Download PDF
ads:
UFSM
Dissertação de Mestrado
REPRESENTAÇÕES DO FEMININO NA CAMPANHA ELEITORAL
DE 2006: YEDA CRUSIUS EM FOTOGRAFIAS JORNALÍSTICAS
DE ZERO HORA
Laura Elise de Oliveira Fabricio
PPGCOM
Santa Maria, RS, Brasil
2009
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
Autora: Laura Elise de Oliveira Fabricio
REPRESENTAÇÕES DO FEMININO NA CAMPANHA ELEITORAL DE 2006: YEDA
CRUSIUS EM FOTOGRAFIAS JORNALÍSTICAS DE ZERO HORA
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Comunicação Midiática da
Universidade Federal de Santa Maria como
requisito parcial para obtenção do grau de
Mestre em Comunicação.
Orientador: Prof. Dr. Adair Caetano Peruzzolo
SANTA MARIA
2009
ads:
LAURA ELISE DE OLIVEIRA FABRICIO
REPRESENTAÇÕES DO FEMININO NA CAMPANHA ELEITORAL DE 2006:
YEDA CRUSIUS EM FOTOGRAFIAS JORNALÍSTICAS DE ZERO HORA
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Comunicação Midiática da
Universidade Federal de Santa Maria como
requisito parcial para obtenção do grau de
Mestre em Comunicação.
Aprovado pela Banca Examinadora em 03 de março de 2009.
BANCA EXAMINADORA:
____________________________________________________
Prof. Dr. Adair Caetano Peruzzolo – UFSM
ORIENTADOR
____________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Nísia Martins do Rosário – UNISINOS
____________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Elisângela Carlosso Machado Mortari – UFSM
Dedico este trabalho, com muito amor, a uma mulher que é a minha
fonte de inspiração por sua bravura, seu heroísmo e por tudo que
ousou fazer em um tempo em que não se podia transgredir as normas,
me mostrando que as coisas podem ser mudadas na história e na vida.
Minha mãe, Dulce Fabricio... nada do que houve em 1964 seria
possível se também não estivesses lá, fazendo história e contribuindo
para a evolução de todas nós, mulheres.
AGRADECIMENTOS
Quero agradecer a Deus, a Eleguá, a Ogum e a Oxóssi, entidades e forças que estão sempre
comigo iluminado o meu caminho, me trazendo inteligência, sabedoria e força, todos os
quesitos necessários para fazer este trabalho e concluir esta etapa.
À Marina, por ter contribuído com a sua inteligência, perspicácia e sabedoria em todas as
etapas dessa dissertação. Por perceber, sem que eu precisasse pedir, que eu necessitava de
ajuda: livros trazidos da biblioteca da Unisinos, artigos enviados, discussões e conversas tão
bem aproveitadas sobre o que temos em comum (entre outras coisas): a paixão pelo
fotojornalismo. Por sentar ao meu lado, trazendo palavras de estímulo e dando apoio quando a
exaustão bateu. Obrigada é uma palavra muito pequena para agradecer o companheirismo e
traduzir a gratidão....por tudo e sempre!
Ao meu pai, Deodato Fabricio, que amo muito e que me incentivou desde cedo a ser atuante
na política e na vida, me mostrando sempre que só as mulheres têm as rédeas e a capacidade
de mudar o seu próprio tempo e história.
À ex-coordenadora, ex-colega e sempre amiga Elis (Elisângela Mortari) que acompanha esta
pesquisa desde o anteprojeto de mestrado. E que na vida em Santa Maria, torna alguns dos
meus dias mais alegres e mais amigáveis ao me receber em sua casa junto com o Tio Sérgio, o
meu amigo André e a pequena Clarinha. Obrigada pela leitura atenta, pelas constantes
contribuições e pela acolhida!
À professora Nísia Rosário, pela disponibilidade para avaliar este trabalho, pelas dicas tão
sábias que transformaram essa dissertação, mas, principalmente, por uma determinada
conversa que me fez acreditar em mim mesma.
Aos colegas da UNIFRA, que me mostram a todo o instante a necessidade de sermos
inteligentes e melhores como seres humanos e professores. Em especial ao Bebeto, por
dividirmos momentos como colegas e como amigos, pelo respeito e carinho. Ao Gilson Piber,
agradeço as conversas e o carinho recíproco. À Glaíse, pela amizade e acolhimento no
ambiente de trabalho.
À ex-colega de redação do Diário de Santa Maria, Iara Lemos, por quem tenho grande
admiração como profissional. Agradeço pela rica entrevista que concedeste.
Aos professores e colegas do PPGCom da UFSM, por dividirem essa trajetória de
amadurecimento. Em especial à colega Vivian Castro, que acompanhou de perto esse
processo e tornou-se uma amiga. E ao meu orientador, professor Adair Peruzzolo, com quem
cresci e amadureci como pesquisadora. O meu sincero agradecimento pela sabedoria
compartilhada e por acreditar em mim e no meu trabalho.
A fotografia é uma operação instantânea,
tanto sensorial quanto intelectual – uma
expressão do mundo em termos visuais e,
também, uma eterna busca e interrogação. É,
ao mesmo tempo, o reconhecimento de um ato
em uma fração de segundo e o rigoroso
arranjo das formas percebidas visualmente,
conferindo a esse fato expressão e significado.
Henri Cartier –Bresson.
No teatro social da memória, as mulheres
são sempre sombras tênues.
Michele Perrot
RESUMO
O campo do jornalismo, através de seus regramentos, constrói representações dos atores que
compõe os demais campos através de seus dispositivos jornalísticos, como a fotografia.
Histórica e culturalmente, o campo da política gaúcha sempre foi predominado por atores
masculinos. Porém, na contemporaneidade este cenário vem mudando: as mulheres se
projetam como candidatas e, na última eleição ao Governo do Rio Grande do Sul, elege-se a
primeira mulher. Neste contexto, esta dissertação propõe-se a analisar como são construídas
as representações do feminino nas fotografias jornalísticas de Zero Hora durante a campanha
eleitoral de 2006 ao governo do Rio Grande do Sul e, para tanto, utiliza-se da figura da
candidata Yeda Crusius como objeto de análise. A partir de análises de orientação semiótica,
constatou-se que, nas fotografias jornalísticas que retratam Yeda Crusius, não há a construção
de uma representação do feminino, mas apropriações de diversificadas representações do
feminino como estratégia de construção simbólica da figura da mulher na política.
Palavras-chave: Campo Jornalístico. Fotografia Jornalística. Campo Político.
Representações. Feminino.
ABSTRACT
The field of the journalism, through his regramentos, builds representations of the actors what
it composes too many fields through his journalistic devices, like the photography. Historical
and culturally, the field of the politics from Rio Grande do Sul was always predominated by
masculine actors. However, in the contemporaneousness this scenery is changing: the women
hurl themselves as you apply and, in the last election to the Government of Rio Grande do
Sul, she is elected the first woman. In this context, this dissertation is proposed to analyse as
the representations of the feminine one are built in the journalistic photographies of Zero
Hour during the electoral campaign of 2006 to the government of Rio Grande do Sul and, for
so much, it makes use of the figure of applies Yeda Crusius like object of analysis. From
analyses of direction it was noticed semiotics that, in the journalistic photographies that
portray Yeda Crusius, there is no the construction of a representation of the feminine one, but
appropriations of diversified representations of the feminine one like strategy of symbolic
construction of the figure of the woman in the politics.
Key words: Journalistic field. Journalistic photography. Political field. Representations.
Feminine.
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1 – Logomarca de ZeroHora.................................................................................... 46
FIGURA 2 – Logomarca de Zero Hora................................................................................... 46
FIGURA 3 – Coluna de Política Página 10............................................................................. 50
FIGURA A– Fotografia de Yeda Crusius em Zero Hora........................................................ 85
FIGURA B – Fotografia de Yeda Crusius em Zero Hora....................................................... 86
FIGURA C– Fotografia de Yeda Crusius em Zero Hora........................................................ 89
FIGURA D – Fotografia de Yeda Crusius em Zero Hora....................................................... 91
FIGURA E – Fotografia de Yeda Crusius em Zero Hora....................................................... 93
LISTA DE ANEXOS
ANEXO 1 – Selo Eleições 2006 de Zero Hora..................................................................... 104
ANEXO 2 – Autorização de uso de entrevista (Iara Lemos)................................................. 105
ANEXO 3 – Página de Zero Hora......................................................................................... 106
ANEXO 4 – Página de Zero Hora......................................................................................... 107
ANEXO 5 - Página de Zero Hora.......................................................................................... 108
ANEXO 6 – Página de Zero Hora......................................................................................... 109
ANEXO 7 – Página de Zero Hora......................................................................................... 110
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.......................................................................................................... 14
1 A FOTOGRAFIA COMO UM DISPOSITIVO DO CAMPO JORNALÍSTICO:
CARACTERÍSTICAS E OPERACIONALIDADES............................................. 19
1.1 DO CAMPO AO CAMPO: ENTENDENDO AS RAÍZES DO
JORNALISMO............................................................................................................. 19
1.2 O CAMPO JORNALÍSTICO E SUAS PARTICULARIEDADES............................. 25
1.3 AS SINGULARIEDADES DO DISPOSITIVO FOTOGRÁFICO NO
JORNALISMO............................................................................................................. 38
2 ZERO HORA E A CAMPANHA ELEITORAL DE 2006: RELAÇÕES ENTRE
CAMPOS JORNALÍSTICO E POLÍTICO............................................................ 45
2.1 ZERO HORA: A HISTÓRIA DEFININDO UM JORNAL EMBLEMÁTICO
NO RIO GRANDE DO SUL .................................................................................................. 45
2.1.1 Fotografias em - e de – Zero Hora............................................................................... 48
2.1.2 A Editoria de Política de Zero Hora............................................................................ 50
2.2 O CAMPO POLÍTICO: CARACTERÍSTICAS, LÓGICAS E ATORES................... 53
2.2.1 Mulheres e política: breve retrospecto do contexto brasileiro .................................... 56
2.2.2 Um panorama das eleições de 2006: mulheres candidatas.......................................... 59
2.2.2.1 Candidatas no Rio Grande do Sul: um momento histórico.......................................... 60
2.2.3 Com a palavra, Zero Hora: a voz do jornal sobre as eleições de 2006
ao Governo do Rio Grande do Sul........................................................................................... 61
3 O FEMININO NO CAMPO SOCIAL: QUESTÕES DE
REPRESENTAÇÃO.................................................................................................. 65
3.1 REPRESENTAÇÃO NO CAMPO SOCIAL: UMA QUESTÃO
SIMBÓLICA............................................................................................................................ 65
3.2 O FEMININO: ENTRE CONSTRUÇÕES HISTÓRICAS E
REPRESENTAÇÕES SOCIAIS ............................................................................................. 71
4 REPRESENTAÇÕES DO FEMININO: ANÁLISE DAS FOTOGRAFIAS
JORNALÍSTICAS DE ZERO HORA...................................................................... 79
4.1 METODOLOGIA: NÍVEIS DE ANÁLISE DAS FOTOGRAFIAS
JORNALÍSTICAS....................................................................................................... 79
4.2 REPRESENTAÇÕES DO FEMININO: YEDA CRUSIUS EM FOTOGRAFIAS
JORNALÍSTICAS DE ZERO HORA......................................................................... 83
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................... 96
6 REFERÊRENCIAS BIBLIOGRÁFICAS.............................................................. 100
INTRODUÇÃO
A pesquisa apresentada aqui em forma de dissertação carrega consigo uma trajetória
bastante singular: traz a minha história pessoal relacionada com a política e com o
fotojornalismo, as observações sobre o modo como o feminino “aparece” na mídia e a forma
como me aproximei do objeto e do problema de pesquisa aqui tratados.
Assuntos da política sempre fizeram parte do meu repertório de interesse em função de
algumas pessoas da família serem engajadas em movimentos políticos. Durante o período
ditatorial no Brasil, meu pai (Deodato Batista Fabricio), na época militar no Rio de Janeiro,
juntou-se a Guerrilha do Caparaó em luta contra os ideais e práticas da Ditadura Militar.
Nesse mesmo período, minha mãe atravessava praças e ruas do Rio com armas em sacolas de
feira para ajudar a Guerrilha.
Das conversas e histórias em família, o interesse foi ampliando-se para as leituras de
coberturas jornalísticas – principalmente depois de ingressar no curso de Jornalismo e o olhar
ficar mais apurado para os produtos midiáticos. Aliado a isso, cresci nos laboratórios de
fotografia dos tios (em Ijuí-RS), onde a curiosidade me levou a aprender aquele fascinante
processo de desvelar artesanalmente a imagem fotográfica no filme e no papel ainda na
infância e adolescência.
A aproximação da fotografia durante o curso de Jornalismo na UNIJUÍ foi, portanto,
algo natural: trabalhei como monitora dos laboratórios fotográficos e o dom para a fotografia
jornalística foi sendo lapidado. Já na faculdade, não titubeava quanto ao meu futuro
profissional: tinha certeza que seria através da fotografia que eu narraria os acontecimentos. E
assim o foi, pois meu primeiro trabalho foi como fotojornalista do Diário de Santa Maria
(jornal do Grupo RBS em Santa Maria-RS).
Depois de dois anos, comecei a lecionar as disciplinas de Fotografia no Centro
Universitário Franciscano (UNIFRA). Da vivência em sala de aula surgiu a vontade – e a
necessidade – de aprofundar as reflexões acerca da fotografia jornalística. Já tinha, então, meu
objeto de estudo para o Mestrado.
No período em que estruturava o anteprojeto, aconteciam as eleições de 2006 e eu,
como de costume, acompanhava o desenrolar dos acontecimentos da política através da
cobertura jornalística de Zero Hora. Como diz Berger (2003, p.58), “ou se lê a ZH ou não se
sabe do que se passa aqui [no Rio Grande do Sul]”, principalmente em tempos de eleições ao
Governo Estadual.
Mas não era a campanha eleitoral em si que me despertava mais interesse. Tinha algo
novo acontecendo, tanto no campo da política gaúcha, quanto para o campo do jornalismo: a
projeção da candidata Yeda Crusius. Entre os candidatos homens, era a única mulher
disputando o cargo ao Governo do Rio Grande do Sul. Yeda não foi a primeira candidata –
Emília Fernandes candidatou-se a governadora em 1998 –, mas foi a primeira que ascendeu
nas pesquisas, foi para o segundo turno e elegeu-se a primeira mulher governadora no Estado.
Dessa trajetória, inquietudes e observações em torno da fotografia jornalística, da
política (especificamente da figura de Yeda Crusius) e do jornal Zero Hora, surgiu, de forma
bastante incipiente, o anteprojeto do Mestrado, que propunha-se:
Estudar a natureza do discurso imagético construído na candidatura de Yeda Crusius
para o governo do Rio Grande do Sul, perseguindo as representações da política
tradicional, das estratégias midiática e comunicacional e das relações estabelecidas
entre a fotografia jornalística, a imprensa hegemônica gaúcha e a condição feminina
frente à disputa eleitoral, é o que versa o presente projeto de pesquisa (FABRICIO,
2006, p.02).
Mas do anteprojeto ao que é apresentado nesta dissertação, algumas questões foram
reformuladas no decorrer do curso de Mestrado e, também, após as considerações da banca de
qualificação. Adequações de acordo com a linha de pesquisa – Mídia e Estratégias
Comunicacionais – e, sobretudo, de acordo com o que o objeto pede.
Deste modo, o problema de pesquisa passou a versar a seguinte questão: como o
jornal Zero Hora constrói representações do feminino em fotografias jornalísticas
durante a campanha eleitoral de 2006 através da figura da candidata Yeda Crusius?
Para tanto, o objeto pediu um movimento teórico que desse conta da relação que se estabelece
entre campos jornalístico e político, ao passo que o jornalismo utiliza-se de seus dispositivos
para representar atores que emergem de outros campos.
Nessa perspectiva, o trabalho dissertativo passou a ter um recorte pertinente à linha –
Mídia e Estratégias Comunicacionais –, que propõe pensar as relações do campo das mídias
com os demais campos e a forma como constroem, por sua vez, o espaço público
contemporâneo, para assegurar a presença das instituições no espaço público e para instituir
algumas formas de vínculo social entre instituições e os usuários de suas ofertas.
Ademais, a relevância da temática também encontra-se (para além da linha de
pesquisa) no fato de que pesquisas sobre fotografia jornalística no Brasil ainda são recentes e
merecem mais atenção por parte dos pesquisadores. Conforme dados da CAPES (pesquisa
realizada em 28 de dezembro de 2008), 59 dissertações e 37 teses com as palavras-chave
fotografia jornalística e fotojornalismo foram desenvolvidas no país.
E se pensarmos na interface entre fotografia jornalística e política, os números são
bem menores: há duas dissertações e uma tese. Mas somente a tese
1
analisa uma figura
política, se aproximando, em poucos aspectos, do que proponho analisar em minha
dissertação. Pesquisar, portanto, as representações do feminino em fotografias jornalísticas de
Zero Hora durante a campanha eleitoral de 2006, tem a sua singularidade e relevância para as
pesquisas da área da Comunicação.
Perseguindo o objetivo principal – analisar como as fotografias jornalísticas, enquanto
dispositivos do campo jornalístico, são utilizadas para construir as representações do feminino
(na figura de Yeda Crusius) no jornal Zero Hora durante a campanha eleitoral ao governo do
Estado em 2006 –, a dissertação careceu de alguns procedimentos metodológicos para dar
conta da proposta.
O primeiro deles foi uma ampla pesquisa bibliográfica, que moveu-se na linha da
Teoria dos Campos Sociais, das Teorias do Jornalismo (agenda, fazer jornalístico, fotografia
jornalística e dispositivos), da Semiótica, das Representações Sociais e da Antropologia para
dar conta da fundamentação teórica que a reflexão da problemática exige neste trabalho
dissertativo.
A pesquisa documental envolveu o processo de acesso aos arquivos de Zero Hora. O
NXT-3, arquivo digital que contém todas as páginas do jornal (desde sua primeira edição),
possibilitou minha pesquisa post-facto, onde coletei imagens de Yeda durante toda a cobertura
da campanha eleitoral: 131 fotografias do período de 06 de julho de 2006 a 29 de outubro de
2006; para, posteriormente, delimitar o corpus analítico.
Após a pesquisa documental estipulei alguns critérios para recorte do corpus: foram
excluídas as capas e contracapas, pois optei por aquelas fotografias que acompanhavam os
textos verbais (matérias e reportagens) da Editoria de Política e sua respectiva coluna Página
10, mesmo que eles não façam parte da análise. Com base em critérios qualitativos, dessas
1
De autoria de Sílvio Castro, a tese é intitulada “Fotojornalismo: a construção da imagem de Roseana Sarney na
imprensa maranhense (1995-2002)”.
fotografias coletadas para o corpus analítico, foram escolhidas cinco como amostragem para
análise na quarta parte da dissertação. O critério utilizado para o recorte do corpus foi a
proporcionalidade calculada em relação ao número de fotografias publicadas no período do
primeiro turno das eleições (67 fotografias foram publicadas em cerca de 80 dias) e, após a
primeira votação, o período de campanha que compreende ao segundo turno das eleições (64
fotografias foram publicadas em 28 dias). Logo, constituem o corpus de análise duas
fotografias do período do primeiro turno e três fotografias da fase de campanha para o
segundo turno.
Ainda há outros dois critérios de recorte do corpus, visto que, ao todo, são 131
fotografias da candidata Yeda Crusius no período eleitoral de 16 de julho a 28 de outubro de
2006. Foram pré-selecionadas aquelas fotografias que ocuparam mais espaço nas páginas do
jornal, ou seja, ganharam mais visibilidade no conteúdo interno de Zero Hora, e foram
excluídas fotografias pequenas e bonecos (maioria delas, totalizando 42) – retrato em plano
médio fechado. O total de imagens pré-selecionadas foi de dezoito, sendo sorteadas
aleatoriamente, portanto, as cinco que compõem o capítulo IV de análise das representações
do feminino durante a campanha eleitoral de 2006 em Zero Hora.
Outro procedimento metodológico utilizado foi a entrevista semi-estruturada com a
jornalista Iara Lemos – olhar da instância da produção sobre a figura feminina no contexto das
eleições de 2006 –, realizada após as análises das fotografias (para que o olhar de Zero Hora
não influenciasse o meu olhar de analista sobre as fotografias) e anterior às considerações
finais do trabalho dissertativo. Ou seja, a entrevista foi a penúltima etapa metodológica
aplicada ao trabalho, uma vez que é relevante aos apontamentos e reflexões que encerram o
trabalho, mas, ao mesmo tempo, não podem influenciar nas análises.
No período da campanha eleitoral de 2006, Iara atuou como jornalista de política de
Zero Hora e, também, foi uma das repórteres designadas para cobrir pautas da candidata
Yeda. Em decorrência disso, sua fala representa o impresso enquanto instância que utiliza-se
dos dispositivos jornalísticos para construir representações dos atores políticos. Além disso,
seu dizer sobre o modo de operação e os regramentos do jornal durante o período eleitoral
particularizam o texto que aborda características de Zero Hora.
Sendo assim, a estrutura da dissertação subdivide-se em quatro capítulos. O primeiro
deles aborda o campo jornalístico, seus regramentos e modos de atuação e relação com outros
campos, tendo em vista sua autonomia para a construção das representações impingidas à
mensagem jornalística que circula em seus dispositivos. Desse modo, parto para a fotografia
jornalística, tratando-a como um dispositivo que em sua tessitura organiza mensagens
imagéticas. Nessas mensagens, algo além da informação jornalística está imbuído, como as
representações – que se dão no nível simbólico.
O segundo capítulo traz a história e as características de Zero Hora que definem um
jornal emblemático no Rio Grande do Sul (que tem a maior circulação e o maior índice de
leitores habituais) – esta primeira parte do capítulo também reforça a justificativa da escolha
deste impresso como objeto desta pesquisa. Num segundo momento, adentro às questões do
campo político, seu funcionamento, suas regras e seus atores. É a partir dessas caracterizações
que emergem as figuras femininas e, então, faço um breve retrospecto para dar conta da
participação das mulheres na política brasileira. Logo após, há a contextualização das eleições
de 2006 com dados da representatividade das mulheres candidatas, em especial no Rio
Grande do Sul. Como fechamento do capítulo, há a entrevista de Iara Lemos e suas
impressões – impregnadas do olhar institucional de Zero Hora – sobre a figura do feminino
de Yeda Crusius.
O terceiro capítulo abarca o feminino numa perspectiva cultural, histórica e das
representações sociais desempenhadas no campo social. Tendo em vista que esse conceito dá
conta das construções simbólicas que se dão a partir da condição de gênero, onde os modelos
e os papéis designados às mulheres – sujeitos desse campo específico – e estruturados no
contexto sociocultural, são repassados e, muitas vezes, re-apropriados por instituições que
organizam, em formas simbólicas, os valores que representam essa concepção, faz-se um
mapeamento do lugar do feminino instituído cultural e socialmente na história.
Por fim, o quarto capítulo costura algumas dessas questões. Apresenta, num primeiro
momento, a metodologia de análise das fotografias, ou seja, os níveis que conduzem as
análises a darem a ver o feminino de Yeda Crusius durante a campanha eleitoral de 2006.
Logo após, são realizadas as análises das fotografias jornalísticas de Zero Hora a partir dos
processos metodológicos definidos como ferramentas que permitem interpretar as
representações do feminino construídas a partir de processos simbólicos imbricados no
dispositivo fotográfico. Para finalizar, há as considerações finais, que de fato costuram todas
as questões abarcadas ao longo do texto dissertativo, apontando como desfecho aquilo que as
reflexões e as análises conduziram a ver-se no transcorrer do trabalho.
CAPÍTULO 1
A FOTOGRAFIA COMO UM DISPOSITIVO DO CAMPO JORNALÍSTICO:
CARACTERÍSTICAS E OPERACIONALIDADES
Neste capítulo discorre-se sobre as características do campo jornalístico importantes
para a discussão que se apresenta. Tais peculiaridades são observadas a partir do contexto
abrangente do conceito de campo, e que caracterizam os modos de funcionamento, as regras
de estruturação e de produção da informação e as relações que o campo jornalístico estabelece
com demais campos sociais, demonstrando que estes são fatores contributivos para as
organizações discursivas do jornalismo e para as construções simbólicas que as permeiam.
Além disso, aborda-se a fotografia jornalística como um dispositivo deste campo que a partir
da tessitura dessa linguagem materializa as organizações discursivas, os modos de
funcionamento e representações construídas no jornalismo.
1.1. DO CAMPO AO CAMPO: ENTENDENDO AS RAÍZES DO JORNALISMO
O campo jornalístico tem especificidades e modos de atuação próprios que organizam
de maneira muito peculiar as abordagens inseridas em seus contextos de produção
informativa. A partir do funcionamento da atividade jornalística, caracterizado por lógicas
comerciais, pelas forças objetivas, por processos de seleção dos temas abordados, pelas
organizações simbólicas e discursivas presentes em seus dispositivos
2
, pelas relações entre
este campo e os demais e, também, pela estruturação hierárquica e de poder no ambiente da
atividade, observa-se como os assuntos são tratados e mostrados aos leitores. Entretanto, tais
peculiaridades são influências que este sofreu e mantém do campo midiático, paralelo que se
traça inicialmente nesse texto.
A partir desta afirmação, deixa-se claro que tal consideração tem como base a teoria
dos campos sociais e das reflexões advindas especialmente de Adriano Duarte Rodrigues, e
também, de Pierre Bourdieu. Portanto, são posições teóricas que assumiremos nesse texto por
2
O conceito dispositivo será adotado nessa pesquisa partindo das idéias de Maurice Mouillaud, numa
perspectiva primeira de que o mesmo diz respeito aos processos de produção do campo jornalístico, como a
fotografia. Conforme este autor, sua reflexão parte da questão do dispositivo aplicado ao campo jornalístico
como um “formato” que organiza, a partir de estruturas materiais ou imateriais, sentidos e modos de receber
esses sentidos (MOIULLAUD, 2002). Entretanto, o conceito de dispositivo propriamente dito, será abordado e
aprofundado especificamente no terceiro tópico desse primeiro capítulo, no texto sobre a fotografia jornalística.
considerar-se a formação dos campos, a constituição da sociedade moderna no século XIV e a
posição ocupada pela mídia nesse contexto histórico, como descreve o primeiro teórico
citado, fatores contributivos para a identidade que o campo jornalístico possui na
contemporaneidade, bem como o lugar que ocupa na conjuntura social.
Assim, cabe aqui abordar brevemente, como forma de aclaração dessa discussão, as
contribuições de Rodrigues (1999) sobre o processo de formação dos campos sociais, da
modernidade e, de forma específica, do campo midiático. Conforme o autor, foi a partir do
processo de “secularização dos ritos coletivos sociais”, onde a religião, até então considerada
uma instituição agregadora da experiência da sociedade e de referência aos sujeitos, perdeu
sua condição de autoridade e sua legitimação. Assim,
A contrastar com a lógica religiosa, a lógica da secularização moderna,
fundamentada na indagação autônoma da razão humana, esvazia os ritos sociais da
sua referência transcendente de legitimação e da conseqüente estabilidade das
normas, para em seu lugar instaurar a experimentação, a observação e o cálculo
como modalidades legitimadoras do saber, da acção e da linguagem. (...) À razão
humana está, por isso, reservada doravante já não apenas a escuta e a interpretação
de uma Palavra transcendente, do Verbo bíblico ao Logos grego, como processo
fundador da legitimidade, mas como recorte de um lugar particular, de um topos, a
partir do qual se possa instituir como sujeito autônomo. É a identidade deste sujeito
autônomo de discurso e de acção que se torna problemática, instável, processo nunca
acabado definitivamente na modernidade (RODRIGUES, p. 28).
A partir da perspectiva sociológica apresentada se observa que no processo de
secularização descrito pelo autor há um declínio da força “aglutinadora do conjunto das
esferas indivisas” que era exercida pela religião nas sociedades tradicionais. A instituição
religiosa, possuidora de legitimidade
3
incontestável, considerada organizadora do ambiente
social, referência fundamental e “unificadora da experiência social” (RODRIGUES, 1999),
deixa de ser a responsável pela orientação dos sujeitos. Estes, por sua vez, passam a procurar
outras estruturas para a sua adaptação social e cultural.
Inicia-se, a partir deste cenário, uma cadeia de movimentações sociais como a
“reivindicação da razão humana iluminista” (RODRIGUES, 1999), por meio da busca das leis
naturais e científicas que explicam as incógnitas sobre a origem da vida e certas perturbações
acerca de fenômenos naturais, no mundo das relações individuais e também coletivas.
3
Segundo Peter Berger e Thomas Luckmann (1985, p. 28), em síntese, a noção de legitimação se refere à
necessidade de explicar e justificar as objetivações das instituições e seus atores individuais, esclarecendo o
porquê de os fatos terem determinada procedência – ‘serem o que são e como são’ - ou elucida ao sujeito o
porquê ele deve desempenhar determinada prática e não outra. Esses esclarecimentos outorgam validade a
significados a ordem institucional e, por sua vez, são passíveis de serem transmitidos às novas gerações.
Aceitação de suas ações por seus públicos.
Tais movimentações sociais incorreram em um processo de autonomização que
perpassou pelos diferentes setores que compartilhavam o mesmo espaço, reforçando a nitidez
e a estrutura que começava a tomar corpo no período do século XIV: os campos sociais. Essa
passagem, como assevera Rodrigues (1999, p. 143), está relacionada ao processo de
modernidade, que ‘organizou’, enquanto um processo que se estruturou com a evolução das
sociedades, a fragmentação das esferas sociais:
A modernidade é uma visão de mundo que atravessa, em graus diferentes é certo,
todas a história de qualquer cultura. A modernidade está por isso já presente, ainda
que de forma virtual e embrionária, nas sociedades mais antigas. É, porém, a partir
do século XIV que nas sociedades ocidentais assistimos à aceleração e à
intensificação do processo de fragmentação do tecido social numa multiplicidade de
esferas de legitimidade, observando-se o aparecimento de novas formas de lutas que
têm como objectivo o enfraquecimento e mesmo fim do domínio hegemônico do
campo religioso sobre as esferas científica, médica, política, jurídica.
No contexto crítico apresentado pelo autor, em que a religião perde sua posição de
referente ante a sociedade e onde o sujeito defronta-se com uma autonomia problemática, que
a constituição dos campos sociais se intensifica associada à modernidade, marcada, até
mesmo, pela própria compleição do espaço público
4
. O campo social pode ser entendido,
conforme Bourdieu (1997, p. 57) como [...] “um espaço estruturado e estruturante que é
caracterizado por disputas porque estão em jogo delimitação das competências, domínio das
regras e, conseqüentemente, do próprio jogo”.
Estas características nomeadas por Bourdieu demonstram os limites e os modos de
atuação dos campos sociais de uma forma geral. Por sua vez, o campo midiático, enquanto
uma estrutura que compõem o campo cultural é afetado igualmente por normativas e
regramentos, mesmo tendo uma característica mais autônoma como veremos a seguir. E como
este é um campo que abarca o jornalístico, a partir de sua estruturação e constituição que se
pode apontar os indícios de sua organização na composição do segundo.
Assim, com a constituição do mundo moderno, o campo midiático começa a tomar a
forma e a importância singular que tem e que permanece até a atualidade, com a característica
de uma arena de relativa autonomia em detrimento aos demais estratos que compõem o tecido
4
Também a constituição urbanística e arquitetônica das sociedades modernas influenciou na descentralização do
campo religioso como aglutinador e mediador das experiências sociais, contribuindo para a concepção da
formação dos campos sociais e a sua fragmentação. Conforme Adriano Duarte Rodrigues, autor em que nos
baseamos para o entendimento desse conceito, é na constituição do espaço social moderno que há a ruptura com
o modelo teológico de organização das cidades, culminando em projetos que derivaram dos campos de saber
abstrato e empírico, respectivamente, geométrico e funcional.
social fragmentado. Sua atuação começa a marcar-se e distinguir-se dos demais campos por
operar como um mecanismo mediador dos domínios e instituições sociais. Como aponta
Rodrigues (1999, p. 152) “[...] a esfera da comunicação se constitui na modernidade como um
campo relativamente autônomo, enquanto instituição de uma ordem axiológica própria, a dos
valores de mediação entre os restantes campos sociais”.
Nesse contexto, o campo midiático como um processo integrado por dispositivos que
têm o poder de organizarem, de legitimarem, de representarem e, especialmente, de
visibilizarem as outras instâncias que compõem o tecido social, se torna um campo mediador
das experiências e discursos dessas esferas em função da legitimação a ele aferido.
A questão da legitimidade, portanto, torna-se nesse contexto uma importante condição
para a existência de um campo social e, especialmente para o campo midiático, determina a
sua essência e funcionalidade enquanto um campo que tem na potencialidade da legitimação o
seu diferencial e o motivo pelo qual a ele é aferido o status de mediador dos demais discursos
sociais.
A função delegada ao campo midiático, na constituição da modernidade, se caracteriza
principalmente pelas seguintes peculiaridades: regular as divergências entre as esferas sociais,
reconfigurar as relações sociais e se constituir como um meio promotor de redes de
sociabilidade, exercido pela ambiência dos dispositivos midiáticos e por suas principais
funções. A instância de mediador e legitimador torna-se a condição de diferenciação do
campo midiático no âmbito social.
De uma forma mais abrangente, a mediação (na concepção de Martín-Barbero) pode
ser entendida da seguinte forma:
A mediação está envolvida com atos sociais, em que há múltiplas relações que não
constituem apenas a experiência individual, mas vários processos complexos de
ordem cultural, social e histórica. Os processos de mediação ocorrem através de
práticas e de ações travadas pelos especialistas dos campos sociais nos seus vínculos
e nas mudanças sociais que denotam novos modos de vivência no mundo
(BORELLI, 2007, p. 42).
Nesse contexto, a fim de aclarar essa reflexão, aponta-se que o conceito de mediação ao qual
se referiu é da mediação
5
midiática - registrada pela técnica, realizada por meio de processos
que envolvem determinadas tecnologias, dispositivos e complexas operações
5
A mediação é uma categoria ligada à “ação fazer de fazer ponte ou fazer comunicarem-se duas partes” através
de determinados meios, tecnológicos ou não, de fazer pontes, interceder por (SODRÉ, 2002, p. 21).
específicas que se dão em condições sociais e culturais igualmente próprias. Conforme
a colocação a cima, entende-se esta mediação particular das mídias como a própria
experiência entre os campos sociais, sendo essa uma competência vicária realizada pelo
campo midiático, a ele delegado pelas demais esferas sociais. Nas palavras de Rodrigues
(1997, p. 152), o campo dos media é visto como uma,
[...] instituição de mediação que se instaura na modernidade, abarcando, portanto,
todos os dispositivos, formal e informalmente organizados, que têm como função
compor os valores legítimos divergentes das instituições, que adquirem nas
sociedades modernas o direito a mobilizarem autonomamente o espaço público, em
ordem à persecução dos seus objetivos e ao respeito dos seus interesses.
Assim, os demais campos sociais que formam a esfera cultural, a partir do processo de
legitimação conferido às mídias, têm certo comprometimento com as axiologias e as regras de
funcionamento do campo midiático. Entretanto, a própria característica do campo midiático
nos faz observar que há uma complexidade em como este se organiza assim como os demais
campos sociais.
A relativa autonomia que é peculiar ao campo comunicacional e às suas esferas,
como o midiático e o jornalístico, é também reconhecida nos demais campos que formam o
tecido social. No entanto, o campo midiático leva certa vantagem sobre os demais à medida
que é uma instância localizada de forma central no contexto social, ou seja, é concebido como
uma esfera relativamente autônoma e situada em posição central no tecido social moderno,
como afirma Rodrigues (1997).
Conforme Oliveira Filha (2006, p. 09):
O campo, enquanto rede de relações objetivas entre posições, é um microcosmo
social relativamente autônomo, com suas lógicas e necessidades. É um espaço onde
convivem dominantes e dominados, que podem estabelecer alianças ou enfrentar
conflitos. Cada campo, portanto, apresenta um formato de disposição das diferentes
espécies de poder (que Bourdieu denomina capitais), exercido de maneira
independente da existência dos agentes que detêm este poder.
A reflexão dá indícios da complexificação da constituição do campo social e também
dos campos que o compõem, evidenciando igualmente o que se abalizou no início do texto: o
campo jornalístico, abarcado pelo campo midiático, é influenciado pelos modos de operação e
pela lógica do segundo, que lhe confere algumas características de funcionamento de sua
práxis e que serão mais bem exploradas a seguir.
Essa constatação aponta para a perspectiva de que nenhum campo é totalmente
autônomo. Entretanto, o lugar ocupado pela mídia no tecido social e que o permite atuar na
condição de mediador, igualmente o consente, a partir de suas lógicas e regras, efetuar seus
discursos moldando a sua ótica, por exemplo, os modos de representação dos demais campos
e seus agentes, propiciado pelo contexto cultural em que estão inseridos.
Nessa perspectiva, a das regras funcionais, estruturais e da detenção dos capitais de
cada campo na luta pela perpetuação de suas resistências e imposições, as relações entre as
esferas sociais se conflitam na busca por conservar tais autonomias. Essa característica é o
que impulsiona as existências de cada campo, como demonstra Bourdieu (2004, p. 21)
Um dos problemas conexos será, evidentemente, o de saber qual a natureza das
pressões externas, a forma pela qual elas se exercem (...) e sob quais formas se
manifestam as resistências que caracterizam a autonomia, isto é, quais são os
mecanismos que o microcosmo aciona para se libertar dessas imposições externas e
ter condições de reconhecer apenas as suas próprias determinações internas.
Assim sendo, a constituição do campo midiático e da sua relação com o campo
jornalístico, onde características do primeiro afetam o segundo, nos remete a uma perspectiva
conflitante: ao mesmo tempo em que é centralizador dos discursos dos demais campos
sociais, luta para manter sua autonomia e sua legitimação com os mesmos campos que dele se
servem, muitas vezes, pela visibilidade que almejam e que a mídia os proporciona,
estabelecendo disputas e conflitos pela imposição de seus valores, seus interesses, pontos de
vista e as características de espaço diferenciado.
Neste sentido, Oliveira Filha (2006, p.9) interpreta:
[...] como é a posse do(s) capital(is) determinante(s) em cada campo que comanda o
acesso aos proveitos que estão em jogo no campo, trata-se sempre de um espaço de
lutas. Aqueles que são dominantes se esforçam por manter o controle e a
preponderância do capital que possuem, contrapondo-se aos dominados, que visam
modificar a configuração que os desfavorece.
A partir da colocação da autora parece evidente que é a condição de campo não
totalmente autônomo, em função da relação existente entre todos os campos sociais, que
caracteriza o campo midiático e, por abarcar o campo jornalístico, acaba por fazer refletir essa
peculiaridade nesta esfera.
Ao se refletir acerca da estruturação do campo midiático e dos campos sociais, tentamos
demonstrar que as características de disputa, de conflitos, de imposição de regras
próprias e de refração das imposições externas em detrimento as determinações de
cada campo particularizam a noção de campo e, igualmente, afetam a práxis jornalística
que este é também um campo social. Entendendo que a esfera jornalística está atrelada ao
campo midiático e dele reflete essas formas de funcionamento que caracterizam os campos
sociais, mas, também, o evidenciando em outras particularidades que serão abordadas a partir
de agora e que marcam a domínio jornalístico na sua distinção de campo.
1.2 O CAMPO JORNALÍSTICO E SUAS PARTICULARIEDADES
Conforme a reflexão sobre a constituição dos campos sociais e, conseqüentemente do
campo midiático, demonstra-se a interferência que essa questão histórica tem sobre o campo
jornalístico. No entanto, de maneira inicial, aponta-se como uma das características do campo
jornalístico, assim como os demais estrados sociais, sendo este um lugar de confrontos, de
embates constantes e tentativas de imposição de suas regras particulares sobre outros, e de
uma autonomia que, contraditoriamente, está vinculada às outras estruturas sociais como
forma de atuação. Portanto, o campo jornalístico não funciona somente como um mediador
dos discursos das demais esferas sociais, mas o faz a partir de suas lógicas, códigos e
interesses particularidades, onde o capital simbólico
6
que detém e que aos demais campos
proporciona, é, talvez, o gerador de sua força e do seu diferencial.
Assim sendo, das regras e modos de funcionamento que o distinguem enquanto campo
autônomo dos demais e, ao mesmo tempo, relacionado aos outros, que se debruça para
demonstrar, de maneira mais global, como a lógica jornalística efetua suas organizações
discursivas e seus modos de atuação, conseqüentemente suas características de ação. E,
particularmente, pontua-se sobre as questões específicas da ação dos meios jornalísticos e
seus dispositivos, como o impresso e a fotografia (em função dessa pesquisa), refletindo em
como estes mecanismos atuam no campo social e sobre o mesmo.
Para iniciar esta reflexão, começa-se pela característica
7
que foi apontada como a primeira do
jornalismo enquanto campo - considerando que a pesquisa parte também da teoria
6
Este conceito, que será trabalhado posteriormente nesse texto como uma das características do campo
jornalístico, se pauta pela ótica de Pierre Bourdieu (2003) e a partir do pensamento desse autor é que esta idéia
será definida.
7
Lembra-se que conforme as reflexões de Pierre Bourdieu, autor e idéias que colaboram para o entendimento do
processo de construção teórica desse trabalho, há outras características que contribuem para a formação do
dos campos sociais para uma construção conceitual - observando que tal atributo se
determina a partir dos conflitos entre os campos sociais que se entrecruzam em relações
interdependentes e, ao mesmo tempo, autônomas.
Dessa forma, na relação com outras esferas que compõem a sociedade que observamos
a característica de campo “quase” autônomo do jornalismo, como explica Berger (2003, p. 20-
21),
A noção de campo, emprestada de Bourdieu (1983, 1987, 1989, 1990), vem ao
encontro da necessidade de relacionar o lugar da produção social com o lugar da
produção simbólica. O campo político e o campo do jornalismo, o campo jurídico e
o campo do jornalismo, por exemplo. [...] Se nas sociedades modernas a vida social
se reproduz em campos, que funcionam com relativa independência mas, ao mesmo
tempo, atuam combinados, a questão é estudar a dinâmica interna de cada campo e
suas interdependências. Um dos aspectos mais intrigantes deste conceito é a
utilidade para relacionar as diferentes esferas da vida social e deduzir, do caráter
geral da luta de classes, o sentido particular que adquire o enfrentamento no interior
de um determinado campo.
Assim, o campo jornalístico como um lugar de mediação entre os campos sociais,
mais especificamente no cruzamento dos discursos das demais esferas pelo primeiro, que se
pode observar o que afirma a autora embasada em Bourdieu (1997, 2003): a credibilidade
gerada pela instância jornalística, seu capital simbólico primeiro (do qual trataremos adiante),
o determina como um campo que detém o “poder” de gerir, de certa forma, os demais campos
sociais, bem como visibilizá-los, confrontá-los, incluí-los ou excluí-los a partir da sua
definição social - relatar os acontecimentos.
Todavia, quando se afirma que sua autonomia é relativa, faz-se do lugar onde todas as
esferas sociais humanas se inter-relacionam. Sobre esta questão, Rodrigues (1999, p. 149)
contribui com a seguinte reflexão, “Cada um dos campos sociais coexiste com uma
multiplicidade de outros campos, compondo entre si a repartição da força dos respectivos
processos rituais e ordens axiológicas, bem como as formas simbólicas de visibilidade”.
No caso do jornalismo, prevalece, portanto, como uma de suas características e regras
de funcionamento, a potencialidade de campo mediador que organiza discursivamente em
suas estruturas-meios os modos de fazer ver
8
as ações dos demais campos sociais, a partir da
campo jornalístico. No entanto, atem-se apenas a algumas delas que são importantes para o âmbito dessa
pesquisa e que dão contam da proposta e do objeto empírico.
8
Compreende-se que a partir da ação do fazer ver a função social do jornalismo não se restringe ao relato, pois,
em suas organizações discursivas, encontra-se a construção por meio de todos os estilos de linguagem, ao qual
chamaremos de dispositivos, dessas ações dos outros campos sociais. Construção esta estruturada sob a forma de
acontecimento jornalístico. Como aponta Berger ao afirmar que “[...] a linguagem constitui e não descreve aquilo
credibilidade a ele aferida por todos os estrados que compõem a sociedade. Dessa forma, o
jornalismo enquanto um ambiente de produção simbólica, o faz de forma dupla, a partir da
produção social dos demais campos e como produtor social pertencente ao campo da cultura.
Para complementar essa perspectiva, Berger (2003, p. 22) ainda assinala com a
seguinte colocação “A luta que é travada no interior do campo do jornalismo gira em torno do
ato de nomear, pois, nele, se encontra o poder de incluir ou de excluir, de qualificar ou
desqualificar, de legitimar ou não, de dar voz, publicizar e tornar público”. Essas
características são valores que se inscrevem na captura do conceito de campos sociais, ou
seja, dos conflitos existentes entre os campos, como o jornalístico e os demais, e no modo
como o jornalismo ambiciona mostrar o que, em suas regras, são chamados de fatos, bem
como o fazer a exposição discursiva dos mesmos.
Assinalando as interferências que a constituição dos campos sociais e midiático tem
sobre o campo jornalístico, que marcam as relações existentes entre os campos e o jornalismo,
este como esfera mediadora dos discursos sociais, observa-se o modo como os
acontecimentos das outras esferas “caem” no âmbito das redações: tentando impor suas
agendas sobre a jornalística, tentando impor suas ordens e axiologias, organizando os seus
discursos para que sejam veiculados como gostariam de se representar diante da sociedade e
buscando, numa ação contraditória de confronto, a visibilidade, a inclusão e a legitimidade
que o campo jornalístico tem o poder de promover.
Nesse jogo que caracteriza uma das formas no modo de atuação do campo jornalístico,
estão imbricadas algumas outras que se vê a seguir, num processo de apontamento e reflexão
sobre as especificidades de atuação dessa esfera social no que diz respeito, especialmente, às
suas organizações discursivas. No entanto, aclara-se nesse ponto, que as demais
características que serão abordadas parecem bastante ligadas à primeira trabalhada até o
momento, como se fossem conseqüências da formação do campo jornalístico e das influências
que esta estruturação sofreu nesse processo, ou mesmo, contribuíram para a constituição do
mesmo, como a particularidade que se vê a seguir.
Portanto, dando continuidade ao mapeamento das características do campo
jornalístico, observa-se o mesmo partir de agora enquanto uma esfera detentora de capital
que é por ela representado. Esta concepção abala a prática jornalística pois, se é assimilada, deixa de reivindicar
a imparcialidade ou a neutralidade na passagem do acontecimento para o editado e reconhece a notícia como
construção de um acontecimento pela linguagem”. (2003, p. 19) Essa perspectiva, embora não aprofundada
nesse momento, é significativa para o processo de análise do corpus empírico dessa pesquisa já que, como será
visto adiante, estuda-se as representações do feminino em fotografias jornalísticas.
simbólico; capital que o particulariza entre os demais campos sociais. Como se expôs
inicialmente nesse subtítulo, é o capital da credibilidade, do fazer crer, que se apóia a atuação
do jornalismo e se justifica a legitimidade a ele conferida. Mas antes de observar-se essa
especialidade e o que tal processo significa na atuação do campo jornalístico, examina-se a
relação de campo com a questão do capital.
Conforme argumenta Berger (2003, p. 21) “O território de um campo constitui-se a
partir da existência de um capital e se organiza na medida em que seus componentes têm um
interesse irredutível e lutam por ele”. Portanto, a relação do conceito de capital com a noção
de campo está intimamente ligada pela potencialidade do que representa o poder do capital
aferido a cada esfera que compõem o lastro cultural, que se determina e atua na vida social
por aquilo que representa, oferece e tem de mais importante, como, continua a autora,
Capital, conceito-chave neste modelo, só é definível a partir de campo. O capital do
campo acadêmico, por exemplo, é a titulação, e a luta que se trava na academia gira
em torno do título, que, elevado a valor máximo, confere autoridade a quem o
possui. O título, no entanto, não vale como capital para ingressar no campo religioso
ou artístico. O que não significa que o capital de um campo não funcione como
“mérito” em outro. [...] Ao identificar leis gerais de constituição e relacionar campo
e capital (artístico/prestígio; político/poder; religioso/fé), oferece a possibilidade de
se ampliar esta noção para outras esferas como as referentes à comunicação e ao
jornalismo. (BERGER, 2003, p. 21)
Assim, observa-se que o capital simbólico é um bem que concentra em si uma
potencialidade e significância valorativa maior que qualquer outro reconhecido nas esferas
sociais e culturais, como afirma Berger (2003, p. 21) “[...] o simbólico – como superior aos
demais, por dar sentido ao mundo e transitar por todos os campos”. Dessa forma, observa-se
que o capital simbólico está associado à idéia de poder e este, por sua vez, se organiza a partir
de sistemas simbólicos estruturados
9
e em por produções simbólicas específicas, realizadas
em ações discursivas por cada campo social (BOURDIEU, 2003).
Esta relação ainda é confirmada por Bourdieu (2003, p. 9) na seguinte colocação “O
poder simbólico é um poder de construção da realidade que tende a estabelecer uma ordem
gnoseológica: o sentido imediato do mundo (e, em particular, do mundo social) [...]”. Para
complementar essa idéia o autor ainda afirma que,
9
Pierre Bourdieu conceitua os sistemas simbólicos estruturados como “[...] instrumentos de conhecimento e de
comunicação, só podem exercer um poder estruturante porque são estruturados”. (2003, p. 9) A partir dessa
colocação, pode-se entender o campo midiático e, conseqüentemente, o jornalístico, como sistemas simbólicos
organizados em campos sociais que produzem tanto o ato de comunicação quanto a produção de conhecimento
do mundo, representado em linguagens (como o texto, a fotografia, o vídeo etc.) que são, portanto, meios de
produção simbólica.
O poder simbólico como poder de construir o dado pela enunciação, de fazer ver e
fazer crer, de confirmar ou transformar a visão de mundo e, deste modo, a ação
sobre o mundo, portanto o mundo; poder quase mágico que permite obter o
equivalente daquilo que é obtido pela força (física ou econômica) graças ao efeito
específico de mobilização, só se exerce se for reconhecido, quer dizer, ignorado
como arbitrário.
Deste modo, o jornalismo, enquanto um sistema simbólico é um campo que tem em
sua gênese o poder de fazer crer – o capital simbólico da credibilidade acoplado ao contexto
da sua função social. Como demonstra Berger (2003, p. 21-22) nessa passagem:
O capital do campo do jornalismo é, justamente, a credibilidade. É ela quem está
constantemente em disputa entre os jornais e entre estes e os demais campos sociais.
E está sendo constantemente testada, através de pesquisas, junto aos leitores. A
credibilidade é construída no interior do jornal assim como um rótulo ou uma marca
que deve se afirmar, sem, no entanto, nomear-se como tal. Credibilidade tem a ver
com persuasão pois, no diálogo com o leitor, valem os “efeitos de verdade”, que são
cuidadosamente construídos para servirem de comprovação, através de argumentos
de autoridade, testemunhas e provas.
Daí se verifica que a potencialidade do fazer crer, poder simbólico que caracteriza o
campo jornalístico, o assinala como esfera que se articula na tentativa constante de impor seus
valores em detrimento aos dos outros campos sociais e de outras forças que atuam na
organização das suas operações. Esta característica ainda recebe contribuições significativas
de outro valor que se agrega a credibilidade, a legitimidade – é ela quem valida o campo
jornalístico, por meio das produções simbólicas e do seu corpo de especialistas, a organizar a
vida social, pois as demais esferas necessitam do primeiro para terem visibilidade e,
igualmente, legitimidade.
No entanto, na relação de interdependência entre o campo jornalístico e os demais, é
notada que a mesma não se apresenta de forma explícita, como constata Bourdieu (2003, p. 7-
8) “[...] o poder simbólico é, com efeito, esse poder invisível o qual só pode ser exercido com
a cumplicidade daqueles que não querem saber que lhe estão sujeitos ou menos que o
exercem”.
O poder simbólico do fazer crer imbuído no capital de legitimidade do campo
jornalístico não é explicitado nem nomeado. Entretanto, afeta a todos os outros campos
sociais que buscam esta legitimidade em função da inclusão, da midiatização, da visibilidade,
da credibilidade e validade atestada por esse poder, ou melhor, pelas ações residentes nos
valores do poder simbólico da legitimidade e da empresa jornalística que o detém,
[...] o poder simbólico não reside nos sistemas simbólicos em forma de um
illocutionary force, mas que se define numa relação determinada – e por meio desta
– entre os que exercem o poder e os que lhe estão sujeitos, quer dizer, isto é, na
própria estrutura do campo em que se produz e se reproduz a crença. O que faz o
poder das palavras e das palavras de ordem, poder de manter a ordem ou de
subverter, é a crença na legitimidade das palavras daquele que as pronuncia, crença
cuja produção não é da competência das palavras. (BOURDIEU, 2003, p. 15)
Partindo dessa afirmação, percebe-se que é no poder do capital simbólico da
legitimidade que o jornalismo detém que também se dá uma das características de sua atuação
no âmbito social: a representatividade dessa esfera junto aos demais campos sociais. Nesse
momento, continuando o mapeamento de algumas características desse campo, detém-se
brevemente nas relações internas do jornalismo e nas exigências do mercado sobre esse
campo e os demais, pois estas peculiaridades determinam igualmente as organizações
discursivas dessa atividade e sua legitimidade no contexto social.
Sobre essas características do campo jornalístico, Bourdieu (1997, p.105) coloca a
seguinte questão:
O campo jornalístico constituiu-se como tal, no século XIX, em torno da oposição
entre os jornais que ofereciam antes de tudo “notícias”, de preferência
“sensacionais” ou, melhor, “sensacionalistas”, e jornais que propunham análises e
“comentários”, aplicados em marcar sua distinção com relação aos primeiros
afirmando abertamente valores de “objetividade”; ele é o lugar de uma oposição
entre duas lógicas e dois princípios de legitimação: o reconhecimento pelos pares,
concedido aos que reconhecem mais completamente os “valores” ou os princípios
internos, e o reconhecimento pela maioria, materializado no número de receitas, de
leitores, de ouvintes ou de espectadores.
Assim, pode-se perceber que no processo histórico que marca o desenvolvimento do
jornalismo, há duas fortes questões que balizam a sua gênese e a sua estrutura de formação até
a contemporaneidade: os valores estabelecidos internamente entre aqueles que compõem o
jornalismo, entendidos pelos profissionais dessa área e suas relações – fotojornalistas,
cinegrafistas e repórteres, cinegrafistas e editores, repórteres e editores, redatores e editores,
diagramadores e editores, editorias e editor-chefe, editores e donos das empresas jornalísticas
- e, também, o status que uma mídia jornalística e seus representantes têm junto a comunidade
onde atuam – repórteres, fotojornalistas, cinegrafistas e fontes, editores e sociedade, editores e
os campos sociais, geradores das pautas e informações jornalísticas.
Como afirma Berger (2003, p.20),
[...] E, então, as notícias passam a ser produtos produzidos por jornalistas
assalariados, mais ou menos bem pagos, que trabalham num mercado mais ou
menos saturado e competitivo, em redações com determinadas definições
hierárquicas. Estas condições de produção do discurso jornalístico marcam as
relações entre os jornalistas e suas fontes e o jornal e seus leitores.
Em tal afirmação observa-se que as redes complexas nas relações entre os
profissionais do jornalismo também contribuem na abordagem dos temas geradores das
notícias - o discurso jornalístico -, na maneira como as organizações discursivas são
enunciadas. E, como num jogo cíclico, determinam, novamente, a estrutura hierárquica dentro
da atividade do campo jornalístico e as relações desse com os demais campos sociais.
No tocante às relações internas como condição de produção dos processos discursivos
jornalísticos, nota-se que tais relações possuem características políticas e “lugares”
hierárquicos definidos na estrutura interior das redações de televisão, rádio ou jornais
impressos, evidenciando a organização da ação jornalística e certa condição de poder entre os
profissionais do campo. Como afirma Berger (2003, p. 22), “Este poder se concentra em
quem escolhe a manchete, a foto, a notícia de primeira página, o espaço ocupado, o texto
assinado ou não. É esta luta que os jornalistas travam no interior do campo do jornalismo em
suas concretas e históricas relações de trabalho”.
Percebe-se, a partir da colocação da autora, que as relações internas dos profissionais
dessa área são bastante determinantes para forma de como os dispositivos jornalísticos serão
apresentados aos consumidores, caracterizando seus modos de atuação. Como contribui
Oliveira Filha (2006, p. 11):
[...] os embates ocorridos no interior das redações estudadas
10
evidenciaram que os
jornalistas, especialmente os colocados em posições hierarquicamente inferiores
(repórteres, por exemplo) tinham capital limitado e submetiam às imposições
patronais (também agentes do campo jornalístico) para não perderem o emprego.
Apesar disso, estes mesmos profissionais utilizavam sua autonomia relativa para
escolher angulações de matérias, optar pelas palavras do texto ou definir a colocação
da informação na página. (Grifo nosso)
Com esta afirmação constata-se a importância das relações internas entre os
profissionais da área e no que tais conexões indissociáveis e conflituosas interferem: na
produção jornalística e nas organizações discursivas dessas produções - as pautas, o que será
manchete, o arranjo da diagramação, a foto que será capa, a ordem das matérias
10
Aqui a palavra estudadas inserida na citação utilizada recebe grifo pela necessidade de salientar-se que a
mesma é referente ao trabalho de pesquisa de Elza A. de Oliveira Filha, que se vale, assim como essa pesquisa,
das questões referentes ao campo jornalístico para elaborar a discussão teórica acerca do seu objeto de estudo.
telejornalísticas, o modo como os textos radiofônicos, televisivos ou impressos serão
articulados. Portanto, a competição entre os especialistas do campo jornalístico é um dos
processos que caracterizam seu funcionamento, a regulação e as operações dessa esfera, seus
espaços de produção e os indivíduos que atuam nessa atividade.
Sobre as relações com os demais campos sociais, o jornalismo enquanto campo e seus
profissionais enquanto especialistas, propiciam ou não a visibilidade, a oportunidade de voz, a
inclusão, como coloca Bourdieu (1997, p. 65-66-67),
Os jornalistas – seria preciso dizer o campo jornalístico – devem sua importância no
mundo social ao fato de que detêm um monopólio real sobre os instrumentos de
produção e de difusão em grande escala da informação, e, através desses
instrumentos, sobre o acesso dos simples cidadãos, mas também dos outros
produtores culturais, cientistas, artistas, escritores, ao que se chama por vezes de
“espaço público”, isto é, à grande difusão. [...] têm o poder sobre os meios de se
exprimir publicamente, de existir publicamente, de ser conhecido, de ter acesso à
notoriedade pública. [...] eles podem impor ao conjunto da sociedade seus
princípios de visão do mundo, sua problemática, seu ponto de vista. Objetar-se-á
que o mundo jornalístico é dividido, diferenciado, diversificado, portanto capaz de
representar todas as opiniões, todos os pontos de vista, ou de lhes oferecer a
oportunidade de se exprimir [...].
Essa lógica de atuação no âmbito social não pode ser tomada com uma simples
interferência que o campo jornalístico exerce sobre os demais, mas enquanto campo que
agencia os discursos de outras esferas, conforme já citado, organiza a vida social a partir de
seus pontos de vista e suas axiologias, do capital que detém, do poder simbólico que
representa.
Entretanto, como já exposto, o que é apontado como inter-relações entre os campos
sociais, com as disputas, as imposições de axiologias, as “interferências” de uma esfera sobre
outra e que caracterizam os campos como estruturas mais ou menos autônomas, no caso do
jornalismo se complexifica: à medida que este campo exerce sobre os outros a ambivalência
da visibilidade e das regras próprias de como visibilizar, ele também sofre sanções e pressões
de outros mecanismos e forças.
Estas características são marcadas por diversos fatores já apresentados, mas é pelas
pressões e exigências do mercado que se demonstra o quão antagônica é a posição de
autonomia do campo jornalístico, sendo esta questão observada como um das características
desse campo. Como afirma Bourdieu (1997, p. 76-77) “O campo do jornalismo tem uma
particularidade: é muito mais dependente de forças externas que todos os outros campos de
produção cultural [...]”.
O autor ainda contribui com essa idéia caracterizando e particularizando o campo
jornalístico e suas formas de interferência em outros campos com a seguinte colocação “O
universo do jornalismo é um campo, mas que está sob a pressão do campo econômico por
intermédio do índice de audiência. E esse campo muito heterônomo, muito fortemente sujeito
às pressões comerciais, exerce, ele próprio, uma pressão sobre todos os outros campos,
enquanto estrutura” (BOURDIEU, 1997, p. 77).
Esta afirmativa está relacionada ao jornalismo a partir do dispositivo televisivo.
Entretanto, Bourdieu (1997) em seus estudos, estendeu as características observadas a partir
do uso da televisão pelo jornalismo aos demais mais meios e dispositivos onde atua esse
campo, pois algumas lógicas do dispositivo televiso acabam por influenciar as estruturas
desses outros meio de comunicação a serviço do campo jornalístico:
O campo jornalístico age, enquanto campo, sobre os outros campos. Em outras
palavras, um campo, ele próprio cada vez mais dominado pela lógica comercial,
impõe cada vez mais suas limitações aos outros universos. Através da pressão do
índice de audiência, o peso da economia se exerce sobre a televisão, e, através do
peso da televisão sobre o jornalismo, ele exerce sobre os outros jornais, mesmo
sobre os mais “puros”, e sobre os jornalistas, que pouco a pouco deixam que
problemas de televisão se imponham a eles. E, da mesma maneira, através do peso
do conjunto do campo jornalístico, ele pesa sobre todos os campos de produção
cultural. (BOURDIEU, 1997, p. 81).
Essas características, portanto, também são encontradas no jornalismo impresso,
enquanto um produto do campo jornalístico que é e atua sobre a sociedade, tendo igualmente
sua autonomia e, no entanto, sendo afetado pelos demais campos sociais. O jornal impresso é
o produto do campo jornalístico que mais nos interessa nessa pesquisa, bem como a utilização
do dispositivo fotográfico pelo mesmo. Por isso, detém-se a partir de agora, de forma breve,
nas particularidades desse meio, como forma de propiciar-se a entrada na discussão sobre a
questão a fotografia jornalística, enquanto um dispositivo semiótico de representação dos
sujeitos, grupos e instituições que visibiliza.
O jornalismo impresso, enquanto um produto do campo social jornalístico, é também
um lugar de disputas, de tensões, de imposição de suas axiologias sobre as regras e
funcionamentos das demais esferas sociais. Ele tem o poder simbólico do fazer crer, e o faz a
partir dos textos verbais, dos textos imagéticos, do capital empregado na credibilidade dos
profissionais que assinam os discursos jornalísticos: as matérias, as fotos, as legendas, os
comentários, as sanções sobre os aspectos tratados em suas organizações discursivas, os
títulos e os fatos escolhidos e editados para virem a público, sob a função social de informar e
de relatar ao consumidor-receptor os acontecimentos publicizados nesse meio.
Freqüentemente, um jornal
11
é estruturado por editorias com temas específicos,
trabalhados em páginas que ocupam espaços nem sempre iguais, compostos por textos de
reportagem, matérias e fotografias que informam de forma visual o acontecimento tratado. As
matérias, as reportagens e as imagens fotográficas ainda dividem o espaço das páginas com
propagandas e anúncios publicitários que representam a parte comercial que move a estrutura
da empresa a qual pertence o jornal impresso e que, também, enquanto representantes do
campo econômico, exercem sobre o jornal suas pressões e imposições comerciais.
As editorias jornalísticas, por sua vez, determinam a estrutura que configura a edição
de um jornal, como produto final impresso, ou sua estrutura física, o ambiente de produção. A
divisão dos temas e acontecimentos no produto jornal, no entanto, se dão a partir de textos
verbais e imagéticos. Estes elementos são organizados a partir do Editorial, texto que contém
a opinião da empresa a qual está subordinado o jornal, e que é assinado pelo editor-chefe da
redação, da carta do leitor, dos artigos especializados, da editoria Geral, da editoria de
Economia, de um caderno com atrações e divulgações culturais, da editoria de Polícia, da
editoria de Esportes e da editoria de Política. Sendo que ainda colunistas e especialistas que
contribuem com comentários sobre determinados temas.
A estas editorias unem-se as de Arte e Diagramação e a editoria de Fotografia, que não
parecem no corpo do jornal impresso – a não ser na formatação do jornal e nas imagens que
acompanham os textos de reportagem e matérias jornalísticas – estando, portanto, distribuídas
na estrutura física da redação, ou seja, no ambiente de produção.
As editorias são formadas por editores, repórteres e redatores, incluindo os
diagramadores e fotógrafos
12
, onde os primeiros são responsáveis por dividir as pautas entre
os segundos e também, coordenarem o trabalho dos mesmos, controlando o tempo de
execução dos textos, das imagens e da diagramação das páginas, a organização, a qualidade e
11
Ao referir-se ao jornal faz-se tanto a partir de sua estrutura física, enquanto um ambiente de produção, ou seja,
a redação do jornal, quanto o jornal enquanto como produto impresso que chega a mão dos leitores.
12
Os fotógrafos de redação são profissionais da área da fotografia que nem sempre são formados em cursos de
graduação em jornalismo, ou buscam a especialização nessa área de atuação, obtendo, por sua vez, o título de
bacharel em jornalismo ou em fotojornalismo. No entanto, desde o XIX, quando a fotografia começou a ser
utilizada pela atividade jornalística, os profissionais desse segmento têm o reconhecimento tanto das empresas
quanto dos demais profissionais formados, pois desde sempre o seu papel tem grande importância enquanto
elemento indispensável para o levantamento e apuração dos fatos, fator que se intensifica por se tratar de uma
atividade que envolve a imagem e esta, por sua vez, ter grande valor de verdade para o contexto jornalístico. Isto
vale para o dispositivo fotográfico e para quem o opera.
os sentidos dos mesmos. Cabe aos editores mostrá-los e defendê-los ao editor-chefe da
redação, que dará a palavra final sobre a qualidade de todas as produções, bem como as
remodelações necessárias nessas organizações discursivas.
O editor responsável por cada seção editorial é também o profissional que participa
das reuniões de pauta
13
, opinando, junto com outros colegas responsáveis por outras editorias
e com o editor-chefe sobre o agendamento das matérias e dos acontecimentos para o dia, as
possíveis pautas que contribuirão com a edição que será trabalhada, a diagramação que o
jornal terá em função dos temas que serão abordados, bem como a manchete e a imagem que
comporão a capa do jornal e as matérias de menor importância que estarão veiculadas na
contracapa. A este profissional caberá disputar também, com os outros editores, o espaço e o
destaque dos acontecimentos da agenda de sua editoria. Essa ação, no entanto, só terá êxito a
partir da notoriedade e o capital simbólico que este profissional tem junto ao editor-chefe.
O editor-chefe é a figura centralizadora dentro da redação, responsável por comandar
todo o processo produtivo e pela organização discursiva dos dispositivos jornalísticos, bem
como a formatação de cada edição do jornal o qual é responsável. Assim como os outros
editores, ele também disputa e negocia nas reuniões de pauta as organizações discursivas e o
modo como o jornal será posto em circulação. A diferença da figura do editor-chefe para os
demais editores, é que sua representatividade junto aos coordenadores ou donos da empresas
jornalísticas e o seu poder simbólico, enquanto sujeito que está no comando e que representa
o jornal, têm mais força e peso nas decisões finais.
Sobre os acontecimentos, trabalhados como pautas e que gerarão as matérias, as
reportagens e as imagens fotográficas, estes são definidos durante a reunião de pauta e,
normalmente, são assuntos que já constavam na agenda do jornal. O agendamento dos temas,
por sua vez, não é simplesmente uma determinação do que será visibilizado prioritariamente
em uma edição jornalística, mas, como aponta Traquina (2005, p. 16),
A teoria do agendamento sublinha uma forte mudança no paradigma dominante da
teoria dos efeitos dos media e significa uma redescoberta do poder do jornalismo
não só para selecionar os acontecimentos ou temas que são noticiáveis, mas também
para enquadrar estes acontecimentos e/ ou temas.
13
A reunião de pauta é o processo que determina o formato de cada edição de um jornal, quais as matérias que
serão abordadas, quais reportagens serão aprofundadas ou não, qual será manchete e qual(is) matéria(s)
ilustrará(ão) a contracapa. Cada jornal tem suas particularidades com relação aos horários de encontro dessa
reunião, quem e quantas pessoas participarão e como se dá o andamento desse processo.
O decorrer do dia em uma redação também se torna determinante quanto a possíveis
acontecimentos que podem modificar parcial ou completamente as decisões tomadas em uma
reunião de pauta, como aponta Traquina (2005, p. 90) “[...] os acontecimentos estão em
concorrência com os outros acontecimentos [...]”.
Isto ocorre, por exemplo, quando “a pauta cai”, nome que se dá a uma matéria
jornalística, no âmbito da redação, entre os profissionais da área, que não se realizou por
algum motivo, ou porque algum acontecimento de maior importância “derrubou” a agenda
estabelecida na reunião. O termo “derrubou”, que também é uma termologia do âmbito da
redação e dos jornalistas, significa que um determinado acontecimento se tornou mais
importante e relevante de ser abordado, que aqueles estabelecidos no encontro com os
editores, tomando o lugar na capa e no destaque do jornal daquela edição. Como acrescenta
Traquina (2005, p.39):
A organização jornalística funciona dentro de um ciclo temporal. O ciclo do “dia
noticioso” impõe limites na natureza das notícias. Há que organizar a aparente
instabilidade dentro de um ciclo diário no qual cabem esses produtos. A urgência é
um valor dominante. O planejamento é importante. Seria enganoso pensar que esta
“corrida” contra as “horas de fechamento” está unicamente restrita ao ciclo do “dia
noticioso”. Uma parte da atividade jornalística é planejada antes do dia em que os
acontecimentos cobertos têm lugar. Um tal planejamento identifica os
“acontecimentos futuros” numa tentativa de impor ordem ao (possível) caos
provocado pela imprevisibilidade de (alguns) acontecimentos.
Os acontecimentos, por sua vez, e suas abordagens, são determinações que a rotina
produtiva e os valores-notícia podem justificar tanto a hierarquia dos mesmos quanto os
tratamentos dispensados a eles e a importância que tomam no contexto da produção. Os
valores-notícia
14
, conforme Traquina (2005) é o método pelo qual “[...] os profissionais do
campo jornalístico utilizam na seleção dos acontecimentos do mundo real e na construção das
‘estórias’ que contam sobre a realidade”. As seleções dos acontecimentos, contudo, tem no
conceito de noticiabilidade sua explicação e regra de funcionamento, como elucida o autor:
Podemos definir o conceito de noticiabilidade como o conjunto de critérios e
operações que fornecem a aptidão de merecer um tratamento jornalístico, isto é,
possuir valor como notícia. Assim, os critérios de noticiabilidade são o conjunto de
valores-notícia que determinam se um acontecimento, ou assunto, é susceptível de
se tornar notícia, isto é, de ser julgado como merecedor de ser transformado em
matéria noticiável e, por isso, possuindo “valor-notícia”. (TRAQUINA, 2005, p. 63)
14
O conceito dos valores-notícia não será aprofundado nesse texto, embora se reconheça que estes são fatores
bastante significativos na caracterização do campo jornalístico. Entretanto o que interessa nesse trabalho de
pesquisa é mapear as regras e axiologias que determinam os modos de operar do campo jornalístico, mais
especificamente do jornalismo impresso, detendo-se aos aspectos mais significativos para esse fim.
No entanto, partindo da linha de raciocínio que se estabelece até o momento, levamos
em consideração as particularidades de funcionamento do campo jornalístico a partir das
forças que se confrontam dentro dele mesmo e das forças e interesses externos que disputam o
lugar, a visibilidade e o espaço na esfera do jornalismo e seus produtos, como o jornal
impresso, pois se lembra que este meio é um produto do campo jornalístico e este, por sua
vez, é um campo social.
Dessa forma, o jornal enquanto um produto do campo jornalístico é um espaço de
confrontos: editores e redatores, editor-chefe e demais editores, repórteres e fotojornalistas,
enfim, embates que envolvem todos os profissionais que compõem a equipe de um jornal e a
luta na imposição dos valores de uns em detrimento dos valores e regras de outros, onde os
interesses pessoais tentam sobrepor os interesses dos demais. Também as relações externas,
como as fontes, os leitores, os anunciantes, as agendas, as regras e o modo como os outros
campos sociais, instituições e seus agentes querem de ser representados pelos dispositivos
jornalísticos.
Entretanto, os especialistas do campo jornalístico e os agentes dos demais campos
sociais estão todos sob a lógica de funcionamento de um jornal e suas regras. Isto significa
que a imposição das agendas entre os próprios jornalistas e o tratamento dos discursos dos
demais campos sociais, não são simplesmente aceitos pelos modos de operacionalização do
campo jornalístico, pois há formas de organização das agendas, das matérias, das fotografias,
dos discursos. Tais organizações são as edições, as seleções, as inclusões ou exclusões que o
próprio discurso jornalístico opera em suas estruturas e o qual se pode determina como a
construção e a representação do contexto social a partir da linguagem
15
e dos seus
dispositivos.
Deste ponto parte-se para a especificidade da fotografia enquanto um dispositivo do
campo jornalístico, particularmente do meio impresso. E, como tal, apresenta em seu
mecanismo, pertencente a este campo, as organizações discursivas que operam as escolhas, as
inclusões ou exclusões, as construções e representações dos campos sociais, seus agentes e
sujeitos, todos, sob a estrutura cultural no qual estão inseridos.
15
A linguagem apontada aqui diz respeito ao texto verbal. No entanto, para os objetivos que se pretende nessa
pesquisa é a fotográfica como linguagem e a linguagem fotográfica que interessa. Enquanto um dispositivo
discursivo a fotografia tem na sua linguagem as condição de construção de uma informação, de uma
representação e de organização discursiva simbólica, já que a mesma pode ser classificada como um sistema
semiótico.
1.3. AS PARTICULARIEDADES DO DISPOSITIVO FOTOGRÁFICO NO JORNALISMO
A fotografia é um dos meios utilizados pelo campo jornalístico para transmitir suas
mensagens imagéticas, trabalhando concomitantemente com os textos verbais das matérias,
reportagens e notícias e, dessa forma, colaborando com um processo que é regrado pelas
axiologias desse campo. Enquanto um mecanismo adotado pelo jornalismo impresso, o
considera-se como um dispositivo que, assim como o texto da notícia, é inserido às páginas
dos jornais diários a partir de escolhas, de edições, de construções e de representações
organizadas discursivamente em sua estrutura icônica, enquanto linguagem que é.
Inicialmente, a fotografia percorre uma longa trajetória até ser incorporada pelo
jornalismo, um espaço de tempo em que transcorreu sua transformação tanto técnica
quanto conceitual. Estes processos foram bastante significativos para a própria história do
fotojornalismo, já que este depende da fotografia para existir como uma atividade,
considerando que o mesmo necessita de um suporte técnico - a câmera fotográfica e seus
acessórios - para cumprir sua função primordial, ou seja, informar visualmente, relatar os
fatos por meio da linguagem imagética fotográfica.
Nesse percurso, com as primeiras pesquisas nos séculos IV e V a.C., filósofos gregos
descreveram os princípios da câmara escura
16
que, juntamente com as descobertas sobre a
ótica com os chineses, no mesmo período, deram origem ao processo de registros
fotográficos com películas fílmicas e possibilitaram a formação da imagem no plano do
filme
17
, a partir da conversão dos raios luminosos por meio de lentes
18
(BUSSELLE, 1979,
p. 30). Assim, a fotografia chega ao século XIX como um mecanismo que seria capaz de
16
Conforme Sousa (2004, p.35) “O princípio da câmara escura é simples de explicar. Os raios luminosos que
entram por um orifício estreito de uma câmara escura projetam, na parte oposta, a imagem dos objetos
exteriores, um pouco à semelhança do que acontece no nosso olho. Esta descoberta, que já tem milênios, foi uma
das tantas que permitiu aos pesquisadores do século XIX inventar a fotografia”.
17
O plano do filme fotográfico é o espaço físico onde se registram as imagens, ou seja, o fotograma do filme, a
partir de câmeras fotográfica analógicas. Na contemporaneidade temos também, como suporte de
armazenamento de imagens fotográficas, o CCD de câmeras digitais, suporte formado pelos pixels e que
representaria nesse outro formato tecnológico da fotografia o plano do filme.
18
As lentes ou objetivas, nomes correspondentes aos mesmos objetos técnicos do fazer fotográfico, são
instrumentos óticos que servem, em primeiro lugar, para organizar os raios luminosos, os direcionando ao plano
do filme. Entretanto, há também outros usos e funções para esses acessórios fotográficos que serão abordados
adiante, no texto sobre a metodologia de análise do corpus da pesquisa.
registrar a realidade tal qual era conhecida e, por isso, adotada pelo jornalismo como um
meio de comunicação, como afirma Sousa (2000, p. 9-25):
Nascida num ambiente positivista, a fotografia já foi encarada quase unicamente
como o registro visual da verdade, tendo nessa condição sido adotada pela imprensa.
Mais rigorosamente, a fotografia é usada como news médium, entrando na história
da informação, desde, provavelmente, 1842, embora, com propriedade, não se possa
falar da existência de fotojornalismo nessa altura. Aliás, o fotojornalismo necessita
de processos de reprodução que só se desenvolveriam a partir do final do século
XIX – até meados do século passado, desenhistas, gravuristas e gravuras de madeira
eram intermediários entre fotógrafos e fotografias e os leitores.
A legitimidade proporcionada pela imagem técnica fotográfica a estabelece no campo
jornalístico enquanto um dispositivo capaz de comprovar os fatos noticiados pelos jornais,
atestando a veracidade dos acontecimentos, seu maior potencial enquanto um suporte de
informação e, principalmente, como valor de credibilidade do jornalismo. Como afirma
Berger (2003, p. 19) “[...] é na “crença” da superposição entre o real e o texto que reside a
credibilidade da imprensa, que foi sofisticando os artifícios para comprovar a existência do
real/verdade com a foto, o rádio e a tevê”.
Assim, a crença proporcionada pela imagem fotográfica é um dos valores e uma das
potencialidades desse dispositivo, sendo o motivo principal que o levou a ser incorporada ao
jornalismo. Esta questão também está relacionada ao funcionamento desse campo, tema que
se debateu acima. Entretanto, especialmente utilizado pelo campo jornalístico, o valor de
realidade/veracidade aferido à fotografia nos leva a outras discussões e outras potencialidades,
como o efeito de indicialidade, tema que será aprofundado mais adiante nesse subitem. Cabe
neste momento, verificar o conceito de dispositivo que se vem usando desde o início deste
texto, sem, no entanto, o evidenciar.
Em primeiro lugar, tomando a reflexão sobre a questão do campo jornalístico discutida
anteriormente, onde se afirma que o mesmo se enuncia a partir de processos discursivos,
como os textos das matérias, das reportagens e das fotografias, Mouillaud (2002, p. 29)
contribui ao reforçar que esta organização do discurso jornalístico “[...] não está solto no
espaço; está envolvido no que chamamos de “dispositivo” que, por sua vez, não é uma
simples entidade técnica, estranha ao sentido”.
Dessa forma, o jornal, enquanto um dispositivo é composto por vários outros
dispositivos que, articulados entre si, constroem mensagens e, assim, proferem um discurso
acerca dos acontecimentos provenientes de outros campos (tendo em vista que o campo
jornalístico alimenta-se de fatos ocorridos nos demais campos sociais). Mouillaud (2002,
p.32) complementa que “os dispositivos são encaixados uns nos outros”, e ainda segue:
Os dispositivos são os lugares materiais ou imateriais nos quais se inscrevem
(necessariamente) os textos (despachos de agências, jornal, livro, rádio, televisão
etc...); Chamamos de “texto” qualquer forma (de linguagem, icônica, sonora, gestual
etc...) de inscrição; O dispositivo tem uma forma que é sua especificidade, em
particular, um modo de estruturação do espaço e do tempo [...] “O jornal se inscreve
no dispositivo geral da informação e contém, ele próprio, dispositivos que lhe são
subordinados (o sistema dos títulos, por exemplo); Considerando do ponto de vista
genético, o dispositivo e o texto se precedem e determinam-se de maneira alternada
(o dispositivo pode aparecer como uma sedimentação do texto, e o texto, como uma
variante do dispositivo, por exemplo, um número do jornal diário e sua coleção).
Isto remete a questão de que a fotografia jornalística ela própria é um formato dentro
de outro formato, ou seja, uma organização discursiva moldada e regrada a partir de outro
formato que a engloba, no nosso caso, o jornal impresso. Portanto, pode-se entender o
conceito de dispositivo aplicado ao campo jornalístico como um “formato” que organiza os
sentidos e modos de receber esses sentidos (MOIULLAUD, 2002). Ou ainda como afirma
Aumont (2005, p. 192), ao tratar a fotografia nomeia-a como um dispositivo “que regula a
relação entre o espectador e suas imagens em um determinado contexto simbólico”.
A partir dessas colocações, observa-se que a fotografia jornalística é um meio
discursivo repleto de sentidos que estão materializados nas mensagens que carrega em si. Os
sentidos
19
produzidos nas mensagens jornalísticas e que podemos entender como os valores
empregados tanto pelas ações de quem as constroem quanto pelos receptores das mesmas,
podem ser muitos e os mais variados, já que dependem do modo como são organizados e
colocados em circulação, bem como serão consumidos, como coloca Peruzzolo (1998, p. 58)
sobre a questão do acionamento dos sentidos por parte de quem recebe as mensagens,
No caso da leitura da imagem, é o leitor, portanto, que atualiza tanto a problemática
da “verdade” no discurso visual quanto a coerência textual, decidindo por onde
começar a ver, por onde correr o olhar, que traços e que combinações de espaço e
cores salientar, quais deixar na sombra, etc.
Portanto, os sentidos começam a se instaurar na fotografia jornalística a partir da
estrutura de onde ela, enquanto mensagem, é emanada e organizada, ou seja, o dispositivo ao
qual pertence e aos especialistas capacitados a operacionalizarem os dispositivos e os meios
19
Conforme Peruzzolo (2004, p. 17-18) sentido entende-se como “[...] o conjunto daqueles valores que fundam a
atividade humana”.
discursivos jornalísticos em que circulam as mensagens desse campo, como a fotografia.
Barthes (1990, p. 11) contribui com essa idéia quando afirma que,
A fotografia jornalística é uma mensagem e, como tal, é constituída por uma fonte
emissora, um canal de transmissão e um meio receptor. A fonte emissora é a redação
do jornal, seu grupo de técnicos, dos quais alguns fazem a foto, outros a selecionam,
a compõem e retocam e outros, enfim, a intitulam, a legendam, a comentam. [...]
Todavia, é para além dos agentes que trabalham na produção da mensagem jornalística
instaurando sentidos nas mesmas em função dos interesses do jornal como um campo social,
que se deve entender a fotografia jornalística. Esta deve ser compreendida como uma entidade
que tem autonomia, como o próprio Barthes (1990, p. 11) define “[...] a fotografia não é
apenas um produto ou um caminho, é também um objeto, dotado de autonomia estrutural;
sem pretender absolutamente separar este objeto de sua finalidade [...]”. Vilches (1987, p. 77)
complementa essa idéia ao afirmar que,
La foto de prensa no es ni uma ilustración del texto escrito ni tampouco uma
sustitución del lenguaje escrito. Tiene uma autonomia propia y puede considerarse
como un texto informativo. Sin embargo, no es indiferente al contexto espacial del
periódico.
Portanto, o que potencializa esse meio, especialmente quando inserido no campo
jornalístico, o tornando uma estrutura repleta de valores e níveis que geram inúmeros
entendimentos e sentidos é a fotografia
20
, em primeiro lugar, como linguagem, enquanto
organização semiótica, e, em segundo lugar, com uma linguagem própria que a estrutura
21
,
como as formas, as linhas, os pontos, a massa ou a mancha, entre outros. Como afirma
Peruzzolo (2004, p. 100) “[...] de modo simplificado podemos dizer que LINGUAGEM é
todo conjunto de sinais que tem regras de valor e de composição e que serve para deslanchar
um processo de comunicação”. (destaque do autor)
20
Nesse ponto, aproxima-se novamente das questões que envolvem especificamente a fotografia e a fotografia
jornalística, sendo que a primeira estrutura a segunda. A fotografia jornalística enquanto um dispositivo desse
campo opera-se a partir do mesmo, mas antes disso, parte de sua estrutura primordial, a própria fotografia
enquanto linguagem que lhe permite dizer do modo como se enuncia. Muitos dos autores dos quais se baseia esta
pesquisa, se vê claramente a aproximação que fazem desses conceitos, onde uma, muitas vezes, é tomada pela
outra. As histórias desses meios também se confundem em alguns pontos dos percursos, pois a fotografia
jornalística tem toda a sua evolução marcada pelo desenvolvimento técnico de sua precursora, e dela, até hoje,
depende seu funcionamento assim como suas mudanças, afetando tanto a técnica quanto, até mesmo, as questões
conceituais.
21
Os outros elementos que compõem a linguagem fotográfica serão aprofundados no texto sobre a metodologia
de análise do corpus de nossa pesquisa, por serem subsídios importantes na construção e na interpretação da
fotografia.
A fotografia é, portanto, uma linguagem icônica, que quando inserida no contexto
jornalístico se potencializa organizando-se em textos, em estrutura que se concebe a partir de
signos. Como contribui Peruzzolo (2004, p. 102) “O texto é aquilo que foi tecido (composto)
como uma unidade. Ele é uma tessitura de signos para servir de mensagem [...]”.
A mensagem jornalística encontrada no texto fotográfico tem valor de verdade, pois
está relacionada à questão da indicialidade. É nesse ponto que se toma novamente a discussão
sobre a incorporação da fotografia pela imprensa e, nesse contexto, sua valoração enquanto
meio informativo e como potencialidade em si. Dessa forma, é na construção semiótica da
semelhança com seu referente real que a fotografia traz seu potencial como dispositivo
utilizado pela imprensa e como estrutura imagética. Ao mesmo tempo, acarreta também uma
questão complexa, já que a fotografia não é a realidade, mas um fragmento representativo
dela. Como afirma Sousa (2004, p. 65-66),
[...] segundo semiótica peirciana os signos podem subdividir-se me índices ou
indício (o significante indicia o significado), ícones (existe uma relação de
semelhança entre significante e significado) e símbolo (o significado tem uma
relação arbitrariamente estabelecida com o significante). Qualquer fotografia,
podendo ser ícone e até tornar-se símbolo é, antes de mais, um indício ou índice da
realidade, já que dá pistas para a realidade em que foi obtida e para a realidade que
representa.
O efeito de realidade indicial da fotografia, portanto, como afirma Barthes (1967, p.
128) se dá porque a “A foto é uma “emanação do referente” e testemunha um “aconteceu
assim”. Resumindo, a imagem fotográfica “não é a realidade, mas, pelo menos, sua perfeita
analogia, e é exatamente esta perfeição analógica que geralmente define a fotografia”. Ainda
para contribuir com essa questão Peruzzolo (1998, p. 54) conclui que “De certo modo, o
efeito de eficácia informativa do signo visual é decorrente da referência que ele faz a um
objeto determinado, enquanto manifesta, ainda que apenas isso e nada mais, os contornos da
realidade [...]”.
Assim, o valor de verdade acoplado ao dispositivo fotojornalístico é de fato seu
potencial representacional, mas que ganha força no contexto desse campo como valor de
credibilidade por um real que, mesmo não estando presente, pois é ausente enquanto
fragmento de algo que já não é mais senão seu espectro, é tomado como prova, como “um
esteve ali” – na verdade o jornalismo e seus dispositivos são apenas mediadores entre os fatos
da realidade e os demais campos sociais.
Na perspectiva da imagem fotográfica como um processo de representação, enquanto
uma de suas potencialidades, Duarte (2000, p.168-169) confirma tal qualidade, já que e, a
fotografia é uma composição semiótica indicial, “Dizer a seu respeito que é uma
representação da realidade e que, como representação, possui um sentido parece fato unânime
e inconteste. Afinal, a imagem não é o real.” Ou ainda como aponta Peruzzolo (1998, p. 58)
“Uma foto, um filme, um programa de TV, um desenho, não são nenhum espelho da
realidade. A imagem na foto não é uma realidade especular. Há entre o espelho e a imagem
uma diferença constitutiva”. O autor ainda completa:
[...] a representação é um investimento qualitativo no dado percebido, em razão do
que se torna estímulo. É um processo avaliativo (se avaliativo, também valorativo,
logo significativo), cuja função é adequar a reação do organismo: por em atividade
os esquemas de ação latentes ou regular a ação em curso. [...] Representação, isto é,
algo percebido que é investido de qualificações, de valores. [...] No nível humano,
vai-se encontrar a representação, já na sua gênese, como sendo simbólica, sujeita à
cultura [...] (PERUZZOLO, 1998, p. 82-83).
Nesse sentido, a potencialidade de representação da fotografia, proporcionada pela
linguagem icônica, está diretamente ligada ao também potencial de significação, pois é no
contexto da representação de um texto que circulam os sentidos e estes, por sua vez, se dão de
forma simbólica. Para fomentar a questão referente ao sentido e a significação na construção
de uma imagem, Peruzzolo acrescenta que “A imagem não tem somente a função de registrar
realidades do mundo, fazendo cópias das coisas que se vêem, mas cabe-lhe também significá-
las e dar-lhes sentido mediante a possibilitação da constituição de uma linguagem” (2006, p.
286).
Assim sendo, a fotografia jornalística enquanto uma linguagem articulada para
produzir informação em um determinado contexto sócio-cultural, ou seja, o tecido social que
como campo pertence, compõe, recebe influências e igualmente influencia, o faz a partir de
representações simbólicas (formas simbólicas) estruturadas nesse sistema cultural, as
organizando por meio das referências, dos valores, dos sentidos e dos significados construídos
dentro das regras que lhe coordenam e impulsionam – a cultura a qual pertence. Thompson
(1995, p. 219) nesse sentido, vem colaborar com a seguinte idéia,
A produção e circulação das formas simbólicas nas sociedades modernas é
inseparável das indústrias da mídia. O papel das instituições da mídia é tão
fundamental, e seus produtos se constituem em traços tão onipresentes da vida
cotidiana, que é difícil, hoje, imaginar o que seria viver num mundo sem livros e
jornais, sem rádio e televisão, e sem os inúmeros outros meios através dos quais as
formas simbólicas são rotineira e continuamente apresentadas a nós. Dia a dia,
semana a semana, jornais, estações de rádio e televisão nos apresentam um fluxo
contínuo de palavras e imagens e idéias, a respeito dos acontecimentos que têm lugar
para além de nosso ambiente social imediato. Os personagens que se apresentam nos
filmes e nos programas de televisão se tornam pontos de referência comuns para
milhões de indivíduos que podem nunca interagir um com o outro, mas que partilham,
em virtude de sua participação numa cultura mediada, de uma experiência comum e
de uma memória coletiva.
Por este viés pode-se argumentar que a fotografia jornalística – a partir da linguagem
icônica que possui e onde as formas simbólicas estão organizadas na estrutura da mensagem
por essa linguagem específica – tem a potencialidade de representar os sujeitos que compõem
o sistema ao qual, tanto o campo jornalístico quanto os demais campos sociais e seus agentes,
são pertencentes.
CAPÍTULO 2
ZERO HORA E A CAMPANHA ELEITORAL DE 2006: RELAÇÕES ENTRE
CAMPOS JORNALÍSTICO E POLÍTICO
O presente capítulo aborda a interface entre o campo jornalístico – através do jornal
Zero Hora – e o campo político na campanha eleitoral de 2006, tendo em vista o contexto do
Rio Grande do Sul. Para tanto, apresenta a história do jornal Zero Hora, sua linha editorial e,
assim, chega aos dados demonstrativos de que ele é representativo na vida dos gaúchos. Logo
após, apresenta as editorias de Política e de Fotografia do impresso com o intuito de
evidenciar aspectos da rotina de produção dos jornalistas e seus respectivos reflexos nos
produtos jornalísticos – em específico as fotografias analisadas neste texto dissertativo. Além
disso, o capítulo aponta questões relativas aos regramentos e ao funcionamento do campo
político para que, na seqüência, haja subsídios para abordar a inserção histórica do feminino
no campo – olhando especificamente para o contexto brasileiro. O próximo subitem, então,
traça um panorama das eleições de 2006 e as respectivas candidaturas de mulheres, trazendo
índices do Rio Grande do Sul. Por fim, dá-se voz à Zero Hora para que se compreenda o olhar
da instância da produção sobre a figura de Yeda Crusius enquanto candidata ao Governo
Estadual em 2006.
2.1 ZERO HORA: A HISTÓRIA DEFININDO UM JORNAL EMBLEMÁTICO NO RIO
GRANDE DO SUL
Última Hora era um jornal de circulação nacional no período de 1950 a 1971. Foi
fundado pelo jornalista Samuel Wainer e teve sua estrutura física invadida e destruída em
Porto Alegre durante o Golpe de 64, quando deixou de circular no Rio Grande do Sul e
passou a ser administrado por Ary de Carvalho.
Quando assumiu Última Hora, Carvalho lhe deu novo nome e buscou sócios para que,
em 4 de maio de 1964 começasse a circular no Estado Zero Hora, um jornal “autenticamente
gaúcho” (ZERO HORA apud BERGER, 2003, p. 52). No final de 1965, Maurício Sirotsky
Sobrinho passou a presidir a empresa de comunicação, chamada de Editora Jornalística Sul-
Riograndense S.A.
Concomitantemente a isso, a família Sirotsky incorporou a TV Gaúcha (que em 1967
afiliou-se à Rede Globo) e, assim, a empresa jornalística transformou-se na Rede Brasil Sul de
Comunicação (RBS). Ao longo dos anos, a rede expandiu-se
22
– com jornais, emissoras de
televisão e rádios – pelo interior do Rio Grande do Sul e por Santa Catarina e, em 2008,
unificou-se como Grupo RBS.
Nesses 44 anos, Zero Hora (ZH) teve como principal concorrente o Correio do Povo.
No entanto, as estatísticas comprovam que ZH mantém-se emblemático na vida dos gaúchos:
tem a maior circulação no Rio Grande do Sul e, conseqüentemente, o maior número de
impressões e de leitores. As assinaturas pagas beiram 177 mil, conforme dados da Associação
Nacional dos Jornais (ANJ) de 2007. Assim, ZH ocupa o sétimo lugar no ranking dos dez
maiores jornais do Brasil. Berger (2003, p. 56) considera que,
[...] ao não reconhecer concorrentes (e eles realmente pouco o são), o jornal atua
como ante-sala do poder, publicizando os que nele escrevem e os elevando a
representantes formais de opinião. Ao mesmo tempo, exclui da realidade os que
nele não figuram em suas páginas, tanto jornalistas como políticos ou intelectuais.
Em formato tablóide
23
desde que foi lançado, atualmente ZH tem a seguinte estrutura:
sua capa traz, centralizado e acima na página, o logotipo com o nome do jornal. Ou seja, o
primeiro sujeito de enunciação institucional, Zero Hora, manteve a mesma logomarca nessas
quatro décadas. Escrito em preto, o traço acima do nome varia do azul ao vermelho conforme
a edição (ver figuras 1 e 2).
22
Atualmente, o Grupo RBS abriga os jornais Zero Hora (Porto Alegre), Diário de Santa Maria (Santa Maria),
Pioneiro (Caxias do Sul), Diário Gaúcho (Porto Alegre), Hora de Santa Catarina (Florianópolis), Diário
Catarinense, A Notícia (Joinville), Jornal de Santa Catarina (Blumenau); as emissoras de televisão RBS TV
(com 18 emissoras no interior do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina), TV COM e Canal Rural; as rádios
Gaúcha (Rio Grande do Sul), CBN Diário (Florianópolis), CBN 1340 (Porto Alegre), Atlântida (Rio Grande do
Sul e Santa Catarina), Itapema (Porto Alegre, Florianópolis, Caxias do Sul, Santa Maria e Joinville), Cidade
(Grande Porto Alegre), Farroupilha (Porto Alegre), Rádio Rural (Rio Grande do Sul) e os portais na internet
ClicRBS, Hagah, Oba Oba e Guia da Semana.
23
Conforme o diretor de redação Ricardo Stefanelli, no portal ZH RESPONDE do site de Zero Hora, “Em razão
da influência de diagramadores espanhóis e argentinos em meados do século 20, o Rio Grande do Sul é pioneiro
no Brasil no formato tablóide, que vem sendo adotado por muitos jornais no mundo. O formato é considerado o
mais prático para a leitura por permitir fácil manuseio e, ao mesmo tempo, desenhos de página criativos”.
Figura 1: logotipo com traço azul. Figura 2: logotipo com traço vermelho.
Com a manchete, acompanha uma fotografia principal em tamanho destacado das
demais que podem – não necessariamente estão lá – ocupar outros espaços secundários da
capa. De duas a cinco chamadas rodeiam a manchete e a fotografia principal, convidando o
leitor a editorias e cadernos daquela edição.
Ao abrir o seu jornal, o leitor encontra nas páginas dois e três o Informe Especial, com
Opinião de ZH, Foto do Leitor, charge do Marco Aurélio, notas e o Bom dia, leitor. Nas duas
páginas seguintes, é o espaço reservado a Reportagem Especial, que traz matérias de
acontecimentos da atualidade.
Logo após vem Política, Página 10 (coluna da editoria de Política, com Rosana de
Oliveira), Editoriais e charge do Iotti, Artigos, Economia, Campo & Lavoura, Indicadores,
Informe Econômico (coluna da editoria de Economia, com Lurdete Ertel), Mundo, Geral,
Polícia, Página da Previsão do Tempo, Anúncios Fúnebres e Religiosos, Esportes, Almanaque
Gaúcho, Há 30 anos em ZH e a crônica de Paulo Sant’ana compõem a última página do
jornal. Ao fechar seu jornal, o leitor encontra duas fotografias com chamadas na contracapa.
Além da estrutura básica do jornal diário, há cadernos que acompanham o jornal,
variando conforme o dia da semana: na segunda, Globaltech e Meu Filho; na terça, Casa &
Cia e Viagem; na quarta, ZH Digital e Vestibular; na quinta, Sobre Rodas; na sexta,
Gastronomia e Campo & Lavoura; no sábado, Cultura e Vida; no domingo Donna ZH,
Empregos & Oportunidades e TV+Show.
Fisicamente, ZH localiza-se na mesma sede da Avenida Ipiranga, 1075, em Porto
Alegre, desde sua fundação. Ocupa o quarto andar do prédio e tem sua redação integrada com
o zerohora.com – jornal on-line. O jornal possui onze sucursais espalhadas pelo interior do
Rio Grande do Sul, que se localizam em Rio Grande, Pelotas, Santana do Livramento,
Uruguaiana, Santo Ângelo, Cruz Alta, Passo Fundo, Erechim, Santa Cruz do Sul, Lajeado e
Novo Hamburgo.
Além dessas sucursais no Estado, há a sucursal de Brasília que fornece notícias do país
ao ZH e os jornais, também pertencentes ao grupo, Diário de Santa Maria e Pioneiro, que
abrangem, respectivamente, as regiões central (com sede em Santa Maria) e serrana (com sede
em Caxias do Sul), também alimentando ZH com informações e acontecimentos dessas
localidades do Rio Grande do Sul.
Dentre editores, repórteres, fotógrafos e diagramadores, ZH conta com cerca de 210
pessoas (incluindo repórteres das sucursais – do interior e de Brasília) em sua equipe de
jornalismo que, diariamente, proferem discursos sobre acontecimentos de relevância
jornalística
24
. Por ocupar um lugar hegemônico na imprensa do Rio Grande do Sul, ZH não
usa recursos discursivos em oposição ao Correio do Povo (principal concorrente). Neste
sentido, Berger (2003, p.58) analisa:
Zero Hora, no sentido dos interdiscursos informativos locais, faz um monólogo,
não se constrói em oposição (textual, ideológica) ao Correio do Povo ou ao Jornal
do Comércio e não disputa o leitor pela posição de leitura mas pela posição de
consumidor [...].
Para tanto, Berger ainda destaca que o jornal tem que dialogar com diferentes perfis de
leitores, uma vez que pretende atingi-los pelo consumo. Ou seja, enuncia-se a diferentes
classes sociais, etárias e de instrução e, assim, faz-se presença diária na vida dos gaúchos.
“Costuma-se dizer que no Rio Grande do Sul não há opção – ou se lê a ZH ou não se sabe do
que se passa aqui” (BERGER, 2003: 58).
2.1.1 Fotografias em – e de – Zero Hora
Nesses 44 anos de circulação do jornal no sul do país, imagens fotográficas sempre
foram recursos discursivos utilizados no ato de informar e de noticiar acontecimentos, pois o
impresso nasceu no momento em que as redações do Brasil passaram a incorporar a fotografia
em seus produtos jornalísticos.
No princípio, câmeras analógicas eram o instrumento de trabalho dos fotojornalistas
de ZH e fotografias em preto e branco eram os melhores produtos que o mercado ofertava. A
cada pauta, o trabalho não se encerrava, pelo contrário: ao retornar para a redação, os
fotógrafos tinham de revelar os negativos. Junto com os editores, escolhiam aquelas imagens
fotográficas que comporiam as matérias e a capa do jornal.
Em 1968, iniciou-se a montagem de um novo parque gráfico, em que se utilizava a
composição a frio e a impressão offset — foi o segundo jornal no Brasil a utilizar o sistema. O
24
Acontecimentos com relevância para o jornalismo são aqueles que possuem valor-notícia (TRAQUINA,
2005), ou seja, é o conjunto de critérios que distinguem um acontecimento do outro e dizem qual deles merecem
tratamento jornalístico para transformar-se em notícia.
ano de 1972 marcou o abandono definitivo da linotipia
25
em favor do sistema de composição,
e a instalação de três computadores de fotocomposição, que permitiram padronizar a
apresentação gráfica do jornal. Também foram instalados novos aparelhos de telex, e
adquiridos minitransmissores de telefoto para reportagem fotográfica.
Em 1988 ZH informatizou a redação e, com isso, foi o primeiro jornal do Rio Grande
do Sul a instalar a tecnologia dos computadores como ferramenta de trabalho para sua equipe
de jornalismo. Nesse período, as primeiras câmeras digitais já circulavam no mercado, mas
ainda não tinham qualidade suficiente para que suas imagens fossem publicadas em jornais
impressos.
Foi somente em 1996 que a Editoria de Fotografia de ZH substituiu suas câmeras
analógicas e as bobinas de filme fotográfico pelas câmeras digitais e suas imagens em pixels.
O estúdio fotográfico ocupa atualmente o antigo laboratório de revelação em uma sala ao lado
da mesa da editoria de fotografia, pois já não é mais necessário o processo manual de
revelação de filmes.
Com o processo de digitalização, mais fotografias são captadas em cada pauta, pois
antes o filme fotográfico limitava o número de imagens por rolo. Agora, os cartões de
memória das câmeras digitais comportam até mil imagens, o que faz com que os
fotojornalistas tenham mais “espaço” para suas fotografias.
Em 2005, ZH passou por uma redefinição gráfica expressiva para o jornal que, a partir
de então, tem quase todas as suas páginas coloridas. Neste processo, as fotografias ganharam,
visivelmente, mais espaço nas edições e também são publicadas predominantemente em
cores. As imagens ocupam até cinco colunas – o que nunca aconteceu antes em ZH.
Atualmente, a Editoria de Fotografia conta com o editor Ricardo Chaves (Kadão), o
subeditor Julio Cordeiro e os fotojornalistas Genaro Joner, Adriana Franciosi, Daniel
Marenco, Arivaldo Chaves, Dulce Helfer, Ronaldo Bernardi, Tadeu Vilani, Mauro Vieira,
Jefferson Botega, Valdir Friolin, Fernando Gomes, Carlos Edler, Marcos Nagelstein e Emílio
Pedroso.
25
Linótipo é uma máquina inventada na Alemanha em 1890, que funde em bloco cada linha de caracteres
tipográficos, composta de um teclado como o da máquina de escrever. A capacidade de produção é de seis mil a
oito mil toques por hora. A fundição é feita em 270
ºC.
2.1.2 A Editoria de Política de Zero Hora
Numa seqüência de projeto gráfico do jornal, a Editoria de Política vem após a quarta
e quinta páginas, que trazem reportagens especiais de temas ou acontecimentos em pauta na
atualidade. Durante a semana são reservadas de duas a cinco páginas a assuntos do campo da
política. Aos finais de semana – principalmente na edição de domingo – o número de páginas
destinadas às temáticas da política aumentam em até duas.
As matérias têm como foco central a política no âmbito do Brasil e do Rio Grande do
Sul. Página 10 (ver figura 3) é a coluna da jornalista e editora executiva Rosane de Oliveira.
A coluna foge à regra das colunas dos jornais, pois ocupa a página inteira – o que justifica
parte do nome dado ao espaço – e, além disso, não há rigor quanto a sua publicação na décima
página das edições.
Figura 3: Página 10, coluna de Política.
A colunista dá ênfase – em tom opinativo – à política gaúcha (da capital e do interior)
em notas e fotolegendas
26
. Geralmente são publicadas no máximo duas fotografias na coluna
que, na maioria dos casos, são imagens de divulgação cedidas pelas assessorias de imprensa,
26
Sousa (2004) define fotolegenda (fotoleg) como sendo uma fotografia em tamanho menor acompanha de uma
legenda de tamanho maior – comparado a um parágrafo que corresponde a um lide.
imagens de agências de notícias ou fotografias do próprio jornal – de arquivo ou as preteridas
nas matérias principais.
Além disso, a coluna ainda apresenta duas subseções fixas: Mirante e Aliás. A
primeira traz breves notas sobre políticos e suas agendas. Aliás, é um olho que relembra
promessas e falas de governantes, atuando como um dispositivo discursivo de
rememoramento do leitor e dos políticos. Ou seja, traz novamente para a pauta da sociedade o
que ficou esquecido no discurso político e não foi efetivado.
Atualmente, a seção de Política de ZH conta com quatro editores: Rosane de Oliveira,
editora Executiva; Luiz Antônio Araujo, editor; Dione Kuhn, subeditora; Vivian Eichler,
editora assistente. Ao todo, são sete repórteres responsáveis pela apuração e redação de
matérias e reportagens: Adriana Irion, Fabiano Costa, Larissa Magrisso, Adriano Barcelos,
Marciele Brum, Aline Mendes e Leandro Fontoura.
Para a Editoria de Política, o principal acontecimento previsto pela agenda jornalística
que intensifica a sua rotina produtiva são as eleições. No Guia de Ética do Grupo RBS, há
somente um item específico para a editoria de política e ele é totalmente direcionado a
campanhas eleitorais, o que confirma a representatividade das eleições para a editoria em
questão.
A RBS não tem nem apóia candidatos e partidos. Os veículos da RBS procuram
abrir espaços equilibrados e adequados aos partidos e seus candidatos, sem
favorecimentos ou perseguições.
A RBS divulga resultados de pesquisas eleitorais efetuadas exclusivamente por
institutos de reconhecida credibilidade. A notícia com os resultados deve informar
como, quando, onde e com quantas pessoas foi realizada a pesquisa. O público deve
ser informado também da margem de erro admitida pela pesquisa. Os veículos da
RBS não tratam as pesquisas como o principal elemento da cobertura eleitoral.
Pesquisas são acessórias a uma cobertura que deve privilegiar as propostas e as
biografias dos candidatos, além do serviço de eleições (GRUPO RBS, 2007, p. 24).
As notícias do campo da política ganham mais visibilidade durante as eleições e,
conseqüentemente, mais espaço em se tratando de conteúdo interno no impresso. Em ZH,
além de aumentar o número de páginas destinadas às matérias do período eleitoral, há um
caderno das eleições, chamado “Caderno das Eleições”.
Durante o período eleitoral, a dinâmica da editoria altera-se em função da
intensificação da rotina de produção de notícias. “Na verdade o jornal todo muda em
campanha eleitoral”
27
. Geralmente, ZH organiza-se um ano antes para fazer um planejamento
e um guia com orientações da cobertura para a redação.
No caso das eleições de 2006, no mês de março daquele ano iniciaram as definições de
seções (Por exemplo, Nas Ruas e Palanque Eletrônico) que haveria na editoria de Política
durante a cobertura jornalística da campanha. Também foi feita antecipadamente a
distribuição de funções a cada repórter.
A equipe da editoria de Política precisou contar com mais pessoas, pois
conseqüentemente mais pautas surgem com a demanda das campanhas eleitorais que
acontecem na capital gaúcha – e, para além da capital, o jornal tem que dar conta do que
acontece no interior do Estado e no Brasil. Tudo isso faz parte da preparação do Projeto
Eleições, que se estende a todo Grupo RBS.
O Projeto Eleições (que se traduz no selo
28
Eleições) começa a valer a partir de julho,
que é quando se dá o registro das candidaturas. Em 16 de julho inicia oficialmente a
campanha eleitoral e, a partir de então, o jornal passa a usar o selo Eleições (ver anexo 1) em
matérias e cadernos relativos ao acontecimento político mais expressivo.
Durante a cobertura, alguns critérios são adotados para dar visibilidade aos candidatos
em ZH. O impresso dá espaço igualitário para os candidatos de maior peso (conforme a
representatividade da legenda e o que as pesquisas apontam). Conforme Iara Lemos:
Então nós tínhamos o Rigotto, a Yeda e o Olívio levando os maiores espaços pela
importância que eles tinham na composição partidária. A gente dava esses espaços
igualitários no seguinte sentido: se nós fôssemos cobrir uma agenda do Olívio na rua
e, se a Yeda não tivesse uma agenda na rua, nós tínhamos que catar o que a Yeda
estava fazendo. Se a Yeda estava em reunião partidária, nós tínhamos que achar a
Yeda em reunião partidária. Ou seja, o jornal não permitia que os três candidatos de
mesmo peso aparecessem, um, abrindo página e, o outro, não abrindo página. Então
eles tinham que abrir página. E quando um abria página e editorial, no outro dia
tinha que ser mesclado. Isso é um cuidado editorial para que não digam: “porque
sempre o Olívio está abrindo?”. Os outros candidatos, a gente podia colocar uma
nota do PCO, uma nota um pouquinho maior do Turra.
Em conteúdos textuais (texto escrito e imagético) cronometrados – numa média de
vinte a 25 centímetros de texto –, os três principais protagonistas das eleições ao Governo do
Rio Grande do Sul ganhavam visibilidade. Dentre os critérios, também havia modos de
27
Jornalista Iara Roberta Bairros Lemos, repórter do Diário de Santa Maria (Grupo RBS), em entrevista
concedida à autora em 05 de fevereiro de 2009, Santa Maria, Rio Grande do Sul, Brasil. As informações que se
sucedem ao decorrer do texto também foram dadas por Iara.
28
Selo é uma figura com texto indicial que marca uma série de reportagens ou pautas recorrentes de um
acontecimento expressivo, cercado de valores-notícia.
ordenamento na citação dos nomes dos candidatos que em ZH era de acordo com quem havia
feito a primeira convenção partidária ou em ordem alfabética.
2.2 O CAMPO POLÍTICO: CARACTERÍSTICAS, LÓGICAS E ATORES
Cada campo é um espaço de organização de diferentes espécies de poder – capitais
simbólicos, como denomina Bourdieu (2003) – disputadas o tempo todo a partir de relações
de força. Embora presente em todos os campos, o poder adquire significado singular para o
campo político.
Antes de adentrar às questões específicas do campo, é relevante fazer uma breve
reconstituição da política até sua configuração como campo. Política, do grego antigo
πολιτεία (politeía), indicava todos os procedimentos relativo à pólis, ou cidade-Estado. A
pólis funcionava com determinados regramentos de disputa de poder e, então, pode-se
compará-la com o que mais tarde foi denominado – pela Teoria dos Campos Sociais – campo
político.
O modelo grego de política foi o que prevaleceu por séculos como prática: era uma
democracia excludente, pois as mulheres, os escravos e os estrangeiros não eram considerados
cidadãos. Somente os homens livres nascidos na cidade-Estado tinham representatividade
social e política (RUBIM, 2000).
Foi na Era Moderna que ocorreram transformações que redefiniram o funcionamento
da política. A caracetrística de exclusão do modelo político da Grécia foi superado, portanto,
nessa época: vários setores sociais passaram a ser ativos na política (organizando-se em
partidos), bem como o sufrágio universal incliu todos os cidadãos no processo de escolha dos
seus governantes.
Mas esse processo de “alargamento” do campo político só se desenrolou porque
envolveu lutas sociais para conquista de participação nesse campo, potencializando o caráter
público da política. Bourdieu (2003, p. 164) considera que o campo político só movimenta
sua engrenagem porque é, ao mesmo tempo, um campo que se estrutura com base em forças e
lutas que vislumbra o poder. Rubim (2000, p. 23) complementa:
A política moderna, e a contemporânea, caracteriza-se, em resumo, enquanto
possibilidade, como inclusão formal ou real, ampliação potencial de participação,
alargamento temático, caráter majoritariamente público e predominância de
realização sob a forma de disputa de hegemonia. Tais componentes inscrevem como
possibilidades históricas a socialização real da política, a desconcentração do poder
e, enfim, a realização de uma radical, ampliada e efetiva democracia em toda a
sociedade.
É nesse contexto demonstrado pelo autor que percebe-se que é da gênese da política a
questão do poder, e ele, por sua vez, assume um papel central nos regramentos do campo, co-
determina todo o funcionamento do campo político. “A política moderna e também
contemporânea, apesar de significativas mutações em processo, gira em torno desse poder e
das instituições e papéis sociais que o concentram” (RUBIM, 2000, p. 74).
É o jogo político que estabelece as regras das disputas de poder. Bourdieu (2003), citando
Wittgenstein, faz alusão ao jogo de xadrez para explicar a dinâmica da política: se não
existissem as regras do jogo de xadrez, a intenção de jogá-lo não existiria também. O poder é,
portanto, a finalidade do jogo político e, por esse campo concentrar tanto poder, é considerado
por Bourdieu (2003) como sendo o único – ao lado do campo do jornalismo – a ter
determinada autonomia.
Tem-se no pensamento foucaultiano um importante viés para a compreensão da acirrada
disputa pelo poder. As relações de poder perpassam toda a sociedade moderna, não limitando-
se ao poder exercido pelo Estado, pelo contrário: o poder passa a ser, conforme Foucault
(1985), práxis social para além daquele exercido por instituições legítimas.
É por essa significância na sociedade que a disputa pelo poder é o que rege o jogo e
ganha status simbólico interna e externamente ao campo político e, portanto, e essa disputa se
dá através das organizações partidárias. Os partidos políticos são os agenciadores dessa luta,
pois distribuem seus atores de forma a angariar a adesão do maior número de cidadãos, uma
vez que esse jogo é conduzido pela lógica da oferta e da procura, transformando os cidadãos
comuns em consumidores, conforme pensa Bourdieu (2003).
A estratégia de mobilização desses cidadãos se dá através da oposição entre dois partidos,
e estes, por sua vez, só têm existência relacional – conforme o jogo exige. Mas para que haja
o jogo, é preciso haver jogadores. No campo político, os jogadores mais salientes são os
atores políticos – profissionais da política, como nomeia Bourdieu (2003) –, que estabelecem
a luta através do discurso.
O campo, no seu conjunto, define-se como um sistema de desvios de níveis
diferentes e nada, nem nas instituições ou nos agentes, nem nos actos ou nos
discursos que eles produzem, tem sentido senão relacionalmente, por meio das
oposições e das distinções. (...) Tudo se passa com efeito como se a distribuição das
posições no campo implicasse uma distribuição dos papéis; como se cada um dos
protagonistas fosse levado ou remetido às suas tomadas de posição tanto pela
concorrência com os ocupantes das posições mais afastadas ou das mais chegadas,
que ameaçam, de diferentes maneiras, a sua existência, como pela contradição
lógica entre as tomadas de posição (BOURDIEU, 2003, p.179-180-181).
O embate se dá, no jogo, por meio dos discursos proferidos por seus atores. É através
da retórica que os políticos chegam até seus consumidores para mobilizá-los pelo
convencimento, pela confiança e pela obediência – conquistados por estratégias de sedução,
de coerção e do credível à verdade política postos em discursos (WEBER, 2000). O discurso
político produzido por seus profissionais é determinado e afetado diretamente pela lógica de
visibilidade do campo.
A visibilidade do campo político só se materializa em interface com o campo
midiático. É nessa zona fronteiriça que a política e seus atores têm espaço para visibilidade
pública e, portanto, o jogo também engloba a disputa por esse espaço. A visibilidade política
no campo das mídias é, então, controlada segundo lógicas dos media, ou seja, na
contemporaneidade, o capital simbólico da política passa por regulações midiáticas
(BOURDIEU, 2003; RUBIM, 2000; WEBER, 2000).
A política, como as mídias, detém o poder das palavras. Essas carregam a
legitimidade de quem as pronuncia e, se adotadas adequadamente, como táticas,
produzem efeitos reais. No discurso está o poder da mídia e da política. (....) O poder
de representação das mídias pode ser equiparado ao poder da própria política,
delimitado pelas ações da política e do sistema econômico. Mas o poder da mídia, ao
contrário da política, está na sua capacidade de difusão de outros poderes. Está na
representatividade que a legitima [...]. (WEBER, 2000, p.13).
Dessa forma, a mídia – e em específico o jornalismo, por constituir um fazer voltado
aos discursos sociais (e deles apropriar-se para reformulá-los e devolver-lhes à sociedade) –
tem papel marcante no campo político, uma vez que pauta a organização e o regramento desse
campo segundo suas lógicas e modos constitutivos do campo midiático de dar visibilidade aos
atores. Ou seja, o jogo político passa pelo crivo da mídia em dar-lhe visibilidade.
Na contemporaneidade, então, o campo midiático é que, simbolicamente, encerra as disputas
de poder que constituem o campo político, pois, segundo Bourdieu (2003, p. 183), “o
desfecho das lutas internas [do campo político] depende da força que os agentes e as
instituições envolvidos nesta luta podem mobilizar fora do campo”. Mobilizações que estão
submetidas às lógicas midiáticas, que tem autonomia em ampliar e limitar os discursos
provenientes de outros campos através de seus dispositivos e os discursos neles impingidos.
2.2.1 Mulheres e Política: breve retrospecto do contexto brasileiro
Na política brasileira, as mulheres ficaram à margem durante séculos por se tratar de
um assunto de homens. Somente em 1910 a história da exclusão começa a ser contada de uma
maneira diferente: as mulheres unem-se criando o Partido Republicano Feminino no Rio de
Janeiro e, durante vinte e dois anos elas lutaram para ter direito ao voto.
As ações das feministas – voltadas para conquistas de direitos políticos para a mulher
– intensificaram-se (e deram corpo ao Partido Feminino) em torno de 1918, quando Berta
Lutz e um grupo de colaboradoras criaram, também no Rio de Janeiro, uma organização
chamada Liga para Emancipação Intelectual da Mulher, que, posteriormente, passou a
denominar-se Liga pelo Progresso Feminino. Em 1919, o senador Justo Chermont apresentou
um projeto de lei estendendo o direito de voto às mulheres, não conseguindo, porém, sua
aprovação (ARAÚJO, 2003).
Em 1922, devido a novas estratégias de luta, a Federação das Ligas pelo Progresso
Feminino transformou-se na Federação Brasileira para o Progresso Feminino, que, neste
mesmo ano, organizou o I Congresso Internacional Feminista, no Rio de Janeiro. Foram as
mulheres do Rio Grande do Norte que primeiro conquistaram o direito de voto em 1927
(ARAÚJO, 2003). Contudo, houve um retrocesso nas conquistas eleitorais femininas no ano
seguinte, sendo adiada a possibilidade do voto por parte das mulheres no Brasil.
Foi em 1932 que as mulheres tornaram-se eleitoras efetivas no Brasil com o decreto-
lei (ver anexo 2) promulgado no Governo Getúlio Vargas (ALVES, 2006). Este fato somente
se concretizou com a Constituição de 1934, onde ficou estabelecida a instituição do voto
feminino e do voto secreto e obrigatório.
Neste sentido, Araújo (2003, p. 01) destaca que,
A revisão da legislação eleitoral e a elaboração de um novo código eleitoral,
compromisso assumido por Getúlio Vargas, constituíram um dos atos políticos
mais importantes do Governo Provisório. O Decreto nº 21.076, de 24 de fevereiro
de 1932, regulamentava o alistamento e o processo eleitoral no país, nos âmbitos
federal, estadual e municipal, trazendo uma série de inovações, dentre as quais se
destacava o estabelecimento do sufrágio universal e secreto. Mais ainda, o novo
código ampliava o corpo político da nação, concedendo o direito de voto a todos os
brasileiros maiores de vinte e um anos, alfabetizados e sem distinção de sexo. As
mulheres brasileiras adquiriam assim, pela primeira vez e após árdua luta, cidadania
política, contribuindo para o aumento significativo do número de votantes no país.
A partir de então, as mulheres passam a ganhar espaço na política. A primeira mulher
eleita para uma prefeitura no Brasil foi a fazendeira Alzira Soriano em 1929
29
, na cidade de
Lages (Rio Grande do Norte). Carlota Pereira de Queiroz, médica paulista, foi a primeira
mulher eleita deputada federal, em 1933, tendo sido constituinte pelo Estado de São Paulo.
Em meados da década de 1960, a política brasileira esteve sob o comando do Regime
Militar, o qual impôs fortes restrições à atuação política no país, anulando a participação dos
cidadãos brasileiros da maioria de suas decisões. Ou seja, houve uma ruptura e um tolhimento
dos direitos da sociedade que haviam sido conquistados ao longo de muitos anos.
Somente após 1974 os espaços políticos foram sendo recuperados progressivamente –
ainda com as limitações de direitos políticos. Em 1975, alguns eventos do Ano Internacional
da Mulher, promovido pela ONU (Organização das Nações Unidas), foi realizada no Rio de
Janeiro. O encontro causou repercussão na política e foi criada uma associação permanente de
debates, o Centro da Mulher Brasileira (CMB), considerada a primeira organização feminina
constituída após 1964 (SODRÉ, PAIVA et al., 2007).
Conforme pesquisa realizada (com 343 mulheres) durante as eleições de 1978, a
maioria das entrevistadas considerava positiva a participação efetiva das mulheres na política
nacional para além do voto (TABAKI e TOSCANO, 1982). A primeira senadora brasileira foi
Eunice Michillis, do Amazonas. Ela era suplente e assumiu o cargo em 1979, com a morte do
senador José Esteves.
Foi em 1995 que as mulheres começaram a batalhar sua equiparidade em candidaturas.
Neste ano, a bancada feminina no Congresso Nacional, influenciada pelas experiências
exitosas de outros países, articula-se e propõe que se inclua, na legislação eleitoral brasileira,
um artigo assegurando uma cota das vagas de cada partido ou coligação para as candidaturas
de mulheres.
29
A mulher conquistou o direito de voto no Brasil com o Código Eleitoral de 1932, como relatado no corpo do
texto. Mas o Estado do Rio Grande do Norte foi pioneiro na concessão do direito do voto à mulher. Ao incluir
em sua campanha de 1927 a defesa do voto feminino, o candidato a governador Juvenal Lamartine conseguiu
incluir na lei eleitoral do Estado o seguinte artigo: "No Rio Grande do Norte, poderão votar e ser votados, sem
distinção de sexo, todos os cidadãos que reunirem as condições exigidas por esta lei".
Em 29 de setembro de 1995, foi aprovada a Lei n.º 9.100, que estabeleceu uma cota
mínima de 20% para as mulheres na candidatura das eleições do ano seguinte (GROSSI e
MIGUEL, 2001). Em 1997, após esta primeira experiência eleitoral com cotas, a Lei n.º 9.504
(ver anexo 3), estende a medida para os demais cargos e altera o texto do artigo, assegurando
não mais uma cota mínima para as mulheres, mas uma cota mínima de 30% e uma cota
máxima de 70% para qualquer um dos sexos.
As duas leis foram aprovadas pelo Congresso Nacional, recebendo também o apoio de
grande parte da bancada masculina. Mas esse apoio teve de ser negociado e, junto com as
cotas, os parlamentares aprovaram um aumento no número total de candidaturas que os
partidos poderiam apresentar nos pleitos eleitorais.
Somente em 1998 elege-se a primeira mulher Governadora no Maranhão, Roseana
Sarney. De duas deputadas eleitas em 1978, a representação aumenta para 29 em 1998. Ou
seja, as mulheres gradativamente – embora de forma lenta e minoritária – ganham espaço na
política. No entanto, mesmo havendo uma tentativa de equiparidade de candidaturas de ambos
os sexos e algumas mulheres eleitas, os homens ainda são maioria dos candidatos e ocupam a
maior parcela de cargos governamentais, chegando a 85% destes cargos.
Para exemplificar, recorre-se aos dados do ano de 2007 onde consta que o Brasil é o
país que ocupa o 130º lugar (numa lista de 172 países) na lista mundial de mulheres
parlamentares. Essas estatísticas colocam o Brasil no 103º lugar no pódio mundial de
representatividade feminina numa Democracia Representativa. É o índice mais baixo da
América do Sul – fica à frente apenas do Haiti e da Guatemala. Também é inferior aos países
árabes como a Síria, que 12% do Parlamento é representado por mulheres (SODRÉ, PAIVA
et al., 2007).
Embora o texto de Lipovestsky seja do início do início desta década, o autor faz o
seguinte apontamento, ainda pertinente ao contexto atual da política no Brasil,
Então o futuro se anuncia inelutavelmente sob os traços da feminização do poder?
Se observarmos os dados atuais, parece pouco provável. Na maioria dos países, a
política permanece um universo amplamente fechado às mulheres: com exceção dos
países nórdicos, s nações européias elegem entre 6% e 20% de deputadas. Por toda a
parte, na Europa, as mulheres representam um terço dos membros dos partidos
políticos, mas quase em toda parte elas são sub-representadas nas instâncias
dirigentes destes. Em todos os governos, salvo os escandinavos, as mulheres são
minorias e no mais das vezes são encarregadas de setores considerados “femininos”;
raras são as mulheres ministras que exercem as funções régias. A constatação é
banal: a política continua sendo um assunto de homens (LIPOVETSKY, 2000, p.
264).
2.2.2 Um panorama das eleições de 2006: mulheres candidatas
Conforme em dados quantitativos do Tribunal Superior Eleitoral
30
(TSE), 2.498
mulheres candidataram-se a cargos eletivos em todo o Brasil no ano de 2006. Desse número,
duas foram candidatas à Presidência da República, 26 aos Governos Estaduais, 35 ao Senado,
652 à Câmara Federal e 1.784 às Assembléias e Câmara Legislativas.
De candidatas a eleitas, o número decresceu significativamente: foram eleitas 176
mulheres, ou seja, 7,04% das figuras femininas ocuparam cargos políticos em todo o Brasil.
Três delas são Governadoras Estaduais, quatro Senadoras, 46 Deputadas Federais e 123
Deputadas Estaduais.
No contexto de 2006, a presença das mulheres à frente de cargos políticos totaliza os
seguintes índices: 11,53% dos governantes dos Estados brasileiros, 14,8% da bancada do
Senado, 8,97% dos Deputados Federais e 11,61 dos Deputados Estaduais (SODRÉ, PAIVA et
al., 2007, p. 02).
Ou seja, os homens ainda representam entre 85 e 90% dos cargos eletivos no Brasil,
embora a maioria da população votante do país seja formada por mulheres: 51,71%
31
dos
votos depositados nas urnas são femininos. A diferença, embora pequena em percentuais,
soma cerca de cinco milhões a mais de votos por parte das mulheres. Esta tendência vem se
consolidando pelo menos desde a eleição de 2000, quando o eleitorado feminino superou o
masculino, totalizando 50,48% do total de eleitores que participaram daquele pleito.
Desse modo, pode-se considerar que a identidade de gênero não é um fator determinante
para eleger uma candidata mulher. No Rio Grande do Sul, 51,87%
32
dos votantes são
representados pelo eleitorado feminino, totalizando aproximadamente duzentos mil votos
depositados a mais do que os dos homens nas urnas gaúchas.
30
Embora os dados apresentados neste texto sejam oficias do TSE, o mesmo retira do site após determinado
tempo. Contudo, o Centro Feminista de Estudos e Assessoria (CFEMEA – www.cfemea.org.br ) compila todas
as estatísticas do órgão oficial das eleições – as quais são apresentadas aqui.
31
Dado atualizado em 2008 pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
32
Dado referente ao mês de outubro de 2008 do TSE. Em 2006, período da campanha eleitoral trabalhada nesta
pesquisa, 51,7% dos votos gaúchos eram femininos.
No que tange as parcelas femininas de candidaturas eleitorais no Estado gaúcho, a
porcentagem do TSE é bem inferior: 12,8% (média geral entre todos os cargos eletivos) das
mulheres que candidataram-se em todo o Brasil são do Rio Grande do Sul e, por conseguinte,
o Estado é o 16º com o maior número de mulheres candidatas dentre os 27 Estados
brasileiros
33
.
2.2.2.1 Candidatas no Rio Grande do Sul: um momento histórico
2006 foi um ano marcante no contexto político gaúcho: os índices de inserção das
mulheres como candidatas aumentaram cerca de três pontos no percentual. O período eleitoral
de 2002, considerado emblemático na participação feminina – mais de seis pontos percentuais
aumentaram em todas as regiões brasileiras –, foi superado em 2006.
Desde a implantação da política de cotas, foi o período eleitoral com o maior número de
mulheres candidatas no Rio Grande do Sul: 64 mulheres concorrendo a uma cadeira na
Assembléia Legislativa do Estado, três disputando o Senado, 33 candidatas a Deputadas
Federais e uma pleiteando o Governo Estadual. No total, foram 101 mulheres candidatas em
2006 no Estado.
Com elas, concorriam, respectivamente 708 homens: 436 candidatos à Assembléia
Legislativa do Estado, sete disputando o Senado, 256 candidatos a Deputados Federais e nove
concorrendo ao Governo Estadual. Proporcionalmente, os índices de candidaturas femininas –
conforme o TSE – no Estado gaúcho corresponderam aos seguintes percentuais:12,8% das
candidaturas à Assembléia Legislativa, 11,42% das candidaturas à Câmara dos Deputados,
30% das candidaturas ao Senado e 10% das candidaturas ao Governo do Rio Grande do Sul.
Do percentual de mulheres que pleitearam cargos políticos, somente nove das 101 delas
elegeram-se, o que equivale ao percentual de 8,91%. Dos 708 candidatos homens, 79 deles
elegeram-se, totalizando 11,15% de figuras masculinas que acabaram ocupando cargos
eletivos. Isso significa que as candidaturas femininas é que fazem com que o número
decresça, pois na proporção em percentuais a diferença entre homens e mulheres eleitas é
pequena, sendo inferior a 2,5%.
33
Os onze Estados da nação que ficam atrás do Rio Grande do Sul na classificação são: Minas Gerais, Rio
Grande do Norte, Piauí, Pernambuco, Paraná, Alagoas, Paraíba, Bahia, Espírito Santo, Goiás e Mato Grosso.
Embora os números e os percentuais demonstrem dados relevantes no que tange a
participação feminina em candidaturas, o mais emblemático das eleições 2006 foi a projeção
da candidata Yeda Crusius (Partido da Social Democracia Brasileira – PSDB) ao Governo do
Estado. Foi, de fato, a primeira mulher
34
que teve proeminência nas pesquisas eleitorais com
grande chance de ser escolhida a primeira governadora mulher do Rio Grande do Sul.
As primeiras pesquisas apontavam como fortes concorrentes Germano Rigotto (Partido
do Movimento Democrático Brasileiro – PMDB) e Olívio Dutra (Partido dos Trabalhadores –
PT). Mas o resultado do primeiro turno surpreendeu: Yeda Crusius atingiu número de votos
superior ao que as pesquisas computavam. Foi, então, para o segundo turno disputar o cargo
com o candidato petista.
Com 53,94 % dos votos (o concorrente recebeu 46,06% dos votos) computados nas
urnas gaúchas, elegeu-se a primeira mulher governadora
35
do Rio Grande do Sul em 29 de
outubro de 2006. “Lula e Yeda. Duas vitórias para a história”, anunciava ZH na manchete da
edição da segunda-feira seguinte. E, na abertura da matéria na página 8, ZH dizia: Uma
mulher no Piratini.
2.2.3. Com a palavra, Zero Hora: a voz do jornal sobre as eleições de 2006 ao Governo
do Rio Grande do Sul
“Foi uma situação bastante difícil”. A frase da repórter Iara Lemos
36
foi repetida em
diversos trechos da entrevista sobre o contexto das eleições de 2006 na ótica de ZH. A
34
Em 1998, Emília Fernandes candidatou-se pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT). Nas pesquisas,
aparecia apenas com 6% das intenções de voto e, no resultado final, ficou com 6,9% dos votos gaúchos.
35
O pleito de 2006 foi a primeira vez que o PSDB teve candidato próprio ao Governo do Estado. A vitória de
Yeda Crusius garantiu a melhora do desempenho de seu partido no Sul. Em 2002, O PSDB elegeu entre os
gaúchos apenas um candidato para a Câmara dos Deputados: a própria Yeda, que recebeu 170.744 votos e
terminou a eleição como a quarta mais votada no Rio do Grande do Sul. A tucana já foi duas vezes candidata à
prefeitura de Porto Alegre (1996 e 2000). Perdeu ambas as disputas. Em 1996, foi a segunda mais votada, com
167.397 votos (22,34% dos válidos), atrás de Raul Pont (PT), que se elegeu. Quatro anos depois, Yeda obteve
121.598 votos (15,54% dos válidos) e não passou para o segundo turno, já que terminou atrás dos candidatos do
PT (Tarso Genro) e PDT (Alceu Colares).
36
Jornalista Iara Roberta Bairros Lemos, repórter do Diário de Santa Maria (Grupo RBS), em entrevista
concedida à autora em 05 de fevereiro de 2009, Santa Maria, Rio Grande do Sul, Brasil. Iara Lemos é jornalista
graduada pela UFSM (2002) e especialista em História Brasileira também pela UFSM (2006). É jornalista do
Grupo RBS desde 2003: foi repórter da editoria de Política do Diário de Santa Maria até fevereiro de 2006, de
março de 2006 a janeiro de 2007 foi repórter da editoria de Política de Zero Hora e, em fevereiro de 2007
retornou para o Diário de Santa Maria como editora e colunista de Política. Foi premiada no Esso de Jornalismo
2008, na categoria Interior. Durante a campanha eleitoral de 2006, ,Iara foi uma das jornalistas responsáveis pela
cobertura da agenda de Yeda Crusius em Zero Hora, juntamente com o colega Leandro Fontoura.
situação do Governo naquele período fazia com que o jornal acreditasse na possível reeleição
de Germano Rigotto. Para ZH, o candidato do PMDB havia feito uma composição partidária
forte e, também, seu governo “não construiu grandes coisas, mas também não deixou
manchas”
37
.
Acreditava-se, internamente em ZH, que dificilmente Rigotto perderia a eleição. Na
ótica do jornal, ele ainda tinha outras vantagens em seu perfil político: era carismático, ao
contrário da candidata Yeda e, por isso, a equipe acreditava na desestruturação de Yeda
perante o eleitorado gaúcho. “Nós achamos que ela ia se perder no meio do caminho”
38
.
Contudo, a repulsa pelo PT foi tão forte naquele contexto político (crise do Governo
Lula) que a candidata Yeda passou a direcionar a campanha para entrar no segundo turno. Foi
inacreditável para a editoria de Política quando o resultado da eleição descartou Rigotto
39
do
segundo turno.
Foi uma surpresa dentro da própria editoria quando veio a notícia de que o Rigotto
não tinha passado para o segundo turno. Foi um baque tão grande que no dia
seguinte os repórteres que estavam trabalhando – e eu fui a repórter que foi de
manhã cedo na segunda-feira – não sabiam nem como ligar para o coordenador de
campanha do Rigotto para falar com ele. Ninguém imaginava que isso fosse
acontecer. Então foi um choque tanto para eles [Rigotto e equipe de campanha]
quanto para nós [Zero Hora]. Podia-se imaginar que o Olívio não chegaria ao
segundo turno, e daí nada com relação a dizer que a RBS fazia campanha. Não. Mas
era um contexto do meio [político], a gente não acreditava que ele [Rigotto] não
fosse passar.
40
Com Olívio Dutra e Yeda Crusius no segundo turno das eleições ao Governo do Rio
Grande do Sul, mudou o modo como ZH olhava até então para a única candidata mulher. A
partir daquele momento, todos os partidos que apoiavam Rigotto passaram a apoiar Yeda,
devido a questões ideológicas que perpassam o campo político.
ZH tinha consciência de que a aliança que estava se formando não apoiaria Olívio
Dutra em função da tendência de contrariedade (esquerda versus direita) existente no Estado.
Seguindo a lógica de contrariedade, o somatório dos votos apontava para quem ia, ao final,
vencer a eleição e, como aponta Iara Lemos, dificilmente o PT ia ganhar.
37
Idem.
38
Idem.
39
O resultado do primeiro turno foi: 32, 9% dos votos para Yeda Crusius, 27, 39% dos votos para Olívio Dutra e
27, 12% dos votos para Germano Rigotto.
40
Idem nota de rodapé número 40.
Foi neste contexto que ZH mudou a forma de cobrir pautas relacionadas à campanha
de Yeda, pois o impresso teve que “passar a dar uma atenção especial para aquela que tendia
ser a primeira Governadora do Estado. A gente tinha que olhá-la com outros olhos,
literalmente”
41
.
Esse olhar está diretamente relacionado ao fato de haver uma mulher como forte
candidata a ocupar o lugar de Governadora. Para ZH, a campanha de 2006 foi singular em
decorrência dessa nova condição imposta pelo campo político. “Nós não conhecíamos uma
campanha desse jeito. A gente não sabia como seria uma Governadora, a primeira mulher
Governadora do Rio Grande do Sul. É histórico isso. Então nós não sabíamos tratar com
isso”
42
.
Embora o modo de tratar jornalisticamente a possível Governadora do Estado fosse
um novo desafio lançado para ZH, a equipe de redação passou a olhar Yeda como dois
sujeitos: o sujeito político e o sujeito mulher.
A gente tinha que contar a Yeda mulher, coisas que a mulher costuma fazer: a
mulher tem que arrumar a casa, a mulher tem que ir ao supermercado. O que a gente
procurava fazer? Tirar a Yeda do meio político e mostrar a Yeda mulher; que é uma
coisa que nós jamais faríamos com os homens. Porque eles já estão tão tarimbados
no mercado que a gente não consegue fazer isso.
43
A campanha eleitoral não mudou os hábitos da Yeda mulher, pelo contrário, ela seguia
administrando a casa, fazendo compras para o lar e cuidando dos netos. Para ZH era relevante
revelar esse lado privado da vida de Yeda aos leitores, mostrando que além das atividades
políticas, as atividades que cabem socialmente à mulher continuavam sendo exercidas pela
candidata.
A gente acompanhou a Yeda no supermercado, fazendo compras, escolhendo a carne
que ela ia levar para casa para o marido comer quando ela voltasse da campanha. A
gente acompanhou a Yeda arrumando a casa porque os netos iam chegar. A gente
mostrou que, quando ela estava fora de casa, ela era a mulher política Yeda e, dentro
de casa, ela era a dona de casa Yeda.
44
Outras questões do universo feminino foram sobressalentes para o jornal. Quando
Yeda apareceu com uma maquiagem e um penteado carregados em um debate televisivo,
41
Idem.
42
Idem.
43
Idem.
44
Idem.
virou matéria porque ela é uma mulher. Iara Lemos destaca que os repórteres deviam estar
alerta para a roupa que ela vestia, descobrir o estilista e o cabeleireiro. “Eu passei um
trabalho danado para descobrir o cabeleireiro da Yeda, quem era o cara que fazia a cabeça da
Yeda”. Já no universo masculino da política tais detalhes não têm valor jornalístico. A
repórter Iara Lemos lembra, durante a entrevista, que Rigotto é um homem vaidoso, pois
borda GR (iniciais de seu nome) em todas as suas camisas e isso nunca foi notícia.
No que diz respeito ao sujeito político, Yeda é vista por ZH como uma mulher
autoritária e forte
45
, que “não abaixa a cabeça para ninguém, nem para homens”
46
. De
personalidade marcante, ela é uma mulher que faz, que comanda e que tem clareza e certeza
das iniciativas. É esse misto da mulher dona de casa e da mulher com pulso forte que a
política exige que, para Iara Lemos, contribuíram para a sua solidificação na política. “Não é
o fato de ser uma mulher, poderia ser qualquer outra mulher, mas o fato de ser a Yeda. Ao
invés da gente dizer mulher e Yeda, é Yeda e ser mulher. A Yeda mulher”
47
.
45
Iara Lemos ainda destaca aspectos do perfil político de Yeda que dificultavam o acesso por parte da imprensa:
“ A Yeda, por ser uma pessoa de difícil trato, por ser uma pessoa ríspida e muito autoritária, a gente não poderia
conversar com ela como se fôssemos conversar com a Heloísa Helena, com a Luciana Genro. Porque ela já
chegava com quatro pedras na mão, ela já chegava ríspida com o repórter. O repórter chegava para perguntar
alguma coisa para ela e ela já dizia: o que tu estás querendo? Muito seguido a gente não conseguiu voz dela nas
entrevistas”.
46
Idem nota de rodapé número 46.
47
Idem.
CAPÍTULO 3
O FEMININO NO CAMPO SOCIAL: QUESTÕES DE REPRESENTAÇÃO
O feminino, enquanto um sistema simbólico, é refletido nesse capítulo a partir de
questões que lhe atravessam e são fundamentais para entender-se como este conceito é
construído e vivenciado pelos sujeitos que compõem uma sociedade. Para tanto, a cultura, os
processos de representação e as formas simbólicas são motes abarcados pela necessidade que
se apresenta ao tratar-se dessa demanda, ou seja, como o feminino é construído e vivenciado
no âmbito social. Nesse processo, tantos os sujeitos, como os campos sociais, instituições e
especialistas da produção simbólica são responsáveis por organizarem as experiências
culturais, os valores, os rituais e os papéis sociais atribuídos a cada sujeito na cultura,
operacionalizando, construído, repassando ou re-configurando os modos de ser num contexto
sociocultural estruturado.
3.1 REPRESENTAÇÃO NO CAMPO SOCIAL: UMA QUESTÃO SIMBÓLICA
O reconhecimento dos modos de ser dos sujeitos de uma determinada cultura, a
maneira como são distinguidas as funções sociais dos indivíduos enquanto sujeitos de gênero,
o costume como os componentes de um mesmo contexto social vivenciam os valores e a
maneira como os campos e as instituições sociais os transmitem e os reproduzem, se dão a
partir das representações e estas, por sua vez, são postas em constantes movimentações por
meio das “formas simbólicas” (THOMPSON, 1995).
A partir disso, toma-se como linha de reflexão a questão do papel fundamental que a
representação tem no entendimento da cultura e em como esta é vivenciada e, também, como
as especificidades de cada estrutura cultural são desempenhadas cotidianamente. Numa
perspectiva da antropologia, Peruzzolo (1998, p. 83) argumenta que “A categoria conceptual
da ‘representação’ é também muito importante para a compreensão da lógica das culturas,
pois que as diferenças culturais se explicam por diferentes dinâmicas representacionais”.
Assim, cada contexto sociocultural detém modos simbólicos de operacionalizar
seus valores, suas crenças, suas identidades ou mesmo suas diferenças enquanto sociedades
48
e culturas. Conforme Geertz (1989, p. 15), ao definir a cultura enquanto concepção simbólica,
afirma que “O conceito de cultura que eu defendo [...] é essencialmente semiótico.
Acreditando, como Max Weber, que o homem é um animal amarrado a teias de significados
que ele mesmo teceu, assumo a cultura como sendo essas teias e a sua análise”. Nessa
perspectiva, são as ações de representação que movimentam e organizam os modos de
percepção de um âmbito sociocultural e, portanto, nelas estão contidas as significações
culturais vivenciadas e decodificadas na coletividade, nas sociedades.
A cultura, a partir dessa concepção, se concretiza nas representações vivenciadas pelos
campos sociais. É no que as representações significam e simbolizam que os sujeitos que
compõem os mais diversificados campos interagem, codificam e decodificam os modos de
existir de suas culturas. Este é um processo que se dá a partir da circulação de formas, de
valores e de modos de ser dos sujeitos que compõem uma esfera social, em operações
simbólicas repletas de significados construídos no contexto cultural.
Dessa forma, a cultura conforme coloca Kluckhon (apud GEERTZ, 1989, p. 14), pode
ser definida como,
[...] o modo de vida global de um povo; o legado social que o indivíduo adquire do
seu grupo; uma forma de pensar, sentir e acreditar; uma abstração do
comportamento; um celeiro de aprendizagem em comum; um conjunto de
orientações padronizadas para os problemas recorrentes; comportamento
apreendido; um mecanismo para a regulamentação normativa do comportamento;
um conjunto de técnicas para se ajustar tanto ao ambiente externo como em relação
aos outros homens; um precitado da história; [...]
Todas essas concepções as quais o autor define como as características do
entendimento de cultura, somente se concebem a partir das representações, que são
impulsionadas no contexto social pelos campos e os sujeitos que lhes compõem. São as
representações sociais exercitadas pelas formas simbólicas que fazem circular em seus
contextos culturais as exteriorizações desse meio, produzindo o reconhecimento do próprio
âmbito cultural por parte sujeitos que o compõem.
Como define Pesavento (2004, p. 39), as representações são,
48
Conforme Franco (2006, p. 18), esclarecendo a diferenciação entre sociedade e cultura, afirma que “Convém
esclarecer que sociedade e cultura não são a mesma coisa. A sociedade humana é constituída por pessoas; a
cultura, pelo comportamento dessas pessoas. A pessoa pertence à sociedade, mas não seria exato afirmar que
pertence a uma cultura; ela manifesta a cultura de sua sociedade”.
[...] as formas integradoras da vida social, construídas pelos homens para manter a
coesão do grupo e que propõem como representações do mundo. Expressas por
normas, instituições, discursos, imagens e ritos, tais representações formam como
que uma realidade paralela à existência dos indivíduos, mas fazem os homens
viveram por elas e nelas. As representações construídas sobre o mundo não só se
colocam no lugar deste mundo, como fazem com que os homens percebam a
realidade e pautem a sua existência. São matrizes geradoras de condutas e prática
sociais, dotadas de força integradora e coesiva, bem como explicativa do real.
Indivíduos e grupos dão sentido ao mundo por meio das representações que
constroem sobre a realidade.
A partir dessa concepção, se percebe que as representações construídas pelos sujeitos
são essenciais e imbuídas às práticas sociais, ao passo que são elas – por meio de formas
simbólicas – as forças determinantes dos modos de ser de cada esfera que compõe a cultura e
os campos sociais. Portanto, a simbolização, processo condicionante pelo qual as culturas se
organizam em práticas coletivas, e que colocam formas simbólicas em movimento, se dá pela
representação enquanto ação e construção social, de acordo com o que entende Jovchelovitch
(2000, p. 57),
[...] consiste na conduta cotidiana dos indivíduos – é carregada de significação
cultural [...] [...] A representação social pode ser entendida como sendo fruto do
sociocultural, esferas que se interligam através dos significados partilhados,
estabelecidos pelas relações entre os diferentes atores sociais e os campos as quais
pertencem.
Tanto o compartilhamento dos sentidos, dos significados e das formas de
representação que melhor identificam os padrões que emergem no contexto social e cultural
quanto a circulação dessas proposições, garantem a constante reprodução dos costumes e dos
valores de cada cultura. Isto se realizada pelos sujeitos, pelos campos aos quais pertencem e
pelas instituições que compõem a esfera sociocultural. Também, pelos capitais simbólicos
mais significativos de cada uma dessas instâncias que reforçam ou reconstroem, ao apropriar-
se dos padrões culturais, a visibilidade e os modos de representação dos sujeitos que
compõem os grupos sociais (BOURDIEU, 2003).
Na linha da antropologia cultural de Geertz, Thompson (1995) entende que a cultura é
formada tanto por um caráter simbólico dos fenômenos culturais
49
, quanto pelo fato de que os
49
Conforme Thompson (1995, p. 179) “Os fenômenos culturais são vistos, acima de tudo, como constructos
significativos, como formas simbólicas, e a análise da cultura é entendida como a interpretação dos padrões de
significados incorporados a essas formas”.
fenômenos estão imbricados em um contexto social estruturado
50
. Organizando o conceito de
cultura em duas concepções, Thompson (1995, p. 166) ainda contribui com a seguinte
perspectiva,
Podemos descrever este uso tradicional do termo como concepção clássica de
cultura. [...] a concepção clássica deu lugar a várias concepções antropológicas de
cultura. Aqui, distinguirei duas dessas concepções [...] A concepção descritiva da
cultura refere-se a um variado conjunto de valores, crenças, costumes, convenções,
hábitos e práticas características de uma sociedade específica ou de um período
histórico. A concepção simbólica muda o foco para um interesse com simbolismo:
os fenômenos culturais, de acordo com esta concepção, são fenômenos simbólicos e
o estudo da cultura está essencialmente interessado na interpretação dos símbolos e
da ação simbólica.
Tanto a primeira quanto a segunda concepção de cultura propostas pelo autor são
conceitos que não se separam na análise das produções culturais e que estas, por sua vez,
estão repletas de significados e sentidos produzidos num contexto específico a partir das “[...]
formas simbólicas em suas relações com os contextos sociais estruturados dentro dos quais
elas são produzidas e recebidas [...]” (THOMPSON, 1995, p. 166).
Portanto, são as formas simbólicas que carregam em si os símbolos, os sentidos e os
significados estabelecidos no sistema cultural estruturado, e onde os sujeitos que compõem
determinado contexto compartilham tais valores, ou seja, os próprios processos de
simbolização de sua cultura. Para Thompson (1995, p. 181-183),
[...] formas simbólicas – isto é, ações, objetos e expressões significativas de vários
tipos – em relação a contextos e processos historicamente específicos e socialmente
estruturados, transmitidas e recebidas. [...] Usarei o termo “formas simbólicas” para
me referir a uma ampla variedade de fenômenos significativos, desde ações, gestos e
rituais até manifestações verbais, textos, programas de televisão e obras de arte.
A partir da afirmação de Bourdieu pode-se afirmar que são muitos os modos de
produção das formas simbólicas nas sociedades contemporâneas e, entre eles, inegavelmente,
devido ao alcance, a proporção de atuação e participação nos contextos culturais, o campo
midiático e os campos que lhe compõem, com seus dispositivos de linguagem que produzem
igualmente as formas simbólicas. Estes, por sua vez, assim podem ser considerados já que são
instituições socializadoras de significados simbólicos.
50
Thompson aponta como contexto social estruturado cada cultura e os modos como os sujeitos vivenciam os
seus valores, bem como as formas de exteriorização simbólica dos mesmos.
Assim, as formas simbólicas atuam no âmbito social da seguinte forma: nelas
encontram-se os modos pelos quais a sociedade exterioriza as construções culturais e suas
percepções diante de si e do Outro – portanto, os sujeitos que a compõe. Por elas, circulam os
mais diversificados sentidos da cultura, sendo reconhecidos e compartilhados socialmente
pela abstração simbólica que comportam as representações.
Portanto, são as operações de representação social que refletem e engendram os
decursos simbólicos de um contexto cultural. Como coloca Moscovici (2003, p. 216):
Conseqüentemente, o status dos fenômenos da representação social é o de um status
simbólico: estabelecendo um vínculo, construindo uma imagem, evocando, dizendo
e fazendo com que se fale, partilhando um significado através de algumas
proposições transmissíveis [...]. Representar significa, a uma vez e ao mesmo tempo,
trazer presentes as coisas ausentes e apresentar coisas de tal modo que satisfaçam as
condições de uma coerência argumentativa, de uma racionalidade e da integridade
normativa do grupo.
A partir das representações sociais – prática inerente a toda cultura – é que os sujeitos
desempenham os processos simbólicos, ou seja, por meio dos símbolos estruturam os modos
de ser e de perceber a cultura de forma paralela à realidade. Como demonstra Peruzzolo
(2006, p.77):
O “símbolo” é a ordem de representação que o homem desenvolveu para operar
coma realidade, e isso lhe permite trabalhá-la de maneira mais complexa, porque sua
relação com o mundo não é uma relação direta mas, fundamentalmente, um
conjunto de relações que podem desenvolver-se indefinidamente. [...] esse é o
fenômeno fundante na condição humana [...] Através da recorrência aos signos –
que são marcas, traços [...] [...] concomitantemente internos e externos ao homem,
mas produzidos nas dobras plissadas da simbolização, isto é, no fazer-se humano do
homem – o homem amplia suas capacidades de ação no mundo.
A condição intrínseca do homem em realizar sua existência e sua cultura a partir de
processos simbólicos também determina os modos de decodificação das significações de sua
forma de viver, pensar e ser: há uma constante criação de outros signos na manutenção dos
signos produzidos no decurso da simbolização. Esta efetivação, como já foi apontada, se dá a
partir da produção das formas simbólicas, que detém em suas estruturas as concepções
representativas do devir cultural.
Conforme a idéia explanada acima pelo autor, o processo de “vivência” da cultura e da
sociedade em que está estruturado o sujeito é o que se chama de ampliação e complexificação
da relação dos homens com o mundo, com outros sujeitos e com sua cultura. As formas
simbólicas, ao serem interpretadas, constroem configurações e projetam reconfigurações da
própria cultura, demonstrando os valores, os desejos e os modos de existir das sociedades, dos
homens e de suas experiências enquanto indivíduos locados num contexto cultural.
Nesse processo é que se aproximam as formas simbólicas, as linguagens e as
operações de representação, onde sujeitos, instituições sociais, especialistas da produção
simbólica organizam os modos de viver, os papéis sociais a partir desses três mecanismos da
experiência de contextos culturais.
O sujeito enquanto ser social se relaciona em seu contexto cultural de diferentes
formas, todas, no entanto, de maneira simbólica. Estes processos são o que se vem
demonstrando até o momento como as formas simbólicas, ou seja, produtos compreendidos
como textos, imagens, arte, rituais produzidos pelos sujeitos e pelos diversos campos sociais
que compõem um contexto específico, uma dada cultura.
Essas formas, portanto, só se realizam por meio de tramas e sentidos inseridos em
operações signicas que detém todas as abstrações da vida cultural, a partir dos mais diferentes
símbolos e das mais diversificadas formas de linguagem. Nessa perspectiva:
As representações, portanto, são produzidas e reproduzidas em contextos
significativos, através de um processo que envolve uma série de fatores de ordem
social e subjetiva, tanto no nível da vivência como do conhecimento, e esses fatores
estão presentes no momento de construção das mensagens, pelos meios de
comunicação no processo de percepção, compreensão e significação das audiências
(SANTOS, 2004, p. 101).
Nesse panorama é que se encontram os modos de representação e de reconhecimento
dos campos, dos sujeitos que lhes compõem e das culturas e de seus contextos. São as
representações que se fazem no cotidiano de uma sociedade, a partir das formas simbólicas
inseridas em processos semióticos, a maneira pela qual a experiência da cultura é vivida.
Nesse processo, se reafirmam ou se re-configuram os valores projetados sobre todos e tudo o
que diz respeito a um contexto cultural. Portanto, é também pela representação e suas
complexidades simbólicas que se constroem os modos de ser do homem, da mulher, e dos
gêneros masculino e feminino, próximo ponto a discutir-se nesse texto.
3.2 O FEMININO: ENTRE CONSTRUÇÕES HISTÓRICAS E REPRESENTAÇÕES
SOCIAIS
O feminino
51
é um conceito complexo por si só e, além disso, é difícil de ser extraído
de obras dos mais diversificados autores que abordam o tema. Isso porque ao longo da
história da humanidade tem uma trajetória complexificada pela definição de papéis
construídos sob a perspectiva do seu oposto: o masculino, onde o mesmo sempre foi
construído com certa inferioridade se comparado ao seu contraposto. Também, porque só
existe o feminino pela relação ambivalente do masculino, condição que determina a busca por
sua subjetividade, particularidades e pluralidades de representação. Por isso, como aponta
Colling (2004, p.16), “escrever um texto sobre mulheres é lidar com sombras, com desejos
masculinos sobre as mulheres, com o imaginário masculino, com representações”.
Também, cercam o conceito do feminino deslocamentos e transgressões que se
destacaram – e se destacam – a partir de figuras e movimentos históricos que transcenderam –
e transcendem - os “lugares” estabelecidos às mulheres na cultura, buscando a este grupo
autonomia enquanto sujeitos que são. Ao mesmo tempo, ainda tem-se na contemporaneidade
uma visibilização da mulher e do feminino no contexto social partindo de padrões e de ideais
construídos ao longo da história e considerados próprios a este gênero, fato que se dá, muitas
vezes, pelos vieses da estereotipia
52
.
Nesse complexo processo de definição do conceito de feminino, é importante lembrar
que tais atributos, identidades, designações desses “lugares” e papéis são constructos sociais
que se dão por processos de representação, a partir da linguagem e do sistema de valores
empregados nela e reconhecidos em um contexto específico. Também, marcam os sujeitos do
gênero feminino e suas especificidades, as correlações necessárias para diferenciá-los. Como
afirma Santos (2004, p. 89) “[...] se as representações de gênero são posições sociais que
trazem consigo significados diferenciais, então o fato de alguém ser representado ou se
representar como masculino ou feminino subentende a totalidade daqueles atributos sociais”.
51
Feminino e masculino são tomados nesse texto respectivamente como designação de gênero, onde o feminino
é um conceito atribuído ao campo da mulher, em oposição ao masculino, e este, por sua vez, em oposição ao
feminino, é um conceito atribuído ao campo do homem.
52
Conforme Santos (2004, p. 99) “o estereótipo pode ser definido como uma tendência à padronização, com a
eliminação das qualidades e diferenças individuais, mediante uma generalização abusiva e uma simplificação
extremada que implicam a distorção da realidade”.
A partir dessa constatação pode-se afirmar que são muitos os aportes teóricos
necessários para dar conta do conceito de feminino e do que significa pertencer a este gênero
enquanto um papel construído socialmente. Por isso, se perpassa pelas reflexões da história,
da antropologia, da psicanálise, da filosofia e, também, pelo ponto de vista de pensadores dos
decursos do feminino no campo midiático. Tais perspectivas são as mais significativas para
esta pesquisa e, também, porque colaboram enquanto formas de conceituar e pensar sobre os
modos de representação do gênero feminino e igualmente da mulher.
Assim, começa-se por uma questão referente ao processo histórico da própria história
das mulheres e do feminino. Como coloca Colling (2004, p. 13):
A história das mulheres é uma história recente, porque, desde que a História existe
como disciplina científica, ou seja, desde o século XIX, o seu lugar dependeu de
representações dos homens, que foram, por muito tempo, os únicos historiadores.
Estes escreveram a história dos homens, apresentada como universal, e a história das
mulheres desenvolveu-se à sua margem. Ao descreverem as mulheres, serem seus
porta-vozes, os historiadores ocultaram-nas como sujeitos, tornaram-nas invisíveis.
Responsáveis pelas construções conceituais, hierarquizaram a história, com os dois
sexos assumindo valores diferentes; o masculino aparecendo sempre como superior
ao feminino. Este universalismo que hierarquizou a diferença entre os sexos,
transformando-se em desigualdade, mascarou o privilégio do modelo masculino sob
a pretensa neutralidade sexual dos sujeitos.
Essa perspectiva histórica também marca, de alguma forma, a conceituação e a
definição do feminino, pois a partir da mesma se tem a noção de que a história das sociedades,
dos campos e dos sujeitos é um processo de construção e de representação ao qual este gênero
está submetido. Por isso, o conceito de feminino, por sua vez, está igualmente ligado ao modo
como a história interpreta as relações e os papéis sociais. Nele, está o peso representativo do
Outro sobre as mulheres e o feminino no percurso histórico das culturas.
Nessa trajetória, o século XIX ficou marcado nas designações referentes à mulher e ao
feminino. Nesse período, as sociedades viviam entre o antagonismo da liberdade e das
convenções sociais, do afloramento da consciência do indivíduo diferenciado de todos os
outros e, ao mesmo tempo, a coibição da existência do eu diante de uma sociedade que
experimentava um domínio público de relações comerciais, sociais e políticas conturbadas.
Como afirma Kehl (1998, p. 52) “era o espaço de convivência com uma multidão de
desconhecidos e uma diversidade de tipos sociais sem precedentes na história do Ocidente
[...]” e ainda completa, “[...] em oposição ao espaço social dos estranhos construiu-se a
família nuclear moderna como lugar de intimidade, de privacidade, de relaxamento [...]”.
Assim, é nesse contexto histórico que se tem a constituição de um padrão de
feminilidade que afetou às mulheres e muitas sociedades enquanto à designação dos papéis
sociais do campo feminino. A responsabilidade pelo bem estar do lar e da família marcou a
função destinada àqueles sujeitos no período moderno. De acordo com Kehl (1998, p. 52),
[...] a constituição deste lugar – a família, o lar burguês – e a criação de um padrão
de feminilidade que sobrevive ainda hoje, cuja principal função, como veremos, é
promover o casamento, não entre a mulher e o homem, mas entre a mulher e o lar. A
adequação entre a mulher e o homem, e a produção de uma posição feminina que
sustente a virilidade do homem burguês, é a segunda função da feminilidade nos
moldes modernos.
Entretanto, Colling (2004, p. 14) afirma que a história tratou de recuperar a presença
da mulher na própria história e, conseqüentemente, nas culturas. Este processo baliza uma
nova perspectiva ao refletir-se sob condição histórica da mulher, e isso é igualmente
contributivo para a conceituação do feminino, pois ao realizar tal caminho, a história acabou
por mostrar e, portanto, representar o papel social das mulheres e do feminino também em
outras épocas, outras culturas e, principalmente, sob outro olhar. Como demonstra a autora:
O modo mais eficiente para desconstruir algo que parece evidente, sempre dado,
imutável, é demonstrar como esse algo se produziu, como foi construído. [...] o
caráter de construção que a história possui, inclusive sobre o papel de homens e
mulheres na sociedade à maneira androcêntrica, foi sempre de fazer das mulheres
seres menores. Este método é muito antigo, remonta à cultura grega – Para os
gregos, a mulher era excluída do mundo do pensamento, do conhecimento, tão
valorizado pela sua civilização. Com os romanos, em seu código legal, é legitimada
a discriminação feminina, através da instituição jurídica do paterfamílias, que
atribuía ao homem todo o poder: sobre a mulher, os filhos, os servos e os escravos
[...]. Por isso, ao tentar recuperar a presença da mulher na história, foi necessária a
construção de um novo mapa, de uma nova metáfora, desconfiando das categorias
dadas como universais e, ao mesmo tempo, privilegiando as singularidades, as
pluralidades, as diferenças.
O novo modo de pensar sobre a mulher e sua condição na história não foi somente
uma contrapartida dessa ciência, mas um posicionamento que teve força no âmbito dos
campos do movimento feminista, das ciências sociais, da arte e da cultura de modo geral.
Conforme Santos (2004, p. 86) “[...] “verdades” fundadas em paradigmas universalizantes,
legados pelo pensamento cultural filosófico ocidental da modernidade, foram colocados em
questão [...]”. A autora ainda continua com a seguinte constatação,
[...] significando, para alguns, uma ruptura espistemológica denominada de “pós-
modernismo”. Um novo olhar se dirige para o social, realçando as singularidades, a
diversidade, o subjetivo, em detrimento do geral, do objetivo, do universal. [...] o
“pós-feminismo” preocupa-se com as diferenças e as relações não só entre homens e
mulheres, mas também entre homens e entre mulheres, baseando-se especialmente
nas diferenças culturais relativamente aos modelos de gênero e, portanto, na
inexistência de um modelo universal.
Assim, as singularidades, as pluralidades e as diferenças que começaram a ser
observadas nos estudos do campo da mulher, elevaram as reflexões acerca desse grupo à
questão de gênero. Nesse ponto, a divisão sexual da sociedade enquanto contestação físico-
biológica, não deu mais conta das questões relacionadas às diferenças entre o homem e a
mulher. E, especialmente ao gênero feminino, a designação proposta por Freud (apud KEHL,
1998, p. 12) “anatomia é destino”, ao determinar a condição social das mulheres nas culturas
a partir de sua estrutura biológica, começa a ser pensada sob outros aspectos.
Isto foi bastante significativo para as particularidades do feminino enquanto conceito,
por que a partir desse novo patamar de pensamento a concepção patriarcal
53
instituída
historicamente como condição estruturante na construção social dos sujeitos masculinos e
femininos, toma igualmente uma nova proporção. Mesmo sendo considerado um conceito
“[...] típico-ideal e referencial às análises feministas [...]”, também não dava conta da
complexa realidade social do feminino e das mulheres (SANTOS, 2004, p.87).
Nessa conjuntura, o conceito de gênero coloca as questões referentes ao feminino
numa nova condição de reflexão, o fazendo em função da sua especificidade, como demonstra
Santos (2004, p. 89):
Concebendo gênero como uma construção sociocultural e também um aparato
semiótico, um sistema de representações que atribui significado (identidade, valor,
prestígio, posição de parentesco, ‘status’ dentro da hierarquia social etc.) a
indivíduos dentro da sociedade. Gênero é, portanto, ação, relação e representação e,
em virtude de seu caráter relacional, torna-se impossível compreender a
feminilidade sem fazer referência à masculinidade e vice-versa. [...] Os sistemas de
gênero não estão isoladamente fundados na simbolização cultural da diferença dos
sexos dos seres humanos, mas na constituição simbólica de uma rede de significados
[...]
Assim, a relação entre o social, o cultural, o simbólico e o representacional, condições
pelas quais este conceito transita, é o que determina a maneira como o campo do feminino é
construído e identificado. Entende-se com esse processo, que são as linguagens e os discursos
produzidos pelo Outro que se encarregam de colocar em movimento os modos de percepção e
53
Conforme Santos (2004, p.87) o patriarcado pode se entendido como “um conjunto de relações sociais entre os
homens, que têm uma base material, e que sendo hierárquicas, estabelecem uma interdependência e
solidariedade entre eles [...] que lhes permite dominar as mulheres; a base material sobre a que se assenta seria o
controle dos homens sobre a força de trabalho feminina e sobre os recursos que as mulheres produzem, e o
controle sobre a sua sexualidade [...]”.
de representação desse campo e dos sujeitos que lhe compõem. Portanto, os processos de
representação do feminino e do masculino, como se observa a partir da afirmação da autora,
são construções simbólicas que determinam a identificação de cada gênero nas culturas,
Santos ainda complementa com a seguinte idéia (2004, p. 87),
A utilização do gênero como categoria analítica amplia e ao mesmo tempo
aprofunda o olhar sobre o contexto social, possibilitando a compreensão do
comportamento diferenciado entre homens e mulheres e das distintas formas de
relação entre o feminino e o masculino, tanto no âmbito das relações sociais como
no âmbito da linguagem.
No entanto, considerando-se que os papéis e os lugares sociais destinados aos homens
e às mulheres nas culturas são um produto de processos de representação, que se dão a partir
de linguagens e, portanto, de formas simbólicas que organizam os modos de dizer sobre os
sujeitos e os gêneros que compõem um determinado contexto, como são construídas as
diferenças entre o masculino e o feminino nos discursos sociais? E como, principalmente, a
partir das perspectivas das funções sociais e as atuações profissionais do feminino e das
mulheres, são colocadas as representações sociais e culturais?
Nesse panorama, o conceito de gênero definido acima por Santos (2004) é
fundamental na afirmação de como se dá o processo de representação para esses dois grupos
humanos, incluindo a forma de representação referente às suas funções sociais
A partir dele, se observa que as funções sociais designadas aos homens e às mulheres
nas sociedades perpassam formas distintas do exercício do poder
54
, especialmente a partir do
poder em relação aos posicionamentos e as funções designadas a cada gênero no âmbito
social. Conforme Santos (2004, p. 88) “o conceito de gênero envolve pelo menos duas
dimensões: o comportamento diferenciado masculino e feminino observado nas sociedades e
a distribuição desigual de poder entre os sexos”.
A partir da primeira dimensão apontada pela autora, tem-se a perspectiva das
representações sociais, onde os papéis atribuídos ao masculino e ao feminino estão sempre
organizados em processos simbólicos pelas sociedades e pelas culturas, contribuindo nos
modos de reconhecimento destes gêneros. Percebe-se, também, que tais representações não
54
Ao inserir a questão do poder na discussão sobre as representações do feminino, a partir das idéias de Michel
Foucault (1985, p. 182), deve-se observar que o autor identificou esse conceito como “uma rede produtiva que
atravessa todo o corpo social, não sendo compreendido apenas como um poder global unitário (o qual
geralmente caracteriza o Estado e seus aparelhos), mas como prática social constituída no âmbito das
microrelações, que se expande por toda a sociedade”.
definem somente as diferenças entre estes dois campos de gênero e seus conceitos. Mas, em
relação à desigualdade na distribuição do poder entre o masculino e o feminino, ambas as
dimensões estão imbricadas uma na outra. A forma como os sujeitos do campo feminino são
representados diante das culturas, a partir de diversas formas simbólicas advindas de
instituições sociais, como a mídia, também perpassa o lugar de poder que exercem, bem como
o exercem.
A partir do modelo cultural patriarcal, a diferença histórica na representação dos
papéis exercidos pelo gênero masculino e pelo feminino no âmbito social e,
conseqüentemente, a forma como são reconhecidos diante dessas culturas e sociedades, pode
ser observada a partir do que afirma Colling (2004, p. 15):
As representações da mulher atravessaram os tempos estabeleceram o pensamento
simbólico da diferença entre os sexos: a mãe, a esposa dedicada, a “rainha do lar”,
digna de ser louvada e santificada, uma mulher sublimada; seu contraponto, a Eva,
debochada, sensual, constituindo a vergonha da sociedade. Corruptora, foi a
responsável pela queda da humanidade do paraíso. Aos homens o espaço público,
político, onde centraliza-se o poder; à mulher, o privado e seu coração, o santuário
do lar.
Com relação a este exemplo de divisão social dos papéis masculinos e femininos, as
condições do exercício do poder é que devem ser observadas como distintas. Em ambas as
funções sociais, há o exercício do poder. Entretanto, conforme a ótica da autora, aquelas
funções realizadas pelas mulheres em determinadas sociedades e a partir do modelo cultural
patriarcal aparece, se comparado ao que os homens realizam, como atividades sociais
secundarizadas ou mesmo vexatórias, relegadas à reclusão do âmbito social e público.
No entanto, conforme Santos (2004, p. 92),
[...] não só as atividades masculinas e femininas que variam de uma sociedade para
outra, mas também as concepções do que seja homem e do que seja mulher, da
maternidade e da paternidade, bem como do que seja público e privado e da relação
que se estabelece entre essas duas instâncias e o valor que lhes é conferido.
O que se quer demonstrar com essa colocação de Santos (2004) é que nem todas as
sociedades e culturas representam o papel social do feminino e do masculino sob a estrutura
do sistema patriarcal. A própria autora pontua que “há sociedades e culturas em que a família
e o lar não são concebidos como instâncias da esfera privada, não estando contrapostas à
esfera pública (o trabalho e a política), como nas sociedades Ocidentais” (Santos, 2004, p.
92).
A mudança no cenário das funções estabelecidas como femininas pelas sociedades de
sistema patriarcal se deu, mesmo que de forma parcial, especialmente em função da entrada
das mulheres no mercado de trabalho, com a revolução industrial, como afirma Bourdieu
(1995, p. 37),
O ingresso das mulheres no mercado de trabalho permitiu, porém, que os princípios
de visão e de divisão tradicionais fossem permanentemente submetidos à
contestação, levando a questionamentos e a revisões parciais da “distribuição entre
atributos e atribuições.
Inegavelmente, se percebe a atuação das mulheres em vários seguimentos sociais,
especialmente onde ao campo do feminino era negada a participação, principalmente a
liderança, o lugar de chefia, a condição do exercício de um poder antes só exercido por
homens. Vê-se, por exemplo, maior participação das mulheres na política, circulando
ativamente em cargos que até então eram coordenados somente pelo sujeito pertencente ao
campo masculino.
No entanto, como demonstra Santos (2004, p. 97),
No campo da política, mesmo que seja marcante a presença das mulheres em formas
de participação como nos movimentos sociais, no ato do voto, na militância em
algum partido político ou no apoio a candidaturas, são ainda poucas as mulheres que
ocupam, no Brasil, cargos eletivos e posições de liderança no governo.
Ao passo que se percebe um claro avanço do feminino em posições e lugares sociais
até então exclusivos ao campo masculino, percepção que produz um aclaramento sobre a atual
condição desses sujeitos frentes as sociedades e culturas contemporâneas, dados
55
também
demonstram que o número efetivo dessas atuações ainda não se compara àqueles registrados
pela participação masculina em certos âmbitos sociais de atuação.
Nesse contexto, permanece o questionamento sobre as formas de representação da
diferença nos papéis sociais exercidos pelos campos do masculino e do feminino e,
principalmente, os modos de representação do feminino a partir da sua atuação em papéis
sociais. Conforme reflete de Santos (2004, p. 95),
Constatando a incrível resistência e o grau profundo de penetração dos modelos
culturais patriarcais relativos à regulamentação do sexo e das relações de gêneros,
parece-nos que tais modelos foram elaborados como justificativa para situações
55
Alguns dados significativos sobre a participação das mulheres no pleito eleitoral brasileiro de 2006 foram
evidenciados no segundo capítulo dessa dissertação.
estruturais e condições econômicas e políticas bastante diversas das atuais. Cabe-
nos, então, perguntar, como esse modelos destacaram-se de suas condições
histórico-estruturais, permanecendo – apesar de levemente alterados – adequados a
estruturas sociais e momentos sociais tão diversos? Que instâncias conservadoras,
por excelência, conseguiram “guardar” e repassar esses modelos ideológicos através
dos tempos com tanta eficácia? Isso nos leva a considerar o papel socializador das
diversas instituições sociais e dos especialistas da produção simbólica, definindo e
redefinindo os modelos e papéis de gênero.
O campo midiático como um todo, nessa perspectiva, é uma das instâncias sociais que
podem configurar o questionamento da autora. Este, por sua vez, produz discursos por meio
de distintas linguagens, construindo com formas simbólicas e, a partir das mesmas, elabora
representações dos sujeitos no contexto cultural em que ambos estão inseridos - sujeito e
campo midiático.
O feminino, enquanto uma construção simbólica, é perpassado pela mídia em muitas
das ações sociais realizadas pela atuação das mulheres em diversificados papéis. Os modos
como são apresentados, no entanto, é que cabe serem investigados, para que se identifique se
há remanejo de modelos culturais patriarcais ou, em função das mudanças ocorridas nos
cenários sociais, re-apropriações ou mesmo, novos modos de representação dos sujeitos desse
campo, como será analisado no capítulo seguinte.
CAPÍTULO 4
REPRESENTAÇÕES DO FEMININO: ANÁLISE DAS FOTOGRAFIAS
JORNALÍSTICAS DE ZERO HORA
Neste capítulo, apresenta-se, num primeiro momento, os níveis de análise que
conduzem o processo de significação das fotografias jornalísticas de ZH que representam o
feminino na campanha eleitoral de 2006. Através de níveis analíticos pautados pela linha
barthesiana, são realizadas as análises do corpus da dissertação: cinco fotografias constituem a
amostragem qualitativa o segundo item do capítulo para analisar-se as representações do
feminino.
4.1. METODOLOGIA: NÍVEIS DE ANÁLISE DAS FOTOGRAFIAS JORNALÍSTICAS
A metodologia de análise das fotografias jornalísticas movimenta-se em quatro níveis
(sendo que nenhum é mais importante que o outro, mas que se entrelaçam na própria análise
de forma complementar) para desvelar o processo de significação do feminino. Os quatro
níveis são: 1) o da linguagem fotográfica, considerando as especificidades da fotografia
enquanto um dispositivo do campo jornalístico e que, também, demonstra como os
fotojornalistas usaram simbólica e expressivamente os elementos da linguagem fotográfica
(tais como: luz, plano, ângulo, composição) para dar a ver determinada cena informativa; 2) o
do simbólico (sentido óbvio), instância do campo social onde se desenrolam as
representações do feminino, que auxilia nos modos de visualizar os sujeitos pelas práticas
culturais e crenças coletivas, 3) o informativo, ou seja, a mensagem no contexto da
fotografia, que engloba a conjuntura de sua produção e a organização que apresenta; e 4) o do
significado (sentido obtuso), que não é algo claro e se desvela apenas na imagem.
A linha teórica que costura esses quatro níveis analíticos é a semiótica, por ser a
ciência que dá conta dos elementos sígnicos presentes na fotografia jornalística e seus
respectivos processos de significação. Considerando a importância do signo para a construção
de um significado segundo, ou seja, tomado como “algo que está por outra coisa [...]”, é
entendido como:
[...] um signo ou representâmen é algo que, sob certo aspecto ou de algum modo,
representa alguma coisa para alguém. Algo que responde por outra coisa, que
representa outra coisa, e que é compreendido ou interpretado por alguém. Dirige-se
a alguém, isto é, cria na mente dessa pessoa um signo equivalente ou talvez um
signo melhor desenvolvido (PEIRCE, 1974, p. 20).
Dessa forma, para analisar o feminino representado nas fotografias jornalísticas de ZH,
é necessário mapear os significados encontrados nos quatro níveis propostos. Nesse sentido, o
signo, enquanto um elemento de significação, é encontrado na linguagem fotográfica, no nível
simbólico, no nível informativo e no nível obtuso, respectivamente. O significado, portanto, é
o indicador do que o signo possa representar em dada cultura e, ainda, posto em circulação,
potencializa os sentidos tomados pelos sujeitos e pela coletividade de uma cultura ou
sociedade. Numa perspectiva peirciana, Epstein (1986, p. 21) pondera que:
A transmissão de significados constitui o fluxo inter-subjetivo pelo qual circula a
cultura. A experiência vivida, o real sentido, percebido ou compreendido, o mundo
do real ou do imaginário, das teorias científicas ou dos mitos, enfim, da vigília ou do
sonho, é mediado de homem a homem por entes concretos capazes de impressionar
nossos sentidos: os signos. [...] são presenças que marcam ausências, e são
precisamente estas ausências, ou seja, os “significados” destes signos, aquilo que
constitui a seiva da cultura humana. [...] um signo é signo quando há alguém que
possa interpretá-lo como signo de algo. O significado é então a interpretação desse
signo [...]
Assim, considerando a fotografia jornalística como um plano icônico, é imergindo na
camada da sua mensagem que surgem os signos potencialmente impregnados de sentidos que
circulam em determinada cultura. São elementos evidenciados pela linguagem fotográfica –
composta por elementos como plano, enquadramento, pose, elementos e objetos, ângulos –
que ressaltam determinados signos (bem como a estrutura de mensagem organizada num
quadro fotográfico produz significação) os mesmos adquirem significados a partir da cultura
onde circulam. Por isso que a perspectiva semiótica contribui para desvelar o feminino nas
fotografias jornalísticas de ZH, realizadas no período da campanha eleitoral ao governo do
Estado do Rio Grande do Sul, em 2006.
Tais fotografias são plenas de sentidos construídos, organizados, repassados, re-
apropriados e, também, resignificados num contexto específico, numa cultura e sociedade
estruturadas, onde os valores que perpassam o feminino são construídos e tomados através de
representações imbricadas na linguagem e no plano do simbólico que constituem a mensagem
fotográfica.
A partir da semiótica linha que une os níveis de análise, a escolha dos quatro níveis
propostos como metodologia se dá devido ao fato de que há uma relação de proximidade e
completude entre esses níveis e, principalmente, por que tal implicação possibilita verificar as
representações do feminino a partir do corpus selecionado para esta pesquisa e alcançar o
objetivo proposto. Portanto, considera-se a relação da linguagem fotográfica com as questões
simbólica e informativa a partir da idéia barthesiana apresentada por Câmara (2008, p. 74-75):
Existe na imagem fotográfica uma mensagem simbólica, vinculada à sociedade, à
história e à ideologia de quem a produz e de quem a vê, o que retrata um universo
simbólico, favorecendo a construção de significados, conhecimentos e valores, cuja
diversidade de temas oferece espaço para a reorganização e construção de conceitos.
Para tanto, analisar as principais estruturas visuais que determinam significados
(representacionais, interacionais e composicionais), suas disposições na cena,
através de ícones, figuras, lugares, objetos, seus processos de ação ou reação,
cenários, circunstâncias temporais, emocionais, possíveis intenções, saliências
realçadas pelas proximidade ou afastamento, realizadas através de ângulos e
enquadramentos, modalidade (saturação, ajuste de cor, contextualização ou
descontextualização pela neutralidade e desfoque de fundos, representação dos
detalhes, perspectivas e tipo de iluminação, tornam a observação mais aprofundada e
rica em constatações.
É na trama da linguagem fotográfica que encontram-se os elementos sígnicos que
constituem o simbólico da mensagem imagética. Nesse contexto, apropria-se do nível
simbólico da linha barthesiana de análise fotográfica para mapear-se a contribuição do mesmo
para com o desvelamento do feminino no corpus selecionado. Conforme Barthes (1990, p.
47), o nível ou sentido simbólico (um dos sentidos conotativos que o semiótico propõe) pode
ser compreendido como:
[...]. O sentido simbólico impõe-se a meu espírito por uma dupla determinação: é
intencional (é o que quis dizer o autor) e é tomado de uma espécie de léxico geral,
comum, dos símbolos; é um sentido que me procura, a mim, destinatário da
mensagem, sujeito da leitura [...]
O sentido simbólico corresponde, portanto, ao óbvio – como nomeia Barthes (1990) –
percebido em uma imagem fotográfica. No óbvio que se encontra o simbólico, na plenitude
do signo reconhecido num dado contexto sócio-cultural, onde circulam as produções
simbólicas que desencadeiam os processos de significação pelos sujeitos e sociedades. Nesse
contexto, o simbólico se inscreve e toma suas formas, variações, interpretações e sentidos.
Como mostra Barthes (1990, p. 47):
Proponho denominar o signo completo como o sentido óbvio. Óbvio quer dizer que:
vem à frente, e é exatamente o caso deste sentido, que me vem ao meu encontro; em
teologia, como nos ensinam, o sentido óbvio é aquele que se apresenta naturalmente
ao espírito; a simbólica;
Assim, é a partir da análise do sentido simbólico encontrado nos elementos sígnicos
das fotografias jornalísticas do corpus analítico, que se demonstram as evidências sobre as
representações do feminino, considerando, nessas imagens, a figura da candidata Yeda
Crusius. Nas representações dessa figura política, se abstrai os sentidos de feminino que se
dão por meio das simbólicas organizadas no quadro fotográfico através de signos
potencialmente repletos de significações.
Para compreender a questão do feminino, utiliza-se, ainda, outro nível analítico de
Barthes (1990) aplicado a fotografia: o nível informativo, que corresponde ao denotativo.
Tendo em vista que a linha barthesiana conduz a pensar a estrutura da fotografia em si, o nível
informativo oferece subsídios para análise do contexto da imagem fotográfica que, associado
aos demais níveis, ganha sentidos outros para além do denotativo – deixando de ser, portanto,
puramente denotativo. Para Barthes (1990, p.47), o “[...] nível informativo reúne todo o
conhecimento que me é trazido pelo cenário, vestuário, personagens, as relações entre eles”.
O nível informativo é, portanto, compreendido pelos indícios embutidos na fotografia
jornalística e que, para serem reconhecidos, exige que o analista esteja a par da conjuntura que
coloca em circulação tal contexto. Assim, o interpretante é capaz de atribuir significações que
derivam desses elementos – também ligados às representações que os atores sociais
desempenham.
Sousa (2004, p. 114-115), ao valer-se de níveis barthesianos para construir sua
metodologia de análise fotojornalística, esclarece a categoria contexto como aquela em que
“[...] o fotojornalista foi intencionalmente capaz de construir uma imagem com força visual
suficiente para evocar o acontecimento, os espaços, as pessoas, os gestos, os objetos, enfim, a
força vital da imagem [...]” para dar sentido à mensagem fotojornalística.
Por fim, o último nível que constitui a metodologia de análise das fotografias é o
obtuso. Na linha barthesiana, o sentido obtuso é um significante sem significado e, por isso,
ele não aflora claramente na mensagem fotográfica. Mas ele existe e se dá a partir do primeiro
sentido conotado – o simbólico/óbvio – articulando-se e estabelecendo-se unicamente na
própria fotografia. O obtuso é um detalhe que exige do interpretante uma observação atenta e
impregnada de subjetividade para dar-lhe sentido no contexto imagético.
O nível obtuso de análise aproxima-se do que Barthes (1984) nomeou como punctum
em obra anterior. O punctum ,
[...]quer esteja delimitado ou não, trata-se de um suplemento: é o que acrescento à
foto e que todavia já está nela.(...) o código o diz antes de mim, toma meu lugar,
não me deixa falar; o que acrescento – e que, é bem verdade, já está na imagem [...]
O punctum é, portanto, uma espécie de extracampo sutil, como se a imagem lançasse
o desejo para além daquilo que ela dá a ver [...] (BARTHES, 1984, p. 85-89).
Desse modo, são os níveis da linguagem fotográfica, do simbólico, do informativo e
do obtuso que sustentam o desvelamento da significação do feminino representado nas
fotografias jornalísticas de ZH. Todos os quatro níveis são organizações de sentidos
observados na fotografia jornalística, considerando que a mesma se articula enquanto
mensagem e informação, a partir de códigos próprios de sua linguagem, que potencializam
simbolicamente os modos de representação dos sujeitos inseridos em determinado contexto
dos campos em que atuam, quando registrados pelos dispositivos do campo jornalístico.
4.2 REPRESENTAÇÕES DO FEMININO: YEDA CRUSIUS EM FOTOGRAFIAS
JORNALÍSTICAS DE ZERO HORA
“Olha, descobre este segredo: uma coisa são duas – ela mesma e sua imagem”
Carlos Drummond de Andrade
Figura A: Fotografia publicada na página 20 da edição de 1º de setembro de 2006 de ZH.
A fotografia jornalística correspondente a figura A (Anexo 3), registra uma cena em
preto e branco – o que é uma questão de edição, pois atualmente todas as fotografias digitais
captam em cores as imagens –, ou seja, há ausência de cores. Ou seja, dá a idéia de opacidade
ao objeto fotografado, já que as cores significam vivaciadade.
Em um plano de conjunto, a imagem fotográfica contextualiza o ambiente em que a
candidata está inserida. Conforme Sousa (2004, p. 68) “planos de conjunto são planos gerais
mais fechados, onde se distinguem os intervenientes da ação e a própria ação com facilidade e
por inteiro”. Assim, o conjunto de elementos sígnicos apresentado na fotografia jornalística
em questão dão a ver que Yeda está em um supermercado (tais elementos e seus significados
serão detalhados no decorrer da análise).
No terço direito da fotografia está posicionada, formando uma linha vertical (que
começa na linha inferior e termina na linha superior do quadro fotográfico), a figura da
candidata Yeda Crusius, empurrando o carrinho – signo que indica recipiente de depósito de
produtos a serem adquiridos em supermercados. No assento para crianças do carrinho, sua
bolsa – objeto de uso feminino como utilitário e adereço – está sob o casaco e, ainda ao lado
da bolsa, há um vaso de flores. Dentro do carrinho, há objetos (como garrafas, caixa de cereal,
frutas) que denotam produtos selecionados para compra. Ou seja, os objetos são indícios que
reforçam que o ambiente se trata de um supermercado e, assim, a imagem denota uma mulher
fazendo compras.
As mulheres, portanto, são responsáveis por administrar todos os setores que dizem
respeito ao lar: fazer compras para abastecer de alimentos a cozinha da família (e
conseqüentemente cozinhar), cuidados com os filhos, organizar a arrumação e a limpeza da
casa, entre outras atividades social e culturalmente atribuídas (e desenvolvidas) às mulheres.
Como nota Colling (2004), nos tempos atuais, a mulher continua sendo “a cabeça do lar”.
Na fotografia, outros significados afloram nesse contexto: em primeiro plano, Yeda
conduz com firmeza, seriedade e cabeça erguida o carrinho de compras. Tal postura registrada
na fotografia conota o sentido de comando que o Governo Estadual exige e, também, vem de
uma figura que realiza atividades profissionais de economista. Ou seja, as contas da casa são
administradas por ela, incluindo as compras triviais de manutenção do lar.
O olhar direcionado à frente e para fora do quadro fotográfico, conota o sentido de que
a candidata olha produtos em prateleiras que estão adiante do que a cena selecionada registra
através da fotografia. Ou seja, há indícios, pelo contexto, de que Yeda está atenta às compras,
pondo-se natural diante do dispositivo midiático que a registra: a câmera fotográfica.
A fotografia foi captada com lente 50mm, que tem o mesmo ângulo de visão do olho
humano. Ou seja, não distorce nenhum elemento da imagem, oferecendo uma visão
objetivante da cena retratada e, assim, há uma proporcionalidade entre o objeto real e ele
fotografado, pois a lente normal não causa deformidades.
A perna esquerda levemente flexionada dá a ver o movimento de caminhada da
candidata, o que seria contraditório com o posicionamento do seu corpo, pois, conforme
Sousa (2004, p. 74) “[...] as linhas horizontais e verticais tendem a dar a sensação de estatismo
[...]”. O que denota esta ocorrência é o fato da imagem estar levemente borrada em torno da
perna flexionada, o que evidencia a sensação de movimento já que, para causar tal efeito, o
fotógrafo utilizou o recurso técnico da baixa velocidade do obturador
56
.
Yeda, portanto, caminha diante de prateleiras de supermercado que, em linhas
perpendiculares a sua posição, formam uma profundidade de campo
57
. A prateleira esquerda
fecha lateralmente o quadro fotográfico no fundo da imagem, desfocando o comprimento das
gôndolas e os respectivos produtos nelas localizados. A zona de foco da fotografia está na
ponta da frente da mesma prateleira, onde estão dispostos cosméticos – xampus e tintura para
cabelos.
Histórica e culturalmente, os cosméticos foram criados para suprir a vaidade feminina.
Do grego Kosmetikós, significa aquilo que serve para ornamentar. Foi do Egito antigo (3.000
a.C.) que arqueólogos registraram os primeiros usos de produtos de beleza por parte das
mulheres (e não dos homens). É egípcia, também, a figura feminina – Cleópatra – que
incorporou o símbolo da beleza eterna em decorrência de seus rituais de embelezamento que
incluíam cosméticos de extrato vegetal (como henna) e de minério (como rouge).
56
O obturador é um dispositivo técnico que se encontra dentro das câmeras fotográficas e que serve para
controlar a velocidade e o tempo com que a luz atinge a película ou os pixels que registram as imagens. Com
este mecanismo o fotógrafo pode tanto aumentar a velocidade e o tempo de exposição da película quanto baixá-
las. Em situações em que um objeto fotografado estiver em movimento, aumentar as velocidades do obturador
causará um efeito de “congelamento” no mesmo, causando uma sensação de estaticidade e, ao contrário, baixar
as velocidades deste mecanismo causará um efeito “borrado”, ou seja, evidenciará o fato do objeto estar em
movimento. Quanto mais baixa for a velocidade do obturador, mais rápida será a sensação de movimento e, ao
contrário, quanto mais alta for a velocidade usada desse mecanismo, mais estatismo causará ao objeto.
57
A profundidade de campo é a distância entre os pontos nítidos mais próximos e mais afastados da zona de foco,
podendo causar os efeitos de longitude ou de proximidade de acordo com a intenção do fotojornalista. Uma
grande profundidade de campo, por exemplo, serve para mostrar o cenário, evidenciando elementos presentes
nele ou, ainda, para causar efeitos estéticos (SOUSA, 2004).
Na Grécia antiga, muitas mulheres morriam porque usavam máscaras faciais que
continham chumbo. Em 180 d.C. o médico grego Claudius Galen foi o pioneiro nas pesquisas
sobre a manipulação de cosméticos. Os resultados de seus inventos foram registrados em um
livro que, já no título, dirigia-se a um gênero específico: “Os produtos de beleza para o rosto
da mulher”.
Quer-se interpretar, com isso, que os frascos de cosméticos nas prateleiras do
supermercado conotam a vaidade e os cuidados estéticos associados à figura feminina. Ou
seja, a colocação desses objetos em específico logo atrás da candidata no quadro fotográfico
adquire uma significação simbólica do lugar ocupado pelo feminino no âmbito social:
cuidados da beleza. As próprias embalagens de tinturas capilares que aparecem na fotografia
mostram imagens de mulheres, o que reforça o sentido de que tais produtos são ofertados (e
consumidos) ao público feminino.
Assim, há duas significações principais nessa fotografia: a mulher fazendo compras e
a figura do feminino diante de uma prateleira de cosméticos que, simbolicamente,
condicionam à mulher tais representações no âmbito social. A candidata, portanto, conjuga
seu papel político às atividades desempenhadas por ela como figura feminina que atua
socialmente. Ou seja, nessa fotografia jornalística, Yeda é representada por ZH na forma
simbólica histórica e culturalmente instituída ao gênero feminino: cuidar dos afazeres
domésticos (representado aqui pelas compras realizadas pela candidata) e da beleza
(representada pelos cosméticos).
F
igura B: fotografia publicada na página 16 da edição de 21 de setembro de
2006 de ZH.
Na fotografia correspondente à figura B (Anexo 4), Yeda Crusius participa de um
desfile de 20 de setembro – data de comemoração da Revolução Farroupilha. Posicionada no
centro da imagem a candidata é, também, o foco de atenção da fotografia, pois, conforme
Sousa (2004, p. 68), “a forma mais comum de compor uma fotografia é colocar o motivo no
centro. É uma forma de composição que resulta com motivos simétricos e que cria,
normalmente, uma imagem repousante e equilibrada”, tendo o objeto/pessoa como centro
visual – onde o olhar do leitor tende a ter mais atenção.
Em um plano de conjunto, Yeda veste pala de modelo masculino (quadrado nas
pontas) e lenço vermelho com nó igualmente masculino – originalmente introduzido na
cultura gaúcha pelos farroupilhas. A vestimenta gaúcha tradicionalmente atribuída às
mulheres é o vestido de prenda, com saias em camadas, adorno de flores na cabeça e sapato
com presilha em cima.
Ou seja, é simbólico, no contexto da cultura gaúcha, mulheres com vestidos de prenda
e homens com bombacha, chapéu e botas. Esses elementos, portanto, conotam o lugar do
feminino e do masculino na cultura regionalista, uma vez que os trajes foram historicamente
determinados para uso dos respectivos gêneros, fazendo com que haja uma distinção entre o
gaúcho e a gaúcha já pelos elementos e objetos que traja.
A figura de Yeda remete simbolicamente à figura de Anita Garibaldi. Ambas
“estrangeiras” (a primeira, paulista, e a segunda, catarinense), apaixonaram-se por homens
gaúchos, escolheram o Rio Grande do Sul para viver e, sobretudo, engajaram-se em causas
políticas do Estado. Anita lutou na Revolução Farroupilha e, na sua época, era diferente das
demais mulheres, pois usava trajes masculinos e foi a única mulher que afrontou o exército
imperialista junto aos homens. Yeda, por sua vez, sempre candidatou-se a cargos eletivos
representando o Rio Grande do Sul, envolvendo-se em causas pelo povo gaúcho e, na
fotografia em questão, também se distingue das demais mulheres por usar vestimenta
masculina.
Simbolicamente, há a conotação de mulheres guerreiras, que com bravura lutam pelos
ideais do Estado gaúcho. O fato de Yeda estar trajando roupa masculina (em fotografia
secundária ela aparece de corpo inteiro, usando bombacha e botas – ver figura B.1) adquire
um sentido para sua figura de mulher na política: é necessário colocar-se (auto-representação)
com uma postura mais masculinizada em alguns contextos, visto que lugares de exercício de
poder sempre foram ocupados por atores masculinos.
Assim, pode-se interpretar como uma estratégia de
posicionamento no campo político e, acima de tudo,
diante da sociedade.
E, nesse sentido, o dispositivo fotojornalístico
revalida tal representação.
O ângulo aberto evidencia Yeda na carroceria
de um veículo (figura B), passando por uma rua, onde
os elementos que indiciam o local são: os altos postes de iluminação pública em perspectiva
atrás da cabeça da candidata, o asfalto e os demais veículos que seguem na carreata do desfile
do Dia do Gaúcho, em segundo plano, ao lado direito do braço erguido da candidata e os
prédios que fecham o quadro fotográfico na lateral direita da fotografia.
As vestes das outras duas mulheres que estão ao lado da candidata ao Governo
também são indícios de que é uma comemoração típica gaúcha, contexto reforçado pela
carroça que vem logo atrás do carro que transporta Yeda. Na carroça, há um homem pilchado
e uma mulher vestida de prenda e, ao lado da carroça, cavalos enfileirados, o que significa que
é um desfile tradicionalista gaúcho.
Do alto do carro, a candidata, com um sorriso no rosto, acena – o que é indicado pelo
movimento do braço e pela posição da mão – e seu braço forma uma linha de força que
conduz o olhar para o gesto de Yeda. Ela também olha para o fora de quadro, o que pressupõe
que há pessoas nos arredores da rua contemplando o desfile em comemoração a data gaúcha.
Pessoas que desfilam pelas cidades no alto de transportes são aquelas que destacaram-se em
concursos (como as misses e as prendas que representam seus Centros de Tradições Gaúchas-
CTG) ou competições (como atletas que vencem olimpíadas) expressivas.
A candidata Yeda, ao desfilar no alto do carro, já ganha determinado destaque. Mas o
plano de tomada fotográfica valoriza sua figura: o leve contra-plongé (fotografia captada de
baixo para cima, conforme o posicionamento do fotógrafo diante da cena) joga o motivo para
cima, engrandecendo-o (SOUSA, 2004). Quer-se, com isso, demonstrar como o fato dela
aparecer em destaque em cima do carro, na imagem fotojornalística, ganha uma conotação
com relação à ascensão política: só sobe no palanque aqueles que devem ser visibilizados e
projetados no campo político. Além disso, os políticos que se destacam (ou seja, chegam ao
F
igura B.1: fotografia publicada na Página
10 da edição de 21 de setembro de 2006 de
ZH
.
poder), por sua vez, também desfilam publicamente nos carros oficiais no dia da posse do
cargo, o que dá o sentido da ascensão de Yeda ao poder.
No “palanque”, ao lado esquerdo de Yeda na fotografia, está a esposa do candidato
Geraldo Alckmin de pala vermelho. Os respectivos palas que cobrem seus corpos fazem
alusão às cores da bandeira gaúcha: verde e vermelho. Na outra ponta, uma mulher veste o
típico traje feminino da cultura gaúcha: o vestido de prenda. Prenda é o par do peão, aquela
mulher prendada para trabalhos da casa e atividades manuais (como costura e artesanato).
Assim, nessa imagem fotográfica Yeda está representada como uma mulher que não é
prendada aos afazeres da casa, mas, pelo contrário, assume um lugar de quem é dotada ao
poder, o que transparece através de sua colocação de destaque em cima dos carros do desfile
gaúcho. Ademais, veste traje masculino, típico do homem gaúcho que coloca bombachas, pala
e botas para a lida no campo, ou seja, para assumir o comando dos afazeres da propriedade.
Essas questões, portanto, têm o significado conotado da mulher ocupando um lugar atribuído
aos homens, como a política.
Figura C: fotografia publicada na página 04 da edição de 2 de outubro de 2006 de ZH.
O carro escuro fecha o quadro da fotografia jornalística (figura C) (Anexo 5) nas
laterais e nas linhas inferior e superior, formando uma unidade que causa um efeito de
moldura preta em torno da imagem da candidata Yeda. A moldura contrasta com a roupa clara
que a candidata veste, causando o efeito de centralização no motivo por destacá-lo no jogo
claro e escuro da fotografia em preto e branco, pois a incidência de luz reforça a área clara em
torno da figura de Yeda. Pelo canto esquerdo da fotografia, entra, no quadro fotográfico, o
braço de uma pessoa. Os traços da mão e a manga do casaco (com as respectivas abotoaduras)
dão a ver que se trata de um paletó masculino e, portanto, de um homem estendendo o braço
em direção à porta do carro.Em primeiro plano na fotografia, aparece o braço do homem e,
em segundo plano, o reflexo do rosto na lateral traseira do carro confirma que se trata de uma
figura masculina.
Captada com lente grande angular, há, naturalmente, uma leve deformação dos
elementos da fotografia, pois a objetiva tem o ângulo inferior a 50mm e, portanto, esse efeito
é próprio do seu uso. O elemento que sofreu alteração foi o braço do homem, pois ele aparece
maior do que os demais objetos da fotografia, se comparado, por exemplo, com o tamanho do
carro.
O braço forma, portanto, uma linha de força que conduz o olhar na direção do gesto
promovido pelo homem. Gestualidade que tem o sentido de cavalheirismo com a mulher que
está saindo do carro – pela curvatura do corpo de Yeda, levemente inclinada para fora do
carro, segurando a bolsa nas mãos como se acabasse de pegá-la para desembarcar e o olhar
direcionado para o homem são indícios de que ela está saindo (e não entrando) do automóvel.
De acordo com Sousa (2004, p.81), “os gestos e as expressões significativas do ser
humano (...) são elementos passíveis de outorgar determinados sentidos à imagem fotográfica,
pois favorecem a construção e a reformulação de idéias sobre as pessoas fotograficamente
representadas”. Tal concepção do gesto dá a ver o significado de gentileza para com a
candidata Yeda.
Mas para além do gesto que conota cavalheirismo, o gestual constrói representações
dos sujeitos fotografados. E, assim, a significação latente é o fato de o homem colocar-se
como aquele que conduz a mulher e que vem a sua frente para conduzi-la: abrir a porta do
carro e estender-lhe a mão como apoio. A mulher, por sua vez, ocupa o lugar social
secundarizado, pois vem depois do homem. É a dama que deve ser protegida (o que tem o
sentido de fragilidade imbricado) dentro do carro e, então, necessita do apoio e do resguardo
masculino para circular fora dele.
O braço do homem em primeiro plano e em proporção maior aos demais elementos
que compõem o quadro fotográfico conota o lugar que o homem ocupa na sociedade: a figura
masculina, na sociedade patriarcal (SANTOS, 2004) que ainda se matem na
contemporaneidade, está à frente da figura feminina, ou seja, vem em primeiro plano. Em
segundo plano, ainda está a figura refletida do homem e, somente em terceiro plano, vem a
figura na candidata Yeda, conotando o lugar ocupado pela mulher na sociedade.
Tais representações do masculino e do feminino estão tão arraigadas na cultura dos
sujeitos que compõem a sociedade que constituem normas de conduta social: tornou-se
protocolo de educação o homem colocar-se diante da mulher para cerceá-la. Tais
normatizações de convívio social são registradas em manuais de etiqueta e de boas maneiras
(FLORES, 1957; RIBEIRO, 2001). “Ao entrar no automóvel, se a mulher não ocupar a
direção, o homem abrirá a porta para que ela entre. O lugar de honra é ao lado do motorista.
Se for motorista profissional, o lugar de honra [da mulher] é atrás, à direita” (RIBEIRO, 2001,
p. 179).
Neste contexto, ZH representa a figura de Yeda Crusius em terceiro plano. Embora
centralizada na imagem, simbolicamente está num lugar secundarizado e convencionalmente
atribuído ao feminino: figura delicada que carece dos cuidados e da atenção masculina que, de
acordo com a cultura e as “boas maneiras”, vem antes da mulher – ou seja, está figurando em
primeiro plano no campo social.
Figura D: fotografia publicada na página 11 da edição de 20 de outubro de 2006 de ZH.
A fotografia jornalística acima, Figura D (Anexo6) retrata um grupo de pessoas que,
através das bandeiras de partidos políticos (que anunciam o nome de Yeda e os números das
legendas) e o gestual caminham fazendo campanha pela cidade (percebida por indícios como
o céu claro e o prédio com letreiro de comércio na parte superior do lado esquerdo do quadro
fotográfico). O contexto da fotografia é percebido pelo ângulo causado pela lente grande-
angular usada para registrar essa cena. Ou seja, a lente abrange o espaço e as pessoas que
figuram nele através do plano de conjunto.
As pessoas constituem, então, uma massa, formando linhas verticais paralelas que
produz a sensação de concentração humana. O ângulo reforça a idéia de massa, já que o plano
de captação dá a ver uma parcela da multidão, conotando que há muito mais pessoas fora do
quadro fotográfico do que dentro dele. Mas as linhas horizontais, da metade para cima da
fotografia, corroboram tal sentido na imagem, pois as pessoas movimentam as bandeiras,
dando a idéia de ação de inúmeras pessoas em função do grande número de bandeiras que
compõem o terceiro plano da imagem.
Yeda ocupa o centro da fotografia, onde sua roupa clara destaca-se das cores escuras
que os dois homens, posicionados ao seu lado e em segundo plano, trajam. Destaca-se,
também, por estar em primeiro plano, à frente das figuras masculinas que a seguem em
caminhada. A única mulher que compõe a cena é ela, pois a outra está cortada pela quadro
fotográfico (na lateral esquerda), o que conota exclusão para que Yeda seja o foco feminino
da imagem fotográfica.
O ângulo de captação é normal (frontal), ou seja, se dá “paralelamente à superfície,
oferecendo uma visão objetivante sobre a realidade representada na fotografia” (SOUSA,
2004, p. 68). O ângulo frontal, em fotografias que registram massas, não abarca na imagem a
perspectiva – do plongé, por exemplo – que dá idéia de imensidão, privilegiando os
objetos/pessoas que estão no primeiro plano.
ZH, ao colocar a candidata à frente, no centro e em primeiro plano na imagem
fotográfica, simbolicamente a representa como uma líder com seus seguidores – que no
ângulo de tomada que os abarca, evidencia somente homens atrás dela. Yeda é, então, quem
vem à frente e os homens estão secundarizados no segundo plano da fotografia. A fotografia
jornalística conota, então, a colocação do feminino no lugar de comando e de poder.
O que reforça o sentido de liderança é o gesto do braço de Yeda e sua expressão facial.
O primeiro é uma ação imponente, significando entusiasmo e vibração e, ainda, comando de
animação aos seus seguidores. O braço levantado forma uma linha de força que torna
significativo o gesto da candidata, pois ele ganha destaque ao estender-se até o alto da
fotografia. A expressão facial (especialmente da boca) reforça o sentido de entusiasmo, pois
dá a ver que Yeda fala ou grita algo para aqueles que passam na rua e também para aqueles
que a acompanham na caminhada.
Do meio horizontal para baixo predominam cores neutras na fotografia: vestuários que
transitam entre tons de terra e escalas de preto. Do meio para cima, tonalidades quentes das
bandeiras enfatizam o sentido de vibração da mão de Yeda, pois o braço erguido está ao lado
das bandeiras do partido nas cores vermelha, amarela, azul e verde. Assim, há contraste
cromático entre as partes da fotografia (SOUSA, 2004).
A pose espontânea conjugada ao contexto em que Yeda está inserida, coloca a figura
feminina da candidata em posição de dominação à frente de figuras masculinas que estão em
segundo plano na fotografia jornalística. Deste modo, a candidata é simbolicamente
representada no lugar de poder, que toma a frente da caminhada, conduz as pessoas, mas, ao
mesmo tempo, é cercada por homens o que conota, no contexto da política, que a mulher
ainda precisa de figuras masculinas ao seu redor – apoiando-a em campanha eleitoral – para
legitimar sua imagem no campo político.
Figura E: fotografia publicada na página 12 da edição de 24 de outubro de 2006 de ZH.
A fotografia jornalística correspondente à figura E (Anexo 7) foi captada em contra-
plongé, o que significa que “a tomada fotográfica se faz de baixo para cima, tendendo a
valorizar o motivo fotografado” (SOUSA, 2004, p.68). Ou seja, o ângulo projeta a candidata
para cima, o que dando o sentido de engrandecimento e de superioridade. No contexto da
política, a conotação é a de ascensão ao poder.
Ao lado de Yeda, dois homens e uma mulher. Os homens vestem roupas em azul
marinho, com listras amarelas no punho das mangas dos casacos e broches da aviação no lado
esquerdo do blazer: indícios de vestimenta de pilotos de avião. Yeda usa o quepe (objeto
significante – BARTHES, 1990) de um dos pilotos, o que reforça o sentido de poder já
atribuído pelo ângulo de captação da fotografia. O quepe simboliza comando, atribuindo à
figura da candidata a conotação de autoridade.
Posicionada atrás de uma mesa (que fecha o quadro no canto inferior esquerdo da
fotografia), Yeda ocupa o lugar central e, com os braços abertos, sua figura causa efeito de
simetria na imagem fotográfica.
Uma pessoa de pé, colocada na linha vertical central de uma fotografia com fundo
neutro e com ambos os lados do corpo em posições iguais é exemplo de um motivo
simétrico numa fotografia simétrica e, portanto, equilibrada. Aliás, a colocação de
objetos/sujeitos no centro de uma fotografia resulta bem quando eles são simétricos
(SOUSA, 2004, p. 72).
A simetria é cristalizada pela posição dos braços abertos de Yeda. À sua direita, há
uma mulher, que é coberta por sua mão na fotografia. Ou seja, o sentido é de apagamento e de
exclusão da outra figura feminina na imagem e, assim, a candidata é a única mulher
focalizada na fotografia. As figuras masculinas olham e sorriem para ela, aplaudindo seu
gesto, o que corrobora o sentido de centralidade que ela tem na fotografia jornalística em
questão.
Os braços abertos e o respectivo posicionamento das mãos conotam acolhimento a
quem está diante dela (fora do quadro fotográfico). Sua posição remete à figura maternal de
Nossa Senhora, que resguarda todos em seus braços sem distinção. As figuras icônicas que
representam Nossa Senhora têm os braços nessa posição ou, então, as mãos postas sobre o
coração.
Simbolicamente, então, há relação com a figura icônica feminina da religião cristã. O
semblante de Yeda tem expressões que lembram as representações de Nossa Senhora: olhar
direcionado ao infinito e sorriso suave no rosto. O ângulo de tomada fotográfica (a partir do
plano contra-plongé) dá o efeito de elevação do objeto, conferindo, portanto, o sentido de
colocação de Yeda em um pedestal. O banner azul atrás da candidata dá a ver o manto que
cobre Nossa Senhora com sua cor celestial.
O quepe ganha, nesse contexto, alusão à coroa de Nossa Senhora, o que reforça a
expressividade e a força emblemática da figura feminina de Yeda na fotografia de ZH. Os
homens, ao olharem para Yeda na fotografia, conotam o sentido de adoração à sua figura,
bem como as pessoas se colocam diante de Nossa Senhora – figura poderosa para a religião.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta dissertação propôs-se a refletir sobre as representações do feminino em
fotografias jornalísticas de Zero Hora, no período da campanha eleitoral ao governo do
Estado do Rio Grande do Sul, no ano de 2006, a partir da figura de Yeda Crusius. Para tanto,
tal pesquisa exigiu que se percorresse uma trilha teórica bastante especifica e, especialmente,
engendrada entre si para dar conta de um tema que centraliza uma circunstância recorrente no
campo jornalístico – as representações dos atores sociais – mas que, entretanto, a partir dos
modos como os sujeitos são visibilizados, dá-se margem para questionamentos em torno das
construções realizadas pelo jornalismo em relação aos gêneros representados por ele, bem
como faz-se neste texto dissertativo.
Neste ponto do trabalho é necessário, então, retomar-se algumas questões e engendrá-
las numa perspectiva conclusiva, apontando amarrações e o que enxergou-se a partir delas. A
partir das reflexões sobre a constituição do campo midiático e as afetações que o mesmo
produz sobre a estrutura do campo jornalístico, observou-se como se dão as normas de
funcionamento, os regramentos que direcionam seus modos de atuação e a organização do
jornalismo enquanto atividade que se constitui a partir de produções simbólicas, sob a lógica e
características de um campo que o abarca.
Também, ao longo da discussão teórica, pode-se tomar o jornalismo como um campo
que atua a partir de um capital simbólico que lhe confere um lugar diferenciado no âmbito
sociocultural: estão sob sua égide as organizações discursivas de todos os outros campos que
necessitam da visibilidade e que, na contemporaneidade, o jornalismo tem grande
concentração de poder para conceder-lhes.
Nessa perspectiva, as reflexões realizadas resultaram na constatação de que essa
característica do campo jornalístico advém da centralidade em que esta esfera se encontra e o
que este lugar no âmbito social significa: seu poder simbólico de conferir legitimidade aos
outros campos sociais e a mediação dos discursos das demais esferas, são atributos do
jornalismo que contribuem para que este campo tenha tal importância no lastro social.
Essa constatação se confirmou a partir do que a jornalista Iara Lemos, representando o
jornal Zero Hora, declarou em entrevista, ao afirmar que o jornal definia quanto espaço dar a
determinado candidato, quantos compromissos da agenda de campanha dos mesmos deveriam
ser cobertos, bem como quais imagens fotográficas das figuras políticas daquele contexto
eleitoral deviriam ser publicadas: a visibilização e a representação dos sujeitos passa pelo
crivo do jornalismo, conferindo-lhes um modo de serem mostrados no dispositivo jornalístico.
O posicionamento de ZH enfatiza o que se observou tanto com as reflexões teóricas
quanto com as análises acerca das representações a partir da figura de Yeda Crusius. O campo
político e seus atores, assim como todas as demais esferas sociais e os sujeitos que as
compõem, ao serem perpassados pelo campo jornalístico são incluídos ou excluídos da
visibilização e da legitimação desse campo; bem como são apresentados segundo suas lógicas,
interesses e, até mesmo, convenções culturais compartilhadas sobre os lugares e as funções
sociais dos sujeitos, considerando, como foi pesquisado, que o jornalismo, enquanto um
constructo social, faz circular os modelos, os padrões e os ideais de sociedade de um contexto
cultural estruturado, onde também está inserido – e seus profissionais, antes de serem
jornalistas, são sujeitos sociais que sofrem os atravessamentos dessa cultura.
Observou-se, portanto, que essa característica marca de forma bastante contundente a
circulação da imagem de um candidato no contexto sociocultural, que durante o período
eleitoral é potencializado, já que a sociedade como um todo está vivenciando esse processo e
acompanhado, através dos dispositivos midiáticos, os discursos e as aparições dos políticos. O
campo jornalístico, nesse contexto, é o meio e, a partir de suas lógicas e regramentos, o lugar
onde se cristalizam as representações dos sujeitos do campo político.
A partir das questões refletidas sobre os modos de atuação do campo jornalístico no
âmbito social, se pode afirmar que o mesmo exerce, ao mediar os discursos dos demais
campos, como o político, sua condição que o caracteriza como um campo diferenciado dos
demais ao exercer simbolicamente o poder de dar a ver, segundo sua ótica singular. Como
apontado por Weber (2000) nas reflexões teóricas, a política é um campo que detém o poder,
mas o campo das mídias e, em especial o jornalístico, tem o poder de representar os demais
poderes exercidos pelos outros campos sociais. Ou seja, o jornalismo tem consigo o bem
simbólico do fazer crer e nele a potencialidade da legitimação e visibilidade que os demais
campos necessitam para também serem legitimados no âmbito social.
Considerando o objeto de pesquisa, as representações do feminino pelo campo
jornalístico advindas de uma figura do campo político, e as reflexões teóricas acerca das
relações entre este três campos, observou-se que o feminino representado pelas fotografias de
ZH é afetado diretamente pelos modos de construção e organização discursivos desse jornal.
Tais afetações resultaram, como foi visto também no processo das análises das fotografias
jornalísticas, em construções simbólicas que conotavam certos lugares atribuídos à figura do
feminino e da mulher no campo jornalístico.
Observou-se, a partir das análises, que o feminino representado nas fotografias
evidenciou-se num jogo de sentidos construídos pelo jornal ZH em que ora colocava a mulher
candidata no lugar de poder, ora evidenciava uma relação histórica da condição das mesmas
sob o domínio do modelo patriarcal, onde atividades de poder, liderança e comando eram
lugares e funções sociais que não cabiam às mesmas, nem ao feminino.
Historicamente, como se observou no capítulo em que se refletiu sobre a constituição
das representações sociais, os processos simbólicos, a cultura e o feminino, a composição do
conceito do último tem nas mulheres seu reconhecimento e identidade. O feminino é,
portanto, uma categoria de gênero que representa a mulher, e nele estão imbuídas inúmeras
características que identificam os modos de ser e de vivenciar a condição de sujeito mulher e
a posição do feminino no âmbito social.
Estas características foram construídas ao longo da trajetória histórica da humanidade,
das culturas e das sociedades indo desde aspectos físico-biológicos, passando por modos e
comportamentos socioculturais, até a designação dos lugares e funções sociais atribuídas às
mulheres e ao feminino. Entretanto, observou-se a partir dos apontamentos dos autores
trazidos às reflexões sobre o feminino, que ainda em pleno século XXI onde a mulher
conquistou seu lugar de sujeito atuante nas sociedades, suas representações e condições diante
dessas atuações estão bastante ligadas ao modelo patriarcal que muitas sociedades ocidentais
vivenciaram e ainda, de alguma forma, vivenciam.
Conforme o que se pode abstrair das referências utilizadas para o tensionamento das
idéias dessa pesquisa, as mulheres e o feminino, dentro de determinadas culturas, ainda estão
subjugados aos valores do modelo patriarcal. Tais valores, como se constatou a partir dos
autores pesquisados, são também construídos de forma simbólica por produtores com o poder
de visibilidade e legitimação, como o campo jornalístico, e repassados e (re)significados ao
contexto cultural comum em seus dispositivos, como a fotografia.
A fotografia jornalística, por carregar traços do real, potencializa a visibilidade e a
representação dos sujeitos através da mensagem imagética embutida nela. No jornal, é um
dispositivo que materializa determinada cena que, fragmentada do espaço e do tempo, dá a
ver alguns aspectos do acontecimento que registra. Assim, vale como indício do que
aconteceu, mas carrega elementos simbólicos em sua tessitura que carregam outros sentidos à
fotografia e o que nela está representado.
ZH, portanto, representa a candidata Yeda nas fotografias jornalísticas através de um
jogo (como dado anteriormente) simbólico que a coloca no lugar de mulher (instituído pelo
sistema patriarcal que prevalece até hoje) e no lugar de um poder antes só exercido por
homens, pelo campo masculino. A análise fotográfica evidencia tal questão: ora ela aparece
fazendo compras, sendo conduzida pela mão masculina na descida do carro e ora ela aparece
liderando figuras masculinas em caminhadas, ao mesmo tempo em que é cerca por essas
figuras como se estivesse sendo legitimada por este campo e capacitada a estar nesse lugar de
liderança.
Pondera-se que o jogo constitui uma estratégia do jornal na tentativa de legitimar a
figura feminina na política, inserindo-a aos poucos no lugar de comando através de
representações de poder, mas, ao mesmo tempo, não desvinculando a figura da candidata de
um lugar histórico do modelo patriarcal de representação do feminino. Para ZH, o poder é
historicamente ocupado pelos homens e, então, Yeda é representada como dois sujeitos no
jornal: o sujeito mulher e o sujeito político.
Contudo, as análises fotográficas demonstraram que o jornal ZH, ao representar a
candidata, organizando os modos de apresentação e circulação no âmbito social de sua
imagem, o fez não a partir de uma separação da figura da mulher e da figura da candidata,
conforme a instância da produção relatou na entrevista concedida. O que se observou, a partir
das representações construídas nas fotografias jornalísticas, entretanto, foi que
simbolicamente o lugar do feminino designado pelo jornal e o lugar de poder concentrado na
função de liderança, da ordem do campo político e suas características, congregaram-se em
quase todos os quadros. Isso significa uma postura do jornal que se vale do modelo patriarcal
no modo de construção da figura feminina no poder (relativo ao campo político) no contexto
cultural em que se inserem ZH, a campanha eleitoral ao governo do Estado e os atores sociais
políticos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALVES, José Eustáquio Diniz. A conquista do voto feminino: voto, educação e trabalho.
Belo Horizonte, MG: UFMG, 2006.
ANJ - http://www.anj.org.br/a-industria-jornalistica/jornais-no-brasil/maiores-jornais-do-
brasil/?searchterm=zero%20hora – Acesso em 19 de dezembro de 2008.
AUMONT, Jacques. A imagem. 10ª ed. Campinas, São Paulo: Papirus, 1995. P 135 – 195.
ARAÚJO, Rita de Cássia B. O voto de saias: a Constituinte de 1934 e a participação das
mulheres na política. In: Estudos Avançados. Vol. 17, nº 49. São Paulo, 2003.
BARTHES, Roland. A câmara clara: nota sobre a fotografia. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
1984.
------------------------. Elementos de Semiologia. 1ª ed. São Paulo, SP: Cultrix, 1971.
-----------------------. O Óbvio e o Obtuso: ensaios críticos III. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
1990.
BERGER, Christa. Campos em confronto: a terra e o texto. 2ª ed. Porto Alegre: Editora
UFRGS, 2003.
BERGER, Peter Ludwig. LUCKMANN, Thomas. O dossel sagrado: elementos para uma
teoria sociológica da religião. São Paulo: Paulus, 1985.
BOURDIEU, Pierre. Sobre a televisão – a influência do jornalismo e os jogos olímpicos. Rio
de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1997.
------------------------. Contrafogos: táticas para enfrentar a invasão neoliberal. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar Editor, 1998.
------------------------. A dominação masculina. 1ª ed. Portugal: Celta Editora, 1999.
------------------------. O poder simbólico. 6ª Ed. Rio de janeiro: Bertrand Brasil, 2003.
------------------------. Os usos sociais da ciência. São Paulo: Editora Unesp, 2004.
COLLING, Ana. A construção histórica do feminino e do masculino. In: Gênero e Cultura:
questões contemporâneas. Porto Alegre, RS: EDIPUCRS, 2004. p. 13 – 38.
BORELLI, Viviane. Da festa ao cerimonial midiático: as estratégias de midiatização da
teleromaria da Medianeira pela Rede Vida. Tese de Doutorado. São Leopoldo: Universidade
do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos Programa de Pós-Graduação em Ciências da
Comunicação, 2007.
BUSSELLE, Michael. Tudo Sobre Fotografia. 1ª ed. São Paulo: Editora Pioneira, 1979.
CÂMARA, Mônica. Urubu rei: Uma imagem fotojornalística e suas multimodalidades.
In: Perspectivas em Análise Visual: do fotojornalismo ao blog. João Pessoa: Editora da
UFPB, 2008. p. 73 – 85.
DUARTE, Elizabeth Bastos. Fotos & Grafias. 1ª ed. São Leopoldo: Editora Unisinos, 2000.
DUBOIS, Philippe. O ato fotográfico e outros ensaios. Campinas, SP: Papirus, 1993.
EPSTEIN, Isaac. O signo. 2ª ed. São Paulo, SP: Editora Ática, 1986.
FABRICIO, Laura Elise de O. O jornal Zero Hora e a construção do feminino na
fotografia jornalística durante a campanha eleitoral de 2006. Anteprojeto de Mestrado –
Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UFSM: 2006.
FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Rio de Janeiro, RJ: Graal, 1985.
FLORES, W. Fernandez. Etiqueta masculina. Barcelona: Iberia, 1957.
FRANCO, Silvia Cintia. CULTURA: inclusão e diversidade. 1ª ed. São Paulo, SP: Modena,
2006.
GEERTZ, Cliford. A Interpretação das Culturas. 1ª ed. Rio de Janeiro, RJ: LTC, 1989.
GROSSI, Míriam Pillar; MIGUEL, Sônia Malheiros. Transformando a diferença: as
mulheres na Política. In: Revista de Estudos Feministas. Florianópolis: Edufsc, 2001. Vol.
9, nº 1.
GRUPO RBS. Grupo RBS - Guia de Ética, Qualidade e Responsabilidade Social. Porto
Alegre: RBS Publicações, 2007.
JOVCHELOVITCH, Sandra. Representações Sociais e Esfera Pública: a construção
simbólica dos espaços públicos brasileiros. 1ª ed. Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 2000.
KEHL, Maria Rita. Deslocamentos do feminino: a mulher freudiana na passagem para a
modernidade. 1ª ed. Rio de Janeiro, RJ: Imago Ed., 1998.
MOSCOVICI, Serge. Representações Sociais: Investigações em psicologia social. 1ª ed.
Petrópolis, RJ: Vozes, 2003.
MOUILLAUD, Maurice. Da forma ao sentido. In: O Jornal: da forma ao sentido. 2ª ed.
Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2002. P. 29 – 35.
OLIVEIRA FILHA, Elza Aparecida. Olhares sobre uma cobertura: A eleição de 2002 para
o Governo do Paraná em três jornais locais. Tese de Doutorado. São Leopoldo: Universidade
do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos Programa de Pós-Graduação em Ciências da
Comunicação, 2006.
PEIRCE, Charles S. La ciência de la Semiótica. 1 ed. Buenos Aires Nueva Vision, 1974.
PERUZZOLO, Adair Caetano. A Circulação do Corpo na Mídia. 1ª ed Santa Maria, RS:
Imprensa Universitária, 1998.
-----------------------------------. Elementos de Semiótica da Comunicação: quando aprender é
fazer. 1ª ed. Bauru, SP: EDUSC, 2004.
-----------------------------------. A comunicação como encontro. 1ª ed. Bauru, SP: Edusc,
2006.
PESAVENTO, Sandra Jatahy. História & História Cultural. 1ªed. Belo Horizonte, MG:
Autêntica, 2004.
REVISTA ÉPOCA. Os marcos da história dos cosméticos. Edição de 21 de maio de 2001.
RIBEIRO, Célia. Etiqueta na prática: um guia moderno de boas maneiras. Porto Alegre:
L&PM, 2001.
RODRIGUES, Adriano Duarte. Estratégias da Comunicação: questão comunicacional e
formas de sociabilidade. 2ª ed. Lisboa: Presença, 1997.
-------------------------------------------. Experiência, modernidade e campo dos media.
Biblioteca On Line de Ciências da Comunicação. Portugal, 1999. In:
http://www.bocc.ubi.pt/pag/rodrigues-adriano-expcapmedia.pdf
. Acesso em 20 de abril de
2008.
RUBIM, Antonio A. Canelas. Comunicação e Política. São Paulo: Hacker, 2000.
SANTOS, Maria Inês Detsi de Andrade. Gênero e Comunicação: o Masculino e o Feminino
em programas populares de rádio. 1ª ed. São Paulo: Annablume, 2004.
SODRÉ, Muniz. O ethos midiatizado. In: Antropológica do Espelho. Por uma teoria da
comunicação linear e em rede. Petrópolis, RJ: Vozes, 2002. P.11 – 82.
SODRÉ, Muniz; PAIVA, Raquel; et.al. A representação do feminino nas eleições de 2006.
In: Anais do 31º Encontro Anual da ANPOCS. Minas Gerais, 2007.
SOUSA, Jorge Pedro. Uma história crítica do fotojornalismo ocidental. Chapecó, SC:
Grifos; Florianópolis, SC: Letras Contemporâneas, 2000.
-------------------------. FOTOJORNALISMO: Introdução à história, às técnicas e à
linguagem da fotografia na imprensa. Florianópolis, SC: Letras Contemporâneas, 2004.
TABAKI, Fanny; TOSCANO, Moema. Mulher e Política. Rio de Janeiro: Paz na Terra,
1982.
TRAQUINA, Nelson. Teorias do Jornalismo. Volume II: A tribo jornalística – uma
Comunidade interpretativa transnacional. Florianópolis: Insular, 2005.
THOMPSON, John. Ideologia e Cultura Moderna: teoria social crítica na era dos meios
de comunicação de massa. Petrópolis, RJ: Vozes, 1995.
WEBER, Maria Helena.Comunicação e espetáculos da política. Porto Alegre: Editora
Universidade/UFRGS, 2000.
ZH RESPONDE. In:
http://zerohora.clicrbs.com.br/zerohora/jsp/default.jspx?uf=1&local=1&section=zhresponde&
action=getCapaZhResponde&treeName=Responde&origem=zhresponde&capaId=zhrespond
e – Acesso em 17 de dezembro de 2008.
VILCHES, Lorenzo. Teoria de la imagen periodística. 1ª ed. Barcelona, Espanha: Editorial
Paidós, 1987.
ZERO HORA. Manual de processos e prevenção de erros. Porto Alegre: RBS Publicações,
2007.
ANEXOS
ANEXO 1 – Selo Eleições de ZH
ANEXO 3
ANEXO 4
ANEXO 5
ANEXO 6
ANEXO 7
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo