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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS
CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: FUNDAMENTOS DA EDUCAÇÃO
As Reformas educacionais de Benjamim Constant (1890-1891)
e Francisco Campos (1930-1932): o projeto educacional das
elites republicanas
Taís Delaneze
São Carlos
2007
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TAÍS DELANEZE
As Reformas educacionais de Benjamim Constant (1890-1891)
e Francisco Campos (1930-1932): o projeto educacional das
elites republicanas
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS
CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
SÃO CARLOS - 2007
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação
em Educação – Área de Concentração em Fundamentos
da Educação da Universidade Federal de São Carlos,
como requisito parcial para a obtenção do Título de
Mestre em Educação, sob a orientação do Professor
Doutor Amarilio Ferreira Júnior.
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Ficha catalográfica elaborada pelo DePT da
Biblioteca Comunitária da UFSCar
D337re
Delaneze, Taís.
As reformas educacionais de Benjamim Constant (1890-
1891) e Francisco Campos (1930-1932) : o projeto
educacional das elites republicanas / Taís Delaneze. -- São
Carlos : UFSCar, 2007.
224 f.
Dissertação (Mestrado) -- Universidade Federal de São
Carlos, 2007.
1. Educação – história. 2. Reforma do ensino. 3.
Educação popular. 4. Revolução burguesa no Brasil. I.
Título.
CDD: 370.9 (20
a
)
“... A felicidade humana será possível somente na medida e nas formas
em que o proceder da incessante luta dos homens contra a natureza para
humanizá-la, humanizando a si mesmos, permitirá atingi-la .
Desta luta também faz parte a consciência histórica, o voltar-se atrás para
considerar o quanto as coisas vêm de longe para prosseguir à frente, bem
mais longe”.
(Mário Alighiero Manacorda)
DELANEZE, Taís. As Reformas educacionais de Benjamim Constant
(1890-1891) de Francisco Campos (1930- 1932): o projeto educacional das
elites republicanas. Dissertação (Mestrado em Educação). Universidade
Federal de São Carlos. Orientador: Dr. Amarilio Ferreira Júnior. São Carlos,
2007.
RESUMO:
Este trabalho tem como objeto de estudo duas reformas educacionais emanadas da
administração pública federal: a Reforma de Benjamim Constant (1890-1891) e a Reforma
de Francisco Campos (1930-1932). Ambas as reformas são caracterizadas por um conjunto
de decretos que legiferaram sobre diversos aspectos da educação e de seus níveis de
ensino, considerando-se que a primeira esteve restrita, com exceção do ensino superior, a
regulamentar o ensino na Capital Federal (Rio de Janeiro), e a segunda regulamentou o
ensino em âmbito nacional, caracterizando um marco nesse sentido.
A Reforma Benjamim Constant foi um produto da Proclamação da República, ao passo
que a Reforma Francisco Campos foi um seguimento da conflagração de 1930. No
contexto político-econômico brasileiro, esses dois momentos retratam um mesmo
processo: a revolução burguesa no Brasil, que não se completaria em 1930, ganhando
apenas novos impulsos. A revolução que se processou no Brasil não seguiu as “vias
clássicas” que caracterizam o tipo jacobino, como ocorreu na França. Esse processo
“aclimatado” ao Brasil foi singular, mas sua análise encontra similitudes em termos
cunhados por Lênin e Gramsci - via prussiana e revolução passiva, respectivamente. Essas
duas categorias, que podem ser utilizadas como critério interpretativo da revolução
burguesa à brasileira, desenvolvem a idéia de uma modernização conservadora, composta
por elementos renovadores e restauradores que não agregam rupturas revolucionárias. A
renovação é impulsionada por uma fração da classe dominante restaurada no poder,
significando a reação à possibilidade de uma efetiva transformação, embora assimilasse
parte das demandas populares. Aqui, o “espírito burguês” emergiu do campo, por meio de
uma aristocracia agrária que se metamorfoseou em paladina do Estado Moderno e
alavancou o desenvolvimento capitalista.
Por fim, as reformas educacionais que se operaram no contexto da revolução burguesa no
Brasil refletiram o pensamento educacional das elites refratárias que as empreenderam. A
educação primária, considerada essencialmente educação do povo, na reforma Benjamim
Constant esteve circunscrita ao Rio de Janeiro e, na reforma de Francisco Campos, o
governo central foi omisso quanto ao assunto. Sem embargo, o projeto republicano
educacional das elites republicanas não incluía a expansão da educação primária,
retardando por muito tempo a edificação de uma escola pública, aberta aos filhos das
classes subalternas, e a constituição de um Sistema Nacional de Educação.
Palavras-chave: História da educação, Reformas Educacionais Republicanas, Revolução
Burguesa.
DELANEZE, Taís. The Educational Reforms by Benjamim Constant (1890-1891) and
Francisco Campos (1930-1932): the education project of the republican elites. Thesis
(Master’s Degree in Education). University Federal of São Carlos. Supervisor: Dr.
Amarilio Ferreira Jr. São Carlos, 2007.
ABSTRACT
The study objects of this work are two educational reforms derived from the Public Federal
Administration, namely the Reforms by Benjamim Constant (1890-1891) and Francisco
Campos (1930-1932). Both are characterized by a series of decrees that legislated on
several aspects of education and its degrees. The former was limited to regulating
education in the Federal Capital (Rio de Janeiro), with the exception of high education,
which was regulated nationwide. The later regulated the national education, thus
representing a landmark in this sense.
The Reform by Benjamim Constant was a product of the Proclamation of the Republic;
and the one by Francisco Campos was the expanding of the conflagration of 1930. These
two moments in the Brazilian political-economic context are the portrait of the same
process: the bourgeois revolution in Brazil, which had not been finished in 1930, but,
rather, had been provided with new impulses. The revolution that took place in Brazil did
not follow the ‘classical ways’, which characterized, for example, the French Jacobinism.
The process acclimated to Brazil was singular, but its analysis suggests similarities that are
evidenced in the terms created by Lenin and Gramsci – Prussian way and passive
revolution, respectively. These two categories, which can be used as interpretative criteria
for the Brazilian bourgeois revolution, develop the idea of conservative modernization,
composed of modern and renewed elements that cause no revolutionary disruptions. While
modernization is prompted by a segment of the conservative dominant class, revealing the
reaction against the possibility of an effective transformation, it also absorbs part of the
popular demand. In Brazil, the “bourgeois spirit” emerged from the agrarian aristocracy,
which was responsible for the Modern State and contributed towards the capitalist
development. In summary, the educational reforms resulting from this bourgeois context
in Brazil, which were implemented by those conservative elites, reflected the educational
thoughts by such elites. The primary education, essentially considered as the education for
the people, was limited to Rio de Janeiro in the Reform by Benjamim Constant and not
even mentioned in the Reform by Francisco Campos. Therefore, the education project of
the republican elites included no expansion of the primary education, long retarding the
establishment of both a public school, open to the subaltern classes, and a National
Education System.
Keywords: Educational History, Republican Educational Reforms, Bourgeois Revolution.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .......................................................................................................p. 1
CAPÍTULO I .........................................................................................................p. 15
A REFORMA EDUCACIONAL DE BENJAMIM CONSTANT
1.1 O texto no contexto: o ocaso do Império, o prelúdio republicano e a República
instituída...................................................................................................................p. 31
1.2 Educação e Sociedade: Idas e Vindas ...............................................................p. 49
CAPÍTULO II .......................................................................................................p. 62
A REFORMA EDUCACIONAL DE FRANCISCO CAMPOS
2.1 O texto no contexto: “A Revolução de 1930”...................................................p. 83
2.2 Educação e Sociedade: Idas e Vindas................................................................p.95
CAPÍTULO III ....................................................................................................p. 111
A EDUCAÇÃO E A REVOLUÇÃO BURGUESA: OS CAMINHOS BRASILEIROS
3.1 Proclamação da República e “Revolução de 1930”: Dois momentos de um mesmo
processo ................................................................................................................p. 124
3.2 Reforma Benjamim Constant e Reforma Francisco Campos: “Escola para o povo” –
um sonho distante ................................................................................................ p. 137
CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................p. 147
FONTES E REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .........................................p. 157
APÊNDICES .......................................................................................................p. 168
ANEXOS ..............................................................................................................p. 174
1
INTRODUÇÃO
Esta dissertação tem como objeto de estudo duas reformas educacionais
patrocinadas pela República brasileira: a reforma de Benjamim Constant (1890-1891) e a
de Francisco Campos (1930-1932). A Reforma Benjamim Constant regulamentou,
essencialmente, a instrução primária, secundária, normal e superior; e a Reforma Francisco
Campos, por sua vez, deu novos contornos estruturais aos níveis secundário, técnico-
profissional e superior. Ambas foram delineadas por um conjunto de decretos que também
trataram de outros assuntos relacionados à educação, como o regulamento da Biblioteca
Nacional (Decreto nº 856/1890) e a criação do Conselho Nacional de Educação (Decreto nº
19.850/1931). Embora as duas reformas tenham sido deflagradas do âmbito federal, elas
são divergentes quanto ao seu foco de atuação, uma vez que os decretos de Benjamim
Constant, exceto com relação ao ensino superior, estavam restritos à educação da Capital
Federal, e a Reforma Francisco Campos teve abrangência nacional.
A abordagem dessas reformas educacionais tem por base o principal traço
distintivo que caracterizou o processo histórico brasileiro: as mudanças modernizadoras que
não romperam com os elementos estruturais que plasmaram societariamente o passado
imediatamente anterior. Além disso, as ditas reformas educacionais serviram de fio
condutor para se traçar uma panorâmica da história da educação brasileira entre o final do
século XIX e a primeira metade do século XX. Em síntese, o recorte do objeto de pesquisa
do presente trabalho foi selecionado com o objetivo de se compreender a história da
educação brasileira por meio da relação dialética existente entre as mudanças sócio-
econômicas e as reformas educacionais de cunho republicano liberal elitista.
2
A escolha das duas reformas esteve pautada pelos seguintes critérios: A) A
Reforma Benjamim Constant é a primeira reforma educacional do período republicano; B)
A Reforma Francisco Campos é a primeira reforma educacional da dita Segunda República,
período conseguinte ao que, historicamente, ficou consagrado como República Velha; C)
Ambas as reformas foram promulgadas do âmbito do governo central; D) Ambas as
reformas estão no ápice de mudanças conjunturais – a Proclamação da República e a
“Revolução de 1930”
1
- e, portanto, representam para a educação a ressonância de um
ambiente marcado por novos rearranjos políticos.
Entre a primeira reforma republicana e a primeira reforma da Segunda
República existiram outras reformas educacionais, também decretadas do âmbito da União,
e até mesmo outras reformas de grande projeção, que partiram de iniciativas estaduais.
Aqui, mesmo com a exposição dos critérios que permearam a escolha das duas reformas,
deve-se antecipar uma questão que pode vir a causar um certo desassossego ao leitor mais
impaciente: por que fazer a aproximação de duas reformas educacionais, transcorridos 40
anos entre uma e outra?
Levamos em conta que as duas reformas educacionais vieram no bojo de dois
acontecimentos históricos já citados, a Proclamação da República e a “Revolução de 1930”,
os quais podem ser unificados em um mesmo processo que é a revolução burguesa no
Brasil, que, vale ressaltar, prosseguiu inconclusa até período posterior ao golpe militar de
1964.
A revolução burguesa tem como corolário o desenvolvimento do capitalismo, o que
no Brasil significou o desenvolvimento de uma economia periférica e dependente. Ainda,
1
O termo é aqui posto entre aspas porque os aspectos revolucionários dos acontecimentos que desencadearam
uma nova fase na história da república brasileira, a partir de 1930, são questionados no decorrer do trabalho,
ou melhor, são colocados em uma perspectiva que não o sentido clássico do termo revolução.
3
quando aclimatada ao Brasil, a revolução adquiriu um aspecto que não está correlacionado
ao seu sentido clássico. Dito de outra forma: não encontra similitude com a revolução do
tipo jacobino, se bem que possa ser comparada a processos que ocorreram na Alemanha e
na Itália. Isso porque a revolução burguesa à brasileira foi desencadeada por uma elite
atrelada ao latifúndio, constituindo assim uma categoria que se convencionou, entre os
intérpretes da História do Brasil, chamar de burguesia agrária.
A escolha das duas reformas educacionais, localizadas em dois momentos
distintos desse processo típico brasileiro de aburguesamento da sociedade, do ponto de
vista do desenvolvimento capitalista das relações de produção, tem por objetivo explicitar
alguns aspectos do projeto educacional das elites republicanas. Os programas educacionais
de ambas as reformas são produtos dessa sociedade e projeto dessas elites, que emergiram
deste contexto.
Na Europa, o Estado Moderno inaugurado pela burguesia promoveu o
crescimento social da escola. Diferentemente do modelo do Ancien Regime, de acordo com
Cambi
2
, era uma escola laica e mais democrática, portanto, mais aberta aos filhos do povo.
O século XIX assistiu a uma série de transformações no modo de vida europeu,
concomitantemente à expansão do sistema de educação, cujas responsabilidades
convergiam para o Estado, superando as divisões entre iniciativas diversas (Igreja, Estado e
particulares). De acordo com a obra de Manacorda
3
foi possível verificar que a instrução
pública foi o pensamento do século XIX, e tal preceito sancionava o aspecto da
universalidade. O que antes era destinado aos prediletos da fortuna passou a ser
reconhecido como um direito e uma obrigação da humanidade.
2
CAMBI, Franco. História da Pedagogia, p. 493.
3
MANACORDA, Mario Alighiero. História da Educação. Da antiguidade aos nossos dias, p. 275.
4
Na Inglaterra, o “demiurgo do mundo burguês”, segundo o autor
4
, a
sucessiva legislação sobre as fábricas, na primeira metade do século XIX, incluiria
freqüentes disposições em torno da necessidade da instrução das crianças antes da entrada
nas fábricas, ou pelo menos durante o trabalho. Na segunda metade do Oitocentos, todo o
sistema de instrução, da elementar à superior, já era estatal em quase toda a Europa e,
portanto, o processo de laicização e estatização da instrução havia se completado,
avançando, pari passu, rumo à universalização. Foi se delineando um sistema escolar
destinado ao povo, e a difusão das escolas elementares entre as classes populares
representou o progresso da instrução popular, a partir da segunda metade do século XIX.
Apesar disso deve-se constatar que, na própria Inglaterra, foi só em 1870
que se estabeleceu um sistema completo de instrução nacional, tornado obrigatório em
1880. Na Alemanha, na França e na Itália a escola popular se desenvolveu com lentidão e
em meio a muitas dificuldades, e só no fim do século é que ela aparece em seus objetivos
fundamentais.
Com efeito, no Brasil, não se poderia esperar que tudo ocorresse da mesma
forma e no mesmo tempo. Aqui, a República foi tardia, a revolução burguesa foi
autocrática e a educação popular conseqüentemente não se consolidou tal como o modelo
europeu e/ou americano. Por educação popular entende-se como aquela que se definiu em
oposição ao ensino de tipo secundário, conotação que este termo adquiriu no Brasil,
segundo Beisiegel
5
. Segundo o autor, o ensino secundário e a sua continuação natural nas
escolas superiores aparecia como educação seletiva, destinada à formação das elites
4
MANACORDA, Mario Alighiero. História da Educação. Da antiguidade aos nossos dias, pp. 288-290.
5
BEISIEGEL, Celso de Rui. Estado e educação popular. Um estudo sobre a educação de adultos, pp. 22-32.
5
condutoras. Tudo o mais, o ensino público elementar e as poucas escolas de preparação
profissional, viria a constituir o ensino do povo.
A designação genérica de educação popular é um termo que ficou
consagrado e bastante utilizado entre os historiadores da educação, embora de maneira
imprecisa, pois aparece na literatura brasileira como qualificativo das diferentes
modalidades de ensino concebidas com vistas à educação daqueles indivíduos não
destinados à constituição das elites. Portanto, o termo educação popular está aqui sendo
empregado não no sentido marxiano
6
, mas em correlação ao significado atribuído pela
literatura pedagógica brasileira.
A história da escola pública no Brasil, segundo Saviani
7
, está dividida em
duas etapas: 1) Os antecedentes da escola pública; 2) A escola pública propriamente dita. A
primeira etapa encontra-se dividida em três períodos. O primeiro período, compreendido
entre 1549 e 1759, é caracterizado pelo ensino jesuíta de caráter público e de domínio
privado, designado ensino público religioso porque contava com o subsídio da Coroa
portuguesa. O segundo período se estende de 1759 a 1827 e reflete a primeira tentativa de
se instaurar uma escola pública estatal com as reformas pombalinas, inspiradas nas idéias
iluministas. O terceiro período está situado entre 1827 a 1890, quando houve uma tentativa
de se organizar a educação sob a chancela do Estado. Pela via legal, o poder público
normatizou a organização de escolas públicas, mas continuou funcionando em espaços
privados.
6
Marx, no escrito “Crítica ao Programa de Gotha”, assevera que a educação popular a cargo do Estado é
inadmissível, pois uma coisa seria determinar, por meio de lei geral, os recursos para as escolas públicas, as
condições de capacitação do pessoal docente, as matérias de ensino, etc., e velar pelo cumprimento destas
prescrições legais mediante inspetores do Estado, e outra coisa completamente diferente é designar o Estado
como educador do povo. Segundo ele, é o Estado quem necessita de receber uma educação do povo e,
portanto, para ele educação popular seria educação do povo pelo povo. In: MARX, Karl; ENGELS, Friedrich.
Textos 1. São Paulo: Edições Sociais, s/d, p. 241.
7
SAVIANI, Dermeval (org.). O Legado Educacional do século XX no Brasil.
6
A segunda etapa da história da educação pública no Brasil também foi
dividida pelo autor em três períodos, e nesta segunda etapa está compreendido o objeto de
pesquisa desta dissertação. O primeiro período se estende de 1890 a 1931, no qual o autor
destaca as escolas graduadas e a influência do ideário iluminista. De acordo com o autor,
foi com os estados federados, no limiar da República, que a escola pública foi entendida em
seu sentido amplo. A reforma paulista (1890-1896), que deu origem aos grupos escolares
8
,
não se consolidou, mas virou referência para os demais estados e uma tendência nacional.
A Reforma Benjamim Constant, que data desta época, apresenta alguns
aspectos semelhantes à reforma paulista, quanto ao ensino elementar e à Escola Normal.
Essa reforma, que partiu do governo central, também legiferou sobre o ensino secundário e
superior, mas, no geral, teve uma atuação reduzida – estava restrita ao Distrito Federal,
ainda que pudesse servir como modelo para todo território nacional. A característica deste
período, portanto, é a de que o novo regime não assumiu a instrução pública como uma
questão de responsabilidade do governo central, delegando aos estados federados tal
competência. Mesmo com a organização da educação primária, com os grupos escolares,
segundo Saviani
9
, a escola foi transformada em um instrumento mais eficiente para o
objetivo de seleção e formação das elites, dentro de um contexto em que a questão da
educação das massas populares ainda não se colocava.
O segundo período dessa etapa compreende os anos de 1931 a 1961 e pode
ser caracterizado pela influência do ideário pedagógico renovador e pela regulamentação
nacional do ensino. Esse período foi colocado como um passo importante na
8
Os grupos escolares passaram a abrigar em um único prédio quatro ou cinco escolas de primeiras letras ou
de ensino elementar. Antes as classes eram isoladas, não seriadas e unidocentes. Os professores ministravam
o ensino elementar para alunos em níveis ou estágios diferentes de aprendizagem. Com esta nova organização
a série tornou-se a matriz estrutural da graduação escolar.
9
SAVIANI, Dermeval (org.). O Legado Educacional do século XX no Brasil, p. 30.
7
regulamentação do ensino em âmbito nacional, sem contemplar, contudo, o ensino
primário. No Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, a idéia de plano nacional de
educação se aproxima da idéia de sistema nacional de educação. A Constituição Federal de
1934 coloca como competência privativa da União traçar as diretrizes e bases da educação
nacional. É desse período a Reforma Francisco Campos que, muito embora não trate de
todos os níveis de ensino, pela primeira vez impõe uma política educacional a todo o
território nacional.
Por fim, o último período abrange os anos compreendidos entre 1961 e
1996, quando ocorrem os marcos da promulgação das duas Leis de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional, e, portanto, é o período de unificação normativa da educação nacional,
pautada em uma concepção produtivista.
Tendo em vista o que acontecia em países europeus, com a difusão da
educação elementar entre as classes populares e a edificação de seus respectivos Sistemas
Nacionais de Ensino, e considerando o próprio processo de consolidação da instrução
pública na história da educação brasileira, a questão que se coloca neste trabalho é: qual é o
papel da educação elementar na consolidação da república e da democracia no Brasil? Com
a abordagem das reformas educacionais analisadas nesta pesquisa, pretende-se dar uma
modesta contribuição ao estudo da escola pública no Brasil.
Para a realização deste trabalho, foi feito um levantamento bibliográfico
referente às duas reformas educacionais, mas foram encontrados poucos trabalhos que
tratassem da totalidade das reformas, a partir do conjunto de todos os decretos que as
compuseram. O que se convencionou chamar de Reforma Benjamim Constant e Reforma
Francisco Campos, na realidade, foi a junção de uma série de decretos expedidos por eles
8
no período em que estiveram no comando do Ministério que tratava de assuntos referentes à
educação.
Benjamim Constant esteve na direção do Ministério da Instrução Pública,
Correios e Telégrafos, criado pelo governo provisório em 1890. Após o afastamento de
Benjamim Constant do cargo, o recém-criado Ministério foi extinto e a pasta da educação
voltou à alçada do Ministério da Justiça e dos Negócios do Interior. Tanto o ministro,
quanto o Ministério, tiveram uma rápida passagem na história da educação.
Já Francisco Campos teve seu nome atrelado a reformas educacionais antes
de assumir o Ministério da Educação e Saúde Pública, criado por outro governo provisório
em 1930. Campos, como Secretário do Interior do governador mineiro Antônio Carlos,
promoveu uma reforma educacional naquele estado nos anos de 1920. Posteriormente, na
direção do Ministério da Educação e da Saúde Pública, foi incumbido de realizar uma
reforma em âmbito nacional. Em 1931, Campos afastou-se do Ministério por razões
políticas e, em 1932, ele deixou o cargo definitivamente. O Ministério permaneceu sob a
mesma nomenclatura até 1953
10
, quando a pasta da educação e da saúde foram separadas.
Para a abordagem da Reforma Benjamim Constant, algumas pesquisas
foram importantes para a elaboração deste trabalho, como a tese de Doutorado de Maria
Teresa Cartolano
11
intitulada “Benjamim Constant e a Instrução pública no início da
República”, que analisa a instrução primária nos decretos do então responsável pelo
Ministério da Instrução Pública, Correios e Telégrafos; e a dissertação de Mestrado de
10
BOMENY, Helena Maria Bousquet. Os intelectuais da educação.
11
CARTOLANO, Maria Teresa Penteado. Benjamim Constant e a Instrução pública no início da
República, 1994. (Tese de Doutorado).
9
Marco Antônio Pratta
12
intitulada “Mestres Santos e Pecadores: Educação, religião e
ideologia na Primeira República (1889-1930)”, que embora não trate especificamente da
reforma educacional, traz um esboço do panorama educacional do período histórico em que
a reforma Benjamim Constant está emersa.
Na abordagem da Reforma Francisco Campos foi de grande contribuição o
trabalho de Maria Célia Marcondes de Moraes
13
, intitulado “Reformas de ensino,
modernização administrada. A experiência de Francisco Campos: anos vinte e trinta”,
que, em perspectiva ampla, analisa a experiência de Francisco Campos no campo das
reformas educacionais a partir de sua passagem pela Secretaria do Interior (onde se
encontrava a pasta da educação), em Minas Gerais, na gestão do governador Antônio
Carlos. Foi bastante relevante a pesquisa de Marlos Mendes da Rocha
14
, “Educação
Conformada: a política pública de educação no Brasil (1930-1945)”, posteriormente
publicada pela Editora da Universidade de Juiz de Fora, que embora não trate
especificamente da Reforma Francisco Campos, aborda a política educacional do período.
A obra de Primitivo Moacyr
15
, “A instrução e a República: reformas
Benjamim Constant (1890- 1892)”, também foi de grande valia para o desenvolvimento
desta pesquisa, porque traz integralmente os textos dos decretos da primeira reforma
republicana, além de relatórios do Ministério e anais do Congresso Nacional. A obra de
Jorge Nagle sobre a educação na Primeira República foi igualmente contributiva para a
12
PRATTA, Marco Antônio. Mestres Santos e Pecadores: Educação, religião e ideologia na Primeira
República (1889-1930). São Carlos: UFSCar, 1998. (Dissertação de Mestrado).
13
MORAES, Maria Célia Marcondes de. Reformas de ensino, modernização administrada. A experiência
de Francisco Campos: anos vinte e trinta. Florianópolis: UFSC, Centro de Ciências da Educação, Núcleo de
Publicações, 2000 (Teses NUP; 4).
14
ROCHA, Marlos Mendes da. Educação Conformada. A política pública de educação no Brasil (1930-
1945). Juiz de Fora: Editora UFJF, 2000.
15
MOACYR, Primitivo. A instrução e a República. As reformas Benjamim Constant (1890-1892) 1º
volume. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1941.
10
descrição e análise da reforma educacional, iniciada em 1890 e concluída no ano
conseguinte. Na abordagem da Reforma Francisco Campos, as obras do próprio reformador
foram essenciais para a compreensão de seu pensamento político e pedagógico: “Educação
e Cultura”
16
e “O estado nacional, sua estrutura, seu conteúdo ideológico”
17
. Por fim, os
decretos que compuseram ambas as reformas, ou melhor, as fontes primárias desta pesquisa
foram obtidas através de site oficial do governo
18
.
A pesquisa histórica revela uma importância e uma responsabilidade que
Hobsbawm
19
soube muito bem descrever quando mencionou que,
A destruição do passado – ou melhor, dos mecanismos sociais que
vinculam nossa experiência pessoal à das gerações passadas – é um dos
fenômenos mais característicos e lúgubres do final do século XX. Quase
todos os jovens crescem numa espécie de presente contínuo, sem qualquer
relação orgânica com o passado público da época em que vivem. Por isso
os historiadores, cujo ofício é lembrar o que os outros esquecem, tornam-
se mais importantes que nunca no fim do segundo milênio. Por esse
motivo, porém, eles têm de ser mais que simples cronistas, memoralistas e
compiladores.
Tendo em vista tal assertiva, este trabalho reúne as fontes bibliográficas e
documentais em uma formulação descritiva e analítica, de acordo com um determinado
método e opção epistemológica. Considerando a educação como um produto social que traz
consigo as próprias contradições da sociedade, a realização de uma pesquisa no campo da
história da educação implica em uma investigação do objeto sob uma perspectiva histórica.
16
CAMPOS, Francisco. Educação e Cultura. Rio de Janeiro: Liv. José Olympio, 1940.
17
CAMPOS, Francisco. O estado nacional, sua estrutura, seu conteúdo ideológico. 2ª edição. Rio de
Janeiro: Liv. José Olympio, 1940.
18
Disponível em: <http//: www2.camara.gov.br>
19
HOBSBAUM, Eric J. Era dos Extremos: o breve século XX (1914 – 1991), p. 13.
11
Desse modo, três métodos de investigação científica, apontados por Triviños
20
, são
superados: positivismo, fenomenologia e estruturalismo.
O positivismo renuncia à procura da origem e do destino dos fenômenos,
pregando a neutralidade axiológica do saber e a impossibilidade da obtenção de noções
absolutas. Para os positivistas, a ciência deve limitar-se à observação e à explicação dos
fenômenos de forma objetiva, neutra, livre de julgamentos de valor ou ideologias,
descartando previamente as pré-noções e os preconceitos. Como se fosse possível dissecar
com o bisturi da ciência o corpo social, o positivismo prega o ideal de ciência neutra, imune
aos “interesses e paixões”, e ignora o condicionamento histórico-social do conhecimento.
A fenomenologia busca a essência dos fenômenos, que se apresentam de
forma pura e livre de elementos pessoais e culturais, em uma perspectiva a-histórica. De
maneira semelhante procedem os estruturalistas. Estes buscam descobrir a estrutura dos
fenômenos, rejeitando seu sentido histórico ao considerar somente as propriedades
extratemporais do objeto. Para eles, essas propriedades são invariáveis e por isso
constituem-se em chave para o esclarecimento dos aspectos essenciais dos objetos.
A opção investigativa deste trabalho é o marxismo, também apresentado por
Triviños
21
. O marxismo é o método que utiliza o princípio da totalidade, caracterizado pelo
processo contínuo de interação entre o todo e as partes. O marxismo trabalha, ainda, com o
princípio da mudança, do movimento e da contradição
22
.
20
TRIVIÑOS, Augusto Nibaldo Silva. Introdução à pesquisa em ciências sociais. A pesquisa qualitativa em
educação.
21
TRIVIÑOS, Augusto Nibaldo Silva. Introdução à pesquisa em ciências sociais. A pesquisa qualitativa em
educação.
22
LIMA, Paulo Gomes. Tendências paradigmáticas na pesquisa educacional, 2003.
12
Há também o que, usualmente, se chamou de paradigma pós-moderno. Este
se tornou responsável por um mal-estar teórico e epistemológico
23
, germinando concepções
de dissolução da história em múltiplas histórias e o abandono de explicações de amplo
alcance, taxadas como inviáveis. Esse paradigma também não é a opção epistemológica
desta pesquisa, pois se nega à procura pelas grandes sínteses, incorrendo em um vale-tudo
científico.
A escolha de uma opção epistemológica implica em mais do que uma forma
de conceber a pesquisa educacional, mas também em uma forma de conceber o homem, a
história e a realidade. Diante disso, o marxismo continua válido para a interpretação da
sociedade atual. Marx estudou profundamente a sociedade capitalista e um dos seus
pressupostos é o de que nenhuma forma social nova surgiria até que o capitalismo
desenvolvesse todas as suas forças produtivas, atingindo seu pleno esgotamento. E o
capitalismo não esgotou, internacionalmente, todas as suas possibilidades.
Nesta pesquisa procurou-se abordar as duas reformas educacionais
mencionadas e os seus contextos históricos, tendo como sustentáculo o marxismo como
opção epistemológica. Vale mencionar, contudo, que as categorias elaboradas por Gramsci
e Lênin, revolução passiva e via prussiana, foram utilizadas para a interpretação do
processo de revolução burguesa no Brasil, o qual encontra correlação com processos
ocorridos na Itália e na Rússia. Ambos os autores, portanto, tornaram-se referenciais
teóricos da pesquisa.
O Capítulo I traz a exposição e análise dos decretos que consolidaram a
Reforma Benjamim Constant, em especial os decretos que trataram do ensino elementar e
23
SAVIANI, Dermeval; LOMBARDI, José Claudinei; SANFELICE, José Luís (Orgs.) História e História
da Educação. O Debate teórico-metodológico atual, 2000.
13
secundário. Há também uma abordagem do contexto histórico em que se inseriu a atuação
do reformador, empossado naquele momento no Ministério da Instrução Pública, Correios e
Telégrafos: a transição da Monarquia para a República com suas implicações políticas e
econômicas. No final do capítulo, a análise perpassa tanto a sociedade quanto a educação,
em movimento pendular entre a aurora republicana e o Império, para se estabelecer um
processo comparativo entre o velho e novo na legislação escolar e no arcabouço político-
econômico.
O Capítulo II faz a exposição e análise dos decretos que compuseram a
Reforma Francisco Campos. Há uma abordagem da atuação educacional de Campos nos
anos de 1920, de seu pensamento político e pedagógico, e do embate ideológico que cercou
a elaboração de um projeto pedagógico nacional da “Revolução de 1930”. Por conseguinte,
aborda-se o período histórico em que se inseriu a ação do reformador: a passagem da
República Velha para a Segunda República levada ao cabo pela “Revolução de 1930”, sob
o comando de Getúlio Vargas. Por fim, o capítulo encerra-se estabelecendo o mesmo
processo de retroação feito no Capítulo I, agora entre os ditames políticos-econômicos e a
legislação escolar postos pela República Velha e pela Segunda República.
O Capítulo III une os dois contextos históricos, Proclamação da República e
Revolução de 1930, pela mesma diretriz: a revolução burguesa no Brasil. Para analisar a
peculiaridade da revolução burguesa à brasileira buscaram-se similitudes nas categorias de
revolução passiva e via prussiana, de Gramsci e Lênin, respectivamente. Em seguida, o
trabalho analisa as duas reformas educacionais sob a perspectiva da constituição ou não da
educação popular. No caso, as duas reformas são frutos de dois movimentos ditos como
revolucionários que, embora cronologicamente distantes, estão historicamente unidos na
mesma empreitada - a consolidação da ordem burguesa - que nos países europeus levou à
14
consolidação de um sistema nacional de educação e à difusão da instrução elementar entre
as classes populares.
Por fim, ao final do trabalho, é discutido nas considerações finais o modo
como a educação foi condicionada pela conjuntura, e é delineado um modelo educacional
ideal para a época, o qual não foi então constituído. Não se trata aqui da cobrança de uma
dívida histórica para com as elites republicanas, por falta de um ideário burguês mais
progressista, mas de um alerta para o fato de que talvez, segundo Manacorda
24
, “o caminho
do futuro seja aquele que o passado não soube percorrer, mas que nos mostrou em negativo,
descortinando suas contradições”.
Este trabalho pretende ser uma contribuição para o descortinamento das
contradições do passado da história educacional brasileira e, em consonância com
Hobsbawm
25
, vale aqui um aviso, ressaltando a assertiva supracitada: “a principal tarefa do
historiador não é julgar, mas compreender, mesmo o que temos mais dificuldade de
compreender”. Com isso, esperamos propiciar um pensar crítico sobre o presente e os
rumos da educação pública no Brasil.
24
MANACORDA, Mario Alighiero. História da Educação. Da antiguidade aos nossos dias, p. 360.
25
HOBSBAUM, Eric J. Era dos Extremos: o breve século XX (1914 – 1991), p. 15.
15
CAPÍTULO I
A REFORMA EDUCACIONAL DE BENJAMIM CONSTANT
Benjamim Constant de Botelho Magalhães (1836-1891) recebeu a
qualificação de fundador da República, sendo Marechal Deodoro considerado o
proclamador, e tendo Floriano Peixoto figurado como o consolidador. Segundo Carvalho
26
,
Benjamim era o catequista, o apóstolo, o evangelizador, o preceptor, o mestre, o ídolo da
juventude militar. Ele é colocado pelos positivistas ortodoxos, no panteão cívico do Brasil,
ao lado de Tiradentes (Inconfidência) e de José Bonifácio (Independência).
Na Escola Militar, onde foi professor, constituiu-se no principal propagador
das idéias positivistas. Segundo Lemos
27
, por ser um dos pioneiros no estudo, na
divulgação e aplicação do positivismo no Brasil, pagou por essa condição o preço do
isolamento. Excetuados alguns professores da Escola Militar, que tiveram interesse pela
doutrina, encontrara interlocutores apenas entre colegas, tais como Tibúrcio de Sousa,
Antônio Carlos de Oliveira Guimarães, Álvaro de Oliveira e Evaristo Xavier da Veiga.
Em consonância com Paim
28
, a exemplo de outras doutrinas européias, o
sistema de Augusto Comte experimentou, em terras brasileiras, um processo de
diferenciação. A Sociedade Positivista, fundada em 1876, teve prosseguimento com a Igreja
Positivista do Brasil e seu período de maior atividade corresponde à fase da liderança de
Miguel Lemos (1854-1916) e Teixeira Mendes (1855-1927). Tinha como escopo principal
26
CARVALHO, José Murilo de. A formação das almas. O imaginário da República no Brasil, p. 40.
27
LEMOS, Renato Luís do Couto Neto e. Benjamim Constant. Vida e história, p. 236.
28
PAIM, Antonio. História das idéias filosóficas no Brasil, p. 179.
16
preservar a doutrina do mestre em sua pureza original e talvez por isso mesmo jamais
passasse de uma pequena seita.
A doutrina positivista irradiou-se nos centros de cultura matemática (Escola
Politécnica e Militar), mas nos outros centros teve pouca influência. Politicamente, os
positivistas se aproximavam dos republicanos, entretanto não estavam de acordo com o
Manifesto de 1870. A maneira positiva para a via republicana era a “Ditadura republicana”
que o Apostolado Positivista, em setembro de 1888, sugeria a Pedro II pela voz de Teixeira
Mendes. Carvalho
29
assevera que, para os ortodoxos, a transição deveria ter sido
completada pela própria elite imperial.
O positivismo contribuiu para popularizar a idéia ou o ideal republicano,
tendo maior repercussão no Exército - responsável direto pela Proclamação da República -,
mas pouca influência como doutrina filosófica. De acordo com Paim
30
, muitas das idéias
cuja paternidade veio a ser posteriormente reclamada pelos positivistas – como o casamento
civil, a separação da Igreja do Estado, a federação, e outras – faziam parte do cabedal
comum dos espíritos liberais.
Logo após a proclamação do novo regime, Constant integrou o Ministério da
Guerra e promoveu uma reforma do ensino militar. Contudo, o decreto nº 346 de 19 de
abril de 1890
31
criou o Ministério dos Negócios da Instrução Pública, Correios e Telégrafos
(MIPCT), e Benjamim foi transferido, tornando-se o 1º chefe da Pasta.
Segundo Lemos
32
, a criação de um ministério voltado prioritariamente para
a instrução pública já fora cogitada durante o Império. Em 1882, uma comissão especial
29
CARVALHO, José Murilo de. A formação das almas. O imaginário da República no Brasil, p. 41.
30
PAIM, Antonio. História das idéias filosóficas no Brasil, p. 179.
31
BRASIL. Decretos do governo provisório dos Estados Unidos do Brazil. 4º Fascículo, 1890.
32
LEMOS, Renato Luís do Couto Neto e. Benjamim Constant. Vida e história, p. 279.
17
parlamentar a havia considerado “uma providência de largo alcance e urgência imperiosa”.
Entretanto, mesmo nos primeiros meses republicanos, os assuntos da área
permaneceram sem autonomia e foram administrados pelo Ministério do Interior. Quando,
finalmente, o governo provisório de Marechal Deodoro resolveu criar a Pasta, não o fez em
resposta a uma necessidade imperiosa: foi um meio ardiloso e delicado de afastar
Benjamim Constant da pasta da Guerra. Na raiz do problema estava o grupo de jovens
oficiais de que este se cercara, e sua inserção na gerência dos negócios militares continuava
provocando queixas e intrigas nas guarnições. Havia dissensões de Benjamim com o
próprio Deodoro. Membros civis do governo entenderam que uma forma de eliminar esses
conflitos poderia ser a criação de uma pasta a que as aptidões técnicas de Benjamim
Constant melhor se adequassem, entregando a da Guerra a um militar mais experiente em
assuntos da caserna, no caso, Floriano Peixoto.
No período em que Benjamim Constant exerceu as funções no recém-criado
Ministério, as suas medidas mostraram um certo dinamismo. Veja o quadro a seguir:
18
Quadro I: Reforma Benjamim Constant (1890-1891):
Decreto nº 337 A – 05/05/1890 Organiza a Secretaria de Estado dos Negócios da Instrução
Pública, Correios e Telégrafos.
Decreto 407 17/05/1890 Aprova o regulamento para a Escola Normal da Capital
Federal.
Decreto nº 408 – 17/05/1890 Aprova o regulamento para o Instituto Nacional dos Cegos.
Decreto 540 A 01/07/1890 Cria o lugar de preparador da 1ª cadeira do 1º ano do curso
de Ciências Físicas e Naturais da Escola Politécnica.
Decreto nº 667 – 16/08/1890 Cria o Pedagogium.
Decreto 668 18/08/1890 Declara o modo como deve ser conferido o grau de bacharel
nas faculdades de Direito da República.
Decreto nº 856 – 13/10/1890 Aprova o regulamento para a Biblioteca Nacional.
Decreto 859 13/10/1890 Cria no observatório do Rio de Janeiro uma Escola de
Astronomia e Engenharia Geográfica.
Decreto nº 934 – 24/10/1890 Dá novo regulamento ao Instituto Nacional de Música.
Decreto nº 980 – 8/11/1890 Dá novo regulamento ao Pedagogium da Capital Federal.
Decreto 981 – 8/11/1890 Aprova o regulamento da Instrução primária e secundária do
Distrito Federal.
Decreto nº 982 – 8/11/1890 Altera o regulamento da Escola Normal da Capital Federal.
Decreto nº 983 – 8/11/1890 Aprova os estatutos para a Escola Nacional de Belas-Artes.
Decreto nº1036 A – 14/11/1890 Suprime a cadeira de direito eclesiástico dos cursos jurídicos
do Recife e de São Paulo.
Decreto nº 1073 – 22/11/1890 Aprova os estatutos da Escola Politécnica.
Decreto nº 1075 – 22/11/1890 Aprova o regulamento para o Ginásio Nacional.
Decreto nº 1232 F – 02/01/1891 Confere aos ginásios particulares, equiparados ao Ginásio
Nacional, a validade dos exames preparatórios realizados
naqueles institutos.
Decreto nº 1232 G – 02/01/1891 Cria o Conselho de Instrução Superior da Capital Federal.
Decreto nº 1232 H – 02/01/1891 Aprova o regulamento das instituições de ensino jurídico
dependentes do MIPCT.
Decreto nº 1258 – 10/01/1891 Dá novo regulamento à Escola de Minas de Ouro Preto.
Decreto nº 1270 – 10/01/1891
Reorganiza as faculdades de Medicina do país.
19
Como se pode observar, o conjunto de decretos que deu nome à Reforma
Benjamim Constant legiferou, majoritariamente, sobre a educação e estabelecimentos
mantidos pelo governo federal na capital federal, ressalva feita ao ensino superior, que
tinha instituições de ensino em outras cidades e capitais do país. Desse conjunto de
decretos, os que mais interessam para análise da estrutura educacional do Brasil são os
regulamentos para o secundário e normal, os regulamentos para o ensino superior e o
Pedagogium, ligado também à qualificação do corpo docente e, principalmente, à
legislação acerca do ensino primário.
O Decreto nº 667 de 16 de agosto de 1890 criou o Pedagogium, concebido
para ser o futuro “centro impulsor das reformas e melhoramentos de que carece a educação
nacional, offerecendo aos professores públicos e particulares os meios de instrução
profissional”
33
. Ele deveria ter: museu pedagógico, laboratório para estudo prático de
Ciências Físicas e História Natural, cursos científicos, direção de uma escola primária
modelo (para a experimentação de processos, métodos, modos e formas de ensino),
publicação de uma Revista Pedagógica, etc.
Nos relatórios do Ministério da Instrução Pública
34
, o diretor, Dr. Vieira
Meneses, asseverou que o Pedagogium foi a única instituição de ensino que Benjamim
Constant teve a felicidade de criar em seu brevíssimo ministério, e que ela só teria sua
utilidade contestada pelos cegos morais. Para ele, o Pedagogium haveria de ser “um
congresso permanente onde se discutam os importantes problemas da educação nacional”
35
.
A instituição funcionou com regularidade até 1895. Em 1896, com o edifício ameaçando
33
BRASIL. Decretos do governo provisório da República dos Estados Unidos do Brazil. 7º fascículo,
1890.
34
In: MOACYR, Primitivo. A instrução e a República. Reformas Benjamim Constant (1890- 1892), p. 241.
35
In: MOACYR, Primitivo. A instrução e a República. Reformas Benjamim Constant (1890- 1892), p. 241.
20
ruína, a instituição mudou de endereço, até ser transferida à administração do Distrito
Federal.
O Decreto nº 982 de 8 de novembro de 1890
36
deu novo regulamento à
Escola Normal da Capital Federal, dividindo esse nível de ensino em Cursos de Ciências e
Letras e Curso de Artes, além de determinar como única via de acesso a carreira no
magistério primário e de anexar à Escola Normal uma Escola de Aplicação, para a prática
dos alunos aprovados nas duas primeiras séries do curso.
A Escola Normal, de acordo com o decreto mencionado, tinha por finalidade
oferecer aos candidatos à carreira do magistério primário a “educação intellectual, moral e
pratica necessária o sufficiente para o bom desempenho dos deveres de professor,
regenerando a escola publica de instrucção primaria”. Tanto esse regulamento, quanto a
criação do Pedagogium, destinado a ser uma espécie de instituto de aperfeiçoamento
profissional, demonstram a preocupação quanto à formação e à qualificação do corpo
docente dedicado ao magistério primário. Contudo, há que se considerar que era uma
política restrita à capital da República. Na realidade, era uma preocupação voltada mais
para mudanças de métodos e conteúdos, na qual era nítida a influência positivista. A
experiência e a ciência eram as palavras de ordem.
Benjamim Constant promoveu uma reforma que abrangia também o ensino
primário e secundário. Porém, como no regulamento da Escola Normal, não se estendia a
todo território nacional e poderia servir no máximo de modelo para outras iniciativas.
36
BRASIL. Decretos do governo provisório da República dos Estados Unidos do Brazil. 11º fascículo,
1891.
21
O Decreto nº 981 do dia 8 de novembro de 1890
37
aprovou o regulamento da
instrução primária e secundária do Distrito Federal. Diz seu artigo 2º: “A instrução
primária, livre, gratuita e leiga será dada no Distrito Federal
em escolas publicas de duas
categorias: 1º escolas primarias do 1º grao; 2º escolas primaria do 2º grao” (Grifo meu).
A escola primária de 1º grau era destinada às crianças de 7 a 13 anos de
idade, sendo a que a sua conclusão era pré-requisito para o ingresso em estabelecimentos de
ensino secundário e normal. Já a escola primária de 2º grau era direcionada às crianças de
13 a 15 anos de idade, sendo que a conclusão desta traria um benefício aos que prestassem
exames para cargos públicos, pois estariam isentos de algumas provas, como as de
português, geografia e matemática elementar.
Na instrução primária, o método deveria ser o intuitivo. O artigo 3º,
parágrafo 1º do Decreto nº 981
38
declara que: “Em todos os cursos será constantemente
empregado o methodo intuitivo
39
, servindo o livro de simples auxiliar, e de accordo com
programmas minuciosamente especificados”. Podemos afirmar que, nestes termos, as
bases metodológicas para a educação foram lançadas mesmo antes do ocaso do Império,
mais precisamente nos pareceres de Rui Barbosa ou na Reforma Leôncio de Carvalho,
assunto de que Rui Barbosa trata em seus pareceres. Mas se havia convergência em relação
37
BRASIL. Decretos do governo provisório da República dos Estados Unidos do Brazil. 11º fascículo,
1891.
38
BRASIL. Decretos do governo provisório da República dos Estados Unidos do Brazil. 11º fascículo,
1891.
39
O método intuitivo ou lições de coisas surgiu sob inspiração, principalmente, de Pestalozzi. Mas esteve
também fundamentado em Locke, Condilac, Rosseau e Froebel. Falava-se em ensino pelos sentidos: um
ensino prático, ativo, pelo conhecimento direto das coisas. Não houve, porém, muito consenso acerca de sua
definição. A intuição para uns era empregada no sentido de intuição sensível, para outros a intuição sensível
era apenas a primeira forma de intuição, seguida pela intuição intelectual (que exerce julgamentos sem o
intermédio dos fenômenos) e intuição moral (destinada ao coração e à consciência). Também havia
divergências quanto à lição de coisas: para uns era matéria específica do programa de ensino e para outros não
se tratava de um assunto especial, mas do próprio método (SHELBAUER, Analete Regina. O Método
intuitivo e lições de coisas no Brasil do século XIX. In: STEPHANOU, M. e BASTOS, M.H.C (Orgs.)
Histórias e Memórias da educação no Brasil. Volume II. pp. 134-137).
22
ao método, havia dissensão em outros aspectos entre Rui Barbosa e Benjamim Constant.
De acordo com Cartolano
40
, Rui Barbosa estava preocupado com a difusão da educação
elementar, acreditando que a restrição ao voto do analfabeto, calcada na Reforma Eleitoral
de 1881, seria uma contribuição para propagar a idéia da necessidade da expansão da
educação elementar para a formação dos cidadãos políticos. Já Benjamim Constant parecia
mais preocupado com a reforma dos métodos e conteúdos do que com a criação de mais
escolas. Para ele, era a partir da qualidade da educação que haveria de se processar a
“redenção moral da sociedade”.
A obrigatoriedade do ensino primário está excluída tanto da Carta
Constitucional, quanto da Reforma Benjamim Constant, que ficou reduzida essencialmente,
como se viu, ao município neutro (Rio de Janeiro). Uma política educacional restrita foi
possibilitada pelo primeiro ato do governo provisório da república recém-proclamada. O
decreto nº 7, promulgado no dia 20 de novembro de 1889
41
, dissolveu e extinguiu as
assembléias provinciais, fixando, provisoriamente, as atribuições dos governadores de
estado. Sobre a educação, o parágrafo 2º do artigo 17 estabeleceu como competência dos
governadores: “Providenciar sobre a instrução pública e os estabelecimentos próprios a
promovê-la em todos os seus graus”.
A Constituição de 1891 proporcionou uma descentralização administrativa
em termos da criação e do provimento dos estabelecimentos de ensino. O artigo 35 da
Constituição
42
traz a assertiva de que incumbe ao Congresso, mas não privativamente, criar
40
CARTOLANO, Maria Teresa Penteado. Benjamim Constant e a Instrução pública no início da
República, p. 71.
41
BRASIL. Decretos do governo provisório dos Estados Unidos do Brazil (Primeiro fascículo. De 15 de
novembro a 31 de dezembro de 1889). Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1890.
42
CAMPANHOLE, Adriano; CAMPANHOLE, Hilton lobo. Todas as constituições do Brasil.
23
instituições de ensino superior e secundário nos estados e prover a instrução secundária no
Distrito Federal.
A primeira Constituição da República, por omissão quanto à
responsabilidade sobre o ensino primário, acabou delegando aos estados e municípios a
competência para legislar e prover esse nível de ensino em suas localidades. Embora alguns
parlamentares interpretassem a competência dos estados como não privativa e não
concorrente, o governo central se eximiu de auxiliar os estados federados na incumbência
de promover o ensino primário.
A educação elementar, portanto, não é mencionada na primeira Constituição
republicana e na primeira reforma educacional ela ganha uma estrutura complexa, restrita à
capital federal e, como foi dito anteriormente, não há menção sobre sua obrigatoriedade. No
texto constitucional, o parágrafo 6º do artigo 72 traz a única medida universal, pois se
destina a todo estabelecimento de ensino público, seja ele federal, estadual ou municipal.
Trata-se do caráter leigo do ensino ser ministrado nos estabelecimentos públicos.
A universalização da instrução elementar esbarrava não só na legislação
existente, em consonância com Cartolano
43
, ela esbarrava principalmente em determinantes
sócio-culturais e político-econômicas, que privilegiavam a formação de uma elite
intelectual de “bacharéis” e de “doutores” em geral nascidos nas famílias de grandes
proprietários de terra, em detrimento dos despossuídos de quaisquer bens culturais ou
materiais. Portanto, o ensino secundário e superior eram o locus privilegiado da educação
para esse grupo social.
43
CARTOLANO, Maria Teresa Penteado. Benjamim Constant e a Instrução pública no início da
República, p. 130.
24
Sobre o ensino secundário, o artigo 25 do Decreto nº 981 do dia 8 de
novembro de 1890
44
menciona que: “O ensino secundário integral será dado pelo Estado
no Gymnasio Nacional (antigo Instituto Nacional de Instrução Secundária), cuja divisão em
externato e internato se manterá por enquanto” (Grifo meu).
O ensino secundário é reformado por um regulamento, estritamente
destinado ao Ginásio Nacional como único estabelecimento deste nível de ensino mantido
pelo Governo Federal. O antigo Colégio Pedro II funcionava como colégio modelo para
que as outras instituições de instrução secundária, de outra natureza, pudessem ser
equiparadas.
O Decreto nº 1075 de 22 de novembro de 1890
45
regulamentou o Ginásio
Nacional e manteve o seu funcionamento em internato fora do centro da cidade, e, em
regime de externato, no edifício do Instituto Nacional de Instrução Secundária. O
documento definiu, ainda, alunos contribuintes e gratuitos. Entre os matriculados gratuitos
deveria o reitor basear a preferência da escolha dos pretendentes nas seguintes condições:
1) Serem os candidatos órfãos de pais pobres; 2) Serem filhos de professores públicos, que
houverem distintamente cumprido os deveres por mais de 10 anos; 3) Serem filhos de
cidadãos que tiverem bem servido à pátria.
O ensino secundário fora regulamentado, mas havia uma única instituição
mantida pelo Governo Federal e que, ainda assim, não era totalmente gratuita. Os alunos
gratuitos eram selecionados pelos critérios estabelecidos na lei, conforme citado.
44
BRASIL. Decretos do governo provisório da República dos Estados Unidos do Brazil. 11º fascículo,
1891.
45
BRASIL. Decretos do governo provisório da República dos Estados Unidos do Brazil. 11º fascículo,
1891.
25
A reforma Benjamim Constant enfatizou a necessidade de uma educação
científica, cujo conteúdo pedagógico deveria ser completamente desprendido de
preconceitos teológicos, metafísicos ou próprios de qualquer doutrina que não tivesse a
aprovação universal. O Aviso nº 17 de 24 de abril de 1890
46
“declara elimitado do
programa do Instituto Nacional (Colégio Pedro II) alem do ensino religioso e de teodicéia e
moral religiosa da cadeira de filosofia” (sic).
O curso integral de estudos do Ginásio Nacional deveria ser, de acordo com
o Decreto nº 981, de 7 anos. As avaliações do ensino secundário estavam divididas em: 1)
Exame de suficiência, para as matérias que seriam continuadas no ano seguinte; 2) Exames
finais, para as matérias que seriam concluídas; e 3) Exame de madureza, prestado no fim do
curso integral. O artigo nº 38 do decreto
47
assevera que:
A approvação no exame de madureza do Gymnasio Nacional dará direito
a matricula em qualquer dos cursos superiores de caracter federal na
Republica; ao candidato, que nelle obtiver pelo menos dous terços de
notas – plenamente – será conferido o título de Bacharel em sciencias e
lettras
48
.
O exame de madureza permitia a equiparação dos exames de outros
estabelecimentos com os do Ginásio Nacional. O ensino secundário se constituía na base
propedêutica de línguas e ciências para a admissão no ensino superior e acabou por tornar-
se enciclopédico, um saber em extensão, ou seja, de tudo o que existia. Em todos os níveis
46
In: MOACYR, Primitivo. A instrução e a República. Reformas Benjamim Constant (1890- 1892), p. 105.
47
BRASIL. Decretos do governo provisório da República dos Estados Unidos do Brazil. 11º fascículo,
1891.
48
A aprovação poderia ser simples, plena ou distinta.
26
de ensino havia uma ampliação do número de cursos (disciplinas) e de seus anos de
duração. As disciplinas deveriam ser sempre as mesmas, porém, cada vez mais seriam
estudadas com maior profundidade.
De acordo com Pratta
49
, o aluno era teoricamente educado para ser um
cidadão, supostamente direcionado pelo conhecimento das ciências, ao mesmo tempo em
que o acesso a esse conhecimento era restrito apenas à memorização do maior número
possível de informações. Portanto, a nascente República, com suas ilusões de progresso,
também fracassou na tentativa de romper com a tradição humanista, herança de muitos anos
de educação clerical.
O certificado de conclusão dos estudos secundários ou o título de bacharel
seriam exigidos para a matrícula nos cursos superiores somente a partir de 1896. Até então,
os exames preparatórios seriam indispensáveis.
50
Na reforma do ensino superior, encontra-se novamente uma das mais fortes
expressões do novo regime: o Decreto nº 1036A
51
, que promove a supressão do direito
eclesiástico dos cursos jurídicos do Recife e de São Paulo, pois, segundo o reformador e o
governo provisório, os motivos que determinavam o seu estudo desapareceram em virtude
da separação do Estado e da Igreja.
O ensino superior tinha suas faculdades e institutos situados em outras
localidades além da Capital Federal, como a Escola de Minas de Ouro Preto e as faculdades
de ensino jurídico. Esse nível de ensino era uma atribuição do poder central, embora não o
49
PRATTA, Marco Antônio. Mestres Santos e Pecadores: Educação, religião e ideologia na Primeira
República (1889-1930), p. 140.
50
Da mesma forma, o exame de admissão seria mantido para assegurar o ingresso na Escola Normal. Ele
seria válido até que fosse possível o certificado de conclusão da escola primária de 1º grau.
51
BRASIL. Decretos do governo provisório da República dos Estados Unidos do Brazil. 11º fascículo,
1891.
27
fosse de forma privativa, de acordo com a Constituição. Segundo Fávero
52
surgem, por
conseguinte, várias escolas superiores de iniciativa particular, como as Faculdades de
Direito da Bahia, do Rio e de Minas Gerais; as Escolas de Engenharia do Recife e do
Mackenzie (São Paulo); as Politécnicas de São Paulo e da Bahia; e a Faculdade de
Medicina de Porto Alegre.
Além da Escola de Minas e das instituições de ensino jurídico, a reforma
reorganizou as faculdades de Medicina, aprovou o estatuto para a Escola Politécnica e de
Belas-Artes e deu novo regulamento ao Instituto Nacional de Música. A reforma tratou,
ainda, de criar uma Escola de Astronomia e Engenharia Geográfica no observatório do Rio
de Janeiro para a formação, em dois anos, de engenheiros habilitados a trabalhos
geográficos e geodésicos.
O curso de Direito, de acordo com o decreto nº 1232H/1891
53
, estava
dividido em Ciências Jurídicas, Ciências Sociais e Notariado. O bacharel em Ciências
Jurídicas estaria habilitado em advocacia, magistratura e ofícios de justiça. O bacharel em
Ciências Sociais estaria habilitado para ocupar lugares do corpo diplomático e consular;
para cargos de direito, de sub-diretor e de oficial das secretarias do governo e
administração. Aquele que se formasse em Notariado estaria habilitado para exercer ofícios
de Justiça.
A exigência para a matrícula nos cursos de Ciências Jurídicas e Sociais seria
o certificado de conclusão dos estudos secundários ou o título de bacharel, a partir do ano
de 1896. Enquanto isso, os exames preparatórios, como já mencionado, continuavam
indispensáveis e deveriam ser feitos, a partir de 1891 no Ginásio Nacional, nos ginásios
52
FÁVERO, M.L. Universidade & Poder. Análise crítica / fundamentos históricos: 1930 – 45, p. 34.
53
BRASIL. Decretos do governo provisório da República dos Estados Unidos do Brazil. 1º fascículo,
1891.
28
particulares a eles equiparados, ou nos cursos anexos às Faculdades de Direito, que para
esse fim seriam organizados segundo o artigo 431. Para o curso de Notariado, o artigo 266
define que o matriculando deveria “exhibir certidão de haver sido approvado em portuguez,
arithmética, historia do Brazil e geographia em exames feitos no Gymnasio Nacional ou
noutros estabelecimentos a este equiparado”. O decreto já mencionava o destino dos recém-
organizados cursos anexos, segundo o artigo 443:
O governo promoverá a substituição dos cursos annexos ás Faculdades
por estabelecimentos de ensino secundário integral, segundo o plano do
Gymnasio Nacional, aos quaes concederá, mediante condições, subvenção
pecuniária e prerrogativas iguaes ás daquelle Gymnasio.
Em consonância com o artigo 450 do decreto
54
, para a admissão na primeira
série do curso seria indispensável que o candidato tivesse, pelo menos, 12 anos de idade;
que possuísse certificado de estudos primários do 1º grau ou obtivesse no próprio curso
aprovação em todas as matérias daqueles estudos; e que atestasse ter sido vacinado. O
artigo 420 do mesmo decreto estabeleceu o regime de faculdades livres. Moldados pela
organização oficial, os cursos livres permitidos poderiam ter a faculdade de conferir graus
científicos com prerrogativas iguais às das faculdades oficiais.
54
BRASIL. Decretos do governo provisório da República dos Estados Unidos do Brazil. 1º fascículo,
1891.
29
Também as faculdades de Medicina e de Farmácia, abordadas pelo decreto
nº 1269/1891
55
, teriam os cursos anexos de parteira e de Odontologia. A admissão nessas
faculdades seria feita mediante aprovação em exames
56
, enquanto não estivesse em
execução o exame de madureza no Ginásio Nacional.
De acordo com a reforma, a Escola Politécnica, a Escola de Minas e a
Escola de Belas-Artes seriam compostas por um curso fundamental e por cursos superiores
ou específicos. No caso da Escola de Belas-Artes, o decreto nº 983/1890
57
organizou os
cursos superiores em Pintura, Escultura, Arquitetura e Gravura e propôs que, para que o
aluno fosse admitido no primeiro ano, ele deveria obter aprovação nos exames de
português, geografia e aritmética.
No caso da Escola Politécnica, o decreto nº 1073/1890
58
instituiu os cursos
superiores de Engenharia Civil e de Engenharia Industrial e, para que a matrícula fosse
possível, o aluno deveria obter aprovação em 13 exames, realizados no Ginásio Nacional
ou instituição equiparada. Ao final do curso, segundo o artigo 108, receberia o título de
bacharel em Ciências, além do título de engenheiro, aquele que obtivesse todas as
aprovações plenas.
55
BRASIL. Decretos do governo provisório da República dos Estados Unidos do Brazil, 1º fascículo,
1891.
56
Os preparatórios exigidos para a matrícula do curso médico seriam os seguintes: português, francês, inglês
ou alemão, latim, geografia (especialmente a do Brasil), história universal (em particular a do Brasil),
aritmética (estudo completo), álgebra (até equações do 2º grau), geometria elementar, trigonometria retilínea,
física, química (estudo concreto), história natural (estudo concreto dos elementos de botânica, zoologia e
geologia) (BRASIL, Decretos do governo provisório da República dos Estados Unidos do Brazil, 1º
Fascículo, 1891).
57
BRASIL. Decretos do governo provisório da República dos Estados Unidos do Brazil, 11º fascículo,
1891.
58
BRASIL. Decretos do governo provisório da República dos Estados Unidos do Brazil, 11º fascículo,
1891
30
No caso da Escola de Minas, o decreto nº 1258/1891
59
instituiu os cursos de
Engenharia de Minas e Engenharia Civil e, para que a matrícula no primeiro ano do curso
geral fosse admitida, o aluno teria de obter aprovação em dez exames. Se o aluno fosse
aprovado em todas as matérias dos cursos especiais, receberia o diploma de engenheiro
relativo ao curso específico que concluísse; se fosse aprovado em todas as matérias do
curso fundamental teria o direito ao título de agrimensor; e se obtivesse pelo menos grau 15
em todas as disciplinas do curso fundamental, receberia o título de bacharel em Ciências.
O título de bacharel ganhou foro de nobreza. Segundo Bomeny
60
, o bacharel,
aquele que completava o curso superior (ou, de acordo com a reforma, o egresso do ensino
secundário que obtivesse ao final do exame de madureza dois terços de aprovação plena) e
o coronel, aquele que controlava a política local do jogo de favores, constituíram-se nos
dois pilares do prestígio, privilégio e mando social da Primeira República (1889-1930). A
República dos bacharéis era também a República dos coronéis – muito distante da
República dos cidadãos.
De acordo com Basbaum
61
, o bacharelismo era uma prática característica
das classes médias e representava no fundo a luta contra a proletarização crescente, pois
era, senão um meio de enriquecer, certamente uma forma de ascender socialmente. Abriam-
se aos bacharéis todas as portas e, principalmente, os melhores cargos do funcionalismo.
Eles ocupavam todos os postos públicos mais importantes. Éramos um país de “doutores”,
59
BRASIL. Decretos do governo provisório da República dos Estados Unidos do Brazil, 1º fascículo,
1891.
60
BOMENY, Helena Maria Bousquet, Os intelectuais da educação, pp. 18-101.
61
BASBAUM, Leôncio, História Sincera da República: de 1889 a 1930, p. 196.
31
e de uma vasta camada de analfabetos que tinham seus direitos políticos
62
negados
constitucionalmente.
A expansão da instrução pública, portanto, seria um requisito para a
expansão desses direitos, mas, ainda assim, o novo regime não promoveu grande
empreitada para que tal fato ocorresse. Benjamim Constant morreu em 1891, sem antes
assinar sua exoneração do cargo. A Secretaria foi extinta e, durante 40 anos, a educação
ficou entregue a um departamento do Ministério da Justiça, como no Império.
1.1 O texto no contexto: o ocaso do Império, o prelúdio republicano e a república
instituída
O acompanhamento da instauração do Império e do seu solapamento está
pautado nas facetas do liberalismo no Brasil, na desagregação do trabalho escravo e no
surgimento de uma aristocracia agrária, que tinha como sustentáculo a produção cafeeira.
Já no século XVIII, às vésperas do Império, é possível detectar as primeiras
manifestações das idéias liberais, embora aqui o liberalismo tenha adquirido uma conotação
diferente. Enquanto na Europa a ideologia liberal exprimia a luta da burguesia contra os
privilégios da nobreza e os entraves do feudalismo para o desenvolvimento da economia,
no Brasil, de acordo com Viotti da Costa
63
, o liberalismo significava apenas a liquidação
62
O cidadão pleno seria aquele que fosse titular de três direitos: civis, políticos e sociais. Os direitos civis são
fundamentais à vida, à liberdade, à propriedade, à igualdade perante a lei. Os direitos políticos se referem à
participação do cidadão no governo da sociedade. Consiste na capacidade de fazer demonstrações políticas,
de organizar partidos, de votar e de ser votado. Os direitos sociais, por sua vez, garantem a participação na
riqueza coletiva. Eles incluem o direito à educação, ao trabalho, ao salário justo, à saúde, à aposentadoria
(CARVALHO, José Murilo de. Os Bestializados. O Rio de Janeiro e a República que não foi, pp. 9-10).
63
VIOTTI DA COSTA, Emília. Da Monarquia à República: momentos decisivos, p. 27.
32
dos laços coloniais. Não se pretendia modificar a estrutura de produção ou da sociedade,
que continuou calcada no trabalho escravo. A escravidão constituiu, portanto, o limite do
liberalismo no Brasil. Sem embargo, a autora
64
afirma que a elite brasileira expurgou o
liberalismo de seus aspectos radicais, adotando um liberalismo conservador que admitia a
escravidão, conciliando liberalismo e escravidão da mesma forma como outrora fora
possível conciliar a escravidão com o cristianismo.
Em fins de 1830, delinearam-se dois partidos políticos, o Liberal e o
Conservador, mas sem que houvesse grandes divergências ideológicas entre eles. No poder,
ambos se comportavam da mesma maneira. Tanto que ficou célebre uma frase atribuída ao
político pernambucano Holanda Cavalcanti: “Nada se assemelha mais a um ‘saquarema’ do
que um ‘luzia’ no poder”
65
. A posteriori, bem poucos recusariam a denominação de
liberais, mas todos eram antidemocratas. Liberalismo e democracia não eram partes
integrantes nos primórdios do processo de constituição do país independente. Do
liberalismo mais brando ao radical, nenhum fazia profissão de fé republicana. Segundo
Viotti da Costa
66
, da luta entre liberais radicais, de um lado, e moderados e conservadores,
de outro, resultaria o Ato Adicional de 1834. Ainda, as agitações revolucionárias (Cabanos,
Balaios e Farrapos), que abalaram o país de norte a sul, apressaram a obra dos adeptos do
regresso que a Lei de Interpretação do Ato Adicional ajudaria a consolidar.
Em 1870, surge o Manifesto Republicano. Ele se limitava a criticar os
defeitos do regime - o poder moderador, o sistema eleitoral, a centralização do poder -,
erguendo a bandeira do federalismo como questão central e fundamental das aspirações
64
VIOTTI DA COSTA, Emília. Da Monarquia à República: momentos decisivos, p. 242.
65
Saquarema foi o nome que se tornou comum para designar os conservadores. Luzia foi o nome que se
tornou comum para se referir aos liberais.
66
VIOTTI DA COSTA, Emília. Da Monarquia à República: momentos decisivos, p. 138.
33
republicanas. A maior parte dessas idéias já pertencia ao Partido Liberal, a diferença estava
em os republicanos afirmarem que só a República poderia colocá-las em execução. De
acordo com Basbaum
67
, o Manifesto não convencia a ninguém. Os que aderiram o faziam
por já serem republicanos ou por serem simplesmente contra a Monarquia. Por conseguinte,
o Partido Republicano Paulista, por exemplo, fundado em 1872, transformou-se em asilo
dos descontentes do regime.
Quando a Lei Áurea foi sancionada, houve até os chamados republicanos de
“14 de maio”, aqueles que integraram o partido por não receberem nenhuma indenização
pela libertação de seus escravos. Deixando de lado casos como esses, o fato é que a
abolição da escravatura não significou uma surpresa, ela foi sendo feita de maneira lenta e
gradual. Até a promulgação da Lei Áurea, outras leis foram decretadas permitindo a
extinção gradativa do trabalho baseado no elemento escravista.
A Lei de 28 de setembro de 1871
68
discorreu sobre a condição de liberdade
dos filhos de mulher escrava, nascidos a partir da data da lei; sobre a criação e o tratamento
dos mesmos; e sobre a libertação anual de escravos. Os senhores das mães dos nascituros,
após a promulgação da lei supracitada, tinham a obrigação de criá-los até a idade de oito
anos completos. Quando chegassem a essa idade, o senhor teria, de acordo com o parágrafo
1º do artigo 1º, a opção de receber a indenização do Estado no valor de 600$000, ou de
utilizar o seu trabalho até os 21 anos. Ainda de acordo com a lei referida, poderiam ser
libertados em cada província tantos escravos quantos correspondessem à quota anualmente
disponível do fundo destinado à emancipação, e seriam considerados libertos os escravos
da nação, os escravos dados à Coroa, os escravos de heranças vagas e os escravos
67
BASBAUM, Leôncio. História Sincera da República: das origens a 1889, p. 216.
68
BRASIL. Collecção das Leis do Império do Brasil de 1871. Tomo XXXI. Parte I. Rio de Janeiro:
Typographia Nacional, 1871.
34
abandonados. As alforrias com cláusula de serviços não ficariam anuladas pela falta de
implemento da mesma cláusula, mas o liberto ficaria compelido a cumpri-los por meio de
trabalhos em estabelecimentos públicos ou contrato de serviços a particulares. A Lei
também discorreu sobre a matrícula dos escravos e a matrícula em livro distinto dos filhos
da mulher escrava que fossem libertos. Sobre a matrícula de escravos, e casos específicos
em que poderiam ser concedidas alforrias, foi decretado em 1885 um novo regulamento
jurídico.
O decreto nº 3270 de 28 de setembro de 1885, também chamado de Lei dos
Sexagenários
69
ou Lei Saraiva – Cotegipe, regulou a extinção gradual do elemento servil. O
decreto legiferou sobre o estabelecimento de uma nova matrícula dos escravos, a qual
exigia os seguintes dados: nome, nacionalidade, filiação, ocupação, idade e valor. O
parágrafo 3º do artigo 1º estabeleceu a seguinte tabela de valor:
Quadro II: Relação entre a idade e o valor de compra dos escravos:
Escravos menores de 30 anos 900$000
Escravos de 30 a 40 anos 800$000
Escravos de 40 a 50 anos 600$000
Escravos de 50 a 55 anos 400$000
Escravos de 55 a 60 anos 200$000
O valor das mulheres era calculado com um abatimento de 25% do valor
acima. A cada ano seria deduzida uma porcentagem do valor primitivo do inscrito. A
69
BRASIL. Índice dos Actos do Poder Legislativo de 1885. Parte I (s/d).
35
porcentagem podia variar, de uma dedução de 2% no ano conseguinte a 12% no décimo
terceiro ano posterior à matrícula. De acordo com a lei, não seria dada matrícula aos
escravos acima dos 60 anos, que seriam considerados libertos. Porém, estes ficavam
obrigados, a título de indenização, a prestar serviços a seus ex-senhores por um prazo de
três anos. Findo o prazo, os escravos continuariam em companhia de seus ex-senhores,
prestando serviços compatíveis com sua força, salvo os que preferissem obter de outra
forma sua subsistência. Os maiores de 60 e menores de 65 ficariam isentos da prestação de
serviços. Seriam libertos também os escravos que no prazo marcado não fossem
matriculados.
De acordo com o artigo 2º da lei, o valor arrecadado nas inscrições seria
destinado ao Fundo de Emancipação, que também deveria receber um percentual dos
impostos, com exceção dos impostos de exportação e dos títulos da dívida pública. Os
escravos inscritos poderiam ser libertados por indenização de seu valor pelo Fundo de
Emancipação ou por qualquer outra forma, salvo o escravo evadido. O artigo 3º
determinava que o município em que o escravo fosse alforriado deveria ser seu domicílio
obrigatório por cinco anos e que se ele fosse encontrado sem ocupação seria obrigado a
empregar-se no prazo estabelecido pela polícia. A pena podia ser de 15 dias de prisão com
trabalho ou, em caso de reincidência, o envio a uma colônia agrícola.
A lei não permitia a libertação do escravo inválido, considerado incapaz para
qualquer serviço, devendo o mesmo continuar em companhia de seu senhor. Os senhores de
estabelecimentos agrícolas que decidissem substituir o trabalho escravo pelo livre
receberiam indenização do Estado de metade do valor do escravo, além do direito de
usufruir do trabalho do mesmo por um prazo de cinco anos. O parágrafo 19 do artigo 3º da
lei de 1885 mencionava que o domicílio do escravo era intransferível para uma província
36
diversa, exceto em casos de mudança domiciliar do dono, evasão do escravo, herança, ou
mudança do cativo para outro estabelecimento do próprio senhor.
É possível verificar com tal prerrogativa que o tráfico interno de escravos não
era mais permitido, e que, portanto, a eliminação definitiva do elemento servil do trabalho
produtivo estava conjeturada e não seria como na famosa frase de Marx “um raio num dia
de céu azul”. A abolição da escravatura foi, contudo, uma reforma realizada pelos brancos e
para os brancos, mesmo os abolicionistas dirigiam seus discursos aos homens livres, e não
aos escravos. A abolição, na realidade, libertou os brancos do fardo da escravidão. E nesta
sociedade que foi se desagregando, o escravo, segundo Ianni
70
, foi se transformando em
negro e permaneceu à margem sem a possibilidade de igualdade de condições nos círculos
de convivência, dominados pelos brancos. Os mulatos, produtos bastardos que eram de uma
sociedade dividida, também não escaparam a essa marginalização social.
No século XIX, o café era o mais importante produto da economia brasileira
e a Lei de Terras, decretada no Brasil em 1850 e regulamentada em 1854, significou uma
redefinição de uma postura frente à política de terras. Essa lei refletiu, além de uma
crescente necessidade de expansão territorial por parte dos fazendeiros do café e, portanto,
a preocupação em legalizar a propriedade fundiária, a redefinição da nova postura frente ao
trabalho que estava se processando.
A Lei de 1850 proibia a aquisição de terras públicas por meio de qualquer
outra forma que não fosse a compra. Não por coincidência é do mesmo ano a lei de
proibição do tráfico de escravos, imposta pela Inglaterra, que restringia as formas de
obtenção desse tipo de mão-de-obra. Diante da proximidade da extinção da mão-de-obra
70
IANNI, Octavio. As Metamorfoses do Escravo. Apogeu e crise na escravatura no Brasil Meridional, p.
181.
37
escrava, que, como visto, foi sendo realizada de maneira gradual com a concessão de
alforrias a casos específicos e com ajuda do Fundo de Emancipação, alguns fazendeiros
começaram a buscar formas alternativas para o trabalho na lavoura já, a partir daí, mediante
imigração. Com a utilização do trabalho livre, era preciso estabelecer uma política de
restrição à terra. Em consonância com Viotti da Costa
71
:
... Numa região onde o acesso à terra era fácil, seria impossível obter
pessoas para trabalhar nas fazendas, a não ser que elas fossem compelidas
pela escravidão. A única maneira de obter trabalho livre, nessas
circunstâncias, seria criar obstáculos à propriedade rural, de modo que
trabalhador livre, incapaz de adquirir terras, fosse forçado a trabalhar nas
fazendas.
De acordo com a autora
72
, nesta fase, estabeleceram-se duas formas de
organização do trabalho nas lavouras: colônias de parceria e sistema de locação de serviços.
No primeiro caso, discorre a autora, os colonos que eram contratados na Europa e trazidos
para as fazendas de café tinham sua viagem paga, assim como o transporte até as fazendas.
Essas despesas entravam como adiantamento feito ao colono pelo proprietário, assim como
lhe era adiantado o necessário a sua manutenção, até que ele pudesse se sustentar pelo
próprio trabalho. Aos colonos era facultado o plantio para obter os mantimentos necessários
ao seu sustento, em certos locais predeterminados pelo fazendeiro. O fazendeiro era
obrigado a entregar ao colono metade do lucro líquido, após a venda do café. Sobre as
despesas feitas pelo fazendeiro em adiantamento aos colonos, eram cobrados 6% de juros a
contar da data do adiantamento, ficando os colonos responsáveis pela dívida.
71
VIOTTI DA COSTA, Emília. Da Monarquia à República: momentos decisivos, p. 146.
72
VIOTTI DA COSTA, Emília. Da Monarquia à República: momentos decisivos, pp. 172-173.
38
Dessa forma, o trabalhador livre foi mantido em um estado de servidão. O
fracasso do sistema de parceria contribuiu também para desmoralizar a política emigratória
para o Brasil. A preferência dos fazendeiros voltava-se, a partir de então, para outras
fórmulas, em geral baseadas num sistema de salários fixos e outras compensações. De
acordo com Viotti da Costa
73
, no sistema de locação de serviços pagava-se um preço fixo
por alqueire de café colhido, ou se estabelecia um pagamento mensal ao colono, o que
resultava num salário fixado previamente. Nessa opção, era fornecida a terra ao colono para
o plantio do necessário ao sustento ou os víveres necessários, ficando ele obrigado a fazer
todos os serviços da fazenda.
O crescimento do setor assalariado ampliaria o mercado interno, criando
uma base para o futuro desenvolvimento industrial. Os próprios fazendeiros se
converteriam em uma espécie de empresários, introduzindo melhoramentos nas fazendas,
associando-se a empresas industriais, investindo em ferrovias e organizações bancárias. O
processo não foi generalizado e atingiu apenas aquelas áreas de maior produtividade, onde
a acumulação de capital se dava em ritmo mais acelerado.
Oliveira
74
asseverou que a expansão das culturas de exportação levou à
expansão do capital constante - constituído pelo estoque de escravos e pelos meios de
subsistência dos mesmos -, e ao alargamento dos investimentos em infra-estrutura, como
postos e ferrovias. Tais fatores significaram crises cambiais, com a elevação da taxa de
importação na balança comercial. Em virtude disso, o autor
75
expõe que a vantagem do
trabalho livre começou a sobrelevar-se na medida em que as despesas com a subsistência
73
VIOTTI DA COSTA, Emília. Da Monarquia à República: momentos decisivos, p. 188.
74
OLIVEIRA, Francisco de. A emergência do modo de produção de mercadorias: uma interpretação teórica
da economia da República Velha no Brasil (1889-1930). In: A Economia da Dependência Imperfeita, pp.
13-17.
75
OLIVEIRA, Francisco de. A emergência do modo de produção de mercadorias: uma interpretação teórica
da economia da República Velha no Brasil (1889-1930). In: A Economia da Dependência Imperfeita, p. 24.
39
dos escravos, parte do capital constante, ameaçavam a forma de valor da economia agro-
exportadora. Os centros capitalistas, em pleno desenvolvimento industrial, avançavam no
sentido da maquinofatura e exportavam para as economias agro-exportadoras produtos que
continham muito mais “capital constante” puro. Em contraposição, nas economias
produtoras de matérias-primas, como o Brasil, o tipo de capital constante predominante,
que incluía a subsistência do escravo, forçava para baixo a taxa de lucro. A abolição
transformou o trabalho em força de trabalho, ou seja, em capital variável e resolveu um dos
lados da contradição. A instauração do trabalho livre e o predomínio do capital variável, no
complexo agro-exportador, fizeram crescer a rentabilidade das exportações.
O poderio econômico, que antes estava sob a batuta dos senhores de
engenho, passou às mãos dos grandes barões do café durante o Império. Em São Paulo, os
cafeicultores do oeste paulista
76
foram politicamente se organizando no Partido
Republicano Paulista.
O Partido Republicano era o reduto de diversos matizes ideológicos. Eram
diferentes os motivos que levavam seus integrantes a engrossarem as fileiras republicanas e
diferentes as formas em que pensavam conduzir ao fim o Regime e estabelecer a nova
ordem política. Os proprietários rurais (especialmente os paulistas) sentiam-se asfixiados
pela centralização monárquica e eram adeptos do modelo americano de República. Um
setor da população urbana (formado por pequenos proprietários, profissionais liberais,
jornalistas, professores e estudantes) adotara a versão jacobina. Os radicais da República
falavam em revolução, falavam do povo, pediam a morte do príncipe-consorte da herdeira
76
Nesse período, a produção do Vale do Paraíba começou a declinar, seguindo direção inversa da produção
do Oeste paulista.
40
do trono e cantavam a Marselhesa pelas ruas. E havia, ainda, a versão positivista da
República.
A maior parte desse grupo de descontentes percebia a dificuldade, se não a
impossibilidade, de se fazer a República em praça pública. Era muito clara para eles a
importância do Estado
77
. Eram contra o regime monárquico, mas não contra o Estado.
Pregavam a instituição de um executivo forte, expressa na ditadura republicana. A visão
positivista atraiu os militares, que se sentiam fortemente atraídos pela ênfase dada pelo
positivismo à ciência e ao desenvolvimento industrial. A posição democrática era a dos
históricos não positivistas, partidários de uma república representativa à maneira
americana.
Em 1887, os oficiais organizaram o Clube Militar como associação
permanente para defender seus interesses, sendo Deodoro da Fonseca eleito presidente. A
insatisfação militar e a propaganda republicana cresciam. Divergências com a Igreja
acabaram minando a relação entre o trono e o altar. Havia a impossibilidade de um III
Reinado, não pela Princesa Isabel, mas pela impopularidade de seu marido Conde D’Eu. E,
por fim, a abolição da escravatura ruiu o último pilar de sustentação da Monarquia - as
oligarquias rurais.
A 11 de novembro de 1889, figuras civis e militares, como Rui Barbosa,
Benjamim Constant, Aristide Lobo e Quintino Bocaiúva, reuniram-se com o Marechal
Deodoro, tentando convencê-lo a liderar um movimento contra o Regime. O Marechal
estava descontente com o novo chefe de gabinete, Visconde de Ouro Preto, e com suas
reformas e nomeações.
77
CARVALHO, José Murilo de. A formação das almas. O imaginário da República no Brasil, p. 26.
41
Nas primeiras horas da manhã de 15 de novembro de 1889, Deodoro
assumiu o comando da tropa e marchou rumo ao Ministério da Guerra. A partir daí, a cena
é da seguinte maneira descrita por Fausto
78
:
Seguiu-se um episódio confuso, para o qual existem versões diversas, não
se sabendo ao certo se naquele dia Deodoro proclamou a República ou
apenas derrubou o Ministério. Seja como for, no dia seguinte a queda da
Monarquia estava consumada.
O fato é que a República mal esperou o amanhecer e nasceu da iniciativa
quase exclusiva do Exército. Existia um Partido Republicano, mas não foi este que
proclamou a República. Quem o fez foi o Exército, num episódio que muitos chamaram de
quartelada, e que ocorreu sob a mais absoluta indiferença popular. Carvalho
79
mencionou
que “no dia 15, os civis apareceram no fundo da cena, como atores coadjuvantes,
figurantes, encarregados da pirotecnia”.
O ano escolhido para pôr fim ao último sistema monárquico da América,
coincidência ou não, foi o centenário da Revolução Francesa. Mas, segundo Carvalho
80
,
diferentemente do modelo europeu, as ideologias republicanas, no Brasil, embora não
negassem o envolvimento das camadas populares, permaneciam enclausuradas no círculo
fechado das elites educadas.
Quem proclamou a República foi, de fato, o Exército, tendo por trás do
episódio as articulações de Aristide Lobo, Quintino Bocaiúva e Francisco Glicério – os
78
FAUSTO, Boris. História concisa do Brasil, p. 132.
79
CARVALHO, José Murilo de. A formação das almas. O imaginário da República no Brasil, p. 54.
80
CARVALHO, José Murilo de. A formação das almas. O imaginário da República no Brasil, p. 10.
42
chamados republicanos históricos. Posteriormente, antigos monarquistas transformaram-se
da noite para o dia em republicanos, ocupando postos-chave da administração. Contudo,
segundo Basbaum
81
, seria a intervenção política da nova aristocracia rural, a aristocracia
cafeeira – mais rica, mais poderosa, mais agressiva –, que nos daria a República. Vale
mencionar, porém, que a Proclamação da República foi o resultado de uma conjugação de
forças, na qual a abolição, o Partido Republicano e o Exército, isoladamente, não podem ter
seu papel sobreestimado no desfecho do processo.
O Exército, em seu conjunto, não era republicano. De acordo com
Basbaum
82
, quem assume a responsabilidade do golpe militar é um distinto oficial do
Exército, o mais graduado, e que em toda sua vida fora monarquista e amigo do Imperador.
Deodoro, chefe do governo provisório, venceu as eleições indiretas, em parte, devido à
ameaça armada. Durante seu governo constitucional, continuam os atritos; contra o espírito
caudilhesco e ditatorial do Marechal, houve um levante de navios na Guanabara e ele
renunciou para evitar uma guerra civil. Não menos caudilhesco foi Floriano Peixoto, o
vice-presidente que assumiu o poder. Ele chegou a decretar estado de sítio, mas conseguiu
governar até as primeiras eleições diretas para presidente.
O governo Prudente de Morais marcou o fim da República da Espada
83
, dos
republicanos românticos e idealistas, e a subida ao poder das oligarquias rurais, ligadas ao
café. Este seria o grupo que Basbaum
84
denomina republicanos realistas e objetivistas. Os
republicanos realistas, majoritariamente organizados no Partido Republicano Paulista,
81
BASBAUM, Leôncio. História Sincera da República: das origens a 1889, p. 237.
82
BASBAUM, Leôncio. História Sincera da República: de 1889 a 1930, p. 13.
83
Para Carone (1969), a primeira República, ou República Velha, é o período que se inicia em 1889 e se
estende até a Revolução de 1930, início da Segunda República. Para Basbaum (1982), a Primeira República
se encerra com o fim da chamada República da Espada e, portanto, a Segunda República se inicia em 1894
com o presidente Prudente de Morais. Para esclarecer ao leitor, a divisão adotada está de acordo com Carone.
84
BASBAUM, Leôncio. História Sincera da República das origens a 1889, p. 228.
43
sobem ao poder em 1894. Eles lutaram pela escravidão quando a julgou essencial para o
funcionamento da lavoura. Apoiaram a imigração quando lhes pareceu que o braço livre era
capaz de produzir mais que o braço escravo. Da mesma forma, tornaram-se republicanos
quando lhes pareceu que a Monarquia estava agindo contra seus interesses.
85
De Prudente a Washington, com algumas exceções, as sucessões
presidenciais foram um processo monótono em que os dois maiores estados de
representatividade econômica se revezavam no poder – São Paulo e Minas Gerais –
baseados no acordo firmado entre eles, denominado política “Café com Leite”. Eles
impunham os nomes a serem sufragados. Essa estratégia somente não funcionou com as
candidaturas de Hermes da Fonseca e Epitácio Pessoa, devido a querelas nas cúpulas
estaduais. Porém, via de regra, quando era indicado o candidato e a consulta era feita aos
Estados, a convenção homologava o nome, constituindo simples formalidade do processo.
Em consonância com Carone
86
, a Primeira República foi o período em que
os senhores do café ascenderam ao poder, alcançaram a plenitude e depois declinaram para
seu ocaso. O café foi o esteio econômico da Primeira República e o símbolo da supremacia
política dos fazendeiros de São Paulo. Segundo Sodré
87
, a grande disponibilidade de terras,
as fracas exigências monetárias e a elevação dos preços no mercado mundial estimularam a
ascensão do café no país.
O Brasil tinha uma economia dependente, cuja dependência ficava definida,
de acordo com Sodré
88
, pelos seguintes fatores: concentração da produção em produtos
primários, destinados a mercados externos; absoluta necessidade de importação de
85
BASBAUM, Leôncio. História Sincera da República das origens a 1889, p. 288.
86
CARONE, Edgard. A Primeira República (1889-1930), p. 288.
87
SODRÉ, Nelson Werneck. Brasil: radiografia de um modelo, p. 46.
88
SODRÉ, Nelson Werneck. Brasil: radiografia de um modelo, p. 48.
44
manufaturados; e tendência, sempre acentuada, à política de empréstimos para saldar contas
comerciais externas oriundas dos déficits na balança de trocas. A oligarquia fundiária
dominara a Primeira República e continuava nas trilhas do Império, graças ao
endividamento externo ilimitado. Esse grupo, economicamente dominante, para exercer o
poder político criava seus próprios mecanismos para garantir a sua continuidade e seus
privilégios.
Segundo Carone
89
, a falta de centralização política resultou em liberdades
locais e no fortalecimento de instituições sociais peculiares: o poder tornou-se privilégio de
uma camada social que possuía os meios de produção - a terra. O fenômeno do coronelismo
tem suas leis próprias e funciona na base da coerção da força e da lei oral. O coronel
protege e sustenta materialmente seus agregados, cobrando-lhes obediência e fidelidade,
exercendo, portanto, força política e militar. Do coronelismo às oligarquias, a escala é
política. No Império, grupos oligárquicos não controlavam os governos das províncias
porque tinham como obstáculo o poder moderador. O federalismo o removeu.
Carvalho
90
advoga que o coronelismo não foi apenas um obstáculo ao livre
exercício dos direitos políticos. Ele também negava os direitos civis. O coronel dava seu
apoio político ao governador em troca da indicação de autoridades, como o delegado de
polícia, o juiz, o coletor de impostos, o agente do correio, a professora primária. Nas
fazendas, imperava a lei do coronel, criada e executada por ele. Seus trabalhadores não
eram cidadãos do Estado, eram súditos dele.
O coronelismo é um fenômeno que caracteriza uma troca de proveitos
políticos entre o poder público e o poder privado incrustado nos chefes locais municipais,
89
CARONE, Edgard. A Primeira República (1889-1930), p. 67.
90
CARVALHO, JOSÉ Murilo de. Cidadania no Brasil: O longo caminho, p. 56.
45
representados pelos grandes proprietários rurais. Primordialmente, o posto de coronel era
concedido ao chefe político local para que este exercesse comando da Guarda Nacional e,
por fim, acabasse exercendo também a direção política confiada pelo próprio governo
provincial.
Criada em 1831, a Guarda Nacional era constituída por um corpo de guardas
municipais, destinados a manter a ordem pública e auxiliar a Justiça. Ela também possuía a
função de auxiliar o Exército em casos de conflitos. Segundo Leal
91
, a patente de coronel
correspondia a um comando municipal ou regional que refletia o prestígio econômico ou
social de seu titular, e que por isso nunca deixou de figurar, majoritariamente, entre os
proprietários rurais. Inicialmente recebido como condecoração, aos poucos o título de
coronel passou a ser comprado do poder público, sem com isso alterar a natureza de seus
destinatários.
A partir do último quartel do século XIX, a Guarda Nacional tornou-se
meramente decorativa e, mesmo após sua extinção, os que detinham o comando da política
local continuaram sob o tratamento de coronel. Os remanescentes desse privatismo, seja o
autêntico coronel, seja alguém de sua estirpe, eram alimentados pelo poder público. Havia,
naquela época, uma gama de doutores, advogados e médicos que aliavam ilustração a
habilidades de comando e que tinham como lugar comum a propriedade agrária, ou seja,
guardavam alguma relação de parentesco com o genuíno coronel.
Mesmo com a instauração do sistema representativo de sufrágio amplo,
segundo Leal
92
, a concentração do poder continuou a processar-se na órbita estadual.
91
LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, Enxada e Voto. O muncicípio e o regime representativo no Brasil, p.
19.
92
LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, Enxada e Voto. O muncicípio e o regime representativo no Brasil, p.
101.
46
Entretanto, como a eleição do governador de estado não dependia tão somente da vontade
do governo central, um sistema de alianças entre as esferas de poder tornou-se um
imperativo político. A “política dos governadores”, inaugurada por Campos Sales, selou o
compromisso entre o governo central e os estados, consolidando ambas as esferas de
governo. Esse pacto político, por sua vez, repousava sob as bases do compromisso
coronelista. Como a maior parte do eleitorado rural dependia dos fazendeiros, os chefes dos
partidos ficaram obrigados a se entender com os fazendeiros através dos chefes locais.
Dessa forma, os chefes locais prestigiavam a política eleitoral dos governadores e deles
recebiam o apoio necessário para a montagem das oligarquias municipais. Era concedida
aos chefes locais a autonomia para nomear delegados e subdelegados, por exemplo.
De acordo com Leal
93
, para que aos governadores, e não aos coronéis, se
destinasse a parcela mais robusta no acordo político, havia o substrato jurídico que limitava
a autonomia municipal. Do Ato Adicional ao federalismo republicano, a questão da
descentralização política era colocada na perspectiva das províncias ou estados, que por sua
vez estabeleciam a tutela dos municípios. O pacto coronelista dotava, portanto, os chefes
políticos dos municípios de uma autonomia que era extralegal.
A flexibilidade nesse sistema oligárquico era mínima. A liberdade de seus
componentes era ilusória, pois todos tinham que aceitar o controle rígido de seus atos.
Antigos personagens retornam à cena política: os capangas eleitorais. As eleições “a bico
de pena”, realizadas no período do Império, também continuaram. Grande parte dos adultos
escolhia não ser cidadão ativo, porque havia sem dúvida fraude eleitoral. Votar era não só
inútil como perigoso, pois os capangas atuavam para assegurar os resultados das eleições a
93
LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, Enxada e Voto. O muncicípio e o regime representativo no Brasil, p.
102.
47
qualquer custo. Carvalho
94
acrescenta que o exercício da cidadania política era uma
caricatura, uma vez que os verdadeiros cidadãos mantinham-se afastados, e o cidadão
republicano era o marginal mancomunado com os políticos.
Tinha-se um sistema de ficção democrática e um regime de ilusória
soberania popular. Contudo, o sistema eleitoral fraudulento não foi a única herança do
antigo Regime. A primeira Constituição republicana (Art. 70, parágrafo 2º, 1891) manteve
a exclusão dos analfabetos do direito de votar. Somente na Capital Federal tinha-se um
percentual de 50% de analfabetismo, o que significava um total de 80% da população
excluída do direito político do voto, quando se incluíam as mulheres.
95
A Constituição de 1824 foi omissa com relação ao voto do analfabeto.
Portanto, este foi um direito que se estendeu até a promulgação da Lei Saraiva, que
promoveu a reforma eleitoral. O decreto nº 3029 de janeiro de 1881
96
, a lei mencionada, fez
com que as eleições passassem a ser diretas; o voto censitário fosse mantido (exigência
líquida anual não inferior a 200 mil réis) e, a contar do ano de 1882, só fosse incluído no
alistamento eleitoral o cidadão que soubesse ler e escrever. Todo ano seria feita uma
revisão do alistamento eleitoral para incluir ou excluir pessoas, mediante os critérios
estabelecidos na lei. O artigo 8º assevera que:
No primeiro dia útil do mez de Setembro de 1882, de então em diante
todos os annos em igual dia, se procederá a revisão do alistamento geral
dos eleitores, em todo o Império, somente para os seguintes fins:
I. De serem eliminados os eleitores que tiverem fallecido ou mudado de
domicilio para fora da comarca, os fallidos não rehabilitados, os que
94
CARVALHO, José Murilo de. Os Bestializados. O Rio de Janeiro e a República que não foi, p. 89.
95
As mulheres também não tinham direito ao voto.
96
BRASIL Colleção das Leis do Império do Brazil de 1881. Parte I. Tomo XXVIII - Parte II. Tomo XLIV.
Vol. I, 1882.
48
estiverem interdictos da administração de seus bens, e os que, nos termos
dos arts. 7º e 8º da Constituição houverem perdido os direitos de cidadão
brazileiro ou não estiverem no gozo de seus direitos políticos.
II.De serem incluídos no dito alistamento os cidadãos que requerem e
provarem ter adquirido as qualidades de eleitor de conformidade com esta
lei, e souberem ler e escrever.
Essa medida conseguiu reduzir drasticamente o eleitorado, de um pouco
mais de 10% a menos de 1%, numa população de 14 milhões
97
. A ínfima participação
popular por meio do voto foi uma herança imperial que acompanhou toda a República
Velha (1889-1930). Se não bastasse a exclusão constitucional dos analfabetos, em um país
constituído de uma camada restrita de letrados, tinha-se, ainda, uma máquina eleitoral
exímia em produzir os resultados desejados pelos Estados de maior poderio econômico,
acordados na política “Café com Leite”. Em conformidade com Carvalho, “na república
que não era a cidade não tinha cidadãos”
98
.
O processo de aprendizado democrático seria realizado de maneira lenta e
gradual. De acordo com Schelbauer
99
, pode-se dizer que a República continuou sendo
apenas uma república, até que novas circunstâncias a transformassem numa República
Democrática.
Se havia uma maneira de suplantar a herança perversa, e dar ares
democráticos ao novo regime, era a expansão da instrução pública. A educação era definida
como um direito social, mas era também um requisito para a expansão de outros direitos.
97
FAUSTO, Boris. História concisa do Brasil, p. 131.
98
CARVALHO, José Murilo. Os Bestializados: o Rio de Janeiro e a República que não foi, p. 162.
99
SCHELBAUER, Analete Regina. Idéias que não se realizam: o debate sobre a educação do povo no
Brasil de 1870 a 1914, p. 137.
49
1.2 Educação e Sociedade: Idas e Vindas
A queda do último trono das Américas não significou a total destruição dos
valores sociais e econômicos do Império. Sobre seus escombros edificou-se a República e,
com ela, alguns aspectos da antiga ordem foram perpetuados. Esse item está pautado em
uma análise das desventuras da república recém-proclamada concomitantemente a um
retrospecto do passado, então recente, para identificar o que os primórdios da república
significaram em termos de mudanças para a sociedade e para a educação, especialmente a
instrução elementar.
A Constituição de 1891, ao instituir o sufrágio universal, manteria a
exclusão do voto do analfabeto e mais, manteria a abstenção da União com relação aos
assuntos referentes ao ensino elementar. Segundo Cury
100
, a presença direta da educação
escolar no Congresso Constituinte se resume em três temas: 1) Quanto à organização ou
atribuição de competências; 2) Quanto à laicidade; 3) Quanto à obrigatoriedade / gratuidade
da instrução primária. As competências eram distribuídas entre União, unidades federadas e
a esfera privada.
A União deveria animar o desenvolvimento geral das letras, criar
instituições de ensino superior e secundário nos estados, prover a educação secundária no
Distrito Federal e legislar sobre o ensino superior. A União estabeleceu a posição não
religiosa da escola pública e a sua omissão quanto à obrigatoriedade e gratuidade da
instrução primária era explicável nas falas pelo princípio federativo. No caso da
100
CURY, Carlos Roberto Jamil. A Educação e a Primeira República. In: FÁVERO, Osmar (Org.). A
Educação nas Constituintes Brasileiras (1823-1988), pp. 77-78.
50
obrigatoriedade, era explicável também pelo princípio liberal de que a individualidade é
uma conquista progressiva do indivíduo.
A Constituição republicana mantivera a educação nos mesmos termos da
descentralização administrativa do ensino, tal como implantada durante o Império com o
Ato Adicional de 1834. A Lei nº 16 de 12 de agosto de 1834
101
, conhecida como Ato
Adicional de 1834, alterou o capítulo V da Constituição Imperial que discorria sobre os
Conselhos Gerais da Província e suas atribuições. Transformou os Conselhos em
Assembléias Legislativas Provinciais e, segundo o artigo 10, competia às províncias
legislar sobre a instrução pública e estabelecimentos próprios a promovê-la, exceto
faculdades de medicina, cursos jurídicos, academias existentes e estabelecimentos de
instrução criados, futuramente, por lei geral. Essa determinação fez com que o ensino
secundário ficasse nas mãos da iniciativa privada e o ensino primário fosse relegado ao
abandono, com pouquíssimas escolas, sobrevivendo à custa do sacrifício de alguns mestres-
escola. Em 1837, foi criado o Colégio Pedro II no Rio de Janeiro e, a partir de então, este
seria por muito tempo o único estabelecimento público de instrução secundária.
Sucupira
102
assevera que o entendimento dos parlamentares, nos anos
conseguintes ao Ato, era o de que a competência conferida às assembléias provinciais não
era privativa, mas concorrente. Vários ministros de Estado reclamavam maior atuação do
governo central. Na década de 1870, a participação efetiva do poder central, no âmbito dos
sistemas provinciais, passou a ser defendida com ênfase como medida indispensável ao
desenvolvimento da instrução pública, no entanto, o autor advoga que “nada foi feito de
concreto no sentido de tornar real e efetiva a participação do governo central no esforço de
101
BRASIL. Índice da Collecção das Leis de 1834. Parte I (s/d).
102
SUCUPIRA, Newton. O Ato Adicional de 1834 e a descentralização da Educação. In: FÁVERO, Osmar
(Org.) A Educação nas Constituintes Brasileiras (1823-1988), pp. 62-65.
51
universalização da educação primária em todo país, ainda que fosse a título de ação
supletiva”. De acordo com o trabalho de Silva
103
, entre 1889 e 1917, foram elaborados mais
de 80 projetos submetidos à aprovação do Congresso Nacional, muitos deles referentes à
reforma da instrução.
Sucupira
104
sentencia, portanto, que seria uma atitude simplista atribuir toda
a responsabilidade pelo fracasso da instrução primária no Império à descentralização
decretada pelo Ato, pois não faltaram denúncias de ineficiência da ação provincial e apelos
à participação do governo central no campo da educação primária e secundária. O que se
verificou foi justamente a omissão das classes dirigentes, ou melhor, o seu desinteresse pela
educação popular.
As iniciativas do Ministério da Instrução Pública, Correios e Telégrafos
caminharam no sentido de estabelecer uma rede oficial de ensino paradigmática no Distrito
Federal e com existência junto aos estados, cujas instituições superiores seriam criadas pelo
Congresso Nacional. Quanto à educação primária, o Ministério do governo provisório não a
interpretou como terreno explícito de um dever do Estado. A manutenção da linha do Ato
Adicional de 1834 só fez ampliar o federalismo, e houve um silêncio a respeito da
gratuidade. Vale dizer que o grande legado educacional, do Império para República, foi o
federalismo educacional e a falta de uma política de educação para as classes populares.
De acordo com Schelbauer
105
, da mesma forma que a criação do Ministério,
um anseio desde o regime monárquico, fora apenas um ato político sem qualquer
compromisso com a instrução nacional, a reforma Benjamim Constant também estava
103
SILVA, Josie Agatha Parrilha da. Carneiro Leão e a proposta de organização da educação popular
brasileira no início do século XX, p. 61.
104
SUCUPIRA, Newton. O Ato Adicional de 1834 e a descentralização da Educação. In: FÁVERO, Osmar
(Org.) A Educação nas Constituintes Brasileiras (1823-1988), p. 66.
105
SCHELBAUER, Analete Regina. Idéias que não se realizam: o debate sobre a educação do povo no
Brasil de 1870 a 1914, p. 97.
52
destinada ao fracasso quanto ao desejo de se efetivar a instrução popular no país. Destinada
apenas ao Distrito Federal, nela estavam contidos os princípios de liberdade, gratuidade e
laicidade do ensino. No entanto a obrigatoriedade, instituída pela reforma Leôncio de
Carvalho, fora abolida, fortalecendo a corrente em prol da desoficialização do ensino como
tarefa do Estado.
O método pedagógico colocado pela Reforma Benjamim Constant era o
intuitivo, o mesmo instituído no fim do Império pela própria Reforma Leôncio de Carvalho.
Mas a instrução moral e religiosa foi substituída por uma instrução leiga, embora a Igreja
tenha continuado a expandir sua rede de escolas. Com o fim do padroado, até mesmo o
direito eclesiástico ficou suprimido das faculdades de Direito. No ensino superior, uma das
intenções da reforma era a eliminação paulatina dos exames preparatórios, os quais
perduraram ainda por algum tempo.
Em consonância com Romanelli
106
, a Reforma Benjamim Constant não
chegou a ser posta em prática, a não ser em alguns aspectos. Faltava para a execução da
reforma, segundo a autora, além de infra-estrutura institucional que lhe pudesse assegurar a
implantação, o apoio político das elites. Em 1891, o Ministério da Instrução Pública,
Correios e Telégrafos, criado para tratar de assuntos relacionados à educação, foi fechado.
Além disso, a lei nº 26 do dia 30 de dezembro de 1891
107
expressa medidas
que embargam a concretização de alguns pressupostos estabelecidos na reforma, como a
supressão da verba destinada ao Conselho Superior da Instrução Pública e da verba
destinada à Escola de Astronomia e Engenharia Geográfica, ambos criados por decretos de
Benjamim Constant. O governo também ficou autorizado a rever os regulamentos de todas
106
ROMANELLI, Otaíza de Oliveira. História da educação no Brasil, p. 42.
107
In: MOACYR, Primitivo. A instrução e a República. Reformas Benjamim Constant (1890- 1892), 1941.
53
as instituições dependentes do extinto Ministério da Instrução Pública, Correios e
Telégrafos. Um relatório do ministro João Barbalho Uchoa Cavalcanti, sucessor de
Benjamim, descreve que a Inspetoria da instrução primária e secundária da Capital Federal
expediu um ofício mandando suspender a execução do novo plano de estudos secundários.
Segundo o ministro:
O Conselho julga preferível propor francamente a modificação dos planos
de estudos do Ginásio Nacional por acreditar que a execução dos
programas organizadas sobre a base decretada a 8 de novembro não pode
ser levada à prática senão com descrédito e mácula à memória do sábio
legislador, com perversão de seu próprio ideal, e com gravíssimo prejuízo
da mocidade estudiosa”
108
.
De acordo com Ribeiro
109
, os princípios norteadores da reforma eram a
liberdade e a laicidade do ensino, seguindo com isso a orientação do texto constitucional.
Uma das intenções era tornar os diversos níveis de ensino “formadores”, e não apenas
preparadores dos alunos, com vistas ao ensino superior. Foi criado o exame de madureza,
destinado a verificar se o aluno tinha a cultura intelectual necessária ao término do
secundário e com isso acabar, até 1896, com os exames preparatórios ou parcelados para o
ingresso no ensino superior. O ensino secundário não deixou de ser propedêutico. Outra
intenção era a de fundamentar a formação na ciência, rompendo com a tradição humanista
clássica e fazendo com que a predominância literária fosse substituída pela científica. Na
realidade, segunda a autora, ocorreu um acréscimo de matérias científicas às tradicionais,
108
In: MOACYR, Primitivo. A instrução e a República. Reformas Benjamim Constant (1890- 1892), pp.
99-102.
109
RIBEIRO, Maria Luísa S. História da educação brasileira. A organização escolar.
54
tornando o ensino enciclopédico: aprendiam-se os conhecimentos científicos como eram
assimilados os de natureza literária.
A República não ampliou as oportunidades quanto à educação. De acordo
com Teixeira
110
, tinha-se um ensino primário de oportunidades reduzidas; um ensino
secundário pago, para servir de estrangulamento a qualquer rápido desejo de ascensão
social; e um ensino superior gratuito, para atender aos filhos da elite do país. Mesmo a
escola que se designava popular não era popular, mas tipicamente de classe média. A escola
primária e a normal prosperavam, mas como escolas de classe média; a escola acadêmica e
o ensino superior ficavam ainda mais restritos, destinados a grupos da classe superior alta.
Por conseguinte, “abaixo dessas classes, média e superior, dormitava, esquecido, o povo”.
Segundo Bencostta
111
, o discurso estruturado em retóricas originárias de
uma Europa influenciada pelas repercussões da Revolução Francesa, o qual apregoava ser
preciso instruir a população para se alcançar a civilização, já não era mais uma grande
novidade no final do século XIX. É nesse momento que vemos, no Brasil, o surgimento dos
grupos escolares – ou escolas primárias graduadas. O Estado de São Paulo esteve na
dianteira da implantação desse novo modelo de escola, em 1893, transmitindo a sua
experiência a outras unidades federativas. Mas o provimento da instrução primária estava
constitucionalmente à mercê das políticas educacionais dos estados, caracterizados por
grandes diferenças regionais e carências de recursos, com exceção de São Paulo, que estava
na berlinda do desenvolvimento econômico.
110
TEIXEIRA, Anísio. Educação no Brasil, p.273.
111
BENCOSTTA, Marcus Levy Albino. Grupos Escolares no Brasil: Um novo modelo de Escola Primária.
In: STEPANHOU, Maria. BASTOS, Maria Helena Câmara (Orgs.) Histórias e Memórias da educação no
Brasil. Volume III, p. 68.
55
Do início da República até a sua derrocada na “Revolução de 1930”, as
reformas educacionais que partiram do governo central mostraram um movimento
pendular, que foi da oficialização à desoficiliazação do ensino. Veja abaixo o quadro das
principais reformas:
Quadro III: As principais reformas educacionais federais na Primeira República:
Nome da Reforma Ano
Benjamim Constant 1890-91
Epitácio Pessoa 1901
Rivadávia Correa 1911
Carlos Maximiliano 1915
João Luís Alves/Rocha Vaz 1925
Entre elas, Nagle
112
menciona a reforma de 1925 como a mais importante -
se considerarmos apenas o seu significado na evolução da escola secundária. Constituíram
os aspectos fundamentais dessa reforma a implantação de um ensino ginasial, seriado e com
freqüência obrigatória, e o alargamento das funções normativas e fiscalizadoras da União
quanto à instrução secundária de todo o país. Segundo o autor
113
, a reforma de 1925 foi um
elo importante, mesmo constatando que muitas das medidas nela adotadas foram alteradas
ainda na década dos vinte, com o que se anularam os aspectos mais positivos da
programação original.
No terceiro decênio da República, houve um clima cultural que
proporcionou a discussão dos grandes problemas nacionais, entre eles a questão do
112
NAGLE, Jorge. Educação e Sociedade na Primeira República, p. 146.
113
NAGLE, Jorge. Educação e Sociedade na Primeira República, p. 152.
56
analfabetismo. No centenário da Independência, tínhamos 80% de analfabetos.
Transformou-se o analfabetismo na grande vergonha do século.
Em conseqüência da Conferência Interestadual de Ensino Primário,
realizada em 1921, foi expedido um telegrama ao presidente, aos governadores dos estados
e ao prefeito do Distrito Federal, convocando-os para tratarem do problema “de interesse
vital para o regime e para a própria nacionalidade”. Apesar dos resultados quase unânimes,
alcançados na Conferência, pouco fez o governo federal para traduzi-los em medidas
concretas.
De acordo com Nagle
114
, o clima cultural que se desenvolveu a partir do
chamado entusiasmo pela educação e do otimismo pedagógico – alimentados pela atuação
de jornalistas, intelectuais, homens públicos, educadores, associações de classe,
movimentos político-sociais e correntes de idéias – não penetrou, sequer razoavelmente, no
plano das realizações do poder central. Se forem considerados o ensino secundário e
superior - que se encontravam na jurisdição da União - foi conservadora a posição do
governo federal.
Enquanto isso, os estados e o Distrito Federal manifestaram uma posição
“progressista”, reformando e remodelando seus sistemas escolares. Determinadas unidades
da Federação passaram a encarnar melhor os compromissos históricos do regime
republicano e democrático. Paradoxalmente, os estados mais “progressistas”, do ponto de
vista educacional, eram os mesmos que sustentavam o Estado oligárquico e não forçavam o
governo federal a alterar as políticas para a educação. O quadro abaixo mostra o esforço
dos estados na tentativa de reformar o ensino:
114
NAGLE, Jorge. Educação e Sociedade na Primeira República, p. 189.
57
Quadro IV: Principais reformas estaduais na Primeira República:
Nome da Reforma/Localidade Ano
Caetano de Campos/SP 1892
Sampaio Dória/SP 1920
Lourenço Filho/CE 1923
Anísio Teixeira/BA 1925
Francisco Campos/MG 1927
Fernando de Azevedo/DF 1928
Carneiro Leão/PE 1928-29
Na prática, segundo Nagle
115
, de pouco valeu a passagem do Império para a
República, embora fossem duas formas doutrinariamente diversas de organização do
Estado. Da mesma forma, de pouco valeram as pregações dos propagandistas e
idealizadores da República a respeito da instrução, pois, mesmo com essa passagem,
permaneceram os mesmos princípios do regime anterior, especialmente o descaso com
relação à educação popular, aclamada como instrumento para tornar possível o sufrágio
universal, fundamento do novo regime.
Em 1889, portanto, o Brasil tornou-se um país republicano, mas sem a
participação política da grande maioria dos “cidadãos” brasileiros, feita por meio do voto.
Embora a República tivesse eliminado o voto censitário, manteve a exclusão dos
analfabetos e das mulheres. Tratava-se de uma herança da política imperial. A Reforma
115
NAGLE, Jorge. Educação e Sociedade na Primeira República, p. 283.
58
Eleitoral de 1881 marcou, assim, um retrocesso duradouro do ponto de vista da
representação política, com a exclusão dos analfabetos.
No Império existia um poder moderador, que centralizava as decisões nas
mãos de D. Pedro II, e um parlamento, no qual os partidos tradicionais se revezavam no
poder. Contudo, segundo Viotti da Costa
116
, “o imperador raramente fez valer sua vontade
nos assuntos de envergadura nacional”. Quem de fato controlou a política do Império foram
as oligarquias que se faziam representar no Conselho de Estado, nas Assembléias
Legislativas Provinciais, nas Câmaras dos Deputados, no Senado, nos Ministérios, nos
quadros do funcionalismo e das Forças Armadas. As oligarquias detinham um imenso
poder e, para as decisões diante dos problemas nacionais, o imperador procurou sempre as
auscultar.
No período republicano (1889-1930) não foi muito diferente. O poder ficou
sob a regência das oligarquias estaduais de Minas e de São Paulo. A política do “Café com
Leite” não foi um aparato burocrático legal: ela foi, na realidade, um “acordo caseiro” entre
os estados da federação economicamente mais poderosos. Por outro lado, a
descentralização administrativa permitiu o crescimento de poderes locais, exigindo um
novo tipo de pacto entre os detentores da riqueza nacional: a “Política dos governadores”.
Segundo Basbaum
117
:
Durante toda a vida do Império foi o Brasil o país de uma só classe, a
aristocracia rural e latifundiária que votava, se elegia, legislava, executava
e julgava em seu próprio proveito. A História do Império é, pois, antes de
tudo o processo dessa classe, a aristocracia rural do açúcar, como a
116
VIOTTI DA COSTA, Emília. Da Monarquia à República: momentos decisivos, pp. 334-335.
117
BASBAUM, Leôncio. História Sincera da República: das origens a 1889, p. 278.
59
História da Segunda República (para o autor é aquela que se inicia em
1894) será o processo de uma outra classe, a dos fazendeiros do café.
Com a abolição do trabalho escravo, às vésperas da República, havia-se
eliminado uma das vigas mestras do sistema de poder formado na época colonial, e que, ao
perpetuar-se no século XIX, se constituía em fator de entorpecimento econômico do país
118
.
O surgimento do trabalho assalariado e o crescimento do mercado interno dão impulso ao
desenvolvimento capitalista no Brasil, episódio que vai ocorrendo aos solavancos
principalmente nos momentos de crise mundial, tendo como característica fundamental a
questão da dependência. Uma tímida burguesia vai crescendo a reboque das classes
agrárias, com as quais barganha pelo poder. Essa nova classe agrária era diferente da
esclerosada oligarquia açucareira – com mais crédito bancário e mais financiamento,
apresentava um espírito empreendedor e tino para negócios comerciais. O alastramento das
relações capitalistas se dá de forma mais segura no centro-sul.
As relações capitalistas, contudo, aparecem em sua plenitude com a
indústria. A guerra funcionará como barreira protecionista acidental, impulsionando a
indústria e entregando-lhe o mercado interno. Os impulsos provindos do exterior estão
ligados à Primeira Guerra Mundial e à crise de 1929. Ao passo que, na segunda metade do
século XIX, a atividade produtiva era a agricultura, e a condição básica para o
desenvolvimento econômico, no período, teria sido a expansão das exportações.
De acordo com Sodré
119
, no início do século XIX, quando se inicia o
processo de emancipação política do Brasil, na Europa já predominava o capital industrial e
118
FURTADO, Celso. Formação econômica do Brasil, p. 141.
119
SODRÉ, Nelson Werneck. Brasil: radiografia de um modelo, p. 40.
60
a burguesia figurava como classe dominante (exceto em Portugal). A divisão mundial do
trabalho fizera das ex-colônias fornecedoras de matérias-primas. Portanto, mesmo com a
República, o Brasil continuou sendo “essencialmente agrícola”, com sua população
concentrada majoritariamente no campo, onde habitavam 75% por volta de 1890. As terras
produtivas também continuaram sob a administração de poucos, 90% da população não
tinha terra alguma
120
.
Na passagem de um século para o outro foram assinaladas alterações
políticas que refletiam as econômicas: a questão eleitoral, a questão religiosa, a questão
militar, a questão do trabalho e a questão do regime. O Brasil vivia a Belle Époque,
tardiamente sob a bandeira republicana. Mas o modelo clássico jacobino não foi o
passaporte do país para a modernidade, o que explica a permanência de alguns traços
estruturais: a concentração da propriedade fundiária e a barganha política, de certa forma
entre os mesmos figurões.
Em suma, segundo Oliveira
121
, a economia da Primeira República é
geralmente entendida como uma extensão da economia do Segundo Império, do ponto de
vista da completa inserção da economia brasileira no padrão da divisão internacional do
trabalho, na função de produtor de matérias-primas. De acordo com o autor, o legado
econômico do Segundo Império apresenta-se como o de uma economia que se expandia
rapidamente, havendo encontrado seu lugar na divisão internacional do trabalho já
caracterizado mesmo no período colonial. E nesse país “essencialmente agrícola”, os rumos
120
BASBAUM, Leôncio. História Sincera da República: de 1889 a 1930, p. 59.
121
OLIVEIRA, Francisco de. A emergência do modo de produção de mercadorias: uma interpretação teórica
da economia da República Velha no Brasil (1889-1930). In: A Economia da Dependência Imperfeita, pp. 9-
12.
61
políticos eram determinados pelos detentores do poder econômico, que continuava
concentrado no campo, utilizando-se das mesmas artimanhas políticas.
No tocante à educação, a República herdou do Império o método intuitivo, o
federalismo educacional e algumas tentativas de modificar a estrutura do ensino secundário,
como a extinção dos exames preparatórios e a instituição do regime seriado. Diferenciou-
se, no entanto, pela questão da laicidade. E, acima de tudo, a herança mais perversa foi o
não comprometimento das elites em oferecer educação às classes populares, ainda que
fosse a instrução elementar.
O século XIX foi considerado o século da instrução pública e, segundo
Cambi
122
, foi o século que levou à execução a pedagogização da sociedade que se tinha
ativado com o início da época moderna e com o nascimento do Estado Moderno. A
sociedade foi encarregada de um projeto educativo que se disseminasse junto a diversas
instituições e assumisse um aspecto cada vez mais articulado e complexo, para completar a
formação do homem-cidadão junto às diversas classes sociais, o que é o fim primário ação
educativa nos diversos Estados Nacionais. Tal projeto encontra a sua instituição-chave na
escola. Mas, no Brasil, apesar da educação ser tema de ricas discussões, não houve
medidas concretas para sua extensão às classes populares, mesmo sob o clarim republicano.
Os projetos educacionais para as classes populares continuaram sendo apenas projetos.
Resta saber como a “Revolução de 1930”, enquanto movimento que se
aproveita de uma situação de crise, irá enfrentar a questão da escolarização.
122
CAMBI, Franco. História da Pedagogia, p. 487.
62
CAPÍTULO II
A REFORMA EDUCACIONAL DE FRANCISCO CAMPOS
Francisco Luís da Silva Campos (1891 – 1968) diplomou-se pela Faculdade
Livre de Direito de Belo Horizonte em 1914, e foi professor de Filosofia do Direito. Foi
deputado na Assembléia Legislativa de Minas Gerais (1919-1921) e deputado federal
(1922-1926) pelo Partido Republicano Mineiro (PRM) de Raul Soares e Artur Bernardes.
Em 1926, foi convocado por Antônio Carlos para assumir a Secretaria dos Negócios do
Interior, e nessa pasta promoveu a reforma do ensino primário e normal do estado. Ainda
como secretário do Interior, Francisco Campos, considerado da ala renovadora do PRM e
da nova geração da oligarquia rural, foi um dos mais importantes articuladores da Aliança
Liberal e da “Revolução de 1930” no estado mineiro. Em nome de Antonio Carlos, acertou
com Getúlio Vargas e Osvaldo Aranha a participação de Minas no movimento
revolucionário
123
. Essa foi a trajetória de Francisco Campos, até assumir o Ministério da
Educação e da Saúde Pública (MESP), criado pelo decreto nº 19.402 no dia 14 de
novembro de 1930
124
, promulgado pelo governo provisório da Revolução de 3 de outubro.
Em posse do novo ministério, promoveu a primeira reforma educacional da Segunda
República.
No governo de Vargas, Campos não só reformou a estrutura educacional
como também as instituições jurídicas e políticas. Ele foi o responsável, por exemplo, pela
123
MORAES, Maria Célia Marcondes de. Reformas de ensino, modernização administrada. A experiência
de Francisco Campos: anos vinte de trinta, pp. 153-154.
124
BRASIL. Colleção das leis da Republica dos Estados Unidos do Brazil de 1930. Volume II, 1931.
63
elaboração da Constituição de 1937 do Estado Novo. Segundo Moraes
125
, era um homem
de extraordinária erudição, não por acaso apelidado de “Chico Ciência”.
A década de 1920 foi marcada por um amplo movimento pela renovação
educacional, mediante reformas estaduais (ver Quadro III), algumas mais, outras menos
influenciadas pelas concepções escolanovistas de Dewey, Claparède, Decroly, etc. Entre
essas reformas, sob os princípios e métodos da Escola Nova, esteve a que Francisco
Campos promoveu em Minas Gerais. A máxima expressão desse influxo de idéias e das
discussões acerca dos problemas da educação nacional foi a criação, em 1924, da
Associação Brasileira de Educação (ABE).
Em consonância com Ferreira
126
, a ABE pode ser entendida como
preenchedora de um espaço alheado pela organização oficial do ensino. Enquanto o
governo central ainda permanecia dentro do espírito da centralização educacional de 1834,
havia uma organização de espaços de discussões acerca dos problemas da educação e o
empenho de intelectuais para reformar o ensino. A Associação Brasileira de Educação foi,
na verdade, a primeira entidade a assumir as preocupações e responsabilidades pelos
assuntos educacionais em âmbito nacional.
De acordo com autora
127
, o advento da ABE foi a expressão do empenho de
um grupo de intelectuais brasileiros, interessados pelo encaminhamento de soluções para
inúmeros problemas de natureza educacional. Daí seus membros dedicarem-se à realização
de cursos, palestras, inquéritos e semanas de educação e organizarem as Conferências
Nacionais de Educação. Integravam a Associação Brasileira de Educação (ABE) grande
125
MORAES, Maria Célia Marcondes de. Reformas de ensino, modernização administrada. A experiência
de Francisco Campos: anos vinte de trinta, p. 155.
126
FERREIRA, Susana da Costa. A I Conferência Nacional de Educação (Contribuição para o Estudo das
Origens da Escola Nova no Brasil), pp. 31-39.
127
FERREIRA, Susana da Costa. A I Conferência Nacional de Educação (Contribuição para o Estudo das
Origens da Escola Nova no Brasil), pp. 31-32.
64
número de médicos, engenheiros e advogados que tinham interesses convergentes a
respeito do trabalho educativo. Além disso, essas pessoas tinham em comum o prestígio
cultural adquirido na intensa atividade profissional (em sua maioria atividades liberais), na
produção de livros, artigos e na projeção de suas idéias através de palestras, discursos e
conferências. Através das Conferências e da veiculação da revista Educação, seus membros
pretendiam nortear a educação brasileira e definir suas diretrizes básicas.
A I Conferência realizou-se em 1927, na cidade de Curitiba. A organização
geral da I Conferência, segundo a autora
128
, contou com o beneplácito das instituições
oficiais. Os organizadores da I Conferência Nacional de Educação propuseram quatro teses
oficiais a serem debatidas durante o encontro: 1) A Unidade Nacional (pela cultura literária,
pela cultura cívica e pela cultura moral); 2) A Uniformização do ensino primário nas suas
idéias capitais, mantida a liberdade de programas; 3) A Criação de Escolas Normais
Superiores, em diferentes pontos do país para o preparo pedagógico; e 4) A Organização
dos Quadros Nacionais, corporações de aperfeiçoamento técnico, científico e literário.
De acordo com Ferreira
129
, a uniformização do ensino primário, requerida
naquele momento, era permeada por tentativas de organização, difusão e mesmo
obrigatoriedade. O ensino secundário e superior, em conseqüência, apresentavam-se como
passíveis de novos arranjos. Naquele momento não houve e nem poderia haver consenso no
resultado dessa primeira reunião de educadores, entretanto, seu caráter pioneiro de
deflagração de um processo de discussões vitais para a educação brasileira não pode ser
negado.
128
FERREIRA, Susana da Costa. A I Conferência Nacional de Educação (Contribuição para o Estudo das
Origens da Escola Nova no Brasil), p. 41.
129
FERREIRA, Susana da Costa. A I Conferência Nacional de Educação (Contribuição para o Estudo das
Origens da Escola Nova no Brasil), p. 137.
65
A nova concepção de educação surgida nesse contexto - na realidade não tão
nova como se pensava -, estava pautada no método ativo, contrariando a “velha estrutura do
serviço educacional, artificial e verbalista” do sistema tradicional, e tinha a ciência como
pressuposto básico de suas propostas. Do ponto de vista epistemológico, a idéia de
“experiência” seria o elemento chave do processo educacional. A educação nova deveria
oferecer à criança um meio vivo e natural, favorável ao intercâmbio de reações e
experiências
130
.
Segundo Moraes
131
, Francisco Campos esteve em sintonia com as propostas
educacionais dos anos 1920, preocupadas com a remodelação do ensino nos estados,
considerando os aspectos psicológicos da aprendizagem e a questão dos conteúdos e
técnicas, tendo em vista a melhor organização e condução do trabalho escolar. A
qualificação do professores primários da rede de ensino também acalentava a busca de
novas medidas. Em 1928, Campos iniciou as articulações para trazer da Europa pessoas de
destaque na área pedagógica que pudessem contribuir para a renovação do ensino em
Minas Gerais, como Theodore Simon, Leon Walter, Mme Hélène Antipoff, etc. Sua
intenção era formar um corpo docente de rigorosa competência científica, com a função de
reeducar os professores primários do estado. Neste período, Campos discursava na
Secretaria do Interior de Minas Gerais sobre a importância do ensino primário e de sua
remodelação:
130
AZEVEDO, Fernando (et.al). O Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova. A reconstrução educacional
no Brasil – Ao povo e ao governo. In: GHIRALDELLI JR., Paulo. História da educação, pp. 59-66.
131
MORAES, Maria Célia Marcondes de. Reformas de ensino, modernização administrada. A experiência
de Francisco Campos: anos vinte de trinta, p. 215.
66
O futuro das instituições democráticas, depende, sobretudo, da orientação
e do incremento do ensino primário. Saber ler e escrever não são, porém,
títulos sufficientes á cidadania. Digna deste nome. Não basta, pois
diffundir o ensino primário para dilatar os limites da cidade. Si este ensino
não forma homens, não orienta a intelligencia e não distila o senso
comum, que é o eixo em torno do qual se organiza a personalidade
humana, poderá fazer eleitores, não terá feito cidadãos.
132
Ao final da Primeira República, como foi citado, sobrelevou-se a
preocupação com a instrução primária. No discurso como secretário de Antônio Carlos,
Francisco Campos, posteriormente o primeiro ministro do MESP, a instrução primária
surge associada à formação do cidadão da República. Por isso, para ele
133
, a educação
elementar não estava cumprindo o seu papel, pois da forma como estava sendo ministrada
“entulhava a consciência ao invés de despertar a inteligência”.
Segundo Nagle
134
, houve uma transposição da fase do entusiasmo da
educação para o otimismo pedagógico. A primeira fase, segundo ele, esteve ligada à
preocupação com a difusão do ensino primário, a segunda, com a reformulação de seus
métodos, sem implicar em qualquer esforço para difundi-lo
135
. A renovação dos métodos de
ensino, característica da fase do otimismo pedagógico, foi um fator premente no discurso
de Campos que, ainda na Secretaria, afirmou: “Ao que me parece, o melhoramento ou o
aperfeiçoamento do ensino primário é obra de muito mais relevância e de maior urgência
132
CAMPOS, Francisco. Educação e Cultura, pp. 107-108.
133
CAMPOS, Francisco. Educação e Cultura.
134
NAGLE, Jorge. Educação e Sociedade na Primeira República, pp. 261-264.
135
O entusiasmo pela educação, que surge a partir de 1915, tratou-se de um movimento de “republicanização
da República” pela difusão do processo educacional – um movimento tipicamente estadual, de matiz
nacionalista e principalmente voltado para a escola primária, a escola popular. O otimismo pedagógico
caracterizou-se pela crença nas virtudes dos modelos. A sua forma mais acabada só iria aparecer em 1927,
com a introdução sistemática das idéias da Escola Nova (NAGLE, Jorge. Educação e Sociedade na
Primeira República, pp. 262-264).
67
do que o da diffusão por processos inadequados, que antes concorrem para deformar a
intelligencia”
136
.
Estando a preocupação com a difusão da instrução elementar posta ou não
de forma secundária, no campo educacional a principal questão era: a educação estava na
berlinda no final dos anos 20, com educadores empunhando bandeiras contra a situação do
ensino e contra a grande mazela nacional - o alto índice de analfabetismo entre a população
-, que os quase 40 anos de República oligárquica e de uma falsa democracia não foram
capazes de extirpar. Campos, envolvido por essa atmosfera, irá assumir o recém-criado
Ministério com a tarefa reformular o ensino, sob os ditames da “revolução” que colocava
fim à decadente República Velha.
Em uma análise do pensamento político de Campos, Medeiros
137
afirma que
ele objetivava a montagem de um Estado nacional, antiliberal, autoritário e moderno. Ele
pretendia substituir e reconstruir, do alto, as instituições políticas e burocráticas,
modernizando-as.
A modernização institucional implicava na diminuição da autonomia dos
estados e municípios e no fortalecimento do poder central. Para ele o Estado liberal,
símbolo da Primeira República, era sinônimo de Estado “dividido” e “desarticulado”,
enquanto que o Estado nacional a que aspirava significava Estado hegemônico, integrado e
monolítico. Para Campos tornava-se evidente que o liberalismo era o responsável último
por nosso “atraso”. Para ele, o futuro da democracia dependia do futuro da autoridade e a
revolução seria, portanto, um “imperativo de salvação nacional”:
136
CAMPOS, Francisco. Educação e Cultura, p. 108.
137
MEDEIROS, Jarbas. Francisco Campos. In: Ideologia autoritária no Brasil (1930-1945), p. 12.
68
O poder do Estado há de ser immensamente maior do que o poder
atrophiado pelo conceito negativo da democracia do século XIX. Para
assegurar aos homens o gozo dos novos direitos, o Estado precisa exercer
de modo effectivo o controle de todas as actividades sociaes, - a
economia, a política, a educação. Uma experiência centenária demonstrou
que o direito negativo de liberdade não dava realmente direito a nenhum
desses bens, sem o quaes já não é hoje possível conceber a vida humana.
O principio de liberdade deu em resultado o fortalecimento cada vez
maior dos fortes e o enfraquecimento cada vez maior dos fracos. O
principio de liberdade não garantiu a ninguém o direito ao trabalho, á
educação, a segurança. Só o Estado forte pode exercer a arbitragem justa,
assegurando a todos o gozo da herança commum da civilização e
cultura
138
.
A crise do liberalismo levou à necessidade da reconstrução da ordem
vigente, sem alterar as bases fundamentais do sistema capitalista. Segundo Cury
139
, no
campo da educação, este projeto de reconstrução nacional encontrará a contribuição de dois
grupos antagônicos: o grupo dos católicos e o grupo dos reformadores ou pioneiros da
“educação nova”.
Os ideais dos pioneiros foram publicados no documento intitulado “O
Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova”, datado de 1932. No manifesto, seus autores
advogam uma escola comum ou única, laica, gratuita e obrigatória para todas as crianças de
7 a 15 anos. Para eles, um elemento fundamental seria o caráter diretivo do Estado,
expresso no seguinte trecho:
Do direito de cada indivíduo á sua educação integral, decorre logicamente
para o Estado que reconhece e proclama, o dever de considerar a educação
na variedade de seus gráos e manifestações como uma funcção social e
138
CAMPOS, Francisco. O estado nacional, sua estrutura, seu conteúdo ideológico, p. 56.
139
CURY, Carlos Roberto Jamil. Ideologia e educação brasileira, p. 130.
69
eminentemente publica, que elle é chamado a realizar, com a cooperação
de todas as instituições sociaes
140
.
De acordo com os pioneiros
141
, a obrigatoriedade do ensino deveria se
estender, progressivamente, até uma idade conciliável com o trabalho produtivo, isto é, até
os 18 anos. O ensino secundário deveria ter uma base comum de cultura geral para evitar o
divórcio entre trabalhadores manuais e intelectuais. E o ensino superior, também abordado
por eles no Manifesto, deveria atender não somente a formação profissional e técnica como
também a formação de pesquisadores em todos os ramos do conhecimento humano.
De acordo com Cury
142
, os católicos atacaram os pioneiros na questão da
laicidade. Para os católicos, os pioneiros queriam ver-se livres da tutela religiosa de Deus,
caindo na idolatria de valores relativos que seriam a fonte de toda a desordem. Os católicos
não eram contra a escola única, gratuita e aberta a todos indistintivamente, o que eles
rejeitavam era a escola obrigatoriamente oficial ou oficializada e anticonfessional: negar o
ensino religioso seria negar a família e a moral.
Ambos os grupos tinham a sua versão para a reconstrução educacional, uma
de caráter sacral, outra mais profana. No embate, os católicos contestavam o pragmatismo
ou messianismo científico dos reformadores, defendendo o espiritualismo na escola. Essa
polarização estava no ápice na gestão ministerial de Francisco Campos. Nesse confronto, o
Estado estabeleceu um papel de mediador que, posteriormente, passaria ao papel de ditador.
140
AZEVEDO, Fernando (et.al). O Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova. A reconstrução educacional
no Brasil – Ao povo e ao governo. In: GHIRALDELLI JR., Paulo. História da educação, p. 61.
141
AZEVEDO, Fernando (et.al). O Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova. A reconstrução educacional
no Brasil – Ao povo e ao governo. In: GHIRALDELLI JR., Paulo. História da educação, pp. 63-70.
142
CURY, Carlos Roberto Jamil. Ideologia e educação brasileira, pp. 135-161.
70
E a experiência educacional, nos anos de 1920, não fez com que Campos
transladasse o projeto mineiro para a esfera federal. Somente no período de 1930 a 1932,
quando ocupou a pasta da educação, ele promoveu uma reforma no ensino em âmbito
nacional. De acordo com Romanelli
143
, era o início de uma ação mais objetiva do Estado
com relação à educação, considerada a primeira instituição que deveria se estender a todo
território nacional. O pensamento político de Campos refletiu em seu pensamento
pedagógico: para um Estado homogêneo e centralizado, havia a necessidade de uma
política educacional de caráter nacional. A reforma do ensino, promovida por Campos, teria
que instituir as bases da reconstrução educacional do país, impingindo o espírito da
revolução e tendo que sintetizar as aspirações dos dois grupos supracitados. A dita reforma
se fez por uma série de decretos. Veja o quadro abaixo:
143
ROMANELLI, Otaíza de Oliveira. História da educação no Brasil, p. 131.
71
Quadro V: Reforma Francisco Campos (1930-1932):
Decreto nº 19.426 – 24/11/1930 Dispõe sobre a habilitação dos alunos sujeitos
ao regime de exames preparatórios na presente
época.
Decreto nº 19.517 – 30/12/1930 Cassa a autonomia didática da Universidade de
Minas Gerais.
Decreto nº 19.560 – 03/01/1931 Aprova o regulamento que organiza a Secretaria
de Estado do Ministério da Educação e Saúde
Pública.
Decreto nº 19.850 – 11/04/1931 Cria o Conselho Nacional de Educação.
Decreto 19.851 11/04/1931 Dispõe que o ensino superior obedecerá de
preferência ao sistema universitário, podendo
ainda ser ministrado em institutos isolados, com
seus regulamentos nos dispositivos do presente
decreto.
Decreto nº 19.852 – 11/04/1931 Dispõe sobre a organização da Universidade do
Rio de Janeiro.
Decreto 19.890 18/04/1931 Dispõe sobre a organização do ensino
secundário.
Decreto nº 19.941 – 30/04/1931 Dispõe sobre a instrução religiosa nos cursos
primário, secundário e normal.
Decreto 20.158 30/06/1931 Organiza o ensino comercial, regulamenta a
profissão de contador e dá outras providências.
Decreto 20.179 06/07/1931 Dispõe sobre a equiparação de institutos de
ensino superior, mantidos pelos governos dos
estados, e sobre a inspeção de institutos livres,
para efeito do reconhecimento oficial dos
diplomas por eles expedidos.
Decreto nº 20.530 – 17/10/1931 Torna federal a Faculdade de Medicina de Porto
Alegre.
Decreto 20.865 28/12/1931 Aprova os regulamentos da Faculdade de
Medicina, da Escola Politécnica e da Escola de
Minas.
Decreto nº 21.241 – 04/04/1932 Consolida as disposições sobre a organização
do ensino secundário e dá outras providências.
Decreto nº 21.244 – 04/04/1932 Dispõe sobre a organização do Colégio
Universitário.
Decreto nº 21.303 – 18/04/1932 Autoriza a criação da Universidade Técnica de
São Paulo e dá outras providências.
Decreto nº 21.353 – 03/05/1932 Aprova o regulamento da Inspetoria do ensino
profissional técnico.
Decreto nº 21.519 – 13/06/1932 Não considera válidos (de acordo com o decreto
nº 20.179) os diplomas expedidos pela Escola
de Engenharia Mackenzie College de São
Paulo.
72
Como se pode observar, no conjunto dos decretos o enfoque está,
majoritariamente, sobre o ensino secundário e superior. E nesses níveis de ensino várias
mudanças há muito almejadas foram consolidadas, como a seriação do ensino secundário.
Em suma, a Reforma Francisco Campos criou o Conselho Nacional de Educação; dispôs
sobre o Colégio Universitário e sobre a instrução religiosa nos cursos primário, secundário
e normal; e reorganizou o ensino superior, secundário e comercial.
O decreto nº 19.426/30
144
regularizou a situação dos aspirantes ao ensino
superior, os quais estariam sujeitos aos velhos e conhecidos exames preparatórios
estabelecidos por leis anteriores. Como se verá adiante, a reforma do ensino secundário e
superior levou à sua própria inoperância, pois instituiu um curso secundário seriado e novas
condições de admissão ao ensino superior.
Ainda quanto ao ensino superior, foram decretados: Os Estatutos das
Universidades Brasileiras, incorrendo o regime universitário (Decreto nº 19.851/31); a
organização da Universidade do Rio de Janeiro, de acordo com os estatutos (Decreto nº
19.852/31); a criação da Faculdade de Educação, Ciências e Letras, para a formação do
magistério secundário (Decreto nº 19.852/31); o estabelecimento de critérios para a
equiparação de institutos de ensino superior (Decreto nº 20.179/31); e a passagem da
Faculdade de Medicina de Porto Alegre à tutela federal (Decreto nº 29.530/31).
Segundo Fávero
145
, sob os princípios liberais de descentralização, no início
da República surgiram as duas primeiras instituições denominadas universidades: a
Universidade de Manaus, em 1909, e a do Paraná em 1912. Ambas apareceram como
instituições livres e tiveram duração efêmera. Embora elas tenham existido de fato, os
144
BRASIL. Colleção das leis da Republica dos Estados Unidos do Brazil de 1930. Volume II, 1931.
145
FÁVERO, M.L. Universidade & Poder. Análise crítica / fundamentos históricos:1930 – 45, pp. 35-36.
73
autores, em geral, são levados a considerar a Universidade do Rio de Janeiro, criada em
1920, como a primeira universidade brasileira, em razão desta ter sido instituída por força
de um decreto do governo central. Essa universidade não foi senão a superposição de uma
reitoria a três escolas superiores já existentes, de caráter profissional. A partir de 1931, a
Universidade do Rio de Janeiro é reorganizada pelo Decreto nº 19.852/31
146
e passa a
congregar a Faculdade de Direito, a Faculdade de Medicina, a Escola Politécnica, a Escola
de Minas de Ouro Preto (que nunca chegou a nela se integrar), as Faculdades de Farmácia e
de Odontologia, desmembradas da Faculdade de Medicina, a Escola de Belas-Artes, o
Instituto Nacional de Música, e foi instituída uma nova unidade – a Faculdade de Educação,
Ciências e Letras.
De acordo com o decreto nº 19.851/31
147
em seu artigo 5º, inciso I, a
constituição de uma universidade brasileira tem como uma das exigências congregar em
unidade universitária pelo menos três dos seguintes institutos de ensino superior: Faculdade
de Direito, Faculdade de Medicina, Escola de Engenharia ou Faculdade de Educação,
Ciências e Letras. Elas seriam administradas por um reitor e por um Conselho Universitário
e apresentariam, ainda, uma Assembléia Universitária, uma Congregação dos Institutos e
um Conselho Técnico-administrativo. O corpo docente, segundo o artigo 48, seria
constituído por professores catedráticos, docentes livres, e, eventualmente, auxiliares de
ensino e professores contratados. Para a admissão nos cursos universitários, segundo o
146
BRASIL. Coleção das leis de 1931. Volume I. Atos do governo provisório, 1942.
147
BRASIL. Coleção das leis de 1931. Volume I. Atos do governo provisório, 1942.
74
artigo 81, seria exigido certificado do curso fundamental de 5 anos, com adaptação didática
ao curso superior específico
148
.
Campos
149
atribuiu à nova faculdade um papel eminentemente utilitário,
prático e, ao mesmo tempo, uma função cultural. Segundo ele, o ensino no Brasil seria um
ensino sem professores, isto é, em que os professores se criam a si mesmos, e “toda a nossa
cultura é puramente autodidática”. Além de órgão de alta cultura ou de ciência pura e
desinteressada, a nova faculdade deveria ser, antes de tudo, um Instituto de Educação, em
cujas divisões se encontrassem elementos para formar o corpo de professores,
particularmente os de ensino normal e secundário. Uma vez funcionando, a Faculdade de
Educação, Ciências e Letras teria o seu curso obrigatório para todos quantos se
propusessem a lecionar no ensino secundário dos ginásios oficiais, ou ginásios a eles
equiparados.
O decreto nº 19.852/31
150
discorreu sobre a organização da nova faculdade,
dividindo-a em três seções, de acordo com sua finalidade. A Seção de Educação
compreenderia disciplinas consideradas fundamentais e de ensino obrigatório para os que
pretendiam licença nas ciências da educação. A Seção de Ciências, por sua vez,
compreenderia disciplinas pertinentes e de caráter obrigatório para os que pretendiam
licença em ciências matemáticas, físicas, químicas ou naturais. Por fim, a Seção de Letras
compreenderia as disciplinas julgadas essenciais e de ensino obrigatório para os que
pretendiam licença em letras, história, geografia e línguas vivas.
148
Aos processos de admissão, além dos critérios específicos a cada nível de ensino ou curso, normalmente,
tem-se como exigência: idade mínima estabelecida, atestado de sanidade, idoneidade moral e atestado de
vacinação.
149
CAMPOS, Francisco. Educação e Cultura, pp. 66-67.
150
BRASIL. Coleção das leis de 1931. Volume I. Atos do governo provisório, 1942.
75
O ministro expressou nas disposições transitórias do decreto, em seu artigo
305, “o empenho de elevar, quanto possível, a capacidade didática dos atuais membros do
magistério secundário da República”, estabelecendo cursos de aperfeiçoamento na
Faculdade de Educação, Ciências e Letras para os professores que atuassem no magistério
naquele momento. Os cursos teriam existência passageira, desaparecendo logo que as
necessidades do ensino secundário pudessem ser atendidas pelos professores licenciados
pela recém-criada faculdade. De acordo com o arcabouço jurídico, o enfoque da
capacitação docente era o ensino secundário. Contudo, a consolidação da nova faculdade só
prosseguiria em 1939, com o decreto que iria regulamentar a Faculdade Nacional de
Filosofia na Universidade do Brasil.
A Reforma Francisco Campos deu nova organicidade ao ensino superior,
estabelecendo um regime universitário cuja espinha dorsal era Faculdade de Educação,
Ciências e Letras, demonstrando sua preocupação com a formação de quadros para o ensino
secundário. Este foi um ponto de inflexão na política educacional de Campos. No comando
da Secretaria do Interior de Minas Gerais, na década de 1920, promoveu uma reforma no
ensino primário e normal e, em especial, lançou a preocupação com os métodos de ensino
da educação elementar e com a capacitação de seu corpo docente. No Ministério de Getúlio
Vargas reformou o ensino superior, comercial e secundário, preocupando-se com a
capacitação docente dos profissionais do secundário e deixando à margem o ensino
primário e os professores desse nível de ensino, que outrora fora alvo de seus discursos e de
seu empenho por renovações.
76
O decreto nº 19.852/31
151
versou, ainda, sobre a organização de todos os
cursos dos institutos congregados. Veja no quadro abaixo a relação dos cursos oferecidos, o
seu tempo de duração e os requisitos para admissão:
Quadro VI: Organização da Universidade do Rio de Janeiro (sem a nova
faculdade):
Instituto Cursos Admissão
Escola Politécnica
Engenharia Civil
Engenharia Industrial
Engenharia Eletricista
Geógrafo
Curso ginasial com adaptação didática ao curso
específico de engenharia.
Faculdade de Direito
Direito Curso ginasial com adaptação didática ao curso
jurídico.
Faculdade
de Medicina
Medicina
Odontologia
Farmácia
Curso ginasial com adaptação didática ao curso
específico.
Escola de Minas
Engenharia de Minas
Engenharia Civil
Curso ginasial com adaptação didática ao curso
específico de engenharia.
Escola Nacional de
Belas Artes
Arquitetura
Pintura e Escultura
- Curso ginasial com adaptação específica;
- Curso ginasial fundamental
Instituto Nacional de
Música
Curso fundamental
Curso geral:
instrumentistas e
cantores
Curso Superior:
instrumentista,
cantores, composição
e regência; curso de
virtuosidade.
-Exame vestibular;
-Aprovação no 3º ou 5º ano do curso ginasial e
habilitação no curso fundamental;
-Aprovação no 3º ou no 5 º ano do curso
ginasial e habilitação no curso fundamental;
exceto curso de virtuosidade, que exige a
conclusão do curso geral e superior de
instrumentos.
151
BRASIL. Coleção das leis de 1931. Volume I. Atos do governo provisório, 1942.
77
Tendo por base a organização da Universidade do Rio de Janeiro, é possível
detectar a estrutura que se delineou para o ensino secundário (um curso fundamental de
cultura geral e um curso de formação específica, voltado para o ingresso no ensino
superior), que será tratado adiante.
Ainda sobre o ensino superior, o decreto nº 20.179/31
152
dispõe sobre a
equiparação de institutos de ensino superior. Para que os institutos fossem reconhecidos
oficialmente, deveriam seguir o modelo de uma instituição federal congênere para a
organização de seus cursos, para o estabelecimento dos critérios de admissão e para a
adoção do regime escolar. Não havia muita flexibilidade, o que refletia uma forma de
controle e centralização, também expressa na questão da autonomia. Campos
153
afirmou
que seria inconveniente e mesmo contraproducente para o ensino se concedesse às
universidades ampla e plena autonomia didática. A autonomia integral, segundo ele, seria
obra da conquista de um espírito universitário amadurecido, experiente e dotado de seguro
e firme sentido de direção e de responsabilidade. Segundo Fávero
154
, a reforma Francisco
Campos, instituída para o ensino superior, constituiu-se “no primeiro arcabouço de normas
para as instituições universitárias brasileiras”.
O decreto nº 19.850/31 criou o Conselho Nacional de Educação, como um
órgão consultivo do ministro da Educação e Saúde Pública nos assuntos relativos ao ensino.
O artigo 5º, alínea f, delega como uma das atribuições fundamentais do Conselho “firmar as
diretrizes gerais do ensino primário, secundário, técnico e superior, atendendo, acima de
tudo, os interesses da civilização e da cultura do país”
155
.
152
BRASIL. Coleção das leis de 1931. Volume II. Atos do governo provisório, 1942.
153
CAMPOS, Francisco. Educação e Cultura, pp. 62-63.
154
FÁVERO, M.L. Universidade & Poder. Análise crítica / fundamentos históricos:1930 – 45, p. 53.
155
BRASIL. Coleção das leis de 1931. Volume I. Atos do governo provisório, 1942.
78
O Decreto nº 19.890/31
156
estabeleceu que o ensino secundário, oficialmente
reconhecido, seria ministrado no Colégio Pedro II e em estabelecimentos sob o regime de
inspeção oficial. Em seu artigo 2º assevera que o ensino compreenderia dois cursos
seriados: um fundamental de 5 anos e outro complementar de 2 anos. O curso
complementar seria obrigatório para os candidatos à matrícula em determinados institutos
de ensino superior; e tratava-se de adaptação didática exigida para a admissão nos cursos de
Direito, Medicina, Farmácia, Arquitetura, etc. Os cursos complementares seriam oferecidos
nos estabelecimentos oficiais de ensino secundário, nos estabelecimentos sob a inspeção
federal ou, ainda, no Colégio Universitário, organizado pelo decreto nº 21.244/32
157
. O
Colégio Universitário seria um instituto anexo à Universidade do Rio de Janeiro, destinado
a oferecer os cursos complementares de acordo com a adaptação didática aos cursos
superiores específicos.
O artigo 18 do decreto nº 19.890/31
158
menciona que o candidato à matrícula
na 1ª série do ensino secundário deveria prestar exame de admissão
159
. Essa medida torna o
ensino secundário um ponto de estrangulamento do sistema escolar, pois sem a garantia de
um ensino primário de qualidade e gratuito, o acesso ao ensino secundário seria aspiração e
possibilidade para poucos. O artigo 20, do mesmo decreto, traz a assertiva de que seria
permitida a inscrição para o tal exame, na mesma época, somente em um único
estabelecimento de ensino secundário, sendo anulados os exames realizados com
156
BRASIL. Coleção das leis de 1931. Volume I. Atos do governo provisório, 1942.
157
BRASIL. Coleção das leis de 1932. Volume II. Atos do governo provisório, 1943.
158
BRASIL. Coleção das leis de 1931. Volume I. Atos do governo provisório, 1942.
159
O artigo 22 do decreto nº 19.890/31 menciona que o exame de admissão seria composto de provas escritas,
uma de português (ditado e redação) e outra de aritmética (cálculo elementar), e de provas orais sobre
elementos dessas disciplinas e mais sobre rudimentos de geografia, história do Brasil e ciências naturais
(BRASIL, Vol. I 1942).
79
transgressão desse dispositivo. Isso mostra ainda mais a restrição ao acesso a este nível de
ensino.
Francisco Campos
160
caracterizou o ensino secundário como uma
“chancelaria de exames” e analisou a sua situação, constatando que este se tornara um mero
curso de passagem ao ensino superior, sem características próprias e específicas e, portanto,
destituído de virtudes educativas. Dessa forma, a necessidade de uma reforma se impôs e
ele assim expressou o sentido desta mudança:
O primeiro acto que se impõe na reconstrução do ensino secundário é o de
conferir-lhe, de modo distincto e accentuado, um caracter eminentemente
educativo (...) A sua finalidade exclusiva não há de ser a matricula nos
cursos superiores; o seu fim, pelo contrário, deve ser a formação do
homem para todos os grandes sectores da actividade nacional.
A reforma iria dar maior organicidade ao sistema, instituindo o curso seriado
e eliminando os exames preparatórios. Contrariamente ao sistema vigente até então, que
proporcionava um curso utilitarista e pragmático cuja finalidade exclusiva seria o ingresso
no ensino superior, a reforma objetivava estabelecer um currículo de caráter formativo,
estabelecendo um curso fundamental de cultura geral que adquiriria grau de terminalidade.
Em relação ao ensino secundário, houve uma outra medida editada no
decreto nº 19.941/31
161
, a única a se estender ao ensino primário e normal. O decreto
instituiu o ensino da religião em caráter facultativo nos estabelecimentos de instrução
160
CAMPOS, Francisco. Educação e Cultura, p. 46.
161
BRASIL. Coleção das leis de 1931. Volume I. Atos do governo provisório, 1942.
80
primária, secundária e normal. Essa medida foi um claro aceno aos católicos. No novo
regime, a educação teria também a função de resgatar valores perdidos.
Além dos decretos mencionados, o ministro Francisco Campos concedeu, ao
longo de 1932, a inspeção permanente e as prerrogativas de estabelecimento livre de ensino
secundário a vários ginásios (ginásios de Bagé/RJ, São Vicente/SP, Varginha/MG, Juiz de
Fora/MG, São Carlos/SP, etc.). Também concedeu status de estabelecimento equiparado ao
ensino secundário a alguns outros ginásios, como o Ginásio Regente Feijó, de Ponta
Grossa.
O outro nível de ensino tratado no que se convencionou chamar Reforma
Francisco Campos foi o ensino técnico, embora restrito ao ensino comercial. O decreto nº
20.158/31
162
estabeleceu, em seu artigo 2º, que o ensino comercial constaria de um curso
propedêutico e dos seguintes cursos técnicos: de secretário, de guarda-livros, de
administrador-vendedor, de atuário e de perito-contador. Ainda, contaria com um curso
superior de administração e finanças e com um curso de auxiliar do comércio.
O aluno que exibisse o certificado de aprovação na 1ª série do Colégio Pedro
II, ou de um estabelecimento a ele equiparado, ficaria dispensado do exame de admissão ao
curso propedêutico e de auxiliar de comércio. Para matrícula no 1º ano do curso de
secretário, atuário e perito-contador, segundo o artigo 11 do decreto, o candidato deveria
apresentar certificado do curso propedêutico ou certificado de aprovação na 5ª série do
curso secundário. Para a matrícula no 1º ano do curso superior de administração e finanças,
seria exigido diploma de perito-contador ou atuário, além do curso propedêutico ou a 5ª
série do curso secundário.
162
BRASIL. Coleção das leis de 1931. Volume II. Atos do governo provisório, 1942.
81
A atenção que direcionou ao ensino profissional pareceu muito mais
presente nos seus discursos do que efetivamente na prática. Disse ele, em um discurso
proferido na Faculdade de Ciências Econômicas, na Bahia:
O mundo vive hoje sob o signal do econômico como já viveu em outros
tempos sob o signal do religioso e do político (...) Quando chamado a
occupar a pasta da Educação no governo provisório, impressionou-me
desde logo o facto do desequilíbrio existente entre a nossa já intensa vida
econômica e a ausência de uma educação adequada ás novas fórmas de
actividade commercial e industrial (...) A nação não é, com effeito apenas
ordem jurídica e ordem moral, funcção de autoridade e de governo; é
também, e hoje antes de tudo, usina e mercado (...) É funcção do ensino
profissional preparar as elites para o mercado assim como o ensino
clássico preparava no século passado as elites para a vida publica.
163
O ensino comercial não tinha articulação com o ensino primário e era
dividido em cursos, dos quais a maioria tinha caráter de terminalidade. Apenas dois dos
cursos davam acesso ao ensino superior (atuário e perito-contador), e a um único curso – o
de administração e finanças. Segundo Romanelli
164
, deixando marginalizados o ensino
primário, normal e profissional (salvo o ensino comercial) e organizando o ensino
secundário e superior, a “reforma tratou, preferencialmente, do sistema educacional das
elites”.
Campos se dizia integrado na “formidável obra de defesa e da preservação
moral e política do país”. Procurava, então, a “recuperação dos valores perdidos”, os quais
ele identificava com a religião, a família e a pátria, assinalando que só educação poderia
163
CAMPOS, Francisco. Educação e Cultura, pp. 125-130.
164
ROMANELLI, Otaíza de Oliveira. História da educação no Brasil, p. 141.
82
incumbir-se dessa tarefa
165
. No interregno de setembro a dezembro de 1931, Campos
permaneceu afastado do ministério. Em virtude desse afastamento, Belisário Pena foi
nomeado para a ocupação do cargo
166
. O afastamento de Campos em 1931 e,
posteriormente, sua saída definitiva em 1932, foi conseqüência dos desdobramentos da
política mineira, que atingiram diretamente aquela pasta, considerada de representação de
Minas no governo provisório.
Dessa maneira, o afastamento que cedeu lugar a Belisário Penna ocorreu em
função das articulações desenvolvidas por Osvaldo Aranha, ministro da Justiça, para
derrubar Olegário Maciel do governo mineiro e substituí-lo por um interventor. Diante da
indefinição de Vargas, Francisco Campos deixou o cargo, reafirmando sua lealdade a
Olegário Maciel, Wenceslau Braz e Antônio Carlos. A segunda e definitiva saída de
Campos do MESP foi em decorrência de seu isolamento na política mineira. Rompendo
com o Partido Republicano Mineiro e sentindo-se desprestigiado pelo presidente do estado,
Olegário Maciel, apresentou a Getúlio seu pedido de demissão em 1932. Com a demissão
de Francisco Campos em 16 de setembro de 1932, outro mineiro assumiu o ministério:
Washington Pires. Campos ficou fora do MESP, mas não da cena política. Ele iria
substituir Anísio Teixeira na Secretaria de Educação do Distrito Federal, e, posteriormente,
assumiria o Ministério da Justiça do governo Vargas.
A Reforma Francisco Campos foi um marco normativo do ensino
secundário e superior e, acima de tudo, a precursora de uma política nacional de educação.
Contudo, a instrução popular permaneceu ausente do projeto educacional da União, apesar
do ambiente de efervescência quanto aos problemas da educação primária. A ABE não era
165
MEDEIROS, Jarbas. Francisco Campos. In: Ideologia autoritária no Brasil (1930-1945), p. 10.
166
Disponível em: http:// www.cpdoc.fgv.br/nav_historia/htm/biografias. Acesso em: 13 ago. 2007.
83
uma entidade governamental, mas suas conferências receberam apoio oficial e a IV
conferência, realizada em 1931, contaria com a presença de Francisco Campos e do próprio
Getúlio Vargas. Apesar dessas iniciativas, ações mais objetivas com relação ao ensino
primário e à constituição de um Sistema Nacional de Educação teriam que esperar a aurora
de outros tempos.
2.1 O texto no contexto: “A Revolução de 1930
167
O pacto oligárquico, corporificado na política do “Café com Leite” e
sustentáculo da República Velha, começou a ser afetado por fatores internos e externos
entre as décadas de 1910 e 1920. Entre os fatores externos, destacam-se a Grande Guerra, a
Revolução Russa e a Crise de 1929.
A guerra causou impactos econômicos no Brasil, pois fez com que o preço
do café sofresse grande queda, reduzindo-se, em conseqüência, a capacidade de
importação. A carestia que se seguiu piorou as condições de vida da população pobre das
cidades e favoreceu a eclosão das grandes greves operárias. Por fim, os militares
começaram a agitar-se. O movimento militar, ao passo que tomava como alvo o combate ao
domínio exclusivo das oligarquias sobre a política, ganhou a simpatia de outros grupos
insatisfeitos, como os setores da classe média urbana.
Os tenentes, segmento mais radical das camadas médias, desencadearam um
ciclo de movimentos armados. O centenário da Independência, o ano de 1922, marcou o
167
A expressão é utilizada, mas posta entre aspas, porque apesar de o trabalho questionar o caráter
revolucionário do movimento de 1930, assunto que será discutido no Capítulo III, é assim como esse
movimento ficou conhecido.
84
início de uma agitação nos quartéis. O movimento chamado tenentismo trazia
reivindicações como o voto secreto, a moralização das eleições e vagas reformas sociais. O
que se acreditava ser um movimento geral restringiu-se a certas guarnições da cidade do
Rio de Janeiro e aos estados do Rio de Janeiro e de Mato Grosso.
A marcha dos 18 do Forte de Copacabana, contudo, significou o sacrifício
de um ideal que iria perdurar. Carone
168
afirma que “1922 termina com o triunfo aparente
dos reacionários; mas sob a calma dos festejos do Centenário da Independência,
continuavam a fermentar os mesmos problemas”. A revolta do Forte de Copacabana foi
uma tentativa de impedir a posse de Arthur Bernardes. O Congresso Nacional votou no
primeiro dia da revolta o estado de sítio.
Em 1924, foi a vez de São Paulo. O movimento foi constituído,
principalmente, por alguns oficiais que já haviam participado do movimento de 1922 e que
se achavam foragidos ou em liberdade: João Alberto, Siqueira Campos, os irmãos Joaquim
e Juarez Távora, Eduardo Gomes e vários outros. Aos poucos, esse grupo foi encontrando
na pessoa do general reformado Isidoro Dias Lopes a qualidade para ser o chefe de uma
insurreição planejada, que contou, ainda, com o apoio do major Miguel Costa, da força
pública estadual. O levante militar ganhou o nome de Coluna Paulista e teve seu
movimento contido no estado por forças do governo, acabando por juntar-se no sul do país
à Coluna Prestes. A sobrevivência desses grupos dependia da grande propriedade agrária e,
dada a dependência material, seguiu-se a dependência política e ideológica. Eles foram
obrigados a estabelecer um acordo com outras forças oligárquicas igualmente interessadas
em remover do poder a oligarquia cafeeira.
168
CARONE, Edgard. Revoluções do Brasil Contemporâneo (1922- 1938), p. 35.
85
O fenômeno oposicionista manifestou-se também no campo cultural. Em
1922, foi organizada em São Paulo a Semana de Arte de Moderna, que colocou em questão
a natureza da sociedade brasileira, suas raízes e sua relação com o mundo europeu. O ano
de 1922 também foi o da fundação do Partido Comunista do Brasil, considerado por
Carone
169
o primeiro momento da passagem do movimento operário, espontâneo e
anárquico, para uma organização política. Acima de tudo, a década de 20 foi marcada
economicamente pelo esgotamento do modelo agro-exportador calcado quase que
exclusivamente no café.
170
Como mencionado no capítulo anterior, a instauração do trabalho livre no
complexo agro-exportador fez crescer a rentabilidade das exportações, expulsou os custos
com a manutenção da massa trabalhadora para fora da produção do café, alertou a
economia para a emergência de um modo de produção de mercadorias, ao mesmo tempo
em que a compelia para a diferenciação da divisão social do trabalho. A classe social que
monopolizava a terra e o emprego da força de trabalho, a burguesia agrária, passou a ter sob
controle o monopólio do excedente econômico. O aburguesamento da economia
dependeria, em última instância, da qualidade ou do volume do excedente que passasse a
ser controlado.
De acordo com Oliveira
171
, contudo, à nova classe social burguesa-agrária
brasileira pertencia apenas a virtualidade da acumulação de capital, mas não ainda as
condições plenas de sua realização, pois havia um segmento do processo de acumulação,
situado na esfera da circulação, que lhe escapava. A intermediação comercial e financeira
169
CARONE, Edgard. A Segunda República (1930-1937), p. 408.
170
PENNA, Lincoln de Abreu. República Brasileira, p. 151.
171
OLIVEIRA, Francisco de. A emergência do modo de produção de mercadorias: uma interpretação teórica
da economia da República Velha no Brasil (1889-1930). In: A Economia da Dependência Imperfeita, p.p.
13-14.
86
era de realização quase que totalmente externa e servia à acumulação na economia dos
países que a realizavam, o que retirava da economia nacional uma parte expressiva do
excedente produzido. As transações importação-exportação, os depósitos nacionais no
exterior, os pagamentos, o financiamento da comercialização realizavam-se completamente
à margem do sistema financeiro-monetário interno.
Por um complexo fenômeno de inter-relações econômicas, o café foi vítima
de uma série de males: a produção arcaica e sem planificação resultou em oscilações de
preços e ruína de muitos produtores; a política de valorização enriqueceu os intermediários
e especuladores, em detrimento dos produtores, e abriu caminho para os países
concorrentes; e a crise de 1929 fechou ou restringiu por alguns anos os mercados
estrangeiros. Com as crises sucessivas surgiu a necessidade de uma política de defesa
permanente. Em 1924, criou-se em São Paulo o Instituto de Defesa do Café, cujo objetivo
não era apenas regulamentar a compra e a venda do produto, mas manter um nível elevado
de preços. De acordo com Basbaum
172
, a República até então não tinha feito outra coisa
senão cuidar do café e dos que dele enriqueciam, e a isso se reduzia a política do nosso
país.
Com efeito, segundo Oliveira
173
, a contínua política de valorização do café
realizou-se, essencialmente, por meio de empréstimos externos. Quando o aumento da
dívida expunha a debilidade do Estado, na incapacidade de pagamento e na impossibilidade
de contração de novos créditos externos, o governo recorria à ampliação da dívida interna.
Tal medida incorria na simples emissão monetária, na emissão de títulos da dívida pública,
172
BASBAUM, Leôncio. História Sincera da República: de 1889 a 1930, p. 88.
173
OLIVEIRA, Francisco de. A emergência do modo de produção de mercadorias: uma interpretação teórica
da economia da República Velha no Brasil (1889-1930). In: A Economia da Dependência Imperfeita, pp.
19-32.
87
na autorização aos bancos privados para a emissão ou nos próprios estados. Nessas
condições, o Estado criava a intermediação financeira interna e abria caminho para a efetiva
concretização da divisão social do trabalho interno.
A política de valorização do café, porém, levou até à destruição de seus
excedentes. Consumindo-se no próprio financiamento, com a contração de empréstimos
externos e internos, essa política implicou no aumento do déficit no saldo da balança
comercial e no estado crônico de crises cambiais. A distribuição da mais valia não se
repunha como lucro, mas como juros. Mediante tal conjuntura, houve uma fratura no
monolitismo oligárquico.
.Diante disso, a rachadura foi condição necessária para os acontecimentos
que desencadearam a instauração da Segunda República. Em consonância com Oliveira
174
,
a dissidência oligárquica impôs novos interesses, dentre eles uma nova forma de produção
de valor, redefinindo a taxa de lucro e a reorientação da intermediação comercial e
financeira, que de externa passou a ser interna. A burguesia agrária havia reproduzido
internamente o mecanismo de exploração externa que lhe roubava o excedente.
O Brasil era “um país essencialmente agrícola”, e essa diretriz política não
se limitou a desestimular o desenvolvimento industrial, ela impediu ao capitalismo um
mínimo de ajuda oficial e de possibilidades que lhe permitissem crescer e multiplicar-se
através da produção de mercadorias para o mercado interno. Contudo, a precária situação
da economia cafeeira - que vivia em regime de destruição de um terço do que produzia -
com seu baixo nível de rentabilidade afugentava desse setor os capitais que nela ainda se
174
OLIVEIRA, Francisco de. A emergência do modo de produção de mercadorias: uma interpretação teórica
da economia da República Velha no Brasil (1889-1930). In: A Economia da Dependência Imperfeita, pp.
34-35.
88
formavam. De acordo com Furtado
175
, o fator dinâmico principal nos anos que se seguem à
crise passa a ser o mercado interno. O setor ligado ao mercado interno não podia aumentar
sua capacidade, particularmente no campo industrial, sem importar equipamentos e estes se
tornaram muito caros com a depreciação do valor externo da moeda. Entretanto, o fator
mais importante na primeira fase da expansão da produção deve ter sido o aproveitamento
mais intenso da capacidade já instalada no país.
Arthur Bernardes, apesar das medidas arbitrárias e dos movimentos
oposicionistas ao seu governo, continuou na presidência e foi sucedido por Washington
Luís. Para a eleição da sucessão presidencial de Washington Luís, o candidato natural, de
acordo com a política “Café com Leite”, seria o mineiro Antônio Carlos. Washington Luís
indicou Júlio Prestes, visando à continuidade administrativa, financeira e à defesa do café, e
acabou por encaminhar mal as eleições com a escolha de tal candidato.
Durante o período da República Velha, o Rio Grande do Sul era o único
estado que poderia fazer sombra à política do “Café com Leite”. Entretanto, permanecia
fechado aos problemas sucessórios para evitar que o governo federal tentasse qualquer
intervenção nos decênios governamentais de Borges Medeiros, que sucedeu a si mesmo por
25 anos
176
. Diferentemente ocorreu na eleição presidencial de 1930.
Em represália à candidatura de Júlio Prestes, Minas se aproximou do Rio
Grande do Sul e compôs, juntamente com a Paraíba, a Aliança Liberal. De acordo com
Penna
177
, mais do que um partido de ocasião, essa frente política com base nesses estados
conseguiu alcançar dimensão política nacional. Embora Getúlio Vargas tivesse constituído
175
FURTADO, Celso. Formação econômica do Brasil, pp. 197-198.
176
CARONE, Edgard. Revoluções do Brasil Contemporâneo (1922- 1938), p. 17.
177
PENNA, Lincoln de Abreu. República Brasileira, p. 165.
89
uma carreira política com a simpatia de Washington e houvesse lhe prometido apoio, ele
aceitou ser o candidato à presidência pela Aliança Liberal, tendo João Pessoa como vice.
Existe uma frase que foi atribuída a João Pessoa, na qual ele professa que
nunca contariam com ele para uma revolta armada, pois preferiria dez Júlio Prestes a uma
revolução
178
. De fato, João Pessoa não participou do movimento, no entanto, o seu
assassinato na Paraíba por motivos da política local oportunamente foi assunto traduzido
para o âmbito nacional, e foi o que levou ao acirramento das disputas políticas.
Os remanescentes do movimento tenentista, exceto Luís Carlos Prestes,
iriam integrar a Aliança Liberal e derrubar a velha República dos coronéis. Segundo
Carone
179
, aqueles que acreditavam no mito do “cavaleiro da esperança”, alcunha atribuída
a Prestes, buscariam encarná-lo em Siqueira Campos para a resolução do impasse político.
Segundo Basbaum
180
, um erro dos envolvidos com o episódio de 1924, também repetido
pela Coluna Prestes, foi jogar contra Arthur Bernardes – o presidente empossado - todo o
ódio e paixão revolucionária. Ele respondeu à revolta com o estado de sítio, deportações e
prisões indiscriminadas. Amordaçou a imprensa com uma lei censória, instituiu uma lei
anticomunista e desencadeou uma política de ampliação dos poderes da União.
Acontece que o projeto de empunhar armas e levar a cabo uma conflagração
não era consenso entre os integrantes da Aliança. Mas o movimento em prol da
moralização da política nacional e a participação dos tenentes já haviam mobilizado muita
gente. O descontentamento contra o governo e contra o Regime, principalmente por parte
das populações urbanas, havia chegado ao máximo de adesão. Os remanescentes de 1922,
de 1924 e da Coluna Prestes continuavam ativos, conspirando, agitando, ameaçando
178
PENNA, Lincoln de Abreu. República Brasileira, p. 166.
179
CARONE, Edgard. A Segunda República (1930-1937), p. 238.
180
BASBAUM, Leôncio, História Sincera da República: de 1889 a 1930, p. 232.
90
colocar-se à frente desse povo, num movimento que extravasaria o âmbito dos quartéis,
pondo em risco a segurança do Regime. Do outro lado, os comunistas estavam igualmente
ativos, levantavam slogans e reivindicações que não se limitavam a uma simples mudança
de governo
181
. Era, ao que parecia, “a revolução social em marcha”. Daí a célebre frase do
governador mineiro Antônio Carlos: “Façamos a revolução antes que o povo a faça”.
A Aliança Liberal representou uma cristalização paradoxal das oposições.
Sua concretização foi possível em virtude do crescimento e da expansão de estados
politicamente relegados a segundo plano pelo acordo da política do “Café com Leite”. A
oligarquia dissidente, representada por três estados geograficamente dispersos, facilitou o
surgimento de focos de irradiação contra o governo. Foi a fama dos tenentes aliada aos
elementos libertadores e aos jovens de Minas Gerais e do Rio Grande do Sul, que forçaram
a situação, preparando o 3 de outubro
182
.
Os partidos que se juntaram nessa aliança política foram o Partido
Republicano Mineiro, que a princípio se colocara contra a política de valorização do café; o
Partido Democrático, constituído por elementos descontentes do Partido Republicano
Paulista e cujos interesses estavam na valorização, embora tivesse em seu seio elementos
contra a valorização; e pelos Partidos Rio-grandense e Libertador, que nada tinham que ver
diretamente com o café. Foi o agravamento de conflitos e a impossibilidade de uma
transformação legal que forçaram o Partido Democrático e o Libertador a aderirem,
vacilantemente, a uma insurreição que eles temiam e renegavam até então.
Houve uma intensa campanha pelo território nacional com comícios
apoteóticos. Parecia que a vitória estava nas mãos dos candidatos da Aliança Liberal, mas a
181
BASBAUM, Leôncio. História Sincera da República: de 1889 a 1930, p. 263.
182
CARONE, Edgard. Revoluções do Brasil Contemporâneo (1922- 1938), p. 67.
91
máquina eleitoral, com as costumeiras fraudes de resultados, funcionou mais uma vez a
favor do candidato do governo
183
. As eleições foram, portanto, a última chance do Partido
Republicano Paulista para a entrega pacífica do poder e para evitar o “prélio das armas”
184
.
A fraude eleitoral não era mais aceita cordialmente. Remanescentes dos episódios
tenentistas estavam juntos a declarar que não era mais possível silenciar diante da
escancarada corrupção eleitoral.
Góis Monteiro foi o chefe militar do levante de 1930, que estourou no dia 3
de outubro em Porto Alegre. Em 48 horas todas as guarnições haviam aderido ou se
declarado prisioneiras. A 16 de outubro, 12 dias após o início do levante, com exceção dos
estados da Bahia e do Pará, todo o norte do país estava em mãos dos revoltosos.
Washington Luís é deposto no dia 24, com a intermediação da Igreja Católica e depois de
ter sido abandonado por seus ministros. A prisão e o exílio de Washington Luís
configuravam situação análoga à que ocorrera quando da queda da Monarquia. Até o ritual
do término de uma época voltara a se repetir.
Uma junta governativa, constituída pelos generais Tasso Fragosso, Mena
Barreto e o almirante Isaías Noronha, assumiu o poder e levou o fato ao conhecimento dos
governadores de todos os estados e aos chefes do movimento. Tenentistas e oligarquias
vitoriosas já começavam a se digladiar pela conquista de postos-chave, num prenúncio de
cruenta guerra futura
185
. O compromisso de correntes antagônicas fatalmente tendia a
desagregar-se depois da vitória, já que a unidade era superficial, e a realidade contraditória.
183
No Rio Grande do Sul, Getúlio obteve 699.627 votos contra 982 votos atribuídos a Júlio Prestes. São Paulo
não fez por menos, o que mudou foi apenas o resultado, com a inversão dessa proporção a favor do paulista.
(PENNA, Lincoln de Abreu. República Brasileira, p. 168).
184
BASBAUM, Leôncio. História Sincera da República: de 1889 a 1930, p. 280.
185
CARONE, Edgard. A Segunda República (1930-1937), p. 18.
92
Interesses da classe média e das oligarquias entrariam em choque em condições novas,
abertas pela conjuntura de um país em grave crise econômica.
Getúlio Vargas foi empossado como chefe do governo provisório,
permanecendo na presidência, sem eleições diretas, até 1945. Ele representava uma nova
geração de políticos, de origem oligárquica, mas com propostas inovadoras.
O Decreto nº 19.398
186
de 11 de novembro de 1930 instituiu o governo
provisório. O artigo 1º asseverou que o governo provisório exerceria, em toda sua
plenitude, as funções e atribuições não só do Poder Executivo como também do Poder
Legislativo, até que a Assembléia Constituinte estabelecesse a reorganização constitucional
do país. O artigo 11 mencionou que ficaria a cargo do governo provisório nomear um
interventor federal para cada estado, salvo para aqueles já organizados, onde ficariam os
respectivos presidentes investidos dos poderes mencionados no decreto, tais como:
execução não só do poder executivo como também do poder legislativo, além da aquisição
dos proventos, vantagens e prerrogativas que a legislação anterior conferira ao seu
presidente ou governador; a nomeação de um prefeito para cada município, o qual iria
exercer as funções executivas e legislativas, podendo o interventor exonerá-lo quando
entender conveniente.
Por fim, foram os tenentes que se apossaram dos governos estaduais,
tornando-se interventores. A presença militar na política brasileira, que começara na
Proclamação da República, foi contida pelas oligarquias rurais, as quais conseguiram alijar
os militares e construir o sistema coronelista da República Velha. Em 1930, eles voltariam
com força, mas Vargas conseguiu contê-los e usá-los. A queda da velha oligarquia não foi,
dessa forma, seguida automaticamente pelo domínio da nova oligarquia, pois tiveram que
186
CAMPANHOLE, Adriano; CAMPANHOLE, HILTON Lobo. Constituições do Brasil, pp. 740-741.
93
partilhar o poder com o tenentismo. A luta tenentismo-oligarquia foi menos violenta em
Minas Gerais, pois Olegário Maciel, candidato do Partido Republicano Mineiro, apoiou a
Aliança Liberal. Enquanto existiam em todos os estados do Brasil interventores, em Minas
havia um governador. Em Pernambuco e no Rio Grande do Sul, os revolucionários locais se
tornaram chefes do executivo: Carlos de Lima Cavalcanti e Flores da Cunha,
respectivamente. No resto do Brasil, Juarez Távora e Oswaldo Aranha eram quem indicava
e substituía os contínuos interventores.
As lutas nos estados iriam intensificar-se no correr do ano de 1931. Em São
Paulo, é o Partido Democrático que rompeu com o interventor João Alberto. Em Minas, ao
contrário, são o tenentista Virgílio de Melo Franco e o oligarca Arthur Bernardes que
pretendem derrubar Olegário Maciel. No Rio Grande do Sul, são os partidos Libertador e
Republicano Rio-grandense que fazem oposição a Flores da Cunha. As oligarquias se unem
tanto nos seus estados como no plano federal. O Partido Democrático de São Paulo liga-se
aos carcomidos do Partido Republicano Paulista, em fevereiro de 1932, fazendo da pressão
pró- Constituinte a arma das oligarquias contra o governo e seus suportes.
Com a “Revolução de 1930”, não foram somente os militares que
retornaram à arena política, mas também a ação católica. Além de estarem envolvidos com
o episódio da deposição de Washington Luís, segundo Carone
187
, os católicos iriam liderar
e controlar atividades de grupos políticos, numa ostensiva atitude de pressão sobre as
formas liberais e esquerdizantes, por meio de organizações como a Liga Eleitoral Católica.
A conjuntura internacional apontava o caminho para o socialismo como uma
possibilidade mundial. Diante dessa possibilidade, o problema nacional e democrático
fundiram-se. A partir de 1937, somente a limitação das liberdades democráticas permitiria o
187
CARONE, Edgard. A Segunda República (1930-1937), p. 193.
94
avanço capitalista dependente, conciliando os interesses externos com o latifúndio
188
. O
avanço do capitalismo viria pela “via autoritária”, manifestando a presença de duas forças
que resistiam: o latifúndio, em declínio, e o imperialismo, em transformação. Isso
explicaria a permanência de Vargas tanto tempo no poder e a metamorfose da Segunda
República para o Estado Novo.
A correlação de forças do movimento vitorioso de 1930 permitiu o avanço
das relações capitalistas. Vale lembrar que na proa do movimento estiveram líderes de
setores tradicionais da sociedade. Segundo Sodré
189
, em linhas simplistas, o movimento
consistia em fazer avançar a revolução burguesa, isto é, as relações capitalistas, detendo ao
mesmo tempo as reivindicações das camadas inferiores, particularmente operárias e
camponesas, que estiveram ausentes no movimento de 1930. Contudo, as relações
capitalistas só aparecem em sua plenitude, por assim dizer, com a indústria. A primeira
grande guerra funcionou, para a economia brasileira, como barreira protecionista acidental,
impulsionando a indústria e entregando-lhe o mercado interno. As importações caíram, e o
mercado interno ampliou a demanda, que teria de ser atendida com a produção interna. A
crise de 1929, que abalou a estrutura capitalista em escala mundial, funcionou, no Brasil,
como nova causa transitória do avanço das relações capitalistas, repetindo as condições que
já haviam ocorrido na I Guerra Mundial. O momento era propício a um desenvolvimento
mais impetuoso da área industrial. Com o fim da República Velha, surgiu a possibilidade
de transferência de renda para esse setor.
A “Revolução de 1930” foi o ápice de uma série de movimentos de reação
de uma sociedade insatisfeita com os desmandos de uma oligarquia que se manteve no
188
SODRÉ, Nelson Werneck. Brasil: radiografia de um modelo, p. 68.
189
SODRÉ, Nelson Werneck. Brasil: radiografia de um modelo, p. 67.
95
governo por mais de 30 anos para tratar exclusivamente de seus interesses econômicos. A
política era, em razão disso, enviesada de subterfúgios para que os detentores da riqueza
econômica se auto-elegessem e se perpetuassem no poder. A bancarrota do setor cafeeiro,
afetado pela guerra e pelo crack de 1929, levou ao desmoronamento dos donos do poder.
Antigos políticos, que não compactuavam com a política “Café com Leite”, ou que
desejavam maior parcela na partilha do poder, em conluio com os tenentes marcaram, pelo
menos historicamente, o início de um novo período: a Segunda República. Resta saber o
que o novo período realmente significou em termos de mudança, e com o que contribuiu
para solapar o que era velho e arcaico.
2.2 Educação e Sociedade: Idas e Vindas
A Segunda República foi o desfecho da crise ligada ao setor cafeeiro, a qual
levou ao poder um grupo social dissidente da política oligárquica que valorizava o café
como produto reinante na cesta de exportação. O cenário mundial era de crise e, dentro
deste vórtice global, o declínio do ciclo cafeeiro no Brasil proporcionou uma rachadura na
estrutura da República Velha.
O solapamento da República instituída em 1889, sob o comando de uma
outra fração oligárquica, colocou na berlinda novos rearranjos políticos que propiciariam
um redimensionamento econômico para o país com, por exemplo, investimentos em
industrialização. Este item tem por intento fazer uma análise sobre as novidades trazidas
pelo novo momento da República para a sociedade e para a política educacional, em
comparação com as décadas precedentes.
96
Em termos de educação, o novo momento se iniciou com a criação de um
ministério específico para esse assunto e com uma reforma educacional de âmbito nacional,
demonstrando a centralização das medidas para a educação. Em 1926, a primeira
constituição republicana recebera algumas emendas, já retratando um reticente processo
para a instituição de um Estado interventor. De acordo com Cury
190
, a Reforma
Constitucional de 1926 significou o fim do princípio contratual de mercado, estabelecido de
modo absoluto na Carta de 1891, legitimando também a intervenção do Estado ao criar a
Comissão de Legislação Social da Câmara. De acordo com Campanhole
191
, receberam nova
redação os artigos que tratavam dos casos de intervenção do governo federal em negócios
particulares dos estados; o artigo que tratava das competências privativas do Congresso
Nacional; e o artigo que legiferou sobre as competências da Justiça Federal e sobre os
direitos dos cidadãos.
Em consonância com Cury
192
, o projeto de revisão, encaminhado em junho
de 1925, era composto de 76 emendas e foi assinado por 111 deputados situacionistas. Uma
das emendas retiradas previa a competência não-privativa do Congresso para criar
instituições de ensino, podendo este dar auxílio no desenvolvimento do ensino primário
local, mediante acordo com os estados. De 76 emendas, restaram apenas 6 do projeto
original. O plenário incluiu mais 17 emendas, entre elas a que reintroduzia o ensino
religioso nas escolas públicas. Essa emenda não passou por uma diferença de 11 votos.
190
CURY, Carlos Roberto Jamil. A Educação na Revisão Constitucional de 1926. In: FÁVERO, Osmar
(Org.). A Educação nas Constituintes Brasileiras (1823-1988), p. 99.
191
CAMPANHOLE, Adriano; CAMPANHOLE, HILTON Lobo. Constituições do Brasil, pp. 734-737.
192
CURY, Carlos Roberto Jamil. A Educação na Revisão Constitucional de 1926. In: FÁVERO, Osmar
(Org.). A Educação nas Constituintes Brasileiras (1823-1988), p. 82.
97
O autor
193
refere um dos temas que penetraram na discussão da reforma: o
papel do Estado no seu dever de oferecer instrução para todos. Afrânio Peixoto teria sido
um dos seus defensores e, de acordo com suas argüições, seria preciso criar um espírito
nacional veiculado pela educação, sendo o Estado Federal seu grande articulador. As
emendas, que versaram sobre a obrigatoriedade do ensino primário, sobre a participação da
União no auxílio ao desenvolvimento local, e mesmo sobre o aumento da competência do
Congresso Nacional quanto à legislação do ensino secundário e superior, foram vetadas. O
governo teve pressa em aprovar o que lhe era essencial, o princípio de intervenção da União
nos estados, deixando de lado o que era corolário do essencial, nesse caso, as emendas
referentes à educação. O governo provisório de 1930, ao contrário, logo tomou
providências acerca da educação, mas não alterou o quadro das competências do governo
central e a mentalidade arraigada da descentralização do ensino.
O Ministério da Educação e Saúde Pública foi criado em 1930,
transformando-se na primeira medida para a educação realizada pelo governo provisório.
De 1930 a 1953, as duas pastas, Educação e Saúde, estavam atreladas, e os assuntos
relacionados a ambas eram tratados no âmbito desse ministério. Desde a extinção do antigo
Ministério da Instrução Pública, Correios e Telégrafos, que esteve em exercício por um
breve período, os assuntos relacionados à educação estiveram até então sob a jurisdição do
Ministério da Justiça e dos Negócios Interiores.
Francisco Campos foi o primeiro ministro do novo ministério e assim que
empossado promoveu a primeira reforma educacional da Segunda República. O seu
pioneirismo, no entanto, não se resumiu somente a esse fato. A reforma do ensino
193
CURY, Carlos Roberto Jamil. A Educação na Revisão Constitucional de 1926. In: FÁVERO, Osmar
(Org.). A Educação nas Constituintes Brasileiras (1823-1988), p. 87.
98
secundário, promovida pelo decreto nº 19.890/31
194
, foi decisiva para equiparar o ensino
privado ao público, abolindo definitivamente os “exames de preparatório”, ou seja, aqueles
prestados avulsamente nos estabelecimentos oficiais, presentes desde há muito na instrução
secundária do país. Apesar da tentativa de outras reformas, com efeito, somente a reforma
promulgada por Francisco Campos conseguira abolir os exames de preparatório. Tal
medida acarretou outra mudança: a implementação do curso seriado. A seriação e a
abolição dos exames parcelados de preparatório eram o “pomo da discórdia” nesse nível de
ensino. Somente uma medida centralizadora seria capaz de efetivar tais medidas.
A prática oficial existente até então quanto ao ensino secundário estava
restrita à manutenção de ginásios-modelo, ao regime dos preparatórios parcelados (regime
que não exigia nem seriação, nem freqüência), e à gratuidade fundada em princípios de
beneficência social. De 1890 a 1925, as reformas que se sucederam tinham
majoritariamente o intento de estabelecer a implantação do curso ginasial seriado e a
extirpação de seu âmago do sistema de exames parcelados de preparatórios. Estes seriam
prorrogados de 1896 a 1904 e, posteriormente, a 1908, sobrevivendo, dessa forma, durante
toda a Primeira República.
Neste período, medidas que permitiam ampla autonomia de ensino e
equiparação generalizada dos estabelecimentos de instrução secundária caracterizaram um
movimento que chegou até mesmo à desoficialização do ensino, provocando, segundo
Nagle
195
, uma grande balbúrdia na vida escolar. No geral, o ensino secundário permaneceu
com um sistema de equiparação restrito aos estabelecimentos estaduais, tendo o Colégio
Pedro II como estabelecimento-modelo e mantendo os exames preparatórios. Apesar de a
194
BRASIL. Coleção das leis de 1931. Volume I. Atos do governo provisório, 1942.
195
NAGLE, Jorge. Educação e Sociedade na Primeira República, p. 145.
99
reforma de 1925 tentar sepultar tudo isso, decretando o ensino seriado com freqüência
obrigatória e o alargamento das funções normativas e fiscalizadoras da União, ela não
obteve sucesso. Muitas de suas medidas foram alteradas ainda nos anos 20.
Segundo Rocha
196
, a equiparação do ensino privado ao público, estabelecida
pela Reforma Francisco Campos, exigiu a uniformização pedagógica do ensino secundário
e a adoção do regime seriado, permitindo também a oficialização do ensino privado. Em
outros termos, liberou o ensino secundário para o setor privado, sobretudo confessional, o
que simultaneamente possibilitou seu crescimento.
De acordo com o autor supracitado
197
, a partir dessa reforma, dá-se assim
um novo compromisso da União com a educação secundária, estabelecendo: a
implementação definitiva do sistema seriado; a abdicação pela União do monopólio do 3º
grau, estendendo a política de equiparação das escolas; a criação de um sistema federal de
regulamentação, fiscalização e orientação pedagógica das escolas equiparadas. Exigir-se-ia,
a partir de então, que o acesso ao superior somente se fizesse pelo cumprimento, por
completo, do sistema seriado. A preparação às faculdades não era, entretanto, a sua única
finalidade, pois o que se queria é que a seriação formasse a personalidade do aluno, além de
sua habilitação geral para a escolha profissional. Contudo, a Reforma Campos não foi tão
inovadora, apenas expandiu um critério que fora apanágio de todo o período republicano: a
política de equiparação de escolas públicas e particulares.
A abolição da relação do ensino secundário com o acesso ao 3º grau
produziu efeitos na política de equiparação, não mais a restringindo à oficialização dos
196
ROCHA, Marlos Mendes da. Educação Conformada. A política pública de educação no Brasil (1930-
1945), p. 18.
197
ROCHA, Marlos Mendes da. Educação Conformada. A política pública de educação no Brasil (1930-
1945), pp. 34-35.
100
exames, que foram extintos. A equiparação das escolas privadas não ficou mais sujeita à
existência ou não de escolas públicas oficiais na localidade, onde se faziam tais exames. A
partir da reforma, todas as escolas particulares poderiam solicitar a sua oficialização,
contanto que preenchessem os requisitos necessários.
Um outro aspecto relevante que inevitavelmente emergiu com a reforma foi
a formação de professores do ensino secundário. Campos propôs a criação da Faculdade de
Educação, Ciências e Letras no decreto nº 19.851/31
198
, que trata do Estatuto das
Universidades Brasileiras, destinada a formar os professores da instrução secundária.
Porém, a nova faculdade não chegou a ser instalada. O projeto seria levado adiante
posteriormente por Gustavo Capanema, quando reorganizou a Universidade do Brasil. A
Faculdade Nacional de Filosofia ficaria estruturada em quatro seções: Filosofia, Ciências,
Letras e Pedagogia, às quais se acrescentou, ainda, uma seção especial denominada
Didática
199
.
A reforma definiu um ensino secundário de curso seriado, sem exames
parcelados de preparatórios, com finalidade própria e dentro de uma política abrangente de
equiparação das escolas, com a quebra do monopólio da União quanto o acesso ao ensino
superior. Ela foi um marco normativo para o ensino secundário, contudo, segundo
Moraes
200
, houve uma certa conciliação com o atraso. O currículo enciclopédico do ensino
secundário era mais humanista do que de caráter científico. Nessa conciliação, a reforma
não cuidou da efetiva implantação do ensino técnico e científico.
198
BRASIL. Coleção das leis de 1931. Volume I. Atos do governo provisório, 1942.
199
SAVIANI, Dermeval (org.). O Legado Educacional do século XX no Brasil, p. 36.
200
MORAES, Maria Célia Marcondes de. Reformas de ensino, modernização administrada. A experiência
de Francisco Campos: anos vinte de trinta, p. 231.
101
Houve um descaso com a organização dos cursos profissionalizantes,
sobretudo o industrial. O único tratado pela reforma foi o ensino comercial. Na Primeira
República, algumas reformas com relação ao ensino profissional foram promovidas pelo
Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio. Se bem que, segundo Nagle
201
, o ensino
profissional figurasse menos como programa educacional e mais como um plano
assistencial, pois era destinado aos meninos desvalidos, aos órfãos abandonados, aos
desfavorecidos de fortuna, enfim, aos “necessitados de misericórdia pública”.
A União seguiu um paradigma tradicional de política educacional, na qual o
ensino secundário era de sua exclusiva competência, mas inovou com a abrangência de suas
medidas. A reforma foi ampla, pois estava destinada a todo a território nacional, entretanto
não deixou nem na pena algumas aspirações há muito presentes, ao menos nas iniciativas
estaduais e nas conferências nacionais dirigidas pela ABE, como a expansão da instrução
primária.
De acordo com Rocha
202
, o impulso constituidor do campo educacional
como área política setorial do Estado Nacional deu-se precisamente com as iniciativas
governamentais surgidas a partir da Revolução de 1930. Contudo, não significou novos
padrões de investimento público na área educacional, pelo menos vista como um todo, sem
segmentá-la por setor.
Por muito tempo, ainda, a educação elementar não seria objeto de política
pública da União. Nesse sentido, prevaleceu também uma tradição republicana de não
interferência da União, relegando a instrução primária aos estados e municípios. Essa
omissão significou um refluxo de idéias e ações para esse nível de ensino. A década de
201
NAGLE, Jorge. Educação e Sociedade na Primeira República, p. 164.
202
ROCHA, Marlos Mendes da. Educação Conformada. A política pública de educação no Brasil (1930-
1945), p. 19.
102
1920 foi sacudida por um amplo movimento de reformas estaduais e de debates nacionais
relacionados à instrução primária, no sentido de sua disseminação e sua remodelação, bem
como da reversão do quadro de analfabetismo. Os movimentos reformistas dos anos 1920
estavam atrelados aos ideais escolanovistas. O período republicano, especialmente os anos
vinte, foi o momento de consagração do método intuitivo, posto também na primeira
reforma republicana, abordada no capítulo I. Todavia, segundo Schelbauer
203
, as mudanças
destacadas como novidades pelo “escolanovismo” estiveram desde o final do século XIX
no imaginário da escola.
Se as idéias do escolanovismo não eram novidade, o que distinguiu a última
década da Primeira República das que a antecederam foi, segundo Nagle
204
, a preocupação
bastante vigorosa em pensar e modificar os padrões de ensino e cultura das instituições
escolares. Isso dentro de um contexto em que o analfabetismo era caracterizado como a
grande vergonha do século. Pareceu até que velhos sonhos voltavam a perturbar a mente
dos republicanos quase desiludidos como, por exemplo, o sonho da República
disseminando as luzes da instrução para todo o povo brasileiro, democratizando a
sociedade.
Francisco Campos esteve engajado no movimento da década de 1920 e
promoveu no estado de Minas Gerais uma reforma no ensino primário e normal, dentro dos
moldes escolanovistas. O sonho de repensar a educação primária em moldes mais
democráticos foi excluído das primeiras medidas para a educação do novo governo, que
contraditoriamente, constituiria o sepultamento de antigas mazelas nacionais.
203
SCHELBAUER, Analete Regina. O Método intuitivo e lições de coisas no Brasil do século XIX. In:
STEPHANOU, M. e BASTOS, M.H.C (Orgs.) Histórias e Memórias da educação no Brasil, p. 145.
204
NAGLE, Jorge. Educação e Sociedade na Primeira República, p. 100.
103
A “Revolução de Outubro de 1930” teria também uma inflexão na questão
da laicidade. Desde o fim do Império, o ensino havia sido expurgado de qualquer caráter
religioso. Em 1931, porém, a Igreja pressionou o governo provisório e o ministro do
MESP, obtendo a inclusão do ensino religioso nas escolas primárias, secundárias e normais
do país, ainda que em caráter facultativo. Campos defendeu o ensino religioso, que instituiu
pelo decreto nº 19.914/31
205
, afirmando que a educação era um processo destinado a criar,
conservar e recuperar valores. Os pensadores do século XIX haviam excluído o sentimento
religioso, de acordo com ele
206
, reservando às escolas apenas as “philosofias e ás
concepções de mundo sedizentes scientificas, cujo destino era, porém, de illudir com a sua
palha secca a fome do eterno, para a qual não há outras formas de satisfação que não sejam
as verdadeiramente religiosas”.
A aliança estabelecida com a Igreja é uma amostra de como o governo
provisório visava a sua sustentação política buscando novas alianças na sua empreitada
contra o liberalismo e o comunismo. Assim, o ano de 1931 assistiu à inauguração do Cristo
Redentor, no Rio de Janeiro, e à festa religiosa em Aparecida do Norte, no estado de São
Paulo. Foi também o ano da IV Conferência da ABE, onde o governo provisório pretendia
que se traçasse, naquele momento, o “sentido pedagógico da revolução”. Frustraram-se, no
entanto, as intenções governamentais de ali forjar um grande consenso entre os educadores
nacionais. A conferência nasceu tragada pelas acentuadas disputas estabelecidas entre os
católicos os renovadores.
207
205
BRASIL. Coleção das leis de 1931. Volume II. Atos do governo provisório, 1942.
206
CAMPOS, Francisco. Educação e Cultura, p. 152.
207
MORAES, Maria Célia Marcondes de. Reformas de ensino, modernização administrada. A experiência
de Francisco Campos: anos vinte de trinta, p. 39.
104
Nos primeiros anos da década de 1930, o grande espaço de discussão sobre a
ação educativa no país estava nas mãos do grupo católico e do grupo renovador. O último
foi taxado pelo primeiro de comunista, sendo que o que o grupo renovador almejava era
reformar a educação a partir de um projeto de reconstrução nacional dentro do próprio
sistema capitalista. Os renovadores tiveram alguns dos seus fundamentos aprovados na
Constituição de 1934, os quais acabaram tendo uma influência restrita ao ensino básico. De
acordo com Rocha
208
, embora com alguns dos preceitos renovadores regulamentados pela
nova Constituição, eles foram postos de forma ambígua e o direito à educação saiu
suficientemente mutilado para que nada obrigasse o Estado a um investimento maciço em
educação pública.
Francisco Campos deixou o ministério em setembro de 1932, sendo
sucedido por Washington Pires. Conquanto o conjunto de seus decretos fosse a primeira
sinalização substantiva no sentido da criação de um sistema nacional, deixou muito a
desejar. Segundo Teixeira
209
, nos fins da década 1920 e começo dos anos 30, parecia que
estávamos preparados para a reconstrução de nossas escolas. A consciência dos erros se
fazia palpitante e o ambiente de preparação revolucionária era propício à reorganização.
Contudo, um estado de espírito defensivo se apoderou da sociedade e interrompeu aquele
ímpeto renovador.
Na conturbada década de 1920, o fator emblemático no cenário mundial foi
a quebra de Wall Street, que estremeceu a economia do mundo capitalista. A chamada
Grande Depressão destruiu o liberalismo econômico, que fez sua retirada em toda a Era da
208
ROCHA, Marlos Mendes da. Educação Conformada. A política pública de educação no Brasil (1930-
1945), p. 47.
209
TEIXEIRA, Anísio. Educação no Brasil, p. 5.
105
Catástrofe (1914-1945). Segundo Hobsbaum
210
, o trauma da Grande Depressão foi realçado
pelo fato de um país dissidente do capitalismo parecer imune a ela: a União Soviética, que
de 1929 a 1940 teve sua produção industrial triplicada. A partir do exemplo bem-sucedido
soviético, as palavras “plano” e “planejamento” tornaram-se moda na política global.
O cataclismo, todavia, reduziu o movimento comunista fora da União
Soviética, desencadeando o fortalecimento da direita radical na Europa e no Japão. De
acordo com o historiador supracitado
211
, embora na América Latina os governos ou
partidos governantes caíssem como paus de boliche à medida que o colapso nos preços
mundiais de seus produtos básicos de exportação quebrava suas finanças, não caíram todos
na mesma direção.
O ano de 1929 foi palco de catástrofe que destruiu toda a esperança de
restaurar a economia e a sociedade do longo século XIX. O velho liberalismo estava morto
e condenado. Em meados de 1930, havia poucos Estados cuja política não houvesse
mudado substancialmente em relação ao que era antes do crash. Quando o liberalismo caiu,
a Igreja se rejubilou com sua queda com raras exceções, isso não foi diferente no Brasil.
A ascensão da direita radical após a Primeira Guerra Mundial foi sem dúvida
uma resposta ao perigo da revolução social e do poder operário em geral, e à Revolução de
Outubro ou ao leninismo em particular. Embora o próprio Hobsbaum
212
tenha colocado
algumas restrições à tese de que Lênin engendrou Mussolini e Hitler. O temor da revolução
era tal que na maior parte do Leste e Sudeste da Europa, assim como em parte do
Mediterrâneo, os partidos comunistas mal conseguiram emergir da ilegalidade. Com efeito,
o Partido Comunista do Brasil, fundado em 1922, teve raros momentos de legalidade.
210
HOBSBAUM, Eric J. Era dos Extremos. O breve século XX (1914 – 1991), p. 100.
211
HOBSBAUM, Eric J. Era dos Extremos. O breve século XX (1914 – 1991), p. 109.
212
HOBSBAUM, Eric J. Era dos Extremos. O breve século XX (1914 – 1991), p. 127.
106
A “Revolução de Outubro” no Brasil foi divergente em relação ao seu
homônimo soviético. Acompanhando o movimento capitalista mundial, ela foi de cunho
antiliberal, nacionalista e de reação ao comunismo. Entretanto, o que os líderes latino-
americanos tomaram do fascismo europeu foi sua deificação de líderes populistas com fama
de agir. Os regimes fascistas europeus, segundo Hobbsbaum
213
, destruíram os movimentos
trabalhistas, ao passo que, na América Latina, líderes políticos inspirados pelos regimes
fascistas europeus foram criadores de movimentos trabalhistas.
Enfim, o século XX multiplicou as ocasiões em que se tornava essencial aos
governos governar
214
. E este foi, portanto, o cenário que engendrou a “Revolução de 1930”
no Brasil. A avalanche da crise mundial afetou a economia cafeeira e expôs as mazelas da
República Velha, indicando novos rumos para a política e para a economia. Com a
inviabilidade do liberalismo econômico, havia a necessidade da centralização de poderes
para proclamar medidas enérgicas contra a crise.
No Brasil, o líder político que colocou fim à República Oligárquica (1889-
1930) era membro de outra oligarquia não ligada ao café. Segundo Basbaum
215
,
A máquina política apenas foi abalada pela ‘Revolução de 1930’, mas não
destruída. Alguns grupos foram derrubados por outros e tudo permaneceu
mais ou menos no mesmo estado. Mudaram-se alguns parafusos, mas o
sistema de funcionamento e de engrenagem não se alterou.
213
HOBSBAUM, Eric J. Era dos Extremos. O breve século XX (1914 – 1991), p. 138.
214
HOBSBAUM, Eric J. Era dos Extremos. O breve século XX (1914 – 1991), p. 142.
215
BASBAUM, Leôncio. História Sincera da República: de 1889 a 1930, p. 190.
107
O carcomido setor cafeeiro, que há tempos exigia política de defesa
permanente ao produto agrícola, já afugentava capitais para outros setores e assistia a um
iminente desenvolvimento industrial e do mercado interno.
A Segunda República foi responsável por incrementar a industrialização,
definir a estrutura sindical e fortalecer do Estado Nacional. Nesse sentido, de acordo com
Penna
216
, promoveu uma modernização nas relações entre Estado e sociedade, sem
entretanto alterar substancialmente a natureza sócio-econômica dos grupos sociais que
detinham o poder. Apesar de seu sentido burguês, o movimento de 1930 não excluiu os
grupos oligárquicos, ao contrário, deles se serviu e com eles contraiu um acordo que deu
lugar ao Estado Cartorial. O novo governo era fruto de uma aliança tácita entre grupos de
classe média, sem horizontes políticos próprios, e alguns setores oligárquicos, que
ocupavam no antigo regime uma posição secundária. Nos países semicoloniais, a burguesia
esteve a reboque dos proprietários rurais.
As mudanças ocorreram dentro de um sistema inalterado do ponto de vista
das classes sociais, embora desta vez a mobilização tenha envolvido muitos civis nos
estados rebelados. Em consonância com Carvalho
217
, o povo não esteve ausente como em
1889, não assistiu “bestializado” ao desenrolar dos acontecimentos, foi ator no drama,
posto que coadjuvante. No entanto, nem ator coadjuvante foi o movimento operário, que já
se fazia expressivo desde as grandes greves da década de 1910.
O levante de 3 de Outubro marcou o fim do republicanismo iluminista,
embora há que se considerar que a experiência brasileira tenha sido diversa do gérmen
francês e jamais tenha gerado uma revolução do tipo jacobino. Uma análise da história do
216
PENNA, Lincoln de Abreu. República Brasileira, p. 168.
217
CARVALHO, JOSÉ Murilo de. Cidadania no Brasil: O longo caminho, p. 96.
108
Brasil traz um fator recorrente: o país, no acompanhamento do desenvolvimento capitalista
mundial, optou pelas chamadas vias não clássicas. Assunto que será abordado novamente
no próximo capítulo.
Paradoxalmente, a Constituição promulgada em 1934 foi de inspiração
liberal no momento em que o liberalismo estava em vias de desaparecer. Segundo
Carvalho
218
, os novos tempos pediam governos fortes, como os da Itália, da Alemanha, da
União Soviética ou mesmo do New Deal norte-americano. Mas os reformistas viam no
liberalismo uma simples estratégia para evitar mudanças e preservar o domínio oligárquico.
A constituição do Estado Novo mostrou o refluxo de tais medidas. A nova constituição era
de cunho fascista e o seu formulador, Francisco Campos, dizia que a “Revolução de 1930”
só se completaria, portanto, em 1937.
A luta emblemática dos movimentos gestados na década de 1920, os quais
desencadearam a Revolução de 1930, foi pelo voto secreto e pela moralização das eleições.
Contudo, Getúlio Vargas, chefe do governo provisório, permaneceu no poder por 15 anos
sem que houvesse eleições diretas para presidente. Vale ressaltar, ainda, que de 1937 a
1945 ele se prolongou no poder decretando um Estado Ditatorial, sob o eufemismo de
Estado Novo. O motivo anunciado para tais atos arbitrários era o perigo comunista – o
fantasma que rondava a Europa.
Houve em 1930 uma renovação da cúpula dirigente, com elementos menos
vinculados aos setores de exportação e aos interesses exclusivistas do café. Ao final da
Primeira República, a política de fomento da renda implícita na defesa dos interesses
cafeeiros era responsável por um desequilíbrio externo que tendia a aprofundar-se. A
correção desse desequilíbrio se fazia, evidentemente, à custa de forte baixa no poder
218
CARVALHO, JOSÉ Murilo de. Cidadania no Brasil: O longo caminho, p. 102.
109
aquisitivo da moeda. Essa baixa se traduzia numa elevação dos preços dos artigos
importados, o que, automaticamente, comprimia o coeficiente de importações
219
. O
encarecimento brusco das importações, associado à capacidade ociosa em algumas
indústrias e ao fato de que já existia no país um pequeno núcleo de indústrias de bens de
capital, explica a rápida ascensão da produção industrial. O processo de substituição de
importações e o alargamento da demanda interna exigiriam, extraordinariamente, a
interferência do Estado no processo, e ela se ampliou até a adoção de uma política cambial
e de crédito, que correspondeu a um verdadeiro subsídio à indústria.
De acordo com Weffort
220
, depois de 1930 estabelece-se uma solução de
compromisso de novo tipo, em que nenhum dos grupos participantes do poder (direta ou
indiretamente) pode oferecer as bases de legitimidade do Estado: as classes médias porque
não possuem autonomia política frentes aos interesses tradicionais em geral; os setores
cafeeiros porque foram deslocados do poder político sob o peso da crise econômica; os
setores menos vinculados à exportação porque não se encontram vinculados aos centros
básicos da economia. Em nenhum destes casos, os interesses sociais e econômicos
particulares podem servir de base para a expressão política dos interesses gerais. Nessas
condições, aparecem as massas populares urbanas - a única fonte de legitimidade possível
ao novo Estado brasileiro.
Em suma, assistiu-se a uma renovação da cúpula dirigente com mudanças na
política, convergindo para a centralização do poder na busca da construção do Estado
Nacional; na economia, houve o redimensionamento de medidas econômicas para novos
setores, impulsionando o desenvolvimento capitalista brasileiro em nova fase do
219
FURTADO, Celso. Formação econômica do Brasil, p. 196.
220
WEFFORT, Francisco Correia. O populismo na política brasileira, p. 50.
110
capitalismo mundial. Por fim, a educação, na esfera federal, continuou a ser pensada pelo
prisma da descentralização administrativa, na qual a grande omissão é a instrução primária
e o maior ausente do processo educativo é o povo. Por outro lado, os níveis de ensino que
sempre foram da competência exclusiva do Estado receberam novos regulamentos, que se
consolidaram. Como no caso do ensino secundário, com a equiparação do ensino privado
ao público, a abolição dos exames de preparatório e, conseqüentemente, o regime seriado.
As elites brasileiras estavam diante da necessidade de modernizarem seus projetos
educacionais, contudo, isso não incluía a educação elementar. A legislação educacional
recebeu novos contornos com a questão da laicidade: a instrução religiosa esteve atrelada
ao retorno da ação católica na cena política.
111
CAPÍTULO III
EDUCAÇÃO E REVOLUÇÃO BURGUESA: OS CAMINHOS BRASILEIROS
No Ocidente europeu, no século XVI, o feudalismo já declinava com a
revolução comercial, com as grandes navegações e a definição do mercado mundial. A
Europa despertava para o Renascimento e as “terras brasílicas”, fruto da expansão
marítima, amanheciam para o mesmo século como colônia portuguesa e adotariam, por um
longo tempo, o sistema escravista de produção. De acordo com Sodré
221
, o escravismo
colonial surgiu como conseqüência de um processo histórico europeu, como produto
colateral da formação do capitalismo. O Brasil permaneceu escravista até os fins do século
XIX, quando o capitalismo, em escala mundial, atingia a sua última etapa com o
imperialismo.
A intenção deste capítulo não é a de realizar um retrospecto de mais de 500
anos de história, ainda que numa visão panorâmica, mas atentar para o fato de que a
trajetória brasileira para a construção de um Estado nacional, republicano e capitalista não
seguiu os modelos clássicos de revolução.
Nos modelos clássicos, a construção de um Estado Nacional foi simultânea à
ruína da nobreza feudal, colocando na cena histórica um novo agente transformador – a
burguesia. A nova classe social esteve no limiar da sociedade moderna. Sobre os escombros
da sociedade feudal nasceu a burguesia, e com ela o capitalismo. Por isso, quando se fala
em revolução burguesa está, também, se falando em surgimento das relações capitalistas. A
revolução burguesa sanciona, normalmente, o primado político da burguesia e, portanto, da
221
SODRÉ, Nelson Werneck. Capitalismo e Revolução Burguesa no Brasil, p. 62.
112
classe que define a existência do capitalismo. O capitalismo, segundo Sodré
222
, pressupõe
acumulação de riqueza e acumulação de força de trabalho, estando esta última separada dos
meios de produção. A primeira condição gera o capital, a segunda condição gera o trabalho
assalariado. Os exemplos clássicos de revolução burguesa são o inglês e o francês.
Em fins do século XIX e meados do século XX, a economia capitalista
tornou-se global. No Brasil, esse período coincide com a Proclamação da República e com
a instituição de um tipo de República: a oligárquica. O advento do tempo republicano visou
a acertar os ponteiros com o relógio global, visivelmente, em descompasso.
O Brasil seria o último país a assinar a lei de abolição dos escravos e o
último trono a desmoronar na América. A história nacional está repleta de acontecimentos
que encontraram alternativas incomuns: quem proclamou a emancipação política foi um
príncipe português; quem realizou a transição para a República foram homens do exército
monarquista e quem capitalizou os resultados foi a velha oligarquia agrária; quem findou a
República oligárquica foi um movimento resultado de uma aliança política com velhos
políticos emanados do regime derrubado e de mesma origem oligárquica. A revolução
burguesa no Brasil percorreu vias não clássicas. Contudo, ainda que os acontecimentos
sejam peculiares ao caso brasileiro, é possível traçar paralelos na singularidade.
Assim como não tivemos um feudalismo, também não tivemos o “burgo”
característico do mundo medieval. Da mesma forma, o que se chamou de burguesia não
teve réplica no Brasil, ao menos na mesma acepção da palavra. O que aqui se chamou
revolução burguesa foi um processo longo, sem um marco inicial preciso que,
consensualmente, indicamos em momento posterior à emancipação política, e que se
desenrolou até o golpe militar de 1964. Pode ter alguns elementos comparados ao que
222
SODRÉ, Nelson Werneck. Capitalismo e Revolução Burguesa no Brasil, p. 69.
113
Lênin, pautado na explicação de Marx sobre a revolução de 1848, chamou de via prussiana
e ao que Gramsci, baseado no processo de Unificação da Itália, denominou de revolução
passiva.
Sobre a revolução prussiana de março de 1848, Marx
223
asseverou que não se deve
confundi-la nem com a revolução inglesa de 1648, nem com a revolução francesa de 1789.
E sentencia:
[As revoluções de 1648 e 1789] não foram o triunfo de uma determinada
classe da sociedade sobre a velha ordem política; foram a proclamação da
ordem política para a nova sociedade européia. Nelas, triunfou a
burguesia; mas o triunfo da burguesia foi então o triunfo de uma nova
ordem social, o triunfo da propriedade burguesa sobre a propriedade
feudal, da nacionalidade sobre o provincialismo, da concorrência sobre o
corporativismo, da partilha sobre o morgado, do domínio do proprietário
de terra sobre a dominação do proprietário através da terra, do
esclarecimento sobre a superstição, da família sobre o nome de família, da
indústria sobre a preguiça heróica, do direito burguês sobre os privilégios
medievais. A revolução de 1648 foi triunfo do século XVII sobre o século
XVI, a revolução de 1789, o triunfo do século XVIII sobre o século
XVII.
224
Na revolução de 1848, de acordo com Marx
225
, a burguesia prussiana não
era como a burguesia francesa de 1789, classe que frente aos representantes da antiga
sociedade, da monarquia e da nobreza, encarnava toda a sociedade moderna. Aquela
mesma já pertencia à velha sociedade, representando não os interesses de uma sociedade
nova contra uma sociedade velha, mas interesses renovados no interior de uma sociedade
envelhecida. A burguesia prussiana não havia derrubado trono nenhum, não havia
223
MARX, Karl. A burguesia e a contra-revolução, p. 42.
224
MARX, Karl. A burguesia e a contra-revolução, p. 43.
225
MARX, Karl. A burguesia e a contra-revolução, pp. 44-45.
114
eliminado a sociedade feudal, muito menos seus últimos vestígios, e não tinha que manter
nenhuma sociedade criada por ela própria.
Lênin, baseado na análise de Marx sobre a revolução de 1848, cunhou o
termo “via prussiana”, descrevendo algo parecido que ocorrera na Rússia - um país que do
ponto de vista capitalista fazia lembrar a situação prussiana da década de 1840. Segundo
ele
226
, num país camponês como a Rússia, o desenvolvimento burguês que o libertaria da
servidão seria necessário à destruição dos latifúndios feudais. A ordem burguesa apresenta
grande significação histórica na luta contra o feudalismo. O desenvolvimento da economia
mercantil e do capitalismo, portanto, colocaria fim aos latifúndios feudais que eram a
encarnação mais fiel e o mais sólido apoio aos restos do feudalismo na Rússia.
De acordo com Lênin
227
, as formas para o desenvolvimento burguês
encontram duas vias para a sua concretização: os restos do feudalismo podem desaparecer,
quer mediante a transformação dos domínios dos latifundiários, quer mediante a destruição
dos latifúndios, isto é, por meio da reforma ou por meio da revolução. A estes dois
caminhos do desenvolvimento burguês objetivamente possíveis, respectivamente, Lênin
228
chamou de caminho do tipo prussiano e caminho do tipo norte-americano. Ele explicita:
No primeiro caso, a exploração feudal do latifundiário transforma-se
lentamente numa exploração burguesa - júnker
229
, condenando os
camponeses a decênios inteiros da mais dolorosa expropriação e do mais
doloroso jugo, ao mesmo tempo em que distingue uma pequena minoria
226
LENIN, V. I. O Programa Agrário da Social-Democracia na Primeira Revolução Russa de 1905-
1907, p. 28.
227
LENIN, V. I. O Programa Agrário da Social-Democracia na Primeira Revolução Russa de 1905-
1907, p 29.
228
LENIN, V. I. O Programa Agrário da Social-Democracia na Primeira Revolução Russa de 1905-
1907, p. 30.
229
Júnker (alemão): latifundiários nobres prussianos.
115
Grossbauers (lavradores abastados). No segundo caso, ou não existem
domínios latifundiários ou são liquidados pela revolução, que confisca e
fragmenta as propriedades feudais.
De acordo com Lênin
230
, na história econômica da Rússia aparecem com
toda a clareza esses dois tipos de evolução. Ele advogou, ainda, que se deveria apoiar não a
evolução burguesa do tipo latifundiário, e sim a evolução burguesa de tipo camponês. A
primeira implica na manutenção, ao extremo, da sujeição e da servidão (adaptada ao modo
burguês), no desenvolvimento menos rápido das forças produtivas e num desenvolvimento
retardado do capitalismo (o que aconteceu na Prússia); implica calamidades e sofrimentos,
exploração e opressão, incomparavelmente maiores para as grandes massas camponesas e,
por conseguinte, para o proletariado. A segunda acarreta um rápido desenvolvimento das
forças produtivas e melhores condições de existência para a massa camponesa (melhores,
dentro do possível, sob a produção mercantil). O programa agrário da social-democracia
para a revolução burguesa russa em curso, ao escolher a segunda via, não é determinado
pelo apoio à burguesia liberal, mas revela a tática de apoiar os camponeses em luta. Trata-
se de criar um campesinato realmente livre e emancipado de maneira plena do jugo das
relações feudais.
Na Prússia, a burguesia mancomunada com os representantes do antigo
regime não representou a aurora de uma nova sociedade, tal como ocorreu na França com
os jacobinos. De acordo com Hobsbawm
231
, a Revolução Francesa foi uma revolução social
de massa mais radical do que qualquer outro levante comparável. Se a economia do mundo
do século XIX foi constituída, principalmente, sob a influência da revolução Industrial
230
LENIN, V. I. O Programa Agrário da Social-Democracia na Primeira Revolução Russa de 1905-
1907, p. 30.
231
HOBSBAUM, Eric J. A Revolução Francesa, pp. 9-19.
116
britânica, sua política e ideologia foram constituídas, fundamentalmente, pela Revolução
Francesa. Um surpreendente consenso de idéias gerais em um grupo social bastante
coerente deu ao movimento revolucionário uma unidade efetiva. O grupo era a burguesia,
suas idéias eram as do liberalismo clássico. Entretanto, Hobsbawm
232
afirmou que no
século XIX vemos de modo crescente, mais notadamente na Alemanha, os liberais
moderados tornando-se relutantes em começar uma revolução por medo de suas
conseqüências, preferindo um compromisso com o rei e com a aristocracia. E esse seria o
caráter das revoluções burguesas subseqüentes a 1789.
Em consonância com Lima
233
, e retomando o caso da revolução burguesa
alemã, pode-se afirmar que ela avançou sem romper em profundidade com o modo de
produção feudal. Também, de acordo com a análise de Lênin, na Rússia, a evolução
burguesa mesclou elementos do tipo prussiano: não eliminou todos os vestígios feudais,
manteve a propriedade latifundiária, subjugando os camponeses e, com isso, retardando o
desenvolvimento das relações capitalistas. Portanto, pode-se dizer que o conceito de via
prussiana engendra o significado de desenvolvimento lento do capitalismo e das forças
produtivas da agricultura. Em perspectiva mais ampla, pode ser entendido pelo aspecto do
atraso em relação à modernidade capitalista.
Na Itália, de acordo com Lima
234
, a transição ao domínio burguês se fez por
meio de uma conciliação entre as classes industriais, localizadas no norte do país, e as
classes agrárias, força dominante no sul; o que implicava na não ruptura com a antiga
ordem. A condição do atraso italiano, porém, longe de consistir numa vantagem, irá
232
HOBBSBAUM, Eric J. A Revolução Francesa, p. 27.
233
LIMA, Ricardo Rodrigues Alves. Via prussiana e revolução pelo alto: Estudo de uma hipótese marxista
sobre a particularidade do caminho brasileiro ao Capitalismo, p. 54.
234
LIMA, Ricardo Rodrigues Alves. Via prussiana e revolução pelo alto: Estudo de uma hipótese marxista
sobre a particularidade do caminho brasileiro ao Capitalismo, p. 54.
117
favorecer a coalizão conservadora que levará a cabo a unificação do Estado italiano por
meio de um processo lento, semelhante àquele observado por Lênin na via prussiana, e de
restauração progressiva das elites ligadas ao mundo agrário. Assim como o Estado
Prussiano desempenhou papel decisivo na unificação alemã, na Itália este papel seria
reservado ao Estado do Piemonte.
Segundo Gramsci
235
, a função do Piemonte no Risorgimento italiano foi de
“classe dirigente”
236
. Este fato é de máxima importância para o conceito de revolução
passiva, na qual um grupo social não é o dirigente de outros grupos, mas é o Estado que
substitui esses grupos sociais locais e dirige uma luta de renovação. O Estado assume a
luta pela renovação e estabelece uma “ditadura sem hegemonia”. Na Itália, a situação de
crise de hegemonia provocada pelas contradições entre novas e arcaicas relações
econômico-sociais, a necessidade de mudanças e a própria debilidade da burguesia italiana
para realizá-las por completo, fizeram com que as medidas fossem tomadas pelo Estado por
meio de reformas graduais e da tutela das classes subalternas. Dessa maneira, não foi
possível fortalecer o movimento com a participação de outras forças sociais e radicalizá-lo.
Na análise do caso italiano, Gramsci desenvolveu e universalizou o conceito
de revolução passiva, visto que não se tratava de um fenômeno restrito à experiência
italiana. O conceito de revolução passiva, de acordo com ele
237
, era aplicável também a
235
GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere. O Risorgimento. Notas sobre a história da Itália, p. 328.
236
Gramsci distingue duas esferas no interior da superestrutura: a sociedade política e a sociedade civil. Essa
última esfera seria o elemento novo introduzido por Gramsci em uma “Teoria ampliada do Estado”,
significando uma superação dialética das teorias formuladas pelos “clássicos” do marxismo. A sociedade
política tem funções de ditadura, coerção e dominação, sendo composta por aparelhos coercitivos do Estado.
A sociedade civil apresenta funções de hegemonia, consenso e direção, sendo composta por aparelhos
privados de hegemonia – instituições responsáveis pela elaboração e/ou difusão dos valores simbólicos. A
supremacia de um grupo social se manifesta de duas maneiras: como domínio e/ou como direção
(COUTINHO, Carlos Nelson. A dualidade de poderes. Introdução à teoria marxista de Estado e Revolução,
pp. 61-65).
237
GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere. O Risorgimento. Notas sobre a história da Itália, pp. 209-
210.
118
outros países que modernizaram o Estado através de uma série de reformas ou de guerras
nacionais, sem passar pela revolução política do tipo radical-jacobino. Gramsci
238
também
atribuiu à revolução passiva o nome de revolução-restauração. Trata-se, portanto, de um
processo pautado em elementos renovadores e restauradores, encontrando, dessa forma,
equivalência com a idéia de modernização conservadora, ou seja, aquela que não agrega
grandes rupturas revolucionárias. A restauração indica uma reação à possibilidade de
transformação efetiva e a renovação, por sua vez, implica em assimilação de parte das
demandas populares.
De acordo com Lima
239
, a partir de 1815 - ano do Congresso de Viena e da
formação da Santa Aliança (Rússia, Prússia, Áustria, depois França e Espanha, além do
apoio formal da Inglaterra), que tinha por objetivo a estabilidade internacional -, a
constituição de Estados-Nação seria divergente com relação ao Estado francês instituído
após a revolução jacobina. A ruptura com a velha ordem e com a nobreza, como ocorrera
na França, passaria a ser perigosa para as emergentes burguesias nacionais dos demais
países europeus, principalmente a partir do momento em que o proletariado começava
formular um projeto próprio de transformação social, como se delineara na Europa na
“Primavera dos Povos”, em 1848, e no Manifesto do Partido Comunista, escrito por Marx e
Engels no mesmo ano. As classes burguesas optam pela difusão das relações do capital por
meio da restauração do poder por antigas classes dirigentes, e de absorção gradual dos
elementos ativos surgidos nas classes subalternas.
Este esboço foi introdutório para uma análise da particularidade brasileira: a
contra-revolução prolongada, dentro do período histórico de que trata este trabalho (1889-
238
GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere. O Risorgimento. Notas sobre a história da Itália, p. 318.
239
LIMA, Ricardo Rodrigues Alves. Via prussiana e revolução pelo alto: Estudo de uma hipótese marxista
sobre a particularidade do caminho brasileiro ao Capitalismo, p. 70.
119
1930). Ele se fez necessário para explicitar as categorias, via prussiana e revolução
passiva, e para, a partir disso, poder avaliar como elas ajudam a esclarecer como se deu no
Brasil o pacto com o passado, fazendo avançar aqui as relações capitalistas. E dentro desse
contexto, como parte do objeto de estudo estão as reformas educacionais, que vieram no
bojo de dois movimentos – a Proclamação da República e a Revolução de 1930 - que
alavancaram o processo de revolução burguesa no Brasil.
A educação seria um dos pressupostos básicos da sociedade moderna,
inaugurada com a “República Jacobina”. E diante de tal prerrogativa, a educação estaria
intrinsecamente ligada aos conceitos de república e democracia. De acordo com
Luzuriaga
240
, ainda que a educação pública nacional comece na França com a revolução de
1789, sua efetivação ficou reservada para o século XIX. E argumenta que:
Dêsse século procedem os grandes sistemas nacionais de educação e as
grandes leis de instrução pública, de todos os países europeus e
americanos. Todos êles levam, então, a escola primária aos últimos
confins do território, tornando-a universal, gratuita e obrigatória e, na
maior parte, leiga. E pode-se dizer que a educação pública, no grau
elementar, ficou firmemente estabelecida e desenvolvida nesse século.
Quanto à secundária, fica fundada em suas linhas gerais, mas sem
alcançar o desenvolvimento da primária, por estar limitada a uma única
classe social, a burguesia, e ser considerada apenas como preparação para
a Universidade. E quanto a esta, adquire seu novo caráter de centro de alta
cultura e investigação científica, contra o caráter puramente profissional e
didático das épocas anteriores.
Anísio Teixeira
241
, ao dissertar sobre a origem da instrução popular,
asseverou que a idéia de “escola comum ou pública” nascida com a revolução francesa, a
240
LUZURIAGA, Lorenzo. História da educação pública, p. 57.
241
TEIXEIRA, Anísio. Educação não é privilégio, pp. 27-28.
120
maior invenção de todos os tempos no dizer de Horace Mann
242
, importava em prover uma
educação independentemente de classe social. Contudo, na própria França, segundo ele
243
,
criou-se um sistema popular de educação, mas conservou-se, ao seu lado, o sistema de
educação de classe. A escola primária, a escola primária superior, as escolas normais e as
profissionais constituíam o sistema popular. As classes préparatoires, o liceu, as “grandes
escolas” e a universidade formavam o sistema de educação de classe ou para a elite. O
dualismo era perfeito. O espírito “primário” dominava o sistema popular, o espírito
“secundário” dominava o segundo. Nesse sentido, Anísio está em consonância com a
assertiva de Luzuriaga. No entanto, de acordo com Anísio
244
, na organização escolar
brasileira, que buscou inspiração na França, a escola comum não chegou a se caracterizar
ou a ser de fato para todos.
A escola pública foi impulsionada por uma determinada classe social, a
burguesia, destinada a ser obrigatória, gratuita e, conseqüentemente, ministrada pelo
Estado. Segundo Anísio Teixeira
245
, a escola pública universal e gratuita não é, portanto,
especificamente socialista, como não é socialista a doutrina dos sindicatos e do direito de
organização dos trabalhadores. Antes de tudo, são esses os pontos fundamentais pelos quais
se firmou a viabilidade do capitalismo, os quais se trataram do remédio e do freio para os
desvios que o tornariam intolerável.
De acordo com Machado
246
, com a conquista do sufrágio universal, caberia
ao Estado ofertar uma educação homogênea para difundir questões de seu interesse e
242
Grande batalhador da educação pública e universal nos Estados Unidos (TEIXEIRA, Anísio. Educação
não é privilégio, p. 28).
243
TEIXEIRA, Anísio. Educação não é privilégio, p. 28.
244
TEIXEIRA, Anísio. Educação não é privilégio, p. 29.
245
TEIXEIRA, Anísio. Educação não é privilégio, p. 55.
246
MACHADO, Maria Cristina Gomes. O projeto de Rui Barbosa: o papel da educação na modernização da
sociedade, p. 102.
121
direcionar a periclitante classe social. O Estado chamado para se encarregar da instrução de
todas as classes da população, independentemente da sua condição social, criava os
Sistemas Nacionais de Educação. No Brasil, Rui Barbosa, consciencioso do que acontecia
na Europa e nos Estados Unidos, alimentou as discussões da época e propôs em seu
parecer-projeto (1881-83) a revisão dos métodos de ensino e a ação efetiva e indispensável
do Estado quanto à responsabilidade da educação, opondo-se criticamente à liberdade
ilimitada do ensino. Ele defendeu a Reforma Eleitoral de 1881, considerando a exigência
do saber ler e escrever para o exercício da cidadania política uma medida civilizadora e
liberal. Para Rui Barbosa, os analfabetos deveriam ser educados para usufruírem seus
direitos, e assim não estarem excluídos. O ensino universal, no seu entendimento, seria a
conseqüência direta do sufrágio universal.
A escola, vista como capaz de formar o cidadão eleitor, não era questão
prioritária no Brasil no final do século XIX, e pode-se dizer que também não o foi nas
décadas subseqüentes, como veremos. O próprio Rui Barbosa, segundo Machado
247
,
embora não tenha explicitado, tinha clareza quanto a essa questão, por isso investiu no
encaminhamento de mudanças político-econômicas de viabilidade imediata e que, de
maneira indireta, iam ao encontro do projeto de modernização nacional pretendido, que
incluíam transformações nas relações de trabalho, modernização da sociedade civil e da
produção agrícola e políticas de fomento à indústria.
O advento da República, no Brasil, inaugurou um movimento de educação
popular. Todavia, com o sistema descentralizado quanto às competências, cabiam aos
estados prover os níveis de ensino integrantes do “sistema popular”. Já na última década do
247
MACHADO, Maria Cristina Gomes. O projeto de Rui Barbosa: o papel da educação na modernização da
sociedade, p. 156.
122
século XIX, estavam em funcionamento as primeiras construções públicas próprias para a
realização da instrução primária – os grupos escolares. Eles se estabeleceram primeiro em
São Paulo e, depois, em outros estados. A Escola Normal também foi motivo de reformas e
investimentos.
No período de 1890 a 1896, o estado de São Paulo buscou atender às
aspirações do regime republicano, concentrando esforços para criar uma estrutura de ensino
público. Primeiro com Caetano de Campos, diretor da Escola Normal de São Paulo.
Posteriormente, com Gabriel Prestes, representante do magistério paulista e continuador
dos esforços de Caetano de Campos quanto à educação popular. Depois, com Cesário
Motta Júnior, secretário do Interior e o responsável pela execução da Reforma Geral da
Instrução Pública
248
. A reforma educacional paulista, colocada em marcha, tornou-se muito
mais um princípio ou orientação do que uma norma impositiva. Nos primórdios
republicanos, mesmo a educação popular era para uma parcela residual, diferentemente do
quadro esboçado por Luzuriaga do que ocorrera na Europa, ainda no século XIX.
De acordo com Anísio Teixeira
249
, a escola primária e a escola normal que
então se implantavam (o principal exemplo é a reforma paulista), tinham todas as
características das escolas da época, sendo, nas condições brasileiras, escolas boas e
eficientes. Entretanto, segundo ele, “não bastava, porém, que não fôssem más era
necessário que fôssem bastantes”. Um persistente sentimento de sociedade dual impedia
que se percebesse a urgência de expandir a educação do povo, parecendo sempre que
bastaria a educação das elites. A escolarização elementar ampliada, que se convencionou
248
REIS FILHO, Casemiro dos. A educação e a ilusão liberal: Origens do ensino público paulista.
249
TEIXEIRA, Anísio. Educação não é privilégio, p. 60.
123
chamar de educação popular, estava no discurso dos intelectuais do século XIX, mas
reduziu-se muito mais a uma proclamação ideológica.
Quando, na década de 1920 e 1930, começou a amadurecer mais a
consciência política da nação e se iniciou a batalha pelo voto secreto e livre, essa batalha
deveria ser acompanhada de sua óbvia contrapartida – a educação popular. A Revolução de
1930, nascida das inquietações políticas e democráticas dos anos de 1920, inaugurou o
início de uma ação mais objetiva do Estado e de políticas educacionais tratadas em âmbito
nacional. Se considerarmos, contudo, aquele modelo francês, pode-se afirmar que a
Segunda República começou tratando, essencialmente, do sistema de educação das elites.
Com efeito, observa-se no Brasil um descaso histórico com a educação elementar.
Em consonância com Anísio Teixeira
250
, dormitamos em todo o período
monárquico sem nenhuma consciência de que chegaria o dia em que o povo de tudo havia
de participar, sem que para tal o tivéssemos preparado. Segundo ele, “a república veio
acordar-nos da letargia”
251
. A reforma paulista, do início da República, colocou na berlinda
a tentativa de conciliação do tripé do projeto liberal: democracia, educação e progresso. No
entanto, tal projeto não chegava sequer a convencer a elite, supostamente lúcida. Ela
continuava a acreditar que o dualismo na estrutura social havia de subsistir e de permitir a
“ordem e o progresso”, mediante a educação apenas de uma minoria esclarecida. A
república deveria ser democratizada em 1930, mas também faltou aos próceres do
movimento a consciência de que isso não seria possível sem escolas adequadas para a
educação do povo.
250
TEIXEIRA, Anísio. Educação não é privilégio.
251
TEIXEIRA, Anísio. Educação não é privilégio.
124
3.1 A Proclamação da República e a Revolução de 1930: dois momentos de um mesmo
processo
A Proclamação da República e a Revolução de 1930 são dois episódios de
um mesmo processo, a revolução burguesa, que, vale ressaltar, no Brasil não trilhou as
“vias clássicas”. São partes do processo que Ianni
252
denominou de contra-revolução
permanente e Fernandes
253
de contra-revolução prolongada. Foi um processo que abarcou
um amplo período histórico, tendo início após a emancipação política e culminando com o
golpe militar de 1964, e que adquiriu um delineamento autoritário e antidemocrático, ou
seja, mesmo as conquistas democráticas básicas foram desprezadas. Diferentemente do
Ocidente europeu, não houve aliança com o povo, tal aliança era temida. Segundo
Nogueira
254
, tratou-se de uma revolução burguesa sem burguesia, ou pelo menos se iniciou
sem a sua participação direta. Aqui a dominação burguesa embrionária surgiu submetida à
classe senhorial de que se originara em grande parte – a burguesia nasceu,
majoritariamente, caudatária dos proprietários rurais, e o espírito burguês é de origem
oligárquica. Aos poucos, os grandes proprietários iriam se aburguesar. No caso brasileiro, a
dita revolução burguesa esteve calcada no binômio restauração-renovação: ao passo que fez
avançar as relações capitalistas, conservou os elementos do Brasil arcaico – e nesse sentido
encontra experiências correlatas em países europeus.
252
IANNI, Octavio. O Ciclo da Revolução Burguesa.
253
FERNANDES, Florestan. A Revolução burguesa no Brasil: Ensaio de interpretação sociológica.
254
NOGUEIRA, Marco Aurélio. As Desventuras do Liberalismo: Joaquim Nabuco, a monarquia e a
república, p. 16.
125
A emancipação política, segundo Fernandes
255
, constituiu a primeira grande
revolução social que se operou no Brasil, embora tenha se caracterizado como uma
“revolução dentro da ordem”. Condenou-se o estatuto colonial, enquanto estado jurídico-
político, mas conservou-se o substrato material, social e moral do antigo regime. O sentido
de “revolução dentro da ordem” expressa a idéia de um avanço histórico velado pelo
passado, e encontra também uma convergência com a chamada modernização
conservadora. No caso da Independência, o sistema político se alterou sob as antigas bases
da sociedade senhorial e escravista. Posteriormente, o que se verificou, com a Proclamação
da República e com a Revolução de 1930, foi o processo modernizador sendo conduzido,
essencialmente, no âmbito do setor econômico às custas de uma reorganização de cúpula, a
partir dos mesmos grupos sociais.
Com efeito, o Brasil se integrava ao sistema mercantil engendrado na
expansão do capitalismo comercial e impunha-se, portanto, uma evolução paralela interna
que implantasse no país concepções econômicas, técnicas sociais e instituições políticas
essenciais para o intercâmbio e a associação com as nações hegemônicas do sistema. Nesse
sentido, a autonomização política conduziu a transformações econômicas que refletiram na
confluência para o padrão de civilização vigente nas nações centrais. Fernandes
256
sentencia
que, pela primeira vez, emergia na cena histórica o verdadeiro palco do burguês: uma
situação de mercado que exigia econômica, social e politicamente o “espírito burguês” e a
concepção burguesa de mundo.
255
FERNANDES, Florestan. A Revolução burguesa no Brasil: Ensaio de interpretação sociológica, p. 33.
256
FERNANDES, Florestan. A Revolução burguesa no Brasil: Ensaio de interpretação sociológica, p. 97.
126
O café iria proporcionar um expressivo desenvolvimento comercial,
impulsionando a economia exportadora capitalista. Segundo Fernandes
257
, do surto
econômico provocado pelo café e pela imigração saem os representantes mais
característicos e modernos do “espírito burguês”. Parafraseando o autor, podemos afirmar
que o fazendeiro de café e o imigrante aparecem como os construtores pioneiros do Brasil
moderno.
O fazendeiro do café, de início, quase não se afastou do protótipo do senhor
rural, para o qual ele tendia como participante da aristocracia agrária. Posteriormente, ele se
viu compelido a repudiar o status senhorial, para salvar-se através do “elemento burguês”
de sua condição. A mentalidade capitalista se impunha e crescia, internamente, através de
atividade econômicas sucessivas desempenhadas pelo imigrante.
A ordem social escravocrata e senhorial se revelava, paulatinamente, incapaz
de absorver e de regular os processos econômicos que desencadeava. Em 1850, a lei de
terras introduz a terra no mercado e, com a medida, ela só poderia ser adquirida pela
compra. Nessa mesma década, as relações capitalistas brasileiras começam a crescer com a
construção ferroviária e naval, com o crescimento do transporte urbano, com o
desenvolvimento dos serviços públicos e do telégrafo, enfim, com empreendimentos que
deram destaque ao nome de Mauá, que, segundo Sodré
258
, constituiu-se no primeiro grande
capitalista nacional. Em 1879, a lei de alocação de serviços regulou o trabalho livre e os
contratos, estimulando a imigração. Em 1888, a Lei Áurea aboliu o trabalho escravo. Na
terceira década do século XIX, a lavoura cafeeira começara a se expandir e a sua ascensão
exportadora marcou o avanço da acumulação interna de capitais. O café tornou-se fonte
257
FERNANDES, Florestan. A Revolução burguesa no Brasil: Ensaio de interpretação sociológica, p. 134.
258
SODRÉ, Nelson Werneck. Capitalismo e Revolução Burguesa no Brasil, p. 134.
127
originária da acumulação que iria gerar o capitalismo. Organizava-se no Brasil uma
economia exportadora capitalista.
Aos poucos, o café deslocou o centro dinâmico da economia para o planalto
paulista e criou uma nova aristocracia rural, que passou a disputar o poder com as demais
frações da classe dominante e a imprimir a marca de seus interesses, idéias e costumes no
conjunto da sociedade. Em consonância com Nogueira
259
, nada mais ocorreria, a partir de
então, sem a participação direta ou indireta dos membros da lavoura cafeeira. Ao lado de
uma burguesia cafeeira inovadora e adepta de métodos empresariais, surgem nas cidades
um incipiente setor industrial e camadas médias com crescente vitalidade: pequenos
comerciantes, artesãos, profissionais liberais, intelectuais e funcionários de um aparelho
estatal que se tornava complexo. Embora conservadora, a modernização acabaria por
transbordar os limites do sistema monárquico, arrastando-o consigo.
No período monárquico, as novas frações agrárias – ligadas ao café e já de
caráter burguês -, as camadas médias urbanas e uma incipiente burguesia industrial
ascendem e passam a lutar por uma maior participação no poder. Combatem o processo
eleitoral, o centralismo; aderem à idéia republicana, ao federalismo e, mais lentamente, ao
abolicionismo. Enquanto pôde, a coroa administrou e manteve sob controle essa nova
dinâmica. Aos poucos, porém, a máquina estatal foi-se revelando pesada e lenta demais
para acompanhar as mudanças em curso. Em consonância com Nogueira
260
, a República foi
o caminho através do qual o Estado realizou a sua auto-reforma.
259
NOGUEIRA, Marco Aurélio. As Desventuras do Liberalismo: Joaquim Nabuco, a monarquia e a
república, p. 72.
260
NOGUEIRA, Marco Aurélio. As Desventuras do Liberalismo: Joaquim Nabuco, a monarquia e a
república, p. 22.
128
O elemento burguês, salvaguardado pelo fazendeiro do café, condicionaria a
ruptura com a ordem senhorial e a sua plena metamorfose em cidadão da República. De
acordo com Fernandes
261
, quando o burguês emerge do senhor agrário, o fazendeiro do café
já deixara de ser “homem da lavoura” e se convertera em puro agente do capitalismo
comercial e financeiro. As adaptações tinham o intento de manter, sob condições
inevitáveis de desagregação final da ordem escravocrata e senhorial, o monopólio do poder
e a liderança econômica nas mãos dos grandes proprietários. A partir disso, as velhas
estruturas se viram restauradas.
O fazendeiro acabou compartilhando com o destino burguês, que acalentava
os sonhos do imigrante, a derrocada da dinastia reinante. Ele teve de optar entre o presente
e o passado, opondo-se a um regime social que, se fosse mantido depois de extinta a
escravidão, colocaria em risco a própria viabilidade da grande lavoura.
O conceito de revolução burguesa denota um conjunto de transformações
econômicas, políticas e sociais que só se realizam por completo quando o desenvolvimento
capitalista atinge o grau máximo de sua evolução industrial. Porém, torna-se difícil
localizar o momento em se consolida o poder burguês e a dominação burguesa. No caso
brasileiro, o fim do Império e o começo da República contêm somente o embrião desse
poder e dessa dominação. De 1875 a 1930, os interesses da revolução burguesa ficaram sob
o mais completo controle social dos setores rurais e da dominação tradicionalista.
Em 1930, o setor da oligarquia agrária mais ligado à produção do mercado
interno se coloca à frente da chamada “Revolução de 1930”. As oligarquias não
exportadoras, em conluio com outros setores da sociedade, formaram a Aliança Liberal sob
261
FERNANDES, Florestan. A Revolução burguesa no Brasil: Ensaio de interpretação sociológica, p. 112.
129
a liderança de Getúlio Vargas. Outra cena da história se repete: é o historicamente velho
que irá dirigir o historicamente novo.
O que se chamou de crise poder oligárquico, na realidade, foi o início de
uma transição que inaugurava, ainda sob a hegemonia oligárquica, uma recomposição das
estruturas do poder, pela qual se configurariam o poder burguês e a dominação burguesa.
Segundo Fernandes
262
, essa recomposição marca o início da modernidade no Brasil e
separa a “era senhorial” da “era burguesa”.
Várias burguesias foram se formando em torno da plantação e das cidades,
tendo o comércio como ponto de encontro. A oligarquia encontrou condições ideais para
enfrentar a transição, modernizando-se. A modernização das zonas em expansão econômica
e das cidades mais importantes também caminhava rapidamente, e os anseios políticos da
burguesia iam mais na direção de amortecer a mudança social espontânea do que
aprofundá-la e estendê-la às regiões mais retrógradas.
A modernização estava circunscrita no âmbito do desenvolvimento
econômico, valendo-se de um pensamento burguês conservador que não desvanecia o
mandonismo oligárquico. Fernandes
263
advoga que “a burguesia não assume o papel de
paladina da civilização ou de instrumento da modernidade, ela se compromete, por igual,
com tudo que lhe fosse vantajoso”.
Os movimentos que desencadearam o “outubro de 1930” permitiram que os
interesses oligárquicos se tornassem menos visíveis e mais flexíveis, favorecendo um
deslocamento do poder da oligárquica tradicional para a moderna. Foi a oligarquia (antiga
ou moderna), e não as classes médias ou industriais, que decidiu o que deveria ser
262
FERNANDES, Florestan. A Revolução burguesa no Brasil: Ensaio de interpretação sociológica, p. 204.
263
FERNANDES, Florestan. A Revolução burguesa no Brasil: Ensaio de interpretação sociológica, p. 204.
130
dominação burguesa, senão idealmente, pelo menos na prática. Ela comandou as mudanças
a partir do Estado e em prejuízo da democracia. Não houve, como se observa, a destituição
das bases materiais do poder das oligarquias no decisivo momento da passagem ao domínio
burguês no Brasil.
De acordo com Lima
264
, a burguesia industrial, mesmo tendo se colocado
contra o Estado no início do governo Vargas em 30, não necessitou de fato lutar contra a
ordem oligárquica, antes ou depois de 30, para afirmar uma ordem burguesa, pois foi
beneficiada no processo de acumulação de capital. O Estado, embora não estando sob o seu
domínio direto, foi-lhe funcional ao garantir o controle da classe operária. A partir do
movimento de 1930, a revolução burguesa estaria definida e continuaria avançando. O
problema essencial seria a coexistência com o latifúndio. Segundo Sodré
265
, na maioria
esmagadora dos casos dos países latino-americanos, no campo está a inércia histórica e a
presença do passado, configuradas com destaque no monopólio da terra.
Sodré
266
asseverou, ainda, que Vargas e o movimento de 1930 conjugaram-
se perfeitamente, uma vez que o movimento foi etapa importante da ascensão burguesa no
Brasil, revelando aqui o desenvolvimento das relações capitalistas, e Vargas se afirmaria
como o maior dirigente que a burguesia brasileira conheceu, um intérprete sagaz de suas
necessidades e de seus anseios.
Na Segunda República, inaugurada em 1930, verifica-se, pouco a pouco, a
formação de um bloco industrial-agrário compondo interesses da cafeicultura, indústria,
comércio e imperialismo. O fomento à indústria não era questão prioritária na plataforma
264
LIMA, Ricardo Rodrigues Alves. Via prussiana e revolução pelo alto: Estudo de uma hipótese marxista
sobre a particularidade do caminho brasileiro ao Capitalismo, p. 132.
265
SODRÉ, Nelson Werneck. Capitalismo e Revolução Burguesa no Brasil, p. 119.
266
SODRÉ, Nelson Werneck. Capitalismo e Revolução Burguesa no Brasil, p. 116.
131
do novo governo, mas ele não permaneceu indiferente ao assunto. Ianni
267
refere que as
medidas anticíclicas, adotadas para proteger a cafeicultura e outras políticas
governamentais, favoreceram tanto as fábricas e oficinas existentes como a criação de
novas. Segundo o autor, a revolução de 1930 apeou do poder o setor agrário que, com sua
política econômica e estilo de governar, constituíra-se em um estorvo ao desenvolvimento
do país. No seu lugar, ascendeu um setor que tinha uma ligação maior com o mercado
interno e que, por isso, pôde se mostrar mais sensível a um projeto de industrialização no
país. De acordo com Sodré
268
, se o movimento de 1930 não resultou, com a hegemonia
burguesa no Estado e no comando das ações políticas, no cumprimento das tarefas próprias
da revolução social, ele pelo menos efetivou reformas que importavam significativo
avanço.
Contudo, vale salientar que a revolução de 1930 teve um cunho contra-
revolucionário, tendo em vista fazer face à ascensão política de forças populares. Diante de
movimentos de pressão popular, na cidade ou no campo, as classes dominantes
responderam com violência. A Revolução Constitucionalista de 1932 e o levante comunista
de 1935 são exemplos ilustrativos. Também não faltaram episódios semelhantes
procedentes da República Velha, exemplos correlatos como a Revolta de Canudos e a
Revolta da Vacina.
A sociedade brasileira tem como base de sua história, como se pôde
observar, uma modernização conservadora que consiste numa forma de induzir a
modernização econômica, mediante uma intervenção política que, ao mesmo tempo,
significa uma conservação do sistema político ou um rearranjo da cúpula dirigente. No caso
267
IANNI, Octavio. O Ciclo da Revolução Burguesa, p. 18.
268
SODRÉ, Nelson Werneck. Capitalismo e Revolução Burguesa no Brasil, p. 134.
132
da República, o bloco de que assumiu a proa do Estado era tão oligárquico quanto o da
época imperial. A nova facção da aristocracia rural paulatinamente foi se aburguesando e,
gradualmente, foi transformando a grande propriedade em empresa capitalista agrícola,
coordenando, dessa forma, o desenvolvimento capitalista. Nesse sentido, verificamos
elementos de uma revolução passiva no Brasil, atrelados ao movimento republicano. Este
modelo de revolução, ou restauração, também ficou caracterizado pelo alijamento das
massas populares do processo de formação das grandes decisões políticas, uma vez que a
República foi instituída “quase de surpresa” e durante todo o período oligárquico manteve
uma máquina eleitoral eficiente que, além de manter a exclusão dos analfabetos, produzia
os resultados políticos desejados pelo acordo da política do “Café com Leite”.
As transformações políticas e a modernização econômico-social efetuadas
no limiar republicano estiveram também no quadro da via prussiana, uma vez que a
conciliação entre as frações das classes dominantes implicou na conservação de traços
essenciais das relações atrasadas, como a manutenção do latifúndio. De acordo com
Basbaum
269
, em 1920, num país essencialmente agrícola, cerca de 29 milhões de brasileiros
(aproximadamente 90% da população) não tinham terra alguma.
A República não representou uma alteração de fundo na face do Brasil. Ela
representou, antes de tudo, uma atualização da superestrutura jurídico-política (esclerosada
pelo imobilismo do longo Segundo Reinado) e sua adequação à nova realidade econômica e
social do país. O Estado no seu todo se modernizava, mas continuávamos, contudo, sem
democracia real e com muitos dos vícios políticos. De acordo com Nogueira
270
, tínhamos
uma república federativa e democrático-representativa, mas os partidos eram incapazes de
269
BASBAUM, Leôncio. História Sincera da República: de 1889 a 1930, p. 59.
270
NOGUEIRA, Marco Aurélio. As Desventuras do Liberalismo: Joaquim Nabuco, a monarquia e a
república, p. 144.
133
funcionar como verdadeiros agentes de representação e o povo continuava ausente da cena
política e das grandes decisões nacionais. Tinha-se erigido, com a República, um Estado
nominalmente democrático, fundado num localismo mandonista e em práticas
clientelísticas que mal disfarçavam seu caráter autoritário e antipopular. No terreno
político-ideológico, não seria grande a ruptura com a monarquia – ao poder pessoal
substituiu-se o poder local, e quase tudo ficou como dantes
271
.
Dessa maneira, não faltaram à inaugural Segunda República similitudes com
o processo de revolução passiva e de via prussiana. Nota-se o fortalecimento do Estado em
detrimento da sociedade civil. A não-participação popular no próprio movimento, e,
posteriormente, a exclusão popular das grandes decisões políticas revelam a modalidade
antijacobina desta fase de transição do capitalismo. De acordo com Coutinho
272
, o Estado
Brasileiro teve o mesmo papel que historicamente Gramsci atribuiu ao Estado do Piemonte,
ou seja, o de substituir as classes sociais em sua função de protagonista dos processos de
transformação. Esta etapa da (contra) revolução burguesa brasileira também tem feição
prussiana, pois não resultou em alterações na estrutura agrária. O capitalismo avançava
devagar, com o Brasil arcaico cercando o desenvolvimento por todos os lados.
A burguesia aqui se moldou sob o capitalismo competitivo, nascido da
confluência da economia de exportação com a expansão do mercado interno. No entanto, só
atinge a maturidade e, ao mesmo tempo, sua plenitude no poder sob a irrupção do
capitalismo monopolista – momento em que a sociedade torna-se explosiva com o
recrudescimento da dominação externa, com a desigualdade social e com o
271
NOGUEIRA, Marco Aurélio. As Desventuras do Liberalismo: Joaquim Nabuco, a monarquia e a
república, p. 222.
272
COUTINHO, Carlos Nelson. Gramsci: Um estudo sobre seu pensamento político, p. 204.
134
subdesenvolvimento
273
. As classes sociais burguesas se unificam a partir de sua situação
material, de seus interesses, de seu estilo de vida e de sua concepção de mundo. Muitos
fatores levaram ao prolongamento do estado de quase-classe e semiclasse dos estratos
burgueses.
A tarefa da burguesia nos países periféricos da economia global era tornar a
transformação capitalista possível e durável, diante de condições adversas. A redução do
campo de atuação histórica da burguesia exprimia uma realidade específica, a partir da qual
a dominação burguesa aparece como conexão histórica não da “revolução nacional e
democrática”, mas do capitalismo dependente. A burguesia escolheu o único caminho que
lhe permitiria conciliar a sua existência com a continuidade do capitalismo dependente. Há
burguesias e burguesia, sentencia Fernandes
274
. Certas burguesias, de acordo com ele, não
podem ser instrumentais, ao mesmo tempo, para a transformação capitalista e para a
revolução nacional e democrática. A revolução burguesa transcende seu modelo histórico
não porque este esteja superado, mas porque os países capitalistas retardatários possuem
certas peculiaridades e se defrontam com um novo tipo de capitalismo no plano mundial.
Portanto, segundo Fernandes
275
, a escolha do caminho não foi por estreiteza de visão
econômica e política.
273
Etapas do desenvolvimento capitalista: 1) Fase da eclosão de um mercado capitalista especificamente
moderno (Sua delimitação pode ir da abertura dos portos até meados ou a sexta década do século XIX); 2)
Fase de formação e expansão do capitalismo competitivo, que compreende tanto o período de consolidação da
economia urbano-comercial quanto a primeira transição industrial verdadeiramente importante (Trata-se do
período que vai da sexta década ou do último quartel do século XIX até a década de 50 do século XX); 3)
Fase da irrupção do capitalismo monopolista, que se caracteriza pela reorganização do mercado e do sistema
de produção, através das operações comerciais, financeiras e industriais da “grande corporação”,
predominantemente estrangeira. Esta última se acentua no fim da década de 50 e só adquire caráter estrutural
posteriormente à Revolução de 1964 (FERNANDES, Florestan. A Revolução burguesa no Brasil: Ensaio de
interpretação sociológica).
274
FERNANDES, Florestan. A Revolução burguesa no Brasil: Ensaio de interpretação sociológica, p. 214.
275
FERNANDES, Florestan. A Revolução burguesa no Brasil: Ensaio de interpretação sociológica, p. 213.
135
As nações capitalistas centrais e hegemônicas necessitavam de parceiros
sólidos na periferia, principalmente depois da Segunda Grande Guerra, quando entraram
numa era de luta pela sobrevivência e contra os regimes socialistas. Essas transformações
esvaziaram, historicamente, os papéis econômicos, sociais e políticos das burguesias
periféricas. Por isso, as revoluções burguesas, na periferia do sistema capitalista
globalizado, viram-se patrocinando uma transformação de ordem que perdera seu
significado revolucionário. A burguesia luta, simultaneamente, por sua sobrevivência e pela
sobrevivência do capitalismo. No caso da periferia do sistema, o capitalismo selvagem
surge como único capitalismo possível, desencadeando um desenvolvimento desigual
interno, submetido à dominação imperialista externa. Dessa forma, recorre a quaisquer
meios para prevalecer, convertendo o Estado Nacional e democrático em instrumento de
uma ditadura de classes preventiva
276
ou num Estado autocrático-burguês. De classes
condutoras da revolução democrático-burguesa nacional, elas passam a se conceberem
como pilares de sustentação da ordem mundial do capitalismo.
Após a década de 1930, a burguesia viu-se sob pressão. Esta vinha tanto de
fora como de dentro do país e tendia a eclipsar a dominação burguesa. Diante disso, os
setores dominantes das classes alta e média se aglutinaram em torno da contra-revolução
autodefensiva. Em nome do desenvolvimento econômico acelerado, aprofundou-se a
incorporação da economia nacional à economia capitalista mundial. O passado se repete
com o privilégio do setor econômico, e novamente realiza-se uma reforma “de cima para
baixo”. A dominação burguesa de natureza autocrática, pela primeira vez, transparece.
O Brasil experimentou, portanto, um processo de modernização capitalista
sem por isso ser obrigado a realizar uma “revolução democrático-burguesa” ou de
276
FERNANDES, Florestan. A Revolução burguesa no Brasil: Ensaio de interpretação sociológica, p. 297.
136
“libertação nacional”, segundo o modelo jacobino. O processo foi impulsionado pela ação
do Estado, sendo resultado de uma clássica antecipação das elites contra a ascensão
popular, desencadeando posteriormente a sua exclusão da participação política.
Por conseguinte, de acordo com Coutinho
277
, “todas as opções concretas
enfrentadas pelo Brasil, direta ou indiretamente ligadas à transição para o capitalismo
(desde a Independência política ao golpe de 1964, passando pela Proclamação da República
e pela Revolução de 1930), encontraram uma solução elitista e antipopular”. De acordo
ainda com o autor
278
, embora a noção leniniana de via prussiana fosse capaz de constituir
uma chave interpretativa para esse processo de transformação ‘pelo alto’, na medida em
que concentra prioritariamente nos aspectos infra-estruturais do processo, quase sempre no
Brasil, a interpretação para a ‘via brasileira para o capitalismo’ é complementada com o
conceito de revolução passiva de Gramsci. Segundo o autor, o conceito gramsciano
sublinha o momento superestrutural, em particular o momento político, revelando-se de
suma importância para a análise do processo brasileiro, no qual o Estado desempenhou
freqüentemente o papel protagonista, criando-se e se recriando sempre predominante e
impositivo.
A revolução burguesa brasileira, ou contra-revolução prolongada, ou, ainda,
revolução autocrática-burguesa, delimita um período histórico longo, sem marcos
cronológicos muito bem definidos. Mas traz algumas características essenciais: a
modernização econômica que fez avançar aos poucos o sistema capitalista brasileiro, em
uma relação de dependência com as nações capitalistas hegemônicas; e a conservação e/ou
restauração política que imprimiu, à passagem de uma etapa do desenvolvimento capitalista
277
COUTINHO, Carlos Nelson. Gramsci: Um estudo sobre seu pensamento político, p. 196.
278
COUTINHO, Carlos Nelson. Gramsci: Um estudo sobre seu pensamento político, p. 197.
137
a outra subseqüente, um modelo de “revolução dentro da ordem”, no qual há uma
recomposição da cúpula dirigente e é inexistente a participação popular. Acima de tudo,
essa revolução tem, na dianteira, o Estado conduzindo a luta pela renovação, conciliando a
dominação externa e o desenvolvimento do único tipo de capitalismo possível – o
capitalismo selvagem, que avança às custas de grandes desigualdades internas. E, ainda,
apresenta como pano de fundo a imobilidade e o silêncio no campo – o latifúndio
representa o pacto que se fez com passado, mantendo sempre presente, anacronicamente,
elementos do Brasil arcaico e de relações atrasadas.
3.2 A Reforma Benjamim Constant e a Reforma Francisco Campos:
“Escola para o povo” – um sonho distante
Em termos de educação, a nossa proto-história foi a história de uma ordem
religiosa, a dos jesuítas, até Pombal. Por mais de 200 anos, os jesuítas detiveram o
monopólio da educação, direcionada a formar clérigos e quadros da elite. A educação que
ofertavam era de caráter público, já que era subvencionada pela Coroa portuguesa, mas de
domínio privado, pois os aspectos materiais e pedagógicos estavam sob o controle da
ordem jesuítica. A partir de 1759, viu-se a responsabilidade quanto aos encargos da
educação convergir para o Estado. Com a expulsão dos jesuítas, ficou muito difícil
substituir tantos padres-mestres expulsos. A criação de aulas régias foi uma substituição
precária da educação ministrada nos colégios jesuíticos. As reformas pombalinas foram a
primeira iniciativa estatal. No entanto, a educação daí resultante foi edificada sob as antigas
bases da mesma pedagogia.
138
A tônica da educação do período era um ensino somente para a camada mais
abastada da sociedade, de caráter ornamental e livresco. De acordo com Teixeira
279
,
cultivava-se o homem, no melhor dos casos, para que se ilustrasse nas artes do falar e do
escrever. Não havia, todavia, nisto grande erro, pois a sociedade achava-se fracionada por
aqueles que trabalhavam e não precisavam educar-se; por aqueles que faziam trabalhar; e,
ainda, por uma parcela ínfima que, se trabalhava, era nos leves e finos trabalhos sociais e
públicos, os quais apenas requeriam aquela educação livresca. Essa educação humanista,
ornamental e livresca, destinada à ilustração de nossas elites, foi um traço marcante na
história da educação no período colonial, na monarquia – mantendo as mesmas bases
materiais e sociais do regime anterior - e adentrou, também, a República.
A instituição de um currículo mais científico (que exigia o novo momento
histórico mundial), de uma educação comum (que exigia o novo momento político) e a
expansão dessa educação (necessária para a manutenção de um regime pautado na res
publica) se mostrou ser uma tarefa difícil. Segundo Romanelli
280
, mais de três séculos de
escravidão e patriarcalismo foram responsáveis pela criação de uma demanda típica de
educação classista. Como se pode imaginar, não seria fácil suplantar toda nossa herança
colonial.
No final do século XIX, o Brasil assistiu a uma série de acontecimentos
internos que consolidavam um processo de modernização paulatina da sociedade, como a
reforma eleitoral e a constituição definitiva do trabalho livre. O coroamento de tais
mudanças foi a República.
279
TEIXEIRA, Anísio. Educação no Brasil, p. 25.
280
ROMANELLI, Otaíza de Oliveira. História da educação no Brasil, p. 28.
139
Com a exclusão jurídica do analfabeto do direito ao voto, com o estímulo à
imigração, com a inclusão dos libertos na vida social e, posteriormente, com a transição a
um sistema político de participação ampliada, o qual deveria convergir para um Estado
democrático, não faltou consciência è elite esclarecida de que era necessário expandir a
oferta de ensino.
A extensão da instrução ao cidadão da República tinha por intento muito
mais o controle social do que a disseminação das luzes do conhecimento entre o povo. Na
Europa e nos Estado Unidos, o século XIX foi o século da instrução, quando verificou-se o
crescimento social da escola com o Estado, que dela se tornou o principal organizador e
fiador. Realiza-se uma escolarização das massas, estendendo os rudimentos da instrução a
classes até então excluídas dela.
Vimos que também no século XIX, na Europa, já havia se consolidado o
poder burguês, mas, de acordo com Cambi
281
, se o século XIX aparece como o século do
“triunfo da burguesia”, também foi o do “grande medo” burguês. O temor da burguesia era
pelo espectro do socialismo-comunismo. Esse século ficou caracterizado por uma frontal
luta de classes, resultando em uma ideologização mais radical (em relação ao passado) da
pedagogia e da educação, que se firmaram como setores-chave do controle social e,
portanto, do projeto político e da própria gestão do poder. Por essa razão a educação atingiu
tal dimensão na Europa, chegando a ser estendida à classe social historicamente excluída do
âmbito escolar.
Apesar da instrução pública estar encerrada dentro da perspectiva da
dominação burguesa, não se pode retirar o mérito das conquistas. Segundo Manacorda
282
,
281
CAMBI, Franco. História da Pedagogia, p. 407.
282
MANACORDA, Mário Alighiero. História da educação. Da antiguidade aos nossos dias, p. 269.
140
se considerarmos as conquistas ideais da burguesia revolucionária (liberal-democrática)
durante o Setecentos no que diz respeito à instrução, podemos sintetizá-las em poucas
palavras: universalização, gratuidade, estatalidade, renovação cultural e primeira assunção
do problema do trabalho. Sendo que, efetivamente, a laicização e a estatização da instrução,
iniciadas no Setecentos, são continuadas com a Revolução Francesa e se completam no
Oitocentos.
Em termos de educação, o foco de análise deste trabalho é a primeira
reforma educacional da Primeira República e a primeira reforma educacional da Segunda
República. Tendo em vista que ambas as reformas vieram no bojo de dois momentos, que
significaram etapas evolutivas do peculiar processo de revolução burguesa no Brasil,
pretende-se verificar o que significaram para o alargamento das oportunidades
educacionais. Observe o quadro abaixo:
141
Quadro VII: Estrutura do Sistema de Ensino nas reformas
:
Reforma Benjamim Constant Reforma Francisco Campos
Ensino Primário
Escola de 1º grau (7 a 13 anos)
+ Escola de 2º grau (13 a 15
anos) – Capital Federal.
Não versou sobre o ensino
primário, a não ser sobre a
instrução religiosa facultativa.
Ensino Normal / Técnico-
profissional
- Escola Normal: 5 anos (curso
de ciências e letras + curso de
arte) – Capital Federal.
- Não versou sobre outra
modalidade de ensino
profissional.
- Não versou sobre o ensino
normal, a não ser sobre a
instrução religiosa facultativa.
-Ensino comercial (curso
propedêutico + curso técnico).
Ensino Secundário
7 anos integral (Ginásio
Nacional).
5 anos de curso fundamental +
2 anos de curso complementar
(adaptação didática).
Ensino Superior
Estabeleceu regulamento aos
institutos isolados (Direito,
Medicina, Escola de Minas,
Instituto de Música e de Belas
Artes).
- Sancionou o Estatuto das
Universidades Brasileiras.
- Dispôs sobre a Universidade
do Rio de Janeiro (reunindo os
institutos regulamentados na
Reforma Benjamim Constant a
uma nova faculdade criada).
Instituições criadas ou
autorizadas
- Conselho de Instrução
Superior da Capital Federal.
- Pedagogium.
- Escola de Astronomia e
Engenharia Geográfica.
- Conselho Nacional de
Educação.
- Faculdade de Educação,
Ciências e Letras.
- Universidade Técnica de São
Paulo
A Reforma Benjamim Constant deu maior organicidade às etapas do
processo educativo, articulando o ensino primário ao ensino normal e secundário, e este
último ao ensino superior, embora tenha deixado relegadas outras modalidades do ensino
profissional. De acordo com a reforma, a conclusão de escola primária de 1º grau seria
requisito para a matrícula na escola normal ou secundária, mas até a formação das
primeiras turmas seriam realizados exames de admissão. Para se ter acesso ao ensino
142
superior, seria necessário aprovação no exame de madureza, realizado ao final do ensino
secundário, posteriormente à aprovação nos exames finais e de suficiência. Tal medida
tentou estabelecer um regime seriado e extinguir os exames de preparatórios. No entanto,
até entrar vigor a nova organização com o exame de madureza, seriam realizados os
exames parcelados, o que acabou por ser protelado ano após ano, permanecendo durante
toda a República Velha. Essa estrutura, dessa forma articulada, era resultado de uma
política educacional restrita à Capital Federal, em virtude da descentralização do ensino, a
qual vinha perdurando desde o período imperial e que foi reafirmada pela Constituição.
De acordo com Cartolano
283
, se de um lado a reforma Benjamim Constant
expressava a descentralização, por outro funcionava como ponto de referência para outras
iniciativas oficiais ou particulares no campo na instrução nacional. A idéia se instituir uma
escola primária modelo, por exemplo, foi implantada pela reforma de Caetano de Campos,
em São Paulo. No caso da reforma paulista, a escola-modelo seria um apêndice da Escola
Normal. Na reforma federal, a escola-modelo estaria anexada ao Pedagogium, e junto à
Escola Normal estaria anexada uma escola de aplicação. Na escola-modelo, de acordo com
o decreto nº 980/1890
284
, seria observado o regulamento, o plano e o programa adotados
para as escolas públicas primárias, experimentando-se processos, métodos, modos e formas
de ensino. A escola de aplicação, de acordo com o decreto nº 982/1890
285
, seria um lugar de
prática para os alunos e alunas aprovados nas primeiras séries da Escola Normal. Ou seja,
uma escola de prática, outra de experimentação.
283
CARTOLANO, Maria Teresa Penteado. Benjamim Constant e a Instrução pública no início da
República, p. 125.
284
BRASIL. Decretos do governo provisório da República dos Estados Unidos do Brazil. 11º fascículo,
1891.
285
BRASIL. Decretos do governo provisório da República dos Estados Unidos do Brazil. 11º fascículo,
1891.
143
De acordo com o artigo 1º do decreto nº 982/1890
286
, a Escola Normal tinha
por tarefa regenerar, progressivamente, a escola pública de instrução primária. Embora
restrita ao município neutro, a reforma tinha uma preocupação com a educação elementar e,
antes de tudo, com o aprimoramento daqueles que queriam se dedicar ao magistério
primário. A criação do Pedagogium, como um centro de aperfeiçoamento do magistério e
impulsor das reformas de que carecia a educação nacional, foi o grande empreendimento do
reformador. Contudo, segundo Cartolano
287
, a obrigatoriedade escolar estava descartada, e
se de fato houvesse interesse do Estado pela difusão da instrução elementar, a
obrigatoriedade escolar deveria ser corolário da gratuidade. Num país como o Brasil, de
desenvolvimentos econômicos tão díspares, somente a garantia de expansão da escola
pública obrigatória viria a atender às exigências e às necessidades do novo tempo que
emergia.
Quanto ao ensino superior, a reforma tratou, essencialmente, das clássicas
Escolas Superiores de Direito, Engenharia e Medicina, além de criar uma nova escola,
também no ramo da engenharia, que não chegou a se concretizar. De acordo com Fávero
288
,
a manutenção do ensino superior como atribuição não privativa do poder central favoreceu,
nessa época, o surgimento de várias escolas superiores de iniciativa particular, como: as
Faculdades de Direito da Bahia, do Rio e de Minas Gerais; as Escolas de Engenharia do
Recife e do Mackenzie (São Paulo); as Politécnicas de São Paulo e da Bahia; e a Faculdade
de Medicina de Porto Alegre.
286
BRASIL. Decretos do governo provisório da República dos Estados Unidos do Brazil. 11º fascículo,
1891.
287
CARTOLANO, Maria Teresa Penteado. Benjamim Constant e a Instrução pública no início da
República, p. 127.
288
FÁVERO, M.L. Universidade & Poder. Análise crítica / fundamentos históricos:1930 – 45, p. 34.
144
Além de iniciativas estaduais, na Primeira República outras reformas
federais se seguiram à de Benjamim Constant, mas não lograram alcançar qualquer
modificação substancial no sistema. De caráter meramente administrativo, não passaram de
tentativas frustradas e, mesmo quando aplicadas, representavam o pensamento isolado dos
comandos políticos, não se constituindo em nenhum momento em uma política nacional de
educação.
A Reforma Francisco Campos, ao contrário da Reforma Benjamim Constant
e das que a sucederam, foi centralizadora. Tratou-se de uma política verdadeiramente
nacional e com ações mais objetivas. Ela concretizou algumas medidas que caracterizaram
insucesso na primeira reforma republicana, como a instituição do regime seriado e o fim
dos exames preparatórios parcelados. No entanto, se considerarmos aquela dualidade do
sistema francês de ensino, a reforma tratou, quase que exclusivamente, do sistema da elite.
No que se refere ao sistema popular, uma medida foi considerada um recuo: o
estabelecimento da instrução religiosa no ensino primário, secundário e normal, ainda que
de caráter facultativo. Desde a Proclamação da República, a educação em todos os níveis e
modalidades era laica. Do sistema popular, apenas o ensino comercial, considerado
profissional, foi regulamentado, embora um tanto desarticulado nos seus ramos e destes
para com os outros níveis de ensino.
Quanto ao ensino superior, a Universidade do Rio de Janeiro foi a primeira
organizada de acordo com os Estatutos das Universidades Brasileiras, promulgados pelo
decreto nº 19.851/31
289
. O mesmo decreto menciona a criação da Faculdade de Educação,
Ciências e Letras. Percebe-se, nesse ponto, uma nítida diferença com relação à Reforma
Benjamim Constant. A nova faculdade seria criada em razão de uma necessidade premente
289
BRASIL. Coleção das leis de 1931. Volume I. Atos do governo provisório, 1942.
145
para a formação do magistério secundário. Segundo o reformador, os professores até então
não se titulavam, e sim se autogeravam, em virtude da inexistência de centros de formação.
Pressupunha-se, com tal medida, que a educação elementar estava plenamente instituída e
universalizada. Entretanto, Anísio Teixeira
290
, colocou os números das matrículas globais
em 1927: no ensino primário, para uma população em idade escolar estimada em
4.700.000, encontravam-se nas escolas cerca de 1.780.000 brasileiros.
Com a Reforma Francisco Campos, mesmo o ensino secundário não foi
sinônimo de expansão. De acordo com Romanelli
291
, o controle da expansão se fez ao lado
da oferta. A matrícula no ensino secundário exigia exame de admissão. E mesmo quem
conseguisse ter acesso teria que enfrentar um rígido sistema de avaliação no interior do
ensino secundário: ter-se-ia no ano todo, de acordo com o regime escolar,
aproximadamente 80 argüições ou provas mensais, 40 provas parciais e 10 provas finais,
num total de 130 provas e exames, o que, durante o período letivo, equivaleria a pelo
menos 1 prova a cada 2 dias de aula.
O Brasil, como vimos, não seguiu os modelos clássicos de revolução. A
República que aqui chegou “quase de surpresa” foi tardia e não significou a consolidação
da dominação burguesa. Ela, antes de tudo, apenas continha os gérmens da solidificação
desse poder, apesar de fazer avançar o capitalismo. Este, contudo, foi posto em marcha pelo
“espírito burguês” dos grandes proprietários rurais. Como já foi mencionado por
Fernandes
292
, o movimento de 1930 marcaria a separação da “era senhorial” da “era
burguesa”, muito embora esse movimento tenha significado a substituição no poder de uma
oligarquia por outra. A oligarquia tradicional agro-exportadora foi substituída por uma
290
TEIXEIRA, Anísio. Educação no Brasil, p. 93.
291
ROMANELLI, Otaíza de Oliveira. História da educação no Brasil, p. 138.
292
FERNANDES, Florestan. A Revolução burguesa no Brasil: Ensaio de interpretação sociológica.
146
oligarquia moderna, ligada ao mercado interno e mais sensível a um projeto de
modernização.
Os dois momentos – a Proclamação da República e a “Revolução de 1930” -
foram episódios da peculiar revolução burguesa no Brasil, que se concluiria muito tempo
depois. Os dois acontecimentos revelaram avanços nas relações capitalistas. Como
episódios da revolução burguesa, por conseguinte, deveriam ter como subproduto a difusão
da educação e a expansão do sistema popular de educação. Mas o que ocorreu foram
movimentos espasmódicos que contribuíram para a institucionalização escolar nos estados,
como os grupos escolares, mas não como medidas concretas para uma expansão real. Uma
parcela residual tinha acesso à escola, e uma imensa camada da população estava à margem
do processo educativo institucionalizado.
No Brasil, nesse período, a escola não foi difundida para se estabelecer o
controle social, como na Europa, com o objetivo de conter o fantasma do comunismo e
conservar um sistema orgânico e de manutenção da ordem. Aqui, como foi visto, não se
realizou uma revolução democrático-burguesa. A revolução foi realizada “pelo alto” e não
houve aliança com o povo, por isso ela ficou caracterizada como uma contra-revolução, e
teve sua face revelada com o autoritarismo. De 1889 a 1930, portanto, a revolução burguesa
que se processou foi elitista, antipopular e autoritária, bastando, então, a educação das
elites.
147
CONSIDERAÇÕES FINAIS
No Brasil, a revolução burguesa foi autocrática, na qual o novo não cancelou
a antiga ordem, sob a cláusula da modernização conservadora. Não existia, no país, um
burgo característico do mundo medieval. O “espírito burguês” emergiu do campo, com a
aristocracia agrária metamorfoseada em paladina do Estado Moderno. Dentro de um novo
contexto histórico-social, caracterizado pelo solapamento da ordem escravocrata, o
fazendeiro do café repudiou o seu status senhorial para se salvaguardar por meio de seu
elemento burguês, e assim manter o monopólio do poder.
A face modernizadora do processo esteve sob ação coativa, ou seja,
submetida a modalidades autoritárias de controle. Pôde-se comparar o nosso processo de
modernização aos casos de formações burguesas retardatárias, nas quais o ímpeto
modernizador estava aliado a formas pretéritas no governo. Segundo Vianna
293
, a
modernização em compromisso com o passado é o lugar por excelência da revolução
passiva. O conceito de Gramsci está, dessa forma, desatrelado do desfecho revolucionário
jacobino, traduzido em experiências históricas de passagem à ordem burguesa sob as
derrotas das forças sociais do Terceiro Estado. Em consonância com Vianna
294
, tanto em
Lênin quanto em Gramsci admite-se a possibilidade da passagem ao domínio burguês sem
que necessariamente haja coincidência com seu triunfo político e com rupturas explosivas
na estrutura do Estado. E, nem por isso, processos como esse deixam de ser inaugurais da
ordem burguesa.
293
VIANNA, Luiz Werneck. A Revolução passiva. Iberismo e americanismo no Brasil, p. 43.
294
VIANNA, Luiz Werneck. A Revolução passiva. Iberismo e americanismo no Brasil, p. 39.
148
Ambos episódios da passagem à ordem burguesa no Brasil, a Proclamação
da República e a “Revolução de 1930” mostraram como a conservação, para cumprir o seu
papel, necessitou reivindicar o que deveria consistir no seu contrário, a revolução. Aqui a
revolução foi assimilada pela tradição, configurando, na realidade, um gradualismo
reformista.
Segundo Vianna
295
, a revolução passiva à brasileira foi caracterizada pela
fusão do gênio político da Ibéria com a imposição de rumos americanos à sociedade
brasileira. Ou seja, ao lado da preservação da cultura política patrimonialista e
territorialista, foi se conduzindo a sociedade ao americanismo “por cima”, instituindo e
divulgando métodos científicos de organização do trabalho (fordista-taylorista), e
racionalizando o mercado de trabalho, a partir de 1930. O americanismo seria, para
Gramsci, uma nova forma de Estado, que se imporia pelo movimento expansivo da
estrutura racionalizada de seu sistema produtivo e da sociedade industrial de massas. Por
fim, a tendência à universalização do americanismo-fordismo conduziria à existência de
condições favoráveis à nova classe revolucionária – o proletariado.
Da emancipação política ao golpe militar de 1964, assistimos, no Brasil, à
revolução autocrática-burguesa que conduziria o país aos solavancos à constituição do
sistema capitalista periférico, modernizando a economia sem que precisasse desencastelar
os antigos donos do poder. E sem que para isso precisasse realizar uma reforma no campo,
questão intransponível para nossos liberais. Sem que para isso precisasse oferecer
educação, mesmo a elementar, para que o povo pudesse usufruir a cidadania política. A
democracia dissimulada era liberal na economia, mas na política estava instituída sob os
mesmos alicerces. Quando a superestrutura política não correspondia à infra-estrutura
295
VIANNA, Luiz Werneck. A Revolução passiva. Iberismo e americanismo no Brasil, p. 41.
149
econômica do país, um rearranjo de cúpula dava formas mais adequadas às novas
condições, mas, na realidade, permanecia-se sob as mesmas bases. Era a possibilidade de
uma revolução que culminava com a contra-revolução.
A história da educação, de acordo com Paiva
296
, nos mostra que sempre que
as crises aparecem, ou seja, quando há a necessidade de uma nova recomposição do bloco
dirigente, a atuação educativa, essencialmente a educação das massas, adquire uma
importância toda especial e os grupos comprometidos na luta política lançam-se ao campo
educacional com a esperança de fortalecerem, por meio dele, suas respectivas posições. Em
períodos de expansão da economia, em que se objetiva a modernização e, portanto, se
reconhece a necessidade de formação de quadros adequados à sociedade em transformação,
oferece-se a oportunidade para a reformulação dos sistemas educativos, ou para o
surgimento de movimentos que procurem promover a mudança através da educação.
A escola liberal tornou-se, nas sociedades onde dominava o modo capitalista
de produção, um instrumento ideológico essencial à justificação das relações de produção.
Por isso, no século XIX ela esteve em plena expansão. O Brasil pós-Independência já
integrava o sistema capitalista, uma vez que sua economia era parte subsidiária do
imperialismo europeu. A sua principal função econômica, no sistema capitalista, era a
produção de matérias-primas para o comércio abastecedor das potências industriais e a
importação dos manufaturados europeus. Por outro lado, esse modelo agrário-exportador
colonial, a serviço da dinamização do desenvolvimento do pólo central, servia-se da mão-
de-obra escrava. Num sistema de produção calcado no trabalho escravo, a exploração do
trabalho alheio se fazia pela violência, e não pela persuasão.
297
296
PAIVA, Vanilda Pereira. Educação Popular e Educação de Adultos, p. 22.
297
XAVIER, Maria Elizabete Sampaio Prado. Poder político e educação de elite, pp. 124-125.
150
O poder central, único capaz de concentrar recursos em relação à extensão
do ensino elementar em todo o país, por meio do Ato Adicional Diogo Feijó (1834)
oficializou a atenção secundária existente com relação a esse nível de ensino, legalizando a
sua omissão e abandonando definitivamente o problema. Deixada à mercê da insuficiência
de recursos e da instabilidade política reinante nas províncias, a escola elementar brasileira
ficaria indefinidamente marcada por sérias deficiências quantitativas e qualitativas
298
. A
descentralização administrativa do ensino, proporcionada pelo Ato Adicional, relegava o
ensino elementar à precariedade de recursos das províncias e tornou-se o princípio
norteador das políticas educacionais que se seguiram, inclusive as reformas de Benjamim
Constant e Francisco Campos. O Decreto de 15 de outubro de 1827, de acordo com
Xavier
299
, foi a única lei geral relativa ao ensino elementar, da Independência até 1946.
Contudo, mesmo as leis de 1823 e 1827 foram ineficazes, pois toda a sua ação potencial
perdeu-se nas determinações do Ato Adicional.
Os movimentos que se seguiram após a Independência foram conservadores
do ponto de vista do poder político, e modernizadores do ponto de vista da política
econômica, tal como nos outros momentos. Tratava-se da instituição de uma democracia de
fachada e, diante de um sistema aristocrático de fato, a educação popular ganhou a mesma
posição de antes: a de discurso demagógico.
Com o fim da Monarquia, os ideais democrático-republicanos, dos quais se
poderiam esperar conseqüências favoráveis à difusão do ensino popular, de acordo com
Paiva
300
, sobreviveram por muito pouco tempo no poder. As pretensões educativas do
período foram tolhidas pela vitória do federalismo e pela retomada do poder pelas
298
PAIVA, Vanilda Pereira. Educação Popular e Educação de Adultos, p. 134.
299
XAVIER, Maria Elizabete Sampaio Prado. Poder político e educação de elite, p. 133.
300
PAIVA, Vanilda Pereira. Educação Popular e Educação de Adultos, p. 54.
151
oligarquias estaduais nos últimos anos do século XIX. Com a “Política dos Governadores”,
a instrução popular viu diminuída a sua importância, só voltando novamente a receber
ênfase quando se inicia um novo período de instabilidade política.
Em termos de realizações concretas, pouco se fez pelo ensino elementar nas
primeiras décadas republicanas, embora em outras áreas, como no ensino secundário e
superior, tenha se observado um ligeiro desenvolvimento. As reformas dos anos de 1920
são conseqüência do clima de debates sobre a educação, iniciado na década anterior, e
foram levadas à prática por algumas unidades federadas, em face da ausência de iniciativas
concretas da União nesse sentido. As reformas desse período são, muitas vezes, mais do
que simples reformas, elas são a própria montagem de sistemas estaduais que poderiam ser
considerados inexistentes. Mas, em todos os casos de renovação de sistemas existentes, a
situação do ensino elementar podia ser considerada lamentável.
301
A reforma educacional ministrada por Francisco Campos, de 1930 a 1932,
manteve a política de descentralização administrativa do ensino elementar, encarregando-se
os Estados da difusão e melhoria do seu ensino primário. Por outro lado, entretanto, em
consonância com Paiva
302
, criou-se o Ministério da Educação e Saúde e, no ano seguinte, o
Conselho Nacional de Educação, anunciando o propósito intervencionista da União. Os
reformadores, que até então não haviam conseguido penetrar nas decisões do governo
central (as reformas da década de 20 são todas locais), iriam manter sua influência local e
ampliá-la para a esfera da União, por meio, por exemplo, da Constituição de 1934. A partir
de 1935, entretanto, com o agravamento da situação política e a crise das instituições
liberais, o prestígio dos educadores começa a declinar. Exige-se que eles assumam suas
301
PAIVA, Vanilda Pereira. Educação Popular e Educação de Adultos, p. 86-105.
302
PAIVA, Vanilda Pereira. Educação Popular e Educação de Adultos, p. 123.
152
idéias políticas saindo da indiferenciação ideológica até então mantida pela atuação técnica.
Alguns deles serão obrigados a afastar-se.
A educação popular
303
, no contexto do Brasil republicano, deveria ter
rompido com o princípio descentralizador do Ato Adicional de 1834. Somente o governo
central poderia assumir a responsabilidade quanto à difusão do ensino elementar, diante da
dimensão territorial do país e das grandes diferenças entre os estados. A expansão da
educação elementar desenvolveu-se de forma muito desigual no conjunto do país. De
acordo com Paiva
304
, o Centro-Sul, à medida que transcorria a segunda metade do século
XIX, contava com condições mais adequadas à difusão do ensino que outras regiões do
país, não somente devido à maior concentração de riqueza como também às novas
exigências em matéria de instrução popular, criadas pelo surto de industrialização e pela
imigração européia.
Da Reforma Benjamim Constant à Reforma Rocha Vaz, o ensino elementar
esteve à margem nas reformas educacionais federais, e isso foi uma postura expressiva do
Estado. Com a Reforma Francisco Campos, o Estado deixou muito claro que era um zeloso
provedor da educação das elites, priorizando o ensino secundário e superior. A obtenção de
avanços quanto à expansão e ao provimento da instrução primária, por parte do Estado,
teria que ser o resultado de conquistas populares.
Como afirma Beisiegel
305
, as tentativas de implantação e desenvolvimento
da educação elementar para todos apareceram na história das instituições educacionais
brasileiras como caráter de antecipações às solicitações educacionais do meio. Contudo, à
303
Educação popular no sentido assumido pelo trabalho de Paiva, ou seja, a educação restrita ao nível
elementar (PAIVA, Vanilda Pereira. Educação Popular e Educação de Adultos, p. 47).
304
PAIVA, Vanilda Pereira. Educação Popular e Educação de Adultos, p. 66.
305
BEISIEGEL, Celso de Rui. Estado e educação popular. Um estudo sobre a educação de adultos, pp. 5-
47.
153
falta de uma autêntica necessidade de educação escolar, numa sociedade agrária, as
variações retóricas e mesmo a afirmação legal do direito dos cidadãos à educação não
conduziam senão a medidas fragmentárias e de reduzida repercussão. Muito embora já não
se discutisse a validade da idéia de universalização do direito de todos à educação, um
preceito transplantado para Brasil no âmbito das ideologias do movimento de
Independência, vindo da Europa, onde os esforços de implantação da educação popular já
registravam uma longa história: com a edificação dos Estados Nacionais, a educação
popular já aparecia como corolário da afirmação dos direitos do homem, essencial à
formação cívica e patriótica do cidadão.
No Brasil, foi somente após a centralização político-administrativa, posterior
a 1930, que o problema da educação elementar se colocaria novamente em termos
nacionais, desde a Lei de 1827. A Constituição de 1934 é inaugural da educação como
direito declarado e, embora a realidade mostre a não efetivação dessa prerrogativa, a
presença do Estado vai se configurando com o reconhecimento da educação como
competência estatal. Posteriormente, na Constituição de 1946, se encontram afirmados os
princípios da obrigatoriedade e da gratuidade do ensino primário para todos. De acordo
com Beisiegel
306
, esta tratava-se, na verdade, de mais uma medida que por sinal só viria a
produzir alguns resultados depois de transcorridos cerca de vinte anos, somente uma
providência a mais em uma longa série de tentativas, diversas em conteúdo, mas
identificadas na intenção comum de dar efetividade às disposições legais sobre a educação
popular. Logo após a promulgação da Constituição começou a tramitar no Congresso a Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que seria aprovada apenas em 1961. Mesmo
306
BEISIEGEL, Celso de Rui. Estado e educação popular. Um estudo sobre a educação de adultos, p. 8.
154
essa lei, segundo Saviani
307
, não capaz foi de proporcionar ao Brasil um sistema nacional
de educação.
A educação elementar não tinha relevância no projeto educacional das elites
brasileiras e a constituição de um sistema nacional de educação foi um processo longo na
história da educação brasileira. De acordo com Saviani
308
:
Historicamente a emergência dos Estados Nacionais no decorrer do século
XIX foi acompanhada da implantação dos sistemas nacionais de ensino
nos diferentes países como via de erradicação do analfabetismo e
universalização da instrução popular. O Brasil foi retardando essa
iniciativa e, com isso, foi acumulando um déficit histórico em contraste
com os países que instalaram os respectivos sistemas nacionais de ensino.
O provimento secundário da educação elementar e da expansão da educação
entre as classes populares no projeto das elites pode ser esclarecida ao se entender as
limitações que o liberalismo adquiriu no Brasil e a forma como as aspirações educacionais
surgiram, significando uma antecipação às necessidades educacionais e às possibilidades
reais de intervenção do poder público.
Ainda assim, ficou aqui formulado um modelo ideal para o período em foco
nesta pesquisa, considerando-se que a instrução elementar poderia ter tido a estrutura da
proposta da reforma realizada por Benjamim Constant, a de uma escola de 9 anos,
307
Para a constituição de um sistema educacional seria preciso três requisitos iniciais: intencionalidade,
conjunto e coerência. Não pode haver, contudo, sistema educacional sem educação sistematizada, ou seja,
sem uma ação educativa intencional decorrente de uma práxis intencional. Como as práxis individuais
conduzem a um produto comum inintencional, o sistema educacional deverá ser o resultado de uma atividade
intencional comum, que só é possível quando estiver pautada por uma teoria educacional. Portanto, para
constituir-se um sistema educacional, além dos três requisitos iniciais é necessário uma teoria educacional. A
LDB de 1961 não pode ser considerada a expressão de uma teoria educacional. SAVIANI, Dermeval.
Brasileira Educação. Estrutura e Sistema, pp. 78-80.
308
SAVIANI, Dermeval (Org.). O Legado Educacional do Século XX no Brasil, p. 51.
155
eliminado, todavia, a divisão interna: Escola Primária de 1º grau (7 a 13 anos) e Escola
Primária de 2º grau (13 a 15 anos). Além de gratuita e leiga, ela deveria ser obrigatória e de
liberdade restrita. O governo central, mediante o decreto nº 981/1890
309
, permitiu aos
particulares do Distrito Federal oferecer o ensino primário e secundário, desde que
obedecessem às condições de higiene, moralidade e estatística, definidas na lei.
De acordo com o decreto nº 981/1890
310
, apenas a conclusão da escola
primária de 1º grau permitiria o acesso ao ensino secundário e normal. Isso provocou um
esvaziamento da função da escola primária de 2º grau e, ao mesmo tempo, do
reconhecimento da necessidade da ampliação da educação elementar. A intenção de criar
escolas, de acordo com o decreto, para a consolidação deste modelo estrutural foi em
quantidades desproporcionais: 22 escolas de 1º grau e 6 escolas de 2º grau.
Ao lado dessa estrutura, de 9 anos de ensino elementar, deveria se
estabelecer o pleno funcionamento da Escola Normal, da escola modelo e do Pedagogium
para a formação de quadros docentes com rica capacidade pedagógica para a atuação no
magistério primário que, além de gratuito, deveria ter suas oportunidades ampliadas.
A política educacional para a educação popular deveria ter sido como na
proposta de Francisco Campos, imposta a todo território nacional, e não apenas um modelo.
Embora esse reformador não tenha se preocupado com o ensino primário e normal, a
abrangência de suas medidas seria um passo na direção da centralização das políticas
educacionais e, portanto, de ações mais objetivas.
309
BRASIL. Decretos do governo provisório da República dos Estados Unidos do Brazil. 11º fascículo,
1891.
310
BRASIL. Decretos do governo provisório da República dos Estados Unidos do Brazil. 11º fascículo,
1891.
156
Uma escola pública de 9 anos obrigatórios, gratuita e leiga! Era um
imperativo categórico para a época? Mas, para que servem os imperativos categóricos?
Manacorda
311
responde: “Nunca mudaram a história. Mas talvez eles possam servir para
nos lembrar de olhar para o alto”.
Espera-se que este resgate histórico da educação no Brasil, aqui realizado,
sirva para pensarmos a escola pública do século XXI, não apenas em termos dos
imperativos categóricos, mas também quanto ao que é viável e necessário, avançando
sempre, sem que sejam deixadas de lado as reflexões sobre passado.
311
MANACORDA, Mario Alighiero. História da Educação, p. 361.
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APÊNDICE A:
INSTITUTO BENJAMIN CONSTANT: UMA HISTÓRIA CENTENÁRIA
O Instituto Nacional dos Cegos, objeto da Reforma Benjamim Constant que
recebeu o seu terceiro regulamento com o Decreto nº 408 de 17 de maio de 1890, é uma
instituição que permanece com suas atividades até os dias atuais. Hoje chamado de Instituto
Benjamim Constant está submetido à administração indireta do Ministério da Educação
(MEC). Em 21 de novembro de 1889, o Decreto n° 09, baixado pelo Governo Provisório da
recém - proclamada República, suprimia do nome do Instituto a palavra "Imperial". O
Decreto n° 193, de 30 de janeiro de 1890, denominou-o Instituto Nacional dos Cegos.
Finalmente, o Art. 2º do Decreto n° 1.320, de 24 de janeiro de 1891, deu-lhe o nome de
Instituto Benjamin Constant, pelo qual ainda hoje é conhecido, numa homenagem a um de
seus administradores. Um artigo
312
, resultante da pesquisa de Francisco Lemos Mendes,
publicado na Revista Benjamim Constant conta um pouco de sua história centenária.
De acordo com o autor, em 17 de setembro de 1854 foi inaugurado o
Imperial Instituto dos Meninos Cegos, no qual José Francisco Xavier Sigaud foi o primeiro
diretor do Instituto e estruturou os cursos, dando relevo à alfabetização e ao ensino de
algumas profissões, então consideradas compatíveis com a cegueira. Assumiu a direção do
Instituto, em novembro de 1856, o Conselheiro Cláudio Luiz da Costa, em virtude da morte
de Sigaud, dando prosseguimento aos trabalhos já iniciados.
312
MENDES, Francisco Lemos. Redação: Paulo Felicíssimo Ferreira. Instituto Benjamim Constant – Uma
história centenária. In: Revista Benjamim Constant. Edição 1, Setembro de 1995. Disponível em: Disponível
em: <http://www.ibc.gov.br>. Acesso em: 05 de julho de 2007.
169
O falecimento de Cláudio Luiz da Costa, em junho de 1869, levou ao cargo
Benjamin Constant Botelho de Magalhães, que, desde 1861, já vinha lecionando
matemática e ciências naturais no educandário. Benjamin Constant recebeu o Instituto
consolidado e organizado, porém mal instalado no prédio de número 127, da Praça da
Aclamação (ou Largo do Santana), para onde se mudara na década de 1860. Ele idealizou,
portanto, a construção de um edifício de maiores proporções. em 1890, um ano
antes da morte de Benjamin Constant, que, aliás, já não era diretor do Instituto, concluída a
primeira etapa da construção, pôde ser efetuada a mudança para o novo prédio. A
construção da segunda etapa só foi efetivada em 1944.
O autor alega que pode-se afirmar ter sido Benjamin Constant aquele que
definitivamente consolidou o Instituto como escola, sendo responsável pelo prestígio de
âmbito nacional que viria a alcançar como primeiro educandário para cegos na América
Latina.
O Instituto foi fechado, em 1937, para conclusão da segunda etapa de
construção de seu prédio, só em 1944 reabriu para aulas, quando se tornou possível ao
educandário ampliar grandemente suas atividades educativas. O Decreto n° 19.256, de 09
de setembro de 1945, que, entre outras medidas importantes, criou o curso ginasial,
equiparado, posteriormente, ao do Colégio Pedro II, pela Portaria Ministerial n° 385, de 08
de junho de 1946.
O Instituto tem-se voltado, nas últimas décadas, para pesquisa, difusão do
conhecimento, reabilitação, preparação e encaminhamento profissional, produção e
distribuição de material especializado e para a especialização de professores e técnicos.
170
APÊNDICE B:
O COLÉGIO PEDRO II: TRADIÇÃO E HISTÓRIA
313
O Colégio Pedro II foi fundado em 2 de dezembro de 1837 como
decorrência da reorganização do Seminário de São Joaquim, sendo assim batizado em
homenagem ao Imperador-menino, no dia de seu aniversário. O Colégio de Pedro II foi o
primeiro colégio de instrução secundária oficial do Brasil, destinado a ser por muito tempo
o único. A Proclamação da República determinou a mudança de seu nome para Instituto
Nacional de Instrução Secundária e, logo em seguida, para Ginásio Nacional, voltando, em
1911, a ostentar o nome de origem.
Sua primeira unidade foi instalada no Centro da cidade do Rio de Janeiro, e
funciona até os dias de hoje. Atualmente, o colégio apresenta várias seções, denominadas
Unidades Escolares, tendo como complemento, o nome do bairro onde estão instaladas: U.
E. Centro, U. E. São Cristóvão, U. E. Centro, U. E. São Cristóvão, U.E. Engenho Novo,
U.E. Humaitá e U.E. Tijuca, abrigando alunos dos atuais Ensinos Fundamental e Médio. A
Unidade Escolar Niterói, inaugurada no dia 05 de abril de 2006, é a primeira do Colégio
Pedro II localizada fora do Município do Rio de Janeiro, onde estão as 11 Unidades
Escolares já consagradas.
Até a década de 50, era designado “Colégio Padrão do Brasil”, visto que, seu
programa de ensino servia como modelo de educação para que os colégios da rede privada
obtivessem, junto ao Ministério da Educação, o reconhecimento de seus certificados,
justificando a semelhança de seus currículos aos do Colégio Pedro II.
313
Informações históricas extraídas do texto da Dr. Vera Lúcia Cabana Andrade, professora de História do
Colégio Pedro II. Disponível em:< http://www.cp2.g12.br> Acesso em: 11 de julho de 2007.
171
Dentre alguns de seus ex-professores estão: Joaquim Manoel de Macedo,
Antônio Gonçalves Dias, Gonçalves de Magalhães, Capistrano de Abreu, Euclides da
Cunha, José Veríssimo e Pedro Calmon. E dentre alguns de seus ex-alunos estão: Joaquim
Nabuco, Barão do Rio Branco, Visconde de Taunay, Washington Luis, Rodrigues Alves,
Nilo Peçanha, Hermes Fonseca, José Eduardo Prado Kelly e Afonso Arinos de Melo
Franco.
O jornal O Estado de São Paulo
314
, em matéria sobre educação, divulgou no
dia 21 de junho de 2007, os resultados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica
(IDEB), um dos pontos estabelecido pelo Plano de Metas Compromisso Todos pela
Educação, contido no Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) do atual do governo.
O PDE tem como prioridade a melhoria da qualidade da educação básica.
No Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação, expresso no decreto
nº 6094 de 24 de abril de 2007, foram definidas algumas diretrizes como: alfabetizar as
crianças até, no máximo, os oito anos de idade; combater a repetência, dadas as
especificidades de cada rede, pela adoção de práticas como aulas de reforço no contra-
turno, estudos de recuperação e progressão parcial; combater a evasão pelo
acompanhamento individual das razões da não-freqüência do educando e sua superação;
etc. De acordo com o decreto, a qualidade da educação básica será aferida objetivamente,
com base no IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), calculado e
divulgado periodicamente pelo INEP, a partir dos dados sobre rendimento escolar,
combinados com o desempenho dos alunos, constantes do censo escolar e do Sistema de
314
CAFARDO, Renata. Metas para a educação. Índice de Desenvolvimento da Educação Básica. O Estado
de São Paulo, 21 jun. 2007. Caderno Especial.
172
Avaliação da Educação Básica (SAEB), composto pela Avaliação Nacional da Educação
Básica (ANEB) e a Avaliação Nacional do Rendimento Escolar (Prova Brasil). O IDEB
leva, em suma, dois fatores que interferem na qualidade do ensino, quais sejam: o
rendimento escolar, por meio das taxas de aprovação, reprovação e abandono, e as médias
de desempenho dos alunos nas citadas avaliações nacionais. A combinação entre o fluxo e a
aprendizagem resulta em uma média para cada estado, município e escola e para o país que
varia numa escala de 0 a 10.
Nos próximos 15 anos, o Brasil terá que alcançar nota seis no Índice de
Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB). Algumas unidades do Colégio Pedro II
figuraram na lista das escolas com os melhores desempenhos, com notas acima da meta
estabelecida:
173
174
Em um panorama geral, só 0,2% das escolas públicas chega a um índice
considerado médio entre países da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento
Econômico (ODCE) para a qualidade. De acordo com a publicação, de 55 mil unidades do
país, 160 têm IDEB igual ou maior que 6. Na lista dos piores desempenhos, o IDEB chegou
a ter uma variação de 0,1 a 0,4 entre as escolas de 1ª a 4ª séries. Portanto, casos como o do
Colégio Pedro II e do Colégio de Aplicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro são
considerados como ilhas de excelência em meio à situação alarmante do ensino em uma
dimensão nacional.
Hoje o Colégio Pedro II não figura como o “colégio-padrão”, como em
tempos imperiais e nos primórdios republicanos, no entanto, não deixou de estar entre as
melhores escolas, de acordo com os números do governo. O panorama educacional hoje é
de que houve uma expansão dos níveis, fundamental e médio (antigo primário e
secundário), e a exclusão passou a operar no interior da escola – com a produção do
fracasso escolar.
175
ANEXO A:
176
177
178
179
180
181
182
183
184
185
186
187
188
189
190
191
192
193
194
195
196
197
198
199
200
201
202
203
204
205
206
207
208
209
210
211
212
ANEXO B:
213
214
215
216
217
218
219
220
221
222
223
224
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