que permeava a relação de mães e filhas de gerações
passadas. Por exemplo, não conversar sobre o que era menstruação e o medo de represália por
ter ficado menstruada, eram situações comuns entre as mulheres da geração mais velha e
revelam a falta de informação e conhecimento sobre a fisiologia do corpo feminino que
caracterizava suas vidas. A fala a seguir é elucidativa neste sentido.
P13: Quando fiquei menstruada pela primeira vez, pensei: mamãe vai bater
em mim quando eu chegar em casa. Ao invés de ir prá minha casa... mostrei
prá vizinha. Nossa! Minha calcinha tá toda suja. Aí, ela deu (com ênfase)
risada. Mas ocê tá rindo menina, mamãe vai me bater. Ela me pegô pelo
braço e falou: dona Judite, a senhora já tem mais uma mocinha. Sabe o que
a minha mãe falô: ela tem que criá juízo. Eu falei: oh! Gente! Pelo amor de
Deus, esse mundo tá me fazeno pirá. Chegô esse negócio e ela tá mandando
eu tomá juízo de quê? Eu não falava. A gente era boba.
(Grupo 3, 50 a 59 anos, Baixa Escolaridade, Negra)
5.4.6 Negras entre 50 e 59 anos, alta escolaridade
Segundo as mulheres negras mais velhas e de alta escolaridade, atualmente existe uma
abertura maior para conversas sobre temas que envolvem questões que antes eram vistas
como tabus, tais como menstruação. A disciplina e a rigidez na criação são apontadas como os
principais fatores para a existência de posturas conservadoras nas gerações passadas. Na visão
destas mulheres, nos dias de hoje, as conversas são mais francas e a verdade prevalece nos
diálogos que acontecem, diferente do que ocorria no tempo em que eram mais jovens. Assim
como em muitos grupos anteriores, os livros e as conversas com as amigas são citados como
as principais fontes de informação.
118
Vale ressaltar a fala de uma das participantes deste grupo, que mostra que, há algumas
décadas, muitas questões ligadas à saúde reprodutiva, ao sexo e à sexualidade eram vistas
como pecado.
P88: ...hoje em dia as coisas estão mais abertas. Porque, antigamente, a
gente não falava sobre menstruação, nem coisas do gênero...
P89: Tinha pavor, ninguém sabia disso e tal. Eu, pelo menos, aprendi com a
com a vizinha, com mãe da minha vizinha que ensinou isso para ela e que
passou prá gente...
P86: Nessa parte a coisa tá mais liberal, fala-se, comenta-se, dá-se o nome
adequado às coisas.
P90: Hoje se fala a verdade. Antigamente não.
P87: É tão bonito...antes, tudo era pecaminoso... antigamente era tudo
aquele absurdo.
P89: Eu fui criada assim... com mais disciplina porque eu perdi pai e mãe
com dois anos. Então, eu fui criada por uma tia muito fechada. E muita
coisa que eu aprendi, eu ia para casa da Lourdes, que era a vizinha de frente,
e a mãe dela sempre foi mais liberada. Ela me contava, mostrava, comprava
livros e emprestava.... (risos). ... na minha casa, se me vissem lendo aquele
livro era um absurdo. Era capaz de uma verdadeira pancadaria. (risos).
(Grupo 14, 50 a 59 anos, Alta Escolaridade, Negra)
Para algumas mulheres negras, mais velhas e de alta escolaridade, a diferença entre
elas e as mulheres mais jovens está na forma como foram educadas. Na visão destas mulheres,
atualmente, as jovens conversam muito mais sobre questões ligadas à sexualidade, se
comparadas à geração em que elas viveram, porque foram educadas com mais liberdade.
P106: É, eu acho, eu acho o povo de hoje muito cabeça feita. Eu acho essas,
eu acho essas meninas assim geniais, sabe? Eles são sinceros... eles evitam
esconder as coisas. Porque eles foram educados com mais liberdade, então,
eles conversam, pelo menos os meus, eu estou falando dos meus, dos
amigos, dos que eu convivo, né?
(Grupo 17, 50 a 59 anos, Alta Escolaridade, Negra)
119
Embora acreditem que as jovens conversam mais sobre temas ligados à sexualidade,
estas mulheres ressaltam as dificuldades que os pais ainda têm para dialogar com os filhos
quando o assunto em questão é sexo. Para algumas destas mulheres, os pais se sentem
aliviados quando existe alguém que converse sobre este tema com seus filhos, já que eles não
conseguem.
P104: Conversar com os filhos é uma dificuldade.
P107: É uma dificuldade muito grande.
P108: É. Não é fácil. Os pais têm muita dificuldade de conversar. Tanto que
quando eu faço esse trabalho com os meninos, eu reúno os pais, né? E... falo
com eles [como os meninos].Eles [os pais] se sentem aliviados, sabe?
Porque alguém vai tratar daquele [sexo e contracepção] assunto.
P104: Eles querem passar esse bastão prá...
P109: Prá outra pessoa, sabe? Tem uns que ainda não chegaram nesse
ponto.
(Grupo 17, 50 a 59 anos, Alta Escolaridade, Negra)
Assim, para as mulheres negras, as conversas sobre sexo não aconteciam porque tudo
era considerado como algo absurdo, ou pecaminoso. Hoje em dia, embora as jovens tenham
mais liberdade para conversar sobre sexo, as mães não estão preparadas para dialogar porque
tiveram, em geral, uma formação muito rígida. Esta é a visão apresentada pelas mulheres
negras. Será que esta visão também permanece entre as brancas?
5.4.7 Brancas entre 50 e 59 anos, baixa escolaridade
Para as participantes brancas, mais velhas e de baixa escolaridade, as conversas sobre
sexo não existiam, nem mesmo com as amigas. Segundo o relato de uma das participantes, ela
somente conversou sobre sexo com a mãe depois que já havia casado. Todas as dificuldades
no relacionamento sexuais com o marido são atribuídas à completa falta de informação com
que entravam no casamento. De acordo com a visão destas mulheres, a falta de informação e
as dificuldades no relacionamento, decorrentes da falta de conhecimento, eram comuns entre
as mulheres da mesma geração destas participantes.
120
M: Agora tem uma coisa que você falou é... que a gente tinha muito medo
das mães, né? Dos pais. E com quem se conversava sobre isso [sexo]?
P38: Não existia.
P41: Com ninguém.
P43: Não tinha.
P40: Não tinha. Não tinha mãe, não tinha amiga.
P37: Num tinha de jeito nenhum. E ninguém falava com a gente.
P38: É. Eu fui sabê dessas coisas, gente, tava prá casa. Depois que eu casei
que ela [a mãe] foi me contá, e eu tremia quando fui prá noite de núpcias.
Eu tremia de medo quando ela foi me contá o fato. E então eu não queria
casá, por isso às vezes meu casamento não foi muito legal. Por que às vezes
eu tive um problema de vergonha, eu tenho vergonha até hoje do meu
marido.
M: E vocês acham que isso era comum entre as mulheres da geração?
P41: Ah! Era. Pode tê certeza.
(Grupo 7, 50 a 59 anos, Baixa Escolaridade, Branca)
5.4.8 Brancas entre 50 e 59 anos, alta escolaridade
As mulheres brancas, mais velhas e de alta escolaridade, revelam que não
conversassem com outras pessoas para se informarem sobre temas relacionados à vida sexual.
Segundo elas, as mulheres solteiras que já haviam tido uma experiência sexual, e com quem
teriam mais liberdade para conversar, não podiam conviver com as que permaneciam virgens.
De acordo com estas mulheres, na época em que eram jovens, as moças que tinham alguma
experiência sexual antes do casamento eram consideradas como prostitutas. Desta forma,
buscavam informações que desejavam em livros e revistas. As falas a seguir mostram estas
questões.
M: E onde vocês buscavam essas coisas todas? [informações sobre sexo,
contracepção, casamento]
P68: Um livro que você lia.
P70: Um livro.
121
P72: Aquelas telenovelas, aquelas revistas...
P71: Alguma novela.
P69: Lendo fotonovelas, né?
P71: Fotonovelas, Capricho.
P72: Fotonovelas.
P69: Quem tinha experiência sexual não podia conviver com a gente não.
M: Por que?
P71: Elas, elas eram vistas como... prostitutas, mesmo.
(Grupo 11, 50 a 59 anos, Alta Escolaridade, Branca)
Algumas mulheres brancas de alta escolaridade, ressaltam que, no tempo em que eram
jovens, faziam muitas coisas por falta de informação. Hoje, por outro lado, elas acreditam que
existem muitas informações disponíveis para as mulheres. A Revista Capricho e as
fotonovelas são citadas como as maiores fontes de obtenção de informações na época em que
eram mais jovens.
P74: É. Nós atropelamos muitas coisas. Fazíamos muita coisa sem saber,
sem orientação. A gente num sabia o que tava fazendo. Não era mais ou
menos assim?”
P79: Agia por instinto, né?
P78: Sem muito pensá,... não tinha dessas coisas. Hoje... quem erra tá
sabendo o quê que tá fazendo. Nossa! Tem um mundo de coisas aí falando
de...
P76: Tem muita informação. Televisão...
P75: É coisa demais, né?
P73: Revistas. Ocê sabe uma revista, Capricho, que era editada há mil anos.
Que... ainda editam, mas, ela é completamente diferente. Se aprendia muito
nela.
(Grupo 12, 50 a 59 anos, Alta Escolaridade, Branca)
122
5.4.9 Síntese
De uma maneira geral, as falas das jovens negras, de baixa e alta escolaridade,
mostram que as conversas sobre sexo e sexualidade normalmente não incluem a mãe. As
amigas funcionam como uma das maiores fontes de informação. As revistas especializadas, a
televisão e a internet (esta última, mencionada somente pelas jovens de alta escolaridade)
também são ferramentas utilizadas para sanar dúvidas sobre temas relacionados ao
comportamento sexual. O constrangimento é apontado como o maior obstáculo para que os
diálogos sobre temas como primeira relação sexual, virgindade e contracepção aconteçam
entre mãe e filha.
Para as jovens brancas e de baixa escolaridade, conversar com a mãe sobre questões
como virgindade, primeira relação sexual ou contracepção não é comum. O medo e o respeito
pela figura materna, de acordo com as falas destas jovens, inibe o diálogo. Elas dizem que,
geralmente, buscam nas amigas as respostas para as dúvidas que têm sobre estes temas. Para
elas, o parceiro é visto como uma possível fonte de informação pois, por serem mais
experientes e terem mais conhecimento, eles deveriam esclarecer as dúvidas das jovens com
quem mantêm relações sexuais. Para as jovens de alta escolaridade, além das amigas, as
informações sobre sexo, sexualidade e saúde reprodutiva também são obtidas por meio de
conversas com profissional especializado, de revistas, da televisão e da internet. Segundo
estas jovens, o diálogo com as amigas é mais fácil porque, geralmente, têm idades próximas e
estão vivenciando as mesmas experiências. As conversas com as mães acontecem, de acordo
com estas participantes, somente depois que já tiveram a primeira relação e se, por acaso,
engravidarem.
As mulheres negras e de baixa escolaridade, da geração mais velha, dizem que, na
época em que eram jovens não conversavam com as mães sobre qualquer tema relacionado à
sexo ou saúde reprodutiva. O medo da reação das mães não permitia que mantivessem
conversas a este respeito. Para as mulheres negras e de alta escolaridade, a disciplina e a
rigidez na criação eram os principais motivos que impediam o diálogo com as mães. Além
disto, tudo era considerado como pecado. Segundo elas, os livros e as conversas com amigas
serviam de fonte de informação. De acordo com a visão destas mulheres, atualmente existe
mais abertura para conversas francas e abertas sobre sexo, sexualidade e comportamento
reprodutivo. Porém, segundo a visão destas mulheres, ainda é difícil para os pais conversarem
com seus filhos e, por esta razão, para muito, é fundamental que a escola atue neste sentido.
123
Para as mulheres brancas mais velhas, de baixa e alta escolaridade, as conversas sobre
sexo, virgindade, contracepção, etc., não aconteciam com as mães e nem mesmo com amigas.
Havia um tabu muito grande em torno destas questões. Para estas grupos, as informações
vinham de livros e revistas que liam.
O próximo item apresenta algumas considerações finais sobre este capítulo.
5.5 Considerações finais
Este capítulo teve por objetivo descrever e comparar normas, valores e atitudes
relacionadas a quatro aspectos do comportamento sexual de mulheres de duas coortes etárias,
grupos de raça/cor e escolaridade. Para auxiliar nesta tarefa, quatro questões foram
elaboradas, as quais precisam ser respondidas.
1) Existe uma norma em relação à idade de início da vida sexual?
A análise das falas das participantes sugere que não existe uma norma única a respeito
da idade de início da vida sexual. Ela varia de acordo com as características do grupo. Por
exemplo, entre a coorte mais jovem, as mulheres de alta escolaridade acreditam que não
existe uma idade ideal para que a mulher tenha sua primeira relação sexual. Para elas, a partir
do momento em que um jovem pode fazer uso de algum método contraceptivo, tem um
parceiro, tem maturidade, oportunidade e condições para assumir uma gravidez, ela pode
iniciar sua vida sexual.
Entre as de baixa escolaridade, por outro lado, a norma é que a jovem deveria esperar,
pelo menos, até os 18 anos para ter sua primeira relação sexual. Elas ressaltam que antes desta
idade a mulher não tem maturidade suficiente, não sabe dizer “não” às investidas sexuais do
parceiro e não está preparada para ter um filho, caso engravide. Elas também enfatizam que,
aquelas que começam a vida sexual mais cedo, tendem a experimentar todos os eventos
subsequentes à relação sexual, tal como casamento e maternidade, mais cedo. É importante
lembrar que, para estas participantes, a norma de esperar um pouco mais, ou pelo menos até
os 18 anos, funcionou somente na teoria, pois praticamente todas elas iniciaram a vida sexual
bastante jovens e foram mães ainda na adolescência, geralmente antes dos 18 anos. Assim, a
responsabilidade que tiveram que assumir em decorrência da maternidade, pode ser uma
possível explicação para o fato de acreditarem que o melhor é esperar mais para iniciar a vida
sexual.
124
Por fim, pode-se dizer que as grandes diferenças em relação a percepção a respeito da
idade de início da vida sexual, entre as mulheres da coorte mais jovem, acontecem em função
da escolaridade. Brancas e negras de mesma escolaridade apresentam uma visão bastante
semelhante a respeito da idade de início da vida sexual.
Entre as mulheres da coorte mais velha, a questão da idade de início da vida sexual é
um pouco controvertida. Enquanto as negras, tanto de baixa quanto de alta escolaridade,
acreditam que é melhor uma jovem esperar mais para iniciar a vida sexual, as brancas
apresentam opiniões divergentes. Para as de baixa escolaridade, não existe uma idade ideal
para que as mulheres iniciem sua vida sexual. Elas argumentam que, a partir do momento em
que a relação é madura e baseada no carinho, o sexo acontece naturalmente, independente da
idade. Entre as brancas, mais velhas e de alta escolaridade, por outro lado, existe uma
polêmica quanto à idade de início da vida sexual. Para algumas, o ideal é esperar até os 18
anos, enquanto que, para outras, não existe idade ideal, se houver maturidade.
Para as negras, o ideal é esperar para iniciar a vida sexual porque, somente assim, as
jovens se dedicam mais aos estudos e têm a possibilidade de alcançar uma qualidade de vida
melhor. Aquelas que têm a primeira relação sexual mais cedo, de acordo com estas
participantes, deixam de ter os estudos como objetivo central de suas vidas e, certamente
após, terem a primeira relação sexual, desejarão ter outras, correndo maior risco, assim, de
engravidarem a terem que deixar os estudos. Elas também acreditam que é melhor esperar,
porque as mulheres mais jovens não sabem se realmente desejam ter a relação e não estão
preparadas para escolher o parceiro.
2) Qual o significado atribuído à virgindade e como ele se relaciona com o
comportamento sexual das mulheres?
A virgindade ainda é vista, pela maioria das participantes da coorte mais jovem, como
uma característica importante e que valoriza a mulher perante o companheiro e a sociedade.
Apesar disto, as falas revelam que existe uma cobrança bastante intensa, por parte das amigas,
e um incentivo por parte dos meios de comunicação - em especial da televisão, para que as
virgens tenham sua primeira relação sexual. Uma explicação possível para esta ambigüidade
pode estar ligada à questão da valorização - para não serem desvalorizadas, as que já
perderam a virgindade pressionam as virgens a iniciarem a vida sexual.
125
Entre as mulheres da coorte mais velha, existe uma certa polêmica à respeito da
virgindade. As negras de baixa escolaridade são as únicas que enfatizam a importância da
virgindade até os dias de hoje. Contudo, elas a perderam muito cedo. As negras de alta
escolaridade apresentam opiniões divididas. Para as brancas, a virgindade, atualmente, não
tem mais tanta importância como tinha no tempo em que eram jovens. Para estas mulheres,
hoje em dia é mais importante ter experiência sexual. A afinidade sexual entre o casal,
segundo estas mulheres, pode servir não só para revelar a qualidade do casamento, para
aquelas que já se casaram, mas também para indicar se ele deve acontecer para aqueles que
ainda não se casaram.
Apesar das cobranças para que as jovens iniciem a vida sexual, muitas declaram que
gostariam de se casar virgens, independente da pressão dos amigos, mas confessam ter um
certo receio de se “guardarem” para o companheiro e não serem valorizadas por isto, ou de
descobrirem que não têm afinidade sexual com os mesmos e se sentirem frustadas. Neste
sentido, os depoimentos das mulheres mais velhas revelam que muitas, por terem se casado
virgens e pouco informadas, tiverem, e ainda têm, vidas sexuais bastante insatisfatórias com
os maridos. Este aspecto pode ser uma possível explicação para o fato das mulheres mais
velhas, em sua maioria, terem defendido que a virgindade não precisa ser conservada até o
casamento.
3) Onde as mulheres buscam informações sobre sexo e saúde reprodutiva e com
quem conversam sobre suas dúvidas?
É unânime entre os diferentes grupos a visão de que as jovens, hoje em dia, assim
como antigamente, não procuram as mães para conversarem sobre sexo. Entre as jovens, a
reação negativa dos pais, a vergonha, as diferenças de idade e de momentos de vida, assim
como o medo e o respeito, são os principais motivos que impedem que um diálogo entre pais
e filhas se realize.
Para as mulheres da coorte mais velha, embora hoje em dia as relações entre pais e
filhas já seja bem mais liberal e aberta, conversas sobre sexo e sexualidade ainda são muito
difíceis. Estas mulheres acreditam que, pela formação rígida que tiveram, onde tudo era
considerado pecaminoso e vergonhoso, ainda têm muitas dificuldades para estabelecerem um
diálogo franco e aberto com suas filhas. Diante disto, onde as mulheres buscam, ou buscavam,
informações para sanar suas dúvidas?
126
Para as mulheres da geração mais nova, as conversas sobre sexo acontecem,
principalmente, com as amigas. As jovens de maior escolaridade também dizem que recorrem
ao médico ginecologista e à internet. As brancas de baixa escolaridade são as únicas que
apontam o companheiro como uma possível fonte de informação. Para elas, os parceiros,
supostamente mais velhos e experientes, deveriam esclarecer dúvidas importantes a respeito
da vida sexual e reprodutiva. Dentre estas informações, estariam as relacionadas ao uso de
contraceptivos e ao período fértil. Assim, mais uma vez, entre as jovens, as diferenças
ocorrem quando se comparam as de alta com as de baixa escolaridade. Brancas e negras de
mesma escolaridade têm opiniões semelhantes.
Para as mulheres da coorte mais velha, livros e revistas eram utilizados como principal
fonte de informações, pois o diálogo com as mães era inexistente. Na verdade, ele só
acontecia na véspera do casamento e, geralmente, não servia para esclarecer qualquer dúvida,
mas sim para reforçar o papel tradicional que a mulher deveria ter como esposa.
4) Quais as semelhanças e diferenças observadas entre os grupos?
A preocupação com a gravidez, como resultado da relação sexual, é uma das maiores
similaridades observadas entre os grupos de 20 a 24 anos. Ela é constante nas falas das
mulheres da coorte mais jovem. Apesar disto, o uso de métodos contraceptivos é uma
preocupação mais evidente entre as mulheres de alta escolaridade e de forma mais intensa
entre as brancas.
Outra similaridade observada nas falas diz respeito à idade de 18 anos, propalada por
muitos grupos como sendo a idade mínima para início da vida sexual de uma jovem. Todos os
grupos que acreditam existir uma idade ideal, ou mais adequada, para início da vida sexual,
18 anos foi a referência. Uma possível explicação para isto pode estar no fato de que os 18
anos coincide com a maioridade dos indivíduos. Existe um simbolismo vinculado à esta
idade.
A dificuldade existente entre pais e filhas, para conversar sobre sexo, é comum entre
todos os grupos. As amigas, as revistas, os livros, a televisão e, por fim a internet - para as de
alta escolaridade - são utilizados como fontes de informação por mulheres de diferentes
coortes.
Os resultados qualitativos sugerem que o início da vida sexual é um tema bastante
complexo. Não existe uma única norma a ser seguida pelas mulheres. As normas variam de
127
acordo com as características do grupo investigado. Apesar destas variações, é importante
observar que as mulheres mais jovens, embora estabeleçam um vínculo entre início da vida
sexual e fecundidade, não mostram uma preocupação, na mesma proporção, com a questão
dos métodos contraceptivos. Assim, os resultados sugerem que existe uma necessidade maior
de estudos que investiguem questões relacionadas ao uso de contracepção entre as mulheres
jovens.
O QUA. 2, a seguir, apresenta um sumário dos principais resultados encontrados neste
capítulo. Na seqüência, este trabalho aborda a questão do primeiro casamento, também a
partir da perspectiva das mulheres de Belo Horizonte, participantes dos grupos focais.
128
Quadro 2 - Síntese dos resultados qualitativos - primeira relação sexual, Belo Horizonte, 2002
GRUPOS TEMAS
Idade à primeira
relação sexual
Virgindade Informações sobre sexo
Negra, 20 a 24 anos,
Baixa escolaridade
Esperar pelo menos até
os 18 anos. Antes disso:
Não são
maduras.
Não sabem dizer
não.
Não estão
preparadas para
ter um filho.
É importante.
Valoriza a mulher.
Os pais não são
procurados.
Reação negativa dos
pais.
Vergonha tanto dos
pais quanto das
filhas.
Amigas são
procuradas.
Negra, 20 a 24 anos, Alta
escolaridade
Não tem idade ideal.
Somente quando
tiver condições de
usar contracepção.
Somente quando
puder assumir a
gravidez.
É importante.
Valoriza a mulher.
Mídia - novelas - tem
papel importante.
Os pais não são
procurados.
Vergonha.
Diferença de idade.
Amigas, televisão e
Internet são as fontes
utilizadas.
Branca, 20 a 24 anos,
Baixa escolaridade
Não tem idade ideal,
mas é melhor esperar.
Quando relação é
cedo, tudo é mais
cedo.
É importante
Valoriza a mulher.
Os pais não são
procurados.
Medo.
Respeito.
Parceiro e amigas.
Branca, 20 a 24 anos,
Alta escolaridade
Não tem idade ideal.
Maturidade.
Oportunidade.
Parceiro ideal.
Não é importante.
Já não é valorizado.
É diferente no interior
e na capital.
Mídia - novelas - tem
um papel importante.
Os pais não são
procurados.
Experiências e idade
muito diferentes.
Amigas e médico
ginecologista são
principais fontes.
Continua...
129
...Continuação
GRUPOS TEMAS
Idade a primeira
relação sexual
Virgindade Informações sobre sexo
Negra, 50 a 59 anos,
Baixa escolaridade
Esperar pelo menos até
os 18 anos.
Até esta idade,
estudo deve ser
priorizado;
Depois que têm a
primeira relação vão
querer ter outras.
É importante.
Valoriza a mulher.
Os pais não eram
procurados.
Medo.
Desconhecimento.
Formação rígida.
Livros e amigas
eram principais
fontes.
Negra, 50 a 59 anos,
Alta escolaridade
Não tem idade ideal,
mas é melhor esperar.
Maior poder de
decisão.
Mais habilidade
para escolher
parceiro.
Controvérsias.
Antigamente
reputação
dependia da
virgindade, hoje
não é assim.
Os pais não eram
procurados.
Antigamente,
porque tudo era
pecado.
Hoje, porque
ainda há muita
vergonha.
Branca, 50 a 59 anos,
Baixa escolaridade
Não tem idade ideal.
Carinho e
amadurecimento.
Não é importante.
Relação sexual é
indicador para
casamento.
Os pais não eram
procurados.
Não conversavam
com ninguém.
Rigidez nas
relações.
Branca, 50 a 59 anos,
Alta escolaridade
Não tem idade ideal,
mas é melhor esperar até
os 18 anos.
Maturidade;
Parceiro ideal.
Não é importante.
Hoje é importante ter
experiência sexual.
Mídia - novelas - tem
um papel importante.
Os pais não eram
procurados.
Não conversavam
com ninguém.
Livros e revistas.
Fonte: Pesquisa própria, Belo Horizonte, 2003/2004.
130
6 O PRIMEIRO CASAMENTO
Na maior parte das sociedades, o casamento tem um importante significado social e
econômico e é visto como um evento de passagem que marca a separação de um indivíduo de
sua família de origem e sua entrada para a vida adulta. Usualmente, a idade da mulher ao
primeiro casamento exerce uma forte influência sobre os eventos subseqüentes de sua vida.
Assumindo que a grande parte dos nascimentos acontece dentro do casamento, mulheres que
se casam mais jovens estão expostas ao risco de engravidar por um período mais longo do que
aquelas que postergam o casamento. Para alguns autores, mudanças na idade ao casar estão
associadas com transformações sociais e econômicas, dentre as quais estão os incrementos no
nível de escolaridade e os novos papéis desempenhados pelas mulheres na esfera pública
(QUISUMBING & HALLMAN, 2003). Ao revisar as relações entre status da mulher,
fecundidade e mortalidade, MASON (1984) aponta que a escolaridade pode aumentar o
comprometimento da mulher com o trabalho e resultar, conseqüentemente, em um adiamento
na idade de casamento. De acordo com a autora, o emprego antes do casamento pode adiar a
idade de entrada em união em função do impacto que o trabalho exerce sobre as aspirações e
atitudes da mulher. Além disto, a independência financeira e a autonomia experimentada por
mulheres que exercem uma atividade remunerada, pode acontecer via adiamento do
casamento.
No Brasil, no transcorrer das duas últimas décadas, a instituição do casamento tem
passado por muitas mudanças. Embora a idade média ao casar tenha se mantido praticamente
constante, em torno dos 23 anos, a proporção de uniões consensuais vem aumentando, em
detrimento das uniões legais
3
, o divórcio vem se tornando mais aceito e difundido, a
fecundidade marital vem declinando e os nascimentos fora do casamento vêm ocorrendo com
maior freqüência entre as mulheres mais jovens, em comparação com o que acontecia nas
gerações passadas (IBGE, 2000). Esta reorganização da vida em família influencia os valores
e as crenças que os indivíduos apresentam, produzindo mudanças nas atitudes, valores e
significados atribuídos ao casamento e interferindo, consequentemente, na fecundidade de um
determinado grupo ou sociedade. Para alguns pesquisadores, existe uma conexão bastante
estreita entre mudanças nas crenças, nos valores e nos comportamentos e a instituição do
casamento (AXINN & THORNTON, 2000).
3
Uniões legais são aquelas que contemplam o casamento civil e religioso ou só o casamento civil (IBGE, 2004).
131
Dentro deste contexto, este capítulo se destina a analisar e comparar, a partir do ponto
de vista de mulheres de Belo Horizonte, as normas, os valores e as atitudes que permeiam a
instituição do casamento - termo utilizado neste estudo para definir, tanto as uniões legais,
quanto as consensuais. Especificamente, este capítulo pretende responder as seguintes
questões: 1) Existe uma idade ideal para que uma jovem se case? 2) O que é considerado
importante para que o casamento aconteça e quem se casa hoje em dia? 3) Qual a relação que
as mulheres estabelecem entre projetos de vida e casamento? 4) A jovem solteira que
engravida deve se casar? 5) Existem diferenças, nestas questões, segundo coorte de idade,
raça/cor ou escolaridade? Os diálogos extraídos dos grupos focais, e apresentados a seguir,
são utilizados para responder estas questões.
6.1 Quando casar?
Casar mais cedo ou mais tarde ainda é uma questão que causa uma certa polêmica
entre as mulheres. Nos grupos focais, as participantes foram perguntadas se elas acreditam
que existe uma idade mais apropriada para que a mulher se case. As respostas e as discussões
realizadas a partir deste questionamento oferecem subsídios para a compreensão das normas,
valores e atitudes relacionadas ao casamento. Para muitas mulheres, o casamento em idades
mais jovens é uma opção menos atrativa do que era anteriormente. Para muitas, o casamento
antes dos 20 anos pode criar dificuldades para a que a mulher prossiga com os estudos e
concilie papéis na esfera pública e privada e, por isto, é melhor esperar. Para outras, não
existe uma idade ideal para o casamento e o importante é ter uma situação financeira estável,
maturidade, e uma relação baseada no companheirismo, no respeito e no amor. Os diálogos
apresentados a seguir mostram, com mais detalhes, o que as participantes dos grupos focais
pensam acerca da idade ao casar.
6.1.1 Negras entre 20 e 24 anos, baixa escolaridade
Entre as jovens negras de baixa escolaridade, não há consenso a respeito da idade
ideal, ou mais adequada para o casamento. Enquanto, para algumas, não existe uma idade
ideal para o casamento, para outras, ele só deve acontecer quando a mulher está mais velha.
Existe um consenso, porém, de que ser suficientemente madura para assumir o
relacionamento é um aspecto extremamente importante para determinar se uma jovem está
pronta para casar. Vale apontar que a maturidade pode ser definida como a capacidade para
132
saber que o casamento vai trazer mudanças, particularmente para a vida da mulher e que, no
fundo, ela só acontece com a idade. O diálogo a seguir retrata estes aspectos enfatizados pelas
jovens negras de baixa escolaridade.
M: E vocês acham que tem uma idade certa pra casar?
P48: Não tem idade, tem que ter maturidade.
P49: Tem gente que não tem maturidade, sabe? Que... acha que não vai
mudar nada...
P48: É uma coisa bem distante, pelo menos pra mim, é uma coisa bem...
longe, muito pra frente, só quando a gente tá mais velha, não muito, né, mas
mais madura.
(Grupo 8, 20 a 24 anos, Baixa Escolaridade, Negra).
6.1.2 Negras entre 20 e 24 anos, alta escolaridade
O grupo de jovens negras de alta escolaridade enfatiza que o ideal é esperar mais para
se casar. Para elas, o casamento está relacionado com a maternidade e, por esta razão, deve
ser adiado para idades mais tardias. Quando ele acontece entre pessoas mais jovens, ele,
geralmente, inclui um grande desafio: conjugar o fortalecimento do relacionamento do casal
com o exercício da maternidade e da paternidade. Filhos demandam atenção, tempo e energia,
coisas que pais muito jovens nem sempre estão preparados para oferecer. Normalmente o
companheiro passa a se sentir mais insatisfeito com a relação e o casamento termina. Assim,
para estas jovens negras de alta escolaridade, o casamento e a maternidade são eventos que
devem ser postergados. A conexão entre fecundidade e idade ao casar foi um dos aspectos
interessantes abordado na discussão deste grupo focal. As falas a seguir são elucidativas a este
respeito.
P21: O melhor é esperar...porque casamento lembra filho...
P19: Porque tem casamentos que o filho vem pra somar. Agora, dependendo
da situação [quando o casamento acontece entre pessoas muito jovens] o
homem, na maioria das vezes, pensa que o filho veio pra dividir a atenção
da mulher, né? Da companheira. E tem casamento que é o contrário do que
é o normal, que a gente tem a idéia de que vem o filho e a união é até que a
morte os separe. Mas vem o filho e tudo desanda. (risos).
133
(Grupo 4, 20 a 24 anos, Alta Escolaridade, Negra)
6.1.3 Brancas entre 20 e 24 anos, baixa escolaridade
Para as jovens brancas de baixa escolaridade, a idade é um fator que não precisa ser
considerado quando uma mulher decide se casar. As falas destas mulheres deixam
transparecer a importância do amor – definido como gostar – para a concretização do
casamento. Gostar do companheiro e desejar casar são os principais fatores que levam uma
mulher a se unir com alguém. É importante ressaltar que todas as participantes deste grupo
têm histórias de casamento muito similares: todas se casaram muito jovens, entre 13 e 16
anos, algumas se separaram e atualmente vivem com um segundo companheiro. O casamento,
como expressa a fala de uma das participantes, representa uma oportunidade de aprendizado,
particularmente para as que se casam muito jovens.
P93: ...eu acho que pra casá tem de gosta mesmo. Se ocê gostá... não tem
idade. Tem dez anos que eu tô casada. Prô cê vê, eu tenho vinte e quatro, fui
morá com ele eu tinha treze anos. Novinha, né?
M: Muito novinha (risos).
P92: Eu acho que não tem idade.
P94: Eu também acho que não.
P95: Depende da mulher, né? Do pensamento dela.
P93: Depende do coração.
P92: Pra casar tem que gostar, né?!
P95: É você querer, né? Você gostar também.
P93: Você, tipo assim, ocê aprende muita coisa [com o casamento]. Você
cresce. Porque igual eu, eu era uma menina. Então assim, você vai aprender.
(Grupo 15, 20 a 24 anos, Baixa Escolaridade, Branca).
Em contraste com grupo anterior, outro grupo de jovens brancas e de baixa
escolaridade acredita que existe uma idade certa ou ideal para que as mulheres se casem –
depois dos 20 anos. Para elas, é importante esperar porque muitos parceiros não aceitam que
as mulheres continuem estudando ou trabalhando depois que se casam. Em geral, aquelas que
134
se casam muito cedo acabam cedendo aos apelos do companheiro e deixando de estudar ou
trabalhar. Neste sentido, um estudo sobre mulheres latino-americanas mostra que os
casamentos que limitam as possibilidades de crescimento educacional da mulher também
diminuem suas possibilidades de auto-sustento e restringem suas opções na vida, tornando-as
dependentes de seu companheiro e sujeitas, muitas vezes, a situações de abuso, humilhações e
violência (HOPES AND REALITIES, 1995).
M: E vocês acham que tem uma idade certa pra casar?
P100: Não.
P99: Pra casar eu acho que tem.
M: Por que?
P99: Ah! Porque assim, muitos maridos não aceitam a mulher casar e
continuar estudando... trabalhando. Só que...as meninas novinhas não têm
juízo [e aceitam a imposição masculina]. Então, eu acho que a idade boa da
mulher casá é depois de vinte anos. Vinte e três, vinte e quatro.
(Grupo 16, 20 a 24 anos, Baixa Escolaridade, Branca).
6.1.4 Brancas entre 20 e 24 anos, alta escolaridade
Para as jovens brancas de alta escolaridade, as mulheres deveriam refletir com mais
seriedade sobre o casamento. Para elas, a maneira como as pessoas encaram o casamento,
hoje em dia, torna as uniões mais instáveis e impede que as jovens tentem o suficiente, ou
pelo menos com mais empenho, ter uma relação mais duradoura. Elas também acreditam que
a banalização da separação faz com as uniões atuais sejam mais frágeis e efêmeras do que
eram no passado. Em um estudo quantitativo, desenvolvido com base nos dados da Pesquisa
Nacional por Amostra de Domicilios/1984 (PNAD), MIRANDA-RIBEIRO (1993) mostra
que a chance de separação é maior entre as mulheres de coortes mais jovens. Segundo a
autora, as uniões iniciadas na adolescência são as que têm maior risco de dissolução. A
imaturidade e o despreparo para o casamento são as hipóteses aventadas pela pesquisadora
para explicar este fato. Adicionalmente, ela também observa que o casamento na adolescência
pode estar ligado à gravidez pré-casamento, o que aumenta o risco de dissolução da união. O
diálogo que segue expressa a percepção das jovens brancas de alta escolaridade sobre a
questão do casamento.
135
P52: Eu acho que [casar] é... é uma decisão que tem que sê muito bem
pensada. Talvez por isso também eu penso em casar só muito mais tarde.
P56: Ah! Até porque... igual, recentemente teve uma amiga minha que
casou com vinte anos. Casou por escolha, não foi porque estava grávida
nem nada. Ela já falava isso: ah, se não der certo, separo. Eu vou pra minha
casa.
P50: Hoje em dia é muito fácil, né? Se separar. É muito mais fácil do que
era...aí ninguém pensa muito....casa. Antigamente não era assim...
P51: Foi uma libertação que aconteceu, só que as pessoas acabam
usando...indevidamente...
P50: Meio que banalizando.
P52: Banalizou.
(Grupo 9, 20 a 24 anos, Alta Escolaridade, Branca).
É importante salientar que na percepção destas jovens, a separação é um artifício
muito utilizado atualmente e isto ocorre por duas razões fundamentais. Primeiro, porque as
mulheres de hoje participam mais do mercado de trabalho e têm, consequentemente, uma
independência financeira maior do que tinham as mulheres de gerações passadas. Isto permite
que deixem a relação caso se sintam insatisfeitas ou descontentes com a mesma. Segundo, na
visão destas jovens, as normas atuais não são tão severas em relação à separação, como eram
no passado. Assim, as mulheres que optam pela separação não sofrem, demasiadamente, com
processos discriminatórios pelo simples fato de serem separadas. Na visão destas jovens,
casamento implica constituir uma família e, por esta razão, deve ser pensado como um evento
duradouro. As falas a seguir são incisivas e elucidativas a este respeito.
P51: Hoje, muitas pessoas já casam pensando: ah, se não der certo, separa,
né? Vai com essa visão assim. Mais de separá mesmo.
P53: Mas, eu acho que é errado.
P50: Você vai constituir uma família e eu acho assim, que a idéia de
casamento, pra mim, é constituir família. Se casar pensando em separá, é
melhor não casar”
M: Mas, o quê que dá essa facilidade pras mulheres [de se separarem], que
vocês estão falando?
136
P50: Ela é independente.
P53: Eu acho que até a moral mesmo.
P52: É a questão da mulher trabalhar hoje em dia. É...porque... tem muitas
mulheres que, antigamente, continuavam casadas por não terem condições
de... ou voltar pra casa dos pais, ou de manter a vida com os filhos. Hoje em
dia... a mulher normalmente trabalha e tem como manter uma vida depois,
se [o casamento] não der certo.
P51: E tem a questão da moral da sociedade também, que hoje encara de
uma forma diferente as mulheres separadas, divorciadas.
(Grupo 9, 20 a 24 anos, Alta Escolaridade, Branca).
Apesar de acreditarem que as uniões se tornaram mais instáveis com o passar dos
anos, as brancas de alta escolaridade ressaltam que muitas jovens ainda pensam em se casar.
Porém, a instabilidade nos relacionamentos leva muitas a optarem por uniões informais,
definida por elas como “juntar”. Segundo estas jovens, “juntar” é uma estratégia que muitas
mulheres utilizam para se certificar de que a relação tem chances de dar certo e é um aspecto
que distingue as mulheres das gerações de hoje das de gerações mais antigas. Neste sentido,
COSTA (2004) observa que a natureza das uniões sofreu uma imensa transformação nas três
últimas décadas, com um aumento expressivo das uniões informais e um declínio no peso das
uniões formais. Segundo a autora, as uniões informais são mais prevalecentes entre casais de
menor renda, nas camadas mais empobrecidas da população e entre as mulheres mais jovens e
de menor escolaridade. Os resultados de COSTA (2004) também revelam que a presença de
um cônjuge/parceiro negro no casal aumenta a probabilidade de se encontrar mulheres em
união informal. Adicionalmente, a autora verifica que as chances de uma mulher estar unida
informalmente aumentam se ela é negra. As falas, a seguir, mostram a percepção das jovens
brancas de alta escolaridade a respeito destas questões.
P59: Eu acho que tem muita menina...que pensa em casar.
P58: Mas, muita gente pensa em juntar também.
P66: No começo, você casava e era pra vida toda. Hoje não, você sabe que
você pode casar e daqui um mês, dois meses...separar.
137
P58: Não. Mas, tipo assim, ... antes, você tinha que escolher aquela pessoa
pra casar... hoje, não. Hoje você junta, se você não gostar, separa...
P66: É lógico que você não quer isso pra você.
P65: Mas hoje, separa... lógico que todo mundo que quer casar, quer que
isso seja pra vida toda. Mas, se por um acaso, não der certo, separa, é por
isso que muitas pessoas juntam...
(Grupo 10, 20 a 24 anos, Alta Escolaridade, Branca)
Na concepção de outras participantes brancas de alta escolaridade, existe uma
diferença entre casar e “juntar”. Casar está associado com um comportamento mais
tradicional e implica maiores obrigações e responsabilidades. Nas palavras de uma das
participantes, “...casar é uma coisa meio pesada...”. Apesar disto e do fato que, atualmente, a
separação é mais aceita pela sociedade, do que era há algumas décadas, muitas jovens ainda
desejam se casar. Segundo elas, este desejo emerge em função da visão romântica que muitas
possuem acerca do que é um casamento. Para estas jovens, o preconceito e a discriminação
em torno da separação faziam com que muitas mulheres de gerações passadas
permanecessem casadas – mesmo estando insatisfeitas com o relacionamento. Nos dias atuais
a separação é encarada como um evento normal. As falas a seguir mostram estas questões.
P61: Eu acho que antigamente não tinha esse negócio de separar e tal.
Porque antigamente o divórcio era... era um tabu...
P62: É. As pessoas diziam: nossa aquela mulher é divorciada, você não
pode andar com ela não. Hoje é super normal. Ela é separada, optou. Isso
mudou muito, sabe? Esse negócio de divórcio, que antigamente era.... você
pode ver que muito casal mais... mais velho aí não tão separado assim. Hoje,
se você casa... daqui a pouco você separa, você não estranha mais, porque é
normal.
P64: Eu, por exemplo, tenho muita vontade de morar com alguém. Quando
eu penso em casamento é uma coisa meio pesada na minha cabeça. Uma
coisa muito tradicional, ou seja, que eu não quero, não vô casá na igreja e
tal. Mas, eu escuto muitas pessoas falando que não e tal, mas, quando... vão
casar, casam na igreja.
P63: Eu ainda acho que [o casamento]... ainda atrai muitas mulheres.
P59: Eu acho que a mulher ainda é muito romântica...
138
(Grupo 10, 20 a 24 anos, Alta Escolaridade, Branca).
É importante esclarecer que, nos grupos de mulheres entre 50 e 59 anos, a questão da
idade ideal, ou mais adequada, para o casamento não foi discutida. Embora as perguntas
tenham sido colocadas, o assunto se voltou para a análise do que é mais importante para casar
e sobre quem são as jovens que se casam hoje em dia. Assim, o item a seguir apresenta uma
síntese da percepção das jovens a respeito da idade ideal ou mais adequada para o casamento.
6.1.5 Síntese
Para as jovens de alta escolaridade, brancas e negras, o ideal é que as mulheres
esperem mais para se casar. As brancas argumentam que, antes de pensar em se casar, uma
mulher deve refletir muito sobre o que significa o casamento. Casar implica em aumento de
responsabilidades e obrigações. Para elas, as uniões consensuais, definidas como juntar, são
mais fáceis e, por esta razão, estão se tornando mais comuns entre a geração mais jovem. Para
as negras de alta escolaridade, esperar mais para se casar também é considerado como o ideal.
Casamentos que acontecem mais cedo, de acordo com elas, estão mais sujeitos a terminarem,
particularmente quando nascem os filho. Existe um consenso entre as brancas e negras de alta
escolaridade, de que o casamento está fortemente associado com a maternidade e, por esta
razão, deve acontecer mais tarde, quando as pessoas já estão mais maduras para assumirem as
responsabilidades que surgem com a constituição de uma família.
Entre a jovens de baixa escolaridade, brancas e negras, não existe um consenso sobre a
existência de uma idade ideal, ou mais adequada para o casamento. Enquanto uma parcela da
brancas acredita que o melhor é que o casamento aconteça somente depois dos 20 anos,
porque as mulheres precisam estudar antes de se casarem, outras acham que o mais
importante de tudo é o amor. Entre as negras, a maior parte acredita que a mulher deve
esperar para se casar, pois é necessário ter maturidade para assumir o relacionamento. Com
exceção do grupo de brancas de baixa escolaridade, as jovens acreditam que as mulheres
devem esperar mais para se casar. A idade mínima citada pelas participantes destes grupos foi
de 20 anos. Casamentos que acontecem antes desta idade podem ser considerados como
acontecendo muito cedo.
Embora uma das questões incluídas no roteiro traçado para guiar as discussões fosse
sobre a existência de uma idade ideal, ou mais adequada, para o casamento, muitos grupos
pareceram muito mais interessados em discutir o que é necessário, tanto em termos
139
econômicos como não-econômicos, para que uma mulher se case. Esta situação foi
particularmente predominante nos grupos de 50 e 59 anos, nos quais as participantes pareciam
ter muito mais a dizer sobre o que acreditam ser importante para que uma mulher se case, do
que sobre a questão da idade em si. Esta discussão também veio à tona nos grupos de
mulheres mais jovens. Assim, o item a seguir apresenta as perspectivas das participantes sobre
o que consideram ser fundamental para que uma jovem se case e sobre quem são as jovens
que se casam atualmente.
6.2 O que é importante para casar e quem se casa hoje em dia?
Para muitas participantes dos grupos focais, embora um grande número de jovens
ainda sonhe com o casamento, existe uma parcela expressiva que não quer se casar. Elas são
independentes financeiramente, querem continuar seus estudos, viajar e usufruir da liberdade
que possuem. Para aquelas que sonham com o casamento, existem aspectos essenciais a serem
observados para que a união dê certo. Entre eles, está a estabilidade financeira, a tolerância, o
companheirismo e o respeito. Para grande parte das participantes, o trabalho feminino amplia
as chances do casamento ser bem sucedido. As falas das mulheres, apresentadas a seguir,
refletem estas concepções de maneira mais detalhada.
6.2.1 Negras entre 20 e 24 anos, baixa escolaridade
Na visão das negras de baixa escolaridade, a situação financeira é fundamental para o
casamento. A autonomia financeira implica na independência dos pais e na possibilidade de
assumir as responsabilidades impostas pelo casamento, sem o auxílio da família. A fala de
uma das participantes, apresentada a seguir, enfatiza esta perspectiva.
P4: No meu caso, namoro há cinco anos...Eu comecei muito cedo. Eu tinha
dezesseis... nós não noivamos porque eu estou desempregada e ele também,
né? Ninguém vai querer depender dos pais pra tudo, comprar aliança e tal. E
a gente também... quer fazer outras coisas. Eu pretendo continuar estudando.
Acho que... neste momento não seria uma boa idéia pra gente, casar, né? Eu
sei que a gente se gosta bastante, mas, pelo menos ficamo noivo, qualquer
hora que... tiver trabalhando, tiver condições, a gente casa com certeza.
Mas, acho que este não é o momento. Quando a gente for casar, vai ter uma
responsabilidade bem maior.
(Grupo1, 20 a 24 anos, Baixa Escolaridade, Negra).
140
Na concepção das jovens negras e de baixa escolaridade, a renda advinda de um bom
emprego é fundamental para a realização do casamento. Para elas, existe uma associação entre
participação feminina no mercado de trabalho e casamento por amor. Segundo elas, quando
uma mulher desenvolve uma atividade remunerada, ela permanece no casamento somente se
quiser, pois possui condições para deixar a relação, se assim o desejar. Por outro lado, quando
a mulher não trabalha, a dependência financeira faz com que permaneça casada por
impossibilidade de se manter financeiramente. Cenários como este podem gerar situações de
vulnerabilidade, discriminação e abuso (HOPES AND REALITIES, 1995). Em seu estudo
sobre descasamento e recasamento no Brasil, MIRANDA-RIBEIRO (1993) observa que as
mulheres de maior escolaridade correm maior risco de descasamento porque são,
possivelmente, mais independentes financeiramente e não têm, portanto, necessidade de um
marido para sustentá-las. Adicionalmente, a autora sugere que a independência financeira
pode fazer com que as mulheres sejam menos tolerantes em relação às idiossincracias do
parceiro.
Neste estudo, as jovens negras e de baixa escolaridade acreditam que, para casar, é
fundamental que a mulher tenha uma condição financeira que lhe permita arcar com as
responsabilidades impostas pelo casamento e também de se sustentar, caso a relação não seja
bem sucedida. O diálogo a seguir apresenta as falas destas participantes.
P4: Como se diz, é o sonho de toda mulher, né? Casar, entrar na igreja...
vestido lindo...mas a gente ouve sobre tantas dificuldades no casamento:
aconteceu isso, a família tá... passando fome por causa do desemprego ....
acho que neste caso até devia de não ter casamento... mas acho que é o
sonho de todo mundo, apesar das dificuldades, né?
P1: E o que mantém um casamento bom, é o emprego. É a renda que vai
manter a estrutura da família. Aquela renda fixa.
P6: Companheirismo também, né? Acho que é muito importante amar uma
pessoa. Ter respeito. Se a gente quer a mesma coisa, então, vamos tentar.
P5: Quando os dois trabalham, o casamento é por amor. Você sabe por que?
Porque... quando os dois se amam e cada um é independente, eles casam, se
unem e tem a partilha. Se a mulher perde o amor pelo marido, se deixar de
amar, ela não vai ficar com marido, porque ela é independente. Os dois
estão ali não porque um depende do outro financeiramente. Mas é por amor
porque podem se manter sozinhos, os dois têm condições. Então, eles não
vão estar juntos porque um ganha pra sustentar o outro, você entendeu? Vão
estar juntos por amor.
141
(Grupo1, 20 a 24 anos, Baixa Escolaridade, Negra).
É importante destacar que, para estas jovens, além da situação financeira e do
emprego, o companheirismo e o respeito também são apontados como requisitos necessários
para que o casamento possa se concretizar. Elas também acreditam que, mesmo em face as
dificuldades enfrentadas pelos casamentos atuais, muitas mulheres ainda sonham em se casar.
Os grupos de jovens negras e de alta escolaridade não discutiram questões
relacionadas a tema, assim, o próximo item apresenta a visão das jovens brancas de baixa e
alta escolaridade.
6.2.2 Brancas entre 20 e 24 anos, baixa escolaridade
Na concepção das brancas de baixa escolaridade, as jovens de hoje não querem mais
se casar. Isto ocorre porque são mais independentes financeiramente e podem optar por ficar
solteiras. O comportamento masculino é apontado pelas participantes deste grupo como sendo
outra razão pela qual as jovens não querem mais se casar. Segundo elas, hoje em dia, a grande
maioria dos homens prefere ser “ficante”. “Ficante”, segundo estas jovens, é o homem que
não deseja ter um relacionamento duradouro, que prioriza relações ocasionais e sexo e não
mostra interesse em casar. As mulheres reagem a este comportamento evitando o casamento.
As falas a seguir são incisivas neste sentido.
P92: Hoje em dia as meninas não querem casar.
P96: Porque a mulher hoje em dia ela tá muito submissa [querendo dizer
independente] ao homem, né? Caso assim, submissa não, é... da mesma...
qualidade do homem, no mesmo nível.
M: Independente do marido?
P93: Isso. Então, se ela pode sustentar ela e a casa, pra quê que ela vai caçar
indaca
4
? Muitas das vezes, ela tá trabalhando e o homem não trabalha.
Então pra que casá?
P94: Antigamente tinha homem que queria namorar e casar. Hoje em dia só
quer é ser ficante. (risos).
P92: Hoje é só ficar.
4
O termo “indaca” é utilizado para expressar algo ruim, que causa incomodo ou transtorno.
142
M: E o quê que é ser ficante?
P96: Ficante é chegar ali e dá um beijo nela. De repente rola uma transa,
eles transam e tal. Transou, acabou. Aí, um caça prô seu canto, um caça prô
outro. Aí, ela vai achá outro parceiro e ele a mesma coisa. Então, eu acho
que hoje em dia esse negócio de casar... tá meio difícil. Porque antigamente,
tinham pessoas, tinham homens, que queriam namorar, que queriam casar.
Hoje em dia eles não pensam nisso não.
(Grupo 15, 20 a 24 anos, Baixa Escolaridade, Branca).
6.2.3 Brancas entre 20 e 24 anos, alta escolaridade
Para as brancas de alta escolaridade, a questão do casamento também está vinculada
ao comportamento masculino. Segundo elas, mesmo casados, muitos homens não conseguem
assumir uma postura mais madura frente à relação, se comportando como se não estivessem
casados, ou seja, “...continuam tendo uma vida de solteiro...”. Além disto, para estas jovens, o
casamento parece competir com a autonomia pessoal e individualidade. As falas a seguir
mostram estas questões.
P52: Tipo assim, porque...quando você decide casar, você, necessariamente,
vai abrir mão de certas coisas...
P54: É a questão de dividir tudo...
P50: É... eu acho uma questão complicada.
P51: Complicada, principalmente pra quem é jovem assim.
P50: Muitas vezes alguns casais se casam e o homem continua tendo uma
vida de solteiro. Pra mulher... isso é mais raro, mas, acontece, né? Aí é
difícil...
(Grupo 9, 20 a 24 anos, Alta Escolaridade, Branca).
As falas, a seguir, tratam das participantes do grupo entre 50 e 59 anos.
6.2.4 Negras entre 50 e 59 anos, baixa escolaridade
Entre as mulheres negras mais velhas, de baixa escolaridade, prevalece a idéia de que
as jovens não querem mais se casar. A duração muito curta do atuais relacionamentos é
apontada como a razão desta situação. Segundo estas mulheres, as jovens não querem mais
143
investir financeiramente no casamento, pois sabem que ele pode durar pouco tempo. Para as
mais velhas, as jovens de hoje parecem encarar o casamento como um negócio e, diferente da
época em que se casaram, exigem uma série de bens materiais para começar a vida à dois e
têm uma liberdade muito maior para expressar o que desejam. Apesar disto, as negras de
baixa escolaridade da coorte mais velha, observam que os papéis de gênero tradicionais ainda
hoje permeiam as relações dos casais. Segundo elas, embora muitas mulheres trabalhem fora,
o homem ainda é o provedor e a ele cabe a responsabilidade de manter a família. Enfim, para
estas participantes, o casamento assumiu um caráter mais comercial, em que o lado material
tem mais importância do que tinha no passado. Este é um cenário bastante distinto daqueles
em que viveram, onde o amor era a base do casamento. As falas, a seguir, são esclarecedoras
a este respeito.
P16: Na época que eu casei, qual era o sonho d’uma noiva? ....Meu sonho
era um véu de dez metros...às seis horas da tarde e tinha que tá batendo o
sino. Aconteceu tudo bonitinho. O véu de dez metros. Mas, só que as
meninas de hoje, elas não querem gastar muito dinheiro... porque casam e
daí a três meses ele não quer ela mais. Então, com isso, as moças de hoje
acham assim: casar é bobagem, pois o cara faz você gastar com festa,
vestido e daí três, cinco meses ele não quer ela mais.
P15: Hoje as moças que querem casar, querem um apartamento. Elas
querem chamar um decorador. Elas querem isso, querem aquilo. ... Elas
querem fazer pé, mão, cabelo. Eu sempre digo prôs meus filhos: aonde o
homem vai arrumar tanto dinheiro? Eles dizem assim: pra isso aí ela
trabalha. O homem tem que pagar os mantimentos, pagar água, pagar, luz,
telefone e o gás. Agora, se a mulher quiser uma coisa diferente, aí ela tem
que trabalhar, né? Vou fazer a minha obrigação de homem.
P16: Não é assim que é a vida. Elas vão querer...
P13: Meus filhos, eles ficam rindo de mim... porque eu falei com eles: oh!
Eu casei com o seu pai porque eu gostava dele, não é por interesse. Ele
nunca teve nada. E nem eu. Nós casamos porque gostamos. Por isso que a
gente tá até hoje...Mas, hoje ninguém casa por amor igual... nós casamos.
(Grupo 3, 50 a 59 anos, Baixa Escolaridade, Negra).
Ainda na concepção das mulheres negras mais velhas e de baixa escolaridade, muitas
jovens se casam somente para sair do controle dos pais. Neste caso, o casamento é apontado
como uma estratégia utilizada para conquistar a liberdade, já que a separação se banalizou e
144
pode acontecer sem maiores problemas. A curta duração das atuais uniões é percebida por
estas mulheres como um dos resultados do comportamento das jovens. Estas perspectivas
estão expressas nas falas a seguir.
P14: Hoje é muito difícil um casal viver muitos anos, igual eu. Igual nossa
geração.
P13: Pois é! É Muito difícil.
P16: Eu vou fazer vinte e cinco anos [de casada].
P18: Hoje se o marido fizer uma coisa pra mulher, já era o casamento...
P16: Tem muitas moças que casam para sair das asas dos pais.
P17: É isso mesmo...hoje as moças querem é liberdade.
P16: Elas acham que os pais pegam no pé, igual eu falei. Aí elas querem
liberdade. Então, elas buscam no casamento a liberdade... que os pais não
dão. Aí, elas acham que estão buscando liberdade. Então, como elas casam,
com intenção de casar hoje e separar amanhã.
P17: É a liberdade que elas querem buscar, né?
(Grupo 3, 50 a 59 anos, Baixa Escolaridade, Negra).
6.2.5 Negras entre 50 e 59 anos, alta escolaridade
Para as mulheres negras de alta escolaridade, existem determinados grupos de jovens
mais afeitos ao casamento do que outros. Segundo elas, hoje em dia, as jovens que desejam se
casar são as mais pobres e de menor escolaridade, geralmente, negras. Para as mulheres mais
velhas, estas jovens buscam no casamento o que as mais escolarizadas encontram em outras
dimensões: ascensão social e econômica. Segundo elas, as expectativas e os projetos de vida
destas jovens, diferente daquelas que estudam e buscam a auto-suficiência, são voltados para
o casamento. Estas participantes também enfatizam que as jovens que mais desejam se casar,
geralmente, seguem o modelo de vida exibido pelas mães, cujo foco principal também era o
casamento. O diálogo, a seguir, expressa estas percepções.
M: E quem vocês acham que são essas meninas que casam?
145
P87: Eu acho que tem vários tipos. Depende da... talvez da... da situação
social. Eu, por exemplo, trabalho no consulado da Alemanha, né? Então,
uma coisa que me chama muito (com ênfase) a atenção é o número de
homens alemães que vem procurar mulheres para casar aqui no Brasil. E em
Belo Horizonte tem um monte destas meninas... eu não sei onde elas
arranjam esses alemães, mas elas vão lá pegar o visto pra ir pra Alemanha.
São meninas de vinte, vinte e poucos anos, geralmente de classe...
P86: Mais pobre.
P88: Acho que é porque elas procuram...
P89: A ascensão social.
P87: Eu acho que elas procuram no casamento o que as outras acham no
estudo, entendeu?
P88: Elas vão procurar no casamento o que elas não conseguiram encontrar,
né? Não conseguiram um trabalho legal, aí, a expectativa de vida é
diferente, né?
P89: É uma visão diferente. Mais conservadora, vamos dizer assim, né? A
mãe... nasceu, cresceu, casô, teve filhos. Aí, ela vai repetir o, o modelo.
P88: É, o modelo da mãe.
P87: E a maioria é negra.
M: A maioria?
P87: A maioria dessas meninas que se casam assim, né? E casam com
homens que, na Alemanha são considerados de classe média baixa...são
pessoas de um nível mais baixo...talvez o pobre da Alemanha, né?
M: Ham, ham.
P87: Eqüivaleria aqui a nossa classe média baixa. E a maioria é
negra...Agora, as brancas que casam com alemães, elas já são mais velhas e
são mulheres que têm cursos superiores, que fizeram doutorado na
Alemanha mesmo e conheceram o rapaz lá. Aí é um outro lado da história..
(Grupo17, 50 a 59 anos, Alta Escolaridade, Negra).
Os próximos itens apresentam as falas das mulheres brancas de baixa e alta
escolaridade, da coorte de 50 a 59 anos, em relação ao que é importante para uma mulher se
casar e quem são as mulheres que se casam hoje em dia.
146
6.2.6 Brancas entre 50 e 59 anos, baixa escolaridade
As brancas mais velhas e de baixa escolaridade, ressaltam que as mulheres da geração
delas tinham papéis bem definidos a serem cumpridos. Elas haviam sido criadas para serem
esposas, mães e boas donas de casa e o casamento era um dos maiores objetivos em suas
vidas. Apesar disto, muitas percebem o casamento tradicional como um fardo para a mulher, a
qual é pouco valorizada e tratada como escrava. As falas a seguir são bastante elucidativas e
incisivas a este respeito.
P38: Mas, a gente, no meu caso, né? Eu fui criada pra casar, pra ser dona de
casa (com ênfase). Pra esperar o marido limpinha. Pra ser boa mãe, pra ser
boa cozinheira, boa passadeira, boa lavadeira. Eu não fui criada pra ser
mulher... e isso é com muitas da minha geração, a maioria, entendeu?
M: E como que era o casamento? O vem à cabeça de vocês quando eu falo
casamento?
P38: Escravidão.
M: Escravidão? (surpresa).
P40: Eu acho. A gente fica ali preso. Ocê num tem valô.
P41: Ocê trabalha pra todo mundo em casa e pra muitas famílias tem valô.
Mas, eu não. Acho que as pessoas não dão valô dentro de casa. É só
trabalhá.
(Grupo7, 50 a 59 anos, Baixa Escolaridade, Branca).
De acordo com estas mulheres, hoje em dia as jovens não aceitam mais casamentos
com uma estrutura tão tradicional como os das gerações passadas e não se submetem a
dominação dos maridos. Elas estudam e trabalham. Além disto, são mais amparadas pela lei
quando decidem se separar, particularmente, se têm filhos. Para elas, o fato das relações,
atualmente, serem mais igualitárias faz com que os casamentos de hoje tenham chances mais
elevadas de darem certo. O diálogo a seguir mostra estas questões.
P41: Hoje elas não aceitam mais isso.
P39: Não aceitam essa coisa não.
147
P37: Elas trabalham, estudam. Se o marido quer prender, elas cascam fora.
Se eles têm filhos também, elas levam muita coisa, né? E tá tudo [a lei] do
lado da mulher...
P41: No meu tempo, se meu marido chegasse em casa e tivesse uma coisa
fora do lugá, brigava. Eu tinha que estar limpinha e cheirozinha, de bom
humor (com ênfase) e a casa um brinco, né? É... hoje não. Hoje... os dois
chegam do trabalho e vão dividir as tarefas domésticas, né? Vão os dois
pagar o apartamento, vão os dois pagar a prestação do carro...Por isso que
eu acho que agora dá mais certo o casamento hoje.
(Grupo 7, 50 a 59 anos, Baixa Escolaridade, Branca).
6.2.7 Brancas entre 50 e 59 anos, alta escolaridade
Para as mulheres brancas, mais velhas e de alta escolaridade, os casamentos atuais são
mais instáveis do que os da época em que se casaram. Segundo elas, por três razões
fundamentais. Primeiro, porque hoje existe menos tolerância e renúncia entre os casais, do
que existia antigamente. Segundo, porque hoje a separação é mais fácil de ser obtida e mais
aceita pela sociedade. Terceiro, porque o casamento, atualmente, é encarado muito mais como
um contrato do que como uma “aliança” e isto compromete a sua duração. Segundo estas
participantes, uma aliança é fundamentada no amor, enquanto um contrato se baseia em
interesses materiais. Assim, para estas mulheres, a forma como os casamentos estão sendo
conduzidos gera uniões instáveis e famílias totalmente desestruturadas. As falas a seguir
retratam estas perspectivas.
P70: O casamento, pra mim, tem que sê feito.. de renuncia, de tolerância, de
entendimento, não é?... Você tem que renunciar muitas vezes... saber pedir
desculpas, saber desculpar... E o quê que a gente observa hoje em dia com
essas facilidades que estão tendo? As pessoas casam, já casam pensando
assim: se der certo, ótimo. Eu vou conviver até ficar velhinha, eu e meu
marido. Mas, se não der certo, eu tenho a opção, hoje muito mais aceita pela
sociedade, de desfazer o meu casamento... Se não der certo, eu
simplesmente separo e vou construir a minha vida com outra pessoa.
P71: Um casamento hoje é visto mais como um contrato, entende? É um
contrato. Quando no nosso tempo era aliança. Então, aí está a grande
diferença. Eu acho que a grande maioria de nós aqui, nós sempre achamos
que o casamento era uma forma de aliança. O casamento de hoje é muito
mais um contrato. Por exemplo, eu vô ficar enquanto der certo. Se não der
certo, eu pulo fora, que se dane. Então, estamos caminhando pra uma
geração totalmente desestruturada... E isto é gritante.
148
(Grupo 11, 50 a 59 anos, Alta Escolaridade, Branca)
Para outro grupo de mulheres mais velhas, brancas e de alta escolaridade, os
casamentos atuais são melhores do que eram os de gerações passadas. Por trabalharem fora,
as mulheres modernas são mais independentes, sofrem menos dentro das relações e não se
sujeitam a situações que não desejam.
Segundo elas, o fato da separação não ser bem aceita em décadas passadas fazia com
que muitas mulheres permanecessem casadas, mesmo não sendo felizes. Assim, a
possibilidade de se separar é entendida por estas mulheres como uma conquista feminina.
Entretanto, elas ressaltam que as jovens precisam encontrar um equilíbrio entre liberdade e
responsabilidade para que a separação não se torne uma prática banalizada. Tal equilíbrio,
segundo elas, surge ao longo dos anos, com as experiências de vida.
P67: Hoje o casamento é mais interesse.
P70: Porque antigamente as mulheres não trabalhavam, eram dependentes
do marido, sofriam muito. Eu tive participação num casamento assim muito
sofrido. O marido com outra, com filho, com outra. E a pessoa segurando
aquele casamento. Por que? Porque não podia separar. Hoje isso não existe
mais.
P69: Quer dizer, não era um casamento de amor, era um casamento super
infeliz.
P74: Mas, por causa da sociedade não separava”.
P68: Tinha medo.
P72: E hoje é um ganho.
P71: Poder separar foi um ganho. Porque hoje, a mulher com a
independência que ela tem ela está, cada dia mais, lutando por essa
independência e deixando de sofrer. Existiam muitos casamentos sofridos
na minha época... Muitos casamentos sofridos porque a sociedade não
permitia que você se separasse, que você fosse desquitada. Eu acho que
hoje, a mulher evoluiu demais, cresceu demais. Tornou-se independente e
não se sujeita mais a certo tipo de sofrimento.
P67: É. Mas é uma pena que extrapola um pouco, né?.
P69: É. Extrapola.
149
P70: Então, a mulher conquistou a liberdade, agora ela tá precisando
conquistar a responsabilidade.
P71: É. Então, esse equilíbrio vem é com a, a experiência mesmo, né?.
(Grupo 11, 50 a 59 anos, Alta Escolaridade, Branca).
Falas de outras participantes brancas de alta escolaridade também ressaltam a
importância atribuída ao trabalho feminino para o sucesso do casamento. Para elas, o fato da
mulher trabalhar fora de casa e ter seu salário faz com que a relação do casal seja mais
igualitária e o marido demonstre mais respeito pela esposa. O exemplo desta perspectiva é
apresentado a seguir na fala da participante de um dos grupos de mulheres brancas de alta
escolaridade.
P: Apesar de que hoje as pessoas têm consciência de que se não der certo
separa, o fato da mulher também ter o trabalho, ter o dinheiro, aumenta a
chance do casamento dar mais certo. O homem ajuda mais a mulher,
respeita mais a mulher. Então, eu acho que hoje tem mais chance, em todas
as classes, do casamento dar certo. Porque até na família mais pobre, se a
mulher é faxineira, ela também tem o salário dela, ela também ajuda em
casa. Então, eu acho que ajuda.
(Grupo 12, 50 a 59 anos, Alta Escolaridade, Branca).
6.2.8 Síntese
Para as mulheres da coorte mais jovem, de baixa escolaridade, a questão financeira é
central para o casamento. Quando uma mulher é independente financeiramente, segundo estas
jovens, ela pode optar, ou não pelo casamento. Para as negras de baixa escolaridade,
casamentos onde a mulher não trabalha fora geram situações de dependência e subordinação.
Mas, quando desenvolvem algum tipo de atividade remunerada, ele acontece por amor. A
autonomia financeira, de acordo em estas jovens, além de indicar que o casamento é possível,
permite que o casal seja independente dos pais e assuma suas responsabilidades. Para elas,
assim como a questão financeira, o companheirismo e o respeito também são aspectos
fundamentais para o casamento. Por fim, para as jovens negras e de baixa escolaridade,
embora as mulheres reconheçam que o casamento não é fácil, muitas ainda sonham com ele.
As negras de alta escolaridade não discutiram esta questão.
150
Para as jovens brancas e de baixa escolaridade, além da independência financeira
feminina ter tornado o casamento uma opção menos atrativa para as jovens, estas
participantes acreditam que, atualmente, os homens não querem mais se casar, pois valorizam
mais as relações casuais e preferem ser “ficantes” a se casarem. Para as jovens brancas e de
alta escolaridade, as mulheres de hoje preferem não se casar. Contudo, aquelas que desejam se
unir a alguém devem ter em mente que terão que abrir mão de muitas coisas em sua vida,
especialmente da liberdade e da autonomia. Segundo estas jovens, o casamento está associado
com a idéia de formação de família e, filhos, além de gerarem muitas responsabilidades,
podem significar conflitos para os casais pouco preparados - geralmente mais jovens e
imaturos para lidarem com situações mais difíceis. Vale ressaltar que estas jovens foram
categóricas em dizer que, na etapa da vida em que se encontram, não se imaginam casadas.
Por fim, vale mencionar que a percepção das jovens brancas, de baixa e alta escolaridade, a
respeito da postura masculina diante do casamento é muito similar. Segundo elas, a maneira
como os homens se comportam faz com que as mulheres não queiram se casar. Para elas, eles
não assumem uma postura madura frente a um relacionamento. Muitos desejam somente ser
ficantes e, vários daqueles que se casam, continuam se comportando como solteiros depois do
casamento.
Entre as mulheres negras de alta escolaridade, da coorte mais velha, existe uma
percepção bastante clara acerca de quem são as jovens que, atualmente, desejam se casar. Para
elas, são as mais pobres, com menor escolaridade, geralmente negras, que ainda querem se
casar. Em uma circunstância bastante particular - no caso de jovens negras que se casam com
alemães - o casamento é apresentado como uma possibilidade de ascensão social. Para as
negras mais velhas e de baixa escolaridade, por outro lado, as jovens de hoje não querem mais
se casar. Aquelas que se casam o fazem porque desejam sair do controle dos pais.
Para as mulheres brancas, mais velhas, de baixa e alta escolaridade, hoje em dia as
relações de gênero são mais igualitárias e este aspecto tornou os casamentos melhores,
embora as chances de dissolução tenham aumentado em função desta maior igualdade. Apesar
de acreditarem que a maior facilidade e aceitação do divórcio beneficiou as mulheres, elas
enfatizam que as novas gerações são menos estruturadas devido ao grande número de
separações que acontece. Também para estas participantes, existe muito menos tolerância da
mulher em relação ao seu parceiro.
151
O item a seguir apresenta a percepção das mulheres acerca da relação entre o
casamento e os projetos de vida.
6.3 Os projetos de vida e o casamento
Os projetos de vida traçados pelos indivíduos geralmente oferecem elementos
importantes para análises das expectativas e do comportamento que apresentam em relação
ao casamento. Desejar estudar, trabalhar, ter uma carreira bem sucedida, por exemplo, são
elementos que podem influenciar a decisão dos indivíduos quanto ao casamento,
particularmente a decisão das mulheres. Apesar de diversos trabalhos enfatizarem que a idade
ao primeiro casamento pode significar o surgimento de inúmeras e importantes mudanças na
vida dos indivíduos (UDRY & CLIQUET, 1982; RINDFUSS, MORGAN & SWICEGOOD,
1988; HEATON, FORSTE & OTTERSTROM, 2002; RAYMO, 2003), são raras as
investigações que discutem a relação entre casamento e planos futuros a partir da perspectiva
das mulheres. Os grupos focais realizados em Belo Horizonte procuraram explorar esta
questão e os diálogos, a seguir, mostram como as mulheres de diferentes perfis e gerações
percebem esta relação.
6.3.1 Negras entre 20 e 24 anos, baixa escolaridade
De acordo com jovens negras e de baixa escolaridade, o casamento prende a mulher,
impedindo-a de concretizar os seus projetos de vida. Para elas, depois que uma mulher se
casa, se foco de atenção passa a ser a família. Geralmente, seus planos são adiados, ou nunca
realizados. Um exemplo bastante evidente disto pode ser observado em relação aos estudos.
As falas a seguir são bastante elucidativas neste sentido.
P49: Eu acho assim, que na maioria das vezes [casamento]... prende muito.
M: Prende muito, em que sentido?
P46: Antes de casar, a gente tem muitos projetos de vida. Aí a pessoa pega
aquele projeto de vida e quando casa, acaba tudo. Vai cuidá do filho, da casa
e não consegue realizar as coisas. Se o objetivo que antes era de estudar, por
exemplo...acaba.
(Grupo 8, 20 a 24 anos, Baixa Escolaridade, Negra).
152
6.3.2 Negras entre 20 e 24 anos, alta escolaridade
As negras de alta escolaridade acreditam que o estudo é o projeto de vida a ser
priorizado pelas jovens. Na concepção destas participantes, os estudos fornecem a base
necessária para que os indivíduos possam formar uma família. No entanto, optar pelo estudo
implica fazer escolhas e abrir mão de outras realizações – eventualmente, do casamento. As
falas a seguir esclarecem estas questões.
P32: A prioridade é estudar, é construir alguma coisa, né? O estudo é
prioridade acima de algumas coisas, de alguns projetos ou ideais de vida,
né? Mas a gente também não pode deixar de realizar os sonhos da gente...
Eu acho que os dois têm que andar juntos.... se eu não estivesse estudando,
não ia ter uma estrutura pra ter uma família, entendeu? Porque hoje, você
tem que ter um estudo, uma base pra você ter uma família futuramente. É
isso que está faltando hoje. Essa base, né? Essa estrutura pra te ajudar a...
guiar a vida.
P33: Eu não sei se com vocês as coisas são assim, mas, pelo menos
comigo...eu já... eu renunciei a muita coisa por causa do estudo. Eu acho
que essa renúncia é necessária no momento.
(Grupo 6, 20 a 24 anos, Alta Escolaridade, Negra)
Vale ressaltar que, para estas jovens, priorizar os estudos é extremamente importante.
Segundo elas, mulheres que priorizam o casamento, geralmente, têm mais dificuldade para
conciliar as tarefas da vida escolar com as da vida familiar. O item a seguir apresenta as falas
das jovens brancas de alta escolaridade. Os grupos de brancas de baixa escolaridade não
discutiram esta questão.
6.3.3 Brancas entre 20 e 24 anos, alta escolaridade
Na percepção das brancas de alta escolaridade, o casamento era o maior projeto de
vida das jovens de gerações passadas e, por esta razão, era encarado como natural e quase que
obrigatório na vida das mulheres. Por isto, poucas eram as que tinham outros planos. As falas,
a seguir, mostram este ponto de vista.
P50: Antes, as mulheres casavam muito novas. Então, elas nem tinham
tempo de estudá, nem tempo de trabalhar fora...seus planos eram voltados
prô casamento”
153
P53: E o casamento era quase que como uma coisa... ordem natural algo
meio obrigatório na vida da mulher..
P55: É. Obrigatório.
(Grupo 9, 20 a 24 anos, Alta Escolaridade, Branca).
As falas a seguir apresentam a percepção que as mulheres entre 50 e 59 anos, de baixa
e alta escolaridade, possuem a respeito da relação entre projetos de vida e casamento.
6.3.4 Negras entre 50 e 59 anos, baixa escolaridade
Para as negras mais velhas e de baixa escolaridade, na época em que eram jovens, o
maior sonho das mulheres era casar, ter uma casa, cuidar do marido e dos filhos. Esta era uma
expectativa bastante diferente da que as jovens, atualmente, possuem. As falas a seguir
revelam estas questões e deixam evidente o fato de que as mulheres esperavam desempenhar
papéis bastante tradicionais dentro da união.
P16: Na época da gente o sonho era casar.
P13: Casar com um véu de dez metros. É isso....
P18: Só pensava nisso antigamente.
P15: Era diferente.
P16: O sonho era ter casinha, fazer comida prô maridinho (com ênfase). Ai!
Que gostoso! Antigamente era tão bom, né?
P18: Cuidar dos filhos, né?
(Grupo 3, 50 a 59 anos, Baixa Escolaridade, Negra).
Na concepção das negras de baixa escolaridade, atualmente as jovens estão mais
preocupadas em estudar e se formar do que em casar. As experiências negativas de algumas
colegas, em relação ao casamento, fazem com que muitas não queiram se casar. Na percepção
dessas participantes, as mulheres mais jovens não querem uma relação de submissão e,
eventualmente, de violência. Além disto, estas jovens, na visão das mulheres mais velhas, não
desejam abrir mão da juventude para cuidar de filho. Por outro lado, na época em que
154
viveram, esta era a norma. O diálogo a seguir mostra estas questões de maneira bastante
esclarecedora.
P16: Ah! muitas, muitas menina falam em...formar..
P18: Falam... isso com base da minha que tá com dezessete anos. Ela quer
estudar.
P16: Querem formar.
P17: Elas dizem: não quero casar mãe!
P13: É.
P17: Não quero casar não. Mas, hoje elas têm medo porque viu a outra casar
e não deu certo.
P16: É.
P15: Elas pensam: aí não! Vou por minha barba de molho.
P14: Elas dizem: eu não quero não. já viu a outra que... com dezessete
anos teve neném e tá passando dificuldade... tá deixando a mãe cria o
neném, e o cara é bruto. Cê entende? O cara é bruto. Bate. Sai..
(Grupo 3, 50 a 59 anos, Baixa Escolaridade, Negra).
6.3.5 Negras entre 50 e 59 anos, alta escolaridade
Segundo a visão das negras de alta escolaridade, da geração mais velha, atualmente,
poucas jovens incluem o casamento em seus projetos de vida; a maior parte delas planeja
estudar, viajar e trabalhar. Para as mulheres da geração mais velha, as jovens de hoje estão
mais preocupadas em conquistar sua emancipação e ter a maior autonomia possível. As falas,
a seguir, são elucidativas neste sentido.
P104: Hoje, elas não pensam, elas não pensam em casar não.
P107: Elas não pensam em casar, não.
P108: Eu acho que o projeto de vida delas, das que eu conheço, elas querem
trabalhar, ter dinheiro, ter carro, passear, viajar, estudar mais, aprender
línguas.
155
P105: Não tem casamento nos planos de vida delas... pelo menos das que eu
conheço, não.
P106: Algumas fazem, né?.
P107: Nós não conhecemos...
P108: Eu não conheci nenhuma (risos).
(Grupo17, 50 a 59 anos, Alta Escolaridade, Negra)
As falas apresentadas, a seguir, retratam as perspectivas das mulheres brancas entre 50
e 59 anos, de baixa e alta escolaridade, a respeito da relação entre casamento e projetos de
vida.
6.3.6 Brancas entre 50 e 59 anos, alta escolaridade
Para as mulheres brancas mais velhas e de alta escolaridade, o casamento, formal ou
não, ainda é um evento importante para as jovens. Segundo estas mulheres, já que o
casamento formal está fora de moda hoje em dia, as mulheres deveriam se unir a alguém da
maneira que achassem mais adequado, mas não deveriam ficar sozinhas. É interessante
observar que a fala de uma das mulheres presentes no grupo revela o arrependimento por não
ter se casado. Vale, também, apontar que este sentimento é compartilhado por outras
participantes solteiras.
P74: Eu acho que pra maior parte das minhas amigas, das filhas das minhas
amigas, o casamento é fundamental. Não digo o casamento formal, o preto
no branco. Esse... tá um pouco...fora de moda..
P77: Eu acho isso importante [o casamento, formal ou informa].
P75: Eu também acho, todo mundo deveria se casar um dia.
P79: Eu gostaria de tê feito isso comigo [de ter se casado]...
(Grupo 12, 50 a 59 anos, Alta Escolaridade, Branca).
6.3.7 Síntese
Em resumo, as falas até aqui analisadas sugerem que, para as jovens, o casamento
dificulta a realização dos planos e projetos de vida. As negras de baixa escolaridade são
156
bastante enfáticas neste sentido. Para elas, o casamento não permite que a mulher atinja os
planos que estabeleceu para sua vida antes de casar. Na concepção destas participantes, isto
acontece porque, depois que se casa, a mulher passa a ter que se dedicar à família e às
obrigações domésticas. Já as negras de alta escolaridade são menos pessimistas em relação ao
efeito do casamento sobre os projetos de vida de uma mulher. Para estas jovens, se a mulher
priorizar os estudos, terá uma estrutura para formar uma família futuramente. O casamento é
algo a ser conquistado depois que alguns projetos de vida, tais como os estudos, forem
realizados.
As jovens brancas de alta escolaridade ressaltam que as mulheres de diferentes gerações
possuem expectativas distintas em relação ao casamento. Para elas, enquanto o casamento era
o principal projeto de vida das mulheres de gerações passadas, hoje as jovens priorizam outras
coisas. O estudo é uma delas.
De uma maneira geral, as falas das mulheres entre 50 e 59 anos, particularmente as
negras, revela que elas acreditam que as jovens de hoje não fazem a mesma questão, que elas
faziam, de se casar. Enquanto, para as de baixa escolaridade, as jovens não desejam se casar
porque estão mais preocupadas com os estudos e não aceitam mais viver uma relação nos
moldes de gerações passadas. Para as negras mais velhas e de alta escolaridade, as jovens não
querem mais se casar, hoje em dia, porque estão buscando sua emancipação, sua autonomia e
independência. As brancas mais velhas e de alta escolaridade, por outro lado, acreditam que o
casamento ainda faz parte dos planos das mulheres mais novas. Isto não significa que o
casamento tradicional seja o mais valorizado, pelo contrário, este é apontado como fora de
moda nos dias de hoje.
É importante mencionar que as falas, de uma maneira geral, apontam para o
enfraquecimento do tabu existente em relação à separação e ao divórcio.
O tópico, a seguir, analisa as falas sobre a relação entre casamento e gravidez.
6.4 Solteira que engravida deve casar?
Os diálogos das participantes dos grupos focais sugerem que a gravidez antes do
casamento, embora seja mais aceita atualmente, ainda gera situações de preconceito e
discriminação. As falas apresentadas a seguir procuram retratar a percepção que mulheres de
diferentes perfis sócio-demográficos possuem sobre esta questão.
157
6.4.1 Negras entre 20 e 24 anos, baixa escolaridade
Na concepção das jovens negras de baixa escolaridade, as mulheres que ficam
grávidas enquanto são solteiras têm muita dificuldade para encontrar um companheiro e,
consequentemente, para se casar. Segundo estas jovens, geralmente o namorado não assume a
gravidez e, possíveis pretendentes, se afastam com medo de terem que assumir alguma
responsabilidade financeira com a criança.
Para estas jovens, a gravidez fora do casamento ainda é uma situação difícil,
embaraçosa e que gera um sentimento de vergonha. Por isto, uma das situações mais difíceis
enfrentada por uma jovem que engravida solteira é contar para a família. As falas das
participantes deste grupo sugerem que experiência da maternidade fora do casamento não é
um evento positivo, pois ressaltam que, caso as mães solteiras pudessem voltar atrás no
tempo, não engravidariam sem estarem casadas. Algumas participantes enfatizam que muitas
não engravidariam e nem mesmo casariam. As falas sugerem que ter filhos quando ainda
estão na faixa dos 20 anos é motivo de arrependimento. Estas percepções estão expressas no
diálogo a seguir.
P2: A maioria dos namoros... aparentemente é só enrolação. Namora,
namora, namora, num sai um noivado, num sai um casamento. Se
engravida, a gente fica na mão...
P1: Enquanto não tiver um relacionamento fixo... né? tem que tomar os seus
cuidados pra não engravidar. Que isto pesa demais.
P4: É. Porque depois que tiver grávida...
P6: ...cê é largada, nó!
P2: Eu acho assim, a mulher sozinha, pra ela arranjá um namorado, pra ela
estudar, pra fazê tudo, é só ela. O homem... muitas das vez, quando olha pra
uma mulher com filho pra namorar, ele já pensa assim: ah! Namorar com
uma mulher que tem filho. Eu vô ter que ajudar em alguma coisa. É como
se fosse uma despesa a mais.
P5: O mais difícil na família, com relação a gravidez de ser mãe solteira, é o
contar que tá grávida.
P1: É a decepção... da mãe da gente, né?
P4: Parece que sente mais vergonha pra gente.
158
P2: Mas se a gente for vê, eu acho que a maioria das pessoas que teve filhos
solteira, se fosse pra perguntá assim: se fosse pra nascer de novo, você
engravidaria solteira? Nenhuma engravidaria, a maioria não engravidaria.
P3: Eu acho que se fosse pra mim voltá nos meus dezoito anos atrás, eu não
engravidaria, nem casava.
P5: Nem depois de casar...
(Grupo 1, 20 a 24 anos, Baixa Escolaridade, Negra).
Ainda na concepção destas participantes, quando uma jovem conta para a família que
está grávida, a primeira reação dos pais é exigir que o casamento, o qual aparece como a
solução para todos os problemas gerados pela gravidez, aconteça. Esta reação não é
manifestada apenas pelos pais. De acordo com as falas destas jovens, a sociedade, de uma
forma geral, parece acreditar que o casamento é o caminho natural a ser seguido após uma
gravidez. As falas, a seguir, são elucidativas neste sentido.
M: E como a família reage a notícia de que uma jovem solteira esta grávida?
P1: Ah! Mamãe queria que eu casasse de qualquer maneira. (risos).
M: Então o casamento é importante no caso da gravidez?
P4: Parece que o casamento resolve tudo, é a solução da gravidez.
PARTICIPANTES: É isso mesmo, muita gente acha isso. Tem que casar.
P1: Casamento parece que ele soluciona tudo, todo o mistério, sabe?
P2: Se ela tivesse casado...ah...
(Grupo 1, 20 a 24 anos, Baixa Escolaridade, Negra).
Outro grupo de jovens negras de baixa escolaridade enfatiza que a primeira reação das
pessoas, quando sabem que uma mulher ficou grávida, é perguntar se ela casou. Embora não
aceitem que o casamento tenha que acontecer em função da gravidez, estas jovens acreditam
que, geralmente, ele termina se concretizando porque as mulheres sentem vergonha de ficar
sozinhas e de assumir o filho, sabendo que o grupo ao qual pertencem faz comentários a seu
159
respeito. Assim, as falas destas participantes sugerem que o casamento, junto com a gravidez,
não é a norma no discurso, mas sim na prática.
P10: Se fica grávida, a primeira coisa que pergunta: casô?.
P12: Casô! Poxa gente! Casamento nem é tão belo assim, né?... (risos).
P8: Não tem nada a ver...Casô pra podê dar graça prôs outros. É... é o fim da
picada.
P9: Eu acho também que tem a questão da vergonha, sente vergonha
porque... ela vai pensá assim: agora estão falando de mim. Então aí que fica
com vergonha...
P7: Então, ocê não vai amigá, nem casá com uma pessoa só... pra dá nomes,
pra dar status pra algumas pessoas. Mas, se você tá bem assim, se você tá
feliz assim, é o que importa ...
(Grupo 2, 20 a 24 anos, Baixa Escolaridade, Negra).
Na percepção de um outro grupo de mulheres negras de baixa escolaridade, embora a
gravidez não justifique o casamento, a sociedade sempre espera, e cobra, que a jovem que
engravidou se case. Os pais são os grandes responsáveis por esta cobrança, pois para
atenderem as expectativas sociais, desejam que a filha grávida se case. Além dos pais, estas
jovens acreditam que pessoas com valores mais tradicionais também são responsáveis pela
vinculação da gravidez com o casamento.
P47: Ah! Eu eu acho que... tipo assim, a gravidez não justifica o casamento,
entendeu? Eu não acho que só porque tá grávida, ah! tem que casá, eu não
concordo com isso não.
P44: Mas, os pais geralmente pensam... (risos).
P45: Óh! Engravidô tem que casar...
P46: Isso é pra dá uma satisfação pra sociedade...
P45: Pra sociedade e prôs amigos...
P49: Tipo assim: tá grávida e casô.
160
P46: A maioria das vezes acontece isso mesmo. É... pressão dos pais, né? É
preconceito mesmo. É pressão pelas pessoas que tem determinados valores e
tal. Tem que casar!
(Grupo 8, 20 a 24 anos, Baixa Escolaridade, Negra).
Para a maior parte das jovens negras de baixa escolaridade, a gravidez não implica em
casamento. Na verdade, na visão destas mulheres, o casamento só deve acontecer quando os
namorados já estão juntos há mais tempo e já tinham planos de casar mesmo antes da
gravidez acontecer. As falas a seguir mostram estas questões.
M: Quando o casamento deve acontecer?
P47: Alguns pessoas... já estão juntos há muito (com ênfase), tá? E acontece
de engravidá...às vezes já tá com plano de casá, mas fala: então, vai tê que
casá.
P49: Agora, mas, na maioria das vezes é porque engravidô, ai, ocê tem que
casá. Mas, eu acho que isso, isso hoje em dia... não é uma coisa
assim...obrigatória de acontecê, eu acho que não.
(Grupo 8, 20 a 24 anos, Baixa Escolaridade, Negra).
6.4.2 Negras entre 20 e 24 anos, alta escolaridade
As jovens negras de alta escolaridade não apresentam um consenso sobre a questão.
Enquanto algumas acreditam que o casamento em função da gravidez, não tem sentido, outras
defendem que ele é muito importante, pois é o que se espera para a vida de uma mulher que
engravida. Para outras, embora a gravidez antes do casamento seja um evento mais comum
atualmente, ainda existe muito preconceito por parte da sociedade e cada jovem que engravida
sem casar parece ser, sempre, a primeira a estar enfrentando esta situação. O diálogo abaixo
apresenta estas questões.
M: Vocês acham que as jovens que engravidam devem casar?
P19: Obrigadas não.
161
P20: Num vejo nenhum sentido assim... da pessoa ter que casar só porque
ficou grávida. Pra mim é simplesmente... é como você dá uma satisfação
para sociedade. Eu acho que você tem que fazer o que você quer.
P22: Mas ainda tem bastante preconceito. Por mais que aconteça a todo
instante, com pessoas que não se imagina, sempre tem uma visão
preconceituosa. Parece que cada moça que engravida é a primeira. (risos).
P22: Eu acho que tem que ter o casamento... sei lá...Acho que o fato de ficar
grávida não é tão normal.... eu não consigo encarar como normal assim,
sabe? Tô grávida, pronto e nada... me dá uma tristeza quando eu vejo
grávidas sem casar... igual uma amiga minha, que eu vi crescer... é... jovem,
grávida...sem perspectiva nenhuma.
(Grupo 4, 20 a 24 anos, Alta Escolaridade, Negra).
Para outro grupo de jovens negras de alta escolaridade, entre 20 e 24 anos, a gravidez
somente antecipa os planos de casais de namorados que já desejavam se casar. Este grupo
também ressalta que as mulheres de hoje, por serem mais independentes, têm condições de
escolher se desejam se casar por causa da gravidez. Na visão destas participantes, os
princípios que regem as relações, assim como o senso de responsabilidade das jovens, estão se
perdendo. Para elas, relacionamentos tão íntimos como o sexual só deveriam acontecer entre
pessoas que têm a certeza que se gostam e que pretendem ficar juntas no caso de uma
gravidez. Apesar de enfatizarem estes aspectos, uma das falas frisa que estas jovens não
percebem o casamento, que acontece em função da gravidez, como um evento “normal”. As
falas a seguir ilustram estas questões.
P33: Eu acho que a questão é a seguinte, se você tá com uma pessoa e era,
realmente, aquela pessoa que você queria, e aí vem uma gravidez, vai haver
uma adiantamento dos planos. Você vai casar porque você já queria, mas, já
vai casar com filho e aí já é um pouco mais complicado. Você já vai
começar a vida com um filho. E isso não é o normal, né? E quando a pessoa
não gosta, eu acho que ela não casa mesmo...
P36: As mulheres de hoje estão sentindo muito independentes. Porque,
antigamente, tinha muito aquela questão: a menina engravidou. Pronto, o pai
pegava: olha, você engravidou, você vai casar.
P35: E hoje elas estão sentindo muito independente. Elas falam assim: não,
eu não vou casar. Eu sou dona da minha vida.
162
P33: E é nessa hora que você vê uma perda assim de princípio. Se não gosta,
por que teve esse relacionamento tão íntimo com uma pessoa?
P35: É. A responsabilidade parece cada vez menor.
(Grupo 6, 20 a 24 anos, Alta Escolaridade, Negra).
O papel da família também é enfatizado por outro grupo de jovens negras de alta
escolaridade. Segundo estas participantes, os casamentos que acontecem em função da
gravidez tendem a não dar certo, mas devido as cobranças da sociedade, os pais geralmente
acreditam que ele deve acontecer. Na visão destas jovens, famílias que apresentam valores
mais rígidos impõem, com mais veemência, a necessidade do casamento para as mulheres que
esperam um filho sem casar. As falas a seguir expressam estas visões.
P81: Se engravidar, vou ter que casar, querendo ou não.
P80: E casar por causa disso nunca dá certo, sabe? Você vê que, ás vezes, as
meninas vão ter um filho e casam por causa do filho...Aí começa...
P83: A família cobra o casamento, sabe? Muitas vezes nem é pela própria
família não, mas é pelo que os outros vão falar: o que eles vão falar de você
agora? Você está solteira e não vai casar?
P80: Eu acho que a questão do casamento está ligada ao tipo de família.
Têm aquelas famílias patriarcais que falam assim: você engravidou, você
vai ter que casar. Se é rico ou pobre, não interessa, você vai casar...e as
famílias pobres também fazem isso. Você engravidou vai ter que casar,
porque ele tem que te sustentar...Então, acaba casando...
(Grupo 13, 20 a 24 anos, Alta Escolaridade, Negra).
As falas anteriores apresentaram a percepção que jovens negras de baixa e alta
escolaridade apresentam sobre a relação entre casamento e gravidez. Para elas, embora o
casamento não deva acontecer em função da gravidez, ainda existe muito preconceito em
relação à mulher que fica grávida e não se casa. As pessoas e a sociedade, de uma maneira
geral, cobram o casamento. As falas seguintes mostram o que as jovens brancas pensam sobre
este assunto.
163
6.4.3 Brancas entre 20 e 24 anos, baixa escolaridade
As jovens brancas de baixa escolaridade também acreditam que a mulher solteira que
fica grávida não precisa se casar, se não quiser. Para elas, o casamento só deve acontecer se a
mulher realmente amar o parceiro. Casamentos que acontecem somente por causa da
gravidez, geralmente, não dão certo e estão mais sujeitos a separação. O diálogo que segue é
elucidativo neste sentido.
M: E vocês acham que a mulher que engravida, ela deve casar?
P90: Não.
P94: Eu acho que não.
P96: Não.
M: Por que?
P93: Só se ela ama mesmo o parceiro.
P96: Ah! Eu acho que não precisa também, não. Depois casa, aí o
casamento vira aquela desavença, porque casô por causa de filho, né? Aí,
rapidinho vai sê... haver uma separação.
P93: É. Mas, eu acho que pra casá tem de gostá.
(Grupo 15, 20 a 24 anos, Baixa Escolaridade, Branca)
6.4.4 Brancas entre 20 e 24 anos, alta escolaridade
Embora as jovens brancas de alta escolaridade acreditem que não é necessário que
uma jovem que engravide se case, algumas enfatizam que ter uma família formada por mãe e
pai é importante para os filhos. Outras, porém, acreditam que, se o companheiro não quiser
casar, o filho é da mulher e fica com ela, que assume, geralmente, todas as responsabilidades.
Assim, neste grupo existem idéias divergentes a respeito da importância do casamento no
caso da gravidez. Diferente das de baixa escolaridade, estas jovens acreditam que o casamento
só deve acontecer se o homem desejar. A vontade da mulher não é mencionada pela
participantes deste grupo. As falas a seguir mostram estes pontos.
M: Vocês acham que uma mulher que engravida deve casar?
164
PARTICIPANTES: Não.
P26: Não necessariamente.
M: E por que não?
P25: Ah! O primeiro fator que eu vejo é questão se o homem quer. Se ele
não quer, o menino é dela, melhor, fica pra ela. Fica só pra ela. Acho que
não tem nada haver... não precisa tá casado pra tê filho.
P26: Ajuda muito por causa do filho....Acho que a criança tem a necessidade
de ver o homem e a mulher, né? Aquela... noção que é pai e que é mãe, acho
que isso é importante...
(Grupo 5, 20 a 24 anos, Alta Escolaridade, Branca).
Outro grupo de jovens brancas de alta escolaridade também acredita que a mulher que
engravida solteira não deve, necessariamente, se casar. Contudo, segundo estas jovens, o ideal
seria que a mulher se casasse, pois, a estrutura familiar necessária para criar os filhos só se
torna possível com o casamento. Apesar disto, segundo estas participantes, o casamento só
deve acontecer se houver sentimento, maturidade e estabilidade financeira. Caso um destes
elementos não esteja presente, o casamento não deve ser visto como obrigatório.
P54: O ideal seria, né? Mas, as vezes é... você engravida num momento que
num...
P52: Às vezes você nem quer casar, ou você teve um... namoro passageiro,
você não quer ver mais a pessoa. Você não tem obrigação de casar com a
pessoa. Acho que depende do momento.
P51: Eu acho que, na verdade... a obrigação que os dois devem ter é com o
filho, né?
P52: E se por um acaso o sentimento não existe mais, ninguém é obrigado a
ficar atrelado como era antigamente...
P51: As vezes eu acho que quando você é muito nova o casamento tende a
não dá certo. Porque eles são imaturos...
P50: Imaturos.
P54: Estabilidade financeira não existe.
P56: Não tem condição financeira de manter uma vida deles. Então, não vão
ser os dois, vão ser os dois e os pais (risos).
165
P53: Então, é muito difícil. Então, eu acho que não vale a pena casar quando
é uma gravidez, por exemplo, na adolescência, quando você não tem
condições.
P55: Melhor não casar. Melhor até mesmo prô filho.
M: Mas ela fala que o ideal seria casar. Por que o ideal seria casar?
P54: Porque toda mulher pensa numa estrutura familiar. Porque toda criança
precisa de um pai e de uma mãe presentes. E o casamento é o ideal pra isso.
(Grupo 9, 20 a 24 anos, Alta Escolaridade, Branca).
Para um outro grupo de jovens brancas e de alta escolaridade, o ideal é que as
mulheres esperem até depois do casamento para engravidar. Segundo elas, este é o caminho
normalmente escolhido pelas pessoas e o que acontece diferente disto está desviando do
padrão normal. Além disto, para estas jovens, embora hoje em dia seja muito mais tranqüilo
ter um filho fora do casamento, ainda existe muito preconceito em relação às mães solteiras.
A cobrança, na visão destas participantes, também é muito maior no caso de mulheres que
possuem um nível de escolaridade mais elevado. Segundo elas, a sociedade cobra destas
mulheres um maior conhecimento de métodos contraceptivos e assume que elas estão
desperdiçando suas vidas pelo fato de terem engravidado.
As jovens brancas de alta escolaridade também enfatizam que o casamento não deve
acontecer somente devido à gravidez, pois isto já significa um elo permanente entre a mulher
e o companheiro. Também vale ressaltar que, enquanto para estas jovens, ter filho aos 22 anos
é considerado algo praticamente inaceitável, a maior parte das jovens de baixa escolaridade
que participou dos grupos já era mãe de pelo menos um filho nesta idade.
P61: Ah! Eu acho que hoje é mais tranqüilo ter filho sem casar, né?
P58: Mas ainda tem muita discriminação.
P66: As pessoa falam: nó! Tá grávida? Meu Deus, o que é isso? Você tem
instrução! O que é isso? Não é possível que você não sabe dos métodos
anticoncepcionais, da camisinha?
P62: E aí fala que nós estamos cometendo um desperdício, né?
P66: Pra minha mãe é pior engravidar e casar porque engravidou!
166
P59: Porque aí você casa e fica presa no homem...
P63: Um homem que às vezes não tem nada haver com você.
P: Tem muito preconceito... eu num sei... eu acho que ainda tem. Não é
preconceito, mas... tipo assim, uma, uma mulher com vinte e dois com
filho?
P61: Imagina a gente com vinte e dois anos e com filho, eu acho que...
P62: Não tem jeito.
P64: Ainda mais atualmente, né?
P58: Assim, não acho que é a ordem natural, sabe?
P66: Não é o ideal.
P61: Mas eu acho que a maioria das pessoas pensa em... engravidar depois
de casar. Eu acho que é opção.
(Grupo 10, 20 a 24 anos, Alta Escolaridade, Branca)
Estas são as principais questões que surgiram entre as coortes mais jovens a respeito
da gravidez antes do casamento. As falas a seguir revelam o que as mulheres entre 50 e 59
anos pensam a respeito deste tema.
6.4.5 Negras entre 50 e 59 anos, baixa escolaridade
Para as mulheres mais velhas, a gravidez não justifica a realização do casamento, o
qual só deve acontecer caso o homem deseje e exista amor entre o casal. Se não houver amor
e se o homem não quiser se casar, a melhor opção para a mulher, na visão destas
participantes, é ficar solteira. Um aspecto interessante mencionado por uma das participantes
deste grupo é o fato de que, para elas, se uma jovem que engravida sem se casar tiver o apoio
da família, ela certamente irá engravidar novamente. As falas a seguir são elucidativas neste
sentido.
M: E vocês acham que quem fica grávida deve casar?
P16: Eu acho que não deve forçá não, sabe?
P13: Casá sem amor...
167
P15: É melhor ficá solteira.
P14: Eu acho que eu prefiro, o homem tê vontade de casar.
P15: O filho, não foi ele que fez? Ele mesmo tem que assumir. A gente vai
casá. Mas, você não pode casá por causa da barriga. Então, ele tá casando
por conta da barriga e não por amor. Então, por que ele não esperô um
pouquinho?
P16: Então, na minha opinião é o seguinte você pode notar... que todas
moça que tem um filho e a mãe apóia, no outro ano seguinte, ela tem outro.
M: Se não casa?
P16: Se não casa. Que todas moças, é difícil ter uma que não tenha um filho
seguinte. Se elas for solteira. Isso é minha opinião.
(Grupo 3, 59 a 59 anos, Baixa Escolaridade, Negra).
6.4.6 Negras entre 50 e 59 anos, alta escolaridade
Na visão das negras de alta escolaridade, embora a gravidez antes do casamento seja
muito mais aceita atualmente, do que era no passado, ainda existe muito preconceito em
relação às mães solteiras. Este preconceito está vinculado ao fato de que a sociedade ainda
acredita que o ideal, para quem engravida, é se casar. A grande preocupação em relação a
manutenção financeira da mãe e de seu filho também é, segundo estas participantes, uma das
razões que levam as pessoas a acreditarem que o casamento é a melhor solução para as jovens
que engravidam solteiras. Segundo estas mulheres, muitas pessoas ainda se questionam sobre
quem irá sustentar a mãe solteira e seu filho.
P86: Quando a mulher que engravida é casada, ela é vista, assim, como uma
pessoa de bem, né? Agora, a solteira...tem muito preconceito ainda..
P89: As pessoas normalmente acham que tem que casar...
P88: Ah, porque se é solteira vai enfrentar preconceito, então tem que
casar...
P90: É, ela vai enfrentar algum preconceito, porque as pessoas acham que
tem que casar..
P91: Eu acho que hoje em dias as pessoas estão aceitando mais...
P90: É mais aceito mas é bem complicado ainda...
168
P87: Principalmente se a mulher ficar sozinha.
P88: Quem vai bancar ela? Quem vai manter ela?
(Grupo 14, 50 a 59 anos, Alta Escolaridade, Negra).
A análise a seguir procura verificar o que as mulheres brancas, entre 50 e 59 anos,
pensam sobre esta questão.
6.4.7 Brancas entre 50 e 59 anos, de baixa escolaridade
Ao serem perguntadas se as jovens que engravidam devem casar, as mulheres brancas
de baixa escolaridade, da coorte mais velha, afirmam, categoricamente, que não. Para elas, o
casamento que acontece em razão de uma gravidez pode ser considerado como mais um erro
na vida da mulher. Elas também acreditam que casamentos desta natureza se concretizam para
que as pessoas dêem uma satisfação para a sociedade. Assim como participantes de outros
grupos, estas participantes acreditam que a mulher só deve se casar se realmente gostar do
companheiro e se estiver preparada para isto.
P38: De jeito nenhum (com ênfase).
P41: É uma seqüência de erros.
P43: De jeito nenhum.
P39: Ah não! Vai casá porque tá grávida? De jeito nenhum.
P43: Porque as vezes a pessoa não gosta. Por que vai casá? Só naquele
momento, pra dar satisfação..
P: Num tá preparada também, né?
P38: É. Depois num vai dá certo.
(Grupo 7, 50 a 59 anos, Baixa Escolaridade, Branca).
Como expressam as falas das participantes brancas mais velhas e de baixa
escolaridade, na época em que eram jovens, o casamento era obrigatório para aquelas que
engravidavam. Em muitos casos, se o homem se recusasse a casar, o casamento poderia
acontecer na polícia. Ele não tinha margem de escolha. Por esta razão, as mulheres mais
169
velhas mencionam que tinham muito medo de engravidar ainda solteiras e ter que enfrentar
um casamento forçado. As falas, a seguir, revelam estes aspectos e abrem espaço para
reflexões a respeito das diferenças nas normas e valores que guiavam a geração mais velha e
que guiam a mais nova.
P40: Na nossa época, obrigava a casá.
P38: Era obrigada a casá, uai!
P43: Quando eu tinha os meus quatorze, quinze anos, né? Que eu saí da roça
pra ficá na cidade, a minha tia contava que fulana de tal, filha de fulana de
tal, casô na polícia e vestiu...eu nunca vi isso, só ouvia eles contarem, né? E
vestia... o noivo com uma roupa de saco de linhagem...
P42: Isso porque ele não queria casá, aquele problema todo, né? E a moça
tinha que casá de qualquer jeito...ainda tem que passá a vergonha de casá na
polícia, carregando o noivo lá e tudo...
P39: Eu morria de medo disso.
P43: Se os dois não quisessem casá... os pais, tanto de um lado quanto do
outro,... fazia o casamento...
(Grupo 7, 50 a 59 anos, Baixa Escolaridade, Branca)
6.4.8 Brancas entre 50 e 59 anos, de alta escolaridade
Para as brancas da coorte mais velha, de alta escolaridade, o casamento também não
deve ser considerado como uma solução para a gravidez. Para elas, ele pode ser muito pior do
que permanecer solteira, se acontecer somente em razão da gestação. As falas a seguir são
claras e incisivas a este respeito.
P68: Isso [casamento ligado à gravidez] não é solução...o casamento vai ser
até pior...
P69: Muito pior, com certeza, né?
(Grupo 11, 50 a 59 anos, Alta Escolaridade, Branca)
Apesar de acreditarem que hoje em dia o casamento não deve ser obrigatório para as
mulheres que engravidam, as brancas mais velhas e de alta escolaridade, também ressaltam
170
que, na época em que eram jovens, eram obrigadas a assumir a gravidez, casando-se com o
companheiro. A cobrança para que o casamento se efetivasse era feita tanto pelos pais, como
pela sociedade em geral. De acordo com estas mulheres, as pessoas costumavam se referir às
jovens que engravidavam antes de casar com a seguinte frase: “comeu sobremesa antes do
almoço.” Assim como as mulheres de baixa escolaridade, estas participantes enfatizam que,
caso o homem não quisesse se casar, o casamento tinha uma chance enorme de acontecer na
polícia.
M: Como era isso na geração vocês [engravidar antes de casar]?
P70: Na nossa geração mesmo era obrigado a assumir, né?
P71: Era obrigada.
P68: Pelos pais, por todo mundo.
P71: As pessoas diziam: tem que casar.
P72: Ou casava ou ia preso.
P67: As pessoas diziam: comeu arroz antes do almoço.
PARTICIPANTES: Sobremesa antes do almoço.
(Grupo 11, 50 a 59 anos, Alta Escolaridade, Branca)
Para outro grupo de mulheres brancas de alta escolaridade, embora o casamento não
seja mais obrigatório para aquelas que engravidam, muitas ainda se casam, mesmo sem
condições. Consequentemente, a duração do casamento fica ameaçada. Além disto, para estas
mulheres, os filhos daquelas que ficam solteiras ainda sofrem pela falta do pai. O diálogo a
seguir mostra estas questões.
P74: Não.
P75: Por causa do filho, não.
P78: Mas muitas ainda se casam hoje.
171
P79: Mas, isso é na nossa opinião...nós pensamos que não deve casar. Mas
ainda se casa por causa da gravidez. Não tanto quanto há trinta anos atrás,
mas ainda se casa...
P74: Mas casa muito por causa da gravidez, só que não vai pra frente..
P76: Até porque não tem condições e casa assim mesmo...
P75: Agora, tem uma coisa...mãe que engravida solteira e o pai não
assume...o filho sofre demais.
(Grupo 12, 50 a 59 anos, Alta Escolaridade, Branca)
6.4.9 Síntese
Em suma, para a coorte mais jovem, o casamento não deve, teoricamente, acontecer
por causa da gravidez, mas, segundo elas, existe uma cobrança bastante expressiva da
sociedade para que as mulheres que engravidam se casem e, na prática, esta acaba sendo a
norma. Para elas, embora o preconceito e a discriminação em relação à grávida solteira
tenham diminuído, eles ainda não acabaram. Os pais, de acordo com estas participantes,
usualmente assumem uma postura a favor do casamento quando a gravidez entra em cena. O
amor é um sentimento em alta para estas mulheres, as quais acreditam que o casamento só
deve ocorrer se houver “sentimento”.
Uma diferença interessante pode ser observada entre brancas de alta e de baixa
escolaridade. Enquanto as brancas de baixa escolaridade conferem o poder de escolha sobre
se a solteira que engravida deve casar, brancas de alta escolaridade enfatizam que o
casamento só deve acontecer se o homem quiser. As brancas de alta escolaridade apresentam
uma postura mais tradicional quanto a gravidez fora do casamento do que as de baixa
escolaridade. As de alta escolaridade ressaltam a importância de ter um família composta por
pai e mãe e defendem a idéia de que o ideal é que a mulher engravide somente depois de se
casar. Uma possível explicação para estes argumentos pode estar no fato de que elas
acreditam que existe uma cobrança maior, por parte da sociedade como um todo, com as
jovens que possuem uma maior escolaridade.
As negras jovens e de baixa escolaridade acreditam que a gravidez antes do casamento
faz com que fique mais difícil para a mulher, encontrar um companheiro. Os possíveis
pretendentes se afastam com medo de terem que assumir despesas com a criança. Para elas, o
172
casamento só deve acontecer se, antes da gravidez, já fazia parte dos planos do casal. Já para
as de alta escolaridade, os casamentos motivados pela gravidez tendem a não dar certo.
No geral, é possível observar que as mulheres negras e da geração mais velha sugerem
quatro questões centrais relacionadas à gravidez antes do casamento. Para as de baixa
escolaridade, a possibilidade de casamento é determinada pelo homem - somente se ele
quiser, o casamento acontece. Esta visão revela que papéis de gênero tradicionais,
possivelmente, norteiam o comportamento destas mulheres. Outra questão importante
levantada, por estas mulheres, refere-se ao apoio dado às jovens que engravidam antes de
casar. Para elas, as jovens que ficam grávidas antes de casar e recebem o apoio da família têm
chances muito altas de engravidarem solteiras outras vezes. Para as negras de alta
escolaridade, as preocupações com a gravidez antes do casamento estão ligadas ao
preconceito que ainda existe em relação as que não se casam e com o aspecto financeiro:
quem sustentará esta jovem e esta criança, caso não haja o casamento?
Após a apresentação destas questões, o próximo item é dedicado à apresentação das
considerações finais deste capítulo.
6.5 Considerações finais
Neste capítulo, foram analisados quatro aspectos relacionados ao casamento: a idade
considerada ideal, ou mais adequada, para o casamento; o que é importante para se casar e
quem se casa hoje em dia; a relação entre projetos de vida e casamento e, por fim, se a jovem
solteira que engravida deve se casar. O que se pode concluir a partir desta análise? Para
responder esta pergunta, as quatro perguntas colocadas inicialmente neste estudo, são
respondidas a seguir.
1) Existe uma idade ideal, ou mais adequada, para que a mulher se case?
As falas das participantes da coorte entre 20 e 24 anos mostram que existe uma
polêmica em relação a melhor idade, ou idade ideal, para que uma mulher se case. As jovens
negras de baixa escolaridade acreditam que não existe uma idade ideal para o casamento. Mas
observam que, quanto mais tarde, melhor, pois a mulher já terá mais maturidade. As negras de
alta escolaridade, por outro lado, argumentam que o melhor é a mulher esperar para se casar.
Para elas, o casamento está vinculado ao nascimento de filhos e, por esta razão, só deve
173
acontecer quando a mulher estiver mais velha. O nascimento de um filho para um casal jovem
pode abalar a relação.
Entre as jovens brancas a questão da idade ideal para o casamento também é polêmica.
Entre as de baixa escolaridade não há um consenso. Para algumas, a idade não interessa: o
amor é o mais importante. Para outras, o casamento só deve acontecer depois dos 20 anos.
Para elas, o casamento que ocorre antes desta idade é um obstáculo para os estudos e para o
trabalho. Segundo elas, geralmente os maridos que se casam com mulheres muito novas
querem que suas esposas se dediquem exclusivamente para a família. As brancas de alta
escolaridade acreditam que a mulher precisa refletir muito antes de decidir se casar. Para elas,
o ideal é esperar por mais tempo para se unir à alguém, pois o casamento envolve formação
de família e deve ser pensado como algo eterno.
As participantes de alta escolaridade, da coorte mais jovem, são unânimes em dizer
que o casamento deve acontecer mais tarde na vida da mulher. As negras de alta escolaridade
associam o casamento a filhos, e usam este argumento para justificar porque acreditam que o
melhor é a mulher casar mais tarde. Para as brancas de alta escolaridade, o casamento é um
ato que exige muita reflexão. Segundo estas mulheres, muito casamentos acontecem, hoje em
dia, porque a separação entre casais se tornou um acontecimento banal. O divórcio, que antes
era considerado como um tabu, passou a ser mais aceito e isto facilitou a realização de muitos
casamentos, pois as mulheres perderam o medo de terem que ficar eternamente vinculadas a
um homem do qual não gostam ou com quem a relação não deu certo. Apesar de todas as
dificuldades que um casamento pode representar, muitas mulheres ainda desejam se casar.
Esta é a percepção deste grupo de mulheres.
As mulheres da coorte mais velha não discutiram este aspecto. Nestes grupos, as
discussões enfatizaram muito mais as questões sobre o que é necessário, hoje em dia, para que
a mulher se case e quem são as jovens que ainda querem se casar.
2) O que é importante para casar e quem se casa hoje em dia?
De acordo com as falas das negras mais jovens e de baixa escolaridade, a situação
financeira é fundamental. Para elas, quando a mulher trabalha, o casamento é por amor, pois
ao ter condições financeiras para se manter, ela só permanece na relação se estiver realmente
satisfeita. Caso não esteja, tem condições de se separar e de se sustentar. Além disto, segundo
174
estas jovens, o companheirismo e o respeito são imprescindíveis para um casamento. As
negras de alta escolaridade não discutiram o assunto.
Na concepção das jovens brancas e de baixa escolaridade, nos dias de hoje, o
casamento não é um projeto que faz parte da vida dos homens. Isto acontece, principalmente,
porque eles estão mais interessados em ser “ficantes”. Não querem assumir uma relação mais
duradoura como o casamento. Por outro lado, as mulheres, de acordo com estas jovens,
também não querem mais se casar com tanta intensidade quanto queriam as mulheres de
gerações passadas. A maior razão para este comportamento é a independência financeira que
vêm conquistando atualmente. As falas destas mulheres deixam transparecer que o desejo por
um compromisso mais duradouro é fundamental para o casamento.
As jovens brancas e de alta escolaridade ressaltam que, para casar, é necessário abrir
mão de muitos planos e projetos de vida. É necessário, também, saber compartilhar e dividir
as coisas com outra pessoa. Para elas, grande parte dos homens ainda apresenta uma postura
muito imatura diante do casamento, o que faz com que as mulheres não queiram se casar. A
maturidade, segundo estas jovens, é um requisito fundamental para o casamento.
As mulheres da coorte de 50 a 59 anos ressaltam a questão da instabilidade das uniões
atuais. Para as negras de baixa escolaridade, diferente da época em que se casaram, os
casamentos atuais podem ser encarados como um negócio, onde a noiva exige uma série de
bens materiais para se casar. Na época em que se casaram, o amor era a base do
relacionamento. Assim, segundo estas mulheres, o amor e uma situação financeira mais
estável são pontos importantes para os casamentos de hoje.
As negras mais velhas de alta escolaridade acreditam que, atualmente, as jovens
negras, mais pobres e de menor escolaridade as que desejam se casar. Para elas, o casamento -
particularmente o que acontece com estrangeiros - pode significar ascensão social. Além
disto, segundo as negras de alta escolaridade, estas jovens seguem o modelo tradicional de
vida, apresentado pelas mães e buscam no casamento tudo aquilo que as demais jovens
encontraram nos estudos.
Para as brancas mais velhas e de alta escolaridade, os casamentos de hoje são mais
instáveis porque existe menos tolerância por parte dos casais e também porque as separações
estão muito mais aceitas do que no passado. Para elas, o casamento de hoje pode ser visto
com um contrato e não com uma aliança. Consideram que, a época em que se casaram,
diferente dos dias de hoje, o amor era o elemento mais importante da relação. Para elas, um
175
casamento demanda, portanto, tolerância e renúncia por parte do casal. Além disto, elas
acreditam que as jovens ainda desejam se casar.
Para as brancas mais velhas e de baixa escolaridade, pelo contrário, as mulheres de
hoje não querem se casar porque não se sujeitam mais a viver como elas viveram, ou seja,
dominadas pelos maridos. Segundo a percepção destas mulheres, as jovens hoje desejam
estudar e trabalhar e os casamentos que se concretizam dão mais certo, se comparados aos
delas, porque as relações entre os homens e as mulheres estão mais igualitárias.
3) Qual a relação que as mulheres estabelecem entre projetos de vida e casamento?
Quanto aos projetos de vida e o casamento, as mulheres da geração mais jovem,
especificamente as negras, ressaltam que o casamento impede a concretização de muitos
planos e projetos de vida. Para elas, depois que a mulher se casa, a família passa a ser sua
principal prioridade. As jovens negras, de alta escolaridade, enfatizam que na idade em que
estão, devem descartar idéias de casamento e priorizar os estudos. As brancas de alta
escolaridade argumentam que as jovens de hoje vivem em um contexto diferente daquele das
gerações passadas. Antes, o casamento era o principal projeto de vida de uma mulher, e isto
não acontece hoje.
As participantes da geração mais velha confirmam a percepção das mulheres mais
jovens, dizendo que, na época em que eram novas, o casamento era um dos acontecimentos
mais esperados em suas vidas. Com exceção das brancas de alta escolaridade, as mulheres
mais velhas acreditam que as jovens de hoje não querem mais se casar, pois priorizam os
estudos e desejam ter autonomia e serem emancipadas.
4) Solteira que engravida deve casar?
Finalmente, a necessidade de uma mulher que engravida se casar foi discutida pelas
participantes dos diversos grupos focais. Na teoria, a norma é que, atualmente, uma mulher
que engravida solteira não precisa, necessariamente, se casar. Entretanto, na prática, as
participantes ressaltam que ainda há muito preconceito com relação à maternidade fora do
casamento e a existência de valores e normas mais tradicionais aponta para a importância do
casamento nesta situação.
De uma maneira geral, a análise destes grupos mostra mudanças expressivas nos
valores e atitudes relacionadas a alguns aspectos importantes na vida das mulheres. Uma delas
176
é o fato do divórcio já não carregar o forte estigma que carregava há algumas décadas. As
mulheres separadas ou divorciadas já não são vistas com preconceito e discriminação. Outra
mudança importante se refere ao casamento como uma resposta para a gravidez. Enquanto
que, entre as mulheres das gerações passadas, a gravidez implicava quase que
necessariamente na obrigação de casar, as mulheres jovens já não enfrentam esta pressão de
forma tão intensa. O QUA. 3, a seguir, a apresenta uma síntese dos resultados qualitativos
referentes ao casamento. Em seguida, este trabalho analisa questões relacionadas ao
nascimento do primeiro filho.
177
Quadro 3 - Síntese dos resultados qualitativos - primeiro casamento, Belo Horizonte, 2002
GRUPOS TEMAS
Idade ao primeiro
casamento
O que é importante
para casar e quem se
casa hoje em dia?
Projetos de vida e
casamento
Solteira que
engravida deve
casar?
Negra, 20 a 24 anos,
Baixa escolaridade
Não tem idade.
Tem que ter
maturidade.
Autonomia
Financeira.
Emprego.
Muitas jovens
ainda querem se
casar.
Casamento
prende.
Casamento
impede
realização de
projetos.
Não.
Mas
casamento é
visto como a
seqüência
natural.
Negra, 20 a 24 anos,
Alta escolaridade
O melhor é esperar.
Casamento está
relacionado com
filhos.
Não discutiram o
assunto.
Estudos devem
ser prioridade.
Casamentos
devem esperar.
Divergência.
Gravidez
sem
casamento
não é o
esperado.
Casamento
por causa da
gravidez não
faz sentido.
Branca, 20 a 24 anos,
Baixa escolaridade
Divergências.
Somente depois
dos 20 anos.
Importante é
gostar.
Mulheres são
independentes
financeiramente.
Não desejam mais
se casar.
Não discutiram o
assunto.
Não.
Casamento
só por amor.
Branca, 20 a 24 anos,
Alta escolaridade
Esperar.
Implica em
formação de
família.
Não se
imaginam
casadas nesta
etapa da vida.
Decisão que
requer reflexão.
Casamento
compete com
autonomia e
individualidade.
Antigamente
casamento
era projeto
de vida.
Hoje não é
principal
projeto.
Não.
Homem tem
que querer.
Maturidade,
sentimento e
estabilidade
financeira.
Continua...
178
...Continuação.
GRUPOS TEMAS
Idade ao
primeiro
casamento
O que é importante
para casar e quem se
casa hoje em dia?
Projetos de vida e
casamento
Solteira que
engravida deve
casar?
Negra, 50 a 59 anos,
Baixa escolaridade
Não discutiram
o assunto
Amor ;
Jovens não desejam
se casar;
Muitas casam para
sair de casa;
Casamento hoje é
negócio.
Antes,
casamentos
eram projeto de
vida;
Hoje,
preocupação
está voltada para
estudos.
Não.
Só se o
homem
quiser;
Só por amor.
Negra, 50 a 59 anos,
Alta escolaridade
Não discutiram
o assunto
Algumas jovens
desejam casar.
Geralmente as mais
pobres, com menor
escolaridade e
negras;
Casamento é
ascensão social.
Hoje, maior
preocupação é
com estudos,
viagens e
conquista da
autonomia.
Não.
Mas há
muito
preconceito
com quem
fica solteira.
Branca, 50 a 59 anos,
Baixa escolaridade
Não discutiram
o assunto
Antes, casamento
era prioridade;
Eram criadas para
casar;
Hoje, não aceitam
casamento nos
moldes antigos.
Não discutiram o
assunto.
Não.
Um erro não
justifica o
outro;
Só se gostar;
Só se estiver
preparada.
Branca, 50 a 59 anos,
Alta escolaridade
Não discutiram
o assunto
Mais tolerância e
respeito;
Casamento é como
contrato.
Hoje, casamento
é importante;
As jovens
desejam se
casar.
Não.
Não é
solução para
gravidez.
Fonte: Pesquisa própria, Belo Horizonte, 2003/2004.
179
Como as falas deste capítulo sugerem, o casamento representa uma etapa importante
da história de vida dos indivíduos. Ele está relacionado com a formação familiar. A discussão
deste evento desperta interesse em um outro aspecto importante da vida das pessoas,
particularmente das mulheres, e que, assim como o casamento, tem conseqüências
demográficas evidentes: o nascimento dos filhos - particularmente, do primeiro filho. E é este
tópico que é abordado no capítulo seguinte.
180
7 O NASCIMENTO DO PRIMEIRO FILHO
O nascimento do primeiro filho pode ser considerado como uma experiência única,
que desperta e mistura sentimentos de medo, angústia e alegrias. À medida que o corpo da
mulher vai se transformando, novas sensações vão ganhando espaço. Esta nova fase não é
marcada somente pelas transformações físicas. O nascimento do primeiro filho traz junto com
ele uma série de novos acontecimentos na vida dos indivíduos, particularmente na da mulher,
exigindo que muitos planos e projetos sejam revistos e redirecionados. Afinal, a ordem
anteriormente estabelecida vai ser alterada, pois a transição para a maternidade implica em
assumir responsabilidades e obrigações contínuas e permanentes: “nós podemos ter um ex-
marido, um ex-trabalho, mas nunca um ex-filho” (ROSSI, 1968, apud RINDFUSS,
MORGAN e SWICEGOOD, 1988). Assim, diferente do casamento, onde as juras de “viver
juntos até que a morte nos separe” podem ser quebradas, a maternidade é um evento
irreversível.
Em termos demográficos, a idade em que a mulher inicia sua carreira reprodutiva está
relacionada com padrões e níveis de fecundidade. Mulheres que se tornam mães muito cedo
têm, possivelmente, intervalos intergenésicos pequenos e concentram os nascimentos de seus
filhos em torno de determinadas idades. Nas coortes mais jovens, este elo entre idade de
nascimento do primeiro filho e concentração de nascimentos pode ser ainda mais forte,
provavelmente, em função do maior uso da esterilização.
Em termos pessoais, a idade de nascimento do primeiro filho apresenta uma série de
implicações relevantes para a vida da mulher. Quando o nascimento acontece muito cedo, as
dificuldades em conciliar os estudos com os cuidados com a criança podem levar muitas
jovens a deixar a escola para se dedicar à criança. Os problemas financeiros podem levá-la a
ingressar no mercado de trabalho antes do que previa e, por fim, a chegada de um filho
também pode antecipar a entrada em união (ABREU, MIRANDA-RIBEIRO & CÉSAR,
2000).
Neste capítulo, o objetivo central é analisar as normas e os valores em relação ao
nascimento do primeiro filho, a partir da perspectiva de mulheres de Belo Horizonte, de
diferentes coortes de idade, escolaridade e raça/cor. Especificamente, este capítulo pretende
responder as seguintes questões: 1) Existe uma idade considerada ideal, ou mais adequada,
para que a mulher tenha seu primeiro filho?; 2) Quais mudanças as mulheres acreditam que o
181
nascimento do primeiro filho traz para suas vidas?; 3) Como percebem a relação entre o
nascimento do primeiro filho, vida escolar e participação no mercado de trabalho?; e 4) Em
relação às questões apresentadas, quais as similaridades e diferenças que marcam o
comportamento das mulheres de diferentes coortes e perfis sócio-demográficos? Os diálogos
extraídos dos grupos focais, e apresentados a seguir, são utilizados para responder estas
questões.
7.1 Existe uma idade ideal, ou mais adequada, para o nascimento do primeiro filho?
Os diálogos que aconteceram nos grupos focais revelaram que as mulheres acreditam
que, para ter um filho, o ideal é que ela tenha terminado seus estudos, tenha um trabalho com
carteira assinada, casa própria e uma situação financeira estável. Para muitas participantes,
embora a idade não seja um aspecto importante para o nascimento do primeiro filho, o ideal
seria esperar até mais tarde. Ter um filho mais tarde, na visão das participantes dos grupos,
significa que a mulher deveria ter entre 25 e 28 anos. Os nascimentos que acontecem em
algum momento durante este espaço de tempo são considerados como acontecendo na idade
ideal, ou mais adequada. As falas apresentadas a seguir mostram as percepções das mulheres
em relação ao impacto do nascimento do primeiro filho em diversas esferas de suas vidas.
7.1.1 Negra entre 20 e 24 anos, baixa escolaridade
Para as jovens negras e de baixa escolaridade, embora muitas mulheres escolham ter
filhos mais velhas - depois dos 30 anos - elas acreditam que as jovens não devem esperar além
dos 20 anos para ter seu primeiro filho. Segundo elas, depois dos 20 anos as pessoas não
apresentam a mesma disposição física para cuidar dos filhos; tendem a enfrentar maiores
dificuldades para engravidar, quando comparadas às mais jovens e correm o risco de não
serem reconhecidas como mães, mas sim como avós de seus filhos.
Apesar disto, reconhecem que a situação financeira é o elemento mais importante para
a mulher decidir o momento de ter seu primeiro filho. Por fim, vale observar que, enquanto
para algumas participantes, a chegada de um filho não é vinculada a uma união, para outras a
presença de um companheiro é apontada como importante. As falas das participantes,
apresentadas a seguir, expressam o que pensam a respeito da idade da mulher ao nascimento
do primeiro filho.
182
P12: Mas, acho que você devia esperar. Mas...não é esperar a idade... mas se
você tem uma situação financeira boa, pra você ter um filho
P10: Eu, no meu caso... eu tive filho com vinte e dois anos, aí, não vai tê
ninguém que vai chegá e falá assim: óh! Seu neto, né? aquela coisa assim,
né (risos), porque você tê um filho muito velha, poxa! Você não vai ter a
mesma disposição quando você tá com uns... quarenta anos.... (...) Agora, se
você tá numa situação boa, se você casou, como a sociedade quis, cê tem
dezoito anos, você vai ter um filho, espera uns dois anos e tem um filho.
Curte o casamento e tem o filho. Se você não casô, é uma pessoa
independente e...já saber o que é da vida, é responsável, quer ter filho? Tem
filho sem casá. Agora, se você quer esperar, tem gente que prefere ter o
filho mais velha, né? Trinta anos...quer ter o filho com trinta e cinco anos,
ou então, não sei
P7: Quando ela tivé bem estruturada, tivé condições financeiras, né?
P9: Tanto financeiramente, como...
P10: Sentimentalmente.
P7: Sentimentalmente, com um homem, né? Com um homem mesmo, com
H.
P12: Com namorado ou com esposo, sei lá que for, pra mim tanto faz...
P9: Se fica esperando, esperando, esperando, o tempo passa... aí chega uma
época que você não pode ter mais filho, pronto! Aí você quer adotá, aí vem
aquela coisa. Aí é tão difícil. Então, você tem que tê naquela hora que você
acha.
(Grupo 2, 20 a 24 anos, Baixa Escolaridade, Negra).
A opinião anterior não é compartilhada por todas as jovens negras de baixa
escolaridade. Existem aquelas que acreditam que, embora a gravidez na adolescência tenha se
tornado um evento bastante aceito na sociedade, as mulheres deveriam ter seu primeiro filho
somente a partir dos 23 anos. Para elas, antes desta idade as jovens deveriam voltar toda sua
atenção para os estudos, seguindo o caminho tradicional das transições durante o ciclo de
vida. Em outras palavras, para estas jovens, a mulher deveria estudar, se casar e depois se
tornar mãe. Não pular nenhuma destas etapas é visto como o ideal para as jovens. As falas das
participantes são elucidativas neste sentido.
183
P8: Acho que hoje tá tão natural... criança de quinze... nem chega completar
quinze, quatorze anos... já tá de barriga.
P9: Eu acho que aos vinte e três a pessoa já é madura. Dezesseis anos,
gente!...
P7: Tem que estudá ainda, tá no colégio. Entendeu! Eu acho que 15 é muito
cedo. Primeiro a escola, depois, ou ela casa, engravida, faz qualquer coisa.
Primeiro escola, porque ocê tá naquela fase, ocê não pode ultrapassar a fase
da sua vida não. A fase da sua vida é aquela: bebê, criança, maiorzinho,
depois é jovem, depois adulto. Depois velho. Ocê num pode ultrapassar de
uma fase.
(Grupo 2, 20 a 24 anos, Baixa Escolaridade, Negra).
A concepção de que o ideal é esperar para ter o filho é reforçada por outro grupo de
jovens negras e de baixa escolaridade, as quais também acreditam que a estabilidade
financeira e a existência de uma situação profissional mais definida são fundamentais para a
chegada do primeiro filho. De acordo com estas participantes, embora pequenas diferenças de
idade entre mãe e filha possam ser encaradas de forma positiva, elas também podem servir
para revelar que a maternidade na juventude não é uma missão das mais fáceis: ela é,
geralmente, acompanhada por dificuldades financeiras. O diálogo a seguir mostra esta
percepção.
P44 e 46: Esperá.
P46: Eu acho que apesar de haver pouca afinidade na minha relação com a
minha mãe - minha mãe tem dezessete anos mais do que eu - eu acho
bonito, a gente tem pouca diferença de idade e tal. É bonito isso. Só que isso
não quê dizê que foi fácil pra ela. Se eu posso esperá... mais pra tê filho, te
condições melhores, eu vô esperá.
P47: Ah! No meu caso eu acho que...eu quero tá bem profissionalmente.
P47: É tê uma estabilidade tanto financeira, quanto profissional.
(Grupo 8, 20 a 24 anos, Baixa Escolaridade, Negra).
7.1.2 Negra entre 20 e 24 anos, alta escolaridade
Entre as jovens negras de alta escolaridade, embora não exista um consenso, prevalece
a idéia de que o melhor é esperar para ter o primeiro filho. Questionadas sobre até quando
184
uma mulher deve esperar, elas enfatizam que o ideal seria até que tivessem uma situação
financeira melhor, que permitisse que assumissem as responsabilidades que surgem durante a
criação de um filho. Na fala de uma das participantes, atualmente, o custo elevado que a
criação de um filho representa faz com que as pessoas considerem o fator financeiro como um
dos componentes mais importantes nas decies relacionadas à formação da família.
Embora concordem com a importância do aspecto financeiro, estas jovens enfatizam
que o fator psicológico também deve ser considerado pelas pessoas que desejam ter filho.
Para elas, a situação financeira e o lado emocional da mulher são elementos que andam
juntos. O diálogo a seguir deixa bem claro estas questões.
P19: Eu acho que esperar.
P20: Também, eu acho melhor esperar.
M: Por que esperar? Esperar até quando?
P20: Até ela perceber que já tá preparada pra... poder assumir o filho. E isso
não significa que ela... vai esperar muitos anos, não.
P22: Não é uma questão de idade, é mais uma questão de... estabilidade
financeira.
M: O lado financeiro, então, é uma coisa importante?
P20: Muito. Eu acho que essa questão da idade mudou. Pras pessoas no
interior, por exemplo, ter um filho nova era interessante, até porque os filhos
iam ajudar na roça e eles não tinham tantos gastos com o filho. O filho não
representava tantos gastos... Agora, hoje, o filho representa muitos gastos.
Hoje... pra poder ter um mínimo de estrutura, os pais têm que ter uma
condição financeira mais ou menos porque senão, não dá pra dar o básico,
pois tudo representa gasto. Por isso eu acho que o financeiro entra muito
forte nisso. O psicológico também...
P19 e 20: Esses dois andam juntos...
(Grupo 4, 20 a 24 anos, Alta Escolaridade, Negra).
A influência da comunidade e a experiência de assumir, mesmo que temporariamente,
as responsabilidades geradas por um filho também são apontadas como questões relevantes na
percepção que as jovens desenvolvem a respeito da idade de nascimento do primeiro filho.
Segundo uma das jovens negras e de alta escolaridade, a experiência de viver em uma
185
comunidade onde as pessoas viam como normal a gravidez na adolescência fazia com que
pensasse em ter um filho ainda muito jovem. Entretanto, após enfrentar as atividades diárias
requeridas pela maternidade, mesmo sem ser a mãe biológica, suas intenções foram
reavaliadas e a maternidade passou a não ser mais o seu principal projeto de vida. Esta
questão fica bastante explícita nas palavras de uma das participantes.
P21: É... interessante que, desde criança, eu nunca pensava em filhos.
Pensava sempre naquela vida de viajar o mundo inteiro, aquela coisa. Só
que chegou uma hora, eu comecei a namorar e por morar num bairro onde é,
digamos assim, comum... moças, adolescentes terem filhos, eu comecei a
pensar em filho também. Mas, não filho como responsabilidade, mas, como
aquela coisinha bonitinha que a gente pega e dá beijinho, né? Mas... quando
eu completei dezesseis anos, o meu irmão teve o primeiro filho. Ele tinha
uns dezesseis anos e a mãe entregou esse filho pra gente cuidar. Então,
quem ficou cuidando dele foi eu. Ele tinha quatro meses quando ele foi pra
minha casa. Então, eu assumi aquela de acordar de madrugada pra poder dar
a mamadeira, de levar ao médico. E aí, desconstruiu tudo que eu pensava
sobre criança (risos), porque eu tinha aquela imagem, aí... foi, acho que, é
interessante, que a partir dessa experiência que eu vivi, de tá cuidando de
uma criança, de tá levando no médico, está acordando de madrugada, está
tendo que descobrir o quê que ele teve, aquele papel de mãe adotiva que eu
tive aos dezesseis, foi um dos motivos que me... me fez pensar em estudar.
Que eu falei assim: eu não quero isso não. (risos).
(Grupo 4, 20 a 24 anos, Alta Escolaridade, Negra).
O papel da escolaridade é apontado como de extrema importância sobre a percepção
da idade ideal para ter o primeiro filho. Segundo revela a fala de uma das participantes, a
entrada na universidade pode fazer com muitas jovens vejam o nascimento do primeiro filho
de forma diferente daquela que viam antes de entrarem para o ensino superior. A vivência no
ambiente acadêmico faz com que as pessoas avaliem a maternidade de forma mais crítica,
pesando os aspectos positivos e negativos envolvidos no nascimento de um filho. Esta
mudança na percepção acerca da idade ideal para experimentar um determinado evento
também pode acontecer em relação ao casamento, já que as pessoas que ingressam na vida
acadêmica desejam um padrão de vida melhor e isto implica adiar tanto o casamento, quanto
o nascimento de um filho. Os estudos, de acordo com a fala desta participante, devem ser
priorizados.
186
P33: Quando eu era mais nova, eu pensava em casá com dezoito anos. Ter
filhos nova. Mas, a partir do momento que eu fui... fui batalhá pra entrá
numa faculdade, depois que eu entrei, eu percebi que não adiantaria eu ter
casado nova e ter tido filhos nova, se eu não pudesse dar a eles as mínimas
condições, né? Que eu poderia... tê uma vida assim... melhor [se estudasse]
e mesmo porque um filho gera um desgaste mesmo, até no casamento.
Então, quando, depois que eu entrei na faculdade e o meu namorado
também entrô...ele continuou com a idéia fixa de casamento e já eu nem
tanto, porque eu passei a pensá em primeiro eu plantá pra depois eu colhê.
Então, prioridade agora pra mim é estudá, pra daqui a uns tempos eu tê
condição de casá, porque eu acho também que não adianta cê... tê filhos,
colocá filhos no mundo e depois não sabê como criá-los. Então, agora, pra
mim, não só pra questão de filhos, mas, a questão... da minha vida mesmo,
de tudo que eu quero construir, o estudo tá sendo prioridade. Lógico, com
muito esforço porque... eu, pelo menos, eu sô de uma família humilde. E
então, o esforço, acima de tudo ... tá sendo a prioridade e eu vô adiá esse
sonho [de ser mãe]. Eu tenho o sonho de sê mãe, acho que toda menina tem
e tal, mas, eu vô adiá um pouco e agora o estudo é a prioridade na minha
vida.
(Grupo 6, 20 a 24 anos, Alta Escolaridade, Negra).
Além dos aspectos mencionados anteriormente, as jovens negras de alta escolaridade
acreditam que hoje em dia é bastante comum as avós assumirem o papel de mãe de seus
netos. Segundo as falas destas participantes, quando as jovens têm seu primeiro filho muito
cedo e não estão preparadas para assumir as responsabilidades e obrigações impostas pela
maternidade, o bebê passa a ser uma obrigação dos avós, particularmente das avós, as quais já
deveriam estar encerrando, ou ter encerrado, a tarefa de criar filhos.
P24: O fato de eu tá em contato maior com criança me fez querer estudar e
não ter filho tão cedo. (risos). Talvez nunca.
P19: A maioria que tem filho muito nova...elas têm os filhos, mas, são as
mães, na verdade, as avós das crianças, que cuidam. Então, elas têm, são
mães, mas o papel de responsável mesmo, de cuidar, de prover, é das avós.
P24: É. Isso é uma coisa muito comum.
P23: É tanto que... a coisa mais comum que eu vejo é a criança chamar a
avó de mãe.
(Grupo 4, 20 a 24 anos, Alta Escolaridade, Negra).
187
Também de acordo com estas jovens, as manifestações de arrependimento são comuns
entre mulheres que têm filhos mais cedo. Tais queixas parecem ser resultados da falta de
conhecimentos acerca do trabalho que a criação de um filho representa. Esta situação está
expressa na fala a seguir.
P21: Eu vejo muitas que têm filho [mais cedo]. Eu convivo demais com
essas pessoas, e elas falam: aí, se eu soubesse que era assim eu nunca teria.
Ou seja, é um espanto. Acho que foi um espanto que eu tive quando o meu
sobrinho foi... viver comigo. Nossa! Como é difícil. Eu nunca imaginei.
(Grupo 4, 20 a 24 anos, Alta Escolaridade, Negra).
Um outro grupo de jovens negras e de alta escolaridade também enfatiza que o ideal é
a mulher esperar para ter seu primeiro filho. Até em torno dos 26 anos, este grupo acredita
que as mulheres deveriam estar lutando para alcançar seus objetivos, particularmente em
termos de escolaridade. Adolescentes, segundo a concepção destas jovens, não deveriam ser
mães, pois não apresentam os requisitos necessários para enfrentar a maternidade, dentre os
quais estão a estrutura financeira e emocional adequadas para criar um filho. Ainda para estas
jovens, ter um filho com menos de 26 anos é algo visto como completamente inviável para
uma mulher que deseja estudar e ter uma carreira promissora. Por outro lado, acreditam que a
mulher não deve deixar passar dos 30 anos para ter seu primeiro filho. O espaço delimitado
para a maternidade, de acordo com as falas destas jovens, é extremamente reduzido. Na
verdade, para elas, a maternidade deveria ocorrer entre os 27 e os 29 anos. As falas a seguir
são elucidativas a este respeito.
P34: Eu acho que um pouco mais velha. Depois que ela já tive alcançado
alguns objetivos... de estudo, de trabalho e tudo mais. Quando ela pudé
parar de estudá, e tiver alcançado uma estabilidade financeira. Se esses são
os objetivos dela, certamente ela vai ter seu filho depois dos vinte e oito,
vinte e nove anos, até mesmo mais tarde..... O mais certo, pra mim, é só
quando eu tiver uma estrutura suficiente. Isso é, com os meus vinte e sete
anos, aí posso pensar em ter filhos. Eu, com vinte e quatro, vinte e cinco,
vinte e seis nem... sonho uma coisa dessas pra mim [ter filho], sabe? A
idade certa, na minha opinião, é os seus vinte e sete. A partir dos vinte e
sete, agora com trinta aí já é tarde. Pra mim, pelo menos.
188
P31: Não adianta muito você querer avançar o sinal e sair correndo e...
colocar o carro na frente dos bois...
P34: Eu acho que uma coisa importante é a estrutura financeira e social. Eu
acho que também tá muito envolvido a... estrutura emocional da mulher. Eu
acredito nisso. Uma menina de quinze anos, o quê que ela tem na cabeça? O
que ela vai passá pro filho? Qual a estrutura que ela vai passá prô filho? O
quê que ela vai passá pra educação dos filhos? Nem ela ainda saiu dos
cueiros... Não completou a educação nem nada. Então, eu acredito que é
meio complicado, né? É melhor ser um pouco mais velho pra ter filho.
(Grupo 6, 20 a 24 anos, Alta Escolaridade, Negra).
A independência financeira para tomar conta do filho também é apontada como um
requisito básico para um outro grupo de mulheres jovens, negras, de alta escolaridade. Para
elas, a idade é o elemento menos importante para que a mulher tenha um filho. O fundamental
é a situação financeira e emocional. Se ambas forem estáveis, a mulher está apta a ter seu
primeiro filho. O diálogo entre as participantes expressa estas questões.
P83: Quando tivé condições, não é questão de idade. Questão de
estabilidade, sabe? Eu penso muito, eu não tenho condições de tomar conta
de um menino agora, nem financeiramente, muito menos de cabeça.
P85: Eu quero tê um filho quando eu tivé condição de falá assim: meu filho
tá precisando de uma fruta, de uma vírgula e aí eu posso comprar, entendeu?
Eu posso dar uma condição pra aquela criança. Eu não quero ficar
dependendo da minha mãe pra comprar fralda, do meu pai pra comprar leite.
Não. Eu quero tê uma condição estável. Então, eu acho que não é questão de
idade, entendeu?
(Grupo 13, 20 a 24 anos, Alta Escolaridade, Negra).
O item a seguir apresenta a percepção das jovens brancas, de baixa e alta escolaridade,
a respeito da idade ideal de nascimento do primeiro filho.
7.1.3 Brancas entre 20 e 24 anos, baixa escolaridade
Para as jovens brancas e de baixa escolaridade, o nascimento do primeiro filho deveria
acontecer somente “mais tarde”, quando a mulher já estivesse na faixa dos 20 anos. Algumas
relatam que iniciaram a vida reprodutiva muito jovens, em torno dos 16 anos e, hoje,
189
percebem que deveriam ter começado depois, quando já estivessem mais maduras e
responsáveis. As falas a seguir revelam estas questões.
P92: Com dezesseis anos eu tive um filho.
P94: Eu tenho vinte, eu tenho vinte e três anos...Podia tá começando agora e
tenho dois [filhos].
P96: Tenho vinte e dois, e meu menino está com seis anos.
(Grupo 15, 20 a 24 anos, Baixa Escolaridade, Branca).
Embora, na concepção destas jovens, um filho tenha um significado importante na
vida de uma mulher, elas reconhecem que o ideal é quando ele é planejado. Como as falas
sugerem, mulheres que não planejam sua fecundidade correm o risco de ter um número maior
de filhos e de apresentarem espaçamentos mais curtos entre um e outro nascimento. Além
disto, as falas destas jovens sugerem que o casamento e a qualidade de vida do filho ficam
comprometidos quando a chegada de uma criança acontece sem ser planejada.
P95: Tê filho é tudo, né? Mas, eu acho assim que a gente tem que tê uma
coisa planejada, né? Porque, igual hoje em dia, tá tão difícil... faz um filho
aí, passa um pouquinho, você faz outro. Então, se você planejá... eu acho
que é bem melhor assim. Eu acho que o casal vive melhor e a criança
também.
(Grupo 15, 20 a 24 anos, Baixa Escolaridade, Branca).
A relevância da situação financeira também é expressa no diálogo a seguir, no qual as
jovens brancas e de baixa escolaridade ressaltam que, para a mulher ter seu primeiro filho, ela
precisa, fundamentalmente, ter uma condição de vida razoável. Esta condição de vida implica
em ter um emprego com carteira assinada e casa própria. Sem estes dois elementos, o
nascimento de um filho, em qualquer idade, é inviável. Estes aspectos são apontados de forma
bastante clara no diálogo entre as participantes deste grupo.
P103: Tem que tê uma condição boa, né?
P101: É. Casa própria.
190
P100: Tem que tê casa própria, tê um serviço fixo, carteira assinada.
P99: Eu também acho isso. Condição financeira é tudo...
P103: Não dá pra vivê... de pagá aluguel aí, essas coisas assim.
P100: Sem casa própria não tem jeito.
P98: Não tem jeito. Não tem jeito.
(Grupo 16, 20 a 24 anos, Baixa Escolaridade, Branca).
Embora a questão da idade seja motivo de controvérsia entre uma parcela das brancas
de baixa escolaridade, algumas delas acreditam que a jovem só deve ter seu primeiro filho
mais tarde. Neste grupo, a “janela” para a maternidade é bastante pequena, ficando entre 28 e
30 anos. Mulheres nesta faixa de idade, segundo as participante, já tiveram a possibilidade de
concluir seus estudos e conquistar uma situação mais estável. A crença de que o nascimento
do primeiro filho não deve acontecer depois dos 30 anos é baseada na noção de que as
mulheres mais velhas não possuem tanta paciência quanto as mais novas para cuidar da
criança. Vale ressaltar que as participantes negras de baixa escolaridade acreditam que as
mulheres como mais de 30 anos não têm disposição física para cuidar da criança. Ainda de
acordo com algumas jovens brancas de baixa escolaridade, o relacionamento com o
companheiro também é um aspecto fundamental para que a mulher decida ter seu primeiro
filho. O diálogo a seguir expressa estas questões.
P100: Acho que... também tem que tê um bom relacionamento com o
parceiro.
P101: Também tem que tê um bom relacionamento com o marido, né? Se
não tem um bom relacionamento, aí fica difícil.
P99: A idade não [importa].
P101: Aí... no meu pensamento, eu acho que tem.
P100: Eu acho também.
P103: Eu acho que lá pro seus vinte e oito... já fez o seus estudos tudo, bem.
Já tem ali formado uma coisa mais concreta. Já tá na hora de [ter filho]...
mas, também não pode ser muito velha não.
191
P98: Aí, você vai ficá lá velha, cuidando de menino. Não, você vai ficá
muito estressada...
P100: Não. Tem muita mulher que chega em tal idade, que ela não tem
paciência com menino pequeno. Ela chega nos seus trinta e cinco e num tem
mais paciência com o menino. Então, você tem que tê entre vinte e oito e
trinta anos. Aí tá bom.
(Grupo 16, 20 a 24 anos, Baixa Escolaridade, Branca).
7.1.4 Brancas entre 20 e 24 anos, alta escolaridade
De acordo com as jovens brancas de alta escolaridade, embora o planejamento familiar
seja um aspecto extremamente importante para a vida reprodutiva, as mulheres não devem
esperar demais para ter seu primeiro filho, pois o relógio biológico pode tornar a maternidade
inviável para aquelas que aguardam por muito tempo.
Segundo estas jovens brancas e de alta escolaridade, em geral, é muito difícil saber
qual, realmente, é a hora mais adequada para ter o primeiro filho. Usualmente, as pessoas
procuram esperar até que tenham uma situação financeira melhor. Embora estas participantes
acreditem que o lado financeiro tem um papel extremamente importante para a definição do
nascimento do primeiro filho, elas defendem que as mulheres não deveriam usá-lo como
principal justificativa para definirem quando vão se casar ou quando vão iniciar sua vida
reprodutiva, pois dificilmente as pessoas consideram sua situação financeira adequada. Para
algumas, esperar pela melhor situação financeira pode significar postergar demais a chegada
do primeiro filho. O diálogo a seguir mostra as percepções apresentadas por este grupo de
mulheres.
P28: O ideal, independente do que você tem, é quando é planejado. Isso
hoje é um avanço...
P26: Eu acho que pode planejar, mas, não pode esperar demais. Porque filho
é igual casamento: se você espera financeiramente pra você casar, não vai
casar nunca. Dinheiro, gente, não vai sobrar, entendeu? Então, eu acho que
fica a mesma coisa. Você vai esperá pra tê filho? Quando é que vai surgir
dinheiro na sua mão sobrando.
P28: E eu acho ruim porque... a maioria das pessoas da minha idade não
pensa nisso [no problema em adiar a maternidade], porque isso dificulta a
possibilidade de ter filhos.
192
P27: Na verdade você nunca sabe a hora certa, sei lá. Eu sempre imaginei
que se eu formasse, iria arrumar um empregão e ficaria bem de situação. Aí
casava...iria aproveitar bastante a minha vida casada, né? Viajar e tal sem
problema de dinheiro. E depois, filho, depois. Agora, penso completamente
diferente, vou casar, acabei de formar, tô desempregada. E não vô esperar
um emprego legal pra tê filho não.
(Grupo 5, 20 a 24 anos, Alta Escolaridade, Branca
Adicionalmente, embora estas jovens acreditem que a sociedade define que o ideal é
que a mulher se torne mãe depois dos 30 anos, elas ressaltam que esta norma é diferente para
diferentes classes sociais. Na concepção destas participantes, o nascimento de um filho mais
cedo é considerado como um evento normal entre jovens que possuem uma condição
socioeconômica menos favorecida. Por outro lado, se a jovem pertence a um grupo mais
privilegiado em termos sociais e econômicos, o nascimento de um filho não é considerado de
maneira positiva se a mãe é muito nova.
P25: Quando a situação socioeconômica ... das mulheres é melhor, a
maternidade, quando ela é mais nova, não é vista com bons olhos. Mas,
quando é uma menina mais pobre, é normal.
P25: É. Eu falei que eu acho normal, mas, eu sei que muita gente da minha
faixa socioeconômica, não acha normal assim. Acho que acha normal ser
mãe só depois dos trinta, sabe? Eu não acho, né? Mas, a maioria acha.
(Grupo 5, 20 a 24 anos, Alta Escolaridade, Branca).
A maturidade e a responsabilidade também são aspectos citados pelas jovens brancas
de alta escolaridade como elementos importantes para definir a idade em que a mulher terá
seu primeiro filho. Embora haja controvérsias quanto à situação financeira, ela é citada, junto
com a estrutura emocional, como um componente importante na questão da idade ao
nascimento do primeiro filho. É interessante observar que, diferente das mulheres brancas de
baixa escolaridade, que tiveram filhos em idades bastante jovens, uma das falas revela que as
brancas de alta escolaridade, entre 20 e 24 anos, ainda se sentem pouco preparadas para terem
filhos. O diálogo a seguir é elucidativo.
193
P50: Eu acho que o momento ideal pra a gente tê um filho é quando
emocionalmente e financeiramente a gente tá com uma estabilidade legal.
Tá com certeza de que realmente é o momento. Porque não adianta nada tê
muito dinheiro e não tê estabilidade emocional e... responsabilidade pra
cuidá da criança.
P53 e 52: Maturidade.
P50: No meu caso eu acho que eu não teria estrutura emocional nenhum pra
tê filhos agora.
P51: Eu acho que nem agora nem nunca.
P53: Não. Eu não sei, quem sabe mais pra frente, quando eu estiver mais
madura, como ela disse. Eu realmente agora acho que não saberia lidá com
uma educação de criança, ficaria... me sentiria... sei lá, mal preparada pra
isso. E nem financeiramente porque, realmente, é muito. [caro].. né? Tem
um custo aí, né?
(Grupo 9, 20 a 24 anos, Alta Escolaridade, Branca).
As falas a seguir expressam as percepções apresentadas pelas mulheres brancas e
negras, de baixa e alta escolaridade, da coorte entre 50 e 59 anos, a respeito da idade de
nascimento do primeiro filho.
7.1.5 Negra, 50 a 59 anos, baixa escolaridade
Para as negras mais velhas e de baixa escolaridade, as jovens de hoje estão tendo
filhos cada vez mais cedo. Uma das razões para isto é a diminuição do respeito pelos pais.
Para elas, atualmente a relação entre pais e filhas é bastante diferente daquela que existia na
época em que eram moças. Hoje em dia, é visível que as filhas não obedecem mais os pais, os
quais são mais flexíveis em suas atitudes. A fala abaixo revela esta questão.
P16: Então, hoje ocê vê que as meninas estão se perdendo, estão arrumando
filho cada vez mais cedo... quem dera... quem era nós...se eu fizesse uma
coisa dessas meu pai cortava meu pescoço e punha lá fora pra todo mundo
vê. Antigamente, a gente tinha vergonha e gostava dos pais...
(Grupo 3, 50 a 59 anos, Baixa Escolaridade, Negra).
194
Para estas mulheres, as jovens que engravidam muito cedo não imaginam as
responsabilidades que precisam assumir com o nascimento de uma criança. Segundo as negras
mais velhas e de baixa escolaridade, ao terem um filho mais cedo, as jovens pulam diversas
etapas da vida e perdem muitas oportunidades. As negras de baixa escolaridade são incisivas
ao dizerem que, para elas, a vida de uma jovem encerra quando ela tem um filho muito nova.
As falas a seguir expressam estas idéias.
P17: Menina com dezessete ano, ela não sabe nada.
P17: Ela não aproveitô a vida. Que vida? Ela conheceu um namorado...
dormiu com ele e acabô.
(Grupo 3, 50 a 59 anos, Baixa Escolaridade, Negra).
É interessante ressaltar que, embora critiquem o comportamento das mais jovens, por
terem encontrado um namorado e engravidado, sem saber nada e sem terem aproveitado a
vida, estas mulheres tiveram, muito provavelmente, histórias muito similares, só que com seus
maridos. Isto é, elas conheciam os homens que se tornariam seus maridos, namoravam,
casavam e engravidavam. Possivelmente, a maior diferença entre o que ocorria na geração
delas e o que ocorre com as jovens de hoje é que, antigamente, a gravidez, apesar de cedo,
ocorria dentro do casamento. Em relatos anteriores, elas diziam que também não sabiam “das
coisas”. Diversas falas apresentadas nos capítulos anteriores revelam esta questão. Em tais
falas, somente para recordar, as mulheres mais velhas diziam que se casavam sem saber de
nada, completamente “bobinhas” e que haviam sido educadas, desde muito cedo, para serem
boas donas de casa, esposas e mães.
7.1.6 Negra, 50 a 59 anos, alta escolaridade
Para as negras mais velhas e de alta escolaridade, filhos representam um problema
quando são tidos em idades mais jovens. Por estas falas, é possível dizer que estas mulheres
acreditam que as jovens devem, idealmente, esperar até mais tarde para ter seu primeiro filho.
P88: Filho não é problema quando é mais tarde.
P90: Caso contrário, é dor de cabeça...
195
(Grupo 14, 50 a 59 anos, Alta Escolaridade, Negra).
As falas, a seguir, revelam a perspectiva das mulheres brancas mais velhas, de baixa e
alta escolaridade, a respeito da idade de nascimento do primeiro filho.
7.1.7 Branca, 50 a 59 anos, baixa escolaridade
Para as brancas mais velhas e de baixa escolaridade, o ideal é que a jovem espere até
depois da adolescência para ter seu primeiro filho A maturidade e a responsabilidade
requeridas pela maternidade são aspectos mencionados pelas brancas de baixa escolaridade
como muito importantes para determinar a idade ideal, ou mais adequada, para o nascimento
do primeiro filho. Para elas, mulheres que têm filhos mais jovens, além de enfrentarem muitas
dificuldades porque não são maduras e suficientemente preparadas para cuidar do bebê,
deixam de viver etapas importantes na vida. As falas, a seguir, são elucidativas neste sentido.
P43: Ah! Eu acho que mais tarde, mas não muito.
P42: Eu acho que a mulher tem que sê madura. Tem que sê preparada pra
ser mãe...
P37: Porque... tê fillho...sem preparo é muito (com ênfase) difícil. Eu tive
filho... o meu primeiro filho, aos dezoito anos. Casei um dia antes de
completá dezessete e antes de completa os dezoito, eu já era mãe. Nem me
deu tempo de viver, eu não tive infância, eu não tive adolescência, eu não
tive nada.
P39: Pena que elas mesmo [as jovens] não tão esperando isso.
P38: É. Elas mesmo não tão esperando. Arruma o... primeiro namorado e já
tem filho.
P43: No nosso tempo... do jeito que a gente casô e tal, não era fácil. Agora
pra elas, tá ainda mais difícil porque elas tão arrumando filho e elas nem
sabe cuidá.
P37: Não tem responsabilidade.
(Grupo 7, 50 a 59 anos, Baixa Escolaridade, Branca).
Quanto as próprias histórias de nascimentos, estas mulheres revelam que tiveram o
primeiro filho ainda muito jovens e que, por isto, “nem deu tempo de viver...”. Assim, a
196
crítica que fazem ao comportamento das mulheres da geração mais jovem pode, muito
provavelmente, estar ligada às experiências que tiveram em suas vidas reprodutivas, as quais
fazem com que sintam que perderam muitas oportunidades.
7.1.8 Branca, 50 a 59 anos, alta escolaridade
Entre as mulheres brancas de alta escolaridade, da coorte de 50 a 59 anos, existe um
consenso de que o ideal é que as jovens tenham seu primeiro filho mais tarde. Para elas, o
corpo da mulher tem que estar preparado para a maternidade, e isto só acontece depois dos 21
anos. A maturidade também é considerada como um elemento chave para definir a melhor
idade para a jovem ter seu primeiro filho. Adicionalmente, para elas, a liberdade de escolha
que existe atualmente também é considerada como fundamental na determinação da melhor
idade para ter o primeiro filho. De acordo com estas falas mulheres, as jovens de hoje em dia
podem escolher se desejam ter filhos, quando desejam tê-los, se querem se casar e quando se
casarão. Tal liberdade de escolha não existia na geração delas, a qual foi educada para
desempenhar papéis tradicionalmente femininos, como os de dona de casa, esposa e mãe.
Assim, ao serem questionadas se existe uma idade ideal, ou mais adequada para que a mulher
tenha seu primeiro filho, estas mulheres expressaram os seguintes pensamentos:
P70: Eu acho que até biológicamente existe.
P72: Uma adolescente não tem o organismo formado.
P69: Preparado pra ser mãe. Eu não sei muito da tal de anatomia não, mas...
pelo que a gente lê, a mulher, só depois de vinte e um anos de idade que ela
tá apta [a ter filhos].
P70: A formação física dela, o organismo mesmo, o útero, o ovário essas
coisas... tem que tá crescido, tem que tá completo. Tem que tá perfeito,
maduro, né?
P73: É, a gente pode dizer que... tem sido muito cedo. Eu acho que tem que
ter uma maturidade. Tem que tá escolhendo ter um filho. Hoje você pode
escolher ter um filho. Então, hoje eu acho que as mulheres estão mais
favorecidas por poder escolher se querem ter um filho, se querem casar. Nós
fomos educadas pra estudar, ser dona de casa, ser uma esposa, ser mãe. E...
mesmo que tenhamos trabalhado fora, a nossa formação foi essa. Hoje, a
gente já deu uma educação diferente pros nossos filhos. Eles estudam, a
gente fala, explica que eles podem escolher, ter (com ênfase) ou não ter
197
filho, casar ou não casar, ir morar fora ou não morar fora. Hoje tem... o livre
arbítrio hoje é muito mais realizável, né? Entre aspas.
(Grupo 11, 50 a 59 anos, Alta Escolaridade, Branca).
Adicionalmente, estas mulheres ressaltam que, embora o ideal seja a jovem esperar
mais para ter seu primeiro filho, o limite deve ser 30 anos. Segundo elas, ter o primeiro filho
depois desta idade pode acarretar danos à saúde da criança. O correto seria a mulher ter seu
primeiro filho quando tem entre 25 e 30 anos de idade. O diálogo a seguir expressa estas
idéias.
P75: Mais tarde.
P74: Eu não acho. Acho que ela deve ter o filho mais jovem, mais jovem
que eu falo é depois dos vinte. Depois dos vinte anos é que é uma fase boa
pra criar, pra ter paciência e tudo. Mas ela deve continuar a vida dela. Ter o
filho e continuar com a carreira, estudar e trabalhar, sabe? Porque se tem o
filho muito mais tarde....claro que a mulher nova também tem problemas
hoje de ter um filho com retardamento mental, por exemplo. Mas isso é pior
entre as mais velhas...Então é meio arriscado você deixar o relógio biológico
ir...
P73: Ir avançando e depois correr o risco de ter um filho....né?
Financeiramente é melhor, ela está mais estruturada depois que ela está mais
velha, mas biologicamente não é saudável. Nem pra ela, nem pra criança.
P77: Mas eu acho que entre os vinte e os vinte e cinco está muito bom pra
ganhar [o primeiro filho].
P79: Entre vinte e cinco e trinta anos é uma idade ótima....pra ter filhos.
(Grupo 12, 50 a 59 anos, Alta Escolaridade, Branca).
O item a seguir apresenta, de forma sintetizada, a percepção que as mulheres de
diferentes grupos de idade, raça/cor e escolaridade possuem a respeito da idade ideal, ou mais
adequada, para que uma mulher tenha seu primeiro filho.
7.1.9 Síntese
Entre as participantes da coorte mais jovem, a questão da idade ideal para ter o
primeiro filho é bastante polêmica. Entre as negras jovens e de baixa escolaridade, existem
198
visões divergentes a respeito. Para muitas, o ideal seria que a mulher tivesse o primeiro filho
antes dos 20 anos. A disposição física da mãe para atender o filho e a dificuldade para
engravidar depois desta idade são apontadas como justificativas para que a maternidade
aconteça mais cedo. Para outras, o nascimento do primeiro filho deveria acontecer somente
depois dos 23 anos para que a mulher pudesse, primeiro, estudar e conquistar uma
estabilidade financeira maior. Existe um consenso entre as jovens negras e de baixa
escolaridade de que ter uma situação financeira e profissional mais estável é fundamental para
determinar quando uma mulher pode ter seu primeiro filho.
Para as jovens negras de alta escolaridade, o ideal seria que as mulheres esperassem
para ter o primeiro filho. Para a grande maioria, as jovens deveriam esperar até que tivessem
cerca de 26 anos. Até esta idade, os estudos deveriam ser priorizados. Porém, o primeiro filho
não deveria vir depois dos 30 anos. Mulheres que têm o primeiro filho muito novas, de acordo
com as jovens negras de alta escolaridade, geralmente se arrependem. Para estas participantes,
alguns pontos são fundamentais para determinar quando uma mulher deve ter seu primeiro
filho: situação financeira e emocional estáveis. Apesar disto, enfatizam que a comunidade
onde vivem e a escola influenciam o sentimento das jovens sobre a melhor idade para o
nascimento do primeiro filho.
Para as jovens brancas de baixa escolaridade, as mulheres deveriam ter o primeiro
filho depois dos 20 anos, mas nunca depois dos 30. O ideal, segundo estas jovens, é que fosse
entre 28 e 30 anos. Para estas participantes, o planejamento familiar é de extrema importância
na vida de uma mulher. Segundo elas, quando as jovens têm filhos muito cedo, a qualidade do
relacionamento do casal e a vida da criança ficam comprometidas. Por outro lado, quando o
primeiro filho vem depois dos 30 anos, as mulheres não têm mais paciência para atender da
criança. Vale lembrar, contudo, que a maioria destas jovens teve o primeiro filho ainda na
adolescência.
Para as brancas de alta escolaridade, não existe uma idade mais adequada para a
mulher ter o primeiro filho, mas é interessante que não seja depois dos 30 anos. Segundo estas
mulheres, iniciar a maternidade depois dos 30 anos é uma norma social válida somente para
as mulheres de classes mais altas. Para as mais pobres, filhos em idades mais jovens é
considerado normal. Para as de classes mais favorecidas, por outro lado, é visto como um
problema, pois pode interferir nas conquistas pessoais e profissionais. Assim como as brancas
de baixa escolaridade, estas jovens também consideram o planejamento familiar fundamental
199
e, embora acreditem que a situação financeira também é um determinante da época em que a
mulher vai ter o primeiro filho, não pode ser visto como o mais importante. Para elas, a
responsabilidade e a maturidade da jovem também devem ser levadas em conta.
Para a coorte de 50 a 59 anos, o ideal seria que as mulheres esperassem, pelo menos, a
adolescência terminar para iniciarem a vida reprodutiva. Há um certo consenso entre as
mulheres desta coorte de que filhos na adolescência são um problema na vida das jovens, as
quais não estão suficientemente maduras e preparadas para a tarefa da maternidade. Para as
brancas mais velhas e de alta escolaridade, as jovens deveriam ter o primeiro filho quando
tivessem entre 25 e 30 anos. Para elas, somente depois dos 21 anos a mulher está
fisiologicamente preparada para iniciar sua vida reprodutiva. Elas também acreditam que
depois de 30 anos não é recomendável que a mulher tenha seu primeiro filho. Isto porque, a
partir desta idade passam a existir perigos de saúde para a criança. Para estas mulheres, a
maturidade da jovem é essencial para determinar se ela está pronta para ter seu primeiro filho.
Além disto, elas enfatizam que hoje os jovens têm uma liberdade muito maior, do que elas
tinham, para fazer suas próprias escolhas, para decidir se querem se casar e se querem ter
filhos e quando fazê-lo. Para as mulheres brancas mas velhas e de baixa escolaridade, as
jovens deveriam esperar pelo final da adolescência para terem seu primeiro filho. Aquelas que
têm antes disto deixam de viver etapas importantes da vida. Para as brancas mais velhas e de
baixa escolaridade, a maturidade e a responsabilidade da mulher são requisitos essenciais para
a maternidade.
As negras da coorte mais velha e de baixa escolaridade, acreditam que atualmente os
pais são muito flexíveis com suas filhas. Segundo elas, as jovens de hoje respeitam menos os
pais, do que elas respeitavam e, este aspecto, aliado à flexibilização no relacionamento, abre
margem para que as meninas tenham o primeiro filho ainda muito jovens. Também segundo
estas mulheres, muitas meninas têm o primeiro filho sem ter consciência das
responsabilidades que ele implica. Por fim, de acordo com elas, as jovens que têm filhos mais
cedo pulam etapas e perdem muitas oportunidades. Para as negras mais velhas e de alta
escolaridade, os filhos na juventude geralmente representam problemas.
Uma diferença marcante na visão das duas coortes é o fato de que, enquanto para
muitas jovens não é necessário esperar para ter o primeiro filho, para todos os grupos da
coorte mais velha existe um consenso de que a mulher deve esperar. Também vale apontar a
ênfase na situação financeira, dada pelas mulheres da coorte mais jovem. No grupo mais
200
velho, a perda de oportunidade, a falta de maturidade e preparo para ter o filho são os aspectos
ressaltados. A semelhança entre estas coortes reside na noção de que, depois dos 30 anos, a
mulher não deveria ter seu primeiro filho. Ou seja, os diálogos anteriores revelam que existe
uma norma a respeito da idade ideal de nascimento do primeiro filho: ele não deve acontecer
quando a mulher tem 30 anos ou mais.
O nascimento do primeiro filho certamente desencadeia uma série de mudanças nas
vidas dos indivíduos, particularmente nas das mulheres. E é sobre estas mudanças que o item
a seguir irá tratar.
7.2 As mudanças
O nascimento do primeiro filho certamente gera inúmeras mudanças na vida dos
indivíduos, particularmente na vida da mulher. Ao analisarem questões sobre a percepção e o
comportamento de adolescentes frente à gravidez, ABREU, MIRANDA-RIBEIRO & CÉSAR
(2000) observam que, para muitas jovens, a gravidez acontece sem ser planejada ou desejada.
Algumas enfrentam dificuldades para assumi-la, outras têm conflitos pessoais, familiares e de
relacionamento com o pai da criança. Para muitas, o nascimento de um filho pode precipitar o
casamento, ou a formação de um núcleo familiar, seja com a companhia do parceiro ou sem
ela. Em termos de relacionamento com os pais, no princípio, a notícia da maternidade pode
gerar conflitos, que tendem a se solucionar no momento em que a criança nasce A limitação
da liberdade, o aumento das responsabilidades e a necessidade de amadurecer também são
mudanças constantemente mencionadas pelas jovens que se tornam mães (ABREU,
MIRANDA-RIBEIRO & CÉSAR, 2000).
Este item vai tratar das mudanças gerais que as mulheres acreditam serem comuns
quando têm seu primeiro filho. O objetivo central é verificar as diferenças e similaridades na
percepção que participantes de diferentes coortes de idade, grupos de raça/cor e escolaridade
apresentam sobre as mudanças que o nascimento do primeiro filho traz para a vida da mulher.
7.2.1 Negra, 20 a 24 anos, baixa escolaridade
Para as jovens negras e de baixa escolaridade, uma das mudanças mais expressivas
trazidas pelo nascimento do primeiro filho está nas responsabilidades e obrigações que deverá
assumir e nas mudanças que terá que fazer em seus sonhos e projetos de vida. Para a grande
maioria, os sonhos são adiados ou interrompidos para sempre e, em ambos os casos, a mulher,
201
normalmente, é quem assume o ônus da maternidade. É importante lembrar que muitas destas
participantes passaram pela gravidez do primeiro filho ainda muito jovens, geralmente antes
do 18 anos, e sem um companheiro. Algumas enfrentaram conflitos familiares por terem
ficado grávidas. Também vale mencionar que, para muitas, ter filhos ainda na adolescência é
uma realidade bastante comum nas localidades onde vivem e, talvez por esta razão, apontem
com tanta veemência os aspectos negativos acerca das mudanças que o nascimento do
primeiro filho acarretam na vida de uma mulher.
P7: Então quer dizer: a menina não põem na cabeça que é a vida dela...
quem vai ter que cuidar do menino é ela, quem vai ter que trabalhar para
cuidar, é ela. Os sonhos dela vai ter que ficar pra trás, porque agora ela vai
ter que... cuidar do filho dela. Então, única pessoa que sai mais prejudicada
nisso, é quem realmente engravidô... conseqüência de uma paixão, de um,
de um momento, qualquer outra coisa. Quem mais... tem a perder, é quem
engravidô. E a criança. Eu acho.
(Grupo 2, 20 a 24 anos, Baixa Escolaridade, Negra).
Além do já exposto, para as jovens negras e de baixa escolaridade, muitas mudanças
acontecem depois que a mulher tem um filho porque ela precisa pensar em como vai manter e
criar o filho. Se antes não precisava se preocupar com um trabalho remunerado, por exemplo,
depois que a criança nasce a situação passa a ser diferente. Elas precisam se preocupar com a
manutenção deste novo ser que passou a fazer parte de suas vidas. As falas a seguir são
bastante elucidativas neste sentido.
P8: Primeiro: a responsabilidade. Se você não tem filho. Você pode tudo ou
trabalha, ou então não faz nada. Você não se preocupa com nada. Mas, se
você já tem um bebezinho, você se preocupa se você vai podê dá comida pra
ele, vestuário, etc...
P9: Ela vê a vida com os outros olhos. Tudo que ela vai fazê tem um filho,
tem uma vida, tem... tem alguém que depende de mim. Então, ela muda
totalmente... é um serviço que ela vai procurá pra trabalhá com mais jeitinho
pra não ser mandada embora, porque... precisa trabalhá, né?
(Grupo 2, 20 a 24 anos, Baixa Escolaridade, Negra)
202
7.2.2 Negra, 20 a 24 anos, alta escolaridade
Para as jovens negras de alta escolaridade, a questão da responsabilidade que um filho
representa também é mencionada como a principal mudança que acontece na vida da mulher
depois que ela se torna mãe. Esta responsabilidade, segundo elas, é intransferível. Mesmo que
os pais da jovem expressem o desejo de auxiliar nos cuidados com a criança, estas
participantes acreditam que cabe à mãe do bebê assumir as tarefas envolvidas na criação de
seu filho. Embora estas jovens tenham esta percepção, ABREU, MIRANDA-RIBEIRO &
CÉSAR (2000), verificaram, a partir de entrevista em profundidade com adolescentes de
baixa renda em Belo Horizonte, que o apoio familiar é extremamente relevante no cuidado
com a criança, particularmente quando as jovens ainda estão na adolescência, pois muitas
ainda não têm preparo para realizar atividades essenciais, tais como o banho do bebê.
Para conciliar o papel de mãe com os demais papéis que desempenham, as jovens
precisam reorganizar sua vida, pois cuidar de uma criança requer tempo e dedicação. Neste
processo de reorganização, consideram que sempre terão algum tipo de prejuízo. A
possibilidade de continuar a faculdade, por exemplo, diminui em função das novas tarefas que
a mulher terá que assumir para cuidar do filho. O diálogo a seguir mostra quais mudanças
estas jovens acreditam que acontece na vida de uma mulher depois que ela tem seu primeiro
filho.
P21: A responsabilidade que ela vai ter que assumir, que por mais que os
pais, pensando em pais compreensivos, que digam: ah! não minha filha,
você vai continuar [a estudar ou trabalhar] que a gente vai te ajudar. Mas, o
filho é dela e não dos pais dela, né? E ela vai ter que arcar, pelo menos com
parte disso. E vai ter que alterar toda a estrutura de vida... antes da mulher
ter um filho ela tem uma maneira de viver, de preencher o tempo dela. Tal
hora eu estudo. Tal hora eu faço isso. E ela vai ter que ir apertando um
pouquinho de cada coisa pra ver o filho, que vai ocupar a maioria do tempo
dela. E alguma coisa vai sair prejudicada nisso. Ela pode conseguir
continuar a faculdade, mas... não vai mais ser aquela mesma coisa... alguma
coisa vai sair prejudicada nessa história. Conhecimento de causa que eu falo
(risos) mesmo.
(Grupo 4, 20 a 24 anos, Alta Escolaridade, Negra)
Vale ressaltar também que, segundo a percepção das jovens negras e de alta
escolaridade, mesmo nos dias atuais, onde relações de gênero mais igualitárias são
203
defendidas, as cobranças com os cuidados que devem ser dispensado para o filho é muito
mais intensa sobre a mulher do que sobre o homem. Isto, de acordo com estas jovens,
independe da escolaridade e da idade das pessoas. Para elas, talvez uma das razões para este
tipo de cobrança seja o fato de que a mãe sempre assume a responsabilidade de criar o filho,
enquanto o pai pode negar a paternidade e deixar a família. As falas destas jovens são
esclarecedoras a este respeito.
P19: A mulher vai ter que dividir a vida dela, o tempo dela com uma
criança. A questão de ter um outro ser que depende inteiramente,
integralmente (risos) dela. É questão de não poder mais pensar só em si.
Mas, tem que pensar em si e em outro ser que depende de você, que sem
você, talvez... não vá poder viver ou vai ter uma outra trajetória. Acho que a
maior mudança é quando você tem um filho é essa. A questão de... não estar
mais sozinho.
P20: Você não responde mais só por você. Você responde por você e por
um outro que tem uma vida inteira pela frente. Ter filho é muito difícil.
Porque é uma responsabilidade muito grande.
P21: É difícil, porque você fica direcionada pra aquele filho. Todo... todas
as suas decisões, ele vai sempre entrar nas suas decisões. Desde as pequenas
até as decisivas, maiores. Ele tá em tudo.
P22: Hoje nada é mais igualitário. Bem mais... mas a cobrança maior
sempre é com a mulher, com a mãe. Independente do nível de escolaridade
ou da idade que ela tenha. É sempre menor com o pai e maior com a mãe.
(risos).
P20: A mãe não some.
P21: É. Não dá pra sumir.
(Grupo 4, 20 a 24 anos, Alta Escolaridade, Negra)
Também na percepção das jovens negras de alta escolaridade, as mudanças que o
nascimento do primeiro filho geram são diferentes para pessoas de diferentes classes sociais.
Segundo elas, as pessoas de classes socieconômicas mais abastadas não aceitam a gravidez e
o nascimento do filho de uma jovem, tão facilmente, quanto as pessoas de classes menos
favorecidas. Este tipo de comportamento, como sugerem as falas deste grupo de participantes,
está estreitamente vinculado às aspirações e projetos que as famílias, e as próprias jovens,
apresentam. Enquanto as jovens de classes menos favorecidas têm poucas perspetivas para o
204
futuro, em termos de carreira educacional e profissional, as jovens de classes
socioeconômicas mais elevadas, bem como suas famílias, racionalizam o impacto que o
nascimento de um filho terá na vida da mulher. Neste contexto, segundo as falas destas
participantes, as famílias de melhores condições de vida percebem o nascimento de um filho
como um problema e há indícios, de acordo com as falas, de que o aborto é proposto como
uma forma de remediar a situação. Já entre as jovens de classes mais simples, as participantes
acreditam que o nascimento do filho é encarado de forma mais natural e até mesmo fatalística,
com a crença de que o filho veio “porque Deus quis”. As falas a seguir revelam estas
questões.
P33: Eu penso o seguinte: as pessoas, quando elas são mais pobres, eu acho
que elas tendem a aceitá mais é... aquilo que elas estão vivendo. Por
exemplo, às vezes, não tão com planos pro futuro. Ah, eu quero estudá, eu
quero batalhá e tudo. Então, veio a gravidez: nossa! Tô grávida, vô tê um
filho. Tem esse filho, e às vezes, tem outro e tal. Agora, uma pessoa, numa
classe [mais alta], né? Uma classe A, por exemplo se vem uma gravidez, aí
a mãe diz: ah, mas isso não é hora. Vai atrapalhá seu futuro, vai atrapalhá
sua vida. Ah, mas o quê que faz? Não, tem jeito. Tem vários jeitos. Tem
como interromper isso [referindo-se à gravidez]. Você pode pensá nisso
depois. Isso a gente vê muito, em televisão e até mesmo na vida real. Não,
depois você pensa nisso. Depois você tem muito tempo pra pensá nisso [em
ter um filho]. Agora, você tem que pensá no seu futuro. Já aquela pessoa lá
daquela classe inferior não. Ela tá vivendo aquilo ali, é aquela a vida dela,
tende a aceitá mais. Não, tá... é isso que... que veio, então, vamos tê esse
filho e tudo.
P31: Geralmente, a pessoa até diz: Deus qué...
P36: Assim que Deus quis.
(Grupo 6, 20 a 24 anos, Alta Escolaridade, Negra).
Neste ponto, é importante ressaltar que as diferenças de classe são, geralmente,
enfatizadas pelas jovens de alta escolaridade, brancas e negras. Para as jovens negras e de alta
escolaridade, a classe socioeconômica de uma jovem interfere em sua perspectiva de futuro e
na percepção do impacto que o nascimento de um filho tem sobre seus projetos de vida. Para
as jovens brancas e de alta escolaridade, as normas que definem a idade mais apropriada para
a idade de nascimento do primeiro filho variam de acordo com a classe social a qual a jovem
pertence.
205
O item a seguir analisa a percepção das jovens brancas, de baixa e alta escolaridade, a
respeito das mudanças trazidas pelo nascimento do primeiro filho.
7.2.3 Branca, 20 a 24 anos, baixa escolaridade
Para as jovens brancas de baixa escolaridade, as mudanças que o nascimento do
primeiro filho trazem estão relacionadas com o amadurecimento da mulher para desempenhar
as novas tarefas de sua vida. Segundo sugerem as falas das participantes deste grupo, as
jovens que têm filhos mais cedo são obrigadas a amadurecer mais rapidamente. Isto significa
desenvolver habilidades e capacidade para cuidar sozinha da criança, já que, em muitos casos,
não podem contar com ajuda de outras pessoas, as quais, em muitas situações, têm tanto
preparo quanto elas para cuidar do bebê. As falas a seguir ilustram esta percepção.
P93: Felicidade pras mães. Tudo de bom.
P97: Criança, quando nasce, ela depende muito da mãe.
P92: É mamá, é tudo com a mãe, entendeu? Muitas das vezes as pessoas que
convivem com a gente não tem aquela paciência. Eu, quando fui mãe, eu fui
obrigada a amadurecê rápido. Eu nunca gostei de brincá de boneca. Quando
eu vim embora do hospital, minha mãe não sabia dá banho em menino. O
quê que eu fui fazê? Fui dá, sem sabê, sem experiência, nem nada. Nunca
tinha mexido, né? Fui obrigado a pegá aquele trenzinho molinho,
pequenininho, todo desengonçado, e dando banho, porque criança precisa
muito, assim, principalmente quando é novinho assim, né? Precisa muito da
mãe perto.
(Grupo 15, 20 a 24 anos, Baixa Escolaridade, Branca).
Embora reconheçam que precisam amadurecer mais rapidamente e realizar tarefas que,
teoricamente, deveriam assumir mais tarde, estas jovens enfatizam que a maternidade não
deve causar sentimentos de arrependimento. Pelo contrário, devem agradecer a Deus pela
criança que tiveram pois, em muitos casos, ela traz mais juízo e sentido para a vida. Apesar
disto, reconhecem que, se tivessem iniciado suas histórias reprodutivas mais tarde do que
fizeram, poderiam ter vivenciado outras experiências. Além destes aspectos, as falas destas
jovens também sugerem que a mulher, ao ter seu filho, deixa de pensar somente em si mesma
e passa a pensar, também, no filho pela qual se tornou responsável.
206
P94: Eu não arrependo. Igual eu falo, não arrependendo de tê tido eles, mas,
eu acho assim, se eu tivesse ouvido o conselho da minha mãe, acho que
agora que eu deveria tá começando a namorá, né? E conhecê mais da vida.
P96: Eu, quando fui mãe pela primeira vez, até... antes de eu entrá na
maternidade, eu tinha ódio da minha criança, entendeu?...Aí o médico
colocô: se você fô pra casa, a sua criança nasce morta. Aquilo lá me deu um
estralo na cabeça.... Naquele momento, ali, eu pedi tanto perdão pra Deus,
mas, tanto perdão. Falei: óh, Meu Deus, me perdoa. Faça com que a minha
filha nasça sã e salva, uma criança esperta, bonita, né? Queria vê a minha
filha com vida, saudável, né?... Eu agradeço, assim, muito (com ênfase)
porque ela veio, me colocô juizo, fez eu pará pra pensá que tinha uma vida
que dependia de mim, né? .... A partir do momento que a gente se torna
mãe, a gente esquece um pouco da gente e vira prôs filhos.
(Grupo 15, 20 a 24 anos, Baixa Escolaridade, Branca).
Outro aspecto apontado pelas mulheres brancas de baixa escolaridade refere-se à
dificuldade de encontrar um companheiro. Esta dificuldade fundamenta-se, segundo estas
jovens, primeiro no fato de que os novos companheiros dificilmente tratam o filho que a
mulher tem com carinho. A indiferença com relação à criança passa a ser uma característica
do relacionamento que se estabelece entre eles e a mãe não deve aceitar este tipo de
comportamento. Segundo, caso a mulher tenha uma menina, ela deverá ter muito mais
cuidado para escolher um novo companheiro, pois a violência sexual entre padrasto e enteada
é comum atualmente. Isto torna ainda mais difícil encontrar alguém para estabelecer um novo
relacionamento. Para algumas mulheres, encontrar um companheiro que as aceitem com o
filho e que tratem a criança com respeito e amor é considerado como uma sorte muito grande.
P92: Também é difícil encontrar alguém, igual eu falo por mim, se algum
dia eu precisá encontrar alguém, namorá tudo bem, mas, pra morá comigo
eu acho que num dá certo não. Porque eles tratam [o filho] com indiferença.
P96: É difícil sim, minha primeira filha foi estupro. É, que eu tive ela por
causa do estupro. Arrumei um marido que é o atual. Sô amigada. Mas sei
que é difícil achar alguém. Ele tem um carinho por ela como se fosse dele,
realmente, entendeu? Então, assim, se eu vô corrigir ela, ele entra na frente.
Ah! Porque não sei o quê. Ela, não, é aquele xodozim, entendeu? Graças a
Deus, eu não tenho nada a reclamá desse ponto não. Tenho muita sorte
P94: É difícil é. Mas, não é impossível. Não é impossível. Agora, em outro
caso, se eu separá dele, eu acho que prá amigá, morá junto assim, eu acho
que eu não tenho coragem não. Porque, a gente tem uma filha mulher, né? A
207
gente não sabe com quem que a gente vai colocá dentro de casa. Porque
muitas das vezes uma mulher coloca um homem dentro de casa, que a gente
é mulher e sabe como pode fazê com a filha da gente, né? Como tá
acontecendo isso direto. Entrevista de televisão ocê vê, né? Padrastro é...
abusando de enteado. Então, a gente fica meio cabreiro, né?
(Grupo 15, 20 a 24 anos, Baixa Escolaridade, Branca)
7.2.4 Branca, 20 a 24 anos, alta escolaridade
Entre as jovens brancas de alta escolaridade, também prevalece a idéia de que o
nascimento do primeiro filho traz muitas transformações para a vida da mulher. Segundo elas,
as maiores mudanças se concentram no tempo que a mulher terá que disponibilizar para o
filho e na difícil tarefa de conciliar diversas atividades. Superar os obstáculos financeiros
também é uma das grandes transformações na vida de uma mulher. Além disto, assim como
apontado por participantes de outros grupos, estas jovens também acreditam que, depois que
tem seu primeiro filho, a mulher precisa deixar de pensar somente nela mesma e passar a
incluir o filho em seus planos.
P25: Você tem que cuidar do filho vinte e quatro horas. Você tem que
trabalhar e estudar, tudo ao mesmo tempo e tem a parte da dificuldade
financeira, com certeza tem. Mas... vale à pena.
P26: Você tem que lembrar que você num vai poder pensar só em você
mais...
(Grupo 5, 20 a 24 anos, Alta Escolaridade, Branca)
Ainda na visão das brancas de alta escolaridade, as mudanças na vida de uma jovem
que tem seu primeiro filho só acontecem se ela realmente assumir a criação da criança. O
ritmo de vida passa a ser diferente e as prioridades, em muitos casos, precisam ser
reordenadas, pois, a partir do momento em que a jovem tem o filho, precisará considerá-lo em
seus planos e projetos. O diálogo a seguir expressa estas idéias.
P52: Se você quiser, realmente, assumir a responsabilidade de criar a
criança, muda completamente. As prioridades mudam.
P53: Até a maneira de encarar a vida passa a ser diferente...
208
P50: Muda o ritmo de vida, o que ela pensa pra vida dela, que agora não vai
sê só a vida dela.
(Grupo 9, 20 a 24 anos, Alta Escolaridade, Branca)
Também segundo as jovens brancas de alta escolaridade, há uma probabilidade muito
alta de que as mulheres que se tornam mães precisem adiar a trajetória universitária. Além
disto, a liberdade de utilizar o tempo que possuem também fica comprometida, pois precisam
pensar com quem deixarão a criança se quiserem sair ou viajar. Neste contexto, assim como já
enfatizado pelas participantes de outros grupos, ter que incluir o filho nos planos e projetos de
vida é uma das mudanças mais expressivas que o nascimento de uma criança traz para a vida
de uma mulher. ABREU, MIRANDA-RIBEIRO & CÉSAR (2000) também encontraram
resultados similares ao realizarem entrevistas em profundidade com adolescentes de baixa
renda em Belo Horizonte. No estudo realizado por estas autoras, as adolescentes relataram
que a maternidade trouxe mudanças em relação à socialização e à “liberdade” própria dos
jovens - sair, dançar, namorar. Elas também encontraram que as jovens sentiam dificuldades
em conciliar as atividades de cuidado com o bebê, com a escola e com o trabalho.
P52: Se a gente tivesse um filho agora, a gente ia tê que privá também da
universidade.
P53: É. Não só da universidade, né?
P54: Nossa liberdade de ir e vir o tempo inteiro, sem responsabilidade.
P50: É. Porque a gente ... que gosta de sair... vai viajar sem tê que preocupar
com o [filho].. né? A gente já ia tê que se preocupar com filho. Com quem
que você vai deixar? Com a sua mãe?
P52: Quando você tem um filho, praticamente você vive pra ele, né?
(Grupo 9, 20 a 24 anos, Alta Escolaridade, Branca).
Os itens a seguir analisam os diálogos das participantes brancas e negras, entre 50 e 59
anos, de baixa e alta escolaridade, a respeito das mudanças que o nascimento do primeiro
filho traz para a vida das mulheres.
209
7.2.5 Negra, 50 a 59 anos, baixa escolaridade
Na percepção das mulheres mais velhas, negras e de baixa escolaridade, as jovens que
têm filho mais cedo perdem a juventude e deixam de usufruir diversas oportunidades
oferecidas pela vida. Elas não podem mais sair, muitas não podem trabalhar e param de
estudar. Em função disto, passam a ser dependentes financeiramente dos
maridos/companheiros e têm que se submeter às ordens e desejos do mesmo. Isto acontece,
particularmente, entre as jovens que decidem assumir integralmente as responsabilidades pela
criança. Para aquelas que, segundo elas, não têm amor pela criança e continuam se
comportando como se não tivessem filhos, a vida continua a mesma. Vale ressaltar que ter
amor pelo filho, segundo sugere a fala de uma das participantes, é não deixar as crianças com
as avós e assumir as tarefas da maternidade.
P16: Muda muito, porque nunca mais ela vai ter sossego. Se ela tiver um
pouquinho de amor, né? Porque tem aquelas que tem o menino e deixa com
a mãe, deixa com a sogra. Elas não tá nem aí. Chega no outro dia e tá saindo
pra festa. Mas, aquela que tem amor, igual eu vejo... elas... não sai. Aí,
acabô a vida delas. A vida dela é só o neném e ela...
P15: Coitada, nem pode sair de casa.
P17: Não trabalha mais. Tem de depender dele na hora que ele quiser dá um
sapato, um chinelo. As vez vai pedir, eles fala que tá pedindo demais. É
duro a mulher dependé de home.
P16: Elas perde a juventude mais rápido, né?
P15: Eles não aproveitaram nada.
M: Perde a juventude mais rápido, como assim?
P16: Ah! Porque aí, elas tem que tê a responsabilidade. Porque já que fez o
filho... elas tem que tê responsabilidade. Então o quê, ela vai perdê a
oportunidade de estudá...
(Grupo 3, 50 a 59 anos, Baixa Escolaridade, Negra).
7.2.6 Negra, 50 a 59 anos, alta escolaridade
Para as mulheres negras de alta escolaridade, o nascimento de um filho antes dos 19
anos é um problema e gera uma série de mudanças na vida das jovens. Primeiro, é um
problema porque, para elas, fisiologicamente, as meninas com menos de 19 ainda não
210
possuem o corpo preparado para a gravidez. Assim, ter um filho antes desta idade pode ser
considerado como uma agressão não só contra o corpo, mas também contra o lado emocional
destas jovens. Segundo, elas consideram a gravidez como um problema porque acreditam que
ela gera mudanças negativas, limitando as possibilidades que as jovens têm de vivenciar
experiências consideradas apropriadas para a idade. Na percepção destas mulheres, as jovens
que engravidam muito cedo não seguem a ordem natural dos eventos. O diálogo a seguir
mostra esta visão.
P107: A mulher que casa muito cedo perde todas as oportunidades ...pular
etapas não é bom pra ninguém, em idade nenhuma, né? Então, se uma
menina de quatorze, quinze anos, sem filho, ela é fisicamente imatura pra
ser mãe, né? A mulher está pronta para a maternidade a partir dos dezenove
anos. Eu li isso esses dias...se ela tem filho com quatorze, quinze anos, é
uma violência contra o corpo, contra a parte emocional dela, né? Ela perde
todas as oportunidades de viver tudo o que ela poderia viver de uma forma
natural, cronológica, progressiva, sem atropelamentos, né?
P105: Eu também acho que quebra a seqüência, vamos dizer, a seqüência
natural das coisas...
(Grupo 17, 50 a 59 anos, Alta Escolaridade, Negra)
As falas das mulheres brancas mais velhas, de alta escolaridade, são analisadas no
item a seguir. É importante observar que a questão das mudanças geradas pelo nascimento do
primeiro filho não foi discutida pelo grupo de mulheres brancas mais velhas e de baixa
escolaridade.
7.2.7 Branca, 50 a 59 anos, alta escolaridade
As mulheres brancas de alta escolaridade manifestam, em poucas palavras, o que
acreditam que acontece a partir do nascimento do primeiro filho. Segundo elas, a criança vem
mudar o rumo da vida das pessoas e significa felicidade.
P69: Uma criança vem mudar o rumo de uma vida. É uma felicidade maior.
(Grupo 11, 50 a 59 anos, Alta Escolaridade, Branca)
211
Embora muitas acreditem que o nascimento do primeiro filho na juventude represente
uma grande felicidade na vida da mulher, algumas participantes brancas, mais velhas e de alta
escolaridade, ressaltam que ter um filho muito cedo também pode representar um choque para
a jovem e sua família. Isto porque termina com os sonhos que as mães têm para suas filhas e
com muitas oportunidades que as moças teriam. Embora elas acreditem que a jovem pode
receber ajuda de outras pessoas para cuidar de criança, elas ressaltam que a responsabilidade
maior deve ser assumida pelas próprias meninas.
A observação de uma das participantes deste grupo pode ser usada para mostrar
porque as mulheres de diversos grupos acreditam que, depois que filho nasce, elas procuram
se dedicar integralmente para ele: “...mas depois que você tem um filho, você quer que esse
filho seja mais do você foi na vida, na vida inteira”.
P71: Ter filho muito cedo, é um choque...A gente, que já tem uma vivência
um pouco maior vê isso, né? Sonha tanto com a vida pras filhas...que elas
possam viajar, ser independente, querer morar sozinha. Então, se tem um
filho, você não pode passar pra mais ninguém. É sua missão. Então,
realmente, é uma hora que tem que estar preparada e principalmente a
mulher, porque, por mais que as outras pessoas ajudem, é sempre
responsabilidade dela... Quando a gente é solteira, a gente sonha com o
príncipe encantado, mas depois que você tem um filho, você quer que esse
filho seja mais do você foi na vida, na vida inteira.
(Grupo 11, 50 a 59 anos, Alta Escolaridade, Branca)
7.2.8 Síntese
As falas das participantes dos diversos grupos focais mostram que as mulheres
acreditam que o nascimento do primeiro filho traz mudanças expressivas para as suas vidas.
Exemplos destas mudanças podem ser observados na redução da liberdade e no aumento das
responsabilidades e obrigações que as jovens passam a ter depois que têm o filho.
Para ambos os grupos de jovens negras, uma das grandes mudanças geradas pelo
nascimento do primeiro filho está no fato de que a mulher passa a ter um aumento em suas
responsabilidades e obrigações. As prioridades e projetos de vida devem ser reorganizados
para incluir a criança e permitir que diferentes papéis sejam conciliados. Uma grande
mudança, segundo as jovens negras de baixa escolaridade é com a preocupação financeira que
a mulher passa a ter para manter o filho. Para estas jovens, os sonhos que tinham antes de ter
212
o filho precisam ser adiados - ou transformados - com seu nascimento e, geralmente o ônus
gerado pela nascimento da criança é, geralmente, da mulher. Paras as jovens negras de alta
escolaridade, as mulheres, muito mais do que os homens, mudam suas vidas para
desempenhar o papel requerido pela maternidade. E estas mudanças, segundo elas, geralmente
têm um custo bastante elevado para as jovens, particularmente para aquelas de classes mais
elevadas, que possuem aspirações de vida maiores. Embora ambos os grupos concordem que
as dificuldades geradas pela maternidade são, sempre, muito mais vivenciadas pelas mulheres,
vale ressaltar que as jovens negras e de alta escolaridade, acreditam que as mudanças
dependem muito da classe social a qual a mulher pertence. Aquelas de classes mais altas, têm
aspirações maiores e são mais cobradas, portanto precisam fazer maiores ajustes em suas
vidas para conciliar papéis.
Para as jovens brancas e de baixa escolaridade, acreditam que o amadurecimento,
entendido como a habilidade para cuidar da criança, é uma das maiores mudanças que
acontece na vida de uma jovem depois que ela tem seu primeiro filho. Além disto, elas
acreditam que o fato de não poderem pensar mais somente nelas mesmas também é uma
mudança importante em suas vidas. Para as jovens brancas e de alta escolaridade, as
mudanças que acontecem depois do nascimento do primeiro filho são inúmeras. Dentre elas
estão a necessidade de aprender a conciliar diversas atividades, superar obstáculos
financeiros, incluir a criança nos projetos de vida, deixar de viajar e de fazer muitas coisas
que gostam e, principalmente, adiar os estudos.
Para as mulheres entre 50 e 59 anos, brancas e negras, de baixa e alta escolaridade, o
nascimento do primeiro filho em idades mais jovens significa perder a juventude, a liberdade
e a possibilidade de usufruir das oportunidades inerentes à idade. Significa pular etapas e
implica dependência financeira do companheiro ou da família. Para estas mulheres, continuar
estudando depois do nascimento de um filho passa a ser uma incerteza. Neste sentido, os
resultados deste estudo sugerem que as possibilidades de conquistas educacionais podem ser
afetadas pelo nascimento do primeiro filho. Muitos trabalhos científicos, baseados em dados
quantitativos, já mostraram que isto, de fato, acontece (STUPP & CÁCERES, 2001;
OLIVEIRA & RIOS-NETO, 2004). Assim, o próximo item busca analisar a percepção que as
participantes dos grupos focais, realizados em Belo Horizonte, apresentam sobre o impacto do
nascimento do primeiro filho sobre a escolaridade.
213
7.3 Os estudos
Já há algum tempo, diversas pesquisas vem mostrando que o nível de escolaridade
exerce uma influencia importante sobre os padrões de fecundidade de uma mulher (MASON,
1984; HENRIQUES et al., 1989; LAM; SEDLACECK & DURYEA, 1992;. MARTÍN &
JUAREZ, 1995; RIOS-NETO, 2000; WOOD & CARVALHO, 1994; PERPÉTUO & WONG,
2003). Os resultados destes estudos revelam que mulheres com maiores níveis de escolaridade
iniciam sua vida reprodutiva mais tarde do que aquelas com menor escolaridade. As
evidências acumuladas a partir dos resultados encontrados por estes trabalhos apontam para a
importância dos investimentos na área da educação e para a continuidade de estudos que
analisem o papel da escolaridade sobre o comportamento reprodutivo e seus resultados.
Embora os resultados destes estudos sejam de extrema importância, eles não fornecem
nenhuma pista a respeito de como as mulheres, as grandes envolvidas neste processo,
percebem esta relação.
Com isto em mente, este item pretende analisar a visão que mulheres de diferentes
grupos apresentam sobre a ligação entre o nascimento do primeiro filho e vida escolar. Existe
uma percepção prevalecente a respeito da relação entre idade da mulher ao nascimento do
primeiro filho e escolaridade? Se existe, esta percepção é similar ou diferente entre as
mulheres de distintas coortes de idade, escolaridade e raça/cor? As falas a seguir são
analisadas com o intuito de responder estas questões.
7.3.1 Negra, 20 a 24 anos, baixa escolaridade
Para as jovens negras de baixa escolaridade, o nascimento do primeiro filho tem
conseqüências negativas sobre os estudos. Segundo elas, caso a mulher não tenha o apoio da
família para continuar estudando, ela dificilmente conseguirá terminar seus estudos. As falas
das participantes são bastante elucidativas neste sentido.
P3: Eu acho que atrapalha...
P2: Eu não tinha namorado, nem nada. Eu tava com meus dois meninos, eu
voltei a estudá. Eu não consegui terminá por causa da minha vó. Porque ela
mesmo falava: não fico com filho seu. Você não estudô quando não tinha
menino, agora, você quer inventá de estudá por causa da família. Mas, se ela
falasse: eu fico com seu filho, eu já tava formada.
P5: Mas, se a família não desse apoio, não tem como continuar.
214
P4: É! Mas não tendo esse apoio dos pais, ficaria quase impossível, ela ia
que precisá de terceiro, de fora, vim ajudá, ficaria quase impossível.
(Grupo 1, 20 a 24 anos, Baixa Escolaridade, Negra)
Na percepção destas jovens, o apoio da família é dado somente para aquelas que já
estão mais adiantadas na escola, que ainda são mais jovens e que nunca reprovaram de ano. É
interessante observar que, para este grupo, estar na 8
a
série do ensino fundamental significa
estar avançada em termos educacionais. A fala, a seguir, expressa esta situação..
P2: Depende também do grau de estudo que a pessoa tá quando engravida.
Se a pessoa tiver, vamô supô, quase formando na oitava, quase formando no
segundo grau, pode até tê o apoio da família. Mas, se estivé na quinta, sexta
série, se já tivé levado uma bomba, ah! Agora que ocê engravidô, que ocê
num termina mesmo. Aí ninguém apoia. Depende também o grau de estudo
que a pessoa tá. Depende da idade, cê entendeu?
(Grupo 1, 20 a 24 anos, Baixa Escolaridade, Negra
Uma das falas de uma jovem negra de baixa escolaridade, apresentada a seguir, retrata
muito claramente o que acontece com um número muito grande de jovens que têm seu
primeiro filho e ainda não concluíram sua formação escolar.
P4: Depois que eu fiquei mãe eu casei. Aí depois que eu fiquei mãe eu
passei a trabalhar em casa e casei. Estudar foi uma coisa que pra mim... não
existe.
(Grupo 1, 20 a 24 anos, Baixa Escolaridade, Negra)
7.3.2 Negra, 20 a 24 anos, alta escolaridade
Segundo as jovens negras de alta escolaridade, nem todas as mulheres que têm filho
precisam interromper os estudos. Algumas adiam, enquanto outras procuram conciliar os
papéis de mãe e de estudante e, apesar das dificuldades, finalizam sua formação.
P21: Mas, eu acho que até lá a gente tem muito amadurecimento. Filho é
aquela responsabilidade, abdicação. Eu vejo pela minha irmã hoje que ela
215
tem... uma neném que tá com um ano e meio. Ela tá terminando a faculdade
agora, eu vejo a dificuldade dela em conciliar isso tudo com a criança.
(Grupo 4, 20 a 24 anos, Alta Escolaridade, Negra)
Muitas jovens negras e de alta escolaridade acreditam que voltar a estudar nem sempre
é fácil, ou possível. Quando a jovem tem um companheiro que aceita que ela recomece os
estudos e a auxilia, o retorno à vida escolar pode ser mais fácil. A fala a seguir retrata esta
situação.
P22: Adiar...Eu vi um fato desse acontecer perto de mim. Uma adolescente
que tinha um sonho desde de criança de entrar na universidade. Ela teve que
adiar esse sonho porque, assim que ela formô [no ensino médio], acho que
aos dezenove anos, ela ficou grávida. Aí, ela prejudicou tudo, porque ela
teve que parar. E ela só foi voltar pensar na faculdade quando a filha já tava
mais... velha. Ela arrumou um rapaz que assumiu ela e a filha, e aceitou ela
voltar [a estudar] mas, até hoje ela ainda não conseguiu entrar na faculdade.
Ainda tá tentando vestibular, naquela dificuldade toda. Mas, ela ainda
acredita. Ela quer fazer a faculdade dela.
(Grupo 4, 20 a 24 anos, Alta Escolaridade, Negra)
Os itens a seguir apresentam a visão das jovens brancas de baixa e alta escolaridade a
respeito da relação entre estudos e maternidade.
7.3.3 Branca, 20 a 24 anos, baixa escolaridade
Para as jovens brancas de baixa escolaridade, é muito difícil conciliar a vida escolar
com a de mãe. Primeiro, porque o esforço requerido para levar os dois papéis de maneira
conjunta é considerado muito exaustivo, particularmente quando o companheiro também não
concluiu os estudos e precisa trabalhar para sustentar a família. Segundo, porque nem sempre
é possível contar com a ajuda de uma terceira pessoa para auxiliar a cuidar da criança sem
algum custo financeiro. Dispor de recursos financeiros para pagar pelos cuidados da criança
geralmente não é uma alternativa viável para estas jovens, que normalmente se vêm forçadas
a interromper a vida escolar para assumir os cuidados com o filho. O diálogo, a seguir, mostra
o que as jovens brancas de baixa escolaridade pensam sobre a relação entre estudos e
216
maternidade. Tomando este grupo com exemplo, é importante pensar na quantidade de
crianças que, provavelmente, são filhas de jovens.
P93: Muito difícil.
P92: Eu parei. Eu tava estudando e tava ficando muito difícil. Tava eu e meu
marido estudando...
P92: Vai ficando pesado, né?
P95: A minha mãe tomava conta dos meus dois meninos. E a minha irmã
também tava estudando, minha mãe tomava conta dos três. Aí juntava os
meus dois, os três da minha irmã, cinco. Com mais dois do meu irmão que
ela cria, então, ficava aquela meninada. Eu chegava da escola, ela falava que
tava passando mal. Não tem como pagá, eu tive que pará de estudá.
P94: Eu estudo. Eu fiquei cinco anos sem estudá. Eu tinha casado, né? Eu
peguei e parei, né? Eu separei e voltei a estudá. Aí, a minha mãe fica com o
meu menino.
(Grupo 15, 20 a 24 anos, Baixa Escolaridade, Branca)
Um sentimento de amargura e arrependimento, pelo fato de não poderem continuar
seus estudos, perpassa as falas das jovens brancas de baixa escolaridade. Segundo elas, hoje
em dia percebem o quanto foram precipitadas em seu comportamento sexual e reprodutivo. A
fala abaixo é clara neste sentido.
P93: Se tivesse... eu acho assim, se tivesse estudado, agora eu poderia tá
trabalhando. Agora que eu deveria tá pensando em namoro. Mas, como
aconteceu tudo mais cedo, agora que eu penso em estudá já fica mais difícil
porque, você entra na aula, igual eu tenho que entrá na aula eu tenho que
pensá nos meninos. Se eu não tivesse filho já não teria esse problema. Agora
que era pra mim tá namorando. Eu acho que fui muito apressada.
(Grupo 15, 20 a 24 anos, Baixa Escolaridade, Branca)
Os diálogos apresentados sugerem que, entre as jovens brancas de baixa escolaridade,
parar de estudar é a norma quando a mulher tem seu primeiro filho. Elas reconhecem,
contudo, que esta atitude tem conseqüências futuras. Por não terem um certo nível de
escolaridade, elas percebem que perdem espaço no mercado de trabalho e ficam satisfeitas
217
quando conseguem arranjar um emprego que garanta, ao menos, a satisfação de algumas das
necessidades básicas da família. Pelo que sugerem os diálogos, muitas jovens enfrentam a
dura realidade de deixar a escola para assumir uma atividade remunerada no mercado de
trabalho. Mas, existem muitas que não contam com nenhuma ajuda nos cuidados com a
criança e, para estas, muitas vezes nem mesmo o trabalho fora de casa é possível .O diálogo
abaixo ilustra estas questões.
P101: Aí, deixa de estudá, né?
P103: Deixa de estuda e vai passando os anos, aí ocê fica mais velha, aí ocê
num consegue um emprego, você vai perdendo espaço e habilidade. Aí,
você pode desistir.
P100: Se tivê um emprego, pelo menos tá bom, né?
P99: É. Já ajuda, né? Mas, e quando não tem ele, e não tem o apoio da
família, não tem ninguém? Só você e o menino.
P102: Num dá pra estudá e trabalhá. Tem que abri mão das coisas.
P101: Tem que abri mão do estudo, porque não consegue vivê sem
trabalho...
P102: O ganha-pão não tem jeito.
P103: O menino também precisa de comê. Você tem que arrumá um
emprego antes de ficá velho...
(Grupo 16, 20 a 24 anos, Baixa Escolaridade, Branca)
7.3.4 Branca, 20 a 24 anos, alta escolaridade
As brancas de alta escolaridade ressaltam que conciliar a vida acadêmica com a
maternidade não é uma tarefa fácil, particularmente, para aquelas mulheres que não possuem
uma situação estável mais definida e dependem dos pais para se manterem. Segundo elas, ao
ter um filho, a mulher precisa ter em mente que nem sempre os pais - avós da criança -
estarão disponíveis para ajudar e, mesmo que estivessem, a mãe não pode transferir as
responsabilidades da criança para eles. Assim, precisam organizar seu tempo e atividades para
poder conjugar os papéis de estudante, trabalhadora e mãe. As falas, abaixo, expressam estas
percepções.
218
P50: Impossível não é, né? Porque tem muita gente que tem filho e estuda...
P53: Mas é complicado.
P54: É difícil, ainda mais difícil quando você não tem uma estabilidade
financeira. Você tem que correr atrás.
P56: Você ainda depende dos seus pais...
P50: Precisa tê um tempo pra trabalhar, pra estudar, e ainda tem que tê
tempo para o filho, que a gente não pode, simplesmente, entregar na mão de
alguém pra cuidar pra você.
P53: E ainda tem o problema financeiro pra lidar com isso tudo.
P51: Você não pode pagá uma babá pra te ajudá. As vezes os seus pais não
podem ficá lá vinte e quatro horas por dia cuidando dele.
P52: E mesmo se tivesse, é uma transferência de responsabilidade.
(Grupo 9, 20 a 24 anos, Alta Escolaridade, Branca)
Os itens a seguir apresentam as percepções que mulheres brancas e negras, de baixa e
alta escolaridade, entre 50 e 59 anos, possuem a respeito da relação entre estudos e
nascimento do primeiro filho. O primeiro apresenta a visão das negras de baixa escolaridade.
7.3.5 Negra, 50 a 59 anos, baixa escolaridade
Na percepção das mulheres mais velhas, negras e de baixa escolaridade, as jovens que
têm um filho, caso ainda não tenham concluído a escola, geralmente deixam de estudar com o
nascimento da criança e, certamente, segundo elas, irão se arrepender posteriormente, já que,
atualmente, quem não estuda tem oportunidades limitadas na vida. Para elas, os estudos
deveriam ser, sempre, uma prioridade na vida das jovens de hoje.
P16: Muitas deixam de estudar.
P17: Para de estudar.
P17: Vão arrependé
P18: Vão arrependé de não tê estudado. Hoje, estudo tem que tá em
primeiro lugar.
219
(Grupo 3, 50 a 59 anos, Baixa Escolaridade, Negra)
7.3.6 Negra, 50 a 59 anos, alta escolaridade
Para as mulheres negras de alta escolaridade, ao ter o primeiro filho, a jovem acaba
interrompendo os estudos para cuidar da criança, particularmente se ela não tem um
companheiro para ajudá-la. Para estas mulheres, a jovem que engravida deve assumir
completamente a responsabilidade pelos seus atos, e isto inclui é cuidar integralmente do
filho. Para elas, as avós não devem tomar para si a tarefa de cuidar dos netos, pois geralmente
já têm suas próprias atividades para fazer.
P107: Eu acho que a jovem que fica solteira, que fica sozinha pra cuidar do
filho, essa tem mais é que largar, né [os estudos].
P104: Por que é um problema...enquanto o bebê tá dentro da barriga, ok, vai
pra aulas. E depois?
P106: É...deixa com quem? A mãe, que já tem uma carga enorme de
tarefas? Não mesmo...
(Grupo 17, 50 a 59 anos, Alta Escolaridade, Negra)
Após ter apresentado as falas das mulheres negras mais velhas, de baixa e alta
escolaridade, a respeito da relação entre estudos e nascimento do primeiro filho, os itens
seguintes apresentam as falas das mulheres brancas, mais velhas, de baixa e alta escolaridade.
A primeira delas mostra a visão das mulheres brancas de baixa escolaridade.
7.3.7 Branca, 50 a 59 anos, baixa escolaridade
Na percepção das mulheres brancas, mais velhas e de baixa escolaridade, a jovem que
tem seu primeiro filho deixa de estudar. Porém, para elas, esta saída da escola é apenas
temporária. Na concepção destas mulheres brancas mais velhas, assim que a criança cresce,
ou que a mãe encontra alguém para tomar conta do bebê, ela retorna para escola. O diálogo, a
seguir, mostra esta percepção.
P40: A primeira coisa é sair da escola (risos).
220
P41: Pará de estudá.
P43: Quer dizê, deixa pra estudá depois.
(Grupo 7, 50 a 59 anos, Baixa Escolaridade, Branca)
Vale observar que, embora estas participantes acreditem que a mulher retorna aos
estudos quando encontra alguém para tomar conta do filho, elas não explicam como as jovens
irão pagar pelos serviços de cuidados com a criança - uma dificuldade tão enfatizada nas falas
das participantes mais jovens. Além disto, elas não mencionam como percebem o papel da
avós neste contexto.
7.3.8 Branca, 50 a 59 anos, alta escolaridade
As brancas mais velhas e de alta escolaridade acreditem que conciliar a vida escolar
com a maternidade é um grande desafio para as jovens que têm um filho antes de concluírem
seus estudos. Na concepção das participantes deste grupo, uma jovem nesta situação precisa
ter muita força de vontade para seguir adiante e finalizar a escola. Para elas, diferente das
negras de alta escolaridade, o nascimento de um filho enquanto a jovem ainda estuda não é
um problema exclusivo da menina, mas sim da família como um todo, a qual deverá colaborar
para que a jovem possa concluir sua formação escolar e, assim, conseguir uma posição melhor
na vida. O diálogo a seguir reflete estas idéias.
P68: Eu acho que é um grande desafio. Ela precisa querer muito. Ela precisa
ter condições, porque aí, a prioridade dela nesse aspecto é o quê? É o filho.
Ele tem que ter prioridade.
P70: Enfim, o problema não é só dela, é da família também.
P71: É da família também, que precisa ajudar.
P72: Claro é da família toda. A família toda tem que colaborar.
(Grupo 11, 50 a 59 anos, Alta Escolaridade, Branca)
7.3.9 Síntese
Em resumo, na concepção das mulheres mais jovens, o nascimento do primeiro filho
geralmente afeta a trajetória escolar de maneira negativa. Conjugar estudos e maternidade é
221
considerada uma missão bastante difícil pela maioria das participantes, independente de
raça/cor ou escolaridade. Apesar disto, é possível verificar que as negras mais escolarizadas
não percebem esta tarefa como impossível. Para elas, nem todas as jovens que têm um filho
precisam deixar a escola, no máximo, elas têm que adiar sua vida escolar. Uma possível
explicação para esta visão, é que estas jovens têm uma situação financeira melhor -
normalmente em função da ajuda familiar. Por terem uma situação mais estruturada, têm
condições de pagar para alguém cuidar do filho enquanto estudam. Além destes aspectos, as
jovens negras e de alta escolaridade acreditam que ajuda do companheiro também facilita o
retorno à escola. Para as negras de baixa escolaridade, por outro lado, deixar de estudar é a
estratégia mais adotada pelas mulheres depois que elas têm o primeiro filho, particularmente
se não contam com o apoio da família para conciliar as atividades da maternidade com as da
escola. O apoio da família, de acordo com estas jovens, está condicionado à série em que a
mulher se encontra quando fica grávida. As mais adiantadas - entenda-se 8
a
série do ensino
médio - são as que têm mais chances de ter o apoio da família.
Para as jovens brancas e de baixa escolaridade, depois do nascimento do primeiro
filho, as tentativas que uma mulher faz para continuar estudando, geralmente, não são bem
sucedidas. Isto acontece porque a carga de atividades passa a ser muito pesada e porque,
normalmente, não podem manter alguém para cuidar da criança enquanto estuda. Estas
participantes ressaltam que, deixar a escola, repercute nas oportunidades que encontram no
mercado de trabalho. Na verdade, para estas jovens, interromper os estudos significa perder
espaço no mercado de trabalho, já tão competitivo e difícil. As jovens brancas e de alta
escolaridade, embora também acreditem que é difícil conciliar o papel de mãe com o de
estudante, particularmente se o companheiro também estuda, enfatizam que, se a mulher
souber organizar suas atividades, não precisará interromper os estudos. Elas ressaltam,
também, que a jovem que se torna mãe não devem esperar que os pais assumam os cuidados
com a criança que é dela.
Para as mulheres negras de alta escolaridade, da corte mais velha, uma jovem que se
torna mãe antes de concluir seus estudos deve interromper a escola para assumir,
integralmente, as responsabilidades geradas pelo nascimento da criança. Já as negras de baixa
escolaridade acreditam que as jovens param de estudar por necessidade, pois não têm
condições de pagar alguém para tomar conta da criança enquanto estudam. Estas mulheres
enfatizam que, mais tarde, as jovens geralmente se arrependem por terem deixado de estudar.
222
Para as mulheres brancas e de baixa escolaridade, da coorte mais velha, a parada dos
estudos deve ser uma situação vista apenas como temporária. Para elas, assim que podem, as
jovens retornam aos estudos. Para isto acontecer, basta que encontrem alguém que possa
cuidar da criança enquanto estudam. As brancas mais velhas e de alta escolaridade acreditam
que é muito difícil para uma jovem conciliar todas as obrigações impostas pela maternidade
com as exigidas pela vida escolar. Para elas, a jovem precisa ter muita força de vontade e
determinação para não desistir de conquistar um nível de escolaridade mais elevado. Para isto,
precisa contar com a ajuda da família.
O item a seguir apresenta a percepção que as participantes possuem acerca da relação
entre participação no mercado de trabalho e maternidade.
7.4 O trabalho
A preocupação final deste capítulo está voltada para a análise da percepção que as
mulheres apresentam sobre a relação entre maternidade e participação feminina no mercado
de trabalho. Além de ter sido uma questão bastante enfatizada pelas participantes dos grupos
focais, a relação entre nascimento do primeiro filho e participação no mercado de trabalho é
alvo de diversos estudos. Recentemente, por exemplo, utilizando dados provenientes da
Pesquisa sobre Padrões de Vida 1996/1997 (PPV), OLIVEIRA & RIOS-NETO (2004)
encontram que a entrada no mercado de trabalho, por jovens brasileiras, ocorre bastante cedo.
De acordo com os resultados dos autores, a mulher brasileira, geralmente, entra no mercado
de trabalho e, quase simultaneamente, deixa a escola. Somente algum tempo depois, ela tem
seu primeiro filho. Embora estes autores, e alguns outros (STUPP & CÁCERES, 2001),
investiguem a relação entre nascimento do primeiro filho e participação no mercado de
trabalho, seus estudos não abordam como as mulheres percebem tal relação e qual o impacto
que possui em suas vidas. Considerando a importância do trabalho na vida dos indivíduos,
particularmente daqueles que estabelecem uma família, este item explora a visão que as
mulheres possuem acerca da relação entre participação no mercado de trabalho e maternidade.
7.4.1 Negra, 20 a 24 anos, baixa escolaridade
Na percepção das jovens negras de baixa escolaridade, ao terem o primeiro filho as
mulheres enfrentam mais dificuldades para participar do mercado de trabalho. Isto acontece
porque é difícil encontrar alguém para cuidar da criança e, quando encontram, o que ganham
223
geralmente não é suficiente para pagar pelo serviço. Além disto, muitas acreditam que não
compensa sair de casa para ganhar o salário oferecido.
Vale lembrar que a dificuldade financeira para pagar pelos serviços de cuidados com a
criança já foi mencionada anteriormente. Ela foi apontada como um dos grandes problemas
para que as jovens continuem a estudar depois que têm um filho. O diálogo a seguir mostra
como ela afeta a possibilidade de trabalho.
P3: Atrapalha.
M: Atrapalha no que?
P3: Ah! Sair... se você for trabalhar você... nem sempre tem uma pessoa que
pode olhar. Você tem que ter uma pessoa cuidando da criança pra você
trabalhar, cê tem que pagar pra pessoa poder olhar. É muito difícil ter
menino e trabalhar. O salário, às vezes não compensa.
(Grupo 1, 20 a 24 anos, Baixa Escolaridade, Negra)
Além da questão de terem que encontrar alguém para cuidar do filho e de receberem
salários insuficientes para garantir o atendimento da criança enquanto trabalham, muitas
jovens ressaltam que, outro grande problema que mulheres que têm filhos enfrentam no
mercado de trabalho, é o de permanência no emprego. Segundo elas, muitos empregadores
não gostam de ter mulheres com filhos em seus quadros funcionais e, aguardam apenas o
período imposto pela lei para demitirem a funcionária que teve o filho. O diálogo a seguir
expressa estas questões.
P6: É mais difícil ainda. (risos)
P4: É! eu conheço um caso, que pelo menos que ela trabalhava, engravidô,
aí... deu o tempo certinho, quando ela voltô depois de dois meses ela foi...
demitida. A maioria demite.
P3: Tem muitas que ficam desempregada com o filho dentro de casa,
pronto!
P2: Tem mulher que precisa trabalhá pra pô dinheiro dentro de casa.
(Grupo 1, 20 a 24 anos, Baixa Escolaridade, Negra)
224
Embora muitas jovens negras de baixa escolaridade acreditem que a demissão da
mulher é praticamente certa após o nascimento do filho, outras argumentam que, se a
qualidade do trabalho da funcionária é reconhecida pelos empregadores e se ela possui o
apoio da família para conciliar os papéis de mãe e trabalhadora, é mais fácil permanecer no
mercado de trabalho. Por outro lado, se a seqüência dos eventos for engravidar, ter o filho e
procurar emprego, a situação se torna muito complicada para a mulher. Dificilmente será
aceita por algum empregador.
P2: Se tivé, vamô supor, já trabalhando, e a firma não manda embora,
porque é boa e tem o apoio de continuá trabalhando e a família ajudando a
criá porque já está trabalhano...aí é uma coisa. Mas, depois que a pessoa
engravida, não, grávida não tem como arranjá emprego. Depois que a
criança nasce pra arranjá emprego... é muito difícil. Muito difícil. Depende
assim... onde a pessoa tá, né.
(Grupo 1, 20 a 24 anos, Baixa Escolaridade, Negra)
Ao analisarem as transições dos jovens para o mercado de trabalho e para a
maternidade, com base nos dados da PPV 1996/1997, OLIVEIRA & RIOS-NETO (2004)
concluem que, no Brasil, entre as mulheres jovens, a entrada para o mercado de trabalho
antecede o nascimento do primeiro filho. Embora os resultados do estudo revelem que estas
transições não são simultâneas, eles mostram que elas acontecem relativamente cedo para as
mulheres. De acordo com os autores, a idade mediana de inserção feminina em atividade
econômica é de 15,7 anos. Considerando que a qualificação de uma jovem nesta idade ainda é
bastante limitada, é possível pensar que suas habilidades de trabalho, e não o nascimento do
filho, é que, de fato, podem ser a verdadeira razão de sua dificuldade para encontrar e/ou
permanecer no trabalho.
Segundo as jovens negras e de baixa escolaridade, quando a mulher tem um filho
sozinha ela necessariamente precisa trabalhar para se manter. Precisar entrar no mercado de
trabalho por necessidade financeira, apesar de melhorar as condições de vida da mulher -
embora não necessariamente - pode implicar no sacrifício de atividades valorizadas por ela e
consideradas como, teoricamente, prazerosas, tal como permanecer em casa e cuidar de seus
filhos (POTTER, 1996). Assim, em muitos casos, no momento em que a mulher encontra um
companheiro que a aceite com o(s) filho(s) que já tem, deixar de trabalhar para cuidar da
225
criança pode emergir como o maior projeto de vida. A fala de uma das participantes,
apresentada a seguir, é incisiva neste sentido.
P2: E eu passei duas gravidez sozinha. E, eu sô loca pra te um filho assim,
com um home do lado, né? Aí... se eu tenho mais um, eu nem trabalho
mesmo, só cuido deles. Só vô sai de casa se precisá, né?
(Grupo 1, 20 a 24 anos, Baixa Escolaridade, Negra)
Vale ressaltar que esta fala sugere que o casamento, de certa forma, “resolve os
problemas” advindos da maternidade e, muito embora no capítulo anterior as jovens tivessem
enfatizado que não é necessário casar em caso de gravidez, aqui deixam transparecer que o
casamento pode auxiliar na solução de alguns problemas, ou dificuldades, que surgem em
decorrência da maternidade.
7.4.2 Negra, 20 a 24 anos, alta escolaridade
Na visão das negras de alta escolaridade, entre 20 e 24 anos, quando se trata do
mercado de trabalho, a situação de uma mulher que tem filho, em relação a uma que não tem,
é bastante distinta. Para elas, as oportunidades de trabalho aparecem para ambas, entretanto, a
jovem que tem um filho precisa ser muito mais cautelosa nas suas escolhas e decisões em
relação a emprego. Na concepção destas participantes, ela precisa considerar que tem um filho
para cuidar e, ao escolher um trabalho, deverá avaliar o tempo disponível que terá para cuidar
e dar atenção à criança. Segundo sugerem as falas destas participantes, um filho exerce uma
influência bastante expressiva na carreira profissional da mulher.
P19: Eu creio que sim. Infelizmente tudo que acontece é diferente pra quem
tem filho e quem não tem. Por exemplo, se aparece uma oportunidade de
emprego para ela lá não sei aonde. Mas, se ela em um filho, tem uma
família, ela tem que pensar mil vezes antes de tomar qualquer decisão.
P20: Se ela vai assumir uma carga a mais de trabalho e estudo, ela tem que
pensar no tempo que ela tem que dispor para o filho dela. Isso porque os
filhos dependem muito da mãe... acho que influencia muito na carreira...o
fato de ter filho.
(Grupo 4, 20 a 24 anos, Alta Escolaridade, Negra)
226
Uma das falas expressa a importância do trabalho para a vida da mulher que tem um
filho. Segundo as jovens negras e de alta escolaridade, o trabalho amplia a possibilidade da
mulher poder cuidar do filho sozinha, sem ser depender financeiramente do marido ou da
família. Isto é particularmente importante, de acordo com estas jovens, no caso do
relacionamento com o companheiro não dê certo. O diálogo abaixo mostra esta percepção.
P20: Tem que ter um trabalho pelo menos para ter uma certa independência,
aquelas que desejam, né? De maneira que elas possam ter um filho, cuidar
do filho... dá uma condição melhor por elas mesmas. Não tem que está
dependendo de sua família, de um pai, ou alguém. Caso ela fique sozinha,
ela pode cuidar de tudo, com o pai, ou sem o pai. (risos).
(Grupo 4, 20 a 24 anos, Alta Escolaridade, Negra)
No próximo item, são apresentadas as percepções que as jovens brancas, de baixa
escolaridade, possuem sobre a relação entre trabalho e nascimento do primeiro filho.
7.4.3 Branca, 20 a 24 anos, baixa escolaridade
Para as brancas de baixa escolaridade, as jovens que decidem ir para o mercado de
trabalho enfrentam dois tipos de problemas depois que têm o seu filho. Primeiro, quando
encontram um trabalho, ele geralmente tem horários que dificultam sua permanência com a
criança. Segundo, como geralmente são trabalhos que não pagam muito, não podem contratar
alguém de confiança e capacitado para cuidar do filho. Nestes casos, muitas vezes, a criança
fica exposta a situações de violência. Os dois problemas fazem com que a jovem tenha que
deixar o mercado de trabalho, mesmo sabendo que enfrentará necessidades financeiras. O
diálogo abaixo apresenta estas questões.
P97: A gente fica com vontade de trabalhá. Só que você fica lá no serviço,
principalmente quando a criança é pequena, você tá lá trabalhando, você tá
pensando na criança. Mas tem que trabalhá, é necessidade de trabalhá.
P: Igual eu trabalhava, só que...a menina que tomava conta, ela espancava a
minha filha. Então, a gente fica assim inquieta, tive que abri mão do
trabalho pra cuida da minha filha. Então, eu larguei o serviço de lado e fui
cuidá dela. E ela tá em primeiro lugá pra mim.
227
P94: A gente tem que fazê uma escolha dura, né? Muito difícil. Quem que
vai deixá os filhos jogado pra podê trabalhá? Nenhuma mãe ia fazê isso.
P: Eu mesma consegui um serviço ontem. Hoje eu fui falá que eu não queria
porque era de segunda a segunda. Eu falei: não! Eu tenho a minha filha, ela
só tem dois anos é muito pequena, né? Então, eu num... eu particularmente
eu quero que ela seja criada por mim, não por minha mãe... pela minha tia.
Elas tiveram o jeito delas criá e eu tenho o meu. E eu quero que a minha
filha seja criada com o meu jeito, com o meu sistema.
(Grupo 15, 20 a 24 anos, Baixa Escolaridade, Branca)
Adicionalmente, as jovens brancas e de baixa escolaridade, também acreditam que,
quando a mulher permanece morando com os pais, e estes aceitam cuidar da criança para que
ela trabalhe, a situação é mais fácil. Caso os pais não possam, ou não queiram cuidar da
criança, elas dizem que trabalhar se torna praticamente inviável. O diálogo a seguir é
elucidativo neste sentido.
P98: Eu acho que a vida fica muito complicado, né? Enquanto a criança tá...
pequena não tem como ela trabalhá. Aí, eu acho que ela passa muita
dificuldade. Se ela [a jovem] ainda ficá com a família, dá mais certo, por
que a família ajuda até a criança crescê, pra ela trabalhá. Agora, se os pais
não aceitá, aí fica muito difícil pra ela.
P100: Tem que pagá alguém pra olhá, né?
(Grupo 16, 20 a 24 anos, Baixa Escolaridade, Branca)
7.4.4 Branca, 20 a 24 anos, alta escolaridade
Para as jovens brancas de alta escolaridade, ser mulher e ter filhos são duas
características que afetam as oportunidades de contratação no mercado de trabalho. Embora
estas jovens acreditem que seja muito mais difícil encontrar trabalho depois da maternidade,
elas observam que isto não é impossível.
P51: Eu acho que trabalhar [com filho] é um pouco mais difícil, né?
Porque... nem sempre você consegue ser contratado. Já pelo fato de ser
mulher e poder ficar grávida, quanto mais... estando grávida, né?
P53: Eu acho que é mais difícil, mas, também nada que seja impossível.
228
(Grupo 9, 20 a 24 anos, Alta Escolaridade, Branca)
O item seguinte analisa as falas das mulheres da coorte entre 50 e 59 anos, a respeito
da relação entre participação feminina no mercado de trabalho e nascimento do primeiro filho.
7.4.5 Negra, 50 a 59 anos, baixa escolaridade
Para as negras de baixa escolaridade, entre 50 e 59 anos, as mulheres mais jovens, que
têm um filho, revelam muita independência quando ingressam no mercado de trabalho.
Durante a época em que tinham seus filhos pequenos, geralmente, permaneciam em casa e,
caso fosse necessário, partiam para o mercado de trabalho somente depois que os filhos já
estivessem “criados”. É importante lembrar, contudo, que, o fato de só retornarem ao mercado
do trabalho somente depois que os filhos já estavam mais velhos somente era possível porque
eram casadas e tinham quem sustentasse a casa, o que não é o caso de muitas jovens de hoje.
As falas abaixo ilustram esta questão.
P15: As moças de hoje vão trabalhá mesmo. Largam os filhos. Eu fui
trabalhá depois que o meu mais velho tinha quinze anos...
P14: Elas são independente, mesmo com filho.
P13: Elas não são depende igual a gente... Agora não, agora é diferente.
(Grupo 3, 50 a 59 anos, Baixa Escolaridade, Negra)
Embora as mulheres negras de baixa escolaridade, da coorte mais velha, acreditem que
a participação das jovens no mercado de trabalho reflita uma maior independência, ela
também sugere necessidade. Para elas, as jovens trabalham fora porque não querem depender
de outras pessoas, ou, como expresso nas falas apresentadas a seguir - viver de favor. Além
disto, as falas revela que estas mulheres percebem as dificuldades que uma jovem que têm um
filho, encontra para participar do mercado de trabalho. As falas, a seguir, ilustram esta
questão.
P16: Elas vai tê que trabalhá. Então, isso aí é o que dificulta muito.
P15: E tem que viver de favor, né? Porque, se elas não trabalham, né?
229
P18: Ou então, põe na creche ou então pede... pra podê olhá.
P16: Daí pagá também não dá não.
P14: Tudo o que ela ganha, ela vai pagá.
(Grupo 3, 50 a 59 anos, Baixa Escolaridade, Negra).
7.4.6 Negra, 50 a 59 anos, alta escolaridade
As negras mais velhas e de alta escolaridade, acreditam que o trabalho é necessário
para as mulheres que têm filho e, quando encontram trabalho, geralmente deixam os filhos
sob os cuidados das avós. É importante lembrar que estas mesmas participantes enfatizaram
que, quando uma jovem tem seu primeiro filho, ela deve deixar os estudos, caso não os tenha
concluído, para assumir as responsabilidades impostas pela maternidade. Segundo elas, as
avós não devem assumir o papel da mãe, cuidando da criança. As falas a seguir sugerem que
não existe tanta rigidez quando a questão refere-se à necessidade de trabalhar para sustentar o
filho.
P104: Muitas que têm filho precisam trabalhar...
P107: Eu tenho uma sobrinha que é o caso típico...ela engravidou, o rapaz
não assumiu a paternidade....ela estava fazendo cursinho, parou de estudar.
Ela teve que fazer concurso para trabalhar. Está trabalhando e deixa a
criança com a mãe.
(Grupo 17, 50 a 59 anos, Alta Escolaridade, Negra)
As falas das mulheres brancas são analisadas a seguir.
7.4.7 Branca, 50 a 59 anos, baixa escolaridade
Para as brancas de baixa escolaridade, da coorte de 50 a 59 anos, as mulheres de hoje,
que têm filhos e trabalham, levam uma vida “normal”. O companheiro ou o marido, segundo
a visão destas participantes, desempenha um papel fundamental neste contexto,
compartilhando com a esposa as atividades domésticas e a auxiliando no dia a dia. Nas
palavras destas participantes, a mulher que trabalha e cuida dos filhos “não tá curtindo
escravidão...ela tá trabalhando, ela tem a vida dela”.
230
P42: Eu acho que a vida da mulher que tem filho e trabalha, ela leva a vida
normal.... Ela sai pra trabalhá e o marido toma conta dos filhos. Se tem que
tomá banho, ele dá, ele esquenta a comida, vai pro tanque lavá roupa. Ela
chega e faz a janta e o almoço do outro dia. Cada filho tem uma obrigação:
arruma cozinha, estende as camas. Ela tá levando a vida numa boa. Tá
entendendo? Ela não tá curtindo escravidão, que ele chega e ajuda. Ela tá
trabalhando, quer dizer, ela tem a vida dela.
(Grupo 7, 50 a 59 anos, Baixa Escolaridade, Branca)
7.4.8 Branca, 50 a 59 anos, alta escolaridade
Para as mulheres brancas de alta escolaridade, atualmente, a seqüência de eventos na
vida das jovens não segue o caminho tradicional. Segundo elas, hoje em dia é possível
observar que um grande número de jovens primeiramente engravida e, depois pensa em
arrumar uma posição no mercado de trabalho. Esta decisão de trabalhar acontece, geralmente,
em função do aumento dos gastos que a família têm para criar o filho.
P67: Hoje, muitas vezes, primeiro arranja a barriga e depois fala assim:
agora, eu preciso arrumar emprego.
(Grupo 11, 50 a 59 anos, Alta Escolaridade, Branca)
Algumas mulheres de alta escolaridade enfatizam que os atuais projetos do governo,
de auxílio financeiro para as famílias de classes econômicas menos abastadas, influenciam a
postura das jovens, particularmente de adolescentes, em relação à maternidade. Como sugere
a fala de uma das participantes, elas acreditam que muitas jovens têm filhos apenas para
receber o auxílio financeiro fornecido por estes programas e não querem trabalhar.
P68: Agora...eu acho que com esse programas do governo, bolsa-escola e
tudo, muitos adolescentes estão tendo filho justamente para garantir um
salário, sabe?
(Grupo 11, 50 a 59 anos, Alta Escolaridade, Branca)
231
Após ter apresentado a visão que diferentes grupos de mulheres de Belo Horizonte
apresentam a respeito da relação entre participação feminina no mercado de trabalho e
nascimento do primeiro filho, o item a seguir sintetiza as questões discutidos neste capítulo.
7.4.9 Síntese
Em resumo, para as jovens negras, a maternidade é sempre um obstáculo a mais a ser
enfrentado quando partem para o mercado de trabalho. Para as de baixa escolaridade, o fato
de não terem condições de pagar para que alguém cuide da criança é considerado um grande
problema. Aliado a esta questão, as jovens negras percebem que as chefias não são favoráveis
a contratação de mulheres com filhos. Em alguns momentos, as falas destas jovens deixam
transparecer que o casamento é capaz de resolver o dilema das jovens que têm filhos. Já as
jovens negras e de alta escolaridade acreditam que, embora as ofertas de trabalho apareçam, a
mulher que tem filho deve avaliar como sua entrada no mercado afetará o tempo livre que terá
com a criança. Na percepção destas jovens, trabalhar significa ter independência dos pais e
também a possibilidade de criar o filho sozinha, caso o relacionamento não dê certo.
Para as jovens brancas de baixa escolaridade, a participação no mercado de trabalho
também não é considerada fácil. Segundo estas jovens, quando conseguem encontrar trabalho,
a jornada é tão grande que não permite que tenham tempo disponível para a criança. Como os
empregos que conseguem, geralmente, não são bem remunerados, elas alegam que é muito
mais fácil permanecer em casa e atender do filho. Quando os pais auxiliam nos cuidados com
a criança, estas jovens acreditam que tudo se torna mais fácil. Para as jovens brancas e de alta
escolaridade, o simples fato de ser mulher já complica a atuação no mercado de trabalho, pior
ainda quando ela tem filhos.
As mulheres da coorte mais velha acreditam, de uma maneira geral, que as jovens que
têm um filho precisam trabalhar. Para as negras mais velhas e de baixa escolaridade, o
trabalho significa a independência da mulher. Para as de alta escolaridade, é uma necessidade.
As brancas de baixa escolaridade enfatizam que, hoje em dia, a mulher que têm um filho e
trabalha fora, conta com a ajuda do companheiro e isto faz com que ela não se sinta como
uma escrava. Já as brancas de alta escolaridade percebem que, atualmente, existe uma
inversão na seqüência dos eventos: as jovens primeiro engravidam e depois saem para o
mercado de trabalho em busca de uma colocação. Esta seqüência dificulta a entrada no
mercado de trabalho.
232
De uma maneira geral, os achados deste capítulo permitem dizer que, embora o
mercado de trabalho venha se apresentando como um espaço conquistado pelas mulheres ao
longo do tempo e as tornem mais independentes, ele ainda tem muitos obstáculos que
precisam ser ultrapassados. Um exemplo pode ser as chefias que se mostram reticentes quanto
à participação de mulheres, particularmente daquelas que têm filhos, para ocupar postos em
seus estabelecimentos.
Após esta síntese, o item a seguir reúne os aspectos mais importantes discutidos neste
capítulo e oferece algumas considerações gerais sobre o tema.
7.5 Considerações finais
Neste capítulo foram analisadas as normas, os valores e as atitudes das mulheres em
relação ao nascimento do primeiro filho. Três perguntas foram colocadas inicialmente e, aqui,
são respondidas de maneira sistematizada.
1) Existe uma idade considerada ideal, ou mais adequada para que a mulher tenha seu
primeiro filho?
Quanto a idade de nascimento do primeiro filho, a norma estabelece que ele não deve
acontecer depois que a mulher tem 30 anos. A idade mais baixa para que ele aconteça é
bastante controvertida, porém são as jovens negras e de baixa escolaridade que defendem as
menores idades para que uma mulher tenha seu primeiro filho - antes dos 20 anos. As jovens
negras de alta escolaridade acreditam que somente em torno dos 26 anos a mulher esta mais
preparada para ter o primeiro filho. As brancas de baixa e alta escolaridade concordam que é
importante para a mulher esperar mais para ter o primeiro filho e que s casais lancem mão do
planejamento familiar para colocar em práticas suas decisões a respeito de quando querem ter
um filho. É interessante observar que, embora as jovens brancas de baixa escolaridade tenham
argumentado a favor do planejamento familiar e acreditem que o ideal é que a mulher tenha
seu primeiro filho depois dos 22 anos, todas foram mães ainda na adolescência - em torno dos
16 anos.
Entre as mulheres da coorte mais velha existe um consenso de que a mulher deve
esperar para ter o primeiro filho. Também entre elas existe a percepção de que a mulher não
deve esperar além dos 30 anos. Para as brancas de baixa escolaridade, as jovens deveriam
esperar terminar a adolescência. Já para as brancas de alta escolaridade, somente depois dos
233
21 anos o corpo da mulher está preparado para a maternidade, contudo, o ideal seria que ela
esperasse até os 25 anos.
Entre as razões citadas pelas jovens para justificar o nascimento do primeiro filho mais
cedo estão: a disposição da mulher para cuidar de um filho quando está mais velha e a
dificuldade de engravidar. Para esperar mais para ter o primeiro filho estão, principalmente, a
estabilidade financeira, a estabilidade profissional, a maturidade e a importância de continuar
estudando.
2) Quais as mudanças as mulheres acreditam que o nascimento do primeiro filho traz
para suas vidas?
A necessidade de reformular os projetos e o aumento nas responsabilidades e
obrigações são as maiores mudanças que as mulheres acreditam que o nascimento do primeiro
filho traz às suas vidas. Entre as jovens negras e de baixa escolaridade, os sonhos que a
mulher possui geralmente são adiados quando ela tem um filho, pois ela precisa, antes de
tudo, manter a criança. Em função disto, elas acreditam que o ônus da maternidade é sempre
da mulher. Também para estas jovens, se o nascimento do filho acontece enquanto ela é
solteira, fica muito mais difícil encontrar um companheiro, pois os homens parecem ter receio
de ter que assumir responsabilidades financeiras com a criança. Para as jovens negras de alta
escolaridade, a maior mudança é em relação à responsabilidade, que passa a ser muito maior
quando a mulher tem um filho. Além disto, elas também acreditam que precisam reorganizar
os planos que tinham e, muitas vezes, perdem oportunidades por conta disto. Para elas, as
mudanças são diferentes para mulheres de diferentes classes sociais, pois as expectativas,
aspirações e projetos variam de uma classe para outra.
Para as jovens brancas, o amadurecimento, entendido como o desenvolvimento de
habilidades para cuidar da criança, é uma mudança primordial que acontece na da mulher
depois que ela tem um filho. Também para estas jovens, encontrar um companheiro passa a
ser um desafio, pois precisam tomar muito cuidado com a pessoa que passará a conviver de
maneira mais próxima com o filho. Este cuidado deve ser redobrado no caso de uma filha
mulher devido às várias histórias de abuso sexual de que têm conhecimento. Para as brancas
de alta escolaridade, a forma como utilizam o tempo disponível é uma das grandes mudanças
que um filho traz. Para elas, depois que a mulher tem um filho, precisa conciliar diversas
atividades de modo a ter tempo para ficar com a criança. Além disto, terá que lidar com
234
dificuldades financeiras e abrir mão de muitas coisas, tais como estudo e viagens. A liberdade
passa a ser mais limitada.
Para as mulheres da coorte mais velha, o nascimento do primeiro filho limita as
oportunidades e gera muitas obrigações e responsabilidades. As negras de baixa escolaridade,
entre 50 e 59 anos, acreditam que as jovens perdem a juventude, pois não podem mais sair,
estudar ou até mesmo trabalhar. Para as de alta escolaridade, o nascimento de um filho antes
dos 21 anos representa uma agressão ao corpo da jovem, e faz com que pule etapas de sua
vida e que suas oportunidades se tornem mais limitadas. As brancas de alta escolaridade
acreditam que é um choque para toda a família quando uma jovem engravida muito cedo, pois
os sonhos que a mãe tinha para ela terminam. Contudo, elas ressaltam que o nascimento de
um criança sempre traz mais felicidade para as pessoas. As brancas de baixa escolaridade não
comentaram esta questão.
3) Qual o impacto d o nascimento do primeiro filho sobre os estudos?
O impacto do nascimento do primeiro filho sobre os estudos foi bastante comentado nos
grupos focais. Existe um consenso de que o nascimento de uma criança interfere na
escolaridade daquelas jovens que ainda não concluíram seus estudos. As jovens negras de
baixa escolaridade acreditam que só é possível concluir os estudos com o apoio da família.
Porém, a ajuda da família só acontece nos casos em que a jovem já está mais adiantada - o
que significa estar na 8
a
série, ou além. Para as jovens de alta escolaridade, nem todas as
jovens precisam adiar os estudos em função do nascimento do primeiro filho. Quando contam
com a ajuda do companheiro, é mais fácil prosseguir e conciliar os papéis de mãe e de
estudante.
Para as jovens brancas de baixa escolaridade, conciliar o papel de mãe com o de
estudante é muito exaustivo e, por esta razão, muitas jovens interrompem os estudos quando
têm o primeiro filho. Para elas, pagar alguém para cuidar do filho, enquanto estudam, é algo
praticamente inviável em termos de custos financeiros. As brancas de alta escolaridade
também acreditam que conciliar estudo e maternidade não é uma tarefa fácil, é necessário
reorganizar as atividades para conciliar os papéis de mãe e de estudante. Para estas jovens, a
mãe deve assumir os cuidados com a criança e não tentar repassar a responsabilidade para a
família.
235
Entre as mulheres da geração mais velha, a interrupção dos estudos é praticamente certa
para as jovens que têm um filho e ainda estão na escola. Entre as negras, as de alta
escolaridade acreditam que a parada é obrigatória, pois a jovem deve assumir integralmente
os cuidados do filho. As negras de baixa escolaridade também acreditam que a interrupção
acontece e que isto é motivo de arrependimento mais tarde, quando as jovens se derem conta
das limitações existentes para as pessoas que tem pouco estudo.
Entre as brancas também existe um consenso de que é muito difícil conciliar estudos e
maternidade. As de baixa escolaridade enfatizam que a parada é temporária, pois as jovens
retornam quando encontram alguém para cuidar da criança. Já as de alta escolaridade
acreditam que, embora seja difícil conciliar estudos com criação de filho, a jovem não está
sozinha, toda família deve ajudar.
4) Qual o impacto do nascimento do primeiro filho sobre a participação no mercado
de trabalho?
Quanto à participação no mercado de trabalho, as jovens negras e de baixa
escolaridade acreditam que a mulher passa a enfrentar mais dificuldade para encontrar um
emprego depois que tem seu primeiro filho. Os principais motivos são o preconceito dos
chefes com mulheres que têm filhos e a dificuldade de pagar alguém para cuidar da criança.
Para estas jovens, o casamento às vezes é apontado como uma solução do dilema, pois o
homem passa a ser o provedor e as mulheres podem ficar em casa cuidando dos filhos. Já as
negras de alta escolaridade acreditam que depois que a mulher tem seu primeiro filho, elas
precisam ser mais seletivas na hora de escolher um trabalho. Segundo estas jovens, a mulher
tem que escolher um trabalho que lhe permita ter tempo para se dedicar à criança.
As brancas de baixa escolaridade ressaltam que é muito mais difícil, para uma mulher
que tem um filho, encontrar um trabalho. Quando encontram, são trabalho extremamente
exaustivos com jornadas muito longas que as impedem de ficar com a criança. Como,
geralmente, não têm condições de pagar, estas mulheres terminam saindo do mercado de
trabalho para se dedicarem aos filhos. Elas ressaltam que, quando a família ajuda, é mais fácil
sair para trabalhar. As jovens brancas enfatizam que, ao engravidarem, as jovens passam a ter
dois problemas para enfrentar no mercado de trabalho: o fato de serem mulheres e de terem
filhos.
236
Para as mulheres mais velhas, as mulheres que participam no mercado de trabalho são
mais independentes. Para as negras de baixa escolaridade, é muito importante que a jovem de
hoje trabalhe fora. Diferente da época em que eram mais novas, elas percebem que as jovens
de hoje não esperam os filhos crescerem para procurar emprego e, por começarem a trabalhar
mais cedo, não são dependentes dos maridos ou das famílias, como elas eram. Para as negras
de alta escolaridade, o trabalho para a mulher que tem um filho é uma necessidade hoje em
dia e, muitas jovens quando encontram um emprego deixam os filhos com as avós.
As mulheres brancas de baixa escolaridade acreditam que trabalhar fora, atualmente, é
um prazer para as mulheres, pois significa independência e, como compartilham mais as
coisas com os companheiros, não se sentem como escravas. Já para as brancas de alta
escolaridade, hoje em dia existe um problema na seqüência dos eventos - as jovens primeiro
ficam grávidas e depois pensam que precisam trabalhar para manter o filho. Isto é um
problema e pode dificultar a entrada no mercado de trabalho.
Enfim, este capítulo revela aspectos importantes sobre a percepção das mulheres
acerca do nascimento do primeiro filho. Em primeiro lugar, parece haver uma norma sobre a
idade de nascimento do primeiro filho que diz que a mulher não deve tê-lo depois dos 30
anos. Na verdade, 30 anos é o limite máximo aceitável para estas mulheres. Em segundo
lugar, embora muitas jovens defendam que o primeiro filho não deveria vir antes que a
mulher tivesse ao menos 20 anos, uma grande parcela delas teve o primeiro filho ainda na
adolescência. Esta situação foi bastante comum nos grupos de baixa escolaridade, onde foi
possível observar uma contradição entre a teoria e a prática. Entre as mulheres mais velhas
também foram constatadas situações similares. Uma possível explicação para este fato pode
estar na própria experiência das pessoas. Em outras palavras, depois de terem vivenciado a
maternidade na adolescência ou muito novas, as mulheres passaram a acreditar que ter o filho
mais tarde seria melhor.
Quanto aos estudos e a participação no mercado de trabalho, vale ressaltar que,
enquanto para as mulheres de alta escolaridade - possivelmente com uma melhor situação
socioeconômica - conciliar estudos, trabalho e maternidade parece ser algo bem mais viável,
para as de baixa escolaridade a dificuldade de pagar para que alguém cuido da criança
enquanto estuda ou trabalham é um dos maiores dilemas. Também é importante apontar que
estas mulheres nunca mencionam a possibilidade de deixar a criança em um estabelecimento
237
dedicado à educação infantil, mas sempre de deixar com alguém que oferece o serviço em
casa.
O capítulo seguinte apresenta as principais conclusões encontradas a partir da análise
dos dados utilizados neste estudo. Nele, são sintetizados os principais achados a respeito da
idade de iniciação sexual, de primeiro casamento e de nascimento do primeiro filho. Como
estes comportamentos podem estar ligados ao rejuvenescimento e à concentração da
fecundidade também é uma das questões avaliadas neste capítulo final. Antes do capítulo
final, porém, o QUA. 4 apresenta uma síntese dos resultados encontrados na análise
qualitativa.
238
Quadro 4 - Síntese dos resultados qualitativos - nascimento do primeiro filho, Belo Horizonte,
2002
GRUPOS TEMAS
Idade ao nascimento
do primeiro filho
Mudanças em função
do nascimento do
primeiro filho
Efeito do
nascimento do
primeiro filho sobre
os estudos
Efeito do
nascimento do
primeiro filho
sobre o trabalho
Negra, 20 a 24 anos,
Baixa escolaridade
Divergências.
Não esperar além
dos 20 anos.
Somente a partir
dos 23 anos.
Difícil encontrar
companheiro.
Assumem
responsabilidade.
Precisam trabalhar.
Efeitos negativos.
Tem que
interromper
estudo.
Dificulta:
Não tem quem
cuide.
Empregador
não gosta de
mulheres com
filhos.
Negra, 20 a 24 anos,
Alta escolaridade
Esperar.
Entre 26 e 30 anos
é ideal.
Situação
financeira e
maturidade.
Formação escolar.
Assumem
responsabilidade.
Precisam
reorganizar a vida.
Não podem mais
pensar só em si.
Efeitos negativos.
Conciliar papéis.
Adiar estudos.
Oportunidade
são iguais para
quem tem
filho e quem
não tem.
Branca, 20 a 24 anos,
Baixa escolaridade
Esperar.
Entre 28 e 30
anos.
Situação
financeira e
estudos
concluídos.
Precisam
amadurecer.
Não podem mais
pensar só em si;
Difícil encontrar
companheiro.
Efeitos negativos.
Difícil conciliar
papéis.
Geralmente para
de estudar.
Dificulta.
Não tem quem
cuide.
Ficam menos
tempo com a
criança.
Branca, 20 a 24 anos,
Alta escolaridade
Não deve esperar
muito.
Tem que ter
maturidade,
responsabilidade e
estabilidade
financeira.
Tempo dedicado ao
filho.
Conciliar tarefas.
Obstáculos
financeiros.
Não pensa só em si
Efeitos negativos.
Difícil conciliar
papéis.
Reorganizar
tempo e
atividades.
Dificulta mas
não
inviabiliza.
.
Continua...
239
Continuação.
GRUPOS TEMAS
Idade ao
nascimento do
primeiro filho
Mudanças em função
do nascimento do
primeiro filho
Efeito do
nascimento do
primeiro filho
sobre estudos
Efeito do
nascimento do
primeiro filho
sobre trabalho
Negra, 50 a 59 anos,
Baixa escolaridade
Esperar.
Perdem
oportunidades.
Pulam etapas.
Perdem juventude
e oportunidade.
Não podem sair,
trabalhar ou
estudar.
Dependem
financeiramente
de alguém.
Efeitos negativos.
Deixam de
estudar e as
oportunidades
ficam mais
limitadas por
isto.
Trabalho
passa a ser
necessidade.
Negra, 50 a 59 anos,
Alta escolaridade
Esperar.
Filho é problema
quando a mulher
é muito jovem.
Limitação nas
experiências de
vida.
Desorganiza a
seqüência dos
eventos.
Efeitos
negativos.
Deixam de
estudar.
Trabalho
passa a ser
necessidade.
Branca, 50 a 59 anos,
Baixa escolaridade
Esperar.
Maturidade,
responsabilidade.
Filhos muito
cedo fazem com
que pulem
etapas.
Não discutiram o
assunto.
Efeitos
negativos.
Deixam de
estudar.
Trabalho é
algo normal,
continua
como antes,
se tem ajuda
do marido.
Branca, 50 a 59 anos,
Alta escolaridade
Esperar.
Depois dos 21
anos.
Ideal é entre 25 e
30 anos.
Maturidade é
essencial.
Mudanças no
rumo da vida.
Representa mais
felicidade.
Efeitos
incertos.
Estudar passa
a ser um
desafio.
Trabalho
passa a ser
necessidade.
Fonte: Pesquisa própria, Belo Horizonte, 2003/2004.
240
8 CONCLUSÃO
Este trabalho apresentou um estudo sobre as idades à primeira relação sexual, ao
primeiro casamento e ao nascimento do primeiro filho, comparando duas coortes de mulheres
em Belo Horizonte. Eram dois os objetivos centrais. O primeiro verificou a existência de
diferenças no comportamento sexual, nupcial e reprodutivo de mulheres brancas e negras, de
duas coortes (20 e 29 anos e 50 e 59 anos) em Belo Horizonte, enfatizando as idades à
primeira relação sexual, ao primeiro casamento e ao nascimento do primeiro filho. O segundo
investigou a existência de diferenças nas normas e valores relativos a este comportamento,
quando as mulheres brancas e negras, de diferentes níveis de escolaridade e coortes de idade
(20 a 24 anos e 50 a 59 anos) fossem comparadas.
O desenvolvimento da análise quantitativa de alguns aspectos dos comportamentos
sexual, nupcial e reprodutivo de mulheres em Belo Horizonte se tornou possível devido à
disponibilidade de informações acerca das idades da primeira relação sexual, do primeiro
casamento e do nascimento do primeiro filho no banco de dados da pesquisa “Saúde
Reprodutiva, Sexualidade e Raça/Cor” (SRSR), realizada em 2002, pelo Cedeplar. Este banco
de dados contém informações detalhadas, recentes e representativas do município de Belo
Horizonte. A seleção de mulheres brancas e negras de duas coortes etárias, 20 a 29 anos e 50
a 59 anos, permite comparar os comportamentos de mulheres de diferentes gerações e grupos
de raça/cor.
A análise quantitativa foi baseada em dois aspectos. Primeiro, na descrição da sub-
amostra estudada, segundo coorte de idade, escolaridade, raça/cor, situação conjugal,
parturição e se o nascimento do primeiro filho ocorreu antes ou depois do casamento/união.
Segundo, na comparação de curvas de sobrevivência, obtidas por meio do estimador de
Kaplan-Meier. Estas curvas foram comparadas utilizando-se o teste de log-rank. Também
foram estimadas as idades medianas para os eventos de interesse. A sub-amostra estudada foi
composta por 521 mulheres, sendo que, destas, 355 (68%) tinham entre 20 e 29 anos e 166
(32%) tinham entre 50 e 59 anos. Na coorte mais jovem, 55% das mulheres se auto-
declararam negras e 45%, brancas. Na coorte mais velha, 48% disseram ser negras e 52%,
brancas.
Alguns resultados relevantes da análise quantitativa mostraram que existe uma
diferença de três anos na idade mediana de primeira relação sexual de uma coorte para a
241
outra. Enquanto que, para a coorte mais jovem, a idade mediana à primeira relação sexual é de
18 anos, para a coorte mais velha é de 21 anos. As curvas de sobrevivência obtidas para a
idade à primeira relação sexual mostram que a geração mais jovem iniciou a vida sexual mais
cedo e que as jovens brancas e negras têm um comportamento muito similar. Na coorte mais
velha, por outro lado, o início da vida sexual das brancas acontecia mais cedo. Este resultado
é coerente com o fato de que, para as mulheres da coorte mais velha, a iniciação sexual
geralmente coincidia com o casamento e as negras apresentavam, geralmente, maiores
dificuldades no mercado de casamento do que as brancas.
Quanto à idade ao primeiro casamento, os resultados indicaram que não há diferenças
expressivas entre as mulheres das duas coortes. A idade mediana deste evento permaneceu em
torno dos 23 anos. As curvas de sobrevivência mostraram que, na coorte mais jovem, as
negras se casam mais cedo do que as brancas. Uma possível explicação para este resultado
pode ser o fato das mulheres brancas apresentarem, em média, um nível de escolaridade mais
elevado do que as brancas, o que as leva a preferirem adiar o casamento. Em contrapartida, na
coorte mais velha, as brancas se casavam mais cedo.
Os resultados quantitativos acerca da idade da mulher ao nascimento do primeiro filho
revelaram que as mais jovens estão iniciando a maternidade ligeiramente mais cedo do que as
mais velhas. A idade mediana para a coorte mais jovem é de 24 anos, enquanto para a coorte
mais velha é de 24,7 anos. As curvas de sobrevivência mostraram que as jovens brancas e
negras têm um comportamento semelhante. Entretanto, as negras ainda iniciam a maternidade
um pouco mais cedo. Já na coorte mais velha, as curvas indicaram que, a partir dos 20 anos,
as brancas tinham o primeiro filho mais cedo do que as negras, pois se casavam antes delas.
A análise das parturições até os 19 anos apontou para a existência de uma diferença no
comportamento de jovens brancas e negras. Entre as brancas, 18% delas atingiu a parturição
de ordem um até os 19 anos e, entre as negras, 21%. Este resultado indica que as jovens
negras, em proporções mais elevadas do que as brancas, se tornam mães na adolescência. A
comparação das mulheres brancas das duas gerações mostrou que, enquanto 19% de jovens
chegou à parturição de ordem um até os 19 anos, somente 9% das mulheres da coorte mais
velha fizeram o mesmo. A comparação das negras de diferentes gerações também revelou
que, até os 19 anos, as mais jovens atingiram a parturição de ordem 1 em maiores proporções
do que as mais velhas. Enquanto 20,9% das negras da coorte mais jovem teve o primeiro filho
até os 19 anos, entre as negras da coorte mais velha somente 10,0% chegou à parturição de
242
ordem 1 até esta idade. A análise da parturição até os 24 anos mostrou diferenças ainda
maiores entre o comportamento das negras da geração mais jovem e mais velha. Enquanto
10,1% das mulheres negras da coorte mais velha atingiu a parturição de ordem 1 até os 24
anos, entre as negras mais jovens este percentual foi de 28,6%. Ou seja, os resultados
mostraram que as mulheres negras mais jovens têm filho mais cedo do que as mulheres negras
da geração mais velha.
Embora os resultados quantitativos tenham deixado evidente algumas diferenças
geracionais e de raça/cor nos aspectos investigados, as informações oferecidas não
conseguiram esclarecer muitas questões que surgiram ao longo da análise. Por exemplo, as
mulheres acreditam que existe uma idade ideal para a primeira relação sexual? E para o
primeiro casamento e nascimento do primeiro filho? Estas percepções variam de uma coorte
para a outra? Existe uma heterogeneidade socioeconômica na percepção destes aspectos? Por
fim, em face às exigências da vida moderna, como as mulheres percebem o nascimento do
primeiro filho? A busca por respostas para perguntas desta natureza motivou a realização dos
grupos focais.
No intuito de realizar uma abordagem mais ampla acerca de alguns aspectos do
comportamento sexual e reprodutivo das mulheres em Belo Horizonte, este estudo aliou a
análise quantitativa à qualitativa. Esta conjunção de metodologias foi extremamente
importante. Enquanto os dados quantitativos permitiram que as idades à primeira relação
sexual, ao primeiro casamento e ao nascimento do primeiro filho fossem comparadas, os
dados qualitativos revelaram as normas e os valores que permeiam estes os aspectos
estudados.
A análise qualitativa fundamentou-se nas informações provenientes de dezessete
grupos focais conduzidos pela autora no município de Belo Horizonte em 2003 e 2004. Estes
grupos foram constituídos por mulheres brancas e negras, entre 20 e 24 anos e entre 50 e 59
anos, de diferentes níveis de escolaridade. Diferente do recorte etário utilizado para a análise
quantitativa, os grupos focais da coorte mais jovem foram desenhados para coletar
informações de mulheres entre 20 e 24 anos que passaram recentemente pela adolescência e
estão definindo seus projetos de vida. O recorte etário para a coorte mais velha permaneceu o
mesmo, incluindo, assim, mulheres entre 50 e 59 anos. Na análise qualitativa as mulheres
foram classificadas de acordo com a escolaridade. Este procedimento foi utilizado para
perceber se as diferenças nas normas e valores apresentavam alguma variação em função
243
deste atributo. As discussões foram direcionadas para temas relacionados à família, saúde da
mulher, sexo, casamento e perspectivas educacionais e profissionais.
Os resultados qualitativos referentes à primeira relação sexual revelam aspectos
importantes acerca das normas e dos valores pertinentes à vida sexual das mulheres. Nos
grupos compostos por mulheres jovens de alta escolaridade, brancas e negras, as falas
sugerem que não existe uma idade ideal para que a mulheres iniciem a vida sexual. Para as
negras, particularmente, a mulher só deve iniciar sua vida sexual se tiver condições de utilizar
contracepção e de assumir a gravidez, caso ela ocorra. Para as brancas, a primeira relação
sexual deve ocorrer quando a mulher tiver maturidade e houver condições oportunas e um
parceiro ideal. Por outro lado, nos grupos de jovens de baixa escolaridade, as falas sugerem
que a primeira relação sexual deveria ocorrer somente depois que a mulher atingisse os 18
anos. Embora as normas e valores propalados pelas jovens de baixa escolaridade considerem
a maioridade como condição ideal para a primeira relação sexual, a grande maioria das
participantes revelou ter iniciado a vida sexual na adolescência e, em torno dos 16 anos, uma
parcela expressiva já havia tido o primeiro filho.
Nos grupos focais compostos por mulheres da coorte mais velha, a maioria defendeu
que a idade ideal para a primeira relação é após os 18 anos. Este resultado foi coerente com o
encontrado na etapa quantitativa, que mostra que esta é a idade mediana de primeira relação
sexual das mulheres mais jovens. Para as negras de baixa escolaridade, quanto mais cedo uma
jovem inicia a vida sexual, maiores serão os prejuízos para a sua vida escolar. Em outras
palavras, as mulheres mais velhas associam a dificuldade de progressão escolar ao início da
vida sexual.
Na maioria das falas dos grupos focais de mulheres jovens, a virgindade é uma
característica que valoriza a mulher e, para muitas, deveria ser preservada até o casamento.
Apesar disto, estas jovens observam que a maior parte das mulheres de hoje não se casa mais
virgem. A pressão das amigas e as mensagens passadas pela mídia, particularmente pela
televisão, são apontadas como as grandes razões para que as jovens tenham a primeira relação
sexual. Pode ser observada uma contradição entre o valor dado à virgindade pelas mulheres
mais jovens e o seu comportamento sexual. Apesar de a virgindade estar, segundo as
participantes, associada à virtude feminina, na prática esta norma não se aplica. A princípio, o
fato delas acreditarem que a idade ideal para a primeira relação sexual é 18 anos não deveria
parecer contraditório, dado que a idade mediana de primeira relação é de 18 anos. Entretanto,
244
elas argumentam que a virgindade é um atributo que valoriza a mulher, a qual deveria esperar
até o casamento para ter sua primeira relação sexual. Existe, então, uma lacuna entre a idade
de primeira relação sexual e de primeiro casamento onde, supostamente, a primeira relação
deveria acontecer, segundo as mulheres mais jovens.
Para a geração mais velha, a virgindade separava as mulheres em dois grupos: as de
boa reputação e as de má reputação, denominadas “galinhas”. Esta pode ser uma possível
explicação para o fato da idade mediana da primeira relação sexual ser de 21 anos. Apesar de
colocarem que foram educadas para valorizar a virgindade, estas mulheres acreditam que as
jovens não precisam se casar virgens. Para elas, atualmente, as mulheres solteiras que mantêm
relações sexuais antes do casamento já não são vistas de maneira tão negativa como eram em
décadas passadas. Esta é, possivelmente, uma das razões pela qual a idade à primeira relação
sexual é mais baixa para as mulheres mais jovens, como mostram os resultados quantitativos.
Além disto, estas mulheres ressaltam que ter uma vida sexual ativa antes do casamento é
importante, porque confere às mulheres um maior poder de decisão sobre o casamento. A
maior parte das participantes destes grupos focais associa a liberação sexual à emancipação
feminina. Somente as negras de baixa escolaridade acreditam que a virgindade ainda valoriza
a mulher e deveria ser preservada até o casamento. A visão das mulheres da coorte mais velha
revela uma abertura, uma redefinição de valores em torno da sexualidade e do casamento.
Apesar disto, pouco mudou em relação ao casamento, como mostram os resultados
quantitativos.
As falas dos grupos focais compostos por mulheres mais velhas ressaltam que o
diálogo franco e aberto sobre sexo ainda é uma tarefa bastante difícil. A educação mais rígida
que receberam, baseada no medo e na vergonha, impede uma relação mais aberta neste
sentido. Nos grupos focais de mulheres jovens, as falas indicam que as amigas são as
principais interlocutoras acerca dos assuntos associados ao sexo. A televisão e as revistas são
uma fonte comum de busca de informações sobre sexo. As jovens de alta escolaridade
também utilizam a internet e o médico ginecologista como fontes de informação, mas têm
consciência de que apenas uma parcela pequena das jovens podem recorrer a essas fontes. O
acesso limitado a computadores e a dificuldade para realizar consultas médicas são os maiores
obstáculos para tanto.
Outro resultado relevante encontrado a partir dos dados provenientes dos grupos focais
refere-se à percepção que as participantes apresentam acerca da relação entre casamento e
245
projetos de vida. Para a maioria, o casamento é visto como um evento que impede a conquista
de muitas metas. De acordo com as jovens de alta escolaridade, o casamento compete com a
autonomia e tem uma relação estreita com formação de família. Para estas jovens, o ideal é
que a mulher espere para se casar. Ainda assim, a idade mediana de primeiro casamento
continua a mesma há décadas. Para as jovens de baixa escolaridade, possivelmente de menor
nível socioeconômico, um emprego e uma situação financeira estável são fundamentais para o
casamento. As jovens de alta escolaridade, particularmente aquelas que ainda estão na
universidade, alegam que não se imaginam casadas nesta etapa da vida. Embora as mulheres
da coorte mais velha acreditem que grande parte das jovens não deseja se casar, elas
enfatizam que muitas vêem o casamento como uma maneira de sair do controle dos pais e
como um negócio que rende casa, móveis e outros bens materiais. As brancas de baixa
escolaridade ressaltam, entretanto, que as jovens que se casam não aceitam um casamento nos
moldes antigos, com a mulher submissa e responsável pelos trabalhos de casa. As negras de
alta escolaridade, da coorte mais velha, acreditam que, para muitas jovens, em especial para
as mais pobres, com menor escolaridade e negras, o casamento é encarado como uma forma
de ascensão social. Assim como as participantes da coorte mais jovem, estas mulheres
acreditam que o casamento, hoje em dia, não é mais um projeto de vida mas, mesmo assim,
muitas jovens ainda desejam se casar.
Em relação à gravidez fora do casamento, existe um consenso em todos os grupos de
que a mulher que fica grávida solteira não deve se casar. Entretanto, para as jovens negras, de
baixa e alta escolaridade, o casamento seria a seqüência normal dos acontecimentos. Para as
jovens brancas, a gravidez só deve levar ao casamento se o homem desejar e se existir amor.
As mulheres da coorte mais velha também ressaltam que, embora a gravidez não deva levar
ao casamento, ainda existe muito preconceito com quem fica solteira após ter engravidado.
Quanto às informações relativas ao nascimento do primeiro filho, os grupos focais
revelam algumas contradições entre norma e comportamento. Uma delas pode ser observada
nos grupos de mulheres jovens e de baixa escolaridade, nos quais a ocorrência do primeiro
filho se dá na adolescência, apesar de a norma propalada pela maioria considerar que a idade
apropriada para o primeiro filho está acima dos 20 anos de idade. A análise qualitativa
também revela que o nascimento do primeiro filho é visto como um evento que acarreta uma
sobrecarga de responsabilidades exclusivamente para as mulheres, prejudicando a vida escolar
246
e profissional. Os estudos geralmente são interrompidos para que a mulher possa atender às
demandas impostas pela maternidade.
No mercado de trabalho, as mulheres que têm filhos não são bem aceitas e encontram
muitas dificuldades para conciliar as atividades profissionais e domésticas. A deficiente infra-
estrutura pública de educação pré-escolar e os custos elevados das escolas infantis privadas
tornam mais difíceis a continuidade dos estudos e a participação no mercado de trabalho.
Usualmente, as jovens que se tornam mães param de estudar e acabam nem entrando, ou
deixando, o mercado de trabalho para cuidar dos filhos. Conseqüentemente, quando retomam
à vida profissional, elas geralmente encontram trabalho em atividades mal remuneradas. Por
fim, a análise qualitativa revelou que as mulheres de diferentes grupos acreditam que o
nascimento do primeiro filho deva acontecer, sempre, antes que a mulher complete 30 anos de
idade. De fato, a idade mediana de nascimento do primeiro filho sugere que 50% das
mulheres mais jovens tiveram o primeiro nascimento aos 24 anos e, 50% das mais velhas, aos
24,7 anos.
A análise qualitativa provê alguns subsídios para a discussão e delineamento de ações
públicas direcionadas para programas de educação sexual, planos de atendimento à saúde
reprodutiva e políticas para a universalização de centros de educação pré-escolar. Os elevados
índices de gravidez na adolescência, particularmente entre jovens de famílias de baixa renda,
sugerem a necessidade da elaboração e implementação de novos projetos de educação sexual
em escolas públicas e privadas. Estes projetos deveriam propiciar uma maior conscientização
acerca das conseqüências da prática sexual, dos possíveis impactos de infecções sexualmente
transmissíveis e da gravidez não planejada. A falta de educação sexual e de informação
adequada sobre os mais diversos aspectos que envolvem o comportamento sexual e
reprodutivo é considerado como um dos grandes obstáculos para que as pessoas se
desenvolvam plenamente e exerçam seus direitos reprodutivos. A educação sexual, como
sugerem muitos resultados deste estudo, deveria permitir que as mulheres, em geral, fizessem
escolhas informadas e responsáveis em relação à quando iniciar sua vida sexual, quando se
casar e quando ter o primeiro filho. Os conflitos entre gerações, reportados pelas participantes
dos grupos focais, geram grandes dificuldades para o diálogo franco e aberto sobre sexo e
saúde no âmbito familiar. Por este motivo, seria interessante que os programas de educação
sexual procurassem integrar as famílias das jovens em suas ações.
247
Outro aspecto importante levantado na análise qualitativa diz respeito ao papel da
mídia impressa e televisiva na orientação sexual dos jovens. Diante disto, iniciativas para
ampliar a participação da sociedade na discussão de políticas voltadas para o controle da
qualidade das informações veiculadas devem ser incentivadas.
A demanda por serviços públicos de atendimento de saúde para mulheres jovens e
solteiras ficou evidente nas falas das participantes dos grupos focais. A estrutura da saúde
pública direciona o atendimento em saúde reprodutiva quase que exclusivamente para
mulheres casadas. A implantação de serviços públicos voltados para mulheres jovens e/ou
solteiras requer a preparação de profissionais especializados para tratar com situações que não
são consideradas convencionais, tais como mulheres que ainda não deram início à sua vida
sexual.
Os direitos trabalhistas das mulheres que se tornaram mães merecem um tratamento
mais adequado, pois muitas participantes reportaram as dificuldades de emprego para aquelas
que têm filhos. Segundo elas, para muitos empregadores, o filho é visto como um empecilho
para o exercício profissional da mulher. Esta situação remete a uma avaliação das deficiências
do sistema público educacional. Crianças de 0 a 5 anos de idade não têm garantido por lei o
acesso à educação pública. Este aspecto é mencionado como uma das maiores dificuldades
para que a mulher consiga conciliar os papéis de mãe e trabalhadora. A universalização da
educação pré-escolar pública deve ser uma meta em todos os níveis de poder.
Uma questão que deve ser avaliada refere-se à situação das jovens com filhos. Para
muitas participantes jovens dos grupos focais, a gravidez na adolescência trouxe prejuízo à
sua vida escolar e profissional, comprometendo, inclusive, a qualidade de vida dos filhos.
Diante deste quadro, seria pertinente uma discussão ampla com respeito às políticas
compensatórias de educação e trabalho para estas jovens.
Também é importante ressaltar que este estudo revela que existe uma série de
pesquisas que podem ser desenvolvidas com o intuito de aprofundar a investigação da relação
entre as normas e valores e o comportamento sexual, nupcial e reprodutivo das mulheres em
Belo Horizonte. Para isto, algumas informações que não foram coletadas na pesquisa SRSR
seriam necessárias. Dentre estas informações estariam, por exemplo, a de escolaridade e
participação no mercado de trabalho da mulher, retrospectivas ao tempo de ocorrência do
evento de interesse. Com isso, algumas questões adicionais poderiam ser tratadas, por
248
exemplo, qual o impacto da escolaridade nas idades à primeira relação sexual, ao primeiro
casamento e ao nascimento do primeiro filho? E da ocupação?
Além disto, investigações futuras deveriam ampliar o entendimento acerca do tema
incluindo, também, a perspetiva masculina na análise. Neste estudo, isto não foi possível, uma
vez que os grupos focais foram formados somente por mulheres e os dados SRSR foram
coletados somente para mulheres. A inclusão da perspectiva masculina é fundamental haja
visto que as decisões referentes ao comportamento sexual, nupcial e reprodutivo requerem, de
fato, a cooperação do casal. Neste sentido, a primeira relação sexual, o primeiro casamento e
o nascimento do primeiro filho são eventos-chave que unem e, eventualmente, mudam a
trajetória de vida das pessoas. Por fim, uma das conclusões deste estudo é que as normas e
valores são elementos que não podem estar dissociados das análises referentes ao
comportamento sexual e reprodutivo.
249
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WOOD, Charles, CARVALHO, José Alberto Magno de. A demografia da desigualdade no
Brasil. Rio de Janeiro: IPEA, 1994. 330p.
259
10 Anexos
260
PESQUISA SOBRE A SAÚDE DA MULHER EM BELO HORIZONTE
MÓDULO QUALITATIVO
Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (CEDEPLAR)-UFMG
CONSENTIMENTO ORAL PARA PARTICIPAÇÃO NO GRUPO FOCAL
Este termo deve ser lido pela recrutadora quando for conversar com uma mulher para
convidá-la a participar do grupo focal.
Bom dia/boa tarde/boa noite, meu nome é ______________________________.
Trabalho para Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG – se necessário explique o que
é). Estamos realizando uma pesquisa em Belo Horizonte sobre questões relacionadas ao
comportamento sexual, casamento e nascimento de filhos. Estamos interessadas na opinião
que mulheres entre 20 e 24 anos de idade e entre 50 e 59 possuem sobre o assunto. Se você
está nesta faixa de idade, gostaria de lhe explicar sobre a pesquisa e ver se sua participação
seria possível.
A pesquisa sobre saúde da mulher em Belo Horizonte é uma pesquisa de natureza
acadêmica e esta etapa tem por objetivo conhecer melhor o que as mulheres pensam sobre a
primeira relação sexual, sobre o casamento e o nascimento do primeiro filho. Para poder
discutir melhor e assunto e entender mais detalhadamente o que as mulheres pensam sobre
isso, estaremos realizando pequenas reuniões com mulheres. Essas reuniões são chamadas de
grupos focais. Nesses grupos participam entre 6 e 8 mulheres que manifestam o que pensam
sobre algumas questões colocadas pela pessoa que conduz a reunião. No caso dessa pesquisa,
a pessoa que conduz a reunião é uma aluna de doutorado da UFMG. Também participa da
reunião uma pessoa que anota as opiniões das pessoas sobre o assunto. Além disso, o
encontro é gravado para que a pesquisadora possa saber exatamente a opinião das pessoas que
participaram.
Apesar dos encontros serem gravados, posso garantir que tudo o que você responder é
absolutamente confidencial e nenhum nome completo ou endereço será associado às suas
respostas. Você pode deixar de responder qualquer pergunta que quiser e pode sair da reunião
se achar necessário.
A reunião dura cerca de 2:00 horas e é realizadas na FACE (explicar o que e onde fica,
se necessário), nela será servido um pequeno lanche e, caso você possa participar, suas
passagens de ônibus serão reembolsadas pela pesquisadora.
261
Você só participa se quiser, mas as suas respostas podem ser muito úteis para a saúde
da mulher nesta cidade, nesse estado e no Brasil. Você concorda em participar?
[ ] NÃO CONCORDA (agradeça a atenção)
[ ] CONCORDA (apresente os horários disponíveis de reunião)
Nome da recrutadora:
_________________________________________________________
262
PESQUISA SOBRE A SAÚDE DA MULHER EM BELO HORIZONTE
Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (CEDEPLAR)-UFMG
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO PARA PARTICIPAÇÃO
NO GRUPO FOCAL
Eu, _______________________________, declaro para os devidos fins, que obtive
todas as informações necessárias sobre o estudo que está sendo desenvolvido pela aluna de
doutorado em Demografia, Andréa Branco Simão e que tirei todas as dúvidas a respeito da
pesquisa, sendo informada sobre seus objetivos e procedimentos. Também declaro que me
dispus a participar, de livre e espontânea vontade, do grupo focal por ela realizado e dei meu
consentimento para que o encontro seja gravado e registrado pela anotadora presente. Sei que
a minha participação é voluntária e que posso desistir de ficar no grupo focal mesmo depois
deste já ter sido iniciado, ou não responder as perguntas feitas, sem que isto me traga qualquer
prejuízo pessoal ou de qualquer ordem. Sei também que a minha participação não terá
qualquer conseqüência para mim na instituição envolvida na pesquisa.
Por tudo isso, declaro que li este termo de consentimento e concordo em participar do
grupo focal.
Local: ____________________
Data: ____/____/2003
Assinatura (somente primeiro nome): ________________________________
Assinatura da testemunha, caso necessário:____________________________
No caso de qualquer dúvida entre em contato com:
Andréa Branco Simão – UFMG – FACE – Cedeplar
Rua Curitiba, 832, 9
o
andar, Belo Horizonte – MG.
Fone: 99032801
Caso suas dúvidas persistam, contate com:
Profa. PAULA MIRANDA RIBEIRO – Orientadora
Cedeplar-UFMG
Rua Curitiba 832, 9
o
andar
Belo Horizonte 30170-120 MG
Tels.: 32799073 ou 99412520
263
PESQUISA SOBRE A SAÚDE DA MULHER EM BELO HORIZONTE
Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (CEDEPLAR)-UFMG
FICHA DE CARACTERIZAÇÃO DAS PARTICIPANTES
Participantes de Grupos Focais (Grupo N
o
_____)
Primeiro nome ou pseudônimo:________________________________________
Data de nascimento: ____/____/____ Idade:________________________
Estado civil:________________________ Número de Filhos: ______________
Religião:___________________________ Escolaridade: __________________
Cor:______________________________ Raça:_________________________
________________________________________
264
PESQUISA SOBRE A SAÚDE DA MULHER EM BELO HORIZONTE
MÓDULO QUALITATIVO
CEDEPLAR - UFMG
ROTEIRO BÁSICO PARA GRUPO FOCAL
Introdução
(Iniciar a apresentação sem gravadores ligados)
Bom dia/boa tarde/boa noite.
Meu nome é Andréa Branco Simão. Sou aluna de doutorado em Demografia na
UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais). Eu estou fazendo uma pesquisa para minha
tese de doutorado, a qual trata de questões relacionadas ao início da vida sexual, ao primeiro
casamento e ao nascimento do primeiro filho. Hoje estaremos conversando, particularmente,
sobre a percepção que as pessoas apresentam sobre estas questões. Meu estudo é parte de um
projeto mais amplo sobre saúde da mulher em Belo Horizonte. Para isto, vocês foram
convidadas para participar deste encontro, o qual é chamado de grupo focal.
O grupo focal é uma reunião informal onde as pessoas se reúnem para conversar sobre
um determinado assunto. A reunião é gravada para que posteriormente eu possa transcrever as
falas de cada pessoa e desenvolver as análises que preciso para a realização do meu estudo. A
identidade das pessoas que participam é mantida em sigilo, mas quem preferir pode usar um
pseudônimo ou se identificar somente pelo primeiro nome. Para que possamos nos entender
melhor, é importante que cada pessoa fale de cada vez. A participação das pessoas é
voluntária, mas eu gostaria de reforçar que ela é muito importante não só para minha
pesquisa, mas para o aumento do entendimento das questões relacionadas à saúde da mulher.
A reunião dura cerca de 2 horas. Um pequeno lanche será servido durante este tempo
como uma forma de agradecimento pela participação de todas. Eu gostaria que ficassem bem
à vontade para se servirem durante o encontro.
Para todas aquelas que concordam em participar deste grupo, gostaria de pedir que
assinassem o termo de consentimento, o qual eu vou ler em voz alta e entregar uma cópia para
vocês. Este documento diz que vocês aceitam participar desta reunião e que foram informadas
sobre como funciona o grupo. Caso alguém tenha alguma dúvida, por favor, pergunte. Além
do termo de consentimento, eu também gostaria de pedir que vocês preenchessem uma
265
pequena ficha com informações tais como idade, escolaridade, estado civil, etc. O nome não
precisa ser completo, para não ter possibilidade de identificação. Este documento é para que
depois eu possa saber as características gerais do grupo. Para aquelas que preferirem, um
pseudônimo pode ser usado.
(Distribuir os termos de consentimento, sendo 2 cópias para cada participante, que devem
retornar uma cópia assinada para a moderadora e guardarem uma para elas mesmas)
(Após as participantes terem assinado o termo de consentimento, solicitar às mesmas que
preencham uma ficha de caracterização. Verificar se alguma participante necessita de ajuda).
(Iniciar a gravação)
Descontração e início do trabalho
Moderadora: Em primeiro lugar, gostaria de fazer uma pequena brincadeira. Queria que
vocês me dissessem o que vem à cabeça de vocês quando digo as seguintes palavras:
Estudar;
Namorar;
Filhos;
Emprego;
Casamento.
Moderadora: Conversamos um pouco sobre estudar, casar, namorar, filhos, emprego e
casamento. Agora eu gostaria de conversar um pouco mais com vocês sobre o início da vida
sexual.
1) Vocês acham que existe uma idade certa para a primeira relação sexual?
2) Quando uma jovem começa a ter relações sexuais, ela procura alguém para conversar sobre
isso? Quem? Por que?
3) (Caso não mencionem as mães)E as mães? Por que?
4) Quais motivos levam uma jovem a ter sua primeira relação sexual?
5) E a virgindade, o que se pensa sobre isso?
266
Moderadora: Depois de todas estas questões, eu gostaria de conversar um pouco com vocês
sobre o casamento.
1) Vocês acham que existe uma idade certa para o primeiro casamento?
2) E a respeito da experiência sexual antes do casamento, o que jovens como vocês pensam
sobre isto?
3) E como fica o casamento para uma jovem que engravida solteira?
Moderadora: Agora que já conversamos sobre muitas coisas, eu gostaria de fazer mais
algumas perguntas, mas agora sobre filhos.
1) Vocês acham que existe uma idade ideal, ou mais adequada, para a mulher ter o primeiro
filho?
2) Como ficam os estudos para uma jovem que tem o primeiro filho?
3) E o trabalho para uma jovem que tem o primeiro filho, como fica?
4) O nascimento do primeiro filho traz mudanças para a vida jovens? Se sim, perguntar que
tipo de mudanças. Se não, porque não.
Muito obrigado a todas vocês por terem participado deste encontro. Suas opiniões e idéias
forma extremamente importantes para a pesquisa que estou fazendo.
14
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