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na sua compreensão, responderam de maneira cabal à problemática das origens da propriedade
agrária no Brasil, bem como ao sentido e significado da escravidão no país. A dada altura do
texto, afirmava que, “Diante de tanta referência histórica /.../ cuidamos que não se pode mais pôr
em dúvida a existência, no Brasil, de restos feudais /.../. Em verdade, é exatamente na história e
nas crônicas do desenvolvimento das idéias sociais no Brasil que as esquerdas foram encontrar
subsídio para construir todo o arcabouço científico dos fundamentos conceituais da Revolução
dos nossos dias” (CAVALCANTI, s/d, p. 31). Tem-se aqui a dimensão da não influência de Caio
Prado na orientação teórica do Partido e da posição independente assumida
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Florestan Fernandes, em artigo “Sobre a ‘Revolução brasileira’” (publicado no Jornal da
Senzala, em 1968, sob o título dado pelos redatores “Caio Prado não disse tudo”), explicita que,
nacional e seu desenvolvimento na direção de um posicionamento antiimperialista e antilatifundiário, bem como a
necessidade de uma frente dessa categoria social (burguesia nacional) com os setores do trabalho para garantir o seu
processo de libertação. Vejamos algumas curtas passagens, a título de exemplo. Quanto ao feudalismo: “embora a
expansão pastoril tenha sido originada da atividade agrícola e com ela persistisse em relações, funcionando ora como
válvula ora como reforço desta e lhe conferindo, por isso mesmo, um sentido de estabilidade que lhe permite resistir
às adversidades, aquelas zonas assumiram, desde logo, fisionomia inteiramente diversa. A mais velha e a mais nítida
entre as adversidades foi a resistência natural ao escravismo e a implantação, desde o início, de relações feudais onde
o pastoreio surgiu e cresceu” (SODRÉ, 1976, p. 26). Logo à frente continua: “Se a implantação de relações feudais
no Brasil surge depois da implantação do escravismo, no caso da área em que o capital comercial instala a grande
empresa de produção para o exterior, em outros casos surge de condições iniciais, desconhecendo o escravismo. É o
caso da colônia típica de povoamento que foi São Vicente, transferida a S. Paulo, onde as relações mencionadas
foram predominantes desde o começo” (SODRÉ, 1976, pp. 30-31). E mais: “a deterioração progressiva do
escravismo é acompanhada, assim, por dois outros processos: o da ampliação das relações feudais e o da introdução
das relações capitalistas. /.../ O processo, longo e tortuoso, permite às relações capitalistas que invadem a área
cafeeira paulista uma identidade com as dos fins do medievalismo: estão longe de assumir formas puras e de definir-
se e generalizar-se como tais. Há nelas, por muito tempo, o peso feudal, o entrave antigo, as formas intermediárias
múltiplas. A burguesia nasce no ventre do latifúndio; mas o proletariado também” (SODRÉ, 1976, p. 166). O autor já
havia adiantado em páginas anteriores que “a burguesia brasileira é uma burguesia da etapa imperialista do
capitalismo” (SODRÉ, 1976, p. 155). Para ele, “O latifúndio atravessou séculos, com um domínio incontestado; foi o
aparecimento das relações capitalistas que colocou em dúvida esse domínio. Daí por diante, começou a ser discutido.
Adiante, foi combatido, e o povo brasileiro teve consciência de que isso constituía problema e de que era preciso
resolvê-lo” (SODRÉ, 1976, p. 345). Sobre a contradição entre a burguesia e o imperialismo, concebe que “é um dado
da realidade, não resulta do plano subjetivo. Decorre do processo que se desenvolve na luta pelo mercado interno,
nesta fase: burguesia e imperialismo o disputam acirradamente, e cada vez mais acirradamente” (SODRÉ, 1976, p.
364). Critica os que duvidam dessa contradição, de vez que “afetam a correlação de forças” e “influem na
composição da frente antiimperialista e no caráter da Revolução Brasileira” (SODRÉ, 1976, p. 364). Para os que
induzem o proletariado a ver na burguesia o inimigo principal, contra o qual se deve concentrar o fogo, afirma que
esta posição “funda-se numa análise teórica e numa visão prática deformadas: repousa na suposição de que o
fortalecimento da burguesia, contra o imperialismo e o latifúndio /.../ possa levar a uma situação semelhante àquela
que sucedeu às revoluções burguesas clássicas”, nas quais a burguesia, ao assumir o poder, voltou-se contra o
proletariado e o campesinato. A seu ver, trata-se de um equívoco, tendo em vista que a revolução burguesa dos
países subdesenvolvidos, como o Brasil, “já se consumou e o processo de emancipação é a sua etapa posterior e
natural, sendo inviável solução que permita à burguesia auferir todas as vantagens, com exclusão das classes e
camadas sociais que com ela cooperam” (SODRÉ, 1976, p. 378).
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A resposta de Caio Prado ao artigo que Tavares publicou na Revista Civilização Brasileira pode ser encontrada no
adendo ao livro A revolução brasileira (utilizamos a edição de 1978).