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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Carlos Leonardo Teixeira Sampaio
A Igreja Católica e a transformação do espaço e do viver urbano de
Pouso Alegre -MG (1936- 45)
MESTRADO EM HISTÓRIA SOCIAL
SÃO PAULO
2009
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Carlos Leonardo Teixeira Sampaio
A Igreja Católica e a transformação do espaço e do viver urbano de
Pouso Alegre -MG (1936- 45)
MESTRADO EM HISTÓRIA SOCIAL
Dissertação apresentada à Banca
Examinadora, como exigência parcial
para obtenção do título de MESTRE em
História Social pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, sob
a orientação da Professora Doutora Yara
Maria Aun Khoury.
SÃO PAULO
2009
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Banca Examinadora
_________________________________
_________________________________
_________________________________
Dedico este trabalho às mulheres da
minha vida: Josepha (In Memorian),
Renilda, Patrícia e Carla Sarai.
AGRADECIMENTOS
Agradeço inicialmente a Deus e a minha família, minha mãe Renilda,
minha esposa Patrícia, minha filha Carla Sarai e minha tia Rose, pelo apoio
nos momentos de dificuldade e pela constante motivação, que contribuíram
significativamente para a realização dessa dissertação.
Meu carinho e agradecimento à Professora Yara Aun Khoury, por sua
dedicação na orientação dessa pesquisa e pelas suas valiosas sugestões e
críticas, que foram imprescindíveis para o término deste trabalho.
Destaco da mesma forma, a ajuda prestada pelas professoras
Estefânia Knotz C. Fraga e Olga Brites pelas sugestões concedidas durante
o exame de Qualificação.
Ao Professor Daniel Camurça, que desde a graduação contribuiu
decisivamente na discussão de minha pesquisa, estando sempre apto a me
ajudar durante a minha estadia em São Paulo, como também sou grato à
professora Juliana Santos pela ajuda e incentivo no início e na construção
dessa pesquisa.
A todos os professores das disciplinas cursadas por mim durante o
mestrado, Maria do Rosário Peixoto, Denise Bernuzzi de Sant'Anna, Antônio
Pedro Tota e Márcia D´Aléssio pelas contribuições, como também a todos os
colegas que me acompanharam nessas disciplinas durante o curso.
Não posso deixar de mencionar também o apoio dos funcionários do
Museu Tuany Toledo e da Cúria Episcopal de Pouso Alegre, que foram
essenciais para a feitura deste trabalho.
Por último, agradeço a CAPES e o CNPq pelo apoio financeiro.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 8
I CAPÍTULO:
“Uma Cidade que Surge”: A Igreja e a Modificação do Espaço Urbano
de Pouso Alegre 26
II CAPÍTULO:
“Juventude de Hoje, Lares do Amanhã”: A Mulher e a Moral Católica
nas Transformações da Vida Urbana em Pouso Alegre 70
III CAPÍTULO:
“A Cruzada Infantil”: A Igreja Católica frente à Formação Educacional e
o Problema Social da Infância em Pouso Alegre 105
CONSIDERAÇÕES FINAIS 142
FONTES 145
BIBLIOGRAFIA 149
RESUMO
Esta dissertação denominada: “A Igreja Católica e a transformação do
espaço e do viver urbano de Pouso Alegre -MG (1936- 45)” procura discutir
a posição e a articulação adotada pela diocese de Pouso Alegre, referente
às transformações do espaço da cidade, que passava por incisivas
intervenções urbanísticas.
Reflito também a postura exercida pela Igreja em relação à chegada
de novos costumes influenciados principalmente com a chegada do cinema
sonoro e por uma maior presença na região de outras religiões. Nesta
perspectiva, analiso a ênfase da Igreja no controle e na intervenção
educacional sobre a juventude feminina e a criança, servindo como um
instrumento de defesa de sua instituição.
A imprensa local, como também livros de memórias da cidade são as
principais fontes utilizadas na discussão do tema. O trabalho está dividido
em três partes: na primeira, discuto a Igreja Católica frente às modificações
dos espaços da cidade, na segunda parte, trato sobre a questão da moral
católica e a juventude feminina, diante das transformações no viver urbano
e por último, analiso a Igreja e o universo infantil em sua formação
educacional e na discussão sobre o problema social da infância em Pouso
Alegre.
Palavras-chave: Pouso Alegre; catolicismo; imprensa; cidade; cinema.
ABSTRACT
This dissertation entitled: "The Catholic Church and the transformation
of urban space and living in Pouso Alegre- MG (1936 - 45)" seeks to
discuss the position and articulation adopted by the Diocese of Pouso
Alegre, on the change in area of the city, which was effective interventions
for urban.
Also reflect the position held by the Church for the arrival of new
costumes influenced mainly by the arrival of cinema sound and a greater
presence in the region of other religions. In this perspective, analyze the
church's emphasis on control and educational intervention on female youth
and children, serving as an instrument of defense of their institution.
The local press, but also books of memories of the city are the main
sources used in the discussion of the topic. The work is divided into three
parts: the first, discuss the Catholic Church before the changes of the
spaces of the city, the second part, discusses the issue of Catholic moral
and female youth, given the transformations in urban life and ultimately, the
church and infant universe in its educational and discussion on the social
problem of children in Pouso Alegre.
Keywords: Pouso Alegre; Catholicism; press; city; cinema.
INTRODUÇÃO
Este trabalho é um desdobramento de minha pesquisa de conclusão da
graduação
1
, em que enfoquei e analisei as maneiras de pensar, as tensões
religiosas e a questão da moralidade apresentada pela Igreja Católica e a
relação desta com o Estado na década de 30.
Pesquiso essencialmente sua imprensa oficial, o jornal “Semana
Religiosa”, compreendendo suas estratégias e significados para reafirmar
sua força no controle do viver urbano de Pouso Alegre, num embate com
outras forças sociais.
Nesta análise do próprio jornal e a partir das orientações e das
reflexões nas disciplinas cursadas durante o mestrado, fui compreendendo
melhor o papel da imprensa como prática social, na construção de
dimensões da vida urbana, ambas atravessadas pelas lutas sociais.
Percebi que poderia refletir e problematizar melhor os significados e
sentidos do “Semana Religiosa” em Pouso Alegre, nas disputas e conflitos
com outras imprensas, que constituíam e expressavam o campo de força da
vida urbana de Pouso Alegre, entendendo como estas se engendravam na
esfera social.
Não sou nascido na cidade e cheguei a ela ainda no final de minha
adolescência, vindo de São Paulo. No convívio diário, a vivenciando,
também na faculdade e no decorrer de minha pesquisa, me deparei com
inúmeros discursos e propagandas progressistas, exaltando Pouso Alegre
como uma cidade que sempre esteve pronta para o futuro. Essas imagens e
mensagens não repercutiam somente pela chamada elite intelectual
2
, que as
alimentavam, mas também por moradores que aqui nasceram e de outras
regiões.
1SAMPAIO, Carlos Leonardo. “Os Inimucus Homos da Igreja”: Conflitos e Tensões no Jornal
“Semana Religiosa” em Pouso Alegre- MG (1930-45). Trabalho de Conclusão do curso de
História da Universidade do Vale do Sapucaí em Pouso Alegre em 2006.
2Grupo essencialmente composto por Militares, Acadêmicos de Direito, de Farmácia,
Odontologia, Médicos e membros do Clero.
8
Com essas experiências, comecei a refletir criticamente sobre as
maneiras como discursos, histórias e memórias públicas são apresentadas
na cidade, de uma forma harmoniosa construída por grupos de interesse,
constituídos através do comércio, da política, da Igreja Católica, das escolas,
cujas articulações e disputas estão inscritas também na imprensa local,
obscurecendo outros sujeitos históricos, como os negros, as crianças, as
mulheres, os protestantes e os espíritas, onde suas experiências são
ocultadas por pressões de dominação.
Com tudo isso ganhou fôlego o intuito de contribuir para tornar mais
visíveis outros moradores, perspectivas e projetos ocultados nesse
processo. Enquanto pesquisador busco compreender o viver urbano de
Pouso Alegre constituído por sujeitos, procurando analisar os modos
culturais de viver e de lutar que estão impregnados de tensões.
A cidade foi ganhando uma maior visibilidade em minhas reflexões,
compreendendo-a como um espaço de embates, onde as diversas
instituições e sujeitos inseridos estão em constantes conflitos, se
relacionando de diversas maneiras nas várias dimensões do viver urbano.
Conforme alerta Déa Ribeiro Fenelon
:
Reafirmamos a idéia de que a cidade nunca deve surgir
apenas como um conceito urbanístico ou político, mas
sempre encarada como lugar de pluralidade e da diferença
(...) Em nossas investigações, sempre se busca levar em
conta o exercício do poder, atentos a todas as disputas
presentes nas diversas dimensões da vida urbana. Isto
porque a cidade e suas instituições devem ser vistas como
espaços de produção de conflituosas relações que
historicamente podem exprimir-se em dominação, cooptação
ou consenso, mas também em insubordinação e
resistência
3
.
Com este intuito, se supera uma compreensão da cidade apenas como
espaço físico, para pensá-la como território
4
vivido e construído por seus
3FENELON, Déa Ribeiro (Org.). Cidades. Publicação do Programa de Estudos Pós
Graduados em História da PUC-SP, Editora Olho D'Água. p 07.
4ROLNIK, Raquel. História Urbana: História na Cidade?. In: Cidade e História.
9
moradores nas várias dimensões da vida social e política.
Antonio Augusto Arantes em seu livro “Paisagens Paulistanas”
5
,da
mesma forma contribui na discussão da cidade com suas relações de poder
e campos de disputas, onde transformações no espaço urbano, revelam
lugares de atrito e também lugares de harmonia, que estão separados por
fronteiras simbólicas.
O autor tem como proposta o homogeneizar o espaço da cidade,
mas pensa esta como um espaço político, onde existem posições de
resistência e mecanismos de poder.
Nessa perspectiva, contribui para o meu “olhar” de pesquisador para
perceber e buscar a tensão no espaço da cidade, não compreendê-la como
um lugar harmonioso, percebendo a inserção de diversos sujeitos e de
memórias múltiplas que produzem inúmeros significados em convívio e em
confronto nas relações sociais vividas.
A cidade de Pouso Alegre traz uma forte influência da Igreja Católica,
que se expressa tanto na constituição do espaço físico, quanto no viver
urbano. Igrejas, congregações, escolas, ruas, circuitos, estão impregnados
de valores e perspectivas católicas, tanto quanto normas e comportamentos
são moldados por suas orientações.
Nesse sentido, procuro pensar o espaço urbano de Pouso Alegre como
um campo de disputas entre valores e perspectivas, no qual a Igreja é uma
das forças que busca exercer controle, mas também sofre resistências.
Analiso nesta dissertação, como se evidenciou esse processo de dominação
e como se engendra nos mais diversos aspectos sociais sobre a cidade.
Refletindo sobre símbolos e edificações que expressam a presença da
Igreja e entendendo a cidade como campo simbólico impregnado de
disputas, me indago sobre as maneiras de fazer no espaço urbano de Pouso
Alegre, buscando descortinar e compreender a presença católica moldando
viveres nas várias dimensões do social ao tempo em que se faz como uma
referência expressiva na cidade.
Procuro discutir modos como a Igreja alimentou um cinturão de fé,
devoção e proteção para os moradores de Pouso Alegre. Observo neste
Modernização das cidades Brasileiras nos séculos XIX e XX. Ana Fernanda e Marco Aurélio
Gomes (orgs). UFBA/Arquitetura, Salvador, ANPUR,1992.
5ARANTES, Antonio Augusto. Paisagens Paulistanas. SP: UNICAMP, 2000.
10
trabalho, como a Igreja construiu sua presença na cidade, disputando
lugares e articulando-se na construção do viver urbano pousoalegrense,
combatendo princípios que não se enquadravam em suas perspectivas e
orientações.
A atuação da Igreja na cidade se intensifica desde que foi criada a
diocese de Pouso Alegre em 1900
6
, pela liderança do Padre José Paulino
de Andrade, devido principalmente a sua localização privilegiada no sul de
Minas e o crescente número de missionários protestantes na região, como
também de maçons.
A Igreja Católica procurou exercer um forte controle moral, mediado
pelas implantações de diversos colégios, escolas profissionais, seminários e
movimentos. Entre estes se destaca a Ação Católica implantada oficialmente
em certos Estados do Brasil em 1935
7
, que visava um catolicismo mais
direcionado para a esfera social; a Igreja se volta para uma recristianização
da vida cotidiana dos indivíduos
8
.
Na cidade de Pouso Alegre a Ação Católica também foi organizada
com uma estratégia de exortar a participação de diversas Associações
ligadas a Igreja, em reuniões semanais na catedral. Seu principal objetivo
era envolver leigos na realização de missões nos bairros que estavam se
formando nos arredores distantes do centro, como os bairros das Cruzes,
Taipas, Aterrado e Vendinha, buscava-se facilitar a inserção dos habitantes
tanto em missas como em festividades religiosas organizadas pela Igreja
Católica.
Justamente nesta época, precisamente em meu recorte temporal de
1936 a 1945
9
, a cidade passaria por inúmeras transformações de seu
espaço urbano, frutos de projetos urbanísticos, que começaram a ser
6Em 4 de Agosto de 1900, pelo decreto Consistorial Regio Latissime patens, foi criada a
Diocese de Pouso Alegre, na região denominada “Sul de Minas” e desmembrada das
Dioceses de Mariana e de São Paulo. Ressaltando que Diocese é uma organização
eclesiástica que abrange um determinado território, onde a população católica inserida está
sujeita a autoridade de um Bispo. Fonte: PERLATTO, Júlio. Diocese Centenária 1900-2000.
Pouso Alegre: Gráfica e Editora Grafcenter, 2000. p. 17.
7LIMA, Alceu Amoroso. Pela Ação Católica. Rio de Janeiro, Editora da Biblioteca
Anchieta,1935,p. 245.
8FLÓRIO, Marcelo. A sedução da Moral: Igreja Católica e Juventude Operária Católica. São
Paulo (1940/1950). Dissertação de Mestrado PUC-SP. p. 22.
9Recorte escolhido, essencialmente pelo período de mudanças significativas do espaço
urbano da cidade que também marca o começo de um maior controle sobre o cinema e
outras diversões na cidade, como os bailes e o carnaval, pela Igreja.
11
planejados em meados da década de 20
10
.
Dentre estas mudanças, as mais significativas foram a prolongação da
avenida Dr. Lisboa, com a demolição da antiga cadeia pública, dando um
lugar a uma nova avenida mais larga; pavimentações nas ruas centrais e a
construção de um parque infantil, denominado primeiramente como Parque
Infantil Major Dorneles e depois como João da Silva
11
.
Eram enfatizados nestas obras um constante ideal progressista voltado
para uma modernização e embelezamento da cidade efetuado por parte da
administração pública, constituída em sua maioria por comerciantes,
principalmente na gestão de Tuany Toledo entre 1937 a 1941,
representando um estandarte na luta deste grupo pela continuação de seu
poder na cidade. Essas transformações sicas do espaço urbano, também
se articulavam com outras propostas de progresso moral e civilizador de
seus moradores.
Ressalto que não busco priorizar somente a ação da administração
pública no crescimento e transformação do espaço e vida urbana, mas
também compreender conflitos e tensões que estão inseridos nestas
transformações. Conforme é assinalado por Yara Aun Khoury, Maria do
Rosário Peixoto e Heloísa Faria Cruz:
“Na temática da cidade, tratava-se de desenvolver a crítica a
uma história da cidade que priorizava a atuação de
urbanistas, administradores e políticos que, tidos como seus
construtores, eram colocados acima das tensões e disputas
que a engendravam e constituem como espaço vivido. Isso
implicou voltar a nossa atenção para outros viveres e
sujeitos que a normatização e a regulação buscam silenciar,
negando suas práticas, tratando-as como atrasadas,
inadequadas ou obstáculos ao progresso das cidades”
12
10“A Câmara Municipal, esteve esta semana em sessão plena para a votação do orçamento
do futuro exercício de outras leis de interesse local. As medidas por ella adaptadas fora a lei
de meios- destacam-se a lei que autoriza a iniciar o calçamento a parallelepidos, em ruas
da cidade e distritos” documento da câmara municipal no jornal Gazeta de Pouso
Alegre,1927. Como observação, as grafias das citações retiradas das fontes deste trabalho
serão mantidas no original.
11GOUVÊA, Otávio Miranda. A História de Pouso Alegre. Pouso Alegre: Gráfica Amaral,
2004. p. 188.
12 CRUZ, Heloísa Faria ; KHOURY, Yara Aun e PEIXOTO, Maria do Rosário. Introdução. In:
Outras Histórias, Memórias e Linguagens, São Paulo. Olho D'Agua, 2006. p.11.
12
A cidade passava não somente por transformações em seu espaço,
mas também por um momento de mudanças de valores, perspectivas,
comportamentos que se chocavam com os tradicionais preceitos, que eram
principalmente ensinados e mantidos pela Igreja Católica. Esses elementos
emergentes em Pouso Alegre, ocasionavam medidas defensivas dos líderes
episcopais.
Em relação a esses aspectos podemos enfatizar as influências
racionalistas, evidenciadas por intelectuais, principalmente acadêmicos de
direito, odontologia e farmácia que se reuniam em círculos culturais no clube
literário da cidade e principalmente pela maçonaria, apontado pelo
catolicismo na diocese como um “perigo”
13
. A maçonaria foi um dos primeiros
grupos a confrontar o controle da Igreja católica na cidade, nesse sentido a
Igreja procurou conter o crescimento deste grupo, pois para ela os maçons
representavam também uma ameaça política.
Religiões como o protestantismo e o espiritismo, começavam também a
incomodar a Igreja Católica. O primeiro com o presbiterianismo e o
sabatismo
14
ganhando visibilidade e crescendo acentuadamente em
paróquias como Conceição dos Ouros e em Borda da Mata
15
, chegando
também em Pouso Alegre. Era principalmente praticados por pessoas vindas
de outras cidades, a maioria do estado de São Paulo.
O segundo se expande em Pouso Alegre por uma maior difusão do
Kardecismo na imagem de Chico Xavier, principalmente em Minas Gerais.
Isto causa uma maior preocupação da Igreja, ocasionando uma cobrança
por uma intervenção da Liga Brasileira de Higiene Mental
16
para o
13 A Oposição a Maçonaria é ressaltada pela Encíclica Humanum Genus do Papa Leão XIII
de 1884, com o peso de excomungação. Nessa encíclica, o papa protesta contra a
maçonaria, por estar defendendo a liberdade de religião e a instituição do casamento civil.
Isso poderia ser traduzido em perda de influência da Igreja sobre os fiéis.
14Movimento religioso que enfatiza a observância do sábado pelos seus fiéis como um
mandamento divino, principalmente engajado pelos Adventistas do Sétimo dia.
15Segundo Hiasen Vieira Franco em seu livro: O clero paulista no sul de Minas 1801-1900,
a primeira Igreja protestante sul mineira foi organizada em Borda da Mata em 1869, pelo
missionário estadunidense Robert Lenington.
16Essa liga trata da intervenção de doenças que agem no campo mental dos indivíduos, não
é sua função agir sobre outras doenças. Entretanto pode se perceber uma semelhança e
continuidade da política sanitarista, ocorrida no começo do século XX. Como mesmo cita
Emerson Giumbelli: trata-se de um prosseguimento, em outro nível, de levar o termo a
"ação civilizatória" que a "higiene pública" prometera”. A Liga de Higiene mental tem em sua
função uma ação repressora, não somente médica. GIUMBELLI, Emerson. Heresia, doença,
13
fechamento dos centros espíritas. Esta presença do kardecismo
consequentemente causava uma maior preocupação sobre o crescimento do
espiritismo na diocese, em relação principalmente a uma junção entre idéias
espíritas e católicas.
Perspectivas adotadas pela Igreja Católica articulavam-se com outras
propostas trazidas com a instalação do Regimento de Artilharia Montada
em 1918 à cidade
17.
A própria Igreja cedeu algumas de suas instalações
como a chácara que funcionava o Seminário e o Colégio das irmãs da
visitação, para a acomodar o Regimento e também chegou a vender
algumas de suas terras para a militares.
Com uma política de crescimento econômico da cidade sendo almejado
pela administração pública, a instalação de fábricas se constituiu em uma
das prioridades para se alcançar tal objetivo. Foram sendo decretadas
inúmeras isenções e facilidades para a ampliação de investimentos na
cidade.
A instalação de algumas fábricas de porte, como as Indústrias Renard
de laticínios, favorecia a organização de movimentos de trabalhadores
provocando reações da Igreja e da administração pública, para que o
comunismo não se propagasse no município. Esses movimentos expandiam-
se nacionalmente no período.
Reagindo a esses avanços, trabalhadores católicos, orientados pela
Igreja Católica criam o jornal Ação Operária
18
, como também a Sociedade
Operária Beneficiente São José, que seria uma das responsáveis pela
organização das comemorações do dia do Trabalho na cidade.
Da mesma forma nas décadas de 30 e 40, o cinema em Pouso Alegre
se constituiu em um dos maiores divertimentos, devido principalmente à
solidificação do cinema sonoro, despertando uma grande procura pelas
salas de exibição e trazendo consigo novos modelos de moralidade e de
costumes que vinham de encontro aos princípios defendidos pela diocese. A
crime ou religião: o Espiritismo no discurso de médicos e cientistas sociais. São Paulo Rev.
Antropologia FFLCH/USP.
17Memorialistas afirmavam que o progresso da cidade teve como base a criação do bispado
em 1900 e a própria chegada do 8º Regimento de Artilharia Montada.
18Jornal criado em 1934 e extinto no mesmo ano, pois no jornal Município, órgão oficial da
cidade da administração pública, foi criado um espaço somente para a discussão e instrução
de assuntos relacionados às fábricas e aos seus trabalhadores.
14
cidade nas primeiras décadas do século XX, também chegou a produzir
alguns filmes, produzidos essencialmente por Francisco de Almeida
Fleming.
19,
Com isso proponho a compreensão dos embates da Igreja no viver
urbano de Pouso Alegre, no qual o cinema começava a representar uma
novidade, trazendo valores, comportamentos, perspectivas que abalavam as
tradições e costumes defendidos pela própria Igreja, com base nos quais, ela
alimentava seu controle na cidade.
Nesse propósito, o termo “trevas no cinema” utilizado em diversas
citações da imprensa católica, representa justamente esta disputa e tensão
entre a Igreja e o Cinema, delineando as mudanças do viver urbano de
Pouso Alegre, que também agia em outros divertimentos, como o carnaval e
os bailes, que se expressavam da mesma forma, no espaço físico do
município.
Essa visibilidade do cinema ultrapassava uma preocupação somente
da Igreja, mas também do presidente Getúlio Vargas durante o Estado Novo,
funcionando um órgão para o controle e censura sobre o jornalismo, rádio e
o cinema, o DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda), que recebia
inúmeros elogios da imprensa católica na cidade.
Na questão das fontes e metodologia, o tema escolhido também se
beneficiou de leituras de trabalhos historiográficos que tratam da relação
História e imprensa, como o de Heloísa de Faria Cruz
20.
A autora enfatiza a
imprensa como material valioso para o entendimento da relação do homem
com sua história, sendo assimilada como agente do meio social.
Um fator determinante para a escolha do tema, foi os poucos trabalhos
historiográficos existentes tanto na cidade como em toda a região do sul de
Minas, que utilizam fontes impressas, principalmente de jornais publicados
por grupos e instituições católicas.
Entretanto, destaco a contribuição significativa para minha pesquisa, de
trabalhos sobre a cidade de Pouso Alegre realizados por Juliano Ishimura
21
,
19GOUVÊA, Otávio Miranda. A História de Pouso Alegre. Pouso Alegre: Gráfica Amaral,
2004.p.144.
20CRUZ, Heloísa de Faria. São Paulo em Papel e Tinta: Periodismo e Vida urbana
1890/1930. São Paulo, EDUC/FAPESP/ Imprensa Oficial/ Arquivo do Estado, 2000.
21ISHIMURA, Juliano Ikeda Hiroshi. A Praça João Pinheiro: cidade, memórias e viver
urbano. Pouso Alegre, 1941-1969. Dissertação de Mestrado PUC-SP, 2008.
15
abordando a trajetória e memória histórica sobre a Praça João Pinheiro e de
Eduardo Moreira Assis
22
, na discussão sobre a zona de prostituição da
cidade.
A discussão entre cinema e censura católica como foco central é ainda
pouco explorada
23
, não havendo muitos trabalhos que retratam esse tema
em particular. Em contrapartidao muitos os trabalhos historiográficos que
tratam sobre o controle e normatização da Igreja sobre os diversos ramos do
social, onde destaco pela contribuição a este trabalho, a dissertações de
Marcelo Flório, sobre a juventude operária católica
24
, de Paulo Roberto
Almeida sobre os círculos operários católicos
25
,de Marina Bandeira
retratando a Igreja católica frente à questão social
26
de Ivan Manoel sobre a
Igreja e a Educação Feminina
27
e Moysés Kuhlmann Júnior, tratando sobre a
Educação Infantil e suas políticas assistencialistas
28
.
Em relação ao cinema, existem da mesma forma, muitos trabalhos que
o abordam, principalmente relacionados à sua influência na cultura brasileira,
como o de Cláudio de Cicco
29
, Antônio Pedro Tota
30
e Inimá Simões
31
, que
contribuem com o tema de minha pesquisa.
O papel da imprensa em Pouso Alegre é fundamental no entendimento
da história da cidade. O primeiro jornal a ser publicado tinha o nome de o
“Pregoeiro Constitucional” em 1830, fundado pelo a então cônego José
Bento
32
.
22ASSIS, Eduardo Moreira. A cidade e o “mal necessário”: Prostituição e Marginalidade
Social em Pouso Alegre MG (1969-1988). Dissertação de Mestrado na Pontifícia
Universidade Católica. 2005.
23Evidencio o trabalho de antropologia de Maria de Lourdes Alcântara denominado Cinema
quantos demônios: a relação da Igreja com o Cinema, defendido na Pontifícia Universidade
de São Paulo em 1990.
24FLÓRIO, Marcelo. A sedução da Moral: Igreja Católica e Juventude Operária Católica. São
Paulo (1940/1950). Dissertação de Mestrado PUC-SP ,1995.
25ALMEIDA, Paulo Roberto. Círculos Operários Católicos: Práticas de assistência e de
Controle no Brasil (1932-1945). Dissertação de Mestrado PUC-SP,1992.
26BANDEIRA, Marina. A Igreja na Virada da Questão Social (1930-1964). Rio de Janeiro:
Vozes: Educam,2000.
27MANOEL, Ivan. Igreja e Educação Feminina (1889-1919): uma Face do Conservadorismo.
UNESP, 1996.
28 KHULMANN, Moysés Jr., Infância e educação infantil: Uma abordagem histórica. Porto
Alegre: Mediação, 1998.
29CICCO, Cláudio. Hollywood na cultura brasileira: o cinema americano na mudança da
cultura brasileira na década de 40. São Paulo: Convívio, 1979.
30TOTA, Antônio Pedro. O Imperialismo Sedutor: A americanização do Brasil na época da
Segunda Guerra, São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
31SIMÕES, Inimá. Roteiro da Intolerância: a censura cinematográfica no Brasil. São Paulo:
Editora Senac São Paulo, 1999.
32O Pregoeiro Constitucional encerrou sua atividade em 1831.
16
No estado existiam apenas quatro jornais na região na época, em Ouro
Preto, o João Del Rei, Diamantina e Mariana, sendo o pregoeiro, o quinto
a surgir em toda a província
33.
Isso denota uma tradição e repercussão da
imprensa na cidade e região, sendo a cidade pioneira na implantação da
imprensa em todo o sul de Minas.
Como foi relatado uma das principais fontes deste trabalho, é o
órgão oficial da então diocese de Pouso Alegre
34
, o jornal “Semana
Religiosa”. Jornal criado em sua primeira fase em 1902, pelo bispo Dom
Nery e suspenso em 1908
35
.
Ao assumir a direção da diocese em 1916, o então bispo Dom Octávio
de Miranda reiniciou a publicação. Essa segunda fase do jornal do órgão
oficial da diocese duraria cerca de 80 anos. É o jornal de maior duração de
Pouso Alegre como também de toda a região do sul de Minas, sendo muito
difundido não somente aos católicos, mas tendo um papel significativo de
veiculação em toda a região.
Analiso principalmente neste jornal as dimensões e estratégias da
Igreja na cidade de Pouso Alegre em seu discurso moralizador em relação
ao universo infantil e a juventude feminina da Igreja. As colunas “Espaço da
Criança” e “Coluna Azul” inseridas no “Semana Religiosa”, expressam as
ações da Igreja destinadas a esses sujeitos históricos nas décadas de 30 e
40.
Também utilizo inúmeras matérias associadas a essa discussão, que
se referem ao divórcio, ao carnaval e as outras religiões. Percebem-se
nesses diversos discursos articulações da Igreja buscando realimentar
modos de viver frente ás novidades que estavam chegando a Pouso Alegre.
Neste semanário é enfatizada uma luta permanente por um catolicismo
exercido na cidade sem nenhuma associação com o secularismo, podemos
exemplificar essa luta contra os jogos, como o do bicho, apostas; influências
33QUEIROZ, Amadeu. A História de Pouso Alegre e sua Imprensa. Pouso Alegre: Imprensa
Oficial do Estado de Minas Gerais, 1998. p. 107.
34A Diocese de Pouso Alegre era composta por 534.448 pessoas divididas em 34
municípios e distritos, são números apresentados em uma estatística realizada em 1949, no
livro de comemoração no ano jubilar da Diocese em 1950.
35Dom João Batista Correia Néri, o primeiro bispo da diocese de Pouso Alegre, natural de
Campinas, foi transferido para a sua cidade natal em 1908. No segundo bispado de Dom
Antônio Augusto de Assis , ocorreu uma desestruturação da diocese, pois repartições,
seminários, colégios foram levadas pelo bispo, pela sua transferência para a nova diocese
de Guaxupé.
17
racionalistas e também outras religiões, como por exemplo, o espiritismo e o
protestantismo, mas o semanário é um forte instrumento nas articulações
centralizadas do próprio episcopado.
O controle moralizador é um dos fatores mais utilizados para conter
essa secularização, que é marcada veementemente por um detrimento de
aspectos espirituais por uma maior valorização de fatores materiais,
considerados pela Igreja como passageiros e assim distantes do
ensinamento da diocese.
A Igreja procura continuar exercendo sua influência na modelagem do
viver urbano pousoalegrense mesmo sendo contestada por outras forças,
principalmente em questões doutrinárias e em propostas educacionais, como
os protestantes, a maçonaria e os espíritas, como também recebendo apoio
de integralistas, do poder público e dos militares.
É necessário também analisar o jornal, sempre levando em questão
que este quer atrair seguidores, fiéis para a instituição que representa,
atribuindo à imprensa um caráter educativo. Assim os representantes do
jornal “Semana Religiosa”
36
não são imparciais, neutros, mas desejam
intervir na sociedade e se afirmarem como meio de propagação cultural,
reivindicando e defendendo a da instituição católica a cada exemplar,
enfrentando ideais contrários que devem ser combatidos, exigindo assim
novas estratégias e discursos.
Cabe então, analisar sua construção e reconstrução percebendo quais
são as finalidades e objetivos em disputa, e que são veementemente
enunciados.
Nas palavras do Bispo de Pouso Alegre na época pesquisada nesta
dissertação, se pode perceber a ênfase que líderes católicos dão á
imprensa
37
como um fator considerável na propagação de idéias e práticas
em todas as esferas da sociedade, onde se acentua:
36O redator do jornal “Semana Religiosa" na época de minha pesquisa, entre 1936 a 1945,
era o Cônego João Aristides de Oliveira, o editor: Victor de Souza Pinto e gerente: Geraldo
Andrade.
37A criação de uma imprensa católica esteve ligada com o próprio crescimento da imprensa
periódica no Brasil, pois a Igreja queria se contrapor e tomar a frente dos debates de idéias
que podiam afetar o fortalecimento de sua instituição em relação aos seus seguidores. Essa
preocupação vem desde o papado de Leão XIII (1878-1903), onde através de suas
publicações a Igreja procuraria intervir na sociedade, divulgando sua doutrina, alertando
contra seus inimigos, criando um discurso de oposição às novas ideologias que vinham se
afirmando numa secularização da sociedade.
18
“Sem Dúvida, num país de cerca de 70% de analfabetos a
imprensa católica o pode fazer o bem que se faz em
países mais adiantados. Mas assim mesmo, entendendo em
que as capitais e as cidades importantes dão a palavra de
ordem para o interior, considerando que muitas vezes não
faltam nessas cidades à imprensa sem religião,
disseminadora de idéias perniciosas, torna-se necessário
que ao menos nesses centros se mantenham órgãos
católicos, para pregar e defender os princípios cristãos.”
38
Dessa forma, o Bispo destaca que os jornais mesmo destinado a
poucos, pelo alto índice de analfabetismo, sua influência era algo
inquestionável. Esse quadro de analfabetismo existente na década de 30
estava ganhando uma nova configuração local, aumentando o número de
vagas e escolas, para suprirem uma maior procura de alunos, inclusive de
classes mais baixas, como também pela fundação de uma biblioteca
39
havendo organizações de convenções e palestras no clube literário.
Com isso, a Igreja busca revitalizar e ampliar seus centros
educacionais, como também de criar novos, como a Escola Doméstica Santa
Terezinha, Orfanato Nossa Senhora de Lourdes e o Asilo São Vicente de
Paula.
A diocese por meio de seu jornal assinala o que seja a “boa imprensa”
e a “má imprensa”
40,
como uma forma de educação aos leitores católicos.
Sendo que segundo o próprio Bispo Octávio Miranda, os três alvos
frequentes da imprensa católica são: as seitas e religiões contrárias ao
catolicismo, a articulação e cobrança ao poder público e de outras forças da
cidade de reivindicações católicas, e por fim, como lidar com a imprensa
chamada de “perniciosa”, aquela que discorda de posições e ensinamentos
38Carta pastoral de Dom Octávio de Miranda, este segundo bispo da então diocese de
Pouso Alegre, onde tomou posse em 29 de Junho de 1916, vindo de Campinas,
permanecendo durante 43 anos como bispo, até o seu falecimento em 1959.
39A biblioteca foi fundada em 1928, instalada no Clube Recreativo e Literário, localizado na
Praça Senador José Bento.
40Instituído pela Igreja Católica, era comemorado no dia 15 de Agosto o dia da Boa
Imprensa, onde na cidade de Pouso Alegre, esta data era escolhida para além de ser
utilizada como propaganda da imprensa desta instituição, também servia como dia
destinado a coleta de contribuições e assinaturas.
19
católicos.
Neste sentido, conflitos e disputas vividos, passam também pelos
diversos órgãos de imprensa, como ocorre na cidade com os jornais “Gente
Nova”
41
e “Cultura”
42
, por exemplo, que chegam a se opor a Igreja e
encerram suas atividades com pouco tempo de duração.
As discussões políticas que envolviam a Igreja eram feitas de
preferência na imprensa, pois a missa não era considerada um local
apropriado para abordagem dos conflitos com os segmentos da sociedade.
O periódico semanal possibilitava a Igreja uma repercussão maior do seu
discurso político.
Sendo assim, a Imprensa Católica pode ser entendida como uma
espécie de mediadora das idéias e movimentos que a comunidade eclesial
se promovia socialmente. Através de uma observação mais aguçada desses
periódicos, pode-se compreender a atuação da Igreja na sociedade, como
também identificar aqueles que contrariam sua dominação e grupos que
estão ao seu lado.
Outro Jornal, utilizado como fonte na pesquisa é o “O Município”,
fundado por Tuany Toledo em 1938, então prefeito da cidade. Órgão oficial
da Prefeitura de Pouso Alegre contém uma proposta de exaltação aos feitos
do poder público municipal e da figura tanto do prefeito como de alguns
chefes políticos do Estado, como o governador de Minas Benedito Valadares
e o presidente Getúlio Vargas.
Este jornal está sendo utilizado para compreensão dos significados
referentes à cidade na relação entre Igreja e poder público. Por meio do
jornal, a diocese para conter qualquer avanço de outras religiões e de “maus
costumes morais” adota uma posição de cobrança ao poder público de
medidas eficazes de repressão, para afastar qualquer tipo de ideais
contrários aos defendidos pela Igreja.
Sendo assim o jornal relata as realizações da prefeitura, sendo útil
nessa compreensão de relação de interesses entre Igreja e poder público,
numa perspectiva progressista da cidade, em busca de transformá-la.
São também jornais usados como fontes nesta dissertação, onde
41Jornal da Mocidade Pousoalegrense, que tinha uma coluna escrita por um protestante, o
jovem Aristóteles Carvalho.
42Jornal de alunos da escola de Farmácia e Odontologia de Pouso Alegre.
20
destaco:Gazeta de Pouso Alegre” e “A Cidade, períodicos oficiais da prefeitura;
respectivamente da década de 20 e de 1931 a 1939; “O Linguarudo, escrito por
comerciantes locais, jornal que aborda as nocias e o cotidiano da cidade com
ironias e críticas num formato humostico, utilizado na compreensão do
posicionamento deste grupo social em relão à cidade; “Pouso Alegre ”,
peodico mantido por grupos de oposão potica ao poder público; A Razão”,
jornal do movimento da ão integralista da cidade, onde seu discurso se
aproxima com o da Igreja na diocese, tendo influência de Plínio Salgado, que
mantinha contato com os redatores; O Cooperador, óro dos alunos do grupo
escolar Mons. Jo Paulino, para analisar o discurso sobre o papel da criaa
apontado no jornal “Semana Religiosa” e o “Mocidade, jornal redigido por
mulheres da diocese.
Analisando os jornais, percebi da mesma forma uma densa
preocupação com as crianças e com as mulheres. O que levou a ser
adotado da mesma forma como objeto, o discurso da diocese de Pouso
Alegre e de outras categorias sociais que se articulavam na cidade, em
relação às crianças e a juventude feminina, que representavam o
comprometimento com a família cristã, esta sendo vista como um
instrumento utilizado pelo catolicismo na época contra novos valores morais
e ideais.
Nesse sentido, a pesquisa tem como principal fonte, a Imprensa
Pousoalegrense, compreendendo o discurso atuante da Igreja diante das
transformações da vida urbana de Pouso Alegre, principalmente sobre a
infância e a juventude feminina Católica. Efetuando um estudo e diálogo dos
principais jornais da cidade que abordam este tema, como também
assuntos relacionados a este.
A imprensa é compreendida como uma prática social, entendendo que
seus discursos são construídos, mais importante do que os fatos relatados
são a maneira pela qual os sujeitos da história tomaram consciência deles e
os relataram. Assim a imprensa tem seu valor como documento histórico por
justamente constar à representação do homem em seu tempo e em seu
meio social, conforme menciona Heloísa de Faria Cruz
43
:
43CRUZ, Heloísa de Faria. São Paulo em Papel e Tinta: Periodismo e Vida urbana
1890/1930. São Paulo, EDUC/FAPESP/ Imprensa Oficial/ Arquivo do Estado, 2000.p.20.
21
“Na reflexão mais específica sobre as relações entre cultura
letrada e vida urbana, a Imprensa, constituindo-se como um
dos espaços de gestação e manifestação de novas
significações e projetos sociais, apresentava-se como
suporte documental fundamental. O próprio movimento de
expansão, o seu fazer-se, mostrava-se como faceta cultural
mais importante do processo de formação/ transformação da
vida urbana(...) buscou-se, antes, discutir seu processo de
constituição no próprio território da história social. Portanto,
no interior de uma perspectiva que entende a imprensa
como prática social e momento da constituição/ instituição
dos modos de viver e pensar.”
Para melhor compreender o controle dos padrões de conduta e moral e seu
reflexo no social, por parte do “Semana Religiosa, utilizo também como fonte, o
discurso que a Igreja profere sobre os filmes estrangeiros, principalmente
americanos, em que este jornal classifica, em apropriado ou não, e livros de
romances, este citado também com mais freqncia no jornal “A Mocidade da
diocese, redigida por mulheres, para identificar a preocupação e a inteão da
Igreja em controlá-los, procurando as causas destas cticas nas dimenes
sociais.
Os trabalhos dos memorialistas
44
de Pouso Alegre também são
utilizados como fontes, para se compreender melhor modos de viver na
cidade e razões das disputas da Igreja em relação aos costumes em
transformação. Entretanto, este trabalho contribui propondo uma discussão
diferente do que vem sido descrito por esses memorialistas de Pouso Alegre,
onde as ênfases dos seus trabalhos estão somente no fato, no
acontecimento, sem uma problematização devida das experiências sociais
vividas pelos sujeitos.
Essas memórias possuem uma exaltação das pessoas da elite da
cidade, como também uma forte apologia do catolicismo como elemento
44Dentre os memorialistas destaco os farmacêuticos, Otávio Gouvêia Miranda e Amadeu de
Queiroz, o então prefeito da época Tuany Toledo, como também, Eduardo Toledo,
funcionário público e as professoras Alvarina Toledo e Terezinha Loiola. Além de um
membro do clero o Cônego Aristides Lobo e o barbeiro Moacir Honorato.
22
primordial, segundo eles para se entender a história da cidade. Portanto se
pretende fazer o inverso, problematizar o tema, como também não
direcionar a vangloriar as grandes personalidades e a Igreja, sabendo que os
grupos sociais por meio de embates e conflitos, da mesma forma foram
responsáveis pela construção da história de Pouso Alegre.
Um outro fato pertinente para se compreender a cidade no meu recorte
temporal e analisar sua historicidade, foi conseguir um grande acervo de
fotos; umas cedidas digitalmente pelo museu histórico “Tuany Toledo” e
outras pelos Professores Daniel Camurça Correia e Rubens de Barros
Laraia.
Essas fotos muito me acrescentaram na reflexão da pesquisa, para
perceber e analisar os modos de vida dos moradores da cidade e as
principais práticas em que estes estavam envolvidos.
Como o trabalho enfoca a questão da imprensa e do cinema, ressalto
a abordagem destes fatores como não sendo somente meios de
comunicação, mas entendendo estes como constitutivos do social e do
movimento da história, como uma produção de significados criados por
sujeitos históricos, como defende Raymond Williams
45
, sendo portanto,
linguagens que se cruzam e se chocam no entretecer da vida urbana de
Pouso Alegre. Entendendo também cultura como todo modo de vida, não
pensando como uma abstração externa ao sujeito.
Outro fator importante para minha pesquisa foi a noção de hegemonia,
entendida como todo processo social de dominação vivido, impregnado de
relações de poder associadas à experiência social, não mais vista por
disputas essencialmente entre Estados, entre forças hegemônicas na
cidade, em que a própria Igreja Católica é uma das forças que se destacam.
Percebendo que toda hegemonia sofre contestações, ela não é estática,
ocorrendo também a existência de tensões e conflitos dentro da própria
hegemonia, as alternativas.
Em relação à noção de tradição, muito utilizada pelo catolicismo,
contribuiu para que eu a pensasse como um processo de incorporação de
significados e de como versões do passado são assumidas no presente para
ratificá-lo. A tradição seleciona o que deve ser reconhecido, reelaborado,
45WILLIAMS, Raymond. Marxismo e Literatura. Rio de Janeiro, Zahar, 1979.
23
realimentando significados presentes que se articulam na hegemonia.
A partir de outro livro de Raymond Williams “O Campo e a Cidade”
46
,
reflito sobre esses dois aspectos numa realidade histórica, percebendo na
análise do autor uma crítica a dualidade e a visão mista na relação entre
campo e cidade, que eram entendidos como conceitos e significados
diferenciados. O campo visto como um lugar de Inocência, atraso e da
ignorância, a cidade por sua vez, como um lugar de progresso, do saber e
da mundanidade.
Mas, entendo que esses dois aspectos não estão separados, mas sim
intimamente ligados. Nessa perspectiva observo as tradições rurais
reinventadas na cidade, como também ocorre o inverso.
Em minha pesquisa, percebo justamente essa problemática, onde no
período em que pesquiso, a cidade de Pouso Alegre é ainda essencialmente
rural, mas o espaço urbano começa a ganhar força. Diante de uma visão
progressista alimentada principalmente por comerciantes, pretende-se
superar a projeção de uma imagem da cidade estritamente do campo. É
preciso compreender a relação que existe entre ambos e observar a
reinvenção de hábitos, costumes que se inserem nas vivências urbanas e
rurais, entendendo cultura como todo modo de vida da população.
Outra discussão que contribui na minha reflexão foi do livro de Roger
Chartier “História Cultural: Entre Práticas e Representações”
47
, que discute a
representação fazendo parte da realidade histórica. Ele defende a sua
importância, percebendo a sua influência na construção dos destinos das
representações sociais.
Para Roger Chartier, o historiador deve investigar como funciona a
representação na sociedade, analisando as tensões que estão inseridas
nestas representações, produzindo sentidos pelos sujeitos históricos.
Essas idéias contribuíram para mim no estudo das representações no
viver urbano da cidade em que pesquiso, procurando fugir da perspectiva de
analisar a representação por ela mesma, mas de observar as relações
sociais vividas pelos sujeitos. Outro aspecto fundamental é pensar a
circulação de impressos da cidade como constituintes do social e que eles
46WILLIAMS, Raymond. O Campo e a Cidade. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.
47CHARTIER, Roger. A História Cultural: entre práticas e representações. Lisboa, Difel,
1990.
24
não só alcançam o público ao qual se destinam.
O trabalho está dividido em três capítulos. No primeiro capítulo discuto
as transformações no espaço da cidade, proposto pela administração
pública, compreendendo a constituição da cidade articulada ao viver urbano,
destaco algumas dimensões em que a Igreja perigos no “horizonte” e de
como se posiciona diante destes “perigos” e também em relação à
modificação da cidade.
No segundo capítulo abordo essencialmente a educação da Igreja na
diocese sobre o universo feminino, principalmente destinado à juventude
feminina da cidade. Observo também a mudança no viver urbano de Pouso
Alegre, com enfoque no cinema, que trazia novos valores morais, e também
outros divertimentos, como os bailes e o carnaval, firmando-se na cidade,
que acabava se chocando com as propostas e preceitos que a Igreja
projetava sobre o papel da mulher em seu meio social.
No terceiro capítulo analiso o universo infantil e a família nessa disputa
entre novos comportamentos e valores, também retratando a relação com as
transformações do espaço urbano de Pouso Alegre, principalmente na
criação e inauguração do parque infantil na Praça João Pinheiro, além das
comemorações cívicas. Centralizo a discussão em torno das políticas
educacionais e do problema social da Infância, tendo como base a Igreja
Católica e a articulação com os militares e o poder público local, exercido
fundamentalmente na época pelos comerciantes.
25
CAPÍTULO I- “UMA CIDADE QUE SURGE”
48
: A IGREJA E A
MODIFICAÇÃO DO ESPAÇO URBANO DE POUSO ALEGRE
Voltemos pelo túnel do tempo, a Pouso Alegre do
passado: cidadezinha tranquila, acomodada entre serras,
isolada e distante de um dia de viagem dos grandes
centros. Mal servida por estradas de rodagem, se
comunicava como os outros municípios pela velha “Maria
Fumaça”, meio de comunicação desgastado, que,
entretanto, era o único confiável.As estradas de rodagem,
estreitas, cheias de porteiras, poeirentos na seca e
atoladiças no período de chuvas, eram percorridas apenas
pelas “jardineiras”, ou alguns raros “Fordinhos”.
Assim isoladas as pequenas cidades do interior viviam em
um mundo restrito, unindo os seus habitantes,
espontaneamente, em torno de uma vida comum, cujos
acontecimentos diários a todos afetavam, quer seja nos
momentos de alegria como nos instantes de tristeza.
Todos se conheciam e viviam em clima de harmonia e
camaradagem.”
49
A cidade de Pouso Alegre é assim saudosamente relatada pelos
memorialistas em suas lembranças, enfocando o tempo tranqüilo e pacato,
onde todos se conheciam e estavam longe das agitações e dos “perigos”
exteriores. Ora, muitos desses memorialistas faziam parte da elite da
cidade, que compreendia essencialmente os latifundiários, advogados,
militares, médicos, comerciantes e o clero.
Na realidade essas lembranças ressaltavam o tempo em que essas
48Título da matéria publicada pelo jornal carioca “Correio da Noite”, dirigido pelo jornalista
Mário Magalhães em Outubro de 1938.
49GOUVÊA, Otávio Miranda. A História de Pouso Alegre. Pouso Alegre: Gráfica Amaral,
2004.p. 160.
26
famílias tinham um alto controle nas mais variadas esferas da cidade, sendo
este controle afetado pelo processo de industrialização que ocorreu
gradativamente em Pouso Alegre, alavancado essencialmente pelas obras
de inauguração da Rodovia Fernão Dias entre meados da década de 50 e
início de 60
50
.
Este fator acabou acarretando um maior investimento na cidade,
ocasionando a vinda de uma variada gama de pessoas de outras regiões,
levando a uma maior descentralização do poder e transformações de
costumes, valores e perspectivas, estabelecidos localmente.
Essas mudanças articuladas desde os anos de 1920, firmam-se mais
em meados da década de 30. A Igreja Católica procurava por diversos
mecanismos, se reafirmar como força hegemônica, diante das
transformações que vinham ocorrendo na vida e no espaço urbano de
Pouso Alegre.
A trajetória da atuação da Igreja e de seu combate a princípios e
doutrinas que não faziam parte do pensamento e interesses do episcopado
local, eram difundidos principalmente pela imprensa. Nesta trajetória, a
Igreja atuava e se posicionava , buscando alianças ou se confrontando com
outras forças sociais, diante de uma proposta incisiva de modificação dos
espaços da cidade.
O poder público constituído essencialmente neste período por
comerciantes e farmacêuticos visava um progresso marcado por
intervenções urbanísticas contendo uma proposta de embelezamento da
cidade, direcionando esta para um crescimento político e econômico e
conseqüentemente, em uma maior relação com os grandes centros como
São Paulo e Rio de Janeiro.
A administração pública buscava e idealizava uma “modernização”, que
confrontava com o “antigo”, a Pouso Alegre estritamente rural, vista como
atrasada e ultrapassada, servindo também como uma “vitrine” política, para
uma continuação de seu poder na cidade.
Este progresso também era pensado por elaborações de propostas
educativas de controle, onde através da educação, da higiene e do lazer,
50O governo de Juscelino K. Foi marcado pelo seu projeto de desenvolver e expandir as
estradas rodoviárias do país, como se efetuou na inauguração da Rodovia Fernão Dias, que
liga São Paulo a Belo Horizonte, no início de 1960.
27
podia-se direcionar a cidade para uma urbanização e civilidade, voltada para
um futuro que seria sustentável ao obedecer esses princípios, vista como
condição prioritária para o desenvolvimento do município.
Pouso Alegre vivenciava tendências de modernização, onde projetos
urbanísticos, políticas educacionais, como tensões entre o ensino em
escolas confessionais e inclinações racionalistas e políticas de higiene
estavam ganhando diversos sentidos, se cruzando e se confrontando em
seu viver urbano.
Na articulação das propostas entre a administração local, a diocese, os
militares e membros da classe dominante, começavam então a almejar e
evidenciar neste período enfocado de forma distinta, uma necessidade de
uma nova projeção da imagem da cidade, de uma forma diferenciada do que
se apresentava, onde aspectos rurais não se evidenciassem diante de um
crescimento do meio urbano. Assim a figura do viajante ganhava destaque
nas diversas páginas das imprensas locais
51
, expressando o discurso de
comprometimento por uma busca por melhorias da projeção da imagem da
cidade aos forasteiros, essencialmente pessoas com uma expressiva
visibilidade política, econômica e religiosa, que visitavam a cidade.
Pouso Alegre, em seus múltiplos espaços, na década 30, era marcada
fundamentalmente pela influência ativa do catolicismo. No centro, através da
Avenida do Imperador, atualmente denominada de Dr. Lisboa, o viajante que
chegasse a cidade vindo da Estação Ferroviária da Rede de Viação Sul
Mineira, ao caminhar, logo estaria à frente da catedral, com sua imponência
que contrastava com a maioria das ruas e avenidas que ainda não eram
pavimentadas.
Com a Catedral, localizada exatamente no “coração” de Pouso Alegre,
podia-se perceber a presença marcante da Igreja Católica no fazer-se
urbano da cidade. Para aqueles que saiam pela cidade era inevitável não
dar uma volta completa por esse edifício principal, o qual, ilhado na praça,
“vigiava” de dia e noite os cantos e recantos da população.
Aquele que se aproximasse da Praça Duque de Caxias, o Santuário,
dirigido pela ordem religiosa dos missionários do coração de Maria, também
51Existiam espaços nos jornais da cidade para informar quais eram as pessoas que
estavam visitando a cidade, como o espaço, “Visitantes” no “Município” e “Visita Pastoral” e
“Esteve em Pouso Alegre” no jornal “Semana Religiosa”.
28
mantinha a imponência, novamente contrastando com as ruas não
pavimentadas da proximidade, mantendo, da mesma forma, o seu papel
“vigilante” dentro de Pouso Alegre.
Para aqueles que moram além da atual Avenida João Beraldo, o
Santuário, construído na primeira década do século XX era também local de
visitação, oração e meditação. Com suas torres, o Santuário representava a
vontade do homem, as quais se projetam para cima, de encontrar seu
criador, aquele que se faz presente nas preces, nas angústias, nas tristezas
ou mesmo no último suspiro.
Passando o Santuário, aquele que caminhasse na cidade, uma outra
edificação também marcaria a presença católica, se encontraria o colégio
Santa Dorotéia e sua igreja, construída no início dos anos 20, na Rua
Francisco Sales, recoberta por tinta branca envelhecida, protegida por dois
pinheiros de médio porte. estava a igreja e o Instituto freqüentados por
muitas décadas, pelas jovens da região, que estudavam no colégio Santa
Dorotéia.
Com a finalidade de educar e preparar as jovens, a maioria provinda
de famílias de significativa representatividade econômica, política e social,
para uma “vida regrada, civilizada e temente a Deus”, esta instituição era
uma referência que se inscrevia no fazer-se e na memória da população,
lembrando os princípios católicos na evangelização da alma, da mente, e do
corpo, através não somente do ensino das letras, como também da
educação moral, ensinando comportamentos desejáveis, como posturas
corretas e cuidados com as roupas.
Diante da Santa Dorotéia, fundamentalmente, aqueles que passeavam
pela cidade para descobrir lugares de vivência dos moradores, seriam
levados a atual Avenida Getúlio Vargas
52
, chegando novamente, à Catedral
de Pouso Alegre.
Podemos ver que a cidade, como muitas cidades brasileiras, tinha em
seu centro, de forma reentrante, a presença do olhar “vigilante” e “protetor”
da Igreja Católica. O que se situava fora destas mediações, era exatamente
o que não se desejava mostrar aos que chegassem à cidade: uma área
52No passado esta avenida era conhecida como morre das cruzes, lugar onde se
encontravam três cruzes, que supostamente foram erguidas por escravos.
29
marcada pela presença de escravos no passado
53
que também possuíam
suas igrejas e onde residiam as pessoas de categorias sociais menos
elevadas, funcionando, nas imediações, a zona de meretrício da cidade, na
Rua David Campista.
Esta posição estratégica da Igreja Católica na cidade leva-nos a refletir
sobre os modos como esta instituição se constituiu em uma força viva e
significante na ordenação do viver urbano pousoalegrense, de uma maneira
circular que representa a constante renovação; uma simbologia da própria
católica, que pretende estar agindo na população mesmo que os
significados e costumes mudam no transcorrer do tempo.
Exatamente no meio deste círculo, formado por construções e
edificações católicas, também se localizava o mercado municipal, que
funcionava de sexta a sábado, havendo um intenso movimento de carroças
e carros de bois
54
na década de 30, mais que um lugar de vendas de
inúmeros produtos, era também um lugar de sociabilização da população,
sobre a qual a Igreja também pretendia demarcar a sua influência.
A presença católica na cidade também era marcada por realizações de
festas religiosas, que recebiam inúmeros visitantes; entre estas se
destacavam: a Semana Santa, a Festa de Bom Jesus, dedicada ao
padroeiro da cidade, de São Sebastião, Corpus Christi e Procissão
Mariana
55
, contendo nessas festas leilões de gado, de prendas, missas
solenes, procissões e quermesses.
Essas festas eram identificadas como um dos principais divertimentos
e uma das marcas sociais da vida urbana na cidade. Para as mulheres de
“família”, se constituía em um período que possibilitava um maior contato
com o espaço público, onde estas estavam envolvidas tanto nos
preparativos como participando de forma efetiva nas festas.
Na Semana Santa, em especial, segundo as palavras de
memorialistas, a sociedade participava ativamente das festas, como afirma
Terezinha Loiola:
53No Largo do Rosário ficava o pelourinho e a Igreja do Rosário, erguidas por escravos .
54Op. cit. GOUVÊA. (2004).p.102
55Além destas festas podemos também mencionar: Festa de Nossa Senhora Aparecida,
São Vicente de Paula, Santo Coração de Jesus, Nossa senhora do Rosário e Festa de São
José realizada no Santuário.
30
“Quando a Semana Santa ia se aproximando, começava
também um alvoroço em nossa rua, com a chegada de fiéis
vindos da zona rural e comunidades vizinhas. Alugavam
casa e casarões que ficavam vazios o ano inteiro, e ali
permaneciam até o Domingo da Resurreição. Esse povo
acorria às cerimônias religiosas da semana santa, com
enorme fervor, Chegavam carros e mais carros de bois,
cavaleiros, todos trazendo suas mudanças para a
temporada cristã.”
56
A Semana Santa se constituía em um momento onde a cidade deixava
de lado sua monotonia e tranquilidade, servindo também de referência para
as cidades vizinhas, onde o catolicismo almejava se afirmar como religião
predominante. Os moradores estavam engajados tanto na organização
como na recepção e hospedagem de católicos que vinham de cidades
vizinhas
57
.
Durante esta festa, as procissões seguiam um trajeto estratégico,
percorrendo a maioria das instituições e edificações mantidas e erguidas
pela Igreja Católica no centro da cidade.
Esse trajeto percorria essencialmente um itinerário: Rua Silviano
Brandão, Igreja de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito, Rua Dom
Nery, Adalberto Ferraz, Estação ferroviária, Rua do Imperador, até chegar a
Praça da Catedral. Também existia um outro grupo de pessoas que partiam
do Orfanato Nossa Senhora de Lourdes, seguindo a Rua Adolfo Olinto, que
tinha como destino a parte de trás da Catedral.
Fundamentalmente o local de partida das procissões, também era
localizado onde residiam os moradores de classe mais baixas, chegando a
passar até perto da zona boêmia da cidade, propondo assim, um aspecto
simbólico de uma condução do sagrado a espaços considerados profanos e
impróprios, como em uma “santificação” da cidade por parte do cortejo,
liderado pela Igreja, como um exército que busca tornar visível sua força
diante de seus opositores, mostrando sua presença e marcando território,
56LOIOLA, Terezinha Mendes. Doce Recordação. Pouso Alegre-MG: Grafcenter, 1999. p.
101.
57Op. cit., TOLEDO (1997). p. 55
31
alimentando a doutrina católica na consciência de quem se fazia presente
na procissão ou meramente de quem a assistia.
Esta localização facilitava da mesma forma, com uma maior
proximidade a novos bairros que estavam se formando e crescendo na
cidade, como o de Taipas, Vendinha e São Geraldo
58
, um maior
envolvimento e participação das festas por estes moradores.
Essa estratégia, por parte dos deres católicos, correspondia
primeiramente a uma política idealizada pela Ação Católica na cidade, tendo
como base um princípio de que aIgreja precisava sair da própria Igreja
59
e
agir com uma maior solidez na questão social, formando também um
fenômeno peculiar de metropolização.
Dessa forma, a instituição católica agia em missões por lugares
afastados do centro, que eram desempenhadas por suas Associações
60
,
buscando revitalizar e facilitar a inserção de pessoas residentes nestes
lugares distantes e com menores condições sociais às festividades e missas
organizadas pela Igreja, como também de incorporarem leigos a uma
proposta de uma cristianização do meio social em que residiam.
Para entendermos essas medidas adotadas, as causas também se
encontravam no crescimento e no aparecimento de novas religiões na
cidade em especial nestes bairros e distritos.
O presbiterianismo com seus missionários se instalando na diocese,
tinha uma política de propagar suas doutrinas primeiramente em lugares
afastados do centro
61
, como em sítios e fazendas e posteriormente em
casas particulares. Assim estariam afastados do “olhar vigilante” do
catolicismo, o que ocasionou em uma nova postura por parte da diocese a
esses lugares.
Nas procissões, frequentadas por diferentes grupos de diversas
categorias sociais e de pessoas residentes de vários bairros de Pouso
58Essa preocupação também se evidencia na construção de novas capelas nestes bairros,
como a inauguração da capela no bairro São Geraldo em 1937. Este bairro teve seu nome
mudado em 1927, antes era denominado com Aterrado.
59Op. cit. FLÓRIO (1995). p.26.
60Entre estas podemos citar: a Associação de Caridade Bom Jesus, Associação da
Irmandade do Santíssimo, Congregação Mariana e a Associação Esportiva Feminina.
61SILVA, Gleberson Pereira. “Protestantes de Rabo”: Tensões e Sociabilidade na
Construção das Mentalidades Protestantes. (Conceição dos Ouros. 1920-1970). Trabalho de
Conclusão de Curso da Universidade do Vale do Sapucaí, 2006. p. 24.
32
Alegre e de outras cidades, era utilizado pela Igreja uma diferenciação das
vestimentas nas diversas celebrações, que demarcavam uma mensagem
moral e distinções aos que não pertenciam a Igreja, na qual o “Semana
Religiosa” assim se posiciona:
“Só poderão tomar parte nas alas da procissão as senhoras,
moças e meninas, que pertencerem as associações
religiosas e se apresentarem com vestidos de mangas
compridas e não muito curtos ou decotados. As moças e
meninas devem trazer vestidos brancos e as senhoras
vestidos pretos ou bem escuros(...) Os homens da
irmandade do santíssimo e da Liga Católica e os moços da
Congregação Mariana devem comparecer com roupas
escuras, revestidos de suas insignias”
62
.
Pode ser notado nessas palavras do jornal da diocese, que podiam
estar nas alas privilegiadas da procissão, mulheres e homens ativos e
engajadas na obra da Igreja, militantes católicos. Assim membros das
diversas associações religiosas implantadas na cidade.
Esse fator implicava além de respeito e visibilidade dessas pessoas na
sociedade, como também incentivava uma maior participação da população
na Ação Católica frente aos seus opositores, que acabavam criando
fronteiras na cidade.
Outra diferenciação existente correspondia às posições ocupadas por
pessoas na condução das imagens e nos cortejos das procissões,
reafirmando o lugar de prestígio que possuíam na conjuntura social, como
podemos perceber em:
“Acabada a missa, o pallio foi tomado pelas nossas
autoridades e formou-se um esplendido prestito, conduzindo
a imagem de Jesus Cristo, desde a catedral até o edifício do
forum, carregava a imagem o deputado Eduardo Amaral, o
nosso chefe político, que estava ladrado do Phco. Olavo
Gomes de Oliveira e do Dr. João Tavares Corrêa Beraldo,
62Jornal Semana Religiosa, 14 de Janeiro de 1933.
33
respectivamente o antigo e atual presidente da câmara
municipal”
63
.
As festas religiosas, nesse sentido, serviam para sancionar e reforçar
a tradição católica e confirmar a ordem social vigente do período, onde as
diferenças sociais eram destacadas. Através das festas religiosas e das
procissões era uma forma de denotar a força política da cidade, tornando
essas atividades um espetáculo para quem a vê e para quem participa.
Eram incluídos também, nessa perspectiva, lugares reservados nas
tribunas da catedral durante as missas solenes, para líderes de associações
e pessoas que possuíam alguma representatividade política e econômica,
que interessava para a Igreja na busca de uma continuação de seu poder
nos diversos aspectos inseridos no município.
As festividades da Igreja na cidade, ao receberem visitantes, crescia
consideravelmente o consumo e venda de mercadorias, como o de velas e
produtos agrícolas, ocasionando oportunidades de trabalho para pessoas da
própria Pouso Alegre e de cidades vizinhas. Isto também repercutia
positivamente na economia local, beneficiando os comerciantes e
latifundiários locais e da região, onde propiciava um maior movimento para
a venda de seus produtos e mercadorias.
A Igreja Católica moldava os costumes também na organização de
romarias, principalmente para Aparecida do Norte. Espaços e práticas de
lazer tinham a marca da religiosidade em detrimento de espaços
considerados impróprios pela Igreja, como os bailes de carnaval e a
frequência a bares. A ocupação sadia do tempo livre dos moradores,
continha um forte controle moralizador.
63Gazeta de Pouso Alegre, 29 de Maio de 1927. Ressalto novamente que não modificarei as grafias
das citações utilizadas neste trabalho.
34
Figura 1.1- Procissão Mariana- 1938. As fotos panorâmicas de festividades e
cerimônias da Igreja procuravam demonstrar toda a sua supremacia e a participação efetiva
dos moradores da cidade. (Fonte: Museu Municipal “Tuany Toledo”).
No transcorrer de meados da década de 20, grupos de destaque na
cidade vão organizando outras práticas e espaços sob a influência dos
teatros e clubes de São Paulo, que influenciam em uma remodelação do
clube Literário e Recreativo de Pouso Alegre
64
.
Criado em 1902 com o objetivo de congregar a elite da cidade, em
organizações de conferências, reuniões, festas e execuções de concertos
musicais, o clube se situava na rua Dr. Lisboa em um pequeno recinto, mas
a partir do final dos anos 20, na gestão do Cel. Campos do Amaral é
construído um novo e amplo edifício na Praça Senador José Bento, ao lado
da Catedral.
Com essa remodelação não somente sica do clube, mas também de
criação de novos divertimentos, além da primeira biblioteca da cidade e de
círculos culturais, a Igreja começa a ser confrontada de forma mais evidente
em suas festividades e em seu ensino, que não seriam mais, os únicos
atrativos e meios de lazer, diversão e instrução da cidade.
64No fim da cada de 20, precisamente em 1926 seria fundado o Clube literário e
Recreativo, instalado na Praça Senador José Bento sob projeto de lei 151 de 18 de
janeiro de 1923, autorizando a doação, mediante condições estipuladas, do prédio que
servia de Paço Municipal a fim de ser demolido e no local construído o edifício para sediar o
clube”.
35
Assim a instituição católica, procura repreender novos divertimentos
estabelecidos neste novo clube para que suas festividades continuassem
destacadas na cidade, onde esses divertimentos tivessem um maior
comprometimento religioso, eliminando assim práticas que podiam desviar
os católicos de sua fé.
A Igreja se posiciona em demonstrar uma oposição clara entre e
razão. Amplia-se uma tensão entre uma moral que se oriente mais pelos
ensinamentos de Deus, do que perspectivas racionalistas que estavam
emergentes na cidade.
Umas das preocupações foram os bailes dançantes, onde a juventude
quando acabava a celebração da Semana Santa, “corria” para os bailes,
como afirma o órgão da diocese:
“Sabemos de fonte fidedigna, que tem havido durante a
Semana Santa bailes no club Literário desta cidade. Esses
moços e essas moças que se dizem catholicos deveriam ao
menos durante a Semana Santa, respeitar a piedade christã
e o seu sentimento christão, abstendo-se de bailes. Dançar
durante os dias em que a Igreja comemora, as indivisíveis
dôres de Jesus, é dar prova de impiedade e pouca nobreza
de sentimento.”
65
Esse clube era freqüentado, como foi relatado, exclusivamente pela
elite da cidade, composta essencialmente por militares, médicos,
comerciantes, fazendeiros e funcionários públicos
66
. As pessoas precisavam
ser sócias para utilizar este clube e o preço das mesas era muito elevado
durante os bailes, dificultando a inserção de boa parte da população.
Outro fator que limitava a frequência neste clube, eram as exigências
de trajes “adequados”, com preços também elevados, que a população
menos abastadas não conseguiam comprar e assim frequentar o Clube
Literário. Dentro desta perspectiva, de diferenciação de vestimentas, Michel
de Certeau acrescenta sobre esta discussão:
65Jornal Semana Religiosa, 01 de Abril de 1936.
66Artigo 53 do Estatuto do Clube Literário e Recreativo de Pouso Alegre: é vedado o
ingresso na sede social do clube, de pessoas estranhas a esta sociedade, residentes na
cidade e distrito, para goso e regalias facultados tão somente aos sócios”.
36
“Haveria um digo mais rigoroso e mais ritualístico do que
a vestimenta? Ela classifica, separa, hierarquiza, ratifica os
contratos secretos do grupo. Mantêm as “distinções”
sociais, as condições culturais e as distâncias entre as
classes”
67
Sendo assim, a população economicamente desfavorecida ocupava
outros espaços de sociabilidade, percebendo que a entrada no clube
Literário era seletiva, acabam criando o Clube 28 de Setembro
68
, conhecido
no período como o clube dos negros da cidade, promovendo bailes, festas e
reuniões, estas últimas no intuito de cobrar melhorias em suas condições de
vida.
Diferente do que ocorria no Clube Literário, os jovens da elite
frequentavam e procuravam os bailes do Clube 28 de Setembro, num
convívio com mulheres também negras e de diferente nível social.
Os bailes do Literário incomodavam a Igreja, pois a elite que
frequentava o clube eram os mesmos católicos que frequentavam as missas
e cujo controle começava a escapar. A Igreja apela em seus discursos,
procurando controlar e sobressair a moral ensinada por ela, em meio a essa
nova configuração que estava se formando.
Neste intuito, critica os jogos que eram frequentes no clube, “mesmo
que parecendo inocentes”, como os jogos de amor com declamações de
poemas, que utilizavam cartas de baralho na “brincadeira”, relacionando aos
jogos subversivos, aqueles que podiam levar ao vício, praticados pelas
classes de menos representatividade econômica, que poderiam assim,
deixarem de ser inocentes e se tornarem “perigosos”.
No discurso utilizado, os jogos eram considerados uma ameaça à
moralidade na cidade, ocasionando e trazendo consigo o vício, levando
muitos à pobreza, à prostituição e a dependência do álcool, como afirma a
Igreja, “desgraçando a população”
69
.
67CERTEAU, Michel de. A Cultura no Plural. Campinas, São Paulo, 1995. p. 48.
68Sem ter uma sede própria, o clube funcionava em vários locais, como na esquina das
ruas Afonso Pena e Adalberto Ferraz ou na Avenida da Praça Duque de Caxias, atrás do
Mercado Municipal.
69Jornal Semana Religiosa, 28 de Janeiro de 1933.
37
A Igreja Católica na cidade apóia então uma campanha pela não
regulamentação dos jogos, que estava sendo realizada em Minas Gerais.
Críticas são feitas as pessoas que se posicionam contra esse aspecto
defendido pela Igreja. É o caso do médico Zoroastro Passos, diretor geral da
assistência hospitalar de Minas Gerais, que preconizava um imposto sobre o
jogo, com sua total regulamentação em favor de obras de assistência
pública, precisamente em favor dos hospitais.
Nisso o jornal da diocese o critica impiedosamente e o satiriza, ao dizer
que ele sofre de uma “grave miopia moral” por não compreender as
conseqüências dos jogos e por não identificar a Igreja como autoridade em
sua atuação significativa no meio social.
É interessante que justamente esse médico seria o porta voz do que se
denominou um dos marcos das transformações que aconteceriam na
cidade, inaugurando o ambulatório do Hospital Regional, servindo como um
instrumento no controle da saúde pública da cidade.
Na realidade esta resistência da Igreja à proposta do médico
corresponderia uma luta da Igreja em relação ao destino dos impostos
arrecadados pelo governo, que deveriam ter como meta as obras
assistencialistas exercidas e fundadas por essa instituição.
Durante a Quaresma e a Semana Santa os bailes dançantes no clube
da cidade eram criticados como um ato de profanação. A situação se
intensifica quando estes começariam a acontecer aos domingos, embalados
por orquestras de Jazz-Band, primeiramente de fora da cidade e depois se
estendendo aos músicos locais. Sendo assim, a Igreja intensifica uma
campanha de recristianização do domingo e descreve de forma depreciativa
esse estilo musical, como também recorre a discursos médicos para retratar
os benefícios do descanso semanal, que deveria ser essencialmente neste
dia
70
.
Toda uma campanha de reivindicação ao poder público para o
fechamento do comércio aos domingos surte efeito
71
, como também é
70 A Diocese afirmava baseado em discursos médicos, que o descanso diário depois do
trabalho não seria suficiente para uma recomposição total das forças do corpo humano, que
o domingo então, seria essencial para que este recomposição fosse novamente
estabelecida.
71 Decreto lei 16 de 16 de Junho de 1939: Artigo 1°. Os estabelecimentos comerciais
deste município funcionarão nos dias úteis de 7:00 as 19:00. Aos domingos o comércio
38
instaurado um horário comercial que inibe a presença dos moradores em
bares à noite ou mesmo transitando a este horário, que também sofre
contestações dos comerciantes, como podemos perceber em:
“Pouso Alegre tem uma vida noturna bastante
desenvolvida, além disso, tem um trem que chega pouco
antes dessa hora, vendo que muitos passageiros vão para
bares e confeitarias, fazerem suas refeições. Por isso
sugerimos que prolongue-se o horário de fechamento das
casas atingidas pela referente lei”
72
Nesta explanação, percebe-se que a Igreja sente-se confrontada de
uma forma mais direta, nesse caso por comerciantes que percebiam no
movimento que ocorria perto da estação ferroviária, mais uma oportunidade
de obtenção de lucros. Era pretendido que o fechamento de Bares e
confeitarias ocorresse as 24h00min, o que denota uma maior freqüência da
população na vida noturna pousoalegrense.
Além do crescimento dos bailes, estimulados pela ampliação do Clube
Literário e pela influência de São Paulo e Rio de Janeiro, também
aconteciam mudanças nas festas de carnaval da cidade, surgindo a partir de
1936 inúmeros blocos carnavalescos criados por diversas classes e
segmentos da sociedade
73
.
Setores da população se divertiam em espaços diferentes na cidade,
haviam blocos da elite como o “Socega Leão” e o “Aristocrático” que
formavam torcidas numerosas que continham entre elas uma densa
rivalidade, além do “Aí vem a Marinha” criado por militares e o bloco “28 de
Setembro” da comunidade negra. As diferenças sociais eram ressaltadas
nas fantasias, nos carros alegóricos e na orquestra
74
, que cada bloco
formava a sua, sendo que a elite contratava e atraía muito mais músicos
para as suas alas.
O carnaval na cidade era marcado por bailes a fantasia e batalhas de
confetes. Os desfiles dos blocos eram realizados no sábado, tendo seu início
permanecerá fechado salvo as exceções (sorveterias, padarias e mercados).
72Jornal Pouso Alegre, 25 de Dezembro de 1933.
73Op. cit. GOUVÊA (2004). p. 183.
74Idem. p.185.
39
na Avenida Doutor Lisboa partindo até a Praça Senador José Bento, tendo
em seu final um grande baile em homenagem aos presidentes de cada bloco
carnavalesco no Clube Literário, diferentemente do bloco 28 de Setembro
que se concentrava em seu clube.
A Igreja Católica com essas novas “modas” crescendo e se
popularizando na cidade, procurou controlar e proibir membros das diversas
associações da Igreja de frequentar os bailes carnavalescos e de repreender
com veemência os abusos morais, que contrariassem seus ensinamentos,
chegando a criticar e nomear os grupos que estavam exagerando nas
danças e “bebedeiras”.
Os militares só criariam o seu primeiro bloco em 1939, recebendo duras
críticas por parte da Igreja, o que gerou tensões e respostas rígidas do
comandante do regimento como se expressa em:
“Militarmente presto obediência a subordinação aos
intuitos do paíz e de meus superiores hierárquicos do
exército. Finalmente a atual legislação do exército,
enquadra perfeitamente os limites em que todos os seus
membros, sem destruir de graduação, podem se divertir
sem quebrar a subordinação e a disciplina a que estão
sujeitos”
75
.
Toda uma resistência a frequência de militares nas alas carnavalescas,
pode ser compreendida com este conflito enunciado, eram os membros do
exército que podiam repreender com significativo poder os exageros de
cunho moral que podiam acontecer no carnaval da cidade. O que em 1937,
ainda era proibido pelo comandante do exército, que os soldados tomassem
parte das festas de carnaval, mudou consideravelmente com uma nova
configuração exercida pelos blocos e assim uma maior frequência de grupos
de destaque da cidade no carnaval.
Para agir e obter apoio dos militares, a Igreja ressalta a importância da
Assistência Religiosa ao exército, como também inaugura capelas, como a
75Tenente Coronel Nicanor Guimarães de Souza, comandante do 8º Ram, jornal Semana
Religiosa, 15 de Janeiro de 1938.
40
Capela de Nossa Senhora Aparecida no 8° regimento
76
.
A cidade representada como pacata e tranqüila, quando não havia
festas religiosas e bailes dançantes, presenciou uma outra mudança
significativa no viver urbano.
Sabendo que a cidade também é um espaço sonoro, a implantação de
uma alto falante na esquina da Rua Comendador José Garcia nos dias de
semana, pelos comerciantes da Casa Andere
77
, de frente com a praça
central, Senador José Bento, da mesma forma começou a incomodar a
Igreja.
Neste alto falante, eram apresentados programas humorísticos,
contendo piadas e casos do cotidiano, músicas, discursos e anúncios
comerciais, que ocasionaram uma grande popularidade na cidade. Onde ao
redor do “speaker” se reuniam uma densa multidão de apreciadores
78
.
Essa preocupação por parte da diocese pode ser encontrada
novamente em seu órgão oficial quando relata:
“Queríamos apenas mostrar que as irradiações durante as
ceremonias religiosas perturbavam os pregadores e os
canticos sacros e outros actos da cathedral. Por melhor e
mais calmo que seja o orador facilmente se perturba com
musicas, annuncios, etc... que um poderoso alto falante
transmite.”
79
Além de atrapalhar as cerimônias da catedral, o “speaker” não parava
de funcionar durante as missas, o que podia ocasionar uma substituição
desta, pelos programas e músicas transmitidos, mesmo que os fiéis
estivessem na Catedral.
Outro fator significativo foi que estas reclamações do bispo da Diocese
em seu semanário, tiveram confrontação, pois o “Semana Religiosa” enfoca
que não era contra os alto-falantes, como muitos estavam anunciando com
76Inaugurada em 19 de março de 1943, pelo bispo diocesano D. Octávio Chagas de
Miranda, a Capela de Nossa da Aparecida, em terreno pertencente ao 8º RAM.
77Os irmãos João e José Andere, eram imigrantes de origem síria, comerciantes e
proprietários de uma loja de roupas.
78Jornal A Cidade, 20 de Abril de 1936.
79Jornal Semana Religiosa, 27 de Abril de 1936.
41
veemência na cidade
80
.
Nesse sentido a Igreja para amenizar o “problema” consegue mais
espaços nas transmissões, tanto comprando uma maior quantidade de
tempo de programação com os donos, como estabelecendo acordos com a
administração pública.
No final da década de 30, os militares e a Igreja se articulam para
fundar a primeira emissora de rádio da cidade, sendo inaugurada em 1940,
sendo instalada na antiga residência do cel. Campos do Amaral
81
. Essa
rádio se tornaria mais um instrumento de educação usado pela Igreja, com
programas e jornais informativos voltados para a defesa e ensinamentos da
fé católica.
Com a administração do prefeito Tuany Toledo
82
, se reforçou uma
postura por uma busca de uma cidade que se voltasse para um progresso
de remodelagem urbana. Com uma ampliação de Comemorações Cívicas,
se acentuou esse discurso, e se denominava “inimigo da cidade”
83
quem
estive se opondo a este novo período de Pouso Alegre, decretos
84
eram
estabelecidos para que quem trabalhasse no comércio e indústrias
comparecessem a estas comemorações.
As imagens do presidente Getúlio Vargas e do governador Benedito
Valadares, eram utilizados tanto pela Igreja e pela administração pública
para fortificar seus domínios no viver urbano, no sentido de disciplinar e
controlar a população.
O nacionalismo era assiduamente citado pelo redator do “Semana
Religiosa” Cônego João Aristides de Oliveira, elogiando as festas de
aniversário do presidente comemoradas na cidade, difundindo um grande
patriotismo, quando revelava: A população estava animada, todos de um
belo espírito de brasilidade, de respeito e acatamento ao grande chefe da
nação”
85
.
80Jornal Semana Religiosa, 4 de Maio de 1936.
81A rádio foi denominada de Rádio Clube de Pouso Alegre, com o prefixo de PRJ7.
82Tuany Toledo exerceu a profissão de farmacêutico e comerciante, sendo eleito presidente
da câmara de Pouso Alegre em 1936. Exerceu o cargo de prefeito de 1937 a 1941.
83Jornal Município, 4 de Fevereiro de 1939.
84Decreto Municipal de Pouso Alegre, Dia dez de Novembro de 1939: art1. Permanecerão
fechados o dia dez de Novembro do corrente ano, todos os estabelecimentos comerciais e
industriais, que por força de lei devem fechar suas portas ás 14:00. Art2. Revogam-se as
disposições em contrário
85Jornal Semana Religiosa, 25 de Abril de 1942.
42
Com estas palavras percebe-se como a diocese se, relaciona com a
perspectiva do poder público e como a cidade adere ao projeto político de
Vargas. Por um lado, a Igreja divulga a propaganda nacionalista anunciando
na cidade o discurso de uma submissão à autoridade tanto por esta
instituição como do poder local. E do outro lado, o poder público busca o
apoio do catolicismo, revendo medidas cobradas pela Igreja na constante
reafirmação de sua instituição. Instaura-se esse pacto de interesses para
dominar e propagar esses ideais na cidade.
Essa aliança se evidencia essencialmente em Pouso Alegre, no
controle dos trabalhadores frente ao “perigo” do comunismo que ganhava
visibilidade no cenário nacional e mundial. Desde seu crescimento no
movimento operário brasileiro, pretende-se criar um discurso eficiente para
frear a sua propagação, mobilizando a sociedade a consentir na luta pelo
anticomunismo.
A própria denominação de “revolução” ao golpe de outubro realizado
sob a liderança de Getúlio Vargas vem sendo apontada como uma
construção do pensamento autoritário, para ocultar as ideologias e fatos
ocorridos na década de 20
86
. Getúlio utilizou o “perigo” do comunismo para
derrubar a antiga República. Rodrigo Motta sobre este assunto comenta:
O terror anticomunista foi artificialmente insuflado, visando à obtenção de
ganhos políticos, eleitorais e até pecuniários”.
87
Toda essa preocupação inicia na cidade com as instalações de fábricas
de grande porte, vindas de outras cidades, devido a uma política de
desenvolvimento econômico iniciado no fim da década de 20, onde o poder
municipal pretendia:
A camara municipal procurando facilitar a introdução de
grandes industrias em nosso meio realiza uma obra de
patriotismo. É de esperar-se portanto que os capitalistas
não deixem passar este momento sem aproveitá-lo, porque,
ahi está sem dúvida uma grande opportunidade para o
86TRONCA, Ítalo. A Revolução de 1930 a dominação oculta. São Paulo: Brasiliense, 1982.
p. 7.
87SÁ, Rodrigo Motta. Em guarda contra o perigo vermelho: O anticomunismo no Brasil. São
Paulo: Perspectiva, 2002 p. 230.
43
emprego de seus capitais.
88
Portanto, são estabelecidas, isenções e facilidades para a instalação
das primeiras indústrias na cidade
89
, que acabam surtindo efeito, com a
vinda principalmente da Indústria Renard de produção de manteiga, caseína
e cola, ocasionando a fundação da União Operária de Pouso Alegre em
1933, este um dos primeiros mecanismos utilizados pela administração
pública de contenção e controle sobre qualquer resistência provinda dos
trabalhadores das fábricas na cidade.
O catolicismo, por sua vez, buscar enfatizar e adotar uma imagem do
comunismo como contrário a e a doutrina católica, em busca de uma
sociedade sem religião, um inimigo da liberdade individual, por não ser
favorável a propriedade particular, um sistema de desordem e violência,
como cita: “Viva Cristo operário, que não derramou outro sangue senão o
seu próprio”
90
.
Neste discurso se percebe claramente a intenção de argumentar em
torno da idéia de um abismo existente entre o comunismo e a em Cristo,
priorizando um sentido de educar preventivamente esses novos
trabalhadores das fábricas e do comércio, que estavam se configurando na
cidade.
Outro aspecto, diz respeito à forma em que a Igreja Católica, o poder
público e os militares, começavam a perceber na intervenção no “mundo” do
trabalho, um modo de “vigiar” o trabalhador, que também tinha um propósito
de refletir e agir em seu cotidiano.
Ao mostrar um Cristo Operário, a Igreja pretendia obter a submissão
do trabalhador a autoridade, da mesma forma em que Cristo se entregou à
vontade de seu Pai, e cumpriu sua missão sem desobedecer as suas
ordens, e acima de tudo sem pecar, uma analogia ao trabalhador de não se
entregar à maldição do comunismo.
Essa imagem de Cristo e de sua vida utilizada pela Igreja é destacada
88Jornal Gazeta de Pouso Alegre, 27 de Janeiro de 1929.
89Sanções para as instalações de fábricas: a) doação do terreno para a construção do
estabelecimento fabril; b) isenção de todos os impostos municipais; c)Isenção das taxas de
água e esgoto;d) Isenção do pagamento de energia elétrica para luz e força. Condições:
empregar na montagem da fabrica que unam um capital, no mínimo de 500:000; ter a
fabrica uma capacidade para mais de 100 operários.
90Jornal Semana Religiosa, 19 de Maio de 1945.
44
também por Lenharo, quando descreve:
“Antes de agonizar, Cristo dialogou com o ¨bom¨ ladrão,
crucificado à sua direita, que o ouviu e aceitou sua palavra,
mas o ¨mau¨ ladrão da esquerda recusou-se ao diálogo e ao
perdão oferecido. De modo geral, as reações do ladrão da
direita e do ladrão de esquerda têm sido generalizadas para
se explicar à situação da Igreja em relação às posições
políticas vigentes.”
91
Ao fazer essa comparação, é muito evidente a preocupação da diocese
de relatar aos católicos, o direcionamento político que deve prosseguir, caso
não venha a acatar as palavras dos líderes religiosos, a conseqüência pode
ser a mesma do ladrão da esquerda de Jesus, entregue ao sofrimento pela
sua própria escolha equivocada.
Na cidade mesmo ainda possuindo poucas indústrias, como a Indústria
Renard, que foi citada, e outras de menor importância econômica, como
as fábricas de banhas
92
. Foram realizadas medidas para frear qualquer
oposição de trabalhadores destas indústrias e de pessoas pertencentes às
classes menos abastadas da cidade.
Dentre estas medidas realizadas tanto pela Igreja, pela administração
pública e pelos militares, estão à inauguração da Sociedade Operária
Beneficiente São José na cidade
93
, instalada na Rua Adolfo Olinto,
contendo em suas dependências a imagem de São José e o retrato do
Presidente Getúlio Vargas, onde a partir de 1941 começou também a
funcionar o Instituto Comercial São José, destinado para o ensino
profissionalizante para funções no comércio local.
Outra estratégia foi o comparecimento a solenidades e apoio na
91LENHARO, Alcir. A Sacralização da política. Campinas: Papirus, 1986. p.172.
92Segundo o departamento Estadual de Estatística em 1948, as indústrias que davam mais
rentabilidade a cidade eram a de Laticínios, banhas e indústrias agrícolas, principalmente de
rapadura.
93Segundo o Manual dos círculos operários Católicos em 1939 os princípios que os
norteavam eram: 1) A moral e a Doutrina Cristo; 2) As encíclicas “Rerum Novarum” de Leão
XIII e “Quadragpesimo ano” de Pio XI, que tratam da aplicação da moral e doutrina cristã a
questão social; 3)Repúdio Sistemático á luta de classe; 4) O direito natural e sagrado da
propriedade legitimamente adquirida e 5) A necessidade da Intervenção do Estado na
questão social, no sentido de regular o justo salário, a justa produção e o justo preço.
45
melhoria do clube 28 de Setembro, conhecido por ser o clube recreativo dos
negros na cidade, por parte dos militares e comerciantes, demarcando
assim mecanismos de controle e poder.
Nos jornais da diocese e do governo de Pouso Alegre, ganhava
destaque em suas páginas à organização das comemorações do Dia do
Trabalho, além de homenagens realizadas na catedral, aos militares mortos
na Intentona comunista de 1935. Uma estratégia usada para a mobilização e
controle dos trabalhadores para a consolidação dos interesses políticos do
município, onde se promovia doações e entregas de donativos.
A questão social se configura em um elemento significativo para se
compreender a estratégia de controle da Igreja sobre a classe trabalhadora,
como mesmo afirma Paulo Roberto de Almeida:
“A preocupação está em criar relações, que signifiquem
“facilidades” para os trabalhadores, estejam sob constante
vigilância e controle, e mais que levem os trabalhadores a
pensar e agir como colaborador de uma sociedade, que
possíveis inimigos queiram destruir (...) O objetivo era claro,
no sentido de organizar os operários através dos rculos,
penetrar no espaço da vida, através da instrução, lazer,
assistência, moradia impondo novos padrões de
comportamento morais e culturais”
94
.
Nesse sentido, era evidente o uso demasiado do comunismo como
uma forma de coagir os trabalhadores, que pretendia se prolongar a todas
as esferas sociais. Nesse papel a questão da habitação também se
transformou em um campo estratégico
95
, pois era um fator de formação e
um espaço onde o trabalhador empregava o seu tempo livre.
Nessa perspectiva, a Igreja na cidade construiu e inaugurou a vila Dom
Nery e a vila São Vicente de Paula no fim da década de 30, compostas de
várias casas destinadas às famílias mais pobres e de pequenos operários,
94ALMEIDA, Paulo Roberto. Círculos Operários Católicos: Práticas de assistência e de
Controle no Brasil (1932-1945). Dissertação de Mestrado. p. 27
95Desta forma era nomeado e compreendido o lar no manual dos círculos operários
Católicos em 1939, página 223: O lar é uma criação divina, nele portanto, devemos
concentrar todo o esforço, toda a nossa dedicação e amor, honrando assim nossa pátria, do
qual o lar é um reflexo, e glorificando a Deus, os supremos reis dos lares”.
46
em terrenos doados principalmente por militares, tendo como uma
“obrigação” aos moradores destas vilas de rezarem todos os dias a Deus
agradecendo à aqueles que doaram os terrenos
96
.
Figura 1.2- Vila São Vicente de Paula- 1938. (Fonte: Acervo Pessoal de Daniel Camurça)
Outra artifício utilizado pela da Igreja Católica era de mostrar aos
trabalhadores que estava vigilante na legislação trabalhista e empenhada na
justiça social, criticando a questão do capitalismo desenfreado sem levar em
consideração a condição de vida do trabalhador, quando é enunciado: O
comunismo com seus horrores é um justo castigo de Deus para os homens,
que se esquecem dos elementares princípios da solidariedade humana."
97
Nessas palavras, pode-se identificar o comunismo como um castigo
divino para aqueles que querem se enriquecer sem contribuir para a obra
social procurando diminuir um abismo entre as condições do empregado em
relação ao patrão. Somente assim se poderia alcançar uma “harmonia”, não
provocando uma revolução tão temida.
Denominado como “capitalismo homicida”, este modo com o que os
capitalistas agem sedentos de lucros, sem preocupação social, foi sendo
96Op. cit. GOUVÊA (2004). p.173.
97Jornal Semana Religiosa, 12 de Maio de 1945.
47
criticado e muitas vezes tido como culpado pelo comunismo, quando cita o
semanário da Diocese:
“Se os milhares de capitalistas assassinos, tivessem
reprimido a fome de dinheiro, não haveria hoje o
bolchevismo.(...) Não maior inimigo do cristianismo, nem
maior propaganda comunista que os patrões, que não
pagam e não tratam os operários conforme as leis da
justiça”
98
.
O catolicismo chega a expor o “capitalismo homicida”, como inimigo do
cristianismo, por não querer dividir e compartilhar com o social. Era
frequente a ida do Bispo diocesano, para benzer as diversas seções do
estabelecimento das Indústrias Renard, a maior da cidade, em horário de
funcionamento da fábrica, buscando retratar sua ação em serviço de uma
maior coexistência entre os capitalistas e seus empregados.
Isso essencialmente servia para controlar os trabalhadores, em que a
Igreja e o Estado através também dos sindicatos, onde na cidade funcionava
o Sindicato de Ofícios Diversos
99
, se colocavam como unidos na causa
trabalhadora, mas era mais um mecanismo de poder utilizado, para
“domesticar” a sociedade e contribuir para a consolidação do regime que
estava em vigência na época.
O progresso difundido a partir de 1936, tendo como um dos maiores
propagadores Tuany Toledo, compreendia na busca de uma reordenação
dos espaços da cidade, propondo um rompimento com passado de uma
cidade essencialmente rural, para uma cidade que visasse uma
“modernização” e um embelezamento de suas vias e praças.
Essas propostas de uma reforma urbana tinham como uma das
principais metas uma campanha sanitarista com articulações entre políticas
educacionais e de saúde, onde a higiene da cidade representava uma
grande preocupação, traduzindo-se em criações de postos de Higiene e do
98Jornal Semana Religiosa, 25 de Abril de 1942.
99A inauguração da biblioteca Duque de Caxias no Sindicato de Ofícios Diversos pelo
comandante do Regimento, com o comparecimento do Bispo e do então prefeito na
solenidade, configuram este processo de controle e da mesma forma de articulação destas
forças hegemônicas na cidade.
48
Dispensário escolar na Praça João Beraldo em 1939, servindo como fator
para disciplinar e controlar as classes mais baixas, como também uma
justificativa para diversas intervenções na modelagem urbana.
Na passagem entre a década de 20 e 30, a mendicância na cidade era
um aspecto que incomodava o poder local, quando se acentuava:
“Urge, nesta cidade, a solução do problema da
mendicidade. É desolador o espetáculo que presenciamos
todos os sabbados, deante do cortejo de mendigos, que
sobem e descem as nossas vias publicas. A autoridade
policial incumbe o dever de fazer inspeccionar os casos dos
esmoléres, obrigando a quem tem saúde e possa trabalhar
a que tomem occupação”
100
.
Essas pessoas denominadas como mendigos, eram em sua maioria,
homens com idades avançadas, muitos destes doentes com tuberculose e
até casos de Lepras, que aproveitavam o grande movimento na cidade,
especialmente no mercado municipal, para pedirem esmolas
101
.
Em contrapartida também havia homens pobres, que pelas suas
condições desfavoráveis economicamente, para “alimentarem” o vício do
álcool e jogos, como também de conseguir algum dinheiro “optavam” pela
mendicância. Era necessário, portanto, uma medida eficaz, por parte da
autoridade policial, para distinguir entre os dois casos.
Com uma visão de progresso e modernização, por meio de práticas de
higiene e de embelezamento da cidade, na administração de Tuany Toledo,
esse aspecto da mendicidade, se tornaria fundamental nesta reforma urbana
que deveria ser construída.
A Igreja Católica se atribuía o papel de ser responsável por medidas
que prestassem assistência aos homens que possuíam uma saúde
debilitada, onde a administração municipal apoiava financeiramente com
100Jornal Gazeta de Pouso Alegre, 06 de Novembro de 1927.
101Em sua memória Terezinha Mendes Loiola assim descreve os leprosos que andavam
pela cidade pedindo esmolas: Quando brincávamos no meio da rua e escutávamos o tropel
dos cavalos dos leprosos (andavam sempre em grupo de uns quinze homens), alguém
gritava: - Corram... os leprosos estão vindo. Sempre vinha um homem na frente do grupo,
que parava e estendia o chapéu”.LOIOLA (1999). p. 110.
49
criações de taxas e isenções
102
.
Todas estas medidas levam à organização da instituição Católica do
Asilo São Vicente de Paula em 1939
103
, como também de duas instalações
de saúde uma para atender aos tuberculosos e leprosos em pontos
afastados da cidade e outra para a assistência médica à população rural
104
e também na proibição da mendicância, especialmente no centro, sendo
nomeado um fiscal, que dava expediente no edifício da velha Santa Casa
105
,
para regular e cumprir essa proibição, além de uma fiscalização na estação
e nas estradas para inibir que os mendigos de outras localidades
chegassem à cidade.
Outras realizações da administração pública que mudariam as relações
inseridas no espaço público são as instaurações na cidade, no ano de 1938,
do controle mecanizado de preços no Mercado Municipal, equipando o
mercado com caixas registradoras, como também de uma regulamentação
do horário comercial da cidade e da criação de uma Agência bancária da
Caixa Econômica Federal em 1940.
Essas medidas mudariam as relações de compra e as normatizariam,
procurando controlar e agilizar o tempo, ressaltando o discurso da cidade
rumo ao progresso em detrimento de superar o atraso que havia nas
relações tipicamente rurais, que deveriam ser abandonadas.
Os carros de bois representavam uma dessas marcas rurais.
Criticavam-se os sons emitidos de suas rodas que incomodavam a
população, considerados como um empecilho, um atraso para o progresso
102Decreto de Lei de 30 de Janeiro de 1939: “1art: Fica o sr prefeito municipal autorizado a
empregar as medidas necessárias para resolver o problema da assistência pública ao
município em collaboração as associações beneficientes”.
“Art2: A prefeitura auxiliará a assistência Bom Jesus, de modo que esta instituição
possa socorrer os indigentes do município devidamentes fechados, fornecendo-lhes o
necessário para se manterem com a proibição absoluta de mendigarem. Para ocorrer aos
encargos a que se refere esta lei, será cobrado dos consumidores de luz e energia elétrica
uma taxa adicionada”.
103 O asilo era composto de: Capela, Sacristia, Consultório médico, sala de Assistência
Bom Jesus, sala do asilo, rouparia, sala de escola, refeitório, copa,
cozinha,dispensa,pavilhão dos asilados, quartos, lavanderia e 4 quartos destinados aos
administradores do recinto, além de funcionar ao lado do asilo de uma escola municipal
voltada essencialmente para a instrução de crianças pobres
104 Essa medida serviu também para inibir a presença de curandeiros no meio rural da
cidade, que devido a um precário atendimento médico, acabava ocasionado um terreno
fértil para a ação desses chamados “médicos improvisados” que da mesma forma adotavam
algumas práticas consideradas de cunho espírita pela Igreja.
105Jornal Semana Religiosa, 27 de Fevereiro de 1937.
50
da cidade, principalmente na busca por construções de estradas de
rodagem, como é assinalado em:
“As velharias têm que ceder o seu logar as modernas
creações dos espiritos emprehendedores... carros de bois,
emblema de atraso, precisamos libertar-nos da rotina.
Deixe-mos este apêgo ao anachronico vehiculo. Vamos, aos
poucos, substituindo-o por vehiculos mais racionais e mais
efficientes”
106
.
Para desenvolver economicamente a cidade
107
, o governo municipal
aumenta o imposto sobre a transição dos carros de bois e impede que estes
percorram pelas ruas do centro, uma medida de higiene e uma tentativa de
projetar uma nova imagem das vias públicas da cidade
108.
Desde a criação da diocese de Pouso Alegre, ao redor da Igreja central
e de sua praça, foram realizadas muitas mudanças, uma especificamente se
torna essencial na discussão deste capítulo. A Praça da Igreja, no decorrer
dos primeiros anos do culo XX, foi se ligando ao principal rio da cidade,
através de avenidas e ruas, havendo uma preocupação de um
prolongamento da praça até o rio Mandu
109
.
Uma das obras que eram identificadas como essenciais no
desenvolvimento do espaço público da cidade, foi justamente a remoção da
antiga ponte e construída outra em seu lugar como expressa o órgão oficial
da prefeitura na época:
106Gazeta de Pouso Alegre, 18 de Fevereiro de 1927.
107Os veículos em 1940 totalizavam um número de 60 automóveis, 45 caminhões, 810
veículos de tração animal e 30 de tração pessoal. As vias de comunicação intermunicipais
eram feitas por: Pouso Alegre a Belo Horizonte, por rodovia via Lavras 563kms; Fonte: O
Linguarudo, edição especial, 1948.
108Código de postura vigente de 1908: “nas povoações do município é proibido: art:12. Ter
solto nas ruas e praças animais cavallares e nos logradores publicos cavallos interios,
eguas, jumentos, jumentas e touros; ter animes atados ás portas, janellas impedindo a
passagem pelas ruas, passeios e praças ou amarra-los as arvores das mesmas”.
109O rio Mandu tem sua origem no povoado de Bogari, no município de Borda da Mata, no
alto da Serra do Abertão, que faz divisa com Ouro Fino, passando pela cidade de Pouso
Alegre, até alcançar o Rio Sapucaí-Mirim, onde tem sua foz. A origem do nome deste rio,
segundo o historiador Amadeu de Queiroz, tem a ver com a grande quantidade de Mandis
existentes no rio, que devido a uma modificação de pronúncia era denominado como
Mandu, ou seja, o nome Mandu provém de Mandi- rio do Mandi. Fonte: QUEIROZ, Amadeu
de. A História de Pouso Alegre e sua Imprensa. Pouso Alegre: Irmão Gino, 1998.
51
“Substituir o velho pontilhão e fez construir em seu lugar
uma ponte de cimento armado, de feito elegante, com todos
os requisitos da moderna engenharia (...) Trecho de trânsito
intenso, logar por onde correspondemos com os centros
comerciais do vizinho São Paulo”
110
.
A origem da cidade de Pouso Alegre está intimamente ligada a este
rio
111
, pois em suas margens, que era um lugar onde os viajantes faziam
uma parada durante a sua jornada principalmente para a região do ouro,
que iniciou a habitação e a fundação de uma vila, que foi chamada de Pouso
do Mandu. Essa característica da cidade de desenvolvimento às margens do
Mandu, a diferenciou de outros municípios que surgiram e cresceram em
torno de capelas e Igrejas.
Figura 1.3- Rio Mandu 1940 (Fonte: Museu Municipal Tuany Toledo)
Neste sentido, toda uma proposta de uma transformação do espaço
físico urbano de Pouso Alegre na gestão de Tuany Toledo, se inicia em um
110Jornal A Cidade, 10 de Dezembro de 1937.
111Viajantes que vinham de São Paulo ao sertão das Gerais a procura de Ouro, tinham
como trajeto mais curto a passagem pelo Rio Mandu, o que ocasionou a fundação de um
vilarejo, pela frequência de pessoas que se utilizavam deste trajeto e pela abundância de
peixe que o rio possuía. CARVALHO, Augusto José. Terra do Bom Jesus. Pouso Alegre:
Gráfica Irmão Gino, 1982. p. 23.
52
local de origem da cidade, num discurso de “modernização”, como se quem
chegasse à cidade tivesse que perceber que ela não era mais a mesma,
uma nova Pouso Alegre devia ser apresentada aos visitantes, uma porta de
entrada a mudanças que estariam por vir.
A representatividade do rio Mandu ultrapassava uma projeção somente
geográfica, compreendendo um fator que construía inúmeros sentidos e
significados pela população. A memorialista Alvarina Toledo ressalta este
traço do rio, referindo o Rio Mandu como um aspecto considerável para o
desenvolvimento de Pouso Alegre, afirmando também que: Nas belas
tardes famílias e a mocidade passeavam e iam até o rio, pela beleza da
visão das várzeas cheias e das canoas navegando: era uma alegria, um
sonho!”
112
Na década de trinta o rio servia como uma opção de lazer. Na época
das chuvas, no Rio Mandu ocorriam às enchentes, onde a baixada se
transformava em um verdadeiro lago. Com esse fenômeno, o rio passava a
ser um local de diversão para a população, era o período que se faziam
inúmeros passeios de barco.
O trajeto deste passeio tinha seu início na ponte de cimento e o seu
destino final era o Rio Sapucaí-Mirim, sendo estes passeios muito
procurados pela elite local, pois o preço não era muito acessível a outros
moradores da cidade.
Enquanto o rio Mandu era um local de diversão pelos passeios e
também de admiração para com suas várzeas inundadas pela elite. Para a
população menos favorecida economicamente, este local representava uma
oportunidade de emprego e renda, com a realização da atividade pesqueira.
As enchentes tão necessárias para os passeios a barco, acarretavam aos
moradores pobres que residiam próximos ao rio, um grande prejuízo
material e principalmente de perdas de entes queridos, havendo casos até
de mortes por afogamentos no bairro São Geraldo
113
.
112TOLEDO, Alvarina Amaral de Oliveira. Meu Amigo o Tempo. Pouso Alegre. Academia
Pousoalegrense de Letras, 1999.p. 34.
113Poema escrito sobre a enchente na época: “Eu gosto muito de vêr a enchente da
vargem do Mandú. Que bello espetaculo, ceo e agua e a ponte de concreto armado
abarrotada de gente... uns vão outras voltam, uns atiram á agua para nadar, outros
passeiam de canôa e outros alvejam, de repente surge o contraste. Um bello espetaculo
para auqlles que não tiveram tragado pelas ondas invenciveis um ente que lhes é caro”
Jornal Gazeta de Pouso Alegre, 27 de Janeiro de 1929.
53
Este rio, portanto, sempre esteve muito ligado ao cotidiano da
população da cidade, como também era lhe atribuído muitos significados. A
água estava associada á rotina e ás práticas sociais da população, o rio
servia como mesmo afirma Denise Sant'Anna Bernuzzi: como ponto de
referência divisão ou ligação de territórios e de culturas”
114
.
Em relação às mudanças no espaço urbano de Pouso Alegre no final
da década de 30, a abertura da principal avenida da cidade até a estação de
ferroviária, foi umas das formas que talvez tenha mais fortemente
influenciado a mudança de percepção dos espaços, não no sentido
econômico, mas também simbolicamente.
A estação ferroviária se constituía em um local de grande sociabilidade
por parte da população. Era um espaço de passeio, da prática de esporte
em torno da linha, de embarque e desembarque de pessoas, que atraíam
inúmeros curiosos e moradores que iam recepcionar os visitantes, além de
ser o local de chegada e partida das mercadorias. A Rede Mineira de Viação
era vista como um fator de ligação da cidade com o progresso.
Até o início da década de 30, a estação ferroviária estava separada,
por um largo, onde ficava justamente a cadeia pública municipal, a partir da
gestão de Tuany Toledo, ocorre a abertura e calçamento da avenida Dr.
Lisboa até a estação ferroviária e a construção de um Hotel Avenida no
lugar da Cadeia, para solucionar o problema da falta de um lugar com
confortáveis dependências para a hospedagem de pessoas que visitavam
a cidade
115
.
Essa reformulada avenida, contendo uma nova iluminação, beneficiada
também pelo cinema que procurava chamar a atenção com um sistema
luminoso intensificado, passou a ter outro nome durante o Estado Novo,
denominado como Avenida Benedito Valadares, o então governador de
Minas Gerais na época, uma das formas que Tuany Toledo buscou para
conseguir sua efetivação no cargo de prefeito em 1939, já que o governador
tinha o poder de escolher seus auxiliares nos municípios.
114SANT' ANNA, Denise Bernuzzi. O corpo na cidade das Águas: São Paulo (1840-1910) In:
Revista Projeto História do Programa de Estudos Pós Graduados em História da PUC/SP.
São Paulo: EDUC, n25, 2002 p.104.
115A construção de um Hotel com uma estrutura adequada para amenizar o problema de
hospedagem da cidade, vem desde a Lei n.168 de 1928, concedendo inúmeros benefícios,
como a isenção de impostos municipais, de taxas de luz, água e esgoto.
54
Nesta política, a nova praça construída atrás da Catedral, também foi
denominada de Praça Getúlio Vargas, assim o Estado Novo demarcava seu
território no espaço da cidade
116
.
Figura 1.4- Calçamento Avenida Dr. Lisboa- 1938 (Fonte: Museu Municipal Tuany
Toledo).
Nesse sentido simbolicamente, podemos perceber o poder público
agindo de uma forma, de além de querer modernizar a cidade com avenidas
mais largas, mas também de introduzir novos pensamentos, onde grupos
dominantes da cidade se identificavam também com interesses dominantes
do progresso tanto de São Paulo como do Rio de Janeiro, justamente onde
era a partida da rede viária e o destino final, respectivamente.
O antigo Largo, denominado Largo da Cadeia, era de terra batida e mal
conservado
117
, ali estava inserido também uma pequena fábrica de cervejas,
onde os homens se reuniam para beber, jogar conversa “fora” e praticar
bocha
118
.
Devido à proximidade com a estação ferroviária, a administração
116Essa mudança do nome tanto da praça como da avenida, foi instituída na comemoração
do primeiro ano do Estado Novo em 10 de Novembro de 1938.
117GOUVÊA, Otávio Miranda. A História de Pouso Alegre. Pouso Alegre: Gráfica Amaral,
2004. p.132.
118O jogo de bocha é um esporte jogado entre duas pessoas ou duas equipes, que consiste
em lançar bochas (bolas) e situá-las o mais perto possível de um bolim (bola pequena),
previamente lançado.
55
pública, preocupada com a projeção da imagem do local aos que
chegassem à cidade, não via com “bons olhos” estas práticas, como
também a Igreja
119
. Pretendia-se da mesma forma, assinalar uma postura de
educação e preparação do corpo para o trabalho. O jogo neste sentido tirava
a atenção do trabalho e propiciava o ócio.
Neste sentido se processou a sua demolição, com a venda dos
terrenos as famílias que quisessem construir residências, conforme se
expressa em:
“A câmara municipal está annunciando a venda em hasta
publica, dos terrenos da Praça Francisco Veiga (Praça da
Cadeia) dividos em lotes proprios para a construção de
casas. Essa venda será effectuada mediante proposta, por
escripto dos interessados ao agente executivo
120
Esses lotes, devido a inúmeras exigências, eram comprados por
famílias de posse, que tinham que construir casas que dessem uma nova
imagem à avenida. Cada morador do centro deveria da mesma forma,
segundo a administração local, servir e contribuir para o progresso e imagem
da cidade. Com o lema: “cidade limpa é cidade civilizada, a limpeza é índice
de civilidade.”
121
,a prefeitura buscava o auxílio dos moradores para que
constantemente renovassem a pintura das casas, construíssem muros e
passeios, deixassem diariamente o lixo para a coleta em recipientes
apropriados e também que prestigiassem a ação dos guardas sanitários, que
frequentemente visitavam a cidade, vindos da capital do Estado.
Mesmo com a demolição da cadeia, devido também aos jogos e aos
119Idealização de uma nova cadeia começa no fim da década de 20: “O governo do Estado,
pela Secretaria de Agricultura, acaba de mandar a esta cidade um engenheiro para estudar
e orçar as obras para a construção de uma nova cadeia pública, atendendo a que a atual
está ameaçando ruir. Vai ser um benéfico serviço que se prestará à nossa cidade, e, para
que o novo estabelecimento carcerário não seja erguido no mesmo local do antigo, centro
da cidade e próximo a estrada de ferro, como que a dar uma nota de sofrimento e miséria
ao transeunte que aporta nestas terras,a Câmara vai oferecer ao governo, o terreno próprio
para essa construção, afim de que a nova cadeia fique localizada em ponto mais afastado
da cidade”. Fonte: Gazeta de Pouso Alegre, 18 de março de 1928.
120Jornal Gazeta de Pouso Alegre, 1928 15 de Junho.
121Serviço de Educação e Saúde da Prefeitura Municipal em 13 de Junho de 1942, na
gestão de José Antonio de Vasconcelos Costa, sucessor de Tuany Toledo na prefeitura de
Pouso Alegre..
56
encontros de homens para conversas no tempo livre, que eram exercidas da
mesma forma a noite, pois as imediações da cadeia eram um dos lugares
mais iluminados da cidade. As presenças de jogos, como o jogo do bicho,
não cessaram, crescendo consideravelmente sua atividade na cidade,
acarretando em uma cobrança da população local para uma ação da
autoridade policial, quando o jornal da Diocese expressa:
“A cidade está invadida por uma onda, sempre crescente de
jogos de azar, dos mais perniciosos e mais deprimentes,
vísporas, bancadas, desde os mais humildes a o de luxo
“luminoso”, bancas de búzio diversos, localizadas até a
avenida, onde se jogam paradas de 100$000, a roleta (por
enquanto), vão reunindo a a madrugada centenas de
pessoas, principalmente operários, que sacrificam em
proveito dos banqueiros o fruto de seu trabalho e o pão dos
filhos”
122
Essa é uma informação prestada pelo “Semana Religiosa”, diante da
visita do chefe da Polícia Regional de Itajubá por causa de denúncias feitas
pela população da cidade, referente ao crescimento dos jogos ilegais no
centro. Estes problemas ocorridos no viver urbano estavam sob os olhos
vigilantes da Igreja que também existiam casos de vendas e práticas de
jogos, como o jogo do bicho, nas festas religiosas, que mediante o esforço
também da administração pública, se efetiva o seu controle pela polícia,
sendo que desde 1937, os jogos de azar foram proibidos em Pouso Alegre.
Entretanto, uma concessão é feita por esta autoridade policial ao Clube
Literário e Recreativo da elite da cidade, que teve permissão para o
funcionamento de uma Víspora
123
, conhecida como “Luminoso”, por ser
praticada em um salão no fundo do Clube, iluminado por lâmpadas de
néon.
A Igreja critica essa posição e enfatiza que este ato pode atrair mais
investidores de jogatinas na cidade. Nesse sentido, esta instituição prioriza a
122Jornal Semana Religiosa, 26 de Outubro de 1940.
123Também conhecido como Loto, consiste em um jogo com cartões numerados de 1 a 90,
onde uma pessoa fica responsável por sortear números, “cantando” aos que participam da
“rodada”.
57
educação dos jogadores, com a criação de encontros e estudos concernente
a este tema específico, dos “perigos” dos jogos.
Outro fator é enfatizado pela Imprensa local, quando relata:
“Chamamos a atenção do senhor delegado de polícia para
os jogos de boxe da cidade (...) a maioria dos afeicados a
esta espécie de jogo gastam apostas e deixam a “casar” 20,
30 a 50 em dinheiro, várias vezes presenciamos menores e
adultos que vendem leite e leitoa”
124
Os jogos com as apostas se diferenciavam e também mudavam de
localização, mesmo diante do estímulo de práticas esportivas, usadas como
uma forma de controle, onde eventos de boxe cresciam de popularidade na
cidade, muitas vezes o próprio esporte era utilizado como um meio de se
apostar dinheiro e principalmente de contribuir, segundo a Igreja com a
pobreza local
125
.
Com a remodelagem urbana ocorrendo na cidade, com novos jardins e
arborizações implantadas, como em volta da catedral, da Igreja Santuário e
do Parque na Praça João Pinheiro, não raras vezes, esses eram objetos de
vandalismo e destruição por parte da população, como podemos perceber
na notícia do jornal A Cidade em:
“Referimo-nos ao inqualificado gesto de alguns malfeitores,
inimigos das flores e das árvores que procuram destruir a
arborização e os jardins da cidade, tentando arrasar tudo
que a prefeitura fizer pouco antes em determinados pontos
da urbanização com o intuito de lhe dar beleza e sombra. O
jardim e as árvores embelezam as praças e avenidas,os
inimigos da cidade que tentam destruir-los para impedir o
nosso progresso”
126
.
124Jornal Pouso Alegre, 1 de maio de 1934.
125Sobre a questão dos jogos para servir de ilustração, a memorialista Terezinha Loiola
retrata o problema que seu pai na época teve, quando afirma: caiu em depressão e juntou-
se a amigos desaconselháveis, amigos de bebida e do jogo. O proprietário de um bar
possuía banca de jogo e a jogatina era nos fundos e ia até o amanhecer do dia. Papai
chegava tarde em casa e bêbado. (...) A cada dia ele entregava-se ao vício, gastando o
mísero dinheiro que ganhava com sacrifício.”. LOIOLA, (1999). p. 66.
126 Jornal a Cidade, 20 de Outubro de 1938.
58
Todos esses casos refletiram em medidas que freiassem essas
posturas “incivilizadas”. As maiorias destas depredações ocorriam
exatamente à noite, aproveitando os problemas que estava sendo
enfrentado na rede de energia elétrica na cidade.
Um recurso encontrado pela administração de Tuany Toledo, para
conter esses atos de vandalismo, foi a criação da Guarda Municipal Noturna,
para conter qualquer ato que fosse entendido como ilícito no espaço urbano
de Pouso Alegre.
A Igreja Católica considerava esses atos ocorridos nos jardins próximos
de suas Igrejas
127
como “inqualificados”, usando esses gestos para insinuar
que poderia ser pessoas de religiões e de ideais contrários a sua instituição,
que estavam agindo sem serem vistos, de uma forma covarde. Diante
desses acontecimentos, a diocese cobrava do poder local a descoberta de
quem realmente estava por trás desses atos
128
.
Enquanto uns grupos na cidade compartilhavam essas perspectivas de
progresso, priorizando obras e medidas higienistas, enfocadas pelo poder
público local, outros criticavam através da imprensa
129
posicionando-se a
respeito das obras realizadas, fiscalizando como o dinheiro dos impostos
estava sendo empregado e se realmente as ruas estavam se beneficiando
dessa política, ocasionando algumas censuras e acusações por parte do
governo municipal.
A Segunda Guerra Mundial, também contribui para uma nova
concepção de idéias e novos comportamentos vindo de fora da cidade. Além
de noticiar, a Igreja utilizava os acontecimentos da guerra para doutrinar a
sociedade de Pouso Alegre. O jornal da diocese se preocupa mais em
127Os indivíduos desalmados, que danificaram as arvores de ornamentação pública da
praça senador José Bento desta cidade foram presos, pagaram multa exigida pela
municipalidade e estão sendo processados pela justiça local Jornal Gazeta de Pouso
Alegre, 1925.
128Quem são eles? Quanto a nós uma coisa sabemos: que “eles” estão pondo as
manguinhas de fora e daqui a pouco o identificaremos”Jornal Semana Religiosa 8 de julho
de 1944.
129 Como o jornal Pouso Alegre, de oposição política e a Razão, do movimento Integralista,
o mais perseguido, estampando pessoas que se desliguem deste partido no órgão oficial da
prefeitura na época como em: “Ao povo de Pouso Alegre declaro nesta data que não
pertenço a acção integralista braslileira, sem que esse meu desligamento importa em
solidariedade a qualquer outro partido pollítico” Jornal Cidade, 15 de Setembro de 1937,
José Angelo de Souza. Em 1938 a Igreja rescindiu o contrato de arrendamennto de algumas
salas do Ginásio São José com alguns Integralistas e demitiu professores que pertenciam a
este segmento da sociedade dos seus colégios.
59
noticiar bombardeios em suas catedrais na Europa, e no Vaticano, que
poderia acarretar em uma perda de poder do catolicismo romano, do que
relatar as perdas humanas durante a guerra.
Com a falta de alguns alimentos na cidade, como o trigo e o
racionamento de açúcar e sal, pela dificuldade da navegação entre o norte e
o sul do país devido à guerra, como afirma Otávio Miranda Gouvêa
130
, a
população mesmo estando distante das batalhas, vivenciava suas
consequências, como mesmo afirma Terezinha Mendes Loiola:
“Mesmo estando longe da zona de guerra, sentíamos
próximas do perigo. Neuroses nos assaltavam. À noite as
ruas ficavam silenciosas, ouvíamos apenas o trotar dos
cavalos que as patrulhavam. Vidraças foram vedadas com
panos grossos e de cor preta para evitar que a claridade
ultrapassasse os umbrais de nossas casas. Ninguém
ousava sair às ruas durante a noite.”
131
Todo esse medo e preocupação da população da cidade acabaram
ocasionando um aumento da curiosidade e a busca por notícias e
informações sobre o combate mundial.
A Igreja dessa forma busca informar sobre a guerra de um modo
parcial, não relatando as vitórias russas na guerra, em vez disso, publica
com veemência as perseguições sofridas pelo catolicismo nesse país, e a
persistência do “povo russo firme no sentimento religioso”.
Ao se utilizar dessa estratégia, a Igreja pretende não contribuir para o
que poderia ser uma propaganda comunista se relatasse essas vitórias, mas
tem a intenção de apresentar, de mudar o foco, que filmes da guerra
ganhavam enorme popularidade na cidade. Quem está agindo com bravura,
não são somente os soldados russos, mas também os católicos
perseguidos.
São narradas histórias
132
de soldados russos assistindo a missas, em
capelas de campanha construídas por poloneses, onde segundo o órgão
130Op. cit. GOUVÊA (2004). p 197.
131Op. cit. LOIOLA (1999). p. 113.
132Jornal Semana Religiosa, 8 de Julho de 1944.
60
oficial da diocese, no final da cerimônia pedem a bênção do padre e os
poloneses doam aos russos crucifixos fabricados de ossos.
Nessa história, da mesma forma ocorre uma tentativa de mostrar para
a população, que os soldados russos apesar das perseguições, ainda
guardam o seu sentimento de fé, e isto deve ser seguido pela população da
cidade. A diocese quer retratar que as vitórias russas são efetuadas também
por católicos, não somente por homens comunistas, denominados como
anti-religiosos.
A partir de 1942, quando o Brasil entra na guerra contra os países do
eixo, na cidade acontecem mobilizações na Praça Senador José Bento. Em
umas destas mobilizações, a população chega a invadir e saquear uma
padaria alemã, onde em suas paredes havia penduradas fotos de Hitler e
alguns símbolos nazistas.
Dessa forma, o conflito armado da Segunda Guerra, é vivido de modo
peculiar na vida urbana da cidade; aplicando-se em doações de metais,
como ferro, chumbo, todos depositados na praça principal para fundição.
Organiza-se, um campo de prisioneiros para alemães
133
, a fundação de um
Aeroclub
134
; além disso, os jovens se engajam no 8°Regimento e eram
enviados para a defesa do país no litoral e também em batalhas na Itália,
integrando a Força Expedicionária Brasileira.
Essencialmente na questão religiosa, a Igreja Católica aponta para
uma suposta aliança, entre o protestantismo, maçonaria e espiritismo, sendo
muitas vezes, até relacionados com o próprio comunismo, criando no
imaginário do católico uma conspiração entre esses opositores contra a
igreja
135.
A Igreja opunha-se radicalmente a maçonaria enfatizando o fato de suas
reuniões serem realizadas de uma forma secreta. Segundo esta, todos os
inimigos do episcopado eram notórios, suas reuniões eram abertas ao
público, mas a maçonaria como inimiga, era considerada muito mais
133Em 1943 seria criado no RAM um campo de prisioneiros. Eram 62 alemães, sendo 42
da Marinha Mercante e 20 da Marinha de Guerra. Os prisioneiros ficaram aproximadamente
sete meses em Pouso Alegre e posteriormente foram trocados por 144 brasileiros detidos na
Alemanha.
134Fundado em 13 de Novembro de 1940, O Aeroclub” continha uma escola de
aprendizagem em habilitação de pilotos.
135SILVA, C. L. Onda vermelha: imaginários anticomunistas brasileiros (1931-1934). Porto
Alegre: EDIPUCRS, 2001.p. 87.
61
“perigosa”, por causa de seus adeptos, sendo muitos deles possuidores de
posições influentes e particularmente por ser um opositor que é difícil de
saber em que hora ele vai atacar, denominado “desleal” pela dificuldade de
ser “visto”.
Todo este discurso visava conseguir apoio para impedir a construção
de uma loja maçônica na cidade, que era objetivo deste grupo para o seu
fortalecimento em meados da década de 30 em Pouso Alegre, como
também de cobrar ao poder público medidas para proibir qualquer reunião
de cunho secreto.
A Igreja buscava um fortalecimento da convicção e conhecimento da
crença católica na diocese de Pouso Alegre, pois da mesma forma tanto o
protestantismo e o espiritismo, ainda não tinham se estabelecido na cidade,
com alguma proporção de medir forças com o catolicismo
136
.
Os protestantes são identificados pela Igreja como “irmãos separados”,
exatamente para enfatizar uma divisão, uma rebelião estabelecida pelo
protestantismo, antes em unidade com o catolicismo. Nesse ponto a Igreja
estabelece que o cristianismo foi fundado em uma unidade, tendo
legitimação pelo apóstolo Pedro de ter fundado uma única igreja,
exatamente a católica.
Dissensões, portanto, são conseqüências de alguém estar no engano,
no erro, assim se prioriza a questão do catolicismo ser uno e o
protestantismo ter com suas variadas denominações um grande
emaranhado de divisões.
Ao revelar esse seu conceito sobre os protestantes, a Igreja tem o
interesse também de fortalecer a autenticidade de sua doutrina e manter a
ordem vigente. O termo “irmãos” denota uma mesma origem, um mesmo
Pai. Desse modo, o protestantismo é um irmão rebelde que não se
arrependeu de sua transgressão, de sua rebeldia contra seu pai, no caso
Deus.
Um exemplo disso é a discussão sobre o jornal Gente Nova”
137
,
publicado pela mocidade de Pouso Alegre, onde o “Semana Religiosa” faz
136Em 1948, o município possuía 33.803 católicos romanos; 950 de outras religiões, 41 sem
religião e 130 de religião não declarada. Sinopse Estatística do Município de Pouso Alegre,
Belo Horizonte, 1948
137Jornal Gente Nova , Janeiro de 1933.
62
severas críticas a uma matéria que aborda que o ensino laico não pode ser
compreendido como prejudicial nas escolas, apontando que Aristóteles de
Carvalho, o responsável pela matéria, sendo protestante, que deve deixar
aos católicos a liberdade de terem para os seus filhos o ensino religioso”. O
que denota a presença protestante na cidade.
Entretanto as reuniões protestantes eram realizadas em residências,
não de forma institucionalizada, o que viria acontecer somente em
meados da década de 40, com a fundação da primeira Igreja presbiteriana
na Avenida Comendador José Garcia.
A igreja para conter esse crescimento e a abertura de uma instituição
por parte deste grupo, cita em sua imprensa confissões de novas
conversões por pessoas que estavam ligadas ao protestantismo na
diocese
138
.
também referência, a outra ramificação do protestantismo,
presente na cidade, quando o “Semana Religiosa” acentua:
“Hoje quero fazer uma referencia especial aos fanáticos
chamados “pentescostaes” que tem tentado semiar a sua
heresia na diocese de Pouso Alegre e a nova seitinha surge
com uma violencia tremenda contra a Igreja Catholica,
que chama delicadamente de meretriz do Apocalipse, a
seita pentecostal não passa de macumba protestante, de
baixo espiritismo”
139
Os pentecostais
140
, não estavam organizados na cidade como os
presbiterianos, que estavam inseridos, por exemplo, na imprensa local, mas
eram pessoas de classes mais baixas, muitas delas convertidas a esta
ramificação vindas do espiritismo. Por evidenciarem práticas como a
138“Perante o Exmo se. Arcebispo de Bello Horizonte, fez profissão de catholica o
advogado José Lopes Ribeiro. O neo convertido foi pastor presbiteriano nesta zona,
havendo residido em Borda da mata e Itajubá” Jornal Semana Religiosa, 19 de Agosto de
1939.
139Jornal Semana Religiosa, 19 de Agosto de 1939.
140O pentecostalismo clássico, abrangendo o período de 1930 a 1950 foram implantados
no país, decorrente da fundação da Assembléia de Deus e da Congregação Cristã no Brasil,
que enfocam as manifestações espirituais, como o Batismo com o Espírito Santo, e um
ascetismo que rejeita os valores do mundo.
63
glossolalia
141
e a cura divina, eles eram confundidos e comparados aos
espíritas, por isso evidenciados como “macumba protestante”, como
também não eram bem vistos pelos presbiterianos por causa da diferença
brusca de doutrina e de posicionamento religioso.
Exatamente sobre o espiritismo, um fator é predominantemente
apontado no órgão oficial da Igreja: “Já tive a infelicidade de encontrar-me com
este disparate, um espírita católico, com que tristeza e sem poder conter o riso.
Perdoai-lhe Senhor, não sabem o que fazem.
142
O jornal da diocese critica uma junção que católicos faziam com o
espiritismo, essa preocupação tem seu principal motivo na própria
contaminação interna de sua instituição que poderia acontecer, e de um
crescimento do espiritismo na cidade, sendo na década de 30 seria fundado
o Centro Espírita Amor e Humildade, que desse modo teria uma maior
facilidade de propagação.
Nesse sentido, são ressaltados diversos casos na cidade, de
manifestações e práticas relacionadas ao espiritismo, como se expressam
em:
“Domingo passado na cathedral desta cidade serviu de
teatro, a ousadia e as palachadas espíritas de um
explorador vindo de fora." O facto passou do seguinte modo,
após a missa parochial uma senhora dirige-se ao vigário,
pedindo-lhe licença para rezar um terço na Igreja. Dada a
licença retirou-se o vigário. Daqui a pouco foi surpreendido
por uma cantoria ao altar, achou-se presente a uma
verdadeira sessão espírita, estando o médium em transe.
Felizmente, o nosso enérgico e vigilante delegado de polícia
pois fim a exploração do medium, constatando que era
criminoso em outra cidade.
143
Está percorrendo nas ruas de nossa cidade uma
quiromante “com longos estudos na Europa” e propondo-se
revelar com grande clareza os fatos importantes da vida
141Fenômeno onde o indivíduo acredita expressar-se em uma língua por ele desconhecida.
142Jornal Semana Religiosa, 22 de Agosto de 1941
143ibidem, 15 de Janeiro de 1938.
64
humana. Não é preciso ser muito inteligente para
compreender que se trata de uma grosseira exploração da
credulidade pública, contra qual deve ser prevenido o nosso
povo”
144
No primeiro caso percebe-se a frequência de espíritas as missas. Para
conter uma junção de práticas espíritas e católicas, a Igreja identifica o
espiritismo relacionando a prática de criminosos, como também ao estímulo
de vícios e doenças. Segundo o catolicismo, o exercício do espiritismo
prepara e facilita quadros mentais instáveis.
No segundo caso, a quiromancia
145
era considerada pelo semanário
como prática de adivinhação supersticiosa e enganadora. As pessoas que
chegavam à cidade praticando este método eram associadas
frequentemente a atividade de feitiçaria, que a Igreja se posicionava
categoricamente como ofensiva à doutrina do catolicismo.
Uma das táticas praticadas pelos espíritas na cidade, para conseguir
visibilidade, era a frequência de casos na cidade de médiuns que afirmavam
receber mensagens de pessoas de camadas mais elevadas, buscando atrair
com isso seus familiares.
A Igreja, nesse sentido, alerta seus seguidores, através da imprensa,
relacionando essas mensagens como enganosas, cobrando medidas
policiais para conter essas “farsas”.
Para o catolicismo como a comunicação com os mortos é condenada,
esse ato é considerado de procedência maligna. As pessoas que entravam
em contato com esses espíritos estavam propensas a diversos males,
estando a serviço de uma “fábrica de loucos”.
Esse enfoque usado pela Igreja buscava encontrar apoio do poder
público local, para uma maior repreensão e combate a centros espíritas,
onde a Liga de Higiene Mental, que tratava da intervenção das doenças que
agiam no campo mental, precisavam que suas idéias fossem implantadas
na cidade, conforme os moldes da campanha sanitarista utilizada pela
administração municipal.
144Jornal Semana Religiosa, 6 de Abril de 1940.
145Quiromancia é um método adotado para interpretação de significados através das linhas
das mãos.
65
Diante de todas estas transformações espaciais enunciadas e também
de novos ideais e “modismos” emergentes na cidade neste período, a Igreja
começava a idealizar uma reforma e ampliação de sua Catedral, como é
retratada em:
“O progresso material de Pouso Alegre nestes últimos anos.
Tudo aqui melhorando e tornando ares de uma grande
cidade, colocada no fim de uma grande avenida, a nossa
catedral hoje não provoca boa impreessão aos visitantes
pelas suas linhas pesadas pelo seu aspecto antiquado.
Percebe-se que as pessoas de fora esperavam encontrar
com nosso principal templo catholico alguma coisa de mais
bello e mais grandioso, que não destoasse do nosso
progresso geral e que fosse uma expressão mais eloquente
da nossa fé, da nossa devoção ao bom Jesus. Uma
restauração, uma remodelação externa e interna poderia
parecer suficiente para satisfazer as justas exigências dos
novos tempos”
146
.
A imponência que se percebia antes, enunciadas pelas edificações
construídas pela Igreja, principalmente a Catedral, devido às pavimentações
de praticamente todas as ruas centrais, durante a década de 30 e do mesmo
modo, de uma ampla reforma do Mercado Municipal em 1940, ela já não era
tão evidente.
146Carta Pastoral do Bispo Diocesano D. Otávio Miranda sobre a Construção da Catedral
de 2 de Fevereiro de 1940.
66
Figura 1.5- Demolição de umas das torres da Catedral (Fonte: Acervo pessoal de
Daniel Camurça)
Resistindo à perda de importância, a Igreja busca se sobressair e
ressaltar seu domínio e influência sobre a população da cidade. Com o
intuito de reformar a Catedral, a diocese mobiliza as paróquias para levantar
contribuições, aumenta o preço dos batismos, como também cria a quinzena
Pró Catedral em Pouso Alegre, realizada no mês de Maio, constituída
principalmente de Missões, procissões, jogos esportivos, teatros encenados
por alunos da Escola Profissional Delfim Moreira e pelos membros do Clube
28 de Setembro, e principalmente de barracas de diversões e de alimentos
na arrecadação de fundos
147
. É importante ressaltar, que esta atividade
quinzenal também servia como uma forma de educação e controle por parte
da Igreja, como meio de defesa a ideais contrários que estavam se
propagando na cidade.
Um fator que chama a atenção foi uma significativa ajuda financeira por
parte dos militares do Regimento, além de uma colaboração na organização
do evento, como podemos notar no balanço do total de Receita das
Barracas durante a Quinzena de 1941:
147As barracas eram instaladas ao lado da Catedral e eram denominadas como: Barraca
brasileira, com a função de receber doações, Barraca Mineira, direcionada a atividades
esportivas, Barraca Pouso Alegre, responsável por jogos de diversões e Barraca Bom Jesus,
que tratava dos alimentos que seriam vendidos.
67
Receita Quinzena Pró Catedral- 1941
Barraca Pouso Alegre
Diretor: Porfírio Ribeiro de Andrade
Renda da Barraca 12$100
Donativos- Dr. Wenceslau Braz 200$000
Cel João Rerreira 100$000
Cel. Franscisco Moreira Costa 300$000
Cel Belo Lisboa 100$000
Dr. Aureliano Duarte 100$000
Cel. José Modesto 2000$000
Dr. Vicente Rizola 100$000
Sr. Manoel Vilela, uma maquina de costura no valor de
2:000$000
Total: 11:212$1000
Barraca Bom Jesus
Diretora: D. Ceci Carneiro Rica
Renda da Barraca 6:580$000
Donativo Cel. Francisco Moreira Costa 500$000
Donativo Diversos 280$000
Total: 7:360$000
Barraca Brasileira
Diretora: D. Maria Brasil Santos
Renda da Barraca 5:920$5000
Donativos- Mons. Aristides S. Leite 100$000
C° José Guimarâes Fonseca 100$000
D. Maria Palma Coelho 100$000
D. Maria T. Trompowsky 100$000
D. Josefina Santos Libanio 105$000
Dr. Eremi Xavier Pompeu 80$000
Donativos Diversos 120$000
Total: 6:625$500
68
Barraca Mineira
Diretora: D. Maria Odete Minqueti
Renda da Barraca 5:278$600
Donativos- D. Cristina Rosei 100$000
D. Zilda T. Vilas Boas 100$000
D. Lourdes Coutinho
D. Maria Odete Minqueti
Dr. Moura Andrade
D. Alice Gomes
Donativos Diversos 157$000
Total: 6:035$000
148
Nota-se também nesta receita uma presença feminina maciça, tanto
nas comissões diretoras, como na parte dos donativos, além de que as
jovens também eram recrutadas para ajudarem nas diversas tarefas
referentes às barracas, retratando assim a preocupação e atuação da Igreja
na busca pela participação das mulheres em suas atividades como uma
forma de controle diante das transformações que estavam se configurando
no viver urbano, que serão estritamente analisadas no próximo capítulo.
148Receita publicada na edição do Jornal Semana Religiosa, em 9 de Agosto de 1941.
69
CAPÍTULO II- “JUVENTUDE DE HOJE, LARES DE AMANHÃ
149
”: A
MULHER E A MORAL CATÓLICA NAS TRANSFORMAÇÕES DA
VIDA URBANA EM POUSO ALEGRE.
"Os anos passam, os costumes evoluem, sem que nós os
sintamos; e quando casualmente uma gravura antiga nos
atrai a atenção, ficamos espantados de vêr como tudo pode
mudar tanto, em tão pouco tempo.
A moda exerce sobre todos a sua tirania. Antes que o
percebamos, ela se impôs, é ás vezes ridícula, perigosa-
e nós nos conformamos! Defendemos tão ferozmente a
nossa liberdade, e no entanto somos tão escravos da moda,
sem contra isso nos insurgimos.
Não nego, que dentro das medidas, é preciso que nos
submetemos, pois a vida em sociedade cria deveres e
obrigações. Mas em termos! Aceitar todas as loucuras que a
moda exige seria um absurdo, um ser inteligente, um ser
moralmente são, deve saber distinguir a elegância
necessária do exagero do exagero de mau gosto. Mas não é
o que acontece sempre!”
150
Um aspecto considerável para uma nova projeção da imagem da
cidade, inserida em uma política de modificações de seus espaços, que
solidificava o caminho para um progresso sustentável pela administração
pública, foi exatamente a fundação e criação da primeira sala de projeções
de filmes sonoros, o cine Eldorado. Instalado exatamente no antigo teatro
municipal na remodelada avenida principal da cidade, a Doutor Lisboa que
ligava a estação ferroviária.
Esta nova sala de projeção, acabou se tornando também um aspecto
de diferenciação da imagem de uma cidade do campo, sendo um
149Esse é o lema frequentemente utilizado pela Igreja da diocese no jornal Mocidade,
destinado à instrução das jovens católicas.
150Mocidade, Abril de 1941.
70
influenciador de novos costumes e idéias, que muitas vezes se chocavam
com as doutrinas ensinadas pela Igreja em Pouso Alegre.
Para a administração pública, principalmente na gestão de Tuany
Toledo, esse novo empreendimento representava um modelo de
modernidade, exaltando os aparelhos de projeção do novo cinema, que
mesmo com a deficiência da energia elétrica da cidade
151
, este era uma
comprovação que Pouso Alegre estava crescendo como cita o próprio
prefeito, mencionado que os aparelhos do Eldorado ofereciam umaprojeção
admirável, de uma nitidez e uma firmesa absoluta”
152
.
Figura 2.1- Inauguração do Cine “Eldorado”- 1935 (Fonte Acervo Pessoal Daniel Camurça).
Essa exaltação correspondia também a uma tentativa do poder local de
simbolizar uma luta por melhoramentos na energia da cidade, que eram
frequentes inúmeras críticas por parte da população, ficando bem difundida
nos jornais da época a frase: “Pouso Alegre, cidade que seduz, de dia falta
água e á noite falta luz”
153
, pois mesmo com as reformas desempenhadas na
década de 30 como a construção de uma nova usina situada no distrito de
151O serviço de eletricidade da cidade era desempenhado pela Empresa de Força e Luz de
Pouso Alegre com concessão da câmara municipal através da lei n° 49 de 18 de Novembro
de 1905, permanecendo até 1925, devido à necessidade de reformas.
152O Município, 20 de Agosto de 1939.
153Op. cit. GOUVÊA (2004). p. 115.
71
Borda da Mata, com o crescimento da cidade, o serviço de iluminação ficou
deficiente chegando à cidade a ficar no ano de 1941 na escuridão por seis
meses.
Da mesma forma os elogios aos equipamentos do “Eldorado”,
contribuíam para reverter uma certa suspeita em relação aos
cinematógrafos, pelos vários casos que chegavam à cidade, de incêndios
das casas de projeções em plena exibição de filmes, principalmente no Rio
de Janeiro.
Era necessário, que houvesse um intervalo durante as exibições, para
uma limpagem da tela para evitar um superaquecimento, dessa forma
assegurava-se a respeitabilidade do cinema pela segurança, assim
acarretaria uma maior frequência de pessoas às exibições de filmes e
seriados.
As imagens do fogo e do escuro do cinema eram tomadas pela Igreja
na cidade, como uma forma de criar um imaginário negativo dos “maus”
filmes, que condiziam com os aspectos existentes na figuração das trevas,
que no pensamento cristão se contrapunha à imagem do paraíso, um lugar
representado pela luminosidade.
Nas décadas de 30 e 40, o cinema na cidade de Pouso Alegre se
constituiu e se consolidou como um dos maiores divertimentos, despertando
uma grande procura pela população pelas salas de exibição, sendo que a
cidade no passado não se limitou somente a assistí-lo, mas também chegou
a produzir alguns filmes e serviu inclusive de cenário para algumas cenas,
nas primeiras décadas do século XX
154
.
A cidade sempre possuiu salas de exibição. No princípio existia, Bijou-
Teatro, no largo da cadeia, Cine Íris, na praça principal do centro da cidade e
o Cine Éden, todos esses na década de 20. Faziam sucesso essencialmente
os filmes europeus, destacando-se entre os atores Pola Negri, Pina
Minichelli, Liza Borelli, Douglas Fairbanks, Pear White, Rodolfo Valentino, os
quais despertavam grande interesse por parte da população.
Com a segunda guerra mundial e a solidificação do cinema sonoro, a
154idem. p. 144. O principal precursor do cinema na cidade foi Francisco de Almeida
Fleming, natural de Ouro Fino, produziu um total de oito filmes na região, nos primeiros
anos do século XX, destacam-se: “Coração Bandido”, In Hocus Signo” e “Paulo e Viginia”,
esta considerada sua obra prima, extraída do romance de Bernadeu Saint-Pierre.
72
produção de filmes americanos superou a produção européia, e este seria o
maior divulgador do “American Way of Life”
155
, trazendo uma cultura calcada
no protestantismo e em novos modelos morais.
O Cine Eldorado, instalado no Teatro Municipal, atraia a atenção,
quando a sirene alertava o início da sessão. Nas palavras da memorialista
Alvarina Amaral se pode compreender toda essa popularidade:
“Famílias inteiras freqüentavam o cinema diariamente; podia
“chover canivete” que íamos para as salas de projeção.
Parecia que estávamos nos grandes centros modernos do
mundo. O cinema Eldorado, todo a luz vermelha, foi
também o local do despertar e do desenvolver de muitos
romances”
156
.
Nesta citação além de perceber o grande atrativo e diferenciação do
cinema no espaço urbano, nota-se a menção da família e também uma
questão central do controle que passaria a existir com mais ênfase por parte
da Igreja, os namoros e romances surgidos neste local, que para a diocese,
o cinema tinha sua parcela de culpa ao estimular e difundir “maus”
exemplos.
As jovens em seu footing deixavam a Praça da Catedral, que em seu
centro havia a imagem conhecida como Nossa Senhora dos Namorados
157
,
que estava ali simbolicamente como uma e vigilante, e desciam ao
cinema longe deste olhar, num lugar escuro onde na tela se passavam
romances que as enchiam de fantasias e despertavam com o imaginário das
jovens para outras formas de comportamento.
Com toda esta visibilidade do cinema, o papa Pio XI, tratou da questão
entre o cinema e a moral cristã na encíclica “Vigilanti Cura”
158
de 1936,
expondo os perigos dos “maus” filmes sobre a instrução e educação dos
cristãos, ressaltando que o cinema deve ser uma arte que prime por um
lazer sadio a todos que procurem as salas de projeção.
155TOTA, Antônio Pedro. O Imperialismo Sedutor: A americanização do Brasil na época da
Segunda Guerra, São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
156Op. cit. TOLEDO (1997). p. 42.
157A imagem era de Nossa Senhora da Conceição, erguida em 1905, na Praça Senador
José Bento no centro da cidade.
158Encíclica papal do dia 20 de Junho de 1936.
73
Destaco nesta encíclica alguns trechos que são essenciais na
compreensão desta disputa entre Igreja e Cinema:
“17.É indiscutível que, entre estes divertimentos, o cinema
adquiriu, nos tempos modernos, uma importância máxima,
por ter-se estendido a todas as nações. Não é necessário
registrar que milhões de pessoas diariamente assistem às
representações do cinema; que se abrem locais para
semelhantes espetáculos cada vez em maior número, em
meio de todos os povos de alta cultura ou meio
civilizados; que o cinema se tornou a forma mais popular de
recreação, não para os ricos, mas para todas as classes
da sociedade.
18. Não hoje um meio mais poderoso para exercer
influência sobre as massas, quer devido às figuras
projetadas nas telas, quer peIo preço do espetáculo
cinematográfico, ao alcance do povo comum, e pelas
circunstâncias que o acompanham
19. No cinema falado, este poder (da imagem) atua ainda
com maior força, porque a interpretação dos fatos se torna
muito fácil e a música ajunta um novo encanto à ação
dramática. Se nos entre-atos se acrescentam danças e
variedades, as paixões recebem excitações das mais
perigosas, que avultam vertiginosamente.”
Essa encíclica repercutiu amplamente, causando uma maior
preocupação da Igreja Católica em todo o Brasil em relação à influência do
cinema
159
, que se tornaria uma ameaça aos valores cristãos, principalmente
159Assim descreve Inimá Simões uma das primeiras manifestações de censura por parte da
Igreja Católica: “Foi no teatrinho do Grêmio São Paulo, mantido pela Igreja Católica, bem no
centro da capital paulista, perto das duas principais estações ferroviárias, que se deram
provavelmente as primeiras manifestações do que se poderia chamar de censura
cinematográfica. (...) Francisco Serrador, um jovem e audacioso empresário do ramo, havia
aberto a primeira sala de exibição, o Bijou Palace, na baixada da Avenida São João. Para
isso havia alugado o galpão dos salesianos, onde anda se projetava sem o prévio exame de
um reverendo. Quando o fiscal de batina considerou uma das fitas impróprias para projeção,
por conta de algumas passagens, Serrador explicou pacientemente que bastava cortar
aquele trecho sem haver necessidade de suspender a atração toda. O que pareceu de início
um mero insight, tornou-se uma ação sistemática. Os padres aprenderam o manejo da
tesoura e a maneira de emendar os cortes.” SIMÕES, Inimá. Roteiro da Intolerância: a
censura cinematográfica no Brasil. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 1999.
74
na questão da ordem familiar. Existia uma parte da Igreja que se posicionava
neste período, de uma forma de não ignorar a inovação técnica que o
cinema trazia, mas lutar para uma moralização constante de seu conteúdo
160
.
Na cidade de Pouso Alegre a repressão se acentuou também, pelo fato
de que quando os filmes eram mudos, ficava a cargo da orquestra local
sincronizar músicas ao desenrolar da história e até de compor falas, que
eram previamente ensaiadas. Quando começou a projeção de filmes
sonoros, o controle sobre estes diminuiu localmente, contendo também uma
linguagem e uma estética mais atrativa e realista do que possuía antes,
como ressalta vários jornais da época: “A grande Maioria das fitas que se
exibiam no passado eram de interpretações mais difíceis para o
espectador.”
161
Os filmes se tornariam mais acessíveis a todos os moradores,
ocasionando um aumento considerável no número de salas e de
popularidade, onde nos dias das sessões (quintas-feiras, sábados e
domingos), por motivo de grande procura, o “Eldorado” passou a aumentar o
número de sessões e até de criar programas duplos, exibindo um filme e
depois um seriado.
No período entre 1936 a 1945, com todo esse êxito do cinema, a cidade
passou a ter quatro salas de exibição, além do cine Eldorado, o então
precursor: o Glória e Avenida frequentados pelas classes mais abastadas e
o Cine Poeirinha, com preços mais acessíveis, frequentados por pessoas de
menores condições econômicas da cidade.
Entre essas novas casas de projeção, existiam rivalidades e até
torcidas organizadas, principalmente entre o Eldorado e Glória, onde cada
uma promovia inúmeros concursos premiando a quem acertasse algumas
curiosidades e nomes de atores e atrizes de determinados filmes, que
estavam em cartaz nos respectivos cinemas.
Com toda essa nova dimensão e amplitude de popularidade, a Igreja
Católica, criou uma sala de censura na catedral da cidade e procurou
classificar os filmes que eram apresentados, propondo classificações e
160ALMEIDA, Cláudio Aguiar. A Igreja Católica e o Cinema: Vozes de Petrópolis, A Tela e o
jornal A União entre 1907 e 1921. In: Maria Helena Rolim Capelato; Eduardo Morettin;
Marcos Napolitano; Elias Thomé Saliba. (Org.). História e Cinema. São Paulo: Alameda,
2007. p. 312.
161 Gazeta de Pouso Alegre 20,de Novembro de 1929.
75
censurando aqueles que estivessem fora do padrão moral, ditado e
ensinado essencialmente por esta instituição religiosa
162
.
As classificações morais de filmes
163
seguiam essencialmente alguns
critérios: Todos: filmes de valor educativo; Adolescentes ou Impróprio para
Menores: filmes que necessitavam de algum esclarecimento por parte dos
pais e responsáveis; Adultos: filmes que o convém às moças,
adolescentes e nem a crianças; Adultos com Reservas: destinado ao público
adulto esclarecido; Condenado ou Restrito: filmes que pregavam ideais
contrários ao pensamento da Igreja e por último Recomendável: filmes que
podiam ser assistidos.
Essas orientações morais chegavam a ter um pequeno resumo dos
enredos dos filmes, como também a semana que seriam exibidos na cidade.
O título das classificações era denominado como “Ao som da Sereia”, que
eram estampadas tanto na sala de censura, como na imprensa católica, que
demonstrava como a Igreja identificava e instruía os católicos sobre os
“maus filmes”.
Segundo a Diocese, o cinema com sua imoralidade, era uma arte que
atraía essencialmente por sua imagem de beleza, fantasia e sensualidade,
mas na verdade era uma ilusão que conduzia o homem a ruína e ao
sofrimento, a única forma de não ser controlado por essa “ilusão” seria
atentar para as orientações e críticas episcopais em relação aos filmes,
como retratado na lenda, poderia derrotar as sereias quem conseguisse
não ouvir seu canto ou quem pudesse cantar melhor do que elas.
Este controle não se limitava somente aos filmes, mas principalmente
ao que ocorria em suas platéias, destinados exclusivamente ao
comportamento das jovens, quando afirma:
162A censura e classificações de filmes se iniciam exatamente em 18 de Julho de 1936,
publicadas no jornal “Semana Religiosa”.
163É importante ressaltar que existia em Hollywood um Código de Censura criado em 1934,
denominado de Hays, pela iniciativa de Will Hays, advogado, membro da Igreja
Presbiteriana e presidente da Motion Picture Producers, seu cumprimento foi motivado por
uma mobilização de católicos, protestantes e organizações judaicas. O código estabelecia
principalmente proibições como de cenas com relações sexuais, beijos excessivos ou
prolongados, que mostrassem viciados e crianças nuas além de decretar que personagens
imorais deviam ter um final reparador ou seriam duramente castigados. No mesmo ano foi
criado a PCA (Production Code Administration) para supervisionar o cumprimento do Código
de Hays. Os filmes que estivessem de acordo com os padrões morais recebiam um "Selo de
Aprovação".
76
O pior do cinema entre nós, não tem sido os filmes,
sejamos francos e digamos coisas claramente, o pior é o
que se passa na escuridão das platéias. Nunca me foi
possível compreender como a jovem que tenha um pouco
de dignidade e pudor se presta a namoricos de trevas no
cine. E menos compreendo os pais que entregam sua filha a
qualquer rapaz e ás trevas de qualquer cinema. Sabem eles
o que se passa nas platéias enquanto os filmes se
desenrola na tela? Sabem que os namoradinhos não
procuram o cine para um inocente divertimento? E a
mamãe e o papai da menina acham que não nada, é
preciso deixar que a filhinha se divirta, coitadinha, por que
ela não gosta de ir ao cinema com a mamãe? Por que
quer ficar ao lado do seu Tarzan? E a mamãezinha não
desconfia”.
164
Nesta citação por parte do jornal da diocese, percebe-se o seu controle
moral aos romances que ocorrem nas platéias do cinema e também nas ruas
próximas as salas de exibição. Essa mensagem é destinada aos pais, que
devem cobrar e vigiar suas filhas, numa proteção a males futuros. Segundo
a Igreja, as jovens precisavam se manter firmes em seus “bons” costumes,
que são ensinados pelo catolicismo, diante destes novos modelos morais.
A família cristã, na época se tornou um elemento simbólico de proteção
de combate a ideais contrários, servindo como um instrumento de
contribuição da Igreja. Sendo alvo freqüente dos líderes católicos, entendida
como uma relação com a própria trindade, por isso legitimada como
sagrada, ao guardar os ensinamentos bíblicos e do catolicismo viraria, um
eficaz instrumento de reprodução e defesa das doutrinas da Igreja Romana.
A educação das jovens e mulheres se constituía para a Igreja Católica
em um campo estratégico. Desde a criação da diocese de Pouso Alegre em
1900, a Igreja procurou intensificar a educação feminina na cidade. Uma das
primeiras medidas do então Bispo João Baptista Corrêa Nery, foi de criar um
colégio para moças sob a direção das irmãs visitandinas
165
, da Congregação
164Jornal Semana Religiosa, 25 de Abril de 1942.
165 O colégio de Visitação, que fora denominado, era localizado primeiramente na atual Rua
Adolfo Olinto e depois convergiu para uma chácara, onde atualmente se encontra o Exército.
77
da Visitação de Santa Maria, a maioria provinda da França, o que originou
por muitos anos um discurso de diferenciação da moralidade, uma espécie
de “superioridade” das moças educadas em Pouso Alegre, sendo
alimentado e utilizado pela Igreja na luta de idéias opostas e na tentativa de
controlar e dominar o universo feminino.
Estruturado num princípio conservador, priorizando o papel da mulher
como “rainha do lar”, servindo como base da família cristã, as mulheres
católicas eram ensinadas a serem “boas” filhas, esposas, mães e
consequentemente educadoras. Assim educar as mulheres se
complementaria depois em uma educação do próprio homem.
Nesse sentido, a elite da cidade delegava à Igreja a tarefa de educar as
jovens neste modelo normatizador, que também era entendida como um
fator de diferenciação social em relação as jovens de classe menos
abastadas. Essa educação se iniciava desde a infância no Grupo Escolar
Monsenhor José Paulino
166
, até então o único da cidade, configurando-se
também em construções de Colégios e Institutos que pertenciam a Igreja,
como o Instituto e Escola Normal Santa Dorotéia
167
, destinados a este tipo de
educação religiosa, mantidos pela elite tanto de Pouso Alegre como das
regiões vizinhas.
166Localizado na Avenida Doutor Lisboa, o ensino desse Grupo escolar era profundamente
marcado pela influência católica como conta em sua memória Terezinha Mendes Loiola
sobre sua experiência vivida como aluna do mesmo : “Mês de Maio, mês de Maria, lá estava
a nossa frente, num cantinho, um altarzinho com a imagem de Nossa Senhora do Rosário e
a seus pés uma caixinha contendo alfinetes. Aquele que cometesse uma falta ou pecado,
pegava um alfinete e espetava-o no coração de Maria e quem cometesse um ato de amor
ou penitência arrancava um ou mais alfinetes, quantas eram as florzinhas ofertadas.
Ninguém queria espetar o coração de Maria e por isso tudo fazíamos para melhorar nossas
vidas.” Op. cit., Loiola, p. 54.
167Fundado em 1911, o Instituto Santa Dorotéia, foi um instrumento muito utilizado pelo
episcopado na Instrução das Jovens na cidade, sendo instalado onde atualmente se
encontra o conservatório de música, possuindo cursos primários, secundário e normal, em
sistema de internato e externato.
78
Figura 2.2- Colégio Santa Dorotéia 1925 (Fonte: Museu Municipal Tuany toledo)
Um dos lazeres mais comuns praticados pelas jovens na cidade eram
os piqueniques e passeios nas imediações do rio Mandu, organizados por
professoras dos Institutos de educação, como o Colégio Santa Dorotéia.
A Igreja critica modos como à mocidade se diverte no rio, sustentando
um discurso moral que proibi as jovens mulheres de se banharem no rio, e
se volta também para impedir trajes de banhos “inadequados” dos jovens
que frequentavam este espaço, quando afirma:
:
“Aproveitando-se a enchente, a sociedade pouso alegrense,
faz do trajeto da estação ao pontilhão, durante as tardes de
sol o seu “footing”. No entanto, temos visto diminuir nos dois
últimos dias de sol o movimento ao que atribuimos aos
trajes indecorosos de certos banhistas que pensam não
existirem ainda fábricas de tecidos.
Pedimos a especial attenção ao digno senhor Delegado,
affim de que faça um apello que os referendos banhistas,
apresentem-se decentemente trajados, pois, é de deixar
ruborizados certos rasgos enormes que os esportistas tem
79
em seus calções”
168
.
Recomendava-se com essas palavras, a vigilância das autoridades
policiais, além de cobrar dos militares um maior controle sobre o local, já que
as terras pertenciam ao regimento. Entretanto, a mocidade mesmo impedida
de usar o rio por alguns dias da semana, se dirigia para um outro local
conhecido como “Prainha” no rio Sapucaí-Mirim bem distante do centro da
cidade, por isso considerado perigoso.
O controle nos trajes de banho dos jovens no Mandu era repreendido
pela Igreja e pela população, essencialmente por uma preocupação com as
jovens que frequentavam as imediações do rio. Com a construção e
inauguração do parque infantil na década de 40, a Igreja conseguiu reservar
o horário matutino aos domingos, para o passeio e uso das dependências
do parque exclusivamente para as alunas do Santa Dorotéia, amenizando
assim este problema.
Com a popularização do cinema e consequentemente um aumento de
freqüência por parte das jovens da cidade, este também passou a se tornar
mais um espaço de sociabilização e de lazer para elas, além do footing na
praça, piqueniques as margens do rio Sapucaí e Mandu e festas religiosas,
onde diferentemente ao que ocorria nestes lugares, elas estariam em uma
sala em um ambiente escuro, longe do “olhar” vigilante da Igreja e dos pais
assistindo a filmes de romances que alimentavam suas imaginações e
emoções.
As jovens ensinadas nos colégios da cidade para servirem ao lar e
desempenharem com sucesso funções no âmbito doméstico, viam no
cinema tipos femininos interpretados por atrizes principalmente americanas,
uma mulher moderna e independente, uma imagem bem diferente do que
eram ensinadas e apresentadas pelo catolicismo na cidade.
Diante dos filmes, a diocese adotava uma postura de repreensão em
relação a alguns tipos de mulheres interpretadas pelas atrizes americanas.
Como é o caso do filme “Jezebel” de 1938
169
, tendo a classificação de
restrito pela Igreja, por exatamente ser enfocado uma mulher de caráter
168Jornal Pouso Alegre, 26 de Dezembro 1933.
169JEZEBEL. Direção de William Wyler. Estados Unidos da América: Warner Bros.
Pictures,1938. (104min.).
80
independente, onde suas vontades e desejos prevaleciam sobre qualquer
forma de autoridade e escolha.
Na simbologia bíblica, Jezabel foi uma rainha vi que além de
perseguir os profetas que a confrontavam, não considerando neles nenhuma
autoridade divina, ainda tomava a frente nas decisões de seu marido, o
manipulando e o corrompendo na adoração de outros deuses
170
.
A Igreja com seu exaustivo discurso de autoridade e submissão
171
, não
“enxergava com bons olhos” essa conduta, de não respeito às autoridades
que foram determinadas por Deus, uma conduta que não poderia ser imitada
pelas católicas em Pouso Alegre, exatamente a falta de submissão, que foi o
principal fator que levou a queda de Lúcifer, considerado o maior inimigo do
cristianismo.
Em uma das cenas do filme “Jezebel”, a jovem protagonista,
interpretada por Bette Davis, provoca o rompimento de seu noivado ao usar
um vestido vermelho, quando todas as moças usavam branco. Ora, nas
festas religiosas na cidade, todas as jovens católicas deveriam se vestir de
branco, retratando uma mensagem moral de sobriedade. O vermelho era
uma simbologia clara sobre a virgindade e sobre a quebra de regras e da
ordem, contraindo os ensinamentos da Igreja sobre a castidade.
Um outro filme amplamente criticado pela Igreja na cidade, que
apresenta essas características mencionadas acima, foi “E o Vento Levou.”
de 1939
172
, que segundo a Igreja, retrata um triângulo amoroso, onde
Scarlett, interpretada por Vivien Leigh, é uma mulher oportunista que se
utiliza do amor de dois homens para adquirir vantagens, servindo
exclusivamente ao seu próprio interesse de se enriquecer, deixando de lado
religião, família, tradições, qualidades que são vistas como nobres pelo
catolicismo romano.
Filmes que continham mulheres com trajes considerados impróprios
pela Igreja, como vestidos justos, roupas com abertura nas costas, também
170A história de Jezabel se encontra na Bíblia, no Antigo Testamento, precisamente em I
Reis 17.
171A autoridade era vista também pela Igreja como um poder moral, no caso das
autoridades eclesiásticas era superior às autoridades civis, por ser, segundo a Igreja,
instituída divinamente.
172 ...E O VENTO LEVOU. Direção de Vitor Fleming. Estados Unidos da América: Warner
Bros. Pictures, 1939. (238 min.)
81
sofriam restrições para que as jovens não assistissem. Quando os filmes
apresentavam essas vestimentas, identificadas como impróprias, somando
também danças, a preocupação crescia consideravelmente, como é o caso
de “Charlie Chan na Broadway”
173
e de “Vagas New York”
174
.
Diante de algumas atrizes, em essencial, são enunciadas inúmeras
críticas por parte da Igreja, como foi mencionado no caso de Bette Davies e
Vivien Leigh, onde os filmes em que atuavam eram frequentemente
desaconselhados, sobre esta questão é mencionado:
O cinema é uma ilusão colorida e sonorizada(...) Os
artistas do cinema tem uma vida tão artificial como as
mesmas histórias que encarnam. dias uma artista
famosa que nos tinha feito vibrar na escuridão romântica de
um cine, acionava a própria mãe por conta de alguns
dolares a menos na partilha de bens herdados de outrem.
Certaz ingenuas da tela tiveram 5 ou 6 maridos, e outras
não saem dos dancing da moda, que são pistas do pecado,
arenas da pouca vergonha. Tudo é mentira, no cinema,
desde os amores aos incendios e desde a beleza das
mulheres á bravura dos homens.
A cor das mulheres, o brilho de seus olhos, a expressão de
sua face é tudo medido pelo diretor de cena, é arranjado por
uma legião de tecnicos. Desse modo o cinema é a
industrialização da mentira, que se transforma através de
métodos diabolicos em fonte de riqueza para meia dúzia de
magnatas e em meio de vida para milhares de comparsas.
Enquanto isso milhões de tolos, no mundo inteiro, choram
ou riem, conforme a mentira que veem e louvam.”
175
Na perspectiva da citação enunciada, essencialmente na indústria
cinematográfica da década de 30, os diretores enfocavam e abrilhantavam o
enredo dos filmes aos atores e atrizes, que encarnavam basicamente tipos
de personalidades semelhantes em praticamente todas as suas
173CHARLIE CHAN NA BROADWAY. Direção de Eugene Forde. Estados Unidos da
América: 20 th Century Fox, 1937.
174VAGAS NEW YORK. Estados Unidos da América: United Artists, 1938.
175 Jornal Semana Religiosa, 13 de Fevereiro de 1943.
82
participações, o que acabava prolongando também em uma visibilidade
inserida na vida real das estrelas.
A igreja buscava da mesma forma, separar o que a juventude feminina
via na tela do cinema de sua realidade, ou seja, mostrar que tudo era
mentira, forjado e ilusório, para que não ocorresse sua imitação, na prática e
no cotidiano da cidade
176
fazia parte desta estratégia o anúncio de alguns
casos de tentativas de suicídio de jovens ocorridos em outras cidades
brasileiras
177
.
Como ressalta Cristina Meneguello
178
, os espectadores buscavam nas
estrelas do cinema uma satisfação de suas próprias necessidades, como um
preenchimento afetivo, um consolo nas dificuldades do cotidiano. Nessas
características a ida ao cinema poderia ser comparada a uma ida a um culto
religioso, por isso o forte controle empenhado pela Igreja sobre a
moralização dos enredos dos filmes.
Existiam também filmes que os líderes da diocese recomendavam, eram
os que reforçavam os ideais propagados pela Igreja, que continham
essencialmente finais reparadores e representações tanto femininas e do
universo infantil associados à representação do catolicismo. Como o caso do
filme “Dupla do Barulho”
179
que apresentava um pai que buscava um
matrimônio para sua filha, onde esta no final presta obediência ao desejo de
seu pai.
Outro tipo de enredo que agradava a Igreja era uma ambiguidade nítida
entre dois perfis de mulheres nos filmes, a boa, que seria a heroína, marcada
pela boa índole moral e a mulher má, com características opostas, que se
entrega facilmente aos casos amorosos e ao prazer e assim sofre
consequências dolorosas em sua vida.
176O cinema estava tão presente no cotidiano das jovens na cidade que era frequente nos
flertes durante o footing e nos romances a comparação da aparência dos jovens com os
atores do cinema, como cita Alvarina Toledo quando conheceu seu futuro marido:
Chegando ao jardim, iniciamos as costumeiras voltas ao redor do mesmo, as moças em
uma direção e os rapazes na direção contrária. Logo na terceira volta, passaram por nós
três rapazes da cidade acompanhados de um desconhecido. Os comentários surgiram:
Parece com Clark Gable.” Op. cit, Toledo. p. 213.
177Como foi o caso na edição de 19 de Fevereiro de 1938 sob o título de Cinema que
mata”, de um caso ocorrido em Fortaleza de uma suposta tentativa de suicídio de uma jovem
por ter sido abandonada pelo namorado, depois de assistir o filme “Romeu e Julieta” no
cinema.
178 MENEGUELLO, Cristina. Poeira de estrelas : o cinema hollywoodiano na mídia brasileira
das décadas de 40 e 50 . Campinas, SP : UNICAMP, 1996. p. 129.
179 DUPLA DO BARULHO. Estados Unidos da América: ACB, 1938.
83
Entretanto muitas vezes estas estratégias não obtinham sucesso, a
Igreja em seu jornal relatava “prováveis” casos de manifestações amorosas
em público, que aumentavam à medida que a presença feminina se
acentuava nos espaços públicos da cidade, nas idas ao cinema, aos bailes,
nas praças, no carnaval e em passeios no centro. O lazer seria um fator
responsável por um crescimento da presença feminina nos espaços da
cidade
180
.
Com a ampliação e mudança na estrutura do clube Literário e
Recreativo, com a realização de inúmeros bailes dançantes, que vieram a
aumentar com o sucesso de filmes musicados, ocasionaram várias críticas e
medidas por parte da Igreja, para diminuir a frequência das jovens a este
recinto, como se identifica em:
“Más idéias que tiveram alguns moços, em um clube local,
de reduzir a iluminação da sala de danças. Queremos
aproveitar a opportunidade para chamar a attenção das
famílias verdadeiramente catholicas para a grave
imprudência que commetem, deixando suas filhas
adolescentes, creanças até entregam-se a danças tão
frequentes longe das vistas dos paes. Mesmo que as
danças fossem inocentes o que não acontece
absolutamente com as danças modernas, a frequencia
desses bailes (todos os domingos), a falta de fiscalização
dos paes e a própria idade dos pares são perigosíssimos.
A menina rebocada, caiada, de beicinho vermelho, unha de
gata, desmessuradamente decotada, semi-nua, doidinha,
juba desgrenhada num fox trote, ao som de um jazz se
agarra a um frango d' agua, e ali mesmo no salão do clube,
em pleno sarau, combinam o casamento. Depois o papai e
mamãe consentem”.
181
Toda essa preocupação tinha sua origem nos romances que
começavam de forma “equivocadas”, sendo regidos mais pela atração física
180TRINDADE, Etelvina. Cidade Moderna e Espaços Femininos. In: Revista Projeto
História. São Paulo: EDUC n.13, Junho de 1996. p. 112.
181Jornal Semana Religiosa, 20 de Junho de 1939.
84
do que por algum sinal amoroso, motivados por novos “modismos” e não
mais pela influência da Igreja. Cada vez mais, existiam casos da presença
de menores a esses bailes, além de aumentarem, por parte das jovens um
maior cuidado com as roupas e com a aparência, com a popularidade e
estimulados pelas atrizes do cinema. O batom, cremes e maquiagens se
tornariam acessórios indispensáveis no cuidado com a aparência feminina.
Nos salões de bailes do clube Literário, era muito comum a realização
das chamadas “Hora de Arte”, que eram embaladas por diversas músicas e
por declamações de poemas de amor
182
. Um lugar portanto propício, para o
estímulo de novos romances e de encontros entre diferentes sexos. Com a
redução de luminosidade desses salões, poderia também diminuir a
vigilância dos pais e da mesma forma daqueles que frequentavam o
ambiente.
As manifestações amorosas no tempo de namoro, também
representavam uma preocupação para a Igreja, como por exemplo, o beijo,
que com os filmes em evidência e pela sua identificação como símbolo de
final feliz, começava-se a se afirmar como uma marca de união entre os
casais de namorados.
O estilo Jazz
183
também era criticado principalmente pelo seu estímulo
a uma dança mais descontraída, menos formal do que acontecia com as
músicas eruditas e as valsas, onde o movimento da dança era entendido
como uma espécie de comunicação que despertava a sensualidade. Como
se expressa em: “A dança serve para corromper o coração e fazer uma
guerra perigosa e sem quartel a castidade”
184
O cinema e os bailes ocasionaram de uma forma significativa, uma
transformação na noite da cidade, antes sendo reconhecida como quieta e
sempre pacata. Nos dias de sessões, o Eldorado com seus alto-falantes e
182Era utilizado pela Igreja na cidade uma estratégia de mostrar no Semana Religiosa
comentários de pessoas não católicas que eram contra os bailes, como se expressa na
edição de 7 de Outubro de 1941: Sou maçon e não me importo com a religião, mas nunca
deixarei ir minha filha a um baile, pois sei com que respeito se comprimentam, mas sei
também com que paixão e intenção depois se abraçam. O testemunho é insuspeito e
constitui um aviso aos pais de família”.
183As “novas” danças, ou seja, as danças americanas, com essências africanas,
desenvolveram-se tanto nos teatros quanto nos salões de dança, muitas destas danças não
tinham nomenclatura definida e eram tantas que devido á fase de grande criação todas elas
eram chamadas simplesmente de jazz, ou seja, tudo o que era novo em termos de dança
era jazz.
184Jornal Semana Religiosa, 27 de Fevereiro de 1937.
85
com anúncios luminosos, divulgavam mensagens de propagandas de filmes
e também reproduziam músicas que embalavam suas cenas. O locutor
chamava a atenção das jovens para a frequência ao cine, com mensagens
que da mesma forma insinuavam a sensualidade e relações amorosas como
podemos perceber em: Vem, moreninha, / vem, tentação, / não andes
assim tão sozinha/ que uma andorinha/ não faz verão...”
185
.
Quando não ocorriam os bailes aos sábados ou aos domingos, estes
passaram a acontecer nos domicílios da cidade, denominados como
“bailinhos”. Eram inspirados em brincadeiras que os jovens viam nos filmes
como é o caso da moda dos “Assustados”, que assim descreve Alvarina
Toledo:
Estava na moda a brincadeira chamada “os assustados”.
Consistia numa surpresa repentina, com a chegada de um
grupo de jovens a uma casa cujos moradores não podiam
esperar por tal visita. Era dada preferência ás casas que
tivessem piano, ou outro instrumento musical, e também
que tivessem uma sala grande. Diziam os recém-chegados:
“Boa Noite! Viemos dar um “assustado”. Então a dona de
casa, compreensiva, abria gentilmente a porta da sala e
dizia: Entrem e dancem a vontade”. Arrastavam-se as
cadeiras, retirava-se a mesa do centro, e a brincadeira ia
animada até meia-noite (...) tinha uma ar de liberdade que
dava muita alegria.”
186
Dessa forma, com novos comportamentos surgindo e se ampliando
com significativa proporção no viver urbano, trazendo consigo mudanças em
relação à juventude feminina, inseridas na elite da cidade, o catolicismo
buscou se reafirmar como o seu principal influenciador de princípios morais
e religiosos.
As mulheres eram frequentadoras assíduas das missas e festas
religiosas, era necessário, portanto, agir no tempo, redimensionar o período
em que elas estavam no espaço público, como em cinemas e bailes, em
185Op. cit. TOLEDO (1997) p. 200.
186Idem.p. 201
86
clubes ou em casas, em atividades que fossem organizadas pela Igreja
Católica.
Uma outro artifício adotado era manter as mulheres ocupadas o maior
tempo possível dentro da esfera doméstica. Nesse caso em especial, a
Igreja em sua imprensa começa a destinar um espaço para as mulheres,
onde eram apresentadas inúmeras receitas de alimentos e dicas dos mais
variados serviços domésticos.
Essencialmente na semana santa, nas salas de projeção, era popular a
exibição de filmes religiosos e sacros. O que no começo houve uma
confrontação, pela suposta troca do ambiente da Igreja pelo cinema, em uma
suposta “templificação” das casas de projeções, com a amplitude que
acabou se tornando as exibições de filmes, se converteu em uma estratégia
que a Igreja resolveu utilizar em suas próprias atividades.
Na cidade se o problema fosse, em haver uma distinção clara entre
Igreja e cinema, se estabeleceu uma montagem de uma sala de projeção
improvisada ao lado da catedral, em algumas festas religiosas, como a de
São Sebastião, como se menciona em:
“Houve a noite, as o lado da cathedral, uma sessão
cinematográfica oferecera ao povo. O Sr. Prof. Manuel
Carrascos mostrou mais uma vez a sua técnica como filma
dor, apresentando um optimo filme, que tirou de aspectos e
festas da nossa cidade”
187
.
Portanto, além de apresentar alguns filmes sacros, a Igreja em Pouso
Alegre dessa forma, também efetuou a criação de filmes e documentários,
retratando suas festas e cerimônias, como também comemorações cívicas
que ocorriam na diocese, onde o professor Manoel Cejas Carrascosa
188
era
a pessoa responsável por liderar as filmagens.
A influência do cinema estadunidense cada vez mais se inseria no
cotidiano da cidade. O comércio de roupas se voltava para a venda de
187Jornal Semana Religiosa, 22 de Novembro de 1937.
188Manoel Cejas Carrascosa, espanhol radicado, era professor de desenho do Ginásio São
José e fotógrafo amador. Além de Vários documentários sobre comemorações cívicas e
festas religiosas, realizou um curte metragem intitulada : Pedro Malazartes, uma comédia
baseada em uma conhecida história popular.
87
modelos americanos, no lugar dos franceses
189
. O vestuário feminino vai se
transformando, diminuindo a suas medidas, deixando os braços mais nus e
aumentando o uso dos decotes, que consequentemente, acabavam sofrendo
contestações das autoridades locais, que se utilizavam de histórias, para
alcançarem como mais facilidade o apoio das jovens, como se expressa
exatamente em:
“Vamos ver a doutrina da Santa Igreja e os ensinamentos
de nosso senhor Jesus Cristo no diálogo entre a costureira
e a fregueza, uma jovem cristã:
- Senhora costureira, recomendo-lhe que as mangas do
vestido sejam compridas, não quero decote e sim
completamente fechado.
- mas menina, assim você sacrifica a moda. Vamos
devagar, porta-se em meio termo a essas exigências e você
satisfará a moda e ao seu desejo. A fazenda é bonita e
delicada, seria uma pena não cortar na moda.
Senhora, sou cristã e desejo imitar santa mãe celeste na
modéstia de seus trajes, prefiro escandalizar a moda a ser
eu ocasião de escandalo para os bons costumes. Talvez se
riam de mim as outras moças não importa é muito doce
pensar que enquanto se riem de mim as outras, a rainha do
céu me contempla com inevitavel ternura, faça-me pois o
vestido como lhe encomendo e se não pode ou não lhe
convém fazei-o assim irei bater a outra porta.
190
Essencialmente estas palavras vão de encontro ao que a Igreja
denomina como a “tirania da Moda”, que muitas vezes acabava se impondo
sobre as jovens, onde estas ao se proporem a seguir o exemplo de Maria e
de outras santas, poderiam ser libertas da “escravidão” que estava
insurgindo com muita rapidez no universo feminino.
Essas novas “modas” femininas notadas em seus vestuários
alcançariam uma proporção acentuada, chegando até a atingir as missas e
189A partir da década de 40, as roupas das atrizes americanas de Holywood ficam menos
extravagantes e mais usuais, uma forma de acentuar o seu consumo e a sua utilização
pelas mulheres em seu cotidiano.
190 Jornal Semana Religiosa, 12 de Outubro de 1942.
88
outros lugares religiosos da Igreja na diocese, ocasionando uma postura de
fixar avisos nas portas das Igrejas e também na imprensa, sobre o modo
correto de se vestir e de portar em atividades e cerimônias organizadas pela
Igreja.
Uma das principais críticas do bispo da cidade no vestuário feminino
durante as missas, era a incidência de entrada de mulheres com os braços
nus e com decotes na Igreja. Uma das formas para amenizar esta situação,
foi o uso pelas mulheres de um tecido que cobria os braços durante as
celebrações e que podia ser retirado quando não estivessem nas
dependências da Igreja.
O carnaval representava também com suas fantasias e máscaras, um
aspecto que seria com veemência discutido pelos líderes da diocese
justamente pela novidade dos blocos que eram influenciados pelo carnaval
do Rio de Janeiro, buscando angariar também as jovens para os seus
desfiles nas ruas. O que antes representava exclusivamente uma presença
de mulheres de classes mais baixas se transformou em uma presença de
moças de condições econômicas mais significativas nas festividades
carnavalescas na cidade.
A Igreja se posicionava enfatizando que os jovens da cidade não são
restringidos de participarem do carnaval, mas enfatiza uma forte repressão
se esta prática atingisse a mocidade feminina católica da cidade
191
. Fator
este que começava a ocorrer em Pouso Alegre também na organização
dos blocos, quando cita:
“Por ocasião de se organizarem os blocos carnavalescos,
uma jovem, de família muito catholica, acompanhada de dois
communistas conhecidos, andou quasi de porta em porta
angariando mocinhas e meninas para o seu bloco.
Felizmente o exito da propaganda foi pequena, diminuindo
assim as responsabilidades da jovem, no seu apostolado
satanico.”
192
191Jornal Semana Religiosa, 4 de Fevereiro de 1936.
192Ibidem, 5 de Março de 1938.
89
As jovens de “família” começavam então, além de participar dos
preparativos do carnaval e de ajudar na composição dos blocos
carnavalescos, a transitar pela cidade com pessoas de outro sexo. Nota-se
na citação que a Igreja buscava evidenciar que aqueles que participassem
ativamente do carnaval eram identificados como sendo pessoas opositoras
aos ideais do catolicismo, relacionado-as a uma simbologia, com uma
aparência diabólica, de um inimigo.
Além disso, os folguedos de carnaval se antecipavam a cada ano e os
blocos carnavalescos reivindicavam uma maior ajuda da prefeitura para a
realização dos desfiles. Deste modo começavam a se organizar no intuito de
criar uma liga de carnaval da cidade, que também ocasionou diversos
conflitos com a Igreja.
Para enfrentar este problema, a Diocese acaba se antecipando e
criando uma Liga contra o carnaval
193
, com o objetivo de inibir a presença de
católicos no carnaval e de freiar qualquer auxílio para a organização dos
bailes
194
.
Outra forma de inibir a presença principalmente de mulheres no
carnaval pode ser encontrada em:
“A gripe e como frisam as autoridades sanitárias é uma
ameaça potencial entre nós. É porém uma ameaça a espera
de uma oportunidade para desabrochar em uma rosário
longo e inimaginável de desgraças individuais e coletivas.
De natureza o carnaval exige agrupamentos de pessoas.
Nos clubes fechados e apinhados de pares esprimidos ou
ao aberto de avenidas e ruas não menos superlotadas,
repontam aquelas mesmas condições negativas de saúde
que é preciso vencer, além de subtrair a população às
193O estatuto da Liga previa essencialmente para seus membros a obrigação de: o
pertencer a clubes carnavalescos; Não contribuir pecuniariamente ou com qualquer auxílio
material para o carnaval; Não se fantasiar e impedir que se fantasiem seus filhos e filhas e
proibição de assistir das janelas e portas das casas, ou dos passeios das ruas os desfiles
carnavalescos.
194Uma outra medida adotada para inibir a presença das jovens no carnaval e nos bailes foi
a proibição da associação na Juventude Feminina Católica, de mulheres que participassem
dessas festas, como também se implantou um estágio de três ou seis meses para
averiguação do comportamento moral das interessadas, conforme explana o art. 7 do
Estatuto da Juventude Feminina Católica na Diocese de Pouso Alegre.
90
possibilidades de um surto epidêmico generalizado.”
195
Nesse sentido busca-se retratar que o carnaval é perigoso não
somente na questão moral, mas também na questão da saúde. Em um
meio social marcado por uma política sanitarista, normas médicas deviam
ser postas em prática para se construir uma cidade civilizada, trazendo
harmonia e evitando uma desordem.
Essas palavras destinam-se a uma cobrança de medidas do poder
local, como também de gerar nos católicos medo e repugnância ao carnaval,
soma-se a isso o fato de Pouso Alegre ter enfrentado em 1917 uma grande
epidemia de gripe espanhola, que ainda estava presente na lembrança de
seus moradores.
Uma das principais medidas adotadas pela Igreja para conter toda
essa modificação de costumes, foi a fundação e abertura de diversos
círculos Femininos na cidade, como o Circulo Santa Terezinha, Círculo o
José e São João Baptista, como também em outras paróquias como em
Santa Rita, Ouro Fino, Congonhal, Brasópolis, todos pertencentes à
Juventude Feminina Católica.
O estatuto desse movimento Católico previa a participação das
mulheres entre 12 a 30 anos, as dividindo pelos seguintes setores:
Benjaminas: para meninas de 8 a 12; Aspirantes da J.F.C para as de 12 a 14
anos e também nas seguintes seções: Juventude Estudante Católica (J.E.C.)
para a mocidade do curso secundário; Juventude Independente Católica
(J.I.C.) para as moças que não estejam incluídas nas outras seções;
Juventude Operária Católica (J.O.C.F.) para a mocidade operária.
Em seus encontros
196
eram tratados essencialmente temas sobre
casamento, discrição nas vestimentas e no modo de agir, organização de
atividades ligadas a Igreja, leitura de encíclicas, moderação na questão dos
divertimentos e temas relacionados à posição da Igreja frente às
transformações da sociedade.
195Jornal Semana Religiosa, 5 de Fevereiro de 1944.
196 Os encontros dos círculos da Juventude Feminina Católica seguiam essencialmente
esta ordem: a) Abertura com oração e jaculatória; b) Leitura de um trecho do Evangelho
seguida de explicações e comentários; c) Estudo e discussão de um ponto do programa e
organização Ação Católica; d) Leitura de um capítulo de uma encíclica papal; e) Estudo de
religião e doutrina católica e f) Encerramento com oração e jaculatória.
91
A juventude Feminina Católica estava ligada aos objetivos da Ação
Católica, buscando também uma recristianização da sociedade pela
participação dos leigos no apostolado da Igreja, sua principal meta era
essencialmente, despertar nas jovens católicas uma exortação e formação
dos ensinamentos episcopais, preparando elas para o convívio social e
familiar, influenciadas principalmente por princípios da Igreja, que
estivessem do mesmo modo, preparadas para cooperarem na obra da
diocese
197
.
O movimento da Juventude Feminina Católica utilizava diversas
atividades religiosas ocorridas na cidade, como as Santas missões
198
, a
criação de inúmeros círculos femininos em diversos bairros
199
, semanas de
estudo, natal dos pobres
200
, retiros de carnaval, a publicação de um jornal
direcionado para a juventude feminina
201
, como também de um programa
diário na rádio Clube de Pouso Alegre, inteiramente voltado para este grupo
social.
Essas atividades eram estimuladas
202
, onde a participação e
organização pelas jovens faziam parte de uma estratégia de deixá-las com a
“mente ocupada”, para não se entregarem aos “perigos” de novos costumes
e diversões.
Nesse sentido coube a elas também, a função de colar os cartazes de
cotações de filmes na sala de censura na catedral, como forma de exaltação
a Nossa Senhora do Cinema,
uma vocação iniciada na França pelo Cardeal
197Estatuto da Juventude Feminina da Diocese de Pouso Alegre art. 2 e 3.
198 As santas missões ocorriam no mês de Outubro, seguindo um programa que contava
essencialmente com missas, missões nos bairros de Taipas, Cruzes, Rosário, Vendinha e
Aterrado, recepção e despedida da imagem de Nossa Senhora Aparecida do Santuário do
coração de Maria e conferências diárias as jovens, senhoras e homens da diocese.
Segundo a Igreja no Relatório das Santas Missões de 1941, ocorreram 122 pregações,
6.465 Confissões, 19656 Comunhões, 135 Primeira Comunhão, 17 Casamentos, 153
Doentes Visitados, 27 Aulas de Catecismo, 3 Presos Confessados e 9 Procissões.
199 A primeira sede instalada da Juventude Feminina Católica, fora do centro da cidade, foi
na Igreja no Bairro das Cruzes em 1936.
200Era uma atividade organizada pela Igreja, que visava à entrega de donativos às crianças
pobres de Pouso Alegre.
201Trata-se do jornal Mocidade, suplemento do Semana Religiosa, criado em 1941,
direcionado a juventude feminina para uma modelação da vida amorosa, sendo dirigida por
Nini Fernandes tendo como redatora: Clarice Toledo e gerente: Julia Coutinho, mulheres da
elite da cidade, sob a supervisão do Cônego Aristides Lobo, publicadas mensalmente.
202 A Igreja criou algumas atividades novas para que a Juventude Feminina Católica
estivesse ocupada, como diversas festas e semanas dedicadas, principalmente a santas e
memórias de aniversário de encíclicas papais, nas dependências da Escola Doméstica
Santa Terezinha.
92
Verdier, como uma proteção de Nossa Senhora a influência negativa de
alguns filmes nos costumes morais.
Figura 2.3- Propaganda no jornal Mocidade sobre as Missões da Igreja. (Fonte Cúria
Episcopal)
Os Institutos direcionados para a educação feminina, como o Santa
Dorotéia, representavam da mesma forma um fator de resistências a essas
mudanças que estavam ocorrendo na cidade. Essencial para a mulher era
fortificar sua relação no casamento e na educação de seus filhos, um dos
mecanismos de controle retomados e criados pela Igreja para a preservação
do caráter das jovens.
Em 1929, seria criada a Escola Doméstica Santa Terezinha, que foi
instalada primeiramente em um velho prédio da Rua Afonso Pena, destinada
à educação das jovens para os serviços e prendas domésticas
203
. Diante
dessas modificações que foram surgindo, a Igreja em 1933, amplia a escola
e constrói uma capela, em um terreno doado pelo Coronel Joaquim de
203O Programa da escola Doméstica Santa Terezinha era dividido em três anos contendo
as seguintes disciplinas: Religião, Português, Aritmética, Noções de Ciência, História do
Brasil, Desenho, Música vocal, Economia Doméstica, arte culinária, Indústrias Domésticas,
Costura, Bordado, Lavagem e Engomagem, Higiene, Medicina, Doméstica, Puericultura,
Horticultura, Floricultura, Agricultura.
93
Abreu
204
.
Com uma política de apoio entre o prefeito Tuany Toledo e a Igreja,
ficou estabelecido um decreto municipal que daria preferência às
professoras diplomadas da Escola doméstica Santa Terezinha para darem
aula nos estabelecimentos educacionais da cidade
205
, principalmente na
área rural. Como já foi relatado, esta era uma região da cidade, que devido à
distância do centro, ocasionava uma presença acentuada de missionários
protestantes como também de curandeiros e espíritas.
Nesses institutos e círculos femininos católicos, foram adotadas
posturas de omitir qualquer discussão sobre educação sexual, com o intuito
principal de não despertar nas jovens qualquer desejo pecaminoso. Dessa
forma, a Igreja pretendia conservá-las “puras” até a fase adulta em seus
casamentos, que tornariam assim, segundo a Igreja, virtuosos, onde os
maus filmes e os bailes se tornariam inimigos de um casamento bem-
sucedido, como se relata em:
Numa tarde quieta de um domingo de calor, Célia no “hall”
de sua casa contempla o céu azul, o jardim tão verde e a
rua sem transeuntes. Cheia de aborrecimentos cansadas de
festas e preocupações mundanas, volta o seu pensamento
ao seu passado. Mocidade, bailes, cinemas, Mário e quanto
trabalho para mantê-lo como noivo. “Tive até que sair das
associações religiosas a que pertencia, pois insistia ele que
eu fosse a uma festa de carnaval. Como tudo passa! Agora
eu aqui, sozinha sem ninguém e ele? Não sei onde foi. Diz
que ficar em casa é tão cacete! Não gosta de casa e muito
menos de mim. Não sei que prazer encontra na rua, nos
bares e no clube. Só quer saber de festas esqueceu-se até
do que é casado”
206
Essas histórias o constantes no jornal da Juventude feminina
Católica da cidade, seguindo sempre um enredo de uma fase anterior onde
204 Op. cit. GOUVÊA (2004). p.172.
205 Na gestão de Tuany Toledo por muitas vezes, o prefeito foi o escolhido para ser o
paraninfo das turmas que estavam se formando na Escola Doméstica Santa Terezinha, na
Rua Afonso Pena..
206Jornal Mocidade, Agosto de 1941.
94
uma moça que desobedecia as indicações da Igreja e não participava de
suas atividades sofria graves consequências no futuro por causa de seus
atos, e em uma fase posterior, que ao se entregarem e reconhecerem as
doutrinas da Igreja, a vida então mudava e assim se alcança a sonhada
felicidade. Todas essas histórias tinham como eixo central a questão do
casamento.
O verdadeiro lugar da mulher, segundo a Igreja, era em seu lar, onde
sua missão se constituía essencialmente em dirigir sua casa e cuidar de
seus filhos e maridos. As jovens precisavam se preparar em sua juventude
para o seu futuro, que deveria estar inserido neste contexto.
O lar representava proteção e referência de felicidade, a rua com seus
bailes, cinemas e passeios, simbolizava vaidade e lugar de alegria efêmera
e superficial.
Da mesma forma, nesta perspectiva apontada, era comum, a retratação
de atrizes de Hollywood, nas páginas do “Mocidade”, com fotos e textos que
revelavam que diferentemente do que eram mostrados nas telas, elas
sentiam prazer em executar serviços domésticos em suas casas
207
. Além de
serem utilizados as próprias cenas de filmes, como é o caso “Éramos Três
Mulheres”
208
, onde as protagonistas ao lavarem um chão declaram o quanto
prazeroso e divertido era aquele ato doméstico.
O tema casamento neste período era um assunto muito debatido, em
função do crescimento de ideais que defendiam o casamento civil e o
divórcio, apoiados com mais veemência por membros da maçonaria e
intelectuais.
Neste sentido, filmes que continham e abordavam a questão do divórcio
ou não seguiam as normas propostas pela Igreja sobre o casamento eram
classificados como restritos, tanto à crianças como a jovens. Como é o caso
de “Proposta Tentadora”
209
, da Universal, onde um arquiteto solteiro sabendo
que as pessoas casadas pagavam menos impostos propõe casamento a
sua secretaria, ou como o filme “Chuva de Corações”
210
, da Columbia, onde
um pintor rompe com sua esposa para casar-se com uma moça que lhe
207Um exemplo para ilustrar esta estratégia se encontra no jornal Mocidade em “Joan
Winfield ,da Warner, gosta de Leite principalmente quando é fervido por ela”.
208ÉRAMOS TRÊS. Estados Unidos da América: MGM, 1945.
209PROPOSTA TENTADORA. Estados Unidos da América: Universal Pictures, 1938.
210CHUVA DE CORAÇÕES. Estados Unidos da América: Columbia Pictures, 1937.
95
servia de modelo. Enredos que tratavam o casamento como algo supérfluo,
sendo assim censurados pela Igreja.
Uma outra questão muito debatida era a ênfase na proibição dos
casamentos mistos, ou seja, casamento de católicas com homens que
seguiam outras religiões e que não fossem batizados no catolicismo,
principalmente um cuidado contra o crescimento do protestantismo que
ganhava força na cidade.
A Igreja alertava para um “perigo” de desvio de comportamento
influenciado pela convivência conjugal e do prejuízo que poderia causar a
educação das crianças, uma forma clara de manter sólido seu controle
cultural no município.
Para o catolicismo, mesmo com os “modismos” que levariam a mulher a
“alterar” sua missão de guardiã do lar, a sua natureza nunca se modificaria,
que para Deus a mulher tinha como legado a manutenção e criação de
sua família, como protetora e rainha de seu lar, como percebemos em:
“ A pergunta: si o homem é a cabeça da família o que será a
mulher? Deu alguém uma judiciosa resposta: depende das
circumstancias, a dona de casa diligente é a mão; a liberal
gastadeira;o estomâgo, a engenhosa; a vista, a estudiosa; o
ouvido,a faladeira; a bocca; a bondosa, o coração:
finalmente a e rixosa, a bílis. Entretanto, a mulher boa,
amável, honesta, sensata, alegre é mais que a cabeça,
mão, olhos, ouvido, bocca, é o coração, é a alma da
família.”
211
A “boa” mulher portanto, era o equilíbrio e peça fundamental para o bom
funcionamento de todos os membros da família cristã. Com as
transformações ocorrendo na cidade, a mulher desempenhou da mesma
forma, nesta lógica progressista civilizadora e higienista difundida pela
administração pública, um fator fundamental para manter a organização
desse novo espaço a ser construído.
Fundamentado em uma reforma dos espaços da cidade, que também
211Jornal Semana Religiosa, 29 de Janeiro de 1938.
96
passasse por todos sanitaristas. O poder local propondo uma
apresentação dessas propostas para a cidade e para o seu viver urbano,
reconheceu na família e no lar uma representatividade essencial de controle
da saúde e do corpo dos indivíduos, como também um lugar que deveria
propiciar conforto ao homem, para que não buscassem nas ruas outros
prazeres, como a Igreja também expressa em:
(...) a família espera muito do dom feminino de crear
beleza. O homem , embora geralmente incapaz de dar as
coisas encanto e graça não é insensível á sua seducão (Lar
bonito).
Quando volta a sua casa fatigado do tropel exterior, a
frescura de um vestidinho gentil, a delicadeza subtil e
inesperada de um perfume ou de umas flores, o aconchego
repousante de um recanto de sala, refrescam-no como um
aragem carregada de promessas. As vezes mais para
distraílo das sugestões de fôra, para lhe restaurar a
sensibilidade fatigada e restituílo das realidades superiores
da existência do que veementes provas de carinhos ou
longas exortações da companheira”
212
Um lar bem cuidado e embelezado pelas mulheres, representava
também uma forma de expressar o seu o amor a Deus, era visto como uma
fonte de alegria, uma escolha consciente pela ordem e harmonia,
participando e se inserido assim nessa nova configuração progressista e
urbana que se pretendia criar. Uma mulher que cuida de sua higiene e de sua
família está contribuindo na mudança e também na higienização de sua
cidade.
Nesse sentido, eram frequentes anúncios de produtos de saúde, beleza
e de artigos para o lar nas páginas do “Mocidade”. No discurso da Igreja, a
saúde do espírito se relacionava a saúde do corpo, fatores como dormir bem,
comer bem, a limpeza e cuidado com corpo, eram meios significativos para
manter o espírito lúcido e sadio, livre de doenças contagiosas e do
espiritismo, considerado também uma enfermidade que poderia levar a
212Jornal Semana Religiosa, Maio de 1941.
97
loucura
213
.
A Igreja aliada à administração pública, também visava as jovens de
classes menos abastadas. A criação do curso noturno na escola doméstica
em 1940 e a fundação do Círculo de São José da Juventude Feminina
Operária Católica
214
, para operárias, empregadas no pequeno comércio e
domésticas, correspondem a esses objetivos. são ministradas aulas de
bordado, costura e trabalho manuais para preparação de ornamentos para as
Igrejas e capelas, onde as jovens que frequentavam o círculo podiam
participar.
No programa de estudos do Circulo São José, eram tratados assuntos
que se relacionavam ao conhecimento da organização e vantagens dos
sindicatos e associações, de como lidar com o tempo e o trabalho, além de
enfatizar o cuidado com o corpo e a saúde.
Como estas jovens estavam no mercado de Trabalho, uma
tentativa da Igreja de ensiná-las a se comprometerem a seguir a imagem da
mulher associada ao lar e a família. O trabalho não deve ser empecilho para
alcançar este propósito.
No jornal “Mocidade” para atrair as jovens para se associarem na
J.O.C.F., que era o grupo com menor número de adeptas, mostrava dicas
relacionadas as atividades destinadas ao comércio e também premiava
quem conseguisse trazer uma amiga para o círculo, que era realizado todas
as quintas-feiras.
213Jornal “Mocidade”, Junho de 1940. p. 7.
214A J.O.C.F. Tinha um regulamento próprio de funcionamento, com a intenção principal de
torná-la mais atraente na aquisição de novas integrantes.
98
Figura 2.4- Escola Doméstica Santa Terezinha- Aula de Costura (Fonte: Museu
Tuany Toledo)
Na questão do esporte, esse era acatado pela Igreja em certas
dimensões, em outras causavam uma significativa preocupação, ocasionada
pela popularidade e o estímulo crescente a práticas esportivas na cidade, que
podem ser compreendidos em:
“Há na época moderna, uma preocupação de popularizar o
esporte. Todas as classes sociais e todas as idades são
convidadas á prática do esporte, principalmente moços e as
moças. As moças são por própria natureza inclinadas ao
exagero (...) O esporte pôde, por apresentar um grave perigo
as jovens, são ambiciosas, querem distinguir-se por todos os
meios, e perdem assim a justa apreciação de suas forças.
Como consequência desse abuso esportivo, a moça arrisca-
se a perder, com a noção de seu verdadeiro papel social,
grande parte de seus atrativos, mudanças nos gestos,
transformação da atitude física e brevemente um exterior
masculinizado que torna rídicula a própria jovem.
A Igreja não se opõe á educação física feminina, para
provála basta nomear os colégios cátolicos femininos, em
que não faltam campos de esporte e piscinas de natação. O
99
que a Igreja condena é o exagero esportivo, não quanto a
natureza dos exercícios como também quanto ao meio
ambiente em que realizam, que se preserve o recato da
jovem”.
215
Nessas palavras, três questões eram principalmente questionadas e
condenadas pela Igreja, frente ao crescimento dos esportes praticados por
mulheres, que eram: o excesso de exercícios físicos que podiam
masculinizá-las, o local em que ocorriam e se organizavam estas práticas e
de que forma as mulheres se vestiam.
No primeiro caso a solução encontrada foi de proibir as mulheres de
praticarem alguns esportes na cidade que provocassem um maior contato
entre os competidores, como é o caso de futebol e do jiu-jitsu e aqueles que
precisassem de uma formação atlética mais rigorosa, como o atletismo.
Na segunda questão, a Igreja procurou da mesma forma do que
acontecia com a administração pública, organizar campeonatos e partidas
entre times formados essencialmente por jovens em seus ginásios,
inaugurando em 1937 a Associação Esportiva Feminina, que fazia parte da
Juventude Feminina Católica.
O principal esporte praticado era o voleibol
216
, basicamente por o ser
considerado violento e bruto, exatamente por não haver contato físico. O
voleibol também passou a ser utilizado como uma forma de substituição das
diversões vistas como “perigosas” e um instrumento na busca por mais
membros nas associações femininas.
Isso se traduzia em organizações de disputas de várias partidas no
sábado de Aleluia no ginásio São José, por exemplo, entre moças da
Juventude Feminina Católica e as outras moças da cidade que o faziam
parte deste círculo, sabendo que neste dia eram muito comuns os bailes em
Pouso Alegre na época.
Por último, com o incentivo do esporte em toda a cidade, tanto
215Jornal Mocidade, Abril de 1941.
216 O voleibol feminino na cidade foi um esporte muito estimulado tanto pela elite como pela
Igreja, o time da cidade chegou a ser campeão do interior mineiro e vice-campeão do
campeonato mineiro de 1948, realizado na cidade de Belo Horizonte.
100
praticados por rapazes e moças, era necessário para a Igreja ensiná-los para
que pudessem discernir quando esta prática era benéfica e quando ela podia
se transformar em um “mal”. Muitos também começavam a querer parecer
com seus ídolos, inspirados em astros do cinema americano, principalmente
os homens para conquistarem as mulheres. Esses astros estavam sempre
estampados em propagandas, onde a imagem do corpo ganharia proporções
nunca antes vistas.
Com o esporte, o corpo começou a se tornar mais visível, para que
fosse realizada com condições necessárias a prática esportiva. Em função
disso, a Igreja procurou impedir a atividade de esportes entre homens e
mulheres, como também de criar uniformes que não oferecessem “risco” ao
recato das jovens.
uma sistemática abordagem exercida pela diocese do que é próprio
e lícito para o sexo masculino e para o sexo feminino, essencialmente
relacionado à questão moralizadora e educadora, como mesmo descreve o
seu órgão oficial em:“É errôneo e pernicioso á educação cristã o chamado
método de coeducação, baseado na pretensão de igualar e nivelar os dois
sexos”
217
. Neste sentido se revela que essas diferenciações são necessárias
para que fique evidente para seus membros que a Igreja não condiz com um
discurso de igualdade entre os sexos na formação educativa.
Nos eventos esportivos, principalmente nos jogos de futebol, além
dessa diferenciação enunciada, existia outra divisão inserida na apropriação
e no uso desse espaço pelas mulheres, onde as jovens que possuíam uma
condição econômica inferior ficavam responsáveis pela torcida, prática que
não era vista como adequado as jovens de família. Entretanto, essas últimas
eram convidadas a serem madrinhas do time, quanto maior a sua posse
mais cobiçadas eram pelos clubes.
Exatamente na questão da educação, com um crescimento acentuado
de novos colégios, de livrarias na cidade e com a fundação de uma biblioteca
no Clube Literário, onde era separado um dia da semana, somente para a
frequência por parte da mulheres. A Igreja procura intervir nas leituras das
jovens, onde também nesta questão, o próprio cinema também contribuía
para estimular o interesse pela literatura, pois muitos filmes eram baseados
217Jornal Semana Religiosa, 5 de Maio de 1945.
101
em obras literárias. Sobre a leitura a Igreja se posicionava:
“Há leituras bôas, proveitosas, necessárias e imprescindíveis
e leituras más, prejudiciais, verdadeiros tóxicos do coração e
da inteligência. As primeiras são indispensáveis a mocidade,
porque tudo quanto faz vibrar de modo são a alma juvenil,
lhes é salutar, os livros bons representam uma garantia para
as horas de desânimo e alimento são para o espírito, que
eles prendem pela nobreza e profundeza de pensamentos. A
boa leitura exata, esclarece e instrue; as leituras frivolas,
pobres de fundo e de verdade, falseiam a idéia da vida e do
belo, desequilibram a atividade normal, alimentando os
sonhos e o gosto, das imagens absurdas. Ler livros sérios é
escolher a sementeira das sua idéias.”
218
Como é relatado na citação, uma frequente dualidade apresentada
pela Diocese, entre leituras superficiais e de pouca utilidade, e as que
expressam ensinamentos duradouros e eternos, estas com mensagens que
estão associadas aos dogmas católicos, que segundo a Igreja tem valor
fundamental, pois contém mensagens que conduz a alma da jovem à
salvação divina.
Intervir na leitura proporcionava também agir na formação da família e
assim um modo de preservarem culturalmente ideais e doutrinas que
necessitavam ser mantidos. A leitura de livros condizentes com ideais
católicos seriam um dos aspectos que mais influenciaram as jovens na busca
pelo exercício da profissão de professora e também a de projetar a imagem
da mulher ligada à carreira do magistério, que era defendida pelo catolicismo
como mais conveniente a natureza feminina
219
.
Neste intuito se instauram e se ampliam na cidade, círculos de estudos
da Juventude Feminina Católica e um sistema de classificações que são
inseridas no jornal “Mocidade”
220
, nos mesmos moldes das classificações dos
218Jornal Mocidade, Outubro de 1942.
219CUNHA, Maria Tereza Santos. Biblioteca das Moças: Contos de fada ou contos de vida?:
As representações de mulher e professora nos romances da Coleção Biblioteca das Moças.
In: Revista Projeto História do Programa de Estudos Pós Graduados em História da
PUC/SP. São Paulo: EDUC, n°11, 1994.p.143.
220O espaço destinado para as orientações das leituras neste jornal católico, era
102
filmes, onde não são recomendados livros de Romance que tratam
novamente de mulheres independentes e não submissas
221
, que assim
fogem dos moldes católicos da família, onde o homem deve ser identificado
como cabeça da casa. Outro aspecto repreendido o os casos de amores
proibidos, que possam conter qualquer menção de algum contato físico entre
casais.
Os livros de Joaquim Manoel de Macedo, como por exemplo, as obras:
“a Moreninha”, “os Dois Amores”, “A Baronesa do Amor”, “A Namoradeira” e
“o Moço Louro”, são incisivamente desaconselhados pela Igreja, por
justamente possuírem histórias com algumas dessas características
reprovadas mencionadas acima.
Outro autor que não escapa das críticas por parte da Igreja é Érico
Veríssimo, com sua obra “Olhai os Lírios do Campo”, onde a vida do
personagem Eugênio Fontes é vista como deprimente e amarga, podendo
segundo a Igreja, impregnar as jovens destes sentimentos. Além disso,
novamente o aspecto matrimonial está inserido, onde Eugênio se casa com
uma mulher por interesse financeiro, deixando a mulher que amava grávida,
ou seja, aspectos que se situavam em sentido oposto ao ensinado pela
Igreja na cidade.
Uma ameaça que também se fazia presente eram os livros protestantes
e revistas adventistas que começavam a chegar à cidade, uma delas
denominada “Vida e Saúde”, foram amplamente censuradas pela Igreja, por
abordar temas relacionados ao universo feminino, que segundo a Igreja, era
uma propaganda sabatista mesmo que “disfarçada”, estimulando o
vegetarianismo e a abolição de carnes como a de porco, que assim trariam
benefícios para a saúde.
Em contrapartida, são indicados livros considerados apropriados, que
são estimulados a sua leitura, a maioria de aspectos religiosos escritos por
autores católicos, como o livro “Deus em Nós” de Peter Plus, de livros que
acompanhado frequentemente com a expressão Você gosta de Ler? Leia então. Mas saiba
escolher o que vai ler. Uma leitura boa, sadia que alegre o espírito, ilumine a inteligência,
não ponha a alma no caminho, ou mesmo no abismo da perdição”. Apresentando assim, a
influência que os livros podiam trazer para a jovem que não soubesse direcionar seu tempo
na leitura para obras consideradas apropriadas pela Igreja.
221Neste fator está inserido o livro ...E o Vento Levou de Margaret Mitchell, que se tornou
muito popular na época, sendo considerado pela Igreja um livro “pesado”, que não deveria
ser lido por nenhuma mulher.
103
apresentassem personagens femininas dotadas de virtudes e retratadas
essencialmente na esfera doméstica e outros que não possuíssem qualquer
oposição aos dogmas do clero, mas contribuem para uma concordância
política aos moldes anunciados e exortados pela Igreja na cidade.
Com uma nova configuração se formando no setor educacional, a Igreja
intensificou o controle sobre a leitura não somente às mulheres, mas
também às crianças
222
. Esse assunto será especificamente tratado no
próximo capítulo.
222Foi criada pelos administradores do Clube Literário um dia da semana, Quinta Feira,
destinado somente para a utilização da biblioteca pelas mulheres.
104
CAPÍTULO III- “A CRUZADA INFANTIL
223
”: A IGREJA CATÓLICA
FRENTE À FORMAÇÃO EDUCACIONAL E O PROBLEMA SOCIAL DA
INFÂNCIA EM POUSO ALEGRE.
“ De fato não podemos negar os empecilhos a educação dos
filhos. Nas cidades, então o caso é muito mais sério. O
cinema (que para muitas crianças é o pão de cada dia) os
costumes pagãos, os divertimentos, o teatro, os esportes, a
moda, os bailes (sei de muitos meninos e meninas que vão
a bailes públicos e causa pavor: desacompanhados dos
paes ou pessoas mais velhas) o rádio com suas músicas
fúteis, deseducativas, junto com pilheiras inconvenientes, os
companheiros e amiguinhos ( quando não são os
amiguinhos sapécas), o desinteresse dos paes pelos filhos-
eis um resumo dos grandes óbices que se deparam na
educação da infância e da juventude, aos dias que
correm”.
224
No período compreendido entre as décadas de 30 e 40 em Pouso
Alegre, ocorreu uma acentuada atenção da Igreja Católica ao universo
infantil e a adolescência.
Esta atenção era enfatizada para tomar frente a uma proposta de
“modernização” e transformação do espaço e do viver urbano da cidade, que
como informa a citação do "Semana Religiosa", novidades estavam surgindo
na época, que poderiam representar um “problema”, um “perigo” para alma
dos mais jovens.
Nessa perspectiva, a Igreja procurou criar mecanismos para que o seu
223Nome de uma atividade realizada pela Igreja, como o intuito de promover a educação
religiosa sobre às crianças nos mais variados bairros da cidade.
224Jornal Semana Religiosa, 20 de Fevereiro de 1937.
105
controle continuasse lido na formação e educação das crianças
225
, sendo
caracterizado incisivamente em reformas e ampliações de seus centros
educacionais, nas comemorações cívicas, festividades religiosas e em uma
contenção de diversões, que poderiam causar atos considerados impróprios
e perigosos.
Essas medidas pretendiam preservar a católica de seu rebanho,
tanto no presente como no futuro, o que em parte explica a sua ênfase no
cuidado com a formação das crianças.
O sistema educacional existente na década de 30 estava se
configurando localmente com uma nova proporção, onde era necessário
aumentar o número de vagas e escolas, para suprirem uma maior demanda
de alunos, inclusive de classes mais baixas.
Outro aspecto se diz respeito a fundações de bibliotecas
226
no centro,
em instalações não pertencentes à Igreja, se firmando um crescimento de
organizações de convenções e palestras no clube literário. Esses fatores
mostram o crescimento e preocupação sobre a escolaridade e pelo saber na
cidade, onde funcionava também uma Escola Superior de Farmácia e
Odontologia
227
.
Exatamente nessa cada, depois da deposição da República Velha,
se evidenciou um maior direcionamento sobre a questão educacional em
nível nacional, reconhecendo que a partir da educação poderia se chegar a
um desenvolvimento sustentável do país. Nessa perspectiva, foi criado o
Ministério da Educação e Saúde blica em 1930
228
e em 1934 com a
constituição, proclamado o direito à educação.
A Igreja se mostrava inquieta em relação às crianças e aos
adolescentes em sua formação educacional, justamente por saber que a
225A Educação da Juventude e das crianças também foi um dos principais assuntos
abordado na Encíclica Divini Illius Magistri, por Pio XI em 31 de dezembro de 1929, logo na
introdução expressa: “Representante na terra daquele Divino Mestre que, apesar de abraçar
com a imensidade do seu amor a todos os homens, mesmo os pecadores e indignos,
mostrou, no entanto amar com ternura peculiar as crianças, exprimindo-se por aquelaso
comoventes palavras: deixar vir a mim as crianças”.
226A primeira biblioteca instalada fora dos institutos pertencentes a Igreja Católica em
Pouso Alegre, foi exatamente no Clube Recreativo e Literário localizada na Praça Senador
José Bento fundada em 1928, depois foi a Biblioteca Duque de Caxias criada pelo
Regimento, fundada em 1939.
227Esta escolar superior foi extinta em 1937, por não apresentar uma estrutura devida, para
o seu funcionamento.
228Essa criação foi um dos primeiros atos de Getúlio Vargas em seu governo provisório.
106
difusão sobre a questão educacional estava ganhando uma significativa
visibilidade, nunca antes vista na cidade
229
.
Com o Manifesto dos pioneiros da Escola Nova, feito por intelectuais em
1932, surge uma nova concepção sobre a questão educacional, a pensando
como um dever do Estado, devendo ser gratuita, mista, laica e obrigatória,
posicionamentos estes, contrários aos defendidos pelo catolicismo romano
no país.
Esses fatores levariam a Igreja, a adotar medidas para manter o seu
“domínio” na educação com uma campanha promovida por ela,
reivindicando o asseguramento do ensino religioso nas escolas
230
em
detrimento e contenção do crescimento de escolas leigas. Foi criada também
com esse intuito no mesmo ano, a Liga Eleitoral Católica (L.E.C.) por Dom
Leme
231
, divulgada amplamente na cidade
232
, com o principal objetivo de
articulação política e comprometimento com as eleições constituintes de
1933.
Os esforços realizados pela Liga Eleitoral Católica, surtem efeitos
decisivos contribuindo para as concessões favoráveis ao catolicismo na
constituição de julho de 1934, onde ficaram previstas, o reconhecimento
religioso pela lei civil, a autorização do ensino religioso nas escolas públicas
e a possibilidade de financiamento do Estado de escolas, hospitais e
seminários católicos.
Nesse sentido, uma das principais metas da Igreja na década de 30, é
229 O suicídio de um jovem da cidade nas dependências da Igreja, ganhou muita visibilidade
no período, trazendo também um debate sobre a importância da educação em relação às
crianças e os adolescentes. Assim narra o semanário da Diocese este acontecimento em 20
de Agosto de 1938:A nossa cidade foi profundamente abalada no dia 12, com a notícia de
que um infeliz num gesto incomprehensivel e sacrilego de desacato a casa de Deus, se
suicidara em frente ao altar-mór. O tresloucado suicida ingerira dentro da Catedral forte
dose de um terrível veneno, caindo quasi istantaneamente morto em frente ao altar-mór.”.
230 As principais Reivindicações Católicas da década de 30, eram a não proclamação de
uma constituição em 1934 de cunho Laicista, que não poderia admitir o divórcio, assegurar e
ensino religioso nas escolas e não proibir que o Estado investisse financeiramente nas obras
da Igreja.
231DIAS, Romualdo. Imagens de Ordem: A doutrina católica sobre a autoridade no Brasil.
São Paulo; Unesp, 1996.
232O discurso da LEC no jornal “Semana Religiosa” enfatizava o alistamento de mulheres
para se inscreverem na Liga e que também influenciassem seus maridos e filhos. Como
descreve em Janeiro de 1933: “Senhoras Católicas. Alistai-vos e Inscrevei-vos na Liga
Eleitoral Católica, é a hora de mostrardes amor a Igreja e confiança nos vossos chefes
espirituais. Se vossos esposos ou pais fizerem dificuldades ao vosso alistamento procura
convencê-los.” Em 1932 a mulher conquistou o direito ao voto e com isso uma maior
participação política, a mulher desempenhava uma função ativa na formação da família e
principalmente na preservação cultural.
107
uma intensa luta pela manutenção do ensino religioso nas escolas, que
normatizaria os brasileiros desde infância, para serem educados numa
perspectiva católica do mundo, tendo como objetivo “lembrar”, repetir sua
doutrina para uma nova geração, buscando assim, um sentido de
perpetuação cultural.
Começavam também a surgir na cidade escolas pertencentes a outras
religiões, como a fundada pelos adventistas, como expressava o semanário
oficial da Diocese em:
“Temos notícias de que está funcionando nesta cidade uma
escola protestante sob a direção de Osvaldo Andrade.
Avisamos aos pais católicos que não pôdem enviar seus
filhos a este referida escola.
A escola protestante que funciona em nossa cidade chama-
se escola adventista. Os adventistas constituem uma das
muitas seitas do Protestantismo por isso repetimos os
avisos: os pais católicos não podem mandar seus filhos a
essa escola”.
233
Essas disputas e conflitos da Igreja com outras religiões, que buscavam
uma maior presença no viver urbano da cidade, investindo assim na esfera
educacional, como os adventistas, mostravam sinais que a Igreja buscava
reafirmar sua função fundamental como educadora, proibindo a matrícula de
alunos nessas referidas escolas.
O presbiterianismo também estava buscando seu espaço, se utilizando
principalmente de materiais impressos, que eram espalhados pela cidade,
com o intuito de difundir suas doutrinas e idéias, como também começam a
confrontar a Igreja Católica, gerando respostas duras no jornal “Semana
Religiosa”:
“Vários artigos publicámos contra o protestantismo. Nenhum
deles foi rebatido, até que apareceu um “artiguete, irônico,
inepto e indiscreto” no sentir dos reformados, que recebeu o
título Perguntas Indiscretas. Essas poucas perguntinhas”
233Jornal Semana Religiosa, 30 de Março de 1940.
108
(como depreciativamente as chamaram) mexeram
inesperadamente com caixa de marimbondos. Mas isso
depois de muito tempo.
Em vez, pórem de responder á elas, botaram os
protestantes artigo, antes pasquim, mimoseando-nos com
insultos reles e fazendo-nos outras perguntas. Interessante
modo de fugir a respostas incomôdas e dificéis! E não
obstante usaram de linguagem de baixo calão de começo a
fim, exigiam-nos que respondessemos sem xingatórios,
nem palavreados. Vê-se que as tais “poucas perguntinhas”
incomodaram muito e enfurecerem os nosso pândegos
adversários”
234
Essas “perguntinhas” a que se refere à imprensa católica se dizem
respeito a discussões teológicas, que este jornal buscava retratar que
somente através da bíblia podia-se desfazer qualquer base doutrinária dos
protestantes, que estes professavam a bíblia como único instrumento de
autoridade e revelação divina.
Os presbiterianos como relata a citação, começavam a responder as
matérias do “Semana Religiosa” e suas críticas, para isso espalhavam
panfletos com títulos cada vez mais diretos, como nesse caso “Cónego em
apuros”, uma menção clara ao nego Luiz Gonzaga Ribeiro, redator do
órgão oficial da Diocese. Exatamente em 1944, ano de publicação dessa
resposta da Igreja, foi criada a primeira Igreja protestante de Pouso Alegre,
localizada na Rua Comendador José Garcia.
Uma outra novidade na cidade foi a criação de uma escola de dança
destinada às crianças, que da mesma forma receberam inúmeras críticas por
parte da Igreja:
“Sabemos que foi fundada uma escola de dança para
crianças em Pouso Alegre. As famílias catholicas nos obriga
a reprovar a idéia e desaconselhar a frequencia da referida
escola. A dança como factor de educativo na creança,
apenas theoricamente se pode admitir, porque na realidade
234Jornal Semana Religiosa, 4 de Novembro de 1944.
109
aprende-se a dançar nos bailes e dançar as danças
modernas, todas reprováveis, todas prejudiciais a formação
moral das crianças”
235
A crítica se diz respeito à dança, como um aspecto que poderia
influenciar o gosto das crianças aos bailes e as festas carnavalescas,
dançando ao som de Jazz e principalmente o samba, ritmos considerados
“barulhentos”, que iam de encontro a um aspecto cerimonial e formal,
existente, por exemplo, na valsa.
Esses ritmos, por terem um caráter inovador na época, poderiam
estimular a criança em negar o predomínio da tradição e em seu lugar uma
apreciação por mudanças em seu meio social. O catolicismo representava
um reduto de resistência e confronto a tudo que pudesse assumir sua
posição principal de educadora na erudição das crianças.
As cantigas de samba com suas letras também eram mencionadas como
fator “perigoso” na formação das crianças, como cita:
“Antigamente as meninas recitavam assim com muita graça,
os versos do poeta: “Quando era pequenina e mal sabia
falar, minha mãe me ensinava ao Deus do céu adorar.
Hoje as mamães não ensinam as filhinhas a rezar ao deus
do céu. É triste mas é verdade elas ensinam
cuidadosamente a pequenina a pintar as unhazinhas e os
lábios. Fomentas a vaidade das crianças com elogios tão
descabidos. Encontro às vezes meninas de três annos
rebocadinhas e quesi despidas, as mamaezinhas acham isto
encantador. Outras pequerruchas dão para sambar e se
requebram como gente grande. Imitam a Carmen Miranda.
Com turbantes e trajes de baianas, sabem de côr letras
picantes e atrevidas de sambas carnavalescos. é tempo
de põr fim a este espírito sambista e carnavalesco na
educação de nossa infância, cordões infantis, crianças no
rádio a cantar sandices de amores e paixões desenfreadas.
Isto é grave, é máu sistema. (...) Agora recita os versos do
poeta assim: Quando era pequenina e mal sabia falar, minha
235Jornal Semana Religiosa, 7 de Agosto de 1937.
110
mãe já me ensinava o dia inteiro a sambar”
236
Novamente se discute a substituição de valores católicos por novos
modelos morais, uma mensagem destinada essencialmente às mães, que
deveriam proteger seus filhos de aspectos “imorais”, por isso a ênfase da
Igreja na educação das jovens, para que esses valores a acompanhassem
antes mesmo do matrimônio.
O samba, segundo a Igreja, agia no vestuário das crianças, diminuindo
suas medidas para permitir que os movimentos desta dança fossem
executados com uma maior precisão, além disso, afirmava que o modo de
dançar, insinuava aspectos sexuais, como os “requebrados”, que ao gerar o
gosto pelos bailes, estimulariam o uso da maquiagem em uma época
imprópria para seu uso.
Outro fator de repressão é a imitação por parte das crianças de artistas,
da mesma forma considerada um “risco”, por chegar a influenciar mais os
“pequenos” do que pessoas ligadas ao clero, como as professoras
catequistas.
As músicas do carnaval no mesmo sentido, com suas gírias e
expressões do universo adulto, poderiam afetar, segundo a Igreja, a
formação infantil, pois certos valores não deveriam ser conhecidos pela
criança fora do tempo devido.
Nesta perspetiva, com a crescente organização de bailes e festas de
carnaval no Clube Literário da cidade, surgem outros conflitos, encontrados
nessas citações:
“Bailes Carnavalescos de creanças! Porque tanto odio
contra o sorriso innocente destas creancinhas incapazes de
se defenderem contra o escandalo. Escandalisar uma
creança é o mesmo que tirar-lhe o sangue da alma, a vida
de sua vida”
237
“Não resta a menor dúvida que a festa da passagem do ano
no club esteve verdadeiramente boa e animada correndo
236Jornal Semana Religiosa, 2 de Fevereiro de 1943.
237Idem, 11 de Fevereiro de 1939.
111
tudo num ambiente de camaradagem, entretanto sendo a
primeira vez que frequentava, aquela casa litero dançante,
notei logo uma grande falta, que posso mesmo dizer
acertadamente um grande erro que muito concorrem para
diminuir animação, o prazer daqueles que procuram se
deleitar na sedutora arte. Esta falha, este grande erro é a
concessão á frequencia de creanças nos salões de bailes,
especialmente nas soirées.”
238
Expressadas por essas citações, devido a uma maior popularização e
um ensino crescente de danças para as crianças, deram início na cidade a
intenção de serem organizadas algumas tardes do carnaval, de festas
voltadas para a frequência infantil, como também se evidenciou a presença
de menores aos bailes realizados no final de ano, denunciado pelo Tenente
Escórcio Neto e aos sábados.
Essa presença infantil foi proibida pelo Clube Literário e impedida pelas
autoridades policiais responsáveis pelo município, alcançando relativo
sucesso, já que as famílias com maiores posses, obtiveram o direito de levar
seus filhos a alguns eventos no Clube.
A Igreja busca conter esses fatores, anunciando na imprensa sua
discordância, associando a frequência ao carnaval pelas crianças, como
uma forma de associação aos deuses pagãos
e que poderiam influenciá-las
ao crime
239
.
A Igreja exortava aos pais, que as crianças não tivessem nenhuma
visão do que ocorria nas ruas, para que não vissem os comportamentos
“reprovados” dos foliões e assim os aprendessem
Na figura do rei Momo e sua origem na mitologia Grega
240
, a Igreja
buscava referir a imagem do carnaval como ofensiva a formação cristã, por
238Jornal Município, 21 de Novembro de 1939. Tenente Dr. Escórcio Neto do 8° RAM.
239Como aponta o “Semana Religiosa” em 21 de Setembro de 1943: Infelizmente os que
vão , não julgam e nem pensam deste modo, e assim aproveitam esta tão desejada festa
pagã para darem publicamente expansão aos seuscios, absorvendo o conteúdo das ruas
e os lanças-perfumes, com o fim de conseguirem uma embriagues narcótica. A creança,
que tudo procura imitar, frequentando tais cênas que poderá aprender.”
240Na mitologia grega, Momo era o deus do sarcasmo e do delírio. Usando um gorro com
guizos e segurando em uma mão uma máscara e na outra uma boneca, ele vivia rindo e
ridicularizando dos outros deuses. Sendo então expulso do Olimpo, a morada dos deuses.
Ainda antes da era cristã, gregos e romanos incorporaram essa figura mitológica a algumas
de suas comemorações, principalmente as que envolviam sexo e bebida.
112
enfatizar o prazer da carne sobre os valores espirituais. Os esforços para
impedir a frequência infantil ao carnaval pela Diocese, surtem efeito nesta
época, somando o fato de que durante a Segunda Guerra Mundial o
carnaval se tornou proibido em Pouso Alegre
241
.
O cinema com toda a sua popularidade no período, representou da
mesma forma uma fator de interesse e controle pela sua moralização por
parte da Igreja, controlando sua exibição ás crianças e adolescentes, assim
descreve a memorialista Terezinha Loiola sobre o cinema no seu tempo de
infância:
“O cinema era a atração fundamental no tempo de minha
infância. Os filmes com Shirley Temple era sucesso de
bilheteria. Quando esses filmes começaram a ser exibidos
em Pouso Alegre eu ouvia os comentários de minhas
amigas a respeito de tais filmes e que eles eram
reprisados várias vezes eu queria ter também o privilégio de
assistí-los.(...) Eu ficava sonhando com os filmes que eram
exibidos no Cine, localizado onde é hoje o teatro
municipal”.
242
Para atrair o público infantil, as salas de exibição da cidade, criariam
sessões no horário vespertino, onde os filmes de Shirley Temple faziam um
enorme sucesso, podendo ser considerada a atriz mirim de maior
popularidade na década de 30.
A Igreja católica não fazia restrição ao filmes em que essa atriz atuava,
considerando-os apropriados para as crianças, por ela representar
constantemente uma personagem órfã, que estaria ligado ao interesse da
Igreja nesse período, de um maior engajamento dos católicos em suas
políticas assistencialistas. Este fator explica em parte o sucesso desses
filmes em Pouso Alegre e o grande número de repetições nas casas de
projeção.
Entretanto, o cinema era considerado pela Igreja um terreno fértil para
241A Igreja denominou este episódio de “Sentença de Morte do rei Momo”.
242Op. cit. LOIOLA (1999). p. 70.
113
influenciar as crianças e adolescentes em sua formação e personalidade
243
.
Os filmes, para o catolicismo na cidade, também iniciava prematuramente o
adolescente na sexualidade adulta, podendo-os despertar para
comportamentos ilícitos. O mais “sadio” eram que os jovens se
desenvolvessem num clima de recato e sobre a autoridade da Igreja em seu
ensino. Ao assistirem heróis na tela com um grande poder de cativação
sobre as mulheres, mostrando técnicas e truques sentimentais para a
conquista, poderiam afastá-los desse pudor sexual, que era visto como
fundamental na educação para as crianças pela Diocese.
Nesta perspectiva, a imprensa católica aponta sucessivamente em suas
páginas pesquisas realizadas sobre o tema cinema e infância, para
demonstrar para os pais o “perigo” do cinema na educação das crianças.
Como foi por exemplo, a pesquisa realizada pelo professor chamado
Jônatas Serrano em uma tese apresentada na primeira Conferência
Nacional de defesa contra a Sífilis, que entrevistando diretores de escolas e
psiquiatras, relataram que o aspecto que mais influenciava a formação do
caráter da criança era exatamente o cinema, substituindo a escola e o lar
como principal influenciador. Nota-se nesta questão, a informação de que o
cinema poderia representar nos mais jovens um desejo e um despertar
prematuro no fator sexual.
Outro direcionamento sobre os “inconvenientes” do cinema pode ser
encontrado nas análises dos filmes “O Famoso Gambini
244
e o “Juramento
Médico”
245
no sistema de censura da Igreja, respectivamente apontados
como:
“Filme girando em trono de um caso policial entremeado de
243Esta questão também é abordada na Encíclica Vigilanti Cura do papa Pio XI em 1936,
que aponta: 26- E, infelizmente, no atual estado de coisas, é geralmente para o mal que o
cinema exerce sua influência. Quando pensamos na ruína de tantas almas especialmente
de moços e de crianças, cuja integridade e castidade periga nas salas de cinema, vem à
Nossa mente a terrível sentença de Nosso Senhor contra os corruptores dos pequenos: "O
que escandalizar um destes pequeninos que crêem em mim, melhor lhe fora que se lhe
pendurasse ao pescoço a que um asno faz girar e que o lançassem no fundo do mar".
( Mt 18,6 ). É uma das supremas necessidades do nosso tempo fiscalizar e trabalhar com
todo afinco para que o cinema não seja uma escola de corrupção, mas que se transforme
em um precioso instrumento de educação e de elevação moral.”
244O FAMOSO GAMBINI. Direção: Charles Vidor. Estados Unidos da América, Paramount,
1937. (70Min)
245JURAMENTO MÉDICO. Estados Unidos da América, Warner Bros. 1937.
114
scenas de Ilusionismo. Como todo a pellicula do gênero, não
é aconselhavel aos adolescentes, devido a poder de sugerir
imitação de aventuras”
246
“Por este filme podemos aquilatar as dificuldades de
sofrimentos que passa um médico conciencioso. Diversas
scenas levam-nos a fazer restricção principalmente por uma
vida irregular de um dos principaes personagens. Não
recomendamos a adolescentes”.
Os filmes policiais e a moralidade dos personagens inseridos na tela do
cinema eram analisados pela Igreja e constantemente considerados restritos
às crianças e adolescentes na cidade. A maior preocupação eram que as
cenas de Hollywood, de filmes que tivessem justamente essas características
mencionadas acima, ao mostrar certa facilidade e rentabilidade do jovem no
mundo do crime, como ocorre também no filme “Scarface”
247
, fossem
reproduzidos na cidade.
O que ocorreu em Pouso Alegre, na exibição do seriado a “Caveira”,
onde um indivíduo passou a imitar o vilão, aproveitando que Pouso Alegre
estava sem luz durante seis meses, assustando e agredindo a população
que passava perto do Cine Glória
248
.
No semanário da Diocese o citados vários exemplos de prisões de
jovens no Rio de Janeiro influenciados por filmes policiais, uma maneira de
alertar e de revelar sua oposição a esses filmes e a influência que eles
podiam ocasionar no caráter dos jovens. Segundo a Igreja, o “mau” cinema,
como também revistas infantis de aventuras policiais, representavam um
papel significativo na formação moral do jovem criminoso
249
.
Sobre o perigo da “imitação” dos personagens com uma moralidade
entendida como “irregular” pela Igreja, sua influência era considerada nociva,
por “enganar” e fantasiar as mentes das crianças e adolescentes. Os
personagens aparecem muitas vezes nos filmes com grandes carros,
246Jornal Semana Religiosa, 29 de Janeiro de 1938.
247SCARFACE, A VERGONHA DE UMA NAÇÃO. Direção: Howard Hawks e Richar Rosson.
Estados Unidos da América: United Artists, 1932.(93min)
248Op. cit.GOUVÊA (2004).
249Jornal Semana Religiosa, 24 de Fevereiro de 1945.
115
morando em lindas mansões, vivenciando aventuras “esplendorosas” e
muitas vezes acabando em um final feliz, alimentando assim os sonhos dos
jovens, que nesse sentido, segundo a Igreja, não vão estar preparados para
enfrentarem o mundo “real” quando estiverem adultos.
Na direção oposta, a Igreja aceitava filmes policiais que retratassem
regenerações “convincentes” de jovens que passaram no mundo do crime,
como o caso de “O Mundo ensinou-me a matar”
250
, como também de filmes
que, por exemplo, criticassem autoridades policiais compactuando com
criminosos e que mostrassem a justiça prevalecendo no enredo da história,
no caso de “Prisões sem Grades”
251
e de “Caprichos do Destino”
252
respectivamente.
A Igreja Católica afirmava que as crianças começavam a serem mais
educadas nas ruas, do que nas escolas e em seus lares, aspecto causado
principalmente pela omissão de seus pais. Não eram raros casos
estampados na imprensa, sobre a atitude de alguns meninos no centro da
cidade, como é relatado em:
“No dia 13, o Largo da Catedral foi transformado
inesperadamente, em campo de batalha. E o redator do
“Semana” assistiu aos últimos minutos daquela cena
deprimente e vergonhosa. Os transeuntes importunados de
segundos a segundos de foguetes; meninas, moças e
senhoras perseguidas por foguetes que lhes eram atirados
sem e nem piedade. Mas estes foguetinhos, em vez de
estourarem no ar, bem como as bombinhas, vinham
estourar junto aos pacíficos transeuntes ou de pessoas que
faziam o “footing” no jardim. Sabemos até que houve
pequenos acidentes e incidentes também, sem graves
consequências, para ambas as partes, felizmente. E é de
notar ainda que neste combate simulado tomaram parte,
não meninos de 15 Anos, mas algum que usam
bigodinho, que passaram dos vinte. Ora é bem possível
250O MUNDO ENSINOU-ME A MATAR. Direção: W. S. Van Dyke. Estados Unidos da
América: Metro, 1936. (94min). Este filme é elogiado pela Igreja na questão da regeneração
do jovem, somente recebe reprovação por uma infidelidade conjugal.
251PRISÕES SEM GRADES. Estados Unidos da América: Columbia, 1937.
252CAPRICHOS DO DESTINO. Estados Unidos da América: Paramount, 1938.
116
que esse menores abandonados, voltem novamente a
carga, nos próximos dias 24. Apelamos pois, para as
exmas. autoridades no sentido de livrarem a cidade dêsse
espetáculo desagradavel e que não condiz com o progresso
de nossa terra, que não podem ficar entregues a moleques
sem educação.”
253
Com estes casos ocorrendo na cidade, a Igreja e o poder público
evidenciam um crescente “problema“ sobre o comportamento das crianças
pobres e abandonados
254
no espaço urbano de Pouso Alegre. Essas
“algazarras” com batalhas pelas ruas, com pedras e bombinhas utilizadas
como “armas”, com crianças que pulam quintais para roubarem frutas e que
escrevem palavras obscenas nas paredes das casas, segundo a Igreja, são
principalmente inspiradas pelo cinema, essencialmente por filmes policiais.
Eram relatados até casos de tentativas de roubos por parte de meninos nas
barracas de quermesses e festas organizadas pela Diocese.
A ação policial era entendida apenas como um fator de emergência, era
necessário efetuar medidas preventivas para que estes acontecimentos não
persistissem na cidade.
Os empresários das salas de cinema da cidade também reivindicavam
medidas policiais através do Jornal "Linguarudo", para diminuir o prejuízo
que o afetavam com poltronas riscadas e quebradas durantes as sessões,
praticados, segundo eles, por jovens e adolescentes.
Para a Igreja neste período, era preciso investir em uma reeducação
desses jovens, ao invés de aumentar a lista de criminosos e assim de
edificações de presídios
255
.
A Igreja Católica na cidade incisivamente afirmava que somente ela,
entre as religiões existentes, poderia exercer a missão de contribuir
253Jornal Semana Religiosa, 23 de Junho de 1940.
254No Jornal Município, órgão da prefeitura atenta para essa visibilidade sobre a questão da
problema dos “garotos de rua”, na edição de 27 de Junho de 1940, expressando: “ Em todas
as cidades quer grandes, quer pequenas, eles se encontram dispersos com uma manha de
exploração com o estigma vergonhoso do vício e do crime. O prefeito Tuany Toledo
associa-se a idéia de Getúlio Vargas, que enfatiza a importância sobre a infância, pois está
relacionada à manutenção da ordem e do progresso da nação.
255No Âmbito nacional seria criado em 1938, O Conselho Nacional de Serviço Social, com o
objetivo de amenizar o problema Social da Infância, agindo na questão da pobreza e da
miséria. O serviço Social também indicava o cinema e os livros infantis como influenciadores
de crimes realizados por menores.
117
significativamente para uma solução para este “problema”, criando propostas
assistencialistas e educativas para este fim
256
.
A figura da mulher também é evocada pela Igreja nesta luta, por
entender que sua missão era instruir e educar as crianças em uma
perspectiva católica, estimulando também as jovens em uma forte
sensibilização referente à maternidade
257
.
Não era sem propósito, que a Igreja direcionava as mulheres para uma
efetiva participação em eventos relacionados à infância, como “O natal dos
pobres”, distribuindo presentes para as crianças que possuíam uma posição
econômica inferior.
Essas projeções da imagem sobre a infância e adolescência na cidade,
serviriam também para uma educação dos católicos sobre a questão do
comunismo:
“Recolher todas as crianças abandonadas é impossível.
Resolver o problema, como se fez algum tempo na Rússia
Soviética, deixando-as morrer de miséria e corrupção não é
resolvê-lo mas agravá-lo”
258
“Na China pagã os paes, quando os filhos nascem, têm
sobre elles o direito da vida e da morte, de maneira que,
quando não lhes agradam, imcumbem aos criados de os
fazer desapparecer. Então os criados vão fazer commercio
com elles e a caridade christã vão resgatá-los da morte e da
profanação.”
259
256Para ressaltar esse aspecto, em 1946 o Papa Pio XII através da encíclica Quemadmoun
afirmou a importância da assistência da Igreja às crianças indigentes, como por exemplo,
em dirigimo-vos um paterno convite, para esconjurar-vos a assumir de modo particular
essas crianças necessitadas, e ocupar-vos a mitigar e melhorar suas penosas condições.”.
257Com referência a este assunto, acho pertinente citar uma propaganda inserida no jornal
Mocidade, em um diálogo entre duas jovens para o engajamento das jovens na educação
das crianças, quando relata Enquanto conversavamos, um grupo de meninos brincava de
bandidos do cinema. Um dizia, presta atenção agora farei uma formidavel laçada naquele
que passar por aqui. Continuamos a conversar, quando ouvimos uns gritos, a polícia se
dirigia para cá, levando em instantes após, aquelle grupo de creanças insubordinadas para a
casa de correção. Soubemos mais tarde que a vítima era um velhinho que quasi morrera de
susto. Agora mais do que nunca, precisamos ensinar a estas crianças indisciplinadas a
nossa religião se não comerçamos logo pouca cousa consiguiremos.”.
258Jornal Semana Religiosa, 8 de Julho de 1944.
259idem, 5 de Fevereiro de 1938.
118
A situação abordada pela Imprensa Católica sobre a questão da
infância inserida nos países comunistas, como a Rússia e China, tinha a
intenção de além de buscar uma conscientização por parte dos católicos de
Pouso Alegre para a importância da educação religiosa para as crianças e
que refletissem sobre o “perigo” que este sistema de governo poderia causar
se fizesse presente no país, era de evidenciar que o problema social da
Infância estava estritamente relacionado ao abandono pela sociedade de
valores morais e religiosos.
Outro aspecto que remetia a atenção, tanto da Igreja como do poder
local, podemos encontrar nas memórias de Moacir Honorato:
“A maior parte da molecada era engraxate de rua, inclusive
eu, os hotéis eram nosso ponto de trabalho, pois os
viajantes ou hóspedes sempre tinham um servicinho para
nós, tais como engraxar seus sapatos, comprar um maço de
cigarro, por uma carta no correio, etc.. Nós sempre
entrávamos nos vagões que vinham com a porta aberta, isto
com o trem correndo. Assim que entravámos no vagão
íamos logo furando os sacos de açúcar e abrindo as
garrafas de guaraná. Era aquela farra!”
260
A atenção também se voltava para as crianças que trabalhavam, por
exemplo, como engraxates, charreteiros, carregadores de mercadorias do
Mercado Municipal em seus carrinhos de mão
261
e em atividades que
desempenhavam pequenos serviços na busca por alguns “trocados”, pois
tanto para Igreja e para a administração pública, o trabalho deveria contribuir
na formação moral e religiosa das crianças, servindo como uma forma de
organização do cotidiano infantil, compartilhando princípios de Trabalho,
Educação e Saúde
262
.
260REIS, Moacir Honorato. Memórias de um bom malandro. Pouso Alegre, 1993. p. 11.
261“Ao redor do Mercado Ficavam os carrinhos de mão, feitos de caixotes dirigidos por
moleques que faziam o transporte das compras até as residências, a o preço de 400 Réis.
Contratado pelos fregueses, o moleque os acompanhava pelo Mercado carregando a cesta
de vime, que ficava abarrotada de hortaliças, frutas, cereais, etc. As compras eram feitas,
geralmente, por donas de casa, que dedicavam o bado para fazer as provisões do lar
necessárias para toda a semana”. GOUVÊA, p. 102.
262BRITES, Olga. Infância, trabalho e Educação: a Revista Sesinho (1947-1960). Bragança
Paulista: Editora Universitária São Francisco, 2004. p.49.
119
Para a administração local, empenhada em uma nova projeção da
imagem da cidade e de visibilidade política em relação aos visitantes, não
via com bons olhos as “molecadas” nas portas dos hotéis em busca de
dinheiro dos visitantes.
Ocorriam também muitas vezes perto dos hotéis e nas ruas mais
movimentadas do centro, “guerras” entre quadrilhas de adolescentes que
representavam localidades da cidade como o Rosário, Avenida, Cruzes,
Sete Casas, que eram rivais entre si
263
. O pouco policiamento
264
e a
iluminação das vias facilitavam essas práticas desses adolescentes no viver
urbano de Pouso Alegre.
Era necessário um maior investimento na cidade para uma educação
voltada para uma qualificação profissional dessas crianças, que também
evidenciasse um cuidado com o corpo e sua higiene, estando assim
inseridas na perspectiva do progresso, apresentada pelo poder público nesta
época com veemência.
Figura 3.1- “Carrinhos de Mão” estacionados nos fundos do Mercado Municipal
1935. (fonte: Museu Tuany Toledo)
Para atender a essa expectativa, na tentativa de uma solução para o
263Op. cit. GOUVÊA (2004). p. 160.
264Como foi relatado no primeiro capítulo, este fator também contribuiu para a criação da
Guarda Municipal, neste período.
120
impasse do problema social relacionado à Infância, a Igreja mantinha desde
1917 a Escola Profissional Delfim Moreira
265
, para o atendimento de crianças
que possuíam uma condição econômica desfavorável. A partir do final da
década de 30, essa Escola sofre uma ampliação, no intuito de atender um
maior número de alunos para conter os problemas enfrentados por crianças
pobres na cidade, sendo inaugurado um novo prédio em 1939, com a
colocação do retrato do presidente Getúlio Vargas, mostrando uma
articulação da Igreja com propostas do Estado Novo.
A escola Profissional tinha primeiramente um setor exclusivo para
trabalhos agrícolas, depois com uma crescente urbanização da cidade,
foram sendo criadas novas dependências, como oficinas de Tipografia,
Carpintaria, Marcenaria, Sapataria, Alfaiataria, como também aulas de
ensino religioso, o que acarretaria em uma formação cristão a esses alunos.
Roupas, calçados e acessórios de higiene, eram doados pela prefeitura, no
intuito de contribuir para uma imagem saudável das crianças.
Faziam parte destas medidas do mesmo modo na política de assistência
a estas crianças, a criação em 1939 de uma nova Escola Municipal nas
dependências do Asilo São Vicente pela administração de Tuany Toledo,
aos cuidados da Igreja, além de um maior investimento sobre o Orfanato
Nossa Senhora de Lourdes
266
, com a demolição do prédio e construção de
um novo na década de 30, com dois andares, que atenderia tanto meninos e
meninas órfãs.
Festas e atividades religiosas, também serviriam para uma proposta
educativa das crianças, tendo como referenciais princípios morais e
religiosos. Além das festasevidenciadas no viver urbano, como a Semana
Santa, Corpus Christi e Procissão Mariana, foram criadas outras na cidade
estritamente relacionadas ao universo infantil, como a Semana da Criança
267
,
que eram dedicados dias da semana para a visita da Juventude Feminina
Católica, havendo missas solenes, estudos religiosos e cafés especiais para
as crianças do Orfanato e da Escola Profissional e a Cruzada Eucarística
265Esta escola foi fundada pelo Bispo Dom Octavio em 1917, sendo anexado primeiramente
com o Ginásio Diocesano, depois acabou migrando para um prédio próprio, doado pelo
Senador Eduardo Amaral.
266Este orfanato foi fundado em 1920 funcionando na Rua Adolfo Olinto.
267Realizada em Setembro esta atividade era realizada nos mesmos moldes da Semana
Nacional da Criança, criado no governo de Getúlio Vargas.
121
Infantil, voltada para visitas a bairros da cidade com o intuito de
catequização das crianças necessitadas, com entrega de donativos e
presentes.
É importante ressaltar que nessas atividades, a Juventude Feminina
Católica a partir de final da década de 30, começava a utilizar jogos
educativos e o próprio cinema, considerado muitas vezes um vilão para a
Igreja, buscando uma maior assimilação e educação de valores morais e
cristãos a estas crianças.
Outro método utilizado foram os concursos literários do Grupo Escolar
Monsenhor José Paulino, e também do Ginásio São José
268
, patrocinados
pela prefeitura, para a celebração do dia do aniversário do presidente
Getúlio Vargas na cidade.
Era premiado o aluno que criasse a melhor redação sobre a pessoa do
presidente e aniversariante, no jornal do Grupo Escolar eram estampados
alguns trechos dessas redações, onde os alunos expressavam:
“Getúlio Vargas é um grande protetor das famílias, das
crianças e dos operários, Desde 1930, depois da revolução,
o nosso Brasil passou a ser governado pelo Dr. Getúlio
Vargas. Dessa data o Brasil está sempre em progresso.
Getúlio Vargas é um grande presidente por isso devemos
lembrar de sua admirável e sorridente com entusiasmo e
gratidão. Dos nosso lábios infantis sae essa prece: Deus
guarde o nosso presidente””
269
Essa era a imagem cultivada pela Igreja, pelos militares e pelo poder
público na cidade, onde a imagem de Getúlio Vargas era identificada e
propagada como grande estadista, sendo um exemplo para as famílias
pousoalegrenses, por ser um pai amoroso que zelava pela vida de seus
filhos e que vivia em harmonia com sua mulher, dedicando-se também para
a assistência e cuidado com os pobres e “fragilizados”. Imagem que deveria
ser difundida, para influir nos mais jovens da cidade, a missão de contribuir
268Esse Ginásio era destinada a educação dos jovens de “posse” da cidade e região, em
1943, este foi elevado a categoria de Colégio com a criação de cursos Clássico e Científico.
269Jornal O Cooperador, órgão mensal do Grupo Escolar Monsenhor José Paulino, Maio de
1944.Texto atribuído a Silvia Brandão.
122
para construção de um novo país.
No período da cada de 30 e 40, se evidenciou uma aliança entre
militares e a Igreja
270
, que se constituiu na posse de algumas terras por parte
dos militares do Regimento que pertenciam a Diocese.
Essas terras estavam inseridas em uma área adjacente ao antigo Largo
do Rosário, atual Praça João Pinheiro, onde também ficava próxima a zona
de prostituição, que se situava na Rua David Campista, cercada entre a Rua
da Tijuca e Coronel Pradel
271
. Esse aspecto revelava uma busca por um
maior controle moral de posturas consideradas “incivilizadas”, como também
pelo intuito de uma melhoraria da imagem do local.
A presença militar ganharia grande visibilidade na cidade, principalmente
com a revolução paulista de 1932, sobre este fator Octávio Miranda Gouvêa
relata em sua memória o fim dos combates no bairro da Vendinha, atual
São João:
“Naquele mesmo dia a cidade assistiu, consternada, o
vaivém de um enorme caminhão
272
, que fora capturado,
carregando os corpos dos mortos e feridos, que foram
levados para o Hospital “Samuel Libânio”. Percorrendo
lentamente pelas ruas Dom Nery e Comendador José
Garcia, transportando vários corpos cobertos com lençoís
brancos e alguns feridos enfaixados, o caminhão exibia para
a população pesarosa, o triste resultado do combate. Com a
respiração presa e um profundo silêncio, o povo rendia
naquele instante uma respeitosa homenagem àqueles
bravos soldados. Aquele desfile lúgubre, o transporte
daqueles corpos inanimados de jovens idealistas, calou
fundo na alma pousoalegrense(...) Dom Octavio, num gesto
de humanidade e amor cristão. Fez pessoalmente a
encomendação dos mortos, visitou prisioneiros no quartel e
os feridos no hospital. E a todos dedicou momentos de
270A instalação do Regimento em 1918 foi incentivada pela Igreja Católica e pela
influência do latifundiário local Eduardo Vilhena Amaral.
271ASSIS, Eduardo Moreira. A cidade e o “mal necessário”: Prostituição e Marginalidade
Social em Pouso Alegre MG (1969-1988). Dissertação de Mestrado na Pontifícia
Universidade Católica. 2005. p.7.
272Segundo o autor o caminhão tinha 3 pares de Roda, considerado de grande porte na
época.
123
atenção e palavras de conforto”
273
Uma coluna paulista invadiu a cidade em 1932, entrando em combate
com o Regimento por cerca de 20 horas
274
. Muitos moradores ao saberem
da presença de revolucionários paulistas já nas imediações de Pouso Alegre,
se retiraram da cidade, partindo para a cidade de Congonhal, os que ficaram
não saiam de suas residências, como resultado as ruas da cidade ficaram
desertas
275
. Nas escolas católicas os porões acabaram servindo como refúgio
as prováveis consequências do combate.
Exatamente depois de um período de silêncio, no cessar dos barulhos do
combate, a população começou a sair nas ruas. Neste momento surge a
descrição de Octávio Miranda, com o exército desfilando pela rua com seus
caminhões contendo os corpos de paulistas mortos e feridos, exibindo
também seus fuzis, buscando mostrar para a população sua presença e
poder na defesa da cidade. Neste sentido, nota-se a Igreja com seu bispo
diocesano, buscando do mesmo modo revelar sua missão de proteger a
cidade e de mostrar sua autoridade na compaixão e defesa sobre a vida
humana.
As comemorações cívicas, principalmente com o início do Estado Novo,
foram ganhando também força e visibilidade na cidade, havendo
participação de trabalhadores, jovens, crianças e da população em geral.
Era um verdadeiro “espetáculo de poderes” que da mesma forma serviam
para prevalecer, como afirma Célia Calvo
276
, um discurso de domínio para
reafirmar e coagir quem estivesse contra aos posicionamentos da
administração pública, dos militares e da Igreja.
Entretanto se por um lado a Igreja compartilhava o sentido enunciado
pelas festas cívicas, por outro, criticava dimensões do ensino público que
estava se formando, apoiadas em propostas mais racionalistas e em
processos de modernização urbana que favoreciam novos hábitos na
cidade.
273GOUVÊA, Octavio Miranda. Minas e a Revolução Paulista. Pouso Alegre: Gráfica e
Editora Irmão Gino, 1991. p. 90-91.
274Os paulistas depois das perdas no combate se retiraram de Pouso Alegre, partindo para a
divisa do Estado.
275Op. cit. GOUVÊA (1991). p.47.
276CALVO, Célia Rocha. Muitas Mémorias e Histórias de uma cidade: Experiências e
Lembranças de Viveres Urbanos. Uberlândia, 1938-1990. Tese de Doutorado PUC-SP.
124
Essas comemorações, como o dia da Pátria, dia da Bandeira e o
desfile de Sete de Setembro, seguiam essencialmente um roteiro, com
inúmeros discursos por parte dos líderes da Igreja, dos representantes do
Regimento e do poder público local, para depois se iniciarem os desfiles
do exército e das escolas na Praça Senador José Bento, onde eram
ressaltados os feitos dos militares na defesa da cidade na Revolução de
1932, no bairro da Vendinha, atualmente denominado São João.
Figura 3.2- Desfile 7 de Setembro em 1937. (fonte: Acervo pessoal de Daniel
Camurça)
É importante ressaltar a relação entre essas festividades cívicas e a
questão da educação, onde eram enfatizados princípios, como o trabalho,
patriotismo e desenvolvimento da cidade, que o poder local queria manter e
anunciar, sendo a escola um espaço significativo para a propagação de
idéias e de uma preparação para o futuro, sendo frequente a participação de
crianças, do Grupo Escolar Monsenhor Paulino instalada na Avenida Dr.
Lisboa, também no palanque dos discursos, nas quais liam orações e
125
professavam o espírito patriótico
277.
Esses desfiles poderiam ser realizados, alimentados por uma forte
atuação na escola de propostas que interessavam a Igreja, Militares e poder
público. A educação na cidade estava impregnada por conteúdos vicos,
morais e religiosos, que pudessem assim preparar os jovens e as crianças
para o momento da festividade em público, retratando neste espaço sua
disciplina, patriotismo e ordem.
A rua passou a ser um lugar que deveria evidenciar estes
comportamentos por parte das crianças na cidade, efetuando um aumento
da criação de vários eventos cívicos e religiosos, em detrimento de condutas
de crianças nas ruas, brincando de bandidos do cinema, de “quadrilhas” e
fazendo variadas “algazarras”.
A articulação da Igreja com os militares e o poder público, também
sofriam fortes debates e tensões na questão educacional municipal,
exatamente sobre uma frequente reivindicação da Diocese, de que os
ensinamentos religiosos de natureza católica se sobressaíssem nas escolas
municipais.
A cidade que possuía essencialmente escolas coordenadas pela
Igreja
278
, como o Colégio São José, Escola Monsenhor Paulino, Escola
Normal Santa Dorotéia, Escola Profissional Delfim Moreira, viu-se na
implantação pela administração pública do Colégio Hermantina Beraldo
próximo à praça, uma ameaça a sua hegemonia.
Outro fator começava a ser incentivado na cidade, também em uma
tentativa de conter práticas denominadas “incivilizadas” e para amenizar a
falta de opção para o lazer das crianças e jovens. Assim descreve Moacir
Honorato o seu tempo de infância e as alternativas que os jovens buscavam
para o seu passatempo:
“O local mais movimentado da cidade era a estação
ferroviária, pois em Pouso Alegre não existia nada para que
277Jornal Semana Religiosa, 25 de Abril de 1942
278O balanço apresentado pela Igreja Católica na cidade no ano de 1940, retratava os
seguintes números relativos aos alunos matriculados em instituições católicas em toda a
Diocese: Grupos Escolares- 9.708 alunos e 243 professoras; Escolas Isoladas- 7.466 e 170
professoras; Colégios- 1388 adolescentes de ambos os sexos e ,42 mestres em um total de
30.131 alunos e 946 professores.” Fonte: Jornal Semana Religiosa.
126
a população pudesse extravasar, a não ser ver o trem
passar e a banda tocar sua retreta na Praça Senador José
Bento. O nosso ponto de encontro era na porta do mercado,
assim que chegava lá, estava a turminha toda me
esperando para saber qual seria o programa do dia, que na
maioria das vezes era nadar no rio Mandu, depois jogar
bola no campinho, perto da estação ferroviária, depois
roubar jabuticabas nas hortas, principalmente na horta do
casarão da família do Senhor José Marquês”
279
O poder público local buscava estar inserido nas diretrizes nacionais,
durante o governo de Getúlio Vargas, o esporte passou a ser utilizado como
um instrumento educativo
280
, para difundir valores cívicos, como a
autoridade, respeito à hierarquia e uma estimulação do trabalho em equipe.
Para enfrentar esse problema de poucos lugares de diversão infantil no
município, a questão do esporte começou a ser explorado no viver urbano
de Pouso Alegre.
O rio Mandu era utilizado como um dos principais espaços de lazer
pelos jovens, na prática da natação, principalmente em um lugar
denominado com “Lava-Cavalo”, pois era utilizado para a lavagem dos
Cavalos do Regimento do exército. Assim descreve Otávio Gouvêa sobre
a freqüência deste local:
“No verão, um grande número de rapazes, de todas as
classes sociais, frequentava o “Lava Cavalo”, e se divertia
praticando, além da natação, futebol, ginástica, saltos de
distância e altura. Era por assim dizer, uma praça de
esportes improvisada, pela qual os próprios frequentadores
zelavam, arrancando o mato das margens do rio, limpando-
o ou introduzindo melhoramentos, como o trampolin todo de
madeira de quase três metros de altura”
Ao se analisar fotos e memórias sobre o “Lava Cavalo”, pode-se
279Op. cit. REIS (1993).
280Em 1937, a constituição obrigou a inserção da Educação Física no currículo das escolas
primárias, normais e secundárias.
127
observar que era um dos locais que mais se evidenciavam uma frequência
tanto de jovens da elite como de jovens de condições sociais menos
favoráveis
281
.
Esse local que servia também para práticas de diversos esportes, que
foram citados, não comportava condições ideais de estrutura, o que
conseqüentemente ganharia visibilidade em uma cobrança para a edificação
de espaços que estivessem aptos para a prática esportiva, por parte da
administração municipal.
A cidade, portanto, que possuía áreas para práticas esportivas
precárias, mesmo com a utilização de um Córrego raso, nas terras do Cel.
Ribeiro de Abreu, para o aprendizado do nado pelas crianças, viu-se o
problema agravado decorrente de casos de afogamento no rio Mandu.
Figura 3.3- Funeral de Crianças Afogadas final da década de 20. (Fonte: Museu
Municipal Tuany Toledo)
Nesta perspectiva, começa a se efetuar uma busca de uma
revitalização e de melhorias do esporte na cidade, que vem desde o começo
281Assim descreve Alexandre Araújo em sua juventude sobre o Lava-Cavalo: “Nas décadas
de 30 e 40 era uma pequena Copacabana dos pousoalegrenses: ricos e pobres, pretos e
brancos, irmanados afluíam ao “Lava-Cavalo”.
128
da década de 30
282
, quando se afirma em um jornal da mocidade de Pouso
Alegre
:
Ao que parece, fala-se presentemente na cidade de uma
resurreição dos nossos esportes. Haja visto como nas
madrugadas frígidas regorgiram de nadadores as margens
praieras do mandú. E como, ao longo da linha férrea,
corredores as dezenas, treinam quotidianamente(...)Parece-
me que esta administração pelos esportes, está um pouco
na massa do nosso sangue e se transfunde de geração a
geração, pois quase vinte annos atrás Pouso Alegre
possuia optimas equipes de futebol e excelentes
mergulhadores e se alguns selvagens pervagavam pelas
nossas florestas em tempos idos, foram os índios
guerreiros”
283
Com um discurso ressaltado na citação pelo encontro de armas de
pedra nas serras do cervo na época, que seriam atribuídos a indígenas que
possivelmente estiveram nesta região, busca-se um incentivo e
comprometimento da mocidade da cidade na prática de esportes, que
começam a ser identificados como um dispositivo eficaz para conter a
vadiagem, vícios e a imoralidade, atribuindo ao lazer um tempo que fosse
mais produtivo e que desenvolvesse moralmente o individuo, como
podemos perceber nesta citação do jornal a Cidade:
A Mocidade pousoalegrense com todo o conjunto de
moços do mundo, precisa empregar o seu tempo, em
trabalhos que consumam a sua extraordinária energia, a
vivacidade innata dos corações juvenis. Como é próprio
porem a mocidade se inflammar vivamente, cumpre que se
discipline o sentimento da mocidade, canalizando os seus
282Em 28 de setembro, Alfredo Baganha e José Nunes Rebello, entre outros representantes
do PAFC, se reuniram no Fórum local, lavrando a ata de compra de um terreno localizado à
Rua Comendador José Garcia, por oito contos de reis, para a construção de um estádio
283O Jornal “Gente Nova” da mocidade de Pouso Alegre, em 26 de Março de 1933, começa
a cobrar do poder público melhorias no esporte da cidade e assim uma revitalização.
Expressa que a prática esportiva está no sangue da população, uma tradição na cidade.
129
esforços para os objetivos úteis e nobilentes”
284
Toda esta discussão e preocupação resultaram na fundação do Centro
de Educação e Cultura Física Pousoalegrense, que tinha a função
exatamente de controlar e disciplinar a mocidade, no estímulo de uma
prática esportiva “sadia”, como também na construção de um espaço para a
prática de esportes na Rua São José, com escolas de Educação Física,
basquete, Vôlei, ginástica e lutas, precisamente na administração de Antônio
Corrêa Beraldo
285.
Nesse intuito de controlar e com um discurso pedagógico de preencher
o tempo da mocidade, esse espaço na Rua São José, ainda era visto como
um lugar provisório, pois suas instalações não eram suficientes para suprir
uma grande procura por parte da mocidade. Na necessidade de um novo
local, que deveria possuir uma maior infra-estrutura, se inicia uma campanha
para a arrecadação de fundos para a construção de uma praça esportiva na
cidade.
Essa questão de uma ampliação do esporte na cidade era estimulada
pela Igreja Católica como também pelos militares, que organizavam diversos
campeonatos e também reformavam suas quadras de basquete e vôlei no
Colégio o José e nas dependências do regimento, sendo enfocado,
entretanto pela diocese, o ato ilícito de unir homens e mulheres em torno
das atividades físicas.
uma preocupação dos líderes da diocese em observar e “vigiar” os
lugares em que estão sendo realizadas as práticas esportivas, para que a
separação, entre homens e mulheres seja cumprida. O exercício corporal
deve ser destinado ao bem estar do espírito, contribuindo moralmente na
formação dos jovens.
Toda essa questão esportiva teve reflexos significativos na gestão de
Tuany Toledo, onde são criadas as ligas esportivas municipais, responsáveis
por organizarem campeonatos e torneios, principalmente de Futebol
286
, Vôlei
284Jornal a Cidade, de 28 de Abril de 1936.
285Idem, 5 de Maio de 1936. Antõnio Corrêa Beraldo nasceu em Sant’anna do Sapucahy
(Silvianópolis-MG) em 1885 e faleceu em Pouso Alegre em 1970. Empresário e
comerciante, foi prefeito da cidade entre 1935 a 1937.
286Os torneios de futebol eram realizados em um campo reformado em 1929, instalado na
Rua Comendador José Garcia.
130
e Natação
287
. Em seu jornal, “O Município” o prefeito, cria um espaço
denominado “Notícias Esportivas” para a divulgação e repercussão desses
torneios no viver urbano de Pouso Alegre.
Um aspecto que contribuiu na disseminação dos ideais progressistas
da administração pública, na questão esportiva, foi a popularização das
bicicletas. Este era mais um símbolo que Pouso Alegre estava deixando ser
uma cidade tranquila e atrasada
288
. A organização das corridas ciclísticas
289
por parte do poder municipal revela toda esta estratégia, seguindo o mesmo
passo dos outros esportes na cidade.
Figura 3.4- Corrida Ciclística- 1936 (Fonte: Museu Municipal “Tuany Toledo”)
O principal projeto em relação à questão esportiva por parte de Tuany
Toledo era a construção de um local de lazer, que não servisse para
realização de atividades ligadas ao esporte, mas um espaço que pudesse
conter o ócio e o tempo livre da população, respaldo pelos discursos de
médicos e sanitaristas quando afirma:
287Maratona Náutica de Pouso Alegre nas águas do rio Mandu e Sapucaí.
288Jornal Gente Nova 26 de março de 1933: Depois chegaram as bicicletas, que logo
dominaram por completo a cidade pacata, foi a febre dos guidons”
289Era o itinerário seguido pela corrida ciclística: saída em frente ao clube literário,
percorrendo a praça senador Jo Bento, ruas Silviano Brandão, Tiradentes, praça João
Pinheiro, ruas Dom Nery Adalberto Ferraz, praça Josino de Araújo e a avenida Dr. Lisboa
com chegada novamente no clube Literário.
131
“A população tem a necessidade de um local de lazer que
seja ao mesmo tempo útil, tanto quanto ao ar que respiram.
Não será apenas construindo uma praça arborizada com
escolas por perto que alcançaremos esta finalidade. Todavia
precisamos de um espaço que assistência e oriente de
maneira coerente, com médicos, farmacêuticos e
odontologistas, práticas ruins que trazem o atraso ao
nosso município tais como: a criação e matança de animais
nas casas e nas ruas, o murmurinho dos bares e mercearias
que comportavam alguns deles, os vicios da bebida e da
ociosidade, a limpeza e higiene pessoal que vai desde a
vestimenta, aos modos a prática do banho diário”
290
Para esse fim, sua administração reforça junto com a Igreja, festas em
benefício para a construção dessa nova Praça de Esporte, sendo o lugar
escolhido estrategicamente o parque municipal, que apresentava uma densa
vegetação marcada por árvores e plantas como descreve Alvarina Amaral
Toledo:
“A grace do parque era de sua vegetação verdejante, no
bosque repleto de árvores de perfume inebriantes:
magnólias, jasminsmanga, flores do imperador, damas-da-
noite, jacarandas e flores que não existem mais. Lindas
eram as madrassivéis espécime hoje quase extinto. No
centro imponente e límpido, um lago com seu repuxo e
espalhados pelas veredas, grandes bancos de pedra
artificialmente trabalhados. O parque de tantas espécies
vegetais como roseiras bravas, os jasmineiros e as
perfumadas trepadeiras, era o pulmão vivo da cidade.”
291
Na época de sua construção, no início do século XX, o parque
Municipal era visto como um progresso para a cidade, melhorando a estética
do então Largo do Rosário, com ajardinamento e plantação de inúmeras
árvores.
290A Gazeta de Pouso Alegre, 23 de Agosto de 1935.
291Op. cit., TOLEDO (1997). p. 98.
132
A partir da década de 30, o parque Municipal começou a ser associado
a uma imagem da cidade ligada essencialmente ao aspecto rural e um lugar
que contribuía para o não trabalho, para conversas e encontros de pessoas,
que segundo o poder local não oferecia nenhuma colaboração e
produtividade com o progresso e desenvolvimento da cidade.
Todo esse projeto esportivo acabou ocasionando a aprovação das
propostas de Tuany Toledo em 1939, pela comissão de Obras e Finanças de
Pouso Alegre, iniciando no ano de 1940 as obras para a construção do
Parque Infantil com a direção dos engenheiros Aristóteles Rodrigues e Paulo
Nascimento e sob a assistência do Major Jaime Castro, denominado de
consultor técnico pelo prefeito
292
.
A Igreja Católica elogiava a intenção do prefeito nessa construção de
um novo parque, principalmente pela sua finalidade educativa, quando
relata:
“O Exmo.sr. prefeito Tuany Toledo gentilmente nos mostrou
a planta do parque. Pela planta pode-se fazer uma idéia do
grandioso empreendimento. Campos de esporte, aparelhos
de Ginástica e de diversão, tudo isso vai ser localizado de
tal maneira que o parque possa satisfazer à sua finalidade,
de divertir e de educar, que venha contribuir poderosamente
com o recreio e educação de nossas crianças.”
293
A Igreja manifestava apoio a este novo empreendimento, sabendo que
na articulação como o poder público, poderia utilizar as dependências do
Parque em suas atividades. Ela também almejava uma maior “organização”
do lazer das crianças e também da juventude, para que estivesse sobre sua
vigilância.
Em 1940, o presidente Getúlio Vargas decreta o estabelecimento de
Instituições que promovessem a educação cívica, moral e física da
Juventude Brasileira em todo o país, fundamentando em:
“Imcumbe aos poderes públicos criar centros cívicos,
292Jornal O Município, 13 de Outubro de 1940.
293Jornal Semana Religiosa, 3 de Agosto de 1940.
133
escolares ou extrá-escolares, destinados às atividades da
Juventude Brasileira, nas cidades e em todas as demais
povoações do território nacional, bem como auxiliar a
montagem ou a manutenção dos que forem instituídos pelas
entidades particulares.
Haverá em cada estabelecimento de ensino oficial ou
fiscalizado, mantido pela entidade e que tal estabelecimento
pertencer, um centro vico destinado às atividades
educativas da Juventude Brasileira”
294
.
Nesta perspectiva, o Parque Infantil fora denominado de “Centro da
Juventude Brasileira de Pouso Alegre”
295
, compartilhando os princípios
decretados pelo governo federal, para a educação de crianças e jovens de 7
a 18 anos.
Antes de sua inauguração a imprensa na cidade, não parava de elogiar o
novo parque, atribuindo à cidade o pioneirismo na implantação deste tipo de
empreendimento na região do Sul de Minas, onde muitas cidades com uma
maior projeção e desenvolvimento, ainda não possuíam centros como o que
iria ser inaugurado em Pouso Alegre.
Exatamente em 2 de Março de 1941, seria inaugurado o Parque Infantil,
com a presença de autoridades municipais, regionais e estaduais, como
também de membros do clero e dos militares do Regimento, em um local
restrito separado da população.
O parque passou a se chamar “Major Dorneles”
296
, em homenagem ao
Secretário Estadual da Fazenda Ernesto Dorneles, um grande incentivador e
mediador de sua realização. Uma forma que Tuany Toledo encontrou de
angariar receitas e de obter prestígio junto ao governo Estadual, sob a
direção de Benedito Valadares.
Assim narra Terezinha Mendes Loiola o parque Infantil no seu tempo de
infância:
294Decreto Federal de 2 de Março de 1940, criando a Juventude Brasileira destinada a
promover a Educação cívica, moral e física da Infância e Juventude de de 7 a 18 anos.
Artigos 5 e 6.
295Jornal O Município, 13 de Outubro de 1940.
296No final da década de 40, o Parque mudou novamente de nome e passou a ser
chamado “Parque João da Silva” em homenagem ao fundador da cidade.
134
Ele (Tuany Toledo) não abriu as portas de um parque,
mas de um mundo de fantasias: gangorras que subiam e
desciam; rodas gigantes apinhadas de crianças alegres,
coradas e felizes; escorregadores que nos davam medo,
mas subíamos para deliciarmos com a descida repentina;
balanços; cadeirinhas de balanços onde os jovens
namorados balançavam seus sonhos de amor.. tudo sobre o
frescor das árvores centenárias que nos ofereciam suas
sombras amigas (...) no fundo, a igrejinha de Nossa
Senhora do Rosário onde a imagem de Maria, sempre
sorridente, quem sabe, trazendo o menino Jesus para
brincar conosco.”
297
A estrutura do parque Infantil como é relatada na citação, oferecia
brinquedos infantis como balanços, gangorras, escorregadores, mesas de
ping-pong e piscinas, como também quadras de futebol, de voleibol, de
basquete e aparelhos de ginástica, com a assistência de um instrutor de
educação física e de natação.
Notam-se nas palavras da memorialista, uma significativa influência e
assimilação de princípios da Igreja e do poder público presente no Parque
Infantil, mostrando como o Parque tinha como objetivo principal a atuação na
formação da criança.
297 Op. cit. LOIOLA (1999). p. 112.
135
Figura 3.5- Piscina no Parque Infantil- 1943 fonte: (Acervo pessoal de Daniel
Camurça)
Existia também uma associação de escoteiros instalada no Parque
Infantil, denominado de Grupo de Escoteiros João da Silva, sob a liderança
do Sargento Guaracy José de Faria e o professor de educação física João da
Silva Castro
298
. Sua função era difundir referenciais cívicos e a instrução
militar para as crianças
299
, que para continuarem adeptas, deviam ser
aprovadas por inspeção médica e que estivessem matriculadas em alguma
escola da cidade.
Ainda sobre a função que o Parque Infantil estabelecia sobre a
assistência a Infância na cidade, Octávio Miranda Gouvêa cita:
“Foi uma obra de grande alcance social, principalmente para
298Op. cit. GOUVÊA (2004) p.188.
299A Associação Brasileira de Escoteiros previa como objetivo: 1- Eugenia, na parte
referente à educação física, à saúde, ao vigor e à destreza das gerações novas, homens e
mulheres; 2- Civismo, não apenas reduzido a ensinamentos cívicos, mas o hábito de realizar
os deveres cívicos, mercê das convicções adquiridas;3- Inteligência, isto é, o
desenvolvimento de algumas das mais notáveis qualidades intelectuais, a urgência, a
logicidade, a divisão pronta;4- Caráter, considerado como o hábito adquirido pela prática
sistemática da bondade, em casos concretos, dia a dia, como o horror à mentira e correlato
amor à verdade e a pontualidade.
136
as classes mais humildes, pois, além de satisfação e bem
estar que o parque proporcionava, no aspecto recreativo, era
também, um forte incentivo para a cultura física”
300
A imagem projetada do Parque Infantil, tanto por Tuany Toledo, pelo
memorialista Octávio Miranda e também pela Igreja, era de um ambiente que
se destinaria a proporcionar a inclusão social de todas as crianças de
condições econômicas desfavoráveis da cidade.
Entretanto com a sua inauguração e funcionamento, sendo o Parque
Infantil cercado de telas e aos domingo muitas vezes mantido fechado para
atividades da Igreja e esportivas, esta última sendo necessário à compra de
ingressos para a entrada, passou a ser exclusivista, a praça como afirma
Juliano Ishimura: “serviu aos interesses particulares de certas pessoas que
procuravam aumentar sua influência em locais que tinham grande apelo ao
público.”
301
O parque Infantil não era somente um lugar destinado para a prática
esportiva, mas também continha dois prédios que abrigavam consultórios
médicos e odontológicos
302
. Sendo estes também utilizados como uma forma
de controle às crianças pobres. A higiene era encarada por esses
estabelecimentos, como um aspecto provido de um caráter educativo,
defendendo sua considerável atuação na formação infantil .
Esses dispensários médicos infantis existiam desde o final da década
de 30 na cidade, sob a supervisão do Dr. Joaquim Duarte, que possuíam a
função de auxiliar os moradores carentes em sua higiene e no cuidado com a
saúde e de enviar as crianças dependendo de sua constituição física, com a
indicação médica, para a prática de determinado esporte apropriado para
elas.
A igreja identificava assim este dispensário, em suas visitas a este
recinto:
“Examinando diversas fichas sanitárias das crianças
300Op. cit. GOUVÊA (2004). p. 188
301ISHIMURA, Juliano Ikeda Hiroshi. A Praça João Pinheiro: cidade, memórias e viver
urbano. Pouso Alegre, 1941-1969. Dissertação de Mestrado PUC-SP, 2008. p. 99.
302O serviço médico era aberto à tarde da 13:00 ás 17:00 e o serviço odontológico na parte
da manhã das 8:00 ás 12:00.
137
pudemos constatar como o dedicado médico diretor pode
controlar perfeitamente o estado sanitário da creança,
servindo-lhe o desenvolvimento, combatendo efizcamente as
molestias e registrando todos os medicamentos aplicados.
Pouso Alegre leva muita vantagem, graças ao espírito
empreendedor e a ação do Sr. Prefeito Tuany Toledo.”
303
A Igreja compartilhava com a intenção do dispensário, pois entendia que
a saúde mental estava relacionado ao cuidado com o corpo. Nesse sentido,
as crianças poderiam empregar com uma maior solidez seu tempo em
atividades que possibilitassem benefícios a sua saúde. Isto explica em parte
o crescente número de fundações de clubes de xadrez estimulados pela
Igreja, tanto em seus Colégios como nas dependências do Parque Infantil.
Esse fator também tinha a intenção de que as crianças e jovens ao
serem estimularem a cuidarem de sua saúde mental, estariam “livres” do
“perigo” do espiritismo, considerado como prática que levava as pessoas a
loucura e a instabilidade mental.
A Igreja também difundia em sua imprensa os números de serviços
prestados pelo Dispensário, como está relatado abaixo:
“Dispensário Escolar ano 1937
Consulta 818 Medicações 594
Injeções-266 Exames de Fezes 311
Curativos 116 Exames Hansen 11
Palestras Sobre Educação Sanitária 19
Visitas as Escolas e Bairros 6
Vacinas contra Varíola 52 contra Raiva 1
Dispensário Escolar ano 1938
Consultas 973 Medicações 861
303Jornal Semana Religiosa, 26 de Novembro de 1938.
138
Injeções 780 Exames Fezes 380
Exame Hansen 08
Vacinados contra Varíola 841
Dispensário Escolar ano 1939
Consultas 822 Injeções 759
Curativos 78 Medicações 418
Exames de Fezes 535 Hansen 4
Vacinados contra Varíola 675
Verminoses 504
Leite 509 (litros)
Gabinete Dentário:
Curativos 975 Obturações 248
Restaurações 95 Extrações 102
Pivots 78 Pequenas Intervenções 75”
304
Esses números faziam parte de uma propaganda enfatizando o
desenvolvimento da cidade no acompanhamento da saúde das crianças.
Nota-se que o serviço odontológico se iniciaria em 1939 como também a
distribuição de leite. A mãe recebia um cartão de fornecimento mensal, onde
eram registrados os litros de leite doados durante o mês. Também eram
frequentes na imprensa Católica propagandas de produtos como o Biotônico
Fontoura
305
direcionadas às crianças, mostrando que esta deveria estar
saudável, “forte” e disposta para enfrentar com produtividade às atividades
de seu cotidiano.
A criança como futuro do país deveria ser instruída fisicamente e
moralmente para que se convertesse em um trabalhador adulto produtivo,
esse era um dos objetivos da criação desses Dispensários Médicos. Nesse
sentido, as práticas médicas não acompanhavam unicamente a criança, mas
a mãe desde a gestação. Os dispensários infantis eram um investimento que
304Fonte Jornal Semana Religiosa.
305O Biotônico Fontoura foi um medicamento fortificante e antianêmico criado em 1910 pelo
farmacêutico brasileiro Cândido Fontoura.
139
garantiria o futuro do trabalho no Brasil, que a mortalidade de crianças
ainda era significativa na época.
A Igreja Católica, como a administração de Tuany Toledo,
principalmente, e os militares, buscaram disciplinar as crianças, com
propostas educacionais tendo como base uma modelagem de um novo
homem, através de fatores de higiene, saúde e civilidade.
Com essa nova configuração de educação se formando na cidade, a
Igreja procurava também intensificar o controle sobre a leitura principalmente
às crianças, expondo livros apropriados para o universo infantil, classificando
e comentando algumas obras literárias. Sobre este fator a Igreja se
posiciona:
“Que haja preocupação da Infância de nossa terra não
dando-lhes livros deseducativos, que infiltram nas
almazinhas infantis os detestáveis e prejudiciais enredos de
crimes e aventuras desastrosas. É leitura que vicia, seduz e
corrompe(...) Não reconhecem que o aumento assustador
da criminalidade infantil é consequência da propaganda do
crime pela imprensa sensacionalista e por essas malfadadas
publicações de aventuras criminosas”
306
uma condenação moral sobre a leitura que poderia desviar as
crianças de práticas consideradas próprias da idade. Leituras vistas
relacionadas com prática de rua eram identificadas como inapropriadas para
crianças, estas deviam se atentar para a frequência da escola, do estudo, da
ajuda de seus pais.
O lazer da rua incentivava a prática de vícios, da malandragem, do não
trabalho, das roupas inadequadas e das más companhias. Controlar o
espaço blico significava dizer quais lugares que as crianças deveriam
frequentar, como as atividades que a Igreja organizava. Além disso, a Igreja
procurava estimular leituras de escritores brasileiros
307
para criar o espírito de
306Jornal Semana Religiosa, 6 de Novembro de 1943.
307Como é ressaltado no Jornal Semana Religiosa: Tiremos das mãos das crianças essas
revistas de origem estrangeira e deixemos o sagrado dever da educação entregue aos
mestres e escritores patrícios. Eduquemos a infância de nossa terra com letras nossas,
sobre nossa pátria, sobre nossos costumes, nossa gente. Entreguemos a elas História
escritas e desenhadas aqui, por escritores e artistas brasileiros.”
140
“brasilidade” nas crianças.
Como foi mencionado, revistas de origem protestante estavam
chegando à cidade através de vendedores com veemência anunciados pelo
Semanário oficial da Diocese. Esses fatores acabaram ocasionando a
indicação pela Igreja da livraria em que os católicos deveriam comprar seus
livros
308
. Quando a situação começava a escapar das mãos da Igreja, a saída
foi fundar sua própria livraria, gesto liderado por José Angril e Eusébio
Lecue, nas dependências do Santuário do Imaculado Coração de Maria, na
Rua Silviano Brandão.
Neste local, no fim da década de 40, foi fundada uma sala de exibição
de filmes, o cine Santuário, onde a partir da década de 50, a Igreja passou
com uma maior veemência a perceber e utilizar o cinema como um
instrumento de difusão da católica, não o vendo somente pela ótica da
censura.
Neste local, no mesmo período também se iniciou o funcionamento da
União dos Propagandistas Católicos (U.P.C.), destinado à defesa de valores
cristãos e humanos no meio social, abrindo assim, uma nova possibilidade e
etapa de formação e instrução dos católicos no viver urbano de Pouso
Alegre.
308Era indicada pelo “Semana Religiosa” a livraria Rezende, localizada na Praça Senador
José Bento no centro da cidade.
141
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Uma história recentemente explanada pelos evangélicos da cidade, uma
outra ramificação do protestantismo, me fez refletir sobre o modo como o
catolicismo se formou e ainda detém um significativo poder ativo no viver
urbano atual de Pouso Alegre.
Segundo a história no começo do século XX, um comerciante protestante
chegou à cidade, e ao abrir o seu próprio negócio, como a intenção de
aumentar suas vendas e também como forma de evangelização, começou a
brindar seus clientes com bíblias, que possuíam uma tradução diferente da
utilizada pelo catolicismo romano no município.
Esta atitude gerou uma grande insatisfação por parte dos católicos e
comerciantes da cidade, que influenciaram boa parte da população para em
uma determinada data escolhida, deixassem suas bíblias presenteadas no
centro da praça no largo da catedral. Conforme afirma a história, no dia
escolhido, todas as bíblias recolhidas foram jogadas no lixo, diante de um
público maciço.
O comerciante protestante resolveu sair de Pouso Alegre, mas na saída,
repetiu as mesmas palavras de Cristo direcionadas aos seus discípulos, para
deste modo amaldiçoar a cidade: “E, se ninguém vos receber, nem escutar
as vossas palavras, saindo daquela casa ou cidade, sacudi o dos vossos
pés. Em verdade vos digo que, no dia do juízo, haverá menos rigor para o
país de Sodoma e Gomorra do que para aquela cidade.”
309
Esta história expressada pelos líderes evangélicos foi adotada para a
organização de um evento na virada deste novo século, período que também
se comemorava o centenário da Diocese.
Seu principal objetivo era quebrar a maldição e pedir perdão a Deus pelo
comportamento dos moradores da cidade no passado, pois segundo eles, a
religião evangélica não crescia como outras cidades brasileiras. Pouso
309Mateus 4: 10,11.
142
Alegre representava um grande desafio pelo demasiado controle que o
catolicismo exercia na população.
Depois de quase meio século, do período de análise de minha pesquisa,
os conflitos e tensões continuam presentes demarcando culturalmente os
espaços da cidade. Os evangélicos começam a se tornar mais visíveis,
construindo a cada dia novos templos, para atender um grande número de
pessoas. Os espíritas e maçons organizam eventos de grande proporção
na cidade, erguendo também, no caso do segundo, um monumento em uma
movimentada avenida do município. Entretanto o centro parece ser ainda
uma barreira, um território essencialmente da Igreja Católica.
A Diocese virou Arquidiocese em 1962, novas estratégias precisaram
ser adotadas para confrontar novos ideais contrários e manter o catolicismo
como força sólida na cidade, como foi a implantação da Renovação
Carismática Católica. No mesmo sentido, aparece o Ecumenismo e o diálogo
religioso, configurando uma nova página na história do catolicismo romano
no Brasil.
No desenvolver de minha pesquisa, percebi como a cidade vem
ganhando uma nova visibilidade nos últimos anos, mas ao mesmo tempo
parece que muito de seus moradores desejam permanecer firmes nas
tradições do passado, em um comportamento que sempre beira a
acomodação.
Exatamente no final do ano passado, a Avenida Doutor Lisboa com a
Praça Senador Eduardo Amaral foi alargada até a perimetral, próxima ao rio
Mandu, como também se retomou na cidade a necessidade de um espaço
mais amplo inteiramente voltado para a prática de esportes. Aspectos que
estão inseridos na discussão de minha dissertação nas décadas de 30 e 40,
ou seja, no passado da cidade.
Afirmo que este trabalho, não deseja comprovar ou explicar que Pouso
Alegre possui uma formação histórica calcada unicamente no catolicismo ou
nas grandes personalidades políticas, como relata a memória oficial do
município, mas enfatizo a possibilidade de perceber que disputas e embates
foram sendo traçados socialmente, sendo portanto, fatores incisivos na
constituição histórica da cidade.
Um dos principais objetivos de minha pesquisa é a abertura de novas
143
perspectivas de estudos historiográficos na região, sobre temas pouco
desenvolvidos até então, como a questão do cinema, o protestantismo, o
espiritismo e o estudo do universo feminino.
Outro fator pertinente é a utilização da fonte impressa, sendo explorada
como prática social, uma nova percepção na compreensão da história no sul
de Minas.
Nesse sentido busco não uma conclusão ou esgotamento do tema
pesquisado, mas uma contribuição para futuros trabalhos, um estímulo para
novos debates, que possam proporcionar uma significativa e variada reflexão
histórica sobre o viver urbano de Pouso Alegre.
144
FONTES
IMPRESSOS
“Semana Religiosa”- 1936-1945
“O Município”-1938-1941
“O Linguarudo”-1939-1941
“Gazeta de Pouso Alegre”- 1925-1931
“A Cidade”- 1936-1938
“O Pouso Alegre”- 1933-1935
“O Cooperador”- 1944
“A Razão”- 1936
“A Cultura”- 1938
“Ação Operária”- 1934
“Mocidade”- 1940-1942
“Gente Nova”- 1932
DIVERSAS:
Encíclica Humanum Genus - 1884
Encíclica Papal Divini Illius Magistri- 1929
Encíclica Papal Vigilante Cura- 1936
Encíclica Papal Divini Redemptoris- 1937
Encíclica Papal Quemadmodum- 1946
Manual dos círculos operários Católicos- 1939
Estatuto da Juventude Feminina da Diocese de Pouso Alegre- 1937
Estatuto do Clube Literário e Recreativo de Pouso Alegre- 1930
Código de postura vigente de 1908
Código de Hays- 1934
Departamento de Estatística Estadual- 1948
145
ICONOGRAFIA
Figura 1.1- Procissão Mariana- 1938. (Fonte: Museu Municipal “Tuany
Toledo”.)
Figura 1.2- Vila São Vicente de Paula- 1938. (Fonte: Acervo Pessoal de
Daniel Camurça)
Figura 1.3- Rio Mandu 1940 (Fonte: Museu Municipal Tuany Toledo)
Figura1. 4- Calçamento Avenida Dr. Lisboa- 1938 (Fonte: Museu Municipal
Tuany Toledo).
Figura 1.5- Demolição de umas das torres da Catedral (Fonte: Acervo
pessoal de Daniel Camurça).
Figura 2.1- Inauguração do Cine “Eldorado”- 1935 (Fonte Acervo Pessoal
Daniel Camurça).
Figura 2.2- Colégio Santa Dorotéia 1925 (Fonte: Museu Municipal Tuany
toledo)
Figura 2.3- Propaganda no jornal Mocidade sobre as Missões da Igreja.
(Fonte Cúria Episcopal)
Figura 2.4- Escola Doméstica Santa Terezinha- Aula de Costura
Figura 3.1- “Carrinhos de Mão” estacionados nos fundos do Mercado
Municipal-1935. (fonte: Museu Tuany Toledo).
Figura 3.2- Desfile Sete de Setembro em 1937. (fonte: Acervo pessoal de
Daniel Camurça).
Figura 3.3- Funeral de Crianças Afogadas final da década de 20. (Fonte:
Museu Municipal Tuany Toledo).
Figura 3.4- Corrida Ciclística- 1936 (Fonte: Museu Minicipal “Tuany
Toledo”).
Figura 3.5- Piscina no Parque Infantil- fonte: (Acervo pessoal de Daniel
Camurça).
146
FILMES
JEZEBEL. Direção de William Wyler. Estados Unidos da América: Warner
Bros. Pictures,1938. (104min.).
...E O VENTO LEVOU. Direção de Vitor Fleming. Estados Unidos da
América: Warner Bros. Pictures, 1939. (238 min.)
CHARLIE CHAN NA BROADWAY. Direção de Eugene Forde. Estados
Unidos da América: 20 th Century Fox, 1937.
VAGAS NEW YORK. Estados Unidos da América: United Artists, 1938.
DUPLA DO BARULHO. Estados Unidos da América: ACB, 1938.
ÉRAMOS TRÊS. Estados Unidos da América: MGM, 1945.
PROPOSTA TENTADORA. Estados Unidos da América: Universal Pictures,
1938.
CHUVA DE CORAÇÕES. Estados Unidos da América: Columbia Pictures,
1937.
O FAMOSO GAMBINI. Direção: Charles Vidor. Estados Unidos da América,
Paramount, 1937. (70Min)
JURAMENTO MÉDICO. Estados Unidos da América, Warner Bros. 1937.
SCARFACE, A VERGONHA DE UMA NAÇÃO. Direção: Howard Hawks e
Richar Rosson. Estados Unidos da América: United Artists, 1932.(93min)
O MUNDO ENSINOU-ME A MATAR. Direção: W. S. Van Dyke. Estados
Unidos da América: Metro, 1936. (94min).
PRISÕES SEM GRADES. Estados Unidos da América: Columbia, 1937.
CAPRICHOS DO DESTINO. Estados Unidos da América: Paramount, 1938.
147
MEMÓRIAS
CARVALHO, Augusto José. Terra do Bom Jesus. Pouso Alegre: Gráfica
Irmão Gino, 1982.
GOUVÊA, Otávio Miranda. A História de Pouso Alegre. Pouso Alegre:
Gráfica Amaral, 2004.
____________________. Minas e a Revolução Paulista. Pouso Alegre:
Gráfica Irmão Gino, 1991
LOIOLA, Terezinha Mendes. Doce Recordação. Pouso Alegre-MG:
Grafcenter, 1999.
QUEIROZ, Amadeu de. A História de Pouso Alegre e sua Imprensa.
Pouso Alegre: Irmão Gino, 1998.
PERLATTO, Júlio. Diocese Centenária 1900-2000. Pouso Alegre: Gráfica
e Editora Grafcenter, 2000.
REIS, Moacir Honorato. Memórias de um bom malandro. Pouso Alegre,
1993.
TOLEDO, Alvarina Amaral de Oliveira. Uma História que se já vai
Longe... Niterói. Gráfica Falcão, 1997.
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TOLEDO, Tuany. Trabalhos Dispersos (Memória Histórica). Pouso
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