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CRISTIANE FORTKAMP
PARQUE ESTADUAL DA SERRA DO TABULEIRO (PEST):
História e Conflito Sócio-Ambiental (1975-2007)
Florianópolis, 2008
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
CRISTIANE FORTKAMP
PARQUE ESTADUAL DA SERRA DO TABULEIRO (PEST):
História e Conflito Sócio-Ambiental (1975-2007)
Dissertação apresentada no
Programa de Pós-Graduação em
História da Universidade Federal de
Santa Catarina como requisito
parcial para a obtenção do tulo de
Mestre em História, sob orientação
da Profa. Dra. Eunice Sueli Nodari.
Florianópolis/SC
2008
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FORTKAMP, Cristiane. Parque Estadual da Serra do Tabuleiro (Pest): História e
Conflito Sócio-Ambiental (1975-2007).
RESUMO
Esta dissertação trata do Parque Estadual da Serra do Tabuleiro (PEST), em
Santa Catarina/Brasil, e da história de alguns de seus conflitos sócio-ambientais.
O PEST está inserido no bioma da Mata Atlântica, qualificado como um dos
principais parques de conservação do Brasil, pois seu território abriga vários
ecossistemas, tais como Restinga, Araucária, Floresta Pluvial Atlântica, Matinha
Nebular, Campos de Altitude e Mangues. A Fundação do Meio Ambiente de Santa
Catarina (FATMA), ao longo de sua história como autarquia, tem construído um
discurso que busca nomear o PEST como “santuário da biodiversidade. Mas essa
área de preservação permanente tem ainda habitantes e seu interior, que vêm
sendo retirados ou impedidos de exercerem suas atividades econômicas
tradicionais, o que gera inúmeros conflitos e discursos resistentes. Nesse sentido
é que o enfoque dado à pesquisa buscou compreender e discutir a formação das
Unidades de Conservação (UCs) e suas implicações sociopolíticas na região total
do PEST.
FORTKAMP, Cristiane. Serra do Tabuleiro State Park (Pest): History and Social-
Environmental Conflict (1975-2007).
ABSTRACT
This dissertation concerns the Serra do Tabuleiro State Park (Parque Estadual da
Serra do Tabuleiro - PEST), in the Santa Catarina state, Brazil, and the history of
some of its social-environmental conflicts. The STSP is inserted in the Atlantic
Forest bioma and it is considered one of the main conservation units in Brazil, for
its territory hosts many different ecosystems such as Restinga vegetations,
Araucaria pine forests, Atlantic Rainforests, Cloud forests, Altitude fields, and
Mangue vegetations. The Santa Catarina State Environment Foundation
(Fundação do Meio Ambiente de Santa Catarina FATMA) has been developing
the concept of the STSP as “the sanctuary of biodiversity”, though this permanent
conservation unit is inhabited in its countryside; these people have been removed
or their economical activities have been obstructed, which has generated countless
conflicts. This research has focused on the formation of the Conservation Units
(CUs) and the sociopolitical implications within the PEST area.
LISTA DE FOTOGRAFIAS
Fotografia 1 - Rafting no rio Cubatão. Acervo da autora, 76
Fotografia 2 - Asa-delta e a paisagem de Santo Amaro da Imperatriz/SC. Acervo
de autora, 76
Fotografia 3 - Projeto “Conhecendo a Natureza do Pest”. Acervo da autora, 80
Fotografia 4 – Idem, 81
Fotografia 5 – Idem, 81
Fotografia 6 – Idem, 82
Fotografia 7 – Mobilização em Vargem do Braço, 89
Fotografia 8 – Idem, 89
LISTA DE ABREVIATURAS
CPT - COMISSÃO PASTORAL DA TERRA
EPAGRI - EMPRESA DE PESQUISA E EXTENSÃO RURAL DE
SANTA CATARINA S/A
FATMA - FUNDAÇÃO DE MEIO AMBIENTE DE SANTA CATARINA
MP - MINISTÉRIO PÚBLICO
PBZ - PLANO BÁSICO DE ZONEAMENTO
PEST - PARQUE ESTADUAL DA SERRA DO TABULEIRO
TCC - TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO
UFSC - UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 – Parques nacionais implantados no mundo e no Brasil, 37
Tabela 2 – Utilização das terras no município de São Bonifácio/SC, 60
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1 – Distribuição espacial (%) do Pest, 55
Gráfico 2 – Estabelecimentos rurais em Santo Amaro da Imperatriz/SC, 65
LISTA DE MAPAS
Mapa 1 – Área de abrangência do Pest, 13
Mapa 2 – Caracterização regional PBZ , 57
Mapa 3 – Município de Santo Amaro da Imperatriz/SC e o Pest, 60
AGRADECIMENTOS
Aos meus pais, José e Maria de Lourdes, pelo companheirismo e pelo amor dedicados a
mim todos estes anos.
A Luiz Fernando Schuch, por seu apoio incondicional e seu amor confortante.
A minha sobrinha, Heloísa, por todos dias me presentear com carinho e amor.
Ao casal de grandes amigos – Jó e Luciana Klanovicz – por sua amizade e parceria.
Ao Laboratório de Imigração, Migração e História Ambiental (LABIMHA) da UFSC
Saudades...
Ao Programa CAPES, pelo apoio concedido através da bolsa.
A professora Eunice Sueli Nodari, pela orientação (em todos os sentidos).
A Samira Peruchi Moretto, por toda a sua ajuda; sempre amiga.
Ao meu amigo professor João Klug, por seus sempre sábios conselhos.
Finalmente e especialmente a Deus – por tudo e por todos!
SUMÁRIO
Introdução, 12
O PEST como espaço de conflito sócio-ambiental, 17
Capítulo I
1.1 Políticas brasileiras de utilização de recursos naturais e seus reflexos, 26
Capítulo II
2.1 Princípios da criação do Parque Estadual da Serra do Tabuleiro, 43
2.2 O problema da ocupação do Pest, 46
2.2.1 Primeiro exemplo de relação territorial entre Pest e municípios: São
Bonifácio/SC, 56
2.2.2 Santo Amaro da Imperatriz/SC e outras localidades, 63
Capítulo III
3.1 Caseiros, nativos, sitiantes: as várias faces do problema da ocupação no
Pest, 77
Considerações Finais, 110
Referências, 112
Webgrafia, 112
Entrevistas, 113
Referências Bibliográficas e Fontes, 114
INTRODUÇÃO
Em 1980, um grupo de agricultores do município de Águas
Mornas, em Santa Catarina, elaborou uma carta de protesto contra a
criação de uma Unidade de Conservação (UC), que estaria impedindo o
desenvolvimento de suas atividades econômicas “tradicionais” desde 1975.
O documento estava arquivado nas prateleiras da Comissão Pastoral da
Terra (CPT) em Florianópolis/SC, organismo da Igreja Católica voltado à
defesa dos direitos de agricultores sem-terra, e que coordena, na
atualidade, diversos projetos com vistas à conquista de direitos sobre a
posse de terra por esses grupos reivindicatórios.
A UC em foco no protesto dos agricultores de Águas Mornas/SC
era o Parque Estadual da Serra do Tabuleiro (PEST), criado pelo governo
de Santa Catarina através do decreto estadual 1.260, em 1975, e que
abrange, na atualidade, nove municípios de Santa Catarina (Florianópolis,
Palhoça, Santo Amaro da Imperatriz, Águas Mornas, São Bonifácio, São
Martinho, Imaruí, Garopaba e Paulo Lopes), nove ilhas (Ilha de Araçatuba,
Ilha do Andrade, Ilha Papagaio Pequeno, Ilhas Três Irmãs, Ilha Moleques
13
do Sul, Ilha Siriú, Ilha Coral, Ilha dos Cardos e a ponta sul da Ilha de
Santa Catarina), e é a maior área de conservação ambiental no estado
catarinense, com 87.405 hectares, aproximadamente 1% de todo o
território estadual. (FATMA, 2003: 12) A extensão do parque em relação ao
Estado de Santa Catarina pode ser melhor compreendida por meio do
Mapa 1.
Mapa 1 – Área de abrangência do PEST em relação ao estado de Santa Catarina e à região
da Grande Florianópolis. Fonte: FATMA, 2000.
A extensão do parque em si, e sua localização partindo do litoral
para o interior catarinense, no bioma da Mata Atlântica o qualifica como
um dos principais parques de conservação do Brasil, pois seu território
abriga vários ecossistemas, tais como Restinga, Araucária, Floresta Pluvial
14
Atlântica, Matinha Nebular, Campos de Altitude e Mangues. A Fundação
do Meio Ambiente de Santa Catarina (FATMA), ao longo de sua história
como autarquia, tem construído um discurso que busca nomear o PEST
como santuário da biodiversidade: “uma Unidade de Conservação de
grande importância, pois além de santuário da biodiversidade, o parque
guarda também as nascentes de sete rios, incluindo os que abastecem a
Grande Florianópolis.’ (FATMA, 2003: 45)
Desde que o PEST foi criado, sua área foi entendida como de
preservação integral, o que significou a proibição expressa da permanência
de seres humanos em seu território, um modelo, ao que tudo indica,
reconfigurado de parque, tomado de empréstimo das concepções
conservacionaistas que reverberavam no Ocidente a partir da criação, nos
Estados Unidos da América (EUA), do Parque Nacional de Yellowstone, em
Wyoming, Montana e Idaho, ainda em 1872.
1
Desde o momento da criação
desse parque, o primeiro no mundo, e que acabou por disseminar uma
concepção peculiar sobre a idéia de preservação da fauna e da flora,
cientistas de diversas nações imbuíram-se, nas décadas seguintes, da
missão de construir, também, parques com preocupações semelhantes, e
as políticas conservacionistas de países periféricos sob influência norte-
americana, especialmente o Brasil pós-Segunda Guerra Mundial, seguiram
tardiamente esses modelos, conforme afirma Warren Dean (2002: 271)na
obra A Ferro e Fogo: a história e a devastação da Mata Atlântica.
2
1
O Parque Nacional de Yellowstone foi criado em 1872, sendo o mais antigo parque de
conservação do mundo. A constituição do parque, com pouco mais de 8.980km2,
implicou a proibição da presença humana na região.
2 “O modelo do Parque Nacional de Yellowstone inspirou André Rebouças, que já em 1878
pedia a criação de parques nacionais em Sete Quedas do Iguaçu. A expansão de parques
e florestas nacionais nos Estados Unidos, promovida por Theodore Roosevelt, sua
convocação de um congresso nacional sobre problemas de conservação e o manejo
florestal de Gifford Pinchot eram muitas vezes citados por estadistas e cientistas”
15
Cabe aqui conceituar de onde estamos falando, especialmente o
conceito de preservação ambiental. A preservação ambiental determina a
preocupação com a destruição ecológica, tendo como objetivo a não
agressão ao ecossistema. Conforme Donaire (1995), a preservação
ambiental reflete atitudes e medidas utilizadas por uma empresa, que
objetivam a proteção e conservação do meio ambiente. O antigo conceito de
preservação ambiental, baseado na intocabilidades dos recursos naturais,
algum tempo foi superado e substituído por outro que condiciona a
preservação a um novo modelo de desenvolvimento da civilização,
fundamentado no uso racional dos recursos naturais, para que estes
possam continuar disponíveis para as gerações que ainda virão. A este
desenvolvimento, que não inviabiliza a sociedade mas promove a
repartição justa dos benefícios alcançados, que não é movido apenas por
interesses imediatistas mas sim baseado no planejamento de sua trajetória
e que, por estas razões, é capaz de manter-se no espaço e no tempo, é que
damos o nome de desenvolvimento sustentável.
Sobre a instalação de parques conservacionistas nos EUA do
final do século XIX, recaía a tentativa de uma construção da identidade
local norte-americana com base numa natureza específica, com paisagem
diferenciada, que apresentava uma fauna e uma flora idealizados,
“naturais”, apartadas da influência e da intervenção humanas.
Esse vínculo entre paisagem e memória, no sentido da
construção de uma identidade nacional, foi amplamente perscrutada pelo
historiador Simon Schama (1996), na obra Paisagem e Memória. No caso
norte-americano dos fins do século XIX, o que estava em jogo na
construção da identidade nacional era a necessidade da delimitação de
uma natureza primeva isenta das marcas indígenas sobre a constituição
da paisagem, o que significava traçar esforços de expropriação das terras
tradicionalmente ocupadas por esses grupos.
16
Mas no caso, atualizado e brasileiro, da carta dos agricultores em
protesto contra o PEST em Santa Catarina de 1980, pode-se pensar que o
parque, uma vez instalado, também serviu de motivo para a expropriação
de terras que tradicionalmente eram ocupadas por grupos sociais
marginalizados em meio a um processo de modernização econômica que
alcançava as imediações de Florianópolis com muita intensidade, em
função da ativação da rodovia BR-101 e das políticas de incremento ao
turismo regional.
Nesse sentido, a carta elaborada pelo grupo de agricultores
representou não só a luta de um grupo histórico pela manutenção de suas
atividades econômicas tradicionais e de sua identidade sócio-cultural, mas
também uma possibilidade de discussão pública sobre a constituição e os
modelos de parques ambientais no país, os problemas inerentes ao
conceito de conservacionismo num momento em que o Brasil ampliava seu
parque industrial e seu desenvolvimento urbano, e era um índice de que
políticas públicas geridas na esfera do “macro”, acabavam por atingir de
formas diferentes o cotidiano, a intimidade dos lares daqueles agricultores,
por vezes, de forma agressiva.
Afinal, aqueles moradores de Águas Mornas estavam
contrapondo-se a certas considerações que serviram de base para a
constituição do PEST, tais como alguns itens do próprio Decreto Estadual
1.260, de de novembro de 1975, assinado pelo então Governador de
Santa Catarina, Konder Reis, que preocupava-se em criar a área de
conservação devido a “aspectos técnicos e ecológicos (importância para a
região litorânea catarinense pelo seu potencial hídrico, geológico, florístico,
faunístico, climático, e paisagístico), mas também econômicos
(precisamente o turismo e preservação de mananciais de abastecimento da
região da Grande Florianópolis)”. (DECRETO ESTADUAL N. 1.260)
17
PEST como espaço de conflito sócio-ambiental
Diversos autores têm-se preocupado em unir o senso comum da
“crise ambiental contemporânea” e o debate científico e político acerca
dessa mesma crise. Ela seria uma crise de civilização, para usar de
empréstimo os termos de Roberto Martinez Santiago (2007): uma crise de
modelos econômicos vigentes, em especial os industriais, mas também de
modelos tecnológicos e culturais que despertaram à natureza e negaram às
culturas alternas (SANTIAGO, 2007: 4) Esses modelos civilizatórios,
principalmente do mundo industrial e de consumo, têm servido como
agente de degradação do ambiente, de desvalorização da diversidade
cultural, e desconhece o Outro (ao indígena, ao pobre, à mulher, aos
negros, ao sul), enquanto privilegia um modelo de produção e um estilo de
vida insustentáveis, que se tornaram hegemônicos no processo de
globalização. (Id.)
Tudo isso com o objetivo de entender a exploração humana da
paisagem em termos objetivos de uma relação vertical e agressiva dos
humanos frente a espaços que representariam a continuidade de uma
biodiversidade “anterior” à idéia de exaustão de “recursos naturais”, de
maneira geral.
Tal interpretação da posição humana frente aos espaços naturais
representa a essência do que conceituou como objetividade da crise
ambiental, numa perspectiva de “colapso entre o crescimento econômico
material e a base finita de recursos”. (ACSELRAD, 2004: 13) Segundo
Henri Acselrad (2004), essa compreensão de política ambiental que serviu
de base para a criação de diversas UCs, a médio prazo, e tendo por
18
princípio o objetivismo da “crise ambiental”, tendeu a desconsiderar o
processo social de construção da noção de “ambiente”, fetichizando o
mundo material. Esse princípio objetivo do entendimento dos problemas
ambientais, que conceituou o humano como agressor-sujeito e a paisagem
como objeto agredido pressupunha o descolamento das dinâmicas da
sociedade e da cultura, a nomeação dessas duas esferas separadas e, a
longo prazo, a inelutabilidade da percepção coletiva do colapso tendencial,
expressa numa adesão crescente e potencialmente unânime ao
reconhecimento da crise iminente, um verdadeiro ambientalismo
antecipatório fundado em indicadores objetivos do colapso ecológico. (Id.)
O Estado brasileiro baseou-se em indicadores objetivos da crise
ambiental para determinar a criação de UCs, especialmente a partir da
década de 1970, portanto, tomou para si o dever de proteger áreas em
risco ambiental. Contudo, diversas formas de proteção dessas áreas, o
que significa, por conseguinte, diversas formas de interpretação legais e
históricas, que envolvem humanos e o entorno.
Antes de 1975, a ocupação do território que hoje compreende o
PEST acontecia sem mais problemas. Pequenos agricultores produziam em
áreas onde tinham uma história familiar antiga e não havia nenhuma
espécie de problematização da ocupação humana naquela paisagem, pelo
menos, no que diz respeito ao aspecto jurídico da posse de terra. A
documentação levantada nesta pesquisa é marcada pela ausência de
problemas anteriores à decretação do parque, tanto em fontes escritas,
como nos relatos aqui apresentados. Tal situação corresponde, no meu
entender, que o debate público em torno da área do PEST só emerge,
mesmo, a partir de sua efetiva criação por decreto. Em outras palavras, a
ocupação só passou a ser questionada a partir daí.
19
Poderiam ser notados alguns indícios da constituição de uma
“crise” que envolveria o PEST no momento de sua criação, mas esse
problema emergirá a partir mesmo da publicação do decreto de
instalação do referido parque, e que levaria, então ao surgimento de uma
situação de conflito de interesses entre Estado e populações locais,
projetos de desenvolvimento econômico e atividades de subsistência, e
tentativas de “acostumar” as mentes populares à idéia de preservação do
PEST, preconizada, agora, por lei. É nesse sentido que os discursos da
FATMA, do Estado e das populações atingidas pela criação do PEST,
confrontavam-se a partir de 1975.
O decreto 1.260/1975 não criminalizava o ocupante do território
do PEST, mas as considerações e os argumentos que buscavam preservar
a área com fins econômicos praticamente impedia que os antigos
moradores do espaço pudessem continuar a desenvolver suas atividades
locais de subsistência. Assim, a carta publicada pelos agricultores de
Águas Mornas em 1980 não é só resultado da constituição legal do
parque, mas também do sufocamento de suas práticas, com base num
paradoxo: a preocupação em preservar o território significava, ao mesmo
tempo, destruir atividades tradicionais de baixo impacto ambiental.
O parque transformou-se em problema político, jurídico e
ambiental, com discursos de defesa e de ataque, estratégias de resistência
por parte de alguns moradores do seu interior com vistas a manter suas
habitações na UC. A situação tornou-se mais complexa ainda, pois, apesar
de o decreto de criação do parque ser de 1975, até o momento (2008), não
indenizações aos diversos atores que ainda permanecem no interior da
unidade, e o Estado parece não ter tomado as devidas providências, de
imediato, para solucionar o problema.
20
O Promotor de Justiça José Eduardo Cardoso, bacharel em
Direito, responsável pela Promotoria Temática da Serra do Tabuleiro (4ª
Promotoria de Justiça de Palhoça/SC), dedica-se à questão do PEST desde
2000. Ele assim descreve sua trajetória de envolvimento com o parque e
caracteriza o problema:
Eu nesse tempo todo que tenho me dedicado ao tema por
preocupação profissional e como pessoa... primeiro é preciso
divulgar o Parque! Em seguida, seria o Estado chamar a
responsabilidade para si e assumi-la de maneira competente
e rápida, cumprindo a Legislação, pagando as indenizações,
demarcando o parque efetivamente. Fazer o que há muito
tempo está na legislação. Não é preciso inventar nada! O
problema existe o longo do tempo. E talvez o maior problema
seja, justamente, esse tempo. O cadáver está apodrecendo em
público e ninguém toma uma medida! (CARDOSO, 2007)
(grifo meu).
E continua:
Para um problema tão longo talvez não se tenha uma solução
rápida. Mas ela é simples. Se fizer o pagamento das
indenizações, um planejamento para a desocupação dos
locais mais importantes, você consegue implementar o
Parque. Mas é preciso que haja estrutura física e vontade
política. (Id.)
A figura de linguagem do cadáver expressa a preocupação estatal
com referência ao parque, por parte do Ministério Público da União (MP),
mas também descreve a situação de conflito de interesses com relação à
implementação ou não do PEST. Mas também simboliza e marca um
interesse e uma concepção precisa de crise ambiental por parte do MP,
qual seja, a de que determinados locais dentro do parque seriam mais
importantes, do ponto de vista econômico e ecológico, do que outros, e
21
esses espaços caracterizariam melhor o problema de conflito entre
ocupação humana e colapso da biodiversidade ou, mais precisamente, o
risco de poluição de mananciais que fornecem água para a região da
Grande Florianópolis.
Como afirmei anteriormente, a caracterização objetiva dessa
crise, desses conflitos ambientais são construções históricas, ou seja, nem
sempre existiram, nem sempre foram alvo de publicidade e de
reivindicações. Há uma historicidade, uma capacidade de imputar aos
discursos que descrevem a área do parque e as atividades ali existentes,
circunstâncias que a transformaram em conflito.
Nesse sentido é que o enfoque dado à pesquisa buscou
compreender e discutir a formação das UCs e suas implicações
sociopolíticas nas regiões, nos municípios que são atingidos diretamente
pelo PEST. Ao findar um estudo preliminar em nível de Trabalho de
Conclusão de Curso (TCC) de Graduação no Departamento de História da
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), o contato com diferentes
fontes de informação, associado à aquisição de leituras mais amplas
relacionadas ao tema fizeram com que outras questões pudessem ser
colocadas sobre aquele primeiro documento dos agricultores de 1980, e
sobre a constituição das UCs, por outro lado. A partir da construção
conceitual de UC, o projeto partiria, agora, da premissa de se pensar, como
acreditavam os próprios agricultores da carta de 1980, “um ambiente
sadio, ecologicamente equilibrado, que não privasse as futuras gerações de
desenvolverem-se economicamente”. Esse problema veio a ser discutido
em oportuno estudo de Agripa Faria Alexandre, que tomou o caso como
exemplo para tratar a idéia de prática ecológica no Brasil. (ALEXANDRE,
2006)
22
A reação dos agricultores de Águas Mornas traz à tona os
projetos de vida engendrados e marcados no território do parque, a forma
como o ambiente é diferentemente representado e usado/apropriado na
vida cotidiana dos indivíduos envolvidos direta e indiretamente na questão
do PEST, e, sobretudo, as práticas do espaço a partir da concepção que
esses grupos e pessoas alimentam sobre “natureza”, “meio ambiente”.
3
Mas tratam-se de práticas ora legitimadas, ora tornadas ilegais, devido à
construção judicial, também, das idéias de “meio ambiente” e “natureza” a
partir do Direito Ambiental e da legislação pertinente.
Essa construção do direito ambiental no Brasil e as implicações
ora positivas, ora negativas para as populações que vivem ou viviam
tradicionalmente em áreas declaradas, posteriormente, como de
preservação, é histórica e foi amplamente esquadrinhada pelo historiador
José Augusto Pádua, na obra Um Sopro de Destruição. (PÁDUA, 2002)
Mais do que tratar da história ambiental num Brasil colonial e
imperial, o autor trabalhou exaustivamente a construção intelectual e
jurídica da idéia de natureza, elaborando uma espécie de radiografia das
posições judiciais em torno da discussão sobre o tema desde o século XVIII
na América Portuguesa.
Nesse sentido é que algumas questões começaram a interferir e
orientar, em certa medida, a pesquisa ora apresentada, girando em torno
das relações entre aqueles que vivem nas imediações do PEST e dentro
dele desde 1975 e as políticas preservacionistas e posições do Poder
Judiciário em torno da legitimidade do parque. Em outras palavras, a
3
Um estudo de caso sobre o papel do meio ambiente e suas representações em Santa Catarina pode
ser encontrado em KLANOVICZ, Jó. Natureza corrigida: uma história ambiental dos pomares de
macieira no sul do Brasil (1960-1990). Florianópolis, 2007. 311f. Tese (Doutorado em História)
Programa de Pós-Graduação em História. Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis,
2007.
23
caracterização do envolvimento, do interesse e do papel do Estado na
legitimação do parque e nos jogos de desapropriação ou não de áreas nas
quais agricultores e outros indivíduos vivem ou viveram, com vistas à
transformação daquele território em área de preservação integral. Esses
dois questionamentos, agiriam sobre a formulação de um terceiro, ligado
ao debate em torno da possibilidade de UCs oferecerem riscos ao
desenvolvimento socioeconômico das regiões contíguas ao parque.
Com relação às populações envolvidas, haveria de discutir,
portanto, a quem se devia responsabilizar pelo impasse conflituoso que
impede, ainda, a implementação da área de preservação, e, finalmente,
uma questão básica e fundamental que perpassa todo o estudo: como se
modifica a relação homem-natureza a partir da idéia de “preservação”.
Os detalhes de histórias vividas e documentos que foram
examinados, bem como a leitura de trabalhos de diferentes áreas do
conhecimento a respeito do tema em tela, resultaram na organização de
um texto que, de forma alguma, pretende esgotar o assunto, mas que
buscou articular informações e conceitos que inserem a história do PEST
na historiografia catarinense, por ligar uma paisagem que é, ao mesmo
tempo, o resultado e o alimento de projetos de produção do espaço, ou
seja, interesses, necessidades e utopias de homens reais – seres históricos,
sociais e culturais.
A elaboração do estudo contou com duas vertentes, pontos de
partida de pesquisa. A primeira, realizada com a análise dos documentos
em série e individualmente, buscou inferir quais estruturas sócio-espaciais
dominam a análise e a discussão dos conflitos em determinados períodos.
E a segunda enfatizou os argumentos das comunidades e diferentes
agentes sociais envolvidos com a questão do PEST. Os métodos de
investigação não estão distribuídos linearmente no trabalho, pois as
24
diversas fontes alternam-se, parte como fonte exclusiva na pesquisa, parte
como contraponto ou complemento de outras fontes. Em cada comunidade
selecionou-se uma série de fatos históricos por elas estabelecidos, que
foram aproximados e ligados aos conceitos de preservação e conservação
inerentes ao PEST, para melhor interpretar tais fontes.
A oralidade, sabemos, representa território escorregadio para a
pesquisa histórica, e a História Oral, até três décadas atrás, serviu como
instrumento de pesquisa limitado, sendo usada meramente para obter
relatos com vistas a “preencher lacunas” deixadas pela documentação
oficial acerca de um determinado acontecimento.
4
A fonte oral acabou
sendo perscrutada e investigada de forma mais ampla a partir da década
de 1980, especialmente quando campos diferenciados de História
começaram a emergir e se estabelecer, adentrando a área das relações
entre comunidades locais e a governabilidade, as relações micro-macro no
que diz respeito à implementação de políticas públicas, e uma sucessiva
onda de estudos sobre etnicidade, que retomaram a oralidade como
capacidade de construção e publicidade de estereótipos de si e dos outros.
No caso da pesquisa ora apresentada, o tema em questão, que são os
conflitos em torno da criação e da existência do PEST em diversos
municípios de Santa Catarina, fizeram com que eu tivesse de optar por
utilizar relatos sobre problemas que tramitam, muitas vezes, na esfera
judicial, ou que têm reverberação direta nesse espaço. Em diversas
entrevistas, meus colaboradores “não mediram palavras” quando o tema
em foco era o uso, a posse, a propriedade de terras dentro dos limites do
parque. Nem seus opositores o fizeram.
4
Atualmente, essa observação é senso comum na comunidade de História, de um modo
geral e a lista de referências em torno dessa prática da História Oral antiga” é longa, não
cabendo a mim relatar cada autor.
25
Com o objetivo, portanto, de historicizar tais problemas, e de
preservar a identidade desses colaboradores, classifiquei os relatos pelas
profissões principais dos mesmos e alterei, deliberadamente, a
identificação dos atores em cena. Dessa forma, os agricultores que
entrevistei, nomeados por mim como agricultores, aparecem no texto com
a identificação de “agricultor 1”, “agricultor 2”, agricultor 3”,
sucessivamente.
O capítulo I, “Políticas Brasileiras de Utilização dos Recursos
Naturais e seus Reflexos”, pretende historiar os discursos que
impulsionaram as preocupações a respeito de planejamento e da gestão
ambiental a partir da década de 1970 no Brasil e em Santa Catarina. É
nesse momento de pesquisa para a preservação ambiental, que o PEST foi
criado. Dessa forma, o capítulo também historia o processo legal de
criação dessa área de preservação.
O capítulo II, “Princípios da Criação do Parque Estadual da Serra
do Tabuleiro” trabalha quase que exclusivamente com a história da
formação do parque, em meio aos embates iniciais sobre as relações entre
comunidade intra e extra-parque com a política conservacionista
formalizada por meio de decreto.
O terceiro capítulo, “Caseiros, nativos, sitiantes: as várias faces
do problema da ocupação no PEST”, trata, por fontes orais, das relações
históricas tecidas entre a população local e o papel atual desempenhado
pelo estado nos rumos do PEST.
CAPÍTULO I
1.1 Políticas Brasileiras de utilização dos recursos naturais e
seus reflexos
A resposta da sociedade a um problema depende de
instituições políticas, econômicas e sociais e de seus
valores culturais. Tais instituições e valores afetam o
modo como as sociedades resolvem (ou tentam
resolver) seus problemas. (Jared Diamond)
Este capítulo pretende historiar os discursos que impulsionaram
as preocupações a respeito de planejamento e da gestão ambiental a partir
da década de 1970 no Brasil e em Santa Catarina. É nesse momento de
pesquisa para a preservação ambiental, que o PEST foi criado. Dessa
forma, o capítulo também historia o processo legal de criação dessa área
de preservação.
27
Para tanto, buscou-se responder a duas questões, fundamentais
para entender o processo de formação do PEST e os conflitos sócio-
culturais que permeiam todo o histórico dessa área de preservação. A
primeira, sobre os discursos de planejamento ambiental do período
anterior à formação do parque; ou seja, de que forma começou a serem
pensadas as formas de conservacionismo, e qual a finalidade específica da
formação de áreas de preservação no Brasil.
A segunda, acerca das políticas de legitimação do PEST, ou seja,
as medidas adotadas para integrar a área do parque aos planos de
desenvolvimento sustentável para o Estado de Santa Catarina. A crise
ambiental atual, para Enrique Leff (2001), é propulsora de mudanças
econômicas, sociais e científicas, uma vez que a história do mundo reflete-
se como um “erro platônico”, no momento em que engendrou a ciência
moderna como dominação da natureza, o que produziu a economização do
mundo.
Ou seja, a exploração excessiva dos recursos naturais tornou a
relação entre sociedade e meio ambiente preservado, um campo
conflituoso, pois a extração de água, de frutas, de madeira, de minerais e
até mesmo do ar, não eram discutidas ou questionadas, por serem
entendidas como “dádivas” da natureza ao homem, bens livres e
inesgotáveis.
Nesse sentido, o ambiente não pode ser considerado apenas uma
realidade visível, mas também uma convergência de processos físicos,
biológicos e simbólicos, que, por meio das ações econômicas, científicas e
técnicas do homem, são continuamente reorganizados e reconduzidos.
(LATOUR, 2005: 34)
28
A organização de parques de preservação veio subverter a ordem
natural do ambiente como “dádiva”, inserindo a premissa da adaptação de
territórios que variam de região para região, adaptação essa que, muitas
vezes, e especialmente no Brasil, carecem, ainda, de avaliações mais
precisas que correspondam a realidades ambientais distintas
considerando relações físicas, bióticas, econômicas, sociais, culturais e
que ofereçam uma série de fatores ou contribuam para a transformação
ambiental. (LEFF, 2001: 239)
No Brasil, esses cuidados de avaliação, bem como o sistema de
preservação ambiental foram constituídos tardiamente e as críticas
ambientais surgidas entre os séculos XVIII e XIX caracterizadas como
reação ao modelo explorador colonial baseado no latifúndio, no escravismo
e na monocultura e mau uso da terra são exemplos de que a devastação
ambiental aqui corrente tinha ligação direta com a ausência de políticas
efetivas de controle das intenções humanas sobre o espaço. (SANTILLI,
2005: 45)
Mas essas críticas não se estabeleceram como políticas
enraizadas de exploração racional dos recursos naturais, uma vez que a
projeção de medidas para o desenvolvimento socioeconômico do território
brasileiro o permitiu qualquer forma de restrição ao uso dos recursos
naturais, posto que estes eram, por excelência, a fonte de riqueza dos
empreendedores.
Além disso, a lógica produtiva existente nos espaços requeridos
para a áreas de preservação foram de encontro às políticas desenvolvidas
para conservação. De fato, a conservação ambiental apresenta-se como um
tema bastante recente em nossa sociedade, e que ainda esbarra nas
políticas desenvolvimentistas do país.
29
José Augusto Drummond, ao analisar a Legislação Ambiental
Brasileira de 1934 a 1988, afirma que o tema do meio ambiente não está
inserido como uma questão específica da regulamentação política e de
interesse público até o fim daquele período. (DRUMMOND, 1997: 128)
O autor faz uma contextualização das primeiras medidas
adotadas no país, e do caráter desenvolvimentista da utilização dos
recursos naturais:
Até 1988 o Brasil nada teve de ambientalista. Pelo
contrário, o período foi desenvolvimentista, no pior
sentido que o termo pode ter para quem se preocupa
com ambiente natural. Não é que o desenvolvimento
socioeconômico seja incompatível com a qualidade
ambiental, nem que o atraso econômico seja
necessariamente benigno ao ambiente natural. No
caso, a nossa sociedade e seus governos se mobilizam
pelo crescimento econômico a qualquer custo”. (Id.)
Após constatar uma falta de controle e interesse por parte das
autoridades brasileiras responsáveis pelo planejamento de
desenvolvimento econômico e social em estabilizar a utilização dos
recursos naturais, Drummond traça uma linha de análise sobre as
políticas desenvolvimentistas brasileiras, concluindo que, De fato, foi entre
as duas guerras mundiais que o Brasil acelerou o seu crescimento
industrial, inclusive com políticas governamentais agressivas a partir do
primeiro governo de Getúlio Vargas (1930 1945), especialmente na
ditadura do estado Novo (1937-1945). (Id., p. 25)
30
Do mesmo modo, Drummond assinala que as mudanças
drásticas no sistema governamental tampouco revolucionaram a forma de
exploração de recursos:
na década de 1950, restabelecida a democracia
política, o desenvolvimentismo” virou uma
unanimidade nacional que levou o governo e a
sociedade a se empenharem em fazer do Brasil uma
potência econômica. Em 1964 entramos num longo
período de ditadura militar, mas ela herdou e
aprofundou o projeto desenvolvimentista, e teve amplo
apoio social nesse aspecto. (Id.)
Para finalizar, o autor avalia que a redemocratização tem a
questão ambiental como de interesse de uma minoria:
O fim da ditadura militar em 1985 pouco diminuiu a
fixação dos nossos políticos [...] países ricos,
investidores, ambientalistas estrangeiros, junto com
cientistas e movimentos sociais brasileiros, passaram a
considerar a devastação ambiental não mais como
vantagens que o pais detinha na competição
internacional, mas como custos deletérios, evitáveis e,
no limite, intoleráveis. (Id.)
Nesse mesmo sentido, Juliana Santilli analisa que a questão
ambiental até a década de 1980 tem como entrave a inconsistência das leis
ambientais. Segundo a autora, verifica-se nas leis ambientais editadas
uma orientação conservacionista, voltada para a proteção de ecossistemas
e espécies, mas sem uma dimensão social claramente incorporada.
(Santilli, 2005: 29)
31
É nesse contexto que se inicia uma série de medidas e programas
de ordem internacional, buscando uma forma de conservação da natureza
que mantivesse os processos ecológicos essenciais para que a natureza
continuasse a prestar serviços vitais.28
Mas no caso de países como o Brasil, houve uma certa
estagnação ao considerar a perspectiva de desenvolvimento, que o
considerou uma posterior escassez de recursos naturais.
Ainda segundo Drummond, os principais regulamentos
ambientais de 1934 a 1988 não tiveram como objetivo a preservação dos
recursos, agindo apenas como uma forma de controle racional de
exploração econômica. (DRUMMOND, 1997: 145) Isso exemplifica-se pelo
Código de Águas, ou Decreto 24.643, de 10 de julho de 1934, que separava
propriedade privada dos recursos minerais e hídricos associados à terra, o
que o contribuiu para a preservação, uma vez que o impediu que
estes recursos fossem intensamente explorados e consumidos por
inúmeros órgãos e empresas, como o exemplo específico dos projetos
hidrelétricos que tornam o Brasil uma potência a nível mundial.
Drummond demonstra e afirma desta forma, que a simples intervenção
governamental não significam políticas preservacionista.
Outra medida importante, segundo Drummond nesse mesmo
período, foi a elaboração do Código Florestal, Decreto 23.793, de 23 de
janeiro de 1934, que também separou a propriedade privada da terra dos
direitos de uso da flora nativa a ela associada. Essa medida também não
se refletiu de forma preservacionista, uma vez que, por falta de capacidade
reguladora, o caráter público da flora praticamente submergiu aos diversos
interesses e usos particulares dela, muito embora a lei formalmente
exigisse concessões específicas para quaisquer aproveitamentos florestais.
32
(Id.) Contudo, o Código Florestal inovou ao classificar as florestas segundo
planejamento de preservação, em quatro tipos: protetoras, remanescentes,
modelo e produtivas.
Dentre estas, as florestas remanescentes são aquelas localizadas
em Parques Nacionais, Estaduais e Municipais, que estariam sob regime
de preservação permanente. Posteriormente, verifica-se a criação da
Secretaria Especial do Meio Ambiente (Sema), pelo Decreto 73.030, de 30
de outubro de 1973, ligada à Presidência da República e depois, em 1989,
incorporada ao Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais
Renováveis (Ibama), que instalava, desde o fim da década de 1970, suas
próprias Unidades de Proteção Ambiental, chamadas de Estações
Ecológicas e Áreas de Proteção Ambiental (APAs), que se distinguem
conceitualmente de parques e reservas biológicas, pois as estações
previam experimentos científicos e as APAs abarcavam áreas degradadas e
intensamente usadas. (DRUMMOND, 1997: 143)
Segundo Juliana Santilli, com a criação da Sema, pela primeira
vez na história do país, estabeleceram-se os princípios e objetivos da
Política Nacional do Meio Ambiente, por meio da instituição do Sistema
Nacional do Meio Ambiente (Sisnama), tratando o meio ambiente de forma
sistêmica.32 Sobre esse processo, a autora afirma que:
Até então as leis tratavam os bens ambientais de forma
isolada e desarticulada águas, florestas, fauna: cada
recurso ambiental era regulado em um instrumento
jurídico separado: código das águas, código florestal, lei
de proteção a fauna, etc; e não havia um instrumento
jurídico que considerasse a política ambiental como um
todo articulado e sistêmico. (SANTILLI, 2005: 29)
33
Historicamente, a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente
torna legalmente obrigatória a avaliação de impacto ambiental e o
licenciamento de atividades efetiva ou potencialmente poluidoras.
Estabelecida em 1981, essa Lei buscou padrões e mecanismos capazes de
colocar em prática o desenvolvimento sustentável, orientando setores
públicos a nível Federal, Estadual e Municipal. Segundo Santilli:
Foi também a primeira lei a conferir legitimidade ao
Ministério Público para promover responsabilidade civil
e criminal por danos ambientais, embora em 1985 o
Ministério Público tenha passado a contar com um
instrumento processual eficiente para responsabilizar.
civilmente os autores de danos ambientais, com e
edição da Lei 7347/85, que cria a ação civil
pública”. (SANTILLI, 2005: 132)
Desse modo, um avanço bastante grande da política
ambiental na década de 1990 e a partir do ano de 2000, especialmente
após a Lei nº 9433/97 (que institui o Sistema Nacional de Recursos
Hídricos) e a Lei 9985/2000 (que institui o Sistema Nacional de
Unidades de Conservação da Natureza), que romperam com a orientação
conservacionista e passaram a prever mecanismos e instrumentos de
gestão de bens socioambientais.
Pode-se perceber, então, que a questão ambiental sofre um
processo de coesão, onde políticas isoladas passam a ser controladas por
instrumentos de gestão governamentais. Contudo, as medidas instituídas
no período anterior aumentaram a distância entre a consolidação da
gestão ambiental e as políticas desenvolvimentistas.
Conseqüentemente, a preocupação com as questões ambientais
continuou a não ser prioridade no que tange a medidas efetivas de controle
de exploração. A década de 1970 foi marcada pelo avanço desenfreado da
34
economia através da exploração da natureza. Tanto é que, o modelo de
desenvolvimento agrícola adotado nesta década baseava-se na intensiva
utilização de sementes melhoradas (sementes bridas), insumos
industriais (fertilizantes e agrotóxicos) e uma grande mecanização do
manejo agrário, conhecido como “revolução verde”. (PONTIG, 1995)
É claro que a agricultura não representa diretamente, uma
exploração da “natureza natural”, mas sim de uma paisagem
domesticada para fins econômicos. Contudo, a consolidação do processo
de modernização passou, obrigatoriamente, pela etapa anterior de
devastação de áreas de floresta com vistas ao plantio de diversas culturas,
principalmente em regime de monocultivo, o que representava, em última
análise, a alteração de regimes ecológicos.
No Brasil, o primeiro Parque a ser criado foi o de Itatiaia, em
1937, com o objetivo de incentivar a pesquisa científica e como alternativa
de lazer para as populações urbanas. Até então a criação das Unidades de
Proteção Integral ainda não levava em consideração a existência de
populações vivendo no seu interior ou arredores.
A preocupação com a formação de áreas ambientais protegidas
alcançou expressão significativa no Brasil a partir de 1970, com as
conferências da Organização das Nações Unidas para a Educação, a
Ciência e a Cultura (Unesco) para o estudo das possibilidades de
aproveitamento eficiente dos recursos da natureza.
Mas entre 1937 e 1964 criaram-se 16 Parques Nacionais e 32
Florestas Protetoras da União, 36 o que prova uma boa capacidade de
previsão dos engenheiros florestais do período, garantindo a preservação
de importantes ecossistemas brasileiros, bem como permitiu o
renascimento espontâneo de outros. (DRUMMOND, 1997: 132) O termo
35
Floresta Protetora era uma figura jurídica, encontrada pelo Estado
brasileiro para implementar sua política conservacionista. Ressalta-se que
o conceito parece transformar a floresta num sujeito capaz de reproduzir a
sua própria proteção, mas, na verdade, a floresta, mais que “protetora”,
tornava-se protegida pela lei.
No entanto, o confronto entre a lógica econômica e as políticas de
preservação ambiental apresenta-se, segundo Cristina Adams, devido aos
graves problemas de distribuição de terras, pobreza e fome existentes em
países em desenvolvimento, caracterizando o conceito de áreas naturais
protegidas como intocáveis, (ADAMS, 2003: 27) uma vez que estes espaços
são usados, invariavelmente como fonte de recursos por sua abundância e
pelo precário ou inexistente controle dessas áreas.
A criação de Parques Nacionais, Estaduais e Municipais,
mediante determinação do poder público, foi estabelecida pelo Código
Florestal, Lei 4.771, de 15/09/1965, mais precisamente no art. 5º, cujo
texto afirma que o Poder Público criará:
Florestas Nacionais, Estaduais e Municipais com a
finalidade de resguardar atributos excepcionais da
natureza, conciliando a proteção integral da flora, da
fauna e das belezas naturais com a utilização para
objetivos educacionais, recreativos e científicos;
Florestas Nacionais, estaduais e municipais, com fins
econômicos, técnicos ou sociais, inclusive reservando
áreas ainda não florestadas e destinadas a atingir
aquele fim.
PARÁGRAFO ÚNICO: Ressalvada a Parques Nacionais,
estaduais e Municipais e reservas biológicas, com
cobrança de ingresso a visitantes,destinada ao custeio
da manutenção e fiscalização, bem como obras de
melhoramento em cada unidade, é proibida qualquer
forma de exploração dos recursos naturais nos parques
e reservas biológicas criados pelo poder público na
forma deste artigo. (Lei Federal 4.771/1965)
36
Os parques ambientais são um tipo de UCs caracterizadas por
grandes áreas, que apresentam peculiaridades em suas terras e seus
componentes (vegetação, hidrografia, geologia, etc), geralmente
pertencendo ao poder público. Esses espaços, onde a natureza é
reivindicada para preservação, passam a ter suas dimensões estabelecidas
segundo as relações sociais intencionalmente projetadas.
Segundo Antônio C. S. Diegues, as representações diferenciadas
de natureza significam tipos de organização social e econômica diferentes
[...] e cada um destes sistemas determina um modo específico de utilização
dos recursos naturais, segundo uma racionalidade específica. (DIEGUES,
2004: 64)
Os parques ambientais nacionais brasileiros foram geridos desde
1930 pelo Ministério da Agricultura. Em 1967 passaram para a égide do
Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal e, desde 1989 são de
responsabilidade direta do Instituto de Meio Ambiente e Recursos Naturais
Renováveis (Ibama). BRIGHTWELL, 2006: 61)
Diegues (2004) aponta para um aumento significativo de áreas
naturais protegidas por década no Brasil e no Mundo. Nesse sentido, o
autor identifica essas áreas colocando-as em relação ao tempo e constata
que, antes de 1900, enquanto havia 37 parques no mundo, o Brasil não
apresentava sequer uma unidade de conservação, apesar das propostas
formuladas ainda no final do século XIX.
A escalada de instalação de reservas entre os anos 1930 e 1939
apresentava 251 unidades de conservação no globo, e o Brasil
correspondia agora com três parques nesse cômputo.
37
Entre 1940 e 1949 o Brasil não criou nenhum parque, enquanto
outros países implantaram 119 unidades de conservação. O Brasil só
entrará na casa da dezena de parques na década de 1980, quando terá 58
parques, frente a 781 instalados no mundo. Essa realidade pode ser
melhor visualizada por meio da Tabela 1.
Segundo Diegues, a preocupação com a proteção da
biodiversidade é somente parte do motivo de significativo aumento de
áreas protegidas. Outro fator condicionante foi a transformação destas
áreas numa importante arma política para as elites dominantes de muitos
países de terceiro mundo, como forma de obtenção de ajuda financeira
externa; de modo que ficam delineados na questão ambiental problemas de
caráter político social e econômico que não se reduzem a uma simples
38
questão de “conservação do mundo natural”, e mesmo proteção da
biodiversidade. (DIEGUES, 2004: 54)
Nesse mesmo sentido, na Conferência de Estolcomo, de 1972, o
surgimento da preocupação com o meio ambiente em países em
desenvolvimento, sugeria estabelecer medidas e providências do rol dos
direitos humanos, de forma a minimizar os impactos ambientais,
contribuindo para o desenvolvimento sustentado, ou seja, a busca de um
equilíbrio entre a complexibilidade do processo civilizatório, que visa
progresso em descobertas, conquistas, transformações e invenções; e a
sustentação da natureza que implica em renunciar alguns métodos citados
para o progresso.
Em 1974, o Simpósio Integrado entre o Programa das Nações
Unidas para o Meio Ambiente e a Conferência das Nações Unidas sobre
Comércio e Desenvolvimento, os países pobres enfatizaram que os
problemas ambientais decorrem não do crescimento econômico
descontrolado, mas das atividades induzidas pela pobreza. A partir de
então o termo ”poluição da pobreza” passaria a ser usado para designar os
problemas ambientais resultantes de atividades básicas de sobrevivência,
como a exaustão dos nutrientes do solo através das práticas de
sobrepastoreio e a destruição das florestas, causada pela crescente
demanda por fornecimento de energia. (ALEXANDRE, op. cit. p. 45)
Quatro anos após a promulgação da Constituição de 1988,
realizou-se no Brasil a 2ª Conferência das Nações Unidas sobre Meio
Ambiente e Desenvolvimento (ECO-92), um evento científico, militante e
político no qual diversos documentos, propostas e agendas
políticoambientais foram discutidas à luz do Direito Ambiental
Internacional. (KLANOVICZ, 2007)
39
Desenvolveu-se, a partir de então, uma concepção equivocada de
que os recursos naturais podem ser extraídos sustentavelmente,
(DRUMMOND, 1997: 45)
prejudicando a conservação da biodiversidade e
tornando a formação de áreas protegidas um recurso ineficaz e de
impactos negativos perante os projetos de desenvolvimento social.
Em 1987, o Relatório das Nações Unidas, intitulado “Nosso
Futuro Comum”, conhecido como Relatório de Brundtland destaca três
componentes fundamentais para um modelo de desenvolvimento
sustentável: proteção ambiental, crescimento econômico e equidade social;
cunhando a idéia de que o desenvolvimento deveria ser não somente
ambientalmente sustentável como também socialmente sustentável e
economicamente viável. Dessa forma, a análise da problemática ambiental
passa a ter dimensões mais amplas.
A necessidade de pensar a preservação ambiental em
consonância com os projetos desenvolvimentistas trouxe á tona a definição
de sustentabilidade. Na Conferência das Nações Unidas sobre Meio
Ambiente e Desenvolvimento, em 1992, o termo “agricultura sustentável”
determinou uma eficiência ecológica, econômica e social, garantindo ao
sistema produtivista. A manutenção a longo prazo dos recursos naturais e
da produtividade agrícola; O mínimo de impactos adversos ao meio
ambiente; Os retornos adequadosaos produtores; A otimização da
produção com o mínimo de insumos externos; A satisfação das
necessidades humanas de alimento e renda; O atendimento das
necessidades sociais das famílias e comunidades rurais.
A leitura, ainda que de superfície, sobre esse internacionalismo
da legislação pertinente às áreas de preservação, indica que uma
descontinuidade no que se refere à diferença com que se aborda a questão
do espaço, aqui entendido como resultado da ação humana, expressando
40
suas relações sociais, e a instituição de áreas ambientais protegidas. A
imposição de um método de conservação em áreas de intensa ocupação e
produção através da utilização dos recursos naturais limitou a
regularização fundiária do espaço em questão.
Isso exige que considere-se o questionamento da viabilidade de
adoção de metas quantificáveis de participação de indivíduos na gestão de
áreas protegidas, uma vez que o ambiente fornece os recursos a partir dos
quais os seres vivos definem seu habitat, gerando uma incompatibilidade
entre a conservação e a utilização dos recursos naturais.
Entre os princípios pautados na ECO-92, dois servem para
caracterizar melhor as questões conflituosas na Implementação do PEST.
Não se pode afirmar que houve uma espécie de “transmissão” dos
problemas debatidos diretamente na conferência para o cotidiano de
diversos indivíduos que vivem no entorno e no interior do parque, mas,
externamente, as preocupações decorrentes da necessidade política de
participação social na gestão ambiental de territórios protegidos, bem
como o acesso liberado à informação sobre as questões ambientais acabou
reverberando na perspectiva social de construção desses indivíduos como
agentes políticos e reivindicatórios no que diz respeito ao próprio PEST.
O próprio MPF, ao tratar diretamente da questão do PEST
passou a considerar como primordial uma dupla via de ação para a
resolução dos conflitos sócio-ambientais daquele território, que passasse
pela rapidez do Estado em indenizar famílias residentes na localidade,
além de buscar novos locais de assentamento para os ex-moradores do
parque, e que as famílias também buscassem discutir as possibilidades de
preservação da área com base nas experiências históricas de convivência
naquele ambiente.
41
Os movimentos sociais articulados aos movimentos
ambientalistas partir da cada de 1980 deram origem ao que
posteriormente chamou-se de socioambientalismo brasileiro, que segundo
Santilli (2005), foi construído com base na idéia de que as políticas
públicas ambientais devem incluir e envolver as comunidades locais,
detentoras de conhecimentos e de práticas de manejo ambiental.
Apesar da preocupação legal sobre a inclusão dos anseios
populares em torno das áreas de preservação, os estudos ambientais
necessários à consecução da lei têm dificuldade em adotar metodologias
capazes de responder a realidades ambientais distintas e às diversas
naturezas dos estudos requeridos. (SANTILLI, 2005: 56)
A situação torna-se precária quando o objeto de trabalho envolve,
além dos estudos de impacto ambiental, o zoneamento ambiental,
gerenciamento ambiental e ecodesenvolvimento regional. Esses são
recursos de ordem técnica e institucional para fiscalizar e executar as leis;
onde respectivamente previnem as ações degradantes do meio ambiente,
delimitam o espaço geográfico, estabelecendo regimes especiais de uso e
utilização do espaço, servem como ferramenta de controle e buscam novas
alternativas de produção em áreas protegidas.
Manifestam-se assim, duas ordens estruturais para os conflitos
instaurados na implementação de áreas protegidas. A primeira, de caráter
institucional, onde as normas que regem a existência da área de
preservação não se identificam com o modo de captação de recursos ou de
sobrevivência da área povoada, tanto no que se refere ao plano político
público, quanto a esfera privada. E a segunda, direciona-se as atividades
de utilização dos recursos naturais; ou seja, na série de práticas que
caracterizaram a relação entre homem e meio ambiente como conflituosa e
insustentável.
42
O conceito de desenvolvimento sustentável sugere busca de um
equilíbrio entre o processo civilizatório, que visa o progresso em
descobertas, conquistas, transformações e invenções; e a sustentação da
natureza, que implica em renunciar alguns métodos citados para o
progresso. Armando Dias Mendes, ao trabalhar sobre natureza e cultura
como base para um desenvolvimento sustentável questiona: Qualquer
empresa humana consome a natureza, não a sustenta: Atenta contra ela
em maior ou menor grau. Mas se a natureza do mundo for destruída,
não poderá ser construída a empresa do homem.
Como fugir do oxímoro? São questões como estas que tornam a
questão ambiental um tema de relações sociais tensas. As disparidades
que o modelo político de preservação apresenta soma-se aos problemas de
utilização do espaço; este aqui entendido como uma representação
cultural, resultado da ação dos homens, nas formas diferenciadas de
organizar o mundo envolta e os interesses que estão em questão.
(ARRUDA, 2000)
A complexidade da questão ambiental no Brasil caracteriza-se
como uma questão multifacetada. Inicialmente, os grupos ambientalistas
limitaram-se aos problemas ambientais urbanos decorrentes da poluição
industrial. (FATMA, 2003: 43) Sobre este assunto, Agripa Faria Alexandre
afirma: “As atividades econômicas relacionadas com a apropriação do meio
rural, principalmente aquelas referentes ao desmatamento, erosão e
poluição dos rios pelo uso de fertilizantes e herbicidas, não recebiam a
atenção devida da política ambiental.” (ALEXANDRE, op. cit. p. 50)
No Estado de Santa Catarina, os problemas oriundos da
utilização inadequada dos recursos naturais intensificaram-se com a
ocupação do espaço resultante de processos migratórios, pelo êxodo rural
43
e instalação de unidades industriais, incentivados inicialmente pelas
políticas desenvolvimentistas adotadas no país nas décadas de 1950 e
1960, e também mais recentemente, pelos incentivos concedidos ao
turismo em massa. (Id.)
Em Santa Catarina, as Unidades de Conservação são de
responsabilidade da Fundação do Meio Ambiente de Santa Catarina
(FATMA), que é um órgão recente, datando sua fundação de 1975, com a
finalidade, segundo seu regimento:
Resguardar os atributos excepcionais da natureza,
mantendo a proteção de toda fauna e flora, bem como
as belezas naturais, podendo estas ser utilizadas para
fins científicos, culturais e recreativos, ficando proibida
a exploração de recursos naturais, exceto para
visitação pública, sobre a qual poderá ser cobrado
ingresso. (BRASIL SNUC op. cit.)
A história da criação deste órgão confunde-se com a história da
criação do Parque Estadual da Serra do Tabuleiro, que foi criado no dia
primeiro de novembro de 1975, através do Decreto N/SETMA 1260,
assinado pelo então Governador do Estado Antônio Carlos Konder Reis,
por intermédio, incentivo e trabalho de Pe. Raulino Reitz, que representava
um dos maiores conhecedores de campo sobre a biodiversidade no Estado
de Santa Catarina.
Nascido em Antônio Carlos/SC, em 1919, Raulino Reitz dedicou
grande parte de sua vida aos estudos zoobotânicos, participando
diretamente da criação de Unidades de Conservação. Ele é autor da
minuta do decreto que criou a FATMA, onde permaneceu como fundador,
diretor e pesquisador de 1976 a 1886, quando foi transferido para a
44
Empresa Catarinense de Pesquisa Agropecuária S/A (Empasc). (FATMA,
2006)
A demarcação de parques é uma problemática que desafia
governos. A forma de ocupação do território, queimadas, apropriação de
recursos como a madeira, a falta de fiscalização e leis pouco rigorosas
constituem-se como elementos de entrave para sua legitimação.
Segundo Agripa Faria Alexandre (2005), as contribuições mais
comuns sobre os problemas relacionados ao meio ambiente e
desenvolvimento estão fortemente marcados pelo viés descritivo e pouco
incisivo no que tange as reais preocupações que os problemas suscitam
para a mudança de atitudes e comportamentos.
A polêmica se coloca na relação entre a produtividade e a
necessidade de proteger de forma integral o meio ambiente, tornando difícil
um entendimento quanto à utilização do território. O direito à propriedade
é um dos institutos jurídicos mais afetados pela Legislação Ambiental,
estando seu conceito em condições de sofrer alterações para que seja
compatível com a proteção ambiental.
A natureza e a sociedade m sua relação baseada no trabalho e
na Organização dos recursos naturais para este fim. Dessa forma, as
alternativas buscadas para utilizar diretamente o espaço de uma área de
preservação ambiental implicam em colocar uma outra perspectiva, que
considere a limitação geográfica e o cotidiano cultural das populações
envolvidas.
Agripa Faria Alexandre utiliza o conceito de modo de
apropriação” na análise dos conflitos socioambientais no Brasil, que inclui:
Os sistemas de valores e de representações cognitivas dos atores sociais
45
envolvidos direta ou indiretamente nos conflitos; os usos possíveis dos
recursos; as modalidades de acesso e do controle do acesso aos recursos;
as modalidades de transferência do direito ao acesso de recursos; e as
modalidades de repartição ou partilha dos recursos e os frutos de sua
exploração. (Id.)
Estes modos de análise reforçam a necessidade de um
desdobramento de discussões no plano institucional de preservação
ambiental. A intervenção estatal para preservar o meio ambiente, ao
limitar demasiadamente o uso do território, tem o dever jurídico,
estabelecido pelo direito de propriedade, de indenizar o proprietário, de
modo a conciliar os interesses particulares de produção, com os interesses
coletivos de função social e preservação ambiental. Porém o custo dessas
indenizações para o estado é bastante alto, o que torna a implementação
de áreas protegidas um confronto entre a esfera privada de utilização do
território, a esfera privada de cunho estatal, e a esfera pública de
preservação ambiental.
CAPÍTULO II
2.1 Princípios da criação do Parque Estadual da Serra do
Tabuleiro
Ao decreto de criação do PEST em 1975, seguiu-se a elaboração
do Plano Diretor do Parque no ano seguinte, visando sua efetiva
implementação. As pesquisas e informações sobre clima, hidrografia, flora,
fauna, aspectos sócio-econômicos, entre outras, serviram de base para a
assinatura de um outro decreto, o Decreto Estadual n. 2.335 de 17 de
março de 1977, que anexava mais áreas ao Parque Estadual da Serra do
Tabuleiro, que seriam, segundo o geógrafo José Schmitz:
Os Mangues dos Rios Cubatão e Aririú, mais as terras
de marinha; Ilha do Largo e as Ilhas do Andrade,
Papagaio Pequena e Papagaio Grande; Sopé do Morro
dos Cavalos; Delta interno do rio Maciambu; Ponta dos
Naufragados; Ponta da Gamboa; As areias de Macacu e
lagoa do Siriú. (SCHMITZ apud FORTKAMP, mimeo)
47
É interessante ressaltar que o histórico do Parque Estadual da
Serra do Tabuleiro apresenta uma série de anexações e desanexações, que,
apesar de modificarem muito pouco a extensão da área de preservação,
inserem-se de maneira interessante no processo de regulamentação
fundiária do território. Segundo a proposta de zoneamento elaborada para
o Parque em 2002, foram incorporados mais 1.710 hectares ao território
de 1979.
Por outro lado, em 1979, o Governo do estado lançou outro
Decreto 8.857, de 11 de setembro, que desanexou áreas que, de acordo
com organismos ambientais governamentais de hoje, eram de extrema
relevância ambiental: 1. Área em São Bonifácio, entre o perímetro urbano
da sede do município e as terras da CIAMA (Companhia Madeireira Santo
Amaro Indústria e Comércio); 2. Área em Queçaba, município de
ÁguasMornas; 3. Área na face norte do Morro Queimado, em Santo Amaro
da Imperatriz; 4. Área da Enseada do Brito, Morro dos Cavalos, em
Palhoça; 5. Área das praias da Pinheira e Sonho, e próximas da Pinheira e
Sonho, e próximas às vilas da Pinheira e Guarda do Embaú, em Palhoça.
(FATMA, 2003: 10)
Desta forma, o PEST passou a abranger territórios de nove
municípios: Águas Mornas, Florianópolis, Garopaba, Imaruí, Palhoça,
Paulo Lopes, Santo Amaro da Imperatriz, São Bonifácio e São Martinho. E
sua parte marinha passou a compreender as Ilhas da Fortaleza, Papagaio
Grande e Papagaio Pequena, Três Irmãs, Moleques do Sul, Siriú, Coral,
Cardos e o sul da ilha de Santa Catarina, em Florianópolis. (Id.)
O Parque caracteriza-se fisicamente, iniciando no litoral, pela
paisagem da restinga, com dunas e mangues, campos de gramíneas e
arbustos, além de uma vegetação arbórea bastante densa e uniforme. A
fauna da região é riquíssima, tendo sido comparada a do Pantanal Mato-
48
grossense pela sua diversidade. A vegetação da Floresta Pluvial da Encosta
Atlântica, que é a vegetação que se inicia na restinga e sobe a encosta da
Serra do Mar. É extraordinária a variação das condições geoclimáticas; e a
encosta da Serra do Tabuleiro constitui-se numa das melhores e mais
representativas amostras remanescentes da Floresta tropical atlântica do
sul do Brasil. É comum a ocorrência de perobas, canelas, guapuruvu e
palmiteiros, merecendo a atenção a quantidade de bromélias e orquídeas,
entre elas a Laelia purpurata, planta que é o símbolo do Estado de Santa
Catarina.
Também é característica marcante a vegetação da Matinha
Nebular nas encostas abruptas entre 700 e 1200 metros. São árvores de
porte menor, com troncos tortuosos e copas quase sempre irregulares e
abertas. É uma mata mais homogênea, composta por menor variedade de
plantas e recebe este nome por estar quase sempre coberta de neblina.
No planalto, a vegetação dos pinhais é facilmente identificável
nas copas características das araucárias. No Parque Estadual da Serra do
Tabuleiro, essa formação está representada por pequenos núcleos de
pinhais na parte da Serra do Capivari. Os campos de altitude estão
situados nas pequenas chapadas do alto da Serra do Tabuleiro, são
cobertos em sua maior parte por gramíneas, tiriricas e outras ervas,
podendo ocorrer a formação de capões. (INSTITUTO SYNTHESIS, 2003: 3)
De modo geral, podemos designar duas grandes fisionomias que
compõem o território do PEST. A serrana, composta pelas Serras do
Tabuleiro e do Cambirela, além da parte da serra do Capivari; e o ambiente
da Planície Litorânea, que vai desde a foz do rio Massiambu, até a
Gamboa, excluindo as praias da Pinheira e do Sonho e a vila da Guarda do
Embaú.
49
Sua imensa biodiversidade representada nas cinco composições
vegetais que, à exceção da Floresta Estacional Decidual do Rio Uruguai,
reúne todos os tipos de vegetação presentes em Santa Catarina, justificaria
ecologicamente a criação do parque. Porém, a legislação das UCs no
Estado lista uma série de motivos que justificam sua existência. Entre
elas, afirma-se a necessidade de considerar as múltiplas possibilidades de
lazer e turismo da área, a implantação de empreendimentos industriais
que dependem do consumo de água, as atividades científicas em
realização, e o imperativo de salubridade urbana que propõe a preservação
de 12 metros quadrados de área verde por habitante dentro da área da
grande Florianópolis. (FATMA, 2003: 60)
Entretanto, entre as mesmas justificativas para a criação da área
de preservação, afirma-se que a implantação do parque não entrará em
choque com as metas de desenvolvimento urbano e industrial do Estado,
mas favorecerá a máquina do crescimento, compatibilizando-o com a
qualidade de vida da população em sua vizinhança e servirá, ainda, como
fator minimizante da poluição em suas áreas de influência. (Id.)
O discurso engendrado para o parque evidencia-se, portanto,
como uma estratégia para o desenvolvimento da região político-
administrativa do estado. Contudo, a atuação humana nessa área tem
como principal foco a utilização dos recursos naturais para subsistência
de muitas comunidades, e mesmo de expansão comercial para muitos
setores sociais, como madeireiros, comerciantes, agricultores e
pecuaristas.
Desta forma, além de uma questão ambiental, trata-se de uma
discussão sobre parâmetros de natureza, trabalho e valor, onde o homem
altera o ambiente conforme a sua maior ou menor relação com este meio.
50
A nomeação de zonas de preservação provocou conflitos em torno das
representações que se fazem do espaço em questão. Ou seja, o
mapeamento das áreas recrutadas para o PEST não significou mudanças
na forma de organização social das comunidades envolvidas. Tanto que,
neste sentido, o mapeamento socioeconômico do Plano Básico de
Zoneamento (PBZ) do parque afirma:
A despeito de diversos (embora isolados) esforços iniciados para
tentar lograr êxito nos objetivos desde a criação, a descontinuidade das
ações, as pressões adversas, as indefinições, e a carência de recursos
financeiros, humanos, administrativos e políticos, levaram a uma situação
de sucessivas frustrações, recuos, negligências e omissões. (PBZ, p. 6)
A questão fundiária do Parque estadual da Serra do Tabuleiro
apresenta-se como um “divisor de águas”, no que tange a conservação. No
relatório do Instituto de Planejamento e Economia Agrícola de Santa
Catarina (ICEPA), de 1999 consta que o decreto de criação do Parque
objetivou, além da defesa do meio ambiente, também garantir o
abastecimento de água para a grande Florianópolis. Desta forma, o
planejamento referente ao processo de legitimação do Parque abarcou uma
série de medidas; entre elas, em 1977, foi dividir a área do parque em 6
regiões (glebas), com intuito de separar as terras devolutas das
particulares.
Desde então, o processo de “recuperação” das terras
desenvolveu-se de forma lenta e limitada. De acordo com o levantamento
sócio-econômico realizado para a elaboração do PBZ do PEST, as ações
administrativas passaram por momentos distintos, através da atuação do
Governo do Estado:
51
A primeira ação governamental no intuito de apurar a
situação fundiária do Parque ocorreu no ano de 1977,
quando o Estado de Santa Catarina ajuizou na justiça
Estadual seis ações discriminatórias, objetivando
separar as terras públicas daquelas acobertadas por
título de domínio. Destas ações duas foram julgadas
ineptas, sem apreciação do mérito, pois não havia
experiência sobre a matéria, objeto de legislação então
recente. As demais ações permaneceram tramitando na
justiça Estadual e Federal, sendo que o Estado optou
pela desistência das mesmas e retomou o procedimento
Discriminatório Administrativo. (Vide Legislação)
Constata-se ao longo da história da implementação do Parque,
uma série de medidas objetivando promover uma vinculação entre a
questão ambiental e o direito de propriedade. Entretanto, na década de
90, o projeto Microbacias Hidrográficas, financiado pelo Banco
Interamericano de Desenvolvimento (BIRD), previa o desenvolvimento de
procedimentos Discriminatórios Administrativos sobre o Parque (uma
Discriminatória Administrativa tem por objetivo promover a apuração das
Terras Devolutas do Estado, extremando as de domínio blico das de
domínio privado).
A Secretaria de Estado da Agricultura e Abastecimento, em
conjunto com a Procuradoria Geral do Estado, promoveram a apuração
das terras devolutas do Estado na área do PEST, visando atingir maior
grau de detalhamento possível num trabalho de caracterização fundiária,
contando com a definição de áreas de atuação, os levantamentos de
ocupação, as Declarações para Cadastro de Imóveis Rurais, os títulos e
registros, e os diagnósticos da área (aspectos físicos, econômicos e com
relação a ocupações, uso do solo e tensão social, dentre outros). (PBZ, p. 3)
52
Trata-se de um período de 25 anos (até a elaboração do
zoneamento), em que a história da implementação efetiva do Parque
Estadual da Serra do Tabuleiro encontra obstáculos na regulamentação
jurídica das terras. E os fatores condicionantes desta situação inseremse
no discurso de planejamento ambiental, aas políticas de implementação
da área de preservação.
Segundo Agripa Faria Alexandre (2005), as formas de
apropriação, uso e gestão do meio ambiente são o foco da tensão existente
entre os interesses coletivos e espaços públicos e os interesses privados e
tentativas de apropriação de espaços públicos.
Neste sentido, o discurso de planejamento ambiental
caracterizado para a criação do Parque Estadual da Serra do Tabuleiro na
década de 1970 e 1980 ainda estava em consonância com as ações
prioritárias de desenvolvimento econômico do Estado. Isto porque, a
exemplo de outros parques, a formação do PEST se deu quando os
recursos naturais estavam sendo devastados em larga escala; e motivo
pelo qual as políticas públicas se confrontam com os interesses locais.
O PBZ assinala a falta de estratégias para a implementação da
Unidade Conservação. A análise do PBZ do PEST permite acesso a uma
gama muito grande de informações científicas para a consolidação da
gestão ambiental. Entretanto tem como lacuna a falta de informações
políticas para a efetiva implementação da área.
53
2.2 O problema da ocupação do PEST
Um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado é a questão que
articula as sociedades atuais entorno de métodos de planejamento e gestão
de áreas naturais. A partir desta afirmação, este subcapítulo tem por
objetivo, discutir a necessidade de pensar o meio ambiente dentro da vida
cotidiana das comunidades afetadas direta ou indiretamente pela formação
do Parque Estadual da Serra do Tabuleiro. E neste caso o termo afetadas
refere-se ao fato de serem alguns moradores ocupantes do espaço antes da
criação da área de preservação.
Nesse sentido, a questão da preservação ambiental alia-se a um
panorama histórico, onde o espaço social ou local de vivência tornaa
natureza em questão culturalmente interpretada. Simon Schama afirma
que custa imaginar um único sistema natural que não tenha se
modificado, para melhor ou pior, quando se referiu ao ato de identificação
e transformação da paisagem pela bagagem cultural das sociedades
humanas.
A parte continental do Parque Estadual da Serra do Tabuleiro
compreende os municípios de São Martinho, São Bonifácio, Palhoça,
Águas Mornas, Santo Amaro da Imperatriz, Paulo Lopes e Imaruí, onde os
pequenos proprietários praticam uma agricultura tradicional originada dos
primeiros colonizadores da região, em sua maioria de origem alemã, que
ocuparam essas áreas no final do século XIX.
Segundo Neres Lourdes Bitencourt, após a fundação da colônia
de São Pedro de Alcântara, os colonos de origem européia procuraram
estabelecer-se nos “arredores da região”, fundando outras comunidades ao
longo do vale do rio Maruim e do rio Cubatão. (BITTENCOURT, 2000: 66)
As técnicas agrícolas empregadas desde o século XIX por esses imigrantes
54
e seus descendentes são alvo de críticas, principalmente no que tange a
relação entre sociedade e natureza a partir do século XX. Isto porque a
exploração excessiva dos recursos naturais desencadeou um processo de
reestruturação social em nível mundial que multiplicou, especialmente a
partir da década de 1970, movimentos de defesa do meio ambiente.
O comportamento dos grupos envolvidos deriva de perspectivas e
poderes sociais diferentes. Entre agricultores, pescadores, arrendatários,
comerciantes, comunidades indígenas e empresários em geral, buscou-se
uma linha de análise que permitisse um quadro histórico de ações e
reações singulares em toda a extensa área do parque. Deste modo, foi
escolhida a comunidade de Várzea do Braço, em Santo Amaro da
Imperatriz como ponto de pesquisa. Assim, as relações são estabelecidas
com as comunidades rurais dos municípios de Imaruí e Paulo Lopes, que
pelo método comparativo tornam-se homogêneas na forma como percebem
e discutem a questão da formação da área de preservação em sua
localidade. Mas também se leva em consideração, o município de São
Bonifácio, que se tornou o ponto diferencial da pesquisa realizada.
Essas comunidades, pelo método comparativo de análise sobre a
questão da utilização do espaço, apesar da distância geográfica e de
diferentes hábitos culturais, tornam-se parecidas no que tange os valores
sociais de comunidade e “consciência coletiva”, ao trabalhar a questão
conflituosa entre preservação, utilização dos recursos naturais e
permanência no espaço em questão por comunidades tradicionais.
Trata-se, portanto, de uma investigação baseada em pequenas
comunidades que, no entanto, refletem problemas encontráveis na grande
totalidade do território recrutado para preservação. Discutir
historicamente a relação que se estabelece entre sociedade e natureza a
partir da criação do PEST em Santa Catarina requer analisar tanto a
55
dimensão entre a ação concreta da preservação, quanto a maneira político-
ideológica pela qual se apresenta a questão do meio ambiente. Tanto sob o
ponto de vista coletivo quanto individual, é interessante que se possa
analisar estas questões na perspectiva da sobrevivência humana, que
depende da utilização racional dos recursos naturais, ao mesmo tempo em
que assegure a perspectiva da proteção da biodiversidade, da qual o ser
humano é parte integrante. Também se deve levar em conta que, a
abrangência de terras dentro da área do parque são diversas nas
comunidades estudadas, como mostra o Gráfico 1:
Gráfico 1 – Distribuição espacial (%) do PEST entre os municípios da Grande Florianópolis. Fonte:
PBZ, 2000.
Entretanto, como se pode observar no referido gráfico, todas as
áreas estudadas possuem grandes porções de terras dentro da área do
Parque; o que, em parte, dificulta o processo de investigação e fiscalização
do processo de manutenção da área de preservação; ao mesmo tampo que
a extensa área de mata atlântica justifica a necessidade de preservação. É
56
necessária uma ressalva ao gráfico 1: apesar de Florianópolis ser
identificado como detendo 0% de área do PEST, pequeno território do sul
da ilha faz parte da UC.
2.2.1 Primeiro exemplo de relação territorial entre PEST e
municípios: São Bonifácio/SC
Nesse contexto, o processo de pesquisa histórica muitas vezes
toma caminhos que independem da vontade do pesquisador. A análise de
inúmeras comunidades que se encontram dentro da área do Parque
Estadual da Serra do Tabuleiro, para que se chegasse a um raciocínio de
pesquisa coerente, devido aos inúmeros enfoques que a pesquisa poderia
abordar, mostraram que poderiam ser quatro as comunidades rurais
pesquisadas.
No entanto, apesar de apresentar características comuns às três
outras comunidades, o município de São Bonifácio se caracterizou de
maneira inusitada na forma como os moradores reagem e entendem a
questão da preservação e utilização do espaço, bem como o processo de
formação da área de preservação ambiental.
No perfil sócio-econômico editado pela Secretaria Estadual da
Fazenda, este município apresenta uma economia instável, de modo que,
desde a década de 1970 até fins da década de 1990, dentre as fontes
geradoras de arrecadação, a expressividade se no ramo da indústria
madeireira, referindo-se basicamente as serrarias.
E segundo esta mesma fonte, apesar de não ser representativo
em termos de arrecadação de tributos, historicamente o que mantém a
57
maioria da população ocupada economicamente no município, é o setor
primário, com destaque para a agropecuária. (Secretaria da Fazenda) O
Mapa 2 mostra a localização do município e sua abrangência de terras
dentro da PEST:
Mapa 2Caracterização regional para o Plano Básico de Zoneamento do PEST. Fonte:
Socioambiental consultoria. [mimeo]
No intuito de analisar a realidade do município frente à questão
do Parque, buscou-se na Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão
Rural de Santa Catarina S/A (EPAGRI) local a relação dos proprietários de
terras dentro da área de preservação. Esses proprietários somam um total
de 132 propriedades, que equivalem a 9.696,54 hectares de terra. Dessas,
58
26 propriedades possuem escritura de posse, e as demais, possuem
escritura pública. (EPAGRI, 2005)
Trata-se, do ponto de vista de área, de uma média alta de
hectares por proprietário, contudo, é necessário pensar essas propriedades
dentro de termos específicos e de condições de uso e ocupação, já que são
entremeadas por diversas áreas nas quais a conversão para uso agrícola
não é apropriada.
Diante das possibilidades, que se imaginava ser muitas, 10
pessoas foram procuradas, com objetivo de aplicar a mesma metodologia
de pesquisa das outras comunidades, que implicaria no processo de
história oral. No entanto, o silêncio foi praticamente unânime quando o
assunto é o Parque Estadual da Serra do Tabuleiro.
Do mero total de pessoas contatadas, seis negaram possuir
terras dentro da área, mesmo com a listagem de proprietários nas mãos do
pesquisador, três se negaram a colaborar com qualquer tipo de informação
formal sobre a questão, e uma aceitou parar suas atividades para uma
conversa, que depois foi liberada para a pesquisa.
Este morador chama-se Dalton Geraldo Buss. Suas terras são
espólios da família, onde nasceu e foi criado, estando então com 40 anos
de idade e produzindo nas mesmas terras. Ele conta que convive com a
questão do parque desde que tinha 09 anos de idade e que, apesar das
inúmeras reuniões e seminários promovidos pelo órgão gestor do parque,
afirma que pouca coisa mudou na região.
59
Segundo Dalton, “as autoridades imaginavam que seria mais
fácil tirar as pessoas de suas terras, e não se deram conta que a maioria
dos colonos sobrevive delas. (BUSS, 2005: 5) As tentativas frustradas de
conversar com as pessoas do município, e a análise da entrevista com o
senhor Dalton somaram um conjunto de pressupostos que nem sempre
estão explícitos, mas que ainda assim ficam determinadas como variantes
de pesquisa.
Nas poucas palavras proferidas sobre a convivência dos
moradores com a questão do parque, o entrevistado deixa claro que São
Bonifácio se diferencia de outras localidades pela forma de utilização dos
recursos naturais. Segundo ele, não houve problemas com êxodo rural ou
mudanças drásticas nos hábitos dos moradores:
Aqui, todos os moradores continuam em suas terras.
Ninguém arredou o pé! O pessoal até fica controlando o
uso das terras, mas eu acho que aqui não precisa
mudar nada. Aqui é mato! No final das contas eles
têm o que eles querem eles querem é mata! E
ninguém desmata mais nada por aqui. Todo mundo
continuou com os campos que já tinham sido feitos, e o
gado fica por debaixo das árvores. no campo nada é
construído. Para cuidar do gado você fica acampado
não tem luz e nem água encanada. Não é lugar de
moradia! Então, não os incomodamos. (BUSS, 2006: 6)
São Bonifácio é o quarto município com maior número de terras
dentro da área do parque. Ao justificar uma maior harmonia entre o
homem e o meio ambiente em São Bonifácio, o senhor Dalton afirma que a
criação de gado não é tão prejudicial ao meio ambiente quanto às lavouras;
e que naquela região a base econômica é a criação de gado, o que
justificaria o fato de não haver tantos conflitos. (Id.)
60
As estatísticas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE) apontam que, a partir de 1995, a lavoura e a pecuária passaram a
representar 50% do espaço de produção. Mas fato surpreendente destes
dados é que, entre as cadas de 1970 a 1995 aumentou
significativamente o número de terras produtivas não utilizadas,
aumentando gradativamente a área de mata nativa, como exemplifica a
Tabela 2:
61
Esses dados possibilitam compreender que, apesar das poucas
transformações nos hábitos regionais, a intervenção política da criação de
uma unidade de conservação, automaticamente estabeleceu limites à
utilização dos recursos naturais. O caso do aumento da área de mata
nativa no município de São Bonifácio na metade da década de 1990 é um
exemplo dessa radical transformação do uso da terra, em virtude da
legislação ambiental e dos imbróglios políticos decorrentes.
No entanto, essa transformação aparente da paisagem não exclui
as comunidades envolvidas da discussão sobre a permanência ou retirada
de populações humanas do interior de unidades de conservação, dado a
apresentação de duas fontes interpretadas. A primeira diz respeito á
legislação das Unidades de Preservação, uma vez que o caráter integral de
conservação, não permite qualquer forma de ocupação do espaço então
delimitado.
A segunda fonte está ligada diretamente à forma como as
populações respondem aos processos de intervenção no espaço, para fins
de preservação ambiental. No caso específico da população de São
Bonifácio, o silêncio passou a ser uma forma estratégica de permanência,
ou seja, aparente inércia nas ações populares possui a expressão de uma
dinâmica social que dificilmente fica esclarecida na transcrição da
metodologia oral, levando-se em conta que esta causa impressões, ligadas
aos elementos corporais, como o olhar, os gestos, o ambiente, a voz, que
não podem ser literalmente passados à forma escrita, e que, no entanto,
influem tanto na percepção tanto do enunciador como do ouvinte.
Entretanto, o mesmo não acontece com outras comunidades
rurais que se encontram dentro ou no entorno do Parque. As condições
para a sobrevivência e vivência em comunidade se configuram num
conflito de paradigmas, que pede uma mudança profunda no pensamento,
62
percepção e valores de uma determinada realidade. Além disso, questões
paralelas como o direito à propriedade por parte de moradores instalados
depois da área de preservação, e produtores rurais que trabalham com
produtos orgânicos são questões paralelas e que se somam ao conflito
instaurado pela dicotomia entre a lógica econômica e a lógica da
preservação que motivou a criação do parque.
A complexibilidade no campo da pesquisa histórica tornou-se
acentuada, à medida que se questionava quais seriam as diretrizes para o
desenvolvimento da pesquisa na área de história ambiental, uma vez que o
papel e a utilização da natureza no cotidiano das comunidades envolvidas
implicaria em trabalhar com fontes oficiais tradicionais, mas também, em
grande escala, exigia a análise de fontes que não podem ser testadas ou
explicadas por fórmulas e métodos conceituais tradicionais. Neste sentido
então, vale ressaltar que a subjetividade encontrada na pesquisa estará
sempre ligada às fontes tradicionais, de modo que não suscitem
controvérsias quanto ao método, apesar de não ditarem, em regra, que o
conteúdo disposto por ambas, ofereça dados iguais e coerentes.
Os métodos tradicionais de produção agrícolas fazem com que as
comunidades rurais entrem em conflito com órgãos de fiscalização
ambiental como a FATMA, IBAMA, Polícia Ambiental e principalmente com
o Ministério Público, por terem como meio de subsistência a produção de
hortifrutigranjeiros, fazendo uso de técnicas consideradas inadequadas por
desgastarem rapidamente o solo e provocarem o desmatamento, e usarem
agrotóxicos em suas plantações.
Estas comunidades sentem-se ameaçadas pelas políticas
públicas de proteção à unidade de conservação em questão. As tentativas
de impedir a degradação ambiental intensificaram o impacto social, gerado
pelas transformações no plano econômico da região que deve se adequar à
63
legislação ambiental vigente e satisfazer as exigências de um novo
mercado, que busca alternativas para um aproveitamento menos
impactante. Um exemplo destas tentativas é a produção orgânica dentro
da área do parque, conforme os conceitos de utilização sustentável dos
recursos naturais. (BITTENCOURT, 2006: 7)
2.2.2 Santo Amaro da Imperatriz/SC e outras localidades
Conhecido historicamente desde 1809, quando um inglês Loccok
registrou a existência de águas termais, que passaram a ser usadas para
fins terapêuticos, e intensamente disputadas por indígenas e colonos após
a visita de D. Pedro II e Dona Tereza Cristina, o município de Santo Amaro
da Imperatriz tem uma área de 309,73 km², sendo que 62,64% deste
território encontram-se ocupado pelo Parque Estadual da Serra do
Tabuleiro. É um município conhecido por fazer parte do aglomerado
urbano de Florianópolis e, por receber migrantes da serra catarinense, que
buscam emprego na capital e se estabelecem em seu entorno, em busca de
melhores condições de vida. Por isso sua principal característica é a de
cidade dormitório. (SOCIOAMBIENTAL CONSULTORIA PEST, p. 8)
Estatísticas do IBGE apontam para uma gradativa transformação
do perfil econômico do município, devido à significativa concentração da
população na área urbana entre as décadas de 1970 a 1998. (IBGE
documentos avulsos s/d) Segundo dados da prefeitura municipal, as
principais atividades econômicas são o comércio em geral e a prestação de
serviços, que atendem muitas demandas dos municípios vizinhos; com
especial atenção para as águas termais, exploradas pela atividade
turística, sendo uma crescente fonte de arrecadação de recursos.
(PREFEITURA MUNICIPAL DE SANTO AMARO DA IMPERATRIZ, 2000: 36)
64
Ainda neste mesmo período, os dados apresentam a diminuição
de tributos vindos do setor secundário, representado pela indústria
madeireira. Segundo as fontes, a atividade extrativa foi bastante
significativa até a década de 1970, período de criação do PEST.
Atualmente, as atividades estão condicionadas ao beneficiamento
de madeiras vindas do Norte do país e a ares de reflorestamento. O Mapa 3
ilustra a localização do município e a área de Santo Amaro da Imperatriz
tomada pelo PEST:
Mapa 3Município de Santo Amaro da Imperatriz/SC em relação ao PEST. Fonte:IBGE, 1999.
65
Por apresentar uma grande área territorial dentro do PEST, a
estrutura fundiária tornou-se o principal conflito entre a população e os
instrumentos de preservação ambiental. Mudanças substanciais como a
utilização de orgânicos e o conceito de utilização sustentável dos recursos
não foram aceitas pelos órgãos administradores do parque.
O Gráfico 2, sobre os estabelecimentos rurais entre as cadas
de 1970 e 1998, contribui para compreender a relação entre o tamanho
das propriedades e a perda de importância do setor agrícola de Santo
Amaro da Imperatriz entre 1970 e 1995:
Gráfico 2 – Estabelecimentos rurais em Santo Amaro da Imperatriz/SC (1970-1998). Fonte:
Censos Agropecuários da Epagri, Santo Amaro da Imperatriz/SC.
um acréscimo no número de propriedades durante o período,
que, de acordo com dados da EPAGRI passaram de 250 para 554
estabelecimentos no referido período. Mas a ocupação foi seguida de um
66
desaquecimento da produção, e do uso produtivo dessas mesmas
propriedades. Contudo, ainda o fontes detalhadas sobre o
crescimento do número de propriedades, levando-se em conta que houve
um decréscimo da quantidade de estabelecimentos com estrato de área
entre 10 e 100 hectares. Observa-se, claro, que existe uma quantidade
crescente de sítios de lazer na região, tomando espaço de áreas produtivas,
e que esses sítios são propriedades, principalmente, de indivíduos
residentes na área urbana do município de Florianópolis/SC.
Ainda sobre a questão do uso da terra, fontes do IBGE permitem
afirmar que no período de 1970 a 1990 houve o crescimento da área de
mata nativa dentro dos estabelecimentos, fato este que reforça o abandono
de atividades agrícolas. Entretanto, também houve aumento das áreas de
pastagens atividade que substituiu a lavoura em muitas propriedades.
Vale destacar que, Santo Amaro da Imperatriz estabelece-se como centro
produtor de hortifrutigranjeiros, estando em segundo lugar na produção
estadual do tomate e em décimo - quarto na produção de batata.
(PREFEITURA MUNICIPAL DE SANTO AMARO DA IMPERATRIZ, 2000: 40)
O alto consumo de produtos químicos, sejam adubos,
fertilizantes e principalmente defensivos, torna bastante conflituosa a
atividade agrícola, principalmente em relação aos mananciais de água
existentes na região. Explicitamente este assunto fica colocado na
comunidade de Várzea do Braço, comunidade que fica dentro do PEST.
A geografia do PEST compreende a vegetação da Mata Atlântica
e, principalmente nas regiões agricultáveis, problemas quanto à
legalização das propriedades, pois, a prática agrícola e as pastagens são
empecilhos na manutenção dos ecossistemas. Um exemplo é a bacia
hidrográfica do rio Cubatão, que é a principal fonte de abastecimento de
água para a grande Florianópolis. (ICEPA, 77)
67
Em virtude disso, os aspectos culturais destas comunidades
passam por um processo de transformação, à medida que estas devem
adequar-se às transformações da lógica econômica da utilização dos
recursos naturais do meio em que vivem. Também, esse processo de
repensar a utilização do espaço natural causou rupturas visíveis em
antigas formas de produção que outrora se apresentavam como
significativas para o Estado.
Um exemplo está na formação de núcleos coloniais de
imigrantes, sobre os quais, os relatórios oficiais afirmam que a chegada
dos pioneiros imigrantes representaria para a província (de Santa
Catarina) novos elementos de trabalho e de riqueza, assentando-se
destarte a uma nova sociedade em meio das majestosas matas que
assoberbam nas margens daqueles rios. (JOCHEN, 1999: 41)
Estes colonos, que tiveram sua vida primeiramente ligada à
lavoura, a partir de 1870 ficaram incumbidos de “povoar”, entre o litoral e
o planalto, uma grande área de terra ainda coberta por florestas, por onde
ainda vagueavam alguns indígenas de tribos errantes. Era uma vasta
região de verdes vales, colinas e montanhas (o vale do Capivari
compreende atualmente os municípios de São Martinho e São Bonifácio,
enquanto o Rio Cubatão é o responsável pelo abastecimento de água da
grande Florianópolis). A terra aí estava, mas não havia gente para ocupá-la
e trabalhá-la. Além do mais, o desbravamento não era fácil com os
precários instrumentos da época: machado, foice e facão.
Cristina Adams ressalta que, conforme as unidades de
conservação forma sendo implantadas nos países em desenvolvimento, que
possuem graves problemas de distribuição de terras, pobreza e fome,
caracterizou-se a fragilidade do conceito de áreas protegidas como
68
intocáveis, uma vez que estes espaços são utilizados, invariavelmente,
como fonte de recursos por sua abundancia e pelo precário ou inexistente
controle destas áreas. Desta forma, buscou-se analisar relatos de pessoas
que convivem em espaços diferentes, mas que têm em comum a forma
como se relacionam com o meio ambiente, e as angústias derivadas da
formação do Parque Estadual da Serra do Tabuleiro.
Partindo da argumentação de que a formação de unidades de
conservação deve analisar tanto os impactos ambientais quanto os
impactos de ordem social e econômica, busca-se discutir questões como a
exploração de recursos naturais, limitações ao uso do espaço e a perda do
valor financeiro de algumas propriedades. Isto implicou numa segunda
forma de análise, que permitisse contextualizar os valores que amarram
diferentes indivíduos em projetos políticos comuns; e evidenciando que a
forma como as pessoas se relacionam com o meio ambiente está longe de
ser um processo mecânico e imutável; sendo antes, um processo movido
por intencionalidades.
Como forma de compreender melhor estes impactos no cotidiano
das populações envolvidas, optou-se pela metodologia de pesquisa de
história oral; o que exige certa sensibilidade por parte do pesquisador e, de
forma mais acentuada paciência e tempo disponível.
Em todas as localidades visitadas, o assunto referente ao Parque
estadual da Serra do Tabuleiro tornou a entrevista mais tensa e vária
vezes pontuadas por reticências. Em Santo Amaro da Imperatriz, na
comunidade de Várzea do Braço, a família do Agricultor 1, com 39 anos
de idade, ocupa muitos anos o espaço em que hoje atua a Associação
Agroecológica Várzea do Braço. Segundo o entrevistado, ele é a quarta
geração produzindo nas mesmas terras. Ele também é o sócio-fundador,
juntamente com dois irmãos, da Associação Agroecológica Recanto da
69
Natureza, que atua a sete anos na localidade de Várzea do Braço. No
momento em que se abordavam questões como a mudança de cnicas
agrícolas de geração a geração, o agricultor 1 faz uma comparação
interessante em relação aos seus antepassados:
trinta anos atrás os agricultores também plantavam de
forma natural, sem agrotóxicos. O problema é que eles
tinham um inimigo muito forte ao lado deles, que era o fogo.
Então eles acabavam queimando a matéria-prima do
orgânico. Hoje nós voltamos a trabalhar com orgânico, mas a
diferença está nas técnicas que aprendemos. Porque eu me
criei plantando com agrotóxico, mas era também bastante
complicado! (AGRICULTOR 1, Entrevista, 2005)
A questão da produção orgânica para o entrevistado estava longe
de ser uma questão inovadora, sendo conseqüentemente ligada a
adaptações que deveriam ser feitas para aumentar a renda familiar e
manter a atividade profissional que aprendeu com seus pais. Ao ser
questionado sobre quais seriam os problemas encontrados na produção
com agrotóxicos, o agricultor 1 afirmou que não foi na época uma
preocupação ecológica, e sim de ordem econômica:
Se eu continuasse a utilizar agrotóxicos na produção agrícola,
atualmente eu não poderia ser mais um agricultor. Para você
ter uma idéia que na época, todo o capital que ganhávamos
no CEASA, antes de voltarmos para casa, o deixávamos na
agropecuária para comprar agrotóxicos e insumos. Não dava
para sobreviver! Então tivemos que buscar uma alternativa.
(AGRICULTOR 1, Entrevista, 2005)
Atualmente a questão da preservação continua sendo uma
questão de ordem econômica, uma vez que, segundo o agricultor 1,
existe na comunidade uma consciência de que não é possível separar o ser
70
humano da natureza. (AGRICULTOR 1, Entrevista, 2005) Todavia,
segundo o entrevistado, os órgãos de fiscalização o propiciaram uma
ligação positiva entre os moradores e a implementação do parque:
Eles só entram aqui para podar! Se desde o momento em que
surgiu o parque, houvesse um programa de educação
ambiental aqui dentro, essa seria a região mais linda do
mundo. Até as pessoas mais idosas que você por aqui, que
às vezes são as mais relutantes em relação ao assunto,
entendem que precisam cuidar e não houve educação
ambiental nesse sentido! Mas esses órgãos de fiscalização
nunca nos deram alternativas. (Id.)
Criar um parque nunca foi o problema; mas eles deveriam
primeiro ter pensado em instruções para os moradores deste território.
(AGRICULTOR 1, Entrevista, 2005) Na atualidade, a família do agricultor
1 conta com a produção de outras famílias, dentro e fora da localidade,
para atender ao mercado consumidor. Foi adotado um sistema de
parcerias, onde as famílias dividem a produção conforme a necessidade
dos produtos a serem produzidos, para tentar um equilíbrio salarial no
final do mês.
O cálculo é feito por porcentagem. Os produtores ganham 35%
da produção, e a associação fica com toda a despesa de embalagem e
processamento, e também pagam 15% de taxa para que o lixo o seja
devolvido pelos supermercados, que totalizam um total de 20
estabelecimentos que a associação atende. Segundo o agricultor 1, o
salário nunca é igual para todos os produtores, porque depende do próprio
produtor; ou seja, quanto mais ele trabalhar, mais ele vai ganhar. Mesmo
assim, segundo ele, tem produtor que chega a ganhar seis salários
mínimos por mês. (AGRICULTOR 1, Entrevista, 2005)
71
Entretanto, para o agricultor 2, também morador da localidade e
parceiro da Associação este cálculo é aparente, porque não leva em
consideração o número de pessoas empregadas na família; ou seja, o valor
total de seis salários mínimos é dividido entre o número de pessoas
envolvidas na produção familiar, de modo que dificuldades sempre
poderão aparecer para quem trabalha com a agricultura. (AGRICULTOR 2,
Entrevista, 2005)
Ao contrário do que pensa o agricultor 1, o agricultor 2 tem
dúvidas a respeito da forma de produção como recursos de
sustentabilidade, e relata sua experiência na localidade: No início foram
criadas duas Associações agroecológicas - A Verde Serra e a Recanto da
Natureza. Mas claro que, do dia para a noite, foi complicado mudar a
forma de produção. Se você me perguntar se s passamos dificuldade?
Passamos e muita! Talvez se eu tivesse lidando com veneno, poderia hoje
ter uma casa muito melhor... talvez! (AGRICULTOR 2, Entrevista, 2005)
Ambos os moradores concordam que a produção orgânica sófoi
possível devido à insistência e perseverança de quem acreditou na
possibilidade, mesmo diante das dificuldades. Nesse sentido, o agricultor 1
relata:
Nós trabalhamos os primeiros cinco anos para comer e pagar
os empréstimos; sem adquirir absolutamente nada. Depois é
que veio o resultado! É um investimento em longo prazo; por
isso te digo que é complicado. Mas atualmente fizemos uma
exposição de nossos produtos até na Alemanha. Eu recebo
um monte de email em inglês e apago tudo porque não sei o
que é (risos). Hoje o produtor tem que saber que precisa
estudar! Porque foi o tempo em que só a nossa força física
valia. (AGRICULTOR 1, Entrevista, 2005)
72
Outra questão abordada por ambos os produtores, é que a
aceitação do produto orgânico no mercado consumidor foi uma conquista
gradativa, uma vez que é um produto mais caro. Segundo o agricultor 1, o
erro do produtor orgânico está na embalagem, sendo que o que deveria
estar embalado é o produto com agrotóxico, que pode contaminar até o
ambiente, e que absorve 15% do faturamento da Associação. Isto
melhoraria o faturamento do produtor e abriria acesso de consumo a
classes mais baixas, que geralmente são as que mais necessitam de um
produto mais saudável. (AGRICULTOR 1, Entrevista, 2005)
No mesmo sentido, o agricultor 2 também deixa explícito que, a
forma como a área de preservação foi imposta, não favoreceu as
comunidades envolvidas e tampouco a preservação: Na época em que
criaram o parque, muita gente aqui vendeu suas terras por pressão - a
troco de nada! E hoje passam necessidade para sobreviver, por erro desses
órgãos! Por que na época eles não vieram aqui para negociar as terras com
os agricultores e não deixar as pessoas de fora entrar? (AGRICULTOR 2,
Entrevista, 2005)
Desta forma pode-se perceber que o espaço antes pensado como
propício ao desbravamento”, por imigrantes e seus descendentes, passa a
ter limites na utilização do território, nunca imaginado por estas
comunidades, que vivem da agricultura tradicional.
Através da análise das tabelas de caracterização regional das
áreas do Parque para formulação do Plano Básico de Zoneamento do
PEST, os municípios de Paulo Lopes e Imaruí, num período de três
décadas, passaram por uma fase de decadência econômica. A economia
que outrora se baseava no setor agrícola com forte importância da
pecuária, passou a ter por base o setor de comércio e prestação de
serviços, o que acarretou na dispersão de boa parte da população, que
73
migrou para o pólo regional. em Santo Amaro da Imperatriz destaca-se
o conjunto de atividades do setor terciário, com destaque para o setor do
turismo.
Contudo, em ambos os municípios, a questão da propriedade da
terra nas comunidades interioranas é ainda a garantia de que a
sobrevivência está assegurada, uma vez que a terra e o ofício são passados
de geração a geração, sendo que o trabalho agrícola consiste na única
“experiência profissional” que possuem. Também é perceptível que, em
longo prazo, uma ética preservacionista e as práticas que a acompanham
podem surgir espontaneamente em grupos pequenos, que tendem a se
tornar fortemente coesos, e que modificam posteriormente a forma de
ocupação ou utilização de determinados territórios.
A relação entre sociedade e meio ambiente, a partir da criação do
PEST tornou-se um campo conflituoso, onde a idéia de natureza passou a
ser mantida como uma fronteira entre o selvagem e o civilizado, definindo
os conceitos entre espaço intocado e espaço cultivado, uma vez que o
homem sempre se utilizou os recursos naturais em seu benefício: por
muito tempo água, frutas, minerais e, até mesmo o ar pareciam bens livres
e inesgotáveis.
O conceito de natureza aqui é entendido como “a essência do que
constitui o universo, ou seja, o meio ambiente de todos os seres vivos e
que ainda não foi degradada pela ação humana.” (PÁDUA, 2003: 34)
Contudo, essa natureza selvagem e intocada, segundo Simon Schama não
demarca a si mesma, não se nomeia, não venera a si mesma. (SCHAMA,
1996: 45) Ou seja, a humanidade transforma o conceito de natureza,
segundo concepções diversas. Portanto, podemos perguntar: Para quem a
natureza é vista como patrimônio natural? E sendo um patrimônio, até
que ponto pode ser utilizado.
74
Esses questionamentos são fundamento da dicotomia existente
entre a formação da área de preservação e a manutenção de comunidades
agricultoras no mesmo espaço. Neste sentido, a discussão sobre formação
de unidades de conservação requer transformações sociais consideráveis,
abrangendo tanto o espaço político-econômico, quanto cultural das
comunidades envolvidas. A exploração dos recursos naturais e as
limitações ao uso do espaço são disparidades nas discussões sobre
impactos ambientais, impactos de ordem social e econômica que giram em
torno das áreas agricultáveis.
A cidade de Santo Amaro da Imperatriz, especificamente a
localidade de Várzea do Braço, tornou-se para a pesquisa um modelo
explicativo, que pode ser ampliado, testado e comparado com outras
comunidades, através de um elemento coesivo da pesquisa, que é
autilização do espaço como símbolo de vivência e fonte de sobrevivência.
Além disso, sob o ponto de vista ecológico, Santo Amaro da
Imperatriz torna-se uma área muito importante para a formação de um
corredor ecológico, unindo remanescentes florestais, possibilitando o livre
trânsito de animais e dispersão de sementes das espécies vegetais.
Neste sentido, ao contrário das áreas protegidas de outros países
do mundo, como por exemplo, as áreas tailandesas, onde os problemas da
conservação centram-se na ameaça da biodiversidade em longo prazo, por
se constituírem em áreas muito pequenas, abrangendo ecossistemas
incompletos ou insustentáveis, o PEST configura-se fisicamente como uma
extensa área, abrangendo centenas de espécies em biomas diversificados,
sendo, portanto, difícil à fiscalização e proteção efetiva de toda a área,
equivalente a 1% do território do Estado de Santa Catarina.
75
Vários fatores fazem os problemas de fiscalização e aplicação de
legislação especialmente difíceis em países em desenvolvimento. Um deles
é a falta de planejamento avançado, para assegurar que os residentes
locais recebam notificações apropriadas e compensação por qualquer
perda de terras ou recursos. Outro é geralmente a situação marginal dos
residentes locais, se comparados com as elites do governo nacional e da
maioria dos turistas que vai se beneficiar com o parque.
Segundo a caracterização regional feita para o Plano Básico de
Zoneamento do PEST, o município de Santo Amaro da Imperatriz é um
exemplo do conglomerado da grande Florianópolis que desenvolve
atualmente um conjunto de atividades no setor terciário, como o comércio
e a prestação de serviços, onde se destacam as atividades voltadas para o
turismo; que se tornam oportunidades de emprego e renda fora da
atividade primária (extrativismo, pecuária e agricultura), possibilitando
outras formas de sobrevivência e desenvolvimento que não danifiquem a
integridade da área de preservação. Mas estas medidas são dificultadas
pelo mero de ocupantes dos territórios reivindicados para a área de
preservação.
Atualmente em Santo Amaro da Imperatriz inúmeras
empresas que atuam no turismo de aventuras, assim como inúmeros
visitantes que escolhem o município para praticar esportes. Estas
atividades, além de participarem ativamente da arrecadação de tributos,
também divulgam o potencial natural do município, conforme pode-se
observar em imagens promocionais, tais como as expostas nas Fotografias
1 e 2.
76
Fotografia 1Rafting no rio Cubatão. Acervo da autora.
Fotografia 2 – Asa-delta e a paisagem de Santo Amaro da Imperatriz/SC. Acervo da autora.
CAPÍTULO III
3.1 Caseiros, nativos, sitiantes: as várias faces do problema da
ocupação no PEST
Partindo da premissa de que o objetivo dos parques é preservar a
biodiversidade que eles contêm, em longo prazo é difícil atingir estes
objetivos quando as pessoas estão em atividades dentro dele. Porém, essa
visão preservacionista da formação de áreas protegidas, confronta-se com
uma outra vertente discursiva, que é a função social do ambiente como
lugar de vivência de muitas comunidades.
Na entrevista com o agricultor 2, nascido e criado na
comunidade, e com uma história de vida que evidencia esta necessidade
do ser humano em utilizar os recursos naturais. Quando se perguntou
sobre a sua vivência na área que hoje é requerida para a conservação,
ressalta:
78
Nós nos criamos aqui quase como índios; estrada não
havia... era tudo à cavalo ou com carro-de-boi.
Plantávamos nos morros. Meu pai criou doze filhos
aqui assim derrubando a mata e plantando; porque
era um tempo em que as vargens não eram ocupadas.
(AGRICULTOR 2, Entrevista, 2005)
Quando interrogado sobre as condições de vida nesse período, o
agricultor 2 responde num tom saudoso:
Com o tempo, a família começou a crescer. Nossa vida
aqui sempre foi muito simples; eu não vou dizer que
era fácil! Mas se nós tivéssemos que andar descalço, ou
ter apenas um sapato, ninguém reparava! Mas o tempo
exigiu uma mudança; hoje tenho cada vez mais que
aumentar a lavoura, para ter mais lucro, para poder
sustentar a família; porque as necessidades hoje são
outras! (AGRICULTOR 2, Entrevista, 2005)
Esta afirmação reportou a entrevista para o interesse em saber
de que forma mudou a utilização do espaço como fonte de renda, uma vez
que as necessidades básicas para o sustento da família exigiam uma nova
forma de ocupação. A resposta foi imediata:
Como eu te falei, quando tínhamos 15 anos,
plantávamos em morros e, bom, não precisávamos de
agrotóxicos. Com o tempo, vieram os tratores e as
máquinas para nos ajudar, e então deixamos o morro
de lado porque as vargens foram limpas. E também
começamos a utilizar veneno, porque facilitava muito.
Sem veneno, você utiliza a família toda, para plantar
um hectare; com veneno você planta 10 hectares. E a
qualidade de vida melhorou! Mas 30 anos, começou
um problema aqui, que foi o parque. Um pai que criou
doze filhos, hoje tem dois aqui. (AGRICULTOR 2,
Entrevista, 2005)
79
A pesquisa na região da comunidade da Várzea do Braço foi
ampliada, involuntariamente em seu projeto, devido à possibilidade da
pesquisadora de desenvolver um projeto de Educação Ambiental na Escola
de Educação Básica Nereu Ramos, que se constitui como o maior colégio
do município, atendendo a maioria dos jovens das regiões ao redor,
inclusive os jovens moradores da comunidade escolhida para pesquisa,
fato que não era de conhecimento da pesquisadora até a aplicação do
projeto.
Este projeto por sua vez, foi elaborado com objetivo de atender as
Diretrizes Nacionais de Educação (LDB), que prevêem o desenvolvimento
de temas transversais e interdisciplinares em sala de aula, articulando o
conhecimento escolar ao cotidiano das comunidades.
Segundo o conceito da Lei Federal 9.775/99, a educação
ambiental consiste em processos por meio dos quais, indivíduo e a
coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades,
atitudes e competências voltadas para a conservação do meio ambiente e
qualidade de vida do povo. (Lei Federal 9.775/99)
Desta forma, o projeto Conhecendo a Natureza do Parque
Estadual da Serra do Tabuleiro”, caracterizou-se pelo objetivo de
sensibilizar e mobilizar os jovens do Ensino Médio para as questões
ambientais de seu município, divulgando medidas de conservação como a
criação de Unidades de conservação e, consequentemente, suas
implicações na relação entre homem e natureza.
A aplicação do projeto previa um trabalho de dois bimestres na
grade curricular de história e geografia, para alunos de segundo e terceiro
ano do ensino médio, em aulas intercaladas. Contudo, constatou-se que,
80
em relação aos conceitos de preservação, desenvolvimento sustentável e
áreas protegidas, o desconhecimento era maior do que se supunha, de
forma que o projeto foi estendido por mais um mês.
Desta forma, no período de março a outubro de 2006 pôde-se
constatar que, mesmo sendo moradores de um município que integra o
PEST, 90% dos alunos desconheciam sua existência e finalidade. O
trabalho desenvolvido no ambiente escolar foi amplamente aceito, de modo
que despertou o interesse de outras turmas e outros professores em
relação ao assunto, estabelecendo um diálogo com a comunidade em geral.
As fotos abaixo foram elaboradas no dia da apresentação do
projeto para a comunidade escolar e apresentação do mesmo na rádio
local. Entre elas, pode-se perceber todo o trabalho de participação e
confecção de materiais informativos pelos próprios alunos, e também a
visita de campo na sede do parque, em Palhoça; e também no alto do
morro queimado, em Santo Amaro da Imperatriz:
Fotografia 3 – Projeto “Conhecendo a Natureza do PEST”. Acervo da autora.
81
Fotografia 4 – Projeto “Conhecendo a Natureza do PEST”. Acervo da autora.
Fotografia 5 – Projeto “Conhecendo a Natureza do PEST”. Acervo da autora.
82
Fotografia 6 – Projeto “Conhecendo a Natureza do PEST”. Acervo da autora.
Entretanto, na discussão sobre o tema conservação entre os
alunos de segundo e terceiro ano do ensino médio, encontrou-se um
silêncio instigador e uma indiferença frustrante por parte de alguns
alunos, que totalizavam 5% dos alunos que conheciam a temática. As
dinâmicas estabelecidas em sala de aula possibilitaram compreender que
estes quatro alunos eram moradores da comunidade de Várzea do Braço e
que, portanto, a questão do parque para eles ganhava outra conotação.
A convivência em sala de aula permitiu uma relação mais
amistosa entre alunos e a professora, de modo que o silêncio foi quebrado,
resultando num quadro de análise inesperado. Involuntariamente aqueles
jovens apresentaram o sentimento de insegurança da sua comunidade
quanto à dúvida sobre a continuidade de suas famílias nas terras e, diante
de uma impossibilidade, qual seria o diálogo que deveria ser estabelecido
com as autoridades competentes, para que o futuro possa ser garantido.
Voluntária e objetivamente, estes jovens quebraram o silêncio de sua
83
comunidade, possibilitando o desenvolvimento da metodologia de história
oral com as pessoas mais antigas no território.
Exemplo claro disto foi à entrevista realizada com o agricultor 3,
morador da comunidade de Várzea do Braço 78 anos, nas mesmas
terras que foram do seu pai, equivalente a 61 hectares da região. Sempre
trabalhando na agricultura e complementando a renda familiar com
engenho de farinha e moinho de milho, também criou os filhos na mesma
atividade.
(AGRICULTOR 3, Entrevista, 2005)
O Agricultor 3 informa que atualmente possui um pouco mais de
terras, devido à compra de terreno de algumas pessoas que ficaram com
medo da FATMA, e que o período de formação do Parque foi bastante difícil
para todos os moradores. Nas palavras do agricultor 3, “tudo começou
errado”.
(AGRICULTOR 3, Entrevista, 2005)
Primeiro, ele estava “muito bem
colocado financeiramente.”
O problema todo teria começado por volta de 1979 e 1980,
quando o Governador do Estado de Santa Catarina, Konder Reis, e o padre
Raulino Reitz, responsável pela campanha conservacionista do PEST, e
desqualificados pelo entrevistado, fizeram uma reunião em Santo Amaro
da Imperatriz, para apresentar a legislação referente ao parque.
(AGRICULTOR 3, Entrevista, 2005)
Para o agricultor 3, Raulino Reitz e Konder Reis raciocinaram a
formatação do parque sem nunca terem conhecido a realidade local das
comunidades atingidas pela decretação do PEST, o que teria desencadeado
uma grande crise econômica, social e política em Santo Amaro da
Imperatriz. Seguiu-se um processo de “fuga” dos habitantes da região do
parque para outras localidades do município e arredores, e de mais de 100
84
famílias que ali habitavam, logo ficaram “pouco mais de 40”.
(AGRICULTOR
3, Entrevista, 2005)
Mesmo sendo um dos moradores mais antigos da comunidade, o
agricultor 3 foi o entrevistado mais despreocupado em ceder as
informações para publicação. Segundo ele, as autoridades envolvidas na
questão do parque pouco se preocuparam em ouvir as comunidades
afetadas – fato que os levou a dificultar tanto o desenvolvimento da região,
quanto o próprio processo de preservação.
(AGRICULTOR 3, Entrevista, 2005)
Ainda segundo o agricultor 3:
Agora andam discutindo na justiça que os sitiantes
não têm direito às terras, porque foram compradas
depois que existia o Parque. Mas isso tudo é culpa
deles. Foram eles que trouxeram os ricos para cá! Eles
pensaram que não precisavam falar com os pequenos
proprietários; e ao invés de negociar conosco... O que
aconteceu? Muita gente vendeu suas terras com medo,
e pessoas de posse se interessaram. E agora que eles
compraram, é deles! Como não? Eles pagaram.
(AGRICULTOR 7, Entrevista, 2005)
O relato do agricultor 3 é bastante parecido com o relato das
demais pessoas de sua comunidade que foram entrevistadas. Apresenta a
indignação frente ao esquecimento de se adotar uma política de
transformação social em que a comunidade fosse diretamente participativa
nas mudanças que deveriam acontecer devido à formação da área de
preservação, e também, um sentimento de revolta quanto às medidas
atuais que estão sendo tomadas para a manutenção da área de
conservação integral:
85
Você sabe que na luta por alguma coisa, sempre tem
pessoas de um lado e do outro em confronto. No nosso
caso um dos problemas é a prefeitura do município.
Quando o prefeito de Santo Amaro da Imperatriz era o
senhor João Broering, ele nunca deixou ninguém
mexer aqui! De ele dizia: primeiro vocês vão achar
o dinheiro para indenizar aquelas pessoas, e depois
vocês podem voltar agora não quem lute conosco!
Então fica mais difícil. (AGRICULTOR 3, Entrevista,
2005)
Entretanto, à medida que as questões atuais referentes à área de
preservação foram fazendo parte da entrevista, o tom tranqüilo da voz do
agricultor 3 cedeu espaço para o repúdio e a revolta, e o entrevistado
passou a queixar-se sobre a impossibilidade de usar suas terras, que
“viraram praticamente capoeira, porque dizem que elas são da FATMA”.
(AGRICULTOR 3, Entrevista, 2005)
Outra queixa do agricultor direcionava-se ao papel do Estado
como um todo, e à demora deste em tomar decisões que levem em
consideração tanto os problemas e as reivindicações dos agricultores, de
um lado, e a necessidade de preservação do PEST, de outro. Isso porque
seus filhos, que estão passando a utilizar parte da terra em litígio por
conta da constituição do parque, não terão o direito de usufruir delas no
futuro.
Para o entrevistado, a questão do PEST tornou-se um fardo após
sua viuvez, já que ele têm filhos e esposa enterrados em cemitério
localizado no interior do parque:
86
Você acha que vai acontecer o quê comigo se eu sair
daqui? E você acha que eu posso ficar aqui sozinho?
Do que adianta eles me deixarem aqui porque eu sou
velho, e tirarem os meus filhos e netos daqui? Então eu
trabalhei uma vida inteira para ficar sozinho, e não
deixar nada para os meus descendentes? Você acha
isso certo? (AGRICULTOR 3, Entrevista, 2005)
Operadores do Direito são categóricos ao afirmar que as Ciências
Jurídicas, e os códigos de direito seguem ou são o reflexo do todo social,
das suas necessidades e propriedades. Em certa medida, isso pode ser
observado, porque o ressentimento e a insegurança da comunidade local,
representados na fala do agricultor 3, criou a necessidade de remodelar as
metas e restrições da legislação do parque, desde 1979.
(AGRICULTOR 3,
Entrevista, 2005)
Contudo, embora o objetivo fosse tornar mais flexíveis, pelo
menos oficialmente, os espaços e termos do debate entre população local e
Estado com vistas a implementar o PEST em definitivo, tais estratégias
resultaram em mais uma dificuldade para os administradores quando o
tema é implementação e definição conceitual de “parques”. Tudo isso
poderia ser traduzido em termos de conseqüências políticas de imposição
de uma determinada espécie de conservação, sem prévia preparação das
populações envolvidas para o debate e o processo decisório.
Na entrevista, o agricultor 3 deixa clara a situação espúria do
embate entre o Estado e o cidadão comum na luta pela definição de áreas
a serem preservadas ou não, especialmente por afirmar que casos,
muitas vezes, em que são os pequenos agricultores obrigados a burlar ou
tentar burlar normas para escapar de multas de órgãos ligados à
preservação do meio ambiente.
(AGRICULTOR 3, Entrevista, 2005)
87
O confronto sócio-ambiental, nesse sentido, excede a perspectiva
do debate de teses jurídicas sobre o que seria ou não um parque ou uma
UC, e avança no terreno das ações comunitárias de mobilização contra o
Estado. Falo, particularmente, das mobilizações que foram organizadas na
comunidade de Várzea do Braço, em Santo Amaro da Imperatriz, contra as
ações do MP, que passou a entender que a única forma de constituir
definitivamente o PEST seria a retirada total dos moradores de dentro da
área de preservação, especialmente a partir da criação da Vara Temática
do Parque Estadual da Serra do Tabuleiro, em Palhoça/SC.
Na comunidade de Várzea do Braço, uma primeira
movimentação de moradores na tentativa de organizar um reação coletiva
que impulsione as negociações das terras que são ocupadas e que estão
dentro do parque. Em 15 de junho de 2007, num pequeno salão de festas
da Igreja da comunidade, reuniram-se cerca de 40 pessoas para discutir
as questões relacionadas ao direito de propriedade em Santo Amaro da
Imperatriz.
A dificuldade de negociações desse grupo de atores históricos
com o MP e com outros órgãos competentes fez com que eu não tivesse
permissão para gravar uma entrevista no local, devido ao clima tenso 105
que perpassava por todos os rostos. Minutos depois, sequer pude
permanecer entre eles, num debate sobre a nova legislação que remarcaria
a área do PEST.
Segundo o agricultor 4 (2005), haveria incompatibilidade entre o
gerenciamento da FATMA sobre o PEST, que estabeleceu normas para o
uso sustentável da terra, e a interpretação do Ministério Público sobre a
ocupação de terra no parque, que investe na idéia de retirar da área os
chamados sitiantes, que seriam aqueles que tem terreno, mas não
sobrevivem do trabalho nele. O mesmo agricultor afirma que, para os
88
moradores tradicionais, as posições antagônicas da FATMA e do MP
constituem maneiras opressivas de tratamento da questão do parque em
toda sua complexidade de história de ocupação.
O agricultor 3, por exemplo, afirma que a proposta do MP é
inapropriada e impossível:
Sabemos que existem coisas que não podem dar certo.
A intenção dele [do MP] de tirar os sitiantes sem direito
nenhum, não é justa! Se você compra a minha
propriedade, com escritura pública, você tem direito a
ela. Não entendemos... quando podia fazer alguma
coisa não fez! Agora os sitiantes já estão aqui. Não
posso dizer se eles causam ou não aqui algum
problema; mas isso teria que ser resolvido com eles.
Agora, dizer que eles não têm direito nenhum à
propriedade? Isso é absurdo. (AGRICULTOR 3,
Entrevista, 2005)
Ainda segundo o agricultor 2, existem outras questões que a vida
em comunidade não permitiria:
Ele também disse que as pessoas mais velhas da
comunidade, como o meu pai, eles não vão retirar da
localidade. E os outros, com o tempo, eles vão
indenizar. Agora eu te pergunto: você acha mesmo que
eu vou deixar o meu pai sozinho aqui dentro? E mais:
de repente eu possa continuar aqui porque sou um
produtor orgânico e tenha uma chance... Mas tu acha
que oito famílias serão felizes aqui sem o resto da
comunidade? (AGRICULTOR 2, Entrevista, 2005)
A manifestação exposta nas Figuras 8 e 9 chamou a atenção de
políticos, representantes da igreja, empresários que possuem propriedades
na região, e também da rádio local, que estiveram presentes na
89
manifestação com os moradores. Faixas requerendo o direito de
propriedade e a retirada da multa de vinte mil reais da Igreja Católica da
comunidade, devido a construção do salão paroquial, pronunciaram que o
conflito em questão não se refere à preservação ambiental, e sim às
condições pelas quais a autoridade resolve intervir no espaço, ocupado
antes da criação da área de preservação.
Fotografia 7 – Mobilização em Várzea do Braço, Santo Amaro da Imperatriz/SC. Acervo da autora.
Fotografia 8 – Mobilização em Várzea do Braço, Santo Amaro da Imperatriz/SC. Acervo da autora.
Como se pode perceber, a politização da questão ambiental faz
com que o parque tenha um lugar instável na sociedade. Além da questão
da conservação, as populações habitantes do espaço estão demandando
direitos como as terras agricultáveis, estradas, comunicação, educação e
90
saúde; que ficam em segundo plano nas estratégias para resolução do
impasse.
Essas questões configuram-se claramente na história de vida dos
agricultores 5 e 6. Eles são caseiros da propriedade do empresário 1, do
setor imobiliário da grande Florianópolis, e dono das terras há 18 anos.
A renda familiar é totalmente advinda do salário de caseiros.
Segundo o senhor Antônio, planta-se de tudo um pouco, mas apenas para
consumo próprio do proprietário e dos caseiros. Afirma ainda que nada
mais é retirado das matas ao redor, apesar de ainda ser comum encontrar
caçadores que não fazem parte da comunidade na região.
(AGRICULTOR 6,
Entrevista, 2005)
Para os entrevistados, a questão do parque os deixou inseguros
quanto ao futuro. Como quase nada pode ser feito nas terras, fica o medo
sobre a instabilidade de sua moradia. Até mesmo a construção de sua casa
foi dificultada pela problemática do parque:
Nós morávamos num galpão aberto aqui perto. E
quando ele [o empresário 1] começou a construir nossa
casa, muitas vezes eles embargaram. Por três vezes eles
mandaram os empregados embora! Então assinou um
Termo de Ajuste de Conduta, porque eles disseram que
iriam demolir a construção. Mas agora não podemos
nem usar adubo na terra, senão podemos até ser
presos! De vez em quando eles passam aqui olhando (..)
O patrão não comenta muito, mas nós sabemos que ele
está lutando por estas terras! (AGRICULTOR 7,
Entrevista, 2005)
91
Por vontade do agricultor 6, sairia da comunidade por vários
motivos. Isso o acontece porque, segundo ela, eles o possuem nada; e
isso abala mais ainda a indecisão da questão de terras na comunidade.110
Neste sentido, justifica que esta é uma questão de sobrevivência:
Eu me preocupo quando meu filho vai para a escola em
dia de chuva, porque além das terras serem muito
lisas, o rio pode encher e levar as pontes (...) No meio
da noite é difícil chegar até uma farmácia ou um
hospital. Muitas vezes a estrada está tão ruim que o
ônibus não chega até aqui! Você é professora e sabe
que isso acontece muitas vezes! Aqui não outro tipo
de condução que não seja o ônibus escolar. Então fica
difícil mesmo para ir até ao supermercado, ou ao
médico. (AGRICULTOR 6, Entrevista, 2005)
A questão do reassentamento destas famílias muitas vezes tem
sido ponto de políticas coercitivas e que refletem a falta de planejamento
avançado, que assegurem aos residentes locais notificações apropriadas e
compensação por qualquer perda dos recursos.
Soma-se a isso, a impossibilidade financeira destas
comunidades, de lutarem judicialmente por seus direitos. Isto faz com que
estes moradores unam-se aos por eles denominados de “sitiantes”, que
constituem-se, na grande maioria, em empresários da grande Florianópolis
que, assumem a competência de lutar por suas terras ao mesmo tempo em
que garantem o direito dos pequenos proprietários, uma vez que a
Constituição Brasileira prevê, em sua legislação básica, o direito à
propriedade e, em caso de sua privação por motivos de ordem pública,
garantia de compensação, através da indenização equivalente aos prejuízos
sofridos. (PINHO, 2003: 130)
92
Configura-se assim, a premissa básica do conflito instaurado no
território denominado Parque Estadual da Serra do Tabuleiro. O que seria
socialmente considerado mais importante? A proteção da biodiversidade
independente do custo humano, ou a busca de um equilíbrio apropriado
entre a preservação e o desenvolvimento das comunidades envolvidas?
A questão da preservação para a população envolvida está
muitas vezes carregada de simbolismos históricos. No município de
Imaruí, entrevistou-se o agricultor 7. Nascido e criado na localidade, ele
atualmente alegra-se em ser um dos cidadãos mais antigos do município,
no auge de seus 102 anos de idade. Famoso por ter sido um grande
extrativista e entalhador de madeira, o agricultor 7 conta sua trajetória de
vida e trabalho nas terras que eram do seu pai:
Tudo que ganhei na vida foi com o braço. Eu nunca
estudei, mas tudo o que o meu pai ensinou eu aprendi
eu tenho a cabeça boa (risos). Meu pai, que era um
açoriano muito sabido, dizia que aprender não ocupa
espaço! fiz muita canoa e embarcação para passar o
rio e vender produtos! Quase todo mundo aqui
trabalhava derrubando mato. Tinha que ser paus com
16 palmos ou mais para fazer uma embarcação. Ainda
tem por aqui algumas perobas daquela época!
(AGRICULTOR 7, Entrevista, 2005)
Numa longa conversa, e sem pressa nenhuma de contar toda a
vida, o agricultor 7 conta como aprendeu as atividades que lhe deram
sustento:
Quando eu era pequeno, aqui era tudo mata virgem.
Tinha um monte de bugre ainda. Meu pai ia pro mato e
nos levava com uma foice pequenininha, e a gente
ajudava a fazer coivara para a terra fica boa para
lavoura. E eu continuei derrubando mato até fazer
quarenta anos. Balaio, formão, taquara, barrica de
93
cachaça... plantei mandioca, fumo, milho, feijão-
devara, cana, rama... fiz de tudo um pouco nestas
terras! (AGRICULTOR 7, Entrevista, 2005)
Ao mesmo tempo, o agricultor 7 lembra de um período de grande
prosperidade para sua família:
Nos engenhos, fazíamos até 500 sacos de farinha.
Antigamente quando as pessoas iam casar, faziam
primeiro o engenho e depois a casa. Eu tive engenho
de cana e moinho de milho, e engenho de farinha!
Levava tudo para o Porto de Laguna. Nessa época a
água era abundante. Hoje não dá mais para tocar
moinhos com água. Agora até o ar parece que mudou!
(AGRICULTOR 7, Entrevista, 2005)
Foram longas horas de conversa para que o Agricultor 2
resolvesse contar o que aconteceu para morar num pequeno terreno, em
uma casinha muito pequena de madeira:
Você sabia que eu perdi todo o meu terreno menina? O
Governo tirou. Era 110 braças de terra. O governo
mandou o povo plantar floresta, mas a gente quis saber
de tirar o que estava plantado [...] então ele tirou!
Ele fez certo né? (AGRICULTOR 2, Entrevista, 2005)
A partir de então, a conversa com o agricultor 7 tornou-se
inviável do ponto de vista ético e humano, uma vez que a questão de terras
o deixou profundamente abalado: “Oh! Dizem que quando um velho
começa a deixar escorrer a água pelos olhos é porque está muito perto de
morrer.”
(AGRICULTOR 7, Entrevista, 2005)
94
Contudo, os efeitos destas medidas aparecem de forma coletiva.
O agricultor 8, com 73 anos, que diz ter aprendido as técnicas de derrubar
mato com o agricultor 7, relata sua experiência de vida no território que
nasceu e que ainda é morador, mas que está impedido de exercer suas
atividades de agricultor por serem terras recrutadas para o parque:
Aqui nós plantávamos rama, cana, milho, arroz e feijão.
Só que o feijão era só para o nosso sustento; o resto era
para vender. A farinha nós levávamos em caixas até
onde hoje é o asfalto. Também eram levados dois barris
de cachaça [...] Vendíamos lá na Penha, perto da Igreja.
Como levávamos? Dentro de um carro-de-boi e saímos
sete horas da noite para vender de manhã [...]
Tínhamos engenho de farinha, engenho de cana e
alambique [...] Quando queríamos madeira para casa
era no braço. Ainda hoje eu tenho a serra (risos).
Aquele velho de que te falei cortava canoa de três
palmos. Eu aprendi com ele! Eu falo para quem a gente
confia: eu tirava 13 metros de lenha todo dia, com oito
metros de comprimento. (AGRICULTOR 7, Entrevista,
2005)
Quando se perguntou sobre a extensão de suas terras e a
utilização econômica destas, o agricultor 8 respondeu que as terras eram
todas utilizadas para agricultura. E afirma que há algum tempo, sua
família plantava algumas culturas como mandioca, cana-de-açúcar e
milho, além de extrair madeira. O agricultor lembra que “no tempo de seu
avô”, podiam viver exclusivamente do que conseguiam colher.
(AGRICULTOR 8, Entrevista, 2005)
Perguntado sobre sua vida após a implementação do parque, o
agricultor 8 adotou uma postura defensiva. Segundo o agricultor,
autoridades públicas avisaram-se de que não poderia mais utilizar os
terrenos de cultura dentro do parque. Mais tarde, policiais foram a sua
95
propriedade e disseram que ele o poderia mais plantar. O entrevistado
não conseguia entender a situação na qual estava colocado, que havia
nascido e crescido na localidade, tendo sempre trabalhado no meio rural.
(AGRICULTOR 8, Entrevista, 2005)
O agricultor 8 estabelece um diálogo simples, mas carregado de
intenção. Buscou palavras e gestos que explicassem sua intima relação
com a localidade e o ambiente, dado o tempo de sua existência ali. Além
disso, que a forma como foi imposta para ele a criação do parque, fez com
que ele desconhecesse o motivo pelo qual lhe foi atribuído um crime.
O entrevistado disse que rumou à prefeitura de Imaruí, para uma
audiência na Promotoria. Ao chegar no local, soube que fora cientificado de
uma condenação pela retirada ilegal de madeira de dentro do parque, e
que deveria fornecer uma cesta básica por mês, no período de um ano, à
comunidade daquele município.
Segundo Ana Luiza de Brasil Camargo (2002), a ação da espécie
humana tem uma qualidade única na natureza, de possuir um enorme
potencial desequilibrador. Mas paralelamente, questões fundamentais
como bem-estar humano, desenvolvimento e meio ambiente, tem
evidenciado a necessidade de reavaliar as relações que instituem uma área
de preservação integral, pressupondo que se considerem as diferentes
realidades das populações envolvidas.
Particularmente a questão se volta em abordar a questão da
capacidade de as pessoas agirem sobre os processos, a partir dos seus
próprios termos. Foi neste sentido que, durante o diálogo, o agricultor 8
afirmou:
96
Foi do Parque para que nós começamos a fazer
carvão. Agora aqui tem três
fornos
. Eu te mostrei!
Antes eles ficavam aqui em cima, mas eu tirei
porque um dia chegou um batalhão aqui e o
superior disse: -” Eu quero ver a área pela qual o
senhor foi processado . E então eu disse: -” Agora
veja o senhor: Um homem velho como eu sendo
processado com meus filhos.”Daí o homem disse: -
Olha, tu não desmata mais, porque o senhor
tem um monte de processo”. Ele queria que eu
comprasse muda de árvore nativa para plantar. Eu
disse que não tinha condições, porque eram dois
hectares de área desmatada. Mas se ele quisesse
me dar ordem para plantar eucalipto eu até podia
falar com a prefeitura (risos). (AGRICULTOR 8,
Entrevista, 2005)
Mesmo que se afirme que a amplitude dos problemas sociais e
ambientais do mundo atual tem-se revelado numa poderosa força geradora
e propulsora de mudanças, é preciso salientar que, mesmo com todas as
mudanças que a humanidade sofreu ao longo da história o ser humano
sempre dependeu direta ou indiretamente da utilização dos recursos da
natureza. Em outras palavras, o ser humano é indissociável do mundo
natural.
Porém, estamos diante de um problema multifacetado, em cuja
análise qualquer generalização seria fonte de erro. Sabemos que a rapidez
das transformações causadas pelo homem determina a brutalidade do
impacto humano sobre a terra. Por outro lado, se mudanças são
necessárias, é preciso realizá-las consciente de que, as diferentes
concepções de mundo, longe de serem barreiras, devem ser vista como
uma forma de superar conflitos e limitações ao uso do espaço, sem dividir
o homem do meio em que vive.
97
Segundo o perfil demográfico realizado para o Plano Básico de
Zoneamento do Parque Estadual da Serra do Tabuleiro, o município de
Imaruí é o único que apresenta perda real substancial de população entre
as cadas de 1970 a 1990, sendo expressivo o êxodo rural, motivado
pelos baixos rendimentos na agricultura e na pesca artesanal, na busca de
novas oportunidades de trabalho e vida.
Entretanto, no mapeamento socioeconômico do Zoneamento do
PEST, evidencia-se que, entre as cadas de 1970 a 1990, o setor que
mais ocupa mão-de-obra local ainda é o setor primário, com destaque para
a agricultura e pesca. E, através da análise dos censos agropecuários de
1970 a 1995, caracteriza-se a diminuição no número total de
estabelecimentos rurais, essencialmente formados por minifúndios e
pequenas propriedades.
Através das mesmas fontes, pôde-se constatar que, apesar das
áreas de lavoura diminuir consideravelmente (7.800 hectares em 1970
para 3.500 hectares em 1995), houve também uma diminuição
considerável de mata nativa devido à expansão de terras com pastagens.
Vale ressaltar que, segundo o censo agropecuário da década de 1980, as
áreas de lavoura receberam o incremento do cultivo de arroz, que vem
expandindo gradativamente a área. Conseqüentemente, a questão da
preservação torna-se duvidosa, se for analisado que a prática da irrigação
e o uso de agrotóxicos para este tipo de cultivo vêm ocorrendo às margens
de rios e lagoas da região, o que tem gerado conflito inclusive com a
comunidade local e os rizicultores, que utilizam 60% da área total das
lavouras do município.
Pode-se perceber que, os grupos que mais sofrem os impactos
das políticas de preservação ambiental são os pequenos produtores rurais,
em sua maioria não possuem condições de pagar advogados para defender
98
a questão e também não possuem outra atividade econômica que garanta
sua subsistência.
A imensa biodiversidade que compõe o PEST, se por um lado
justifica a criação de uma área de preservação integral, por outro, também
justifica a intervenção humana neste mesmo espaço. Isto porque,
geralmente estas terras m alto valor e, fertilidade do solo, e oferecem
inúmeros recursos naturais, como, por exemplo, água e madeira. Também
se deve levar em consideração que a noção de ambiente das diferentes
populações envolvidas atingidas envolve dimensões sociais e culturais que
moldam as atitudes cotidianas, forjadas ao longo do tempo pela maneira e
pelo motivo que se encontram num determinado território.
Aqui podemos falar em diferentes racionalidades na percepção de
um mesmo espaço. A primeira, proveniente do plano político público,
carrega certa periodização, onde o território que antes a ocupação humana
tornava-se viável para o desenvolvimento regional, e que aos poucos é
percebido como área de grande relevância ambiental, tornado as
populações ali existentes um empecilho à conservação. E a segunda,
envolve as descontinuidades da formação da área; uma vez que, a revolta
dos indivíduos frente ao parque devido a modificação do quadro de
utilização dos recursos, passou a ser visto muitas vezes como um
“obstáculo opressor”, pelos órgãos estatais, ao invés de uma alternativa
qualitativa. Criou-se uma identidade com as comunidades afetadas, mas
de natureza pejorativa.
Ao mesmo tempo, a imposição do parque sem um trabalho prévio
de informação, conscientização e educação ambiental, não apenas causou
danos ao processo de legitimação da área de preservação, como também
ocasionou traumas irreversíveis para a população atingida. A mudança
brusca na forma como utilizavam os recursos naturais não permitiu o
99
estabelecimento de códigos que proporcionassem o equilíbrio entre a
sobrevivência humana e a preservação ambiental. É o que fica evidenciado
nos relatos de vida, como a do agricultor 8, que adoeceu após o
recebimento de multas e a derrubada de sua serraria, e que teve um filho
preso após assassinar o delator de práticas consideradas impróprias, por
tratar-se de áreas requeridas para o PEST:
tinha um homem aqui que entregava todo mundo. E
nós tínhamos um forno e uma serraria. E um dia
chegou um bando do Maciambu e amarraram a
serraria e derrubaram o forno e nos multaram com
uma quantidade! Ele foi falar com o sargento e pediu se
não tinha um jeito de liberar a gente para trabalhar;
mas na houve nada. Mas ele deu uma carta para a
gente entregar para o juiz da Palhoça; porque a gente
trabalha porque precisa! Não tem o que comer com
outra coisa(...) minha doença foi o fracasso... O IBAMA
veio e nos multou com saco de carvão. Como é que eu
iria pagar aquele dinheirão todo? Foi tudo dos nervos:
começou com uma dor nas costas, e foi subindo para a
cabeça, com uma ferrada no ouvido.. fiquei
doido,doido! (AGRICULTOR 9, Entrevista, 2006)
Sobre esta questão, relacionada às atividades e dificuldades
encontradas no Parque Estadual da Serra do Tabuleiro, Flávia Lapa,
Engenheira Agrônoma do Projeto Microbacias na cidade de Paulo Lopes,
ressalta:
Estes agricultores que você conseguiu contato são
pessoas um pouco mais abertas para conversação;
porque a maioria, em relação a este assunto, usa
palavras agressivas... não em relação a sua pessoa;
mas existe tanto rancor a respeito desta questão que
eles não aceitam nem mesmo conversar. Eles têm
consciência de que a preservação daquelas matas é
importante. Eles comentam que antigamente aqui as
serrarias eram tocadas a água, e mostram os caminhos
por onde passavam rios. E hoje em dia não mais
100
água como antes! Eles perceberam visivelmente a
importância da conservação, até mesmo pela
quantidade de pasto e animais que ainda existem. É o
único momento em que você consegue tirar alguma
coisa boa deles. O rancor é principalmente devido à
falta de indenização da área. (LAPA, 2005)
Não é fácil entender a questão sem um exame mais rigoroso do
papel desempenhado pela noção que cada indivíduo tem sobre o meio em
que vive. Mas o problema não consiste em saber qual dos lados está errado
ou qual tem a razão, mas em estabelecer um quadro de pensamento que
reúne relações e acontecimentos, mediante a integração de questões, que
determinem à historicidade dos conflitos surgidos a partir da criação da
unidade de conservação.
Neste sentido, a investigação apresentada a partir dos relatos de
história oral permite esboçar, sem estabelecimento de conceitos, certa
homogeneidade em localidades distantes, a partir do modo como utilizam o
espaço como fonte de renda ou de subsistência. É crucial que não se
dissocie a preocupação ecológica da preocupação e equidade social; isto é,
soluções para os problemas ambientais devem ser buscadas dentro do
próprio sistema social. Sobre este assunto, Flávia Lapa afirma:
Na verdade, a área foi preservada; mas o custo humano
para isso foi muito grande. Não tem como se colocar no
papel o custo humano para a formação do parque.
Imagine o número de pessoas que tiveram que sair de
suas propriedades! Eu também não sou daqui, mas
fizemos um resgate histórico antes do projeto
microbacias para saber para saber como era e como
está agora a agricultura... e eles mesmos contam que
antes as festas eram muito bonitas e cheias de gente.
Daqui do centro de Paulo Lopes até a comunidade de
Bom Retiro era cheio de moradores. Hoje você anda
mais de cinco quilômetros e não casa nem de um
lado e nem do outro. (LAPA, 40)
101
Assim como o município de Imaruí, o município de Paulo Lopes
caracteriza-se pelo êxodo rural. Apesar de ser o setor de comércio e
serviços que mais contribui para arrecadação do ICMS municipal; o setor
primário, relativo as atividades agrícolas e extrativas, é o setor onde a
maior parcela da população está ocupada. Dados do IBGE confirmam que
houve significativa diminuição do número de estabelecimentos rurais
também no município de Paulo Lopes (472 hectares em 1970 para 221
hectares em 1990).
Entretanto, nesse mesmo período, aumentou o número de
estabelecimentos destinados as pastagens, e também um significativo
aumento do número de estabelecimentos menores (até 10 hectares); o que
pressupõe, segundo informações da prefeitura municipal, a mesma
ocorrência do município de Santo Amaro da Imperatriz, onde vem
crescendo a demanda de sítios de lazer para populações urbanas.
Segundo a empresa Socioambiental Consultoria, responsável
pela pesquisa básica para o plano de Zoneamento do PEST, cerca de 7 mil
hectares de mata nativa desapareceu entre as décadas de 1985 e 1995; o
que admite que, a saída dos pequenos proprietários de terras não foi
suficiente para conter a degradação ambiental na região. Pelo contrário, a
falta de uma política de organização fundiária para conservação da área do
parque faz com que estes moradores vendam suas terras para pessoas
interessadas em expandir a atividade pecuarista na região, o que aumenta
o número de pastagens e, a partir da década de 1990, o cultivo de arroz
passou também a representar 44% da produção do município. (ICEPA,
2002: 40)
102
Sobre esta questão, a entrevista do agricultor 9, de Paulo Lopes
entra em consonância com as palavras do senhor agricultor 2, da
comunidade de Várzea do Braço, em Santo Amaro da Imperatriz, quando
afirma que, a forma como foram impostos os limites do parque, agravou-se
mais ainda a questão de ordem social e os impactos ambientais na
localidade:
Quem morava aqui ficou desesperado e foram
vendendo suas terras a troco de nada, e os ricos foram
comprando para passar os finais de semana; e os
pobres foram para a cidade fazer bico foi isso que
aconteceu com os meus irmãos, e não aconteceu
comigo porque eu fui teimoso e não tive pressa de
lutar. (AGRICULTOR 9, Entrevista, 2006)
Esses dados nos permitem afirmar que, é necessária uma
crescente inclusão dos cidadãos no processo de planejamento e gestão
ambiental, enfatizando o que Klaus Frey afirma, da necessidade de
aplicação de cinco dimensões da sustentabilidade: social, econômica,
ecológica, espacial e cultural. (FREY, p. 10)
Sendo assim, poderíamos nos perguntar que tipo de preservação
seria comunitariamente aceita e socialmente sustentável, haja vista que a
formação de uma área protegida tem uma finalidade concreta, que é a
preservação ambiental; porém, corre-se o risco de idealizar
demasiadamente o que se quer implementar. Flávia afirma que, quando
começou a trabalhar na área de conflito, encontrou dificuldades em
estabelecer ações concretas para ajudar a resolver o problema:
103
Nós reunimos os agricultores, um número de 15
pessoas mais ou menos. Chegamos a entrar em contato
com um advogado e levantar toda a documentação
necessária; que nos deparamos com uma situação
crítica. O advogado conseguiria dar entrada ao
processo para tentar a indenização. Porém, depois de
uns cinco anos mais ou menos, segundo o advogado,
teria que haver uma perícia, onde normalmente é o juiz
que nomeia o perito. E isso não sai por menos que 20
mil reais aproximadamente. E para quem vive com
uma renda familiar de 300 reais por mês ou menos,
falar em tirar 20 mil reais... Tem gente que tem 100
hectares dentro da área do parque, e fora tem um
hectare para morar! Então fica um tanto complicado
até cogitar a possibilidade! Algumas pessoas saíram
xingando! Tentamos trabalhar o problema e
causamos indignação. Porque seria a obrigação do
governo indenizar. E eles ainda Têm que pagar? Isso foi
um caso que desmotivou qualquer iniciativa.
(AGRICULTOR 10, Entrevista, 2005)
Os indivíduos que se encontram dentro ou no entorno do parque,
apesar de diferentes hábitos culturais, tornam-se homogêneas no que se
refere ao cultivo do espaço como fundamento para a sobrevivência; e,
somando-se a isto, a indecisão por partes das políticas públicas quanto a
situação destes agricultores configura um conflito de paradigmas que pede
uma mudança profunda no pensamento, percepção e valores de uma
determinada realidade.
Do mesmo modo, o contraponto é forte e compreensível. Na atual
conjuntura, em que a preservação dos recursos naturais torna-se
inquestionável, a percepção dos órgãos gerenciadores frente à
problemática do Parque estadual da Serra do Tabuleiro requer uma análise
sistemática. Flávia Lapa relata sua experiência também com esses órgãos,
em especial a FATMA:
104
O último contato que tive com eles também mudou a
minha forma de pensar, porque as pessoas que estão lá
também estão sendo colocadas na parede. Elas
também sabem que precisa ser feita alguma coisa.
Porém, para ser feito algo, precisa de uma grande
mobilização; precisa de dinheiro, precisa
principalmente apagar esta imagem que se tem da
FATMA e da criação do parque. (AGRICULTOR 10,
Entrevista, 2005)
Cada indivíduo percebe, reage e responde diferentemente as
ações sobre o meio. As respostas ou manifestações são, portanto,
resultado das percepções dos processos cognitivos, julgamentos e
expectativas de cada indivíduo.
Mas no município de Paulo Lopes, especificamente, a reação de
um morador assustou uma comunidade inteira. Em julho de 2005
entrevistou-se na comunidade de Bom Retiro, agricultor 10, nascido na
comunidade e atualmente com 35 anos.
Esse morador relutou muito em ceder uma entrevista, devido aos
problemas que teve na comunidade por se colocar a favor das mudanças
pedidas pela formação da área de preservação. Neste sentido, deixa claro:
Briguei com dois irmãos e perdi um monte de amigos
por defender um lado diferente. Mas alguém tem que
comprara esta briga. È claro que se eles indenizassem
as pessoas seria muito mais fácil preservar!
(AGRICULTOR 10, Entrevista, 2005)
105
Quando questionado sobre as mudanças ocorridas na
comunidade depois da criação do parque, Silvio faz um apanhado de prós
e contras da situação então estabelecida:
Depois do parque todo mundo teve que começar a se
virar com a lavoura, sem desmatar mais nada. Eu
trabalhei em lanchonete, depois fui caseiro de um sítio
aqui... comecei a trabalhar com produto orgânico
para o Supermercado Imperatriz. Agora sou funcionário
da UNISUL, na piscicultura e na horta. Para todo
mundo foi difícil mudar. Mas eu agradeço a mudança;
porque se não tivesse acontecido, nem água teria mais
aqui. Ta certo que antigamente era mais povoado. Mas
quem vendeu as terras se deu mal. E quem não
vendeu, hoje tem a Flávia com o Projeto Microbacias
para ajudar a dar alternativas de produzir.
(AGRICULTOR 10, Entrevista, 2005)
Para o agricultor 10, a única atitude errada foi à forma como a
questão da preservação foi imposta aos moradores:
Foi tudo de repente. Se eles tivessem explicado as
coisas e dadas alternativas pára a população, muitas
terras deixariam de ser vendidas para grandes
empresários. Agora as maiorias das terras são de
fazendeiros. Alguns até dão empregos para pessoa
daqui. Mas a maioria, tem as terras e nada acontece.
Antigamente tudo aqui era banhado. Hoje notamos que
tudo está mais seco. Drenaram muito os morros para
as plantações de arroz. Lugares nos rios que tínhamos
medo de passar, hoje são apenas valas. (AGRICULTOR
10, Entrevista, 2005)
Apesar de se mostrar a favor da preservação, o agricultor 10
estabelece um diálogo cheio de controvérsias quanto aos todos que
julga sustentáveis:
106
Hoje quem vive de madeira aqui, vive muito bem
através do reflorestamento. Se eu tivesse um pedaço de
terra como o meu pai tem, eu não seria empregado. Se
eu fosse ele pararia de criar gado e plantaria eucalipto.
(AGRICULTOR 10, Entrevista, 2005)
Neste sentido, é válido estabelecer um diálogo a respeito da
questão de terras e a ausência de um projeto de preservação sustentável.
Segundo Jared Diamond, além de considerarmos os danos ambientais
como fator de colapso das sociedades, deve-se também levar em
consideração as respostas das sociedades aos seus problemas ambientais.
(DIAMOND, 2006: 178)
Por isso torna-se importante que a discussão não seja reduzida
ao predomínio do blico sobre o privado ou vice-versa; sem radicalismos,
buscando, no limite do possível, o ponto sustentável, que busque
compreender o processo histórico dos conflitos instaurados pela imposição
do parque.
Mesmo que a presença dos residentes não possa parecer
ameaçadora, ela eventualmente se tornará, a medida que seu número
crescer e seu estilo de vida mudar. Entretanto, apesar de ser um fator
relevante e digno de cuidados, não deve ser generalizado.
Analisando o conjunto de entrevistas de todas as comunidades,
é possível perceber uma gradual conscientização dos moradores,
especialmente aqueles que se autodenominam nativos, quanto a
necessidade de mudar hábitos culturais e econômicos, em prol da própria
sobrevivência da comunidade. Mas no que tange a associação de
moradores para fins de participação efetiva na problemática do PEST,
somente a comunidade da Várzea do Braço tem se organizado.
107
A limitação ao uso dos recursos e a perda da produção em
algumas propriedades resultou na contemplação de uma questão até então
esquecida a consciência coletiva ligada a valores sociais diretamente
relacionados e utilização e permanência no espaço.
Adriano Luiz Duarte diferencia as inter-relações entre sociedade
e comunidade a partir da forma como se orientam e se organizam as
relações sociais:
Na sociedade os indivíduos estariam organicamente
separados e, seria a partir de sua ação, portanto, seus
deliberados atos de vontade, que se colocariam em
contato uns com os outros. Diferentemente do que se
daria na comunidade, na qual a conexão entre os
homens seria natural e orgânica. (DUARTE, 1997:43)
Analisando as comunidades escolhidas para a pesquisa, pode-se
afirmar que, na forma específica a consciência de identificação
comunitária como comportamento natural de pessoas que habitam o
mesmo espaço. No entanto, os fins sócio-políticos para a instituição do
PEST fizeram surgir valores sociais como a “consciência de classe”, que
amarram diferentes indivíduos em projetos políticos comuns.
Sob o ponto de vista da intervenção humana, o conjunto cênico,
biológico, histórico e cultural extremamente diversificado, é capaz de gerar
um modelo de desenvolvimento regional de grande repercussão social e
econômica, tendo o parque como elemento catalisador e gestor. (PBZ,
2000: 20) Entretanto, esta afirmação é o contraponto direto da organização
social instalada no território antes da instituição da unidade de
preservação em questão.
108
Como se pode perceber nos dados do Plano sico de
Zoneamento do Parque Estadual da Serra do Tabuleiro, apesar de todas as
políticas intervencionistas, a base econômica da maioria da população que
vive dentro da área do parque, ainda o setor primário, ou seja, a
agropecuária é significativa.
A análise das décadas de 1970, 1980, até 1991 demonstra que
foi significativa a diminuição de pessoas ocupadas neste setor. Entretanto,
se compararmos às outras fontes de pesquisa, o torna-se um dado o
considerável dado o número de pessoas que ainda dependem da terra
como fonte de subsistência, estando longe de ser uma questão de obtenção
de lucros. (IBGE, mimeo)
A noção de ambiente das diferentes populações envolvidas
envolve dimensões sociais e culturais que moldam as atitudes cotidianas,
forjadas ao longo do tempo pela maneira e pelo motivo que se encontram
num determinado território. Mas apesar deste aspecto comum, a maneira
como recebem e reagem às questões políticas da preservação ainda estão
se moldando, entre os sentimentos de opressão e revolta.
Sendo assim, as questões perpassam diferentes racionalidades
na percepção de um mesmo espaço. Entre estas, as divergências
institucionais e as descontinuidades da formação da área causou revoltas
nas “comunidades tradicionais” e, ao mesmo tempo, abriu espaço, mesmo
que involuntariamente, para outros tipos sociais urbanos, que exercem
grande influência na negociação.
Pode-se dizer que a idéia de conservação que o MPF apresenta,
no debate em torno do Parque Estadual da Serra do Tabuleiro, é
apropriada quando o tema é manter processos ecológicos essenciais para
que a natureza continue a prestar serviços vitais, lógica que mantém a
109
condição de que a natureza está a serviço do homem. Mas ainda não foi
estabelecida uma estratégia para que as metas de conservação possam ser
melhor atingidas, indo ao encontro das necessidades humanas, o que
torna a questão do PEST história e moralmente questionável.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A extensão do PEST em si, e sua localização partindo do litoral
para o interior catarinense inserido no bioma da Mata Atlântica o qualifica
como um dos principais parques de conservação do Brasil, pois seu
território abriga vários ecossistemas, tais como Restinga, Araucária,
Floresta Pluvial Atlântica, Matinha Nebular, Campos de Altitude e
Mangues.
A Fundação do Meio Ambiente de Santa Catarina (FATMA), ao
longo de sua história como autarquia, tem construído um discurso que
busca nomear o PEST como “santuário da biodiversidade: “uma Unidade
de Conservação de grande importância, pois além de santuário da
biodiversidade, o parque guarda também as nascentes de sete rios,
incluindo os que abastecem a Grande Florianópolis.”
Nesse sentido, a carta elaborada pelo grupo de agricultores
representava, em 1980, não a luta de um grupo histórico pela
manutenção de suas atividades econômicas tradicionais e de sua
identidade sócio-cultural, mas também uma possibilidade de discussão
111
pública sobre a constituição e os modelos de parques ambientais no país,
os problemas inerentes ao conceito de conservacionismo num momento
em que o Brasil ampliava seu parque industrial e seu desenvolvimento
urbano, e era um índice de que políticas públicas geridas na esfera do
“macro”, acabavam por atingir de formas diferentes o cotidiano, a
intimidade dos lares daqueles agricultores, por vezes, de forma agressiva.
Afinal, aqueles moradores de Águas Mornas estavam
contrapondo-se a certas considerações que serviram de base para a
constituição do PEST, tais como alguns itens do próprio Decreto Estadual
1.260, de de novembro de 1975, assinado pelo então Governador de
Santa Catarina, Konder Reis, que preocupava-se em criar a área de
conservação devido a aspectos técnicos e ecológicos (importância para a
região litorânea catarinense pelo seu potencial hídrico, geológico, florístico,
faunístico, climático, e paisagístico), mas também econômicos
(precisamente o turismo). Nesse sentido é que o enfoque dado à pesquisa
buscou compreender e discutir a formação das UCs e suas implicações
sociopolíticas nas regiões, nos municípios que são atingidos diretamente
pelo PEST.
A reação dos agricultores de Águas Mornas traz à tona os
projetos de vida engendrados e marcados no território do parque, a forma
como o ambiente é diferentemente representado e usado/apropriado na
vida cotidiana dos indivíduos envolvidos direta e indiretamente na questão
do PEST, e, sobretudo, as práticas do espaço a partir da concepção que
esses grupos e pessoas alimentam sobre natureza”, “meio ambiente”. Mas
se tratam de práticas ora legitimadas, ora tornadas ilegais, devido à
construção judicial, também, das idéias de “meio ambiente” e “natureza” a
partir do Direito Ambiental e da legislação pertinente.
REFERÊNCIAS
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ENTREVISTAS
AGRICULTOR 1. Entrevista concedida a Cristiane Fortkamp. Santo Amaro
da Imperatriz/SC. 10 jul. 2005.
AGRICULTOR 2. Entrevista concedida a Cristiane Fortkamp. Santo Amaro
da Imperatriz/SC. 10 jul. 2005.
AGRICULTOR 3. Entrevista concedida a Cristiane Fortkamp. Santo Amaro
da Imperatriz/SC. set. 2005.
113
AGRICULTOR 4. Entrevista concedida a Cristiane Fortkamp. São
Bonifácio, set. 2005.
AGRICULTOR 5, AGRICULTOR 6. Entrevista concedida a Cristiane
Fortkamp. Santo Amaro da Imperatriz/SC. 9 jun. 2006.
AGRICULTOR 7. Entrevista concedida a Cristiane Fortkamp. Imaruí/SC.
29 jul. 2005.
AGRICULTOR 8. Entrevista concedida a Cristiane Fortkamp. Paulo
Lopes/SC, 26 jul. 2006.
AGRICULTOR 9. Entrevista concedida a Cristiane Fortkamp. Bom
Retiro/SC, 24 jul. 2005.
AGRICULTOR 10. Entrevista concedida a Cristiane Fortkamp. Imaruí/SC,
24 nov. 2005.
CARDOSO, José Eduardo. Entrevista concedida a Cristiane Fortkamp.
Palhoça/SC, 17 set. 2007.
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2005.
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