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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE PONTA GROSSA
MESTRADO EM EDUCAÇÃO
SUELI APARECIDA BERTOL BARBOSA
PASTORAL DA CRIANÇA:
UMA PRÁTICA POLÍTICO-EDUCATIVA NÃO-FORMAL.
PONTA GROSSA
2008
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SUELI APARECIDA BERTOL BARBOSA
PASTORAL DA CRIANÇA:
UMA PRÁTICA POLÍTICO-EDUCATIVA NÃO-FORMAL
Dissertação apresentada para a
obtenção do título de Mestre na
Universidade Estadual de Ponta Grossa.
Área de Educação.
Orientador: Prof. Dr. Antônio Marques
do Vale.
PONTA GROSSA
2008
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A Dom Tiago (Fernando) Gross, osb
Dom de Deus em minha vida
Meu irmão na Terra e no Céu.
AGRADECIMENTOS
A Jesus Cristo e à Sua Mãe; sem Eles nada teria realizado.
A meus pais, Rita Maria Oltramari Bertol e Edemar José Bertol (in Memoriam), pelas
suas presenças em minha vida.
À minha amada filha, Cristina Bertol Barbosa, alegria da minha vida que sempre me
incentiva.
Ao Roberto Mistrorigo Barbosa, por sua participação na minha história, pelo carinho e
pela amizade de sempre.
À Universidade Estadual de Ponta Grossa, que nesta caminhada de quinze anos, me
possibilita mais um passo. Especial menção à Direção Geral, diretores, e pedagogas do CAIC
Reitor Álvaro Augusto Cunha Rocha, permito-me destacar Mary Ângela Brandalize, Audrey
Pietrobelli de Souza, Josélia V. Jacob, Luciane T. Dezonet, Marli Lima, Rosiane M. da Silva,
Ana Cláudia R. Chibinski, Soeli Hoppe, Maria L. Nascimento, Elizabet T. Silveira e Carmem
Wallus.
Ao Prof. Dr. Antônio Marques do Vale, meu orientador, sempre disponível para
contribuir com seus conhecimentos e sempre aberto ao diálogo.
Ao Prof. Dr. Jefferson Mainardes, pelas valiosas contribuições teóricas e
metodológicas.
À Profa. Dra. Ercília Maria Angeli Teixeira de Paula, pelo caminho que partilhamos.
À respeitável banca, pelas importantes contribuições para esta pesquisa.
À Pastoral da Criança da Diocese de Ponta Grossa, que homenageio nas pessoas de
Cândida, Thyller, Franciely, Inês, Silmara, Natally e Silvana.
A todos os amigos, em especial à Silvana Prado pela elaboração do Abstratc, que me
apoiaram nesta caminhada pessoal e profissional que exigiu grandes esforços.
“Nós vamos trabalhar, nossa maior força vai ser na solidariedade e na multiplicação do saber
para eles se apoderarem dos conhecimentos e poderem ser promovidos e terem mais
condições de buscar a melhoria da situação!”
Dra. Zilda Arns Neumann (Entrevista 10, p. 28)
BARBOSA, Sueli Aparecida Bertol. Pastoral da Criança: uma prática político-educativa
não-formal. 2008. 138f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Estadual de
Ponta Grossa, Ponta Grossa – PR. 2008.
RESUMO
As práticas educativas integram o universo das práticas sociais e estão presentes nos mais
variados grupos humanos. A Pedagogia centra suas preocupações nas práticas educativas
escolares. A escola, porém, não é o único campo da ação e investigação pedagógicas; trata-se
de pesquisar os diversos locus da ação pedagógica possibilitando a ampliação da pesquisa
educacional. Esta pesquisa investiga a prática social da Pastoral da Criança (PCç) enquanto
prática política e educativa. A PCç é um organismo da ação social da Conferência Nacional
dos Bispos do Brasil (CNBB) e atua no atendimento às comunidades pobres, através do
trabalho voluntário levando a essas comunidades orientações básicas de saúde, nutrição,
educação e cidadania. O referencial teórico conta com dois pontos fulcrais: os conceitos de
educação não-formal, dos autores Afonso (1989), Gohn (2001) e Libâneo (2007) e os
pressupostos que constituem a Pedagogia Freireana. Para aprofundar os pressupostos da
Pedagogia Freireana se centrou a análise nas categorias diálogo, solidariedade,
conscientização, opressor, oprimido, opressão, educação bancária e educação
problematizadora. A crítica elaborada por Montaño (2003) acerca do papel do Estado e das
ONGs nas políticas públicas norteou a reflexão a respeito da PCç enquanto política pública.
A investigação abrangeu uma pesquisa bibliográfico-documental que incluiu livros,
dissertações e teses e uma pesquisa de campo realizada principalmente na Diocese Ponta
Grossa. A metodologia da pesquisa se fundamentou nos estudos de Macedo (2000),
especificamente na obra a Etnopesquisa crítica e multirreferencial nas Ciências Humanas e
na Educação. Os instrumentos para a coleta de dados foram entrevistas abertas e semi-
estruturadas, fotos, filmagens e observação participante periférica com a prática do diário de
campo. O objetivo da pesquisa foi sistematizar os elementos que compõem a proposta
pedagógica da Pastoral da Criança. Finalmente, a pesquisa permitiu uma sistematização
possível da pedagogia da Pastoral da Criança, concluiu que, na prática sócio-educativa da
PCç, a Pedagogia Freireana está entre a recriação e a adaptação e autoriza considerar a PCç
integrante das políticas públicas sociais.
Palavras-chave: Pastoral da Criança. Pedagogia Freireana. Políticas públicas.
BARBOSA, Sueli Aparecida Bertol. Pastoral da Criança: a non-formal political-educational
practice. 2008. 136f. Dissertation (Master in Education) – Universidade Estadual de Ponta
Grossa, Ponta Grossa – PR. 2008.
ABSTRACT
Teaching practices integrate the universe of social practices and are part of all human groups.
Pedagogy is focused on school teaching practices. However, school is not the only field of
pedagogical action and investigation and researching every locus of pedagogical action
broadens educational studies. This work investigates the Pastoral da Criança (PCç) social
practice as political and teaching practice as well. PCç is an organ of social action which
belongs to the Brazil Bishops National Conference (CNBB) and assists poor comunities,
through voluntary work, instructing such comunities about health, nutrition, education and
citizenship. The theory is based on concepts of non-formal education by Afonso (1989), Gohn
(2001) and Libâneo (2007) and the Freirean Pedagogy. Regarding Freire's pedagogy the
focus was on the analysis of dialogue categories, solidarity, awareness, oppressor, oppresed,
oppression, banking education and problematizing education. The critics presented by
Montaño (2003) regarding the role of State and ONGs (non-governmental organizations) in
public policies guided the reflection about the PCç as public policy. Investigation comprised
documental-bibliographic research of books, dissertations and thesis as well as field researh
developed in Ponta Grossa Diocese. The methodology was based on Macedo (2000), mainly
the Etnopesquisa Crítica e Multirreferencial nas Ciências Humanas e na Educação (Critical
and Multirreferential ethnoresearch in Human Sciences and Education). Open and semi-
structured interviews, as well as photos, video recording and observation with field diary
recording were used as data collection tools. The aim of this research was to systematize the
elements which are part of the Pastoral da Criança pedagogical proposal. Finally, this work
presents a possible systematization of Pastoral da Criança Pedagogy, concludes that in the
socio-educational practice of PCç Freire's Pedagogy appears between recreation and
adaptation and considers the PCç as part of social public policies.
Key-words: Pastoral da Criança. Freirean Pedagogy. Public Policies.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
QUADRO 1 - Atividades acompanhadas durante a pesquisa de campo 89
QUADRO 2 - Caracterização das líderes e das coordenadoras da Pastoral da Criança 106
FIGURA 1 - Pagamento de despesas de viagem. Ponta Grossa - PR 128
FIGURA 2 - Escolha da coordenadora de ramo/paróquia, Ortigueira – PR 128
FIGURA 3 - Exercício de relaxamento, Encontro Diocesano. Ponta Grossa – PR 129
FIGURA 4 - Cantigas de roda. Encontro Diocesano. Ponta Grossa – PR 129
FIGURA 5 - Leitura e reflexão em pequenos grupos. Ponta Grossa – PR 130
FIGURA 6 - Estudo dirigido no círculo. Ponta Grossa – PR 130
FIGURA 7 - Leitura em grupo. Capacitação: brinquedos e brincadeiras na comunidade –
Telêmaco Borba – PR 131
FIGURA 8 - Clube de gestantes. Palestra sobre DST. Ponta Grossa – PR 131
FIGURA 9 - Estudo dirigido. Capacitação: brinquedos e brincadeiras. Telêmaco Borba –
PR 132
FIGURA 10 - Oficina de brinquedos. Telêmaco Borba – PR 132
LISTA DE SIGLAS
CAPES - Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
CEBs - Comunidades Eclesiais de Base
CELAM – Conselho Episcopal Latino-Americano.
CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil.
CNDES - Conselho Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
CNS – Conselho Nacional de Saúde
DSI – Doutrina Social da Igreja.
EJA - Educação de Jovens e Adultos
IDH – Índice de Desenvolvimento Humano.
FABS - Folha de Acompanhamento e Avaliação Mensal das Ações Básicas de Saúde e
Educação na Comunidade.
FAC – Folha de Acompanhamento do Conselho de Saúde
MEB – Movimento de Educação de Base.
PCç – Pastoral da Criança.
PCJP – Pontifício Conselho Justiça e Paz.
PSF – Programa Saúde da Família.
ONU – Organização das Nações Unidas.
ONG – Organização Não-Governamental.
OPP - Observação Periférica Participante.
SEBRAE - Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas.
SUS – Sistema Único de Saúde
UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura.
UNICEF – Fundo das Nações Unidas para a Infância.
VJAAC – Ver-Julgar-Agir-Avaliar-Celebrar.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .......................................................................................................................... 14
CAPÍTULO 1 - MARCOS TEÓRICOS PARA ANALISAR A PASTORAL DA
CRIANÇA .................................................................................................. 21
1.1 EDUCAÇÃO NÃO-FORMAL: UMA MODALIDADE DA PRÁTICA EDUCATIVA ..... 21
1.2 PEDAGOGIA FREIREANA ................................................................................................. 26
1.3 POLÍTICIAS SOCIAIS EM TEMPOS DE GLOBALIZAÇÃO .......................................... 35
CAPÍTULO 2 - CONCHECENDO A PASTORAL DA CRIANÇA: PRINCÍPIOS,
HISTÓRIA E FINALIDADES ................................................................. 42
2.1 PARA COMPREENDER A PASTORAL DA CRIANÇA ................................................... 42
2.1.1 Doutrina Social da Igreja Católica Apostólica Romana ...................................................... 42
2.1.2 A Igreja no Brasil e as Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora ..................................... 50
2.2 A PASTORAL DA CRIANÇA .............................................................................................. 54
2.2.1 Definição e abrangência ...................................................................................................... 54
2.2.2 Breve contextualização histórica ......................................................................................... 56
2.2.3 Estrutura organizacional e financeira .................................................................................. 57
2.2.4 Finalidade / ações realizadas ............................................................................................... 58
2.2.5 Formação e metodologia da Pastoral da Criança................................................................. 61
2.2.5.1 O método “ver-julgar-agir-avaliar-celebrar” ................................................................... 64
2.2.5.2 Guias teóricos-metodológicos .......................................................................................... 65
2.3 O ESTADO DO CONHECIMENTO ACERCA DA PASTORAL DA CRIANÇA NO
BRASIL: UMA REVISÃO DE LITERATURA ................................................................. 69
CAPÍTULO 3 - ANALISANDO A PASTORAL DA CRIANÇA .......................................... 80
3.1 METODOLOGIA DA PESQUISA ....................................................................................... 80
3.1.1 Estratégias para a coleta de dados ....................................................................................... 84
3.1.1.1 Pesquisa documental ........................................................................................................ 85
3.1.1.2 Observação participante periférica com diário de campo ................................................ 87
3.1.1.3 Entrevistas ........................................................................................................................ 90
3.1.1.4 Fotos e filmagens .............................................................................................................. 92
3.2 A PASTORAL DA CRIANÇA NA DIOCESE DE PONTA GROSSA ................................ 93
3.2.1 Caracterização ..................................................................................................................... 93
3.2.2 História ................................................................................................................................ 95
3.2.3 Práticas política e educativa ................................................................................................ 97
3.3 A PASTORAL DA CRIANÇA NO CENÁRIO SOCIAL BRASILEIRO ............................ 99
3.3.1 Aspectos econômicos .......................................................................................................... 100
3.3.2 Aspectos histórico-políticos ................................................................................................ 102
3.3.3 Aspectos psico-religiosos .................................................................................................... 105
3.4 A PRÁTICA SOCIAL DA PASTORAL DA CRIANÇA NUMA PERSPECTIVA
EDUCATIVA ......................................................................................................................... 108
3.4.1 A Pastoral da Criança como educação não-formal ............................................................. 108
3.4.2 Uma sistematização da Pedagogia da PCç .......................................................................... 110
3.4.3 A Pedagogia Freireana na prática educativa da Pastoral da Criança ................................... 114
CONCLUSÃO - PASTORAL DA CRIANÇA: UMA PRÁTICA POLÍTICO-
EDUCATIVA NÃO-FORMAL ................................................................................................. 118
REFERÊNCIAS ......................................................................................................................... 122
APÊNDICE A – Registro fotográfico das observações realizadas ......................................... 127
ANEXO 1 – Gráfico de fontes de recursos da Pastoral da Criança ...................................... 133
ANEXO 2 – Fluxograma da estrutura da CNBB, da Pastoral da Criança e da República
Federativa do Brasil ........................................................................................... 134
ANEXO 3 – Organograma da Pastoral da Criança ................................................................ 135
ANEXO 4 – Folha de Acompanhamento da Criança e da Gestante...................................... 136
ANEXO 5 – Folha de Acompanhamento e Avaliação Mensal das Ações Básicas de Saúde
e Educação na Comunidade .............................................................................. 137
ANEXO 6 – Folha de acompanhamento mensal do Conselho Municipal de Saúde ............ 138
14
INTRODUÇÃO
A escolarização é uma das formas de educar, mas não a única. A educação é
uma prática eminentemente humana e perpassa todas as fases do desenvolvimento do
nascimento à velhice.
As práticas educativas integram o universo das práticas sociais e estão
presentes nos mais variados grupos humanos, sejam eles sindicatos, empresas, movimentos
sociais, ONGs, partidos políticos, espaços de formação profissional, associações culturais,
organizações científicas, igrejas e escolas.
A Pedagogia, enquanto ciência da Educação, na maioria das vezes, tem
centrado suas preocupações nas práticas educativas escolares. Esse espaço porém, não é o
único campo da ação pedagógica. Esta se dá nos diferentes locus onde haja intencionalidade
educativa e sistematização pedagógica.
As universidades e os projetos de pesquisa nem sempre têm contemplado
ações de natureza educativa que acontecem fora do espaço escolar, limitam assim, o campo da
pesquisa educativa e excluem práticas outras que podem enriquecer a prática educativa
escolar.
A prática educativa é sempre uma intervenção social e, portanto, passível de
investigação, independentemente do locus e das suas características. A reflexão e a pesquisa a
respeito da Educação também se concentram na prática pedagógica escolar. Considera-se
necessário procurar por Pedagogias que se configurem como diversas formas de intervir na
sociedade, e que incluam a diversidade cultural, étnica, de gênero e de condições sócio-
econômicas que compõem a população brasileira.
A ação educativa é de natureza social: não há educação fora de um contexto
social. Sendo assim, por mais simples ou por mínima que deva ser a ação educativa, qualquer
15
sociedade, independente do grau de complexidade que a compõe, demanda educação para
existir. Em toda prática social há uma prática educativa. Daí se justifica a constante
expressão prática sócio-educativa nesta dissertação.
No Brasil, a história dos movimentos sociais, das organizações não-
governamentais (ONGs), das pastorais católicas, da formação político-metodológica
compartilhada no interior dos sindicados e dos partidos políticos (um bom exemplo é o do
Partido dos Trabalhadores - PT), retrata a importância do espaço extra-escolar como locus
educativo. A relevância desse locus educativo é demonstrada por essa rica diversidade de
práticas sociais, especialmente na medida em que são defendidos os direitos dos grupos
oprimidos: mulheres, índios, negros, trabalhadores, crianças, idosos, entre outros.
Os Círculos de Cultura, onde se consolidou o Método Paulo Freire, são uma
referência na história dos movimentos sociais e para a prática sócio-educativa não-formal. São
referência, também, as práticas formativas dos movimentos eclesiais, desde as Comunidades
Eclesiais de Base (CEBs) até as diversas pastorais (especialmente as pastorais sociais) da
Igreja Católica Apostólica Romana do Brasil. É nesta perspectiva de educação que atua a
Pastoral da Criança (PCç)
1
, objeto desta pesquisa.
A Pastoral da Criança vem se destacando no cenário nacional e em outros
países da América Latina e da África por realizar ações básicas de educação em Saúde e
Nutrição, Cidadania e Educação. É um organismo da ação social da Conferência Nacional dos
Bispos do Brasil (CNBB) da Igreja Católica
2
, que foi criada em 1983 como um projeto piloto
na Arquidiocese
3
de Londrina no Paraná.
1
Sigla adotada para a identificação da Pastoral da Criança ao longo deste estudo/pesquisa.
2
Doravante simplesmente denominada Igreja.
3
Termo utilizado pela Igreja Católica para definir uma circunscrição eclesiástica coordenada por um arcebispo
metropolita. Arquidiocese é um conjunto de dioceses que se situam geograficamente próximo. Diocese, por
sua vez, é delimitação geográfica e canônica pastoreada por um bispo; a diocese compõe-se de várias
paróquias.
16
Com suas ações, a PCç hoje alcança todo o território brasileiro. Seu objetivo
central é salvar a vida das crianças pobres e, para isso, ensina às mães os cuidados básicos de
saúde e de nutrição, tendo como foco de ação o atendimento às crianças de zero a seis anos de
idade, às gestantes e às lactentes. As ações acontecem por meio do trabalho voluntário de
milhões de líderes espalhados por todo o Brasil, os quais participam regularmente de um
processo de formação e de capacitação.
Os recursos financeiros da PCç são oriundos de várias fontes. Uma delas é a
União
4
, que por intermédio de três Ministérios (da Saúde, da Educação e o do
Desenvolvimento), se constitui na maior fonte financeira
5
. No caso do Estado do Paraná, o
Governo Estadual também destina verbas para as PCç. Há, também empresas privadas que
oferecem recursos financeiros através de parcerias: Gol Linhas Aéreas, Gerdau, Nestlé,
HSBC Bank Brasil S.A, e o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas
(SEBRAE). As doações de pessoas físicas também são fontes de recursos financeiros para a
PCç.
Este estudo/pesquisa apresenta uma revisão do estado do conhecimento
acerca da PCç no Brasil, realizada por meio de textos históricos, textos de divulgação e textos
científicos como dissertações e teses. A literatura encontrada a respeito da PCç é ampla e
abrange várias áreas do conhecimento. Ao todo, foram encontradas vinte e cinco obras.
As dissertações e teses foram encontradas no banco de teses e dissertações da
Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Dentre as obras
pesquisadas, se percebeu que são poucas as que têm o viés da pesquisa voltado à Educação.
4
Considera-se que o uso do termo “União” é mais adequado do que “Governo Federal”, uma vez que a PCç vem
se configurando como uma política de Estado e não como política de governo. A PCç recebe verbas da União
desde os cinco últimos Governos Federais, portanto há vinte anos. A fig. 1 em apêndice nesta dissertação ilustra
uma das aplicações das verbas públicas.
5
Fonte: Sistema de Informação da Pastoral da Criança. Demonstrações contábeis e financeiras aprovadas pela
Assembléia Geral 2006 (Anexo A).
17
Esta estudo/pesquisa pretende contribuir para o debate em torno da PCç e entende-la como
prática sócio-educativa específica, ou seja, com uma Pedagogia específica.
Justifica-se o interesse por este estudo/pesquisa por três razões. Dentre elas,
duas são de ordem pessoal: a pesquisadora é pedagoga e atua na coordenação e na execução
de práticas educativas não-formais que se interpenetram com a educação escolar e considera
que restringir a Pedagogia à educação escolar consiste num grande equívoco da parte de
alguns educadores, uma vez que a prática educativa escolar não é a única modalidade de
prática educativa, mas sim uma das modalidades; a pesquisadora participou da Pastoral da
Juventude – organismo da Igreja Católica – como coordenadora e assessora nas atividades de
formação metodológica e política para organização comunitária. Outra razão, esta de ordem
científica e tomada como a mais relevante: a experiência metodológica e política da PCç em
criar e manter uma rede de ações de natureza educativa em todo o território brasileiro.
Admitido o pressuposto de que as práticas pedagógicas são inseridas nas
práticas sociais, o problema que deu origem a este estudo/pesquisa foi o de saber qual é a
prática educativa da Pastoral da Criança e qual a Pedagogia que sustenta essa prática.
Para buscar respostas a tal indagação, a pesquisa exigiu que fossem
percorridos caminhos que ainda não estavam delineados, pois na investigação de qualquer
prática social o caminho se constrói ao caminhar. Para tanto se investigou a prática social da
PCç para nela identificar a prática educativa. As questões norteadoras para investigar o
problema levantado foram: em que momentos acontecem as atividades educativas da PCç?
Quais são as suas características e em qual modalidade educativa elas se inserem? Quais são
seus objetivos? Quais são os conhecimentos ensinados? Qual a metodologia empregada pela
PCç? Quais os recursos didáticos empregados? Quem são os educadores e os educandos?
Outra preocupação deste estudo/pesquisa foi investigar se a prática sócio-
educativa da PCç tem identificações ou aproximações com a Pedagogia Freireana; se as
18
categorias Freireanas (diálogo, solidariedade, conscientização, opressor/oprimido e opressão,
educação problematizadora e educação bancária) podem ser identificadas; se o conceito
Freireano de educação como ato político é vivenciado na prática sócio-educativa da PCç.
Uma última questão surgida fez investigar se a prática educativa da PCç,
observada na pesquisa de campo, é consoante ou dissonante com a proposta político
pedagógica encontrada na pesquisa bibliográfico-documental. Assim, o objetivo é sistematizar
os elementos que compõe a proposta pedagógica da prática educativa da Pastoral da Criança.
O trabalho de pesquisa foi realizado em dois momentos: primeiramente
uma pesquisa bibliográfico-documental que incluiu livros, artigos, teses, dissertações e
análise de documentos, e posteriormente uma pesquisa de campo realizada, principalmente,
na PCç de Diocese de Ponta Grossa. A pesquisa de campo também incluiu o
acompanhamento de um curso de capacitação na Diocese de União da Vitória, em União da
Vitória – PR, bem com uma entrevista com a fundadora e coordenadora da PCç, Dra. Zilda
Arns.
A metodologia da pesquisa fundamentou-se nos estudos de Roberto Sidnei
Macedo, especificamente na obra publicada no ano 2000, A etnopesquisa crítica e
multireferencial nas Ciências Humanas e na Educação. Os instrumentos para a coleta de
dados na pesquisa de campo foram entrevistas abertas e semi-estruturadas, fotos
6
, filmagens
e observação participante periférica (OPP) com a prática do diário de campo.
Enquanto a pesquisa bibliográfico-documental procurou retratar a PCç em
suas características singulares e sistematizar sua proposta pedagógica, a pesquisa empírica
buscou identificar a prática educativa e analisar em que medida esta prática é consoante com
a proposta pedagógica encontrada na pesquisa bibliográfica documental.
6
A dissertação apresenta 10 fotos em apêndice.
19
A fundamentação teórica desta pesquisa contou com dois pontos fulcrais: os
conceitos de educação não-formal, elaborados pelos autores Afonso (1989), Gohn (2001) e
Libâneo (2007), bem como os pressupostos que constituem a Pedagogia Freireana.
Tendo em vista a necessidade de uma análise da esfera político-econômica
brasileira e sua interface com as políticas públicas sociais, a crítica elaborada por Montaño
(2003) acerca dos moldes neoliberais de intervenção social norteará algumas reflexões sobre o
papel do Estado e das ONGs. Esta reflexão busca compreender qual a relação da PCç com as
políticas públicas sociais.
A pesquisadora acredita que os núcleos conceituais acima citados facilitaram
tanto a análise dos dados quanto à explanação do argumento deste estudo/pesquisa: a PCç, em
sua prática social se apresenta, também, como uma prática político-educativa não-formal
transformadora.
Os estudos a respeito da Educação realizada fora do espaço escolar deixam
claro que existem diferentes modalidades de prática educativa, ampliando o campo de ação da
Pedagogia. A partir desta concepção, se pode considerar a prática social da PCç como um
locus da Educação Não-formal. A Pedagogia Freireana, enquanto concepção educativa
específica, oferece elementos para analisar a PCç como práxis político-educativa. E por fim, o
diálogo com Montaño (2003) permite vislumbrar pelos caminhos a práxis da PCç, cada vez se
consolide como práxis transformadora.
A dissertação está organizada em três capítulos. O Capítulo 1 apresenta a
fundamentação teórica para as análises. O Capítulo 2 aponta os valores que sustentam a
prática sócio-educativa da PCç, por meio de algumas considerações acerca da Doutrina Social
da Igreja (DSI) e das Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil e,
apresenta a PCç. Este Capítulo inclui uma revisão de literatura a respeito do estado do
conhecimento sobre a PCç no Brasil. O Capítulo 3 descreve os fundamentos metodológicos
20
da pesquisa bibliográfico-documental e os procedimentos da pesquisa de campo; descreve a
PCç na Diocese de Ponta Grossa e analisa os dados obtidos nas duas modalidades de
investigação. A análise contempla os aspectos econômicos, histórico-políticos, psico-
religiosos e educativos.
A autora deste estudo/pesquisa assume que os princípios que orientam a análise são os
da ética e da antropologia católicas, uma vez que ela comunga desses princípios.
21
CAPÍTULO 1 - MARCOS TEÓRICOS PARA ANALISAR A PASTORAL DA
CRIANÇA
Este capítulo tem por objetivos apresentar a educação não-formal como uma
das modalidades de prática educativa; refletir sobre o que se considera o centro da Pedagogia
Freireana, possibilitando a análise da prática sócio-educativa da PCç, à luz daquela
Pedagogia; e refletir sobre a globalização econômica, a origem e natureza das políticas
públicas sociais.
1. 1 EDUCAÇÃO NÃO-FORMAL: UMA MODALIDADE DE PRÁTICA EDUCATIVA
Pode-se dizer que as Pedagogias são muitas. Tantas quantas as teorias que
fundamentam filosófica, econômica, política e metodologicamente as práticas educativas.
Portanto, para estabelecer o diálogo que esta pesquisa propõe, se faz imprescindível
considerar o termo educação de forma ampliada. Educação é o que se realiza em todo e
qualquer espaço onde haja intencionalidade educativa; ainda que esta se apresente
implicitamente.
No terceiro capítulo da obra Pedagogia e Pedagogos para quê? Libâneo
(2007, p. 82) apresenta uma definição de educação que contribui para um entendimento mais
ampliado do termo:
A educação, enquanto atividade intencionalizada, é uma prática social cunhada
como influência do meio social sobre o desenvolvimento dos indivíduos na sua
relação ativa com o meio natural e social, tendo em vista, precisamente,
potencializar essa atividade humana para torná-la mais rica, mais produtiva, mais
eficaz diante das tarefas da práxis social postas num dado sistema de relações
sociais. O modo de propiciar esse desenvolvimento se manifesta nos processos de
22
transmissão e apropriação ativa de conhecimentos, valores, habilidades, técnicas,
em ambientes organizados para este fim.
A prática educativa está sempre inserida numa prática social mais ampla.
Esta última, por sua vez, está sempre imersa num universo de condicionamentos de variadas
origens, econômicos, políticos, religiosos e culturais e até geográficos, que participam na
configuração de uma sociedade.
Uma sociedade, em seus objetivos e interesses, seleciona os métodos, os
conteúdos e até os educandos. Pensar e fazer educação requer sempre, e primeiramente,
refletir sobre algumas interrogações fundamentais para que se possa dizer de que educação se
trata. Interrogações como por quê, para quê, onde e como se educa são fundamentais nesse
processo. Também é fundamental saber a quem se educa. Isso, não só porque os métodos
sejam diferentes, por exemplo, para ensinar nas diversas faixas etárias, também porque existe
o aspecto político, até mesmo antes do aspecto metodológico, inclusive este é definido pelo
primeiro.
Toda prática educativa traz em seu interior intencionalidades e
conseqüências políticas. Pode-se dizer que toda sociedade envolve um projeto educativo que é
importante na sua sustentação. Em outras palavras, toda a prática social de uma determinada
sociedade carrega consigo, explicita ou implicitamente, uma intenção educativa, formativa
que será transformadora ou conservadora dessa sociedade.
A educação não-Formal é uma referência teórica para as práticas educativas que se
realizam fora do espaço escolar. O texto que segue aborda diferentes concepções de educação
não-Formal, procurando abranger as características e locus desta.
Afonso (1989) apud Von Simson (2001, p. 9), ao distinguir a educação
formal, informal e não-formal ressalta que esta última também possui uma estrutura e uma
organização:
23
Por educação formal, entende-se o tipo de educação organizada com uma
determinada seqüência e proporcionada pelas escolas, enquanto que a designação
educação informal abrange todas as possibilidades educativas da vida do indivíduo,
constituindo um processo permanente e não organizado. Por último, a educação não
-formal, embora obedeça tamm a uma estruturação e a uma organização
(distintas, porém, das escolas) e possa levar a uma certificação (mesmo que não
seja essa a finalidade), diverge ainda da educação formal no que respeita à não
fixação de tempos e de locais e à flexibilidade na adaptação dos conteúdos de
aprendizagem a cada grupo concreto.
Essa afirmação remete ao caráter intencional da prática educativa não-
formal, uma vez que apresenta estrutura e organização definidas e pode levar a uma
certificação. Diverge da educação formal, sendo flexível na adaptação dos conteúdos do
processo de ensino-aprendizagem, no tempo e no espaço da prática educativa.
Gohn (2001, p. 98) acentua o conceito de educação e sua ligação com a
cultura. A autora afirma que “a educação de um povo consiste no processo de absorção,
reelaboração e transformação da cultura existente, gerando a cultura política de uma nação.”
Por sua vez, a cultura [...] “é concebida como modos, formas e processos de atuação dos
homens na história [...]” (GOHN, 2001, p. 98). Percebe-se que a autora dá um destaque à
educação como identificação, reconstrução e transformação da cultura de um povo, e que ela
atribui à educação o papel de geradora da cultura política de uma nação.
Para Gohn, a Educação não-formal consiste em um processo que abrange as
seguintes dimensões: a aprendizagem política dos direitos individuais; a capacitação dos
indivíduos para o trabalho; a aprendizagem da organização comunitária; a aprendizagem dos
conteúdos escolares realizada em espaços e metodologias distintas da escolarizada. Destaca
ainda, a educação veiculada pela mídia.
Acredita-se que o pensamento de Gohn destaca a educação em seus aspectos
mais amplos, inserindo, assim, as várias dimensões da aprendizagem efetivada na educação
não-formal.
24
Libâneo (2007, p. 88) distingue educação não-formal de educação informal.
O autor argumenta que, sendo a palavra formal distintiva das duas denominações, é necessário
voltar-se para a significação do termo, ou seja, formal refere-se a tudo o que implica uma
forma, uma estrutura. O autor considera como educação formal toda a prática educativa onde
haja intencionalidade e sistematicidade, condições que caracterizam o trabalho didático-
pedagógico.
Além da educação escolar, são exemplos de educação formal, a educação de
adultos, a educação sindical e a educação profissional. Portanto, a idéia de que todas as
práticas educativas extra-escolares são práticas educativas não-formais não se enquadra no
pensamento de Libâneo (2007), pois a intencionalidade e a sistematização pedagógica do
processo de educar estão presentes em diferentes locus e diversas práticas educativas e não
somente no ambiente escolar.
Por sua vez, a educação não-formal, mesmo sendo constituída de
intencionalidade e sistematicidade, tem seu grau de estruturação e sistematização menor do
que a educação formal. Há relações pedagógicas, mas estas não são formalizadas. Em outras
palavras, existem relações pedagógicas com intencionalidade educativa, mas a pedagogia se
encontra mais implícita e não é imediatamente perceptível. Libâneo (2007, p. 89) cita como
exemplos de práticas educativas não-formais os movimentos sociais, os trabalhos
comunitários, as atividades de animação cultural, entre outras. Considera que as atividades
extra-escolares também são práticas educativas não-formais ligadas à educação escolar.
Os conceitos apresentados são ora complementares, ora divergentes, mas,
inequivocadamente, são unânimes em postular a amplitude da prática educativa e a inserção
desta na prática social mais ampla. Considera-se que o termo educação formal não se aplica
apenas à escola e que nas atividades de educação não-formal há, de fato, intencionalidade e
25
sistematicidade; não explícitas, porém. Esta é a realidade encontrada na prática sócio-
educativa da PCç.
As modalidades de práticas educativas se interpenetram constantemente. A
educação não-formal não pode prescindir da educação formal e esta última não pode separar-
se da formal, pois as pessoas são participantes das várias esferas sociais onde participam de
diversas práticas sócio-educativas. Para o autor, é precisamente a educação não-formal a
intermediária entre a educação formal e a informal, uma vez que a prática educativa não-
formal possui características das outras duas.
Libâneo (2007, p.93) vai mais além quando escreve que [...] “nem por isso
um sistema educacional se reduz à educação formal, já que existem instituições educativas de
caráter não-formal, não convencional (a escola é convencional), nas quais há intencionalidade
e certo grau de institucionalização e organização”. Mais uma vez se entende que este é o caso
da PCç que, sendo de caráter não-formal, possui uma estrutura organizacional em escala
nacional e, simultaneamente, é uma instituição de caráter civil e eclesial.
É do conhecimento dos educadores que a Pedagogia Freireana nasce fora do
espaço escolar. Paulo Freire (2003, p. 68), no texto Educação e participação comunitária, faz
considerações sobre a essência da prática educativa e especialmente sobre a prática educativa
progressista. No que diz respeito à prática educativa em si, Freire elenca quatro pontos que
caracterizam a prática educativa como tal e independem do locus onde é desenvolvida: a
presença de sujeitos; os objetos de conhecimento; os objetivos mediatos e imediatos; os
métodos, processos, técnicas de ensino e materiais didáticos.
A educação não-formal está diretamente ligada à educação popular que se dá
nos movimentos sociais dos mais variados matizes: eclesiais, políticos, sindicais, entre outros.
Considera-se que a Pedagogia Freireana é modelo para a educação não-formal popular e que
em Paulo Freire se tem o protótipo de uma educação para a transformação da sociedade.
26
1.2 PEDAGOGIA FREIREANA
7
Para uma análise mais ampla, diante da horizontalidade da Pedagogia
Freireana e, ao mesmo tempo, mais aprofundada perante o teor da sua verticalidade, é
importante, em primeiro lugar, pontuar as escolas de pensamento que influenciaram Paulo
Freire e sua obra, e comentar a respeito de algumas possibilidades do seu legado à Educação
libertadora.
De acordo com Torres (1997), o pensamento de Paulo Freire é composto por
um importantíssimo amálgama teórico, o qual une diferentes áreas do conhecimento: a
filosofia, a teologia, a sociologia, a pedagogia e, nessas áreas, diferentes teorias. Mais ainda,
a sua obra não é restrita a uma única temática, a um só estilo de reflexão. Ao contrário, seu
pensamento se configura em uma notável síntese. Nos escritos de Freire, a filosofia não é
analisada, ou melhor, não é tratada especificamente, mas está presente no conjunto de sua
obra.
No conjunto das obras de Freire, é possível identificar quatro correntes filosóficas: o
existencialismo, principalmente o existencialismo cristão, segundo o qual o homem, que se
apresenta como um devir, somente será se permitir que o outro também seja; a
fenomenologia, segunda a qual a consciência do homem é por ele construída com
intencionalidade; o marxismo, que, analisando as relações de produção da vida material, de
modo particular as relações de produção na indústria, vê o homem condicionado
economicamente pela infra-estrutura e condicionado ideologicamente pela superestrutura; e a
dialética hegeliana, que contempla o homem como autoconsciência (TORRES, 1997).
7
Para esta reflexão a principal obra utilizada foi Pedagogia do Oprimido em sua 16ª edição.
27
Paulo Freire, fazendo uma leitura apropriativa dessas diferentes escolas de
pensamento, criou não somente uma Pedagogia, mas uma cosmovisão: do existencialismo,
tem duas idéias básicas: o ser humano é um ser inconcluso; da fenomenologia, toma os
diferentes níveis da consciência (mas não a consciência individual separada das condições
materiais da vida histórico-concreta), que está em relação constante com o seu entorno
histórico social; sendo assim, Freire reaplica os pressupostos da consciência individual nas
relações histórico-concretas da vida humana; do marxismo, Freire absorve a não neutralidade
da educação e a educação como ato político e, por fim, apreende do hegelianismo a dialética
dos opressores-oprimidos.
A Pedagogia Freireana está disseminada em diversas práticas educativas não-
formais pelo País. Mesmo quando não é vivenciada em sua integralidade, há aspectos que
despontam com nitidez. Não é preciso ressaltar que a vivência da Pedagogia Freireana em sua
integralidade é um longo processo histórico que demanda paciência pedagógica. Sua
característica primeira é ser uma teoria de ação político-pedagógica que serve à libertação dos
oprimidos. Libertação das situações de opressão a que os opressores submetem os oprimidos
para manter sua forma de vida (des)humana. Tais situações se apresentam nas mais variadas
formas: injustiça social, disparatada apropriação de renda; descaso pelos direitos humanos
fome, desnutrição e miséria; entre tantas outras.
As situações de opressão impossibilitam a realização da vocação ontológica
do ser humano que nasceu para Ser Mais. Homens e mulheres não nascem humanos, tornam-
se humanos nas relações mútuas na prática social da vida cotidiana. É possível afirmar que
todos possuem o germe da humanidade, mas ainda não são humanos, são seres inconclusos. A
vocação para Ser Mais é de todo homem e de toda mulher, portanto, dos oprimidos (os
pobres, os excluídos da sociedade) e também dos opressores (os ricos: a classe de pessoas que
dominam a sociedade sob todos os aspectos, a classe dominante). A opressão gera
28
constantemente a desumanização do homem e da mulher. Para Freire (1983, p. 30) “a
desumanização, que não se verifica apenas nos que têm sua humanidade roubada, mas
também, ainda que de forma diferente, nos que a roubam, é a distorção da vocação do Ser
Mais”.
Todo ser humano é, por sua natureza, um ser criado para aprender e para a
liberdade, portanto, capaz de conhecer a realidade que o cerca, conhecer a si próprio, discernir
e fazer escolhas. Na situação de opressão, só os oprimidos podem libertar a si próprios e aos
opressores. Os opressores jamais se moveriam para uma verdadeira libertação dos oprimidos,
visto que, se o fizessem, contradiriam sua classe de dominantes e retirariam as condições que
lhes possibilitam a falsa humanidade.
É para a libertação das situações de opressão que a Pedagogia Freireana se volta. É
uma Pedagogia essencialmente politizada, na qual duas substantividades são inseparáveis:
pedagogia e política. Pedagogia que é feita na prática educativa com e do oprimido. Prática
educativa na qual o oprimido tem a situação concreta de opressão como objeto a ser
desvelado. Desvelamento que se dá por intermédio da reflexão-ação-reflexão, portanto, como
esclarece Freire (1983, p. 32), por intermédio da práxis.
[...] do que nos parece constituir o que vimos chamando de Pedagogia do
Oprimido: aquela que tem que ser forjada com ele e não para ele, enquanto
homens ou povos, na luta incessante de recuperação de sua humanidade.
Pedagogia que faça da opressão e de suas causas objeto da reflexão dos
oprimidos, de que resultará o seu engajamento necessário na luta por sua
libertação, em que esta pedagogia se fará e se refará.
Essa Pedagogia forjada na práxis social e cotidiana, pede envolvimento total
do homem e da mulher oprimidos na “luta” por transformar a opressão em libertação. Mais
que uma Pedagogia do oprimido, quer ser a Pedagogia dos homens em processo constante de
libertação. Nas palavras de Paulo Freire (1983, p. 44):
29
A pedagogia do oprimido, como pedagogia humanista e libertadora, terá dois
momentos distintos. O primeiro, em que os oprimidos vão desvelando o mundo da
opressão e vão comprometendo-se na práxis com a sua transformação: o segundo,
em que, transformada a realidade opressora, esta pedagogia deixa de ser do
oprimido e passa a ser a pedagogia dos homens em processo de permanente
libertação.
Considera-se como centro da Pedagogia Freireana a concepção de educação
como ato político. Ato político porque, necessariamente, toda prática educativa é intencional,
não é neutra; ou seja, está a favor de alguém e contra uma determinada situação que envolve
outro (ou outros) alguém.
Na prática educativa de abordagem freireana é imprescindível a capacidade
de opção, de escolha, de decisão por parte dos sujeitos envolvidos. Não há meio termo. A
educação, ou transforma a realidade em que seus sujeitos (os sujeitos da prática) estão
inseridos, ou mantém a situação vigente. É a intencionalidade do sujeito que educa que faz
que a prática educativa jamais seja neutra. Conforme a intenção, a educação será ou
conservadora ou transformadora da situação vigente. A citação de Freire (1992, p. 12), a
seguir, pode ilustrar a radicalidade da educação enquanto ato político, enquanto opção:
Se os seres humanos fossem puramente determinados, e não “seres programados
para aprender” não haveria porque, na prática educativa, apelarmos para a
capacidade crítica do educando. Não haveria por que falar em educação para a
decisão, para a libertação. Mas, por outro lado, não haveria também por que pensar
nos educadores e educandos como sujeitos. [...] A nossa experiência, que envolve
condicionamentos, mas não determinismo, implica decisões, rupturas, opções,
riscos.
Para ser uma prática educativa transformadora, educadores e educandos
precisam dialogar, cada um dizendo a sua palavra e, no diálogo, (re)criar uma “palavra
nova”, síntese das duas primeiras. No diálogo, onde educadores e educandos são sujeitos do
30
processo político-educativo, há a intervenção no mundo vivido que possibilitará a
transformação deste mesmo mundo.
O diálogo é uma das categorias imediatamente próximas ao centro
pedagógico freireano, a educação como ato político pedagógico. A intencionalidade política
só poderá ser concretizada se houver diálogo entre os sujeitos da prática educativa, os
educadores e os educandos. Para Freire (1983), o diálogo tem duas dimensões, ação e
reflexão, interligadas e interdependentes. Sobre a palavra e sua relação com o diálogo, Freire
(1983, p. 91) expressa que “Não há palavra verdadeira que não seja práxis. Daí que dizer a
palavra verdadeira seja transformar o mundo”. O “uso” da palavra é de todos os envolvidos
no processo de dialogar, no processo dialógico:
Mas se dizer a palavra verdadeira, que é trabalho, que é práxis, é transformar o
mundo, dizer a palavra não é privilégio de alguns homens, mas direito de todos os
homens. Precisamente por isto, ninguém pode dizer a palavra verdadeira sozinho,
ou dize-la para os outros, num ato de prescrição, com o qual rouba a palavra dos
demais. O diálogo é este encontro dos homens, mediatizados pelo mundo, para
pronunciá-lo, não se esgotando, portanto, na relação eu-tu. (FREIRE, id. Ibid., p.
92-93).
A referência de Freire (Ibid). mostra que o diálogo não pode ser nem
subjetivista, nem objetivista, mas, nascido e vivenciado da e na práxis sócio-educativa,
integrando dialeticamente os pólos subjetivos e objetivos.
Diferentemente de qualquer outro educador, para Paulo Freire o ato
educativo não destaca simplesmente um método, mas é, antes de tudo, uma intenção que
abrange aspectos sociais e individuais, isto é, passa pelo individual, depende do indivíduo,
mas não se restringe a ele.
São as características da teoria da ação dialógica que possibilitam o diálogo
entre educador e educando.
31
É graças à intencionalidade da prática educativa que esta pode ser uma
prática política. Prática política de todos os sujeitos envolvidos nesta prática educativa,
prática política enquanto uma prática educativa que “ensina” a ver a realidade (no conceito
freireano: leitura de mundo) de opressão em todas as suas contradições; “ensina” a julgar as
causas da opressão, sobretudo, julgá-las pela leitura das contradições; “ensina” a agir de
modo a transformar esta realidade, procurando, se não eliminar, ao menos minimizar as
causas desta opressão.
A Pedagogia Freireana leva à conscientização e nasce dela; conscientização
que é processo constante de reflexão-ação-reflexão-ação, vivenciada na práxis sócio-
educativa. Não é mera reflexão mental desvinculada da realidade.
A conscientização não pode existir fora da práxis, ou melhor, sem o ato ação-
reflexão. [...] a conscientização é um compromisso histórico. É também consciência
histórica: é inserção crítica na sua história, implica que os homens assumam o papel
de sujeitos que fazem e refazem o mundo. (FREIRE, 1980, p. 26).
A conscientização não se dá tão somente na subjetividade e nem somente na
objetividade, mas na relação dialética constante entre as duas. A conscientização leva
necessariamente à práxis. Freire (1980) esclarece que tal conscientização não é doada pelo
educador aos educandos, mas é ato dialógico pelo qual os dois, constantemente,
conscientizam e se conscientizam. Se percebe, então, que os oprimidos se conscientizam da e
na realidade opressora em um processo constante de comunhão.
Na Pedagogia Freireana, o diálogo, a cultura do povo oprimido, a
organização dos oprimidos, a união, a colaboração (no sentido de trabalhar junto: co-
laboração), a solidariedade são, ao mesmo tempo, essência e instrumentos da práxis político-
educativa, uma vez que esta Pedagogia se dá na e pela práxis.
32
A teoria da ação dialógica de Paulo Freire estabelece as condições de ação
cultural dos oprimidos, e da liderança, junto aos oprimidos para alcançar a libertação. Ação
cultural que possibilita (e ao mesmo tempo exige) a síntese cultural das diferentes (diferentes,
mas não antagônicas) leituras de mundo de cada pessoa envolvida na práxis. Em
contraposição à teoria da ação dialógica, está a teoria da ação antidialógica, que tem como
características a conquista, a ação de dividir com o objetivo de dominar, a manipulação e a
invasão cultural.
Para que a pedagogia do oprimido atinja seu objetivo, o de educar para a
transformação da situação de opressão, Paulo Freire concebe a educação problematizadora
em oposição à educação bancária. A primeira serve à educação para a transformação e a
segunda serve à educação para a conservação.
O caráter fundamental da educação bancária é a narração, a sonoridade da
palavra. Palavra que é do educador, que se apropria da fala e que tem a tarefa de “depositar”
na cabeça de seus educandos o conhecimento. Na concepção bancária de educação, “[...] o
“saber” é uma doação dos que se julgam sábios aos que julgam nada saber” (FREIRE, 1983,
p. 67). Ao educando cabe o ato de ouvir e o de aprender de acordo com a palavra do
educador, pois este é o único que sabe, enquanto aquele nada sabe. A educação bancária não
possibilita a libertação, visto que, para que esta ocorra, é preciso um crescente processo de
conscientização que retira os oprimidos da alienação, fazendo com que se descubram
portadores da palavra e atores da transformação.
Contrariamente à educação bancária, a educação problematizadora, ao invés
de ser depósito do saber do educador, é consciência que se sabe, consciência intencionada que
se volta sobre si mesma e toma consciência de si mesma.
Na educação problematizadora o ato de educar não é um ato de transferir
conhecimentos, mas um ato cognoscente. Assim, o conhecimento (objeto cognoscível) media
33
a relação entre educador e educando, superando a contradição entre esses. Daí que a educação
problematizadora exige o diálogo, sem o qual não há superação do antagonismo entre
educador e educando.
A problematização é vivenciada através da investigação da temática
significativa que, por sua vez, leva aos temas geradores. A temática significativa implica na
percepção que os sujeitos cognoscentes têm a respeito da realidade em que estão inseridos, e o
que essa realidade significa para eles em sua totalidade e contradição. Dessa realidade
significada em temas, surgem os temas geradores que, por sua vez, são escolhidos para estudo
pelos sujeitos cognoscentes, ou seja, os temas geradores não se encontram isolados da
realidade, mas nela inseridos. A partir desse pressuposto, o educador estará comprometido
com a causa dos educandos/oprimidos e viverá com eles (e não por eles) o processo de se
educarem em comunhão.
A Pedagogia Freireana tem profunda crença na capacidade (re)criadora dos
oprimidos/educandos e respeita as suas autonomias. O respeito à autonomia do
oprimido/educando é um imperativo freireano. Freire, ao se referir à autonomia, afirma:
Como educador, devo estar constantemente advertido a esse respeito que implica
igualmente o que devo ter por mim mesmo. O respeito à autonomia e à dignidade
de cada um é um imperativo ético e não um favor que podemos ou não conceder
uns aos outros. (FREIRE, 1998, p.66)
Esta afirmação denota uma postura ética que tem implicações radicais na
práxis educativa cotidiana. O educador deve levar os educandos a uma leitura de mundo cada
vez mais crítica e a uma consciência apurada de sua condição de sujeito histórico. Contudo,
deve igualmente respeitar o educando em sua autonomia de pensamento, de ação e de
atitudes, inclusive quando esses divergem dos seus.
A Pedagogia do Oprimido educa para a solidariedade por meio da união e da
co-laboração entre os sujeitos nela envolvidos, para que estes, junto, alcancem a libertação.
Na Pedagogia Freireana a colaboração significa que os sujeitos se encontram e se unem em
34
co-laboração. Colaborar significa que, por intermédio da práxis dialógica, o sujeito,
livremente, decide colaborar para o processo de libertação. A colaboração é para a teoria da
ação dialógica o que a conquista é para a teoria da ação antidialógica.
Na obra Lições de Freire, Gadotti (1997, p. 3) afirma que o ilustre educador,
pouco antes de sua morte, preparava vários projetos a serem desenvolvidos pelo Instituto
Paulo Freire, e “[...] que era, para ele, um espaço de busca de novas teorias e práticas
educacionais”. Isso confirma que, para Paulo Freire, o ser humano é um ser inconcluso;
sendo assim, pois é alguém em processo constante de (re)criação do espaço/tempo vivido na
história. Tal afirmação reforça a idéia de que a Pedagogia Freireana é uma Pedagogia aberta
e sempre atual, e pode ser reinventada em todos os espaços educativos que pretendam os
mesmos objetivos de Paulo Freire, tais como: educar como ato político e pedagógico, para
intervir no mundo, para fazê-lo “menos feio”, “mais justo” e “mais solidário”.
Para Paulo Freire, a educação tem a função de ajudar os homens e as mulheres a
refletirem sobre sua vocação ontológica de sujeitos, a transformarem as condições materiais
de suas existências e, assim humanizarem-se. Nas palavras de Freire: “E aí está a grande
tarefa humanística e histórica dos oprimidos – libertar-se a si e aos opressores.” (Freire,
1983, p.31). Se considera que a Pedagogia Freireana o protótipo da educação popular. E,
como todo protótipo, sempre renasce, vive, ganha novas configurações. A Pedagogia
Freireana se transformou na educação da esperança, numa identidade compromissada com
valores político-democráticos que, respeitando o ser humano, o leva a transformar a si
mesmo e aos outros através da prática político-educativa.
Entende-se que a Pedagogia Freireana iluminou, e pode iluminar melhor
ainda, a práxis sócio-educativa da PCç, conduzindo as coordenadoras e as líderes a uma
intervenção sócio-educativa transformadora a partir de uma crescente consciência da
intencionalidade de seu agir político-educativo.
35
1.3 POLÍTICAS SOCIAIS EM TEMPOS DE GLOBALIZAÇÃO
O advento da globalização do capital não criou um novo sistema econômico,
mas, sim, um novo modelo econômico inserido no sistema capitalista: o modelo neoliberal.
A doutrina neoliberal dissemina a idéia que a globalização é boa para todos.
Não obstante os pontos positivos que advieram com a globalização, esta projetou
extremamente as distâncias entre os pobres e os ricos do mundo.
Procurando citar pontos positivos da globalização, destacam-se: a agilidade
das comunicações em tempo real, que abrangem todo o Planeta; o sentimento difundido
ideologicamente – mas que nem por isso deixa de ser verdadeiro quando considerado segundo
valores humanistas e cristãos – de que somos todos iguais e fazemos parte de uma aldeia
global; e as inter-relações culturais. Ainda que tais aspectos positivos não contemplem a
maioria da população pobre, esparsa em diversos grupos sociais, é possível tirar proveito,
mais do que migalhas, em seu benefício. Acredita-se que um exemplo disso é a troca de
experiências das práticas sociais populares entre os diferentes países. Na perspectiva cristã
autêntica, os serviços são doados e não devem tampouco permitir a impressão de uma falsa
caridade aos pobres. A implantação da Pastoral da Criança em países na América Latina e na
África é um dos exemplos dessa troca.
Naturalmente, os aspectos negativos têm se sobressaído aos positivos. O
crescimento vertiginoso da população pobre e a carência (ou a deficiência e lentidão) dos
serviços públicos de saúde e de educação “saltam aos olhos” como pontos negativos no
processo de globalização, principalmente nos países que jamais experimentaram a segurança
social e a garantia de direitos do Estado de Bem-estar social. É o caso do Brasil; emprestando
uma expressão de Azevedo (2001, p. 2), ao invés dessas garantias, os brasileiros sempre
experimentaram “o estado de mal-estar social”. De acordo com Comblin (1996, p. 356), o
36
Estado de Bem-estar social foi tão duramente criticado pelos neoliberais do mundo todo que,
“durante vinte anos, fizeram uma ofensiva sem tréguas [...]”, principalmente pela TV e
jornais. Uma ofensiva tal, que o mundo popular não tinha como lutar contra meios de
comunicação tão poderosos.
Na ideologia bem elaborada, os pobres são os culpados por todos os
problemas econômicos, pois os seus serviços custam caro à sociedade produtiva: ensino
gratuito, saúde gratuita, aposentadoria gratuita, ajuda às famílias carentes e ajuda em casos de
desemprego.
Os resultados desse ataque ideológico são vistos nos bolsões de miséria
espalhados pelas várias cidades do Planeta inteiro; um exemplo, são os bolsões onde vivem os
imigrantes africanos na Europa. E não há como esconder o crescente número de pobres nos
países da América Latina e África, países que há tempo figuram entre os mais pobres do
mundo.
De acordo com Comblin (1996), o que sobrou do Welfare State está na
Europa e nos Estados Unidos, porque a elite dirigente receia provocar ostensivamente os
trabalhadores organizados. No Brasil, a ideologia neoliberal venceu a organização e a luta dos
trabalhadores, bem como a dos movimentos sociais; jamais se conseguiu a implantação do
Estado de Bem-estar social no País.
Atualmente, o investimento que deveria ser para a implantação do Estado de
Bem-Estar Social é aplicado na manutenção do crescimento econômico, serve aos interesses
do capital. Uma transformação da realidade de exclusão social e econômica só pode provir de
uma alteração na prioridade dos gastos e investimentos públicos. Parafraseando Comblin
(1996), uma reforma social, qualquer que seja ela, pressupõe uma redistribuição da economia
nacional. Em outras palavras, os mais privilegiados precisam ceder parte de seus ganhos. É
37
uma questão política que não cabe [...] “à Igreja resolver. Mas o que, isto sim, incumbe à
Igreja é insistir na necessidade de mudança”. (COMBLIN, 1996, p. 357).
Os neoliberais defendem que o Estado está em crise (e não o capitalismo,
como é o fato) e que a culpa das mazelas sociais é do Estado, pois é corrupto, ineficiente e
caro. De acordo com Peroni (2006, p. 11), esta argumentação faz parte das estratégias do
capital para defender seus interesses no atual desenvolvimento do capitalismo. A corrupção
do Estado não é culpa dos pobres e oprimidos, mas do poder constituído. Em qualquer análise
crítica a respeito das relações entre Estado, mercado e ideologia, se sabe que são sempre as
mesmas pessoas e/ou grupos que detêm o poder nestas três esferas: governamental,
econômico e ideológico.
No conjunto de estratégias neoliberais, o Estado tem uma função muito
diferente daquela do Estado de Bem-Estar Social. O Estado aqui deve ser mínimo e forte:
mínimo para a elaboração e execução de políticas sociais, destinando (ao menos parte dessas)
à sociedade civil organizada e forte no controle da economia em função dos interesses do
capital. Portanto, é um Estado que faz reajuste fiscal diminuindo as verbas para as políticas
públicas sociais e aumentando as verbas para o crescimento da economia.
Ao escrever sobre a crise e as reformas do Estado, Camini (2001, p. 67) cita
as justificativas de Bresser Pereira acerca da reforma do Estado. Segundo o então ministro,
para que este se torne o Estado Social-Liberal é necessário:
[...] a delimitação das funções do Estado, reduzindo seu tamanho em termos
principalmente de pessoal através de programas de privatização, de terceirização e
de publicização (este último processo implicando na transferência para o setor
público não-estatal dos serviços sociais e científicos que hoje o Estado presta).
Ao setor público não-estatal – citado por Bresser Pereira - correspondem
diferentes entidades de diversas características: fundações, associações e principalmente as
38
Organizações Não-Governamentais (ONGs). Este agrupamento de diferentes entidades vem
sendo denominado de terceiro setor, ao qual o Estado Neoliberal vem repassando a execução
das políticas públicas sociais. Ainda que, atualmente, a sociedade civil esteja desenvolvendo
atividades que são funções e responsabilidades do Estado, o conceito de terceiro setor é
ideologizado e não corresponde ao real; ou seja, é uma função e não uma existência
(MONTAÑO, 2003). Na obra O terceiro setor e a questão social: crítica ao padrão
emergente de intervenção social, o autor afirma que:
Na verdade, no lugar deste termo o fenômeno real deve ser interpretado como ações
8
que expressam funções a partir de valores. Ou seja, as ações desenvolvidas por
organizações da sociedade civil, que assumem as funções de respostas às demandas
sociais (antes de responsabilidade fundamentalmente do Estado), a partir dos
valores de solidariedade local, auto-ajuda e ajuda mútua (substituindo os valores de
solidariedade social e universalidade e direitos dos serviços). (Ibid., p. 184).
O autor afirma ainda que:
O fenômeno em questão não é, portanto, o desenvolvimento de organizações de um
“setor” em detrimento da crise de outro, mas a alteração de um padrão de resposta
social à “questão social” (típica do Welfare State), com a desresponsabilização do
Estado, a desoneração do capital e auto-responsabilização do cidadão e da
comunidade local para esta função (típica do modelo neoliberal ou funcional a ele).
(Ibid. p. 185).
De fato, as entidades do chamado terceiro setor, ao assumirem a execução de
ações de responsabilidade estatal, são funcionais ao neoliberalismo. Essas entidades lançam
mão dos valores como a solidariedade, a auto-ajuda e a ajuda mútua para a realização das
ações de políticas sociais.
Para Montaño (2003), a burguesia é hegemônica no Estado, no mercado e na
produção e vem ideologizando o conceito de sociedade civil, disseminando uma concepção de
sociedade civil, popular, sem contradições de interesses econômicos, políticos e culturais.
8
Grifos do autor.
39
Assim, dilui as lutas populares para a conquista e manutenção dos direitos sociais e encobre a
verdadeira intenção do capital, que é “[...] a desarticulação do padrão de resposta estatal às
seqüelas da questão social, desenvolvido a partir da luta de classes no Welfare State”. (Ibid. p.
280). Segundo o autor, toda essa estratégia ideológica tem a médio prazo um grande objetivo
que é o progressivo desvencilhamento do Estado na execução e no financiamento das políticas
públicas sociais. Esse desvencilhar-se esta em curso e levará à perda dos direitos sociais já
garantidos. A sutileza da hegemonia burguesa consegue desarticular as conquistas das classes
populares incutindo a idéia de que tudo acabará bem se cada um fizer a sua parte.
Montaño (2003, p. 260) propõe ao que ele chama de terceiro setor de
intenção progressista a articulação nas lutas sociais que se dão cotidianamente nas bases
populares dos setores progressistas da sociedade civil.
A PCç, uma vez que não é uma instituição governamental, pode se
configurar como uma ONG integrante da sociedade civil. De fato, a PCç não deixa de integrar
a sociedade civil, mas não é somente uma integrante. Uma vez que a Igreja Católica no
Brasil, por intermédio da CNBB, colabora de uma forma bastante particular com a sociedade
civil brasileira, atuando como formadora de opinião e sendo, tamm, espaço de ação política
e social através de suas pastorais e outros organismos afins.
Compreende-se que cabe ao Estado a execução direta das políticas sociais, e
também é possível concordar com a crítica e a leitura muito bem elaborada por Montaño
(2003). Afirma-se, contudo, que as ações realizadas pela PCç não são um empecilho para que
se possa avançar rumo a uma situação semelhante ao Estado de Bem-Estar social As ações da
PCç colaboram efetivamente, para a sobrevivência de crianças e para a dignidade das famílias
pobres. É uma colaboração bastante importante, pois, antes de seres políticos, são todos
biológicos. Em outras palavras, se não antes, ao menos simultaneamente é preciso sobreviver
para poder ser cidadão.
40
Considera-se relevante neste estudo/pesquisa uma reflexão específica sobre
políticas públicas sociais que têm articulação com a Política Educacional. Ao pesquisar por
políticas públicas sociais ligadas à educação, encontraram-se os programas tanto do Governo
Federal quanto do Governo Estadual do Paraná: Bolsa Família, Bolsa Alimentação, Vale Gás
(ou Auxílio Gás), o Cartão Alimentação, Leite da Criança
9
. Esses programas se configuram
como políticas de condicionalidade, pois beneficiam as famílias que cumprem com as
condições estabelecidas; por exemplo, no caso do Bolsa Família, é estabelecido como
condição a freqüência da criança à escola.
Sem desconsiderar a importância das políticas de condicionalidade,
questiona-se a respeito de qual é a contribuição dessas políticas para a superação da condição
da pobreza. Parafraseando Demo (2000), ser pobre é esperar que os ricos resolvam a situação
de pobreza. É ignorar que a pobreza decorre da extrema concentração de renda e que a última
mantém a primeira. O autor refere que ignorar que a pobreza estrutural decorre da extremada
concentração de renda pode levar os pobres a esperarem dos ricos uma solução. E que essa é
uma das piores formas de pobreza.
O autor conduz à reflexão a respeito da importância do papel da educação na
tomada de consciência por parte daqueles que são pobres e vivem em condições precárias;
numa perspectiva de transformação da realidade, permite enfatizar a necessidade de políticas
públicas que procurem atingir as diferentes facetas da pobreza e que objetivem uma
transformação da vida dos pobres. Essa reflexão colabora na busca de políticas cujos
programas carreguem pressupostos pedagógicos que possibilitem trilhar caminhos para a
transformação da realidade de exclusão social. É preciso educar os pobres e excluídos para e
numa “leitura de mundo” autônoma e crítica.
9
O Programa do Governo do Paraná, que completou cinco anos em 14/05/2008. Criado pelo governador Roberto
Requião em 2003, com o objetivo de diminuir a desnutrição infantil, o Programa do Leite envolve as
Secretarias de Estado do Trabalho, Emprego e Promoção Social; Agricultura e Abastecimento; Educação;
Saúde e Planejamento.
41
O fato de a PCç receber verbas públicas para a realização das suas ações
sócio-educativas possibilita que seja considerada como integrante das políticas públicas
sociais. As verbas são provenientes do Ministério da Saúde, do Ministério da Educação, do
Ministério do Desenvolvimento
10
e, no caso do Estado do Paraná, provêm também do
Governo Estadual. No município de Ponta Grossa, a PCç recebe verbas também da Secretaria
Municipal de Assistência Social. Para além do financiamento público-estatal, a abrangência
nacional e a existência desse financiamento há vinte anos, tamém possibilita que a PCç seja
tomada como integrante das políticas públicas.
10
Fonte: Dados oficiais de divulgação Pastoral da Criança: abrangência e resultados 2007 (Anexo A).
42
CAPÍTULO 2 - CONHECENDO A PASTORAL DA CRIANÇA: PRINCÍPIOS,
HISTÓRIA E FINALIDADES
Ao delinear a identidade da Pastoral da Criança, este capítulo tem por
objetivo principal possibilitar ao leitor a compreensão acerca do que vêm a ser essa PCç,
apresentando quais são seus princípios éticos, sua história, sua estrutura organizacional, suas
fontes de recursos, suas ações sócio-educativas e suas finalidades.
O texto está dividido em três momentos distintos. O primeiro momento
apresenta a Doutrina Social da Igreja (DSI) como corpo de princípios e de diretrizes de ação
para o cristão católico, mais especificamente da DSI, interpretada e aplicada pela Igreja no
Continente Latino-Americano, de modo especial a Igreja Católica no Brasil por meio da ação
sócio-pastoral da CNBB. No segundo momento, são delineados itens que constituem a
Pastoral da Criança: história, abrangência, ações e finalidades. O terceiro momento apresenta
uma revisão de literatura, a fim de estabelecer aproximações com este estudo/pesquisa.
2.1 PARA COMPREENDER A PASTORAL DA CRIANÇA
A Doutrina Social da Igreja e as Diretrizes Gerais da CNBB constituem a
base sobre a qual se assenta a prática sócio-educativa da PCç e orientam para uma leitura da
PCç a partir dos valores dos seus integrantes, que são os líderes e os coordenadores nos
diferentes níveis da organização.
2.1.1 Doutrina Social da Igreja Católica Apostólica Romana
43
A defesa e a promoção da vida humana, praticadas pela Igreja ao longo de
dois milênios, nem sempre têm sido conhecidas e, por isso mesmo, reconhecidas. É uma
discussão que aqui não caberia fazer prolongadamente, pois não é objeto desta pesquisa. A
Igreja é bastante pluralista; não é uma instituição monolítica em sua prática pastoral; sendo
assim, nem todos os seus integrantes, sejam bispos, padres, religiosos ou leigos, comungam
plenamente a respeito de todos os assuntos. Por outro lado, também fazem parte da História,
ações e atitudes que não correspondem aos valores evangélicos da mesma Igreja. O que
demonstra que a Igreja, como instituição histórica, não está isenta da dialética dos contrários:
luz-sombra, alegria-tristeza, bem-mal, espírito-matéria e outras dualidades tão próprias da
condição humana, das quais aqui não se pretende tratar com maiores delongas.
O Concílio Vaticano II renovou o pensamento católico sobre vários temas.
No campo antropológico, se deu uma maior revalorização das realidades materiais,
considerando o ser humano como um ser espiritual e material, e afirmando que o desprezo ou
a negação de uma das dimensões impede gravemente a afirmação da humanidade.
A transformação das realidades materiais de opressão a que estão submetidos
os pobres faz parte do processo de evangelização. Segundo a Igreja, a salvação trazida por
Jesus Cristo a todo ser humano incluiu a transformação de todos os condicionamentos
históricos da economia, da política, do trabalho, da comunicação, da cultura e das relações
internacionais. O Compêndio oficial da DSI, em linguagem teológica afirma logo no texto
introdutório que “Jesus veio trazer a salvação integral, que abrange o homem todo e todos os
homens, abrindo-lhes o horizonte admirável da filiação divina.” (VATICANO, 2005, n. 1.).
A DSI é um corpo de princípios, de critérios e de diretrizes de ação para os
cristãos católicos, nas suas relações no e com o mundo, com o intuito de promover uma vida
digna para cada um dos seres humanos, em sua integralidade. A citação do Evangelho de João
diz: “Eu vim para que todos tenham vida e vida em abundância” (Jo. 10,10). De acordo com a
44
Edição do Vaticano (2005) do Compêndio da DSI (n. 7), “O cristão sabe poder encontrar na
Doutrina Social da Igrejaos princípios de reflexão, os critérios de julgamento e as diretrizes de
ação donde partir para promover esse humanismo integral e solidário (VATICANO, 2005,
p.19)”.
Segundo Wanderley
11
, para o Pontifício Conselho de Justiça e Paz, a DSI de
natureza teológico-pastoral é fundamentada na Bíblia e na Tradição, é aberta ao diálogo com
o saber acadêmico, e inclui contributos da filosofia e das ciências humanas e sociais. Aberta à
fé e à razão, a DSI tem competência, concretude e amplitude para ser o que é.
O bem comum, a subsidiariedade e a solidariedade são princípios
permanentes da DSI. Estão fundamentados num princípio primeiro, o da dignidade da pessoa
humana: filhos e filhas de Deus. (VATICANO, 2005, n. 160).
O princípio do bem comum está assentado na dignidade, na igualdade e na
unidade de todas as pessoas. (VATICANO, 2005, n. 164). A tarefa de perseguir o bem
comum compete a todas as pessoas, mas principalmente ao Estado, pois este tem no bem
comum a sua razão de ser. (VATICANO, 2005, n. 168). O bem comum é o que o nome diz:
“[...] somente em referência à obtenção dos fins últimos da pessoa e ao bem comum universal
de toda a criação”. Portanto, não é um fim isolado em si mesmo, ou destinado a apenas
alguns, e não a outros.
Para a DSI, “toda a vida do homem é uma pergunta e uma busca de Deus.
Esta relação com Deus pode ser tanto ignorada como esquecida ou removida, mas nunca pode
ser eliminada”. (VATICANO, 2005, n. 109).
A busca por Deus é a finalidade da existência humana. Busca pela qual cada
um transcende a si mesmo e estabelece relações com o outro. Os homens e mulheres têm
11
http—www.pucsp.br-nures-revista3-3-edicao-wanderley.pef.url Acessado em 24/10/07.
45
condições de transformar as situações de injustiça quando se descobrem amados por Deus e,
compreendendo a própria dignidade, transcendem a si próprios. (VATICANO, 2005, n. 4).
O princípio de subsidiariedade significa que a ajuda econômica, institucional
e legislativa prestada a indivíduos e a entidades sociais não dispensa que busquem por seus
próprios esforços as condições para participar na sociedade. Contra o princípio de
subsidiariedade, diametralmente, está o assistencialismo. (VATICANO, 2005, n. 186, 187).
Pelo princípio de subsidiariedade, se aprende que a Igreja não estimula o assistencialismo,
mas responsabiliza o Estado e exige atitudes autênticas decorrentes do princípio. No âmbito
econômico, ao Estado compete fundamentalmente definir um quadro jurídico que regule as
relações econômicas, salvaguardando as condições da livre economia; de modo, porém, que a
igualdade entre as partes não permita que uma reduza a outra à condição de escravidão. O
princípio é contrário aos monopólios. (VATICANO 2005 n. 351, n. 352).
A DSI defende que é preciso uma globalização da solidariedade, isto é, sem
marginalizações: “Dada a natureza das dinâmicas em curso, a livre circulação de capitais não
é por si mesma suficiente para favorecer a aproximação dos países em via de
desenvolvimento em relação aos mais avançados”. (VATICANO, 2005, n. 363).
Considera-se que a globalização vem alargando as distâncias entre os países
pobres e os países ricos, no que tange à economia e aos direitos internacionais, especialmente
à soberania das nações. Isso compromete a identidade e autonomia dos povos.
A concorrência ilimitada das forças econômicas, e a acumulação exacerbada
do lucro nos países ricos, são refutadas pela Igreja. O direito à propriedade privada é legítimo,
mas a propriedade tem uma função social. “As relações entre capital e trabalho devem dar-se
sob o signo da colaboração”. (VATICANO, 2005, n. 91).
Para a DSI, a solidariedade abrange atitudes pessoais, ações e políticas que
tangem os aspectos econômicos e sociais. Ultrapassa esses aspectos à medida que inclui os
46
aspectos culturais e os aspectos espirituais de cada povo. “O desenvolvimento favorável de
todos responde a uma exigência de justiça em escala mundial que garanta uma paz planetária
e torne possível a realização de um humanismo total, governado pelos valores espirituais”.
(VATICANO, 2005, n. 98). Comblin (1996, p. 227), teólogo belga, radicado no nordeste
brasileiro há mais de trinta anos, afirma que a solidariedade social é “a menina dos olhos” dos
cristãos.
Há situações de grave desequilíbrio e injustiça social em que só a intervenção
pública pode criar melhores condições de justiça, igualdade e paz e, nesse momento, o Estado
deve exercer uma função de suplência. Contudo, esta função é temporária e, uma vez
alcançadas a justiça e a paz, a suplência já não é mais requerida. Em todo caso, o bem comum
não pode ser contrário à promoção do primado da pessoa. (VATICANO, 2005, n. 351).
Sobre as situações de pobreza, a DSI deixa claro que esta é causa de
impedimento para a realização do humanismo pleno que a Igreja deseja e persegue. A luta
contra a pobreza é incentivada e motivada através da opção preferencial pelos pobres.
Reafirmando constantemente o princípio da solidariedade, a DSI estimula à ação para a
promoção do bem comum. A luta contra a pobreza deve colocar o princípio de solidariedade
ao lado do princípio de subsidiariedade: “[...] aos pobres se deve olhar “não como um
problema, mas como possíveis sujeitos e protagonistas dum futuro novo e mais humano para
todo o mundo”. (VATICANO, 2005, n. 449).
Por excelência, a via para a realização do bem comum e da solidariedade é a
caridade. A DSI (n. 204) afirma que há uma profunda ligação entre valores sociais e caridade,
e que esta “[...] deve ser reconsiderada no seu autêntico valor de critério supremo e universal
de toda a ética social”. A caridade tem caráter social e político quando leva à construção do
bem comum, no interior das estruturas, das organizações sociais e dos ordenamentos
jurídicos. Desta forma o próximo a ser amado se apresenta “em sociedade”. Portanto, “[...]
47
organizar e estruturar a sociedade de modo que o próximo não venha encontrar-se na miséria
[...]” é ação caridosa (DSI, n. 207).
Percebe-se, com nitidez, pela DSI, que a caridade é bem mais ampla do que
aquela “caridade” praticada corriqueiramente: dar esmolas, ter pena, ajudar para se livrar do
pobre ou ainda para aliviar a própria consciência. A caridade cristã é contrária à ação de doar
para aliviar a consciência de quem explora o próximo. Um exemplo contundente desta
afirmação encontra-se no Sermão Contra os Usurários, de Gregório de Nissa
12
.
Talvez dês esmolas. Mas, de onde as tiras, senão de tuas rapinas cruéis, dos
sofrimentos, das lágrimas e dos suspiros? Se o pobre soubesse de onde vem o teu
óbolo, ele o recusaria porque teria a impressão de morder a carne de seus irmãos e
de sugar o sangue de seu próximo. Ele te diria estas palavras corajosas: não sacies a
minha sede com as lágrimas de meus irmãos. Não dês ao pobre o pão endurecido
com os soluços de meus companheiros de miséria. Devolve a teu semelhante aquilo
que reclamaste e eu te serei muito grato. De que vale consolar um pobre, se tu fazes
outros cem? (NISSA, G. apud FREIRE, 1983, p. 31).
A exortação de Gregório de Nissa remete ao centro da verdadeira ação
caridosa. Para ser caridade é preciso que antes não tenha sido exploração ou injustiça.
Uma das facetas da caridade é a promoção humana, que está essencialmente
ligada à evangelização:
Laços de ordem antropológica dado que o homem a ser evangelizado não é um ser
abstrato, mas é sim um ser condicionado pelo conjunto de problemas sociais e
econômicos; laços de ordem teológica, porque não se pode nunca dissociar o plano
da criação do plano da Redenção, um e outro a abrangerem as situações bem
concretas da injustiça que há de ser combatida e da justiça a ser restaurada; laços
daquela ordem eminentemente evangélica, qual é a ordem da caridade: como se
poderia proclamar o mandamento novo, sem promover na justiça e na paz o
verdadeiro e autêntico progresso do homem? (Pontifício Conselho Justiça e Paz,
2005, n. 66).
12
Gregório de Nissa (Cesaréia, Capadócia 335-345): Teólogo, místico e escritor cristão. Padre da Igreja e
irmão de Basílio Magno, faz parte, com este e com Gregório Nazianzeno, dos assim denominados Padres
Capadócios, Deixou vários escritos, de diferentes natureza; entre estes há discursos e homilias de natureza moral
e dogmática, como o Sermão contra os Usurários. (ALTANER, 1951, p. 220).
48
No documento do Pontifício Conselho Justiça e Paz (na DSI), temos uma
apresentação sólida das bases do ensinamento e do julgamento da Igreja a respeito das
diferentes dimensões que constituem a vida dos homens e das mulheres. O exposto sobre a
DSI compõe o substrato sobre o qual a PCç pauta suas ações político-educativas.
A guisa de conclusão se pode dizer que a DSI, fundamentada na antropologia
cristã, na teologia e na prática pastoral, afirma que a pobreza impede a construção do
humanismo pleno, perseguido pela Igreja e que a propriedade privada tem uma função social.
Postula que o Estado deve regular juridicamente o mercado, de modo que nem existam o
monopólio econômico, nem o assistencialismo que estimulem a dependência ou a indigência.
Considera os pobres como sujeitos e não como objetos. Defende os princípios de
subsidiariedade e solidariedade a serem respeitados e aplicados pelo Estado sempre que
necessários.
Considera-se, entretanto, que os ensinamentos da DSI colocando-se nas vias
de transformação da sociedade, sem exclusão da caridade, são moderados. Exatamente por
isso, a DSI é capaz de dialogar com a diversidade da comunidade humana, estimulando a
prática real da fraternidade, inclusive entre os contrários. Cada conferência episcopal, ou os
bispos de uma região aplicam esses ensinamentos, na prática pastoral, de acordo com a
realidade onde estão inseridos.
A Igreja, na América Latina e no Caribe, encontra em seus milhões de
pobres, a fisionomia do Cristo pobre. Por isso, o Conselho Episcopal Latino-Americano
(CELAM), tentando interpretar a DSI, historicamente vem, favorecendo uma prática pastoral
de opção pelos mais pobres. Tal opção tem na Conferência de Medellín, e na Conferência de
Puebla sua expressão maior. Em alguns aspectos, os textos resultantes dessas duas
conferências, testemunham uma das mais comprometidas versões mundiais da DSI. O texto
oficial das Conclusões da Conferência de Puebla (realizada no México em 1979) faz
49
denúncias, exorta à conversão pessoal e pede a transformação profunda das estruturas que
causam a pobreza:
Ao analisar mais a fundo tal situação, descobrimos que esta pobreza não é uma
etapa casual, mas sim o produto de determinadas situações e estruturas econômicas,
sociais e políticas, embora haja também outras causas da miséria. A situação interna
de nossos países encontra, em muitos casos, sua origem e apoio em mecanismos
que, por estarem impregnados não de autêntico humanismo, mas de materialismo,
produzem em nível internacional os ricos, cada vez mais ricos, às custas de pobres
cada vez mais pobres. Esta realidade exige, portanto, conversão pessoal e
transformações profundas das estruturas que correspondam às legítimas aspirações
do povo a uma verdadeira justiça social; tais mudanças ou não se deram ou têm
sido demasiado lentas na AL. (CELAM, 1979, n. 30).
A desigualdade crescente entre ricos e pobres é contrária ao plano de Deus. E
constitui um pecado social:
Vemos, à luz da fé, como um escândalo e uma contradição com o ser cristão a
brecha crescente entre ricos e pobres. O luxo de alguns poucos se converte em
insulto contra a miséria das grandes massas. Isto é contrário ao plano do Criador e à
honra que lhe é devida. Nesta angústia e dor, a Igreja discerne uma situação de
pecado social, cuja gravidade é tanto maior quando se dá em países que se dizem
católicos e que têm a capacidade de mudar: “que se derrubem as barreiras da
exploração... contra as quais se estraçalham seus maiores esforços de promoção
(João Paulo II, Alocução Oaxaca 5 AAS LXXI p. 209). (CELAM, 1979).
Admite-se, contudo, que o próprio Documento de Puebla possa apresentar
contradições. Como todo documento conclusivo, Puebla não está isenta da presença de
diferentes hermenêuticas, que, sob as diferenças expressadas nos debates acalorados, à hora
da redação conclusiva procuram pelo consenso.
De acordo com o Documento de Aparecida
13
o CELAM reafirma a opção
preferencial pelos pobres:
Comprometemo-nos a trabalhar para que a nossa Igreja Latino-americana e
Caribenha continue sendo, com maior afinco, companheira de caminho de nossos
irmãos mais pobres, inclusive até o martírio. Hoje queremos ratificar e potencializar
a opção preferencial pelos pobres feita nas Conferências anteriores. Que seja
13
Documento oficial da última Conferência do Episcopado Latino-americano e Caribenho realizada em
Aparecida-SP, em maio de 2007.
50
preferencial implica que deva atravessar todas as nossas estruturas e prioridades
pastorais. A Igreja latino-americana é chamada a ser sacramento de amor,
solidariedade e justiça entre nossos povos. (AP. 396).
A Igreja no Brasil, com uma positiva liderança da CNBB, não foge desse
perfil; ao contrário, lidera mesmo o mundo ocidental, na busca de fidelidade a um processo
histórico. A DSI torna a PCç uma ação político-educativa singular com exigências próprias.
2.1.2 A Igreja no Brasil e as Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora
A PCç está inserida numa história de compromisso e prática sócio-pastoral
junto aos pobres por parte da Igreja no Brasil, como abaixo é atestado.
A CNBB tem uma longa história de práxis pastoral junto aos pobres,
marginalizados, migrantes, camponeses e outros grupos minoritários da população brasileira.
Com fundamentação na DSI, a Igreja Católica no Brasil
14
, baseada nos Planos de Pastoral de
Conjunto (1962 e 1966)
15
, se comprometeu com as decisões tomadas nos dois encontros
episcopais da América Latina de Medellín (1968) e de Puebla (1979).
Foi em 1964, durante a realização do Concílio Vaticano II, e já inspirada no
próprio sopro de renovação provindo do Concílio, [...] “que a Assembléia Geral da CNBB,
realizada em Roma, assumiu o Planejamento Pastoral como seu instrumento metodológico de
renovação”. (AZEVEDO, 2004, p. 112). O Planejamento Pastoral se tornou o Plano de
Pastoral de Conjunto (PPC). Através dessa metodologia (a pastoral de conjunto) a Igreja
historicamente vem procurando uma inserção cada vez maior na sociedade civil e buscando
aproximar a prática pastoral aos movimentos sociais.
14
Já afirmado, a Igreja não é uma instituição monolítica. Há tendências e até divergências intra-eclesiais,
principalmente no plano político. Essas tendências e divergências perpassam todo o povo de Deus, desde os fiéis
até os arcebispos e cardeais.
15
Atualmente denominado de Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil.
51
Segundo Azevedo (2004, p.118), a Igreja Católica, constituída em fator de
poder, já não busca mais exercê-lo de forma direta. No entanto, age fundamentada em sua
mensagem religiosa procurando influenciar a sociedade e, sobretudo, influir na política. Esse
autor considera o papel da CNBB na política brasileira como fruto histórico da construção de
uma identidade eclesial específica: o rosto da Igreja Católica no Brasil e na América Latina.
Pode-se dizer o “rosto da Igreja dos pobres”.
Souza (2004, p. 78), ao fazer uma retrospectiva da atuação da Igreja no
Brasil, aponta o ano de 1922 como o momento em que ressurge, de uma forma nova e
marcante, a presença de católicos no mundo da cultura. Ele também destaca a participação de
dirigentes cristãos no Movimento de Cultura Popular do Recife, nas primeiras experiências do
Método de Paulo Freire, bem como destaca a participação da CNBB na criação do
Movimento de Educação de Base (MEB) através de um convênio firmado com o Ministério
da Educação, no ano de 1960. Foi um período significativo na história da educação popular. O
MEB, organismo da CNBB, criado em 1960, realiza atividades de educação popular à luz do
método ver, julgar e agir
16
e dos princípios filosófico-pedagógicos de Paulo Freire.
Ao longo dos anos seguintes, alguns bispos tomaram a frente na realização
desses projetos, aliando-os aos seus pronunciamentos e às suas práticas pastorais, e se
tornaram conhecidos como “bispos progressistas” por ampla parcela do povo brasileiro. Além
dos bispos, muitos presbíteros e leigos foram atuantes na vida política e universitária e se
tornaram importantes na caminhada que a Igreja ia fazendo. Jamais serão omitidos nomes
como estes: D. Hélder Câmara, D.Cândido Padim, D. Tomaz Balduíno, D. Paulo Evaristo
Arns, Alceu Amoroso Lima, Pe. José Marins, Pe. José Comblin.
16
As informações foram obtidas no site do MEB.
52
Conforme os moldes da DSI, as Diretrizes Gerais (CNBB, 2004, doc.n. 71),
enfatizam princípios e critérios e para a ação pastoral da Igreja Católica no Brasil. De acordo
com Azevedo para a CNBB a essência da democracia está,
[...] em uma certa homogeneidade social, caracterizada pela inexistência de grandes
abismos entre as classes sociais e em um sistema econômico capaz de dar respostas
positivas às reivindicações das várias classes, ainda que tais respostas sejam
graduais. (AZEVEDO, 2004, p. 114 ).
Entende-se que esta afirmação leva em conta um aspecto fundante para que,
de fato, uma sociedade seja considerada democrática: seu sistema econômico. Este deve ser
avaliado se bom ou se mau, de acordo com sua capacidade de responder às necessidades de
sua população. A má distribuição de renda praticada no Brasil foi vista há muito tempo como
um disparate à condição humana.
As pastorais sociais são organizadas de modo a envolverem os diferentes
níveis da jurisdição eclesiástica (arquidiocesano, diocesano, e paroquial) e são constituídas
por leigos, por religiosos e pelo clero. Essas pastorais procuram promover e defender a vida
humana em todos os aspectos. As ações das pastorais sociais abragem os diferentes grupos
sociais e incluem a diversidade étnica cultural e sócio-econômica da população brasileira.
Grupos que são vítimas da exclusão social. Atualmente, no sociograma da CNBB são onze as
pastorais sociais: pastoral do menor, da terra, operária, da saúde, da criança, dos pescadores,
dos migrantes, do povo de rua, da mulher marginalizada, dos nômades, e pastoral carcerária.
Sendo processo de reflexão-ação-reflexão, a práxis pastoral está situada
numa determinada realidade concreta que, por sua vez, está condicionada às limitações da
política, da economia, da cultura, da educação e da religião. Em outras palavras, também a
ação eclesial está inserida num contexto histórico-temporal.
53
Atualmente se entende que o episcopado brasileiro, na sua maior parte, é
bem menos progressista do que vinte anos atrás. Contudo, é uma Igreja que cotidiana, e
oficialmente, procura promover, defender e concretizar a dignidade da vida humana, com uma
opção evangélica pelos pobres. Conforme indicam as Diretrizes Gerais da CNBB (Documento
71, n. 38), uma das faces do amor cristão é o [...] “serviço aos pobres, o cuidado para com os
sofredores, o socorro a todos os que precisam, sem discriminação”. Esta opção pelos pobres
se concretiza de várias formas, seja no apoio aos movimentos sociais, seja nas práticas das
pastorais sociais, seja também nas Comunidades Eclesiais de Base (CEBs). A Pastoral da
Criança é uma das expressões dessa opção preferencial pelos pobres.
Os atuais bispos brasileiros, em sua maioria, são bispos moderados. Se não
são considerados bispos progressistas, também não são, em tudo, conservadores. Os bispos
moderados podem ser identificados por uma prática pastoral que procura um certo equilíbrio,
na ação interventora nos conflitos de interesses econômicos, políticos e culturais da totalidade
da sociedade brasileira, mesmo na formação social ao seu redor.
Considera-se que a moderação é mais eficaz para a transformação do que
posições extremadas que podem levar a perder todos os bons efeitos que a práxis já tenha
alcançado. A transformação não se dá da noite para o dia. Transformação é processo; então, o
importante é não perder o rumo da caminhada e o porquê de se caminhar.
54
2.2 A PASTORAL DA CRIANÇA
Esta seção apresenta a história, a organização, as ações e as finalidades da
PCç. Destaca os aspectos educativos da pedagogia da PCç, principalmente a metodologia e os
instrumentos didáticos empregados. Apresenta alguns dados da pesquisa de campo; contudo,
o maior número das informações aqui apresentadas provém da pesquisa bibliográfico-
documental.
2.2.1 Definição e abrangência
A PCç é um organismo da ação social da Conferência Nacional dos Bispos
do Brasil (CNBB). Através do trabalho voluntário, atua junto às comunidades carentes
situadas nos bolsões de miséria espalhados por todas as dioceses do Brasil, levando ações
educativas nas áreas de saúde, de nutrição, de cidadania e de educação. A fundadora, Zilda
Arns Neumann, afirma:
A Pastoral da Criança é uma experiência diferente e inovadora, que usa tecnologia
barata e simples para salvar vidas. Ecumênica cada vez mais, a Pastoral da Criança
é uma organização não-governamental que se torna conhecida por sua luta e pelos
resultados contra a desnutrição, a mortalidade infantil e a violência nas famílias.
(NEUMANN, 2000, p. 83).
De acordo com Landim (1998, p. 216-217) ainda não há uma definição do
termo ONG e tampouco existe dispositivo jurídico que explicite sua classificação. Contudo, o
termo “[...] possui densidade enquanto conceito sociologicamente elaborado”. Para a autora,
pode ser apresentado como categoria construída na prática social. O termo que ainda não tem
classificação pelos filólogos, “[...] situa-se justamente num ponto do caminho que vai da
55
caridade pessoalizada à ação pública governamental, não se confundindo com nenhuma
delas”.
Diante do exposto, a PCç pode ser considerada uma ONG de caráter
educativo e social, uma vez que suas ações possuem aspectos educativos e estão inseridas no
contexto das comunidades populares. Porém, pelo fato de ser ligada à Igreja, é essencialmente
uma “pastoral” e faz parte do Plano de Pastoral de Conjunto da Igreja, integrando o número
das demais pastorais sociais. Esta ação pastoral faz parte da missão de evangelização, uma
função precípua da Igreja, como refere Junqueira (2003, p. 29):
A presença ativa da Igreja no mundo, quando em conformidade com o Evangelho, é
designada evangelização. Dentro do processo de evangelização estão as mais
variadas formas de ações humanas. Um cuidado em dar a estas ações o sentido
cristão, de forma organizada e progressiva, nos mais variados
ambientes e
situações, chama-se pastoral.
Vale lembrar que o termo pastoral é derivado da palavra pastor numa
referência à citação bíblica
17
do Evangelho de João 10, 11, texto no qual Jesus se identifica
como o bom pastor, aquele que dá a vida pelas suas ovelhas, e os que se dispõem a seguí-lo, e
com ele aprender, também vão dando a sua vida para que os pobres cheguem a ter vida. É
nessa perspectiva que a PCç se entende enquanto instituição. Pelo exposto, se considera que a
PCç apresenta várias facetas já em sua conceituação, um processo sem dúvida complexo.
Quanto à abrangência, a organização da PCç cobre todo o território
brasileiro. A distribuição geográfica da PCç que tem sido apresentada conforme o Anexo n.2,
tem por base a jurisdição eclesial (Bloco 1) e a estrutura governamental brasileira (Bloco 3),
desse modo, a PCç possui uma estrutura sistêmica (Bloco 2). A relação entre as três estruturas
possibilita uma ágil articulação nas ações realizadas e no estabelecimento de parcerias.
17
. A tradução utilizada é da Bíblia de Jerusalém.
56
Facilita igualmente o controle das ações realizadas e a transparência na prestação de contas.
Esta transparência pode ser verificada no site da PCç.
A nomenclatura utilizada pela PCç, primeiramente de caráter mais eclesial
(província, setor e paróquia), atualmente se apresenta mais laica (coordenação estadual,
núcleo, coordenação de setor e coordenação de ramo), revelando seu caráter público.
2.2.2 História
A Pastoral da Criança
18
tem sua origem em 1982, a partir de uma reunião da
Organização das Nações Unidas (ONU) em Genebra. O então diretor executivo do Fundo das
Nações Unidas para a Infância (UNICEF), James Grant, propôs a D. Paulo Evaristo Arns, na
época cardeal arcebispo de São Paulo, que a Igreja Católica poderia ajudar a reduzir a
mortalidade infantil no Brasil através de ações básicas e de baixo custo, ensinando as mães a
prepararem o soro caseiro.
De volta ao Brasil o cardeal Arns propõe à sua irmã Zilda Arns Neumann,
médica sanitarista que trabalhava no serviço público de saúde do Estado do Paraná, que
elaborasse um projeto piloto. Um novo tipo de trabalho foi iniciado na Arquidiocese de
Londrina no Paraná, na cidade de Florestópolis, no ano de 1983, sob a coordenação da Dra.
Zilda Arns (forma como é chamada tanto pelos integrantes da PCç ou, mais amplamente, pela
população brasileira).
[...]em primeiro lugar eu era funcionária pública da Secretaria de Saúde Estadual do
Paraná.Então para eu sair para outro estado, eu teria que pedir licença cada vez e
teria que sair no Diário Oficial. Então descartei fazer o projeto piloto em outro
estado. Em segundo lugar, D. Geraldo Majella Agnelo era arcebispo de Londrina, e
D. Paulo Evaristo Arns, cardeal, meu irmão, me aconselhou que o bispo me
18
Disponível em http://pastoraldacriança.org.br acessado em 11/03/06.
57
acompanhasse nesta implantação e implementação da PCç. E ele aconselhou que
fosse D. Geraldo porque era ainda ditadura, época de ditadura e a Igreja estava
assim, dividida direita e esquerda. Dom Geraldo se dava bem com as duas áreas.
Ele era assim neutro, moderado, sempre trabalhava com um e com outro. E eu
também já conhecia D. Geraldo, porque quando fiz o concurso de Saúde Pública,
educação em saúde, foi em 77 na USP, eu morava na casa de D. Paulo e uma vez
por semana D. Geraldo almoçava com D. Paulo porque ele era coordenador das
pastorais sociais. Então eu já tinha certa amizade com ele. E ele disse: bom,
gostaria de começar na minha Diocese, porque, como eu fui designado para
acompanhar a PCç, tenho mais ascendência na minha própria diocese. E onde
começar na diocese? Nós temos aqui, em Londrina um padre que é muito
interessado da área social; e me disse qual o lugar. Daí eu disse o seguinte, olha, fiz
um levantamento da mortalidade infantil do Paraná e, daqui da arquidiocese o
município de Florestópolis é onde morrem mais crianças com menos de um ano.
Então, tem outra vantagem porque o município só tem o tamanho da paróquia.
Então, se eu conseguir abranger toda a paróquia eu estou abrangendo todo o
município e posso comparar os meus dados com os dados oficiais. Então já me
diminuiu o trabalho, porque uma pesquisa sobre mortalidade é cara e eu não tinha
dinheiro. Então ele concordou e coincidiu muita coisa. A irmã, que era
coordenadora da paróquia lá, era vigária da paróquia porque não havia padre que
agüentasse lá, porque era um município difícil na área da Igreja, porque quem
mandava e desmandava em tudo eram as usinas. Então pagavam as creches,
pagavam as professoras, pagavam tudo e mandavam. Não se implantava nada sem
as licenças das usinas. Então ele disse: se der certo lá, vai dar certo em qualquer
parte do mundo, porque é realmente um município difícil. (Entrevista em
10/2007)
19
A escolha do município de Florestópolis justifica-se em uma congruência de
motivos de ordens pessoal, administrativa, político-eclesiástica e justifica-se também no fato
de Florestópolis ser o município com o maior índice de mortalidade infantil pertencente à
Arquidiocese escolhida para a execução do projeto piloto.
3.2.3 Estrutura Organizacional e Financeira
O organograma da PCç
20
revela a hierarquia, as linhas de responsabilidades e
de atuação dos integrantes da Pastoral. Vê-se que sua estrutura organizacional revela
verticalidade nas relações de poder, com os cinco níveis de coordenação e o conselho diretor.
Simultaneamente, demonstra também horizontalidade devido aos cinco níveis de assembléias.
19
Em entrevista concedida à pesquidadora em 01/08/07, na sede nacional da PCç, em Curitiba.
20
Anexo n. 3.
58
As assembléias são realizadas pelo Conselho de Representantes dos
beneficiários (das famílias/mães atendidas) e dos agentes voluntários (líderes/coordenadores),
conforme indica a legenda. Os cinco níveis das assembléias permitem aferir que as relações e
a distribuição de poder possibilitam a eqüidade de participação e de decisão.
A escolha das coordenadoras dos diversos níveis se dá pela votação em lista
tríplice. Isto é, todas as coordenadoras do nível são elegíveis pelos seus pares. Elas votam
secretamente em três nomes. Das três mais votadas, uma assume o cargo, geralmente a que
obteve o primeiro lugar. É o padre da paróquia quem escolhe uma dentre as três indicadas.
Segundo informações levantadas durante este estudo/pesquisa, o padre procura respeitar a
ordem de escolha; pode, porém, escolher qualquer uma delas, inclusive a menos votada.
De acordo com o quadro Fonte de Recursos
21
, muitas são as origens dos
recursos financeiros da PCç. São oriundos de empresas privadas, de indivíduos e de
associações, constituindo-se em diversas doações. Entretanto, o principal recurso financeiro
vem da União por meio dos Ministérios da Saúde, da Educação e do Desenvolvimento.
2.2.4 Finalidade e ações realizadas
O objetivo central da organização é diminuir a mortalidade infantil e o
principal instrumento de ação é a educação junto às famílias. A PCç realiza ações de natureza
educativa, tais como: prevenção de doenças, vigilância e educação nutricional, educação para
a cidadania com o incentivo à organização e articulação comunitária, manutenção de
programas de comunicação em rádios e em jornais. As ações educativas se dirigem
precipuamente às gestantes, às lactentes e às mães com crianças de até seis anos de idade.
21
Conforme Anexo n. 2. E, na figura 1 em apêndice uma integrante da Equipe de Coordenadora da Diocese de
Ponta Grossa realiza o pagamento das despesas de viagem dos coordenadores paroquiais (ou de ramo).
59
A base de todo o trabalho da PCç são as famílias e sua comunidade. Para isto
capacita as líderes
22
voluntárias (a maioria delas residentes na própria comunidade), a fim de
orientarem as famílias para que dêem melhores cuidados aos filhos.
Na prática social cotidiana, são três as principais ações educativas. A
primeira ação caracteriza-se pelas visitas domiciliares mensais - uma vez ao mês cada líder
visita as famílias por ela atendidas:
Na visita domiciliar o líder tem a oportunidade de conversar sem pressa com a gestante,
os pais e familiares da criança. Com isso, ele pode conhecer melhor a situação de vida
das crianças e as necessidades das famílias, para poder ajudá-las. Desse modo, ele
também ajuda a reforçar laços de confiança e amizade entre eles. (Guia do Líder, p. 17).
Na visita mensal a líder escuta, troca experiências, ensina. Neste
momento ela registra no Caderno do Líder da Pastoral da Criança
23
todos os indicadores
de saúde e nutrição de cada gestante, de cada lactente e de cada criança acompanhada. A falta
de atendimento do Serviço de Saúde e as ocorrências de mortes também são registradas
24
.
A segunda ação da PCç refere-se ao dia do peso. É o dia em que as mães,
seus filhos e suas líderes se reúnem para pesar todas as crianças; é também chamado o Dia da
Celebração da Vida. Com periodicidade mensal, neste momento são preparados e servidos
alimentos às mães e suas crianças, às gestantes e às lactentes. Uma equipe formada por
simpatizantes da PCç, chamada Equipe de Apoio, prepara tal refeição. Nesse dia, acontecem a
pesagem de cada criança e momentos para a oração e interiorização. Em muitas comunidades
há palestras abordando temas que tratam de assuntos como saúde, educação e cidadania.
22
A maioria dos integrantes da PÇ são mulheres; por isso, mesmo existindo alguns homens que são líderes e/ou
coordenadores a pesquisadora optou pelo termo no feminino: as líderes/a líder.
23
Sobre o Caderno do Líder ver a página 66.
24
Anexo n. 4
60
Normalmente, as palestras são realizadas por profissionais ou estudantes contatados pela líder
da comunidade.
25
A terceira ação da PCç diz respeito às reuniões de Reflexão e Avaliação.
Uma vez por mês, os líderes se reúnem para avaliar o trabalho realizado no mês anterior e
para definir os novos encaminhamentos necessários. Nesse momento são preenchidas as
Folhas de Acompanhamento e Avaliação Mensal das Ações Básicas de Saúde e Educação na
Comunidade (FABS). As FABS
26
registram os indicativos de saúde e de nutrição de
gestantes, lactentes e crianças acompanhadas. Cada paróquia ou ramo envia FABS,
mensalmente, à Coordenação Nacional. As FABS contêm os resultados estatísticos das ações
e programas desenvolvidos em cada paróquia/ramo.
O programa das três ações básicas é constituído por um conjunto de ações
voltadas para a sobrevivência, o desenvolvimento integral da criança, a melhoria de vida das
famílias carentes nas dimensões física, material e espiritual e, enfim, por atividades para gerar
maior igualdade de oportunidades, justiça e paz na comunidade. Especificamente, as ações de
apoio integral às gestantes e às mães incluem: incentivo ao aleitamento materno, educação
para alimentação enriquecida e vigilância nutricional, controle de doenças diarréicas, controle
de doenças respiratórias, explicações sobre remédios caseiros, estímulo à vacinação de rotina
das crianças e das gestantes, brinquedos e brincadeiras, prevenção de acidentes domésticos,
educação para a paz, prevenção de doenças sexualmente transmissíveis, saúde bucal e
catequese desde o ventre materno até os seis anos de idade
27
.
Para ampliar o suporte oferecido às famílias e à comunidade, a PCç
desenvolve os seguintes projetos, alguns considerados complementares às suas ações básicas
e outros opcionais: alfabetização de jovens e adultos, programa de geração de renda,
25
Cf. fig. 8 em apêndice.
26
Anexo n. 5.
27
A catequese, do ventre materno aos seis anos de idade, é uma orientação às mães sobre o valor da vida, no
sentido de concebê-la como dom de Deus e, portanto, merecedora de todo o esforço para preservá-la.
61
participação no controle social, pequenas rodas de conversa, projeto Criança Viva, programa
de segurança alimentar, planejamento familiar natural, terceira idade e comunicação social. A
mola propulsora do trabalho é a própria fé cristã na sua articulação com a vida.
2.2.5 Formação e Metodologia da Pastoral da Criança
Para realizar suas ações e programas a PCç mantém seus integrantes em
constante processo de formação por intermédio de encontros, cursos, oficinas e palestras a fim
de melhor capacitar as pessoas envolvidas. A concepção pedagógica da PCç é clara na
diferenciação entre formação e capacitação. A segunda está a serviço da primeira.
A capacitação é entendida como ação pedagógica que tem por objetivo tornar
as pessoas capazes de realizar as atividades da PCç. Para tanto, a Pastoral elabora e distribui
materiais educativos definidos para cada capacitação específica. São os seguintes os
principais programas de capacitação: Guia do Líder, Brinquedos e Brincadeiras,
Articuladores, Missão e Gestão, Alfabetização de Jovens e Adultos e Comunicadores. No
encaminhamento metodológico das atividades da PCç, o diálogo entre os participantes ocupa
espaço central e o ensino contempla momentos de prática-teoria-prática-teoria. Vê-se que a
prática sócio-educativa é o motivo da aprendizagem e é a teoria que se volta para ela. As
turmas são compostas, em média, por vinte participantes. As oficinas são para
aperfeiçoamento dos conteúdos trabalhados nas capacitações iniciais
28
.
O processo de formação das integrantes da PCç é amplo, procurando
envolver as diversas dimensões da vida humana: espiritual, emocional, biológica, cognitiva,
sócio-cultural e política. Com fundamentação no Evangelho, propicia a vivência da mística
cristã que envolve fé, vida pessoal e comunitária.
28
Ver fig. 10 em apêndice.
62
Os estudos promovidos pela PCç promovem ações como decodificar os
conhecimentos científicos das áreas de saúde, nutrição, educação e cidadania, necessários à
educação da gestante, da lactente e dos seus filhos. Os estudos relacionam os conhecimentos
científicos decodificados com o saber popular, construindo coletivamente um novo saber,
“científico-popular”, significativo para as líderes e as famílias acompanhadas. Os estudos
contribuem para a transformação da realidade sócio-econômica e política através do processo
de conscientização a respeito dos direitos sociais básicos (Cap.2, art. 6 º da Constituição
Brasileira e art. 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente).
As atividades de formação e de capacitação são ministradas por três equipes:
Equipe Nacional de Capacitação, Equipe de Multiplicadores, e Equipe de Capacitadores. As
equipes são constituídas de pessoas integrantes da PCç. Algumas dessas pessoas possuem
conhecimentos técnicos, outros são somente capacitados e ensinam aos demais o que
apreenderam. As ações das três equipes são assim distribuídas:
a) Equipe Nacional de Capacitação. Multidisciplinar, é constituída por
profissionais técnicos da Coordenação Nacional e também é acrescida de
pessoas escolhidas nas capacitações realizadas nas demais esferas do
organograma da PCç. A equipe tem por função formar e acompanhar a
equipe de multiplicadores.
b) Equipe de Multiplicadores. É constituída por técnicos da Coordenação
Estadual e dos Setores (dioceses) e tem por função capacitar os
capacitadores.
c) Equipe de Capacitadores. É constituída por pessoas que atuam no
setor/diocese e que foram formadas pelos multiplicadores; os
capacitadores são responsáveis em capacitar os líderes que atuam na
base, ou seja, na comunidade.
63
Sempre que possível, as capacitações são realizadas por uma dupla de
capacitadores/multiplicadores. Entende-se que a opção por esta metodologia é eficaz para a
consecução dos objetivos da prática educativa, pois, em dupla, os multiplicadores e/ou
capacitadores podem trocar idéias, preencher as possíveis falhas momentâneas do
companheiro, e atender melhor as necessidades individuais dos participantes.
A metodologia da PCç foi inspirada no Evangelho de João, na passagem da
multiplicação dos cinco pães e dos dois peixes. Esta passagem acentua a perspectiva da
capacitação dos líderes comunitários para a tarefa de multiplicar o saber e a solidariedade. As
palavras da Dra. Zilda Arns colaboram para melhor compreensão da metodologia criada para
o trabalho da PCç:
Surgiu-me a idéia de seguir a metodologia que Jesus aplicou no episódio do milagre
da multiplicação de cinco pães e dois peixes, que saciaram a fome de cinco mil
homens, como narra o Evangelho de São João. Os discípulos disseram ao Mestre
Jesus Cristo: “è melhor que o povo se vá, porque está chegando a noite e estão com
fome.” Ele disse: “Dai-lhes vós de comer”. “Como?” Só tinham dois peixes e cinco
pães. O Mestre mandou que o povo se organizasse em comunidades de cinqüenta
ou cem pessoas sobre a relva verde e pediu que os discípulos trouxessem o que
tinham. Jesus abençoou os cinco pães e os dois peixes e mandou distribuí-los entre
o povo; depois mandou verificar se todos estavam satisfeitos, e ainda sobraram
doze cestos de restos de comida. (Jo 6, 1-15) Adaptei essa metodologia do milagre
ao projeto, ao organizar as comunidades e identificar líderes que, capacitados com o
espírito de fraternidade cristã, multiplicavam o saber e a generosidade nas famílias
vizinhas. (NEUMANN, 2003, p. 65)
Entende-se que é preciso organizar a comunidade em grupos menores. Seus
integrantes são educados para se sentirem responsáveis uns pelos outros e são convidados a
partilharem o que são e possuem: seu tempo e sua vida. A explicação da Dra. Zilda Arns
retrata a educação para a solidariedade, a autonomia e a conscientização. São valores que a
PCç procura desenvolver em suas atividades.
64
2.2.5.1 O método “ver-julgar-agir-avaliar-celebrar”
A prática sócio-educativa da PCç se alicerça no método “ver-julgar-agir-
avaliar-celebrar”. Organizados em rede de solidariedade, de comunicação e de trabalho, seus
integrantes se doam em práticas e ações de natureza educativa, de modo simples, mas
intencional. A formação e capacitação para todos os integrantes é uma constante. O método
citado é de autoria de Joseph Cardijn, sacerdote, belga, fundador da Juventude Operária
Católica. O padre Cardijn elaborou um método que foi e ainda é base para a práxis pastoral
católica no Brasil. É um método de análise e prática social cujos passos se desenvolvem da
seguinte forma:
a) Conhecimento da realidade, da situação concreta onde se insere a ação
(VER).
b) Analisar a realidade verificada à luz da fé, principalmente à luz dos
textos bíblicos (JULGAR).
c) Planejar e executar as ações de modo a obter a transformação da
realidade (AGIR). Logicamente, este agir segue os critérios estabelecidos
no segundo momento do método, o momento do julgar.
Tendo em vista suas características de inserção na realidade e de análise, o
método possui um alto potencial para a práxis político-educativa na perspectiva da
transformação proposta pelo educador Paulo Freire, caracterizando-se como um método da
práxis. Na práxis pastoral católica, o método foi sendo gradativamente recriado e ampliado de
acordo com as reflexões que a própria práxis suscitava no interior de cada pastoral,
especialmente das pastorais sociais.
A práxis sócio-educativa da PCç acrescentou dois momentos que não são
arrolados no método original: o avaliar e o celebrar. O avaliar é o momento em que se retoma
65
o primeiro passo (VER), agora procurando pelos acertos e/ou erros para re-encaminhar as
ações da prática sócio-educativa; é o momento da avaliação diagnóstica. O celebrar
comemora os acertos realizados. É o momento em que as líderes renovam seu entusiasmo e
compromisso. São momentos de celebração a missa e as confraternizações, mas um lugar
especial cabe ao Dia de Celebração da Vida (ou dia do peso). Todas as celebrações incluem
refeições.
O método foi ensinado e vivenciado em todas as capacitações
acompanhadas. Especificamente, ele foi ensinado nas capacitações de Missão e Gestão e
Guia do Líder para as coordenadoras de setor (ou diocese).
2.2.5.2 Guias teórico-metodológicos.
A PCç possui livros que orientam as líderes para a ação junto às
comunidades fornecendo subsídios teóricos e práticos para a práxis sócio-educativa da PCç,
tanto para as capacitações (desenvolvidas pelos capacitadores), quanto para a execução das
atividades realizadas pelos líderes. São livros elaborados pela Coordenação Nacional da PCç,
especificamente por uma equipe técnica (pedagogo, nutricionista, médico, odontólogo e
psicólogo) e com a colaboração de consultorias externas à PCç. Os livros são semelhantes
aos livros paradidáticos do sistema escolar; mas o termo paradidático não é o melhor para
definir esses livros; considera-se que, metodologicamente, o termo que melhor representa
esses documentos é o conceito de guias teórico-metodólogicos
29
.
Os guias teórico-metodológicos que seguem foram analisados para este
estudo/pesquisa. O primeiro foi o Guia do Líder da Pastoral da Criança (CNBB.
29
A própria PCç nomeia um deles de Guia do Líder.
66
PASTORAL DA CRIANÇA. 9.ed. Revista e ampliada. Curitiba, 2007a. 304p. ilustrado. 20,5
cm x 27,5 cm). Após a apresentação, as nove primeiras páginas versam sobre a missão do
líder da PCç. O guia contém orientações minuciosas sobre como, porquê, para quê o líder
atua na PCç, e qual é o seu papel. O texto se divide em dezessete capítulos e aborda os temas
que seguem: gestação e seu desenvolvimento, cuidados e saúde da gestante, o nascimento e o
desenvolvimento do bebê. Os capítulos destinados ao desenvolvimento do bebê abordam
desde a primeira semana de vida até os seis anos de idade.
É através desse guia teórico-metodológico que são realizadas as
capacitações para ingressar na PCç. A capacitação é realizada em quinze etapas. A
metodologia da capacitação alia a teoria e a prática. A cada etapa da capacitação,
primeiramente acontece o estudo teórico e, depois, a aplicação prática dos conhecimentos
estudados.
O segundo guia foi o Caderno do Líder da Pastoral da Criança:
acompanhamento das gestantes e das crianças (CNBB. PASTORAL DA CRIANÇA. 3.ed.
Revista e ampliada. Curitiba, 2007b. 64p. ilustrado. 22,2 x 30,5cm). É um caderno-formulário
a ser preenchido pela líder da PCç, com o registro do acompanhamento mensal das gestantes e
crianças, realizado por meio das visitas domiciliares.
O caderno está dividido em quatro partes. A primeira parte é destinada ao
registro individual (inclusive o histórico do indivíduo na PCç e os dados pessoais), dos
indicadores de vida da criança e/ou da gestante. São várias as questões que se deve responder
mensalmente: a criança aumentou de peso? Mama no peito? Está desnutrida, com sobrepeso
ou obesidade? Teve diarréia ou outra doença? Qual? A criança foi levada ao Serviço de
Saúde? Se levada, foi atendida? A vacinação está em dia? No caso de acompanhamento da
gestante: qual é o mês da gestação? A gestante foi ao Serviço de Saúde para a consulta pré-
natal? Em caso afirmativo: Foi atendida? Teve sua altura medida?
67
Na segunda parte do caderno-formulário, há o registro dos casos de crianças
e/ou gestantes que não foram atendidas pelo Serviço de Saúde. São registrados os dados
pessoais, sintomas da doença, nome da líder que encaminhou, informes sobre a Unidade de
Saúde e o motivo alegado para o não atendimento.
A terceira parte é destinada ao registro de mortes ocorridas no mês. Além do
registro dos dados pessoais, são registradas as causas e a história da morte, se a criança ou
gestante tiveram ou não assistência médica e o acompanhamento da PCç; se houve
acompanhamento da PCç, é registrada a data de início do acompanhamento. Em caso de
morte de gestante solicita dados de acompanhamento da Pastoral desde a gestação até o
momento da morte.
Na quarta parte do caderno-formulário, é registrado o resumo dos
acompanhamentos feitos em cada mês. É a Folha de Acompanhamento e Avaliação Mensal
das Ações Básicas de Saúde na Comunidade (FABs). Nesta fase, não há um registro
individual, mas uma apresentação dos dados gerais da comunidade atendida pela líder em
questão. Através de tais registros, é controlado e atualizado, constantemente, o Sistema de
Informação da PCç.
Tanto o Guia do Líder quanto o Caderno do Líder são importantes para
orientar as líderes a respeito da visita domiciliar e para a organização e realização do Dia da
Celebração da Vida. Portanto, são os dois guias teórico-metodológicos básicos que orientam a
execução das ações básicas.
Há outros guias que orientam as demais ações, caracterizadas como ações
complementares. Entre eles, foram analisados os que são apresentados na seqüência deste
texto.
O primeiro, intitulado Brinquedos e Brincadeiras na Comunidade (CNBB.
PASTORAL DA CRIANÇA. Curitiba, 2005. 192p. ilustrado, 20,5 x 27,5 cm), serve de apoio
68
às capacitações e ao trabalho da brinquedista junto às crianças. O texto tem linguagem
simples e explica a finalidade e as justificativas do ato de brincar por parte da criança. Aborda
o brincar em diferentes formas: o faz-de-conta, jogos de encaixe e montagem, contação de
estórias, cantigas de rodas e brincadeiras cantadas. Também estão contemplados no texto o
desenhar, o pintar, o cantar e o dançar enquanto expressões. Aborda, ainda, o brincar como
um direito, citando o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) em seu capítulo II, art. 16.
Dá orientações práticas para a organização de oficinas de brinquedos com material reciclável.
Em uma seção específica, o texto expõe o papel e as atitudes da brinquedista e fornece
orientações para a montagem dos cantinhos numa brinquedoteca. Em anexo há uma lista de
brinquedos, uma lista de livros e moldes de bonecos e de bonecas.
Outro guia de orientação de ações da PCç, intitulado Participação e
controle social: texto-base do articulador da Pastoral da Criança junto ao Conselho de
Saúde (CNBB. PASTORAL DA CRIANÇA. Curitiba, 2003. 72p. ilustrado. 21 x 30cm),
tem por objetivo oferecer estratégias para que os líderes da PCç se envolvam com as políticas
públicas e com o controle e acompanhamento destas. Aborda a função do articulador de saúde
e fornece orientações para que este possa atuar junto aos Conselhos de saúde e junto à
comunidade e, apresenta indicadores a serem acompanhados pelo articulador, sendo eles: a
mortalidade infantil, a freqüência e a participação nas reuniões do Conselho, e a elaboração de
ações preventivas na família e na comunidade, quer seja pela PCç ou pelo Serviço de Saúde.
Através do método ver-julgar-agir-avaliar-celebrar, apresenta uma proposta de estudo (e ação)
sobre a mortalidade infantil. Acerca dos Conselhos de Saúde, o guia aborda definição,
finalidades, atividades e composição. Apresenta o perfil necessário para ser articulador, bem
como a Folha de Acompanhamento do Conselho de Saúde (FAC),
30
a ser preenchida
mensalmente e enviada ao Sistema de Informação da PCç. Em anexo, traz na íntegra o texto
30
Apresentada no anexo n. 6.
69
da Lei 8.080 de 19 de setembro de 1990, que dispõe a respeito da promoção, proteção e
recuperação da saúde e organização e funcionamento dos serviços de saúde. Também
apresenta a Lei 8.142 de 28 de dezembro de 1990, que dispõe sobre a participação da
comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde (SUS) e sobre transferências
intergovernamentais de recursos financeiros.
O último guia estudado foi Orientação sobre a Missão dos Coordenadores de
Ramo e de Área na Pastoral da Criança: documento preliminar (CNBB. PASTORAL
DA CRIANÇA. Curitiba, 2004, impresso em papel A4). É um texto apostilado destinado aos
coordenadores e versa sobre a natureza jurídica da PCç das suas relações com a CNBB e com
a República Federativa do Brasil. Descreve a prioridade das ações a serem realizadas e traz o
perfil do líder. Ensina a realizar a prestação de contas e ensina a elaborar relatórios.
Estabelece o estudo mensal contínuo das situações das crianças e gestantes acompanhadas na
comunidade, para a avaliação e (re)planejamento contínuo das ações. Apresenta o
organograma da PCç e aborda os objetivos da formação e da capacitação. Aborda também as
Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da CNBB no que tange às ações e os objetivos da
PCç.
2.3 O ESTADO DO CONHECIMENTO ACERCA DA PASTORAL DA CRIANÇA NO
BRASIL: UMA REVISÃO DE LITERATURA
Esta revisão de literatura busca dar um panorama, certamente parcial, do
estado do conhecimento acerca da PCç, especialmente acerca da perspectiva educativa da
PCç. São citados, comentados e classificados diferentes textos que versam sobre a PCç,
70
textos informativos, históricos e científicos. Estes últimos foram obtidos no Banco de Dados
CAPES.
Percebe-se que o interesse em pesquisar as ações da PCç tem sido maior nas
Ciências Biológicas e da Saúde, isso porque suas atividades se iniciaram com ações básicas
de orientação para a saúde junto às comunidades carentes.
Há pesquisas que abrangem, ainda, outras diferentes áreas do conhecimento.
Em consulta ao banco de dados da CAPES, foram encontradas vinte e uma pesquisas acerca
da PCç, dentre elas vinte dissertações de Mestrado e uma tese de Doutorado. Esta revisão
apresenta, ainda, três livros que tratam da PCç. Um deles é o resultado de uma das
dissertações encontradas. Há, também, um artigo que integra um livro de edição coletiva. Ao
todo, são vinte e cinco títulos consultados e analisados, os quais foram produzidos entre os
anos de 1994 e 2006.
A análise das pesquisas encontradas foi feita através dos resumos obtidos no
banco de dados da CAPES. Com respeito à bibliografia restante a análise considera cada
texto completo.
Para a apresentação da bibliografia, optou-se pela seguinte classificação: a
primeira classificação situa as pesquisas nas diversas áreas do conhecimento; a segunda,
com uma abordagem geográfica, indica a localização das pesquisas realizadas; a terceira
revela quantas pesquisas foram financiadas; a quarta indica, nas pesquisas realizadas, os
referenciais teóricos e metodológicos; e a quinta analisa o conteúdo a partir dos objetivos e
dos resultados da pesquisa.
Dentre as pesquisas encontradas no banco de dados da CAPES, a quantidade
de trabalhos elaborados nas diferentes áreas do conhecimento e os respectivos autores de
cada área assim se apresentam:
71
a) Ciências Biológicas e da Saúde (oito) - Souza (2003), Neumann (1997),
Carneiro (1997), Veloso (1998), Paula (2004), Alva (1999), Ávila
(1999) e Stucky (1999);
b) Sociologia (três) - Silva (1994), Santana (2000) e Horochovski (2000);
c) Serviço Social (duas) - Paiva (1996), Soares (2002);
d) Administração (duas) - Fernandes (2004) e Carvalho (2004);
e) Comunicação (uma) - Faxina (2001);
f) Tecnologia (uma) - Araújo (2004);
g) Ciências Agrárias (uma) - Oliveira (2003);
h) Ciências da Religião (uma) - Brolhani (2004);
i) Ciências da Linguagem (uma) - Lira (2004);
j) Ciências Políticas (uma) - Barros (2000).
A pesquisa educacional foi o último campo do conhecimento a manifestar
uma curiosidade científica pela Pastoral da Criança, ainda, porém, dentro das Ciências da
Linguagem. Não foi localizada nenhuma pesquisa específica da área da Pedagogia a respeito
da PCç.
A investigação a seguir indica que as pesquisas foram feitas em vários
municípios, em quase todas as regiões do País, com exceção da Região Norte:
a) Região Sul (cinco pesquisas) - Araújo (2004), Fernandes (2004),
Horochovski (2000), Stucky (1999) e Neumann (1997);
b) Região Sudeste (sete pesquisas) - Barros (2000), Brolhani (2004),
Soares (2002), Santana (2000), Alva (1999), Silva (1994) e Paula
(2004);
c) Região Nordeste (seis pesquisas) - Lira (2004), Oliveira (2003)
Carvalho (2004), Ávila (1999), Carneiro (1997) e Souza (2003);
72
d) Região Centro Oeste (uma pesquisa) - Veloso (1998);
e) Faxina (2001) descreve que a pesquisa foi realizada em quatro
municípios de diferentes regiões, porém não menciona quais são esses
municípios;
f) Souza (2003) e Paiva (1996) apontam arquidioceses como áreas de
abrangência da pesquisa.
Considerando o exposto anteriormente e as universidades onde as pesquisas
estão catalogadas, percebe-se que a presença da pesquisa sobre a Pastoral privilegiou as
Regiões Sul, Sudeste e Nordeste.
Das vinte e uma pesquisas encontradas, onze dela foram financiadas:
a) CAPES (principal agência financiadora) - seis pesquisas: Carvalho
(2004), Paula (2004), Soares (2002), Brolhani (2004), Barros (2000) e
Fernandes (2004);
b) Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (FUNCAP) - duas pesquisas: Ávila (1999) e Souza (2003);
c) O CNPq – uma pesquisa: Paiva (1996);
d) Fundação W. K. – uma pesquisa: Alva (1999);
e) Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul
(UNIJUÍ) – uma pesquisa: Kellogg. Stucky (1999);
Dentre os três livros encontrados, um foi patrocinado pelo Banco Itaú:
Batalha (2003).
A significativa quantidade de pesquisas financiadas pode indicar o grau de
inserção da PCç no tecido social brasileiro.
73
Analisando os resumos das vinte e uma pesquisas encontradas ficou
evidente que todos os pesquisadores realizaram uma pesquisa de campo. Não foi percebido
nenhum estudo de natureza exclusivamente teórica.
Quanto à metodologia, os resumos indicaram que há predomínio da pesquisa
de abordagem qualitativa. Dezesseis pesquisas são qualitativas. Quatro delas são estudos de
caso: Oliveira (2003); Horochovski (2000); Stucky (1999); Fernandes (2004). Uma delas é
pesquisa etnográfica: Ávila (1999). As demais não especificavam o tipo de pesquisa. Há
cinco pesquisas de natureza experimental: Neumann (1997); Carneiro (1997); Veloso (1998);
Paula (2004); Alva (1999). Não foi encontrada nenhuma obra que descrevesse o estado da
pesquisa sobre a PCç.
A análise dos resumos explicita multirreferencialidade. Quatorze entre as
vinte e uma pesquisas encontradas mencionam a teoria utilizada: Horochovski (2000)
inspira-se na teoria weberiana; Araújo (2004) utiliza-se dos conceitos de tecnologia de
Milton Vargas e Ruy Gama; Santana (2000) aborda a teoria das representações sociais
segundo Serge Moscovici; Silva (1994) e Paiva (1996) investigam a partir da perspectiva da
presença da Igreja Católica; Faxina (2001) apresenta a solidariedade, a cidadania e a
educação como categorias temáticas, mas não indica a referência teórica; Ávila (1999)
utiliza-se da cultura numa abordagem etnográfica; Fernandes (2004) utiliza-se da literatura
sobre o terceiro setor, gestão do conhecimento e aprendizagem organizacional; Soares (2002)
aborda a fenomenologia do diálogo de Martin Buber; Stucky (1999) explana que o
referencial teórico é educação em saúde com enfoque radical associado ao desenvolvimento
pessoal; Carvalho (2004) se apóia nas teorias motivacionais, em especial a teoria da
Expectância de Vroom; Brolhani (2004) se apóia numa teoria feminista desenvolvida pela
Sociologia, Psicanálise e Teologia; Lira (2004) e Souza (2003) abordam a Pedagogia
Freireana. Os demais resumos não acenam à teoria que fundamentou a pesquisa
74
Três obras encontradas fazem ressaltar uma abordagem histórica. Uma delas
é um depoimento da médica Zilda Arns Neumann, fundadora da PCç. Com uma linguagem
afetiva, narra sua vida e expõe um pouco da história da Pastoral (NEUMANN, 2003).
Outra pesquisa, intitulada Pastoral da Criança: 20 anos de vida (Batalha,
2003) utiliza uma linguagem jornalística, em edição bilíngüe (português – inglês), preparada
em conjunto por Editora da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Edições
Loyola e Editora Desiderata. Apresenta impressão em papel couc e textos de diversas
autoridades civis e eclesiais. Descreve a origem da PCç, a experiência piloto na cidade de
Florestópolis, no Estado do Paraná, sua metodologia e o trabalho voluntário, ainda mostra
detalhadamente as ações desenvolvidas e a internacionalização
31
da PCç. Percebe-se que é
uma publicação com a finalidade de divulgar a PCç. É a mais completa das obras encontradas
em termos de referências históricas.
Neumann (2000), em artigo que faz parte de um livro que foi publicado pela
Fundação Korand Adenauer
32
, apresenta, novamente, um relato histórico sobre a PCç, porém,
com comentários ampliados. Nesse artigo, a autora aborda os aspectos educativos das ações
da Pastoral, a estrutura organizacional e as relações entre os Governos (Federal e Estadual) e
a sociedade. Nomeia alguns financiadores e comenta sobre a internacionalização da Pastoral.
Duas obras são devedoras de Freire. A obra de Lira (2006) é o resultado de
uma pesquisa de mestrado na área das Ciências da Linguagem sobre a Alfabetização de
Jovens e Adultos (EJA), realizada pela PCç em uma das comunidades carentes na cidade de
Recife. O texto apresenta a Pastoral e a Alfabetização por ela desenvolvida, analisa todo o
material didático utilizado para as atividades da EJA, caracteriza os sujeitos e a sala de aula
da pesquisa. Toma como referencial teórico a Pedagogia Freireana e, dentre as pesquisas
31
A PCç e sua metodologia, atualmente, estão presentes em vários países da América Latina e da África.
32
A Konrad Adenauer é uma fundação de natureza política da República Federal da Alemanha. No Brasil,
realiza um programa de cooperação internacional através de um Centro de Estudos sediado em São Paulo.
75
encontradas, é a que mais enfatiza a ação educativa da PCç. É a única pesquisa, das
encontradas, a investigar as atividades de Alfabetização de Jovens e Adultos da PCç. Lira
(2006, p. 145) conclui a pesquisa afirmando que a PCç mais alfabetiza do que possibilita o
letramento, e que [...] “a metodologia de trabalho situa-se na vontade de seguir o método de
Paulo Freire, mas que, por falta de capacitação acabou esbarrando na metodologia da escola
tradicional” [...]”.
A obra de Souza (2003) investiga as ações de educação em saúde. Analisa
como ocorre o planejamento, estuda como são desenvolvidas as ações, na busca de construir
coletivamente um planejamento participativo.
Analisados os dados, percebe-se que as abordagens fenomenológica e
histórica sobressaem na pesquisa sobre a PCç. As investigações das ações de natureza
educativa abordaram a Pedagogia Freireana.
33
Na análise dos objetivos de cada pesquisa, foi possível separar as pesquisas
em três grupos. No primeiro grupo, as pesquisas sobre a alimentação difundida pela Pastoral:
Paula (2004) investiga a alimentação alternativa ensinada pela Pastoral; Veloso (1998)
verifica a qualidade nutricional da multimistura distribuída pela Pastoral para combater a
desnutrição infantil; Alva (1999) avalia o estado nutricional de crianças atendidas pela
Pastoral; Ávila (1999) busca compreender e descrever as crenças relacionadas ao uso da
alimentação alternativa ensinada pela PCç.
O segundo grupo é composto de pesquisas que analisam aspectos relativos
ao desenvolvimento da consciência da cidadania dos sujeitos envolvidos na PCç e abordam
questões como: “Qual é potencial de transformação social da PCç?” (BROLHANI, 2004); o
diálogo em família é um espaço para a construção da cidadania? (SOARES, 2002); a
contribuição da Pastoral para o desenvolvimento da cidadania dos mais pobres (BARROS,
33
As pesquisas citadas contemplam a Pedagogia de Paulo Freire, mas não na perspectiva dessa dissertação, que é
sistematizar a Pedagogia da PCç.
76
2000); os elementos que influenciam a intervenção da PCç para o desenvolvimento humano
(OLIVEIRA, 2003); a Pastoral como um movimento social procurando evidenciar como se
dá o processo de construção e de legitimação do sujeito enquanto ator social (FAXINA,
2001); análise do processo de desenvolvimento da escrita e da leitura na perspectiva de uma
educação crítica (LIRA, 2004); a perspectiva da Igreja para investigar a PCç como
organização de mobilização social em defesa da vida (SILVA, 1994); estudos a respeito das
práticas de educação em saúde e busca por construir coletivamente um planejamento para
essas práticas (SOUZA, 2003); avaliar se as mães e crianças acompanhadas pela Pastoral
apresentam melhores indicadores de saúde e conhecimento sobre cuidados básicos para a
sobrevivência infantil (NEUMANN, 1997).
O terceiro grupo é composto de pesquisas com objetivos bem diversos:
Stucky (1999) procura pela singularidade das práticas de educação em saúde desenvolvidas
pela Pastoral e investiga a potencialidade do profissional enfermeiro em tornar-se
colaborador nessas práticas; Carvalho (2004) descreve os componentes que motivam as
líderes da PCç no seu trabalho voluntário; Carneiro (1997) procura demonstrar o significado
epidemiológico da presença de retardo mental em mães de crianças desnutridas: quarenta e
duas mães atendidas pela PCç foram voluntárias nesse estudo; Santana (2000) busca
reconstruir, através da memória coletiva dos líderes da Pastoral, um modo de intervenção
social; Horochovski (2000) procura compreender as estratégias da PCç para obter
legitimidade no terceiro setor; Araújo (2004) analisa a tecnologia desenvolvida pela Pastoral;
Brolhani (2004) e Araújo (2004) abordam as relações de gênero; Paiva (1996) não deixa
claro o objetivo da pesquisa
Para a análise dos resultados, as pesquisas foram separadas em três grupos.
No primeiro, os resultados se mostraram favoráveis às ações da PCç e as confirmam: Stucky
(1999) conclui que não há integração entre as ações da Pastoral da Criança e o serviço
77
público de saúde, mas que, há abertura dos líderes da Pastoral em para aceitar parcerias pode
suscitar o apoio do profissional enfermeiro; Paula (2004) conclui que a multimistura obteve
resultados iguais ou superiores a outras misturas testadas; Ávila (1999) identifica três temas
culturais: “Ensinando a Gente Aprende”
34
, “A multimistura é remédio”, “A gente sabe o que
deve comer, mas a gente come o que pode”; Soares (2002) argumenta que o diálogo familiar
é um caminho para a construção da cidadania; Oliveira (2003) conclui que há uma
transformação no cotidiano dos líderes e das famílias acompanhadas e que a parceria é o
grande diferencial para o desenvolvimento participativo; Paiva (1996) afirma que é bem
perceptível como os princípios de ação do Serviço Social se coadunam com os da ação PCç;
Horochoviski (2000) diz que o poder conquistado pela Pastoral se deve aos expressivos
resultados no combate à mortalidade materno-infantil; Faxina (2001) indica algumas
possibilidades da práxis dos movimentos sociais, mas ressalva que não são adaptáveis à PCç
em sua totalidade, por ser esta uma organização muito singular; Fernandes (2004), na
perspectiva do Terceiro Setor, caracteriza a Pastoral como uma organização de aprendizagem
que oferece um ambiente propício para que as pessoas cresçam na gestão do conhecimento.
No segundo grupo estão as pesquisas cujos resultados levam a uma postura
crítica acerca da Pastoral da Criança e suas ações: Brolhani (2004) conclui que a Pastoral está
vinculada ao pensamento neoliberal e que, em suas capacitações, utiliza a educação bancária
e reproduz a dominação e dependência das mulheres pobres; Souza (2003) alerta que as
ações de educação em saúde devem ser planejadas; Veloso (1998) conclui, de uma pesquisa
experimental com ratos, que a recuperação do estado nutricional ocorreu nos três grupos de
controle, mas foi menos eficaz naqueles que receberam a multimistura pura.
No terceiro grupo, há pesquisas cujos resultados não se alistam nos dois
grupos anteriores. Os autores são: Neumann (1997), Barros (2000), Santana (2000), Silva
34
Nome da cartilha utilizada pela Pastoral para a Alfabetização de Jovens e Adultos.
78
(1994), Lira (2004), Araújo, (2004), Carneiro (1997), Alva (1999) e Carvalho (2004). Na
análise dos objetivos, foi possível perceber que um bom número desses pesquisadores iniciou
suas investigações na perspectiva da cidadania dos sujeitos envolvidos. A diversidade de
resultados indicou que o trabalho efetivado pela PCç se configura de modo diverso nas
diferentes comunidades em que ela atua.
Este breve panorama indica a extensão da pesquisa sobre a PCç nas
diferentes áreas do conhecimento, atualmente, no Brasil. Esta revisão bibliográfica permitiu
perceber que a Pastoral tem despertado o interesse da academia. Acredita-se que esse fato se
deve ao grau de inserção que a PCç vem alcançando na sociedade brasileira. Essa inserção
tem suas razões em três pontos fundamentais: a metodologia utilizada pela Igreja em seu
trabalho pastoral, que, por sua vez, é possível devido à imensa rede que é o catolicismo no
Brasil, com suas dioceses, paróquias e outros organismos e serviços; o recebimento de verbas
públicas e privadas para a realização das ações e a conquista de seu espaço na mídia em vista
das duas primeiras razões apresentadas; espaço esse que possibilitou boa visibilidade das
ações desenvolvidas pela PCç.
A academia vê a Pastoral sob diferentes ângulos. Algumas pesquisas
concluem que a PCç estimula o exercício da cidadania. Outras afirmam que, por estar
vinculada ao sistema neoliberal de pensamento, suas atividades são conservadoras da
sociedade. Uma das pesquisas concluiu que a multimistura é eficiente em sua composição
nutricional. Outra pesquisa concluiu que as mães atendidas pela Pastoral são mais informadas
e educam melhor suas crianças em comparação com mães não atendidas.
Para a pesquisa educacional há um campo amplo e ainda inexplorado, que se
mostra nas diversas ações educativas desenvolvidas pela PCç. Certamente, pesquisas que têm
por objeto específico a Educação de Jovens e Adultos (EJA) podem colaborar para a
melhoria e a maior criticidade no agir pedagógico do Programa de Alfabetização de Adultos
79
da PCç. As atividades da brinquedoteca ambulante são outro viés da natureza lúdica e
educativa na PCç que podem ser objetos de pesquisa.
Uma contribuição importante que a pesquisa educacional pode realizar,
tendo como objeto de pesquisa a PCç, é a busca por diferentes Pedagogias, na perspectiva
dos movimentos sociais populares e que atendam a diversidade econômica, étnica e cultural
da sociedade brasileira.
A PCç ocupa um espaço na sociedade brasileira como ONG, é impossível
negá-lo, e, como tal, ela tem realizado um trabalho de informação, de educação e de
promoção da vida das crianças e das famílias brasileiras bastante significativo.
80
CAPÍTULO 3 - ANALISANDO A PASTORAL DA CRIANÇA
Este capítulo se destina a apresentar a fundamentação teórica da etnopesquisa
crítica e a descrever os procedimentos metodológicos desta pesquisa. Apresenta os dados da
pesquisa de campo e da pesquisa bibliográfico-documental. É o capítulo central no que diz
respeito à análise. Esta busca contemplar a totalidade da realidade pesquisada, abordando os
aspectos econômicos, histórico-políticos, psico-religiosos e educativos. Na análise se procura,
também, identificar as consonâncias e as dissonâncias entre a proposta pedagógica encontrada
na pesquisa bibliográfico-documental e a prática educativa encontrada na pesquisa de campo.
Nos aspectos econômico e histórico-político a análise se centra nas práticas
políticas e busca situar o papel da PCç no âmbito das políticas públicas. Quanto ao aspecto
psico-religioso, a análise objetiva explicitar a motivação e compor um perfil das líderes e
coordenadoras sujeitos da pesquisa de campo. No aspecto educativo, se busca identificar as
características da prática educativa, sistematizar uma Pedagogia da PCç e identificar a
Pedagogia Freireana na prática sócio-educativa da PCç.
3.1 METODOLOGIA DA PESQUISA.
A metodologia para a pesquisa de campo está fundamentada nos estudos de
Roberto Sidnei Macedo, especificamente, em sua obra A etnopesquisa crítica e
multirreferencial nas Ciências Humanas e na Educação (2000).
É uma pesquisa predominantemente qualitativa pautada nos princípios da
etnopesquisa crítica. Para compreender o que vem a ser esta metodologia, importa lembrar
que a etnopesquisa tem sua origem na etnografia. Macedo (2000, p. 30) afirma que:
81
Um dos pontos fundamentais que devemos destacar para compreendermos a
etnopesquisa crítica é que ela nasce da inspiração etnográfica, sua base
incontornável, mas diferencia-se, quando se aprofunda na démarche hermenêutica
de natureza sócio-fenomenológica e crítica produzindo conhecimento
indexalizado.
A etnografia nos remete aos diferentes grupos humanos e suas formas de ser
e se fazer gente (ou ainda sua impossibilidade de sê-lo), seus valores e suas culturas. e é nisso
que a etnopesquisa se fundamenta, essa é a sua base. Na interpretação crítica da realidade
revelada, a etno-pesquisa produz a sistematização desta mesma realidade possibilitando
conhecê-la em suas causas primeiras e possíveis conseqüências e perspectivas.
O objetivo da pesquisa de campo é caracterizar a prática política e educativa
da PCç na Diocese de Ponta Grossa, bem como identificar a Pedagogia que possibilita esta
prática. Para tanto, analisa toda a prática social dessa pastoral, mas, especialmente, as
capacitações por ela realizadas para formar o quadro de pessoas atuantes nas atividades.
Os primeiros contactos com o objeto de estudo e pesquisa se deram através
do site da PCç e de livros de cunho jornalístico e histórico. Foi um momento de preparação
para o trabalho de campo, no qual, por meio da pesquisa bibliográfico-documental, se buscou
obter amplas e variadas informações acerca do objeto a ser pesquisado empiricamente.
Procurando tecer uma visão que abrangesse a PCç, na primeira etapa,
anterior ao trabalho de campo, se buscou conhecer teoricamente a PCç, ou seja, sua origem
nacional, suas ações e programas, seus objetivos, seus recursos financeiros, sua metodologia
de trabalho, formação dos seus integrantes e seus resultados numéricos.
A pesquisa de campo foi iniciada em outubro de 2006 e concluída em agosto
de 2007, com aproximadamente 190 horas de trabalho de “escuta sensível”. A carga horária
realizada no campo teve maior concentração nas atividades de capacitação/formação dos
integrantes da PCç. De acordo com Macedo (2000, p. 200) “[...] a escuta sensível” passa a ser
82
não só um dispositivo significativo para se fazer etnopesquisa crítica e multirreferencial dos
meios educacionais, mas uma forma de ser radicalmente “humanizante.”.
Verificou-se que a “escuta sensível” foi necessária em todos os momentos
de contacto com os sujeitos pesquisados e, também, nas situações em que fisicamente
estavam ausentes, mas suas presenças eram percebidas nos documentos e nas fotos.
Outras situações que proporcionaram a “escuta sensível” para a pesquisa
(uma vez que escutar sensivelmente se fazia premente) surgiram no decorrer dos encontros
(quando todos estavam reclusos numa casa comum) em que, após as atividades, era possível
a observação dos materiais expostos, a observação dos sujeitos fora do espaço/tempo de
trabalhos dirigidos. Tais momentos, a partir das diferentes estratégias de coleta de
informações, foram a fonte de “entrelinhas”, e possibilitaram captar sensivelmente o discurso
dos sujeitos pesquisados.
Outro aspecto da “escuta sensível” diz respeito ao modo como o pesquisador
vê e ouve (e posteriormente analisa) os sujeitos pesquisados, procurando chegar o mais
próximo possível da perspectiva desses sujeitos. A respeito do trabalho de campo, Macedo
(2000, p. 148) afirma: “Aqui, a informação é o registro da vida ao vivo [...]”.
Mesmo antes do primeiro contacto com os sujeitos pesquisados, se procurou
estabelecer contacto com o bispo diocesano, ao qual foi encaminhado um ofício solicitando a
aprovação, por escrito, para a realização da pesquisa; o projeto foi bem acolhido, e sem
objeções. Macedo (2000, p. 149), nos aconselha a este procedimento, ao dizer que “[...] é
necessário se construir vínculos com pessoas capazes de mediar encontros, viabilizar o
acesso [...]”.
Outro aspecto importante que está subjacente a esse tipo de contato é o
aspecto ético, considerando-se importante o respeito à hierarquia das instituições e a
transparência constante, para que melhorem as condições de uma pesquisa com resultados
83
fidedignos e que contribuam significativamente para a transformação da realidade
pesquisada.
O contacto inicial com os sujeitos pesquisados se deu quando foi solicitada à
coordenadora diocesana a permissão para a realização da pesquisa; ela foi muito solícita em
“abrir as portas” dos trabalhos realizados pela PCç, mesmo sem saber exatamente como se
daria o processo de acompanhamento das atividades. Foi um momento crucial para a
pesquisa, pois obter uma constante e duradoura, boa e permanente inserção no campo de
pesquisa, sem constrangimento nem para os sujeitos pesquisados nem para o pesquisador, é
fator fundamental para a obtenção de informações, o mais verdadeiras possível. Quanto a
esse fator, Macedo (2000, p. 148) refere que:
Este é um momento ao qual poucos se detêm como deveriam, enquanto reflexão
metodológica. A fecundidade dos resultados de uma etnopesquisa vai depender e
muito do tipo de acesso conquistado. É fundamental a disponibilidade das pessoas
para informar, deixar-se observar, participar ativamente da pesquisa, e até mesmo
para co-construir o estudo como um todo.
Acredita-se que o acesso obtido foi amplo, e que foram boas as condições
para a coleta de informações, tanto na dimensão de horizontalidade, isto é, da visão ampla
das atividades realizadas pela PCç nas diversas escalas da sua organização funcional,
capela/bairro, paróquia/ramo, diocese/setor, quanto na dimensão da verticalidade, ou seja, da
disponibilização de informações que possibilitassem analisar a prática sócio-educativa da
PCç.
Antes de expor as estratégias para a coleta de informações, é necessário
dizer que, se foi relativamente facilitado estabelecer um acesso significativo ao campo de
pesquisa, tornou-se imprescindível um grande esforço em permanecer durante nove meses no
campo.
84
Na etnopesquisa, é necessário aprender a transitar de forma humilde pelas
dificuldades que podem se colocar no caminho do pesquisador, como, por exemplo, pelas
falhas de comunicação, pelas chamadas a não ultrapassar os limites da instituição (a
pesquisadora era já, bastante familiarizada com as práticas pastorais), pelo cuidado em
acolher os encaminhamentos propostos.
Considerou-se fundamental “a disponibilidade para uma contra-partida
efetiva, paralelamente, e/ou a partir da própria pesquisa [...]” (MACEDO, 2000, p. 149), para
a permanência no campo de pesquisa. Assumiu-se, diante de todo o grupo de sujeitos
pesquisados (a pedido destes), que as análises seriam partilhadas, que seriam reveladas as
interpretações e as conclusões, tão logo estivessem concluídos os trabalhos.
Já durante os meses de trabalho no campo, a pesquisadora forneceu cópias
de alguns arquivos de fotos e de filmagens a pedido dos sujeitos pesquisados. Considera-se
que esse procedimento colaborou na permanência da pesquisadora dentro do campo de
pesquisa.
3.1.1 Estratégias para a coleta de informações
A coleta de dados se valeu dos seguintes instrumentos para registrar
reuniões, encontros e cursos de capacitação da PCç: análise de documentos, entrevistas semi-
estruturadas, filmagens, fotografias, observação participante periférica (OPP) com a prática
do diário de campo.
Para organizar a ação no campo de pesquisa, se delimitou o território da
Diocese de Ponta Grossa a partir do mapa político do Estado do Paraná. Conforme iam
acontecendo os cursos de capacitação, os encontros, e os dias de celebração da vida, a equipe
85
de Coordenação Diocesana da PCç era acompanhada pela pesquisadora. Assim, foi possível
adotar um itinerário pendular: por um lado, acompanhar o planejamento das atividades no
escritório da PCç e, por outro lado, estar presente na execução das atividades planejadas no
amplo território diocesano. Com o decorrer de algum tempo, criada a oportuna e necessária
empatia, das próprias coordenadoras paroquiais começaram a surgir os convites para que a
pesquisadora visitasse as comunidades.
Devido aos limites de tempo útil, evidentemente, a pesquisa não cobriu a
totalidade de ações, de grupos e de pessoas envolvidos na PCç no território diocesano.
Confira-se, portanto, que se trata de uma pesquisa por amostragem. Os critérios de seleção
das comunidades a serem pesquisadas foram:
- o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH): município de Ortigueira;
- o tipo da atividade (cursos de capacitação, eleição da coordenadora de
ramo/paróquia, dia da celebração da vida ou outra): Telêmaco Borba,
Ortigueira, Ponta Grossa: Capela D. Bosco – Paróquia Nossa Senhora
Auxiliadora e Associação de Moradores do Cará-Cará;
- a brinquedoteca ambulante: “ônibus brincalhão”, Projeto Parto
Humanizado, Centro de Cultura em Ponta Grossa;
- os encontros diocesanos de avaliação anual em dezembro de 2006 e
planejamento anual em março de 2007;
- o período de realização da pesquisa de campo, ou seja, o espaço de
tempo disponível para a coleta de informações: Capacitação Missão e
Gestão na cidade de União da Vitória.
3.1.1.1 Pesquisa documental
86
Outras fontes de informações para a etnopesquisa são os documentos.
Macedo (2000, 170) refere-se à análise de documentos como um[...] recurso precioso para
este tipo de investigação, seja revelando novos aspectos de uma questão ou mesmo
aprofundando-a”.
Nesta pesquisa, a busca por fontes documentais se deu em dois momentos
distintos, antes e durante o trabalho de campo. No primeiro momento, o site da PCç foi a
única fonte documental. No segundo momento, já no campo de pesquisa, foram utilizados
documentos da PCç. Os documentos
35
obtidos na pesquisa de campo foram: “Brinquedos e
brincadeiras na Comunidade”, “Guia do Líder”, “Reunião de Avaliação e Reflexão -
orientação ao capacitador”, “Caderno do Líder” e “Participação e Controle Social – Texto-
Base do articulador da Pastoral da Criança junto ao Conselho de Saúde”.
Esses guias servem para dar suporte técnico, teórico e metodológico nas
diferentes capacitações realizadas, bem como nas ações básicas e complementares. São
elaborados pela equipe técnica
36
da Coordenação Nacional da PCç; portanto, são documentos
oficiais. Macedo (2000, p. 170), ao referir-se à importância desse tipo de fonte documental,
argumenta que os documentos oficiais são úteis para a pesquisa educacional, pois, não
obstante as zonas de sombra ideológica que um documento contém, dele é possível captar a
política educacional. No caso desta pesquisa, se considera que foi possível perceber aspectos
que fundamentam a práxis sócio-educativa da PCç e que compõem a proposta político-
pedagógica da PCç, ou seja, aspectos metodológicos, políticos, religiosos e culturais que
envolvem fatores como o método ver-julgar-agir-avaliar-celebrar, os indicadores registrados
35
Nomeou-se a esses documentos de guias teórico-metodológicos, como descrito e justificado na página 65.
desta dissertação.
36
A equipe técnica é composta de pedagogo, nutricionista, médico, odontólogo e psicólogo.
87
pela Folha de Acompanhamento do Conselho de Saúde (FAC), os princípios éticos e
religiosos e a cultura popular brasileira (brincadeiras, cantigas e linguagem).
3.1.1.2 Observação participante periférica com diário de campo
Durante os nove meses de trabalho no campo de pesquisa a estratégia
central para a coleta de informações foi a observação participante periférica (OPP), aliada à
prática do diário de campo.
Com o decorrer da pesquisa de campo, a partir da OPP, foram planejadas as
linhas de ação no campo: quais atividades priorizar na observação, com quem e para que
realizar entrevistas, o que filmar e o que fotografar, a quantidade de imagens a serem
realizadas, bem como a reflexão acerca das reais possibilidades do uso das filmagens no
período de trabalho de campo e na análise
Re-delimitar a pesquisa foi uma decisão tomada a partir da OPP, quando a
se decidiu que uma das principais atividades a serem observadas seria as capacitações.
Considerando que a PCç é uma ONG ampla e complexa, que são muitas as
suas frentes de ação, só foi possível perceber a amplitude e a profundidade da prática social
da PCç a partir da inserção na pesquisa de campo, por intermédio da OPP. Essa (a OPP) não
foi só a estratégia central deste estudo, mas foi a matriz (re)criadora e (re)reconstrutora da
pesquisa. Segundo o teórico que fundamenta a abordagem metodológica da pesquisa
empírica deste estudo,
Na observação participante periférica, são os pesquisadores que escolhem este
papel ou esta identidade, consideram que um certo grau de implicação é
necessário, entretanto, preferem não ser admitidos no âmago das atividades dos
membros. Procuram não assumir nenhum papel importante na situação estuda. O
caráter “periférico” [...] [...] encontra sua origem, muitas vezes, numa escolha de
88
ordem epistemológica: alguns pesquisadores estimam que uma implicação mais
intensa tende a bloquear o distanciamento necessário à possibilidade de análise.
(MACEDO, 2000, p. 156).
Acredita-se que o caráter periférico da pesquisa possibilitou uma análise
mais isenta, uma vez que a pesquisadora foi agente de pastoral, fato que poderia interferir
muito nos dados da pesquisa, caso optasse pela observação participante completa (OPC), ou
por outra forma de observação de maior inserção.
89
QUADRO 1 - Atividades acompanhadas pela pesquisadora durante a pesquisa de campo
Local Data Atividade Instrumentos
Ponta Grossa
Cúria Diocesana
Outubro de
2006
Primeiros contactos com a
Pastoral da Criança na
Diocese de Ponta Grossa
Ponta Grossa
Sede da PCç na Diocese
Outubro de 2006 Primeiro encontro com a
coordenadora diocesana
Entrevista semi-
estruturada
Ponta Grossa
Casa de Encontros
Noviciado N. Sra. Da
Paz
Dezembro de
2006
Encontro Diocesano de
Avaliação e
Confraternização
Diário de campo,
entrevistas semi-
estruturadas,
filmagens e fotos.
Ponta Grossa -
Associação de
Moradores do Bairro do
Cará-Cará
Dezembro de
2006
Tarde de Celebração da Vida Diário de Campo e
fotos
Ponta Grossa
Casa de Encontros
Noviciado N. Sra. Da
Paz
Março de 2007 Encontro Diocesano de
Planejamento Anual
Diário de campo,
entrevistas semi-
estruturadas, foto e
filmagens.
Ponta Grossa – Capela
D. Bosco – Par. N. Sra.
Auxiliadora
Tarde de Celebração da Vida Diário de campo,
depoimento e
fotos.
Ortigueira – Paróquia
Menino Deus
Março de 2007 Eleição para coordenadora
paroquial
Diário de campo,
entrevistas semi-
estruturadas, fotos
e filmagens.
Telêmaco Borba
Março/abril de
2007
Curso de Capacitação em
Brinquedos e Brincadeiras
Diário de Campo,
entrevistas semi-
estruturada, fotos e
filmagens.
Ponta Grossa Centro de
Cultura –
Brinquedoteca
ambulante
Abril de 2007 Participação da PCç no
Projeto Parto Humanizado,
através da brinquedoteca
ambulante.
Diário de Campo,
fotos e filmagens.
Ponta Grossa – Sala de
Reuniões subsolo do
Edifício da Rádio
Santana
Abril de 2007 Curso de Capacitação do
Guia do Líder – Edição
2007.
Diário de campo e
fotos.
União da Vitória Maio/junho de
2007
Curso de Capacitação em
Missão e Gestão.
Diário de campo e
fotos
Curitiba Maio de 2007 Visita à sede nacional da
PCç
Diário de campo
Curitiba Agosto de 2007 Entrevista à Dra. Zilda Arns Entrevista
estruturada
Fonte: Diário de campo.
Foi por meio do diário de campo que as observações, reflexões e insigths
foram registradas. Parafraseando Macedo (2000, p. 195), a prática do diário de campo
possibilita uma melhor posição do pesquisador para captar aspectos ocultos no ato de
90
pesquisar, expressando com maior clareza o processo da pesquisa; acompanhando o habitus
do pesquisador em seus procedimentos e conclusões de estudo; colaborando na indicação das
implicações do pesquisador em sua relação com o objeto de pesquisa; facilitando a auto-
reflexão e o distanciamento para uma análise mais equilibrada possível. Sendo assim, o
diário de campo tem um papel de grande importância no conjunto de instrumentos da
etnopesquisa.
Todas as atividades observadas, demonstradas cronologicamente no Quadro
1, foram registradas no diário de campo, que foi gradativamente construído com relatos
pontuais das atividades. O diário de campo está repleto de pequenos parágrafos de
conclusões, observações, anotações de dúvidas, anotações das próximas atividades a serem
observadas, e de roteiros para as entrevistas. Para facilitar a visualização, cada item está
destacado à margem da pauta do diário. Os registros compõem um total de cento e cinqüenta
e três páginas, com o relato de todos os passos da pesquisa de campo até o momento da sua
conclusão.
3.1.1.3 Entrevistas
De acordo com Macedo (2000, p. 166), uma das entrevistas de natureza
etnográfica é aquela “[...] destinada ao conhecimento de acontecimentos e de atividades que
não são diretamente observáveis. Pede-se às pessoas para descrever interpretando realidades
e como essas realidades são percebidas por outras pessoas”. Em concordância com esse
pressuposto, a maioria das entrevistas realizadas nesta pesquisa buscou esse perfil, uma vez
que a prática educativa da PCç não está explícita em sua prática social.
91
Dez entrevistas foram realizadas durante o trabalho de campo. Para fins
didáticos as entrevistas foram classificadas em dois grupos: umas foram realizadas com
agendamento e outras aconteceram durante a OPP. De fato, esse agrupamento corresponde à
realidade dos acontecimentos ocorridos durante a pesquisa de campo. Os roteiros de cinco
entrevistas foram elaborados previamente, fora dos momentos de inserção. Nesse primeiro
grupo de entrevistas, se buscou elaborar o “pano de fundo” da prática sócio-educativa da PCç
na Diocese por meio das informações fornecidas pelos entrevistados. As questões desse
primeiro grupo facilitaram a obtenção de informações sobre pontos essenciais aos propósitos
da pesquisa, tais como:
a) uma visão (a mais ampliada possível) sobre as ações da PCç na Diocese
de Ponta Grossa e a identificação dos momentos mais significativos para
a realização das observações;
b) a história da PCç na Diocese de PG (por intermédio de duas
entrevistadas em duas entrevistas);
c) a formação das multiplicadoras e das capacitadoras (por meio de duas
entrevistadas numa única entrevista);
d) a visão política e pedagógica da Coordenadora Nacional da PCç.
Segundo Macedo (2000, p. 164), é possível afirmar que na etnopesquisa é
comum que as possibilidades de entrevistas aconteçam imprevisivelmente e em meio à
observação ou em encontros ocasionais com os participantes.
As demais entrevistas, as do segundo grupo, foram realizadas durantes os
dias da OPP. Tais entrevistas realizadas no próprio campo de pesquisa e, seus roteiros foram
elaborados na medida em que ocorriam as falas das líderes e coordenadores presentes e
enquanto as atividades eram desenvolvidas.
92
Com um roteiro elaborado rapidamente enquanto se desenvolviam as
atividades, se buscou por diferentes entrevistados que pudessem fornecer informações mais
consistentes a respeito da pauta em desenvolvimento. As questões eram bastante flexíveis
para deixar os entrevistados à vontade no momento da resposta. Os assuntos centrais das
questões dessas cinco entrevistas foram: a mística como motivação para as ações realizadas;
a ação missionária da PCç no Brasil; os aspectos políticos da ação da PCç, a motivação e
entendimento das líderes na cidade de Ortigueira, um dos municípios com menor Índice de
Desenvolvimento Humano (IDH) do Paraná; a eleição para a coordenadora de paróquia/ramo
também na cidade de Ortigueira.
3.1.1.4 Fotos e filmagens
Sabe-se que o recurso imagético tem sido muito utilizado em pesquisas
etnográficas como suporte aliado ao texto escrito para a análise de conteúdo. Neste estudo,
entretanto, a imagem teve outro tratamento. Coube à imagem uma função mais ilustrativa do
texto, configurando-se como um recurso a mais na demonstração do objeto pesquisado. As
fotografias, que ilustram a análise e colaboram na defesa do argumento da pesquisa, estão
registradas como apêndice neste estudo/pesquisa.
Inicialmente, o projeto de pesquisa previa também o registro em vídeo.
Percebeu-se, contudo, que para atingir o objetivo da pesquisa, não seria necessário o uso da
filmagem, e o tempo para a conclusão da pesquisa não permitiria a análise de mais dados.
Optou-se, então, pelo encerramento das filmagens, ainda que aquelas que foram realizadas
corroboraram para a demonstração do objeto pesquisado.
93
3.2 A PASTORAL DA CRIANÇA NA DIOCESE DE PONTA GROSSA
Esta seção apresenta os dados da pesquisa de campo e os comenta, de modo
que é possível melhor visualizar a PCç na Diocese de Ponta Grossa em suas características,
em sua história inicial, em suas práticas políticas e educativas.
3.2.1 Caracterização
A PCç abrange os dezessete municípios da Diocese de Ponta Grossa, e que
fazem parte da região dos Campos Gerais: Carambeí, Castro, Piraí do Sul, Ventania, Tibagi,
Telêmaco Borba, Ortigueira, Imbaú, Reserva, Ivaí, Ipiranga, Guamiranga, Imbituva, Teixeira
Soares, Fernandes Pinheiro, Irati e Ponta Grossa. São trezentos e noventa e duas
comunidades alastradas por este território diocesano.
De acordo com os dados de 14 de novembro de 2006
37
, o número de líderes
atuantes (média mensal) é de 1.227,2. O número de crianças cadastradas, e com faixa etária
abaixo de um ano de idade, é de 2.464, e o número de crianças de zero a seis anos é de
14.839. As gestantes cadastradas somam 795. Esses dados variam mensalmente, de acordo
com a execução do trabalho das líderes.
Segundo a Coordenadora Diocesana
38
das ações desenvolvidas pela PCç,
somente o Programa de Geração de Renda não acontece na Diocese; sendo que as demais
ações atendem 34,6 % do total de crianças em situação de risco residentes na área diocesana.
Porém, a meta da coordenação nacional é de que as ações cubram no mínimo 50% das
37
In http://www.pastoraldacriança.org.br/pastri-dev/popups/visualiza.php?opcao=7 acessado em 14/11/06.
38
Em entrevista concedida à autora, realizada no escritório da PÇ da Diocese de Ponta Grossa em 26/10/06.
94
crianças em situação de risco. Geograficamente, o território diocesano está dividido em nove
áreas, a saber:
As áreas 1, 2, 3 e 4 são divisões do município de Ponta Grossa.
Área 5 – Castro, Castro Abapã, Ventania, Carambeí e Piraí do Sul.
Área 6 –Ivaí, Guamiranga, Ipiranga e Imbituva.
Área 7 – Irati, Fernandes Pinheiro e Teixeira Soares.
Área 8 – Reserva, Ortigueira, Telêmaco Borba, Tibagi e Imbaú.
Na Diocese de Ponta Grossa estão quatro municípios dentre os mais pobres do Estado
do Paraná. Segundo dados do Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social
(IPARDES)
39
, as cidades de Ventania, Ortigueira, Imbaú e Reserva integram o conjunto de
municípios paranaenses com menor índice de Desenvolvimento Humano (IDH)
40
. O Estado
do Paraná tem trezentos e noventa e nove municípios e, Ortigueira o município de menor
IDH do Estado, ocupa a última posição no ranking estadual.
Para dar suporte ao desenvolvimento de suas ações, a PCç conta com um
escritório central em Ponta Grossa, onde sete pessoas trabalham em um período de oito horas
diárias e com remuneração. A PCç também possui recursos como computadores,
impressoras, fax, três veículos e materiais didáticos. Os veículos foram doados pela Infância
Missionária Alemã
41
e pela Receita Federal. Os materiais didáticos são fornecidos pela
coordenação nacional da PCç.
Foram identificadas quatro empresas privadas que mantém convênios com a
PCç: Viação Campos Gerais, Supermercados Tozetto, Supermercados Muffatto e Rodonorte.
39
Os dados são do ano 2000. Ortigueira: IDH geral: 0,620 - 399ª posição. Reserva: IDH geral: 0,646 – 395ª
posição. Imbaú: IDH geral: 0,.646 – 396ª posição. Ventania: IDH geral: 0,665 – 390ª posição. Fonte: in
www.ipardes.gov.br/pdf/indicesidh_estados.pdf acessado em 19/05/08
40
O IDH é medido pelos índices de educação, de longevidade e de renda.
41
Organização da Igreja Católica na Alemanha que financia ações católicas.
95
3.2.2 História
A PCç na Diocese de Ponta Grossa foi implantada entre final o ano de 1987
e o começo de 1988. As fundadoras foram três mulheres: duas pedagogas, uma leiga e outra
religiosa e uma nutricionista, também leiga.
A pedagoga leiga ouviu a Dra. Zilda falar sobre a PCç em um encontro
pedagógico que tratava de assuntos a ligados a crianças com necessidades especiais.
Retornando a Ponta Grossa, propôs às outras duas mulheres a implantação da PCç na
Diocese, como foi solicitado pela Dra. Zilda. Sendo assim, entraram em contato com o bispo
diocesano da época, como ilustra o relato a seguir:
Foi em 1987, eu estava dando aula no colégio Santana, e a irmã Cecília
42
, que
também fundou junto comigo, ela é pedagoga e cuidava das funções de pedagoga
na escola. Um dia chega a Fátima, que vinha de um encontro em Curitiba, um
encontro de deficientes, ela cuidava de deficiente. E animada contou para nós que a
Dr Zilda foi fazer propaganda da pastoral da criança e gostaria que trouxesse para
Ponta Grossa. A irmã Cecília e eu gostamos e fomos falar com o bispo daquele
tempo, pois a pastoral é sempre ligada ao bispo, apesar dela ser ecumênica, mas é o
bispo que dá o pode. Ele achou que não convinha, para que começar coisa nova?
Nós saímos meio chateada, mas não é por mal que ele fez isto, era o jeito dele, ele
tinha medo de coisas novas. Daí fomos falar com a Fátima, e agora Fátima? O
bispo não aceitou muito. Neste meio tempo a Zilda chama a irmã Cecília e eu para
um encontro do “Pai Amado” em Santa Catarina e no Rio Grande para todos que já
trabalhavam na pastoral. Nós éramos novinhas, fazia um só mês que tínhamos
começado e não sabíamos bem como era. Daí nós fomos para Santa Catarina
ficamos uma semana lá, fomos chamadas de calouras, pois as duas éramos
novinhas, eu e ela, não sabíamos muito bem do que se tratava. Mas agente ficou
sabendo como cuidar da criança desde o leite materno até os seis anos para dar um
adulto sadio. (Entrevista 09)
O texto da entrevista anteriormente relatada revela que a PCç nasceu por
iniciativa e vontade de três mulheres que se mobilizaram. Revela, também, que em um
primeiro momento, o apoio eclesial foi reticente. Contudo, as três fundadoras mantiveram
seus propósitos e semanalmente se reuniam no Colégio Sant”Ana para estudar e conhecer a
PCç.
42
Por respeito à ética em pesquisa, os nomes são fictícios.
96
A primeira experiência na Diocese foi na Vila Tânia Mara, logo seguida
pela da Vila Palmeirinha. As fundadoras iniciaram algumas reuniões com mulheres que
estivavam dispostas a serem líderes; começaram à prepará-las para o trabalho na PCç.
As atividades realizadas pela PCç eram a visitas a famílias e a pesagem e o
acompanhamento das crianças. Ainda não havia na PCç (no Brasil todo) as atividades de
formação e de capacitação. Para estender a PCç por todas as paróquias e cidades da Diocese,
foi enviada correspondência postal aos padres, com solicitação de apoio desses para a
implantação da PCç. Os padres resistiram em aceitar os grupos de PCç em suas paróquias, o
que fez que aumentassem dificuldades de implantação. Considera-se que a resistência dos
padres estava em consonância com a do bispo: “medo do novo”, atitude reticente diante de
um trabalho pastoral de natureza social acentuada e ampla.
Outra dificuldade, aliada à primeira, foi para convencer a comunidade,
primeiramente os padres, de que o método proposto daria resultados positivos. Vê-se,
portanto, que a resistência, à época da implantação, veio da hierarquia eclesial e não da
comunidade.
Em primeiro lugar é para provar que a pastoral da criança tinha vindo para ficar.
Que realmente o nosso método, as coisas que a Dr. Zilda criou eram coisas que
faziam bem às crianças, e que iria diminuir a mortalidade infantil. A gente
encontrou muita pedra no caminho. Uma grande pedra em nosso caminho foram os
próprios padres, que não acreditam em nosso trabalho, que acham que a gente tem
muito dinheiro gasto em outras coisas, que este dinheiro poderia ser mais bem
aplicado né?. (Entrevista 07).
Não obstante às dificuldades encontradas, em aproximadamente cinco anos
todas as cidades da Diocese contavam com grupos da PCç.
Em todo o Brasil, as capacitações iniciaram no ano de 2000 com o
lançamento e o estudo do Guia do Líder. A entrevista relatada a seguir permite vislumbrar
alguns motivos da inclusão das capacitações na metodologia de ação sócio-educativa da PCç
97
O motivo foi o seguinte, é que quando começaram a falar em capacitações, mudaria
aquela fase que é o preenchimento da FABs
43
que você já conhece. Daí deu uma
grande mudança. Antes só punha o peso, se foi visitar, se não foi, era bem mais
simples. Daí que começaram aquela fase de acompanhar o desenvolvimento da
criança, o desenvolvimento social foi tudo aí introduzido no ano de 2000
(Entrevista 07)
Atualmente, a PCç conta com o apoio eclesial, e por ocasião do início das
capacitações foi uma das primeiras dioceses a capacitar todas as suas líderes e
coordenadoras.
3.2.3 Práticas políticas e educativas
Ainda que se saiba que as práticas políticas e educativas se interpenetram como “os
dois lados de uma mesma moeda”, discriminou-se uma da outra, pois, de acordo com a
realidade verificada na pesquisa de campo, essas práticas estão mais implícitas do que
explicitas.
Atualmente, há grupos da Pastoral em todas as comunidades católicas. A pesquisa
descobriu grupos em associação de moradores e em acampamentos rurais do Movimento dos
Trabalhadores Rurais sem Terra (MST). Há também grupos ligados a pessoas de confissão
luterana e evangélica, mas que estão sediados nas comunidades católicas.
A prática política da PCç tem duas facetas interligadas porém distintas. Uma faceta
diz respeito à Pastoral como integrante das políticas públicas sociais e a outra como prática
sócio-pastoral enquanto prática político-educativa, com vistas à transformação da realidade
na perspectiva freireana.
43
FABs-Folha de Acompanhamento e Avaliação Mensal das Ações Básicas de Saúde e Educação na
Comunidade. Formulário oficial da PÇ que serve para registrar o acompanhamento mensal de cada criança, e
gestante. Os dados contidos na FABs são encaminhados, mensalmente, à Sede Nacional da PCç para o Sistema
de Informações da PCç. Modelo no anexo 5.
98
A primeira faceta é identificada nos fatos de a PCç receber verbas públicas e de
executar ações de competência e responsabilidade estatais. Na Diocese de Ponta Grossa essa
faceta é percebida nas situações relatadas abaixo.
1) No Programa de Controle da Tuberculose da Secretaria Municipal de Saúde do
Município de Ponta Grossa: nas visitas domiciliares, as líderes orientam as mães sobre a
doença e encaminham para o serviço público de saúde quando necessário.
2) As crianças cadastradas na PCç são atendidas pelo odontólogo da Clínica do
Bebê
44
.
3) O Núcleo Estadual de Educação entrega o leite do Programa do Leite do Estado do
Paraná para as crianças cadastradas na PÇ.
4) No Paraná, é o Governo do Estado que remunera as coordenadoras de
setor/diocese.
5) Na cidade de Reserva, as líderes da PCç utilizam o transporte escolar mantido pela
Prefeitura para realizarem as visitas e irem às reuniões.
6) A Secretaria da Ação Social do município de Ponta Grossa remunera o trabalho
dos sete funcionários do escritório diocesano da PCç e colabora no fornecimento de material
de expediente.
As despesas com a manutenção do escritório e com a remuneração da coordenadora
diocesana redundam em benefício para a PÇ da Diocese toda. No entanto, no que diz respeito
às demais parcerias, estas dependem da negociação da PÇ com cada município.
A segunda faceta é identificada em melhoria da qualidade de vida das famílias
atendidas pela PCç, na queda dos índices da mortalidade infantil, na participação do
articulador da PCç nos Conselhos de Saúde, na articulação e na mobilização comunitária das
44
A Clínica do Bebê é um serviço prestado pela Secretaria Municipal de Saúde de Ponta Grossa.
99
líderes diante de algum objetivo de interesse comunitário; mas, principalmente, no método
ver-julgar-agir-avaliar-celebrar empregado pela PCç.
A prática educativa realizada pela PCç tem uma natureza diversa de outras práticas,
quer sejam práticas escolares, sindicais ou mesmo dos movimentos sociais. Está pautada nas
necessidades da comunidade de mães, gestantes, crianças e líderes da PCç, e pautada também
nos princípios da DSI e das Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil.
Em quase todas as ações da PCç, se encontra a prática educativa: nas reuniões, nos
encontros de avaliação e de planejamento, nas celebrações, no Dia do Peso (ou Dia da
Celebração da Vida), nas eleições, nas visitas domiciliares; mas, a sua visibilidade é maior
nas capacitações, nas oficinas e nas palestras.
45
A pesquisa de campo revelou poucos limites e poucas dissonâncias entre a prática
político-educativa da PCç na Diocese de Ponta Grossa e a proposta pedagógica contida nos
guias teórico-metodológicos. Considera-se como uma dissonância a inexistência do
Programa de Geração de Renda, ainda que na ordem de prioridade de ações este programa é
opcional. Configura-se como limites a existência de poucos grupos do Programa de
Alfabetização de Adultos, visto que uma das dificuldades apontadas pelas coordenações é o
analfabetismo das líderes, se bem que o Programa esteja em fase de implantação.
3.3 A PASTORAL DA CRIANÇA NO CENÁRIO SOCIAL BRASILEIRO
Esta seção busca compreender o papel da PCç na sociedade brasileira. De
forma direta, a pesquisa objetivou abordar a realidade encontrada e analisar os vários aspectos
45
Ver figuras 8 e 10 em apêndice.
100
que condicionam a prática sócio-educativa da PCç, ou seja, os aspectos econômicos,
histórico-políticos, e psico-religiosos.
3.3.1 Aspectos econômicos
O contexto econômico brasileiro – a semelhança da grande maioria dos
países ocidentais – é o modelo neo-capitalista: o da economia globalizada. Partindo deste
pressuposto, argumentou-se que, para manter a economia globalizada, o Estado vem
repassando o financiamento e/ou suas ações para a sociedade civil.
Nesta perspectiva, a prática sócio-educativa da PCç revela quatro pontos de
funcionalidade às necessidades do capital globalizado e interesses do neoliberalismo:
a) o trabalho voluntário realizado pelos seus integrantes: a União não
dispende gastos com a remuneração das líderes voluntárias;
b) a estrutura eclesiástica católica, que nas suas diversas esferas
organizacionais – capela (ou comunidade), paróquia, setor (ou área),
diocese, regional e nacional –, contribui para que os custos
governamentais sejam imensamente menores do que se tivesse de criar
uma nova estrutura;
c) as doações, tanto de pessoas físicas, quanto de pessoas jurídicas: a ajuda
de empresas (privadas e públicas) que são parceiras da PCç na Diocese
de Ponta Grossa: Concessionária Rodonorte, Supermercados Tozetto,
Supermercados Muffato, Viação Campos Gerais, Secretaria Municipal da
Assistência Social do Município de Ponta Grossa, verbas do governo
estadual, que remunera as coordenadoras diocesanas no Estado do
Paraná;
101
d) o baixo custo per capita: cada criança custa para a PCç, em média, R$
1,38.
Os pontos precedentes comportam o substrato econômico das ações da Pcç
tornando a realização destas ações bastante baratas aos gastos públicos.
As ações verificadas nesta pesquisa empírica acerca da PCç não interferem
nos interesses neoliberais. Ao contrário, a economia neoliberal pode se beneficiar do trabalho
voluntário, das doações de pessoas físicas e jurídicas, das parcerias com empresas e do uso da
estrutura eclesiástica de modo direto, uma vez que o Estado deixa de gastar com a
remuneração das líderes e com a manutenção da estrutura. Contudo, acredita-se que o exposto
anteriormente não invalida as ações realizadas pela PCç, sua importância para a sociedade
brasileira, e sua prática sócio-educativa como espaço de estímulo à formação da consciência
crítica e à mobilização comunitária numa perspectiva de transformação da realidade. O
programa de Geração de Renda é um exemplo, desta transformação da realidade, na medida
em que pode gerar ganhos para os envolvidos.
As palavras da Dra. Zilda Arns expõem o motivo das ações da PCç:
“... a PCç nunca quis substituir o Estado porque era deficiente. Mas quis sim educar
as famílias para um desenvolvimento integral da criança, dentro de um contexto de
fé e vida.” (Entrevista 10, p. 31)
Outro trecho da mesma entrevista esclarece:
“A Igreja se coloca nas pastorais sociais que são muitas. Sempre que identificado
um problema grave no Brasil se cria uma pastoral. Então ela sempre se põe ao lado
do povo oprimido. E criam uma pastoral para que eles compreendam a realidade e
promovam mudanças.” (Entrevista 10, p. 31).
Considera-se que a PCç não comunga dos valores neoliberais,. mas tão
somente pode ser funcional a esses. De fato, a Igreja realiza ações de responsabilidade Estatal
102
pela sua função de suplência. Essa suplência, baseada nos valores e nos critérios cristãos,
move a ação cristã diante da situação de pobreza e injustiça social.
3.3.2 Aspectos histórico-políticos
Uma breve reflexão sobre o ponto-de-vista histórico-político indica a
amplitude e o grau de inserção da PCç. O contexto histórico-político revela a diversidade
fisionômica da PCç e ainda aponta a PCç como integrante das políticas públicas sociais.
Constatou-se que a PCç teve suas origens numa reunião da ONU, realizada
em Genebra no ano de 1982. Nessa reunião, D. Paulo Evaristo Arns aceitou a proposta de
fazer com que a Igreja ensinasse as mães a preparem o soro caseiro para seus filhos vítimas de
diarréia e desidratação. Pode-se dizer que a história da PCç inicia-se “nas alturas”; afinal, uma
organização, seja eclesial, governamental ou laica, que tem sua origem em semelhante
reunião, não deriva somente das bases populares. Mas tal origem possibilita grandes sucessos
nos seus intentos, pois supõe o apoio de grandes poderes políticos e econômicos. O apoio à
PCç se deve ao poder constituído, mas sobretudo, ao povo simples e pobre que atua
voluntariamente há vinte e cinco anos.
Certamente que a influência da Igreja, sua inserção no tecido social brasileiro
muito contribuiu para que a PCç seja a organização de alcance nacional que todos conhecem.
Para particularizar, ainda mais, a história pessoal e familiar da Dra. Zilda
Arns também contribuiu nos rumos políticos da PCç. Pode-se dizer que a concepção da PCç
está “nas alturas”; no entanto, a sua geração, seu nascimento e crescimento se deu nas bases
populares da Igreja, no Brasil.
São as comunidades populares nas paróquias e nos bairros que dão a
fisionomia da PCç em cada canto do País, de acordo com seus valores, condições econômicas
103
e culturais. Em outras palavras, a PCç tem a fisionomia político-cultural do contexto social
onde está inserida. A participação política, quer seja na comunidade paroquial ou do bairro,
quer seja no município; depende do nível da consciência e da prática política de seus
integrantes. É a consciência das líderes, das coordenadoras, dos integrantes do clero, e dos
religiosos que fará com que a PCç, em sua prática sócio-educativa, transforme em maior ou
menor profundidade a realidade de pobreza onde atua. A realidade encontrada na pesquisa de
campo revela essas diferentes fisionomias da PCç.
Na cidade de Ortigueira não há integração entre as líderes e os agentes de
saúde do PSF; estes não aceitam os registros de pesagem das crianças realizadas pela PCç.
Por outro lado, também é nessa mesma cidade que mulheres integrantes do Movimento do
Sem Terra (MST) se organizaram para criar a PCç no assentamento.
A um primeiro olhar, tal situação parece um paradoxo, pois que junto aos
agentes de saúde as ações não são levadas em conta, enquanto que junto ao MST sim.
Contudo, uma análise mais detalhada leva à compreender a dinâmica dos alcances e dos
limites da ação da PCç, uma vez que as líderes são as principais agentes das ações da PCç e
essas são integrantes da própria comunidade. Percebeu-se que, quanto mais pobre,
desinformada, desmotivada e desmobilizada a comunidade, maiores serão suas limitações; e,
no caso, maior é a falta de integração das ações da PCç e das ações do PSF.
Por outro lado, quanto mais organizada e capaz de mobilização é a
comunidade, maior é a probabilidade de que ela alcance seus objetivos; e no caso, as
integrantes do MST que se tornaram líderes da PCç no acampamento.
Esses fatos revelam uma fragilidade nas ações da PCç em Ortigueira, pois,
como já citado, o Município apresenta um dos menores IDHs do Estado do Paraná. Acredita-
se que neste, e nos demais municípios, já nomeados anteriormente, a PCç precisa intensificar
ações de capacitação e de mobilização comunitária e, se possível, aplicar maiores recursos
104
financeiros. O inverso da lógica neoliberal é a lógica cristã, que centra seus esforços e
atenções junto aos mais pobres.
O grau de inserção política pode ser percebido pela influência da Dra.Zilda
Arns no governo brasileiro. Nos últimos dois Governos federais - primeiro e atual mandatos
do presidente Lula – a fundadora da PCç é representante titular da CNBB no Conselho
Nacional de Saúde (CNS) e no Conselho Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
(CNDES)
46
. Há líderes também representantes da PCç nos Conselhos Municipais de Saúde.
Outro indicador dessa influência política está na internacionalização da PCç. Atualmente a
PCç está em vários países da América Latina e da África.
As ações integradas com o Governo Federal vem acontecendo há alguns
anos. Foi a PCç que capacitou, em âmbito nacional, os agentes do Programa de Saúde da
Família para que este fosse implantado. As formas de trabalho do PSF foram inspirados na
metodologia da PCç.
A crítica elaborada por Montaño, acerca das ONGs e sua funcionalidade ao
neoliberalismo chama a melhores considerações: se a PCç, em alguns momentos, é funcional
ao capital globalizado, isso não a impede de colaborar na articulação das lutas sociais
populares, como é a proposta do autor para o enfrentamento do neoliberalismo. A alternativa
para o terceiro setor de intenção progressista é a articulação das lutas sociais, que se dá
cotidianamente nas bases populares dos setores progressistas da sociedade civil. Segundo o
autor “[...] é o caminho para a (sic) transformação no enfrentamento ao neoliberalismo e na
superação da ordem vigente”. (MONTAÑO, 2003, p. 260).
A colaboração nas lutas sociais populares vem acontecendo no cotidiano da
práxis sócio-educativa da PCç, tanto através da atuação do articulador nos Conselhos
Municipais de Saúde, como na mobilização e educação comunitária para a
46
Fonte: http://portalrpc.com.br/gazetadopovo/impressa/parana/conteudo/phtml acessado em 29 /02/08.
105
concretização/manutenção de direitos básicos e a garantia dos serviços públicos de educação e
de saúde.
A diversidade fisionômica apresentada na prática sócio-educativa não é
privilegio da PCç. As práticas sociais progressistas sempre apresentaram essa diversidade.
Essa diversidade fisionômica é devida aos condicionamentos sócio-econômicos, culturais e
ideológicos (condicionamentos objetivos) e aos diferentes níveis de consciência da
intencionalidade da prática político-educativa (condicionamentos subjetivos).
A Pedagogia Freireana postula que é necessário que a liderança/líder respeite
a autonomia dos oprimidos/mães-liíderes. Lançar mão da educação bancária para alcançar a
libertação seria uma incoerência. A libertação/transformação somente se alcança pela
conscientização que é processo continuo de ação-reflexão-ação-reflexão, que é a própria
práxis. Freire afirma também que utilizar as estratégias da teoria da ação antidialógica levaria
à simples troca de lugares entre opressores e oprimido e não à transformação. Considera-se
que a paciência histórica e pedagógica é fundamental no processo de transformação.
A presença da ética cristã e da ação das pastorais sociais alteram as forças
políticas brasileiras. A práxis sócio-educativa da PCç é um exemplo dessa alteração. Entende-
se que a PCç mobiliza e estimula suas líderes e coordenadoras para uma prática
reivindicadora e não uma prática assistencialista. Não é uma tarefa fácil. É preciso respeitar a
caminhada de cada líder e de cada coordenadora e saber manejar a dialética entre o pessoal e
o comunitário, entre o que é possível transformar e criar agora (o inédito viável) e aquilo que
é impossível realizar devido às condições históricas que condicionam o presente.
3.3.3 Aspectos psico-religiosos
106
Analisar a dimensão psico-religiosa significa procurar compreender as
motivações pessoais dos integrantes da PCç. A análise procura focar a pessoa da líder, uma
vez que a líder é a protagonista das ações educativas e da dinamização da PCç; importa
lembrar que, para ser coordenadora em qualquer âmbito – comunitário, paroquial, ou
diocesano – é necessário primeiramente ter exercido a função de líder.
QUADRO 2 – Caracterização das líderes e coordenadoras da Pastoral da Criança
participantes das capacitações observadas.
Perfil das
Líderes
Cidades
Telêmaco Borba Ponta Grossa União da Vitória
Capacitação Brinquedos e
brincadeiras
Atualização do Guia do
Líder
Missão e Gestão
Presença do
sexo masculino
01 02 0
Idade 12 a 19 – 04 pessoas
28 a 34 – 04 pessoas
42 a 46 – 04 pessoas
51 a 59 – 03 pessoas
23 a 28 – 02 pessoas
34 a 39 – 05 pessoas
46 a 50 – 06 pessoas
51 a 55 – 07 pessoas
30 a 47 – 04 pessoas
53 a 57 – 04 pessoas
67 a 69 – 02 pessoas
Escolaridade EFC – 06 pessoas
EFI – 04 pessoas
EMC – 02 pessoas
ESC – 02 pessoas
ESI – 02 pessoas
EFC – 01 pessoa
EMC – 11 pessoas
EMI – 05 pessoas
ESC – 02 pessoas
ESI – 01 pessoa
EFI – 01 pessoa
EMC – 04 pessoas
EMI – 01 pessoa
ESC – 01 pessoa
ESI – 01 pessoa
Não inf. – 02 pessoas
Educandos Líderes e candidatas a
brinquedistas
Coordenadoras de
ramo/paróquia
Coordenadoras de
ramo/paróquia
Total de
participantes
16 20 10
Fonte: Diário de Campo.
A maioria dos líderes são mulheres oriundas das próprias comunidades onde
atuam. De acordo com o quadro dois (acima) a escolaridade varia bastante de acordo com a
cidade. A idade das participantes também varia incluindo-se adolescentes até senhoras com
mais de cinqüenta anos.
Há um aspecto que é comum a todos os integrantes da PCç. Tanto os homens e
mulheres, quanto as líderes ou coordenadoras declararam que a motivação para o
trabalho voluntário advém dos valores evangélicos.
107
Um líder da cidade de Teixeira Soares, ao ser questionado sobre o trabalho
que realiza relata o seguinte:
[...]o que tem, o que segura, o alicerce da nossa pastoral é a mística, a oração, a
gente se entregar totalmente a Deus, não adianta eu fazer uma coisa de repente, é só
pra aparecer, se eu não ter Deus comigo [...] (Entrevista 02/06 p.01).
[...] que a gente consegue voltar lá, e chamar novamente pela aquela família,
inclusive comigo, aconteceu várias vezes, porque a gente sai da casa e esquece da
grande pessoa que é Jesus, e se ele não vigia a gente, e Nossa Senhora não está
acompanhando a gente, pra gente enfrentar, a gente vai enfrentar dificuldade, a PC
não é aceita por muitas famílias, não é aceita nem por muitos padres, tem padre que
rejeita, inclusive eu, a porta, da paróquia, muitas vezes foi fechada pra mim, porque
não queriam saber da PC, hoje graças à Deus, tem os párocos que nos recebem
muito bem, somos muito bem acolhidos, mas no passado, então eu não desanimei,
teve época que a gente só podia ficar com uma líder, a gente tinha um grupão de
líder e teve época que eu fiquei com uma líder, eu disse Senhor, se o trabalho é seu,
dá pessoas pra mim continuar, eu não vou deixar esse trabalho e, inclusive nesse
conhecimento de treinamento, curso e mais curso que a gente fez, através da PC,
até parto eu fiz dentro de casa, noites frias, salvei crianças, dentro de choupanas, de
casinhas bem pequeninas, de só ter uma luz pra clarear, eu fiz parto e hoje as
crianças estão grandes então depois de pronto, levei pro médico e o médico me
parabenizou por eu ser uma pessoa leiga e poder fazer esse trabalho maravilhoso,
mas se eu não tivesse o conhecimento da PC com vários e vários cursos eu também
seria uma pessoa que não teria condições de fazer. (Entrevista 02/06, p.01).
[...] eu sou há 25 anos de casado, a minha idade, hoje, já é praticamente 50 anos, e
já to entrando nessa idade, mas eu tenho uma filha maravilhosa, com 22 anos, e
uma esposa que também me apóia, me dá assim, toda a força, pra eu fazer esse
trabalho, minha filha trabalha comigo na PC também, visitando ela é líder, tem uma
irmã minha que trabalha também, então a gente tem aquele alicerce, assim, de um
apoiar o outro, a gente trabalha sempre se ajudando, então na PC, a gente vê que
naquela família, não precisa de ter, tanta ajuda material, mas ela precisa mais de
ajuda espiritual, uma palavra amiga, de repente chegam na gente, e pedem, façam
uma oração pra mim, eu to tão péssimo, e eu depois, não são curandeiro, mas me
tornei curandeiro, não sou médico, mas me tornei médico da família, então muitas e
muitas famílias que não me recebiam na primeira, nem na segunda, até na terceira
visita, mas eu rezava, senhor eu volto aqui, essa família eu tenho que salvar, logo
em seguida eles iam atrás de mim, olha ta acontecendo tal coisa, as vezes eu tava
dormindo na minha casa de noite, e batiam pedindo, e se eu fosse uma pessoa dura
de coração e não tivesse Cristo junto comigo, eles nem iriam na minha casa, e
muitas vezes eu próprio passava e eu amanhecia fazendo soro caseiro, fazendo
alguma espécie de remédio que eu tinha capacidade de fazer e saberia que eu ia dar
conta do recado, então é gratificante isso. (Entrevista 02/06, p. 02).
A participação das líderes da comunidade, nas atividades, é carregada de um
sentido de responsabilidade. O sucesso de suas ações junto às famílias favorece o
desenvolvimento da auto-estima do líder; é um valor que existe na motivação dos integrantes
da PC. Contudo, conflitos inter-pessoais são motivos de desmobilização e desistência de
alguns líderes.
108
As informações da pesquisa de campo indicaram que a PCç é espaço de
desenvolvimento e cultivo da auto-estima, da motivação para a ação comunitária e da
vivência de dinâmicas de interiorização e dinâmicas de relacionamento interpessoal. Esse
espaço se manifesta como tal nas atividades de educação para a paz, de espiritualidade, de
relaxamento, de danças, de brincadeiras, de canto e de música.
47
Na dimensão comunitária, a PCç se torna espaço para ação social e política.
A mística é fator fundamental na sustentação e expansão das ações sócio-educativas da PCç.
O perfil da líder é composto por diversas facetas. A partir da identidade de
evangelizadora a líder torna-se voluntária, agente de pastoral, organizadora e mobilizadora
comunitária, e educadora.
3.4 A prática social da PCç numa perspectiva educativa
Viu-se que a prática educativa se encontra ora mais ora menos explicita na prática
social. Ao buscar maior explicitação das ações educativas efetivadas pela PCç essas
revelaram vários elementos e perspectivas, que compõem um panorama do educativo
realizado pela PCç. A pesquisa confirmou a PCç como um locus de educação não-formal;
possibilitou uma sistematização (certamente não a única possível, pois essa é apenas uma
leitura realizada através desta pesquisa) da Pedagogia que sustenta a prática educativa da PCç
e identificou algumas categorias freireanas propostas para a análise deste estudo/pesquisa.
3.4.1 A Pastoral da Criança como Educação Não-Formal
47
Cf. as figuras 3 e 4 em apêndice.
109
A prática educativa da PCç possui características bem específicas. Essas características
se inserem no conjunto das práticas educativas não-formais e se coadunam com as
características gerais dessa modalidade educativa. Uma dessas características é a possibilidade
de dispensa da fixação de tempo e de espaços para a realização das ações educativas. A PCç
realiza suas ações educativas em diversos espaços: ao visitar as mães, nas casas das famílias;
ao realizar reuniões de reflexões e de avaliação, na comunidade paroquial ou do bairro, ao
realizar os Dias de Celebração da Vida, e nas próprias palestras de natureza educativa.
Nestas ações, a prática educativa é intencional e as líderes seguem as orientações
recebidas nas capacitações, mas o grau de sistematização é quase nulo. De fato, na visita
domiciliar a líder ensina através de um colóquio e o tempo de cada visita varia de acordo com
a situação da família orientada. Nas reuniões o grau de sistematização é maior, pois, em sua
grande maioria as reuniões seguem o método VJAAC. Nas capacitações, o grau de
sistematização é ainda maior, é se revela igualmente maior a consciência da intencionalidade
educativa das ações. Segundo Libâneo (2007), é o grau de sistematização e intencionalidade
do processo de educar que dará a diferença entre a educação formal e a educação não-formal.
A sistematização e a intencionalidade pedagógicas são menores na educação não-formal.
Outra característica da educação não-formal diz respeito à flexibilização do conteúdo
e da aprendizagem (Afonso, 1989); esta flexibilização foi identificada em todas as atividades
e, sempre que necessário, o planejamento das ações era revisto e adaptado às necessidades do
momento e do grupo específico.
Uma terceira característica da educação não-formal, postulada por Gohn (2001)
são as dimensões da aprendizagem. Dentre essas dimensões, a prática sócio-educativa da PCç
apresenta as dimensões da “aprendizagem da organização comunitária” e da “aprendizagem
política dos direitos individuais”.
110
De acordo com Afonso (1989 apud VON SIMSON, 2001), as práticas educativas não-
formais podem levar a uma certificação, ainda que esta não figure entre seus objetivos. A PCç
certifica todas as pessoas que participam (com carga horária integral) das capacitações. Por
ocasião do concurso público do PSF, para o cargo de agente de saúde, tal certificação foi fator
de maior pontuação para os concorrentes.
O entendimento de Libâneo (2007, p.93) acerca da educação enquanto sistema,
possibilita considerar a PCç não só como uma prática educativa não-formal, mas, tamm
como um sistema educativo não-formal organizado em redes comunitárias.
3.4.2 Uma sistematização da proposta pedagógica da PCç
Paulo Freire (1993), em Política e Educação, afirma que os componentes
fundamentais de toda a prática educativa dependem das seguintes condições:
1) presença dos sujeitos do processo educativo (educador e educando),
2) existência de objetos de conhecimento e de conteúdos programáticos,
3) definição de objetivos que orientam a prática educativa;
4) existência de métodos, técnicas de ensino e materiais didáticos coerentes com os objetivos.
A prática social da PCç apresenta todos os componentes acima elencados. Na
exposição que segue, se acrescentou junto à metodologia os princípios, que são a base sobre a
qual se assenta a prática sócio-educativa da PCç.
1) Dos educadores e dos educandos:
Há, um revezamento nas funções de ensinar e de aprender entre todos os integrantes
da PCç. Ora no papel de educando, ora no papel de educador.
111
A ação educativa tem como finalidade ensinar às mães e às suas famílias. A equipe
multi-profissional capacita as multiplicadoras para que estas capacitem as capacitadoras e
essas por sua vez, ensinam às líderes. No centro dessa dinâmica estão as mães que são
orientadas pelas líderes. O figura abaixo esclarece a dinâmica desse revezamento.
Essas troca e interligação de papéis se apresentam também numa perspectiva freireana,
onde todos aprendem e todos ensinam; interessantes as palavras de uma líder do município de
Ortigueira: “... assim, ensinar... ensinar não, né! A gente ensina aprendendo também...”
(Entrevista 05).
2) Dos objetivos:
Os objetivos educativos são claros: educar as mães e as famílias acerca dos cuidados
básicos necessários à saúde, nutrição e desenvolvimento infantil; organizar e mobilizar a
comunidade para a conquista e manutenção dos direitos sociais básicos.
Os conhecimentos são partilhados e apresentam duas naturezas. Uma das naturezas é
ser conhecimento didático e metodológico para a concretização das ações educativas.
Mães e
famílias
Líderes
Capacitadoras
Multiplicadoras
Equipe multi-profissional
112
Incluem-se nesses o método VJAAC, a abordagem a ser praticada na visita às mães, a coleta
dos indicadores de saúde e o preenchimento das folhas de acompanhamentos. Outra natureza
é a do conhecimento enquanto conceito, valor e práticas de atendimentos à criança a serem
ensinados às mães e suas famílias. Os conhecimentos conceituais, valorativos e práticos
podem ser classificados em três grandes áreas: Saúde, Cidadania e Educação; com seus temas
básicos que constam nos guias-teórico metodológicos.
Os conhecimentos relativos à Saúde subdividem-se em prevenção de doenças, nutrição
higiene, gestação, aleitamento materno e desenvolvimento infantil. Os conhecimentos
implicados na prática da Cidadania abordam os direitos da criança, da gestante, e da mãe; bem
como a participação e mobilização comunitária e ainda os Conselhos Municipais de Saúde. E
os conhecimentos acerca da Educação incluem a criação de grupos para alfabetização de
adultos e a importância do brincar no desenvolvimento infantil, as etapas do desenvolvimento
infantil e as atividades e brincadeiras para estimular o desenvolvimento do bebê e da criança.
3) Dos princípios éticos e da metodologia:
A prática sócio-educativa da PCç se assenta nos princípios do bem comum, da
subsidiariedade e da solidariedade contidos na DSI expostos no Capítulo l. Estes princípios
concordam com a antropologia católica, que vê o homem e a mulher como filhos de Deus,
criados à sua imagem e semelhança. Por essa origem somos todos, em qualquer tempo, espaço
e cultura, pessoas de igual dignidade, ainda que a digna vivência digna negada a muitos. A
PCç educa para que as crianças e suas famílias possam gozar da dignidade de criaturas
divinas.
4) Da metodologia:
A metodologia da PCç funda-se essencialmente no método VJAAC aliada à dois
pontos da pedagogia de Jesus descritos nos escritos evangélicos: a organização comunitária
em pequenos grupos e o envio de duas líderes (ou mais) para visitar as famílias.
113
A formação contínua e a capacitação fazem parte da metodologia. A formação abrange
desde os primeiros contactos das líderes com a PCç, passando pelas capacitações, até o
acompanhamento das atividades na comunidade. De acordo com a própria PCç
48
, a formação
contínua deve levar em conta a realidade das comunidades, o saber e a experiência de mães,
líderes, coordenadoras e profissionais da área, o aprofundamento dos conhecimentos técnicos,
os resultados alcançados e a vivência da mística da PCç. A capacitação, à serviço da
formação, se concretiza em cursos e oficinas para a aprendizagem dos conhecimentos e da
metodologia necessários à realização das ações educativas. Segundo o documento antes
referido, a base metodológica apresenta quatro características:
a) evangelizadora: porque faz o trabalho a partir da mística cristã, que é a união de fé e
de vida;
b) técnica: porque decodifica os conhecimentos científicos e os incorpora na área da
saúde, da nutrição, da educação e da cidadania, relacionados à gestante e à criança;
c) popular: porque relaciona esses conhecimentos científicos com o saber popular para
a construção de novo saber, significativo para as líderes e suas famílias;
d) cidadã: porque contribui para a conquista de direitos sociais básicos das crianças e
suas famílias.
A metodologia realiza uma transposição didática do conhecimento cientificamente
elaborado para o saber popular.
5) Das técnicas e dos recursos didáticos:
As técnicas empregadas pela PCç se constituem num leque composto por vivências,
atividades de expressão artística, atividades lúdicas, estudos dos guias teórico-metodológicos
e realização de assembléias.
48
In Pastoral da Criança. Orientações sobre a Missão dos Coordenadores de Ramo e Área na Pastoral da
Criança. Documento Preliminar. Curitiba, fevereiro de 2004, p. 12-13.
114
As vivências incluem dinâmicas de sensibilização e socialização, momentos de
relaxamento e meditação. A expressão artística inclui a dramatização, o desenho, a pintura, o
canto e a dança. Nas atividades lúdicas (além da expressão artística) se verificaram as
brincadeiras cantadas, a contação de estórias, o brincar e o resgate de brincadeiras
folclóricas.
49
O estudo
50
é geralmente realizado no círculo, por meio de leitura silenciosa seguida de
debate, ou é o estudo dirigido, realizado em pequenos grupos, e também seguido de exposição
e debate. Nas capacitações “Guia do Líder” e “Missão e Gestão”, acompanhadas na pesquisa
de campo, a carga horária de estudo foi de dez horas diárias. As assembléias de caráter
deliberativo se constituem em momentos de aprendizagem política e são realizadas em todos
os níveis da organização hierárquica da PCç: paroquial, diocesano (ou setorial), estadual e
nacional.
Entre os recursos didáticos se encontram os guias teórico-metodológicos e o jornal da
PCç; o jornal tem uma tiragem mensal de 280 mil exemplares e traz reportagens acerca das
ações da PCç no Brasil, informações e conteúdos referentes aos temas ensinados.
3.4.3 A Pedagogia Freireana na prática sócio-educativa da PCç
Acredita-se que a cosmovisão que compõe as entrelinhas da obra de Paulo Freire é
uma das maiores virtudes da Pedagogia Freireana. Pois, aderindo à cosmovisão Freireana, é
possível reinventar a sua pedagogia nos mais diversos e diferentes espaços educativos. A
Pastoral da Criança, em sua prática sócio-educativa, é um destes espaços possíveis.
49
Cf. figuras 3 e 4 em apêndice.
50
Cf. figuras 5, 6, 7 e 9.
115
Considera-se que, na prática sócio-educativa da PCç, a Pedagogia Freireana está entre
a recriação e a adaptação. A Pedagogia da PCç se aproxima da práxis freireana pela
metodologia (seja pelo método VJAAC, seja pela formação de pequenos grupos e pela
finalidade político-transformadora da prática educativa). Tanto Paulo Freire, quanto o
método VJAAC levam a uma práxis e não apenas a uma prática. Sobre a práxis, Paulo Freire,
em Pedagogia do Oprimido (1983, p. 40), afirma: “A práxis, porém, é reflexão e ação dos
homens sobre o mundo para transformá-lo. Sem ela, é impossível a superação da contradição
opressor-oprimido”. Mais à frente, outra afirmação remete à ligação entre práxis e diálogo
(1983, p. 91) “Não há palavra verdadeira que não seja práxis.” A palavra dividida em ação e
reflexão leva à práxis; e essa é a cotidianidade das líderes e coordenadoras da PCç, estudam,
refletem e conhecem, se comprometem, agem, avaliam e celebram... continuamente.
As categorias que tendem à recriação são: conscientização, colaboração,
solidariedade, diálogo e a educação como ato político.
A metodologia da Pastoral da Criança permite a conscientização do pobre sobre sua
situação de pobreza e permite, também, sua organização coletiva na comunidade, procurando
assim soluções para a melhoria de suas vidas e levando a comunidade a um processo
constante de educação e de transformação das condições de vida material. Contudo, algumas
integrantes têm consciência da natureza político-educativa das suas ações; outras não; e
outras ainda ficam em dúvida se educam ou não educam. Essa variação quanto à consciência
da intencionalidade político-educativa das líderes e coordenadoras se apresenta de acordo
com as funções e com as comunidades; a consciência é maior nas líderes que têm alguma
função de coordenação. Acredita-se que as líderes coordenadoras participam mais
constantemente de capacitações do que as líderes da comunidade, a capacitação constante
pode contribuir para a diferenciação da conscientização. Intensificar as capacitações nas
116
comunidades pode ser uma contribuição para estimular o aprofundamento do processo de
conscientização.
A colaboração e a solidariedade são vividas na comunhão de tempo, valores e ações
dos integrantes, conforme a prática educativa freireana, que supõe comunhão de objetivos,
finalidades e metodologia. Entende-se que a prática sócio-educativa da PCç é uma prática de
comunhão. A colaboração em Freire tem o sentido de comunhão; o co-laborar, é muito mais
que o estar juntos, mais do que colaborar numa ou noutra situação, é acreditar e viver os
mesmos valores e para as mesmas finalidades.
Uma das condições para a práxis dialógica freireana é a comunhão de finalidades. Na
prática sócio-educativa da PCç aparece o diálogo freireano; pois a relação entre os
participantes revela uma horizontalidade característica de Paulo Freire. Na PCç, essa
horizontalidade leva a uma circularidade dialógica constante. Verificou-se essa circularidade
nos encontros de avaliação, onde as coordenadoras falam e escutam, e as líderes igualmente
falam e escutam em todos os momentos inclusive em questões deliberativas. Contudo, é
necessário que os temas e as situações-problemas sejam mais problematizados, aprofundando
a reflexão na procura pelas relações de causas e efeitos e por alternativas de ação. Esse
aprofundamento também contribuirá no processo de conscientização.
A educação problematizadora tende à adaptação, pois o diálogo, muitas vezes, não é
suficientemente problematizador. A pesquisa de campo não revelou uma prática educativa
bancária, mas somente uma falta de aprofundamento reflexivo como acima referido.
A categoria oprimido é personificada nos pobres, sejam eles as mães e suas famílias,
sejam eles as próprias líderes e coordenadoras que geralmente vivem na comunidade.
A categoria opressor não aparece na prática sócio-educativa da PCç. Considera-se
que esta categoria não aparece, porque as líderes e coordenadoras não estão preocupadas com
117
o opressor, mas com a opressão. A PCç não busca a revolução, mas a transformação da
situação de pobreza.
A concepção freireana de educação como ato político é vivenciada na PCç. As
atividades de mobilização e participação comunitária, como as eleições
51
para coordenadoras,
as assembléias de caráter deliberativo, e a existência e a participação do articulador da PCç
nos Conselhos de Saúde revelam a politização da práxis sócio-educativa. Sobre a participação
da PCç nos conselhos assim se expressa a Dra. Zilda Arns:
“A própria Pastoral fomenta os conselhos. Agora o Conselho de Segurança
Alimentar! Parece que se a Pastoral não entra, não sai. Tem o conselho do idoso.
Nós estamos no Conselho do Idoso. Não são só conselhos de controle social sobre
as verbas, mas também são precursores de políticas públicas.” (Entrevista 10, p. 30)
51
Cf. figura 2 em apêndice.
118
CONCLUSÃO - PASTORAL DA CRIANÇA: UMA PRÁTICA POLÍTICO-
EDUCATIVA NÃO-FORMAL
Tendo assumido como pressuposto que as práticas sociais incluem práticas de natureza
educativa, a pesquisa indicou as diferentes modalidades de prática educativa postuladas por
Libâneo (2007).
Os conceitos e as características da educação não-formal Libâneo (2007), de Afonso
(1989) e de Von Simson (2001) permitiram definir a prática social da PCç, como uma prática
educativa não-formal. E os elementos constitutivos da prática educativa, conforme Freire
(2003), permitiram sistematizar uma Pedagogia da PCç: as líderes e as mães são
simultaneamente educandas e educadoras, e a metodologia estimula tanto o processo
conscientização crítica como a transformação social. Seus princípios educacionais consideram
o ser humano em sua dignidade de criaturas divinas. Existem recursos didáticos em
consonância com os objetivos propostos. Os conhecimentos ensinados são transdidatizados da
linguagem científica para a linguagem popular e têm se mostrado relevantes para a educação
das mães e das famílias atendidas.
A pesquisa evidenciou que, na prática sócio-educativa da PCç, a Pedagogia Freireana
está entre a recriação e a adaptação. As categorias conscientização, solidariedade, diálogo e
educação como ato político tendem à recriação; as demais categorias investigadas tendem à
adaptação ou não estão personificadas na prática dos sujeitos pesquisados.
As aproximações da prática sócio-educativa da PCç com a Pedagogia Freireana
permitiram considerar aquela como uma pedagogia político-educativa na perspectiva da
transformação das condições de pobreza. É uma pedagogia que leva a uma práxis educativa,
pois sua metodologia articula a reflexão-ação-reflexão-ação e se insere na realidade concreta
das comunidades. Leva a uma práxis educativa e não somente a uma prática educativa.
119
Entende-se, portanto que PCç em sua prática social se apresenta, também, como uma prática
político-educativa não-formal transformadora. A singularidade dessa pedagogia está na sua
metodologia transformadora e na religiosidade de sua concepção antropológica.
A pedagogia que sustenta a prática sócio-educativa da PCç é uma pedagogia singular
onde os princípios da ética e da antropologia católicas e a metodologia do VJAAC são
mesclados com o diálogo, a conscientização e a solidariedade freireanas. Pedagogia,
portanto, humanista-cristã e popular para transformação social.
Acerca da PCç como integrante das políticas públicas, a pesquisa revelou que a PCç,
no aspecto econômico, pode ser funcional ao sistema neoliberal, uma vez que o Estado se
utiliza da estrutura da Igreja e do trabalho voluntário. Mas, a PCç não comunga com os
valores econômicos do neoliberalismo. A PCç realiza ações de responsabilidade do Estado
pelo princípio da suplência. Essa suplência, baseada nos valores e nos critérios cristãos, move
a ação cristã diante das situações de pobreza. A referida funcionalidade aos valores
neoliberais, tampouco atrapalha ou impede da PCç de colaborar nas lutas sociais populares.
Viu-se que a ação político-educativa efetivada pela PCç educa suas integrantes para a
conscientização e mobilização comunitária.
Outro aspecto da inserção política da PCç se revela na história da CNBB junto à
sociedade brasileira, pois a Igreja é formadora de mentalidades; um exemplo dessa formação
está no fato de terem sido os integrantes da PCç que capacitaram os agentes do PSF
(governamental) quando da implantação do mesmo; e, ainda, o PSF utiliza a metodologia da
PCç.
Uma vez que, a PCç recebe verbas públicas para o custeio de suas ações e,
principalmente, realiza ações de natureza educativa em todo o território brasileiro; ela pode
ser considerada como integrante das políticas públicas. Uma política pública de caráter de
120
Estado - e não de governo; é óbvio o entendimento, visto que, nos cinco últimos Governos
Federais, a PCç vem recebendo verbas públicas.
Ainda quanto ao potencial transformador da metodologia e da práxis da PCç: essa
capacidade de transformação se deve ao fato de ser uma política pública que se faz prática
sócio-educativa, diferentemente das políticas de condicionalidades. Para Gadotti (2006, p. 9),
“a cidadania precisa controlar o Estado e o mercado, verdadeira alternativa ao capitalismo
neoliberal e ao socialismo burocrático”. Considera-se que, se a Pastoral da Criança não
interfere no sistema econômico neoliberal; ela atua nas lacunas ou frestas que o mesmo
sistema necessariamente cria no espaço do cotidiano social. Nessas lacunas, se tornou
possível educar para a transformação das condições de pobreza.
Erradicar a pobreza, respeitando a autonomia que existe em cada homem e mulher
pobres, não é tarefa fácil. Freire em sua Pedagogia da Esperança afirma:
Pensar que a esperança sozinha transforma o mundo e atuar movido por tal
ingenuidade é um modo excelente de tombar na desesperança, no pessimismo, no
fatalismo. Mas prescindir da esperança na luta para melhorar o mundo, como se a
luta se pudesse reduzir a atos calculados apenas, à pura cientificidade, é frívola
ilusão. Prescindir da esperança que se funda também na verdade como na qualidade
ética da luta é negar a ela um de seus suportes fundamentais. O essencial, como
digo mais adiante no corpo desta Pedagogia da Esperança, é que ela, enquanto
necessidade ontológica, precisa de ancorar-se na prática. (FREIRE, 1992, p. 10)
Considera-se que a PCç vem praticando a Pedagogia da Esperança de uma forma ética,
usando um termo freireano, repleta de boniteza.
No que diz respeito ao alcance dos objetivos pretendidos por esse estudo/pesquisa se
registra que à medida que a etnopesquisa avançou, se revelaram a complexidade e a amplitude
do objeto de estudo, bem como a impossibilidade da conclusão definitiva. O que aqui se
apresentou foi uma primeira aproximação ao objeto. As questões levantadas nesse
estudo/pesquisa reclamam e sugerem várias pesquisas específicas. Dentre essas, se destacam
pesquisas que aprofunde a potencialidade política da Pedagogia da PCç, talvez apoiada na
metodologia da pesquisa participante. Considera-se que essa metodologia pode colaborar com
121
a prática político-educativa da PCç e possibilitar aos seus integrantes o aprofundamento na
prática pedagógica Freireana.
122
Referências:
ALTANER, B. Patrologia. Editora Marietti, 1951, p. 220.
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Pastoral da Criança no município de Vera Cruz/SP. 1999. Dissertação (Mestrado em
Saúde Pública) - Universidade de São Paulo, São Paulo,1999.
ÁVILA, M. M. M. Significados culturais da multimistura: crenças e conhecimentos de
mães e líderes pastorais. 1999. Dissertação (Mestrado em Saúde Pública) - Fundação
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Curitiba, 2004.
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127
APÊNDICES
128
Fig. 1 - Pagamento das despesas de viagem. Ponta Grossa -PR
Fig. 2 - Escolha da coordenadora de ramo (paróquia). Ortigueira -PR
129
Fig. 3- Exercício de relaxamento. Encontro Diocesano. Ponta Grossa -PR
Fig. 4 - Cantigas de roda. Encontro Diocesano. Ponta Grossa -PR
130
Fig. 5 - Leitura e reflexão em pequenos grupos. Ponta Grossa -PR
Fig. 6 - Estudo dirigido no círculo. Ponta Grossa -PR
131
Fig. 7 - Leitura em grupo - Capacitação: Brinquedos e Brincadeiras na comunidade.
Telêmaco Borba -PR
Fig. 8 - Clube de gestantes. Palestra sobre DST. Ponta Grossa -PR
132
Fig. 9 - Estudo dirigido. Capacitação Brinquedos e Brincadeiras. Telêmaco Borba -PR
Fig. 10 - Oficina de Brinquedos. Telêmaco Borba -PR
133
ANEXO 1
Gráfico das fontes de recursos da PCç
134
ANEXO 2
Fluxograma da estrutura da CNBB, da PCç e da República Federativa do Brasil.
Fonte: PASTORAL DA DRIANÇA. Orientações sobre a Missão dos Coordenadores de Ramo
e Área na Pastoral da Criança: documento preliminar. Curitiba, 2004.
135
ANEXO 3
Organograma da Pastoral da Criança
136
ANEXO 4
Folha de Acompanhamento da Criança e da Gestante
137
ANEXO 5
Folha de Acompanhamento e Avaliação Mensal das Ações Básicas de Saúde e de Educação
na Comunidade.
138
ANEXO 6
Folha de Acompanhamento Mensal do Conselho Municipal de Saúde
Livros Grátis
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