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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGÜÍSTICA
ZOETÂNIA SOBRAL MELO
A INSERÇÃO DO INFANTE NO MEIO DISCURSIVO: EFEITOS DE
INTERPRETAÇÃO DE DIFERENTES INTERLOCUTORES
JOÃO PESSOA
2008
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ZOETÂNIA SOBRAL MELO
A inserção do infante no meio discursivo: efeitos de interpretação de
diferentes interlocutores
Dissertação apresentada para obtenção do
título de Mestre em Lingüística. Programa
de Pós-Graduação em Lingüística,
Universidade Federal da Paraíba. Área de
concentração Teoria e Análise Lingüística.
ORIENTADORA
PROFª DRª. MARIANNE CARVALHO BEZERRA CAVALCANTE
JOÃO PESSOA
2008
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ZOETÂNIA SOBRAL MELO
A inserção do infante no meio discursivo: efeitos de interpretação de
diferentes interlocutores
Dissertação apresentada para obtenção do título de Mestre em Lingüística.
Programa de Pós-Graduação em Lingüística. Universidade Federal da Paraíba. Área
de concentração Teoria e Análise Lingüística.
EXAMINADORES
________________________________________________
Profª Drª Marianne Carvalho Bezerra Cavalcante
Universidade Federal da Paraíba
(Orientadora)
______________________________________________
Profª Drª Evangelina Maria Brito de Faria
Universidade Federal da Paraíba
______________________________________________
Profª Drª Severina Silvia Maria Oliveira Ferreira
Universidade Federal de Pernambuco
A Hênio Júnior e Hênio Vítor,
pelo amor e cumplicidade.
AGRADECIMENTOS
A Deus, por todas as maravilhas que tem realizado em minha vida. E por
estar sempre iluminando meu caminho, me dando saúde, paz e serenidade.
A Hênio Júnior, pelo apoio constante e por acreditar que sou capaz de tudo.
Agradeço, acima de tudo, por todo amor e dedicação dispensado a nossa família. A
você todo o meu amor e gratidão.
Ao meu filho, pela paciência com que aceitou minha ausência em algumas
de suas atividades, principalmente nos últimos dias, que deixei de compartilhar suas
férias. Você é minha riqueza.
À minha mãe, exemplo de mulher, que sempre esteve conosco em todos os
momentos, apoiando em tudo. A você Mainha, meu amor e gratidão.
Aos meus irmãos, pela preocupação permanente com meu trabalho e pelas
vezes que me ajudaram, pelo cuidado comigo e por sempre estar disponível para
cuidar do meu filho. Amo vocês.
A todos os meus familiares que se preocuparam, torceram e rezaram por
essa conquista, que direta ou indiretamente contribuíram para o sucesso deste
trabalho. Muito obrigada.
A Jacqueline e Mário pelo apoio desempenhado mesmo antes do processo
de seleção do Mestrado, como também pelas vezes que me receberam em sua casa
com muito carinho.
À tia Bernadete pelo incentivo desde a época da graduação.
A Laurênia, grande amiga e incentivadora, que sempre esteve presente em
toda essa jornada. Agradeço por todas as conversas, discursões e leituras
realizadas. A você amiga, minha eterna amizade. Muito obrigada!
À Mônica Almeida, pelas contribuições durante a elaboração do meu projeto
inicial e por todas as discursões durante a disciplina que pagamos juntas.
Aos pais de F, S, A, por confiarem no meu trabalho e permitirem a realização
deste estudo. Por todas as vezes que invadi seus lares e fui recebida com todo amor
e atenção. Muito obrigada!
A Fernanda pelo incentivo e preocupação permanente comigo e com meu
trabalho, pelas vezes que perguntava como estava nos estudos.
À Marianne Cavalcante, minha orientadora, por ter acreditado em mim desde
o início e aceitado minhas idéias. Pelo apoio que me foi dado desde as disciplinas
como aluna especial, o qual foi fundamental para que este sonho se tornasse
realidade. Agradeço pela dedicação, competência e serenidade durante os
momentos de orientação. A você, toda minha admiração e carinho.
Agradeço aos professores do Mestrado, cujos ensinamentos foram de
grande valor para esta dissertação. Em especial às professoras Evangelina Faria e
Glória Carvalho pelas essenciais contribuições na minha banca de qualificação.
Ao coordenador do PROLING, Demerval da Hora, pela dedicação para com
o Programa e a pesquisa. Exemplo de coordenador e professor.
À Vera pela dedicação e simpatia com que sempre nos recebeu. Exemplo de
pessoa e profissional.
À Juliana Maia, pela disponibilidade com o Abstract, colaboração valiosa no
final desse trabalho, como também pelo apoio dispensado.
A todos os colegas do Mestrado, em especial Eliza Nóbrega e Jaqueline
Prazeres, pela amizade e pelas idéias compartilhadas, em conseqüência de
algumas questões em comum durante o Mestrado, inclusive nossa orientadora.
À Eliza Nóbrega, pelas conversas, discursões, e apoio em vários momentos
dessa nossa jornada.
Aos amigos do LAFE, por todos os momentos que passamos juntos e pela
torcida permanente.
Enfim, gostaria de agradecer a todos que estão ou estiveram na minha vida e
contribuíram para o meu crescimento pessoal e profissional.
“Retorno, por um momento, a questão da
língua e discurso na teorização sobre
aquisição de linguagem, lembrando que a
tarefa desta não é descrever a língua ou a
fala da criança, e sim descrever e
interpretar a relação da criança com a
língua a partir de sua fala.”
(DE LEMOS, 1995)
RESUMO
A família tem um papel fundamental na aquisição da linguagem por constituir-se
enquanto o primeiro núcleo interativo do qual a criança participa. Desde cedo, a
criança é interpretada em todas as suas expressões, mesmo quando não tem
intenção comunicativa, ou seja, o interlocutor procura dar sentido aos gestos,
movimentos e expressões do bebê e outras manifestações. Assim, esta dissertação
busca investigar, através da concepção interacionista da linguagem, como se o
processo de aquisição de linguagem em crianças entre 35 e 41 meses de idade a
partir do papel interpretativo de seus interlocutores (adulto/criança). Baseado nos
estudos da lingüista De Lemos (2002) e colaboradores como: Guimarães de Lemos
(2002), Lier de Vitto (1995), Castro (1995), Cavalcante (1999), procuramos mostrar a
linguagem como constituinte do sujeito, bem como os efeitos da interação entre
interlocutores diversos (pais/infante/irmão e pais/infante). É um estudo de caráter
qualitativo, observacional, longitudinal e tem como participantes duas crianças: a
primeira em interação com seus pais e o irmão mais velho, e a segunda em
interação com seus pais. Os vinte e quatro episódios foram gravados em sistema
VHS durante um período de seis meses com intervalos de quinze dias. Nessas
visitas periódicas ao domicílio de cada criança, observamos sistematicamente
situações interativas entre infante e irmão mais velho, pai ou mãe com seus dois
filhos; e pais e infante, mãe e infante e pai e infante, em diversas situações. Desta
forma, nossos dados revelam que o outro é reconhecido pela criança como um
intérprete autorizado a interferir em seu discurso. Como também, percebemos que a
criança é capturada pela língua no sentido de que está submetida ao funcionamento
da mesma. Além de verificarmos que os interlocutores ocupam posições
diferenciadas no seu percurso lingüístico. Assim, concluímos que as crianças
passam a constituir sua própria fala e o inseridas no meio discursivo a partir das
contribuições/interpretações do outro (adulto/criança).
Palavras-chave: Aquisição de Linguagem; Interacionismo e interpretação
ABSTRACT
Family has a fundamental role in language acquisition for it is the first interactive
nucleous in which the child takes part. Since early age, the entire child’s expressions
are interpreted, even when there is no communicative intention, that is, the
interlocutor tries to apply a meaning to the gestures, movements, expressions and
other manifestations of the baby. This dissertation tries to investigate, through the
interactionist conception of language, how does the process of language acquisition
in children aging between 35 and 41 months take place from the interpretative role of
their interlocutors (adult/ child). Based on the studies of the linguist De Lemos (2002)
and others such as: Guimarães de Lemos (2002), Lier de Vitto (1995), Castro (1995),
Cavalcante (1999), we try to show language as constituent of the subject, as well as
the effects of the interaction among different interlocutors (parents/infant/brother and
parents/infant). It is a study of qualitative, observational and longitudinal character
and has two children as participants: the first one in interaction with his parents and
older brother, and the second in interaction with her parents. The twenty four
episodes were recorded on VHS for six month with a fifteen-day period in between. In
these periodic visits to the home of each child, we systematically observed interactive
situations between infant and older brother, father or mother with their two sons; and
parents and infant, mother and infant and father and infant, in different situations. Our
data shows that the other is recognized by the child as an interpreter authorized to
interfere in her speech. We also noticed that the child is captured by language in a
sense that she is submitted to the language’s functioning. We also verified that the
interlocutors occupy different positions in the linguistic course. Thus, we conclude
that children start to constitute their own speech and are introduced in the discursive
medium by the contributions/ interpretations from the other (adult/ child).
Key-words: Language Acquisition; Interactionism and interpretation.
SUMÁRIO
1
INTRODUÇÃO
..........................................................................................
10
2
AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM E OS EFEITOS DE INTERPRETAÇÃO
NA FALA DA CRIANÇA .............................................................................
14
2.1
14
2.2
24
2.3
31
2.4
39
2.5
43
3
ASPECTOS METODOLÓGICOS
............................................................
45
4
ANÁLISE E DISCUSSÃO
.........................................................................
49
5
CONCLCUSÃO
.......................................................................................
91
6
REFERÊNCIAS
.......................................................................................
94
Anexos .................................................................................................................
98
Melo, Z. S. A inserção do infante no meio discursivo: efeitos de interpretação de diferentes interlocutores
10
INTRODUÇÃO
O processo de Aquisição de Linguagem tem sido observado por diversas
áreas de pesquisa dentre elas podemos destacar: a Lingüística, a Psicologia, a
Psicanálise, a Fonoaudiologia e a Medicina, as quais buscam investigar, de modo
geral, a interação entre mãe-bebê. Porém, poucos são os pesquisadores que
procuram direcionar seu trabalho para interação entre mãe e crianças, pai e crianças
ou pais e crianças.
Então, podemos dizer que fazemos parte desse grupo de pesquisadores,
visto que, nossa pesquisa tem como foco a fala da criança, mais especificamente,
como se o processo de inserção da criança no meio discursivo a partir do papel
interpretativo de diferentes interlocutores (adulto/criança). Levando em consideração
que o efeito de interpretação, aqui focalizado, consiste em qualquer retorno dos pais
ou outro interlocutor que possibilite um efeito na fala da criança.
Nesse sentido, é importante destacar que a interpretação do adulto na
aquisição da língua materna promove transformações na fala da criança, levando em
consideração que o infante incorpora, em seu discurso, significantes do outro.
Vejamos o que diz De Lemos (2000, p. 3) a esse respeito:
(...) Razões de ordem teórica e empírica me levaram a tratar essas
mudanças como conseqüentes à captura da criança, enquanto corpo
pulsional, isto é, que demanda interpretação, pelo funcionamento da língua
em que é significada, por um outro, como sujeito falante. Nesse sentido,
pode-se dizer que essa captura tem o efeito de colocá-la em uma estrutura
em que comparece o outro como instância de interpretação e a própria
língua em seu funcionamento. Essa estrutura é a mesma em que se move o
adulto (que é também o outro da criança), enquanto sujeito falante também
submetido ao funcionamento da língua.
Assim, o processo de aquisição da linguagem deve ser entendido como um
percurso singular de uma criança na sua relação com a linguagem. Singularidade
esta que será marcada pelas incorporações da fala do outro (adulto/criança), as
quais não se reduzem a simples repetição do mesmo.
Melo, Z. S. A inserção do infante no meio discursivo: efeitos de interpretação de diferentes interlocutores
11
Desse modo, decidimos investigar como diferentes interlocutores
adulto/criança introduzem o infante no meio discursivo. Logo, a linguagem infantil a
ser focalizada é a fala inicial de crianças com idade entre 35 e 41 meses de idade,
ambos da classe média. Para uma melhor compreensão dessa fala, faz-se
necessário consultar em fontes da Psicolingüística e do Interacionismo
1
, as quais
servem de base para uma melhor compreensão do campo de Aquisição da
Linguagem. Sendo assim, lançaremos mão de um arcabouço teórico que tem como
peça fundamental a lingüista De Lemos ( 2001a, 2001b, 2000 ), a partir da qual
surgem vários estudos, dentre os quais os realizados por Guimarães de Lemos
(2002), Lier de Vitto (1995), Castro (1998, 1995), Cavalcante (2003a, 2003b, 1999,
1994) etc.
Tem-se como objetivo geral investigar como se dá o processo de aquisição da
linguagem em crianças entre 35 e 41 meses de idade a partir do papel interpretativo
de seus interlocutores (adulto/criança), e como objetivos específicos: (1)
compreender a influência do falante adulto na constituição lingüística da criança; (2)
analisar a interpretação que o adulto, o pai ou a mãe, faz da fala da criança; (3)
identificar como o infante constitui sua própria linguagem; (4) compreender a
influência do irmão mais velho na constituição lingüística da fala do infante.
Escolhemos a aquisição da linguagem dessa faixa etária por ser um tema
ainda pouco estudado no âmbito dos estudos psicolingüísticos, sobretudo a
interpretação que se faz dessa linguagem através de conversas informais entre os
falantes da mesma língua. É importante destacar, ainda, a escassez de pesquisas
sobre a influência da interação entre pares de crianças com faixa etária diferentes
em que a interação se dá entre duas crianças: a que se encontra em processo de
aquisição da linguagem e a que se constitui o outro, que “carrega em si a língua”.
Buscaremos, assim, compreender a singularidade deste processo.
Nossa investigação orienta-se pelas seguintes hipóteses: a) a interpretação
feita pelo adulto introduz o infante no seu meio discursivo, promovendo-o à condição
de ser de linguagem; b) a interpretação feita pelo irmão mais velho introduz o infante
no seu meio discursivo, promovendo-o à condição de ser de linguagem; c) o papel
do interlocutor criança mais velha na aquisição da linguagem se constituirá de
maneira diferenciada do papel do adulto.
1
Toda vez que adotarmos a nomenclatura Interacionismo estamos nos referindo à proposta de De Lemos.
Melo, Z. S. A inserção do infante no meio discursivo: efeitos de interpretação de diferentes interlocutores
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Os capítulos
Esta dissertação se inicia com o capítulo 1 - “A Aquisição da Linguagem e os
efeitos da interpretação na fala da criança” com a apresentação do subitem 1.1 Um
breve histórico da Aquisição da Linguagem, no qual expomos a perspectiva
anunciada por Guimarães de Lemos (2002) com relação aos primeiros estudos
sobre aquisição e sua relação com a Psicolingüística, como também o impulso dado
pela Lingüística Gerativista à área de Aquisição de Linguagem, ou seja, a Lingüística
deixa o modelo formal de gramática e passa a conceber restrições às gramáticas de
línguas naturais, o que foi formalizado como Gramática Universal (GU) (Chomsky,
1965).
Buscamos, ainda, discutir a condição da Aquisição de Linguagem pelo
submetimento ocasionado na fala da criança, uma vez que o mesmo está
relacionado com características singulares, que serão definidas a partir da condição
constitutiva do discurso.
Ainda nesse subitem, abrimos um espaço para uma apresentação dos
variados interacionismos que tem como seguidores alguns estudiosos como: Scarpa
(2001), Bakhtin (1999), Tomasello (2003), Snow (1997, in: Fletcher e Macwinney,
1997), os quais contrapõem a perspectiva interacionista proposta por De Lemos
(2001a, 2001b, 2000, 2002) a qual defende que a Aquisição da Linguagem acontece
a partir das mudanças de posição em relação à fala do outro, a língua e a própria
fala, ou seja, são mudanças estruturais, pois não há superação de nenhuma das três
posições percorridas pela criança.
No segundo subitem, 1.2 Interacionismo: o caminho para a constituição
subjetiva, abordaremos o interacionismo proposto por De Lemos como forma de
verificar no processo dialógico a relação entre a fala da criança e a do interlocutor.
Além de destacarmos outros estudiosos que seguem essa mesma perspectiva,
também citamos Cavalcante (1999) com relação à fala dirigida à criança, pois a
criança é caracterizada como participante do momento interativo e o adulto atua
como mediador.
Melo, Z. S. A inserção do infante no meio discursivo: efeitos de interpretação de diferentes interlocutores
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No subitem seguinte, 1.3 Sobre a interpretação da fala da criança, partiremos
da verificação dos primeiros interlocutores (os pais), verdadeiros atuantes na fala da
criança, pois são esses interlocutores que ajudam a criança a produzir enunciados
próprios. Segundo Castro (1995), essa interpretação é caracterizada como fator
determinante na aquisição da linguagem do infante, pois atribuem significado ao
comportamento infantil, ou melhor, a sua produção lingüística.
No penúltimo subitem, 1.4 O interlocutor: para além do cânone materno, é o
momento em que tentamos descrever que lugar o pai ocupa na relação dialógica, e
quais as possíveis contribuições desse interlocutor que, ultimamente, está tão
presente nos eventos de interação das díades observadas.
E, no último subitem, 1.5 Interação entre irmãos, momento em que
destacamos aquele que é tomado como terceiro interlocutor, o irmão mais velho.
O capítulo 2 corresponde aos aspectos metodológicos envolvendo a
descrição dos dados coletados para análise, desde o tempo em que foram gravados
os episódios interativos, a forma escolhida para gravação, como também, o período
em que acompanhamos os infantes, durante seis meses, e os sujeitos envolvidos na
pesquisa.
O capítulo 3 é referente à análise dos dados selecionados, ou seja, a
descrição e interpretação de cada episódio gravado, onde analisamos e discutimos
os episódios interativos, dos quais são selecionados fragmentos de seis grupos
distintos. Referente aos diálogos com o infante 1: o primeiro da mãe com os irmãos,
o segundo do pai com os irmãos e o terceiro dos irmãos. E com relação ao infante 2:
o primeiro com os pais e o infante, o segundo com a mãe e o infante e o terceiro
com o pai e o infante.
E por fim, as considerações finais destacam a possibilidade de compreender
o papel de interlocutores diversos no funcionamento lingüístico-discursivo do infante,
como também o papel da interpretação como elemento ou passaporte para sustentar
e inserir a criança no meio discursivo.
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14
1 AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM E OS EFEITOS DE INTERPRETAÇÃO NA FALA DA
CRIANÇA
1.1 UM BREVE HISTÓRICO DA AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM
A relação dos estudos de aquisição de linguagem com a lingüística
corresponde a dois pontos consideráveis: o da história, relacionado aos
acontecimentos, e o teórico, que está direcionado à delimitação e organização dos
campos em estudo. Esses campos o se organizam separadamente, como
também não para elencar uma relação de causa e efeito entre ambos. Nesse
sentido, Guimarães de Lemos (2002) concorda que para alcançar uma dimensão
ainda mais abrangente que a existente seria importante adiar qualquer conclusão
até um levantamento efetivo dos pontos fundamentais da história e dos princípios
teóricos. Ainda com relação à Aquisição, Guimarães de Lemos (op. cit, p.62) afirma
que: “os estudos em Aquisição de Linguagem pertencem a um campo
interdisciplinar, que é a Psicolingüística”.
Esse estudo interdisciplinar surgiu quando, no Summer Seminar, promovido
pelo Social Science research Council, na Universidade de Indiana, em 1954,
psicólogos e lingüistas se reuniram para elaborar uma nova disciplina que
considerasse três abordagens do processo de linguagem: a lingüística estrutural; a
teoria da aprendizagem e a teoria da comunicação. Essa disciplina recebeu o nome
de Psicolingüística. No entanto, a Aquisição da Linguagem não foi destacada por
essa primeira Psicolingüística, a qual parecia ter um certo interesse nos problemas
de aquisição. A primeira Psicolingüística não durou uma década, pois ocorreu uma
conversão radical em que foi substituído o discurso Behaviorista pelo racionalismo
na Psicolingüística. Foi nesse período inicial que Fodor (1966) afirmou que não
haveria nenhum avanço nos estudos de Aquisição da Linguagem pela criança
enquanto não houvesse a distinção entre a estrutura de base e sentença, pois
Melo, Z. S. A inserção do infante no meio discursivo: efeitos de interpretação de diferentes interlocutores
15
apenas essa diferença é que pode explicar o motivo pelo qual as crianças falam e
compreendem sentenças nunca ouvidas antes. A partir desse período, os estudos
na área ganham outros elementos importantes.
Foi a Lingüística Gerativista que deu o impulso aos estudos realizados na
área da Aquisição da Linguagem. Nesse sentido, a Lingüística deixou de
transparecer um modelo formal de gramática, como modelo da competência
lingüística de um falante/ouvinte abstrato. Essa formulação fez com que a Teoria
Lingüística concebesse restrições à forma das gramáticas de línguas naturais como
parte da dotação biológica característica da espécie humana, o que foi formalizado
como Gramática Universal (GU) (Chomsky, 1965). Por isso, a Aquisição da
Linguagem é concebida como um processo de identificação da língua materna pela
criança. Nesse mesmo período, é importante destacar a influência de Chomsky, ao
afirmar que à lingüística não cabe apenas descrever uma língua, mas atingir a
linguagem humana no que ela tem de universal.
Como nosso interesse principal é a Psicolingüística transformada, ou seja, o
desejo que ela apresenta pelo tema Aquisição da Linguagem, vimos que a mesma
não se sustenta apenas pelo estudo chomskiano, mas que devemos verificar
algumas características que marcaram essa área concebida interdisciplinar. A partir
desse momento, o psicolingüista favorece sua prática através da pesquisa da fala da
criança, à procura de regularidades sintáticas. Porém, ocorreram mudanças que
possibilitaram o fracasso dessa busca. Como também, outro aspecto ligado aos
estudos de Aquisição que apontou o imprevisto, ou seja, “uma área interdisciplinar
encontra para definir seu objeto e para justificar sua singularidade (Guimarães de
Lemos, 2002). Chomsky descobre, através da fala da criança, a qual se encontra
regida de uma complexidade que reflete as regras da língua, uma língua que não
pode ser atribuída ao conhecimento pré-lingüístico”, Guimarães de Lemos, (op. cit).
Assim, a partir de todo o impacto sofrido pela Psicolingüística, foi possível
apresentar dados de aquisição de linguagem infantil, os quais transfiguravam de
modo expressivo a competência da criança. E são esses estudos em Aquisição de
Linguagem que apontam para a urgência do compromisso com a fala da criança, ou
seja, a análise detalhada do dado infantil.
Nesse sentido, precisamos discutir a condição específica dessa área em
Aquisição de Linguagem justamente pelo submetimento ocasionado à fala da
Melo, Z. S. A inserção do infante no meio discursivo: efeitos de interpretação de diferentes interlocutores
16
criança, o que passou a ser considerado como um discurso científico, em que é
analisada a produção de linguagem de um ser através de fontes reais.
Para a Aquisição da Linguagem esse submetimento está relacionado com a
fala de características singulares
2
, é o fato de passar para essa fala o valor de dado
empírico
3
, ou seja, nem o pesquisador, nem a teoria particular irá definir esse
submetimento, e sim a condição constitutiva, que é, dessa forma, observada através
do caráter simbólico que ordena diferenças no discurso.
De acordo com indagações feitas, a Aquisição de Linguagem pôde se constituir
como área multidisciplinar, e foi o desenvolvimento desse trabalho que levou tanto a
Psicologia, em especial a cognitiva, quanto a Lingüística a se alimentar das várias
áreas, possibilitando um campo próprio de estudos, como é o caso da: aquisição da
língua materna, aquisição de segunda língua e aquisição da escrita.
Além disso, de acordo com De Lemos (1982), nessa área de aquisição de
linguagem existe um dilema de base, “dilema ou pecado original”: a
incompatibilidade dos dois compromissos assumidos pelo psicolingüísta na tentativa
de dar conta da tarefa de como as crianças adquirem sua língua. Caberia ao
primeiro compromisso, identificar e explicar as mudanças qualitativas que definem o
processo de aquisição da linguagem, as estruturas e categorias; e, ao segundo,
descrever em categorias e em estruturas definidas nas estruturas lingüísticas, os
enunciados representativos de cada momento do período estudado. Porém, o
investigador não consegue cumprir com os dois compromissos, e, assim, tem optado
pelo segundo compromisso, presente na grande maioria dos investigadores desta
área.
Note-se que apenas este último compromisso não é suficiente para
referenciar a constituição da primeira língua, o que para De Lemos (1982) tornou-se
uma incompatibilidade desses compromissos foi a incorporação implícita da visão
inatista da aquisição da linguagem nas descrições dos investigadores. Enfim, seria
2
Tomamos por singularidade o fato da criança incorporar significantes do adulto e promover
transformações em sua fala. Fragmentos que serão levados a relações imprevisíveis, ou seja, ao
insólito, ao novo na produção da linguagem infantil. Nesse sentido, esse percurso será entendido
como a “passagem da condição de infans a ser de linguagem” (CASTRO, 1995, p. 31).
3
É possível verificar nos estudos em aquisição de linguagem que “a maioria dos pesquisadores na
área tem tratado como evidência empírica” o que se convencionou chamar de “dado”, fazendo uso
deles para comprovar ou refutar teorias” (PERRONI, 1996, p. 18, IN: CASTRO, 1996). O dado
empírico de que se trata aqui diz respeito àquele trabalhado no método observacional que foca na
qualidade, permitindo uma análise mais completa do desenvolvimento infantil.
Melo, Z. S. A inserção do infante no meio discursivo: efeitos de interpretação de diferentes interlocutores
17
necessário “dar conta das mudanças qualitativas que caracterizam o processo de
aquisição de linguagem em um nível menos abstrato e menos terminal” (De Lemos,
1982, p. 12)
4
1.1.1 Interacionismos
Muitos são os interacionismos na teorização lingüística. Neste tópico
tentaremos distinguir aquilo que denominamos por Interacionismo ( vertente de De
Lemos) dos demais interacionismos dentro da Aquisição da Linguagem e dos
estudos lingüísticos.
Dentre os temas e abordagens sobre aquisição da linguagem podemos
destacar o interacionismo como aquele que favorece ou facilita o processo de
aquisição, além de contar com os fatores sociais, comunicativos e culturais no
desenvolvimento dessa relação. Na verdade, essa troca interativa começa desde
muito cedo, mesmo quando a mãe fala com o bebê e, ao mesmo tempo, traduz seus
gestos, traços, olhares ou movimentos, como se fosse o próprio infante. Como
destaca Scarpa (2001, p. 215), “desde o nascimento, o bebê é mergulhado num
universo significativo por seus interlocutores básicos, que atribuem significado e
intenção às emissões vocais, gestos, direção no olhar”. Assim, é essa fala, a do
interlocutor adulto (pai ou mãe) ou irmão mais velho, que é considerada como peça
fundamental para o desenvolvimento da linguagem do infante.
Desta forma, destacamos que a interação lingüística certamente acontece
mediante aproximação das pessoas que adquirem conhecimento e valores de sua
sociedade. Logo, a interação é o processo pelo qual um grupo social acumula
normas e ensinamentos e são perpassados para os bebês através daqueles que
funcionam como agentes orientadores do discurso, ou seja, os que irão favorecer
todo o processo, seja a partir de pessoas específicas, mãe e pai, ou mesmo através
de vários grupos sociais, como a família e a escola.
Como se percebe esta é uma visão corrente de interacionismo, a teoria
lingüística de vertente bakhtiniana é uma representante desta perspectiva.
4
Vale destacar que a posição teórico-analítica assumida por De Lemos em 1982 não se coaduna
com a perspectiva adotada a partir de 1992. Mas os argumentos críticos a respeito do papel da
Aquisição da Linguagem expostos em 1982 permanecem. Isto é, a crítica feita a psicolingüística
tradicional.
Melo, Z. S. A inserção do infante no meio discursivo: efeitos de interpretação de diferentes interlocutores
18
A interação deve partir, inicialmente, de uma teoria de expressão a qual é
colocada em prática a partir do dualismo entre o que é interior e o que é exterior no
meio social, assim, tudo partirá de um interior, e sua exposição será a compreensão
por parte daquele que corresponde ao exterior, ou seja, o outro no discurso
interativo. É possível verificar ainda que o processo de organização e ou construção
está situado no exterior, isto é, será determinado pela necessidade do momento, a
qual envolve todas as características sociais daquele que estiver em sua volta.
De acordo com Bakhtin (1999, p.112), as condições reais que devem ser
consideradas para a situação, anteriormente descrita, estão associadas às
condições sociais do interlocutor em destaque, como podemos observar a partir do
fragmento abaixo:
A palavra dirige-se a um interlocutor: ela é função da pessoa desse
interlocutor: variará se tratar de uma pessoa do mesmo grupo social ou não,
se essa for inferior ou superior a hierarquia social, se estiver ligada ao
locutor por laços sociais mais ou menos estreitos (pai, mãe, marido etc).
Então, é possível considerar que todo esse processo é composto por duas
vertentes em que procede de alguém em direção a outro alguém, ou seja, “constitui
justamente o produto da interação do locutor e do ouvinte” (BAKHTIN, op. cit, p.113).
A relação dialógica determinada por pessoas específicas, mãe e pai ou
mesmo através de vários grupos sociais, como a família e a escola, é caracterizada
através do contato direto que a criança passa a estabelecer com o adulto a partir do
reflexo dessa inter-relação. Segundo Bakhtin (op. cit. p. 113), “a situação social mais
imediata e o meio social mais amplo determinam completamente e, por assim dizer,
a partir do seu próprio interior, e estrutura da enunciação”. O que demonstra a
interação verbal social dos locutores durante esse processo, pois o mesmo favorece
ainda mais o desenvolvimento da língua. Por isso, a necessidade de investigar a
relação dialógica nesse percurso de descobertas em que o indivíduo se apropria de
ou constrói um conhecimento sobre a língua como objeto.
No entanto, esta não é nossa posição em relação aos dados que serão
observados nos próximos capítulos, procuraremos verificar o outro como
instanciação da língua através do processo de especularidade que promove a
inserção da constituição do sujeito, ou seja, uma posição que se diferencia da de
Melo, Z. S. A inserção do infante no meio discursivo: efeitos de interpretação de diferentes interlocutores
19
Bakhtin, apresentada anteriormente por considerar que a criança é um sujeito social
em construção.
A aquisição da língua materna é estabelecida a partir de uma troca entre a
criança e seus interlocutores, a qual favorece o desenvolvimento lingüístico. Como
constatamos a partir da afirmação de Scarpa (2001, p. 215):
As características da fala do adulto (ou das crianças mais velhas) são
estudadas e consideradas fundamentais para o desenvolvimento da
linguagem na criança. Alguns estudos demonstraram como esquemas de
ação e atenção partilhadas pela criança e pelo adulto interlocutor-básico
precedem categorias lingüísticas.
Portanto, a aquisição da língua materna apresenta como principal base para
uma boa formação lingüística a interação entre criança e seu interlocutor
privilegiado, só assim é possível constatar que essa interação acontece com o intuito
de facilitar a aprendizagem da criança.
Levando em consideração essa interação e formação lingüística da criança,
De Lemos (1982)
5
destaca alguns pesquisadores, dentre eles Bruner (1975), que,
apesar de apresentar os comportamentos interativos entre adulto e criança, acaba
por repetir as mesmas deficiências, propostas por cognitivistas. Para Bruner, o
esquema interativo entre criança e o adulto está relacionado aos papéis de agente,
paciente e objeto, ou seja, constitui-se pelas formas pré-verbais estabelecidas nesse
contato. No entanto, De Lemos (op. cit) aponta o que falta no esquema interacional
proposto anteriormente, como é possível verificar a partir do fragmento abaixo:
Uma tal hipótese não dispensa, porém, a formulação de mecanismos de
projeção do domínio comunicativo para o domínio lingüístico e não oferece
possibilidade de explicar como a criança chega a isolar elementos ou
constituintes nas cadeias da fala adulta que ocorrem nesses esquemas (p.
99).
Com posicionamento semelhante, Cavalcante (1999) destaca a visão de
Bruner, mencionada acima,de como o processo interativo entre criança e adulto, no
5
Conferir a nota de roda-pé número 4.
Melo, Z. S. A inserção do infante no meio discursivo: efeitos de interpretação de diferentes interlocutores
20
qual estão envolvidas as estruturas de ação e atenção conjunta dos esquemas
interativos. Para esclarecer esse posicionamento vejamos a citação abaixo o que a
mesma autora aponta:
Apesar do pioneirismo, Bruner abandona uma hipótese interacionista
forte em favor de uma visão facilitada da interação de aprendizagem, talvez
por acreditar que a hipótese de uma continuidade estrutural não permitiria a
reflexão sobre como a interação modifica e amplia os recursos da criança
(CAVALCANTE, 1999. p. 86, grifo nosso).
Assim, partiremos dessa hipótese, interacionista forte, que contrapõe a visão
do interacionismo facilitativo apresentado anteriormente, pois a formação lingüística,
observada neste trabalho, ultrapassa as formas pré-verbais destacadas no esquema
interativo de Bruner, apresentado anteriormente.
Refletir sobre interacionismo, nessa perspectiva, é destacar a relação
existente entre o outro e o infante em que o primeiro ocupa sempre um lugar
primordial na relação dialógica, lugar que possibilita direcionar esse processo de
aquisição, de contato com a língua.
Esse processo dialógico, segundo as considerações de De Lemos (2002),
visava verificar a relação entre a fala da criança e a do interlocutor adulto,
destacando tanto o enunciado interpretado pelo interlocutor, mesmo que de forma
fragmentada, quanto a necessidade de dependência que a criança tem de se apoiar
na fala do interlocutor, em geral, na fala da mãe.
A presença do interlocutor possibilita a incorporação da fala por parte do
falante, tomando, assim, o controle de sua atividade lingüística. Contudo, não é
possível afirmar que esse momento, em que os fragmentos da fala do outro são
deslocados para a fala da criança, seja considerado como um estágio final. Na
observação desse processo é possível destacar os estudos de De Lemos, em que
podemos elencar as três partes importantes: o outro, caracterizado como uma
instância representativa da língua; a própria língua em seu funcionamento; e a
criança como sujeito falante, nesse momento interativo. O que é possível confirmar a
partir do fragmento abaixo:
O que identifica as mudanças no processo de aquisição são as diferentes
posições da criança nesta estrutura, ou melhor, as diferentes relações do
Melo, Z. S. A inserção do infante no meio discursivo: efeitos de interpretação de diferentes interlocutores
21
sujeito com a língua, em que o pólo dominante da estrutura pode ser o
outro, a língua ou o próprio sujeito. (SCARPA, 2001, p.220)
Consideramos também que tanto a interação entre adultos e crianças como
também os fatores biológicos são necessários ao desenvolvimento das habilidades
lingüísticas. Além disso, observamos, a partir de pesquisa realizada com relação à
fala dirigida a criança (FDC), que a enunciação por parte dos adultos ou irmão mais
velhos difere de outros pares em vários aspectos.
De acordo com Snow (1997, in: Fletcher & MacWhinney, 1997), a sintonia da
FDC começa desde cedo, logo na primeira infância. E a principal característica
observada na fala é um tom agudo e seu padrão de entonação exagerado, o qual
favorece a interação, pois é observado também que existe uma preferência por
vozes mais agudas em relação às vozes mais graves.
Ainda sobre a FDC, alguns autores, como Mannle e Tomasello (1987 apud
Snow, 1997) e Borton e Tomasello (1994 apud Snow, 1997), sugerem que os pais e
os irmãos mais velhos produzem FDC menos sintonizada com o nível de
desenvolvimento da criança do que as mães; isso é justificado pelo fato deles
estarem mais distantes, com relação aos enunciados imaturos da criança, por isso
têm mais dificuldade de dar continuidade aos tópicos da criança. Nesse caso, os
pais estão inclinados a usar um vocabulário que a criança não conhece, o que
acaba, certamente, proporcionando à criança oportunidade para aprender
habilidades necessárias à comunicação, diferente do apoio conversacional que a
criança pequena recebe na interação com a mãe.
Segundo Snow (1997, in: Fletcher & MacWhinney, 1997) e Garton (1992), as
mães possuem uma forma especial de falar a seus filhos, diferente da forma como
falam com os adultos. Essa diferença é justificada por Snow (1972 apud Véras,
2004) nos pontos “a” e “b” e Snow (1977 apud Véras, 2004) nos pontos “c” e “d”
descritos abaixo:
a) As mães utilizam procedimentos facilitadores da compreensão, tendem a
enfatizar as palavras essenciais numa frase, diminuir a velocidade da fala e
repetir o que disseram, caso a criança não tenha entendido;
b) As mães utilizam uma fala sintaticamente mais simples, com vocabulário
e complexidade preposicional limitados;
Melo, Z. S. A inserção do infante no meio discursivo: efeitos de interpretação de diferentes interlocutores
22
c) A linguagem materna é restrita ao ´aqui e agora`, conjugada no tempo
presente e referente a objetos visíveis e comentários sobre atividades
contínuas;
d) As mães empregam um número de características especiais na fala
apresentada à criança, cuja intenção é envolvê-la na interação, clarificando
e elevando sua contribuição (p. 304).
Podemos observar que a mãe tenta envolver esse pequeno interlocutor de
variadas formas, de maneira que acaba destacando-se em relação aos outros
interlocutores. Como também é bastante criteriosa nessa troca com a criança, ou
seja, sempre pergunta, pede, sugere; o que fortalece cada vez mais a interação na
relação dialógica com os filhos. E é essa interação que pode favorecer a completude
presente na criança.
Assim, é possível dizer que grande parte da interação está associada à
linguagem, pois os pais utilizam a mesma nas instruções verbais com seus filhos
durante as atividades recreativas, histórias infantis, entre outros. Entretanto, as
informações interativas da fala da criança pequena serão melhor avaliadas se
observarmos alguns pontos como o ambiente no qual ela está inserida, se está na
casa, escola ou outro; a faixa etária a que o infante pertence; como também, a
cultura em que o infante está imerso.
Diante disso, neste trabalho vamos analisar as crianças no ambiente familiar.
Assim, é possível destacar que tanto pais quanto outros adultos presentes nesse
ciclo familiar, além de desenvolverem as tendências naturais da criança também
acrescentam ensinamentos relevantes, como os comportamentos e valores de sua
comunidade.
As crianças estão sempre buscando de forma ativa os pais, ou seja, desde o
período pré-lingüístico as mães empregam um repertório sofisticado para seus
bebês, possibilitando um melhor desenvolvimento lingüístico.
Independente da sociedade em que a criança está inserida, ou até mesmo do
contexto a que pertence, a necessidade específica está relacionada com a
forma/competência de utilização da linguagem de forma apropriada à comunidade
em questão.
De acordo com Ely e Gleason (1997, in: Fletcher & MacWhinney, 1997), é
possível destacar três momentos que favorecem a socialização da linguagem:
Melo, Z. S. A inserção do infante no meio discursivo: efeitos de interpretação de diferentes interlocutores
23
a) os pais e os outros tutores utilizam a linguagem para instruírem a criança
sobre o que fazer, sentir e pensar;
b) as socializações que ocorrem são explicitamente lingüísticas, os pais
ensinam às crianças o que dizer (e o que não dizer) em diversas ocasiões;
c) a socialização lingüística ocorre nos aspectos sutis e indiretos da própria
interação lingüística. (p. 211)
Assim, esse processo acontece com o intuito de favorecer a criança no meio
social, mas é necessário verificar que também existem algumas regras importantes
para observação do uso da linguagem, as quais estão associadas às diferenças em
relação ao sexo, idade e classe social. Como também é importante examinarmos o
contexto social, que segundo Ely e Gleason (1997, in: Fletcher & MacWhinney,
1997,p. 212) “engloba diversos subcomponentes: o ambiente, a relação entre o
falante e o destinatário, e as regras interacionais que regem uma determinada
conversação”.
Tratando de contexto de lar, destacamos que mesmo antes da aquisição da
linguagem pela criança, o grupo interativo em questão (pais e criança) está
sintonizado em certos aspectos como o tom empregado em determinados momentos
para enfatizar ou reclamar algo, como também com os gestos.
Ainda sobre sintonia, Ely e Gleason (op.cit.) concordam com Snow (1997, in:
Fletcher & MacWhinney, 1997) quando apontam a forte presença da mãe na fala da
criança, isto é, a facilidade com que ela interage com o infante. Vejamos o que diz o
fragmento abaixo:
As mães incentivavam as tentativas comunicativas das crianças mais do
que os pais, sendo especialmente solícitas às iniciativas comunicativas das
meninas. Portanto, as mães estavam mais propensas a incentivar a fala em
seus filhos, e as meninas recebiam mais incentivo para falar do que os
meninos. (p. 217)
Apesar de fazer referência aos estudos que analisam outros interlocutores,
nesta dissertação, não partilhamos da mesma perspectiva interacionista de
linguagem, como será possível verificar melhor no próximo item deste capítulo.
Com relação à diversidade dos estudos interacionistas em aquisição da
linguagem Morato (2004) afirma que:
O interacionismo no campo dos estudos dos processos aquisicionais
inscreve seus interesses nos fenômenos que constituem a aquisição da
Melo, Z. S. A inserção do infante no meio discursivo: efeitos de interpretação de diferentes interlocutores
24
linguagem pela criança em relação com o mundo social, com o outro e com
a própria língua. Nessa perspectiva, interação é o espaço dialógico no qual
as significações constituem e se objetivam, no qual os sujeitos devem
responder pelos sentidos provocados ou mobilizados linguagem.(p. 342)
Nesse sentido, a aquisição da linguagem será aqui focalizada como um
processo interativo entre adulto e/ou criança mais velha com o infante em formação,
como poderemos observar através de alguns estudos que serão expostos no
próximo tópico.
Dessa forma, após passarmos pelas diferentes vertentes teóricas voltadas
para o interacionismo, é possível destacar o quanto o interacionismo e a interação
são utilizadas na Aquisição de Linguagem. Como podemos observar através de Lier-
De Vitto e Carvalho (no prelo) que “sempre que se quer dizer algo sobre a relação
mãe-criança via de regra, interação é sinônima de comunicação (pré-lingüística ou
verbal)”.
Uma interação que está intimamente ligada ao outro, ou seja, a criança é
formalmente dependente de um interlocutor, em geral, do outro materno que
favorece essa relação interação/comunicação.
Para tanto buscamos na nossa pesquisa descrever como acontece o trabalho
de constituição desse pequeno sujeito falante que é inserido na língua a partir dessa
troca comunicativa que é estabelecida nessa relação face-a-face com o outro,
possibilitando assim, que a criança internalize a fala do outro e se aproprie da
linguagem como forma de conhecimento.
1.2 INTERACIONISMO: O CAMINHO PARA CONSTITUIÇÃO SUBJETIVA
De acordo com as pesquisas de Bowerman (1973 apud Guimarães de Lemos,
2002), a criança é portadora de um enigma sobre a língua, o qual permite supor que
existe um lugar de completude, complexidade de saber presente neste sujeito.
Assim, pode-se verificar que existe um enigma sobre a língua na fala da criança, e,
para tanto, é necessário uma interpretação da mesma para favorecer o sentido. O
que Lacan deixa evidente em seu seminário "O avesso da Psicanálise", em (1969
apud Guimarães de Lemos, 2002), é que a interpretação psicanalítica deve se situar
Melo, Z. S. A inserção do infante no meio discursivo: efeitos de interpretação de diferentes interlocutores
25
"entre o enigma e a citação", ou seja, o sujeito seria possuidor de um saber ainda
desconhecido do meio, saber este que necessita ser introduzido à dimensão da
enunciação através do outro. A partir dessa forma de buscar um saber através de
um enigma e de buscar o sujeito através de uma citação , é possível constatar
que a criança, em especial nos primeiros anos de desenvolvimento, é formalmente
dependente do adulto (falante fluente da língua).
É possível destacar aspectos da teoria sobre aquisição da linguagem a partir
de De Lemos (1995, p. 16), a qual explica que “a tarefa desta teoria não é descrever
a língua ou a fala da criança, e sim descrever e interpretar a relação da criança com
a língua a partir de sua fala”.
De acordo com estudos voltados para a fala materna dirigida à criança
pequena, o manhês, os interlocutores em geral e a mãe, em especial, tentam
suprir/envolver o infante com as modificações que o realizadas em sua fala na
tentativa de desenvolver uma comunicação eficiente com a criança, conforme
podemos observar nos estudos desenvolvidos por Cavalcante (1999), em que “a
hipótese do manhês foi construída para testar o impacto da fala materna sobre o
desenvolvimento das estruturas de linguagem das crianças” (p. 13).
Destacamos, em nosso trabalho, a fala dirigida à criança, pois além de
enfatizar a criança como participante do momento interativo, também observamos o
papel do adulto nessa relação com a língua. Em que o adulto (pai ou mãe) assume a
posição de intérprete, e, assim, atribui significados a produção infantil. Não
atribuído pelos pais, como também por qualquer um que direcione sua fala ao
infante, como, por exemplo, o irmão mais velho.
Somente a partir das primeiras vocalizações do infante é que o papel
discursivo materno passa a se modificar. Quando o infante passa a assumir as
vocalizações especulares do discurso, e assim a mãe começa a pontuar essa fala,
direcionando a produção do infante, o que Cavalcante (op. cit.) caracteriza como
sendo uma fala recortada, ou seja, a mãe incorpora e atribui sentido às vocalizações
da criança, e suas vocalizações estão geralmente relacionadas com a produção
anterior do infante, em que ela incorpora salientando a 'fala do infante'. Seguindo
esta ordem, apresentada por Cavalcante (op. cit.), podemos elencar também como
característica das nossas crianças, a fala enfática, na qual os recortes diminuem e o
que se torna saliente é o discurso, o deslocamento da posição de interpretado para
interpretante, isto é, o infante agora, de certa forma, tenta direcionar sua fala.
Melo, Z. S. A inserção do infante no meio discursivo: efeitos de interpretação de diferentes interlocutores
26
É nesse momento que a criança passa a ocupar um espaço de maior
independência, momento esse em que a fala do interlocutor perde os traços
característicos do “manhês”. Sobre essa mudança ocasionada durante a interação
entre interlocutor e criança, Cavalcante (op. cit. p.20) destaca que: “O infante
também passa se constituir como um interlocutor bem mais ativo vocalmente,
produzindo recortes de blocos prosódicos maiores da fala materna”. De acordo com
essa autora, a fala dirigida à criança pequena sofre uma mudança permanente
durante todo o discurso dialógico da díade, como também “um inter-relacionamento
entre o discurso materno e a mudança participativa do infante ao longo da história
interativa” (p. 20). Então, toda a fala é permeada pela mãe, ou seja, é interpretada, é
ela quem sentido a cada produção do infante. Nesse sentido, a fala materna
apresenta três momentos diferentes: a fala atribuída - a mãe é quem fala pelo bebê;
a fala ritmada/recortada; e a fala enfática o infante assume um lugar de sujeito
falante na relação.
Nesse sentido entre interação e interpretação da fala da criança pequena,
buscamos adotar, no nosso trabalho, como perspectiva fundamental a posição
teórica de De Lemos (O cio interacionismo estrutural) por ser uma proposta
alternativa ao desenvolvimento com relação ao processo de aquisição da linguagem,
além de analisar as manifestações interpretativas da língua e sua característica
singular mencionada pelo falante. Pois a produção inicial da criança, em geral,
causa estranheza no outro, ou seja, são enunciados insólitos que rompe com o que
é provisório na manifestação lingüística.
Desta forma, é possível destacar aqui a perspectiva da teoria sócio-histórica,
proposta por Vygotsky, o qual se aproxima das idéias da autora citada
anteriormente. Na teoria de Vygotsky (1993) a ênfase é dada a dimensão sócio-
cultural do desenvolvimento humano, isto é, da relação do infante com o outro.
Assim, é possível observar que o desenvolvimento do sujeito falante acontece de
fora para dentro ou do “externo para o interno”, as ações do pequeno falante partem
do social, e estão sujeitas a interpretação do outro. Durante esse desenvolvimento
acontece o processo de internalização, ou seja, a formação do sujeito singular a
partir da interação com um outro representante social.
São membros da sociedade que estão em constante mudança, ou seja, estão
recriando, reinterpretando e ressignificando todas as informações que lhes são
Melo, Z. S. A inserção do infante no meio discursivo: efeitos de interpretação de diferentes interlocutores
27
oferecidas. E, para tanto, destacamos a linguagem como instrumento de mediação
entre o sujeito e seu conhecimento.
Mesmo considerando importante a postura de Vygotsky com relação a
interação social, Lier-De Vito (1998, p. 67) destaca que “Vygotsky diminui o poder da
linguagem por não tratar de seu funcionamento. Para ele, os significados não estão
na cadeia, mas no pensamento”. Assim, podemos constatar que a teoria
vygotskyana, apesar de considerar a importância do outro na sua teoria, ou seja, da
interação social, diverge do trabalho de De Lemos praticamente por atribuir a
linguagem um papel de auxiliar ao pensamento do falante, e não como uma
condição constitutiva do mesmo. Assim, a mencionada autora trata na aquisição da
linguagem como acontece a imprevisibilidade e a singularidade na fala da criança.
De acordo com a postura teórica de De Lemos não existe um acúmulo na
construção do conhecimento na fala do infante, o que existe é uma captura da
criança realizada pelo funcionamento da língua, em que a mesma é significada como
sujeito falante. Dentro dessa proposta podemos apresentar a seguinte estrutura
onde estão relacionadas a fala do outro, o funcionamento da língua e a fala do
sujeito, considerando a possibilidade de movimento dentro da mesma.
Neste item, queremos destacar o “outro falante” presente na teoria de Cláudia
de Lemos que marca sua proposta em relação aos demais. Como também,
contrapor o que chamamos de interacionismo com o sociointeracionismo,
evidenciado por vários autores, o qual não está preocupado com o seu papel na
organização do diálogo, nem na constituição subjetiva. Por essa razão é que Lier-De
Vito e Carvalho (no prelo) diferenciam os sócios intercionistas como aqueles que:
empenham-se em dar lugar ao fato que os surpreendeu (a criança repete a
fala do outro) e se voltam para a dinâmica da interação mãe-criança e não
para o jogo entre falas. Mas, a solução da intersubjetividade logo mostra
seu limite quando procuram abordar a aquisição da linguagem: processos
intersubjetivos não podem responder por uma questão que envolve a
linguagem (p. 4).
Assim, os sociointeracionistas ficaram presos ao trabalho com a interação
mãe-bêbe e se distanciaram da fala da criança.
Melo, Z. S. A inserção do infante no meio discursivo: efeitos de interpretação de diferentes interlocutores
28
Em contraposição aos sociointeracionistas, o interacionismo está relacionado
com o diálogo e a interpretação, e os processos dialógicos como um jogo de
linguagem sobre a própria linguagem (DE LEMOS, 1982).
Para tanto, podemos dizer que o processo intersubjetivo está para o
sociointercionismo e o processo dialógico está para o interacionismo, assim como o
forte compromisso com a fala da criança expresso na teorização de De Lemos, uma
fala que está diretamente relacionada à fala do outro, no entanto os erros e os
fragmentos que retornam são diferentes, ou seja, para De Lemos e seus seguidores
“algo escapa a lingüística, mas não a linguagem: há relação significante entre falas”.
De acordo com Maia (2007), todo aquele que estuda aquisição de linguagem
e baseia-se na teoria de De Lemos, tem como conceito de linguagem a noção de
outro e de linguagem como constituintes do sujeito. Podendo assim dizer, que no
primeiro momento a criança utiliza a colagem do discurso em que está inserida, para
refletir o outro e sua história. Em seguida, a criança toma a linguagem para
apresentar seus desejos e necessidades, e é a partir dessa linguagem que o sujeito
se coloca e se conhece. Além disso, a autora também aponta para a questão de que
a criança é falada antes de nascer, e continua sendo tanto pela fala da mesma
quanto do outro.
Por isso, a necessidade de focar nosso trabalho na teoria de De Lemos
considerando a idéia de que a língua constitui o sujeito e de que o outro é intérprete
dessa fala.
Para De Lemos (1999), a fala da criança não é inata, não é formada por um
sujeito epistêmico que tem a língua como objeto, como também não é construída
através de um outro mediador da língua enquanto objeto, ou seja, para ela a língua,
o sujeito e o outro não são componentes independentes, são indissociáveis
estruturalmente. Assim, é através do diálogo que a língua acontece, isto é, a relação
do outro com a fala do infante que o faz perceber seu lugar de falante no processo.
Seguindo a mesma perspectiva da autora mencionada anteriormente,
Guimarães de Lemos (2002) afirma que a interação acontece desse ir e vir de
linguagem, em que o adulto significa sua fala e a criança ressignifica formando seu
próprio enunciado, composto pela fala do outro e por sua fala.
Ainda sobre a noção de processos dialógicos, mencionada anteriormente, é
possível apontar a descrição da relação existente entre a fala da criança pequena e
do interlocutor adulto. O que segundo De Lemos (2002) é observado com relação à
Melo, Z. S. A inserção do infante no meio discursivo: efeitos de interpretação de diferentes interlocutores
29
interpretação que o adulto faz da fala da criança ainda fragmentada, como da
dependência da mesma em relação a do adulto, em especial, da mãe. Por isso, a
necessidade de destacar “a conexão de natureza lingüística que essa interação tão
desigual produzia”. (De Lemos, op. cit. p. 6). Nesse sentido, De Lemos em 1985,
descreve três processos pelos quais a criança é inserida durante a relação dialógica.
O primeiro é o de especularidade como uma troca de enunciados ou uma
incorporação, parte do enunciado da mãe na fala da criança ou da fala da criança na
fala da mãe; o segundo é de complementaridade representado pela incorporação de
ambas as partes, a relação da pergunta da e com a resposta da criança, como
também pelas partes mutuamente incorporadas, e o terceiro e último processo é o
de reciprocidade, como uma possível inversão de papeis, isto é, a retomada pela
criança do papel da mãe.
De acordo com Fonte (2006), esses processos foram repensados por De
Lemos, ao longo de seus trabalhos, no sentido de que os mesmos não seriam mais
produtivos para o processo de Aquisição de Linguagem, pois
ao chegar no processo de reciprocidade, a criança passaria a ter o domínio
da língua, o que traz à tona a concepção de um sujeito “detentor” e a idéia
de que a língua é algo que está fora e que deve ser adquirida
gradativamente pela criança (p. 21) .
Desta forma percebemos que os trabalhos mais recentes da autora estão
relacionados apenas com o processo de especularidade da fala da criança, visto
que, a criança passa a incorporar no seu discurso fragmentos da fala do outro, ou
uma troca de enunciados e, assim, possibilita o processo constitutivo de aquisição
de linguagem. Segundo De Lemos (2002) o processo de especularidade tomou
rumos que distanciou os demais processos, como o de complementaridade que
acontecia através do de especularidade, ou seja, a complementaridade também era
um retorno da fala do interlocutor na fala do infante, ou uma incorporação das partes
da fala do outro na sua própria fala.
Mesmo essa proposta teórica seguindo a noção de uma ordem própria de
ngua, presente tanto no projeto estruturalista de Saussure quanto no projeto
gerativista de Chomsky, De Lemos considera a língua como sendo constitutiva do
sujeito, ou seja, um falante que é capturado, que emerge e se constitui a partir do
Melo, Z. S. A inserção do infante no meio discursivo: efeitos de interpretação de diferentes interlocutores
30
funcionamento da própria língua, a qual precede o sujeito e o significa, de forma que
na estrutura o sujeito muda de posição.
Desta forma, De Lemos (2002) considera que as mudanças ocorridas na
passagem da criança ao sujeito falante estão relacionadas a mudança de posição
entre a fala do outro, a língua e a sua própria fala, logo não existe superação de
nenhuma dessas posições percorridas pela criança. Assim, a mesma autora propõe
três posições da criança na estrutura como explicativa da mudança (na linguagem e
na criança). Na primeira posição a dominância da fala do outro, não repetição
restrita, apenas fragmentos são incorporados à fala da criança; na segunda posição
é o funcionamento da língua que emerge erros de diversos tipos e estruturas
paralelísticas e na terceira posição é a dominância da relação da criança com sua
própria fala, ela reconhece a diferença entre a sua fala e a do outro. As referidas
posições serão articuladas em momentos diferentes da aquisição, caracterizada pela
emergência do sujeito em diferentes intervalos.
Na referida primeira posição, a fala da criança de infans
6
é constituída,
especialmente, por fragmentos da fala da mãe, ou seja, é o momento em que a fala
da mãe sentido a fala da criança, momento em que a criança é interpretada pelo
outro, mas o ocorre uma reprodução de enunciados deste. Assim, é possível
verificar que “há desde sempre uma língua em funcionamento, o que determinaria
um processo de subjetivação, o qual por sua vez, impede que se pense em termos
de uma coincidência entre a fala da criança e a do outro” (DE LEMOS, 2002, p. 18).
Desta forma, é a partir dessa interpretação inicial, que a mãe faz da fala da
criança, que se inicia na aquisição da linguagem um processo constitutivo desse ser
de linguagem, em que essa interpretação tem efeito estruturante na linguagem da
criança.
na segunda posição, os enunciados da criança “são cadeias permeáveis a
outras cadeias e, portanto, passíveis de deslocamento, ressignificação, de abrir-se
para significar outra coisa” (De Lemos, op. cit. p. 22) surgindo assim, as produções
insólitas e o paralelismo. Porém, a criança não percebe os enunciados estranhos
que produz nem mesmo as correções apontadas pelo adulto, para tanto os erros
devem ser analisados pelo interlocutor em questão.
6
“A palavra latina infans é usada para designar a condição daquele que ainda não fala” (CASTRO e FIGUEIRA,
(no prelo)
Melo, Z. S. A inserção do infante no meio discursivo: efeitos de interpretação de diferentes interlocutores
31
E por fim, na terceira posição podemos caracterizar o momento em que a
criança é capaz de reconhecer a diferença entre sua própria fala e a do outro,
concebendo os efeitos que cada substituição pode causar na interlocução. Dessa
forma, após esse percurso, a criança passa de interpretado pelo outro a intérprete
da sua própria fala.
Nesse sentido, buscamos esse interacionismo para explicar como acontece a
aquisição de linguagem de crianças pequenas, além de destacar a importância da
interpretação na fala das mesmas, como veremos, a seguir, no próximo item.
1.3 SOBRE A INTERPRETAÇÃO DA FALA DA CRIANÇA
Existe uma forte relação entre o contexto familiar e a fala da criança, ou seja,
entre o modelo apresentado e a produção lingüística. Por isso, durante o processo
de aquisição da linguagem da criança os pais são tomados como "espelhos
lingüísticos" na relação da criança com a língua.
Esse trabalho conjunto dos pais, ou intervenção, é o que ajudará, de fato, a
criança a produzir enunciados próprios, ou seja, cumprir o papel de parceiro na
interação e, assim, assumir o de interlocutor na relação dialógica.
A relação pais/criança começa desde muito cedo. É o que demonstra
Cavalcante (2003b, p.149): "A fala dirigida à criança facilita o desenvolvimento da
linguagem infantil porque o adulto está atuando como um parceiro conversacional e
está ativamente envolvendo a criança numa troca interverbal".
De acordo com Lacan (1985 apud Guimarães de Lemos, 2002), a criança
tem necessidade de citar o outro para facilitar a exposição ou compreensão da sua
fala. Verificamos que essa interpretação favorecida pelo outro é, normalmente,
concebida pela relação mãe-criança, através de movimentos especulares, fato que
desenvolve importante papel na instalação da intersubjetividade.
Dessa forma, a interação será aqui entendida conforme o trabalho de De
Lemos (2002) com relação à noção de especularidade que distancia das demais
teorias de aprendizagem, trata da relação de intersubjetividade, em que os sujeitos
em interação com uma criança favorece a incorporação do comportamento dos
Melo, Z. S. A inserção do infante no meio discursivo: efeitos de interpretação de diferentes interlocutores
32
mesmos. O que interessa, na verdade, é que o sujeito (criança) possa se colocar
diante da linguagem, na tentativa de aproximação desse objeto de estudo.
A interação com o outro acontece por uma condição necessária ao
desenvolvimento infantil, ou seja, o infante passa a falar a fala do outro porque é
tomado ou capturado pela língua em funcionamento que reside no mesmo. Nesse
caso, existe a tentativa de controlar esses estímulos para que possibilite uma
unidade. Assim, a linguagem atravessa o sujeito, ela não está fora do mesmo, como
destaca Lier-De Vitto (1998, p. 134) “O sujeito é lugar em que se tecem as tramas
das relações e dos sentidos. Ele não está diante da linguagem, a linguagem
acontece nele, o atravessa”. Isso demonstra que tanto a fala quanto a linguagem se
articula a partir do outro, ou seja, tudo não ocorre num “vácuo lingüístico”, pois o
interlocutor assume um papel importante dentro dessa noção de especularidades
junto às produções da criança.
Para situarmos o papel da e na interpretação da fala da criança, ou seja,
sua relação com as repetições da criança no início de sua trajetória de aquisição da
linguagem, podemos destacar o seguinte fragmento de De Lemos (2001, p. 47):
Quem fala na fala dessa criança falada pela mãe?’ Foi por ter podido
formular essa pergunta que tornou possível reconhecer a indeterminação
sintática, semântica e pragmática da fala inicial da criança, assim como a
função da mãe ao interpretar, dar sentido à fala da criança, colocando
essas palavras isoladas em textos, enunciados que as faziam passar de
novo pelo moinho da linguagem, ou pelo Outro, tesouro dos significantes. O
processo de aquisição de linguagem passa a se configurar, então, como um
processo de subjetivação, entendido como trajetória da criança de
interpretado à intérprete.
Como se vê, no seu percurso lingüístico a fala da criança é constituída por
fragmentos da fala do outro, fragmentos que precisam ser reconhecidos pelo adulto,
geralmente a mãe, para sustentar a relação dialógica.
Para Guimarães de Lemos (2002), o adulto é aquele que possui a língua, no
sentido de funcionamento da mesma, e a criança é submetida a sua interpretação.
Assim, é através da interpretação que o adulto suporte à fala da criança, para
que esta possa, naturalmente, ser inserida na língua.
É preciso, no entanto, vislumbrar a interpretação que esse adulto, mãe ou pai,
faz da fala dessa criança enquanto sujeito-falante. Tomemos como base para
Melo, Z. S. A inserção do infante no meio discursivo: efeitos de interpretação de diferentes interlocutores
33
constatação desse processo discursivo a tarefa da aquisição da linguagem de
descrever e interpretar a relação do infante com a língua a partir de sua fala. Neste
caso, o investigador se apóia na interpretação do interlocutor da criança para
investigá-la.
Outro ponto a se destacar é que as narrativas que a criança tenta sustentar
com pouca intervenção do outro são compreendidas como enunciados insólitos,
considerando que o outro é parte integrante desse funcionamento lingüístico-
discursivo, o que o permite interpretar a fala da criança.
Partindo dessa relação, ou dessa dualidade de componentes, é possível
destacar, também, a fusão dos domínios inerentes ao ser de linguagem, ou seja, o
domínio externo que corresponde/equivale ao outro e/ou interlocutor, e o domínio
interno referente ao próprio eu. Nesse sentido, entendemos os domínios como
figuras interligadas, as quais assumem um compromisso de manter as relações
interativas entre os interlocutores em análise. Então, é a partir dessa cisão de
interno/externo e dentro/fora que a interpretação estará relacionada com o
interlocutor-adulto ou mesmo com um segundo interlocutor-criança.
É nesse envolvimento da díade que acontecem as pausas, as incompletudes
e os vazios de um sujeito que é levado a interpretar, mas que acaba deixando que
um outro fale por si por não estar apto para realizar tal produção.
Há, na verdade, um movimento dialógico entre a fala do outro, do intérprete,
com a fala da criança, mas isso não quer dizer que esse movimento seja
caracterizado como um “vácuo lingüístico”, como afirma De Lemos (1981, apud Lier-
de Vitto, 1998), ou seja, a criança possui enunciados próprios, os quais não são
controlados pela mesma.
Qualquer que seja o olhar direcionado a esse desenvolvimento existirá
sempre algo em comum, de certa forma, pois sempre um comprometimento com
a fala da criança, seja para questionar ou analisar de que maneira apresenta-se
essa fala, seja para buscar o modo, quando e o quê a criança costuma falar.
E é nessa busca da fala da criança que Guimarães de Lemos (1995, p.25)
afirma:
Por isso que se pode dizer que, tomando a interpretação” no sentido de
que a fala tem na psicanálise, é a criança que interpreta. Não propriamente
a criança, mas a fala da criança. A interpretação analítica não consiste em
Melo, Z. S. A inserção do infante no meio discursivo: efeitos de interpretação de diferentes interlocutores
34
dar um sentido mas numa estrutura capaz de interrogar - pelo levantamento
do significante uma significação já constituída.
Assim, o sujeito pode constituir sua própria história, ou seja, pode dar sentido
e significado ao discurso a ser produzido através do possível locutor do mesmo.
A interpretação do adulto é, na verdade, caracterizada como fator
determinante na aquisição da linguagem do infante. Segundo Castro (1995), a
criança é introduzida, através de interpretações, por um interlocutor que atribui
significado ao seu comportamento. É um discurso remetido que, em seguida,
retorna, ou seja, os significantes incorporados pela criança voltam através da
interpretação para o sistema do adulto, e desta forma a fala do primeiro é
ressignificada. Assim, é a partir dessa sobreposição de efeitos da fala da criança na
fala do adulto que possibilitou a atividade de interpretação do outro (pai ou mãe).
Esse aspecto lingüístico acontece a partir da imprevisibilidade dos diálogos
entre a criança e o adulto. No caso, podemos considerar o diálogo como sendo o
lugar que insere a criança na linguagem, ou seja, um espaço dialógico em que o
sujeito responde pelos sentidos provocados através da própria linguagem. E a prova
de todo esse desenrolar é a heterogeneidade da fala, que é apresentada tanto pelos
erros quanto pelos enunciados insólitos provocados pelo infante. Assim, pensar
nesse sujeito de linguagem, ou seja, nessa criança, é considerá-la como capturada
pelo funcionamento da língua, na qual é significada por um adulto como sendo
falante, mesmo antes de constituir-se como tal. Fazendo, desta maneira, com que o
outro (pai, mãe ou irmão) compareça como uma instância interpretativa nas relações
entre a criança e a língua.
O trabalho com a singularidade é justificado pela necessidade de observar,
como também, de mostrar, durante seu percurso dialógico, que existe a produção de
uma questão própria da fala infantil. Uma particularidade que será analisada com
base na hipótese de De Lemos nesse campo.
Nesse sentido, podemos destacar a abordagem sobre singularidade feita por
Guimarães de Lemos (1995, p.18), que caracteriza a mesma como “o submetimento
a fala da criança, a necessidade de transformar essa fala em dado empírico”, ou
seja, a possibilidade de descobrir, de desvendar o enigma presente na fala da
criança, ou melhor, do que existe de novo nesse percurso.
Melo, Z. S. A inserção do infante no meio discursivo: efeitos de interpretação de diferentes interlocutores
35
Segundo Cavalcante (1999), a partir do trabalho de De Lemos (1992, entre
outros), a criança ocupa alguns lugares discursivos como: o lugar de total
dependência da fala do outro; o submetimento ao próprio funcionamento da língua, e
o estranhamento de sua própria língua, isto é, passa de interpretado a intérprete.
Desta forma, concordamos com a autora quando afirma que: “a criança é significada
pela mãe e se subjetiva nas interações com o outro. A noção de desenvolvimento vai
ser como o processo de deslocamento da posição/relação do sujeito com a língua”
(CAVALCANTE,1999, p.19).
Ainda nessa perspectiva do insólito e do inesperado é possível destacar Lier-
De Vitto e Fonseca (1997, p. 56) quando afirmam que:
Segundo nosso ponto de vista, tanto as montagens (build-up procedures)
quanto as desmontagens (break-down procedures) de seqüências refletem
o movimento da língua, que interrompe uma cadeia que abre espaço para o
imprevisível.
Assim, a criança consegue encadear esses movimentos e suscitar em sua
fala o que existe de singular nesse processo.
Acreditamos na noção de interpretação ligada à de restrição, como apresenta
De Lemos (1995) “uma unidade textual é feita a cada passo por um problema de
restrição”. E essa restrição corresponde à necessidade que o intérprete tem de
combinar os elementos de forma que tenha sentido, ou seja, ressignificar a unidade
a partir do fragmento anterior. Para tanto, podemos destacar a concepção de Lier-De
Vitto e Fonseca (op. cit., p. 59) com relação ao assunto tratado:
Estamos falando de um sujeito intérprete assujeitado, capturado nas redes
do funcionamento lingüístico-discursivo. É por isso que recusamos
explicações que envolvem capacidades/procedimentos “meta” e dizemos
que o que se entende por “reformulação” pode ser, de fato,
“ressignificação”.
Para compreender o papel da interpretação do adulto na aquisição da
linguagem, é necessário considerar o processo de ressignificação em que seus
significantes são incorporados pela fala da criança. Assim, a aquisição será
Melo, Z. S. A inserção do infante no meio discursivo: efeitos de interpretação de diferentes interlocutores
36
entendida, segundo Castro (1995, p.31), "como o percurso singular de uma criança
na sua relação com a linguagem". Essa singularidade é verificada porque, apesar da
absorção dos significantes do outro na fala da criança, sua fala não é constituída
simplesmente por repetições.
Singularidade que corresponde ao novo, isto é, à incorporação da fala do
interlocutor na fala da criança, sem que reduzam a mera repetição da fala do
primeiro.
É a relação do imprevisível que resulta em enunciados insólitos, o que
corresponde aos movimentos da língua na transformação das simples repetições do
mesmo enunciado.
Seguindo ainda o mesmo propósito de ida e vinda, mencionado
anteriormente, no sentido de articulação e desarticulação do discurso falado ou
escrito, Castro (1995, p. 37) destaca que:
Os fenômenos próprios da aquisição da linguagem dão grande visibilidade
tanto a incorporação, aos enunciados cristalizados, como também ao
trabalho de desestruturação e reestruturação daquilo que vem pela/da fala
do outro.
Assim, a partir desses questionamentos sobre a interpretação na constituição
dos enunciados, ou da aquisição da linguagem, é possível chegar à fusão de que
toda e qualquer produção de enunciado está imersa ao dito ou produzido,
citado em um momento anterior.
Nesse sentido, Guimarães de Lemos (2002) abordou o efeito de enigma
produzido pela criança sobre o adulto, o qual decorreria de uma maneira singular de
combinar significantes. Essa produção de caráter inesperado, Bowerman considera
como particularidades isoladas ao afirmar que:
Muitos dos erros que eu estava registrando, entretanto me colocavam
diante de algo mais como um quebra-cabeça. Não era obvio que a criança
que estivesse respondendo a um padrão estrutural do inglês e, mesmo que
isso parecesse provável, não era necessariamente claro como caracterizar
essa regularidade [...]. (Bowerman, 1972, citado por Guimarães de Lemos,
op. cit. p.143).
Melo, Z. S. A inserção do infante no meio discursivo: efeitos de interpretação de diferentes interlocutores
37
Portanto, são essas produções inesperadas que representam um caráter
singular da fala da criança.
Como se pôde observar até o momento, ainda que de maneira inicial, os
enunciados da criança são, de modo geral, determinados pela fala do outro, tendo
em vista que o falante inicial da língua está dividido entre as "posições de ser falado
pela língua e ser autor do seu próprio enunciado" (CASTRO, 1995, p. 37).
Desta forma, relacionamos essas posições a maneira como a criança é
capturada pelo funcionamento da língua, ou seja, uma captura que tem como
função colocar a criança em uma estrutura que tem o outro como instância
interpretativa e a língua como acúmulo das significações. Por isso, De Lemos (2001)
afirma que a criança e o adulto estão submetidos ao movimento da língua.
Para De Lemos (1982; 2001), o espaço dialógico é o momento em que o
interlocutor (mãe ou outro adulto) e a criança estão envolvidos, e tudo o que é posto
em circulação pelo infante é interpretado pelo interlocutor. Portanto, podemos dizer
que essa relação dialógica ocorre a partir do momento em que a criança é falada
pelo outro ou quando seus significantes são interpretados pelo adulto, é um
processo de ir e vir, de significação e ressignificação. E, para compreender esse
papel interpretativo deve-se considerar que os significantes do próprio adulto são
incorporados , promovendo assim transformações na fala da criança. De acordo com
Castro (1995), é nessa interação que a criança é mencionada pelo outro através de
fragmentos já cristalizados, os quais acabam sendo interpretados pelo adulto.
Ainda seguindo essa perspectiva, podemos observar que tudo isso está
relacionado com as mudanças de posição da criança em relação com a língua, e é
esse diálogo que representa o lugar de inserção da criança na língua. Assim, de
acordo com De Lemos (2001), a criança é interpretada pelo adulto, como também,
assumi a posição de intérprete da relação, ela concebe a fala do adulto como
instância de língua constituída, em que será ressignificada durante o processo de
aquisição de linguagem.
Nesse sentido, a interpretação também é concebida por parte da criança,
como é possível verificar a partir da afirmação de Guimarães de Lemos (1995, p.25):
“Por isso é que se pode dizer que, tomando a “interpretação” no sentido que ela tem
na psicanálise, é a criança que interpreta. Não propriamente a criança, mas a fala da
criança”.
Melo, Z. S. A inserção do infante no meio discursivo: efeitos de interpretação de diferentes interlocutores
38
Assim, o processo pode ser visualizado de dois pontos distintos: o outro como
intérprete ativo na relação, ou a criança (ou a “fala da criança”) como elemento
preponderante no diálogo.
Há, portanto, uma interação entre os interlocutores que possibilita um
determinado direcionamento entre a fala da criança e a ressignificação por parte do
adulto ou de outra criança mais velha, como é possível comprovar através da
seguinte citação: “Podemos dizer, portanto, que os efeitos da fala da criança na fala
do adulto constituem um dos vértices de entendimento da atividade interpretativa
deste último.”(CASTRO, 1995, p.31).
Os interlocutores, acima descritos, estão intimamente relacionados com o
infante, porém existe aquele que apresenta um vínculo maior, ou seja, a mãe, a qual
lhe é conferida uma função diferenciada dos demais, ou melhor, uma relação ainda
mais precisa que as demais com outros interlocutores em relação à criança. Porém,
existe um segundo interlocutor que, nos últimos tempos, vem ganhando um espaço
significativo nesse meio interativo, esse adulto em questão é o pai, que está, em
geral, em contato direto com a criança e que passa a assumir um papel tão
importante quanto o assumido pelo primeiro interlocutor na aquisição da linguagem.
Desta forma, a partir da abordagem estrutural de De Lemos é possível
compreender que o adulto e a criança se constituem como sujeitos da relação
dialógica, como sujeitos falantes. Assim, acreditamos ser a melhor abordagem, ou a
que melhor explica a interação entre adulto e crianças em aquisição de linguagem.
Visto que, nosso estudo vislumbra essa interação inicial tanto com a mãe, como
apontam os estudos de De Lemos, como também com outros interlocutores. Como
tentaremos evidenciar nos próximos itens.
1.4 O INTERLOCUTOR: PARA ALÉM DO CÂNONE MATERNO
Observamos nas produções da área de aquisição de linguagem que, em
geral, os estudos realizados estão relacionados com a produção da fala de um bebê
com sua mãe, ou até mesmo em interação com um grupo de crianças no ambiente
escolar. Ainda não se tem muitos estudos em relação ao papel que o pai assume
como interlocutor do infante na inserção do mesmo no meio discursivo.
Melo, Z. S. A inserção do infante no meio discursivo: efeitos de interpretação de diferentes interlocutores
39
De acordo com pesquisas realizadas por Gomes e Resende (2004), a
modernização que ocorreu nos últimos trinta anos é o fator preponderante para a
radical mudança que aconteceu nas famílias brasileiras, a qual levou a mulher a
conquistar seu espaço no mercado de trabalho e, conseqüentemente, seus direitos.
Assim, diante dessa nova configuração familiar, o modelo de família é
substituído por uma diferente organização, na qual não existe mais lugar para o
homem e pai provedor, que tinha como principal função manter e liderar a família, e
sim um pai presente, capaz de vivenciar melhor o meio familiar, como também de
dividir atividades com a esposa e participar ativamente da formação de cada filho.
Desta forma, nosso interesse não está centrado nas mudanças estruturais da
família tradicional ou no mito de uma estabilidade familiar, mas na forma como esse
pai é concebido, ou seja, é reconhecido na atual sociedade. Concordamos com
Gomes e Resende (2004, p. 120) ao afirmar que:
Nosso interesse específico é captar o movimento no qual o homem
reinventa seu papel e se constrói a subjetividade de pai com nova postura.
Queremos encontrar a paternidade que acolhe e convive com o processo de
transformações em marcha: o pai que transita entre valores novos e
arcaicos.
Entre os vários caminhos possíveis de abordar a presença do pai, o nosso
trabalho veio tentar expor essa idéia da paternidade, a partir da verificação de que a
figura masculina, em geral, é a segunda pessoa que mantém contato direto com o
infante, ou seja, outro interlocutor que assume um lugar de destaque na relação
dialógica, e que também possibilita a criança a tornar-se ser de linguagem.
Nesse processo pelo qual transita pai e filho, o primeiro é caracterizado como
aquele que regula e orienta, isto é, em todos os possíveis direcionamentos, inclusive
no processo de aquisição de linguagem.
Deste modo, precisamos destacar que a figura do pai somada à segurança
representada pela mãe, desde o ventre, possibilitam uma construção eficiente em
todas as trocas afetivas e de convivência na constituição desse pequeno novo ser.
E é essa presença ativa dos pais que irá facilitar a transposição da criança do
mundo familiar para o meio social, como também, favorecerá sua formação ética,
suas escolhas e suas iniciativas pessoais.
Melo, Z. S. A inserção do infante no meio discursivo: efeitos de interpretação de diferentes interlocutores
40
Mesmo na interação pai/bebê em que o pai é adolescente a resposta é
positiva em relação aos estímulos/respostas apresentados. De acordo com
pesquisas realizadas por Levandowski e Piccinini (2002) nas quais observaram 20
pais (nove adolescentes e onze adultos) em seus domicílios e em interação com seu
primeiro filho, os pais adolescentes não apresentavam diferenças significativas em
relação aos adultos, como também os dados obtidos demonstraram que os
adolescentes são tão responsivos ao bebê quanto os pais adultos. O que é
comprovado através do fragmento destacado abaixo:
Os dados indicam que pais adolescentes e adultos interagiram de forma
bastante semelhante com seus bebês, pois apesar de ter ocorrido uma
pequena variabilidade na incidência de seqüências sincrônicas entre os
grupos, em decorrência da variabilidade dos comportamentos individuais
paternos e do bebê, novamente nenhum padrão particular apareceu.
Levandowski e Piccinini, (op. cit, p.421).
Outro ponto bastante importante, que os pesquisadores supracitados
perceberam durante a coleta de dados, é que os pais de ambos os grupos tinham
uma sincronia com o filho, ou seja, conseguiam compreender seus sinais. Além
disso, é necessário levar em consideração que os jovens enfrentam dificuldades na
tarefa de ser pai, mesmo assim, conseguem desempenhá-la com eficácia e tornar-se
um pai participativo e interativo.
Na verdade, talvez o principal diferencial entre o pai (provedor) e o pai
(contemporâneo) esteja na disposição de reconhecer seus sentimentos, como
também estabelecer um lugar real para um novo homem que surge imerso a uma
sociedade machista. Porém, não uma fórmula para construção da paternidade, o
que acontece é uma desarticulação de conceitos passados logo que o homem
reconhece seu lugar de pai, e a partir desse momento passa a ressignificar o que
viveu como filho, diferentemente da concepção tradicional que evoca distanciamento
físico e afetivo.
Destacamos, em especial, na nossa pesquisa o pai que tem um lugar
definido, pré-estabelecido, ou seja, um pai que não apenas participa da
responsabilidade financeira, antes de sua inteira responsabilidade, como também
incorpora outras responsabilidades como a de participante ativo nas atividades
lúdicas, escolares, alimentação, entre outras que contribuem de forma geral para a
Melo, Z. S. A inserção do infante no meio discursivo: efeitos de interpretação de diferentes interlocutores
41
formação da criança, e, assim, muitas vezes esse pai consegue interagir de forma
ainda mais produtiva com a criança do que mesmo a mãe.
Podemos observar esse funcionamento a partir do trabalho de Prazeres e
Cavalcante (2007), que, avaliando o manhês utilizado numa díade pai-bebê, destaca
que tanto o pai quanto a mãe, aparentemente, assumem o mesmo lugar na relação
dialógica, como é possível verificar através do fragmento abaixo:
Na sessão analisada, apesar de o bebê já estar com 15 meses, o pai
continua estruturando sua fala com o uso do falsetto que foi deixado de lado
pela mãe por volta do nono mês de vida da criança. Esse uso era
característico da fala atribuída e da fala recortada e marcava o lugar
discursivo do infante na interação. (p. 3)
De acordo com as autoras, o pai utiliza o falsetto para chamar atenção do
bebê através da sua fala, fazendo com que obtenha um resultado melhor durante a
interação, isto é, possibilitando o retorno do bebê em relação à brincadeira proposta
naquela sessão.
Ainda de acordo com essa pesquisa, foi possível verificar que a fala
denominada “paiês”
7
é semelhante ao “manhês” (bastante observado nos estudos
aquisicionais), apresentando apenas um aspecto diferente da mãe: o prolongamento
das sílabas - ele, o pai, enfatiza sempre a última sílaba das palavras ou dos
enunciados e faz com que o ritmo fique mais lento. Além dessas características
assumidas pelo pai, as autoras enfatizam que “o pai lugar para o filho se colocar
na interação, ele não interrompe a criança nos momentos em que ela vocaliza e se
coloca assumindo seu lugar de sujeito” (PRAZERES e CAVALCANTE, op. cit. p. 7).
Isso demonstra o quanto esse interlocutor favorece a entrada do infante na relação
discursiva, visto que, durante a interação observada, o pai prende a atenção da
criança no momento em que ele se dirigia a ela, e, assim, estabelece junto à mesma
uma relação de construção de sentido.
Desta forma, verificamos que a fala paterna, que, em geral, não recebe o
destaque que poderia ter nos estudos lingüísticos, começa a aparecer com uma
importância significativa entre os grupos/díades ou tríades em análise.
7
Termo adotado por Prazeres e Cavalcante (2007) para nomear a fala paterna dirigida ao bebê.
Melo, Z. S. A inserção do infante no meio discursivo: efeitos de interpretação de diferentes interlocutores
42
Nesse sentido, ele (o pai) não assumirá o lugar de mãe, apenas passará a
assumir um papel, face ao bebê ou à criança, antes reservada à mãe, ou seja, uma
função paralela àquela já incorporada pela mãe.
Além dos interlocutores (mãe e pai), descritos neste trabalho,
apresentaremos a seguir um terceiro interlocutor que também faz parte da relação
dialógica, o irmão mais velho.
1.5 INTERAÇÃO ENTRE IRMÃOS
Até este momento, tratamos da interação apenas relacionada aos primeiros
interlocutores, a partir de agora apresentaremos um outro interlocutor, o irmão mais
velho, que tem um espaço garantido na relação por ser mais um falante que está
presente nos primeiros passos da vida do infante, no seu cotidiano. Talvez, em
alguns casos, até muito mais tempo que os pais, pois em geral os compromissos
são apenas escolares.
De acordo com pesquisas realizadas (Draw e Dunn, 1992; Dunn e Kendrick,
1982; Howe, 1991; Howe e Ross, 1990; Mannele e Tomasello, 1987; Wellen, 1985;
apud Ely e Geason, 1997) é possível reconhecer o papel que o irmão representa no
desenvolvimento lingüístico da criança pequena.
As crianças vão crescendo e passando mais tempo juntas, e em alguns
momentos não existe a presença do adulto na interação, é quando o irmão mais
velho passa a assumir um lugar que caberia apenas ao adulto, ou seja, o papel de
autoridade sobre a criança pequena. Na verdade, é como se nesse momento em
que estão sozinhos a conversa passasse por um canal de liberdade de
regularidades, é como se o irmão pudesse falar melhor, ou com mais clareza sobre
as mesmas coisas. Como podemos observar a partir da afirmação de Ely e Geason
(1997, p. 219, in: Fletcher e Mac Winney, 1997) “nos intercâmbios entre irmãos, a
conversação é mais recíproca, os irmãos falam mais sobre seus próprios
sentimentos do que fazem em conversações com suas mães”.
Ainda de acordo com pesquisas realizadas por Ely e Geason (op. cit.), foi
possível verificar que as crianças diante de atividades de disputa costumavam
expressar raiva em relação ao irmão, diferente de como se comportavam diante da
Melo, Z. S. A inserção do infante no meio discursivo: efeitos de interpretação de diferentes interlocutores
43
mãe, pois entre os irmãos a preocupação estava em como adquirir mais direitos e
propriedades, e dessa forma as disputas acabavam durando mais do que as que
aconteciam com a mãe, era como se possibilitasse uma realização maior entre os
irmãos.
Vale a pena ressaltar que boa parte dos trabalhos ou das pesquisas
mencionadas foram realizadas por irmãos de idade bastante próximas. Logo, é
necessário observar também como acontece com crianças de idades bem mais
diferenciadas e distantes.
E é esse terceiro interlocutor, que apesar da idade inferior aos demais
interlocutores, pode possibilitar a realização da socialização da criança pequena, ou
seja, é um agente socializador que age através de conversas no próprio cotidiano do
qual faz parte.
Como afirmamos anteriormente, é esse conjunto interativo (de pais e irmão
mais velho) que fortalece a habilidade expressiva necessária para um bom
desempenho no meio social.
Ao longo deste capítulo buscamos a Aquisição de Linguagem para situar a
interação e interpretação entre interlocutores diversos na fala da criança pequena.
Partimos de “um breve histórico da aquisição da linguagem” com o objetivo de
apresentar, em linhas gerais, como e quando tudo começou, sua relação com a
Psicolingüística, além do submetimento ocasionado na fala da criança e como a
mesma se constitui como sujeito de linguagem. Em seguida, exploramos o tema
Interacionismo: o caminho para constituição subjetiva, tomando como principal
suporte teórico os estudos de De Lemos (1982, 1995 e 2002), na tentativa de
apresentar como acontece a relação entre a fala da criança e do interlocutor adulto
no processo dialógico.
Em terceiro lugar, apresentamos “a interpretação da fala da criança”, que,
inicialmente, está voltada para os pais, os quais são caracterizados como
interlocutores e intérpretes. E dentro desse estudo dos interlocutores adultos no
ambiente familiar sentimos a necessidade de descrever o lugar que o pai ocupa na
relação dialógica, visto que o mesmo apresenta comportamentos diferenciados. Por
fim, destacamos a presença do terceiro interlocutor, o irmão mais velho, que é
participante da relação, mas que, praticamente, não tem sido observado pelos
estudiosos em aquisição.
Melo, Z. S. A inserção do infante no meio discursivo: efeitos de interpretação de diferentes interlocutores
44
2 ASPECTOS METODOLÓGICOS
Partimos da perspectiva interacionista (De Lemos 1982, 2001, 2002, entre
outros) como também dos estudos sobre interpretação da fala da criança (Castro,
1995; Lier-De Vitto, 1998; entre outros) no intuito de analisarmos, ao longo de seis
meses, através de um estudo longitudinal, duas crianças: a primeira em interação
com seus pais e o irmão mais velho, e a segunda com seus pais.
A metodologia de investigação a ser utilizada no desenvolvimento desta
dissertação baseia-se em método adaptado de Cavalcante (1999), descrito no tópico
a seguir.
O corpus a ser analisado constitui-se de três núcleos interativos: infante 1
8
criança adulto; infante 1- criança; adulto(s) infante 2
9
.
A opção por duas crianças, uma com irmão e outra sem irmão, não está
baseada em critérios metodológicos de comparação entre as situações observadas.
Essa escolha é justificada pela possibilidade de melhor explorar a diversidade de
interlocuções em torno da aquisição de linguagem dos infantes estudados neste
trabalho.
O infante 1 começou a ser observado com 35 meses de vida e o infante 2
com 36 meses, ou seja, estão numa faixa etária entre 35 e 41 meses de idade e
foram observados no ambiente familiar durante atividades cotidianas entre os
infantes e os adultos/criança (pais e irmão). As conversas foram gravadas em vídeo,
numa câmera JVC VHS handcan, durante um período de seis meses com intervalos
de quinze dias e duração de quinze minutos cada, compreendendo um total de doze
sessões de gravação para cada criança, ou seja, doze encontros. Nessas visitas
periódicas ao domicílio de cada criança, observamos sistematicamente situações
interativas entre infante e irmão mais velho, como também mãe ou pai com seus
dois filhos (infante 1); pais e infante, e e infante, pai e infante (infante 2) em
diversas situações como atividades, brincadeiras e alimentação.
Durante as sessões procurávamos deixar a díade ou a tríade à vontade, para
que deixássemos de ser uma novidade e eles pudessem voltar as suas atividades
8
Infante 1 –– o filho, Felipe, que está em interação ora com os pais e ora com o irmão mais velho
9
Infante 2 - o filho único, Arthur, em interação apenas com os pais.
Melo, Z. S. A inserção do infante no meio discursivo: efeitos de interpretação de diferentes interlocutores
45
normais, e assim, começávamos a filmagem. Nosso objetivo era diminuir a
interferência do observador, visto que é um estudo do tipo naturalístico.
Paralelamente, foram realizadas as transcrições do material para realizarmos as
análises do processo interativo ocorrido e de que forma se o trabalho com a
linguagem das crianças objeto.
2.1 SELEÇÃO DO CORPUS
As crianças foram escolhidas de acordo com a proximidade de idade, no
início da coleta, ou seja, 36 meses (infante 1) e 35 meses (infante 2) de idade,
respectivamente. Além de considerarmos alguns parâmetros entre essas crianças
como: pais de classe média, com pós-graduação e faixa etária em torno de 30 e 37
anos.
O infante-1 tem um irmão com sete anos de idade com o qual está sempre
em contato, estudam no mesmo horário e nos demais momentos fora da escola
estão sempre juntos. A interação acontece ora infante-criança, ora mãe-infante-
criança e ora pai-infante-criança. Percebemos que a criança (o irmão mais velho) é
mais tímida, conversa menos, fica muito concentrada durante as atividades.
O infante-2 é filho único, está em interação ora com a mãe, ora com o pai e
em alguns momentos com os dois. Esta criança conversa muito, não se incomoda
com as gravações e sempre está voltada para conversas de seu interesse. Em
algumas gravações, em que está apoiada pelos dois interlocutores, percebemos que
acaba envolvendo muito mais o pai por saber que ele pode contribuir mais nas suas
curiosidades (em geral, com relação a animais), como também muitas vezes busca
brinquedos diferentes ou atividades variadas numa mesma gravação.
Apesar de qualificarmos como díades os grupos analisados, em algumas
filmagens teremos a tríade, que ora terá como interlocutores a mãe e o irmão, ora o
pai e o irmão. As gravações foram realizadas em diversos ambientes das casas de
cada criança (quarto, sala, sala de jantar e garagem) e em diferentes situações.
Levando em consideração que o corpus trabalhado nesta pesquisa é a
relação dialógica de duas crianças com seus interlocutores (adulto/criança), a
pesquisa é classificada como qualitativa, longitudinal e teórico-analítica e tem como
Melo, Z. S. A inserção do infante no meio discursivo: efeitos de interpretação de diferentes interlocutores
46
corpus as transcrições integrais das sessões acompanhadas durante esses seis
meses.
2.2 TRANSCRIÇÃO DOS DADOS
Como o objetivo da nossa análise é investigar como se o processo de
aquisição de linguagem dessas crianças alvo a partir do papel interpretativo de seus
interlocutores, a transcrição privilegiou a fala das crianças e dos interlocutores, no
sentido de compreender como acontece essa influência por parte dos interlocutores
para a construção dos símbolos lingüísticos de cada criança. Foram transcritos todos
os dados filmados (24 sessões) e privilegiamos para análise aqueles fragmentos
mais representativos para nossa pesquisa. O modelo de transcrição utilizado para
nossa análise é o ortográfico (anexo ficha de transcrição) e está organizado da
seguinte forma: primeiro apresentamos os participantes daquele episódio, o nome
(fictício) e a idade, como também o número da sessão. Em segundo lugar,
descrevemos o contexto em que ocorre a interação, o local da mesma (sala, sala de
jantar, quarto, garagem), as ações dos interlocutores, além dos objetos utilizados na
sessão. O terceiro corresponde às falas propriamente ditas, as quais estão
organizadas uma abaixo das outras e sinalizadas com números, e estes são
chamados de turnos
10
, que indicam a produção seqüenciada das falas dos
participantes, logo após o número indicativo (o indicativo do turno), a fala também é
sinalizada com a letra inicial do nome do interlocutor ou da criança.
Apresentamos o papel exercido por esses interlocutores, em especial, como
se comporta esse novo interlocutor (o irmão mais velho) na constituição da
linguagem da criança pequena.
A produção discursiva desses infantes, conforme veremos na análise dos
dados, é sustentada pelos pais, os quais tentam inseri-los na língua, a partir da
cooparticipação dos seus atos de linguagem na função de intérprete ativo da relação
discursiva.
10
Caracterizado como “o momento em que um parceiro na interação da seqüência conversacional passa a
exercer um papel de falante” (Marcuschi, 1996 apud Cavalcante, 1999).
Melo, Z. S. A inserção do infante no meio discursivo: efeitos de interpretação de diferentes interlocutores
47
Quanto à forma escolhida para transcrição dos dados, apresentamos após
cada fala, entre parênteses em alguns casos, a descrição do comportamento não
verbal, posição, gestos, ações e olhares do falante.
Nas análises das sessões ou episódios escolhidos, selecionamos algumas
partes denominadas de fragmentos, ou seja, num mesmo episódio nos referimos a
três ou mais fragmentos.
Para tanto, é necessário se debruçar sobre esses dados na tentativa de
interpretar, analisar, e/ou avaliar o que está por trás dos mesmos, pois alguns
apresentam constatações explícitas e outros apenas implícitas. Nossa análise dos
dados remete a uma discussão proposta por Perroni (1996, in: Castro,1996), quando
destaca a pertinência do método naturalístico/observacional, escolhido por nós neste
trabalho. Perroni (op.cit.) apresenta uma comparação entre os métodos experimental
e naturalista/observacional, o primeiro tem como maior vantagem a possibilidade de
examinar grande quantidade de sujeitos, facilitando assim o acesso à generalidade;
e o segundo apresenta mais vantagens que o anterior, como a substituição da
quantidade pela qualidade, além de permitir uma análise ainda mais detalhada e
completa do desenvolvimento infantil. Em suma, “a diferença básica entre os dois
tipos de metodologia consiste no fato de que o experimental acaba estudando a
linguagem da criança, ao passo que o observacional pode estudar o próprio
desenvolvimento da linguagem” (PERRONI, op. cit. p. 23).
Para realização desta pesquisa fizemos uma consulta prévia e informal aos
genitores das crianças, posteriormente à consulta e consentimento prévio, foi
encaminhado aos respectivos genitores um termo de consentimento e livre
esclarecimento, o qual trata da plena concordância da participação no projeto de
pesquisa. O modelo do termo em questão foi fornecido pelo comitê de ética em
pesquisa da Universidade Federal da Paraíba, o qual, após o devido preenchimento
e assinatura dos genitores, foi submetido à análise e aprovação pelo comitê
supracitado (em anexo o termo de consentimento e a certidão).
Para representação textual dos diálogos gravados foi determinado
pseudônimo
11
para os infantes envolvidos e os adultos foram referenciados como pai
e mãe.
11
Infante 1 Felipe ;
Infante 2 Arthur;
Irmão mais velho Samuel.
Melo, Z. S. A inserção do infante no meio discursivo: efeitos de interpretação de diferentes interlocutores
48
3 ANÁLISE E DISCUSSÃO
A análise aqui suscitada destaca diferentes situações das interações dos
infantes (1) e (2) e seus interlocutores, observados e gravados durante seis meses
de coleta, a qual nos possibilitou acompanhar o desenvolvimento lingüístico dessas
crianças. Em especial, neste capítulo, tratamos da inserção desses infantes na
língua através da interação dos diferentes interlocutores que aparecem nos
exemplos escolhidos como tríade ou como díade.
A amostra analisada evidenciou que em cada episódio existe um intérprete
autorizado para cada infante, e que esse interlocutor ocupa um lugar diferenciado na
relação triádica. E, apesar do infante tomar o principal interlocutor como o parceiro
conversacional, o foco da atenção está voltado para o ambiente, a brincadeira, ou a
atividade, e a partir daí ele começa a entrar na interação com seus interlocutores.
Os dados aqui analisados apontam para a interação que sempre acontece
melhor e em maior proporção com o infante e um dos interlocutores presentes na
seção, o terceiro interlocutor participa de forma mais superficial, visto que o infante
escolhe aquele que lhe transmite mais segurança. Assim, a mãe e o pai tentam
interpretar o infante, ao passo que o mesmo vai se constituindo como um sujeito,
pois ele começa a se colocar na interação e ocupa seu lugar discursivo. É esse
deslocamento discursivo entre os parceiros na interação que iremos observar a
seguir. Então, é interessante destacar que esse interlocutor (pai ou mãe) possibilita
uma mudança na interação, ou no foco apresentado, como forma de trazer o irmão
mais velho para interação.
A análise foi dividida em dois grupos. Composta pelos episódios com o infante
1 e com o infante 2.
3.1 ANÁLISE DOS EPISÓDIOS REALIZADOS COM O INFANTE 1
Na análise do infante 1, Felipe, são considerados episódios em que a
formação de duas tríades (mãe/infante/criança) e (pai/infante/criança), por fim, a
díade (infante/irmão mais velho).
Melo, Z. S. A inserção do infante no meio discursivo: efeitos de interpretação de diferentes interlocutores
49
3.1.1 A tríade mãe/ infante/ criança
O episódio analisado neste tópico é um momento de interação do infante 1,
em que a tríade encontra-se em meio a uma brincadeira com blocos de encaixe no
ambiente familiar. Através desse episódio objetivamos evidenciar os processos
interativos entre uma criança com sete anos e o irmão com trinta e cinco meses de
idade.
Vejamos a seguir a descrição do primeiro episódio para podermos analisar
alguns aspectos desse processo interativo:
3. 1. 1. 1 Episódio 1
O infante Felipe (F, 2; 11.5) brinca com a mãe (M) e com o irmão mais velho,
Samuel (S. 7;6) com blocos de encaixe, inicialmente construindo torres e sofás,
depois requisita a mãe para a construção de uma ponte:
a) Fragmento 1
(1) M: Assim tá bom Filipi?
(2) F: Assim tá bom, mi dê.
(3) S: Não mãe, eu sei é um viaduto.
(4) F: Não. Eu não quelu viadutu não. Eu quelu ...
(5) S: Filipi, o carro passa por aqui, pelu meiu é melhó.
(6) F: Não! Assim tá melhó pru carru subir.
(7) M: Ah! Você qué pru carru subi, é? Deixa eu vê como é qui a mamãe faz.
(8) F: Não. Assim não.
(9) M: Vai Samuel, dá uma idéia aqui. Vê se encaxa legal.
(10) F: Ah mãe, ele passa por dibaxo. Eu consegui passá pu dibaxo (o infante
olha para o irmão)
(11) S: Qué qui eli fique passando pu dibaxo, é Filipi? Então tá, vamus fazê.
Melo, Z. S. A inserção do infante no meio discursivo: efeitos de interpretação de diferentes interlocutores
50
(12) M: Senti aqui do meu ladu Samuel. Senti aqui pra genti fazê mais ponti.
Vem cá. Aqui do meu lado (a criança, irmão mais velho, se aproxima de
Felipe e brinca de passar o carrinho embaixo da ponte).
Observemos que a mãe ajuda Felipe na construção da ponte, como ele havia
requisitado, e o mesmo aceita sua participação turno 2 “Assim bom, mi dê”. Em
contrapartida, Samuel entra na interlocução para nomear o objeto no turno 3 “Não
mãe, eu sei é um viaduto”, mas Felipe não concorda com o irmão e fala com
intensidade no turno 4 “Não. Eu não quelu viadutu não. Eu quelu ...”. Mesmo assim,
Samuel continua insistindo e Felipe permanece contrapondo-se, sem aceitar a idéia
do irmão nos turnos 5 S: “Filipi, o carro passa por aqui, pelu meiu é melhó” e no 6 -
F: “Não! Assim tá melhó pru carru subir”. Então a mãe volta à interlocução para dar
continuidade à brincadeira e chama a criança mais velha para ajudá-la nos turnos 7
“Ah! Você qué pru carru subi, é? Deixa eu como é qui a mamãe faz” e no 9 “Vai
Samuel, uma idéia aqui. se encaxa legal”. Ao agir assim, a mãe, que é
reconhecida como intérprete autorizada
12
, acaba favorecendo o discurso do infante
no sentido de que Felipe aceita tudo que o irmão havia dito anteriormente no turno
10 “Ah mãe, ele passa por dibaxo. Eu consegui passá pu dibaxo” e, para confirmar
o que diz, Felipe demonstra, através da ação de passar o carro embaixo da ponte e
do momento em que olha para o irmão, uma forma de aceitá-lo como interlocutor
importante no discurso. Então esse interlocutor (irmão mais velho) passa a ocupar,
nesse momento, um lugar importante para o infante, ou seja, o de segundo
intérprete da relação dialógica.
No segundo fragmento desse mesmo episódio, a mãe, que em turnos
anteriores convidou os filhos para construir um carro (“Vamos fazer um carro? Quem
sabe como é que faz um carro?”), obteve uma resposta positiva por parte de Felipe.
Então, aconteceu a seguinte interlocução:
12
Chamamos de intérprete autorizado o interlocutor que é reconhecido pelo infante como aquele que “possui” a
língua, isto é, o adulto é uma “instância de língua constituída” De Lemos, (1992, p. 128)
Melo, Z. S. A inserção do infante no meio discursivo: efeitos de interpretação de diferentes interlocutores
51
b) Fragmento 2
Enquanto Samuel estava manuseando os blocos, a mãe desenvolve o
seguinte diálogo com Felipe.
(13) M: Você qué qui ligui os dois?
(14) F: É.
(15) M: Deixa eu vê. Eu possu tentar?
(16) F: Podi.
(17) M: Esperi aí viu. Esse podi ficá assim.
(18) M: E assim?
(19) F: Aqui em cima, é mamãe?
(20) M: Que legal!
(21) F: E a buzina?
(22) M: Tem alguma coisa que podi ser.
Nesse fragmento, é possível verificar que Felipe toma a mãe como um
interlocutor real, ou seja, aquele em quem pode acreditar, que sempre é capaz de
realizar algo, como podemos verificar no turno 16 “Podi”, em que Felipe afirma com
veemência que a mãe “Pode”, no sentido de que consegue, formar o carro. Mais
adiante, no turno 19 “Aqui em cima, é mamãe?”, ele procura a mãe para se certificar
de que está no caminho certo. Com isso, observamos que uma ligação entre os
interlocutores e que, como no primeiro fragmento analisado, a criança pequena
continua considerando a mãe como o interlocutor autorizado a interpretá-la. Pois a
mãe é sempre criteriosa em perguntar/pedir, diferentemente do irmão, que exige e
ordena. Assim, a interpretação que se dá inicialmente através da mãe é fundamental
para estabelecer uma relação entre a criança e a linguagem, seja ela realizada ora
através de um domínio externo ora por um domínio interno
13
, ou seja, a
interpretação acontecerá tanto através do outro (mãe) como da própria criança.
13
Caracterizado como: “domínio externo comparece como equivalente ao do social, do outro; e o domínio
interno é identificado com o do individual, do eu” (Lier-de Vitto, 1995).
Melo, Z. S. A inserção do infante no meio discursivo: efeitos de interpretação de diferentes interlocutores
52
Assim como afirma Castro (1995, p.31) “Os significantes apropriados pela criança,
voltam, pois, pela interpretação, para o sistema em funcionamento no adulto...”.
Ainda com relação aos dois fragmentos descritos acima, podemos observar
que no fragmento 1 o infante em interação com o irmão mais velho utiliza respostas
mais longas e específicas; e no fragmento 2 o infante passa a interagir apenas com
a mãe através de frases curtas, sem contestar o posicionamento ou questionamento
da mãe. E é essa relação de “liberdade entre o infante e seu interlocutor (fragmento
1), que favorece a comparação desse exemplo com o estudo dos autores Ely e
Geason (1997, in: Fletcher e Mac winney, 1997), em que foi constatado que a
conversa entre irmãos é mais recíproca, eles ficam mais à vontade entre irmãos do
que com a mãe, além de ocorrer uma disputa por espaço, por direitos. O que não
acontece com a mãe, no fragmento 2, pois o infante não tenta medir propriedades,
ele começa perceber que os dois ocupam lugares discursivos diferentes na relação.
Nesse mesmo episódio, a tríade está montando um caminhão com blocos de
madeira, conforme se observa no terceiro fragmento descrito abaixo:
c) Fragmento 3
(23) F: Essi botu aqui.
(24) M: Você bota?
(25) F: Botu. Eu botu essi. (e o irmão (S) parou o que estava fazendo e veio
ajudar)
(26) F: Agola falta essi.
(27) S: Filipi, tá ao contráriu.
(28) M: É Samuel? O qui foi qui tá ao contráriu?
(29) F: Ah, dexa eu botá.
(30) S: Esperi Filipi, é assim. Dexe eu li mostrá como é ta?
(31) M: Deixe ele fazê um pôco.
(32) S: Filipi, esperi Filipi.
(33) S: Tá faltandu o quadradu (coloca o quadrado)
(34) F: Oh mãe, o quadradu
Melo, Z. S. A inserção do infante no meio discursivo: efeitos de interpretação de diferentes interlocutores
53
(35) M: hum. A criança (S) coloca duas peças e o infante (F) retira e as
coloca em outro lugar.
(36) F: Oh mãe, essi é aqui
(37) M: (risos) Ué! E quem vai o motorista do caminhão? Quem vai o
motorista?
(38) S: É melhor ficá essi aqui, Filipi. (e coloca a peça no caminhão)
(39) F: Ah! Podi essi, essi bunecu (e aponta para o boneco)
Percebemos, nesse fragmento, que a ação da criança na tentativa de ajudar o
irmão mais novo é uma forma de estabelecer uma relação entre interlocutores
semelhante à instituída com a mãe no fragmento anterior.
Inicialmente, Felipe monta o brinquedo com a supervisão da mãe nos turnos
24 “Você bota?” e 25 “Botu. Eu botu essi.” e o irmão Samuel interfere para orientar
qual a forma correta do encaixe no turno 27 “Filipi, ao contráriu.”, então a mãe
volta para a interação perguntando a Samuel no turno 28 “É Samuel? O qui foi qui
ao contráriu?” enquanto Felipe insiste em continuar sua prática no turno 29 Ah,
dexa eu botá sem levar em consideração o que foi mencionado pelo irmão. Logo
após, no turno 30 “Esperi Filipi, é assim. Dexe eu li mostrá como é ta?”, Samuel
prossegue pedindo que observe sua orientação, e ele tenta falar como a mãe de
forma cautelosa, e assim, o infante abre espaço para o irmão. E Felipe aceita o
que o irmão propõe no turno 34 “Oh mãe, o quadradu” quando a mãe interfere na
interlocução no turno 31 “Deixe ele fazê um pôco.”, o que confirma, ainda mais, que
a mãe ocupa o lugar de intérprete autorizado.
Ainda nesse mesmo fragmento é possível observar que Samuel continua
ajudando no encaixe das peças e Felipe substituindo-as por outras, apenas após o
questionamento da mãe no turno 37 “Ué! E quem vai o motorista do caminhão?
Quem vai o motorista?” e a sugestão apresentada por Samuel no turno 38 “É
melhor ficá essi aqui, Felipe.” é que Felipe concorda no turno 39 “Ah! Podi essi, essi
bunecu” com o que seu irmão tinha sugerido, no turno anterior, durante a montagem
do caminhão.
Através da relação de interpretação e de intérprete autorizado, observada
nesse episódio, é que foi possível constatar que o infante ressignifica e é
ressignificado pelo outro através da sua própria língua, ou seja, o infante reformula
seu discurso baseado no fragmento anterior, e o interlocutor reestrutura o mesmo a
Melo, Z. S. A inserção do infante no meio discursivo: efeitos de interpretação de diferentes interlocutores
54
partir da fala do infante (turnos 34 ao 39). Assim como podemos verificar a partir da
afirmação de Castro (1995, p.31) “Os significantes apropriados pela criança voltam,
pois, pela interpretação, para o sistema em funcionamento no adulto, sendo posto
em novas relações, e sofrendo conseqüentemente ressignificação”. Como também é
possível observar que, a interpretação mencionada envolve restrição, como afirma
De Lemos (1995) “a unidade textual é feita a cada passo por um problema de
restrição”, dessa forma o intérprete articula elementos no mesmo espaço para que
possam fazer sentido.
3.1.1.2 Episódio 2
Essa seção inicia-se com Felipe (3; 5.8), Samuel (7; 10) e sua mãe tomando
sorvete na sala de jantar e continua com livros de histórias na sala de televisão.
a) Fragmento 1
(1) M: Qual foi o filme que Felipe gostou mais de assistir hoje?
(2) F: Nu cinema?
(3) M: Não aqui em casa. Você nun tava assistindo televisão?
(4) F: Um de carru.
(5) S: eu de carru e de pirata.
(6) M: Comu é essi pirata? Me conta num assisti não.
Inicialmente a e questiona sobre os sabores que eles mais gostam, logo
depois sobre os filmes que eles assistiram enquanto ela não estava em casa, como
podemos observar no turno 1 “Qual foi o filme que Felipe gostou mais de assistir
hoje?”. Então, Felipe remete a pergunta para o filme que ele assistira fora de casa,
no turno 2 “Nu cinema?” e a mãe volta a insistir com a pergunta, situando o lugar e o
tempo em que assistiram.
Melo, Z. S. A inserção do infante no meio discursivo: efeitos de interpretação de diferentes interlocutores
55
Nesse mesmo fragmento, observamos que diferente de outros momentos,
aqui o irmão mais velho disputa espaço com o infante quando responde a pergunta
que a mãe teria direcionado a Felipe como mostra os turnos 4 “F: Um de carru.” e o
turno 5 “S: eu de carru e de pirata” .
A interpretação acontece através da incorporação dos significantes do outro
pela fala da criança, assim como acontece, no exemplo acima, em que a
transformação não é reduzida apenas à repetição do mesmo enunciado do adulto.
Além disso, destacamos o fato da criança mencionar no turno 2 “Nu cinema?”,
entendido aqui como “a incorporação de um outro texto, vinculado às mesmas
evidências “lógico-práticas” as mesmas filiações a que se vincula o enunciado da
mãe” (Castro,1995, p. 34), ou seja, algo que fora recuperado de um outro momento
vivido pelo infante.
No segundo fragmento, a mãe continua questionando sobre o filme, e logo
em seguida, ela sai da sala.
b) Fragmento 2
(7) M: Samuel, diga a Felipe qual foi a parti qui você mais gostô (a mãe sai
da sala)
(8) F: Samuel, qual a parti qui você mais gostô ?
(9) S : Qui ele entra na roda.
(10) F: Ah!
(11) S: Qui eli entra na roda giganti.
(12) F: Num tem issu
(13) S: Tem sim.
(14) F: Tem não.
(15) S: tem sim.
(16) F: tem não.
(17) S: Tem sim.
(18) F: tem não
(19) S: Tem mil vezes tem sim e pontu final.
(20) F: Não tem.
Melo, Z. S. A inserção do infante no meio discursivo: efeitos de interpretação de diferentes interlocutores
56
(21) M: E aí. Qual foi a parti? Queru sabê também
Nesse exemplo, a mãe faz uma pergunta a Samuel no turno 7 “Samuel, diga
a Felipe qual foi a parti qui você mais gostô” e sai sem obter a resposta. Então,
Felipe aproveita a ausência da mãe e repete a pergunta no turno 8 Samuel, qual a
parti qui você mais gostô ?”, ou seja, ele assume o papel da mãe no discurso, o que
segundo De Lemos (2002) é caracterizado como o momento em que a criança
ocupa a terceira posição, a dominância da relação do sujeito com sua própria fala e,
como apresentado anteriormente, é nessa posição que a criança é capaz de
perceber a diferença entre sua própria fala e a fala do outro. Como é possível
observar nos turnos seguintes: turno 9 S : Qui ele entra na roda”; turno 10 “F: Ah!”;
turno 11 “S: Qui eli entra na roda giganti” e turno 12 “F: Num tem issu” quando Felipe
escuta a resposta de Samuel, porém não aceita o posicionamento do irmão, pois
não reconhece a “roda-gigante” como sendo uma peça do filme, e assim discordam
da informação até o fim entre os turnos 12 ao 20. Então a discussão acaba quando
a mãe volta a interlocução no turno 21 “E aí. Qual foi a parti? Queru sabê também”
assim como aconteceu em outros episódios.
No terceiro fragmento, desse mesmo episódio reaparece o mesmo fator de
disputa de espaço ilustrado no fragmento 1.
c) Fragmento 3
Enquanto Felipe toma o sorvete, a mãe desenvolve o seguinte diálogo com
Samuel.
(22) M: Entrô na roda! Comu é qui uma pessoa entra na roda?
(23) S: Assisti o filme pra você vê.
(24) M: Mi conta Felipe. Comu é qui eli entrô na roda?
(25) S: (Samuel responde antes de Felipe) Eli tava paradu aí a roda de mechê
na água caiu pra ele.
(26) M: A roda do naviu qui fica dentru d’água?
(27) S: Hã, Hã. Uma roda que fica dentru dágua e fora, metadi dentro e
metadi fora.
Melo, Z. S. A inserção do infante no meio discursivo: efeitos de interpretação de diferentes interlocutores
57
(28) M: E Felipe, qual a parti que gosto?
(29)S: (entrega a tarça de sorvete e diz) quero mai ó.
(30) M: Vô buscá. Felipe, conta a Samuel qual foi a parti que mais gostô.
A mãe continua conversando e questionando sobre o filme que eles
assistiram na sua ausência, turnos: 22 M: “Entrô na roda! Comu é qui uma pessoa
entra na roda?” e 23 “S: Assisti o filme pra vovê”. E, assim como no fragmento 1,
Samuel desdenha da mãe ao não responder sua pergunta e mandá-la assistir ao
filme. Desta vez, no entanto, a mãe redireciona a pergunta, então, é nesse momento
que Samuel percebe o motivo da troca de interlocutor e responde todas as
perguntas, turnos 25 “S: Eli tava paradu a roda de mechê na água caiu pra ele.”,
26 - “M: A roda do naviu qui fica dentru d’água?” e 27 “S: Hã, Hã. Uma roda que
fica dentru dágua e fora, metadi dentro e metadi fora”.
Ainda com relação ao infante 1, vejamos o que acontece no episódio 3, em
que a criança pequena volta-se sempre para seu interlocutor (o pai) na tentativa de
receber o apoio para sua produção.
3.1.2 A tríade pai/infante/criança
O episódio analisado neste tópico é um momento de interação do infante 1. A
tríade (pai/infante/criança) encontra-se na sala em meio a uma brincadeira com jogo
de encaixe, em que o pai orienta Felipe sobre como jogar, e Samuel (o irmão) faz
desenhos.
Vejamos, a seguir, a descrição do episódio para podermos analisar alguns
aspectos desse processo interativo:
3.1. 2.1 Episódio 3
A criança mais nova (Felipe, F: 3;1.6) interage com o pai (P) e o irmão
(Samuel: 7;7.5). Inicialmente, apenas o pai orienta Felipe sobre a brincadeira com o
Melo, Z. S. A inserção do infante no meio discursivo: efeitos de interpretação de diferentes interlocutores
58
jogo de encaixe, depois Samuel aproxima-se e contribui colocando as peças no
local devido.
a) Fragmento 1
(1) F: Agora você.
(2) P: Você tem qui botá mais duas bolas. Essi aqui qui é um quadradu e
uma cruz.
(3) F: É êssi?
(4) P: Vai ficá um sozinhu aí? Êssi ou êssi? (aponta para o jogo)
(5) F: Êssi.
(6) S: Êssi vai dá, uma bola e um quadradu. Aqui ó.
(7) F: (aceita a ajuda do irmão mais velho e coloca a peça indicada)
(8) S: Au contráriu.
(9) F: Duas bolinha, um quadadu e uma cuzi
(10) S: Aí papai qui vai tê qui ajudá.
Observamos que o pai orienta Felipe no encaixe do jogo, como este havia
requisitado no turno 1 “Agora você”. Então Felipe aceita a ajuda do pai quando
pergunta, no turno 3 “É êssi?”, e o pai continua questionando o filho no turno 4 “Vai
ficá um sozinhu aí? Êssi ou êssi?”, na tentativa de possibilitar a atuação adequada
da criança. De repente, Samuel volta-se para a atividade de encaixe com o intuito de
ajudar Felipe, no turno 6 “Êssi vai dá, uma bola e um quadradu. Aqui ó.”. Nesse
momento, Felipe não recusa a ajuda do irmão Samuel, inclusive apresenta as
possíveis peças indicadas por Samuel para que pudesse encaixá-las. Ao agir assim,
Felipe parece reconhecer Samuel como um intérprete autorizado na relação
dialógica, favorecendo, em parte, o discurso do infante com relação à aceitabilidade
do outro, ou seja, do irmão mais velho no turno 9 “Duas bolinha, um quadadu e uma
cuzi”.
No segundo fragmento desse mesmo episódio, tanto o pai quanto o irmão
mais velho tentavam ajudar Felipe no trabalho de encaixar as peças nos lugares
Melo, Z. S. A inserção do infante no meio discursivo: efeitos de interpretação de diferentes interlocutores
59
adequados. Porém, desta vez, Samuel não é bem aceito como no fragmento
anterior.
b) Fragmento 2
(11) P: Podi sê. Agora dêxa Filipi fazê.
(12) P: Um quadradu. (mostra a peça) Agora procuri.
(13) P: Issu filhu ta bem pertinhu.
(14) F: (tenta encaixar)
(15) P: É porque êssi aqui ta atrapalhandu.
(16) S: Aqui ó Filipi.
(17) F: Ôh! (e retira a peça de onde foi colocada)
(18) S: Assim ó Filipi, ó.
(19) F: Ôh! Ôh Samuel! Assim não vai dá.
(20) F: Assim tá. (olha para o irmão e debocha)
Nesse fragmento, é possível verificar que assim como o pai toma Felipe como
interlocutor privilegiado (turno 11), Felipe também toma o pai como seu interlocutor
principal, capaz de favorecer sua atividade, ou seja, de orientá-lo para realizar algo,
como podemos verificar nesse episódio em que ele não contesta nenhum
posicionamento do pai, que continua estimulando Felipe no turno 13 “Issu filhu ta
bem pertinhu”. Tanto é assim, que Felipe responde através da ação de encaixar
peças.
Ainda nesse mesmo fragmento, Samuel retorna à atividade, no turno 16
Aqui ó Filipi.”, com a intenção de facilitar o jogo, porém, nesse momento, Felipe não
aceita sua orientação no turno 17 Ôh!, ou seja, não o considera como mais um
representante da língua constituída. Pois, segundo De Lemos (2002), a língua é
constituída por três posições que se articulam entre si, neste caso, os enunciados da
criança pequena, com os enunciados do outro e a própria língua. Isso demonstra
que o sujeito falante está na língua, ele não a tem como um atributo ou pertence.
Dessa forma, é possível verificar a partir dos episódios 1 e 3 que quando o
Melo, Z. S. A inserção do infante no meio discursivo: efeitos de interpretação de diferentes interlocutores
60
infante está em interação com o pai e o irmão, aceita mais a participação do irmão
do que quando está com a mãe, o que nos possibilita analisar, ainda mais, essa
relação interativa estabelecida pelo pai que, aparentemente tem apresentado
resultados mais visíveis que os observados na interação com a mãe que, em geral,
interfere na relação. Assim, esse estudo pode evidenciar a presença do pai como um
interlocutor mais atuante que a mãe, por abrir maior espaço para as crianças no
processo interativo. Nesse sentido, embora o silêncio tradicionalmente pareça ser
algo negativo, se constitui como algo positivo, pois é o silêncio (ausência de fala) do
pai que possibilita uma maior interação entre os irmãos.
No terceiro fragmento descrito abaixo, o pai e Samuel tentam orientar Felipe,
porém o mesmo, novamente, não aceita as interferências do irmão.
c) Fragmento 3
(21) P: Ó Filipi êssi aqui é um quadradu.
(22) F: É assim?
(23) P: Não são dois círculus.
(24) F: É! Qui tal assim?
(25) P: Ótimu, muitu bom. Vamus pra ôtru aqui.
(26) S: Vamus fazê assim de um jeitu pra ficá mais fácil?
(27) F: Não, não, não.
(28) S: É assim ó. (pega a peça)
(29) F: Não! (gritando)
(30) P: Calma.
(31) S: (Dá risadas)
(32) P: Ó u bicu, ó.
(33) S: Filipi é biqueru, Filipi é biqueru.
(34) P: Essi aqui Filipi, duas cruzes e um quadradu.
(35) F: (aceita) Hum! É! Hum!
(36) P: Du ôtru ladu, mais uma vez.
Melo, Z. S. A inserção do infante no meio discursivo: efeitos de interpretação de diferentes interlocutores
61
Percebemos, nesse fragmento, que a ação da criança mais velha (S), na
tentativa de ajudar o irmão mais novo, é uma forma de estabelecer-se na relação
interativa como um interlocutor ativo e importante no processo, ou seja, como mais
um representante da língua constituída.
Inicialmente, Felipe tenta encaixar as peças com a supervisão do pai nos
turnos 21 - “Ó Filipi êssi aqui é um quadradu.” e 22 - É assim?” e Samuel interfere
para orientar qual a forma correta do encaixe no turno 26 “Vamus faassim de
um jeitu pra ficá mais fácil?”, enquanto o infante insiste em negar sua prática no
turno 27 –“Não, não, não.” sem levar em consideração o que foi mencionado pelo
irmão (S). Logo após, no turno 28 “É assim ó.”, Samuel prossegue pedindo que
observe sua orientação e Felipe não aceita o que o irmão propõe no turno 29
“Não!”. Então o pai interfere na interlocução no turno 30 “Calma”, com o intuito de
harmonizar a situação e dar continuidade à brincadeira. Note-se que o infante e a
criança, cada um a seu modo, atendem a solicitação, o que confirma, ainda mais,
que o pai ocupa o lugar de intérprete autorizado.
Ainda nesse mesmo fragmento é possível observar que Felipe retoma a
atividade de encaixe apenas após a ajuda do pai no turno 34 “Essi aqui Filipi, duas
cruzes e um quadradu.” e a sugestão apresentada pelo pai é por ele acatada no
turno 35 Hum! É! Hum!”, visto que continua a desenvolver o jogo.
Vejamos o que acontece na interação com essa mesma tríade.
3.1.2.2 Episódio 4
A criança mais nova (Felipe:3;3.10) brinca na sala com o pai (P) e o irmão
mais velho (Samuel:7;9.12) com o jogo de xadrez. Os dois interlocutores tentam
ensinar o jogo ao infante.
Melo, Z. S. A inserção do infante no meio discursivo: efeitos de interpretação de diferentes interlocutores
62
a) Fragmento 1
Jogam silenciosamente e bastante concentrados. E o pai acompanha todas
as jogadas. Até que Samuel bate palmas.
(1) S: Tem um probleminha Filipi. Comu tu sai daí hein? (rindo)
(2) F: O pretu fica aqui. Pai, eles ficam ai? Ô pai, eli podi trocá essi? (aponta
para suas peças)
(3) P: Du jeito qui você colocou ai filho, você podi andá com o cavalu...
(4) S: Não esqueci do seu pião Filipi..
(5) F: (coloca o dedo na boca e pensa)
(6) F: U...cavalu (olha para o pai)
(7) S: Vai Filipi mechi
(8) P: Boti o cavalu (aponta para o lugar)
(9) F: Acertei.
(10) S: (Joga e troca as peças do jogo)
(11) F: (grita) Não, aí não é você é eu (coloca a peça de volta)
(12) P: Mais ele comeu sua peça Filipi, você vai pegá a peça dele agora.
(13) S: Como minha peça?
(14) F: Ó sua peça aí.
Percebemos que Felipe é questionado por Samuel no turno 1- “Tem um
probleminha Filipi. Comu tu sai daí hein?”, mas Felipe não responde ao irmão, de
certa forma ele aceita o apontar de uma situação complicada no jogo, porém busca o
pai, como podemos verificar no turno 2 “O pretu fica aqui. Pai, eles ficam ai? Ô pai,
eli podi trocá essi?” e o pai atende ao chamado de Felipe para orientá-lo na jogada
no turno 3 “Du jeito qui você colocou ai filho, você podi andá com o cavalu...”. Do
outro lado o irmão mais velho percebe que o pai está no jogo como um orientador, e
por isso ele se utiliza do espelhamento, de modo inconsciente, na tentativa de
preservar e dar continuidade a comunicação, como observamos no turno 4 “Não
esqueci do seu pião Filipi.”. Mas, Felipe, mais uma vez, não acata a sugestão do
Melo, Z. S. A inserção do infante no meio discursivo: efeitos de interpretação de diferentes interlocutores
63
irmão, apesar de ser a dica que antecede sua jogada ou sua atuação naquele
momento, ele aprova o que o pai disse no turno 3. E assim ele tenta confirmar se
aquela seria a alternativa correta no turno 6 “U...cavalu” e em seguida o pai volta a
insistir no turno 8 “Boti o cavalu” e Felipe aceita e concebe sua jogada como uma
vitória.
Desta forma, podemos verificar, a partir dos turnos (5 ao 9) apresentados, que
a criança ocupa a primeira posição, pois a mesma apresenta-se dependente da fala
ou da interpretação do outro. Porém, não existe simplesmente uma reprodução dos
enunciados do pai, ou seja, “há desde sempre uma língua em funcionamento, o que
determinaria um processo de subjetivação, o qual, por sua vez, impede que se
pense em termos de uma coincidência entre a fala da criança e a do outro” De
Lemos (2002, p. 18).
b) Fragmento 2
(15) P: Qual peça qui você vai jogá agora? Vai Filipi . É você Filipi
(16) F: Não! Aí não é você. É eu. (Tira a peça que o irmão colocou)
(17) P: Filipi, mi diga como é que vai sê esse jogo então? Como é?
(18) F: Como tá aí
(19) S: (volta a jogar e diz) Vai
(20) F: É... a rainha. Pode botá a rainha?
(21) P: Não, não podi não. Rainha não podi pular, ou ela vem pra cá ou pra cá
(22) S: (troca as peças)
(23) F: Não, aí não é você. É eu.
(24) S: Não (segura a peça na mão)
(25) F: (grita) Mi dá (joga a peça)
Nesse momento, o pai continua explicando a Felipe como deve proceder no
jogo e, indica o momento da jogada no turno 15 “Qual peça qui você vai jogá agora?
Vai Filipi . É você Filipi” e Felipe questiona a ação do irmão e não permite que entre
no seu espaço no turno 16 “Não! Aí não é você. É eu”. E assim o pai continua
Melo, Z. S. A inserção do infante no meio discursivo: efeitos de interpretação de diferentes interlocutores
64
insistindo na explicação do jogo, até que Felipe necessita de ajuda e requisita o pai
como demonstra o turno 20 “É... a rainha. Pode botá a rainha?” e o pai responde sua
pergunta e explica no turno 21 “Não, o podi não. Rainha não podi pular, ou ela
vem pra ou pra cá” o motivo da negação. Em seguida, Felipe contesta a ação do
irmão como vem fazendo em turnos anteriores como verificamos nos turnos 23 “F:
Não, aí não é você. É eu.” e 25 – “F: Mi dá”.
Como apresentado, no capítulo 1, a interpretação aqui focalizada não aponta
um adulto mediador entre criança e língua, nem como regulador da interação.
Consideramos nessa análise os efeitos de interpretação de interlocutores diversos,
isto é, cada um dos interlocutores assumiu uma postura diferente em relação à
criança. Assim, verificamos que o pai possibilita a entrada da criança na língua
permitindo que a mesma apresente seu discurso singular, além de favorecer a
interação entre a criança e seu irmão.
No terceiro fragmento, desse mesmo episódio, podemos destacar a questão
que aponta para a interpretação, em especial, fragmentos incorporados pela fala da
criança e interpretados pelo adulto.
c) Fragmento 3
(26) P: Podi jogá cavalu aqui Filipi.
(27) F: Essi cavalu podi butá aqui
(28) P: Não, aqui não.
(29) S: (tira a peça do lugar)
(30) F: Não!
(31) P: Dexa Samuel! Dexa ele jogá
(32) S: (risos) Ele não sabe jogá xadrez. (tom de deboche)
(33) P: Mas ele vai aprender.
(34) P: O cavalo não pode andá assim não. O cavalu anda duas pra frente e uma
pru lado.
(35) F: Pai, depois bota aqui.
(36) P: Saí?
(37) F: Hã.
Melo, Z. S. A inserção do infante no meio discursivo: efeitos de interpretação de diferentes interlocutores
65
(38) P: Podi. Vai Samuel.
(39) S: Passu
(40) F: Não dexo tirá essa peça aqui.
No início do fragmento, o pai apresenta o local e a peça do jogo no turno 26
“Podi jogá cavalu aqui Filipi” e Felipe incorpora seu enunciado, como também
assume o lugar de intérprete da relação na qual além de utilizar a peça indicada, o
cavalo, também apresenta local adequado, como observamos no turno 27 “Essi
cavalu podi butá aqui”. Logo em seguida, no turno 28 “Não, aqui não” o pai contesta
a ação do filho, e o mais velho, Samuel, volta a jogar no turno 29 e, assim como em
outros episódios o infante não considera o irmão como um interlocutor autorizado a
interpretá-lo, ou seja, não considera as indicações do irmão mais velho, e não
permite que ocupe seu espaço no jogo. Desta forma, acreditamos que existe uma
espécie de hierarquia em que o infante, talvez de forma inconsciente, estabelece
locais na interlocução, na qual sempre existe um outro que direciona a relação
dialógica e os demais, no caso o infante e o irmão baseiam-se na fala daquele.
Esta relação tem posições diferentes das assumidas no discurso pelos
interlocutores, que remete a assimetria radical que Castro (1995, p.29) destaca em
seu estudo:
como sabemos o infans nasce em um estado de prematuridade específica
da espécie e, nesse sentido, o diálogo entre mãe e bebê deve ser tomado
pela radical assimetria que o caracteriza, a começar pelo fato de que
inicialmente só o adulto fala.
Como se vê, no seu percurso lingüístico, o infante (F) reconhece a mãe
(episódios 1 e 2) e o pai (episódios 3 e 4) como interlocutores autorizados a
interpretá-lo, ou seja, como falantes que assumem uma posição diferenciada em
relação a ele. Em contrapartida, o irmão mais velho, Samuel, apesar de ser capaz de
exercer uma determinada influência na relação dialógica, acaba ocupando um lugar
paralelo em relação à criança mais nova, pois a mesma geralmente não aceita o
posicionamento daquele, considerando-o como interlocutor não autorizado a
interpretá-la. Isso é possível verificarmos nos turnos 5 e 6 (do primeiro episódio) e
nos turnos 27 e 28 (do terceiro episódio), em que Felipe não considera relevante a
Melo, Z. S. A inserção do infante no meio discursivo: efeitos de interpretação de diferentes interlocutores
66
contribuição do irmão, como se considerasse no mesmo lugar de enunciação que o
dele, assim causaria uma estranheza concebê-lo como interlocutor no mesmo
estatuto que o dos pais. No entanto, em alguns momentos, Felipe aceita Samuel
como interlocutor de “certa forma” autorizado, nos momentos em que a mãe interfere
na relação, como exemplo nos turnos 31, 32, 33 e 34 do primeiro episódio, como
também nos turnos 6 e 7 do segundo episódio, comprovando o poder que a mãe
exerce em toda relação dialógica com seus filhos.
3.1.3 A díade infante/irmão mais velho
Vejamos o que acontece no quinto episódio, no qual observamos o infante 2
Felipe (3; 4.6) em interação com seu irmão Samuel (7; 10.4). Estão os dois
brincando sentados no chão da sala de televisão com alguns brinquedos.
Inicialmente o irmão mais velho convida o infante a construir um cercadinho de
bichinhos, mas não obtém sucesso, pois o pequeno desvia a atenção para outros
brinquedos.
3.1.3.1 Episódio 5
Nesse primeiro momento, percebemos que o infante tentava chamar a
atenção da pesquisadora, como uma exibição à parte.
Em seguida, o infante acaba atendendo o chamado do irmão, mesmo que as
primeiras respostas sejam apenas para contrariar a proposta inicial de Samuel,
como podemos verificar no fragmento abaixo:
a) Fragmento 1
(1) S: Bora botá os bichinhus aqui Filipi no cercadinho
(2) F: Vai tu. Tu. Tu.
Melo, Z. S. A inserção do infante no meio discursivo: efeitos de interpretação de diferentes interlocutores
67
(3) S : Me ajuda
(4) F : Vô colocá aqui robô
(5) S : Isso não é robô
(6) F : É robô. (colocam os bichinhos)
(7) S : Coloca aqui no meio Filipi.
(8) F: Tá. (continuam colocando)
(9) F: (dá uma risadinha) Ficô muito bichus. Agola essi, o pulicial.
(10) S: Dá não (fala infantilizada) Vem cá eu colocu, eu colocu.
(11) S: Ai! (boneco cai)
(12) F: (risadas)
(13) S: Eu sô o homem
(14) F: (observa e dá gritinhos) (O irmão entrega um objeto).
No fragmento acima, como mencionado anteriormente, o infante recusa o
convite do irmão mais velho para construir um cercado como observamos no turno 2
Vai tu. Tu. Tu. E logo no turno 4 colocá aqui robô”, ele confronta o irmão ao
mudar o foco inicial, que seria colocar os bichinhos no cercado, pois ao invés de
colocar bichos escolhe um robô para compor o cercado sugerido pelo irmão, como
podemos observar nos turnos 5 S : Isso não é robô” e 6 – “F : É robô”.
Observamos no fragmento citado que o infante mesmo concordando em
interagir com o irmão não o considera como intérprete autorizado, talvez, por
concebê-lo como participante do mesmo grau hierárquico que ele, como também,
pelas vezes que Samuel utiliza fala infantilizada no turno 10 “Dá o.Vem eu
colocu, eu colocu” ou imita/repete a fala de Felipe.
Ainda com relação a mudança de posição em uma estrutura relativa à fala do
outro, à ngua e, a sua própria fala, podemos apontar nesse episódio que a criança
ocupa a terceira posição, ou seja, é nesse momento que a criança se torna capaz de
perceber a diferença entre sua fala e a do outro. Há nessa interlocução uma
dominância da fala representada pelo pequeno falante, o qual passa de interpretado
pelo outro a intérprete da sua própria fala e da fala do outro.
Melo, Z. S. A inserção do infante no meio discursivo: efeitos de interpretação de diferentes interlocutores
68
b) Fragmento 2
(15) S: Mi dá o pianu ali Filipi. Mi dá o teclado.
(16) F: Essi?
(17) S: Hã, Hã.
(18) F: Ô essi?
(19) S: U de cima.
(20) F: Essi aqui pra min.
(21) S: (se aproxima e diz) Essi aqui pra tu.
(22) F: Não! Essi aqui é pra min. Computador ele é legal.
(23) S: (começa a tocar)
(24) F: (tentam imitar as notas musicais).
(25) S: Filipi vem tocá pianu comigu.
(26) F: Eu não! (olha para pesquisadora) Eu não! Quem sabe cantá? (volta a
brincar com o caminhão) Caiu!
Após a brincadeira do cercadinho, descrita no fragmento anterior, Samuel
requisita o infante no turno 15 “Mi dá o pianu ali Filipi. Mi dá o teclado” e ele atende o
chamado como demonstra o diálogo nos turnos: 16 “F: Essi?”, 17 – “S: Hã, Hã”, 18
“F: Ô essi?” e 19 – “S: U de cima”.
Logo após, os irmãos voltam a apresentar pontos divergentes quanto à
escolha de um brinquedo nos turnos: 20 “F: Essi aqui pra mim”, 21 “S: Essi aqui
pra tu” e 22 “F: Não! Essi aqui é pra min. Computador ele é legal”. No entanto, eles
conseguem resolver rapidamente, Samuel começa tocar piano e convida Felipe para
fazer o mesmo com ele no turno 25 “Filipi vem tocá pianu comigu”, então, o infante
responde no turno 26 “Eu não! Eu não! Quem sabe cantá? com ênfase para a
negação, e no mesmo instante justifica o motivo pelo qual ele não pode aceitar
através de uma pergunta no (turno 26), ou seja, ele possivelmente não pode
participar porque não existe um cantor, ele não sabe cantar ou ele não quer cantar.
Além disso, verificamos que Felipe não responde ao chamado do irmão como
levanta um questionamento em que rompe com a fala do interlocutor e aproxima-se
da sua própria fala, o que pode ser relacionado à terceira posição. É nesse momento
que observamos a singularidade desse enunciado em que ele incorpora um discurso
Melo, Z. S. A inserção do infante no meio discursivo: efeitos de interpretação de diferentes interlocutores
69
outro em seu próprio discurso. Como podemos verificar a partir da citação de Castro
(1995, p. 31)
Tal singularidade é marcada pelo fato destes significantes do adulto,
presentes na fala da criança, essas incorporações ou espelhamentos, não
se reduzirem à simples repetição do mesmo. Ao mesmo tempo em que se
reconhece um dito, determinado pelo enunciado do outro, observa-se
que os fragmentos incorporados são submetidos a relações imprevisíveis
(...)
14
Desta forma entendemos que este sujeito está submetido ao funcionamento
da linguagem, ou seja, um sujeito que é capturado pela língua e participa desse
funcionamento pela presença singular que exerce na linguagem.
Ainda com relação à díade, vejamos o que acontece no episódio 6.
3.1.3.2 Episódio 6
Nessa seção, Felipe (3; 5.23) e Samuel (7;10,5) jogam bola na garagem da
casa. Vejamos como acontece essa interação.
a) Fragmento 1
(1) F: Agola qué fazê o quê? Jogá ou lutá?
(2) S: Jogá é claru.
(3) F: Ta bom. Cum a mão ou cum chuti?
(4) S: Cum chuti.
(5) F: Tá bom
Observamos nesse pequeno fragmento que Felipe inicia a interação
perguntando ao irmão como ele deseja brincar no turno 1 “Agola qué fazê o quê?
14
Grifo nosso.
Melo, Z. S. A inserção do infante no meio discursivo: efeitos de interpretação de diferentes interlocutores
70
Jogá ou lutá?”, e Samuel responde no turno 2 “Jogá é claru” e assim ele segue entre
perguntas e respostas durante o episódio. Percebemos, neste episódio, que há uma
troca de papeis que acontece entre o outro e a criança, ou seja, a criança (Felipe)
retoma o papel do outro (Samuel) durante a interlocução. Na verdade o
convencional, possivelmente, seria o outro (Samuel) direcionar ou apontar as
sugestões para o jogo, quando acontece no sentido contrário. Nesse sentido,
podemos dizer que o discurso do infante é marcado por indícios da terceira posição.
b) Fragmento 2
(6) F: Tu cum chuti e eu cum a mão. Tá Samuel?
(7) F: Samuel, tu cum chuti e eu cum a mão tá?
(8) S: É gol (risos)
(9) S: Pega. Joga (sorrisos)
(10) F: (joga a bola)
(11) S: Ui! Ó! Errô.
(12) F: (sorrindo)
(13) S: É fraquinho.
(14) F: (sorrindo)
(15) S: Ui! Porque será qui você faz sempri gol aqui hein? Gol
(16) F: Ei! Ei! Você também faz gol no seu placá, faz gol é de brincadeira,
Samuel?
(17) S:Vai! Joga Filipi
Inicialmente Felipe sugere ao irmão as opções de brincadeira, com também,
expõe as regras do jogo nos turnos: 6 “F: Tu cum chuti e eu cum a mão. Ta
Samuel?” e 7 “F: Samuel, tu cum chuti e eu cum a o tá?”, porém Samuel não
confirma nem nega as regras impostas, apenas começa a jogar como verificamos
nos turnos 6 e 7. Em seguida, no momento da jogada Samuel questiona a irmão
mais novo, Felipe, no turno 15 “Ui! Porque será qui você faz sempri gol aqui hein?
Gol” e assim Felipe lembra de ajustar outras regras quanto à marcação do jogo no
Melo, Z. S. A inserção do infante no meio discursivo: efeitos de interpretação de diferentes interlocutores
71
turno 16 “Ei! Ei! Você também faz gol no seu placá, faz gol é de brincadeira,
Samuel?”.
Nesse caso, podemos continuar com a atenção voltada para a mudança de
posição assumida pela criança em relação à fala do outro, o que pode ser
relacionado à terceira posição.
Pensando numa perspectiva de relação triádica semelhante ao item anterior,
foi possível observar como se dá, de modo geral, a relação dialógica entre o infante
2 e seus pais. Vejamos como se dará essa relação no próximo tópico.
3.2 ANÁLISE DOS EPISÓDIOS REALIZADOS COM O INFANTE 2
Na análise do infante 2, Arthur, são considerados episódios em que a
formação de uma tríade (pai/mãe/infante) e duas díades (mãe/infante) e (pai/infante).
3.2.1 A tríade pai/mãe/infante
O episódio aqui analisado é uma das sessões de interação do infante 2, a
qual conta com os primeiros interlocutores, o pai e a mãe, nessa relação.
3.2.1.1 Episódio 1
Neste episódio, os pais e a criança (Arthur, A: 3;1) estão no quarto
observando uma revista do pai e conversando ou questionando sobre o que viam.
Na verdade, o maior destaque é dado ao pai, pois o mesmo tem conhecimento na
área, e seu filho Arthur sabe disso, então o pai é requisitado durante quase toda
sessão.
Vejamos como é possível comprovar a influência desse outro na relação, a
partir do episódio 3 analisado abaixo:
Melo, Z. S. A inserção do infante no meio discursivo: efeitos de interpretação de diferentes interlocutores
72
a) Fragmento 1
O pai (P) observa uma revista com a criança (A: 3; 3) e a mãe (M).
(1) P: Qui pexi é essi?
(2) A: Tambaquí
(3) P : É não. Olhi direitinhu
(4) A: (fala sussurrando)
(5) P: Qui pexe é essi?
(6) A : Suiubim
(7) P : É não. Surubim não é assim não
(8) A: Essi é de quê pai?
(9) P: É ti...
(10) A: ápia
(11) P: Diga a sua mãe o nome dessi pexi
Percebemos, neste fragmento, que as respostas dadas pela criança (A) são
uma tentativa de recuperar algo que foi ensinado em outro momento, como
demonstra os turnos: 5 –P: “Qui pexe é essi?”, 6 - A : “Suiubim” e 7 - P : “É não.
Surubim não é assim não”. E são essas possibilidades que fazem com que a criança
conceba o pai como aquele que detém o conhecimento, o pai, por sua vez, facilita a
entrada do infante no meio discursivo no turno 9 “P: É ti...” e no 10 “A: ápia”, pois
em algumas tentativas a criança resolve buscar o pai, como observamos no turno 8
“Essi é de quê pai?”. E assim consegue sustentar a relação dialógica através de
perguntas e respostas, mantendo, desta forma, o interesse pelo assunto da
interlocução. Desta forma, é possível observar que uma dominância da fala do
outro, ou que a criança está submetida a fala do outro, o que pode ser relacionado à
primeira posição, a fala da criança é constituída pela fala do pai, ou seja, é o pai que
dá sentido à fala da criança.
Nesse mesmo momento de interação, o pai continua folheando a revista e
comentando ou perguntando sobre as figuras encontradas, conforme observamos
no fragmento abaixo.
Melo, Z. S. A inserção do infante no meio discursivo: efeitos de interpretação de diferentes interlocutores
73
b) Fragmento 2
(12) P: Ó essi pexi aqui.
(13) A: Tô vendu
(14) P: Ó como eli é grandão. Sabi o nome deli?
(15) A: Qual o nomi dessis pexi?
(16) P: Olhi, essi aqui é o pirarucu,
(17) A: Essi é de quê?
(18) P: Essi aqui é um surubim
(19) A: Essi é de quê?
(20) P: Deixa eu vê, essi ta tão escuru, tão escuru qui eu não consigu vê. É o
jundiá
(21) A: Essi é de quê?
(22) P: Hein?
(23) A: Essi é de quê pai?
(24) P: Essi aqui é pirapitinga
(25) A: Essi é de quê?
(26) P: Essi aqui dexa papai nome deli que a fotografia ta muito...
tambaqui, pirapara
(27) A: Olha aqui mãe conseguindu, olha u ôtu. (tenta reproduzir a mesma
dificuldade do pai)
Observamos que nesse fragmento, a criança continua conversando com o
pai, e passa a questionar sobre o que está vivenciando naquele momento, como o
pai fez com ele momentos antes, como podemos comprovar nos turnos 15 - A: “Qual
o nomi dessis pexi?”, 16 - P: “Olhi, essi aqui é o pirarucu,”, 17 - A: “Essi é de quê?” e
18 - P: “Essi aqui é um surubim”. Desta forma, o pai acaba ocupando o lugar que, de
modo geral, em outros episódios era destaque da mãe, aqui o pai também exerce
um discurso de autoridade.
No fragmento anterior o pai perguntava para testar o conhecimento de Arthur,
neste, o infante pergunta para obter conhecimento. Como também imita o pai com
relação às perguntas, como se Arthur dominasse o assunto, como podemos
observar no turno 27 “Olha aqui mãe tô conseguindu, olha u ôtu”. É nesse
Melo, Z. S. A inserção do infante no meio discursivo: efeitos de interpretação de diferentes interlocutores
74
momento que acontece o que De Lemos (2002) classifica como uma mudança de
posição em uma estrutura, em que, nesse caso, a criança assume a terceira posição
que se manifesta a partir das relações entre a fala e a escuta. Logo, a criança
assume a posição de “autonomia” diante do discurso do outro.
c) Fragmento 3
(28) P: Sabi como é que chama o pexi pequinininhu?
(29) A: Sabu
(30) P: Chama alevinu.
(31) A: Alevinu (olha para mãe)
(32) P: Em vez de chamá pexi, de bebê e de nenê, chama de alevinu
(33) A: Eu vou tê um pexi dessi.
(34) P: Vô trazê um alevinu de tilápia pra você.
(35) A: Ele vai trazê um alevinu de tiápia pa mim. (fala olhando para mãe)
(36) M: Vai?
Verificamos nesse momento, que o pai continua cada vez mais favorecendo a
entrada dessa criança, como também percebemos uma mudança de papel assumida
pelo pai em relação ao exercido, em geral, pela mãe (turnos 28 - P: “Sabi como é
que chama o pexi pequinininho?”, 29 - A: “Sabu e 30 - P: “Chama alevinu.”) e ela
tenta repassar essa informação para a mãe turno 31- “Alevinu” (olha para a e)
possivelmente na tentativa de apresentar para a mãe o novo conhecimento
adquirido, como também, o de reincorporá-la ao discurso turnos: 35 “Ele vai trazê
um alevinu de tiápia pa mim” (fala olhando para a mãe) e a mãe pergunta no turno
36 “Vai?”. Percebemos nesse fragmento que, segundo De Lemos (2002) o infante
ocupa a terceira posição na estrutura, em que consegue reconhecer a diferença
entre sua fala e a fala do outro,“há a dominância da relação do sujeito com sua
própria fala”.
A partir dos episódios (1 e 3) analisados, constatamos que os interlocutores
(dos diferentes episódios) ocupam posições discursivas diferenciadas, e essa
constatação também é percebida pelos próprios infantes analisados, assim, é
Melo, Z. S. A inserção do infante no meio discursivo: efeitos de interpretação de diferentes interlocutores
75
possível observar que, no seu percurso lingüístico, a criança (F)
15
do primeiro
episódio reconhece a mãe como um interlocutor autorizado a interpretá-la, ou seja,
como aquele que exerce uma determinada influência na relação dialógica, como foi
possível verificar no episódio 1 em que a criança aceita a ajuda e interferência da
mãe durante quase toda a interação. no terceiro episódio, verificamos que o pai,
apesar de ser reconhecido, em geral, como um interlocutor “pouco” importante na
interação com a criança, em relação à produção da mãe, também mantém uma
posição semelhante à ocupada pela mãe.
No primeiro episódio (com o infante 2) o pai consegue estabelecer essa
interlocução com bastante facilidade, não sendo necessário ficar chamando sua
atenção para a conversa estabelecida, como constatamos no fragmento 2 nos
turnos 21, 22, 23 e 24 em que a criança busca o pai. Assim, o pai exerce uma
influência na relação dialógica, a criança (A)
16
o aceita como interlocutor/intérprete
autorizado, ocupando assim, um lugar privilegiado na relação interativa.
Vejamos o que acontece com essa mesma tríade no próximo episódio.
3.2.1.2 Episódio 2
O episódio aqui analisado, é a interação dos pais com Arthur (A: 3; 5-10)
durante uma atividade em que os participantes estavam sentados no chão da sala
brincando com vários brinquedos. Inicialmente a mãe pede a Arthur para fazer uma
demonstração, para o pai, do carrinho de bombeiro.
a) Fragmento 1
(1) M: Assim é? Vai, coloca aí pra papai vê.
(2) A: Não é assim não ó .
(3) M: É o quê?
(4) A: É pra decê
15
Infante 1.
16
Infante 2.
Melo, Z. S. A inserção do infante no meio discursivo: efeitos de interpretação de diferentes interlocutores
76
(5) A: (coloca o carrinho no local adequado)
(6) M: (fala baixinho) Vai por aí?
(7) P: E como é qui faz agora?
(8) A: Ó subi.
(9) M: É o quê?
(10) A: Subi ó (e levanta o elevador de brinquedo para o carro subir).
(11) M: Uuuuu! (o carrinho desce a pista).
(12) A: Que vê o qui eli vai fazer agoa.
(13) M: E o barulhinho que ele faz? É um carro de bombeiro?
(14) A: É!
(15) P: E comu é? Mostra aí a papai.
(16) A: Vai fechá ó papai.
Observemos que a mãe questiona no turno 1 “Assim é? Vai, coloca pra
papai vê”, se ela está usando corretamente o brinquedo, e Arthur responde que
não, logo ele explica como deve proceder com o carrinho nos turnos 4 e 5,“É pra
decê”, e coloca o carrinho no local adequado. Ainda assim, o pai questiona no
turno 7 “Como é que faz agora?” para saber todos os movimentos do brinquedo.
Então Arthur demonstra como deve fazer com o carro no brinquedo, como
verificamos no turno 8 “Ó subi”, e a mãe questiona “É o quê?” e ele volta a repetir a
ação dizendo no turno 10 “Subi ó” como também, demonstra com o elevador do
brinquedo. E, no final do fragmento ele pergunta ao interlocutor no turno 12 “Qué
o que ele vai fa agora?”, em seguida a mãe interrompe com outros
questionamentos no turno 13 “E o barulhinho que ele faz? É um carro de bombeiro?”
e ele uma resposta curta, mas quem retorna ao assunto da demonstração do
brinquedo é o pai no turno 15 “E comu é? Mostra a papai.” e Arthur mostra como
acontece e responde a pergunta no turno 16 “Vai fechá ó papai”.
Desta forma, verificamos que nesse episódio a criança assume a segunda
posição, como é possível destacar nos turnos 8, 9, e 10, em que a fala de Arthur é
impermeável à correção do outro, como também, não se incomoda com o estranho
enunciado que produz. Pois essa posição é caracterizada pelo “erro” e pelas
produções insólitas. Então, entendemos que a língua acontece, porém a criança não
consegue perceber.
Melo, Z. S. A inserção do infante no meio discursivo: efeitos de interpretação de diferentes interlocutores
77
É interessante observar que, essa língua que é falada pelo sujeito possui uma
autonomia própria, como podemos verificar através da seguinte citação:
O que a mim pareceu, então, com essa autonomia e alteridade radical da
língua foi a ela, a língua, a função de captura, entendida como
estenograma ou abreviatura (...) de processos de subjetivação.
Considerada sua alteridade lógica relativamente ao sujeito, o precede e,
considerada em seu funcionamento simbólico, poder-se-ia inverter a relação
sujeito-objeto, conceber a criança como capturada por um funcionamento
lingüístico-discursivo que não só a significa como lhe permite significar outra
coisa, para além do que a significou. (DE LEMOS, 2002, p. 16 grifo nosso)
Nesse sentido, não poderíamos mais conceber o falante como aquele que se
apropria da linguagem, e sim como um sujeito que é capturado pela língua, que está
imerso numa trajetória de constituição subjetiva dos efeitos de funcionamento da
mesma.
Ainda nesse fragmento, destacamos uma terceira posição, considerando que
a criança assume o lugar do falante, isto é, uma mudança de posição na estrutura
que surge de um sujeito que “se abre entre a instância que fala e a instância que
escuta” (DE LEMOS, op. cit. p. 23). Como observamos no fragmento 12 “Qué vê que
eli vai fazê agora?” em que a criança se posiciona diante do outro na tentativa de dá
seqüência adequada à relação dialógica estabelecida entre o outro, a criança e a
língua.
b) Fragmento 2
(17) M: Arthur. Ei Arthur. Pega aquela coisa ali.
(18) A: Issu é pá estudá.
(19) M: Mais eu queru sabê o quê é qui tem dentro pra estudá.
(20) P: Mostra a gente o que é qui tem dentro.
(21) M: Você vai ensinar?
(22) A: Os negoçu pra montar os iscópio.
(23) M: Pra montá o quê?
(24) A: O micoscópio.
(25) M: O microscópio!
(26) P: (rindo)
Melo, Z. S. A inserção do infante no meio discursivo: efeitos de interpretação de diferentes interlocutores
78
(27) A: Pra eu vê os pexes.
(28) M: Ah! Um microscópio.
(29) A: É pra vê os pexes.
(30) M: Monta aqui o microscópio.
(31) P: Arthur o qui é isso, hein filhu?
(32) A: É u fogu.
(33) M: Fogo é?
(34) A: U fogu.
(35) M: Eu pensei que era outra coisa.
(36) A: Olha! Ele subi aqui.
(37) M: Eli sobi
(38) M: Cadê o carrinho pra subir?
(39) A: Alí. Aí quando eli sobi ele diz sai daí.
(40) M: Quem diz sai daí? O bombeiro é?
(41) A: É, do carru.
Nesse momento a mãe chama Arthur para pegar uma casinha que está no
chão, e ele responde que a casinha é para estudar, pega a casinha e coloca no sofá
para ficar longe da mãe. E esta continua insistindo sem saber o que tem dentro,
assim o pai pede também para mostrar o que tem dentro. Logo no turno 21 “Você
vai ensinar?” a mãe volta a questionar o filho que responde no turno 22 “Os negoçu
pra montar os iscópio.” e, é nesse momento em que a mãe questiona admirada no
turno 23 “Pra mono quê?” e ele responde no turno 24 “O micoscópio” fazendo
com que a mãe , novamente, repita a mesma palavra.
Assim, a criança continua a interlocução respondendo tanto a mãe quanto ao
pai, aque volta a repetir a mesma palavra no turno 36 “Olha! Ele subi aqui” e a
mãe volta a mencionar o mesmo verbo no turno 37 “Eli sobi”. Até que no turno 39
Arthur diz: “Alí. quando eli sobi ele diz sai daí”, momento em que acaba
assumindo outra posição na interlocução.
Percebemos, nesse fragmento, que a criança tenta ressignificar seu discurso
nos turnos 22 e 24, com relação as palavras “iscópio” e micoscópio”, ou seja, uma
espécie de assemelhamento com o discurso do outro, em que assume uma
“autonomia” em relação a língua, ocupando, assim, uma terceira posição.
Melo, Z. S. A inserção do infante no meio discursivo: efeitos de interpretação de diferentes interlocutores
79
Nesse mesmo fragmento, foi possível observar que a criança também ocupa
a segunda posição, repetindo o mesmo “erro” do fragmento anterior, podemos
destacar os turnos 36 e 37, em que Arthur aparece impermeável à fala da mãe.
No entanto, logo em seguida, no turno 39, “Alí. Aí quando eli sobi, ele diz sai
daí”, apontando indícios da terceira posição em que há uma dominância da relação
do sujeito com a sua própria fala, ou seja, a criança reconhece a diferença entre sua
fala e fala do outro.
c) Fragmento 3
(42) M: E o quê é qui você olha no microscópio?
(43) A: É os olhos deli.
(44) M: Ah, você olha os olhos dele?
(45) A: Pra se bem os olhus dele, se não tá bem os olhus dele colocá
na água.
(46) M: Eli não tá bem, e o qui você vai fazê com eli pra ficá bem?
(47) A: Vô colocá na água pra ficá bem.
(48) M: Não precisa nem de remédio?
(49) A: Separá os pexes.
(50) P: E essis pexes não vão pra panela, pra fazê uma pexada pra gente
co
(51) A: Sai da bombinha que faz bolhinha pai (mostra ao pai)
(52) M: E a comida?
Vejamos que nesse exemplo a mãe continua curiosa com relação ao estudo
do filho, e ao seu microscópio. Então ela começa perguntando no turno 42 E o quê
é qui você olha no microscópio?e ele responde no turno 43 “É os olhos deli”. Em
seguida a mãe volta a perguntar repetindo a resposta de Arthur como é possível
observar no turno 44 “Ah, você olha os olhos dele?”. Logo, Arthur percebe que a
mãe desejava perguntar algo mais, ou seja, além de saber “O quê”, ela investiga o
motivo “para quê”. Porém, esse questionamento não foi mencionado, mas Arthur no
turno 45 explica o motivo, mesmo sem ser questionado. Porque percebe que a mãe
estava tentando descobrir como funcionava seu estudo.
Melo, Z. S. A inserção do infante no meio discursivo: efeitos de interpretação de diferentes interlocutores
80
Nesse momento, em que Arthur antecipa a resposta de um provável
questionamento, percebemos que a criança assume uma posição de “autonomia”
diante da língua, além deixar a posição de interpretado pelo outro para assumir, o
lugar de intérprete da relação discursiva. Como é possível constatar a partir do que
afirma Castro e Figueira (no prelo, p. 19)
Pares e blocos inteiros de argumentos do adulto surgem na fala da criança.
Estes enunciados, em que se reconhece a fala do outro, dão muitas vezes a
impressão de que a criança sabe sobre o que está falando; Mais do que
isso, as incorporações promovem efeitos de sentido e referencialidade,
garantindo a unidade.
Ainda nesse fragmento, a mãe continua questionando sobre a atividade e a
criança respondendo, até que o pai retorna a interlocução e faz uma pergunta no
turno 50 “E essis pexes não vão pra panela? pra fazê uma pexada pra gente comê”,
então Arthur não responde ao pai, apenas continua explicando o funcionamento do
espaço que servia como aquário para os peixes. Essa fulga da pergunta do pai
acontece talvez porque Arthur não concorde com a idéia de levar aqueles peixes
para a panela, ou porque percebe que é uma brincadeira do pai, utilizada por ele
como forma de reintegrar-se a interlocução.
Assim, a partir dos episódios 1 e 2 aqui analisados, percebemos que o infante
2 costuma eleger um interlocutor como principal na relação, ou como autorizado a
interpretá-lo. Além de verificarmos que esses interlocutores ocupam posições
diferenciadas, a fim de possibilitarem o processo de subjetivação da língua. Visto
que, a criança durante esse processo é “capturada por um funcionamento
lingüístico-discursivo que não a significa como lhe permite significar outra coisa,
para além do que a significou.” (DE LEMOS, 2002. p, 16).
3. 2. 2 A díade mãe/infante
O episódio analisado neste tópico é um momento de interação entre a mãe e
seu filho Arthur, em que os dois brincam sentados no chão do quarto.
Melo, Z. S. A inserção do infante no meio discursivo: efeitos de interpretação de diferentes interlocutores
81
3.2.2.1 Episódio 3
O infante Arthur (3; 4.20) brinca com sua e sentados no chão do quarto
com alguns peixes de plástico (espécie de mordedores para bebê que estavam
guardados em uma gaveta e a criança descobriu naquele dia da gravação).
a) Fragmento 1
(1) A: Oia (aponta para os peixes de plásticos que estão no chão).
(2) M: Dexa eu apertá.
(3) A: Eli é o pexe, pexe, pexe, pexe... temoso (fala baixinho)
(4) M: Teimoso! Porque ele é pexe teimoso?
(5) A: Porque eli sai assim correndo (faz um movimento) Assim correndo (e
vai pegar o peixe).
(6) M: Eli sai correndu pra onde?
(7) A: Prá arêa.
(8) M: Pra areia. E peixe corri?
(9) A: É. Pexi corri.
(10) M: Corri comu? Assim (pega o peixe e faz o possível movimento).
(11) A: O pexe corri comu o medo.
(12) M: Corri comu? Ó.
(13) A: Assim (olha pra câmera)
(14) M: Mostra aqui comu é que eli corre. (e a mãe aperta o peixe que tem
um apito)
(15) A: Pala mãe. Não! De novo (derruba o peixe da mão da mãe).
Esse episódio tem início com Arthur mostrando a mãe os peixes que estão no
chão. Então a mãe se aproxima dos peixes e segura um na sua mão e diz no turno 2
“Dexa eu apertá.” , e a criança explica, falando baixinho, quem é aquele peixe que
a mãe segurou como demonstra o turno 3 “Eli é o pexe, pexe, pexe, pexe... temoso.”
em seguida a e repete com intensidade, no turno 4 Teimoso! Porque ele é pexe
Melo, Z. S. A inserção do infante no meio discursivo: efeitos de interpretação de diferentes interlocutores
82
teimoso?” . Logo, Arthur responde o motivo do peixe ser teimoso no turno 5 “Porque
eli sai assim correndo (faz um movimento) Assim correndo (e vai pegar o peixe)”, e a
mãe continua interrogando a criança no turno 6 “Eli sai correndu pra onde?”. A partir
do momento em que Arthur diz que é na areia que o peixe corre, a mãe faz várias
perguntas na tentativa de despertar no filho que o animal em questão não sabe
correr. No entanto, Arthur insiste em dizer que o peixe corre, e em mostrar o motivo
e como faz; nos turnos 11 e 13 respectivamente, O pexe corri comu medo.” e
“Assim.”.
Observamos, nos turnos (10,11 e 12), que a criança ocupa a segunda posição
caracterizada pelo “erro”, como também, pelas produções “insólitas”. Mesmo
sabendo que “os enunciados são cadeias, passíveis de deslocamento e
ressignificação” (DE LEMOS, 2002. p. 22), no entanto, a fala da criança não é
afetada pelas correções do outro, ou seja, é impermeável às mudanças propostas.
b) Fragmento 2
(16) A: Pára mãe. Ta me atapaiando a botá o remédio no pexe.
(17) M: Eli precisa de remédio é?
(18) A: É.
(19) M: Duenti de quê?
(20) A: (fala sussurrando) Duenti da cabeça.
(21) M: Duenti de quê?
(22) A: Da cabeça cum isso vermelhu (ele abre um recipiente vazio e coloca
no peixe, simulando o remédio).
(23) M: Eli tá duenti da cabeça.
(24) A: É. Qui já vi o vermelhu já.
(25) M: E foi?
(26) M: Vamus contá uma historinha? Vai pegá uns livros de historinhas alí
pra genti contá aqui. Vai buscá.
Nesse fragmento a díade continua conversando sobre os peixes de plástico.
Até que, Arthur reclama dos questionamentos da mãe no turno 16 Pára mãe. Tá me
Melo, Z. S. A inserção do infante no meio discursivo: efeitos de interpretação de diferentes interlocutores
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atapaiando a botá o remédio no pexe.” e a mãe continua perguntando sobre o
procedimento que ele estava usando para tratar os peixes como podemos observar
no turno 17 “Eli precisa de remédio é?” . Então Arthur responde de forma direta que
sim e, em seguida, a mãe continua questionando sobre a doença do peixe no turno
19 “Duenti de quê?”, e o filho respondendo nos turnos 20 “Duenti da cabeça.”, e 22
“Da cabeça cum isso vermelhu”. E, é nesse instante que a criança simula o
tratamento do peixe, quando abre um recipiente vazio e coloca no animal como uma
espécie de remédio. Além disso, Arthur percebe que a mãe fica muito admirada do
peixe está doente da cabeça, então ele se antecipa e expõe o motivo que o levou a
dizer que era uma doença na cabeça, como podemos verificar no turno 24 “É. Qui
vi o vermelhu já”. E, por fim, a mãe no turno 26 Vamus contá uma historinha? Vai
pegá uns livros de historinhas ali pra genti contá aqui. Vai buscá” tenta romper com
essa atividade.
É possível evidenciar, nos turnos (17 ao 22), características da primeira
posição, pois uma dependência da fala/interpretação do outro, ou seja, o que
está em foco é a língua em funcionamento que determinaria um processo de
subjetivação, o qual “impede que se pense em coincidência entre a fala da criança e
do outro” De Lemos, (2002. p.18). Desta maneira, podemos verificar que a criança é
caracterizada como submetida ao outro. São os significantes do outro que
possibilitam o funcionamento da língua e o processo de subjetivação, então o sujeito
surge entre os significantes do outro.
c) Fragmento 3
(27) M: Tu vai pegá o quê?
(28) A: É uma coisinha que eu gostu.
(29) M: Livru?
(30) A: É livrão.
(31) M: Livro.
(32) A: Dexa eu vê aqui que nunca mais eu vi.
(33) M: Vá buscá o livro
(34) A: Um livro de Pito.
(35) M: De quem?
Melo, Z. S. A inserção do infante no meio discursivo: efeitos de interpretação de diferentes interlocutores
84
(36) A: De Pito, os pexes.
(37) M: Ah! Traga aqui.
(38) A: Vô falá sobri o pexe.
(39) M: Vai fala sobre peixe. Então fale sobre peixe.
(40) A: Só aqui o pexe é na ôtra página
(41) A: Qué vê o pexe?
(42) M: Queru, me mostre.
(43) A: Olha caãngueju.
(44) M: Issu é caranguejo?
(45) A: É não.
O fragmento, apresentado acima, é o momento em que Arthur resolve mudar
de atividade, procura um livro em meio aos tantos livros organizados no armário.
Então a mãe pergunta no turno 27 Tu vai pegá o quê?”, e ele faz um suspense no
turno 28 É uma coisinha que eu gostu”, mas logo ela percebe que Arthur vai na
direção dos livros, e pergunta no turno 29 Livru?” apenas para confirmar. E, Arthur
no turno 32 Dexa eu aqui que nunca mais eu vi.”, demonstra uma dúvida quanto
à escolha do livro e acaba escolhendo no turno 34 Um livro de Pito”. Assim a mãe
questiona sobre o título e ele explica de que trata o livro no turno 36 De Pito, os
pexes.” E logo após no turno 38 “Vô falá sobri o pexe” ele anuncia que irá falar sobre
peixe, como também, demonstra conhecer a revista que está apresentando no turno
40 aqui o pexe é na ôtra página”. Em seguida, pergunta no turno 41 Qué o
pexe?” se a mãe deseja conhecer mais sobre a revista e ela responde
positivamente. No entanto, quando ele aponta o primeiro exemplo no turno 43 Olha
caãngueju a mãe questiona se realmente é aquele animal no turno 44 Issu é
caranguejo?” e ele acaba percebendo que está equivocado.
Percebemos, com o exemplo descrito acima, que a criança reconhece a
diferença entre sua fala e a fala do outro, ou seja, características da terceira posição
são evidenciadas nos turnos (38 ao 41). Como podemos destacar alguns fenômenos
como pausas, reformulações, correções convocadas ou não pela reação direta ou
indireta do interlocutor. Além dessas características, é possível verificar que a
criança assume a posição de “autonomia” diante do outro, pois o infante direciona
seu discurso baseado no seu desejo e necessidade no momento, ele não depende
Melo, Z. S. A inserção do infante no meio discursivo: efeitos de interpretação de diferentes interlocutores
85
integralmente do outro. Assim, consegue intervir e até antecipar respostas de
possíveis perguntas.
3.2.3 A díade pai/infante
O episódio analisado neste tópico é um momento de interação entre o pai e
seu filho Arthur, durante uma atividade no seu quarto.
3.2.3.1 Episódio 4
Inicialmente Arthur (3; 5) ajuda o pai na transformação de um berço em cama
(retiram a grade lateral e colocam uma pequena grade). Em seguida, Arthur pega
alguns aviões de brinquedo e volta sua atenção para os mesmos.
a) Fragmento 1
(1) P: Ô Artuzinhu tá gostandu de consertá as coisas?
(2) A: Eu vô pegá... o quê? O martelu. Há! Há! Qui coisa!
(3) P: Espera aí filhu. Calma,calma guardi essa peça.
(4) A: Essa parte pra eli, essa parti vai sê pro meu avião
(5) P: E você vai fazê um avião depois é?
(6) P: Vai desmontá o berço pra fazê um avião? (retira a grade)
(7) A: Êpa!
(8) P: E essi aqui vai pro avião também?
(9) A: Vai.
(10) P: Vai sê o quê do avião?
(11) A: Vai sê o quê do avião?
(12) P:Sim
(13) A: Eu fazendu uma ferragem deli
Melo, Z. S. A inserção do infante no meio discursivo: efeitos de interpretação de diferentes interlocutores
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(14) P: Essa parte vai sê o quê do avião?
(15) A: Essa vai sê a asa do avião.
(16) P: A asa é?
(17) A: É a asa.
(18) P: Bacana!
O episódio tem início com o pai chamando Arthur para retirar a grade do
berço, pegando ferramentas e retirando parafusos. Até que o pai pergunta no turno 1
Ô Artuzinhu gostandu de consertá as coisas?” , e o filho não responde a
pergunta, apenas fala em relação ao que estava fazendo no turno 2 Eu vô pegá... o
quê? O martelu. Há! Há! Qui coisa!”. Então o pai pede no turno 3 Espera filhu.
Calma,calma guardi essa peça”, pois Arthur pegou uma das peças do berço e levou
para o outro lado, e disse no turno 4 Essa parte pra eli, essa parti vai pro meu
avião”, daí o pai percebe, nos turnos 5 “E você vai fazê um avião depois é?” e 6 “Vai
desmontá o berço pra faum avião?”, que enquanto desmontava o berço o filho
planejava fazer um avião. Logo, Arthur contesta no turno 7 Êpa!”, na tentativa de
segurar a parte do berço para construção do seu avião, e o pai questiona se a peça
é para o avião e ele responde que sim. Então o pai pergunta no turno 10 Vai o
quê do avião?”, curioso em saber para que vai servir aquela parte que o filho
segurava, e Arthur não responde, apenas explica o que está fazendo no turno 13
Eu fazendu uma ferragem deli”. E o pai volta a questionar no turno 14 Essa parte
vai o quê do avião?” e, ele responde no turno 15 Essa vai a asa do avião .
Logo, o pai volta a perguntar no turno 16 A asa é?” como uma forma de conceber a
parte do avião, e o filho responde de maneira afirmativa, então pai elogia no turno 18
Bacana!” .
Percebemos nesse exemplo que, do ponto de vista sonoro, possivelmente um
fragmento puxa um outro apresentado posteriormente. Como podemos observar no
turno 13 Eu fazendu uma ferragem delicom relação à palavra “ferragem” que a
criança anuncia está fazendo naquele momento, o que de certa forma, remeterá
mais adiante ao uso da palavra “Ferrari” pela criança.
Essas manifestações na fala da criança são caracterizadas, de acordo com
De Lemos (1995) como enunciados insólitos que surgem a partir dos efeitos de
incorporação de outros fragmentos, ou seja, uma incorporação de um outro texto
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vinculado às mesmas questões, o qual possibilitou a criança buscar um enunciado já
cristalizado para atender a necessidade de um outro.
b) Fragmento 2
(19) P: E tu num vai consertá teu berçu não? Vai brincá de avião?
(20) A: Eu pegá um avião pra eu pudê consertá qui o meu vai da
Ferrari
(21) P: Essi?
(22) A: Essi é o da Ferrari também
(23) P: É? Tá certo.
(24) A: Bota aqui.
(25) P: Mais Ferrari num é de fórmula 1 não Arthú?
(26) A: Não
(27) P: Tem avião também é?
(28) A: É de fórca 1
Neste fragmento o pai questiona o filho quanto ao retorno à atividade
desenvolvida por eles no início do episódio, como verificamos no turno 19 E tu num
vai consertá teu berçu não? Vai brincá de avião?”. Em seguida Arthur responde no
turno 20 Eu pegá um avião pra eu pudê consertá qui o meu vai da Ferrari e
pega um dos aviões que está na caixa, e o pai aponta para outro avião e pergunta
no turno 21 “Essi?”. Então, o filho responde no turno 22 “Essi é o da Ferrari
também indicando que aquele avião que o pai apontou também é da “Ferrari”,
porém não é o escolhido por ele, e o pai aceita e Arthur pede que o coloque no
lugar. A que o pai questiona no turno 25 Mais Ferrari num é de fórmula 1 não
Arthú?” remetendo o nome Ferrari aos carros de fórmula 1 que fazem parte do
meio da criança, e ele responde negativamente, logo o pai pergunta no turno 27
Tem avião também é?se o avião também faz parte desse mesmo grupo (fórmula
1) e o filho responde positivamente.
Verificamos aqui que a criança deixa atravessar fragmentos vindo de lugares
diferentes, como os carros de fórmula 1 (da marca Ferrari) e os aviões, que se
cruzam numa estrutura enigmática, como podemos observar nos turnos 20 e 22. E,
Melo, Z. S. A inserção do infante no meio discursivo: efeitos de interpretação de diferentes interlocutores
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logo depois, diante da indagação do pai no turno 25 diz que não é de fórmula 1, mas
acaba no turno 28, respondendo que sim, que é da fórmula 1, ou porque é um avião
do grupo da Ferrari, ou porque é de competição.
Assim, de acordo com Guimarães de Lemos (2002), ao estatuto do enigma
caberia a possibilidade de descobrir, de desvendar o enigma presente na fala da
criança, ou seja, do que existe de novo nesse percurso, do que existe de singular.
c) Fragmento 3
(29) A: Ó! (aponta para uma parte do avião) Aqui é o míssil?
(30) P: Não! O míssil é aqui
(31) A: É os dois míssil?
(32) P: Mísseis. Um míssil, dois mísseis
(33) A: Aqui é mísseis?
(34) P: Não! Aqui é o bico do avião
(35) A: Isso aqui
(36) P: Não é não
(37) A: Pai! O míssil é bom?
(38) P: É não filhu. O míssil é uma bomba.
(39) A: Pai!
(40) P: Oi. É uma bomba que destrói as coisas
O fragmento acima tem início com Arthur perguntando ao pai no turno 29 Ó!
Aqui é o míssil?”, e o pai responde negativamente e mostra o local do míssil como
demonstra o turno 30 Não”. Então Arthur volta a questionar o pai com relação aos
mísseis no turno 31 “É os dois míssil?”, e ele explica o plural da palavra no turno 32
Mísseis. Um míssil, dois mísseis”, em seguida Arthur aponta para uma parte do
avião e pergunta no turno 33Aqui é mísseis?”, e o pai responde que não é, e indica
o nome adequado da parte apontada no turno 34 Aqui é o bico do avião”, logo
Arthur pega em um determinado ponto do avião para confirmar a parte que foi
mencionado anteriormente, e o pai responde negativamente. E, a partir desse turno
37 “Pai! O míssil é bom?” Arthur e o pai passam a falar sobre a função do míssil nos
Melo, Z. S. A inserção do infante no meio discursivo: efeitos de interpretação de diferentes interlocutores
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turnos 37 Pai! O míssil é bom?”, 38 É não filhu. O míssil é uma bomba”, 39 Pai!” e
40 Oi. É uma bomba que destrói as coisas e se afastam do apontar de partes do
avião.
Desta forma, constatamos que nesse exemplo a criança oscila entre a terceira
e a segunda posição, como é possível observar nos turnos 31 e 32, em que o infante
percebe e aceita a correção do pai. Porém, Arthur ainda está a mercê da língua, ou
ocupa a segunda posição como verificamos no turno 33, em que a criança
desconsidera o que o pai ensinara anteriormente e volta a persistir no “erro”.
Então, após a descrição e análise dos dados aqui apresentados, podemos
destacar alguns pontos que merecem relevância. O primeiro é que nossa análise
partiu da perspectiva interacionista em busca da constatação de um intérprete
autorizado na relação. E o segundo é que apontamos durante o percurso as
posições assumidas pelo infante na constituição de sua própria língua.
Nesse sentido, vale destacar também a singularidade da fala da criança que
se tornou visível em diferentes momentos, os quais foram marcados pela
significação e ressignificação da fala da criança na fala do outro. E esses
movimentos acontecem a partir do ir e vir de linguagem, mencionado por Guimarães
De Lemos (2002) com relação ao adulto que significa sua fala e a criança
ressignifica formando seu próprio enunciado.
Além disso, conseguimos apontar em nossos exemplos, conforme a
concepção de De Lemos, os indícios das três posições formuladas por essa autora.
Como observamos no decorrer deste capítulo, que não existe uma passagem brusca
entre posições, como também, não superação de uma ou outra posição. Na
verdade, o que acontece é uma presença dominante de uma posição com possíveis
indícios das demais, as quais ajudam na trajetória lingüística da criança.
Convém ainda ressaltar, durante todo esse trabalho, a importância da criança
pequena assim como reflete Castro (1995), em que a criança é mencionada pelo
outro através de fragmentos já cristalizados, os quais são interpretados pelo adulto.
Por fim, de modo geral, seria possível destacar que o processo de aquisição,
na situação específica deste trabalho, seria afetado de algum modo pela função do
intérprete autorizado e pelas diferentes posições assumidas por esses interlocutores
que possibilitam a constituição desse sujeito de linguagem.
Melo, Z. S. A inserção do infante no meio discursivo: efeitos de interpretação de diferentes interlocutores
90
4 CONCLUSÃO
Este estudo buscou investigar o processo de aquisição de linguagem em duas
crianças, durante um período de seis meses, a partir do papel interpretativo dos
diferentes interlocutores (adulto/criança). Desta forma, acompanhamos a trajetória
discursiva desses infantes e seus interlocutores, os quais propiciaram a inserção dos
pequenos falantes no meio lingüístico.
Para tanto, partimos da relação do infante com o outro (adulto/criança), o que
foi possível verificar que cada mudança de postura assumida pelos adultos ou irmão
mais velho em interação com o infante, teria provocado efeitos diferentes na relação
da criança com a língua, o que remete a proposta de De Lemos (2002) com relação
à formação da estrutura lingüística a partir dos três pilares: o outro, o funcionamento
da língua e a fala da criança, no sentido de que não superação de nenhuma das
três posições citadas.
Procuramos confirmar as hipóteses de que a interpretação feita pelo adulto ou
pelo irmão mais velho introduz a criança no meio discursivo, promovendo o infante à
condição de ser de linguagem. Como também o papel do interlocutor, criança mais
velha na aquisição da linguagem, se constituirá de maneira diferenciada do papel do
adulto.
Nesse sentido, em nossa análise buscamos evidenciar o percurso singular de
uma criança na sua relação com a linguagem. Singularidade esta que é marcada
pelas incorporações da fala do outro, as quais não se reduzem à simples repetição
do mesmo. Como também, observamos que a interpretação funciona como fator
determinante na constituição do sujeito, uma vez que os efeitos da fala da criança
na fala do adulto constituem um dos vértices de entendimento da atividade
interpretativa deste último” Castro, (1995, p. 31).
Nossos dados revelam que o outro é reconhecido pela criança como um
intérprete autorizado a interferir em seu discurso, ou seja, de acordo com Castro (op.
cit.) a criança é introduzida, através de interpretações, por um interlocutor que atribui
significado ao seu comportamento. Discurso esse que retorna através da fala da
criança para a fala do adulto.
Melo, Z. S. A inserção do infante no meio discursivo: efeitos de interpretação de diferentes interlocutores
91
Percebemos que a criança é capturada pela língua no sentido de que está
submetida ao funcionamento da mesma, como também, participa do mesmo pela
presença singular que exerce na linguagem.
Desta forma, verificamos a partir dos infantes 1 e 2, observados na nossa
pesquisa, que além de serem inseridos na língua através de seus interlocutores,
também estão submetidos a mesma, ao outro e a sua própria fala, o que os leva a
assumir diferentes posições durante seu percurso lingüístico.
Diante dessas posições constatamos que tanto o infante 1 como o infante 2
ocupam, em momentos diferentes, as três posições, porém tendem a assumir muito
mais a terceira posição, pois a criança reconhece a diferença entre a sua fala e a do
outro. Como também, percebemos uma inversão de papeis entre o infante e seu
interlocutor (adulto ou criança) como forma de assumir uma posição de “autonomia”
diante da relação lingüística-discursiva.
Quanto aos interlocutores, é possível destacar que os pais ocupam posições
diferenciadas, a mãe busca, predominantemente, promover a integração entre
interlocutores, a orientação ou ensinamento de algo, e a harmonia na relação
dialógica.
o pai do infante 1, por exemplo, observamos que ele possibilita uma maior
interação entre os irmãos do que a e, pois o pai fica em silêncio, em
determinados momentos, e abre, ainda mais, para transcorrer com a interlocução,
enquanto a mãe interfere mais na relação com o desejo de ajudar na interação dos
participantes. Como também, percebemos que o pai do infante 2 destaca-se por ser
detentor de um saber que a mãe não tinha, e assim a criança passa a privilegiá-lo na
interação. E por fim, chamamos atenção para a característica mais importante,
exercida pelos pais dos dois infantes, a interpretação da fala dessas crianças. E é
essa interpretação que é caracterizada como fator determinante na aquisição de
linguagem do infante.
Com relação aos irmãos, em geral, a atenção está voltada para o infante,
então o irmão mais velho compreende a situação e sai de cena, fica pouco interativo,
talvez, para não deslocar a atenção dos pais que está focada no infante, mas na
ausência dos pais assume a posição de parceiro interlocutivo. Percebemos que
quando o infante 1 sai de perto do pai, o irmão se sentia mais à vontade no diálogo.
Logo, foi possível constatar que inconscientemente a criança mais velha percebia
que enquanto participante da relação triádica ele ocupava o lugar do outro na
Melo, Z. S. A inserção do infante no meio discursivo: efeitos de interpretação de diferentes interlocutores
92
interação com o infante, diferente de alguns momentos em que interagia apenas
com o adulto, considerando-o como o único outro da relação dialógica.
Enfatizamos que, nos episódios dos irmãos, a criança de mais idade utilizou
intervenções ou interpretações sobre a fala do infante. Essas interpretações
consistem em qualquer retorno verbal por parte do interlocutor.
Nesse sentido, nossa pesquisa teve como propósito trazer uma contribuição
para a área da Aquisição da Linguagem partindo da compreensão da fala da criança
através da interpretação realizada pelo interlocutor (adulto/criança), uma vez que
eles são representantes da língua constituída e ao mesmo tempo participam do
processo interativo.
Assim, percebemos que os infantes 1 e 2 em relação às variadas
contribuições estabelecidas, acabaram por seguir o caminho da singularidade, em
que passam a constituir sua própria fala a partir das contribuições do outro e da
subjetividade da mesma.
Portanto, consideramos importante destacar que este estudo não se esgota
aqui, em nossa concepção, mais pesquisas devem ser feitas para investigar e
discutir o processo de aquisição de linguagem da criança em interação com
interlocutores diversos.
Melo, Z. S. A inserção do infante no meio discursivo: efeitos de interpretação de diferentes interlocutores
93
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__________________. Língua e discurso na teorização sobre aquisição de
linguagem. Letras de Hoje. Porto alegre, v. 30, n. 4, p. 9-28., dezembro 1995.
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GUIMARÃES DE LEMOS, M. T. A língua que me falta: uma análise dos estudos
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Introdução a Liongüística: domínios e fronteiras. São Paulo: Cortez, vol. 2.
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TOMASELLO, M. Origens culturais da aquisição do conhecimento humano.
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criança que apresenta a linguagem específica típica e díades mãe-criança
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Psicologia). Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2004.
VYGOTSKY, L. S. Pensamento e Linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1993.
Melo, Z. S. A inserção do infante no meio discursivo: efeitos de interpretação de diferentes interlocutores
97
ANEXOS
Melo, Z. S. A inserção do infante no meio discursivo: efeitos de interpretação de diferentes interlocutores
98
ANEXO A - Modelo de transcrição utilizado na pesquisa
TRANSCRIÇÃO
Pai/ infante / criança (jogo e desenho do carro)
Momento: A tríade estava brincando com o jogo de encaixe e fazendo desenhos.
O infante tenta montar o jogo com o pai e a criança desenha um carro, e em
alguns momentos pára sua atividade e tenta ajudar seu irmão mais novo.
P: pai; F: Felipe (infante 3; 1.6); S: Samuel (criança mais velha 7; 7.5)
P: Vai pintá o quê filhu?
P: São duas cruzis filhu?
F: Hum! É uma bolinha e uma cuzí.
P: Vai botá aonde?
F: Assim né? (encaixa apeça)
P: É. É deu certu.
F: Êssi, êssi aqui e... êssi aqui.
P: Hum!
F: é ...êssi
P: O qui foi issu qui tu fez aí Samuel? Misturo preto com marrom?
S: Pretu, laranja, vermelho e amarelo.
P: Deu qui co?
S: Quase fogu.
P: Quase fogu?
F: Certu né pai?
P: Certu filhu. (balança acabeça)
F : Êssi, êssi.
P: Você não vai botá dessis qui tão aqui?
F: Não, essis vão ficá fora
F: É aqui (fala sussurrando)
P: Essi é o quê?
F: Quadadu e uma cuzi
F: Comu é só um aqui?
P: Pois, é, não tem de um. Você tem qui colocá de acordu com issu aqui. Aqui
ó (aponta para a peça do jogo)
F: Essí é.
P: É aí é?
F: Agora você.
Melo, Z. S. A inserção do infante no meio discursivo: efeitos de interpretação de diferentes interlocutores
99
P: Você tem qui botá mais duas bolas. Essi aqui qui é um quadradu e uma cruz.
F: É êssi
P: Vai ficá um sozinho aí? Êssi ou êssi? (aponta para o jogo)
F: Êssi.
S: Êssi vai dá, uma bola e um quadradu. Aqui ó.
F: (aceita, de certa forma, a ajuda do irmão mais velho)
S: Au contráriu.
F: Duas bolinha, um quadadu e uma cuzi
S: Aí papai qui vai tê qui ajudá.
S: Ih! Pai, quebro.
P: Pegui o apontado.
P: Tem não Manuel pra essi.
F: Vai sê us três
P: De três?
F: Aqui ó.
P: Vamus fazê. Eu possu desmanchá pra fazer ôtra vez? Ta faltando peça.
S: Muitu!
F: Ô pai bola fazê um...assim dus ôtrus, bora?
P: Bora
P: Podi, podi sê.
F: Podi sê aquí ou aqui.
P: Hum (balança a cabeça)
F: Aqui,aqui ... (fica tentando encaixar)
P: Tem qui sê um lugá qui tem uma bola, uma cruz e um quadradu.
F: Assim?
P: I si você butá assim?
F: Vai dá.
P: Agora êssi fui eu qui fiz.
F: Eu não sei fazê.
P: Eu ti ajudu.
P: Samuel, ajuda também.
F: Tem duas coisa e uma bolinha. Ondi é? (olha para o pai)
P: Duas coisas! Qui duas coisas?
S: Dois quadradus.
F: Quadradu?
S: Quadradu. (repeti a palavra imitando o irmão mais novo)
P: Coloco o R Né? Mando bem. Falta em três lugares.
F: Êssi aqui coloca aqui. Né assim, né? (e muda de lugar as peças do jogo)
P: Podi sê. Agora dêxa Manuel fazê.
P: Um quadradu. (mostra apeça) Agora procuri.
P: Issu filhu ta bem pertinhu.
F: (tenta encaixar)
P: É porque êssi aqui ta atrpalhandu.
S: Aqui ó Manuel.
F: Oh! (e retira apeça de onde foi colocada)
S: Assim ó Manuel, ó.
Melo, Z. S. A inserção do infante no meio discursivo: efeitos de interpretação de diferentes interlocutores
100
F: Oh! Oh Samuel! Assim não vai dá.
F: Assim ta. (olha para o irmão e debocha)
P: (Interfere na relação)
F: Assim?
P: Ê! Conseguiu. (e festeja com o infante)
F: Assim não podi sê não, purquê vai falta um aqui ó.
P: Fica um sozinhu, né?
F: É.
P: Vamus tirá essi aqui.
F: (festeja gritinhos) Acertei.
P: Ó Manuel êssi aqui é um quadradu.
Melo, Z. S. A inserção do infante no meio discursivo: efeitos de interpretação de diferentes interlocutores
101
ANEXO B - Termo de consentimento livre e esclarecido
UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA
CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE
COMITÊ DE ÉTICA E PESQUISA
tulo do Projeto: “A inserção do infante no meio discursivo: efeitos de
interpretação de diferentes interlocutores”
Pesquisador Responsável: Zoetânia Sobral Melo
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Prezado (a) Senhor (a)
Somos lingüistas e pesquisadores e estamos realizando um estudo com o objetivo
de investigar como se dá o processo de aquisição da linguagem em crianças entre
36 e 41 meses de idade a partir do papel interpretativo de seus interlocutores
(adulto/criança). Essa pesquisa tem como principal finalidade verificar como se
constitui a fala da criança a partir dos diferentes efeitos de interpretação que a
envolve. Buscaremos, assim, compreender a singularidade deste processo. Nesse
trabalho, as crianças serão observadas no ambiente familiar durante atividades
cotidianas entre o infante e os adultos/criança (pais e irmão) e as conversas serão
gravadas em VHS durante um período de seis meses com intervalos de quinze
dias e duração de quinze minutos cada. Posteriormente, será feita a transcrição do
material, para que se possa analisar todo o processo interativo ocorrido e de que
forma se dá o trabalho com a linguagem da criança.
Esclarecemos que será garantido o sigilo do nome dos participantes. Informamos
que a sua participação é voluntária e que não será prejudicado de forma nenhuma
caso não queira participar do estudo, sendo também garantido ao participante o
direito de desistir da pesquisa, em qualquer tempo, sem que essa decisão o
prejudique. Como também, necessitamos da sua autorização para apresentar os
resultados deste estudo em eventos científicos e publicar em revista científica. Por
ocasião da publicação dos resultados, os nomes das crianças serão substituídos
por nomes fictícios para se manter em total sigilo suas identidades.
Esperamos contar com o seu apoio, desde já agradecemos a sua colaboração.
Contato com o pesquisador (a) responsável:
Melo, Z. S. A inserção do infante no meio discursivo: efeitos de interpretação de diferentes interlocutores
102
Caso necessite de maiores informações sobre o presente estudo, favor ligar para
o(a) pesquisadora Zoetânia Sobral Melo. Telefones: 3235-0391 / 8803-4408.
Endereço: Rua Manuel Belarmino de Macedo, S/N Aptº302 Jardim Cidade
Universitária - João Pessoa PB. e-mail: [email protected]
Atenciosamente,
A Coordenação da Pesquisa.
AUTORIZAÇÃO
Após ter sido informado sobre a finalidade da Pesquisa “A inserção do infante no
meio discursivo: efeitos de interpretação de diferentes interlocutores”, autorizo as
gravações e realização da pesquisa.
__________________________________________
Assinatura do participante da pesquisa
_______________________________________________________________
Assinatura do responsável no caso de criança, adolescente ou outros
___________________________________________________
Assinatura da testemunha em caso de analfabeto
________________________________________________
Assinatura do(a) pesquisador(a) responsável
Em _____de ______________de 200___
Melo, Z. S. A inserção do infante no meio discursivo: efeitos de interpretação de diferentes interlocutores
103
ANEXO C Certidão do Comitê de Ética e Pesquisa
Melo, Z. S. A inserção do infante no meio discursivo: efeitos de interpretação de diferentes interlocutores
104
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