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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ
MARA CRISTINA BINZ
REVITALIZAÇÃO DA HUMANIZAÇÃO NO ENSINO MÉDICO
Itajaí - SC
2008
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MARA CRISTINA BINZ
REVITALIZAÇÃO DA HUMANIZAÇÃO NO ENSINO MÉDICO
Dissertação apresentada ao Programa
de Mestrado Profissional em Saúde e
Gestão do Trabalho - Área de
Concentração em Saúde da Família, da
Universidade do Vale do Itajaí, como
requisito parcial para a obtenção do
título de Mestre.
Orientadora: Rosita Saupe
Itajaí - SC
2008
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MARA CRISTINA BINZ
REVITALIZAÇÃO DA HUMANIZAÇÃO NO ENSINO MÉDICO
Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado Profissional em Saúde e Gestão
do Trabalho, da Universidade do Vale do Itajaí, como requisito parcial para obtenção
do título de Mestre – Área de Concentração em Saúde da Família.
Itajaí (SC), 30 de novembro de 2008.
________________________
Prof. Dra. Rosita Saupe
Universidade do Vale do Itajaí
___________________________
Prof. Dr. Luiz Roberto Agea Cutolo
Universidade do Vale do Itajaí
____________________________
Prof. Dr. Charles Dalcanale Tesser
Universidade Federal de Santa Catarina
AGRADECIMENTOS
Meus agradecimentos, sinceros, a todas as pessoas que colaboraram, direta ou
indiretamente, para a idealização e a realização deste estudo. Sem estas pessoas,
nenhum estudo teria sido feito, nenhuma observação teria sido realizada, nenhuma
entrevista teria sido efetivada, nenhuma reflexão teria acontecido. Enfim,
questionamentos e respostas, desencontros e encontros poderiam ter se perdido,
não teriam encontrado eco. Passariam em vão.
Contudo, caminhos foram tomados, decisões foram buscadas e o desenho de um
projeto culminou com este estudo. Nesta caminhada, em todas estas buscas, muitas
pessoas estiveram, lado a lado, comigo, e foram fundamentais, em todo este
processo. São elas:
Os pacientes, que transitaram pelos locais de observação.
Os alunos de medicina, que estiveram nestes espaços coletivos.
Os alunos de outros cursos da área da saúde.
A equipe de recepcionistas da Unidade de Saúde da Família e Comunitária
(USFC), localizada no bloco 29 do Campus de Itajaí – UNIVALI.
As enfermeiras Zulmira Pezzini Paes e Clarice M. Specht, da Unidade de Saúde
da Família e Comunitária, colegas profissionais da saúde.
Todos os docentes do curso de medicina, que, atenciosamente, cederam seus
espaços de atividades de ensino, nos quais se realizaram as observações.
Todos os meus colegas e professores da disciplina de Medicina Familiar e
Comunitária da UNIVALI.
As minhas amigas e colegas de trabalho, enfermeira Maria Denise Mezadri Giorgi
e a médica Viviane Faria Silva, companheiras de jornada de trabalho.
As secretárias da coordenação do Curso de Medicina, Marilisa de Paula Machado
e Flávia M. Pinto, que, gentil e prontamente, sempre me auxiliaram.
Ao Professor Márcio Vieira Angelo coordenador do Curso de Medicina da
UNIVALI, por ter acreditado neste estudo.
A Professora Roberta Pimenta Vieira de Carvalho, orientadora pedagógica do
Curso de Medicina.
A Professora Arlete T. Besen Soprano coordenadora do Centro de Ciências da
Saúde da UNIVALI, nosso grande respeito.
A bolsista Aline Massaroli, sempre tão solidária.
A equipe de profissionais do programa de Mestrado Profissional em Saúde da
Família e Gestão do Trabalho da UNIVALI, em especial a Vânia e a Rosélia.
A todos os professores deste mestrado, que reflexivamente, contribuíram, com
muitos aprendizados.
Três agradecimentos especiais, quero fazer:
Ao aluno, bolsista e futuro colega médico, Eliezer W. Menezes Filho que, de
maneira exemplar, competente e abnegadamente, auxiliou no aprofundamento da
temática deste estudo.
À admirável, dedicada e inesquecível Professora Rosita Saupe, uma doutora e
grande mestra para nós, que, de forma tão especial, me acolheu, sempre, em todos
os momentos e que, com certeza, deixou em mim profundas marcas: de disciplina,
de determinação, de buscas, de comprometimento, de um fraterno e carinhoso
diálogo.
A todos os alunos de medicina que passaram, estão passando e continuarão
passando por este curso e que me mobilizaram a ir ao encontro deste tema: a
humanização na formação médica.
Neste momento, são muitas as pessoas que eu gostaria de agradecer, por todo este
tempo de curso, de dissertação, de vivências e aprendizados, pessoais e
profissionais. Cada uma, em especial, contribuiu, em muito, para que todo este
estudo, de fato, acontecesse. Todos contribuíram para que eu aprendesse e
seguisse aprendendo, como costumo fazer, todos os dias, em suaves e delicadas
gotas, homeopaticamente falando.
Em especial, gostaria de deixar um beijo, muito carinhoso, à minha amada mãe,
Holanda, que esteve, muitíssimo presente, incansável, ao meu lado, dando-me
forças. Ao meu querido pai, que sempre estará, muito presente e ao meu lado,
deixo um abreve. Aos meus amados filhos, Luís Eduardo, João Guilherme e
José Martí, grandes presentes para mim, nesta vida, que me ensinaram e me
ensinam como é bom viver, deixo beijos. Também quero agradecer a Dina, minha
querida amiga e ajudante nas questões do lar, que, vigorosa e diariamente, me
ajuda. E a minha terapeuta, exemplo de profissionalismo e ética, deixo um abraço
muito especial.
Tenho um carinho, muito especial, por todos. Neste momento, tão especial de minha
vida, muito obrigada pela participação, colaboração e paciência, em toda esta
trajetória. Momentos especiais aconteceram, acontecem e seguirão acontecendo,
junto a todos vocês. Muito obrigada!
SABER VIVER
Não sei... Se a vida é curta
Ou longa demais pra nós,
Mas sei que nada do que vivemos
Tem sentido, se não tocamos o coração das pessoas.
Muitas vezes basta ser:
Colo que acolhe,
Braço que envolve,
Palavra que conforta,
Silêncio que respeita,
Alegria que contagia,
Lágrima que corre,
Olhar que acaricia,
Desejo que sacia,
Amor que promove.
E isso não é coisa de outro mundo,
É o que dá sentido à vida.
É o que faz com que ela
Não seja nem curta,
Nem longa demais,
Mas que seja intensa,
Verdadeira, pura... Enquanto durar.
Cora Coralina
BINZ, M.C. Revitalização da Humanização no Ensino Médico. Dissertação
(Mestrado). Mestrado Profissional em Saúde da Família e Gestão do Trabalho,
Universidade do Vale do Itajaí, Itajaí, 2008.
Orientadora: Rosita Saupe.
RESUMO
Neste estudo, realizou-se uma análise da valorização da humanização em um curso
de medicina, numa universidade do sul do Brasil, Universidade do Vale do Itajaí -
UNIVALI. Discutiu-se a relevância das bases filosóficas, antropológicas, sociais,
éticas e humanísticas, implicadas na formação dos acadêmicos de um curso de
medicina. Abordou-se o comprometimento deste profissional com o seu paciente, na
“arte de curar”, a partir de uma formação verdadeira, concreta, digna, responsável e
humana. Revisaram-se como tais aspectos levam a uma melhora na atuação do
futuro médico, ao contemplar as normativas e programas do Sistema Único de
Saúde (SUS), voltados à humanização. Utilizaram-se, como recurso metodológico,
duas abordagens de natureza qualitativa: observações descritivas semi-
participantes, registradas em diário de campo, das vivências dos alunos de
medicina, em atividades práticas, nos espaços coletivos; e entrevistas semi-
estruturadas, realizadas junto aos alunos de medicina, com o uso de um roteiro, com
perguntas abertas e fechadas, direcionadas à formação e ação médica. Empregou-
se a análise temática dos dados coletados e categorizados, com posterior avaliação
e reflexão das observações e das narrativas dos alunos de graduação deste curso
de medicina. Encontraram-se, enquanto resultados, cinco categorias de inter-
relações: alunos e alunos, alunos e professores, alunos e pacientes, alunos e
funcionários, alunos e observadores. Nas discussões dos resultados, perceberam-se
fragilidades nestas inter-relações, com tênues aproximações com as atitudes que
permeiam a humanização: o vínculo, o acolhimento, a integralidade. Enquanto
contribuição buscou-se revitalizar a compreensão e a ação das humanidades, para
uma educação pautada na afetividade e na formação de vínculos.
Palavras-chave: Ciências da Saúde; Educação Médica; Humanismo.
BINZ, M.C. Reviving Humanism in Medical Education. Master’s Degree
Dissertation Master’s Degree in Family Health and Management of Work, University
of Vale do Itajaí, 2008.
ABSTRACT
This study analyzes the importance attached to humanism in a course in medicine of
a university in the South of Brazil, UNIVALI. It discusses the importance of the
philosophical, anthropological, social, ethical and humanistic bases in the training of
students of a medical course. It addresses the issue of professional commitment to
the patient, in the “art of curing”, based on a training that is true, concrete, dignified,
responsible and humane. It looks at how these aspects lead to an improvement in
the practice of the future physician, contemplating the standards and programs of the
Sistema Único de Saúde (SUS) (Brazilian national healthcare system), with a focus
on humanism. As a methodological resource, it uses two qualitative approaches:
Semi-participant descriptive observations, recorded in a field diary, of the
experiences of the medical students during practical activities, in the collective
spaces; and semi-structured interviews with the medical students, using a script with
open and closed questions, focusing on the medical training and action. Thematic
analysis was carried out on the data collected and categorized, with subsequent
evaluation and reflection of the observations and narratives of the graduate students
of this medical course. Five categories of inter-relations were found: students and
students, students and teachers, students and patients, students and staff, students
and observers. In the discussion of the results, fragilities were seen in these inter-
relations, with tenuous links with the attitudes that permeate humanism: bond,
reception, integrality. As contributions, it sought to revitalize the understanding and
action of the humanities, for an education that is governed by affectivity in the
formation of bonds.
KEY WORDS: Health Sciences; Medical Education; Humanism.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 11
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA .............................................................................. 17
3 METODOLOGIA ..................................................................................................... 45
3.1 Fundamentação metodológica ............................................................................ 45
3.2 Observação ......................................................................................................... 45
3.3 Entrevistas ........................................................................................................... 48
3.4 Detalhamento Metodológico ................................................................................ 49
3.5 Análise dos dados das observações ................................................................... 55
3.6 Análise dos dados das entrevistas ...................................................................... 56
3.7 Análise entre os dados das observações e das entrevistas ................................ 58
4 RESULTADOS ....................................................................................................... 63
4.1 Contextos e cenários ........................................................................................... 63
4.2 Contextos, peculiaridades e sistemática de divisão dos acadêmicos nos
ambulatórios observados .......................................................................................... 68
4.3 Vestimentas e aparatos dos alunos .................................................................... 71
4.4 Categorias de análise .......................................................................................... 73
4.4.1 Relação alunos com alunos ............................................................................. 75
4.4.1.1 Interações de proximidade de alunos com alunos ........................................ 75
4.4.1.2 Interações com interferência de alunos com alunos ..................................... 78
4.4.2 Relação alunos com professores ..................................................................... 83
4.4.2.1 Interações de proximidade entre alunos e professores ................................. 84
4.4.2.2 Interações com interferência entre alunos e professores .............................. 93
4.4.3 Relação alunos com usuários e pacientes ..................................................... 104
4.4.3.1 Interações de proximidade entre alunos e usuários-pacientes .................... 105
4.4.3.2 Interações com interferência entre alunos e usuários-pacientes ................. 110
4.4.4 Relação alunos com funcionários ................................................................... 122
4.4.4.1 Sistemática e fluxo dentro da unidade docente-assistencial ....................... 122
4.4.4.2 Interações de proximidade entre alunos e funcionários .............................. 123
4.4.4.3 Interações com interferência entre alunos e funcionários ........................... 125
4.4.5 Relação alunos com observadores ................................................................ 128
4.4.5.1 Interações de proximidade entre alunos e observadores ............................ 128
4.4.5.2 Interações com interferência entre alunos e observadores ......................... 132
5 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS ...................................................................... 136
5.1 Humanização e cenários – espaços coletivos ................................................... 137
5.2 Humanização e pessoas ................................................................................... 142
5.2.1 Relações de proximidade entre alunos e alunos ............................................ 143
5.2.2 Relações de proximidade entre alunos e professores .................................... 146
5.2.3 Relações de proximidade entre alunos e usuários-pacientes ........................ 154
5.2.4 Relações de proximidade entre alunos e funcionários ................................... 156
5.2.5 Relações de proximidade entre alunos e observadores ................................. 159
5.2.6 Relações com interferência entre alunos e alunos ......................................... 161
5.2.7 Relações com interferência entre alunos e professores ................................. 164
5.2.8 Relações com interferência entre alunos e usuários-pacientes ..................... 169
5.2.9 Relações com interferência entre alunos e funcionários ................................ 171
5.2.10 Relações com interferência entre alunos e observadores ............................ 173
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................. 176
REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 188
ANEXOS ................................................................................................................. 200
APÊNDICES ............................................................................................................ 207
1 INTRODUÇÃO
A tarefa da medicina no século XXI será a
descoberta da pessoa encontrar as origens da
doença e do sofrimento, com este conhecimento
desenvolver métodos para o alívio da dor e, ao
mesmo tempo, revelar o poder da própria pessoa,
assim como nos séculos XIX e XX foi revelado o
poder do corpo (CASSEL, 1991, p.X).
Tenho um grande prazer em trabalhar na área da saúde. Formei-me médica em
1984. Realizei uma pós-graduação na área de saúde pública, em Porto Alegre (RS),
em 1985 e, após, fiz residência médica em Medicina Familiar Comunitária, no
Programa em Saúde da Família e Comunidade do Grupo Hospitalar Conceição,
durante dois anos, na mesma cidade.
Durante a minha formação profissional, enquanto dica, sempre me questionei,
quanto a especialização precoce, a carência de um enfoque na globalidade do ser
humano-paciente, a falta de comprometimento e responsabilização profissional para
com o outro, um ser humano, a fragilidade na proximidade, através de efetiva e
comprometida inter-relação com o outro. Enfim, sempre quis ir além. Não gostava de
muitas coisas que via, percebia e refletia. Queria sentir, pensar e fazer diferente,
enquanto ser-pessoa, enquanto ser-profissional. Sempre pensei numa medicina
voltada para o outro, em sua integralidade. Tudo isso me fez amadurecer e perceber
que necessitava ir adiante, com este meu desconforto e inquietação.
Por essas razões, buscava complementar minha formação profissional, em um eixo
que viesse ao encontro de minhas ansiedades, que amenizasse meus
questionamentos. Assim, surgiu o encontro com este mestrado o Mestrado
Profissional em Saúde e Gestão do Trabalho, com área de concentração em Saúde
da Família. Este estudo está filiado à linha de pesquisa proposta por este Programa
de Mestrado Profissional, denominada “Formação de Recursos Humanos na Saúde”.
Assim, surgiu a temática que tanto me instigava, instigou e instiga: a humanização
no ensino médico. Nos dias atuais, é premente humanizar a formação deste
12
profissional de saúde. Entende-se que, ao investir na qualidade da formação dos
recursos humanos para a saúde, vai-se ao encontro de efetivas mudanças neste
setor.
Ao refletir-se sobre a proposta atual de humanização na saúde, observa-se que os
vários sentidos do termo humanizar e a gama de pessoas envolvidas nesse
processo, desdobram-se em duas distintas formas de abordagem: a técnica e a
relacional. Alguns autores nos mostram como a compreensão da humanização na
saúde, ainda não é clara e certa (DESLANDES,2004; PUCCINI e CECÍLIO, 2004).
Um dos questionamentos em torno do termo evidencia se “a prática em saúde era
(des) humanizada ou não era feita por e para humanos?” (DESLANDES, 2004, p.8).
Segundo os autores Puccini e Cecílio (2004), a dificuldade de conceituação
proporciona uma diversidade de intenções, conforme distintas concepções de
mundo e de pessoas, que fazem emergir diferentes propostas de humanização.
Tais colocações remetem a alguns juízos de valores: o que é ser humano? Como se
constrói e se destrói a qualidade de humanidade dos sujeitos? Tem-se claro que na
construção de uma definição de humanidade, não pode existir isenção política e
ideológica. Percebe-se, à medida que o termo humanizar se torna recorrente nas
falas dos mais diversos atores, o aparecimento de variações de interpretação e de
aplicabilidade, conforme a motivação e as dinâmicas das relações entre essas
pessoas. Portanto, entre o texto do que preconiza o Programa de Humanização da
Saúde e a realidade das instituições e das pessoas, existe um considerável
distanciamento (FERREIRA, 2005).
Sendo assim, o estudo desenvolvido procurou estabelecer uma conexão entre o
preparo humanístico dos alunos de um curso de graduação em Medicina, de uma
universidade no sul do Brasil, e os modelos assistenciais de atuação médica que
preconiza o Ministério da Saúde e o Ministério da Educação. São eles: o
HUMANIZA-SUS (Política Nacional de Humanização) (BRASIL- MS, 2004) e o PRÓ-
SAÚDE (Programa Nacional de Reorientação da Formação Profissional em Saúde)
(BRASIL- MS, 2005).
13
Vai ao encontro deste processo, os atuais marcos teórico-políticos de atuação do
profissional de saúde, contemplados junto aos programas do Ministério da Saúde e
do Ministério da Educação. Isto se observou acontecer através do PROMED
(Programa de Incentivo às Mudanças Curriculares das Escolas Médicas, Ministério
da Saúde, 2001), do PRÓ-SAÚDE (BRASIL, 2005), e do HUMANIZA-SUS (BRASIL,
2004). Estes programas buscam preparar os profissionais da saúde, com um perfil
diferenciado e comprometido, e que articulem os avanços tecnológicos com a
sensibilidade do acolhimento.
A política do HUMANIZA-SUS (BRASIL, 2004), em seu marco político-teórico,
destaca o trabalho integrado em equipe de saúde, o preparo dos profissionais de
saúde para lidar com situações individuais, familiares e sociais do ser humano, o
investimento na qualificação dos trabalhadores em saúde, uma avaliação, constante
e continuada, das práticas de saúde, e uma nova chance de interação e discussão
entre os profissionais e os usuários do sistema.
Como princípio norteador do HUMANIZA-SUS, aparece em destaque: “humanizar é
ofertar atendimento de qualidade, articulando os avanços tecnológicos com o
acolhimento, com a melhoria dos ambientes de cuidado e das condições de trabalho
dos profissionais de saúde”. Assim, tematizar a humanização da assistência abre
questões fundamentais, que podem orientar a construção de políticas e de ações de
saúde (BRASIL – MS, 2004, p.5).
Para ocorrer este processo transformador, é fundamental que se consiga construir
uma política de qualificação do SUS, junto a uma política real de comprometimento e
atuação de todos os profissionais de saúde. Entende-se que os dois processos
devem caminhar, lado a lado, através de uma dialógica construção.
Em boa parte de sua evolução, a medicina esteve vinculada a estudos humanísticos,
enquanto profissão voltada para o ser humano, como bem demonstra a literatura
(MARAÑON, 1946; LOWN, 1997; BLASCO,1997; GALLIAN, 2000). Contudo,
importantes descobertas nas áreas da microbiologia e da patologia, na segunda
metade do século XIX, geraram profundas transformações e redirecionaram as
ciências médicas para um modelo biologicista e positivista, centrado nos órgãos e
14
nas ciências experimentais. A medicina deixava de se apoiar nas ciências humanas
para se sustentar, essencialmente, nas ciências biológicas e exatas. Surgia a
biologização da medicina. Fundamentava-se a dicotomização da medicina em arte e
ciência.
Tal evolução distanciou o profissional médico de seus pacientes, dificultando as
interfaces de uma boa relação médico-paciente, que deixava de considerar um
aspecto fundamental: a história de vida da pessoa doente. Quando trata da saúde,
Gadamer (1994) conduz a uma reflexão sobre a humanização da medicina, reflexão
de uma maior sensibilidade diante do sofrimento do paciente, reflexão da relação
médico-paciente e da relação paciente-médico, enquanto uma via de duplo caminho,
no processo do estar saudável.
Nestas discussões, emergem questões fundamentais, base de qualquer processo
médico educador: discutir e refletir sobre o perfil profissional que o paciente
necessita e procura; atuar, lado a lado, com os demais profissionais de saúde;
repensar os motivos de escolha da profissão como médico; compreender e fortalecer
os ideais do ser médico. Nas escolas médicas, ainda é insipiente o preparo
pedagógico, específico, para os docentes. Para os professores de medicina, a
docência é considerada uma atividade secundária à profissão dica e o trabalho
docente “não se configura como uma profissão” (BATISTA; SILVA, 1998, p.32).
É premente resgatar a dimensão humana na ação do médico. Urge refazer a
abordagem do processo educador na formação deste profissional médico. Entende-
se que educar vai muito além de uma orientação, uma discussão, uma qualificação,
uma interação entre um grupo de pessoas, com buscas assemelhadas ou não.
Educar é conseguir fazer emergir todas as grandes possibilidades humanas.
Portanto, um projeto educador, que vise, realmente, agregar o Ser de uma pessoa
ao Fazer desta pessoa, poderá ter dimensões transformadoras (FREIRE, 2000).
Frente a tal observação, com este estudo procurou-se evidenciar o preparo que os
estudantes de medicina vêm recebendo para a mediação das questões éticas,
morais e humanas que, continuadamente, perpassam por nossa atuação pessoal e
profissional. A insatisfação dos pacientes tem apontado muito mais para as
15
deficiências humanas do profissional da saúde, do que para as falhas técnicas
(BLASCO, 1997).
Junto a esta dimensão, aparece outro aspecto fundamental: o entusiasmo e a
motivação. Alunos mais motivados recriam, repensam, questionam, interrogam seus
estudos, suas pesquisas e sua atuação. Estes alunos podem criar novas respostas,
novas condutas e novas possibilidades, entre o Ser e o Fazer (BLASCO, 2002).
Por isto, é imprescindível perceber-se o quanto este curso de medicina está
desenvolvendo conhecimentos, habilidades e atitudes que humanizem a formação
de um profissional da saúde, utilizando modelos de aprendizado, baseados em
experiências vivenciadas por alunos, professores, funcionários e pacientes. Para que
este aluno esteja, integralmente, comprometido, responsabilizado com o outro o
paciente – ser humano.
Para tanto, focaram-se as relações dos alunos de um curso de medicina, ao
observar como os acadêmicos desta escola médica encontraram, em sua formação,
caminhos humanísticos e direcionamentos concretos, para tornarem-se profissionais
com maior sensibilização, entendimento e atuação transformadora, dentro do
processo saúde-doença, ao perceber e contextualizar o significado maior da
natureza humana, suas necessidades, seus sofrimentos e alegrias, o seu todo.
Esses alunos devem ser motivados e estimulados a experienciar, durante todo o
período de formação em sua graduação, a aproximação das bases teóricas do
conhecimento com as reais histórias de vida de seus pacientes. Esse encontro pode
ser vivenciado, ao garantir-se uma maior proximidade entre os profissionais de
saúde e os usuários do sistema. Com este perfil, estaremos mais próximos de ações
reais no processo de “obtenção por parte de todos os cidadãos, de um nível de
saúde no ano 2000, que lhes permitirá levar uma vida social e economicamente
produtiva”, principal meta da Conferência de Alma-Ata, em 1978, conhecida como
“Saúde para Todos no Ano 2000” (UNICEF – Brasil, 1979, art. VI).
Diante do exposto, estabeleceram-se no presente estudo os seguintes objetivos:
revitalizar a humanização nas disciplinas do curso de medicina estudado; identificar
16
as concepções que os alunos deste curso de medicina têm sobre uma assistência
médica humanizada; identificar o grau de importância que estes alunos atribuem
para uma atuação médica humanizada; identificar as percepções que os alunos têm
sobre o aprendizado de ações e atitudes de humanização, nas disciplinas do curso
de graduação médica; identificar as sugestões dos alunos para efetivar a
humanização no curso de medicina.
Assim, com esta argumentação emanada da realidade observada e apreendida,
mostrou-se a necessidade de focalizar a humanização em um curso de formação
médica. Ao colocar-se a relevância desta temática, repensou-se o valor dos recursos
humanísticos na educação médica, por acreditar que se pode atuar como
profissional de saúde, de uma maneira, cada vez mais completa, com nossos
pacientes.
Enfim, o processo dessa pesquisa possibilitou repensar a formação e a atuação
médica, a partir da relação saúde-doença, ao buscar uma maior compreensão sobre
o comprometimento deste profissional de saúde na interdisciplinaridade, na
integralidade e na ética.
Nesse sentido, o que pode ser feito, para melhor qualificar estes alunos, futuros
profissionais da saúde, é fazer que estes se sintam motivados com o “cuidar” das
pessoas, o “cuidar” dos seus pacientes. Com um olhar, um sentir, um fazer, para
além do senso comum. Com esta compreensão maior, de cuidado e de
humanização, estes profissionais estarão, integralmente, comprometidos com a
dimensão saúde.
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
A Medicina jamais teve a capacidade de fazer
tanto pelo homem como hoje. No entanto, as
pessoas nunca estiveram tão desencantadas com
seus médicos. A questão é que a maioria dos
médicos perdeu a arte de curar, que vai além da
capacidade do diagnóstico e da mobilização dos
recursos tecnológicos (LOWN, 1997).
A fundamentação teórica deste estudo baseou-se na compreensão, análise, reflexão
e interpretação da evolução histórica do humanismo dentro da medicina. Buscou-se
compreender como as correntes filosóficas, antropológicas, sociológicas e
psicológicas permearam a evolução da humanização, dentro do contexto de
formação teórico-prática do médico.
A maior parte das estatísticas sobre saúde, fundamenta-se no conceito biomédico
que define saúde como “ausência de doença”. Este conceito constitui a moderna
medicina científica, que considera o corpo humano uma máquina, enquanto a
doença é vista como um inadequado funcionamento dos mecanismos biológicos
(CAPRA, 2001).
Para Capra (2001), a doença é definida como uma conseqüência de desequilíbrio e
desarmonia, podendo, frequentemente, ser decorrente de uma falta de integração,
pois quando a vida humana está moldada para agir somente com determinadas
regras, sem o atendimento de suas necessidades, tende ao deseqiulíbrio e,
consequentemente, o ser humano adoece se os mecanismos fisiológicos forem
requisitados, de forma inadequada.
Para Gelbcke (1991), o processo saúde e doença pode ser definido como um
conjunto de categorias contraditórias na unidade dialética, que estão em constante
movimento e transformação, constituído de um todo biológico, psíquico e social,
determinado pelas condições de vida e de trabalho, conferindo-lhe um caráter social
e, historicamente determinado.
18
Com essa abordagem, para alcançar um estado adequado de bem-estar, o ser
humano deve ser capaz de identificar e realizar suas aspirações, satisfazer suas
necessidades e mudar ou adaptar-se ao meio ambiente (OMS, 1986).
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), através da Conferência
Internacional de Promoção de Saúde, em 1986, as condições e os recursos que
fundamentam a saúde são: paz, abrigo, instrução, alimentação, ecossistema estável,
recursos financeiros, justiça social e equidade. Portanto, ser saudável é agregar, de
forma favorável, os fatores políticos, econômicos, sociais, culturais, ambientais,
psicológicos e biológicos.
No presente estudo, enquanto referencial, buscou-se utilizar um conceito de saúde,
que fosse além do pensamento biomédico, construído a partir de uma visão holística
do indivíduo, através da integração de seu corpo, mente e espírito. Optou-se em
utilizar, mais do que o conceito de saúde, o conceito de “ser saudável”.
Conforme coloca Meleis (1992), ser saudável implica em um modo de vida, uma
atitude, uma concepção, uma história, um contexto com normas sócio-culturais, uma
crença, uma tradição. Ser e tornar-se saudável pode constituir partes de uma
percepção global de saúde, envolvendo conscientização, desenvolvimento, acesso,
capacitação, oportunidade e recursos. Com essa compreensão, a saúde pode ser
considerada um estado, um processo de desenvolvimento, uma realização pessoal,
um resultado ou um estilo de vida, sob a perspectiva de algumas condições
essenciais tais como padrões, tendências, contextos, respostas e percepções.
Portanto, ser saudável significa estar em sincronia consigo mesmo e com o mundo
circundante, física e mentalmente. Saúde é o bem-estar resultante de um equilíbrio
dinâmico entre os aspectos físico e psicológico do organismo, assim como suas
interações com o ambiente social e cultural (CAPRA, 2001).
Segundo Capra (2001), a adoção dessa concepção orienta a assistência à saúde
para uma nova abordagem, que deve ter o objetivo de restaurar e manter o equilíbrio
dinâmico de indivíduos, famílias e grupos sociais, considerando a interdependência
da saúde individual e dos sistemas sociais e ecológicos.
19
Para uma melhor compreensão das origens da formação médica, é fundamental que
se entenda o processo que envolve o fenômeno saúde-doença e a sua historicidade,
pois o modelo de formação médica está, diretamente, associado à definição utilizada
para o binômio saúde-doença.
Scliar (1996), chama a atenção de que não registro escrito para o início da
medicina e, assim, nada sabemos sobre as experiências daqueles que primeiro
enfrentaram a enfermidade, o sofrimento e a morte. A necessidade de tratar doenças
é tão antiga como a própria existência humana.
Na Idade Média, o conceito de doença estava associado a algo externo que
penetrava no corpo e precisava ser expurgado, e para isso utilizava-se de métodos
terapêuticos que, seja por purgação, salivação ou eliminação de secreções,
exteriorizavam o mal. Neste tipo de medicina, associada ao místico e ao religioso, o
aprendizado se dava pelo acompanhamento das práticas dos feiticeiros, magos ou
curandeiros (SÃO THIAGO, 1998).
Hipócrates, considerado o pai da medicina, inaugura a primeira separação entre a
medicina mágica e religiosa e a medicina empírica no século V a.C. E aparecem as
primeiras referências aos atributos necessários à profissão médica: disposição
natural para dedicar-se à medicina, dedicação ao estudo e ao trabalho e um
ambiente favorável para a prática da profissão (SCLIAR, 1996).
No final da Idade Média, surgem os hospitais como instituições de caridade, como
depositários de doentes sem condições de recuperação, vinculados à Igreja Cristã.
Paralelamente, a educação médica inicia sua institucionalização, com o surgimento
das escolas médicas e das universidades européias (SCLIAR, 1996).
O século XVI inicia uma fase de exploração dos mistérios do corpo humano. Numa
confusa mistura, a medicina é tratada como arte e como ciência. A medicina
inaugura a visão do corpo humano como uma máquina com aparelhos e sistemas
concretos, concepção chamada mecanicista (SCLIAR, 1987).
20
O período renascentista foi marcado pelos grandes descobrimentos, por mudanças
econômicas, pelas guerras que aceleraram mudanças na história da medicina.
Surgem os primeiros microscópios, os ferimentos de guerra, o uso de novos
medicamentos, o aprofundamento do conhecimento sobre o corpo humano, que
impulsionaram a medicina, mas que, também, a distanciaram do ser vivo (DALLA,
2002).
A transição para a medicina moderna, que ocorre no século XVII, é marcada pelos
métodos empírico-dedutivo de Francis Bacon, do analítico-dualista-mecanicista e
reducionista de René Descartes e do que postulou Isaac Newton, de que o ideal da
ciência seria uma descrição objetiva da natureza (FONTES, 1999).
Para Foucault (1998, p.X), a medicina moderna se inicia no final do século XVIII,
quando os primeiros clínicos conseguem descrever “o que durante séculos
permanecera abaixo do limiar do visível e do enunciável”.
A medicina moderna também é marcada pelo novo papel do hospital, que passa a
ser reconhecido como local de cura e de recuperação dos doentes, para que estes
retomem seus papéis produtivos na sociedade capitalista mercantil da época
(SCLIAR, 1996).
Com o surgimento da clínica, para Foucault (1998), associado ao novo papel do
hospital moderno, ocorre o distanciamento do doente de seu ambiente, no qual
atuam os fatores determinantes do processo de saúde-doença. A clínica se distancia
dos fenômenos que vão ajudar no processo de recuperação ou de cura. Assim, o
hospital passa a ser considerado o local adequado ao aprendizado da medicina
moderna.
Para Dalla (2002, p. 28), esse distanciamento também ocorre pelo constante
aumento do aparato tecnológico utilizado para ampliar a percepção do médico. ”...
Quanto mais se criam aparelhos para ampliar a percepção, mais o médico se
distancia do ser humano”.
21
O século XIX é marcado pelo aprofundamento dos estudos sobre as células, através
do microscópio. O corpo humano passa a ser reconhecido como a soma de
unidades vitais e a doença passa a ser compreendida, como um desequilíbrio entre
estas unidades. O final do século XIX e o início do século XX, foi marcado pela
euforia destas descobertas e pela explicação simplista para os processos
patológicos (SCLIAR, 1996).
Para Dalla (2002), a teoria microbiana era fascinante, tornava visível o invisível,
quase próxima de ver a causa e derrubar, de vez, a origem mística das doenças. A
medicina no século XX, apresentou o mais rápido processo de avanço tecnológico e
científico de sua história. Pela primeira vez, em sua história, doenças estavam sendo
curadas com outros meios.
Em consequência, profundas transformações ocorreram na ciência médica:
desenvolvimento de métodos e ensaios clínicos, avanços em análises laboratoriais,
aparecimento de medicamentos, descobertas em microbiologia, biologia celular,
pesquisas do genoma e outros.
Segundo Capra (2001), paralela e gradualmente, a atenção dos médicos transferiu-
se do paciente para a doença. Patologias foram localizadas, diagnosticadas e
classificadas. Os hospitais passam a ser os centros de diagnóstico, terapia e ensino.
Inicia-se a tendência pela especialização, atingindo seu auge no século XX, com a
consolidadação do paradigma flexneriano de educação médica.
Segundo Neves (2005), um estudo sociológico sobre a relação entre medicina e
sociedade, baseado principalmente em Foucault, coloca que, historicamente, a
desumanização da medicina iniciou-se a partir da aliança de cientistas e
empresários, que buscavam promover um projeto utilitarista da medicina, entre os
séculos XVIII e XIX.
Portanto, com essa evolução histórica, pode-se compreender que em suas origens,
a medicina ocidental era arte e ciência, essencialmente, humanística. Segundo
Jaeger (1995), de todas as Ciências Humanas, era a medicina, a mais afim das
ciências éticas de Sócrates. Tinha uma visão holística, entendendo o homem como
22
um ser dotado de corpo e espírito, onde atuavam uma série de fatores causais. O
médico era um humanista, que formulava os seus diagnósticos, ao levar em conta,
não apenas os fatores biológicos, mas os ambientais, culturais, sociológicos,
familiares, psicológicos e espirituais.
No início do século XIX, em todo o mundo, prevalecia a visão humanística da
medicina, apesar do avanço do chamado “método experimental”. Nesta época, o
médico necessitou aliar seus conhecimentos humanísticos literatura, filosofia,
história e artes aos emergentes conhecimentos científicos. Era conhecido como
um médico de família e formulava os seus diagnósticos e prognósticos com uma
visão humano-científica (GALLIAN, 2000). Historicamente, este modelo de médico e
de medicina se perpetuou, no ocidente, há até bem pouco tempo atrás.
Em conseqüência, no século XIX, ao consolidar-se o determinismo das bases
científicas, houve um distanciamento do profissional médico do humanismo e
daqueles que buscavam seus cuidados, em detrimento do poder de cura contido na
boa relação médico-paciente (HADDAD et al., 2006).
Sendo assim, a partir da metade do século XIX, com o desenvolvimento das ciências
biológicas, em confluência com a física, a química e a matemática, determinou-se
uma reorganização do saber dico que, gradativamente, desconsiderou as fontes
das humanidades, fazendo prevalecer o processo de “biologização” e levando à
desumanização do saber e da prática do médico e da medicina (MARAÑON, 1946).
Iniciou-se o século XX, no qual se testemunhou um verdadeiro milagre: a medicina
como poder de cura.
Neste mesmo século, um importante marco correspondeu à
aplicação de princípios pedagógicos ao ensino médico, conhecido como modelo
Flexneriano, processo iniciado nos Estados Unidos e difundido para todo o
continente americano (HADDAD et al., 2006).
Abraham Flexner, educador graduado em química, por encomenda da American
Medical Association (AMA), sob o financiamento da fundação Carnegie, em 1910,
fez uma pesquisa em 115 escolas médicas norte-americanas e canadenses, com o
objetivo de verificar a situação do ensino médico. Esta pesquisa ficou conhecida
23
como Relatório Flexner, que originou o Paradigma Flexneriano de Educação Médica,
que acabou fortalecendo uma visão individualista, tecnicista, biologicista,
hospitalocêntrica, voltada para a especialização (FLEXNER, 1910).
Os impactos desse modelo, independente da filosofia educacional progressista ou
de suas propostas para a educação médica, afetam a medicina ocidental, até os
dias atuais (DALLA, 2002).
São inegáveis os avanços científicos e tecnológicos que contribuíram para retirar a
medicina do misticismo e colocá-la, definitivamente, na ciência moderna. Também
são inegáveis os efeitos adversos que surgiram com esse paradigma, que levou a
medicina moderna para um sistema que não consegue mais satisfazer as
necessidades básicas de saúde da população (ARCOVERDE, 2004).
A influência desse momento político no país, na reorganização dos recursos de
medicina, pode ser mais bem dimensionada ao considerar-se a citação abaixo:
O modelo Flexneriano aporta com toda a força, em nosso país, no período
do golpe militar de 1964, reorientando a formação em medicina. Estava
entre nós, desde 1950, mas não era hegemônico, pois, tínhamos como
formação, o modelo europeu-eclético. É criado o modelo de graduação em
medicina, que formou quase todos os professores de nossos atuais cursos
(DA ROS, 2004, apud NORMAN, 2006, p.23).
No Brasil, durante o período militar, o modelo biomédico tornou-se hegemônico nos
serviços de saúde, caracterizado pelo biologicismo, individualismo, excessiva
especialização, exclusão de práticas alternativas e ênfase na medicina curativa
(MENDES, 1984 apud MAEYAMA, 2007).
Todas estas transformações redirecionaram a atuação e a formação do médico, que
se afastou das ciências humanas e se sustentou, quase que essencialmente, nas
ciências exatas e biológicas, fazendo emergir fundamentações, extremamente
absolutas e dogmáticas (ROSEN, 1980).
24
Para Lampert (2002), este modelo tem enfatizado as especializações, de forma
precoce, ainda na graduação, o que se torna um obstáculo para uma boa formação
geral do médico.
São Thiago (1998), alerta para a necessidade de mudanças na educação médica:
A educação médica tem que considerar as repercussões do progresso
científico sobre a ética da profissão. Do contrário, a sociedade, em breve,
descobrirá que a medicina moderna deu a um número, relativamente
pequeno de homens e mulheres, um enorme poder, sem lhes dar
treinamento para usá-lo, de modo adequado (FRAGA FILHO apud SÃO
THIAGO, 1998, p.120).
No mesmo trabalho, aparecem considerações sobre o excesso de especialização da
medicina, ao salientar que a mesma passou por três etapas: a organicista, com
desvio para as especialidades; a psicossomática, do indivíduo como corpo e psique;
e, por último, a medicina integral ou da pessoa, que traduz o conceito holístico da
medicina. “... Temos que admitir que não e o órgão que adoece, nem tampouco o
indivíduo, considerado no binômio corpo e psique. Na verdade, quem adoece é a
pessoa, que nada é mais do que o indivíduo em função da sua biografia (HÉLIO LUZ
apud SÃO THIAGO, 1998, p.115).
Parece ser consenso, que o avanço tecnológico e a ampliação do conhecimento
científico médico contribuíram para a melhoria da qualidade da assistência médica.
A medicina deixou o obscurantismo místico para se posicionar como ciência. No
entanto, parece ser unânime, que o avanço cnico e científico contribuíram para a
especialização excessiva e para a falta de atenção com as questões humanistas e
sociais do atendimento ao paciente (ARCOVERDE, 2004).
Capra (2001), destaca: “... Ao concentrar-se em partes, cada vez menores do corpo,
a medicina moderna perde, frequentemente de vista, o paciente como ser humano,
e, ao reduzir a saúde a um funcionamento mecânico, não pode mais ocupar-se com
o fenômeno da cura. Essa é, talvez, a mais séria deficiência da abordagem
biomédica”.
25
Nos últimos anos, todos esses processos de supervalorização das ciências
biológicas, de super-especialização e de evolução dos meios tecnológicos que
acompanharam a medicina, trouxeram uma lamentável conseqüência: a
desumanização do médico, profissional que se transformou em um técnico, grande
especialista, conhecedor de exames complexos e especializados mas, em muitos
momentos, ignorante, na acepção da palavra, dos aspectos humanos presentes no
paciente (GALLIAN, 2000).
Em consequência, no século XX, verificou-se o declínio dos valores humanísticos
que, secular e historicamente, acompanhavam a arte e a ciência médica,
presenciando-se a afirmação do modelo biomédico, como explicação, incontestável,
para os fenômenos de saúde, individuais e das populações (HADDAD et al., 2006).
Pode-se afirmar que a falta de humanização, na formação do médico, é um dos
principais desafios da medicina contemporânea. A crise de confiança, enfrentada
pela assistência médica, com relação aos serviços e atendimentos, prestados ao
paciente, corrobora esta percepção. Erros médicos, descuido profissional, prescrição
excessiva de medicamentos, cirurgias desnecessárias, má qualidade na relação
paciente-médico, são algumas queixas colocadas pela população. A estes fatores,
agregam-se outros: capitalismo especulativo de laboratórios multinacionais,
empresas de equipamentos médicos, corporações profissionais e currículos falhos
nas universidades (GALLIAN, 2000).
As carências que a população constata, o carências na pessoa do médico,
detentor do conhecimento e intermediário entre a tecnologia e o paciente. As
dificuldades não são de ordem técnica, mas de ordem humana. O profissional
médico deveria preocupar-se com esta temática, através de estudos, reflexões,
análises e revisões de seu comportamento e de suas deficiências, para buscar os
devidos aperfeiçoamentos (BLASCO, 1997).
Dessa forma, compreende-se que a reformulação do modelo de atenção à saúde é
um desafio, que envolve a formulação de novos conceitos e mudanças no sistema
de valores, a exemplo dos princípios que norteiam o processo de humanização.
Embora a saúde seja um direito, constitucionalmente garantido, um olhar sobre o
26
cotidiano das práticas de saúde revela a contradição existente entre as conquistas
estabelecidas no plano legal e a realidade da crise vivenciada pelos usuários e
profissionais do setor (TRAVERSO-YÉPEZ e MORAIS, 2004).
Deslandes (2006), ao fazer uma revisão histórica, demonstra que, desde a cada
de 1940, a sociologia médica norte-americana discute temas sobre a conceituação
de humanização, como a formação da carreira médica, a análise dos papéis dos
médicos e dos pacientes, dentro de um contexto social. Na década de 1960, são
salientados os processos de despersonalização nos hospitais psiquiátricos e, em
sequência, nos hospitais gerais. Na década de 1970, cita como um marco o
simpósio americano intitulado Humanizando o Cuidado em Saúde, no qual se
discutiu o papel de fatores estratégicos para a humanização do cuidado,
relacionando-os à relação médico-paciente, à formação médica, à comunicação e ao
acesso de informação no processo terapêutico, às relações hierárquicas e de poder
na produção do cuidado e na tomada de decisões e aos fatores psicológicos e
subjetivos envolvidos.
As discussões sobre subjetividade, relações, acolhimento, vínculos e importância do
diálogo resgatam necessidades teóricas da filosofia, da psicologia e da psicanálise,
como estratégias na produção do cuidado em saúde. Na década de 1990, a
concepção de humanização coloca-se na direção da valorização dos sujeitos, das
relações dialógicas e de trocas solidárias (DESLANDES, 2006).
Nesta mesma década, foi elaborado um documento com diretrizes para a
implantação de programas de humanização pela Sociedade Americana de Terapia
Intensiva (SCCM), que destacava algumas questões: cada indivíduo é único e tem
valores específicos; a busca da humanização não deve comprometer a segurança
do paciente e nem deve transpor as barreiras éticas ou legais; o paciente e a família
são as próprias fontes de conhecimento das suas necessidades; a autonomia do
paciente e da família deve ser preservada; a privacidade do paciente e da família
deve ser respeitada (KNOBEL, 2008).
Enquanto evolução histórica, em 2000, no Programa de Humanização da
Assistência Hospitalar do Ministério da Saúde (PNHAH), a humanização é entendida
27
como valor, na medida em que resgata o respeito à vida humana. Abrange situações
sociais, éticas, psíquicas e educacionais, presentes em todo o relacionamento
humano. A complexidade de sua definição decorre da sua natureza subjetiva e
singular (KNOBEL, 2008).
O programa surgiu com a expectativa de disseminar e articular uma cultura de
atendimento humanizado, uma vez que existiam iniciativas isoladas de
humanização que vinham sendo desenvolvidas alguns anos, em áreas
específicas da assistência (BRASIL, 2003).
Em junho de 2003, o programa foi substituído por uma política de assistência
denominada Política Nacional de Humanização (PNH) Humaniza-SUS, que focava
as necessidades dos cidadãos e a promoção de saúde, valorizando a dimensão
humana, que oferecia tratamento igual a todos os brasileiros, comprometido com um
serviço de saúde integral e de qualidade (BRASIL, 2005).
O processo de construção de uma política pública não pode se manter, apenas
como propostas, programas, portarias ministeriais. Construir políticas públicas na
máquina do Estado exige um trabalho de conexão com as forças do coletivo, com os
movimentos sociais, com as práticas concretas no cotidiano dos serviços de saúde.
E este é um processo longo, com resistências, com avanços e retrocessos
(BENEVIDES e PASSOS, 2005).
Portanto, a humanização na saúde implica mudanças na cultura assistencial e na
cultura de gestão, sendo um processo demorado, com riscos e desafios. Somente
com a implicação de todas as pessoas que trabalham na assistência direta
(porteiros, médicos e outros), é que acontecerá uma transformação institucional. Não
como mudar os modos de atender a população, em um serviço de saúde, sem
que se alterem também a organização dos processos de trabalho, a dinâmica de
interação da equipe, os mecanismos de planejamento, decisão, avaliação e
participação (KNOBEL, 2008).
Assim, faz-se necessário refletir, profundamente, sobre as concepções que
fundamentam um modelo biomédico e sobre as concepções que fundamentam um
28
modelo de integralidade de intervenção na saúde. Percebe-se um novo momento de
recuperação das origens humanísticas da medicina, a partir de uma conjunção entre
esses dois modelos de atuação, enquanto paradigmas o biomédico e o da
integralidade. E a visão humanista encontra-se incorporada no paradigma da
integralidade.
Assim, humanizar é:
”...
garantir à palavra a sua dignidade ética. Ou seja, o sofrimento humano
e as percepções de dor ou de prazer no corpo, para serem humanizados,
precisam tanto que as palavras que o sujeito expressa sejam reconhecidas
pelo outro, quanto esse sujeito precisa ouvir do outro palavras de seu
reconhecimento. Pela linguagem fazemos as descobertas dos meios
pessoais de comunicação com o outro, sem o que nos desumanizamos,
reciprocamente” (BRASIL, 2000).
Portanto, a comunicação permite o desenvolvimento de uma rede de significados
entre o paciente, a equipe de saúde, a família e a instituição. O conteúdo e a forma
do que é comunicado, quer esta comunicação seja verbal ou não, formam um eixo
fundamental no estabelecimento e na concretização de vínculos (KNOBEL, 2008).
Segundo Deslandes (2004), a comunicação é fundamental e necessita ser
repensada, na relação profissional de saúde-paciente e na estrutura e cultura
organizacional. Seguindo essa linha de compreensão, são componentes importantes
para a produção de cuidado com a qualidade em saúde três eixos: a tecnologia, o
humano e as condições de trabalho. Citando Deslandes (2004, p.13), “humanizar a
assistência é humanizar a produção dessa assistência”.
Sendo assim, no momento atual, evidencia-se um movimento de retomada nas
fundamentações humanistas da medicina, com uma redefinição do paradigma do
saber médico contemporâneo, ao buscar reconciliar passado, presente e futuro e
retomar uma verdadeira e eficaz formação médica (GALLIAN, 2000).
Nesse sentido, falar em humanização do cuidado à saúde é falar de comunicação,
de relação, de encontro de seres humanos. É a partir desse encontro, que se
estabelecem as necessidades, singulares, de cada ser humano, e se percebem e se
29
captam essas informações pelos profissionais de saúde. Esta percepção deve ser
ampla e contemplar um olhar que envolva o todo.
Não conseguimos ver como a pessoa é, quando buscamos isto por meio de tipos,
categorias, classes ou diagnósticos, pois isso oculta a sua singularidade. Outra
questão que deve ser salientada é a qualidade das presenças, no preciso momento
do encontro. Para perceber o outro, é preciso estar com ele, naquele momento, em
sua integralidade (KNOBEL, 2008).
Hoje, percebe-se que, através das humanidades, pode-se atingir, de uma maneira
mais abrangente e precisa, o conhecimento sobre a realidade humana. Atuar, com
um envolvimento emocional, existencial e reflexivo, que mobiliza e provoca
mudanças, pode ser elementar para a melhora do paciente (BLASCO, 1997).
O chamamento pelo humanismo levanta a questão da abordagem completa e
holística do paciente. A estrutura de grande parte da medicina atual revela-se como
uma medicina apressada, que priva o médico dos recursos necessários para a
exploração da intimidade do enfermo. A carência de humanismo torna o médico
incapaz de integrar todos os dados do paciente e de sua doença, que é sua,
neste momento, num contexto único (CUADRADO-CERVERA, 1982).
Com um mínimo de reflexão, constata-se que é impossível assistir alguém nas suas
necessidades, ajudá-lo nas suas moléstias, em partes, em prestações, perdendo de
vista o ser humano, inteiro, presente. Ver a pessoa como um todo deveria ser algo
absolutamente natural, próprio da natureza humana. É surpreendente perceber os
profissionais de saúde transformarem seus aprendizados em compartimentos, em
partes, em porções, em super-especialidades. Pergunta-se onde ficam o todo e as
pessoas, que estão por trás disso (BLASCO, 2002).
Em 2008, o ensino médico completou duzentos anos de Brasil. Desde a criação do
Curso Cirúrgico Médico, no antigo Hospital Militar da Bahia, em 1808, numerosas e
profundas transformações aconteceram na profissão médica, nas concepções do
processo saúde-doença, nas inter-relações destes profissionais com os usuários e
no processo de formação do médico.
30
Ainda hoje, no Brasil, parte dos cursos de graduação na área da saúde segue o
modelo mecanicista de Descartes. Nesta teoria, há uma divisão entre o corpo e a
mente, reduzindo o corpo humano e seu funcionamento ao mecanismo biológico,
desconsiderando outros fatores como o psico-emocional e o sócio-ambiental, no
processo saúde-doença (CAPRA, 2001).
Este pensamento, extremamente reducionista, levou à fragmentação da ciência e do
homem, seus sentimentos, emoções e valores (CARDOSO, 1995). “A Medicina
tornou-se impessoal, excessivamente técnica, fria e distante“ (OKAY;
MANISSADJIAN, 1991, p.79).
Neste início do culo XXI, contesta-se o modelo biomédico, ao perceber a
impossibilidade deste modelo, individualista e super-especializado, atender às
necessidades e anseios das atuais populações (AMORETTI, 2005). Para Maeyama,
[...] os serviços de saúde têm se mostrado pouco capazes de demonstrarem
resolubilidade, frente às necessidades de saúde dos indivíduos, sem
criação de vínculos e responsabilizações, com dificuldade de acesso, numa
prática marcada pela frieza e pouco participativa (MAEYAMA, 2007, p.17).
No Brasil, a situação do setor saúde é marcada por crises que possuem várias
dimensões, estreitamente vinculadas, que incluem não fatores de formação
profissional e social, mas também aspectos financeiros, organizacionais e
assistenciais (OPAS/OMS, 2004).
Por este motivo, o Brasil buscou, a partir dos anos 90, reorganizar o modelo de
atenção à saúde, de forma a superar a história de um sistema nacional modelado
pela assistência médica curativa, de baixa resolubilidade e inacessível a maioria da
população (BRASIL, 2004).
Apesar da eficiência técnico-científica e da racionalidade administrativa nos serviços
de saúde que focaliza as doenças, os procedimentos e as tarefas não se mostraram
suficientes para garantir a qualidade no atendimento, e necessidade de
mudanças profundas que criem projetos, comissões e ações para pensarem em
humanização (BRASIL, 2005).
31
Por conseguinte, nesse sistema de saúde, aparece a necessidade de mudanças
conceituais, deslocando o foco da atenção, da ótica privilegiada da doença, para um
modelo de cuidado centrado nas necessidades de saúde do usuário, ao contemplar
suas relações e espaços de vida (OPAS/MS, 2004).
Segundo o Ministério da Saúde, em 1999, originou-se a humanização em saúde, no
instituto “A CASA”. Um grupo de profissionais da área da saúde foi formado para
pensar um projeto nacional de humanização, que enfrentasse a necessidade de
melhorar a qualidade das relações humanas no atendimento á saúde, entre
profissionais e usuários, entre as diferentes categorias de profissionais de saúde e
entre hospitais e a comunidade (BRASIL, 2005).
Conforme Ferreira (2000), humanizar seria o ato ou efeito de humanizar-se, tornar
humano e tornar-se humano; tornar benévolo, afável e tratável; fazer adquirir hábitos
sociais, polidos, civilizar.
Ao contextualizar este conceito geral na dinâmica da saúde, Knobel (2008)
conceitua humanizar como cuidar do paciente como um todo, ao englobar o contexto
familiar e social, incorporar e respeitar valores, esperanças, aspectos culturais e
preocupações de cada indivíduo. Em outros termos, seria garantir a qualidade da
comunicação entre o paciente, a família e a equipe de saúde, ao proporcionar uma
escuta ativa e qualificada para com o outro, para compreendê-lo e reconhecê-lo, na
sua singularidade.
Gadamer (1994), nos conduz a uma reflexão sobre a humanização da medicina, que
faz emergir uma nova imagem profissional, responsável por uma efetiva promoção
da saúde, considerando o paciente uma totalidade física, psíquica e social.
Zusman (1998), destaca que a humanização admite o reconhecimento da realidade
interna, implica a aquisição de valores que levam ao refinamento da consciência
moral, da sensibilidade ao sofrimento alheio, da compaixão da capacidade empática,
da tolerância ao sentimento de culpa e da consciência da fragilidade humana.
32
Na análise de Martins (2003), a humanização em saúde é um processo de
mudanças de envolvimento interdisciplinar, considerado um processo amplo, longo e
complexo ao qual se oferecem resistências, pois envolve mudanças de
comportamento que sempre despertam insegurança. De uma maneira geral, os
padrões conhecidos parecem mais seguros, uma vez que os novos não estão
determinados, não apresentam características generalizáveis e cada profissional,
equipe ou instituição terá seu processo singular de humanização.
Contudo, através da evolução da conceituação de humanização, percebe-se uma
resignificação da mesma, no sentido de perceber sua complexidade em suas várias
dimensões: a organização e estrutura física das instituições de saúde blicas e
privadas, a formação biomédica, as relações de trabalho e sua lógica de produção, a
dimensão sociopolítica e a cultura organizacional, além de outras. Por conseguinte,
esta definição encontra-se em constante construção, percepção, desconstrução e
transformação (KNOBEL, 2008).
Sendo assim, cabe ressaltar que a humanização é uma filosofia que deve ser
trabalhada e desenvolvida, de acordo com os interesses de uma pessoa ou grupo,
pois trata-se, sobretudo, de um processo vivencial (MEDINA e BACKES, 2002).
No presente estudo, coube aprofundar o conceito de humanismo, enquanto filosofia
de vida. Segundo Chavarria Crespo (1982), o humanismo abrange três aspectos
diferentes e complementares. Humanista é o homem que define atitudes concretas
diante da vida, fruto da sua reflexão e como consequência de uma filosofia que
norteia sua existência.
Quando o humanista é médico, essas atitudes, que envolvem a sua própria vida,
atingem as outras vidas, aquelas que ele tem de cuidar. Isto implicará numa postura,
concreta, diante da vida humana, da vida doente, do sofrimento e da dor.
Humanitarismo é a capacidade de comover-se, diante da dor e da limitação alheia,
visão altruísta e afetiva. E humanização é o entrelaçamento com as humanidades,
como via cultural de aproximação do conhecimento do homem, com suas grandezas
e misérias.
33
Segundo Capra (2001), os aspectos essenciais da assistência contemporânea à
saúde são determinados pela natureza da educação médica. Assim, a ênfase na
tecnologia de equipamentos, o uso excessivo de medicamentos e a prática
centralizada em especialistas e em hospitais, têm sua origem nas escolas de
medicina. Portanto, para este autor: “Qualquer tentativa de mudar o sistema atual de
assistência à saúde, terá de começar pela mudança no ensino da medicina”
(CAPRA, 2001, P. 151).
Assim, na segunda metade do século XX, ocorreram conferências mundiais com
propostas de mudanças na assistência à saúde, e que culminaram com o
aparecimento do Paradigma da Integralidade na Educação Médica.
Campos (2001), denominou de paradigma da integralidade, um conjunto de
propostas para a formação dos profissionais da área da saúde, que os
aproximassem das necessidades da atenção básica em saúde. O paradigma da
integralidade na assitência em saúde, tem como proposta para a formação médica, a
sua contextualização para as dimensões sociais, econômicas e culturais da vida da
população (LAMPERT, 2002).
Com este foco, este estudo propôs-se a analisar os processos de ensino e
aprendizagem, vivenciados em um curso de medicina, ao observar o preparo
humanístico contido na formação do profissional médico, aluno desta escola.
Considera-se, fundamental, a existência das humanidades, enquanto tema
transversal de conhecimentos e de vivências práticas, durante todo o processo de
formação em um curso de medicina. Considera-se, essencial, a existência de
atitudes e ações de humanização, enquanto um processo efetivo e permanente de
formação, dentro de uma escola médica. Considera-se fundamental a existência da
humanização, enquanto um importante fomentador de uma formação médica voltada
para o paradigma da integralidade.
O questionamento norteador da presente linha de pesquisa girou em torno da
valorização da humanização na formação e na prática do médico. Buscou-se
perceber como este tema estava contemplado no processo de ensino e
34
aprendizagem, em uma escola médica, a partir da compreensão dos alunos e da
observação de ações e atitudes dos mesmos, no que concerne a esta temática.
O objetivo geral foi contribuir para revitalizar a humanização neste curso e, mais
especificamente, observar as inter-relações dos alunos, no seu cotidiano de
vivências práticas, ao identificar de que maneira a integralidade, o acolhimento e a
humanização permearam estas atividades.
Ao observar o quanto o curso de medicina está desenvolvendo conhecimentos,
habilidades e atitudes que humanizem acadêmicos, utilizando modelos de
aprendizado embasados em experiências vivenciadas por alunos, professores,
usuários e demais profissionais da saúde, pretende-se repensar a formação e a
atuação médica, dentro dos processos de saúde. Pautados na integralidade, no
acolhimento e na humanização, objetiva-se a mudanças nas práticas profissionais e
na organização do trabalho, que respondam às necessidades dos usuários, com
efetivos comprometimentos nas inter-relações, entre todos os atores envolvidos
nesse processo (CAPRARA; FRANCO, 1999; AMORETTI, 2005; MAEYAMA, 2007).
As novas exigências de saúde das populações requerem a adoção de novas
posturas, dos serviços e dos profissionais de saúde. Para fazer frente a estas
demandas, a formação destes recursos humanos deve contemplar a pluralidade
destas tendências e preparar, desde os tempos de graduação, profissionais
instrumentalizados, não apenas no âmbito teórico, mas, principalmente, na prática,
vivenciada no interior dos serviços de saúde, capazes, dentre outras habilidades, de
prestar atenção integral e humanizada (HADDAD et al., 2006; REGO et al., 2007).
Com a preocupação de transmitir conhecimentos especializados sobre a profissão,
com a falta de atenção na dimensão humana nos objetivos e conteúdos educadores,
os cursos superiores não têm conseguido formar profissionais cidadãos, com
práticas direcionadas por valores éticos e humanos. Conforme é citado por Coelho,
[...] não se trata, pois, de preparar alunos para a vida social, de
treiná-los para se encaixarem no mundo do trabalho, mas para
compreenderem essas realidades em sua concretude, historicidade e
35
complexidade e para recriá-las, produzindo novas formas de
existência social (COELHO, 1994, p.12).
Observa-se que as instituições de ensino superior necessitam se voltar para a
formação de profissionais competentes, para além do aspecto técnico-científico.
Esta direção deve privilegiar a formação do profissional cidadão, com visão
abrangente da realidade em que vai atuar, com elementos para participar na
construção de uma nova sociedade (COELHO, 1994).
Importante papel cabe às escolas médicas, na formação de profissionais
comprometidos com os determinantes sociais, culturais e humanos do processo
saúde-doença, para além do atendimento individual e especializado. Um passo
fundamental foi dado com a definição e a implementação das Diretrizes Curriculares
Nacionais (DCN) para os Cursos de Medicina (BRASIL, 2001), com a recomendação
de que o egresso das universidades seja um médico generalista, humanista, crítico e
reflexivo, com senso de responsabilidade social e promotor da saúde integral do ser
humano (HADDAD et al., 2006).
Como parte dos desafios a serem enfrentados, Haddad e colaboradores (2006)
ressaltaram, como principal estratégia, a implementação das DCN nos cursos de
graduação, a partir de 2001. O texto recomenda que o futuro graduado supere
desafios de renovadas condições de exercício profissional, reconheça e valorize
conhecimentos, habilidades e competências adquiridas, fora do ambiente escolar, e
que possa fortalecer a articulação da teoria com a prática, valorizando a participação
em atividades práticas (BRASIL, 2001).
Segundo Lifshitz (1997), o conceito de médico implicaria subjetividades criativas,
com vocação altruísta, sentido de solidariedade e respeito, inclinação benevolente,
capacidade de comunicação interpessoal e disposição, enquanto qualidades
indispensáveis para exercer a medicina e deixar sua efetiva contribuição para a
humanidade.
No momento atual, um movimento importante de recondução dos olhares da
medicina para uma visão holística e plural dos determinantes de saúde das
36
populações, em suas variantes sociais, culturais, éticas e humanas (AMORETTI,
2005; BLASCO et al., 2005; HADDAD et al., 2006).
O redirecionamento deste olhar fez parte dos movimentos que culminaram com a
VIII Conferência Nacional de Saúde, em 1986, e na Constituição Brasileira de 1988.
Nesta última, a saúde está contemplada, com especificidades, em cinco artigos, a
saber: 196, 197, 198, 199 e 200. Destes artigos, é fundamental destacar-se o que
prega o Artigo 196:
A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas
sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros
agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua
promoção, proteção e recuperação (BRASIL, 1988, p.113-114).
Como resgate ao que está contemplado na constituição brasileira, surgiu algumas
políticas específicas, redirecionando a formação dos profissionais nos cursos da
área da saúde. Inicialmente, os Ministérios da Educação e da Saúde lançaram, em
ação conjunta, o PROMED, em 2001. Em 2004, surge o HUMANIZA-SUS, uma
política que buscava, enquanto diretriz, humanizar a formação e a ação dos
profissionais vinculados à área da saúde. Em seguimento, a partir de erros e acertos
do PROMED, como uma forma efetiva de incentivar a implantação das diretrizes
curriculares, lançaram o PRÓ-SAÚDE, em 2005.
PROMED é o Programa de Incentivo às Mudanças Curriculares das Escolas
Médicas. Foi lançado pelo Ministério da Saúde, em dezembro de 2001, em parceria
com o Ministério da Educação e a Organização Panamericana de Saúde. O seu
objetivo principal era incentivar as escolas médicas do país a adequarem seus
currículos, sua produção de conhecimento e os programas de educação permanente
à realidade social e de saúde da população brasileira. Em 2002, dezenove escolas
médicas tiveram seus projetos aprovados, para serem desenvolvidos no período de
três anos.
PRÓ-SAÚDE é o Programa Nacional de Reorientação da Formação Profissional em
Saúde, que foi lançado em novembro de 2005. Este programa visa à aproximação
entre a formação de graduação e as necessidades da atenção em saúde. O
37
distanciamento entre os mundos acadêmicos e o da prestação real dos serviços de
saúde, vem sendo apontado como um dos responsáveis pela crise do setor saúde.
Sabe-se a importância de valorizar e capacitar os recursos humanos para que
possam desenvolver um trabalho de alta qualidade e resolubilidade, ou seja, prestar
uma assistência humanizada.
Reforça-se, no PRO-SAÚDE, a importância da aproximação entre a academia e os
serviços de saúde, enquanto eixo central, no processo de ensino e aprendizagem,
para integrar as escolas e os profissionais de saúde, formados e em formação, às
necessidades concretas da população.
“Uma das importantes interseções entre saúde e educação diz respeito à adequação
do ensino, conhecimentos produzidos e serviços prestados à população, com base
nas necessidades sociais, situação que ainda está longe da ideal” (BRASIL, 2005,
p.10). Recomenda-se que as instituições de ensino superior incorporem à sua
missão institucional, a formação integral e terminal dos profissionais de saúde,
tornando-se, efetivamente, promotoras desta ação (BRASIL, 2005).
A Política Nacional de Humanização da Atenção e da Gestão da Saúde, o
HUMANIZA-SUS (BRASIL, 2004, p.07-08) toma a humanização como eixo
transversal, que deve “traduzir princípios e modos de operar no conjunto das
relações entre profissionais e usuários” e que deve investir “na produção de um novo
tipo de interação entre os sujeitos que constituem os sistemas de saúde e deles
usufruem, acolhendo tais atores e fomentando seu protagonismo”.
A humanização da assistência da saúde abre questões fundamentais para orientar a
construção das políticas em saúde, ao ofertar atendimento de qualidade, articular
avanços tecnológicos com acolhimento, proporcionar melhores ambientes de
cuidado com melhores condições de trabalho dos profissionais. Todas essas
atitudes permitem a construção, contínua, de uma política de qualificação do
Sistema Único de Saúde (SUS), em sua integralidade (BRASIL, 2004).
Alguns princípios norteadores da Política Nacional de Humanização (PNH)
necessitam serem ressaltados, para uma efetiva operacionalização da humanização
38
do SUS: construção de diferentes espaços de encontro entre os sujeitos,
protagonistas das ações de saúde, troca e construção de saberes, trabalho em rede
com equipes multiprofissionais com atuação transdisciplinar, identificação das
necessidades, desejos e interesses dos diferentes sujeitos no campo da saúde,
pacto entre os diferentes níveis de gestão (federal, estadual e municipal) e entre as
diferentes instâncias de efetivação (gestores, trabalhadores e usuários), resgate dos
princípios básicos que norteiam as práticas de saúde e construção de redes
solidárias, interativas, participativas e protagonistas do SUS (BRASIL, 2004).
Contudo, cada um dos sujeitos, direta ou indiretamente relacionados ao Sistema de
Saúde, pode ter distintas compreensões sobre o significado de humanizar. Assim,
humanizar pode ser entendido como uma escuta qualificada, uma boa relação
médico-paciente, uma reorganização dos processos de trabalho, uma criação de
ouvidoria e de recepção com acolhimento, uma melhoria de espaço físico ou uma
ênfase na formação e na sensibilização dos profissionais (CAPRARA e
FRANCO,1999).
De forma geral, humanizar salienta uma redefinição das relações humanas na
assistência e na compreensão da condição humana e dos direitos humanos, sendo
essencial que os usuários tenham o direito de conhecer e de decidir sobre os seus
diagnósticos e tratamentos (FERREIRA, 2005).
Contudo, para a implementação de novos conceitos e práticas voltados para a
humanização da assistência em saúde, mudanças estruturais, comportamentais e
relacionais necessitam acontecer. Necessitam serem transformadas a formação
biomédica, a lógica de produção das relações de trabalho, a estrutura física das
instituições de saúde (DESLANDES, 2004).
Na maioria desses serviços, a regra é existir uma ênfase demasiada na técnica e,
em um grande número de situações, os profissionais de saúde não estarem
preparados para lidar com as questões subjetivas e sociais dos usuários, o que leva
a uma fragilização das práticas de atenção. Na verdade, o trabalho em saúde
depende de uma combinação de variáveis no domínio do técnico e do relacional
(FERREIRA, 2005).
39
Contudo, devemos tomar cuidado para não banalizar o que a proposta da política de
humanização traz ao campo da saúde, com iniciativas associadas a atitudes
humanitárias e de caráter filantrópico, sendo, portanto, um “favor” e o um direito à
saúde (BRASIL – MS, 2004). Segundo Gastaldo (2005, p.405):
“... o acesso aos serviços de saúde de qualidade é apenas um entre mais
de uma dezena de determinantes sociais de saúde, como a distribuição
equitativa de renda, a inclusão social, as condições de trabalho e as
condições de educação”.
Sendo assim, o Programa de Humanização envolve aspectos técnicos e relacionais
e pretende que o trabalho humano dos profissionais nos serviços de saúde consista,
não apenas, exercer a atividade, mas que haja passagem de competências e
superação nos limites da divisão de trabalho em relação ao tratar e o cuidar. A busca
dessa equivalência busca uma redefinição de competências que possa superar a
dicotonia alma/corpo (FERREIRA, 2005).
Uma das diretrizes desse programa era o desenvolvimento técnico e emocional dos
profissionais de saúde, de forma a aperfeiçoá-los para o atendimento ao usuário
(KNOBEL, 2008). É importante citar Merhy et al. (2002), que salienta que a boa
administração de relacionamentos também é uma tecnologia, reconhecidamente
uma tecnologia leve, pois diz respeito à produção de nculos, acolhimento e formas
de gestão do cuidado.
Em consequência, para a efetiva implementação de uma política de humanização,
um novo modelo de formação profissional deve estar próximo do debate e da
formulação das políticas públicas de saúde. É fundamental que estes processos
possam confluir para a construção de trocas solidárias e comprometidas, com a
produção de saúde e com a produção de sujeitos. Neste sentido, a humanização
supõe trabalhos em equipe, trocas de saberes, diálogos entre profissionais e
construções coletivas (BRASIL, 2004).
Em relação à formação dos profissionais, eixo fundamental para as mudanças
pretendidas pelos Programas de Humanização, é imprescindível um investimento
40
sério na formação, desde a graduação, ao fortalecer a ação de um profissional de
saúde, legitimamente comprometido, com a prestação da assitência em saúde
(DESLANDES, 2004).
Portanto, a idéia de humanização da saúde demanda que o profissional converta a
dimensão econômica e técnica de seu trabalho em dimensão relacional. Nesse
sentido, a abordagem antropológica dos programas de intervenção em saúde torna-
se pertinente, pois ela envolve um saber, um método, um estado de espírito, uma
tecnologia e um campo social estruturado, com atores sociais em definidas posições.
E a Saúde Pública se encontra em privilegiada posição para essa articulação
(FERREIRA, 2005).
Sendo assim, o perfil dos novos profissionais de saúde é lapidado por, dentre outras
forças, novas demandas sociais em saúde. Neste prisma, o reencontro e a
revalorização das humanidades, dentro da educação médica, é um dos caminhos
propostos para esta mudança de perfil e atitude. Amoretti (2005, p.142) destaca:
[...] a ampliação de conhecimentos humanísticos capazes de propiciar
reflexividade crítica, conhecimentos de comunidade, de família e de técnicas
grupais, incremento na construção de subjetividades, enquanto recursos de
relacionamento, incorporação dos conhecimentos sobre cuidados e
continuidade da assistência, com prioridade para as ações de atenção às
necessidades concretas da população, como atributos desse novo
profissional médico.
Em torno dos médicos, estão grande parte das distorções da educação atual. As
mudanças na formação destes profissionais, indispensáveis, não são exclusivas,
tampouco, suficientes, para o êxito do processo de re-humanização na saúde. Novos
cenários para a educação médica, onde as práticas assistenciais aconteçam, e os
acadêmicos de medicina exercitem a comunicação horizontal e as relações
interdisciplinares com todos os profissionais que trabalham em saúde, fazem
compreender as dificuldades e possibilidades das práticas conjugadas em saúde e
viver o cotidiano do SUS (AMORETTI, 2005; SAUPE et al., 2005).
Conforme destacou a última revisão do Projeto Pedagógico do Curso de Medicina,
2007/2008 (UNIVERSIDADE..., 2007), este curso propõe-se a formar um médico
generalista, crítico e reflexivo. O profissional egresso do curso de medicina da
41
UNIVALI será o médico generalista e clínico, com sua formação embasada numa
concepção integral de saúde, competente, técnica e politicamente, para atuar na
promoção de saúde integral do cidadão, voltado especiamente para a atenção
primária da saúde e integrado nos programas de “saúde da família”
(UNIVERSIDADE..., 2007).
No portal eletrônico desta universidade, descreveu-se como proposta do curso de
medicina, que o seu currículo objetiva desenvolver, na trajetória da formação do
médico, habilidades e competências que contemplem o sistema de saúde vigente no
país, a atenção integral da saúde, o trabalho em equipe e o exercício de uma
medicina humanizada, em consonância com o digo de ética profissional e com os
direitos humanos constituídos.
Assim, segundo a última revisão do projeto pedagógico desta escola médica (2007):
o ensino da medicina não pode desvincular-se dos processos inovadores e
atuais que redisutem os currículos tradicionais e que encaminham a
estruturação de novos currículos, onde se organizem e desenvolvam ões
educativas integrando ensino e vida, conhecimento e ética, reflexão e ação,
na formação de um profissional comprometido com a realidade e com a
perpectiva de transformá-la, qualitativamente.
Guiada por estes referenciais, a metodologia que orientará o trabalho pedagógico
neste curso de medicina se caracterizará por um ensino dinâmico, que proporcione
reflexão sobre o objeto ou a realidade estudada, considerando os espaços de
aprendizado como espaços colaborativos, no qual conteúdos, valores, habilidades e
procedimentos conduzam à construção do conhecimento técnico, de valores
humanísticos e de ética, indispensáveis a um profissional-cidadão
(UNIVERSIDADE..., 2007).
Portanto, enquanto perfil de um curso que faz referência a valores humanísticos,
torna-se importante verificar de que forma estes ideais teórico são contemplados,
nas atividades docente-assistenciais práticas, vivenciadas ao longo da graduação.
Neste sentido, é ideal e fundamental que o projeto pedagógico, definindo os
objetivos deste curso, seja construído por toda a comunidade acadêmica.
42
Nesta escola médica, ao longo dos seus dez anos de existência, as reestruturações
em suas disciplinas têm possibilitado uma construção contínua de um caminho de
aprimoramento, ao demonstrar maturidade, autonomia e responsabilidade para a
qualificação na formação de seus alunos e ao buscar, cada vez mais, consolidar
uma ação pedagógica voltada para o “aprender a aprender” (UNIVERSIDADE...,
2007).
Delors et al. (1998) defendem que a educação deve organizar-se em torno de quatro
pilares fundamentais: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver juntos
e aprender a ser. Contextualizando-os para a formação médica, estes preceitos
seriam ferramentas para resgatar habilidades perdidas pelo médico, ao agregar, na
graduação, competências éticas, responsabilidades e sensibilidade, para as
questões da vida e da sociedade, o que garantiria a integralidade do cuidado (REGO
et al., 2007).
Consequentemente, na área de formação dos profissionais de saúde, a prática
pedagógica necessita ser repensada, principalmente, nas questões que norteiam as
estruturas curriculares e o processo ensino-aprendizagem. É necessário ter-se uma
formação mais humana. Em consonância com esse novo momento, de recuperação
das origens humanísticas da medicina, é premente inserir os conceitos, ações e
atitudes de humanização, desde as fases iniciais dos tempos de graduação.
A preocupação que deve caber aos médicos, que são formadores nas escolas
médicas, é a relacionada com o processo educador, que traz como resultado o estilo
do médico que é formado. Entendemos que educar as atitudes supõe mais do que
oferecer conceitos teóricos ou realizar simples treinos ou repetições. Implica em
promover a reflexão consciente verdadeiro cleo de um processo educador e
humanizador, que facilite ao aluno a descoberta de si mesmo, resgate a sua
responsabilidade em sua ação profissional e foque seu compromisso, também, na
construção de um profissional cidadão (BLASCO, 2002).
Se quisermos médicos humanos, teremos de aceitar que os médicos não se
limitem a praticar a medicina, devendo, também, serem pessoas de
qualidade. O bom médico é sábio, compassivo, educado e culto; e sabe que
a vida é muito mais do que medicina para o médico e, naturalmente, para o
paciente (BLASCO, 2002, p.116).
43
Uma contribuição original, neste sentido, apareceu através do estudo de Sade et al.
(1985), que detectaram uma série de características, com uma lista de 87 destas,
desejáveis como padrão de qualidade do médico. A seguir, analisaram a
possibilidade de ensinar essas características aos estudantes, durante o curso
médico.
Neste estudo, duas espécies de características detectadas: as que podem ser
ensinadas e as que, dificilmente, podem ser ensinadas, em uma escola médica. As
atitudes relacionadas com educação, capacidade para conquistar a confiança de
outros, adaptação às pessoas, reputação e liderança, são difíceis de serem
ensinadas, no contexto de uma escola de medicina. Outras características
importantes, como raciocínio clínico, procedimentos e organização de prontuários,
são mais fáceis de serem ensinadas, nas vivências em práticas de saúde. Contudo,
entende-se que o professor pode atuar como um instrumento fundamental, enquanto
modelo de humanização.
Para Marañon (1954), a formação humanística é tarefa e compromisso essencial no
médico e visa, essencialmente, o benefício do paciente. Este autor postula:
O médico que somente sabe medicina nem sequer medicina sabe [...].
Existe uma fronteira tênue entre os doutores que, por saberem somente
medicina, ignoram esta ciência, e aqueles que, pretendendo saber tantas
outras coisas, ignoram a medicina elementar e eficaz, a que serve para
aliviar fadigas e dores [...]. O que é fundamental, perante o fácil e o difícil, é
a atenção: isto é, que o médico ponha, em qualquer situação, os seus cinco
sentidos naquilo que faz, e não pense em outras coisas [...]. O
enciclopedismo pedante é obstáculo para o verdadeiro saber. Deve-se fugir
daquele que exibe os seus títulos acadêmicos como garantia de suficiência
e se dedica a cultivar suas aptidões expositivas para surpreender os
ingênuos com o seu enciclopedismo faustoso. E deve-se confiar naquele
que dedica à investigação o tempo necessário e, depois, dedica o seu
descanso a outras inquietudes que mantêm viva a tensão do espírito e
aprimoram a eficácia do instrumento profissional.
Destas citações, interpreta-se que o humanismo e a humanização, em medicina, são
verdadeiras ferramentas, matéria-prima da profissão dica o ser humano. Tudo
aquilo que ajuda a entender melhor o ser humano, converte-se em essencial
instrumento profissional (BLASCO, 2002).
44
Uma formação humanista, no desenvolvimento do curso de medicina, enquanto
filosofia, deve ser norteadora e envolver a todos: professores, alunos, pacientes,
equipe de saúde e outras pessoas. A integração entre os diversos profissionais, na
discussão das dificuldades, na solução dos problemas e no encontro de caminhos,
para uma melhor trajetória na formação ideal deste profissional de saúde, futuro
médico, deve ser buscada, incessantemente (AMORETTI, 2005).
A aproximação entre os docentes e as disciplinas, no desempenho das vivências
práticas, deve ser estimulada, para uma efetiva participação na construção de um
novo profissional de saúde, cidadão. É fundamental que o projeto pedagógico, ao
definir os objetivos do curso, seja construído por toda a comunidade acadêmica
(OKAY; MANISSADJIAN, 1991).
Em última análise, é possível e útil que os graduandos em medicina sejam induzidos
e estimulados a participar, desde os primórdios de sua formação, em projetos de
intervenção, para além do puro treinamento teórico. Os alunos de medicina podem
ser muito mais do que um reservatório de conteúdos e conhecimentos. Podem ser
sujeitos, exigentes, críticos e, em especial, capazes de se solidarizar com o usuário,
ativos contribuintes na produção de saúde realizada nos espaços de ensino
(CARVALHO et al., 2006).
Para tanto, no presente estudo, enfocou-se a revitalização da humanização do
ensino médico, por entendê-la fundamental, enquanto atitude, compromisso e
dedicação, à saúde do outro. Fez-se uma reflexão crítica, sobre tais percepções e
sobre suas conseqüências éticas, sociais, culturais, existenciais e humanas.
Pressupõe-se que a humanização é mais do que uma forma de se atuar,
profissionalmente. É uma atitude diante da vida.
3 METODOLOGIA
3.1 Fundamentação metodológica
Estudo de natureza descritiva, exploratória, com abordagem qualitativa, que enfoca
a revitalização da humanização no ensino médico de uma escola de medicina do sul
do Brasil, através de duas técnicas:
1. observação, semi-participante, em um espaço docente-assistencial, das
ações e atitudes, vivenciadas por alunos de medicina, em atividades práticas, nas
suas inter-relações, com os demais sujeitos das cenas protagonizadas, em um
serviço de saúde;
2. entrevistas, realizadas com acadêmicos de três diferentes períodos deste
curso de medicina, complementam os dados de observação, ao captar as
percepções que esses alunos têm sobre o aprendizado das humanidades nas
disciplinas deste curso, o grau de importância para uma formação e atuação médica
humanizada e as sugestões para revitalizar a dimensão humana, neste curso de
medicina.
Com esta abordagem metodológica, procurou-se identificar o significado dessas
percepções, através da compreensão e interpretação das cenas apreendidas da
realidade vivenciada, bem como das considerações de cada aluno, conforme seus
pontos de vista e experiências de vida, ao fazer a triangulação desses dados com a
fundamentação teórica.
3.2 Observação
A ferramenta metodológica da observação foi escolhida para este estudo ao
considerar, inicialmente, a definição trazida por Ferreira (2000). Observar tem alguns
significados importantes: examinar, minuciosamente; olhar com atenção; estudar;
46
espiar; espreitar; atentar em; notar, advertir; ponderar, replicar; fazer ver; examinar,
atentamente; vigiar as próprias ações; ser circunspecto; vigiar-se, reciprocamente.
Durante o presente estudo, dois observadores colocaram-se, exclusivamente, nos
ambientes coletivos de uma unidade de saúde docente assistencial, registrando, de
maneira próxima, os fenômenos, sem participar, de maneira ativa, dos mesmos. As
observações semi-participantes, tornaram-se o eixo principal de análise deste
estudo, através do registro de diversas situações evidenciadas, na forma de relato,
escrito, de tudo aquilo que os investigadores viram, ouviram e pensaram, no decurso
da coleta de dados, sobre os dados de um estudo (BOGDAN; BIKLEN, 1991).
Segundo Minayo (2006), a observação semi-participante é uma parte essencial do
trabalho de campo na pesquisa qualitativa, ao captar todo o comportamento dos
pesquisados e estabelecer um primeiro contato com os acadêmicos, suas ações,
atitudes e valores. A antropologia coloca-a como uma forma complementar de
captação da realidade empírica. Ao avaliar a pesquisa social, Malinowski (1975,
p.55), coloca-nos que: “há uma série de fenômenos de grande importância que não
podem ser registrados através de perguntas ou em documentos quantitativos, mas
devem ser observados em sua realidade”. Este mesmo autor apresenta o seu
método da seguinte maneira:
1.
deve-se ter objetivos realmente científicos e conhecer os valores e critérios da
etnografia moderna;
2.
deve-se colocar em boas condições de trabalho e dispor-se a viver no contexto,
aberto à realidade do grupo pesquisado;
3.
deve-se aplicar um certo número de métodos particulares para selecionar,
coletar, manipular e estabelecer os dados.
A cnica da observação, segundo Turato (2003), é um dos componentes do
trabalho de campo, no qual todo o comportamento do observado deverá ser
captado. Interessam as alterações das falas, os estilos, as falhas, os silêncios e as
falas embargadas.
47
Também são valorizadas as comunicações não verbais, como as mudanças nas
posturas físicas, os gestos, as mímicas dos rostos, os choros, risos e sorrisos, entre
outras. Esses dados trazem informações adicionais na interpretação dos fenômenos
estudados (TURATO, 2003). Como citava-nos Triviños (1987, p.153), “Observar
não é simplesmente olhar”. Observar é destacar de um conjunto algo específico,
prestar atenção em todas as suas características.
A coleta de dados, nesta etapa metodológica, foi realizada por dois pesquisadores: a
mestranda, integrante do Programa de Mestrado Profissional em Saúde da Família e
Gestão do Trabalho e o acadêmico, do período do curso de medicina, vinculado
ao mestrado, através do Programa de Integração Graduação e Pós-graduação
(PIPG), fomentado pela universidade, com duração de um ano de julho de 2007 a
julho de 2008.
Na pesquisa qualitativa, através das anotações de campo, são colocadas as
observações e reflexões, sobre as expressões e ações dos sujeitos, ao descrevê-las
e realizar comentários críticos. Como é descrito por Triviños (1987), a anotação de
campo consiste na descrição, por escrito, das manifestações que o pesquisador
observa nos sujeitos: as circunstâncias físicas, as reflexões, a descrição concreta
dos traços dos sujeitos, a descrição de atividades específicas, a descrição dos
diálogos e as reflexões sobre todos estes dados.
Os registros foram feitos em caderno diário de campo, individual e específico, para
cada um dos observadores. Neste instrumento, realizaram-se descrições dos
espaços, dos atores e das cenas presenciadas, com impressões, em separado, de
cada um dos pesquisadores. Em seqüência, reflexões das cenas e cenários
vivenciados foram construídas, em conjunto, pelos dois observadores.
Minayo (2006) destaca a importância dos apontamentos em diário de campo, para
registro de gestos, expressões, falas, costumes, crenças, hábitos, comportamentos e
conversas informais, aspectos que compõem o cotidiano das pessoas. Como
destaca Turato (2003), no registro dos dados o pesquisador deve registrar os
elementos que mobilizaram algumas questões, tanto dos observados como dos
pesquisadores.
48
3.3 Entrevistas
Entrevistar, conforme Ferreira (2000), seria ter uma proximidade, uma conferência
entre duas ou mais pessoas, em local pré-determinado, ter um encontro combinado.
Segundo Minayo (2006), a entrevista é a estratégia mais usada em pesquisa de
trabalho de campo, por possibilitar a coleta de informações sobre determinado tema
científico, através de ampla utilização da comunicação verbal. Minayo (2006), aponta
a fala como sendo a forma de comunicação mais privilegiada para a sociedade
humana, reveladora de condições estruturais, valores, normas e símbolos, detentora
de experiências que permitem um entendimento subjetivo e social.
O modelo que se utilizou foi o da entrevista semi-estruturada. Neste modelo, temos a
combinação de perguntas abertas e perguntas fechadas, no qual, segundo Minayo
(2006), os entrevistados têm possibilidade de discorrer sobre os temas em questão,
sem limitações às perguntas formuladas pelo entrevistador, o que faz da interação
um instrumento privilegiado de coleta de informações.
Na entrevista, entende-se ser fundamental que os entrevistados falem, livremente,
de suas vivências. Para Minayo (2006), o roteiro de entrevista deve conter itens que
estimulem o entrevistado a conversar sobre suas experiências. Para Triviños (1987),
a entrevista semi-estruturada é um dos principais meios de coleta de dados pois, ao
mesmo tempo que valoriza a presença do pesquisador, oferece amplas perspectivas
para o entrevistado alcançar a liberdade e espontaneidade em suas informações. O
roteiro parte de questionamentos básicos e permite que o entrevistado siga,
espontaneamente, sua linha de pensamento, participando, ativamente, no relato de
experiências e nas trocas de percepções quanto ao foco de estudo.
A coleta de dados, nesta etapa metodológica, foi realizada através de entrevistas,
aplicadas por um dos pesquisadores, a mestranda. Os sujeitos da pesquisa foram os
alunos do curso de medicina, representados por uma amostra, eleita dentre
acadêmicos de três distintos momentos de formação: sexto período, oitavo período e
décimo-primeiro período.
49
Os dados obtidos nas entrevistas foram gravados e transcritos, de forma literal,
mantendo a fidedignidade das respostas. Segundo Minayo (2006), a entrevista
gravada é um procedimento metodológico que possibilita a profundidade do diálogo
entre o pesquisador e o entrevistado no estudo. O roteiro de entrevista que se
utilizou é apresentado no apêndice A.
3.4 Detalhamento Metodológico
O presente estudo foi realizado na cidade de Itajaí, município localizado na região
litorânea do estado de Santa Catarina e que tem uma população estimada de
168.088 habitantes, de acordo com o Censo 2006, do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE). Detentora de uma área territorial de 289 km
2
, é
composta por uma área urbana e uma área rural. A economia do município é
sustentada, principalmente, pela indústria pesqueira e, nele, localiza-se o Porto de
Itajaí, de importância estratégica para o comércio nacional e internacional.
Este município sedia uma universidade - a UNIVALI (Universidade do Vale do Itajaí)
e, nas dependências desta, um serviço de saúde, ambiente docente-assistencial,
denominado Unidade de Saúde da Família e Comunitária (USFC). Nesta unidade,
existente desde 2002, desenvolveu-se um estudo observacional, descritivo e semi-
participante.
O local escolhido funcionava em três andares, num prédio de 5000 m
2
. Este espaço
era cenário de atividades práticas para acadêmicos, de cinco dos nove cursos de
graduação na área da saúde, oferecidos pela instituição, a saber: enfermagem,
farmácia, medicina, nutrição e psicologia.
Neste espaço de saúde, havia ambulatórios que realizavam atendimento a
pacientes, moradores desta cidade e de cidades vizinhas. Os atendimentos
realizados eram de várias naturezas: ambulatório de medicina de família e
comunidade, ambulatório de especialidades médicas, ambulatório de nutrição e
outros.
50
Nesta unidade de saúde, existia a atuação e a interação entre alunos, professores,
estagiários, funcionários dos cursos da área da saúde e pacientes. A interação que
acontecia entre todas estas pessoas, neste contexto, era de educação em serviço,
contínua e permanente.
O saguão de entrada, no andar térreo, as salas de espera, nos e 3º piso, as salas
de discussões de casos clínicos, os corredores, rampas e escadas de acesso a
estes andares, bem como os ambientes especiais, tal qual um “espaço lúdico” no
piso, foram os ambientes coletivos eleitos para as observações. Escolheram-se
estes cenários para a realização das observações, por ser um espaço de atividades
práticas dos acadêmicos de medicina, do a o 12º período do curso, o que
possibilitou acompanhá-los, dentro de um mesmo serviço de saúde.
Optou-se em realizar a observação semi-participante, apenas nos ambientes
externos e coletivos desta unidade de saúde, não incluindo os consultórios de
atendimento aos usuários-pacientes, em virtude de que esta segunda escolha
demandaria outras necessidades metodológicas, tais como a anuência de todos os
pacientes, alunos e docentes em consulta médica, nesta unidade docente-
assitencial, o que, por conseguinte, poderia determinar importantes viéses às
observações.
Os sujeitos da pesquisa, alunos do curso de medicina, foram selecionados, em três
momentos distintos, dentro da matriz curricular de formação acadêmica, por
entender-se que os mesmos teriam, em cada um desses períodos, percepções
diferenciadas, do reconhecimento e do grau de relevância conferida à humanização,
enquanto um processo transversal de aprendizado. Critérios fundamentais de
inclusão de alunos nesse estudo foram: os alunos estarem regularmente
matriculados e ter freqüência regular às aulas e atividades deste curso.
Para uma melhor compreensão do presente estudo, detalharam-se alguns dados do
perfil de formação e de atuação do corpo discente, do corpo docente e da
organização desta escola médica.
51
Neste curso, destaques o dados para os conteúdos de: ética médica e bioética
(disciplina inserida, transversalmente, nos ciclo básico e profissionalizante da
graduação, do ao 8º período) e medicina de família e comunidade (disciplina
ministrada, desde o ciclo profissionalizante até o final do internato, do ao 1
período). A articulação teoria-prática é princípio fundamental no desenvolvimento
das atividades curriculares do curso.
Com relação à pesquisa realizada pela Gerência de Ensino e Avaliação/Pro En
UNIVALI (SC), 2007, alguns dados deste curso de medicina devem ser destacados.
O número de alunos matriculados, no segundo semestre de 2007, foi de 309 alunos.
A grande maioria dos alunos do curso tinha idade média na faixa de 17-20 anos,
distribuídos, de forma equilibrada, entre os sexos masculino e feminino,
predominantemente, solteiros e sem filhos.
Na maioria dos casos, viviam em residência alugada, dependiam de seus pais para
custear os estudos e possuíam plano de saúde. Os pais possuíam boa escolaridade
e eram, na maioria, autônomos, empresários e profissionais liberais. Os alunos, em
sua maioria, apenas se dedicavam aos estudos. Seu lazer estava ligado a encontros
com amigos, leituras, assistir TV e cinema. Possuíam bom conhecimento de
informática e de língua inglesa.
A maioria dos acadêmicos cursava a graduação, pela primeira vez, afirmando que a
escolha pela UNIVALI e pelo curso foi motivada por parentes, informações nos
cursinhos e mídia. A maioria dos alunos tinha perspectiva de realizar especialização
médica, após a conclusão do curso. Os motivos referidos pelos alunos para as
desistências foram, essencialmente, motivados por questões financeiras
(UNIVERSIDADE..., 2007).
Através do Projeto Pedagógico do Curso de Medicina da UNIVALI 2007/2008,
alguns dados relevantes do corpo docente foram evidenciados. Com relação ao
perfil profissional, no primeiro semestre de 2008, faziam parte do quadro geral de
docentes do curso de medicina da UNIVALI 145 profesores. Deste total, 48% dos
docentes do curso possuíam título de especialista, 31% eram mestres, 15% eram
doutores e havia apenas um professor PhD.
52
Com relação à participação no Programa de Formação Continuada em 2006-2007,
da UNIVALI, evidenciou-se uma participação variável dos professores do curso de
medicina neste programa, havendo momentos de expressiva participação e outros,
de pouquíssima participação.
Os professores deste curso possuem experiência variada e significativa, pois tanto
jovens na profissão, como médicos experientes, o que torna esta interação
entre as diferentes gerações fomentadora de uma constante busca de educação e
de formação permanente, imprescindível para a garantia de um processo de ensino-
aprendizagem de qualidade (UNIVERSIDADE..., 2007).
A maior parte dos professores contempla um regime de trabalho parcial de até 20 h/
semanal. N à relação aluno/docente, as disciplinas teóricas que oferecem atividades
práticas posuem uma boa relação, o que o acontece com algumas disciplinas
teóricas que contam, atualmente, com um grande número de alunos. O mapa da
carga horária dos docentes aponta que a relação disciplina/docente apresenta-se
boa, pois 33,79% leciona em uma disciplina, 50,34% leciona em duas disciplinas e
13,10% leciona em três disciplinas.
A UNIVALI adotou como um dos critérios em sua política de avaliação de
desempenho do corpo docente, os indicadores do Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), através do Currículo Lattes.
No presente estudo, doze foram os professores do curso de medicina que atuaram e
realizaram supervisão das práticas dos alunos junto aos ambulatórios observados.
Algumas características que foram evidenciadas destes docentes foram: quatro
possuem título de especialização, seis são mestres e dois são doutores. Destes
professores, nove graduaram-se em universidades públicas e três, em universidades
privadas. Do total destes docentes, a maioria quatro, ingressaram como
professores no curso de medicina da UNIVALI em 2001; dois ingressaram em 2000,
um em 2002 e um em 2005, que foi o último ano de credenciamento junto ao curso;
três professores ingressaram entre os anos de 1997, 1998 e 1999; o mais antigo
destes professores está vinculado junto à UNIVALI, desde 1987.
53
É importante destacar os cuidados éticos, observados na execução deste estudo.
Todo ser humano é dotado de uma consciência moral, que o faz distinguir entre o
certo e o errado, o justo e o injusto, o bom e o ruim. Com esta percepção,
consciente, ele é capaz de avaliar suas ações e por em xeque a sua ética. Nesta,
estão incluídos os valores, os deveres e as ações, incorporados e diferenciados, em
cada cultura. Portanto, a ética pode ser definida como a ciência do dever, da
obrigatoriedade, a qual rege a conduta humana (CAMPOS, 2003).
Primeiramente, dentre os critérios éticos assegurados, no presente estudo,
procedeu-se à assinatura do Termo de Compromisso do Orientador, junto ao corpo
docente do Mestrado Profissional em Saúde da Família; em seguimento, promoveu-
se a qualificação e a aprovação do projeto de pesquisa, junto ao corpo docente do
Mestrado Profissional em Saúde da Família e Gestão do Trabalho (ANEXO A); após,
efetuaram-se os esclarecimentos verbais sobre os objetivos e o desenvolvimento da
pesquisa, com autorização e consentimento efetivado mediante assinatura da
Coordenação do Curso de Medicina (ANEXO B);
A inscrição do projeto de pesquisa, junto ao Sistema Nacional de Ética em Pesquisa
(SISNEP), gerou a Folha de Rosto do SISNEP, anexada, como primeira página, ao
projeto (ANEXO C); ato contínuo, a autorização e o consentimento, por escrito, da
coordenação do Centro de Ciências da Saúde efetivou-se, através de assinatura no
projeto (ANEXO D);
Após, ocorreu o encaminhamento e submissão à análise do projeto ao Comitê de
Ética de Pesquisa (CEP) desta universidade. Esta comissão está instalada na
instituição há nove anos, através da Portaria 110/97, aprovada e regulamentada pela
Resolução 109/99 do Conselho Superior de Ensino, Pesquisa e Extensão
(CONSEPE); e, como finalização, o parecer consubstanciado da Comissão de Ética
em Pesquisa, como projeto de pesquisa “APROVADO”, com cadastro 295/07, em
27/07/2007 (ANEXO E).
Ato contínuo, iniciou-se a entrada no trabalho de campo.
54
Antes da entrada em campo, em consonância com os princípios éticos norteadores
do estudo, foi solicitado aos professores das disciplinas dos ambulatórios a serem
observados, a aprovação da presença dos observadores e o consentimento da
realização dos registros das observações, mediante preenchimento de Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido para Docentes do Curso de Medicina (ANEXO
F). No que diz respeito aos principais sujeitos da pesquisa alunos do curso de
medicina, os princípios éticos foram respeitados, assegurando o anonimato dos
sujeitos observados e entrevistados.
A primeira parte da pesquisa foi composta pelas observações semi-participantes dos
sujeitos da pesquisa, com enfoque nos alunos do curso de medicina, realizada pela
presença de dois observadores, nos espaços coletivos. O instrumento utilizado como
norteador para as saídas de campo dos observadores foi o Diário de Campo,
adaptado da proposta de Bogdan e Biklen (1991) e transposto no ANEXO G, no qual
foi escrito aquilo que foi ouvido, visto, experenciado e pensado.
Por fim, entendeu-se ser pertinente e positiva a identificação da instituição onde foi
realizado o presente estudo, por permitir que as questões necessárias para uma
efetiva mudança possam, concretamente acontecer, possibilitando que outros
estudos e ações possam, a partir daí emergir, sendo obtido, para tal fim, o Termo de
Autorização da Identificação da Instituição do Estudo, com a anuência da
Coordenação do Curso de Medicina (ANEXO H).
Na segunda parte da pesquisa, a metodologia adotada para efetuar, juntamente com
as observações e o eixo teórico, a triangulação dos dados, foram as entrevistas com
os alunos do curso de medicina. Estas entrevistas realizaram-se conforme as
possibilidades dos entrevistados, ao observar datas, horários e locais previamente
acordados.
O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido do Entrevistado (APÊNDICE C) foi
explicado, individual e pessoalmente, evidenciando o caráter confidencial das
informações prestadas pelos entrevistados, que permanecerão no anonimato. Foi
fundamental que cada um desses alunos aceitasse participar, espontaneamente,
55
desta pesquisa, bem como tomasse conhecimento, antes da sua entrevista, do
roteiro da mesma (APÊNDICE A), com o intuito de familiarizar-se com o tema.
Como um fechamento deste estudo, planejou-se e procedeu-se, enquanto
compromisso ético, a realização de uma devolutiva, coletiva, para todos os sujeitos
que, direta ou indiretamente, foram e estiveram envolvidos com o estudo, através do
Termo de Compromisso de Utilização de Dados (APÊNDICE B).
3.5 Análise dos dados das observações
Entende-se que observar seja, metaforicamente, comparável a expectar uma peça
teatral.
No presente estudo, os sujeitos da pesquisa foram observados, em suas atividades
práticas, dentro do seu cotidiano de vivências e aprendizados. Considerou-se
importante conhecer como interagiam esses alunos, enquanto sujeitos e atores, com
todo o universo, físico e social, que os cercava, observando como os tópicos da
humanização permeavam as suas ações e atitudes habituais.
Para a realização de cada observação, estabeleceram-se, entre os dois sujeitos
pesquisadores, datas, horários e locais, conforme as agendas de ambos
observadores e as atividades semanais desenvolvidas na unidade de saúde.
Em pouco mais da metade das oportunidades, as percepções foram captadas pelos
dois pesquisadores juntos, cada qual fazendo seus apontamentos, diante das cenas
presenciadas, com posteriores discussões e reflexões sobre as mesmas. Em outros
momentos, por demandas outras, as observações foram feitas por um ou por outro
observador, que fazia seus registros e trazia-os, para posterior debate com o outro
pesquisador, com reflexões individuais e da dupla, a partir do relatado e narrado.
As atividades práticas observadas foram, prévia e aleatoriamente, selecionadas. Os
ambulatórios eleitos para observação foram cinco, ao longo do segundo semestre
56
letivo de 2007, identificados por algarismos arábicos, de um (1) a cinco (5). Um
destes foi do período, três do período e um do 11º período do curso (internato
médico). Totalizaram-se, entre setembro e dezembro de 2007, dezenove saídas a
campo, quarenta horas de observações e setenta horas de reflexões sobre as
observações.
Na etapa da observação, buscou-se compreender como se davam as relações dos
alunos com as pessoas: pacientes, professores, colegas, outros alunos, profissionais
da equipe de saúde, funcionários e outras, no que tange à humanização.
Como norteador da saída de campo, a dupla de observadores valeu-se de um
instrumento teórico idealizado por Bogdan e Biklen (1991), posteriormente, adaptado
e revisado por Saupe, em 2005. Neste guia para registros de campo, aspectos
descritivos e reflexivos foram delineados, compondo o “relato escrito daquilo que o
investigador ouve, vê, experiencia e pensa no decurso da recolha e refletindo sobre
os dados de um estudo qualitativo” (BOGDAN; BIKLEN, 1991, p.150).
Em linhas gerais, dois eixos de registros foram contemplados, nas saídas de campo:
“humanização e pessoas” e “humanização e espaços”. No primeiro eixo citado,
incluem-se as análises referentes às interações humanas, entre sujeitos, que
vivenciavam seus cotidianos, ao buscar cuidados de saúde, ou ao oferecer cuidados
de saúde. O segundo eixo de análises corporificou-se, no transcorrer das
observações, ao perceberem-se como os espaços físicos eram determinantes nas
inter-relações entre os sujeitos, facilitando ou dificultando, proximidades e
distanciamentos, entre os grupos e os indivíduos.
3.6 Análise dos dados das entrevistas
As entrevistas foram realizadas com uma amostra representativa dos alunos do
curso de medicina, na sala dos professores, no segundo piso, do bloco 24 A,
pertencente ao Centro de Ciências da Saúde, desta Universidade. Realizaram-se
dez entrevistas, durante um período de três meses, de maio a julho de 2008.
57
As coletas de dados, através das entrevistas semi-estruturadas, foram agendadas
com os alunos do curso de medicina, previamente, selecionados. O critério, utilizado
para a participação nas entrevistas deste estudo, foi de escolha de dois alunos do
gênero feminino e de dois alunos do gênero masculino, em cada um dos períodos
do ciclo de graduação a serem pesquisados – sexto, oitavo e décimo-primeiro
períodos, para perfazer o total de dez alunos.
A idade média dos entrevistados variou entre 22 a 27 anos. A maioria dos alunos
entrevistados não colocou seu “apelido”, no preenchimento do roteiro para a
entrevista semi-estruturada. Como a temática deste estudo buscou entender e
interpretar, questões inerentes à humanização nas relações sociais, escolheu-se dar
nomes de flores, por terem um significado simbólico importante, no cotidiano das
pessoas, enquanto possibilitadoras de sensibilização e revitalização, em todos os
sentidos do ser humano. Assim sendo, escolheu-se os seguintes codinomes, para
cada um dos entrevistados, como se descreve a seguir:
1. aluno entrevistado 1 – Flor-de-lotus;
2. aluno entrevistado 2 – Rosa;
3. aluno entrevistado 3 – Orquídea;
4. aluno entrevistado 4 – Margarida;
5. aluno entrevistado 5 – Cravo;
6. aluno entrevistado 6 – Lírio;
7. aluno entrevistado 7 – Girasol;
8. aluno entrevistado 8 – Jasmim;
9. aluno entrevistado 9 – Amor-perfeito;
10. aluno entrevistado 10 – Boca-de-leão;
Através de um convite pessoal da entrevistadora, foi possível, para cada um dos
alunos convidados, programarem-se local, data e horários, previamente acordados,
para os encontros, onde foi explicada a finalidade, o objetivo e a importância da
pesquisa, bem como a necessária colaboração dos entrevistados.
Os alunos concordaram em participar, a partir de uma autorização, espontânea, da
livre expressão de cada participante, através da assinatura do Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido do Entrevistado (ANEXO I).
58
A análise dos dados foi realizada através da organização do material coletado, com
a transcrição fiel das falas dos entrevistados, através das gravações, o que
possibilitou a elaboração de indicadores que orientaram a análise e a interpretação
final dos dados com relação ao tema de pesquisa. Conforme destaca Minayo (2006),
este momento acontece, com contato e leitura exaustiva, do material de pesquisa.
3.7 Análise entre os dados das observações e das entrevistas
Utilizou-se, para a análise e interpretação do conjunto de dados, tanto as anotações
em diário de campo, como as falas nas entrevistas semi-estruturadas. Utilizou-se a
Análise Temática, que, segundo Minayo (2006, p.209), “consiste em descobrir os
núcleos de sentido que compõem uma comunicação cuja presença ou freqüência
signifiquem alguma coisa para o objetivo escolhido”.
Conforme Minayo (2006), busca-se, na análise temática, evidenciar a presença de
determinados temas ligados a uma afirmação a respeito de determinado assunto. A
autora considera três etapas para operacionalizar a análise temática:
a pré-análise, que evidencia a escolha dos documentos que serão analisados,
revisando os pressupostos e os objetivos iniciais da pesquisa, sendo possibilitadora
de reformulação e elaboração de indicadores que orientem a interpretação final.
Nesta fase, alguns itens são importantes, como a leitura flutuante, que favorece o
contato próximo com o material coletado, a constituição do “corpus”, que possibilita a
organização do material para que o mesmo responda a algumas normas de
validade, como: exaustividade, representatividade, homogeneidade e pertinência e a
formulação de hipóteses e objetivos que serão elaborados, previamente, ou a partir
dos procedimentos exploratórios. Neste momento, se realizam os recortes, a
modalidade, a categorização, a unidade de registro a ser utilizada;
a exploração do material, que consiste, essencialmente, na escolha das
regras de codificação, a partir da contagem, classificação e agregação dos dados,
utilizando categorias teóricas ou empíricas que focalizem as especificidades dos
temas;
59
o tratamento dos resultados, que busca traduzir como escolhemos e
interpretamos os dados obtidos, trabalhando com significados e não com avaliações
estatísticas.
As cenas das vivências, ações e atitudes, apresentaram-se como interferências,
positivas ou negativas, dos ideais de acolhimento, vínculo e humanização.
Os atores foram os alunos do curso de medicina, os docentes das disciplinas com
inserção prática na unidade docente-assistencial, os demais profissionais que
trabalham, neste serviço de saúde, e os usuários deste espaço, entenda-se os
pacientes, seus familiares e os acompanhantes.
Após digitação do material e leitura flutuante dos conteúdos, seguiu-se a
interpretação, organização e análise qualitativa das informações. Diante dos dados
digitados, organizados e categorizados, em tópicos numerados, os pesquisadores
procederam a construção de cartazes, para cada categoria de inter-relações
observadas. Cartolinas coloridas receberam recortes e colagens, de cada cena
relatada e vivenciada, organizadas em colunas, conforme os ambulatórios,
numerados de um (01) a cinco (05), na ordem alfabética das disciplinas observadas.
As categorias de análise evidenciadas, a partir dos registros apreendidos da
realidade vivida, foram baseadas nas inter-relações entre os distintos atores: alunos,
docentes, usuários, funcionários e observadores. Dentre essas, especial destaque,
conferiu-se aos acadêmicos de medicina.
Deste modo, cinco foram as categorias evidenciadas, a saber: relação alunos com
alunos; relação alunos com usuários; relação alunos com professores; relação
alunos com funcionários; relação alunos com observadores.
A categorização dos dados levou em conta a frequência com que as cenas, ações e
atitudes foram observadas. Para a análise dos dados observados e dos relatos
captados pelos observadores, agrupou-se o que foi muito presente ou frequente, o
que apareceu eventualmente, o que apareceu raramente, e o que se observou de
diferente.
60
Ao entrar em um espaço docente-assistencial e observar as relações travadas neste
contexto, identificaram-se questões, vivenciadas, refletidas e problematizadas pela
dupla de observadores, em suas reuniões. Ao problematizar espaços, demandas,
posturas e inter-relações, os observadores aguçaram o olhar para muitas questões,
as que mais chamaram a atenção, no transcorrer das observações. Ato contínuo,
debateram-se possibilidades e sugestões para algumas mudanças.
Com relação às entrevistas, doze foram os alunos eleitos para serem entrevistados.
Inicialmente, procedeu-se a escolha destes alunos. Esta escolha deu-se da seguinte
forma: foram sorteados quatro alunos, de cada um dos três períodos (sexto, oitavo e
décimo-primeiro), quais sejam, dois alunos do sexo masculino e duas alunas do
sexo feminino, por cada um dos períodos escolhidos.
Feito isso, procedeu-se ao contato, inicial e individual, com cada um destes alunos.
Estes contatos foram feitos, inicialmente, por telefone, onde era explicado o estudo e
o que o mesmo buscava. Em seguimento, era agendado um horário, que estivesse
de acordo e fosse conveniente para o entrevistado. Assim, gradativamente, foram
sendo, uma a uma, realizadas as entrevistas.
Algumas das entrevistas, por dificuldades pessoais dos entrevistados, tiveram que
ser reagendadas. Duas das entrevistas programadas, com um acadêmico do 8º
período e com uma acadêmica do 1período, não foram realizadas, mesmo após
sucessivas tentativas de contato e agendamento, por parte da pesquisadora. Deste
modo, a amostra ficou composta por dez entrevistas.
As entrevistas demandaram, em média, entre uma hora até uma hora e meia, de
tempo de realização. No início de cada uma delas, alguns assuntos aleatórios eram
introduzidos, enquanto interface de aproximação entre os dois sujeitos
entrevistado e entrevistador. Após, dois documentos foram explicados e utilizados,
junto aos entrevistados: o termo de consentimento livre e esclarecido e o roteiro para
entrevista semi-estruturada.
A entrevistadora pesquisadora entregava estes dois documentos, norteadores deste
momento de interação, e, em silêncio, aguardava a leitura dos mesmos. Após,
61
explicava e orientava possíveis vidas. Em sequência, o entrevistado preenchia
cada um destes dois documentos, e os assinava, selando um real compromisso,
para o estudo. Feito isso, era ligado o gravador digital e iniciava-se a entrevista,
propriamente dita.
Nesta interação, alguns cuidados foram focados. Fechava-se a porta de acesso aos
corredores e tentava-se deixar o ambiente, o mais à vontade possível, para os dois
sujeitos. Abriam-se algumas janelas para melhorar a ventilação e a iluminação
natural, deste local, deixavam-se água e copos sobre a mesa e as cadeiras eram
deixadas em um canto da mesa, próximas, para evitar a separação, através do
mobiliário. Com isso, buscou-se maximizar as possibilidades de obter-se bem-estar,
tranqüilidade e proximidade, para uma saudável inter-relação.
Ao final de cada entrevista, explicou-se, para cada um dos entrevistados, a maneira
que se planejou, para dar uma devolutiva, com todos estes dados, a todos os
participantes do estudo. Agradecia-se a participação do entrevistado e encerrava-se
este momento de interação.
As dez entrevistas foram transcritas e, a partir destes dados registrados, procedeu-
se a escolha do que seria importante identificar-se e salientar-se, como contribuição
da fala dos alunos, para a compreensão e fortalecimento da temática deste estudo,
como segue, a seguir, no espaço dos resultados.
No capítulo dos resultados, juntaram-se os dados identificados nas observações e
nas entrevistas do que tocou, sensibilizou, aguçou a percepção dos pesquisadores,
sobre humanização nas inter-relações pessoais, nestes espaços.
Portanto, a partir do diagnóstico da inserção das humanidades, no cotidiano das
relações desta unidade docente-assistencial, planejou-se uma devolutiva, com a
anuência da coordenação do curso de medicina, para todos os envolvidos com este
estudo, em última análise, alunos, docentes e funcionários desta unidade de saúde.
Para esta devolutiva, os pesquisadores pretendem realizar uma oficina expositiva e,
com isso, ser dado um primeiro passo, que leve a efetivas transformações, no
62
processo de ensino e aprendizagem e na realidade na qual este se realiza, no
sentido de construir laços, entre teorias humanísticas e necessidades dos usuários.
Deseja-se formar profissionais mais humanos, instrumentalizados, para sentir,
entender e atuar, com humanismo, compaixão e ética, as nuances dos processos
saúde-doença, a partir de uma melhor compreensão e adequada intervenção, nas
ações e atitudes, que permeiam as inter-relações entre os indivíduos (FREIRE,
1989; CARVALHO et al., 2006).
4 RESULTADOS
Nesse estudo, inicialmente, evidenciaram-se os espaços físicos, coletivos, onde
ocorreram as cenas que foram observadas, bem como a sistemática de organização
e funcionamento dos cenários desses ambulatórios observados, a maneira com que
os alunos exercitaram as atividades práticas, nesses espaços, e caracterizações dos
alunos do curso de medicina, quanto a aparatos e vestimentas, que os mesmos
utilizaram, em seu cotidiano.
Na sequência, a aproximação entre os dados encontrados nas observações e nas
entrevistas, deu mais cor, forma e movimento aos sujeitos e aos cenários
observados, fazendo emergir destes, cinco categorias de análise, que foram
descritas, em continuidade.
4.1 Contextos e cenários
Antes de caracterizar os cenários de observação, os atores envolvidos e as inter-
relações captadas, nos ambientes coletivos da unidade de saúde, entende-se ser
relevante conhecer algumas informações sobre a gênese deste curso de medicina e
do serviço docente-assistencial que, atualmente, corporifica-se na USFC. Esse curso
de medicina existe, desde março de 1998.
Através de entrevista, realizada com uma enfermeira, profissional deste espaço
docente-assistencial, em dezembro de 2007 (APÊNDICE C), dados históricos foram
resgatados. As primeiras atividades práticas, curriculares, desenvolvidas pelos
acadêmicos de medicina, realizaram-se no Núcleo de Saúde da Família (NSF),
inaugurado em meados de 2000. Naquela época, criou-se um serviço de saúde
ambulatorial, em uma casa alugada, com uma estrutura física improvisada e
conduzido por quatro pioneiros, uma enfermeira e três médicos.
64
Com a criação desse núcleo, ofereceu-se uma nova possibilidade assistencial de
saúde para a população e um novo campo de atividades práticas para os futuros
médicos. A combinação de atividades docentes e de assistência de saúde à
população, em um mesmo serviço, caracterizou o que se convencionou denominar,
desse ponto em diante, como “espaço docente-assistencial”. Os primeiros
acadêmicos de medicina a utilizarem-no, em atividades práticas, nas disciplinas de
Pediatria e de Medicina Familiar e Comunitária (MFC), estavam, à época, no sexto
período letivo do curso de medicina.
Em continuidade, em fevereiro de 2001, a coordenação desse curso começou a
pensar na criação de um ambulatório de especialidades médicas, que integrasse,
em um atendimento de saúde especializado, o aprendizado teórico das disciplinas
integrantes da clínica médica e da clínica cirúrgica, com atividades práticas,
vinculadas à assistência da população, no módulo profissionalizante de graduação
em medicina. Assim, o Ambulatório Médico de Especialidades (AME) foi inaugurado,
dois meses depois. Nesse espaço, os acadêmicos do 7º período do curso de
medicina, desempenhavam atividades práticas, em três especialidades clínicas e
duas especialidades cirúrgicas, além de ginecologia e obstetrícia.
No transcorrer do ano de 2001, iniciaram-se as obras de um novo prédio, localizado
em um dos extremos do Centro de Ciências da Saúde, dentro dos limites dessa
universidade. Esse espaço físico foi concebido, para unificar os dois serviços
docente-assistenciais existentes, fora dos muros da universidade, quais sejam, o
NSF e o AME. Tal edificação foi inaugurada, no primeiro dia de atividades, do
primeiro internato médico do curso de medicina. Apesar da escassez de tempo e de
questões internas, conflitantes, a maioria dos objetivos iniciais fora alcançada.
Construiu-se um prédio de 5.000 m
2
, para abrigar o chamado Instituto de Medicina
Familiar (IMF).
No início do internato médico, da primeira turma de doutorandos deste curso, em
janeiro de 2002, cerca de metade da estrutura física construída encontrava-se em
funcionamento, com agendamento de atendimentos ambulatoriais. Desde então,
esse serviço de saúde funcionou, num bloco dessa universidade. Posteriormente, o
espaço foi rebatizado, como Unidade de Saúde da Família e Comunitária (USFC).
65
Tal serviço de saúde fora Idealizado para ser um ambiente de atividades docente-
assistenciais, no qual os acadêmicos do curso de medicina estivessem inseridos,
desde o 5º semestre letivo, em atividades práticas. Nesse serviço, houve a
integração da atenção básica, inicialmente, através de duas equipes da Estratégia
de Saúde da Família (ESF), com a atenção especializada ambulatórios de
especialidades, clínicas e cirúrgicas. Portanto, esse serviço docente-assistencial
constituiu-se como referência em assistência à saúde, integrando atenção básica e
especialidades médicas, para atendimentos e encaminhamentos de pacientes, do
próprio município e de outros, da região circunvizinha, componentes da Associação
dos Municípios da Foz do Rio Itajaí-Açú (AMFRI).
Diante do prédio dessa unidade de saúde, um amplo pátio, de chão batido, servia
como estacionamento e o acesso ao prédio podia dar-se, diretamente, por este pátio
ou por um caminho pavimentado com calçamento. A porta principal de entrada da
unidade de saúde, grande e envidraçada, continuava-se com um corredor, ocupado
por cadeiras.
Passava-se por estas cadeiras e chegava-se em um ambiente coletivo de espera,
onde bancos, com cadeiras conjugadas, estavam, aleatoriamente, dispostos. Por
esse trajeto, os usuários do serviço de saúde chegavam, entravam e aguardavam
serem chamados. Havia um segundo acesso, lateral, cerrado por uma porta corta-
fogo, que, na maioria das vezes, era utilizado por alunos e, também, por docentes
do curso de medicina.
Em linhas gerais, o primeiro atendimento ao blico, usuário do serviço de saúde,
realizava-se em dois balcões de recepção, no piso térreo. Um para os ambulatórios
de especialidades médicas e o outro para as unidades da Estratégia de Saúde da
Família. Entre estes dois balcões de recepção, situava-se o ambiente de espera,
onde ficavam sentados os usuários, pacientes, público em geral, aguardando.
No piso térreo, localizavam-se, o saguão de entrada, a recepção, duas das três
equipes da Estratégia de Saúde da Família, as salas de vacinas e a sala de cirurgia
ambulatorial. Existe também uma farmácia, que dispensava as medicações básicas,
oferecidas pela rede pública. Em um canto deste ambiente coletivo, havia um
66
espaço para as crianças, com uma pequena mesa com cadeiras, alguns brinquedos
e, nas paredes, alguns enfeites, coloridos e infantis. A esse e a outro espaço,
semelhante, no segundo piso, convencionou-se chamar de espaço lúdico infantil.
Os primeiro e segundo pisos eram acessados por escadas ou por uma rampa de
acesso. Existiam dois lances de rampa, entre cada andar, sendo que cada rampa,
tinha cerca de vinte metros de comprimento. Alguns espaços compunham o primeiro
e o segundo pisos. Estes ambientes eram similares, em ambos os andares.
A seguir, descreveram-se alguns espaços do cenário do primeiro piso. No final da
primeira rampa, chegava-se a um espaço coletivo, que se convencionou chamar de
ambiente de espera 1. Esse possuía uma mesa de apoio, algumas cadeiras
estofadas e um banco de concreto, junto à parede, revestido por carpete. Junto das
paredes brancas, viam-se murais e divisórias de ambientes, com variados cartazes.
Na mesa de apoio, encontrava-se uma recepcionista, uma para cada andar. Em
ambos os andares, segundo e terceiro, estes ambientes eram similares.
Um dos ambientes situava-se, à direita, ao final do acesso pela rampa. Este fora
identificado como sala de espera 3, por uma placa que ficava suspensa do teto, por
fios. Neste espaço, de formato quadrangular, havia três bancos de concreto
revestidos por um carpete cinza escuro, junto das paredes. Viam-se revistas, sobre
os bancos, e cartazes, nas paredes. Percebia-se iluminação e ventilação natural,
através de janelas amplas, que se abriam para os fundos do ambulatório e permitiam
a vista de um morro, repleto de altos eucaliptos plantados.
Passando pelo amplo corredor e pelos sanitários, seguia-se um espaço, com
formatos irregulares e de difícil caracterização. Lembrava um corredor, porém,
encontrava-se adaptado para a espera de pacientes. Tinha um banco de concreto,
um bebedouro de água, revistas, cartazes e murais. Não tinha janelas e era
iluminado, exclusivamente, por luz artificial. Sem saber-se, como bem definir esse
ambiente, convencionou-se chamá-lo de corredor-sala de espera.
Ao final desse corredor-sala de espera, havia um espaço lúdico infantil, com
móveis para crianças, composto por pequenas e coloridas mesas e cadeiras. Em
67
uma parede, algumas estantes exibiam ursos de pelúcia e outros brinquedos. Neste
espaço, encontrava-se uma balança e um antropômetro, frequentemente, utilizado
pelos alunos e pelos professores, para verificações, de peso e altura, das crianças.
Após o corredor-sala de espera e o espaço lúdico, que ficavam, lado a lado, abriam-
se acessos para dois corredores paralelos, que davam acesso para várias salas de
consultórios. Estes corredores eram iluminados por luzes artificiais, pois não tinham
nenhum contato, com a parte externa do prédio. Ao final, destes dois corredores
paralelos, um corredor, transversal, fazia a ligação entre os mesmos.
Num extremo da edificação, ao final de um destes corredores de acesso aos
consultórios, localizava-se a porta de acesso à sala de orientação clínica (SOC). O
ambiente físico desta sala era relativamente grande, em forma de “L”, com tamanho
estimado de 30 m
2
. Possuía duas mesas redondas, cerca de 15 cadeiras, em torno
dessas duas mesas, um bebedouro de água e uma mesa de apoio. Nesta mesa,
frequentemente, havia uma garrafa térmica com café. Em um dos cantos, uma mesa
e um computador e, em outro, uma estante de livros com muitos papéis
desalinhados. Em uma parede, um mural verde com cartazes de eventos,
realizados. Em outra parede, um quadro branco para anotações, à caneta. Neste
espaço, havia sete janelas, pequenas e altas, voltadas para o sol nascente. Tinham
persianas, para regular a entrada da pouca luminosidade externa, disponível. As
paredes, brancas, exibiam cartazes sobre doenças. Dois sanitários, masculino e
feminino, ficavam anexos a esta sala.
Enquanto cenários do segundo piso, encontrou-se, também, alguns espaços
peculiares. Neste andar, os espaços das salas e dos ambientes de espera eram,
praticamente, idênticos aos descritos no primeiro piso. Apenas, pequenas
mudanças.
Em uma das salas de espera, identificada como sala de espera 6, o que mudava
era a decoração das paredes, a ausência de plantas e de revistas. Este espaço era
correspondente à sala de espera 3, do primeiro piso.
68
Também, no segundo andar, estava ausente o espaço equivalente ao espaço lúdico,
do primeiro andar. Neste andar, ele era ocupado por uma sala escura, que era
utilizada pela radiologia.
Nos corredores de acesso aos consultórios e à sala de orientação clínica, deste
segundo piso, estavam pendurados diversos pôsteres, com trabalhos de acadêmicos
e de docentes de medicina, de especialidades, presentes neste ambulatório.
Na sala de orientação clínica, deste andar, três mesas auxiliavam docentes e
acadêmicos de medicina, em atividades práticas.
No segundo piso, outro espaço de orientação clínica, era utilizado por uma das
especialidades que desempenhava atividades práticas, nessa unidade de saúde. A
pequena sala possuía limites angulares e uma janela com persianas, que dava vista
para os demais blocos da instituição. Também faziam parte desta sala, uma mesa e
cerca de seis cadeiras, que acomodavam os participantes desse ambulatório. Duas
pequenas janelas, no alto, comunicavam essa sala com outra maior. Uma das
paredes era ocupada por um armário guarda-volumes. Em alguns momentos de
observação, a outra sala, maior, ao lado, serviu como espaço de discussão e de
orientação clínica.
4.2 Contextos, peculiaridades e sistemática de divisão dos acadêmicos nos
ambulatórios observados
Em muitos momentos, o cenário das observações, a unidade de saúde, foi definida e
chamada como unidade “docente-assistencial”, por caracterizar um espaço de
atenção à saúde, de aprendizado em serviço. Neste espaço de cuidado em saúde,
os profissionais médicos eram também docentes, vinculados ao curso de medicina.
Inicialmente, selecionaram-se cinco ambulatórios, onde os alunos do curso de
medicina tinham atividades práticas, por algumas questões, a seguir descritas:
disciplinas diferentes, especialidades com sistemáticas organizacionais distintas,
69
grupos de acadêmicos em vários períodos do curso de graduação de medicina,
percepção diferenciada na importância da humanização, como um instrumento
essencial na formação do futuro profissional de saúde, médico.
Cada um desses cinco ambulatórios observados, possuía uma sistemática peculiar,
quanto à organização e divisão dos acadêmicos, em grupos e subgrupos de atuação
prática. Convencionou-se designá-los, daqui por diante, através de números,
conforme a ordem alfabética dos nomes das especialidades médicas observadas.
O chamado ambulatório 1, era de uma disciplina do curso de medicina que
funcionava, em diferentes horários, durante a semana. Um único docente
responsabilizava-se por cada subgrupo de acadêmicos, de dois períodos do curso,
em distintos dias da semana e horários de atendimento. O ambulatório observado
realizava-se, em um dia da semana, das 8:00 h às 10:00 h, com alunos que saíam,
após, para uma aula teórica, no hospital, fora dos muros da universidade.
No ambulatório 1, cada subgrupo, composto por cerca de cinco a seis acadêmicos,
passava, em um dia por semana, por esse serviço e fazia rodízio, com os demais
subgrupos do mesmo período, retornando nesse ambulatório, quatro semanas
depois.
A organização do ambulatório 1, pareceu ser um limitador às inter-relações, mais
próximas, por parte dos alunos para com os colegas, os docentes, os usuários e os
funcionários da unidade de saúde. Enfim, um limitador para as pessoas, como um
todo. Preocupados com o relógio, os alunos atendiam os pacientes, em menos de
quinze minutos, como se evidenciou, em algumas observações. Um momento, digno
de destaque, foi percebido, em certa observação, quando, às 09:30 h, os alunos
voltavam dos consultórios e um destes disse: “daqui a pouco, temos que ir; aula
de oftalmo, no Hospital!”.
No ambulatório 2, as atividades práticas desenvolviam-se, quinzenalmente, e
envolviam todos os alunos, deste período de medicina. Em média, totalizavam 38
alunos. Esse dado chamou a atenção, pelo número de alunos reunidos, em uma
única sala, para realizar a atividade prática.
70
Nas atividades práticas do ambulatório 2, haviam três professores responsáveis
pelas orientações clínicas. Em cada ambulatório, eram agendados três pacientes
para cada docente, num total de nove pacientes.
Nesse ambulatório 2, observaram-se diferenças, entre os estilos dos docentes. Um
dos professores, preferia que as falas sobre os pacientes fossem narradas para o
grupo todo, reunido em torno de uma das mesas, na sala de orientação clínica.
Outro docente ia, em cada consultório, ver o paciente, discutir as condutas
terapêuticas com os alunos e tomar as decisões clínicas, todas, diante do paciente.
O terceiro professor, também recebia os alunos na sala de orientação clínica, onde,
um ou dois alunos de cada grupo, relatavam a história do paciente para o professor.
Posteriormente, o mesmo ia, junto com os alunos, no íntimo do consultório, para
acompanhar a finalização da consulta médica.
No ambulatório 3, havia uma integração, ímpar, entre dois cursos do centro de
ciências da saúde, o curso de medicina e outro curso “X” da área da saúde. Os
grupos de rodízio deste ambulatório eram compostos, por cerca de cinco alunos de
medicina e alguns alunos estagiários desse outro curso da saúde.
A iniciativa da atividade interdisciplinar, no ambulatório 3, caracterizou-se como
uma rara oportunidade de interação. Esta atividade reunia o professor médico e
outro professor, profissional de saúde, em um mesmo espaço de discussão, uma
vez por semana. Cada professor, com seus corpos de conhecimento, bagagens e
experiências, enriqueciam as discussões das histórias dos pacientes, vivenciadas,
em uma pequena sala, no terceiro piso da unidade de saúde.
Nesse ambulatório 3, notou-se que não havia um padrão, pré-determinado, para as
supervisões, dentro dos consultórios. Ou seja, por vezes, o professor médico entrava
em consultório, e, por vezes, o outro professor da área da saúde ia, do mesmo
modo, intervir, pessoalmente, em algumas das consultas conduzidas pelos
acadêmicos. Os alunos do outro curso da saúde estavam vinculados a este estágio,
durante todo o semestre letivo. Os alunos de medicina faziam rodízios, periódicos,
neste ambulatório, cada um com a duração de um mês, durante um semestre letivo.
71
O ambulatório 4, era de uma outra especialidade médica e se realizava com alunos,
no final do ciclo profissionalizante do curso de medicina. Dois docentes,
especialistas médicos, dividiam a turma em dois grandes blocos, passíveis de
subdivisões, conforme a agenda de pacientes.
No ambulatório 4, os grupos de atividades práticas dividiam a turma, em dois
blocos, de acordo com as iniciais do nome de cada aluno. Numa data, o grupo da
primeira metade da lista de chamada comparecia, no primeiro horário, enquanto, o
grupo da metade da lista até o final do alfabeto, comparecia, no segundo horário. E
essa ordem alternava-se, a cada nova atividade prática, deste ambulatório.
Neste ambulatório 4, os docentes preferiam realizar a discussão das histórias
clínicas, com as queixas dos pacientes, e delinear as condutas terapêuticas, no
interior do consultório, onde se desenvolvia o atendimento médico.
O ambulatório 5, por sua vez, realizava-se com alunos que encontravam-se no
início do ciclo profissionalizante do curso de medicina, supervisionados por cinco
docentes. Cada docente era responsável por um subgrupo. Em um dia da semana,
pela manhã, o grande número de alunos, usuários e docentes, agitava o segundo
andar, da unidade de saúde.
No ambulatório 5, a dinâmica era diferenciada dos demais, por estarem todos os
alunos presentes, ao mesmo tempo. Esses eram subdivididos, em grupos, com
cerca de seis acadêmicos, sendo que cada um destes, encontrava-se sob a
orientação de um professor diferente.
4.3 Vestimentas e aparatos dos alunos
Como padrão, os acadêmicos de medicina utilizavam jalecos brancos, por cima das
roupas, do dia-a-dia. Alguns alunos tinham dizeres bordados, no bolso do guarda-
pó, onde se lia, além dos seus nomes, a inscrição “Curso de Medicina” e o logo da
72
instituição, que os identificavam, como acadêmicos do curso. A maioria dos alunos
usava um crachá de identificação, padronizado pela coordenação do curso, com o
primeiro nome em destaque, estando, abaixo desse, o nome completo e, em letras
menores, a inscrição “medicina”.
Os jalecos brancos eram usados pelos alunos de medicina, também, fora da unidade
de saúde. O uso do equipamento de proteção individual (EPI), sem uma norma
específica, remeteu a interrogar-se sobre as questões de “status”, conferido pelo
avental branco. No sentido de uma integral formação dos alunos do curso de
medicina, é fundamental a observância das normas de biosegurança, pois o uso de
equipamentos de proteção, nas atividades práticas, deve ser restrito, ao interior dos
serviços de saúde.
Ao longo da maioria das observações realizadas, o vestuário dos alunos de
medicina esteve adequado e asseado. Utilizavam jaleco branco, por cima de roupas
básicas, como calças jeans, camisetas e nis. Não se evidenciou o uso de
acessórios extravagantes, tais como brincos, colares e anéis, na maioria dos alunos.
Em linhas gerais, esta foi a mais freqüente das impressões.
No ambulatório 1, observou-se, em certa oportunidade, que o vestuário dos
acadêmicos presentes, quatro alunos e uma aluna, era simples, asseado e
adequado. A aluna usava uma bolsa, de grande tamanho, e seguiu usando-a,
durante todo o ambulatório. Poderia ter colocado a mesma, em um armário guarda-
volumes, existente no banheiro, do lado da sala de orientação clínica.
Na descrição dos sujeitos do ambulatório 3, registrou-se que os alunos vestiam-se,
de maneira simples, com trajes básicos. Dois dos alunos da medicina usavam
jalecos bem asseados. Outro deles, com o jaleco aberto, parecia menos cuidadoso.
Contudo, durante a realização do ambulatório, nada foi comentado. Neste mesmo
ambulatório, observou-se que os alunos do outro curso da saúde adotavam o uso de
jalecos de outra cor, o que, facilmente, os distinguia dos acadêmicos de outros
cursos da área da saúde.
73
Nos demais ambulatórios 2, 4 e 5, não observou-se nenhum outro detalhe, que
fosse relevante, com relação a vestimentas e outros adornos, chamativos, por parte
dos alunos de medicina.
A presença, constante e continuada, do estetoscópio, chamou a atenção dos
observadores. O aparelho serve, a princípio, para fazer a ausculta de aparelhos
orgânicos e suas funções, bem como, auxilia na aferição da pressão arterial das
pessoas. Como uma constante, a grande maioria dos acadêmicos observados,
“vestia” o estetoscópio, no pescoço, mesmo quando não estava realizando exame
físico, nas suas atividades práticas. Os alunos usavam-no, antes, durante e após as
consultas médicas, reiteradamente. Interrogou-se o porque deste instrumento ser
utilizado, desta maneira.
4.4 Categorias de análise
No presente estudo, a análise dos dados das observações e das entrevistas
evidenciou a necessidade de estabelecerem-se categorias de análise, para que os
dados encontrados pudessem ser, adequadamente, refletidos e analisados.
Portanto, cinco categorias foram criadas e estas são apresentadas, na sequência:
1. relação alunos com alunos;
2. relação alunos com professores;
3. relação alunos com usuários;
4. relação alunos com funcionários;
5. relação alunos com observadores.
Nas descrições, análises e discussões, de cada uma destas categorias, utilizaram-se
os dados captados, através das observações e através das entrevistas.
Em cada categoria, priorizou-se:
a descrição dos aspectos que estiveram mais presentes e freqüentes, os
aspectos que estiveram, eventualmente, presentes, os aspectos que, raramente,
estiveram presentes e os aspectos que apareceram de forma diferente;
74
a análise dos dados encontrados;
a discussão dos dados deste estudo com a literatura atual e o que apareceu
e ilustrou, através das falas dos alunos entrevistados, as inter-relações, nas
categorias contempladas.
Os sujeitos dessa pesquisa foram os alunos do curso de medicina, inseridos num
serviço de saúde, onde os mesmos realizavam as suas atividades práticas
curriculares e exercitavam as inter-relações pessoais, com distintos grupamentos de
pessoas. Considerou-se importante, focalizar e evidenciar tais grupamentos de
categorias, por as mesmas evidenciarem, de distintas formas, os possibilitadores de
favorecimento ao cuidado na questão saúde, modalizados por aspectos éticos,
integrais e humanos.
Os grupos de sujeitos encontrados, no decurso da recolha de dados para essa
pesquisa, foram elencados da seguinte forma:
alunos do curso de medicina;
alunos de um curso da área da saúde;
professores do curso de medicina;
professor de um outro curso da área da saúde;
funcionários do serviço de saúde;
usuários do serviço de saúde;
observadores da pesquisa.
Com base nestes grupos de sujeitos, agruparam-se os similares e chegou-se aos
cinco grandes grupos, que nomearam as categorias de inter-relações, a serem
detalhadas, na continuidade desse estudo, a saber:
alunos;
professores;
usuários-pacientes;
funcionários;
observadores.
Em seguimento, caracterizaram-se cada categoria, através de duas percepções
encontradas (dois observadores), na maioria das vezes: interações de proximidade e
interações com interferências interpessoais. Em alguns momentos, evidenciaram-se
75
interações que o se enquadraram, nem como de proximidade e nem como de
interferência, consideradas, portanto, neutras, e que não foram utilizadas nessa
pesquisa.
Nas descrições das inter-relações entre estes sujeitos, buscou-se encontrar com que
frequência, intensidade e relevância estas interações pessoais aconteciam, em cada
uma das cinco categorias encontradas. Um dado importante identificado pela
observadora, com relação aos dados encontrados nos resultados, é que a partir da
sétima entrevista realizada por esta, os relatos dos alunos iniciaram a repetir-se,
como uma constante.
4.4.1 Relação alunos com alunos
Nesta categoria, que focou as inter-relações entre os alunos, observou-se de que
maneira aconteciam as proximidades entre os alunos do curso de medicina, bem
como a proximidade destes alunos com colegas de outros cursos da saúde. Dentre
as interações e os diálogos entre acadêmicos, captadas nos ambientes coletivos da
unidade docente-assistencial, evidenciaram-se situações de proximidade e situações
com interferências.
4.4.1.1 Interações de proximidade de alunos com alunos
Percebeu-se, através da seguinte fala, o quanto é importante receber-se os alunos,
a cada novo ingresso de turma, em cada novo semestre:
”No início do curso, a gente fez um tour. Naquele dia a gente tava bem
perdido. A gente teve um momento, dois professores sentaram conosco,
para conversar com a gente sobre o curso. Deu uma sensação de estar
chegando, de estar começando. Existiu um encontro, eles contaram a
história deles. Foi muito importante! Foi muito bom! Eu me senti bem. A
gente se sentiu bem... Fui acolhida! Eles falaram como os alunos estavam
se preparando, como a faculdade estava preparando, do que a gente estava
76
escolhendo, da formação... E, [risos...], sei que tinha muitos biscoitos!” (Flor-
de-lotus, 2008).
Cenas com interações positivas entre os acadêmicos, nos espaços coletivos, foram,
relativamente freqüentes. Em uma delas, no ambulatório 2, uma acadêmica de
medicina, ao sair da sala de orientação clínica e dirigir-se para o consultório onde
estava, parou, voltou e disse para os seis alunos que estavam no corredor, naquele
momento: “vou fechar essa porta, aqui, porque está muito barulho lá dentro, e
imagina, o paciente ouvindo tudo o que se comenta dentro... vou encostar isso”.
Ela fechou a porta da sala, entrou em seu consultório e encostou a porta. Neste
momento, identificou-se, por parte desta aluna, uma demonstração de respeito e
cuidado com o outro, no caso, o paciente.
“De certeza: eu quero ser médico. Cuidar das pessoas! Eu quero conversar
com as pessoas. Hoje eu penso e é isso que eu quero fazer! Hoje eu sei
que eu fui feliz na escolha!” (Boca-de-leão, 2008).
“Eu acho que era o que eu gostaria de fazer. Eu acho que era o que eu
queria ser: um médico de família. Ajudar a organizar o espaço da
comunidade, ter um perfil de administração. Agir em função da saúde” (Flor-
de-lotus, 2008).
Numa cena, vivenciada na sala de orientação, no ambulatório 2, um grupo de cinco
alunas analisava um prontuário. Um colega abordou-as e perguntou se este era o
prontuário de certa paciente, reconhecida por este, no ambiente de espera. Elas
responderam que sim, após conferir o nome, na folha de identificação. O acadêmico
propôs a troca dos prontuários, pois seu grupo conhecia a paciente e ela fazia
retorno, nesta data. As alunas concordaram, sem esboçar reações, nem de
contentamento e nem de insatisfação. Tornou-se difícil identificar qual o grau de
compreensão sobre comprometimento e vínculo com pacientes, por parte destas
alunas, diante da falta de qualquer expressão, por parte das mesmas, frente à
iniciativa do colega. Em contrapartida, percebeu-se a atitude positiva do acadêmico,
que colocou, em prática, as premissas propostas pela humanização.
Em certa oportunidade, no ambulatório 3, após o relato da história da paciente,
houve uma interação positiva entre acadêmicos de medicina e de outro curso
da saúde. Nesta vivência, a aluna deste curso falou que o acadêmico de medicina
“atendeu super bem a paciente”. O acadêmico agradeceu o comentário. Então, esta
77
aluna dirigiu-se ao professor de medicina, dizendo que o aluno “era bem legal,
vasculhava, interagia legal com os pacientes; vai virar psicanalista!”. Comentário, ao
qual, este aluno respondeu que não, entre risos.
Em outra oportunidade, neste mesmo ambulatório, o aluno da medicina disse para a
estudante do outro curso: “Relata o caso, tu conheces a paciente, bem mais
tempo”. Na narrativa, chamaram à atenção a desenvoltura dos dois alunos, expondo,
juntos, os relatos. A abertura e a atitude do aluno da medicina, a afinidade e a
excelente discussão elaborada pela dupla, não despertou comentários por parte dos
docentes. Sentiu-se falta do reforço positivo, por parte dos docentes, para fortalecer
a vivência da interdisciplinaridade, do trabalho em equipe e do estabelecimento
de vínculos entre alunos, usuários e docentes, neste serviço de saúde.
Em outro momento, percebeu-se a importância de ser estabelecida uma efetiva
aproximação entre os cursos da saúde, quando o aluno de medicina contou, na
sala de orientação clínica, que encontrou a paciente, sentada no corredor, chamou-
a, alto, e esta não o atendeu. A aluna do outro curso interpelou o colega da
medicina: “Posso te dizer uma coisa? O que essa paciente precisa é contato visual,
e não auditivo”. A intervenção, no momento em que o aluno de medicina contava o
que havia feito, lembrou-o que há outras formas de contato, além da verbal. Foi um
exemplo de interação positiva, de construção e aprendizado, entre colegas de
cursos afins, dentro da saúde.
Neste mesmo ambulatório 3, em outra oportunidade, notou-se iniciativas cordiais
e efusivas dos acadêmicos do outro curso da saúde, ao despedirem-se de todos
os presentes, ao final das atividades, tornando todo o ambiente mais acolhedor.
Um comentário de uma acadêmica de medicina, direcionado às acadêmicas do outro
curso da saúde, no ambulatório 3, foi interpretado como sinônimo de interação
positiva entre os acadêmicos e indicador da importância de uma articulação
integrada, entre os vários cursos da área da saúde. A aluna comentou: “Gostei
dessa interação. Dá para ver os dois lados da moeda…”.
Segundo colocou uma aluna numa fala:
78
“Não tem alguma coisa que faça a gente se aproximar. O acaso assim, é
que faz os alunos se encontrarem. Tem a questão dos casos clínicos do 5º,
6º, e períodos. Isso acaba tendo uma troca, um assunto, um motivo
para você conversar com a outra pessoa. Isso poderia acontecer, também
nas aulas práticas. Não sei se seria possível juntar alguns períodos. Poderia
ter uma organização para os acadêmicos terem mais encontros. Por alguma
coisa as pessoas acabam se aproximando. Mas não porque a faculdade te
proporcione isto, sabe?” (Flor-de-lotus, 2008).
E apareceu mais uma fala, das interações entre os cursos:
Uma idéia é, talvez, trabalhando mais junto. Acho que agora, com a
questão dos postos, acho que uma hora ou outra um vai ter que se
aproximar. Acho que isso vai facilitar bastante, se também os outros cursos
se organizarem. Você percebe que depois que as pessoas já atuaram junto,
depois é diferente” (Rosa, 2008).
4.4.1.2 Interações com interferência de alunos com alunos
As cenas observadas, no outro extremo das inter-relações, distanciadas dos ideais
de respeito, acolhimento, vínculo e humanização, foram freqüentes, conseguindo
superar as interações de proximidade entre os alunos.
No ambulatório 1, quatro cenas chamaram a atenção. Os acadêmicos de medicina
chegavam ao espaço de discussão de casos clínicos e, rapidamente, dividiam e
revisavam os prontuários que traziam em mãos. Após sairem para atender os
pacientes, de maneira igualmente veloz, retornavam com o objetivo de terminar,
logo, as atividades, como expressou a citação de uma aluna, dirigida aos seus
colegas: “Tá na hora de zarpar! na hora de dar tchau!”. Percebeu-se, nesta fala e
nesta atitude, deficiência de vínculos e compromissos com o serviço, com os
pacientes e com os docentes, neste momento de aprendizado.
Em uma das cenas vivenciadas, no ambulatório 3, a aluna de um outro curso da
saúde dirigiu-se ao aluno de medicina, pediu vistas ao prontuário e, pouco depois,
convocou o aluno de medicina para irem, logo, atender a paciente, pois “quanto mais
cedo a gente começar, mais cedo a gente termina e, assim, podemos ir embora mais
cedo”. O aluno de medicina nada falou. Levantou, contornou a mesa e encontrou-
79
se, na porta, com a colega do outro curso e ambos saíram, pela porta, para atender
o paciente. No relato, depreendeu-se a falta de nculos e compromissos com o
serviço de saúde, com os docentes e com os pacientes.
Em outra situação, testemunhou-se, no ambulatório 2, uma acadêmica que
percebeu que outra colega estava com um prontuário de uma senhora, que seu
grupo tinha atendido, em duas oportunidades passadas. Então, a primeira dirigiu-
se a colega e perguntou, educadamente, se ela gostaria de trocar de prontuário e de
paciente, porque seu grupo poderia atender, novamente, a paciente que já conhecia.
A segunda aluna olhou para a colega e respondeu, com tom de desdém: “ah, agora
era...”, ao que a colega, em tom de perplexidade, respondeu: “ah, mas eu tinha
atendido esta paciente, queria acompanhar...”. Contudo, a primeira aluna nem
deixou a colega terminar a frase, dizendo: “mas agora era, o vou ficar sem
paciente, não vou trocar”, virou as costas e foi-se embora, chamando seu grupo para
segui-la, indo em direção aos consultórios.
A aluna, que não teve sua solicitação atendida, expressou sua indignação, ao falar
para os colegas e para o aluno observador: “olha , que absurdo, ela não quis
trocar”. “Puxa vida, a gente conhecia a paciente”, “é muito melhor e mais fácil
assim”, “não custava trocar...”. Então, esta aluna e seu grupo ficaram, por ali, à
espera de outro prontuário de paciente. Logo, pegou outro, de outra paciente, que
jamais tinha visto antes. A acadêmica disse, para suas quatro colegas, em tom de
desânimo: “tá, então vamos, né...”, e o grupo vai à busca de um consultório.
Em certos ambulatórios, momentos de inter-relações tensas, entre colegas,
desencadearam-se, na sala de orientação clínica, enquanto os alunos esperavam a
chegada dos docentes, para discutir os casos clínicos das atividades práticas.
Para exemplificar, no ambulatório 2, um acadêmico perguntou para o colega, no
corredor de ligação que chegava à porta da sala de orientação clínica, se ele
também esperava pelo professor. Diante da resposta positiva, o primeiro afirmou, em
tom ríspido, “eu estava esperando pelo professor, eu cheguei antes, e vocês vão
ter que esperar...”. O segundo acadêmico respondeu: “sim, tudo bem”. Ambos
encostaram-se, à parede do corredor, próximo à porta dessa sala.
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Em outro momento, observaram-se ações corporais ofensivas, evidenciadas no
ambulatório 1, quando dois alunos, ao se aproximarem, tapearam-se, sonoramente.
Um atingiu o outro nas costas e este retornou este gesto, atingindo o primeiro na
perna. Diante de atitudes corporais agressivas e desrespeitosas, interroga-se como
irão respeitar o outro, o paciente, se não aprenderam a respeitarem-se entre si?
No ambulatório 4, ouviram-se vozes, alteradas, vindo do corredor dos consultórios,
próximo ao corredor-sala de espera dos pacientes. Ali, um grupo de sete alunos
discutia, fervorosamente, quem conduziria o atendimento clínico do paciente. As
vozes eram audíveis no ambiente de espera dos pacientes. Em tom agressivo, uma
acadêmica afirmou: “tem que ser um aluno homem, dessa vez, quem vai anotar as
coisas”. E o aluno respondeu, dizendo: “não, eu fiz da última vez”. Ao que a aluna,
retrucou: “ah, sim, da última vez, do mês passado...”. Outra aluna de medicina
interviu, reforçando que um aluno homem deveria fazer, dessa vez, e tentou
empurrar a tarefa para outro colega. Contudo, a primeira aluna insistiu que o
segundo aluno atendesse o paciente. Por fim, este aluno aceitou atender, pegou o
prontuário do paciente e todos entraram, no primeiro consultório do corredor.
Literalmente, gritante a falta de respeito, entre colegas, neste ambulatório, perante
os usuários, docentes, funcionários e pelo serviço. Percebeu-se a vontade de eximir-
se de qualquer responsabilidade. Ninguém queria conduzir a consulta, ninguém
pensou no usuário, nem na importância de bem atender um paciente. Na contramão
das ações e atitudes humanizadas, percebeu-se, nestas inter-relações, a dificuldade
com a falta de compreensão sobre o cuidado e a inadequada percepção da
continuidade e da responsabilização no acompanhamento dos pacientes.
“Acho que 70% dos alunos da nossa faculdade saem da sala de aula e
escondem a matéria. Tem gente que faz isso. Tira a matéria ou passa coisa
errada. Eu não entendo isso, isso desanima... Mas tem também gente boa,
educada. Em várias salas, onde eu fiz matérias, vejo um falar mal do
outro...” (Girasol, 2008).
Também apareceram, com destaque negativo, interferências de comunicação
entre colegas de turma. Um aluno compareceu à unidade de saúde, de manhã cedo,
para realizar a atividade prática no ambulatório 1 e foi informado, tardiamente, que
81
neste horário, em outro local, teria uma aula teórica. Pensou-se como aconteciam as
interações e trocas de informações entre os colegas, pois deixaram de lembrar aos
pares que haveria uma atividade diferente, naquela data e horário, em outro local.
No ambulatório 3, várias cenas tiveram conotações negativas. Em alguns
momentos, na sala de orientação clínica, alunos de medicina e do outro curso da
saúde, pareceram bastante alheios aos relatos dos colegas e às discussões clínicas
e terapêuticas com os docentes. Relatos inadequados, pouco expressivos,
distanciados, com ausência de colegas, pelos mais variados motivos liberação de
pacientes nos consultórios, atendimento de celulares e outros mais, empobreciam as
discussões de histórias de pacientes.
Uma das hipóteses, para a dificuldade de motivação e mobilização entre os
alunos, neste ambulatório, seria o frágil acolhimento recebido por estes acadêmicos,
ao início do estágio. Outra hipótese seria a falta de preocupação com devolutivas e
de comprometimento com o seguimento dos pacientes. Sentiu-se ausência de um
chamamento ativo, para combater a passividade das ações e atitudes,
demonstradas nos relatos de casos clínicos, de um bom número de acadêmicos.
Ao redor da mesa de orientação clínica, do ambulatório 3, inquietou-nos a
existência de grupos isolados de alunos. De um lado, acadêmicos de medicina e,
de outro lado, acadêmicos de outro curso da saúde, mediados pelos docentes e,
diante destes, os observadores. Por vezes, percebeu-se que os acadêmicos deste
outro curso, estagiários deste ambulatório, sentiam-se pouco à vontade para intervir,
discutir e conduzir as condutas clínicas sobre os pacientes. Nas observações, não
se registraram momentos de apresentações entre os alunos e os docentes, destes
dois distintos cursos, boas vindas ao serviço ou orientações sobre a dinâmica do
ambulatório, o que poderia representar um facilitador, nestas inter-relações.
No ambulatório 5, apareceu, também, a dificuldade de aproximação dos alunos das
pessoas que circulam no ambulatório, no seu dia-a-dia. Percebeu-se o isolamento
do grupo de alunos da medicina, antes de começar o atendimento clínico aos
pacientes, ao estarem, todos, reunidos num canto da sala de espera deste andar.
Depreendeu-se que estes acadêmicos interagiam, principalmente, entre eles.
82
Durante o início, o desenvolvimento e a finalização do acompanhamento dos
acadêmicos de medicina, por este estágio, não ficou clara a justificativa, os
objetivos, a sistemática do ambulatório, com a parceria entre os dois cursos da
área da saúde. No mesmo sentido, no fechamento do semestre letivo, não houve um
momento de avaliação e reflexão, sobre as atividades e experiências vivenciadas,
neste ambulatório, durante o estágio, entre todos, alunos e professores.
Em outra data, acadêmicos de mais um distinto curso encontravam-se, no terceiro
piso desta unidade de saúde, e não se observou interação entre estes e os alunos
de medicina. Não era comum verem-se acadêmicos deste outro curso nas
dependências deste ambulatório, tampouco, vê-los interagir, proximamente, com os
acadêmicos de medicina.
Por outro lado, faltas, afastamentos, distanciamentos e atrasos dos acadêmicos
de medicina, estiveram, eventualmente, presentes no ambulatório 3 e
transpareceram falta de vínculo e responsabilização, perante os professores,
colegas e pacientes-usuários do serviço. Em certa ocasião, um aluno da medicina
chegou atrasado, quinze minutos. Ele nada comentou e ninguém falou nada. Nesta
mesma data, duas alunas da medicina faltaram e nenhuma justificativa chegou, para
os docentes presentes, na sala de orientação clínica. Neste mesmo ambulatório, em
outro dia de observação, sem maiores explicações, outro aluno de medicina evadiu-
se e não retornou à sala de orientação. Outro aluno, após largo tempo fora da sala
de discussões, voltou, com um copo de café na mão, deixando a porta aberta,
enquanto os alunos e os professores discutiam sobre a história de um paciente. No
corredor, podiam-se ouvir as conversas travadas, dentro desta sala.
No ambulatório 5, também vivenciaram-se cenas semelhantes. O aluno usava um
jaleco branco, no qual estavam bordados os dizeres “Curso de Medicina”, mas não
usava um crachá com seu nome visível. Em várias oportunidades, circulou pelos
corredores, perambulando, absorto e ensimesmado, com um semblante fechado,
totalmente alheio a tudo e a todos. Não olhou para os lados, em nenhuma das seis
vezes que passou, diante dos observadores e dos usuários. Em nenhum momento,
alguém o interpelou, fez algum chamamento ou percebeu seus movimentos.
83
Houve alunos que se manifestaram tão discretamente, nos momentos de discussão
e de orientação clínica, que suas ausências ou fugas”, sequer eram percebidas
pelos docentes. Uma das hipóteses seria o discreto chamamento, para conscientizar
os alunos sobre o funcionamento dos ambulatórios, da importância do seu papel e
das suas responsabilidades, enquanto acadêmicos, para com os usuários.
Como exemplificou uma fala, os alunos do curso de medicina exercem, de maneira
ainda incipiente, a proximidade com outros alunos de cursos da área da saúde,
formal e informalmente:
“Com relação aos outros acadêmicos dos outros cursos, um preconceito
muito grande com relação ao estudante de medicina. Eles acham que a
gente se acha! Acaba que, às vezes, você vai perguntar alguma coisa, e
eles... Sempre parece que eles estão com uma barreira. Depois de um
tempo, você consegue provar para eles que você é uma pessoa normal. Tipo,
não tem uma diferença... Eu acho que a gente enfrenta isso um pouco”
(Orquídea, 2008).
A fala de uma aluna do curso de medicina, a seguir, direcionou para uma melhor
compreensão desta temática - aproximação e vinculação entre os cursos da
saúde:
“Acho que não é só impressão... Uma vez fui convidar o pessoal da fisio
para uma festa. Daí o cara falou assim: “ah, agora vem querer ser amigo,
mas com relação ao ato médico não!”(Margarida, 2008).
4.4.2 Relação alunos com professores
Nesta categoria, que focou as inter-relações entre os alunos e os docentes do curso
de medicina, observou-se de que maneira aconteciam as proximidades, os
distanciamentos, os facilitadores e os dificultadores nas relações interpessoais,
dentro dos processos de ensino-aprendizagem, em uma unidade docente-
assistencial, em um curso da área da saúde. Foi relevante caracterizar as dinâmicas
vigentes, no contexto dos cinco ambulatórios observados, nas saídas de campo.
84
4.4.2.1 Interações de proximidade entre alunos e professores
Nas saídas de campo, ao fim das observações, as interações entre docentes e
discentes deste curso de medicina foram as que renderam o maior volume de
informações, dentre os registros captados. Em todos os ambulatórios, existiram
inter-relações positivas. Estas precisam ser valorizadas como uma das mais efetivas
maneiras de transmitirem-se valores humanísticos, na formação médica, através da
vivência destes, nos cenários de prática.
“Acho que a humanização é muito mais uma questão de personalidade do
que uma questão de educação médica. Talvez você esperasse daquela
pessoa que ela fosse se preocupar e daquela outra que não fosse se
preocupar. Independente do que ela vai ser, deve fazer parte da
competência médica” (Flor-de-lotus, 2008).
“Eu acho bem bom o curso de medicina daqui. Acho que tem uma estrutura
boa, tem o hospital, tem o ambulatório. E eu acho que, acima de tudo, o
médico deve ter competência profissional” (Jasmim, 2008).
“Mas, estou pensando assim... Antes de tudo, a gente tem que ter uma
paixão... Tem que ter carinho, tem que ter amor! Tu vai mexer com o ser
humano... Então tem que ser diferente... Senão, não vai funcionar(Girasol,
2008).
A autorização à permanência dos pesquisadores foi, raramente, questionada, nos
cinco ambulatórios observados. No ambulatório 5, um dos docentes questionou o
presente estudo, demonstrou conhecimento sobre pesquisa qualitativa e falou da
dificuldade na coleta e análise dos dados. Nos demais ambulatórios observados, os
professores não colocaram empecilhos à presença dos observadores, não
questionaram a natureza da pesquisa e colocaram-se à disposição.
Durante o ambulatório 1, percebeu-se um exemplo de despojamento, por parte do
docente desta disciplina. Antes de iniciar suas atividades, com os alunos, este retirou
os adornos chamativos que usava, guardou e chaveou seus pertences, em um
armário, na sala adjacente à sala de orientação de casos clínicos.
No ambulatório 2, um dos docentes dirigiu-se ao acadêmico de medicina, que
encontrava-se sentado ao computador. Solicitou que este entrasse na internet e
buscasse por um guia atualizado de antimicrobianos, que o docente, recentemente,
obtivera, por via eletrônica. O professor recomendou ao aluno que compartilhasse a
85
informação com os colegas, através do e-mail de turma. E foi isto que este
acadêmico fez, embora esta atitude de solidariedade, não seja muito comum de
ocorrer, entre colegas e alunos do curso de medicina.
“A maioria dos professores acaba devolvendo uns questionamentos na
gente, por ter um contato mais direto com a gente. Alguns nem dão abertura
e a gente não faz, nem questão de reivindicar” (Jasmim, 2008).
“A maioria dos professores daqui é bem legal! Tem professores que a gente
vê que vem aqui por obrigação. Em quase nenhuma matéria, os professores
dão chance de a gente dialogar. Dizem: se quer assim, quer; se não quer
assim, não quer... Muitas vezes, aqui, a gente é esquecida de dar a nossa
opinião.” (Girasol, 2008).
Quanto à qualidade dos relatos de histórias clínicas e responsabilidade do
registro escrito nos prontuários, exames e receituários de pacientes, algumas
vivências foram registradas, nas salas de orientação clínica, onde aconteciam as
discussões de histórias de pacientes.
O docente do ambulatório 3 refletiu sobre a elaboração e individualização de
documentos de pacientes, tais como atestados médicos. Comentou sobre modelos
pré-fabricados de atestados, que achava, extremamente, errado. “Nosso atestado,
aqui do ambulatório, é uma mera sugestão. Vocês vejam a pobreza desse
atestado. Eu, sempre, escrevo, à mão, todos os meus atestados e eu aconselho
vocês a fazerem assim. E um é diferente do outro”. Prosseguindo a orientação sobre
atestado, o docente falou: “o atestado nunca deve ser ‘para os devidos fins’, porque
a paciente, então, pode usá-lo para os mais diversos fins; às vezes, fins que s
nem imaginamos”.
Seguindo esta linha de pensamento, o mesmo docente criticou os modelos de
registro de prontuário e de outros documentos do serviço de saúde. Exemplificou,
dizendo que não havia espaço nos encaminhamentos, para as assinaturas dos dois
docentes, o médico e o outro profissional de saúde. No modelo que estava sendo
usado, havia prioridade para a assinatura do médico.
Novo relato positivo obteve-se, no ambulatório 3, quando o professor orienta
detalhamentos sobre a coleta e o relato de anamnese, que é a história do paciente,
no registro de prontuário: “Usem as palavras do paciente! Se você coloca, nas
86
palavras de doutor, está afirmando coisas que ainda não se tem certeza”. Em outro
momento, pontuou: “O mais importante é o que o paciente causa na gente! Isso
remete a como a gente vai agir com o paciente. Aí, se pode conversar, de
inconsciente para inconsciente. Daí, tem efeito simbólico!”. Evidenciou-se nessa
colocação por parte do professor, um resgate à versão antropológica da saúde.
No ambulatório 1, estavam presentes o docente, duas alunas de medicina e o
aluno de medicina, observador deste estudo. Inicialmente, as duas alunas relataram,
de forma sucinta, as histórias clínicas que vivenciaram no consultório. Na sequência,
ouviram, atentamente, o relato do aluno observador, interagindo e construindo
condutas terapêuticas para o paciente. Conjuntamente, o docente reforçou
recomendações para registrar-se, de maneira adequada, as informações nos
prontuários e nas requisições de exames de alta complexidade.
Em uma das falas do professor do ambulatório 3, apareceu: “A conduta tem que ser
individualizada; são muitas variáveis, o que come, a combinação de alimentos...”.
Percebeu-se nesta orientação, um apontamento, no sentido da visão integral e
holística, que se deseja para todos os pacientes, em todos os serviços de saúde,
especializados ou generalistas.
Três momentos de reforços positivos foram identificados, em uma observação do
ambulatório 3. Num deles, um dos professores considerou importante ir ver o
paciente, no consultório, e saiu com a dupla de acadêmicos. Em outro momento,
após discussão da história clínica do paciente, na sala de orientação clínica o
acadêmico de medicina questionou: “O que nós vamos dar de medicação?”. Ao que
o docente, respondeu: “Não sei. Vamos juntos, lá, ver o paciente”. E saem, professor
e alunos, em direção ao consultório. No terceiro momento, o professor médico pediu
uma reflexão para as duas alunas que fizeram atendimento, perguntando-as, em
que parte tiveram dificuldades com a consulta médica deste paciente.
“Seria interessante sugerir para os professores, tanto na questão de vínculo,
como na questão de cuidado para o paciente... Ser diferente... De uma
forma, que todos participem nisso. Talvez haja outra maneira de você ser
formado. Fica melhor para o paciente. para tentar mudar...” (Amor-
perfeito, 2008).
87
Algumas percepções fizeram transparecer a importância do sentido da ética em
saúde. Em certa tarde, no ambulatório 3, o professor demonstrou o cuidado de
fazer as discussões de casos clínicos, à portas fechadas, em uma sala de
ambulatório que estava desocupada. Possivelmente, era também impelido pelo
importante barulho de fundo, oriundo das conversas paralelas que aconteciam, na
sala de orientação clínica. Ao final da tarde, o mesmo professor recolheu os
prontuários e os receituários de controle especial, depositando-os em uma gaveta.
Em outra cena, deste mesmo ambulatório, o professor fechou a porta da sala de
orientação clínica, que dois alunos tinham deixado aberta, ao sair.
Durante uma observação, do ambulatório 2, havia um fluxo intenso de alunos e
professores, ruidosamente, dispersos no espaço de discussão de histórias clínicas.
Um dos professores ouvia o relato sobre a história de uma paciente. Diante do
excesso de ruído e da falta de cadeiras, o docente convidou os três alunos a
dirigirem-se a algum consultório vazio, para, com maior tranquilidade e conforto,
discutirem a história desta paciente.
Nestas observações, a vivência sobre a importância da ética com o outro, poderia
ter um aprendizado maior, se os docentes tivessem levado estas situações para uma
análise reflexiva, junto com os alunos. Considerou-se, fundamental, sentir,
compreender e agir com ética, ao abordar a história de vida do outro.
A primeira consulta de um paciente, no ambulatório 3, trouxe à discussão o
“acolher bem”, na relação médico-paciente. Veio à tona, nessa discussão, a
compreensão do processo saúde-doença, enquanto abertura e proximidade, para as
demandas apresentadas pelo paciente. Esta percepção foi compartilhada pelo
docente deste ambulatório, que comentou: “Os pacientes ficam muito perdidos.
Então, o dico deve abrir a porta, recebê-lo, encaminhá-lo para a cadeira e, no
final, abrir a porta para o mesmo. Ninguém me ensinou isso, mas é o que eu faço, no
meu dia-a-dia”. Este comentário do docente foi fundamental para o fortalecimento de
ações mais próximas e acolhedoras, na relação paciente-médico.
“Eu acho uma profissão super bonita. Tem um respeito legal que tu
conquista, junto das pessoas. Eu acho legal que dentro da medicina tu
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ganhas status, não digo assim, social... eu digo que cria uma relação...
(Girasol, 2008).
“Quando as pessoas estão doentes, tu te sentes mais fragilizado. E o
médico é uma pessoa que te dá segurança” (Amor-perfeito, 2008).
Outro exemplo de atitude de acolhimento, pôde ser vivenciada quando um
docente, do ambulatório 5, conduziu uma criança para o “espaço lúdico”, no
segundo piso da unidade de saúde. Chamou dois alunos de medicina, calibrou a
balança e mostrou para um dos seus alunos. Com muita paciência e proximidade,
abaixou-se, para ficar no mesmo nível visual da criança, retirou os calçados dela,
pesou-a e mediu-a. Interagiu, de maneira muito próxima e cordial, o tempo todo.
Chamou a atenção, a atitude do docente do ambulatório 3, frente a falta de uma
das pacientes, à consulta agendada. O professor solicitou que o acadêmico de
medicina procurasse saber o que aconteceu, por que ela não veio. Ela fora atendida
neste ambulatório, na semana anterior, e havia a percepção de risco de suicídio. O
aluno foi ao andar térreo, para buscar informações com a Equipe de Saúde da
Família responsável pela área onde morava a paciente. Percebeu-se uma rara
oportunidade de envolvimento e articulação, entre os níveis de atenção, que
poderiam ser a tônica entre os profissionais de saúde, para todos tornarem-se mais
próximos de seus pacientes. Nesta descrição, apareceram conceitos de
territorialização, vínculo e integralidade, colocados em prática.
“O que tem de mais positivo é o aprendizado. Acho bem legal uma aula
prática. Acho muito melhor uma aula prática do que uma aula teórica. É
muito mais proveitoso. Eu aprendi muito mais nas aulas práticas do que nas
outras...” (Lírio, 2008).
Em outro momento, apareceu uma fala, com relação à preocupação com o
paciente, proferida pelo professor do ambulatório 1, quando comentou sobre a
relação custo-benefício e acesso a determinadas terapêuticas, junto ao Sistema
Único de Saúde (SUS). O professor explicava sobre duas opções terapêuticas, para
certa patologia, de sua especialidade. A terapêutica medicamentosa,
consideravelmente mais barata e menos invasiva, demorava mais de dois anos para
ser obtida, enquanto a opção cirúrgica, mais onerosa e de maior morbidade, era
muito mais fácil de ser conseguida. E comentou: “... são os paradoxos do nosso
Brasil...”. Não se aprofundou essa questão, para uma reflexão conjunta.
89
Como se vê destacado pelas colocações de alguns alunos:
“A maioria dos alunos, desacreditava no SUS. Para mim, o SUS sempre
resolveu os meus problemas. Tô aqui fortinha, saudável... Dá conta do
recado. Mas meus colegas, como a grande maioria sempre iam para o
particular, eles não conheciam a realidade do SUS”. E quando começaram a
ter que ir para os postos de saúde, tiveram um impacto muito grande! Tive
muitos relatos assim: “Bah, mas funciona mesmo! Eles achavam que não
funcionava. Isso já era uma mudança” (Flor-de-lotus, 2008).
“Antes, eles relacionavam a uma coisa ruim. Acho que isso mudou
bastante. A gente viu que era uma coisa boa. Acho que foi o primeiro passo
para começar a sensibilizar com relação à humanização ou humanismo.
Acho que começa a ver que isso é uma realidade, que não tem como fugir
dela. “Tem que se adequar, vamos dizer assim” (Flor-de-Lotus, 2008).
Também, em outro momento, no ambulatório 3, diante de um relato de caso, uma
paciente com risco de suicídio, o professor demonstrou preocupação com a
paciente e solicitou que se abrisse uma exceção, na agenda da unidade de saúde,
pois queria que ela fosse reavaliada, dentro de cinco dias.
As vivências práticas, no ambulatório 3, foram registradas, em nove oportunidades,
e trouxeram, à tona, várias questões positivas, pertinentes ao processo de
aprendizado dos acadêmicos. Na segunda observação, os relatos das histórias eram
mais vívidos que os observados na semana anterior, com outro grupo de alunos.
Houve uma melhor caracterização dos pacientes e de vivências pessoais e
familiares. Também se perceberam descrições de terapêuticas, não exclusivamente
centradas na medicalização, mas com ênfase maior em orientações gerais e
encaminhamentos, para outras áreas da saúde.
Em outra observação, no ambulatório 1, uma atitude de responsabilidade efetiva,
por parte do docente desta prática para com os alunos, foi demonstrada quando este
chegou e logo perguntou, onde os alunos estavam.
Em outra observação deste ambulatório, o docente chegou atrasado e tomou as
condutas, individualmente, nas primeiras discussões de casos clínicos de pacientes.
À medida que o tempo foi passando, o docente acalmou-se e conduziu, de forma
tranqüila, as condutas clínicas dos pacientes. O docente interrogou os acadêmicos,
um maior número de vezes, e passou a usar, de maneira continuada, os tempos
90
verbais na primeira pessoa do plural: o “nós”. Para exemplificar: “Então
concordamos! A gente não vai fazer assim... Vamos agir assim?”. Após, o docente e
quatro alunos saíram da sala, dizendo: “Vamos, então, liberar os pacientes?”. Ficou-
se com a percepção de conduta construída e compartilhada entre docentes e
acadêmicos, democraticamente.
Em algumas oportunidades, nas observações do ambulatório 3, as intervenções
dos acadêmicos foram positivas, pela pertinência e firmeza das colocações, que
trouxeram riqueza e dinamismo às discussões, em consonância com o objetivo da
abordagem interdisciplinar e da atenção integral ao paciente. Intervenções em
consonância com a humanização, nas ações e atitudes dos alunos.
“Qualquer tipo de prática que se tem amplia tua visão. Você que tem
algumas falhas. Daí começa a se rever coisas... Vo isso... Isso vai
mexendo contigo... Muitas vezes a coisa é muito bruta. Daí aparece: mas eu
não quero fazer as coisas desse jeito...” (Amor-perfeito, 2008).
“Na prática você começa a observar mais e isso ajuda você a refletir. Você
começa a ver que tem algumas falhas. Por exemplo, veio uma senhora com
câncer de mama e eu perguntei: a senhora tem alguma dúvida?
Normalmente, vem muitas dúvidas... Qualquer coisa que você vê na teoria e
vai para a prática, começa a ter umas noções muito diferentes do que no
papel. Qualquer vizãozinha de prática que você tem, você foca diferente
no estudo” (Flor-de-lotus, 2008).
“Você assimila muito melhor. A didática fica muito melhor. É muito mais
construtivo. E essa questão humana... Assim como erros, você outras
coisas. Mas eu quero fazer assim... Você vai tendo que ter uma maneira
adequada do que deve falar e do que não deve falar” (Cravo, 2008).
Com relação à compreensão do panorama diagnóstico do paciente, apareceu
também neste ambulatório, alguns questionamentos com relação à questão de
temas delicados, como preconceito e homossexualismo. O comentário da aluna de
medicina: “a gente tende a ser preconceituoso, com isso...” depreendeu, em tons e
palavras, a reflexão que ela fez e o reconhecimento do grau de deturpação que, até
mesmo profissionais de saúde, guardam, ao olhar e abordar o homossexualismo.
Perceber que a aluna de medicina teve, com maturidade, a possibilidade de livre
expressão, para chegar a essa percepção, foi um dado positivo, observado nesta
oportunidade.
91
Neste ambulatório, notou-se um fluxo de integrações interdisciplinares, no
transcorrer das discussões de histórias de pacientes, construindo e trocando
informações, entre os corpos de conhecimentos. As discussões permitiram o
aparecimento de outros pontos de vista, além do biologicista. Apareceram enfoques
sócio-culturais, históricos, peculiaridades do imaginário popular e outros, que
enriqueceram as discussões e abriram as portas para outros determinantes da
percepção saúde-doença.
Na vivência deste ambulatório, veio em discussão uma articulação efetiva com os
outros cursos da área da saúde, pois eram necessários muitos encaminhamentos
de pacientes. Veio à tona a maneira correta e responsável dos mesmos serem
elaborados e efetivados, por todos os alunos do centro de ciências da saúde.
No ambulatório 5, acompanhou-se momentos de interação entre alunos e
professores, quando um dos docentes aproximou-se do grupo de alunos, com as
suas fichas de avaliação, em mãos. Então, dirigiu-se a estes, em tom de brincadeira,
inclusive citando o nome do colega, docente, que estava ali, próximo. Uma iniciativa,
positiva, de descontração e interação entre todos.
“Tem professores que fazem a gente sentir que tem algo, que lutam por a
gente. Sabe uma coisa de pai, assim? Isso prá sentir em algumas
disciplinas. Têm alguns professores que você vê que são professores, que
querem que a gente seja bem sucedida, que a gente aprenda, que o curso
não perca a qualidade. Você vê eles lutando por causa disso. Então você se
sente acolhido, você não é só um estudante que está pagando. Eu sei que
eles estão sempre lutando por coisas melhores. E são bons exemplos...” (
Flor-de-lotus, 2008).
Em um momento no ambulatório 3, o cuidado na qualidade das relações, foi
vivenciado. Uma aluna de outro curso da saúde entrou na sala de orientação clínica,
e pediu para o professor: “Posso sair um pouco antes? Eu tenho um encontro de
espiritualidade, em Bombinhas.” E a resposta do docente foi: “Então, reza por mim,
lá. A hora que tu for fazer oração, lembra de mim!”. Os alunos presentes riram eo
se comentou nada mais.
“Na prática você vai ter que lidar com morte, com tristeza... A prática serve
até para isso. Para eu ver as coisas e melhor lidar com elas... (Amor-
perfeito, 2008).
92
Em uma data, último dia de atividades de toda a unidade de saúde, realizou-se uma
observação no ambulatório 3. Neste dia, houve atendimento aos pacientes, por
parte de outro docente, que os atendeu, sozinho. Nem os alunos e nem os
professores que, habitualmente, conduziam este ambulatório, estavam presentes.
Atípico, perceber o ambulatório sem os alunos e com outro professor. Nesta
oportunidade, no ambiente de espera, o professor de outro ambulatório, aproximou-
se de seus alunos, despediu-se de todos, com cumprimentos e abraços. Neste
momento, fazendo uma transposição, sentiu-se falta de uma proximidade, de uma
avaliação final, de um fechamento, entre docentes e alunos, neste ambulatório 3,
enquanto uma atividade, em que é fundamental, ter início, meio e fim.
“Não existem os conselhos de saúde? Então, pode ter um conselho entre o
coordenador, com todos os alunos e com todos os professores, uma vez por
semestre. Talvez se tivesse um encontro maior, talvez isso levasse a ter
outra atitude...” (Flor-de-lotus, 2008).
“Com relação aos professores, eu acho que é um dos pontos mais difíceis.
Acho que seria muito difícil mexer em algumas coisas daí... porque teria que
sentar e eles não se sentam...” (Girasol, 2008).
Como apareceram contemplados nas colocações dos alunos através das
entrevistas, os exemplos de proximidades ou de interferências, por parte dos
docentes, têm um peso, extremamente forte, enquanto repercussão na formação do
aluno do curso de medicina, futuro médico.
As seguintes falas evidenciaram isto:
“Com exceção de uma disciplina cuja função é focar para isso e está sendo
focado, as outras disciplinas ensinam a humanização, mais pelo exemplo,
do que explicando. Quando tem algum professor e todos o admiram, então
você o segue. E pensa: essas coisas que ele faz são boas. Eu vou tentar
ser assim...” ( Amor-perfeito, 2008).
“E quando você os absurdos, coisas que foram vistas por professores,
você pensa, não vou fazer isso nunca. Nas outras disciplinas o foco é a
clínica, mas nas entrelinhas você vê coisas que se voltam para a
humanização. Você vê o exemplo dos professores. Às vezes, pega os
exemplos errados. Mas eu acho que existem muitos bons exemplos. Eu
acho que a partir do exemplo, você acaba sendo ensinado. Acho que todo
mundo tem uma cabeça boa para saber o que é um mau exemplo e um bom
exemplo. Prefiro acreditar nisso!” (Cravo, 2008).
“A pessoa que é assim com outras coisas, vai ser assim também na
profissão. Eu fiz um estágio nas férias e se vê a diferença de um profissional
93
para outro. Mas eu o sei se foi a questão da educação dica. Acho que
influencia bastante” (Boca-de-leão, 2008).
4.4.2.2 Interações com interferência entre alunos e professores
Esta foi uma das maiores categorias de análise deste estudo observacional. Em
vários momentos e situações, discursos, interações, percepções, omissões e
expressões, compuseram esta categoria. Nem sempre as inter-relações entre alunos
e seus professores foram a expressão de ações, atitudes e vivências humanísticas.
“O que eu acho, assim, é que foi dada uma aula numa disciplina, onde teve
um exemplo do Paulo Freire, que eu achei muito importante, que eu achei a
minha cara. Que os professores, que a escola, só considera a gente quando
a gente entra no portão. Não sei se é exatamente isso... E não vê que existe
uma vida antes, uma casa, entendeu?” ( Girasol, 2008).
“Nós somos aqui dentro, um reflexo do que está acontecendo com nós
fora...” (Orquídea, 2008).
No ambulatório 1, o grupo de alunos, em atividade prática, era composto por cerca
de oito membros. Em uma data, apenas três alunos compareceram à atividade
prática, deste ambulatório. O motivo das faltas foi a ocorrência de provas teóricas,
de outras disciplinas deste período, neste mesmo dia, nos horários subsequentes.
Todavia, esta justificativa não veio dos alunos faltosos, que não avisaram e nem
justificaram sua ausência, nesta atividade prática. Poucos minutos depois deste
contato inicial, os três alunos foram dispensados, das atividades deste ambulatório.
Nas falas do docente registrou-se: “Agora vocês estão dispensados para estudar.
Podem ir. Bons estudos e boa prova...”. Tais ações e atitudes fizeram refletir-se
sobre o senso de responsabilidade destes alunos, para com os usuários, o
docente, os colegas, o ambulatório, o serviço de saúde.
Em outro momento, durante as vivências do ambulatório 3, três alunos de medicina
chegaram com atraso, de mais de 40 minutos, na sala de orientação clínica. Os
alunos não justificaram ou explicaram o porquê do atraso. Os professores não
interrogaram ou solicitaram explicativas para o atraso.
94
Também foram observadas ausências de professores, em alguns ambulatórios.
“Tem aulas práticas que o professor não vai. É um descaso, também, às
vezes. É passado meio que por cima. para contar as aulas práticas que
são fantásticas. A aula prática do professor Y é maravilhosa! Ele instiga
você a responder, a pensar...” Muitos professores não têm aquela
responsabilidade. Tem questões que deveriam mudar...” (Rosa, 2008).
Em uma data, o professor não compareceu ao ambulatório 3. Não se observou
alguma fala ou justificativa sobre a sua não vinda.
No ambulatório 3, um dos professores saiu da sala de discussão de casos clínicos.
Não falou nada. Apenas, saiu. Não se despediu, tampouco, se justificou. Para o
observador, que estava na sala de espera, este professor soltou um “já volto...”.
Contudo, não voltou. Pensou-se que, se não iria mais voltar, não precisava dizer,
que já voltaria.
Em três cenas registradas, no transcorrer das observações, os docentes chegaram
ao serviço de saúde com atrasos. No ambulatório 3, apontou-se que o professor
chegou atrasado, cerca de dez minutos. Este encontrou os alunos, em outra sala, e
convidou-os a passarem para a sala de orientação clínica, para começarem as
atividades. O docente cumprimentou, apressadamente, os alunos e aparentava ter
corrido bastante, para chegar ali, menos atrasado do que estava.
Coincidentemente, neste mesmo dia, o outro professor deste ambulatório, também
chegou um pouco mais atrasado. Este outro professor puxou uma cadeira, da outra
sala, e tomou assento, silenciosamente, em um canto da sala, próximo à porta. Não
se ouviu uma fala sobre o seu atraso, os motivos e as suas escusas.
Em outra cena, de falta de pontualidade, o docente do ambulatório 1, chegou ao
serviço às 8:45h, ofegante, após quarenta e cinco minutos de atraso. Perguntou-se
se estava, tudo bem, e o docente respondeu: “Melhor estaria, se estivesse mais
devagar...”. Em outra data, o professor chegou, cerca de trinta minutos, após o início
da aula prática, porque exercia, outra atividade docente antes. Os alunos estavam
cientes que este professor, sempre chegaria mais tarde, no início deste ambulatório.
95
Durante a observação do ambulatório 2, o aluno observador percebeu um dos
docentes, deixando o andar, próximo as escadas do prédio. Quando este aluno
perguntou, aonde o professor iria, este parou e respondeu, que tinha sido arrolado
como testemunha, em um processo judicial. Por esse motivo, teria que ausentar-se,
para comparecer ao fórum e prestar depoimento. Inclusive, afirmou que o próprio juiz
lhe tinha ligado e cobrado a sua presença. O professor pediu desculpas, para o
aluno observador, e lhe disse que poderia pedir orientações, para os outros
professores, durante a sua ausência. Também afirmou que voltaria, ao ambulatório,
assim que fosse possível. Contudo, naquela tarde, o professor não voltou mais.
Em seguimento, antes do término deste ambulatório 2, devido à saída deste
professor, o primeiro grupo de alunos buscou um segundo professor. Percebeu,
então, que este segundo professor já orientava o segundo grupo de alunos e que um
terceiro grupo, o aguardava. Assim, comunicou-se a este segundo professor, que
mais um grupo de alunos o aguardava, para realizar a discussão clínica, a
orientação terapêutica e a liberação do paciente. Este outro professor nada
respondeu a estes alunos.
No transcorrer das orientações clínicas, demorava-se, um bom período de tempo, na
discussão da história de cada um dos pacientes. No mesmo dia deste ambulatório, a
última das pacientes a ser atendida, aguardava pela finalização de sua consulta.
aguardava, mais de quarenta minutos, quando um professor desta especialidade
médica passou, apressadamente, pelo corredor. Parecia estar indo embora, da
unidade de saúde. À frente da porta do consultório, três acadêmicos o interpelaram,
rapidamente e pediram-lhe, por gentileza, fazer o fechamento da consulta da
paciente, junto com eles. Então, este docente se virou e disse: Ah, está esperando
quarenta minutos, então vai esperar uma hora, uma hora e meia, porque o serviço
aqui é bom e é de graça...”.
No seguimento, um destes três alunos respondeu: “Não é assim, não, professor.
Coitada da mulher, está esperando, faz mais de quarenta minutos. Fora o que
esperou pela consulta...”. Por fim, este docente, visivelmente contrariado, entrou no
consultório, para orientar o atendimento à paciente. Em pouco mais de dez minutos,
o docente fez o fechamento do atendimento e despediu-se da paciente e dos
96
acadêmicos, liberando-os e saindo, a passos largos, rampa afora. Certamente, neste
ambulatório, falhas de comunicação geraram ações e atitudes de pouca
proximidade, entre docentes e alunos.
No ambulatório 5, pode-se observar um exemplo de dificuldade de proximidade
entre o grupo de professores e o grupo de alunos, quando o grupo de quatro
docentes chegou e posicionou-se, a meio passo, entre o grupo de alunos e o outro,
de usuários. Em cerca de trinta minutos, a única interação, digna de nota, foi o
pedido da aluna de medicina ao docente para ausentar-se, por essa manhã, pois a
mesma não estava se sentindo bem. Por estar, visivelmente abatida, sua solicitação
foi atendida pelo docente.
Esta dificuldade de aproximação também se evidenciou quando, no ambulatório
4, dois docentes da disciplina não perceberam o grupo de alunos, brigando entre si,
por motivos que não puderam ser detectados. Os dois professores encontravam-se
conversando, distantes do local, junto à mesa de apoio de recepção de prontuários
de pacientes, no saguão de espera do andar. E não viram e nem perceberam nada.
“Se você ensinar, aprende. Mas essas características deveriam vir com a
pessoa. Não sei explicar. Assim como uns são de um jeito, outros são de
outro” (Cravo, 2008).
“Claro, educando, talvez fique mais fácil. Na educação médica, se for falado
que tem que fazer isso, talvez fique mais fácil. Ás vezes, a pessoa tem
pressentimento, mas não sabe como fazer. cabe lhe ensinar como fazer.
Mas tem pessoas que, independente de lhe ensinar, não vai fazer! Mas é
um risco que se corre. Em tudo, né?” (Orquídea, 2008).
“Lógico que se educar, vai conseguir algum lucro daqueles que não
queriam aprender a humanização. Mas tem gente que o perfil é daquele
jeito. Não aprendeu até agora, parece que daqui para frente, não vai mais...
Mas, vai sempre tentando... Uma hora sensibiliza, uma hora enxerga
alguma coisa. Sempre acorda para alguma coisa...” (Rosa, 2008).
Durante o ambulatório 5, uma das acadêmicas de medicina fez um chamamento,
dirigido para um dos professores deste ambulatório: “Professor, pode vir aqui um
pouco?”. Sua fala era abafada, para dentro, e ela estava distante do professor, pelo
menos, uns quatro metros, encostada, junto à porta. Chamou, com um gesto, o seu
professor. Este atendeu o chamado e não fez nenhum comentário. Apenas,
levantou-se e saiu, ao encontro da aluna. Perceberam-se, nesta observação,
97
algumas atitudes que, mais uma vez, exemplificaram uma dificuldade de
aproximação entre professores e alunos.
“Eu não conheço muitas outras escolas médicas, mas aqui acho que existe
um trabalho na área de humanização, que vem sendo realizado em uma
disciplina. Pela carga horária que tem, acho que vem sendo trabalhado.
Mesmo que goela abaixo para alguns, acaba sendo inserido assim... Acaba
que mesmo aquele que foi forçado a ir ao posto, mesmo aquele tira alguma
coisa disso, sabe?” (Flor-de-lotus, 2008).
Em um momento de observação, a pressa foi motivo de registro no ambulatório 3.
A pressa de ir embora, por parte de um professor, foi bem percebida pelos alunos.
Tanto é que, um dos acadêmicos de medicina o interpelou e questionou: “Mas o
atendimento é assim rápido?”. O motivo da pressa era uma festa de aniversário.
Outro aluno da medicina também perguntou, em tom de brincadeira: “Mas tudo isso
é pressa?”. O que se refletiu nesta interação é que, no momento que, se chega,
em um cenário, com pressa, não se consegue estar, ali, por inteiro, e perda de
qualidade em todas as inter-relações.
Algumas reflexões foram tiradas, com relação a esta questão de atender-se e estar-
se com pressa, devido a algum compromisso, com um agendamento ou com outro
tipo de apontamento. Interagir, se aproximar, auxiliar no cuidado do outro, requer
dos profissionais de saúde, estes estarem, por inteiro, em cada momento, com os
pacientes. Nem mais e nem menos. É essencial que apareça esta atitude, enquanto
um bom exemplo para futuros profissionais de saúde, sempre.
Em um dia de atividades, no ambulatório 5, três alunas se aproximaram do
docente para realizar uma solicitação de dispensa desta atividade, pois desejavam
ir à Unidade Renal, acompanhar uma sessão de hemodiálise. O professor ponderou
que não podia prendê-las na unidade de saúde. Se elas queriam ir nada podia fazer.
Outro docente, deste ambulatório, envolveu-se na conversa e endossou a posição
do primeiro professor. As acadêmicas saíram deste ambulatório para
acompanharem, possivelmente, outra atividade extra.
Aproximando-se dos observadores, o primeiro docente contou o episódio ocorrido.
Comentou que os alunos deixam de acompanhar uma atividade prática, em privilégio
98
de outra, que poderiam fazer, em outro horário qualquer, no fim de semana. E falou:
“tá cheio de hemodiálise pra se fazer por aí…”. Continuando, o docente contou
sobre duas aulas que ministrou, no período. Nas duas aulas, o baixo quorum, de
16 e 17 alunos, frustrou o professor. Na sequência, este saiu, acompanhando seu
grupo de alunos. Percebeu-se deficiência na responsabilidade e no
comprometimento, por parte das alunas.
Em certa observação, o professor do ambulatório 1 comentou sobre atitudes de
responsabilidade, por parte dos alunos, quando os mesmos não traziam, para as
atividades práticas, instrumentos fundamentais para o estabelecimento de
atendimentos e interações com os pacientes, como caneta e estetoscópio.
Em certa discussão, na sala do ambulatório 3, veio à tona o tema
responsabilidade. O docente comprometeu-se, diante dos alunos e dos
observadores, a encaminhar um ofício para a Secretaria de Saúde Municipal, com
relação à solicitação de uma medicação para um paciente, não disponível na rede
pública. Uma semana depois, neste mesmo ambulatório, ficou-se sem saber, se o
ofício foi feito ou não. Perdeu-se uma oportunidade de ensino, de redação conjunta
deste ofício e dos encaminhamentos para o mesmo. No ambulatório seguinte, os
alunos não solicitaram devolutiva. Perdeu-se, no ar, o que aconteceu.
Nas discussões clínicas de pacientes, do ambulatório 3, apontou-se como realizar o
preenchimento correto de um receituário especial. Os mesmos também ficaram em
cima da mesa de apoio e ninguém os guardou. Poderiam-se explicar, para os
alunos, tópicos importantes, como quem seria responsável pela organização destes
receituários, o local onde estes deveriam ser guardados, enfim, cuidados
importantes, em uma instituição de saúde.
“Quando a gente sair da faculdade vai ter que ter responsabilidade disso.
De dar sequência no paciente. Realmente, ver até o fim o que vai
acontecer... Você sabe o que pediu. Você sabe o que aconteceu...” (Girasol,
2008).
“Um dia, eu vou ter responsabilidade com o paciente. medo pensar
nela... Eu vou ter que aprender a lidar com o paciente, vou ter que saber o
que fazer... Vêm algumas angústias, assim, do que eu deixei de fazer. Mas
uma coisa é certa, eu tenho que saber o todo, para depois pensar no que eu
vou me especializar” (Orquídea, 2008).
99
O docente, em uma cena vivenciada no ambulatório 3, recebeu alunos da
medicina, orientandos de Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), no mesmo
momento da orientação deste ambulatório. Não realizou uma fala prévia, aos alunos
do ambulatório, desta dualidade de orientação ambulatório e TCC. Tal atitude do
professor poderia ser mais bem compreendida, por todos os presentes, através de
uma colocação inicial, de sua parte, explanando os por quês das presenças, o que
faziam e como prosseguiria o ambulatório, neste dia. Percebeu-se que orientações
paralelas podem servir de abertura a novos conhecimentos, a novas interações de
ensino-aprendizagem, mas tudo depende de como este processo for construído.
Em outra data, neste ambulatório, tal cena voltou a ocorrer. O professor tratava de
orientações paralelas, no horário do ambulatório. Orientava o TCC de um aluno do
curso de medicina, que não vestia jaleco. Esta vivência não fora comentada com os
alunos deste ambulatório. Pensou-se que estas orientações poderiam ser realizadas,
em outro horário.
Durante o horário do ambulatório 2, notou-se, no ambiente coletivo da unidade de
saúde, dois professores, de outra especialidade médica falando, ao mesmo tempo,
no telefone celular. Seus alunos esperavam, inquietos. Os pacientes, também
esperavam. Todos esperavam, literalmente, “pacientes”. Questionou-se: será que
estes professores não poderiam fazer estes contatos, em outro momento? Pensou-
se que ao orientar para os alunos que desliguem seus celulares, nos momentos das
aulas, o mesmo deveria valer para os docentes.
No ambulatório, perceberam-se dificuldades com os relatos clínicos dos alunos,
durante as discussões de histórias de pacientes, realizadas na sala de orientação
clínica. Por vezes, dados de identificação dos pacientes, queixas principais e partes
dos exames físicos eram esquecidas.
Neste ambulatório, o professor comentou o desempenho dos alunos do período,
apontando dificuldades básicas, nos relatos das histórias clínicas e exames físicos.
Também criticou a organização das informações sobre os pacientes, nos prontuários
desta unidade de ensino. Aproximou-se da observadora e fez alguns comentários.
Em outros ambulatórios, também faltaram dados de semiologia básica, nos relatos
100
dos acadêmicos, sem contar o completo esquecimento dos demais componentes do
processo saúde-doença e linguagens não-verbais, como a corporal.
Nas supervisões das práticas do ambulatório 1, enfoque eminentemente clínico,
de queixa-conduta, foi a tônica. Os acadêmicos, via de regra, proferiam falas breves,
com orientações repletas de conhecimentos teóricos. Este falava bastante e rápido,
parecia querer “agilizar” os atendimentos dos pacientes. Transpareceram
preocupações com um correto diagnóstico clínico, valores laboratoriais, abordagens
terapêuticas e dificuldade no manejo dos pacientes. Discussões breves refletiam a
rapidez com que os alunos conduziam os atendimentos, com os pacientes. Não se
observaram construções conjuntas, junto com os alunos
Em outro momento, no ambulatório 1, chamou a atenção a objetividade humana.
A fala do docente foi digna de registro: “Quem mais?” Fez pensar-se que
estávamos em uma feira, onde, analogicamente, as condutas seriam simples
mercadorias de trocas. Após, outra citação foi captada: “Então, vamos ver o que
tivemos hoje: dois diabetes...”. Logo, veio a auto-correção: “Digo, dois pacientes com
diabetes”. Nem sempre é fácil perceber os deslizes e corrigi-los, em tempo hábil.
No ambulatório 3, uma paciente atendida queria renovar a receita do
antidepressivo. Porém, durante a consulta médica, ela queixou-se também de
incontinência urinária. Para esta queixa, não foi dada atenção, devolutiva ou
encaminhamento específico. Apenas, fora aviada a sua receita de antidepressivo.
Perdeu-se a oportunidade de revisão de sistemas, de identificação de problemas,
que poderiam ser importantes, limitadores, à vida cotidiana da paciente. Mais uma
abordagem, eminentemente clínica, de queixa-conduta, por parte dos alunos.
Em um dos ambulatórios, o aluno de medicina, incomodado, dirigiu-se ao
professor, dizendo: “Destrinchando: é uma psicoterapia cognitiva ou psico-
analítica?”. Este aluno parecia querer objetivar a discussão. No contexto deste
paciente, seria importante subjetivar a discussão. Perceberam-se dificuldades dos
alunos buscarem a subjetividade em alguns destes pacientes. Este ambulatório tinha
uma sintonia importante com as subjetividades humanas.
101
Em alguns momentos, no ambulatório 3, eixos de conversas paralelas entre os
alunos, ocorreram, simultaneamente, às descrições das histórias de vida e dos
processos saúde-doença dos pacientes. No decorrer das discussões de casos
clínicos, o fluxo intenso de alunos e as conversas paralelas dispersavam os focos de
atenção, enquanto elementos de distração, desviando o fluxo de raciocínios e
integrações. Desse modo, alguns não ouviam, na íntegra, o outro e as informações
não chegavam, igual e idealmente, para todos. Portanto, as discussões e reflexões,
sobre as questões de saúde e de vida dos pacientes, não conseguiram serem
construídas, coletivamente, enquanto um processo no ensino e na aprendizagem.
No ambulatório 1, notou-se que o tempo de supervisão para cada história clínica,
aproximadamente cinco minutos, era insuficiente para a quantidade de informações
que apareciam, em uma relação médico-paciente. Neste ambulatório, o tempo de
prática era pequeno e havia, apenas, um professor para conduzir as orientações
clínicas e terapêuticas desta especialidade.
Em outra vivência, o mesmo docente deixou abertura para uma discussão: “Mais
alguma coisa que vocês queiram discutir?”. Nenhum aluno respondeu nada.
Contudo, não haveria tempo, para refletir, nem discutir, mais nada. Porém, pelo
menos, houve uma abertura, por parte do docente, embora, os alunos estivessem
com os pensamentos longe dali, no local da próxima atividade da manhã.
Em certa data, no ambulatório 2, ocorreram nove consultas, ao mesmo tempo,
durando, cada uma, entre 20 e 45 minutos. Por volta das 14:00 horas, começou o
afluxo de alunos à sala de orientação clínica, buscando pelos respectivos docentes e
começando a relatar as histórias dos pacientes. Neste ambulatório, percebeu-se um
desequilíbrio entre o número de consultas para serem supervisionadas por cada
docente. Em torno de três consultas, por professor, em um mesmo momento.
Como é destacado pelas colocações de um aluno:
“Tem algumas matérias, que eu me sinto tocando ficha. Não vejo um
estímulo de eu estar ali... E nem estímulo do professor para me ensinar.
Então, se está ali, tocando ficha” ( Flor-de-lotus, 2008).
102
“Por exemplo, tem uma disciplina em que se percebe que os professores
estão ali com gosto. Tanto é que é uma das poucas aulas práticas que vale
nota. Se faz todo o negócio, daí vem o professor e revisa tudo. Esse retorno
do que a gente fez certo e do que a gente fez errado, muitas disciplinas não
fazem tão bem...” ( Lírio, 2008).
Em algumas observações do ambulatório 3, algumas características dos relatos
das histórias dos pacientes foram detalhadas. Em linhas gerais, primeiramente, o
acadêmico de medicina relatava o caso para os professores e, na sequência, os
alunos do outro curso da saúde faziam sua intervenção ou complementação. Ficou
um questionamento: será que esta sequência primeiro, a intervenção do aluno de
medicina e, após, o do outro aluno seria algum remanescente da visão
estereotipada, de que o médico tem uma liderança, frente à consulta do paciente?
Enquanto equipe de saúde, seria essencial uma interação integrada e
interdisciplinar com horizontalidade nas relações.
Nas inter-relações observadas, neste ambulatório, pode-se perceber que houve
dificuldade de entrosamento na relação aluno-professor e aluno-aluno. Ao relatar
os casos clínicos, notou-se uma dificultosa articulação entre os alunos de medicina e
os do outro curso da saúde, que deveriam e poderiam interagir muito mais, em
conjunto, a partir das histórias de vida dos pacientes, bem como articularem-se, de
modo mais fluido e sincrônico. O curto tempo que os alunos de medicina passavam
por este ambulatório, em torno de um mês, foi um fator importante para a dificuldade
citada.
Em uma das discussões de casos clínicos, deste ambulatório, o acadêmico de
medicina e a aluna de outro curso da saúde relatavam a história de uma paciente,
gestante. Neste relato, o aluno, doutorando em medicina rotulou a paciente como
“regredida, angustiada, oligofrênica, com logorréia...”. O professor perguntou aos
alunos, se eles a consideraram “retardada mental”. A princípio, a pergunta pareceu,
tão rotuladora quanto o relato do acadêmico. O docente trouxe, à tona, uma
reflexão sobre diagnósticos diferenciais e outros determinantes de transferência de
papéis e de responsabilidades, da família para a sociedade e para a equipe de
saúde. Discussão importante e esclarecedora. Contudo, não houve reflexão sobre
as falas rotuladoras, sobre as questões pessoais, de saúde e de vida, desta
paciente.
103
Também, neste ambulatório, um senhor foi atendido e, em sua identificação, foi
destacado o mesmo ser “soropositivo, com ideações suicidas, fobias e medos
injustificáveis”. O paciente foi atendido, no consultório, apenas pelos acadêmicos. O
docente não foi vê-lo. Na discussão sobre a saúde deste senhor, o aluno de
medicina o foi interpelado, por conta da identificação e definição dada a este
paciente. Qual a atenção dada à ideação suicida do paciente? Como julgar os
medos do outro? Mais uma vez, o aparecimento de uma fala rotuladora sobre as
questões pessoais de um paciente.
Em outra data, situação semelhante aconteceria, novamente. A paciente que estava
sendo atendida tinha ideações suicidas e a aluna atendeu-a, individualmente, no
consultório. Questionou-se se uma acadêmica de medicina pode dar conta destas
demandas, nesta situação. Coloca-se, aqui, a importância de, em todas as
situações, o docente acompanhar a vivência prática da interação do aluno com o
seu paciente. É fundamental que aconteça esta vivência, por contemplar a
integralidade na atenção, na responsabilização e no cuidado, com o outro.
No ambulatório 2, nos momentos anteriores à narrativa dos alunos sobre os
pacientes atendidos, algumas falas do professor demonstraram, certo grau de
impessoalidade e distanciamento para com estes pacientes. Para exemplificar as
falas: “vamos ver o seu caso” e “agora, podemos passar ao próximo caso”, referiam-
se, de que maneira, a um paciente? O paciente chamava-se “caso”? A história de
saúde, ou história de vida, do paciente, era um caso?
Em outra história, captada neste ambulatório, as atitudes de um dos alunos de
medicina, ao ouvir o relato de um colega, transpareceram o distanciamento, que
muitos preferem manter, dos pacientes, das histórias de saúde e de vida e do
serviço de saúde, propriamente dito. Durante a discussão clínica, o aluno de
medicina puxou sua cadeira para fora da roda, retirou o jaleco, colocou-o no colo e
não falou nada. Ninguém o interpelou, nem disse nada. No mesmo sentido, durante
a discussão das histórias clínicas dos pacientes, a aluna de medicina mascava
chicletes, sem parar. Em nenhum momento, ela foi interpelada pelos docentes.
104
Neste ambulatório, era impressionante a passividade dos alunos, do curso de
medicina, comparados aos alunos do outro curso da saúde. Pouco ou quase nada
era questionado, seja nas caracterizações dos pacientes, nas discussões conjuntas,
nas condutas ou na tomada das decisões terapêuticas.
Em linhas gerais, nestas observações teve-se a constatação de que, em muitas
especialidades, empregavam-se, em demasia, as condutas medicamentosas, em
detrimento de outras condutas terapêuticas. Sentiu-se falta de uma maior ênfase, às
condutas terapêuticas gerais e as orientações de estilo de vida. Estas são tão
importantes quanto às condutas farmacológicas. Recomendaria-se que estas
condutas gerais fossem feitas, por escrito, tal qual uma receita, e entregues para o
paciente.
No mesmo sentido, em uma discussão do ambulatório 2, comentava-se,
exclusivamente, sobre protocolos medicamentosos, condutas de “guidelines” ou
consensos. Em momento algum, dos vinte minutos em que se permaneceu no
interior da sala de orientação clínica, ouviu-se ênfase para as orientações gerais,
correlacionáveis com a história do paciente.
Um aluno fez algum comentário sobre as orientações e supervisões dos docentes
nas várias disciplinas do curso de medicina:
“Dificilmente, um ou outro vai perguntar tudo o que ela come. Falta ensinar
essas outras coisas. Normalmente, é assim: “Pá-pum!”. É hipertensão,
“vamos dar isso, a senhora o come gordura e pronto!”. Qualquer coisa
que fizer além da questão do medicamento, da questão de ser assim: “Pá-
pum!”, não fica tão na cara o que influenciou, é mais difícil de você ver o que
funcionou” ( Flor-de lotus, 2008).
4.4.3 Relação alunos com usuários e pacientes
As interações vivenciadas entre alunos e usuários, nos espaços coletivos da
unidade docente-assistencial, observadas e tomadas, enquanto objeto de estudo,
foram projetadas como de proximidade ou com interferência. Nesta categoria,
105
evidenciaram-se os aspectos que permearam a aproximação dos alunos com os
usuários do serviço, entendam-se pacientes, familiares, pessoas em busca de
saúde.
4.4.3.1 Interações de proximidade entre alunos e usuários-pacientes
Os pacientes pareceram demonstrar ações e atitudes no sentido de tentar estreitar
laços com os outros atores com os quais interagiam, nos cenários da unidade de
saúde. Em certa oportunidade, nas observações do ambulatório 1, a maioria dos
seis pacientes, que chegava ao terceiro andar da unidade de saúde, cumprimentou
o aluno observador, que estava sentado no ambiente coletivo de espera.
Em várias oportunidades, nos vários ambulatórios observados, presenciou-se o
momento em que os acadêmicos de medicina chamavam os pacientes, no corredor /
sala de espera, para iniciar a consulta. Durante uma observação do ambulatório 1,
um aluno chamou o nome do paciente, com voz firme. O paciente se levantou e foi
saudado pelo aluno, com um “Bom dia!”. Ao aproximar-se, o paciente recebeu um
aperto de mão e foi conduzido ao consultório. Com esta atitude, observou-se que o
aluno acolheu o paciente, interagiu de maneira próxima, fortaleceu um vínculo.
Demonstrou ações e atitudes dentro dos ideais de humanização.
“Eu acho legal tratar bem o paciente. Eu tento fazer o possível! Sempre
tento tratar com o máximo respeito, de igual para igual. Só que muitas
vezes, com muitos dicos, esse “status”, eles deixam subir para a cabeça.
Tem muito dico que é boçal, que acha que é o rei da cocada...” (Girasol,
2008).
“Quando tu tá ali com o paciente, isso nada mais é do que uma troca... Tu
tás ali, ajudando ele, mas também aprendendo junto com ele. Meus pais me
ensinaram assim: a tratar todo mundo igual. Isso faz diferença.(Jasmim,
2008).
Neste mesmo ambulatório, apontou-se que um aluno de medicina foi o único a
posicionar-se, estrategicamente, no início do corredor, para chamar seu paciente.
Este aluno parou, olhou para todas as pessoas, chamou e esperou o paciente
chegar. Após, estendeu-lhe a mão, ficou lado a lado com o paciente e foi
106
caminhando, a o consultório de atendimento. Demonstrou uma atitude de
aproximação, de fortalecimento de vínculos.
“Também acho bem legal o jeito com que os pacientes chegam. Eles
chegam querendo algo de ti, assim... É legal conversar com eles e tentar
ajudar...” (Boca-de-leão, 2008).
No ambulatório 2, presenciou-se uma cena que demonstrou a importância do
vínculo e do atendimento continuado, como possibilitadores de uma maior
atenção à saúde dos indivíduos. Dois acadêmicos reconheceram e cumprimentaram
uma das pacientes. Um deles deteve-se, cumprimentou a paciente, que estava
sentada, com um abraço. Permaneceu próximo a ela, do outro lado do corredor.
Enquanto isso, o outro aluno cruzou o corredor, perguntou como ela estava e pediu
o seu nome, pois não o lembrava mais. Perguntou se ela aguardava atendimento.
Diante da resposta positiva, o primeiro acadêmico falou que iria procurar o prontuário
dela, para que ela pudesse ser atendida pelos mesmos acadêmicos. O segundo
aluno pediu licença e ambos os alunos retiraram-se, para ver com qual dos outros
subgrupos de alunos estaria o prontuário desta paciente. Após trocarem os
prontuários e os pacientes, entre os dois subgrupos, os dois alunos e mais um
colega dirigiram-se, ao espaço coletivo de espera, e chamaram a paciente. Os três
acadêmicos foram ao encontro da mesma e conduziram-na, a um consultório vago.
Nesta cena descrita, o modo como um dos acadêmicos de medicina interagiu com a
paciente, no ambiente de espera, abraçando-a, foi de positiva proximidade.
Exemplo do que deveriam ser as relações médico-paciente. Nesta oportunidade, o
contato e o vínculo estabelecido, entre o acadêmico e a paciente, foram efetivos,
possibilitando o aparecimento de detalhes, os quais não seriam revelados para
alguém que a paciente não conhecesse ou confiasse.
“Tu poder oferecer para alguém, no pior momento da vida dele, oferecer um
apoio... Isso eu acho muito legal. Até porque, algumas situações assim,
aconteceram comigo. Depois esse meu médico, ficou meu amigão. A gente
se encontra, a gente se fala. Você cria um vínculo. Esse vínculo que você
cria eu acho bem legal... Isso me conquistou...” (Girasol, 2008).
107
No ambulatório 3, outro momento de chamamento de paciente, digno de elogios,
pela maneira com que o acadêmico de medicina chamou a senhora para a consulta
médica. Este aluno estabeleceu contato visual, auditivo, táctil e corporal, com
sua paciente. Conduziu-a até o consultório, com um comportamento excepcional.
No ambulatório 5, dentre o grupo de alunos deste período de medicina, cerca de 40
alunos, três acadêmicos um aluno e duas alunas, destacaram-se, por interagirem,
de modo participativo, com as crianças que aguardavam atendimento dico. No
final do corredor-sala de espera, havia um “espaço lúdico”, com um mobiliário
infantil, com pequenas e coloridas mesas e cadeiras. Neste espaço, havia também
uma balança e um antropômetro. A interação destes alunos com as crianças que ali
estavam, foi de proximidade, calma e grande espontaneidade.
Os alunos também percebem ser importante um contato de maior proximidade com
os pacientes, para a construção de uma responsabilização conjunta, entre o médico
e o paciente, para poderem, juntos atuarem de maneira positiva na melhora da
saúde deste último. Isto apareceu nas colocações por parte de uma aluna:
“A didática fica muito melhor, muito mais construtiva, se se juntar o que eu
vejo na teoria e vou depois para a prática. A questão humana também...
Quando você vê uns como fazem... Tem um dia que eu quase chorei... Você
exemplos... Eu vi professores e vi também colegas fazendo assim. É a
maneira de conversar com o paciente... Meu Deus: se um dia eu falar
assim! Eu quero fazer assim...” (Flor-de-lotus, 2008).
Durante o ambulatório 5, um acadêmico de medicina seguiu, na direção oposta,
dos seus colegas e passou pelos pacientes, no ambiente de espera. Percebeu-se
que o acadêmico cumprimentou-os e acenou com a cabeça. Ato contínuo, seguiu,
em direção aos consultórios.
No ambulatório 5, um grupo de alunos passou pelo corredor, apanhou um
prontuário e voltou, novamente, passando pelo mesmo corredor. Pouco depois, uma
aluna veio chamar um paciente. O pequeno paciente e a sua mãe, sentados ao lado
dos observadores, demoraram-se para atender o chamado. A aluna repetiu o
chamamento e olhou para os observadores, com ar de desolação, tipo: “poxa, ele
não veio na consulta”. Mas, pouco depois, o garotinho e a sua mãe levantaram e
108
foram em direção à acadêmica, que aguardava, em , no início do corredor. O ar
da aluna era de simpatia e atenção, ao conduzi-los para o consultório.
Um aluno do 11º período, doutorando de medicina, vestindo jaleco branco e com um
estetoscópio na mão, passou pelo corredor, ao retornar para um dos consultórios de
atendimento clínico e disse, olhando para um dos pacientes: “Tudo bem?”, e fez um
sinal de positivo com o seu dedo polegar. Após, se virou e desceu pelas escadas.
Por outro lado, outro doutorando também passou, duas vezes, pelo corredor. Não
olhou para ninguém e também não disse nada. Diferenças individuais entre alunos
que, possivelmente, serão diferenças profissionais, futuramente, fizeram aparecer
a valorização da aproximação e do vínculo, com o outro, no cuidado.
No ambulatório 3, durante a discussão clínica, ouviu-se a devolutiva de um aluno
de medicina, que relatava a vivência com uma paciente, durante a consulta médica.
O aluno transparecia preocupação com a paciente, que se traduziu corporalmente,
ao morder os lábios, os dedos da mão esquerda e não fixar o olhar em nenhum dos
presentes, durante o seu relato. Pensou-se no preparo que devem ter os alunos,
para darem conta de demandas objetivas e, também, subjetivas.
Nas discussões de casos clínicos, presenciadas no ambulatório 3, foi positiva a
preocupação, do aluno de medicina, com o grande tempo de espera dos
pacientes. Ele comentou que os pacientes estavam esperando para serem
atendidos, no ambiente de espera, havia bastante tempo e que isto não era bom.
Este aluno, inclusive, acompanhava, paralela e voluntariamente, as atividades deste
ambulatório. Deduziu-se o quão fundamental torna-se rever o ambiente coletivo
onde os pacientes ficavam e aguardavam para serem atendidos, para que este se
torne um espaço agradável, acolhedor e saudável.
Na questão dos espaços coletivos, vem à tona o que se observou, nos espaços de
espera dos pacientes. Os usuários estão atentos aos cartazes e recomendações,
afixados nas paredes e murais da unidade de saúde. Na observação do
ambulatório 3, uma senhora lia, com atenção, os conselhos dietéticos, contidos em
um envelope, parte de um cartaz educativo, afixado no mural, na sala de espera.
109
Novamente, apareceu a importância da educação em saúde. O espaço coletivo
pode prestar-se para trocas de informação e melhor compreensão da saúde.
Como foi destacado pelas colocações de uma aluna, existe a compreensão de
educar os pacientes, em sua saúde, através do diálogo:
“Tem um exemplo que eu acho fantástico. Numa visita domiciliar, uma
senhora, sabia que ela não podia comer gordura. Ela queria se cuidar. Mas
ela não tinha informação. Faltou alguém dizer para ela. Essa coisa de
realmente, capacitar o paciente. Faltava alguém se aproximar e dizer para
ela. Não tinham capacitado ela, direito. E isso aparece, quando você tem
um vínculo com o paciente...” (Flor-de-lotus, 2008).
Duas falas, positivas, captadas nos ambulatórios, devem ser apontadas. Primeiro, a
fala de uma paciente, dirigida à observadora, com relação ao atendimento prestado,
no ambulatório 1. “São os estagiários que atendem primeiro, mas eu amei, é muito
bom”. No ambulatório 4, vinham caminhando do consultório, o paciente e a sua
acompanhante, comentando o atendimento. A senhora, acompanhante do paciente,
fez o seguinte comentário: “Gostei muito, a professora vai explicando pros alunos e a
gente vai aprendendo um pouco...”.
Os alunos percebem a importância do acolhimento, dos vínculos, das
responsabilidades, enquanto profissionais de saúde, em formação. Constatou-se
isso, através das seguintes falas:
“Essa aproximação é uma preocupação que todos deveriam ter. Você ver
todos os fatores que podem prejudicar a sua saúde e melhorar. E isso só
aparece quando você tem um vínculo. Qualquer coisa que você fizer além
da questão física, da questão medicamento...” (Margarida, 2008).
Através de uma colocação de uma aluna, entende-se que estes alunos percebem a
importância do acolhimento. Contudo, ainda não conseguem realizá-lo, na íntegra,
enquanto uma importante ferramenta de uso profissional. Evidenciou-se isso,
quando a aluna diz:
O médico tem que ter conhecimento clínico, tem que saber fazer
diagnóstico. Mas independente da área que você for, você tem que ter
essas características: da humanização, do vínculo, do acolhimento. É uma
coisa óbvia que tem que ter humanização... Você pensa, como tem que se
ensinar isso? Como que precisa ensinar isso? É uma coisa que a pessoa
110
deveria, tinha que ter, saber. Você fica meio indignado... Eu acho que
precisa disso em qualquer formação. O cara vai ser... Médico!!!!(Flor-de-
lotus, 2008).
4.4.3.2 Interações com interferência entre alunos e usuários-pacientes
As cenas observadas, entre alunos e usuários, cujas vivências foram consideradas
interações negativas, distanciadas dos ideais de humanização, chamaram a atenção
dos pesquisadores, pelo expressivo número, se comparado com as interações
positivas, em todos os ambulatórios observados.
Nas observações deste estudo, em determinados ambulatórios, observou-se que os
alunos e os docentes passavam nos espaços de interação coletiva, direto e reto,
pelos pacientes, sem uma maior aproximação.
No ambulatório 1, notou-se que os alunos pegavam os prontuários e levavam estes
documentos até a sala de orientação clínica, onde os abriam, liam e analisavam, das
8:15 horas às 8:20 horas. Questionou-se, se cinco minutos de tempo de leitura e
análise destes prontuários, eram suficientes para a compreensão e o preparo dos
alunos para o encontro com os pacientes, na consulta médica.
Durante o ambulatório 1, o aluno de medicina passou, pela sala de espera, onde
estavam os pacientes, e não interagiu com nenhuma das cinco pessoas que, ali,
estavam sentadas. No ambulatório 2, registrou-se que todos os acadêmicos de
medicina passavam, pelo corredor-sala de espera, local onde os pacientes ficavam,
sentados, esperando o momento de sua consulta médica. Ao seguirem para os
consultórios, onde iriam ler os prontuários dos pacientes que iriam ser atendidos e
passarem, neste corredor, os alunos riam e falavam alto e, apenas, interagiam com
os seus colegas. Não se registrou interação entre os alunos e os pacientes.
“O ponto negativo que eu acho é o tanto de alunos, todos juntos,
conversando com um paciente, dentro do consultório. Uns até sentados na
maca! Esse tipo de coisa eu acho bem errado, há uma superlotação da sala.
Até pro paciente abrir o jogo contigo vai ser difícil. Ele não vai dizer prá ti:
uso droga, tenho AIDS... Ele não vai não...” (Cravo, 2008).
111
“Um outro ponto negativo que eu acho, é a forma como alguns professores
fazem isso, na frente do paciente, discutindo algumas coisas e corrigindo
outras... Não acho certo.” (Girasol, 2008).
No ambulatório 2, a funcionária da unidade de saúde, recepcionista e responsável
pela organização e funcionamento do segundo andar, subiu a rampa, que dava
acesso ao segundo piso, com um carrinho elétrico ao seu lado. Este transportava
uma senhora, paciente e usuária do serviço de saúde. Em nenhum momento,
durante todo o trajeto de subida desta paciente, através da rampa de acesso, ao
segundo andar, houve interações entre a paciente e o bloco de alunos de medicina,
que estavam no espaço coletivo deste andar, a aguardar atendimento.
Portanto, o que ficou evidenciado, neste ambulatório, é que a profissional de saúde,
recepcionista deste andar, estreitava laços, aproximava-se da senhora, realizava
acolhimento. Diferentemente desta, os alunos não focaram, não treinaram, não
vivenciaram, nem esta interação, nem o acolhimento.
Em outra situação de observação, no ambulatório 2, quatro alunos chegaram
atrasados. Dois alunos foram, diretamente, para a sala de orientação clínica.
Passaram pelos pacientes, sem olhá-los ou cumprimentá-los. Outro aluno olhou,
rapidamente, os dois pacientes, sentados e balbuciou um “bom dia”, baixinho. Mais
uma situação a evidenciar dificuldades na interação entre alunos e pacientes.
No ambulatório 3, um aluno da medicina passou pelos pacientes que estavam
sentados. Contudo, no momento em que passava, olhou para baixo e não interagiu
com estes. Tanto na ida quanto na volta, passou cabisbaixo. Não houve nenhuma
interação com os pacientes, sentados no ambiente de espera. No ambulatório 4, o
grupo de cerca de 15 alunos, passou pelos pacientes, com dois prontuários.
Também, nesta situação, não houve nenhuma interação entre acadêmicos e
pacientes. Os alunos passavam, pelos pacientes, direto para os consultórios.
Em outro momento, no ambulatório 4, cerca de quinze alunos caminhavam pelo
corredor, onde pacientes aguardavam os atendimentos. Os alunos estavam divididos
em dois grupos menores. O primeiro acompanhava uma professora, que caminhava
112
na frente, sozinha. Na seqüência, vinha o outro grupo, sob a orientação do outro
professor, que conversava com alguns alunos. Nesta passagem dos alunos,
ninguém disse sequer um “bom dia”, para as três pessoas presentes. Passavam,
como se estas ali não estivessem. Alguns alunos dobraram à direita e foram em
direção às escadas, enquanto outros seguiram em frente, rumo à rampa. Mais uma
cena presenciada, sem atitude alguma de interação e aproximação.
Tem também a questão da interação com o paciente. A quantidade de
alunos é uma coisa que interfere nas práticas. Tem aulas que têm sete
alunos com um paciente! Isso inibe bastante a participação e a aproximação
nas aulas práticas. Daí tem aluno que nunca perguntou e que nunca falou.
Mas alguém tem que perguntar. Você acaba não tendo uma relação
médico-paciente! Fica fragmentado. E um professor que vem dizer: “vamos
receitar isso e carimba!”(Orquídea, 2008).
“O paciente não tem como se relacionar com a gente... Talvez se ficasse só
dois ou três... A dificuldade é não ter uma metodologia... Era questão de
organizar isso. E essa questão de organizar isso é uma coisa que para
fazer” (Cravo, 2008).
No ambulatório 5, um aluno da medicina passou pelo corredor-sala de espera, onde
os pacientes estavam sentados, e buscou um prontuário. Ao passar pelos pacientes,
exclamou o nome de uma moça. Ela se levantou. O acadêmico retornava para o
consultório onde estava atendendo, sem parar ou se aproximar da paciente. Daí,
meio que se recompôs, se virou, rápido e, meio que de lado, cumprimentou a
paciente e disse: “Tudo bem?”. Tudo isso aconteceu na frente da observadora. Não
temos como saber se o aluno se recompôs por conta própria ou por conta da
presença da professora observadora. Ficou-se na vida, com um momento de
observação, para refletir-se. Pensaram-se quando, em que circunstâncias e de que
maneira, os alunos deveriam ser estimulados a aproximarem-se dos seus pacientes,
dos seus familiares, dos acompanhantes e das pessoas, em geral, em todos os
momentos de interação.
Ainda no ambulatório 5, por cerca de trinta minutos, percebeu-se o fluxo de
pessoas, que chegavam no segundo andar, pelas rampas. Nas áreas comuns deste
andar, era grande a movimentação de pessoas, alunos, professores e pacientes. Em
um lo do ambiente de espera, um bloco de pacientes aguardava atendimento.
Em outro pólo do ambiente coletivo, encontrava-se um bloco de alunos, em
conversas particulares, nos seus grupos de afinidade. Muitos dos alunos estavam
113
voltados, de costas, para o fluxo de pacientes que acessava o andar, através da
rampa. Os grupos de alunos pegavam os prontuários e, das 8:20 horas até às 8:50
horas, aguardavam os pacientes chegarem. Os alunos somente interagiam com os
pacientes, ao chamarem estes para a consulta. Ficavam distanciados na maior parte
do tempo. Observaram-se mínimas interações entre estes dois blocos.
Em outro momento, do ambulatório 5, observou-se o fluxo de pacientes, subindo as
rampas e passando, diante dos alunos e acomodando-se, no outro ambiente de
espera. Cerca de dez pessoas, entre pacientes e acompanhantes, estavam neste
espaço de espera. Pouco depois, chegaram mais pacientes e acompanhantes, que
se aproximaram e sentaram, nesse mesmo ambiente. Novamente, nestes
momentos, não houve interação entre pacientes e alunos.
A compreensão que os alunos têm sobre interação com pacientes parece estar
centrada, apenas, no momento da consulta médica, inexistindo pré-consulta, pós-
consulta e inter-consulta. O acolhimento, perpassando todos os momentos de
consulta, pré-consulta, pós-consulta e inter-consulta, enquanto atitude do
profissional de saúde – médico, seria fundamental de ser buscada e realizada.
Através de algumas colocações ditas pelos alunos, percebeu-se que estes alunos
compreendem a importância do acolhimento. Contudo, não conseguem realizá-lo, na
íntegra, enquanto uma importante ferramenta de uso profissional. Como é destacado
pela colocação de um aluno:
“Às vezes, não estímulo para essas aulas práticas. Você vai ali e tem
um paciente. E é tudo muito rápido... Em meia hora você acabou. O
raciocínio é mais mecânico do que clínico. E depois você tem que ficar
perguntando para o professor, mas porque isso ou, mas porque aquilo. Com
relação ao foco humanístico, nessa disciplina não tem” (Orquídea, 2008).
Durante o ambulatório 1, notou-se que os alunos transitavam, pelo ambiente de
espera, enquanto aguardavam pelo docente, para relatar as histórias coletadas dos
pacientes, na consulta médica. Neste ambiente de espera, poderia efetivar-se uma
maior proximidade, interação e diálogo entre acadêmicos e pacientes do serviço
de saúde. Uma importante possibilidade de interação poderia ser promovida, através
114
de atividades de educação em saúde, realizadas por alunos que não estivessem
em atendimento clínico, para usuários que aguardavam.
Em outro momento, um aluno de medicina retornava, pelo corredor-sala de espera, e
passava pelos pacientes ali presentes. Passou sucessivas vezes por ali. Na sua
quarta passagem, observou-se que, desta vez, olhou, mais simpaticamente, para os
mesmos, em dois momentos. Parecia mais solto. Por este acontecido, percebeu-se
que, se os alunos forem estimulados a terem esta atitude, e entenderem que a
mesma faz parte, de uma continuada e cuidadora relação paciente-médico, irão
compreendê-la e exercê-la, na íntegra, continuamente, mesmo depois de formados.
“Em qualquer profissão, tu tem que ser o melhor profissional possível.
Também quero ser atencioso, quero explicar para o paciente... Não quero
ser um médico boçal e nem quero ser grosso. Os médicos que tratam mal
os pacientes, para mim é a pior coisa que existe...” (Boca-de-leão, 2008).
Em diversos momentos, ao receberem os pacientes e chamá-los para a consulta, os
acadêmicos de medicina mantiveram distanciamento dos mesmos. Para
exemplificar, no ambulatório 1, uma aluna chamou o paciente, no corredor-sala de
espera. Estava mais de longe e posicionada de lado. O paciente se aproximou da
aluna, que se virou e foi caminhando, rumo aos consultórios, sem cumprimentá-lo.
Apenas, disse: “Pode passar”. Em outra cena, neste mesmo ambulatório, a aluna
chamou outro paciente, nominalmente. Não o cumprimentou e nem estendeu a mão.
Imediatamente, dirigiu-se para o consultório, sem interagir, mais proximamente, com
este paciente. Estas atitudes demonstraram um distanciamento da compreensão da
dimensão humana no cuidado e da humanização nos serviços de saúde.
“Mas a questão da humanização, nas aulas práticas, é pouca. Ninguém
pára e fala “você deve agir assim ou diferente”. É muito mais voltada para a
clínica, para o patológico dessa pessoa” (Orquídea, 2008).
“Quando as pessoas estão doentes, se sentem mais fragilizadas. E o
médico é uma pessoa que dá segurança...” (Margarida, 2008).
Numa cena, capturada na observação do ambulatório 2, chamou a atenção o
comportamento de distanciamento, demonstrado por alunos. No ambiente
coletivo, aguardavam duas pacientes. Em seguida, quatro acadêmicos de medicina
três alunas e um aluno chamaram uma delas. Esta era uma senhora de ar triste,
115
que foi chamada pelo grupo de modo cordial e simpático. Naquele momento, os
alunos agiram, como se a tivessem avistado, pela primeira vez. Contudo, apesar de
terem se aproximado desta paciente, de modo cordial e simpático, estes mesmos
alunos haviam passado por ali, diante desta mesma senhora, pelo menos, umas
quatro vezes, antes de chamá-la, sem demonstrarem a mesma cordialidade. Pelo
contrário, pareciam ignorar a existência desta paciente no espaço de espera.
Durante outra observação do ambulatório 5, percebeu-se um aluno chamar, pelo
nome, uma criança para a consulta médica. O aluno usava jaleco e tinha um
estetoscópio no pescoço. Ele estava num canto, na ponta do corredor, onde se
localizavam os consultórios. Cumprimentou a mãe da criança e foi para trás. E, logo
após chamar a criança, deu mais um passo para trás. Perguntou-se: ao
cumprimentar e chamar a criança, o aluno não deveria dar um passo para frente?
Em certa interação, no ambulatório 5, o docente acompanhava o aluno. O aluno fez
um sinal, chamando a mãe e a criança que chorava, um pouco, para virem para a
consulta médica. A mãe, sentada no corredor, se levantou e seguiu, atrás do aluno e
do professor, até o consultório. O que se observou, desta interação, é que tanto o
professor como o aluno não vieram ao encontro da mãe e da criança que iria ser
atendida, na consulta. Será que, apenas, o corredor estreito, é o dificultador desta
proximidade entre aluno e paciente?
Durante o ambulatório 5, chegou um aluno, no início do corredor, e chamou o
último bebê de colo. A mãe o pegou e a avó pegou o carrinho e foram ao encontro
do aluno. Só que o “aluno-médico” sumiu. estava a caminho do seu
consultório, no corredor estreito.
Em outra observação, no mesmo ambulatório, novamente, apareceu uma cena
semelhante. Passados alguns minutos, após os alunos apropriarem-se dos
prontuários dos pacientes e procederem a leitura destes, somente um dos alunos de
cada grupo vinha chamar as pessoas que, pacientemente, esperavam serem
chamadas para a consulta. Durante esse tempo, é como se o houvesse ninguém,
neste ambiente de espera, além dos acadêmicos. Num segundo momento, os
alunos de medicina chamavam os pacientes pelo nome, recebiam-nos com um
116
sorriso, com um cumprimento, e os conduziam aos respectivos consultórios.
Perguntou-se: de que maneira os alunos estão vinculados aos pacientes para, em
um momento, estarem próximos e, em outro, encontrarem-se distantes dos
mesmos? Como foi discutida a temática do vínculo e da relação paciente-médico
com os alunos?
“Não tem como o paciente se relacionar com a gente. Com todo aquele
monte de gente! Com um monte de alunos junto, um perguntando uma
coisa, outro perguntando outra coisa. É difícil do paciente estabelecer
um vínculo, assim, em uma coisa desorganizada, de certa forma. Então,
isso dá para mudar” (Boca-de-leão, 2008).
Por exemplo, acho errado em algumas aulas práticas, ter oito pessoas
dentro de um consultório. Acho isso horrível! É muito desagradável para o
paciente. Eu já me sinto mal pelo paciente. Mas infelizmente é a forma de a
gente aprender” (Orquídea, 2008).
Durante o ambulatório 2, registrou-se que muitos dos pacientes traziam
acompanhantes ao serviço de saúde. Numa oportunidade, chegaram ao segundo
andar, cerca de quinze pessoas, entre pacientes e acompanhantes. A maioria
destas pessoas dirigiu algum tipo de cumprimento para os alunos. Contudo, nem
todos os alunos notaram e responderam o gesto de cordialidade.
Por exemplo, chegou, no ambulatório 3, uma senhora aparentando idade avançada
e com dificuldade de deambulação, que caminhava a pequenos passos, com a ajuda
de uma funcionária da unidade de saúde. Ela passou, lentamente, pelo grupo de
alunos e cumprimentou a todos, gentilmente. Porém, o aluno observador
percebeu e retribuiu o cumprimento. Os demais, aparentemente, nem perceberam a
presença da senhorinha, tampouco, a sua saudação, de cortesia e cordialidade.
Por outro lado, pareceu que os pacientes não esperavam atitudes cordiais por
parte de alunos, nestes espaços de circulação coletiva. Certa vez, no ambulatório
1, o aluno observador passou, pelo espaço de espera, e cumprimentou quatro
pacientes. Apenas, dois destes responderam, de forma discreta.
Esta cena repetiu-se no ambulatório 2, quando o aluno observador, ao passar pelo
ambiente térreo de espera, repleto de pacientes, voltou-se para alguns deles,
117
desejou-lhes boa tarde, verbal e corporalmente, com acenos de cabeça, e apenas
três ou quatro das inúmeras pessoas, ali presentes, responderam a esta saudação.
O transcorrer das consultas realizadas pelos acadêmicos, também teve
peculiaridades, captadas pelos observadores. Em certa oportunidade, no
ambulatório 1, notou-se que dois grupos de alunos realizaram a consulta médica,
das 8:20 horas às 8:30 horas. Interrogou-se com que qualidade foi realizada esta
relação médico-paciente, com uma consulta que durou em torno de dez minutos?
“As práticas muitas vezes são efetivadas nas discussões de caso clínico. É
onde você tem a prática principal. As outras práticas são vagas...” (Lírio,
2008).
Em outro momento, durante o ambulatório 1, um aluno trouxe seu paciente para
coletar medidas antropométricas. A balança e o antropômetro ficavam localizados,
no espaço lúdico, num espaço físico entre os dois corredores de consultórios. Após
medir e pesar este paciente, o aluno e o paciente retornaram para a sala, onde
estava sendo realizada a consulta médica. O acadêmico seguiu, pelo corredor,
caminhando, à frente do paciente. Em nenhum momento, ficaram, lado a lado, ou
conversaram. Tampouco, este espaço do corredor, que leva aos consultórios,
permitiria tal proximidade, lado a lado, pela pequena largura. Em última análise,
refletiu-se que, também, o espaço físico foi um limitador. Não facilitou uma
interação, mais próxima, entre alunos e pacientes.
Nesta observação do ambulatório 3, notou-se que alguns alunos usavam o
estetoscópio pendurado no pescoço. Interrogou-se sobre a utilidade deste, na
consulta médica deste ambulatório, uma vez que, nas discussões de casos clínicos,
em nenhum momento, comentou-se sobre ausculta cardíaca, ausculta pulmonar,
aferição da pressão arterial. O estetoscópio era um instrumento de trabalho e,
portanto, deveria ser utilizado quando necessário, de maneira adequada, nos
cenários docente-assistenciais. E não deveria ser utilizado, exposto sobre os
ombros, como um mero diferencial. Pensou-se que o uso do estetoscópio poderia
ser rediscutido, entre todos, professores e alunos. Concluiu-se que orientações e
exemplos dos docentes, neste sentido, poderiam fazer toda a diferença.
118
Também, nesta observação do ambulatório 3, outras características importantes,
como o aspecto geral do paciente, que os alunos codificavam como “LACO” (lúcido,
atento, coerente e orientado), costumeiramente, não era descrito, nos relatos das
histórias dos pacientes. Aprofundando esta percepção, onde ficava a visão integral,
por inteiro, das pessoas-pacientes que eram atendidos e orientados em sua saúde,
nesta instituição docente-assistencial?
Identificou-se que os alunos entendem que não devem perder-se de vista a
abordagem integral dos pacientes. Contudo, dificuldades operacionais, objetivas
e subjetivas, para uma efetiva ação sobre isto.
“O importante é o contato prático. É onde você vai observar os bons e os
maus exemplos, o que falar e o que não falar, observar as situações. Talvez
depois, você saiba lidar com ela, você vai tirar proveito dessa aula” (Cravo,
2008).
“As matérias acabam ocupando bastante tempo. Deveria aumentar o tempo
de prática. E também tem a questão da qualidade. Tem aula prática que é
uma aula prática! Tem aulas práticas que são cheias de coisas. Rica
demais...” (Jasmim, 2008).
Em outra interação entre aluno e paciente, no ambulatório 5, um doutorando do 11º
período foi pesar uma criança, que chorava e não queria ser pesada. O aluno pesou
a mãe e a criança e depois, a mãe. Mas o aluno não parecia muito solto, nem à
vontade, em interagir, conversar, brincar com a criança, que continuava chorando.
Percebeu-se, neste instante, a importância da presença do professor, para
incentivar, orientar, fortalecer esta interação. Em muitos momentos, por questões
diversas, os professores não estavam presentes ou próximos.
No ambulatório 3, após a discussão da história da paciente, na sala de orientação
clínica, uma acadêmica de medicina e o professor orientador entraram, no
consultório onde acontecia esta consulta médica. Ao entrarem no consultório, com a
abertura abrupta da porta, a paciente se assustou. Deu um pulo e quase caiu da
cadeira. Refletiu-se que ambos professor e aluna poderiam ter batido na porta,
antes de entrar. Certamente, detalhes de boa educação e respeito devem estar
sempre presentes, em todos os lugares, especialmente, em um serviço de saúde.
119
Após esta cena, outra aconteceu, no espaço de espera dos usuários e pacientes,
neste mesmo ambulatório 5. Uma paciente e seu esposo estavam sentados, bem
na ponta direita do banco de concreto, duro e frio, aguardando o retorno do aluno
que realizou esta consulta dica. O aluno que a estava atendendo, passou, com o
seu prontuário, na mão, e disse para a paciente: “Tu aguardas, um pouco, aqui.” E
foi discutir a história dessa paciente com o professor, na sala de orientação e
discussão clínica. Contudo, não explicou o que iria ser feito, nem o quanto isso
poderia demorar, para a paciente e seu esposo. E demorou! Após cerca de uma
hora, ouviu-se uma indagação: “Mas sempre demora tanto assim? E demorou, mais
um pouco... Até que, finalmente, o aluno apareceu e chamou a paciente que,
desanimada e cansada, levantou e foi ao encontro da terceira e última parte de sua
consulta médica, nesta manhã.
Após as consultas médicas, os momentos de discussão das histórias dos
pacientes, também foram registrados pelos observadores. Na sala de discussão de
casos clínicos, durante o ambulatório 3, o relato de um dos alunos distanciou-se do
modo recomendado pela semiologia médica, pela ética médica e pela humanização
dos profissionais de saúde. A paciente foi descrita, pela aluna de medicina, como
“regredida, angustiada, oligofrênica, com logorréia e com grande ansiedade”.
Em certa vivência, no ambulatório 2, a paciente queria fazer um exame de
laboratório e o grupo de alunos decidiu não conceder a requisição de exame,
solicitado pela mesma. Na sala de orientação clínica, conversou-se sobre a
medicalização, a cultura dos exames complementares e como é difícil precisar-se
os limites das cnicas complementares e falar-se sobre isso. Ficou-se interrogando,
qual teria sido a maneira com que os alunos dialogaram com a paciente, sobre esta
questão, para a construção de uma correta decisão.
Em certa oportunidade, no ambulatório 1, uma aluna de medicina perguntou para a
colega: “A paciente de vocês é hiper ou hipo?”. Denotou-se, para os observadores,
uma falta de respeito, um descaso significativo, com a singularidade de cada
paciente. Onde está sendo focado, estimulado e treinado o respeito à
singularidade de cada paciente, que tem nome e endereço? Onde fica a pessoa, o
ser humano que está sendo atendido e que veio porque necessita ser cuidado?
120
Foram documentados alguns comportamentos, no ambulatório 3, tais como risadas
e conversas paralelas, por parte dos alunos e dos professores da disciplina. Estas
ações e atitudes destoaram do que parecia respeitoso e adequado para um
momento de decisões perante os momentos em que se discutia a vida do outro.
No ambulatório 3, a história de um dos pacientes foi rotulada, por um dos docentes,
como “o caso é bem interessante”. Pergunta-se: também o paciente acharia
interessante o seu caso, que é o seu problema e a sua história de saúde e de vida?
Entende-se que é fundamental treinar o aluno para escutar, sentir e acolher a
história do outro, sem rótulos, discriminações ou preconceitos.
Durante a vivência, no ambulatório 1, a impressão dos observadores, quanto à
participação dos alunos nas discussões clínicas, foi de passividade. Na maioria das
vezes, pareceu que os alunos evitavam expor-se. Apenas ouviam e pouco
dialogavam. A construção conjunta, entre alunos e professores, de condutas
terapêuticas voltadas para os pacientes, foi pequena. Como os atendimentos eram,
na maior parte das vezes, pontuais e não em continuidade, transpareceu uma
postura de neutralidade na responsabilização do cuidado com os pacientes.
Nos relatos vividos, no ambulatório 3, também sentiu-se falta de mais pessoalidade,
mais vínculo, à história de vida dos pacientes. Nesta e em todas as especialidades
médicas, os determinantes pessoais, familiares e sociais do processo saúde-
doença são fundamentais de serem revelados, conhecidos. Certamente, deveriam
ser buscados, com um especial interesse. Ampliando esta percepção, para todos os
ambulatórios observados, seria fundamental que se resgatasse, integralmente, a
dimensão individual e humana de cada paciente.
À porta da sala de orientação clínica, no ambulatório 2, dois alunos conversavam
com uma usuária do serviço, recostados na moldura da porta, sobre temas
relacionados à saúde. Eles ouviam a paciente com ares enfadonhos,
transparecendo distanciamento e desinteresse pela narrativa da mesma. Por outro
lado, a funcionária da unidade de saúde, recepcionista deste andar, abraçou a
paciente e conduziu, ela e seu acompanhante, através do corredor dos consultórios,
até chegar ao espaço coletivo de espera para as consultas. Esta profissional de
121
saúde aproximou-se desta paciente, escutou-a, independente da aparência simples
de suas vestes. Fez um verdadeiro acolhimento, no contraponto ao distanciamento
dos acadêmicos de medicina.
Em uma das consultas do ambulatório 3, o paciente e a sua acompanhante
esperavam, tempos, pela finalização da mesma. Quando conseguiram receber a
devolutiva, as orientações terapêuticas aconteceram em apenas dois minutos.
Pensou-se na desproporção de tempo e no nível de atenção dado, nestes dois
minutos. Pensou-se no dimensionamento dos tempos em uma consulta médica.
Pensou-se no comentário, indignado, emanado pelo paciente, do pouco tempo para
entender o que devia ser feito. Pensou-se em como deve ser evitado o simples
despejo de condutas para o paciente.
Muitas questões sobre as relações que os alunos têm com os pacientes foram
abordadas e aventadas nas entrevistas. Nas falas dos alunos, perceberam-se
semelhantes dificuldades das que foram detectadas nas observações. Os alunos
poderiam ter mais cuidado e responsabilidade por seus pacientes, de forma
permanente e continuada. Contudo, a maneira com que estava contemplado e
estruturado o processo de ensino e aprendizagem, através da aproximação entre a
academia e o serviço de saúde, dificultou esta efetiva ação.
A fala na sequência, buscou esclarecer esta compreensão:
“Nos quatro primeiros anos da faculdade, só se for coincidência, atender em
continuidade o mesmo paciente. Isso é muito difícil, de um retorno voltar
para a mesma pessoa, a mesma pessoa que você atendeu vir para você.
Comigo, nunca aconteceu! Não acontece! Você não continuidade. E é
ruim. Aqui parece pronto socorro. Até pela questão clínica, é importante ter
continuidade. Se cada vez é um médico, cada vez é uma conduta” (Rosa,
2008).
Os alunos entendem que é fundamental não perder-se de vista a abordagem integral
e continuada dos pacientes, como apareceu neste relato:
“Você entra na faculdade e é muito imaturo para algumas coisas. Você não
tem muita noção do que deve fazer... Você observar ajuda a refletir nas
frases corretas ou não, e a prática ajudaria nisso. Você precisa primeiro de
embasamento teórico. Talvez seja preciso um tempo de amadurecimento,
antes de entrar nas práticas” (Orquídea, 2008).
122
“Como você não uma continuidade, é ruim porque quando você sair da
faculdade, você vai ter que dar uma continuidade para o paciente. Vai ter
que ter responsabilidade disso. Você atendeu o paciente. Você tem
responsabilidade de dizer; você vai voltar, a gente vai sentar... Você vai
entender os outros problemas do paciente!” (Rosa, 2008).
4.4.4 Relação alunos com funcionários
4.4.4.1 Sistemática e fluxo dentro da unidade docente-assistencial
Os usuários-pacientes chegavam à unidade de saúde docente-assistencial e, no
andar térreo, eram recebidos pelas recepcionistas deste serviço, onde recebiam um
atendimento inicial. No saguão de entrada, havia um ambiente de espera, onde os
usuários ficavam sentados e aguardavam o primeiro chamamento para as consultas,
que era realizado por recepcionistas dos dois andares da unidade de saúde.
Estas recepcionistas, em número de duas, responsáveis pela organização dos
ambulatórios, de cada andar, acompanhavam os pacientes, através de uma rampa
de acesso, do saguão de entrada até cada sala de espera, em cada andar, e
traziam, junto, os prontuários de atendimento. Nos primeiro e segundo andares, os
pacientes ficavam sentados, nos ambientes adaptados para espera, aguardando
serem chamados pelos alunos ou pelos professores, para as consultas médicas.
Nesta unidade de serviço docente-assistencial, observou-se que não existe um
momento inicial de apresentação e aproximação, entre todos os profissionais de
saúde. Seria importante existir esta proximidade entre os funcionários, os
professores e os alunos, no início de suas atividades práticas. Tal proximidade, entre
todos os que transitam nestes cenários, poderia proporcionar uma maior qualidade e
efetividade nas inter-relações, otimizando os papéis de cada profissional, neste
serviço de saúde.
123
4.4.4.2 Interações de proximidade entre alunos e funcionários
No presente estudo, é importante citar-se a importância na existência de
proximidade entre todos os profissionais de saúde, em uma unidade docente-
assistencial. Em várias oportunidades, estes foram citados, por demonstrarem, em
suas ações e atitudes, comportamento e educação irrepreensíveis. Nesta unidade
docente-assistencial, encontraram-se dezessete profissionais de saúde, que
exerciam distintas funções, neste serviço, a saber: enfermagem, técnicos de
enfermagem, auxiliares de enfermagem, recepcionistas, agentes comunitários de
saúde, auxiliares administrativos, universitários bolsistas, auxiliares de limpeza e
vigias.
Em poucas oportunidades, registraram-se inter-relações de proximidade entre os
acadêmicos de graduação do curso de medicina e os funcionários, profissionais da
unidade de saúde.
“Achei fantástico essa questão de mudar na disciplina W. De pegar um
posto, de estar ali. Você cria um vínculo. Você chega, os agentes
comunitários têm liberdade de vir falar com a gente. Criam um vínculo.
ficou diferente! A gente não está apenas usufruindo do espaço. Achei muito
bom! Antes, você ia uma vez em cada posto” ( Flor-de-lotus, 2008).
Acredita-se que, um dos fatores dificultadores da interação dos alunos com os
funcionários, seja uma não apresentação e aproximação, no início da entrada dos
alunos de medicina, para exercerem as atividades práticas, nos ambulatórios desta
unidade de saúde. Outro fator que poderia-se detectar, como dificultador, era a não
avaliação da organização e do funcionamento dos ambulatórios, nesta unidade
de saúde, com reuniões de serviço, com a participação, efetiva, de professores,
alunos, funcionários e usuários.
Portanto, algumas interações entre os alunos e os funcionários foram observadas,
nos andares por onde circularam os alunos, nas atividades práticas deste serviço de
saúde.
124
No andar térreo, encontrava-se o balcão de recepção dos pacientes. Próximo deste
balcão aconteceu um momento de interação entre uma funcionária da unidade de
saúde, recepcionista, e a observadora. Esta recepcionista comentou as ações e
atitudes de um aluno de medicina. Ela afirmou: “a gente vê, logo, quem vai ser bom,
quem tem interesse…”. “Fiquei vendo ele, ali, cabelinho molhado, todo
compenetrado, escrevendo”. “Vai ser um dos alunos bons...”. “Se percebe, aqui,
quais destes vão ser os bons médicos, no futuro”. A fala desta funcionária traduziu a
percepção, que os funcionários têm, das competências individuais, dos alunos, que
fazem diferença para estes serem bons profissionais de saúde, bons médicos.
“Eu gosto muito das enfermeiras A e B. São bem legais, nunca tive
problema com elas. que a gente podia se encontrar mais, ver o que elas
fazem. Se juntar mais...” ( Orquídea, 2008).
Durante o ambulatório 2, pode-se compreender o significado de uma interação
positiva, quando os últimos três alunos deste período, ao saírem da atividade
prática, juntaram os prontuários dos pacientes atendidos e que foram discutidos na
sala de orientação clínica, e os deixaram, sobre a mesa de apoio, localizada no
centro deste espaço coletivo de espera. Na sequência, despediram-se da
recepcionista do andar e desceram pelas escadas. Demonstraram, com esta atitude,
respeito, organização, responsabilidade e cuidado com os pacientes, com a
funcionária e recepcionista do andar e com os registros dos relatos nos prontuários
de saúde.
Em uma oportunidade, no ambulatório 5, um aluno da medicina aproximou-se da
mesa de distribuição dos prontuários, para preencher os dados do paciente que ele
atendeu no seu prontuário. Durante um bom tempo, de forma bem próxima, ficou
conversando com a recepcionista deste andar.
A recepcionista deste andar, funcionária responsável pelo apoio, organização e
andamento dos atendimentos clínicos, sempre foi muito cordial com os alunos, com
os professores, com os pacientes. Enfim, com todos. Em vários momentos, falava e
orientava os alunos, numa relação de proximidade e cordialidade.
125
Através do relato de uma aluna, foi comentada a sua percepção dessa profissional
de saúde:
Mas, aquela funcionária, lá do andar, recepcionista, aquela senhora é
fantástica! Eu acho tão bonitinha ela ali...” (Flor-de-lotus, 2008).
Em certa ocasião, no ambulatório 3, um aluno perguntou a esta funcionária, onde
andava o pessoal deste ambulatório. Ela não soube informar, se havia pacientes,
aguardando. Mas confirmou não ter avistado ninguém, deste estágio, nem alunos e
nem professores. Imediatamente, ela usou o telefone, afixado na parede, e
confirmou, com a colega do andar térreo, que não havia pacientes. A justificativa era
de que o professor teria ligado e desmarcado o ambulatório, dois dias antes. A
funcionária foi cordial, solícita, próxima aos alunos.
4.4.4.3 Interações com interferência entre alunos e funcionários
Neste estudo, o registro de acadêmicos que interagiam com os funcionários da
unidade de saúde foi, o minimamente necessário e conveniente. Em linhas gerais,
detectou-se uma interação pequena e frágil, entre os funcionários e os alunos, que
desempenhavam atividades práticas, neste espaço docente-assistencial.
A escassez de inter-relações entre alunos e funcionários não proporcionou uma
construção contínua e efetiva, enfocando a importância e a qualidade destas
interações para todos, entenda-se, para os alunos, funcionários, docentes, pacientes
e para o serviço de saúde, como um todo.
No ambulatório 2, a funcionária – recepcionista do segundo andar trazia uma
paciente, com um carrinho elétrico, através de uma rampa. Em nenhum momento,
algum dos acadêmicos interagiu com esta funcionária, tampouco, com a paciente.
Percebeu-se que a recepcionista do segundo andar não usava nenhuma
identificação pessoal e profissional. Vestia, apenas, um jaleco branco. Até então,
126
percebeu-se que a maioria dos alunos (inclusive os observadores) desconhecia seu
nome. Ela conduzia os pacientes, pelas rampas, e trazia os prontuários, sob o braço.
Também, em um momento de observação, durante as atividades do ambulatório 3,
percebeu-se que os alunos interagiam, apenas eventualmente, com a recepcionista
do terceiro andar, pessoa de notável simpatia e cordialidade.
Em certa fala de um aluno de medicina, na sala de orientação clínica, durante uma
observação no ambulatório 1, houve referência às técnicas de enfermagem. Este
aluno relatava um acontecido, num hospital local. Segundo a fala do aluno: “certo
dia, quando um paciente hospitalizado estava passando mal, as mulheres vinham
correndo...”. Quando este aluno chamou as técnicas de enfermagem de “mulheres”,
demonstrou uma falta de respeito e reconhecimento, do valor, da importância e do
trabalho, de todos os profissionais de uma equipe de saúde.
No ambulatório 2, a chegada dos pacientes causava movimento e agitação entre os
alunos, que se organizavam nos grupos, por afinidades. Os alunos de medicina
agilizavam-se para pegarem os prontuários dos pacientes. Ouviam-se os
comentários para atenderem, logo, para poderem ir embora, porque esta seria a
única atividade da tarde. Assim, cerca de quinze a vinte acadêmicos cercavam a
funcionária, recepcionista do andar, enquanto ela organizava os prontuários, sobre
a mesa de apoio, existente no ambiente maior de espera. Esta recepcionista fazia a
conferência dos pacientes, que estavam presentes para consulta.
Nesta oportunidade, alguns alunos pegavam, rapidamente, os prontuários.
Observou-se a avidez destes, em abrirem, folhearem e lerem os escritos contidos
nestes registros de prontuários. Pois, os abriam ainda, ali, sobre a mesa de apoio,
ou, seguiam lendo-os, através dos corredores, quando estavam se dirigindo para os
consultórios de atendimento.
Pode-se exemplificar o distanciamento entre os alunos e os funcionários, no
ambiente coletivo de espera, em uma conversa entre os acadêmicos e uma paciente
da unidade de saúde. Esta conversa, a funcionária acompanhava, à distância,
apesar de estar próxima. Em nenhum momento, interferiu ou foi chamada para
tomar parte da mesma.
127
Na dinâmica de um ambulatório, chamou a atenção que nenhuma funcionária, da
unidade de saúde, recolhia os prontuários e os receituários de controle especial,
após os atendimentos das consultas médicas, na tarde, deste dia. Na finalização do
ambulatório, os observadores recolheram todo o material deixado, sobre a mesa, e o
entregaram para uma recepcionista, no andar rreo. Refletiu-se que os alunos não
se responsabilizavam por estes documentos, tampouco, sabiam qual a funcionária
responsável por esta ação, na unidade de saúde.
No seguimento, perguntou-se à recepcionista do andar térreo, porque estes
documentos tinham ficado, no andar, neste final de tarde. A resposta dela foi de que
isso ocorria, excepcionalmente, neste dia da semana, à tarde, porque a
recepcionista do andar saía, às 17:00 horas, neste dia. Ela também falou que não
via problemas, no fato de os prontuários permanecerem, no andar, toda a noite, até
a manhã, do dia seguinte. Quando, então, seriam recolhidos e arquivados.
Perguntou-se: quem deve ser o responsável para guardar, com cuidado, e
responsabilidade, todos estes documentos de pacientes, com tantas histórias de
saúde e de vida?
No último dia de observação do ambulatório 3, dia de encerramento de
atividades, para este semestre, observou-se poucos alunos despedindo-se de
funcionários, nesta unidade docente-assistencial.
Sentiu-se falta de reuniões de avaliação deste serviço de saúde, com a
participação de todos estes sujeitos, incluindo os acadêmicos de graduação do
curso de medicina, acadêmicos de outros cursos da área da saúde, dos docentes,
dos funcionários. Isto poderia proporcionar uma maior proximidade entre todos. E,
importantes melhorias na organização e no funcionamento, desta unidade de saúde.
Sentiu-se falta de um fechamento, de uma finalização, de uma conclusão na
interação entre todos estes sujeitos, entre todos os que estiveram se cruzando,
por mais um ciclo, nestes, vários ambulatórios, durante o semestre.
Em todas estas inter-relações observadas, refletiu-se sobre a falta de acolhimento e
a falta de orientações-informações para os alunos. Isto faria com que estes
128
tivessem uma vinculação, muito maior, com a equipe de funcionários e com o
serviço de saúde, da unidade de ensino-aprendizagem, como um todo. Analisou-se
que, esta proximidade e esta integração, reforçariam a interdisciplinaridade e um
trabalho responsabilizado de saúde, em equipe.
Segundo a fala de uma aluna, pouca aproximação existe entre eles e os funcionários
deste serviço de saúde:
“Em aula prática, ninguém trabalhou isso assim... a enfermeira, a atendente,
nem o professor. Em nenhum momento, eu me lembro de alguém ter falado
sobre isso. Em sala de aula já foi comentado sobre isso, afinal, somos
humanos! Mas aonde mais pega essa questão é que isso depende de cada
um. Eu posso falar de mim, que não existe nenhuma diferença entre uma
pessoa e outra para mim” (Lírio, 2008).
4.4.5 Relação alunos com observadores
Também foram dignas de nota as interações dos acadêmicos de medicina com os
observadores, na unidade de saúde. O observador era acadêmico do curso de
medicina e a observadora, docente do curso de medicina, na disciplina de medicina
de família e comunidade, durante o ciclo profissionalizante da graduação. Portanto,
ambos os observadores eram conhecidos por, praticamente, todos os alunos.
Muitas situações das inter-relações com os observadores foram registradas. Em
vários momentos, as cenas e as falas captadas foram relevantes, caracterizando
interferências positivas ou negativas, junto a vários grupos: alunos de medicina,
alunos de outras áreas da saúde, docentes, funcionários, pacientes.
4.4.5.1 Interações de proximidade entre alunos e observadores
129
Em todos os cenários de observação, nas atividades práticas dos ambulatórios, os
observadores foram bem recebidos. Na maioria das oportunidades, nos
ambulatórios observados, registraram-se interações positivas.
Chamou a atenção que, nos diversos espaços coletivos nos quais os observadores
estiveram presentes, praticamente, não se questionou a presença destes.
Um fato que os observadores evidenciaram, é a importância de chegar-se, cedo, no
cenário de observação. Estes ressaltaram que quando se chegava cedo, tinha-se
tempo hábil para sentir-se, mais à vontade, no espaço a ser observado, e capturar,
com mais proximidade, todo o fluxo de chegada dos diversos atores observados.
Para elucidar melhor esta evidência, antes do início do ambulatório 5, houveram
algumas cenas registradas. Em uma delas, uma das alunas da medicina dirigiu-se
ao observador, para comentar sobre uma apresentação deste, em uma jornada
organizada por uma disciplina do curso de medicina, acontecida na semana anterior.
Em alguns minutos de conversa, a aluna fez comentários positivos sobre a
apresentação e salientou que o tema da apresentação gerou discussão e reflexão,
em casa, com o marido, que é profissional de saúde.
Algumas inter-relações dos alunos de medicina com os observadores,
aconteciam, fora do prédio da unidade docente-assistencial. Em uma situação, uma
acadêmica, de um curso da área da saúde, encontrou a observadora, esperou-a e
perguntou: “Vamos pelas escadas?”.
No ambulatório 1, o acadêmico de medicina, do internato médico, cumprimentou a
observadora, nos corredores, dizendo: “Oi profe, como está?”.
No ambulatório 3, apontou-se os comentários dos docentes, sobre os escritos e os
registros dos observadores. Neste mesmo ambulatório 3, apareceram
questionamentos, isolados, de alguns alunos, que perguntavam o que os
observadores faziam. Um aluno da medicina, em duas oportunidades, dirigiu-se à
observadora e pediu o que tanto ela escrevia, naquele caderno, dizendo: “Espero
que esteja escrevendo somente coisas boas sobre mim...”.
130
No ambulatório 4, causou estranheza aos acadêmicos a presença do colega,
observador, sentado, no banco de concreto utilizado pelos pacientes, no espaço
coletivo de espera das consultas, a fazer registros em um caderno. Alguns
brincaram com o observador e perguntaram o que fazia ele, ainda ali, na unidade de
saúde. Este desconversou, dizendo: “nada, nada demais...”.
No ambulatório 5, uma aluna passou e perguntou para a observadora: “Que tanto a
professora escreve?”. E esta respondeu: “Dá quase para cansar…”. Outro aluno
perguntou, nesta mesma oportunidade: “É uma ata que a professora está fazendo?”
E esta respondeu: “Quase...”.
Durante certa vivência, no ambulatório 5, três alunos passaram pelo corredor-sala
de espera, por várias vezes. Embora, praticamente, não houvesse interação com os
pacientes, houve interação com os observadores. Entre cumprimentos e acenos,
com a cabeça, um deles parou e cumprimentou, com a mão, o observador.
Em outro momento, do ambulatório 3, dois acadêmicos aproximaram-se do
observador e conversaram sobre assuntos aleatórios. Na sequência, a observadora
aproximou-se desta roda de conversa. Um acadêmico perguntou para a observadora
se ela seria docente para as turmas de internato. A observadora respondeu que não,
seguiria como professora do ciclo profissionalizante (5º ao 8º).
Em outra vivência, registrada no ambulatório 1, uma aluna do internato médico, ao
entrar na sala de orientação clínica, encontrou e interagiu com a observadora,
dizendo: “Por hoje, encerrou!”. Quando questionada, se tinha terminado de
atender os pacientes, respondeu: “Nesta especialidade, é rapidinho...”.
Nas escadas da unidade de saúde, que levavam aos ambulatórios, os acadêmicos
do curso de medicina cumprimentaram o observador. Demonstraram, cordialidade
e afeto, entre colegas.
Em um momento registrado, no ambulatório 2, cinco alunos adentraram, a sala de
orientação clínica, e dois cumprimentaram a observadora. Um deles perguntou a ela,
131
sobre um show. Outro aluno chegou, mais perto, saudou-a, com um beijo, e afirmou
que guardaria a mochila, para ficar menos pesado.
Numa cena registrada, no ambulatório 3, um aluno cedeu seu assento para a
observadora, que chegou atrasada. Esta atitude do acadêmico demonstrou boa
educação, cortesia e respeito. Poderia ter sido reforçada pelo docente.
No ambulatório 5, quatro alunos - um aluno e três alunas, chegaram com um atraso
de dez minutos, às 8:10 horas. Dois alunos foram, diretamente, para a sala de
orientação clínica. Todos foram simpáticos com a observadora. Sorriram e
disseram: “Bom dia, profe!”.
Em outra oportunidade, nesta mesma unidade, outra acadêmica de um curso da
saúde, que subia as rampas, esperou pelo observador, que fazia o mesmo caminho.
Nestas duas oportunidades, conversou-se sobre temas aleatórios, demonstrando
cordialidade e simpatia.
Em uma situação, no ambulatório 1, um aluno do curso de medicina, caminhava, à
frente da observadora. Chegou à sala de orientação clínica e, diante do vazio da
sala, voltou-se para a observadora e perguntou: “Será que os alunos já foram
atender?”. Com esta atitude, demonstrou preocupação com o seu compromisso,
com os seus colegas. E, neste momento, se aproximou da observadora, para
esclarecer o que estava acontecendo.
No ambulatório 2, durante o momento de discussão de uma história clínica, o
docente da disciplina convidou os alunos para dirigirem-se, para outro ambiente,
mais tranquilo, para uma construção conjunta sobre as condutas terapêuticas. Em
seguida, o aluno-observador e o docente convidaram a observadora para ir, com o
grupo, a este outro espaço de discussão. Tiveram uma abertura de proximidade,
com todos os presentes.
Na maior parte das vezes, no momento de relatar a história do paciente, os alunos
interagiam, pouco, com os presentes. Tinham pouca atenção na linguagem corporal,
132
no contato visual, no tom de voz, na maneira de se relacionar e se aproximar do
outro.
Em outro momento, durante observação do ambulatório 5, um acadêmico do
internato veio, espontaneamente, interagir com os observadores. Comentou sobre
uma entrevista que viu, na televisão, com Patch Adams. Ele trouxe considerações
importantes, sobre a postura e a inspiração deste modelo de profissional de
saúde. Citou que a convivência com uma pessoa, um profissional assim, pode ser
contagiante, pelo seu exemplo, sua fala e seus gestos, e que deveriam ter muito
mais pessoas assim. Comentou-se, também, sobre o DVD dos Doutores da Alegria,
de São Paulo. Todos estes excelentes exemplos de humanização.
4.4.5.2 Interações com interferência entre alunos e observadores
Na maior parte das vivências de campo, nos ambulatórios observados, não houve
perguntas, questionamentos, sobre os motivos da presença dos observadores,
nos cenários de atividades práticas, como se descreveu, abaixo.
Durante uma saída de campo, na parte externa da unidade de saúde, quatro
acadêmicas passaram pelo observador e, apenas uma, percebeu, de imediato, a
sua presença. Esta o cumprimentou, de maneira tímida e introspectiva. Esta atitude
foi seguida, por mais uma das suas amigas, que o fez, de modo ainda mais discreto
e introspectivo. A partir disso, se fez uma reflexão. Se a não percepção do
observador pelas acadêmicas, fora pela falta do jaleco, que uniformizava e
padronizava o acadêmico do curso de medicina. Como, naquele momento, o
elemento jaleco estava ausente, talvez o colega e observador não fosse distinguido,
do restante do público, usuário deste espaço coletivo, pois, habitualmente, este
público era pouco considerado, pelos acadêmicos que transitavam por ali.
No ambulatório 1, a presença dos observadores não foi questionada pelos alunos,
nem foram solicitadas explicações, sobre suas presenças, neste espaço docente-
assistencial de saúde.
133
Em certa ocasião, no ambulatório 3, um aluno de medicina entrou no recinto e nem
dirigiu o olhar para a observadora. Alguns alunos pareciam ignorar a presença dos
observadores, embora os conhecessem de outros lugares e de outros momentos.
Na observação deste ambulatório, a maioria dos alunos do internato médico, em
outra atividade curricular, parou e cumprimentou o observador. Contudo, três
acadêmicas, bem como um professor de medicina, passaram direto. E, foram-se,
sem interagir, alheios e absortos em seus pensamentos.
Outra vivência foi observada, no interior da sala de orientação clínica, no
ambulatório 3. Uma aluna de medicina, com ar mais sério, mais reservada e
introvertida, entrou, neste espaço de discussão clínica, não olhou para a
observadora e foi para o outro lado da mesa. Não interagiu, em nenhum momento, e
nada mais aconteceu.
Em outra oportunidade, durante as atividades do ambulatório 3, observou-se a
acadêmica de medicina, acompanhada por outro acadêmico de outro período
passar, pelo ambiente térreo de espera. Nenhum deles interagiu com os presentes
no ambiente. Passaram pelo observador, por usuários e por funcionários, sem
dirigirem palavras e nem cumprimentos. Apanharam o prontuário de um paciente, no
balcão de recepção e voltaram, pelo mesmo caminho, com a mesma atitude, sem
perceber o observador, que os seguiu, com o olhar. Apenas, quando chegou um
terceiro colega, que já percebera o colega-observador, em posição de registro, é que
cumprimentos foram dirigidos ao observador, antes de todos subirem, rapidamente,
as escadas.
No ambulatório 4, todos os alunos passavam pelas pessoas, que se encontravam,
no ambiente de espera dos pacientes. Destes, apenas dois ou três alunos repararam
que havia um colega, sentado, a escrever. Estes perguntaram o que este colega
estava fazendo, ali, neste local. Não foram dadas maiores explicações e, realmente,
ninguém mais quis insistir em saber.
Neste ambulatório 4, um grupo de alunos e professores vinha caminhando, pelo
corredor, num bloco único. Destes alunos, a maioria desceu pelas escadas, tomando
134
o caminho, à sua direita. Alguns se dirigiram, até a mesa de apoio, para deixar o
prontuário do paciente e preencher o boletim de atendimento dos usuários. Os
professores também estavam próximos, e buscavam suas coisas, ao redor da mesa.
Alguns alunos interagiram com o aluno-observador e perguntaram o que fazia, ali, na
unidade de saúde. Este desconversou, dizendo “nada, nada demais...”.
Em outro momento, neste ambulatório, na despedida dos alunos para seguirem
para a próxima atividade - uma aula teórica, em outro local, os alunos, num total de
seis, saíram rápido. Apenas dois deles despediram-se, simpaticamente, da
observadora.
No ambulatório 2, um aluno sem identificação, chegou e passou, pelo corredor.
Olhou para a observadora, se perguntando o que ela fazia, ali, escrevendo.
Demonstrou em seu rosto um sorriso, engraçado, e subiu, novamente, pelas
escadas. Até onde foi a observação, não se descobriu em qual piso este acadêmico
desempenhava atividades práticas, pois o mesmo, habitualmente, vagava pelos
corredores.
no ambulatório 5, a observadora estava sentada, na mesa dos professores,
quando uma acadêmica de medicina aproximou-se, com o prontuário de um
paciente, em mãos. Ela ficou, do lado da mesa, sem nada dizer. A observadora
percebeu a movimentação e a presença desta aluna, deduziu que ela desejava
conversar com o professor. Como faltavam cadeiras para todos, a observadora
levantou-se e cedeu o espaço para a aluna. Não escutou nem ao menos um “muito
obrigada”, em retribuição.
Por outro lado, alguns destes acadêmicos do internato médico, não conheciam,
previamente, a observadora. Isto aconteceu porque esta, enquanto professora,
licenciou-se das aulas do curso de medicina, durante um semestre letivo. O que não
justifica o não olhar, a falta de cordialidade e de boa educação.
Durante o ambulatório 5, um aluno do internato médico chegou e disse: “Dez horas,
e não tem mais paciente? Que absurdo! De doze pacientes, faltaram cinco!”. E
aproximou-se, um pouco mais, da observadora e disse: “Deveriam ver um esquema,
135
para não faltarem mais, tantos pacientes... Quem sabe, cobrar R$ 5,00 ou cobrar
um quilo de alimento, não perecível! Daí, talvez, os pacientes não faltassem tanto”.
Ficou pensando, um pouco, e comentou: “E isso acontece, em todas as disciplinas,
sem exceção!”.
Ficou-se, pensando e refletindo, sobre o que tinha se acabado de ouvir. Será que
estas seriam as únicas medidas para trazer, conscientizar e responsabilizar os
pacientes, os clientes, os usuários deste serviço de saúde?
5 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
“Eis o meu segredo. É muito simples: se bem com
o coração. O essencial é invisível para os olhos. Os
homens esqueceram essa verdade. Mas tu não a deves
esquecer. Tu te tornas, eternamente responsável, por
aquilo que tu cativas. Tu és responsável por...” (SAINT-
EXUPÉRY, 1944, p.70).
A partir do encontrado e relatado, nas cinco categorias de inter-relações dos alunos
do curso de medicina em seu universo de percepções, ações e atitudes, diárias,
buscou-se, neste capítulo, aproximar estes dados com os existentes na literatura
atual, focando dois eixos centrais:
1. a humanização e os cenários- espaços coletivos;
2. a humanização e os sujeitos da pesquisa- pessoas.
Para que a humanização aconteça, integralmente, em todos estes níveis, seria
fundamental que ela fosse, realmente, uma atitude de todos, no cuidado em saúde.
Certamente, não teria como abordar-se o tema humanização e pessoas, sem
perpassar-se pelos espaços de saúde e pela formação e atuação idealizada destes
profissionais.
A humanização, enquanto uma atitude comprometida, responsável e processual do
profissional de saúde, fez refletir-se sobre a extensão multidimensional que a mesma
abrangia, no momento em que a mesma era focada, no dia-a-dia dos cenários de
saúde.
No presente estudo, reconheceu-se, identificou-se e julgou-se a ética e o sentido
dos valores que permearam as ações e atitudes dos alunos de uma escola médica,
enquanto humanos a estabelecerem a construção de relações com outros seres
humanos.
137
Nas descrições que se seguem, refletiu-se sobre o que foi mais chamativo nas
percepções e análises dos observadores, a partir das relações cotidianas dos
alunos.
Procedeu-se ao detalhamento e discussão dos dados encontrados nas observações
e nas entrevistas dos alunos, comparando-os com os da literatura acadêmica. Esta
aproximação buscou ilustrar o que foi encontrado, nas saídas de campo.
Um dado importante identificado pela observadora, com relação aos dados
encontrados nos resultados, é que a partir da tima entrevista realizada pela
observadora, os relatos dos alunos iniciaram a repetir-se, como uma constante.
5.1 Humanização e cenários – espaços coletivos
Ao observar-se, no lado externo, o prédio de três andares, onde aconteceu este
trabalho de campo, evidenciou-se o número deste bloco e o nome do mesmo, em
letras maiores. A numeração presente no bloco foi importante de ser evidenciada,
pois muitas pessoas buscavam orientação e sinalização, através deste número.
A presença de nome no serviço de saúde, também foi um sinalizador importante,
pois, através dele, muitas pessoas sabiam que ali, naquele espaço, existiam
ambulatórios de diversas áreas da saúde. Pensou-se que seria oportuno existir uma
placa, um pouco menor, identificando todas as áreas em funcionamento, neste
serviço de saúde. Refletiu-se sobre o nome Instituto de Medicina de Família e
Comunitária. Seria um nome que acolhia, com proximidade, as pessoas que vinham
a este espaço, buscar cuidados e melhoras para a sua saúde?
Com relação ao paisagismo, em torno deste prédio, observou-se pequeno cuidado
com o mesmo, inexistindo áreas de descanso e de recreação com sombra, nem
árvores e canteiros com folhagens e flores. O estacionamento, localizado na frente
do prédio, era de terra e carecia de pavimentação. Seria oportuno readaptá-lo com
138
um material de maior durabilidade, que facilitasse o trânsito e o acesso das pessoas
que chegavam a este serviço de saúde.
A entrada do prédio era realizada, através de uma grande e ampla porta de vidro,
com sinalização de faixas de segurança vermelhas.
Na recepção, do andar rreo, percebeu-se a necessidade de ter-se uma placa de
sinalização “RECEPÇÃO”, enquanto um facilitador para a aproximação e o
atendimento das pessoas. Em alguns momentos, percebeu-se o não uso do crachá
de identificação, por parte dos funcionários da unidade de saúde, o que favoreceria
e facilitaria as relações entre as pessoas. Neste andar, muitas salas ainda careciam
de placas de sinalização, enquanto um facilitador do trânsito, por este espaço.
Neste andar térreo, existia um excelente espaço coletivo para a circulação das
pessoas. As cadeiras de espera ficavam dispostas, de uma maneira a permitirem
que as pessoas andassem e sentassem, relativamente confortáveis, se assim o
quisessem. Neste andar, a iluminação natural era suficientemente boa. A ventilação
era adequada e não se sentiu necessidade de ligar o ar condicionado.
no primeiro e no segundo piso, a grande maioria dos espaços coletivos utilizados
pelas pessoas, não tinham janelas para privilegiar uma ventilação e iluminação
natural, a fim de manter-se uma circulação adequada de ar e uma vista agradável,
para um mato verde de eucaliptos, localizado nos fundos deste prédio. Com isto, era
uma constante o uso de luz artificial, no interior dos espaços de espera e em todos
os corredores dos andares.
Nas paredes, o tom branco era a cor que estava presente, como uma constante. O
mesmo branco, desde a inauguração do prédio, em 2002, conforme informações
coletadas em entrevista a uma profissional de saúde, funcionária da Unidade desde
sua inauguração (APÊNDICE E).
Percebeu-se que os usuários e pacientes estavam sempre atentos aos cartazes e
recomendações, afixados nas paredes e murais da unidade de saúde. Contudo, os
murais presentes em algumas paredes dos espaços coletivos, no rreo, primeiro e
139
segundo andar, apresentaram, quase como uma constante, informações e
orientações voltadas, essencialmente, para a doença.
Um dia, estando os observadores sentados, por um bom tempo, neste espaço de
espera, refletiu-se o que este foco, a doença, gerava para os pacientes,
inconscientemente, enquanto aguardavam as consultas.
Segundo um ensaio (MONASTERIO, 1982, apud BLASCO, 2002), o médico deve
percorrer um caminho entre o que ocorre quando a pessoa está doente e o
significado que esta enfermidade tem para ela. Ele ressalta que a doença é uma
maneira de estar na vida, com linguagem e símbolos próprios e que um médico
sensível, realizará as decodificações adequadas dos significados, sendo um receptor
destes sinais e deve vivê-los e aprendê-los, em sua prática.
Percebeu-se que seria importante transformar este cenário num espaço saudável,
com notícias, informações e orientações voltadas para o bem-estar e a melhora das
condições de saúde das pessoas. Pensou-se que poderia ser criado um mural
interativo, com a participação dos profissionais de saúde e da população, enquanto
um espaço de aproximação entre as pessoas, e de efetiva participação social.
Com relação aos locais onde os pacientes sentavam e aguardavam as suas
consultas, foi difícil definir-se o grau de confortabilidade, que o mesmo gerava entre
as pessoas. Era duro, frio e desconfortável. Nada aconchegante e acolhedor. No
momento em que se espera por uma consulta médica, um turbilhão de questões
passam pela cabeça das pessoas. Seria, no mínimo, respeitoso, que fosse oferecido
um espaço agradável de ficar e de esperar.
Próximo a este local, encontrava-se uma mesa, com algumas revistas, nem atuais e
nem inteiras, para os pacientes acessarem e lerem. Pensou-se quantos materiais de
informação e comunicação adequados poderiam ser utilizados, para “passar o
tempo” de forma tranqüila e proveitosa.
O que chamou a atenção, de maneira significativa, foram os espaços de espera
coletivos, no primeiro e no segundo andar, serem espaços de passagem das
140
pessoas, o que justificou, em parte, o quase inexistente contato dos alunos com os
pacientes, nestes espaços. Pensou-se que este local de espera deveria ser revisado
e readaptado, para tornar-se um novo espaço, ideal, enquanto uma sala onde
permanecem por um bom tempo os pacientes.
Percebeu-se que a maneira com que foi planejado e organizado o espaço físico
coletivo, neste serviço de saúde, foi um fator de substancial interferência na
possibilidade de positivas interações entre as pessoas. Percebeu-se que a sala de
espera e de aguardo dos pacientes para as consultas, deveria contemplar um
espaço agradável, acolhedor e facilitador para estas interações. Contudo,
evidenciou-se este espaço de espera ser um corredor de passagem. Portanto,
normal, que as pessoas, incessantemente, apenas, passassem, por ali. Todas elas,
literalmente, não paravam, não olhavam e não interagiam com os pacientes.
A maneira que estavam dispostas as salas dos consultórios, localizadas em grandes
corredores, igualmente, dificultavam as aproximações e as inter-relações pessoais,
como apontado, em uma observação, na qual o aluno seguia à frente, e não lado a
lado, com o paciente, rumo ao consultório.
No curso de medicina, a grande maioria das disciplinas, dos docentes e dos alunos,
vivencia o fazer saúde, apenas, no espaço do consultório, enquanto uma
proximidade individual. No presente estudo, entendeu-se ser fundamental repensar
os ambientes coletivos onde os pacientes ficam e aguardam atendimento, para
que estes se tornem agradáveis, acolhedores e saudáveis.
Enquanto ação coletiva em saúde, coloca-se como proposta, a revisão destes
espaços físicos de interações para que o diálogo, a proximidade e o
aconselhamento, possam ser privilegiados. Esses novos e readequados espaços
físicos poderiam contemplar a realização de momentos de educação em saúde,
junto à população, de maneira continuada e integrativa.
A importância da educação em saúde aparece como destaque, enquanto um
instrumento teórico-prático estratégico, de proximidade entre as pessoas. Estes
espaços coletivos de espera, por onde circulavam alunos, professores, funcionários
141
e pacientes poderiam privilegiar uma aproximação, entre todos estes pesssoas,
através de diálogos e trocas de informação, para uma melhor compreensão de
saúde.
O trabalho com grupos nos leva a compreender melhor os saberes existentes na
comunidade, o que proporciona um espaço de trocas e construção de novos
saberes e favorece a auto-estima, a coerência e o sentido da vida, numa continuada
possibilidade de relações de poder (FREITAS et al., 2006, apud CUTOLO, 2006).
Concretamente, os pacientes necessitam de um local aconchegante, que inspire
tranqüilidade e bem estar e que favoreça a distração e o relaxamento, enquanto
aguardam pelas consultas. Estes locais poderiam ter plantas, peixes, fontes de
água, música ambiente, televisão, água para beber, revistas atualizadas e uma
brinquedoteca. Este ambiente deveria ser, física e emocionalmente, agradável para
favorecer as relações entre pacientes, familiares e a equipe de saúde,
proporcionando a formação de um vínculo fortalecido (KNOBEL, 2008).
Para haver humanização, deve acontecer comunicação, numa possibilidade de falar
e de ouvir, proximamente, com os nossos semelhantes. Para criar ambientes que se
comunicam com as pessoas, de forma humanizada, deve-se ter instrumentos
simbólicos, que demonstrem a ação do bem acolher, tais como música e brinquedos.
A musicoterapia permite o desenvolvimento de um processo terapêutico, através da
mobilização de reações bio-psico-sociais na pessoa, com o propósito de minimizar
seus problemas. A brinquedoteca surge como um espaço estruturado para incentivar
as crianças a resgatar experiências positivas, a partir do cotidiano, estimular seus
sentidos e suas habilidades, estabelecer novas relações e expressões. Um espaço
lúdico tem um papel fundamental na assistência a pacientes infantis, pois, neste
ambiente, a criança se sentirá segura e acolhida (KNOBEL, 2008).
As salas de espera onde permanecem os pacientes deveriam ser cuidadas, assim
como se cuidam dos pacientes, pois, em sua essência, para o âmbito da saúde, o
conceito de cuidado aproxima-se do conceito de humanização. Em suma, entende-
se que a percepção, a atitude, o planejamento e a execução de mudanças nestes
142
espaços ambientais, são etapas fundamentais, para uma efetiva humanização na
saúde.
5.2 Humanização e pessoas
Primeiramente, as quarenta horas de observações realizadas pelos pesquisadores,
trouxeram duas constatações importantes, na captura das vivências práticas,
durante as saídas de campo. Com a experiência, entendeu-se ser fundamental
chegar cedo ao local a ser observado, porque, dessa maneira, o papel de observar
introjetava-se, nos pesquisadores, de uma forma muito mais completa. Os
pesquisadores perceberam que, quando chegavam cedo, tinham tempo bil para
sentirem-se plenamente à vontade, no espaço a ser observado, e capturar, com
mais proximidade, todo o fluxo de chegada de alunos, docentes e outras pessoas.
Outro aspecto evidenciado foi o uso do jaleco branco, pelos observadores, durante a
observação. Observar com jaleco mostrou-se diferente que observar sem jaleco.
Percebeu-se que o equipamento de proteção individual padronizava e aproximava
mais os observadores dos observados, o que se refletia em percepções, de maneira
mais próxima e à vontade, por parte dos pesquisadores. A circulação dos
observadores, nos espaços coletivos, transcorria com menor questionamento, o que
facilitava a captura de dados, sem viéses, destas percepções.
Em muitos momentos de vivências, nas saídas de campo, observaram-se
dificuldades, por parte dos alunos, no estabelecimento de inter-relações com as
pessoas, na aproximação, no cuidado com os sujeitos que buscam auxílio. No
contraponto com a literatura, Marañon (1946) já defendia que existem diversos
caminhos que os profissionais podem trilhar para se aproximar das pessoas e
exercer a medicina, profissão de fé, de modo natural, sem exibi-la nem ostentá-la.
Segundo Blasco (2002), é na pessoa, no ser humano, no paciente, e em todas as
relações que estão, neste universo, contempladas, que o aluno e o médico
143
encontram sua interseção. Portanto, o estudo da pessoa e da maneira com que
captamos isso, é passo obrigatório para compreender a essência das histórias de
cada paciente. A pessoa é o âmbito próprio do atuar médico.
Ao trazer estes marcos para a contextualização com os dados captados nas saídas
de campo, buscou-se realizar reflexões e interpretações sobre as ações e atitudes
vivenciadas, resignificando-os, grosso modo, em positivos e negativos, e captar de
que maneira estas questões têm sido contempladas pela literatura atual.
Como primeiro passo, detalhou-se sobre as inter-relações consideradas positivas,
doravante identificadas como relações de proximidade e, na seqüência, as relações
consideradas negativas chamadas, a partir de agora, relações com interferência.
Nos espaços coletivos de observação, as cenas com interações de interferência
entre os alunos, foram mais freqüentes, se comparadas com as cenas com
interações de proximidade entre esses.
5.2.1 Relações de proximidade entre alunos e alunos
Em algumas cenas vivenciadas, perceberam-se atitudes de solidariedade,
respeito e preocupação entre colegas. O empréstimo de algum instrumento que o
outro colega necessitava, o envio de artigos com referências, via digital, para todos
os colegas da sala, uma fala de aluno: “Será que eles já foram atender?”, ao
aproximar-se da observadora, para esclarecer o que estava acontecendo. Embora,
estas ações tenham sido percebidas de maneira pontual, frágil e tênue.
Possivelmente, um dos justificadores para tal, seja o tempo pouco ampliado das
vivências nos ambulatórios, e que faz com que não exista como privilegiarem-se
questões outras, que o as eminentemente, clínicas e terapêuticas. As questões
das subjetividades, das dificuldades e interferências nas relações médico-paciente,
docente-aluno e aluno-aluno, apareceram de maneira breve, sem aprofundamentos.
144
A medicina, enquanto um curso com um enfoque extremamente competitivo,
dificulta, em muitos momentos, que atitudes de solidariedade, respeito e ajuda,
estejam presentes nas ações e atitudes entre colegas. competições para entrar
no curso, para fazer o curso e, exageradamente, no exercício da medicina.
O discurso ideológico neoliberal, na prática pedagógica, estimula o individualismo e
a competitividade, através de atitudes imobilizadoras, negando as pessoas. Freire
(2000) denuncia esta corrente de pensamento, levantando a solidariedade, enquanto
compromisso histórico de luta pela ética universal do ser humano.
Como aparecem contemplados no relatório da UNESCO sobre educação, vivências
mais próximas, de aprendizado dialógico, reforçam a importância de aprender juntos,
a conhecer, a fazer, a ser e a viver, sendo estes considerados os quatro pilares da
educação contemporânea (DELORS et al., 1998).
Segundo destaca-se fundamentado no estatuto desta universidade, o
compromisso com a produção da ciência e com a universalização do saber, através
da promoção do desenvolvimento da filosofia, da cultura, da educação, da ciência,
da tecnologia, das letras e das artes, visando, em sua essência, o bem-estar e a
valorização do homem (UNIVERSIDADE..., 2007).
Algumas qualidades são indispensáveis para o exercício da medicina e como
contribuição para a humanidade: vocação altruísta, sentido de solidariedade e
respeito, inclinação benevolente, capacidade de comunicação interpessoal e
motivação, enquanto transformações nas subjetividades (LIFSHITZ, 1997).
Em uma vivência, um aluno do curso de medicina, caminhava, à frente da
observadora. Chegou à sala e, diante do vazio, voltou-se para a observadora e
perguntou: “Seque os alunos foram atender?”. Neste momento, se aproximou
da observadora, para esclarecer o que estava acontecendo. Com esta atitude,
demonstrou preocupação com o seu compromisso.
Num ambulatório, percebeu-se que é possível as questões das subjetividades
humanas aparecerem, enquanto um importante enfoque. Após o relato da história da
145
paciente, houve uma interação de proximidade entre acadêmicos de medicina e de
outro curso da saúde, quando um acadêmico falou para o outro: “você atendeu
super bem a paciente” e o outro, agradeceu o comentário.
A partir dessa vivência, interpretou-se que, assim como foi estabelecida uma boa
relação aluno com aluno, no espaço coletivo, também, dentro do consultório, uma
relação humanizada, ética, comprometida, processual entre os profissionais de
saúde e o paciente, deva ter acontecido. A excelente discussão construída pelos
dois acadêmicos, a atitude do aluno que atendeu super bem a paciente, a atitude do
aluno que elogiou o colega, não levantou comentários por parte dos docentes.
Sentiu-se falta do reforço positivo, por parte dos docentes, para fortalecer as
atitudes, os vínculos entre os alunos, o trabalho em equipe, a vivência da
interdisciplinaridade.
Num dos ambulatórios experenciados, percebeu-se todo o ambiente mais acolhedor.
Nas saídas de campo, notou-se que, à medida que os alunos de medicina
vivenciavam suas inter-relações neste ambulatório, processualmente, em cada
semana, ficavam mais soltos e mais próximos com os seus colegas e com os
colegas do outro curso da saúde.
Em um momento, identificaram-se iniciativas cordiais e efusivas dos acadêmicos do
outro curso da saúde, ao despedirem-se de todos os presentes, ao final das
atividades. Isto determinou atitudes de proximidade, também, por parte dos alunos
de medicina, como foi colocado por uma acadêmica: “Gostei dessa interação.
para ver os dois lados da moeda…”, indicativo da importância de uma articulação
integrada e continuada, entre os cursos da área da saúde.
Como coloca Maeyama (2007), os serviços e os profissionais de saúde continuarão
pouco eficazes em atuarem, resolutivamente, junto às necessidades de saúde da
população, se não criarem junto às pessoas, proximidades, vínculos, atitudes que
provoquem o acolhimento.
Em uma situação vivenciada, houve um exemplo de interação positiva de construção
e aprendizado, entre colegas de cursos afins, dentro da saúde, quando a aluna do
146
outro curso da saúde interpelou o colega da medicina dizendo: “posso te dizer uma
coisa? O que essa paciente precisa é contato visual, e não auditivo”.
Esta intervenção foi um sinônimo de interação de proximidade entre acadêmicos de
distintos cursos, e um indicador da importância de uma articulação integrada na área
da saúde. Nesta vivência, percebeu-se a importância de ser estabelecida,
concretamente, uma efetiva aproximação e vinculação entre os cursos da saúde.
No documento Humaniza - SUS (2006), alguns itens importantes na valorização e
atuação dos profissionais de saúde são descritos: o compromisso com a ambiência
e com a organização de espaços de trabalho saudáveis e acolhedores; o estímulo a
processos de educação permanente; a melhoria das condições de trabalho e
atendimento; a construção de diferentes espaços de encontro de sujeitos.
Como cita Saupe et al. (2007), uma pedagogia interdisciplinar busca a capacitação
dos recursos humanos com um perfil adequado, pela incorporação de vários
modelos pedagógicos, na busca de integração entre educandos e educadores dos
vários cursos da saúde, para uma construção de conhecimentos, de forma
compartilhada.
Uma ação educadora não é e nem nunca será neutra. Ela é política, mudando e
transformando as pessoas. O educador deverá levar os educandos a uma
construção positiva, respeitosa e dialógica, numa constante proximidade entre a
reflexão e a ação, na caminhada da heteronomia para a autonomia (FREIRE, 2000).
5.2.2 Relações de proximidade entre alunos e professores
As interações entre docentes e discentes deste curso, dentre os registros captados
pelos observadores em todos os ambulatórios pesquisados, foi a que contemplou o
maior volume de percepções. Aconteceram inter-relações que precisam ser
valorizadas, enquanto efetivas maneiras de transmitirem-se valores humanísticos, no
contexto da formação médica.
147
Exemplificaram-se algumas ações, por parte dos professores, dignas de nota. Antes
de iniciar suas atividades, um docente retirou os adornos chamativos que usava e
guardou-os, em um armário. No outro dia, o mesmo professor, assim que chegou ao
ambulatório, perguntou onde os alunos estavam. No outro ambulatório, o docente
recomendou ao aluno que compartilhasse, com os colegas de turma, um manual
sobre antimicrobianos, através do e-mail de turma. Perceberam-se atitudes de
despojamento, solidariedade e responsabilidade, por parte dos docentes.
De forma inconsciente, o aluno toma o professor como modelo, pois, perante
dúvidas, questionamentos e dilemas, o estudante adota o modelo imediato e
concreto que está mais acessível. Como destaca Blasco (2002), o estudante
personaliza o processo de educação, vivenciando-o, bibliograficamente, e questiona,
através de modelos, as prováveis soluções. A escolha do modelo é um processo
gradativo, que acompanha os questionamentos do estudante, onde entram vários
fatores, que, nem sempre, são racionais e lógicos.
No processo de ensino e aprendizagem, os acadêmicos utilizam os docentes como
intermediários do conhecimento científico, identificam o que os docentes fazem e
como o fazem, para, na maioria das vezes, durante a faculdade de medicina, repetir
dos docentes os exemplos a serem seguidos. Estudiosos da formação médica têm
salientado a importância do exemplo, do professor-educador, como instrumento de
aprendizado, para os alunos (DECOURT, 2000; BLASCO, 2002).
Os momentos antes, durante e após as consultas médicas, nas intersessões que
aconteceram nas três salas de orientação clínica, demonstraram a importância que
este espaço tem, para a promoção de verdadeiras e concretas compreensões do
focar-se e do fazer-se saúde. Nestes espaços, fundamentais, de proximidade entre
professores e alunos, podiam-se resgatar muitos ensinamentos.
Três situações foram analisadas por um docente, junto aos seus alunos: 1) reflexão
sobre a elaboração e a individualização de documentos de pacientes, tais como
atestados médicos, com o comentário de que o uso de modelos pré-fabricados de
atestados era inadequado; 2) recomendações para registrar-se, de maneira
adequada, as informações nos prontuários e nas requisições de exames de alta
148
complexidade; nova adequação dos modelos de registro de prontuário e de outros
documentos do serviço de saúde; 3) importância dos reforços positivos para os
alunos, nos processos de ensino-aprendizagem.
Em um destes momentos, o professor orientou: “Usem as palavras do paciente! Se
você coloca, nas palavras de doutor, está afirmando coisas que ainda não se tem
certeza”. Em outro momento, pontuou: “O mais importante é o que o paciente causa
na gente! Isso remete a como a gente vai agir com o paciente. Aí, se pode
conversar, de inconsciente para inconsciente. Daí, tem efeito simbólico!”.
A simbologia do que o outro, o paciente, causa no profissional de saúde, o médico,
trouxe a percepção de que a consulta médica, onde acontece a relação médico-
paciente e a relação paciente-médico, é uma via de mão dupla e o efeito curador
pode se manifestar, em qualquer um dos dois lados. O contrário, também é válido. O
efeito pode ser iatrogênico. Entende-se disso que palavras podem ajudar a adoecer,
bem como, auxiliar a curar, o outro.
Em outro momento, o professor demonstrou o cuidado de fazer as discussões de
casos clínicos, a portas fechadas, em uma sala que estava desocupada. Não
levantou esta questão para ser discutida junto com os alunos. Percebeu-se que, se
os professores tivessem levantado questões para uma análise-reflexão, junto com os
alunos, a vivência sobre a importância da ética com o outro, poderia ter sido
aprofundada. Para ser apreendida, a ética deve ser vivenciada, na teoria e na
prática, devendo-se sentir, compreender e agir com a ética, ao abordar a história de
vida do outro.
No capítulo I do Código de Ética Médica, destacam-se alguns princípios gerais: a
medicina é uma profissão a serviço da saúde do ser humano e da coletividade; deve
ter boas condições de trabalho; zelar pelo perfeito desempenho ético; deve guardar
absoluto respeito pela vida humana; as relações com os demais profissionais na
área da saúde devem basear-se no respeito mútuo; deve ter, com os colegas,
respeito, consideração e solidariedade (CONSELHO..., 2000).
149
As reflexões humanistas de Marañon têm sua tradução imediata nas atitudes do
médico, que vai sendo perfilado de acordo com este modelo. O protagonismo do
paciente, tema constante neste autor, implica crítica veemente de uma postura
médica não comprometida, sem consciência ética e moral de sua missão,
preocupada apenas com a sustentação da sua imagem profissional (BLASCO,
2002).
A ética é inseparável da prática educativa. Acreditá-la e vivenciá-la nas relações com
os alunos e com os outros é fundamental. Se expor e expor, com respeito, a tudo e a
todos, vivendo e aprendendo com o diferente, sendo sujeito histórico, transformador,
consciente e ético (FREIRE, 2000).
Em alguns momentos pontuais, perceberam-se orientações direcionadas para uma
visão integral e holística dos pacientes. Reitera-se que esta postura deveria
acontecer em todos os serviços de saúde, na abordagem de todos os pacientes.
Segundo McWhinney (1994), seria essencial ver-se cada pessoa como um todo,
individual, familiar e social, com o qual o profissional tem o compromisso da atenção
e do cuidado, em continuidade, junto aos seus problemas.
Com um mínimo de reflexão existencial, constata-se que é impossível assistir
alguém, nas suas necessidades, por partes, perdendo de vista o todo deste ser,
humano e único (BLASCO, 2002).
No momento atual, há um importante movimento de reorientação e reconstrução dos
pilares da educação, na formação do profissional médico, para uma visão holística,
integral, continuada, a partir da percepção de uma compreensão ampliada de saúde,
que contempla incontáveis variantes e determinantes, no processo do estar
saudável (HADDAD et al., 2006; AMORETTI, 2005).
É primordial que os educadores orientem aos alunos se aproximarem dos objetos,
dos conteúdos e dos indivíduos, percebendo-os pelo todo, enquanto sujeitos que
escutam, respeitam e aceitam o outro, através de um contínuo diálogo (FREIRE,
1989).
150
Foi compartilhada, pelo professor, a importância da discussão, compreensão e ação,
do “acolher bem”, na relação médico-paciente que comentou: “Os pacientes ficam
muito perdidos. Então, o médico deve abrir a porta, recebê-lo, encaminhá-lo para a
cadeira e, no final, abrir a porta para o mesmo. Ninguém me ensinou isso, mas é o
que eu faço, no meu dia-a-dia”. Entendeu-se que este comentário do docente foi
fundamental, para a compreensão e o fortalecimento de ações, com aproximação,
vínculo e acolhimento, na relação paciente-médico e médico-paciente.
O vínculo aparece, enquanto uma ferramenta instrumental essencial, pois a partir de
uma forte interação entre os profissionais de saúde de uma equipe é que se dará
uma estreita interação com os pacientes. E esta interação pressupõe troca simétrica,
permanente e continuada de saberes e práticas entre todos, onde aparece a
proximidade, os sentimentos, a afetividade e a humanização (CUTOLO, 2006;
HADDAD et al., 2006; REGO et al., 2007).
Um docente conduziu uma criança para o “espaço lúdico”, chamou dois alunos e
mostrou como se calibra a balança. Com muita paciência e proximidade, abaixou-se,
retirou os calçados dela, pesou-a e mediu-a. Situações, como estas, transpareceram
preocupação dos docentes com os pacientes, essenciais, enquanto norteadoras
de ações e intervenções em saúde, para evidenciar, vivenciar e atuar com
acolhimento.
Um professor demonstrou preocupação com outra paciente, ao comentar sobre a
relação custo-benefício e o acesso a determinadas terapêuticas, junto ao SUS.
Outro docente solicitou que se abrisse uma exceção, na agenda da unidade de
saúde, pois queria que uma paciente fosse reavaliada, em cinco dias. Em outra
oportunidade, este mesmo docente solicitou que o aluno procurasse saber por que a
paciente, atendida na semana anterior e com risco de suicídio, não compareceu a
consulta, naquela data. O aluno foi ao andar térreo, buscar informações com os
funcionários da ESF. Percebeu-se o envolvimento e a articulação que os
profissionais e os serviços de saúde deveriam ter, para serem mais próximos dos
pacientes. Exemplos de atitudes de acolhimento e de integralidade.
151
As ações do ser e do agir com o outro, estão presentes no espaço relacional entre o
profissional de saúde e o paciente, entre dois sujeitos, e podem produzir a
construção de acolhimentos, vínculos e reponsabilizações. Esta relação deve estar
presente em todos os encontros entre os profissionais e os pacientes, em todos os
atos de saúde (MERHY, 2002).
Segundo Blasco (2002), o acolhimento, em medicina, é uma verdadeira ferramenta,
para lapidar a matéria-prima da profissão médica o ser humano e essencial,
enquanto instrumento profissional, que ajuda a se aproximar e a entender o outro.
Enquanto uma atitude de comprometimento com o paciente, em alguns momentos
de interação junto a estes, os alunos utilizavam a ferramenta do acolhimento. Não a
utilizavam, em sua totalidade, como uma forma de atenção integral e continuada à
saúde dos pacientes-usuários deste serviço. Esta atitude apareceu, com uma maior
evidência, durante os momentos das consultas dicas, nas práticas destes alunos
em formação. Enquanto uma atitude do profissional médico, neste espaço de saúde,
nos outros momentos de interações destes alunos, o acolhimento evidenciou-se, de
maneira nue. Refletiu-se que para tornarem-se profissionais de saúde mais
efetivos, afetivos e próximos de seus pacientes, seja essencial a humanização do
acolhimento.
A compreensão de alguns princípios norteadores do acolhimento coloca-se como
fundamental, no sucesso das relações e das ações dos profissionais de saúde.
Atitudes como autonomia, justiça, solidariedade, sentir-se cuidado, gratidão e o
reconhecimento fraterno a quem está cuidando são princípios essenciais da prática
em saúde (SILVEIRA, 2004, apud MAEYAMA, 2007).
Para Campos (2005), humanizar os serviços de saúde passa por mudanças nas
estruturas, nas pessoas e na forma de trabalho destas pessoas. A humanização,
enquanto política, concretiza-se a partir da transformação dos modos de os sujeitos
entrarem em relação, formando coletivos, a partir do esforço individual com interação
e cooperação de toda a equipe de saúde (BENEVIDES; PASSOS, 2005).
152
As carências que a população constata no profissional médico são de ordem afetiva
e não de ordem técnica e este profissional deveria preocupar-se com esta
constatação, através de reflexões, análises e revisões do seu comportamento, na
busca dos devidos aperfeiçoamentos (BLASCO, 1997).
As vivências neste ambulatório foram de grande riqueza, pois permitiram a troca de
informações e de conhecimentos, entre todos. Perceberam-se outros pontos de
vista, para além do biológico, com enfoques sócio-culturais, históricos e outras
peculiaridades, que enriqueceram as discussões e abriram as portas para outros
determinantes da compreensão entre saúde-doença. Nas ações e atitudes dos
alunos, apareceram algumas interações que trouxeram dinamismo às discussões e
confirmaram intervenções focadas na humanização, na premissa de uma
abordagem integral à saúde do paciente.
Foi notável o fluxo de integrações interdisciplinares, especialmente no ambulatório
supracitado, numa articulação, efetiva, entre alunos e entre cursos da área da
saúde. Através destas integrações, planos terapêuticos foram construídos,
conjuntamente, e responsabilizações foram tomadas, coletivamente.
Estas articulações, entre cursos da área da saúde, vêm ao encontro dos propósitos
das Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de graduação em medicina, ao
destacar-se:
Formação generalista, humanista, crítica e reflexiva, pautada em princípios
éticos, capacitado a atuar no processo saúde-doença, em seus diferentes
níveis de atenção, com ações de promão, prevenção, recuperação e
reabilitação à saúde, na perspectiva da integralidade à assistência, com
senso de responsabilidade social e de compromisso com a cidadania, como
promotor da saúde integral do ser humano (BRASIL, 2001).
Para uma melhor trajetória na formação ideal deste profissional de saúde, futuro
médico, deve ser buscada, incessantemente, uma integração entre os diversos
profissionais, na discussão das dificuldades, na solução dos problemas e no
encontro de caminhos (AMORETTI, 2005).
153
Nas observações realizadas, percebeu-se que não é o conhecimento técnico, tão
necessário e fundamental para a correta atuação do profissional médico, que faz
diminuir uma ação mais humanística do mesmo. O que acontece é uma menor
atenção na humanização deste profissional da saúde, como objetivo e conteúdo
educador, dentro de toda a sua formação.
Atualmente, é vital evidenciar-se o quanto o curso de medicina está desenvolvendo
conhecimentos, habilidades e atitudes, que humanizem os alunos, a partir de
modelos de aprendizado, embasados em experiências vivenciadas por alunos,
professores, pacientes e outros profissionais, ao repensar-se a formação e a
atuação médica, dentro dos processos de saúde (CAPRARA; FRANCO, 1999).
Emergem novas exigências de saúde por parte da população, com relação aos
profissionais e aos serviços de saúde. Para contemplar esta exigência, um dos focos
deve ser o preparo de profissionais capazes, dentre outras habilidades e
capacidades, de prestar atenção integral e humanizada às pessoas (HADDAD et al.,
2006; REGO et al., 2007).
Segundo o documento oficial do Humaniza-SUS (2006), entende-se por
humanização, a valorização dos diferentes sujeitos implicados no processo de
produção da saúde: usuários, pacientes e profissionais de saúde. Os valores que
norteiam essa política são a autonomia e o protagonismo dos sujeitos, a co-
responsabilidade, o estabelecimento de vínculos solidários e a construção de redes
de cooperação e de participação coletiva.
Novos cenários para a educação médica, onde as práticas assistenciais aconteçam
e os acadêmicos de medicina exercitem comunicações horizontais e relações
interdisciplinares, com todos os profissionais que trabalham em saúde, fazem
compreender as dificuldades e possibilidades das práticas conjugadas em saúde e
viver o cotidiano do SUS (AMORETTI, 2005; SAUPE et al., 2005).
Enquanto continuidade das percepções, evidenciou-se, apenas em alguns
ambulatórios, acontecerem momentos de interação, devolutiva e fechamento, ao
final do semestre letivo. Um professor aproximou-se de seus alunos, despediu-se de
154
todos, com cumprimentos e abraços, embora esta não tenha sido a percepção geral
evidenciada, nos demais ambulatórios observados.
Entende-se ser fundamental que as atividades docente-assistenciais devam ter
“início”, “meio” e “fim”, e não apenas “meio”, como se observou na tônica dos
ambulatórios. No início das atividades práticas, acadêmicos vêm e vão, sem serem
idealmente, recebidos e acolhidos, e, tampouco, recebem devolutivas e
fechamentos, com possibilidades de avaliações e construções conjuntas, ao final
dos módulos de aulas práticas.
A prática docente pode ser profundamente formadora, transformadora e
humanizadora. Todos os professores deixam marcas em seus alunos, boas ou ruins.
Por isso, é tão necessário o bom senso e o comprometimento (FREIRE, 2000).
Conforme destaca Blasco (2006), o humanismo seria um elemento essencial na
construção de uma nova sistemática educativa metodológica, a pedagogia afetiva.
5.2.3 Relações de proximidade entre alunos e usuários-pacientes
Nestas interações, identificaram-se ações que consideram-se fundamentais para o
profissional de saúde-aluno realizar, enquanto em formação, para o exercício de
semelhantes atitudes, futuramente, enquanto profissional de saúde-médico.
Em certa oportunidade, uma aluna comentou: “vou fechar essa porta, aqui, porque
está muito barulho lá dentro, e imagina o paciente ouvindo tudo o que se comenta,
dentro... vou encostar isso”. Ela fechou a porta da sala, entrou em seu consultório e
encostou a porta. Presenciou-se uma demonstração de respeito e cuidado com o
outro, o paciente.
Em outra situação, o paciente levantou-se e foi saudado pelo aluno, com um “Bom
dia!”. Ao aproximar-se, o paciente recebeu um aperto de mão e foi conduzido ao
consultório. Com esta atitude, observou-se que o aluno acolheu o paciente, interagiu
155
de maneira próxima, fortaleceu um vínculo. Demonstrou várias ações dentro da
humanização.
Alguns exemplos chamaram a atenção. Um foi de um aluno que parou, olhou para
todas as pessoas, chamou um paciente, esperou-o chegar mais próximo, estendeu-
lhe a o, ficou lado a lado e foi caminhando, até o consultório de atendimento.
Percebeu-se que a maioria dos alunos apresentava dificuldades de posicionar-se,
estrategicamente, para o chamamento de seus pacientes. Outro exemplo aconteceu
no ambiente de espera, quando um acadêmico abraçou uma paciente, estabeleceu
um contato visual, auditivo, táctil e corporal, e conduziu-a até o consultório. Este
aluno teve um comportamento excepcional, num exemplo do que deveriam ser as
relações médico-pacientes. Também foi de muita proximidade, sem pressa e com
uma grande espontaneidade, outra interação de alunos com algumas crianças. Ao
conduzi-las para o consultório, o ar dos alunos era de simpatia e atenção.
Merhy (2002), afirma que todos os profissionais de saúde, independentemente do
papel que desempenham como produtores de atos de saúde, são sempre
operadores do cuidado, e, para tanto, devem ser capacitados para utilizarem e
produzirem acolhimentos, vínculos e responsabilizações, em todos os momentos
dessas interações.
Em uma vivência, percebeu-se que um aluno transparecia preocupação com a
paciente, ao morder os lábios, os dedos da mão esquerda e não fixar o olhar, em
nenhum dos presentes, durante o seu relato. Pensou-se no preparo que precisam
ter os alunos, para darem conta de aspectos das subjetividades. Pensou-se no
preparo teórico-prático para darem conta de demandas objetivas. Outro aluno
mostrou-se com preocupação pelo grande tempo de espera dos pacientes. Ele
comentou que os pacientes estavam esperando para serem atendidos,
bastante tempo e que isto não era bom.
Observou-se que os contatos estabelecidos entre os alunos-médicos e os pacientes
demonstraram, em alguns momentos, atitudes de aproximação e de
fortalecimento de vínculo. Perceberam-se diferenças individuais entre os alunos
que, possivelmente, se tornarão diferenças profissionais, futuras. Evidenciou-se
156
como era importante para os pacientes entenderem o que acontecia com eles,
quando não estavam saudáveis.
Na fala de uma paciente, comprovou-se isso: “São os estagiários que atendem
primeiro, mas eu amei, é muito bom”. Isto aparece reforçado, em mais outra fala:
“Gostei muito, a professora vai explicando pros alunos e a gente vai aprendendo um
pouco...”. Questões que remeteram à importância do “treinamento em serviço” de
atitudes de aproximação e de vínculo, com o outro, no cuidado com a saúde.
No momento atual, preconiza-se que o médico deve ser um bom técnico, assim
como deve ser um bom cuidador, pois há situações em que o médico deve caminhar
do lado dos pacientes, através de um continuado processo (MCWHINNEY, 1994).
Segundo Blasco (2002), fomentar o humanismo é estimular a reflexão sobre a
condição humana. Uma formação humanística deve ter sua própria fisiologia de
desenvolvimento, onde os tempos devem ser respeitados: assimilação e
compreensão de conceitos, incorporação de atitudes, que requerem paciência e
perseverança. Demora-se, como demora o processo que educa para a vida.
O paciente quer um médico que não possua apenas conhecimentos, métodos
clínicos e experiências, mas, também, que seja capaz de apreciar cada paciente,
como um ser humano, que tem sentimentos e desejos, que possa entendê-lo e
ajudá-lo. Para o médico poder lidar com estas realidades, isso implica uma atitude
reflexiva e um desejo, contínuo, de aprendizado, ao longo de sua vida (AMORETTI,
2005).
5.2.4 Relações de proximidade entre alunos e funcionários
Apenas em algumas oportunidades, registraram-se inter-relações entre os alunos de
graduação de medicina e os funcionários, profissionais desta unidade de saúde. Um
dos fatores dificultadores da interação dos alunos com os funcionários, percebido
neste estudo, foi uma não apresentação e aproximação entre esses sujeitos, no
157
início da entrada em campo dos alunos, para exercerem as atividades práticas neste
local.
Em várias oportunidades, observaram-se por parte de vários funcionários deste
serviço de saúde, comportamento e educação irrepreensíveis, que acabaram não
sendo vivenciadas pelos alunos, pelo contato mais pontual e momentâneo existente
entre estes.
Num momento de interação entre uma funcionária da unidade de saúde,
recepcionista, e a observadora, a primeira comentou as ações e atitudes de um
aluno de medicina. Ela afirmou: “a gente vê, logo, quem vai ser bom, quem tem
interesse…”. “Fiquei vendo ele, ali, cabelinho molhado, todo compenetrado,
escrevendo”. “Vai ser um dos alunos bons...”. “Se percebe, aqui, quais destes vão
ser os bons médicos, no futuro”. A fala desta funcionária traduziu a percepção que
os funcionários profissionais de saúde têm, da formação para ser um bom
profissional de saúde, um bom médico.
Este novo paradigma, além de formar o médico como praticante da ciência médica,
pretende formá-lo também como um profissional da arte de curar e como cidadão
(OKAY; MANISSADJIAN, 1991).
A mesma recepcionista falou que percebeu que os alunos que se formaram eram
diferentes, pareciam mais próximos dos funcionários e citou o nome de vários ex-
alunos, que acabaram o curso de medicina. Ela não sabe o que houve e
comentou: “Talvez o grande número de alunos que têm hoje, ajudem nisso...”.
Outra recepcionista sempre foi muito cordial com os alunos, com os professores,
com os pacientes. Enfim, com todos. Em vários momentos, falava e orientava os
alunos, numa relação de proximidade e cordialidade.
Algumas situações foram vivenciadas. Três alunos, ao saírem da atividade prática,
juntaram os prontuários dos pacientes atendidos e os deixaram, sobre a mesa de
apoio do espaço coletivo, despediram-se da recepcionista e saíram pelas escadas.
Demonstraram respeito, organização, responsabilidade e cuidado com os
158
pacientes e com a recepcionista profissional de saúde. Um aluno aproximou-se da
mesa de distribuição dos prontuários, para preencher alguns dados do paciente que
ele acabara de atender. Durante um bom tempo e de forma bem próxima, ficou
conversando com a recepcionista, que se percebia cordial, solícita e bem próxima ao
aluno.
Interpretou-se que uma maior ênfase poderia ser dada, enquanto direcionamento
normativo deste serviço de saúde, ao cuidado com os documentos legais -
prontuários, receituários, solicitação de exames. Os prontuários de saúde são
documentos do paciente e, portanto, devem ficar guardados, com o maior cuidado e
sigilo.
Segundo o digo de Ética Médica, no capítulo V, que trata da relação com
pacientes e familiares, é vedado ao médico deixar de elaborar prontuário médico
para cada paciente e negar ao paciente o acesso ao seu próprio prontuário médico
(CONSELHO…, 2000).
Percebeu-se uma nue aproximação entre os alunos e os profissionais de saúde,
o que se traduziu em contatos esporádicos entre estes. Seria essencial que os
alunos compreendessem a importância de todos os profissionais neste serviço, no
acolhimento das pessoas, no fazer saúde.
O que ocorre na prática cotidiana dos serviços, é que o trabalho da equipe de saúde
torna-se, praticamente inexistente, pois, mesmo compartilhando o mesmo espaço
físico, os profissionais atuam de forma isolada. Em muitos momentos, perde-se a
percepção do que seria uma abordagem integral do usuário-paciente, pois esta inclui
trabalho em equipe, direcionado à pessoa, a sua família e ao seu contexto social
(CUTOLO, 2006).
O trabalho em saúde, com uma equipe interdisciplinar, é um grande desafio, pois,
com esta responsabilidade, o preparo destes profissionais deverá ter outra lógica,
distinta da do modelo biomédico tradicional. Deverá buscar a visão da integralidade,
do vínculo, da continuidade e da autonomia (CUTOLO, 2006; SAUPE et al., 2005).
159
5.2.5 Relações de proximidade entre alunos e observadores
Em todos os cenários de observação das atividades práticas nos ambulatórios, os
observadores foram bem recebidos. Nos diversos espaços coletivos, nos quais os
observadores estiveram presentes, praticamente, não se questionou a presença
destes. Apenas, apareceram questionamentos, isolados, de alguns alunos, que
perguntavam o que os observadores faziam. Apenas, alguns comentários dos
docentes, sobre os escritos e os registros dos observadores apareceram. Na maioria
das oportunidades, nos ambulatórios observados, registraram-se interações
positivas.
Em vários momentos de observação, os dois observadores tiveram interações
positivas com os alunos do curso de medicina, como está exemplificado, a seguir:
Interações com a observadora:
Um aluno perguntou à observadora, sobre um show, de maneira próxima e cordial.
Outro aluno chegou, mais perto, saudou a observadora com um beijo, e afirmou que
guardaria a mochila, para ficar menos pesado. Outro aluno, em duas oportunidades,
dirigiu-se à observadora e pediu o que tanto ela escrevia, naquele caderno, dizendo:
“Espero que esteja escrevendo somente coisas boas sobre mim...”. Uma aluna do
internato médico, ao entrar na sala de orientação clínica, encontrou e interagiu com
a observadora, dizendo: “Por hoje, encerrou!”. Quando questionada, se tinha
terminado de atender os pacientes, respondeu: “Nesta especialidade, é rapidinho...”.
Dois alunos foram, diretamente, para a sala de orientação clínica, onde encontraram
a observadora. Todos foram simpáticos, sorriram e disseram: “Bom dia, profe!”. Um
aluno cedeu seu assento para a observadora, que chegou atrasada. Esta atitude
demonstrou boa educação, cortesia e respeito, embora não tivesse sido reforçada
pelo docente presente.
Interações com o observador:
Entre acenos, com a cabeça, um aluno parou e cumprimentou, com a mão, o
observador, num ambiente do espaço coletivo. Nas escadas da unidade de saúde,
alguns alunos cumprimentaram o observador e demonstraram cordialidade e afeto,
entre colegas. Outra aluna, de outro curso da saúde, que subia as rampas deste
160
serviço, esperou pelo observador, que fazia o mesmo caminho. Conversaram sobre
temas aleatórios, demonstrando cordialidade e simpatia.
Das interações entre os alunos e os observadores, uma teve uma proximidade muito
especial. Ao questionar e saber o tema de nosso estudo, um aluno fez comentários,
sobre uma entrevista que viu, na televisão, com Patch Adams. Ele trouxe
considerações importantes, sobre a postura e a inspiração deste modelo de
profissional de saúde. Citou que a convivência com uma pessoa assim, com um
profissional assim, com o seu exemplo, a sua fala, os seus gestos e as suas
palavras, pode ser contagiante. E, que deveriam ter muito mais pessoas assim.
Comentou-se, também, sobre o DVD dos Doutores da Alegria, de São Paulo. Todos,
excelentes exemplos de humanização.
Nesta interação, comentou-se a escassez de materiais da literatura, que
abordassem a temática da afetividade na saúde. Comentou-se sobre alguns
materiais e livros, com temática voltada à sensibilização dos profissionais de saúde,
para um idealizado encontro com o outro, o ser humano que necessita auxílio, numa
nova pedagogia afetiva. No livro de Patch Adams: o amor é contagioso, encontram-
se descritas várias possibilidades de inter-relações de proximidade entre médicos e
pacientes, com um novo e diferenciado olhar para o cotidiano de saúde das pessoas
(ADAMS, 1999).
Para efetivar um modelo de educação afetiva, é primordial que aconteça uma
aproximação entre os alunos, os docentes e as disciplinas, no desempenho das
vivências práticas, para uma efetiva e sensibilizada participação na construção de
um novo profissional de saúde, cidadão (OKAY; MANISSADJIAN, 1991).
Em se tratando de educação afetiva, o amor à educação tem um imprescindível
papel. Sem esse clima de carinho, de cuidado e de amor a educação não é possível.
Temos que ter um comprometimento com tudo e com todos, sujeitos com
intervenção no mundo. A experiência de, num movimento constante, ensinar e
aprender, nos remete a reflexão de avaliar “não como fazemos, mas como nos
comprometemos com esse nosso fazer” (FREIRE, 2000, p.25).
161
Em muitos momentos, perceberam-se dificuldades dos alunos em estruturarem e
manterem, individualmente, suas demandas subjetivas, pelo peso de uma excessiva
carga teórica e prática, em um curso com uma pesada estrutura curricular, como é a
medicina.
Neste contexto, existe um programa dentro da estrutura da universidade, o PADEF
(Programa de Apoio aos Discentes, aos Egressos e aos Funcionários da UNIVALI),
que busca realizar acolhimento, orientação e os encaminhamentos que forem
necessários, enquanto um possibilitador de “cuidado com quem cuida de outros”.
Através das entrevistas com os alunos, identificou-se que o acesso às informações
sobre este programa o se encontravam contempladas, de forma clara, dentro do
curso. Por isso, estes não sabiam e, consequentemente, também não utilizavam
este programa de apoio.
5.2.6 Relações com interferência entre alunos e alunos
Dentre algumas percepções detectadas nas inter-relações dos alunos, duas devem
ser destacadas: o uso do avental branco e do estetoscópio, como simbologia da
ação médica e as tênues proximidades dos alunos com os outros sujeitos, presentes
nos cenários coletivos de saúde.
A quase totalidade dos acadêmicos observados usava jaleco branco e
estetoscópio, pendurado ao pescoço. Tais instrumentos serviam, consciente ou
inconscientemente, como diferencial, perante os demais usuários de aventais
brancos, tais como os acadêmicos de outros cursos da área da saúde, os
funcionários da unidade de saúde e outros.
As medidas de precaução sica, ou universais, configuram-se como um conjunto
de normas para controle de infecção, a serem adotadas universalmente, como forma
eficaz de redução do risco ocupacional e de transmissão de agentes infecciosos nos
serviços de saúde (RAPPARINI, 2004).
162
Os equipamentos de proteção individual (EPI) fazem parte das medidas de
precaução básica e são aparatos de uso pessoal, utilizados para prevenir e/ou
minimizar acidentes e exposições a materiais biológicos. Os EPI incluem avental,
botas, gorro, luvas, máscara, óculos de proteção, protetores faciais, sapatilhas ou
sapato de uso exclusivo, para todos os profissionais de saúde (COSTA, 1996;
CARVALHO, 1999; CARMO, 2004). A não utilização dos EPI, ou um uso inadequado
destes, favorece a disseminação de infecções entre os profissionais de saúde e sua
equipe, seus clientes e familiares (CARMO, 2004).
O uso do avental branco e do estetoscópio, pelos alunos de medicina, fora da
unidade de saúde, foi um hábito criticado por outros alunos de outros cursos da área
da saúde. Tanto o jaleco quanto o estetoscópio tem uso adequado e correto, no
interior dos serviços de saúde, como instrumentos para a realização de consultas e
contatos com os pacientes, restringindo-se o seu uso apenas, para estes momentos.
O branco, historicamente, sempre teve uma forte simbologia para a saúde. Por isso,
em nossos dias atuais e nos ambientes de saúde, da maneira em que é observado o
uso deste equipamento de proteção pelos profissionais médicos, ele, efetivamente,
tem uma maior ação como um símbolo do que como um equipamento de proteção
individual. Por isso, o seu uso, indistintamente, sem muitos cuidados e regras no
meio médico, como uma simbologia de peso para a saúde.
A partir das interações e dos diálogos dos alunos, destacou-se certo
distanciamento, dos demais integrantes dos cenários de saúde observados,
entenda-se professores, pacientes e funcionários. A concentração do grupo de
alunos ocupando espaços coletivos e interagindo, apenas entre eles, reforçou as
distinções entre os grupos, observadas em vários ambulatórios.
Como uma constante, observou-se pólos e ilhas de distanciamento, entre os
acadêmicos de medicina e os acadêmicos de outros cursos. Este isolamento entre
os alunos da área da saúde foi uma questão que apareceu nas atitudes destes
acadêmicos, seja ao agruparem-se em um pólo da sala, durante as discussões
clínicas; em conversas isoladas e paralelas, apenas com os seus colegas de curso;
nos relatos das intervenções realizadas com os pacientes nas consultas; no
163
comprometimento que emanou de suas posturas e palavras no transcorrer das
histórias de pacientes.
O distanciamento entre os alunos da área da saúde refletiu o isolamento entre os
cursos da área da saúde. Observou-se que, também, a distribuição dos blocos de
salas de aula e das clínicas específicas, como as de fisioterapia, fonoaudiologia e
psicologia, dificultavam a integração entre os cursos e os alunos da área da saúde.
Percebeu-se que a divisão entre os acadêmicos, em grupos e subgrupos isolados e
que permaneciam imutáveis, fazia com que estes não criassem relacionamentos e
vínculos diversos, aprendendo a lidar com as diferenças e com os diferentes. Com
isto, no dia a dia, havia interferências para uma prática de maior proximidade entre
colegas. Esta situação fazia com que os alunos se isolassem.
A grande tarefa do educador que não apenas está, mas é professor, é desafiar o
educando a produzir a sua compreensão do que lhe foi passado, mas que o faça do
seu jeito, escutando e respeitando os demais saberes e compreensões, num
dinâmico e continuado movimento, reflexivamente (FREIRE, 2000).
Através de alguns relatos, percebeu-se o quanto pode estar e ser distanciada a
relação entre colegas. Citaram-se exemplos de discussões, chamamentos
desrespeitosos, brigas e até processos legais. Por estas evidências, do dia-a-dia, é
premente verem-se alternativas, para promover uma nova e efetiva proximidade,
entre os alunos.
Temos que exercitar e educar nosso bom senso, superar nossos instintos, aprender
a crescer nas diferenças e respeitá-las. Deve-se respeitar a bagagem de
informações e conhecimentos que cada um traz consigo e construir qualidades e
virtudes, que diminuam a distância entre o discurso e a prática (FREIRE, 2000).
Os que tratam com o ser humano, necessitam uma educação afetiva, que lhes faça
voltar-se para o seu semelhante e fortalecer as proximidades nas relações. Esta
educação afetiva deve e pode ser incorporada à formação universitária, de um modo
moderno, ágil, compreensível e eficaz (BLASCO, 2006).
164
5.2.7 Relações com interferência entre alunos e professores
A humanização deve promover a atitude reflexiva do professor-médico-educador e
do aluno, num verdadeiro exercício filosófico da profissão, com a reorientação no
corpo de conhecimentos das disciplinas do curso, com recursos de caráter
humanístico, que facilitariam o aprofundamento desta reflexão (BLASCO, 2002).
Uma interação, mais próxima, entre docentes e alunos, deveria ser a regra, em
todos os momentos vivenciados, em todos os ambulatórios. Sentiu-se deficiência
de acolhimento, de mais abertura e integração, ao início das atividades práticas.
Sentiu-se falta de uma continuidade e de uma avaliação final, na finalização das
atividades práticas. Nas atividades educadoras, entre docentes e alunos, é
fundamental ter-se início, meio e fim, enquanto possibilitador dialógico de uma
construção coletiva e continuada.
O acolhimento é um instrumento que incorpora as relações humanas e pode ser
apropriado por todos os trabalhadores de saúde, em todos os setores de
atendimento. Significa a atenção dispensada na relação, envolvendo a escuta, a
valorização da fala, a identificação das necessidades e a sua transferência em
ações de saúde (BRASIL, 2004).
Em algumas discussões clínicas, perceberam-se faltas e ausências de alunos e de
docentes. A ausência de escusas ou justificativas, dos faltantes, fez pensar-se na
importância e no compromisso de esclarecerem-se os motivos da falta a um
compromisso. Estas situações foram reflexos do tênue compromisso, estabelecido
nas relações, entre alunos, docentes e pacientes. Ao estimular o fortalecimento de
vínculos, dos alunos e dos docentes aos colegas, aos pacientes, à disciplina e ao
serviço de saúde, acredita-se que seja possível superar esta dificuldade e minimizar
as ausências, ou que estas, se ocorrerem, sejam devidamente justificadas.
A criação de vínculo faz aumentar o vínculo terapêutico, ou seja, o paciente torna-se
protagonista do processo de cura e autocuidado, além de aumentar o grau de
165
autonomia dos sujeitos e sua capacidade de produzir sua própria saúde (BRASIL,
2006).
Identificou-se que os atendimentos e os acompanhamentos, prestados pelos alunos
aos pacientes, nas dependências da unidade docente-assistencial, deveriam ser
supervisionados, pelos professores, de maneira contínua e direta, sempre. Esta
supervisão docente-assistencial deveria acontecer, vinculadamente, nos dois
espaços de interação com os pacientes, ou seja, dentro dos consultórios e, também,
nos espaços coletivos.
Na maior parte das vezes, no momento de relatar as histórias dos pacientes, os
alunos interagiam, com os docentes e os colegas, com certa dificuldade, numa
demonstração da existência de barreiras nas inter-relações, através do percebido
pela linguagem corporal, do contato visual e da entonação da voz.
Para a grande maioria dos professores, subentende-se como orientação para a
formação médica, apenas os aprendizados relacionados a conhecimentos e
habilidades técnicas. Por isso, em um considerável número de momentos, as
atitudes dos alunos, em seu cotidiano, não foram supervisionadas ou orientadas,
proximamente, por parte dos docentes.
A tarefa de contribuir para a formação moral e ética dos estudantes é papel de todo
e cada professor envolvido na educação profissional. A cada atitude tomada por um
professor, uma lição está sendo ministrada, e essse “conhecimento” acaba sendo
socializado, inconscientemente. E é nesse processo de formação moral que, de
forma consciente, todo o corpo docente e a faculdade devem estar envolvidos
(REGO, 2007).
Segundo um estudo sobre as práticas educativas de professores de medicina, Costa
(2007), relata que a racionalidade técnica e o individualismo predominam na ação
deste professor. Na racionalidade técnica aparece a eficência e o domínio apoiado
no conhecimento científico, e no individualismo aparece um dos grandes entraves
nesta mudança, que é a autonomia ideológica, científica e didática de cada
professor.
166
Na maior parte dos ambulatórios, perceberam-se enfoques técnicos, embasados em
conhecimentos científicos. Observou-se que a abordagem dada pelos docentes nas
condutas junto aos pacientes, eminentemente, seja o enfoque clínico-terapêutico.
As demais condutas e determinantes, do processo saúde-doença, foram, apenas,
brevemente, abordadas.
Todo o envolvimento de busca pela saúde é um processo, e não, apenas, um ato
isolado e pontual. Contudo, para este movimento, realmente existir e acontecer, ele
precisa ser sentido, focado, compreendido e realizado, através do bom acolhimento,
da criação de vínculos, todos estes, preceitos de humanização na saúde. Com estas
reorientações, as atitudes dos alunos teriam um importante reforço, no aprendizado
da responsabilização no cuidado, junto aos pacientes, usuários destes
ambulatórios, que apresentam distintas demandas e necessidades.
Como destaca Vasconcelos (1999), muitas das questões de dificuldades e
problemas que são vividas e colocadas pelos indivíduos e pelas famílias, têm grande
complexidade para serem curados, mas podem ser cuidados.
É o cuidado que permite a revolução da ternura, ao orientar o desenvolvimento para
a melhoria da qualidade de vida dos humanos. É o cuidado quem faz surgir o ser
humano complexo, sensível, solidário e cordial, conectado com tudo e com todos.
Cuidar das coisas implica ter intimidade, senti-las dentro, acolhê-las e respeitá-las. É
entrar em sintonia e escutar o seu ritmo, para que ele penetre na atmosfera humana
e cresça, em todas as relações (BOFF, 2004).
Percebeu-se que o modelo de intervenção na saúde que os alunos desta escola
médica encontravam, dentro de sua formação, ainda apresentava nuances do
modelo flexneriano. Através de algumas falas de entrevistas, percebeu-se que o
aluno não tinha claro que tipo de médico estava se formando nesta escola e nem
quais eram as práticas pedagógicas de sua formação. Através de algumas
percepções, nas observações, perceberam-se tentativas de aberturas para um novo
modelo de formação médica, voltadas à integralidade, continuidade, nculo,
respeito às pessoas, interdisciplinaridade e trabalho integrado em equipe.
167
Um dos maiores estudos sobre educação dica realizado na América Latina a
hoje, aponta problemas fundamentais da educação médica latino-americana, como
separação do saber em áreas estanques, professores em escassez e com pouco
comprometimento com a universidade, transmisão de conteúdos eminentemente
teóricos de forma vertical e dissociação entre os planos nacionais de saúde e as
necessidades da comunidade com o processo de formação (FEUERWERKER,
1998; TOGNOLI, 2006).
A assistência à saúde é marcada pela centralização das ações de saúde na figura
do médico, cuja formação baseia-se no modelo flexneriano, que privilegia a
intervenção, essencialmente, no momento do adoecimento. Este foi, e ainda é, o
modelo seguido por todas as profissões de saúde (CUTOLO, 2004).
Há necessidade de construir uma nova etapa na formação do profissional em saúde,
a partir da criação de modelos de reorientação (BRASIL, 2005; TOGNOLI, 2006).
Uma aproximação entre as disciplinas, por exemplo, traria uma possibilidade de
melhor intervenção dos alunos, junto aos pacientes. Esta proximidade traria, para as
discussões, distintos enfoques, para enriquecer as condutas terapêuticas dos
pacientes, numa ampla compreensão do processo saúde-doença.
Este modelo de interação integrativo, interdisciplinar, holístico, poderia ser
viabilizado, através da articulação entre as disciplinas deste curso, bem como, este
modelo ser transposto, para uma articulação e aproximação entre a medicina e os
demais cursos da saúde.
A interdisciplinaridade caracteriza-se como a possibilidade do trabalho conjunto na
busca de soluções, respeitando-se as bases disciplinares específicas, partindo-se de
elementos comuns que devem ser desenvolvidos em todos os cursos de graduação,
com destaque para trabalhar em conjunto com outros profissionais da área da saúde
(MAEYAMA, 2007).
Em algumas percepções, refletiu-se sobre a importância dos alunos estarem bem
instrumentalizados, para lidarem com as ansiedades humanas. Através das
observações e das entrevistas, evidenciou-se que é essencial os acadêmicos
168
estarem bem preparados em suas subjetividades. Os alunos devem ser acolhidos,
durante a sua formação, objetiva e subjetivamente, para que, futuramente, possam
bem acolher e auxiliar no cuidado integral dos pacientes.
Entende-se que ações, atitudes e comportamentos direcionados para o fazer saúde,
mexem com profundos sentimentos subjetivos. A perda da saúde traz seriedade,
preocupação, tristeza, pesar e dor. Todos estes conteúdos necessitam serem
resignificados, durante o período de formação dos alunos, numa aproximação entre
o que é teorizado e o que existe, de real e concreto, nas vivências do dia-a-dia
(BLASCO, 2002).
A formação nesta escola tem demonstrado tendências de mudança, ao buscar uma
aproximação entre os conteúdos teorizadores e práticos, enquanto um reforço ao
modelo educador vigente, que está contemplado, através do último projeto
pedagógico deste curso 2007-2008 (UNIVERSIDADE..., 2007).
Questões fundamentais na compreensão do transformar e ser transformado pelo
cotidiano, através de uma prática educadora permanente, consciente, crítica e
transformadora, salientaram a importância de educadores e educandos, enquanto
seres humanos, estarem em uma contínua e reflexiva formação, numa prática que
proporcione uma relação, com proximidade e diálogo, salientando uma metodologia
afetiva de problematização (FREIRE, 2000).
Segundo Freire (2000), neste modelo de processo educador, a tecnologia e a
ciência são fundamentais. Contudo, sem amorosidade, sem comprometimento e
sem ética, educador e educando não irão se construir e, tampouco, irão se
transformar.
Através do projeto deste curso de medicina contemplado pelo Pró-Saúde, foi
sugerido que a reorientação da formação profissional viabilize uma interação, ativa,
do aluno com a população e com os profissionais de saúde, desde o início do
processo de formação, com o objetivo de proporcionar ao estudante a oportunidade
de trabalhar sobre problemas reais. Com isto, espera-se o ingresso, no mercado de
169
trabalho, de profissionais melhor qualificados e com atuação voltada a uma
assistência universal e integral à população (BRASIL, 2005).
5.2.8 Relações com interferência entre alunos e usuários-pacientes
Em muitos dos espaços coletivos observados, apareceu o distanciamento entre
acadêmicos e pacientes, usuários do serviço de saúde. Era como se existisse um
limitador de aproximação, entre estes dois sujeitos – os alunos e os pacientes.
Observou-se que os alunos chamavam os pacientes, quando iriam exercer seu lado
profissional, chamando-os para entrarem nos consultórios, “espaços protegidos”, e
realizarem as consultas propostas pelas atividades práticas, na “ação do ser
médico”. Era como se não existissem os demais momentos de interações, nos
espaços coletivos. Conforme Blasco (2006), em muitos momentos, a técnica
moderna distrai e afasta os jovens profissionais do paciente que solicita cuidados.
Segundo Schaff e colaboradores (2001), é preciso promover a boa vontade do
estudante-médico, para este poder entrar no mundo do paciente, buscando
compreender as experiências que o estar saudável ou o estar doente lhe traz. Com
esta vivência, o estudante se inicia na sua prática, preservando o seu componente
humano e acentuando outras qualidades, como a empatia e o amor.
Observou-se a avidez dos alunos em abrirem, folhearem e lerem os escritos
contidos nos registros dos pacientes. Os prontuários eram abertos, ainda, ali, sobre
a mesa de apoio, ou eram lidos, através dos corredores, enquanto os alunos
estavam se dirigindo para os consultórios de atendimento.
Em muitos momentos, os alunos referiam-se às discussões das histórias dos
pacientes, como “discussão de caso”. Perguntou-se: mas que caso? Em vários
momentos, falava-se de portas e de janelas abertas, que se comunicavam com os
corredores dos consultórios. Esquecia-se da reserva e da ética, ao falar sobre as
questões de saúde dos pacientes.
170
Houve situações em que se ouviram os comentários para os alunos atenderem,
logo, para poderem ir embora, porque esta seria a única atividade da tarde. Em
vários ambulatórios observados, os atendimentos dos pacientes eram focais,
situacionais, momentâneos. Não havia ênfase na continuidade do atendimento para
estes. Em muitas especialidades médicas, em cada momento, era um aluno
diferente, quem realizava o atendimento. Alguns pacientes atendidos comentavam
que o tempo de espera era muito longo.
Nos relatos dos alunos sobre os pacientes, as falas pareciam distantes, com
enquadramentos em rótulos e focalização nos diagnósticos direcionados para a
doença. Transpareceram dificuldades para a individualização da história de vida e
de saúde de cada um. Questionou-se a humanização do atendimento.
Na vivência descrita abaixo, perceberam-se dificuldades no respeito aos pacientes,
tais como identificações, incompletas e estigmatizadoras, preconceitos, pouca
valorização das queixas, precária responsabilização e comprometimento por parte
dos alunos. A ocorrência destas questões foi facilitada, pelos rodízios constantes
dos alunos nos ambulatórios, a falta de uma escuta qualificada e continuada dos
pacientes, a escassa presença do docente no interior dos consultórios e as
terapêuticas empregadas, eminentemente, medicalizadoras.
Nesta vivência, apareceram algumas falas lançadas por uma aluna: “a paciente é
regredida, oligofrênica, com logorréia,...”. Em sequência, citou que ela era gestante e
grávida do terceiro filho. Nesta fala transpareceu a frágil valorização da paciente,
mulher, grávida, trazendo suas queixas e ansiedades. Questionou-se que tipo de
escuta esta paciente encontrou, dentro do consultório. Refletiu-se sobre o preparo
dos alunos para desenvolver uma escuta qualificada dos seus pacientes, no futuro.
Nas falas desta aluna apareceram rotulações da paciente, em detrimento das suas
reais necessidades e das suas reais queixas, que não foram citadas. Diante do
relato da aluna, o professor realizou a sua discussão, a partir do diagnóstico
diferencial clínico da paciente. Não se questionou os rótulos da paciente dados por
esta aluna.
171
Garantir uma escuta qualificada pode trazer uma resposta positiva para as questões
trazidas pelos pacientes, que chegam até o momento da consulta médica, através
de um acesso organizado, pela equipe de acolhimento. A escuta deve ser realizada
de forma qua garanta a privacidade do usuário, para que este possa expressar suas
reais necessidades e construir uma relação de confiança, entre pacientes e
profissionais de saúde (MAEYAMA, 2007).
Refletiu-se na importância dos alunos estarem instrumentalizados, para lidarem com
as necessidades humanas. Os alunos poderiam realizar várias possibilidades de
interação com os pacientes, para estreitarem laços de afetividade, vínculo e
confiança, fundamentais na relação médico-paciente. Pensou-se na importância do
diálogo em uma relação médico-paciente, para uma construção terapêutica
conjunta e responsável
Silveira (2004) relata que a autonomia, a justiça, a solidariedade, o cuidado, a
gratidão e o reconhecimento fraterno a quem está cuidando são princípios sicos
da prática em saúde, que se perderam, de algum modo, em algum momento. Talvez
o entendimento fragmentado do corpo humano do modelo biomédico, que considera
o problema de saúde como uma engrenagem da máquina a ser consertada, retire
qualquer tipo de sentimento humanitário ou de solidariedade na prática de saúde.
Em todo processo diagnóstico e terapêutico, a familiaridade, a confiança e a
colaboração estão, grandemente, implicadas no resultado da arte médica (CASSEL,
1991). A relevante função humanizadora faz estabelecer, com o outro, uma relação
construtiva e de inclusão. No fundo, tudo passa pelo outro, pois sem o outro, não é
criado o espaço de convivência e de comunhão. A relação com o outro suscita a
responsabilidade. O outro faz surgir em nós a ética; obriga-nos a uma atitude de
acolhimento ou de afastamento (BOFF, 2004).
5.2.9 Relações com interferência entre alunos e funcionários
172
Na maioria dos ambulatórios observados, perceberam-se eventuais e tênues
relações entre os funcionários e os alunos, neste espaço docente-assistencial. A
escassez de inter-relações entre alunos e funcionários, dificultou uma construção
contínua, efetiva e horizontalizada de interação e de ação destes, enquanto uma
equipe interdisciplinar, em um serviço de saúde (APÊNDICE E).
Houve um momento de interação, em que os observadores tiveram que se conter
para não interferirem no que estava sendo falado. Foi quando um aluno chamou as
técnicas de enfermagem de “mulheres”, como quem, realmente, não conhece, não
entende e nem percebe o trabalho desta profissional de saúde, uma mulher.
Infelizmente, nenhum professor ouviu o que foi dito pelo aluno. Esta fala demonstrou
uma dificuldade de respeito, uma falta de conhecimento do valor e da importância
do trabalho de todos os profissionais que integram uma equipe de saúde.
Algumas situações que foram presenciadas pelos observadores, levantaram
questionamentos sobre a responsabilidade de algumas ações, junto aos
ambulatórios deste serviço de saúde. Como exemplo, interrogou-se quem devia ser
o responsável para guardar, com cuidado e responsabilidade, os prontuários de
pacientes, os receituários de controle especial, todos documentos legais.
Interpretou-se que, ainda não existe um planejamento, neste serviço, que foque uma
ação conjunta e integrada entre os distintos profissionais de saúde. Percebem-se
alguns avanços, contudo, anotou-se, que poderia ser melhor.
Nas inter-relações observadas, refletiu-se sobre a falta de acolhimento,
informações e orientações para os alunos, sobre o serviço de saúde. Igualmente,
refletiu-se sobre a falta de reuniões de avaliação em serviço. E, também, refletiu-
se sobre a falta de fechamento, de finalização, de conclusão na interação entre
todos estes sujeitos. Esta integração reforçaria um trabalho integrado, ao aproximar
o ensino à assistência em saúde.
A presença destas identificações e percepções fez resignificar-se o grau de
importância de uma tomada de consciência e atitude nas ações integrativas voltadas
ao paciente. Para tal, é preciso que se estabeleça uma nova relação entre os
173
profissionais de saúde, diferente do modelo biomédico tradicional, permitindo maior
diversidade das ações e busca permanente do consenso (SAUPE et al., 2005).
Segundo destaca Saupe et al. (2005), as relações, baseadas na interdisciplinaridade
e o mais na multidisciplinaridade, requerem uma abordagem que questione
incertezas profisionais e estimule a comunicação entre os componentes de uma
equipe de saúde.
Como proposta, sugere-se a reorganização e o planejamento do serviço de saúde,
de tal maneira que aconteçam reuniões planejadas de avaliação em serviço, nas
quais os alunos também participem, vivenciando todo o contexto de saúde no
cotidiano, com suas dificuldades e facilidades, com seus erros e acertos.
5.2.10 Relações com interferência entre alunos e observadores
Na maior parte das vivências de campo, nos cenários de atividades práticas, não
houve perguntas e questionamentos, sobre os motivos da presença dos
observadores, por parte dos professores e dos alunos do curso.
Em várias oportunidades, observou-se que não ocorreram interações, mais
próximas, entre os alunos e os observadores, nos ambientes coletivos observados.
Refletiu-se sobre o que foi constado nas observações, no praticamente inexistente
senso de curiosidade, por parte dos alunos, com relação ao seu entorno.
Freire (2000) enfatiza que muitos são os saberes necessários para uma prática
educativa transformadora. Destes, inúmeros são os que fundamentam uma ação
educadora permanente, para o ensinar e para o aprender: o respeito, a criticidade, a
ética, a curiosidade, o saber escutar e o querer bem.
A fala de um aluno é digna de registrar-se, quase integralmente, mais uma vez. Um
aluno chegou, aproximou-se e disse: “Dez horas, e não tem mais paciente? Que
absurdo! De doze pacientes, faltaram cinco!”. “Deveriam ver um esquema, para não
174
faltarem mais tantos pacientes. Quem sabe, cobrar R$ 5,00 ou cobrar um quilo de
alimento, não perecível! Daí, talvez, os pacientes não faltassem tanto”. “E isso
acontece, em todas as disciplinas, sem exceção!”.
Ficou-se, pensando e refletindo, sobre o que se tinha acabado de ouvir. Se estas
seriam as únicas medidas de conscientização e responsabilização dos
pacientes, usuários deste serviço de saúde, da importância de virem, de forma
continuada e responsável, às consultas médicas. Ficou-se pensando e refletindo
sobre o grau de vínculo deste aluno a este serviço, no momento em que ele diz:
“deveriam ver” e não “devemos ver”, enquanto uma construção responsável e
coletiva do eu, isto é, dele e dos outros profissionais do serviço.
Sentiu-se falta de reuniões conjuntas entre todos estes sujeitos, enquanto
responsabilizações, na construção e na formação de um profissional cidadão-
médico. Caminhos estão sendo contemplados, caminhos têm-se a percorrer. É o
inacabado, permanentemente, na função educadora.
Educar as atitudes supõe mais do que oferecer conceitos e conteúdos teóricos ou
realizar simples treinos ou repetições. Formar médicos implica promover reflexões
conscientes, inseridas em um processo humanizador, que facilitem aos alunos as
descobertas sobre si mesmos e de seus compromissos (AMORETTI, 2005).
No trabalho com humanos, Schaff e colaboradores (2001) consideram fundamental a
compreensão dos seres humanos: em primeiro lugar, o conhecimento próprio, e
depois, o entendimento dos outros, seus semelhantes e, entre eles, os pacientes.
Como enfatiza Blasco (2002), o médico é produto do seu meio, cidadão do seu
tempo, influenciado pelos mesmos padrões sociais que os outros seres humanos. O
estudante de medicina, por encontrar-se em período de formação humana e
profissional, é extremamente influenciado pelo meio social que o circunda.
Enquanto percepção geral, através dos dados identificados por observações e
entrevistas com estes alunos, identificou-se um modelo educador em transição.
Transição na possibilidade de inserção precoce dos alunos em atividades práticas,
175
na percepção do ideal de formação de um profissional íntegro, correto e motivado,
com competências e habilidades técnico-científicas e com ações e atitudes de
afetividade na responsabilidade, na criação de vínculos e no cuidado e acolhimento
de pessoas - usuários-pacientes e na produção de um trabalho em equipe de saúde.
Enquanto percepção de especificidades percebeu-se uma proximidade em
construção, nas relações entre alunos, docentes, disciplinas, funcionários e
direcionamento deste curso de medicina.
Portanto, enquanto fomentador de transformação para um novo modelo de
profissional de saúde-médico, é essencial que o aluno-médico esteja sendo formado
em um novo paradigma, o da integralidade, pois a humanização é um modelo que
perpassa pela política de assistência à saúde, e que está diretamente vinculado a
este paradigma.
Contrapondo-se ao Paradigma Flexneriano e buscando equilibrá-lo a uma nova
realidade social, o Paradigma da Integralidade na assistência em saúde tem como
proposta para a formação médica, a contextualização desta nas dimensões sociais,
econômicas e culturais da vida da população (LAMPERT, 2002).
Como ressalta Freire (2000), como seres inacabados, conscientes, social e
historicamente, nossa construção não é feita isolada, mas com influência de forças
sociais, com responsbilidades éticas, políticas, históricas. Somos sujeitos dessa
história, conscientes, de que nada está pronto, num incessante processo social de
busca.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O humanismo é inato à profissão médica. Um
médico sem humanismo o será propriamente
médico. Na melhor das hipóteses, trabalhará como
um “mecânico de pessoas”. Um médico de família
(BLASCO, 2002, p.109).
O presente estudo teve como foco central a valorização das humanidades na
formação do aluno, futuro profissional de saúde-médico. O objetivo central foi
contribuir para a revitalização do ensino das humanidades, em uma escola médica
do sul do Brasil, que percebe-se estar focada neste tema, ainda de maneira informal
e assistemática. Como outros objetivos buscaram-se perceber a compreensão dos
alunos na importância do aprendizado e da vivência prática de ações e atitudes
cotidianas, permeadas pela humanização.
A observadora, enquanto profissional de saúde, durante o desenrolar deste estudo,
percebeu o desabrochar de alguns desafios: como médica, continuar o exercício de
uma medicina centrada na pessoa e não na doença; como professora, orientar os
alunos sobre a importância de uma prática em saúde, pautada na humanização;
como orientadora do aluno bolsista, estimular-se, continuadamente, no exercício da
reflexão e da ação enquanto uma profissional de saúde e professora; e como
pessoa, aprimorar o meu ser, humano, para uma melhor compreensão e atitude no
cuidado com este mundo (APÊNDICE F).
É prioritário que as instituições universitárias formadoras de profissionais de saúde,
priorizem graduar profissionais cidadãos, competentes, ao proporcionar para seus
alunos, espaços para atitudes reflexivas, num contínuo e permanente
comprometimento com o pensar, o sentir e o fazer saúde. E que formem médicos-
cidadãos.
Foi determinante a iniciativa de voltar-se o olhar, para o interior de um espaço
docente-assistencial, e repensar-se o modelo de formação médica. Analisar-se a
transição de um modelo de formação profissional cartesiano, determinista e
177
positivista, para outro, fortalecido pela integralidade, interdisciplinaridade, vínculo,
responsabilidade, acolhimento e humanização, foi essencial, para perceber-se a
existência de diferentes compassos, entre a teoria e a prática, entre as propostas e a
realidade, a partir de outras, novas possibilidades.
Para além de puro academicismo, este trabalho pretendeu tornar-se um instrumento
de análise e estímulo para a construção, permanente, de um curso de medicina
aberto, renovado e sintonizado, em seu cotidiano, contemporâneo com as atuais
propostas, programas e políticas de saúde do país, na perspectiva da integralidade,
do acolhimento, da formação de vínculos e, sobretudo, da humanização.
O que se buscou com este estudo é destinar-se um novo olhar para um curso de
medicina, de dentro para fora, na perspectiva da humanização do futuro médico, de
um curso da área da saúde, dos serviços de saúde, através da proposta de uma
prática educadora, problematizada por uma metodologia afetiva.
A construção de um espaço educador necessita de uma aproximação entre o
professor e o aluno, que facilite uma reflexão, conjunta, de todos os envolvidos, no
cenário da educação e da formação médica. Para poder educar, é preciso entender
aquele que se pretende educar e para entender aquele que se pretende educar, é
preciso um espaço adequado e que permita esta aproximação. Nesta interação,
próxima, entre educador e educando, deve haver entre os dois sujeitos, uma estreita
relação de diálogo, troca e afetividade.
A análise das inter-relações, entre os diversos sujeitos envolvidos, nos cenários de
ensino e aprendizagem, foi uma experiência ímpar, não apenas para os
pesquisadores, que se viram desafiados, a cada instante, em cada registro, em cada
escuta e em cada reflexão, mas, também, para o curso e para a instituição.
Identificou-se, através das falas dos alunos entrevistados, que eles consideram
muito importante uma atuação médica humanizada. É o modelo ainda idealizado de
médico, que eles buscam. O médico que escuta, que a o, que caminha do
lado, que fala e que cala, que tem amor no cuidado de seus pacientes.
178
Através de algumas colocações dos alunos, observou-se que eles se sentiram
escutados, ouvidos, percebidos, acolhidos. Conseguiram parar, por alguns
momentos, no carrossel de seus compromissos cotidianos. E puderam comentar,
falar, dialogar, trazer suas experiências pessoais, suas histórias de vida. E foram
sujeitos que construíram possibilidades, opiniões, acertos e vivências.
Percebeu-se, através das observações vivenciadas, que a existência de atitudes
voltadas ao cuidado, à proximidade e à humanização, apresentava questões a
serem construídas. A grande maioria dos alunos considera importante ser fortalecida
e experienciada, durante a sua formação médica, uma prática voltada ao cuidado
com o outro, humanizada. Embora, alguns salientaram que muitas destas
características, do ser um bom médico, já viriam junto com o aluno, antes dele iniciar
o curso de medicina, tais como educação, respeito, sinceridade e outras qualidades
humanas.
As reflexões advindas desta percepção, conseguiram remeter a questões que
justificaram as falas, os entendimentos, as ações e as atitudes dos alunos, em seu
universo de interações, no seu dia-a-dia, a partir das vivências observadas e
escutadas. Os alunos vivenciam o que é estimulado e o que é reforçado.
Futuramente, reproduzirão o que apreenderam e o que acham que seja o ideal, para
si e para seus pacientes.
Atitudes e ações, de ordem prática para a formação médica, devem aparecer, como
o se portar, o conduzir uma consulta, a apresentação pessoal e profissional, o modo
de cumprimentar o paciente, o saber e o estabelecer limites no relacionamento, as
relações com os outros profissionais de saúde.
A humanização é um processo amplo, demorado e complexo, ao qual se oferecem
resistências, pois requer a compreensão do conceito por todos e envolve mudanças
de comportamento. Muitos são os fatores inter-relacionados, pois incluem os ligados
aos pacientes, aos profissionais, aos processos da instituição. Cada profissional,
equipe, instituição terá seu processo singular de humanização. E para que esse
processo se efetive, todas as instâncias devem estar envolvidas: profissionais de
179
todos os setores, alunos, todas as disciplinas, a direção, os gestores e outros
(KNOBEL, 2008).
Este processo interativo de reflexão incorpora atitudes essenciais no processo de
formação do profissional dico: humildade, respeito, sensibilidade com os
pacientes, bom senso, bom humor, conhecimento e entusiasmo (MARAÑON, 1954).
Consequentemente, vem ao encontro desse processo a melhoria nas relações
humanas ao trazer, à tona, a vivência do acolhimento, a criação de bons vínculos e
os preceitos da humanização na saúde.
Diante do exposto, no presente estudo, estabeleceram-se alguns objetivos:
revitalizar a humanização nas disciplinas do curso de medicina estudado; identificar
o grau de importância que os alunos deste curso de medicina atribuem para uma
atuação médica humanizada; identificar as concepções que os alunos do curso de
medicina têm sobre assistência médica humanizada; identificar as percepções que
os alunos do curso de medicina têm sobre o aprendizado das humanidades, nas
disciplinas do curso de graduação médica; identificar as sugestões dos alunos para
efetivar a revitalização da humanização no curso de medicina.
Enquanto limitadores para este estudo, identificou-se que a maioria dos alunos não
tinha uma compreensão, com clareza e profundidade, sobre o significado desta
proposta de ação para o profissional de saúde a humanização, não conseguindo
captar-se, com mais clareza e profundidade, as suas sugestões quanto a este tema;
a completa isenção metodológica dos dois observadores, nas saídas de campo,
devido aos mesmos fazerem parte do contexto de inter-relações pessoais do curso
de medicina em questão.
Enquanto proposta de metas a serem atingidas, a interação com os alunos permitiu
que fosse evidenciado que eles consideram ser fundamental uma prática médica
pautada no cuidado, no respeito, na proximidade e na boa educação. Contudo,
evidenciaram-se alguns dificultadores para que essas competências e ações
estivessem sendo compreendidas e treinadas, no cotidiano dos alunos.
180
Dentre os dificultadores, pode-se ressaltar: atividades práticas inseridas,
tardiamente, na matriz curricular do curso; tempo ainda reduzido de práticas voltadas
à compreensão dos determinantes sociológicos envolvidos no binômio saúde-
doença; persistência de modelos de atividades práticas de realização, a nível
hospitalar; restrito conhecimento teórico-prático dos alunos dos programas e das
políticas do sistema de saúde voltadas à humanização da assistência; dificuldades
de aproximação e interação entre as várias disciplinas do curso; segmentação da
matriz curricular do curso em ciclos básico, profissionalizante e internato médico;
inexistência de grupos de estudo e de linhas de pesquisa, dentro desse curso de
medicina, voltados à temática da humanização; incipiente estímulo a uma
participação mais efetiva dos alunos nas discusões e nas decisões do curso;
melhoria na aproximação e no diálogo entre os alunos, os professores e a
coordenação dessa escola médica.
Enquanto contribuições, este estudo teve ações que foram um diferencial para os
alunos, os professores e o curso. Através dele, pretendeu-se inserir novas
possibilidades de agregarem-se vivências de uma educação afetiva, nos espaços de
ensino e aprendizagem, desta escola médica, para que estes novos profissionais
estejam comprometidos e qualificados, em consonância com o atual modelo do
SUS.
Baseado nestas vivências, este estudo propõe caminhos para uma mudança, no
sentido da revalorização das humanidades, num espaço de saúde docente-
assistencial, a partir de três eixos de ação: a humanização no cuidado com os
espaços físicos, a humanização no cuidado com as ações e atitudes, de todos os
sujeitos envolvidos na atenção à saúde e a humanização no cuidado com o
processo de gestão do trabalho.
Capra (2001), chamou a atenção para os estudos que demonstraram que, apesar do
avanço tecnológico, a medicina moderna tem falhado em melhorar a saúde de várias
populações.
Como movimento de mudança, existe o reconheciimento das deficiências do atual
sistema e o entendimento que as raízes desta deficiência estão na estrutura
181
conceitual, que serve de suporte à teoria e às práticas médicas, fundamentadas no
pensamento cartesiano (CAPRA, 2001).
Em consequência, algumas diretrizes inovadoras são buscadas e retomadas, a partir
deste novo modelo de formação para o profissional médico – o Paradigma da
Integralidade. Destas, pode-se destacar: ênfase maior na promoção da saúde do
que na doença, com uma adequada compreensão dos aspectos sociais, econômicos
e culturais; processo ensino-aprendizagem centrado no aluno e não no docente;
aluno passa a ter papel ativo na sua própria formação; atividades de ensino
acontecem no sistema de saúde local; atividades práticas voltadas para as ações
básicas de saúde na comunidade; capacitação docente voltada não somente para a
competência técnico-científica, mas também para a didático-pedagógica; reflexão e
discussão crítica dos aspectos econômicos e humanísticos da prestação de serviço
de saúde e seus aspectos éticos.
Os modelos pedagógicos necessários para essa mudança devem ser mais
interativos, com o estabelecimento de parcerias entre a universidade, os serviços de
saúde e a comunidade, com o planejamento do processo ensino-aprendizagem
centrado nos problemas sanitários prevalentes (FEUERWERKER, 1999).
Assim, o modelo buscado pelo Paradigma da Integralidade na Educação Médica,
vem ao encontro das mudanças que vem ocorrendo na assistência à saúde e busca
uma aproximação e equilíbrio entre tecnologia e humanismo (LAMPERT, 2001).
Sendo assim, colocou-se enquanto proposta, a implantação de um Programa de
Humanização em uma Escola Médica, com a participação de todos os sujeitos,
através de um projeto coletivo, que busque resgatar as relações entre o profissional
de saúde e o usuário, dos profissionais entre si e da instituição de saúde com os
profissionais. Não humanização da assistência, sem cuidar da realização pessoal
e profissional dos que a fazem.
Portanto, humanizar a assistência é humanizar a produção dessa assistência, com
ações centradas na ética, no diálogo e na negociação na produção de cuidados em
saúde (KNOBEL, 2008).
182
Vem a esse encontro, o que propôs a Associação Médica Brasileira (AMB), em
1989, enquanto prioridades, dentro das escolas dicas: evitar a fragmentação do
currículo; promover a articulação dos ciclos básico e profissional; propiciar a
integraçao das disciplinas; deversificar os ambientes das práticas de ensino;
estimular a integração docente-assistencial; desenvolver o estágio curricular ou
internato, de forma integrada, nas quatro grandes áreas - clínica médica, clínica
cirúrgica, pediatria e rocoginecologia (DALLA, 2002).
Neste cenário, em 1991, iniciou-se o projeto da Comissão Interinstitucional de
Avaliação do Ensino Médico (CINAEM), formada por onze instituições ligadas ao
ensino e à prática médica, cujas propostas descrevem alguns objetivos essenciais
para a transformação da educação médica: prática como base para a reflexão
teórica; ensino centrado na comunidade; prática médica ministrada com enfoque na
pessoa; campos de conhecimento como suporte para a compreensão, interação e
intervenção sobre o sujeito da prática médica; adoção de pedagogia de construção
do conhecimento com a incorporação progressiva e racional de conhecimentos,
métodos e técnicas.
Portanto, evidencia-se a educação médica brasileira apresentar-se, no presente
momento, com uma relação dialética entre uma formação especializada,
fundamental para o avanço científico da medicina, e uma formação mais integral,
para que, realmente, conta das necessidades básicas de saúde da população
(ARCOVERDE, 2004).
Transpondo essas questões para o presente estudo, inicialmente, necessidade
de criar-se um espaço formal e uma nova sistemática, dentro dessa escola médica,
para reorientar uma formação reflexiva na construção deste profissional - dico.
Num verdadeiro exercício filosófico, a humanização promoveria uma atitude reflexiva
da instituição educadora, do professor-médico-educador e do aluno,
continuadamente.
Neste sentido, uma iniciativa seria a criação de um programa de educação
permanente, com reuniões de trabalho, que foquem uma concepção reflexiva e
afetiva de educação e de aperfeiçoamento médico. A prática reflexiva da profissão
183
seria um recurso para integrar as evidências científicas, com as experiências
próprias e subjetivas, com a tomada de decisões, no cuidado com o seu paciente.
Esta prática, reflexiva, teria uma implicação direta no docente e no aluno desta
escola médica, com uma atuação direta no modelo educador, focando a formação e
a atuação de profissionais igualmente reflexivos, críticos e responsáveis.
Proporcionar a revalorização do perfil da instituição formadora, com um enfoque
verdadeiramente humanista em suas ações e atitudes do cotidiano, seria um
desafio, pois no contexto da universidade, educar constitui-se um instrumento
necessário para desenvolver valores, habilidades, competências e atitudes em
vários níveis, como uma resposta satisfatória aos complexos problemas da vida
social (UNIVERSIDADE..., 2007).
Proporcionar a revalorização do perfil do profissional docente, nos preceitos da
humanização, seria um caminho a construir-se, de maneira contínua, dentro deste
curso e do cenário docente-assistencial, utilizado como campo de pesquisa.
Profissionais valorizados e acolhidos, conscientes e comprometidos com a formação
de futuros médicos, refletiriam, em suas ações, exemplos humanísticos, que,
posteriormente, seriam repetidos pelos egressos.
Proporcionar a revalorização do perfil do aluno, no resgate da humanização, seria
uma caminhada a construir-se, enquanto permeadora de inter-relações humanas,
em um curso voltado à saúde. Alunos valorizados e acolhidos, inseridos,
educacionalmente, de forma precoce, nos espaços de atividades práticas,
resgatariam importantes aspectos de responsabilidade, vínculos e
comprometimento, no cuidado de saúde com o outro, o paciente.
A humanização dentro desse curso de medicina, não pode ser vislumbrada, apenas,
enquanto uma proposta de intervenção que acrescente disciplinas voltadas à
questão das humanidades e, tampouco, enquanto apenas uma melhora nas
relações humanas existentes e que acontecem entre todos os sujeitos que fazem
parte de um serviço de saúde. Ela, enquanto uma proposta para ser revitalizada,
deve seguir uma linha processual de readaptação e reformulação de novas
sistemáticas, que busque uma nova compreensão e ação por parte de todos,
184
humanizando pessoas, humanizando espaços de interação e humanizando os
processos de produção de trabalhos em saúde, numa dimensão que contemple,
enquanto uma proposta de continuada e reflexiva ação, o ser saudável.
Como proposta de “ação piloto”, colocaria-se a ampliação da dimensão educadora
no programa da disciplina de medicina de família e de comunidade, do curso de
medicina desta universidade, contemplando, além das habilidades técnico-científicas
dos alunos e professores, a dimensão humanista da formação médica e o estímulo
ao desenvolvimento das atitudes afetivas dos mesmos, imprescindíveis para o
aprendizado e para a ação deste médico.
A disciplina de medicina de família e de comunidade seria um dos caminhos para
estimular a implementação da humanização neste curso de medicina, pois esta
disciplina tem, enquanto fundamentação metodológica, um forte embasamento na
humanização. Seriam propostas deste programa: humanizar a relação médico-
paciente, referente à atenção primária, porta de entrada e primeiro acesso dos
pacientes ao sistema de saúde; humanizar o ensino médico, enquanto uma
sistemática educadora; humanizar o próprio médico, introjetando, definitivamente,
esta postura (BLASCO, 2002).
Como proposta de continuidade, colocaria-se a articulação desta disciplina com as
demais disciplinas do ciclo básico e profissional deste curso, do primeiro ao oitavo
períodos, possibilitando uma discussão, coletiva, com interações teórico-práticas
reflexivas, frente à temática das humanidades.
Recursos humanísticos seriam empregados, transversalmente, como facilitadores a
atitudes reflexivas nesse projeto de ensino e aprendizagem. Neste projeto estariam
reunidas as temáticas de bioética, história da medicina, antropologia, sociologia,
psicologia médica, espiritualidade, literatura, artes e poesia.
Uma proposta a ser levada aos níveis competentes de gerenciamento desta
universidade, seria repensar e readequar as estruturas físicas da unidade de saúde
docente-assistencial observada e transformar ambientes neutros em espaços
acolhedores, saudáveis e possibilitadores de vivências em saúde.
185
Na prática, poderia ser implantado este Programa de Humanização dentro dessa
escola médica, como um indicador de qualidade, sendo, por conseguinte, algo mais
mensurável, perceptível e compreensível, enquanto dimensão de saúde. O
Programa Nacional de Humanização já prevê o uso de indicadores, que sejam
instrumentos de planejamento, intervenção e avaliação (KNOBEL, 2008).
No ano de 2000, a Organização Mundial da Saúde (OMS) introduziu nas pesquisas
de avaliação em saúde, metodologias que incorporam a visão do usuário, na busca
de reafirmar os princípios relativos a direitos individuais e de cidadania (OPAS,
2002). Um Programa de Humanização implementado numa escola médica poderia
fornecer uma visibilidade do compromisso da instituição com os aspectos de
humanização na assistência à saúde aos usuários, aos alunos, aos profissionais e
outros sujeitos, ao mensurar ações que demonstram o compromisso com o
acolhimento, a dignidade, o respeito humano e a integralidade (KNOBEL, 2008).
Assim, estimular a aproximação precoce entre todo o corpo docente, profissionais da
equipe de saúde e acadêmicos, seria um caminho para a construção de laços
efetivos de humanização, através de vínculos e de proximidade. Reuniões
continuadas de avaliação em serviço deveriam ser revalorizadas, para integrar todos
estes sujeitos, visando o pleno desenvolvimento de habilidades humanísticas nas
atividades docente-assistenciais.
Estimular a aproximação precoce entre os vários cursos da área da saúde, seria um
estímulo de resposta e de necessidade de readaptação a um novo desafio
representado pela forma das pessoas serem e de se relacionarem, enquanto uma
inovadora exigência profissional para os novos tempos (UNIVERSIDADE..., 2007).
Enquanto sugestões dos alunos para efetivar a humanização nesse curso de
medicina, as seguintes colocações foram identificadas, como segue:
é importante a atividade prática precoce, pois vai-se aprender a lidar com muitas
coisas, vai ter que lidar com morte, com tristeza e, assim, serve para amadurecer
a daí, aprender a lidar;
é fundamental ter um contato maior com os pacientes, para viver e acompanhar a
evolução destes pacientes, no ambulatório;
186
a disciplina de farmacologia foi dada em apenas um semestre e é importante ter
um semestre a mais;
deve-se ter um estímulo maior para fazer, na prática, estágios extracurriculares
ou monitorias;
incentivar mais os alunos para produzirem pesquisa junto com os professores,
pois vê-se acontecer bastante pesquisa, aqui na UNIVALI;
estimular a melhoria do relacionamento dos alunos com as enfermeiras, no
hospital, pois percebe-se bastante dificuldade, nesse sentido;
as atividades práticas com a participação dos alunos devem ser mais
valorizadas, melhorando o peso delas para as notas, cobrando as presenças e
as atitudes e a evolução dos alunos;
percebe-se faltar se importar mais com o paciente, ter uma interação mais
próxima dele;
evidencia-se, dentro do curso,necessidade de ter mais oportunidade de trabalhar
a pessoa humana;
as disciplinas de antropologia e de sociologia não tiveram um linck maior com a
medicina, para o aluno poder entender mais o ser humano;
o aluno deve ser colocado em aula prática, desde o início do curso, enquanto um
processo de compreensão, para entender primeiro o social, depois o familiar e ,
por último, o individual desse paciente;
deve haver uma maior articulação entre o conhecimento e as disciplinas;
a humanização deve ser passada na teoria, mas, também, muito na prática;
tenho que ver o professor fazer isso, na prática, para eu aprender a lidar,
também, com respeito, dedicação e igualdade com os pacientes, e são poucos
os professores que passam para a gente o que é certo e o que é errado;
os professores de ética deveriam rever e passar conteúdos e conceitos para
todos os professores do curso de medicina, para melhorar a atuação prática de
todos nessa questão;
fornecer um maior apoio psicológico aos alunos, conforme as dificuldades que
aparecerem;
é fundamental que nessa escola médica se forme um médico generalista, que
conheça bem os pacientes, a nível de atenção primária de saúde, para atuar,
realmente, na realidade de nossa população;
187
os professores deveriam vir nas aulas, com mais motivação e com mais diálogo
junto aos alunos, e não por obrigação;
é importante os alunos colocarem mais a sua opinião para os professores, para
terem mais diálogo com os mesmos, e com isso terem uma proximidade,
construída com respeito.
Enquanto sugestão, uma reorientação do primeiro momento de entrada dos alunos
no campo de atividades práticas do serviço de saúde, seria um divisor de águas,
“ritual de passagem” para estes alunos, através de um encontro inicial, com uma
apresentação entre todos, profissionais, professores e alunos. Isto possibilitaria um
efetivo encontro, com aproximação e acolhimento, numa visão integrada do fazer
saúde.
Como contribuição deste estudo, reforçaria-se a importância de lidar com o universo
afetivo dos alunos e dos docentes deste curso de medicina. Este enfoque supõe
pensarem-se caminhos, nos quais alunos e professores estejam integrados, num
processo de permanente formação. Enquanto diretriz educadora, a afetividade pode
estar contemplada em muitos momentos do curso.
Através deste estudo, levantaram-se possibilidades para a revitalização da
humanização em uma escola médica. Refletiu-se que foi possível perceber a
humanização, como uma atitude essencial de um ser humano que ajuda a cuidar de
outro ser humano. Percebê-la como tal, foi fundamental, no resgate de um caminho
em que o olhar sobre a saúde possa, permanentemente acontecer, de uma forma
completa, sensível e responsabilizada. Ser humano é um exercício contínuo. É ser
humano dentro e fora de um hospital, de um ambulatório de saúde, de um
consultório, de uma sala de aula, de uma casa... É ser humano na vida.
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ZUSMAN, W. Pode a psicanálise oferecer algo na preservação do humano? Revista
Brasileira de Psicanálise, n.32, p.945-951, 1998.
199
ANEXOS
201
ANEXO A –
Termo de qualificação do projeto de pesquisa
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ
PROGRAMA DE MESTRADO PROFISSIONALIZANTE EM SAÚDE E GESTÃO DO
TRABALHO
TERMO DE QUALIFICAÇÃO DO PROJETO DE PESQUISA
Eu, ROSITA SAUPE, orientadora da dissertação de mestrado da aluna Mara Cristina
Binz, cujo tema é a REVITALIZAÇÃO DA HUMANIZAÇÃO NO ENSINO MÉDICO,
declaro que foi aprovado este projeto de pesquisa, através de Banca de
Qualificação, realizada em 11 de julho de 2007, ás 14:00 horas, tendo como
membros avaliadores o professor Dr. Luiz Roberto Agea Cutolo e a professora Dra.
Yolanda Flores e Silva.
Itajaí, ____/____/______
DRA. ROSITA SAUPE
Orientadora
202
ANEXO B - Termo de consentimento da coordenação do Curso de Medicina
M.D.
COORDENADOR DO CURSO DE MEDICINA
CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE
UNIVALI
PREZADO PROFESSOR
MÁRCIO VIEIRA ANGELO
É, com muito prazer, que lhe entrego o projeto de dissertação para o
Mestrado Profissional em Saúde da Família e Gestão do Trabalho da UNIVALI,
intitulado “REVITALIZAÇÃO DA HUMANIZAÇÃO NO ENSINO MÉDICO”, do qual
eu sou autora, com orientação da Professora Dra. Rosita Saupe.
Venho, por meio deste, socilitar o seu apoio e a sua aprovação, neste
termo de consentimento, enquanto coordenador do Curso de Medicina da UNIVALI.
Atenciosamente,
Mara Cristina Binz
Mestranda
Mestrado Profissional em Saúde da Família e Gestão do Trabalho
UNIVALI
Itajaí, 20 de junho de 2007
203
ANEXO F - Termo de consentimento livre e esclarecido para docentes do Curso
de Medicina
Itajaí, 05 de setembro de 2007.
Aos Professores
Através deste, estamos apresentando um projeto de pesquisa intitulado
“Revitalização da Humanização no Ensino Médico”, que pretende observar os
acadêmicos do Curso de Medicina que realizem atividades práticas na Unidade de
Saúde da Família e Comunidade (USFC) da Universidade do Vale do Itajaí
(UNIVALI), e, após tomar ciência das informações a seguir, solicitamos seu
consentimento, enquanto docente responsável pelos acadêmicos sob observação,
para tomarmos parte das atividades práticas de sua Disciplina e checar como as
humanidades permeiam as ações dos acadêmicos do Curso de Medicina desta
Instituição.
A pesquisa, vinculada ao Mestrado Profissionalizante em Saúde e Gestão do
Trabalho, do Centro de Ciências de Saúde da UNIVALI, propõe-se a observar a
existência de uma abordagem humanística dentro do Curso de Medicina da
UNIVALI. A justificativa desta pesquisa apóia-se em considerar fundamental o
aprendizado das humanidades, em um curso da área da saúde voltado a humanos.
O benefício deste estudo é revitalizar a abordagem humanística em futuros médicos,
e os dados coletados serão utilizados para fins meramente acadêmicos de pesquisa
e de divulgação sobre a temática estudada. A metodologia inclui várias etapas, e
neste instrumento de pesquisa, enfocaremos a observação, em uma modalidade
semi-participante, com um olhar preferencial sobre os acadêmicos dos , 8° e 11°
períodos, e neste intuito solicitamos seu consentimento e colaboração para observar
as atividades práticas dos acadêmicos que encontrarem-se sob sua
responsabilidade nas dependências da USFC. Os pesquisadores o o acadêmico
Eliezer W. Menezes Filho e a mestranda e docente Mara Cristina Binz, que pleiteiam
fazer as observações nos horários de aulas práticas de sua disciplina, no período
entre setembro e dezembro de 2007, conforme os cronogramas das Disciplinas
focadas e disponibilidade de ambos pesquisadores em fazerem-se presentes.
Neste sentido, solicitamos sua colaboração e, caso concorde com os termos e
propostas do projeto de pesquisa, solicitamos o preenchimento dos campos a seguir
e assinatura deste documento, conforme segue:
Eu,
__________________________________________________________________,
portador(a) da identidade / CPF nº_____________________, professor(a) da
disciplina de ___________________________________ do ____ período do Curso
de Medicina da UNIVALI, declaro que tomei conhecimento e dou anuência em
participar do presente objeto de pesquisa, executado pelo acadêmico Eliezer W.
Menezes Filho e a mestranda Mara Cristina Binz, sob a coordenação e orientação
da Profª. Drª. Rosita Saupe.
Local:______________________________________________________________
Data:_______________________________________________________________
Nome:______________________________________________________________
Assinatura:__________________________________________________________
Fone:______________________________________________________________
Email:______________________________________________________________
204
ANEXO G
Instrumento para diário de campo
DEFINIÇÃO:
“Relato escrito daquilo que o investigador ouve, vê, experiencia e
pensa, no decurso da recolha, refletindo sobre os dados de um estudo qualitativo”
(BOGDAN; BIKLEN, 1991, p.150).
CONTEÚDO DAS NOTAS DE CAMPO
SAUPE, 12/06/2005, revisado em 11/10/2005.
P
A
R
T
E
D
E
S
C
R
I
T
I
V
A
Retratos dos
Sujeitos
Aparência física; maneira
de vestir; maneirismos;
estilo de falar e agir;
Procurar aspectos particulares
das pessoas que as diferenciem
das demais.
Reconstrução dos
diálogos
Conversas e depoimentos
sigilosos
Usar paráfrase e citações na
íntegra
Descrição do
espaço físico
Desenhos a lápis do espaço e do arranjo da mobília.
Descrição usando TODOS os sentidos
Relatos de
acontecimentos
particulares
Listagem de quem esteve envolvido no acontecimento, de que
maneira e qual a natureza da ação.
Descrição de
atividades
Descrições detalhadas dos comportamentos.
O comportamento
do observador
O pesquisador também é
objeto de investigação.
Modo de vestir, ações e
conversa com os sujeitos.
Esteja atento ao seu
comportamento, suposições e
tudo que possa afetar os dados
que são recolhidos e analisados.
P
A
R
T
E
R
E
F
L
E
X
I
V
A
Relato pessoal. Ênfase na especulação, sentimentos, problemas, idéias,
palpites, impressões e preconceitos. Confesse os seus erros, as suas
inadequações, os seus preconceitos, os seus gostos e aversões. Especule
acerca daquilo que pensa que está aprendendo, do que pretende fazer a seguir
e qual o resultado do estudo que esta realizando.
1
Reflexões sobre a
análise
Especule sobre o que esta aprendendo, os temas
que estão emergindo, padrões que podem estar
presentes, conexões entre pedaços de dados,
adição de idéias e pensamentos que lhe
ocorrem.
2
Reflexões sobre o
método
Aborda procedimentos e estratégias empregadas
no estudo e decisões tomadas sobre o plano de
estudo.
3
Reflexões sobre
conflitos e dilemas
éticos
Preocupações relacionadas com a vida dos
sujeitos e seus valores.
4
Reflexões sobre o
ponto de vista do
observador
Preconceitos e rupturas
5
Pontos de clarificação Comentários
MEMORANDOS
São fragmentos de pensamentos que, de tempos em tempos,
e não como parte de um conjunto particular de notas, o
investigador escreverá, como reflexões adicionais.
205
DIÁRIO DE CAMPO
Registros
Data:
Hora de início:
Hora de término:
PARTE DESCRITIVA
PARTE REFLEXIVA
1. Descrição do
espaço físico
1. Reflexões sobre
o método
2. Descrição dos
sujeitos
2. Reflexões sobre
a análise
3. Descrição das
atividades
realizadas
3. Reflexões sobre
conflitos e dilemas
éticos
4. Reconstrução dos
diálogos
4. Reflexões sobre
o ponto de vista do
observador
5. Acontecimentos
particulares
5. Pontos para
clarificação
6. Comportamento
do observador
MEMORANDOS
SAUPE, 12/06/2005, revisado em 11/10/2005.
ANEXO H – Termo de autorização da coordenação do Curso de Medicina
M.D.
COORDENADOR DO CURSO DE MEDICINA
CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE
UNIVALI
PREZADO PROFESSOR
MÁRCIO VIEIRA ANGELO
É, com muito prazer, que lhe entrego a dissertação para o Mestrado
Profissional em Saúde da Família e Gestão do Trabalho da UNIVALI,
intitulado “REVITALIZAÇÃO DA HUMANIZAÇÃO NO ENSINO MÉDICO”, do qual
sou autora, com orientação da Professora Dra. Rosita Saupe.
Venho, por meio deste, solicitar o seu apoio e a sua autorização na
identificação da instituição na qual foi realizado o presente estudo, enquanto
coordenador do Curso de Medicina.
Atenciosamente,
Mara Cristina Binz
Mestranda
Mestrado Profissional em Saúde da Família e Gestão do Trabalho
UNIVALI
Itajaí, 20 de janeiro de 2009.
207
APÊNDICES
208
APÊNDICE A – Roteiro para entrevista semi-estruturada
IDENTIFICAÇÃO:
1. Data da entrevista:
2. Local da entrevista:
3. Apelido do entrevistado:
4. Data de nascimento:
5. Sexo do entrevistado:
6. Período no curso de Medicina:
7. Outras observações:
ROTEIRO:
1. O que levou você a escolher estudar medicina e ter como profissão ser um
médico?
2. Quando você entrou na faculdade de medicina, foi explicado para você
que tipo de profissional médico é formado nesta escola? Me fale que tipo
de profissional médico você acha importante estar sendo formado, nos
dias atuais.
Obs.: mostrar folder de divulgação do curso de medicina da UNIVALI para
o entrevistado.
3. Como você se sente, enquanto aluno de medicina, nas atividades práticas,
que são realizadas no bloco 29? Quais os pontos mais positivos? Quais os
pontos mais negativos? O que você acha que poderia ser diferente?
4. Como você se relaciona com os seus colegas de aula? E com os
professores do curso de medicina? E com os alunos dos outros cursos da
área da saúde? E com os funcionários que trabalham no bloco 29? E com
os seus pacientes?
5. Como você está se sentindo, neste momento, fazendo medicina?
6. Quais são as suas sugestões?
7. Qual é o seu depoimento final sobre tudo o que nós conversamos até
agora?
209
APÊNDICE B –
Termo de compromisso de utilização de dados
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ
PROGRAMA DE MESTRADO PROFISSIONALIZANTE EM SAÚDE E GESTÃO DO
TRABALHO
TERMO DE COMPROMISSO DE UTILIZAÇÃO DE DADOS
As abaixo-assinadas, pelo presente “Termo de Compromisso de Utilização de
Dados”, em conformidade com a Instrução Normativa 004/CEP/UNIVALI/2002,
autoras do projeto de pesquisa intitulado REVITALIZAÇÃO DA HUMANIZAÇÃO
NO ENSINO MÉDICO”, comprometem-se em utilizar os dados coletados somente
para os fins deste projeto, destinado à elaboração da dissertação do Curso de
Mestrado Profissionalizante em Saúde da Família e Gestão do Trabalho UNIVALI
e para possível divulgação científica, através de Relatório, Resumo, Artigo, Livro ou
Capítulo. Informamos, também, que as instituições foram, previamente, consultadas,
concordando e propiciando as condições necessárias para a obtenção dos dados.
Igualmente, comprometemo-nos em retornar os dados da pesquisa às instituições,
apresentando-os aos seus representantes legais.
Itajaí, ____/____/______.
ROSITA SAUPE
ORIENTADORA
MARA CRISTINA BINZ
MESTRANDA
210
APÊNDICE C
Termo de consentimento livre e esclarecido do entrevistado
Através deste, estamos convidando você para participar de um estudo sobre:
“REVITALIZAÇÃO DA HUMANIZAÇÃO NO ENSINO MÉDICO”. Após ser
esclarecido(a) sobre as informações a seguir, caso aceite fazer parte do estudo,
assine no final deste documento, que está em duas vias, sendo uma delas sua e a
outra do pesquisador responsável.
INFORMAÇÕES SOBRE A PESQUISA:
Título do projeto: Revitalização da Humanização no Ensino Médico
Pesquisador responsável: Mara Cristina Binz
Telefone para contato: (47)3361-0749
Orientadora: Professora Doutora Rosita Saupe
Telefone para contato: (47)3341-7932 - UNIVALI
O objetivo deste estudo é avaliar a existência de uma abordagem Humanística
dentro do Curso de Medicina da UNIVALI. A justificativa desta pesquisa apóia-se
em considerarmos fundamental o aprendizado das Humanidades, dentro de um
curso da área da saúde que está voltado para uma atuação, essencialmente, com
humanos. É fundamental que o modelo de atuação do profissional Médico esteja
embasado no que é preconizado pelos Ministérios da Saúde e da Educação, isto é,
profissionais responsáveis, comprometidos, éticos, humanistas, cidadãos. A
metodologia inclui várias etapas, tais como: diário de campo através de observação
semi-participante e entrevista semi-estruturada. Os dados serão coletados com
alunos do Curso de Medicina em três períodos distintos: quinto, oitavo e décimo-
primeiro período. A pesquisa sedesenvolvida no Centro de Ciências da Saúde da
UNIVALI, em Itajaí. Sinta-se, completamente livre, para decidir participar ou não,
mas ressaltamos a importância de sua contribuição. Sua participação não acarretará
qualquer desconforto, risco, dano ou ônus para você. A não participação não
acarretará nenhum prejuízo para você. Esclarecemos que seu anonimato está
garantido. As informações serão sigilosas. As informações e os resultados obtidos
ficarão a sua disposição. O benefício esperado deste estudo será revitalizar a
abordagem Humanista de futuros profissionais Médicos, podendo fornecer subsídios
para a tomada de decisões quanto à inserção da Humanização, enquanto um tema
transversal necessário em todas as disciplinas do Curso de Medicina da UNIVALI.
Os dados coletados serão utilizados para fins acadêmicos de pesquisa e divulgação
de conhecimento sobre o tema. Caso concorde com estes termos, solicita-se o
preenchimento e assinatura deste documento, conforme segue:
Eu, ______________________________________________________________
Documento de identidade_______________________________________________.
Declaro que consinto, de forma livre e esclarecida, participar do estudo
“REVITALIZAÇÃO DA HUMANIZAÇÃO NO ENSINO MÉDICO”, desenvolvido sob
a coordenação e orientação da Professora Dra. Rosita Saupe, com a participação da
Dra. Yolanda Flores e Silva e do Dr. Luiz Roberto Agea Cutolo. Este projeto de
pesquisa está vinculado ao Curso de Mestrado Profissionalizante em Saúde e
Gestão do Trabalho, do Centro de Ciências da Saúde da UNIVALI.
LOCAL:_____________________________________________________________
DATA:_____________________________________________________________
NOME:____________________________________________________________
ASSINATURA:______________________________________________________
FONE:_____________________________________________________________
E- MAIL:___________________________________________________________
211
APENDICE D Entrevista com enfermeira da USFC
Entrevista com Enfermeira “Z” da Unidade de Saúde da Família e Comunitária
(USFC) – 14.12.2007
Iniciou-se a conversa com a enfermeira “Z”, procurando um espaço físico,
para poder conversar-se, de uma maneira mais à vontade, na USFC. Achou-se um
espaço confortável, tranqüilo e reservado, no andar térreo desta unidade de saúde.
Sentaram-se a enfermeira e os observadores, para iniciar um bate-papo informal.
Esta profissional de saúde comentou sobre o tema que estávamos
pesquisando, em nosso objeto de estudo humanização, e falou da necessidade de
reorganização e readequação do espaço físico, da unidade de saúde. Comentou:
“Este ambiente está bem longe disso, da humanização...”.
Falou nos quatro profissionais médicos, idealizadores do embrião da atual
USFC. O Núcleo de Saúde da Família - NSF iniciou a funcionar em agosto de 2000,
numa “casinha” alugada na Avenida Joca Brandão, inicialmente, com uma precária
estrutura ambulatorial. Havia três consultórios, uma sala de discussão de casos
clínicos e uma saleta de computador, mesas, cadeiras, TV e videocassete. Este
serviço de saúde funcionou por três semestres: 2000/2, 2001/1 e 2001/2
Esta casa era usada três vezes por semana. O atendimento médico acontecia
terças e quintas-feiras. Neste serviço de saúde, três profissionais médicos
atendiam. Havia, apenas, uma enfermeira, que mantinha o núcleo de saúde aberto.
A primeira turma de alunos era do período, da disciplina de Medicina de
Família e de Comunidade - MFC (terça e quinta, à tarde, como são, até hoje).
Depois, iniciou a Pediatria (terça, pela manhã, é, até hoje). E houve um problema.
Tiveram que vacinar os alunos da UNIVALI da medicina, enfermagem, fisioterapia,
todo mundo. Foi bem difícil...
Em fevereiro de 2001, começou a pensar-se no ambulatório de
especialidades. Assim sendo, montou-se o AME: Ambulatório dico de
Especialidades. Ficava em uma casa na Avenida Marcos Konder, próximo ao
Hospital e Maternidade Marieta Konder Bornhausen (HMMKB).
Em 14/04/2001, foi inaugurado o AME, com atividades para o período do
curso de medicina:
212
o Clínica Médica:
Alergologia (segundas-feiras);
Dematologia (segundas-feiras);
Reumatologia (segundas-feiras);
o Clínica Cirúrgica:
Ortopedia (segunda-feira, pela manhã, 10:00 h às 12:00 h);
Vascular (vários horários, ao longo do tempo);
o Ginecologia (terças-feiras);
Em 2001, no semestre, o AME aumentou as atividades para os alunos do
6º, e períodos, em outras áreas (Endocrinologia; Obstetrícia; Cirurgia
Ambulatorial). A enfermeira dividiu-se, nos dois serviços NSF e AME, por seis
meses. Neste momento, foram contratadas mais uma funcionária e bolsistas.
Neste período, já iniciava a construção das obras do Bloco 29. Foi uma
construção rápida. Havia pressa na construção, pois a primeira turma do internato
iniciaria suas atividades, em janeiro de 2002. Houve bastante discussão. Alguns
profissionais eram contrários à unificação dos dois serviços, já existentes. Projeto
inicial: 10.000m
2
. Versão final: 5.000m
2
.
E a enfermeira lembrou, da data do primeiro dia do ambulatório, do bloco 29:
07.01.2002! Nesta data, estavam funcionando metade do piso térreo e segundo
piso. Ele começou, com tudo funcionando - pediatria, MFC e ginecologia. A agenda
estava toda OK. Nas quintas-feiras, tinha Atividade Acadêmica Integrada AAI, que
ainda tem, até hoje.
O nome de batismo deste serviço de saúde foi Instituto de Medicina Familiar e
Comunitária. O Bloco 29 foi concebido para o curso de medicina. Houve briga para
inserir os outros cursos da área da saúde, dentro deste espaço, como por exemplo,
com a enfermagem.
Os primeiros internatos médicos aconteceram em 2002/1 e 2002/2. A casinha
do NSF fechou, ainda em dezembro de 2001. Em 2004, fechou o AME que veio para
o Bloco 29. Nem todos os profissionais queriam esta proximidade. Em maio de 2004,
houve troca de Reitor. Aos poucos, organogramas e nomes foram sendo mudados.
Direção do CCS, coordenação de cursos... Em 2005, saiu o primeiro coordenador do
curso de medicina, que formou a primeira e a segunda turma.
213
Desde 2005, o controle do bloco 29 saiu da medicina, para... Não se sabe. O
IMFC não aparece em nenhum fluxograma. Sabe-se que responde, diretamente, ao
Centro de Ciências da Saúde - CCS. Mas…nada de oficial.
E o ambiente, ficou assim! Sabe-se que precisaria de cores, de ambientes
alegres. Mas está tudo no branco, no mesmo branco, de 2002...
214
APÊNDICE E Entrevista com enfermeira da USFC
Entrevista com Enfermeira “C” da Unidade de Saúde da Família e Comunitária
(USFC) – 11.11.2008
Esta profissional relatou que esta unidade de saúde faz uma articulação
docente-assistencial, numa aproximação entre a academia desta universidade,
com a inserção de cursos da área da saúde, e a assistência à saúde da
população deste município e de municípios vizinhos.
Referiu a necessidade de ser contratado mais um profissional da
enfermagem para realizar o controle epidemiológico dos programas de vigilância
sanitária do Ministério da Saúde (SISVAN, Notificação de Doenças Infecto-
contagiosas e outros).
Destacou que há pouca consciência do trabalho em vigilância sanitária,
por parte dos professores e dos alunos do curso de medicina, que pouco se
preocupam com estes programas e protocolos.
Segundo ela, a ênfase é dada para as abordagens clínicas e não para as
abordagens epidemiológicas.
Destacou também a existência de um grande problema relacionado com a
referência e a contra-refencia, sendo os encaminhamentos muito falhos. Existe
aí, uma cisão, uma fragmentação entre a atenção básica e os outros níveis de
atenção á saúde.
Salientou a necessidade de existir um profissional “direcionador ou
acolhedor, que faz a escuta ativa de qualquer pessoa que necessite de alguma
orientação, ao chegar nesta unidade de saúde.
No momento, acontecem reuniões de serviço com a participação de todos
os profissionais, a cada 15 dias, onde aparecem queses de gerenciamento,
organização e planejamento. Um funcionário está ligado ao outro. Um setor está
conectado com o outro. Se um falhar, já aparecem problemas. São muitos
detalhes...
Comentou sobre algumas dificuldades:
1. Pouca responsabilidade no preenchimento dos prontuários dos pacientes
(aparecem riscos, rasuras, várias cores de canetas, dobraduras, aparecem
215
muito, muitos professores não assinam, faltam dados nos planos de ação para
os pacientes);
2. Pacientes criam poucos vínculos;
3. Muitos médicos-professores o entram nos consultórios para fazerem
supervisões diretas com os alunos e os pacientes;
4. Aparecimento de muitas reclamões;
5. O paciente não tem a referência do professor-médico. Ele tem a referência do
aluno:
- Aquela menininha me atendeu!
- O rapazinho é que me consultou!
- Não sei quem é o meu médico!
6. Os pacientes saem das consultas médicas com muitas vidas e o professor o
dá este espaço para as devidas explicações e orientações;
7. Com relação aos prontuários, é um grande problema! Até a hora em que
aparecer um processo legal....
Mas, com relação aos alunos aparecem dois pontos positivos importantes,
por parte dos profissionais desta unidade de saúde, com relação aos alunos do
curso de medicina: nenhum aluno foi ríspido ou mal-educado com nenhum
funcionário, até hoje, que eu saiba... e “O aluno é muito receptivo e recebe
muito bem o que precisa ser mudado....
216
APÊNDICE F Reflees de uma aula de campo
Aula de campo em Medicina Familiar e Comunitária com alunos do 6º
peodo de Medicina da UNIVALI Reflexões:
Instituto de Medicina Familiar e Comunitária (IMFC), 3ª feira, 13:00 horas, ano de
2004. Presentes: professores e alunos do 6º período de medicina. O clima não
poderia estar melhor: quente, embora houvesse nuvens e um salutar vento não
deixava de soprar. Inicialmente, nós professores da disciplina, discorremos os
motivos pelos quais estávamos saindo a campo. A caracterização da área de
abrangência-atuação do Instituto de Medicina Familiar Comunitária, contato e
reconhecimento inicial do espaço-bairro onde habitam essas pessoas,
aproximação de alguns recursos importantes do bairro, bem como de lideranças
nele atuantes, observação de prováveis determinantes no processo saúde-
doença, estimulação do uso dos sentidos humanos. Ts foram os cenários
que percorremos: a escola municipal, onde atuávamos com o Programa de
Saúde Escolar, numa parceria entre professores de escola e professores de
saúde, o Posto de Saúde onde funcionava, há um ano, o Programa de Saúde da
Família e uma caminhada, sem trajeto pré-definido, pelas ruas, ruelas, becos,
morro do bairro. Esse processo de saída de campo teve a duração de 2 horas.
Retornamos ao Instituto de Medicina Familiar Comunitária e todos professores
e alunos e sentamos para avaliar nossa “caminhada. Poucos se manifestaram.
Destas manifestações, uma chamou nossa atenção. Comentava porque não
filmávamos o bairro, para depois passar esse filme para os alunos, ao ins de
irmos, todos juntos, nessa aula de campo. Nós, professores, nos sentamos após
a aula, e observações apareceram. Observando o rosto dos alunos e as
indagações que iam acontecendo, enquanto nosso trajeto era percorrido, onde
nenhuma manifestação de repúdio, ou sequer, de indignação, apareceu, com a
evidência, gritante, de descaso, na observação de tantas características de
menos favorecimento desta população, de pobreza, de dificuldades... O que faz,
nos períodos iniciais de formação do médico, alunos se mostrarem
desensibilizados, com indiferença frente à triste realidade humana! Ou, seria
desmotivados! Temos que dar nossa mão a palmatória! O que motiva, realmente,
os alunos do curso de medicina, são as áreas clínicas, o conhecimento, o
217
cientificismo, o poder de... Seria, curar o paciente! Como o médico chegará
nesse, considerado o mais alto degrau de sua atuação profissional o curar, se
sequer conhece, muitas vezes, as condições psicosociais onde seu paciente
está inserido! Sem nenhuma dúvida, está muito mais próxima, da formação
profissional médica, a abordagem clínica. Está nos livros, periódicos, artigos,
revisões bibliogficas, internet e outros recursos. E o que está por detrás do
sofrimento humano! É difícil de ser abordado, lembrado, acolhido, pois,
socialmente, não fomos educados para tal. Somos da geração, onde tudo ou
quase tudo, já está pronto. Economiza-se tempo, análise, crítica. A imagem de
uma menina, de lá seus 5 anos, brincando com pedaços de brinquedo, ao lado
de um punhado de lixo, ainda não saiu da cabeça... Nem o cheiro... Nós,
professores, temos que, urgentemente, repensar como unir a necessidade de um
vasto domínio clínico, com uma formação mais sensível, humanizada de
quem, absolutamente, “cuida da saúde.
Autora: Professora Mara Cristina Binz.
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