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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E LETRAS
PROGRAMA DE MESTRADO EM HISTÓRIA DO BRASIL
DANIEL VASCONCELOS SOLON
O ECO DOS ALTO-FALANTES:
Memória das amplificadoras e sociabilidades
na Teresina de meados do século XX
TERESINA-PIAUÍ
2006
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11
INTRODUÇÃO
Julho de 1944. O mundo vivia a II Grande Guerra. Os pracinhas da Força
Expedicionária Brasileira (FEB) chegavam à Europa. Era através das ondas do dio que o
Brasil ficava sabendo, com mais rapidez, dos principais acontecimentos em torno do conflito
mundial. Em Teresina, no entanto, não havia ainda uma emissora de rádio
1
. E como os
aparelhos receptores eram artigos de luxo e, portanto, inacessíveis para a grande maioria da
população
2
era comum parte da população ir até a praça Rio Branco durante o horário
comercial para se inteirar de notícias sobre a guerra, política e outros assuntos através das
rodas de conversa, leitura de jornais de periodicidade semanal e dos serviços de alto-
falantes existentes na cidade.
Também conhecidos por amplificadoras, os serviços de som chegavam a outras
praças e ruas do centro de Teresina, através de cornetas e bocas de alto-falantes instalados no
topo de postes e galhos de árvores. Além de darem notícias captadas pelas emissoras de
outros Estados, as amplificadoras do centro de Teresina divulgavam os lançamentos musicais,
principalmente os sucessos dos artistas projetados pela Rádio Nacional do Rio de Janeiro,
além de fazerem a propaganda dos produtos vendidos no corcio.
3
À noite, a praça Pedro II passava a ser ponto de encontro da juventude
teresinense, de todas as classes sociais. Atendendo a pedidos, o locutor da amplificadora que
ali funcionava mandava mensagens românticas às moçoilas, às quais eram oferecidas músicas,
mediante pagamento.
Março de 1952. Os jornais de Teresina a “cidade do barulho” noticiavam os
preparativos para a festa do centenário da capital piauiense. Apesar do clima festivo de artigos
e matérias nas páginas dos periódicos, no centro da cidade, nas praças Rio Branco e Pedro II,
comentava-se sobre a crise financeira pela qual passava o Estado, com o declínio do
extrativismo
4
, e trazia um forte discurso de ordenação do espo urbano e de um novo e
necessário comportamento para o cidadão, onde tradições foram questionadas.
1
A primeira delas, a Rádio Difusora de Teresina, só viria a funcionar quatro anos mais tarde.
2
Das 179.143 unidades prediais e domiciliárias piauienses de 1940, apenas 878 possuíam aparelhos de rádio
receptores. Cf. IBGE. Recenseamento Geral do Brasil (1º de setembro de 1940) – Série Regional, Parte V –
Piauí. Rio de Janeiro: Serviço Gráfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 1952.
3
A utilização de alto-falantes em logradouros públicos para propaganda e divulgação de músicas em Teresina,
no entanto, vem ainda do final da década de 30 do século passado. Cf. NASCIMENTO, Francisco Alcides do.
História e Memória da Rádio Pioneira de Teresina. Teresina: Alínea Publicações Editora, 2004.
4
MENDES, Felipe. Economia e Desenvolvimento do Piauí. Teresina: Fundação Monsenhor Chaves, 2003.
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Junho de 2005. Entre hippies, vendedores de frutas, engraxates e transeuntes,
camelôs da praça Rio Branco a mais movimentada do centro de Teresina oferecem os
últimos lançamentos da indústria fonográfica em CDs e DVDs “piratas”
5
, com pros bem
abaixo dos estampados nas lojas convencionais. Nas barracas vizinhas do calçadão, também
o oferecidos radinhos de pilha made in China, ou diretamente do Paraguai, pagando-se
menos que uma coca-cola e um sanduíche “Big-Mac”.
Ainda em junho de 2005, uma nota
6
de jornal denuncia que a Lei do Silêncio não
está sendo respeitada no centro da capital piauiense. O ambiente é dos mais ruidosos. Clientes
testam rádios, mudando de faixas e sintonizando FMs comunitárias. Outros verificam o
conteúdo do CD pirata da novela das oito, enquanto alguns formam uma roda para assistir, no
centro da praça, a uma apresentação de grupo musical peruano, que vende ali mesmo as
cópias do compact disc gravado em um estúdio do subúrbio de Teresina. A 15 metros dali, um
homem de bíblia na mão faz pregações sozinho, no meio da praça, com microfone e uma
caixa de som portátil. O pastor acordou às seis da manhã, com o início da irradiação matinal
da amplificadora que funciona no meio da praça do bairro Promorar, zona Sul, onde mora.
As imagens e os cenários descritos até aqui têm a intenção de mostrar que as
amplificadoras de Teresina fazem parte da história da Comunicação Social do Piauí,
acentuadamente durante as últimas sete décadas. No início do século XXI, mesmo com a
massificação dos aparelhos receptores de rádio e televisão, bem como com o processo de
popularização da Internet, os serviços de alto-falante ainda resistem em alguns bairros da
periferia de Teresina. Algumas das amplificadoras se tornaram embriões da luta pela
democratização dos meios de comunicação, como o movimento pró-legalização das rádios
comunitárias, nas cadas de 80 e 90 do século passado.
7
Ainda no início da década de 80,
foram utilizadas para reforçar a luta do movimento comunitário contra a carestia e pró-
redemocratização.
As “rádios amplificadoras”
8
em Teresina e as sociabilidades em torno dos alto-
falantes são o objeto de estudo desta dissertação. O recorte temporal cobre o período
compreendido entre o final da década de 1930, momento no qual se nota a presença das
5
Como são popularmente conhecidos os CDs copiados sem o pagamento de impostos e direitos autorais.
6
MEIO Norte, Teresina, 9 jun 2005, nº 3.806, p. B/2.
7
PERUZZO, Cicília. Participação nas Rádios Comunitárias no Brasil. Artigo apresentado no GT Cultura e
Comunicação Popular, XXI Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, Recife-PE, 9 a 14 de setembro
de 1998. (Disponível em www.bocc.ubi.pt). Último acesso em março de 2004.
8
Utiliza-se, neste trabalho, o termo “rádio amplificadora”, pelo fato dos primeiros serviços de alto-falantes de
Teresina assim se auto-denominarem, como veremos no primeiro capítulo desta dissertação.
13
primeiras amplificadoras de Teresina, e o início da década de 1960, quando é inaugurada a
dio Pioneira de Teresina.
Mapear onde existiam, descrever como funcionavam, e perceber como os serviços
de alto-falantes eram consumidos por seus públicos são alguns dos objetivos desta pesquisa.
Trazer à tona o eco dos alto-falantes, bem como suas memórias mostrando os conflitos,
disputas e interesses que legitimaram a retirada das amplificadoras da zona central da cidade e
a consolidação da radiofonia no Piauí e sua utilização no Estado – é outra tarefa deste
trabalho.
Este estudo também aborda o “êxodopós-52 das amplificadoras do centro de
Teresina para a periferia da capital, destacando rupturas e continuidades nos serviços de alto-
falantes até os anos 60, ao mesmo tempo em que são relatadas algumas transformações
espaciais ocorridas na cidade. A pesquisa aborda ainda as diferentes utilizações das
amplificadoras, seja como meio de propagação e venda de idéias, valores, instrumento de
interação social e de formação profissional de homens e mulheres que atuam/atuaram no
radialismo local.
As amplificadoras enquanto objeto de estudo não poderiam ser analisadas de
forma isolada, uma vez que elas, como meios de comunicação, existiam se imaginadas e
operadas no espaço público. As praças e ruas, do centro da cidade e da periferia, foram o “ar”
necessário para que os serviços de alto-falantes sobrevivessem e tivessem sentido de existir.
Por isso, esta pesquisa não se esquivou da tarefa de discutir como os espaços sociais em torno
das amplificadoras eram praticados, apropriados, usados, consumidos e re-significados em
cada época
9
.
Este estudo procurou ver as amplificadoras como um meio através do qual
emissores e destinatários se conectavam e fundavam, cotidianamente, novas sociabilidades.
Procurou vê-las ainda como instrumentos através dos quais ouvintes e emissores se sentiam
pertencendo a um “lugar”.
10
Esta dissertação é um olhar sobre o lugar das amplificadoras na memória de
Teresina, sendo necessário, portanto, levantar algumas questões, tais como: quais foram as
principais emissoras” alto-falantes de Teresina? Quem as fazia? Quem as financiava? Onde
se localizavam? Que programação ofereciam? Que notícias e opiniões circulavam nos jornais
da época sobre os alto-falantes? O que dizia a lei que expulsou as amplificadoras do centro de
9
CERTEAU, Michel de. Práticas de espaço. In: A invenção do cotidiano – artes do fazer. Petrópolis, RJ: Vozes,
1994, p.167-217.
10
Id. Ibid.
14
Teresina e qual a relação desta lei com a disputa por anúncios com a Rádio Difusora? Que
interesses materiais ou de outra natureza estiveram implicados na aprovação da lei? Como os
serviços de alto-falantes passaram a se comportar na periferia? Que memórias restam destas
experiências?
Para se realizar esta pesquisa, a partir do uso da metodologia/técnica da História
Oral, foi feita uma “visita” à memória de sujeitos que trabalhavam nas amplificadoras e na
dio Difusora nas décadas de 40, 50 e 60, em Teresina. Foram também visitadas as
lembranças de pessoas que poderiam ser chamadas de público receptor das amplificadoras,
seja no centro, seja na periferia.
Para embasar o trabalho de análise das fontes orais e merias, recorreu-se a
autores como Michel Pollak
11
. Para ele, tais fontes devem ser vistas com a mesma crítica que
se emprega ao analisar documentos escritos já que a memória é socialmente construída, assim
como todas as outras formas de documentação:
[...] nãodiferença fundamental entre fonte escrita e fonte oral. A ctica da
fonte, tal como todo historiador aprende a fazer, deve [...] ser aplicada a
fontes de tudo quanto é tipo. Desse ponto de vista, a fonte oral é exatamente
comparável à fonte escrita. Nem a fonte escrita pode ser tomada tal e qual
ela se apresenta.
12
A partir da produção de Michael Pollak, este trabalho aborda os documentos
construídos através de entrevistas, analisando de forma crítica as práticas que podem tomar a
reconstituição das lembranças, as diferentes narrativas de um mesmo fato, as posturas
adotadas pelos entrevistados e ainda as estratégias de esquecimento, os silêncios, os “buracos”
da memória e reticências em torno da temática dos alto-falantes. Maurice Halbwachs
13
e
Ecléa Bosi
14
também contribuem neste trabalho de construção da memória dos alto-falantes.
Dialoga-se ainda com John B. Thompson
15
sobre a amplificadora enquanto mídia e suas
características técnicas.
Lançou-se mão também de outras fontes/documentos como jornais, que fazem
parte do acervo do Arquivo Público do Piauí, assim como leis, revistas, atas de sessões da
mara Municipal de Teresina, livros de registros de leis da Procuradoria Geral do Município
11
POLLAK, Michel. Memória e identidade social. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 5, n. 10, 1992. p.
207.
12
Id. Ibid.
13
HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo, Vértice, Editora Revista dos Tribunais, 1990.
14
BOSI, Ecléa. Memória e Sociedade: lembrança de velhos. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.
15
THOMPSON, John B. A Mídia e a Modernidade. Uma teoria social da mídia. Petrópolis, Vozes, 1998.
15
e obras literárias, de autores locais. Alguns sites (Senado Federal, Museu da Imagem e do
Som – MIS-RJ...) também forneceram informações importantes para este trabalho.
Apesar da importância das amplificadoras, desde os antecedentes da radiofonia no
Piauí até recentemente, poucas informações existem de forma documentada sobre como se
dava o funcionamento dessas “rádios” no centro e na periferia de Teresina, sobretudo dos
serviços de alto-falantes que funcionaram até a década de 60. No entanto, diversas fontes
“não oficiais” que podem ser visitadas para construir como se deu essa forma de
comunicação.
No que se refere à periferia, o eco das “rádios populares” por sistema de alto-
falantes ainda permeia o imaginário das comunidades e de ex-moradores do centro de
Teresina, mesmo após vários anos de fechamento das amplificadoras em diversos bairros de
Teresina.
Além dos moradores da periferia, outras fontes orais indispensáveis para se tentar
construir a história e memória dos alto-falantes como meio de comunicação popular o as
pessoas encarregadas de colocarem a amplificadora no ar”, como locutores, colaboradores, e
representantes de organizações comunitárias responsáveis pela manutenção dos equipamentos
e da programação.
Na construção desta narrativa, foram ouvidas diferentes vozes” que informaram
sobre o processo de afastamento das amplificadoras do centro de Teresina. O discurso sobre o
silêncio para o sossego público e a narrativa em torno da disputa por anunciantes entre as
amplificadoras e a primeira emissora de dio de Teresina se contrapõem. também outra
idéia em torno da superação dos serviços de alto-falantes e consolidação da radiofonia, como
parte do desenvolvimento e modernização de Teresina.
Especular sobre a utilizão política das amplificadoras e da única emissora de
rádio existente em Teresina naquele período também é preocupação deste trabalho. Em meio
a disputa por anúncios entre os serviços de alto-falantes e a Difusora, diferentes grupos sociais
e políticos se articulavam para instalar novas emissoras de rádio. O que aconteceu para que
tais projetos de instalação de novas rádios fracassassem é outro ponto abordado nesta
dissertação.
Como resultado do trabalho de pesquisa, a dissertação foi organizada em três
capítulos.
O primeiro deles, Pelo rádio, o barulho da modernidade, trata desde o início da
radiodifusão no Brasil e do uso de sistemas de alto-falantes, até a concretização do “sonho” da
capital piauiense em ter sua primeira emissora de rádio. Mostra-se como o processo de
16
modernização de Teresina acarretou o surgimento de novos sons, dentre eles os das
amplificadoras. Disserta-se sobre a difusão e consolidação do rádio como meio de
comunicação de massa nos grandes centros urbanos do sul/sudeste do país, o surgimento da
primeira rádio no Piauí, em Parnaíba, e o funcionamento das amplificadoras do centro de
Teresina – “o rádio possível” da capital – até a inauguração da Rádio Difusora.
No segundo capítulo, O Cen(ten)ário de Teresina e o silêncio dos alto-falantes,
abordam-se os primeiros momentos da Rádio Difusora de Teresina, as sociabilidades em
torno das amplificadoras do centro de Teresina, num momento em que se noticiava cada vez
mais o surgimento de novas tecnologias de comunicação e avanços da ciência. Mostram-se os
conflitos entre a Difusora e alto-falantes por anúncios, e o discurso pró-silêncio em Teresina,
a “cidade do barulho”. Mostram-se os discursos em prol do “sossego públicoe contra a
“interferência” das amplificadoras na radiodifusão de Teresina. Discursos estes que
justificaram a lei municipal proibindo o funcionamento dos alto-falantes no centro de
Teresina. Trabalha-se ainda neste capítulo sobre uma “nova ordem” de organização,
funcionamento e bitos da cidade defendidos para a preparação da festa do centenário de
Teresina, que tinha ainda o objetivo de mostrar a capital como símbolo de civilização e
modernidade. Relata-se um pouco da festa do centenário que possibilitou a visita de vários
artistas de sucesso da chamada fase de ouro do rádio brasileiro. Disserta-se ainda sobre
projetos fracassados de instalar novas emissoras de rádio em Teresina na década de 50.
Ressalta-se a mudança do pensamento da Igreja no que se refere à comunicação, cujo
resultado no Piauí foi a criação da Rádio Pioneira.
Os sons se espalham pelo subúrbio é o terceiro capítulo deste trabalho. Aqui
mostra-se como os serviços de alto-falantes passaram a funcionar fora da zona central de
Teresina e ganharam a periferia da cidade, fundando novas sociabilidades, fazendo surgir
novos atores sociais e também causando novos conflitos. Locutores de amplificadoras relatam
suas experiências, assim como antigos moradores narram suas memórias em torno dos alto-
falantes. Também é contextualizada a situação dos moradores da periferia de Teresina naquela
época, assim como aspectos do cotidiano de seus moradores, dentre eles, as formas de lazer
populares na década de 50.
1
DANIEL VASCONCELOS SOLON
O ECO DOS ALTO-FALANTES:
Memória das amplificadoras e sociabilidades
na Teresina de meados do século XX
TERESINA-PIA
2006
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E LETRAS
PROGRAMA DE MESTRADO EM HISTÓRIA DO BRASIL
O ECO DOS ALTO-FALANTES:
Memória das amplificadoras e sociabilidades
na Teresina de meados do século XX
DANIEL VASCONCELOS SOLON
ORIENTADOR: PROF. DR. FRANCISCO ALCIDES DO NASCIMENTO
TERESINA-PI, JUNHO DE 2006
3
DANIEL VASCONCELOS SOLON
O ECO DOS ALTO-FALANTES:
Memória das amplificadoras e
sociabilidades na Teresina de meados do século XX
Dissertação apresentada ao Programa de s-graduação em
História do Brasil da Universidade Federal do Piauí como
requisito parcial para obtenção do título de mestre em História
do Brasil.
APROVADA EM: ___/___/_____
BANCA EXAMINADORA
______________________________________________
Prof. Dr. Francisco Alcides do Nascimento – UFPI (orientador)
_________________________________________
Prof. Dr. Edwar de Alencar Castelo Branco - UFPI
_______________________________________
Prof. Dr. Newton Dangelo - UFU
4
DEDICATÓRIA
Às vozes dos locutores de amplificadoras que vagueiam no éter e às que permanecem vivas na
memória dos ouvintes dos alto-falantes do centro e da periferia de Teresina.
5
AGRADECIMENTOS
Meus sinceros agradecimentos:
Ao prof. Dr. Francisco Alcides do Nascimento, orientador deste trabalho e amante do
rádio, pelos ensinamentos, pela sensibilidade, pelo apoio, pela confiança em mim depositada e
por não desistir nunca de acreditar num mundo melhor.
Aos professores Dr. Edwar de Alencar Castelo Branco e Dr. Antônio de Pádua
Carvalho Lopes, pela valorosa contribuão na qualificação do trabalho.
Ainda ao prof. Edwar, pela força, pelo estímulo e por ter acreditado na viabilidade
desta pesquisa desde o início.
À Aline e Andréia, colaboradoras da Coordenação do curso de mestrado em História
do Brasil da Ufpi.
Aos colegas de curso e professores.
Aos alunos e alunas da Uespi.
Aos amigos e amigas de sempre, de mesa de bar ou não.
Aos meus pais e irmãos.
À Lígia, Gabriela e João Luís e a todos aqueles e aquelas que não me deixam perder a
ternura, a alegria e a vontade de viver.
Aos que me permitiram capturar vozes e subjetividades, humildemente transformadas
aqui em narrativa.
6
[...]Antes de existir a voz, existia o silêncio.
O silêncio foi a primeira coisa que existiu.
O silêncio que ninguém ouviu [...]
Vamos ouvir esse silêncio, meu amor
Amplificado no amplificador[...]
(O silêncio – Arnaldo Antunes/
Carlinhos Brown)
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O ECO DOS ALTO-FALANTES:
Memória das amplificadoras e sociabilidades
na Teresina de meados do século XX
DANIEL VASCONCELOS SOLON – UFPI/BR -
danielsolon@hotmail.com
RESUMO
As amplificadoras (serviços de alto-falante) em Teresina e as sociabilidades por elas
provocadas são objeto de estudo desta dissertação. A pesquisa enfoca o período
antecedente à radiofonia no Piauí (final da cada de 30), dando ênfase ao momento em
que os serviços de alto-falantes fixos foram expulsos do centro da capital (1952), até o
início da década de 60, quando o dio se consolidou no Estado como meio de
comunicação de massa. Mapear onde existiam, descrever como funcionavam, e perceber
como os serviços de alto-falantes eram consumidos por seus públicos são alguns dos
objetivos desta pesquisa. Trazer à tona o eco dos alto-falantes, bem como suas
memórias mostrando os discursos/narrativas, conflitos, disputas e interesses que
legitimaram a retirada das amplificadoras da zona central da cidade e como se deu a
consolidação da radiofonia no Piauí e sua utilização no Estado é outra tarefa deste
trabalho. Esta pesquisa também aborda o “êxodo” s-52 das amplificadoras do centro
de Teresina para a periferia da capital, destacando rupturas e continuidades nos serviços
de alto-falantes até os anos 60, ao mesmo tempo em que são relatadas algumas
transformações espaciais ocorridas na cidade. A pesquisa aborda ainda as diferentes
utilizações das amplificadoras, seja como meio de propagação de idéias, valores,
produtos, forma de renda e instrumento de interação social e de formação profissional
de homens e mulheres que atuam/atuaram no radialismo local.
Palavras-chave: História, Comunicação, alto-falantes
8
O ECO DOS ALTO-FALANTES:
Memória das amplificadoras e sociabilidades
na Teresina de meados do século XX
DANIEL VASCONCELOS SOLON – UFPI/BR -
danielsolon@hotmail.com
ABSTRACT
The "amplifiers" (loudspeaker System) of Teresina and its effects in sociability is the main
subject of this study. The researching work shows the period prior to Radio System in the
State of Piaui (and of 30 decade) and emphasizes the age when the Loudspeaker System was
taken away from downtown in Teresina (1952) up to the beginning of the 60 decade, when
Radio became the main mean of communication of our people. To find out where the
loudspeakers were the loudspeakers were located as well as to perceive how they were
accepted for the population are also some of the main purposes of this work. To bring out the
memory of our people, their quarrels for legitimate interests as to the removal of the
loudspeakers from downtown to the suburbs, the consolidation of the use of Radio in the State
are some other tasks of this study. This research still shows the different usages of the
loudspeakers emphasizing the propagation of ideas, ideologies, advertising, electioneering,
social integration and even professional formation of men and women who used to work and
still work on local radiophony.
Key words: History, Communication, Loudspeakers
9
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Fotos
Foto 01 Carlos Said ..................................................................................................... 32
Foto 02 - José Leonílio Guedes Marinho (Bismarck Augusto).......................................38
Foto 03 Raimundo José Airemoraes.............................................................................39
Foto 04 José Cândido Ferraz.........................................................................................46
Foto 05 Luís Gonzaga Fernandes Carvalho..................................................................92
Foto 06 Genu Morais..................................................................................................104
Foto 07 Zacarias da Silva Dias...................................................................................120
Foto 08 José de Ribamar Siqueira...............................................................................121
Foto 09 Antônio de Pádua Carvalho Freitas...............................................................134
Figuras
Figura 01 – Mapa atual do Centro de Teresina / Zona Comercial em 1936....................28
Figura 02 – Propaganda de José Lopes dos Santos em jornal.........................................48
Figura 03 – Edital de falência da Rádio Clube do Piauí..................................................51
Figura 04 – Lei que proíbe funcionamento de alto-falantes no centro de Teresina.......108
Figura 05 – Mapa atual do centro de Teresina/Zona Comercial em 1952.....................109
Figura 06 – Anúncio de amplificadora em jornal 1952..............................................122
Figura 07 – Anúncio de rádio Philips – 1953................................................................126
10
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO............................................................................................................11
CAPÍTULO I
PELO RÁDIO, O BARULHO DA MODERNIDADE ...............................................17
Pioneirismo e clandestinidade em Parnaíba ...............................................................23
Novos sons se espalham pelo ar da cidade ...................................................................26
No ar... um sonho frustrado ..........................................................................................40
Rádios de papel: outros projetos de emissoras não consolidados ................................45
A primeira rádio de Teresina “nasceu” em Parnaíba ...................................................52
CAPÍTULO II
O CEN(TEN)ÁRIO DE TERESINA E O SILÊNCIO DOS ALTO-FALANTES.......57
Rádio e amplificadora: uma breve coexistência no centro de Teresina .......................62
Sociabilidades noturnas na Praça Pedro II ...................................................................65
Um “anjo” anuncia a noite pelo alto-falante ................................................................72
A Miranda Prorsus e o surgimento da Rádio Pioneira .................................................75
Outras práticas na praça, outros usos dos alto-falantes ................................................84
Tenes no ar: as disputas por anúncios comerciais ....................................................88
A regulação dos espos e dos corpos .......................................................................101
O rádio na imprensa local ...........................................................................................106
Fechando as cortinas sob um céu estrelado ................................................................109
CAPÍTULO III
OS SONS SE ESPALHAM PELO SUBÚRBIO .......................................................112
À sombra dos Cajueiros .............................................................................................127
A saga de uma retirante ..............................................................................................131
A Legião da Decência e o beijo da Filomena .............................................................135
CONSIDERAÇÕES FINAIS .....................................................................................143
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................................146
17
CAPÍTULO I
PELO RÁDIO, O BARULHO DA MODERNIDADE...
Um som diferente chamava a atenção nas comemorações do centenário da
independência do Brasil, na capital federal. No sete de setembro de 1922, enquanto uma
pequena parcela da elite do Rio de Janeiro ouvia em casa, através de rádios-receptores
importados, um entusiasmado discurso do presidente Epitácio Pessoa, populares tiveram as
mais diferentes reações com a fala presidencial que escapava de estranhos objetos metálicos
instalados no alto de postes de vários pontos da capital federal. Assim, oficialmente, foi
inaugurado o rádio no país
1
.
Os primeiros a chegar à enorme Exposição do Centenário, instalada na
esplanada aberta pelo desmonte do morro do Castelo, no centro do Rio, o
deram muita importância às estranhas cornetas metálicas instaladas em
alguns postes. Vistas de relance, lembravam as cornucópias dos gramofones
em voga em 1922, mas poucos naquele 7 de setembro, dia da abertura da
exposição, saberiam dizer para o q serviam. A multidão estava mais
interessada nos luxuosos pavilhões dos países participantes e,
principalmente, na montanha-russa armada em frente ao novo palácio
Monroe. De repente, ao cair da tarde, as pessoas ouviram assombradas,
como se aqueles sons viessem das nuvens, o Hino Nacional e um discurso do
presidente Epitácio Pessoa. Como, mesmo naquele tempo, ninguém
acreditasse que o hino ou Epitácio tivessem nada de celestial, concluiu-se
rapidamente que o som saía pelas tais cornetas. Afinal, era para aquilo que
serviam as geringonças penduradas no postes. Eram alto-falantes” - e era o
rádio chegando.
2
Não era somente o início oficial do rádio brasileiro. De certa forma, iniciou-se
também a utilização dos sistemas de alto-falantes como meio de comunicação no Brasil, bem
como deu-se início a pomica quanto às vantagens e incômodos no que se refere ao seu uso.
A fala de Roquette Pinto, o “pai do rádio brasileiro”, além de dar suas impressões sobre a
experiência da radiodifusão no centenário da independência, antecipa as discussões sobre os
serviços de alto-falantes que surgiriam mais tarde em todo o Brasil e que no Piauí também
ficaram conhecidos por amplificadoras:
1
Antes disso, em 1919, já havia sido fundada a Rádio Clube de Recife, de Oscar Moreira Pinto, que só passou a
funcionar com maior regularidade a partir de 1924. cf ORTRIWANO, Gisela Swetlana. A informação no rádio
os grupos de poder e a determinação dos conteúdos. São Paulo: Summus, 1985, p 13.
2
CASTRO, Ruy. Roquette Pinto: o homem multidão. Meio digital. Artigo dispovel em
http://www.radiomec.com.br/roquettepinto/ohomemmultidao.asp. Os aspectos inerentes à modernização do país
e a derrubada do Morro do Castelo citada acima e que culminou na demolição de 400 casas populares e a
expulsão de cinco mil pessoas, são discutidos em MOTTA, Marly Silva da. A nação faz cem anos: o centenário
da independência no Rio de Janeiro: CPDOC, 1992. 18f.
18
A verdade é que durante as solenidades comemorativas de 1922, muito
pouca gente se interessou pelas demonstrações então realizadas pelas
companhias Westinghouse (Estação do Corcovado) e Western Eletric
(Estação da Praia Vermelha). Creio que a causa principal desse desinteresse
foram os alto-falantes instalados nas torres do Serviço de Meteorologia
(Pavilhão dos Estados). Eram discursos e músicas reproduzidos no meio de
um barulho infernal, tudo roufenho, distorcido, arranhando os ouvidos. Era
uma curiosidade sem maiores conseqüências.
3
Roquette Pinto, juntamente com Henrique Morize, fizeram funcionar em 20 de
abril de 1923 a dio Sociedade do Rio de Janeiro, o que para Ortriwano representou o
momento da instalação da radiodifusão no Brasil, tendo a emissora um forte perfil educativo:
Mas o rádio nascia como meio de elite, não de massa, e se dirigia a quem
tivesse poder aquisitivo para mandar buscar no exterior os aparelhos
receptores, então muito caros [...] Nasceu como empreendimentos de
intelectuais e cientistas e suas finalidades eram basicamente culturais,
educativas e altruísticas.
4
A escolha do 7 de setembro de 1922 para o que seria considerada a primeira
experiência oficial de rádio no Brasil colocou a radiodifusão como símbolo de modernização
que o país esperava adentrar. Ainda na época da preparação da festa do centenário, o
presidente Epitácio Pessoa afirmou estar certo de que o Brasil daao estrangeiro e a nós
mesmos uma idéa altamente lisonjeira do seu progresso material e scientifico, assim como da
sua cultura moral e política”
5
. Os intelectuais também apostavam na modernização do país e a
Semana de Arte Moderna, realizada no mesmo ano, também foi emblemática para mostrar o
engajamento de vários setores neste sentido, muito embora houvesse diversas concepções de
modernidade
6
.
Aos poucos, ainda na cada de 1920, grandes cidades passaram a contar com
estações de rádio, que funcionavam como clubes e eram mantidas com mensalidades dos
sócios. Foi o caso de Santos, no litoral do estado de São Paulo. Embora desde 1924 já
contasse com a Rádio Clube de Santos, há registros de que a cidade tenha inaugurado a “era
dos alto-falantes”, com a irradiação de uma partida entre paulistas e cariocas pelo campeonato
brasileiro de futebol. O serviço de alto-falantes pertencia ao jornal A Tribuna, que instalou
3
In: http://www.radiomec.com.br/80anosradio/80anos1.asp. Último acesso em 22 out 2005.
4
ORTRIWANO, op. cit, p. 13-14.
5
PESSOA, Epitácio. Mensagem apresentada ao Congresso Nacional na abertura da segunda sessão da décima
primeira legislatura. Rio de Janeiro, 1922. Dispovel em: http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u1314/000001.html
6
MOTTA, op. cit, p.4.
19
uma “boca” metálica na fachada do pdio, conseguindo reunir um grande número de
espectadores na calçada.
A Tribuna noticiou que faria, pelo alto-falante, a descrição do grande jogo.
Seria a primeira reportagem falada no Brasil. Estava o jornal consciente de
que novo serviço seria prestado ao povo de Santos. Era a primeira vez no
Brasil que seria, de certa forma, irradiada uma partida de futebol de uma
cidade longínqua.
7
O jogo aconteceu no Rio de Janeiro. Para que a “irradiação” fosse possível, um
jornalista de A Tribuna, Francisco Paino, foi ao Rio, enquanto outros colegas esperavam
informões diretamente da redação do jornal, em Santos, numa engenhosa divisão de tarefas.
Paino iria ao Rio de Janeiro e usaria o telefone. Alcino Rollemberg, que
recebia telegrama pelo telefone, bateria à máquina a descrição feita por
Paino e Perilo Prado entregaria a Santini o trabalho recebido.
[...]Precisamente às 15 horas, o juiz trilou o apito. Aqui, em Santos, a voz de
Giusfredo Santini foi ao ar: dada a saída". E a narração foi feita até o
final. O povo vibrou. A Tribuna, pioneiramente, lançava o serviço de
irradiação de partida de futebol no Brasil. [...]E o povo, fora, apoiou a
iniciativa. Mais tarde, da Bahia, seria feito o mesmo serviço.
8
Aos poucos, outras cidades brasileiras, muitas delas pequenas e distantes da
capital da República, passaram a ter serviços de alto-falantes, sobretudo nos lugares onde a
radiodifusão local demorou a chegar. De acordo com Lia Calabre, o governo brasileiro, na
década de 1920, o teve interesse em criar um sistema estatal de emissoras de rádio. No
entanto, o presidente Arthur Bernardes demonstrava preocupação com a utilização da
radiodifusão e por isso assinou o Decreto 16.657, em novembro de 1924, regulamentando o
setor, ainda que o tratasse como pertencente ao ramo de radiotelegrafia:
O governo preocupou-se em controlar o conteúdo e o caráter daquilo que era
transmitido. A potência das emissoras era limitada, impedindo que fossem
claramente captadas nos estados vizinhos. Os aparelhos receptores
(chamados pelo decreto de estações receptoras) deveriam ser registrados nas
repartições do serviço de telégrafo mediante o pagamento de uma taxa anual
de 5$ (cinco mil réis). A partir do registro dos aparelhos receptores, o
governo poderia acompanhar cuidadosamente o crescimento do mero de
ouvintes e realizar avaliações sobre o papel do sistema radiofônico em
diferentes regiões.
9
7
ROSATO, Hamleto. 66 anos ‘A Tribuna’ inaugurava a era dos alto-falantes no Brasil. Disponível em:
<http://www.novomilenio.inf.br/santos/h0088.htm>. Acesso em: 03 ago. 2005.
8
Ibid.
9
CALABRE, Lia. Políticas públicas culturais de 1924 a 1945: o rádio em destaque. CPDOC/FGV. Estudos
Históricos, Mídia, n. 31, 2003/1, p. 2.
20
Para Calabre, a radiodifusão era um investimento caro e de risco na década de
1920. “O desenvolvimento do rádio brasileiro, no período anterior à década de 1930, foi
freado não só por razões de ordem técnica, mas também por uma turbulenta conjuntura
política”
10
, quando por várias vezes o país se viu em estado de sítio. Este momento de
amadorismo no dio foi superado na cada de 1930, na Era Vargas, com uma nova
legislação que permitia e regulamentava a veiculação de anúncios e aumentava a potência das
emissoras.
Em 1932, deu-se a abertura para divulgação de anúncios no rádio brasileiro. A
medida atendia aos interesses dos donos das emissoras e também de grandes empresas
muitas delas internacionais –, ávidas em dar publicidade e vender o que produziam naquela
época em que o país se industrializava e se urbanizava num ritmo cada vez maior. Com a
capitalização e concorrência entre as rádios e também por conta de um crescente nível de
exigência de qualidade dos programas por parte dos ouvintes, as emissoras tiveram que
melhorar a programação.
O primeiro governo de Getúlio Vargas – de 1930 a 1945 investiu na
industrialização e urbanização do País, o que gerou um mercado consumidor
interno que passou a ser o principal alvo dos anunciantes do rádio. A
programação foi rapidamente transformada para atrair um blico cada vez
maior.
11
A mesma legislação que possibilitou o incremento de receita das emissoras de
rádio, com a regulamentação da veiculação de anúncios publicitários, também atendeu os
interesses do governo Vargas. A lei determinava que uma hora da programação da emissora
fosse destinada a informar sobre ações oficiais do governo, o que seguramente contribuiu para
o fortalecimento do varguismo e mais tarde, para a instauração do Estado Novo.
O Programa Nacional previsto por Lei em 1932, somente alcançou
plenamente os objetivos esperados em 1939 com a criação da Hora do
Brasil. Através desse programa o governo pretendia personalizar a relação
política com cada cidadão, sem que necessitasse montar um sistema de
emissoras próprio. Para atrair o público ouvinte o Departamento de Imprensa
e Propaganda-DIP convidava artistas famosos para se apresentarem no
programa Hora do Brasil que era formado por quadros de notícias, de caráter
geral, entretenimento e informes políticos.
12
10
CALABRE,, op. cit, p.2.
11
COSTA, Osmanir. Rádio e Política. A aventura eleitoral dos radialistas do século XX. Londrina, Eduel, 2005,
p. 87.
12
CALABRE, Lia. A participação do rádio no cotidiano da sociedade brasileira (1923-1960). Disponível em:
http://www.casaruibarbosa.gov.br/lia_calabre/main_participacao.html. Último acesso em 22/07/2005.
21
Vargas, mais que seus predecessores, via na radiodifuo um poderosíssimo
instrumento de divulgação de idéias, valores, e uma ferramenta indispensável para trabalhar a
unidade de uma nação de extensão continental e “para reforçar a conciliação entre as diversas
classes sociais”
13
. Em nome da “coletividade”, o governo criou vários mecanismos de
regulação e controle do setor, a começar com a instalão do Departamento Oficial de
Propaganda (DOP), logo após a Revolução de 30. A partir de 1934, o DOP – responsável pelo
Programa Oficial nas rádios transformou-se em Departamento de Propaganda e Difusão
Cultural, que criou “A Voz do Brasil”.
14
A mensagem do presidente enviada ao Congresso Nacional no ano de 1936 deixa
bem nítido o grau de interesse do governo em torno dos meios de comunicação de massa, em
especial do dio e do cinema:
A organização dos serviços de propaganda e difusão cultural, compreendidos
num departamento especial, teve em vista estender a ação do poder público
sobre atividades que se exerciam, até então, de forma dispersiva e
inteiramente alheia aos superiores interesses da coletividade.
É conhecida a poderosa ascendência da publicidade sobre o espírito público,
sobretudo nos dias que correm, quando os processos de divulgação passaram
a utilizar o rádio e o cinema nas suas modalidades mais variadas.
Não se compreenderia a abstenção do poder público diante das ltiplas
possibilidades que se lhe apresentam para orientar, pela imprensa, a
radiodifuo e a cinematografia, os assuntos de imediato interesse social,
comoo todos os que se referem à educação, à assistência e à cultura
popular.
Em toda parte, onde esses meios de publicidade adquiriram grande
amplitude, as iniciativas governamentais procuram aproveitá-los em
benefício da sociedade.
Assim procedeu o governo criando o Departamento de Propaganda e
Difusão Cultural que vem estendendo a sua atividade com fins cívicos e
educativos a todo o país, num trabalho já notável de fortalecimento das
idéias e sentimentos conformadores da unidade nacional[...]
15
Consciente de que ainda não havia um grande número de estações emissoras
espalhadas pelo país, assim como era pequeno o número de aparelhos receptores ainda no
início da década de 1930, Vargas passou a incentivar a expansão de uma rede nacional de
estações transmissoras. Até mesmo porque a mensagem radiofônica poderia ser entendida por
13
FERRARETO, Luiz Artur. Rádio: o veículo, a história e a técnica. Porto Alegre: Editora Sagra Luzzatto,
2000, p 107.
14
ORTRIWANO, op. cit, p. 17
15
VARGAS, Getúlio Dorneles. Mensagem apresentada ao Poder Legislativo em 3 de maio de 1936. Rio de
Janeiro, Imprensa Nacional, 1936, p. 24. Disponível em http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u1276/000024.html. Último
acesso em 3 ago 2005.
22
letrados e analfabetos, estes últimos, uma assustadora imensidão no país
16
. E mais: os serviços
de alto-falantes foram vistos com interesse para propagação das mensagens do governo, sendo
incentivados em diversas localidades onde o rádio símbolo de progresso e modernidade
ainda não havia chegado.
Ainda na mensagem presidencial de 3 de maio de 1936, ou seja, mais de um ano
antes do golpe que inaugurou o Estado Novo, Vargas relatou ao Congresso que o
Departamento de Propaganda e Difusão Cultural possuía um serviço de rádio
[...] retransmitido por uma rede nacional de radio-transmissores, composta de 43
estações, podendo este número ser elevado a 52, com a instalação de
distribuidores, amplificadores e repetidores, em São Paulo e em Pernambuco.
17
É interessante ainda destacar que Vargas não se preocupava somente com o
público brasileiro na hora de propagar os ideais e valores do governo. O Departamento de
Propaganda e Difusão Cultural também produzia e transmitia ao estrangeiro, por ondas curtas,
programas radiofônicos em inglês, francês, espanhol, aleo e outras línguas, com o objetivo
de “levar ao exterior, os índices reveladores do nosso progresso material e cultural”
18
, além de
atrair investimentos e turistas.
O documento presidencial mostrava a convicção de que a política de propaganda
externa de Vargas trilhava no caminho certo, “cumprindo lembrar, como prova da eficiência
dessas irradiações, que em um mês foram respondidas 1.457 cartas vindas do
estrangeiro
19
, com o envio de folhetos, mapas e material de propaganda do governo. Além
disso, a mensagem do presidente anunciava acordos de intercâmbio radiofônico com a
Alemanha e a Itália, países de regimes totalitários com os quais o Estado Novo simpatizou e
manteve boas relações até um pouco antes do fim da Segunda Guerra. A mensagem afirmava
ainda que estavam sendo realizados estudos sobre propostas de permutas de programas com
líderes argentinos, holandeses e ingleses.
No entanto, o interesse principal do governo era com os brasileiros, ou melhor,
com as informações que chegavam aos brasileiros, pela imprensa escrita, rádio e cinema.
Como tais mídias eram de difícil acesso às camadas mais pobres da população,
principalmente fora do eixo Rio-São Paulo, os serviços de alto-falantes foram incluídos no rol
16
Em 1940, censo do IBGE mostrou que 50,01% da população com 15 anos ou mais não sabia ler, Cf.
http://www.inep.gov.br/download/cibec/2000/rbep/rbep199_010.pdf
17
VARGAS, 1936, op. cit, p.28.
18
Ibid, id.
19
VARGAS, 1936, op. cit, p.29
23
dos meios de comunicação de interesse do Estado, havendo também a transformação do
Departamento de Propaganda e Difusão Cultural no Departamento de Imprensa e Propaganda
(DIP).
Tanto no interior quanto nas cidades, o "rádio oficial" deveria ser ouvido por
todos. O Decreto-Lei 1.949, de 30 de dezembro de 1939, obrigava todos
os comerciantes a possuírem aparelhos receptores de rádio em seus
estabelecimentos e os serviços de alto-falantes, a transmitirem o programa
oficial do DIP.
20
Com uma população ainda eminentemente rural, com índices de escolaridades
baixíssimos
21
, menosprezar os serviços de alto-falantes para propagação de idéias seria um
grande erro do governo. Aliás, não só Vargas se utilizou das amplificadoras para disseminar a
ideologia do governo. O integralismo, movimento de extrema direita, também fazia uso dos
sistemas de alto-falantes, utilizando-os como “rádio-verde”
22
, mesmo sob o risco de sofrer
repressão.
Pioneirismo e clandestinidade em Parnaíba
Paradoxalmente, em 1937, ano em que Vargas anunciou o Estado Novo e
endureceu ainda mais o regime, uma brincadeira de jovens em Parnaíba transformou-se na
primeira experiência de radiodifusão que se tem notícia no Piauí, abrindo caminho para a
inauguração, poucos anos mais tarde, da Rádio Educadora de Parnaíba (PRJ-4), a primeira
estação piauiense.
[...] Começou por uma brincadeira, um gracejo de rapazes que queriam um
divertimento novo na cidade. Euvaldo Carvalho, Alcenor Madeira, Fonseca
Mendes, Tenente Mariano Bertoli, e outros foram quem arranjou aquela
pequenina emissora que gritava da oficina rádio-técnica de Euvaldo, ou do
escritório de Alcenor, pedindo que os Cafés” e “Bares” lhes remetessem
uma bandeja de café ou alguns copos de guaraná para eles molharem a
garganta... E que o povo chamou de PRKK.
23
20
CALABRE, op. cit, 2003/1, p.11.
21
“No final da década de 50 o país ainda possuía um índice de 53,16% de sua população analfabeta, sendo que
61,98% dos que não sabiam ler se encontrava entre a população rural”, cf. CALABRE, 2005, op.cit.
22
CHAVES, Niltonci Batista. “A saia verde está na ponta da escada!”: as representações discursivas do Diário
dos Campos a respeito do integralismo em Ponta Grossa. Revista de História Regional, Vol. 4, 1 Verão 1999.
Dispovel em http://www.rhr.uepg.br/v4n1/niltonci.htm#23; Última visita em 16 de maio de 2005.
23
RÁDIO Educadora de Parnaíba. Almanaque da Parnaíba (Fundado em 1924). Décima Nona Edição –
Ininterrupta – 1942, p. 85.
24
Para Francisco Alcides do Nascimento
24
, a Rádio Educadora de Parnaíba começou
a brotar com a montagem da oficina do rádio-técnico cearense Euvaldo Carvalho, numa
dependência do escritório do revendedor de aparelhos receptores Alcenor Madeira. Embora
funcionando na clandestinidade, a experiência despertou o interesse de parcela da população
parnaibana, inclusive da prefeitura municipal, que fornecia notícias a serem irradiadas na
programação que ia ao ar, a partir das 19h.
Não demorou muito para que o governo federal percebesse os ensaios dos jovens
em Parnaíba com a PRKK, também conhecida à época por Rádio Três Cocos. Uma
correspondência enviada pelo Departamento de Correios e Telégrafos, de Teresina, mandava
fechar a emissora. Era o que faltava para que a população parnaibana se mobilizasse,
arrecadando dinheiro para melhor estruturar a rádio e organizar o projeto de legalização da
estação
25
.
O funcionamento de uma rádio em Parnaíba era de grande interesse dos
comerciantes da cidade, a segunda maior do Estado em termos populacionais. De acordo com
o censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 1940, Parnaíba possuía
42.062 habitantes, enquanto que a capital piauiense tinha 67.641.
26
Pelo litoral parnaibano
chegavam produtos importados e também dali saíam as riquezas do ciclo extrativista, que fez
da cidade o principal centro comercial do Estado.
Tal característica progressista e de vanguarda da elite comercial parnaibana na
primeira metade do século XX, em investir em comunicação e, principalmente, em escolas e
estradas, é evidenciada por Antônio de Pádua Carvalho Lopes:
Grandeza e enriquecimento da rego eram entendidos como melhoria das
condições materiais para maior expansão do capital comercial da cidade. A
necessidade de desenvolvimento por parte da elite comercial exportadora
advinha da compreensão da importância disso para a manutenção e
ampliação da condição de cidade comercial mais importante do Piauí, detida
por Parnaíba. Sendo que esta elite tomava para si o papel de articuladora e,
muitas vezes, patrocinadora das transformações que considerava essenciais
para o desenvolvimento das atividades comerciais. Assim, o investimento no
desenvolvimento da região não se tornava importante [...] por filantropia,
mas pela necessidade do aumento da produção e de sua circulação para o
desenvolvimento econômico da cidade.
27
24
NASCIMENTO, Alcides do. História e Memória da Rádio Pioneira de Teresina. Teresina, Alínea
Publicações Editora, 2004, p. 20.
25
Ibid, id.
26
IBGE. Recenseamento Geral do Brasil (1º de setembro de 1940). Série regional, parte V – Piauí. Rio de
Janeiro, Serviço Gráfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 1952, p. 165-166.
27
LOPES, Antônio de Pádua Carvalho. Luz, Progresso e Expansão Intelectual: a elite comercial exportadora de
Parnaíba e o lugar da educação no desenvolvimento do Piauí. IN: CASTELO BRANCO, Edwar de Alencar;
25
Até o início da década de 40, a produção de cera de carnaúba era uma das
principais fontes de riquezas no Piauí
28
. O produto saía do Estado e voltava manufaturado em
diversas formas. Parte da cera de carnaúba piauiense se transformava nos discos de 78
rotações por minutos produzidos pela indústria fonográfica nacional do sul/sudeste do país
29
.
Eram esses mesmos discos que eram “tocados” nos fonógrafos das rádios e serviços de alto-
falantes espalhados pelo país. Outra parte era utilizada pela indústria bélica, na fabricação de
pólvora, utilizada inclusive na II Guerra Mundial.
30
Por conta da existência de um comércio forte e interessado num meio de
divulgação eficiente para seus produtos, o processo de legalização da rádio Três Cocos teve o
apoio político e financeiro que precisava. A montagem da primeira emissora teria se dado no
estilo Frankstein”, com a junção de peças de diferentes marcas e “no momento em que se fez
necessário melhorar as instalações, o comércio ajudou com a quantia de 3 contos de réis,
através de uma coleta”.
31
quem diga, como o radialista Carlos Said, que os equipamentos seriam sucata
de uma estação de rádio militar norte-americana instalada no litoral piauiense, onde hoje seria
Luís Correia. Para Said, “os americanos deixaram os equipamentos que foram adquiridos por
compra pela família Correia, família tradicional de Parnaíba”.
32
É importante ressaltar que não existe nenhuma outra fonte além da entrevista de
Carlos Said que mencione tal forma de aquisição dos equipamentos. Porém, de fato, a família
Correia teve importante participação no processo de instalação da Rádio Educadora de
Parnaíba como denota a composição da primeira diretoria da emissora. A presidência da
estação ficou a cargo de José Moraes Correia. O vice-presidente era Francisco Fontenele de
Araújo. E enquanto Alcenor Neves Madeira ficou com o cargo de superintendente da rádio, o
rádio-técnico Euvaldo Carvalho não figurava nas diretorias mais importantes
33
.
A legalização da rádio parnaibana veio com o decreto 5.118, de 13 de janeiro de
1940, assinado pelo presidente Getúlio Vargas:
NASCIMENTO, Francisco Alcides do; e PINHEIRO, Áurea da Paz (orgs). História: cultura, sociedade, cidade.
Recife: Bagaço, 2005, p. 64.
28
MENDES, Felipe. Economia e Desenvolvimento do Piauí. Teresina: Fundação Monsenhor Chaves, 2003.
29
O discos só tinham uma faixa e funcionavam somente de um lado.
30
TAJRA, J.E & TAJRA FILHO, J.E. O comércio e a indústria no Piauí. Apud ARAÙJO, José Luís Lopes. O
Rastro da carnaúba no Piauí. Almanaque da Parnaíba, 1985. In SANTANA, R.N (Org). Piauí, Formação,
Desenvolvimento e Perspectivas. Teresina, Halley, 1995.
31
NASCIMENTO, op. cit, p.22.
32
SAID, Carlos. Entrevista cedida a Daniel Solon em 04 de janeiro de 2005.
33
RÁDIO Educadora de Parnaíba. Almanaque da Parnaíba (Fundado em 1924). Décima Nona Edição –
Ininterrupta – 1942, p. 87
26
Fica assegurado à Rádio Educadora de Parnaíba S. A., o direito de
estabelecer, na cidade de Parnaíba, Estado do Piauí, uma estação rádio-
difusora de 1/2 kw, destinada a executar o serviço de rádio-difusão, com
finalidade e orientação intelectual e instrutiva, e com subordinação a todas as
obrigações e exigências instituídas neste ato de concessão.
34
Apesar da baixa potência da emissora, os parnaibanos ficaram eufóricos e
orgulhosos com a realidade de terem uma rádio antes mesmo que a capital. Teresina, até
então, possuía sistemas de alto-falantes funcionando no centro da cidade e só teria a
primeira estação oito anos mais tarde. Sobre os primeiros momentos de funcionamento da
Educadora, que ganhou o prefixo PRJ-4, uma matéria do Almanaque de Parnaíba dizia que
a estação mantém hoje contratos direto com as principais fábricas de discos,
que lhe remetem por avo, semanalmente as últimas gravações; transmite
diariamente, programas informativos noticiosos; irradia para todo o Estado
as principais festas que se realizam na cidade. E já agora cogitam seus
diretores, de aumentar-lhe a potência. Assim é a Rádio Educadora de
Parnaíba uma demonstração altíloqua de nosso progresso.
35
Depois da publicação da medida federal que autorizou o funcionamento da rádio
parnaibana, o governo do Estado do Piauí viu na estação a possibilidade de se aproximar da
população litorânea e boa parte dos municípios localizados na região Norte do Estado. Por
conta disso, foi assinado o Decreto Lei nº 264, de 14 de maio de 1940, que abriu crédito
especial de 20:000$000 (vinte contos de réis) “como auxílio do Governo do Estado à Rádio
Educadora PRJ-4, de Parnaíba, para a despesa com suas instalações”.
36
Desta forma, o grupo
político dominante no Estado esperava ter influência na produção do conteúdo irradiado, ao
mesmo tempo em que se esforçava para fundar uma emissora na capital.
Novos sons se espalham pelo ar da cidade
Até meados da década de 30, Teresina crescia em passos lentos e silenciosos. Era
uma capital calma, muito pequena, herdeira de bitos provincianos. As linhas e entrelinhas
dos jornais e das leis aprovadas na Câmara de Vereadores pareciam dizer que o
34
DECRETO 5.118, de 13 de janeiro de 1940. Coleção de Leis do Brasil de 31/12/1940. Dispovel em:
http://www6.senado.gov.br/sicon/ExecutaPesquisaLegislacao.action. Último acesso em 4 de agosto de 2005.
35
RÁDIO Educadora de Parnaíba, 1942, op. cit, p. 89.
36
PIAUÌ. Decreto Lei nº 264, de 14 de maio de 1940. Livro de Resumos de Leis da Assembléia Legislativa de
1940.
27
desenvolvimento da cidade – ou sua modernização deveria vir sem alarde, sem incômodos e
desconfortos comuns das metrópoles do sul do país, onde as nuvens eram ameaçadas por
arranha-céus.
em 1935, anúncios de produtos nos jornais de Teresina, no entanto, davam a
entender que a calmaria estava ameaçada pelo barulho do processo de modernização:
O sono para ser reparador deve processar-se em quarto arejado e silencioso. As
pessoas que dormem em ruas barulhentas, embora suportem o ruído, sem se dar
por elle, acaba, fatalmente, ao fim de alguns meses, sofrendo de esgotamento
nervoso. Nada peor aos nervos do que o ruído perante a noite. Infelizmente
porém, certos indivíduos não comprehendem o dever de respeitar o silencio
nocturno dos que precisam repousar das fadigas diurnas. Alguns indivíduos
inconvenientes fiam a conversar e a gritar defronte das habitações; certos
motoristas maldosos abrem as descargas dos automóveis businam
desnecessariamente [...]
37
O processo de modernização refletia-se também na organização espacial da
cidade. Em 1936, a administração municipal de Teresina estava nas mãos de Lindolfo do
Rego Monteiro. Ele sancionou a lei 22, de 4 de julho de 1936
38
, estabelecendo a zona
comercial de Teresina (Figura 1) e estimulando a verticalização no centro da cidade, que
passaria a ter como limite, ao Norte, a praça Marechal Deodoro (posteriormente chamada de
Praça da Bandeira) e rua Areolino de Abreu, no trecho compreendido entre a rua Firmino
Pires e Rua Barroso.
Ao Sul, o limite se daria à rua Senador Pacheco, também no trecho compreendido
entre as ruas Firmino Pires e Barroso. Ao leste, a zona comercial da cidade estaria limitada à
Rua Barroso, entre a Praça Deodoro e a rua Senador Pacheco. A Oeste, à rua Firmino Pires,
entre a Praça Deodoro e a rua Senador Pacheco.
A lei determinava que os prédios construídos ou reconstruídos na zona comercial
deveriam ter, a partir dali, dois pavimentos. Havia ainda o incentivo de 10 anos de isenção de
imposto dos pdios construídos ou reconstruídos com mais de dois andaress. Posteriormente,
em 1937, outra lei permitiu a construção de prédios com um só pavimento na zona comercial,
mas a isenção de impostos para quem preferisse a verticalização passou de 10 para 20 anos.
39
37
O reclame alertava que problemas no sono resultavam em perda de fosfato. “Em casos como esse, “recomenda-
se injeções de Tonosfofan, que levanta o estado geral reforçando o systema nervoso”, cf. O RUÍDO nas cidades -
descuidos insuportáveis. Diário Oficial, Ano V, nº 21, Teresina, 26 jan 1935, p. 10.
38
TERESINA. Lei nº 22, de 4 de julho de 1936. Livro de Leis de 1936. Procuradoria do Município.
39
TERESINA, Lei nº 76, de 23 de setembro de 1937. Livro de Leis de 1937. Procuradoria do Município.
28
1
2
3
4
5
Mercado Central
Praça da Bandeira
Praça Rio Branco
Praça Pedro II
Praça Saraiva
Zona Comercial em 1936
3
4
5
1
2
Figura 01: Mapa atual do Centro de Teresina / Zona Comercial em 1936
Fonte: Secretaria Municipal de Planejamento - Semplan/PMT.
Em 1937, possivelmente existiam amplificadoras no centro comercial de
Teresina. Pelo menos era o que indicava o Decreto Lei 2, de 31 de dezembro daquele ano.
Tal legislação previa as despesas e receitas do município para o ano de 1938. Com a lei,
aparecia o imposto de licença para propagandas e anúncios. O tributo incidia sobre anúncios
em panfletos, cartazes, muros, fachadas de edifícios, placas, letreiros, reclames portáteis
conduzidos por carros, pessoas a ou a cavalos, além de propaganda verbal em alegoria ou
não. Eram cobrados 6$000 para cada anúncio veiculado em “microphonos ou alto-falantes”.
40
A mesma lei estabelecia isenção de impostos de licença “aos anúncios destinados
a fins patrióticos, festas de caridade e de beneficência e de estabelecimentos de instrução,
repartições públicas, instituições religiosas, associações de utilidade pública e esportivas”.
Além de denotar que as amplificadoras eram utilizadas pelo poder público para divulgação de
atos importantes para a população, tal legislação municipal acabava por instituir uma espécie
de censura prévia na publicidade, uma vez que os anúncios ou cartazes, antes de serem
distribuídos ou afixados, deveriam passar por fiscalização e receber o carimbo de órgão
municipal, caso contrário haveria multa ao infrator.
Como a cidade não possuía uma emissora de rádio, as amplificadoras tornaram-se
importantes veículos de comunicação para o comércio local, bem como meio de acesso à
40
TERESINA, Decreto Lei 2, de 31 de dezembro de 1937. Livro de Leis de 1937. Procuradoria do Município.
29
informação e programas humosticos locais e à sica produzida nos grandes centros
urbanos, que viviam a Era de Ouro do dio. Para se ter idéia do quanto um aparelho
receptor era um artigo distante da capacidade de consumo da maioria da população, censo do
IBGE apontava que das 179.143 unidades prediais e domiciliárias piauienses de 1940, apenas
878 possuíam rádio.
41
A administração municipal de Teresina mostrava preocupação com os novos sons
que invadiam a cidade, com o surgimento das amplificadoras e a chegada de mais
automóveis, cujo número chegava a 138 unidades em todo o Piauí em 1940, dos quais apenas
dois eram de propriedade do governo
42
. O Decreto Lei 54, de 3 de abril de 1939, criou um
Novo Código de Posturas do Município. A legislação trazia consigo a tentativa de disciplinar,
ordenar e orientar as interveões públicas e privadas no território municipal, atingindo
também os corpos de quem ali habitasse.
43
O capítulo inicial do digo de posturas de 1939 tratava exatamente do “Sossego
e Tranqüilidade Pública”. A primeira proibição do capítulo é emblemática para se entender
como se dava a luta em prol do silêncio em Teresina: “É proibido sob pena de multa de
20$000 a 100$000: 1) Dar gritos à noite, dentro das zonas central e urbana, depois das 22
horas, sem necessidade ou utilidade”.
44
Aquele novo conjunto de leis foi instituído para substituir o Código de Posturas
que vigorava desde 2 de outubro de 1905. A substituição da legislação foi justificada
“considerando as deficiências no atual Código de Posturas do Município, decretado mais
de 30 anos para uma época em que as condições de vida e progresso eram de todo diversas
das atuais”.
45
Dentro ainda do primeiro artigo do Código de 1939, proibiu-se “tocar ou ensinar
música com pancadaria depois das 22 horas, exceto nos locais permitidos”, “abusar de sinais
sonoros a qualquer hora do dia e da noite, causando inmodo momentâneo”, o que poderia
valer tanto para buzinas de veículos como para amplificadoras. Havia ainda uma proibição
bastante curiosa. Não era permitido “tocar sinos depois das 18h e antes das 4 horas. Em
tempos de epidemias não se permitirão os dobres a finados, sob pretexto algum”.
46
41
IBGE. Recenseamento Geral do Brasil (1º de setembro de 1940) Série Regional, Parte V Piauí. Rio de
Janeiro: Serviço Gráfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 1952, p. 171.
42
Ibid, id.
43
LEMOS, Carlos A. C. A república ensina e morar (melhor). São Paulo: Hucitec, 1999.
44
TERESINA. Decreto Lei 54, de 3 de abril de 1939 – Novo Código de Posturas do Município. Livro de Leis de
1939. Procuradoria do Município, p. 115.
45
Ibid. id.
46
TERESINA, 1939, p. 115.
30
o Capítulo VI do Código de Posturas aprovado em 1939 tratava
especificamente de regulamentar anúncios ou letreiros. A lei estabelecia que nenhum anúncio
luminoso ou não, sonoro ou não poderia ser exibido sem licença da Prefeitura e pagamento do
devido imposto. Determinava ainda que
os anúncios feitos por intermédio de estações transmissoras locais ou alto-
falantes, funcionando em locais freqüentados pelo público, ficam sujeitos à
licença da municipalidade, que determinará, segundo os casos, o tempo e o
horário de funcionamento. Ao infrator, pena de 50$000 a 100$000.
47
Os sons das amplificadoras chegavam às praças e ruas do centro de Teresina,
através de cornetas e bocas de alto-falantes instaladas no topo de postes, galhos de árvores e
fachadas de casas comerciais. Tal aparelhagem era ligada por fios em um módulo
amplificador, operado em pequenos estúdios localizados no centro de Teresina. Ao
amplificador também eram conectados um fonógrafo e um microfone.
Apesar de propiciar informação e entretenimento para a população de Teresina, as
amplificadoras surgiram principalmente para atender à demanda do comércio, que não podia
contar com uma estação radiofônica para fazer a propaganda de seus produtos. A
amplificadora Rádio Propaganda Sonora Rianil, por exemplo, surgiu na segunda metade da
década de 30 para dar suporte às vendas da loja Rianil
48
, cuja matriz funcionava no Rio de
Janeiro, e com filiais ainda no Maranhão, Ceará, Pará e Amazonas. A sala com o amplificador
de som e locutor ficava no pdio da Rianil, localizado em torno da Praça Rio Branco.
Os outros serviços de alto-falantes do centro da cidade, se não eram de
propriedade de comerciantes, tinham como fonte de financiamento os anúncios publicitários
das lojas, além de cobrarem por música pedida e dedicada a alguém em especial, como a
dio Amplificadora Teresinense.
A organização de algumas amplificadoras poderia ser comparada a de uma
emissora convencional (na época, do tipo AM), conforme relatou Said, que trabalhou na
dio Amplificadora Teresinense nos anos 40:
[...]Na rua Barroso, onde é hoje quase defronte ao Banespa, ali existia a casa
do Sr. Isaías Almeida e ali ele alugou uma sala para que os jovens que
começavam a trabalhar em amplificadoras [...] Naquela sala alugada havia
um estúdio, onde se montou a mesa de som, outra mesa com microfones para
os locutores e também uma divisória onde havia o escritório para manter a
publicidade e a produção. E uma saletazinha para diretor e outra para
47
Teresina, 1939, p.115.
48
NASCIMENTO, 2004, op. cit.
31
recepção. Tudo acanhado no que tange ao espaço. Mas bem produzido, bem
dividido. E uma discoteca. Naquele tempo, o disco era de cera, de 78
rotações. O Piauí vivia seu momento épico, a cera de carnaúba era a maior
economia do Estado, superava o babaçu. Então ali havia a discoteca, os
grandes lançamentos musicais do momento [...]
49
Said rememora que a praça Pedro II, à noite, passava a ser ponto de encontro da
juventude teresinense, de todas as classes sociais. Atendendo a pedidos, o locutor da
amplificadora que ali funcionava mandava mensagens ronticas às moçoilas, às quais eram
oferecidas sicas, mediante pagamento. Sobre a programação da amplificadora em que ele
trabalhava, havia espaço para comentários sobre sica, cinema, teatro, esporte, noticiário e
prestação de serviços, com avisos diversos para a população.
Por difundir a sica, cinema e teatro num período em que a radiodifusão não
havia se instalado em Teresina, é possível arriscar que os serviços de alto-falantes
desenvolveram um papel importante para vender produtos e valores da embrionária indústria
cultural
50
– incluindo aí os famosos cantores e cantoras da Rádioantes da instalação de uma
emissora na capital piauiense. Era comum, por exemplo, que artistas famosos revelados pela
dio Nacional do Rio de Janeiro, dessem entrevistas nas amplificadoras de Teresina, por
ocasião de suas apresentações na cidade.
Na arte de fazer propaganda, em fazer com que os outros se divertissem,
ficassem alegres, a gente até (fazia) crítica de cinema: “Hoje no Teatro 4 de
Setembro vai passar o filme tal. Olha esse filme é bom, é filme cômico, é
filme de guerra, é comédia, é melodrama”. “Olha hoje no Rex vai passar um
filme tal, cuidado”, essa coisa. Quando se chegava a programação de natal se
obedecia a escala de trabalho feita pela Diocese. E isso também para o
carnaval. Se levava pessoa influente para serem entrevistados, jogadores de
futebol, políticos. Quando chegava aqui uma companhia de comédia como a
Jaime de Carvalho, e Procópio Ferreira, que também esteve em Teresina, a
gente levava pra entrevista. Cantores como Orlando Silva, quando andou
aqui, se levavam pra amplificadora.
51
As amplificadoras o apenas faziam entrevistas com artistas de fora ou executava os
discos que a indústria fonográfica lançava. Os serviços de alto-falantes também estimulavam
a produção cultural na cidade, organizando shows de calouros, como era comum acontecer
nas maiores rádios do país.
49
SAID, op. cit.
50
ORTIZ, Renato. A moderna tradição brasileira. São Paulo. Brasiliense, 1988.
51
SAID, op. cit.
32
Foto 01 – Carlos Said
Fonte: Acervo fotográfico do pesquisador Daniel Vasconcelos Solon
A Rádio Propaganda Rianil e a Rádio Amplificadora Teresinense disputavam
prestígio e costumavam anunciar nos jornais os programas e novas atrações destes serviços de
alto-falantes. No início, para agradar ao público, os serviços de alto-falantes não apenas
tocavam discos e faziam a propaganda do comércio. Eles queriam exatamente oferecer
novidades e entretenimento, como as estações radiofônicas de outros estados faziam.
Se nos grandes centros urbanos do Sul do país eram dos estúdios de emissoras de
rádio que saíam grandes revelações no campo artístico, em Teresina, na ausência de uma
estação transmissora, as amplificadoras foram tomadas como espaço de conformação e
divulgação dos artistas locais, como palco de circulação e apropriação da produção cultural
regional. De seus alto-falantes foram revelados futuros componentes do casting da
radiofonia piauiense, sejam locutores, músicos ou humoristas, segundo atesta o ex-locutor de
amplificadora Antônio Pádua de Carvalho Freitas.
A (amplificadora) Teresinense tinha até um programa aos domingos, com
dois cômicos: Tupi e Guarani. Era a turma que fazia sucesso nesse tempo.
Nove horas da manhã, quando terminava a missa da Igreja do Amparo, (o
povo) enchia a praça Rio Branco para ouvir Tupi e Guarani. Só cantando
embolada! Mas matava a gente de rir! As bocas eram ali no relógio da Praça
Rio Branco. Aquela praça ficava cheia de gente às nove horas da manhã
pra assistir o programa deles. Era só cantando embolada, todas as emboladas
engraçadas que tinha, depois falavam, contavam piada, isso era pro povo
morrer de rir. Então era uma atração que essa Teresinense tinha todos os
domingos pela manhã.
52
52
FREITAS, Antônio de Pádua Carvalho. Entrevista cedida a Daniel Solon em 28 dez 2004.
33
Ainda quanto ao esforço de divulgar e estimular uma produção cultural local, a
dio Amplificadora Teresinense, por exemplo, promovia o show de calouros “Valores de
Amanhã”,
53
e na Rádio Propaganda Sonora Rianil, artistas e bandas locais também se
apresentavam a partir do estúdio, tocando valsas, sambas e outros ritmos
54
, ampliando o
espaço de produção/circulação musical da cidade. Por sua vez, a Amplificadora Cultural, de
propriedade da Arquidiocese de Teresina, tinha como principal finalidade propagar o
catolicismo. Ela funcionava na rua Desembargador Freitas, onde ficava a sede administrativa
da Igreja na capital piauiense.
No final da década de 1930 pouco antes da elite política e econômica da capital
anunciar o sonho de uma emissora de rádio para a cidade – os alto-falantes, de um jeito ou de
outro, pareciam representar o novo, o moderno, o progresso. Isso porque, segundo os
cronistas de jornais locais, elas eram o próprio rádio o rádio possível naquele momento
específico de Teresina. Só que sem as ondas hertzianas
55
:
Exibir-se-á hoje novamente por intermédio da Rádio Propaganda Sonora
Rianil, dando, assim, ensejo de mais uma perfeita audição musical de
estúdio, aos ouvintes da potente emissora local, das praças Rio Branco e
Pedro II, o bem ensaiado conjunto denominado OS TRÊS DO RITMO
composto por D. Broxado, ao piano, H. Oliveira, ao canto, e V. Soares ao
pandeiro e cuja estréia por ocasião da referida emissora, domingo último,
alcançou ruidoso sucesso (grifo meu)[...]
56
Note-se que os termos utilizados “perfeita audição”, “potente emissora”, bem
ensaiado” e “ruidoso sucesso” mostravam em si um certo nível de admiração do cronista em
torno do funcionamento da “Rádio Propaganda Sonora Rianil”, apesar dos novos ruídos que
os alto-falantes trouxeram, assim como a natureza antidemocrática daquele meio de
comunicação que não dava o direito do ouvinte baixar o volume ou mudar de faixa. No
entanto, pode-se desconfiar também que tal discurso admirado em favor da amplificadora
tivesse estímulo financeiro, embora não viesse especificado como nota publicitária.
As palavras de elogios também chegavam à amplificadora concorrente:
Anunciado amplamente como fora, a Rádio Amplificadora Teresinense A
voz da Cidade Verde fez levar a efeito, ontem, por seus alto-falantes das
53
RÁDIO Amplificadora Teresinense. Diário Oficial, Teresina, p. 1. 10 jul. 1939.
54
RÁDIO Propaganda Sonora Rianil. Diário Oficial, Teresina, p.1, 13 abr. 1939.
55
O rádio, assim como a TV, utiliza ondas eletromagnéticas conhecidas também por ondas hertzianas, em
homenagem ao físico alemão Heinrich Hertz (1857-1894), um de seus maiores estudiosos, cf. BRIGGS, ASA &
BURKE, Peter. Uma história social da mídia de Gutenberg à Internet. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2004,
p. 158-9.
56
DIÁRIO OFICIAL. Teresina, p.1, 13 abr. 1939.
34
praças Pedro II e Rio Branco, um bem organizado programa de calouros, o
qual denominou de VALORES DE AMANHÃ.
57
A Amplificadora Rianil, também chamada de Estação Pioneira
58
, realizava
programas de calouros, como o S. João do Guri, que permitia a inscrição de crianças de até
nove anos de idade, sendo apresentado por Heider de Oliveira, de 10 anos, “o menor ´speaker´
do Brasil”. O evento atendia “a inúmeros pedidos[...] demonstrando aos ouvintes o seu
esforço em sempre proporcionar agradáveis momentos ao público”
59
.
Como se vê, os alto-falantes se apropriaram até mesmo da linguagem radiofônica
utilizada na época para se estabelecerem como emissoras de rádio propriamente ditas, uma
vez que o termo speaker era amplamente utilizado nas maiores estações do Brasil para
designar a função do que mais tarde chamou-se de locutor.
Além de associada à típica linguagem radiofônica, as amplificadoras eram
descritas como “emissoras” e “estações” pelas notas de jornais, e ainda se autodenominavam
“rádio”, como fizeram os serviços de alto-falantes da loja Rianil e a Teresinense.
Não era no uso da linguagem radiofônica e no formato de atrações que as
amplificadoras tentavam se aproximar do rádio. A Rádio Amplificadora Teresinense, que se
autodenominava a Voz da Cidade Verde, fazia ancios de aparelhos receptores, como pode-
se deduzir a partir do anúncio abaixo:
Grande concurso “Rádios Philips” em combinação com a Rádio
Amplificadora de Teresina.
Na vitrine da Casa Syria” está exposto UM PEQUENO GIGANTE, o rádio
Philips”, typo 312-A que sorteará prêmios: 100$000 para o concorrente que
acertar ou mais se aproximar do mero de fabricação do aparelho, e 30$000
para o concorrente que descobrir a cor da fita que cobre o seu número.
60
No que diz respeito à programação das primeiras amplificadoras, os serviços de
alto-falantes também retransmitiam atrações de emissoras de fora do Estado e até mesmo do
estrangeiro. Os amantes do futebol que não tinham aparelhos receptores em casa, lotavam a
praça Rio Branco para ouvir os jogos da seleção brasileira, na copa de 1938, retransmitidos
pelo alto-falante instalado na fachada de um pdio.
61
57
RÁDIO Amplificadora Teresinense. Op. cit., p.1.
58
Para NASCIMENTO, 2004, op. cit, p. 17, o termo Pioneira pode indicar que a Rianil foi a primeira
amplificadora de Teresina, tendo sido inaugurada em abril de 1939. No entanto, como vimos, desde 1937
havia legislação taxando publicidade por meio de microfones e alto-falantes.
59
DIÁRIO OFICIAL, Teresina, p.2, 19 jul. 1939.
60
DIÁRIO OFICIAL, Teresina, p.12, 13 jul. 1940.
61
PINHEIRO FILHO, Celso. História da Imprensa no Piauí. 3 ed. Teresina, Zodíaco Editora, 1997, p.179.
35
A irradiação do campeonato mundial de 38, no qual o Brasil ficou em terceiro
lugar, realizada a partir de telefone, de Marselha, na França, era de responsabilidade das
rádios Cruzeiro do Sul do Rio de Janeiro (PRD-2), Cruzeiro do Sul de São Paulo (PRB-6) e
Clube de Santos SP (PRB-4), sob o comando da Rádio Clube do Brasil do Rio de Janeiro
(PRA-3), realizando assim “a primeira transmissão esportiva em rede nacional”.
62
Muitas outras partidas foram retransmitidas a partir das amplificadoras da Praça
Pedro II, como as do campeonato Rio/SP pelos alto-falantes
63
. Jogos internacionais, como os
da seleção brasileira, também eram atrações nas praças centrais de Teresina, através dos alto-
falantes. A Taça Rocca de 1939, disputa de futebol realizada entre brasileiros e argentinos,
por exemplo, foi retransmitida com “grande êxito” pela Rádio Amplificadora Teresinense,
com seus “dois poderosos alto-falantes ligados para as praças D. Pedro II e Rio Branco”.
64
No que se refere ao funcionamento das amplificadoras dentro do contexto político
do Estado Novo, o radialista Carlos Said não lembra da Amplificadora Teresinense sendo
obrigada a retransmitir A Voz do Brasil, programa criado para propagar os ideais do governo
Getúlio Vargas. No entanto, tal programa, produzido pelo Departamento de Imprensa e
Propaganda (DIP), era ouvido com atenção para a produção do noticiário que saía das bocas
de alto-falantes.
A gente ouvia A Voz do Brasil porque ali saía muita notícia favorável ao
trabalhador, a classe política aqui do Piauí, onde funcionavam o PSD, UDN
e PTB. Havia ainda o PCB, até o Luis Carlos Prestes entrou na Constituição
de 46 e depois que houve outra derrocada, né? E a gente ouvia A Voz do
Brasil pra fazer o nosso noticiário nacional, tinha o rádio-escuta. Hoje não,
você vai à Internet e já vem tudo mastigado. Naquele tempo você tinha um
rádio-escuta, como teve a rádio Difusora, a rádio Clube, a rádio Pioneira. Por
exemplo, em 62 eu fui diretor do Departamento de Radiojornalismo da
Pioneira e nós tínhamos dois rádio-escuta, o Dídimo de Castro e o Raimundo
Lima. Então nós tínhamos reportagens fantásticas como a do assassinato do
presidente Kennedy e a morte do Papa João XXIII. Então a gente fazia
vigília permanente. E então no tempo das amplificadoras havia o rádio
escuta [...] Então a gente ouvia a Voz do Brasil pra fazer o nosso noticiário.
Por que a Voz do Brasil ainda hoje eu acredito que deva ter uma secção
internacional
65
.
É curioso destacar que, mesmo antes da utilização de alto-falantes, o centro de
Teresina contou com um “jornal falado”, em praça pública. De acordo com Pinheiro Filho, a
62
TAVARES, Reynaldo C. Histórias que o rádio não contou.: do galena ao digital, desvendando a radiodifusão
no Brasil e no mundo. 2 ed. São Paulo: Harbra, 1999, p.132.
63
GARCIA, José Ribamar. Imagens da Cidade Verde, 2. ed. Rio de Janeiro: Litteris, 2000, p. 59.
64
DIÁRIO OFICIAL, Teresina, p. 2, 16 jan. 1939.
65
SAID, op. cit.
36
primeira iniciativa de se transmitir informações de interesse público na capital, de forma
planejada, através da oralidade, foi em 1914, na praça Rio Branco, sem nenhum recurso
tecnológico:
[...]Tivemos, entre nós, muito antes do rádio, um jornal falado, O Dominical,
do qual era redator-chefe Higino Cunha, e gerente Passos de Carvalho.
Domingo, pela manhã, logo após a missa das 9 horas da Igreja do Amparo, a
redão instalava-se no coreto da Praça Rio Branco, onde em volta iam-se
agrupando curiosos e interessados. Começava então a transmissão oral das
notícias e boatos: depois vinham as crônicas, e por fim, a parte literária. Os
poetas aproveitavam para declamar suas últimas produções. Só teve dois
números, sendo que o primeiro, a 06-09-1914[...]
66
O pioneirismo da Rianil, no entanto, é questionado pela memória de Afonso
Ligório Pires de Carvalho, segundo a qual o primeiro serviço de alto-falantes da cidade foi a
dio Amplificadora Teresinense. Ele relata como se dava a publicidade neste serviço de
som, no centro da capital piauiense:
Lembro-me dos anunciantes mais freqüentes da época: a casa Marc Jacob, a
movelaria de Luiz Stambovsky, a Bela Aurora, Casa Alves, Edilberto
Moreira Martins, Laboratório Raul Leite, que divulgava o Guaraína, para
gripe e dor de cabeça, e o Iodalb para o coração, chamado Pão dos velhos”;
a Lusitana, o alfaiate Roque Cavalcanti etc.
Chamava minha atenção um anúncio veiculado pela Amplificadora, o qual
jamais esqueceria pela singularidade: “Carro parado é prejuízo andando...” O
anúncio vendia os serviços de uma oficina de consertos de automóveis. o
havia ainda jingle. Tudo era ao vivo. Os primeiros jingles rodados em
Teresina, salvo engano, foram da geladeira Frigidaire.
67
Sobre o casting da Rádio Amplificadora de Teresina, Carvalho descreve que o
locutor mais admirado pelos ouvintes era João Cúrcio Laguárdia, um dos diretores do serviço
de alto-falantes. Ele era comparado “aos melhores da Rádio Nacional do Rio de Janeiro, a
estação padrão do país”,
68
e atuava em conjunto com outros speakers como Climério Bentos
Gonçalves, Dejolces de Albuquerque e Tancredo Serra e Silva. na amplificadora Rianil,
“destacavam-se Afonso Cordeiro, apelidado de Afonso Garrafa, que depois formou-se em
direito e mudou-se para Manaus; e um jovem conhecido por Bebê”.
69
No decorrer da década de 40, a Rádio Amplificadora Rianil, foi reduzindo
programação a ponto de ficar apenas com alto-falantes em frente à loja, na praça Rio Branco.
66
PINHEIRO FILHO, op. cit. p.180.
67
CARVALHO, Afonso Ligório Pires de. Outros tempos. Brasília: Thesaurus, 2002, p. 75
68
CARVALHO, 2002, op cit, p. 76.
69
Id.
37
A (amplificadora) Rianil era tudo em torno das lojas Rianil pra competir
com as lojas Pernambucanas, daquela família holandesa de Recife,
Lundgren, ou alguma coisa assim. Então a Rianil tinha a boca pra chamar os
fregueses. ‘Olha aqui padrão, mescla, cetim, morim, sapato, o sei o que’,
as lojas vendiam de tudo.
70
Outras pessoas, no entanto, aproveitaram o espaço deixado pela Rianil e
instalaram novos alto-falantes. Foi o caso de Getúlio Pontes, tido como o “grande animador
das amplificadoras em Teresina”,
71
fundador do sistema de alto-falantes chamado Cruzeiro do
Sul, o mesmo nome de uma emissora de rádio de São Paulo.
Pontes tinha como principal concorrente a amplificadora Comercial Teresinense,
sucessora da Rádio Amplificadora Teresinense, que teria sido comprada por Francisco Pereira
Dantas. O ex-radialista Jo Leonílio Guedes Marinho, que atuava com o nome artístico
“Bismarck Augusto”, também foi responsável pela Comercial. Ele conta como iniciou seu
trabalho com amplificadoras:
Eu trabalhava na Secretaria de Obras Públicas do governo do Estado, e nesse
tempo não era Secretaria, era Diretoria de Obras Públicas e um amigo meu
tinha esse servo de alto-falante Comercial Teresinense, com alto-falante
instalado na praça Pedro II, alto-falante instalado na praça...(pausa) dali do
relógio, a praça Rio Branco, um outro alto-falante instalado na Praça Saraiva
aqui ao lado, defronte a Casa Dota, no poste, e outro alto-falante instalado no
mercado central. ele passou a me alugar esse servo de alto-falante e eu
alugava, porque o comércio em Teresina dava preferência, porque tinha
dois serviços de alto-falante na cidade de Teresina. E tinha uma rádio que
era a dio Difusora de Teresina. Então o que é que houve. Eu passei a
gerenciar o serviço de alto-falante Comercial Teresinense. O comércio em
peso dava propaganda pra gente porque eles não tinham divulgação. Não
tinham o serviço de alto-falante volante na rua, quem tinha era eu. Então,
nos davam preferência. Com o passar dos anos, o meu compadre Francisco
Pereira Dantas me vendeu o serviço de alto-falante[...]
72
Ainda na área comercial de Teresina havia outra amplificadora, com menor potência e
menos organizada do que a Comercial Teresinense e a Cruzeiro do Sul. Era o serviço de alto-
falantes Record, nome de outra grande rádio de São Paulo, de grande sucesso na década de
40.
70
SAID, op. cit. N.A: Os Lundgren vieram da suíça e se instalaram inicialmente no Brasil em 1855, em São
Paulo, sendo que a instalação da primeira loja Pernambucanas aconteceu em 1908. Ver: História das
Pernambucanas in: http://www.pernambucanas.com.br/historia.aspx. Último acesso em 22 ago 2005.
71
PINHEIRO FILHO, op. cit, p. 179.
72
MARINHO, José Leonílio Guedes (Bismarck Augusto). Entrevista cedida a Daniel Solon. Teresina, 28 dez.
2004.
38
Foto 02 - José Leonílio Guedes Marinho (Bismarck Augusto).
Fonte: Acervo fotográfico do pesquisador Daniel Vasconcelos Solon
Olha, eu trabalhei na Record, que tinha duas bocas na praça do mercado,
mercado velho. A Record era outro serviço de alto-falante central. Era
daquele Raulindo, que era deputado estadual, Roberto Raulindo. Esse foi em
50. Tinha alto-falante na Praça Rio Branco e dois alto-falantes lá na Praça do
mercado velho.
73
Ao se lembrar dos antigos serviços de alto-falantes, Said reconstruiu através da
memória uma imagem do que seria a Praça Saraiva na década de 1940, comparando
construções do passado e do presente e revelando uma certa estratificação das amplificadoras
quanto ao público alvo a ser atingido:
Ali se jogava futebol e daquele lado da rua Rui Barbosa, ali da praça
Saraiva, ali onde é o Barão de Gurguéia até chegar ao antigo seminário, que
hoje é a Casa da Cultura e o Zezinho Marchão, que ali era um grotão para
subir para a Estrada Nova, que ali é um posto de gasolina e tem um colégio,
parece que é o Certo. Aí vo sobe a ladeira, ali era mais agências de
transporte local e intermunicipal. As primeiras agências de viagens foram a
agência Saraiva, agência Santos, agência Volante. Então ele (dono da
amplificadora) dedicou essa Cruzeiro do Sul
74
mais para o popular, para o
estivador, para o motorista de caminhão, para o caminhoneiro, para quem
vendia ali pequis, picolezeiro, etc e etc. E ali também ele (o dono da
73
FREITAS, op. cit.
74
É importante ressaltar que o entrevistado lembra dos locais onde os serviços de alto-falantes funcionavam mas
confunde o nome das amplificadoras, atribuindo o nome da Cruzeiro do Sul a que funcionava na Praça Saraiva,
sendo que ela funcionava na Praça Pedro II.
39
amplificadora) montou ali, deixe-me ver, era bem na esquina da rua o
José, que hoje é Félix Pacheco, com rua Barroso.
75
A programação da amplificadora, que tinha bocas de alto-falantes na Praça
Saraiva (possivelmente a Amplificadora Comercial), acabava interferindo no cotidiano de
alguns grupos sociais, como os seminaristas, de acordo com o que relata o padre Raimundo
José Soares:
Quando eu estava no seminário estudando, a gente rezava sempre o terço na
capela. Nessa ocasião o seminário ficava hoje onde é a Casa da Cultura e a
capela dava para a Rua São Pedro. Nós estávamos rezando o terço, mais
ou menos duas horas, depois do almoço, havia uma amplificadora
funcionando na Praça Saraiva. Essa amplificadora tinha trazido um cantor de
São Luis do Maranhão chamado Moacir Neves, estava anunciando que o
cantor ia cantar. No seminário a gente rezando o terço, eu não estava
pensando no terço, tava escutando era a amplificadora (risos). Quando ele
anunciou na amplificadora o Moacir Neves, o terço era assim, uma pessoa
rezava a parte da Ave Maria e a turma toda rezava a Santa Maria. Quando o
que rezava a Ave Maria terminou, ninguém respondeu Santa Maria (risos),
tava todo mundo era ligado na amplificadora para escutar o cantor Moacir
Neves (risos). Esse fato é curioso para mostrar como de fato naquela
ocasião, as amplificadoras de alguma maneira canalizavam a atenção das
pessoas.
76
Foto 03 – Raimundo José Airemoraes
Fonte: Acervo fotográfico do pesquisador Daniel Vasconcelos Solon
75
SAID, op. cit.
76
SOARES, Raimundo José Airemoraes. Entrevista cedida a Daniel Solon. Teresina 22 jun. 2005.
40
De fato, as amplificadoras faziam parte do dia a dia da cidade. E quando traziam
artistas famosos para Teresina, alteravam a “normalidade” do centro de Teresina, como
ocorreu quando da apresentação de Moacir Neves, considerado o dono de uma das mais belas
vozes do rádio brasileiro à época. É interessante ainda ressaltar que o Pe. Raimundo Jo
recorda da amplificadora que funcionava na praça Saraiva, mas o guarda lembranças da
Amplificadora Cultural, da Igreja Católica, fundada na gestão de Dom Severino de Melo.
No ar... um sonho frustrado
Em 1940, como vimos, o Piauí contava com uma emissora de rádio, a qual teve
auxílio financeiro dos cofres públicos para se instalar. Porém, ter influência no conteúdo
informativo veiculado na Rádio Educadora de Parnaíba não era o bastante para saciar a fome
de propaganda do governo do Estado, então sob comando do interventor Leônidas Melo.
Se para a emissora parnaibana os cofres estaduais foram generosos, a intenção do
governador era a de praticamente montar uma estação de rádio na capital piauiense com o
dinheiro público. Porém, a rádio deveria ser uma empresa de natureza privada, dirigida por
empresários locais pertencentes a grupos familiares com forte influência política.
Um mês depois de publicar o decreto que dava 20:000$000 de auxílio para as
instalações da Educadora de Parnaíba, o governo chamou uma reunião para mobilizar setores
políticos, empresariais, intelectuais, clericais, imprensa e até mesmo proprietários dos maiores
serviços de alto-falantes da capital até então Rádio Amplificadora Teresinense e Rádio
Propaganda Sonora Rianil – no sentido de instalar uma estação em Teresina
77
.
Na referida reunião, divulgada inclusive pelas amplificadoras, foram realizados os
primeiros acertos entre os participantes, dentre eles a escolha do nome da emissora, “Rádio
Clube do Piauí”. Neste encontro, Leônidas Melo teria dito que o empreendimento “só
corresponderia aos anseios dos piauienses se possuísse um raio de ação necessário a se fazer
ouvir por todo o território nacional”.
78
Foi eleita uma diretoria proviria e elaborada uma proposta de como seria a rádio
em termos estruturais, além de procurarem orçamentos cujos cálculos deveriam incluir
77
GRANDE reunião em prol da radiodifusão no Estado: A futura estação de Teresina. Diário Oficial, Teresina,
p. 2. 27 jun. 1940.
78
ESTAÇÃO emissora do Piauí. Diário Oficial, Teresina, p. 1. 5 jul 1940.
41
[...] a construção do edifício, modesto, mas de efeito, compreendendo, também,
estúdio, pequeno auditório devidamente mobiliado e outras dependências
indispensáveis, notadamente escritório mobiliado de poucas dimensões,
almoxarifado, etc.
79
A presidência da diretoria provisória ficou com Cícero Ferraz. Curiosamente, a
comissão contava ainda com a participação de José Moraes Correia – como visto a pouco – o
primeiro presidente da Rádio Educadora de Parnaíba.
Antes mesmo de chegarem os orçamentos, a comissão encarregada de
implementar o projeto de instalação da primeira rádio da capital já trabalhava com a
perspectiva da emissora ter capital integralizado na ordem de 600:000$000. Para se ter uma
idéia da vontade de Leônidas Melo em ver a estação funcionando, o governo se comprometeu
em entrar, juntamente com os municípios, com ¾ do capital, ou seja, 450:000$000
80
,
deixando claro ainda que a direção deveria ser de fora da máquina estatal, “uma vez que ao
Estado só interessa o efeito prático da irradiação afim de não ficar em plano inferior aos seus
co-irmãos, nesta fase de completa evolução”.
81
Tamanho investimento não deveria apenas ser bem explicado para a população.
Era imprescindível que os piauienses assumissem para si o projeto da Rádio Clube do Piauí,
embora se tratasse, no final das contas, de uma empresa particular. E o que era melhor para o
governo: a emissora, enquanto máquina de propaganda, estaria localizada geograficamente no
centro do poder piauiense, amplificando o discurso estatal. Para convencer a sociedade em
torno da proposta, o Diário Oficial era a grande porta voz da campanha “patriótica em prol
da Rádio Clube do Piauí:
Ninguém ignora tratar-se de um empreendimento louvável, digno dos mais
francos aplausos, pois a nossa capital é uma das poucas que ainda não
contam com uma moderna estação irradiadora, índice moderno do progresso
em todos os ramos da atividade humana.
82
Segundo Nilsângela Cardoso Lima
83
, a campanha foi aplaudida por quase todos os
municípios piauienses, bem como outros Estados, dentre eles Rio de Janeiro e Maranhão, que
prestavam homenagem e apoio à iniciativa do governo de Leônidas por meio de telegramas.
79
RÁDIO Clube do Piauí. Diário Oficial, Teresina, p.2. 13 jul 1940.
80
RÁDIO Clube do Piauí. Diário Oficial, Teresina, p. 2. 12 jul 1940.
81
RÀDIO Clube do Piauí. Diário Oficial, Teresina, p.1. 10 jul 1940.
82
RÁDIO Clube do Piauí. Diário Oficial, Teresina, p. 2. 12 jul 1940.
83
LIMA, Nilsângela Cardoso. ZQY-3: No ar, a primeira rádio teresinense. 2002. 70 f. Trabalho de Conclusão de
Curso. (Graduação em Licenciatura Plena Em História) - Universidade Federal do Piauí.
42
A repercussão do apoio dado pelos prefeitos municipais à criação da rádio
decorre da necessidade de igualar a capital do Piauí às demais capitais do
Brasil, em termos de radiofonia, assim como alinhá-la nos pades de
progresso e modernidade, em que pudesse levar a “alma piauiense” aos
vários recantos do país.
84
Um empreendimento como o rádio na capital piauiense, na potência sonhada pela
comissão que elaborou o projeto da emissora, poderia servir a diferentes propósitos, dentre
eles, ideológicos. De acordo com Nascimento
85
, “no processo de modernização do Estado
brasileiro, o rádio foi um instrumento poderoso na divulgação do ideário estadonovista”, ao
qual Leônidas Melo parecia admirar. o obstante, é inegável que a emissora pudesse ser
utilizada em campanhas educativas e informativas, que dissessem respeito ao dia a dia da
população.
No mesmo ano de 1940, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)
iria realizar um novo censo demográfico em todo o país. No Piauí, o trabalho dos
recenseadores seria facilitado caso o rádio fizesse os esclarecimentos necessários à população,
sobre a importância daquela pesquisa para melhor se planejar o país. Por isso, ao saber que o
governo do Estado, empresários e políticos piauienses estavam se mobilizando em torno de
uma emissora, o delegado regional do recenseamento, Djalma Fortuna, enviou
correspondência de São Luís do Maranhão elogiando a iniciativa:
Agora em que, possuindo vossa rádio-difusora podemos melhor aquilatar o
alto valor de tão grande empreendimento, felicito o Piauí [...] pela feliz
iniciativa da fundação da dio Clube do Piauí, que virá melhor projetar o
nome de futuroso Estado, constituindo preciso elemento para o Serviço de
Recenseamento
86
.
Embora fosse de interesse do governo Vargas, como vimos, a expansão da
radiodifusão no país, o projeto da Rádio Clube do Piauí elaborado durante o governo
Leônidas Melo não saiu do papel. No final de novembro de 1940, após cinco meses de intensa
propaganda no Diário Oficial avisando da proximidade do “sonho piauiense” em se
concretizar para o bem do povo e o progresso do Estado, é lançada uma nota
87
anunciando o
aborto do que deveria ser a primeira rádio de Teresina.
A notícia causou grande frustração entre os que se engajaram na campanha. O
fracasso do projeto foi atribuído às dificuldades financeiras do Estado e dos outros setores da
84
LIMA, 2002, p.32-33.
85
NASCIMENTO, Francisco Alcides do. A cidade sob o fogo – modernização e violência policial em Teresina
(1937-1945). Teresina: Fundação Monsenhor Chaves, 2002, p.54.
86
DIÁRIO OFICIAL, Teresina, 8 ago 1940, p. 8.
87
RÁDIO Clube do Piauí – aviso em geral. Diário Oficial, Teresina, P. 59. 29 nov 1940.
43
economia piauiense. Além disso, a nota alegava ainda que uma determinação do Ministério da
Viação à época responsável pelo setor radiofônico suspendia novas concessões até que
fosse apresentado ao presidente Vargas um anteprojeto do Código Brasileiro de Radiodifusão.
Para Nascimento, possivelmente o interventor Leônidas Melo se sentisse
incomodado em não ter, na capital do Estado, uma emissora para utilizar no reforço de seus
ideais políticos e para divulgação dos atos da administração. Porém
o interventor não foi capaz de concretizar o sonho de uma emissora de rádio
na capital, embora defendesse o processo de modernização dos meios de
comunicação de massa. Tal incapacidade fica mais visível diante da
disposição do governo em distribuir emissoras de rádio pelas várias regiões
do país.
88
Duas evincias, no entanto, levam a crer que os motivos do insucesso da Rádio
Clube do Pia foram realmente a incapacidade ou a falta do engajamento de importantes
setores econômicos e políticos da cidade e/ou desentendimentos quanto ao melhor orçamento
a ser aceito.
A primeira delas é o fato de que, até o mês de outubro de 1940, as notas eufóricas
sobre a instalação - em curtíssimo prazo - de uma emissora em Teresina continuaram
presentes no Diário Oficial. Um mês depois, misteriosa e repentinamente, a comissão pró-
rádio despertou para o fato de que havia uma séria crise econômica transferindo o plano de
instalação da rádio para uma época de mais seguras possibilidades financeiras”.
89
A outra evidência é o fato de que os dados do IBGE mostram uma continuada
expansão do dio no país, com a instalação de 10 novas estações em 1940, e 11 em 1941
90
.
No entanto, é bem verdade que de 42 em diante, o número de inaugurações de estações caiu.
Em 1942 foram inauguradas sete estações. No ano seguinte, começaram a funcionar apenas
mais três, subindo para oito inaugurações em 1944. No ano de 1945 não foram registrados
atos inaugurais.
A redução do ritmo de inaugurações de estações de rádio a partir de 1942 até 1945
pode ser entendida ainda pelo contexto do acirramento de conflitos internacionais, ou até
mesmo pelo fato do governo Vargas dispor de uma poderosíssima máquina de propaganda nas
mãos, a Rádio Nacional.
88
NASCIMENTO, 2002, op. cit. p.55.
89
RÁDIO Clube do Piauí – aviso em geral. Diário Oficial, Teresina, P. 59. 29 nov 1940.
90
SERVIÇO de Estatística da Educação e Saúde. Anuário estastico do Brasil 1941/1945. Rio de Janeiro:
IBGE, v. 6, 1946.
44
Fundada em 1936, a emissora “acabaria por tornar-se a maior lenda do rádio
brasileiro [...] cobrindo todo o território e até o exterior com seu sinal que chegava a atingir a
América do Norte, a Europa e a África”.
91
A empresa pertencia ao grupo empresarial A Noite,
que serviu de modelo administrativo para outras emissoras, revolucionando a produção
radiofônica, atraindo grandes públicos, através de musicais e notícias. Encampada pelo
governo Vargas em 1940, a Rádio Nacional foi utilizada como instrumento de “afirmação do
regime”,
92
mesmo funcionando nos moldes de uma organização privada, concorrendo com
outras emissoras, disputando audiência e anúncios publicitários.
Desta forma, com a Rádio Nacional sob sua tutela, o governo Vargas conseguia
não apenas controlar conteúdo da mais poderosa e mais ouvida empresa radiofônica do país.
A própria dimensão e programação da Rádio Nacional acabava por influenciar no conteúdo
que ia ao ar, de Norte a Sul do país, seja de emissoras menores, seja dos alto-falantes.
Por conseguinte, é importante ressaltar a íntima relação entre Estado e as
empresas de radiodifusão, uma vez que a permissão para explorar a radiodifusão no Brasil
depende de concessão governamental. De acordo com Osmanir Costa, historicamente
[...] as emissoras serviram de moeda de troca para barganhas econômicas e
políticas entre o Executivo federal, os poticos nos níveis nacional,
estadual e municipal e os empresários do setor de radiodifusão. O modelo de
concessão de emissoras baseado na forma autoritária no Executivo do
Estado, atrelou profundamente o sistema de rádio brasileiro ao poder central
[...]
93
De 1923 a 1945, foram inauguradas 110 rádios no Brasil
94
. Com a queda de
Vargas e a ascensão de outro setor da elite ao poder central em 45, o dio parece ter se
valorizado ainda mais como “moeda de troca”, para acordos que garantiriam a
governabilidade do então presidente Eurico Gaspar Dutra. Apenas nos anos de 1946 e 1947,
houve 68 inaugurações de estações de rádio.
A rapidez da expansão de estações logo após o fim do Estado Novo e da 2ª Guerra
foi impressionante, comparado ao que aconteceu nos governos anteriores a Dutra. Os dados
do IBGE mostram que de 1923 a 1930, foram inauguradas apenas 16 estações no país,
enquanto que de 1931 a 1945 foram legalmente colocadas no ar 94 emissoras.
91
ORTRIWANO, op. cit, p.18.
92
MIRANDA, Orlando. A era do rádio. In: Nosso Século, Abril Cultural, nº 17, p. 72, Apud ORTRIWANO, op.
cit, p. 18.
93
COSTA, op. cit. p.37.
94
SERVIÇO de Estatística da Educação e Saúde. Anuário estastico do Brasil 1949. Rio de Janeiro: IBGE,
v.10, 1950. Dispovel em: http://www.ibge.gov.br/seculoxx/arquivos/cultura.xls. Último acesso em 4 ago 2005.
45
Ainda com toda a disposição de Dutra em assinar mais concessões de rádio para
todo os cantos do Brasil, Teresina assistiu à primeira inauguração de uma emissora em
1948, quando passou a funcionar a Rádio Difusora de Teresina, como veremos mais adiante.
Até aquele ano, as amplificadoras de Teresina dominaram os ares da capital.
O fracasso do primeiro plano de instalação de uma emissora de Teresina parecia
estar previsto na programação de 13 de abril de 1939 da dio Propaganda Sonora Rianil.
Dentro do “ruidoso sucessoque foi a apresentação do conjunto “Os três do ritmo”, foram
tocadas músicas de diversos estilos como samba, fox e valsa, como a canção “Tenho medo de
sonhar”.
95
.
Rádios de papel: outros projetos de emissoras não consolidados
Além da emissora sonhada pelo governador Leônidas Melo, outras estações
ficaram apenas no projeto, com a diferença de terem conseguidos concessões federais para
funcionar, porém, acabaram não vingando, tornando-se assim apenas “rádios de papel”.
no início da cada de 50, por exemplo, em meio à disputa por anúncios entre
os serviços de alto-falantes e a Rádio Difusora de Teresina, sobre a qual discorrer-se-á mais
adiante, outros grupos sociais e políticos se articulavam para instalar novas emissoras de
rádio. O então deputado federal pelo Piauí, José Cândido Ferraz
96
, da UDN, era um dos mais
entusiasmados com a idéia de ter uma rádio para fins políticos. Para tanto, anunciava a
aquisição de equipamentos potentes, capazes de cobrir não o Piauí, mas também como
grande parte do país, como revelava uma matéria de primeira página de jornal teresinense:
Procedente do Rio de Janeiro, chegou a esta capital, o Dr. Geraldo Gunther,
que veio com o fim especial de instalar os transmissores da nova estação
radiofônica de propriedade do ilustre deputado José Cândido Ferraz, a qual
receberá o nome: Rádio Clube do Piauí”. Provisoriamente, a “Voz de
Teresina” será transmitida do local das torres, onde serão colocadas as
possantes antenas que, dentro de 60 dias, levarão aos céus do Brasil a
mensagem inaugural de mais uma estação piauiense.
97
95
RÁDIO Propaganda Sonora Rianil. Diário Oficial, Teresina, P. 2. 13 abr 1939.
96
José Cândido ficou bastante conhecido no Piauí na cada de 40 após ser acusado, sem comprovação, de que
seria responsável pelos incêndios que aterrorizaram moradores de casas de palha em Teresina. A partir deste
fato, projetou-se na política, cf. NASCIMENTO, Alcides do. A cidade sob o fogo: modernização e violência
policial em Teresina (1937-1945). Teresina, Fundação Monsenhor Chaves, 2002.
97
A VOZ de Teresina. O Dia, Teresina, p. 1. 14 set. 1952.
46
O processo de consolidação da radiodifusão no Piauí era discussão presente nos
jornais impressos da época, mostrando que havia também quem questionasse sobre a
viabilidade do funcionamento de duas emissoras de rádio numa capital do porte de Teresina:
[...] Muita gente vê, com certa reserva, a existência de duas estações
radiofônicas em Teresina, entendendo que nossa capital tem margem para
sustentar, financeiramente, uma estação. [...] Ao nosso ver, a existência de
mais uma estação emissora irá contribuir, sem dúvida, para que ambas
procurem esmerar-se o máximo possível, nas programações. Com isso
lucrarão os ouvintes. Tamm não acreditamos na concorrência desleal entre
as emissoras teresinenses, que estarão obrigadas, por um dever de ética, a
manter, a todo custo, um nível de cordialidade e entendimentos perfeitos,
compatível com as normas da boa educação e da conduta superior que deve
orientar os profissionais do mesmo ramo. É isso que, como ouvintes assíduos
de rádio, desejamos ver brevemente em Teresina [...]
98
A notícia sobre a criação de um jornal diário e criação de uma nova emissora de
rádio, além da melhoria do cinema local teve grande destaque na imprensa escrita. Para
realizar seus investimentos em comunicação, José Cândido usou do prestígio que tinha junto
ao presidente Getúlio Vargas, conseguindo assim um empréstimo de 17 milhões de cruzeiros
junto ao Banco do Brasil.
José Cândido era tido como uma das “grandes raposas” da política piauiense e
mesmo sendo da UDN, partido que fazia oposição formal a Getúlio Vargas (PTB), tinha bom
acesso ao Palácio do Catete, por sempre acompanhar a orientação do governo no Congresso.
Os jornalistas que faziam comentários sobre a política local relatavam que o tratamento dado
a Zecândido, como também era conhecido, acabava por gerar desconfianças entre udenistas e
ciumeiras entre petebistas piauienses, entre eles, o senador Arêa Leão.
Foto 04: José Cândido Ferraz
Fonte: Jornal O Dia, 7 de dezembro de 1952, ano II, nº 97, p.1
98
RÁDIO. O Dia, Teresina, p. 2. 14 dez. 1952.
47
Um comentário do jornalista e radialista Karam Jorge Cury que fazia o
programa Vesperal das Moças, na Rádio Difusora ilustra bem a imagem que estava sendo
construída do político JoCândido Ferraz, por conta de sua boa relação com o Catete, e por
conseguir uma concessão de rádio e ainda um empréstimo milionário para concretização
destes investimentos. Parecia que José Cândido estava prestes a se tornar um salvador da
pátria, um redentor para o estado do Piauí, dependendo apenas da instalação da segunda
emissora da capital, mais uma vez fazendo uso do rádio como sinônimo de “progresso”, de
desenvolvimento:
A sua posição (de JoCândido Ferraz) junto ao governo federal é invevel
e estamos certos de que, somente com sua interferência podemos obter os
recursos que necessitamos para nossa libertação econômica. A prova do que
afirmo está na recente aquisição de um prefixo de Rádio para Teresina, com
uma potência inicial, nos transmissores, de 10 kwats, cobrindo todo o
território brasileiro, de dia e de noite, anunciando eficientemente e
permitindo ao nosso povo um nível geral de divertimento muito melhor e
através daquele microfone o povo piauiense levará para os céus do Brasil os
seus princípios e as suas reivindicações, na expansão de uma obra majestosa
e não mais “silenciosa”, creditada no concerto nacional. Após isto, haverá
entre o deputado José Cândido Ferraz e os piauienses uma confiança
recíproca baseada em condições adequadas para que o povo, em geral, tenha
sua disponibilidade à grandeza da Terra. A “voz do Piauí”, em todos os
receptores do Brasil, trará, incontestavelmente, o crescimento de uma
comunidade e este seo melhor ponto de libertação econômica, que se i
fortalecendo, dia a dia, graças aos homens de ação e iniciativa como o
patrono desta obra de tão grande utilidade.
Sei, como radialista que sou, o quanto é difícil conseguir-se um canal para
uma Emissora no Brasil[...] Entretanto, o Senhor José Cândido Ferraz levará
para o Pia um prefixo privilegiado pelas suas várias modalidades de
transmissão, levando-se por conseguinte, com esta aquisição, sobre sua
própria personalidade de homem decidido que é sobre a história das grandes
aquisições para o Piauí, avançado ainda pelos caminhos do valôr moral,
numa conjuntura excepcional, ajudando a organizar comodamente e orientar
o Estado, social e economicamente sem que, assim, sacrifique a ação do
povo com subscrições.
99
O título do comentário cujo trecho foi transcrito acima trazia uma profecia: “Jo
Cândido Ferraz se o futuro líder absoluto no Piauí”. Além do exagerado culto a
personalidade, não se via um discurso tão apaixonado em favor da instalação de uma emissora
de rádio desde que fracassou a primeira tentativa de se criar a primeira estação teresinense,
ainda no início da cada de 40, cujo projeto levava também o nome de “Rádio Clube do
Piauí”.
99
CURY, Karam. Notas e comentários. O Dia, Teresina, p. 3. 21 set 1952.
48
De fato, Ferraz não escondia de ninguém que pretendia utilizar toda sua estrutura
de comunicação que viesse a instalar para utilizá-la no campo das disputas políticas. Em
entrevista a jornal de Teresina, falou da intenção de montar um Jornal e uma emissora de
dio, para se fortalecer politicamente:
[...] A UDN, depois de janeiro, vitalizada pelo Jornal e pela Rádio, o
primeiro, em circulação ainda este mês, te ão eficiente em todos os
núcleos municipais, de sorte a eliminar o abandono em que vivem, e a que
estão alheios os líderes dos acordos com os adversários [...]
100
Outra agremiação adversária, o PSD, do governador Pedro Freitas, já tinha a
dio Difusora. Na emissora, em agosto de 1954, estreou o programa PSD na Vanguarda
101
,
transmitido às 21h. No ano seguinte, o programa foi irradiado às segundas, quintas e sextas, às
20h30
102
, com a participação de candidatos no estúdio da rádio. Em 1954, entre os que
concorriam a uma vaga na Assembléia Legislativa, estava o diretor-administrativo da
emissora, Jo Lopes dos Santos. Ele tinha como um dos comitês eleitorais para distribuição
de material de campanha a sede da Rádio Difusora. (Figura 2).
Figura 02: Propaganda de José Lopes dos Santos em jornal
Fonte: Jornal O Dia, 23 de agosto de 1954, nº 201, p.6
100
FALA aos piauienses o deputado José Cândido Ferraz. O Dia, Teresina, p. 1. 7 dez 1952.
101
JORNAL DO PIAUÍ, Teresina, p. 3. 11 ago 1954
102
JORNAL DO PIAUÍ, Teresina, P.2. 25 set 1954.
49
A utilização do rádio para proveito político próprio não era exclusividade de Jo
Lopes dos Santos. Em outras cidades do país, vários candidatos radialistas usaram as
emissoras onde trabalhavam como “atalho para as urnas”
103
, utilizando seus programas e
prestígio enquanto comunicadores para formar o chamado “capital eleitoral”
104
. No entanto,
nem sempre deter espaço nos microfones de estação de rádios quer dizer eleição garantida.
Santos, por exemplo, não conseguiu se eleger, mesmo estando à frente do programa de maior
sucesso do rádio do Piauí naquele momento: O Grande Jornal Q-3. O fracasso do radialista
não virou regra. Em outros pleitos, vários profissionais do rádio conseguiram chegar a cargos
eletivos, utilizando espaços nas emissoras em seu favor.
No momento em que o rádio se expandia e aos poucos se consolidava no Piauí,
era indiscutível a importância de uma máquina de propaganda como uma emissora para
possibilitar que o discurso e ideologia partidárias chegassem mais longe, formando opiniões,
conquistando eleitores. Em desvantagem por não ter uma emissora exclusivamente a seu
favor, era necessário ao cacique da UDN também ter a mesma arma eleitoral.
A concessão de rádio em ondas médias foi garantida a José Cândido Ferraz
através do decreto 30.196, de 21 de novembro de 1951
105
, assinado por Getúlio Vargas,
pelo prazo de três anos, com a potência de 10 kw. No mesmo dia, com a assinatura do decreto
n. 30.197
106
, Vargas também outorgou concessão para que a emissora atuasse também em
freência tropical, com a potência de 1 kw.
Com os decretos na mão e com a autorização de Getúlio, José Cândido encontrou
praticamente abertos os cofres do Banco do Brasil, para conseguir o empréstimo de Cr$ 17
milhões, apresentando pouquíssima garantia patrimonial, como um ivel de Cr$ 1,3 milhão
e a loja de tecidos da família, a Ferraz e Cia, com capital integralizado de Cr$ 1,5 milhões
107
.
Ou seja, tratava-se de um negócio de altíssimo risco para a empresa de crédito estatal.
O projeto de José Cândido para o rádio era tido como “grandioso”. Ainda segundo
o comentário de Karam Cury
108
, a Rádio Clube irradiaria em ondas curtas, longas, tropical e
mais tarde também em freqüência modulada. O auditório teria capacidade para 600 pessoas
o da Difusora o comportava 200 e também seriam instaladas emissoras em Parnaíba,
103
COSTA, op. cit, p. 140.
104
Id, p. 211.
105
DECRETO 30.196, de 21 de novembro de 1951. Dispovel em
http://www6.senado.gov.br/sicon/ExecutaPesquisaLegislacao.action. Último acesso em 15 ago 2005.
106
DECRETO n. 30.197, de 21 de novembro de 1951. Dispovel em
http://www6.senado.gov.br/sicon/ExecutaPesquisaLegislacao.action. Último acesso em 15 ago 2005.
107
IRREGULAR a situação de Zecândido. Jornal do Piauí, Teresina, p. 1 e p.4 . 16 set 1954.
108
CURY, op. cit. p.4.
50
Floriano, Campo Maior e Picos, formando a cadeia Rádio Clube do Piauí. Elas teriam
programação própria, mas também retransmitiriam determinada programação vinda da matriz.
No entanto, o fantasma do fracasso parecia seguir quem ousasse utilizar o nome
“Rádio Clube do Piauí”. O prazo inicial para funcionamento da rádio em 60 dias, ou seja, em
dezembro de 1952, não foi cumprido. Outra previsão, que marcava o início da irradiação para
janeiro de 1953, também o se concretizou. Com tanta demora, algo parecia estar dando
errado com a rádio de José Cândido Ferraz.
Em 1953, o Banco do Brasil passou a cobrar as parcelas do empréstimo concedido
ao deputado, mas sem sucesso. O relatório
109
sobre as maiores dívidas de empresas de
comunicação no país, emitido em 26 de fevereiro daquele ano, mostrava que o grupo Jo
Cândido Ferraz, entre outras grandes corporações como Grupo Antenor Mayrink Veiga,
Grupo Assis Chateubriand.
O pagamento das parcelas do empréstimo de José Cândido não estavam sendo
realizados, mas mesmo assim o banco liberava os valores prometidos. o demorou muito, o
caso foi associado ao escândalo que envolveu o presidente Vargas e o jornalista Samuel
Wainer, que também foi financiado pelo Banco do Brasil para montar o jornal Última Hora
(UH). O periódico inovou quanto ao conteúdo e apresentação gráfica, abrindo uma nova fase
na imprensa brasileira, obtendo grande sucesso nos anos iniciais, até estourarem denúncias,
em 1954, sobre facilidades de empréstimos do Banco do Brasil a Wainer, por influência de
Vargas.
110
Como o caso de José Cândido era muito parecido com o de Samuel Wainer, o
parlamentar piauiense também foi citado no relario final da Comissão Parlamentar de
Inquérito (CPI) instalada para investigar irregularidades na liberação de empréstimos do
Banco do Brasil
111
.
Em 1954, com a morte de Getúlio Vargas, o novo governo deu ordens para que
fosse revista a questão dos empréstimos do Banco de Brasil, para empresas do ramo da
comunicação. Era o que faltava para que o projeto de instalação da Rádio Clube do Piauí não
vingasse.
O novo governo resolveu regularizar a situão de todos os empréstimos
desse estabelecimento de crédito a empresas de publicidade, dentro do
propósito de conceder prazos aquelas que apresentassem garantias
109
ARQUIVO Fundação Getúlio Vargas. Pasta 1953/GV. Dispovel em www.fgv.br. Último acesso em 20 de
agosto de 2005.
110
BAHIA, Juarez. Jornal, história e técnica. 4 ed. Editora Ática,o Paulo, 1990, p. 74.
111
ZÉ CÂNDIDO gastou 17 milhões do Banco do Brasil. Jornal do Piauí, Teresina, p. 1. 23 mar 1954.
51
suficientes de pagamento e promover a execução das demais. As empresas
do deputado José Cândido Ferraz, convidadas a apresentar tais garantias,
propuseram entregar todos os seus bens em pagamento de suas dívidas, aliás
vencidas. O Banco do Brasil recusou a proposta e determinou a execução
imediata.
112
A Justiça, a pedido do Banco do Brasil, decretou a falência das empresas de Jo
Cândido, publicando editais nos jornais da cidade, uma verdadeira humilhação, bastante
explorada pelos adversários políticos. (Figura 3) É possível especular que o investimento de
Cr$ 17 milhões deve ter servido para outros projetos do deputado entre eles o da reeleição,
ocorrida ainda naquele ano que não faltou dinheiro e nem tempo para que se instalasse
uma emissora de rádio e um jornal, mesmo que tais empreendimentos utilizassem
equipamentos de ponta. No entanto, o desfecho do escândalo da rádio milionária que nunca
foi ao ar ainda há de ser escavado em futuras pesquisas.
Com o fracasso do projeto de rádio de José Cândido Ferraz, os udenistas só
tiveram de fato a sensação de controlar uma emissora apenas em 1960, quando o então
deputado e presidente da UDN, Walter Alencar, montou a Rádio Clube de Teresina. Era a
terceira rádio do Estado, uma vez que em Floriano, no ano de 1957, havia sido fundada a
dio Difusora de Floriano, montada pelo também chefe político Raimundo Bacelar, então
deputado federal.
Figura 03: Edital de falência da Rádio Clube do Pia
Fonte: Jornal O Dia, Teresina, 28 de novembro de 1954, nº 211, p. 6
112
EXECUTADAS as empresas de Rádio e Jornal. O Dia, Teresina, p. 4. 10 out 1954.
52
Além do empreendimento de José Cândido Ferraz, outra emissora que não saiu do
papel foi a Rádio Cultura, que tinha como principal articulador o radialista Karam Jorge Cury,
o mesmo radialista cujo comentário favorável a Rádio Clube do Piauí foi transcrito pouco.
O decreto 40.642, de 27 de dezembro 1956
113
, assinado pelo presidente Juscelino
Kubitschek outorgou concessão à Rádio Cultura do Piauí Limitada para instalar uma estação
radiodifusora de ondas dias.
Apesar de ter bons contatos nas esferas de poder municipal, estadual e no
judiciário, além de contar com o apoio de vários jornais locais, Karam Cury não teve a mesma
sorte de Jo Cândido em conseguir empréstimos para a compra dos equipamentos e
instalação de estúdios. Também “faltou apoio” dos governantes, que o quiseram se associar
ao radialista para concretização da rádio
114
.
A primeira rádio de Teresina “nasceu” em Parnaíba
Aceitando a tese de ter o dio como “índice moderno de progresso
115
, a
modernidade chegou em Teresina através de uma leve brisa do litoral parnaibano. Incapaz de
implementar algo que tinha principalmente a máquina estatal como suporte econômico e
institucional em 1940, a elite comercial e política teresinense precisou da intervenção do
fundador do rádio em Parnaíba para que a primeira estação viesse a ser um sonho
concretizado na capital.
Oito anos depois da inauguração oficial da Rádio Educadora de Parnaíba, Alcenor
Madeira conseguiu reunir todos os elementos necessários para o nascimento da radiodifusão
teresinense, como conta José Lopes dos Santos
116
:
O fundador da Rádio Educadora de Parnaíba, Alcenor Madeira, era um
apaixonado pelo rádio e um cnico. Depois de instalar a Educadora e de
sentir que Teresina estava precisando de uma emissora também, ele se
voltou pra cá e, em 1946, com ajuda de várias pessoas, várias personalidades
de Teresina, é..., constituiu uma empresa é..., vo se associava a ela
comprando ações, né? Ações, eu próprio comprei ações. Comprei depois que
já estava aqui, porque eu cheguei em 51 e ela tinha sido inaugurada em 18 de
julho de 1948
117
.
113
DECRETO 40.642, de 27 de dezembro 1956. Dispovel em Dispovel em
http://www6.senado.gov.br/sicon/ExecutaPesquisaLegislacao.action. Último acesso em 15 ago 2005.
114
CURY, Karam Jorge. Conversa informal com o pesquisador Daniel Vasconcelos Solon, em outubro de 2005.
115
RÁDIO Clube do Piauí. Diário Oficial, Teresina, p. 2. 12 jul 1940.
116
SANTOS, José Lopes dos. Entrevista concedida a Francisco Alcides do Nascimento. Teresina, 2004.
117
A entrevista de José Lopes dos Santos faz parte do acervo do Núcleo de História Oral da Ufpi, integrante do
projeto História do Rádio.
53
O momento de instalação da dio Difusora de Teresina coincidiu com o início da
fase de declínio da economia de Parnaíba, quando o extrativismo passou a dar sinais de crise.
De acordo com Santana, no final dos anos 40, com a queda dos preços da cera de carnaúba, o
Estado entrava em uma situação financeira bastante delicada: “a participação percentual da
produção extrativa vegetal era, em 1947, de 62%; passou a declinar, representando, em 1955,
11,2% e, no fim do período, 19,5%”
118
. No que se refere a participação da indústria na
economia piauiense, em 1939 ela contribuía com 6% na formação do Produto Interno do
Piauí, enquanto que em 1948 houve redução para 3,3% e um pequeno acréscimo para 3,8%,
em 1950.
119
com relação ao comércio, devido à crise do extrativismo, Parnaíba passa por
decadência nos primeiros anos da década de 50, enquanto a atividade se fortalece em
Teresina, segundo informam Tajra & Tajra Filho
120
. Provavelmente, com essa nova situação,
passou a ser de interesse da elite comercial de Parnaíba a implementação do projeto de rádio
na capital piauiense. Era uma possibilidade de expandir negócios, como fizeram à época
algumas empresas importadoras que abriram filiais em Teresina.
Poncion Rodrigues, dono de grande empresa importadora localizada em Parnaíba,
foi um dos que abriram filial em Teresina. O exemplo dele é interessante para se verificar o
quanto à radiodifusão pode ter influenciado na economia local. Além de ser acionista da
dio Educadora de Parnaíba, Poncion tinha entre os principais produtos os aparelhos de
rádio Philco, sendo distribuidor exclusivo da marca. Em outubro de 1947, quase um ano antes
da inauguração da Difusora, a empresa utilizou considerável espaço publicitário de Teresina
onde anunciava:
Rádios Philco. De fama mundial pela qualidade. Chegou em Parnaíba
diretamente dos EE Unidos a primeira remessa. Brevemente faremos
lançamento nesta capital. Aguardem. Poncion Rodrigues & Cia Ltda. Rua
Senador Teodoro Pacheco, 927, Teresina-Piauí.
121
Para criar a Difusora teresinense, presume-se que Alcenor Madeira tenha seguido
um caminho diferente do escolhido pela comissão que fracassou ao tentar criar a Rádio Clube
do Piauí, em 1940. Ele constituiu legalmente a empresa em 1946, logo requerendo a
concessão do governo federal, ao mesmo tempo em que articulava políticos e comerciantes de
118
SANTANA, R.N Monteiro. Evolução Histórica da Economia Piauiense. Teresina, Ed. Academia Piauiense
de Letras, 2001, p.117.
119
MENDES, Felipe. Economia e Desenvolvimento do Piauí. Teresina: Fundação Monsenhor Chaves, 2003.
120
TAJRA, J.E & TAJRA FILHO. O corcio e a indústria no Piauí. In SANTANA, R.N (Org). Piauí,
Formação, Desenvolvimento e Perspectivas. Teresina, Halley, 1995, p.146.
121
O PIAUÍ, Teresina, p. 1, 23 out 1947.
54
Teresina em torno do projeto da rádio. O decreto presidencial nº 22.494 autorizando o
funcionamento da Rádio Difusora de Teresina foi assinado em 21 de janeiro de 1947 pelo
presidente Eurico Gaspar Dutra.
Além do know-how obtido com a experiência da dio Educadora de Parnaíba, o
decreto presidencial era outro trunfo que Alcenor Madeira possuía para convencer os mais
incrédulos, vendendo as cotas necessárias para viabilizar a compra dos equipamentos e
despesas de instalação da Rádio Difusora de Teresina. Aliás, em 1947, Alcenor Madeira era o
superintendente da Rádio Educadora de Parnaíba
122
. Ele iria ocupar o mesmo cargo ao ser
eleita a primeira diretoria da estação teresinense.
Em 18 de julho de 1948, sob as bênçãos da Igreja e a subvenção de Cr$ 60 mil do
governo do Estado, entra no ar a Rádio Difusora de Teresina (ZYQ-3), a primeira e esperada
estação radiofônica da capital piauiense. Apesar da implantação da emissora ter acontecido
tardiamente em Teresina, o fato trouxe mudanças importantes no dia-a-dia das pessoas em um
relativo espo de tempo.
[...] Parece não haver dúvidas de que entre 1949 e 1970, o rádio foi o
principal meio de comunicação de massa do Piauí, e que modificou de forma
significativa as formas de sentir, refletir e ver o mundo. O cotidiano das
pessoas foi transformado irreversivelmente[...]
123
A inauguração da ZYQ-3 contou com a presença do bispo de Teresina, D.
Severino Vieira de Melo, e do governador do Estado, Rocha Furtado, dentre outras
autoridades. A partir daquele momento o governo estadual passava a ter um espaço fixo na
programação da emissora, conforme previa o Artigo 2º da Lei nº 72, de 17 de janeiro de 1948,
que garantiu a subvenção anual de Cr$ 60 mil à Difusora:
A Rádio Difusora de Teresina se obriga a reservar, diariamente, meia hora
de seu programa para divulgação da matéria do interesse do Estado, bem
como realizar as irradiações de solenidades oficiais, do estúdio ou de
qualquer parte da cidade onde haja instalação telefônica, inteiramente grátis
a partir do dia de sua inauguração.
124
A proximidade com o centro do poder estadual garantiu que a Rádio Difusora de
Teresina recebesse melhor tratamento financeiro que a Rádio Educadora de Parnaíba. A
122
ATA da sétima assembléia geral ordinária da “Rádio Educadora de Parnaíba”, S.A. Diário Oficial, Teresina,
p. 6. 9 jan 1947.
123
NASCIMENTO, Francisco Alcides do. Os antecedentes do rádio – apontamentos para a história da
radiodifusão no Piauí. In: Caderno de Teresina, Ano XIV, 34, Teresina: Fundação Monsenhor Chaves, nov.
2002, p.33.
124
DIÁRIO Oficial. Teresina, p.1. 3 fev 1948.
55
primeira estação piauiense também foi beneficiada por subvenção anual do governo, porém,
com um incentivo menor. A Lei 69, aprovada também no dia 17 de janeiro de 1948,
obrigou a emissora parnaibana a dedicar “diariamente um quarto de hora de seu programa
para o servo de divulgação do Estado, dos atos oficiais e do expediente das repartições
públicas existentes em Parnaíba”.
125
O artigo 3º da Lei que beneficiou a Difusora deixava clara a preferência do
governo estadual pela emissora teresinense: Logo que as condições financeiras do Estado
permitam, a subvenção de que trata esta lei será elevada para Cr$ 120.000.00 (cento e vinte
mil cruzeiros)”. Enquanto isso, a legislação que garantiu a subvenção da Educadora ressaltava
que os Cr$ 48 mil anuais seriam pagos em 12 parcelas de Cr$ 4 mil. Antes da estação de
Teresina funcionar, o Estado tinha a opção de propagar seus atos através das amplificadoras.
Os que muito ansiavam por uma emissora em Teresina, ressaltavam as
vantagens do dio sobre outros meios de comunicação e ao mesmo tempo reconheciam a
importância de Alcenor Madeira na concretização do projeto de rádio para a capital e o
pioneirismo ao qual esteve à frente:
[...]O rádio, todos s sabemos, é uma inovação do homem moderno, que
nos trouxe grandes benefícios e que oferece o meio de comunicação mais
rápido, pela extraordinária facilidade de transmitir a voz humana,
atravessando mares e oceanos, serras e montanhas, numa velocidade idêntica
ou superior ao relâmpago, sem a utilização de fios e equivalentes mas
elevado apenas pelas ondas hartezianas (sic) descobertas pelo grande
Marconi.
[...] No Piauí merece ser ressaltada a boa vontade, a destemida coragem, a
dedicação e o entusiasmo de Alcenor Madeira, que é incontestavelmente o
pioneiro da radi-fuo (sic) em nosso Estado, uma vez que foi ele que
instalou em Parnaíba a nossa primeira emissora e por último, aqui em
Teresina, fundou, montou e dirige, como seu superintendente, a dio
Difusora de Teresina, instalada com todos os requisitos modernos [...]
126
Assim, a instalação da Rádio Difusora de Teresina e a modernidade que ela
representou – acirrou a tensão entre o novo e o velho
127
, modificando relações sociais,
atingindo o cotidiano das pessoas, acelerando o dia a dia da cidade, dentro de um processo
contraditório que “cria conflitos, destrói valores, inventa concepções de mundo e de vida”
128
.
125
DIÁRIO Oficial. Teresina, p.2. 31 jan 1948.
126
21 DE SETEMBRO: Dia do Rádio. Jornal do Comércio, Teresina, p. 3. 24 set 1949.
127
Sobre a discussão entre o novo e o velho Cf LE GOFF, Jacques. História e Memória. 3. ed. Campinas.
UNICAMP, 1994.
128
REZENDE, Antônio Paulo. Desencantos modernos: histórias da cidade do Recife na década de XX. Recife:
Fundarpe, 1997, p. 117.
56
Desta forma, as amplificadoras que foram adjetivadas como algo “moderno”,
“potente”, de ruidoso sucesso”, “extraordirio” quando de seu surgimento, passariam a ser
vistas como o antimoderno, símbolo do atraso, inimigo do progresso e da civilização, como
veremos nos discursos criados no período que antecedeu o centenário de Teresina, mostrando
como “heterogêneos e contraditórios são os caminhos labirínticos da modernidade”
129
.
As sociabilidades no centro de Teresina a partir das amplificadoras, o
funcionamento da Difusora, sobre os conflitos com os alto-falantes e o discurso da
modernidade e do progresso em Teresina no final da década de 1940 e início dos anos 50 é o
que aprofundaremos no próximo capítulo.
129
REZENDE, op. cit, p. 117.
57
CAPÍTULO II
O CEN(TEN)ÁRIO DE TERESINA E O SILÊNCIO DOS ALTO-FALANTES
Do ponto de vista tecnológico, as amplificadoras eram um meio bastante stico
se comparadas às maravilhas que a imprensa estampava corriqueiramente sobre novos
produtos e novas possibilidades de comunicação à longa distância. O mundo vivia a “Era da
Informação”,
1
as pessoas começavam a viver as primeiras experiências e deslumbramentos de
um período que
foi atravessado por grandes contradições. Foram anos de avanços cnicos e
tecnológicos, mas, ao mesmo tempo, de descoberta de que todos estes signos
implicavam uma mudança no ritmo de vida das pessoas. Foram anos, enfim,
nos quais se iria perceber que as transformações decorrentes das mudanças
tecnológicas tinham repercussão no campo das percepções, isto é, no modo
como as pessoas subjetivavam estes avanços cnicos.
2
Para Defleur & Ball-Rokeach, “o sempre crescente ritmo de evolução de
tecnologias em novos sistemas de comunicação é uma das marcas características de nossa
época
3
”. Estes autores destacam a importância da invenção do computador em meados da
década de 1940 na mudança do rumo da história da mídia, possibilitando novos e melhores
usos dos meios de comunicação existentes, acelerando de forma irreversível a velocidade e o
fluxo de informações no planeta.
O artigo “A Era dos Autômatos”, publicado no jornal “O Piauí” em 1951 ilustra
bem o período de mudanças e rupturas experimentados à época. A transcrição do texto, na
íntegra, faz-se necessária para visualizar o deslumbramento causado pelas inovações
tecnológicas e da ciência, numa época em que a sociedade brasileira discutia sobre os
benefícios e malefícios de uma lei que regulasse o divórcio:
Mandar fazer uma esposa sob medida talvez seja a solução para resolver o
problema matrimonial.
Da (mesma) forma, o jeito mais seguro de conseguir perfeitos empregados,
amigos, filhos, quaisquer outros indivíduos, é mandar fabricá-los de acordo
com o nosso gosto.
Segundo cientistas de comprovada capacidade, não está longe o dia em que
poderemos fazer isso.
1
TOFLER, Alvin. A terceira onda. 18.ed. Rio de Janeiro: Record, 1992.
2
CASTELO BRANCO, Edwar de Alencar. Todos os dias de Pauria – Torquato Neto e a invenção da
Tropicália. São Paulo: Annablume, 2005, p 68.
3
DEFLEUR & ROKEACH op. cit, p. 348.
58
A possibilidade de fabricar um homem mecânico foi um dos temas do
Primeiro Congresso Internacional de Comunicações Mecânicas que acaba de
acontecer em Paris.
Como lhes disse em comentários anteriores, nos Estados Unidos, na
Universidade da Califórnia, está funcionando perfeitamente um rebro
elétrico.
O cérebro elétrico é capaz não de resolver problemas de alta matemática
mas tamm traduzir línguas estrangeiras.
Este engenho funciona por meio de um tubo de raios catódicos, semelhantes
aos usados em televisão.
Por outra parte, a indústria norte-americana fabrica pernas e braços
mecânicos de uma perfeição quase inacreditável.
No congresso de Paris o dr. Warren MacCulloch, da Universidade de
Illinois, disse textualmente:
‘Estamos na véspera de uma nova e muito maior revolução industrial.
As bricas do futuro talvez tenham operários mecânicos e sejam dirigidas
por cérebros artificiais.
Isto será perfeitamente possível se continuarmos progredindo em nossas
experiências’.
MacCulloch recorda que desde o homem de Cro-Magnon, de 20 mil anos
passados, até hoje, o cérebro humano tem diminuído de tamanho, enquanto
que as máquinas se tornam cada vez mais perfeitas.
‘Nós possuímos máquinas – afirma MacCulloch dotadas desculos
super-humanos, e brevemente as teremos cor cérebros super-humanos.
As nossas máquinas com tubos à vácuo podem pensar mil vezes mais
rapidamente do que as células nervosas do cérebro humano.
Se continuarmos como vamos, a sociedade do futuro será governada por
autômatos’.
Na opinião do dr. Norbert Wiener, do Instituto de Tecnologia de
Massachussets, os homens mecânicos vão crear problemas rios, entre os
quais o do desemprego para os humanos.
‘Se bem devamos continuar pesquizando – diz o dr. Wiener – devemos
precaver-nos contra a era dos autômatos.
Não o fazendo, poderemos acabar sendo escravos das máquinas.
Estas máquinas terão mais poder que a própria energia atômica’.
Concordando com estes pontos de vista, o dr. Henry H. Aiken, da
Universidade de Harvard, declara:
‘A máquina já provou sobejamente que é superior ao cérebro humano.
Um calculador mecânico resolveu um problema de fissura do urânio em 103
horas. O mesmo problema teria custado a um cientista de carne e osso 100
anos de trabalho contínuo’.
4
Não obstante às proféticas informações do artigo “A Era dos Autômatos”, os
avanços da ciência moderna ainda estavam muito distantes da realidade dos piauienses, no
final dos anos 40 e início dos anos 50 do século passado. O “homem mecânico”, sem dúvida,
era algo de “outro mundo” visto por habitantes de uma capital como Teresina onde
“equipamentos” básicos da modernidade, como energia elétrica, abastecimento regular de
água, serviços telefônicos e de transporte careciam de profundos investimentos.
4
NETO, Al. A Era dos Autômatos. O Piauí, Teresina, p.3. 22 jul 1951.
59
Além do distanciamento de Teresina com relação às novidades do Primeiro
Congresso Internacional de Comunicações Mecânicas de Paris, a capital piauiense tamm
estava distante do processo de modernização dos grandes centros urbanos brasileiros. Em
1950, por exemplo, quando o rádio ainda engatinhava em Teresina, a TV Tupi o primeiro
canal de televisão no Brasil – foi inaugurada em São Paulo.
Após a chegada da TV no Sudeste do Brasil, começou-se a questionar até quando
sobreviveria a “Era do Rádio”. Mas esta discussão sobre a ameaça da TV à soberania do rádio
estava longe de se tornar presente no cotidiano de Teresina, uma vez que a cidade se
encontrava em outro estágio de desenvolvimento no que se refere às novas tecnologias de
comunicação. Ou seja, Teresina acompanhava ainda o lento desenvolvimento da Rádio
Difusora de Teresina e ainda tinha nas amplificadoras uma importante mídia
5
que ajudava o
comércio local, informava e entretinha a sociedade.
Mas como se dava o processo de comunicação em Teresina utilizando-se meios
simples como as amplificadoras? John B. Thompson caracteriza a comunicação “como um
tipo distinto de atividade social que envolve a produção, a transmissão e a recepção de formas
simbólicas e implica a utilização de recursos de rios tipos”.
6
Tais recursos são chamados
pelo autor de meios técnicos, ou melhor, “o elemento material com que, ou por meio do qual,
a informação ou o conteúdo simbólico é fixado e transmitido do produtor para o receptor
7
”.
Para Thompson, os atributos de um meio cnico podem interferir na produção
simbólica e na forma como esta é apropriada
8
pelo receptor. “Um dos atributos é o que
permite ao meio técnico um certo grau de fixação da forma simbólica, ou a sua preservação
em um meio que possui graus variáveis de durabilidade
9
”. O autor opina que
[...]no caso da conversação tanto a conversação face a face quanto aquela
transmitida por meios técnicos como alto-falante ou telefone o grau de
fixação pode ser muito baixo ou efetivamente inexistente; qualquer fixão
neste caso vai depender da memória, mais do que de alguma propriedade
distintiva do meio como tal[...]
10
5
“O que é mídia? Foneticamente é o aportuguesamento do inglês media. O latim possuía a palavra médium, cujo
plural era media; seu significado era ‘meio, ‘espaço intermediário. Além disso, dizia também ‘lugar para onde
tudo converge’; logo, ‘praça pública’”. Cf POLISTCHUK, Ilana & TRINTA, Aluízio Ramos. Teorias da
Comunicação – o pensamento e a prática da comunicação social. Rio de Janeiro, Campus, 2003, p. 78.
6
THOMPSON, John B. A Mídia e a Modernidade. Uma teoria social da mídia. Petrópolis, Vozes, 1998, p. 25.
7
Ibid, p. 26.
8
“Apropriar-se de uma mensagem é apoderar-se de um conteúdo significativo e torná-lo próprio”, cf
THOMPSON, op. cit, p.45
9
THOMPSON, op. cit., p. 26.
10
Id. Ibid.
60
Thompson observa que “um segundo atributo dos meios técnicos é o que permite
um certo grau de reprodução” uma vez que “a reprodutibilidade das formas simbólicas é uma
das características que estão na base da exploração comercial dos meios de comunicação”.
11
Como vimos no capítulo anterior, as amplificadoras que funcionavam no centro
da cidade nas décadas de 40 e 50 necessitavam de registro e sofriam fiscalização da
prefeitura, sendo que durante o Estado Novo os alto-falantes estavam sujeitos à legislação que
regulava o funcionamento das emissoras de rádio propriamente ditas. A administração
municipal agia com a intenção de arrecadar tributos justamente sobre a “reprodutibilidade”
dos serviços de alto-falantes, cujo faturamento estava atrelado à execução de discos, sob
pedidos do público, além da veiculação de anúncios de casas comerciais.
[...]Olhe, teve um tempo que a gente tinha que tirar um alvará. Depois ficou
à vontade e pronto. Tinha que pagar um negócio de Direitos Autorais, mas
também a gente pagava e o pagava, e ficava por isso mesmo. Não tinha
condição de pagar Direito Autoral porque era um preço monstro. Era até o
capitão Elizeu que era quem cobrava o Direito Autoral. Ele ficava em cima
da gente. A gente pagava num mês, no outro a gente não pagava. E ficava
assim até quando ele largou de mão[...]
12
No que se refere ao alcance das mensagens de meios de comunicação como os
serviços de alto-falantes, o raio de ação das amplificadoras depende da força do vento e das
barreiras sicas a serem vencidas pelas ondas sonoras. No caso específico das amplificadoras
da área comercial de Teresina, como as mensagens eram jogadas” no ar do centro, tinham
que concorrer com outros barulhos das ruas, principalmente durante o dia. Pois como dizia o
poeta H. Dobal, as ruas de Teresina tinham sons característicos, do mercado ambulante ao
ruído dos automóveis:
[...]As ruas têm suas vozes familiares: os pregões. Este comércio feito à
porta de casa não tem apenas o seu encanto particular, mas torna a vida mais
fácil e dá um colorido especial às ruas. É todo um mundo que vem até aqui:
os meninos carvoeiros, a quem o suor desmancha o carvão numa pasta de
que só escapam os olhos, tocando suas cargas de carvão [...]. Quase sempre a
mercadoria é transportada em jacás, cargas levadas por jumentos pequenos.
Lenha de unha de gato. Frutas: abacate, abacaxi, laranja, tangerina, limão-
doce, melão, melancia, bacuri, bacopari, banana, aves e peixes. E tantas
outras coisas vendidas em taboleiros: “cocadas” de buriti e de coco, arroz
doce, filhós, bolo frito. As vozes se misturam ao rumor dos carros, criando
os ruídos característicos da cidade. Buzinas, caminhões, jipes. Ônibus
repetindo o seu pobre itinerário[...]
13
11
THOMPSON. Op. cit, p. 27.
12
FREITAS, op. cit.
13
DOBAL, H. Roteiro sentimental e pitoresco de Teresina. In: H. Dobal – Obra completa. Teresina, Corisco,
1999, p. 13.
61
Além de se sobressaírem com relação aos demais ruídos da cidade, as mensagens
emitidas a partir das amplificadoras, para serem decodificadas, dependiam ainda da pré-
disposição dos ouvintes em se concentrar no que saía dos alto-falantes. É o que a teoria
comunicativa chama de princípio de atenção seletiva, onde as pessoas criam “filtros mentais”
para perceber/receber ou o determinadas mensagens. “Assim como muitos atiram fora
correspondências sem sequer abrir, retendo apenas as cartas pessoais, as pessoas deixam de
lado conteúdo da mídia em que têm escasso ou nenhum interesse e atentam para aquilo que
gostam”.
14
Não obstante o princípio de atenção seletiva ser mais apropriado às chamadas
“sociedades de ‘mídia”
15
mais desenvolvidas, como as grandes cidades, caracterizadas pelo
elevado grau de saturação de mensagens concorrentes, defende-se aqui que os uso dos
chamados “filtros mentais” também pode se adequar aos que freqüentavam os espaços onde
funcionavam os serviços de alto-falantes.
No que tange à recepção das mensagens, negando a idéia de super poder da mídia
da Teoria Hipodérmica ou Teoria da Bala Mágica
16
, Thompson opina que o público não deve
ser visto como elemento passivo no processo comunicativo: “A recepção deveria ser vista
como uma atividade: o como algo passivo, mas o tipo de prática pelas quais os indivíduos
percebem e trabalham o material simbólico que recebem”.
17
Para Thompson, “os indivíduos que recebem os produtos de mídia são geralmente
envolvidos num processo de interpretação através do qual esses produtos adquirem sentido”.
18
Assim, o autor acredita que além de uma atividade interpretativa, a recepção de mensagem
midiática implica um certo grau de atenção, uma vez que
o indivíduo que recebe um produto de mídia deve, até certo ponto, prestar
atenção (ler, olhar, escutar, etc.); e ao fazer isso, ele se ocupa inteiramente
numa atividade de entendimento do conteúdo simlico transmitido pelo
14
DEFLEUR, M.L & BALL-ROKEACH, Sandra. Teorias da comunicação de massa. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar Ed., 1993, p. 215.
15
Id. Ibid.
16
A teoria hipodérmica estaria mais ligada ao conceito de manipulação da “massa”, objetivo este desejado pelas
quinas de propaganda de grandes potências na primeira metade do século XX, sobretudo da Alemanha
nazista, que influenciou diretamente o estadonovismo, numa época que ficou conhecida como a “Era do Rádio”.
A teoria hipodérmica “punha em extrema vantagem a fonte emissora, relegando o receptor a uma condição de
integral passividade. Pensa-se em uma ‘massa’, na qual os indivíduos não possuem rosto e na qual as
individualidades se diluem[...] Esse modelo de entendimento considerava a mídia uma ‘seringa’, injetando
informações, inoculando idéias, minando resistências e submetendo vontades à vontade. Cá embaixo, multidões
de indivíduos inermes e sugestionáveis. A mídia podia exercer o seu poder sobre esse público, ainda pouco
definível como tal, mas que se deixava impressionar e se mostrava receptivo a toda sorte de manipulação
ideológica”, cf POLISTCHUK & TRINTA, op. cit., p. 84.
17
THOMPSON, op. cit, p. 42.
18
Ibid, p. 44.
62
produto. Produtos diferentes requerem diferentes graus de atenção,
concentração e esforço.
19
Em outras palavras, as amplificadoras enquanto meios de comunicação (ou meios
técnicos) necessitam de especial grau de atenção por parte do receptor. Este pode interpretar
mensagens de diferentes formas, seja por conta de sua forma individual de se apropriar da
informação, seja também por conta da existência de ruídos no processo de comunicação,
devido ao próprio ambiente em que funcionam os alto-falantes.
Rádio e amplificadora: uma breve coexistência no centro de Teresina
Nos primeiros anos de atividade, a Rádio Difusora funcionava ainda de forma
improvisada e eram comuns as reclamações de ouvintes. Boa parte de seus locutores chegou
aos microfones da emissora sem uma preparação adequada, sem contato anterior com
microfones. Outros, como o renomado radialista e jornalista Carlos Said, haviam se iniciado
no ofício de comunicadores através dos serviços de alto-falantes e logo foram chamados para
fazer parte do casting da Difusora.
[...]Eu sou da pré-história do rádio, isso nos anos 40, porque Teresina ainda
era uma cidade provinciana[...] Em 48 eu tinha 16, 16 pra 17 anos. E eu
comecei nas amplificadoras, isso com a idade de 12, pra 13, 14 anos,
aproximadamente. Na rua Barroso, onde é hoje quase defronte ao Banespa,
ali existia a casa do Sr. Isaías Almeida e ali ele alugou uma sala para que os
jovens que começavam a trabalhar em amplificadoras, evidentemente se
especializando em saber falar e saber transmitir e depois nós fomos
aproveitados na Rádio Difusora, já com alguma experiência no trato com
microfone. Ali foi criada a Amplificadora Teresinense.[...] E ali
pontificavam o Rodrigues Filho já falecido, o Luciano, o Guimarães, que era
dublê de controlista e cantor [...]Era um trabalho mais artesanal do que
propriamente técnico-profissional. Era o que a gente chamava de
aprendizado. Por exemplo, eu sou jornalista de batente, significa dizer que
não sou jornalista de universidade. Eu aprendi dentro da sala, da redação, das
oficinas. Isso por volta de 43, 1944. Então a Amplificadora Teresinense
exatamente era o aprendizado que a gente iria ter e teve de fato e de direito
para se projetar na Rádio Difusora.[...]
20
Mesmo com a implantão da primeira estação na capital teresinense e o
aproveitamento de locutores das amplificadoras, os serviços de alto-falantes continuaram a
existir com certa força no centro de Teresina. Naquele momento, ainda era bastante reduzido
o número de aparelhos receptores na cidade.
19
THOMPSON, op. cit. p. 44.
20
SAID, op. cit.
63
Pelo menos oficialmente, até o início de 1947, eram pouco mais de 220 aparelhos
de rádio existentes em Teresina, de acordo com edital publicado em fevereiro daquele ano,
pelo chefe dos Serviços Econômicos dos Correios, Cícero Soares
21
. O edital convocava
nominalmente os proprietários de rádio de Teresina para que renovassem os devidos registros,
pagando taxa de Cr$ 5,00, como obrigava uma lei vigente desde o Estado Novo
22
.
Vale a pena mostrar a reação popular contra o pagamento da taxa de registro de
aparelhos receptores, resumida em nota de jornal publicada à época, que denunciava com
certo exagero - as precárias condições da cidade no que se refere ao serviço de energia
elétrica:
Por edital da Diretoria Regional de Correios e Telégrafos estão sendo citados
227 proprietários de rádios receptores desta capital a pagarem a taxa de
funcionamento de seus aparelhos.
Cobrar taxa de funcionamento de rádio em Teresina, até parece pilhéria.
muitos meses não temos energia elétrica e não nos consta que aparelhos de
rádio funcionem com(o) lamparinas de querosene ou azeite.
Envez (sic) de citar a tanta gente, enchendo colunas do Diário Oficial”, o
Diretor dos Correios e Telégrafos deveria chamar a contas o Dr. José João
Rodrigues, que escangalhou os motores da Usina e, portanto, deve responder
pelo pagamento das taxas de rádio que não funcionam por culpa de sua
inépcia.
23
A precariedade do serviço de energia elétrica de Teresina acompanhou a cidade
nos anos seguintes, trazendo limitações para a Rádio Difusora, principalmente no que se
refere ao horário de funcionamento. Exatamente na época da inauguração da Difusora,
começaram a aparecer, com mais ênfase, reclamações sobre o funcionamento das
amplificadoras no centro de Teresina.
Foi também nessa mesma época que a atuação dos serviços de alto-falantes do
centro passou a ser questionada, sendo alvo de tentativas de limitações no que se refere ao
horário. Logo no mês seguinte ao da inauguração da Rádio Difusora, em 5 de agosto de 1948,
a Delegacia de Trânsito e Costumes de Teresina, ligada à Polícia Civil do Estado do Piauí,
baixou portaria
24
proibindo o funcionamento das amplificadoras na praça Rio Branco, no
período da manhã.
21
EDITAL de intimação com dez dias de prazo. Diário Oficial, Teresina, p. 4, 5 fev 1947.
22
O Decreto Lei 2979, de 23 de janeiro de 1941, reforçava o teor do Decreto nº 21.111, de 1º de março de 1932,
que estabeleceu o registro de aparelhos receptores de radiodifusão, obrigando o comércio a enviar ao órgão
competente, listas de compradores de rádio. Caso contrário, havia imposição de multas.
23
REGISTRO de Rádio. O Piauí, Teresina, p. 1, 8 fev 1947.
24
DIÁRIO OFICIAL. Teresina, p. 8, 7 ago 1948.
64
A medida teria sido justificada pelo fato de que um pedido de redução de 50% do
volume do som, realizado dias antes pela Delegacia, não foi atendido pelos proprietários das
amplificadoras. Segundo a portaria, o nível de ruído produzido pelos alto-falantes estaria
causando “balbúrdia e perturbando o sossêgo público”, prejudicando assim o atendimento à
população nos órgãos públicos que funcionavam nas proximidades da praça Rio Branco.
Outro fator que teria impulsionado a portaria foi “uma petição firmada por casas
comerciais e pessoas residentes nas imediações daquela praça solicitando a suspensão das
aludidas programações”.
25
Ou seja, as reações indicam/sinalizam para uma fiscalização mais
atenta ao funcionamento dos alto-falantes.
No entanto, a tentativa policial de restringir o horário das amplificadoras na praça
Rio Branco parece não ter obtido sucesso. Pelo contrário. A utilização de serviços de som na
área comercial tornou-se uma verdadeira epidemia
26
entre os lojistas do centro,
principalmente no horário comercial. Na periferia, aqui e ali também surgia uma
amplificadora, como a do bairro Vermelha, zona sul da capital.
O primeiro (serviço de alto-falante de bairro) que surgiu em Teresina foi no
bairro Vermelha, em 48. Em 48 foi inaugurada uma amplificadora Olinda,
no bairro Vermelha e ele (serviço de alto-falante) servia instalado num bar e
ficava aquele aglomerado de pessoas, mocinhas, jovens, e ali através daquele
som, eles ficavam oferecendo música, retribuindo música, e aquilo era uma
espécie de diversão naquele bairro. Quando tinha as quermesses de igreja,
então o ponto alto era o serviço de som, e essa a amplificadora Olinda.
Era do Dias, funcionário do Hospital Getúlio Vargas. Foi a primeira
amplificadora de bairro em Teresina, foi em 48, foi ele, né. Existia serviço
de alto-falante mas era em comércio, no centro da cidade.
[...]Tinha programação fixa. Ela começava 18h e ia até às 21h, que aqui em
Teresina, 21h já era hora de recolher. Então a gente trabalhava de seis, 18,
até às 21. Era uma programação. Dia de domingo a gente fazia programação
à tarde.
Eu era o locutor da rádio lá. Eno a gente fazia também programas
especiais. Tinha um aniversário no bairro, a pessoa era influente, contratava
o serviço de alto-falante pra trabalhar uma hora destinada só pra aquele
motivo, do evento que era o aniversário de uma filha, de um filho.
27
A presença das amplificadoras no centro de Teresina, após a inauguração da
primeira estação de rádio local, mostrava que muitos comerciantes não se sentiam atraídos em
investir em publicidade na Difusora. Os motivos, no entanto, poderiam variar desde a pouca
25
DIÁRIO OFICIAL. Teresina, p. 8, 7 ago 1948.
26
No decorrer deste capítulo, trataremos mais especificamente sobre o aumento do mero de alto-falantes no
centro. Entretanto, é importante ressaltar que pelo fato da Prefeitura Municipal de Teresina não dispor em seu
arquivo de documentos a respeito de autorização de funcionamento das amplificadoras de Teresina, o tivemos
como quantificar omero de serviços de alto-falantes em atividade durante o recorte temporal estabelecido para
esta pesquisa.
27
FREITAS, Antônio de Pádua Carvalho. Entrevista cedida a Daniel Solon, em 28 dez 2004.
65
presença de aparelhos receptores nos domicílios, grade de programação sem regularidade da
única emissora local e o alto preço cobrado para se veicular propaganda na rádio. Ou até
mesmo devido a vantagem de se fazer a propaganda aproveitando o ar/ambiente da Rio
Branco, o principal espaço de vivência e sociabilidade de Teresina pela manhã e à tarde, ali
bem perto das casas comerciais.
Segundo Antônio de dua Freitas, ex-locutor da amplificadora Olinda (da
Vermelha) e da Record, que funcionava com duas bocas de alto-falantes instaladas na praça
do Mercado Velho (centro), naquela época
a propaganda comercial tava indo pras amplificadoras e a dio era cara. E
quando eles (vendedores de anúncio da Difusora) iam cobrar, (os
comerciantes) diziam : [...]nós pagamos aqui o serviço de som e é muito
mais barato pra gente’.
28
Sociabilidades noturnas na Praça Pedro II
As amplificadoras, como meios de comunicação, existiam se imaginadas e
operadas no espaço público. As praças e ruas, desta forma, foram o “ar” necessário para que
os serviços de alto-falantes sobrevivessem e tivessem sentido de existir.
No final da cada de 40 e início dos anos 50, a imensa maioria das reclamações
estampadas nos jornais contra as amplificadoras estava relacionada com o incômodo barulho
provocado na zona central de Teresina, mais precisamente na Praça Rio Branco, que era alvo
de disputa de diversos atores sociais
29
durante o horário de funcionamento do comércio. No
período diurno, ali era o chamado espaço político da cidade, o ponto de maior movimentação
da capital.
[...]A praça Rio Branco era o centro nevrálgico de Teresina durante o dia e à
tarde, porque o comércio se encontrava ali e ali estava o apogeu comercial.
O Banco do Brasil ficava na rua Senador Pacheco onde é hoje a CSM. E
havia o embrião do Banco do Estado do Piauí chamado Banco Agrícola do
Piauí, onde tinha o José Patrício Franco e outros nomes que não me m à
memória agora. Então o Banco Agrícola era ali na rua Barroso, ali onde é
28
FREITAS, op. cit.
29
Motoristas de táxi, à época chamados de chauffeurs, constantemente eram ameaçados de saírem da Praça Rio
Branco, o que provocou revolta da categoria e ameaça de greve. Posteriormente, o local foi disputado também
por uma empresa que organizava uma Feira de Amostras que fazia parte do calendário do centenário da cidade.
A maioria da população se voltou contra a idéia da utilização da Rio Branco para o evento, que foi transferido
para a Praça Jo Luís Ferreira. Ver: SILVA, Cunha e. A atitude dos chauffeurs. O Dia, Teresina, , p.2, 18 maio
1952.
66
hoje a Câmara de Vereadores, um pouco mais pra frente, quase fazendo
muro com a Livraria Leonel Franca.mara de Vereadores, Banco Agrícola,
Leonel Franca. Então a praça Rio Branco tinha uma amplificadora, também
porque havia uma amplificadora chamada Rianil, nos anos 40 e 50, mas era
propriedade das lojas Rianil, cujo dono era o Aragão. Por que o filho dele
depois foi o instituidor da Coca Cola, né?, na Água Mineral, que hoje
dizem que o complexo faz parte do complexo cearense do Tasso Jereissati.
Se isso é verdade, confirme (risos). Pois bem, havia a amplificadora Rianil
que fazia o mesmo trabalho na Rio Branco, onde é hoje ali o Banco do
Brasil, logo depois da Caixa Econômica, ali pela rua Simplício Mendes,
porque bem na esquina da Areolino de Abreu, ali deve ter um comércio, ali
era um cinema, o Cine Olímpia. Então veja você, que a Rio Branco ela tinha
o apogeu durante o dia e à tarde. E havia a amplificadora Teresinense com
uma boca (de alto-falante) ali. E o Getúlio também colocou uma boca ali
[...].
30
No entanto, depois que as lojas fechavam as portas, as amplificadoras
continuavam a programação na praça Pedro II, local de encontro dos jovens, que tinham
poucas opções de lazer em Teresina.
Mais fortemente a partir da década de 1930, em Teresina, tal qual havia ocorrido
em grandes cidades como Rio de Janeiro no final do século XIX e início do século XX, foram
configuradas e ou fortalecidas
[...]novas formas de sociabilidade, a partir de práticas incipientes de diversão
e lazer edificadas para além dos limites domésticos e privados. Adequando-
se ao momento, os indivíduos expuseram-se publicamente, criando e vendo
crescer o gosto, nunca dantes igualmente experimentado, pela vida exterior.
Nesse contexto, as antigas formas tradicionais de sociabilidade foram
alteradas, entrando em declínio ou sendo extintas ao perderem suas raízes
sócio-culturais. A rua tornou-se lugar de encontro, de exposição pública, de
diversão, de satisfação dos desejos consumistas e de interação social [...]
31
A praça Pedro II, com seu conjunto de atrativos e ritos à noite, pode ser
caracterizada o apenas como lugar de encontro, diversão e interação social. Pode ser vista
ainda como um “lugar de memória” proposto por Pierre Nora, lugares salvos de uma
memória na qual não mais habitamos, semi-oficiais e institucionais, semi-afetivos e
sentimentais”.
32
Da mesma forma, a presença marcante das amplificadoras nas lembranças
dos que freqüentavam a Praça Pedro II no final da tarde e à noite na década de 40 e início dos
30
SAID, op. cit.
31
BORGES, Valdeci Rezende. Em busca do mundo exterior: sociabilidade no Rio de Machado de Assis.
Estudos Históricos, Rio de Janeiro, nº 28, 2001, p. 65-6.
32
NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares. In: Projeto História, o Paulo, n. 10,
dezembro de 1993, p. 14.
67
anos 50 são parte da “memória coletiva”
33
, num palco onde foram tecidas múltiplas
sociabilidades.
Testemunhos como o de Miridan Britto Knox ilustram bem os lugares de memória
sentimentais e revelam também as lembranças que fazem parte da memória coletiva dos que
viveram momentos da juventude em Teresina, tendo a praça Pedro II como espo de
diversão, com o fundo sonoro da amplificadora a embalar romances e flertes:
[...] Piauí. Terra dos meus ancestrais paternos onde vivi fases encantadoras
de minha meninice, tomando banho no Rio Parnaíba, tomando banho de
chuva no quintal da casa de minha avó YaYazinha, na Campos Sales, 1119,
comendo doce de buriti nas visitas que, por isso mesmo, gostava de fazer ao
meu tio Pedro Britto. Mocinha, dançando pela vez no carnaval no Clube
dos Diários em Teresina, flertando no footing na Praça Pedro II onde o auto-
falante anunciava as músicas oferecidas de “fulano” para “fulana”. As
recordações brotam num borbulhão de saudade e nostalgia [...]
34
O footing
35
na praça Pedro II também está vivo na memória de Genu Morais
Correia. Ela destaca que a moça a quem era oferecida uma música pela amplificadora sentia-
se muito prestigiada e ganhava admiração no grupo de amigas.
[...] (Eram) milhões de mensagens que os admiradores nos chamavam. [...]
Ah!, era formidável, muito interessante, era uma gentileza muito grande, né?
[...] Eu fui uma mulher de uma geração privilegiada, né? Porque eu fui muito
solicitada, eu tive muitos fãs, muitos admiradores, né?
36
Outro freqüentador assíduo da praça, Cornélio Evangelista da Costa, lembra-se
que o serviço de alto-falantes da Pedro II, durante a Guerra Mundial, além de sicas dos
cantores que faziam sucesso na dio Nacional, tocava o hino nacional diariamente. “Ao final
de sua programação, às nove horas, todos ficavam de pé, com a mão no peito, ouvindo o hino.
Depois disso, a corneta do quartel tocava e logo a praça estava vazia”.
37
33
“A memória coletiva [...] envolve memórias individuais, mas não se confunde com elas”, e a memória
individual “não está inteiramente isolada e fechada. Um homem, para evocar seu próprio passado, tem
freqüentemente necessidade de fazer apelo às lembranças dos outros. Ele se reporta a pontos de referência que
existem fora dele e que são fixados pela sociedade. Mais ainda, o funcionamento da memória individual não é
possível sem esses instrumentos que são as palavras e as idéias, que o indivíduo não inventou e que emprestou
de seu meio[...], Cf. HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo, Vértice, Editora Revista dos
Tribunais, 1990, p. 53-54.
34
KNOX, Miridan Britto. Teresina... rabiscos histórico-sentimentais. In: Cadernos de Teresina, Ano II, nº 6,
dezembro de 1988, p. 22.
35
Como se chamavam os passeios na praça, naquela época.
36
CORREIA, Maria Genoveva de Aguiar Morais. (Genu Moraes) Entrevista cedida a Daniel Solon em 22 de
fevereiro de 2005.
37
COSTA, Cornélio Evangelista. Entrevista cedida a Daniel Solon em 21 fev 2005.
68
Foi numa das noites de luar da Pedro II que Cornélio conheceu Adélia, a mulher
com quem se casou,
38
assim como pode ter ocorrido com vários outros jovens que respiravam
esta aura um tanto quanto romântica, mesmo com os efeitos da II Guerra Mundial, da ditadura
Vargas, do impacto provocado pelo surgimento de novas tecnologias, da Guerra Fria...
Uma cena de romantismo vivida no final dos anos 40 e início dos anos 50 nas
sonoras ruas de Teresina foi descrita na obra-prima de O. G. Rego de Carvalho, Ulisses, entre
o amor e a morte, mostra exatamente esta aura romântica: “Do poste um alto-falante se s a
irradiar sica pobres canções de amor, que nesse momento tocaram meu coração: eu me
sentia enamorado e era a primeira vez que isso acontecia”.
39
A primeira edição de “Ulisses, entre o amor e a morte” data de 1953. No entanto,
a sonoridade da praça Pedro II continuou ecoando nas recordações de O.G. Rego, por décadas
e décadas, como se o apaixonado Ulisses da ficção prendesse o romancista no passado, tal
qual uma obra autobiográfica. No dia 16 de dezembro de 1994, em discurso na mara
Municipal de Teresina, quando recebeu o título de Cidadão Teresinense,
40
escavou as ruínas
da memória para reconstruir uma cidade de lembranças:
Essa Teresina não existe mais. O progresso derrubou as amendoeiras da
Rua da Glória, mutilou a Praça Pedro II, acabou levando para outras
paragens as diveres, o recreio da juventude que ali passava todas as noites,
especialmente aos domingos, de modo tão provinciano e encantador, ao som
de alto-falantes ou das músicas tocadas, no coreto, pela Banda da Pocia
Militar.
41
A praça Pedro II era freqüentada por pessoas de diferentes classes sociais,
ocupando diferentes espaços. O “lugar praticado”
42
pelos mais pobres era
preconceituosamente chamado de curical, ou seja, o lugar onde as empregadas dosticas
apelidadas de curicas – paqueravam, namoravam, mantinham vivências.
Uma visão da ocupação de espaços da Pedro II é descrita nos trechos da crônica
de Odoaldo da Rocha Marinho:
38
PINHEIRO, Cristiane & MORAES, Sana. O homem do pão de queijo. In: SAID, Gustavo (org). Entre Rios –
perfis e cenários de Teresina. Teresina: Edufpi, 2003, p. 28.
39
CARVALHO, O. G Rego. Ulisses, entre o amor e a morte. 13 ed, Teresina, Corisco/IDB, 2003, p. 96.
40
O. G Rego de Carvalho nasceu em Oeiras, primeira capital do Piauí, e mudou-se para Teresina na juventude,
tal qual o protagonista de “Ulisses, entre o amor e a morte”.
41
CARVALHO, O. G. Rego de. A cidade eleita. Revista da Academia Piauiense de Letras; nº 52, ano LXXVII,
Teresina, 1994, p. 203-204.
42
CERTEAU, Michel de. Práticas de espaço. In: A invenção do cotidiano artes do fazer. Petrópolis, RJ: Vozes,
1994, p. 202
69
[...] A Praça Pedro II era originalmente formada por duas partes que se
separavam transversalmente por uma rua. A parte que ficava para o oeste era
chamada de Praça de Baixo e a parte que ficava para o leste, Praça de Cima.
A Praça de Baixo, além de dois canteiros gramados, possuía um círculo com
um globo no centro, que à noite se tornava luminoso e ficava aparentando
uma bola de cristal onde seus freqüentadores poderiam imaginosamente
prever o futuro. Era como se estivessem ofuscadas pelo globo luminoso que
as jovens da época começavam a rodear esse círculo a partir das 19:00 às
21:00, quando então se retiravam ao ouvirem o som de uma corneta do
Quartel Geral da Polícia Militar, que ficava situado no lado sul da Praça de
Cima.
A Praça de Cima era mais freqüentada pelas empregadas domésticas e
pessoas do seu mesmo nível social porque, embora utópico, existia na época
um apartheid que promovia ostensivamente a separação de classes sociais,
tendo em vista que Teresina ainda era uma cidade completamente
provinciana.
[...] Em frente ao lado norte [...] havia também instalados [...] dois alto-
falantes pertencentes às amplificadoras Cruzeiro do Sul e Comercial
Teresinense, as quais operavam em horários pré-estabelecidos, transmitindo
músicas e fazendo propagandas comerciais [...]
43
De acordo com Ecléa Bosi, “as lembranças estão povoadas de sons
44
. A
programação das rádios amplificadoras, o toque de recolher da corneta, o barulho dos passos
apressados dos jovens voltando pra casa, as saudações de despedidas... formam o conjunto
visual/acústico que se pode “ler/ouvir” da memória narrada pelo cronista.
A colagem dos fragmentos transcritos da crônica de Odoaldo Marinho
45
revelam
aquele cenário da cidade como “operador de memorização”
46
, fazendo vir à tona cartografias
sentimentais
47
onde desembocam lembranças sobre práticas dos espaços, conflitos e eventos
que marcaram o passado de seus habitantes.
Na linha imaginária do apartheid, no meio da Pedro II, indiferentes ao footing das
meninas ricas da Praça de Baixo e ao namoro “avançado sem inibição e preconceito
48
na
Praça de Cima, ficavam os chamados “chato-boys” (garotos chatos). Eram rapazes como o
poeta H. Dobal, M. Paulo Nunes, José Camilo da Silveira Filho, e outros da chamada jovem
elite intelectual piauiense que ali se reuniam constantemente.
[...]Era um ponto-de-encontro no meio da praça. Aquilo... éramos
conhecidos como os “chato-boys ” [...] porque num dava bola para as
43
MARINHO, Odoaldo da Rocha. O espetáculo da Praça Pedro II. Cadernos de Teresina. Revista Informativa e
Cultural da Fundação Cultural Monsenhor Chaves, nº 22, Ano X, 1996, p. 55-56.
44
BOSI, Ecléa. Memória e Sociedade: lembrança de velhos. São Paulo: Companhia das Letras, 1994, p. 445.
45
MARINHO, 1996, p. 55-6.
46
BRESCIANI, Maria Stella. Cidade e História. In: OLIVEIRA, Lúcia Lippi de. Cidade, História e Desafios.
Rio de Janeiro: FGV, 2002, p. 29.
47
GUATARI Félix; ROLNIK, Suely. Micropolítica: cartografias do desejo. Petrópolis: Vozes, 1996.
48
GARCIA, José Ribamar. Imagens da Cidade Verde. 2ª ed. Rio de Janeiro: Litteris, 2000, p. 53.
70
meninas nem com as moças [...] Ficávamos no centro da praça discutindo
literatura e ignorando as mulheres (rindo)
.
49
Os diferentes espaços ocupados na Praça Pedro II acabam por remeter tal cenário
às categorias que Pierre Bourdieu utiliza para discutir a sociedade.
Bourdieu caracteriza que
os atores sociais estão localizados espacialmente em determinados campos, tendo em vista a
posse de grandezas de certos capitais (cultural, social, econômico, político, artístico, esportivo
etc.) e o habitus de cada ator social condiciona seu posicionamento espacial e, na luta social,
identifica-se com sua classe social”.
50
No mesmo sentido, segundo Claudia Barcellos Rezende, padrões de
sociabilidade tendem a ser diferenciados por gênero, idade, classe social etc”
51
. No entanto,
ressalta, “embora a sociabilidade implique uma associação prazerosa em si mesma, isto não
anula a possibilidade de que, mesmo dentro de certos estilos de sociabilidade, se afirmem
diferenças ou até surjam conflitos entre as pessoas”.
52
Carlos Said descreve o conjunto de atrativos da Praça Pedro II, nas cadas de 40
e 50, os múltiplos lugares de diversão e entretenimento, praticamente em um mesmo espaço.
Se enquanto a luz do sol raiava, o ponto nevrálgico da cidade era a Rio Branco,
[...noite era a Praça Pedro II, exatamente porque a praça Pedro II servia à
noite de quê? De anfiteatro social. Quer dizer, tudo aquilo ali era sociedade.
Dois cinemas, bares, restaurantes, o famoso Chico Doca com a sua sinuca.
Não é? Muita gente ia pra lá. Se não queria a praça, ia jogar sinuca, ia jogar
gamão, ia jogar xadrez ali nas calçadas. Nada metia medo. Não havia
violência, nem gatunagem. O que havia era medo de cachorro doido, só isso.
Então não havia violência, ninguém se preocupava com nada. A não ser
respirar os ares noturnos da sociedade[...]
53
Said também enumerou, na mesma área, o Clube dos Diários, freqüentado pela
elite local. Com relação aos cinemas, o narrador se referiu ao Cine Rex e ao Teatro 4 de
Setembro, este último também palco de shows com artistas do rádio, de renome, contratados
pela Difusora de Teresina. No que se refere à segurança pública, no final dos anos 40, os
jornais mostravam uma mudança de realidade, uma cidade que já sofria com o aumento da
criminalidade.
49
DOBAL, H. Entrevista cedida a Douglas Machado em 2002. In: H. Dobal – um homem particular.
Documentário, 70min, Teresina, Trinca/filmes, 2002.
50
AZEVEDO, Mário Luiz Neves de. Espaço Social, Campo Social, Habitus e Conceito de Classe Social em
Pierre Bourdieu. Revista Espaço Acadêmico Ano III 24, Maio de 2003. Disponível em meio digital:
http://www.espacoacademico.com.br/024/24cneves.htm#_ftnref2. Último acesso: 16 ago 2005.
51
REZENDE, Claudia Barcellos. Os limites da sociabilidade: “cariocas” e “nordestinos” na Feira de São
Cristóvão. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, n. 28, 2001, p.168.
52
REZENDE, 2001, op. cit, p. 168.
53
SAID, op. cit.
71
Os periódicos da época publicavam matérias reclamando da falta de policiamento
e também pelo aumento da ação de “gatunos forasteiros” que não poupavam nem mesmo
igrejas e os fios de cobre da amplificadora de Getúlio Pontes. Tal fato induz a pensar que o
medo apenas de “cachorro doido” retrata uma informação com certa idealização do passado.
Os roubos continuam crescendo dia a dia, em Teresina, sem que uma
providência enérgica seja tomada por quem de direito, para reprimir tais
abusos. Os lares o invadidos, audaciosamente, pelos gatunos. A
Amplificadora Cruzeiro do Sul”, já, por mais de uma vez, teve os fios que
ligam os estúdios ao alto-falante da Praça Pedro II roubados,
misteriosamente. A Bela Aurora, se não fora o sr. Luís Carvalho ter , com o
barulho da serra dispertado (sic) e de lanterna em punho, chegado até a rua
em plena madrugada, teria sofrido o maior prejuízo. Sexta-feira, 14, os
larápios penetraram na Igreja Catedral de N. S. das Dores, arrombaram todos
os cofres e fugiram, sorrateiramente, sem que ninguém os visse. Isso é de
admirar, porque, a Igreja está localizada na Praça Saraiva, onde fica
encravada a Guarda Civil e a Delegacia de Trânsito e Costumes. Soubemos,
agora, que quatro perigosos lades fugiram da Penitenciária e estão agindo
em Teresina.
54
Na época, o problema da iluminação pública precária também fazia das ruas mais
escuras de Teresina o local onde os casais mais avançados pudessem namorar livremente,
longe da vigilância da praça Pedro II, como era o espaço chamado de Beco dos Amores. Os
que se sentiam incomodados com as cenas de paixão recorriam às linhas dos jornais para
denunciar as “imoralidades” ali presenciadas.
Chamamos a atenção da Polícia Civil ou a quem de direito, para que o
deixe em completo abandono, o trecho da rua Rui Barbosa, entre as ruas
Areolino de Abreu e Lisandro Nogueira, mais conhecido por “co dos
Amôres”, porquanto, de 7,30 da noite em diante, nenhuma família pode
mais passar, assim como nós “os pirralhos” que ainda somos de menor
idade.
[...] Chamamos a atenção das autoridades para se dedicarem á moralisação
de nossa cidade garôta, que sendo ainda menina, não póde ainda presenciar
as cenas amorosas do ‘Bêco dos Amôres’.
55
Dentre os rapazes, havia ainda os que procuravam outros prazeres nos cabarés que
funcionavam ali mesmo no centro, na rua Paissandu, após o toque da corneta que esvaziava a
praça Pedro II.
54
A AÇÃO dos gatunos forasteiros em Teresina – Não respeitam nem os Templos Sagrados. Jornal do
Comércio, Teresina, p. 2, 28 jan 1949.
55
CO dos Amôres. O Pirralho, Teresina, p. 2, 7 dez 1947 .
72
Um “anjo” anuncia a noite pelo alto-falante
Segundo Ecléa Bosi, “o espo sonoro compartilhado é um bem comum, mesmo
os diminutos sinais que compõem suas mensagens são vitais para seus habitantes”.
56
Sendo
assim, “ao perdermos uma paisagem sonora sempre poderemos evocá-la através de sons que
substituem ou na conversa com testemunhas que a viveram”.
57
No final dos anos 40 e início dos anos 50 do século passado, fazia parte do
cotidiano e da paisagem sonora das praças Rio Branco e Pedro II a execução da Ave-Maria
nos alto-falantes, sempre às 18h. Era o Angelus.
[...]Então a (amplificadora Cruzeiro do Sul) do Getúlio funcionava de cinco
às sete da noite e a Teresinense das sete às nove. Porque o movimento
começava exatamente ao cair das cinco e meia da tarde. [...] Então a gente
que trabalhava ou que não trabalhasse a gente sabia: seis horas da manhã os
sinos repicavam. Já era hora do café, sair pro colégio, sair pro estudo, sair
pro trabalho. Meio-dia, os sinos repicavam. Seis horas, doze horas. Era a
hora de sair do trabalho para voltar uma e meia. Porque onze e meia o
comércio cerrava as portas e reabria uma e meia da tarde, pra fechar
exatamente cinco horas, cinco e meia da tarde. Sete e meia abria, e uma e
meia reabria. E seis horas da tarde os sinos repicavam porque era a hora
solene da Ave-Maria. Então cinco horas o Getúlio botava a (amplificadora)
dele para funcionar. E quando era seis horas ele colocava o discozinho da
Ave-Maria, cantarolada pela Ângela Maria, por Francisco Alves, ou por um
cantor daquela época, de renome. E às sete horas da noite entrava a
(amplificadora) Teresinense.
58
Tal prática de tocar a Ave Maria no início da noite revelava a força que a Igreja
Católica exercia sobre a população teresinense naquele período
59
. O ritual do Angelus diz
respeito à passagem bíblica da Anunciação do Anjo Gabriel à Virgem Maria, cuja oração
incorporou-se ao culto católico como eixo meditativo do início, meio e final de um dia,
regulando a disciplina dos corpos e das mentes conforme afirmam Cida Golin e Bárbara
Salvatti:
A temporalidade cronometrada pela ação da Igreja, cujo índice sonoro se
traduz no toque do sino, marcou boa parte da trajetória do rádio no século
56
BOSI. op. cit, 445.
57
Ibid, p. 447.
58
SAID, op. cit.
59
A supremacia da Igreja no Piafoi constatada no censo de 1950, quando 99,22% dos habitantes se declararam
católicos romanos, enquanto 0,5% se disseram protestantes e 0,05% responderam que eram espíritas, cf. IBGE.
Censo demográfico(1º de julho de 1950) – Estado do Piauí. Rio de Janeiro. Gráfica do IBGE, 1952, p.vii.
73
XX, quando era hábito uma prece ou o canto no crepúsculo, seja nas
pequenas emissoras, nos alto-falantes das cidades do interior ou mesmo nas
capitais.
60
Os donos dos serviços de alto-falantes também eram contratados para animar
festejos da Igreja Católica. Sobre o funcionamento das amplificadoras nas quermesses, Genu
Morais lembra que
[...] quando tinha festa de igreja, por exemplo, a festa de Nossa Senhora do
Amparo, tinha o serviço de alto-falante, a pessoa mandava tocar uma
música para a linda senhorinha”. Naquela época era tudo diferente, as
moças eram virgens, era tudo diferente de hoje, ninguém “ficava”, eno era
tudo diferente. Então faziam muito isso, né? Uma sica especial de seu
admirador, ninguém chamava fã, era admirador, fulano de tal, manda tocar
para graciosa – os termos eram outros – senhorinha. Então era desse jeito.
61
Muito embora os serviços de alto-falantes mostrassem certa obediência ao clero,
reforçando rituais como o Angelus, não atrapalhando a realização de missas e ajudando até
mesmo a animar os festejos nas paróquias, a Igreja não simpatizava com a prática do footing
da praça Pedro II, onde as jovens ficavam circulando enquanto os rapazes ficavam parados, na
chamada paquera.
A Página Feminina, seção fixa do jornal O Dominical, órgão oficial da Igreja no
Piauí, costumava condenar certos hábitos das senhorinhas, dentre eles, o de freqüentar
espaços públicos de diversão. Em uma de suas notas, o periódico aconselhava os homens a
não procurar uma noiva nos locais onde moraria o pecado:
Não a procureis nos lugares mundanos, nos cinemas e nos salões de baile.
Não a procureis entre as moças decotadas que se acham sempre nas ruas
como para por-se à venda e lograr algum estúpido.
Procurais a vossa esposa entre as jovens laboriosas, virtuosas, retiradas que
têm bom senso e, sobretudo, que têm religião, porque a religo é a base da
felicidade nesta e noutra vida.
62
Para a Igreja, o footing era espaço de mercantilização feminina, uma vitrine onde
as jovens pareciam “pôr-se à venda”. Paradoxalmente, a posição desta instituição religiosa
quase sempre associada à imagem da “tradão do “conservadorismo era compartilhada até
mesmo por quem foi conhecida por ter posturas avançadas, como Simone de Beauvoir,
feminista e figura intelectual associada ao “novo”.
60
GOLIN, Cida & SALVATTI, Bárbara. Rádio e sino: a hora do angelus. In: II Encontro Nacional da Rede
Alfredo de Carvalho. Florianópolis, de 15 a 17 de abril de 2004. Dispovel em:
www.jornalismo.ufsc.br/.../historia%20da%20midia%20sonora/Golin.doc. Último acesso em 15 ago 2005.
61
MORAIS, op. cit.
62
JOVENS que procurais uma noiva... O Dominical, Teresina, p. 3, 10 dez 1950.
74
[...]Em Araraquara, Beauvoir protagonizou uma cena emblemática do
choque cultural entre uma cidade do interior paulista em 1960 e uma
personalidade que se empenhou em redefinir o papel da mulher na
sociedade.
Simone, ao sair do antigo Teatro Municipal de Araraquara e deparar-se com
o "footing", um gênero de socialização no qual moças e rapazes faziam
várias vezes um percurso na rua o Bento entre as avenidas Espanha e o
Paulo (justamente a região onde se localizavam a Faculdade de Filosofia
Ciências e Letras de Araraquara e o antigo Teatro Municipal), teria dito que
se tratava de um "mercado de mulheres".
63
É evidente que as diferenças entre o pensamento da Igreja e de Simone Beauvoir
eram bastante divergentes. Enquanto Beauvoir criticava a submissão feminina e atacava o
pensamento machista, a Igreja delegava à mulher um papel sempre passivo, à sombra do
patriarcalismo.
Por ver as ruas da cidade como local de perigo para a honra da mulher e uma
tentação para as delícias mundanas, a Igreja lutava contra os novos costumes e novos espaços
de sociabilidade aos quais as jovens estavam freqüentando. Lutava ainda contra uma perigosa
“nova ordem” pregada nas músicas que saiam dos rádios e das amplificadoras, das modas das
revistas e das telas do cinema:
Uma das características mais tristes dos tempos presentes é a liberdade
sexual. Criou-se uma “nova ordem” para a moral, no que se refere ao sexo.
Busca-se em Vênus a felicidade que os verdadeiros cristãos procuram em
Deus.
[...] Esta prática atenta contra o fim primário do matrimônio e contra a
finalidade mesma da função sexual, cuja destinação Deus assinalou no
“crescei e multiplicai-vos”. É prática que brada contra a própria natureza.
Assim como contra a lei divina, que a Lei natural é reflexo[...]
64
A nova ordem” era vista como ameaça real à instituição da falia, aos bons
costumes, à tradição. A Igreja, por sinal, chamava de “pombinhos” os casais que se jogavam
nos prazeres das carícias vistas nas praças, ruas e becos escuros, como o “Bêco dos Amôres”.
Tais liberdades deveriam ser combatidas firmemente e o clero não se cansava de pregar que
os pais eram “responsáveis perante Deus pelo descuido de suas filhas”.
A Miranda Prorsus e o surgimento da Rádio Pioneira de Teresina
63
SIMONE citou mercado de mulheres. Folha de São Paulo caderno Folha Ribeirão. Ribeirão Preto, 3 set
2000.
64
LIMITAÇÃO criminosa. O Dominical, Teresina, p.2, 17 out 1948.
75
Em fevereiro de 1931, a Igreja Católica tida como uma das instituições mais
conservadoras do ocidente rende-se à era do dio, colocando no ar uma emissora cujo
projeto e montagem ficaram a cargo de Guilherme Marconi, tido para muitos como o inventor
da radiotransmissão.
65
Apenas 31 anos depois de Pio XI fazer a primeira radiomensagem de
um pontífice ao povo católico na história e inaugurar a Rádio Vaticano, o clero piauiense
passa a ter uma emissora, a Rádio Pioneira de Teresina, a terceira estação da cidade.
Neste interstício, a Igreja Católica no Piauí experimentou diferentes formas de
comunicação com os fiéis. Ainda na década de 30, em Teresina, o clero fez circular o
semanário “O Dominical” e na década de 40, instalou um serviço de alto-falantes denominado
Amplificadora Cultural.
A instalação do serviço de alto-falantes foi destacada como um dos grandes feitos
de D. Severino de Melo, ex-líder da Igreja no Piauí, em artigo do Desembargador Simplício
Mendes publicado no jornal O Dominical.
(D. Severino) Construiu a Cúria Diocesana, organizou o Arquivo da
Diocese, dotou as freguezias da Capital e do interior do Estado de casas
paroquiais, instalou, em prédio próprio, no centro da cidade, o Centro
Cultural Católico, com uma amplificadora na sua sede.
Adquerindo prelo e material tipográfico, montou excelente tipografia, de
onde circula semanalmente O Dominical, folha de orientação
exclusivamente católica.
66
A Amplificadora Cultural, assim como outros serviços de alto-falantes que
funcionavam desde o final da cada de 30 no centro de Teresina, também foi responsável
pela formação de profissionais do rádio piauiense, como o sonoplasta Jo Raimundo Teixeira
e Silva:
Trabalhei na Amplificadora Cultural, que era de propriedade da
Arquidiocese [...] O que se ganhava no trabalho na amplificadora,
simplesmente era a entrada do circo quando vinha aqui e entrada do cinema
porque a gente fazia propaganda.
67
Como se , o episcopado de D. Severino teve a preocupação de investir em
comunicação para propagação do catolicismo. A igreja estava em guerra contra a doutrina
65
RÁDIO VATICANO. Disponível em: http://www.aminharadio.com/radio_rvaticano.html. Último acesso em
18 abr 2005.
66
MENDES, Simplício. D. Severino de Melo o seu apostolado no Piauí. O Dominical, Teresina, p.7, 25 nov
1948.
67
SILVA, José Raimundo Teixeira e. Apud, NASCIMENTO, 2005, op. cit, p. 11
76
marxista, vista como propagadora do ateísmo. A guerra também se dava contra a indústria do
cinema e as emissoras de rádio o católicas, que veiculavam produtos considerados nocivos
à moral e à fé cristãs. E se havia guerra, era necessário usar “armas modernas” para combater
o inimigo:
Novos tempos requerem novos homens. Novas lutas, novos equipamentos.
Para novas guerras exigem-se novas armas. A época do arco, da flexa e do
bodoque passou! Para inimigos modernos, estratégia moderna! A
cavalaria da velha guarda recua. As ligeiras tropas de choque avançam
céleres. Assim será na ão católica, que requer táticas e estratagemas
modernos. Novos adversários poderão ser silenciados com baterias
modernas que esteja à altura do agressôr. Sus, pois, à ão católica com
armas modernas! Uma das mais prestigiosas armas modernas, é, dúvidas o
haja, a imprensa católica, arma de precisão e de grande eficiência!...
68
A Igreja vista quase sempre como guardiã da tradição também apostava na
modernidade, no homem novo, nas armas novas, para combater inimigos modernos e
sobreviver em uma época em que “tudo que é sólido se desmancha no ar”.
69
Contudo, desde a
década de 30 até meados da cada de 50 do século XX, a Igreja Católica parecia crer que o
cinema era o mais poderoso meio de persuasão existente. O clero via na chamada sétima arte
um instrumento utilizado para influenciar negativamente a conduta de jovens, que se
espelhavam nas grandes estrelas e no modo de vida que era disseminado nas películas.
A preocupação do Vaticano sobre a utilização dos meios de comunicação de
massa, especialmente o cinema, era evidente. Antes de inaugurar, em 1931, a Rádio Vaticano,
o papa Pio XI produzia textos como o Casti Connubii
70
, sobre conteúdos veiculados pelo
cinema e pelo rádio e a influência destas mensagens no esfacelamento do matrimônio, da
família (a “divina instituição”), no desrespeito à castidade.
em 1936, às vésperas da Segunda Guerra, o Vaticano elabora com mais
profundidade um documento, a encíclica Vigilanti Cura,
71
que tratava especificamente sobre o
cinema. Nesta encíclica, a Igreja já mostra um real interesse em interferir no processo de
produção dos filmes, bem como estimular uma fiscalização das obras colocadas em cartaz.
No decorrer da Vigilanti Cura, Pio XI descreve o poder do cinema e teoriza sobre os motivos
pelos quais as películas, sobretudo as faladas, exerciam tanto fascínio sobre as pessoas.
68
BENVINDO, Frei Destêfani. Armas modernas!... O Dominical, Teresina, p.1, 18 jul 1948.
69
BERMAN, Marshall. Tudo o que é sólido se desmancha no ar. São Paulo: Companhia das Letras, 1988.
70
CARTA Casti Connubii (1930), in: http://www.intratext.com/IXT/ESL0326/. Último acesso em 18 abri 2005.
71
VIGILANTI CURA (1936). Ver em http://www.vatican.va/holy_father/pius_xi/encyclicals/documents/hf_p-
xi_enc_29061936_vigilanti-cura_po.html Último acesso em 18 abr 2005.
77
[...]Não há hoje um meio mais poderoso para exercer influência sobre as
massas, quer devido às figuras projetadas nas telas, quer pelo preço do
espetáculo cinematogfico, ao alcance do povo comum, e pelas
circunstâncias que o acompanham. [...]
[...] O poder do cinema provém de que ele fala por meio da imagem, que a
inteligência recebe com alegria e sem esforço, mesmo se tratando de uma
alma rude e primitiva, desprovida de capacidade ou ao menos do desejo de
fazer esforço para a abstração e a dedução que acompanha o raciocínio. Para
a leitura e audição, sempre se requer atenção e um esforço mental que, no
espetáculo cinematográfico, é substituído pelo prazer continuado, resultante
da sucessão de figuras concretas. No cinema falado, este poder atua ainda
com maior força, porque a interpretação dos fatos se torna muito fácil e a
música ajunta um novo encanto à ação dramática. Se nos entre-atos se
acrescentam danças e variedades, as paixões recebem excitações das mais
perigosas, que avultam vertiginosamente.[...]
72
O documento relatava ainda sobre a utilização da beleza e talento de atores e
atrizes, envolvidos em tramas e romances, onde as sicas de fundo completam a cena,
aumentando ainda mais o poder de sedução do cinema, especialmente sobre crianças e jovens:
As variadíssimas cenas no cinema são representadas por homens e mulheres
escolhidos sob o critério da arte e de um conjunto de qualidades naturais, e
que se exibem num aparato o deslumbrante a se tornarem às vezes uma
causa de sedução, principalmente para a mocidade. O cinema ainda tem a
seu serviço a música, as salas luxuosas, o realismo vigoroso, todas as formas
do capricho na extravagância. E por isso seu encanto se exerce com um
atrativo particular sobre as crianças e os adolescentes. Justamente na idade,
na qual o senso moral está em formação, quando se desenvolvem as noções e
os sentimentos de justiça e de retidão, dos deveres e das obrigações, do ideal
da vida, é que o cinema toma uma posição preponderante.
73
O pensamento da igreja sobre a preponderância do cinema frente aos demais
meios de comunicação parece ter chegado intacto até o início dos anos 50, momento em que
no sul do Brasil vivia-se a época de ouro do rádio e a primeira emissora de TV era inaugurada
no país
74
.
De fato, ao lado do footing da praça Pedro II, ao som dos alto-falantes, uma
parcela da juventude teresinense tinha no cinema uma de suas principais diversões na década
de 40 e o american way vendido em cada película hollywoodiana parecia atrair a atenção de
jovens e moças da época.
72
VIGILANTI CURA, op. cit, p.1
73
Id.
74
A inauguração da primeira emissora de televisão no país, a TV Tupi, de Assis Chateubriand, aconteceu em
setembro de 1950. Ver: GONTIJO, Silvana. O livro de ouro da comunicação. Rio de Janeiro, Ediouro, 2004.
78
Entre os anúncios de jornais sobre filmes em exibição nos cinemas da cidade, era
possível encontrar a propaganda de lojas especializadas em produtos de beleza, prometendo
verdadeiros milagres estéticos para as consumidoras, como faz crer a nota “De Hollywoody
para vo...”:
Senhorita:
Quer ser bela como as estrelas do cinema?
Então o vacile... Deixe de usar esses costicos que não lhe recomendam
bem. Aproveite a experiência das artistas da tela.
Os produtos de beleza da “MAX FACTOR”, mundialmente famosos,
acabam de ser recebidos diretamente de Hollywood, Califórnia, pela camp
das novidades, a Casa Edilberto Martins, à rua Senador Pacheco, nº 733,
nesta cidade. [...]
75
A publicidade da loja de cosméticos seguia descrevendo os benefícios de dois
produtos, um que corrigia imperfeições da pele e a daria “maciez do veludoe um batom
“essencial para atração de uma boca bonita”. E o anúncio publicitário arrematou, com a
mesma estratégia persuasiva, utilizando as palavras mágicas de um herói das telas, Ali Babá:
[...] Faça, sem demora, uma visita à Casa Edilberto Martins, onde encontrará
todos os produtos de MAX FACTOR, o mago da “maquillage” perfeita das
estrelas de Hollywoody, que faz desfilar pela tela as mulheres mais
encantadoras do mundo.
Seja uma delas!...
Agora não mais dificuldades. hoje mesmo à Casa Edilberto Martins e
faça seu “make-up” perfeito.
Os produtos “MAX FACTOR” serão o “Abre-te Sésamo” de sua felicidade e
encanto pessoal!
76
A grande quantidade de anúncios sobre os filmes, a grande maioria estrangeiros,
77
em cartaz nos jornais da década de 40 induz a pensar que a tela grande realmente atraía
grande interesse da parcela da população que poderia pagar pelo ingresso no cinema. Isso
parecia reforçar a reflexão da igreja em ver o cinema como o mais poderoso meio de
comunicação até ali.
A propaganda sobre filmes em cartaz, é importante ressaltar, o era veiculada
apenas nos jornais. A Rádio Difusora e os serviços de alto-falantes também divulgavam a
75
DE HOLLYWOODY pra você. Diário do Piauí, Teresina, p. 3, 23 jul 1946.
76
Ibid, id.
77
Em 1941, surge no Brasil a companhia de cinema Atlântida, que impulsiona a produção cinematográfica local.
Muitos filmes eram estrelados por artistas consagrados no rádio, como o média-metragem Astros em Revista,
que contava com apresentação musical de Emilinha Borba, Luís Gonzaga, dentre outros. Ver. GONTIJO, op. cit,
p. 394.
79
programação dos cinemas, sendo que um deles tinha até quadro de resenhas de obras
cinematográficas.
78
O gosto popular pelo cinema preocupava seriamente os que faziam a Igreja
Católica em Teresina, naquela época. O jornal “O Dominical”, semario oficial do clero, era
o instrumento de contra-propaganda das idéias veiculadas na maioria das películas que
passavam pela cidade, o qual combatia também a moda que se disseminava através das atrizes
hollywoodianas.
A igreja não se preocupava com o conteúdo/mensagem veiculado no cinema.
As próprias salas de exibição eram praticamente satanizadas, por conta do escurinho
característico que possibilitava à juventude transgredir, temporariamente, a ordem e costumes
impostos à época. O ambiente do cinema, propício para troca de carícias entre casais, era tido
como mundano pelos clérigos.
Preocupava a igreja o conglomerado de jovens homens e mulheres
entusiasmados sob uma mesma penumbra bem como a realidade do cinema se tornar parte
do cotidiano das pessoas, disputando espaços com outros monumentos da cidade.
Da mesma forma, às mulheres era repudiada a prática de passear nas ruas e nas
praças justamente os espaços onde funcionavam os serviços de alto-falante assim como
não eram recomendadas as festas noturnas em clubes. Para a igreja, definitivamente, tais
lugares eram impróprios para os rapagões católicos encontrarem as futuras esposas.
[...]Estas nossas observações são tanto mais graves por falar uma
representação de cinema o a pessoas separadas, e sim a grandes reuniões,
e isto em condições de lugar e tempo que podem levar a um entusiasmo
depravado, como também a um ardor ótimo; entusiasmo que pode chegar a
uma louca e geral concitação, que pela experiência tão bem conhecemos.
[...] As figuras cinematográficas são mostradas a pessoas sentadas em meia-
escuridão e cujas faculdades mentais, e mesmo forças espirituais, estão
freentemente descontroladas. Não é necessário ir longe para encontrar
essas salas; estão em geral ao lado das casas, das igrejas e dos grupos
escolares, levando assim o cinema ao meio da vida a sua influência suma e
suma importância.[...]
79
Nitidamente influenciados pela Vigilanti Cura, os cronistas de O Dominical
atacavam a utilização do espaço do cinema, bem como o escuro de algumas ruas, por aqueles
que buscavam fugir do controle visual da igreja para troca de carinhos mais ousados. Para o
78
SAID, op. cit.
79
VIGILANTI CURA, op. cit.
80
clero, os casais que se comportavam como “pombinhos” nas salas de projeções contribuíam
para o desprestígio e perda da pureza da mulher.
[...]Estas leviandades de toda hora que vemos por ruas e pras,
casaisinhos em arrulhos por becos escuros e em estradas alta hora da noite,
estas incríveis e despudoradas atitudes dos Pombinhos em cinemas e nas
trevas, as liberdades dos pares de namoradinhos por afora, isto é amor?!
Nunca! É o desprestígio e o desrespeito da mulher, o túmulo da pureza e a
mais desastrosa preparação para o matrimônio[...]
80
O jornal O Dominical, no entanto, ia além da crítica às películas que o rebanho
não poderia ver. Mais importante do que combater a chamada Sétima Arte, era mais que
urgente arrebatá-la para o lado cristão, como sugere a nota intitulada “Se não conquistarmos o
cinema, vão será todo o nosso apostolado”:
Qualquer que seja o valor de todas as outras atividades apostólicas,
quaisquer que sejam os projetos da Ação Católica, se não conquistar o
cinema, estéril será nosso apostolado.
Como campos preferidos da atividade católica, sempre se assinalaram a
escola e a imprensa. Hoje se tem acrescentado as obras sociais. Porém a
escola, imprensa, e sociologia passaram à retaguarda, ante o cinema que em
pouco tempo se adiantou imensamente entre os demais meios de conquista.
Quanto se ensine nas escolas, quanto se defenda ou se propague no livro ou
no periódico, quanto se organize no campo social, o cinema contrário o
esteriliza.
81
A referida nota diz mais do que a importância do cinema como forma de
conquista. Ela acaba mostrando ainda que, embora a igreja no Piauí visse a importância do
rádio como um meio poderoso de comunicação e persuasão a seu favor, era o cinema que
exercia maior fascínio. Simplesmente bradar contra o cinema pagão não seria suficiente. Era
preciso usar a mesma arma, para propagar a doutrina católica.
Por isso, logo no início dos anos 50, quando sintonizar a única emissora de rádio
teresinense era ainda uma novidade acessível a poucas famílias e as amplificadoras ainda
reinavam nas praças centrais da cidade, a União de Moços Católicos (UMC), grupo ligado à
Igreja, iniciou uma campanha para adquirir um projetor de películas e instalar uma sala de
cinema para exibir filmes religiosos. Foi feita uma rifa para arrecadar fundos, onde o prêmio
principal era exatamente um produto que estava entre os maiores sonhos de consumo do
80
BRANDÃO, Ascânio. É pecado namorar? O Dominical, Teresina, p.3, 19 nov 1950.
81
O DOMINICAL, Teresina, p. 4, 24 set 1950.
81
momento: “um aparelho de rádio Philco, de 5lvulas, ondas curtas e longas, no valor de Cr$
3.800,00.”
82
A aparente insistência em se tratar de cinema, nas páginas anteriores deste
trabalho, teve o propósito de ressaltar a mudança que se deu nos anos seguintes, sobretudo na
segunda metade da década de 50, no que se refere ao pensamento da igreja sobre a
necessidade de se investir com mais profundidade no rádio. Isso não quer dizer que, até o
início da década em questão, o clero piauiense desprezasse oportunidades para ocupar espaços
na única emissora local, competindo assim com marchas de carnaval e sicas de duplo
sentido, o condenadas pela Igreja. O meio radiofônico era visto ao mesmo tempo como algo
profano e sagrado, pelo Vaticano.
Segundo Lima:
[...] o rádio era visto pela igreja como “sagrado” quando levava ao ar
programas de cunho católico. Quanto aos programas ditos não católicos,
eram vistos como uma ameaça à moral cristã e aos bons costumes da
sociedade, sendo considerados como instrumentos que desvirtuam a
sociedade por serem pouco educativos e culturais.
83
em 1951, a igreja no Piauí lança o “Programa Católico Radiofônico” sob a
orientação do arcebispo D. Severino, sendo irradiado às quintas-feiras das 20h às 20h30
diretamente do estúdio da Rádio Difusora, dando notícias e avisos sobre as atividades
destinadas aos católicos, assim como números musicais cristãos. O programa inaugural
aconteceu no dia 19 de abril, no Paço Episcopal por D. Severino, “não obstante seu estado de
precária saúde
84
. Sobre o programa em si, tinha “óbvia a finalidade de levar através de um
meio moderno [...] aos lares católicos a doutrina cristã [...] para desapaganizar o que de pagão
se verifica infelizmente na sociedade hodierna”.
85
Enquanto o clero no Piauí começava a explorar as ondas do rádio, em outros
centros urbanos mais desenvolvidos, como São Paulo e Rio de Janeiro, a Igreja já começava a
se preocupar também como outra tecnologia, a televisão, que no Brasil nasceu como um
“subproduto do rádio”,
86
ao empregar inicialmente a mesma linguagem e fazer uso dos
mesmos artistas. A preocupação do clero local era com a programação pagã no rádio e
82
O DOMINICAL, Teresina, p.4, 16 abr 1950.
83
LIMA, op. cit, p. 60.
84
O DOMINICAL, Teresina, p.11, 22 abri 1951.
85
id. Ibid.
86
GONTIJO, op. cit., p. 415.
82
também com o avanço do protestantismo, que também utilizava espaço na Difusora. Tal
programa era proibido aos católicos
87
Com o decorrer dos anos, percebendo não a grande importância do cinema
como meio de comunicação, o Vaticano passou a discutir com mais profundidade sobre a
necessidade de utilização de rádio e da televio, assim como a tarefa urgente de tentar
controlar o conteúdo de tais mídias.
Como reflexo dos debates internos da Igreja em âmbito internacional, em outubro
de 1956 foi realizada em Teresina a Conferência dos Bispos da Província Eclesiástica do
Piauí, sob o comando do arcebispo Dom Avelar Brandão Vilela. Dentre os temas debatidos
no evento, constava a “Formação da opinião pública através dos agentes de publicidade
Imprensa, Cinema, Rádio, Teatro e Televisão”.
88
É curioso destacar que os sinais de televisão
no Piauí chegaram com qualidade a partir da década de 70, mas mesmo assim tal meio de
comunicação foi discutido.
Pode-se imaginar que a pauta da Conferência no Piauí era a mesma estabelecida
para o resto do Brasil ou em outras países. O resultado das discussões, presume-se, ajudou o
Vaticano a elaborar a encíclica Miranda Prorsus, divulgada no ano seguinte por Pio XII,
dando uma nova orientação para os católicos no que se refere aos principais meios de
comunicação na ordem de importância para a Igreja até aquele momento: o cinema, o rádio e
a televisão.
A Miranda Prorsus era bem enfática para mostrar o grau de interesse da Igreja em
ter nas próprias mãos os meios de comunicação de massa, para propagação de sua doutrina. O
Vaticano não achava apenas que tinha o direito de obter concessões na radiodifusão. O
discurso, na verdade, era de que o poder público tinha a obrigação de liberar os canais que
fossem necessários para a Igreja Católica, como se ressuscitasse a teoria do direito divino:
A Igreja, depositária da doutrina da salvação e dos meios de santificar, goza
do direito inalienável de transmitir as riquezas que lhe foram confiadas por
disposição divina. A tal direito corresponde, por parte dos poderes públicos,
o dever de lhe tornar possível o emprego das cnicas de difuo. Os fiéis,
conhecedores do inestimável dom da Redenção, não se devem poupar a
esforços a fim de a Igreja poder servir-se das invenções técnicas e usá-las
para a santificação das almas.
89
87
O DOMINICAL, Teresina, p.1, 7 set 1952.
88
O DIA. Teresina, p.3, 14 out 1956.
89
MIRANDA Prorsus. Disponível em: http://www.vatican.va/holy_father/pius_xii/encyclicals/documents/hf_p-
xii_enc_08091957_miranda-prorsus_po.html . Último acesso em 23 abri 2006.
83
A mesma encíclica trouxe ainda o tema de utilização dos meios de comunicação
para a educação das massas, que não deveria estar desassociada da doutrina católica, algo que
deve ter influenciado profundamente o clero piauiense no projeto de criação da dio
Pioneira de Teresina.
O mesmo se pode dizer e com mais razão do ensino, ao qual o filme
didáctico, a rádio e mais ainda a televisão escolar, oferecem possibilidades
novas e inesperadas, e o para os jovens mas também para os adultos.
Todavia a utilização no ensino destas novas e prometedoras cnicas, o
deve opor-se aos imprescritíveis direitos da Igreja e da família no campo da
educação da juventude. Em especial ousamos esperar que as cnicas de
difusão, - quer estejam nas mãos do Estado, quer se encontrem confiadas à
iniciativa particular - não se venham nunca a tornar responsáveis dum ensino
sem Deus.
90
A preocupação com a educação das massas por parte da Igreja e a utilização dos
meios de comunicação para tal fim refletiam as mudanças que estavam sendo geradas no
interior da Igreja, retomando a chamada preferência pelos pobres, culminando em ações
práticas em prol dos menos favorecidos, sobretudo a partir da realização do Concílio Vaticano
II, “aberto pelo papa João XXIII em 1962 e encerrado em 1965”.
91
De acordo com José Maria Vieira de Andrade,
Na passagem do final dos anos 50 para os anos 60 do século XX, num
contexto de grande efervescência em quase todos os setores sociais, a Igreja
Católica passou por processos de mudanças na sua organização em suas
bases ideogicas, as quais tinham por fundamento a tentativa da instituição
de reaver o seu próprio papel social.
92
Na verdade, a Igreja se viu também pressionada a mudar de postura como reação
ao crescimento da ideologia socialista, de distribuição de renda e erradicação da pobreza,
sobretudo depois do final da Segunda Guerra Mundial. No Brasil, o resultado do pensamento
mais alinhado à classe menos favorecida foi a criação do Movimento de Educação de Base
(MEB), que teve estreita ligação com a proposta de instalação de escolas radiofônicas através
da Rádio Pioneira de Teresina, cuja inauguração se deu em 1962.
[...] Os católicos decidiram investir na criação de vários movimentos
direcionados a área educativa e de cultura popular, entre os quais se destacou
90
MIRANDA Prorsus, op. cit.
91
NASCIMENTO, 2004, op. cit, p. 47.
92
ANDRADE, José Maria Vieira de. Pelas ondas da Rádio Pioneira de Teresina: história, sociedade e cultura
em sintonia. Monografia (Licenciatura Plena em História), Teresina, UFPI, 2005, p.45.
84
o MEB, fundado por meio de uma parceria entre a Conferência Nacional dos
Bispos do Brasil (CNBB), sua mentora e organizadora, e o Governo Federal,
na condição de financiador.
93
A criação da Rádio Pioneira de Teresina não fez com que a igreja rompesse
contato com outros meios de comunicação, inclusive com as amplificadoras. No interior do
Estado, os alto-falantes continuaram funcionando do alto dos templos católicos, assim como
em Teresina. Aliás, ainda é possível, em dias atuais, ouvir os sons dos alto-falantes na
periferia da capital, irradiados por amplificadora, como é o caso da Igreja de Nossa Senhora
da Paz, na Zona Sul da cidade.
Outras práticas na praça, outros usos dos alto-falantes
A
o analisar a relação entre música e meria, Maurice Halbwachs descreve
espaços sonoros nos quais as pessoas convivem e mantém relações sociais, provocando
lembranças dos lugares onde funcionavam os alto-falantes do final da década de 30 ao início
dos anos 50 em Teresina.
[...] Nas ruas das grandes cidades, as cantigas populares correm de boca em
boca, reproduzida outrora pelos realejos, hoje pelos megafones. As
melopéias dos comerciantes ambulantes, as canções que acompanham as
danças enchem o ar de sons e de acordes[...]
94
O autor do texto em questão trata do fato de que as pessoas, ao ouvirem músicas,
ou simplesmente lembrarem mentalmente delas, podem rememorar fatos e situações tristes,
alegres, porém importantes para quem as viveu.
[...]Como se estes espetáculos nos aparecessem na tela de um cinema, sem
que nenhuma orquestra invisível os acompanhe, imitando os sons, nós
próprios nos evocaremos os sons, e as imagens que se agitam no silêncio
provocarão em nós muito menos iluo[...]
95
No que se refere ao funcionamento das amplificadoras na Praça Pedro II, no
entanto, nem boas lembranças os alto-falantes provocavam. Um artigo de Joseman da
Silva, Flagrantes da Cidade, queixava-se da perda de regularidade das retretas na praça, que
deveriam acontecer duas vezes por semana, às quintas e aos domingos. E quando aconteciam,
93
ANDRADE, op. cit, p.45.
94
HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva dos músicos. In: A memória coletiva. São Paulo, Vértice,
Editora Revista dos Tribunais, 1990, p. 172.
95
Ibid, p.161
85
a sica da banda da Polícia Militar disputava o espaço sonoro juntamente com os alto-
falantes: “Hoje em dia, vez por outra, ainda retretas, mas o podem ser ouvidas como
dantes, com tanto enlevo o barulho ensurdecedor dos auto-falantes (sic) não nos permite
mais esse prazer”.
96
A noite da Praça Pedro II, no entanto, não era de exclusividade de uma prática
romântica da juventude. Ali também foi espaço de conflitos, de comícios dos políticos, da
rebeldia dos estudantes. De acordo com notícia publicada como manchete de primeira página
do jornal udenista O Piauí, então dirigido por Helvécio Coelho Rodrigues, colegiais que não
se sujeitaram a aceitar a ordem do silêncio nas festas juninas, utilizaram o microfone da
amplificadora para protestar contra a repressão policial.
Enquanto o protesto ganhava ares e lares pelos alto-falantes, um grupo de
estudantes estourava bombas e traques na praça desafiando o efetivo do Quartel da Polícia
Militar.
[...] Mais de um milhar de pessoas mobilizou-se e promoveu a um
sistemático e eficiente “bombardeio”. Algumas dezenas de milhares de
foguetinhos, bombas e traques foram estourados impiedosamente durante
algumas horas, e seu efeito ensurdecedor provocou o fechamento dos
cinemas, cafés e botequins ali situados. Enquanto isso ocorria, alguns
oradores, pelo serviço de auto-falantes (sic), explicavam a razão de ser das
ruidosas manifestações que estavam sendo levadas a efeito e acentuavam o
protesto da classe estudantal contra o fato de haver sido detido pela polícia,
na noite anterior, um estudante [...]
97
Como pode ser visto acima, os alto-falantes não eram utilizados apenas para fazer
propagandas, ofertar músicas para a jovem amada, realizar ritos patrióticos e espirituais como
executar o hino nacional e a Ave-Maria. As amplificadoras eram apropriadas de diferentes
formas por quem consumisse
98
o espaço conflituoso e de luta ao qual se dá o nome de
cidade.
99
A realização de eventos esportivos também se dava ao redor da Praça Pedro II.
Foi na praça que às 17h do dia 11 de dezembro de 1949, os melhores corredores de provas de
longa distância do Piauí participaram da largada da II pré-liminar local da São Silvestre,
famosa corrida realizada anualmente desde 1925, em São Paulo. A prova foi narrada pela
96
SILVA, Joseman da. Flagrantes da Semana. A Cidade, Teresina, p.2, 1º fev 1952.
97
PROTESTAM estudantes e populares contra arbitrariedades do Delegado de Segurança. O Piauí, Teresina,
p.1, 30 jun 1951.
98
CERTEAU, Michel de. Práticas de espaço. In: A invenção do cotidiano – artes do fazer. Petrópolis, RJ: Vozes,
1994, p.167-217.
99
A cidade com espaço político e de conflitos é discutido em ROLNIK, Raquel. O que é cidade. o Paulo,
Brasiliense, 1995.
86
amplificadora de Francisco Nasser & Irmãos
100
para as praças Pedro II e Rio Branco. Era uma
típica reportagem “externa” no centro da capital, uma inovação em Teresina que nem mesmo
a Rádio Difusora ousou fazer.
Foi assim que o Jornal do Comércio registrou a última volta da corrida:
escurecia, quando de longe se ouvia, gritos, palmas e aplausos retunbantes
(sic) ao vencedor que chegava, Aprígio Jo da Silva, com a mesma técnica,
com a mesma simplicidade, chegava ao controle, sagrando-se bi-campo da
corrida rústica de 6.680 metros, com o tempo de 25,56. O povo não se conteve e
sem respeitar os cordões de isolamento, a Polícia e os nossos constantes apelos
pelo microfone da amplificadora que fazia a reportagem e animava a festa,
invadiu a pista e criou um ambiente de verdadeira confusão, dificultando deste
modo, a entrada dos nossos atletas e as suas respectivas classificações. Todavia,
ainda os juízes conseguiram classificar os concorrentes pela seguinte ordem de
chegada[...]
101
Correndo atrás do prejuízo e tentando ser mais presente no cotidiano dos
Teresinenses, a Rádio Difusora teve participação mais atuante na cobertura da preliminar da
corrida de São Silvestre dos anos seguintes. A emissora não só irradiou a prova, como
também foi – através de seu casting uma das maiores atrações do evento, conforme nota do
Jornal do Comércio, cujo proprietário era também o realizador da eliminatória local.
No
domingo 9 de dezembro, pela 21 horas, com partida da Praça Pedro II,
realizar-se-á a IV Prova Preliminar da Corrida de São Silvestre, que “Jornal
do Comércio”, por delegação de “A Gazeta Esportiva”, de S. Paulo, organiza
e dirige nesta Capital, por quatro anos consecutivos.
A direção da Corrida está preparando um grande “show”, com artistas do
rádio, para apresentar ao público, simultaneamente, com a irradiação do
Certame Esportivo, pela Rádio Difusora de Teresina.
As corporações militares e os governos do Estado e do Município estão
cooperando com este jornal, no desejo de que, esta festa eminentemente
popular, alcance êxito invulgar.
102
A amplificadora Cruzeiro do Sul também teve participação importante na
irradiação da IV Prova Preliminar da São Silvestre no Piauí, transmitindo a corrida para as
praças Pedro II e Rio Branco, bem como as apresentações do casting da Rádio Difusora de
100
A publicidade da eliminatória da corrida de São Silvestre no Piauí foi realizada por rios jornais, pela Rádio
Difusora e pelas amplificadoras Cruzeiro do Sul e Amplificadora Comercial. A reportagem sobre como foi a
corrida apenas citou que a amplificadora que narrou o evento esportivo era de Francisco Nasser & Irmãos.
Trabalha-se aqui com a hipótese de que esta amplificadora seja a Comercial, que teve vários donos. Além disso,
a Cruzeiro do Sul era bastante conhecida como a amplificadora de Getúlio Pontes.
101
OBTEVE grande sucesso a II Prova Preliminar da Corrida de o Silvestre. Jornal do Comércio, Teresina,
p.4, 16 dez 1949.
102
JORNAL do Comércio, Teresina, p.1, 30 nov 1951.
87
Teresina: Regional Q-3 (conjunto musical da emissora), os cantores Edir Carvalho, Clemilton
Silva e Anita Rosa, além de Panfílio Abreu “com seu violão mágico”, Ângelo Campelo, João
de Deus, Mister Polvo e sua gaita. O encerramento da festa foi realizado por Dennis Clark,
um dos mais conhecidos radialistas da época, e Getúlio Pontes, dono da Amplificadora
Cruzeiro do Sul.
103
Sobre Getúlio Pontes é importante destacar que além de ser proprietário da
Amplificadora Cruzeiro do Sul, ele também tinha programa semanal na Rádio Difusora,
conforme a lista
104
de programas fixos da emissora para o ano de 1951. Ele fazia o “Programa
Getúlio Pontes”, aos sábados, das 15h05min às 15h50min.
A lista mostrava uma grande limitação da emissora no que se refere a variedades
de programas e também quanto ao tempo diário de irradiações. Por toda a manhã e boa parte
da tarde, os que sintonizavam a ZYQ-3 simplesmente não tinham nenhuma programação. De
segunda à sexta-feira a Difusora funcionava das 16h às 23h. Aos sábados, a programação
começava às 15h e terminava também às 23h. Já aos domingos, o início da irradiação se dava
às 14h45min e o desfecho às 22h.
No que se refere à regularidade dos programas, apenas o Repórter Q-3 e Crônica
do Dia eram diários. Com duração de apenas cinco minutos, o Repórter Q-3 começava às 20h,
logo depois da Agência Nacional (Hora do Brasil), que entrava no ar sempre às 19h30, de
segunda a sábado.
a Crônica do Dia, também com duração de cinco minutos, era iniciado às
20h55min. Havia ainda o Diário da Metrópole (possivelmente um espaço pago pela prefeitura
de Teresina), das 20h05min às 20h10min, de segunda à sábado. Também de segunda à sábado
era irradiado ainda o programa Notícias Eleitorais, das 21h30min às 21h45min.
A grande maioria do tempo de irradiação da Difusora em 1951, segundo a lista de
programação, era dedicada à execução de gravações, ou seja, a reprodução de músicas, assim
como as amplificadoras de Teresina à época. Enquanto as grandes emissoras do Sul/Sudeste
do país transmitiam diariamente várias rádios-novelas, a primeira emissora de Teresina
oferecia uma e, mesmo assim, apenas às segundas e sextas-feiras, das 21h15 às 21h45. E aos
domingos, das 15 às 16h era apresentado o Tribunal de Calouros. No mesmo dia, entrava no
ar o Teatro em Miniatura, programa que começava às 19h30 e terminava às 20h.
O trabalho em conjunto realizado entre a Cruzeiro do Sul e a Difusora na
transmissão da prova classificatória para a Corrida de São Silvestre foi um dos raros
103
JORNAL do Comércio, Teresina, p.1, 30 nov 1951
104
JORNAL do Comércio, Teresina, p.3, 31 dez 1950.
88
momentos de convergência
105
entre as duas mídias. Um momento em que os dois meios de
comunicação se completaram, aparentemente, numa perfeita simbiose. Os que trabalhavam na
Difusora e os que atuavam nas amplificadoras pareciam manter bom relacionamento, até
então, a ponto de chegarem a se reunir para criar uma associação profissional, como aponta a
matéria “Congregam-se os radialistas locais”:
Sob a orientação do sr. Cláudio de Moura Tote, a 6 de janeiro foi fundada,
nesta Capital uma nova sociedade de classe, destinada a congregar em seu
seio todos os elementos locais que emprestam a melhor parcela do seu
trabalho em favor da radiofonia, como proprietários de estações
transmissoras e amplificadoras, ou ainda, como locutores, redatores,
cantores, músicos, técnicos de rádio etc.
A solenidade de fundação da novel Sociedade realizou-se nos estúdios da
Amplificadora Comercial, contando com a presença da maioria dos
radialistas locais, tendo falado sobre o magno assunto os srs. Cláudio Tote,
Godofredo Cavalcanti, Vidal Ferreira e outros que nos escapam a memória.
Registrando este auspicioso fato, mandamos aos radialistas teresinenses os
nossos parabéns, pela feliz iniciativa.
106
No entanto, há de se desconfiar da precisão das informações descritas na nota
acima, uma vez que seria no mínimo curioso o fato de se fundar uma associação que tentasse
congregar patrões e empregados. Outro fato da nota se referir aos proprietários de “estações
transmissoras” também chama a atenção, que a cidade de Teresina contava com a rádio
Difusora. É importante ainda destacar que a solenidade de criação da associação de radialistas
se realizou no estúdio da Amplificadora Comercial que até aquele momento pertencia ao
comerciante Cláudio Tote.
Tensões no ar: as disputas pelos anúncios comerciais
Como descrito a pouco, a Rádio Difusora, no início da década de 1950,
funcionava em horário bastante limitado, com poucos programas regulares. Por conta disso,
os jornais da época criticavam as falhas de funcionamento e organização da Rádio Difusora
de Teresina, cuja programação, em quase toda sua totalidade, era composta de veiculão de
músicas e propagandas, assim como as concorrentes, as amplificadoras do centro de Teresina.
Os programas também careciam de melhor produção e variedade.
105
BRIGGS, ASA & BURKE, Peter. Uma história social da mídia de Gutenberg à Internet. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar Ed., 2004, p. 270.
106
JORNAL DO COMÈRCIO, Teresina, p.4, 20 jan 1950.
89
O periódico O Pirralho, auto-intitulado Hebdomadário Noticioso e de Interesses
Gerais, que era dirigido pelo jornalista Alberoni Lemos, tendo como redatores A. Tito Filho e
Ribamar Oliveira, o poupava críticas à Difusora. De toda a grade de programação da única
emissora de Teresina, apenas o Grande Jornal Q-3, sob responsabilidade de José Lopes dos
Santos, não era atacado nas costumeiras notas ácidas da folha semanal, mais de três anos
depois da inauguração daquela estação.
Quem quiser abalar os nervos, passar o dia de mau humor, brigar com a
mulher, se for casado, afogar as desventuras no álcool, se for solteiro, sente-
se ao do rádio e procure ouvir a transmissora de Teresina. Ali só se salva
o jornal redigido pelo nosso confrade José Lopes dos Santos.
Programas péssimos, anúncios mal redigidos, linguagem estropiada tudo
faz crer que a Rádio Difusora trocou a cabeça que fica acima do pescoço
pela cabeça que fica na ponta do dedão do pé. Uma voz feminina, de taboca
rachada, completa a tragédia. Meia hora de anúncios, lidos um após o outro,
dá sono. Isto tudo sem falar da língua e da pronúncia dos vocábulos.
Rádio, cá em nosso entendimento, é veículo de cultura e diversão sadia.
Instrumento de imbecilidade e paulificância é que não pode ser. Estamos
certos de que a direção da Rádio Difusora procurará corrigir os seus imensos
defeitos, honrando a cultura piauiense aqui e fora, com a apresentação de
programas condizentes com nosso progresso e com a tranqüilidade dos
ouvidos do nosso povo.
107
Em outra reclamação estampada contra a Difusora em jornal da cidade, um
ouvinte denunciava ter arrendado quinze minutos de programação da rádio para irradiação de
determinada seleção de músicas. Porém, o que era para ser uma homenagem a um casal que
completava bodas de prata, acabou se tornando motivo de constrangimento para o contratante:
Protesto contra a desorganização da Rádio Difusora de Teresina. No dia 16
do s em curso, dirigi-me a Rádio Difusora com o fim especial de botar
algumas músicas para serem irradiadas domingo, dia 18, no horário das 19
às 19 e 15h e as referidas músicas foram aceitas pelos funcionários. E, na
hora exigida, esperei para ouvir as músicas que eram oferecidas ao casal José
Raimundo de Vasconcelos e D. Alzira de Vasconcelos, pela passagem do
25º aniversário de casamento, eles residentes em Belo Horizonte, porém as
mesmas não foram irradiadas. Reclamando a um de seus diretores eu e outra
família que reclamava na mesma ocasião, o diretor disse-me que eu o
procurasse no dia seguinte que êle restituiria a importância [...]
108
A nota o deixa claro se o casal homenageado estava em Teresina ou em Belo
Horizonte, o que poderia revelar uma grande potência da emissão de sinal da estação de
107
O PIRRALHO, Teresina, p.5, 12 jan 1952.
108
OLIVEIRA, João Rocha de. Protesto. O Piauí, Teresina, p.3, 24 nov 1951.
90
rádio.
109
O protesto do ouvinte ainda ilustrava que a Difusora arrendava parte de sua
programação para os ouvintes. Esta prática, de certa forma, assemelhava, novamente, a
atuação da Difusora com o funcionamento das amplificadoras como a Olinda,
110
instalada em
1948, no bairro Vermelha, na zona Sul da cidade.
Em 1951, se passavam mais de três anos do início do funcionamento da Rádio
Difusora, que se esforçava para agradar seus ouvintes e se consolidar enquanto emissora de
comunicação de massa. Nesse mesmo período, além das amplificadoras Comercial
Teresinense, Cruzeiro do Sul e Record as maiores e sem vínculo exclusivo com lojas do
comércio surgiram alto-falantes em rios pontos comerciais da cidade, comandados pelos
próprios lojistas.
111
De acordo com uma matéria do, à época, recém criado jornal O Dia, carregada de
adjetivos contra os serviços de alto-falantes, havia “mais de 10 amplificadoras na zona urbana
da cidade,
sem incluir a do Mafuá, rua da Palmeirinha, Porenquanto, Vermelha, Matadouro,
Piçarra etc [...]”.
112
O referido jornal deu grande destaque ao assunto do funcionamento das
amplificadoras no centro de Teresina, repetindo, em edições seguintes, mais notas contrárias
aos alto-falantes, devido aos incômodos que os aparelhos estariam causando à população:
Um abuso que em Teresina toma de dia para dia, proporções tremendas e
profundamente intoleráveis [...]Não se pode mais ter um doente em casa, o
qual necessite de repouso e silêncio; não se pode comprar e vender, e nem
mesmo conversar. Nas praças Pedro II, Rio Branco e Saraiva, não se
experimente siquer (sic) dez minutos de silêncio, por que as amplificadoras,
azucrinando os ouvidos do povo, não dão trégua ao barulho, entre 7 e 22
horas do dia[...]
113
Na edição de quatro de março de 1951 do jornal O Dia, mais uma nota de
reclamação contra os alto-falantes. Desta vez, além de atacar, no geral, as amplificadoras, o
material jornalístico centra fogo contra um lojista, em especial.
109
Uma nota de jornal publicada no ano seguinte reclamava da Difusora, que teria apenas “um kilowatt na
antena, potência relativamente fraca para cobrir a vastidão do território piauiense e difícil de ser ouvida além de
nossas fronteiras”, Cf. PELAS ondas hertizianas. Jornal do Piauí, Teresina, p.5, 20 jul 1952.
110
Conforme citação no primeiro capítulo deste trabalho.
111
Lembra-se que, no entanto, os serviços de alto-falantes no centro da cidade começaram com as Lojas Rianil e
Rádio Amplificadora Teresinense, no final da cada de 30, contando com a realização de programas de
calouros, apresentações musicais, noticiário, além, é claro, de propaganda dos produtos ali vendidos. Em 1952,
os alto-falantes em expansão das casas comerciais tinham caráter comercial, porém, intercalando músicas.
112
ALTO Falantes. O Dia, Teresina, p.4, 11 de fev 1951.
113
ALTO Falantes, op. cit. p.4.
91
Demos já, duas notas em torno do abuso dos alto-falantes que infestam de
modo irritante e absurdo, os principais pontos de Teresina numa zoada mais
do que infernal que atinge o estado nervoso de toda a gente. Vamos chamar a
atenção das autoridades às quais compete a repressão do abuso, para o caso
do microfone da Casa Bringel, à rua Senador Teodoro Pacheco, entre a Rui
Barbosa e Simplício Mendes. Os moradores e comerciantes daquelas
imediações já pediram particularmente ao Sr. Bringel que ao menos baixasse
o volume do seu aparelho tronitoante, no que não foram atendidos. O Sr.
Agripino Maranhão, industrial naquela zona, em seu nome e no de todo
comércio dali, pediu até por piedade ao Sr. Bringel que obedecesse a
horários e não funcionasse o seu aparelho nas horas de maior trânsito do
cruzamento daquelas três ruas. A resposta que lhe deram foi a seguinte: o
nosso aparelho está pago e funciona das 7 da manhã às 5 da tarde[...]
114
Como se vê, a “febre” dos alto-falantes contribuiu ainda mais com o aumento da
poluição sonora no centro da cidade, acabando por atrair o descontentamento de parcela da
população que residia na área central, e gerando conflitos entre donos de casas comerciais que
não usavam aquela tecnologia para ajudar nas vendas.
Outra parte da nota chama a atenção pelo modo contundente como foi escrita,
quase que conclamando a população a tomar uma atitude violenta, caso as autoridades não
silenciassem a Casa Bringel: [...] Se não houver uma medida para fazer cessar tamanho abuso,
o povo fica autorizado a tomar suas próprias providências contra aquele absurdo... e as
reações do povo todos nós sabemos como são![...]
115
É importante salientar que parte dos jornalistas que atuavam no meio impresso
também trabalhava na Rádio Difusora, o que poderia justificar as insistentes investidas contra
os alto-falantes, principais concorrentes da emissora no que se refere a anúncios publicitários
do comércio. Além do mais, os próprios jornais também estavam na concorrência para
veiculação de propagandas.
A proliferação das amplificadoras na cidade, no entanto, foi descrita de maneira
menos rancorosa e agressiva nas linhas iniciais da obra de H. Dobal, Roteiro Sentimental e
Pitoresco de Teresina: “[...] praças para os namorados, a quem a polícia o permite
muitas expansões, cinemas, a missa dos domingos, os bailes, a cerveja e em qualquer lugar há
sempre a música de um alto-falante[...]”
116
O incômodo do barulho das amplificadoras no centro de Teresina, porém, era
reconhecido até mesmo por quem nelas trabalhou. O técnico Luís Gonzaga Fernandes
Carvalho, hoje com 72 anos e tendo no currículo a montagem de seis estações AM no Piauí,
114
ALTO-FALANTES. O Dia, Teresina, p.3, 4 mar 1951.
115
Id. Ibid.
116
DOBAL Op. cit. 12
92
dentre elas a Rádio Pioneira de Teresina, começou a tomar gosto pela profissão trabalhando
na Amplificadora Comercial Teresinense, por volta de 1950, como controlador da
aparelhagem e montador dos equipamentos.
Foto 05 - Luís Gonzaga Fernandes Carvalho
Fonte: Acervo fotográfico do pesquisador Daniel Vasconcelos Solon
Segundo Carvalho, os dois maiores serviços de alto-falantes no centro, a Cruzeiro
do Sul e a Amplificadora Comercial Teresinense tinham concorrência acirrada e possuíam
licença da prefeitura para funcionarem em horários alternados. Tais horários nem sempre
eram respeitados. E como os alto-falantes das amplificadoras eram instalados em um mesmo
poste nas praças Rio Branco e Pedro II, era comum a barulheira tomar conta das ruas do
centro, em pleno horário comercial.
[...]Era uma fuzarca danada!!!(sorrindo) Quando uma entrava no horário da
outra ninguém se entendia, aquela fuzarca, não se tinha controle, a prefeitura
perdeu o controle de fiscalização. As duas (amplificadoras) eram num poste
só. Na Pedro II era aquela barulheira tremenda, lá no mercado também,
quando brigavam entre eles, era aquela confusão danada que ninguém se
entendia, aquela barulheira tremenda.[...]
117
A não obediência aos horários estabelecidos pela prefeitura também é confirmada
em nota de jornal que continuava sua campanha contra o barulho do centro da cidade
provocado pelas amplificadoras:
117
CARVALHO, Luís Gonzaga Fernandes. Entrevista cedida a Daniel Solon em 27 dez de 2004.
93
Em nossa penúltima edão falamos do barulho infernal e do desmedido
número e choque de horários das dezenas de auto-falantes (sic) que infestam
Teresina de um certo tempo pra cá. Parece, entretanto, que com a nossa nota
e apelo a quem de direito, equivaleu “malhar em ferro frio”, e as autoridades
a quem compete reprimir o abuso, continuam de braços cruzados[...]
118
Tão logo nasceram os anos 50, Teresina se preparava para comemorar o primeiro
centenário.
119
A cidade queria crescer, mas os discursos presentes nas páginas de jornais
revelavam o desejo de que o processo de modernização
120
avançasse silencioso e calmo, sem
traumas, sem ruídos. Durante o horário comercial, no entanto, as ruas do centro, ofereciam os
sons estridentes que advinham no mesmo ritmo do “progresso”.
O barulho do trânsito de carros, caminhões, ônibus, ciclistas, motociclistas... O
grito dos vendedores ambulantes, o zunzunzum das rodas de conversa sobre a política e a
expectativa em torno da festa de aniversário da capital... As várias bocas de alto-falantes
utilizadas por casas comerciais para propaganda, além das amplificadoras maiores que
funcionavam como “estações de rádioimprovisadas desde o final da década de 30... Tudo
isso fazia parte da “paisagem sonora”
121
da cidade, no nascimento dos anos 50.
Era necessário que tudo parecesse perfeito na festa do centenário, em 1952. Os
bares, cafés, hotéis, pensões e prostíbulos deveriam ter o asseio impecável para receber os
visitantes, alguns deles ilustres figuras do cenário político nacional, intelectuais e artistas
consagrados do rádio nacional que iriam animar as festividades.
118
ALTO-FALANTES. O Dia, Teresina, p.1, 25 fev 1951.
119
Para se estudar a memória, também é necessário visualizar o espaço onde ela – ou parte dela – foi construída.
Por isso também analisamos um possível cenário do centenário de Teresina. “[...]Não memória coletiva que
o se desenvolva num quadro espacial. [...] É sobre o espaço, o nosso espaço aqueles que ocupamos, ao qual
sempre temos acesso, e que em todo o caso, nossa imaginação ou nosso pensamento é a cada momento capaz de
reconstruir que devemos voltar nossa ateão; é sobre ele que nosso pensamento deve se fixar, para que
reapareça esta ou aquela categoria de lembranças”, Cf. HALBWACHS, 1990, Op. Cit.
120
Para Nascimento, “é possível afirmar que existia um processo de modernização em Teresina desde a primeira
cada do século XX”. Em seus estudos sobre o período do Estado Novo, concluiu que o incêndio de casas de
palha em Teresina serviram para empurrar a população pobre da capital para a periferia, contribuindo com o
poder público no projeto de “embelezamento urbano”. Ver: NASCIMENTO, Francisco Alcides do. A cidade sob
o fogo: modernização e violência policial em Teresina (1937-1945). Teresina, Fundação Monsenhor Chaves,
2002. Trabalha-se aqui com a hipótese de que o processo de modernização da capital piauiense tenha avançado
com a implantação da primeira estação de rádio, advento de novas tecnologias, com o fortalecimento do
corcio e com o discurso (e efetivação) de mudanças de comportamento da população. Outros autores sugerem
que o processo se consolida com a melhoria de serviços como iluminação blica (com a inauguração da Usina
de Boa Esperança), com programas de integração e desenvolvimento promovidos pelo governo federal, dentre
outros, a partir do final da década de 60, Cf. BRANDÂO, Wilson de Andrade. Formação Social. In:
SANTANA, R. N. Monteiro (org). Piauí: Formação, Desenvolvimento, Perspectivas. Teresina, Halley, 1995.
121
BOSI, Ecléa, 1994, p. 445
94
As ruas e praças deveriam estar limpas e arrumadas, sem buracos, sem lixo
amontoado. As fachadas dos prédios comerciais e das residências precisavam passar por
reformas. As pessoas deveriam se trajar de maneira elegante, e demonstrar asseio.
Era urgente “limpar” as ruas da desagradável presença dos mendigos que se
multiplicavam e denunciavam, a cada pedido de esmolas, uma outra cidade em que viviam:
sem brilho, sem verde, sem luz, sem água, sem transporte, sem calçamento, sem emprego,
sem escola, na periferia.
122
E mais. Os ruídos que faziam parte do cotidiano do centro da
cidade haveria de ser, de alguma forma, abafados. Teresina deveria perder o título de cidade
do barulho”.
Teresina é a cidade do barulho e do desrespeito. Capital pequena, mas em
franco progresso, é ela, entretanto, merecedora de ser educada pelas
autoridades e por todos aqueles que têm alguma parcela de responsabilidade
junto à coletividade[...]
Terra desprezada, maltratada, feia, sem educação, sem moralidade eis o
retrato de Teresina, cidade onde todo mundo é autoridade, é polícia, mas
onde ninguém quer cumprir as suas obrigações.
Desrespeito e barulho eis o que Pedro (Freitas - governador), João,
Waldir, Matias Olímpio (prefeito), Samuel, 3 delegados e cinco mil agentes
do poder público vão apresentar no centenário.
Infeliz Teresina. Pobre Conselheiro Saraiva! Povo Mártir!
123
Para tentar modelar o funcionamento da cidade dentro do pensamento
hegemônico da elite local e planejar uma grande comemoração em torno da data, foi formada,
uma comissão em 1951 com a participação de políticos, jornalistas, intelectuais e
representantes do governo do Estado e prefeitura municipal.
[...]Embora pertencendo a partidos diferentes, o governador Pedro Freitas,
do PSD, e o prefeito João Mendes, do PTB, tinham o melhor relacionamento
pessoal e trataram logo de articular da melhor maneira possível a
programação das festividades comemorativas do centenário de nossa capital,
fazendo o melhor uso dos recursos federais recebidos para esse fim. Foi
assim constituída, ainda em 1951, importante comissão que começou a
trabalhar com interesse, dela fazendo parte lideranças destacadas de nossa
Teresina em todas as áreas. Tinha como presidente de honra o Governador e
presidente executivo o próprio Prefeito[...]
124
Tal comissão teve a responsabilidade de aprovar o nome do empresário Assis
Chateubriand, um barão da mídia escrita e falada, para ser Patrono do Centenário de Teresina.
122
“A Chefia de Polícia está na obrigação de levar a efeito uma séria campanha contra a mendicância em
Teresina – Uma campanha enérgica que não tombe para a rotina”, Cf. O PIRRALHO, Teresina, p.1, 26 jan 1952.
123
O PIRRALHO, Teresina, p.1 e p.6, 12 jul de 1952.
124
FREITAS. José Gayoso. Centenário que marcou nossa história. In: SANTOS, José Lopes dos. A vida e seus
caminhos... 2º Volume, Teresina, Gráfica Mendes, 2002, p. 298
95
O motivo da escolha foi estampado como matéria principal da primeira página do Jornal do
Comércio:
[...] A Comissão Organizadora dos Festejos do Centenário de Teresina, em
sua reuno de 14 do corrente, por unanimidade, delegou poderes ao Prefeito
João Mendes Olímpio de Melo [...] para convidar o vibrante e consagrado
jornalista Assis Chateubriand, dinâmico e realizador diretor dos Diários
Associados”, para PATRONO do Centenário de nossa cidade. Esta
providência, de grande alcance, por diversos prismas, para bom êxito das
festividades de 16 de agosto próximo, constitui uma merecida homenagem
de nossa terra à mais poderosa cadeia de jornais, revistas e estações de rádio
do país, ao mesmo tempo em que reconhece e põe em realce o valor de Assis
Chateubriand, figura brilhante acatada por seus explendorosos dotes de
homem lutador, dotado de espírito filantrópico, posto em prova atravêz (sic)
das campanhas que dirige em favor da aviação de assistência à maternidade
e a infância[...]
125
A matéria “esqueceu” de citar que a primeira estação de televisão no país, a TV
Tupi, também era pertencente aos “Associados”, tendo sido inaugurada ainda em 1950.
Talvez por conta do Piauí não receber o sinal da emissora, tenha ocorrido o tal esquecimento.
Lembrar a inovação tecnológica poderia mostrar que o rádio o era o novo, nem sinônimo
de progresso. Por sua vez, a escolha do patrono, que havia inclusive acabado de comprar a
dio Difusora de Teresina, aumentando ainda mais o seu império, não foi bem recebida por
todos os setores da imprensa da capital.
Especulava-se que Chateubriand abriria um jornal na cidade. O semario O
Pirralho usou várias de suas edições para criticar duramente o empresário, como na nota
intitulada “Chatô vem aí”, que praticamente desconstruía todo o discurso feito em favor do
magnata da comunicação realizado pelo Jornal do Comércio:
O senador, doutor e patriota Assis Chateubriand vem , comprando tudo.
comprou a Rádio Difusora, vai montar um jornal e oferecer qualquer cousa
aos teresinenses.
Chatô não bate prego sem estopa. Quando protege por um lado, esfola por
outro.
Chatô fez campanha em favor da aviação e zás! empurrou centenas de
teco-tecos da sua fábrica em São Paulo.
Agora vem a Teresina, para alguma marmota.
O mais interessante é que Chatô anda solto.
126
Não se pode dizer quais os reais motivos que levaram à campanha contra
Chateubriand nas folhas de O Pirralho. O certo é que o homenageado tinha mesmo uma fama
125
ASSIS Chateubriand será convidado para patrono do centenário. Jornal do Comércio, Teresina, p.1, 16 fev
1952.
126
O PIRRALHO, Teresina, p.6, 19 abr 1952.
96
de espertalhão e de grande gozador, que tirava vantagem de tudo em que se metia. Ao receber
a confirmação do convite para ser patrono do centenário, o empresário teria sorrido e
perguntado ao prefeito de Teresina: “Quanto isso vai me custar?”.
127
A compra da Rádio Difusora, por 20 parcelas de 15 mil cruzeiros, dentre outras
transações que Cha realizava pelo país, foi concretizada sem que os donos tivessem a
certeza de que o dinheiro realmente viria. Ao se tornar uma associada, a emissora teve sua
trajetória mudada de forma importante, com a substituição de parte de sua diretoria.
128
O peso simbólico da festa de 100 anos da capital a ser comemorada em 1952 e o
discurso dominante da consolidação de uma sociedade “civilizada e progressista” exigiam
mudança de comportamento dos teresinenses e uma reorganização espacial da cidade. A
Comissão P-festividades do Centenário viu na imprensa uma aliada para a tarefa de
convencimento da população, através de um discurso uníssono em prol da festa e dos valores
que deveriam surgir e permanecer a partir daquele momento.
Grande parte das notas, crônicas e artigos publicados nos jornais teresinenses
durante os meses que antecederam o aniversário de 100 anos da capital trazia um chamado à
população para se integrar ao projeto de transformarem a cidade ou pelo menos a área
central de Teresina, durante as festividades em um verdadeiro paraíso, ordenado, coeso,
limpo, saudável, silencioso e dentro da ordem.
A campanha na imprensa pelo envolvimento dos moradores no clima de festa e
cooperação foi realizada em todos os jornais da cidade. Os discursos, no entanto, e a própria
campanha, não eram aleatórios, não foram feitos isoladamente, nem nasceram na visão
espontânea de cada editor de jornal.
129
A Comissão Pró-festividades do Centerio de Teresina, reunida no dia 30 de
janeiro de 52, aprovou, por unanimidade, a criação de um prêmio de Cr$ 5.000,00, proposto
pelo então advogado Walter Alencar, “para o jornal que mais se destacar em publicidade pró-
centenário”.
130
O pagamento do prêmio seria entregue no dia 1º de agosto daquele mesmo
ano.
A partir daquele momento, os donos de jornais tiveram mais um incentivo para
assimilarem o pensamento regulador da cidade, ditado pelo poder público. Além disso, a
127
MOLEQUE. O Pirralho, Teresina, p.6, 15 jun 1952.
128
NASCIMENTO, Alcides do. História e Memória da Rádio Pioneira de Teresina. Teresina, Alínea
Publicações Editora, 2004, p. 27.
129
“Em toda a sociedade a produção do discurso é ao mesmo tempo controlada, selecionada, organizada e
redistribuída por certo mero de procedimentos que tem por função conjurar seus poderes e perigos, dominar
seu acontecimento aleatório, esquivar sua pesada, temível materialidade”, Cf. FOUCAULT, Michel. A ordem do
discurso. São Paulo, Edições Loyola, 1996, p. 9.
130
COMISSÃO Pró-festividades do Centenário de Teresina. Diário Oficial, Teresina, p.8, 5 fev 1952.
97
imprensa passou a fazer parte de Comandos Sanitários,
131
uma espécie de força-tarefa para
fiscalizar e até mesmo sugerir punições aos estabelecimentos que não se enquadrassem em
níveis de higiene exigidos pelo Departamento de Saúde.
Em fevereiro daquele ano, o jornal A Cidade anuncia em nota intitulada A
imprensa e o primeiro centerio de Teresina que a fiscalização dos estabelecimentos
comerciais como bares, cafés, hotéis, dentre outros, seriam intensificados, com a criação dos
Comandos Sanitários.
Dentro de alguns dias será iniciada uma intensa campanha de higienização
de nossas casas de hóspedes pela imprensa, não só por intermédio dos
jornais, como também por visitas dos jornalistas teresinenses que em
colaboração com o Departamento de Saúde, organizarão Comandos
Sanitários”, visando antes de tudo conseguir dos hoteleiros de Teresina,
melhoria nas instalações, limpeza do prédio e dos móveis, higienização dos
utensílios, etc [...]
132
A situação verificada pelo óro fiscalizador de saúde, entretanto, era
desalentadora, de acordo com a nota de um jornal humorístico que circulava na cidade:
“Informa a Saúde Pública que noventa por cento de nossos bares, cafés e restaurantes não
oferecem condições higiênicas para funcionar. E continuam abertos. Viva a porcaria!”
133
A ofensiva da imprensa continuava, ao mesmo tempo em que os “Comandos
Sanitários” pareciam atuar de fato, punindo até com fechamento temporário os
estabelecimentos que o seguissem as normas de limpeza exigidas, conforme sugere nota de
aviso intitulada Restaurante Acadêmico:
O proprietário do Restaurante Acadêmico, sito à Praça Pedro II, avisa aos
seus freguêzes e ao público em geral, que cerrou, suas portas,
temporariamente, a fim de proceder reforma em suas instalações, de acordo
com solicitação do Departamento de Saúde [...]
134
Na edição seguinte do mesmo periódico, não se sabe ao certo se por pressão dos
ditos “Comandos Sanitários” ou por adesão voluntária à campanha de limpeza colocada na
agenda da cidade, anuncia-se que rios lojistas trataram de dar melhor aparência aos pontos
comerciais, realizando reformas nas instalações.
131
O jornal O Pirralho foi quem lançou a iia da constituição de Comandos Sanitários para a campanha de
higienização. O periódico criticava a ineficiência da comissão do centenário, que não resolvia os problemas do
centro da cidade. Ver: O PIRRALHO, Teresina, p.5, 12 jan 1952.
132
A IMPRENSA e o primeiro centenário de Teresina. A Cidade, Teresina, p.1, 12 fev 1952.
133
NOVENTA por cento. O Pirralho, Teresina, p.5, 17 mai 1952.
134
RESTAURANTE Acadêmico. Jornal do Comércio, Teresina, p.2, 15 mai 1952.
98
[...] Atendendo nossos apelos quanto à limpeza e reforma de prédios, as
firmas da Praça Rio Branco A Pernambucana”, Esplanada” e
Cooperativa”, iniciaram suas obras, sendo de destacar as de “A
Pernambucana”, onde de fachada, estão sendo gastos cerca de $ 50.000,00
no louvável intuito de colaborar no preparo de Teresina, para suas festas
centenárias. Com o mesmo propósito, podemos registrar, nestes poucos dias
o “Bazar Crisantemo” fará uma grande reforma exterior e internamente nas
suas instalações. As “Lojas Rianil”, por sua vez, vão promover limpesas
(sic) [...]
135
Aproveitando o movimento pela melhoria estética e estrutural nos
estabelecimentos comerciais, uma firma do ramo da construção civil lançou campanha para
realizar, “com vantajosos preços”, obras no centro de Teresina, além de construir “modernas”
residências:
Todos falam no Centenário de Teresina e todos se preparam para festejá-lo.
Cada um, entretanto, tem procurado dar o seu apoio e a sua sugestão ao
programa comemorativo que o Governo do Estado, a Prefeitura, as
Associações de classe, a imprensa e o povo em geral organizam.
A Empresa Construtora Comercial Ltda. o poderia ficar alheia a o
grande acontecimento. E dentre as suas contribuições, destaca-se o plano
magnífico de construções, pelos menores preços, das mais belas e modernas
casas de Teresina.
Além disto, a Empresa está oferecendo vantajosos preços para a pintura das
fachadas e interiores de nossas casas comerciais, bem como sugestivos
planos para melhoria e conforto de nossos bares e sorveterias.
Cooperemos para o Centenário de Teresina e aproveitemos a grande
oportunidade que oferece ao povo a Emp. Construtora Comercial Ltda.
136
As “Lojas Rianil”, que haviam anunciado reforma em suas dependências, também
aproveitaram o momento para sugerir à população uma melhoria na forma de se vestir, para
participar das comemorações do centenário com elegância:
Neste mês nos balcões de RIANIL estão sendo lançadas as últimas
novidades encomendadas especialmente para a Comemoração do Centenário
de Teresina, por este motivo, RIANIL tem o grato prazer de convidar a
família Teresinense, para verificar em suas vitrines este belíssimo sortimento
jamais visto em Teresina. Apresente-se elegantemente trajado nos festejos
do Centenário de Teresina, com os tecidos de RIANIL.
137
Porém, quem organizava a cidade queria muito mais que um teresinense com
roupa nova andando por uma cidade limpa e organizada em sua fachada. Era importante
135
É VERDADE ... Jornal do Comércio, Teresina, p.1, 18 mai 1952.
136
CENTENÁRIO de Teresina. O Pirralho, Teresina, p.5, 24 fev 1952.
137
A CIDADE, Teresina, p.3, 6 jul 1952.
99
também que fossem novos os costumes, que fossem abolidos o uso de tecnologias não mais
adequadas a um pretenso novo tempo que começava com o centenário. O discurso de
intervenção no espaço urbano proposto pela imprensa local remete à idéia da primeira “porta”
da cidade, constituída pelos saberes médicos e da engenharia, ou seja, ao sanitarismo,
conforme descreve Maria Stella Bresciani:
A idéia sanitária nasce com a dupla concepção física e moral, ou melhor,
com a sugestão de que se atingiria a mente e a formação moral do homem
por meio da modificação do ambiente e, em decorrência, do corpo e do
comportamento das pessoas.
138
Ou como sugere Resende, “nas notícias divulgadas pela imprensa, estavam
esboçadas as metamorfoses, as máscaras e os (des)encantos que envolvem as representações
que a sociedade tem sobre o moderno e tradicional”,
139
num duelo do “velho” contra o
“novo”. Foi entre matérias sobre Guerra Fria e Era Atômica,
140
discos voadores,
141
robôs,
142
TVs, TV-Fone (que possibilitariam inclusive o contato visual entre as pessoas à longa
distância),
143
dentre outros avanços tecnogicos, que hábitos como o de se sentar à calçada, à
noite, por exemplo, passaram a ser questionados em artigos de jornais.
[...]Seria de grande proveito se os senhores pais de família chamassem
atenção do seus garotos mostrando o quanto de inconveniente essas
crianças correrem de bicicleta nos passeios. Não ignoramos o quanto são
escassos nossos passeios, especialmente quando os proprietários resolvem
fazer roda de cadeiras nas portas, como se ainda estivéssemos nos tempos
coloniais, em que não tínhamos trânsito de veículos e grandes movimentos
populares.[...]
144
O teor de várias notas publicadas nos jornais do período pareciam revelar
resquícios de um pensamento autoritário vivenciado durante o Estado Novo. Inocentes
brincadeiras de criança, por exemplo, estavam na mira dos que planejavam a festa do
centenário e eram tratadas com muita rigidez, a ponto de se transformarem em caso de
intervenção das forças de segurança, cabendo ao aparato policial reprimir o abuso da
garotada a empinar papagaio de papel, tropeçando em quem passa”.
145
138
BRESCIANI, Maria Stella. As sete portas da cidade. Espaço e Debates, n. 34, NERU, 1991, p. 11.
139
RESENDE, 1997, p.16.
140
ERA atômica, O Piauí, Teresina, p.3, 14 nov 1951.
141
DISCOS voadores – 2. O Piauí, Teresina, p.3, 1 jun 1952.
142
ERA dos autômatos. O Piauí, Teresina, p.3, 22 julho 1951.
143
JORNAL DO PIAUÍ, Teresina, p.1, 4 set 1952.
144
CENTENÁRIO de Teresina. A Cidade, Teresina, p.1, 3 mai 1952.
145
PRIMEIRO centenário de Teresina - autoridades que precisam de ação. A Cidade, Teresina, p.4, 28 mai 1952.
100
As notas sensibilizavam os moradores sobre a importância de alteração de
costumes para o bom funcionamento da cidade e para o sucesso das festas do centenário.
Porém, mudar costumes há muito tempo enraizados em grupos de pessoas não seria tarefa
fácil que pudesse ter resultados positivos em curto prazo. Halbwachs explica que “os hábitos
locais resistem às forças que tendem a transformá-los, e essa resistência permite perceber
melhor até que ponto, em tais grupos, a memória coletiva tem seu ponto de apoio”.
146
Ainda
de acordo com o autor, “há tantas maneiras de representar o espaço quantos sejam os
grupos”.
147
Dentro da própria elite, havia um grupo que ainda tinha o velho costume de
sentar-se à calçada, como relata Genu Moraes:
[...] Tem uma história muito engraçada que contavam aqui em Teresina,
você sabe que aqui é perto do Palácio do Governo, né? Então meu pai
gostava de controlar o prestígio do governador, através da roda. Todo dia,
quando dava cinco horas da tarde, mandavam colocar as cadeiras lá na porta
do Palácio, para as pessoas se sentarem, porque aqui em Teresina se usava
muito a pessoa se sentar nas portas das casas. Então eles faziam isso,
colocavam na porta do palácio. Então quando a roda tava grande, o
governador estava muito prestigiado. Ou então, quando estava diminuindo, é
porque não ia mais ninguém né? [...]
148
O poeta João Ferry, que lançou o livro Chapada do Corisco dentro do calendário
de comemorações do aniversário da cidade, mostrou no poema que deu nome à obra
exatamente as mudanças pelas quais Teresina estava passando. Os versos soam como um
lamento, como uma saudade de um lugar que parecia mais romântico, calmo, acalentador,
silencioso e de hábitos que estavam sendo questionados:
[...]Outros costumes tu possues, agora,
tens estátuas, cinemas, tens barulhos,
Adeus, minha Chapada, vou-me embora
Que meus sonhos de outrora são entulhos[...]
149
As mensagens dos jornais de Teresina, nos primeiros meses de 1952, apelavam
para o espírito “cívico” e “patrióticodos moradores e soavam como um tipo de manual de
conduta do teresinense para deixar uma boa imagem aos visitantes. A imagem de cidade
moderna e ligada às mudanças que aconteciam nos grandes centros urbanos do país. Além
disso, o sucesso da festa seria um bom exemplo para as futuras gerações.
146
HALBWACHS, Op. Cit, p. 136.
147
id, Ibid p.159.
148
MORAES, op. cit.
149
FERRY, João. Chapada do Corisco. Teresina, Imprensa Oficial do Estado, 1952, p.26.
101
[...]Convém ficar bem patente que a nossa advertência é um simples
lembrete sem outra presunção, cujo intuito é não deixarmos na impressão
dos que nos visitarem, por ocasião do centenário de Teresina, a idéia de
retrógrados e desconhecidos dos mais rudimentares princípios de educação.
Ajudemos, teresinenses, a gravar na história do Piauí uma página gloriosa
das comemorações do Centenário de Teresina, porque nossos feitos seo
lembrados daqui (sic) cem anos e mais, como é lembrado o decálogo de
Moisés nas tábuas da lei.
150
Nos discursos dos jornais, no ano em que Teresina comemorou o primeiro
centenário, a cidade tornou-se um lugar onde já não havia mais espaço para os serviços de
alto-falantes, os quais passaram de grande novidade para símbolo de atraso em pouco mais de
uma cada. Em nome do progresso, da modernização, “em proveito do sossego públicoe
para “não interferirem com os serviços de trânsito e da estação de rádio existente”,
151
os
serviços de alto-falantes foram desativados da área central de Teresina, através da Lei
Municipal nº 240, aprovada em 27 de março de 1952.
A regulação dos espaços e dos corpos
O poder público municipal parecia ter pressa em mudar o visual da cidade e ao
mesmo tempo diminuir o barulho no centro da cidade, para as festividades do centenário.
Prova disso é que a lei nº 239, ou seja, imediatamente anterior a que proibia o funcionamento
dos alto-falantes no centro, estimulava os proprietários de imóveis a fazer limpezas externas
nos prédios, reformar fachadas e calçadas, garantindo isenção de imposto a quem aderisse à
campanha. Ambas as leis foram publicadas no Jornal O Piauí, que fez uma campanha
sistemática em prol da festa de 100 anos de Teresina.
152
Dizia a Lei 239 de 1952:
Art. - Com o objetivo de concorrer com o embelezamento da cidade no
período do centenário, ficam isentos, por três mêses, de abril a junho, do
corrente ano, do pagamento do Imposto de Licença a que estariam sujeitos,
os proprietários de casas residenciais ou não, situadas na sede do município,
que se propuserem a fazer limpeza externa das mesmas, bem como
construção ou reconstrução dos passeios.
§ Único As licenças a que se refere a presente lei, serão concedidas aos
interessados, à vista do requerimento, exigindo-se, excepcionalmente, o sêlo
comemorativo de Cr$ 2,00.
153
150
CENTENÁRIO de Teresina. A Cidade, Teresina, p.1, 3 mai 1952.
151
TERESINA. Lei Municipal nº 240, de 27 mar 1952.
152
O PIAUÍ. Ano LXII,
nº 774, 6 de abril de 1952, p.3.
153
Id.
102
Os jornais impressos e a Rádio Difusora comemoraram a aprovação da lei anti-
amplificadoras com muito entusiasmo. Uma nota do jornal O Pirralho sintetizava o
pensamento dominante dos que faziam a imprensa de Teresina, denominando como acertado
O ato da mara Legislativa de Teresina determinando o encerramento das
atividades das amplificadoras locais. Teresina não é mais aldeia, nem taba,
nem biboca. É cidade civilizada. Os alto-falantes da praça Rio Branco
paulificavam, todo o dia, os ouvidos da população com um barulho
ensurdecedor. As partes, na Diretoria da Fazenda e na dita das Obras
Públicas viviam aos gritos. Que os vereadores continuem a acertar,
consertando, com os nossos melhores aplausos.
154
A lei municipal que proibiu o funcionamento de serviços de alto-falantes externos
no centro de Teresina estabelecia que os proprietários das amplificadoras teriam 45 dias para
cessarem suas atividades. O prazo era improrrogável mas, antes disso, elas haviam
silenciado. A legislação, no entanto, abriu brecha para os comerciantes principais
componentes da elite que dirigia o poder estatal - que poderiam continuar utilizando
microfones para propaganda, desde que as cornetas de som não estivessem instaladas nas
fachadas das lojas ou em via pública. Ou seja: alto-falantes continuaram funcionando dentro
das casas comerciais, próximos às calçadas.
Parecendo não compreender o teor da lei, que proibiu o funcionamento dos
serviços de alto-falantes não pertencentes à elite comercial, o periódico “O Pirralho
esbravejou contra o barulho das propagandas sonoras, reclamando contra a falta de interesse
dos lojistas em anunciar na Difusora. Uma nota, em especial, denunciou lojas, como a Casa
Nova, que “como as outras, continuam a burlar a lei, com microfones instalados junto às
portas de entrada. Essa gente, que tanto ganha, não quer pagar anúncios na Rádio local. Não
lhe interessa. Prefere chatear a humanidade”.
155
Para o atirarem contra o próprio pé, os vereadores e o prefeito de Teresina
pouparam, na lei, os interesses dos dirigentes políticos e de suas agremiações partidárias. Os
dirigentes políticos da cidade sabiam da importância em continuarem utilizando os alto-
falantes, principalmente em períodos eleitorais. Por isso, a lei permitiu o funcionamento de
alto-falantes externos nas sedes de partidos políticos registrados, para serviço apenas de
propaganda partidária, nos três meses antecedentes às eleições.
Antes da proibição, era comum que os partidos utilizassem os microfones das
amplificadoras comerciais do centro para fazerem críticas aos adversários ou fazerem
154
CERTO. O Pirralho, ano XVI, nº 94, 5 abr 1952, p.4
155
O PIRRALHO, Teresina, p.3, 19 jul 1952.
103
campanha eleitoral. Os donos de amplificadoras, por sinal, sempre eram contratados para
garantir a estrutura de som e até mesmo animar comícios:
[...] Comício era conosco mesmo. Montávamos tanto para o PSD, como para
a UDN, como para o PTB, nós estávamos lá. Eles só queriam a gente,
porque sabiam que a gente sabia movimentar e nós falávamos em cima do
palanque. Antes a gente ficava vibrando, fazendo o povo vibrar.
156
No período eleitoral, as amplificadoras dos partidos políticos contribuíam
consideravelmente com o aumento do barulho na cidade. O ar estava em disputa, o poder
estava em disputa. Os alto-falantes faziam parte do arsenal de guerra entre os opositores.
Genu Morais
157
, filha do ex-senador Eurípedes de Aguiar, chefe político da União
Democrática Nacional, tem fortes lembranças dos alto-falantes dos partidos políticos e de uma
época em que Teresina carecia de grandes investimentos de infraestrutura.
Nós tivemos uma época aqui em Teresina que s não tínhamos nem luz...
Era uma Maria Fumaça [...] um motor velho que tinha na usina
(termelétrica). O doutor Alberto Silva, a pedido de meu pai, vinha de
Parnaíba, chegava e mexia nos parafusos e botava isso pra funcionar. Então
essa época é que eu convivi aqui em Teresina. Agora sobre essas rádios,
sobre esses serviços (de alto-falantes) eu conheci e me lembro dos políticos.
Eles tinham aquelas rádios na rua, aqueles serviços de alto-falante, na rua,
fazendo propaganda. Agora era tudo muito precário. Além disso tinha o da
Rianil, duma casa, uma loja de tecido, a Rianil, ali na praça Rio Branco.
Quem trabalhava na Rianil era o senhor Aragão, pai do Afonso Aragão, da
Coca-Cola. Eno essa firma Rianil era uma firma que vinha do Maranhão, e
então eles tinham um serviço de rádio lá na loja Rianil, anunciando e tudo.
Mas nós tivemos uma época aqui no Piauí que nem luz nós tínhamos. Então
como que nós podíamos ter um serviço de divulgação assim tão bom?
Agora, além disso,s tínhamos os serviços nos partidos. A UDN, por
exemplo, ficava ali na rua Coelho Rodrigues. na porta da UDN tinha um
serviço de alto-falante, era considerada assim uma coisa assim
extraordinária, ouviu? Era um serviço de alto-falante que funcionava ali.
158
156
FREITAS, op. cit.
157
Note-se que Genu Morais teve um forte envolvimento com a política. Talvez por isso, por conta do lugar
social que ela ocupa, e pela chamada memória seletiva, ela lembrasse mais das amplificadoras dos partidos do
que os serviços de alto-falantes que funcionavam na praça Pedro II, perto, aliás, do casarão de Eurípedes Aguiar.
158
CORREIA, op. cit.
104
Foto 06 – Genu Morais
Fonte: Acervo fotográfico do pesquisador Daniel Vasconcelos Solon
A fala da narradora nos remete a questão da representação dos alto-falantes no
processo de modernizão da cidade. As amplificadoras eram, de acordo com a fala de Genu
Morais, algo que variava entre o “precário” – em relação a presente – e o “extraordinário”, em
relação ao passado. Era o novo e o velho em duelo. Tal qual salienta Berman, “ser moderno é
viver uma vida de paradoxo e contradição. [...] É ser ao mesmo tempo revolucionário e
conservador [...]. Dir-se-ia que para ser inteiramente moderno é preciso ser antimoderno”.
159
Os alto-falantes veis também escaparam da proibição no centro de Teresina, o
que também gerou protestos na imprensa. Queixa contra as amplificadoras ambulantes podia
ser vista ainda no início de 1952, no jornal “O Piauí”, que alertava os leitores contra um
possível golpe que estava sendo praticado na praça, uma “torpe exploração”, segundo o título
da matéria:
Em dias de dezembro último Teresina presenciou uma maneira inédita de
solicitar fundos em benefício aos hansenianos piauienses. Um tal Sr. Dirceu
Rendeiro de Noronha fez instalar um auto-falante (sic) sobre a cabine de um
caminhão e, de casa em casa, dirigiu veemente apelo à população de nossa
capital, para que a mesma concorresse na medida de suas posses, para a
melhoria das condições dos doentes internados.
É claro que a alma boa de nossa gente sentiu-se profundamente tocada pelo
humanitarismo da solicitação calorosa, e, por isso não faltaram donativos
que Dirceu recebia agradecido. Depois de haver “trabalhado em Teresina,
159
BERMAN, Marshall. Tudo o que é sólido se desmancha no ar. São Paulo: Companhia das Letras, 1988, p.13.
105
se foi o homem à Parnaíba, onde, com a utilização dos mesmos métodos,
obteve vultosa cópia de esmolas.
160
Os que viviam o dia a dia do centro de Teresina eram desafiados a se
acostumarem ouvindo os sons do progresso, mesmo que este viesse em passos lentos. Além
dos “carros de sons”, das amplificadoras dos partidos políticos em época de eleição e dos
reclames sonoros irradiados às portas das casas comerciais, era possível ouvir outros alto-
falantes, desta vez fixados no alto de algum prédio, mastro ou árvore da margem “de lá” do
rio Parnaíba. Como lembra o poeta H. Dobal, “quando as amplificadoras são proibidas em
Teresina, a de Flores
161
eleva o tom para ser ouvida do outro lado do rio”.
162
A amplificadora
era ponte entre as duas cidades.
Um dos serviços de alto-falantes mais conhecidos à época em Timon era “A Voz
de o José”, instalado pelo padre Delfino Júnior, ao lado da igreja de São José. A
amplificadora
entrava no ar às 18h, diariamente com o programa “As catacumbas de
Roma”, sobre História Geral, apresentado por Manoel Viana. Permanecia no
ar até às 22h, na voz do locutor Laureano Matos. Divulgava publicações
oficiais, notícias de aniversários, mensagens dos ouvintes, discursos poticos
e músicas da época.
163
Os acirrados conflitos políticos na cidade de Timon, na época, foram alardeados
pela amplificadora “A Voz de São José”. O padre Delfino nior, irmão do deputado Vicente
Celestino, era tido como homem bastante polêmico. Entrevistas cedidas no estúdio da
amplificadora “A Voz de São José” chegavam a repercutir na imprensa teresinense:
Segundo estamos seguramente informados, o Sr. Urbano Martins, ex-
prefeito de Timon, falando ao microfone da amplificadora “Voz de São
José”, daquela vizinha cidade maranhense, teve oportunidade de declarar que
o Governo Federal iria mandar construir uma PONTE DE CIMENTO
ARMADO, sobre o Rio Parnaíba, ligando nossa capital a Timon.
164
160
JORNAL O PIAUÍ, Teresina, p.1, 5 jan 1952.
161
A cidade maranhense do ouro lado do rio já se chamava Timon quando H. Dobal escreveu seu Roteiro
Sentimental e Pitoresco de Teresina. Mesmo assim, continuava chamando aquele município de Flores por
considerar Timon um nome muito “antipático”, cf DOBAL, op. cit, p.50.
162
Id. ibid.
163
IGREJA, Marcos. Correspondência, a Daniel Solon, de apontamentos colhidos junto a moradores antigos de
Timon, em agosto de 2005, p.1.
164
JORNAL DO COMÉRCIO, Teresina, p.1, 14 jan 1950.
106
De fato, a notícia da construção de uma ponte sobre o Rio Parnaíba merecia
grande repercussão em Teresina, vez que até aquele momento a travessia era feita por canoas
“impulsionadas por vareiros calejados ou por motores de popa, que à noite dobram o preço da
passagem”.
165
Ainda existiam em Timon, naquela mesma época, a amplificadora do Centro
Artístico e Operário Timonense, e o serviço de alto-falantes
“A Voz Cristal da Cidade”, de propriedade de Venâncio Lula (Dancin),
poeta e pesquisador. Fazia oposição ao Padre Delfino e mantinha
programação similar à “A Voz de São José”. Também ficava no ar das 18 às
22h, todo dia. Eram seus locutores Leão Marinho e Dennis Clark.
166
Dennis Clark é o pseudônimo de José Feitosa Pires, que foi uma das figuras mais
conhecidas do rádio no Piauí na década de 50, quando atuou na rádio Difusora de Teresina.
Ele desenvolveu diversas atividades na emissora, desde quando entrou na emissora, em 1948,
como locutor, produtor e rádio ator.
167
O rádio na imprensa local
Segundo Marshall McLuhan, “o rádio provoca uma aceleração da informação que
também se estende a outros meios”.
168
Quando a Rádio Difusora foi ao ar, os que faziam a
imprensa escrita em Teresina estavam acostumados a repercutirem as notícias divulgadas
pelas emissoras de outros Estados brasileiros. No entanto, somente a partir de 1951, com a
estréia do noticiário “Grande Jornal Q-3” e de programas de entrevistas, os jornais locais
trataram de dar mais espaço à programação da emissora, muitas vezes realizando matérias a
partir de depoimentos dados por entrevistados no estúdio da rádio.
No início das atividades da Difusora, a rádio e os jornais da cidade talvez pela
questão da concorrência por anunciantes, ou pela desconfiança de alguns periódicos que
tinham linha política contrária à direção da emissora, ligada ao PSD não tinham um bom
relacionamento. Talvez fosse também o temor de que a categoria de radialistas passasse a ter
mais prestígio que os dos profissionais do prelo. Na opinião de Celso Pinheiro Filho, “o
165
DOBAL, op. cit, p. 50.
166
IGREJA, op. cit., p. 2
167
LIMA, op. cit, p.71
168
MCLUHAN, Marshall. Os meios de comunicação como extensões do homem.(Understanding media) 13. ed.
o Paulo: Cultrix, 2003, p 344.
107
jornalismo de rádio encontrou, de início, uma forte barreira enciumada do jornalismo
convencional. Recusavam-se os deste grupo em aceitarem os novos colegas”.
169
Em 1952, um pouco mais de um mês depois da aprovação da lei (figura 4) que
silenciou os serviços de alto-falantes no centro de Teresina, o jornal O Dia inaugurou uma
coluna para tratar sobre o rádio piauiense, fazendo comentários sobre programas, publicando
críticas dos ouvintes e fazendo a divulgão da programação e atividades desenvolvidas pela
Difusora.
Na primeira edição da coluna, foi destacado o início do programa Bate-papo na
Praça, que tinha o perfil de apresentar crítica aos problemas cotidianos da cidade, “uma crítica
serena e honesta ao que de errado em todos os setores da vida de nossa capital”.
170
O
programa inaugural reclamava, dentre outras coisas, do “serviço de alto-falante”, mostrando
que a campanha contra as amplificadoras continuava mesmo após a expulsão delas do centro
da cidade.
O nome Bate-papo na Praça é ainda sugestivo. Parecia revelar que a Rádio
Difusora, enfim, estava assumindo um espaço as praças que era dominado pelas
amplificadoras, suas concorrentes no mercado publicitário. É curioso ainda destacar que a
coluna “Rádio” tenha surgido em edição posterior do jornal O Dia
171
que tinha como maior
destaque uma saudação ao empresário Assis Chateubriand pela compra da Difusora de
Teresina.
A presença do diretor da Rádio Difusora, José Lopes dos Santos, nas páginas de
jornais era freqüente, seja como profissional da emissora, seja como funcionário de órgão
estatal. Ele também freentava o círculo dos jornalistas e talvez por isso tivesse acesso
facilitado nas redações de jornais. As palavras de José Lopes dos Santos mostram como era a
relação entre as amplificadoras e a única estação de rádio local.
Eu acho... (ranran) que as amplificadoras faziam realmente uma concorrência meio
desagradável às emissoras. As emissoras não faziam programas em alto som, tinha
sua área de escuta, que era em casa e em toda casa, quase, havia rádio e se fosse
fazer... o barulho que as amplificadoras faziam ficava uma verdadeira confusão
dentro da cidade. Depois tinham amplificadoras com alto valor de altura, outras
menos, que não gostavam da concorrência, mas... acabou isso... com a presença de
mais rádios, né?, mais estações ... Porque teve a Difusora que foi inaugurada em
julho de 1948, parece. Depois veio a Rádio Clube, depois foram aparecendo e... o
rádio, não podia deixar de ser, venceu. Tanto assim que ainda hoje está
predominando sobretudo com a... a... chegada do... com a chegada do... da televisão!
169
PINHEIRO FILHO, op. cit, p. 181.
170
RÁDIO. O Dia, Teresina, p.4, 11 mai 1952.
171
A ORGANIZAÇÃO dos Diários Associados. O Dia, Teresina, p.1, 4 mai 1952.
108
Quase que não me lembro mais! Hoje parece que não há mais luta entre as
emissoras, né?
172
Figura 04 – Lei que proíbe o funcionamento de alto-falantes no centro de Teresina
Fonte: Jornal O Piauí, ano LXII, nº 774, 6 de abril de 1952, p.3.
Em junho daquele mesmo ano, foi aprovada a Lei Municipal 254
173
, que ampliava
a zona comercial de Teresina. A nova área (Figura 05) não abarcava ainda a Praça Pedro II,
mas chegava a uma de suas laterais, ou seja, a rua 13 de Maio. No entanto, a legislação que
cessou o funcionamento dos alto-falantes falava de “zona central”, e não de “zona comercial”
da cidade. Portanto, a proibição das amplificadoras extrapolava a área considerada para
funcionamento do comércio, rompendo os limites do novo mapa.
172
Ao falar da concorrência, Santos inverte o lugar de quem se sentia prejudicado pela disputa por anúncios
comerciais, colocando que as amplificadoras o gostavam da concorrência com a Difusora. É necessário
informar alguns detalhes sobre a entrevista de SANTOS, JoLopes dos, cedida a Daniel Solon em 13 jan 2005,
para se compreender o discurso de que o “rádio venceu”. Ao ser indagado sobre os possíveis conflitos entre a
Difusora e as amplificadoras, ele respondeu que “não, não, não teve”, seguido de um longo silêncio. Os silêncios
e não-ditos são estudados por POLLAK, Michael. Memória, esquecimento, silêncio. In: Estudos Históricos, Rio
de Janeiro, vol. 2, n 3, p. 3-15, 1989. Para o autor, “as dificuldades e bloqueios que, eventualmente, surgiram ao
longo de uma entrevista raramente resultavam de brancos da memória ou de esquecimentos, mas de uma
reflexão sobre a ppria utilidade de falar e transmitir seu passado”.
173
TERESINA. Lei Municipal nº 254, de 20 jun 1952.
109
Zona Comercial em 1952
1
1
Praça Pedro II
Figura 05: Mapa atual do centro de Teresina/Zona Comercial em 1952
Fonte: Secretaria Municipal de Planejamento – Semplan/PMT
Fechando as cortinas sob um céu estrelado
O centenário de Teresina foi comemorado oficialmente durante duas semanas,
com atividades culturais realizadas na Feira de Amostras, num espaço fechado na Praça João
Luís Ferreira. Quem pôde pagar, assistiu aos shows das grandes estrelas do rádio brasileiro
dentre outros Dircinha Batista, Abel Ferreira e sua Escola de Ritmos, Dilu Melo e sua sanfona
mágica, o pianista e instrumentista Guio de Morais, Pernambuco do Pandeiro e Elvira Pa,
cuja presença foi condenada oficialmente pela Diocese de Teresina.
Devido às atrações levadas à praça João Ls Ferreira, nunca os piauienses
estiveram tão perto do glamour da Era do Rádio vivido em outros Estados mais ricos. Foi a
oportunidade que a população teve para ver os ídolos mais de perto, pela primeira vez.
O que mais me impressionou no centenário de Teresina foi um grupo que
veio de o Paulo, eles montaram um circo ali na praça João Luís Ferreira,
você pagava a entrada e via tudo, tudo que você quisesse ver. Vem cantor de
fora, e... (pausa) Afonso Moura Gil parece, o cara que era encarregado lá. Eu
não pagava porque eu era empregado do correio, ele sempre ia pedir um
favor no correio e dava aquela entrada grátis, umas cortesias pra gente. Veio
o Orlando Silva, Vicente Celestino também veio.
174
174
SIQUEIRA, José de Ribamar. Entrevista cedida a Daniel Solon, Teresina 17 ago 2005.
110
A Rádio Difusora aproveitou o momento para se fazer presente nos locais onde
houvesse atividades em torno do centenário da cidade, abrindo os microfones da emissora
para os artistas contratados. As transmissões externas chamavam a atenção dos teresinenses,
aguçando principalmente a curiosidade da criançada, em especial de um garoto que depois
passaria a ser conhecido como Anjo Torto:
eu estava fazendo a irradiação e... destacando os dados para a imprensa
escrita... quando chegou um rapaz, um rapaz o, um menino, de oito anos,
né... desembaraçado, chegou e me procurou. Queria saber o meu nome. O
sr. que está...como é o seu nome?”. Eu dei o nome, e (ele) disse: “Por q
que o senhor está fazendo esta irradiação?”. Eu estou fazendo a irradiação
em nome da Rádio Difusora de Teresina, mas tamm de um órgão de... de...
que vai ser publicado na imprensa escrita. E você como se chama? Ele o
respondeu imediatamente, e disse: “Eu vim pedi ao sr., se fosse possível, é...
deixar eu ficar aqui perto, ouvindo o seu trabalho”. E seu nome como é que
é? “Torquato Neto”. Era desembaraçado já naquela época. “Eu posso ficar?”.
Pode!. Você quer aprender alguma coisa, né? Mas eu também sou... uma
espécie de aprendiz! É, mas o senhor está fazendo uma coisa que eu não sei
e eu queria aprender!”. Ficou ali comigo durante muito tempo...
175
Depois de cerradas as cortinas da festa do Centerio, a parte central da cidade
tirou a fantasia de luxo e voltou à realidade, ainda barulhenta. Os perigos do trânsito
continuaram aumentando, mesmo após a expulsão das amplificadoras, que eram acusadas de
atrapalhar o serviço de trânsito.
As autoridades municipais pareciam não perceber que grande parte dos
condutores de veículos não sabia quase nada sobre regras de trânsito. Como símbolo de
progresso da capital centenária, foram instalados no mês das festividades, dois semáforos, um
no cruzamento das ruas Coelho Rodrigues e Barroso, e outro junto ao relógio da praça Rio
Branco. Porém, muitos motoristas não sabiam o que significavam os sinais verde e vermelho,
o que incentivou a imprensa a sugerir às autoridades uma campanha de esclarecimento junto à
população sobre as regras internacionais de trânsito.
176
Algumas amplificadoras que não mais tocaram pelo centro desde a vigência da lei
que as expulsou, espalharam-se por bairros mais pximos como Cajueiro, Mafuá, Matinha, e
depois ganharam outros espaços na periferia, onde foram centro de novas sociabilidades,
novos barulhos.
E foi com o discurso de que o “rádio venceu”, sem conflitos e choques contra as
amplificadoras que construiu-se a memória coletiva em torno do fim dos serviços de alto-
175
LOPES, op.cit.
176
SINAIS luminosos. A Luta, Teresina, p.1, 23 ago 1952.
111
falantes no centro da cidade. Porém, outras memórias e histórias estão sendo construídas e
contadas para ver/ouvir como os alto-falantes, “vencidos” dentro da área central de Teresina,
conquistaram espaços e se fizeram vivos nas lembranças de moradores da periferia de
Teresina após cerradas as cortinas das festas do centenário. É isso o que vamos ver no terceiro
capítulo.
112
CAPÍTULO III
OS SONS SE ESPALHAM PELO SUBÚRBIO
Ter as amplificadoras da periferia de Teresina nos anos 50 sob foco é também
lançar um olhar sobre aspectos do cotidiano dos moradores e o processo de urbanização da
capital piauiense daquele período. É tentar construir informações sobre formas de lazer e
sociabilidades de pessoas, ao mesmo tempo em que a cidade passa por transformações
estruturais, quase sempre com impactos diretos na vida dos moradores do subúrbio.
Segundo Magnani,
Entretenimentos desse tipo pobres, pouco originais, sem nada de muito
elaborado ou “autêntico” podem, no entanto, constituir uma via de acesso
ao conhecimento dos valores, da maneira de pensar e do modo de vida dos
trabalhadores. Para tanto, é preciso fazer como o antropólogo diante de
costumes ou ritos “exóticos”: deixar de lado uma postura etnocêntrica e
observá-los de perto e em seu próprio contexto, pois se existem é porque
possuem um significado para aqueles que o praticam.
1
Antes de ater-se nos serviços de alto-falantes na periferia e as novas práticas e
consumos por eles provocados, faz-se necessário compreender um pouco da realidade sócio-
econômica daquela população, quando do período em que as amplificadoras foram expulsas
do centro da cidade, algumas delas migrando para o subúrbio teresinense.
Dando algumas pistas sobre o quadro acima desejado, uma matéria do diário
carioca Correio da Semana, publicada em maio de 1953, revelou um pequeno, mas
importante, panorama da realidade social das famílias de baixa renda, na periferia de
Teresina. O texto foi reproduzido no teresinense Jornal do Comércio,
2
no dia 24 de maio
daquele mesmo ano, denunciando a situação precária dos moradores pobres, a partir de dados
de pesquisa realizada no mês de agosto de 1952, quando Teresina comemorava 100 anos.
Tratava-se da Sinopse Preliminar de Resultados da Pesquisa de Padrão de Vida
encomendada pela Comissão Nacional de Bem-Estar Social (CNBS), órgão idealizado em
1951, no governo Vargas. O estudo incidiu, é necessário destacar, sobre “famílias operárias
[...], de 3 a 8 componentes, cujos chefes exerciam a ocupação principal em estabelecimentos
1
MAGNANI, José Guilherme Cantor. Festa no pedaço: cultura popular e lazer na cidade. 2. ed.o Paulo.
Hucitec/Unesp, 1998, p. 19.
2
NENHUMA casa dispõe de fossa ou esgoto – Precárias as condições de vida das famílias operárias de
Teresina. Jornal do Comércio, Teresina, p.6, 24 maio 1953. (Transcrita de O Correio da Semana)
113
de indústria gráfica e de alimentação
3
e que também tivessem recebido salários entre Cr$
500,00 e Cr$ 1.099,00 no mês de julho de 1952. Das 73 famílias teresinenses dentro deste
padrão, foram pesquisadas 39.
O dados obtidos mostraram a Teresina suja e desdentada que os idealizadores da
festa do centenário da capital piauiense tentaram esconder. Das casas pesquisadas, nenhuma
possuía esgoto ou fossa ptica, apenas duas contavam com água encanada e 74,36% não
tinham energia elétrica. Filtros e geladeiras também o foram encontrados nas residências
visitadas, sendo que 58,97% eram de taipa, 25,64% de alvenaria e as restantes eram feitas
com outros materiais. Como a realidade revelada dizia respeito à fatia dos teresinenses
empregados nos setores de gráfica e alimentação, é possível deduzir que a qualidade de vida
da população desempregada ou subempregada era ainda muito pior na periferia.
Os dados do censo do IBGE de 1950 mostravam que no Piauí havia um altíssimo
nível de desempregados, um número muito pequeno de mulheres no mercado de trabalho
formal e, confirmando a situação de população preponderantemente rural, revelou que a
maioria das pessoas do Estado sobrevivia da agricultura.
No que diz respeito à “atividadedas pessoas de 10 anos e mais (702.424),
8,22% se declararam em condições inativas e 48,54% ocupadas em
atividades domésticas não remuneradas e escolares discentes, enquanto
43,24% informaram exercer atividades ligadas à produção, ao comércio, aos
serviços sociais e profissionais e à administração pública.
Destas últimas, que totalizaram 303.733 pessoas, 93,35% eram homens e
6,65% mulheres, 26,32% declararam ter idade de 10 a 19 anos e 5,04% de
60 anos e mais; finalmente, os maiores contingentes se encontravam
trabalhando na agricultura (81,74%), com forte preponderância de pessoas
do sexo masculino, na prestação de servos (5,76%), com efetivo maior
para as pessoas do sexo feminino, e na indústria de transformação (3,55%)
com grande predominância de homens.
4
De volta à pesquisa sobre o Padrão de Vida na periferia de Teresina, no que se
refere à quantidade de rádios nas residências pesquisadas, apenas quatro delas contavam com
aparelhos receptores. Contar com um rádio em casa era sinônimo de prestígio entre a
vizinhança. Tal símbolo de “status social” era ainda maior nos bairros mais populares de
Teresina. O fascínio em torno do aparelho e pela programação da emissora local ou de fora,
como partidas de futebol, provocava a visita de amigos, vizinhos e parentes nas casas de quem
possuía um rádio receptor, principalmente nos finais de semana.
3
JORNAL DO CORCIO, Teresina, p.6, 24 maio 1953.
4
IBGE, 1952, op. cit, p.vii.
114
Naquela época não existia televisão (em Teresina) e quem tinha rádio era
considerado rico, quem tinha um radiozinho para ouvir. E meu pai tinha um
rádio grande que ele comprou e a gente se reunia na casa dele para ouvir,
jogo do Flamengo... Ouvia pelo rádio, era aqueles rádios Philco, aqueles
antigos. No tempo do Jorge Cury, locutor da Radio Nacional de Brasília, um
dos locutores mais antigos que transmitia o jogo. No tempo que o Flamengo
formava com Garcia, Tamires e Pavão, Jadir, Dequinha e Jordão, Joel,
Rubens, Índio, Evaristo e Zagalo. Era esse time que foi tricampeão pelo
Flamengo. Porque antes era desse jeito que escalavam os técnicos, hoje em
dia o sistema é diferente, mas antes era assim [...] um goleiro, dois zagueiros,
os três intermediários e cinco na linha [...]. a gente ficava assistindo o jogo,
Vasco e Flamengo sempre foram os dois grandes rivais, a gente ficava
assistindo.
5
O pai do narrador acima, longe de ser da elite teresinense, era o pintor Euclides
José da Silva, também ex-jogador de futebol e dono de bloco de carnaval, mas com muito
esforço conseguiu comprar um aparelho receptor. Assim como outros trabalhadores mais
simples, pelo fato de possuir um Philco na Matinha, gozava de prestígio social na
comunidade.
Ainda no que se refere à pesquisa sobre Padrão de Vida da população da periferia,
o governo Vargas tinha consciência de que os números registrados relatavam um forte
indicador de pobreza e desigualdade regional. A mensagem do Poder Executivo enviada ao
Congresso Nacional em março de 1954 avaliou os resultados da primeira Pesquisa de Padrão
de Vida, frisando o contraste revelado pelos dados obtidos nos estados do Norte e Nordeste:
No que diz respeito à moradia, o pauperismo das famílias operárias dos
Estados setentrionais e nordestinos se reflete na larga utilização da palha e
da taipa como material de construção. Nos Estados das regiões Leste e Sul,
melhoram os materiais de construção das casas, preponderando a alvenaria e
a madeira.
Estas mesmas diferenças entre o consumo das famílias pesquisadas, nas
diversas reges do País, se fazem sentir com respeito à utilização de dio,
filtro e máquina de costura e dos serviços de água encanada, luz elétrica e
esgoto.
6
Os moradores da periferia de Teresina tinham pouquíssimas opções de lazer. Os
que freqüentavam espaços de divertimento noturno da elite local como o Clube dos Diários,
no centro da cidade, estavam ali para servir, para trabalhar, e não para se divertir. À noite, nas
muito mal iluminadas ruas de bairros como Matinha e Vila Operária (na zona Norte da
cidade), Cajueiros, Viçosa e Piçarra (na zona Sul), as amplificadoras propiciavam
5
TILITO, Luís Carlos da Silva. Entrevista concedida a Daniel Solon em 17 de agosto de 2005.
6
VARGAS, Getúlio Dorneles. Mensagem apresentada ao Poder Legislativo em 1954. Dispovel em
http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u1328/000305.html .Último acesso em 20 set 2005.
115
entretenimento e contribuíam para formar determinado pedaço”,
7
onde pessoas se
aglutinavam para conversar com os amigos, iniciarem romances ou simplesmente passar o
tempo, após um dia cansativo de trabalho.
Geralmente, as amplificadoras eram propriedades de donos de bares e mercearias,
onde havia um pequeno espaço ou cabina para que os locutores trabalhassem, dando
recados, enviando mensagens, e soltando no ar as “gravações”, como eram chamados os
sucessos dos discos na época. Na Matinha (bairro da zona norte separado do centro de
Teresina, na época, por um grotão), na década de 50, havia a amplificadora São José, que
funcionava em bar do mesmo nome. O trabalho do locutor obedecia também ao que
determinava o precário sistema de fornecimento de energia elétrica da capital, cujo “apagão
era precedido do soar de uma sirene.
[...] eu já rapaz em 1954, existia um serviço de alto-falante Bar São José, era
esse o nome. Funcionava ali, “xis” com o cemitério São José, onde tinha
dois irmãos que eram os proprietários, eram Antonio Dias e José Dias. Seis
horas eles botavam o hino, de início, e entravam no ar os serviços. Os
moradores iam e colocavam gravação, pagavam a taxa que eles cobravam
pela gravação, ofereciam a seus amigos e assim funcionava. Quando dava
nove horas, encerrava. Quando a usina dava aqueles três apitos, antes
quando dava nove horas aqui em Teresina, a usina onde é a Cepisa apitava,
dava três apitos, aí então os serviços de alto-falante todos paravam. No
[bairro]Porenquanto [zona norte] tinha outra amplificadora, todas as
amplificadoras paravam, no [bairro] Cajueiro [zona sul] tinha outra.
8
Ouvir o som das amplificadoras fazia parte da rotina noturna dos moradores,
estivessem eles na porta de casa, nas calçadas, ou nas imediações dos estabelecimentos que
possuíam alto-falantes. Alguns dos moradores eram tão acostumados com a programação das
amplificadoras, que se queixavam quando havia atraso no início das transmises, como
rememora o funcionário público aposentado Luís Carlos da Silva Tilito:
Nessa época, o finado Coló, que era o meu sogro, que é um dos moradores
mais antigos da Matinha, ele sentava na porta e ficava aguardando aquelas
músicas antigas que a amplificadora botava. Quando acontecia dos locutores
chegarem atrasados ele já ficava sentindo falta. Ele dizia, lembro muito da
expressão dele: “essa gojoba hoje não toca”. Ele aguardando [risos], ele
chamava gojoba. Essa gojoba hoje não toca, ?[risos]. Eu dizia: mas é
porque ainda não começou rapaz, peraê. Ele era agoniado. Todo mundo
gostava, oferecia uma gravão, tinha aquele negócio... essa gravação é
7
Pedaço é aqui conceituado como espaço de sociabilidade e lazer, entre vizinhos e amigos, na periferia. Ver
MAGNANI, op. cit.
8
TILITO, op. cit.
116
que alguém das iniciais tal, oferece para alguém das iniciais, bastante
apaixonado...
9
Os “pedaços” periféricos onde reinavam as amplificadoras eram os locais que
foram esquecidos pela história dominante. Uma historiografia que tem mostrado apenas o
lazer e as formas de sociabilidade que existiam na área central da cidade, onde morava a elite
e onde também os equipamentos urbanos como rede elétrica, abastecimento d’água e
calçamento nas ruas eram mais facilmente encontrados. Uma historiografia que fez questão de
escamotear as formas de entretenimento, manifestações culturais populares e a
heterogeneidade da vida cotidiana
10
das camadas mais pobres da população,
A história dos “de baixo”,
11
contada pelos que sempre ficaram distantes dos
saraus e dos bailes do Clube dos Diários, sopra a poeira do esquecimento imposta pelas
narrativas hegemônicas e reconstrói espaços da periferia onde a juventude pobre gastava
energia nas “peladas” dos campinhos de futebol e onde os alto-falantes jogavam no ar ondas
sonoras que forjavam ora romances e amizades, ora conflitos, desavenças.
A amplificadora era fixa. Tinha um estudiozinho lá, e o pessoal levava suas
mensagens escritas, davam para o locutor e ficavam ouvindo ali mesmo, em baixo.
Ficava muita gente, moça, rapaz... Às vezes, dava briga também, porque o cara
oferecia para a namorada do outro, aí vinha aquela confusão. Existia muito isso,
briga mesmo. O cara chegava e puxava até faca, era uma confusão danada nessa
época no Bar o José “xis” com o cemitério São José. Ali tinha um campo de
futebol, ali onde é o Instituto de Educação, que chamavam Brilhante. Brilhante,
porque era um terreno, assim, abandonado e o pessoal jogava todo tipo de lixo, mas
depois teve um time aí, do professor Paulo Nunes, que era da Escola Técnica
Federal, antiga Escola de Aprendizes. Ele botou um time e arrumou um trator e fez
um campo nesse local. O trator cavou e ficaram aqueles cacos de vidros.
Quando era meio dia ficava brilhando. botaram o apelido de campo do Brilhante.
Eu mesmo joguei muito futebol, lá nesse campo.
12
Os donos de amplificadoras tinham bons lucros com a aglutinação de pessoas em
torno dos alto-falantes. Além de faturarem com a cobrança da oferta de “gravações” e
“mensagens”, havia também a venda de bebidas alcoólicas ou refrigerantes, assim como
bolos, doces e salgados.
O funcionamento das amplificadoras na periferia de Teresina era diário. No
entanto, nos dias de chuva, naturalmente, não era possível colocar no ar a programação, uma
9
TILITO, op. cit.
10
HELLER, Agnes. O cotidiano e a história. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985.
11
THOMPSON, E.P. A formação da classe operária inglesa. 3 volumes. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
12
TILITO, op. cit.
117
vez que os ouvintes” se recolhiam em suas casas e as ruas dos bairros, geralmente sem
calçamento e enlameadas, ficavam desertas.
No mês de junho, no final do período de chuva em Teresina, as amplificadoras
animavam as festas juninas que ocorriam no bairro Mafuá, cujas “gravações” e recados lidos
pelo locutor chegavam a outros bairros vizinhos com a ajuda do vento. Adelaide Ribeiro
Rocha, uma antiga moradora da região, rememora o tempo em que costumava ouvir a
programação do serviço de alto-falante, e ainda pistas sobre as transformações urbanas do
local onde vivia.
Morávamos na Lucídio Freitas, “x” com a 7 de setembro. A nossa casa foi
levada pela avenida Miguel Rosa, as três casas que começavam a rua foram
tomadas para enlarguecer a avenida, a nossa casa foi uma das que entrou. (A
amplificadora) era perto do Mafuá, perto do viaduto do Mafuá, onde
começava a avenida [...]. E quando nós estávamos nessa casa, antes da
avenida passar e nós morávamos lá e eles faziam essas festas de arraial perto
do viaduto do Mafuá, botavam a amplificadora lá em cima de um poste bem
alto e todo mundo ia para lá a noite, as mulheres levavam bancas de tudo em
quanto, de bebidas, café, chocolate, essas coisas, de refrigerante, e iam
moças, rapazes, todo mundo ia para lá, era uma animação, muito animado e
botavam aquelas músicas românticas, as pessoas pediam para botar músicas,
ofereciam sicas para as outras. Diziam aquela mensagem bonita e
colocavam aquela música. A gente ficava em casa, ficava em casa sentada na
porta, não ia pra não, por que o precisava ir pra não, de tava vendo
tudo e ouvindo a música.
13
Nos espaços da memória de dona Adelaide, são descritos objetos, lugares e um
mapa afetivo e sonoro aos quais ela se agarrou para não se perder do passado. “As pedras da
cidade, enquanto permanecem, sustentam a memória. Além desses apoios temos a paisagem
sonora típica de uma época e de um lugar”.
14
A derrubada da casa onde moravam dona
Adelaide e quatro irmãos vindos do interior do Maranhão, para enlarguercimento da Avenida
Miguel Rosa, marcou a vida daquela mulher que trabalhava o dia inteiro como auxiliar de
enfermagem no Hospital Getúlio Vargas e estudava durante a noite na Escola Normal.
As lembranças em torno da amplificadora e da pequena casa da “Lucídio Freitas
´x´ com a 7 de setembro”, mostram a resistência e rebeldia da memória no trabalho de
reconstrução do que foi destruído no processo de urbanização da área próxima ao centro de
Teresina. “Podem arrasar casas, mudar o curso das ruas; as pedras mudam de lugar, mas como
destruir os vínculos com que os homens se ligavam a elas?”.
15
13
ROCHA, Adelaide Ribeiro. Entrevista cedida a Daniel Solon, em 16 de abril de 2006.
14
BOSI, op. cit, p.444.
15
id, ibid.
118
Se durante a noite, na periferia, os alto-falantes eram utilizados para diversão e
aglutinação de pessoas, pela manhã e tarde as amplificadoras ganhavam importância por
desenvolverem serviços de utilidade pública. No bairro Piçarra, na zona Sul, no final na
década de 40 e início da década de 50, havia a amplificadora do Bar do Gordo. Por conta do
serviço de alto-falantes, o bar se tornou ponto de referência para pessoas que chegavam do
interior do Estado e estavam perdidas, e era local de entrega de cartas dos correios, uma vez
que muitas casas da região não tinham números, como rememora Zacarias da Silva Dias, um
antigo locutor:
As amplificadoras logo que foram lançadas aqui no Piauí, eu fui um dos
primeiros a ser locutor delas. Nessa época eu trabalhava no Bar do Gordo, na
Piçarra. Foi uma das primeiras montadas em Teresina. Ela funcionava
socialmente, era para anunciar pessoas que chegavam. A cidade era muito
pequena naquela época. As pessoas que vinham do interior e queriam achar
algum parente, chegavam e botavam uma nota pela amplificadora. Quem
conhecia essa pessoa recorria até lá. Mas era assistente social mesmo. Era
para assistir ao povo. Sempre tinha tamm os programas à tarde, à noite, de
pessoas que queriam oferecer uma música para outra pessoa, um namorado
para uma namorada. Essa era a Amplificadora do Bar do Gordo. Era esse
o nome. Serviço de Alto-Falante do Bar do Gordo. Isso foi em 1948, 1949 e
1950. Foi a época que estava no auge a amplificadora. Eu era o locutor
oficial dessa amplificadora. Era muito interessante. Chegavam cartas para as
pessoas e mandavam diretamente para o bar, porque sabiam que a
amplificadora se encarregava de localizar a pessoa. Eu gostava muito de
fazer aquilo. Tinha as melodias que uma pessoa oferecia, essas coisas
assim.
16
Percebendo que o serviço de som era uma atividade rentável para o Bar do Gordo,
inclusive aumentando a venda de produtos, o demorou muito para que Zacarias tivesse a
idéia de trabalhar por conta própria, utilizando uma amplificadora como meio de comunicação
popular para garantir a própria sobrevivência, também no bairro Piçarra. Ou seja, a
amplificadora era a principal fonte de renda de muitos que investiram neste meio de
comunicação.
Depois do Bar do Gordo eu tive uma (amplificadora) minha mesmo. Era Rio
Branco o nome dela. Era localizada na rua Jodos Santos e Silva Cruzando
com a Miguel Rosa. Que nesse tempo o tinha aquelas casas ali, tinha
mesmo a escola São Paulo. Ela tinha quatro bocas pros quatro lados da
cidade. Muito alta, muito potente... passou a ser melhor do que a do
Gordo, porque o serviço social da minha aumentou mais do que na do
próprio Gordo mesmo. Funcionava das 18h às 22h, e domingo de 4h às 6h e
de 7h30 às 22h novamente. Era muito bom, fazia shows, fazia tudo. Eu
contratava artistas, e nesse tempo tinha a Difusora. Eu contratava aquele
16
DIAS, Zacarias da Silva. Entrevista concedida a Daniel Solon, em 22 de junho de 2005.
119
pessoal que fazia show lá, para fazer aqui também. Fazia rifa, bingo... Tinha
um estúdio bem montadinho. Todo no acústico. Era numa casa.
17
Note-se que o serviço de alto-falante não só reproduzia discos, reclames e recados
entre amigos e namoradas como forma de garantir entretenimento. Também era possível
contar como atrações os artistas que faziam parte do casting da Rádio Difusora. Os cachês
pagos pela primeira emissora de Teresina não eram satisfatórios e chegaram, inclusive, a
piorar quando o controle acionário saiu das mãos dos piauienses e passou para os Diários
Associados, segundo denuncia a matéria de jornal “Salários de fome a Rádio Difusora de
Teresina paga a seus artistas”:
São graves as irregularidades da dio Difusora de Teresina, Emprêsa hoje
filiada à cadeia dos Diários Associados, quanto à remuneração de seus
apreciados artistas.
Antônio Barbosa, Panfílio Abreu, Ângelo Campelo, Eber Cunha, Francisco
Oliveira, Ieda Maria, Lourival Mendes, José Ribamar, Paulo Vieira, Carlos
Guedes, João de Deus e Dagmar Pedreira, que tanto m contribuído para o
progresso da estação transmissora teresinense, difundindo a cultura artística
do Piauí, percebem salários de fome e são tratados sem a mínima
consideração da parte dos dirigentes da Rádio.
Circunstância interessante: quando o Dr. Cláudio Pacheco se encontrava na
chefia da transmissora, os artistas eram mais bem remunerados. De Cr$
30,00 por número interpretado, recebe atualmente o artista Cr$ 40,00 por
cada cinco números que desempenham! A ginástica é profundamente
ofensiva: aumentam os serviços e baixam os salários.
18
Todos estes atrativos fizeram com que o espaço em frente à sede da amplificadora
Rio Branco se tornasse um ponto de encontro para a juventude da periferia, sobretudo para
aqueles que moravam nas proximidades do centro e zona Sul. Lá, as pessoas
[...] namoravam, encostavam num poste, um pra colá e outro pra colá.
Iluminada bem a área, todo mundo gostava. Tinha umas moças que vinham
vender bolo frito, mingau de milho, farofa... aquelas coisas. Terminava, era
um ponto de encontro. Tinha dia que eu oferecia de 40 a 50 músicas. Eu não
lembro qual era a moeda, eu sei que era baratinho. Era como se fosse 1
real hoje. Um namorado que oferecia para a namorada... Aquele dinheiro ali,
era para reformar o estúdio, comprar material, comprar discos. Naquela
época os discos eram daqueles de cera.
19
17
DIAS, op. cit.
18
A LUTA, Teresina, p.1, 27 jul 1952.
19
DIAS, op. cit.
120
Foto 07 – Zacarias da Silva Dias
Fonte: Acervo fotográfico do pesquisador Daniel Vasconcelos Solon
O aposentado Jo Ribamar Siqueira, nas noites de juventude, percorria as ruas de
Teresina, do centro a periferia, a procura de diversão. As amplificadoras dos bairros eram os
locais preferidos, espaços bem vivos na memória deste senhor de 70 anos. Podiam ser
percorridos o Bar do Gordo, na Piçarra, além da rua 24 de Janeiro, no bairro Cajueiro
(amplificadora Comercial), e as proximidades do bar São José, na Matinha (amplificadora São
José).
Sobre o funcionamento das amplificadoras, Siqueira lembra que elas
[...] tinham uma programação de ‘x’ horas, por exemplo, pela manhã, era de
8h às 11h e a tarde era de 15h às 17h, 17h30, fazia o comercial, botava
música, a gente oferecia música no aniversario de um amigo, de uma amiga,
pai, mãe e aí tocava...(risos). Tem até uma piada aí do negócio do O. X, você
sabe? A dona ofereceu: ‘atenção O X, escute essa música que alguém lhe
oferece com muito amor’. o locutor ficou muito encabulado e perguntou:
fulana quem é esse O. X?. (Ela respondeu:) ‘É o Ontoin Xofé’ (risos).
20
Após sofrerem expulsão do centro de Teresina, as amplificadoras continuaram
sendo perseguidas pelo discurso da ordem e do sossego público, mas, desta vez, na periferia,
como pode ser visto em notas de coluna de jornal da capital, poucos meses depois da lei que
proibiu os alto-falantes na parte central da cidade.
Você sabia?
Que certas amplificadoras ora em funcionamento nos surbios de nossa
capital estão causando grande antipatia às famílias ali residentes, devido o
grande barulho que provocam dia e noite?
20
SIQUEIRA, op. cit
121
Que – além de molestarem os ouvidos dos moradores suburbanos, seus
locutores o indelicados para com o blico, quando procuram cada vez
mais altear o volume e a potência de seus aparelhos transmissores?
Que por mais incrível que pareça o nosso comércio ainda concede
anúncios destinados a sustentar essas inimigas do silêncio?
21
Foto 08 – José de Ribamar Siqueira
Fonte: Acervo fotogfico do pesquisador Daniel Vasconcelos Solon
A disputa por anúncios entre a Rádio Difusora e as amplificadoras, portanto, não
acabou com a lei que proibiu os serviços de alto-falantes no centro de Teresina. Os
comerciantes ainda viam vantagens em anunciar seus produtos na periferia da cidade, através
das amplificadoras, que no subúrbio era raro existir uma residência que possuísse aparelho
receptor. Ou seja, o nível de audncia da Difusora era bastante limitado possivelmente pelo
baixo poder de compra de amplas camadas da população, fator que determinava o pequeno
número de rádios-receptores na cidade.
Entre uma sica e outra que saía das amplificadoras, o locutor fazia a leitura do
“carnê”, ou seja, da lista de anunciantes e seus respectivos produtos. Constantemente os
próprios donos de amplificadoras do subúrbio visitavam as gerências de lojas para garantir
contratos de publicidade, sobretudo das maiores casas do centro da capital. As cotas de
propaganda, em alguns casos, eram cobradas mensalmente.
Havia ainda quem investisse em propaganda em veículos como jornais para
lembrar aos comerciantes que os alto-falantes da periferia estavam à espera de anúncios dos
mais variados tipos de serviços e produtos existentes no centro comercial. O anúncio a seguir
21
VOCÊ sabia. Jornal do Piauí, Teresina, p.3, 30 out 1952.
122
(Figura 06), publicado várias vezes no mês em que Teresina completou 100 anos, e pouco
tempo depois da lei que proibiu os alto-falantes no centro, é um indicador do grau de
organização de parte das amplificadoras que continuaram atuando na periferia da cidade:
Figura 06 – Anúncio de amplificadora em jornal - 1952
Fonte: Jornal do Piauí, 7 de agosto de 1952, ano I, nº 6.
Parcela do comércio local acreditava que, em vez de investir em publicidade no
rádio ou no jornal, anunciar nas amplificadoras do subúrbio era ter um melhor retorno, tendo
em vista que o bito de acompanhar a imprensa escrita, assim como a falada, era algo
praticamente restrito à elite.
Ainda no que se refere ao acesso à informação na época em tela, uma estatística
do IBGE ilustra a dificuldade da grande maioria da população em se manter bem informada.
O recenseamento geral de 1950
22
revelava que 47.463 dos 76.402 moradores de Teresina
(com idade acima de cinco anos) o sabiam ler, nem escrever. Dentro da zona urbana da
capital piauiense, dos 43.830 moradores nesta faixa etária, apenas 24.832 eram alfabetizados.
O número total de habitantes teresinenses chegava a 90.723, naquele ano.
Nesta pequena fatia de alfabetizados urbanos, eram poucos aqueles que
costumavam ler os jornais existentes em Teresina na época, como O Dia, O Pirralho, Jornal
do Piauí, O Dominical, Jornal do Comércio e Diário Oficial do Estado, quase todos eles de
periodicidade semanal. Além da pequena quantidade de pessoas aptas para a leitura, grande
parte também não tinha capacidade financeira para comprar publicações.
A própria imprensa também tinha dificuldades para manter os leitores informados.
A tiragem dos periódicos teresinenses era limitada, alegando-se dificuldade de se obter papel,
no pós-guerra. Por conta disso, páginas de jornais locais traziam avisos como este, estampado
22
IBGE. Censos demográficos e econômicos Série Regional, volume XIII. Rio de Janeiro. Gráfica do IBGE,
1956.
123
em 1955, ou seja, dez anos depois do fim do conflito mundial: “O diretor da Imprensa Oficial
avisa que o ‘Diário Oficial’ deixará de circular por alguns dias, por falta de papel”.
23
O empresário José Alves, de 73 anos, lembra de quando trabalhava como
comerciário de uma loja de tecidos no final da década de 40, e ressalta a importância do
serviço de alto-falante para as casas comerciais do centro de Teresina:
No tempo eu era empregado do comércio, da loja Samaritana, as lojas
tinham um sistema de amplificador, cada loja tinha seu locutor. Pelo menos
na loja em que eu trabalhei tinha o Sr. Guimarães, que era o locutor do
sistema de alto-falante da Samaritana [...] pra falar e fazer a propaganda.
Botava a música e botava a propaganda, funcionava na rua. Fazia muita
propaganda era da Mariposa, nessa época, que a Mariposa era filial da
Samaritana, ou loja Mariposa, que hoje é na esquina da Simplício Mendes
com a Liliane. Quem mais faziam propaganda na época eram as lojas de
tecido, cada estampa de tecido, geralmente, era um serviço de alto-falante
para fazer propaganda.
24
Depois da proibição dos alto-falantes nas ruas do centro de Teresina, segundo
Alves, os comerciantes continuaram apostando no anúncio das amplificadoras nos bairros
periféricos, estimulando a clientela a visitar o centro da capital e fazer compras, chamado este
que certamente não surtiria efeito se fosse feito pela imprensa escrita.
[...]Cada bairro tinha o seu sistema de alto-falante, Mafuá, Vermelha, então
tinha um sistema de alto-falante por bairro, então as pessoas donas daqueles
amplificadores conseguiam no comércio a propaganda, pra fazer divulgar a
sua firma. [...]
O comércio todo anunciava, principalmente nos bairros. Os bairros naquela
época eram pequenos, era o Mafuá, Vermelha, Cajueiro, não tinha essa
variedade de bairros que tem hoje. (O serviço de alto-falante) era muito
importante pro comércio.
[...] Em jornal praticamente não se anunciava porque o pessoal, naquela
época, tinha o hábito de ler pouco, até hoje as lojas praticamente o
anunciam no jornal porque não atinge o povão.
25
Os que faziam a Rádio Difusora na época, especialmente os que trabalhavam no
setor comercial da emissora, sabiam da guerra diária que tinham que travar na busca por
publicidade no empresariado local. Era uma tarefa difícil até mesmo em centros urbanos mais
desenvolvidos do Nordeste, onde a era do dio havia sido iniciada primeiro, como no caso de
Recife, capital de Pernambuco.
23
DIÁRIO Oficial. Diário Oficial. Teresina, p.8, 5 fev 1955.
24
ALVES, José. Entrevista cedida a Daniel Solon em 03 de março de 2005.
25
ALVES, op. cit.
124
José Eduardo Pereira, que deixou a diretoria de publicidade da dio Tamandaré,
emissora dos Diários Associados em Recife, para assumir o comando da recém-associada
dio Difusora de Teresina, em 1952, relembra das dificuldades de convencer os
comerciantes sobre a viabilidade e importância de investir em publicidade no rádio, mesmo
em Pernambuco:
O diretor de publicidade tinha que ir atrás da publicidade, não é? Não é
como hoje, que as coisas são mais fáceis, as empresas têm uma consciência
do que é a propaganda, do que é a publicidade, no seu processo comum.
Naquele tempo, não. Havia uma verdadeira aversão ao gasto com
publicidade. Entendiam as empresas que gastar com publicidade era jogar
dinheiro fora, era sustentar o papa (Chatô), tanto que dizem do Chateubriand
que eles, às vezes, chegava a chantagear certos empresários, para obter deles
a publicidade.
26
Na impossibilidade de contar com agências de publicidade capazes de produzirem
jingles como no Sul do país, o setor comercial da Rádio Difusora tinha que apostar com a
criatividade dos funcionários para produzir os reclames, com a orientação do diretor de
publicidade, que acompanhava a elaboração e distribuição dos anúncios.
As vantagens em se anunciar nas amplificadoras eram reconhecidas até mesmo
por quem as perseguia, dado ao grande alcance das mensagens publicadas pelos alto-falantes
espalhados nos bairros de Teresina. Os horários de funcionamento das amplificadoras e o
volume de som irradiado eram, no entanto, os principais motivos de reclamação nas ginas
de jornais:
Vimos sendo insistentemente procurados por moradores dos subúrbios desta
Capital, que trazem suas reclamações contra os microfones instalados em
quase todos os bairros. Reclamam contra os horários e contra a altura dos
sons.
A reclamação parece ser justa e deve merecer, das autoridades competentes,
o necessário amparo, no objetivo de um novo exame do assunto, a fim de
que sejam atendidos os diferentes interêsses.
A difuo de notícias e reclames através de alto-falantes tem suas vantagens
e prestam serviços de divulgação que não poderão ser obscurecidos.
Todavia, também, o sossego público, e a convenncia das famílias é algo
importante, que merece amparo e respeito.
Assim, ao nosso ver, o problema comporta exame particular de cada caso,
levados em conta todos os interêsses. E se encontrará uma fórmula ideal, por
todos buscada, que estará na revisão de horários e numa modulação de som
menos agressiva aos ouvidos.
Fica aqui a reclamação da gente suburbana, endereçada a quem de direito.
27
26
PEREIRA, José Eduardo. Entrevista concedida a Francisco Alcides do Nascimento. 1990
27
MICROFONES nos subúrbios. O Piauí, Teresina, p.4, 30 nov 1953.
125
O tom moderado da matéria de jornal acima clamava por uma nova
regulamentação por parte do legislativo municipal, para atender aos mais variados
“interesses”, apenas para se estabelecer novos horários e limite de volume de som. Era, sem
dúvida, um discurso menos agressivo do que aqueles que também queriam calar “as bocas” de
alto-falantes também na periferia da cidade, como ocorreu no centro, em 1952:
A Câmara Municipal proibiu-os (os microfones) na zona urbana, com o
apoio de toda a imprensa. Mas deixou-os nos subúrbios, como se a
população suburbana fosse surda, mouca, e não sofresse as mesmas torturas
da burguesia do centro da cidade. Am disso, além das ofensas aos
tímpanos da gente pobre dos bairros, ainda permitem as autoridades que
casas comerciais condicionem os tremendos alto-falantes em jeeps e
automóveis, que percorrem as ruas, em barulho infernal, para propaganda de
chitas, voiles, fustões, riscados e linhos, horas seguidas, parando aqui e
acolá, com graves prejuízos para o trânsito de veículos e pedestres.
28
Ao mesmo tempo em que os sons dos alto-falantes se espalhavam pela periferia,
aumentava o número de anúncios nos jornais sobre as últimas novidades da instria de
aparelhos radiofônicos, publicidade esta claramente dirigida a uma pequena parcela da
população com maior poder aquisitivo. Pode-se apostar que a chegada da Rádio Difusora de
Teresina e o início de uma programação mais cuidadosa que prendia audncia, tenham
estimulado ainda mais a população a adquirir um aparelho de rádio.
Quando chegou a Rádio Difusora, não era todo mundo que tinha dio,
cansei de ver botar o rádio na sala e chegar um monte de vizinho pra assistir.
Me recordo que eu tinha um colega que trabalhava lá na Samaritana e ele
comprou um rádio grande, Philco. Nós morávamos perto da praça Pedro II,
na rua Teodoro Pacheco, 1263, ainda hoje sei o número decorado, ele botava
o rádio todo dia à noite no corredor da entrada do hotelzinho, da pensão, pro
pessoal passar na rua e ver. Ficava o pessoal passando na rua e ficava a fila
do pessoal da rua olhando, ouvindo o rádio.
29
Os comerciantes que trabalhavam com produtos importados perceberam que o
mercado de Teresina ainda estava por ser desbravado no que se refere aos aparelhos
receptores. Após a inauguração da dio Difusora e ainda com mais ênfase nos primeiros
anos da década de 50, os maiores jornais de Teresina estavam cheios de anúncios de
revendedores de grandes marcas internacionais como Philips, Philco, RCA Victor, Mullard,
Semp e Pailard.
28
O PIRRALHO, Teresina, p.1 e p.6, 12 jul 1952.
29
ALVES, op. cit.
126
Figura 07 – Anúncio de rádio Philips – 1953
Fonte: Jornal O Dia, Teresina, 22 de março de 1953, ano II, nº 112 p.5.
O apelo dos anúncios era forte. Quem tinha rádio, ao mesmo tempo tinha lazer,
estava conectado ao mundo através da informação e ainda garantia um certo status social.
Através do aparelho, visto também como uma extensão do próprio corpo, o mundo torna-se
uma aldeia.
30
Apesar da tendência de progressivo barateamento dos aparelhos, a partir do
desenvolvimento de pesquisas em novas tecnologias, os preços afastavam a grande maioria da
população daquele sonho de consumo da família.
Em 1952, ato do governo federal estabeleceu o valor de Cr$ 1.200,00 para o
salário mínimo na região Sul.
31
O rádio Philco mais barato em um anúncio de jornal ainda de
1948 custava Cr$ 1.250,00 e o mais caro, Cr$ 3.200,00. É importante ressaltar que o salário
30
MCLUHAN, op. cit.
31
Naquela época, vigorava uma tabela regional para o salário mínimo. Até o momento da conclusão desta
pesquisa não havia sido possível especificar o valor no Piauí. No entanto, um servente da Câmara Municipal de
Teresina ganhava Cr$ 900,00 em 1955, cf. RESOLUÇÃO 20, de 25 de outubro de 1954. Livro de Leis da
Procuradoria Municipal de Teresina.
127
mínimo no Sul do país chegou à casa dos Cr$ 1.200,00 no final de 1951, ano em que
Teresina passava por uma crise de abastecimento de alimentos e a prefeitura foi obrigada a
baixar ato tabelando o pro máximo do quilo de carne verde em Cr$ 10,00, para frear a
“ganância insuportável [...] dos magarefes”.
32
À sombra dos Cajueiros
Quando da aprovação da lei que proibiu os serviços de alto-falantes no centro de
Teresina, a amplificadora Comercial Teresinense, de Jo Leonílio Guedes Marinho
(Bismarck Augusto) e a Cruzeiro do Sul, de Getúlio Pontes, eram as maiores e mais bem
organizadas na capital. Das duas, apenas a Comercial sobreviveu, migrando para o subúrbio, o
bairro Cajueiros, localizado imediatamente ao Sul da parte central, após o Barrocão,
atualmente rua Jodos Santos e Silva.
Marinho era funcionário da Secretaria de Obras Públicas e, para evitar problemas
políticos, atuava enquanto comunicador com o codinome Bismarck Augusto. Ele relembra
que
foi apresentada uma lei na Prefeitura Municipal para que nos
retirassem...tirassem todos os nossos serviços de alto-falantes do centro da
cidade, porque disse que provocava barulho. Então o Getúlio fechou logo a
dele, a Cruzeiro do Sul, o Getúlio Pontes. E eu fiquei com a nossa. A nossa
eu trouxe aqui pra rua São João, pra nossa casa, instalei o estúdio aqui, botei
alto-falante aqui na São João, bem na esquina. Botei um alto-falante na
esquina do mercado dos Cajueiros. Outro alto-falante aqui na rua... é...
Joaquim Ribeiro...Joaquim Ribeiro, esquina com a Barroso, botei outro alto-
falante na 24 de janeiro. Então daqui eu falava por que o fio - era com o fio,
não era com transmissão era com o próprio fio nos postes da rede elétrica,
nós tínhamos instalado isso.
33
Espalhados em pontos estratégicos do bairro Cajueiros, os sons dos alto-falantes
atingiam outros bairros vizinhos, na zona Sul, e também chegavam a atingir uma pequena
parte do centro comercial da cidade. Junto com a mudança de endereço dos estúdios da
amplificadora, o serviço de alto-falantes também mudou de nome para Imparcial Teresinense,
tendo em vista que o proprietário do sistema de som tinha interesse em faturar com a venda de
espaços para políticos dos mais variados partidos.
32
DECRETO municipal 1/51. Teresina, 16 de novembro de 1951. Livro de Leis da Procuradoria Municipal de
Teresina.
33
MARINHO, op. cit.
128
Quando eu passei para o subúrbio [...], passei a usar o nome de Imparcial
Teresinense. Porque entrou a parte política, porque eu servia aos dois
partidos, a UDN e ao PSD. Eles gostavam do meu serviço porque era um
serviço feito com honestidade. Na hora que eu estava fazendo um serviço
para um partido, eu pertencia ao partido, embora eu sendo udenista doente,
mas na hora eu não demonstrava.
34
Dar a hora certa, transmitir recados entre amigos e namorados, dar avisos sobre
perda de documentos, ler notícias, fazer anúncios de casas comerciais e veicular sicas era a
rotina da amplificadora Imparcial, que segundo Marinho ajudou a formar alguns nomes do
rádio piauiense:
Então teverios elementos que começaram a trabalhar comigo no alto-
falante, um que comou é o B. Assis (Francisco de Assis).
35
O outro que faz
propaganda hoje Vamos lá minha gente”, o Antônio Carlos, começou
comigo também. De vez em quando o Dídimo de Castro [radialista] fala
nele. O B. Assis, esse eu fiz comigo trabalhando. O Freitas também
36
.
Note-se que o narrador coloca como um de seus “aprendizes” o sr. Antônio
Freitas, com quem de fato trabalhou com serviços de alto-falantes. Há, no entanto, memórias
em disputa. Freitas apresenta uma outra versão, afirmando que começou com alto-falantes no
bairro Vermelha, na amplificadora Olinda, em 1948:
Quando o Bismarck apareceu ele trabalhava na coisa de luz elétrica, na
Cepisa, que nesse tempo tinha um outro nome, não era a Cepisa. Ele era
funcionário da antiga Cepisa. Aí ficam dizendo: ah, foi o Bismarck que
começou... O Bismarck quando chegou eu já tinha anos disso aí. Eu já
trabalhava no comércio, de serviço de som na rua, um dia nós se
encontramos e ele disse: Quer
trabalhar comigo. Eu disse: Vou. E trabalhei
esse horror de anos juntos.
37
Freitas, por sua vez, relembra da importância do serviço de alto-falantes de
Marinho, que tinha equipamentos potentes e não se limitava a atuar com a amplificadora fixa
no bairro Cajueiros.
Então ter um serviço de som naquela época era uma coisa dicil. [...] Então
eu vivi nessa área minha mocidade toda. Eu fui locutor de comício da UDN,
do PSD, lá da praça Pedro II, a gente instalava serviço de alto-falante, nesse
tempo não tinha esse sistema de som (caixas de som), era boca. Você
34
MARINHO, op. cit.
35
B. Assis, locutor da Rádio Pioneira de Teresina, fez muito sucesso com um programa matinal. Quando do seu
falecimento a cidade parou para acompanhar o sepultamento.
36
MARINHO, op. cit.
37
FREITAS, op. cit.
129
conhece a boca, aquele funil? Então era aquele funil, a turma me chamava
até de Boca de Flande , o Homem da Boca de Flande, que é aquela coisona
cumprida. Eno eu instalava naqueles s de carnaúba ali da praça Pedro II
e fazia comício ali, fazia show ali. Artistas vinham de fora e faziam show, e
nesse tempo nós éramos preferidos porque nósnhamos o melhor serviço de
som de Teresina. Tinha cinco, seis, sete, oito, dez bocas, que você que
quisesse nós tínhamos. Tinha um aparelho de 500 watts de saída que dava
pra tudo. Montava tudo. Era difícil porque você tinha que subir naqueles pés
de carnaúba para instalar o som, mas aquilo ali numa tarde a gente montava
e na noite mesmo a gente desmontava pra levar pra casa. Nesse tempo eu
trabalhava com quem eu lhe falei, o Marinho. O Marinho que era dono da
Imparcial, que era essa amplificadora bem grande. [...] Era a maior que tinha
em Teresina era a dele. Quando queriam qualquer coisa na universidade,
chamavam ele. Uma palestra de fulano de tal, era ele. Comício com Petrônio
Portela com aquele povo todo, era ele. Então tudo era com... e nós nhamos
as bocas pra fazer os comícios na rua e aquelas coisas tudo. Então o serviço
de alto-faltante foi de grande utilidade naquele tempo passado.
38
É importante ressaltar que os donos de amplificadoras tinham permissão de
instalar novamente seus alto-falantes nas praças do centro apenas durante o período que
houvesse algum evento, na maioria das vezes, comícios em períodos eleitorais. Havia até
mesmo uma lei eleitoral que estabelecia regras para a utilização de alto-falantes em época de
eleição limitando horários e locais de funcionamento.
A permanência da Amplificadora Imparcial no bairro Cajueiros também gerou
protestos na imprensa escrita. Quase dois anos depois do serviço de alto-falante ter se mudado
do centro para o subúrbio, um artigo assinado por “Um observador”, repetia o mesmo
discurso feito nos jornais, no período em que foi aprovada a proibição dos alto-falantes no
centro da capital. A matéria “Simples Advertência” reclamava em específico de a Imparcial,
porém seu conteúdo era nitidamente dirigido a todas as amplificadoras que funcionavam na
periferia de Teresina. Um trecho do texto dizia que:
O sossego público, nas grandes cidades, é um dos problemas que mais
prendem a atenção das autoridades. Entre nós não vemos providência
alguma neste sentido e pelos nossos bairros, as farras, as serenatas, as
cantarolices entram de noite adentro e, às vezes, vêem o clarear do dia
seguinte. E não é apenas isso o que incomoda os habitantes de nossos
bairros. São coisas piores e que facilmente poderia ser evitada (sic) por uma
autoridade enérgica e capaz. Um de nossos bairros parece que ganhou de
todos e esdestinado a viver durante muito tempo envolvido nesta situão
e seus habitantes sofrendo as conseqüências deste estado de coisas. O
CAJUEIRO, lugar conhecido como ambiente de desordens, possui como
em alguns outros bairros, uma amplificadora instalada em um poste bem alto
que incomoda durante o dia e a noite, com seu volume aberto até a tampa”,
e com as músicas estridentes, até as inocentes crianças deitadas em seus
38
FREITAS, op. cit.
130
leitos. Foi uma ótima providência a que fizeram em tirar as amplificadoras
de nossas praças. Foi, porém, uma péssima providência deixar que as
mesmas, depois de expulsas do centro da cidade, se instalassem em nossos
bairros. Então, só os ricos, os que freqüentam as praças e dançam nos Clubes
da elite têm direito ao sossego, enquanto os pobres não o tem? – Está
errado.
39
Marinho, por sua vez, lembra de ter atuado sempre de forma harmoniosa com a
comunidade, limitando inclusive o funcionamento do alto-falante localizado nas proximidades
de algum morador enfermo.
Bastava vomandar uma criancinha pequena chegar e dizia: Seu Bismarck,
lá na rua Barroso [...] tem uma pessoa morta ou uma pessoa doente. O
senhor pode parar o alto-falante?. Então daqui eu controlava e dizia: atenção
ouvintes, em virtude de um dos nossos ouvintes da Rua Barroso ter falecido
ou ter passado mal, nós vamos desligar o alto-falante desta região aí. Eu
tinha uma mesa de controle que era apertar um botão, aí eu me despedia
dos ouvintes da Barroso e pah! puxava a chave e desligava automaticamente,
e ficava com os outros funcionando.
40
O funcionamento da Imparcial no bairro Cajueiros demorou pouco mais de dois
anos. Os alto-falantes da amplificadora, no entanto, não calaram. Apenas mudaram
novamente de endereço, ainda mais distante do centro de Teresina.
Com o passar do tempo eu resolvi transferir esse serviço de alto-falante para
a rua Arlindo Nogueira com a Valdevino Tito, pertinho da Capelinha de
Palha chamado, na Igreja de Nossa Senhora das Graças. Lá eu instalei um
serviço de alto-falante. Um alto-falante no bairro Viçosa, na antiga Miguel
Rosa passava uma estrada de ferro. Um alto-falante num de pequi na
frente da igreja de Nossa Senhora das Graças, um alto-falante na porta do
estúdio, um alto-falante na rua Quintino Bocaiúva, na rua Valdevino Tito, e
outro alto-falante na rua 24 de Janeiro com a Valdevino Tito.
Então daí eu
fazia o serviço de alto-falante e o comércio dando propaganda pra gente. A
gente vivia disso, era baratinho, era 100 mil réis a propaganda do comércio
cada um, por mês. Onde eu tive um grande auxiliar meu, que começou a
trabalhar comigo que era o B. Assis, o Francisco de Assis, B. Assis que
depois foi pra Pioneira.
41
No bairro Viçosa, Marinho e Freitas também atuaram juntos, durante certo
período, até que o segundo passasse a cuidar da própria amplificadora. Marinho afirma ter
deixado de lado o serviço de alto-falantes quando assumiu cargo de confiança no governo
Helvídio Nunes:
39
SIMPLES advertência. O Piauí, Teresina, p.6, 7 fev 1954.
40
MARINHO, op. cit.
41
MARINHO, op. cit.
131
Eu, com os serviços de alto-falante de rua, fazia as propagandas dos partidos
políticos. Nesse tempo eram dois partidos: PSD e UDN. Depois acabou,
ficou Arena, uma confusão mais danada do mundo. Mas com o passar dos
tempos, em 1964 foi dada a revolução. Os militares tomaram de conta,
botaram o Jango pra fugir pro Rio Grande do Sul onde estava o Brizola e ...
foi nomeado, passaram a nomear os governadores indiretos. E o primeiro
governador indireto do Piauí foi o senhor Helvídio Nunes de Barros
42
, que
foi meu diretor na Secretaria de Obras Públicas. Então o Helvídio muito meu
amigo, eu passei a trabalhar diretamente no gabinete do Helvídio Nunes, no
Palácio do Governo, passei como auxiliar dele, elemento de confiança.
Você falava com o governador se falasse comigo. Era tudo isso. Agora o
que acontece é que eu parei o serviço de alto-falante e entreguei para o meu
amigo Antônio Freitas. Entreguei o de bateria e entreguei o de luz. E ele
acabou com isso, ele vendeu, acabou e ficou com ele.
43
A saga de uma retirante
Antes mesmo de Marinho abandonar o serviço de alto-falantes “Imparcial” e doar
os equipamentos, Freitas montou uma amplificadora no bairro Vila Operária, em 1956. Por se
localizar na zona Norte da cidade, a amplificadora foi chamada de “A Nordestina”. Freitas
estava vindo de uma experiência de trabalho no mesmo ramo de publicidade, ou seja, com
propaganda volante, na capital e no interior do estado:
Nessa época eu trabalhava em som, mas era propagandista de rua, de serviço
de alto-falante, trabalhava para o Armazém Piauí. Fazia viagem pelos
interiores, fazendo show, levando artistas, sanfoneiro. Chegava na cidade,
marcava um show e dizia: “Quem tiver talão do Armazém Piauí, no dia 15
traga aqui pra praça que nós estamos chegando para distribuir brindes”.
Chamava de Show de Brindes. vinha pra Teresina, né? Quando a gente
chegava em Piracuruca, ia fazer um show na praça, tinha gente que tinha
talão que tava assim... Isso a gente explorou muito. Nós rodamos Angical,
Regeneração, fomos até Amarante, Floriano.
44
Os programas das amplificadoras, neste caso, associavam consumo ao lazer, uma
vez que os sorteios eram acompanhados de shows de artistas. Naquele momento, algumas
prefeituras do interior do Piauí contavam com amplificadoras na sede do município. As que
não dispunham, alugavam serviços de som da capital para dar suporte a eventos oficiais como
inauguração de obras públicas e comícios.
42
Quando foi dado o golpe de 1964, o governador do Piauí era Petrônio Portella Nunes, que depois de alguns
dias escondido foi mantido no cargo, até o final do mandato.
43
MARINHO, op. cit.
44
FREITAS, op. cit.
132
Depois de morar na Vila Operária até 1960, Freitas mudou-se para a zona Sul da
cidade. “A Nordestina” passaria a não somente divulgar os produtos das grandes casas
comerciais de Teresina, mas também fazia a propaganda dos produtos do comércio que ele
montou, dentro de casa, tais como o arroz, a farinha, pão e leite condensado. O local descrito
ficava muito próximo aos alto-falantes da amplificadora Imparcial que, segundo o narrador,
chegou a veicular até mesmo novela, com artistas locais e com a participação dele próprio.
Quando foi em 61, eu trouxe “A Nordestina” para o Sul, eu instalei no
bairro Viçosa, que fica na zona Sul perto da Piçarra, entre a Piçarra e a
Vermelha. Ficava no meio. E lá nós botamos “A Nordestinae perguntavam:
por q Nordestina?”. Nós viemos do Norte, vamos continuar com “A
Nordestina antiga. E a gente instalou então o serviço de alto-falante com
três ou quatro bocas. Bocas viradas para o centro e virada para os bairros.
Mas também tinha a (amplificadora) Imparcial, do Marinho, muito
conhecida em Teresina. Ela tinha alto-falante desde a Viçosa, que é lá na
Miguel Rosa, até na Baixa do Chicão, na Vermelha. Tinha uns cinco a seis
alto-falantes. Em cada rua tinha um alto-falante, um girado para o centro,
outros girados para os bairros. Lá era A Imparcial. Vou lhe dizer, a Imparcial
tinha até novela. Sete, oito horas da noite, eles tinham uma novela
representada por um grupo de pessoas, que era o Henri Nelson que
trabalhava na (rádio) Pioneira e ele criou uma espécie de novela fazendo
aqueles scripts para que a gente treinasse e à noite a gente apresentar. A
noite a gente apresentava e a gente tinha muito ouvinte.
45
Foi no bairro Viçosa que o dono da amplificadora “A Nordestina” afirma ter
vivido uma das experiências mais marcantes enquanto comunicador popular. Era uma época
de agitação política no país, marcada pelo golpe dos militares que depuseram o governo João
Goulart:
Existia um movimento de camponês, um movimento de camponês que era
contra-revolução. A Liga Camponesa. E o Clidenor fazia o movimento dos
sem-terra. E ele fazia os discursos (no rádio) e eu retransmitia (pela
amplificadora) os discursos... à noite. No dia que o João Goulart estava
fazendo aquele grande comício no Rio de Janeiro referente à Reforma
Agrária, eu retransmiti. Sabe o que que aconteceu? Quando a revolução
tomou conta, minha casa foi visitada pelo exército! Andei com a
metralhadora metida nas costas, revistaram minha casa toda pra ver se eu
tinha algum panfleto, alguma coisa lá.
[...]Eu tinha um comércio, eu me deitava um pedacinho até abrir o
comércio. Quando ouvi batendo na porta, pensei que era um vizinho para
fazer uma compra, uma coisa. Quando eu abro a porta, um homem com a
arma: O sr. é que é seu Freitas? Pois encoste bem aqui”. Ainda mandou a
turma entrar na casa: “Vasculha!”. E eu sou crente. Aí a mulher disse: “Olha,
vocês vão encontrar muito evangelho aí, folhetinho, pode abrir a mala!”.
Eles abriram e encontraram bíblia, folheto, aquela coisa toda..., foram na
45
FREITAS, op. cit.
133
privada, que era aquelas privadas de buraco, colocaram a lanterna pra ver se
eu não tinha colocado por dentro, rasgado algum papel e jogado por dentro.
Mas não encontraram nada. Aí o outro disse: Não, isso foi informação
errada”. Aí foram embora, e me deixaram de mão. Mas mesmo assim eu fiz
uma carta de punho, para o comandante, que tinha havido aquilo, que eu tava
querendo, que ele podia procurar, até procurasse na vizinhança, que eu
estava com oito anos que morava ali, e eu podia ser informado pela
vizinhança que eu não era...
46
Depois do susto em ter o cano de uma arma encostado no próprio corpo e ver a
casa toda revirada por militares que procuravam por material “subversivo”, a amplificadora
“A Nordestina” passou a funcionar com cuidados redobrados, sofrendo, inclusive, censura:
Olha, a gente ficou... nossa!, tudo que você ia fazer tinha que ter... qualquer
coisa que vofosse fazer independente daquilo que você fazia, propaganda
comercial, ou qualquer pessoa que fosse usar o nosso (microfone) teria que ir
para o quartel para eles liberarem.
47
Dois anos antes, em 1962, havia ocorrido outro fato marcante na vida daquele
comunicador popular. O bairro todo havia sido informado da morte do presidente norte
americano através da amplificadora, pela voz de seu Freitas, que captou a informação de rádio
do Sul do país, segundo ele, antes mesmo da notícia ser divulgada nas estações teresinenses:
“Eu disse mais ou menos assim: ‘atenção ouvintes, neste momento nós temos uma notícia
importante para toda a comunidade. Neste momento, na cidade de Dallas, foi assassinado o
presidente John Kennedy, dos Estados Unidos’”.
48
Como uma verdadeira retirante, “A Nordestinamudou novamente de endereço
no final da década de 60. A amplificadora passou a funcionar em 1969 no recém-inaugurado
Parque Piauí, conjunto habitacional popular, à época, mais ao Sul de Teresina.
Em 69 eu cheguei aqui no Parque, era um bairro, hoje mudou, era um
bairro todo parecido. Todas as casas eram idênticas. Até a cerquinha da
frente era feita de palha de coco, baixinho. Então se a pessoa saísse de casa e
não tivesse acostumado, não voltava, errava a casa. Então o serviço de alto-
falante nosso foi para encontrar perdidos, quer dizer, encontrar o dono dos
perdidos. Chega menino se perdia, gente grande se perdia (sorrindo), a gente
ficava informando, chamando à noite, gritando “alô, alô”... então tornou-se
um trabalho, um serviço de comunicação no bairro.
49
A relativa distância do centro de Teresina não atrapalhava a amplificadora do
Parque Piauí receber anúncios de grandes casas comerciais da capital. Para fazer as cobranças,
46
FREITAS, op. cit.
47
id.
48
Ibid id.
49
idem
134
Freitas mandava o filho mais velho, Marco Aurélio, pegar a bicicleta e se deslocar para até o
centro, onde visitava as lojas anunciantes. Ele não se lembra como eram os “contratos”, mas
recorda que
[...]era bem rentável. Dava pra você quebrar o galho em cima disso. Eu digo
assim, porque a minha renda comercial de propaganda e de coisa, dava pra eu
pagar o colégio particular do filho, dava pra pagar o aluguel da casa, dava pra
um bocado de coisinha, pagava uma luz, uma coisa assim. E todos os meses já
sabia, chegava tava o valezim, e era meu filho o Marco Antônio, o mais
velho, que ia na bicicletazinha buscar o dinheiro, todo final de mês tava lá.
50
No Parque Piauí, a amplificadora “A Nordestina” começava a funcionar logo cedo
da manhã, para avisar aos moradores que o único ônibus destinado ao centro de Teresina ia
partir. O locutor aproveitava para fazer propaganda do pão quentinho e do leite, no comércio
que funcionava no mesmo espaço do estúdio da amplificadora, em frente à praça da
Mangueira.
Foto 09: Antônio de Pádua Carvalho Freitas
Fonte: Acervo fotográfico do pesquisador Daniel Vasconcelos Solon
Bem cedinho eu fazia um programazinho, era o Hora Certa. “Acorde porque
tá na hora de trabalhar”. Isso nós começávamos às seis horas. “Acorde para o
Trabalho”. E nós trabalhávamos até às sete horas e encerrávamos. Quando
dava à tarde, fazíamos um programazinho assim de duas horas, três horas,
até quatro horas. Mas o programa mesmo era à noite! À noite é que a gente
abria pra comunidade, pra quem quisesse fazer... porque a gente trabalhava
com mensagens, mensagens de aniversário...
51
50
FREITAS, op. cit
51
id. ibid.
135
A mensagem chegava longe, através do vento que ajudava a espalhar os sons dos
três alto-falantes do Parque Piauí, um na entrada do bairro, outro na Praça da Mangueira (que
fica nas proximidades do mercado) e outra boca numa praça que “cedeu” lugar para a
construção de uma escola. A comunidade tinha na amplificadora de seu Freitas um espaço de
diversão, informação e ao mesmo tempo de reivindicação de soluções para os vários
problemas enfrentados no novo bairro, onde de dia faltava água, e à noite, faltava luz. A
utilização dos alto-falantes de A Nordestina faziam parte das estratégias e resistências criadas
no cotidiano dos moradores
52
que protagonizaram no final dos anos 70 e início dos anos 80
um forte movimento popular contra a carestia e, conseqüentemente, contra o regime militar.
Um dos moradores do bairro escreveu crônica em jornal onde lembrava dos 37
anos de existência do Parque Piauí. Ele rememorou problemas enfrentados pelos moradores, a
luta para conseguirem dias melhores e também de figuras e locais que marcaram a história de
quem cresceu no bairro, dentre eles o serviço de alto-falantes “A Nordestina”.
Trata-se de uma comunidade que, desde seu início, sofreu com a lata d'água na
cabeça, com a precária iluminação pública, sem transporte público, mas que
com muita determinação conseguiu superar esses e outros obstáculos[...] Quem
nunca quis morar aqui; quem não se lembra da taberna da Paz; da primeira
delegacia de polícia na quadra 16; da amplificadora do seu Freitas...
53
Seu Freitascontinuou atuando com serviços de alto-falantes no bairro Parque
Piauí até metade dos anos 80. As bocas de alto-falantes e o amplificador de som foram
repassados para o comerciante conhecido como Mestre Paulo, dono de uma garapeira na
Praça do Mercado. Lá, Mestre Paulo montou o serviço de alto-falantes “A Voz do Bairro” até
hoje em funcionamento, chamando fregueses, sendo ponto de “achados e perdidos”,
transmitindo recados de utilidade pública.
A Legião da Decência e o beijo da Filomena
Em seis de janeiro de 1950, Dia de Reis, a Igreja Católica do Piauí instalou a
“Legião da Decência”, uma espécie de agrupamento de católicos cuja missão seria ficar
vigilante contra a atuação perniciosa dos mais variados meios de comunicação no Estado do
Piauí. A solenidade de instalação, realizada no Cine São Luiz, foi presidida por Dom Severino
52
MATOS, Maria Izilda dos Santos de. Cotidiano e cultura: história, cidade e trabalho. Bauru, SP: EDUSC,
2002, p. 25.
53
EUGÊNIO, Arnaldo. Parque Piauí, meu amor. Meio Norte, Teresina, 29 de março de 2005. Ano X, 3735,
p.2.
136
Vieira de Melo, contando com a presença do governador Rocha Furtado, parlamentares e
profissionais da imprensa local.
A “Legião da Decênciaera uma ação concreta do clero com o objetivo de se
controlar o conteúdo das mensagens e impor restrições de certos produtos da mídia aos
católicos. Originalmente, a “Legião da Decência” foi criada em 1934, por parte dos bispos dos
Estados Unidos da América. Aquele país já exportava para todo o mundo produtos
cinematográficos e era exatamente sobre estes que recaíam os olhares da “Legião da
Decência”. Logo na introdução da encíclica Vigilanti Cura, o papa Pio XI tece elogios à
“Legião da Decência”, e à iniciativa dos bispos americanos contra o que consideravam “maus
filmes”.
Nesta gravíssima situação, Veneráveis Irmãos, fostes vós os primeiros a
estudar o meio de defender contra o perigo iminente as almas confiadas aos
vossos cuidados; instituístes a "Legião da Decência" como uma cruzada
santa, fundada para reanimar enfim os ideais da honestidade moral e cristã.
Muito longe de vós esteve a idéia de prejudicar a indústria do cinema; pelo
contrário, vós a preservastes antes contra as ruínas, às quais são expostas as
formas recreativas que degeneram em corrupção da arte.
54
Com o passar dos anos, a “Legião da Decência”, como uma “cruzada santa”
passou a vigiar outros meios de comunicação, sendo instaladas nos mais variados países, sob
o aplauso do Vaticano. O objetivo da instalação da Legião da Decência no Piauí era combater
tudo o que pudesse “conduzir, direta ou indiretamente, à dissolução da família, à corrupção da
mocidade”.
55
Depois de instalada solenemente na cidade, não faltou quem defendesse uma ação
imediata da Legião da Decência contra as amplificadoras que jogavam, aos quatro ventos,
músicas dos mais variados estilos, dentre elas, sambas com letras de duplo sentido.
Foi com real simpatia que noticiamos [...] a criação, em nossa terra, de uma
sociedade, cuja finalidade se prendia, diretamente, à moralização dos
costumes. Numa das últimas reuniões realizadas na "Legião da Decência",
[...] programaram-se várias atividades em torno do complexo assunto,
especialmente no que se refere a filmes impróprios e músicas
inconvenientes. Sobre os filmes nada temos a dizer, pois são poucos os que
fogem à moral. Todavia apelamos à "Legião" dedique especial atenção aos
discos, em número crescido, que certas amplificadoras locais irradiam
diretamente aos principais logradouros públicos da capital.
56
54
VIGILANTI Cura, op. cit.
55
JORNAL DO COMÈRCIO, Teresina, p.1, 5 jan 1950.
56
JORNAL O PIAUHY. Teresina, p.4, 21 mar 1950.
137
Não é possível, aqui, afirmar se a “Legião da Decência” tomou alguma
providência ou fez alguma diligência às amplificadoras para solicitar uma mudança na
programação jogada no ar. Pode-se, no entanto, a partir da nota acima, deduzir que os alto-
falantes, assim como a única emissora de rádio da cidade, estavam entre o sagrado e o
profano, entre o canto da Ave-Maria no Angelus e as marchinhas de carnaval ou baiões com
suas letras de duplo sentido.
As amplificadoras, de uma forma ou de outra, ajudaram a formar o repertório
cultural de parte da população teresinense, sobretudo da periferia, aonde, para muitos, os
produtos da indústria fonográfica chegavam através dos alto-falantes. Moradores mais
antigos da cidade ainda mantém viva na memória a sonoridade das ruas do centro da cidade e
da periferia, quando o rádio no Piauí ainda estava se consolidando.
“Filomena, cadê o meu” foi um dos sambas que caíram na boca do povo nos anos
50, provocando as mais diversas reações, marcando a infância e juventude de muitos que
ouviam as amplificadoras instaladas em Teresina, assim como em outras cidades do país. A
música, de autoria de Antônio Almeida e Wilson Batista, foi gravada pelo grupo Anjos do
Inferno em 1949, pela RCA Victor, mas lançada no mercado apenas em junho no ano
seguinte.
Filomena, cadê o meu
Filomena, cadê o meu
Aquele beijo gostoso que você me prometeu
Filomena, cadê o meu
Filomena, cadê o meu
Você deu a todo mundo, só a mim você não deu
Gastei dinheiro
Esgotou-se o meu latim
Com uns e outros, Filomena, você não faz assim
Eu também quero provar dos carinhos seus,
Filomena de mim tem pena, também sou filho de Deus.
57
Contendo mensagem de duplo sentido, a letra transcrita acima não deixava de ser
provocadora para a época. Além de mexer com a esfera do corpo, com o verbo “dar” no
sentido mais libidinoso do termo, a música ao mesmo tempo citava o nome de Deus, talvez
‘em o’, na opinião dos mais conservadores. Além disso, outro ‘pecado’ seria o nome do
grupo: “Anjos do Inferno”. Juntando todos estes ingredientes, é possível que a música
57
ANJOS do Inferno. Filomena, cadê o meu, RCA Victor, 1950.
138
estivesse na mira da crítica dos guardiões da moralidade, como os adeptos da “Legião da
Decência”.
Não são poucas as gravações indecorosas, a maior parte constituída de
paródias mal intencionadas, que o lançadas no ar insistentemente pelos
alto-falantes, numa algazarra gritante que ofende não apenas aos ouvidos do
público, mais ainda à sua consciência religiosa e à sua formação moral.
Algumas amplificadoras se vêem servindo dessas gravações para o
achincalhe, o deboche, a azucrinação, É conveniente, portanto, e para tal
poremos à disposição nossas colunas, que a "Legião da Decência" promova
uma campanha contra as gravações despudoradas [...]
58
Os que viveram a juventude na época do lançamento de “Filomena cadê o meu”,
trazem diferentes lembranças da sica. A aposentada Osvaldina Rocha Vieira irmã de
Adelaide Ribeiro Rocha, citada anteriormente recorda de ter ouvido o samba numa
amplificadora instalada na praça principal de Buriti de Inácia Vaz (atualmente apenas Buriti),
no interior do Maranhão, cidade de onde se mudou, para estudar em Teresina.
A música da Filomena era uma das que mais tocava na amplificadora. Dava
aquela confuo cantar a música em frente a uma pessoa que se chamasse
Filomena. No Buriti havia uma moça com esse nome e muita gente brincava
com ela, cantarolando “Filomena, cadê o meu, Filomena, cadê o meu,
Aquele beijo gostoso que você me prometeu, Você deu a todo mundo, a
mim você não deu...” A música já tinha um sentido maldoso (risos).
59
Talvez visto com mais inocência pela criançada da época em que a música foi
lançada, o beijo da Filomena cantado pelo alto-falante é o elo que desencadeia variadas
lembranças da infância e juventude do advogado e cronista José Ribamar Garcia, de 50 anos,
que mudou-se para a cidade do Rio de Janeiro em 1961.
‘Filomena, cadê o meu/Filomena cadê o meu/O meu beijo gostoso/Que você
me prometeu’. A letra dessa canção, tocada na amplificadora instalada em
frente da Merenda, tinha esse refrão, que papai acompanhava num assovio
quase inaudível. E quando não havia freguês ele ficava na porta da garapeira,
com a mão esquerda apoiada no portal e o corpo um pouco inclinado,
relaxado, apreciando o movimento da rua, que chamava de cinema. Dali
observava também o filho que se distraía no velocípedes, circulando o
quarteirão[...]. A Merenda, misto de bar e lanchonete, vendia uns pastéis
quentinhos, saborosos e uma abacatada forte, gostosa. A amplificadora
ficava à sua porta, no alto dum poste, repercutindo as músicas tocadas na
vitrola.
60
58
JORNAL O PIAUHY. Teresina, p.4, 21 mar 1950.
59
VIEIRA, Osvaldina Rocha. Entrevista cedida a Daniel Vasconcelos Solon em 13 de abril de 2006.
60
GARCIA, op. cit, p. 39.
139
A Merenda também chamada de Garapeira Estudantina ficava no centro da
cidade, próximo a Praça Rio Branco e era assim localizada pelo cronista:
A penúltima casa comercial a desaparecer naquele trecho da rua Coelho
Neto. Sobreviveu por duas décadas, o suficiente para marcar presença na
vida da cidade. A Casa Carvalho na Esquina, depois ela Garapeira
Estudantina numa o Cine São José, outra garapeira, [...] e a farmácia
Botica do Povo, no fim da quadra.
61
A partir do que informa Garcia, tanto pelo fato de andar de velocípedes e também
por se lembrar da amplificadora funcionando no centro o que pela lei pode ter ocorrido
até o primeiro semestre de 1952, a lembrança do beijo não dado de Filomena deve perseguir o
cronista desde os seis anos de idade.
Garcia foi crescendo em meio a uma memória coletiva sobre os incêndios que
destruiu casas de palha na periferia de Teresina, numa época em que ele não tinha nem
mesmo nascido. Porém, os moradores da periferia ainda sentiam o cheiro de fumaça quando
aquele menino veio ao mundo, em 1946.
Nasci atrás da penitenciária, numa casa de meia-água, com a fachada
desbotada e avermelhada pela poeira da rua em terra solta. Não tinha luz
elétrica, nem água encanada. Mas, era de telha, o que representava
segurança, porque, na época, a cidade vivia sob o terror dos incêndios. E
estes aconteciam nas casas cobertas por palhas de carnaubeira ou de
babaçu. Havia dia de ocorrer de três a quatro incêndios. [...] E aquela foi a
melhor que meu pai conseguiu alugar para alojar a família.
62
Ao lembrar da infância, nos arredores da casa “atrás da penitenciária”, Garcia
reconstrói imagens de uma cidade e sua dinâmica de funcionamento, com seus lugares de
memória. “Opera-se uma reterritorialização do vivido”
63
, fluindo à mente cenários e sons
característicos de um espaço, “ecoando e modulando o tecido de uma história com os fios da
experiência traada”
64
.
Mas não são apenas os sons das amplificadoras que fazem parte da memória de
Garcia. O cotidiano do cronista em sua infância foi marcado também por morar nas
proximidades de um local que aguçava a sua curiosidade sobre como era a vida dos detentos e
61
GARCIA, op. cit, p. 39.
62
GARCIA, op. cit., p.19.
63
FERREIRA, Amauri Carlos; GROSSI, Yonne de Souza. A narrativa na trama da subjetividade: perspectivas e
desafios. In: Revista Brasileira de História Oral, 7, jun.2004. São Paulo: Associação Brasileira de História
Oral, v.7, p. 42.
64
Id, ibid.
140
como chegaram até ali. Em alguns casos, o pequeno morador sabia um pouco do passado
dos condenados, ouvindo os julgamentos transmitidos pela Rádio Difusora.
Nos julgamentos de crimes envolvendo gente importante, que a Rádio
Difusora se preocupava em transmitir, sempre me colocava ao lado da
acusação. Não me deixava inclinar pelas palavras bonitas da defesa. E me
revoltava com a absolvição. No entanto, a curiosidade de saber o cotidiano
da cadeia estava comigo.
65
Um dos julgamentos famosos cobertos pela dio Difusora, que naquele
momento estava mais acostumada a fazer transmissões externas, foi o de José de Arêa
Leão, conhecido na época por Zezé Leão. A justiça o considerou culpado por assassinar o
policial militar reformado Francisco das Chagas Batista, o Vanderlei, em outubro de 1953. A
cobertura do caso feita pela equipe de reportagem da Rádio Difusora teve grande audiência e
foi elogiada pela imprensa escrita local:
A dio Difusora de Teresina divulgou, pelas suas ondas, todas as fases do
julgamento.
A este inestimável serviço deve o Piauí o conhecimento imediato dos
resultados da sessão do Júri da última segunda-feira.
Desejamos deixar aqui expressos os nossos cumprimentos a essa emissora,
que marcou um tento na campanha de repressão ao crime, que é um dos
pontos altos de nossa recuperação democrática e moral. Expondo às
populações do interior os debates e demais incidentes da movimentada
sessão transmitiu a essas populações uma lição de civismo e levou-lhes uma
palavra de fé.
O Piauí só pode mostrar-se agradecido a essa cooperação magfica, cujo
sentido social importantíssimo o escapa aos olhos dos que trabalham nos
campos pelo progresso do Estado.
66
A julgar pelo comentário acima, a Difusora não apenas narrou o julgamento, mas
também deve ter se comportado como o braço da própria justiça, emitindo comentários
favoráveis a condenação do acusado. naquela época, o público se interessava em
acompanhar casos de polícia pelo rádio. Um dos primeiros programas específicos sobre o
assunto na Rádio Difusora foi “Acontecimentos Policiais”.
O programa era produzido e apresentado por Bismarck Augusto (Marinho), o
mesmo que fazia funcionar a amplificadora Imparcial, no bairro Cajueiros, que depois ainda
chegou a trabalhar na Rádio Clube, mas apenas fazendo leituras de anúncios em determinados
programas.
65
GARCIA, op. cit, p.20.
66
O PIAUÍ, Teresina, p.1, 2 maio 1954..
141
Agora eu sou um dos mais antigos, porque trabalhei na dio Difusora de
Teresina e na Rádio Difusora de Teresina eu fazia os programas de novela,
trabalhando em novelas, novelas que apresentavam pra gente fazer. Eu a
Miriam, o Denis Clark, o Rodrigues Filho, tudo isso, o Trindade Júnior, que
já é falecido e o Rodrigues tamm.
Quanto ao programa da Rádio Difusora, eu tinha um programa às 22 horas,
que era... Audi.. não meu deus, era... Acontecimentos Policiais. Então eu
andava em todas as delegacias de manhã cedo, colhendo as informações do
que aconteceu no livro daquela delegacia e à noite, quando dava nove horas
da noite eu ia ler: “Aconteceu na primeira delegacia, isso assim e assim.
Segunda delegacia, isso assim e assim, Terceira delegacia dava aquilo que
estava a ocorrência. No serviço de alto-falantes não tinha isso.
67
De volta às lembranças dassicas antigas, outro narrador – já citado no capítulo
anterior costumava ouvir os sucessos da época pelo rádio e pelas amplificadoras espalhadas
pela cidade.
Mais era aquelas músicas antigas, hoje sai umas músicas aí que eu nem sei o
que é, faz é adoecer meu ouvido, eu não sou muito do rádio hoje em dia
por causa disso, tem música que eu não entendo nada. Na minha época
não, era Augusto Calheiro, Vicente Celestino, Orlando Silva, Ângela Maria,
Nora Ney... Hoje eu não entendo essas músicas, aí eu me desligo.[...]
68
O rádio chamava as pessoas para dentro de casa. Os alto-falantes eram um convite
para contatos à rua, ou mais especificamente para o “pedaço”. Das amplificadoras, Siqueira
lembra que havia um tipo de música especial para cada situação. Uma para oferecer a
namorada, outra para um amigo, outra para mostrar descontentamento com um desafeto. Para
este último caso, uma canção estava na moda, naquele momento.
Era (a música) o Sapo Cururu. Você não gostava do cidadão, chegava na
amplificadora e dizia: coloca essa música pra fulano de tal. alô Daniel, oa
essa música”, que a gente botava até assim mesmo, um inimigo ou um amigo
seu, lhe oferece. era Sapo Cururu, era uma raiva do cão nesse tempo. Era
mais ou menos assim: ‘sapo, sapo, sapo cururu, na lagoa sapo
cururu...”(risos) Aí ficava por conta, porque essa era a maior ofensa do
mundo na época. Na igreja o Raimundo nos festejos por exemplo, agora
em agosto, ficava assim de gente. A gente ia pra lá e a amplificadora
falava...tinha um cumpade meu, o Zacarias da DRT, ele era um locutor de
primeira...
69
67
MARINHO, op. cit.
68
SIQUEIRA, op. cit.
69
SIQUEIRA, op. cit.
142
As sicas antigas que faziam parte do ambiente sonoro forjado pelas
amplificadoras dos bairros de Teresina são patrinios da memória dos moradores mais
antigos da cidade. As lembranças atualizam o passado, reconstroem espaços destruídos por
novos equipamentos urbanos, fazem voltar à mente relações de amizades, de conflitos e
formas de lazer condenados ao esquecimento.
Embora as antigas amplificadoras tenham silenciado na maioria dos bairros da
cidade, o eco dos alto-falantes é renitente e insiste em continuar perguntando sobre as
caminhadas na praça, as rodas de conversa nas calçadas, sobre os jogos de futebol no campo
do Brilhante, os festejos nas paróquias e arraiais, sobre os recados de fulano pra fulana, sobre
as promessas de beijo da Filomena...
143
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir da análise dos documentos/fontes focalizados nesta pesquisa tornou-se
possível perceber que, por trás de um aparente silêncio que recaía sobre a memória da
comunicação em Teresina, havia um ruidoso passado a ser reconstruído, mais especificamente
sobre o papel e funcionamento das amplificadoras na história do rádio piauiense.
Foi dando ‘ouvidos’ e ‘olhosaos documentos e fontes que chegamos ao eco dos
alto-falantes, amplificando outras memórias e histórias de sujeitos e lugares, extraindo do
‘silêncio do esquecimento’ a sonoridade das ruas e das sociabilidades vividas pelos habitantes
da cidade, em dado período.
Se esta pesquisa tivesse se limitado apenas à leitura dos jornais da época (sem
dúvida, excelentes documentos), não seria possível perceber as mais variadas formas de usos
e consumos dos serviços de alto-falantes no centro de Teresina e na periferia.
Do confronto entre documentos construídos a partir de fontes orais e da
documentação extraída dos jornais empoeirados do Arquivo Público do Piauí, livros de Leis
da Procuradoria do Município, livros de crônicas, revistas, conseguiu-se vislumbrar os alto-
falantes como operadores de memórias e subjetividades. Foram vistos ainda sujeitos e lugares
conectados às práticas de espo, assim como as continuidades e rupturas, os conflitos e ritos,
uns esquecidos no passado, outros reterritorializados e atualizados.
Como resultado da pesquisa, foi possível perceber a importância das
amplificadoras como instrumentos onde se deu início ao processo de consolidação do projeto
do dio no Piauí, sobretudo em Teresina, na medida em que formou ouvintes e
comunicadores, abrindo também as cortinas aos que não tinham palco para irradiar produções
culturais locais.
A leitura das amplificadoras enquanto objeto de estudo e a localização dele nas
décadas aqui recortadas acabou por revelar as mudanças no conteúdo do discurso hegenico
nos jornais, sobre este meio de comunicação popular. Quando do início do funcionamento dos
alto-falantes, um momento em que a capital não tinha uma estação de rádio, eram os sons do
progresso que estavam no ar. Já com a chegada do “novo” na cidade – a primeira emissora e o
símbolo de modernidade que ele carregava –, as amplificadoras passaram a ser ouvidas como
o barulho do atraso.
Em meio à proibição do funcionamento dos alto-falantes no centro da cidade, no
período em que se preparavam as festividades do primeiro centenário de Teresina, revelou-se
144
de forma mais nítida a existência de conflitos entre o novo e o velho impostos pela
modernidade, que não se resumiam apenas quanto à utilização ou não das amplificadoras.
Tendo como sica de fundo os sons dos alto-falantes, foram capturados e postos
frente a frente projetos dissonantes de ordenação e de controle dos espaços da cidade onde,
em nome do progresso, fazia-se necessário impor novos comportamentos e,
contraditoriamente, ao mesmo tempo, consolidar velhos padrões de moralidade.
Viu-se ainda como era importante o funcionamento dos alto-falantes para o centro
comercial, num momento em que possuir um aparelho de rádio receptor em casa era sinônimo
de status social. Percebeu-se como se deu o processo de adesão da Igreja Católica à era do
rádio, bem como foi mostrada a influência da religiosidade na programação dos alto-falantes.
Mostrou-se como os grupos políticos se utilizavam dos alto-falantes para
disseminarem ideologias, conquistarem votos, e acirrarem conflitos com as legendas
adversárias. Ao mesmo tempo, ao serem analisados projetos fracassados de instalação de
estações de rádios, revelou-se como as elites políticas viam a importância da radiodifusão
para se manterem ou conquistarem o poder.
A expulsão das amplificadoras do centro da cidade, através de lei aprovada às
vésperas do aniversário de 100 anos da capital, deslocou olhar da pesquisa para a periferia da
cidade, possibilitando assim reconstruir aspectos do cotidiano dos moradores.
Assim, foram percebidas também mudanças espaciais da cidade e formas de lazer
e sociabilidade das pessoas, no subúrbio. Lá, os alto-falantes deixaram de existir apenas como
instrumentos que garantiam diversão e informação à comunidade. Eram instrumentos
utilizados para troca de afetividades, para consolidação de convivências e amizades entre
vizinhos de um mesmo bairro, mas também motivo de discórdias, conflitos, reclamações.
Para os que viviam a realidade da periferia, onde até mesmo nomes de ruas e
números de casas eram algo a ser concretizado, as amplificadoras tornaram-se pontos de
referência, locais de convivência, onde as reivindicações dos moradores poderiam ser
bradadas aos quatro ventos.
Este trabalho, portanto, configura numa pequena contribuição para os estudos
iniciados nos últimos anos em âmbito acadêmico sobre a história e memória do rádio no
Piauí. Não foi intenção desta pesquisa teorizar sobre memória e sociabilidade, até mesmo pela
certa imaturidade do autor no contato com tais assuntos. No entanto, memórias e
sociabilidades provocadas pelos alto-falantes estão presentes nesta pesquisa, para preencher
uma lacuna dos livros de história que insistem em silenciar os sons da periferia.
145
Talvez, a pesquisa realizada aqui tenha sua relevância por iniciar, com mais
profundidade, um estudo sobre os usos de um meio de comunicação que nasceu junto com o
rádio, bem como seus impactos no cotidiano de uma comunidade, em dado período. Talvez
ainda dê elementos sobre como a cidade foi atravessada tardiamente pela modernidade, tendo
o rádio como um de seus símbolos.
Este trabalho pode contribuir ainda com aqueles que ainda têm um grande
caminho a percorrer nas pesquisas sobre meios de comunicação alternativos, dentre eles as
rádios comunitárias que surgiram a partir da década de 80 e vistas aqui como continuidades
dos antigos serviços de alto-falantes.
146
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VARGAS, Getúlio Dorneles. Mensagem apresentada ao Poder Legislativo em 3 de maio de
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. Último acesso em 3 de agosto de 2005.
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http://www.vatican.va/holy_father/pius_xi/encyclicals/documents/hf_p-
xi_enc_29061936_vigilanti-cura_po.html. Último acesso em 15 agosto de 2005.
Discografia:
ANJOS do Inferno. Filomena, cadê o meu, RCA Victor, 1950
DVD:
H. Dobal – um homem particular. Documentário, 70min, Teresina, Trinca/filmes, 2002.
Periódicos:
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__________. Teresina, p.1, 3 de maio de 1952.
__________. Teresina, p.4, 28 de maio de 1952.
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ALMANAQUE da Parnaíba (Fundado em 1924). Décima Nona EdãoIninterrupta – 1942,
p. 85.
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A LUTA, Teresina, p.1, 23 de agosto de 1952.
_________. Teresina, p.1, 27 de julho de 1952.
DIÁRIO DO PIAUÍ, Teresina, p.33, 23 de julho de 1946.
DIÁRIO OFICIAL, Teresina, p.10, 26 de janeiro de 1935.
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__________. Teresina, p.1, 5 de julho de 1940.
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__________. Teresina, p. 2, 12 de julho de 1940.
__________. Teresina, p. 2, 13 de julho de 1940.
__________. Teresina, p.12, 15 de julho de 1940.
__________. Teresina, p. 8, 8 de agosto de 1940.
__________. Teresina, p. 59, 29 de novembro de 1940.
__________. Teresina, p. 6, 9 de janeiro de 1947.
__________. Teresina, p.4, 5 de fevereiro de 1947.
154
__________.Teresina, 31 de janeiro de 1948.
__________.Teresina, 3 de fevereiro de 1948
__________. Teresina, p. 8, 7 de agosto de 1948.
__________. Teresina, p.8, 5 de fevereiro de 1952.
__________. Teresina, p.8, 5 de fevereiro de 1955.
FOLHA DE SÃO PAULO – caderno Folha Ribeirão. Ribeirão Preto, 3 de setembro de 2000.
JORNAL DO COMÈRCIO. Teresina, p.2, 28 de janeiro de 1949.
__________. Teresina, p. 4, 16 de dezembro de 1949.
__________. Teresina, p.1, 5 de janeiro de 1950.
__________. Teresina, p.4, 20 de janeiro de 1950
__________.Teresina, p.1, 30 de novembro de 1951.
__________. Teresina, p.1, 16 de fevereiro de 1952.
__________. Teresina, 15 de maio de 1952.
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__________. Teresina, p.1, 4 de setembro de 1952.
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155
JORNAL DO PIAUÍ. Teresina, 7 de agosto de 1952.
__________. Teresina, p.1, 23 de março de 1954.
__________. Teresina, p.3, 11 de agosto de 1954.
__________. Teresina, p. 1 e 4, 16 de setembro de 1954.
__________. Teresina, 25 de setembro de 1954.
JORNAL O PIAUHY. Teresina, p.4, 21 de março de 1950.
MEIO Norte, Teresina, 9 de junho de 2005, nº 3.806, p. B/2.
O DIA. Teresina, p.4, 11 de fevereiro de 1951.
_____. Teresina, p.1, 25 de fevereiro de 1951.
_____. Teresina, p.3, 4 de março de 1951.
_____ .Teresina, p.1, 4 de maio de 1952.
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_____. Teresina, p.3, 21 de setembro de 1952.
_____. Teresina, p.1, 7 de dezembro de 1952.
_____. Teresina, p.6, 23 de agosto de 1954.
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O DOMINICAL. Teresina, p.1, 8 de fevereiro de 1947.
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_____________. Teresina, p.2, 17 de outubro de 1948.
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_____________. Teresina, p.3, 10 de dezembro de 1950.
_____________. Teresina, p.1, 22 de abril de 1951.
_____________. Teresina, p.1, 7 de setembro de 1952.
O PIAUÍ. Teresina, p.1, 30 de junho de 1951.
_______. Teresina, p.3, 22 de julho de 1951.
_______. Teresina, p.3, 14 de novembro de 1951.
_______. Teresina, p.3, 1º de junho de 1952.
_______. Teresina, p.3, 6 de abril de 1952.
_______. Teresina, p.4, 30 de novembro de 1953.
_______. Teresina, p.6, 7 de fevereiro de 1954.
_______. Teresina, p.1, 2 de maio de 1954.
O PIRRALHO. Teresina, p.2, 7 de dezembro de 1947.
____________. Teresina, p.5, 12 de janeiro de 1952.
____________. Teresina, p.1, 26 de janeiro de 1952.
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____________. Teresina, p.4, 5 de abril de 1952.
____________. Teresina, p.6, 19 de abril de 1952.
____________. Teresina, p.5, 17 de maio de 1952.
____________. Teresina, p.6, 15 de junho de 1952.
____________. Teresina, p. 1 e 6, 12 de julho de 1952.
____________. Teresina, p.3, 19 de julho de 1952.
Entrevistas e outros:
ALVES, José. Comerciante, 73 anos. Entrevista cedida a Daniel Solon em 03 de março de
2005. Duração: 1 hora
CARVALHO, Luís Gonzaga Fernandes. Técnico de dio, 74 anos. Entrevista cedida a
Daniel Solon em 27 de dezembro de 2004. Duração da entrevista: 1 hora
CORREIA, Maria Genoveva de Aguiar Moraes. Jornalista, aposentada, 79 anos. Entrevista
cedida a Daniel Solon em 22 de fevereiro de 2005. Duração da entrevista: 50 minutos.
COSTA, Cornélio Evangelista. Comerciante, 85 anos. Entrevista cedida a Daniel Solon em 21
de fevereiro de 2005. Duração da entrevista: 40 minutos.
CURY, Karam Jorge. Comerciante, 75 anos. Conversa informal com o pesquisador Daniel
Solon, em outubro de 2005.
DIAS, Zacarias da Silva. Funcionário público federal aposentado, 74 anos. Entrevista cedida a
Daniel Solon, em 22 de junho de 2005. Duração da entrevista: 1 hora.
DOBAL, H. Depoimento cedido a Douglas Machado em 2002. In: H. Dobal um homem
particular. Documentário, 70min, Teresina, Trinca/filmes, 2002.
FREITAS, Antônio de Pádua Carvalho. Comerciante, 75 anos. Entrevista cedida a Daniel
Solon em 28 de dezembro de 2004. Duração da entrevista: 1 hora.
158
IGREJA, Marcos. Correspondência feita a Daniel Solon, de apontamentos colhidos junto a
moradores antigos de Timon, em agosto de 2005.
MARINHO, Jo Leonílio Guedes (Bismarck Augusto). Funcionário público estadual
aposentado, 80 anos. Entrevista cedida a Daniel Solon. Teresina, 28 dez. 2004. Duração da
entrevista: 50 minutos.
PEREIRA, José Eduardo. Entrevista concedida a Francisco Alcides do Nascimento. 1990
ROCHA, Adelaide Ribeiro. Funcionária pública estadual aposentada, 71 anos. Entrevista
cedida a Daniel Solon, em 16 de abril de 2006. Duração da entrevista: 40 minutos.
SAID, Carlos. Radialista, professor aposentado, 75 anos. Entrevista cedida a Daniel Solon em
04 de janeiro de 2005. Duração da entrevista: 1h e 40 min.
SANTOS, José Lopes dos. Radialista, procurador do Estado aposentado, 86 anos. Entrevista
cedida a Daniel Solon em 13 de janeiro de 2005. Duração da entrevista: 1h e 30 min.
_________. Entrevista cedida a Francisco Alcides do Nascimento em 2004.
SIQUEIRA, José de Ribamar. Funcionário público federal aposentado, 70 anos. Entrevista
cedida a Daniel Solon, em 17 de agosto de 2005. Duração da entrevista: 40 minutos.
SOARES, Raimundo Jo Airemoraes. Padre, 73 anos. Entrevista cedida a Daniel Solon.
Teresina 22 jun. 2005. Duração da entrevista: 50 minutos.
TILITO, Luís Carlos da Silva. Funcionário público aposentado. Entrevista cedida a Daniel
Solon em 17 de agosto de 2005.
VIEIRA, Osvaldina Rocha. Funcionária pública aposentada, 69 anos. Entrevista cedida a
Daniel Vasconcelos Solon em 13 de abril de 2006.
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