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Universidade Federal do Rio de Janeiro
Centro de Filosofia e Ciências Humanas
Escola de Serviço Social
Programa de Pós-Graduação em Serviço Social
Doutorado
Cerco aos direitos trabalhistas e crise do movimento sindical
no Brasil contemporâneo
Cleier Marconsin
Rio de Janeiro
Maio de 2009
Cleier Marconsin
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Cerco aos direitos trabalhistas e crise do movimento
sindical no Brasil contemporâneo
Tese apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Serviço Social da
Escola de Serviço Social da Universi-
dade Federal do Rio de Janeiro, sob a
orientação da Prof
a
Dr
a
Cleusa Santos,
como requisito parcial para obtenção
do título de Doutora em Serviço Social
Rio de Janeiro
Maio de 2009
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Ficha catalográfica
MARCONSIN, Cleier
Cerco aos direitos trabalhistas e crise do movimento sindical no Brasil contemporâneo
Cleier Marconsin. Rio de Janeiro — RJ. [Sn], 2009.
Orientadora: Prof
a
Dr
a
Cleusa Santos
Tese de Doutorado. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro. Escola de
Serviço Social.
1) Trabalho 2) Direitos 3) Direitos do trabalho 4) Legislação Trabalhista brasileira 5)
Flexibilização
Ao meu amado neto, Arthur.
A vida é bela.
Que as gerações futuras a limpem de todo mal,
de toda opressão e de toda a violência,
e que desfrutem dela plenamente.
[Leon Trotsky]
Agradecimentos
Nesse período conturbado, diferente, em que voltei aos “bancos escolares” como es-
tudante, quero agradecer a algumas pessoas em especial:
À Mira, que deu sentido à minha vida desde que nasceu, que alimenta meu coração,
mas também minha mente com sua inquietude intelectual e com sua incansável disposição
revolucionária.
Ao meu companheiro Álvaro, pelo seu amor, pela dedicação nesses anos todos e
(por que não?) muita paciência ao me orientar nas searas dos programas de computador,
mas também pela sua vontade comunista de superação da sociedade do capital, sempre
disposto a trocar idéias e sonhar coletivamente com o socialismo...
Ao Nico, meu querido genro, pela amizade que nutrimos um pelo outro, pela vivaci-
dade, inteligência, compromisso intelectual e político com o marxismo e com a luta e pelos
muitos momentos generosos e ricos que tivemos e teremos de troca de idéias, iluminando
os caminhos a seguir.
À minha querida orientadora, Cleusa Santos, que antes já era amiga, laços estreita-
dos nesse período de debates, estudos e muita cumplicidade! Agora é daquelas amigas
raras, que a gente sabe que pode contar para toda a vida. Uma frase de agradecimento não
pode alcançar a dimensão dessa amizade. Ao Carlos, pela pessoa generosa e amiga que é,
sempre!
À minha irmã, Alda, que sempre foi minha mãe! A meu querido irmão Adauto, por
suas idéias e atitudes libertárias e de imensa afetividade e à minha irmã de coração, Kátia:
sempre juntas! À minha mãe Ângela, pela vida que me deu. À Ide, minha irmãzinha querida,
sempre na batalha, sempre do meu lado!
Ao Demian, afilhado do coração, pela amizade, pelo carinho, pelas discussões sobre
a situação dos trabalhadores brasileiros, pelo internacionalismo revolucionário e pelo mate-
rial histórico riquíssimo disponibilizado a mim, tanto de sua autoria quanto de outros impor-
tantes intelectuais: valeu!
À Valéria, querida amiga, pelos papos intelectuais e força emocional-político-afetiva.
Nada se compara! À Mary Jane, uma amiga, dessas que a gente guarda “do lado esquerdo
do peito”! Obrigada pelos livros, textos, artigos, papos, pela generosidade! À Susana, pelos
debates político-sindicais-acadêmicos, sempre muito profundos e avançados, sem esquecer
o samba, jamais! À Andréa, com quem entrei no mesmo concurso, pelos momentos de des-
contração e de afetividade, pela incansável capacidade de contrapor-se ao pensamento úni-
co e de defesa da pluralidade, que nos incentiva sempre a “abrir a mente” para o novo. À
Gil, pela inquietude intelectual e garra política, mostrando que “quem luta, conquista”!
Aos professores e professoras da Faculdade de Serviço Social da UERJ, que me li-
beraram durante 4 anos para fazer o doutorado, “segurando as pontas” dos poucos profes-
sores e da falta de substituição e à direção, tanto anterior, da Elaine Behring e Alba, quanto
a atual, do Marco e da Mônica, pelo estímulo e apoio permanentes... Companheiros de ver-
dade! Aos técnico-administrativos da Faculdade de Serviço Social da UERJ, pela competên-
cia e a amizade demonstrada em todos os momentos em que os procurei, sempre “preci-
sando de alguma coisa”.
Aos professores que participaram dos vários momentos da qualificação desta tese,
José Paulo Netto — desde o primeiro — Elaine Behring, Andréa Teixeira, Ronaldo Coutinho.
Em todos esses momentos contei com a leitura crítica e profunda e, ao mesmo tempo, soli-
dária e generosa de todos, marcando com suas preciosas contribuições o texto que apre-
sento agora para o “julgamento final”. Agradeço, também, à Prof
a
Ângela S. Amaral e ao
Prof. Carlos Montaño por aceitarem com muito boa vontade o convite para suplentes da
banca.
Aos professores e professoras do doutorado da Escola de Serviço Social da UFRJ,
pela ampliação e aprofundamento das reflexões e dos conhecimentos possibilitados em su-
as aulas, debates, seminários, etc. Ao Programa de Pós-Graduação, na pessoa da Yolanda
Guerra, coordenadora, mas também dos técnico-administrativos Fábio, Sérgio e Luísa, que
garantiram as condições acadêmico-administrativas durante esse período.
Aos amigos “velhos” e aos novos que fiz durante o doutorado, embora não tenhamos
conseguido fazer os encontros de reflexão coletiva organizada como desejávamos, nossos
diálogos nos intervalos, tomando café, ou após as aulas, tomando umas cervejas, no “suji-
nho”, ampliaram as reflexões e minha capacidade de conviver com as divergências, deixan-
do muita saudade .
Às minhas alunas e alunos da Faculdade de Serviço Social da UERJ, tanto os atuais
quanto os que passaram por minha vida pelas reflexões e atualizações que sempre me
possibilitam.
Ao meu irmão Adeval
Com uma saudade imensa
“Qualquer dia, amigo, eu volto a
te encontrar....”
Milton Nascimento
RESUMO
Esta tese traz o resultado de um estudo sobre a flexibilização dos direitos
trabalhistas e sua relação com a crise do sindicalismo, no Brasil. Seguindo a abor-
dagem teórico-metodológica da tradição marxista, o objeto é analisado a partir da
perspectiva de totalidade e imerso na dinâmica da luta de classes, na sociedade do
capital. Assim, a legislação trabalhista inscreve-se no âmbito dos direitos do traba-
lho, referidos à classe trabalhadora e abrange o reconhecimento social e legal cons-
truído ao longo dos séculos XIX e XX, cujo Estado do Bem-Estar Social constitui um
significativo avanço, embora realizado em poucos países capitalistas. No Brasil, a
relação da burguesia e do Estado com os trabalhadores, suas lutas, os avanços e
retrocessos, bem como as formas de organização sindical e partidária conquistadas,
nos vários períodos sócio-históricos, não resultaram em uma legislação trabalhista
abrangente em relação ao conjunto dos trabalhadores e os direitos nela contidos
tampouco são amplos. O governo Cardoso, com a implantação do neoliberalismo,
tendo como base material a reestruturação produtiva e o desemprego, dentre
diversificados elementos, início ao cerco aos direitos obtidos através da flexibili-
zação das leis trabalhistas e da ação dos órgãos de regulação, mantendo-se no go-
verno Lula. Até agosto de 2008, período em que a pesquisa foi encerrada, consta-
tamos a flexibilização de significativas leis e a aprovação de medidas legais que
interferem nos órgãos que as regulam, flexibilizando sua ação. A Central Única dos
Trabalhadores (CUT), que é hegemônica entre as organizações sindicais, não se
coloca, hoje, em contraposição à ação governamental, a não ser em situações
pontuais. Esse posicionamento está provocando uma crise política de grandes
proporções no movimento sindical, enfraquecendo as possibilidades de resistência
ao processo em curso. O quadro como um todo confirma a hipótese diretriz da tese,
de que as mudanças na legislação trabalhista efetivadas no governo Lula e as que
se encontram em tramitação objetivam a flexibilização. Para isto, o governo busca
interferir nas organizações dos trabalhadores, no sentido de transformá-las em ins-
trumentos de controle da classe, restringindo as lutas de resistência, ao que a CUT
tem cedido significativamente. Esse processo tem relação com o transformismo
conceito trazido por Gramsci e estudado através de Coutinho (2007), Coelho (2005)
e Dias (2006). Mas há dissidentes entre os trabalhadores e a esquerda, que, embora
minoritários, ainda, não estão dispostos a capitular aos ditames do ideário neoliberal,
insistindo na defesa da perspectiva classista, objetivando construir o projeto societá-
rio socialista.
ABSTRACT
The thesis herein is the result of a study on labor rights flexibilization and its relation
to the crisis of trade unionism in Brazil. Going along the approach and the methodol-
ogy of the Marxist theory, the object is looked into through the perspective of totality
within the class struggle dynamics of capitalism. Therefore, labor legislation is part of
the working class labor rights encompassing the social and legal aspects built up
along centuries XIX and XX when the welfare state represented some advance,
though in few capitalist countries. In Brazil, the relationship between the bourgeoisie
and the state with the workers and their struggle, their gains and losses, their organi-
zation in trade unions and political parties along the time have not resulted in a com-
prehensive legislation covering all of the workers nor have the rights been broad
enough. The Cardoso government introduced neoliberalism based on production re-
structuring and unemployment and started the fight against rights through the flexibi-
lization of the labor legislation and the actions of the regulatory bodies, a situation
that has continued with the Lula government. Up to August 2008, when the research
was completed, we could observe the flexibilization of important laws and the imple-
mentation of measures that interfere in the regulatory bodies. The Central Única dos
Trabalhadores (CUT), the largest congress ot trade unions, has not put up a struggle
against such measures, except in a few occasions. This has led to a political crisis in
the workers’ movement which weakens the possibilities of resistance. Such situation
confirms this thesis hypothesis: the changes in the labor legislation carried out during
Lula government aim at bringing about a flexibilization of the labor legislation. The
government, with the collaboration of the CUT, has tried to interfere in the workers’
organizations aiming at changing them into instruments of class control, restricting
their resistance. Such a process has to do with transformism, a concept coined by
Gramsci and studied by Coutinho (2007), Coelho (2005) and Dias (2006). Not all of
the workers agree with the situation and the Left, tough still a minority, are not willing
to give up to neoliberalism. They keep treading on the class perspective in order to
build up a socialist project for the whole society.
RESUME
Cette thèse contient le résultat d’une étude sur la flexibilité des droits travaillistes et
son rapport à la crise du syndicalisme au Brésil. Suivant l’abordage théorique-
méthodologique de la tradition marxiste, l’objet de cette étude est analysé dès la
perspective de la totalité et il est plongé à la dynamique de la lutte de classes, dans
la société du capital. Ainsi, la législation travailliste s’inscrit au champ d’action des
droits du travail, référés à la classe travailleuse et elle comprend la reconnaissance
sociale et légale construite au long des XIX et XX siècles, dont l’État de Bien-Être
Social constitue une avance significative, bien qu’il soit en peu de pays capitalistes.
Au Brésil, le rapport de la bourgeoisie et de l’État avec les travailleurs, leurs luttes,
leurs avances et leurs réculs, aussi bien que les formes d’organisation syndicale et
partisane conquises en plusieurs périodes socio-historiques n’ont pas résulté dans
une législation travailliste que contienne en soi une relation au conjoint des
travailleurs et leurs droits y contenus, non plus sont amples. Le gouvernement
Cardoso avec l’implantation du néo-libéralisme, ayant comme base matérielle la
restructuration productive et le chômage, parmi plusieurs élements, ce gouvernement
commence le siège aux droits obtenus travers la flexibilité des lois travaillistes et de
l’action des organes de règlement et on maintient dans le gouvernement Lula.
Jusqu’au mois d’août 2008, la période la recherche a éfini, on observe que la
flexibilité de lois significatives et l’aprobation de mesures légales interfèrent dans les
organes qui les règlent, en flexibilisant son action. La Central Única dos
Trabalhadores (CUT) hégémonique, parmi les organisations syndicales, ne se place
qu’aujourd’hui en revanche à l’action gouvernamentale en situations ponctuelles. Ce
positionnement provoque une crise politique de grandes proportions dans le
mouvement syndical, en affaiblissant les possibilités de sistance au procès en
cours. En totalité, le tableau confirme l’hypothèse directrice de ce travail, les
changements dans la législation travailliste effectuées au gouvernement Lula et
celles que se trouvent en procédure objetivent la flexibilité. Pour cela, le
gouvernement cherche intervenir dans les organisations des travailleurs pour les
transformer en instruments de contrôle de classe, en limitant les résistences, ce que
la CUT cède significativement. Ce procès a rapport au transformisme _ concept
rapporté par Gramsci et étudié travers Coutinho(2007), Coelho(2005) et Dias(2006).
Mais il y a dissidents parmi les travailleurs et la gauche, bien que minoritaires ils ne
soient pas disposés à capituler aux opinions du système d’idées néo-libéraux, ils
insistent à la défense de la perspective classiste, en objectivant construir le projet
sociétaire socialiste.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
12
-
MARCOS
TEÓRICOS E SÓCIO
-
HISTÓRICOS DOS DIREITOS
DO TRABALHO: DA GÊNESE À FLEXIBILIZAÇÃO DOS DIRETOS TRABA-
LHISTAS
24
1.1. As lutas pela diminuição da jornada de trabalho: em cena, os trabalha-
dores organizados
29
1.2. Sindicatos, partidos e direitos do trabalho: em destaque, a programática
reformista
34
1.3. Guerras, revoluções e reformas: a generalização dos direitos do traba-
lho
40
1.4. A crise do capital e as mudanças que abalaram o mundo 51
1.5. Neoliberalismo, novo padrão de acumulação e direitos do trabalho: o
retrocesso em marcha
54
1.6. A operacionalização do neoliberalismo: em destaque, a contra-reforma 59
1.7. Neoliberalismo e reestruturação produtiva: no centro, a flexibilização
dos direitos trabalhistas
72
CAPÍTULO 2
-
RESGATE DOS
MARCOS TEÓRICOS E SÓCIO
-
HISTÓRICOS
DOS DIREITOS TRABALHISTAS NO BRASIL
82
2.1. A ortodoxia liberal e os estreitos caminhos para os direitos do trabalho 84
2.2. A gênese da organização dos trabalhadores brasileiros: avanços e limi-
tes
91
2.3. As marcas da Revolução de 1930: a luta por direitos é a luta por sindi-
catos livres
99
2.4. O Estado Novo e a Consolidação da Legislação Trabalhista (CLT): di-
reitos trabalhistas e cerco à autonomia sindical
105
2.5. Na redemocratização, avançam as lutas e a organização dos trabalha-
dores
110
2.6. Movimento sindical, movimentos sociais e direitos: das lutas pelas re-
formas de base ao golpe de 1964
116
2.7. Modernização conservadora e direitos: cenário explícito de retrocessos 126
2.8. Crise da ditadura e ressurgimento das lutas: confrontos conquistam es-
paços políticos
136
2.9. A Constituição de 1988 e os direitos trabalhistas 140
CAPÍTULO 3
NEOLIBERALISMO E FLEXIBILIZAÇÃO DA LEGISLAÇÃO
TRABALHISTA NO BRASIL: O CERCO AOS DIREITOS DO TRABALHO NA
CONTEMPORANEIDADE
154
3.1. Governo Cardoso e ofensiva neoliberal: a contra-reforma em andamen-
to
157
3.2. As correntes sindicais no governo Cardoso: entre a combatividade e a
conformação
163
3.3. Governo Cardoso: primeiros tempos da flexibilização dos direitos traba-
lhistas
168
3.4. Na contemporaneidade, o neoliberalismo e o governo Lula: continuida-
de ou ruptura?
177
3.5. Os fundamentos ídeo-políticos da flexibilização na contemporaneidade 185
3.6. A expressão legal da flexibilização das leis trabalhistas na contempora-
neidade
193
3.7. O movimento sindical e o governo Lula: entre a combatividade e a co-
optação
210
3.8. Legislação sindical e interferência governamental: a crise do movimento
sindical se explicita
214
3.9. Flexibilização da legislação trabalhista e crise do movimento sindical: o
cerco aos direitos do trabalho na contemporaneidade brasileira
219
CONCLUSÃO
232
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 244
12
INTRODUÇÃO
A onda longa recessiva, iniciada na transição da década de 1960 para os a-
nos setenta, engendrou um novo padrão de acumulação do capital, provocando
transformações que atingem a totalidade da vida em sociedade, sempre, como colo-
cam Netto e Braz (2007, p. 212), objetivando reverter a queda da taxa de lucro e
criar condições renovadas para a exploração da força de trabalho(grifos dos
autores). Nesse processo, mais uma vez, a refuncionalização do Estado tornou-se
essencial, com ações fundadas no ideário neoliberal e centradas na desregulamen-
tação de atividades e mecanismos econômicos e sociais, tendo o capital financeiro
como centralidade. A privatização ganhou peso, causando até mesmo a extinção,
em alguns casos, do capital produtivo estatal, a liberalização do comércio, bem co-
mo a desresponsabilização pelas políticas sociais — revigorando a filantropia — com
a justificativa de que o único princípio de organização (e regulação) social adequado
é o mercado. Dentre inúmeros elementos, um fenômeno chama a atenção na pers-
pectiva de nosso debate: a flexibilização dos direitos trabalhistas tornou-se palavra-
chave, tendo como base profundas mudanças no mundo do trabalho, trazidas pela
denominada reestruturação produtiva.
O discurso do “pleno emprego”, que era predominante nos “anos dourados”,
ainda para Netto e Braz (2007, p.212), foi substituído “pela defesa de formas precá-
rias de emprego (sem quaisquer garantias sociais) e do emprego em tempo parcial
(também freqüentemente sem garantias)”, medidas mostradas como possibilidade
de ampliação de emprego. A flexibilização, mecanismo central nesse complexo ce-
nário, constitui-se, de acordo com Bihr (1999, p. 92), no “afrouxamento das condi-
ções jurídicas (legais ou convencionais) que regem o contrato de trabalho”, possibili-
tando, dentre diversificados mecanismos, a imposição do “trabalho em tempo parcial
e temporário: aqui, flexibilidade rima diretamente com instabilidade”. Nesse quadro,
o salário direto também flexibiliza-se, e de várias maneiras:
... passa pela abolição dos limites mínimos de salário, quer sejam legais ou
convencionais, pelo menos para certas categorias de trabalhadores (os jo-
vens, por exemplo). Mas também pela abolição dos mecanismos de indexa-
ção dos salários aos preços e à produtividade [...], e em lugar desses a ado-
ção de novos mecanismos de formação do salário direto, de natureza mais
concorrencial, considerando ao mesmo tempo a situação econômica geral,
resultados específicos da empresa e, por fim, o “desempenho” individual de
cada assalariado. Pois a flexibilização do salário, afinal, implica sua máxima
13
individualização, a deterioração de sua negociação coletiva ou, pelo menos,
seu confinamento no nível da empresa. Assim, comprova-se que, mais do
que a exigência de fluidez, a de flexibilidade é um fator de heterogeneização
e de cisão do proletariado.
Para Chesnais (1996, p. 42), no cenário posto pelo ideário neoliberal, as legis-
lações do trabalho conquistadas por lutas sociais e por “ameaças de revolução soci-
al voaram pelos ares”, sendo que as “ideologias neoliberais se impacientam de que
ainda restem alguns cacos delas”. Esse é o cerne de nosso debate, localizado no
Brasil da atualidade.
Tendo como cus o Brasil, esta tese traz o resultado de um estudo sobre a
flexibilização dos direitos trabalhistas que, entre nós, iniciou-se efetivamente com a
imposição do neoliberalismo pelo governo Cardoso, persistindo no governo Lula, do
Partido dos Trabalhadores (PT).
Com a condução econômico-política do governo Lula, os setores organizados
dos trabalhadores e a esquerda brasileira enfrentam um complexo quadro de con-
tradições, que o PT é parte constitutiva desse espectro político. A profissão de
Serviço Social, considerando-se os vínculos sócio-políticos existentes entre os
setores que a dinamizam e o PT
1
, não poderia deixar de enfrentar-se com esse qua-
dro, também, uma vez que a condução governamental referida colide com a direção
social do projeto ético-político profissional, com sua perspectiva de democracia
política, econômica e social e seus pressupostos de participação e emancipação
humana. Para Netto (2004, p. 6), essa situação coloca desafios ao Serviço Social,
que exigem um “conhecimento mais preciso da conjuntura brasileira”, possibilitando
que esse momento extremamente contraditório seja “fecundo para a
problematização e o desenvolvimento das perspectivas profissionais avançadas”. No
1
Não nos referimos a liames partidários desses profissionais com o PT. Com base em Netto, entendemos que os
vínculos nascem da conexão existente entre projetos societários e projetos profissionais, que se processa através
dos segmentos que hegemonizam as profissões em determinados períodos cio-históricos. Embora as respostas
não sejam homogêneas a todos os sujeitos profissionais, derivadas que são da “enorme diversidade, tensões e
confrontos internos”, são embasadas pelos setores que possuem hegemonia teórico-política. A conexão referida,
entretanto, não elimina a constituição autônoma de projetos político-profissionais e não se caracteriza como uma
“ingerência extra-profissional”. Os nculos de que falamos, portanto, derivam de referências sócio-políticas
construídas nas lutas travadas na sociedade brasileira desde fins da década de 1970, pela corrente ligada à tradi-
ção marxista, com os movimentos e organizações dos trabalhadores. J.P. NETTO. Transformações societárias e
Serviço Social – notas para uma análise prospectiva da profissão no Brasil. In: Revista Serviço Social e Socieda-
de n
0
50, São Paulo, Cortez, 1996, p. 89 e A conjuntura brasileira: o Serviço Social posto à prova. In: Revista
Serviço Social e Sociedade n
0
79, São Paulo, Cortez, 2004, p.23.
14
bojo da conjuntura a que Netto se refere, inserimos as questóes relativas aos direitos
trabalhistas.
As análises, reflexões e debates do Serviço Social sobre os direitos do traba-
lho, em especial, relativos à seguridade social construíram, ao longo dos últimos a-
nos, um relevante acúmulo de conhecimento. Sobre o mundo do trabalho também
avanços com aportes trazidos por César (1998) (1998), Mota (1998), Alencar
(2007), Freire (2003), Tavares (2004) e outras autoras, mas o tema da legislação
trabalhista ainda é novo no âmbito da profissão, constituindo-se um amplo e fértil
espaço a ser construído. Conhecermos a situação dos direitos trabalhistas, na atua-
lidade, acumularmos conhecimento sobre a questão é fundamental, seja pelos vín-
culos sócio-políticos com o PT, acima referidos, seja porque a profissão sofre infle-
xões desse processo no mercado de trabalho, seja porque trata-se de uma expres-
são da questão social
2
de grande significado para os trabalhadores, constituindo-se
área de interesse profissional do Serviço Social. É no caminho de contribuir para a
construção desse bloco de análise que se coloca esta tese.
Todavia, não pretendemos penetrar nos nexos da questão contemporânea
com o Serviço Social, seus rebatimentos no âmbito dos nossos direitos trabalhistas,
da intervenção profissional nos espaços ocupacionais, bem como no projeto ético-
político atual. Entendemos que esses nexos devem ser procurados, mas nesta tese
pretendemos estudar as incidências da condução econômico-política governamen-
tal, na contemporaneidade, sobre os direitos trabalhistas da classe trabalhadora em
seu conjunto e não de segmentos em especial. As questões específicas do Serviço
Social, em nosso entendimento, devem ser tema de debates e objeto de pesquisas
futuras pois, enquanto pesquisadores da área, é fundamental construirmos
perspectivas político-profissionais mais avançadas para os próximos períodos.
2
A questão social é entendida, nesta tese, em conformidade com a concepção defendida por Iamamoto, como
expressão da contradição existente na sociedade capitalista, entre a produção da desigualdade e a produção da
resistência dos trabalhadores às condições materiais de existência social. Ou seja, a questão social é “apreendida
como o conjunto das expressões das desigualdades da sociedade capitalista madura, que tem uma raiz comum: a
produção social é cada vez mais coletiva, o trabalho torna-se mais amplamente social, enquanto a apropriação
dos seus frutos mantém-se privada, monopolizada por uma parte da sociedade”. Mas, por outro lado, a questão
social, “sendo desigualdade é também rebeldia, por envolver sujeitos que vivenciam as desigualdades e a ela
resistem e se opõem”. M. IAMAMOTO. O serviço social na contemporaneidade: trabalho e formação
profissional. São Paulo, Cortez, 1998, pp. 27-28.
15
As questões sobre a legislação trabalhista, aqui, não são debatidas de forma
isolada, ao contrário, a abordagem teórico-metodológica adotada, por ser operada a
partir da perspectiva da tradição marxista, busca concebê-las imersas numa totali-
dade concreta categoria constitutiva da realidade que se articula totalizadora e
totalizante carregada de determinações e contradições postas por processos his-
tóricos dinamizados pelo protagonismo das classes sociais. Assim, a discussão par-
te da relação entre a economia e a política, ou seja, busca entender os fenômenos
pelas modalidades através das quais a sociedade produz as condições materiais de
sua existência —, mas também pelas suas implicações políticas, sociais e ídeo-
culturais, aspecto comum às posições existentes na tradição marxista, embora apre-
sentem, muitas vezes, ênfases diferenciadas.
Entendida a questão nessa angulação, a legislação trabalhista estudada ins-
creve-se no âmbito dos direitos do trabalho, que não referem-se apenas aos seg-
mentos que possuem empregos formais, mas à classe trabalhadora em sua totalida-
de, inserida no processo dinâmico da luta de classes. Estamos, então, falando de
direitos dos trabalhadores, os quais transcendem o âmbito das relações de trabalho
estrito senso, abrangendo o reconhecimento social e legal e inserem-se nos direitos
sociais construídos ao longo dos séculos XIX — com a inicial legislação fabril
(MARX, 1988) e XX cujo Estado do Bem Estar Social, implantado em alguns
países capitalistas centrais, é exemplo.
O objeto embora seu recorte espacial seja a sociedade brasileira e o tem-
poral a atualidade é debatido desde uma perspectiva sócio-histórica em relação
de sinergia com os países capitalistas centrais, uma vez que esse modo de produ-
ção hoje hegemônico e os direitos conquistados pelos trabalhadores têm origem e
ainda são dinamizados neles. Ou seja, os direitos têm como lócus os países de ori-
gem do capitalismo, sob hegemonia industrial, centros nervosos das revoluções bur-
guesas e das primeiras lutas dos trabalhadores contra a exploração capitalista.
Por essa razão, abordamos os vários períodos sócio-históricos desde a
construção dos primeiros direitos ao Estado do Bem-Estar Social, preponderante
após a Segunda-Guerra Mundial no capítulo 1, com ênfase na defesa da idéia
que foi o movimento organizado dos trabalhadores e suas lutas em conjunto com o
balizamento teórico posto por Marx e Engels que dirigiram o processo construtor de
16
direitos sociais
3
, nos quais incluem-se os do trabalho. Esse processo trouxe um novo
caminho aos trabalhadores no sentido da luta nacional e internacional e do ponto de
vista teórico-político. Mas também deu visibilidade à complexa e contraditória rela-
ção entre os direitos de cidadania e os direitos sociais, mostrando que não uma
relação linear e natural entre eles.
Os direitos de cidadania que incluem os direitos civis e políticos foram
os primeiros a existir na modernidade, trazidos à luz nas lutas da burguesia com ba-
se na filosofia iluminista e na tradição liberal ao revolucionar as sociedades basea-
das em relações feudais e os estados absolutistas. O processo revolucionário ofere-
ceu as bases para tais direitos, ao mesmo tempo em que preparou o terreno ídeo-
político para o Estado moderno resultante dele. Iniciando-se no século XIX, mas
principalmente no culo XX, o protagonismo dos trabalhadores foi fundamental pa-
ra a ampliação de direitos políticos — como liberdade de reunião, de criação de par-
tidos, de filiação partidária e outros antes restritos aos proprietários. A partir da
metade do século XIX, para Bussinger (1997, p.29), os direitos políticos deixaram de
ser monopólio da burguesia e “produto secundário dos direitos civis”. Esse processo
foi fundamental para a conquista dos direitos sociais, dentre eles os do trabalho, es-
pecialmente no culo XX. Assim, a conquista dos segundos direitos sociais
ocorreram contra a vontade da burguesia, que foi responsável pela criação dos pri-
meiros os direitos de cidadania à medida em que os trabalhadores ganharam
consciência da importância do trabalho, na sociedade voltada para a acumulação do
capital, organizaram-se, conquistando direitos políticos e encaminharam lutas diver-
sas.
Claro que os direitos do trabalho foram conquistados pelo protagonismo dos
trabalhadores organizados em uma relação dialética com as necessidades da acu-
mulação capitalista. Sua gênese e seu desenvolvimento ligam-se a processos sócio-
históricos que levaram ao reconhecimento da questão social, frutos de uma série de
alterações ocorridas na sociedade burguesa, em termos mundiais, desde o final do
século XIX avançando para o XX. Essas alterações fazem parte do complexo pro-
cesso denominado, por nin (1982, p. 610), de imperialismo
4
, cujas características
3
Bobbio denomina de direitos de segunda geração. N. BOBBIO A Era dos Direitos. Rio de Janeiro, Campus,
1992.
4
Essa nomenclatura, segundo Lênin, foi trazida por Hobson, em Imperialism, de 1902, com uma “descrição
17
marcantes foram construídas pela sucessão do capitalismo concorrencial pelo mo-
nopólio
5
. O nascimento do século XX, para ele, assinala “o ponto de viragem do ve-
lho capitalismo para o novo, da dominação do capital em geral para a dominação do
capital financeiro”, tendência que observamos acirrar-se na contemporaneidade. Na
fase monopolista, então, surgiram necessidades novas, as quais provocaram ajustes
mais acurados à intervenção do Estado do que ocorria no período concorrencial.
Netto (1992, p. 21) mostra claramente a questão, apontando que “até então, o Esta-
do, na certeira caracterização marxiana, o representante do capitalista coletivo, atua-
ra como o cioso guardião das condições externas da produção capitalista”, indo além
de “garantidor da propriedade privada dos meios de produção burgueses somente
em situações precisas donde um intervencionismo emergencial, episódico, pontu-
excelente e pormenorizada das particularidades econômicas e políticas fundamentais do imperialismo”. Aponta
também a obra de R. Hilferding, de 1910, O Capital Financeiro: fase mais recente do desenvolvimento do
capitalismo, considerando-a valiosa para a compreensão do fenômeno. V. I. LENIN. O imperialismo: fase
superior do capitalismo (ensaio popular). In Obras Escolhidas. Vol. 1, 2
a
ed. São Paulo, Alfa-Ômega, 1982, p.
586. Para Netto, Hilferding, na referida obra, conceitua o novo estágio do capitalismo como o “reino do capital
financeiro”. Nesse debate comparecem, também, Rosa de Luxemburgo, com a discussão da acumulação e seus
limites; Kautsky, com a teoria do novo imperialismo e outros, igualmente fundamentais, como Bukharin. Mas é
Lenin, em O imperialismo: fase superior do capitalismo, ainda de acordo com Netto, que desenvolve e “chama
de imperialismo, o capitalismo dos monopólios”, e é o primeiro a mostrar o caráter parasitário de inúmeras
“instituições sociais no período do comando do capital financeiro”. J.P. NETTO. Anotações de aula do Curso
Políticas Sociais. Paradigmas de Análise de Conjuntura. Curso de Doutorado em Serviço Social. Rio de Janeiro,
UFRJ: 21/09/05.
5
Lênin situa em fins do século XIX a transição do capitalismo concorrencial ao monopólio, na Europa.
Processa-se através de fases sucessivas, nas quais incluem-se crises cíclicas do capital, substituindo
definitivamente o capitalismo concorrencial em princípios do século XX. À fase monopolista denomina de
imperialismo, entendendo que essa definição “compreenderia o principal, pois, por um lado, o capital financeiro
é o capital bancário de alguns grandes bancos monopolistas fundido com o capital das associações monopolistas
de industriais, e, por outro lado, a partilha do mundo é a transição da política colonial que se estende sem
obstáculos às regiões ainda não apropriadas por nenhuma potência capitalista para a política colonial de posse
monopolista dos territórios do globo já inteiramente repartido”. Entretanto, considera essa definição insuficiente
porque não abrange as “múltiplas relações de um fenômeno”, apresentando o que ele considera “cinco traços
fundamentais do imperialismo”: 1) a concentração da produção e do capital levada a um grau tão elevado de
desenvolvimento que criou os monopólios, os quais desempenham um papel decisivo na vida econômica; 2) a
fusão do capital bancário com o capital industrial e a criação, baseada nesse “capital financeiro”, da oligarquia
financeira; 3) a exportação de capitais, diferentemente da exportação de mercadorias adquire uma importância
particularmente grande; 4) a formação de associações internacionais monopolistas de capitalistas, que partilham
o mundo entre si, e 5) o termo da partilha territorial do mundo entre as potências capitalistas mais importantes. O
imperialismo é, assim, o capitalismo na fase em que a “dominação dos monopólios e do capital financeiro”
adquiriu peso, a “exportação de capitais” ganhou “marcada importância”, teve início “a partilha do mundo pelos
trusts internacionais e terminou a partilha de toda a terra entre países capitalistas importantes”. V. I. LENIN. O
imperialismo: fase superior do capitalismo (ensaio popular). In Obras Escolhidas. Vol. 1, 2
a
ed. São Paulo, Alfa-
Ômega, 1982, pp. 591 e 641.
18
al”. Com o monopólio, além de preservar as “condições externas da produção capita-
lista” sua intervenção recai “na organização e na dinâmica econômicas desde den-
tro, e de forma contínua e sistemática”. Ou seja, de maneira mais precisa, “no capita-
lismo monopolista, as funções políticas do Estado imbricam-se organicamente com
as suas funções econômicas”. Mandel (1982, p. 337) sugere que alterações ocorre-
ram na “atitude subjetiva da burguesia em relação ao Estado”, mas também na “fun-
ção objetiva desempenhada pelo Estado ao realizar suas tarefas centrais”. Mudam e
imbricam-se as funções econômicas e políticas para garantia das condições gerais
de produção e reprodução do capital, sendo que o Estado, a serviço do capital mo-
nopolista, ganha centralidade na condução do processo.
Em todos os momentos sócio-históricos decisivos, as crises do capital pro-
cesso inerente ao capitalismo, cujo ciclo econômico processa-se pelas “fases suces-
sivas de recessão, ascensão, boom, superaquecimento, quebra, depressão, etc.”
(MANDEL, 1982, p. 309) — provocam mudanças fundamentais
6
. Em algumas crises,
a partir da condução econômico-política para sua superação, os direitos do trabalho
ganharam progressão, mas em outras as perdas foram de extrema gravidade
como observamos na crise da cada de 1920 e da contemporaneidade; que se ini-
cia na transição da década de 1960 para inícios de 1970, para ficarmos em dois
exemplos marcantes. Ou seja, embora as crises sejam determinantes no processo,
não se pode deslocar a economia da política, perdendo a perspectiva de totalidade.
As crises, por elas mesmas, por exemplo, não levaram ao Estado do Bem-Estar So-
cial, implantado em alguns países capitalistas centrais. Na base do Estado do Bem-
Estar Social estão a organização dos trabalhadores, seus partidos, suas lutas e seus
direitos alargados em confronto permanente com as necessidades de acumulação
do capital.
6
Na tradição marxista um fecundo debate sobre crise e, embora os vários autores apresentem diferenças de
nuances, ela é entendida como parte intrínseca do movimento cíclico da acumulação capitalista, ou seja, não é
fenômeno sui generis e provoca, sempre, transformações profundas na sociedade. K. MARX. Introdução à Críti-
ca da Economia Política. In: Marx, K. Coleção Os Economistas. São Paulo, Abril Cultural, 1982; O Capital.
Crítica da Economia Política. Vol. I, Livro Primeiro: O Processo de Produção do Capital. Tomo I. Col. Os Eco-
nomistas. São Paulo, Nova Cultural, 1988; El Capital. Crítica de la Economia Política. Livros I e II. Buenos
Aires/Cidade do México. Ed. Fondo de Cultura Econômica, 1946. MANDEL, E. Tratado de Economia Marxista.
II Tomo. México, Ed. Era, 1969; O Capitalismo Tardio. Col. Os economistas. São Paulo, Abril Cultural, 1982.
J.P NETTO, M. BRAZ. Economia Política: uma introdução crítica. 2
a
ed., Col. Biblioteca Básica de Serviço
Social. São Paulo, 2007. E. R. BEHRING. Política Social no Capitalismo Tardio. São Paulo, Cortez, 1998, R.
ANTUNES. Os sentidos do trabalho Ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. 5
a
edição, São Paulo,
Boitempo, 2001.
19
De fato, na crise contemporânea, a burguesia, tendo o neoliberalismo como
diretriz ideológica, parametrando sua condução econômico-política objetiva atender
as necessidades da acumulação capitalista, buscando transformar uma série de his-
tóricos direitos em mercadoria. Por essa razão, a partir da perspectiva teórico-
metodológica adotada, no primeiro capítulo, procuramos fazer um resgate do movi-
mento que, na dinâmica da luta de classes, levou à construção de direitos do traba-
lho desde sua gênese até o período expansionista do pós Segunda-Guerra Mundial.
Ao mesmo tempo, trazemos a conformação das diversas ações contemporâneas
voltadas para sua destruição, dentre elas, a flexibilização das leis trabalhistas, dire-
cionadas pelas novas necessidades da acumulação capitalista, através da
imposição do ideário neoliberal, avançando nos diferentes países de acordo com as
especificidades de cada um, dentre eles, o Brasil.
Numa perspectiva sócio-histórica e em relação de sinergia com os países ca-
pitalistas centrais, situam-se as análises sobre o Brasil, percorrendo todo o capítulo
2. Os direitos do trabalho são debatidos no bojo do movimento de formação da
sociedade brasileira em relação com os processos de exportação de capitais desde
os inícios do estágio imperialista (LENIN, 1982). O debate sobre essa relação tem
como referência sica a Teoria do Desenvolvimento Desigual e Combinado de
Trotsky
7
que ela mostra a sintonia entre a desigualdade do ritmo, que é a lei mais
geral, percebida e trabalhada por Lênin, e a integração dialética, ou seja, a combina-
ção entre os diferentes ritmos e fases, que traz um “amálgama das formas arcaicas
com as mais modernas”. Trotsky (1978, p. 25) entende que essa combinação ex-
pressa-se “com maior vigor e complexidade nos destinos dos países atrasados”:
Sob o chicote das necessidades externas, a vida retardatária vê-se na con-
tingência de avançar aos saltos. Dessa lei universal da desigualdade dos
ritmos decorre outra lei que, por falta de denominação apropriada, chama-
remos de lei do desenvolvimento combinado, que significa aproximação das
diversas etapas, combinação das fases diferenciadas, amálgama das for-
mas arcaicas com as mais modernas. Sem esta lei, tomada, bem entendido,
em todo o seu conjunto material, é impossível compreender a história da
Rússia, como em geral a de todos os países chamados à civilização em se-
gunda, terceira ou décima linha.
7
Falando da Rússia, em 1905, Trotsky concluía, da “análise da combinação de traços pré-capitalistas
(notadamente no campo) e capitalistas modernos (na grande indústria das cidades)” que estava dada a
“possibilidade de uma revolução russa, combinando as “tarefas democráticas” (derrubada do czarismo, partilha
das terras, democratização do estado) e as medidas socialistas (expropriação do grande capital), num processo de
revolução permanente”. M. LÖWY. A teoria do desenvolvimento desigual e combinado. In Revista Outubro, n
0
1. São Paulo, IES, 1998, p. 74.
20
Para ele, na história, não atraso ou progresso absolutos. A fusão de dife-
rentes elementos é realizada pelo desenvolvimento histórico, que inclui os traços
pré-capitalistas, os quais podem ser notados, em especial, no meio rural e os traços
capitalistas modernos, que aparecem de forma mais clara nas formações urbanas
industrializadas, mas que encontram-se vivamente articulados, combinados, amal-
gamados. Essa perspectiva não se refere apenas aos aspectos econômicos e técni-
cos, mas também ídeo-culturais e políticos. Nesse processo, a natureza dialética da
história se expressa, predominando, de forma flagrante, a contradição.
Podemos dizer, então, que a expressão mais visível ou mais importante do
desenvolvimento desigual e combinado em países periféricos como o Brasil aparece
nos saltos que ocorrem no processo sócio-histórico. Como Lênin, Trotsky considera
tais saltos inevitáveis pois, não raramente, os elementos de atraso são enfrentados
através de ações ou métodos mais avançados, ou em sua linguagem, modernos.
Sob a pressão de movimentos múltiplos postos pela realidade, esses elementos são
levados a precipitar fases, a saltar etapas. Além de serem irregulares, complexos,
combinados, a possibilidade desses saltos, de superação de “degraus intermediários
não é, está claro, absoluta; realmente, está limitada pelas capacidades econômicas
e culturais do país” (TROTSKY, 1978, p. 25). Nesse sentido, muitas vezes, um país
atrasado pode rebaixar um elemento que ele assimila do exterior para que haja uma
adaptação à sua cultura, ou seja, a assimilação apresenta traços contraditórios.
Nessa direção, entendemos a relação dialética entre a economia e a política,
no Brasil, bem como os elementos ídeo-culturais historicamente presentes no objeto
em tela. A relação da burguesia e do Estado com os trabalhadores, suas lutas, os
avanços e retrocessos, as formas que ganham sua organização e os direitos do
trabalho nos vários períodos cio-históricos brasileiros o debatidos como
fundamentos do processo.
A atualidade brasileira é trabalhada, no capítulo III, a partir da complexidade
inerente ao movimento do real. Nesse caminho teórico-metodológico percorre as
novas configurações do capitalismo contemporâneo e suas particularidades, bem
como o processo em andamento desde os anos 1990, com a implantação efetiva
do neoliberalismo — de flexibilização da legislação trabalhista como um dos elemen-
21
tos determinantes que reforçam a histórica rejeição da burguesia brasileira à exis-
tência de direitos dos trabalhadores.
Para chegarmos às análises sobre a condição dos direitos trabalhistas, na a-
tualidade brasileira, realizamos uma pesquisa documental, coletando dados sobre a
legislação trabalhista, mas também sindical que esses dois lados da questão
caminham em verdadeira simbiose no processo sócio-histórico. Os dados sobre fle-
xibilização da legislação trabalhista, categoria que dirigiu todo o nosso estudo, foram
colhidos desde o governo Cardoso até o segundo mandato do governo Lula.
A decisão de iniciarmos no governo Cardoso baseou-se no período de im-
plantação efetiva do neoliberalismo. Embora no governo Itamar Franco o próprio
Cardoso — Ministro da Fazenda — tenha lançado bases para essa implantação com
o Plano Real, ela efetivou-se em seus dois mandatos a partir de 1995. No universo
da legislação trabalhista, a amostra estudada compreendeu os direitos que se refe-
rem ao conjunto da classe trabalhadora, abrangendo os dois sexos e as várias gera-
ções que constam da Consolidação da Legislação Trabalhista (CLT) e da Constitui-
ção Federal de 1988 (CF/88), excluindo-se as categorias específicas. Nesse conjun-
to, estudamos os que foram alterados pelas reformas
8
empreendidas pelos governos
Cardoso e Lula. Assim, a coleta de dados foi desenvolvida, especificamente, a partir
das seguintes fontes:
Consolidação das Legislação Trabalhista (CLT): que serviu
como roteiro para o levantamento, ano a ano, das leis que
flexibilizaram direitos;
Constituição Federal de 1988: referente aos direitos
trabalhistas e sindicais, tendo como foco as emendas feitas
nos governos Cardoso e Lula;
— Leis ordinárias e complementares aprovadas pelos governos
Cardoso e Lula, que alteram direitos trabalhistas e sindicais,
indicadas na CLT;
Portarias e instruções normativas, denominadas legislação
inferior.
Os dados foram coletados diretamente nas fontes com a utilização do instru-
mental da internet, que foi extremamente útil para a realização de nossa pesquisa,
poupando tempo e dinheiro que não precisamos nos deslocar aBrasília (DF),
8
O termo reforma, sempre que aparecer referido ao ideário neoliberal, incluindo os governos Cardoso e Lula
consta em itálico nesta tese.
22
por exemplo, para termos acesso às Leis, Emendas Constitucionais EC(s), Medi-
das Provisórias MP(s), Projetos de Leis PL(s), Projetos de Emenda Constitu-
cional —PEC(s) e legislação inferior (portarias e instruções normativas) que pesqui-
samos nos órgãos federais e na Câmara dos Deputados. Ao mesmo tempo, permitiu
um acompanhamento e atualização em tempo real das modificações ocorridas. As-
sim, utilizamos a internet, acessando os portais e sites dos seguintes órgãos:
Governo Federal: site referente à Constituição Federal de
1988 (CF/88), leis trabalhistas aprovadas e MP(s);
Câmara Federal: site sobre legislação trabalhista aprovada,
PL(s) e PEC(s);
Ministério do Trabalho e Emprego (MTE): Consolidação das
Leis Trabalhistas (CLT), legislação inferior e propostas do
Fórum Nacional do Trabalho (FNT).
Os Projetos de Lei e de Emendas Constitucionais não foram considerados
como centro de nossas análises que não teríamos como controlar seus resulta-
dos, tendo em vista a dinâmica da luta de classes a interferir no processo. Entretan-
to, como demonstram a perspectiva de continuidade de mudanças buscamos estu-
dar alguns PL(s) e PEC(s), selecionados a partir dos seguintes critérios:
clara intencionalidade do legislador ou do governo de flexibi-
lizar, indicando tendências do que podevir a ocorrer após a
finalização de nosso estudo;
despertaram polêmica no âmbito do congresso, de órgãos
governamentais como o Ministério do Trabalho e Emprego
(MTE), do movimento sindical e seus órgãos: Departamento In-
tersindical de Estudos e Estatísticas Sócio-Econômicas (DIEE-
SE) e Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar
(DIAP).
Em relação à questão sindical, estudamos a Lei n
o
11.648/2008 elaborada pe-
lo Fórum Nacional do Trabalho (FNT) única aprovada no âmbito sindical, no go-
verno Lula e uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 369 de 2005 porque
mostra a concepção do governo Lula sobre as relações capital x trabalho, o que nos
interessa sobremaneira que em nossa hipótese diretriz essa questão tem
centralidade.
No que se refere ao Executivo, como parte da pesquisa, acompanhamos os
posicionamentos políticos da Presidência da República
através de entrevistas na
mídia impressa, falada e televisiva; do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE)
23
escolhido por ser órgão regulador dos direitos trabalhistas e do Instituto de Pesqui-
sas Econômicas Aplicadas do Ministério do Planejamento (IPEA), analisando um
capítulo de um livro elaborado pelo órgão. O IPEA foi escolhido por ser um órgão
público federal que possui vínculo direto com a Secretaria de Assuntos Estratégicos
da Presidência da República
9
e trata de questões macro da economia, incluindo o
mercado de trabalho, sendo responsável por análises e publicações de relevo no
Brasil. Sendo instituição vinculada à Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presi-
dência da República constitui-se, dentre vários, um organismo de Estado responsá-
vel pelos fundamentos ídeo-políticos das ações governamentais. O livro Brasil: o
estado de uma nação, foi escolhido por ser apresentado, ainda hoje, pelo IPEA co-
mo “uma sistematização do conhecimento disponível sobre a realidade brasileira que
ajude a avançar em termos de desenvolvimento humano” e ser perpassado pela
concepção neoliberal. O livro foi lançado em 2006 e possui oito (8) capítulos, mas
centramos seu estudo no capítulo 4: Instituições Trabalhistas e Desempenho do
Mercado de Trabalho no Brasil porque a concepção de flexibilização dos direitos e
das instituições brasileiras de regulação dos direitos trabalhistas aparece claramen-
te. No âmbito do judiciário, realizamos uma pesquisa bibliográfica com autores que
buscam traçar um quadro dos posicionamentos sobre a flexibilização da legislação
trabalhista existentes, hoje.
Estudamos documentos produzidos pelo Banco Mundial (BM) e Confederação
Nacional da Indústria (CNI) relativos aos direitos trabalhistas, objetivando entender a
fundamentação desses organismos do capital, tanto internacional quanto nacional e
acompanhamos as posições políticas da CUT, CONLUTAS, INTERSINDICAL e da
Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), através de atos, docu-
mentos e entrevistas.
9
O IPEA “divulga resultados parciais ou finais de estudos produzidos direta ou indiretamente” [...], cuja “tira-
gem é, em média, de 350 exemplares, variando de acordo com o tema e/ou enfoque”. “Os trabalhos do IPEA são
disponibilizados para a sociedade por meio de inúmeras e regulares publicações e seminários e, mais recente-
mente, via programa semanal de TV em canal fechado”. Site do IPEA. www.ipea.gov.br
, consultado em feverei-
ro de 2009.
24
CAPÍTULO 1. MARCOS TEÓRICOS E SÓCIO-HISTÓRICOS DOS DIREITOS DO
TRABALHO: DA GÊNESE À FLEXIBILIZAÇÃO DOS DIRETOS TRABALHISTAS
Os direitos, tal como os conhecemos na atualidade, tiveram sua gênese a
partir da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, elaborada no processo
da Revolução Francesa; da Declaração dos Direitos do Estado da Virgínia, originária
da Independência dos EUA, de 1776; mas também do processo instituído pela Re-
volução Industrial, tendo como lócus a Inglaterra, os quais inauguraram a moderni-
dade, sob a égide do capital. Os direitos de cidadania civis e políticos
10
foram
os primeiros a existir; diziam respeito a garantias individuais e foram conquistados
pela burguesia, com base na filosofia iluminista e na tradição liberal, ao revolucionar
as sociedades baseadas em relações feudais e os estados absolutistas.
Em decorrência das lutas e desse balizamento teórico-político, tais direitos fo-
ram construídos no decorrer dos séculos XVIII e XIX. O processo revolucionário ofe-
receu as bases para os direitos de cidadania e a doutrina dos direitos naturais pre-
parou o terreno ídeo-político para o Estado moderno resultante desse processo. Os
direitos referidos exigiam uma atitude absenteísta do Estado e tornaram-se funda-
mento de grandes nações, reconhecidos com a denominação de liberdade de ação
dos indivíduos e com a garantia de proteção de seus bens
11
.
10
Denominados por Bobbio de direitos de primeira geração. N. BOBBIO. A Era dos Direitos. Rio de Janeiro,
Campus, 1992.
11
Em Locke, encontramos os fundamentos da defesa da posse de bens como um bem natural e inalienável do ser
humano, sendo do direito de propriedade que decorrem todos os demais. Para Bussinger, a perspectiva teórico-
política de Locke, em primeiro lugar, libertou a propriedade individual dos “constrangimentos sociais” ao “abolir
os limites morais que condicionavam sua posse, vinculando-a ao trabalho”. Em segundo, deu centralidade “ao
indivíduo, que, com qualidades próprias e irredutíveis a qualquer outro, pensa primeiro e acima de tudo em si
mesmo”. Mas trata-se de um indivíduo que não tem espírito anti-social, ao contrário, torna “possível a sociedade
enquanto agrupamento de indivíduos a partir de uma finalidade única e comum a todos: a de satisfazer ao máxi-
mo os interesses de cada indivíduo”. Em terceiro, fortaleceu o projeto liberal, refutando a idéia de soberania real
(defendida por Hobbes): “a soberania é do povo que a delega a um Poder Legislativo, que, por sua vez, deve se
ater às diretrizes emanadas da sociedade de homens livres”. A teoria de Locke, então, torna a liberdade e a pro-
priedade como elementos praticamente indissociáveis, sendo fundamental para o estabelecimento das bases do
pensamento liberal. V.V. BUSSINGER. Fundamentos dos direitos humanos. In: Revista Serviço Social e Socie-
dade, n
0
53, Ano XVII, São Paulo, Cortez, 1997, pp. 18-19. Rousseau, diferentemente de Locke, nega a liberda-
de à propriedade privada, considerando sua criação a única responsável pela miséria humana, mas, também, a
como fundadora da sociedade civil. Rousseau buscou mostrar as dificuldades para se viver a liberdade numa
sociedade formada por desiguais, balizando os ideais de direitos. Ao mesmo tempo, ampliou a concepção de
liberdade de Locke, sendo a liberdade da vontade e de escolha os elementos a ocuparem o lugar da razão e a
diferenciarem os seres humanos dos outros animais. A sociedade deveria ser fundada em princípios universais,
cuja predominância fosse a liberdade, a igualdade e o bem-estar de todos os cidadãos. Jean-Jacques Rousseau.
Do Contrato Social. Edição eletrônica: Ed. Ridendo Castigat Mores. www.jahr.org
, Consultado em janeiro de
25
Esse processo, sem dúvida, iniciou um novo período na sociedade ocidental,
sendo fundamental, também, para a superação da concepção divina das leis, dos
costumes, das tradições. A razão iluminista aglutinava forças para superação do
antigo regime, buscando o reconhecimento de direitos fundamentais como a li-
berdade e a igualdade perante a lei (formal) bem como sua universalização, sen-
do eles considerados inalienáveis posto que fundam-se na natureza humana. Os
homens poderiam desfrutar de liberdade econômica, pessoal e de religião, ao mes-
mo tempo em que tinham, fundamentalmente, a proteção da propriedade privada,
vista como um bem natural e inseparável deles. Considerava-se que os indivíduos
tinham condições plenas para desenvolver a liberdade, sendo a intervenção do Es-
tado prejudicial ao florescimento das potencialidades e, portanto, ao desenvolvimen-
to da sociedade.
A concepção liberal espraia-se pela sociedade burguesa à medida em que ela
se consolida, tornando universal a idéia de que o indivíduo, pelo seu empreendimen-
to pessoal, alcançaria o bem-estar necessário à sua vida, afetando, por via de con-
seqüência, a sociedade como um todo. Adam Smithfaz a defesa bem elaborada
desse axioma liberal. É subjacente a essa concepção, a idéia de que o indivíduo é
guiado por paixões, ao mesmo tempo em que se auto-regula pela razão e simpatia.
Essa capacidade dupla do indivíduo, em Smith, tanto faz com que os homens digla-
diem-se entre si, quanto possibilita a criação racional de mecanismos e instituições
através dos quais essa luta destrutiva seja controlada ou mesmo dirigida para o bem
comum. Esse mecanismo expressa-se no mercado que, naturalmente, pode organi-
zar e regular as relações entre os homens em sociedade. Nas obras A Teoria dos
Sentimentos Morais, de 1759 e Uma Investigação sobre a natureza e as causas da
riqueza das nações, de 1776
12
, aparece a concepção de que os homens são egoís-
tas, voltados a seus interesses mas, dirigidos por uma mão invisível, mesmo sem o
saber, sem intencionalidade, acabam promovendo os interesses de toda a socieda-
de, o bem-estar coletivo. Smith tem confiança no homem interior, em seu sentido
moral, para a superação de sua natureza predadora.
2008:33. Jean-Jacques Rousseau. Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens.
Edição Eletrônica: site/livros_grátis/origem_desigualdades.htm. Consultado em janeiro de 2008, pp. 29-30.
12
Disponíveis em Geocities.com/cobra_pages, consultado em fevereiro de 2008.
26
Behring e Boschetti (2007, p. 59) falam que a possibilidade de existir uma so-
ciedade auto-regulada pela racionalidade dos indivíduos, que produz o bem-estar
coletivo está na base do conceito de sociedade civil de Smith, sendo que ele dispen-
sava a interferência do Estado nas “leis naturais” da economia, inclusive na definição
dos salários, por exemplo, devendo apenas “fornecer a base legal para que o mer-
cado livre pudesse maximizar os “benefícios aos homens”. Trata-se, portanto, “de
um Estado mínimo, sob forte controle dos indivíduos que compõem a sociedade civil,
na qual se localiza a virtude”. Nesse caminho, para Smith, o Estado deveria dedicar-
se a três funções: defender o país dos inimigos oriundos do exterior; proteger os in-
divíduos contra possíveis ofensas advindas de outros e executar obras públicas fora
do alcance do setor privado. Ainda para as autoras (BEHRING; BOSCHETTI, 2007,
pp.60-61), à medida em que a sociedade burguesa se consolida tornam-se hegemô-
nicas as concepções de Smith sobre a “mão invisível do mercado” e o “cimento ético
dos sentimentos morais individuais”
13
, dirigindo a sociedade civil, construindo o bem-
estar social. No mesmo movimento, observa-se uma exaltação do trabalho como
fonte de progresso moral para os indivíduos e a sociedade, independente das condi-
ções em que ele se realiza, bem ao estilo do que defendiam os puritanos
14
.
A crítica de Marx (1975) aos direitos do homem entre múltiplos e diversifi-
cados aspectos apontou que a revolução política comandada pela burguesia der-
rubou o poder senhorial, destruiu estamentos, corporações, grêmios e privilégios,
mas não extinguiu o homem egoísta fundamento da sociedade feudal antes,
tornou esse homem a base, a premissa do Estado político. Foi dessa maneira que
ele passou a ser reconhecido nos direitos humanos: de forma abstrata e universal. A
liberdade do homem egoísta e o reconhecimento de sua liberdade, ainda para ele,
expressam a aceitação dos elementos espirituais e materiais que formavam a vida
anterior, os quais continuaram a compor o conteúdo da vida dos homens na socie-
dade burguesa. Por via de conseqüência, o homem não se libertou da religião; obte-
13
Uma sociedade baseada no mérito dos indivíduos em “potenciar suas capacidades supostamente naturais”
mostra que o liberalismo, no período, “combina-se a um darwinismo social, em que a inserção social dos indiví-
duos se define por mecanismos de seleção natural”, observando-se, nessa concepção, a negação de direitos do
trabalho, já que a “legislação social” interferia “nas leis da natureza”. [...]” E. BEHRING, I. BOSCHETTI. Polí-
tica Social: fundamentos e história. 3
a
ed. Biblioteca básica de Serviço Social; v.2, São Paulo, Cortez, 2007, pp.
59- 60-61.
14
Trata-se de uma idéia trazida pelos puritanos desde o século XIX, que mantém-se na atualidade. As autoras
sugerem a obra A ética protestante e o espírito do capitalismo (2004) de Max Weber para o aprofundamento da
questão. Op. cit. nota 13.
27
ve liberdade religiosa; o libertou-se da propriedade, a propriedade foi libertada;
não emancipou-se do egoísmo da indústria, mas conseguiu garantir a liberdade in-
dustrial. Esse processo instituiu o direito do homem à liberdade, mas não uma liber-
dade baseada na união entre eles, ao contrário, fundada em sua dissociação da co-
munidade. A liberdade, assim, é concebida como o direito a essa separação, o direi-
to do indivíduo existir de forma delimitada, sendo limitado a si mesmo. Aí, enfatiza
ele, a prática do direito humano da liberdade é, antes de tudo, o direito à proprieda-
de privada. Por essa razão, Marx (1975) realiza uma distinção entre emancipação
política e emancipação humana, sendo possível o sucesso do segundo tipo de e-
mancipação somente com a supressão da propriedade privada, ou seja, com a supe-
ração da sociedade burguesa.
Em sua crítica, Marx sustentou que a igualdade formal de direitos é a base da
desigualdade na sociedade do capital fundada no controle privado dos meios de
produção —, tornada possível mediante a derrocada do regime de servidão que libe-
rou a força de trabalho. Mostrou, assim, a relação necessária que passa a existir, no
capitalismo, entre liberdade formal e desigualdade material. Ao mesmo tempo, mos-
tra que a superação dessa relação, que significa a possibilidade de coexistência en-
tre liberdade e igualdade jurídica, política e econômica torna-se viável apenas
e tão somente em outro modo de produção. Mesmo assim, aponta Marx (s/d, p.
213), na sociedade comunista, logo que nasce, que “acaba de sair precisamente da
capitalista e que, portanto, apresenta ainda em todos os seus aspectos, no econô-
mico, no moral e no intelectual, o selo da velha sociedade de cujas entranhas proce-
de”, o direito continua “como todo direito, o direito da desigualdade”. Somente quan-
do a sociedade tiver se libertado de todos esses laços, com o desenvolvimento ple-
no das forças produtivas e da “riqueza coletiva” é que se poderá ultrapassar “o es-
treito horizonte do direito burguês e a sociedade poderá inscrever em suas bandei-
ras: De cada qual, segundo sua capacidade; a cada qual, segundo suas necessida-
des” (MARX, s/d, p. 215).
No período em que Marx realiza sua crítica e defende o projeto societário co-
munista, o proletariado faz sua entrada na cena política, trazendo à luz seus interes-
ses e direitos na sociedade do capital mostrando os limites dos direitos conside-
rados suficientes pela burguesia. As promessas de liberdade, igualdade e fraterni-
28
dade não se aplicavam ao conjunto da sociedade, mas a uma parcela minoritária,
deixando a descoberto a maioria, ou seja, o proletariado. A desigualdade real colo-
cava a nu como ilusões para esse segmento populacional tais direitos e Marx procu-
ra mostrar que eles eram “enunciados formais de caráter liberal”, portanto, individua-
listas. Com pretensão à natureza universal, tratavam-se, na realidade, de “expressão
dos anseios e interesses da classe burguesa que conseguira, em sua luta contra o
absolutismo feudal, traduzir em um único projeto os sentimentos da ampla maioria
do povo” (BUSSINGER, 1997, p. 32).
Os trabalhadores, frente a essa condição dos direitos, não permaneceram
passivos, travando uma luta incansável por sua ampliação. Uma forma inicial e mais
elementar de luta encetada pelos trabalhadores esteve voltada contra a máquina
15
,
através do movimento denominado luddismo, cujo nome derivou da sua liderança,
Ned Ludd, um operário que desenvolveu essa estratégia, a qual foi superada pela
organização sindical
16
e adoção de outras como a greve avançando os movi-
mentos em torno da obtenção de direitos políticos como reunião, associação, filiação
partidária e de expressão, até então privilégio das classes dominantes.
Hobsbawm (2005) mostra que, no século XIX, a luta por direitos à plena cida-
dania foi especial para o movimento operário, porque os trabalhadores não podiam
usufruir dos direitos civis e políticos pois, na prática, a burguesia contestava sua uti-
lização. Na Inglaterra, por exemplo, ainda segundo o autor, o direito de expressão e
reunião era restrito aos proprietários e, de acordo com Antunes (1985, p. 17), foi
conquistado por uma lei votada no Parlamento, em 1824, que legalizou as associa-
ções existentes desde o século XVIII, as quais eram reprimidas de forma violenta,
dificultando que os trabalhadores se organizassem. No âmbito parlamentar, o car-
15
Hobsbawm fala de dois tipos de quebra de máquinas. “O primeiro tipo não implicava nenhuma hostilidade
especial contra as máquinas como tal, mas era sob certas condições, um meio normal de fazer pressão contra os
empregadores” [...] era parte tradicional e estabelecida do conflito industrial no período do sistema doméstico de
fabricação e nas primeiras fases das fábricas e das minas”. O segundo expressava a hostilidade pelas máquinas,
“especialmente as que economizavam força de trabalho”, e era partilhada pela grande massa da opinião,
inclusive muitos industriais”. Embora tivesse maior preponderância na Inglaterra, onde a utilização de máquinas
era mais generalizada, observa-se a sua existência, nas primeiras décadas do século XIX, também na França, na
Bélgica, na Alemanha e a na Suíça. E. HOBSBAWM. Os Trabalhadores: Estudos sobre a História do
Operariado. 2
a
ed., São Paulo, Paz e Terra, 2000, p.19.
16
Para Riazanov, a primeira organização que se pode dizer operária nasceu na Inglaterra, entre os anos 1791 e
1792. Chamava-se Sociedade de Correspondência porque a lei inglesa proibia a ligação entre sociedades de
diferentes localidades. D. RIAZANOV. Marx e Engels e a história do movimento operário: conferências feitas
em um curso para operários na Academia Comunista. (Col. Luta de classes; I). Moscou. São Paulo, Global,
1984, p. 19.
29
tismo
17
, ocorrido entre 1836 e 1850, foi um movimento importante para os trabalha-
dores, tendo como programa: sufrágio universal; direitos eleitorais homogêneos; voto
secreto; eleição parlamentar anual; elegibilidade dos não proprietários e outros itens.
Embora esse programa não tenha sido aprovado, no período, fortaleceu as lutas.
Posteriormente, o protagonismo dos trabalhadores obteve a ampliação de di-
reitos políticos — como liberdade de reunião, criação de partidos, filiação partidária e
outros — antes restritos aos proprietários. A partir da metade do século XIX, em con-
formidade com Bussinger (1997, p. 29), os direitos políticos deixaram de ser mono-
pólio da burguesia e “produto secundário dos direitos civis”. Não é por acaso que o
movimento operário moderno, como aponta Hobsbawm (2005), descende do ilumi-
nismo e do racionalismo construídos no século XVIII já que ele se vê obrigado a con-
frontar-se com a burguesia que, quando se torna classe dominante, abandona os
compromissos do iluminismo para a modernidade.Os direitos políticos de organiza-
ção foram sendo obtidos e consolidados no processo mesmo em que as lutas por
direitos no trabalho avançavam, merecendo destaque, em nosso debate, as reivindi-
cações iniciais pela diminuição da jornada de trabalho.
1.1. As lutas pela diminuição da jornada de trabalho: em cena, os trabalhado-
res organizados
A diminuição da jornada de trabalho com regulação legal inaugurou o proces-
so de luta na sociedade do capital de maneira mais efetiva, sendo a primeira trans-
corrida de forma organizada, mostrando-se vital para os trabalhadores, ainda hoje,
pois a burguesia, apesar dos avanços tecnológicos, sempre persegue seu prolon-
gamento.
Marx (1988, p. 146) traz a base para o entendimento dessa obstinação das
classes pela jornada de trabalho, mostrando que é o trabalho vivo no mesmo mo-
vimento que transfere o valor dos meios de produção ao produto, conservando-o e
produzindo valor adicional que cria, também, um sobrevalor ou mais-valia. “Medi-
17
A Carta do Povo, daí a denominação cartismo, foi redigida por William Lovett. O movimento teve duas ten-
dências: o cartismo da força moral, que preconizava reformas progressivas a serem obtidas através da propagan-
da e da educação e o cartismo da força física, que defendia reformas radicais por meio de métodos violentos. A
liderança da primeira eram Francis Place e William Lovett, de Londres, e da segunda eram os irlandeses James
O'Brien e Feargus O'Connor. Dos Estados Nacionais à Primeira Guerra Mundial. O. M. A. F. COULON e F. C.
PEDRO. Belo Horizonte, 1995, CP1-UFMG. In historia.portalmidis.com.br, consultado em fevereiro de 2008.
30
ante a atividade da força de trabalho, reproduz-se, portanto, não seu próprio va-
lor, mas produz-se também valor excedente”. O trabalhador, durante parte da jorna-
da de trabalho produz o correspondente ao valor de sua própria força de trabalho
as mercadorias de seu consumo e sua família que expressa, então, o valor da
força de trabalho. Essa parte da jornada é maior ou menor em função dos meios de
subsistência de que necessitam — de acordo com o “tempo de trabalho diário médio
exigido para a sua produção” (MARX,1988, p. 168). Nesse período da jornada, ele
repõe o “valor adiantado do capital variável pelo novo valor criado”, sendo essa pro-
dução de valor uma “mera reprodução”. Marx chama essa parte da jornada de “tem-
po de trabalho necessário e de trabalho necessário o trabalho despendido durante
esse tempo”. a segunda parte da jornada, na qual o trabalhador vai além do tem-
po exigido pelo trabalho necessário apesar de significar trabalho e gasto de ener-
gia — não produz, para ele, nenhum valor
18
.
Para Netto e Braz (2007, p. 106 grifos dos autores), a relação entre traba-
lho necessário e trabalho excedente engendra a taxa de mais-valia, da qual decorre
a taxa de exploração do trabalho pelo capital”. Para a produção de mais-valia, en-
tão, o prolongamento da jornada de trabalho é fundamental, aumentando-se o tempo
de sobretrabalho enquanto se mantém igual o tempo de trabalho necessário, trata-
se da mais-valia absoluta. Outra maneira de extrair mais-valia absoluta é a intensifi-
cação do ritmo de trabalho, com a mesma base técnica, mediante um controle rigo-
roso dos trabalhadores. A intensificação do ritmo amplia a exploração e teve um
grande desenvolvimento através da implantação do binômio taylorismo-fordismo
19
.
A jornada extensa apresenta alguns limites bem demarcados ao longo do
processo sócio-histórico. Para Netto e Braz (2007, p. 106), o primeiro é de “natureza
fisiológica” quando o excesso de trabalho, o esforço demandado por essa forma de
exploração provoca a debilitação, interferindo, também, nos interesses da acumula-
18
“Ela gera a mais-valia, que sorri ao capitalista com todo o encanto de uma criação do nada. Essa parte da jor-
nada de trabalho chamo de tempo de trabalho excedente, e o trabalho despendido nela: mais trabalho (surplus
labour). Assim como, para a noção do valor em geral, é essencial concebê-lo como mero coágulo de tempo de
trabalho, como simples trabalho objetivado, é igualmente essencial para a noção de mais-valia concebê-la como
mero coágulo de tempo excedente, como simples mais-trabalho objetivado. Apenas a forma pela qual esse mais-
trabalho é extorquido do produtor direto, do trabalhador, diferencia as formações sócio-econômicas, por exem-
plo, a sociedade da escravidão da do trabalho assalariado”. K. MARX.
O Capital. Crítica da Economia Política.
Vol. I, Livro Primeiro: O Processo de Produção do Capital. Tomo I. Col. Os Economistas. São Paulo, Nova
Cultural, 1988, p. 168.
19
Voltaremos a esse item, posteriormente, ainda neste capítulo.
31
ção capitalista. O segundo limite é de “natureza política” que “as lutas [...] contra
jornadas estendidas”, que foram as primeiras a serem “protagonizadas pelo movi-
mento operário” na sociedade do capital, forçaram o Estado a efetivar ações volta-
das para a sua “limitação legal [...]”. Foi esse protagonismo, juntamente com os a-
vanços tecnológicos que, no processo sócio-histórico, deu origem à extração de
mais-valia relativa. Os avanços aumentam a produtividade social do trabalho, o que
diminui o valor das mercadorias de consumo dos trabalhadores, expressão do valor
da força de trabalho, exigindo um tempo menor de trabalho para a sua reprodução.
Mesmo sem alterações de tempo e de intensidade da jornada, a relação entre seus
componentes modifica-se uma vez que, ao diminuir o tempo de trabalho necessário,
aumenta o de sobretrabalho.
Por essas razões, a diminuição da jornada de trabalho foi a primeira reivindi-
cação a ganhar corpo na sociedade do capital. Se é o tempo de trabalho socialmen-
te necessário que viabiliza a mais-valia, seja na forma absoluta, seja na forma relati-
va, inicialmente, as lutas pela diminuição da jornada voltaram-se para barrar o exau-
rimento físico e espiritual dos trabalhadores. Mas, como na acumulação capitalista
também é central a economia de força de trabalho, produzindo o exército industrial
de reserva, no processo sócio-histórico as lutas voltaram-se, da mesma maneira,
para a ampliação de postos de trabalho. Aos trabalhadores interessa limitar e encur-
tar a jornada de trabalho na perspectiva de remar contra os interesses da acumula-
ção em ampliar o exército industrial de reserva.
Em 1882 e 1833, por exemplo, conquistou-se, na Inglaterra, uma primeira le-
gislação sobre a questão: limitava a 8 horas a jornada de trabalho de crianças. Vari-
ando de acordo com as indústrias, uma legislação de 10 horas de trabalho para mu-
lheres e jovens de treze a dezoito anos passou a existir, mas os trabalhadores mas-
culinos adultos também usufruíam dela ao trabalharem conectados nas linhas de
produção, e em decorrência de sua renhida resistência. Para Marx (1988, p. 227):
A criação de uma jornada normal de trabalho é [...] produto de uma guerra
civil de longa duração, mais ou menos oculta, entre a classe capitalista e a
classe trabalhadora. Como a luta foi inaugurada no âmbito da indústria mais
moderna, travou-se primeiro na terra natal dessa indústria, na Inglaterra. Os
trabalhadores fabris ingleses foram os campeões da moderna classe traba-
lhadora não somente inglesa, mas em geral.
32
Marx (1988, p. 184) mostra que, na Inglaterra, o desenvolvimento das lutas
dos trabalhadores contra suas miseráveis condições de trabalho e de vida forçou o
Estado a reduzir a jornada. As leis fabris inglesas refrearam “o impulso do capital por
sucção desmesurada da força de trabalho, por meio da limitação coercitiva da jorna-
da [..] pelo Estado [...]”. Engels (s/d, p. 28) também aborda a questão:
Ao capitalista interessa que a jornada de trabalho seja a mais longa possí-
vel. Quanto mais longa for, maior será a mais-valia produzida. O certeiro
instinto do operário lhe diz que cada hora a mais que trabalha, depois de
repor o seu salário, é uma hora que lhe é ilegitimamente subtraída, sofrendo
em sua própria carne as conseqüências do excesso de trabalho. Enquanto
o capitalista luta pelo lucro, o operário luta por sua saúde, por um par de ho-
ras de descanso diário, para poder fazer algo mais do que trabalhar, comer
e dormir, para poder atuar também em outros terrenos como homem.
Em 1847, uma legislação trabalhista estendia a jornada de 10 horas a todos
os trabalhadores jovens e adultos. Engels (s/d, p. 29) também refere-se a essa luta
como um marco para os trabalhadores, relacionando-a com a conquista de direitos
políticos:
Os operários fabris da Inglaterra arrancaram essa lei à força de anos e anos
de perseverança na mais tenaz e obstinada luta contra os fabricantes, me-
diante a liberdade de imprensa e o direito de reunião e associação, assim
como explorando habilmente as dissensões no seio da própria classe go-
vernante. Essa lei passou a ser a bandeira dos operários ingleses, foi sendo
aplicada, pouco a pouco, em todos os grandes ramos industriais, e no ano
passado [1867] tornou-se extensiva a quase todas as indústrias, pelo me-
nos naquelas onde trabalham mulheres e adolescentes.
Identificava, na época, em países como a Alemanha, por exemplo, os impac-
tos da legislação conquistada na Inglaterra. Mostrava que o parlamento daquele pa-
ís, em 1868, pretendia adotar “uma deliberação acerca de um estatuto para a indús-
tria”, colocando “em debate a regulamentação do trabalho fabril”. A França caminha-
va de maneira mais lenta, mas implantou, em 5 de setembro de 1850, a Lei de 12
horas. Embora mais deficiente que sua congênere inglesa, impôs a todas as oficinas
e fábricas a mesma limitação. Marx (1988, p. 210) mostra que, antes dessa lei, a
jornada de trabalho na França não tinha limites, durando, “nas fábricas, 14, 15 ou
mais horas”. Nos EUA, a escravidão interferiu na limitação da jornada de trabalho,
paralisando o movimento operário. Para Marx (1988, p. 228), o “trabalhador de pele
branca não pode emancipar-se” enquanto os trabalhadores negros foram marcados
“com ferro em brasa”. A “morte da escravidão” fez nascer para os trabalhadores “u-
ma vida nova e rejuvenescida”. A guerra civil “estremeceu os Estados Unidos”, tra-
33
zendo “como primeiro fruto” a luta “pelas oito horas, que se propagou com as botas
de sete léguas da locomotiva do Atlântico ao Pacífico, de Nova Inglaterra até a Cali-
fórnia”
20
.
Vale ressaltar que o Dia Internacional da Mulher foi criado para homenagear
as operárias de uma fábrica de tecidos de Nova Iorque que fizeram uma grande gre-
ve, ocupando a brica, no dia 8 de março de 1857, tendo como principal reivindica-
ção a redução da jornada de trabalho que era de 16 horas para 10
21
. Os pa-
trões mandaram incendiar a fábrica com aproximadamente 130 tecelãs trancadas
nela, as quais morreram carbonizadas.
Marx (1988, p. 181) identifica a diminuição da jornada extensiva como razão
para a intensificação do trabalho outra forma de extração de mais-valia absoluta
imposta pela burguesia para aumentar a produtividade. Mesmo assim, ele consi-
dera essa luta um marco na história da produção capitalista: é “uma luta entre o ca-
pitalista coletivo, isto é, a classe dos capitalistas, e o trabalhador coletivo, ou a clas-
se trabalhadora”
22
. Sendo um marco na luta de classes, ao longo do processo sócio-
histórico, deu início, também, ao que Marx (1988) denomina de legislação fabril
precursora das legislações trabalhistas constituídas posteriormente.
Os trabalhadores tinham a redução da jornada como centro, mas outras ques-
tões começavam a se colocar pelas péssimas condições de trabalho e ausência total
20
O Congresso Geral de Trabalhadores dos Estados Unidos, realizado em Baltimore, em 1866, delibera que a
“primeira e mais importante exigência dos tempos presentes para libertar o trabalho deste país da escravidão
capitalista é a promulgação de uma lei, pela qual deve ser estabelecida uma jornada normal de trabalho de 8
horas em todos os Estados da União. Estamos decididos a empregar todas as nossas forças até termos alcançado
esse glorioso resultado”. No “Congresso Internacional de Trabalhadores”, em Genebra, no mesmo ano, o Conse-
lho Geral de Londres propôs, e foi aprovada, a seguinte deliberação: “Declaramos a limitação da jornada de
trabalho uma condição preliminar, sem a qual todas as demais tentativas para a emancipação devem necessaria-
mente fracassar. [...] Propomos 8 horas de trabalho como limite legal da jornada ...” K. MARX.
O Capital. Críti-
ca da Economia Política. Vol. I, Livro Primeiro: O Processo de Produção do Capital. Tomo I. Col. Os Economis-
tas. São Paulo, Nova Cultural, 1988, p. 228.
21
Além dessa bandeira, exigiam equiparação de salários com os homens, pois recebiam até um terço do salário
dos mesmos, inclusive quando executavam trabalho igual e respeito no ambiente de trabalho o que
provavelmente referia-se a lutar contra o que, modernamente, chamamos de assédio sexual.
22
No Programa de Gotha, elaborado no Congresso de 1875, que unificou o Partido Social-Democrata (dirigido
por Liebknecht e Bebel) e a Associação Geral dos Operários Alemães (organização de base lassaliana, dirigida
por Hanseclever, Hasselmann e Tölcke) formando o Partido Socialista Operário da Alemanha, aparece a
reivindicação pela “jornada normal de trabalho”. Marx, na Crítica ao Programa de Gotha, mostra que, no
referido programa, a reivindicação era vaga, contrariamente a como todo partido operário fazia no período, pois
não fixava “a duração da jornada de trabalho que, sob condições concretas, é considerada normal”. Critica,
também, o programa separar a reivindicação pela “restrição do trabalho da mulher e proibição do trabalho
infantil” da reivindicação pela regulamentação da jornada de trabalho. K. MARX. Crítica ao Programa de
Gotha. In K. MARX e F. ENGELS. Obras Escolhidas. Vol. 2.São Paulo, Alfa-Ômega, s/d, p. 224.
34
de direitos vivida pela classe trabalhadora, em decorrência dos efeitos da acumula-
ção capitalista em suas vidas. É verdade que a derrota das revoluções proletárias de
1848
23
provocou um refluxo do movimento durante quase uma década
24
, retardando
o desenvolvimento de conquistas importantes. Todavia, como aponta Netto (1992, p.
51):
... tais derrotas constituíram o material histórico a partir do qual, prática e
politicamente, o proletariado começa a construir a sua identidade como
protagonista histórico-social consciente. É nos anos sessenta que o refluxo
mencionado se revertido como o indica a Associação Internacional
dos Trabalhadores. Inicia-se, então, um largo processo, que estará
consolidado às vésperas da Primeira Guerra Mundial, pelo qual a classe
operária vai elaborar os seus dois principais instrumentos de intervenção
sócio-política, o sindicato e o partido proletário.
1.2. Sindicatos, partidos e direitos do trabalho: em destaque, a programática
reformista
A crise capitalista de 1857-1858, provocava mudanças significativas na socie-
dade. Espraiava-se para a Rússia
25
e os Estados Unidos
26
, por exemplo, além da
Inglaterra, França, Alemanha e trouxe grandes repercussões tanto em termos de
desemprego, como de organização dos trabalhadores para resistirem. No processo
de resistência à crise, como a greve massiva realizada em Londres, em 1859
27
, os
23
“A República social apareceu como palavreado, como profecia, no limiar da Revolução de Fevereiro. Nos dias
de junho de 1848, ela foi afogada no sangue do proletariado parisiense, mas ronda, como fantasma, os atos
subseqüentes do drama”. K. MARX. O coup de main” de Luís Bonaparte. In Marx/Engels: História. F.
FERNANDES (org.). São Paulo, Ática, 1983b, p. 280.
24
O refluxo tem relação com as desilusões quanto às condições de realização da revolução nos moldes da
tradição blanquista, mas também em relação à política de alianças realizadas até então.
25
Na ssia, “põe-se na ordem do dia a questão da abolição da servidão. É a época das “grandes reformas”,
época em que se inicia um movimento revolucionário que, depois de 1860, conduz à formação de sociedades
clandestinas, das quais a mais célebre foi a Zemlia e Volia (Terra e Liberdade)”. D. RIAZANOV. Marx e Engels
e a história do movimento operário: conferências feitas em um curso para operários na Academia Comunista.
Moscou. (Col. Luta de classes; I). São Paulo, Global, 1984, p. 113.
26
Nos Estados Unidos, “aparece a questão da abolição. E esta questão mostra, muito mais que a russa, o
processo de internacionalização do mundo, que outrora se limitava a uma parte da Europa. O assunto da
escravidão, que parecia afetar somente os Estados Unidos, demonstrou ser muito importante para a Europa
mesma, a tal ponto que Marx, no prefácio do primeiro volume de O capital, declara que a guerra pela abolição da
escravatura na América é um indício de um novo movimento operário [...). Op. cit. nota 25, p. 113-114.
27
Para Riazanov, muitos “operários ficaram sem trabalho e constituíram um exército de concorrência com os
demais trabalhadores. Os industriais resolveram aproveitar-se desta circunstância para oprimi-los, abaixar os
salários e aumentar a jornada de trabalho, mas os operários responderam com essa greve de 1859. Além da re-
percussão internacional, a partir dessa greve dos operários da construção civil, várias assembléias e comícios
foram realizados e, no processo, nasceu, em Londres, o primeiro Conselho das Uniões Gremiais (trade-unions) o
qual ganhou bastante importância política, atuando “em todos os acontecimentos que interessavam aos operá-
rios”. Esse contexto sócio-histórico, portanto, significa um dos marcos da organização sindical dos trabalhado-
res, na sociedade do capital. Op. cit. notas 25 e 26, p. 118.
35
sindicatos e os partidos
28
tornaram-se, desde então, mecanismos políticos intima-
mente ligados aos problemas de existência e de luta dos trabalhadores, assinalando
a necessidade vital da classe trabalhadora de associar e lutar por direitos políticos e
sociais, portanto, contra o individualismo, eixo da sociedade do capital. Esse tem
sido um longo e árduo processo nada pacífico, que incluiu e inclui, ainda, ataques,
repressão e mortes.
Os eventos de 1848, mas também a Comuna de Paris
29
, são exemplos clás-
sicos desse processo e expressam uma grande importância para o avanço da cons-
ciência de classe dos trabalhadores e de suas lutas econômico-sociais e políticas.
Nesse caminho, foi construída a Associação Internacional dos Trabalhadores em
1864 (ou a I
a
Internacional)
30
, dando concretude inicial ao internacionalismo, um dos
princípios centrais da perspectiva marxiana, sendo, também, a culminação organiza-
tiva do período inicial de resistência do movimento operário às condições de explo-
ração capitalista. De classe em si os trabalhadores tornavam-se classe para si, a-
vançando em vários aspectos na conquista de direitos.
Na
Alemanha, por exemplo, observa-se a c
onstituição
do sistema previdenciário pelo
governo de Bismarck (
1879-1890). Para fazer frente às lutas da classe trabalhadora,
em 1883, Bismarck iniciou uma rie de seguros sociais, sendo o primeiro o auxílio-
doença, seguido, em 1884, do seguro acidente de trabalho e em 1889, do seguro
28
Cerroni define partido moderno como uma máquina organizativa com um programa político estruturado e
articulado de caráter nacional. Sua gênese não se localiza nos clubes ou comitês eleitorais franceses ou ingleses,
mas no partido operário-socialista, primeiro a se constituir dessa maneira. O partido operário-socialista é, portan-
to, um protótipo histórico-teórico capaz de explicar o nascimento do partido político moderno e do moderno
sistema de partidos. U. CERRONI. Teoria do Partido Político. São Paulo, Ed. Ciências Humanas. Col. História e
Política, 1982.
29
Ao analisar a Comuna de Paris, Marx reproduziu o manifesto do Comitê Central de 18 de março de 1871: “Os
proletários de Paris, em meio às derrotas e à traição das classes dominantes compreenderam que soou a hora em
que eles precisam salvar a situação, tomando em suas próprias mãos a direção das coisas públicas...
Compreenderam que é seu dever maior e seu direito absoluto fazerem-se senhores de sua própria história e
tomarem o poder governamental”. K. MARX. O que é a Comuna? Reproduzido de A Guerra Civil na França.
Manifesto do Conselho Geral da Associação Internacional do Trabalho. F. FERNANDES. (org.). Marx/Engels,
col. História. São Paulo, Ática, 1983b, p. 293.
30
Com a Internacional, que teve a participação de Marx, após a fundação, os trabalhadores organizaram seu
programa político próprio, sua ação social e sindical, além de elaborar o pensamento socialista moderno e de
colocar em movimento a construção de seus próprios partidos.
36
contra a velhice e invalidez
31
. Na França, em 1898 aprovou-se uma legislação volta-
da para os acidentes de trabalho.
Esses fatos demarcaram novidades na ação estatal frente à ortodoxia liberal,
embora ainda não significasse sua superação, porque as legislações e medidas de
política social ampliaram direitos, indo além de ações focalizadas nas situações mais
miserabilizadas e os seguros sociais começaram a incorporar uma concepção de
direitos. Engels, em 1892, no prefácio à edição alemã da obra A Situação da Classe
Operária na Inglaterra publicada originalmente em 1845
32
avalia que muitas
das situações descritas no livro, nos idos de 1845, faziam parte do passado. Embora
considerasse as ações da burguesia como meio de acelerar a concentração de capi-
tal, reconhecia que elas trouxeram melhorias às condições de vida dos operários,
identificando tais mudanças como fruto da luta proletária. Para ele, as empresas
maiores reconheciam que enfrentavam muitos prejuízos e dificuldades comerciais
caso houvesse graves conflitos com os operários. Dessa forma, ao longo dos tem-
pos, desenvolveu-se uma nova tendência entre os empresários, voltada para evitar
conflitos, reconhecendo os sindicatos.
Barroco (2001) aponta que, na Europa Ocidental, a emergência do proletaria-
do no cenário político, a partir da segunda metade do século XIX, foi responsável
pela materialização do que passou a denominar-se questão social, a qual explicitou
as seqüelas do capitalismo na vida dos trabalhadores, tanto daqueles que situam-se
no exército ativo, quanto dos que “vegetam na esfera do pauperismo”, nos termos de
Marx (1988), mas, também, as lutas por direitos de seus setores organizados. As-
sim, o reconhecimento da assunção do proletariado como sujeito revolucionário não
é uma dedução abstrata, mas um processo social real e objetivo decorrente de um
conjunto de transformações econômicas, políticas e sócio-culturais. Concordamos
com Santos (1998) quando ela afirma que essas transformações engendraram uma
insolúvel contradição entre a dimensão emancipatória da razão moderna (ilustrada)
e as necessidades da acumulação capitalista, garantidas a qualquer preço pela do-
minação de classe da burguesia.
31
Evoluiu, posteriormente, para um plano de seguro social obrigatório, abrangendo outros aspectos da vida Seu
financiamento era dividido entre empregadores, trabalhadores e o Estado. Somente o trabalhador tinha direito à
proteção social, desde que houvesse contribuição, tratando-se, portanto, de seguro.
32
Em 1845, na citada obra, Engels faz uma descrição minuciosa das condições miseráveis da classe operária na
Inglaterra. F. ENGELS. A Situação da Classe Operária na Inglaterra. São Paulo, Boitempo editorial, 2008.
37
Para Vianna (1978, p. 6), o liberalismo foi compelido a assimilar a democraci-
a. O autor identifica esse fenômeno porque os dois conceitos não são coincidentes,
tanto em relação ao “significado”, quanto à “sua produção na história do pensamento
político”. As atuais democracias liberais primeiro foram liberais e, posteriormente,
tornaram-se democráticas, que a abertura do pacto liberal deu-se por força da a-
ção de movimentos sociais até então situados fora do sistema político. Ao tratar des-
sa diferença Dias (2006, p.15) lembra a posição do “teórico elitista Ortega y Gasset,
em La rebelión de las massas”, que assim se referia: “No século dezenove os libe-
rais estavam no poder e os democratas na cadeia”. Significava, essa idéia, que os
liberais pertenciam às classes dominantes e os democratas ou pertenciam à “minoria
burguesa” ou ao “proletariado organizado”. Não havia coincidência entre liberalismo
e democracia, sendo que a polarização intensa entre os dois sistemas começou a se
dar, ainda segundo o autor, “a partir do momento em que os subalternos não se con-
formam mais em viver passivamente, mas desejam redefinir seu local na Ordem”
burguesa. A ultrapassagem da ortodoxia liberal teve seus momentos iniciais, incipi-
entes, no processo mesmo de constituição do projeto reformista burguês, mas tam-
bém de extensão de suas influências ao movimento operário.
O movimento que determinou uma intervenção mais incisiva do Estado, para
Netto (1992, p. 31), nasceu do “novo dinamismo político e cultural que passou a
permear a sociedade burguesa [...]” mas explicitou, no processo, a confluência de
“exigências econômico-políticas próprias da idade do monopólio” com o “protago-
nismo político-social das camadas de trabalhadores, especialmente o processo de
lutas e de auto-organização da classe operária”, seja através de partidos, seja atra-
vés dos sindicatos. A burguesia, para enfrentar o processo desencadeado pelos tra-
balhadores, construiu um movimento político com propostas de reformas, uma vez
que apenas o uso da borduna, nos termos de Netto (1992, pp.61-62), não era mais
suficiente.
Com ampla repercussão na opinião pública, esse novo reformismo existia em
elementos esparsos em toda a Europa, mas a sua expressão cristalina localizava-se
na Inglaterra, através da Sociedade Fabiana e sua programática
33
. Os socialistas
33
Para Netto, a programática trazia uma projeção “socialista” palatável aos novos estratos “médios” e digerível
pela burguesia monopolista. “Propondo um “socialismo” que se desenvolve no interior do próprio marco burguês
(ou seja: sem supor uma ruptura política com ele) mediante a estatização, a municipalização e a política fiscal,
38
fabianos, dentre os quais encontrava-se Beveridge, organizador do sistema de segu-
ridade social moderno, também são identificados por Pereira (2003) como importan-
te força política, no período, com sua bandeira da prevenção. Articulavam-se com o
partido trabalhista, na Inglaterra, e exigiam mudanças na ação do Estado em relação
à questão social
34
. Mas outras correntes do universo burguês, no período
35
, também
ocupavam-se em construir um projeto societário contraposto ao projeto proletário,
como a Igreja Católica, por exemplo, que pretendia assegurar a ordem, identificando
as lutas dos trabalhadores com desordem a ser combatida.
Em defesa de um projeto de classe, o projeto liberal já tornara-se tolerável pa-
ra a Igreja Católica
36
, a qual dava ênfase à reatualização dos valores morais e dos
modos de vida tradicionais. A Igreja Católica e os liberais colocavam-se juntos contra
o inimigo comum: os movimentos socialistas de base proletária e marxista, os quais
negavam radicalmente a propriedade privada — considerada “direito sagrado”
37
para
a burguesia de qualquer concepção religiosa, política ou filosófica. Tratava-se de
um projeto cujas propostas eram funcionais à acumulação capitalista em sua fase
monopólica, caracterizando-se pela combinação concreta do pensamento conserva-
dor com o reformista.
No âmbito do movimento socialista, entre o final do século XIX e inícios do
os fabianos estabelecem um projeto político gradualista e parlamentar-constitucional e se lançam a um ambicio-
so esforço de divulgação e difusão de suas idéias”. J. P. NETTO. Capitalismo Monopolista e Serviço Social. São
Paulo, Cortez, 1992, pp. 61-62.
34
Nesse contexto, fundaram a London School of Economics universidade que subsidiava suas propostas
econômicas e sociais com estudos e pesquisas. P. A PEREIRA. Por que também sou contra a focalização das
políticas sociais. Brasília. NEPPOS/CEAM/UnB, 2003.
35
Não se pode negar a diferenciação de projetos cio-políticos existente no seio da burguesia. O
desenvolvimento das forças produtivas complexificou a classe operária, mas incidiu, também, no universo da
burguesia. Aqui nos reportamos a dois vetores — os fabianos, concentrados na Inglaterra e os intelectuais
ligados à Igreja Católica, em especial na França e Bélica — uma vez que ganham relevo para o tema em debate.
36
As forças conservadoras da Igreja Católica — derrotadas anteriormente pela burguesia — não mais
pretendiam derrubar a ordem burguesa e restaurar o antigo regime, construindo, assim, uma identidade com os
seus setores reformistas.
37
Marx demonstrara que a Comuna de Paris tinha sido uma experiência “assustadora” para a burguesia em geral
e, dentro dela, os conservadores católicos. Para ele, dentre todas as medidas revolucionárias de um governo da
classe trabalhadora, a Comuna “tratou de quebrar o instrumental de repressão espiritual, o poder dos padres e
religiosos, decretou a separação entre Igreja e Estado (Auflösung) e a expropriação (Enteignung) de todas as
Igrejas na medida em que eram corporações com propriedades. Os padrecos foram mandados de volta ao retiro
da vida privada para, a exemplo de seus antecessores, os apóstolos, viverem de esmolas dos crentes”. Mas a
Comuna quis acabar, também, com “aquela propriedade classista que transforma o trabalho de muitos na riqueza
de poucos. Ela pretendia a expropriação dos expropriadores”. A ação da comuna a qual Marx refere-se não
marcou a burguesia apenas no período de vigências da Comuna, mas historicamente, em especial, por que a
crítica marxiana radical contra a propriedade privada não a deixava esquecer. No período de que falamos, apesar
da distância em termos cronológicos, a questão permanecia viva. K.MARX. O que é a Comuna? F.
FERNANDES. (org.). Marx/Engels, col. História. São Paulo, Ática, 1983b, pp. 296 e 299.
39
XX, a influência dessa concepção reformista também comparece
38
em quase “todas
as expressões nacionais do movimento operário”. Todavia, para Netto (1992, p.62),
a maior influência nota-se na “vertente interpretativa do pensamento derivado de
Marx, que ficaria conhecido como revisionismo”. A heterogeneidade do movimento
político-partidário do proletariado expressava-se, no período, pelo “vetor
revolucionário vinculado ao pensamento de Marx”, e pelas tendências situadas no
campo da reforma, tendo Bernstein
39
como figura central.
Bernstein defendia que as lutas voltadas para avanços na ordem burguesa
deveriam ser tratadas como eixo central do Partido Social-Democrata. Conforme
Santos (1998, pp.149-50), Bernstein entendia que essas lutas, ao serem
desenvolvidas, converteriam a sociedade em uma “uma estrutura socialista, sem
traumatismos de qualquer espécie e sem qualquer violência legal” e que, no
movimento reformista, estavam incluídos os “fins socialistas”, tornando-se
dispensáveis para a social-democracia (SANTOS, 1998, pp.149-150). Suas posições
atingiram o movimento socialista em seu conjunto, em especial as forças políticas da
Segunda Internacional
40
que replicaram contrariamente, do “centro”, representado
38
O embate entre as correntes socialistas tendo como conteúdo uma gama de diferenciações encontra-
mos em Marx contra Bauer e Proudhon. “Marx e Proudhon mantiveram um ativo intercâmbio intelectual entre
1845 e 1846. Contudo, ambos evoluíram em sentido inverso na década de quarenta. Marx evoluiu do radicalismo
democrático para a perspectiva revolucionária proletária (comunista); Proudhon, ao contrário, desloca-se de uma
posição revolucionária para uma angulação reformista: deixa de ver a propriedade como um roubo (O que é a
propriedade? de 1841), para pretender cozinhá-la a fogo lento (Filosofia da miséria ou o sistema das contradi-
ções econômicas, de 1846)”. Na obra Miséria da filosofia, “Marx realiza uma crítica textual e contextual de
Proudhon. No primeiro nível, mostra a fragilidade dos argumentos de Proudhon sobre a categoria econômico-
política do valor. O pensador francês não consegue apreender teoricamente os traços mais decisivos do movi-
mento do capital e, por via de implicação, as respostas revolucionárias da classe operária. No nível da crítica
interna, Marx demonstra a mistificação idealista sobre as determinações da Economia Política, o que, por si só,
lhe vedava, a Proudhon, a compreensão da sociedade burguesa. Porém, a crítica interna de Marx se conjuga com
a crítica contextual: a limitação da proposta socialista de Proudhon é precisamente a sua referencialidade de
classe, que o impede de apreender o potencial progressivo do sindicalismo operário (as coalizões, no léxico mar-
xiano da época), bem como o leva a subestimar a relevância da participação política dos trabalhadores enquanto
classe”. C.SANTOS. Marx e a crítica da reforma, Rio de Janeiro, UFRJ, 2005, p. 3.
39
Netto aponta que Bernstein negou os pilares sobre os quais se ergue e se mantém o pensamento marxiano.
“Primeiro, [negou] a teoria do valor de Marx. Na medida em que [...] cresciam [...] pequenos empreendimentos,
dando origem a amplos setores médios, entendia que os processos de exploração estavam se reduzindo. A teoria
de valor de Marx, então, não dava para explicar a economia contemporânea [entre 1896-1899] [...]. Segundo,
o que havia de equívoco na obra de Marx se devia a uma fundamentação naquilo que para Bernstein era
puramente metafísico, era algo que não resistia às exigências da reflexão cientifica: a dialética hegeliana.
Terceiro, negou a noção de revolução. Para ele, [esta era] uma noção anacrônica. [Estavam criadas as]
possibilidades de um processo de constituição do socialismo por via evolucionária”. J. P. NETTO. Anotações de
aula do Curso Políticas Sociais. Paradigmas de Análise de Conjuntura. Curso de Doutorado em Serviço Social.
Rio de Janeiro, UFRJ: 21/09/05.
40
A II Internacional teve como centro a Alemanha, foi fundada em 1889, por ocasião do centenário da Revolu-
ção Francesa e teve vigência até a Primeira Guerra Mundial, quando passou por uma crise devastadora, em de-
40
por Kautsky, à “esquerda”, representada por Rosa Luxemburgo
41
.
Netto (1992, p.63) mostra que não havia uma identificação mecânica da
programática revisionista com o reformismo burguês. Todavia, elementos
significativos dele constavam nos itens estratégicos do revisionismo, como “a recusa
da ruptura política com os marcos burgueses, o gradualismo, o pragmatismo” e,
muito particularmente, o evolucionismo, que é a “síntese fundamental do projeto
político” de Bernstein, significando a inscrição inexorável da transição socialista na
“lógica do desenvolvimento histórico-social”. O autor considera que a “programática
revisionista pode ser pensada como a face operária do novo reformismo burguês”.
Reformismo este que se tornava cada vez mais necessário à medida em que o
capitalismo monopolista se consolidava, avançando, ainda mais, a partir da Primeira
Guerra Mundial e a Revolução Russa, de 1917
1.3. Guerras, revoluções e reformas: a generalização dos direitos do trabalho
A Primeira Guerra Mundial
42
e a Revolução Russa, em 1917, foram funda-
mentais quando falamos em direitos do trabalho. É demonstrativo disto, a conces-
são, em quase toda a Europa, da exigência principal dos agitadores socialistas des-
de 1889, por exemplo: “o dia de trabalho de oito horas” (HOBSBAWM, 1996, p.128).
Ou seja, a possibilidade de revoluções como a Russa não afetou apenas aos países
da Europa, mas ao mundo capitalista, tornando-se a primeira razão para o Tratado
de Versalhes, realizado em 1919
43
.
corrência da posição de grande parte de seu membros em favor dos créditos de guerra de seus respectivos países,
contra a posição assumida pela Internacional.
41
Não cabe explicitar este debate, aqui, pois não constitui-se foco de nosso estudo. Para um aprofundamento
C.SANTOS oferece instigantes estudos em “Marx e a crítica da reforma”, Rio de Janeiro, UFRJ, 2005 e “Refor-
ma/Revolução”: pólos de tensão na constituição do movimento socialista. Tese de Doutorado em Serviço Social.
São Paulo, PUC-SP, 1998, p.149-150. Encontramos excelente material, também, em M. BRAZ: Partido Proletá-
rio e Revolução: sua problemática no século XX. Tese de Doutorado em Serviço Social. Rio de Janeiro, UFRJ,
2006.
42
A Primeira Guerra Mundial foi detonada, dentre vários determinantes, pela partilha do mundo entre as grandes
potências capitalistas imposta no período. “Nestes últimos anos, todos os territórios livres do globo, com exceção
da China, foram ocupados pelas potências da Europa ou pela América do Norte. Produziram-se já, com base
nisto, alguns conflitos e deslocações de influência, precursoras de transformações mais terríveis em um futuro
próximo”. J.E. Driault. Problèmes politiques et sociaux, 1900, p.299. Apud V.I. LENIN. O imperialismo: fase
superior do capitalismo (ensaio popular). In Obras Escolhidas. Vol. 1, 2
a
ed. São Paulo, Alfa-Ômega, 1982, p.
640.
43
Além dessa primeira razão, as demais referem-se: 2) à necessidade de controlar a Alemanha; 3) à redivisão do
mapa da Europa “tanto para enfraquecer a Alemanha quanto para preencher os grandes espaços vazios deixados
na Europa e no Oriente Médio pela derrota e colapso simultâneos dos impérios russos, habsburgo e otomano
41
Tendo em vista, então, o perigo vermelho, criou-se a Organização
Internacional do Trabalho (OIT)
44
, neste mesmo ano, objetivando padronizar a
intervenção estatal nas relações de trabalho (RODRIGUES, 2006). Outubro de 1917,
pois, inaugurou um período diferente na relação de forças entre as classes,
permitindo avanços para os direitos dos trabalhadores, no mundo capitalista como
um todo, incluindo o Brasil, como se poderá observar no capítulo II.
Evidentemente, em muitas situações, atos brutais de repressão combinavam-
se com a implantação de direitos, não havendo apenas avanços, que a revolução
produzira o seu contrário, também: a reação organizada e concertada da burguesia,
para quem a possibilidade de transformação dos conflitos sociais em revoluções
tornava-se muito concreta. As insurreições, rebeliões e greves operárias ocorridas
foram rigorosamente massacradas, em muitos países. Verificamos, aí, o assassinato
de Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht em 1919, na Alemanha, mas também a
repressão sobre o movimento operário no norte da Itália entre 1919 e 1920,
provocando um arrefecimento da disposição revolucionária. No mesmo movimento,
a crise do capital de 1929-32, desencadeada a partir dos EUA e que atingiu o mundo
capitalista, tornou-se outro elemento a engendrar um retrocesso político significativo,
afetando todas as dimensões da vida em sociedade, com o surgimento do
fascismo
45
e todas as conseqüências advindas dele, incluindo sua vertente nazista
46
.
[...]”; 4) aos atritos “entre os países vitoriosos — o que significava na prática, Grã-Bretanha, França e EUA [...]”
5) à busca de um “acordo de paz que tornasse impossível outra guerra como a que acabara de devastar o mundo e
cujos efeitos retardados estavam em toda a parte”. E. HOBSBAWM. Era dos Extremos: o breve século XX:
1914-1991. São Paulo, Companhia das Letras, 1996, p. 39.
44
A OIT, como órgão tripartite, tinha representação do governo (com peso dois), da burguesia (com peso um) e
dos trabalhadores (com peso um). Em que pese a desigualdade, pelo caráter classista do Estado, a OIT foi
estruturada para que suas decisões se dessem por consenso, o que possibilitou, juntamente com a correlação de
forças que se construiu, no período, decisões bastante avançadas a partir daí e muito produtivas na “época de
ouro” do capitalismo. N. RODRIGUES. Desmonte do Estado e do Direito do Trabalho: Resistência
Internacional. Palestra organizada pelo Grupo de Pesquisa Seguridade Social, Organismos Internacionais e
Serviço Social. Rio de Janeiro, LOCUSS, ESS, CFCH, UFRJ, 25/09/2006.
45
O fascismo foi gestado, conforme Hobsbawm, por um “Estado velho”, que tinha muito de seus mecanismos
dirigentes sem funcionamento; por um grande número de pessoas desencantadas (com a situação econômica) “e
descontentes, não mais sabendo a quem ser leais”; mas, também, em função dos fortes “movimentos socialistas
ameaçando ou parecendo ameaçar com a revolução social, mas não de fato em posição de realizá-la”. É também
uma das razões, para o autor, “uma inclinação do ressentimento nacionalista contra os tratados de paz de 1918-
20”. E. HOBSBAWM. Era dos Extremos: o breve século XX: 1914-1991. São Paulo, Companhia das Letras,
1996, p. 130. O filme O Ovo da Serpente, de Ingmar Bergman, de 1977, que se passa na década de 30, numa
Alemanha assolada pela Grande Depressão, mostra que este tipo de conformação de regime político não nasce da
noite para o dia, mas é gestado com cnica e tenacidade a partir da miséria, do desencanto e do preconceito,
dentre inúmeros outros determinantes sociais, políticos e ídeo-culturais.
42
Ao mesmo tempo, a crise promoveu uma inflexão na atitude da burguesia
quanto à confiança cega nos automatismos do mercado. Ou seja, a ortodoxia liberal,
cujos pressupostos centravam-se no equilíbrio natural da economia, na aceitação da
oferta como geradora de sua própria demanda (Lei de Say) e, por via de
conseqüência, no laissez-faire como modelo de concorrência perfeita, foi superada
pela realidade (BEHRING, 1998), trazendo novos direitos para o trabalho
47
.
Juntamente com ações para superação da crise, a burguesia reagia à
Revolução, segundo Coutinho (2007, p.3), adotando “algumas de suas conquistas,
como, por exemplo, elementos de economia programática” para tentar “neutralizá-la”
e um conjunto exemplar de ações repressivas. Esta época expressa, nos termos do
autor, os principais fenômenos do pós-Primeira Guerra no mundo capitalista
ocidental: o americanismo e o fascismo.
Hobsbawm (1996, p.130) mostra que o fascismo, incluindo sua vertente
nazista, buscou “acabar com a Grande Depressão mais efetivamente do que
qualquer outro governo”, rompendo a crença no “livre mercado”, sendo muito
importante à essa fase da acumulação capitalista. Mas também atingiu os
trabalhadores porque buscava mobilizar as “massas de baixo para cima”
1
, com
programas sociais, ao mesmo tempo em que perseguia suas organizações,
chegando ao extermínio físico dos comunistas, por exemplo (HOBSBAWM, 1996,
pp.131-132). Nesse caminho, o nazismo eliminou os sindicatos, derrubou limitações
às ações dos empresários junto à força de trabalho, assegurou “uma solução
extremamente favorável da Depressão para o capital”. Mas, fundamentalmente,
derrotou “a revolução social esquerdista”, parecendo “o principal baluarte contra ela”.
Todavia, o americanismo, o fascismo e mesmo as reformas iniciadas em
diversos países europeus não atenuaram a crise em termos mundiais, constituindo-
46
O primeiro dos movimentos fascistas foi o italiano, de onde originou-se o nome do fenômeno, sob a liderança
de Benito Mussolini. Entretanto, para Hobsbawm, sem “o triunfo de Hitler na Alemanha no início de 1933, o
fascismo não teria se tornado um movimento geral”. Além disso, se a Alemanha não estivesse, no período, con-
seguindo contornar seus problemas econômicos, tornando-se internacionalmente uma potência mundial bem
sucedida, o fascismo incluindo sua vertente nazista de acordo com o autor, não teria impactado o mundo
como o fez. E. HOBSBAWM. Era dos Extremos: o breve século XX: 1914-1991. São Paulo, Companhia das
Letras, 1996, p.120.
47
Nos EUA, por exemplo, o New Deal, expresso por uma forte intervenção do Estado na ordem econômica; uma
política de assistência para os trabalhadores desempregados e de proteção social, com o seguro social, foi im-
plantado entre um conjunto de medidas. Criou-se a Social Security Act, em 1935, que, embora incompleta, tor-
nou-se a Seguridade Social Americana.
43
se, ela, um dos determinantes fundantes da Segunda Guerra Mundial, iniciada ainda
na década de 1930, na Europa
48
, e finalizada em 1945 com a aliança entre
Inglaterra, URSS, França e Estados Unidos
49
.
Após a Segunda Guerra Mundial identificamos significativos avanços para os
direitos do trabalho. No processo, o papel da Organização das Nações Unidas (O-
NU)
50
, criada em 1945 foi fundamental. No artigo 1
0
da Carta que a constitui, traz a
defesa dos Direitos Humanos pela primeira vez, permitindo posteriormente abranger
nessa categoria todos os demais, inclusive os trabalhistas. Em 1946, assimilou a
Organização Internacional do Trabalho (OIT) que apresentava, no período, os se-
guintes objetivos:
promoção do pleno emprego;
reconhecimento do direito à negociação coletiva;
melhoria dos níveis de vida dos trabalhadores;
políticas objetivando divisão eqüitativa da renda e garantia da justiça soci-
al.
Também nesse período foram criados no mundo capitalista: o Banco Interna-
cional de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD), mais conhecido como Banco
Mundial (BM), em 27 de dezembro de 1945, o Fundo Monetário Internacional (FMI),
instalado em de março de 1947
51
e a Organização para a Cooperação
Econômica Européia (OCEE), criada em 16 de abril de 1948
52
, hoje Organização
48
Esse conflito mundial foi deflagrado pelos países do chamado Eixo, Alemanha, Itália e Japão, tendo a
Alemanha como pilar central, os quais tinham objetivos expansionistas e militaristas.
49
A complexidade que envolve a Segunda Guerra Mundial, bem como a questão dos “aliados” e da participação
da URSS nesse conjunto foge ao escopo desse debate, valendo mencionar apenas que, de 1941 a 1945, o Eixo
passou a sofrer derrotas militares, as quais foram iniciadas na Rússia, pelo Exército Vermelho. O final da Segun-
da Guerra foi precedido por um bombardeio atômico, pelos EUA, sobre Hiroshima e Nagazaki, provocando a
morte de milhares de japoneses, deixando um rastro de destruição nestas cidades. Juntamente com comunistas,
judeus e povos de outros países, essa guerra contabilizou, então, um saldo de aproximadamente 50 milhões de
mortos. Para um entendimento maior da questão, HOBSBAWM traça um quadro instigante em sua obra: A Era
dos Extremos: o breve século XX 1914-1991. São Paulo, Companhia das Letras, 1996, em especial, capítulo
5.
50
A ONU é dirigida por um Secretário Geral, mas sua efetiva direção política tem sido dada pelo Conselho de
Segurança, detentor de poder de veto, composto de cinco países Estados Unidos, China, Rússia, Reino Unido
e França.
51
Em de julho de 1944, 44 países participaram de um encontro, em Bretton Woods, localidade situada nas
montanhas de New Hampshire, Estados Unidos, cujo objetivo era discutir a economia e seu funcionamento no
pós-guerra. Os EUA e a Inglaterra (que tinha o economista Keynes como dirigente de sua delegação) foram os
principais participantes dessa Conferência, sendo que, o acordo, assinado no dia 22 de julho de 1944, tratava de
três temas fundamentais: sistema monetário internacional, regras comerciais e planos de reconstrução para as
economias destruídas pela guerra. http://www.imf.org. Consultado em abril de 2008.
52
O BM tinha como objetivos o financiamento de projetos de recuperação de países e a construção do que fosse
necessário ao desenvolvimento econômico em termos de infra-estrutura, o FMI objetivava financiar países com
44
para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)
53
. A condução política
da economia mundial encontrava-se partilhada entre essas organizações e a ONU.
O prestígio político da URSS pelo papel desempenhado no desfecho da guer-
ra interferiu sobremaneira na relação de forças entre as classes internacionalmente
falando. Dentre inúmeras conseqüências, esse processo resultou, como aponta Braz
(2006), em uma divisão do mundo em “zonas de influência” e a Guerra Fria. Mas isto
significou também importantes vitórias dos partidos comunistas em diferentes paí-
ses
54
, tanto capitalistas quanto do Leste Europeu libertos pelo Exército Vermelho e,
ao mesmo tempo, as organizações sindicais e partidárias dos trabalhadores, sejam
de comunistas ou socialistas, ganharam influência mundial
55
. Considerando a hege-
monia “dos comunistas nas chamadas democracias populares”, para Braz (2006,
pp.229-230), esse período caracterizou-se “como o auge do movimento comunista
depois da Revolução Russa” e, dentre vários elementos
56
, defrontou a burguesia
internacional com a possibilidade de uma revolução proletária mundial, concorrendo
favoravelmente, para isso, “o desgaste real das populações que viveram a guerra”
(BRAZ, 2006, pp.240-241).
Os sinais revolucionários ecoavam nas colônias asiáticas, na África, ao sul e
ao leste da Europa e em países latino-americanos, com destaque para a Revolução
Chinesa e a Cubana, as guerras de libertação, descolonização, do Vietnã e outras
situações. Em conformidade ainda com o autor, os movimentos como um todo indi-
cavam ao mundo capitalista que “apenas os meios bélicos não se mostravam sufici-
entes para combater o “perigo” revolucionário”. Urgia a construção de “mecanismos
déficits nas contas externas, em decorrência de conjunturas internacionais adversas e a OCEE tinha o propósito
de coordenar o Plano Marshall.
53
A OCDE foi criada em 30 de setembro de 1961, substituindo a Organização para a Cooperação Econômica
Europeéia (OCEE). Hoje, coloca-se como uma organização mundial e não apenas européia de “países
comprometidos com os príncipios da democracia representativa e da economia de livre mercado”, com sede em
Paris, França. Site da OCDE. http://www.oecd.org. Consultado em fevereiro de 2008.
54
“Passaram a compor governos originários da Resistência, [...], até fins de 1947 [...] e galgaram espaços signifi-
cativos nos parlamentos europeus. O prestígio soviético estendido aos partidos comunistas possibilitou a eleva-
ção espetacular de filiações de militantes advindos das lutas de libertação, compreendendo estudantes, intelectu-
ais e operários”. M. BRAZ. Partido Proletário e Revolução: sua problemática no século XX. Tese de doutorado
em Serviço Social. Rio de Janeiro, UFRJ, 2006, pp.229-230.
55
Segundo Braz, em 1945, organizou-se uma internacional sindical, pela esquerda — que desde 1917 não
alcançava esse nível de articulação — a Federação Mundial Sindical (FSM). Op. cit nota 54.
56
Havia uma combinação entre o auge do movimento comunista, a decadência relativa das instituições
burguesas, ou seja, o relativo enfraquecimento de seus mecanismos de dominação”, com os “riscos e
definições” que a Segunda Guerra Mundial abrira na economia capitalista mundial. Op. cit notas 54 e 55,
pp.229-230.
45
mais manipulatórios e [...] de políticas de cooptação ideológica”, pois a “forma para a
manutenção da hegemonia deveria se dar mais pelo consenso do que pela força”.
Para salvar o capitalismo, os países da Europa e os EUA, mesmo discordando “em
questões estratégicas e que colidissem seus interesses em algumas regiões”, ti-
nham como centro promover um “cerco a uma saída socialista”. Além de ações de
caráter militar e de organizações comuns de defesa
57
, deveriam ser adotadas ações
econômicas, sociais, ídeo-culturais, políticas, tanto em âmbito das nacionalidades
quanto em termos internacionais
58
.
A campanha anti-comunista, do perigo vermelho, se fazia acompanhar de
uma política de desenvolvimento econômico, no caso da Europa, para recuperar-se
da guerra, e da criação de um ampliado espectro de direitos políticos e sociais, tanto
nos EUA quanto na Europa. Do ponto de vista econômico, o capitalismo monopolista
viveu, a partir de então, como sinalizam Netto e Braz (2007, p.195), ”uma fase úni-
ca”. Durante quase trinta anos, com a onda longa expansiva, ocorreram “resultados
econômicos nunca vistos, e que não se repetiriam mais”. As crises cíclicas tiveram
“seus impactos [...] diminuídos pela regulação posta pela intervenção do Estado”,
fundada no ideário keynesiano.
O keynesianismo tem como eixo um conjunto de medidas de natureza pública
para combater as crises cíclicas do capitalismo. A ruptura com a ortodoxia liberal se
colocava, então, em decorrência da necessidade de contenção da queda da deman-
da efetiva, ou seja, como aponta Behring (1998, p.165), da “ausência de meios de
pagamento no mercado”, cuja origem encontra-se “nos movimentos especulativos
dos empresários quando são tomados pelo pessimismo em relação à eficiência mar-
ginal do capital e que geram desequilíbrio, instabilidade, crise”. Nessa concepção, é
fundamental a elevação da remuneração dos trabalhadores com a justificativa de
57
Os países capitalistas criaram duas organizações importantes no período: em 1948, a Organização dos Estados
Americanos (OEA) e em abril de 1949 a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN).
58
Foi formada, na época, a “Comunidade Européia”, uma “forma de organização sem precedentes, ou seja, um
arranjo permanente (ou pelo menos duradouro) para integrar as economias” e, em alguma medida, “os sistemas
legais de vários Estados-nação independentes”. Os países que a compunham, inicialmente, eram França,
República Federal da Alemanha, Itália, Países Baixos, Bélgica, Luxemburgo. Posteriormente integraram a União
Européia a Grã-Bretanha, Irlanda, Espanha, Portugal, Dinamarca e Grécia. A organização colocava-se “ao
mesmo tempo a favor e contra os EUA”, mas mantinha-se permanentemente ligada aos estadunidenses em uma
“aliança anti-soviética”. Nos EUA, Washington introduziu “o caráter de cruzada na Realpolitik de confronto
internacional de potências e o manteve lá”. M. BRAZ. Partido Proletário e Revolução: sua problemática no
século XX. Tese de doutorado em Serviço Social. Rio de Janeiro, UFRJ, 2006, pp.240-241. E. HOBSBAWM.
Era dos Extremos: o breve século XX: 1914 - 1991, São Paulo, Companhia das Letras, 1996.
46
incidência desse elemento no aumento da demanda efetiva no sistema, porque pas-
sa a existir uma possibilidade maior de aquecimento das vendas e diversificação do
sistema produtivo, dando origem a novos ramos de produção e produtos diferentes.
Significa dizer que, se uma elevação do
rendimento de parcelas significativas dos
assalariados, eleva-se o consumo, possibilitando a criação e manutenção do empre-
go de muitos trabalhadores, o que gera, por sua vez, aumento da demanda efetiva.
A perspectiva é a elevação da demanda global, sendo decisiva, para isto, a ação do
Estado. Torna-se necessário uma articulação maior das funções econômicas e polí-
ticas do Estado, já que o pressuposto é materializar-se algum nível de controle sobre
o ciclo do capital para contenção da queda da taxa de lucro, evitando-se, assim, a
crise. Por isso, a proposição de mecanismos como: planificação indicativa da eco-
nomia; política salarial e de controle de preços; política fiscal que engloba, dentre
outras coisas, a renúncia fiscal; maior oferta de crédito concertada com uma política
de juros; e políticas sociais.
Nos países capitalistas centrais, a burguesia levou o Estado a intensificar o fi-
nanciamento do crescimento, regulando a atividade produtiva. No mesmo movimen-
to, adotou legislações trabalhistas e políticas sociais sob inspiração das políticas
keynesianas, combinadas ao paradigma de acumulação capitalista fordista/taylorista.
O binômio fordista/taylorista passou a vigorar após a Segunda Guerra Mundi-
al, segundo Antunes (2001, p.36-37), através de uma produção homogênea e verti-
calizada, concentrando a maior parte da produção, recorrendo ao fornecimento ex-
terno de maneira apenas secundária, voltada para a racionalização e o combate ao
desperdício, com redução do tempo e intensificação do ritmo de trabalho. Baseado,
fundamentalmente, na expropriação do conhecimento anteriormente construído pe-
los trabalhadores, bem como no trabalho parcializado e fragmentado, esse binômio
promoveu a desantropomorfização do trabalho, convertendo-o em apêndice da má-
quina-ferramenta sendo que, “à mais-valia extraída extensivamenteavançava-se a
sua “extração intensiva”
59
.
No Japão, após a Segunda Guerra Mundial, houve um grande desenvolvi-
mento do toyotismo, cujos princípios, segundo Tumolo (2002, p.31) são a “autono-
59
O tema é objeto de um aprofundado estudo de R. ANTUNES em Os sentidos do trabalho: ensaio sobre a afir-
mação e a negação do trabalho. 5
a
edição, São Paulo, Boitempo, 2001.
47
mação” e a “auto-ativação”, que “provocam, de um lado, a desespecialização e a
polivalência operária e, de outro, a intensificação do trabalho, que constituem as du-
as faces de um mesmo e único movimento”. Outros princípios são o just in time e o
método Kanban. O just in time nasce da primazia do comercial, o qual implica na
produção do que se encontra comercializado, sem economias de escalas, sem
estoque, com produtos diversificados e no tempo absolutamente necessário, incluin-
do o transporte e o controle de qualidade, buscando a eliminação maior possível do
desperdício. O centro, neste modelo, é o “estoque zero”, perseguindo custos cada
vez mais baixos e a produção, então, é dirigida pela demanda ou pelo consumo. O
Kanban constitui-se de placas, que funcionam como senhas, para efetivar a reposi-
ção de peças. É fundamental no processo pois é no seu final, ou seja, no momento
da venda, que se dá o início da reposição de estoque.
É importante destacar que a Toyota, para implantação desse modelo, teve de
derrotar o movimento dos trabalhadores, em especial os seus setores combativos. A
vida sindical, no Japão, passou por uma reorganização profunda e os sindicatos
combativos deixaram de existir, com sua substituição por sindicatos internos ou “de
empresa”, cujo funcionamento segue as regras estabelecidas por elas. Contraparti-
das como legislações trabalhistas, tendo como base os princípios do emprego vitalí-
cio e da senioridade
60
, acompanhadas da “opressão sobre os trabalhadores através
da identidade da vida da empresa com a vida pessoal e da autonomia controlada, se
tornaram as condições de eficácia do modelo japonês” (TUMOLO, 2002, p.34) que
apresenta, pois, dificuldades em conviver com a heterogeneidade. Ou seja, ao mes-
mo tempo em que prima pela flexibilização no processo de trabalho tem como carac-
terística uma tendência à rigidez no controle de pessoas ou grupos que possam con-
testar, opor-se ou mesmo apresentar-se como diferentes.
Mas o ideário keynesiano, diretriz ideológica da burguesia, que parametrava
sua ação econômico-política, no período, influenciava em termos mundiais, objeti-
vando evitar que os conflitos sociais colocassem em risco o sistema e a acumulação
capitalista e, para Hobsbawm (1996, p.111), mostrava-se uma “alternativa à econo-
mia do livre mercado em bancarrota”, desenvolvida efetivamente no período da
Guerra Fria. Assim, a combinação políticas keynesianas e binômio fordismo-
60
Hoje, com a crise, esses direitos restringem-se cada vez mais a uma pequena parcela dos trabalhadores.
48
taylorismo, nos países capitalistas ocidentais e toyotismo, no Japão, formatou os
direitos do trabalho através de legislações trabalhistas, garantia de pleno emprego e
ampliação de políticas sociais, materializadas nos sistemas de seguridade social
61
,
assentadas nos discursos de "desenvolvimento" e "bem-estar", tendo como suporte
econômico uma onda longa expansiva.
As conquistas não colocaram em risco a ordem dos monopólios de imediato.
De acordo com o Netto (1992, p.25), a sua lógica “não exclui o tensionamento e a
colisão nas instituições a seu serviço, exceto quando o grau de esgarçamento deles
derivados põe em risco sua reprodução”. Isso não significa, ainda para o autor, que
contemplar as “demandas econômicas, sociais e políticas imediatas de largas cate-
gorias de trabalhadores e da população” seja uma “inclinação naturalda lógica mo-
nopolista ou mesmo que isso se “normalmente”, porque “o objetivo dos superlu-
cros é a pedra de toque dos monopólios e do sistema de poder de que eles se va-
lem”. Ou seja, “respostas positivas a demandas das classes subalternas podem ser
oferecidas na medida exata em que elas mesmas podem ser refuncionalizadas para
o interesse direto e/ou indireto da maximização dos lucros” (NETTO, 1992, pp.24-
25). Ao mesmo tempo, constituem-se mecanismos de coesão social para legitima-
ção e preservação da ordem do capital, demonstrando, de acordo com Netto (1992,
p.24), as possibilidades de se compatibilizar “a captura do Estado pela burguesia
monopolista com o processo de democratização da vida sócio-política”. Evidente-
mente, o Estado mantém como preocupação a garantia da acumulação e a burgue-
sia busca, sempre, reduzir direitos e bloquear mecanismos que possibilitem a parti-
cipação política dos trabalhadores. Mas, ainda para o autor, isso “equivale a indicar
que um componente, mesmo amplo, de legitimação é plenamente suportável pelo
Estado burguês no capitalismo monopolista”.
Mais do que nunca, a ortodoxia liberal tornou-se disfuncional às necessidades
políticas e econômicas do capital. Netto (2001, p.74) argumenta que as necessida-
des do capitalismo monopolista anacronizaram “as traves mestras do pensamento
liberal”. O “livre mercado”, que nunca fora de fato livre, passou realmente para “o
61
Políticas de regulamentação do trabalho e um sistema universal de proteção social foram adotadas a partir de
1946. Essas idéias estavam contidas no “Relatório Beveridge”, apresentadas por Lorde Beveridge em 1942, em
meio à ocupação nazista de Londres.
49
estatuto da retórica”, porque o movimento do capital, nesse período, demandava
regulações que excluíam “toda referência à velha mão invisível donde um Estado
necessariamente intervencionista” o qual incluiu uma redefinição “da relação pú-
blico-privado, redimensionando a conexão política-economia”. Behring (2003, p.129)
considera que foi colocada em andamento:
.... uma reforma dentro do capitalismo, sob a pressão dos trabalhadores,
com uma ampliação sem precedentes do papel do fundo público, desenca-
deando medidas de sustentação da acumulação, ao lado da proteção ao
emprego e demandas dos trabalhadores, viabilizada por meio de procedi-
mentos democráticos do Estado de direito, sob a condução da social-
democracia. É evidente que entregou-se os anéis para não perder os de-
dos”, que também havia um verdadeiro pânico burguês diante da existên-
cia e do efeito-contágio da União Soviética como referência política, ideoló-
gica e econômica de contraponto ao mundo do capital, mesmo com suas
contradições e limites flagrantes, com destaque para a questão democráti-
ca.
Trata-se, em nosso entendimento, de uma versão do que Netto (1992) deno-
mina de projeto reformista burguês, viabilizado pela social-democracia
62
, o qual teve
como rivais as correntes existentes no campo dos trabalhadores e da esquerda, tan-
to internamente aos países quanto em termos internacionais. É disto que nos fala
Netto (2001, p.48-49) quando mostra que o Estado do Bem-Estar Social realizou-se
sob pressão internacional “em função do “campo socialista”, que influenciava “pon-
deráveis segmentos de trabalhadores e de intelectuais” e nacional, pela “existência
de núcleos comunistas disputando a direção do movimento operário”.
Para Antunes (2001, p. 41), o Estado do Bem-Estar Social desenvolveu-se
pela associação de parte dos partidos de esquerda e de sindicatos através de um
“pacto social” ou do “compromisso social-democrata”. Para os trabalhadores, essa
situação dizia respeito ao atendimento às necessidades mais fundamentais; aos di-
reitos civis e políticos, mas também sociais com a garantia, pelo Estado, de uma
vida mais suportável considerando-se as condições de miserabilidade em que
viviam anteriormente. O autor mostra que esse processo deu origem, em escala am-
62
Para Netto, essa corrente da social-democracia “pouco tem a ver com a social-democracia ‘clássica’, inspirada
no movimento operário revolucionário do século XIX e marcada por influxos marxistas”. Diferencia-se nas
questões teórico-ideais e na organização partidária que não é classista; não tem os trabalhadores como centro de
gravitação, para funcionar apenas como catalisador de votos, para a realização de reformas do capitalismo.
Assim, efetivou “uma proposta política de controle, redução e reforma dos aspectos mais deletérios e brutais da
ordem burguesa, sem a vulnerabilização de seus fundamentos”. Configurou-se uma ordem “sócio-política que,
de alguma forma, limitando as seqüelas próprias à ordem burguesa, é compatível com a dinâmica do capital”. J.
P. NETTO. Crise do socialismo e ofensiva neoliberal. 3
a
ed., Coleção Questões de Nossa Época; v. 20, São
Paulo, Cortez, 2001, p.48.
50
pliada, a um “novo proletariado” cuja socialização foi marcada pela massificação,
criando condições “para a construção de uma nova identidade e de uma nova forma
de consciência de classe”. Proletariado esse, que Bihr (1999) denomina de “primeira
geração do operário-massa”, cujo objetivo maior voltava- se para a obtenção de me-
lhores condições de vida para superar a extrema miséria a que foi lançada pelo capi-
talismo nas grandes cidades, dentro das grandes fábricas, agravada significativa-
mente pela Segunda Guerra Mundial. Essa geração do “operário-massa” constituiu,
para Antunes (2001, p.38), a base social do compromisso social-democrata que ex-
pandiu o Estado do Bem-Estar Social. Assim, “ora com a social-democracia ora com
os partidos diretamente burgueses”, o “compromisso social-democrata” colocado em
andamento “procurava delimitar o campo da luta de classes”. A social-democracia
buscava construir uma “forma de sociabilidade” dos trabalhadores fundada no “com-
promisso” que implementava ganhos sociais e seguridade social desde que a temá-
tica do socialismo fosse relegada a um futuro a perder de vista”
63
.
Essa experiência não se tornou comum a todas as sociedades, mas em uma
minoria de países, atingindo uma parcela bem reduzida de pessoas se considerar-
mos a população mundial, sendo revelador de um dos limites do Estado do Bem-
Estar Social. Netto (2001, p.48), inclusive, mostra uma delimitação bem precisa da
“eficácia do modelo social-democrata”, localizada “em alguns países da Europa nór-
dica, com a lateralização de seus pobres experimentos sul-europeus”. Nos países
periféricos essa experiência não se completou pois, apesar da fundamentalidade do
Estado ao desenvolvimento capitalista, isso o tem repercutido com a mesma or-
dem de grandeza no que diz respeito aos direitos do trabalho. Para Antunes (2001,
p.38), os “países do chamado Terceiro Mundoestiveram fora do “compromisso” so-
cial-democrata, sustentando, através da “enorme exploração do trabalho” o referido
“compromisso”. Mészáros (2000, p.14) também defende que “o capital pode tolerar
63
A respeito da participação dos trabalhadores organizados de diversos matizes político-ideológicos na
constituição desse “pacto social” ou “compromisso” um complexo e polêmico debate. Como essa questão
foge ao escopo de nosso debate, trazem importantes aportes autores como A. PRZEWORSKY. Capitalismo e
Social-democracia., São Paulo, Companhia das Letras, 1989; R. ANTUNES. Os sentidos do trabalho ensaio
sobre a afirmação e a negação do trabalho. 5
a
edição, São Paulo, Boitempo, 2001; A. BHIR. Da grande noite à
alternativa: o movimento operário inglês em crise. Col. Mundo do Trabalho. 2
a
ed. São Paulo, Boitempo, 1999;
E. MANDEL, Crítica do eurocomunismo. Col. Biblioteca Comunista. Lisboa, Antídoto, 1978 e Da comuna a
maio de 68: escritos políticos 1. Lisboa, Antídoto, 1979. I. MÉSZÁROS. Para além do capital. São Paulo,
Boitempo/UNICAMP, 2002; E. F. DIAS. Política Brasileira: embate de projetos hegemônicos. São Paulo, Ed.
Sundermann, 2006; J. P. NETTO. Crise do socialismo e ofensiva neoliberal. 3
a
ed., Coleção Questões de Nossa
Época; v.20, São Paulo, Cortez, 2001; E. HOBSBAWM. A Era dos Extremos.: o breve culo XX. 1914-1991.
2
a
ed., São Paulo, Companhia das Letras, 1996.
51
as doses de remédio ministradas” aos trabalhadores, porque acontecia apenas em
“poucos países capitalistas avançados” e Hobsbawm (1996, p.255) aponta que a
“Era do Ouro”, embora tenha sido um fenômeno mundial, “pertenceu, essencialmen-
te, aos países capitalistas desenvolvidos”, a riqueza geral jamais chegou “à vista da
maioria da população do mundo [...].
Outro significativo limite refere-se à sua transitoriedade, pois as transforma-
ções trazidas pela crise do capital na transição dos anos sessenta para a década de
1970 atingiram os direitos atendidos pelo Estado do Bem-Estar Social, incluindo ne-
les, os direitos trabalhistas.
1.4. A crise do capital e as mudanças que abalaram o mundo
A onda longa expansiva, durante a qual o “crescimento econômico e taxas de
lucros mantiveram-se ascendentes entre o fim da Segunda Guerra Mundial e a se-
gunda metade dos anos sessenta”, de acordo com Netto e Braz (2007, p.213), en-
cerrou-se, provocando profundas transformações. Entre 1971 e 1973, para os auto-
res, dois elementos trouxeram o fim da ilusão no “capitalismo democrático”: o primei-
ro localiza-se no colapso da organização financeira mundial, quando os EUA desvin-
cularam o dólar do ouro, provocando uma ruptura dos acordos de Bretton Woods,
realizados após a Segunda Guerra Mundial; o segundo foi o “choque do petróleo”,
ocasionado pela grande escalada dos preços promovida pela Organização dos Paí-
ses Exportadores de Petróleo (OPEP).
Chesnais (2001, p.14) também chama a atenção para as repercussões da re-
vogação unilateral, pelos Estados Unidos, do sistema de Bretton Woods, em 1971,
que “representou uma primeira vitória da finança concentrada e abriu a via para me-
didas mais radicais de liberalização e desregulamentação financeiras empreendidas
a partir de 1979”, reforçando o dólar. Mandel (1982, p.143) percebe um outro ele-
mento, ainda, em seu debate sobre a denominada “terceira revolução tecnológica”.
Para ele, “com a automação cada vez mais difundida, o aumento da composição
orgânica do capital”, sob “condições normais, isto é, sem o fascismo ou a guerra”,
manifesta “uma crise histórica de valorização do capital e um declínio inevitável, pri-
meiro na massa de mais-valia e a seguir também na taxa de mais-valia”, por via de
conseqüência, a “taxa média de lucrosofre uma queda. Na análise sobre esse pro-
52
cesso no capitalismo tardio e as múltiplas conseqüências advindas dele, percebe a
crise de inícios de 1970. Ou seja, para o autor, a década de 1960 apresentava indí-
cios regressivos, os quais puderam ser contornados em função dos ritmos diferenci-
ados da industrialização no mundo capitalista central, irrompendo na década seguin-
te. Ainda para Mandel (1990), na década de 1970, o petróleo, que acelerou a infla-
ção em andamento, a dificuldade do capital proceder à compensação do cresci-
mento da sua composição orgânica, a política de pleno emprego e os direitos traba-
lhistas conquistados pelos trabalhadores trouxeram o conseqüente declínio da taxa
média de lucros.
Netto e Braz (2007, p.213) também apontam que vetores sócio-políticos parti-
ciparam ativamente do engendramento do processo, como a pressão dos trabalha-
dores e o surgimento de movimentos sociais específicos: estudantil, movimento ne-
gro nos EUA e o feminista, entre outros, e Antunes (2001, p.42) considera que a cri-
se contemporânea deve ser analisada de forma a compreendermos os nexos entre
seus aspectos econômicos, políticos, sociais e ídeo-culturais. Elementos diversos
colocaram impasses ao ciclo expansionista do capital:
.... além do esgotamento econômico do ciclo de acumulação [...], as lutas de
classes ocorridas ao final dos anos 60 e início de 70 solapavam pela base o
domínio do capital e afloravam as possibilidades de uma hegemonia (ou
contra-hegemonia) oriunda do mundo do trabalho. A confluência e as múlti-
plas determinações de reciprocidade entre esses dois elementos centrais (o
estancamento econômico e a intensificação das lutas de classes) tiveram,
portanto, papel central na crise dos fins dos anos 60 e inícios dos 70.
Bihr (1999) fala das revoltas da segunda geração do “operário-massa” como
um dos detonadores do processo em alguns países capitalistas centrais. Para Antu-
nes (1999) esse processo deu-se, na Inglaterra
64
, através da combinação de greves
locais com greves nacionais de maneira ampliada, envolvendo tanto a indústria pri-
vada quanto os setores estatais pelo seu peso econômico e político, porque as in-
dústrias de carvão e de siderurgia, por exemplo, eram estatais.
Ainda segundo Antunes (2001, p.41-42), se a primeira geração do “operário-
massa” foi a base social do “compromisso social-democrata”, realizado em função
das melhorias nas condições de trabalho e de vida, a segunda geração rebelou-se
64
Antunes mostra que, na Inglaterra, por exemplo, entre 1960 e 1974 ocorreu uma média anual de 3000 greves,
abarcando 12,5 milhões de trabalhadores paralisados. R. ANTUNES. A Terceira Via de “Tory” Blair: a outra
face do neoliberalismo inglês. In Revista Outubro, n
0
03. São Paulo, Instituto de Estudos Socialistas, 1999.
53
contra isso, tornando-se seu principal elemento de transbordamento, ruptura e con-
frontação, sendo “forte expressão os movimentos pelo controle social da produção
ocorridos no final dos anos 60”. As lutas caminharam de forma célere para o controle
social da produção pois, para o autor, essa geração não estava disposta a “perder
sua vida para ganhá-la”, a “trocar o trabalho e uma existência desprovida de sentido
pelo simples crescimento de seu poder de compra, privando-se de ser por um exce-
dente de ter”. Nesse processo, os denominados novos movimentos sociais obtive-
ram avanços em termos de ampliação de direitos para grupos diversos da popula-
ção, como mulheres, idosos, ou de defesa de aspectos importantes da própria soci-
edade como o meio ambiente, a autodeterminação dos povos, etc.
O “maio de 68”, conforme mostra Mandel (1979, p.295), foi um momento cul-
minante de contestações, manifestações estudantis e greves que envolveu “dez mi-
lhões de trabalhadores franceses”, ocupando fábricas e paralisando “toda a vida so-
cial, incluindo a do Estado”. Mas, para o autor, se esse período expressou uma ele-
vação da “espontaneidade operária a um ponto até então desconhecido”, mostrou,
também, seus limites. O movimento desencadeado não logrou “forjar um projeto de
saída política para a crise, aceitável ou mesmo crível aos olhos da maioria das mas-
sas laboriosas”. Para Antunes (2001, p.44), as revoltas operárias não puderam des-
montar a estrutura social-democrata, que foi consolidada por décadas e que deixou
marcas no próprio proletariado. Tampouco, esse movimento teve tempo hábil para
construir formas organizativas alternativas às existentes, na perspectiva da contra-
posição às correntes oficiais predominantes. Chesnais (2001, p.11) considera que os
dirigentes políticos e sindicais tradicionais desenvolveram ações que bloquearam o
potencial democrático e anti-capitalista desses movimentos, tanto operário quanto
estudantil, na Europa do Leste, mas também na do Oeste e nos EUA. Ao mesmo
tempo e, talvez, de forma imbricada a essas razões, as ações dos trabalhadores das
fábricas não se estenderam para fora delas, impossibilitando uma articulação com o
movimento estudantil e com os denominados novos movimentos sociais e não logra-
ram colocar em cheque a sociedade burguesa em seus fundamentos. Ou seja, em-
bora tivesse perturbado em larga medida o capitalismo sendo um dos elementos
causais de emersão da crise esse processo arrefeceu-se, o capital reorganizou-
se e novas questões e desafios foram impostos ao mundo do trabalho. Conforme
aponta Mandel (1979, p.298), o “poder burguês foi momentaneamente paralisado,
54
mas não desintegrado ao ponto de se tornar incapaz de tomar a iniciativa. A partir de
então, o refluxo do movimento de massa tornou-se inevitável”.
Do lado do capital, observa-se a busca por um conjunto de ações voltado pa-
ra a garantia da continuidade da acumulação capitalista, que a crise estava insta-
lada. De acordo com Netto (1991, p.16), o capitalismo colocou em andamento uma
“contra-revolução preventiva em escala planetária”, com diferentes contornos e mo-
dalidades distintas nos diversos países e/ou regiões. Observamos, então, que múlti-
plas modificações econômicas, sociais e ídeo-culturais processaram-se desse perío-
do em diante e novos elementos constituíram um diferente conjunto de relações em
termos nacionais e internacionais que, convivendo com os existentes, remodela-
ram a vida social em todas as suas dimensões. Desenvolveu-se o que Chesnais
(1996) denomina de mundialização do capital
65
: uma “nova configuração do capita-
lismo mundial e nos mecanismos que comandam seu desempenho e sua regula-
ção”. Combina-se a reestruturação produtiva (atingindo em cheio os direitos do tra-
balho), a reconfiguração do Estado e suas funções (com privatizações e contra-
reformas no âmbito das políticas sociais) e o reforço do comércio. Mas, também,
observa-se uma canalização cada vez maior do capital para o setor financeiro.
Perpassa todos esses elementos, a perspectiva de liberalização, desregula-
mentação e flexibilização, tendo o mercado como centro do universo, ente perfeito a
regular a vida em sociedade, de acordo com a diretriz ideológica da burguesia, que
parametra sua intervenção econômico-política no período: o neoliberalismo.
1.5. Neoliberalismo, novo padrão de acumulação e direitos do trabalho: o re-
trocesso em marcha
O neoliberalismo é uma corrente econômico-política que constituiu-se funda-
da nas idéias dos pensadores monetaristas, representados principalmente por Au-
gust Von Hayek, na Grã-Bretanha, e Milton Friedman, nos EUA. Netto (2001, p.76)
65
O movimento cíclico do capital provoca transformações na sociedade, que “remetem à duração prolongada de
uma fase de acumulação do capital”, remodelando a vida social em todas as suas dimensões. “O período 1880-
1913 [...] foi uma dessas fases longas. Outra foi a fase de crescimento das “trinta anos gloriosos”, começando
com a reconstrução após a Segunda Guerra Mundial e terminando em 1974-1979 a “idade de ouro”, também
chamada de período “fordista” [...]. Outra fase ainda é a mundialização do capital”, em que ingressamos no
decorrer da década de 1980, decerto muito diferente do período “fordista”, mas também do período inicial da
época imperialista, um século atrás”. F. CHESNAIS. A mundialização do capital. São Paulo, Xamã, 1996, p.14.
55
identifica como seus marcos iniciais as obras de Hayek O caminho da servidão,
de 1944, e de Popper A sociedade aberta e seus inimigos, de 1945 mesmo
considerando-se a diversidade existente em suas “estruturas e finalidade”. Surgiu
em torno do final da Segunda Guerra Mundial e pretendia dar combate às idéias
keynesianas, preconizando a ausência de regras ao capitalismo. Mas a onda longa
expansiva mantendo em ascenso o crescimento econômico e as taxas de lucros
até os fins dos anos sessenta, bem como o estágio da luta de classes deflagrada
pelo papel da URSS na Segunda Guerra Mundial, como apontamos impediu
seu desenvolvimento e criou condições para a preponderância do Keynesianismo.
Desde a década de sessenta, em especial com os primeiros sinais da crise do
capitalismo, essa concepção ganhou mais consistência e peso, tendo por base, den-
tre várias, a obra de Popper A miséria do historicismo (publicada em 1957) e a de
Hayek Os fundamentos da liberdade (publicado em 1960). Em 1962, foi reforçada
pela obra similar de Milton Friedman Capitalismo e liberdade escrita com Rose
D. Friedman. Mas a reflexão de Hayek levou, entre os anos de 1973 e 1979, à publi-
cação da trilogia “Lei, legislação e liberdade”. Tratava-se, , do período de esgota-
mento evidente da onda longa expansiva como solo para esse florescimento. De
acordo com Behring e Boschetti (2007, p.125), a “longa e profunda recessão entre
1969 e 1973 [...] alimentou o solo sobre o qual os neoliberais puderam avançar”.
Para Netto (2001, p.76), embora essa tradição não se esgote nos autores
66
destacados por ele, “é especialmente no arco ídeo-teórico polarizado por Hayek e M.
Friedman que a ofensiva neoliberal se apóia”. Não obstante seja parte dos “leitos da
tradição liberal” ela não possui relação direta com o “liberalismo clássico”, sendo
mediada, em sua implantação, pelas condições sócio-históricas atuais.
Podemos dizer que o neoliberalismo resgata o pensamento de Smith essen-
cialmente no que se refere à defesa do mercado como espaço que, naturalmente,
pode organizar e regular as relações entre os homens em sociedade. Como apon-
tamos anteriormente, em suas obras, A Teoria dos Sentimentos Morais (de 1759) e
66
Netto fala da importância de Bobbio, na Itália, de Rawls, nos Estados Unidos, de “construções de inusitada
radicalidade” como de R. Nozick que “equaliza o imposto de renda ao trabalho escravo”. J. P. NETTO. Crise
do socialismo e ofensiva neoliberal. 3
a
ed., Coleção Questões de Nossa Época; v.20, São Paulo, Cortez, 2001,
p.76.
56
Uma Investigação sobre a natureza e as causas da riqueza das nações (de 1776)
67
,
essa concepção mostra-se de maneira clara quando ele defende que os homens
egoístas, ao serem dirigidos por uma mão invisível o mercado —, mesmo sem
intencionalidade, acabam promovendo os interesses de toda a sociedade; o bem-
estar coletivo. Em Netto (2001, pp.77-78), observamos que o neoliberalismo traz
uma “argumentação teórica que restaura o mercado como instância mediadora soci-
etal elementar e insuperável” e carrega uma proposição política que repõe o Estado
mínimo como única alternativa e forma para a democracia” (grifos do autor). Esse
conceito embasa a “tese da indivisibilidade da liberdade”, preconizando que é a “li-
berdade econômica”, fundada no mercado livre”, que possibilita as liberdades, tanto
civil quanto política. Ainda segundo Netto (2001, p.79), nessa concepção, sem “mer-
cado livre” o forma alguma de liberdade. O “mercado livre”, então, não é de-
fendido apenas do ponto de vista econômico, aparecendo claramente em Friedman:
sua “funcionalidade abre-se à fundação de um projeto societário global, investindo
sobre a estrutura social e a ordem político-institucional”. O pressuposto é que o indi-
víduo deva ser capaz de satisfazer as suas carências e desejos, sem qualquer plani-
ficação externa, qualquer controle social definido por instância estatal. Oliveira
(1995, p.60) mostra que o mercado, em si mesmo, é considerado, pelo neoliberalis-
mo, uma instituição perfeita para solucionar o problema econômico nas sociedades
modernas, o que falta é “implantá-lo em termos totais”.
Esse ideário fortaleceu-se, implicando, dentre outras coisas, em um novo tipo
de Estado, concertado com as novas exigências da acumulação capitalista. Como
parte das soluções postas pelo capital para superação de sua crise, o neoliberalismo
visa reduzir ou aeliminar a intervenção social do Estado em diversas áreas e ativi-
dades. Nesse caso, o mercado institui o espaço para o Estado atuar, sendo suas
únicas funções, conforme Netto (2001, pp.79-80), “nas últimas formulações de Ha-
yek”: organizar estrutura para o mercado e só criar serviços que o mercado não pos-
sa, efetivamente, prover. Observa-se, nesse caminho, que os direitos ao conjunto
dos trabalhadores são negados como obrigações do Estado, transformados em mer-
cadorias, que os indivíduos devem enfrentar as dificuldades e riscos com sua pró-
pria capacidade, sendo apenas subsidiária a ação do Estado, deixando as necessi-
dades sociais às famílias e sociedade, pelos mecanismos de refilantropização da
67
Disponíveis em Geocities.com/cobra_pages". Consultado em fevereiro de 2008.
57
questão social (Iamamoto, 1998). As regulamentações políticas do mercado o re-
chaçadas, preconizando um Estado absenteísta, mínimo, no que se refere aos direi-
tos do trabalho.
Mas vale ressaltar: defende um Estado absenteísta no que se refere à garan-
tia de direitos, mas um Estado forte quando se trata de retirar, flexibilizar, precarizar
direitos (apresentados como privilégios), desmontar políticas sociais (mostradas co-
mo dispendiosas) e criminalizar movimentos sociais e populares que se colocam
contrários à continuidade dessa lógica. No que se refere à movimentação governa-
mental em termos nacionais e internacionais para viabilizar os negócios da
burguesia, a intervenção é naturalizada e tratada como negócios do Estado, do país,
de interesse geral. Ou seja, a burguesia monopolista e a oligarquia financeira não
pretendem uma total desregulamentação dos mecanismos reguladores da economi-
a, mantendo como imprescindível a presença do Estado para a defesa de seus inte-
resses. Por mais que, no discurso, se apregoe a liberdade de mercado, com a con-
dução neoliberal dos negócios, essa liberdade é circunscrita às necessidades da
acumulação capitalista. O que se preconiza, realmente, concordando com Netto
(2001, p.81), é “o estreitamento das instituições democráticas”. Para a burguesia
monopolista e a oligarquia financeira essa seria a “situação ótima” para seus negó-
cios, em face à crise. Há, então, uma perfeita funcionalidade do pensamento neoli-
beral ao novo padrão de acumulação capitalista e, por isso, ele é diretriz ideológica
da grande burguesia, que “patrocina a sua ofensiva: ela e seus associados compre-
endem que a proposta do “Estado mínimopode viabilizar o que foi bloqueado pelo
desenvolvimento da democracia política, o Estado máximo para o capital”.
Chesnais (1996, p.15-17) destaca outro aspecto: hipertrofiado, o capital finan-
ceiro dirige o novo padrão de acumulação capitalista em âmbito mundial
68
, operacio-
68
Em Lênin, na obra O imperialismo: fase superior do capitalismo, encontramos análises a respeito do fortaleci-
mento do papel dos bancos e da monopolização ocorrida com eles na fase de implantação do capitalismo mono-
polista. No período, os bancos monopolizados passaram a controlar operações de crédito, comerciais e industri-
ais de toda a sociedade capitalista, subordinando os países a seus interesses e medidas consideradas indispensá-
veis à acumulação do capital sob seu comando. A dinâmica desse capital bancário alimentava-se das emissões de
valores como uma das operações principais. Entretanto, aponta Lênin, a “revista aleDie Bank” divulgava
que, nenhum negócio, “no interior do país”, dava, “nem aproximadamente, um lucro tão elevado como servir de
intermediário para a emissão de empréstimos estrangeiros”. A exportação de capitais, via empréstimos dos ban-
cos aos países “coloniais ou semicoloniais”, portanto, era a chave-mestra para os rendimentos rentistas de
natureza parasitária. Mas esses empréstimos, como nos sugere Lênin, estavam destinados à produção, ou a finan-
ciar investimentos em infra-estrutura, tipo estradas, redes ferroviárias, portos, etc. V. I. LÊNIN. O imperialismo:
fase superior do capitalismo (ensaio popular). In Obras Escolhidas. Vol. 1, 2
a
ed. São Paulo, Alfa-Ômega, 1982,
58
nalizando o comando da “repartição e da destinação [da] riqueza”, produzida através
da combinação social de diversificadas formas de trabalho humano. H. Essa dinâmi-
ca do predomínio financeiro alimenta-se, dentre inúmeros elementos, da “inflação do
valor dos ativos” — “capital fictício” — e de “transferências efetivas de riqueza para a
esfera financeira, sendo o mecanismo mais importante o serviço da dívida pública e
as políticas monetárias associadas a este”. Entre múltiplos mecanismos, esse pro-
cesso engendra uma “bola de neve” da dívida dos governos, gerando pressões fis-
cais altas sobre as receitas menos móveis e mais frágeis e, ao mesmo tempo, “aus-
teridade orçamentária e [...] paralisia das despesas blicas”. Assim, ainda para
Chesnais (1996, pp.15-17), isto significa “20% do orçamento dos principais países e
de vários pontos de seus PIB(s), [...] transferidos anualmente para a esfera financei-
ra”, sendo que uma parte disso assume a “forma de rendimentos financeiros, dos
quais vivem camadas sociais rentistas”. A acumulação capitalista, nesse processo,
ganha um estilo diferenciado de períodos anteriores.
O estilo de acumulação é dado pelas novas formas de centralização de gi-
gantescos capitais financeiros (os fundos mútuos e fundos de pensão), cuja
função é frutificar principalmente no interior da esfera financeira. Seu veículo
são os títulos (securities) e sua obsessão, a rentabilidade aliada à “liquidez”,
da qual Keynes denunciara o caráter “anti-social”, isto é, antitético ao inves-
timento de longo prazo (CHESNAIS, 2001,p.17).
O comportamento obcecado pelo “fetichismo da liquidez”, ainda para Ches-
nais, tornou a “busca de credibilidade” o ponto nevrálgico das empresas, governos e
centros de decisões capitalistas em geral. Da mesma forma, esse estilo de acumula-
ção acentuou os aspectos financeiros dos grupos empresariais, imprimindo uma ló-
gica financeira também ao capital investido no setor de manufaturas, por exemplo,
mas provocando mudanças no papel dos serviços, do comércio com a liberaliza-
ção e desregulamentação por parte dos vários países e dos Investimentos Exter-
nos Diretos (IED), no período em tela. Do ponto de vista do comércio, a perspectiva
é a liberalização dos mecanismos protecionistas, com afastamento dos obstáculos à
p. 616. Chesnais fala de outros autores que, além de Lênin, também dedicaram-se à análise desse fenômeno:
“Rosa Luxemburgo (1912) estuda os mecanismos de centralização da riqueza estabelecidos em proveito dos
consórcios financeiros, no quadro de empréstimos aos Estados, destinados a financiar grandes investimentos de
infra-estrutura (como ferrovias e portos) em países semicoloniais. [...] A análise de Hilferding (1910), sobre os
mecanismos de exportação de capitais e de centralização do valor, é mais um aprofundamento de todas as outras.
[...]. O caráter desigual do desenvolvimento resultante da expansão internacional do capitalismo é ressaltado por
todos os teóricos, mas é Trotsky quem leva mais longe a análise, com sua teoria do “desenvolvimento desigual e
combinado”, onde delineia os efeitos da inserção internacional, sob a égide do capital financeiro, dos países
capitalistas atrasados e das colônias”. F. CHESNAIS. A mundialização do Capital. São Paulo, Xamã, 1996,
pp.49-50.
59
circulação e ao fluxo ininterrupto de mercadorias, em especial, imposta aos países
periféricos
69
.
O neoliberalismo, sob a égide do capital financeiro, então, vem impondo as
regras do jogo, mundialmente falando, através do FMI, do BM, da OMC e da OCDE.
Institui-se através desses processos imbricados, um novo padrão de acumulação
capitalista, mas não como se fora um fenômeno natural. Ao contrário, como em to-
dos os aspectos da vida em sociedade, a intervenção ativa das classes sociais tem
sido determinante. No caso, o neoliberalismo não teria podido expandir-se sem a
intervenção de governos de todas as matizes políticas, mundialmente falando.
1.6. A operacionalização do neoliberalismo: em destaque, a contra-reforma
Para Coutinho (2007, p.9), a contemporaneidade neoliberal expressa-se como
uma “época de contra-reforma”, nos países capitalistas, porque, neles, “o alvo da
ofensiva neoliberal não são os resultados de uma revolução propriamente dita, mas
o reformismo que caracterizou o Welfare State”. O conceito de contra-reforma, que
Coutinho extrai de Gramsci, parece-nos muito significativo para entender o processo
em curso, inclusive, no que se refere à situação brasileira.
A contra-reforma tem as restaurações como predomínio, diferentemente da
revolução passiva. Para Gramsci (1978, p. 215), no processo de revolução passiva
restauração como reação das classes dominantes às possibilidades de uma
transformação radical mas há também renovação quando algumas
69
Para Chesnais, o comércio, desde esse período, cresceu significativamente, com características distintas: ten-
dência à formação de zonas densas de comércio a partir da tríade, com ênfase em seus pólos trata-se do fenô-
meno da regionalização; polarização do intercâmbio internacional marcado pela marginalização dos países que
ficam foram dessa regionalização; elevado grau de desenvolvimento do comércio mundial efetuado pelo Inves-
timento Externo Direto (IED). Trata-se, no caso, do “comércio intracorporativo, exportações das filiais, terceiri-
zações transfronteiras”; desaparecimento das fronteiras entre “doméstico” e “estrangeiro”. Mas nos IEDs, segun-
do dados da OCDE pode-se verificar que a “curva significativa” também se nos investimentos financeiros de
carteira, uma “das numerosas expressões numéricas do peso assumido pela posse de ativos financeiros [...] títu-
los relativos à propriedade das companhias (na indústria, serviços ou setor bancário ou financeiro), que são ad-
quiridos na perspectiva da rentabilidade imediata e que são extremamente voláteis”. F. CHESNAIS. A mundiali-
zação do Capital. São Paulo, Xamã, 1996, p.58. Segundo Behring, o crescimento do IED incidiu no setor de
serviços, sendo que, “entre 1981 e 1990, cresceu a uma taxa anual de 14,9%, sendo 50,1% do IED total em
1990”. Para esse processo, concorreu a “aquisição de grandes infra-estruturas de serviços públicos”, em decor-
rência das privatizações postas pela “liberalização e desregulamentação engendradas sob a égide do neolibera-
lismo no contexto de contra-reformas do Estado em espaços nacionais”. Mas, no montante de crescimento do
setor de serviços, deve-se considerar, também, os financeiros, que ocupam lugar de grande destaque, em especial
bancos e seguros. O grande crescimento de investimentos de carteira indica os vínculos fortes entre o movimento
do IED e a financeirização da economia. E.R. BEHRING. Brasil em Contra-Reforma: desestruturação do Estado
e perda de direitos. São Paulo, Cortez, 2003, p.47.
60
reivindicações dos trabalhadores são atendidas, ou seja, o elemento restaurador não
elimina as modificações efetivas e alguns avanços; há incorporação de
reivindicações. No movimento próprio de uma revolução passiva modificações
moleculares que na realidade modificam progressivamente a composição
precedente das forças e que se tornam, portanto, matriz de novas modificações”,
ocorrendo “restaurações progressivas”, ou “revoluções-restauração”. Não é o caso
da contra-reforma, que tem na restauração o seu traço definidor, embora possua,
também, ainda para Gramsci (2002, p.143), uma “combinação substancial, senão
formal, entre o velho e o novo”. O que nos leva à diferença essencial entre revolução
passiva e contra-reforma, conforme aponta Coutinho (2007, p.9):
... enquanto na primeira certamente existem restaurações, mas que “acolhe-
ram uma certa parte das exigências que vinham de baixo”, como diz
Gramsci, na segunda, é preponderante não o momento do novo, mas preci-
samente o do velho. Trata-se de uma diferença sutil, mas que tem um signi-
ficado histórico que não pode ser subestimado.
O conceito de revolução passiva foi construído por Gramsci ao dedicar-se à
análise do Risorgimento Italiano
70
ocorrido na segunda parte do século XIX pro-
cesso de formação do Estado burguês a partir dos estudos de Vincenzo Cuoco
71
,
mas dando-lhe conteúdo inovador. Já o de contra-reforma ele construiu quando ana-
lisou o movimento de reação da Igreja Católica, no Concílio de Trento, contra a Re-
forma protestante e seus desdobramentos políticos e ídeo-culturais. Gramsci (2001,
p.90) mostra que, no “conceito protestante de “Reforma” está implícita a idéia de re-
nascimento e restauração do cristianismo primitivo, sufocado pelo romanismo”. Por
essa razão, comumente, “fala-se de Reforma e Contra-Reforma” na relação entre o
protestantismo e a Igreja. Todavia, ainda segundo Gramsci, os católicos, em especi-
al os jesuítas, “não querem admitir que o Concílio de Trento tenha apenas reagido
70
Risorgimento consiste nos movimentos liberais e nacionais do século XIX que conduziram à independência
da Itália, pelas guerras do Piemonte contra a Áustria, que ocupava o norte do país, e à sua unidade política desde
1890 com a ocupação de Roma. Mas também costuma-se entender como o período cio-histórico ocorrido na
Itália entre 1815 e 1870. A. GRAMSCI. O Ressurgimento. Obras Escolhidas, São Paulo, Martins Fontes, 1978.
71
Posteriormente, segundo Teixeira, Gramsci ampliou o conceito de revolução passiva “sobretudo em sua
polêmica com teses historiográficas defendidas por Benedetto Croce”. Ampliou ao afirmar que o Risorgimento
se insere numa revolução passiva mais ampla, de dimensão européia, que caracteriza toda uma época histórica,
iniciada precisamente com o fim da era napoleônica, ou seja, com a Restauração. Nela, as novas classes
dominantes — formadas como resultado da conciliação entre a burguesia e as velhas camadas de grandes
proprietários rurais reagem contra as conseqüências mais radicais da Revolução Francesa, mas ao mesmo
tempo introduzem pelo alto, ainda que contra as massas populares, muitas das conquistas dessa revolução [...].
Trata-se da época na qual o liberalismo se consolida e se expande, mas em aberta oposição à democracia”. A. M.
de P. TEIXEIRA. Previdência Social no Brasil: da revolução passiva à contra-reforma, Tese de doutorado em
Serviço Social. Rio de Janeiro, UFRJ, 2006, p.31.
61
ao luteranismo e todo o conjunto das tendências protestantes”, sustentando que “se
tratou de uma “Reforma Católica” autônoma, positiva, que se teria verificado em
qualquer caso”. Porém, Gramsci (2002, p.179) mostra que na Contra-reforma situa-
se o “verdadeiro ponto de ruptura entre democracia e Igreja”, quando a instituição
“necessitou, em grande estilo, do braço secular contra os luteranos e abdicou de sua
função democrática”. Ou seja, restaurou seus dogmas e aparatos repressivos para
enfrentar os protestantes e reafirmar-se em vários países.
Coutinho ( 2007, p.5), observa que Gramsci, em suas análises, estendeu o
termo contra-reforma a “outros contextos históricos”, mas também buscou “extrair
dele algumas características que nos permitem, ainda que aproximadamente,
falar da criação, por ele, de um conceito”. Nesse caminho de análise, ancorando-se
em Gramsci, Coutinho (2007, p.7) compara revolução passiva e contra-reforma, re-
lembrando que a primeira pode ser ligada à “idéia de reforma, ou mesmo de refor-
mismo” em que as classes dominantes, para obtenção do consenso mínimo, as-
simila parte das reivindicações dos subalternos, sendo “precisamente o que ocorreu
na época do Welfare State”:
.... através das políticas intervencionistas sugeridas por Keynes e do aco-
lhimento de muitas das demandas das classes trabalhadoras, o capitalismo
tentou e conseguiu superar, pelo menos por algum tempo, a profunda crise
que o envolveu entre as duas guerras mundiais. Mas esta restauração se
articulou com momentos de revolução, ou, mais precisamente, de reformis-
mo no sentido forte da palavra, o que se manifestou não apenas na con-
quista de importantes direitos sociais por parte dos trabalhadores, mas tam-
bém na adoção, pelos governos capitalistas, de elementos de economia
programática, que até aquele momento era defendida apenas por socialis-
tas e comunistas.
O que não ocorre no processo de contra-reforma, levando-o a identificar o pe-
ríodo atual, sob a égide do ideário neoliberal, como tal. Na perspectiva neoliberal,
para o autor, a dialética restauração-revolução o está presente, mas sim a destru-
ição dos direitos instituídos como resultados das reformas realizadas. Com o neoli-
beralismo, os espaços para aprofundar “direitos sociais, ainda que limitados” inexis-
tem. O que predomina é a “tentativa aberta infelizmente, em grande parte bem
sucedida de eliminar tais direitos, de desconstruir e negar as reformas conquis-
tadas pelas classes subalternas [...] levada a cabo no Welfare”: a contra-reforma.
As chamadas “reformas” da previdência social, das leis de proteção ao tra-
balho, a privatização das empresas públicas, etc. “reformasque estão
62
atualmente presentes na agenda política tanto dos países capitalistas cen-
trais quanto dos periféricos (hoje elegantemente rebatizados como “emer-
gentes”) têm por objetivo a pura e simples restauração das condições
próprias de um capitalismo “selvagem”, no qual devem vigorar sem freios as
leis do mercado. Estamos diante da tentativa de supressão radical daquilo
que [...] Marx chamou de “vitórias da economia política do trabalho” e, por
conseguinte, de restauração plena da economia política do capital (COUTI-
NHO, 2007, p.9).
O processo de contra-reforma em curso, decorrente da imposição do neolibe-
ralismo, traz outro elemento: busca apresentar-se como reforma, igual à Igreja que,
como mostrou Gramsci, apresenta a Contra-reforma como Reforma Católica. Couti-
nho (2007) mostra que os neoliberais apresentam-se como defensores de “refor-
mas”, colocando o processo desencadeado como “terceira via” alternativa ao “li-
beralismo puro e à social-democracia “estatista”. Apresentam-se como representan-
tes “de uma posição essencialmente ligada às exigências da modernidade (ou, mais
precisamente, da s-modernidade) e, portanto, do progresso”. A ideologia neolibe-
ral coloca a “reforma” como sua bandeira e, muitas vezes, refere-se até a uma “revo-
lução liberal” (COUTINHO, 2007, p.9).
Historicamente, como observamos, a reforma é referente à esquerda, seja
como caminho para uma transformação revolucionária da sociedade, seja como pro-
posta em si mesma, como no sentido atribuído por Bernstein de “melhorias nos mar-
cos da ordem burguesa”, conforme Santos (1998, p.149). Ou seja, a proposta de
reforma, sendo referente à esquerda, tem, ainda de acordo com Coutinho (2007,
p.7), um significado progressista, uma “aura de simpatia”, envolvendo-a. Nesse sen-
tido, a ideologia neoliberal utiliza-se do termo de maneira mistificada, apresentando
suas medidas como reformas, de caráter progressista frente ao “estatismo” que con-
sideram superado, tanto na versão social-democrata quanto na versão do socialismo
real.
Estamos, assim, diante da tentativa de modificar o termo reforma: o que an-
tes da onda neoliberal queria dizer ampliação dos direitos, proteção social,
controle e limitação do mercado, etc., significa agora cortes, restrições, su-
pressão destes direitos e deste controle. Estamos diante de uma operação
de mistificação ideológica que, infelizmente, tem sido em grande medida
bem sucedida.
No mesmo movimento, o autor identifica a presença do transformismo, con-
ceito também construído por Gramsci
72
. Em Gramsci (1978, p. 276), o transformismo
72
Para Coelho, a apropriação do conceito do transformismo, como de “tantos outros existentes nos Cadernos do
63
é uma expressão de fenômenos políticos, imbricados na questão da hegemonia, que
ele também identificou ao analisar o Risorgimento Italiano. Envolvia, no processo por
ele estudado, todos os grupos; moderados, de esquerda e conservadores. Para ele:
... Pode dizer-se que toda a vida estatal italiana desde 1848 foi
caracterizada pelo transformismo, isto é, pela elaboração de sempre mais
larga classe dirigente, nos quadros fixados pelos moderados, depois de
1848 e depois da queda das utopias neoguelfas e federalistas, com a
absorção gradual mas contínua, e obtida com métodos diversos na sua
eficácia, dos elementos ativos saídos dos grupos aliados e também dos
adversários, e que pareciam irreconciliavelmente inimigos.
Gramsci (1978, pp.215-217) identifica que o transformismo ocorre em
diferentes fases, engendradas nos distintos períodos sócio-históricos. A “fase
originária” ocorre depois de 1848, com a passagem permanente de “novos
elementos do Partido de Ação ao cavourismo”, modificando “progressivamente a
composição das forças moderadas, liquidando o neoguelfismo, por um lado, e por
outro, empobrecendo o movimento mazziniano [...]”. Muitos “elementos
abandonaram Mazzini e formaram a ala esquerda do partido piemontês”
73
. A fase
seguinte, para Gramsci (2002, p.286), vai de 1860 até 1900, com o “transformismo
molecular”, quando as “personalidades políticas elaboradas pelos partidos
democráticos de oposição se incorporam individualmente à ‘classe política’
conservadora e moderada”, a qual tem “hostilidade a toda intervenção das massas
populares na vida estatal”, às reformas que trocam o “rígido ‘domínio’ ditatorial por
uma hegemonia”. Em outra fase, de 1900 em diante, mostra que ocorre o
“transformismo de grupos radicais inteiros, que passam ao campo moderado”.
Entende como episódio inicial “a formação do Partido Nacionalista, com os grupos
de ex-sindicalistas e anarquistas”. Mas, identifica um período intermediário, situado
entre 1890 e 1900, no qual “uma massa de intelectuais passa para os partidos de
esquerda”.
Podemos dizer que Gramsci (2000, p.95) também tratou da relação entre
Cárcere é uma tarefa que requer cuidados especiais. O termo aparece em várias passagens de diferentes
cadernos, e nem sempre se pode dizer que o sentido seja exatamente o mesmo em todas elas”, o que relaciona-se,
fundamentalmente, à forma e às condições em que a obra carcerária de Gramsci foi escrita. E. COELHO. Uma
esquerda para o capital: Crise do Marxismo e Mudanças nos Projetos Políticos do Grupos Dirigentes do PT
(1979-1998). Tese de Doutorado em História. Niterói (RJ), UFF, 2005, p.458.
73
Partido da Ação (PA) e Moderados eram duas correntes políticas em disputa no Risorgimento. Cavour era o
dirigente dos Moderados e Mazzini, mas também Garibaldi, do PA. Os Moderados representavam a burguesia e
o PA, especialmente, a pequena burguesia radical, defendendo a República. Neoguelfos eram partidários do papa
e defendiam a unidade da Itália como Federação de Estados, mas dirigida pelo papa.
64
transformismo e movimento sindical, quando apontou a “eficácia do movimento
operário socialista na criação de importantes setores da classe dominante” e
mostrou que, diferentemente de outros países, onde o “movimento operário e
socialista elaborou personalidades políticas singulares que passaram para a outra
classe, na Itália, ao contrário, elaborou-se grupos intelectuais inteiros, que
realizaram esta passagem”, cujos sindicalistas-nacionalistas são exemplo. Para ele,
trata-se do fenômeno geral do transformismo, em situações diferentes.
Coelho (2005, p.459) mostra que o conceito de transformismo, com esse
caráter de generalidade, foi construído por Gramsci da mesma maneira como ele
procedeu com outros. Apropriou-se “de um termo que, até então, era empregado
num sentido bastante restrito”, atribuindo-lhe um novo significado, o qual “conserva o
sentido original de transformismo, mas nega seu caráter específico e restrito e, por
isso, supera-o, atribuindo ao novo conceito uma generalidade ausente no termo
original”.
Além da relação entre transformismo e movimento sindical, essa categoria
pode elucidar a modificação da relação de forças entre os grupos presentes no
processo. Com o transformismo, no âmbito do grupo dirigente, uma implicação pode
ser o surgimento e consolidação de uma ala esquerda (GRAMSCI, 2002, p.319),
ampliando assim, o bloco hegemônico. No âmbito das classes subalternas, isto pode
significar uma transformação da “direção política” em “domínio”, pois a cooptação
das elites dos “grupos inimigos leva à decapitação destes e à sua aniquilação por
um período freqüentemente muito longo”. Mas a conseqüência mais grave,
concordando com Gramsci (2002, p.63), é a desorganização política do grupo que
veio a ser cooptado. Cita como exemplo, o governo Giolitti, que, objetivando manter
a dominação do Mezzogiorno tomou “medidas policiais de repressão impiedosa de
todo o movimento de massa”, mas também buscou cooptar a direção dos elementos
mais ativos, através de privilégios diversos.
Assim, o estrato que poderia organizar o endêmico descontentamento
meridional se tornava, ao contrário, um instrumento da política setentrional
(...). O descontentamento não conseguia, por falta de direção, assumir uma
forma política normal, e suas manifestações, expressando-se apenas de
modo caótico e tumultuoso, eram apresentadas como próprias das ‘esferas
de polícia’ judiciária.(GRAMSCI, 2002, p.91)
65
Tanto a ampliação da classe dirigente e sua hegemonia quanto a desorgani-
zação política dos grupos subalternos, em diferentes contextos sócio-históricos, são
características do transformismo.
Os aspectos conceituais do transformismo apresentados aqui não alcançam
toda sua complexidade, mas oferecem condições para as análises do objeto, tor-
nando possível analogias de períodos sócio-históricos como faz Coutinho (2007), por
exemplo, que identifica o fenômeno político em processos de contra-reforma e não
apenas de revolução passiva. Para o autor, somente com o transformismo o neolibe-
ralismo poderia disseminar-se com a rapidez e a facilidade como o fez. Coelho
(2005, p.346) considera importante “saber se o conceito de transformismo retém sua
validade” quando tratamos de outros contextos históricos, especialmente, em “que
não uma revolução passiva em curso, entendendo-se esta última como uma for-
ma histórica da revolução burguesa”.
Trata-se de indagar sobre a possibilidade de uma nova expansão do alcan-
ce do conceito, para além do imaginado pelo próprio Gramsci. Isto só seria
possível, numa perspectiva dialética, se a realidade (o “modo de ser”) apre-
endida pelo conceito no interior do processo de revolução passiva fosse, ela
mesma, expressão particular de uma totalidade mais ampla e complexa do
que a própria revolução passiva. Ora, este é precisamente o caso: o trans-
formismo é um dos aspectos da dimensão política da relação entre os “gru-
pos sociais” no capitalismo, um dos mecanismos ordinários da hegemonia
burguesa. E a hegemonia, como forma determinada da relação política en-
tre classes, opera na revolução passiva, mas não apenas nela. Aliás, este
sentido “ampliado” de transformismo é sugerido pela própria determinação
conceitual elaborada por Gramsci, que procura ultrapassar o particularismo
presente no significado original (grifos do autor).
Se o transformismo pode ser “molecular” e de “grupos radicais inteiros, que
passam para o campo moderado” Coutinho (2007, p.9) entende que a “ação de so-
cial-democratas e de ex-comunistas no apoio a muitos governos contra-reformistas
em países europeus” mostra a presença do fenômeno e pode explicar os mecanis-
mos que, em nossa época, o produziram. Mas, podemos dizer mais: a constatação
desse fenômeno torna possível compreender a ação de partidos social-democratas,
trabalhistas e socialistas na consecução do ideário neoliberal e não apenas no apoio
a governos que o aplicam.
De fato, o espraiamento do neoliberalismo nos países capitalistas centrais,
desde sua implantação com Margareth Thatcher, escolhida primeira ministra da
Inglaterra em 1979, e com Ronald Reagan eleito para a presidência dos Estados
66
Unidos, em 1980 — deu-se pelas mãos de governos das mais diversas matizes polí-
ticas, inclusive os social-democratas, contra os quais insurgira-se, inicialmente. An-
tunes (2001, p.230) também constata esse fenômeno:
Cada vez mais próximos da agenda neoliberal, os diversos governos soci-
ais-democratas do Ocidente têm dado enormes exemplos de compatibiliza-
ção e mesmo de defesa desse projeto. De Felipe Gonzáles a Miterrand,
chegando ao New Labour de Tony Blair, no Reino Unido, o esgotamento do
projeto social-democrático clássico evidencia-se, metamorfoseando-se num
programa que incorpora elementos básicos do neoliberalismo, com um ver-
niz cada vez mais tênue da era contratualista da social-democracia
Para Netto (2001, p.82), o neoliberalismo fortaleceu-se na sociedade do capi-
tal quando as “forças políticas que, entre o segundo pós-guerra e a cada de ses-
senta, sustentaram a vigência do arranjo próprio do Welfare State” mostraram-se
dispostas a derruir “as regulações até então operantes”. Exatamente as forças políti-
cas ligadas à social-democracia que implementaram as “políticas de cariz keynesia-
no são agora as que, sob os pretextos mais diversos, efetivam orientações caras à
ofensiva neoliberal”.
A idéia central que passou a imperar é que os governos não podem mais
manter os investimentos realizados após a Segunda Guerra Mundial sob a alegação
de déficits públicos, balanças comerciais negativas e inflação. Os Estados desregu-
lamentam e privatizam inúmeras atividades econômicas, provocando até mesmo a
extinção, em alguns casos, do capital produtivo estatal; flexibilizam direitos trabalhis-
tas e desresponsabilizam-se pelas políticas sociais, revigorando a filantropia —
sempre com a justificativa de que o único princípio de organização (e regulação) so-
cial adequado e potencializador da liberdade, é o mercado.
Behring (2003, pp.58-59) mostra que passou-se a viver, no período, “uma
verdadeira contra-reforma” do Estado, com um conjunto de mudanças estruturais
regressivas. O grau de profundidade dessas mudanças caminhou em consonância
com as “escolhas políticas dos governos em sua relação com as classes sociais em
cada espaço nacional”. Para a autora, essas escolhas têm relação, ao mesmo tempo
em que resultam, também, “do tempo histórico em que [a] contra-reforma se instaura
nas diferentes formações sociais”. A contra-reforma da época neoliberal apresenta,
assim, “conseqüências mais ou menos regressivas, dependendo da particularidade
histórica de cada região ou país” (BEHRING, 2003, p.77).
67
Entretanto, os acontecimentos do Leste Europeu, na transição da década de
1980 para 1990, foram fundamentais para o espraiamento efetivo do neoliberalismo.
Tais acontecimentos, naquele pedaço do planeta, ocorreram como expressão de
uma grave crise que vinha processando-se ao longo de um largo lapso de tempo.
Evidentemente, o processo é complexo, concorrendo para seu engendramento l-
tiplas e diferentes determinações econômicas, sociais, ídeo-políticas e culturais, mas
vale apontarmos, ainda que sem a pretensão de esgotar a complexidade aludida,
alguns aspectos dele.
De início, concordamos com Chesnais (2001, p.11) quando ele afirma que a
burocracia da União Soviética e dos países do Leste Europeu construiu o veio que
possibilitou a crise e a restauração capitalista, bem como a subseqüente implanta-
ção do neoliberalismo muito antes disso ocorrer. Para o autor, com o esmagamento
da “Primavera de Praga” e o estancamento das possibilidades “de transformação
dos países de dominação burocrática”, Brejnev contribuiu largamente para a prepa-
ração das condições de vitória das forças políticas, as mais anti-sociais”. Os aconte-
cimentos de 1989-1991, ainda para Chesnais (2001), tornaram esse processo visí-
vel, acentuando as mudanças nas relações econômicas e políticas entre o capital e
o trabalho em termos internacionais.
Mas também é possível recordar Trotsky, em suas análises sobre a burocrati-
zação pela qual passava a sociedade soviética entre meados da década de 1920
e inícios dos anos 1930 que apontava a restauração capitalista como uma possi-
bilidade muito real, caso houvesse continuidade do processo em curso. Em sua obra
A Revolução Traída (1977, p.244) analisou as tendências engendradas naquelas
condições sócio-históricas. Em síntese, para ele, os fundamentos econômicos do
socialismo estavam sendo criados com o desenvolvimento das forças produtivas,
mas as normas de repartição da riqueza produzida (ou propriedade social em
seus termos) conservavam características burguesas, chocando-se com as formas
de propriedade, criando camadas diferenciadas com grande desigualdade social.
Naquela sociedade, que expropriara o capital, a tendência pequeno-burguesa à a-
cumulação pessoal, nascida da miséria geral e encorajada pela burocracia tornava-
se, dentre vários, um elemento de preparação da restauração capitalista. Então, pa-
ra Trotsky (1977, p.244), ou “as normas burguesas” se estenderiam “aos meios de
68
produção” de um jeito ou de outro, ou as “normas socialistas” seriam estendidas “à
propriedade social”. Juntamente com “este sistema de antagonismos correntes” que
derruía o “equilíbrio social” da sociedade soviética, a “oligarquia termidoriana”, redu-
zida “sobretudo à camarilha [...] de Stalin”, através de “métodos de terror”, engen-
drava politicamente a referida restauração.
Coggiola (2008, p.7) considera que a formulação mais sintética da concepção
de Trotsky sobre esse processo encontra-se no documento de 1938, referente ao
programa para a IV Internacional:
“A União Soviética saiu da Revolução de Outubro como um Estado Operá-
rio. A estatização dos meios de produção, condição necessária do desen-
volvimento socialista, abriu a possibilidade de um crescimento rápido das
forças produtivas. O aparelho do Estado Operário sofreu, entretanto, uma
degenerescência completa, transformando-se de instrumento da classe ope-
rária em instrumento de violência burocrática contra a classe operária e, ca-
da vez mais, em instrumento de sabotagem da economia”.
Esse processo como um todo, de acordo com Trotsky (1977), poderia cons-
truir, ao longo do tempo, empecilhos significativos ao crescimento das forças produ-
tivas e, caso não fosse revertido, levaria à restauração capitalista. Em uma socieda-
de em que o capitalismo não encontrava-se plenamente desenvolvido quando ocor-
rera a revolução, esse crescimento era condição vital, podendo ser obstaculizado
pela ausência de espraiamento da revolução em termos mundiais, mas também pe-
las condições econômicas, políticas e ídeo-culturais postas pela burocracia estalinis-
ta, ocasionando uma crise e a restauração.
Netto (2001, pp.15-16) mostra que a crise nas sociedades do “campo socialis-
ta” tem raízes na inexistência da “dupla socialização” necessária à transição socialis-
ta: “a socialização do poder político e a socialização da economia”. Consolidado um
“certo patamar de desenvolvimento das forças produtivas [...], a socialização do po-
der político decide sobre a socialização da economia [..] e do seu evolver”. A crise do
“campo socialista”, ainda de acordo com o autor, então:
... tem suas raízes neste nó problemático: uma limitadíssima socialização do
poder político passou a travar (e, nesta medida, logo em seguida a colidir
com) o aprofundamento da socialização da economia estabeleceu-se, de
fato, um feixe de contradições entre as exigências dinâmicas do desenvol-
vimento das forças produtivas no marco de uma economia planejada e os
mecanismos políticos que a modelavam.
69
Os sistemas políticos dessas sociedade foram inconsistentes para uma tran-
sição “no âmbito das forças produtivas”, ainda segundo Netto (2001, pp.16-17), de
“um padrão de crescimento extensivo a outro, intensivo”. O modelo de crescimento
extensivo, “compatível com estruturas sócio-políticas rígidas e excludentes”, junta-
mente com a alocação central de recursos foi fundante para um desenvolvimento
surpreendente da economia dos países do Leste Europeu. Nota-se, nos inícios da
crise no mundo capitalista e até fins dos anos 1970, uma taxa de crescimento supe-
rior à dos anos anteriores, também altas. Assim, enquanto o padrão de crescimento
extensivo desenvolveu-se “a rigidez e a exclusão características do sistema político
das sociedades pós-revolucionárias, bem como a natureza das suas incidências e-
conômico-sociais” puderam ser reproduzidas. Ou seja, conforme o autor, esse pro-
cesso foi base para a reprodução tanto da “limitadíssima socialização do poder polí-
tico (nucleado pela existência efetiva do unipartidarismo e pela identificação/fusão
do aparato partidário com as instâncias estatais)”, quanto também da “restrita socia-
lização da economia [...] sumariamente reduzida à estatização”. A capacidade de
reprodução referida não expressava uma capacidade inata de estabilidade dos sis-
temas políticos dessas sociedades. Na verdade, era sintoma da “funcionalidade aos
objetivos de construir rápida e aceleradamente uma base urbano-industrial”, mas
também da “aptidão (na medida em que estes objetivos eram colimados) para inte-
grar nos seus limites as demandas imediatas fundamentais da massa da população
e neutralizar os segmentos que os contestavam”. Os métodos utilizados para isto
eram diversificados: “da intimidação psicossocial à repressão policial aberta”. A e-
xaustão desse padrão extensivo corroeu as “bases sócio-políticas” dessas socieda-
des. Como aponta Netto (2001, pp.16-19), com diferenças no tempo, o estancamen-
to das atividades de “produção de bens e serviços”, entre os diversos países do
“campo socialista”, concretizou-se na transição da década de 1970 para a de oitenta.
Juntamente com isto, as constrições postas pela convivência com o mundo capitalis-
ta ainda que o belicosas levaram à necessidade imperiosa do “redimensio-
namento dos sistemas político e econômico” pois o padrão intensivo de crescimento
era incompatível com a estatização burocrática e seu ordenamento político de “bai-
xíssima participação autônoma” dos trabalhadores — sua principal força produtiva.
Gorbatchov e seu grupo político concretizaram esse reordenamento, rebaten-
do nas sociedades sob a órbita da União Soviética, canalizando os vetores que as
70
erodiam de forma potenciada pelas particularidades de cada uma. O “feixe de con-
tradições” presente no conjunto do “campo socialista” veio à tona, tornando-se, ain-
da de acordo com Netto (2001, p.67), uma crise global desse campo, investindo so-
bre seus “ordenamentos econômico e político”, mas também sobre os “complexos de
representações e valores a ambos vinculados”. A derrocada desse “padrão societá-
rio que identificou sumariamente socialização com estatização, que colonizou a so-
ciedade civil mediante a hipertrofia de Estado e partido fusionados” e que construiu
“direitos sociais sobre a quase inexistência de direitos civis e políticos” trouxe, con-
cordando com o autor, a necessidade de um “balanço de todo um projeto político
que terminou por ser decepcionante em face das promessas do socialismo revolu-
cionário”.
Se a Revolução Russa e o prestígio ganho pela União Soviética na Segunda
Guerra Mundial modificaram positivamente para os trabalhadores a correlação de
forças entre as classes, possibilitando a obtenção de direitos na sociedade do capi-
tal, esses acontecimentos realizaram o seu contrário. Para Coutinho (2007, p.8), o
colapso do “socialismo real” teve como uma das conseqüências a diminuição da
“força de atração das idéias socialistas, que uma habilidosa propaganda ideológica
identificou com o modelo ‘estatolátrico’ vigente nos países da Europa do Leste”.
Nesse contexto sócio-histórico, “a luta de classes, que certamente continua a existir,
não se trava mais em nome da conquista de novos direitos, mas da defesa daqueles
conquistados no passado”.
Dias (1998, p.49) entende que a burguesia, considerando que foram supera-
dos os principais obstáculos à sua plena vigência, sendo um deles o desmonte dos
estados “socialistas” colocou “em questão o chamado bem estar social”. Passou a
liberar-se “de todo e qualquer compromisso com a satisfação das necessidades re-
ais da população e da ampliação da cidadania”, levando “a extremos a idéia de li-
berdade do mercado”.
Ao mesmo tempo em que a burguesia internacional tomou como definitiva a
vitória do capitalismo, entendendo que não precisaria mais fazer concessões para
evitar processos revolucionários, os trabalhadores e a juventude tomaram consciên-
cia do que a política desenvolvida na ex-União Soviética provocou: o chamado
socialismo real tornou-se tragédia. Evidentemente, não se pode desconsiderar os
71
avanços sociais obtidos pela existência da URSS, como sinalizamos, tanto no in-
terior dos países do Leste Europeu quanto no mundo capitalista. Entretanto, sua cri-
se e a derrocada fortaleceram questionamentos aos direitos e, muitos deles, foram
retirados nos países capitalistas, desaparecendo nos países do socialismo real, com
a restauração capitalista, restando aos trabalhadores, desemprego, falta de moradia,
fome, etc.
Em termos mundiais, as alterações na dinâmica das classes sociais repercuti-
ram-se mais do que ocorrera na década de 1970 no âmbito do Estado e na
configuração da sociedade, em todas as suas dimensões. Provocou rearranjos na
vida das várias sociedades, engendrando uma face diferenciada do capitalismo. A
partir da década de 1980, o capital pode estender-se em escala mundial, ou como
nos fala Chesnais (2006, p.26) “em uma escala planetária”. Com a desregulamenta-
ção promovida pela direção neoliberal, garantiu-se o mínimo de obstáculos.
A China, especialmente a partir da década de 1990, integrou-se de corpo e
alma a esse movimento, superando as décadas necessárias para sua transição ao
capitalismo com a ajuda de “grandes grupos estadunidenses do setor manufatureiro
e de distribuição concentrada (Wall Mart, sobretudo)”. Em quinze anos, os investi-
mentos desses grupos com “tecnologias manufatureiras e de gestão capitalista”
transformaram a China em “usina do mundo” (CHESNAIS, 1996, p.30). Esses gru-
pos estadunidenses, com a expansão dos IED e da “subcontratação internacional na
Ásia” obtiveram grandes ganhos, na perspectiva de combater a queda tendencial da
taxa de lucro. Todavia, conforme Chesnais (2006, p.31), as vantagens que o “capital
estadunidense” obtém com a “usina do mundo” não se atém apenas aos “fluxos de
lucro”; relacionam-se, também, com a “deflação salarial”, proporcionada pela direção
político-econômica imposta pelos dirigentes chineses ao conjunto dos trabalhadores.
Podemos dizer, então, que esse processo, ocorrido em todo o mundo nas úl-
timas décadas, adentrando o século XXI, mostrou que o compromisso, ou o pacto,
vigente desde a Segunda Guerra Mundial não continha a característica da perenida-
de. Netto (2001, p.70) fala da profundidade desse processo:
A crise do Estado do bem-estar social [...] não expressa somente a crise de
um arranjo sócio-político possível no âmbito da ordem do capital; evidencia
que a dinâmica crítica desta ordem alçou-se a um nível no interior do qual
72
sua reprodução tende a requisitar, progressivamente, a eliminação das ga-
rantias sociais e dos controles mínimos a que o capital foi obrigado naquele
arranjo. Significa que o patamar de desenvolvimento atingido pela ordem do
capital incompatibiliza cada vez mais seu movimento com as instituições só-
cio-políticas que, por um decurso temporal limitado, tornaram-no aceitável
para grandes contingentes humanos. Sinaliza que o arranjo sócio-político do
Welfare State constituiu uma possibilidade da ordem do capital que, pela ló-
gica intrínseca desta última, converte-se agora num limite que ela deve
franquear para reproduzir-se enquanto tal.
No âmbito da produção, combinou-se com a denominada reestruturação pro-
dutiva, provocando modificações significativas, questionando o binômio fordista-
taylorista e, dentre inúmeros elementos, as legislações do trabalho construídas até
então.
1.7. Neoliberalismo e reestruturação produtiva: no centro, a flexibilização dos
direitos trabalhistas
O capitalismo reestrutura a produção desde a sua implantação, seja implan-
tando novas tecnologias, seja organizando novos processos de trabalho, desenvol-
vendo novos produtos, diferentes padrões de consumo, etc. A implantação do binô-
mio fordista-taylorista foi um desses momentos, resultado e, ao mesmo tempo, pro-
dutor de transformações econômico-políticas fundamentais no mundo da produção e
na vida social em sua totalidade. Ou seja, as modificações na produção não são iso-
ladas, não encerram-se em si mesma. A reestruturação produtiva atual ocorre com o
esgotamento do padrão fordista-taylorista — consolidado como acumulação rígida
sendo a base, segundo Harvey (1993, p.140), do processo de “acumulação flexível”.
Acumulação flexível, para Harvey, refere-se às inovações tecnológicas, de ge-
renciamento da produção e do trabalho, das últimas décadas, que objetivam atender
mercados consumidores diferenciados, através de uma real flexibilização da produ-
ção e demanda. Funda-se na flexibilização de processos de trabalho, de produtos e
de padrões de consumo. Dá origem a novos “setores de produção”, faz surgir “novas
maneiras de fornecimento de serviços financeiros”, propicia “mercados novos”, mas,
“sobretudo, taxas altamente intensificadas de inovação comercial, tecnológica e or-
ganizacional” (HARVEY, 1993, p.140).
Uma das maneiras de flexibilizar ocorre com a terceirização, a qual enxuga as
indústrias, através da externalização de atividades, seja transferindo atividades-meio
73
e de apoio a empresas menores, de terceiros, seja pelo trabalho a domicílio, etc.
Essas alterações, para Netto e Braz (2007, p.217), mostram mudanças no perfil in-
dustrial.
De uma parte, os grupos monopolistas tratam de externalizar custos, man-
tendo o controle do conjunto da produção, mas repassando a outras empre-
sas (terceirização, etc.) a efetivação dela, de modo a constituir uma espécie
de constelação, na qual gravitam em torno do monopólio, qual satélites de-
pendentes, inúmeros negócios de menor porte. De outra parte a desterritori-
alização [...] permite o controle do conjunto da produção por um monopólio
que, ele mesmo, nada produz — de que é exemplo mundial a Nike
74
.
O fenômeno da desterritorialização da produção também é estudado por Be-
hring (2003, p.44), mostrando a importância da informatização. A “empresa-rede
(ex.: Benetton ou Nike)” pode, com ela, “controlar e até internalizar as externalida-
des, numa quase-integração vertical”. A autora identifica o custo da força de traba-
lho, a demanda maior e a concorrência como elementos de peso na escolha da loca-
lização territorial da produção:
....as liberalização e desregulamentação tornam-se vitais para o movimento
centrífugo dos oligopólios, recuperando a liberdade de ação, organizando a
produção e integrando vantagens, como, por exemplo, os diferenciais de
custo da força de trabalho. Os oligopólios exploram ao máximo as desigual-
dades nacionais, inclusive, reconstituindo-as (BEHRING, 2003, p.44).
Do ponto de vista da relação entre a economia e a política acentua-se, con-
forme Netto e Braz (2007, p.216), o “caráter desigual e combinado da dinâmica capi-
talista”.
No mundo capitalista ocidental, uma das respostas à crise passou a ser a im-
plantação do modelo japonês ou o ohnismo/toyotismo
75
, que tornou-se elemento
ativo no novo padrão de acumulação flexível, introduzindo novas técnicas voltadas
para a qualidade e redução de custos. Entretanto, é consenso entre estudiosos da
questão como Antunes (2001), Tumolo (2002), Bihr (1999) e outros, que não há, ho-
je, um único modelo que seja toyotista ou fordista-taylorista apenas. Para Tumolo
(2002, p.36), a burguesia, em termos mundiais, não realizou uma ruptura absoluta
74
Os 9.000 funcionários diretos que a Nike possuía, na década de 1990, atuavam em estratégias mercadológicas,
“desenvolvimento de produto e sub contratação de serviços e produção que, através da terceirização de suas
atividades”, gerava “75.000 empregos em outras empresas”. R. A. DREIFUSS. A época das perplexidades.
Mundialização, globalização e planetarização: novos desafios. Petrópolis, Vozes, 1996, p.54. Apud J. P. NETTO;
M. BRAZ. Economia Política: uma introdução crítica. 2
a
ed., Col. Biblioteca básica de serviço social; v.1. São
Paulo, Cortez, 2007, p.218.
75
Ohno: principal engenheiro a elaborar o método, utilizado pela Toyota.
74
com os “princípios centrais” do modelo fordista-taylorista, na verdade, amalgamou
esses modelos, mesclando ou provocando a convivência de ambos, sempre na
perspectiva de economizar força de trabalho. Procurou-se absorver do toyotismo a
flexibilização da produção, do aparato produtivo e do processo de trabalho, mas
também a domesticação dos organismos sindicais dos trabalhadores, com severa
ofensiva sobre os sindicatos tendo como centro a flexibilização dos direitos
trabalhistas.
A flexibilização, segundo Almeida (2006), é a diminuição ou o afrouxamento, a
adaptação e aa eliminação da proteção trabalhista no sentido clássico, mostrados
pelos defensores do capital como solução para os investimentos, a competitividade
da empresa e o desemprego. Tem sido desenvolvida por medidas legais ou conven-
cionadas, que afrouxam imposições jurídicas nos contratos de trabalho, afetando
salários, contratação, jornada de trabalho, demissão, rias e outros direitos, cujo
resultante imediato é a precarização do trabalho.
Para Leite (1997, p.43), é importante diferenciar-se flexibilização de desregu-
lamentação. A desregulamentação implica em uma atitude absenteísta do Estado
nas relações de trabalho, objetivando que a “autonomia privada, coletiva ou indivi-
dual, disponha, sem limitações legais, sobre as condições de trabalho”. Em países
como a Inglaterra, por exemplo, em que a regulamentação foi historicamente míni-
ma, existindo em algumas raras exceções como a jornada de trabalho —, com a
crise e o neoliberalismo, essa desregulamentação deu lugar à flexibilização. Segun-
do Antunes (1999, p.68), o thatcherismo provocou o trânsito de uma situação anteri-
or — cujo sistema legal regulamentava minimamente as relações de trabalho — para
um sistema de forte regulamentação, flexibilizando direitos, restringindo a organiza-
ção coletiva dos trabalhadores.
A flexibilização, conforme Leite (1997, p.42), ajusta “a aplicação da norma
legal a peculiaridades regionais, empresariais ou profissionais, ainda que alte-
rando condições contratuais para a consecução dessas metas”. Nesse sentido:
... corresponde a uma fenda no princípio da inderrogabilidade das normas
de ordem pública e no da inalterabilidade in pejus das condições contratuais
ajustadas em favor do trabalhador, visando a facilitar a implementação de
nova tecnologia ou preservar a saúde da empresa e a manutenção de em-
pregos.
75
Em Almeida (2006), verificamos que a flexibilização ganha três diferentes
formas, relacionadas às suas fontes. A primeira ocorre mediante “iniciativa unilateral
do Estado (seja do poder executivo ou legislativo), que simplesmente derroga, elimi-
na a lei ou norma protetora é a "flexibilização heterônoma" (URIARTE, 2002 apud
ALMEIDA, 2006, p.1). A segunda forma ocorre pela “negociação coletiva, ou pacto
social”, que implica na "vontade coletiva" dos trabalhadores é a chamada "flexibi-
lização autônoma". No caso, a flexibilização o afeta a lei ou a norma de proteção;
estabelece que o acordado na negociação coletiva prevaleça sobre o que está legis-
lado. A terceira forma é uma mistura das duas: a “flexibilização mista”. Isso significa
um acordo construído pela negociação com representações dos trabalhadores, pos-
teriormente, transformado em lei pelo Estado. Mas a própria efetivação da “lei nas
situações concretas”, muitas vezes, é necessário, também, “negociação e contrata-
ção coletiva com os sindicatos” (ALMEIDA, 2006, p.1).
Essa modalidade foi adotada na Espanha, por exemplo, modelo muito falado
nos meios jurídicos brasileiros, segundo MACCALÓZ (1997, p.21), desde janeiro de
1994, com o seguinte conteúdo:
1) revalorização da negociação coletiva, como forma de determinar pra-
ticamente todas as condições de trabalho;
2) desregulamentação dos salários, preservando-se direitos mínimos;
3) cláusulas que permitem a não aplicação das convenções coletivas
quando estas possam ser negativas à situação da empresa;
4) total soberania da convenção nova sobre o estipulado nas anteriores;
5) permissão para as empresas de trabalho temporário, antes proibidas.
A perspectiva neoliberal de flexibilização, ainda segundo Almeida (2006,
p.2), pressupõe a individualização das relações de trabalho no limite do possível
politicamente com a justificativa da necessidade de adaptação das empresas às
exigências da competitividade e ocupação de mercado. O ideal neoliberal é a
abolição do conceito fundador do direito do trabalho em vários países. No Brasil,
por exemplo, para o autor, esse conceito existe pelo reconhecimento que as
relações de trabalho se dão entre partes desiguais:
…. o direito do trabalho foi concebido com a finalidade de proteger a parte
mais fraca o trabalhador contra a parte mais forte – o empregador
(obviamente estamos falando aqui em teoria). No fundo, o neoliberalismo
defende a eliminação da legislação trabalhista e a sua substituição pelo
direito comercial ou civil, em que as duas partes da relação, ou do contrato,
são entendidas como partes iguais. Dessa forma a relação
empregado/empregador ficaria ao sabor da relação (melhor seria dizer
76
pressão) direta entre empregador e empregado (ALMEIDA, 2006, p.2).
Para que a individualização das relações de trabalho se efetive é mister a “re-
criação” do trabalhador, nos termos de Dias (2006, p.42). É verdade que essa recri-
ação é uma necessidade estratégica permanente do capital, mas atualmente reves-
te-se de formas econômicas, legais e, de maneira imbricada, ídeo-políticas.
Com as chamadas novas tecnologias, passa a ser possível obter, de forma
ampliada, a incorporação ativa do trabalho vivo ao trabalho morto e conse-
guir que o trabalhador vista a camisa da empresa. Fazê-lo desejar o capital.
Produz-se uma reterritorialização do trabalho. Após tentar desconstruir os
espaços fabris clássicos, produtores da socialização operária ampliada, o
capital busca “reinventar” velhas formas de trabalho como o trabalho a do-
micílio, com qualidade artesanal e, a um só tempo, artesanal e “emancipató-
rio”. Em suma, um criador, um trabalhador autônomo, é bom que se diga,
para o capital. Essa aparência materializa/constitui um projeto que busca
destruir não apenas o trabalhador coletivo, mas os coletivos dos trabalhado-
res.
A desconstrução dos coletivos de trabalhadores torna-se essencial, de acordo
com Almeida (2006, p.2), porque são considerados elementos a aumentar “artificial-
mente” o custo da força de trabalho, afetando a extração de mais-valia. Aqui, o autor
trata dos sindicatos denominados combativos e não do sindicato “como instrumento
de controle dos trabalhadores”. Para coibir a ação sindical combativa, ao mesmo
tempo em que o neoliberalismo defende o “afastamento completo do Estado das
relações individuais de trabalho”, defende uma forte interferência “do mesmo Estado
nas relações coletivas de trabalho”.
Temos, assim, a característica fundamental de todas as reformas na área
trabalhista, inspiradas no receituário neoliberal: o esforço por afastar o Es-
tado das relações individuais de trabalho por um lado, eliminando e/ou
flexibilizando os direitos dos trabalhadores protegidos em lei, e, por ou-
tro lado, intensificar a interferência do mesmo Estado nas relações co-
letivas de trabalho, sempre no sentido de restringir a ação coletiva dos
trabalhadores, de punir a greve, e de coagir os sindicatos a se transforma-
rem em instrumentos de controle dos trabalhadores, ao invés de serem um
instrumento para a sua luta (Almeida, 2006, p.2 — grifos do autor).
Linhart (2006, p.2) mostra que a “noção de controvérsia, de situação de confli-
to” tem sido considerada obsoleta e arcaica e a “idéia de projeto coletivo, de valores
comuns alternativos” está excluída. Em um estudo sobre a situação dos trabalhado-
res, na França, a autora conclui que a “postura crítica e distanciada e a busca de
independência e de liberdade” encontram-se encurraladas:
77
Foram substituídas pela individualização, pela concorrência entre os pró-
prios trabalhadores, a disponibilidade e mobilidade, o questionamento per-
manente das competências e a obrigação de se submeter continuamente a
novas avaliações. As novas regras do jogo do mercado de trabalho supõem
que o trabalhador está, o tempo todo, "no máximo de sua forma". Por isso,
excluem imediatamente uma parte da população e assalariados. Basta ver
os problemas enfrentados pelos trabalhadores que superaram os 55 anos,
sempre suspeitos de estar em declínio. E em nome disso, a associação pa-
tronal francesa (MEDEF) e três [de seus] sindicatos inventaram os contratos
por tempo determinado específicos para os maiores de 50 anos.
Exige-se que os trabalhadores transformem-se “em militantes incondicionais”
da “causa” da empresa onde trabalha. Eventuais omissões são vistas e tratadas co-
mo “falta de lealdade. Exige-se um consentimento sem falhas, uma adesão não ne-
gociável”. Esse processo, juntamente com o desemprego crescente e as várias for-
mas de relações de trabalho vem fragilizando as lutas e a defesa do trabalho.
O crescente desemprego estrutural, em nível mundial, é um elemento deter-
minante para a flexibilização. Grandes parcelas de trabalhadores engrossam o exér-
cito industrial de reserva, jogadas numa grave situação de pauperização. Para a
OIT, no mundo, cerca de 180 milhões de trabalhadores estão desempregados e um
terço é de jovens entre 15 e 24 anos
76
. Assim, os trabalhadores que estão no mer-
cado formal de trabalho são obrigados, em todos os países, a aceitar acordos que
desrespeitam direitos trabalhistas submetendo-se à flexibilização mostrando a
intensificação, hoje, da exploração da força de trabalho.
Os trabalhadores desempregados e os terceirizados encontram-se isolados,
não possuem ou perdem sua identidade de classe, não tendo direito de reivindicar
melhores salários e condições de trabalho, enfraquecendo a organização sindical.
Trava-se uma luta ideológica em que as representações sindicais são mostradas
como ultrapassadas, corporativas, danosas à “modernização” e ao desenvolvimento.
Trata-se de uma brutal luta ideológica [...]. Essa luta visa negar a possibili-
dade de uma identidade classista do trabalhador, negar suas formas de so-
ciabilidade e subjetividade. Para completar, afirma-se que o trabalho, na sua
forma clássica, não tem mais sentido para o trabalhador. Com isso, procura-
se eliminar, no discurso e na prática, o papel das classes e de sua luta (DI-
AS, 1998, p.46).
Como uma grande parte dos trabalhadores encontra-se fora do mercado for-
mal ou porque está desempregado ou porque não tem carteira assinada, essa fala
76
Nos EUA, em 2008, a taxa de desemprego era de 6,7%. Na Espanha, de 11,9%, na Alemanha, 10,7% e, na
França, 9,3%. Site da OIT no Brasil. Consultado em dezembro de 2008.
78
passa a ter âncoras no real. Procura-se obstaculizar ao ximo a interferência dos
sindicatos dos trabalhadores, forçando o papel de complementaridade de aliado
das empresas sem antagonismos ou proposições que caminhem além das ne-
cessidades do capital.
Para Antunes (1999, p.360), na Inglaterra, por exemplo, os sindicatos foram
tratados como inimigos pelo neoliberalismo thatcherista, o que trouxe conseqüências
diretas no relacionamento entre Estado e classe trabalhadora. Uma delas: os diri-
gentes sindicais foram excluídos de discussões da agenda estatal; excluídos de or-
ganismos econômicos e sociais locais e nacionais, que tinham a participação sindi-
cal como um dos eixos do “compromisso social-democrata”. Ao mesmo tempo, pro-
curou-se, por um lado, “desregulamentar as condições de trabalho e, de outro, coibir
e restringir ao máximo a atividade sindical”.
O exemplo da greve é elucidativo: para que sua decretação tenha validade
legal, um ritual complexo de votações que burocratizam e limitam forte-
mente a sua ocorrência, que deve ser anunciada e posteriormente seguir
toda uma teia de restrições. As greves de solidariedade foram proibidas;
também foram proibidas as ações de conscientização dos sindicatos, como
os piquetes e a pressão sindical tradicionalmente exercida sobre os traba-
lhadores que desconsideravam as decisões coletivas, tomadas por voto se-
creto, pela realização da greve (ANTUNES, 1999, p.68).
As paralisações consideradas válidas, legalmente, são as que seguem o “ritu-
al burocrático-legal restrito”. Quando não se cumpre de maneira rigorosa a sistemá-
tica instituída, ainda segundo Antunes, as penalidades aos sindicatos atingem “mul-
tas altíssimas, de modo a inviabilizar a vida associativa e sindical”. Com essas medi-
das, para o autor (1999, p.67-68), a ”autonomia sindical foi significativamente com-
prometida” na Inglaterra e foram adotadas para dar liberdade ao capital de flexibilizar
direitos trabalhistas. Os direitos sofrem mudanças significativas em direção ao sis-
tema de “livre mercado”, implicando em retrocessos nos formatos das contratações
dos trabalhadores, com a flexibilização correndo célere através de ataques à estabi-
lidade no emprego, perdas no sistema do Welfare State, afetando as condições de
trabalho e de vida dos trabalhadores. Desde esse período, segundo Antunes, a In-
glaterra ingressou “na era do individualismo, do novo gerenciamento e das novas
técnicas de administração”. Observa-se que essa agenda teve intensa expansão na
década de 1980 com um aumento do setor de serviços, “especialmente os privados,
a expansão do trabalhador autônomo, que duplicou entre 1979 e 1990, e o enorme
79
incremento do trabalho part-time”. Sob a hegemonia do neoliberalismo thatcherista,
o novo período do capitalismo inglês trouxe graves resultados:
... menos industrializante e mais voltado para os serviços, menos orientado
para a produção e mais financeiro, menos coletivista e mais individualizado,
mais desregulamentado e menos contratualista, mais flexibilizado e menos
rígido nas relações entre capital e trabalho, mais fundamentado no laissez-
faire”, no monetarismo, e totalmente contrário ao estatismo nacionalizante
da fase trabalhista (ANTUNES, 1999, p.67 — grifos do autor).
Embora com variações engendradas pelas condições sócio-históricas dos di-
ferentes países, com o neoliberalismo, a ação contra a interferência sindical de cariz
autônoma, objetivando a flexibilização, tornou-se universal.
Nos Estados Unidos, por exemplo, os sindicatos ainda possuem força, mas
são obrigados a submeterem-se às exigências das empresas, pela chantagem do
desemprego. Em muitas empresas, os trabalhadores não conseguem organizar-se,
como mostra Fantasia (2006, p.3):
Nas grandes empresas onde os sindicatos não existem, como a Wal-Mart,
maior empregador privado do país, os gestores de pessoal dispõem muitas
vezes de "comandos" de especialistas essencialmente juristas e consul-
tores prontos para apagar o incêndio, onde houver o menor sinal de mili-
tância operária. Exímios na arte de driblar proteções legais (muitas vezes
frágeis) dos empregados e dos sindicatos, estes comandos também apelam
para meios de coerção mais brutais a fim de impedir a criação de uma se-
ção sindical: a cada ano mais de 10 mil assalariados são despedidos por es-
te motivo. Ainda que ilegal, é pouco custoso; as penalidades financeiras às
quais as empresas são condenadas permanecem mínimas. Mas o efeito
das demissões destes militantes sindicalistas pesa negativamente sobre a
disposição dos trabalhadores não-sindicalizados para a luta.
Outra forma de impedir a interferência sindical em defesa de direitos trabalhis-
tas, onde o sindicalismo garantiu sua presença por décadas, é a “descentralização
de atividades e o deslocamento geográfico dos pólos tecnológicos”. Isso ocorre nos
Estados Unidos com a indústria automobilística, por exemplo.
Resultados: a taxa nacional de sindicalização (determinante num país onde
as organizações operárias conseguem para seus membros melhores condi-
ções de trabalho e salários) caiu para 8% (era de 35% nos anos 50). O nú-
mero de empregos nas grandes empresas de manufatura foi dividido pela
metade, em 30 anos. A queda atual do nível de vida operário decorre am-
plamente de tudo isto (FANTASIA, 2006, p.3).
A flexibilização expressa-se em conformidade com os países, ganhando gra-
vidade maior naqueles cujos sindicatos são frágeis, controlados ou até proibidos pe-
80
los governos. Em reportagem da Folha de São Paulo, Lores
77
mostra a situação dos
trabalhadores na China, por exemplo.
Há milhões de trabalhadores sem contrato no país. Não há férias remunera-
das, greves são reprimidas e os sindicatos pertencem ao governo. salá-
rios mínimos regionais, comumente desrespeitados. As jornadas de trabalho
podem chegar a 70 horas semanais. Em Pequim, onde a situação é bem
melhor do que no interior do país, 44% da mão-de-obra trabalha 6,9 dias
por semana, em média 56 horas. Em Guangzhou, capital da mais rica pro-
víncia chinesa, o antigo Cantão, é comum achar funcionárias que trabalham
80 horas por semana, em turnos de até 12 horas. 210 milhões de chine-
ses nascidos no campo, mas que trabalham como migrantes nas grandes
cidades chinesas, principalmente na construção e nas fábricas. Com tama-
nha mão-de-obra querendo escapar da pobreza, os abusos são generaliza-
dos. Milhares moram em alojamentos precários ao lado das obras e fábricas
em que trabalham, com apenas algumas horas livres para dormir.
Torna-se evidente, hoje, a combinação da extração da mais-valia relativa
através de avanços na automação da produção com a absoluta, pelo prolonga-
mento sem limites da jornada de trabalho. Além das condições dos trabalhadores
chineses, o caso dos trabalhadores do Japão também demonstra isto, que, no
início deste século XXI, defrontavam-se com a proposta de ampliação de 48 para 52
horas semanais de trabalho (ANTUNES, 2001). Atualiza-se, assim, uma das primei-
ras lutas dos trabalhadores na indústria moderna pela diminuição da jornada de
trabalho iniciada ainda no século XIX, a qual Marx (1988) considerou um marco
na história da produção capitalista.
Esse novo padrão de acumulação capitalista, ao qual o ideário neoliberal é
absolutamente funcional por essa razão é diretriz ideológica da burguesia, para-
metrando sua intervenção econômico-política através dos vários governos mos-
tra, em todas as partes do planeta, uma total incompatibilidade com o formato com-
bativo dos sindicatos. Para Tumolo (2002, p.96):
... a destruição ou, pelo menos, a neutralização de formas organizativas dos
trabalhadores, particularmente aquelas de cunho combativo, tem se consti-
tuído em uma das condições necessárias e primeiras dos diversos proces-
sos de trabalho que vêm sendo implementados na atualidade, cujos desdo-
bramentos têm sido, por um lado, sua substituição por alternativas sob total
controle dos empresários, como é o caso do “sindicato-casa” no Japão, ou
por sindicatos que, explícita ou dissimuladamente, “vestem a camisa” do a-
tual projeto do capital e, por outro, a ão no sentido de seu total aniquila-
mento.
77
R. J. LORES. Nova lei direitos a operário chinês e encarece trabalho. São Paulo, Folha de São Paulo.
Online. Dinheiro. De Pequim, 11 de maio de 2008.
81
A flexibilização dos direitos trabalhistas é mediada pelas condições sócio-
históricas particulares dos países e regiões, alastrando-se tanto em tempos diferen-
tes como de modo diversificado. Do ponto de vista das diferenças temporais, esse
processo atingiu os países capitalistas centrais desde a década de 1970, mas apro-
fundou-se a partir dos anos oitenta. Posteriormente, especialmente na transição da
década de 1990, atingiu o campo socialista, a Ásia, a África e, dada a sua dimensão
mundializada, também os países da América Latina, como Brasil, Argentina e outros.
A exceção, talvez, caiba ao Chile, cujos militares deram início à implantação do neo-
liberalismo, anteriormente.
No Brasil, a busca de saídas para a crise do capital sob hegemonia neoliberal
ocorreu mais efetivamente a partir da década de 1990. Em fins dos anos setenta, a
crise mundial do capital atingiu politicamente a autocracia burguesa, derruindo as
bases materiais de sua dominação, potencializando as lutas pela sua finalização. Foi
assim que, naquele contexto sócio-histórico, na contra-corrente do que ocorria em
vários países capitalistas centrais, os direitos trabalhistas, no Brasil, antes de refluí-
rem, avançaram. Direitos estes que, embora insuficientes, foram obtidos no proces-
so histórico de lutas dos trabalhadores, contra, inclusive, as marcas da escravidão.
82
CAPÍTULO 2. RESGATE DOS MARCOS TEÓRICOS E SÓCIO-HISTÓRICOS DOS
DIREITOS TRABALHISTAS NO BRASIL
As lutas por direitos do trabalho, no Brasil, em confronto com as necessidades
da acumulação monopolista construíram mecanismos como legislação trabalhista,
sindical e políticas sociais, elementos historicamente combinados com a repressão
policial seletiva
78
. As origens históricas dos direitos trabalhistas, também em nosso
país, ligam-se ao reconhecimento da questão social, fenômeno nascido das grandes
transformações pelas quais passou a sociedade brasileira de fins do século XIX e
inícios do XX no bojo do complexo processo de sucessão do capitalismo concorren-
cial pelo monopolista, desencadeado em nível mundial.
A sociedade capitalista brasileira desenvolveu-se a partir das suas particulari-
dades, combinando etapas e fases diferenciadas de modo desigual e combinado.
Seguindo as trilhas da Teoria do Desenvolvimento Desigual e Combinado de Trotsky
(1978, p.25) veremos que, nesse processo, houve um “amálgama das formas arcai-
cas com as mais modernas”, em um movimento que levou o país a avançar aos sal-
tos, rompendo atrasos em vários de seus aspectos, ao mesmo tempo em que manti-
nha continuidades, como a questão do latifúndio, por exemplo, combinando uns e
outros.
Para Oliveira (2003, p.32), em sua obra Crítica à razão dualista: O ornitorrin-
co
79
, no desenvolvimento capitalista brasileiro ocorreu uma relação funcional entre
diferentes sistemas e épocas históricas se a entendermos em uma perspectiva dialé-
tica, provocando uma verdadeira “simbiose e uma organicidade, uma unidade de
78
Repressão seletiva ocorre quando o Estado reprime a vanguarda dos trabalhadores em luta, ao mesmo tempo
em que respostas às reivindicações através de legislações, de políticas sociais ou assistenciais para o conjunto
da classe. Mas ela aparece, também, no tratamento diferenciado que às vanguardas do movimento que se
deixam cooptar e/ou atrelar daquelas que mantêm-se combativas.
79
Oliveira se opõe ao dual-estruturalismo, que marcou as idéias e soluções propostas pelos economistas, autores
e analistas da CEPAL, para o Brasil, criticando a dualidade estrutural entre tradicional e moderno. O primeiro,
tradicional, sendo marcadamente agro-exportador, contém uma estrutura arcaica nas relações sociais e de produ-
ção. O segundo, moderno, industrial e desenvolvido, baseia-se nas relações sociais e de produção capitalista.
Coloca, de um lado, o Brasil tradicional, agrário-exportador, baseado no latifúndio, na monocultura e no trabalho
semi-escravo; de outro um Brasil moderno, industrial e urbano, fundado no trabalho assalariado. A permanência
das oligarquias rurais torna-se, assim, incompatível com a idéia de desenvolvimento, porque, sendo as relações
capitalistas avançadas o parâmetro do desenvolvimento, a emergência do mundo capitalista dar-se-ia a partir da
extinção do poder agrário. Portanto, no Brasil, o mundo agrário seria uma espécie de excrescência, gerando atra-
so, impedindo o desenvolvimento completo do país. Não vê, essa concepção, a integração dialética entre esses
elementos. F. de OLIVEIRA. Crítica à razão dualista. O ornitorrinco. São Paulo, Boitempo, 2003.
83
contrários, em que o chamado “moderno” cresce e se alimenta da existência do “a-
trasado”, do tradicional. Oliveira (2003, p.32) estabelece, em seu texto, uma seqüên-
cia lógica, histórica, econômica e política para analisar o desenvolvimento do capita-
lismo brasileiro, mostrando que a realidade econômica do país não pode ser enten-
dida em separado da realidade política e da formação histórica do capitalismo inter-
nacional. Para ele, as ações realizadas pelo Estado desde a década de 1930 inte-
gram o processo que formou a sociedade capitalista brasileira, dando “continuidade
à lógica desigual e combinada”, uma vez que tem relação permanente e dialética
com o modo de produção capitalista como um todo, combinando o moder-
no/capitalista com o tradicional/arcaico.
Ianni (1965, pp.74-79) entende que a industrialização de países “coloniais,
semi-coloniais, de economia de exportação de produtos primários e matérias-
primas”, provocou um “desenvolvimento combinado, na medida em que os vários
subsistemas constituídos historicamente” desencadeiam-se com um “mínimo de in-
tegração”, transformando diversos aspectos e mantendo outros. A despeito da inten-
sidade do desenvolvimento de determinados elementos, incluindo aqueles herdados
do período colonial, a industrialização brasileira impôs uma “articulação de todas as
esferas significativas da vida econômica nacional” em que não são as antinomias
80
,
mas as descontinuidades que constroem níveis distintos de integração ao mercado
em suas “expansões necessárias”, através de uma “integração estrutural”.
Esse é o resultado de processos históricos importantes, por meio dos quais
a produção dominante deslocou-se de uma para outra atividade, de uma pa-
ra outra área, com possibilidades diferentes de capitalização. Em todos os
casos, no entanto, as descontinuidades e desigualdades não significam au-
sência de integração global, nem a existência de uma totalidade mecânica,
que se supera ou se resolve em antinomias sucessivas, como quer a teoria
das dualidades. O que é uma sucessividade, no âmbito do processo de
incorporação e reintegração contínua da nação ao modo capitalista de pro-
dução. Nessa seqüência, as flutuações e desarticulações são produtos ne-
cessários do tipo de racionalidade possível no sistema (IANNI, 1965, pp.79-
80).
Florestan Fernandes, ao analisar o desenvolvimento brasileiro, também apon-
ta questões que nos sugerem esse sentido. Em sua obra A Revolução Burguesa
80
Ianni também discorda da teoria dualista que fala em “dois brasis”, mostrando que, em geral, é essa teoria
“econômico-social que fundamenta essas reflexões e as soluções preconizadas. Apesar dos artifícios verbais
utilizados, quando J.H. Boecke formulou-a tinha em vista a oposição revelada nas relações coloniais, entre os
segmentos nativos e ocidentais, nas índias Orientais Holandesas. Depois, o conceito foi generalizado para outras
oposições. Tornou-se um exercício de construção de antinomias”. O. IANNI. Estado e Capitalismo: Estrutura
Social e Industrialização no Brasil. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1965, p.75.
84
(2006), mostra que o capitalismo, no Brasil, desenvolveu-se em ritmo desigual em
relação às sociedades de capitalismo central, mas assimilando aspectos modernos
dessas nações, combinando-os aos elementos materiais e culturais tradicionais
originários do período colonial. Trata-se de uma interação dialética entre os avanços
tecnológicos, inovações políticas e culturais engendrados nas condições históricas
dos países imperialistas e as relações sociais de caráter ainda pré-capitalistas
vividas em nosso país, cuja ambiência revestia-se de raízes coloniais. Um exemplo:
o desenvolvimento processou-se sem que houvesse alteração em sua condição de
economia subordinada, como se constituiu desde o período colonial, mantendo, as-
sim, a histórica marca da heteronomia. Ao mesmo tempo, observamos que o traba-
lho escravo marcou as relações trabalhistas no Brasil, especialmente no que se refe-
re à depreciação do trabalho em sua remuneração e representação na sociedade e,
portanto, na questão dos direitos dos trabalhadores.
2.1. A ortodoxia neoliberal e os estreitos caminhos para os direitos do trabalho
A transformação capitalista que substituiu a sociedade agrária após quatro
séculos de relações políticas limitadas às cúpulas aristocráticas agrárias e à elite
letrada para Ianni (1994), não significou abertura aos trabalhadores da cidade e
do campo, ao contrário, as relações foram sempre restritivas para os assalariados.
Segundo Fernandes (2006), a burguesia brasileira não associou liberalismo e demo-
cracia, mas liberalismo e autocracia, engendrando uma sociabilidade autoritária.
Vianna (1978, p.6), além de identificar a ausência de associação entre liberalismo e
democracia, considera que isto não é inusitado. Para ele, não há, necessariamente,
coincidência entre um e outra, historicamente falando. Se, especialmente na Europa,
como apontamos no primeiro capítulo, o liberalismo defrontou-se com o pro-
blema da democracia a partir da ação dos movimentos sociais para ampliar direitos,
em terras brasileiras o processo não foi muito diferente; sendo ainda mais obstaculi-
zado. O liberalismo, no Brasil, foi absorvido através da antiga estreiteza do período
senhorial-escravocrata, em que essa concepção política formatava os ideais de au-
tonomia em relação à coroa, transformando em cidadãos-iguais apenas os integran-
tes do estamento senhorial.
Durante um largo lapso de tempo, apesar das divergências existentes entre
frações da burguesia emergente, observamos, com Vianna (1978, p.2), a “persistên-
85
cia de um sistema político excludente” que estava superado no tempo, mas que re-
sistia em admitir, por exemplo, as “organizações de defesa econômica e social das
classes subalternas”.
Nessa linha de análise, concordamos com Fernandes (2006, p.307) quando
ele afirma que a burguesia reproduziu o “espírito mandonista oligárquico” no proces-
so de implantação capitalista brasileiro. A “oligarquia não perdeu a base de poder
que lograra antes, como e enquanto aristocracia agrária”, ao contrário, ela enfrentou
a transição de forma a modernizar-se quando foi necessário e irradiar-se “pelo des-
dobramento de oportunidades novas, onde isso fosse possível”. Isso ocorreu, para o
autor (2006, p.240), porque a maioria da burguesia brasileira originava-se “de um
estreito mundo provinciano, em sua essência rural”. Não importa qual "sua localiza-
ção e o tipo de atividade econômica” estando na cidade ou vivendo no campo
“sofrera larga socialização [...] pela oligarquia (como e enquanto tal, ou seja, antes
de fundir-se e perder-se principalmente no setor comercial e financeiro da burguesi-
a)”. Com essa origem, mesmo se discordasse ou se opusesse à oligarquia, a bur-
guesia o se afastava de seu “horizonte cultural que era essencialmente o mesmo,
polarizado em torno de preocupações particularistas e de um entranhado conservan-
tismo sociocultural e político”. Portadora de um pensamento conservador, a sua
maioria buscava impedir qualquer mudança social, seja nas áreas urbanas seja nas
rurais, utilizando-se da ortodoxia liberal, tendo como alvo a repressão à classe dos
outros, “que se constituía do proletariado emergente (e, confusamente, a congérie
das massas trabalhadoras e destituídas)” (FERNANDES, 2006, pp.310-311).
Behring e Boschetti (2007, p.73) mostram que as “elites nativas” filtraram o li-
beralismo, no Brasil, através de uma “lente singular”. Destacam três aspectos de-
monstrativos dessa concepção: a equidade significou a sua e apenas sua “e-
mancipação” e a “realização de um certo status desfrutado por elas, [...], sem incor-
poração das massas”; a soberania significou sua “relação passiva e complacente
com o capital internacional como “uma interdependência vantajosa entre as nações”
e, em terceiro lugar, o Estado, significou um meio de trazer os “centros de decisão
política” para o âmbito nacional, institucionalizando seu predomínio, “numa forte con-
fusão entre público e privado”. Nesse sentido, a “democracia não era uma condição
86
geral da sociedade: estava aprisionada no âmbito da sociedade civil”, formada ape-
nas pelas “elites nativas”.
Fernandes (2006, p.244) mostra que o desenvolvimento capitalista ampliou os
conflitos potenciais internamente à classe dominante causando diferenciações
dentro dela mas também provocou diferenciações externamente, que vinham do
proletariado em formação, ganhando conotação de uma “oposição de baixo para
cima”.
As elites brasileiras acomodaram-se de modo mais ou menos rápido à pri-
meira diferenciação, que brotava no ápice da sociedade e podia ser tolerada
como uma divergência intra muros e que, no fundo, nascia de uma pressão
natural para ajustar a dominação burguesa a seus novos quadros reais.
Assim, as divergências entre setores da burguesia eram suportadas, mas as
diferenciações postas pelo proletariado eram consideradas, segundo o autor, desafi-
os tratados como uma “demonstração de lesa-majestade”.
.... as reservas da opressão e de repressão de uma sociedade de classes
em formação foram mobilizadas para solapá-la e para impedir que as mas-
sas populares conquistassem, de fato, um espaço político próprio, “dentro
da ordem”. Essa reação não foi imediata, ela teve larga duração, indo do
mandonismo, do paternalismo e do ritualismo eleitoral à manipulação dos
movimentos políticos populares, pelos demagogos conservadores ou opor-
tunistas e pelo condicionamento estatal do sindicalismo.
Mergulhados nessa realidade, os trabalhadores desenvolveram suas lutas por
direitos trabalhistas de maneira persistente e renhida, obrigando a ortodoxia liberal,
também em terras brasileiras, a defrontar-se com o problema da democracia. Para
Mattos (2004), isso pode ser observado desde fins do século XIX pela incipiente,
mas crescente efervescência entre os trabalhadores, que atingia até uma parcela de
escravos que trabalhava no meio urbano
81
. Mas um dos elementos fundamentais
81
Mattos fala da greve dos trabalhadores escravos de um estabelecimento de Ponta da Areia, propriedade de
Mauá, em Niterói (RJ), no ano de 1857, para libertação de três de seus parceiros, presos por desobediência às
ordens do mesmo estabelecimento. No mesmo ano, ainda segundo Mattos, em Salvador, houve uma paralisação
do “movimento dos ganhadores”, formado, em sua maioria, por africanos libertos e escravos, em protesto contra
uma legislação local que instituía taxa de matrícula para o “ganhadores” e os obrigava a usar uma chapa com
número de matrícula (fosse ele escravo ou livre). Mas é indicativo desse desencadear das lutas, também, a greve
de 1858 dos tipógrafos do Rio de Janeiro, apoiada pela Imperial Associação Tipográfica Fluminense, a qual
financiou a fundação do Jornal dos Tipógrafos para realizar a sua divulgação para a sociedade. M. B. MATTOS.
Greves e repressão policial aos sindicatos no processo de formação da classe operária carioca (1850-1910). In
MATTOS, M. B. (org.). Trabalhadores em greve, polícia em guarda: greves e repressão policial na formação da
classe trabalhadora carioca. Rio de Janeiro, Bom Texto/FAPERJ, 2004, p.18.
87
para o desenvolvimento das lutas, incluindo a própria formação da classe trabalha-
dora brasileira, foi a vinda dos imigrantes europeus a partir de fins do século XIX.
Para Fausto (1977), os imigrantes, na fase inicial de formação da classe ope-
rária foram fundamentais, demarcando a composição étnica como um dos condicio-
nantes estruturais dessa formação
82
. Dentre inúmeros aspectos, representaram um
“aumento do potencial de trabalho, destinado a atender aos requisitos de uma eco-
nomia em plena expansão”
83
, mas também incidiram “no comportamento operário
em geral e nas concepções ideológicas dos setores organizados da classe(FAUS-
TO, 1977, p.29).
Rago (1985, p.17) fala das expectativas da burguesia sobre os imigrantes eu-
ropeus: nem vindos “da Ásia, nem da África”, mas do “Sul da Europa, brancos e civi-
lizados”, trariam uma força de trabalho “disciplinada e laboriosa”. Todavia, além da
força de trabalho, trouxeram expectativas, valores e tradições político-culturais dife-
rentes do que se esperava deles. É ainda Rago (1985, p.11) quem registra que, pelo
porto de Santos, para a burguesia, juntamente com os imigrantes “italianos, espa-
nhóis, portugueses, polacos”, chegou uma “nova mania”: as greves. Considerada
uma “lepra”, “a luta de classes” mostrava que os “novos rbaros” aportaram em
terras brasileiras. Com suas experiências de luta, seus costumes e valores, ao che-
garem ao Brasil, os imigrantes fizeram ruir as idealizações a seu respeito, porque
buscavam reconstruir sua identidade. Passaram a ser vistos como “indolentes, pre-
guiçosos, boêmios, grevistas ou anarquistas” o que era tudo sinônimo, porque
pretendiam “definir sua nova identidade, a partir dos sistemas de representações,
dos valores e das crenças que lhes [eram] próprios” (RAGO, 1985, p.17). Desmoro-
nou-se a imagem de trabalhadores disciplinados e ordeiros, o que os transformou
em uma ameaça à tranqüilidade social, pois poderiam contaminar o que se conside-
rava a índole pacífica do povo brasileiro.
82
Em São Paulo, em 1920, os estrangeiros na indústria eram 51%, nos transportes e comunicação 58%. No Rio
de Janeiro, era de 35,2% na indústria e 53% nos transportes terrestres e aéreos em geral. B.FAUSTO. Trabalho
urbano e conflito social (1890-1920). col. Corpo e Alma do Brasil, Rio de Janeiro/São Paulo, Difel, 1977, pp.29-
31.
83
Esse contingente foi em maior parte para São Paulo. Embora levas de imigrantes tenham ido para o Rio de
Janeiro a maior parte foi de “migrantes internos de todo o país”. Para Boris Fausto um “importante contingente
deve ter sido o dos antigos escravos que abandonaram a região fluminense em decadência”. Op.cit. nota 82, p.25.
88
Para as autoridades, a vinda dos imigrantes trazia mais resultados negativos
que positivos para a nação, uma vez que provocava um rompimento com um preten-
so passado tranqüilo. Essa compreensão perpetuava as relações de dominação dos
trabalhadores e, além da repressão, foram criadas as primeiras leis repressivas da
atividade político-sindical. O Decreto n
0
1641, de janeiro de 1907, por exemplo, obje-
tivava a expulsão dos trabalhadores estrangeiros por qualquer razão que comprome-
tesse a “segurança nacional e a tranqüilidade pública” (FAUSTO, 1977, p.133).
Não obstante a legislação repressiva à atividade político-sindical persistia
uma crescente organização da força de trabalho, acirrando-se as lutas
84
. Essas prá-
ticas dos trabalhadores eram originárias das condições de trabalho e de vida que,
conforme Giannotti (2007, p.53), eram iguais as de “cem anos antes na Inglaterra.
Jornada de trabalho sem limite: 12 h, 14 h, 16 h ou mais. Nenhum descanso sema-
nal. Nada de rias.... ninguém conhecia essa palavra”. Fausto (1977, p.114) defen-
de que, em “linhas gerais, a visão do empresário industrial” brasileiro tinha corres-
pondência direta com o “quadro traçado por Hobsbawm, referindo-se ao empregador
inglês de meados do século XIX”. Combinava-se a isto, a experiência que os traba-
lhadores imigrantes trouxeram da Europa, em especial, os anarquistas.
Nesse contexto sócio-histórico, segundo Vianna (1978, p.40), o debate sobre
o “sistema da ordem”
85
a ser adotado na Primeira República colocou, pela primeira
vez, o debate “de uma legislação protetora do trabalho”
86
. As mudanças relativas à
greve feitas pelo Governo Provisório, tirando a do Código Penal, contrariando o que
aprovara o poder legislativo, demonstram isto. Diziam os artigos 205 e 206 do Códi-
go Penal promulgado e restando apenas seis dias para o início de sua vigên-
cia:
84
Mattos mostra que entre os anos 1890 e 1899 ocorreram, no Rio de Janeiro, 37 greves, crescendo para 109
entre 1900 e 1909. M. B. MATTOS (org.). Trabalhadores em greve, polícia em guarda: greves e repressão poli-
cial na formação da classe trabalhadora carioca. Rio de Janeiro, Bom Texto/FAPERJ, 2004, p. 33.
85
Vianna faz um estudo detalhado desse debate sobre o “sistema da ordem” a ser instituído, se deveria estar
vinculado “ao Estado ou ao individuo”. L. W. VIANNA Liberalismo e Sindicato no Brasil. Rio de Janeiro, Paz e
Terra, 1978, p. 40.
86
As divergências entre setores da burguesia apareceram claramente, nesse período. Por exemplo, o primeiro
titular republicano da pasta da agricultura, comércio e obras públicas Demétrio Ribeiro demonstrou, em
seu discurso, uma “discordância com a ortodoxia individualista em matéria de contrato de trabalho”. Nesse
sentido, o conceito de república defendido por ele “implicaria um regime de participação ampliada, em que a
classe operária fosse cooptada através da legislação social”. Juntamente com esse debate estavam colocadas as
questões da “centralização versus federação” e do “papel institucional das forças armadas”. Como a questão não
cabe nos limites deste debate, sobre ela, ver L. W .VIANNA. Liberalismo e Sindicato no Brasil. Rio de Janeiro,
Paz e Terra, 1978.
89
“Art. 205. Seduzir ou aliciar operários e trabalhadores para deixarem os es-
tabelecimentos em que forem empregados, sob promessa de recompensa
ou ameaça de algum mal:
Pena: de prisão celular por um a três meses e multa de 200$ a 500$000”.
“Art. 206. Causar ou provocar cassação ou suspensão de trabalho, para im-
por aos operários ou patrões aumento ou diminuição de serviço ou salário:
Pena: de prisão celular por um a três meses”.
Os legisladores inspiravam-se na “mais pura ortodoxia liberal”, considerando
a greve um atentado “contra a liberdade de trabalho e de indústria, implicando ade-
mais uma linha de associação externa e ilegítima aos canais de participação”. A es-
sa concepção se contrapôs o Decreto n
0
1162, de 12 de dezembro de 1890, do Go-
verno Provisório, definindo “como crime apenas os atos de violência praticados em
seu decurso”. O Decreto, ainda segundo Vianna (1978, p.46), legitimou o direito de
greve “fundado, em primeiro lugar, no direito de associação e, em segundo, numa
nova juridicidade”. A ação governamental, sem vida, foi forçada pelas condições
econômicas e políticas do período, as quais referiam-se às disputas existentes entre
as classes dominantes em torno de uma política industrializante, com protecionismo
estatal. Conflitava essa perspectiva com a ortodoxia liberal vigente, de base agrária,
o que, para o autor (1978, p.42), “impedia a ação criadora do Estado no sentido de
estimular o surto industrial”. O setor agrário-exportador admitia a ação do Estado
quando se tratasse da defesa da política cafeeira, por exemplo, nos moldes tradicio-
nais, como se fosse uma intervenção externa.
Vale ressaltar que o projeto de industrialização, defendido por setores do Go-
verno Provisório, apresentado como modernizante para a sociedade brasileira, ainda
de acordo com Vianna (1978, p.43), “pressupunha a constituição de um poderoso
monopólio financeiro”, criado por medidas legais
87
, “através do duplo recurso da e-
missão em títulos da dívida blica e da concessão de favores excepcionais”. Nessa
concepção, à matriz financeira cabia “organizar, constituir e impelir fatores e iniciati-
vas rumo ao empreendimento capitalista”, com centro na “edificação e alargamento
do parque fabril”. Tratava-se, como apontou Lênin (1982, p.641), “do capital bancário
de alguns grandes bancos monopolistas fundido com o capital das associações mo-
nopolistas de industriais”. A combinação do Estado com as altas finanças para finan-
ciar a industrialização modernizante, voltando à Vianna (1978, p.43), tinha por fun-
87
O Decreto 165 de 17 de janeiro de 1890 criou bancos que passaram “a emitir, tendo por garantia títulos da
dívida pública, de renda, etc., independente das reservas metálicas disponíveis”. L. W. VIANNA. Liberalismo e
Sindicato no Brasil. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1978, p.42.
90
damento um “regime político forte, talvez de participação ampliada às camadas mé-
dias emergentes”, com a provável defesa de alguma “legislação social à própria
classe operária”. Mas em função da dominação da oligarquia agrária seriam conquis-
tas limitadas e não seria uma política aberta à organização dos trabalhadores. De
fato, algumas conquistas em termos de legislação trabalhista foram obtidas por tra-
balhadores da União, de setores de ponta da economia, como férias e aposentado-
ria
88
, mas no processo constituinte de 1891, os parlamentares rejeitaram a extensão
desses direitos ao conjunto dos trabalhadores.
Apesar da disputa entre setores do governo, apontada por Vianna (1978), o
Brasil permaneceu, ao menos até a década de 1930, subordinado à política agro-
exportadora, com primazia da economia cafeeira e o liberalismo que prevaleceu na
Constituição de 1891, então, foi adequado à essa ordem oligárquica: “liberalismo
oligárquico”, conforme Vianna e “liberalismo primitivo”, para Fausto (1977). O capita-
lismo que se constituía utilizava-se de valores do período colonial e se alimentava da
imbricação entre eles e as idéias liberais. Dessa forma, para Vianna (1978, pp.47-
48), o que vigorava entre os legisladores era a mais “rigorosa e consciente ortodoxia
liberal”, levando a Constituição a isentar o “mercado de trabalho de influências pro-
venientes da política e da organização social”, prevalecendo, por exemplo, no “pará-
grafo 24 do artigo 72 da Constituição de 1891 [...] o livre exercício de qualquer pro-
fissão”.
O “liberalismo oligárquico” fechava o cerco sobre a legislação do trabalho, é
verdade, mas não podia evitar que a classe trabalhadora se organizasse, exigindo
uma legalidade diferente da existente. A Constituição de 1891 mantinha-se sem re-
gulamentar o mercado de trabalho, por essa razão, os trabalhadores legislavam no
terreno concreto das lutas. Durante um largo lapso de tempo, a diminuição da jorna-
da de trabalho, também aqui, foi o centro das lutas como uma das primeiras reivindi-
cações.
88
Em 1889, os trabalhadores do abastecimento de águas do Rio de Janeiro e os ferroviários da Estrada de Ferro
Central do Brasil obtiveram férias de 15 dias. L. W. VIANNA. Liberalismo e Sindicato no Brasil. Rio de
Janeiro, Paz e Terra, 1978. Em 1890, os empregados das estradas de ferro federais conquistaram o direito à
aposentadoria. V. GIANNOTTI. História das lutas dos trabalhadores no Brasil. Rio de Janeiro, Mauad X, 2007.
91
Para Giannotti (2007, p.104), a luta dos trabalhadores brasileiros em fins do
século XIX e inícios do XX mais destacada foi pelas 8 horas de trabalho
89
, afirmativa
compartilhada por Antunes (1985, p.49), para quem nos “vários Congressos Sindi-
cais e Operários e nas inúmeras manifestações grevistas tornaram-se constantes as
reivindicações visando a melhoria salarial e a redução da jornada de trabalho” (gri-
fos nossos). A partir de 1890, nota-se a redução da jornada no centro das lutas
90
. Ao
mesmo tempo, a busca pela organização tornou-se uma constante entre os traba-
lhadores, expressando-se de diversificadas formas.
Expressam esse caminho, desde as Associações de Socorro Mútuo e Caixas
Beneficentes (com fins assistenciais e corporativos), passando pelas Ligas Operá-
rias (que buscavam reunir operários de vários ofícios, mas com objetivo de luta
em defesa de interesses comuns), até os Sindicatos, organizados com base nas re-
lações de produção. Esse período, portanto, tem como características básicas, de
um lado, a rejeição obstinada de qualquer avanço de legislação trabalhista e de or-
ganização dos trabalhadores pelo liberalismo oligárquico e, de outro, a energia dos
trabalhadores em lutar por direitos e se organizar. Isso mostra que a organização
dos trabalhadores e seus movimentos têm relação orgânica com os direitos contidos
na legislação, sendo elementos fundamentais do processo em curso.
2.2. A gênese da organização dos trabalhadores brasileiros: avanços e limites
A organização dos trabalhadores o se constituiu de maneira homogênea e
linear, ao contrário, expressou-se desde sua formação inicial como um fenômeno
complexo, composto por um feixe de tendências heterogêneas. Como se trata do
89
Em 1
0
de maio de 1890, quando um grupo de ativistas socialistas intentava, pela primeira vez no Brasil, a
criação de um partido operário, constava do programa deste embrião de partido “promover a fixação da jornada
de 8 horas de trabalho”. V. GIANNOTTI. História das lutas dos trabalhadores no Brasil. Rio de Janeiro, Mauad
X, 2007, p.104. Mattos mostra que a greve dos sapateiros de 1903, por exemplo, além do reajuste salarial, tinha
como uma das principais reivindicações a redução da jornada para 8 horas diárias. Em 1907, a cidade de São
Paulo foi paralisada por uma greve pela jornada de 8 horas, que atingiu diversas cidades do estado, como Santos,
Ribeirão Preto e Campinas. M. B. MATTOS. Greves e repressão policial aos sindicatos no processo de formação
da classe operária carioca (1850-1910). In MATTOS, M.B. (org.). Trabalhadores em greve, polícia em guarda:
greves e repressão policial na formação da classe trabalhadora carioca. Rio de Janeiro, Bom Texto/FAPERJ,
2004.
90
Evidentemente, se fazia acompanhar de outras, como a defesa do poder aquisitivo dos salários, proibição do
trabalho infantil, regulamentação do trabalho de mulheres e menores de idade, direito a férias, seguro contra
acidente de trabalho, doença profissional e pela consecução do contrato coletivo de trabalho.
92
período inicial da organização cabe registrá-las e o faremos através da confluência
de autores como Fausto (1977), Antunes (1985) e Giannotti (2007).
Segundo Fausto (1977, pp.41-42), na transição do século XIX aos anos vinte,
três correntes, em grau variável, tiveram influência no movimento operário: o anar-
quismo
91
, o socialismo reformista e o trabalhismo. O anarquismo chegou ao Brasil
através dos imigrantes e, para o autor (1977, p.63), não apenas pelos seus intelec-
tuais, mas por “massas de trabalhadores pelo menos em algum grau tocados por
ele, através de uma de suas tendências o anarco-sindicalismo
92
. Nessa concep-
ção, o sindicato é um órgão de luta que deve recusar “funções assistenciais (em
contraposição às associações mutualistas), aberto aos operários de todas as ten-
dências políticas”, mas também a atuação do Estado (FAUSTO, 1977, p.75). os
socialistas viam o socialismo como resultado de estudos de diversos pensadores,
sendo Karl Marx o principal deles
93
, mas rejeitavam a “agitação revolucionária”, de-
fendendo que os direitos dos trabalhadores deveriam ser reconhecidos paulatina-
mente com vistas à “conciliação social” através de “pressão sobre o Estado” e no
“plano legislativo”. Para Fausto (1977, p.100), essa corrente combinava o reformis-
mo europeu e os “estereótipos da grandeza geográfica da pátria e do caráter brasi-
leiro”. A terceira corrente, denominada por Fausto de “trabalhismo”
94
, tinha peso polí-
91
Fausto mostra diferenças e traços comuns no anarquismo. É comum a perspectiva de transformações
estruturais da sociedade capitalista, destruição do Estado e sua substituição por formas de associação e
cooperação entre indivíduos livres. Pressupõe o fim do capitalismo “pela via da ação direta, limitada ao terreno
econômico e ideológico, com a recusa da luta política”, numa rejeição à filiação partidária dos trabalhadores,
pois os “conflitos de classe decorrem das relações econômicas de produção/exploração e é no terreno destas
relações que se pode encontrar o método revolucionário para por fim à desigualdade social”. Em um debate
aprofundado sobre o anarquismo, o autor mostra a complexidade desse pensamento social, inclusive, penetrando
nas diferenciações entre o mutualismo proudhoniano, o anarco-coletivismo, o anarco-comunismo e o anarco-
sindicalismo. B. FAUSTO. Trabalho urbano e conflito social (1890-1920), col. Corpo e Alma do Brasil, Rio de
Janeiro/São Paulo, Difel, 1977, p. 75.
92
O anarco-sindicalismo, preponderante no período, inspirava-se na CGT francesa, sendo o sindicato, mais do
que a comuna, a célula social fundante da sociedade anarquista e a ão operária, através de sindicatos revolu-
cionários, o meio para a realização da revolução. O anarco-sindicalismo dirigia seu discurso e sua atividade aos
trabalhadores manuais, mas não tinha o “proletariado como classe revolucionária”. Seu objetivo era “infundir a
consciência libertária nas “massas exploradas”, objetivando a destruição do sistema dos “exploradores”. B.
FAUSTO. Trabalho urbano e conflito social (1890-1920), col. Corpo e Alma do Brasil, Rio de Janeiro/São Pau-
lo, Difel, 1977, p.74.
93
Concepção que aparece no seu quinzenário A Questão Social. B. FAUSTO. Trabalho urbano e conflito social
(1890-1920), col. Corpo e Alma do Brasil, Rio de Janeiro/São Paulo, Difel, 1977, pp.98-99.
94
Fausto dedica-se ao estudo aprofundado dessa corrente, inclusive das influências do positivismo contidas nela,
dá-lhe essa denominação por considerá-la embrião da corrente que vários anos mais tarde “teria forte influência
no movimento operário brasileiro”. Entendemos que ele refere-se ao trabalhismo, corrente fundada por Vargas
na década de 1940. Tinha influência no Rio de Janeiro, que era capital da República e tinha “estrutura social
diversificada”, concentrando segmentos oriundos da classe média profissional, servidores, militares, estudantes
de nível universitário e um núcleo de “trabalhadores em setores vitais dos serviços (ferroviários, marítimos,
doqueiros) intocados na época pela ideologia anarquista”B. FAUSTO. Trabalho urbano e conflito social (1890-
93
tico entre os ferroviários, marítimos, doqueiros e continha duas características signi-
ficativas: estava disposta “à colaboração de classes e a aceitar a dependência com
relação ao Estado”, mas também continha “setores sociais propensos a algum tipo
de aliança com a classe operária. Perdeu força posteriormente para o anarquismo
(FAUSTO, 1977, p.42).
Antunes (1985, p.50) também identifica três tendências no período. A refor-
mista “buscava a transformação gradativa da sociedade capitalista, lutava pela filia-
ção partidária dos trabalhadores e, em nível do Estado, utilizava-se da luta parla-
mentar”. A anarco-sindicalista, também apontada por Fausto, e uma terceira, com-
posta pelos denominados “sindicatos amarelos”, defensora do controle governamen-
tal sobre as organizações dos trabalhadores. Conforme Antunes (1985, p.50), não
obstante essa corrente dirigisse “categorias combativas como os ferroviários e marí-
timos, conciliava com o Estado”, diferenciando-se das demais tendências.
Giannotti (2007, p.98), da mesma maneira, destaca uma corrente denominada
“amarelos” ou “sindicalismo amarelo”, mas composta majoritariamente de católicos,
seguidores da encíclica Rerum Novarum. Negava “a luta de classes e defendia a
convivência pacífica entre capital e trabalho”, propondo a organização separada dos
católicos em relação a partidos e sindicatos. Ao mesmo tempo era contra as greves,
apoiando o governo nas iniciativas para melhorar a vida dos trabalhadores
95
.
Parece-nos que a corrente trabalhista de Fausto é a mesma que Antunes
(1985) identifica como “sindicalistas amarelos”, já que ambos apontam sua influência
entre os marítimos e ferroviários. Giannotti apresenta os “sindicalistas amarelos”
com composição predominantemente católica, mas como todos, aborda também sua
disposição para a conciliação de classe.
1920), col. Corpo e Alma do Brasil, Rio de Janeiro/São Paulo, Difel, 1977, p.42.
95
Mostra Giannotti que, em 1920 período de grande agitação nos meios operários o Centro Operário
Católico Metropolitano de o Paulo trazia a seguinte posição: “Os operários católicos hipotecam incondicional
apoio a todas as classes conservadoras, na emergência atual, e declaram-se ao lado do governo, para a repressão
ao anarquismo, protestando contra as Ligas que decretam a pseudogreve de solidariedade com elementos
perigosos que só prejudicam o operariado”. GIANNOTTI, V. História das lutas dos trabalhadores no Brasil. Rio
de Janeiro, Mauad X, 2007, p.99.
94
Observamos que um ponto é comum entre os três analistas: a hegemonia dos
anarco-sindicalistas e a existência, no período, de correntes que advogavam a
interferência do Estado na relação capital e trabalho.
O Estado na Primeira República iniciava a combinação da repressão seletiva
com o atendimento a algumas reivindicações, com ênfase na primeira modalidade.
Além de direitos como férias e aposentadoria para alguns setores dos trabalhadores
públicos (ferroviários e marítimos) e a legislação sobre a greve, referida anteriormen-
te, ocorreu, em 1907, a primeira regulação legal das organizações trabalhistas.
Singularmente, a única produção legal, tendo por objeto o mundo do traba-
lho, será referente à vida associativa operária Decreto n
0
1637, de 5 de
fevereiro de 1907. Com ele, cria-se o direito de associação para todos os
“profissionais de profissões similares ou conexas, inclusive as profissões li-
berais”. A forma orgânica corresponde ao sindicato, cujo fim estaria na reali-
zação de estudos para a defesa e desenvolvimento dos interesses gerais
da profissão e dos interesses profissionais de seus membros”. Pelo texto da
lei, seriam livres de ingerência estatal e se organizariam independentemente
de autorização prévia do governo. Todavia, estavam obrigados a registrar
seus estatutos e a enviar a relação dos membros de sua diretoria para a re-
partição competente, bem como a se pautarem pelos princípios da harmonia
entre o capital e o trabalho (VIANNA, 1978, p.50).
Observa-se, nessa lei, o embrião da intervenção do Estado que os traba-
lhadores eram “obrigados a registrar seus estatutos e a enviar relação de membros
de sua diretoria à repartição competente” e a determinação da natureza da relação
que os sindicatos deveriam ter com os empregadores: “pautarem-se pelos princípios
da harmonia ente o capital e o trabalho”. Essa segunda característica imputada às
incipientes organizações, no período, percorre quase toda a história do sindicalismo
brasileiro com raras exceções, sendo uma delas a Constituição Federal de 1988,
mas volta nas propostas do Fórum Nacional do Trabalho (FNT), do governo Lula, em
inícios dos anos 2001, como veremos no capítulo III. Apesar das características alu-
didas, a regulação reconhecia o “ente coletivo” dos trabalhadores, iniciando-se, ao
menos na lei, o rompimento com a rígida disposição da ordem liberal. Falamos ao
menos na lei porque, na prática das relações de trabalho existentes, a burguesia não
aceitava contratar coletivamente as condições de trabalho, detendo as condições de
força necessárias para isto.
De acordo com Vianna (1978, p.50), essa dubiedade acentuou-se no Código
Civil de 1916 que reforçou a Constituição de 1891, a qual subordinava os “contratos
95
de trabalho à secção pertinente à locação de serviços” na mesma “concepção do
contratualismo individualista”. Ou seja, a sociedade, por um lado, garantia direito de
associação e, por outro, proibia seu exercício pleno. Os sindicatos, por seu turno,
não reconheciam as imposições legais, incrementando esforços, objetivando intervir
nas relações de trabalho. Nesse aspecto, havia confluência das diferentes concep-
ções.
Além de sindicatos, formas superiores de organização como as federações e
as confederações foram construídas. Inclusive, data desse processo sócio-histórico
a Confederação Operária Brasileira (COB)
96
, considerada, segundo Antunes (1991),
a primeira tentativa de constituição de uma central sindical no Brasil. Mas origina-se,
nele, também, uma imprensa operária cuja marca era a combatividade. Para Vianna
(1978, p.54-55), o movimento sindical no período se fazia notar “nas ruas e nas
fábricas pelo seu aguerrimento e combatividade”, obrigando a uma mudança inicial
na ação do Estado no sentido de “cooptar politicamente a classe operária”. Apesar
da heterogeneidade do movimento sindical, que incluía sindicalistas dispostos à co-
laboração de classes e, mesmo frente à repressão sobre os setores que não colabo-
ravam, a combatividade dos trabalhadores se manifestava. Demonstra isto, a on-
da de greve desencadeada entre 1917
97
e 1920 em decorrência da crise econômica
do pós-I Guerra Mundial, mas também da Revolução Russa de 1917.
A influência da Revolução Russa, ao espraiar-se pelo mundo, atingiu os tra-
balhadores brasileiros, levando um grupo de anarco-sindicalistas a afastar-se da cor-
rente e fundar, em 1922, o primeiro partido de inspiração marxista no país, o Partido
Comunista do Brasil (PCB). A preocupação principal dos comunistas, nos primeiros
anos, segundo Antunes (1985, p.55), foi a formação de quadros, o estudo e a divul-
gação das teses do marxismo e do leninismo, bem como “formular uma linha política
96
As bases para a criação da Confederação Operária Brasileira (COB) foram lançadas no Primeiro Congresso
Operário Brasileiro, em 1906, e sua fundação efetivou-se em 1908. Em 1912 foi realizado, por correntes oficia-
listas, um Congresso Operário que mostrava o “esforço do governo em cooptar politicamente a classe operária”.
Não foi reconhecido pelos setores independentes do movimento. Segundo Vianna, eles responderam com a re-
construção da Confederação Operária Brasileira, fundada em 1908, mas que encontrava-se desativada, convo-
cando o Segundo Congresso Operário para setembro de 1913. L.W.VIANNA. Liberalismo e sindicato no Brasil.
2
a
ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1978, pp.54-55.
97
Em 1917, uma greve iniciou-se em São Paulo, na maior tecelagem do país, denominada Cotonifício Crespi e
se espalhou. O assassinato de um sapateiro Antonio Martinez, um militante anarquista pela polícia, resul-
tou na ampliação ainda maior do movimento, aderindo a ela 50 mil pessoas, incluindo servidores públicos, e fez
parar a capital paulista. M. RAGO. Do Cabaré ao Lar - a Utopia da Cidade Disciplinar. Rio de Janeiro, Paz e
Terra, 1985.
96
que compreendesse e orientasse a revolução brasileira”
98
e a atuação mais impor-
tante dos seus militantes foi no movimento sindical provocando um arrefecimento
da hegemonia do anarco-sindicalismo.
Assim, quatro tendências passaram a conviver nesse meio a partir daí: a so-
cialista, a anarco-sindicalista, a dos sindicalistas amarelos e a comunista. Como a
influência dos anarco-sindicalistas foi perdendo força, avançando a dos comunistas,
evidenciou-se, desde então, que o caminho da ação dos sindicatos incluía a busca
de conquistas de direitos sociais e políticos, mas também colocava-se, pela primeira
vez, o problema da revolução socialista no Brasil.
Em 1919, uma medida ampla de legislação social, voltada para responsabili-
zação das empresas pelos acidentes de trabalho, foi aprovada e a luta pela diminui-
ção da jornada de trabalho também trazia resultados. Embora apresentasse diferen-
ças por ramos de atividade, no início do século XX a jornada era de 14 horas, em
1911 era de 11 horas e, em 1920, de 10 horas.
A pressão dos operários provocou mudanças na política governamental, mas
isso ocorreu, fundamentalmente, em estreita relação com o giro registrado na ação
da burguesia, em termos internacionais através da criação, pelo Tratado de Ver-
salhes, em 1919, da Organização Internacional do Trabalho (OIT) como aponta-
mos no capítulo I, rompendo de maneira mais incisiva com a ortodoxia liberal. O
Brasil participou da OIT desde a fundação, assinando seus convênios e, embora não
se tenha avançado como nos países capitalistas centrais, observa-se algumas res-
postas aos direitos do trabalho, representação social e política, alterando, de certa
maneira, também aqui, a ortodoxia liberal vigente. A legislação social aprovada por
esse organismo internacional sendo bastante ampla a partir de sua pressão
sobre o governo brasileiro, começou a transformar-se em lei desde a década de
1920.
98
Muito embora tornado ilegal “alguns meses após sua fundação, o PCB passou a editar, como órgão do Partido,
a revista Movimento Comunista, ainda em 1922” e publicou o Manifesto Comunista. Em 1925, lançou o jornal
A Classe Operária, com uma tiragem inicial de 5000 exemplares, aumentada logo a seguir. R. ANTUNES. O que
é sindicalismo. Col. Primeiros Passos, vol. 24. São Paulo, Abril Cultural, Brasiliense, 1985, p.55.
97
Nesse processo sócio-histórico foi aberto o caminho para a intervenção do
Estado na regulamentação dos direitos do trabalho, iniciando-se, efetivamente, a
ruptura da ortodoxia liberal, mas, ao mesmo tempo, a repressão seletiva
99
caminha-
va célere, bem como tornava-se premente, para a burguesia, a necessidade de con-
trole sobre os sindicatos. Isto concretizou-se em 1921, com a criação, pelo Estado,
do Conselho Nacional do Trabalho (CNT), cujo objetivo era controlar os sindicatos e
torná-los órgãos de colaboração de classe. Em meio a esse contexto, com todas as
suas contradições, em 1926 foi aprovada a emenda 34 à Constituição de 1891. Se-
gundo Vianna (1978, p.36), essa emenda alterou a normatividade dominante e pro-
vocou uma renovação do liberalismo, mostrando que a ortodoxia liberal, não inter-
vencionista, esgotara-se, admitindo-se a “presença reguladora do Estado sobre o
mercado”, mantendo os sindicatos como instituições legais, conforme a legislação
de 1907”. A redefinição não era apenas formal.
Sendo o mercado sujeito à disciplina, a simples existência do sindicato a-
pontava para a possibilidade dele igualmente se constituir numa agência de
intervenção. O marco institucional-legal se inova para se constituir sob mo-
dalidade mais plástica e flexível, admitindo nova pauta funcional para o
comportamento das associações dos assalariados, na medida em que é le-
gítimo influir sobre o mercado de trabalho. Conseqüentemente, a reivindica-
ção operária não mais ficará restrita ao mundo da empresa, podendo incidir
diretamente sobre a sociedade, pressionando para que o Estado legisle em
seu favor (VIANNA, 1978, p.36).
Assim, no inventário
100
de direitos obtidos nesse processo sócio-histórico, ob-
servamos uma incipiente legislação trabalhista, espalhada em diversos documentos,
leis e decretos.
Lei de férias de 15 dias, de 1889, para os trabalhadores do
sistema de abastecimento de águas do Rio de Janeiro, es-
tendidas no mesmo ano aos ferroviários da Estrada de Fer-
ro Central do Brasil;
Decreto governamental de 1890 garantindo direito à apo-
sentadoria aos trabalhadores das estradas de ferro federais;
99
“Os anos de 1918 a 1920 foram anos de muitas greves, que facilmente se transformavam em revoltas gerais e
insurreições. A atitude da repressão era feroz”. Os sindicatos eram fechados, suas lideranças eram presas, até em
calabouços, os imigrantes eram deportados. “Somente em 1919, mais de cem militantes operários e ativistas
políticos, de origem estrangeira foram expulsos do país”. Mas os anos de 1922 a 1927 também foram muito
agressivos para os trabalhadores, inclusive, em virtude do estado de sítio. As lutas dos trabalhadores
enfraqueceram, pois ficavam sujeitos à muita repressão e muitos ativistas sindicais e políticos, além de perderem
empregos, eram incluídos em listas de “indesejáveis” para o trabalho, e as expulsões de imigrantes tiveram
continuidade ostensiva. V.GIANNOTTI. História das lutas dos trabalhadores no Brasil. Rio de Janeiro. Mauad
X, 2007, pp.102-103.
100
Giannotti traz um significativo levantamento das poucas leis existentes até 1930. V. GIANNOTTI. História
das lutas dos trabalhadores no Brasil. Rio de Janeiro. Mauad X, 2007.
98
Lei sobre acidentes de Trabalho, de 1919, responsabilizan-
do empregadores e os vários níveis de governo pela indeni-
zação, conforme o caso, mas sem explicitar instrumentos
legais para sua execução;
Aviso prévio de oito dias para as demissões, instituído em
1920, no Código Civil;
Proibição de pagamento atrasado dos salários e de com-
pensação de horas extras por outras formas que não a sala-
rial, instituído na década de 1920;
Estabilidade no emprego e Caixas de Aposentadoria e Pen-
sões, em 1923, para os ferroviários, estendidas aos portuá-
rios em 1926;
Lei de Férias de 15 dias, aprovada em 1925 para os comer-
ciários, em 1926 para os bancários e, posteriormente, a to-
dos os trabalhadores;
Proibição de trabalho aos menores de 14 anos de idade,
salvo na condição de aprendiz, incluída no Código de Meno-
res de 1927.
Emenda Constitucional n
0
34 à Carta de 1891, em que o
Congresso Nacional passou a assumir a Legislação do Tra-
balho.
Evidentemente, os direitos obtidos o tiveram o mesmo significado em todos
os momentos e espaços ocupacionais. A legislação não se cumpria em todos os se-
tores, atingindo mais diretamente (e mesmo assim precariamente) os ferroviários,
marítimos e portuários, considerados setores vitais para a agro-exportação, princi-
palmente do café essencial para a acumulação capitalista do período. A generali-
zada aplicação da legislação trabalhista da OIT, no Brasil, ocorreu através de
uma ação impositiva do Estado Novo, a partir de 1937, mesmo assim, mantendo
excluídos os trabalhadores domésticos urbanos e os do meio rural.
Com todas essas medidas, seja para garantir alguns direitos, seja para inter-
ferir na dinâmica sindical, um fato apontado por Vianna (1978) é inegável: esse pro-
cesso foi um marco na história das lutas do movimento sindical. Quer dizer, apesar
da legislação existente no período ser esparsa e incipiente não é possível olvidar
que foi a organização do proletariado enquanto classe, iniciada desde fins do século
XIX e inícios do XX, exigindo uma mudança no tratamento de suas questões, até
então vistas e tratadas como caso de polícia, que a obteve.
Sem a pretensão de superestimar o protagonismo dos trabalhadores, enten-
demos que as lutas, apesar da dura repressão, fossem elas realizadas através de
greves localizadas ou gerais, sabotagens, publicações periódicas de jornais e revis-
99
tas anarquistas e comunistas, etc., engendraram, juntamente com determinações
econômicas e políticas nacionais e internacionais, desde fins do século XIX, mas
principalmente nas duas primeiras décadas do culo XX, a possibilidade d apare-
cimento da classe trabalhadora no cenário político brasileiro. No bojo desse contex-
to, observamos o reconhecimento da questão social por parte do Estado e da bur-
guesia e sua configuração, também no Brasil, através da consolidação de legislação
trabalhista, bem como da implantação de medidas de política social, especialmente
após a Revolução de 1930. Ao mesmo tempo, é visível que a relação de forças al-
cançada pelos trabalhadores organizados não foi suficiente para garantir uma legis-
lação mais ampla, mais inclusiva e impedir o controle dos sindicatos pelo Estado na
legislação sindical.
2.3. As marcas da Revolução de 1930: a luta por direitos trabalhistas é a luta
por sindicatos livres
Os anos 20 do século XX encerraram-se sob o impacto de uma crise mundial
do capitalismo, de grandes proporções econômica, política e socialmente falando. A
crise cíclica do capitalismo, nos finais da década, atingiu, acelerando, a prolongada
e gradual decadência das atividades agro-exportadoras do café, acirrando as dissi-
dências existentes entre as forças políticas dominantes. Ao mesmo tempo, a organi-
zação política dos trabalhadores, com um projeto societário antagônico ao dominan-
te, embora sem forças suficientes para levar a cabo tal intenção, provocava preocu-
pações e uma certa instabilidade política.
Vianna (1978, p.87) aponta que o liberalismo oligárquico, não obstante as
contradições, manteve as várias frações das classes dominantes sob sua égide en-
quanto pode impedir que as pressões democratizadoras das camadas dias dos
trabalhadores urbanos, bem como as reivindicações do proletariado por direitos che-
gasse de forma mais inteira ao Estado. No entanto, o final da década de 1920 trazia
a “imagem de uma situação em obsolescência, quer se observem as forças sociais
vinculadas ao sistema dominante, quer as que se alinhavam fora de seu balizamen-
to”. Oligarquias regionais desvinculadas do café, setores militares e frações dias
urbanas significativas aglutinaram-se numa composição denominada Aliança Liberal,
desencadeando, no complexo processo econômico-político e social, a Revolução de
1930 ou, para Fernandes (2006, p.245), a “revolução da Aliança Liberal”, trazendo a
100
consolidação conservadora da dominação burguesa no Brasil. Encerrou-se, assim,
segundo a historiografia oficial, a Primeira República.
Ainda para Fernandes (2006, p.245), a recomposição de forças ocorrida no
processo marcou “o início da modernidade no Brasil”, separando, praticamente “com
um quarto de século de atraso”, considerando-se as datas dos historiadores, “a Abo-
lição, a Proclamação da República e as inquietações da década de 1920”. Ou seja, a
“era senhorial” (ou o antigo regime) da “era burguesa(ou a sociedade de classes)”.
Mas isso não significou um salto de qualidade na relação entre as classes sociais;
não houve, como aponta Iamamoto e Carvalho (1985, p.152), a “substituição de a-
cesso ao poder de uma classe por outra”, tampouco “a constituição de um novo blo-
co hegemônico qualitativamente diverso do anterior”; uma classe ou fração de classe
não pode tornar-se exclusiva no controle do Estado.
Para Vianna (1978, p.117), antes de autonomizar-se no político, “o Estado se-
ria de “compromisso” entre as várias frações burguesas”, dirigido por um Governo de
Compromisso sob a liderança de Vargas. Com esse perfil, o novo governo tomou
medidas tendentes a garantir a reprodução do capital e as taxas de acumulação das
diversas frações burguesas, mantendo a economia cafeeira como eixo, mas abrindo
espaços para uma recomposição no caminho do desenvolvimento do setor industrial.
Segundo o autor, a perspectiva era “elevar o standard de vida das camadas médias
urbanas e encaminhar a chamada questão social”, deixando a propriedade agrária
intacta, sendo sua defesa uma prioridade. É Vianna (1978, pp.134-135), ainda, que
identifica uma ampliação da capacidade de generalização do Estado pelas camadas
burguesas que o assumiram, construindo as condições para desenvolver “de cima”
as atividades primordiais ao “conjunto das classes dominantes em moldes especifi-
camente burgueses” como passos fundamentais para a “consumação da revolução
burguesa no país”. Para o autor, a modernização ocorrida desde 1930, como “revo-
lução pelo alto”, não levou a burguesia industrial de imediato ao poder político, mas
fez com que seus interesses específicos encontrassem apoio e estímulo mais efetivo
por parte do Estado.
Para Coutinho (1999, p.196), no Brasil, a modernização capitalista operou-se
fora do histórico “modelo jacobino”, ou seja, sem uma “revolução democrático-
burguesa” ou de libertação nacional” que o latifúndio e a dependência do imperia-
101
lismo não obstaculizaram o desenvolvimento capitalista do país. Aos poucos e “pelo
alto”, a propriedade latifundiária tornou-se empresa capitalista, ao mesmo tempo em
que, internacionalizando-se o mercado interno, o capital estrangeiro reforçou a trans-
formação do Brasil em país industrial, urbanizado e com uma estruturação social
bem complexa. A modernização brasileira, então, para Coutinho (1999, p.196), diri-
gida pelas classes dominantes através de um acordo entre suas frações, ocorreu
“com a exclusão das forças populares e a utilização permanente dos aparelhos re-
pressivos e de intervenção econômica do Estado” através da “revolução passiva”
101
.
Vianna (1996, pp.4-5) entende que o movimento político-militar de 1930 rear-
ranjou as estruturas de poder sem que o país, entretanto, se libertasse de suas a-
marras agrárias, pois foi daí que as elites tradicionais extraíram “recursos políticos e
sociais para sua conversão ao papel de elites modernas” na direção da industrializa-
ção. Nessa configuração, desenvolveu-se o que ele também denomina de “revolu-
ção passiva”
102
, tendo “como ‘fermento revolucionário’ a questão social, a incorpora-
ção das massas urbanas ao mundo dos direitos [...]”, enquanto nos latifúndios a
maioria permaneceu retida “sob relações de dependência pessoal”. No âmbito políti-
co, o binômio que predominou foi a conservação-mudança”. No que se refere à
questão social, o Estado voltou-se para a implantação de medidas de política social
e para a atualização e generalização da legislação trabalhista existente, segundo
Vianna (1978, p.34), acompanhada do “arcabouço institucional do corporativismo”.
Ao assimilar as reivindicações dos trabalhadores, o Governo de Compromisso cen-
trava sua ação de forma manifesta no controle político dos trabalhadores. Comprova
isto, a criação, em 1931, do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio (MTIC), ao
qual Vargas chamava de Ministério da Revolução e, em março do mesmo ano, a
nova lei de sindicalização instituída com o Decreto 19.770, a qual tinha as seguintes
características:
1) Distinção entre sindicatos de empregados e de empregado-
res,
101
Coutinho utiliza esse conceito como uma complementação à concepção leninista de “via prussiana”, para
explicar o processo brasileiro. A concepção de Lênin poderia ser usada para isto apenas em parte, segundo ele,
porque concentra-se “nos aspectos infra-estruturais” e não fornece subsídios para a compreensão das “caracterís-
ticas superestruturais que acompanham e, em muitos casos, determinam essa modalidade de transição”.
Como essa discussão não cabe nos limites desse trabalho, sobre a questão ver C. N. COUTINHO. Gramsci: um
estudo sobre seu pensamento político. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1999, p.197.
102
Vianna trabalha com o conceito de revolução passiva para o Brasil também em L. W. VIANNA. Caminhos e
Descaminhos da Revolução Passiva à Brasileira. In Revista Dados, vol. 39, n
0
3, Rio de Janeiro, 1996, pp.4-5.
102
2) fixação da sindicalização por profissão;
3) criação da obrigatoriedade do registro sindical no Ministério
do Trabalho para reconhecimento dos sindicatos;
4) negação do direito de sindicalização aos funcionários públi-
cos;
5) limitação da participação de estrangeiros na vida sindical;
6) proibição de atividades ídeo-políticas dentro dos sindicatos.
Com o argumento de liberar barreiras à organização dos trabalhadores e à
política social, o Estado impôs essa forma corporativa, organizar-se por categoria e
não pela base, bem como sua função de evitar as tendências conflitivas nas rela-
ções entre o capital e o trabalho. Para Vianna (1978, p.146):
.... os sindicatos deveriam servir de pára-choques entre as tendências confli-
tivas nas relações do capital com o trabalho. Nesse decreto é feita a opção
pelo sindicato único, definindo-se o sindicato como órgão de colaboração
com o poder público. Quanto a fins econômicos, visava-se disciplinar o tra-
balho como fator de produção; quanto a fins políticos, vedar a emergência
de conflitos classistas, canalizando as reivindicações dos grupos sociais en-
volvidos para dentro do aparato estatal.
Estavam criados, assim, os pilares do sindicalismo brasileiro. Todavia, através
de um pluralismo sindical real, fundado na mobilização do movimento sindical, os
trabalhadores de esquerda, juntamente com outras forças sociais, contestavam a
essa forma imposta. Ao lado dos sindicatos criados pelo Estado, oficiais, mantiveram
os sindicatos chamados livres, criados pelos trabalhadores nos períodos anteriores,
resistindo à estrutura corporativa/burocrática imposta pelo governo através do Minis-
tério do Trabalho (MTIC), apesar da tática governamental de isolá-los politicamente.
Uma dessas ticas expressava-se na legislação. O decreto 22.132 de 25 de
novembro de 1932, no primeiro artigo, por exemplo, definia que apenas sindicaliza-
dos (aos sindicatos oficiais) poderiam representar-se ou fazer-se representar perante
as Juntas de Conciliação e Julgamentos e as Comissões Mistas de Conciliação
103
.
Uma outra tática de isolamento expressava-se na concessão de direitos apenas aos
trabalhadores filiados aos sindicatos oficiais. Um exemplo disso ocorreu em 1933,
com a criação dos Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAPs) ligados ao Es-
tado pelo Ministério do Trabalho (MITC). Uma categoria poderia constituir um IAP
se fosse reconhecida como profissão pelo Estado, possuindo sindicato regulamen-
103
As Juntas de Conciliação e Julgamentos e as Comissões Mistas de Conciliação, instaladas em 1932, junta-
mente com o Conselho Nacional do Trabalho, criado em 1923, foram as bases para a criação, posteriormente, da
Justiça do Trabalho. Site da Associação de Magistrados Trabalhistas (ANAMATRA) www.anamatra.org.br.
Consultado em agosto de 2008.
103
tado, oficial. Da mesma forma, o decreto 23.768, de 18 de janeiro de 1934, em seu
artigo quarto, estabelecia que apenas sindicalizados, nos sindicatos oficiais, podiam
gozar férias.
Na relação com os trabalhadores, o Governo de Compromisso combinava
enquadramento sindical, coerção política, pressão institucional, algumas leis traba-
lhistas e medidas de política social, especialmente assistenciais, para integrá-los à
ordem burguesa. Entretanto, até 1937, os sindicatos livres persistiram. Para Antunes
(1985, p.60):
Suportando a coerção e a pura repressão e, ao mesmo tempo, a manipula-
ção ideológica, os operários resistiram aos chamamentos dessa legislação
sindical e não se sujeitaram às normas oficiais [...]. Somente 25% dos sindi-
catos de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul acei-
taram as normas desta Lei de Sindicalização.
O crescimento de sindicatos oficiais resultava do operariado de origem recen-
te e, predominantemente, fora dos centros urbano-industriais. A classe trabalhadora
mudava seu perfil em relação ao período inicial de formação, com uma camada nova
que chegava do campo sem tradição de luta por direitos, aceitando mais facilmente
as imposições legais para os sindicatos.
Os trabalhadores organizavam-se em várias correntes no período. Os anarco-
sindicalistas perderam força, mas mantinham influência em São Paulo, agrupando-
se na Federação Operária de São Paulo (FOSP), cujos sindicatos eram livres. Os
socialistas reuniam-se na Coligação dos Sindicatos Proletários, criada em 1934, e
também lutavam pela autonomia sindical. Os comunistas organizavam-se em sindi-
catos diversos e na Federação Sindical Regional, criada em 1934, em São Paulo e
no Rio de Janeiro, colocando-se contrários ao “caráter fascista da lei de sindicaliza-
ção” (MATTOS, 2002, p.37). Uma primeira dissidência do PCB ocorre, no processo,
com os trotskistas que, embora minoritários, atuavam em alguns sindicatos como a
União dos Trabalhadores Gráficos de São Paulo, reforçando as críticas ao controle
das organizações operárias pelo Estado e as lutas pela autonomia sindical. Os cató-
licos opunham-se à estruturação sindical do corporativismo estatal, em especial, na
questão da unicidade sindical, defendendo a pluralidade em nome de construir sindi-
catos católicos. Com a formação de uma corrente que dirigia os sindicatos oficiais
ganhou reforço o núcleo de sindicalistas historicamente dispostos à colaboração de
104
classes e a aceitar a dependência com relação ao Estado. Essa corrente denomina-
va-se ministerialista.
Em 1934, a Constituição criou “a Justiça do Trabalho”
104
e assegurou a “auto-
nomia dos sindicatos”, ao mesmo tempo em que não estabeleceu “qualquer disposi-
ção sobre um sindicato único” (GIANNOTTI, 2007, p.120). Entretanto, segundo Vi-
anna (1978, p.197), antes da Constituição ser promulgada o Decreto n
0
24694 de
julho de 1934, do Governo de Compromisso, ratificou o sistema tutelar vigente. Ape-
sar da legislação repressiva e do controle estatal sobre as organizações dos traba-
lhadores, a conjuntura política no Brasil entre 1930 e 1935 primava por uma grande
efervescência, demonstrada por uma onda significativa de greves e um decréscimo
institucional do sindicalismo oficial, com aumento dos sindicatos livres. Observa-se,
novamente, a tentativa de formar-se uma central sindical com a criação, em 1934, da
Frente Única Sindical (FUS), sob direção dos comunistas e, em 1935, da Confedera-
ção Sindical Unitária do Brasil (CSUB)
105
.
Em março de 1935 nasceu a Aliança Nacional Libertadora (ANL) — movimen-
to político nacional que congregava comunistas, socialistas e progressistas de todas
as matizes. De um modo geral, essa frente propugnava pela implantação de um go-
verno popular; defendia o fim do pagamento da dívida externa; a reforma agrária nos
latifúndios e propunha a nacionalização das empresas estrangeiras no Brasil. Nos
poucos meses de sua existência, a ANL desenvolveu-se rapidamente, atingindo 400
000 participantes em todo o Brasil, sendo que, em maio de 1935, havia 1600 se-
ções, tornando-se um movimento de massa de grande amplitude. Giannotti (2007,
p.121) fala que a organização empolgava “a classe média, estudantes, operários e
elementos da burguesia nacional”.
Frente a esse quadro, dentre outras reações políticas, o liberalismo oligárqui-
co e a Igreja abandonaram suas posições e, segundo Vianna (1978, p.200), desco-
briram “o significado da questão operária sob a perspectiva getuliana”, apoiando o
104
A Justiça do Trabalho foi prevista pela Constituição de 1934, mas não foi efetivada. Já na época surgiram
muitas polêmicas sobre a representação classista, inclusive quanto ao custo financeiro, e sobre o poder normati-
vo. A Carta de 10 de novembro de 1937, que substituiu a Constituição de 1934, manteve a previsão relativa à
Justiça do Trabalho na esfera administrativa, estabelecendo que seria regulada por lei. Com o Decreto-Lei
1.237 de de maio de 1939 ela foi finalmente criada. Site da Associação de Magistrados Trabalhistas (ANA-
MATRA)
www.anamatra.org.br. Consultado em agosto de 2008.
105
Em maio de 1935, a FUS realizou um congresso nacional, fundando a Confederação Sindical Unitária do
Brasil (CSUB).
105
governo. Os liberais assumiram a legislação trabalhista que se fazia acompanhar
do controle sobre os sindicatos e a Igreja abriu mão “de sua utopia do controle direto
das classes subalternas através de sindicatos católicos”, satisfazendo-se com o a-
cesso “à educação religiosa na rede de ensino e outros privilégios”. Ao mesmo tem-
po, em abril de 1935, o “Congresso Nacional aprovou a Lei de Segurança Nacional,
que deveria servir ao governo para reprimir e controlar qualquer movimento de con-
testação”, dando início a um novo momento de extrema repressão. Com o pretexto
de reprimir um levante organizado pela ANL chamado pelo governo e burguesia
de “intentona comunista” em 1935, o governo desfechou um violento ataque à
essa organização. Foram “presas centenas de pessoas e, rapidamente, o número de
militantes e simpatizantes da ANL presos chegou aos milhares (GIANNOTTI, 2007,
p.122). Essa Lei possibilitou, ao Governo de Compromisso, a imposição do estado
de exceção com procedimentos e tribunais especiais para os presos políticos. De-
sarticulou o movimento operário autônomo que coexistia com o sindicalismo oficial,
dentre os vários organismos, dissolveu a recém criada Confederação Sindical Unitá-
ria do Brasil (CSUB), preparando, segundo Vianna (1978, p.199), o golpe efetivado
em 1937
106
. Em 1937, o governo liquidou a Associação Integralista Brasileira (AIB),
organização de caráter fascista, cuja participação da Igreja Católica era notória a
qual havia apoiado a repressão sobre a esquerda. Nesse processo como um todo
instituiu-se o Estado Novo, sob a liderança de Getúlio Vargas, segundo Coutinho
(1999, p.200), “com o apoio da fração industrial da burguesia e da camada militar”,
iniciando-se um novo período na sociedade brasileira.
2.4. O Estado Novo e a Consolidação da Legislação Trabalhista (CLT): direitos
trabalhistas e cerco à autonomia sindical
Com o Estado Novo as dissidências existentes entre a burguesia mesmo
as mais agudas e aparentemente inconciliáveis foram homogeneizadas pela sua
fração predominante, dirigida por Vargas, e a nova fase foi marcada pelo aprofun-
damento do modelo corporativista, cuja tônica foi dada pela nova Carta Constitucio-
nal outorgada em 1937. Nesse momento, segundo a historiografia oficial, foi encer-
rada a transição iniciada com a Revolução de 1930.
106
Apesar das prisões atingirem qualquer pessoa que se opusesse ao governo, em especial, as prisões, tortura e
mortes de comunistas eram uma constante, indo além de 1937. É parte desse processo a prisão e a deportação de
Olga Benário aos campos de extermínio nazistas.
106
Embora preservando-se a propriedade fundiária, a política econômica voltou-
se de maneira mais efetiva para a industrialização, buscando reverter para esse pólo
os mecanismos econômicos centrados na agro-exportação. Para incentivar as indús-
trias básicas, o Estado tornou-se, em última instância, produtor direto através de
empresas estatais e de economia mista, assumindo funções econômicas e políticas
necessárias à acumulação do capital monopolista, sendo no terreno estratégico sua
intervenção macroscópica mais significativa
107
. Mesclou funções diretas e indiretas
do Estado na perspectiva de dirigir as mudanças necessárias ao processo de de-
senvolvimento da indústria no país. Nesse caminho, expressou, como indica Ianni
(1991), dentre vários elementos, o conteúdo ideológico e os fundamentos práticos
da ação governamental para a continuidade complexa da dominação e da
exploração do trabalho.
Em Oliveira (2003, p.40), observamos que o Estado passou a operar mais e-
fetivamente a favor da burguesia em um nível empresarial, possibilitando que a a-
cumulação capitalista pudesse reproduzir-se, criando e recriando as condições obje-
tivas através de um tipo de planificação da economia, colocando a indústria no lugar
de maior lucro. O investimento em infra-estrutura, os subsídios para a importação de
tecnologia e equipamentos, a taxação do café para redistribuição do excedente entre
os grupos capitalistas, os investimentos em matéria-prima estratégica, a regulamen-
tação do trabalho, garantiram transferência de capitais para as indústrias, tornando-
as centrais para a economia brasileira.
A participação da burguesia industrial na gestão do Estado ganhou corpo por
suas entidades representativas como a Federação das Indústrias de São Paulo
(FIESP), por exemplo, as quais dirigiam as agências governamentais planejadoras e
implementadoras de políticas estatais, intensificando seus vínculos econômicos e
políticos com o Estado. O discurso do bem comum, de defesa do progresso nacional
justificava a nova forma de conjugação entre interesses públicos e privados.
107
Netto, em sua obra, Capitalismo Monopolista e Serviço Social, mostra que o Estado assume funções
diversificadas na fase monopolista, dentre elas, a intervenção macroscópica mais significativa situa-se no
terreno estratégico, fundindo funções diretas e indiretas, buscando dar direção ao processo de desenvolvimento,
através “de planos e projetos de médio e longo prazos; [...] sinalizando investimentos e objetivos”. J. P. NETTO.
Capitalismo Monopolista e Serviço Social. São Paulo, Cortez, 1992, p.22.
107
Em 1943, através do Decreto-Lei n
0
5452, foi aprovada e promulgada a Con-
solidação das Leis do Trabalho (CLT). Com mais de 900 artigos (em torno de 921),
várias das reivindicações históricas dos trabalhadores brasileiros foram incorporadas
na CLT, ficando excluídos os funcionários públicos da União, dos Estados e dos Mu-
nicípios, porque possuíam um regime próprio e os servidores de autarquias paraes-
tatais, em situação análoga à dos funcionários públicos, mas também os trabalhado-
res rurais e de serviços domésticos. Dentre os vários direitos que constam da CLT,
enumeramos:
1) jornada de trabalho de 40 horas (conquistada desde
1940);
2) regulamentação do trabalho de mulheres e de adolescen-
tes e proibição do trabalho infantil;
3) descanso semanal remunerado;
4) férias;
5) acidentes de trabalho;
6) estabilidade no emprego com indenização por demis-
são
108
;
7) aposentadoria.
Juntamente com a normatização desses direitos, muitos dos quais existiam
em leis esparsas, por isto o termo consolidação, através de 100 artigos, o governo
Vargas impôs uma legislação sindical que atrelou os sindicatos ao Estado, anulando
sua autonomia e independência. Foi incluído na CLT um importante mecanismo: o
imposto sindical, criado em 1940. Os sindicatos passaram a ser viabilizados, funda-
mentalmente, pelo imposto sindical. Através desse mecanismo institucional os sindi-
catos passaram a receber uma verba bem superior ao que recebiam antes quando
viviam apenas da contribuição autônoma dos filiados, fato que, seguramente, atenu-
ava os impactos da interferência do Estado, obtendo, assim, o consentimento de
correntes mais acessíveis.
A condução econômico-política do governo Vargas objetivava esvaziar poli-
ticamente os sindicatos e que os trabalhadores deixassem de vê-los como instru-
mento de luta. Solidificou-se a figura do pelego, líder sindicalista comprometido com
a burocracia do Ministério do Trabalho, desvinculado politicamente da categoria pro-
fissional a que pertence e que se caracteriza pela docilidade face ao patronato e pe-
108
Garantia para trabalhador “que contar com um determinado número de anos de efetivo serviço, somente
poderá ser despedido mediante a existência da justa causa judicialmente apurada”. L W.VIANNA. Liberalismo e
Sindicato no Brasil. 2
a
ed., Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1978, p.271.
108
la manipulação de recursos assistenciais. Com as lutas proibidas, o sindicalismo ofi-
cial, essencialmente, pleiteava favores junto à burocracia do Estado. A tônica voltou-
se para as ações normativas e assistenciais, incluindo a jurídica, com os sindicatos
transformados em centros assistenciais complementares à previdência social, que
se organizava no período. Canalizava-se o potencial de mobilização dos trabalhado-
res urbanos, ao mesmo tempo em que permaneciam rebaixados seus níveis salari-
ais.
De fato, as condições de trabalho e de vida dos trabalhadores pouco foram al-
teradas, atenuando-se apenas os aspectos mais gritantes da miséria. É verdade que
a transferência do campo para a cidade, para trabalhar nas indústrias e no setor de
serviços, melhorou a vida de grandes contingentes de trabalhadores. Todavia, verifi-
ca-se, no período, um fato aparentemente paradoxal: a grande expansão industrial
com o emprego urbano em níveis elevados,o incidiu positivamente sobre os salá-
rios. Ao contrário, o salário real sofreu acentuado declínio.
Para Oliveira (2003, p.38-39), as mudanças no Estado, a regulamentação do
trabalho, do preço e das condições de trabalho, dentre outros diversificados elemen-
tos, inauguraram uma nova forma de acumulação: a realização interna, ainda que
parcial, para a formação do capital nacional, evidentemente, sempre em associação
subordinada com o capitalismo internacional, apesar da defesa da política de inde-
pendência. Nesse processo, a regulamentação do trabalho permitiu que a produtivi-
dade deixasse de ser incorporada na remuneração do trabalhador, crescendo a
mais-valia, tanto absoluta quanto relativa. A CLT, então, segundo o autor, foi essen-
cial para o acúmulo parcial de capital interno. Por um lado, garantia ao empresário
valores equivalentes da força de trabalho, protegendo-o da concorrência livre e das
pressões sindicais; por outro, a equivalência do valor-trabalho criada com as leis tra-
balhistas era feita pelo piso, quer dizer, aqui, a legislação, impondo o salário mínimo
como de “subsistência”, ou seja, “de reprodução”, igualava reduzindo, antes que in-
crementando, a força de trabalho”. Em conformidade com o autor, esse nível salarial
tornou-se um “denominador comum de todas as categorias e, antes de prejudicar a
acumulação, beneficiou-a.” Possibilitou um grande impulso no desenvolvimento do
capitalismo brasileiro, gerando uma relação em que a acumulação crescia enquanto
a participação dos trabalhadores na produção diminuía. Incrementou-se, assim, a
109
extração da mais-valia nas atividades urbanas, engendrando um forte crescimento
econômico em relação aos ganhos em produtividade e lucros das indústrias. Mostra
Oliveira (2003), as necessidades da acumulação capitalista entrecruzando-se com
os interesses dos trabalhadores na formulação da legislação trabalhista no período.
Em nosso entendimento, as questões postas por Oliveira explicitam a impor-
tância do formato de sindicato imposto aos trabalhadores, a proibição de movimen-
tos autônomos acompanhada pelo incentivo à sindicalização, a ênfase nas mobiliza-
ções organizadas para receber e agradecer às leis e benefícios doados pelo Estado.
Esse processo reforça um elemento histórico no Brasil, apontado por Netto (1992):
as classes dominantes, de maneira ostensiva ou sutil, buscaram sempre impedir a
socialização da política na vida nacional. É um processo fundante no
desenvolvimento sócio-histórico brasileiro, tendo como elementos centrais, embora
ocultos, os interesses de classe hegemônicos dentro do Estado: o enquadramento
da força de trabalho para a acumulação e expansão do capital.
Para Giannotti (2007, p.129), Vargas foi um “estadista superior a todos os
seus antecessores”, mas seu projeto de integração dos trabalhadores desenvolveu-
se através de uma estratégia de falsificação, mostrando as conquistas como con-
cessão e outorga do Estado. Após a implantação do Estado Novo, a cooptação, o
atrelamento e a repressão aos trabalhadores organizados, à esquerda e outros
segmentos que não se deixavam cooptar ou atrelar foram a tônica. Para Ianni (1994,
p.109), a política de massa varguista” não significou abertura para os trabalhadores
em termos de organização sindical independente e/ou opção político-partidária.
.... Vargas conduziu a política trabalhista do Governo inclusive e princi-
palmente durante a ditadura do Estado novo (1937-45) no sentido de ori-
entar ou manipular a força política do operariado em formação. Ao mesmo
tempo, visava combater, submeter, reprimir ou suprimir os movimentos polí-
ticos que se haviam desenvolvido bastante nos meios operários: anar-
quista, socialista, comunista, trotskista. Quando Vargas afirmou, em 1931,
que o sindicato era o verdadeiro partido dos trabalhadores, estava anunci-
ando uma primeira proposta básica do trabalhismo populista: aceitação e
legitimação do sindicato pelo Governo; incorporação do sindicalismo ao a-
parelho estatal burguês; institucionalização do peleguismo; rejeição dos par-
tidos, movimentos políticos e sindicatos de esquerda, tanto os que se en-
contravam organizados como os que poderiam organizar-se futuramente.
Desde 1943, a legislação trabalhista consolidou-se, tendo como base o “arca-
bouço institucional do corporativismo” (VIANNA, 1978, p.34) e a repressão seletiva
110
para impor e manter o controle dos sindicatos. Entretanto, não impediu, inteiramente,
a resistência de setores significativos dos trabalhadores, comprovada pela retomada
das lutas mesmo antes de 1945 e na redemocratização, após a Segunda Guerra
Mundial.
2.5. Na redemocratização, avançam as lutas e a organização dos trabalhadores
O processo de redemocratização ocorreu de forma imbricada às condições
sócio-históricas internacionais, em especial quando consideramos o final da Segun-
da Guerra Mundial, em 1945, e seus efeitos nos países que viviam sob ditaduras,
como o Brasil. A mobilização político-militar que pôs fim ao nazi-fascismo reforçou a
hegemonia estadunidense no interior do bloco capitalista, trazendo a necessidade
do combate ao perigo do comunismo e uma ofensiva sobre o mercado mundial. Es-
se quadro econômico-político, incidindo na sociedade brasileira, engendrou , como
aponta Vianna (1978, p. 253), “uma obsolescência das instituições totalitárias do Es-
tado Novo”. A oposição ao governo Vargas foi reforçada, ou seja, a oposição e as
condições para a redemocratização, preexistentes em termos nacionais, ganharam
consistência em decorrência da conjuntura internacional.
Verifica-se, no período, uma clara disjunção entre Vargas e a burguesia (seto-
res que o apoiaram, setores derrotados, mas que não deixaram de ganhar com seu
governo)
109
. O projeto de redemocratização de Vargas, segundo Vianna (1978), que
era “pelo alto”, foi colocado em andamento em contrapartida ao movimento, também
“pelo alto” das demais forças burguesas de oposição.
Os trabalhadores, em 1945, criaram o Movimento Unificado dos Trabalhado-
res (MUT), por fora e em discordância com a estrutura sindical vigente sendo
mais um projeto de central sindical —, que apresentava um programa de confronto
frente ao processo repressivo vivido até então. Para Vianna (1978, p.249), o mani-
festo lançado pelo MUT colocava-se em contraposição ao sindicalismo imposto pela
CLT e pretendia “quebrar a regra de ouro da chamada legislação trabalhista da Re-
volução: as leis sociais e o sindicalismo deveriam atingir o proletariado rural e de-
109
O “Manifesto dos Mineiros”, que reivindicava a convocação de uma constituinte e recebeu a adesão de pau-
listas influentes, dentre outros elementos, fez com que Vargas tomasse a dianteira no processo de redemocratiza-
ção, propondo uma ampla revisão constitucional. L W.VIANNA. Liberalismo e Sindicato no Brasil. 2
a
ed., Rio
de Janeiro, Paz e Terra, 1978.
111
mais trabalhadores no campo”. Além da extensão a todos os trabalhadores da legis-
lação trabalhista e do direito à sindicalização, defendia a liberdade e a autonomia
sindical:
Eram pontos do seu programa, assinado por mais de 300 dirigentes sindi-
cais de 13 estados da Federação: “Devemos lutar imediatamente pela mais
completa liberdade sindical, rompendo com as injustificadas restrições e in-
terferências na vida de nossos órgãos de classe. [...] pela melhoria das leis
sindicais e da previdência social, conseguindo que sejam expurgadas de to-
dos os dispositivos antidemocráticos. [...] para que se torne efetiva a sindi-
calização dos que trabalham no campo e para que a estes sejam reconhe-
cidos direitos e assegurados todos os benefícios da legislação social (VI-
ANNA, 1978, p.249).
No manifesto aparecem claramente as divergências sobre as relações entre
sindicatos e Estado, mas também entre direção e bases das categorias profissionais,
com ênfase na democracia interna ao movimento. Vianna (1978, p.249) mostra que
o MUT defendia a “mais efetiva democracia sindical, assegurando a plena manifes-
tação de opiniões [nas] assembléias e o rigoroso cumprimento de [...] resoluções
coletivas”, bem como a eleição de direções sindicais “verdadeiramente representati-
vas dos sentimentos e da capacidade de cada categoria profissional”.
Isolado politicamente pelas frações da burguesia, Vargas realizou um giro em
sua relação com os trabalhadores, buscando-os como aliados, deixando de investir
no controle corporativo do movimento sindical. Vale destacar que, dentre outras coi-
sas, Vargas criou, nesse processo, o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e o Partido
Social Democrata (PSD). Em contraposição às forças políticas opositoras à Vargas,
denominadas liberais, segundo Vianna (1978, p.250), os trabalhadores organizados,
incluindo os comunistas, apoiaram a “redemocratização com Vargas”, dando origem
ao “queremismo”, que constituía-se em um “movimento de mobilização das classes
subalternas que refletia a aliança dos trabalhadores varguistas com os comunistas”
110
. Essa opção, informa Vianna (1978, p.250), fundava-se na perspectiva contida na
110
A aliança dos comunistas com os petebistas, de acordo com Vianna, traz polêmica entre diversos autores que
estudam o período, dentre eles, cita Francisco Wefort, Carlos Estevam Martins e Maria Hermínia de Almeida. A
polêmica situa-se na relação dessa aliança com a manutenção da estrutura sindical corporativa do Estado Novo.
Os três autores partem de um suposto comum, que “reside na admissão de que a aliança da esquerda operária
com os “queremistas” teria dado base, após a constitucionalização do país em 1946, à persistência da legislação
corporativa”. A discordância reside no modo como vêem o sentido da aliança. Para Martins e Almeida ela era
“necessária, porque implicava numa aproximação da esquerda com a massa operária, apropriada
ideologicamente por Vargas, assumindo-se as seqüelas supervientes”. Wefort a considerava “desastrosa, na
medida em que apontava ineludivelmente para a conservação da ordem sindical corporativa”. Vianna discorda
desses autores porque entende que não foi em decorrência das alianças feitas no período, pelos comunistas, que
se construiu os condicionantes que levaram à manutenção “dos princípios sindicais da CLT. Essa foi uma opção
112
proposta de Vargas como estratégia para se aproximar dos trabalhadores, de supe-
ração “da ordenação sindical corporativa”
111
que a redemocratização da oposição,
também “pelo alto”, note-se, propunha a manutenção dessa ordenação. O movimen-
to organizado dos trabalhadores tinha como prioridade, ainda para o autor, combater
e mudar a estrutura sindical corporativa consolidada durante o Estado Novo.
No período, compreendendo desde o golpe de 1945, em que as forças oposi-
cionistas derrubaram Vargas, até o governo Dutra (que ganhou as eleições com a-
poio do PTB de Vargas), as mudanças aprofundaram a interferência do Estado nas
relações de trabalho. A “pretexto de regulamentar o direito de greve”, preservando a
“estrutura corporativa da CLT” e restringindo a greve ao máximo, em 1946, mostra
Vianna (1978, p.250), o governo Dutra, antes da promulgação da Carta Constitucio-
nal, expediu o Decreto-Lei n
0
9070, que trazia uma novidade: a interferência da Jus-
tiça do Trabalho. Os dissídios coletivos eram considerados de “interesse público”,
portanto, caberia à Justiça do Trabalho o encaminhamento harmônico da disputa. As
greves seriam admitidas “depois de esgotados os meios legais para remediar as
suas causas”.
O governo Dutra retomou a intervenção do Ministério do Trabalho sobre os
sindicatos, proibindo o MUT, restringindo a autonomia sindical, o direito de greve e
outros direitos. Evidentemente, isso não ocorreu sem que houvesse muita resistên-
cia e não impediu os trabalhadores de investirem, na prática, em continuar a se or-
ganizar e a lutar pelas mudanças, aproveitando os espaços postos pelo processo de
redemocratização. Os trabalhadores buscaram alargar seus espaços de participação
e superar a estrutura sindical corporativa consolidada durante o Estado Novo, en-
frentando a dura repressão, aspecto importante de ser retido, tendo em vista a longa
e árdua luta por direitos desenvolvida por sua vanguarda organizada.
da Constituinte sob a hegemonia de Dutra, e que contou com a oposição dos petebistas egressos do
“queremismo” e da esquerda operária”, porém esses movimentos não detinham força política necessária, à
época, para revertê-la. L.W. VIANNA. Liberalismo e Sindicato no Brasil. 2
a
ed., Rio de Janeiro, Paz e Terra,
1978, p.250.
111
Da parte dos comunistas brasileiros relaciona-se, também, a um processo anterior a 1945, qual seja, uma
orientação política da Terceira Internacional aprovada durante a Segunda Guerra Mundial no VII Congresso
que tinha como centro a aliança de partidos comunistas, socialistas e democrático-burgueses para o combate
ao fascismo, tendo em vista seu ascenso, consubstanciada nas frentes populares. No Brasil, isso se traduziu em
um movimento de “União Nacional” sob a liderança de Vargas. M. LOWY. O Marxismo na América Latina:
uma antologia de 1909 aos dias atuais. São Paulo: Editora Perseu Abramo, 1999.
113
A significativa votação obtida pelo PCB, que legalizara-se em 1945, nas pri-
meiras experiências democráticas em 1946, para Mattos (2002, p.47), foi um “sinal
de que, para os trabalhadores, a redemocratização tinha um sentido bem mais am-
plo”. Os comunistas obtiveram “5% dos votos para a Constituinte e em torno de 10%
para a Presidência da República, fazendo do seu candidato, Iedo Fiúza, o 3
0
coloca-
do na disputa”. Data desse período a fundação, pelas correntes petebista e comunis-
ta, da Confederação dos Trabalhadores do Brasil (CTB), como as anteriores, uma
tentativa de central sindical cuja linha política tinha como cerne a defesa da liberda-
de e autonomia sindical e um conjunto de direitos trabalhistas: estabilidade no em-
prego, participação nos lucros, segurança no trabalho, defesa do trabalho da mulher
e de menores de idade; seguro social, delegados sindicais e direito de greve. No
âmbito da organização sindical, a ênfase voltava-se para a formação de organiza-
ções intersindicais regionais; direito de sindicalização dos trabalhadores do serviço
público; rejeição à rigidez dos controles impostos aos sindicatos pelo modelo do “es-
tatuto padrão”. Entretanto, é possível observar que não se exigia o fim do imposto
sindical, criado pelo governo Vargas.
A Constituição de 1946 avançou em termos de direitos trabalhistas, com a in-
serção da estabilidade no emprego como figura constitucional. Mas trouxe, também,
uma mudança significativa: a competência normativa transferiu-se do Ministério do
Trabalho que ordenava e controlava os sindicatos e o sistema CLT para a Jus-
tiça do Trabalho
112
, que passou a ser o eixo da política para os trabalhadores. Em
seu conjunto, a Constituição era híbrida porque liberal em política e corporativa em
relação aos direitos do trabalho, sem romper com a CLT. Segundo Mattos (2002,
p.49), a burguesia nacional, apesar de mostrar-se afinada com o discurso liberal “de
abertura econômica e menor interferência estatal”, preponderante no período, “man-
teve-se firme na defesa da estrutura sindical oficial”.
O clima internacional de polarização posto pela Guerra Fria, em 1947, provo-
cou uma nova onda repressiva sobre os trabalhadores organizados e de esquerda,
no Brasil. A CTB e as uniões sindicais estaduais foram fechadas e o governo inter-
112
A Constituição de 1946 transformou a Justiça do Trabalho em órgão do Poder Judiciário, mantendo a
estrutura que tinha como órgão administrativo, inclusive com a representação classista. Sua estrutura
permaneceu assim nas Constituições posteriores, de 1967 (alterada pela Emenda de 1969) e de 1988. Site da
Associação de Magistrados Trabalhistas (ANAMATRA) www.anamatra.org.br, consultado em agosto de 2008.
114
veio em mais de 400 entidades sindicais, em especial, as mais combativas. O Parti-
do Comunista foi colocado na ilegalidade. A burguesia buscava construir novos pa-
râmetros para enfrentar uma classe trabalhadora que, apesar da continuidade da
legislação sindical opressora, aprovada na Constituição de 1946, não estava dispos-
ta a deixar de lutar. A repressão seletiva acentuou-se, novamente, combinando ele-
mentos ídeo-políticos de âmbito internacional com interesses da burguesia local, nos
finais do governo Dutra, fazendo refluir as lutas de resistência e por direitos traba-
lhistas, ao mesmo tempo em o arrocho salarial tomava grandes proporções. Em
1951, por exemplo, de acordo com Mattos (2002, p.52), “o salário mínimo atingira o
menor patamar desde sua criação, com valor real inferior a 40% do estipulados dez
anos antes”.
A eleição de Vargas expressou a expectativa de superação dessas condições
que ele trazia um discurso voltado para a grande massa de trabalhadores urba-
nos, com forte apelo nacionalista e trabalhista”, com destaque à continuidade da “po-
lítica social”, pedindo o “apoio dos trabalhadores”. Segundo Mattos (2002, p.53),
nesse contexto cio-histórico, a mobilização dos trabalhadores e a efervescência
política acentuou-se, elevando o número de greves, fortalecendo-se a “pressão opo-
sicionista”. Esses elementos exigiam uma radicalização do “discurso trabalhista tra-
dicional”. Mattos (2002, pp.53-55) mostra que Vargas radicalizou, no 1
0
de maio de
1954: “Como cidadãos, a vossa vontade pesará nas urnas. Como classe, podeis im-
primir ao vosso sufrágio a força decisória do número. Constituís a maioria. Hoje es-
tais com o governo. Amanhã sereis o governo”. Todavia, embora radicalizasse o dis-
curso e atendesse reivindicações dos trabalhadores, como os 100% de reajuste ao
salário mínimo, reprimia greves, dava continuidade à ilegalidade do PCB, mantinha
os comunistas afastados da direção dos sindicatos.
O movimento sindical, além das reivindicações tradicionais aumentos sala-
riais e extensão dos direitos trabalhistas e de sindicalização aos trabalhadores do
campo —trazia novidades: 13
0
salário e adicional de férias. Ao mesmo tempo, dire-
cionava-se no sentido do estabelecimento de relações com o movimento social, co-
mo o estudantil e as associações de bairros que se organizavam, empenhando-se
na construção de uma central sindical ampla e unitária.
115
A defesa dos investimentos na indústria continuava a ter prioridade no gover-
no Vargas, defrontando-se com diferentes concepções de desenvolvimento econô-
mico no campo burguês. Para Ianni (1994, p.63), nesse âmbito, havia uma continui-
dade do “confronto entre os vários projetos de desenvolvimento econômico e de or-
ganização do poder”. A disputa acirrava-se entre os que propunham “o desenvolvi-
mento internacionalizado (ou associado com organizações externas)” e aqueles cuja
pretensão era “acelerar o desenvolvimento econômico independente”. Em 1953, por
exemplo, Vargas sancionou a lei que criou a Petrobrás como empresa estatal para
exploração do petróleo nacional após a ampla campanha O Petróleo é Nosso
fortalecendo a segunda concepção
As tensões agravaram-se no segundo governo Vargas. Sua política ambígua
em relação aos trabalhadores confrontava-se com as lideranças sindicais mais com-
bativas — dentre elas, os comunistas — em muitos momentos.
Mesmo os paliativos aumentos do salário mínimo e a ênfase no apelo às
massas do discurso trabalhista, o garantiriam a Getúlio, na fase crítica de
1954, a base popular de que se ressentia para enfrentar as contradições in-
ternas de seu próprio governo e a oposição ostensiva dos setores golpistas
da UDN, principal partido anti-getulista (MATTOS, 2002, p.55).
No mesmo movimento, a política de massas e de industrialização acirrava an-
tagonismos entre as diferentes concepções burguesas e, segundo Ianni (1994,p.63),
caso seu governo pretendesse avançar mais no modelo de desenvolvimento preten-
dido seria inevitável “o aprofundamento das rupturas com os setores externos e com
a sociedade tradicional”. Seu suicídio evitou sua deposição e, para o autor, significou
a “vitória daqueles que queriam reformular e aprofundar as relações com o capita-
lismo internacional”. Para Mattos (2002, p.55):
Ainda assim, o gesto extremo do suicídio reverteria tanto a força da oposi-
ção garantindo a eleição de Juscelino Kubitschek pelos mesmos PSD e
PTB criados por Getúlio quanto restauraria a aura de pai dos pobres”
junto aos trabalhadores urbanos. Neste contexto, as lideranças comunistas
se viram obrigadas a rever seu posicionamento e a buscar alianças. No
campo sindical, a aproximação de comunistas e trabalhistas de esquerda
para a conquista de direções de sindicatos e órgãos de cúpula da estrutura
oficial, bem como o clima de relativa liberdade democrática que marcaria o
governo JK, abririam espaço para a fase da mais ampla mobilização sindical
conhecida até então.
116
2.6. Movimento sindical, movimentos sociais e direitos: das lutas pelas refor-
mas de base ao golpe de 1964
No governo Kubitschek — de 1955 a 1960 — a política econômica passou por
alterações relativas ao setor a ser privilegiado pelo Estado e às estratégias de finan-
ciamento da industrialização. O setor de bens de consumo tornou-se carro chefe da
acumulação capitalista e, no tocante ao financiamento, o modelo juscelinista distan-
ciou-se mais da situação anterior com a opção pela internacionalização da economia
brasileira, abrindo ao capital estrangeiro sob a dupla forma de empréstimos e inves-
timentos diretos. A metalurgia e a petroquímica avançaram, desenvolvendo a fabri-
cação de máquinas, de eletrodomésticos, do parque automotivo brasileiro e da in-
dustrialização de vários derivados do petróleo. O Plano de Metas do governo Kubits-
chek realizou-se através de substanciais empréstimos e concessões aos capitais
estrangeiros
113
.
Para Mendonça (1988, p.47), o debate e as disputas sobre o modelo de de-
senvolvimento: se associado e dependente ou autônomo deram a tônica desde Var-
gas, avançando, no governo Kubitschek, a relação associada ou dependente com o
capitalismo internacional
114
. Melo (2008, p.20) aponta que, desde meados dos anos
1950, observa-se a definitiva “monopolização da economia capitalista no Brasil”, no
processo em que teve início a fase expansiva do capital após a Segunda Guerra
Mundial. Reconstruída a Europa, o capital internacional voltou sua atenção para paí-
ses da periferia — como o Brasil, trazendo indústrias de grande porte
115
.
Nesse processo sócio-histórico, ainda conforme Mendonça (1988), ocorreram
mudanças significativas na formação da classe trabalhadora, nas suas condições e
composição, pois o país passara por importantes transformações com a estrutura
industrial baseada em empresas de grande porte, voltadas para bens de consumo e
ramos mais modernos, exigindo uma formação de qualidade diferente dos trabalha-
113
A indústria automobilística, em 1960, “produziu 130 mil veículos, em 11 fábricas (todas ligadas a empresas
estrangeiras)” M. B. MATTOS. Trabalhadores e sindicatos no Brasil. Rio de Janeiro, Vício de Leitura, 2002,
p.56.
114
Mendonça faz um rigoroso estudo sobre esse processo em seu livro Estado e Economia no Brasil: opções de
desenvolvimento. Rio de Janeiro, Graal, 1988.
115
Para Mendonça, os EUA defendiam a tradicional divisão internacional do trabalho, destinando economias
como a brasileira a ser produtora de bens primários, por isso, foram os países do Mercado Comum Europeu e o
Japão que provocaram a abertura do Terceiro Mundo a seus investimentos. S. R .MENDONÇA. Estado e Eco-
nomia no Brasil: opções de desenvolvimento ed. Rio de Janeiro, Graal, 1988, p.55.
117
dores. Ao mesmo tempo, a origem dos trabalhadores alterou-se, preponderando os
migrantes rurais. Mas conta nessa diferenciação, também, o crescimento do peso
político dos trabalhadores em empresas estatais no movimento sindical e político
dos trabalhadores.
Importantes renovações tiveram curso na vida sindical
116
. Em primeiro lugar,
destacamos o deslocamento da tradicional burocracia oriunda do Estado Novo nas
direções dos sindicatos, sendo substituída por novas lideranças, com um posiciona-
mento mais combativo. Em segundo lugar, observamos a preocupação com a unifi-
cação organizativa dos sindicatos, sendo criado, em inícios de 1960
117
, o Pacto de
Unidade e Ação (PUA), que apontava mais diretamente para uma central sindical.
Segundo Melo (2008, p.48), esse processo foi impulsionado principalmente pelos
comunistas e esquerda do PTB que, após o suicídio de Vargas, retomaram “um
campo político de compromissos”. Defrontavam-se com os “ministerialistas”, que
recusavam a greve como recurso de luta, mas também a “organização da represen-
tação sindical dos trabalhadores brasileiros em uma entidade nacional”, porque deti-
nham a maior parte das confederações sindicais. Em terceiro lugar, porém não me-
nos importante, pela primeira vez, os trabalhadores rurais organizavam-se: em 1954,
o PCB fundou a União dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas Brasileiros (UL-
TAB) e em 1955, nasceu a Sociedade Agrícola e Pecuária dos Plantadores de Per-
nambuco. Essa organização, posteriormente denominada Liga Camponesa da Gali-
léia, nasceu sob a liderança do advogado Francisco Julião e deu origem a outras
Ligas no nordeste, Minas Gerais e a região sul do país, sendo esse o movimento de
maior peso, no período, no que tange às lutas pela terra (BANDEIRA, 1977). Melo
(2008, p.42) conta que, ainda em 1960, “foi conformado o Movimento dos Trabalha-
dores sem Terra (MASTER) no Rio Grande do Sul”
118
.
116
Existe uma polêmica entre autores brasileiros sobre um possível pacto entre trabalhadores brasileiros e bur-
guesia nacionalista, do governo Kubitschek até o governo João Goulart. Como a questão foge ao escopo desse
debate, ver L. W. VIANNA. Caminhos e Descaminhos da Revolução Passiva à Brasileira. Rio de Janeiro, Revis-
ta Dados, vol. 39, n
0
3, 1996; C. N. COUTINHO Gramsci: um estudo sobre seu pensamento político. Rio de
Janeiro, Civilização Brasileira, 1999, M. B. MATTOS Trabalhadores e Sindicatos no Brasil. Rio de Janeiro,
Vício de Leitura, 2002, S.R. MENDONÇA. Estado e Economia no Brasil: opções de desenvolvimento ed. Rio de
Janeiro, Graal, 1988 e outros.
117
Essa criação deu-se na Segunda Conferência Nacional Sindical, realizada no ano de 1961. MELO, D. B. A
crise dos anos 60. Exame de qualificação. Mestrado em História. Niterói (RJ), UFF. 2008.
118
O qual tinha influência do governador Leonel Brizola, do PTB. Op.cit. nota 117.
118
Não obstante todos essas lutas, avanços na organização dos trabalhadores
no campo, ampliação do regime de liberdade
119
, não se observou, no governo Ku-
bitschek, a incorporação de novos direitos trabalhistas ou alterações substantivas na
normatização corporativa da CLT. Os sindicatos continuaram atrelados ao Estado e,
tampouco, legalizou-se o Partido Comunista, por exemplo. Ao final desse período, a
política econômica adotada dava sinais de esgotamento, provocando insatisfações
em amplos setores da sociedade, incluindo os trabalhadores. Para Oliveira (2003,
p.88), os trabalhadores o obtiveram ganhos, ao contrário, viram “deteriorar-se o
próprio nível da participação na renda nacional que haviam alcançado”. Aos “ope-
rários e outros empregados”, somaram-se “os funcionários públicos e os trabalhado-
res rurais de áreas agrícolas críticas”, e a classe trabalhadora tomou a iniciativa,
dando início a um período de grande agitação política. Com esse grau de insatisfa-
ção, nas eleições gerais, a oposição teve uma vitória, elegendo Jânio Quadros para
presidente.
O governo Jânio Quadros, para Teixeira (2006, p.59), significou “a chegada
ao Executivo central, apoiado numa retórica moralista inflada de demagogia, de uma
figura política ambivalente”, expressando uma combinação heterogênea de “setores
populares desorganizados, de segmentos pequeno-burgueses e de grupos empre-
sariais reacionários”. Sem vinculação partidária, ainda para a autora, “Quadros en-
carnava à perfeição o mais vulgar dos populismos, condensado num personalismo
que provavelmente desenvolveria no poder o que Gramsci designou como cesaris-
mo regressivo”
120
. De acordo com Iamamoto e Carvalho (1985, pp.352-362) seu go-
119
Ao lado desse processo organizativo dava-se a erupção de importantes movimentos paredistas, com destaque
para a greve dos “700 mil em 1957”, a denominada “greve da paridade” desencadeada em novembro de 1960, as
greves pela “Legalidade de 1961”, as greves de 1962 que tiveram natureza política, “a greve dos 700 mil em São
Paulo em 1963, para citar aquelas de impacto nacional” MELO, D. B. A crise dos anos 60. Exame de qualifi-
cação. Mestrado em História. Niterói (RJ), UFF, 2008, p.13.
120
Para Gramsci, “o cesarismo exprime uma situação em que as forças em luta se equilibram de uma maneira
catastrófica, isto é, se equilibram de uma maneira em que a continuação da luta não pode concluir-se senão com
a destruição recíproca”. Nesse caso, uma força exterior pode vir e sujeitar o que resta das que se encontravam em
contenda. “Mas o cesarismo, se exprime sempre a solução ‘arbitral’, confiada a uma grande personalidade, de
uma situação histórico-política caracterizada por um equilíbrio de forças que oferece uma perspectiva
catastrófica, nem sempre tem o mesmo significado histórico. Pode haver um cesarismo progressivo e um
cesarismo retrógrado; e o significado exato de cada forma de cesarismo, em última análise, pode ser reconstruído
a partir da história concreta e não a partir de um esquema sociológico. É progressivo o cesarismo quando a sua
força ajuda a força progressista a triunfar mesmo com certos compromissos suavizantes e limitativos da vitória, e
é retrógrado quando a sua intervenção ajuda a triunfar a força retrógrada, também nestes casos com certos
compromissos e limitações, que têm, porém, um valor, um alcance e um significado diferentes do caso
precedente. César e Napoleão I são exemplos de cesarismo progressista. Napoleão III e Bismarck de cesarismo
retrógrado”. A. GRAMSCI. O cesarismo. In Obras Escolhidas, São Paulo, Martins Fontes, 1978, p.203.
119
verno teve como centro a “formação de uma nação forte, com um povo forte e uma
economia globalmente forte”, derivando desse eixo central uma pretensa preocupa-
ção com o social, sendo meta prioritária o “homem”. A diminuição da pobreza atra-
vés da assistência, identificada como democracia no plano econômico, desenvolve-
ria a nação com equilíbrio. A crise vivida pelo país era moral e político-social, mas o
governo nio Quadros punha ênfase no crescimento econômico como “solução pa-
ra os problemas da nação, interessando a todos e a todos beneficiando com seus
frutos”.
Apesar desse discurso, a política de estabilidade financeira e antiinflacionária
colocava o arrocho salarial e a contenção de créditos como centrais, ao mesmo
tempo em que o adotava mecanismos de contenção da evasão de divisas, reivin-
dicação do movimento sindical, político e social. Bandeira (1977, p.20) fala da con-
dução econômico-política do governo Jânio Quadros:
Uma vez no poder, com o respaldo de 6 milhões de votos, principiou imedia-
tamente a liberação do mbio, promovendo [...] uma reforma pela qual os
governos de Café Filho e Juscelino Kubitschek não tiveram condições ou
coragem de assumir a responsabilidade, apesar da pressão do Fundo Mo-
netário Internacional (FMI). Sua política de combate à inflação teria como
complemento a compressão dos salários, a contenção do crédito e outras
medidas que sacrificariam os trabalhadores, as classes médias e os setores
mais débeis da burguesia.
Essa condução desgastou a popularidade do governo Jânio Quadros que
procurou reavê-la, conforme Ianni (1991, p.206), adotando uma “política externa in-
dependente”. Esse caminho não se viabilizou e ele renunciou em agosto de 1961,
mesmo ano em que tomou posse.
Uma grande instabilidade política permeava a sociedade no momento em que
João Goulart
121
assumiu o governo, que foi desde a tentativa de impedir sua posse,
garantida pela mobilização popular e a resistência organizada, principalmente, pelo
governador gaúcho à época, Brizola, até a imposição do parlamentarismo, encerrado
através de um plebiscito popular em janeiro de 1963. Para Teixeira (2006, p.59), a
imposição do parlamentarismo foi uma solução “pelo alto” da crise política.
.... a adoção do sistema parlamentarista de governo foi a fórmula que os
segmentos mais ativos das classes dominantes encontraram para ao
mesmo tempo em que atendiam ao clamor popular pela posse de João
121
Em virtude do sistema eleitoral vigente no período era possível eleger presidente e vice de partidos distintos.
120
Goulart, Vice-Presidente da República constitucionalmente eleito enges-
sar as possibilidades de ação deste líder claramente ligado à tradição popu-
lista que tem início com Vargas (de quem, aliás, fora Ministro do Trabalho
em seu segundo governo, quando foi responsável pelo primeiro aumento do
salário mínimo desde 1943).
Nos anos de 1961-64, o Brasil viveu uma crise econômico-política de grandes
proporções com o desnudamento da euforia desenvolvimentista, mostrando que o
país, desde os anos 1950, tornara-se muito dependente dos investimentos diretos
de capital e de tecnologia internacionais, o que vulnerabilizou a economia quando a
entrada de capital externo reduziu-se. Para Ianni (1991, p.196), essa redução, a di-
minuição dos investimentos internos, a queda da taxa de lucro e o agravamento da
inflação foram determinantes, no período. A inflação tornou-se central: “deixou de
ser apenas uma técnica de ‘confisco salarial’ (poupança monetária forçada) e pas-
sou a funcionar como inflação de custos”. A economia cresceu de maneira insufici-
ente frente ao aumento populacional
122
, revelando “o encerramento de uma fase de
expansão e diferenciação da economia brasileira” (IANNI, 1991, p.208).
O governo João Goulart buscava, assim, novos programas de desenvolvimen-
to, encontrando dificuldades de ordem econômica e política para a sua formulação e
execução pois, ainda de acordo Ianni (1991, p.196), o havia condições econômi-
cas e políticas nacionais e internacionais para conciliar “ideologia nacionalista e capi-
talismo nacional” ou “ideologia nacionalista e capitalismo associado (ou dependen-
te)”. As disputas ídeo-políticas entre esses projetos aguçaram-se em demasia, mas
também as contradições entre as classes sociais, seja no meio urbano, seja no rural.
Afetados em cheio pela inflação e queda do ritmo de crescimento, os traba-
lhadores urbanos deram curso a uma intensa mobilização, sendo a recomposição
salarial e o 13
0
salário as lutas centrais desenvolvidas através de comícios, assem-
bléias, passeatas, greves, etc. Mas avançavam, também, na defesa das reformas de
base agrária, tributária, universitária assim como pelo fim das remessas de
lucro para o exterior e por liberdades democráticas.
122
“Nos anos de 1961-64, a economia brasileira apresentou as seguintes taxas de crescimento: 7,3; 5,4; 1,6 e 3,1.
Como nesse mesmo período a população crescia a uma taxa de 3,1% ao ano, em 1963 houve descapitalização no
país; e em 1964 a taxa de crescimento da economia foi anulada pelo aumento populacional”. O. IANNI. Estado e
Planejamento Econômico no Brasil. 5
a
ed. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1991, p.208.
121
Observa-se, no período, um salto de qualidade em termos de organização
sindical, com a criação do Comando Geral dos Trabalhadores (CGT) que avança-
va na constituição de uma central dos trabalhadores atuando juntamente com o
Pacto de Unidade e Ação (PUA) e outras associações regionais, sendo a região do
ABC paulista a mais combativa. Além dos estudantes, que participavam ativamente
através da União Nacional dos Estudantes (UNE), operava-se crescente politização
dos setores urbanos médios, com a formação de movimentos sociais diversos, de
mulheres, contra a carestia, etc. A luta no campo acirrou-se em inícios de 1960 e as
ocupações de terra espraiaram-se pelo país, atingindo os estados do Rio de Janeiro,
Rio Grande do Sul, Maranhão, Bahia, Goiás e Paraíba. A reforma agrária, que não
se realizara, tornando-se premente
123
. Em termos de organização sindical também
os avanços no campo foram significativos. Além da organização das Ligas Campo-
nesas em vários estados, em 1962 os sindicatos rurais, criados desde 1954, foram
legalizados, nascendo dessa efervescência política a Confederação Nacional dos
Trabalhadores Agrícolas (CONTAG), que integrou o Comando Geral dos Trabalha-
dores (CGT), através do Pacto de Unidade e Ação (PUA). Em 1963, foi promulgado
o Estatuto do Trabalhador Rural.
Giannotti (2007, p.165) mostra que havia três blocos no movimento sindical
ao nascer dos anos 1960, que marcaram presença durante o governo Goulart, tanto
no meio urbano quanto no rural, às vezes de forma conjunta, em outras não. O pri-
meiro bloco, chamado de vermelhos, formado pelos comunistas e a ala esquerda
dos petebistas, tinha uma “política nacionalista”, incluindo a defesa das Reformas de
Base. O segundo, os ministerialistas, também chamado de amarelos, constituía-se
das lideranças ligadas ao Ministério do Trabalho. O terceiro bloco era formado por
uma mescla de conservadores, católicos e militantes da esquerda não ligada ou ali-
nhada ao PCB que se opunha principalmente aos comunistas e autodenominava-se
democráticos ou renovadores. Ligava-se ao sindicalismo norte-americano, patroci-
nado pela Confederação Internacional das Organizações Sindicais Livres (CIOSL),
através da Organização Regional Interamericana do Trabalho (ORIT).
123
A burguesia, nesse período, usava o art. 141 da Constituição Federal, que previa o pagamento de indenização,
em dinheiro, para as desapropriações por interesse público, para barrar a reforma agrária. O Congresso recusava-
se a modificar o artigo. M. BANDEIRA. Governo João Goulart. As lutas sociais no Brasil. Rio de Janeiro,
Civilização Brasileira, 1977.
122
Mattos (2002, p.57) identifica quatro correntes no período, mas não diferenci-
a-se muito dos blocos propostos por Giannotti. A primeira corrente era constituída
pelos católicos, reunidos nos círculos operários; a segunda autodenominava-se re-
novadores, os quais eram, “em geral de esquerda, mas críticos do PCB”. A terceira
era composta pelos “nacionalistas”, compreendendo, de um modo geral, os “comu-
nistas e trabalhistas de esquerda”. A quarta autodenominava-se “democráticos” e
era composta de sindicalistas que ocupavam os “órgãos de cúpula da estrutura sin-
dical” como a Confederação Nacional dos Trabalhadores da Indústria (CNTI), por
exemplo (MATTOS, 2002, p.57). Data desse período, o surgimento de organizações
de esquerda formadas por dissidentes do PCB, como a Ação Popular (AP)
124
e a
POLOP
125
e, em 1962, ocorreu uma divisão do PCB, que deu origem ao Partido
Comunista do Brasil (PC do B) .
No meio rural, os comunistas atuavam em vários sindicatos, na União dos La-
vradores e Trabalhadores Agrícolas Brasileiros (ULTAB), mas também na Confede-
ração Nacional dos Trabalhadores Agrícolas (CONTAG). Uma segunda corrente,
com influência maior no campo, era liderada por Francisco Julião, organizada nas
Ligas Camponesas. Dessa corrente participava o Partido Operário Revolucionário
Trotskista (PORT), fundado em 1953, que tinha militantes, além de Pernambuco, em
São Paulo e no Rio Grande do Sul
126
.
Segundo Giannotti (2007, p.173), a Igreja Católica organizava-se no campo
através de duas correntes: a ala “conservadora”, da hierarquia, que disputava com
os comunistas e com as Ligas Camponesas. A outra ala, denominada “setor pro-
gressista” tinha como proposta a criação de sindicatos rurais, agindo através do Mo-
vimento de Educação de Base (MEB). Através do método formulado por Paulo Frei-
124
A Ação Popular (AP) foi criada em junho de 1962, por militantes estudantis da Juventude Universitária
Católica (JUC) e de outras agremiações da Ação Católica, a partir de um congresso em Belo Horizonte. No
segundo congresso, em Salvador, a AP assumiu o "socialismo humanista", tendo inspiração ideológica em
Emmanuel Mounier, Teilhard de Chardin, Jacques Maritain e Padre Lebret. A organização teve uma ala
protestante. MELO, D. B. A crise dos anos 60. Exame de qualificação. Mestrado em História. Niterói (RJ), UFF,
2008.
125
A POLOP Organização Revolucionária Marxista - Política Operária (ORM-POLOP) foi formada em
fevereiro de 1961, a partir da fusão da Juventude Socialista do Partido Socialista Brasileiro (PSB) com círculos
de estudantes da “Mocidade Trabalhista” de Minas Gerais, da Liga Socialista de São Paulo simpatizantes de
Rosa Luxemburgo setores dos trotskistas e dissidentes do PCB, em especial do Rio de Janeiro, São Paulo e
Minas Gerais. Brasil Nunca Mais. Arquidiocese de São Paulo. 8
a
Ed., Petrópolis (RJ), Vozes, 1985.
126
Os integrantes desse partido foram presos em inícios da década de 160, durante o governo de Arraes, em
Pernambuco, em função de agitações políticas das Ligas Camponesas.
123
re, grande parcela da população ingressava ao mesmo tempo no mundo dos direitos
e da política. Conforme Schwarz (1978, p.69), nesse processo, “o trabalhador rural
entrava, de um mesmo passo, no mundo das letras e no dos sindicatos, da constitui-
ção, da reforma agrária, em suma, de seus interesses históricos”. Esse setor articu-
lava-se com a esquerda e, posteriormente, constituiu-se importante base de atuação
da Teologia da Libertação.
Melo (2008, pp.42-44) mostra que a influência da Revolução Cubana, de
1959, “declarada socialista em abril de 1961”, juntamente com a Revolução Chi-
nesa, de 1949, por terem o campesinato como “sujeito social” tornaram-se “fonte de
inspiração para estes movimentos”, possibilitando avanços em termos organizativos
e de consciência
127
. O PCB constituía “fração mais moderada” do movimento, toda-
via, com maior influência na esquerda
128
e em função de divergências internas, agia
no sentido de não perder essa influência. O “clima de radicalização, em decorrência
desta dissidência interna” e das demais forças de esquerda fez com que “a posição
da União dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do Brasil (ULTAB), dirigida pelo
PCB, passasse a ser: “reforma agrária, na lei ou na marra!”.
Mesmo com as diferenciações no movimento sindical, os dirigentes das orga-
nizações urbanas e rurais tinham como preocupação unificar e coordenar o movi-
mento para reivindicações econômicas e participação efetiva nas decisões políticas
no âmbito do Estado
129
. Apesar da articulação orgânica entre sindicatos rurais e ur-
banos ser frágil porque muito incipiente, a intenção era fazer avançar esse processo.
Para Frederico (1979, pp.120-122), houve uma “aceleração” da consciência operá-
ria, colocando em questão “a continuidade do atrelamento sindical aos objetivos go-
vernamentais” por parte de importantes segmentos dos trabalhadores. Intensificando
127
O 1
o
Congresso dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do Brasil, em novembro de 1961, em Belo Hori-
zonte (MG), foi parte desse contexto. As Ligas Camponesas “hegemonizaram o encontro, definindo as linhas
gerais do conteúdo da “Declaração de Belo Horizonte”. O PCB e as organizações que se formavam no período,
como AP, POLOP e outras também estiveram presente. MELO, D. B. A crise dos anos 60. Exame de qualifica-
ção. Mestrado em História. Niterói (RJ), UFF, 2008, pp.42-44.
128
Pode-se afirmar que a hegemonia da esquerda estava com o PCB. Dante Pelacani, vice-presidente do CGT,
assim comentou a hegemonia comunista no movimento sindical: “O PTB tinha muito mais recursos que o Parti-
do Comunista para arrebanhar, entre os dirigentes sindicais, um número maior de adeptos. Mas os dirigentes
arrebanhados pelo PTB eram líderes de categorias pouco expressivas e sem tradição de luta”. Depoimento repro-
duzido em D. MORAES. A esquerda e o golpe de 64. Rio de Janeiro: Espaço e Tempo, 1989:37, apud D. B. de
MELO. A crise dos anos 60. Exame de qualificação. Mestrado em História. Niterói (RJ), UFF, 2008.
129
O CGT, por exemplo, trazia bandeiras políticas como a democratização do poder; controle do capital estran-
geiro; interferência maior do Estado na economia; reforma agrária e as denominadas “Reformas de Base”. V.
GIANOTTI. História das lutas dos trabalhadores no Brasil. Rio de Janeiro, Mauad X, 2007, p.171.
124
as lutas e as greves, os trabalhadores deixavam claro que o projeto nacional-
desenvolvimentista repartia a renda de forma desigual. No mesmo movimento, as
lutas engendravam um transbordamento “para o campo propriamente político” da
“luta econômica”, o que levava setores do movimento sindical a buscar a superação
da sociedade do capital.
Desde a redemocratização até esse período, além da estabilidade no empre-
go, que ganhou status constitucional, os trabalhadores conquistaram o 13
0
salário,
reivindicação central do movimento sindical desde 1953, após uma greve, conside-
rada por muitos autores como a primeira greve geral do Brasil, que envolveu tra-
balhadores em nível nacional
130
. Esse quadro de efervescência político-social por
parte dos trabalhadores não poderia deixar de preocupar a burguesia brasileira, vol-
tada, historicamente, a mantê-los excluídos da vida política nacional. Afinal, como
mostra Fernandes (2006, p.385-386), no Brasil, o “consenso burguês mostrou-se
invariavelmente tímido e hostil” às pressões vindas “de baixo” em função do seu
“temor de classe”. A burguesia não se colocava frente ao “problema da democracia
(mesmo entendida como uma “democracia burguesa”)”, mas ao “problema da or-
dem”, ou seja, de uma “ordem burguesa” que “devia ser salva”, equilibrada e “conso-
lidada”. Dessa forma, ainda para Fernandes (2006, pp.385-386), a burguesia brasi-
leira, desde a crise da Primeira República com raros e curtos intervalos agiu
através de “pressões de cima para baixo”, sempre buscando submeter os trabalha-
dores “ao controle institucional da dominação e do poder”, sustentando-se por me-
canismos de “opressão e repressão, normais ou extraordinários, do Estado nacio-
nal”. Essa ordem assim constituída teve poucos avanços em relação às condições
vividas pelas sociedades capitalistas centrais, sendo seu fundamento uma perma-
nente relação de controle e tutela sobre a “classe dos outros”.
Mas a efervescência afetava também aos interesses do capitalismo interna-
cional porque alimentava e era alimentada pelo clima sócio-político vigente em todo
o mundo. Segundo Netto (1991, p.142), como apontamos anteriormente, a década
de 1960 foi marcada por “terremotos” econômico-sociais e político-culturais que afe-
130
Greve dirigida pela CNTI, PUA e outras articulações regionais, em julho de 1962 exigia a destituição do
ministério de Goulart, considerado muito à direita e a constituição de um ministério “de coalizão, nacionalista e
democrático”. Além da destituição, conquistou-se o 13
0
salário. V. GIANOTTI. História das lutas dos
trabalhadores no Brasil. Rio de Janeiro, Mauad X, 2007:169.
125
taram a sociedade contemporânea, sendo fenômeno de caráter internacional. A ten-
são nas estruturas sociais do mundo capitalista, quer nos países centrais, quer nos
periféricos, ganhou caráter diferente, novo. A Revolução Cubana em 1959 e seu i-
deário de libertação, reverberava em todos os continentes. A guerra do Vietnã mobi-
lizava a juventude norte-americana. A amplos movimentos de luta sindical entrecru-
zaram-se lutas pela reordenação de recursos governamentais para as políticas soci-
ais, movimentos com demandas sociais e culturais diversificados (mulheres, negros,
jovens), em defesa do meio-ambiente, pela terra, por direitos sociais (educação, la-
zer, saúde, ao prazer, etc). Condições favoráveis passaram a existir para que as
classes trabalhadoras se mobilizassem e se organizassem em defesa de seus inte-
resses.
Nas suas expressões menos conseqüentes, estes movimentos põem em
questão a racionalidade do Estado burguês e suas instituições; nas suas
expressões mais radicais, negam a ordem burguesa e seu estilo de vida.
Em qualquer dos casos, recolocam em pauta ambivalências da cidadania
fundada na propriedade privada e redimensionam a atividade política, multi-
plicando os seus sujeitos e as suas arenas (NETTO,1991, p.143).
No Brasil, acirrou-se a contradição entre as necessidades postas pela acumu-
lação capitalista e “a modalidade de intervenção, articulação e representação das
classes e camadas sociais no sistema de poder político”. Potencializada e aprofun-
dada pelas tensões, conflitos e lutas políticas e sociais, essa contradição engendrou,
para Netto (1991, p. 26), uma crise da forma de dominação burguesa no Brasil. Por
um lado, a burguesia dirigente encontrava-se tensionada pela necessidade de defi-
nir-se entre um modelo de acumulação nacionalista, independente com interven-
ção do Estado para promover a industrialização do Brasil e a continuidade do
modelo econômico-político de desenvolvimento dependente. Por outro, os conflitos e
as lutas políticas e sociais em que as classes trabalhadoras e setores da pequena-
burguesia exigiam direitos e reformas estruturais aprofundavam a referida crise.
Esse quadro constituía-se em uma esquina perigosa da história, nos termos
de Arcary (2004). Potencializado esse complexo de elementos, ao longo do tempo, a
crise econômico-política poderia agravar-se, colocando em risco o projeto de domi-
nação burguesa e não apenas a forma como ele se desenvolvera até então. A solu-
ção se deu em um quadro de força através de um golpe militar que, em abril de
126
1964, instaurou a ditadura militar, dando origem à autocracia burguesa, como con-
ceituou Fernandes (2006).
2.7. Modernização conservadora e direitos: cenário explícito de retrocessos
A condução econômico-política da autocracia burguesa representou uma li-
nha de continuidade aprofundada do modelo de desenvolvimento dependente ou
associado (IANNI, 1991) e, por via de conseqüência, da secular tradição heterônoma
que marca a nossa formação. Ao mesmo tempo, expressou de maneira cabal a ex-
clusão política do conjunto dos trabalhadores negando seus direitos enquanto
classe — bem como as soluções pelo alto, também históricas no Brasil. O golpe mili-
tar de 1964 reforçou o papel do mercado, autonomizou a economia da política, apro-
fundou a dependência externa. As linhas mestras do padrão concretizaram, para
Netto (1991, p.31), a modernização conservadora em acordo com os interesses “do
monopólio capitalista: benesses ao capital estrangeiro e aos grandes grupos nativos,
concentração e centralização em todos os níveis, etc.”.
Um primeiro elemento a orientar essa condução foi a política de salários em
que o Conselho Nacional de Política Salarial teve sua estratégia voltada para o
controle rigoroso dos acordos salariais privados e dos reajustes no âmbito do serviço
público, ou seja, o arrocho salarial. Essa política concentrou-se no “combate à
inflação”, de acordo com as condições postas pelas “forças do mercado”, tendo em
vista a “predominância da livre empresa”, privilegiada pela autocracia burguesa. O
segundo elemento foi a restrição ao crédito e o terceiro refere-se ao estímulo aos
investimentos externos diretos (IEDs) e à exportação. Esses elementos fizeram-se
acompanhar da colaboração ativa de agências internacionais, de outros governos,
mas, em particular, segundo Ianni (1981
, pp.
5-11), do “sistema multilateral da
Aliança para o Progresso, de modo a acelerar a taxa de desenvolvimento
econômico”. A condução econômico-política foi alicerçada pelo acirramento da
repressão seletiva sobre os trabalhadores urbanos e rurais, definindo, dessa
maneira, a economia política do lema “segurança e desenvolvimento”. Para Ianni
(1981, p. 8):
Segurança, no sentido de “segurança interna”, envolve o controle e a
repressão de toda organização e atividade política das classes
assalariadas, para que o capital monopolista tenha as mãos livres para
127
desenvolver a acumulação. E desenvolvimento, no sentido do florescimento
das “forças do mercado”, com a “predominância da livre empresa no
sistema econômico”. Foi assim que se definiu e consolidou, ao longo de
todos os governos da ditadura, o núcleo principal do planejamento
econômico estatal: o Estado foi posto a serviço de uma política de
favorecimento do capital imperialista, política essa que se assentou na
superexploração da força de trabalho assalariado, na indústria e na
agricultura.
Mais do que nunca, a questão social foi tratada com o binômio repressão se-
letiva/assistência. Para garantir o arrocho salarial, com base na doutrina da seguran-
ça e desenvolvimento, a autocracia burguesa utilizou-se da repressão policial, da
censura, de leis próprias para a política salarial, além da intervenção em sindicatos,
federações e confederações
131
. Os dirigentes das organizações sob intervenção ti-
nham seus direitos políticos cassados pelo art. 530 da CLT e Decreto-Lei n
0
925, de
outubro de 1969, tornando-se inelegíveis para qualquer cargo administrativo ou de
representação sindical. Sob a égide da “ditadura do grande capital”, como correta-
mente define Ianni (1981), uma sistemática repressiva desenvolveu-se à medida em
que as mais diversificadas e heterogêneas medidas econômicas, sociais, políticas e
jurídicas eram colocadas em prática. Plasmou-se, segundo o autor (1991, p. 69),
“tanto uma relação arbitrária das condições de contrato de trabalho aa alteração
do significado econômico e político do sindicato; tanto a militarização da brica co-
mo a generalização da violência policial”.
Entre 1964 e 1967, primeiro momento da ditadura militar, o movimento
sindical foi amordaçado, com repressão e intervenções. Os interventores dos
militares nos sindicatos constituíam-se, em geral, conforme Mattos (2002, p. 67), de
“representantes dos antigos grupos dirigentes”, que tinham sido “desalojados dos
cargos de direção das entidades pelas vitórias nas eleições sindicais dos militantes
de esquerda ligados ao PCB e ao PTB, nos anos que antecederam ao golpe”.
Portanto, as correntes ligadas aos círculos católicos, ministerialistas e ao
sindicalismo norte-americano tornaram-se preponderantes que a esquerda vivia
sob forte perseguição política e repressão policial
132
. Os direitos trabalhistas, por seu
131
Entre 1964-1970 houve 652 intervenções sindicais. V. GIANNOTTI. Rio de Janeiro, Mauad X, 2007, p.185.
132
Para Mattos, o posicionamento político dessas correntes mostra-se nos objetivos da Conferência Nacional de
Dirigentes Sindicais Pela Defesa da Democracia e Bem-Estar do Trabalhador, realizada no Rio de Janeiro em
junho de 1964, pela Confederação Nacional dos Trabalhadores do Comércio (CNTC), Confederação Nacional
dos Trabalhadores em Transportes Terrestres (CNTTT) e Confederação Nacional dos Trabalhadores da Indústria
(CNTI): “o fortalecimento das aspirações democráticas nacionais, o estudo das melhores formas de colaboração
dos trabalhadores e de suas respectivas organizações sindicais com os poderes públicos e a necessidade de mais
128
turno, passaram por modificações regressivas:
1) Proibição do direito de greve, com a Lei n
0
4330 de junho de
1964, conhecida como a lei anti-greve.
2) Reajuste anual baseado em índices unificados relativos à
inflação, criado em 1964, tornado permanente pela Lei 5451
de 1968, sendo reformulada e aperfeiçoada em 1974 pela
Lei 6147;
3) Fim da estabilidade aos dez anos de serviço substituída
pelo Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), que
aparecia como se fosse uma opção aos trabalhadores. A Lei
5107 de setembro de 1966 colocou esse “fundo unificado de
reservas” sob a administração do Banco Nacional de
Habitação;
4) Instituição do regime de trabalho temporário para atender
necessidade transitória de substituição de pessoal regular e
permanente ou para acréscimo extraordinário de serviços,
pela Lei n
0
6019 de 1974.
Maccalóz (1997) considera o FGTS como a primeira medida de flexibilização
da legislação trabalhista, exigência do capitalismo internacional, embora em outro
contexto sócio-histórico. Para Rodrigues (2008, p. 72) a extinção da “estabilidade no
emprego” e “o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço” também são elementos de
“flexibilização” da legislação para atender “às exigências do Fundo Monetário Inter-
nacional, entre 1964 e 1968”. Mas podemos observar que a Lei n
0
6019 de 1974,
instituindo o trabalho temporário, também traz essa flexibilização.
Em relação aos sindicatos, foram introduzidas alterações regressivas na CLT
regidas pela Doutrina de Segurança Nacional, como mostra o artigo 528, cuja reda-
ção foi alterada pelo Decreto-Lei n
0
3 de 27/01/1966:
“Ocorrendo dissídio ou circunstâncias que perturbem o funcionamento de
entidade sindical ou motivos relevantes de segurança nacional, o Ministro
do Trabalho e Previdência Social poderá nela intervir, por intermédio de De-
legado ou de Junta Interventora, com atribuições para administrá-la e exe-
cutar ou propor as medidas necessárias para normalizar-lhe o funcionamen-
to” (CLT: Decreto-Lei n
0
3 de 27/01/1966).
A ditadura esvaziou os sindicatos, afastando as correntes de esquerda, mas
não as aniquilou completamente. A condução política dessas correntes deslocou-se
para a organização autônoma dos trabalhadores a partir do local de trabalho.
Entretanto, a partir de 1967, com um breve arrefecimento da perseguição a
amplo desenvolvimento do sindicalismo, sempre atuante e autenticamente livre” M. B. MATTOS. Trabalhadores
e sindicatos no Brasil. Rio de Janeiro, Vício de Leitura, 2002, pp. 67-69.
129
lideranças sindicais não alinhadas ao governo, segundo Mattos (2002, p. 70), a
esquerda buscou agir no sentido de formar “movimentos intersindicais contrários à
política salarial do governo, sendo o mais conhecido o denominado Movimento
Intersindical contra o Arrocho (MIA)”
133
, que lutava pelo fim do arrocho salarial, livre
negociação e reforma agrária, dentre outras reivindicações.
Uma questão que vale sublinhar refere-se ao fracionamento ocorrido com a
esquerda no período, tendo papel significativo, no processo, o VI Congresso do
PCB, realizado em 1967, com suas resoluções. Segundo Grabois e Costa
134
,.
Nessas resoluções, o PCB identificou a ditadura como um governo de longa
duração e propôs a formação estratégica de uma ampla Frente
Democrática, com o objetivo de reunir todas as forças sociais e políticas que
estivessem dispostas a organizar um amplo movimento nacional, para
acumular forças até a derrota da ditadura. O PCB preconizava a entrada de
todos aqueles que estivessem contra a ditadura no Movimento Democrático
Brasileiro (MDB), ao mesmo tempo em que buscava acumular força nos
movimentos operário e juvenil.
Netto (1991) também mostra que organizações clandestinas de esquerda
surgiram, uma grande parte delas reivindicando o legado marxista, sendo que, al-
gumas eram frutos de cisões no PCB, em função da linha política adotada no VI
Congresso. Dentre as várias organizações vale destacar a Ação Libertadora
Nacional (ALN), que surgiu em 1968 e, em 1971, após uma cisão interna, deu
origem ao Movimento de Libertação Popular (Molipo). O Movimento Revolucionário 8
de Outubro (MR8), conhecido inicialmente como Dissidência da Guanabara (DI-GB),
no movimento estudantil, também dissidente do PCB, posteriormente passou a
desenvolver táticas de guerrilha urbana
135
. O Partido Comunista Brasileiro
Revolucionário (PCBR) foi fundado em 1968 por dissidentes do PCB, defendendo
uma combinação entre guerrilha rural e trabalho de massas nas cidades. O
133
Em novembro de 1967 foi realizada a II Conferência Nacional de Dirigentes Sindicais no Rio de Janeiro,
no Sindicato dos Bancários, cuja direção era identificada pelas suas ligações com o PCB. As palavras de ordem
dessa conferência mostravam uma direção diferenciada da que foi realizada em 1964, sob controle absoluto das
correntes simpáticas à autocracia burguês, mostrada na nota 144. As reivindicações aprovadas também: 1.
Revogação das Leis do Arrocho Salarial; 2. Liberdade de firmar acordo com os empregadores; 3. Reajuste de
salários igual ao aumento do custo de vida; 4. Reforma agrária. M. B. MATTOS. Trabalhadores e sindicatos no
Brasil. Rio de Janeiro, Vício de Leitura, 2002, p. 70.
134
As principais diferenças entre o Partido Comunista Brasileiro (PCB) e o Partido Comunista do Brasil (PC do
B). I. GRABOIS; E. COSTA. São Paulo, disponível em www.pcb.org.br/diferenças.pdf Consultado em março de
2009.
135
O nome MR8 foi adotado em referência à morte de Che Guevara, após o seqüestro do embaixador norte-
americano Charles Burke Elbrick, em 1969, realizado em conjunto com a ALN. A partir de 1971 a VPR
incorporou-se ao MR 8.
130
Comando de Libertação Nacional (COLINA) foi criado em 1967, em Minas Gerais,
após fundir-se com a Política Operária (POLOP) fundada em 1961, conforme
apontamos anteriormente. Das dissidências orcorridas na POLOP várias
organizações formaram-se: Vanguarda Popular Revolucionária (VPR); Partido
Operário Comunista (POC); Vanguarda Armada Revolucionária Palmares (VAR-
PALMARES); Organização de Combate Marxista-Leninista/Política Operária (OCML-
PO); Movimento Comunista Revolucionário (MCR); Movimento de Emancipação do
Proletariado (MEP)
136
. Essas organizações, em sua maioria, foram esmagadas pela
ditadura. Muitas delas posteriormente foram transformadas, pelos membros que
restaram vivos, em correntes de esquerda cuja influência na formação do Partido
dos Trabalhadores (PT), na década de 1980, foi significativa.
O PC do B, que nascera de uma dissidência anterior do PCB, como apon-
tamos, também colocou-se contrário à linha política do VI Congresso, alinhando-se
às teses do Partido Comunista Chinês e à estratégia de guerra popular prolongada,
que significava o cerco do campo às cidades dirigido por um exército popular de ba-
se camponesa. Desenvolveu a estratégia da guerrilha rural, para o Brasil, mais co-
nhecida como Guerrilha do Araguaia, que era uma área marcada por conflitos pela
terra, sintetizada, em 1969, no documento Guerra Popular – Caminho da Luta Arma-
da no Brasil. A Guerrilha do Araguaia foi aniquilada pela ditadura e quase todos seus
integrantes foram mortos
137
.
Em 1968, não obstante o clima extremamente repressivo e o posicionamento
contrário do PCB a esse encaminhamento, houve uma retomada do movimento
grevista. As greves de Contagem (MG) e a de Osasco (SP)
138
, que objetivavam o fim
do arrocho salarial e a criação do contrato coletivo de trabalho, são demonstrativas
136
Para um estudo sobre essas organizações, origens ídeo-políticas, história, e outros aspectos, consultar J. GO-
RENDER. Combate nas Trevas: das ilusões perdidas à luta armada. 5ª edição. São Paulo, Ática, 1998; N. MI-
RANDA; C.TIBÚRCIO. Dos filhos deste solo - Mortos e desaparecidos políticos durante a ditadura militar: a
responsabilidade do Estado. São Paulo, Boitempo Editorial/Editora da Fundação Perseu Abramo, 1999; A. OZA-
Í. História das Tendências no Brasil. 2ª ed., São Paulo, Proposta, [s.d.], entre outros.
137
Em 1973, o PC do B fundiu-se com a Ação Popular (AP), tendência do movimento estudantil ainda antes da
ditadura militar, que reunia militantes das pastorais católicas como Juventude Universitária Católica (JUC) e
Juventude Estudantil Católica (JEC).
138
A greve de Contagem (MG) durou uma semana e, mesmo com a dura repressão, obteve 10% de abono
estendido a todo o país em julho de 1968 como “abono emergencial”. Em Osasco, a greve durou seis dias, o
exército ocupou a cidade e as fábricas, interveio no Sindicato dos Metalúrgicos, prendendo sua direção e 500
trabalhadores. V. GIANOTTI. História das lutas dos trabalhadores no Brasil. Rio de Janeiro, Mauad X, 2007,
pp.198-200.
131
da orientação assumida, marcando significativamente a memória do movimento
sindical e político brasileiro (GIANNOTTI, 2007, pp.198-200).
No mesmo período, os estudantes
139
também passaram a desenvolver ações
de contestação política como passeatas e atos diversos
140
. Para Netto (1991, p.37),
a frente ampla que formou-se, unificando as várias pontas, estudantes, sindicalistas
e deputados oposicionistas, "sinal inequívoco da ruptura do pacto contra-
revolucionário”, provocou alterações na realidade e, na oposição, uma avaliação
bastante “eufórica da situação”. No mesmo processo, por fora da política
institucional, condensavam-se pólos (básica, mas não exclusivamente, de extração
pequeno-burguesa), que concebiam a liquidação do arbítrio como ultrapassagem da
dominação burguesa”.
Embora a ação dessa frente ampla de oposição não incidisse “nos centros
decisórios do Estado”, ainda segundo Netto (1991, p.38), a autocracia burguesa
respondeu com a instauração de uma “nova ordem”, com a “militarização do Estado
e da sociedade”. Através do Ato Institucional n
0
5 (AI-5) fechou o Congresso, cassou
mandatos de sindicalistas e deputados oposicionistas, prendeu estudantes, deixou
os direitos políticos individuais sujeitos à suspensão por 10 anos, decretou o fim do
habeas corpus, etc. O ano de 1968 tornou-se um marco da ditadura, para o autor,
abrindo-se, desde então, “o genuíno momento da autocracia burguesa”
141
.
Foi um processo que atingiu aos diferentes setores e aspectos da sociedade,
não apenas os direitos do trabalho. No âmbito da cultura, vale destacar a prisão e o
exílio de vários de seus expoentes. para citar alguns exemplos, Antonio Callado,
porque buscava retratar a situação brasileira
142
, colocando-se na oposição, foi preso
139
Em outubro, lideranças estudantis realizaram um congresso da UNE clandestino em Ibiúna (SP). Os
mais de oitocentos estudantes presentes foram presos e os jornais, no período, ainda sem censura prévia,
destacaram esse episódio.
140
No mês de março de 1968, em uma passeata no Rio de Janeiro, a polícia matou um estudante, Edson Luís, o
que provocou, em todo o país, uma onda de manifestações e protestos durante o ano todo. Em junho, a Passeata
dos Cem Mil tornou-se a maior manifestação ocorrida até então, mas grandes atos foram organizados em outras
grandes capitais, como Recife, São Paulo, etc., sempre acompanhados de grande repressão, sendo que, naquele
ano sete manifestantes foram mortos, a maioria no Rio de Janeiro.
141
Avançando nessa análise, para Netto, até então, o que fora uma ditadura reacionária se transformou em um
regime político de nítidas características fascistas. J. P. NETTO. Ditadura e Serviço Social: uma análise do
Serviço Social no Brasil pós-64. São Paulo, Cortez, 1991, p.38.
142
A obra Quarup, de Antonio Callado, escrita em 1967, busca retratar, através das vicissitudes do Padre Nando,
todos os assuntos que dominavam o debate político, no período, como a mudança de perspectiva da Igreja sobre
a questão social, as lutas dos estudantes e das Ligas Camponesas, em que militantes do PORT são personagens, o
132
duas vezes: uma em 1964, logo após o golpe militar, e outra em 1968, após o
fechamento do Congresso com o AI-5; Carlos Heitor Cony, que não era de
esquerda, mas um jornalista que retratava a luta contra o arbítrio em suas obras
143
teve de demitir-se do Correio da Manhã, sendo preso seis vezes e obrigado a exilar-
se do Brasil. sicos, dramaturgos, atores e outros inserem-se nesse processo.
Nesse âmbito, a ação da censura também foi agressiva, proibindo filmes
144
, peças
teatrais, livros, etc.
A partir desse contexto sócio-histórico em que predominava a repressão
combinada com medidas significativas no âmbito da economia, para Antunes (1988,
pp.108-109), viveu-se, no Brasil, o denominado milagre brasileiro
145
. A “contenção
de créditos responsável pela intensificação do processo de monopolização do
capital corte nos gastos públicos” e o aumento da carga tributária, deram “novo
dinamismo ao padrão de acumulação”, expandindo intensamente a economia.
golpe de 1964, a revolução sexual, o feminismo, a proteção aos índios, a guerrilha, as drogas, etc. O quadro
histórico que ele traça com nitidez reflete-se na narrativa, abrangendo acontecimentos que transcorrem do go-
verno Vargas, quando eleito, ao primeiro governo da autocracia burguesa, o de Castelo Branco. A. CALLADO.
Quarup. 12
a
Ed. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1984.
143
Seu romance Pessach: a travessia, fala de problemas da esquerda brasileira na ditadura militar. A expressão
Pessach relaciona-se à Páscoa dos judeus, que é a primeira das grandes festas da bíblia.Trata da fuga dos judeus
quando eram escravos no Egito Antigo. No livro, essa alegoria sobre a libertação aparece em uma história sobre
a participação, na luta armada contra o regime militar, até certo ponto involuntária, de um escritor que tinha
aversão às questões relacionadas à política. C. H. Cony. Pessach: a travessia. Rio de Janeiro, Civilização
Brasileira, 1967.
144
O filme Manhã Cinzenta, de Olney Alberto São Paulo, em 1969, foi acusado de atentar contra a segurança
nacional, pois havia sido proibido pela censura, mas foi exibido no Festival Internacional de Viña del Mar, no
Chile. Arquidiocese de São Paulo. Brasil Nunca Mais. 8
a
Ed., Petrópolis (RJ), Vozes, 1985. O filme Terra em
Transe, de Glauber Rocha, enfrentou problemas com a censura, ao mostrar um fictício país latino-americano,
denominado Eldorado, governado pelo déspota Dias. Nele, o jornalista e poeta Paulo (Jardel Filho) vive entre
várias forças políticas em disputa acirrada pelo poder. Porfírio Diaz (Paulo Autran) é um líder de direita, da
capital litorânea de Eldorado. Dom Felipe Vieira (José Lewgoy) é mostrado como populista e Julio Fuentes
(Paulo Gracindo) é um empresário da comunicação. Em abril de 1967, o filme foi proibido em todo território
nacional, por ser considerado subversivo e irreverente com a Igreja Católica. Glauber Rocha. Terra em transe,
Brasil, 1967.
145
O milagre, para Mattos, assentou-se na recessão dos anos anteriores, o que gerou uma concentração maior de
capitais em torno dos grandes grupos monopolísticos, especialmente de capital estrangeiro e financeiro, mas
também na “retomada dos investimentos públicos em grandes obras indutoras de atividades econômicas”. Assim,
o Estado impulsionou o “desenvolvimento econômico”, capitalizando-se pelo “endividamento externo, numa
conjuntura favorável a esta política no mercado financeiro internacional”, investindo pesado “em infra-estrutura”
e, ao mesmo tempo, subsidiando “as empresas privadas através da produção de insumos a baixo custo nas em-
presas estatais”. M. B. MATTOS. Trabalhadores e sindicatos no Brasil. Rio de Janeiro, Vício de Leitura, 2002,
p. 72. Para Sader, no período, houve um decréscimo na inflação, que chegou a 20% em 1969, a qual foi acompa-
nhada de um ritmo gradativo maior de crescimento da economia. Em 1967, o PIB teve um aumento de 4,8%,
mas entre 1968 e 1973 acelerou-se, crescendo a uma média de 11,2%, “chegando a 14% em 1973, seu índice
máximo de expansão”. Mas a eficácia desse modelo de desenvolvimento capitalista tornou-se real porque os
salários foram rebaixados sistematicamente no período. O salário mínimo, por exemplo, que “tinha um índice de
126 em fevereiro de 1964, pouco antes do golpe militar, foi sendo verticalmente reduzido, chegando em março
de 1967 a um índice de 83”. E. SADER. A transição no Brasil: da ditadura à democracia? São Paulo, Atual,
1990, p.26.
133
Do ponto de vista dos trabalhadores, a ação da autocracia burguesa, com a
construção de “um setor dinâmico no parque industrial brasileiro”, acelerado pelo
“milagre”, segundo Antunes (1988, p.128), fez surgir um proletariado cujas caracte-
rísticas diferiam tanto quantitativa como qualitativamente da indústria tradicional. As
indústrias concentravam grande número de trabalhadores e, por sua vez, concentra-
vam-se, também elas, em determinadas regiões, como no ABC paulista, por exem-
plo
146
. Constituiu-se, assim, “um proletariado inserido na grande indústria moderna”,
a qual possuía uma “maior composição orgânica de capital, com um contingente sig-
nificativo de trabalhadores concentrados nas unidades industriais” e que apresenta-
va “níveis de qualificação do trabalho superiores aos da indústria tradicional”.
Embora o emprego nas grandes empresas multinacionais fosse mais atraente
que nas nacionais, principalmente nas médias e pequenas, considerando-se a
divisão internacional do trabalho e a política econômica da autocracia burguesa, cujo
pilar fundante era o arrocho salarial, esses trabalhadores, para Antunes (1988,
pp.108-109), viviam uma “tendência persistente à depreciação salarial, à constante
subtração do quantum referente à remuneração do trabalho em benefício do mais-
valor apropriado pelo capital monopólico” acompanhada do crescimento vertiginoso
da produtividade
147
. Vigorava, segundo o autor (1988, pp.163-164), “a
superexploração do trabalho”, combinando longas jornadas de trabalho
148
“com uma
intensidade extenuante do processo produtivo num parque industrial
tecnologicamente avançado e com significativa concentração operária”. Juntamente
com os trabalhadores em geral, os metalúrgicos foram submetidos às “altas taxas de
turn-over”, rotatividade decorrente também de um exército de reserva historicamente
146
Em São Bernardo, na década de 1970, por exemplo, 125.000 trabalhadores estavam vinculados a mais de 500
fábricas e só as fábricas da Volkswagen, Ford e Mercedes-Benz englobavam aproximadamente 60% desse
contingente (idem). Ao mesmo tempo, observa-se que nos municípios do ABC paulista os quais situavam-se
com grande proximidade entre si “formando um conglomerado compacto, havia 210.000 operários
metalúrgicos.” Essa configuração podia ser encontrada “nos distritos industriais de Minas Gerais, Rio de Janeiro
e, em menor escala, nas novas cidades industriais no interior de São Paulo”, englobando, além das indústrias
automobilísticas, as metalúrgicas em geral, as químicas, as eletro-mecânicas, etc. B. KUCINSKI. Abertura: a
história de uma crise. São Paulo, Ed. Brasil Debates, 1982, p.117.
147
Entre 1968-1974 o aumento do número de veículos produzido por trabalhador nas indústrias automotivas foi
de 71%. R. ANTUNES. A rebeldia do trabalho: o confronto operário no ABC paulista: as greves de 1978-80.
São Paulo: Ensaio, Campinas (SP): editora da UNICAMP, 1988:145. Mendonça mostra que, na Usiminas, o
índice de produtividade saltou de 48,5 toneladas/homem em 1965 para 121,9 em 1968”. S.R. MENDONÇA.
Estado e Economia no Brasil: opções de desenvolvimento ed. Rio de Janeiro, Graal, 1988, p.79.
148
Durante o milagre brasileiro, a jornada semanal de cinco dias de trabalho atingiu 56 horas. R. ANTUNES. A
rebeldia do trabalho: o confronto operário no ABC paulista: as greves de 1978-80. São Paulo: Ensaio, Campinas
(SP): editora da UNICAMP, 1988.
134
significativo que “favorece e possibilita a tendência constante à depressão salarial”.
No bojo desse processo como um todo, Antunes considera que o “mundo do
trabalho” vivia uma “realidade despótica e opressiva, um ritmo extenuante de
trabalho, controlado pelo cronômetro taylorista e pela produção em rie fordista”
que se desenvolvia através de “uma jornada de trabalho prolongada pelo
mecanismo das horas extras e pelos turnos de trabalho”. Nas áreas industrializadas,
uma “massa migratória” aumentava permentemente o contingente de trabalhadores
não-qualificados e semi-qualificados, levando ao limite o “grau de exploração da
força de trabalho”. Os trabalhadores, então, ainda de acordo com Antunes (1988,
p.164), viveram no cotidiano do trabalho e de vida “o pauperismo estrutural que
particulariza e penaliza o conjunto dos assalariados em nosso país”.
Essa economia política imprescindível ao capital monopolista foi concretizada
com proibição de greves, desmantelamento das organizações e movimentos políti-
cos, sindicais e populares bem como prisão
149
, deportação e morte de suas van-
guardas.
Foram muitos os operários que tiveram os seus direitos políticos cassados,
ou que passaram a ter grandes dificuldades para encontrar emprego, devido
ao fato de os seus nomes estarem incluídos nas “listas negras” que as em-
presas passaram a organizar com a colaboração da polícia. Houve amea-
ças, prisões, seqüestros, mortes e desaparecimentos (IANNI, 1981, p.69).
As possibilidades da classe trabalhadora colocar-se como sujeito no cenário
político nacional ficaram obstaculizadas, com graves perdas de direitos assegurados
anteriormente. Ao mesmo tempo, a função de assistência nos sindicatos voltou a
ganhar ênfase como no Estado Novo, em detrimento da defesa de direitos dos tra-
balhadores. Para Mattos (2002, p.73):
Após nova leva de intervenções, os governos militares, em inícios dos anos
1970, trataram de valorizar um novo” modelo de atuação sindical pautado
pela ação exclusivamente assistencial e afinada com as idéias de cresci-
mento econômico como pré-requisito para uma posterior política redistributi-
va. Este lado assistencial dos sindicatos seria fortalecido pela injeção de re-
cursos do governo, via financiamentos e doações, e reforçado pela conjun-
tura de início da crise da saúde pública e fim dos Institutos de Aposentado-
ria e Pensões.
Frente a este quadro, para a garantia do consenso mínimo, a autocracia bur-
guesa foi obrigada a assimilar reivindicações importantes dos trabalhadores na legis-
149
A condenação de 17 líderes do CGT totalizou 184 anos. V. GIANNOTTI. Rio de Janeiro, Mauad X, 2007.
135
lação trabalhista, como por exemplo, passou a ter cobertura previdenciária a quase
totalidade dos trabalhadores urbanos, incluindo-se alguns direitos para os emprega-
dos domésticos e uma parte do meio rural, através do Fundo Rural (FUNRURAL).
Além do FUNRURAL, na CLT, através do Decreto-Lei n
0
926 de 10 de outubro de
1969, os trabalhadores rurais passaram a ter Carteira de Trabalho. No Capítulo 1,
que trata da Identificação Profissional, essa questão aparece com a seguinte reda-
ção:
Art. 13 - A Carteira de Trabalho e Previdência Social é obrigatória para o
exercício de qualquer emprego, inclusive de natureza rural, ainda que em
caráter temporário, e para o exercício por conta própria de atividade profis-
sional remunerada (CLT).
Esse tratamento da questão social pela autocracia burguesa, no Brasil, ao
mesmo tempo em que interditava a participação política dos trabalhadores, de suas
organizações e de partidos de esquerda
150
, assimilava setores e reivindicações his-
tóricas da classe trabalhadora. Claro que essa assimilação não afetava os interesses
monopolistas, antes, dava-lhes grandes vantagens, no mesmo movimento de mistifi-
cação dos direitos que eram mostrados como favor ou outorga.
Em terras brasileiras, portanto, a luta dos trabalhadores por direitos trabalhis-
tas e por liberdades democráticas se conjuga e tem sido árdua. Observa-se isto, no
fato de continuar a existir resistência por parte dos trabalhadores, não obstante a
repressão e a cooptação. Para Mattos (2002, p.75), se “as greves por categoria e a
chegada de grupos políticos de esquerda às direções sindicais eram impossíveis,
dado o alcance da repressão”, isso não significou um silêncio e uma inatividade to-
tais, porque “os ativistas mais combativos não desistiram do trabalho de organização
dos trabalhadores nas empresas”. Giannotti (2002) também fala da busca dos ativis-
tas em construir comissões de fábricas, buscando fazer nascer a luta de dentro para
fora, a exemplo dos sindicalismos espanhol e italiano
151
.
Deste trabalho e das situações de superexploração vivenciadas na carne
pelos trabalhadores que produziam o “milagre econômico”, resultaram di-
versos movimentos grevistas por empresas, de pequena duração e com mo-
150
Sempre importa registrar que a ditadura travou uma férrea perseguição, com prisões arbitrárias, exílios e
assassinatos de integrantes dos grupos de luta armada, mas também de trabalhadores organizados e de
comunistas ligados à orientação do PCB, que não optaram por essa forma de luta, mas pela luta política, por
mais limitada e limitante que fosse no auge da repressão.
151
Os levantamentos realizados no período identificam mais de duas dezenas de movimentações dos
trabalhadores, sejam greves curtas e operações tartaruga em várias empresas entre 1973 e 1974.
136
tivações em geral ligadas a atrasos de pagamentos ou acidentes nas plan-
tas industriais.
Ainda baseando-nos em Mattos (2002, p.76), observamos que essas lutas
“subterrâneas” confrontavam-se com a ditadura, mas também com a estrutura sindi-
cal vigente. Dentre as correntes que atuavam nessa linha, o autor destaca a Oposi-
ção Sindical Metalúrgica de São Paulo (OSMSP), que nasceu em fins dos anos
1960, e procurou, ao longo de toda a década seguinte, dar enfrentamento aos gru-
pos ligados à perspectiva sindical da ditadura e à intransigência patronal no âmbito
das fábricas.
Giannotti (2007, p.211) fala de um grupo de sindicalistas que assumiu a dire-
ção do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo, sendo alguns deles “do PCB,
outros oriundos de diversas organizações políticas”, mas a maioria vinda “com a ba-
gagem da experiência vivida da exploração”. Tal grupo também buscava ampliar
onde e como fosse possível os espaços de participação dos trabalhadores. Esse
processo, cumulativamente, trouxe resultados significativamente tempos depois,
como veremos a seguir.
2.8. Crise da ditadura e ressurgimento das lutas: confrontos conquistam
espaços políticos
O irromper da crise do capital na transição dos anos 1960 para 70, no Brasil,
levou ao esgotamento do padrão de acumulação desenvolvido pela autocracia
burguesa, incidindo em sua dinâmica inteira. Para Teixeira (2006, p.67), o projeto
“Brasil potência”, da ditadura, “foi posto em xeque pela conjunção de uma crise
estrutural do capitalismo brasileiro com uma reversão na conjuntura econômica
internacional”. O quadro tornou-se “mais complexo e dramático” a partir de meados
de 1970, com a “primeira recessão que, desde o segundo pós-guerra, generaliza-se
para todos os países capitalistas desenvolvidos”.
As fissuras políticas, frente à crise, atingiram o próprio bloco no poder. O tripé
de sustentação do padrão de acumulação monopólios nacionais, internacionais e
setor produtivo estatal necessitava de alternativas econômicas do Estado para
superar a crise, acirrando as dissensões políticas pois os segmentos negavam-se a
assumir os custos dela. Observa-se, aí, a “turbulência concentrada” que, segundo
137
Fernandes (1986, p.25), “vem de cima e se multiplica velozmente graças ao poder
real dos ricos e poderosos”. entre os trabalhadores a insatisfação crescia,
atingindo todas as suas camadas, espraiando-se pelo conjunto da sociedade
brasileira.
Esse processo inicial da crise internacional do capital incidiu sobre a
autocracia burguesa e, dentre outros elementos, provocou o sucesso eleitoral da
oposição em 1974 e em 1978. Para Netto (1991, p.41):
...o processo eleitoral adquire uma significação peculiar, um caráter
plebiscitário em relação ao regime. No terreno mesmo da manifestação
esvaziada e ritualizada pela ditadura, a massa do povo que tem acesso ao
voto converte-o a despeito de anos de terror que instauraram o circuito
fechado do medo e do absenteísmo em instrumento eficaz de
mobilização e luta [....]. O processo eleitoral de 1974, com este significado,
aliás, surpreendente para boa parte de seus protagonistas e analistas,
derruiu qualquer pretensão de legitimação do autocratismo burguês em sua
configuração militar-fascista, explicitando que seu futuro imediato tendia a
comprometer-se numa rede crescente de fenômenos de instabilidade.
Frente a esse quadro, a ditadura assumiu a perspectiva de “abertura lenta e
gradual”, buscando institucionalizar a “vida política, sob controle do próprio regime
militar” (SADER, 1990, p.28). O governo Geisel teve como estratégia o
autodenominado “processo de distenção” e o governo Figueiredo, o “projeto de auto-
reforma” (NETTO, 1991, p.42). O pressuposto dessa estratégia era controlar o
aparato militar-repressivo, engendrado pela própria autocracia; dar continuidade ao
aniquilamento de qualquer forma de contestação radical e conquistar setores da
sociedade brasileira com mediações políticas, porque a coerção não bastaria.
Todavia, a crise econômica internacional que se aprofundava e a “reinserção da
classe operária”, com o movimento grevista do ABC paulista, como aponta Netto
(1991, p.42), abalaram esse projeto.
Para Antunes (1988, pp.126-128), o movimento grevista de fins dos anos
1970, abalou o “processo de auto-reforma do Estado burguês”, desmistificou o
“projeto “aberturista”, desnudando seu caráter de transição “pelo alto”. Ainda de
acordo com o autor (1988, p.164), a crise foi um determinante desse movimento,
mas sua eclosão guarda relação também com o “padrão de acumulação” assumido
desde a segunda metade da década de 1950, aprofundado com a condução
econômico-política da autocracia burguesa, embora o movimento não questionasse,
138
diretamente, o “modo de produção e a expropriação do sobretrabalho”. Observa
Antunes (1988), que as explosões grevistas foram construídas nas fábricas ao longo
da década de 1970 por ações defensivas
152
dos trabalhadores. Em finais da década,
mais exatamente no ano de 1978, esse processo desaguou nas “Greves de
Maio”
153
, seguindo-se, em 1979, pela “Greve Geral Metalúrgica”
154
e as “Greves de
1980”.
Antunes (1988, pp.54-55) considera que as “Greves de Maio” (de 1978)
atingiram a “base econômica do poder político”, antepondo-se à “política salarial” da
autocracia burguesa, provocando avanços em termos políticos. Mas a “Greve Geral
Metalúrgica”, de 1979 através do confronto declarado dos trabalhadores ao Estado
do capital, significou um passo adiante, escancarando, para os trabalhadores e a
sociedade, “sua nítida dimensão política”.
Foi exatamente pelo fato de a efetivação da greve contrapor-se ao pilar
fundante da política econômica que o Estado reagiu duramente,
procurando, num primeiro momento, utilizar-se de um instrumental
ideológico-persuasivo, para posteriormente descarregar sua dimensão
marcadamente repressiva. Era insuportável para a política econômica então
vigente aceitar um índice que rompesse o arrocho salarial. O poder político
do capital tinha, também, plena consciência da repercussão que a Greve
Geral Metalúrgica do ABC teria como teve para o conjunto dos
assalariados. A dimensão política da Greve Geral foi reafirmada, também,
por contrapor-se ao conjunto de medidas repressivas que cerceavam a ação
do proletariado. A lei restritiva do direito de greve foi, mais uma vez,
desconsiderada, bem como também o foram os limites que impediam a
152
As comissões de fábrica, que podiam controlar o processo de trabalho e o ritmo da produção desenvolviam
várias formas de luta, dentre elas, constam a sabotagem da produção e a operação tartaruga. R. ANTUNES. A
rebeldia do trabalho: o confronto operário no ABC paulista: as greves de 1978-80. São Paulo: Ensaio, Campinas
(SP): editora da UNICAMP, 1988.
153
As “Greves de Maiotiveram caráter de espontaneidade e grande participação, com permanente atuação do
Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo e Diadema, após a sua deflagração. Marcou o renascimento da ação
político-sindical dos trabalhadores no Brasil, após anos de repressão, ao mesmo tempo em que possibilitou a
gênese de novas lideranças sindicais, dentre elas, Luis Inácio Lula da Silva, que adquiriu expressão central,
consolidando-se nos movimentos grevistas posteriores. R. ANTUNES. A rebeldia do trabalho: o confronto
operário no ABC paulista: as greves de 1978-80. São Paulo: Ensaio, Campinas (SP): editora da UNICAMP,
1988. B. KUCINSKI. Abertura: a história de uma crise. São Paulo, Ed. Brasil Debates, 1982.
154
A “Greve Geral Metalúrgica”, de 1979, foi resultado das lutas do ano anterior. Teve um cotidiano marcado
por assembléias gerais plebiscitárias massivas e contou com uma preparação do Sindicato dos Metalúrgicos,
objetivando suprir a ausência dos sindicatos nas fábricas construída pela ação dos interventores ou
sindicalistas pelegos —desde o golpe militar de 1964. Apesar disto, o momento da detonação caracterizou-se,
também, por um alto grau de espontaneidade. Os trabalhadores enfrentaram a repressão, a decretação de
ilegalidade e a intervenção nos sindicatos, com o conseqüente afastamento de Lula e outras lideranças e
obtiveram apoio da Igreja Católica, das Comunidades Eclesiais de Base, de outros setores de esquerda e da
oposição liberal. Após o retorno de Lula, estabeleceu-se um acordo provisório com a FIESP, encerrando-a
temporariamente, por 45 dias. No dia 1
0
de maio, com a manifestação de mais de 130.000 trabalhadores na Praça
de São Bernardo, o governo e a FIESP perceberam que atender as reivindicações apresentadas pelos sindicatos
R. ANTUNES. A rebeldia do trabalho: o confronto operário no ABC paulista: as greves de 1978-80. São Paulo:
Ensaio, Campinas (SP): editora da UNICAMP, 1988.
139
ação dos sindicatos na deflagração e condução das greves Antunes (1988,
pp.54-55).
As reivindicações abrangiam vários itens, mas centravam-se nos aumentos
salariais, redução da jornada de trabalho, vigência da Convenção Coletiva de
Trabalho e reconhecimento e estabilidade para os delegados sindicais.
As greves vitoriosas de fins de 1970 rebateram em todas as camadas de
trabalhadores, desde outras categorias operárias, passando pelos trabalhadores dos
transportes, da construção civil, até aquelas alocadas nas universidades e
instituições públicas, em geral. Segundo Antunes (1988), no ano de 1979, mais de
430 greves ocorreram no país, englobando categorias diferenciadas. Os funcionários
públicos também estavam submetidos ao arrocho salarial, o que provocou uma
explosão de greves desse setor assalariado como de prefeituras, de professores, de
trabalhadores da saúde, entre outros
155
. Essas lutas, segundo Kucinski (1982,
p.129) contribuíram para “consolidar o apoio da opinião pública em geral a favor das
greves operárias e contra o governo”.
Para Netto (1991, p.42), a “reemergência do proletariado urbano”, desde fins
da década de 1970, feriu a legalidade imposta pela autocracia burguesa,
deflagrando uma “radicalização na oposição democrática — que, então e aliás, inicia
um giro explícito de aproximação à classe operária”.
Concorrentemente, o movimento democrático que parcialmente se
reconhecia e se expressava na oposição democrática, sendo muito mais
amplo e capilar que ela — se precipita: salta da ação que chamamos
molecular, extravasa os seus espaços de origem e permeia amplamente
algumas das agências da sociedade civil que, por esta saturação, ganham
uma funcionalidade e uma ressonância inéditas.
Observa-se uma efervescência político-ideológica de grandes proporções na
sociedade brasileira; essas lutas potencializaram outras já em andamento; pela
Anistia
156
, contra o alto custo de vida, pela reforma partidária, contra a violência
155
Cerca de 82.000 professores decretam greve no Rio de Janeiro, em março. Um mês depois, são os 65.000
funcionários públicos municipais de São Paulo, aos quais juntam-se os funcionários do Estado, num total de
250.000 servidores. Funcionários públicos do Rio Grande do Sul entram em greve na mesma época. [...] mais
tarde greves da Polícia Militar, no Rio de Janeiro e na Bahia. As greves dos funcionários públicos atingem
centenas de milhares de pessoas [...]”. B. KUCINSKI. Abertura: a história de uma crise. São Paulo, Ed. Brasil
Debates, 1982, p.129.
156
A Campanha pela Anistia nasceu em 1976 com o Movimento Feminino pela Anistia. Em 1978 foi criado o
Comitê Brasileiro pela Anistia (CBA), no Rio de Janeiro. Em novembro deste ano, realizou-se o I Congresso
pela Anistia. A anistia conquistada não foi ampla, geral e irrestrita, mas esse movimento foi fundamental, no
140
doméstica, entre outras, encerrando a década de 1970 com uma relação de forças
significativamente diferente de seus inícios, lançando bases para avanços dos
direitos sociais, em geral, e trabalhistas, em particular, construídos durante a década
de 1980.
2.9. A Constituição de 1988 e os direitos trabalhistas
Para Giannotti (2007, p. 227), a “década de 1980, para o Brasil, foi longa”:
Podemos dizer que começou antecipadamente, em 1978, quando a onda de
greves de maio deu início a uma nova era no país. Estavam sendo
superados os anos mais difíceis da ditadura. Entre 1969 e 1975, qualquer
simples menção à palavra greve deveria ser feita baixinho, entre os
trabalhadores, para que não fossem descobertos pela polícia política
infiltrada nos locais de trabalho.
Os anos de 1980 iniciaram-se com mais uma onda de greves no ABC
paulista, cercada por extrema repressão
157
. Conforme Antunes (1988), esse
movimento não trouxe avanços como os anteriores, mas teve um significado ídeo-
político fundamental pelo enfrentamento que os trabalhadores deram aos órgãos de
repressão
158
.
processo.
157
Durante a greve, qualquer manifestação pública, em São Bernardo, estava proibida. Duas semanas depois de
deflagrada a greve, o Tribunal do Trabalho decretou-a ilegal, intervindo no Sindicato dos Metalúrgicos de São
Bernardo, prendendo Lula, mais 15 lideranças sindicais e advogados sindicalistas, também. A resistência dos
metalúrgicos recebeu apoio das comunidades de base, de grupos e militantes políticos de esquerda e dos
principais líderes de oposição, deputados estaduais, federais e senadores. No “dia 26, os agentes prendem mais
ativistas sindicais e invadem a própria igreja na perseguição aos poucos líderes ainda não encarcerados”. No dia
1
0
de maio, com 31 dias de greve, “realiza-se em São Bernardo uma gigantesca concentração de todas as forças
políticas mais combativas da oposição que reúne 120 mil pessoas”. Dirigem-se em passeata até o Estádio de Vila
Euclides, “que é reocupado pelos trabalhadores em desafio à proibição do Exército”. O Exército e a polícia, após
muita tensão, recuam. Dez dias depois, a greve termina e, dias depois, “Lula e os dez dirigentes sindicais, ainda
presos, são postos em liberdade, mas respondendo a processo pela Lei de Segurança Nacional”. B. KUCINSKI.
Abertura: a história de uma crise. São Paulo, Ed. Brasil Debates, 1982:152 a 154.
158
O filme Eles não usam Black Tie, realizado em 1981, retrata esse rico e complexo período. Leon Hirszman
fez o roteiro do filme baseado na peça de Gianfrancesco Guarnieri escrita e encenada em 1958. Observa-se, no
filme que se ambienta em São Paulo, mas usa as greves de 1979, deflagradas pelos metalúrgicos do ABC
os dramas vividos pelos trabalhadores ao deflagrarem a greve em meio à bruta repressão, marca da autocracia
burguesa, mas enfrentando-a. É interessante, também, pois Tião, o filho de Otávio, que é liderança da greve,
frente à gravidez da namorada, fura a greve, mas os conflitos ficam mais evidentes quando ele responsabiliza a
militância do pai pela miséria em que sempre viveram. O conflito explode no interior da família e Tião é obriga-
do a deixar a casa dos pais e o emprego. Maria passa a viver com os futuros sogros, que assumem o nascimento
próximo do neto. Mas o foco é a repressão à greve, que provoca uma vítima fatal: Bráulio, líder ligado à igreja, e
amigo de Otávio. A morte de Bráulio, certamente, faz alusão à de Santo Dias, operário metalúrgico católico de
São Paulo, que morreu no dia 30 de outubro de 1979, participando de um piquete na fábrica Sylvânia, em São
Paulo. Viaturas da PM , agindo com muita violência, entraram em conflito com os operários e efetuaram várias
prisões. Ao tentar dialogar com os policiais para libertar os presos, Santo Dias foi morto com um tiro pelas
costas. Ele foi levado pelos policiais para o Pronto Socorro de Santo Amaro, mas chegou sem vida. Um
importante momento desse acontecimento foi a luta de sua mulher, Ana Maria, para que seu corpo não sumisse.
Ela acompanhou Santo Dias até o IML, apesar da pressão dos policiais para que não o fizesse. Mais de 30 mil
141
Com a efervescência política existente no país o ritmo da auto-reforma da
autocracia burguesa sofreu mudanças. Além do espraiamento das lutas a outros
segmentos dos trabalhadores, verificou-se avanços na participação de setores
pequeno-burgueses urbanos e de um amplo conjunto de forças políticas opositoras
da ditadura militar. Para Vianna (1983), a oposição à ditadura militar constituiu-se
movimento amplo, alcançando o sindicalismo, mas também importantes instituições
da sociedade, como a Igreja Católica, o partido de oposição criado pela ditadura em
1965 o Movimento Democrático Brasileiro (MDB) a Ordem dos Advogados do
Brasil (OAB), a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e outras.
Do ponto de vista econômico, o esgotamento do milagre significou, no início
da década de 1980, um crescimento exacerbado da dívida externa, que chegou a
cerca de setenta bilhões de dólares (GIANNOTTI, 2007). Também Behring (2003,
pp.131-132) aponta o “recrudescimento do endividamento externo” como elemento
central da crise brasileira, mas também de toda a América Latina. A inflação,
considerada por Sader (1990, p.71) o problema mais sério do período, disparou
159
.
Para Mendonça (1988, p.87), o “esgotamento do milagre tornou-se “irreversível”.
Dentre inúmeros fenômenos econômicos, esse encaminhamento redundou, para os
trabalhadores, em um aumento vertiginoso do desemprego, atingindo seu auge no
ano de 1983. O quadro de crise econômica e acirramento das lutas tornou crucial,
para a burguesia, segundo Coelho (2005, p.40), “transitar” para uma “outra
modalidade de dominação [...] o que explica a atuação destacada de políticos do
regime na montagem de estratégias de transição”. Esse processo como um todo
apressou “a política, encurtando os prazos da transição”, e deu a ela “um conteúdo
novo”.
As greves e a emergência dos movimentos sociais trouxeram novos
personagens” para a cena pública e, com eles, novas demandas, novos
valores, novas práticas. O adjetivo “novos” tem um sentido preciso: após
anos de estreitamento dos espaços de ação pública, os movimentos da
classe trabalhadora ressurgem nos conflitos em céu aberto e renovam a
política do país com a sua simples presença. Abre-se um novo momento na
história política quando forças sociais poderosas procuram meios para se
expressar (COELHO, 2005, p.45).
pessoas acompanharam o enterro, em 31 de outubro, em protesto pela sua morte e contra a ditadura. Centro de
Documentação e Memória (CEDEM) da Universidade do Estado de São Paulo (UNESP). Acervo Santo Dias.
Disponível em http://www.cedem.unesp.br
159
A inflação era de 100% no início dos anos 1980, chegando a 1700% em seu final. E. SADER. A transição no
Brasil: da ditadura à democracia? São Paulo, Atual, 1990, p.71.
142
Como para esses sujeitos políticos não havia “formas adequadas de
expressão política no partido legal de oposição” tornou-se necessário a “discussão
sobre um novo partido de esquerda”. A reconfiguração da luta de classes criou a
necessidade de engendrar uma nova formação política”. Nesse processo complexo,
nasceu o Partido dos Trabalhadores (PT). De acordo com a reflexão de Coelho
(2005, p.46) — que consideramos pertinente para nossa análise:
No partido legal de oposição, o MDB, estavam vários militantes de esquerda
cujas organizações estavam proscritas pelo regime. A presença destes
militantes no MDB era justificada teoricamente pela estratégia de frente
ampla das oposições, formulada e defendida principalmente pelo PCB. Tal
estratégia foi descartada por boa parte dos sujeitos emersos das lutas
sociais, que não consideraram o MDB como um conduto apropriado para as
demandas e práticas sociais que necessitavam de expressão política. Esta
decisão era também resultado da própria experiência daqueles sujeitos.
As lutas ocorridas no período “trouxeram novos sujeitos para a cena pública”,
forjando “novos sujeitos coletivos, isto é, provocaram a reelaboração de laços de
identidade de classe”. Esse contexto cio-histórico tinha um conteúdo diferente da-
quele que as classes trabalhadoras brasileiras viveram antes do golpe de 1964. A-
lém das diversas experiências de luta dos amplos setores da classe trabalhadora
brasileira, as lutas, em termos mundiais, de fins da década de 1960, os movimentos
de libertação nacional das décadas de 1960 e 1970, os movimentos e as organiza-
ções clandestinas na luta contra a ditadura militar, no Brasil, os influxos da Teologia
da Libertação, as críticas ao marxismo-leninismo existentes na esquerda, todos
esses elementos engendraram uma qualidade diferenciada da política no período.
O PT passou a existir em decorrência da Reforma Partidária de 1979, que
possibilitou também a formação de diversos partidos representantes da burguesia,
em seus vários espectros. O objetivo explícito da reforma partidária, de acordo com
Garcia (2000, p.18), “era fragmentar a oposição e acabar com o caráter plebiscitário
em relação ao regime, que se acentuava a cada eleição no bipartidarismo, com
progressivas perdas para a situação”. Kucinski (1990, p.93) mostra que a intenção
da ditadura militar era fazer uma reforma partidária controlada, abrindo “caminho
para novos partidos, mas um caminho estreito, cheio de obstáculos”, os quais o
governo poderia “remover, ou então engrossar.” A formação do PT significou a
superação de alguns desses obstáculos, mas a autocracia realizou parte de sua
intenção, quando conseguiu manter ilegais os Partidos Comunistas Partido
143
Comunista Brasileiro (PCB) e Partido Comunista do Brasil (PC do B) —,
demonstrando o caráter inconcluso da democratização da sociedade brasileira. O
espaço do trabalhismo getulista, oriundo do pré-64, foi disputado e preenchido pelo
Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT),
em decorrência de uma cisão entre Leonel Brizola e Ivete Vargas filha de Getúlio
Vargas.
O PT foi formado em fevereiro de 1980, e obteve seu registro partidário em 11
de fevereiro de 1982. Segundo Coelho (2005), na literatura que discute o PT, há,
praticamente, uma unanimidade a respeito dos sujeitos políticos que confluíram para
a sua formação:
.... militantes do chamado “novo sindicalismo”, principalmente os grupos
denominados “autênticos (dentre os quais os diretores do Sindicato
Metalúrgico de São Bernardo, do qual fazia parte Lula) e algumas oposições
sindicais; [...] militantes dos movimentos populares, muitos dos quais,
sobretudo nos movimentos de bairro e rural, organizados a partir das
Comunidades Eclesiais de Base da Igreja Católica; intelectuais de esquerda
(organizados em grupos, como o Autonomia em São Paulo, ou o)
(COELHO, 2005, pp.45-46).
Organizações clandestinas de esquerda ingressaram no PT, e militantes
delas, individualmente, também. Como aponta, ainda, Coelho (2005, p.58):
Ex-militantes de organizações mais antigas de esquerda, algumas das quais
viviam severas crises, também se incorporam: da ALN, da AP
160
, do PCB,
da POLOP e de outros grupos. Tanto neste grupo quanto no dos
intelectuais havia pessoas que regressavam ao país ou à vida pública
recentemente, com o andamento do processo de Anistia. Parlamentares da
esquerda do MDB também ingressaram, mas em número menor do que era
a expectativa dos líderes do Movimento Pró-PT e muitos não na primeira
hora. [...] Estava em pleno funcionamento o “magneto” que atraiu para a
nova organização política parte significativa dos sujeitos que
protagonizavam as intensas lutas sociais do período.
Além dessas organizações, algumas ligadas ao trotskysmo também
ingressaram no PT, como a Convergência Socialista, o Trabalho e outras, as quais
tinham a intenção clara de transformá-lo em um partido revolucionário. Todavia, não
era essa a perspectiva de todas as correntes, o que dá uma idéia da complexidade
do partido desde sua fundação. Coelho (2005, p.59) fala dessa diferenciação e dos
projetos que disputavam a hegemonia no partido, mostrando a “confluência de
160
A Ação Libertadora Nacional (ALN), como já apontamos, dissidência do PCB, tinha pequenos grupos locais
quando da fundação do PT. Os militantes da Ação Popular (AP) que se mantiveram nela sem ingressar no PC do
B, entraram no PT.
144
tendências tão diversas quanto a cultura política oriunda das comunidades de base
da Igreja Católica”, mas também “a orientação teórica do grupo de intelectuais
paulistas que divulgou, em setembro de 1980, as 11 Teses sobre Autonomia
161
.
Para estes setores, o PT não deveria assimilar a “concepção vanguardista e
messiânica do partido”, característica do leninismo e fundar seu projeto, tendo como
base a autonomia dos movimentos sociais
162
.
No Manifesto
163
do partido aparece a necessidade histórica de um conduto
apropriado de expressão política para os sujeitos políticos que construíam as
experiências de lutas do período. Garcia (2000, p.19) identifica uma “preocupação
de representação dos interesses e projetos da classe trabalhadora em oposição aos
segmentos dominantes” com a preponderância política do segmento sindical, que
dava uma “identidade classista” ao “discurso e às propostas do Partido, em seus
primeiros anos [..]”. Também Moisés (1986) relaciona a defesa dos interesses dos
trabalhadores com a perspectiva do partido em tornar-se “uma força política
independente e autônoma em face dos outros grupos sociais, particularmente, as
elites dominantes”.
No Programa partidário, observamos que o PT, ao mesmo tempo em que
defendia sua autonomia, colocava a necessidade do partido respeitar a autonomia
das organizações populares. Na mesma linha, identificando que os trabalhadores
brasileiros historicamente não acessavam os núcleos de decisão política, propunha
lutar para a reversão dessa situação. No Programa
164
, essas questões aparecem
161
11 Teses Sobre Autonomia. Cadernos da Autonomia, 1, São Paulo, set 1980, p. 5. Autonomia é definida
como “o movimento de negação da dominação”. E. COELHO. Uma esquerda para o capital: Crise do Marxismo
e Mudanças nos Projetos Políticos do Grupos Dirigentes do PT (1979-1998). Tese de Doutorado em História.
Niterói (RJ), UFF, 2005, p.458.
162
Sobre a composição do PT, em sua formação, o debate é complexo e polêmico, participando, dele, vários e
significativos autores. Entre uma diversificada gama de temas, a preponderância recai sobre sua composição,
relevância e novidade no período, interesses a que se vinculava, perspectiva estratégica que o animava. Sobre a
questão, A. OZAÍ. Partido de Massa e Partido de Quadros: a social democracia e o PT. São Paulo, CPV, 1996;
GADOTT; O. PEREIRA. Pra Que PT. São Paulo, Cortez, 1989; R. PONT. Da Crítica do Populismo à Constru-
ção do PT. Porto Alegre, Seriema, 1985; E. SADER. A transição no Brasil: da ditadura à democracia? São Pau-
lo, Atual, 1990; J. A. MOISÉS. Lições de liberdade e de opressão: os trabalhadores e a luta pela democracia. Rio
de Janeiro, Paz e Terra, 1982; entre outros.
163
“As grandes maiorias que constroem a riqueza da Nação querem falar por si próprias. [...] Organizam-se, elas
mesmas, para que a situação social e política seja a ferramenta da construção de uma sociedade que responda aos
interesses dos trabalhadores e dos demais setores explorados pelo capitalismo”. Manifesto do PT. Documentos
Básicos do Partido dos Trabalhadores: Manifesto, Programa, Estatuto, Discurso da 1
a
Convenção Nacional/1981.
São Paulo, Comissão Executiva do PT, 1987, p.5.
164
“Nosso partido é [...] diferente porque respeita e defende a autonomia das organizações populares [aqui
incluídos os sindicatos], garantia maior de sua existência como partido dos trabalhadores. Partido de massas,
145
imbricadas.
Observamos, no Plano de Ação do Programa do Partido
165
a estratégia de
ocupação do poder econômico e político através de eleições para realizar
“alterações profundas na estrutura econômica e política da Nação”, mas sempre em
relação com os “movimentos sindicais e populares” e defendendo seus interesses.
No âmbito dos direitos trabalhistas objeto de nosso debate é mostrado como
fundamental, no período, a liberdade e autonomia sindical, modificando-se a CLT,
bem como a preservação e ampliação de direitos trabalhistas inscritos na mesma
CLT
166
.
A CUT, nesse período, também tinha sua gênese pelas mãos dos mesmos
sujeitos políticos ,“contrariando a legislação da década de 1930, que proibia a
criação de centrais sindicais” (GIANNOTTI, 2007, p.234). Assim como pudemos
constatar no resgate histórico que realizamos sobre a organização sindical, neste
capítulo, Antunes (1991, p.44) mostra as dificuldades para os trabalhadores
brasileiros construírem uma central:
Da Confederação Operária Brasileira (COB), de 1906, ao Comando Geral
dos Trabalhadores (CGT), de 1962, várias foram as tentativas de
organização de uma entidade nacional que unificasse sindicalmente as
forças do trabalho. Lutando contra uma infinidade de elementos que lhes
dificultavam a ação, estas tentativas não conseguiram consolidar-se, quer
por dificuldades imanentes à uma classe que buscava fazer-se nos embates
amplo e aberto, baseado nos trabalhadores da cidade e do campo, o Partido dos Trabalhadores (PT) é diferente
também por causa de seus objetivos políticos. Lutamos pela construção de uma democracia que garanta aos
trabalhadores, em todos os níveis, a direção das decisões políticas e econômicas do País. Uma direção segundo
os interesses dos trabalhadores e através de seus organismos de base”. Programa do Partido. Documentos
Básicos do Partido dos Trabalhadores: Manifesto, Programa, Estatuto, Discurso da 1
a
Convenção Nacional/1981.
São Paulo, Comissão Executiva do PT, 1987, p.9.
165
Programa do Partido. Documentos Básicos do Partido dos Trabalhadores: Manifesto, Programa, Estatuto,
Discurso da 1
a
Convenção Nacional/1981. São Paulo, Comissão Executiva do PT, 1987, p.11.
166
O Plano de Ação do Programa previa, no item 1 Liberdade de organização partidária e sindical lutar
por: “liberdade e autonomia sindical”; “Central Única dos Trabalhadores, eleita democraticamente pelos
trabalhadores e independente do Estado”; “Liberdade de organização nos locais de trabalho, na cidade e no
campo”; “direito irrestrito de greve”. No item 2 Desmantelamento dos órgãos de repressão política e fim da
legislação de exceção — dentre várias lutas, propugnava pela “Restituição dos plenos direitos políticos e
sindicais aos dirigentes e militantes sindicais cassados”. O item 3 Combate à política salarial referia-se à
luta central dos trabalhadores, no período, que era contra o arrocho salarial. As lutas centrais davam-se por:
“Negociações diretas entre trabalhadores e patrões”; “Garantia no emprego”; “Salárionimo real e unificado”;
Escala móvel de salários”; Redução da jornada de trabalho, sem redução salarial”; “Contra o desemprego”. No
item V Sobre a questão agrária destacamos: “Apoio às lutas dos assalariados rurais, em especial dos
trabalhadores temporários”; “Igualdade de direitos a todos os trabalhadores rurais, sem distinção de sexo e
idade”. Aqui nos referimos apenas às lutas no âmbito dos direitos trabalhista, ressaltando que o Plano é muito
amplo, abordando os vários aspectos da vida em sociedade, como deve-se esperar de um partido político.
Programa do Partido. Documentos Básicos do Partido dos Trabalhadores: Manifesto, Programa, Estatuto,
Discurso da 1
a
Convenção Nacional/1981. São Paulo, Comissão Executiva do PT, 1987, p.13.
146
cotidianos contra o capitalismo, quer especialmente pela repressão feroz da
ordem, como se vivenciou no início deste século, depois em 1935, 1947 ou
1964, para dar alguns exemplos.
O autor (1991, p.45) identifica duas correntes do movimento sindical
existentes no período novo sindicalismo e “oposições sindicais” como
responsáveis pela construção da CUT.
... no universo do novo sindicalismo, encontravam-se aqueles que, em sua
maioria, desprovidos de militância política anterior, nasciam como
sindicalistas na sua ação concreta [metalúrgicos do ABC, petroleiros, etc.
Neste lo aliaram-se, num primeiro momento, sindicalistas vinculados à
esquerda tradicional, especialmente o PCB, e até mesmo alguns segmentos
vinculados ao peleguismo sindical, que buscavam “modernizar-se”.
As oposições sindicais eram formadas por “ex-militantes da esquerda
organizada, em especial dos inúmeros agrupamentos existentes na viragem dos
anos 1960/70, no Brasil”, mas contavam, também, com “um contingente expressivo
oriundo da esquerda católica” — como a Oposição Metalúrgica de São Paulo.
Aglutinou-se desde o sindicalismo independente, isto é, sem militância
política anterior e sem uma convicção ideológica consolidada, da qual [...] a
figura de Lula tipifica, à qual se somaram amplos contingentes da esquerda
católica, sob influxo da Teologia da Libertação [...]. Aglutinaram-se, também,
tendências socialistas e comunistas várias, dissidentes da esquerda
tradicional ou vinculadas às postulações de Leon Trotsky (ANTUNES, 1991,
p.45).
Mas Tumolo (2002, pp.112-113) identifica, além dessas forças, em “parcelas
mais avançadas do movimento rural um papel decisivo na criação da CUT”. Dessa
maneira, conclui que o novo sindicalismo, as oposições sindicais e o sindicalismo
rural foram as três principais organizações sindicais que formaram, inicialmente, a
Central Única dos Trabalhadores — a CUT”.
No processo político em geral e de construção da CUT, em particular, o novo
sindicalismo cindiu-se, mudando sua composição
167
. Uma parte dele empenhou-se
na construção da CUT como mostramos acima e outra parte, após a cisão,
167
O processo que levou à essa unidade e sua cisão, posteriormente, é muito complexo e rico. o sendo objeto
de nosso debate, pode ser encontrado em R. ANTUNES. O Novo Sindicalismo. São Paulo, Ed. Brasil Urgente,
1991; V. GIANNOTTI; S. NETO. CUT Por Dentro e Por Fora. Petrópolis, Vozes, 1990; V. GIANNOTTI.
História das lutas dos trabalhadores no Brasil, Rio de Janeiro, Mauad X, 2007; , M. B. MATTOS. Novos e
Velhos Sindicalismos. Rio de Janeiro, Vício de Leitura, 1998b , também do autor Trabalhadores e Sindicatos no
Brasil, Rio de Janeiro, Vício de Leitura, 2002; J. G. VARGAS NETTO. Punhos fechados e mãos dadas: lutas e
unidade no movimento sindical. In Revista Presença, n
0
1, São Paulo, Ed. Caetés, 1983; L M. RODRIGUES. As
Tendências Políticas na Formação das Centrais Sindicais. In: A. BOITO JR. (org.) O Sindicalismo Brasileiro nos
Anos 80. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1991; entre outros.
147
construiu a corrente denominada “unidade sindical”. Essa corrente aglutinava,
segundo Antunes (1991, p.59), setores da esquerda tradicional, como o PCB, o PC
do B, o MR8 e “segmentos vinculados ao peleguismo sindical, que buscavam
“modernizar-se”, em sua maioria vinculados ao PMDB e sindicalistas da
Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura (CONTAG). Construiu, no
período, a Central Geral dos Trabalhadores (CGT), e, em 1988, dividiu-se, dando
origem á Confederação Geral dos Trabalhadores (CGT), passando a conviver,
então, duas CGTs. Outra corrente existente no período, segundo Giannotti (2007,
p.251), de sindicalistas “ligados ao Ministério do Trabalho e ao sindicalismo norte-
americano” minoritária, sem expressão política ampla, formou a União Sindical
Independente (USI).
A CUT, posteriormente, embora continuasse com maioria de petistas, passou
a contar com o PDT, PSB, dissidentes do PC do B e militantes sindicais sem filiação
partidária. Desde meados da década de 1980, a Corrente Sindical Classista (CSC)
do PC do B — e setores expressivos do PCB passaram a integrar a CUT.
Centrava a ação política, no período, em duas frentes: contra a política de arrocho
salarial, tanto do regime militar quanto da “Nova República” e pela “democratização
da estrutura sindical, em especial na luta pelo fim da ingerência do Estado”
(ANTUNES, 1991, p.59).
Ao mesmo tempo, buscava democratizar as relações entre direções e bases
nos sindicatos, federações e confederações. A crítica às direções sindicais e
políticas dos trabalhadores do pós-64 (e também do pré)
168
constituíram-se uma
168
As críticas realizadas eram muito importantes, mas equalizavam lideranças do pré e do pós-64 sem atentar-se
para as diferenciações existentes entre elas. Para Netto, a “extrema vulgarização não no Brasil da de-
nominada teoria do populismo”, ocorrida no pós-64, “contribuiu, com certeza independentemente da vontade de
seus autores, para desqualificar os grandes esforços e as grandes lutas do movimento operário e sindical [...]” do
pré-64, porque, segundo o autor, a “análise da luta de classes foi substituída pelo discurso moralizante que con-
denava a ação das ‘cúpulas do sindicalismo populista’ ”. Também Frederico considera uma parte da crítica ao
pré-64 como moralista e, nesse sentido, escondia a riqueza contida no processo, desconsiderando que a mobili-
zação e participação dos trabalhadores, nos anos que antecederam imediatamente o golpe de 1964, inseriram-se
nos esforços de vários setores do movimento sindical para a superação do atrelamento sindical herdado do perío-
do varguista. Como essa questão extrapola ao escopo de nosso debate, ver J. P. NETTO, Ditadura e Serviço
Social: uma análise do Serviço Social no Brasil pós-64. São Paulo, Cortez, 1991, p.23 e C. FREDERICO. Cons-
ciência Operária no Brasil. Col. Ensaios. 2
a
Ed., São Paulo, Ática, 1979, dentre outros.
148
constante no período. Expressavam o núcleo das intenções e dos discursos dos
dirigentes da CUT, voltado para a ruptura com a dominação do Estado na estrutura
sindical e dos sindicatos por lideranças burocratizadas, sendo o imposto sindical um
dos pontos considerados básicos para a manutenção da burocracia. Mas
expressavam também a luta contra a política de conciliação de classes e a exclusão
dos trabalhadores nas decisões sobre os rumos do país, apoiando-se em uma
participação ampliada das bases. A CUT, portanto, empenhava-se na conquista de
direitos econômicos e políticos aos trabalhadores. Os estudiosos da vida sindical dos
anos 1980 (ANTUNES, 1991; MATTOS, 1998a e 1998b, 2002, 2004; GIANNOTTI,
2007 e outros) mostram que essa central esteve presente em qualquer luta social
que envolvesse trabalhadores e seus direitos do trabalho, sociais e políticos, sejam
da cidade sejam do campo.
Dentre as várias ações, a central, juntamente com a Comissão Pastoral da
Terra (CPT), apoiou ativamente a criação do Movimento dos Trabalhadores Sem
Terra (MST), em janeiro de 1985. Relacionando democracia o mote das lutas no
período com igualdade de direitos e compreendendo que o conservadorismo co-
locava em risco, mais uma vez, o direito à terra, o MST, no congresso de sua funda-
ção, adotou como lemas: “Sem Reforma Agrária não há Democracia” e “Ocupação é
a única solução”.
A CUT esteve presente também nas lutas mais gerais, como pelas Eleições
Diretas, em 1984, e pela Assembléia Nacional Constituinte. Sobre a luta pelas Dire-
tas, na qual as organizações dos trabalhadores, mas também várias outras estive-
ram envolvidas, vale ressaltar o que fala Teixeira (2006, p.89)
A participação popular, ao romper com as barreiras repressivas da ditadura,
que já estava em sua fase terminal, transformou o movimento pelas “diretas-
já”, iniciado em janeiro de 1984, no maior movimento de massas que o país
havia conhecido, com a presença de milhares e milhares de pessoas nos
comícios a seu favor. Do movimento, além de personalidades e de organis-
mos da sociedade civil, participaram os principais partidos políticos criados
em 1980 (PMDB, PT, PDT), com exceção do partido “oficial” do regime (o
PDS, novo nome da velha ARENA).
As eleições diretas não ocorreram. O PT e a CUT, dentre outras forças
políticas e sociais, colocaram-se contrários ao Colégio Eleitoral que elegeu Tancredo
Neves PMDB e José Sarney PDS. Ainda de acordo com Teixeira (2006,
p.90):
149
A candidatura vitoriosa de Tancredo Neves no Colégio Eleitoral foi apoiada
por uma heterogênea coalizão de forças, batizada como "Aliança Democrá-
tica", formada por antigos oposicionistas moderados e por trânsfugas da di-
tadura. Tratava-se de uma coalizão tão ampla que deixou, na prática, de ser
oposicionista e tornou-se apenas "mudancista", evitando uma ruptura radical
com o regime militar. De resto, como é do conhecimento geral, a doença e a
morte de Tancredo Neves antes de sua posse na Presidência da República,
em 1985, levou ao governo o seu vice José Sarney, político anteriormente
ligado ao regime militar, que veio a ocupar a Presidência entre 1985 e início
de 1990. Essas características indicam claros elementos de “transformis-
mo”.
A Assembléia Nacional Constituinte para elaborar a Constituição também não
vingou e a Carta Magna de 1988 foi elaborada por um Congresso Constituinte. Den-
tre outros aspectos, esse formato de elaboração da Constituição, para Teixeira
(2006, p.96), foi estabelecido pela ditadura, com um número de cadeiras que “bene-
ficiava os estados menos politizados”, aceitava o “bicameralismo e transformava em
constituintes senadores que haviam sido eleitos em 1982, ou seja, ainda sob a vi-
gência do regime militar”.
Para Behring (2003, p.143), o texto constitucional construído é híbrido, colo-
cando-se “entre o velho e o novo”. Trata-se de uma “Constituição programática e
eclética, que em muitas ocasiões foi deixada ao sabor das complementações”. Para
a sua elaboração, houve “122 emendas, assinadas por 12.277.423 brasileiros (1987,
p.90) num movimento intenso”, mas “prevaleceram acordos estabelecidos por
uma maioria mais conhecida como “Centrão” [...] a qual prolongou o “governo
Sarney por mais um ano”, sendo responsável também pela impossibilidade de apro-
vação de emendas sobre a reforma agrária, por exemplo, atendendo interesses dos
ruralistas.
Teixeira (2006, p.96-97) considera que “a Constituição de 1988 conciliou dois
projetos: o da “transição “fraca”, ocorrendo “a reprodução dos velhos processos de
transformação pelo alto que sempre marcaram a história brasileira” e o da “transição
“forte”, ou seja, “uma transição que levasse à superação não da ditadura, mas
também desse recorrente modo elitista de operar as transformações necessárias à
evolução de nosso País”. Uma vez que, na derrota das eleições diretas vingou a
“transição fraca”, embora tivesse contemplado demandas das classes dominadas,
observa Teixeira (2006, p.96-97), os elementos conservadores e de restauração tor-
naram-se presentes na Constituição elaborada no período.
150
Seria um equívoco, porém, ignorar o fato de que as pressões vindas de bai-
xo também tiveram um papel no processo de transição e condicionaram
muitos dos seus resultados. Ainda que tenham predominado os elementos
de uma “transação conservadora” (Fernandes, 1986), não se pode esquecer
a presença de demandas dos “de baixo”.
Dessa maneira, a Constituição de 1988 conciliou a “tendência neoliberal, tri-
unfando na ordem econômica e importantes direitos sociais, sendo incorporados no
que se refere à ordem social”. Também para Antunes (1991, p.74):
Pode-se dizer que a Constituição, promulgada em outubro de 1988, conso-
lidou o trânsito da ditadura militar para o conservadorismo civil. A maioria
parlamentar dominante impediu que mudanças substantivas fossem con-
quistadas e manteve, no essencial, o caráter conservador da Carta Consti-
tucional. Apesar disto, houve pontos de avanço para os trabalhadores que o
capital e seus representantes procuram obstar e inviabilizar através de legis-
lação complementar.
Ou seja, embora a Constituição de 1988 não tivesse provocado transforma-
ções profundas como pretendiam as forças sociais comprometidas com elas o
que levou o PT a não assiná-la por considerá-la muito aquém das necessidades e
direitos dos trabalhadores trouxe avanços. Uma das inovações diz respeito às
áreas da Educação, pré-escolar, fundamental e superior, aos aspectos ambientais e
da seguridade social, que ganhou novo marco legal, compreendendo o tripé saúde,
previdência e assistência. Mas houve avanços, também, em termos de direitos do
trabalho, sociais e políticos, de controle social, importante mecanismo de democrati-
zação da sociedade, obtidos pelos trabalhadores através de pressões combinando
lutas e ações junto a parlamentares, através da instituição dos conselhos de saúde,
assistência e previdência. Entre os avanços de direitos trabalhistas ressaltamos:
1) seguro-desemprego (embora restrito, abrangendo apenas o
desemprego involuntário);
2) jornada de 6 horas para regimes de turnos;
3) ampliação da licença maternidade para 120 dias;
4) licença-paternidade de cinco dias;
5) redução da jornada de trabalho para 44 horas semanais;
6) adicional de férias de 1/3;
7) estabelecimento da hora extra a 50%.
Houve mudanças progressistas relativas à associação profissional ou sindical,
no artigo 8
0
, inclusive com o funcionalismo público obtendo o direito de sindicaliza-
ção”, mas também no direito de greve, superando a Lei n
0
4330 de junho de 1964,
conhecida como a lei anti-greve, que colocou tantas exigências para sua deflagração
151
que a inviabilizava. As conquistas em termos de liberdade e de autonomia sindical
significaram a proibição a qualquer autoridade ou órgão público de interferir na ad-
ministração sindical ou de exigir autorização para a fundação de qualquer sindicato
(ressalvado o registro no órgão competente) e a impossibilidade do poder público
proceder à interferência e intervenção em todo e qualquer sindicato, suas decisões e
ações. Segundo Antunes (1991, p.74) “foram estendidos ao campo vários direitos
sindicais anteriormente restritos ao mundo urbano”, significando avanços importan-
tes assim como o “direito de eleição de um representante dos trabalhadores nas
empresas com mais de duzentos empregados”, embora esse direito esteja longe de
“constituir-se efetiva representação dos trabalhadores, o que seria obtido a partir das
comissões de empresas”, não aceitas pela burguesia. Entretanto, até esse direito
assegurado não tem sido implementado. Para Giannotti (2007, p.257), apesar dos
avanços, mantiveram-se limitações:
... a unicidade sindical, o monopólio da representação, o imposto sindical e
o poder normativo da Justiça do Trabalho. Esta agora decide quais são as
categorias essenciais, que podem ou não fazer greve. Ao mesmo tempo,
muitos direitos são colocados na Carta, porém, sem qualquer regulamenta-
ção. Essas regulamentações viriam no futuro [...]
Um exemplo desses direitos a serem regulamentados, encontramos no pará-
grafo I do Art. 7
0
sobre a “relação de emprego protegida contra despedida arbitrária
ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização com-
pensatória [...]” (GIANNOTTI, 2007, p.257).
Mas, desde a promulgação da Constituição, os direitos sociais passaram a
ser vistos como problema pela burguesia. Objetivava-se desobrigar o Estado de seu
cumprimento, apresentando-os como ameaça à democracia, como obstáculos ao
saneamento das finanças públicas, alimentadores do processo inflacionário,
desencadeadores do desemprego, expressões de interesses corporativos e outras
denominações.
Foi nesse contexto sócio-histórico que a flexibilização dos direitos trabalhistas
começou a ser defendida, no Brasil, segundo Maccalóz (1997, p.8), antes mesmo do
Consenso de Washington por “um grupo de advogados patronais, nos Congressos
de Direitos do Trabalho ]...]”.
152
Falavam da “necessidade” de flexibilizar as leis sociais porque eram “ve-
lhas” e “desatualizadas”, impediam a competitividade dos produtos brasilei-
ros no exterior, oneravam sobremaneira o empresariado nacional, impediam
a ampliação dos mercados de trabalho, geravam o desemprego, não esta-
vam adequadas à modernidade, bloqueavam o desenvolvimento, agrediam
a liberdade das partes no contrato de trabalho, anulavam o papel dos sindi-
catos, afastavam a livre negociação, enfim, a legislação social (sob esta ex-
pressão compreende-se as leis trabalhistas e previdenciárias na sua maior
abrangência) passou a ser a causa de todos os males; sem ela, com a flexi-
bilização, tudo seria possível, viável, um mundo risonho e sem problemas
ao alcance das mãos.
Assim, no governo Sarney, a busca por flexibilizar os direitos impressos na
Constituição Federal já aparecia, embora não tenha sido aprovada nenhuma lei
trabalhista nesse sentido. A única lei significativa, a de n
0
7.998 de 11 de janeiro de
1990, regulava, no inciso II do art. 7
0
, no inciso IV do art. 201 e no art. 239 da
Constituição, o Programa do Seguro-Desemprego e o abono salarial, mas principal-
mente instituía o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). Importa registrar essa lei,
aqui, pois embora ela não flexibilizasse, criou o FAT que, a partir de 2001, com a
Medida Provisória 2164-41 do governo Cardoso, teve papel importante nas ações do
Estado voltadas para a qualificação profissional, vista e defendida como solução
para o problema do desemprego e na cooptação para as idéias sobre flexibiliza-
ção de setores do movimento sindical, incluindo a CUT, porque permitia a liberação
de verbas e participação no seu Conselho.
Segundo Giannotti (2007, p.256), no III Congresso da Central Única dos Tra-
balhadores (III CONCUT)
169
, em 1988, as divergências “sobre a estratégia da central
e suas formas de organização” começaram a aparecer. Desde esse período, mu-
danças estatutárias verticalizaram e afunilaram a participação na central, com deba-
tes acirrados sobre sua inserção nos fóruns tripartites criados pelo governo Sarney.
Para Tumolo (2002, p.116), apesar das “divergências analíticas e político-
ideológicas” entre estudiosos do assunto, um “consenso” sobre a importância
desse congresso para as mudanças iniciadas na central. Fecha-se um ciclo na vida
da CUT; findam-se os congressos com ampla participação e fortalece-se a visão da
“economia de mercado” como natural, parametrando as ações da central. Os
dirigentes que obtiveram hegemonia, conforme Amaral (2005, p.210), iniciaram uma
“molecular” e fina “elaboração teórico-prática”, objetivando o afastamento de “um
169
O III Congresso (III CONCUT) foi realizado em setembro de 1988, na cidade de Belo Horizonte — MG.
153
programa ideológico mais radical que os setores sindicais mais combativos tinham
inscrito nos seus projetos identitários de classe, quando da sua constituição”.
A CGT, por sua vez, dividiu-se em duas centrais, conservando o uso da
mesma sigla, com diferentes significados: Confederação Geral dos Trabalhadores —
dirigida por sindicalistas-interventores da ditadura militar e Central Geral dos
Trabalhadores, “liderada por sindicalistas ligados ao MR8 e seus aliados”
(GIANNOTTI, 2007, p.258). Ambas tinham como perspectiva a aceitação da
economia de mercado, moderação e participação institucional no governo Sarney,
como nas Câmaras Setoriais automobilísticas, por exemplo. A CUT também atuou
nesses espaços, sendo essa ação denotativa do giro ocorrido na posição da central,
acentuado ao longo da década de 1990.
Em 1989, fechando a longa década, Collor de Mello venceu as eleições em
segundo turno depois de enfrentar a candidatura de Luis Inácio Lula da Silva, do PT.
Para enfrentar Lula, que representava uma radicalização das possibilidades de
maior socialização da política, ou nos termos de Behring (2003, p. 144), de “inversão
da conjuntura”, Collor de Mello tornou-se o candidato da burguesia. Filho da
oligarquia nordestina, o que lhe dava crédito para enfrentar um candidato de “origem
operária”, seu discurso atendia aos “setores insatisfeitos com a Carta Constitucional
e que preconizavam, após o cruzado, a guinada rumo ao ajuste ortodoxo”, ou
seja, ao neoliberalismo.
154
CAPÍTULO 3. NEOLIBERALISMO E FLEXIBILIZAÇÃO DA LEGISLAÇÃO
TRABALHISTA NO BRASIL: O CERCO AOS DIREITOS DO TRABALHO NA
CONTEMPORANEIDADE
O governo Color de Mello encontrou condições econômicas e sócio-políticas
para implantar o neoliberalismo, reforçadas, como mostra Behring (2003, pp.147-
150), pelo “Consenso de Washington, com seu receituário de medidas de ajuste”
170
.
O primeiro plano de Collor, que continha medidas ainda heterodoxas, como o
“bloqueio de 66% dos ativos financeiros disponíveis” e “medidas fiscais para
aumento da receita pública”, fracassou e o Plano Collor II trouxe as marcas do
neoliberalismo. Reduções drásticas nos investimentos públicos na área social, cortes
de gastos sociais, contra-reformas estruturais, privatizações, redução das tarifas
aduaneiras, abertura comercial, ampliação das condições favoráveis para o ingresso
de capital externo, passaram a dominar a condução econômico-política
governamental. Destacamos também o que aponta Teixeira (2006, p.131):
..... as propostas de “reforma”, sob o pretexto da existência da “crise do
Estado”, dirigiam-se, por um lado, a expurgar da Constituição de 1988 seus
aspectos progressistas e, por outro e de modo sincronizado, a compatibilizá-
la com a proposta neoliberal. Em resumo, a pretexto de uma “crise do
Estado”, projetava-se a sua adequação às novas exigências da acumulação
capitalista, agora antagônicas à ampliação de direitos sociais: isto é,
propunha-se, de fato, uma contra-reforma.
A relação do governo Collor de Mello com os trabalhadores pautou-se no
desprezo ao conceito de direitos e numa relação clássica de clientelismo com os
trabalhadores pauperizados e desorganizados, que ele denominava de
descamisados. O escândalo das subvenções sociais e a performance da primeira-
dama à frente da Legião Brasileira de Assistência (LBA) — e seu posterior desmonte
170
O Consenso de Washington, segundo Fiori, é “uma expressão acadêmica [...] cunhada por um economista, o
sr. John Williamson, um economista menor, sem grande expressão”. Traduz-se em um receituário formulado em
um seminário, em 1989, promovido por instituições financeiras baseadas em Washington, como o FMI, o Banco
Mundial e o Departamento do Tesouro dos Estados Unidos, fundamentado no texto do economista acima citado
do International Institute for Economy. Fiori aponta, também, que o “Consenso de Washington diz respeito à
visão norte-americana sobre a condução da política econômica, sobretudo nos países periféricos, no mundo
inteiro, mas, obviamente, de forma muito mais direta para os países da América Latina que, naquele momento,
eram os países mais individados, situados embaixo da zona de hegemonia, de supremacia norte-americana”.
Passa a ser imposto como política oficial desde 1990, para promover o ajustamento macroeconômico desses
países, frente à crise mundial do capital. J.L. FIORI. O Consenso de Washington. Palestra proferida no Centro
Cultural Banco do Brasil. Rio de Janeiro, Federação Brasileira de Associação de Engenheiros (FEBRAE),
1996:1-2. Behring fala da participação de Bresser Pereira, futuro ministro do governo Cardoso nesse seminário
do Consenso de Washington. E. BEHRING. Brasil em contra-reforma: desestruturação do Estado e perda de
direitos. São Paulo, Cortez, 2003, p.148.
155
pelo governo bem como o veto à regulamentação da Lei Orgânica da Assistência
Social (LOAS)
171
, são alguns dos indicativos dessa postura. Com os trabalhadores
organizados observava-se, da parte do governo, uma relação extremamente
agressiva com os setores mais combativos, mas também de cooptação.
Data desse período, o nascimento da Força Sindical (FS) dirigida por uma
corrente sindical voltada para a defesa intransigente do projeto neoliberal central
que apoiava abertamente o governo Collor de Mello e sua proposta de pacto social.
Segundo Giannotti (2007, p. 278), ela nasceu de uma divisão da CGT e tinha à
frente o Sindicato dos Metalúrgicos e o Sindicato dos Eletricitários, ambos de São
Paulo.
A CUT foi chamada ao pacto social e as discussões a respeito, na central,
acirraram-se
172
. Giannotti (2007, p. 279) mostra que havia duas posições: uma,
defendia o “entendimento nacional” como atitude “propositiva”, mas “sem esquecer a
mobilização”; outra, “defendia a mobilização para o confronto direto com a burguesia
[...]”. Para o movimento sindical foi um período de grande complexidade, de acordo
com Tumolo (2002, p.121-123), pois conformava-se um “novo padrão de
acumulação de capital que imperava nos países centrais, no qual o Brasil tomava
a iniciativa de se inserir”, combinado ao colapso dos países do chamado socialismo
real e do “surgimento e crescimento da Força Sindical”. Esse feixe de elementos
construiu, na CUT, no período, uma perspectiva política de “negociação dentro da
ordem”. Amaral (2005, p.219) entende que a direção da CUT “realizou seu primeiro
congresso da década de 1990 acuada pela tentativa de desqualificação e pelo
sitiamento promovido pelo novo governo”, cuja intenção era “despolitizar os
processos históricos protagonizados, na década anterior, pelos movimentos popular,
sindical e partidário”. Afirmando-se como central “propositiva”, os dirigentes da
executiva em uma decisão polêmica
173
aceitaram o “entendimento nacional”
proposto pelo governo Collor de Mello. Espécie de “pacto social” para “formular uma
política de crescimento para o país” participaram governo, burguesia e centrais
171
A LOAS foi aprovada em 1993.
172
O IV CONCUT, realizado em São Paulo (SP), em 1991, foi palco de significativos debates sobre a questão.
Vito GIANNOTTI. História das luas dos trabalhadores no Brasil. Rio de Janeiro, Mauad X, 2007, p.279.
173
A Plenária Nacional da CUT de 1990 rejeitou o “pacto social”, mas a executiva da central descumpriu a
decisão, aprovando a participação. A. S. AMARAL. Qualificação dos trabalhadores e estratégia de hegemonia: o
embate de projetos classistas. Tese de doutorado em Serviço Social. Rio de Janeiro, UFRJ, 2005, p.219.
156
sindicais. Iniciaram-se negociações diversas e, em 1992, o Estado adotou a
“renúncia fiscal”. As centrais aceitaram rebaixar as “reivindicações salariais” e o
empresariado anunciou a “venda de veículos mais baratos”, comprometeu-se com a
“modernização das plantas industriais e manutenção dos empregos” (AMARAL,
2005, p.219).
Na CUT, divergências surgidas ainda no governo Sarney consolidavam-se, no
período em tela. Setores importantes da central, ao mesmo tempo em que seus
dirigentes eram assimilados pelo “pacto social”, impusionavam as lutas durante o
governo Collor de Mello, dirigindo greves e protestos ou mesmo apoiando-os, em
conjunto com o MST, que se destacava na época
174
. O governo e a burguesia
apresentavam as alegações iniciais da campanha pela reforma trabalhista e a CLT já
era acusada de engessar as empresas com seu excesso de regulamentação do
trabalho, causando desemprego massivo já que impedia a ampliação do mercado de
trabalho brasileiro. A intenção dessa reforma era flexibilizar direitos trabalhistas, mas
também atacar a seguridade social, com o discurso de lançar o país na
modernidade.
Embora o governo Collor de Mello estivesse empenhado na “adequação
destrutiva” do Brasil ao “reordenamento mundial”, como aponta Bhering (2003,
p.150), com graves conseqüências, como falências de empresas e intensificação do
desemprego, seu impeachment impediu a continuidade do ideário neoliberal nos
moldes como vinha processando-se. Itamar Franco, vice de Collor de Mello, assumiu
sem condições sócio-políticas para isto, sem, no entanto, deixar de implantar bases
efetivas para que a ofensiva se concretizasse, posteriormente, em especial através
da “articulação da coalização conservadora de poder constituída em torno de
Fernando Henrique Cardoso”, colocado à frente do “Ministério da Fazenda, onde foi
formulado o plano de estabilização protagonizado pela nova moeda: o real”
(BEHRING, 2003, p.154).
174
Vale registrar a luta dos estivadores de Santos e os petroleiros, cujas greves tiveram repercussão nacional; o
movimento dos aposentados nas ruas e praças do país, lutando por 147% de reajuste; os 250 mil cortadores de
cana que entraram em greve em Pernambuco, exigindo 78%; mas também “as ocupações de terras e
manifestações, de alagoas ao Rio Grande do Sul, por parte dos trabalhadores sem-terra ou ia-frias, cortadores
de cana” V.GIANNOTTI. História das luas dos trabalhadores no Brasil. Rio de Janeiro, Mauad X, 2007, p.279.
157
Esse plano obteve grande aceitação em uma sociedade exaurida pelos
longos anos de altos índices de inflação, inúmeros pacotes e mesmo diversas outras
modalidades de planos. Segundo Singer (1999, p.28), a “experiência de ficar sem
dinheiro até para compras urgentes e para atender compromissos inadiáveis”,
trazida pelo Plano Collor I, por exemplo, “traumatizou uma parte da sociedade, o que
suscitou horror a todo plano “heterodoxo” de estabilização”. Daí as bases para o
processo a ser desenvolvido no governo Cardoso, a partir de 1995. Para Behring
(2003, p.155):
Se Collor era o outsider, o aventureiro, Fernando Henrique Cardoso tinha
credenciais da luta democrática e vinha do núcleo econômico do país,
colocando-se como o articulador e intelectual orgânico da contra-reforma e
da hegemonia burguesa no Brasil contemporâneo [...], após um período
relativamente largo de perigosa fragmentação, de que fez parte o medo de
uma derrota eleitoral para a esquerda em 1989.
No governo Itamar Franco foi aprovada uma única, mas significativa lei em
termos de flexibilização trabalhista, a Lei 8.949, regulamentando as cooperativas.
Essa lei acrescentou parágrafo único ao art. 442 da CLT, estabelecendo a
inexistência de vínculo empregatício entre a sociedade cooperativa e seus
cooperados, entre estes e a empresa tomadora de serviços. Como a partir da
implantação do neoliberalismo acentuou-se drasticamente o processo de
terceirização, no Brasil, essa modificação foi fundamental, possibilitando a formação
de cooperativas de profissionais diversos, sendo um exemplo marcante a
contratação delas pelos hospitais públicos.
3.1. Governo Cardoso e ofensiva neoliberal: a contra-reforma em andamento
O governo Cardoso aprofundou o ordenamento neoliberal do Estado, orien-
tando-se pelos organismos financeiros internacionais, como o FMI e o BM, sendo
parte desse caminho seguir, rigorosamente, as orientações advindas do Consenso
de Washington. Desde esse período, a sociedade brasileira, conforme mostra Netto
(1996, p.103), passou a viver a “reestruturação do capitalismo tardio, com o trânsito
à ‘flexibilização’ e a pletora de transformações que lhe são conexas”. Entretanto,
ainda em conformidade com o autor:
É evidente, porém, que a nossa sociedade participa da inflexão atual do
capitalismo com as refrações derivadas, em primeiro lugar, da sua condição
periférica e, em segundo, do próprio nível de desenvolvimento e articulação
158
das suas relações capitalistas. Numa palavra, as transformações societárias
[...] processam-se no Brasil mediadas pela inserção subalterna do país no
sistema capitalista mundial [...] e pelas particularidades da sua formação
econômico-social (NETTO, 1996, p.103).
O processo iniciou-se no governo Itamar Franco, com o Plano Real, que obje-
tivava a estabilização para combate à inflação. No governo Cardoso avançou e apro-
fundou-se, tornando-se fundamental não apenas no que se refere aos aspectos e-
conômicos, mas para a recuperação da hegemonia das classes dominantes.
Como ponto de partida, o plano centrava-se na inflação e na dívida pública.
Segundo Lebauspin e Mineiro (2002, p.13), o Plano Real consistiu em uma “combi-
nação de abertura comercial e liberalização financeira”, combinando “taxa de câmbio
sobrevalorizada” com “importações baratas como elemento de força contra eventu-
ais pressões inflacionárias internas nos setores de bens comercializáveis internacio-
nalmente”. Singer (1999, p.29) mostra que o ajuste fiscal e as “políticas monetárias
restritivas” tornaram-se mecanismos fundamentais para a estabilização e o combate
à inflação. O ajuste fiscal tomou a forma de uma Emenda Constitucional, “instituindo
o Fundo Social de Emergência”, representando uma “recentralização da receita fis-
cal nas mãos do executivo federal”. A privatização das estatais brasileiras tornou-se
central com a justificativa de resolução da dívida blica porque o dinheiro arreca-
dado seria utilizado para o seu pagamento.
A condução econômico-política adotada teve problemas em pouco tempo,
pois o recurso aos fluxos de capitais privados esgotou-se ao longo de 1998, com as
grandes turbulências internacionais recorrentes desde 1994 e o endividamento ex-
plodiu mais uma vez. Nesse contexto, segundo Singer (1999, p.43), o governo man-
teve a contenção do crédito e a elevação dos juros, acusando a especulação inter-
nacional pela crise, sendo reeleito, em 1998, “para novo mandato, com 53% dos vo-
tos válidos”. Para a reeleição, teve apoio do FMI, do Tesouro dos EUA, do BIRD, do
Banco Mundial e outros organismos, que bancaram um empréstimo de 41,5 milhões
de dólares. Mas foi reeleito, também, conforme Coelho (2002, p.442), porque o Pla-
no Real, mais do que um plano de estabilização monetária, constituiu-se “um instru-
mento político de hegemonia que habilitou um grupo político a pleitear o comando
dos interesses gerais do capital no país”. Dessa forma, o governo Cardoso manteve
a classe dominante unida em torno de sua candidatura, mostrando-se um projeto
159
ídeo-político bem sucedido. Esse processo como um todo “alterou profundamente a
correlação de forças em favor da burguesia no Brasil. O consenso produzido em tor-
no do governo FHC foi tanto uma expressão quanto um mecanismo de construção
desta nova hegemonia” (COELHO, 2002, p.442). Desde então, mesmo com a dilapi-
dação do patrimônio público pela privatização, a dívida pública brasileira cresceu e a
tônica no equilíbrio fiscal para seu pagamento originou a figura do superávit primário,
a lei de responsabilidade fiscal e outras ações. As dívidas externa e interna, também
no Brasil, passaram a engendrar a “bola de neve” como aponta Chesnais (2001,
p.17) para que seus títulos ganhassem credibilidade no mercado internacional, ge-
rando “austeridade orçamentária e [...] paralisia das despesas públicas”. No governo
Cardoso, em seus dois mandatos, o superávit primário sugou a vida econômico-
social do país, atingindo, entre 1995 e 2002 ano que terminou seu segundo man-
dato — R$ 331 bilhões, sendo de R$ 366 bilhões (7,92% do PIB) os gastos com pa-
gamento de juros
175
.
Do ponto de vista do Estado, o governo Cardoso, entre outras providências,
colocou em andamento sua inteira refuncionalização com a contra-reforma. Para
Behring (2003), o Plano Diretor da Reforma do Estado realizado pelo Ministério
da Administração e da Reforma do Estado (MARE) foi o caminho encontrado para
isto
176
. O governo identificou a crise da dívida externa e as práticas de populismo
econômico, vividos anteriormente, como responsáveis pela crise fiscal brasileira, o
que exigiria uma forte disciplina fiscal, privatização e liberalização comercial. Apre-
sentava, entre suas considerações, a idéia de esgotamento da estratégia estatizan-
te, mostrando a necessidade de superação do modelo de administração pública bu-
rocrática com a adoção do modelo gerencial: descentralizado, eficiente e controlador
de resultados, enfatizando a redução dos custos, a qualidade e produtividade para o
cidadão-cliente, ou seja, consumidor. Nessa concepção, o Estado não deve prestar
serviços blicos, mas vender serviços através de parcerias (BEHRING, 2003). -
se, desde então, a generalização da privatização das empresas estatais e a publici-
zação (privatização) dos serviços de saúde, educação, cultura, pesquisa científica,
175
Folha de São Paulo Online - Dinheiro. 1
0
de fevereiro de 2007.
176
No livro Brasil em contra-reforma: desestruturação do Estado e perda de direitos, a autora realiza um estudo
aprofundado sobre o processo de contra-reforma do Estado brasileiro ocorrido com o Plano Diretor, inclusive,
traz um instigante debate sobre a questão da contra-reforma do Estado, em termos internacionais, apontando um
importante conjunto de referências teórico-políticas para os que desejarem aprofundar a questão. E. BEHRING.
Brasil em contra-reforma: desestruturação do Estado e perda de direitos. São Paulo, Cortez, 2003.
160
etc. A publicização, no caso, significa que um setor público não-estatal executa ser-
viços que não envolvam o poder do Estado, mas são subsidiados pelo Estado. Nes-
se sentido, o governo Cardoso retirou das instâncias governamentais a responsabili-
dade direta pelo desenvolvimento econômico e social, tornando-se apenas promotor
e regulador do desenvolvimento, transferindo para o setor privado as atividades que
podem ser controladas pelo mercado. O Estado, ainda para Behring (2003, pp. 178-
179), dentro dessa concepção, deveria continuar “sendo um realocador de recursos,
que garante a ordem interna e a segurança externa”, tendo “os objetivos sociais de
maior justiça e equidade, e os objetivos econômicos de estabilização e desenvolvi-
mento”, reforçando a governance
177
por meio da transição de um tipo rígido e inefi-
ciente de administração pública para a administração gerencial, flexível e eficiente”.
Esse processo configurou, para Behring (2003), uma contra-reforma, embora tenha
sido chamado pelos seus implementadores, durante todo o tempo, de reforma.
Embora o termo reforma tenha sido largamente utilizado pelo projeto em
curso no país nos anos 1990 para se autodesignar, partimos da perspectiva
de que se esteve diante de uma apropriação indébita e fortemente ideológi-
ca da idéia reformista, a qual é destituída de seu conteúdo redistributivo de
viés social-democrata, sendo submetida ao uso pragmático, como se qual-
quer mudança significasse uma reforma, não importando seu sentido, suas
conseqüências sociais e sua direção sócio-histórica. Cabe lembrar que esse
é um termo que ganhou sentido no debate do movimento socialista, ou me-
lhor, de suas estratégias revolucionárias de períodos diferentes, a exemplo
de Rosa Luxemburgo e Ernest Mandel, dentre outros, é um patrimônio da
esquerda (BEHRING e BOSCHETTI, 2007, p.148).
Vale relembrar o que coloca Santos (1998, pp.149-50) sobre as teses de
Bernstein, que propunham como eixo central do Partido Social-Democrata as “lutas
imediatas, por melhorias nos marcos da ordem burguesa”, porque a saturação que
as melhorias “promoveriam no interior desta ordem acabaria por convertê-la numa
estrutura socialista, sem traumatismos de qualquer espécie e sem qualquer violência
legal”.
Para Coutinho (2007, p.6) também é contra reforma pela ênfase na destruição
de direitos e o sua criação ou ampliação, sendo preponderante “o momento do
velho e o do novo”, ao mesmo tempo em que as ações são apresentadas como
reforma. Contendo apenas aspectos regressivos já que não atende direitos da maio-
177
Behring mostra que governance é um conceito criado pelo “Banco Mundial para caracterizar as condições
que garantem um Estado eficiente. Diniz distingue as condições institucionais e sistêmicas (governabilidade) da
capacidade operacional/eficácia (governance)”. E. BEHRING. Brasil em contra-reforma: desestruturação do
Estado e perda de direitos. São Paulo, Cortez, 2003, p.209.
161
ria, ao contrário, retira-os, bem como não propicia a participação política, como mos-
tra Behring (2003), podemos dizer que esse processo expressou uma estratégia go-
vernamental apoiada na mídia e em significativos segmentos intelectuais ganhos
pela ideologia neoliberal.
No Brasil, com o neoliberalismo, a burguesia impôs a contra-reforma, aprovei-
tando-se do papel que ela própria deu ao Estado nos vários momentos sócio-
históricos, incluindo o Estado Novo e a autocracia burguesa, para apresentá-lo como
ultrapassado, “inevitavelmente condenado à lixeira da história”, utilizando os termos
de Coutinho (2007, p.6). As justificativas da burguesia para isto situam-se no super-
dimensionamento do Estado, sua máquina burocratizada; sua intervenção autoritária
nos vários espaços e dimensões da sociedade civil; sua ineficiência em relação à
saúde, à educação e aos direitos em geral, bem como outros problemas, que foram
construídos, justamente sob sua direção. Entretanto, a ação colocada em andamen-
to não reverte o quadro. Incide diretamente nas estatais — que significaram avanços
no processo cio-histórico brasileiro privatizando-as, nas ações do Estado
ainda que precárias voltadas para os direitos sociais. No âmbito dos direitos tra-
balhistas, a perspectiva voltou-se para a flexibilização da legislação, processo inti-
mamente relacionado à reestruturação produtiva, trazida pelas exigências do novo
padrão de acumulação capitalista.
Como aponta Tumolo (2002, p. 91), o novo padrão de acumulação tem como
perspectiva a “superação da crise e a decorrente continuidade da acumulação capi-
talista, sob um novo patamar, sobretudo através da intensificação da exploração da
força de trabalho”. Desde esse período, observamos, entre inúmeras características,
também no Brasil, um avanço da tendência de grandes empresas trabalharem de
forma enxuta, gerando em seu entorno uma rede de pequenas e médias indústrias
fornecedoras de peças, insumos e serviços, acirrando o fenômeno da terceirização.
A introdução de inovações tecnológicas modificou a divisão técnica do traba-
lho, a organização e as qualificações, alterando a distribuição do emprego por setor,
levando à superação de produtos e atividades econômicas antigas, encerrando ou
falindo empresas. Os avanços técnico-científicos e a implantação de novos padrões
de produção e gestão do trabalho com o toyotismo ou sua mescla com o fordismo-
taylorismo, tornaram-se, também aqui, mais do que nunca, caminhos preferenciais
162
do capital para economizar força de trabalho. Em todo esse processo, verificamos a
expulsão de grandes contingentes de trabalhadores da possibilidade de empregar-
se e a conseqüente ampliação do exército de reserva, bem extenso em nosso pa-
ís.
Para Mattos (1998a), essa situação acirrou o desemprego, que a indústria
brasileira historicamente absorve pouca força de trabalho e o setor de serviços e a
contratação precária, também conhecida como informal, sempre tiveram o papel de
absorver sua parcela mais significativa. Nos anos 1970, por exemplo, em que houve
um alto nível de crescimento industrial, o trabalho fabril foi capaz de absorver ape-
nas 30% da população economicamente ativa. No governo Cardoso, esse quadro
histórico de desemprego acentuou-se. Segundo Pochman (2001), ao longo da déca-
da de 1990 deu-se a extinção de cerca de três milhões de vagas assalariadas, sen-
do que, os desempregados ampliaram-se de 1,8 milhões no final da década de 1980
para 7,6 milhões em fins dos anos noventa e a taxa de desemprego aberto passou
de 3,0% da População Economicamente Ativa (PEA) para 9,6%.
O desemprego, além de acirrar a histórica desigualdade social, as já precárias
condições de vida dos trabalhadores, provocou uma outra conseqüência: o enfra-
quecimento das lutas sindicais e o recuo de suas organizações, como pudemos ob-
servar pelos exemplos apresentados anteriormente, que os trabalhadores empre-
gados ficam inseguros pela pressão do crescimento exacerbado do exército industri-
al de reserva e os terceirizados encontram-se isolados, sem possibilidades de rei-
vindicar melhores salários e condições de trabalho, com dificuldades para a constru-
ção de uma identidade de classe.
Ao mesmo tempo, também aqui, como nos países capitalistas centrais, pas-
samos a viver uma luta ideológica com o reforço do individualismo, da busca de so-
lução dos problemas pelo indivíduo descontextualizado, sem representação coletiva.
Nessa ambiência, as organizações sindicais foram apresentadas como impeditivas
da modernização, defensoras de privilégios corporativos; as lutas coletivas e instru-
mentos como greves e manifestações foram mostrados como nefastos, sendo crimi-
nalizados em nome de novas alternativas de luta ou da busca do consenso. As difi-
culdades para o movimento sindical ampliaram-se, em especial para aqueles cuja
ênfase continuava a ser a combatividade.
163
3.2. As correntes sindicais no governo Cardoso: entre a combatividade e a
conformação
As correntes do movimento sindical, em continuidade ao que ocorreu na dé-
cada anterior, organizavam-se em centrais sindicais, expressando suas diferenças e
divergências na condução que as mesmas imprimiam à ação dos sindicatos sob sua
direção. A CUT e a Força Sindical (FS) desempenhavam papel político relevante,
colocando os trabalhadores organizados na cena política e, duas outras centrais pe-
quenas, sem peso político, foram formadas, segundo Giannotti (2007, p.290): Cen-
tral Autônoma dos Trabalhadores (CAT) e Social Democracia Sindical (SDS), dissi-
dência da Força Sindical.
Na Força Sindical alinhavam-se sindicalistas ligados aos partidos tradicional-
mente representantes da burguesia (PSDB, PTB, PMDB, etc.). Na CUT, organiza-
vam-se as diversas correntes políticas integrantes do PT, PSTU, PCO
178
, PDT, PC-
do B e PCB.
A Força Sindical, fundada no início da década de 1990, ganhou peso político
junto ao governo Cardoso, assumindo, sob a alcunha do sindicalismo de resultados,
a defesa do neoliberalismo, em todas as suas expressões, desde as privatizações —
disseminando a idéia de maior competitividade, eficiência e modernização e de pos-
sibilidade dos trabalhadores se tornarem acionistas das empresas aas mudan-
ças que flexibilizaram a legislação trabalhista. Para Amaral (2005, p.267), essa cen-
tral foi o elo central para a “transmissão dos valores, concepções e práticas liberali-
zantes que deveriam dar consistência ao projeto neoliberal de redução de direitos e
de um mercado livre das imposições trabalhistas que oneravam o capital”. O desem-
prego foi usado para reafirmar seu pragmatismo, com a criação de um Centro de
Solidariedade ao Trabalhador, com sedes em todo o país para qualificação profis-
sional e encaminhamento a empregos. O confronto não se encontrava em seu hori-
zonte, ao contrário, os conflitos sempre eram encarados como “passíveis de regula-
ção e de consensos”.
178
O PSTU e o PCO formaram-se na década de 1990, originários de correntes do PT que foram expulsas. Ambos
são partidos com influência trotskista.
164
Essa concepção, concordando com Amaral (2005, p.269), substitui as “clas-
ses e suas práticas” com ênfase em uma “racionalidade que privilegia a cidadania
como conceito abstrato” e a democracia como um regramento formal para equilibrar
a relação entre as forças que conformam o conjunto da sociedade. Realiza uma ci-
são entre a economia e a política, mecanismo que a burguesia desenvolve para en-
cobrir as marcas da luta de classes, encontrando nos adeptos do “sindicalismo de
resultados” da Força Sindical um instrumento adequado para difundir sua concepção
entre os trabalhadores. O sindicato, sendo um fator do mercado, de acordo com es-
sa corrente, tem como preocupação “vender, em melhores condições, a mercadoria
força de trabalho”, preocupação esta, prejudicada pela política, reduzida à partidari-
zação.
Este suposto apoliticismo, resultado de uma estratégia mais geral que visa-
va despolitizar as lutas sindicais, fragmentar as identidades dos trabalhado-
res e a unidade ideológica que estes construíram no processo de lutas,
conseguiu dividir o movimento sindical, em conformidade com os processos
mundiais, cujas investidas recaíam, principalmente, contra os sindicatos. A
burguesia necessitava que o campo do trabalho assumisse seus projetos de
modernização, ampliando [...] os espaços de acumulação indispensáveis à
sua hegemonia. Encontrou, pois, na Força Sindical, a base sobre a qual pô-
de exercer o seu laboratório de mudanças consentidas e legitimadas, atu-
ando em um ambiente ideológico de suposta assepsia e de ruptura com re-
ferenciais classistas (AMARAL, 2005, p.270).
A Força Sindical participava do Conselho de Desenvolvimento do Fundo de
Amparo ao Trabalhador (CONDEFAT) e recebia, para o Centro de Solidariedade ao
Trabalhador (CONDEFAT), verbas vultuosas do FAT, o que contribuiu largamente
para sua expansão e fortalecimento
179
. Ainda segundo Amaral (2005, p.272), a enti-
dade apoiou as propostas de fim da estabilidade para o servidor público, a privatiza-
ção, “a flexibilização da legislação trabalhista e das leis de proteção social”, sendo
que, essa sua posição foi fundamental para que isso viesse a ocorrer. Evidentemen-
te, as determinações econômicas do período, como o desemprego, as transforma-
ções no mundo do trabalho trazidas pela reestruturação produtiva sob a égide do
capitalismo financeiro e da ideologia neoliberal incidiram pesadamente sobre os tra-
balhadores e suas lideranças sindicais, fortalecendo essa postura. E, se esse pro-
cesso atingiu a Força Sindical, que nascera com o propósito da conciliação de clas-
179
Amaral mostra que a FS recebeu em 2002 52% dos recursos destinados às centrais, significando 17,1 milhões
de reais. A. S. AMARAL. Qualificação dos trabalhadores e estratégia de hegemonia: o embate de projetos
classistas. Tese de doutorado em Serviço Social. Rio de Janeiro, UFRJ, 2005, p.273.
165
se, a CUT, central sindical formada nas lutas da década anterior, também não saiu
ilesa.
Estudiosos da questão têm acordo que, na CUT, durante o governo Cardoso,
ganhou contornos mais nítidos a perspectiva iniciada em fins da cada anterior,
de um sindicalismo propositivo, dentro da ordem. No VI Congresso (CONCUT), em
1997, conforme mostra Amaral (2005, p.222), a direção da CUT através da Articula-
ção Sindical, sua corrente majoritária, defendia essa modalidade de sindicalismo,
bem como clareava a ação política correspondente a ela: a “resistência propositiva”.
Para Mattos (2002, p.94), esse giro operado na ação da CUT aparecia também na
“atitude sindical frente à reestruturação produtiva e à modernização tecnológica” que
deveria estar voltada para a ultrapassagem da “aceitação passiva”, mas também da
postura de “recusa a qualquer iniciativa das empresas em promover mudanças”, vol-
tadas para a modernização, garantindo que os trabalhadores mantivessem seus
empregos. Para Mattos (2002, p.95), nesse processo, “introduziu-se a palavra-
chave: negociação”.
A oposição a essa concepção, a partir das comissões de fábricas e de corren-
tes internas à CUT, não foi incorporada e considerada pela sua direção que, para
garantir hegemonia, modificou gradualmente as regras estatutárias, afunilando as
decisões (Antunes, 2004a; Mattos, 1998a). Diferentemente da Força Sindical, a CUT
não se convertera, em sua totalidade, em uma “central sindical neoliberal”, como
aponta Boito Jr. (1996, p.85). Mas a resistência mostrava-se insuficiente. Ou porque
as correntes internas de oposição à direção da CUT eram minoritárias e não logra-
vam ganhar o conjunto para ações mais contundentes, ou porque a corrente dirigen-
te da CUT fazia concessões à “ideologia e à política neoliberal”, o que facilitava a
“implementação e o avanço dessa política”, criando condições para a sua difusão
“junto aos trabalhadores brasileiros”. Dessa forma, observamos com Boito Jr. (1996,
p.85), que desde esse período, na CUT, “delineou-se, articulou-se e estruturou-se”
uma compreensão diferente da construída anteriormente: a solução para a crise ca-
pitalista encontrava-se “no sindicalismo de negociação, na participação dentro da
ordem dominante”. Isso significava o privilegiamento das “negociações tripartites e
as câmaras setoriais”, diminuindo de maneira significativa as mobilizações e as gre-
ves.
166
Embora as greves no setor privado tenham sido, em sua maioria, impulsiona-
das por sindicatos ligados à CUT, sua diminuição ao longo do governo Cardoso foi
significativa
180
. No setor público foram feitas longas greves contra o arrocho, em ge-
ral, respondidas com extremo rigor pelo governo. A dos petroleiros foi um exemplo
significativo do embate, pois teve 25 dias de duração e o governo recusou-se a
qualquer concessão, impondo, através da justiça, que a declarou ilegal, pesadas
multas para quebrar financeiramente os Sindicatos dos Petroleiros de todo o país:
2,1 milhões de reais para cada entidade. Ao mesmo tempo, o exército, como no pe-
ríodo da ditadura militar, ocupou as refinarias de petróleo. Giannotti (2007, p.289)
mostra que o governo objetivava punir os grevistas, mas também impedir novas ma-
nifestações e greves, quebrando, no mesmo processo, a espinha dorsal do movi-
mento sindical combativo. A CUT, por sua vez, diferentemente do que esperavam as
lideranças petroleiras, não organizou uma greve geral de solidariedade que poderia
vir a enfraquecer a ação governamental
181
. A postura da CUT, certamente, relacio-
na-se às mudanças políticas colocadas em andamento pela sua direção. Para
Tumolo (2002, p.129), essa fase
182
do “sindicalismo propositivo e negociador” da
central significou uma “mudança política substancial”, de abandono de uma direção
combativa e de confronto, “de cunho classista e com uma perspectiva socialista” em
troca “do horizonte da cidadania”, também no caso da CUT, como um conceito abs-
trato.
Ainda conforme Tumolo (2002, pp.131-132), em decorrência das profundas
transformações econômicas em curso e de questões ídeo-políticas (aos aconteci-
mentos do Leste Europeu ele acrescenta o “fracasso da experiência revolucionária
sandinista”), embora continuasse a desenvolver “ações sindicais pontuais de oposi-
ção a vários aspectos da reestruturação produtiva” e ao neoliberalismo, a perspecti-
va da CUT mostrou-se, ao longo da década de 1990, de “adaptação [...] à ordem
180
Conforme
Giannotti, no final dos anos 1980, “houve, no país, mais de vinte milhões de grevistas” e dados
“mais técnicos falam de quatro mil greves e de 250 milhões de jornadas perdidas”. No final da década de 1990, o
“montante de greves e de grevistas, [...] segundo o DIEESE, chegou a ser 2% dos vinte milhões de 1989”.
V.GIANNOTTI. História das lutas dos trabalhadores no Brasil. Rio de Janeiro, Mauad X, 2007, p.287.
181
As manifestações de apoio à categoria aconteceram em todo o país. “Era comum ver estampado nas camisas o
adesivo “Somos todos petroleiros”, mas também esta não foi uma ação organizada pela CUT. V.GIANNOTTI.
História das lutas dos trabalhadores no Brasil. Rio de Janeiro, Mauad X, 2007, p.190.
182
Tumolo identifica três fases na trajetória da CUT: a “de 1978-1983 até aproximadamente 1988, que se
caracteriza por uma ação sindical combativa e de confronto. A segunda, cujo período aproximado é de 1988 a
1991, que pode ser classificada como a fase de transição e, por último, a mais recente, caracterizada por um
sindicalismo propositivo e negociador”. J.S. TUMOLO. Da contestação à conformação: a formação sindical da
CUT e a reestruturação capitalista. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 2002, p.129.
167
capitalista”. Partia-se do pressuposto que o capital havia triunfado em definitivo no
plano mundial, consolidando um novo padrão de acumulação. Desde essa constata-
ção, a estratégia delineada, em linhas gerais, passou a ser a convivência com o ca-
pitalismo, com o objetivo de “oferecer alternativas por dentro dele”, de “reformá-lo
estruturalmente e, dessa forma, arrancar, através da negociação, benefícios para os
trabalhadores”. Concepção que justifica uma ampliação da ação da CUT para além
dos trabalhadores para atender, segundo Amaral (2005, pp.223-224), aos interesses
de “toda a sociedade”, entendida como “uma sociedade civil genérica, que reúne
tanto a burguesia quanto os trabalhadores para tratar de causas que interessam a
ambos”. Configura-se, assim, a prática da “discussão consensual” nos “mecanismos
de participação institucional”. Para a autora, o se questionava mais as incidências
da reestruturação nas “condições de reprodução social”, mas como os trabalhadores
poderiam adequar-se ao “modelo”, minimizando efeitos, sinalizando possibilidades
de cumprimento das “promessas de modernização e de inclusão social”. Nesse
campo de definições, a CUT, ainda em conformidade com Amaral (2005, p.226), a-
través de sua corrente majoritária passou a integrar, por exemplo, o conselho de
gestão de recursos dos trabalhadores do FAT, o CONDEFAT, objetivando a discus-
são e proposição de “políticas alternativas de desenvolvimento econômico e social,
como é o caso da Qualificação e Requalificação profissional”, revertendo o foco da
formação político/sindical para esse âmbito
183
. As verbas do FAT passaram a ter um
peso importante no desenvolvimento desse caminho da central
184
. No mesmo movi-
mento, vários dirigentes sindicais passaram a integrar diretorias de fundos de pen-
são, criados pela reforma da Previdência Social
185
, fortalecendo a convicção difundi-
da pela ideologia neoliberal de que os trabalhadores podem melhorar sua aposenta-
doria com a adesão a essas instituições financeiras, desde que sejam controladas
183
Sobre a questão da formação sindical e profissional da CUT, AMARAL E TUMOLO são autores que
realizam estudos aprofundados e muito profícuos. A. S. AMARAL. Qualificação dos trabalhadores e estratégia
de hegemonia: o embate de projetos classistas. Tese de doutorado em Serviço Social. Rio de Janeiro, UFRJ,
2005. P.S. TUMOLO. Da contestação à conformação: a formação sindical da CUT e a reestruturação capitalista.
Campinas, SP, Editora da UNICAMP, 2002.
184
Embora recebesse um montante bem menor que o da Força Sindical, em 2002, a CUT recebeu 6,5 milhões de
reais do FAT. A. S. AMARAL. Qualificação dos trabalhadores e estratégia de hegemonia: o embate de projetos
classistas. Tese de doutorado em Serviço Social. Rio de Janeiro, 2005, p.273.
185
Para Granemann, uma relação histórica entre a denominada “crise” da previdência social, o surgimento da
“previdência privada” e os fundos de pensão. S. GRANEMANN. Para uma interpretação marxista da
“previdência privada”. Tese de Doutorado em Serviço Social:. Rio de Janeiro, UFRJ, 2006.
168
pelos próprios sindicatos
186
. Mas, também, passaram a participar dos conselhos de
administração das várias empresas em que tais fundos possuem ações.
Desde então, além da FS, em vários episódios protagonizados por sindicatos
ligados à CUT aceitaram-se acordos com as empresas, com o argumento de conter
o desemprego. Todavia, marcando uma diferenciação com a FS, a CUT desenvol-
veu uma oposição pontual a tentativas de flexibilização da lei, em especial as que
pudessem acarretar conseqüências mais graves, como o Projeto de Lei 5483 de
2001, em que o governo Cardoso pretendia modificar o artigo 618 da CLT, permitin-
do a empregadores e empregados negociações sobre horas extras, repouso sema-
nal, férias e outras.
O processo inicial de adaptação à ordem também ocorreu com o PT. A ocu-
pação de cargos pelos dirigentes petistas oriundos do movimento sindical nesses
órgãos de gestão do capital financeiro interferiram significativamente no posiciona-
mento ídeo-político do partido, mas também a ascensão do partido à instâncias go-
vernamentais e parlamentares, iniciada desde 1988, tornou-se um elemento a ofere-
cer base material para a adaptação de parcela significativa de seus dirigentes à insti-
tucionalidade posta na sociedade brasileira (Almeida 2003; Fontes, 2004; Genro,
2003; Antunes, 2004b; Garcia, 2008 e outros). Ou seja, a ocupação em espaços es-
tratégicos, tanto no âmbito do Estado quanto do mercado, deu início ao processo de
adaptação do partido às regras estabelecidas na sociedade do capital, durante a
década de 1990.
3.3. Governo Cardoso: primeiros tempos da flexibilização dos direitos
trabalhistas
No governo Cardoso, a necessidade da flexibilização ganhou ênfase como
justificativa para a superação do desemprego. Segundo Giannotti (2007, p.288), a
186
Bernardo e Pereira, no livro, Capitalismo Sindical, trazem um pormenorizado estudo de experiências sobre
sindicalismo e fundos de pensão na Europa, Estados Unidos, China, México, abarcando, inclusive a ex-União
Soviética, dentre tantos outros países, chegando ao Brasil de hoje. J. BERNARDO; L. PEREIRA. Capitalismo
Sindical. São Paulo, Xamã, 2008 . A. BOITO JR. também traz observações relevantes sobre a questão no artigo
A hegemonia neoliberal. In Revista Crítica Marxista. n
0
17, 2006. C. GARCIA, em sua Tese de Doutorado em
História: Partido dos Trabalhadores: da ruptura com a lógica da diferença à sustentação da ordem, embora não
seja o centro do debate, estuda a relação entre a CUT e os fundos de pensão. Niterói (RJ), UFF, 2008.
169
intenção de Cardoso era “enterrar a Era Vargas, ou seja, [...] flexibilizar as leis traba-
lhistas, ‘engessadas’ pela CLT”. Através do Ministério do Trabalho organizou uma
equipe, segundo Maccalóz (1997, p.6), para “estudar os pontos polêmicos da CLT,
de modo a promover mudanças nas relações trabalhistas [... ]”. Além do governo
Cardoso, sindicatos de metalúrgicos ligados à Força Sindical defendiam a fle-
xibilização, na prática, através da realização de acordos com as empresas, em nome
de garantir empregos.
Revisando notícias mais antigas, encontramos na Gazeta Mercantil, no dia
13 de novembro de 1995, uma reportagem sobre “O Declínio da CLT A
realidade muda relações de trabalho”. Ali estava noticiada a realização de
alguns acordos por categoria profissional, ainda entre os metalúrgicos e al-
gumas empresas, quatro ao todo. Além do não pagamento dos encargos
estava pactuado redução salarial.
A reportagem noticiava também que o Ministério do Trabalho proibia, desde
setembro de 1995, que fiscais do ministério multassem as empresas envolvidas nos
acordos quando constatassem incompatibilidade entre as cláusulas contidas neles e
a legislação. O governo Cardoso dava primazia ao acordado em relação ao legisla-
do, com a justificativa de combate ao desemprego. Para a autora (1997, p.11), a de-
fesa obsessiva da flexibilização no Brasil torna-se desnecessária pois a legislação
trabalhista possui uma ampla plasticidade em decorrência dos “interesses e determi-
nações capitalistas”:
O Direito do Trabalho para cumprir sua finalidade de disciplina tutelar, pro-
tegendo o trabalhador como o sujeito economicamente fraco da relação
contratual de trabalho, estabelece comandos mínimos e inflexíveis, melhor
dizendo, irrenunciáveis por parte dos empregados, mas acima desses mí-
nimos tudo é negociável, tudo será estabelecido segundo a “vontade” das
partes. Essa “vontade” se resume na do empregador, é o único a estabele-
cer condições na suprema maioria dos contratos.
Usa como exemplo o salário, que é flexível, pois o único fixado por lei é o mí-
nimo, acima dele, os “interessados podem contratar outras importâncias como salá-
rio”. Outro limite legal é a jornada de trabalho; mas como “um limite ximo”, posto
que é “fixada em oito horas diárias, de um modo geral, ressalvadas as condições
especiais, onde jornadas inferiores foram criadas, por exemplo, a do jornalista, em
cinco horas diárias, artigo 303, da CLT”. O caráter tutelar da legislação trabalhista,
no Brasil, “estabelece regras que contemplam limites máximos e mínimos”, mas
sempre apontando para a direção da livre negociação. Ou seja, segundo Maccalóz
170
(1997, p.12), respeitados “esses limites tudo é flexível, conforme artigo 444, da CLT,
in verbis”:
“As relações contratuais de trabalho podem ser objeto de livre estipulação
das partes interessadas em tudo quanto não contravenha às disposições de
proteção ao trabalho, aos contratos coletivos que lhes sejam aplicáveis e às
decisões das autoridades competentes”.
Entretanto, na concepção neoliberal, essas “disposições de proteção” de que
fala a jurista (1997, p.12) devem ser flexibilizadas por inteiro. Em 1996, o caminho
parecia aberto para isto pelas mãos de sindicalistas da Força Sindical, pois em feve-
reiro “um dos vários sindicatos de Metalúrgicos, no ABC paulista, firmou um acordo
coletivo com oito empresas do mesmo setor”, com esse conteúdo.
Maccalóz (1997, p.4) considera que embora a modalidade de negociação co-
letiva esteja prevista na CLT, em seu artigo 611, parágrafo primeiro, esse contrato
feria a hierarquia legal porque impunha a determinação do acordado sobre o legisla-
do. Autorizava ao “patronato, no seu prazo de vigência”, de dois anos, dentre várias
possibilidades, deixar de “recolher os 8% dos FGTS às contas vinculadas dos em-
pregados, junto à CEF”, podendo “depositar 10% do salário bruto, em conta bancária
aberta em nome do trabalhador, com movimentação livre a cada três meses”. A con-
tribuição previdenciária das empresas cairia de 20% para 8 ou 11% de acordo com o
nível salarial dos trabalhadores. Outra novidade: os novos contratos de trabalho, aos
moldes do que ocorre nos Estados Unidos, seriam firmados com o sindicato pelo
prazo de dois anos, temporários, portanto, e não mais com as empresas, com um
detalhe: “sem registro nas carteiras”, estando assegurado, apenas, “o pagamento do
13
0
salário e férias proporcionais”.
O acordo foi contestado pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST), que apon-
tou a sua nulidade, conforme Maccalóz (1997, p.4), “pela ilicitude dos seus termos”,
por “descumprir lei vigente”. O Ministério Público do Trabalho (MPT) do estado de
São Paulo também “ingressou com uma ação pública, no Tribunal Regional do Tra-
balho (TRT), objetivando a declaração de inconstitucionalidade desse acordo e a
suspensão imediata de seu cumprimento”. O TRT (da 2
a
Região) não posicionou-se
na linha pretendida pelo MPT e TST: deu um “prazo de 90 dias, dentro do qual” as
partes estavam obrigadas a “conseguir, junto ao Governo e ao Congresso, a legali-
zação do acordo sub judice”. Para Maccalóz (1997, p.5):
171
Inédita, mais do que isso, SURPREENDENTE foi a decisão do TRT da 2
2
Região. Inexplicável à luz do Ordenamento Jurídico vigente. Qualquer escla-
recimento passa pela conjuntura neoliberal, globalizante e flexibilizadora;
doutra feita é impossível dizer que foi um Tribunal Judicial quem manteve
um acordo ilícito, dando prazo de atuação política às partes (destaque da
autora).
O executivo recebeu muito bem o acordo. A Revista Exame, de fevereiro de
1996 (ano 29, n
0
5) trazia, com o título “A realidade deixou a lei para trás”, as seguin-
tes palavras de Cardoso:
“O acordo é um avanço enorme, sobretudo porque a iniciativa partiu dos
trabalhadores. Determinamos ao ministro Paulo Paiva, do Trabalho, que es-
tude, junto com os juristas, uma fórmula que torne legal esse tipo de acordo
sem exigir mudanças na Constituição”.
Em março do mesmo ano, o Ministro do Trabalho, ainda segundo Maccalóz
(1997, p.5), encaminhou ao congresso um Projeto de Lei (PL) elaborado por juristas
da Federação das Indústrias do Estado de o Paulo “FIESP), retirado por ser im-
popular, o que o impediu que outras iniciativas fossem encaminhadas. Em decor-
rência das orientações emanadas do ideário neoliberal, durante o governo Cardoso,
em seus dois mandatos, medidas diversificadas que flexibilizaram os direitos traba-
lhistas foram instituídas, as quais levantamos na coleta de dados de nossa pesquisa.
Ano Leis, Emendas Constitucionais e Legislação Inferior
1995
1)
Medida Provisória 1053 (MP):instituiu a desindexação salarial;
2) Portaria Nº 865: estabeleceu no art.1º, “que as convenções e acordos coletivos de
trabalho, bem como seus respectivos aditamentos, nos termos dos arts. 614 e 615
da Consolidação das Leis do Trabalho, serão recebidos pelo Ministério do Trabalho,
através de suas unidades competentes, para fins exclusivamente de depósito,
vedada a apreciação do mérito e dispensada sua publicação no Diário Oficial” e em
seu Art.4º, pre que a incompatibilidade entre as cláusulas referentes às
condições de trabalho pactuadas em convenção ou acordo coletivo e a legislação
ensejará apenas a comunicação do fato à chefia imediata, que o submeterá à
consideração da autoridade regional”.
1996 Denúncia da Convenção 158 da OIT. Em janeiro de 1996, o governo solicitou a rati-
ficação dessa convenção a qual institui que o empresariado deve justificar, de
forma escrita e não apenas oral, as razões das demissões de trabalhadores. Mas
em novembro do mesmo ano entrou com denúncia, ou seja, desistiu da integração
dessa norma à legislação trabalhista.
1997
1)
MP 1539-34: instituiu trabalho aos sábados e domingos no comércio varejista;
2) MP 1906: desvinculou a correção do salário mínimo de qualquer índice de reposi-
ção da inflação.
1998
1)
Lei 9601: instituiu o contrato temporário, permitindo que as empresas contratem
trabalhadores por 12 meses, prorrogável por igual período. As empresas podem
reduzir a contribuição do Fundo de Garantia de Tempo de Serviço FGTS de 8%
para 2%. Ao terminar o contrato, a demissão dos trabalhadores pode se dar sem
que a empresa tenha de pagar a multa de 40%. Na mesma lei regulamentou o ban-
co de horas, ampliando o prazo de compensação de horas extras para até 120 dias,
172
modificando o artigo 59 da CLT;
2) Emenda Constitucional n
0
20 (EC): reformou a previdência social. Essa emenda
introduziu importantes modificações nos Regimes Próprios de Previdência Social (os
RPPS´s) dos trabalhadores públicos e no do setor privado o Regime Geral da
Previdência Social (RGPS). Em especial, adotou como critério principal o tempo de
contribuição para a previdência social em substituição ao tempo de serviço, conju-
gado ou não com idade mínima. Também aos dois regimes, a EC estabeleceu a
necessidade de equilíbrio financeiro e atuarial para sua concretização. Limitou a
concessão de aposentadorias especiais, fixando-a apenas a professores de ensino
fundamental e médio e aos trabalhadores em atividades prejudiciais à saúde ou à
integridade física, extinguiu a aposentadoria proporcional por tempo de serviço. Es-
tabeleceu como limite máximo para aposentadoria do setor privado o valor nominal
de R$ 1.200,00, prevendo reajuste para preservar seu valor real, mas desvinculado
do salário mínimo, estabeleceu redutor de idade para ambos os regimes e dispôs
sobre os regimes de previdência privados, de natureza complementar e facultativo.
3) MP 1709: instituiu o trabalho em regime de tempo parcial, alterando a CLT, dis-
pondo que esse tempo parcial o exceda a 25 horas semanais e a remuneração
seja de acordo com a jornada. Na mesma MP amplia o prazo de compensação das
horas extras (do banco de horas) de até 120 dias para 12 meses, ou seja, um ano;
4) EC n
0
20: modificou o parágrafo VI do Art. 7
0
da Constituição que trata da irreduti-
bilidade do salário dos trabalhadores urbanos e rurais, flexibilizando com o acrésci-
mo da frase: salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo. Na mesma EC,
modificou o inciso XII que trata do salário-família. De para os dependentes dos tra-
balhadores ficou dependente do trabalhador de baixa renda nos termos da lei;
5) Portaria Nº 207: dispôs sobre o contrato de trabalho por prazo determinado,
aprovado na lei 9601 e estabeleceu procedimentos relativos ao depósito do referido
contrato e sua fiscalização.
1999
Decreto 3265, alterou o Regulamento da Previdência Social, introduzindo o “fator
previdenciário” para o cálculo da aposentadoria do RGPS.
2000
1)
Lei 8959: criou as Comissões Prévias: órgãos paritários de natureza jurídica, for-
mados por pessoas sem vínculo com a Justiça do Trabalho, tendo por objetivo a
solução de conflitos na Justiça do Trabalho, qualquer que seja sua natureza;
2) MP 1982-77: regulou a participação dos trabalhadores nos lucros ou resultados
da empresa como instrumento de integração entre o capital e o trabalho e como
incentivo à produtividade, nos termos do art. 7
0
, inciso XI da Constituição, para os
efeitos do disposto no parágrafo único do art. 62 da Constituição Federal, estabele-
cendo no art. 2
o
que essa participação é objeto de negociação entre a empresa e
seus empregados, mediante procedimentos escolhidos pelas partes de comum a-
cordo.
3) EC n
0
28: deu nova redação ao inciso XXIX do art. 7
o
e revogou o art. 233 da
Constituição Federal, realizando a redução da prescrição de ação quanto aos crédi-
tos resultantes das relações de trabalho rural de 5 para 2 anos.
2001
1)
MP 2164-41: modificou a MP de número 1709 de 1998, atingindo o Artigo 58-A da
CLT sobre trabalho em regime de tempo parcial 25 horas semanais. Dispôs que
as férias, para o trabalho em regime de tempo parcial, são de 18 a 8 dias, depen-
dendo do número de horas da jornada e não do número de meses trabalhados.
2) MP 2164-41 modificou a MP 1726 — a qual criou a figura da suspensão temporá-
ria do contrato de trabalho estipulando que o contrato de trabalho poderá ser sus-
penso por um período de dois a cinco meses para participação do empregado em
curso ou programa de qualificação profissional oferecido pelo empregador, com du-
ração equivalente à suspensão contratual, estabelecido em convenção ou acordo
coletivo de trabalho e com aquiescência formal do empregado. No artigo
3
o
estabelece que o empregador poderá conceder ao empregado ajuda compensa-
tória mensal, sem natureza salarial, durante o período de suspensão contratual nos
termos do caput deste artigo, com valor a ser definido em convenção ou acordo co-
letivo. No artigo 18 criou o Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalha-
173
dor (CODEFAT) composto por representantes de trabalhadores, empregadores e
órgãos governamentais e instituiu uma bolsa do FAT para trabalhadores demitidos,
com contrato de trabalho suspenso para a qualificação referida anteriormente;
3) Lei 10.243: incluiu um parágrafo no art. 58 da Seção II, que trata da jornada de
trabalho. No parágrafo incluído ficou estabelecido que o “tempo despendido pelo
empregado até o local de trabalho e para o seu retorno, por qualquer meio de trans-
porte, não será computado na jornada de trabalho, salvo quando, tratando-se de
local de difícil acesso ou não servido por transporte público, o empregador fornecer
a condução”.
2002
Portaria n
0
329: estabeleceu procedimentos para a instalação e o funcionamento das
Comissões de Conciliação Prévia e Núcleos Intersindicais de Conciliação
Trabalhista.
O Projeto de Lei 5483/01 que propunha modificar o artigo 618 da CLT, permi-
tindo a empregadores e empregados negociações sobre horas extras, repouso se-
manal, férias e outras, apresentado pelo governo Cardoso, foi aprovado na Câmara
dos Deputados, mas não foi votado no Senado em função da resistência de setores
do movimento sindical dirigidos pela CUT, que incluiu uma greve geral.
Como pudemos constatar, em nossa pesquisa, leis, MP(s) e portarias —
chamadas de legislação inferior deram início, efetivamente, durante o governo
Cardoso, à flexibilização da legislação trabalhista, ganhando destaque, pelos aspec-
tos quantitativos e qualitativos, o ano de 1998, seguido pelos anos 2000 e 2001.
Podemos dizer que a intenção governamental foi flexibilizar a remuneração, a
aposentadoria, as relações com os órgãos de regulação como a Justiça do Trabalho,
pelas Comissões de Conciliação Prévia e Núcleos Intersindicais de Conciliação
Trabalhista, a jornada de trabalho, enfim, atingir inúmeros aspectos dos direitos tra-
balhistas. Mas o cerco maior parece ter sido à jornada de trabalho com três mudan-
ças significativas: jornada parcial; banco de horas e aumento do prazo para sua utili-
zação; supressão da contagem, na jornada de trabalho, do tempo gasto em trans-
porte até a empresa e no retorno ao domicílio, a não ser quando for local de difícil
acesso ou não servido por transporte público e o empregador tiver de fornecer a
condução.
Para Leite (1997, p.31), as mudanças realizadas pelo governo Cardoso mos-
tram uma tendência ao “retrocesso doutrinário” pois deixa-se de visar o “Direito do
Trabalho fundado e escudado em dispositivos legais”, ancorando-se apenas “em
174
normas provenientes de contratos e acordos coletivos, ou nos próprios regulamentos
das empresas”. A intenção foi, de fato, impor o acordado sobre o legislado.
O ideário neoliberal, que concretiza os interesses do capital financeiro e das
grandes corporações, comandantes contemporâneos do novo padrão de acumula-
ção, tem como conteúdo a imposição da liberdade de mercado, como se as relações
entre trabalhadores e empregadores fossem relações entre iguais, deixando à mão
invisível, de que nos fala Adam Smith, a promoção do bem-estar de todos. Também
no Brasil, o mercado deve ser livre de restrições de toda ordem para a produtividade
e lucratividade. Bonfim (1997, p.48) ressalta a ressurreição da “metáfora da mão in-
visível”, tão cara aos liberais.
.... os principais guardiões dos ideais e das práticas neoliberais em todas as
partes do mundo têm sido o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco
Mundial ou Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD)
e a Organização Mundial do Comércio (OMC) [...]. Três guardiões dos ideais
e das práticas do neoliberalismo; ou a santíssima trindade guardiã do capital
em geral, um ente ubíquo, como um deus.
A OIT perdeu força política em nível mundial para ampliar direitos trabalhistas,
tornando-se central, desde 1998, o denominado Trabalho Decente. O conceito de
Trabalho Decente e seus eixos centrais
187
mostram uma redução na perspectiva de
direitos trabalhistas na OIT, ao mesmo tempo em que expressam uma preocupação
com as diferentes formas de contratos precarizados existentes hoje em todo o mun-
do:
Trabalho Decente é um trabalho produtivo e adequadamente remunerado,
exercido em condições de liberdade, eqüidade, e segurança, sem quaisquer
formas de discriminação, e capaz de garantir uma vida digna a todas as
pessoas que vivem de seu trabalho. Os quatro eixos centrais da Agenda do
Trabalho Decente são a criação de emprego de qualidade para homens e
mulheres, a extensão da proteção social, a promoção e fortalecimento do
diálogo social e o respeito aos princípios e direitos fundamentais no traba-
lho, expressos na Declaração dos Direitos e Princípios Fundamentais no
Trabalho da OIT, adotada em 1998:
1. Liberdade de associação e de organização sindical e reconhecimento
efetivo do direito de negociação coletiva (Convenções 87 e 98);
2. Eliminação de todas as formas de trabalho forçado ou obrigatório (Con-
venções 29 e 105);
3. Abolição efetiva do trabalho infantil (Convenções 138 e 182);
4. Eliminação da discriminação em matéria de emprego e ocupação (Con-
venções 100 e 111).
187
Disponível em http://www.oitbrasil.org.b, consultado em fevereiro de 2008.
175
No Brasil, a condução política do governo Cardoso, cujo partido reivindica-se
da social-democracia, esteve em total sintonia com as orientações emanadas do
Banco Mundial e do FMI. Do ponto de vista da legislação trabalhista, provocou mu-
danças profundas.
Para Maccalóz (1997, pp.20-23), a perspectiva hegemônica durante o gover-
no Cardoso foi a de flexibilizar a “utilização da força de trabalho e qualquer modali-
dade de garantia de emprego”, com tendência à “extinção de direitos”, caracterizan-
do-se como um “retrocesso jurídico, político, social e democrático”, que nos joga a
uma situação como a vivida nos períodos iniciais do século XX. O retrocesso ao qual
a autora refere-se é parte intrínseca da contra-reforma, como apontam Coutinho
(2007) e Behring (2003), também vivida no Brasil com a implantação do neolibera-
lismo.
As (poucas) reformas conquistadas aqui, em especial ao longo do século XX,
as quais garantiram um nível mínimo (nunca ximo e nem a todos os trabalhado-
res) de direitos humanos, compreendidos dentro deles os sociais e trabalhistas, so-
freram, nesse governo, uma desconstrução brutal, um verdadeiro retrocesso. Ga-
nharam ênfase os momentos de restauração e não de assimilação de demandas
das classes subalternas, como aponta Coutinho (2007), trazendo sérias conseqüên-
cias aos trabalhadores brasileiros. Se, na Europa, como mostra Mattos (1998a,
p.54), o neoliberalismo “atingiu sociedades em que o nível de controle sobre o mer-
cado de trabalho e as conquistas dos trabalhadores haviam avançado muito desde o
pós-guerra”, em terras brasileiras, a pletora resultante da flexibilização incidiu em um
“mercado de trabalho em que inexiste garantia contra a demissão imotivada e em
que o seguro desemprego é conquista recente e restrita”. Com um detalhe importan-
te: “as fórmulas e os discursos estavam disponíveis em abundância no mercado
internacional quando os empresários e políticos brasileiros deles se apropriaram”.
Adotaram tais discursos para justificar “com grande furor”, em especial, a flexibiliza-
ção dos direitos trabalhistas, mesmo sendo o Brasil uma “sociedade em que as regu-
lações do mercado sempre se fizeram em função dos interesses diretos de frações
do capital próximas ao aparelho de Estado” e os direitos dos trabalhadores “sempre
foram limitados em sua abrangência”, flexíveis e “marcados pelo caráter autoritário
do controle estatal sobre as organizações sindicais” (MATTOS, 1998a, p.54).
176
Com Coelho (2005, p.422), vimos que o governo Cardoso flexibilizou direitos
trabalhista para “facilitar a imposição de rebaixamentos no valor da força de traba-
lho”, proceder à superexploração. Em conjunto com o aumento do “exército de re-
serva”, a flexibilização e “a proliferação das formas precárias de arregimentação da
força de trabalho provocaram o rápido aumento da concorrência entre os trabalhado-
res”. Mais “que isso, levaram também ao aprofundamento da diferenciação interna
da classe trabalhadora”, intensificando a distinção, histórica, entre os setores que
possuem “emprego formal e outros precarizados, entre os vínculos empregatícios
duradouros e temporários, entre aqueles que se ocupam em tempo integral e em
tempo parcial”. Os trabalhadores foram colocados na posição de optar entre perder
direitos ou perder o emprego. Embora a produtividade continuasse a crescer, para
os trabalhadores era uma situação extremamente grave, pois o emprego decresce-
ra
188
. As medidas de flexibilização, com a justificativa de combater o desemprego, na
verdade, levaram à sua intensificação e, em 2002, último ano do governo Cardoso,
segundo dados do IBGE, encontrava-se em torno de 11,0% da PEA
189
. Além disto,
como mostra Behring (2003, p.221), segundo dados do IBGE, a informalização cres-
ceu, antes de diminuir, “com as novas formas de contrato de 46,4% em 1993, pa-
ra 53,8% em 2000”.
O BM, no Relatório da Estratégia de Assistência ao País (EAP) para a repú-
blica federativa do Brasil (2000 2003)
190
, considerou as várias medidas estrutu-
rais efetivadas como determinantes para avanços na situação econômico-política e
social do país, com destaque para a contra-reforma da previdência e as alterações
das leis trabalhistas. Não obstante isso, segundo o BM, as alterações das leis traba-
lhistas ainda não estão completas, necessitando a aprovação do Projeto de Lei
5483/2001
191
, que permite a predominância das negociações coletivas sobre a lei.
188
Para Mattos, o crescimento da produção e da produtividade revelam-se diferentes ao do emprego. Informa o
autor, que os dados “dos fabricantes de veículos e autopeças, sistematizados pelo Dieese, indicam que entre 1991
e 1995 as taxas de crescimento da produção, da produtividade e do emprego foram, respectivamente, de 70%,
78% e -5%. Ou seja, enquanto a produtividade do trabalho quase dobrou, o emprego foi reduzido”. M. B.
MATTOS. Entregando a mão para não perder os dedos: o sindicalismo brasileiro e o desemprego. In: Revista
Outubro, São Paulo, Instituto de Estudos Socialistas. N
0
1, 1998a, p.59.
189
Dados extraídos da Pesquisa Mensal do Emprego (PME) do IBGE pesquisa domiciliar amostral nas seis
principais áreas metropolitanas do país: Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo e Porto
Alegre.
190
Disponível no site do Banco Mundial. http://go.worldbank.org consultado em julho de 2008.
191
Esse Projeto de Lei, como apontamos, foi aprovado na Câmara Federal em 2001, mas não foi votado no
Senado em decorrência da forte pressão do movimento sindical brasileiro, que incluiu uma greve geral no
mesmo ano, dirigida pela CUT.
177
Para o BM, essas modificações o fundamentais e devem ser implantadas para
modernizar o código trabalhista e complementar políticas governamentais para o
mercado de trabalho, destinadas a diminuir o desemprego. Considera a flexibilização
da legislação trabalhista como o mecanismo adequado para o cumprimento das
normas trabalhistas existentes e o estabelecimento de contratos formais de emprego
de mão de obra. Ou seja, o argumento do BM é tirar direitos dos trabalhadores para
beneficiar ... os trabalhadores!
A lacuna
192
identificada pelo BM nos permite concluir que, nos oito anos de
mandato de Cardoso, apesar do refluxo das mobilizações, as lutas ocorridas impedi-
ram, em alguma medida, a implantação inteira do projeto neoliberal. Além do movi-
mento sindical e social, o PT situava-se no período entre os partidos de esquerda
que atuavam em defesa dos direitos do trabalho e de políticas sociais de caráter es-
tatal e universal, posicionando-se contrário, senão a todos, a muitos dos projetos do
governo Cardoso. Esse processo frustrou, por exemplo, a intenção de Cardoso de
encerrar a era Vargas, de romper as amarras da CLT, impedindo que o negociado
viesse a prevalecer inteiramente sobre o legislado.
Em 2002, o PT canalizou eleitoralmente a insatisfação de amplos segmentos
da população brasileira, elegendo Luis Inácio Lula da Silva.
3.4. Na contemporaneidade, o neoliberalismo e o governo Lula: continuidade
ou ruptura?
Quando Lula tornou-se presidente, o ideário neoliberal, que conduziu as priva-
tizações, a contra-reforma do Estado e das políticas sociais, a reestruturação produ-
tiva e sua acompanhante no âmbito jurídico, a flexibilização da legislação trabalhista,
já afetara profundamente o mundo do trabalho. Segundo Tumolo (2002, p.64), a “he-
terogeneidade generalizada” tornou-se sua “marca distintiva”, ocorrendo “não en-
tre as empresas, mas também no interior delas”. A implantação do modelo japonês,
o toyotismo, também no Brasil, substituiu em muitos locais de trabalho o binômio
192
Além da lacuna nas medidas de modernização da legislação trabalhista, no âmbito das reformas estruturais,
para o BM, lacunas também nos mecanismos de aperfeiçoamento do ajuste fiscal e no ambiente favorável ao
crescimento. Continuam sendo pontos centrais, em sua agenda, a reforma fiscal, a autonomia do Banco Central,
o aprofundamento da reforma no sistema de aposentadorias no serviço público, a conclusão da reforma
administrativa. Relatório da Estratégia de Assistência ao País (EAP) para a república federativa do Brasil (2000
— 2003. Disponível no site do Banco Mundial. http://go.worldbank.org
, consultado em julho de 2008.
178
fordismo-taylorismo, trazendo novas formas de organização dos processos de traba-
lho como qualidade total, círculos de controle de qualidade, reengenharia, Just in
Time, entre outras. Em alguns espaços, os dois modelos convivem e, em outros, o
modelo fordista-taylorista persiste quase que inteiramente
193
.
Passos de Oliveira (2006, p.4) mostra que a reestruturação produtiva
provocou, dentre inúmeras transformações, uma “nova espacialização industrial” no
Brasil. Embora não possamos deixar de considerar que o ABC paulista, por
exemplo, continua a ser um pólo industrial de peso no país, houve mudanças em
relação à conformação apresentada em fins da década de 1970. Para o autor,
indústrias de regiões metropolitanas deslocaram-se em direção ao interior por
considerarem os custos das áreas urbanas pesados como o alto valor dos “aluguéis
de imóveis, a tributação excessiva, a organização sindical e maior custo da mão-de-
obra”. Essa transferência foi facilitada por governadores que, disputando entre si,
ofereciam condições favoráveis ao capital, mas também o “desenvolvimento das
telecomunicações da rede informacional” contribuiu. Antunes
194
é outro autor que
identifica importantes diferenciações no processo de trabalho. A “classe trabalhadora
esparramou-se”, a planta das fábricas não segue mais o padrão taylorista e
fordizada do “passado recente, com milhares de trabalhadores”.
As unidades são enxutas. O maquinário técnico-operacional é avançado e a
estrutura das empresas é menor e espraiada em um sistema de redes e
contratadas. Com essa estrutura em rede, além da redução dos custos das
empresas, os capitais buscam fraturar a organização de classe dos
trabalhadores. Registrou-se uma retração do proletariado industrial taylorista
e fordista, e uma ampliação das múltiplas formas de assalariados. A
indústria tem peso, mas ela está na imbricação com os serviços, com a
agricultura e com o setor financeirizado. É importante lembrar que a
financeirização não existe sem lastro material.
Esse processo, incluindo as alterações tecnológicas da informática, a
automação, a liberalização comercial, a ampliação do setor de serviços e,
fundamentalmente, a flexibilização dos direitos trabalhistas, alterou radicalmente o
perfil dos trabalhadores. Ainda com base em Antunes (1999, p.209), verificamos
193
Tumolo identifica as pesquisas realizadas por inúmeros estudiosos do mundo do trabalho, as quais mostram
os vários caminhos percorridos pelas mudanças no processo de trabalho, suas heterogeneidades e
homogeneidades. Como esse aprofundamento foge aos limites de nosso debate, remetemos seu estudo ao
instigante livro do referido autor: Da contestação à conformação: a formação sindical e a reestruturação
capitalista. P.S. TUMOLO. Campinas, SP, Editora da UNICAMP, 2002.
194
Entrevista de R. ANTUNES e M. POCHMAN a A.KASSAB. O novo mundo do trabalho. O trabalho no novo
mundo. Jornal da UNICAMP. Online. Edição 354, de 9 a 15 de abril de 2007, www.unicamp.
179
uma “significativa heterogeneização, complexificação e fragmentação” da classe
trabalhadora brasileira, do mesmo modo como vem ocorrendo em todo o mundo.
Desde a implantação da reestruturação produtiva, com a terceirização e a
flexibilização dos direitos trabalhistas, em especial durante o governo Cardoso, a
tendência à subproletarização e precarização, historicamente existente no Brasil,
intensificou-se.
Tais mecanismos acarretaram ganhos elevados de produtividade para o
capital, com uma significativa redução do nível salarial. Ou seja, mesmo aqueles
trabalhadores das indústrias com tecnologia avançada, cuja força de trabalho é mais
qualificada e os salários são maiores em comparação aos demais, tiveram ganhos
aquém da produtividade atingida pelas empresas com seu trabalho. A
superexploração da força de trabalho, historicamente presente na estrutura salarial
brasileira, acentuou-se e o desemprego, usado à exaustão como justificativa para
todas as medidas de flexibilização dos direitos trabalhistas, não abrandou-se.
Frente a esse quadro, o governo Lula parecia conter, para amplos segmentos
dos trabalhadores, a possibilidade de ruptura. Para Sader (2009, p.86):
Duas mudanças principais definiram o tom a partir da metade do terceiro
ano de mandato e consolidaram a nova fisionomia. A nomeação de Dilma
Rousseff para a Casa Civil, com o objetivo de coordenar as ações
econômicas e sociais do governo, assim como a substituição de Palocci por
Guido Mantega, um ministro desenvolvimentista, que não daria continuidade
à orientação anterior do Ministério da Economia, foram responsáveis por
transformações que, embora sem rupturas, estabeleceram uma nova
orientação.
Sader (2009, p.89) considera que, tendo em vista a importância da
“integração regional em relação aos tratados de livre-comércio e a promoção dos
direitos econômicos e sociais dos mais pobres”, o “caráter progressista do governo
Lula é predominante”:
Ele contribui para um mundo multipolar, privilegiando os processos de
integração regional e as alianças Sul-Sul; além disso, vem desempenhando
um papel importante no Grupo dos 20 (aliança dos países subesenvolvidos)
e em outras iniciativas dessa natureza.
Como mostra Behring (2008, p.160), houve “avanços possíveis” quando
observamos uma certa recomposição do quadro de recursos humanos do governo
federal, com a realização de concursos em várias áreas que encontravam-se
180
desprofissionalizadas e, em especial, houve inovação no âmbito da assistência com
a criação do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), por exemplo, pelo
Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS).
O MDS, em sintonia com o Conselho Nacional de Assistência Social
(CNAS), empreendeu um intenso esforço de regulação na área, expresso
principalmente na Política Nacional de Assistência Social (PNAS
novembro de 2004), que fundamenta a instituição do SUAS, na Norma
Operacional Básica (NOB/SUAS — julho de 2005), que materializa os fluxos
de gestão do SUAS e na Norma Operacional Básica de Recursos Humanos
(NOB-RH/SUAS 2006), que estabelece perspectivas de gestão do
trabalho, diretrizes para planos de cargos e carreiras, diretrizes para
capacitação, responsabilidades dos gestores em relação aos trabalhadores
nos vários entes federativos e outros.
Buscou-se reverter com essa política, as ações voltadas para as “vítimas mais
visíveis do ajuste fiscal neoliberal, para os mais pobres, dentre os mais pobres, os
mais ‘vulneráveis’, os ‘excluídos’, ou ‘em ‘situação de risco’, segundo os termos em
voga”, no governo Cardoso. O Programa Bolsa-Família (PBF) também trouxe
inovações por tratar-se de um programa de transferência de renda que unificou as
outras várias bolsas existentes; é financiado com verbas orçamentárias “(parte fiscal
e parte da seguridade)”; tem implementação transparente; contribui para a cobertura
da vacinação e matrícula; produz um cadastro único para mapear necessidades e
permitir o acesso de maior número de pessoas; impacta a economia dos pequenos
municípios e o cotidiano da vida das pessoas, em especial, na área da alimentação
(BEHRING, 2008, p.169). Inclusive, o governo Lula, em 2007, priorizou liberações
maiores para o programa bolsa-família, atingindo cerca “de 11 milhões de famílias”,
as quais “recebem até R$ 120 por pessoa”, com 8,7 bilhões de recursos investi-
dos
195
. A pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Análise Social e Econômica
(IBASE), no mesmo ano, por exemplo, mostrou que o bolsa-família trouxe melhorias
para a população que a recebe, pois 87% utilizam-se do programa para alimentar-
se. Segundo dados da pesquisa, os trabalhadores que recebem o bolsa-família au-
mentaram tanto a quantidade como a variedade dos alimentos consumidos. Dos
pesquisados, 73,7% afirmaram ter aumentado a quantidade de alimentos que ti-
nham o hábito de consumir e 69,8% aumentaram a variedade
196
.
195
EM QUESTÃO. Secretaria de Comunicação da Presidência da República, n
0
664. Brasília, junho de 2008.
Disponível em http://www.brasil.gov.br
196
Bolsa Família: dinheiro é usado para comprar comida. Site do UOL Online. Agência Brasil.
@smtp.uol.com.br 28/06/2008. A pesquisa ouviu cinco mil titulares do cartão Bolsa Família em 229 municípios,
181
Algumas outras diferenciações foram possibilitadas pela conjuntura
econômico-financeira internacional mais favorável. Nesse quadro, o governo Lula
estimulou ostensivamente a exportação, instituiu medidas de expansão da infra-
estrutura com ampliação da eletrificação rural e o Programa de Aceleração do
Crescimento (PAC) sempre centrado nas Parcerias Público-Privado (PPP),
atendendo ao ideário neoliberal; aumentou o crédito habitacional, expandindo o
crédito para o consumo popular. Essas e outras ações, voltadas para o crescimento
possibilitaram, ao governo Lula, uma diferenciação em relação a seu antecessor e,
de fato, um índice de crescimento maior.
Todavia, ao longo dos dois mandatos, o superávit primário, por exemplo, foi
elevado sistematicamente, continuando a ser uma das ações fundamentais no
governo Lula, situando-se, no final de 2008, em torno de 4,38 do PIB
197
, reduzindo,
por sua vez, as margens do crescimento perspectivado. A política concertada com o
FMI tem continuidade na prioridade do pagamento dos juros da dívida e nas altas
taxas de juros
198
. Para cumprir essa meta, para cobrir pelo menos uma parte dos
encargos da dívida, o governo optou, em seus dois mandatos, por cortar gastos, im-
pondo também aos governos estaduais e municipais essa política, não importa o
quanto atinja as áreas sociais
199
. As dívidas externa e interna continuam a dominar o
cenário nacional sem enfrentamento com os “segmentos parasitário-financeiros”
(Netto, 2004, p.11), ao contrário, o governo continua refém dos seus movimentos
com a justificativa de evitar o caos. Ou seja, mantém "as políticas de desregulamen-
nas cinco regiões brasileiras. Consultado em junho de 2008.
197
Entre janeiro e julho de 2008, as “contas do setor público consolidado - formado pelos dados fiscais do Go-
verno Central (Banco Central, INSS e Tesouro Nacional), Estados, municípios e estatais federais e estaduais -
acumulam um superávit primário de R$ 98,225 bilhões, [...] equivalente a 6,01% do Produto Interno Bruto
(PIB)”, segundo dados do Banco Central. “Em igual período de 2007, o superávit primário somava R$ 79,578
bilhões, correspondente a 5,5% do PIB. No período dos últimos 12 meses até julho de 2008, o setor público
registrou superávit primário de R$ 120,254 bilhões, correspondendo a 4,38% do PIB. O superávit primário é a
economia que o governo faz para o pagamento da dívida pública. O saldo primário não leva em conta as despe-
sas com juros da dívida, no período”. Governo economizou R$ 98 bi até julho, sem contar juros Agência Estado.
Online, Economia. 27 de agosto de 2008.
198
A taxa básica de juros (Selic) em fevereiro de 2009 continua em 12,75% ao ano.
199
Em 2007, o Brasil gastou mais de R$ 160 bilhões com pagamento de juros, quantia que ultrapassa em três
vezes a previsão de investimentos com saúde no mesmo ano (R$ 43,9 bilhões) e 59 vezes mais do que os gastos
com educação (R$ 2,7 bilhões) pelo governo federal. Informação publicada no endereço disponível
http://www.brasildefato.com.br . Behring mostra que os “mecanismos da atual política econômica como a DRU,
entre 2002 e 2004, retiraram cerca de 45,2 bilhões de reais da seguridade, e apenas em 2006, 33,8 bilhões, se-
gundo Boschetti (2006). um crescimento vegetativo dos recursos para a seguridade, que se manteve variando
entre 10 e 11% do PIB entre 2000 e 2005 [...]”. E. BEHRING. Trabalho e Seguridade Social: o neoconservado-
rismo nas políticas sociais. In E. BEHRING; M. H. T. ALMEIDA, (orgs.). Trabalho e Seguridade social: percur-
sos e dilemas.São Paulo: Cortez; Rio de Janeiro: FSS/UERJ, 2008, p.163.
182
tação financeira, de juros elevados e de superávit primário cavalar, que propiciam a
livre circulação e elevada lucratividade do capital financeiro" como aponta Boito Jr.
(2004, p.03). Dá continuidade, aprofundando, às exportações, destacando-se os
produtos primários como a soja transgênica, por exemplo, com privilégio do
agronegócio
200
em detrimento da reforma agrária; não reverte as privatizações
que dilapidaram o patrimônio público e expandiram a terceirização —, prosseguindo
os leilões para licenças de exploração privada do petróleo e gás.
Além disso, tem como “forte fio de continuidade” com o governo Cardoso,
segundo Behring (2008, p.163), a “parca alocação de recursos para a seguridade
social”, em geral, e a assistência social em particular, colocando em risco a “efetiva
implantação do SUAS”, que constitui elemento de real inovação desse governo. Ou
seja, “a inovação esbarra nos elementos de continuidade” (BEHRING, 2008, p.163).
Em relação ao Programa Bolsa-família, também, ao par com inovações
continuidades com a condução neoliberal pois não se constitui um “direito adquirido
a exemplo do Programa de Prestação Continuada (BPC) e da aposentadoria rural,
ficando ao sabor da disposição política do governo” e muitos trabalhadores têm
contrato temporário, com direitos flexibilizados (BEHRING, 2008, p.169). Outro
aspecto a considerar, tanto no SUAS, quanto no PBF é a centralidade na família e
no território, ao situar a renda, e não no trabalho. Como aponta Behring (2008,
p.168), na sociedade burguesa, é o trabalho que “define as condições reais de
existência, a inserção de classe, as possibilidades políticas de participação efetiva
na apropriação da riqueza, neste mundo de abundância e escassez [...]. Quando se
desloca desse âmbito, as políticas sociais deixam de ser vistas como um “sistema
amplo, relacionado às demais políticas de seguridade, em especial, a previdência
social”. Nos Centros de Referência da Assistência Social (CRAS), “portas de
entrada” do SUAS, a centralidade do trabalho está nas famílias e nas pessoas. Para
a autora, essa concepção retoma “de certa forma a idéia proudhoniana da sociedade
200
Desde o desencadeamento da nova fase da crise, o setor que mais demitiu foi o agronegócio, totalizando
184,9 mil trabalhadores. O agronegócios é apontado pelo governo Lula como um dos agentes do crescimento
econômico e "desenvolvimento nacional", responsável por 42% do total de exportações. No Vale do São
Francisco, “Califórnia do Nordeste”, a situação é gravíssima, pois só entre novembro/dezembro de 2008 e
janeiro de 2009, 10 mil pessoas ficaram desempregadas. Juntamente com o desemprego, observa-se as empresas
enterrarem ou deixarem apodrecer toneladas de mangas, por exemplo, numa das regiões mais pobres do país, que
vive, no momento, uma seca de grandes proporções. Esta é a essência do capital, expressa contundentemente
sempre que crise. J. R. PRIETO. Vale do São Francisco: Da falência do "agronegócio" brotam as vinhas da
ira. Disponível em
http://www.anovademocracia.com.br, consultado em março de 2009.
183
como um agrupamento de famílais”, provocando a perda da “dimensão de classe”.
Essa “ausência na política”, pode obscurecer que as diferentes expressões da
desigualdade social, como aponta Behring (2008, p. 168), vão além de situações de
indivíduos e famílias, são referentes à sociedade do capital e, no Brasil, às suas
particularidades, cujas expressões mais graves constituem “uma espécie de
regularidade histórica”, porque é um país com um dos maiores índices de
“concentração de renda e de riqueza do mundo e mais resistente a qualquer pacto
redistributivo ao longo de sua história até e, diria, principalmente nos dias de
hoje”.
No âmbito da saúde, o sucateamento dos hospitais públicos é a tônica,
acompanhado pelo Projeto de Lei Complementar n
0
92, apresentado ao Congresso
Nacional, em 2007, que propõe regulamentar o inciso XIX do art. 37 da CF/88, em
sua parte final, para definir as áreas de atuação de fundações de direito público ou
privado instituídas pelo Estado que, entre várias ações, terceiriza a administração
dos hospitais. Na educação, a ação governamental fortalece o ensino superior pri-
vado, atendendo às orientações da OMC. O projeto de lei 920/06 incrementa o Fun-
do de Financiamento Estudantil (Fies), mas o centro é o PROUNI que, através da
renúncia fiscal, financia bolsas de estudos nas Instituições de Ensino Superior priva-
das.
Além disto, a manutenção do cerco aos direitos do trabalho e a ausência de
uma política exterior autônoma em relação aos EUA, por exemplo, em função do
envio e manutenção de tropas no Haiti, são parte do conjunto de elementos que de-
monstram que o governo Lula, essencialmente, não rompeu com a condução eco-
nômico-política de Cardoso, ao contrário, deu continuidade, consolidando o modelo
neoliberal sob hegemonia do capital financeiro, bem como de seus mecanismos
ordenadores e reguladores da vida em sociedade.
O primeiro passo na continuidade do cerco aos direitos do trabalho
expressou-se na Emenda Constitucional (EC) n
0
41
201
, referente à previdência
social, encaminhada ao Congresso no primeiro semestre de 2003, atendendo à
201
Aprovada em dez/03, modificou artigos da Constituição Federal, dispositivos da Emenda Constitucional nº 20
de 15/12/98, além de fixar em R$2.400,00 o teto para a aposentadoria dos trabalhadores do Regime Geral da
Previdência Social (RGPS). A. M. P. TEIXEIRA. Previdência social no Brasil: da revolução passiva à contra-
reforma. Tese de doutorado em Serviço Social. Rio de Janeiro, UFRJ, 2006.
184
Carta Compromisso do governo Lula ao FMI
202
, acompanhada de uma ofensiva
campanha ideológica, via mídia, que mostrava os trabalhadores do serviço público
como privilegiados, a reforma como meio de “promoção da justiça social” e reversão
do “déficit da Previdência”. Mas foi acompanhada também por ações repressivas
aos trabalhadores do serviço público que se manifestaram contrários, de liberação
de verbas a parlamentares que a aprovaram e de punição e expulsão de
parlamentares do PT que votaram contra.
Ainda no âmbito da legislação previdenciária, observamos propostas de mu-
danças também no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), em 2007, volta-
das para criação de idade mínima para aposentadorias do Instituto Nacional de Se-
guridade Social (INSS) e desvinculação do valor do salário mínimo aos demais be-
nefícios sociais. Entretanto, como não foi possível incluir esses itens no PAC, o Se-
cretário do Tesouro os manteve, propondo sua discussão em um novo fórum criado
pelo governo: o Fórum Nacional de Previdência (FNP) (Peres, 2007). Ao mesmo
tempo, observa-se uma insistência em aumentar o campo de incidência da Desvin-
culação das Receitas da União (DRU) sobre os recursos do INSS, o que pode signi-
ficar um desvio maior dos recursos da previdência para o superávit primário. Assim,
os eventuais avanços são anulados pela continuidade do neoliberalismo no conjun-
to da condução econômico-política do governo Lula, que permanece buscando e
defendendo mudanças como imprescindíveis para a governabilidade
203
.
No âmbito da legislação trabalhista, a continuidade se expressa na flexibiliza-
ção, fundamentada através de diversos órgãos estatais, observando-se uma signifi-
202
Carta Compromisso do governo Lula ao FMI, de 28 de fevereiro de 2003, assinada pelo Ministro da Fazenda
e Presidente do Banco Central. Disponível no Portal do governo brasileiro. http://www.brasil.gov.br, consultado
em 2003.
203
A governabilidade diz respeito à legitimidade política de um governo, diferindo-se da governance, que é a
“capacidade financeira e administrativa de governar”. E. R. BEHRING. Brasil em contra-
reforma:desestruturação do Estado e perda de direitos. São Paulo, Cortez, 2003, p.173. Para Fiori, a governabili-
dade é uma categoria estratégica, cujos objetivos imediatos podem variar segundo o tempo e o lugar, mas que
será sempre e irremediavelmente situacionista”. Ela aparece nos anos 1960, por exemplo, como conceito chave
na inflexão conservadora das teorias da modernização ou do desenvolvimento político, voltado para as discus-
sões sobre o desenvolvimento econômico e a construção democrática da periferia capitalista, mas desde os anos
1990, consta na agenda do Banco Mundial (BM) e de outras instituições multilaterais como uma preocupação
com o que eles denominam governance ou good governance. É uma nova definição que mostra como deve ser
um governo enxuto, bom, mas principalmente, confiável para a comunidade financeira internacional. Deve-se a
eles a construção do senso comum atual que “condiciona a governabilidade dos países à implementação de "re-
formas estruturais" e à construção de instituições político-econômicas transparentes e confiáveis do ponto de
vista da estabilidade das leis e da manutenção dos equilíbrios macroeconômicos”. J. L. FIORI. Ensaio: governa-
bilidade, por que e qual? In Revista Teoria & Debate, n
0
29. São Paulo, Fundação Perseu Abramo, 1995.
185
cativa consonância com os pressupostos dos organismos diretamente geridos pelos
representantes do capital.
3.5. Os fundamentos ídeo-políticos da flexibilização na contemporaneidade
No texto do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) intitulado Brasil:
o estado de uma nação (2006), as legislações trabalhista e previdenciária, a negoci-
ação coletiva e a justiça do trabalho, nomeadas de "instituições do mercado de tra-
balho", são consideradas como elementos que interferem negativamente na compe-
titividade das empresas. Limitam as empresas em decorrência da nova realidade
mundial, entravando o desempenho do mercado de trabalho e da economia. No di-
agnóstico da economia brasileiro, aparecem os problemas de fundo:
O crescimento da seguridade social, como seguro desem-
prego, seguro saúde e aposentadoria, que “induz à redução
da taxa de poupança da economia e, com isso, do potencial
de crescimento econômico..." (IPEA, 2006, p.243).
O benefício rescisório do Fundo de Garantia por Tempo de
Serviço (FGTS) e o seguro desemprego, que levam o traba-
lhador a ficar “menos propenso a procurar outro emprego
ou aceitar outros tipos de emprego” e têm um custo elevado
para os empregadores (IPEA, 2006, p.243);
As “restrições à demissão e à contratação de trabalhadores
em regime de emprego temporário”, que reduzem as possi-
bilidades desse tipo de contratação (IPEA, 2006, p. 244-
245).
Considerando-se esse diagnóstico, de acordo com o texto:
As várias regras do contrato individual (benefícios rescisórios, custo das ho-
ras extras, bonificações legais como o décimo terceiro salário), negociações
coletivas acima do nível da empresa (nacionais ou setoriais), bem como a
ação de árbitros ou da Justiça do Trabalho [...] reduzem a flexibilidade das
empresas [...], caindo a taxa de crescimento da economia, do emprego e da
renda do trabalho.
Os direitos trabalhistas, negociações coletivas e a justiça do trabalho, então,
prejudicam as empresas e o próprio trabalhador, pois faz cair a taxa de emprego e a
“renda do trabalho”. Uma das causas dessa situação é a Constituição Federal de
1988:
No artigo 7
0
adicionou novos direitos e ampliou outros e-
xistentes;
186
No artigo 8
0
"tornou a organização sindical mais livre, re-
duzindo as restrições quanto às bases de categorias e terri-
toriais, alem de tornar mais cil o seu registro junto aos ór-
gãos do governo";
No artigo 114 reforçou o papel de proteção da Justiça do
Trabalho.
Uma outra causa localiza-se nas amarras da CLT que impõem um alto “grau
de ingerência da lei sobre os contratos coletivos e desses sobre os contratos indivi-
duais, o que implica uma enorme uniformidade das condições de remuneração..."
(IPEA, 2006, p. 284). O diagnóstico se faz acompanhar de propostas de solução:
Reformar as "instituições do mercado de trabalho";
Evitar a valorização real do salário mínimo e desvincular o
valor dos demais benefícios sociais do seu valor (como a-
posentadoria, BPC e outros);
Transformar uma parte do FGTS em fundo previdenciário
resgatável apenas quando da ocasião da aposentadoria,
restringindo, assim, o seu acesso ao trabalhador;
Reduzir a multa paga pela empresa em caso de demissão
sem justa causa a 10% ou 15%, revertendo a maior parte —
2/3 ou ¾ ao governo para reforço do seguro desempre-
go;
Simplificar a CLT, com a manutenção apenas do “estrita-
mente necessário” para a preservação da “saúde do traba-
lhador”, através da manutenção de direitos básicos defini-
dos no artigo 7
0
da Constituição Federal".
Mudar os procedimentos da Justiça do Trabalho referentes
a julgamentos de dissídios individuais e coletivos, defen-
dendo restrições ao seu poder normativo.
Ainda na esfera governamental, dentre as várias falas do Presidente Lula, ob-
servamos o reforço da necessidade de reformas nos direitos trabalhistas, apontando
que “não é possível que as coisas [a Consolidação das Leis do Trabalho] feitas em
1943 não precisem de mudanças em 2007, 2008”
204
. Desconsidera, nessa fala, que
a CLT sempre passou por modificações, como pudemos observar no segundo capí-
tulo, as quais foram iniciadas, inclusive, pelo próprio governo Vargas, através do De-
creto-Lei n
0
8079 de 11 de outubro de 1945.
No âmbito da Justiça do Trabalho, também avanços do ideário neoliberal,
segundo Guedes (2007, p.1), “em detrimento do paradigma constitucional”:
204
Folha de São Paulo/ Online. Dinheiro, Sucursal de Brasília. 03/07/2007. A matéria referia-se à fala do
Presidente Lula em seu programa semanal de rádio Café com o Presidente do dia 02/07/2007.
187
Emerge uma legislação recheada de imperativos de modernização dos
conflitos distributivos e de sustento a uma organização produtiva.
Chanceladas pela jurisprudência, essas leis acabaram atraindo o direito do
trabalho para a órbita de um verdadeiro direito da economia ou da
racionalização econômico-social, responsável por uma significativa
transformação nas técnicas legislativas do sistema de fontes e da forma de
legitimação do direito do trabalho, o que, com propriedade, Massimo
D'Antona denominou de oportunismo metodológico.
A flexibilização dos direitos trabalhistas caminhou agilmente no Brasil em fun-
ção da aceitação, por parte de uma ponderável parte dos juízes brasileiros, da ra-
cionalização econômico-social.
O pensamento único estendeu-se sobre a idéia de que o desemprego era
inexorável e que a única forma de amainar seus efeitos era aceitar a flexibi-
lização [...]. Longe de evitar o desemprego em massa, esse apanágio da ra-
zão cínica criou um regime de trabalho precário que não pára de crescer, e,
dado seu alto poder de instrumentalização das pessoas, favorece a banali-
zação do mal. O psicoterror no trabalho prospera na new economy [...]
(GUEDES, 2007, p.2).
Rodrigues (2008, p.106), em sua dissertação de mestrado “Magistratura e
Neoliberalismo. Os Juízes do Trabalho e a ideologia da destruição”, estudando 21
artigos de magistrados do trabalho, publicados na Revista LTr entre 1990 e 1999
205
,
observou que “dez se dedicaram a refutar e infirmar as proposições neoliberais” e os
demais (11) textos podem ser caracterizados “como receptivos à ideologia neolibe-
ral, na medida em que consideram verdadeiras premissas desta, sem qualquer aná-
lise da realidade provida de algum rigor científico”.
Para Guedes (2007, p.2), os avanços do “verbo da flexibilização” na jurispru-
dência brasileira relacionam-se à insistência de instâncias governamentais sobre a
necessidade de “modernização” da legislação trabalhista e sindical. Os tribunais,
neste sentido, desencorajam os chamados "juízes fundamentalistas", que continuam
a ter como “fundamento de suas decisões os direitos humanos, com ameaças e pu-
205
São vinte e um artigos de magistrados do trabalho, publicados na Revista LTr entre 1990 e 1999. Como o
objetivo era estudar o discurso dos juízes do trabalho, o autor excluiu da análise “os textos de professores univer-
sitários, consultores, advogados, funcionários do executivo e [...] membros do ministério público”. Excluiu,
também, “textos de ministros do Tribunal Superior do Trabalho. O TST, instância maior da Justiça do Trabalho,
mostrou-se ao longo dos anos de 1990 extremamente sensível às “necessidades” e “verdades” da “nova ideologi-
a, o que foi evidenciado didaticamente em diversos confrontos coletivos, como os que então envolveram ferrovi-
ários, bancários e petroleiros”. Para ele, então, a “inclusão de textos de ministros do TST poderia redundar em
distorção na composição geral do perfil de pensamento da magistratura do trabalho. O comportamento do órgão
merece estudo específico, na ocasião oportuna. Foram também excluídos textos de juízes do trabalho aposenta-
dos”. O autor procurou “saber em que medida, e de que forma, valores e leituras da realidade, próprios da ordem
ideológica neoliberal, foram confrontados ante os princípios protecionistas característicos do direito e da justiça
do trabalho”. Magistratura e Neoliberalismo. Os Juízes do Trabalho e a ideologia da destruição. Dissertação de
Mestrado. Rio de Janeiro, PUCRJ, 2008.
188
nições administrativas em nome da disciplina judiciária”. Com isso, os artigos 468 e
619 da CLT encontram-se sob ataque. A combinação desses artigos constitui, se-
gundo a autora, a “espinha dorsal do Direito do Trabalho” e pode ser traduzida “por
uma única palavra: proteção”, que reconhece que as relações de trabalho se dão
entre partes desiguais, protegendo a parte economicamente mais frágil do contrato.
O artigo 468 proíbe a modificação do contrato que prejudique o trabalhador, ainda
que ele tenha consentido. Já o 619 impede a violação do estatuto mínimo. Ou seja,
os contratos não podem prevalecer sobre o legislado, mesmo quando há consenti-
mento, quando o primeiro é mais benéfico, o se podendo contratar menos direito
do que a lei determina.
O ideal neoliberal para as relações de trabalho, então, seria a extinção dessa
espinha dorsal do Direito, como denomina Guedes (2007, p.2) conceito fundante
dos direitos trabalhistas em países como o Brasil. Com essa eliminação, a legislação
trabalhista seria substituída pelo direito comercial ou civil, entendendo as duas par-
tes do contrato como iguais, permanecendo apenas a relação direta (e individual)
entre empregador e empregado.
O diagnóstico e as soluções propostas no livro do IPEA, bem como as posi-
ções defendidas no âmbito da Justiça do Trabalho brasileira, em nosso entendimen-
to, atendem amplamente ao ideário neoliberal, o que confirma-se no Relatório Doing
Busines: Compreendendo regulamentações (2004), na Estratégia de Parceria com o
País para a República Federativa do Brasil (EPP, pp.2008-2011) — ambos do BM —
e na Norma Técnica n
0
4, assinada por Simone SAÍSSE (2005) e denominada A Re-
gulação do Trabalho no Brasil: obstáculo ao aumento da renda e do emprego da
Confederação Nacional da Indústria (CNI).
O Relatório trata do denominado “ambiente regulatório das atividades produti-
vas”, trazendo resultados de um estudo que abarcou 145 países, incluindo o Brasil.
O mercado de trabalho é um elemento do ambiente, sendo analisada a “regulação
trabalhista”
206
. Na concepção ídeo-política que dirige o estudo, a legislação flexível é
206
A regulação trabalhista é denominada de índice de Rigidez de Emprego, que é a média de três sub-índices: 1)
Dificuldade de Contratação: se o uso de contratos por prazo determinado é restrito às tarefas temporárias, prazo
máximo legal desses contratos, razão entre salário mínimo obrigatório e valor agregado médio pela população
ativa; 2) Rigidez de Horas: se o trabalho noturno é permitido, se o trabalho de fim-de-semana é permitido, se a
semana de trabalho consiste de cinco dias e meio ou mais; se o dia de trabalho pode se estender por 12 horas ou
189
o fundamento para o aumento das “oportunidades de emprego”, da produtividade e,
conseqüentemente, dos “salários e da produção”, incidindo no crescimento dos im-
postos, possibilitando, aos governos, ”arcar com um sistema de proteção social”.
Tendo essa perspectiva como ponto de partida, o estudo verificou o grau de rigidez
do mercado de trabalho, ou seja, o grau de regulação trabalhista dos países estuda-
dos. Em relação ao Brasil, o diagnóstico mostra que o país tem grande proximidade
com as faixas de limite maior de rigidez na sua regulação trabalhista. Na página 32,
encontramos o Brasil em 10
0
lugar entre os países com mais regulamentações. A
rigidez da legislação trabalhista brasileira é maior que a média dos países capitalis-
tas centrais, do Caribe e da América Latina. Um dos índices rígidos, segundo as
análises, é a jornada, que não pode ultrapassar 10 horas diárias e o trabalho de final
de semana não é permitido. Evidentemente, a pesquisa, nessa segunda variável,
não considera o trabalho aos finais de semana no comércio, aprovado ainda no go-
verno Cardoso, ou seja, antes de 2004, e o sistema de turno nas fábricas, que sem-
pre existiu e cujo desenvolver não considera os finais de semana. Mas o Relatório
mostra que, se o Brasil está próximo em demasia das faixas de rigidez maior, é por-
que a legislação brasileira é inteiramente rígida na maioria esmagadora das ques-
tões relativas às relações de trabalho. A solução situa-se em mudanças de quatro
tipos:
1 . Ampliar a duração e o escopo de contratos por prazo fixo;
2 . Introdução de salários para aprendizes;
3 . Permitir horários de trabalho flexíveis;
4 . Eliminar as aprovações administrativas para demissões.
Na Estratégia de Parceria com o Brasil (EPP, pp.2008-2011)
207
, o BM também
aponta a rigidez da legislação do trabalho, em vários momentos, como causa para a
baixa competitividade e o crescimento ainda relativamente lento do Brasil. Eviden-
temente, uma multiplicidade de causas estruturais desse crescimento relativa-
mente lento: “alto nível de taxação e a baixa qualidade dos gastos públicos”; taxas
mais incluindo as horas extras, e se as férias anuais são de 21 dias ou menos; 3) Dificuldade de Demissão: se
redundância é uma razão que justifica a demissão, se o empregador precisa notificar o sindicato ou o ministério
do trabalho para demitir um trabalhador redundante, o mesmo para demissões de grupos de trabalhadores, se o
empregador precisa de autorização de sindicato ou do ministério do trabalho para demissão por redundância, o
mesmo para demissões de grupos de trabalhadores, se a lei obriga a treinamento ou recolocação antes da
demissão, se as regras de prioridade se aplicam às demissões e readmissões. Doing Busines em 2004.
Compreendendo regulamentações. BM. Disponível em http://go.worldbank.org
, consultado em setembro de
2008.
207
Estratégia de Parceria com o País para a República Federativa do Brasil período de 2008 a 2011. Relatório
42677-BR, maio de 2008.
190
de juros altas; ambiente de negócios extremamente burocrático e excessivamente
dispendioso; falta de investimento e baixa qualidade da infra-estrutura. Todavia, as
“Instituições e leis trabalhistas inadequadas” também são determinantes nesse pro-
cesso.
O mercado de trabalho brasileiro é afetado por uma legislação trabalhista
relativamente inflexível. As leis privilegiam a estabilidade no emprego, resul-
tando em um baixo crescimento da oferta de trabalho e da produtividade,
que favorece a expansão do mercado informal e a limitada produtividade da
mão-de-obra (Banco Mundial — EPP, 2008-2011).
Ao abordar os riscos para investimentos no Brasil o BM aponta, dentre vários,
o ritmo das reformas, que pode ser muito lento, limitando “os avanços na abordagem
das difíceis questões estruturais que estão impedindo o crescimento, como as re-
formas tributária, previdenciária
208
e trabalhista”. Considera, assim, ser necessário
um trabalho de convencimento, seja das autoridades, seja no âmbito da sociedade
civil.
Nesse contexto, o Banco tem [...] a opção de aplicar a parte relativa ao
“senso de oportunidade baseado em princípios” e de garantir que nós esta-
mos alertas e participaremos sempre que surjam oportunidades para tratar
desses temas estruturais politicamente difíceis. Até agora a experiência
mostrou que fazer isso de modo calmo e solidário com os reformadores po-
derá ser eficaz.
Vale registrar que a pressão internacional para a consecução das contra-
reformas neoliberais não ocorre apenas através desse organismo. O Financial Times
de fevereiro de 2007
209
, por exemplo, participa disto. Ao comentar o PAC, no
editorial, o jornal cobra posicionamento governamental a respeito de “dois problemas
estruturais”, considerando insuficientes e “tímidas” suas políticas:
Se o Brasil deseja obter o mesmo tipo de dinamismo econômico que seus
mercados emergentes concorrentes na Ásia e Europa, o presidente deve
208
Quanto à Previdência Social, o documento traz um estudo realizado em 2007, pelo BM, denominado“Brazil:
Towards a Sustainable and Fair Pension System” [Brasil: Para um Sistema de Previdência Social Justo e Sus-
tentável], que serviu amplamente de base para o governo no Fórum da Previdência Social. Além disso, aparece,
no documento, que o Banco está fornecendo apoio “no momento certo” sobre esse tema aos principais formula-
dores de políticas. Ao longo do ano de 2009, a equipe que trabalha com Previdência Social analisará essas ques-
tões em estados brasileiros selecionados que possuem sistemas particularmente amplos que estão contribuindo
para desequilíbrios fiscais. A equipe continuará a supervisionar o segundo empréstimo para o programa de reabi-
litação da previdência estadual e o empréstimo para previdência municipal, com vistas a ajudar os estados e
municípios a melhorar a administração desses sistemas. Estratégia de Parceria com o País para a República Fede-
rativa do Brasil período de 2008 a 2011. Relatório n° 42677-BR, maio de 2008.
209
Financial Times/Online. As reformas tímidas de Lula Chegou a hora do Brasil mudar as leis trabalhistas e
de aposentadoria. 07 de fevereiro de 2007.
191
tratar de dois problemas estruturais: o sistema de previdência social absur-
damente injusto do Brasil e suas leis trabalhistas antiquadas.
A burguesia que realiza negócios no Brasil também apresenta a mesma con-
cepção ídeo-política, apontando como causa do lento crescimento brasileiro o ex-
cesso de regulamentação dos direitos trabalhistas e a flexibilização como solução. A
Confederação Nacional da Indústria (CNI), através da Norma Técnica n
0
4 assi-
nada por Simone SAÍSSE (2005) e denominada A Regulação do Trabalho no Brasil:
obstáculo ao aumento da renda e do emprego, traz essa visão claramente:
A regulação do mercado de trabalho passou praticamente incólume pelas
reformas modernizadoras da década de 1990. A regulação brasileira se en-
contra entre as mais rígidas do mundo e representa um dos principais focos
de ineficiência de nosso sistema econômico. A regulação atual não protege
o trabalhador e coíbe a alocação eficiente do fator trabalho: 60% da popula-
ção ocupada trabalha no setor informal (PNAD 2003) e as empresas contra-
tam menos, investem menos e crescem menos do que poderiam (SAÍSSE,
2005, p.5).
Segundo Saísse, nesse documento, a legislação trabalhista impede o cresci-
mento das empresas e é responsável pelo percentual altíssimo de trabalhadores
informais. Aponta que a taxa “à qual um país cresce é determinada pelo aumento da
produtividade dos fatores de produção”, pela “habilidade do país de se integrar a
economia mundial através do comércio e de investimentos”, pela “capacidade de
gerir prudentemente as finanças públicas e assegurar solidez monetária” e pela “ha-
bilidade em garantir um ambiente institucional no qual os contratos sejam cumpri-
dos”. A combinação desses elementos, para Saísse (2005, p.5), é o que pode evitar
“desempenhos econômicos medíocres”. No Brasil, crescer e sustentar o crescimento
tem sido o principal desafio e isso tem avançado em alguns aspectos, como a con-
tenção da inflação e o controle dos gastos públicos, mas que são insuficientes para
o objetivo final.
Uma das razões para isso é a existência de um ambiente institucional ina-
dequado que dificulta o funcionamento das empresas. A regulação das rela-
ções entre capital e trabalho é, talvez, o exemplo mais contundente desse
problema. Foi construída para um ambiente político e econômico fundamen-
talmente diferente do atual e sofreu poucas alterações desde então.
Esse ambiente inadequado é produzido por uma CLT ultrapassada, cujos ar-
tigos “fixam o grosso dos direitos e deveres e deixam muito pouco espaço à negoci-
ação entre as partes”. Nesse grosso dos direitos encontram-se: “fixação do salário,
condições de trabalho, contratação e demissão”. Em função disto, trabalhadores e
192
“empregadores não podem negociar, por exemplo, tempo de férias, aviso prévio ou o
pagamento do 13
0
, mesmo que isto interesse a ambas as partes” para evitar o de-
semprego. A legislação trabalhista retira aos trabalhadores e aos patrões o direito de
decidirem “o que é melhor para eles”, desestimula a negociação, estimula o dissídio
porque permite contestar-se, nos tribunais, o acordado que não contemplar o nego-
ciado, pois os tribunais têm “o poder não apenas de arbitrar, mas também de fixar
normas”. Para a autora (2005, p.11), essa ordenação legal aumenta custos para as
empresas e causa rebaixamento do patamar salarial. Ou seja, os obstáculos para
que o país se torne competitivo e se desenvolva encontram-se exatamente numa
excessiva regulação do trabalho, gerando sobrecarga de encargos da folha de pa-
gamento.
Concordando com Mattos (1998a), entendemos que esse tipo de argumenta-
ção é falaciosa, pois a competitividade de um país não se mede apenas por seus
preços e custos e porque toma como encargo o que é salário (férias, 13
0
, descanso
semanal remunerado), sendo o custo da força de trabalho no Brasil um dos mais
baixos do mundo. O peso dos encargos no custo total da mão de obra no Brasil, por
exemplo, encontra-se em torno de 20%, situando-se na média da maior parte dos
países industrializados que se em torno de 15% a 35%. Ao mesmo tempo, ao
contrário do que afirma o texto em tela, observamos, com Tumolo (2002, p.101), que
as relações de trabalho caracterizam-se pela flexibilidade e não pela rigidez”, por-
que, no Brasil, em “grande parte do emprego formal, o vínculo de trabalho tem curta
duração, transformando o operário brasileiro em trabalhador temporário” e a regula-
ção do trabalho não garantia de estabilidade, possibilitando ao empregador con-
tratar, remunerar, utilizar-se da força de trabalho e dispensá-la por motivos variados.
Voltando a Saísse (2005, p.11), observamos que a autora defende a reforma
da “regulação do trabalho para retirar-lhe o viés que dificulta a criação de empregos
de qualidade”. Mas essa reforma, ainda para a autora da Nota Técnica, não deve
caminhar no sentido da ausência total de regulamentação que as “falhas do mer-
cado parecem ser suficientemente importantes para justificar a interferência do po-
der público”. O sentido, pois, para a CNI, expresso no texto de Saísse, é flexibilizar
os direitos.
193
3.6. A expressão legal da flexibilização das leis trabalhistas na contemporanei-
dade
As leis que flexibilizam direitos trabalhistas aprovadas durante o governo Car-
doso permanecem, em sua maioria, inalteradas no governo Lula, aparecendo, hoje,
novos mecanismos de flexibilização tanto da legislação quanto de organismos esta-
tais que a regulam. Governo, parlamentares do PT e de partidos da base aliada, no
Congresso Nacional, avançam nesse sentido, conforme veremos nos dados levan-
tados na pesquisa, através de Emendas Constitucionais, Medidas Provisórias, e a
legislação inferior como Portarias, Instruções Normativas aprovados ou ainda
em debate e tramitação.
Ano: 2003
Emenda Const
i
t
ucional 41, de 19/12/2003
.
Modifica os artigos 37, 40, 42, 48, 96,
149 e 201 da CF/88, revoga o inciso IX do § 3 do art. 142 da CF/88 e dispositivos da
Emenda Constitucional nº 20, de 15 dezembro de 1998, e outras providências.
Essa Emenda Constitucional, a qual não será apresentada em detalhes aqui
que é parte constitutiva da Legislação Previdenciária, não sendo, portanto, objeto
deste debate, foi estudada em profundidade, dentre vários autores, por Teixeira
(2006, p. 175). Vale destacar alguns pontos desse estudo, sendo o primeiro deles, a
identificação realizada pela autora dos pontos comuns da emenda em questão com
a contra-reforma desenvolvida por Cardoso, reafirmando “o caráter de
seguro
da
previdência social”, contrariamente ao que prescreve a Constituição Federal de 1988
referente “à Seguridade Social, e o compromisso público tão-somente com uma
“previdência básica”, a ser complementada por planos previdenciários privados ou
corporativos (por exemplo, os fundos de pensão)”. A EC-41 não atinge ao conjunto
dos trabalhadores, ainda segundo Teixeira, mas apenas aos do serviço público
(RPPS):
.... Na prática, ela “unifica” os regimes previdenciários em vigor, determi-
nando que os servidores públicos contratados a partir da data da sua pro-
mulgação passem a ser vinculados ao Regime Geral de Previdência Social
(RGPS).
Dentre outros elementos que modificam inteiramente os direitos previdenciá-
rios, a EC-41aprofunda e traz inovações que o governo Cardoso não pode obter:
No caput do artigo 40, temos a primeira grande inovação: a contribuição
dos inativos e pensionistas 128. A tentativa frustrada do governo Cardoso
194
encontra, na contra-reforma do governo Lula, a sua aprovação. O caráter
solidário referido neste artigo parece-me o modo de justificar a cobrança dos
atuais aposentados e pensionistas. Com esta medida, também está com-
prometida a manutenção dos direitos adquiridos, que não passa a valer so-
mente para os casos de aposentadoria e pensão formalizados a partir da
data de aprovação da EC-41, mas valem ainda para os que já recebem os
benefícios. O § 18 do artigo 40 estabelece a forma desta contribuição: ela
incide sobre os proventos de aposentadoria e pensão que superem o limite
máximo estabelecido para os benefícios do regime geral, com percentual
igual ao estabelecido para os servidores blicos em atividade (TEIXEIRA,
2006, p. 178).
Além de estabelecer diferenciações entre os salários do ativos e a aposenta-
doria, através do § do artigo 40, que foi modificado em relação à EC-20 que
previa a paridade entre os reajustes dos ativos e aposentados a autora mostra
que:
O § 15, modificado, do artigo 40 refere-se ao regime de previdência com-
plementar, a ser instituído por lei de iniciativa do Executivo, observado o
disposto no artigo 202, na forma de entidades fechadas de natureza pública,
que oferecerão aos participantes planos de benefício somente na modalida-
de de contribuição definida. Ora, o artigo 202 trata de regime de previdência
privada, o que faz com que o § 17 do artigo 40 estabeleça uma contradição
em termos quando se refere à constituição de entidades fechadas de natu-
reza pública. Além do mais, ao estabelecer que os planos de benefício se-
rão instituídos somente na modalidade de contribuição definida, não possibi-
lita uma previsão de segurança ao trabalhador que o benefício é indefini-
do, dependendo da rentabilidade e da administração futuras do plano (TEI-
XEIRA, 2006, p.181).
Ano:
2
0
04
Emenda Constitucional 45
. Altera a competência da Justiça do Trabalho (nos pará-
grafos segundo e terceiro do Art. 114
§ 2
0
: insere a frase “de comum acordo”;
§ 3
0
:Em caso de greve em atividade essencial, o Ministério Público do Trabalho tem
legitimidade para ajuizamento de ação coletiva quando não forem assegurados os
serviços mínimos à comunidade ou assim exigir o interesse público ou a defesa da
ordem jurídica.
Com a inserção da frase “de comum acordo” pela Emenda Constitucional
(EC), flexibilizou-se a ação da Justiça do Trabalho, mecanismo de regulação da le-
gislação trabalhista, pois os sindicatos de trabalhadores poderão propor dissídio
coletivo na Justiça do Trabalho com a concordância patronal, o mesmo ocorrendo
com os sindicatos patronais. Nos impasses na negociação no período da data-base
ou se não acordar-se a contratação de árbitro privado, os trabalhadores, através de
seu sindicato, poderão buscar a Justiça do Trabalho apenas de comum acordo com
os patrões. Esse dispositivo flexibiliza o poder normativo da Justiça do Trabalho, im-
possibilitando aos Tribunais do Trabalho no julgamento de dissídio coletivo a
fixação de normas, condições de trabalho, índice para reajuste salarial, etc., caso os
195
patrões discordem de seu acionamento. Assim, em nota, o Departamento Intersindi-
cal de Assessoria Parlamentar (DIAP)
210
se posiciona sobre a EC:
Uma mudança dessa magnitude, sem qualquer lei de política salarial, que
garanta minimamente a reposição da inflação, só restará aos sindicatos, em
caso de recusa da empresa ou da entidade sindical patronal à negociação,
o recurso à greve para forçar o entendimento, sem a qual é impossível o a-
tendimento da pauta de reivindicação. Entretanto, a Justiça do Trabalho, ao
julgar a greve, não poderá examinar as reivindicações que a motivaram, res-
tringindo-se apenas a ela, pois terá condições de utilizar-se do Poder
Normativo se o dissídio for “de comum acordo” entre patrão e entidade sin-
dical de trabalhadores. Essas mudanças, de um lado, ampliam as atribui-
ções da competência da Justiça do Trabalho em matéria de direito individu-
al, mas, de outro, limitam drasticamente a possibilidade de dissídio coletivo
de natureza econômica.
A aprovação dessa Emenda Constitucional foi extremamente polêmica, tra-
zendo divergências, inclusive, entre os partidos de esquerda que compõem o gover-
no Lula: o PT e o PC do B, por exemplo.
O voto do PC do B — Deputado Sérgio Miranda:
Esse termo de comum acordo fere o inciso XXXV do art. da CF/88, que
impõe que nenhuma lesão ou ameaça de lesão pode ser excluída da apre-
ciação do Poder Judiciário. Além de ser inconstitucional, reflete a incompre-
ensão de que todos os conflitos trabalhistas podem ser resolvidos no âmbito
da sociedade civil, sem recorrer ao Estado, que, neste caso, dará garantia
ao mais fraco. A sociedade civil é o âmbito do domínio do poder econômico
e nela a parte mais fraca será sempre prejudicada.
O voto do PT — Deputado Ricardo Berzoini:
....quero esclarecer que uma das teses mais caras ao Partido dos Trabalha-
dores é a luta contra o poder normativo da Justiça do Trabalho. Acreditamos
que a negociação coletiva se constrói pela vontade das partes. Ou seja, se
não tivermos no processo de negociação a garantia da exaustão dos argu-
mentos, da busca do conflito e da sua negociação, vai acontecer o que ve-
mos em muitos movimentos hoje, particularmente em São Paulo, como o
recente caso dos metroviários, em que a empresa recorre ao poder normati-
vo antes de esgotada a capacidade de negociação. Portanto, na nossa ava-
liação, manter a expressão "de comum acordo" é uma forma de garantir que
haja exaustão do processo de negociação coletiva. O Partido dos Trabalha-
dores vota pela manutenção da expressão, combatendo o poder normativo
210
“TST adota nova regra para dissídio coletivo prevista na Reforma”. A.ALVES, A.A. QUEIROZ,
M.VERLAINE e V.P. SENA. Disponível na página do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar
(DIAP): www.diap.org.br. Editora: V.P. SENA, consultado em outubro de 2008.
196
da Justiça do Trabalho, que hoje é um elemento de obstáculo à livre nego-
ciação coletiva
211
.
O deputado do PT, nesse argumento, deixa de considerar que a grande maio-
ria das categorias, no Brasil, não possui força política nas negociações livres com os
patrões, diferentemente de metalúrgicos, bancários, petroleiros e outras poucas, que
alcançaram relação de forças para negociar condições acima do que estipula a lei.
Desconsidera, assim, que a Justiça do Trabalho tem como fundamento, para sua
existência, a garantia à parte economicamente mais fraca. Falando em nome da de-
fesa dos trabalhadores, alegando que a “empresa recorre ao poder normativo antes
de esgotada a capacidade de negociação”, o PT os deixa sem condições de exigir
negociação e impossibilita que os Tribunais do Trabalho ao julgarem um dissídio
coletivo fixem normas, condições de trabalho, índice para reajuste salarial co-
mo aponta o DIAP.
Vale registrar que, na greve dos bancários ocorrida em 2004, se essa Emen-
da Constitucional estivesse aprovada, as lideranças da Caixa Econômica e do
Banco do Brasil não poderiam ter entrado com pedido de dissídio coletivo junto ao
Tribunal Superior do Trabalho (TST)
212
. Após um mês de greve, a Federação dos
Bancos (FENABAN) e o governo negavam-se a negociar, obrigando os bancários a
recorrer à Justiça, após o que, tiveram ganhos: manutenção do reajuste de 8,5%
(mais R$ 30 para quem ganhava até R$ 1.500); abono de mil reais; não-desconto
dos dias parados, com anistia para 50% dos dias parados e compensação para os
demais 50% e nenhuma punição aos grevistas.
Ao mesmo tempo em que o deputado do PT discorda da interferência do po-
der normativo da Justiça do Trabalho, não problemas na modificação apresenta-
da pelo terceiro parágrafo, que traz uma total interferência do Ministério Público do
Trabalho sem comum acordo de parte alguma, pois ele pode pedir o julgamento
da greve à Justiça do Trabalho, caso entenda que ela lesa o interesse público e a
211
“TST adota nova regra para dissídio coletivo prevista na Reforma”. A. ALVES, A. A. QUEIROZ, M. VER-
LAINE e V.P. SENA. Disponível na página do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (DIAP):
www.diap.org.br, consultado em outubro de 2008.
212
“A decisão da Justiça VALEU apenas para os funcionários do Banco do Brasil e da Caixa, porque a Confede-
ração Nacional dos Bancários (CNB-CUT) e os sindicatos dos bancos privados negaram-se a recorrer ao TST.
Preferiram passar os últimos 15 dias fazendo terrorismo contra a categoria “alertando” sobre os riscos do dissí-
dio. Agora, é lutar pela extensão do abono de mil reais, e o não-desconto dos dias parados para toda a categoria.
É dessa forma que a unidade de todos os bancários será preservada”. André VALUCHE. Greve bancária arran-
cou na Justiça o não-desconto dos dias e o abono. Jornal Opinião Socialista. PSTU, 2004.
197
Justiça do Trabalho pode julgar a greve, sua legalidade ou ilegalidade, inclusive,
multando o sindicato que venha a descumprir sua decisão.
Ano: 2005
Lei
11.101, de 9 de fevereiro de 2005.
Lei de Falências
. Regula a recuperação judi-
cial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária. Dentre os
vários artigos e parágrafos, no que se refere aos diretos trabalhistas, a lei prevê:
Art. 50. VIII: redução salarial, compensação de horários e redução da jornada, medi-
ante acordo ou convenção coletiva;
Art. 54: prazo de até 1 (um) ano para pagamento dos créditos derivados da legislação
do trabalho ou decorrentes de acidentes de trabalho vencidos até a data do pedido de
recuperação judicial.
§ único: prazo de até 30 (trinta) dias para o pagamento, até o limite de 5 (cinco) salá-
rios-mínimos por trabalhador, dos créditos de natureza estritamente salarial vencidos
nos 3 (três) meses anteriores ao pedido de recuperação judicial;
Art. 83: A classificação dos créditos na falência obedece à seguinte ordem de priori-
dade:
I: os créditos derivados da legislação do trabalho, limitados a 150 (cento e cinqüenta)
salários-mínimos por credor, e os decorrentes de acidentes de trabalho;
Essa lei flexibiliza salários e jornada, muito comum na condução neoliberal
dos direitos trabalhistas, em todo o mundo. Disfarça-se de diminuição do tempo de
trabalho, mas constitui-se um dos pilares do arrocho salarial e da flexibilização. Para
Husson (1999, pp.74-75), o ascenso desse tipo de combinação tem se tornado um
meio eficiente de rebaixar os salários na Europa e nos EUA. Segundo Maruani
(2003, p.1), na União Européia, escondida na expressão “empregos atípicos”, essa
combinação engloba o trabalho temporário, os contratos de auxiliares, os “estágios
diversos eufemisticamente denominados “formas particulares de emprego”, cor-
respondendo “a uma situação em que se trabalha menos”, mas “se recebe menos
ainda“ com direitos flexibilizados. Ao mesmo tempo, observamos que a lei da falên-
cia estabelece um teto indexado ao salário mínimo para o recebimento prioritário de
dívidas trabalhistas, bem como propõe, sempre, prazos razoáveis para os empresá-
rios saldarem-nas junto aos trabalhadores, incluindo dívidas relativas a acidentes de
trabalho. Ou seja, há, nessa lei, aprovada no governo Lula, a manutenção de privilé-
gios excessivos ao capital.
Ano: 2006
Lei Complementar 123, de 14 de dezembro de 2006
Lei Ge
ral da Micro e
Pequena Empresa (Super Simples). No artigo 1
0
, reproduz-se o que existe no
Estatuto das Micro e Pequenas Empresas, mas também traz mudanças. As modifi-
cações que mais nos interessam aqui, intitulam-se DA SIMPLIFICAÇÃO DAS RE-
LAÇÕES DE TRABALHO.
Art. 1
o
: estabelece normas gerais relativas ao tratamento diferenciado e favorecido a
ser dispensado às microempresas e empresas de pequeno porte no âmbito dos Po-
deres da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
Art. 51: As microempresas e as empresas de pequeno porte são dispensadas: I - da
afixação de Quadro de Trabalho em suas dependências; II - da anotação das férias
dos empregados nos respectivos livros ou fichas de registro; III - de empregar e ma-
198
tricular seus aprendizes nos cursos dos Serviços Nacionais de Aprendizagem; IV
da posse do livro intitulado “Inspeção do Trabalho”; e V de comunicar ao Ministério
do Trabalho e Emprego a concessão de férias coletivas.
Art. 55: A fiscalização, no que se refere aos aspectos trabalhista, metrológico, sani-
tário, ambiental e de segurança, das microempresas e empresas de pequeno porte
deverá ter natureza prioritariamente orientadora, quando a atividade ou situação, por
sua natureza, comportar grau de risco compatível com esse procedimento. Parágrafo
I: Será obervado o critério de dupla visita para lavratura de autos de infração, salvo
quando for constatada infração por falta de registro de empregado ou anotação da
Carteira de Trabalho e Previdência Social CTPS, ou, ainda, na ocorrência de rein-
cidência, fraude, resistência ou embaraço à fiscalização.
Art. 58: § III: Poderão ser fixados, para as microempresas e empresas de pequeno
porte, por meio de acordo ou convenção coletiva, em caso de transporte fornecido
pelo empregador, em local de difícil acesso ou não servido por transporte público, o
tempo médio despendido pelo empregado, bem como a forma e a natureza da re-
muneração.”
Art. 75: As microempresas e empresas de pequeno porte deverão ser estimuladas a
utilizar os institutos de conciliação prévia, mediação e arbitragem para solução dos
seus conflitos. Parágrafo I: Serão reconhecidos de pleno direito os acordos celebra-
dos no âmbito das comissões de conciliação prévia.
Essa lei impôs limites na fiscalização do MTE, flexibilizando um dos meca-
nismos de regulação que leva ao cumprimento da legislação e incorporou as comis-
sões de conciliação prévia, criadas no governo Cardoso, para flexibilizar outro me-
canismo de cumprimento da legislação: a Justiça do Trabalho. A flexibilização na
inspeção do trabalho junto às empresas, segundo Cassen (2005, p.1), existe tam-
bém nos denominados “contratos de novas admissões”, realizados por empresas
com menos de 20 trabalhadores implantados na Europa, no âmbito da Comunidade
Européia, no sentido de atender às necessidades do novo padrão de acumulação
capitalista. No art. 58, relativo ao tempo despendido pelo empregado até o local de
trabalho e para o seu retorno, observamos a reprodução da Lei n
0
10.243 de 19 de
junho de 2001, aprovada no governo Cardoso. Essa lei flexibilizara a jornada de
trabalho, pois determinava que o tempo despendido pelo empregado através de
qualquer meio de transporte não seria computado na jornada de trabalho, “salvo
quando, tratando-se de local de difícil acesso ou não servido por transporte público,
o empregador fornecer a condução”. O governo Lula flexibilizou ainda mais para os
trabalhadores das micro e pequenas empresas, quando possibilitou computar “tem-
po médio despendido pelo empregado” e não tempo integral, mas também decidir “a
forma e a natureza da remuneração”. Evidentemente, não se pode negar que a situ-
ação das micro e pequenas empresas deve ser vista e tratada de maneira diferenci-
ada pela legislação, entretanto, não jogando sobre o trabalho essa diferenciação,
mantendo o falso como verdadeiro, ou seja, confundindo e tratando, na forma da lei,
os direitos trabalhistas férias, 13
0
, descanso semanal remunerado, por exemplo
199
como encargos, da mesma forma como fazem os arautos neoliberais da burgue-
sia.
O presidente Lula caracteriza a lei Geral como uma "pequena reforma traba-
lhista", pois as empresas pagarão “menos na folha de pagamento, pagarão menos
tributos do que estão pagando hoje". Ainda segundo ele, essas medidas são muito
importantes “para a formalização do mundo do trabalho e, sobretudo, para fazer com
que as empresas se tornem [...] visíveis [...]"
213
.
Ano: 2007
Instrução normativa 72, de 5 de dezembro 2007
: Refere-se à Lei Geral da Mi-
cro e Pequena Empresa (Super Simples) e orienta os Auditores-Fiscais do Trabalho
sobre procedimentos da fiscalização, para que seja dispensado às microempresas e
empresas de pequeno porte o tratamento diferenciado estabelecido pela lei.
Especifica o que devem fazer os fiscais do MTE para cumprir a Lei Geral,
que ela define como “abuso de poder” do funcionário o descumprimento de suas
normas junto às micro e pequenas empresas.
No ano de 2007, o Deputado Federal Cândido Vacarezza, do PT, colocou em
tramitação no Congresso Nacional o PL 1987/2007, denominado Consolidação da
Legislação Material Trabalhista (CLMT). Esse Projeto de Lei será debatido a seguir
por ser de autoria de um Deputado do PT, pela intencionalidade do qual é portador e
porque sua tramitação, no Congresso, tem provocado acirradas polêmicas.
Ano: 2007
Projeto de
Lei 1987/2007
:
D
enominado Consolidação da Legislação Ma
terial
Trabalhista (CLMT), modifica do artigo 1
0
ao 642
0
do Decreto-Lei n
0
5.452 de 1943
da CLT e a legislação correspondente
214
. Autoria: Deputado Cândido Vacarezza
do PT.
Art. 2
0
§ II: muda o conceito de empregador regida “por legislação especial”, como
as que se encontrarem “nessa condição ou figurar como fornecedor ou tomador de
mão-de-obra, independente da responsabilidade solidária e/ou subsidiária a que
eventualmente venha obrigar-se”.
Art. 7
0
: proíbe a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito
de acesso a relação de emprego, ou sua manutenção, por motivo de sexo, origem,
raça, cor, estado civil, situação familiar ou idade, ressalvadas, neste caso, as hipóte-
ses de proteção ao menor previstas no inciso XXXIII do art. da Constituição Fede-
ral”, substituindo o artigo 5
0
da CLT que estabelece: a todo trabalho de igual valor
corresponderá salário igual, sem distinção de sexo.
Art. 37 § II: incorporou da Lei Geral das microempresas e empresas de pequeno
porte, o artigo 51, inciso II, dispensando todas as empresas da anotação das férias
dos empregados nos respectivos livros ou fichas de registro;
Art. 52: define que a duração normal do trabalho, para os empregados em qualquer
atividade privada, não excederá de 8 (oito) horas diárias e quarenta e quatro sema-
213
Folha de São Paulo. Online. Dinheiro, Sucursal de Brasília. 03/07/2007. A matéria referia-se à fala do
Presidente Lula em seu programa semanal de rádio Café com o Presidente do dia 02/07/2007.
214
São apresentados, aqui, apenas os artigos que estão sujeitos à flexibilização.
200
nais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo
individual ou convenção coletiva de trabalho.
Art. 52 § II: determina que o “tempo despendido pelo empregado até o local de tra-
balho e para o seu retorno, por qualquer meio de transporte, não será computado na
jornada de trabalho, salvo quando, tratando-se de local de difícil acesso ou não ser-
vido por transporte público, o empregador fornecer a condução”.
Art. 52 § III: “poderá ser fixado, por meio de acordo individual ou convenção coletiva,
em caso de transporte fornecido pelo empregador, em local de difícil acesso ou não
servido por transporte público, o tempo médio despendido pelo empregado, bem
como a forma e a natureza da remuneração”.
Art. 53: poderá ser “dispensado o acréscimo de salário se, por força de acordo indi-
vidual escrito ou convenção coletiva de trabalho, o excesso de horas em um dia for
compensado pela correspondente diminuição em outro dia”.
Art. 54: traz uma nova seção, a Seção III, denominada DA REDUÇÃO DA JORNA-
DA DE TRABALHO EM RAZÃO DA CONJUNTURA ECONÔMICA: a “empresa que,
em face de conjuntura econômica, devidamente comprovada, se encontrar em con-
dições que recomendem, transitoriamente, a redução da jornada normal ou do nú-
mero de dias do trabalho, poderá fazê-lo, mediante prévio acordo com a entidade
sindical representativa dos seus empregados, homologado pela Delegacia Regional
do Trabalho, por prazo certo, não excedente de 3 (três) meses, prorrogável, nas
mesmas condições, se ainda indispensável, e sempre de modo que a redução do
salário mensal resultante não seja superior a 25% (vinte e cinco por cento) do salário
contratual, respeitado o salário-mínimo regional e reduzidas proporcionalmente a
remuneração e as gratificações de gerentes e diretores.
§ II: caso não haja aceitação dos trabalhadores, em assembléia promovida pelo sin-
dicato, permite à “empresa submeter o caso à Justiça do Trabalho, por intermédio do
Juiz de Direito, com jurisdição na localidade. Da decisão de primeira instância caberá
recurso ordinário, no prazo de 10 (dez) dias, para o Tribunal Regional do Trabalho
da correspondente Região, sem efeito suspensivo”.
Art. 57 § II: “nos casos de excesso de horário por motivo de força maior e nos de-
mais casos de excesso previstos neste artigo, a remuneração será, pelo menos,
50% (cinqüenta por cento) superior à da hora normal, e o trabalho não poderá exce-
der de 12 (doze) horas, desde que a lei não fixe expressamente outro limite.
Art. 277: “relações contratuais de trabalho podem ser objeto de livre estipulação das
partes interessadas em tudo quanto não contravenha às disposições de proteção ao
trabalho, as convenções coletivas de trabalho que lhes sejam aplicáveis e às deci-
sões das autoridades competentes”.
Art. 286: “as convenções e os acordos coletivos de trabalho poderão instituir contra-
to de trabalho por prazo determinado, de que trata o art. 276 da Consolidação da
Legislação Material Trabalhista (CLMT), independentemente das condições estabe-
lecidas em seu § 2º, em qualquer atividade desenvolvida pela empresa ou estabele-
cimento, para admissões que representem acréscimo no número de empregados”.
Art. 289: ficam “assegurados ao trabalhador temporário os seguintes direitos: a)
remuneração equivalente à percebida pelos empregados de mesma categoria da
empresa tomadora ou cliente calculado à base horária, garantida, em qualquer hipó-
tese, a percepção do salário mínimo regional; b) jornada de oito horas, remuneradas
as horas extraordinárias o excedentes de duas, com acréscimo de 20% (vinte por
cento); c) férias proporcionais, nos termos do artigo 25 da Lei . 5107, de 13 de
setembro de 1966; d) repouso semanal remunerado; e) adicional por trabalho notur-
no; seguro contra acidente do trabalho; f) proteção previdenciária nos termos do
disposto na Lei Orgânica da Previdência Social, com as alterações introduzidas pela
Lei nº. 5.890, de 8 de junho de 1973
Art. 479: traz uma indenização por rescisão de contrato de termo estipulado, ou seja,
determina que o empregador que, sem justa causa, despedir o empregado, antes do
término do contrato, será obrigado a pagar-lhe, a titulo de indenização, e por metade,
a remuneração a que teria direito até o termo do contrato;
Art. 489: institui rescisão por culpa recíproca, em que o tribunal de trabalho reduzirá,
201
pela metade, a indenização devida em caso de ser culpa exclusiva do empregado;
Art. 485: traz uma indenização por morte do empregador, os empregados terão direi-
to, conforme o caso, à indenização a que se referem os artigos 477
215
e 497
216
.
No artigo 2
0
, inciso II, o Deputado do PT propõe mudar o conceito de empre-
gador, incorporando o “tomador de mão-de-obra”, na forma como aparece no Projeto
de Lei 4302-C de 1998
217
, proposto pelo governo Cardoso
218
. O PL 4302-C/1998
pretende regulamentar as empresas que terceirizam o trabalho através de contratos
com “tomadoras de mão-de-obra”, bem como o trabalho temporário nessas empre-
sas.
O artigo 7
0
do PL amplia o conceito de não discriminação, mas deixa a ques-
tão salarial de fora. Considerando-se que a força de trabalho feminina, no Brasil, por
exemplo, é historicamente menor remunerada, isto abre espaço para dificultar ainda
mais sua reversão. Além do que, o atual artigo 5
0
da CLT, embora não seja cumpri-
do, possibilita ações judiciais em favor do direito, o que deixará de existir no artigo 7
0
proposto.
Nos artigos 37 e 52, além do banco de horas, o artigo fala de acordo individu-
al ou convenção coletiva, inexistente na CLT, sem ao menos exigir a presença do
sindicato o que traduz-se em uma “diretriz de priorizar os acordos individualizados
em relações de trabalho”. Segue, assim, à risca, o ideário neoliberal que, segundo
Almeida (2006, p.2), pressupõe a individualização das relações de trabalho no limite
do que seja possível politicamente.
Ainda no artigo 52, no parágrafo 2, o Deputado propõe a manutenção do que
impõe a Lei nº 10.243, aprovada pelo governo Cardoso em 2002 e, no parágrafo III,
mantém o item incorporado pelo governo Lula na Lei Geral das microempresas e
empresas de pequeno porte. Essas duas leis flexibilizam a jornada de trabalho ao
215
Art. 477 - É assegurado a todo empregado, não existindo prazo estipulado para a terminação do respectivo
contrato, e quando não haja ele dado motivo para cessação das relações de trabalho, o direto de haver do
empregador uma indenização, paga na base da maior remuneração que tenha percebido na mesma empresa
(Redação dada pela Lei nº 5.584, de 26.6.1970).
216
Art. 497 - Extinguindo-se a empresa, sem a ocorrência de motivo de força maior, ao empregado estável
despedido é garantida a indenização por rescisão do contrato por prazo indeterminado, paga em dobro.
217
Esse PL foi proposto pelo governo Cardoso em 1998 e foi proposto um substitutivo, no Senado: o PL 4302-
C/1998. Em 20/08/2003, o governo Lula solicitou à Mesa Diretora da Câmara dos Deputados a sua retirada, mas
em 15 de outubro de 2008, a Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público da Câmara dos
Deputados (CTASP) aprovou o substitutivo do Senado que agora irá a plenário.
218
Que modificava a Lei n
0
6.019, de 1974, e o Decreto n
0
73.841, também de 1974.
202
excluir dela o tempo despendido pelo trabalhador para dirigir-se ao trabalho e retor-
nar a seu local de moradia. Aumentaram, assim, o tempo da jornada sem remunera-
ção de uma maneira indireta, ao mesmo tempo em que excluíram os trabalhadores,
cujas empresas não possuem condução própria, da possibilidade de considerarem
acidente de trabalho o que ocorrer em trânsito. No artigo 53, sobre horas extras,
observamos a mesmo disposição constante no artigo 52, quando a proposta aponta
o acordo individual ou a convenção coletiva como elementos a definirem a forma de
pagamento das horas extras, além disso, mais uma vez, incorpora o banco de horas,
tão criticado pelos sindicatos e centrais combativos.
Segundo Amorim
219
, a questão da redução salarial é bastante polêmica na
sociedade brasileira e sua concretização tem sido impedida pela legislação em geral.
Como exceção à regra da irredutibilidade salarial, a previsão de redução de
salários em Acordos ou Convenções Coletivas de Trabalho tem sua limita-
ção, pois as cláusula constantes de instrumentos coletivos de trabalho de-
vem se pautar pela legislação nacional e nunca restringir direitos, sob pena
de nulidade. Assim entende a jurisprudência de nossos Tribunais: A liberda-
de que as entidades sindicais possuem quando do estabelecimento de con-
dições de trabalho, via convênios coletivos, de se conter dentro das leis
gerais sobre o contrato individual de trabalho, normas estas que asseguram
um mínimo de proteção ao trabalhador, sob pena de nulidade da respectiva
cláusula, nada obstando que melhores condições de labor sejam previstas,
salvo no que atine à matéria de política econômico-financeira, como vem di-
to pelo artigo 623 do estatuto consolidado.
Para Marchiori
220
, o Deputado Vacarezza, do PT, ao trazer a proposta de re-
dução de salário contratual em decorrência da “conjuntura econômica”, com o
PL1987/2007, reedita a Lei 4923/65
221
, na íntegra, e a atualiza para que possa ser
acionada. Em nossa opinião, abre espaço para o fortalecimento de posições como a
219
Do princípio da irredutibilidade dos salários. G. C. AMORIM. Disponível em http://www.senge-pr.org.br,
consultado em agosto de 2008.
220
L. MARCHIORI, et. al. Parecer do Grupo de Trabalho (GT) Jurídico da CONLUTAS sobre o PL 1987/07
Nova Consolidação das Leis Materiais Trabalhistas (CLTM. São Paulo, 20/11/2007. Disponível no site da
CONLUTAS.
221
A Lei 4923, de 23 de dezembro de 1965, traz no art. 2
0
: estabelece que a empresa “em conjuntura econômica,
devidamente comprovada, se encontrar em condições que recomendem, transitoriamente, a redução da jornada
normal ou do mero de dias do trabalho, poderá fazê-lo, mediante prévio acordo com a entidade sindical repre-
sentativa dos seus empregados, homologado pela Delegacia Regional do Trabalho, por prazo certo, não exceden-
te de 3 (três) meses, prorrogável, nas mesmas condições, se ainda indispensável, e sempre de modo que a redu-
ção do salário mensal resultante não seja superior a 25% (vinte e cinco por cento) do salário contratual, respeita-
do o salário mínimo regional e reduzidas proporcionalmente a remuneração e as gratificações de gerentes e dire-
tores. § 1
0
: Para o fim de deliberar sobre o acordo, a entidade sindical profissional convocará assembléia geral
dos empregados diretamente interessados, sindicalizados ou não, que decidirão por maioria de votos, obedecidas
as norma estatutárias". Do princípio da irredutibilidade dos salários. G. C. AMORIM. SENGE-PR. Disponível
em http://www.senge- pr.org.br
203
defendida por Paulo Skaf, presidente da Federação das Indústrias do Estado de São
Paulo (FIESP)
222
, frente ao acirramento da crise na atualidade: o “corte de jornada
de trabalho associada à redução de salário, a fim de evitar demissões”. O presidente
da FIESP, todavia, vai além, negando a limitação de 25% na redução dos salários,
afirmando que pareceres jurídicos que mostram que a lei pode não vigorar, “o
que daria liberdade ilimitada para negociações do tipo”.
Mas o PL do Deputado do PT não se esgota nessas mudanças. Outras, ainda
sobre a jornada de trabalho, no artigo 57, parágrafo II, são trazidas. A CLT prevê
que o limite atual de prestação de horas extras é de duas horas, sendo a jornada
estabelecida em oito horas diárias. O limite de trabalho diário atual permitido, portan-
to, é de 10 horas com as horas extras, mas o PL eleva o limite a 12, propondo um
aumento da jornada de trabalho. A diminuição da jornada de trabalho sem redução
de salários, como apontamos aqui, foi conquistada, historicamente, com muita
luta, sendo, inclusive, a primeira reivindicação dos trabalhadores. Marx (1988, p.181)
identifica essa luta como um marco na história da produção capitalista: sendo “uma
luta entre o capitalista coletivo, isto é, a classe dos capitalistas, e o trabalhador cole-
tivo, ou a classe trabalhadora”. Ao longo do processo sócio-histórico, ela deu início
também ao que Marx denomina de “legislação fabril” precursora das legislações
trabalhistas constituídas, inclusive, no Brasil.
Evidentemente, o conteúdo do PL atende inteiramente aos interesses do capi-
tal, o qual, para a produção de mais-valia torna fundamental o prolongamento da
jornada de trabalho, aumentando o tempo de sobretrabalho enquanto se mantém
igual o tempo de trabalho necessário. Inclusive, materializa o que preconiza o Rela-
tório do BM (2004) e o documento da CNI (SAÍSSE, 2005)
223
, apresentados anteri-
ormente, os quais entendem o limite de 10 horas da jornada de trabalho, no Brasil,
como um entrave ao desenvolvimento do Brasil. O PL do deputado do PT, assim,
reforça esses argumentos e os meios necessários para a extração da mais-valia ab-
soluta, aumentando a taxa de exploração do trabalho pelo capital. Da mesma manei-
222
“FIESP defende corte de salário e jornada”. Na “reunião do Conselho Estratégico da FIESP, que reuniu “pre-
sidentes da Vale, da Embraer, da Gol, do grupo Votorantin” entre vários outros, “houve unanimidade” sobre essa
proposta. B. RIBEIRO. Valor Econômico Online. 14/01/2009.
223
Doing Busines: Compreendendo regulamentações 2004 e Norma Técnica n
0
4 A Regulação do Trabalho
no Brasil: obstáculo ao aumento da renda e do emprego.
204
ra, observamos que, no artigo 240, inciso II, possibilita a extensão da jornada diária
de trabalhador menor de 14 anos de duas para quatro horas.
A redação original da CLT, também no artigo 277, fala dos “contratos coleti-
vos de trabalho” e não “convenções coletivas”. Essa é uma modificação significativa
pois, segundo Marchiori
224
, “contrato é gênero, sendo convenções e acordos suas
principais espécies”. O projeto possibilita aos “acordos coletivos” mudarem o contra-
to, as “disposições de proteção ao trabalho” e as “decisões das autoridades compe-
tentes”. O negociado passa a ter o mesmo peso que o legislado.
Em relação ao artigo 286, em um primeiro momento, para Marchiori
225
, parece
haver uma transposição direta da Lei 9601 de 1998 que instituiu o contrato tem-
porário, permitindo que as empresas contratem trabalhadores por 12 meses, prorro-
gável por igual período. Entretanto, sob a justificativa de “acréscimo de emprego”,
ele aprofunda ainda mais a possibilidade de flexibilizar ao propor que as convenções
e acordos não precisam obedecer as exigências do parágrafo 2
0
que estabelece
especificações para autorizar trabalho temporário
226
. No mesmo artigo, isenta “as
respectivas empresas do pagamento de aviso-prévio”. Para Marchiori, isto significa,
“de fato, estabelecer um novo tipo de contrato, ainda que formalmente determinado,
mas sem os requisitos próprios a este, para tais contratações“. A justificativa de “a-
créscimo de emprego” não é novidade. Como vimos anteriormente, durante o gover-
no Cardoso, ela foi o centro, mostrando-se completamente inócua pois o desempre-
go manteve-se elevado durante todo o período. No artigo 289, o Deputado propõe o
percentual de 20% e não 50% como consta na CF/88 para a hora extra dos
trabalhadores de empresas terceirizadas. A par de todas as alterações que apresen-
tamos aqui, o PL incorporou os dispositivos da Lei 11.101, de 9 de fevereiro de 2005
a denominada Lei de Falência — já apresentada anteriormente.
224
L. MARCHORI et al. Parecer do Grupo de Trabalho (GT) Jurídico da CONLUTAS sobre o PL 1987/07
Nova Consolidação das Leis Materiais Trabalhistas (CLTM). São Paulo, 20/11/2007. Disponível no site da
CONLUTAS.
225
L. MARCHORI et al. Parecer do Grupo de Trabalho (GT) Jurídico da CONLUTAS sobre o PL 1987/07
Nova Consolidação das Leis Materiais Trabalhistas (CLTM). São Paulo, 20/11/2007. Disponível no site da
CONLUTAS.
226
§ - O contrato por prazo determinado será válido em se tratando: a) de serviço cuja natureza ou transito-
riedade justifique a predeterminação do prazo; b) de atividades empresariais de caráter transitório; c) de contrato
de experiência". Lei 9601 de 1998 regulamentada pelo Decreto 2.490/1998.
205
Como pudemos constatar na análise do PL, ele devolve ao congresso brasi-
leiro, em termos de modificações flexibilizadoras que carrega, mas de forma apro-
fundada, o conteúdo do PL 5483/01, do governo Cardoso, que propunha modificar o
artigo 618 da CLT, flexibilizando direitos como férias, 13
0
, licença maternidade e não
conseguiu pelo protagonismo da CUT com apoio do PT e que o governo Lula, atra-
vés de gestões junto ao congresso, em 2004, retirou da pauta. Volta, agora, como
PL de um Deputado do PT e, caso seja aprovado, é possível dizer que, da combina-
ção de seus artigos e incisos, sairá a mais completa flexibilização dos direitos traba-
lhistas jamais realizada na história desse país.
Ano: 2007
Portaria n
0
42, de 28 de março d
e 2007, do MTE que altera horários de alime
n-
tação dos trabalhadores.
Art. 1
o
: Institui que o intervalo para repouso ou alimentação de que trata o artigo 71
da CLT poderá ser reduzido por convenção ou acordo coletivo de trabalho, devi-
damente aprovado em assembléia geral, desde que os empregados não estejam
submetidos a regime de trabalho prorrogado e o estabelecimento do empregador
atenda às exigências concernentes à organização dos refeitórios e demais normas
regulamentadoras de segurança e saúde no trabalho”.
A flexibilização, no caso dessa portaria, precariza condições de trabalho no
cotidiano, permitindo, na prática, uma extensão da jornada, pois não nos parece que
ao trabalhador será permitido descontar o tempo trabalhado a mais em seu horário
de alimentação.
Ano: 2008
Lei n
0
11.718 de 20 de junho de 2008
muda a Lei n
o
5.889, de 8 de junho de
1973, instituindo o Contrato de Trabalhador Rural por Pequeno Prazo. Propõe
que o produtor rural, pessoa física, poderá realizar contratação de trabalhador rural
por pequeno prazo para o exercício de atividades de natureza temporária, sem
necessidade de registro em carteira, utilizando-se, apenas, de um contrato;
§ 1
o
Se a contratação de trabalhador rural por pequeno prazo, dentro do período
de 1 (um) ano, superar 2 (dois) meses fica convertida em contrato de trabalho por
prazo indeterminado, observando-se os termos da legislação aplicável
O texto, apresentado pelo governo Lula e aprovado pelos deputados, a-
guarda a deliberação dos senadores. Na prática, essa medida, ao retirar o direito a
Carteira de Trabalho assinada, no meio rural, realiza um retrocesso inimaginável,
pois os trabalhadores do campo, inicialmente, não tinham direito a ela, passaram
a ser incluídos na CLT a partir da década de 1970. Palmeira da Associação Na-
cional dos Magistrados do Trabalho (ANAMATRA)
227
ao falar dessa lei, ainda em
227
Zéu PALMEIRA. Entrevista à Radioagência NP. Notícias do Planalto. 11/01/2008. Disponível em
http://www.radioagencianp.com.br
206
janeiro de 2008, quando foi encaminhada ao Congresso como Medida Provisória
apontava:
Essa medida veio em um momento muito delicado em que um esforço
nacional pela erradicação do trabalho em condições análogas à escravidão.
Então, a medida que deveria servir para aperfeiçoar os mecanismos de
combate ao trabalho em condições degradantes [...] termina por incentivar a
sonegação de direitos. [..]
Mais uma vez aparece a flexibilização de um mecanismo governamental de
regulação trabalhista como o MTE. Palmeira (2008) chamava a atenção exatamente
sobre isto ao mostrar que a medida facilita a sonegação, dificultando a tarefa dos
fiscais do trabalho:
O trabalhador está sem carteira e no momento da fiscalização o emprega-
dor pode providenciar uma espécie desse contrato por escrito e dizer que é
um contrato de trabalho rural por pequeno prazo, e de fato ele vai ter res-
paldo na lei. a carteira é uma exigência para admissão. Ninguém pode
começar a executar uma atividade sem que tenha apresentado a carteira de
trabalho ao empregador.
É uma lei que, se aprovada também no Senado, pode conduzir ao agrava-
mento das péssimas condições de trabalho a que estão submetidos inúmeros se-
tores dos trabalhadores rurais. Por exemplo, segundo Oliveira
228
, as condições de
trabalho dos cortadores de cana de São Paulo são extenuantes pois percorrem dis-
tâncias “de dez quilômetros diários nos metros que lhes são destinados para corte” o
que provoca perda de “cerca de dez litros de água por dia”. Dão “66 mil foiçadas
(com o podão, um facão especial) por dia para lograr as 12 toneladas diárias” em, no
mínimo, 12 horas por dia, sendo, pelo menos, “seis horas de intensa exposição ao
sol”. Esses trabalhadores, ainda conforme Oliveira, são “encontrados no fim do dia
nos postos de saúde tomando soro na veia para recuperar um pouco dos sais que
perderam” e podem morrer por “esgotamento: câimbras que podem provocar para-
das cardíacas. Têm hoje vida média inferior à dos escravos coloniais”.
Além da precarização total imposta ao trabalhador rural, a lei opera, também,
no reforço da aceitação da contratação temporária, seja no campo, seja no meio ur-
bano, como é intenção dos legisladores e da burguesia, flexibilizando sempre os di-
reitos conquistados pelos trabalhadores brasileiros. A aprovação, em outubro de
2008, pela Comissão de Trabalho de Administração e Serviço Público (CTASP), do
228
F. de OLIVEIRA. O pós-moderno. Folha de São Paulo Online. Opinião. São Paulo, 27/05/2007.
207
substitutivo do Senado ao Projeto de Lei (PL) nº 4.302-C de 1998 tem o mesmo sen-
tido
229
.
Ano: 2008
Substitutivo do Senado ao Projeto de Lei 4302
-
C/98
. Modifica a Lei n
0
6.019, de
1974 e o Decreto 73.841, de 1974, regulamentando a contratação de empresas
terceirizadas, bem como o trabalho temporário nessas empresas.
Art. 2
0
: “trabalho temporário é aquele prestado por pessoa física contratada por uma
empresa de trabalho temporário que a coloca à disposição de uma empresa tomado-
ra de serviços para atender à necessidade de substituição transitória de pessoal
permanente ou à demanda complementar de serviços”;
§ II: considera “complementar a demanda de serviços que seja oriunda de fatores
imprevisíveis ou, quando decorrentes de fatores previsíveis, tenha natureza intermi-
tente, periódica ou sazonal”.
Art. 4
0
: empresa de trabalho temporário é pessoa jurídica, devidamente registrada
no Ministério do Trabalho e Emprego, responsável pela colocação de trabalhadores
à disposição de outras empresas temporariamente;
Art. 5
0
: empresa tomadora de serviços é “pessoa jurídica ou entidade a ela equipa-
rada que celebra contrato de prestação de serviços temporário com a empresa defi-
nida no artigo 4
0
;
Art. 10
0
: parágrafos I e II permitem que a duração do contrato seja de 180 dias
consecutivos ou não, podendo ser prorrogado por até 90 dias, consecutivos ou não.
Estabelece que o prazo previsto “poderá ser alterado mediante acordo ou convenção
coletiva”, abrindo possibilidade para prazos ainda maiores. Aos trabalhadores tempo-
rários, a jornada é equivalente à do empregado da empresa tomadora.
Na atual legislação sobre trabalho temporário, a jornada prevista é de oito ho-
ras, remuneradas as horas extraordinárias não excedentes de duas, com acréscimo
de 20% (vinte por cento), ou seja, menor que o estabelecido na CF/88 para os con-
tratos não temporários, que é de 50%. Contudo, o texto do PL não faz qualquer refe-
rência ao pagamento da hora extra, mesmo com valor menor. Outro aspecto a ser
considerado na análise do PL em questão é que ele amplia a possibilidade de uso
do trabalho temporário pela empresa, eliminando o caráter extraordinário dessa mo-
dalidade de contratação, flexibilizando os direitos dos trabalhadores empregados
pelas terceiras. Afinal, os serviços adicionais podem ou não ser previsíveis e a in-
termitência (irregularidade do serviço) pode ser periódica.
Segundo o DIEESE
230
:
Uma das conseqüências mais graves do Projeto de Lei n
0
4.302 é a autori-
zação da terceirização nas atividades-fim da empresa. Com isso, derruba
229
O PL em questão não se confunde com a Lei n
0
9601/1998, aprovada no governo Cardoso, que instituiu o
contrato de trabalho por prazo determinado de trabalhadores individuais por empresas, permitidas nas conven-
ções e acordos coletivos celebrados entre empresas e sindicatos. Ela modificou o art. 443 da CLT e foi regula-
mentada pelo Decreto 2.490/1998.
230
PL 4.302: a nova lei do trabalho temporário e a regulamentação da terceirização. Nota Técnica do
Departamento Intersindical de Estatística e Estudos cio-econômicos. Disponível em http://www.dieese.org.br,
consultado em dezembro de 2008.
208
uma das poucas proteções com relação à terceirização garantidas no orde-
namento jurídico atual [...], que é a proibição da terceirização na atividade-
fim [...]. Com o PL 4.302, passa a ser permitida a terceirização tanto nas ati-
vidades-meio quanto nas atividades-fim, pois indica que não se configurará
a obrigatoriedade do vínculo de emprego, mesmo nas chamadas atividades-
fim. [...] o PL dificultará, também, o cumprimento na Justiça do Trabalho da
exigência de vínculo de emprego, em alguns casos, e facilitará as fraudes.
Isto porque será mais difícil garantir este vínculo, sempre que caracteriza-
das a habitualidade, onerosidade, subordinação e pessoalidade na relação
entre uma empresa e determinado trabalhador.
Bárbara
231
, diretora da Federação dos Professores do Estado de São Paulo
(FEPESP), mostra que o PL não se limita a legalizar a contratação terceirizada. Ao
contrário:
....corrompe os dois princípios basilares de toda a legislação
trabalhista, inscritas nos artigos 2
0
e 3
0
da CLT: os conceitos de
empresa e de empregado, a partir dos quais a relação de trabalho se
define. Seguramente, a aprovação do PL 4302/98 representa o fim do vín-
culo empregatício. Ele poderá até existir no papel, mas dificilmente será a-
dotado pelas empresas.
Para a sindicalista, traz uma alteração substantiva das regras de contratação
temporária pois permite, entre várias medidas, que um trabalhador permaneça “em
uma empresa como ‘temporário’ por a270 dias ou prazo ainda maior, se constar
de acordo ou convenção coletiva”. Quando finda o contrato, o trabalhador não tem
direito a nada. O próprio Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), através da Nota
Técnica n
0
81/2008, critica o PL, mostrando que, no Art. 12
0
, são assegurados aos
trabalhadores temporários, durante o período em que estiver à disposição da empre-
sa tomadora de serviços, “direitos bem mais reduzidos que os trabalhadores regula-
dos pela CLT”, restando-lhes “direitos em magros três incisos”, quais sejam:
I salário equivalente ao percebido pelos empregados que trabalham na
mesma função ou cargo da tomadora;
II jornada de trabalho equivalente à dos empregados que trabalham na
mesma função ou cargo da tomadora;
III proteção previdenciária e contra acidentes do trabalho a cargo do Insti-
tuto Nacional de Seguridade Social – INSS.
Sabemos que a terceirização é um fenômeno historicamente conhecido dos
trabalhadores brasileiros a construção civil é o exemplo mais marcante disto
sendo que, milhões são submetidos a essa modalidade de relação de trabalho. Para
231
S. BÁRBARA. Legalização da contratação terceirizada. Diretora da Federação dos Professores do Estado de
São Paulo (FEPESP). Boletim do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar — DIAP, n
0
219:
setembro de 2008. Disponível em http://www.dieese.org.br
209
Bárbara
232
, a ampliação do uso de força de trabalho terceirizada ocorre, “inclusive,
na prestação de serviços ditos essenciais, de responsabilidade do governo e de uti-
lidade pública”. Com base nas informações trazidas pela sindicalista, entendemos
que a novidade do PL 4302/98, então, é trazer o fim do limite imposto pela lei aos
empregadores, generalizando “a contratação terceirizada em caráter permanente e
para qualquer atividade [..] sendo que a “empresa poderá ter 100% dos seus funcio-
nários por terceirização [...]”. Ou seja, o PL naturaliza essa modalidade de relação de
trabalho com direitos flexibilizados, sob diversas denominações, como acontece com
o Contrato de Trabalhador Rural por Pequeno Prazo, seja no meio urbano ou rural.
Em 2004, o Deputado Sandro Mabel do Partido Liberal (PL) partido da
base governista também apresentou um projeto sobre a questão sob o número
4330, cujo conteúdo é o mesmo, apenas não aborda o trabalho temporário. O De-
putado Vicentinho do PT, da mesma maneira, apresentou, em 2007, o PL1621, em
que procura limitar a terceirização, mas não traz de maneira clara os direitos dos
trabalhadores nessas empresas terceirizadas. No artigo 8
0
, por exemplo, propõe a
proibição da “contratação de prestadoras constituídas com a finalidade de fornecer
mão-de-obra, ressalvados os casos de trabalho temporário, serviços de vigilância e
asseio e conservação”. Ou seja, delimita, como os outros PL (s), a contratação de
força de trabalho em caráter temporário por empresas terceirizadas, admitindo, as-
sim, essa modalidade de trabalho flexibilizado, desde que, segundo seu PL, haja
participação e concordância dos sindicatos.
A intenção do governo Lula, então, com participação ativa de parlamentares
do PT e de partidos da base aliada, como pudemos verificar, é aprovar leis que inter-
firam em todos os aspectos relativos aos direitos trabalhistas, flexibilizando a legisla-
ção na perspectiva do ideário neoliberal. Inclusive, o significado dos direitos trazidos
aos trabalhadores domésticos pela Lei 11.324, de 2006
233
, por exemplo, um dos
232
S. BÁRBARA. Legalização da contratação terceirizada. Diretora da Federação dos Professores do Estado de
São Paulo (FEPESP). Boletim do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar — DIAP, n
0
219:
setembro de 2008. Disponível em http://www.dieese.org.br
233
Essa lei alterou dispositivos das Leis n
0s
9.250/1995, 8.212/1991, 8.213/1991 e 5.859/1972 e revogou dispo-
sitivo da Lei n
0
605/1949. No art. 4
0
, modificou a Lei 5859/1972, que passou a vigorar com a seguinte redação:
Art. 2
0
A: É vedado ao empregador doméstico efetuar descontos no salário do empregado por fornecimento de
alimentação, vestuário, higiene ou moradia. Essa especificação não existia, abrindo brechas para descontos do
tipo; Art. 3
0
: O empregado doméstico terá direito a férias anuais remuneradas de 30 (trinta) dias com, pelo me-
210
únicos avanços observados no âmbito trabalhista anula-se pelo retrocesso no con-
junto dos direitos, como vimos no levantamento realizado aqui.
Nesse processo, as propostas atingem também a legislação sindical trazidas
especialmente pelo Fórum Nacional do Trabalho (FNT), com apoio de setores signi-
ficativos do movimento sindical, mas, também, enfrentando-se com vários que se
opõem, acirrando as divergências historicamente existentes entre as correntes.
3.7. O movimento sindical e o governo Lula: entre a combatividade e a coopta-
ção
A contemporaneidade, sob a égide do governo Lula, trouxe um acirramento
das divergências ídeo-políticas existentes entre centrais do campo da esquerda,
provocando uma crise de grandes proporções no movimento sindical, especialmente
se considerarmos a gravidade do contexto sócio-histórico, cujo conteúdo constitui-se
de ataques sistemáticos aos direitos do trabalho, desfechados pelo capital. A linha
política do governo Lula, de buscar apoio e cooptar setores significativos do movi-
mento sindical, obtendo-a em função da origem de classe do PT, é um dos determi-
nantes do processo. O posicionamento da CUT, por seu turno, de defesa da condu-
ção econômico-política do governo Lula, adotando apenas ações pontuais de oposi-
ção é o outro elemento de peso do complexo feixe de causalidades da crise.
Consideramos que uma das razões para esse posicionameno da central
situa-se na existência de vínculos sócio-políticos entre sua direção e o grupo
dirigente petista
234
, mas também a ocupação de cargos de direção de muitos
sindicalistas, no governo, tem relação de causalidade. Antunes (2004a, p.3)
considera que seria inevitável uma participação ativa dos grupamentos sindicais
fundadores do PT no governo Lula, inclusive, entendendo como uma expressão da
representação dos trabalhadores na condução política do Estado, o que seria
nos, 1/3 (um terço) a mais que o salário normal, após cada período de 12 (doze) meses de trabalho, prestado à
mesma pessoa ou família. A lei 5.859, de 11 de dezembro de 1972, não impedia o desconto e estabelecia 20 dias
de férias, sem direito a adicional. A mudança acontece, também, com a inclusão de um item ao artigo 4
0
que
veda a dispensa arbitrária ou sem justa causa da empregada doméstica gestante desde a confirmação da gravidez
até 5 (cinco) meses após o parto.
234
Coelho realiza um profundo estudo sobre a Corrente Articulação, que é direção do PT, mas também da CUT
com a denominação de Articulação Sindical. E. COELHO. Uma Esquerda para o Capital: Crise do Marxismo e
Mudanças nos Projetos Políticos dos Grupos Dirigentes do PT (1979-1998). Tese de Doutorado em História.
Niterói (RJ), UFF, 2005.
211
elemento de avanço em termos de direitos do trabalho. O problema, para ele, é que,
nesse movimento, tem havido uma perda do vínculo de origem da central e de seus
dirigentes com sua classe social, que estão sendo completamente tragados pelas
benesses da burocracia estatal. Ou seja, os sindicalistas têm chegado aos cargos da
administração direta como maneira de ascensão social, “desprovidos de densidade
político-ideológica, tendo seus laços cortados com a classe trabalhadora”,
convertendo-se, grande parte deles, em gestores de órgãos públicos, a serviço dos
interesses privados. Um outro fenômeno, existente anteriormente, também se
aprofunda: a participação de sindicalistas nos fundos de pensão, sendo que muitos
dos antigos sindicalistas, hoje, encontram-se na presidência de fundos de pensão, o
da PREVI, por exemplo, indicado pela direção do Banco do Brasil (BB).
No governo Cardoso, a interlocução predominante foi com a Força Sindical,
embora seus sindicalistas não tivessem o peso político e de ocupação de cargos
como os cutistas têm hoje. Com o governo Lula, a FS passou a segundo plano, mas
não se colocou na oposição. Ao contrário, seus laços com a CUT estreitaram-se e
Luis Antonio Medeiros destacado presidente da FS e íntimo interlocutor do gover-
no Cardoso ocupa, hoje, o cargo de Secretário das Relações de Trabalho no Mi-
nistério do Trabalho e Emprego. Unifica-se com a CUT em várias posições políticas,
juntamente com outras pequenas centrais, como a União Geral dos Trabalhadores
(UGT), Nova Central Sindical dos Trabalhadores (NCST) e Central Geral dos Traba-
lhadores Brasileiro (CGTB).
Aponta Antunes
235
que, hoje, frente a este quadro, uma parte dos sindicatos
tem deixado a CUT, mas nota que a “Força Sindical também perdeu muitos sindica-
listas que foram para novas centrais, de perfil mais conservador”. A CUT está forma-
da, hoje, majoritariamente, pelo PT e PDT, pois o PCdoB e o PSB, juntamente com
outros sindicalistas, sendo uma parte deles de trabalhadores rurais, deixaram a CUT
em meados de 2008, constituindo, no mesmo ano, a Central dos Trabalhadores e
Trabalhadoras Brasileiras (CTB). Entretanto, segundo editorial do Jornal Vermelho,
235
R. ANTUNES. Sociólogo vê estatização dos sindicatos. Entrevista a R.GUGLIELMINETTI. Correio Popular.
Online. Agência Anhanguera. Campinas (SP), 9 de abril de 2008.
212
do PCdoB, de 16 de outubro de 2008, a CTB não foi criada por divergências ídeo-
políticas, mas em função da composição da direção da CUT
236
.
Mas um crescente entre setores organizados de trabalhadores cuja posi-
ção ídeo-política colide com a hegemônica no governo lula. Nessas situações, a
intenção governamental deixa de ser a busca de apoio, com um posicionamento
claro de fragmentar a base de seus sindicatos, bem como estimular ou provocar o
aparecimento de entidades paralelas como vem fazendo com o Sindicato dos
Metalúrgicos de São José dos Campos e o ANDES-SN
237
, por exemplo. Ao mesmo
tempo, com os trabalhadores organizados em sindicatos e movimentos sociais cujas
ações sejam consideradas fora de limites toleráveis pelo staf governamental, a
perspectiva é de criminalização e repressão
238
.
No âmbito da oposição, os sindicatos que romperam com a CUT, como o Sin-
dicato dos Metalúrgicos de Campinas, de São José dos Campos, a Federação Única
dos Petroleiros (FUP), o ANDES-SN e vários outros, formaram a CONLUTAS e a
INTERSINDICAL.
A CONLUTAS constitui-se em uma coordenação de lutas, e não apenas uma
central sindical. Criada em 2004, tem por objetivo “organizar a luta contra as refor-
mas neoliberais do governo Lula (Sindical/Trabalhista, Universitária, Tributária e Ju-
diciária)”, mas também “contra o modelo econômico” e voltada para a construção do
236
No CONCUT, de 2006, a tendência majoritária da CUT afastou a Corrente Sindical Classista (CSC) da
direção da CUT-BA e impediu que a tendência mantivesse o cargo de vice-presidente da CUT, dando início ao
processo de cisão, concretizado em 2008. A CTB considera a CUT sua principal aliada “no fortalecimento da
unidade e da luta dos trabalhadores”. Dessa forma, não será uma central de oposição à CUT. A Central dos Tra-
balhadores do Brasil e a unidade sindical. 16.10/2008. Disponível no Site http://www.vermelho.org.br/base e da
Central de trabalhadores e Trabalhadoras Brasileiros (CTB). http://portalctb.org.br, consultado em dezembro de
2008.
237
Com o ANDES-SN, o PT, juntamente com a CUT vem patrocinando a criação de um sindicato de professores
das universidades federais (PROIFES). O Ministério do Trabalho e Emprego, desde 2003 já no primeiro
mandato presidencial de Lula promoveu a suspensão autoritária do registro sindical do ANDES-SN, pois
uma decisão da Primeira Seção do Tribunal de Justiça DF, mantida pelo Supremo Tribunal Federal que, le-
galmente, reconhece sua representatividade. Site do ANDES-SN. http://www.andes.org.br, consultado em de-
zembro de 2008.
238
Em maio de 2007 a hidrelétrica de Tucuruí (PA), dirigida pela Eletronorte, foi ocupada durante a madrugada
por, aproximadamente, 250 pessoas da Via Campesina e do Movimento dos Atingidos por Barragens. Tropas
federais foram enviadas para impedi-las, juntamente com a Polícia Militar. O Exército já possui em Tucuruí uma
unidade militar e um esquadrão de cavalaria mecanizada. Um manifestante foi atingido no pescoço por bala de
borracha disparada pela PM. O objetivo da manifestação era agilizar as negociações para atender aos direitos dos
atingidos pela barragem, que são em torno de 32 mil pessoas. Governo determina deslocamento de tropas para
Tucuruí. T. MONTEIRO e M.F.da ROCHA FILHO. O Estado de São Paulo. Agência online, Brasília. 23 de
maio de 2007.
213
socialismo. É composta de sindicalistas e militantes de movimentos sociais diversos
do PSTU, do PSOL e sem filiação partidária
239
. É uma coordenação aberta “à parti-
cipação de qualquer entidade, organização popular, estudantil ou movimento social,
que queira somar-se à luta contra as reformas neoliberais e contra o modelo econô-
mico de Lula/FMI”. Entidades que estejam participando ou não em centrais sindicais
podem organizar-se na coordenação para a construção de “uma alternativa para as
lutas dos trabalhadores, frente a degeneração da CUT, que se transformou em uma
entidade "chapa-branca", preferindo apoiar o governo do que defender os trabalha-
dores”
240
.
A INTERSINDICAL é uma central sindical, organizada em 2004
241
. É formada
por setores do PSOL, do PCB e militantes sem filiação partidária, cuja perspectiva é
a construção do socialismo. Tem por objetivo participar “de forma efetiva na constru-
ção de uma alternativa que ajude na disputa de rumos do sindicalismo brasileiro”,
mostrando que o sindicalismo brasileiro vai além dos “sindicatos de carimbo”, não se
restringe ao chamado “sindicalismo de resultados da Força Sindical e tampouco à
forma proposta pela Articulação Sindical de ‘Sindicato Cidadão’, ou do sindicalismo
do pacto social”, como se apresenta a CUT, hoje.
Mas também várias correntes, militantes e a parlamentares deixam o PT,
fortalecendo partidos de esquerda contrários à condução econômico-política do
governo Lula Partido Socialista dos Trabalhadores Unificados (PSTU), Partido da
Causa Operária (PCO) e Partido Comunista Brasileiro (PCB) por exemplo ou
formando novos como o Partido do Socialismo e Liberdade (PSOL). Nesse caminho,
manifestam-se intelectuais, ligados ou não às universidades públicas, que
identificam no conteúdo neoliberal do governo Lula, a perspectiva de retirada de
direitos dos trabalho.
239
“Foi constituída como desdobramento do Encontro Nacional Sindical, que aconteceu em março de 2004 em
Luziânia (GO) e que reuniu mais de 1.800 dirigentes e ativistas sindicais e de movimentos sociais. Este encontro
definiu um calendário de lutas contra a reforma Sindical, cuja primeira grande atividade foi a manifestação,
organizada pela CONLUTAS, em Brasília, em 16 de junho passado, reunindo cerca de 20 mil manifestantes”.
Site da CONLUTAS. http://www.conlutas.org.br
240
Site da CONLUTAS. http://www.conlutas.org.br
241
Site da Intersindical: http://intersindical.org.br
214
3.8. Legislação sindical e interferência governamental: a crise do movimento
sindical se explicita
O Fórum Nacional do Trabalho (FNT), criado em 2003, pelo governo Lula,
discutiu e propôs reformas no âmbito da organização sindical. Ligado ao Ministério
do Trabalho e Emprego (MTE) é presidido pelo Ministro, pautando-se “pela busca
permanente do diálogo e do consenso entre as partes envolvidas na negociação”:
governo, trabalhadores e empresários
242
. Tendo como norte que a “promoção e a
sustentação do diálogo social são instrumentos fundamentais para o futuro virtuoso
das relações de trabalho no Brasil” e que o “diálogo social somente se fortalece me-
diante a consolidação de organizações sindicais fortes e representativas”
243
, o rum
dedicou-se a discutir e elaborar propostas de mudanças apenas no âmbito da orga-
nização sindical denominando a esse processo de reforma sindical. Entre 2003 e
2005, foram elaborados diversos documentos tanto de estudo quanto de propostas,
contando, inclusive, com uma contribuição do Conselho de Desenvolvimento Eco-
nômico e Social (CEDES). Para as análises desse processo, tomamos como refe-
rência a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 369 de 2005 e a Lei n
o
11.648/2008, as quais condensam todas as questões contidas nos demais
documentos produzidos pelo FNT. Por ter formato de legislação, foram destacadas
para o estudo nesta tese.
Ano: 2005
Proposta de
Emenda Constitucional (PEC) 369 altera os
artigos 8
0
, 11,37 e 114
da Constituição. Trazemos, aqui, apenas o artigo 8
0
que trata da liberdade e auto-
nomia sindical.
Art. 8
0
: assegura a liberdade sindical, mantendo os termos anteriores.
§ I: o Estado não poderá exigir autorização para fundação de entidade sindical, res-
salvado o registro no órgão competente, vedadas ao Poder Público a interferência e
a intervenção nas entidades sindicais.
§ II: o Estado atribuirá personalidade sindical às entidades que, na forma da lei, a-
tenderem a requisitos de representatividade, de participação democrática dos repre-
sentados e de agregação que assegurem a compatibilidade de representação em
todos os níveis e âmbitos da negociação coletiva.
242
“O Fórum Nacional do Trabalho é composto de forma tripartite, conforme procedimentos adotados pela OIT.
Trabalhadores e empregadores, por meio de suas entidades representativas nacionais, escolheram suas
respectivas bancadas, com base em critérios que respeitam a legitimidade e representatividade das partes, sua
importância no cenário nacional, seu grau de institucionalização pública e a cobertura de todos os setores de
atividade econômica”. Site do FNT. http://www.mte.gov.br/fnt/representacao
243
Relatório final da Comissão de Sistematização. FNT, Brasília, Março de 2004. Disponível em
http://www.mte.gov.br/fnt/representacao
215
De início, vale destacar o discurso do governo ao apresentar a PEC
244
,
demonstrando sua concepção das relações capital x trabalho:
Por quase dois anos, representantes de trabalhadores, do governo e de
empregadores foram protagonistas da mais rica experiência de negociação
tripartite que este país presenciou e que se traduziu em consensos sobre
inúmeras questões consideradas por muitos de difícil resolução. O projeto
elaborado pelo FNT traz a marca do esforço daqueles que aceitaram sentar
à mesa de negociação e se empenharam em formular uma legislação sindi-
cal mais compatível com a realidade do mundo do trabalho e com as novas
exigências do desenvolvimento nacional. O resultado final, na forma de uma
Proposta de Emenda à Constituição e de um Anteprojeto de Lei, não é o
que o governo imaginava nem tampouco o ideal sonhado por trabalhadores
e empregadores. Trata-se de uma construção coletiva que, nesse sentido,
superou todas as expectativas.
A PEC 369, no artigo 8
0
, mantém a indefinição sobre o órgão competente a
ser registrada a entidade sindical, permitindo, segundo Miranda
245
, uma interferência
do Estado, pois diferentes interpretações da questão, sendo consenso, apenas, a
necessidade do registro das entidades sindicais. correntes que defendem, como
o autor, que, em função da natureza jurídica do sindicato e com a Constituição Fede-
ral de 1988, o órgão público competente para registro é o Cartório de Registro Civil
das Pessoas Jurídicas — em acordo com a Lei 6.015/73 (Lei de Registros Públicos).
Outras correntes defendem que o órgão competente é o Ministério do Trabalho. Ou-
tras, ainda, que é necessário o registro no Cartório e no Ministério do Trabalho. Mi-
randa defende a primeira posição, que garantiria a autonomia dos sindicatos e cen-
trais em relação ao MTE, pois a indefinição e ambigüidade tem levado, na prática, a
uma interferência arbitrária do referido ministério, mesmo com a CF/88. Seguindo
com a análise desta PEC, quando observamos a combinação do parágrafo primeiro
com o segundo, do mesmo artigo 8
0
, vimos que ela garante a total interferência do
Estado.
Podemos dizer que o FNT não modificou esses parágrafos porque, na prática,
a interferência do governo Lula na autonomia dos sindicatos vem se dando de
maneira persistente, com a intenção de bloquear as forças políticas que, entre os
trabalhadores, oferecem resistência à continuidade da contra-reforma neoliberal em
244
Reforma Sindical: Proposta de Emenda à Constituição - PEC 369/05 e Anteprojeto de Lei de Relações Sindi-
cais. Apresentação de Osvaldo BARGAS Coordenador Geral do FNT (MTE) Brasília, 2005. Disponível em
http://www.mte.gov.br/fnt
245
CENTRAIS SINDICAIS: Reconhecimento ou Contrato de Compra e Venda? L. MIRANDA. Coordenação
Nacional da Intersindical. Disponível em http://intersindical.org.br, consultado em dezembro de 2008.
216
andamento. Concordamos com Almeida (2006, p.2), então, que os neoliberais, ao
mesmo tempo em que defendem o “afastamento completo do Estado das relações
individuais de trabalho”, buscam coibir os sindicatos combativos, promovendo
interferência ativa do mesmo “Estado nas relações coletivas de trabalho”. O caso da
Inglaterra com Thatcher é o maior demonstrativo disto, como evidenciamos em
nossa tese, anteriormente.
As lutas, as dissidências e a crise política do governo Lula, envolvendo de-
núncias de corrupção, impediram que a PEC 360/2005, encaminhada pelo FNT, ao
Congresso, em 2005, fosse votada. Ainda hoje encontra-se nessa condição.
Ano: 2008
Lei n
o
11.648/2008, que legaliza as Centrais Sindicais, mantém o imposto
sindical e os distribui para essas organizações.
Art. 1
0
: Parágrafo único: a lei estabelece o conceito de central sindical como
“entidade associativa de direito privado composta por organizações sindicais de
trabalhadores”;
Art. 1
0
: Inciso I: apresenta as atribuições e prerrogativas da “entidade de repre-
sentação geral dos trabalhadores” de exercer a representação dos trabalhado-
res, por meio das organizações sindicais a ela filiadas” e “participar de negocia-
ções em fóruns, colegiados de órgãos públicos e demais espaços de diálogo so-
cial que possuam composição tripartite, nos quais estejam em discussão assun-
tos de interesse geral dos trabalhadores”.
Art. 2
0
: institui requisitos de representatividade
246
para o exercício das atribui-
ções e prerrogativas” das centrais sindicais;
Art. 3
o
: estabelece que a indicação pela central sindical de representantes nos
fóruns tripartites, conselhos e colegiados de órgãos públicos terá número propor-
cional ao seu índice de representatividade;
Art. 4
o
: determina que a aferição dos requisitos de representatividade será feita
pelo Ministério do Trabalho e Emprego.
Art. 5
0
: a arrecadação da contribuição sindical” será debitada, “pela Caixa Eco-
nômica Federal, na forma das instruções que forem expedidas pelo Ministro do
Trabalho”, percentuais para trabalhadores, empregadores e governo. Para o go-
verno o percentual correspondente vai para a Conta Especial Emprego e Salário.
Aos empregadores vai para confederação, federação e sindicato. Para os traba-
lhadores vai para confederação, central sindical, federação e sindicato
247
.
246
A representatividade foi estipulada da seguinte maneira: I - filiação de, no mínimo, cem sindicatos distribuí-
dos nas cinco regiões do País; II - filiação em pelo menos três regiões do País de, no mínimo, vinte sindicatos em
cada uma; III - filiação de sindicatos em, no mínimo, cinco setores de atividade econômica; IV - filiação de tra-
balhadores aos sindicatos integrantes de sua estrutura organizativa de, no mínimo, sete por cento do total de
empregados sindicalizados em âmbito nacional. § 1
0
O índice previsto no inciso IV será de cinco por cento do
total de empregados sindicalizados em âmbito nacional no período de vinte e quatro meses a contar da publica-
ção desta Lei. § 2
0
As centrais sindicais que atenderem apenas aos requisitos dos incisos I, II e III poderão somar
os índices de sindicalização dos sindicatos a elas filiados, de modo a cumprir o requisito do inciso IV.
247
Assim ficaram distribuídos os percentuais da “contribuição sindical” no artigo V da Lei 11648/2008:
I - para os empregadores:
a) 5% (cinco por cento) para a confederação correspondente;
b) 15% (quinze por cento) para a federação;
c) 60% (sessenta por cento) para o sindicato respectivo; e
d) 20% (vinte por cento) para a ‘Conta Especial Emprego e Salário’;
II - para os trabalhadores:
a) 5% (cinco por cento) para a confederação correspondente;
217
§ I
: o “sindicato de trabalhadores indicará ao Ministério do Trabalho e Emprego a
central sindical a que estiver filiado como beneficiária da respectiva contribuição
sindical, para fins de destinação dos créditos previstos neste artigo”.
De acordo com o inciso I do artigo 1
0
, as centrais existirão nos “fóruns, co-
legiados de órgãos públicos e demais espaços de diálogo social que possuam
composição tripartite”, ou seja, empresários, governos e centrais sindicais, sen-
do, portanto, de acordo com Miranda
248
, um “reconhecimento parcial’, pois um
espaço de representação, parecendo ser único. Ao mesmo tempo, para o autor,
a representação está amarrada a uma perspectiva ídeo-política: assegurar o diá-
logo social. Isto significa que deve representar apenas para o “entendimento, o
pacto social, entre capital e trabalho, com a mediação e a interferência direta do
governo de plantão”
Observamos, no artigo 2, que o conceito de representatividade que rege a Lei
é quantitativo e, nos artigos 3 e 4, a Lei estabelece critérios e percentuais para reco-
nhecê-la, instituindo que o Ministério do Trabalho aferirá e atestará a representativi-
dade. Podemos dizer que trata-se de uma intervenção, mais que interferência, por-
que o MTE pode considerar que uma ou outra central não possui representatividade,
descartando-se em absoluto a autonomia das organizações superiores dos traba-
lhadores, como são as centrais, considerando-as, na verdade, como órgãos do Mi-
nistério, ou seja, do Estado. Essa imposição fere profundamente o exercício da au-
tonomia e da liberdade sindicais, garantido na Constituição Federal de 1988.
Outro aspecto chama a atenção na lei aprovada: a continuidade do imposto
sindical, substituído pela chamada Contribuição de Negociação Coletiva de a
1% da renda líquida do trabalhador no ano anterior, tendo sido uma questão bastan-
te polêmica durante a tramitação da Lei, em especial na Câmara dos Deputados,
quando foi incluída uma emenda que o mantinha obrigatório para as entidades pa-
b) 10% (dez por cento) para a central sindical;
c) 15% (quinze por cento) para a federação;
d) 60% (sessenta por cento) para o sindicato respectivo; e
e) 10% (dez por cento) para a ‘Conta Especial Emprego e Salário’.
248
CENTRAIS SINDICAIS: Reconhecimento ou Contrato de Compra e Venda? L. MIRANDA. Coordenação
Nacional da Intersindical. Disponível em http://intersindical.org.br, consultado em dezembro de 2008.
218
tronais e facultativo para as dos trabalhadores. A Folha de São Paulo
249
assim noti-
ciava a polêmica, à época:
O imposto é cobrado de forma compulsória desde a Era Vargas. Os traba-
lhadores pagam o equivalente a um dia de trabalho. Entre as empresas, o
percentual de desconto varia conforme o capital social [...]. A reação das
centrais sindicais foi imediata e a partir de hoje começa uma operação para
"derrubar" a emenda, apresentada pelo deputado Augusto Carvalho (PPS-
DF), segundo sindicalistas de várias centrais. [...] Para a CUT, que histori-
camente diz defender o fim do imposto sindical, é estranho que a contribui-
ção seja facultativa apenas entre os trabalhadores. "Se o imposto acabar do
lado dos trabalhadores, também tem de acabar entre os sindicatos patro-
nais", diz Arthur Henrique, presidente da CUT.
Centrais sindicais como a CUT, a FS, a CTB e outras articularam e obtiveram
um acordo com o governo. A CONLUTAS e a INTERSINDICAL posicionaram-se
contrárias à continuidade do imposto sindical para os trabalhadores, entendendo que
ele contrapõe-se à idéia de um sindicalismo autônomo, com financiamento pela coti-
zação dos trabalhadores de maneira livre e solidária, como defendida historicamente
pela CUT e PT. A crise no movimento estava instalada de maneira explícita.
A emenda caiu na votação do Senado e o imposto manteve-se com a deno-
minação de Contribuição Sindical, estendendo-se às Centrais, que a então não
existiam pela lei.
No artigo 5
0
, aparece a definição dos sindicatos como os responsáveis por in-
dicar a central a ser destinado o percentual do imposto, sendo que isto trouxe uma
nova perspectiva para as centrais filiarem sindicatos. Ou seja, com a lei, o poder po-
lítico, também para as centrais, combina-se com o poder econômico que o acesso
aos percentuais desse imposto exige comprovante de representatividade quantitati-
va.
Quanto maior o número de sindicatos filiados e de trabalhadores sindicali-
zados, maior será a representatividade da central e maior, portanto, a fatia
obtida do imposto sindical. Pela lei, as centrais que comprovarem represen-
tatividade poderão abocanhar 10% do total arrecadado com o imposto sin-
dical. Neste ano, sindicalistas e especialistas estimam que esse percentual
seja de R$ 100 milhões. Para o Ministério do Trabalho, são R$ 60 milhões.
O principal alvo da disputa das centrais são 4.046 sindicatos de trabalhado-
res que ainda são independentes (não têm vinculação a essas entidades),
segundo dados mais recentes do recadastramento sindical do Ministério do
249
C. ROLLI. Sindicatos podem perder receita de 754 milhões. Folha de São Paulo. Online. São Paulo, 19 de
outubro de 2007.
219
Trabalho. Os outros 3.656 sindicatos filiados a uma central também estão
na mira das entidades que correm atrás de representatividade
250
.
Pelo conteúdo das leis aprovadas e pelo processo de sua aprovação, obser-
vamos as mudanças radicais nas posições ídeo-políticas da CUT tanto na questão
do financiamento dos sindicatos, das centrais, etc. quanto no que diz respeito às re-
lações de trabalho que se pretende na sociedade brasileira. Por outro lado, podemos
dizer que a defesa do imposto sindical, pelo governo Lula, bem como a inclusão das
centrais em sua distribuição tem como finalidade cooptá-las e aos sindicatos, objeti-
vando a aprovação das políticas neoliberais centradas nas contra-reformas trabalhis-
ta, previdenciária, do ensino superior, etc. Observamos, assim, que o governo Lula
preocupa-se com a resistência que sua condução econômico-política gere entre os
trabalhadores organizados e de esquerda. Sendo os sindicatos e as centrais impor-
tantes instrumentos para organizar a resistência, concordamos com Almeida (2006)
quando ele aponta que seu objetivo, com as mudanças na legislação sindical, é con-
trolá-los, impedir a formação de focos de organização autônoma e de luta contra os
ataques aos direitos do trabalho desfechados pelo capital, sob a égide do ideário
neoliberal. É jogar peso na divisão, acirrando a crise do movimento sindical.
3.9. Flexibilização da legislação trabalhista e crise do movimento sindical: o
cerco aos direitos do trabalho na contemporaneidade
No estudo detalhado da legislação aprovada e das propostas em tramitação,
identificamos uma tendência, no governo Lula, de não eliminar leis, mas disponibili-
zá-las para negociações, ou seja, flexibilizá-las. Entretanto, ao menos até o
momento em que finalizamos esta tese, o governo não logrou flexibilizar os direitos
de uma única vez, através de uma proposta integral como pretendia quando criou,
em 2003, o Fórum Nacional do Trabalho (FNT). A flexibilização tem se expressado
de diferentes formas: parlamentares do PT e da base governista aprovam leis,
mesmo de partidos de oposição, como foi o caso da Emenda Constitucional 45/2004
e apresentam PL(s) que flexibilizam a legislação, como fizeram os Deputados
Vacarezza do PT e Mabel, de partido da base governista. Ao mesmo tempo, o
governo consegue aprovar gradualmente, no congresso, itens pontuais da legislação
250
Centrais abrem disputa por sindicatos. C. ROLLI e Fátima FERNANDES. Folha de São Paulo Online. São
Paulo, Maio de 2008.
220
e expede portarias que flexibilizam. Assim, até o momento, o quadro é o que segue
abaixo:
flexibilização do poder normativo da Justiça do Trabalho,
referente a dissídio coletivo;
flexibilização da fiscalização do MTE dos direitos dos
trabalhadores em pequenas e micro-empresas;
flexibilização do tempo despendido pelo trabalhador de
pequenas e micro-empresas quando o empregador
fornecer a condução, devendo ser computado “tempo
médio” e não “tempo integral” e o empregador decidir
sobre “a forma e a natureza da remuneração”;
flexibilização dos horários de alimentação e repouso dos
trabalhadores, que poderão ser reduzidos por con-
venção ou acordo coletivo de trabalho, “devidamente
aprovado em assembléia geral” organizada pelos sin-
dicatos;
flexibilização do Contrato de Trabalhador Rural por Pe-
queno Prazo, cujo texto, apresentado pelo governo
Lula, já foi aprovado pelos deputados, aguardando
aprovação dos senadores;
No que se refere ao movimento sindical, como vimos, uma única lei foi apro-
vada, trazendo itens significativos: legalização das centrais sindicais, manutenção do
imposto sindical e ampliação de seu recebimento para as centrais.
No processo como um todo, evidencia-se que a concepção de flexibilização
do governo Lula é a “mista”, de acordo com tipologia apresentada por Almeida
(2006, p.1), que os mecanismos de “negociação e contratação coletiva com os
sindicatos” estão presentes com fundamentalidade, engendrando a ênfase na coop-
tação e na fragmentação das representações sindicais para sua concretização. As-
sim, confirmamos a hipótese diretriz de nosso estudo, de que as mudanças flexibili-
zam direitos trabalhistas e as propostas pretendem aprofundar o processo, sendo
necessário, para isto, intensificar a interferência do Estado nas organizações sindi-
cais, na perspectiva de transformá-las em instrumentos de controle dos trabalhado-
res, restringindo as lutas de resistência. A CUT é um demonstrativo disto, já que tem
contribuído para o processo de passivização dos trabalhadores, como é objetivo dos
neoliberais, incluindo o governo Lula, na atualidade.
Todavia, os dados pesquisados mostram que o objetivo não é flexibilizar ape-
nas a legislação trabalhista, mas também a ação dos órgãos responsáveis pela re-
221
gulação dos direitos e mais: não situa-se apenas no governo Lula, ou seja, não é
apenas o executivo que flexibiliza. Esse objetivo, na contemporaneidade, está pre-
sente no poder legislativo e judiciário, em total consonância com os interesses do
capital, expressos claramente nos textos do Banco Mundial (BM) e Confederação
Nacional da Indústria (CNI), que estudamos.
Considerando-se que o PT, hegemônico no governo Lula, é um partido situa-
do no espectro da esquerda, originário de um período de lutas e das próprias lutas
por democracia, mas também por conquista e ampliação de direitos, causa perplexi-
dade a amplos setores da esquerda o fato de seu governo dar continuidade de ma-
neira o profunda ao processo de desmonte desses direitos, orquestrado pelo ideá-
rio neoliberal. Por essa razão, embora as relações de causalidade do posicionamen-
to ídeo-político do PT e da CUT não sejam objeto de nosso debate, na busca de rup-
tura com a aludida perplexidade, é fundamental procurar entendê-las. Mesmo por-
que, esse entendimento nos permite ir além de um julgamento moralista, sendo exa-
tamente este o sentido dado por Coutinho (2007) ao fenômeno do transformismo,
categoria gramsciana com a qual ele trabalha para explicar esses aspectos da con-
temporaneidade.
Coutinho
251
trata do transformismo, na contemporaneidade brasileira, com o
sentido da “cooptação das lideranças políticas e culturais das classes subalternas”.
Essa cooptação objetiva excluí-las de “todo efetivo protagonismo nos processos de
transformação social”. Para o autor, entre a esquerda, a expectativa em relação ao
governo Lula voltava-se para “uma efetiva e exeqüível política de reformas, capaz de
abrir caminho para transformações mais substantivas”, como “a reforma agrária” e
não “como a chamada reforma da Previdência”, que não passa de uma contra-
reforma, voltada “para desconstruir conquistas das classes subalternas e favorecer o
capital financeiro”. Essas “reformas", para Coutinho foram “propostas pelo governo
FHC e pelo FMI, e não foram plenamente aprovadas antes, graças precisamente à
oposição do PT”. Nos termos de Gramsci (1978, pp.278), o PT não buscou imple-
mentar um “programa orgânico de governo que refletisse as reivindicações essenci-
ais das massas populares”
252
pelas quais o próprio partido havia se empenhado an-
251
Carlos Nelson Coutinho sai do PT. Entrevista ao Jornal do Brasil Online, Rio de Janeiro, 2003. Disponível em
mjlima en uol.com.br , MST 2003a.
252
Gramsci faz a crítica ao Partido de Ação e sua relação de subalternidade com os Moderados, no período do
222
teriormente, realizando, na verdade, o seu contrário. Assim, como aponta Coutinho,
na contemporaneidade, o “PT mudou de lado”, tornando “mais fácil implementar em
sua integralidade a agenda neoliberal”, incluindo, aí, “as anunciadas reformas traba-
lhista e universitária, entre outras”
253
.
Teixeira (2006, p.129), apesar de não ter a questão como foco em sua tese,
considera que a noção de transformismo pode explicar esse processo, pois de “outro
modo, seria difícil compreender os mecanismos que caracterizaram e caracterizam
os governos contra-reformistas de Fernando Henrique Cardoso e de Luiz Inácio Lula
da Silva”. Coelho (2005, p.466) também identifica o transformismo
254
ao analisar a
trajetória do PT rumo ao governo federal, através das correntes
255
que formam o
chamado Campo Majoritário do PT (que, portanto, dirigem o partido). Para o autor, é
possível constatar o transformismo na ação dessas correntes pela “dissolução dos
vínculos orgânicos com a classe trabalhadora”, quando “organizar a classe como
sujeito político independente deixou de ser um objetivo dos seus projetos políticos”.
Ao abrir mão da “tarefa essencial” de organizar politicamente os trabalhadores, “com
seu novo projeto político”, ainda para o autor, esse setor da esquerda brasileira, ao
mesmo tempo, colocou-se “no terreno da concepção burguesa de mundo”, passan-
do a “atuar, na prática, como intelectual, ou elemento ativo, da classe dominante”.
Dias (2006) é outro autor que identifica o transformismo no governo Lula. Mostra
que, através de diversificadas ações, na campanha de 2002, a “palavra de ordem
passou de ‘organizai-vos’ para tende ‘esperança’”, ao mesmo tempo em que recrimi-
nava as ocupações do MST, comprometendo-se a enquadrar o movimento nas leis
brasileiras
256
. Não se tratava, para o autor, de “um recurso tático, mas de uma ruptu-
Risorgimento, indicando o fenômeno político do transformismo. A. GRAMSCI. O Ressurgimento. In Obras
Escolhidas. São Paulo, Martins Fontes, 1978, p.275-310.
253
Op. cit. nota 251.
254
O autor trata do transformismo em suas condições históricas a partir de Gramsci, mostrando “que este
conceito designa um dos elementos constitutivos do “mecanismo” geral de hegemonia”, sendo possível que
“através dele se possa estabelecer certas analogias históricas. É com esta definição que se pode propor o
emprego do conceito como critério de interpretação da história recente dos grupos de esquerda” que ele pesquisa.
E. COELHO. Uma esquerda para o capital: Crise do Marxismo e Mudanças nos Projetos Políticos do Grupos
Dirigentes do PT (1979-1998). Tese de Doutorado em História. Niterói (RJ), UFF, 2005, p.466.
255
Coelho analisa as duas correntes que dirigem o PT dos anos 1980 a 1990: a Articulação e Democracia Radical
(DR). E. COELHO. Uma esquerda para o capital: Crise do Marxismo e Mudanças nos Projetos Políticos do
Grupos Dirigentes do PT (1979-1998). Tese de Doutorado em História. Niterói (RJ), UFF, 2005.
256
“Na sabatina de O Estado de São Paulo [de 25 de setembro de 2002], durante a campanha, Lula foi enfático:
diante da provocação sobre o que fazer com o MST, ele disse: este país tem lei”. E. F. DIAS. Embate de projetos
hegemônicos. São Paulo, Ed. Sundermann, 2006, p.178.
223
ra no plano da estratégia”. Os encaminhamentos posteriores do governo demonstra-
ram o transformismo, integrando-se, o PT, em definitivo, à “Ordem do Capital”.
Podemos dizer que foram múltiplas as determinações que levaram ao fenô-
meno do transformismo. Uma delas, localiza-se na crise do capitalismo que, em
meio a inúmeras situações, provocou um alto nível de desemprego, desmobilizando
os trabalhadores, obstaculizando de maneira mais efetiva do que em condições mais
favoráveis a formação de uma consciência de classe. Por outro lado, os trabalhado-
res empregados, com carteira assinada, encontram-se oprimidos pelo grande con-
tingente do exército industrial de reserva e refluem em suas reivindicações. Esse
complexo de causações objetivas e subjetivas, todavia, no caso concreto brasileiro,
entrecruza-se com outras determinações, como por exemplo, a expansão da buro-
cracia no PT, que pode ser vista como uma das vias que levou ao fenômeno do
transformismo.
Coutinho
257
percebe a burocratização no PT, apontando que, no “plano orga-
nizativo, o PT tem sofrido um forte processo de burocratização, que se reflete numa
centralização dos processos decisórios nas instâncias dirigentes, formadas cada vez
mais por funcionários”. Coelho (2005, p.477) considera os sucessos eleitorais do PT,
tanto em termos do parlamento quanto do executivo, em especial na esfera munici-
pal,
como um vetor importante para a expansão da burocracia
258
, consolidando-se o
transformismo. Embora os sucessos eleitorais, em si, não determinariam mudanças
em projetos políticos ou mesmo na concepção ídeo-política da esquerda, para o au-
tor, o problema é que os cargos que os militantes, intelectuais ou dirigentes de es-
querda passaram a ocupar apresentam atrativos vantajosos, materialmente falando,
os quais não estão colocados para o conjunto da classe. Para o autor, uma pressão
permanente age sobre os componentes que ocupam os postos burocráticos, levan-
do-os a sobrepor as necessidades de sua própria reprodução e da organização par-
tidária “aos objetivos gerais de toda a classe”. Como a maioria é composta de traba-
257
Carlos Nelson Coutinho sai do PT. Entrevista ao Jornal do Brasil Online, Rio de Janeiro. Disponível em Ma-
rio José de Lima mjlima en uol.com.br MST 2003a.
258
Coelho mostra o sucesso eleitoral do PT, em especial nos municípios Prefeitos eleitos em 1982: 2, em 1996:
115. Vereadores eleitos em 1982: 118 em 1996: 1985. E. COELHO. Uma esquerda para o capital: Crise do
Marxismo e Mudanças nos Projetos Políticos do Grupos Dirigentes do PT (1979-1998). Tese de Doutorado em
História. Niterói (RJ), UFF, 2005
224
lhadores assalariados e por conta própria
259
, juntamente com o refluxo das lutas o-
corrido, no período, essa situação possibilitou “aos grupos dirigentes a experiência
de diferenciar-se da classe no plano das condições materiais de existência”.
Análises correntes no âmbito acadêmico e de analistas políticos de esquerda
(Almeida 2003; Fontes, 2004; Genro, 2003; Antunes, 2004b; Garcia, 2008 e outros),
como apontamos anteriormente, também identificam na ascensão do PT à instâncias
governamentais e parlamentares a base material para a adaptação de muitos de
seus dirigentes e militantes à institucionalidade burguesa. A ocupação de espaços
subordinou a ação do partido, adaptando-o às regras do jogo. Para Garcia (2008,
p.7):
....as vitórias eleitorais suscitaram uma mudança na composição social do
partido, que por sua vez promoveu mudanças na sua relação com a base o-
riginária, nas composições dos congressos e instâncias dirigentes, em suas
fontes de financiamento, em sua relação com os movimentos sociais e, por
último, em suas formulações teórico-estratégicas ou bases programáticas,
compreendendo-se aí a sua política de alianças.
A tática eleitoral tornou-se estratégia e o programa foi abrandado, a participa-
ção dos trabalhadores nas decisões dos rumos da classe e do país deixou de cons-
tar da pauta partidária e o arco de alianças à direita ampliou-se, permitindo, como
mostra Gorender (2003, p.49), que o vice-presidente, na chapa, em 2002, fosse o
“maior industrial têxtil do país, ademais político conservador”. O socialismo que
constava do Manifesto de Fundação e no Programa do partido, ainda que difuso,
desapareceu do ideário partidário. É exatamente isto que aponta Gorender (2003,
p.49) quando identifica o “deslocamento petista para o centro e mesmo para a direi-
ta”, ocorrido nos últimos anos. Concretamente distanciados da classe, as correntes
dirigentes, conforme Coelho (2005, p.477), imbuíram-se da missão de governar “pa-
ra todos”, administrar o “bem comum”, buscando contornar e conciliar os antagonis-
mos de classe, implantando, no partido, o reconhecimento da legitimidade dos inte-
resses da classe dominante.
Mas observamos o fenômeno do transformismo também na CUT que, hoje,
tem pactuado com o encaminhamento econômico–político do governo Lula, abrindo
mão da defesa de uma rie de direitos trabalhistas, da autonomia sindical, do fim
259
67,3% no primeiro caso e 15,3% no segundo. Op.cit nota 258, p.477.
225
do imposto sindical e outras reivindicações históricas, não menos importantes. Uma
das razões, concordando com Galvão (2006, p.140), pode relacionar-se “à origem
político-ideológica comum entre as principais lideranças sindicais cutistas e integran-
tes do governo Lula, especialmente aqueles com passado sindical”. Ao mesmo tem-
po, não podemos desconsiderar que a CUT, não obstante opor-se a diversas medi-
das neoliberais, durante o governo Cardoso assumia relações mais próximas com
alguns órgãos governamentais, especialmente em decorrência do recebimento de
verbas do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), como vimos ainda neste capítu-
lo. Assimilando a perspectiva do sindicalismo propositivo, materializado no sindica-
lismo de resultados da Força Sindical, algumas lideranças cutistas, no período,
aceitavam flexibilizar itens diversos da legislação trabalhista.
Ao mesmo tempo, relação também com a questão da burocracia,
identificada no caso do PT, que, no governo Lula, vários sindicalistas da CUT
ocupam cargos de direção. Como vimos com Antunes (2004a, p.3), a participação
de sindicalistas vinculados com a classe trabalhadora, no governo Lula, além de ser
uma decorrência das origens históricas do partido e do próprio Lula, poderia ser
positiva. Todavia, o mesmo autor considera que essa participação não vem se
dando de forma positiva, transformando-se “leopardiana e prussianamente no seu
contrário”, ou seja, “são ex-sindicalistas que não têm mais nenhum vínculo com as
lutas sindicais de que participaram nos anos 80 e 90 e hoje estão em papéis de
mando no aparelho do Estado, fazendo o que os grandes interesses dominantes
exigem”. Ainda para o autor, se “pudéssemos brincar com palavras”, diríamos que
“eles mudaram da representação da ‘corporação do trabalho’ que tanto assustava
Hayek, teórico do neoliberalismo” para representantes fiéis da “corporação do
capital”.
Além dos cargos no governo federal, os dirigentes sindicais ocupam, hoje, os
espaços construídos por um formato de relação público/privado engendrado pelo
capitalismo financeiro: as diretorias de Fundos de Pensão. Essa ocupação, que ini-
ciara-se na década de 1990, também compõe o processo de burocratização, pois
lideranças dos trabalhadores, em função da ascensão do PT ao governo federal,
passaram a ser indicadas para administrar setores do capital financeiro, converten-
do-se em gestores dos interesses capitalistas. Através dos Fundos de Pensão de
226
suas categorias (o PREVI é um exemplo deles), esse grupo tornou-se uma burocra-
cia que, como coloca Garcia (2008, p.44), defende com “unhas e dentes” o status
quo, apoiando o governo que lhes dá suporte para acesso ao poder econômico, mas
também político.
Mas, dentre as múltiplas determinações que levaram ao fenômeno do trans-
formismo no PT e na CUT identificamos o processo vivido pela esquerda, em termos
mundiais. Para Dias (2006, p.16), os acontecimentos do Leste-Europeu, por exem-
plo, incidiram decisivamente na esquerda, provocando um refreamento de diversos
setores em relação à perspectiva emancipatória, um abandono do “projeto de subje-
tividade histórica que pretende objetivar-se em uma nova sociabilidade”.
Também Coelho (2005, p.481) identifica essa razão. Aponta que a dinâmica
contraditória da luta de classes dos últimos anos engendrou a “experiência da derro-
ta”
260
, caucionando, para setores da esquerda, o rompimento com a perspectiva da
tradição marxista. A profunda mudança ocorrida na relação de forças entre as clas-
ses antagônicas incidiu nos trabalhadores e nos “projetos políticos que mantinham
vínculos mais estreitos” com eles, em especial, o projeto emancipatório da tradição
marxista. Essa condição favoreceu o deslocamento da visão e do lugar em que parte
da esquerda se colocava, integrando-se à institucionalidade burguesa, sendo, “por
sua vez, retroalimentadas” por esse deslocamento. Os novos lugares burocráticos
assumidos por esses setores da esquerda guardam relação com o redirecionamento
dado aos projetos políticos, que agora visam o “bem comum” e os “interesses ge-
rais”, rompendo a “ligação ideológica, ou orgânica” com a classe trabalhadora.
Os intelectuais de esquerda substituíram a atividade de organização da
classe como sujeito político independente (consciente da sua personalidade
histórica) pela organização do Estado burguês. Seu novo projeto político é
restauracionista, está erguido sobre os pilares de uma visão de mundo que,
a despeito da retórica às vezes radical, prioriza a preservação da ordem.
Uma vez cortados os laços orgânicos, os projetos dessa esquerda deixaram
de exprimir e dirigir a luta política dos trabalhadores na sociedade burguesa
segundo o “espírito de cisão” e passaram a ser expressões de projetos bur-
gueses no interior do movimento dos trabalhadores.
260
Essa noção de “experiência da derrota”, segundo Coelho, encontra-se presente nas análises de Anderson,
Callinicos e Eagleton sobre o pensamento pós-moderno. Sobre a questão, o autor mergulha profundamente em
sua tese de doutorado, trazendo reflexões verdadeiramente significativas para o entendimento da questão. E.
COELHO. Uma esquerda para o capital: Crise do Marxismo e Mudanças nos Projetos Políticos do Grupos
Dirigentes do PT (1979-1998). Teses de Doutorado em História. Niterói (RJ), UFF, 2005.
227
Ainda segundo Coelho (2005, p.506), com o transformismo, que é “expressão
da hegemonia da classe dominante [...]”, os “intelectuais de esquerda” cruzam a
“fronteira de classe”, tornando-se “intelectuais orgânicos da classe dominante”.
No Brasil, a partir desse período, grande parte da esquerda defende, segundo
Dias (2006, p.16), “a impossibilidade de uma alternativa real ao capitalismo, abando-
nando toda e qualquer perspectiva socialista e passando a construir suas táticas e
estratégias a partir dessa constatação”. Incluímos, no processo, os grupos majoritá-
rios da CUT e do PT, os quais são imbricados organicamente. Para o autor, com
quem concordamos, após a Constituição de 1988, significativa parcela da esquerda
brasileira foi “praticamente deixando de falar em socialismo. A imprensa operária e
socialista desapareceu ou está subsumida à burguesia. O debate se diluiu, perdeu-
se a possibilidade do contraponto”.
O PT, que nasceu impulsionando intenções e ações voltadas para o confronto
com a burguesia, no governo federal
261
, entra em confronto com os movimentos e
organizações dos trabalhadores que pretendem a autonomia e mantêm a combativi-
dade.
É verdade que, no governo Lula, setores que o têm essa mesma lógica,
que assumem posições mais progressistas em relação à legislação trabalhista.
Constatamos isto, por exemplo, na posição do Ministério do Trabalho e Emprego
(MTE), através da Nota Técnica n
0
81/2008, que critica o Substitutivo do Senado ao
261
dois documentários brasileiros que são denotativos desse processo. O primeiro deles, Peões, de Eduardo
Coutinho, traz os trabalhadores que participaram dos fatos que definiram a história recente do país, as greves, os
enfrentamentos com a ditadura. São participantes que não estão, hoje, em diretorias de sindicatos, centrais,
fundos de pensão, cargos governamentais. A personagem Socorro, por exemplo, que atualmente mora no Ceará,
fala do tempo que migrou para São Paulo e foi da diretoria do Sindicato dos Metalúrgicos, quando considerava
“bonito” lutar “pra conseguir alguma coisa. E naquele tempo lutar, brigar por seus direitos, era proibido, né? A
gente via os poderosos mandarem nos mais fracos e não fazia nada, e pensei: ‘Será que um dia ainda vou
participar dessas lutas?’ E eu fui pra São Paulo e fiquei metalúrgica de 1985 a 1994”. Da mesma forma, como
no depoimento de Socorro, no de Bezerra, Pretinho, Joaquim, Djalma Bom, Januário, Luiza, Conceição,
Antonio, Elza, Zélia, Miguel, Geraldo, e vários outros, Lula é visto como um igual, embora liderança, como o
companheiro e o PT, como fala Zé Pretinho, o “partido do Lula” é dos “Trabalhadores”, deve ser voltado para os
interesses da classe pois, “se não gerar nada pra nós, aí o bicho pega”. Há bravura, consciência em todos, embora
um pouco de nostalgia, também. Peões, 2004, Brasil, direção de Eduardo Coutinho. em Entreatos,
documentário de João Moreira Salles, vimos um PT disposto a ganhar as eleições, um candidato muito aberto,
transparente, mas enquadrado nas “regras do jogo”. Vemos o José Dirceu, uma figura de peso do PT, no
documentário, o tempo todo elaborando estratégias com Duda Mendonça, o responsável pelo marketing da
campanha. Parece-nos que os dois documentários retratam, em termos cinematográficos, a trajetória
transformista a que nos referimos. O primeiro nos traz nostalgia, o segundo, na época, a dúvida: o governo Lula
trará ruptura ou continuidade? Hoje, a dúvida não existe mais ... ficou a nostalgia... Entreatos, 2004, Brasil,
direção de João Moreira
Sales.
228
Projeto de Lei 4302-C/98, mostrando que, no Art. 12
0
, são assegurados aos traba-
lhadores temporários, durante o período em que estiverem à disposição da empresa
tomadora de serviços, “direitos bem mais reduzidos que os trabalhadores regulados
pela CLT”. Há posições diferentes também no IPEA, como as do atual presidente
262
,
que defende mudanças “para proteger os trabalhadores informais”, propondo “um
novo estatuto de trabalho para esses trabalhadores que estão desprotegidos”. Na
perspectiva do presidente do IPEA, seria “uma reforma trabalhista que incluísse os
trabalhadores que estão excluídos da CLT”. Da mesma forma, essa diferenciação
aparece no âmbito da assistência social, no Ministério do Desenvolvimento Social
(MDS). Concordando com Behring (2008, p.161):
Muitas das mudanças e inovações que estamos observando devem-se à
presença de militantes históricos da causa da assistência social como políti-
ca pública de seguridade no Brasil, que vêm buscando caminhos para con-
cretizar a LOAS, que permaneceu nesses 13 anos de sua implantação ten-
cionada pela contra-reforma neoliberal, ou seja, ‘entre a originalidade e o
conservadorismo’ (Boschetti, 2003)”.
Ainda para a autora, “desde a aprovação da Lei Orgânica de Assistência
(LOAS), em 1993, até 2004, não houve à frente desta política social [...] uma direção
política com compromissos estratégicos com os princípios ali preconizados” como
ocorre hoje.
Entretanto, essas posições não são hegemônicas no governo Lula, como
constatamos nos encaminhamentos tomados tanto no âmbito governamental quanto
do PT e dos partidos que se situam na base governista. O PT tem como perspectiva,
na atualidade, a governabilidade da sociedade capitalista, no sentido de restaurar a
legitimidade política da institucionalidade burguesa. Conforme identificado no III
Congresso Extraordinário do ANDES-SN
263
, vem conseguindo restabelecer as con-
dições para a governabilidade “que haviam sido colocadas em xeque pela força dos
movimentos sociais e populares em sua contundente rejeição às políticas neolibe-
rais”. Mesmo que seja em um período em que o capital não admite mais reformas
e sim contra-reformas, e a governabilidade seja para realizar essa pretensão do ca-
pital. A intenção do partido, assim, é credenciar-se como uma opção de hegemonia
262
Entrevista com M. POCHMANN. Especialistas defendem reforma para proteger trabalhadores informais.
Portal UOL Online - Últimas Notícias, 01/05/2008.
263
Caderno de Textos. III Congresso Extraordinário do ANDES-SN. Brasília, 19 a 21 de setembro de 2008,
p.18.
229
para a burguesia, acomodando suas propostas dentro dos limites da ordem do capi-
tal.
Vale ressaltar que, para alcançar esse objetivo, várias ações foram colocadas
em andamento junto aos trabalhadores, em geral. Além do atrelamento dos traba-
lhadores organizados, mediante conivência ativa da CUT, o governo Lula assume
relações diferenciadas do governo Cardoso, por exemplo, com os trabalhadores de-
sorganizados.
Junto a esses, para obter apoio, o governo Lula prioriza ações assistencialis-
tas, focalizadas e clientelistas. Para Boito Jr. (2004, p.3), é uma política de focaliza-
ção “gestada e induzida pelo Banco Mundial” a qual tem como fundamento ideológi-
co a indisposição desses segmentos de trabalhadores pauperizados e politicamente
desorganizados contra os direitos. Isto porque, os direitos lhes são apresentados
como privilégio (de outros) e, quando eles têm acesso o que é muito raro ocorrer
—, são mostrados como favor (a eles). Boito (2003, p.15-16) considera os direitos
sociais, no Brasil, “garantias muito desiguais e segmentadas”. Ou seja, temos de-
sempregados e empregados sem registro em carteira, excluídos de direitos “por o-
posição aos empregados com carteira”; temos “trabalhadores de classe média, ope-
rariado urbano e trabalhadores rurais, cujos direitos trabalhistas, hoje, têm diferen-
ças”. Como pudemos observar em nosso estudo, o autor tem razão: “jornada de tra-
balho legal, aposentadoria por tempo de serviço, montante da aposentadoria, estabi-
lidade, fundo de garantia, acesso à Justiça do Trabalho”, todos esses direitos sofrem
variações “de setor para setor (rural/urbano; público/privado), de uma categoria pro-
fissional para outra, e assim por diante”, mas também “a terceirização introduziu uma
nova segmentação e desigualdade no interior das empresas”.
No estudo que realizamos nas recentes leis aprovadas no governo Lula ob-
servamos o acirramento dessas diferenciações, como por exemplo, com relação aos
trabalhadores de pequenas e micro-empresas e os trabalhadores rurais contratados
por prazo curto. Mas, ainda para Boito Jr. (2004, p.3), as condições desiguais, bem
como as segmentações, hoje, “não são aleatórias; elas refletem e reproduzem desi-
gualdades sociais e políticas existentes no interior das classes trabalhadoras, nas
condições históricas em que se implantaram tais direitos”. Isto significa que a desi-
gualdade de direitos entre os trabalhadores, histórica no Brasil, é utilizada, hoje, pelo
230
neoliberalismo, para mostrar a intervenção do Estado que materializa direitos con-
quistados como fonte de privilégios.
Privilégio do trabalhador de classe média frente ao trabalhador manual, pri-
vilégio do trabalhador do setor público frente ao trabalhador do setor priva-
do, privilégio do metalúrgico do setor automotivo, que conquistara reajuste
mensal de salários, frente a todos os demais trabalhadores, privilégio dos
empregados, frente aos desempregados... A eficácia desse discurso junto à
população trabalhadora é reforçada pela existência da estrutura sindical
corporativa de Estado que replica a desigualdade de direitos numa estrutura
organizativa segmentada em categorias profissionais (BOITO JR. 2003,
p.15-16).
A parcela significativa da população trabalhadora historicamente
impossibilitada de acessar o emprego e a denominada “cidadania social” acumula,
na atualidade, uma revolta, embora legítima, “difusa e, em certa medida,
politicamente cega” contra os direitos. Essas desigualdades e segmentações
existentes historicamente no Brasil assumem, portanto, uma “função política nova”
com a ofensiva neoliberal, já que essa revolta é “confiscada politicamente pelo
capital financeiro”: paradoxalmente, funciona como apoio às relações estabelecidas
pelos governantes com o conjunto da classe trabalhadora, conforme ainda Boito Jr.
(2003, pp.15-16). A insatisfação desses segmentos é utilizada como apoio ao
modelo neoliberal, considerando-se que os movimentos sindical e popular
encontram-se na defensiva, marcados pelo desemprego, pela crise da esquerda, “do
programa socialista e pelo acirramento da concorrência entre os trabalhadores”,
dentre outros elementos. Os neoliberais buscam “jogar, apoiando-se nessas
mesmas diferenciações, um setor dos trabalhadores contra o outro, lançando no
descrédito os direitos sociais no seu conjunto e enquanto tais”.
Podemos dizer, então, que o governo Lula atua nesse sentido. Canaliza a in-
satisfação com medidas compensatórias como o Programa Bolsa-Família, que não
se constitui “direito adquirido a exemplo do Programa de Prestação Continuada
(BPC) [...] da aposentadoria rural, ficando ao sabor da disposição política do
governo” (BEHRING, 2008, p.169) e do seguro desemprego que também é direito e
poderia ser expandido, legalmente, em termos de tempo e de destinação, substituin-
do o PBF. Ao mesmo tempo, não realiza a reforma agrária, elemento fundamental
para a superação da desigualdade no Brasil. É política compensatória, com caráter
transitório, portanto, que funciona como base para a obtenção do apoio dos setores
pauperizados do exército industrial de reserva, porque trata-se de um elemento vital
231
para sua sobrevivência. Em conjunto com essa ação concreta, ganham ênfase atos
e comícios realizados pelo Presidente Lula no interior das várias regiões brasileiras,
para entregar programas diversos, além do bolsa-família, que continuam a ter feição
de doação do Estado. O governo mostra-se como o benfeitor, aquele que traz os
benefícios à população historicamente pauperizada, a qual nada obtinha do Estado
até então. Boito Jr. (2004, p.3) compara esse modo de Lula dirigir-se aos trabalhado-
res com o de Vargas, ressaltando, entretanto, uma grande diferença: Vargas
“apelava à massa trabalhadora para levar de vencida a resistência da oligarquia
contra a industrialização e modernização do país”, e Lula apela “aos trabalhadores
pobres desorganizados para isolar os trabalhadores organizados e remediados, e
fazer passar a política de ajuste fiscal favorável ao capital financeiro”, porque
aqueles aceitam a flexibilização de direitos como natural uma vez que nunca tiveram
acesso a eles.
Utilizando-se de todos esses mecanismos junto ao conjunto dos
trabalhadores, como pudemos comprovar, gradativamente, o governo vem
aprovando significativas medidas no Congresso, as quais flexibilizam a legislação,
mas também as ações dos orgãos reguladores das relações de trabalho em nossa
sociedade. O cerco aos direitos trabalhistas, no Brasil, então, é uma realidade e, no
processo que leva à sua efetivação, o governo Lula provoca cisões na organização
partidária dos trabalhadores e uma crise de grandes proporções no movimento sin-
dical na contemporaneidade.
232
CONCLUSÃO
A saudação à Lula após a vitória do PT, em 2002, feita por Löwy (2003, p.42),
por ser o primeiro operário combativo e de um partido do espectro do socialismo e-
leito presidente da república, na história universal, parecia ser compartilhada pela
maioria da população. Na verdade, a sua eleição expressava a esperança da maio-
ria (mais de 50 milhões de votos) na constituição de um governo que desse mais
atenção aos direitos sociais (e do trabalho) do que às exigências das instituições
financeiras internacionais. Os trabalhadores estavam esgotados frente ao neolibera-
lismo, diretriz ideológica da burguesia, que impôs através do governo Cardoso a
preponderância de momentos de restauração, ou seja, uma era “de contra-reforma”,
conforme caracteriza Coutinho (2007).
Dentre os inúmeros ataques aos direitos do trabalho, como o desmonte e pri-
vatização da saúde e a contra-reforma da previdência, os direitos trabalhistas, histo-
ricamente “limitados em sua abrangência” e “marcados pelo caráter autoritário do
controle estatal sobre as organizações sindicais”, conforme mostra Mattos (1998,
p.54), foram atingidos pela flexibilização, deixando os trabalhadores em condições
ainda piores do que historicamente viviam, agravando as expressões da questão
social. Todavia, a condução econômico-política do governo Lula, apesar de conter
alguns aspectos diferenciados do governo Cardoso, não realizou a ruptura espera-
da, dando continuidade ao ideário neoliberal. Quando colocamos uma lente de au-
mento na questão da legislação trabalhista objeto de nosso estudo essa ques-
tão aparece de forma muito clara.
No âmbito dos direitos do trabalho, em geral, entre várias medidas regressi-
vas promoveu uma nova contra-reforma da Previdência Social e, no que se refere à
legislação trabalhista aprovou poucas, mas significativas leis cuja tônica é a continu-
idade da flexibilização dos direitos, iniciada no governo Cardoso exigência central
da burguesia no momento atual. Ao mesmo tempo, seu projeto de reforma sindical
mantém e aprofunda a estrutura sindical corporativa e atreladora ao Estado. Como
Almeida
264
, entendemos que a ação do governo Lula possui duplo objetivo: possibili-
tar uma “ampla flexibilização dos direitos trabalhistas” efetivada “com a negociação
264
Entrevista de JoMaria de ALMEIDA a Diego CRUZ, da redação: A reforma Sindical quer desmantelar os
sindicatos de luta do país. Jornal Opinião Socialista. Online, 2005.
233
coletiva” e, no mesmo movimento, “desmantelar os sindicatos de luta do país, sub-
metendo as organizações sindicais ao Estado e ao controle das cúpulas das cen-
trais”.
Assimilando o ideário da burguesia, o PT, no governo federal, mostrou ter a-
bandonado concepções e posições ídeo-políticas defendidas no processo sócio-
histórico anterior, confirmando nossa hipótese diretriz de que as mudanças na legis-
lação trabalhista já efetivadas e as que se encontram em debate objetivam a flexibili-
zação. Para isto, intensifica mecanismos eficientes de interferência nas organiza-
ções dos trabalhadores, buscando transformá-las em instrumentos de controle da
classe, restringindo as lutas de resistência. Como apontamos no capítulo 3, a CUT
busca agir no sentido de fazer avançar o processo de passivização dos trabalhado-
res, de domesticação da classe operária, como é objetivo dos neoliberais, entre os
quais inclui-se o governo Lula. Nesse caminho, a central torna-se bastante ativa.
Aprofunda a cisão do movimento sindical, provocando uma crise de grande alcance
e longa duração.
O fenômeno do transformismo, na linha defendida por Coutinho (2007), Coe-
lho (2005) e Dias (2006), explica o processo, pois o PT integrou-se à “Ordem do Ca-
pital”. Coutinho
265
assim se expressa sobre a questão:
.... o governo Lula não tem escapado [da] maldição que atravessa a vida po-
lítica brasileira, ou seja, a de operar as mudanças que se fazem necessárias
pela via da conciliação pelo alto, do transformismo, implicando sempre uma
cooptação das oposições pelo establishment. [...] ao que tudo indica, pelo
menos até agora, o novo continuará a ser apenas uma esperança mais uma
vez frustrada. Ora, como Gramsci dizia, quando o velho morre e o novo não
consegue nascer, surgem variados “fenômenos mórbidos”.
Mas na CUT isto também ocorreu. Como observamos no capítulo 3, a central,
embora se opusesse a diversas medidas neoliberais do governo Cardoso, assu-
mia relações bem próximas com órgãos como o Fundo de Amparo ao Trabalhador
(FAT), em função do recebimento de verbas. Assimilou, desde então, a perspectiva
do sindicalismo propositivo, próxima do sindicalismo de resultados da Força Sindical,
e a flexibilização já passou a fazer parte da pauta sindical.
265
C.N.Coutinho. Entrevista para a Reportagem da Página Gramsci e o Brasil. Reportagem n
0
50. Disponível em
www.artnet.com.br, 2003b.
234
No governo, o PT confronta-se com os movimentos e organizações dos traba-
lhadores que pretendem a autonomia e mantêm a combatividade, buscando sua
passivização, para garantir a governabilidade da sociedade capitalista, obtendo-a,
mesmo com a clareza que não mais espaço para reformas, desenvolvendo con-
tra-reformas, buscando credenciar-se como opção de hegemonia para a burguesia.
Nesse caminho, Coelho (2005, p. 512) tem razão quanto mostra que o PT
possui importante trunfo para “disputar a hegemonia” com outros “setores da classe
dominante”: a sua hegemonia “entre as classes subalternas”. Concordamos com
essa análise, especialmente, porque, hoje, o governo Lula tem o apoio de uma ca-
mada de trabalhadores da qual anteriormente não tinha. Além de setores organiza-
dos significativos é apoiado também pela camada de trabalhadores pauperizados e
politicamente desorganizados do exército industrial de reserva. O governo Lula, en-
tão, com o apoio da CUT, torna-se, citando Coelho (2005, p.477), “co-gestor dos in-
teresses do capital”. Desenvolve uma condução econômico-política que busca com-
patibilizar políticas compensatórias e participação das representações dos trabalha-
dores na construção do bem comum e de um Brasil para todos, com uma alta lucra-
tividade para o capital, em suas várias formas. Inclui, nesse processo, a continuida-
de do cerco aos direitos trabalhistas, sendo um de seus vetores a flexibilização da
legislação, ou como aponta Antunes (2004, p.03), a “eufemisticamente chamada fle-
xibilização [...] que, em bom português, significa precarizar ainda mais as condições
do trabalho”.
Assim, as ações junto à camada pauperizada e desorganizada, combinada à
relação de cooptação de setores ponderáveis dos movimentos sindical, político ou
social
266
e de fragmentação e criminalização daqueles que se colocam na oposição,
produzem sua aprovação, mas também a “desorganização política das classes su-
balternas” e o conseqüente fortalecimento e ampliação da hegemonia burguesa, ca-
racterísticas do transformismo, conforme vimos com Coelho (2005, p. 511).
Mesmo que haja diferenciações em relação ao governo Cardoso, e elas exis-
tem, inclusive, indicam avanços, não se trata de arrolarmos pontos positivos e nega-
266
Como movimento social entendemos o MST, a UNE, o MTST, o Movimento Feminista, Ecológico, as
Comunidades de Base, e outros. Como político, entendemos os partidos de base entre os trabalhadores, como o
próprio PT, Pcdo B, PCB, PSTU, PSOL, PCO e outros.
235
tivos do governo, mas analisar, dialeticamente, as ações e a intencionalidade gover-
namental na perspectiva da luta de classes, da origem de classe do partido que diri-
ge o governo e do sentido ídeo-político original, percebendo as contradições insolú-
veis presentes, as quais demonstram o transformismo no governo Lula.
Assim, a partir dos dados obtidos na pesquisa, confrontados com as referên-
cias teóricas adotadas, entendemos que o processo como um todo reforça o entra-
nhado conservadorismo sócio-cultural e político brasileiro, dando-lhe nova roupa-
gem. Atualiza-se de maneira clara a análise de Netto (1991, pp.18-19) sobre a for-
mação sócio-política brasileira, na qual o recorrente é a exclusão histórica das forças
populares dos processos de decisão política:
... foi próprio da formação social brasileira que os segmentos e franjas mais
lúcidos das classes dominantes sempre encontrassem meios e modos de
impedir a incidência de forças comprometidas com as classes subalternas
nos processos e centros políticos decisórios. A socialização da política, na
vida brasileira, sempre foi um processo inconcluso e quando, nos seus
momentos mais quentes, colocava a possibilidade de um grau mínimo de
socialização do poder político, os setores de ponta das classes dominantes
lograram neutralizá-lo. Por dispositivos sinuosos ou mecanismos de coerção
aberta, tais setores conseguiram que um fio condutor costurasse a constitui-
ção da história brasileira: a exclusão da massa do povo no direcionamento
da vida social.
O governo Lula, por ser inserido no escopo da esquerda, poderia ser um
momento de concretização da “possibilidade de um grau mínimo de socialização do
poder político”, mas o transformismo materializado reforça os mecanismos políticos
conservadores de exclusão histórica dos trabalhadores nos destinos da sociedade
brasileira e, como vimos com Coelho (2005), desorganiza politicamente os
trabalhadores. Concordamos com Netto (2004, p.19) que o “efeito devastador do
governo petista reside na extraordinária contribuição que oferece ao
conservadorismo brasileiro: no poder, a esquerda não se diferencia
substantivamente daqueles a quem sucede”.
Mas esse processo pode acirrar-se ainda mais, hoje, pelo aprofundamento do
desemprego, com a nova fase da crise
267
, desencadeada desde a principal
economia do planeta: os Estados Unidos.
267
Chesnais fala de uma nova crise, cujas proporções são mais graves, talvez, que a de 1929. Traz uma rigorosa
demonstração do movimento que levou a seu desencadeamento, suas razões estruturais e conjunturais no artigo
F. CHESNAIS. O capitalismo tentou romper seus limites históricos e criou um novo 1929, ou pior. Revista
"Herramienta". Buenos Aires (Ar), setembro de 2008.
236
De fato, em fevereiro de 2009, a Federação das Indústrias do Estado de São
Paulo (FIESP) informou que “nos últimos 12 meses, o emprego industrial no estado
registrou recuo de 2,22%, com o fechamento de 54,5 mil postos de trabalho”
268
.
Segundo o IBGE, o “emprego industrial, que ficou praticamente estável nos últimos
três meses, recuou 0,6% em novembro frente a outubro”, sendo a “maior perda
desde outubro de 2003”. em dezembro de 2008, “o emprego na indústria recuou
1,8% em relação a novembro, maior retração observada na série histórica com início
em 2001”. Assim, “esse resultado foi o terceiro negativo consecutivo, período que
acumulou perda de 2,5%”
269
. Em termos gerais, no Brasil, de acordo com França
(2009), em dezembro de 2008, foram extintos mais de 650 mil empregos com
carteira assinada. O IPEA
270
também mostra “que a taxa de desemprego de 2008
que chegou a ficar em torno de 2 pontos percentuais (p. p.) abaixo da de 2007, no
fim do primeiro semestre, fechou o ano com uma diferença de apenas 0,6 p. p. em
relação a dezembro de 2007”.
Com certeza, foi frente a essa situação que o Presidente Lula afirmou:
acho
que exageraram nas demissões e disse isso na reunião com os empresários.
Disse para a indústria automobilística. Quase todas as empresas brasileiras estão
muito capitalizadas”
271
.
Stiglitz
272
considera que o processo em curso, iniciado a partir de Wall Street,
tem equivalência histórica, “para o fundamentalismo de mercado, ao que foi a queda
do Muro de Berlim”, mostrando “ao mundo que esse modelo não funciona. Esse
momento assinala que as declarações do mercado financeiro em defesa da
liberalização eram falsas". Não obstante essa constatação, nada indica que a
burguesia mundial abandonará a perspectiva de fazer recair sobre os trabalhadores
os ônus da crise. Ou seja, os sinais de esgotamento do modelo neoliberal não
268
Último Segundo Notícias Online. http://ultimosegundo.ig.com.br/economia - 13/02/2009.
269
Pesquisa Industrial Mensal de Emprego e Salário (PIMES), que abrange 18 segmentos industriais, os
seguintes estados e regiões: Pernambuco, Ceará, Bahia, Espírito Santo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo,
Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul; Regiões Norte, Centro-oeste, Nordeste, Sudeste e Sul. Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Novembro de 2008, p.9 e dezembro de 2008, p. 9.
270
O Boletim Análise do Mercado de Trabalho n
0
38, de fevereiro de 2009, na página 3, traz dados sobre o
desemprego no Brasil, em 2008, tendo como base a Pesquisa Mensal de Emprego (PME), do Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE). Na análise, consideram os principais indicadores do mercado de trabalho no
ano de 2008, comparativamente aos de 2007. Disponível no site do IPEA. www.ipea.gov.br
271
Disponível em Último Segundo Notícias Online http://ultimosegundo.ig.com.br/economia - 13/02/2009.
272
J. STIGLITZ. A crise de Wall Street equivale à queda do Muro de Berlim. Entrevista a N.Gardels Disponí-
vel em Jornal El País Online. 29 de setembro de 2008.
237
significam, necessariamente, o seu fim e de sua intervenção sobre os direitos do
trabalho. Tanto que, ao capital em crise injeta-se dinheiro, como ocorreu nos EUA,
por exemplo, em que o congresso aprovou, em fevereiro de 2009, um pacote de 700
bilhões de dólares e, no Brasil, várias medidas estão sendo implementadas junto às
indústrias
273
, ao setor financeiro
274
e à burguesia rural
275
.
Assim, além dessas ajudas ao capital pode ser que haja uma maior regulação
do capital financeiro, mas a tendência, no que tange aos direitos trabalhistas, é a
continuidade do processo de flexibilização, sendo o recrudescimento do desempre-
go, mais uma vez, a justificativa. Antes da explosão dos mercados financeiros, a Or-
ganização Internacional do Trabalho (OIT) previa que 5 milhões de trabalhadores
se somariam à população desempregada no mundo este ano, sendo que, cerca de
180 milhões de pessoas, como apontei no capítulo 1, estão numa situação de de-
semprego "aberto". A nova fase da crise, segundo a OIT, levará à perda de mais 20
milhões de postos de trabalho no mundo. Segundo Somavía diretor-geral da
OIT
276
:
O último cálculo que fizemos, com base nas projeções do FMI, da ONU, e
com os dados existentes dos países, nos leva à conclusão de que, entre ja-
neiro de 2008 e dezembro de 2009 ou seja, em dois anos se perderão
20 milhões de vagas [...]. Com isto, o número de desempregados aumentará
[...] até 210 milhões, no final de 2009.
A crise mundial está desequilibrando as economias de países periféricos de
várias maneiras, seja pela fuga de capitais, pela queda nas exportações ou pela de-
273
A “Medida Provisória 429 autorizou o aumento de recursos de R$ 3 bilhões para R$ 12 bilhões e também
ampliou, de 8 para 13, os setores que podem ser beneficiados”. Serão atendidos pela MP, diversos setores, como
o de “bens de capital, frutas, prestação de serviços de tecnologia da informação, cerâmica e softwares”, dentre
vários outros, incluindo o de calçados, que já era contemplado antes da crise. UOL Online. Valor, Brasília (DF),
31 de julho de 2008. O governo Lula colocou à disposição das empresas um limite de até R$ 100 bilhões, que
podem ser emprestados por meio do BNDES. O BNDES terá, então, cerca de R$ 166 bilhões para emprestar em
2009, uns US$ 75 bilhões a mais do que emprestou no ano passado. Para o autor da matéria, com esse
empréstimo e um formato de pagamento sem controle transparente, “o risco de promiscuidade público-privado
cresce bem”. Se isso poderá “garantir emprego", que é um dos argumentos: “dá para apostar que é quimera”,
que não a exigência de uma “fiscalização crível”. O governo Lula criou o maior cheque especial da história
brasileira. V. T. FREIRE. Disponível em Folha de São Online. Dinheiro, São Paulo, 23 de Janeiro de 2009.
274
Em “20 dias, o BC injetou na economia R$ 60 bilhões com a redução dos compulsórios e colocou US$ 5,832
bilhões no mercado de câmbio. Isso sem contar a venda de parte das reservas internacionais, cujo valor não foi
divulgado”. Disponível em Folha de São Paulo Online — Dinheiro, São Paulo, 12 de fevereiro de 2009.
275
Um pacote do governo Lula, em maio de 2008, permitiu aos proprietários rurais a renegociação ou quitação
de dívidas de R$ 75 bilhões com descontos do saldo devedor, redução dos juros, ampliação de prazos e, se
quitadas, com abatimento de até 80% dos débitos. No total, poderão ter um desconto de até R$ 9 bilhões nas
dívidas. Disponível em Folha de São Paulo — Online. Dinheiro, São Paulo, 28 de maio de 2008.
276
J. SOMAVÍA. Crise fechará 20 milhões de postos de trabalho. Disponível em Último Segundo Notícias.
Online. Economia, 2 de outubro de 2008.
238
saceleração da produção agrícola e industrial. Para enfrentar a crise, apesar dos
discursos em contrário do presidente Lula, o governo vem seguindo as recomenda-
ções do FMI aos países periféricos
277
:
... o fundo aconselha mais austeridade fiscal e monetária para manter a in-
flação controlada, a confiança do mercado e a entrada de capitais. O gover-
no Lula segue essas recomendações à risca. Os juros básicos da economia
foram aumentados de 11,25% para 11,75%, provocando um acréscimo na
divida pública de 3 bilhões de reais em 12 meses. Todo esse arranjo para
manter o superávit primário, destinado ao pagamento da dívida pública, é
feito à custa dos salários, da aposentadoria, da educação, da saúde, da mo-
radia e da segurança do povo trabalhador enquanto os grandes bancos e as
grandes empresas aumentam seus lucros e os remetem cada vez mais ao
exterior.
Ou seja, o superávit primário continua e continuará a sugar os investimentos
na área social, situando-se, hoje, aproximadamente, em 4,38 do PIB
278
. Ao mesmo
tempo, o governo Lula se prepara para impedir a aprovação, na Câmara dos Depu-
tados, da extinção do fator previdenciário — redutor das aposentadorias em torno de
40% bem como da isonomia entre reajuste de aposentadoria e salário-mínimo,
aprovadas no Senado, propostas do PT quando fazia oposição ao governo Cardoso.
Como apontamos no capítulo 3, a Federação das Indústrias do Estado de São
Paulo (FIESP), através de seu presidente Paulo Skaf, reforça a defesa da redução
dos salários como meio para enfrentar o acirramento da crise na atualidade
279
. Para
ele, a perspectiva é “usar todos os recursos que a lei permite, mas a redução de sa-
lário e jornada tem se destacado", inclusive por setores que “sofrem menos com os
efeitos da crise”, mas que são “favoráveis a essa medida trabalhista como forma de
precaução”. Mostrando como a burguesia pretende acirrar a flexibilização das leis
trabalhistas, em função dessa nova fase da crise, defende a redução de salário, “a
fim de evitar demissões” sem a limitação de 25% como impõe a lei”, a qual parece-
res jurídicos da entidade questionam. Desejam “liberdade ilimitada para negociações
do tipo”, chantageando com o recrudescimento do desemprego. Evidentemente, a
burguesia pretende reduzir os salários, mas não a jornada. Como vimos em nossa
pesquisa, no texto da CNI (2005) e nos documentos do Banco Mundial, tanto no Re-
277
Quem vai pagar a conta da nova crise? Texto 1, Tema I. Diretoria do ANDES-SN. 28
0
Congresso do
ANDES-SN. Resistir e avançar em defesa do ANDES-SN, da universidade pública e dos direitos dos
trabalhadores. Pelotas (RS), 10 a 15 de fevereiro de 2009.
278
Governo economizou R$ 98 bi até julho, sem contar juros. Disponível em Agência Estado. Online. São Paulo,
27 de agosto de 2008, p.27. Economia.
279
B. RIBEIRO. Disponível em Valor Econômico Online. 14/01/2009.
239
latório (2004) quanto na EPP (2008), uma das razões para o “relativamente lento
desenvolvimento brasileiro” encontra-se na excessiva regulação da legislação traba-
lhista, sendo um dos exemplos, a fixação do limite de 10 horas para a jornada diária
de trabalho e não de 12. Inclusive, essa proposta aparece no PL do Deputado Vaca-
rezza, do PT. Renova-se, assim, permanentemente, a luta pela jornada de trabalho
que, segundo Marx (1988, p.181), é um marco na história da produção capitalista: é
“uma luta entre o capitalista coletivo, isto é, a classe dos capitalistas, e o trabalhador
coletivo, ou a classe trabalhadora”.
Na introdução desta tese afirmamos que entre os direitos de cidadania que
compreendem direitos civis e políticos e os direitos sociais nos quais incluem-
se os do trabalho não uma relação linear e natural pois a conquista dos se-
gundos ocorreram na dinâmica da luta de classes desenvolvida ao longo dos sécu-
los XIX e XX, contra a vontade da burguesia, responsável pela criação dos primei-
ros, quando os trabalhadores ganharam consciência da importância do trabalho na
sociedade voltada para a acumulação do capital. O estudo que realizamos, trazendo
dados da realidade, tanto em termos mundiais quanto brasileiro, comprovam a afir-
mativa referida. Além disso, essa “época de contra-reforma” (COUTINHO, 2007),
mostra também que os segundos direitos tampouco são perenes, como se acreditou
durante grande parte do século XX.
Todavia, os trabalhadores, em todo o mundo, não estão aceitando pacifica-
mente as ações de contra-reforma da burguesia. Desconstruindo outro mito, mos-
tram que a história não acabou, ainda menos a luta de classes: resistem, comba-
tem! É verdade que não nos parece, até o momento, uma realidade como a vivida
com a crise de 1857-1858, a qual engendrou, dentre outros determinantes, um flo-
rescimento do movimento dos trabalhadores após o refluxo causado pelas derrotas
das revoluções proletárias de 1848. Naquele período, de acordo com Netto (1992,
p.51) desenvolveu-se um longo processo sócio-histórico “consolidado às vésperas
da Primeira Guerra Mundial, pelo qual a classe operária [elaborou] seus dois princi-
pais instrumentos de intervenção sócio-política, o sindicato e o partido proletário”.
Hoje, quais mecanismos e instrumentos a classe trabalhadora poderá cons-
truir para o enfrentamento à situação vivida? Que sujeitos políticos se colocarão na
condução do processo? Uma questão se pode constatar: mesmo com a desmobi-
240
lização, o medo do desemprego e o transformismo que modificou o posicionamento
ídeo-político de variados setores da esquerda, de partidos e do movimento sindical,
a greve continua no centro das ações dos trabalhadores, aumentando de intensida-
de, neste momento, em alguns países. Combinam-se com outras ações e continuam
tendo como sujeitos desses movimentos, os trabalhadores organizados.
Na França, por exemplo, em maio de 2008, a greve geral e as manifestações
de rua organizadas pelas principais centrais sindicais contra o projeto do governo
Sarkozy “de aumentar de 40 para 41 anos o tempo de contribuição para a aposenta-
doria” comprovam isto. “A CGT, principal entidade sindical, estimou em 700 mil os
manifestantes que saíram às ruas para protestar”. Só em Paris foram 70 mil
280
. Mas
a greve geral contra o desemprego, de janeiro de 2009, também demonstra que o
passividade absoluta dos trabalhadores. Nos Estados Unidos, além de diversos
protestos de rua e greves de trabalhadores do setor automobilístico, 250 operários
da Republic Windows and Doors, Chicago, ameaçada de fechamento, ocuparam a
fábrica. Ao mesmo tempo, observa-se movimentos para impedir despejos de casas
pelos banqueiros. “Os vizinhos do proprietário despejado muitas vezes reinstalam o
mobiliário retirado da casa da vítima para que a família continue a habitá-la”
281
.
No Brasil, o ato e a paralisação realizados na cidade de Itabira em Congo-
nhas, MG, nos mês de janeiro de 2009, contra demissões na Vale, tiveram apoio de
toda a sociedade
282
. Mas os trabalhadores da General Motors de São José dos
Campos (SP), que votaram contra a proposta da multinacional de impor o banco de
horas e a redução dos salários como condição para a contratação de 600 novos tra-
balhadores, também fortalecem a resistência. A CUT, a Força Sindical, a CTB, ou-
tras centrais, setores do MST, o PT, o PC do B e setores do PDT, lançaram uma
campanha contra o desemprego, pela redução da jornada de trabalho de 44 para 40
horas sem redução de salários, concentrando as propostas na “desoneração da fo-
lha de pagamentos e incentivos fiscais para as empresas”
283
e organizaram atos em
280
C.CARDOSO. Greve geral é novo golpe para Sarkozy. Colaboração para a Folha, em Paris. Disponível em
Folha de São Paulo. Online. São Paulo, 23 de maio de 2008.
281
Disponível em Revista Monthly Review e Zine Online http://resistir.info/ 8 de dezembro de 2008.
282
Apoiaram o ato, as prefeituras, as associações de moradores, o clube de lojistas, os sindicatos do comércio,
parlamentares de todos os partidos, centrais sindicais, igrejas, católica e evangélica e demais setores sociais.
Boletim Informativo do Sindicato Metabase de Congonhas, Ouro Preto e região dos Inconfidentes. Boletim do
Sindicato Metabase de Itabira e região. Janeiro de 2009.
283
Quem vai pagar a conta da nova crise? Texto 1, Tema I. Diretoria do ANDES-SN. 28
0
Congresso do
241
todo o país. A CONLUTAS e a INTERSINDICAL vêm organizando atos em diversas
cidades, dos quais participam também o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto
(MTST), setores do
MST, PSOL, PCB e PSTU contra “as demissões e a redução de
salários e direitos”, defendendo a redução de jornada sem redução de salários.
A crise do movimento sindical em função das diferenciações entre os campos
que apóiam o governo e os que se encontram na oposição expressa-se claramente
nas propostas: enquanto as propostas da CUT, FS e CTB centram-se na desonera-
ção, pelo Estado, “da folha de pagamentos e incentivos fiscais para as empresas” e
no oferecimento de vantagens às empresas para que não demitam, o campo de o-
posição entende que as empresas tiveram “lucros acumulados” com o governo Lula,
devendo, “agora, garantir os empregos”. Para as centrais e movimentos do campo
da oposição, “uma série de protestos e mobilizações [...] devem ocorrer para garantir
que os trabalhadores não paguem pela crise”. A CONLUTAS e a INTERSINDICAL
têm como próximo passo, “a construção de um dia nacional de paralisações e mobi-
lizações em 1
0
de abril”. Nesse ato, a perspectiva, inclusive, é buscar uma ação uni-
tária com a CUT, a Força Sindical e a CTB, apesar das diferenciações.
Além dos atos e manifestações realizados por essas organizações, hoje, con-
tra a nova fase da crise, vale destacar a nota pública Contra a Flexibilização de Di-
reitos, assinada por um grupo de juristas
284
, denunciando que “propostas de supera-
ção da crise” atual baseadas na “redução do custo do trabalho revelam-se de todo
oportunistas e descomprometidas com os interesses nacionais”. Rechaça “as amea-
ças de dispensas coletivas” que, além de representarem um “atentado à ordem jurí-
dica, por ferirem o disposto no inciso I, do artigo 7
0
, da Constituição Federal” são
“estratégias de pressão, de natureza política, para se extraírem vantagens econômi-
cas a partir do temor e da insegurança que geram sobre os trabalhadores e, por via
indireta, ao governo”.
As ameaças de dispensas coletivas e o ataque generalizado às garantias
trabalhistas constituem, portanto, um atentado contra a ordem jurídica e o
Estado Social, até porque o desenvolvimento da economia está, necessari-
amente, atrelado aos postulados da boa-fé e da justiça social (artigo 170, da
CF/88). Assim, todas as dispensas coletivas de trabalhadores operadas,
ANDES-SN. Resistir e avançar em defesa do ANDES-SN, da universidade pública e dos direitos dos
trabalhadores. Pelotas (RS), 10 a 15 de fevereiro de 2009.
284
Grupo de 262 advogados, promotores e juízes assina Nota Pública Contra a Flexibilização de Direitos.
Disponível no site da CONLUTAS. www.conlutas.org.br, consultado em Janeiro de 2009.
242
sem o respeito aos limites jurídicos, podem – e até devemser judicialmen-
te desconstituídas, por ação do Ministério Público do Trabalho, sindicatos ou
mesmo individualmente.
É parte dessas ações também a fundação do Fórum Nacional de Mobilização
Contra as Reformas Neoliberais
285
, ocorrida ainda em 2007. O Manifesto de Funda-
ção traz denúncias sobre os problemas ocasionados aos trabalhadores pela condu-
ção econômico-política do governo Lula com ênfase na necessidade de construção
da “mais ampla unidade de todos aqueles dispostos a lutar” para que se promova a
“intensificação da solidariedade de classe e o desenvolvimento de um amplo plano
de lutas apoiado na mobilização social”. Nesse sentido, mostra que é fulcral trazer
“novamente os trabalhadores às ruas [...]” (2007, p.3).
Isso expressa a persistência da perspectiva combativa de setores da esquer-
da e dos trabalhadores organizados. Ao mesmo tempo, mostra que o impacto das
derrotas sofridas pela esquerda na luta de classes não arrefeceu diversas organiza-
ções dos trabalhadores que, embora minoria, continuam buscando tornar-se sujeitos
políticos coletivos voltados para a superação da ordem do capital. Mesmo conside-
rando o processo de isolamento a que estão submetidos e a crise pela qual passa o
movimento sindical e (partidário também), ainda hoje, isto é significativo.
É verdade que as organizações, movimentos e partidos que se formam ou
que se tornam alternativa, atualmente, são incipientes e ainda não apresentam con-
dições políticas de superar a representação da CUT e do PT que construíram, ao
longo das últimas décadas, uma legitimidade qualitativa junto à classe trabalhadora,
mas indicam resistência, projetam lutas, construindo essa possibilidade. Serão estas
organizações sujeitos políticos coletivos capazes de tornar viva uma teoria que arme
criticamente a sua intervenção frente às condições atuais? Frente à fragilidade que
ainda são portadores e a obsessão do capital pelo lucro, impondo a restauração do
“tacão de ferro” para os trabalhadores, como coloca Chesnais (1996, p.16), podem
enfrentar grandes dificuldades para barrar as contra-reformas em andamento, mas
285
O fórum foi criado no Encontro Nacional contra as reformas sindical e trabalhista, que ocorreu no dia 25 de
março de 2007, em São Paulo. Desse encontro, convocado e organizado, entre outras instituições,
pela CONLUTAS, INTERSINDICAL movimentos que se organizam com dissidentes da CUT e pelas
Pastorais Sociais de São Paulo, participaram aproximadamente 6 mil trabalhadores (as) de 20 estados,
representando cerca de 630 organizações (sindicatos, movimentos populares, sociais e da juventude).
Compareceram como convidados representantes do MST, da Assembléia Popular, do Jubileu Sul, da Articulação
em defesa do São Francisco, e outros). Extraído dos informes da CONLUTAS. www.conlutas.org.br
243
parecem dispostos a fazê-lo, em especial, numa perspectiva de não se deixar coop-
tar e passivizar e de reconstruir, no mesmo processo, o internacionalismo, reforçan-
do o ideário socialista, que desapareceu do campo do PT e da CUT nesse último
período.
244
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Manhã Cinzenta. Origem: Brasil, 1969. Direção: Olney Alberto São Paulo. Duração:
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Guarnieri. Direção: Leon Hirszman. Duração:134 min.
Peões. Origem: Brasil, 2004. Direção: Eduardo Coutinho. Duração: 85 min.
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