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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E LETRAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA DO BRASIL
ÂNGELA MARIA MACÊDO DE OLIVEIRA
IMAGENS DISSONANTES? A FAMÍLIA TERESINENSE: entre prescrições
católicas e práticas culturais na década de 1950
TERESINA, PI
2009
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FICHA CATALOGRÁFICA
Serviço de Processamento Técnico da Universidade Federal do Piauí
Biblioteca Comunitária Jornalista Carlos Castello Branco
O48i Oliveira, Ângela Maria Macêdo de.
Imagens Dissonantes? A família teresinense: entre
prescrições católicas e práticas culturais na década de 1950
[manuscrito] / Ângela Maria Macêdo de Oliveira. 2009.
173 f.
Cópia de computador (printout).
Dissertação (Mestrado) Programa de Mestrado em
História do Brasil da Universidade Federal do Piauí, 2009.
“Orientador: Professor Dr. Pedro Vilarinho Castelo Branco.”
1. História Teresina Família. 2. Família. 3. Prescrições
Católicas. I. Título.
CDD: 981.22
DEDICATÓRIA
A Vando Fortes Vieira (In Memorian)
AGRADECIMENTOS
Instituições e pessoas foram muito importantes para a elaboração desta
pesquisa, pois é impossível realizar um trabalho desta natureza sem ajuda ou apoio.
Agradeço primeiramente a Deus e a minha família, meus pais (Maria de
Jesus e Domingos), meus irmãos (Claudejane, Claudean, Claudirene e Fredson), meu
sobrinho-afilhado Christian, que me proporcionam momentos felizes, de amor, ternura e
respeito.
Ao meu marido Roterdan Macêdo de Oliveira, por seu amor e
companheirismo, pelo apoio nesta jornada, sempre me ouvia falar de meu objeto de
estudo, prestando sempre atenção no que eu falava, lia atentamente os capítulos desta
dissertação e mesmo sem entender do métier da História, fazia críticas importantes.
À CAPES, pelo incentivo e financiamento desta pesquisa, o que me
permitiu participar de eventos acadêmicos, além de ampliar meu acervo bibliográfico.
Ao Prof. Dr. Pedro Vilarinho, que aceitou me orientar nesta pesquisa, me
conduzindo eficazmente para dar a esta pesquisa o formato no qual se apresenta.
Aos professores do Mestrado em História do Brasil da UFPI, especialmente
ao Prof. Dr. Edwar de Alencar Castelo Branco que me ajudou a perceber melhor meu
objeto de pesquisa, tanto do ponto de vista teórica e metodológica. À Prof.ª Dr.ª
Teresinha Queiroz que, na Banca de Qualificação me deu contribuições significativas
para a construção do texto final. Ao Prof. Dr. Francisco Alcides do Nascimento, pela
leitura do texto e pelas valiosas críticas e sugestões.
A Profª Drª Maria do Socorro Rios Magalhães, por ter aceito corrigir os
defeitos estéticos desse texto.
A Messias Santana, pela amizade iniciada no decorrer das atividades
acadêmicas do Mestrado, seja de Letras ou de História, pelas conversas, reflexões e
conselhos que me proporcionou melhorias, não somente no campo da pesquisa, mas
para a vida.
A Profª Doutoranda Cláudia Cristina da Silva Fontineles que me ensinou a
dar os primeiros passos na difícil e prazerosa arte da pesquisa, delineando os seus
caminhos árduos e doces, sem perder de vista a humildade e a perseverança, me
incentivando a produzir pesquisa desde o período da Graduação em História pela
Universidade Estadual do Piauí, Campus Clóvis Moura (Dirceu Arcoverde).
Aos colegas da turma do Mestrado em História do Brasil pelo convívio,
aprendizado e amizades firmadas. Colegas vindos de diferentes estados e cidades, de
Parnaíba, de São Luis, de Macapá e também da Paraíba, entre os quais nasceu uma
amizade para toda a vida, Verônica, pelas trocas de idéias, conversas sérias, conselhos
para a vida acadêmica e pessoal, aprendi muito com você, obrigada. A Elton pelas
conversas, risadas e desabafos que a vida acadêmica nos proporcionou. A Cristina, pelo
fortalecimento da amizade iniciada ainda na graduação e que esteve sempre presente nas
etapas importantes da minha vida, por ter ouvido minhas angústias e desabafos no
decorrer da pesquisa, obrigada.
Ao Arquivo Público do Estado do Piauí, pela disponibilidade dos
funcionários em atender os pesquisadores que por aparecem. À Biblioteca Estadual
Cromwell de Carvalho e à Biblioteca Francisco Montojos, do Centro Federal de
Educação Tecnológica, que me proporcionaram local tranqüilo, para pesquisas on-lines
e para a escrita do texto.
Ao padre Raimundo José pela disponibilidade que me proporcionou de
pesquisar em sua Biblioteca Particular. Da mesma forma ao Monsenhor José Luiz
Soares, que nos concedeu acesso a sua casa, local onde funciona a Secretaria e a
Biblioteca da Paróquia Nossa Senhora das Dores, me disponibilizando documentos e
livros católicos essenciais para esta pesquisa.
À Secretaria do Mestrado pela presteza nas informações e no atendimento,
inicialmente Dona Eliete, depois Leda e, hoje, Marcinha.
Aos entrevistados, Iracema Santos Rocha da Silva, V.G.F.N, Teresa
Albuquerque Vilarinho Castelo Branco, Manoel Paulo Nunes, Maria Genovefa Aguiar
Moraes Correa, Celso Barros Coelho, José Nazareno Soares de Araújo e Marize
Marques Martins de Araújo, meu muito obrigada pela disponibilidade e atenção ao
contarem, entre risos e lágrimas, um pouco de suas memórias. Em meio a silêncios,
esquecimentos, encantamentos, sempre recheados de lições de vida e de história, as
entrevistas foram fundamentais para a construção deste trabalho.
RESUMO
Este trabalho analisa a família teresinense na década de 1950, tendo como pretexto o
discurso católico. A cidade, nesse período, era marcada por conflitos. De um lado, a
forte presença e influência da Igreja Católica nos aspectos sociais, educacionais e
culturais, e por outro, a intensificação na urbe de novidades modernas, que interferiram
diretamente no consumo cultural da família e nas identidades de gênero. Dessa forma, o
principal objetivo desta pesquisa é localizar e analisar a tensão entre as prescrições
católicas face aos consumos culturais, que eram plurais e não homogêneos, como
desejava a norma eclesiástica. Do ponto de vista teórico, esta pesquisa trabalha com
quatro conceitos: produto e consumo cultural; gênero e memória. Estas categorias foram
fundamentais para análises das fontes constituídas por jornais, crônicas, romances,
entrevistas, propagandas e documentos oficiais.
Palavras-Chave: Família. Prescrições Católicas. Práticas Culturais.
ABSTRACT
This work examines the family teresinense in the 1950s, using the Catholic speech as a
pretext. The city at that time was marked by conflict. On the one hand, the strong
presence and influence of the Catholic Church in social, educational and cultural
aspects, and on the other hand, the intensification in the city of modern news, which
interfere directly in the cultural consumption of family and identities of gender. Thus,
the main objective of this research is to locate and analyze the tension between the
Catholic requirements in the face of cultural consumption, which were varied and not
homogeneous, it wanted the standard church. From the theoretical point of view, this
research works with four concepts: product and cultural consumption, gender and
memory. These categories are fundamental for analysis of sources formed by
newspapers, chronicles, novels, interviews, advertising, and official documents.
Keywords: Family. Catholic requirements. Cultural practices.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Foto 1: Arco decorativo alusivo ao Centenário da cidade em 1952 .................................... 21
Foto 2: Elvira Pagã............................................................................................................... 23
Foto 3: Mexericos da Candinha .......................................................................................... 33
Foto 4: Foto da cantora Maysa ........................................................................................... 33
Foto 5: Propaganda de Máquina de Costura Rener ........................................................... 34
Foto 6: Propaganda de Refrigerador Brastemp .................................................................. 34
Foto 7: Propaganda de Achocolatado Toddy ....................................................................... 35
Foto 8: Propaganda de Leite em pó „Kim‟........................................................................... 35
Foto 9: Propaganda de Medicamento: „O filho é sempre a alegria do lar‟ ......................... 42
Foto 10: Propaganda do Talco Johnson .............................................................................. 43
Foto 11: Propaganda do Óleo Johnson ............................................................................... 43
Foto 12: Propaganda sobre Vacinação: „Seus filhos estão imunizados‟ ............................ 45
Foto 13: Propaganda de Absorvente (Modess) .................................................................... 58
Foto 14: Colégio Sagrado Coração de Jesus ....................................................................... 63
Foto 15: Praça Pedro II Parte baixa ................................................................................. 70
Foto 16: Praça Pedro II Parte alta .................................................................................... 72
Foto 17: Foto Dona Teresa Castelo Branco com a farda do Colégio das Irmãs .................. 75
Foto 18: Propaganda do Manual „Como aprender a dançar‟ ............................................... 80
Foto 19: Propaganda do Creme de Alface ........................................................................... 84
Foto 20: Propaganda da Loção Pós-Barba Aqua Velva ..................................................... 85
Foto 21: Propaganda do Aparelho de Barbear Gillette Azul ............................................. 85
Foto 22: Foto da atriz Dorothy Lamour no filme The Jungle Pricess ................................ 91
Foto 23: Propaganda de roupas femininas: calças compridas ........................................... 92
Foto 24: Propaganda de roupas femininas: short ............................................................... 92
Foto 25: Foto que registrou o noivado de Iracema e José ................................................. 103
Foto 26: Propaganda do Sutiã Oasis ................................................................................. 106
Foto 27: Foto da Miss Brasil de 1958 Adalgisa Colombo ................................................ 107
Foto 28: Propaganda de Modernas Cozinhas com armários embutidos ........................... 119
Foto 29: Propaganda de Máquina de Lavar ....................................................................... 119
Foto 30: Propaganda de Aspirador de Pó .......................................................................... 120
Foto 31: Propaganda de Fogão a gás ................................................................................. 120
Foto 32: Propaganda de Lingerie Valisère......................................................................... 122
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 10
2 TERESINA NOS ANOS DOURADOS ........................................................................... 19
2.1 O cenário desta história: Teresina na década de 1950 .................................................... 19
2.2 A influência católica na cidade ..................................................................................... 23
2.3 Anos dourados: a euforia de 1958 .................................................................................. 31
2.4 Eis que a cidade cresce ................................................................................................... 33
2.5 A Saúde Pública ............................................................................................................. 36
3 INTERFACES ENTRE AS INFÂNCIAS E TRAJETÓRIAS EDUCACIONAIS NA
ADOLESCÊNCIA .............................................................................................................. 40
3.1 O amor materno é cultura e não natureza ...................................................................... 40
3.2 Os seus filhos estão imunizados? .................................................................................. 42
3.3 Instruindo e educando a partir da diferença .................................................................. 47
3.4 É tempo de brincar .......................................................................................................... 48
3.5 O que fazer com os menores abandonados? .................................................................. 52
3.6 Transformações no corpo: o despertar da adolescência ................................................ 55
3.7 Escolas que instruem e educam: trajetórias escolares na adolescência ........................ 59
4 A MOCIDADE ................................................................................................................. 69
4.1 Borboleteando ou a arte de flertar na P.II (Praça Pedro II) ............................................ 69
4.2 Muito além de “Evas” e “Marias”: representações femininas em Teresina ................... 72
4.3 Tertúlias no Clube dos Diários ....................................................................................... 80
4.4 As influências dos meios de comunicação: o star sytem e as revistas incidindo no
comportamento dos jovens .................................................................................................. 84
4.5 Os namoros: de olhos e de bolinação ............................................................................. 93
4.6 Noivados: relâmpagos .................................................................................................... 95
4.7 Futebol: prática machacaz? .......................................................................................... 108
5 RELAÇÕES FAMILIARES .......................................................................................... 111
5.1 Gerar filhos: função primária do matrimônio? ............................................................. 112
5.2 Os papéis tradicionais de gênero nas relações familiares: a rainha do lar e o
provedor ............................................................................................................................. 117
5.3 Quase todos contra o divórcio: a dignidade da mulher „acima‟ de tudo! .................. 127
5.4 Descortinando os preconceitos: as mulheres no ensino superior e no mercado de
trabalho .............................................................................................................................. 133
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................. 146
REFERÊNCIAS E FONTES .............................................................................................. 153
10
1 INTRODUÇÃO
A proposta deste trabalho é compreender a família teresinense na década de
cinqüenta do século XX, tendo como pretexto o discurso católico e, neste sentido, o
nosso principal objetivo é inventariar as prescrições católicas em torno da família e
compará-las com o consumo cultural, verificando se, nas práticas cotidianas, existiam
dissonâncias entre a norma imposta e o consumo das prescrições, que é plural.
O interesse pela temática surgiu ainda na graduação, quando, ao elaborar o
Trabalho de Conclusão de Curso, abordamos as relações familiares em Teresina
1
. O
desenvolvimento da família enquanto objeto de pesquisa está diretamente ligada aos
estudos dos demógrafos historiadores
2
. Os estudos de história da família têm sido
abordados, sob diferentes enfoques e definições, desde análises econômicas
3
até
culturalistas
4
.
No Brasil, os primeiros trabalhos sobre as relações familiares foram
desenvolvidos por sociólogos
5
, posteriormente por psicanalistas
6
e cientistas sociais
7
.
Somente a partir da década de 1980, com a fundação do Centro de Estudos de
Demografia Histórica da América Latina CEDHAL, por Maria Luiza Marcílio da
Universidade de São Paulo USP e do GT Nacional de História e Família, foi que as
1
OLIVEIRA, Ângela Maria Soares de. Relações familiares em Teresina: múltiplas representações
(1940-1950). Teresina, 2006. 109 p. Monografia (conclusão de curso). Departamento de História e
Geografia, Universidade Estadual do Piauí.
2
Sobre essa afirmação ver FARIA, Sheila de Castro. História da Família e demográfica histórica. In:
CARDOSO, Ciro Flamarion; VAINFAS, Ronaldo (orgs.). Domínios da História: ensaios de teoria e
metodologia. Rio de Janeiro: Campus, 1997. p. 241-258.
3
SHORTER, Edward. A formação da família moderna. Lisboa, Portugal: Terramar, 1975. O autor
afirmou que a mola propulsora para a transformação de família tradicional para família moderna foi o
capitalismo, tendo com base de sustentação o surto do sentimento, este estava constituído em três áreas,
primeira, na escolha do parceiro (balizado não mais em relações de parentesco, ou fatores econômicos,
mas, em função do amor romântico), segundo, nas relações mãe-bebê (o surgimento do amor materno),
terceira, o sentimento em relação ao lar, este ligado a privacidade e intimidade entre casal e filhos, um
abrigo cheio de amor entre seus membros, neste item o autor definiu como domesticidade. Dessa forma,
é a partir destes três sentimentos é que nasceu a família moderna ou nuclear.
4
FREYRE, Gilberto. Casa grande & senzala. 45 ed. Rio de Janeiro: Record, 2001. Referência
obrigatória para os trabalhos que discutem a família.
5
IBIDEM.
6
COSTA, Jurandir Freire. Ordem médica e norma familiar. Rio de Janeiro: Graal, 1979. Constitui o
primeiro livro publicado no Brasil ambientado na teoria de normalização de Michel Foucault sobre a
família, tendo por base os discursos médicos como sendo responsáveis pelo controle e ordenamento
familiar, no final do século XIX e início do XX, quando a família se modernizava, sendo prescrito como
único modelo válido e civilizador a família burguesa nuclear
7
ALMEIDA, Maria Suely Kofes et all. Colcha em retalhos: estudos sobre família no Brasil. São Paulo,
1982. Pesquisa que foi resultado da análise interdisciplinar nas ciências sociais; D´INCAO, Maria
Ângela (Org.). Amor e família no Brasil. São Paulo: Contexto, 1989. O livro tem como mote a noção de
amor romântico e as transformações nas relações familiares no Brasil.
11
contribuições em torno do objeto família multiplicaram-se, com a realização de
congressos e simpósios temáticos.
A questão central da pesquisa é analisar a tensão entre as prescrições
católicas e as práticas cotidianas. Este consumo será inventariado através da análise das
entrevistas, dos jornais, das memórias, das crônicas, dos romances e das propagandas
que foram veiculadas na imprensa escrita do período.
O recorte da pesquisa é a década de 1950, período marcado por discursos e
pesquisas em torno do planejamento familiar em todo o mundo. Essas pesquisas foram
iniciadas no período entre guerras mundiais, quando, então, foi descoberto o método de
contracepção Ogino-Knauss, popularmente conhecido por Tabelinha. Essa descoberta
sobre o controle familiar viria a alterar profundamente os padrões tradicionais até então
relacionados à família, à sexualidade e à mulher.
O novo método anticoncepcional proporcionou transformação nos
comportamentos e no cenário familiar, o que causaria uma revolução nos costumes
nunca antes presenciado na esfera privada. Em 1951, foi descoberta a pílula
anticoncepcional, que começou a se popularizar no Brasil, na década posterior, 1960.
Esta possibilidade de mudança com a descoberta de novos contraceptivos
causaria imediata resposta da Igreja Católica, que, prontamente se articulou na defesa da
família. A Igreja concebia o casamento, tendo como fim primário a procriação, mas, no
período em estudo, constatamos algumas dissonâncias, como esta: “a mulher moderna
só quer ser esposa e aborrece a missão honrosa de mãe, para poder gozar a vida
8
”.
Elegemos os seguintes objetivos para serem atingidos ao término da
pesquisa, a saber: investigar as estratégias prescricionais utilizadas, no período em
estudo, pela Igreja católica para representar os papéis masculinos e femininos, no que
tange às configurações das relações familiares; compreender de que forma os casais, no
período em estudo, construíram seu cotidiano em torno de suas relações familiares e
situar as dissonâncias ocasionadas em torno da tensão entre as prescrições católicas
sobre família e o consumo cultural.
Dessa forma, para situar o problema, que se constituiu a partir da
possibilidade de localizar a tensão entre produtos eclesiásticos face aos consumos
culturais, foram formuladas as seguintes questões de pesquisa:
Como a Igreja católica, durante o período em estudo, na década de 1950,
prescreveu a instituição família? Existia algum modelo ideal, quais seriam suas
8
ESPOSA e mãe. O Dominical, Teresina, p.3, 25 de dez. de 1949.
12
características? Quais os meios que a Igreja utilizava para veicular essa prescrição? As
representações católicas durante o período em estudo eram as mesmas para os papéis
masculinos e femininos? De que forma, a Igreja Católica reagiu diante das pesquisas
realizadas sobre planejamento familiar, no período pós-guerras? Como os jovens casais
que contraíram matrimônio, no período em estudo, assimilaram o discurso católico
acerca da família? Podemos perceber conflitos entre as prescrições evangelizadoras de
um lado, e de outro, o consumo cultural que era feito daquelas prescrições?
Do ponto de vista teórico, esta pesquisa trabalhará com quatro conceitos, os
dois primeiros são de Certeau, produto e consumo cultural. O terceiro é gênero e o
quarto diz respeito, à memória.
O primeiro conceito diz respeito a produto cultural
9
, neste trabalho,
percebido como fala institucional, que, por meio de ordem, impõe uma concepção de
pensamento, portanto, produto cultural, será utilizado como sinônimo de estratégia,
prescrição ou norma.
A segunda variável diz respeito ao consumo cultural
10
, o consumo dos bens
culturais nunca é passivo, pelo contrário, é astucioso, disperso, “a norma é ao mesmo
tempo exercida e burlada”, tornando possível uma re-significação do produto cultural
que foi “imposto”. Portanto, neste estudo, consumo cultural terá como sinônimo táticas,
usos culturais, de forma que, ao usarmos, no decorrer do texto estas palavras, todas
remeterão ao mesmo significado. O consumo cultural não ocorre de forma homogênea
como a norma tentava impor, mas, através da dispersão, da pluralidade.
O terceiro conceito utilizado é gênero, enquanto categoria útil de análise
histórica
11
, pois percebe o feminino e masculino como construções históricas e
culturais, portanto, plurais, e não como pares binários, por exemplo, de um lado,
dominação, do outro, submissão, justificando a diferença entre sexos a partir do
determinismo biológico, “o conceito pretende se referir ao modo como as características
9
Segundo CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: 1. Artes de fazer. 5. ed. Tradução de
Ephram Ferreira Alves. Petrópolis: Vozes, 2000, esses produtos culturais ou estratégias prescritivas visam
criar lugares segundo modelos abstratos [...] capazes de produzir, mapear e impor” p.92.
10
O consumo dos bens culturais é ativo e plural, os homens comuns praticam a norma utilizando as
artes de fazer. Ver CERTEAU, Michel de. A cultura no plural. Campinas: Papirus, 1996 e CERTEAU,
2000.
11
SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil de análise história. Educação & Realidade. Porto Alegre.
vol.20, n.2, jul/dez. 1995, p. 71-99.
13
sexuais são compreendidas e representadas, ou, então, como são trazidas para a prática
social e tornadas parte do processo histórico
12
”.
Scott enfatiza que o conceito de gênero, desconstrói essa lógica binária da
representação do masculino e feminino, no entanto, “não é negada a biologia, mas
enfatizada, deliberadamente, a construção social e histórica, produzidas sobre as
características biológicas
13
”.
A partir da perspectiva relacional, que destaca os perfis de comportamentos
femininos e masculinos, se definindo um em função do outro, pois não podem ser
entendidas separadamente, pois são categorias historicamente construídas, ou seja, o
feminino e o masculino são ao mesmo tempo categorias vazias, porque não podem ser
fixas e transbordantes, porque podem ter espaço para a alteridade, ou seja, para as
múltiplas possibilidades.
A desconstrução binária que Scott enfatiza é um conceito pós-estruturalista
fundamentada em Michel Foucault
14
, o que nos convida a “duvidar” de tudo o que nos
parece natural, fixo, dado como essência, “sempre foi assim, desde que o mundo é
mundo”, como aquele que identificava a maternidade como essência natural a todas as
mulheres, ser mãe estaria inscrita em sua condição feminina, cuidar da casa, das
crianças e do esposo seria sua missão. A partir deste discurso, a mulher era identificada
ao espaço privado, enquanto que ao homem cabia prover a família, sendo que seu
espaço naturalizado era o ambiente público. A Igreja Católica se apropriou deste
discurso construído historicamente, para justificar suas prescrições em torno dos papéis
femininos e masculinos. O conceito de gênero supera a dicotomia ou determinismo
biológico nas relações de diferenciação entre os sexos.
O quarto conceito utilizado diz respeito à memória enquanto fenômeno
individual e social. É ao mesmo tempo fonte e fenômeno histórico. Utilizaremos, neste
trabalho, o conceito de memória na perspectiva Michel Pollak
15
, que analisa a memória
a partir de sua relação com a identidade social enfatizando seu caráter fluido e plural
relacionando-a com identidade, pois ambas têm caráter flexíveis.
12
LOURO, Guacira Lopes. A emergência do gênero. In: ________ Gênero, sexualidade e educação:
uma perspectiva pós-estruturalista. 7.ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2004. p. 22 Gênero é um conceito que
lança uma perspectiva de análise histórica não só das mulheres, mas, também dos homens.
13
IBIDEM, p. 22
14
FOUCAULT, Michel. Arqueologia do saber. Tradução de Luiz Felipe Baeta Neves. 5 ed., Rio de
Janeiro: Forense Universitária, 1997.
15
POLLAK, Michael. Memória e identidade social. Estudos Históricos, vol. 5, n.10, 1992. p.200-212.
14
Trabalhar com memórias significa ter consciência de que nós humanos não
nos lembramos de tudo o que ocorreu conosco, nos diferentes ambientes, seja no
familiar, escolar, social, público ou privado, é impossível “rememorarmos” tudo. Dessa
forma, quem trabalha com esse artefato precisa estar atento a sua característica de
seletividade, o que envolve também o esquecimento. Estes fatores nem sempre estão
relacionados com nossos desejos e intenções declarados, fazem parte da condição do ser
humano.
Quanto à metodologia, as fontes levantadas foram fontes hemerográficas,
tais como: O Dominical, O Dia, Folha da Manhã, Jornal do Comércio, Diário Oficial.
As fontes documentais são exemplificadas pelas Encíclicas Papais, o Manual das Filhas
de Maria; as crônicas; romances e as memórias. Como fontes não verbais utilizamos, as
imagens fotográficas e as propagandas veiculadas nos jornais pesquisados, nos sites e
principalmente nas revistas Seleções Readers Digest, Revista do Rádio e Vida
Doméstica. Além de fontes orais, recolhidas através das trajetórias de vida dos oito
entrevistados, sendo cinco mulheres e três homens.
Analisamos as fotografias e as propagandas aliadas a uma perspectiva
proposta por Ana Maria Mauad
16
, que afirma que elas podem representar, tanto uma
imagem-documento, quanto uma imagem-monumento. Procuramos perceber, nesta
pesquisa, apenas a característica de imagem-documento, pois essas fotografas e
propagandas informam sobre pessoas, lugares e diversos aspectos, materializados na
moda, nas condições de vida, na saúde, na higiene, contribuindo para a “veiculação de
novos comportamentos
17
”, que possuem um imenso poder de comunicar e de induzir
a novos consumos.
Localizamos as fontes em instituições, como Arquivo Público do Estado do
Piauí, Centro Cultural Paulo VI e Arquidiocese de Teresina; em bibliotecas particulares,
como a do Monsenhor Luis Soares e a do Pe. Raimundo José; bibliotecas públicas,
como a Cromwell de Carvalho e a Francisco Montojos, do Centro Federal de Educação
Tecnológica. Pesquisamos, também, através da Internet, a rede mundial de
computadores.
Oito sujeitos narraram suas memórias, em forma de trajetórias de vida, os
quais, a partir das senhoras, passamos a apresentar.
16
MAUAD, Ana Maria. Através da imagem: fotografia e história interfaces. Tempo. Rio de Janeiro, vol.
1, n.º 2, 1996. p. 73-98
17
IBIDEM, p.83.
15
A primeira entrevistada de nossa pesquisa foi a jornalista Maria Genovefa
de Aguiar Moraes Correia (Genu Moraes). Nascida na cidade de Teresina (PI) em 1927,
estudou no Grupo Escolar Barão de Gurguéia, depois no Leão XIII e no Ateneu. Depois
fez estudos em Belo Horizonte, casando em 1947, aos 20 anos, com Antônio Moraes
Correia, com quem teve três filhos.
Iracema Santos Rocha da Silva nasceu em 1927, na cidade de Floriano (PI).
Em 1932, com cinco anos de idade mudou-se para Teresina. Em 1946, concluiu o Curso
Normal no Colégio Sagrado Coração de Jesus. Casou-se, aos vinte anos, em 1947, com
José Maranhão da Silva e tem quatro filhos. Em 1959, concluiu Filosofia na Faculdade
Católica de Filosofia do Piauí (FAFI). Em 1969, iniciava o curso de Direito na
Faculdade de Direito (FADI), concluindo em 1972 na Universidade Federal do Piauí
(UFPI). Professora aposentada da UFPI e do Instituto de Educação Antonino Freire, foi
procuradora do Estado, foi presidente da Associação Piauiense dos Procuradores do
Estado do Piauí APPE. É jornalista e advogada.
Teresa de Albuquerque Vilarinho Castelo Branco nasceu na cidade de
Amarante (PI), em 1932. Chegou a Teresina em 1946, para cursar o ginásio no Colégio
Sagrado Coração de Jesus, concluindo em 1949. Casou-se aos 18 anos, em 1950, com
José Ferreira Castelo Branco é mãe de seis filhos.
Marize Marques Martins de Araújo nasceu na cidade de Floriano (PI), em
1933, cursou o Normal no Internato das Irmãs Dorotéias em Fortaleza (CE). Casou-se
com José Nazareno Soares de Araujo, aos 24 anos de idade, em 1 de fevereiro de 1957.
O casal tem três filhas.
Dona V.G.F.N. nasceu na cidade de Parnaíba (PI), em 27 de julho de 1926.
Fez o Curso Normal no Colégio Nossa Senhora das Graças, trabalhou no Departamento
Nacional de Malária, hoje, é aposentada pela Justiça Federal. Casou-se em 1949, com o
senhor M., aos 23 anos de idade. É mãe de três filhos. Esta senhora concedeu
autorização da entrevista via “áudio”, desde que não a identificasse, então neste
trabalho, quando nos referirmos a sua trajetória de vida, utilizaremos somente suas
inicias: V.G.F.N. Todos os outros entrevistados concederam autorização para
publicação. Estas autorizações se encontram no final deste trabalho (ver Anexos).
José Nazareno Soares de Araújo nasceu na cidade de Floriano (PI) no dia 04
de abril de 1930. Em 1953, tornou-se bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de
Belo Horizonte de Minas Gerais. Foi deputado estadual.
16
Manoel Paulo Nunes nasceu em 1926, na cidade de Regeneração (PI),
chegou a Teresina em 1938, com 12 anos para fazer o ginásio no Colégio Diocesano.
Tendo posteriormente, cursado o Colegial no Liceu. Em 1950, concluiu o curso de
Direito pela Faculdade de Direito (FADI). Professor e escritor, pertence à Academia
Piauiense de Letras. É presidente do Conselho Estadual de Cultura do Piauí. Casou-se
em 1955 com Clara Leonor Neiva Nunes, tiveram quatros filhos.
Celso Barros Coelho nasceu na cidade de Pastos Bons (MA), em 11 de maio
de 1922. Órfão de pai aos 12 anos de idade, começou a trabalhar no comércio com uma
tia, surgiu, porém, uma oportunidade de migrar para o Piauí em 1938, para estudar no
Seminário Menor de Teresina. Por volta de 1946, desistiu da ordenação sacerdotal,
tornando-se professor do Colégio Demóstenes Avelino, do Colégio Diocesano, do Liceu
Piauiense, e do Colégio Sagrado Coração de Jesus. Em 1952, concluiu o bacharelado
em Direito na Faculdade de Direito do Piauí. Procurador autárquico federal, ex-
deputado federal, advogado, ocupante da cadeira nº 39 da Academia Piauiense de
Letras. E membro do Instituto dos Advogados Brasileiros e presidente da Academia de
Letras, História e Ecologia de Pastos Bons (MA). Casou em 1948, com Maria de
Lourdes Freitas, tiveram três filhos.
É importante frisar que, no momento das entrevistas, as memórias
masculinas narradas, bem como a cronologia de suas vidas se restringiram à esfera
pública, assuntos de “família” foram somente sobrevoados ou não foram mencionados.
Alguns autores nos ajudaram na compreensão do objeto e do período em
estudo, década de 1950, como Carla Bassanezi
18
, Riolando Azzi
19
e Elizângela Barbosa
Cardoso
20
, na medida em que produziram trabalhos que versam sobre questões
relacionadas à família e gênero.
Bassanezi, ao analisar revistas para o público feminino, como, por exemplo,
O Cruzeiro, Jornal das Moças, Vida Doméstica, afirma que estas funcionavam como
conselheiras amorosas. A autora analisou como foi representada a diferença entre
feminino e masculino, seus papéis sociais tradicionalmente referendados, mulher como
18
BASSANEZI, Carla. Mulheres nos anos dourados. In: DEL PRIORE, Mary (org). História das
Mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, 2000. p. 607-639.
_______________. Revistas femininas e o ideal de felicidade conjugal (1945-1960). Cadernos Pagu, n.º
1. Campinas: UNICAMP, 1993. p. 111-147.
19
AZZI, Riolando. Família, mulher e sexualidade na Igreja do Brasil (1930-1964). In: MARCILIO, Maria
Luiza (org). Família, mulher, sexualidade e Igreja na História do Brasil. São Paulo: Edições Loyola,
1993. p.101-134.
20
CARDOSO, Elizângela Barbosa. Múltiplas e singulares: história e memória de estudantes
universitárias em Teresina (1930-1970). Teresina: FCMC, 2003.
17
mãe e esposa, enquanto aos homens cabiam o sustento da casa e o espaço púbico. As
prescrições, em forma de conselhos, veiculadas nessas publicações influenciaram as
mulheres de classe média, o que corroborava o pensamento católico acerca do feminino
e do masculino como categorias fixas e idéia “dominante” na sociedade.
Azzi analisa algumas das transformações pelas quais passaram a família e a
mulher na vida urbana e como a Igreja reagiu de forma conservadora, a partir do
desenvolvimento dos meios de comunicação social e de sua influência no lar,
oportunidades de lazer, descobertas de novos métodos anticoncepcionais, a preocupação
com o planejamento familiar, o que propiciava uma “maior liberdade feminina”, no
tocante à sexualidade, podendo controlar e planejar o número de filhos, e usufruir de
oportunidades de trabalho e de estudos.
Cardoso nos revela pontos de reflexões importantes sobre a cidade e os
investimentos familiares na escolarização das mulheres da classe média em Teresina,
que resultaram na profissionalização almejada, durante os chamados anos dourados”.
Embora as trajetórias e caminhos percorridos tenham sido singulares, considerando o
período em que ocorreram, ficam demonstradas as possibilidades históricas de sua
existência.
O trabalho está estruturado em quatro capítulos. No primeiro, Teresina nos
anos dourados, apresentamos a cidade de Teresina na década de 1950, uma cidade
centenária com ares provincianos, mas que apresentava aspectos modernos, que
apontavam para padrões de consumo, que sinalizavam para a quebra de práticas
tradicionais e para a vivência de padrões morais questionadas pelos católicos.
Analisamos, também, a forma como a Igreja atuava na cidade, no sentido de tutelar a
população, avaliando sua influência no campo educacional, social e cultural. Da mesma
forma mostramos as mudanças que estavam ocorrendo no período, complexificando o
cenário urbano.
No segundo capítulo intitulado Interfaces entre as infâncias e trajetórias
educacionais na adolescência, a partir das trajetórias educacionais dos entrevistados,
problematizamos como a educação e as brincadeiras, para masculino e feminino,
marcaram a diferenciação e demarcação dos papéis tradicionais de gênero, refletindo
diretamente nas relações familiares. Também foram alvo de análises: a maternidade
como construção histórica e não natural; o discurso médico sobre a importância da
campanha de vacinação enquanto medida preventiva contra doenças infantis; o
18
„problema‟ dos menores abandonados, que de infância desvalida passaram a ser caso de
polícia. No último tópico, analisamos as transformações que ocorreram no corpo das
crianças, ao se transformavam em adolescentes, bem como suas trajetórias educacionais
nesta nova fase da vida.
No terceiro capítulo intitulado A Mocidade, apresentamos os lugares de
sociabilidades que os jovens freqüentavam, como, por exemplo, praças, cinemas,
quermesses. Clube dos Diários, nos quais nasceram compromissos que se configuraram
em casamentos. Problematizamos as regras do namoro, a duração do noivado, as
influências das revistas (Vida Doméstica, Revista do Rádio e Seleções do Reader’s
Digest) e do cinema no comportamento dos jovens, percebidos também através das
modas, dos produtos de beleza e higiene pessoal consumidos. Analisamos, também, os
modelos femininos e masculinos socialmente prescritos e culturalmente consumidos,
seus respectivos valores dominantes e os usos plurais em relação ao corpo e
sexualidade.
No quarto capítulo intitulado Relações familiares, estudamos as relações
familiares, delineando as diferenças e desigualdades nos papéis de gênero no interior do
casamento. Discutimos o paradigma da “rainha do lar” propagado no período, assim
como também questões relacionadas ao controle de natalidade, os embates em torno da
indissolubilidade do matrimônio. Finalizando, apontamos mudanças nas relações
familiares, a partir da inserção da mulher da classe média no mercado de trabalho e do
seu ingresso no ensino superior.
19
2 TERESINA NOS ANOS DOURADOS
Os dias passam serenamente vazios [...]
os cafés se enchem de homens, [estes]
discutem política, negócio, amor e a vida
dos outros. praças para os
namorados, a quem a polícia não permite
muitas expansões, cinemas, a missa dos
domingos, os bailes [...]
1
.
Iniciamos a nossa argumentação apresentando o palco desta história:
Teresina na década de 1950, uma cidade centenária, mas pequena e com ares
provincianos. A forte presença da Igreja Católica procurando tutelar a população a partir
de sua atuação na vida educacional, social e cultural dava um certo tom conservador às
práticas cotidianas. Contudo, na década de 1950, o cenário urbano tornava-se complexo
a partir do crescimento da população, do surgimento de modernos espaços de diversão,
como o Jóquei Clube, com restaurante, boate e piscina. A partir do crescimento da
especulação imobiliária, surgiram novos bairros, levando à expansão dos serviços
médicos e educacionais. A integração do Estado a outras regiões do país, através das
rodovias e da construção da pista do aeroporto, acelerou o consumo de bens duráveis,
como eletrodomésticos e carros, graças ao comércio de prestações. Em síntese, a vida na
urbe sofria significativas modificações, que iriam, nos anos seguintes, influenciar no
modo de vida da população, no sentido de quebrar o isolamento da região do restante do
país e, conseqüentemente, atenuar o seu provincianismo.
2.1 O cenário desta história: Teresina na década de 1950
Teresina crescia e, de acordo com o recenseamento realizado em julho de
1950, a urbe possuía 53.100 habitantes. Na década anterior, 1940, a cidade possuía
apenas 34.695, portanto, em dez anos, a cidade teve um crescimento demográfico
acelerado de 53%
2
.
1
DOBAL, Hindemburgo. Roteiro sentimental e pitoresco de Teresina. In:______: obra completa II. 2
ed. Teresina: PLUG, 2007. p. 12.
2
A CIDADE de Teresina. O Dominical, Teresina, p.6, 14 de jan. de 1951.
20
A cidade desde o início do século XX, passou a atrair um maior número de
pessoas, tendo em vista a prestação de serviços nas áreas de educação, saúde, bem como
a existência de melhores condições de trabalho. O aumento da população acarretava a
ocupação de novos espaços, de modo que, no período compreendido entre 1950 e 1970,
a cidade se expande para as zonas norte e leste, com a criação de novos bairros, como a
Vila Operária e o Jóquei Clube
3
.
A economia continuava a girar em torno dos produtos agrícolas e do
comércio. A área urbana da cidade contava com apenas 208 logradouros, destes, 21
eram praças, 16 avenidas e 171 ruas, destas, apenas 59 possuíam iluminação pública,
sendo 28 totalmente iluminadas e 31 apenas parcialmente. Quanto ao abastecimento
d‟água, beneficiava apenas 50 logradouros. O sistema telefônico mantinha 500
aparelhos em funcionamento
4
.
Nos depoimentos concedidos, a maioria dos entrevistados, quando
rememorava a cidade se reportavam apenas aos espaços centrais que hoje compõem o
centro histórico. Eles descreviam a cidade a partir dos limites do Cemitério São José, da
Igreja Nossa Senhora das Dores, e no sentido leste até o Cruzeiro, situado na Avenida
Frei Serafim, onde estava sendo construído o Seminário Diocesano, à margem esquerda
do Rio Poti, inaugurado em 1954.
As ruas não eram asfaltadas, as poucas vias beneficiadas eram empedradas.
Na memória dos entrevistados, as Igrejas eram locais sempre lembrados. Os espaços
religiosos e seus contornos sociais, a missa solene que era realizada aos domingos às 9h,
na Igreja N. S. do Amparo, acontecimento rememorado por todos, local privilegiado de
encontro da elite local. Depois do ato religioso, alguns se dirigiam à Praça Rio Branco,
aos Cafés ou Sorveterias na Praça Pedro II.
Teresina possuía poucas igrejas, os fiéis tinham preferência de horário, a
missa das 9h na Igreja do Amparo, a de 10h, na de São Benedito. Sem as missas, o
domingo não estaria completo na vida da urbe. As novenas acompanhadas de
quermesses e leilões, comemorando os festejos de Nossa Senhora do Amparo
constituíam, além de ato religioso, um divertimento, local de encontro da mocidade. No
entanto, não existiam somente igrejas católicas. Também floresciam em Teresina as
igrejas protestantes e um Centro Espírita. Tratando-se de uma cidade pequena, não é
3
NASCIMENTO, Francisco Alcides do. Cajuína e cristalina: as transformações espaciais vistas pelos
cronistas que atuaram nos jornais de Teresina entre 1950 e 1970. Revista Brasileira de História. São
Paulo, v. 27, p. 195-214, nº 53, 2007.
4
MARTINS, Gilberto. Guia de Teresina. Teresina: Gráfica do IBGE, 1959, p.15-6
21
difícil imaginar que a convivência entre católicos, protestantes e espíritas estava longe
de ser harmônica e pacífica.
5
No ano de 1952, a capital do Piauí completou cem anos de fundação, alguns
poucos cronistas de olhares atentos sobre a cidade, mostravam-se ressentidos com os
trabalhos da Comissão do Centenário, que tentara „maquiar‟ a cidade para a festa do
centenário. Expressavam seu desabafo lembrando que a cidade precisava de obras de
infraestrutura e saneamento, eliminação da imagem de cidade esburacada, cheia de lixo
e lama tanto no inverno como na seca
6
.
Para as festividades de comemoração do Centenário de Teresina, foram
organizadas subcomissões encarregadas das festas religiosas, organizadas pelos padres
Hermínio Davis e Joaquim Chaves; a parte cultural ficou a cargo dos senhores Des.
Cromwell Barbosa de Carvalho, Prof. Antillhon Ribeiro Soares e Sr. Joel de Oliveira.
Essas subcomissões organizaram missas, festas e recepções de caráter cívico e religioso,
que ocorreram, na cidade, em agosto de 1952. A seguir a foto do arco decorativo alusivo
ao centenário de história da capital piauiense (1852-1952), montado na Praça Pedro II,
ao fundo do arco decorativo estava o Quartel Geral de Polícia.
Fonte 1: Arco decorativo alusivo ao Centenário (1952). In: FERNANDES, João Claudino. Teresina: 1852-2002.
Teresina: Halley, 2002. p. 13.
Dentre as pessoas convidadas para a festa do centenário, podemos citar
Marilita Pozzoli, poetisa, declamadora, contratada para declamar poemas de vates
piauienses no Teatro 4 de Setembro, em substituição à atriz Elvira Olivieri Cozzolino,
5
DOBAL, 2007, p.25.
6
POBRE Teresina. Jornal do Comércio, Teresina, p.4, 20 de jan. de 1952.
22
popularmente conhecida por Elvira Pagã. A imprensa noticiou sua vinda, “Elvira Pagã:
a mais cara atriz de revistas do Brasil estreará no próximo dia 26 na 1ª Feira de
Amostras do Piauí
7
”, depois, o silêncio permaneceu na imprensa, na maioria dos
jornais, com a exceção do jornal A Luta. Essa cantora de rádio costumava apresentar seu
show com trajes reduzidos, o que provocou o clero piauiense, o qual chegou a proibir a
entrada de Elvira Pagã em terras piauienses
8
.
A Igreja Católica, usando de sua força e prestigio na cidade, conseguiu fazer
com que o contrato assinado para a apresentação da artista Elvira Pagã, na Feira de
Amostras do Centenário fosse cancelado. A Igreja não admitia o nu artístico, de acordo
com o discurso católico esta arte iria contra a moral das famílias. Como aquela
instituição, além de fazer parte das comemorações do Centenário, possuía uma enorme
influência na cidade, vetou a vinda da artista Elvira Pagã, embora o poder de proibir
qualquer apresentação pública fosse atribuição da Delegacia de Trânsito e Costumes da
capital,
[...] com a separação constitucional entre a Religião e o Estado, às
autoridades eclesiásticas falecem poder para impor proibições [...] os
responsáveis pela educação do povo policiam programas e exercem
censura rigorosa sobre os divertimentos artísticos e sobre os
espetáculos públicos. Essa função, entretanto, é do poder constituído,
da polícia de costumes, dos órgãos subordinados ao Ministério da
Justiça. A Igreja, no máximo, adverte os seus fiéis [...] para evitar a
dissolução dos costumes [...] daí, porem, a desempenhar o papel do
poder público, impondo proibições. Tolhendo a liberdade dos que
estão em pleno gozo de direitos constitucionais, cerceando o comércio
legal de quem quer que seja, vai grande distância
9
.
A vedete, atriz e cantora Elvira Olivieri Cozzolino pertencia ao Teatro de
Revista e fazia uso do nu artístico, em algumas de suas apresentações. Era considerada
uma mulher à frente de seu tempo, pois usava seu corpo como queria e não como era
prescrito pelo discurso católico, que representava a mulher como identidade recatada e
contida, e não caracterizada pela sensualidade, como era Elvira Pagã.
Nos anos de 1940 e 1950, Elvira Pagã tornou-se mito sexual do Rio de
Janeiro, foi uma das primeiras brasileiras a explorar o impacto do nudismo. Ela
7
ELVIRA Pagã. O Dia, Teresina,p.2, 20 de jul. de 1952.
8
A IGREJA condena vinda de Elvira Pagã. A Luta. Teresina, p.1, 20 de jul. de 1952.
9
O CASO Elvira. A Luta. Teresina, p.3, 26 de jul. de 1952.
23
participou de inúmeros filmes, com destaque para Carnaval de Fogo (1949), no qual
afrontava a moral cristã, no teatro de rebolado e nas chanchadas.
Foto 2: ELVIRA Pagã. Disponível em:
< http://br.answers.yahoo.com/question/index?qid=20080525090716AAUJdYw>.
Acesso em: 04 de jun. de 2008.
Para alguns Elvira Olivieri Cozzolino era considerada ousada para a época,
atribuem a ela o fato de ter inaugurado o uso do biquíni entre as mulheres no Brasil. Fez
shows por todo o Brasil, na década de 1950, e no exterior era conhecida como The
Original Bikini Girl e The Brazilian Buzz Bomb
10
.
As décadas de 1940 e 1950 representaram o auge da era do rádio no Brasil,
com programas de auditórios, radionovelas, momento que foram editadas algumas
revistas sobre o rádio, como por exemplo, a Revista do Rádio.
2.2 A influência católica na cidade
O município de Teresina, na cada de 1950, possuía 90.723 habitantes,
destes 88.764 se declaravam católicos, representando 98%, conforme registrou o
Recenseamento Geral de 1950. Aqueles que se declararam protestantes eram 1.089,
sendo 500 homens e 589 mulheres, e os espíritas 260, destes, 135 eram homens e 125
eram mulheres
11
.
Durante toda a década de 1950, crescia o interesse por outras religiões, tais
como o espiritismo e o protestantismo, que, na visão católica, representavam os
10
Sobre a vida da atriz ELVIRA Pagã. Disponível em:
http://br.answers.yahoo.com/question/index?qid=20080525090716AAUJdYw
>. Acesso em: 04 de jun. de
2008.
11
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Censo Demográfico: população,
habitação; censos econômicos: agrícola, industrial, comercial e de serviços. Rio de Janeiro, 1950.
24
“inimigos da verdadeira religião”. Estes deveriam ser combatidos por associações
religiosas ou leigas, ligadas à Igreja Católica, como a União dos Moços Católicos -
UMC, ramo da Ação Católica Brasileira, que consistia na atuação de jovens leigos, com
o objetivo de defender os princípios católicos, pois no período em estudo a instituição
era incisiva na ideia de não aceitar outras práticas religiosas. A religião católica era
considerada como a única e verdadeira religião, conforme nos informa Celso Barros
Coelho, em depoimento:
Comecei a fazer parte da União dos Moços Católicos entre 1949 ou
1950. Era uma associação que congregava pessoas ligadas à Igreja,
muitas vezes com pouca abertura ideológica. Tanto que, houve um
episódio entre a UMC e o protestantismo, que retrata isso, lembro-me
que quando chegou aqui, um pastor protestante ele foi profetizar na
Praça Rio Branco, nós tentamos interromper o sermão dele,
praticamente o expulsando de lá. Havia uma visão muito estreita da
realidade, era uma influência da Igreja Católica que dominava a
cidade, de achar que o catolicismo era uma única maneira do homem
viver a religião
12
.
O discurso católico de combate ao Protestantismo fundamentava-se na idéia
de que o protestantismo era uma religião de revoltados e desunidos “[...] onde há
unidade de fé, nestas mil seitas? onde há unidade de culto nesta multidão de igrejas, sem
altar? [...] onde [há] o heroísmo das virtudes cristãs nestes pastores casados?
13
”. No
entanto, mesmo com o embate promovido pelos católicos, o surgimento de novas igrejas
protestantes, em diferentes bairros da cidade, parecia apontar para o crescimento do
movimento
14
.
O espiritismo, por seu lado, era percebido como prática mais perigosa do
que o protestantismo. No jornal O Dominical, a imprensa católica, o apontava como o
inimigo número 1, devido ao perigo que as estratégias de conversão de fiéis utilizadas
pelos espíritas apresentavam, parecendo muito eficazes em sua propaganda doutrinária.
Entre as estratégias usadas, para conquistar novos adeptos, podemos destacar duas: a
afirmação de que os espíritas poderiam ser católicos e os católicos espíritas; e a
segunda, as filantropias praticadas por meio do trabalho caritativo com pessoas carentes
e sessões de curas.
12
COELHO, Celso Barros. Entrevista concedida a Ângela Maria Soares de Oliveira. Teresina, 21 de
junho de 2008.
13
PROTESTANTISMO. O Dominical, Teresina, p.2, 18 de jul. de 1948, p.2.
14
EMPOSSADO um novo Pastor da Igreja Presbiteriana de Teresina. Jornal do Comércio, Teresina,
p.1, 16 de mar. de 1952.
25
Na perspectiva católica e mesmo de alguns médicos preocupados com o
atendimento curador dos médiuns, isso poderia ter influências negativas sobre a
profissão médica, perda de espaço na sociedade. Dessa forma, médicos e católicos se
uniram para prescrever que o espiritismo endoidecia muito de seus participantes, dessa
forma, os centros espíritas eram definidos como fábrica de loucos
15
.
Uma das formas que o discursos católico se utilizou para „frear a
propagação do espiritismo na cidade foi prescrevendo aos fiéis sobre as “falsas”
doutrinas, advertindo que o católico não poderia ser espírita. Assim como também era
preciso saber escolher bem as escolas dos filhos, descobrindo, se possível, a orientação
religiosa dos professores.
O ideal constituía em matricular os filhos em escolas confessionais
existentes na cidade, como o Colégio Sagrado Coração de Jesus e o Patronato Dom
Barreto, exclusivo para meninas, e o Colégio São Francisco de Sales, popularmente
conhecido como Diocesano, que atendia exclusivamente o público masculino. Para
aqueles que não podiam pagar mensalidades, havia a escola primária Pio XI
16
para
crianças carentes. O fundamental era que os pais se conscientizassem de que não
deveriam matricular os filhos em colégios não católicos.
Dessa forma, eram duas as estratégias de ação da Igreja Católica,
utilizadas para conter o avanço de outras religiões como o espiritismo e o
protestantismo, em primeiro lugar deslegitimá-las socialmente, em segundo lugar,
difundir, em larga escala, o catecismo católico
17
. Mesmo com avanços, protestantes e
espíritas estavam longe de ameaçar seriamente a força hegemônica dos católicos, na
cidade.
O discurso católico vislumbrava outras ameaças, para além da concorrência
de outras religiões, o grande perigo estava no processo de descristianização da
sociedade. Além dos inimigos elencados, existiam ainda os comunistas
18
e certo
espírito moderno apontando para padrões de consumo, que sinalizavam para a quebra de
práticas tradicionais e para a vivência de padrões morais questionáveis pelos católicos.
A defesa da sociedade deveria começar pela família, considerada pelo
15
O ESPIRITISMO: inimigo novo. O Dominical, Teresina, p. 4, 17 de maio de 1952.
16
Funcionava no bairro Piçarra, nasceu da iniciativa da União dos Moços Católicos em parceria com o
Estado.
17
COMO se deve combater o espiritismo. O Dominical, Teresina, p.1, 17 de dez. de 1950.
18
OLIVEIRA, Marylu Alves de. A Cruzada antivermelha - democracia, Deus e Terra contra a força
comunista: representações, apropriações e práticas anticomunistas no Piauí na década de 1960. Teresina:
Universidade Federal do Piauí, 2008. p. 264 (Dissertação de Mestrado)
26
discurso católico como ponto central da vida em sociedade. Diante disso a estratégia da
Igreja Católica foi reforçar e divulgar o discurso no qual a família era representada
como a célula mater da sociedade, da religião e do Estado. O perfeito funcionamento da
religião e do Estado dependeria da boa saúde da família.
A família é a célula de toda a comunidade: do Estado, da Igreja,
da saúde do corpo depende o bem estar de todo o organismo. Da
saúde moral da família depende o bem do Estado e também da
Igreja. Devemos, pois, ter o máximo de empenho em que
existam famílias verdadeiramente cristãs.
19
A família aparecia nos discursos católicos como a instância social capaz de
educar as futuras gerações, dentro de rígidos princípios morais e cristãos e assim, frear o
mal que assolava a sociedade: a secularização dos costumes. O padre Ângelo
Brucculeri, no livro A família cristã
20
, obra que circulou nos meios católicos, no período
em estudo, reafirmava o discurso Católico Ultramontano de que as leis que regiam as
relações conjugais eram sacralizadas e naturais, e que era fundamental defender esses
princípios, assim como legitimar com veemência as distinções entre os papéis sociais
masculinos e femininos. Às famílias cristãs eram prescritas ainda leis invioláveis que
definiam a procriação como uma das suas finalidades centrais e o caráter sagrado e
indissolúvel dos vínculos conjugais.
21
O discurso Católico pregando a rigidez dos comportamentos morais na
sociedade era veiculado no semanário de circulação regular aos domingos, intitulado O
Dominical e tinha repercussão em outras instituições sociais. A portaria do juiz de
Direito da Vara e de Menores, Heli Ferreira Sobral, tornada pública no ano de 1959,
em todos os jornais da capital e nos programas da Rádio Difusora, proibia a
comercialização de revistas consideradas ofensivas à moral dos jovens. Essa iniciativa
mostra fortes aproximações com o discurso católico e possivelmente ilustra a forma
como esse discurso penetrava em outras instâncias da sociedade:
Considerando que é missão deste Juizado [...] declarar caráter obsceno
de revistas ou outros impressos, no sentido de impedir a sua exposição
à venda; [...] considerando que cresce a reação das autoridades do país
19
A FAMÍLIA. O Dominical, Teresina, p.1, 08 de jan. de 1956.
20
Livro que constitui a síntese do pensamento católico acerca da família. BRUCCULERI, Pe. Ângelo S.
J. A família cristã. Tradução feita por Luis Leal Ferreira, Rio de Janeiro: Agir, 1948. (Coleção Servir,
vol. 1)
21
FAMÍLIA, a base de transformação social. O Dominical, Teresina, p.4, 17 de out. de 1954.
27
contra as más revistas [...] fica expressamente proibida na Comarca da
Capital, a exposição, venda ou fornecimento das seguintes
publicações: Mundo Ilustrado (número 9 de 26/02/1958); Manchete
(número 305 de 22/02/1958 e número 306 de 1/03/1958); Revista do
Rádio (número 442 de 01/11/1958); Seleções de Idílio (Romance);
Seleções de Rir Ilustrada (pornografia); TAB; Tentação e VUE
(pornografia); Guia Sexual [...] os exemplos encontrados desse gênero
no comércio serão apreendidos [...]
22
As revistas ofensivas à moral familiar deveriam ser combatidas,
especialmente aquelas que sugeriam pornografia, que mostravam o corpo enquanto
objeto a ser consumido e comercializado. A estas revistas, as vozes „autorizadas‟
socialmente como o Juizado de Menores e a instituição católica classificavam como
representações de ultraje público ou de despudor. Para os religiosos, essas leituras
seduziam as crianças e os jovens e colocavam em perigo a formação moral dos mesmos.
As revistas não existiam, mas, também, o seu consumo se intensificava
entre as crianças e jovens. Para conter as mudanças nos costumes, a Igreja cria
estratégias no sentido de frear tais transformações e, através da imprensa católica,
prescrevia aos pais uma maior atenção quanto às leituras que as crianças e jovens
faziam. A preocupação girava em torno das revistas em quadrinho ou gibis, que foram
classificadas como verdadeiras máquinas de corrupção infantil que penetravam nos
lares, atingiam milhões de crianças e jovens, lhes deformando os sentimentos, atiçando
as paixões, e pior, tirando o gosto pelos estudos e o apego pela família e pela religião.
23
Os cronistas do jornal O Dominical enfatizavam o papel dos pais na
disseminação das “máquinas de corrupção infantil”, pois, ao darem dinheiro aos filhos
para comprarem essas revistas, acabavam colaborando com a sua disseminação. Os pais
eram acusados ainda de serem negligentes, por não controlarem ou vigiarem o que os
filhos liam, por não atentarem ao conteúdo de violência dessas histórias, marcadas por
paixões exacerbadas.
Outra estratégia da Igreja Católica foi criar um departamento específico
dentro do movimento da Ação Católica, a Legião da Decência, que era responsável pelo
controle e vigilância de leituras para crianças e jovens, bem como a orientação de quais
os meios de entretenimento que poderiam ser freqüentados, aqueles que não
divergissem da moral cristã. Classificavam, ainda, as revistas, os gibis, os romances, os
22
JUIZ de menores de Teresina. O Dominical, Teresina, p.3, 08 de mar. de 1959. (grifo nosso)
23
NEGROMONTE, Padre Álvaro. Máquinas de corrupção infantil. O Dominical, Teresina, p.1-4, 06 de
jul. de 1952.
28
filmes, os espetáculo teatrais, que poderiam ser vistos e lidos pelas crianças e jovens,
como também sua divulgação nos meios de comunicação.
A imprensa teresinense noticiava com muita ênfase, a instalação da Legião
da Decência em Teresina, que contava com a colaboração de boa parte da sociedade,
como também de administradores do poder público estadual, o que demonstrava que
quanto mais pessoas importantes da sociedade comparecessem à solenidade, mais
prestigio ela teria:
A solenidade será realizada no Cine São Luiz, presidirá a sessão o
Exmo Revdmo Dom Severino Vieira de Melo. Estarão presentes à
solenidade o Exmo Sr. Governador de Estado e seu Secretariado, o
Clero, representantes da imprensa e o povo católico [...] a 6 de janeiro
[...] será instalada a Legião da Decência, movimento patrocinado pelo
episcopado brasileiro, [tem por finalidade] neutralizar os agentes da
imoralidade [e] restaurar os princípios e a prática dos bons costumes
[...] atuando sobre as publicações diárias ou periódicas, espetáculos,
especialmente o cinema e o teatro [...] concursos de beleza e similares
que menosprezam a moral e incentivam o paganismo pudista [...]
combatendo textos pornográficos [...] romances, folhetins [...]
histórias imorais [...] de duplo sentido e contra a moral [...] anúncios
com motivos de atração de sensualidade [...] exibição de nudismo
24
Percebemos, assim, que a Igreja Católica se armou com diferentes
estratégias de ação para lutar em defesa dos valores morais e tradicionais, a fim de dar
continuidade à sua influência social. Para manter seu prestígio, a instituição impôs
modelos ideais a serem seguidos mediante prescrições, dessa forma, a instituição
modificou as estratégias, porque as frentes de batalhas também mudaram, à medida que
a modernização ampliava-se no mundo capitalista e os inimigos se multiplicavam.
A criação da Arquidiocese de Teresina em 9 de agosto de 1952 e a chegada
de Dom Avelar Brandão Vilela, em 1956, trouxeram às práticas católicas na cidade
algumas mudanças de ação. A partir do lema “Evangelizar para Humanizar”, Dom
Avelar modificou as ações da Igreja, intensificando suas atividades sociais. Uma das
suas primeiras ações foi criar a Ação Social Arquidiocesana, ASA. No final da década
de 1950, a atuação da Igreja Católica na sociedade passou a oscilar entre dois eixos, o
social e o cultural.
No setor social, a ASA era responsável pelo funcionamento das seguintes
associações: Associação Benemérita N. S. do Amparo, o Posto de Saúde N. S de
24
SERÁ instalada oficialmente nesta capital a Legião da Decência. Jornal do Comércio, Teresina, p.1,
05 de jan. de 1950.
29
Lourdes, o Pão dos Pobres de Santo Antônio e o Centro Social N. S. de Fátima, todos
em Teresina, da mesma forma funcionavam, também, em quase todas as Paróquias as
Escolas de Corte e Costura, os Clubes de Mães, as Organizações Operárias e as
Conferências Vicentinas
25
.
A ASA organizava curso de formação de casais para a classe média, que
morava no centro da cidade, como também para as famílias que moravam nas áreas
periféricas. O curso era destinado aos noivos, e tinham por finalidade dar instruções
religiosas sobre como deveria ser a educação religiosa, moral e profissional feminina.
Nesses cursos, o trabalho feminino era valorizado, desde que fossem atividades
realizadas no próprio lar, como por exemplo, as de costureiras ou bordadeiras, através
das quais a mulher auxiliava seu esposo no sustento da casa. Mas preferencialmente,
deveriam ser verdadeiras rainhas do lar, dedicando-se aos filhos, ao marido e à casa.
Os conteúdos dos cursos versavam sobre “ornamento do lar, higiene e
enfermagem, bordado a mão, corte e costura, culinária
26
”, requisitos essenciais a todas
as mulheres que iriam casar. Elas deveriam também ter noções de economia doméstica,
saber organizar seu lar, deixá-lo harmonioso, ter noções de puericultura, para cuidar
melhor da higiene e saúde dos filhos, item bastante importante, pois, no período em
estudo, a mortalidade infantil era muito alta.
No tocante à assistência materno-infantil existia, na cidade, além dos dois
postos de puericultura localizados nos bairros Vermelha e Vila Operária, o Posto Nossa
Senhora de Lourdes, com Clube das Mães, e o Posto Santo Antônio na Paróquia de
Nossa Senhora das Dores, a participação da instituição católica era bem aceita, visto que
nas áreas suburbanas, onde as taxas de mortalidade infantil eram altíssimas, essa
assistência caritativa e instrucional, para as mães no cuidado com os bebês, foi
significativa.
Quanto ao setor cultural e educacional, os trabalhos da Arquidiocese
também se destacavam, seja através da fundação da Sociedade Piauiense de Cultura,
uma das responsáveis pelo funcionamento da Faculdade de Filosofia do Piauí. Havia
ainda, sob a responsabilidade direta ou indireta da Arquidiocese, vários
estabelecimentos de ensino, dentre eles, podemos citar: o Seminário, o Colégio São
Francisco de Sales, o Colégio Sagrado Coração de Jesus, o Patronato Dom Barreto e o
Educandário N. S. do Amparo. A manutenção do jornal O Dominical, com uma tiragem
25
MARTINS, 1959, p. 50.
26
A ASA encerra mais um curso de formação familiar. O Dominical, Teresina, p.1, 02 de nov. de 1958.
30
de 1.800 exemplares também era uma importante atividade cultural desenvolvida pela
Arquidiocese
27
.
O Patronato Dom Barreto foi fundado em 1944, dirigido pelas Irmãs
Missionárias, localizava-se à Rua Benjamin Constant, 1575, proporcionando educação
religiosa, moral, profissional e social para moças teresinenses, através de cursos, como
Primário, Profissional de Bordado, Flores, Corte e Costura, Arte Culinária e
Horticultura, além de cursos particulares de Desenho e Pinturas, e de Datilografia.
Assim como o Colégio das Irmãs, o Patronato Dom Barreto era destinado à formação
das moças de elite. O Patronato tinha por objetivos dois pilares fundamentais,
“a educação religiosa e moral das jovens e a formação doméstica e profissional [através
de uma] aprendizagem de economia doméstica, puericultura, higiene alimentar,
corte/costura e bordado
28
considerados pelo discurso católico como alicerces de uma
formação integral para a função de dona de casa.
Os cursos oferecidos pelo Patronato Dom Barreto, na década de 1950, à
população feminina eram os seguintes: Jardim da Infância, que funcionava anexo ao
Patronato, o Curso Primário e o Curso de Admissão ao Ginásio, Profissional e Curso de
Alfabetização, único que não era pago. Para atender as classes pobres, foi fundado
também um curso gratuito à tarde, porém com a mesma eficiência de ensino, havendo
apenas a exigência no uniforme,
29
todos os cursos enfatizavam a educação feminina
para o lar.
A educação feminina nos colégios católicos, seja internato, externato ou
semi-internato, utilizavam-se de um importante instrumento com o objetivo de manter
as jovens dentro dos padrões religiosos e morais desejados pelo discurso católico: a
Associação das Filhas de Maria, existente nas paróquias e nos educandários
confessionais, através da qual as jovens se comprometiam em manter a virgindade até o
casamento, assim como usufruir de uma educação voltada para formação de rainha do
lar, concentrada em atividades manuais, de economia e de prendas domésticas.
Em Teresina a Pia União das Filhas de Maria, criada em 1909
30
, era outra
estratégia de ação católica, que desempenhava importante papel na formação cristã das
mulheres. As Filhas de Maria deveriam ter comportamento assisado
31
, terem modéstia,
27
MARTINS, 1959, p. 50.
28
ESTATUTO do Patronato Dom Barreto. Diário Oficial, Teresina, p.2-3, 16 de mar. de 1953.
29
PATRONATO Dom Barreto, O Dominical, Teresina, p.4, 25 de jan. de 1959.
30
JUBILEU de ouro da Pia União Filhas de Maria. O Dominical, p.4, Teresina, 09 de jun. de 1959.
31
Ajuizado
31
decoro, enfim, seguir o modelo da Virgem Maria. A principal virtude para uma moça de
família, ensejada pela moral cristã, era a restrição aos impulsos da sexualidade, sendo a
pureza o seu principal ornato,
A pureza é o mais belo adorno de uma jovem cristã [...] no período
que atravessamos muitas de nossas moças perderem a pureza [...]
jamais suceda a desgraça de manchar com a nódoa repugnante do
escândalo [...] coragem para enfrentar e vencer [...] fujamos das
ocasiões perigosas [...]
32
.
A crônica enfatiza que nem todas as moças consumiam as prescrições
católicas da forma que a Igreja desejava, a instituição solicitava às moças que
chegassem até a noite de núpcias sem “a nódoa repugnante do escândalo”, no entanto a
fonte nos demonstra que as normas ou valores cristãos não representavam o real, mas
possibilidades desse real, pois, na sociedade muitas moças perdiam sua virgindade com
namorados ou noivos
33
.
Em síntese, o que enfatizamos na argumentação desenvolvida até aqui,
foram às formas e as estratégias de ão da Igreja Católica objetivando tutelar a
sociedade, manter uma influência sobre as práticas cotidianas. O discurso católico com
forte teor prescritivo de rígidos princípios morais procurava manter a sociedade afastada
das novidades tentadoras do mundo moderno. Contudo, a integração da cidade à rede e
às estruturas econômicas nacionais acentuariam a presença de modelos e valores
modernos na urbe e intensificariam os conflitos entre a Igreja Católica e seus
adversários retratados anteriormente.
2.3 Anos dourados: a euforia de 1958
Os anos cinqüenta do século XX foram rotulados no Ocidente como “Anos
Dourados, em face das manifestações artísticas e culturais do período e da fase de
prosperidade da economia norte-americana e européia, impulsionando de forma
consistente toda a economia mundial
34
. A euforia estava no ar, segundo Joaquim
32
A PUREZA. O Dominical, p.5, Teresina, 28 de jul. de 1950.
33
Item que trataremos no 3º capítulo que trata da mocidade.
34
HOBSBAWN, Eric. A era dos extremos - O breve século XX: 1914-1991. São Paulo: Cia das Letras.
2001. p. 253-282.
32
Ferreira dos Santos
35
, os anos 1950 “não deveriam terminar”, a identidade nacional,
associada ao futebol, era inventada a partir do refrão “com o brasileiro não quem
possa”, marchinha que consagrou a primeira vitória da seleção brasileira de futebol,
como campeão mundial, na Suécia.
O Brasil estava sendo atravessado pela onda desenvolvimentista promovida
pelo Governo de Juscelino Kubitschek de Oliveira (1956-1961), que deu início à
implantação da indústria automobilística, com a bandeira de modernização do país.
Quando JK assumiu a presidência da República, em 1956, prometeu modernizar o
Brasil, ao estabelecer o Plano de Metas “50 em 5”, implementado na política de
desenvolvimento industrial. Abriram-se, então, as portas para o capital estrangeiro,
ampliando a participação do Estado e dos investimentos privados na economia do país.
Segundo Paul Singer
36
, a partir de 1956, no Brasil houve uma expansão do
capitalismo monopolista (multinacional e estatal), quando o então presidente da
República acelerou o processo de industrialização do país, especialmente, a partir da
implantação da indústria automobilística, “a aceleração industrial entre 1957 e 1962 foi
de 11,9 em média por ano
37
”.
Em 1958, a fábrica alemã Volkswagen liberou a primeira propaganda do
Fusca, na Revista Manchete, carro fabricado no grande ABC Paulista. A camioneta ou
perua modelo DKW Vemag saiu pelas ruas com metade das peças feitas no Brasil.
Também foram lançados, no país, naquele ano, o rádio a pilha e o primeiro barbeador
elétrico
38
. O desenvolvimentismo no governo JK, além de transformar o cenário
econômico nacional, trouxe novas estradas, construiu novas hidroelétricas, desenvolveu
e acelerou a indústria automobilística.
Os anos dourados do Brasil foram também o período das Revistas de Teatro,
que, em 1958, passavam a ser Teatro Rebolado das vedetes, especialmente as de Carlos
Machado e de Walter Pinto. Uma das trinta peças apresentadas, naquele ano, era Que
pedaço de mau caminho. Havia também as chanchadas, que eram filmes populares de
comédia e muitas danças sensuais com mulheres bonitas, carnaval e piadas.
35
SANTOS, Joaquim Ferreira dos Santos. Feliz 1958: o ano que não devia terminar. 2 ed. Rio de Janeiro:
Record, 1998, p.9
36
SINGER, Paul. Interpretação do Brasil: uma experiência histórica de desenvolvimento. In: PIERUCCI,
Antônio Flavio de Oliveira et al. O Brasil republicano: economia e cultura (1930-1964). 3. ed. Rio de
Janeiro: Bertrand Brasil, 1995. p. 209-245. (História Geral da Civilização Brasileira)
37
IBIDEM, p.225.
38
SANTOS, op.cit, p. 20
33
“Os rádios haviam descoberto uma dupla vocação: primeiro criar mitos,
depois penetrar e divulgar com estardalhaço os detalhes palpitantes de suas vidas
privadas
39
”, na década de 1950, através de Mexericos da Candinha, o povo sabia das
principais informações ou detalhes da vida pessoal e amorosa de seus ídolos. Esta era
uma coluna de notas-fofocas lançada na Revista do Rádio, no ano de 1958.
Foto 3: Revista do Rádio, n.º 495, p.51, 14 de mar. de 1959. Foto 4: Revista do Rádio, n.º 495, p.13, 14 de
mar. de 1959.
2.4 Eis que a cidade cresce
O desenvolvimentismo dos anos dourados provocou mudanças no padrão de
consumo brasileiro, de modo que, também, na cidade de Teresina isso era perceptível,
sobretudo, pelo surgimento do comércio de prestações, no final da década de 1950. A
cidade crescia e se modernizava, aspecto percebido no aumento do número de lojas com
produtos de consumo em voga, bens duráveis, vendidos de forma acessível, pois,
através da venda a prestações, a cidade se inseria num ritmo de consumo moderno.
O crescimento também era percebido com a expansão do perímetro urbano
para novos bairros: surgiam imobiliárias na cidade, e a partir da especulação provocada
pela pista de corrida de cavalos o hipódromo dos noivos: Jockey Clube, este local se
transformava em espaço de lazer sofisticado para a cidade, despontando como o mais
novo ponto de reunião social. O Jockey se transformou numa espécie de cartão de visita
da capital. Local aprazível, de boa sociabilidade onde se poderia levar os visitantes
40
.
39
SEVCENKO, Nicolau. A Capital irradiante: técnica, ritmos e ritos do Rio. _________ (org). História
da vida privada no Brasil: 3. São Paulo: Companhia das Letras, 2004, p.591.
40
OSCAR FILHO. Jockey Clube. Folha da Man, Teresina, p.5, 07 de ago. de 1959.
34
O Jóquei Clube inicialmente era apenas um local para corrida de cavalos,
fundado em 1952, pelos deputados Major Otávio Miranda e João Clímaco de
Almeida
41
. Transformou-se, no final daquela década, em restaurante-bar com piscina e
boate decorada, dotando Teresina de um bom espaço de lazer, que, segundo os cronistas
da cidade, nada ficava a dever aos melhores clubes sociais de Fortaleza e Recife.
42
Com a construção do Hipódromo, e posteriormente, com as outras
melhorias do Jockey Club, a especulação imobiliária se intensificou na zona leste
especificamente para além do Rio Poty. Novos bairros começavam a nascer nos
arredores do novo clube social, o que era visível a partir do surgimento de imobiliárias e
de anúncios, como estes: “ótimos lotes, em situação privilegiada entre a Estrada
Asfaltada de Fortaleza e o Jockey Club [...] entrada módica e prestações mensais
suaves
43
”. Nasciam, assim, os bairros Jóquei Clube e Fátima.
Ao passo que crescia a cidade, a modernização chegava. Isso podia ser
percebido através do consumo de produtos industrializados, particularmente, a partir de
1958, que foi considerado o ano da fumaça nas indústrias brasileiras. Houve aumento no
número de lojas e na variedade de bens duráveis oferecidos em Teresina, o que era
expresso pelas propagandas. A grande novidade, para conseguir o desejado objeto de
consumo, por exemplo, um carro, uma máquina de lavar, uma geladeira, uma máquina
de costura, dentre outros produtos, era o crescimento das linhas de crédito ao
consumidor, possibilitando a aquisição de bens de consumo duráveis de alto valor
comercial em suaves prestações mensais.
Foto 5: O Dia, Teresina, p.5, 06 de dez. de 1953 Foto 6: O Dia, Teresina, p.4, 22 de Ago. de 1957.
41
JÓQUEI Clube do Piauí. O Dominical, Teresina, p.4, 14 de set. de 1952.
42
PACHECO, Álvaro. Eis que a cidade cresce. O Dominical, Teresina, p.2, 20 de fev. de 1958.
43
TERRENO nos “Noivos”. O Dia, Teresina, p.6, 13 de jul. de 1958.
35
O DKW-Vemig foi o primeiro automóvel com motor dois tempos fabricado
no Brasil. Em 1956, chegava a Teresina essa camioneta, para ser revendido pela Casa
Inglesa, filial do estabelecimento James Frederick Clark S.A, com matriz estabelecida
na cidade de Parnaíba, “na qual o comandante Gayoso e Almendra no volante da
moderna DKW faz experiência do possante motor de uma das camionetes que a
indústria nacional acaba de lançar em todo o Brasil
44
. O consumo desses bens era
possibilitado à classe média por meio de financiamento.
A alimentação, também, sofria alterações. Na década de 1950 começavam a
surgir, no mercado consumidor local, os alimentos industrializados
45
, os enlatados, que
facilitavam a vida de todos, mas, principalmente a dona de casa, como é o caso do
extrato de tomate, do leite condensado e dos complementos alimentares para crianças
acima dos seis meses, o leite em pó, os achocolatados como o Toddy.
46
.
Foto 7: Seleções do Reader’s Digest, nº 148, p.195, Maio, 1954. Foto 8: Seleções, nº 148, p.176, 1954.
Estava também iniciado a era dos supermercados, a partir das mercearias-
lojas, que passavam a vender quase todos os produtos que uma dona de casa precisava
em seu lar.
44
MODERNAS camionetes DKW em Teresina. O Dia, Teresina, p.6, 29 de nov. de 1956.
45
Sobre esse assunto ver MELO, João Manuel C. de. ; NOVAIS, Fernando A. Capitalismo tardio e
sociabilidade moderna. In: NOVAIS, Fernando (coordenador Geral da coleção); SCHWARCZ, Lilia M.
(organizadora do volume). História da Vida Privada no Brasil 4: contrastes da intimidade
contemporânea, São Paulo: Cia das Letras, 1998. p. 561-618.
46
TITO FILHO, José de Arimathéa. Crônicas. Teresina: Gráfica Júnior, 1990, p.9.
36
Na administração municipal de Agenor Barbosa de Almeida, no período de
1955 a 1959, ocorreram mudanças que intensificaram a integração da cidade com o
sudeste e o sul do país, através da construção das rodovias estaduais, assim como o
início do funcionamento do Aeroporto de Teresina, com uma pista de pouso e
decolagem e da efetivação do primeiro grande asfaltamento da cidade, ligando o
Cemitério de São José ao Campo da Aviação. No mesmo período ocorreu também uma
doação do terreno onde seria construída, em convênio com o Ministério da Aeronáutica,
a pista do Aeroporto de Teresina
47
. Os serviços prosseguiam com a pista asfaltada para
todos os tipos de aviões, tornando possível que o Aeroporto estivesse concluído dentro
do prazo previsto
48
.
Os produtos vendidos na cidade até então chegavam pelo rio Parnaíba, cuja
navegação começava a entrar em declínio, em conseqüência do desenvolvimento de
novas formas de transporte de cargas através das rodovias e dos aviões,
[...] pelo rio Parnaíba através da exportação de produtos extrativistas e
importação de bens manufaturados, bens estes consumidos por parte
da elite teresinense e piauiense e vendidos nas poucas casas comercias
existentes em Teresina: Lojas Rosemary, Pernambucanas, Rianil,
Bazar das Novidades, lojas comerciais dos árabes
49
A conexão de Teresina com o sul e sudeste do Brasil passou a ser facilitada
pelos voos semanais, que ocorriam no campo de avião. Para Irlane Abreu, o Aeroporto
representava o moderno, a novidade, era espaço para experimentar novos sabores como
a coca-cola, ou ainda onde homens e mulheres exibiam toaletes requintadas, primavam
no vestir, usavam saltos altos, bolsas, frasqueiras. Os senhores viajavam de terno e
gravata, pois viajar de avião exigia requinte e sofisticação, um luxo reservado a
poucos
50
.
2.5 A Saúde Pública
No que diz respeito à saúde pública, a cidade de Teresina contava com um
hospital geral, o Hospital Getúlio Vargas. A partir de 1954, com o surgimento da
47
TITO FILHO, José de Arimathéa. Memorial da cidade verde. Teresina: COMEPI, 1978, p.32.
48
AEROPORTO de Teresina. Folha da Manhã, Teresina, p.6, 05 de jul. de 1959.
49
ABREU, Irlane Gonçalves de. Teresina revisitada: lembranças de Teresina. SCIENTIA ET SPES:
Revista do ICF, vol. 1, nº 2. Teresina: ICF, 2002, p.208
50
ABREU, 1996, p.58
37
Maternidade São Vicente e do hospital para doentes mentais, Meduna, o quadro se
tornou mais complexo. No entanto, a classe menos favorecida sofria, pois o acesso à
saúde pública não era fácil, pois, na cidade, o existia Pronto-Socorro, em caso de
necessidade, os médicos eram chamados às residências, tendo os doentes que pagar as
visitas, juntamente com a corrida do carro de praça, que conduzia o médico ao domicílio
do paciente
51
. Existiam os atendimentos em consultórios médicos, além da assistência
médica em domicílio, para os mais aquinhoados,
Somente aquele que experimentou o „frio da miséria‟, num caso de
súbito mal, tarde da noite, no recesso do lar, pode saber convicto que a
capital piauiense é uma terra erma de assistência e socorro médico. É
uma cidade com mais de seis dezenas de médicos que ostentam nas
placas dos consultórios as chamadas especialidades [...] tem um
grande hospital que não é mais para pobres ou desvalidos [...] não
possui um socorro urgente [...] para onde se possa recorrer nas casas
de emergência, digamos à noite. Poucos médicos se encontram
nenhuma botica aberta, nenhum enfermeiro equipado e o atendimento
do hospital vem se o interessado dispuser de dinheiro e morar na
zona urbana
52
Os consultórios médicos referidos na crônica eram as clínicas de crianças,
de análises e pesquisas clínicas, de operações, partos e doenças de senhoras, de doenças
nervosas e mentais, de doenças dos olhos e clínica geral
53
. Estas eram algumas das
especialidades oferecidas a população teresinense.
A assistência às mães grávidas e às crianças ocorria através do Serviço de
Assistência à Maternidade e a Infância (SAMI) da Administração Pública Estadual, que
distribuía litros de leite às mães carentes, através de verbas vindas do Departamento
Nacional da Criança, ligado ao Ministério da Educação e Saúde. As verbas também
chegavam da Legião Brasileira de Assistência LBA, criada em 1942, baseada no
voluntariado e com programas de assistência à maternidade e à infância, teve sua
origem ligada ao “esforço de guerra, como órgão de apoio aos soldados e suas famílias,
considerada como criadora e criatura do serviço social no Brasil, desenvolveu uma série
de programas destinados à maternidade e à infância
54
”.
51
CARVALHO, Afonso Ligório Pires de. Outros tempos. Brasília: Thesarus, 2002, p.54.
52
TERESINA, cidade erma. Jornal do Comércio, Teresina, p.3, 31 de jan. de 1952.
53
INDICADOR profissional. Jornal do Comércio, Teresina, p.6, 13 de jul. de 1952.
54
ROSEMBERG, Fúlvia, A LBA, o Projeto Casulo e a Doutrina de Segurança Nacional. In: FREITAS,
Marcos Cezar de Freitas (org.). História Social da Infância no Brasil. 6. ed. São Paulo: Cortez, 2006.
p.151
38
O Departamento Nacional da Criança, de acordo com instruções do plano
do Fundo Internacional de Socorro à Infância (FISI), fundou, na grande maioria das
cidades brasileiras, os Clubes de Mães, que tinham por finalidade ensinar as mães sobre
trabalhos domésticos, desde a confecção de enxovais para recém-nascidos, costuras,
bordados até ensinamentos sobre puericultura
55
.
Os Clubes das Mães funcionavam dentro dos Postos de Puericultura, estes
foram fundados como meios para ação preventiva, que além de assistência às crianças,
como vacinação e consultas médicas, buscavam educar as mães sobre aspectos práticos
de cuidados com o bebê, ou seja, puericultura, higiene, alimentação, saúde, bem-estar da
criança, além de distribuição de leite em pó e de vitaminas A e D.
Em janeiro de 1952 inaugurou-se o Posto de Puericultura Noronha
Almeida, do bairro Vermelha, no qual se matricularam durante o ano
370 crianças de 0 a 24 meses [...]. Aplicaram-se 1.641 injeções [...]
tem sido de maior utilidade o Posto pois, entre as 370 crianças
matriculadas verificaram-se apenas 8 óbitos [...] o Serviço de
Assistência à Maternidade e à Infância SAMI, manter dois clubes de
mães. Um no Posto de Puericultura Noronha Almeida, e outro no
edifício do Hospital Infantil
56
.
Para realização de exames e/ou aplicações de vacinas nas crianças, as mães
contavam com um Posto de Saúde e de Exames Laboratoriais, o Instituto Alvarenga,
localizado na Praça Saraiva, além dos Postos de Puericultura, Noronha Almeida,
instalado no bairro Vermelha, e outro no bairro Vila Operária.
A assistência à maternidade e à infância na cidade dependia, não das
verbas e orientação técnica do Fundo Internacional de Socorro à Infância (FISI), mas
também do Departamento Nacional da Criança, ligado ao Ministério da Educação e
Saúde, do Serviço de Assistência à Maternidade e a Infância (SAMI) em nível Estadual.
Esse modelo assistencial dependia também da boa vontade de médicos, figuras sociais
como prefeitos, juízes, e do clero, que também colaborava nesta iniciativa, todos eles,
especialmente os médicos, deveriam instruír as mães quanto aos cuidados com os bebês,
procurando evitar que concepções erradas circulassem na sociedade
57
.
55
FREITAS, Pedro de Almendra. Mensagem apresentada a Assembléia Legislativa do Estado
referente ao ano de 1952. Teresina: Gráfica O Dia, 1953. p. 91
56
IBIDEM, p. 70
57
PEREIRA, André Ricardo. A criança no Estado Novo: uma leitura na longa duração. Revista
Brasileira de História. vol. 19, n.º 38, 1999. p. 171
39
Alem dos Postos de Puericultura, da Vermelha e da Vila Operária, havia
também o Posto Volante de Puericultura
58
que prestava serviços em outros bairros na
cidade, como por exemplo, Poti Velho e Matadouro e as associações dirigidas pela
Arquidiocese, que funcionavam como Posto de Saúde e Clube de Mães, a Associação
Benemérita N. S. do Amparo, o Posto de Saúde N. S de Lourdes
Sobre a mortalidade exorbitante das crianças, um dos médicos chefes de
secção do Departamento de Saúde Pública Estadual, em uma palestra, fez importantes
revelações sobre as mortes infantis. O médico afirmou que somente durante um mês
teriam sido registrados nos cartórios da capital 1.546 nascimentos, e que no mesmo
período, faleceram pouco mais de 600 crianças no primeiro ano de vida, o que dava uma
média de cem falecimentos por mil, o que, mesmo para os padrões médicos da época,
eram considerados muito altos
59
, bem acima dos limites cientificamente permitidos,
sendo que a maior causa das mortes eram infecções, tais como: diarréia enterite, tifo e
coqueluche.
Segundo alguns cronistas enquanto algumas instituições desviavam os
recursos públicos que deveriam ser investidos em campanhas para diminuir a
mortalidade infantil, Teresina se transformava em „cemitério de crianças‟, que morriam
desprovidas de assistência, tanto das associações protetoras, quanto do Departamento de
Saúde, que também era responsável pelo alto índice de mortalidade infantil na cidade.
Em síntese Teresina, na década de 1950, era uma cidade marcada pela
tensão entre continuar a ser uma cidade provinciana, com baixos níveis de escolarização
e com precárias condições de salubridade ou dar passos consistentes na integração com
o mercado consumidor nacional e também com valores e práticas modernas. A escolha
pela segunda opção traria outros conflitos, particularmente entre os padrões de consumo
capitalista e a influência da Igreja Católica, na cidade. É dentro desse panorama
conflituoso que as famílias terão que fazer escolhas e assumir práticas cotidianas que
terão forte impacto nas relações familiares e nas identidades de gênero.
58
FREITAS, 1953. p. 72.
59
TERESINA, cemitério de crianças. O Dominical, Teresina, p.1, 29 de out. de 1959.
40
3 INTERFACES ENTRE AS INFÂNCIAS E AS TRAJETÓRIAS
EDUCACIONAIS NA ADOLESCÊNCIA
Neste capítulo destacamos as trajetórias educacionais dos entrevistados,
problematizamos como a educação e as brincadeiras para masculino e feminino
marcaram a diferenciação e demarcação dos papéis tradicionais de gênero, o que
refletiria diretamente nas relações familiares. Também foram itens de análises: a
maternidade como construção histórica e não natural; o papel do discurso médico na
conscientização sobre a importância da campanha de vacinação enquanto medida
preventiva contra doenças infantis; o „problema‟ dos menores abandonados que de
infância desvalida passaram a ser caso de polícia. No último tópico, analisamos as
transformações que ocorreram no corpo das crianças, ao se transformarem em
adolescentes, bem como suas trajetórias educacionais nesta nova fase da vida.
3.1 O amor materno é cultural e não natural
Elizabeth Badinter, no livro, Um amor conquistado: o mito do amor
materno” defende a tese de que, sendo o amor materno um sentimento como os demais
sentimentos humanos, ele é incerto, frágil e imperfeito. Nem todas as mulheres o
cultivam, portanto, não é intrínseco à natureza feminina, não é inato, é antes de tudo
cultural, variável conforme épocas e costumes sociais, tanto que uma mulher pode ser
normal sem ser mãe, e nem toda mãe deseja abdicar do mundo ao seu redor, para cuidar
de seu filho
1
.
No entanto, os meios de comunicação, na década de 1950, em consonância
com o discurso católico, defendiam que o amor materno era uma condição natural de
toda mulher, (conforme crônica citada a seguir), embora, esse sentimento não seja
inerente à natureza feminina, é uma questão de escolhas, ou seja, é cultural e não
natural: “[...] a mulher que sentiu as dores do parto [entre] a vocação eclesiástica e a
missão maternal, está o verdadeiro destino da costela que Deus arrancou de Adão
2
”.
As mulheres da década de 1950, ao que parece estão investindo em outras
searas, talvez em uma carreira profissional ou em sua escolarização, almejando o seu
ingresso nas universidades ou faculdades, e não na “missão sagrada”, que foi
1
BADINTER, Elisabeth. Um amor conquistado: o mito do amor materno. Tradução Waltensir Dutra,
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.
2
LIMA, Santa Cruz. Mães solteiras. O Dia, Teresina, p.5, 08 de mar. de 1959.
41
inventariada a elas: a maternidade, “a mulher moderna quer ser esposa e aborrece a
missão honrosa de ser mãe, para poder gozar a vida
3
”.
Se o discurso de instinto materno, ou essência natural feminina, parece não
convencer ou sensibilizar algumas mulheres dos anos dourados, o discurso prescritivo
católico baseava-se em argumentos de salvação e glória eterna, “[...] pobre dela, na hora
da morte [pois] a mulher só se salvará gerando filhos
4
‟.
O amor materno pode se manifestar de diferentes maneiras, desta forma,
para alguns a mãe, não amar um filho é um crime sem explicação, era preciso ressaltar
que os comportamentos maternos poderiam assumir aspectos diferentes e até
contraditórios
5
. Por outro lado, outros pensavam que a maternidade e o amor materno,
“estariam inscritos desde toda eternidade na natureza feminina. “Desse ponto de vista,
uma mulher é feita para uma boa mãe. Toda exceção à norma será analisada [como]
exceções patológicas. A mãe indiferente é um desafio lançado a natureza
6
.
Quando uma mulher tem filhos e não os ama, inconscientemente a
julgamos. Apontamos como escândalo, pois percebemos a maternidade como inerente à
natureza feminina. Logo, seguindo essa linha de raciocínio, a adjetivamos de “boas e
santas mães”, no entanto, como o amor materno é um sentimento frágil, incerto e
principalmente imperfeito, ele é cheio de formas, assume aspectos variados e até mesmo
contraditórios. Com base nestes argumentos, vamos analisar dois casos de infanticídio e
abandono ocorridos na cidade de Teresina, na década de 1950.
A senhora Antônia Sousa, doméstica, 38 anos, mãe de 10 filhos, “casada,
mas, separada do marido”, residente no bairro Porenquanto, procurou a Polícia e narrou
o infanticídio que cometera, explicando os motivos de -lo executado “ao chegar à
margem do Rio Poti atirei a criança à água, pois sentia vergonha em ter um filho natural
[...] já tive dez filhos, dos quais apenas dois me restam
7
”. A mãe, ao atirar o filho no rio,
causou indignação na sociedade, que a denominou de mãe desnaturada, por não querer
cumprir sua missão sagrada, fracassando nesta tarefa. A sociedade não perdoava a mãe
que negava a sua maternidade e agindo em nome de uma „falsa‟ moral, pois, na sua
alegação sobre o assassinato de seu próprio filho, relatou apenas que sentia vergonha em
ter tido mais um filho com um homem que não era seu marido.
3
ESPOSA e mãe. O Dominical, Teresina, p. 3, 25 de dez. de 1949.
4
IDEM.
5
BADINTER, 1985, p.13-4
6
IBIDEM, p.15
7
ATIROU o filho no Rio Poti: a mãe desnaturada confessa o horroroso infanticídio. Folha da Manhã,
Teresina, p.6, 16 de fev. de 1958.
42
A maternidade tem diferentes faces, como a indiferença, a rejeição ou a
negligência. A imprensa teresinense continuava a publicar outros casos de abandonos
8
e
de outras es “desnaturadas” ou negligentes, como o caso da cearense de 20 anos,
Maria Rodrigues Silva, que, ao sentir que a criança iria nascer, correu para a mata que
se estendia em frente à casa onde estava hospedada, após o parto, que ocorreu no
matagal, por abandonou a criança, logo depois foi encontrada apenas parte do corpo
do bebê trucidado por cachorros
9
.
Deste modo, conforme já apontamos, o amor materno por ser um sentimento
humano se mostrava incerto, imperfeito e frágil, não compartilhado, portanto, por todas
as mulheres.
3.2 Os seus filhos estão imunizados?
Cronistas, especialmente os do Jornal do Comércio, veicularam
informativos, através de crônicas ou propagandas, no sentido de divulgar o discurso
médico conscientizando os pais acerca da prevenção e imunização contra doenças da
primeira infância de seus filhos.
As propagandas veiculavam um discurso de que as crianças eram o centro
de atenção, felicidade do lar e aconchego da família, dessa forma, os pais teriam um
papel a cumprir, o de cuidar da saúde de sua majestade: o bebê. Os cronistas também
enfatizavam que eram necessários que os pais se tornassem „esclarecidos‟ quanto aos
fato de que os métodos e formas de cuidado que utilizavam com os filhos estavam
obsoletos, pois os métodos utilizados eram iguais aos usados por seus avós.
Foto 9: Jornal do Comércio, Teresina, p.2, 01 de mar. de 1950.
8
RECÉM nascido encontrado na Praça João Luiz Ferreira. Folha da Manhã, Teresina, p.6, 21 de jul. de
1959.
9
CRIANÇA devorada pelos cães Infanticídio. Folha da Manhã, Teresina, p.4, 08 de jan. de 1959.
43
“O filho é sempre a alegria do lar”, os filhos passavam a ser o centro da vida
familiar, e as propagandas focavam essa imagem que a felicidade dos pais e do
aconchego do lar dependeria da boa saúde dos filhos.
As propagandas ajudavam a divulgar o discurso médico sobre a difusão de
uma imagem nova da infância, que, na década de 1950, era sinônimo de saúde e bem-
estar para o bebê que deveria ser tratado com novas e modernas cnicas. Os bebês
deveriam ser cuidados com o máximo de atenção e afeto sob o auxílio de profissionais
especializados, como pediatras e educadores que aconselhavam sobre o uso de novos
sistemas alimentares, de preferência, de fácil digestão.
Para o banho, o uso de produtos específicos para essa fase da vida,
sabonetes, talcos, óleos especiais foram criados, para proteger a pele sensível contra
desconfortos, irritações e brotoejas, perigosas à saúde
10
. Esses novos produtos eram, em
sua grande maioria, fabricados pela Johnson, que colaborava com o discurso médico, no
sentido de desenhar novos hábitos no trato com as crianças.
Foto 10: Seleções do Reader’s Digest, p.178, nº 148, maio de 1954 Foto 11: Seleções, p.179, maio de 1954
10
VACINA o bebê! Agora, antes que seja tarde. Jornal do Comércio, Teresina, p.3, 17 de out. de 1952.
44
As campanhas de conscientização sobre a importância da vacinação como
medida preventiva para a saúde das crianças era divulgada inicialmente pelo
Departamento Nacional da Criança, apoiada pela imprensa, e intensificada durante a
Semana da Criança, realizada anualmente no período de dias 10 a 17 de outubro, nos
Postos de Puericultura, das principais cidades brasileiras. No período da Semana da
Criança, os Postos de Puericultura, em todo o país, ficavam em prontidão, no sentido de
oferecer ajuda, conselhos e a imunização às crianças. Os pais eram alertados para que
não esperassem que os filhos fossem atacados por doença, era preciso proteger através
da vacinação
11
.
Anualmente, durante a semana da criança, eram realizadas na cidade
atividades culturais e educacionais, como, por exemplo, palestras ou conferências de
caráter educativo, realizadas por educadores e/ou médicos, na Rádio Difusora de
Teresina, em colaboração com o Departamento de Educação e patrocinado pela
Prefeitura. Chegavam aos lares pelas ondas do rádio, “as mais eficientes lições e os mais
acertados conselhos sobre o tratamento físico e educativo moral das crianças
12
”. Nestas
ocasiões, médicos e educadores aproveitavam para divulgar e esclarecer sobre a
importância da vacinação.
Esses tipos de campanhas e propagandas intensificadas com o auxílio de
toda a imprensa eram importantes, porque a mortalidade infantil em Teresina no período
em estudo era alarmante, sendo necessário ensinar, aconselhar e conscientizar os pais
sobre as medidas preventivas.
Da mesma forma, era preciso retirá-los da „ignorância‟ quanto à importância
da vacinação preventiva de seus filhos, pois a vacinação era apresentada pelo discurso
médico como um processo fácil e seguro para proteger o futuro do infante, era prescrito
aos pais que consultassem os médicos, no devido tempo “você tem o dever de dar essa
proteção ao seu filho. Não espere
13
!”.
Desse modo, existia uma forte presença do discurso médico prescrevendo a
maneira correta de cuidar dos filhos, como também a vacinação, que deveria ocorrer
ainda nos primeiros meses de vida, “a imunização deve ter início mesmo antes de seu
filhinho andar”.
11
VACINA o bebê! Agora, antes que seja tarde. Jornal do Comércio, Teresina, p.3, 17 de out. de 1952.
12
SEMANA da criança. Jornal do Comércio, Teresina, p.4, 17 de out. de 1952.
13
PROTEJA o futuro do seu bebê em seu primeiro ano de vida. Jornal do Comércio, Teresina, p.2, 05
de jan. de 1952.
45
Foto 12: SEUS filhos estão imunizados? Jornal do Comércio, Teresina, p.3, 07 de set. de 1950.
As propagandas se intensificavam no sentido de esclarecer aos pais o
apenas quanto à prevenção da vacinação contra doenças graves na primeira infância,
como: coqueluche, varíola, difteria, tifo; mas, também quanto a sua eficácia quando
aplicada a tempo, a imunização era apontada como uma medida de segurança, fácil e
indolor, e que poderia salvar a vida da criança
14
. As campanhas além de aconselharem
aos pais quanto à importância das vacinas preventivas, instruíam a “não confiarem na
memória”, era preciso seguir a um programa de imunização, criava-se o hábito de
anotar tudo, num cartão de vacinação, ou tabela.
As crônicas também solicitavam o apoio dos pais, para que pudessem
confiar no trabalho das “moças de branco”, que eram as médicas, enfermeiras,
educadoras, que além de imunizarem seus filhos, eram também conselheiras, no que
dizia respeito às mágoas e mexericos” das mães, assim como também diminuía a
desconfiança quanto ao saber médico,
um grupo de moças que você precisa conhecer [...] são moças do
Departamento Nacional da Criança [...] o trabalho é intenso, penoso e
muitas vezes desanimador. Mas, lentamente as moças de branco vão
colhendo suas vitórias contra a ignorância, as superstições [...]
inúmeras crianças pálidas e barrigudinhas (são vermes, disenteria) [...]
conhecem as moças pelo nome, as mães correm pressurosas para
lhes contar as mágoas e mexericos, o desconfiamento quase não existe
14
SEUS filhos estão imunizados? Jornal do Comércio, Teresina, p.3, 07 de set. de 1950.
46
mais [...] as moças de quem lhes falamos precisam de seu apoio.
Vacine seus filhos
15
.
No período em estudo, o discurso médico prescrevia novas e modernas
sugestões de como cuidar do bebê. Os conselhos se dirigiam especialmente as mães.
Essas crônicas davam ênfase aos novos arranjos e hábitos quanto à alimentação. Era
preciso que os filhos gostassem dos alimentos, sendo reprovadas as atitudes das mães
que alimentavam os filhos à força. Elas aprendem a usar de táticas brandas de
convencimento e assim induzi-los a gostar dos alimentos
16
. Quanto ao asseio pessoal e
aos bons hábitos, tudo dependeria também da mãe, a ela caberia a tarefa de ensinar aos
filhos, desde os primeiros meses de vida, o quanto era importante para a saúde os bons
hábitos higiênicos, como o banho diário e a limpeza dos dentes
17
.
A educação das crianças e o cuidado diário também eram assuntos
referenciados por educadores especializados em educação infantil, conforme nos mostra
a crônica a seguir,
As mãezinhas dos pequenos „espoletas‟ com três anos de idade em
geral sentem dificuldade para fazê-lo dormir a sesta [...] nos modernos
jardins de infância as professoras preparam psicologicamente as
crianças para a sesta com um bom lanche, seguido de 15 minutos de
recreio [o] banho diário é uma preparação equivalente, e deve ser
seguido de suaves palmadinhas com toalha felpuda e aplicação de um
talco especial. [...] por vezes música suave em surdina (suave e não
música de breque [...] o quarto de dormir deverá ser ventilado, mas,
sem correntes de ar [...] cerre as persianas a penumbra sempre ajuda
a vinda do sono. [...] outro ponto que não deve ser esquecido são as
promessas. Nunca prometa ao Joãozinho uma volta de automóvel se
ele for bonzinho e dormir a sesta do dia. Este é um péssimo hábito e se
algo a impossibilitar de cumprir a promessa, saiba que as crianças
jamais esquecem alguma coisa. Não castigue seu filho. Bondade e
compreensão são bem mais eficientes
18
.
O costume de castigar ligado à educação tradicional era reprimido, como
prática não recomendada na educação e no trato das crianças. Em síntese, a família
estava sendo alvo de prescrições, não apenas pelo discurso religioso, mas também pelo
discurso médico, que tentava estabelecer normas de como os filhos deveriam ser
15
AS MOÇAS de branco: você as conhece? Jornal do Comércio, Teresina, p.2, 17 de out. de 1952.
(grifo nosso)
16
DOS HÁBITOS adquiridos na infância dependerá o caráter do seu filho. Jornal do Comércio,
Teresina, p.4, 06 de out. de 1951.
17
IDEM.
18
COMO cuidar do bebê. Jornal do Comércio, Teresina, p.2, 23 de nov. de 1952.
47
percebidos, criados e cuidados, desde os mais diversos aspectos, como, por exemplo, a
alimentação, a saúde, o bem-estar, o tomar banho, o dormir. O discurso médico
prescrevia novas e modernas formas de se perceber o corpo do infante como frágil,
necessitando, pois, de cuidados especiais.
3.3 Instruindo e educando a partir da diferença
A escola é um local onde se educa e se instrui. A primeira afirmação diz
respeito à formação de bons hábitos e a segunda ao acesso ao saber. As escolas
confessionais masculinas e, sobretudo, as femininas, protagonizavam essas duas
principais funções: educar e instruir, ou seja, produzir boas esposas, mães e donas de
casa.
A escola, no período em estudo, era um lugar onde as diferenças de gênero
eram acentuadas, especialmente, as confessionais, nas quais havia separação de meninos
e meninas, questão problematizada no discurso católico, a partir da publicação da
encíclica Divini Illius Magistri
19
, que tratava da educação das crianças e jovens.
Baseada na diferença e na separação, a escola católica se fez a partir da marcação das
diferenças entre feminino e masculino, uma educação “[...] com a necessária distinção e
correspondente separação
20
entre os sexos, o que contribuiu para a re-afirmação das
identidades tradicionais de gênero, mãe e esposa no lar, enquanto o homem promovia o
sustento da família com o trabalho.
Esses papéis sexuais eram marcadamente fixos e polarizados, com a esposa
restrita ao espaço privado, de um lado, e de outro, o marido, no espaço público. Para a
legitimação desses papéis tradicionais de gênero, era mister desde cedo, separar
meninos e meninas, começando na infância e depois na mocidade, que constituía “o
período mais delicado e decisivo da formação, qual é o da adolescência”
21
, era
necessário separar os corpos, dar-lhes uma educação condizente com o seu papel social
prescrito pela Igreja Católica.
19
PIO XI. Divini Illius Magistri. Educação Cristã da Juventude. Roma, 31 de dez. de 1929. Disponível
em<http://www.vatican.va/holy_father/pius_xi/encyclicals/documents/hf_p-xi_enc_31121929_divini-
illius-magistri_po.html>. Acesso em: 30 de jun. de 2008.
20
IDEM.
21
Retornaremos a esse assunto no último tópico neste capítulo quando mencionaremos as trajetórias
educacionais dos adolescentes.
48
3.4 É tempo de brincar
A imagem tradicional acerca do feminino, identificava-o a formas fixas,
caracterizadas pela delicadeza e “fragilidade”. Segundo essa linha de raciocínio, era
preciso que seu corpo fosse guardado, protegido, vigiado o seu sexo, dessa forma, a
linguagem instituía, organizava, classificava e produzia diferenças
22
. Ao analisar a
bipolaridade fragilidade versus agilidade nas brincadeiras permitidas e proibidas as
crianças, constatamos o seguinte: os meninos brincavam de montaria, corriam,
nadavam, jogavam futebol, andavam de bicicleta.
No entanto, as meninas brincavam de comidinha, de pular corda, desenhar
no chão, cirandinha de roda, era prescrito que elas não podiam montar bicicleta,
conforme nos informou dona Iracema Silva, “[...] meu pai não me deixava brincar de
bicicleta [eu] aprendi a andar de bicicleta escondida, pois mulher não podia montar em
bicicleta
23
”.
As brincadeiras infantis femininas também reproduziam as características da
função social tradicional que a mulher desempenharia na sociedade: rainha do lar,
quando brincavam de ser mães, ao fazer “comidinha” para as bonecas, “[as brincadeiras
eram de] roda, de comidinha, de fita, de bombaquim, de pular corda, de lagarta
pintada
24
”. Havia na sociedade um estímulo ao desempenho dos papéis sexuais
esperados pela família e desenvolvidos na escola.
As meninas passavam mais tempo em casa do que na rua ou no quintal
brincando. Ao contrário dos meninos, elas possuíam a maternidade em potencial:
“futura mãe, a menina substituía a mãe ausente
25
”. Elas aprendiam, desde cedo, a
bordar, limpar, arrumar a casa, ajudar com os irmãos menores, atividades e obrigações
domésticas que as mães ensinavam as filhas desde cedo, passavam a ser uma extensão
no universo das brincadeiras das meninas e isso se transfigurava como um aprendizado,
para as responsabilidades futuras.
Havia, assim, um compromisso formal com a moral e com as normas de
comportamento social, adestrando as meninas, desde a infância, para sua missão natural:
22
LOURO, Guacira Lopes. A construção escolar das diferenças. In: ___________. Gênero, sexualidade
e educação: uma perspectiva pós-estruturalista. 7. ed. Petrópolis, 2004. p. 57-87.
23
SILVA, Iracema Santos Rocha da. Entrevista concedida a Ângela Maria Soares de Oliveira.
Teresina, 18 de junho de 2008.
24
CASTELO BRANCO, Teresa de Albuquerque Vilarinho. Entrevista concedida a Ângela Maria
Soares de Oliveira. Teresina em 12 de junho de 2008. (Grifo nosso)
25
PERROT, Michelle. O Corpo. In: __________. Minha história das mulheres. Tradução Ângela M. S.
Correa. São Paulo: Contexto, 2007, p.43
49
ser esposa, mãe, dona de casa. Corroborando tal afirmação, dona Teresa Castelo Branco
nos informou que, aos seis anos, aprendeu a bordar.
[...] ajudava em casa [desde] a fazer comida ou costurar, pois,
eram muitas crianças, então as mais velhas ajudavam com os
menores [...] aprendi a bordar e a costura, com minha mãe e
também no Colégio das Irmãs, então isso me ajudou muito. Eu
aprendi a fazer crochê com 6 anos. Minha mãe fazia roupas de
todos meus irmãos, e as minhas todas, eu observava como era
feito, minha mãe cortava e pedia para a gente costurar e quando
casei fiz roupas para meus filhos, meu marido, menos ternos,
calça comprida, mas, camisa, cueca, pijamas, tudo eu fazia, e
inclusive para a minha sogra eu costurei muito
26
.
O ser feminino e o masculino foram construídos e traçados por discursos
conservadores, os quais foram cristalizados por determinados tipos de comportamentos,
que se transformavam em rígidos papéis sociais. Dessa forma, as formas prescritas à
infância feminina ou masculina foram vivenciadas, na prática cotidiana, seja na casa,
seja na escola, através de trabalhos manuais com agulhas, favorecendo a demarcação
das diferenças nas trajetórias dos papéis de gênero, no interior do casamento. Meninos e
meninas foram direcionados, desde a infância, a assimetria entre os papéis sexuais.
Nas brincadeiras dos meninos eram constantes as imagens de aventura, de
força, se comparados às brincadeiras das meninas. Para elas, era proibido tomar banho
de rio, caçar passarinhos, roubar frutas. Eles também tinham privilégios não somente
em relação aos locais das brincadeiras, mas, também, quanto aos horários permitidos
para sair e chegar. A seguir dois relatos de memória são ilustrativos dessas situações:
Até que vestisse a farda do Colégio, levei uma semana em
passeios, ora a caçar rolinhas de baladeiras nas matas da estação,
ora a roubar cajus nas quintas à beira do rio
27
.
Na Rua Eliseu Martins, moravam muitos meninos. Meus dois
irmãos faziam parte da confraria masculina que tinha privilégios
inexplicáveis para nós, meninas, como por exemplo, sumir de
casa depois do jantar e voltar depois das 21 h, após as
chamadas insistentes de mães e empregadas. Vinham imundos
26
CASTELO BRANCO, 2008.
27
CARVALHO, O. G. Rego de. Ficção reunida. 4. ed. Teresina: Corisco, 2003. p. 50
50
de baladeiras na mão, e, muitas vezes, acompanhados de
reclamações por traquinagens praticadas
28
.
Nas memórias de José Arimathéa Tito Filho, sua infância também foi
marcada por muitos banhos no rio Parnaíba e por brincadeiras influenciadas pelos
filmes de caubói e de aventura a que assistiu, no cine Royal
29
.
José Nazareno Araújo, também, nos relata sobre sua infância, ora jogando
futebol na Praça da Igreja Sebastião Martins, em Floriano, ora empinando papagaio,
denominado por ele de surur e/ou tomando banho no riacho, chamado Japim, onde
passava as tardes brincando, depois de ter frequentado a escola, no turno da manhã
30
.
As praças também eram locais de lazer da meninada, especialmente quando
foi instalado um parque infantil, na Praça João Luiz. Faltavam, porém, parques e outras
áreas de diversões para as crianças, nos bairros mais populosos da cidade, como:
Vermelha, Piçarra, Matadouro, Vila Operária, Porenquanto
31
.
Nas praças as crianças, além de jogar futebol, também brincavam de imitar
cenas vistas nos filmes de caubói, conforme nos informa Afonso Ligório Pires de
Carvalho,
[...] o ambiente preferido da meninada para brincadeiras era Praça
João Luiz Ferreira. Ali a garotada se soltava [...] os entretenimentos
em geral se limitavam a jogos de futebol. Grande número, porém,
preferia brincar de cinema, imitando os artistas dos seriados e filmes
de cowboys [...] A Deusa da Joba, Flash Gordon, Perigos de Paulina,
Tarzan, ou um seriado de Buck Jones, ninguém podia perder. Lembro-
me dos seus precários e desconfortáveis assentos de tábuas corridas
sobre toros de carnaubeira, enfileirados à maneira de bancos de Igreja.
Os espectadores, ao chegar, cuspiam no banco da frente e assim por
diante, na intenção egoísta de evitar que alguém se sentasse e
impedisse a livre visão. Os que entrassem mais tarde levavam, por
cautela, um papelão com o qual forravam o banco para proteger a
roupa. Mulher não freqüentava a sessão que começava às 17 h 30,
terminava às 19 h 30, e só exibia seriados
32
.
“Mulher não freqüentava a sessão”. Não era somente o cinema que estava
proibida às meninas. O rio era outro local marcado pela diferença de gênero, pelo
menos, para meninas da classe média. Não era recomendado às meninas os banhos de
28
ABREU, 2002. p. 210.
29
TITO FILHO, José de Arimathéa. Teresina meu amor. 4. ed. Teresina: COMEPI, 2002.
30
ARAUJO, José Nazareno Entrevista concedida a Ângela Maria Soares de Oliveira. Teresina, 22 de
fevereiro de 2008.
31
PARQUES Infantis. Folha da Manhã, Teresina, p.5, 13 de mar. de 1959.
32
CARVALHO, 2002. p.85-6
51
rio, pois o local era considerado espaço de promiscuidade, embora fosse um local
freqüentado por mulheres como as lavadeiras, que ali exerciam um trabalho. Era, no rio
também que as classes menos favorecidas tomavam banho, pois o serviço de água
encanada constituía privilégio de poucos. Mas, de modo geral, tomar banho de rio era
uma prática interdita ao sexo feminino
33
.
Essas diferenças de gênero expressas nas brincadeiras começavam a se
diluir no final da década de 1950. O brinquedo que favorecia ou sugeria a igualdade
entre o feminino e o masculino era a bicicleta, que, em meados da década de 1930,
período em que se passou a infância da senhora Iracema Silva, andar de bicicleta era
proibido. Em 1958, quando começava a se ampliar, nas lojas da cidade, a venda da
bicicleta, percebemos o quanto esta promoveu a aproximação entre os sexos:
O grande barato da época e que começava a aproximar meninos e
meninas era passear de bicicleta, em frente ao Colégio das Irmãs [...]
quem tinha bicicleta mais bonita, quem conseguisse fazer a curva na
calçada sem desmontar da bicicleta, contava pontos na hora de
conquistar namorados. A bicicleta também me ajudou a conhecer a
cidade. Aproveitava as férias e com um grupo de amigos percorria
lugares, onde nunca tinha andado. Descobri o [bairro] Ilhotas, o
Cabral, o Cruzeiro da Av. Frei Serafim, chegando até a beira do Poti,
que por essa época não tinha ponte de concreto [...]
34
.
As leituras também são um capítulo importante no universo infantil, através
da leitura, a criança colocava a imaginação para trabalhar, o que também ampliava o seu
modo de brincar, a partir das estórias narradas nos almanaques e/ou nos gibis.
[...] fui privilegiada, pois, em casa circulava de tudo, tanto os livros
infanto-juvenis, como o Almanaque do Tico-Tico [...] encadernado em
capa dura [...] as outras revistas que chegavam durante o ano, trazendo
as aventuras dos heróis do Almanaque, como Reco-Reco, Bolão e
Azeitona. O Gato Felix, que da cauda conseguia fazer sempre um
instrumento para se safar das mais incríveis situações; [tinham
também] as revistas de Bang-Bang
35
.
As leituras, na infância, aguçavam a imaginação, constituíam um ponto
importante no acesso a novas culturas e no despertar da criatividade, diversificando os
tipos de brincadeiras e entretenimentos das crianças. Em síntese, no período em estudo,
as brincadeiras, que, em sua maioria, eram marcadas por divisões e diferenças entre
33
CASTELO BRANCO, 2008.
34
ABREU, 1996, p. 58
35
IDEM
52
masculino e feminino, a partir do final da década de 1950, através da bicicleta começava
a quebrar as desigualdades de gênero.
3.5 O que fazer com os menores abandonados?
No ano de 1953, na cidade do Rio de Janeiro, ocorreu o Seminário Latino-
Americano sobre Prevenção do Delito e Tratamento do Delinqüente. Em março do
mesmo ano, na cidade de Teresina, sob a supervisão do Juizado de Menores, foram
criados os Estatutos da Sociedade de Amparo aos Menores Abandonados do Piauí
S.A.M.A.P como “solução dos problemas com os menores desajustados e
desamparados, a sociedade tem por finalidade a proteção e assistência aos menores de
ambos os sexos, física ou moralmente abandonados
36
”.
O objetivo da Sociedade de Amparo aos Menores Abandonados do Piauí era
a fundação e manutenção de um estabelecimento para “recolhimento dos menores”, ou
seja, interná-los com o objetivo de correção disciplinar, para sanar o problema dos
delinqüentes futuros, assim como também limpar a cidade desta imagem de infância
„desajustada‟.
De infância saudável para menor delinqüente, o saber jurídico assumiu uma
importância crucial na produção e na transformação da criança em menor, sendo fixado,
em 1927, o Código de Menores. O menor foi representado juridicamente como aquele
que não era filho “de família”, ou seja, sujeito à autoridade paterna, mas sim uma
criança abandonada tanto materialmente, quanto moralmente, e que vivia nas ruas em
situação de desamparo. A partir dessa nova imagem de infância, como crianças que
estavam nas ruas, estas passavam a ser percebidas como incômodas e prejudiciais à
sociedade, se transformando em caso de polícia.
Os cronistas lançaram luz sobre a imagem da criança destituída de um “lar
sadio”, carente de uma família nuclear, especialmente aquela cujo paradigma era a
sagrada família ou “o lar de Nazaré, o ideal dos lares cristãos
37
”, no qual o pai era o
provedor, e a mulher, a responsável pelos cuidados com o esposo, o lar e principalmente
os filhos,
Edificou-se em torno da mulher toda uma mística. Descobriu-se de
repente que ela podia ser considerada responsável por tudo, ou quase
36
ESTATUTOS da Sociedade de Amparo aos Menores Abandonados. Diário Oficial. Teresina, p.4-5, 25
de mar. de 1953.
37
COLOMBO, J.C.M. O lar moderno. O Dominical, Teresina, p.4, 9 de janeiro de 1955.
53
tudo. Em todos os dossiês de crianças problemas, em todos os casos
de adultos neuróticos, psicopatas, alcoólatras [...] encontrava-se
sempre a mãe. Havia sempre na origem uma mulher infeliz,
insatisfeita [...] uma esposa exigente que perseguia marido, uma mãe
dominadora, sufocadora ou indiferente
38
Inspiração do bom ou do mau destino, o que aconteceria com os seus filhos,
teria a mãe, sempre, como a única „culpada‟ a grande responsável.
O Código de Menores
39
definia como menor o individuo com menos de 18
anos, abandonado pelos pais, que não tinha habitação certa e nem meios de subsistência.
A sociedade, por meio da imprensa e de discursos do judiciário, como o de Tancredo
Neves, Ministro da Justiça, que em 1954, não deixava que o assunto/problema dos
menores abandonados caísse no esquecimento. A sua intenção era de que os planos de
emergência fossem executados o quanto antes, no intuito de resolver o „problema‟, em
virtude da aprovação pelo Senado de uma verba solicitada pelo ministro,
especificamente, para esse caso
40
.
Em Teresina, a campanha para a „solução‟ do incômodo causado pelos
menores abandonados estava a todo vapor, tanto que no ano de 1956, se esperava a
inauguração do Asilo para os Menores Abandonados, idealizado pelo Desembargador
Manoel Felício Pinto
41
. No entanto, ao que tudo indica, não havia sido inaugurado, pois
alguns cronistas, em 1958, solicitavam providências aos poderes públicos, para que
olhassem para a infância pobre, desvalida e pedinte da capital piauiense, “Teresina está
infestada de menores abandonados de ambos os sexos, onde estão as entidades que
cuidam da assistência aos menores abandonados? Que fazem os poderes públicos
42
?
Em decorrência do crescente número de menores em Teresina, no período
em estudo, em resposta à sociedade e aos cronistas como Francisco Cunha e Silva, a
imagem de criança pedinte, „vadia‟ passava mais uma vez a ser alvo do poder judiciário.
A percepção do menor pedinte, considerado sem ocupação, ou seja, um vadio,
transformava-se como propenso ao crime. Dessa forma, a imagem da infância
abandonada passou a ser percebida como caso de polícia.
38
FRIEDAN apud BADINTER, 1985, p. 326
39
CÓDIGO de Menores. Decreto n.º 17.943 A, de 12 de outubro de 1927. Consolida as leis de
assistência e proteção a menores. Rio de Janeiro. Disponível em
<http://www.ciespi.org.br/base_legis/baselegis_view.php?id=76
> Acesso em: 15 de fev. de 2009.
40
VITORINO, José. O problema dos menores abandonados. O Dia, Teresina, p.4, 06 de maio de 1956.
41
TÓPICOS e Notícias. O Dia, Teresina, p.4, 06 de maio de 1956.
42
SILVA, Francisco Cunha e. Menores abandonados. O Dia, Teresina, p.6, 13 de jul. de 1958.
54
Considerando a urgente necessidade de ser reprimido a vadiagem
juvenil [...] o crime começa [a partir da] vagabundagem da criança. A
prática da mendicância por parte dos menores [...] constitui uma
escola para a vadiagem, para vícios, para a prostituição e também para
o crime. Considerando que a repressão da mendicância infantil é uma
medida de moralidade e de prevenção
43
.
E sob esta percepção, o Juiz Heli Ferreira Sobral fixou a Portaria sobre
menores vadios e a mendicância, definindo as formas de repreensão e, principalmente,
de detenção disciplinar.
Como os menores resistiam quanto a “receber instruções ou a se entregar a
trabalho proveitoso e útil, vagam pelas ruas, praticando a mendicância
44
”, observamos
diferentes imagens quanto à representação da infância. A imagem daquela que se estava
tentando disciplinar com trabalho era totalmente diferente da imagem da infância da
classe média, por exemplo, em que as crianças passavam o tempo estudando e
brincando despreocupadamente. No entanto, para as crianças que viviam pelas ruas, era
prescrito que elas trabalhassem, assim como também eram interditadas as brincadeiras
que faziam nas ruas, pois eram consideradas ilícitas pelas autoridades, como por
exemplo, “tomando trazeiros de veículos ou praticando o „Foot-Ball‟ na via pública ou
jogando dados nas calçadas
45
”, as crianças que fossem encontradas nas ruas „praticando‟
essas brincadeiras seriam levados à detenção e apresentada ao Juiz de Menores, que
tomaria as “providências cabíveis”.
As fontes policiais, veiculadas na imprensa reafirmavam a imagem dos
menores abandonados, tal como eram representados pelo judiciário. Observem-se os
relatos a seguir:
Menor transviado
O soldado da Polícia Militar nº 297, José Rodrigues da Cruz, servindo
no destacamento do povoado Morrinhos, apresentou a delegacia o
menor EPSN, o qual furtou naquele povoado a quantia de setecentos
cruzeiros, pertencentes ao Sr. Sebastião de tal, ali residente
46
.
Sádicos
43
OS MENORES vadios e a mendicância. Folha da Manhã, Teresina, p.4, 29 de jan. 1959.
44
IDEM.
45
Isto é o que fixava o parágrafo da Portaria sobre os menores vadios e a mendicância, deliberada em
Teresina pelo Juiz de Menores de Teresina Heli Ferreira Sobral. OS MENORES vadios e a
mendicância. Folha da Manhã, Teresina, p.4, 29 de jan. de 1959.
46
MENOR transviado. Coluna Na Ronda das Ruas. Folha da Manhã, Teresina, p.5, 20 de ago. de 1959.
55
Teresina, indiscutivelmente está crescendo, progredindo sob os mais
variados aspectos físicos, demográfico, comercial [...] mas, alguns
fatos ultimamente registrados em Teresina [chama a atenção] seria a
chamada Juventude Transviada, ensaiando passos criminosos [...]
diariamente registram-se crimes praticados contra veículos
estacionados em lugares acessíveis ao público [...] ora riscando com
instrumentos pontiagudos a pintura, ora cortando a navalha ou a
Gilette, as duas capotas, ou seus banco estofados as respectivas capas
[...] furtando até pneus de socorro [...] criminosos desses tipos tornam-
se mais perigosos que o ladrão que rouba por necessidade [...] aqueles
praticam o crime para a satisfação do instinto criminoso. São sádicos
que gozam com o sofrimento alheio
47
Em síntese, esses discursos, além de homogeneizar as crianças
abandonadas, conferiam a elas um significado marginal. A imagem que, de início,
oscilava entre desamparada, desvalida, desajustada e ociosa foi se transformando em
perigosa, transviada, delinqüente, sádica e, por fim, caso de polícia, pois passava a ser
considerada criminosa.
3.6 Transformações no corpo: o despertar da adolescência
Aos 11 ou 12 anos, começavam a surgir cobranças quanto à mudança de
atitudes no que diz respeito ao corpo e aos hábitos dos infantes. O menino não era mais
uma criança, passava a ser um homenzinho, momento de mudanças significativas no
corpo, nas atitudes, nas maneiras de se vestir. É o que mostra O. G. Rego de Carvalho,
em Ulisses entre a vida e a morte, quando o personagem da narrativa teve que cortar os
cabelos ondulados, em formato de grandes “cachinhos como um anjinho” e passar a ter
cabelos curtos. Esse ritual por que passa Ulisses é descrito da seguinte forma:
- Não acha nosso filho muito grande para esses cachos? [...] minha
mãe nada respondeu [...] iremos aqui perto, falou meu pai [quando
retornaram], papai tentou fazê-la sorrir, dizendo que eu ficara até
bonito assim de cabelo curto [...] só depois de alguns dias pôde
conformar-se e vestir-me e a pentear-me como um homenzinho
48
Mudanças eram percebidas, não apenas no visual, mas, o corpo também
demonstrava que estava em transformação “certa manhã em que banhávamos no Poti
[...] senti uma dor no bico do peito, descobrindo-o depois, levemente intumesciado: -
47
OSCAR FILHO. Sádicos. Folha da Manhã, Teresina, p.5, 07 de mar. de 1959.
48
CARVALHO, O. G. Rego de. Ficção reunida. 4. ed. Teresina: Corisco, 2003. p. 45-6
56
Está pedrando disse Norberto [...] maravilhado com a revelação
49
”. Ulisses,
personagem criado por O. G. Rego de Carvalho, deixava a infância e passava a
adolescência, cheio de expectativas, receios e medos, nesta etapa de vida.
As transformações no corpo são um capítulo à parte no que se refere à
adolescência, exemplificaremos com as experiências de Ulisses, que, em companhia de
dois amigos, se dirigiria aos bancos de areia, como eram também chamadas as coroas,
formados em um dos rios que cortam a capital do Piauí:
Ao chegar ao rio, encontramos Ronaldo com uma cesta de frutas
e apetrechos de pesca [...] na coroa, lançamo-nos à terra e nos
detivemos em contemplar a correnteza [...] vamos cair n‟água
[...] depois de tomarmos banho, debruçamo-nos na praia arenosa
[...] chamou-me Norberto, enquanto apontava uma mulher nua
que tinha desenhado no chão [...] Arnaldo me desconcertou com
uma pergunta súbita: - Ulisses, você já [...] e fez um gesto
despudorado [...] Não confessei; a vista baixando. Houve um
instante de silêncio, e para fugir a novas descobertas, afastei-me
um pouco. A indagação de Arnaldo, contudo não me saía do
pensamento [...] senti que nessa tarde se descortinou para mim
um mundo admirável
50
.
O mundo admirável que havia se descortinado para Ulisses era o da
sexualidade, especialmente a partir do conhecimento de seu corpo, através da prática da
masturbação. Quando o adolescente passava a ter comportamentos diferenciados em
relação às crianças, sentia-se diferente, quase adulto, como por exemplo, fazer parte de
um grupo ou turma de amigos, que trocavam confidências. Eram cúmplices, ao
experimentarem diferentes e inusitadas situações no sentido de serem iguais, sentiam-se
fortes e audaciosos para aventuras, como gazetear aulas e aproveitar a oportunidade
para novas descobertas, como se aventurar por locais mais distantes na cidade ou ainda
dar os primeiros passos em hábitos adultos, como o de fumar.
51
.
Pertencer a um grupo exigia realizar determinadas ações para testar a
coragem dos novos integrantes. Dessa forma, o grupo solicitava novas atitudes para
concretizar sua entrada, como ser capaz de fumar escondido, e em hipótese nenhuma
49
CARVALHO, 2003, p. 51.
50
IBIDEM, p. 70-1
51
IBIDEM, p. 51
57
revelar sua fraqueza. Por isso, Ulisses, para não ser excluído do grupo, fingia gostar do
cigarro, embora a fumaça lhe causasse tonturas e mal-estar.
A aproximação com o sexo oposto ocorria nas festas realizadas nas escolas,
como, por exemplo, nas comemorações ou festas nos educandários. Em outubro, havia
o aniversário do Liceu Piauiense, bem como a eleição para a rainha dos estudantes,
daquele colégio. A aproximação entre meninos e meninas também ocorria nos desfiles
comemorativo do feriado de 7 de setembro, inicialmente, nos treinos, que começavam
ainda no mês de agosto, no qual, os alunos do Liceu Piauiense
52
, do Colégio das Irmãs,
do Diocesano e da Escola Industrial, desfilavam pelas ruas e avenidas da cidade
53
.
Outra forma de aproximação entre os alunos, desta vez dos colégios de
orientação católica, como o Colégio das Irmãs e o Colégio Diocesano, era através das
procissões, o que constituía raras oportunidades, que deveriam ser aproveitadas ao
máximo:
Eu era aluna do Colégio das Irmãs, também seguia o ritual (a
procissão) , não por espírito cristão, mas por imposição da direção do
educandário. E que não podia escapar da obrigação, era mais
inteligente ir para aproveitar a ocasião para observar os alunos dos
colégios masculinos, como o do Diocesano
54
As transformações que ocorrem no corpo feminino adolescente foram
percebidas Ulisses, personagem do romance de O. G. Rego de Carvalho. Ao descrever
Conceição, prima de seu amigo Arnaldo, observava que o rosto dela estava coberto de
espinhas e os seios apontavam
55
. Nessa fase de mudanças, as meninas precisariam
conhecer detidamente as transformações hormonais que faziam o seu corpo se
modificar, dentre elas, podemos citar a menstruação.
Nesse sentido, as propagandas vão desempenhar um papel importante, no
tocante à informação sobre as mudanças no corpo feminino. Desde o início do século
XX, a publicidade invadiu o espaço privado, facilitando a solução de algumas das
dúvidas adolescentes, quanto às transformações em seu corpo. Uma boa amostra do
impacto das propagandas na descoberta do corpo feminino pelas adolescentes era a
propaganda do “modess”, que surge na década de 1950.
52
Colégio Estadual, como era chamado no período em estudo.
53
ABREU, 2002.
54
IBIDEM, p. 217
55
CARVALHO, 2003, p. 63.
58
Foto 13: Seleções do Reader’s Digest n. º 148, p. 103, maio de 1954.
As propagandas também eram dirigidas às mães para que não deixassem
suas filhas crescerem na ignorância de certos fatos relacionados com a vida feminina,
afinal, a menstruação lhes conferia a entrada no mundo feminino adulto, caberia à mãe,
ensinar a filha sobre a proteção conveniente dos recursos modernos, como o absorvente,
que se tornava uma necessidade indispensável para o conforto, ao contrário dos métodos
antiquados. O modessera apresentado como mais higiênico, conveniente em relação
às toalinhas, custando por mês pouco mais que uma entrada de cinema, mostrando dessa
forma, que era uma falsa economia recorrer aos métodos antigos
56
.
Sobre o item da iniciação sexual, nas crônicas e romances a que tivemos
acesso não encontramos registros na maioria deles. Em outros muita reserva em
mencionar o assunto, mas nem todos, tiveram pudor em revelar suas memórias acerca
de sua primeira intimidade. Recorreremos às memórias de A. Tito Filho, que rememora
56
CERTAS coisas que sua filha deve saber. Seleções do Reader’s Digest n. º 148, p. 103, maio de 1954.
59
temporada na fazenda de sua tia, na cidade de Porto, onde teve sua primeira aventura
amorosa. Dentro do mato, amou uma negra velha
57
.
Sobre educação sexual, a Igreja se pronunciou a partir de um discurso do
Papa Pio XII, dirigido aos pais de família, no qual alertava os pais sobre os perigos da
iniciação sexual, que os jovens estavam tendo acesso através de leituras, em revistas ou
romances.
[...] referindo-se aos deveres dos pais e mães de família, o Papa
denunciou os perigos da literatura sobre a iniciação sexual, fica-se
aterrorizado em face da intolerável imprudência de tal literatura:
diante do segredo da intimidade conjugal [...] vemos agora violar-se
esse mistério e dar-se dele uma visão sexual como espetáculo ao
grande público e à própria mocidade
58
.
Para a Igreja se alguém tivesse que instruir os filhos sobre educação sexual,
teria que ser os próprios pais e não a escola ou revistas em geral. Em síntese, a fase
específica da vida na qual as crianças passam da infância à adolescência é marcada por
mudanças de hábitos e comportamento, bem como pela inserção em grupos ou ainda
nas maneiras de se vestir, além de transformações significativas no corpo o despertar
da sexualidade.
3.7 Escolas que instruem e educam: trajetórias escolares na adolescência
A partir dos movimentos leigos da Ação Católica, a instituição católica
passou a intensificar e direcionar a formação dos jovens, a partir da diferença,
convocando-os a serem soldados de Cristo para defender a escola católica, como
também se proteger do mundo moderno e dos perigos que poderia trazer. Dessa forma,
era solicitada uma constante vigilância, quanto ao acesso dos jovens às leituras e aos
espetáculos a que assistiam, em forma de teatro ou cinema
59
.
De acordo com o discurso católico, era preciso uma vigilância constante e
também fortalecer a mocidade contra as seduções e erros do mundo moderno. A
57
TITO FILHO, José de Arimathéa. Crônicas. Teresina: Gráfica Júnior, 1990. p. 43
58
RELAÇÕES entre a família e o Estado iniciação sexual. O Dominical, Teresina, p.4, 04 de nov. de
1951.
59
PIO XI. Divini Illius Magistri. Educação Cristã da Juventude. Roma, 31 de dez. de 1929. Disponível
em <http://www.vatican.va/holy_father/pius_xi/encyclicals/documents/hf_p-xi_enc_31121929_divini-
illius-magistri_po.html>. Acesso em: 30 de jun. de 2008. (Grifo nosso)
60
solução seria a adoção das mesmas estratégias do inimigo, e para isso, o ideal seria
conhecer as suas armas e saber manuseá-las ao seu favor. A difusão de boas leituras e a
promoção de espetáculos verdadeiramente educativos, criando teatros e cinematógrafos
onde as virtudes cristãs fossem valorizadas e propagadas
60
. É com esse intuito que a
União dos Moços Católicos de Teresina mantinha um programa radiofônico intitulado
Avante Mocidade, tendo, posteriormente, iniciado uma campanha de quase dois anos
para a construção do Cine São Tarcísio, onde seriam exibidos filmes condizentes com
os princípios católicos. Após a publicação da encíclica Divini Illius Magistri, a Igreja
Católica centrou seu discurso na formação educacional de crianças e, principalmente
dos jovens.
A seguir, passamos a apresentar algumas trajetórias escolares na
adolescência.
Marize Marques Martins de Araujo nasceu em 1932, na cidade de Floriano.
Aos 11 anos de idade migrou para o Ceará para estudar o ano ginasial no Internato
das Irmãs Dorotéia, escola de caráter confessional, onde passou 8 anos como aluna
interna de 1943 a 1951, concluindo o Curso Normal aos 19 anos, mas nunca chegou a
exercer o magistério. Parte de sua infância e toda sua adolescência foram vividas, ou
melhor, moldadas, dentro dos padrões morais cristãos. Retornou à sua cidade natal
apenas em 1952.
No Internato das Irmãs Dorotéias, o ensino era permeado pelas doutrinas
católicas expressas nas práticas diárias das internas, nos controles dos horários e das
atividades, que eram rigorosas.
Às 6:15 a gente acordava e ia para a missa todo santo dia, quando a
gente descia para missa, tirava tudo da cama ficava com os
colchões, dobrava todas os lençóis, e ia a missa, quando terminava
subia e arrumava a cama, depois podia descer para tomar café
[tinha horário para tudo] era horrível o controle, terrível, nós
deitávamos às 20:30
61
.
Teresa de Albuquerque Vilarinho Castelo Branco nasceu em 1932, na
cidade de Amarante, é a segunda filha do segundo casamento de seu pai, que, em fins da
60
PIO XI. Divini Illius Magistri. Educação Cristã da Juventude. Roma, 31 de dez. de 1929. Disponível
em <http://www.vatican.va/holy_father/pius_xi/encyclicals/documents/hf_p-xi_enc_31121929_divini-
illius-magistri_po.html>. Acesso em: 30 de jun. de 2008.
61
ARAÚJO, Marize Marques Martins de. Entrevista concedida a Ângela Maria Soares de Oliveira.
Teresina, 22 de fevereiro de 2008.
61
década de 30 e início da década de 40, “chegou a conclusão de que a melhor coisa que
poderia fazer era botar os filhos para estudar
62
”, o que demarcava uma mudança na
perspectiva sociocultural sobre a infância e a importância dada à escolarização
63
, como
procedimento para constituição da individualização da criança, visto que os filhos do
primeiro casamento não estudaram, somente os do segundo casamento.
Em 1946, depois que a irmã mais velha de Teresa Castelo Branco concluiu
o ginásio na cidade de Floriano. Para prosseguir nos estudos, partiu para Teresina, para
fazer o Curso Normal, levando a irmã Dona Teresa, em sua companhia.
Ao chegar a Teresina, começaram a estudar no Colégio Sagrado Coração de
Jesus Colégio das Irmãs, que funcionava em regime de internato, semi-internato e
externato. Inicialmente era para ser interna na escola
64
, mas seu pai, além de manter as
duas filhas em outra cidade para estudar, tinha que custear também as suas despesas, em
uma pensão, pois não possuíam parentes para acomodá-las na cidade enquanto
estudavam, “nós morávamos em uma pensão de pessoas conhecidas nossas [...] era uma
pensão só de moças, era muito animado, ficávamos na frente da pensão conversando
65
.
Em dezembro de 1949 retornou a Amarante
66
, dando oportunidade para suas
irmãs mais novas fazerem o mesmo percurso educacional. Voltando a sua cidade natal,
não conseguiu trabalhar no magistério. Contudo o rumo de sua história mudaria em
julho de 1950
67
.
Iracema Santos Rocha da Silva nasceu em 1927, na cidade de Floriano. Em
1932, por falta de escolas na cidade, toda a família migrou de Floriano para a cidade de
Teresina, em razão de seu irmão mais velho, Antônio Santos Rocha precisar prosseguir
seus estudos. Em 1935, Iracema, então com 7 anos, iniciava o primário no Colégio das
Irmãs, na modalidade de externato, onde permaneceu até concluir o Curso Normal, aos
19 anos, em dezembro de 1946.
V.G.F.N nasceu na cidade de Parnaíba, em 27 de julho de 1926. Quarta filha
de uma família de dez irmãos, foi a primeira das filhas a ter a oportunidade de estudar,
62
CASTELO BRANCO, 2008.
63
Segundo ARIÈS, ARIÈS, Philippe. História social da criança e da família. 2. ed. Rio de Janeiro:
LTC, 1981. Infância e escola são duas invenções modernas.
64
Era regime de internato e de externato. A princípio era para eu ficar no regime de internato, mas, então
ficava muito caro para o meu pai manter. CASTELO BRANCO, 2008.
65
IDEM.
66
Em 1949 eu fui embora, por questões financeiras, voltei para Amarante para ver se conseguia um
concurso, um emprego de professora. Quando eu fui para lá, vieram outras duas irmãs estudar aqui em
Teresina. CASTELO BRANCO, 2008.
67
Quando então retornava a Teresina para casar-se com o uemeceista e vicentino José Ferreira Castelo
Branco.
62
pois, “naquele tempo, não era obrigado a moça estudar, minhas irmãs, mais velhas não
estudaram
68
”. Para seu pai, não havia necessidade de investir nos estudos da mulher,
pois, seu “destino natural” era o lar. E para isso, não precisaria de diplomas, somente
possuir prendas domésticas, ou seja, saber fazer trabalhos manuais para melhor
desempenho de sua função social tradicional: esposa, mãe e dona de casa.
Eu não fazia nada de arte, eu não era para bordar ou costurar, não
gostava de trabalhos manuais, eu era para estudar, fui a primeira da
família a estudar, fui a primeira que fez ginásio e pedagógico. Naquele
tempo, não era obrigado a moça estudar, minhas irmãs mais velhas
não estudaram [...] eu tinha uma prima professora [ela] disse para meu
pai „se você não pagar, eu pago o colégio para V. G. F N‟, e assim
ficou combinado com meus pais. No entanto, fiz as provas para
estudar no Colégio Nossa Senhora das Graças, ai eu tirei o primeiro
lugar, e, então, era dada a chance de estudar um ano de graça, e no
segundo ano, o meu pai foi entendendo, que eu queria mesmo
estudar
69
.
O que percebemos é que foi de fundamental importância para a sociedade o
ensino nas escolas confessionais, como o Colégio Nossa Senhora, no tocante à
„fabricação‟ de mães verdadeiramente cristãs, rainha do lar, visto que
“ser mãe, esposa e dona de casa era considerado o destino natural das mulheres. Na
ideologia dos Anos Dourados, maternidade, casamento e dedicação ao lar faziam parte
da essência feminina
70
. Contudo, algumas mulheres utilizaram táticas para vivenciarem
esta „essência feminina‟ na década de 1950 e também dar prosseguimentos a outros
projetos pessoais, como escolarização em nível superior e trabalho fora de casa.
As escolas confessionais possuíam um maquinário discursivo e
disciplinador que começava a partir da diferenciação na formação escolar, idealizado
pelas prescrições católicas, no qual reafirmavam os papéis tradicionalmente
referendados, como os de mãe e esposa. Da mesma forma, a própria arquitetura da
escola ordenava e disciplinava, os corpos para não terem acesso ao mundo exterior.
68
V.G.F.N. Entrevista concedida a Ângela Maria Soares de Oliveira. Teresina, 04 de outubro de
2007.
69
IDEM.
70
BASSANEZI, 2000. p. 609.
63
Foto 14: Colégio Sagrado Coração de Jesus na década de 1950 (Fonte: MARTINS, 1959, p.114)
Esse controle propiciado pela arquitetura da escola não impedia que
algumas alunas burlassem o código disciplinar, tornando mesmo possível a paquera, ou
simplesmente chamar a atenção de rapazes que passavam pela calçada da escola. É o
que nos informa dona Teresa Castelo Branco,
[...] dava sim para paquerar, uma vez, estávamos na aula do
Monsenhor José Luis, era aula de latim, ele estava na lousa copiando
alguns versos, e enquanto isso, algumas moças levantavam para olhar
pela janela os rapazes que estavam passando na calçada do colégio. O
professor chamou a atenção, e como as alunas, não saíram da janela, o
professor soltou o giz e foi chamar uma das Irmãs e disse que era
impossível dar a aula, porque as alunas não estavam se comportando
direito, pois, estavam na janela, então as Irmãs deixaram toda a turma
de castigo até as 18 horas
71
.
Esse ato de „indisciplina‟ de algumas alunas custou o castigo a todas as
discentes daquela turma, pois tinha o objetivo de dar „exemplo‟ sobre o ocorrido, que
não deveria ser seguido por nenhuma outra classe.
A disciplina dos corpos também ocorria na forma de rigorosos horários, na
forma de apresentação na capela e, posteriormente, no refeitório, todas enfileiradas e
“sempre rezando”, como „cordeiros‟, e também no uso de uniformes pesados e
compridos,
as internas tinham toda roupa marcada por um número. O meu era
121, minha irmã 98 [...] as Irmãs levantam-se ao tocar da campa (5
71
CASTELO BRANCO, 2008.
64
horas) e as alunas ao tocar da segunda campa (5:30) todas tinham que
trocar de roupa calçar meias e sapatos e arrumar a cama com rapidez,
sempre rezando [...] as meninas deviam estar penteadas, arrumadas e
enfileiradas para entrar na capela e assistir à missa das 6 horas. Depois
da missa subíamos para o refeitório [...] descíamos do refeitório em
fila e cantando. Às oito horas começavam as aulas [...] as alunas
internas usavam durante o dia o uniforme completo: saia azul
marinho, blusa creme de mangas compridas, meias longas e grossas
[...] à noite uma camisola longa e de mangas
72
.
A instrução religiosa que as alunas recebiam era uma espécie de guia a ser
seguido na vida da mulher, a quem, depois de constituir uma família, cabia formar os
filhos de acordo com os princípios cristãos. A função-missão da mulher era transmitir e
preservar os valores e crenças cristãmente recebidos, bem como viver aplicando os
ensinamentos religiosos, para a consolidação do projeto vencedor do cristianismo na
sociedade. Por isso, a ajuda da mulher na preservação „da saúde‟ da Igreja Católica era
fundamental, da mesma forma que na recristianização da sociedade. O destino de
nossa época está nas mãos da mulher
73
”.
No entanto, essa rigidez na vigilância e no controle da educação oferecida
pelas Irmãs causava, por vezes, não a resignação, mas, burlas bastante interessantes,
como por exemplo, a construção de paródias e da atribuição de apelidos a professores e
às próprias Irmãs.
As garotas gostavam de apelidar os professores e até as Irmãs. que
nem eles, nem elas sabiam. Assim o professor que substituiu o de
matemática, muito magro era o „Tripa Escorrida‟ [...] entre as Irmãs
havia uma italiana que era explosiva e tocava forte na campa, seu
apelido era „Vesúvio‟(vulcão que está sempre em atividade). Outra
que falava alto e reclamava de tudo era a „Espalha Brasa‟[...] outras
meninas gostavam de fazer parodias, aproveitando músicas fáceis.
Eram bem engraçadas [...] está é a música carnavalesca „Os Carecas‟
Nós as internas
Com as externas
Somos maiorais
Pois na hora da saída
É das internas
Que eles gostam mais
Não precisa ter vergonha
Pode mostrar
O seu joelho
72
CARVALHO, Miriam O. Jales de. Pequena história das alunas internas do Colégio Sagrado
Coração de Jesus: 1937-1944. Teresina, 2002. p.4-5
73
O DESTINO de nossa época está nas mãos da mulher. O Dominical, Teresina, p. 3, 30 de jan. de 1955.
65
Pra que cabelos
Pra que pernas raspadas
Se são internas
É porque são danadas
74
Analisamos as memórias neste trabalho numa perspectiva de gênero, nesse
sentido, a história será escrita a partir dos entrecruzamentos das histórias de vidas, de
mulheres e de homens, uma interagindo com a outra como categoria relacional e não
fixa. Dessa forma, passemos às trajetórias escolares masculinas.
José Nazareno Soares de Araújo era filho único. Concluiu o primário, em
Floriano, no Instituo Santa Teresinha, que era de propriedade do professor Manoel
Sobral Neto. Como a cidade não possuía ginásio, migrou para Fortaleza, aos 13 anos de
idade, em 1943. Nesse mesmo ano, Dona Marize, também, migrava para Fortaleza, a
fim de estudar no Internato das Irmãs Dorotéias. José Nazareno recorda a viagem como
um momento de festa, apesar de não esquecer as longas horas gastas num barco a
Vapor.
Os meninos e meninas viajavam juntos, como naquele tempo não
tinha transporte como ônibus, a gente viajava juntos quando íamos
para Fortaleza, em uma embarcação chamada Vapor, esta descia o rio
Parnaíba, de Floriano para [Teresina], era um dia de viagem,
quando a gente voltava eram dois dias de viagem de Fortaleza para
Floriano. Era uma festa, namorados, rapazes e moças que saiam de
Floriano e iam estudar em outras cidades, iriam todos juntos, meninas,
meninos e suas respectivas mães
75
.
Ao chegar a Fortaleza, José Nazareno, foi estudar no Internato Marista,
colégio de orientação católica, permanecendo neste colégio até o 1º ano clássico
76
,
quando mais uma vez migrou, desta vez, para a cidade Belo Horizonte, onde concluiu o
curso clássico e ingressou, aos 18 anos, na Faculdade de Direito de Belo Horizonte,
concluindo o curso em 1953. No mesmo ano, retornou a cidade natal, Floriano.
74
CARVALHO, Miriam, 2002. p. 6-7.
75
ARAUJO, Jose Nazareno. Entrevista concedida a Ângela Maria Soares de Oliveira. Teresina, 22 de
fevereiro de 2008.
76
Em 1942 o Ministro da Educação e Saúde, Gustavo Capanema, fez uma reforma que alterou as
seriações do Ensino Secundário (Ginásio), antes da reforma o ensino ginasial era de 5 anos, destes 2 anos
eram os estudos complementares, eram determinados pelas carreiras que desejassem seguir, havia o pré-
médico, pré-jurídico. Depois da Reforma, o Ensino Secundário passou a ser de 4 anos. O colegial podia
ser clássico, este se destinava aos estudos humanísticos, como direito e filosofia, dentre outros; e o
científico, para aqueles que iriam para as carreiras médicas e técnicas, como medicina e engenharia. Para
mais informações ver BRITO, Itamar de Sousa. História da Educação no Piauí. Teresina: EDUFPI,
1996.
66
Manoel Paulo Nunes era o filho mais velho de uma família de 11 irmãos.
Em 1938, com apenas 12 anos de idade, migrava para Teresina, onde iniciou o curso
ginasial no Colégio Diocesano, concluindo em 1943. No ano seguinte, iniciava o
Colegial Clássico, no Liceu, e no ano de 1950, tornava-se bacharel em Direito pela
Faculdade de Direito do Piauí - FADI.
Celso Barros Coelho era o filho mais velho de uma família de 7 irmãos. Aos
12 anos, depois que ficou órfão de pai, começou a trabalhar no comércio de sua tia
Arica Leal, permanecendo até os 16 anos, quando então conseguiu uma bolsa de estudos
para o Seminário na cidade de Teresina.
Celso Barros permaneceu no Seminário até 1945, quando então resolveu
não prosseguir mais como seminarista. Contava então, 23 anos. Dessa forma, começava
a conhecer a cidade, pois “enquanto estava no Seminário desconhecia a vida social e a
vida noturna de Teresina. depois de 1945 é que pude entrar em contato com a vida
cotidiana da cidade
77
”, percebia uma urbe que pulsava nas praças, em especial, a Pedro
II, considerada a praça dos namorados, “ninguém que quiser conhecer o mundanismo da
cidade, olhar as moças ou conseguir uma namorada, não poderá deixar de vir a esta
praça
78
”.
Como ainda não era oficializado o ensino do Seminário, e por ser de caráter
doutrinário e não ginasial, em 1946, Celso Barros refaz todo o curso através de um
exame de todas as matérias do currículo ginasial. As provas foram realizadas no Liceu
Piauiense. Aprovado, iniciava o curso Clássico no Colégio Diocesano. No mesmo
período que fora aluno do Colégio Diocesano também começava sua experiência no
magistério do Colégio Demóstenes Avelino.
A escola, ao separar meninos e meninas, produziu diferenças, distinções,
desigualdades, mecanismos de classificações, hierarquias
79
. Ela também realçava as
diferenças sociais, pois, durante o período em estudo, ter acesso a escola era privilégio
de poucos, conforme nos confirmou Manoel Paulo Nunes,
O ensino no Liceu Piauiense constituía um excelente colégio, um dos
melhores da época, mas, para uma casta, algumas classes da
sociedade, o povo estava fora deste processo. Para a classe
desfavorecida, aqui, e em todo o país, havia a Escola Industrial,
77
COELHO, 2008.
78
DOBAL, 2007, p.16-8
79
Sobre esse aspecto da educação ver LOURO, Guacira Lopes. A construção escolar das diferenças. In:
___________. Gênero, sexualidade e educação: uma perspectiva pós-estruturalista. 7. ed. Petrópolis,
2004. p. 57-87
67
sucedâneo do antigo Liceu de Artes e Ofícios, criado no início do
século XX. Esta era de fato a escola destinada às classes pobres. Era
assim uma educação dicotômica, ou seja, uma educação para “os
nossos filhos”, elitista, e outra, popular, para os “filhos dos outros”
80
.
A educação diferenciada destinada aos jovens constituía-se uma estratégia
católica, para garantir a binariedade entre os papéis sexuais rígidos na constituição da
família: o homem provedor da família ou o „cabeça‟ da mulher, e a mulher rainha do lar.
A preocupação do pai com o aprendizado das meninas não era o mesmo, se
comparado aos meninos, não havia o mesmo empenho em conceder auxílios financeiros
por parte do pai. Quando entrevistamos dona Iracema e indagamos sobre as diferenças
nos investimentos em educação que os pais concederam a ela, em relação aos seus
irmãos, esta afirmou:
Havia sim, diferença na educação; a dos meninos era muito liberal,
substancial, a das meninas, não! aprendiam no máximo a ler e
escrever, estudavam o primário. Para se tornar professora, era o
máximo, estava realizada. Eu estudei durante toda minha infância
somente no Colégio das Irmãs, foi lá que eu aprendi as primeiras
letras. setenta anos, mais de meio século, mulher não estudava em
Teresina, eu não queria ser professora não, eu queria ser advogada.
Meu pai embora um homem culto, adiantado e progressista, não quis
que eu estudasse no ginásio porque tinha homens. Ele dizia que não
proibia, mas proibia. Para você ver como era a atitude, então ele me
colocou no Colégio das Irmãs, para estudar o curso normal, e, me
tornar professora
81
.
Ao analisarmos as trajetórias educacionais infantis, constatamos que as
mulheres se concentravam no ensino normal, este de caráter profissional, considerado o
modelo de educação feminina, assim como também era o paradigma „ideal‟ dos
investimentos familiares, percebidos nas trajetórias das entrevistadas. Ser professora
significava dar continuidade à idéia de natureza feminina, as meninas se tornavam
maternais e delicadas, o curso as preparava para a missão de se tornarem professora e
mãe.
Em síntese, a partir das trajetórias educacionais dos entrevistados, podemos
constatar diferenças e desigualdades de gênero, pois uma educação diferenciada
constituía estratégia católica, para afirmar a hierárquica nos papéis sexuais. Desse
modo, escola para as meninas deveriam funcionar como uma extensão de sua missão no
80
NUNES, 2008.
81
SILVA, 2008.
68
lar através do cuidado com crianças, e também da casa, para isso nas escolas
confessionais contavam com as disciplinas de higiene ou puericultura para lhes ensinar
o que deveria saber uma rainha do lar. Eram ensinados, ainda, trabalhos manuais, com
agulhas, para aumentar mais o rol das prendas femininas. Enquanto isso, os homens
estavam presentes nos cursos científicos, de caráter propedêutico, com a preparação
para o vestibular, o que facilitava o acesso aos cursos superiores.
69
4 A MOCIDADE
1
Neste capítulo apresentaremos os lugares de sociabilidades que os jovens
freqüentavam, como, por exemplo, praças, cinemas, quermesses, o Clube dos Diários,
nos quais nasceram compromissos, que se configuraram em casamentos.
Problematizaremos as regras do namoro, a duração do noivado, as influências das
revistas Vida Doméstica, Revista do Rádio e Seleções do Reader’s Digest e do cinema
no comportamento dos jovens, percebidos também através das modas, dos produtos de
beleza e higiene pessoal consumidos. Focalizaremos também, os modelos socialmente
prescritos e culturalmente consumidos, seus valores dominantes prescritos, bem como
os usos plurais em relação ao corpo e sexualidade, especialmente o feminino.
4.1 Borboleteando ou a arte de flertar na PII (Praça Pedro II)
Grande parte da vida da cidade se passa nas praças, que desempenham
aqui um papel importante do que talvez em outro lugar [...] tornando-
se um centro de reunião obrigatória para quem participa da vida da
cidade, lugar onde se faz a crônica viva dos acontecimentos
cotidianos, ponto de encontros e discussões, comentários, mexericos.
A cidade tem muitas praças [...] das muitas, a cidade usa,
principalmente duas. Uma para uso diurno, outra para uso noturno. A
de uso diurno é a Praça Rio Branco, situada atrás da Igreja N. S. do
Amparo, [...] praça do comércio e dos cafés [...] praça noturna é a
Pedro II. Assim, tout court, sem o dom. É a praça dos namoricos, das
moças, das sorveterias
2
.
O flerte ou aproximação momentânea, na década de 1950, ocorria a partir
do olhar. Eram galanteios, gestos, que poderiam possibilitar um compromisso mais
sério aos namoros que freqüentemente iniciados nas praças, em especial, na Pedro II.
[...] foi na Praça Pedro II, onde se costumava rodar à espera do cinema
[que] saímos e nos pusemos a observar as garotas que iam passando à
nossa esquerda, em sentido contrário. Numa dessas vezes senti que
alguém me olhava; procurei descobrir quem era, mas a jovem fugiu e
não pude ver-lhe o rosto [...] a seguir fomos os três para um canto da
praça [...] Conceição procurou meus olhos com os seus, assustada de
um castanho vivo. Amanhã irá as barraquinhas? Indagou. Disse-lhe
que sim [...] ao voltar para casa, indaguei de mim [...] por que não
1
Neste trabalho não usamos o termo juventude para designar, rapazes e moças, por se tratar de um nome
historicamente utilizado para demarcar os movimentos estudantis de 1960, portanto, uma invenção da
década de 60. Neste trabalho usaremos a palavra mocidade para designar a fase compreendida entre a
infância e a idade adulta.
2
DOBAL, p.16-8.
70
resistia à sedução dessa garota. Que havia nela de extraordinário, além
da beleza
3
.
Mulheres com atitude assustavam os homens, possuíam o “it” que seduzia.
Para Álvaro Pacheco, eram as mulheres que “não se encabulam e tomavam as
iniciativas” intimidavam e conseqüentemente assustavam os homens na prática do flerte
na P. II, onde havia um passeio, formado por um círculo, no qual mulheres rodavam de
um lado e homens de outro.
Foto 15: Parte baixo da PII onde moças giravam de um lado e rapazes de outro
(Fonte: Arquivo Público)
[...] de um lado vão as mulheres [...] algumas ariscas, tímidas,
olhando o medo por entre os cílios, de cima para baixo, desconfiadas,
pudicas preparando com tal santidade um bote quiçá
inevitavelmente - a perdição, certa de um nobre mancebo qualquer,
desprevenido e inocente. Outras, meio-termo, ora medrosas ora
afoitas, encarando temerariamente o inimigo numa volta, para na
outra [...] negacear a vista, disfarçar com a amiga do lado, fingir uma
conversa [...] e as últimas, as corajosas, as afoitas as que atacam os
homens diretamente, as que não se encabulam e tomam as iniciativas
abertamente, sorrindo com galhardia e a graça, investindo, forçando
os marmanjos a se intimidarem [...] é raro o homem que perto de
mulher atirada não fique logo tímido e encolhido.
4
.
O cronista Álvaro Pacheco denominava nossa Praça Pedro II de monumento
ao tédio, ponto de encontro de casais, início dos flertes, dos cinemas, das sorveterias,
enfim a diversão para a mocidade teresinense, sendo os dias mais freqüentados a quinta-
3
CARVALHO, 2003. p. 81-3.
4
PACHECO, Álvaro. A praça. Folha da Manhã, Teresina, p.2, 26 de jan. de 1958. (grifo nosso)
71
feira, o sábado e o domingo, nos quais as bandas de música da Polícia Militar ou do 25º
Batalhão de Caçadores tocavam das sete às nove da noite.
No círculo maior, o movimento começava mais cedo, mas a agitação
melhorava apenas às 19 h, momento no qual o passeio de dentro começa a se encher
com as mais society. Não havia moça sem namorado que ficasse em casa e nem moça
sem namorado que deixasse de ariscar conseguir quem sabe, um pretendente naquela
noite
5
. Os olhares, as conversas, enfim, os flertes estavam no máximo de animação. No
entanto, quando a corneta soava no quartel da Polícia, localizado em frente à Praça
Pedro II, anunciando que eram 21 h, parecia que um vento muito forte tinha passado na
praça, pois, de repente, os vestidos coloridos desapareciam
6
.
Os flertes ou as paqueras também ocorriam durante os desfiles do 7 de
Setembro, momento no qual se reuniam as principais escolas da cidade, e todos os
jovens se encontravam. No entanto, como a parada ocorria somente uma vez ao ano, as
memórias inventariadas foram unânimes em apontar a Praça Pedro II, como o palco
principal para paquerar que “naquela época era chamado flertar, um ficava olhando para
o outro, os olhos diziam tanto coisa, mesmo de longe, flertar era o maravilhoso, logo
todos tinham boa visão, como era bom esse tempo
7
. Dessa forma, era comum o
namoro iniciar, na Pedro II, através dos flertes. Os romances que nasceram na praça, em
muitos casos, resultaram em casamentos.
“O movimento começa às sete, às oito cresce com a gente que sai dos
cinemas e às nove, termina
8
”, pois às 21 horas a Usina Elétrica apitava informando que
a cidade ficaria às escuras. Reforçando o recado, o Quartel de Polícia, localizado em
frente à Praça Pedro II, tocava a corneta, era a hora da “onça beber água”. Em nome da
moral e dos bons costumes, era prudente que as moças retornassem as suas casas, visto
que a iluminação na cidade era precária, posto que, dos 208 logradouros, apenas 28
eram iluminados totalmente, e a partir das 21 horas, a Usina era desligada. A moral
sexual feminina era bem demarcada com horário rígido para chegar à casa dos pais.
Quanto aos rapazes, depois que deixavam suas namoradas em casa, desciam
à zona do meretrício da cidade, situada na Rua Paissandu
9
. As moças que resolvessem
5
PACHECO, Álvaro. A praça. Folha da Manhã, Teresina, p.2, 26 de jan. de 1958.
6
IDEM
7
SILVA, 2008.
8
DOBAL, 2007, p.16-8
9
Para saber mais ver a dissertação de FILHO, Bernardo Pereira de. Cartografia do prazer: boemia e
prostituição em Teresina (1930-1970). Dissertação, 2006, 161 f. (Programa do Mestrado em História da
Universidade Federal do Piauí).
72
ficar na praça, depois de soado o apito do quartel, passavam a ser mal faladas, no
entanto, as mais atrevidas, ficavam até as dez, na sorveteria, afrontando as orientações
paternas
10
.
Para conhecer a cidade dos jovens, era preciso respirar os ares da Praça
Pedro II e perceber detidamente detalhes de como sua arquitetura era apropriada pela
juventude. Na prática, eram duas praças, a de cima e a de baixo, que separavam ou
diferenciavam as jovens, na parte de cima ficavam as curicas, as empregadas
domésticas, as ditas mal faladas, na parte de baixo, as moças de família
11
.
Foto 16: Parte de cima da PII (Fonte: Arquivo Público)
Na prática, as divisões não eram rigorosas, os grupos se interpenetram, mas,
em linhas gerais, são válidas, visto que contemplava os valores tradicionais da
sociedade teresinense, que polarizava nos discursos as representações sobre o feminino,
construindo identidades fixas que oscilavam entre ser moça de família ou ser mal
falada
12
. O nosso objetivo é inventariar os conflitos, ir além do discurso dual que
almejava naturalizar as identidades femininas e desconstruir essa visão bipolarizada,
muito presente no imaginário da cidade, e mostrar como as vivências cotidianas do
feminino se mostravam muito mais complexas.
4.2 Para além de “Evas” e “Marias”: as práticas femininas em Teresina
I.
As Irmãs faziam restrições a determinados comportamentos, elas não
permitiam que andassem com os namorados, se tivesse com a farda
10
DOBAL, 2007, p.16-8
11
SILVA, 2008.
12
DOBAL, op.cit. p.16-8
73
do Colégio Sagrado Coração de Jesus [...] eu ia mesmo só, e voltava
só, nunca fui acompanhada, principalmente porque eu tava de farda
13
.
II.
Eu entrei no Colégio das Irmãs em 1935, era da turma do externato,
pois assistia às aulas e voltava para casa, por volta das 13 horas. E
quando voltava para casa, às vezes encontrava o paquera, e ele me
acompanhava até próximo a minha casa, pois meus pais não podiam
saber. O primeiro carro que surgiu em Teresina foi desse meu
primeiro namorado, eu tinha 14 anos e ele 18 anos
14
.
Os relatos anteriores são de ex-alunas do Colégio Sagrado Coração de Jesus,
popularmente conhecido por Colégio das Irmãs, escola tradicional na cidade de
Teresina, fundado em 1906, de caráter confessional católico. Nos anos cinqüenta do
século XX, funcionava em regime de externato, no qual, as alunas permaneciam na
escola somente no horário das aulas, ou seja, turno da manhã; semi-internato, as alunas
ficavam no colégio durante todo o dia, à noite voltavam para suas casas. No internato,
as alunas, além de assistirem às aulas, eram internas, moravam na escola.
A memória, enquanto fenômeno individual e social, é, ao mesmo tempo,
fonte e fenômeno histórico, constitui “reservatório rico em arquivos, documentos,
monumentos, que o historiador, emprega para produzir conhecimento histórico
15
”.
Michel Pollak
16
, ao analisar a memória a partir de sua relação com a identidade social
enfatiza o seu caráter fluido e plural e não de forma fixa ou essencialista, formato que
nos ajuda no trabalho com a memória dos atores sociais que foram chamados a intervir
nesta narrativa.
A identidade como fenômeno histórico é constituída, a partir da diferença
17
,
nós nos reconhecemos naquilo que não somos, a partir do Outro. Dessa forma, o
discurso católico, ao prescrever a representação de Maria, enquanto modelo a ser
seguido, tinha, necessariamente, que dispor de um anti-modelo, que pudesse ser
reconhecido como oposto, daí porque adotou Eva como modelo negativo. Dessa forma,
a identidade feminina passou a ser representada pelo discurso católico como fixa,
portanto, polarizada entre Eva e Maria, que representavam dois modelos excludentes.
13
CASTELO BRANCO, 2008.
14
SILVA, 2008.
15
NASCIMENTO, Francisco Alcides do. O papel do historiador nos poemas “O Historiador” de
Drummond e “A um historiador” de Whitman. Teresina: APECH, UFPI, 1995. p. 12.
16
POLLAK, Michael. Memória e identidade social. Estudos Históricos, vol. 5, n.10, 1992. memória é
um elemento constituinte do sentimento de identidade, tanto individual como coletiva” p.205
17
Sobre essa afirmação ver HALL, Stuart. Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais.
Trad. e org. Tomaz Tadeu da Silva. 3. ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2004.
74
Stuart Hall nos alerta para o fato de que não existem identidades fixas,
essencialista, consideradas naturais, pelo contrário, por ser um fenômeno cultural e
histórico, uma mesma pessoa possui identidades em transformação, fluidas e plurais,
muitas vezes contraditórias
18
. No entanto, determinadas instituições tentam constituí-
las, instituí-las, ou amarrá-las à fixidez, como na representação de Eva ou Maria.
O Colégio das Irmãs, de formação católica, ensino elitista e, exclusivamente
para moças de famílias abastadas da capital piauiense e cidades do interior do Piauí e
Maranhão, foi idealizado para formar religiosas e /ou esposas “verdadeiramente
cristãs
19
”. Nesta escola havia uma associação religiosa exclusiva para as moças a Pia
União Filhas de Maria.
Dentre os apostolados da Igreja que destacam o culto à Virgem Maria, havia
a Pia União Filhas de Maria, que teve origem no século XII e ganhou força no Brasil em
fins do século XIX
20
, quando chegou ao país o Manual de Orientações da Associação
Filhas de Maria, para que os bispos lessem, adotassem e divulgassem em suas dioceses,
como ocorreu em Pernambuco em 1886, pelo bispo diocesano Dom José Pereira da
Silva Barros.
21
No Piauí, a Pia União Filhas de Maria iniciou suas atividades em 1909
22
, e
consistia numa associação religiosa, dirigida somente às jovens, para devoção à Maria
Santíssima. As associadas deveriam procurar ter comportamento que se enquadrasse
dentro de rígidos princípios morais e espirituais, conforme preceituado nas normas da
associação. Entre as prescrições, estavam: a prática cotidiana da fé católica, a
preservação da virgindade, a modéstia no comportamento, o que diferenciava, segundo
o discurso católico, uma moça “Filha de Maria” das outras, na sociedade.
Nas reuniões das Filhas de Maria era obrigatório o uso da farda completa,
composto por vestido branco com mangas longas, fita azul, uso do véu, medalha, e uso
de meias compridas, símbolos que identificavam uma “mortificação do corpo”. A
18
HALL, 2004.
19
MANUAL da Pia União Filhas de Maria. Organizado pela Federação das Filhas de Maria do Rio de
Janeiro. 3. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1959. De acordo com o Manual os preceitos cristãos que a
legitimam com essa denominação são os seguintes: virtude, mesmo depois de casada, modéstia, piedade,
obediência aos pais ou qualquer outro superior, assim como diligência no cumprimento dos deveres
domésticos” p.15
20
IBIDEM, p.12 Esse manual servia de modelo para normalizar todas as Pias Uniões existentes nas
paróquias.
21
SILVA, Maria de Fátima Santana da. A Pia União das Filhas de Maria da cidade de Goiana (1900-
1920). Recife: FASA, 2007 (Dissertação, 117 p., Universidade Católica de Pernambuco). p. 84-5.
22
Durante todo o ano de 1959 a imprensa católica destacou o Jubileu de Ouro da 1ª Turma (1909) da Pia
União Filhas de Maria do CSCJ (BODAS de ouro da Turma de 1909 da Pia União Filhas de Maria do
Colégio Sagrado Coração de Jesus. O Dominical, Teresina, p.2, 26 de jun. de 1959.)
75
simbologia do vestido branco representava a “virtude” e, quanto à medalha, podemos
inferir que seria uma proteção de Santa Inês frente aos “perigos”, que pudessem chegar
para desvirtuar a Filha de Maria.
Foto 17: Acervo particular de dona Teresa Albuquerque Vilarinho Castelo Branco na Praça
Pedro II, aos 17 anos, vestida com a pesada e calorenta farda do Colégio das Irmãs
Na prática, o consumo dos bens culturais católicos, entre eles os ensinados
na Associação das Filhas de Maria se dava de forma heterogênea, mediante adaptações
da norma católica, que era, ao mesmo tempo, exercida e burlada. A forma como se dava
o consumo dos discursos católicos pode ser constatada, no trecho do depoimento de
Iracema Santos Rocha da Silva, que burlava os códigos disciplinares do colégio das
freiras, ao fazer uso da maquiagem:
Lembro-me da exigência das Freiras que não admitiam o uso de
batom e de esmaltes, pois, caso, chegasse à escola com isso, elas
ficavam na porta, tirando o esmalte das mãos com a tesoura, não podia
andar com os cabelos armados, penteados, de forma a chamar atenção,
pois, os cabelos, deviam estar presos ou feitos trança
23
.
No ensino tradicional cristão do Colégio das Irmãs era prescrito que a moça
deveria ser contida, reservada, não assumir hábitos de vaidade que deixasse
transparecer a pretensão de ser bonita e desejada, através do uso de maquiagem, de
23
SILVA, 2008.
76
unhas pintadas ou pela utilização dos cabelos soltos. O cabelo deveria estar preso ou sob
a forma de trança. Michelle Perrot, ao analisar o corpo feminino, conclui que os cabelos
são um símbolo de feminilidade e, que, no imaginário cristão, estão relacionados à
sedução. Por isso, as prescrições cristãs sempre procuram mantê-lo guardado por véus
ou presos, sendo soltos apenas em momentos íntimos em que a sedução poderia se fazer
presente
24
.
A vaidade, tão comum às adolescentes, era censurada para as Filhas de
Maria, como também a todas as alunas do Colégio Sagrado Coração de Jesus. O uso de
“pinturas no rosto” era proibido, no entanto, na prática, as alunas faziam uso de astúcias,
como nos informou dona Teresa Castelo Branco: “[...] quando as alunas saiam do
Colégio, tiravam uma bolsinha para se pintar, com batom ou pó
25
”.
Dona Teresa, em consonância com as prescrições católicas, teve seu corpo
“fabricado, moldado”, com reflexos, até hoje, conforme seu relato, no que diz respeito à
sua forma de vestir:
[quanto] as roupas, a gente usava meias, saias longas, blusas
com mangas, e que eu me habituei até hoje, esse modo de
trajar, aprendi essa minha maneira de trajar, até hoje uso
blusa com manguinha
26
.
O pensamento cristão em relação à mulher tinha uma visão negativa, pois
esta era percebida como portadora de uma predisposição ou de inclinação natural para o
pecado, sobretudo o da vaidade, fazendo da mulher uma pessoa materialista
27
. Portanto,
a mulher tem sido representada pelos católicos, como fraca, fútil e carente de
orientação masculina. Essa imagem negativa da mulher seria uma reprodução da
imagem de Eva.
Nesse sentido, a educação da mulher nos colégios católicos tinha padrões
excessivamente moralistas e conservadores. Administrados por freiras, esses
educandários enfatizavam a mortificação do corpo, no sentido de repressão sexual,
[...] Tomava banho com camisão e com a porta aberta. Se fosse um
banho coletivo tudo bem, mas, era um banho individual, tinha um
banheiro para cada aluna, e a porta ainda ficava aberta, a freira ficava
24
PERROT, Michelle. O corpo. In: _________. Minha história das mulheres. Tradução de Ângela M.S.
Carneiro. São Paulo: Contexto, 2007. p.57
25
CASTELO BRANCO, 2008.
26
IBIDEM.
27
AZZI, 1993, p. 113
77
na porta vigiando, e ainda tinha uma bacia bem grande e quando
acabava de tomar banho, tirava o camisão e colocava na bacia e torcia,
isso era horrível
28
.
A excessiva vigilância ao corpo é visível na fala acima. A preocupação com
a sexualidade feminina era intensificada, nos momentos do banho, a grande
preocupação era a descoberta do corpo, via masturbação, dessa forma, era para conter
tais impulsos possíveis, para que as internas não ocorressem com a prática ilícita. Era
prescrito que o banho fosse com um camisãoe, não sendo, suficiente, era vigiado a
porta [do banheiro] ficava aberta’’, com as Freiras fiscalizando todo o banho. Portanto,
era evidente o cuidado e vigilância com o asseio individual das internas.
Era notória a repressão sexual ao corpo feminino, havia uma valorização
da alma, através de uma educação religiosa e uma mortificação do corpo. A educação
sexual era tabu, conforme nos informou dona Marize Araújo,
Um dia aconteceu uma coisa horrível, a freira deu um murro na mesa,
porque uma menina um dia perguntou para a freira italiana: - Madre
Gavenere, o que significa capacidade de consentir? Ai a freira bateu a
mão na mesa, e disse: - “Por isso mesmo eu detesto ensinar higiene,
para perguntar uma dessas coisas” [...] a menina não sabia [que]
capacidade de consentir era a capacidade de ter relação sexual, então a
menina respondeu, “mas, madre eu perguntei por que não entendi”. A
madre, disse, eu detesto dar aula de higiene, eu não tolero uma
pergunta dessa, isso é um absurdo [...] a maior parte do colégio e da
sala mesmo as meninas o entendiam o que significava a capacidade
de consentir [...]
29
.
Todas essas características de elevação da alma e mortificação do corpo,
que eram expressas na educação serviam de modelo para as moças de família da
sociedade brasileira. Durante o período do carnaval, constituiria tradição na cidade, a
realização do Retiro Espiritual das Filhas de Maria, no Ginásio Coração de Jesus,
O Retiro do Colégio das Irmãs não foi, este ano, apenas em Retiro das
Filhas de Maria [...] a vasta capela daquele educandário naqueles três
dias repletos de Filhas de Maria, membros de outras associações
femininas e de grande número de outras jovens católicos [...] foi um
belo espetáculo [...] justamente quando centenas de outras jovens se
entregavam degradando-se aos licenciosos prazeres do carnaval
30
.
28
ARAÚJO, Marize Marques Martins de. Entrevista concedida a Ângela Maria Soares de Oliveira.
Teresina, 22 de fevereiro de 2008.
29
IBIDEM, 2008.
30
O RETIRO das Filhas de Maria. O Dominical, Teresina, p. 4, 26 de fev. de 1950.
78
Não as Filhas de Maria deveriam ter um comportamento ajuizado ou
prudente, mas, sobretudo, todas as moças de famílias teresinenses, pois logo se
tornariam esposas e mães, tendo como paradigma a Virgem Maria. Era prescrito para as
moças de família seguirem o roteiro da eternidade, pois, quem “segue a Maria jamais se
desvia [no entanto, era preciso] fazer penitência e mortificação
31
.
O discurso católico também se voltava contra a leitura de obras
consideradas perigosas para a boa formação feminina. Alguns livros eram proibidos e
outros eram desaconselhados, sobretudo os romances, a exceção era feita àqueles de
caráter confessional, ou aos romances “água com açúcar”, como eram conhecidos os
romances de Madame Delly, ou da Biblioteca das Moças.
Os romances de M. Delly propiciaram o desenvolvimento da
sensibilidade e do imaginário românticos, experiências que se
caracterizaram como uma forma de educação. Assim, essa literatura
para aquela geração de leitoras, funcionou como uma forma de
socialização secundária, como um dos processos formais para
interiorização e/ ou reforço de normas, condutas, valores [...] em geral
apresentavam figuras de mulher rodeadas por flores, animais
domésticos, passarinhos, crianças [...] imagens que iam alimentando o
imaginário da leitora, educando sua sensibilidade com tais
representações ditas tradicionais
32
.
Essa literatura educava e também seduzia, de modo que podemos inferir a
existência de dois tipos de leituras desses romances da Biblioteca das Moças, havia
aquela na qual as moças se percebiam nas descrições e normalizações, portanto,
seguiam os modelos das heroínas do romance, que casavam e se tornavam rainhas de
seus lares, viviam para o lar, para os filhos e maridos, a identidade feminina era restrita
ao recôndito do lar. Já outras moças poderiam fazer uma leitura ao contrário, e negar,
rejeitar o modelo proposto pelos romances da coleção M. Delly.
Boa parte da iniciação sexual feminina era feita pela literatura mais
romântica, a partir de romances amorosos não tão bobinhos, que tinham um poder muito
grande de sugestão, isso do ponto de vista do imaginário feminino. Podemos citar, por
exemplo, a sugestão que teriam os romances, a partir de seus títulos: Receio de amor, A
chave do segredo, Tentação irresistível, Sonho desfeito, O tesouro sagrado.
31
QUEM segue a Maria jamais se desvia. O Dominical, Teresina, p. 4, 29 de maio de 1949.
32
CUNHA, Maria Teresa Santos. Armadinhas da sedução: os romances M. Delly. Belo Horizonte:
Autêntica 1999. p.126
79
Alguns romances eram classificados pelo discurso católico como levianos,
perigosos e impróprios para as jovens, pois possibilitavam o acesso a novas imagens
femininas ou realidades de cultura em geral, que possibilitavam as alunas reflexões “não
permitidas”, Dona Iracema Silva nos confirma tal colocação, enfatizando que essa
preocupação não era somente das freiras do Colégio das Irmãs, mas da sociedade, em
especial, pais e irmãos.
[...] uma vez eu estava lendo um livro chamado A carne de Júlio
Ribeiro, escondido, porque mulher lia revista e livro água com
açúcar, eu peguei o livro na estante de meu irmão, coloquei-o atrás de
uma revista e lia o livro de Júlio Ribeiro. Meu irmão mais velho,
Antônio Santos Rocha me pegou lendo e gritou, disse que eu não
podia ler aquele livro, porque era o realismo puro. Mas, eu lia
escondida. Lia as coisas porque eu gostava de estudar
33
.
Dona Iracema Silva, para conseguir driblar a vigilância em torno de suas
leituras, utilizava astúcias para ler romances proibidos, como o de Júlio Ribeiro. A
carne é um romance realista publicado, ainda no final do culo XIX (1888), e que
ainda causava temor quanto ao acesso feminino em meados do século XX em Teresina,
por tratar de temas ligados à sexualidade feminina. No romance, o corpo feminino é
analisado sob o viés cientificista e a materialização do desejo feminino, o desejo da
carne, é tratado sem compromisso com a moral. O enredo apresenta o ser humano,
numa perspectiva realista e científica, diferente da prescrição católica, que preceituava a
mortificação do corpo feminino.
“Conservando sempre a nossa dignidade cristã [...] desta maneira teremos
assegurado a salvação da nossa alma
34
. Uma das estratégias do discurso católico, para
que as jovens conservassem sua pureza ou dignidade cristã até o casamento era a
prescrição de um prêmio, a salvação da alma. na crônica um ressentimento evidente
em alguns trechos, como: “hoje, infelizmente observamos na vida de tantas jovens que
em meio ao lodaçal do mundo, esquecem a sublimidade de sua vocação cristã
35
”,
portanto, algumas práticas eram consideradas como desviantes, caso do sexo antes do
casamento.
Portanto, as representações femininas em Teresina na década de 1950 eram
múltiplas, assim como suas identidades, mas a Igreja, ao prescrever um comportamento
33
SILVA, 2008. (grifo nosso)
34
NOSSO dever. O Dominical, Teresina, p.3, 10 de set. de 1950.
35
IDEM.
80
como modelo e outro como antimodelo, polarizava conteúdo e margem, fixando as
identidades como essencialista. No entanto, isso era possível no discurso, pois, nas
práticas culturais, as identidades são fluidas e plurais. Dessa forma, as representações
femininas em Teresina na década de 1950, ultrapassavam a relação binária Maria versus
Eva, atravessavam múltiplas identidades, tais como: Marias, Evas, Teresas, Iracemas,
Genovefas, Marizes.
4.3 Os bailes dançantes: tertúlias
De acordo com a educação confessional, a moral das moças deveria se
espelhar no modelo da Virgem Maria, dessa forma, o comportamento da Filha de Maria
deveria expressar docilidade, resignação, ela constituía exemplo a ser seguida pelas
moças de família teresinenses. Deveriam ser assisadas, ou seja, ajuizadas, não irem a
bailes dançantes, que ocorriam com freqüência no Clube dos Diários, local de lazer da
classe abastada, como enfatizava a crônica veiculada na imprensa católica, “[...]
atualmente as danças (sic) são tão indecentes, tão lascivas que é impossível sair dos
bailes, sem que a pureza, a honra, a honestidade não sejam manchadas
36
”.
Ao contrário da prescrição acima, era veiculado, na imprensa teresinense,
um guia que ensinava os jovens como dançar todos os ritmos embalados pelo cinema,
em especial, o norte-americano fox-trot.
Foto 18: COMO aprender a dançar. Jornal do Comércio, Teresina, p.3, 28 de dez. de 1952.
A influência do cinema e dos musicais dançantes, que tinham como
característica ritmos musicais e danças frenéticas, no qual a sensualidade e a euforia
provocavam nas pessoas uma vontade de viver intensamente, principalmente depois da
II Guerra Mundial, tal como ocorreu no período após a I Guerra Mundial. Nicolau
36
LEIA isto antes de dansar (sic). O Dominical, Teresina, p. 4, 13 de nov. de 1955.
81
Sevcenko afirma que a Primeira Guerra Mundial deu impulso a danças com ritmos
frenéticos
37
. No Brasil esse ritmo frenético fez nascer as chanchadas e companhias
teatrais, como a Marquise Branca.
E a Marquise Branca, carne bem brancas, ainda duras, com duas
garotas livres, vestidas de calcinhas, coxas e pedaços da barriga de
fora. As curiosidades bem escondidas, ainda. Esses espetáculos que o
puritanismo condenava, eram freqüentados só de homens, atraídos
pelas pequenas, meninas sexy, escandalosas para a época. Muitos
maridos ficavam privados caladões na rede cheirosa, sonhando de
olhos abertos com os mimosos repastos lascivos que a Marquise
Branca ofertava
38
.
Nos relatos dos depoentes também aparecem informações que nos ajudam a
pensar e a entender o universo dos bailes freqüentados pela mocidade, na década de
1950.
Tinha Valsa, tinha Fox, era uma música americana, mas muito lenta
que a gente dançava, era muito boa para dançar, quando a gente se
excedia, dançava de rosto colado. Eram musicas de um ritmo muito
bom, depois surgia a rumba, tinha marchinhas também
39
.
A mocidade se divertia nas festas dançantes ou tertúlias do Clube dos
Diários, em Teresina, ou no Floriano Clube, em Floriano, que funcionavam como
lugares de sociabilidades para a prática do flerte. Eram os clubes de elite, geralmente,
freqüentavam as festas solenes somente os sócios. Esses encontros geralmente,
ocorriam durante a semana, pois, nos finais de semana, ocorriam os vesperais e matinês
nos clubes, como também nos cinema, sendo então permitida a entrada de todas as
classes sociais, independente de serem sócias ou não, bastava que pagassem o ingresso.
Como as moças de família deveriam manter o recato, serem cordatas, o que
as diferenciava das moças mal faladas, era prescrito que estas não comparecessem a
todas as festas dançantes, visto que não seria prudente ao comportamento feminino,
conforme nos informou Celso Barros Coelho,
As moças procuravam ser recatadas era do próprio estilo da sociedade,
mas, havia as mal faladas, quando namoravam abertamente. Também
37
SEVCENKO, 2004. p.594.
38
TITO FILHO, 2002, p. 74
39
ARAÚJO, Jo, 2008.
82
quando demoravam demais nas praças, ou seja, ficavam nas praças
depois das 21 h. Ou, quando eram freqüentes a todas as festas do
Clube dos Diários, também quando apareciam com namorados
diferentes, as moças que iam a todas as festas eram consideradas
namoradeiras
40
.
As moças raramente andavam sozinhas, andavam sempre acompanhadas,
por amigas de mesma idade, ou pelos irmãos. Dona Iracema Silva nos revela que seu
pai permitia que ela fosse a todas as festas, desde que acompanhada pelo irmão Omar.
Não importava que fosse a todas as festas, o que importava era a vigilância, mais uma
vez dona Iracema Silva nos revela as pistas de ticas que utilizava, frente ao controle e
rigidez prescritos ao público feminino.
Dona Iracema Silva tinha dois irmãos mais velhos (Antônio e Omar), mas
preferia ir acompanhada pelo irmão Omar, pois, este a deixava à vontade com mais
liberdade. Como Omar não dançava, ao contrário da irmã, quando chegavam ao Clube
dos Diários se separavam, ficavam em mesas diferentes, se encontrando somente na
saída da festa, para voltarem juntos para casa, conforme nos informou,
Eu ia acompanhada de meu irmão Omar ou com amigas, meu pai
sempre deixava ir ao cinema, e também a todas as festas, mas, sempre
acompanhada do meu irmão Omar dos Santos Rocha, pois ele é seis
anos mais velho do que eu, mas, ele sempre me deixava à vontade,
quando eu chegava no cinema, ele não sentava do meu lado, ele me
deixava descontraída, porque, se eu não tivesse a liberdade de
conversar com alguém, não poderia namorar. Quando íamos ao
Clube dos Diários, como meu irmão não gostava de dançar, ele ficava
conversando com seus amigos, e, ele de longe só me observava.
Ficávamos em mesas diferentes, mas, quando voltávamos para casa
era sempre juntos, ele sempre foi muito compreensivo e amigo
41
.
A moral prescrevia que as moças não deveriam andar desacompanhadas, os
pais deixavam suas filhas saírem mediante a extensão de sua vigilância, como os pais
não iam, nomeavam seus substitutos, os filhos (homens), estes seriam os olhos dos pais,
vigiariam e controlariam suas irmãs, passo a passo. As moças poderiam sair
acompanhadas com os rapazes, mediante o compromisso formal com o casamento, ou
seja, a partir do noivado.
Nos bailes, os jovens dos anos dourados eram embalados pelos ritmos que
as orquestras ou conjuntos tocavam em geral, valsas, ou outras “músicas de ritmo
40
COELHO, 2008.
41
SILVA, 2008. (grifo nosso)
83
lento”, havia todo um protocolo que os rapazes tinham que cumprir para “tirar” a moça
para dançar,
Ah, as festas em Floriano eram notáveis, porque tinha o Clube dos
Bancários, tinha os Bailes no Floriano Clube, as famílias cada uma na
sua mesa [...] o conjunto musical começava a tocar, a gente ia
cerimoniosamente tirar a moça para dançar, ai a gente dançava, em
determinado momento a orquestra parava, então batíamos palmas para
pedir bis, quando ela parava novamente a gente pedia tris, então a
música tocava três vezes. E quando a gente terminava de dançar, nós
levávamos cerimoniosamente a moça até a mesa onde ela estava
anteriormente sentada com a família, era tudo com o protocolo que
hoje não existe mais
42
.
O Clube dos Diários significava para os teresinenses a vida social e afetiva,
assim como também local de diversão, boemia, amizades, encontros, desencontros.
Também funcionava como „caça marido‟, estimulava o clube, por sua atividade, a
alcovitice no meio social”,
a mãe, de certo modo, fiel à tradição, educa sua filha para o
matrimônio. Observa, analisa e filtra o candidato à procura, na
linguagem vulgar, do partido melhor. Favorecia o Clube, em parte, o
seu trabalho; a razão pela qual acompanhavam as filhas aos Diários,
fosse ao réveillon, ao carnaval. E ninguém escapava o processo [...] a
luneta materna orientava a sua lente, em primeiro lugar, por que
fundamental, conforme a profissão, aos fiscais do consumo [fiscal de
renda federal]; em seguida, médicos, dentistas e funcionários do
Banco do Brasil [...] havia os magistrados, também os professores,
que não eram mal pagos [...] sob mira das mães, embora em grau
menor que os primeiros
43
Portanto, o Clube dos Diários era um dos locais de sociabilidades dos
teresinenses, especialmente, os jovens, favorecia às aproximações sociais e afetivas.
Segundo Pedro Ribeiro, era o lugar onde as coisas aconteciam e por sinal de tudo,
“tirante, velório e homicídio, tudo acontece nesta casa: colação de grau, batismo,
casamento, espiritismo...
44
”.
42
ARAUJO, José, 2008.
43
RIBEIRO, Pedro S. Club dos Diários. Teresina: Halley, 2003. p.86-7
44
IBIDEM, p.88.
84
4.4 As influências dos meios de comunicação no comportamento dos jovens: os cinemas
e as revistas
O cinema na década de 1950, especialmente, o de Hollywood criou e
difundiu padrões de beleza, modas e comportamentos. Ir ao cinema, com certa
freqüência, vestindo a melhor roupa, tornou-se uma prática obrigatória para quem
queria garantir a condição de moderno e manter o reconhecimento social
45
.
Os astros do star system despertavam nos telespectadores a vontade de se
assemelharem a eles, dessa forma, o que os atores e atrizes de Hollywood vestiam,
consumiam como roupas, cortes de cabelos, trejeitos, falas e até mesmo produtos:
xampus, bases, ruge, rímel, sombras, batons, tinturas, cílios, logo viravam produtos
consumidos e cobiçados pelo público
46
.
Com a explosão publicitária dava-se início a uma sociedade baseada no
consumo, os cuidados com a saúde e a beleza passam a fazer parte central na campanha
publicitária, “em 1951, uma pesquisa da revista Elle provocou um pequeno escândalo,
ao revelar que 25% das mulheres entrevistadas nunca escovavam os dentes. E 39%
faziam uma higiene mensal
47
.
No período em estudo o consumo de produtos de beleza ganha campanhas
publicitárias que procuravam convencer as mulheres de que elas poderiam consumir
produtos de beleza, se tornarem mais sedutoras e em nada diminuir a integridade moral
feminina.
Foto 19: Revista Vida Doméstica, n.º 341, p. 74, ago. de 1946.
45
SEVCENKO, 2004, p.599
46
IBIDEM, p.602.
47
PROUST, Antoine. A família e o individuo. In: __________; VICENT, Gérard. História da Vida
Privada 5: da Primeira Guerra a nossos dias. Tradução Denise Bottman, São Paulo: Companhia das
Letras, 1992. p. 98
85
O cuidado com a cútis, com o corpo, não era privilégio apenas feminino, os
homens também cuidavam da sua aparência, para agradar as conquistas, conseguir um
emprego, mais uma vez, o cinema teve papel fundamental. Segundo Nicolau Sevcenko,
o cinema de Hollywood provocou um impacto tão profundo, mudou comportamentos,
padrões de beleza, de consumo provocando mudanças, possivelmente, nunca antes
experimentadas pela humanidade
48
. Os produtos indispensáveis da toalete masculina,
passavam a ser: barbeador, sabonete, talco, creme para a barba, loção facial, loção,
brilhantina e loção fixadora. A “aparência atrai”, a publicidade proclamava que os
homens bem barbeados, além de conquistar a pretendente, também ajudava em uma
entrevista de emprego.
Foto 20: Seleções do Reader’s Digest, nº 148, p.205, maio de 1954. Foto 21: Jornal do Comércio, Teresina, p.3,
17 de set. de 1950.
O cinema e as revistas tornavam-se meios que promoviam novos hábitos de
consumo e de estilos de vida, identificados como comportamentos modernos,
especialmente associados ao american way of life.
As publicidades veiculadas nos jornais, nas revistas e no rádio despertavam
sonhos, desejos, novas imagens de homens e mulheres, com seus novos hábitos de
consumo recheados de novos valores. A publicidade tem um poder muito especial, o da
48
SEVCENKO, 2004, p.602
86
sugestão. No início do século XX, ela estava voltada ao espaço público, e sem recorrer a
imagens, a publicidade dizia mais e sugeria menos. Até que ela descobre o universo
privado e passava a modelar o seu cotidiano.
A imprensa do começo do século era inteiramente voltada para vida
pública. Podia tratar-se de política [...] mas, nunca de questões
privadas [...] se abstinha de abordar temas pessoais. A publicidade
ocupava pouco espaço: quando existia, reduzia-se a textos ou slogans
[...] o universo da vida privada [...] é invadido de todos os lados por
uma publicidade que junto com os objetos de consumo, veiculavam
um novo modo de vida e talvez uma ética. A publicidade, de fato,
contribuiu muito para o esboroamento de antigas regras da vida
privada. Sendo destinada por definição a propor novidades, ela
precisava eliminar as resistências [...] de maneira branda e discreta a
publicidade modela a vida cotidiana
49
.
Como a publicidade tinha o propósito de propor novidades, era preciso
eliminar os focos de resistências, e a arma utilizada era desqualificar os costumes
tradicionais, através da insistente divulgação da qualidade dos novos produtos
oferecidos aos consumidores e da superioridade da eficácia destes, quando comparados
com as cnicas e produtos tradicionais. Termos, como “isso não se faz mais” ou “é
coisa velha”, do tempo da vovó se repetiam nos meios de comunicação.
Nos filmes norte-americanos as moças eram representadas com ares de
garotas modernas. Diante desse impacto causado pelas modernas tecnologias, momento
no qual “esses veículos de comunicação social tornaram-se grande difusores de um
relacionamento sexual mais íntimo, um exemplo significativo foram os abraços e beijos
encenados pelos astros do cinema
50
”. Diante dessa questão, prenhe de possibilidades,
em Teresina da década de 1950 a Igreja utilizou-se de inúmeras estratégias de ação no
sentido de “conter” o avanço “deletério” dessas tecnologias, aproximando os jovens de
suas doutrinas, através dos uemeceistas.
A União dos Moços Católicos de Teresina (UMC) era uma associação de
leigos, pertencente ao movimento leigo da Ação Católica Brasileira, as suas reuniões
ocorriam no Centro Cultural Católico, que ficava localizado à Rua Teodoro Pacheco, em
um prédio da Diocese. Celso Barros Coelho que foi presidente desta associação
benemérita masculina, no ano de 1953, nos explicou qual era a função da UMC na
sociedade teresinense,
49
PROUST, 1992, p.146-8
50
AZZI, 1993, p.102
87
[...] era uma associação que congregava pessoas ligadas à Igreja,
muito apegada ao estudo religioso, muitas vezes com pouca abertura
ideológica. Nós tínhamos muitas festas, peças teatrais, apresentação
de cantores, de jovens, quando havia na cidade grupos musicais que
fossem de caráter católico, nós convidávamos para irem até o Centro
Cultural, participar desses movimentos
51
.
A UMC organizava festivais de teatro ou festas de caráter religioso para
aproximar jovens teresinenses do universo católico. Uma das campanhas encabeçadas
pela União dos Moços Católicos foi a iniciativa em prol do cinema católico, a campanha
solicitava a ajuda de toda sociedade teresinense, em especial aos jovens, “[...] sentindo a
necessidade de falar, pediu Nicanor Barreto a palavra em ligeiros traços e incentivou os
jovens a lutarem mais denodamente na campanha pró-cinema católico de Teresina
52
.
A idéia da construção de um cinema católico era uma estratégia eclesiástica
de aproximar os jovens da religião católica. Para que essa estratégia se concretizasse, a
campanha pró-cinema precisaria do apoio dos próprios jovens e das famílias católicas
para colaborarem na divulgação e apoio para a instalação do cinema católico, para
exibição de filmes moralizantes
53
, este não teria apenas a forma de divertimento, mas
seria uma poderosa estratégia de instrução juvenil no âmbito cristão, proporcionando
divertimento sadio e educativo.
A Igreja Católica, percebendo o poder do cinema, resolveu adotá-lo como
instrumento de conversão de fiéis, desde que este meio de comunicação fosse prescrito,
tanto que, no ano de 1936, foi exortado na Encíclica Vigilante Cura, escrita pelo Papa
Pio XI, conforme abaixo:
[...] é indiscutível que, entre estes divertimentos, o cinema adquiriu,
nos tempos modernos, uma importância máxima [...] o cinema se
tornou a forma mais popular de recreação, não para os ricos, mas
para todas as classes da sociedade [...] é uma das supremas
necessidades do nosso tempo fiscalizar e trabalhar com afinco para
que o cinema não seja uma escola de corrupção, mas se transforma em
um precioso instrumento de educação e elevação moral
54
.
Na segunda metade do século XX, a Ação Católica Brasileira, a partir de
51
COELHO, 2008.
52
A UMC em marcha: cinema católico. O Dominical, Teresina, p.4, 05 de abr. de 1950.
53
UM CINEMA católico. O Dominical, Teresina, p, 4, 16 de jul. de 1950.
54
PIO XI. Vigilante Cura. Sobre cinema. Roma, 1936. Disponível em:
<http://www.vatican.net/holy_father/pius_xi/encyclicals/documents/hf_p-xi_enc_29061936_vigilanti-
cura_po.html> Acesso em: 08 de fev. de 2008.
88
seu Departamento Nacional de Cinema e Teatro, iniciou o movimento de
Legião da Decência, com o intuito de favorecer o entendimento da
indústria cinematográfica, de que o público brasileiro pode lhe proporcionar rendas
compensadoras sem que eles necessitem lançar mãos de recursos indignos e
condenáveis à moral
55
.
A imprensa teresinense da conta de que, no ano de 1950 foi instalada a
Legião da Decência no Piauí - a partir da UMC, passo que significou o início da
instalação do cinema católico de Teresina. O objetivo da Legião da Decência era fazer
uma censura aos filmes exibidos na cidade. Sua atuação ganhou força a partir da
publicação da encíclica Vigilante Cura, em 1937. Dessa forma, a Legião da Decência, a
partir do Departamento Nacional de Cinema e Teatro da Ação Católica Brasileira,
estabeleceu o sistema de classificação moral dos filmes no Brasil. No período em
estudo, eram publicados na imprensa católica a lista de filmes proibidos, considerados
impróprios à mocidade,
Está em cartaz, no Teatro 4 de Setembro, desta capital, um filme
(Carnaval no Fogo) que, por lisonjear de propósito as “baixas paixões
do público”, foi condenado pela Comissão Julgadora do Departamento
Nacional de Cinema e Teatro da Ação Católica Brasileira, conforme o
seu boletim n.º 171 [...] chamamos a atenção dos Snrs. (sic) pais de
família para a grande responsabilidade, que têm no tocante à
vigilância sobre seus subalternos
56
!
O filme Carnaval no Fogo foi uma produção nacional, estreado em 1949 no
Rio de Janeiro, tendo como atriz principal Elvira Cozzolino, pseudônimo Elvira Pagã,
que foi compositora, cantora e vedete dos Teatros de Revista na década de 1950. Elvira
Pagã foi Rainha do Carnaval no Rio de Janeiro por diversas vezes. Costuma-se atrelar a
sua imagem o início do erotismo nos bailes carnavalesco em clubes, tornando-se
símbolo sexual, por ser adepta da prática do nudismo, enquanto arte. Usava seu corpo
como lhe convinha e não como era prescrito socialmente, e isso, era considerado
escândalo para a época, razão pela qual a Igreja Católica empenhou-se em impedir que a
artista fizesse seu show nas comemorações do Centenário de Teresina
57
.
Em 1952, foi inaugurado, em Teresina, o cinema católico, denominado Cine
São Tarcísio. Com a sessão das 21 horas, deu-se início à realização da segunda parte da
55
DEPARTAMENTO Nacional de Cinema e Teatro da Ação Católica Brasileira. O Dominical, Teresina,
p.4, 31 de jul. de 1949.
56
UM FILME condenado. O Dominical, Teresina, p.1, 25 de jun. de 1950.
57
Já analisado no primeiro capítulo.
89
programação de inauguração do cinema
58
da UMC, cine São Tarcísio, com a
apresentação do filme Rosa da América, o qual, narrava a vida de Santa Rosa de Lima.
A sala de projeção cinematográfica funcionava no salão do Centro Cultural Católico.
A proposta da Igreja era propiciar ao público filmes que tivessem uma
mensagem cristã, e assim fazendo com que o cinema, percebido até então como “escola
de perversão” moderna, caracterizada por uma linguagem sensual, que provocaria,
segundo os católicos, mudanças deletérias sobre a moral e os bons costumes. O cinema
se transformava em estratégia de ação dos católicos, no sentido de re-cristianizar a
sociedade.
Sobre a influência do cinema nas sociabilidades e namoros juvenis, dois
depoimentos significativos, de jovens que experienciaram a adolescências em Teresina,
o primeiro na década de 1930, e a segunda na década de 1940, respectivamente, Sr. José
de Arimathéa Tito Filho e Dona Iracema Santos Rocha da Silva,
O primeiro relato de Arimatéia Tito Filho nos dá conta das iniciações
sexuais, das possíveis bulinações entre corpos no escurinho do cinema: “foi no 4 de
Setembro que um morenão bonito, de cabelos negros, seios empinados, sem sutiã, me
iniciou nas práticas amorosas de bolinações de virgens
59
”. O relato de Iracema Santos
Rocha da Silva nos conta de práticas femininas e do uso do espaço do cinema como
lugar de encontros com os namorados:
O namoro era o seguinte, as garotas iam com as amigas ou com o
irmão, entravam para o cinema e deixavam um lugar para o
namorado. Eu ia acompanhada de meu irmão Omar ou com amigas,
meu pai sempre deixava ir ao cinema [...] meu irmão sempre me
deixava à vontade, quando eu chegava ao cinema, ele não sentava do
meu lado, ele me deixava descontraída, porque, se eu não tivesse a
liberdade de conversar com alguém, não poderia namorar
60
.
Dona Iracema Silva „cumpria‟ as exigências da sociedade, em não sair
desacompanhada, para os locais de lazer estava sempre acompanhada pelo irmão Omar
Santos Rocha ou na companhia das amigas. Usufruía de uma vigilância com ares de
“liberdade”, possibilitada pela compreensão do irmão, o que não ocorria quando estava
na companhia do outro irmão, também mais velho, Antônio Santos Rocha.
O modo de vida norte-americano seduzia cada vez mais os jovens
58
INAUGURAÇÃO do cinema católico. O Dominical, Teresina, p.1, 27 de jan. de 1952.
59
TITO FILHO, José de Arimathéa. Praça Aquidabã sem número. Rio de Janeiro: Artenova, 1975. p.19
60
SILVA, 2008. (grifo nosso)
90
teresinenses, pois as telas de cinemas convidavam a novos e diferentes padrões de
comportamentos, os filmes americanos seduziram brasileiros e alguns destes
aprenderam a beijar vendo Humphrey Bogart e Lauren Bacall
61
. Os filmes deixavam
evidentes novos comportamentos, “ainda hoje eu me lembro dos atores de minha
mocidade, como Humphrey Bogart, Elizabeth Taylor, James Fonda, atores e atrizes que
deixavam marcas na minha mocidade
62
”.
Segundo a Igreja Católica, os efeitos “miríficos das tentações do progresso”,
como o cinema, eram ainda mais nocivos ao público feminino, no tocante à manutenção
de sua honra, para não se tornar moça falada. Assim como também o cinema enfeitiçava
por ter uma linguagem que seduzia e levava a fantasia ao imaginário feminino, o que
poderia possibilitar às moças questionamentos sobre o seu lugar na sociedade, ao
vislumbrarem novos papéis na sociedade, então vividos ou representados pelas atrizes
nos filmes.
O cinema [...] se converteu, por causa da malícia humana, em
instrumento de perversão moderna dos mais nocivos, especialmente
para a juventude [...] o cinema excita de maneira enfermiça a
imaginação exaltada das mulheres, embotando-lhes a inteligência,
atrofiando-a, anula a vontade, criando um tipo de mulher inútil,
irritável e histérica [...] desperta prematuramente nos corações dos
rapazes e donzelas o fogo das paixões
63
[...]
O cinema incitava novos comportamentos, um exemplo, as apropriações na
moda e, posteriormente, nas atitudes. Dona Iracema Silva nos conta que, depois de
assistir à “fita” Princesa da Selva, versão feminina do Tarzan, no qual a atriz Dorothy
Lamour usou uma flor no cabelo, Dona Iracema adotou o mesmo adorno que a atriz,
que “caminhava pela selva e usava uma flor nos longos cabelos, então como eu também
tinha os cabelos compridos usava uma flor natural também no cabelo
64
”. O filme foi
lançado nos Estados Unidos em 1936, chegou em Teresina na década de 1940.
Não foi somente a flor no cabelo que a atriz Doroty Lamour usou e fez
moda, mas também o vestido que a atriz usava, um sarongue desenhado pela estilista
Edith Head, vestido solto e bem decotado, no formato do busto, foi copiado no mundo
inteiro, conforme foto a seguir.
61
DEL PRIORE, Mary. Da modinha a revolução sexual. In: ___________. História do amor no Brasil.
2. ed. São Paulo: Contexto, 2006. p.283
62
ARAÚJO, José, 2008.
63
O MAU cinema, escola de perversão da mocidade. O Dominical, Teresina, p.3, 20 de mar. de 1955.
64
SILVA, 2008.
91
Foto 22: Dorothy Lamour no papel de princesa da selva no filme The Jungle Princess
Princesa das selvas 1936), uma história sobre Tarzan
65
.
A moda era outro filão que acompanhou o cinema e fez a cabeça e os corpos
de homens e mulheres, podemos confirmar isso, nos anúncios e nas matérias das
revistas, divulgados no período. A moda começava a se democratizar, a calça começava
a deixar de ter um sexo correspondente, passava a ser unissex. “A evolução das roupas
traduz a diluição dos papéis e das posições sociais
66
”, tornando o masculino e o
feminino iguais. Essa mudança nos trajes afetava alguns setores tradicionais da
sociedade, que não concordavam com tais mudanças, assim como também essa moda
chegava a assustar os homens “se a mulher passa a fazer o papel dos homens, quem vai
fazer o papel das mulheres?”
Uma das manifestações visíveis da inversão de valores que vai da
dominando todas as camadas sociais é a facilidade com que mulheres
passaram a vestir-se com trajes masculinos [...] a mulher que veste
calças compridas e se apresenta com roupas usadas até agora pelos
homens estão dando uma triste demonstração de debilidade mental.
[...] a personalidade da mulher está justamente na sua feminilidade [...]
de acordo com as finalidades que a natureza lhe atribuiu [...] no dia em
que a mulher que copiar os homens nesse dia a humanidade começa a
decair. Porque se a mulher passa a fazer o papel dos homens, quem
vai fazer o papel das mulheres
67
?
65
Sobre cinemas nos anos dourados consultar.
<http://rcmendonca.spaces.live.com/category/CINEMA/feed.rss>
. Acesso em: 28 de jul. de 2008.
66
PROUST, 1992, p.138
67
MULHER vestida de homem. O Dominical, Teresina, p. 3, 21 de nov. de 1948.
92
Para o discurso católico essa reformulação no vestuário não deixava de ser
considerado como moda “imoral”, pois, para tal discurso, o vestuário servia apenas para
cobrir o corpo, mas, no período em estudo, as vestimentas “estava[m] realçando os
encantos, esses tecidos transparentes, sem uma combinação conveniente, a exclusão das
mangas, blusas excessivamente justas que delineiam a forma do corpo
68
”, a moda que
passava a mostrar os braços nus, com blusas justas e até pernas à mostra, com o uso de
short. Segundo aquelas prescrições, essas roupas eram indecentes, o que fazia com que
a moda passasse a se anatematizar: “que os indecorosos trajes continuem como traço
caracterizador das mulheres de reputação duvidosa e sinal que as dê a conhecer
69
.
Foto 23: Folha da Manhã, Teresina, p.4, 16 de fev. de 1958. Foto 24: Folha da Manhã, Teresina, p. 5,
19 de jan. de 1958
Em síntese, era muito perceptível a influência dos modernos meios de
comunicação, incidindo na modificação de hábitos e comportamento, desde o modo de
se vestir, de se portar, da aproximação entre os jovens, no consumo de produtos e
valores considerados modernos.
68
MODAS imorais. O Dominical, Teresina, p.3, 09 de dez. de 1956.
69
A RESPONSABILIDADE moral da mulher cristã. O Dominical, Teresina, p.2, 04 de dez. de 1955.
93
4.5 Os namoros: de olhos e de bolinação
Existiam algumas regras ou cuidados a serem seguidos, como a prática da
conquista, moça de família deve impor respeito”! Em todas as memórias
inventariadas, tanto masculinas quanto femininas essa expressão foi unânime,
O namoro, ah! era com muito respeito, a gente se abraçava e se
beijava, pegava na mão, mas nada de perder a virgindade, por dinheiro
nenhum do mundo [...] então a gente quando namorava o rapaz, a
gente tinha o ímpeto de abraçar e beijar [no entanto] a gente tinha
paciência, não precisava antecipar o tempo. Então por ali tinha muita
rapariga, então os namorados como não podiam expandir o seu sexo
com as namoradas, iam para os cabarés
70
.
Além das meninas “manterem” e “imporem” respeito, os próprios
namorados e noivos contribuíam com essa regra no namoro, de não expandirem sua
sexualidade com a namorada ou noiva. O namoro era um preparatório para o
compromisso formal do noivado, antes do casamento, portanto, o rapaz ideal deveria ter
características como honestidade, bom caráter, ser respeitador, “M., meu marido nunca
me propôs nada. Eu namorei 2 anos e noivei 2 anos, então era um namoro de
respeito
71
”.
O homem, para ser considerado um bom partido, deveria além das
características citadas ser principalmente, trabalhador, pois deveria ganhar o
suficiente para manter a família, sem que houvesse a necessidade da esposa contribuir,
trabalhando fora de casa, isso poderia ser motivo de desonra masculina, visto que
trabalho era percebido como caracterizador da masculinidade.
Um dos tipos de namoro, o flerte começava com um simples e arrebatador
olhar na Pedro II, sendo que as atitudes na conquista cabiam aos homens,
Como as mulheres buscam as delícias do flerte e do namoro, as que
ainda não casaram. Admitem a inteligência masculina, os gestos de
delicadeza, o desprendimento [...] é uma das características de nossas
meninas: começam a revelar o amor [...] com o olhar, com a
linguagem dos olhos [...] como os olhos dizem tudo [...] a teresinense
tem olhos de querer e não-querer
72
.
70
V.G.F.N, 2007.
71
IDEM.
72
TITO FILHO, 2002, p. 56-7
94
Havia outra categoria de namoro, o que ocorria no escurinho do cinema:
namoro de bolinação, “de 1938 em diante, vi com olhos que a terra há de comer
bolinação em cinema. Pares agarradinhos. Mãos em permanente atividade. Gente
alta
73
”. Havia também o namoro por correspondência, através de cartas, os enamorados
se declaravam, marcavam encontros, conforme descrição a seguir,
[Tia Julinha (professora do Grupo Escolar da cidade) diz para seu
sobrinho Ulisses]: - Você quer ir ali pra mim? Perguntou-me [...]
alguns minutos depois, encontrei-a na varanda, escrevendo um bilhete
[...] leva a este endereço disse-me passando a cartinha [...] como o
namorado de Tia Julinha costumava ir à feira, não me foi difícil
encontrá-lo aí. Segurei-lhe a aba do paletó e o conduzi a um lugar de
pouco movimento: - Para o senhor disse, passando-lhe o bilhete, o
doutor João da Mata sorriu-me: - A resposta! Exclamou, sem grande
interesse. Ela mandou algum recado? Eu não anuindo, franziu o
cenho. A fisionomia, no entanto, logo se abrandou numa expressão de
riso. Ele ainda não levava o namoro a sério
74
.
Na imprensa católica, eram veiculadas crônicas direcionadas as moças, na
coluna Página Feminina, o cronista tecia comentários a respeito da seguinte indagação,
é pecado namorar?”,
[...] se por namoro se entende aquela troca de afetos, aquela respeitosa
intimidade entre os candidatos ao casamento, a fim de que melhor se
entendam e se conheçam [...] e se preparem para o matrimônio, isto
não é pecado [...] estas leviandades de toda hora que aí vemos por ruas
e praças, casaizinhos em arrulhos, pelos becos escuros em altas horas
da noite, [...] por afora, isto é amor? Nunca! É desprestígio e o
desrespeito da mulher [...]
75
As festas religiosas, na cidade de Teresina, eram esperadas, o ano todo, as
quermesses do mês de agosto na Praça Rio Branco, ocasião dos festejos de Nossa
Senhora do Amparo, padroeira da cidade. Eram sempre patrocinadas por grupos
profissionais e classes sociais, como militares, operários, comerciantes, bancários,
farmacêuticos, engenheiros, estes paraninfava nessas ocasiões religiosas os rapazes e
moças, os quais aproveitavam para troca de “bilhetinhos” ou telegramas.
Antes que Conceição chegasse às barraquinhas, eu me encontrava à
porta da Igreja, ouvindo a benção. Depois deste o povo saiu para o
73
TITO FILHO, 2002, p. 26
74
CARVALHO, 2003. p.18-20
75
BRANDÃO, Mons. Ascânio. É pecado namorar? O Dominical, Teresina, p.3, 19 de nov. de 1950.
95
adro, buscando mesas às pressas [...] do poste um alto-falante se pôs a
irradiar música pobres canções de amor
76
.
Até mesmo nas festividades religiosas, nasciam também vários
compromissos como o de Dona Iracema Silva e do senhor José Maranhão, este enviava
telegramas se declarando durante as quermesses do Amparo. Uma das regras do
namoro era deixar transparecer que a iniciativa da conquista partira do rapaz, e não da
moça, entre um namorado e outro. Contudo não é o caso da Dona Iracema, ela teve a
opção de escolher entre o atual namorado e novo pretendente, que enviava telegramas
durante as quermesses.
Com meu marido, nós não tivemos namoro, pois foi tudo muito
rápido, eu ia sempre para a Igreja de Nossa Senhora do Amparo,
durante a noite no período das quermesses. Nas quermesses, comecei
a receber alguns telegramas, naquela época o rapaz fazia o bilhete e
pedia para alguém entregar para a moça que ele queria namorar. Nesse
período eu tinha sido Rainha dos Estudantes, em 1947, e nos
telegramas, ele, meu marido, dizia que eu seria a eterna rainha dos
estudantes dele, se declarando para mim, e eu não sabia quem era,
pois no período eu namorava outra pessoa. [José Maranhão]
telefonava lá para casa, e dizia: “te vi hoje sorrindo, jogando os
cabelos, conversando com tuas amigas, no relógio da Praça Rio
Branco” foi dessa forma, que ocorreu meu namoro com meu futuro
marido, e um dia ele me ligou e pelo telefone perguntou: “se eu queria
casar com ele?”. Eu disse que queria, mas, antes preciso te conhecer.
Nós marcamos para nos encontrarmos na Igreja da Praça Saraiva, a
matriz, Igreja Nossa Senhora das Dores, isso foi em 13 de abril de
1947. Eu o vi neste dia, e neste mesmo dia, ele disse que à noite iria
me pedir em casamento ao meu pai
77
.
O amor romântico ou juras de amor eram expressas nos galanteios de
conquista, sejam escritos, lidos, sob a forma de telegramas ou cartas, frases bem
colocadas, cada palavra expressava um sentimento. Um telefonema, com palavras
detidamente escolhidas e uma frase desejada, poderia mudar a vida dessas duas pessoas
que nunca havia se encontrado pessoalmente.
4.6 Noivado: relâmpago
O noivado não deveria demorar muito, visto que este último requeria
cuidados maiores e especiais, pois era percebido como “uma época perigosíssima”, era
preciso maior vigilância sobre os noivos, incitando-lhes que o melhor a fazer nessa
76
CARVALHO, 2003, p.84
77
SILVA, 2008.
96
época, era se afastar, dos momentos perigosos e tentadores, dessa, forma, os noivos
eram alvo de prescrições diretas e objetivas, como a seguir,
Aos noivos: é preciso passar honestamente o tempo do noivado. É
uma época perigosíssima [...] quando moças trazem, no dia do
casamento, debaixo do véu branco, símbolo da pureza, um coração
culpado, um corpo maculado. Quanto mais ofenderem a Deus antes do
casamento, mais serão infelizes. Que os noivos evitem tudo quanto
pode ofender a Deus, a entrevistas em horas e lugares indébitos, as
liberdades. Procuraram na oração e na freqüência dos sacramentos a
força para vencer as inúmeras tentações que o noivado pode ser
ocasionar
78
.
Época perigosa, pois muitos rapazes solicitavam de suas namoradas uma
prova de amor, e vez por outra, apareciam moças grávidas, como nos confirmou dona
Iracema Silva, “[...] às vezes apareciam moças grávidas, algumas casavam outras iam
embora
79
”, a sociedade que polarizava a moça entre Eva e Maria recomendava
precaução às moças ao lidar com as tentações que o noivado causava.
Tive tentações pecaminosas, e quantas, meu Deus, mas, algo com
força total me levavam ao raciocínio, me afastava do pecado mortal.
Comecei a namorar cedo. Aos doze anos conheci Eustórgio, um rapaz
filho de um judeu. Era bonito, discreto e bem educado [logo depois]
passei a achar os rapazinhos da minha idade afoitos [...] os homens de
idade eram meus preferidos
80
.
A dupla moral sexual da década de 1950 era rígida, as mulheres eram
separadas pelos olhares masculinos em “mulher para casar” e “mulher para brincar”, o
homem era o provador, de senso prático e as mulheres „deveriam‟ pensar duas vezes,
mesmo com a „tentadora‟ e „provocante‟ prova de amor que o noivo ou o namorado
solicitavam às moças, “crivadas de tantas dúvidas, essas mulheres às vezes pareciam
querer atirar tudo para o alto”
81
.
Maria Pompeu tinha 20 anos. era atriz conhecida. Sentiu o drama
de ser mulher antes de Leila Diniz: - Em 58 perdi a virgindade com
um rapaz que já estava noiva dois anos lembra. Eu pretendia
me casar com ele, que era muito carinhoso e todo dia ia me pegar na
Maison de France, onde eu estudava Francês e fazia minhas peças.
Depois que perdi a virgindade o sujeito não quis mais saber de
casamento. Foi uma tragédia em cinco atos. Como eu ia casar se não
78
VERSSEM, Pe. Guilherme. Aos noivos. O Dominical, Teresina, p.3, 30 de dez. de 1951. (grifo nosso
79
SILVA, 2008.
80
CASTELO BRANCO, Lili. Fases do meu passado. Teresina: APL, 1983. p.25 .
81
SANTOS, 1998, p. 58
97
era mais virgem? Ser mulher era fazer muitas perguntas e nem sempre
achar respostas razoáveis
82
.
As práticas amorosas transformavam-se, os lugares de encontro dos casais
também se modificavam, não eram mais, apenas, as praças, os cinemas, o carro passava
a ser ninho de amor, “[...] as garotas apresentam-se para o amor, geralmente o amor
começa motorizado e há de acabar nos castelos escondidos dentro dos matos que
circundam os bairros
83
”, era preciso recusar sem magoá-lo, o casal de namorados
sempre na porta da casa dela, no entanto, ele motorizado, insistia para que ela desse
umas voltas com ele
84
.
Cronistas, como a jornalista e professora Cristina Leite, alertavam as
meninas teresinenses, para terem cuidado com algumas promessas dos rapazes, era
preciso ter cautela, pois alguns rapazes queriam apenas seduzir as meninas.
O lado dos desregramentos vem se traduzindo nesse número crescente
e lamentável de vítimas. chega de Maria Goretti, de Aída Curi, ou
de você minha amiguinha. Que estes cadilacs e camionetes para fins
libidinosos sejam substituídos por carros que prestem serviços
coletivos
85
.
De senso prático, eles, os rapazes, queriam provar, testar a sexualidade
das moças, elas eram suas presas, depois saiam falando, pois não tinham intenção de
casar-se.
Quais eram os métodos contraceptivos disponíveis às mulheres, para não
engravidarem na década de 1950? Além da continência periódica, método Ogino-
Knauss, a popular Tabelinha, havia também o Diafragma, não acessíveis a todas as
moças da sociedade.
[...] evidentemente não se podia generalizar. As clínicas de aborto de
Botafogo existem, e Ilka Soares tornou-se uma pioneira em
métodos preventivos que a levassem ao prazer sem precisar passar por
aquele roteiro fúnebre. - Em 58 eu usava o diafragma, que era a
última novidade lembra a atriz. Mas, o método mais usado era
mesmo a tabelinha e a reza, muita reza
86
.
82
SANTOS, 1998, p.49
83
TITO FILHO, 2002, p.52 (grifo nosso)
84
SANTOS, op.cit. p. 51
85
LEITE, Cristina. Minha nova Aída. Folha da Manhã, Teresina, p.2, 31 de maio de 1959.
86
SANTOS, op.cit., p. 58
98
O escritor piauiense Fontes Ibiapina nos mostra em um de seus romances,
como o discurso católico de “manter-se virgem até a noite de núpcias” chegava tarde
demais para algumas moça de família, que, diante do “mal passo”, a única saída
vislumbrada era suicídio,
À margem do rio o povo se aglomerava [...] quando morria gente
afogada [...] Ali não era o lugar próprio de moça bonita e branca
tomar banho [...] Naquele cais nojento de canoeiros, estivadores,
carroceiros, lavadeiras e outras pessoas da raia miúda [...] E o povo
dizia “morreu de propósito. Não estava nem tomando banho.
Suicídio no duro!” [...] A moça era D. Serafina, moça bonita [...]
Dona Margarida se acabando em lamentos. O marido se fora (há um
ano e pouco). Agora, a única filha, [...] Antonino pesca a defunta:
uma moça branca, rica, bonita e fina. [...] Começam os boatos: “pedra
no pescoço coisa nenhuma!, [...] apenas um cordão de ouro [...] a
barriga era que estava amarrada, com um pano e um prato esmaltado
para baixo. Mesmo assim ninguém nunca morreu no Parnaíba com
barriga tão grande
87
.
Esse é um dos exemplos de exercício da sexualidade feminina, em que, mais
uma vez, a moça era castigada pelas convenções sociais. A seguir transcrevemos a cena
na qual Pedrina, personagem do romance Somos todos inocentes, sofreu aborto por
causa de uma queda. O boticário (médico prático) da cidade, ao fazer a curetagem sem
anestesia, demonstrava que “as mulheres tinham que sofrer por onde tinham pecado
88
.
Ele confirma tal postura ao afirmar que “[...] sim, eu poderia -la anestesia antes. Mas,
preferi que ela sofresse tudo consciente”. A citação é longa, mas necessária.
O boticário colocou a valise sobre o baú e olhou detidamente para
Pedrina. Era o que eu imaginava. Em seguida, escancarou a janela, a
fim de que a luz da manhã facilitasse o diagnóstico [...] Dulce viu
Pedrina meio nua, com as pernas afastadas, fora da rede, o ventre a
expelir um pequenino ser com vaga aparência humana. - Meu Deus, o
aborto! Dulce tremia encostada na parede em que se amparou. Nunca
imaginava que houvesse tanto sofrimento no parto. Até num simples
aborto! [...] (Dulce começou a mexer com a volta, comprimindo a
medalha entre os dedos.) - Ainda não. Seu Ernesto saiu e logo voltou
com uma bacia de água fervente. Daí a instantes, Dulce sentiu cheiro
ativo de clorofórmio de iodo. “Meu Deus, salvai Pedrina [esta]
dormia profundamente, sob o efeito do anestésico. Seu corpo, cobria-o
com um lençol limpo. No rosto descorado permanecera o sofrimento:
era como se sonhasse que padecia as dores de um parto. [...] Dulce
87
IBIAPINA, Fontes. Palha de arroz. 4. ed., Teresina: Corisco, 2004. p.138-9.
88
VICENT, Gérard. Segredos de família. In: __________; PROUST, Antoine. História da Vida Privada
5: da Primeira Guerra a nossos dias. Tradução Denise Bottman, São Paulo: Companhia das Letras, 1992.
p.253
99
abaixou a vista, também emocionada. - Diga-me uma coisa, seu
Ernesto perguntou em seguida, para satisfazer a curiosidade. Qual a
razão por que o Senhor não deu a anestesia logo no começo? Pedrina
não teria dores. Seu Ernesto, que já havia apanhado a maleta para sair,
parou junto à porta: - Sim, eu poderia tê-la anestesia antes. Mas,
preferi que ela sofresse tudo consciente. - Como? insistiu Dulce,
abismada. Seu Ernesto não respondeu. No entanto, o brilho de seus
olhos explicava tudo
89
.
Em 1947 José de Arimathéa Tito Filho era nomeado Delegado de Costumes
da Polícia Civil da capital piauiense, sobre sua atuação, este comentava e relembrava
“saudosamente” suas ações que eram mais de „examinador in loco‟ dos
desvirginamentos das moças, do que as de Delegado preocupado em zelar pelos
costumes e descobrir quem havia cometido o crime de sedução, que aconteciam tanto
com moças nas classes abastadas, quanto com as de classes mais baixas.
Fui Delegado de Polícia no governo Rocha Furtado. Delegado de
Trânsito e Costumes. Era de tomar conta do trânsito e dos maus
costumes, numa época em que trafegavam poucos automóveis e o
transporte coletivo estava começando [...] mas, no tocante a costumes,
o trabalho se mostrava um pouco desenvolvido. Minha delegacia
instaurava processos pelo chamado defloramento de garotas [...] nesse
tempo as garotas já estavam sapecas, na classe alta, na classe média,
como na classe chamada dos pobres. Nesta última havia constante
desvirginamento ou quebra de cabaço [...] participei como Delegado
de Exame nas três classes, no todo 73 meninas, durante um ano, se
deitaram na cama da Delegacia, abriram as coxas e o médico Hugo
Bastos olhava o negócio e atestava os rompimentos. Eu o escrivão
Matias Melo Filho assistíamos ao exame debaixo de muita
perturbação de sentidos. Era bom, delicioso ver as cousas bem de
perto. De modo geral as defloradas, no correr do inquérito, passavam
pelo nosso crivo, meu e de Matias [...] não sei se o Hugo Bastos
também se metia as aventuras de amor sem perigo de polícia [...]
tempo bom o de delegado
90
.
O delegado no uso de sua autoridade e poder usa e abusa desta condição, no
sentido de aumentar o rol de suas “conquistas”, ao testar “in loco” o desvirginamento
das moças, a partir das “aventuras de amor sem perigo de polícia”, com 73 meninas,
sobre as quais os preceitos morais incidiam bem mais rígidos, no tocante à virgindade,
que sobre a moral masculina, sobretudo, daqueles investidos de autoridade concedida
pelo Estado.
89
CARVALHO, 2003, p. 185-7.
90
TITO FILHO, 1990, p.40
100
A educação sexual, no período em estudo, constituía tabu, segredo
inviolável, as moças não eram orientadas sobre a noite de núpcias, nem pelas revistas,
nem pelas mães, muito menos pela escola. Ainda não havia esse tipo de instrução, a
palavra virgindade ou sexo não aparecem em nenhum, dos veículos de informações
pesquisados, apareciam palavras, como: „dignidade‟, „pérola‟, „bem precioso‟ em
substituição à virgindade. Arimathéa Tito Filho, em uma de suas crônicas, menciona o
quanto ainda era tabu falar sobre sexo, e que os homens faziam seleção, quando iam
casar: somente casavam com moças de família, as honestas, em oposição às
mulheres para brincar, as fáceis.
[...] outro ponto interessante é o da himenolatria. Oitenta e três por
cento dos homens consultados a respeito do casamento com mulher
virgem, ou não-virgem, responderam que admitiam a união com
virgens a virgindade material, uma vez que quase todas, antes das
núpcias, já transformaram as noivas em semi-noivas, na caracterização
dos franceses, isto é, virgens pela metade pois, a castidade, o pudor,
a honestidade feminina estavam desaparecidos nas salas de
projeções de filmes, nos becos escuros, nos jardins e salas de
noivado
91
.
Moças para casar versus moças para brincar, assim os homens classificavam
as moças de forma binária. No imaginário social, as artistas, em geral, tinham „fama‟ de
serem brinquedinhos masculinos, como demonstrava a crônica a seguir,
[...] está o honrado prefeito do Distrito Federal, o coronel Dilcídio
Cardoso, a repetir a história daquele antigo filme [...] o reino por uma
famosa e conhecida estrela do rádio. Tomou-se o prefeito de amores
pela cantora lusitana Ester de Abreu e quando se pensava que o Flirt
era “pra que é”, vem o honrado prefeito e esclarece que é mesmo “prá
casar” [...] por que a sua noiva é artista de rádio? [...] as cantoras de
rádio, esta pecha infamante [...] o Rio de Janeiro estava até tranqüilo
quando dona Ester veio com sua beleza e seu “it” perturbar a pacatez
da família getulista
92
.
A imagem do feminino na sociedade teresinense era percebido de forma
binária, entre evas, levianas, mal-faladas, guabirabas de um lado e moça de família, para
casar de outro. Guabiraba é uma fruta silvestre pica de nossa região e que era
encontrada nos arredores da cidade. Consideravam-se arredores os “lugares
91
TITO FILHO, José de Arimathéa. Sermões aos peixes. Rio de Janeiro: Arte Nova S.A, 1975. p.38-9
92
O CASAMENTO do prefeito. O Dia, Teresina, p.4, 17 de jan. de 1954.
101
desapropriados a uma moça de família, por serem desertos ou por ter plantações e muito
mato, serem distantes do centro da cidade e dos olhos da sociedade.
Teresina, na década de 1950, nas memórias dos entrevistados, “praticamente
se limitava da Igreja Nossa Senhora do Amparo à Igreja Nossa Senhora das Dores”, era
o centro histórico, que ficava longe dos bairros, considerados periferia, como:
Vermelha, Porenquanto, Piçarra, Mafuá.
Clube das Guabirabas eram algumas moças da alta sociedade que
namoravam e pegavam os carros, que não eram muitos, e saiam com
os seus namorados para os arredores na cidade, onde existiam pés de
guabiraba, era uma fruta amarelinha, [saiam] para os encontros
amorosos, sob o pretexto de comer ou colher guabiraba. Considerem-
se arredores de Teresina o bairro Vermelha, por exemplo, porque era
completamente isolado, ou ali no Cruzeiro, em frente ao Seminário, na
Avenida Frei Serafim, para a gente chegar ali tudo era mato. Esse
clube não existia uma sede, era uma brincadeira quando alguém dizia
que alguma moça pertencia ao clube da guabirabas [...] sabiam que
iam era namorar no mato
93
.
Sobre essa estigmatização corrente na sociedade teresinense, de representar
as moças sob a perspectiva binária “moça de família” versus “mal falada, guabiraba”,
Celso Barros Coelho ao falar do clube da guabiraba” nos dar pistas para outra análise
possível, outra versão que dizia respeito às brigas políticas,
o clube das guabirabas era mais uma criação da política, muito mais
do que uma realidade. Guabiraba era uma fruta, que havia na
periferia da cidade e diziam que as moças iam namorar escondido,
mas, isso era mais uma exploração de adversários políticos, era na
verdade, uma difamação
94
.
As moças mal faladas eram para passar o tempo, para divertimento, não
eram levadas a rio, o destino delas estava traçado. Para alguns difamadores elas,
nunca casariam, todavia, segundo Celso Barros Coelho “falava-se mal delas, difamavam
essas moças [entretanto] todas elas se casaram e bem”.
O que queremos mostrar diz respeito não à significação do que foi ou
deixou de ser o clube das guabirabas, segundo o que foi descrito, mas nos
reportarmos ao modo como a cidade via os comportamentos modernos, pois, na
93
SILVA, 2008.
94
COELHO, 2008. (grifo nosso)
102
Teresina dos anos 1940 e 1950, uma mulher que dirigia seu próprio carro e saía para
passear com seu namorado, era considerado uma “perdida” que, certamente, havia
perdido a virgindade
Retornando ao noivado, este tinha como regra básica a rapidez, pois um
noivado longo “maculava” a reputação da moça, portanto, pais e a própria sociedade
pressionavam para que os casamentos ocorressem o mais pido possível. Para alguns
havia prazo estipulado de “seis meses.” Segundo Celso Barros Coelho, o noivado não
poderia demorar muito tempo, e, por isso os pais da noiva entravam logo em ação:
cobravam e estipulavam datas para a organização do casamento, “meu sogro deu prazo
de seis meses para o casamento”, os pais agiam dessa forma, em sinal de prudência,
“prevenção”,
Meu pai não deixava as filhas ficarem noivas muito tempo, fui
noivando e casando logo. Eu o conheci em abril em 1947, em
novembro de 1947 nos casamos. Meu pai tinha certas prevenções, em
não deixar as filhas ficarem noivas muito tempo
95
.
Nos pedidos de noivado, era comum o pai do noivo fazer o pedido para o
pai da noiva. Quem nos confirma esse costume é o senhor José Araújo, que ficou noivo
de Marize Araújo: lembro que meu pai passou prontíssimo às 16 h, de paletó e gravata,
para a casa do Dr. Sebastião Martins para fazer o pedido
96
”.
No noivado de Dona Iracema Silva com José Maranhão, como os pais do
noivo não estavam presentes, ele mesmo fez o pedido ao seu futuro sogro. Este antes de
conceder a permissão, perguntou à filha Iracema, se era realmente o que ela queria,
advertindo de que, mesmo que ela aceitasse, ele, seu pai, faria uma investigação da vida
de José Maranhão. Como este era caixeiro viajante, poucos o conheciam.
José Maranhão foi vestido todo de terno de linho com sapato de duas
cores, elegante, todo nervoso, fumando, ele foi conhecer meus pais e
me pedir em casamento. Meu pai disse que iria fazer um
levantamento, uma investigação da vida dele, e depois disse para mim,
que ele era muito namorador, pois morava perto da zona do
meretrício. Meu pai perguntou para mim, se eu queria mesmo casar.
Eu respondi que sim.
95
SILVA, 2008.
96
ARAÚJO, José, 2008.
103
Foto 25: A imagem fotográfica registrava o dia do pedido em
casamento, 13 abril de 1947. (Acervo particular de Iracema Silva)
No discurso católico, o noivado para as mulheres tinha duas características,
o coroamento e a partida
97
. Coroamento, porque vivia como anjo na terra, (assexuado),
pois a moça conseguiu resistir às tentações frente a “muitos anos de espera, de esforços,
de vitórias sobre si mesmas”. Tendo em vista que muitas mocinhas imaginaram casar
cedo, porém, nem sempre encontravam pretendentes, a prescrição cristã tentava
amenizar esses corpos inquietos e desejantes, com muitas orações e injeções de ânimo,
destacando que a força e coragem dessas donzelas, expressas no refreamento dos seus
impulsos sexuais, era um sacrifício merecedor de coroa ou salvação da alma, face às
tentações que não faltaram nesse caminho de sacrifício e abnegação de sua sexualidade.
[...] sei bem que aos 17 anos, imaginava-se poder casar dentro dos três
anos seguintes, mas a vida está, com suas duras realidades [mas]
não é preciso desanimar-se, por ventura, não se encontrou ainda, aos
25 anos, a alma irmã por que se anseia. Os que noivaram aos 25
anos e que desejavam há muito encontrar [alma gêmea] nos momentos
de desânimo que sentiam, e devem confessar que esses anos de espera
os amadureceram [...] do êxito dos esforços feitos durante longos anos
[...] neste sentido o noivado é um coroamento [...], pois as dificuldades
e as tentações não faltaram no caminho que leva ao coração e que as
condições de vida moderna tornam cada vez mais longos
98
.
97
CHEVERIER, Jacques. Noivado. O Dominical, Teresina, p.3, 14 de jan. de 1951.
98
IDEM.
104
O outro lado do noivado é a mudança da vida de “Eva” para a de “Maria”,
pois, mediante o matrimônio, passava agora a ter uma vida verdadeiramente cristã, pois
havia rompido com todos os hábitos contrários a um verdadeiro amor se tivemos o
costume de borboletear, pavonear ou flertar, o noivado nos obriga a renúncia a tudo
99
”,
eis sua missão: ser rainha do lar.
Uma das regras de comportamento prescritas às moças era que podiam
sair acompanhadas, principalmente dos irmãos mais velhos. Essa regra se tornava mais
maleável, quando a moça e o rapaz tinham firmado o compromisso do noivado,
conforme nos informa Dona Iracema Santos Rocha Silva, que somente pôde sair
formalmente, passear de mãos dadas, com o senhor José Maranhão Silva, depois de ter
oficializado o noivado,
Luz elétrica tinha e não tinha, a luz era uma tocha fraca, e isso
facilitava meu namoro, aliás, meu noivado, pois, em casa, meu pai não
permitia nada, mas, quando eu saia com meu noivo, eu aprendi, a
saber, o que era beijo nesses escurinhos, pois a luz era bem
fraquinha
100
.
A observação de práticas, como as descritas anteriormente, eram percebidas
e questionadas. Segundo o Monsenhor Ascânio Brandão, o namoro dos anos dourados
havia mudado consideravelmente, havia passado da „luz‟ às „trevas‟:
Não compreendo como os pais deixam suas filhinhas nas trevas dos
cines e nas ruas escuras, entregues a rapazes aventureiros [...] outrora
o amor andava às claras, procurava a luz, [...] os jardins floridos de
rosas e açucenas, enfim era um amor às claras. Hoje o amor não gosta
da luz, procura as trevas. Só anda às escuras pelas ruas solitárias, onde
termina a iluminação elétrica
101
.
O pedido oficial de casamento e o início do noivado era percebido pelas
moças sempre com muita emoção e júbilo. O anel de noivado, símbolo de compromisso
na relação e promessa de vínculo conjugal, passava a ser exibido como um troféu:
[...] tia Julinha, enchendo a casa de sua ruidosa juventude [apareceu na
casa de sua irmã, esta era mãe de Ulisses], deixe-me abraçá-la mana.
Minha tia [...] esforçando-se para esconder a satisfação que seu rosto
99
CHEVERIER, Jacques. Noivado. O Dominical, Teresina, p.3, 14 de jan. de 1951.
100
SILVA, 2008.
101
BRANDÃO, Monsenhor Ascânio. Escolas de divórcios. O Dominical, Teresina, p.2, 30 de jan. de
1955.
105
espelhava. Não entrei para ficar, explicou, recusando a cadeira [...]
até logo, - e avançou a mão, sem conter-se entre a própria malícia.
Mamãe toma-a comovida, entre as suas: - Noiva, enfim murmurou,
com um suspiro, ao ver a aliança. Como foi isso? O João andava se
mostrando indiferente, passei a esquivar-me; Ele agüentou duas
semanas. E ontem entrou de casa dentro, formulado o pedido
102
.
Segundo Carla Bassanezi
103
, na ideologia dos anos dourados, o casamento
era percebido como único horizonte possível de realização para as moças, dessa forma,
as prendas domésticas constituíam a base para um bom e feliz casamento, portanto, o
bom desempenho nas funções de rainha do lar seria fundamental. Seria boa esposa
aquela que soubesse cuidar da casa, das crianças, soubesse fazer quitutes para o marido,
agradar, saber receber visitas
104
, ou aprender a economizar começando pelo enxoval
105
.
Em 1952, o Centro Singer de Teresina
106
havia diplomado a primeira turma
de Corte, Costura e Bordados, formando 9 profissionais aptas a exerceram a função de
“rainhas dos lares”. O paraninfo da turma, Professor Arimatéia Tito Filho, consagrou a
turma com o seguinte discurso de “naturalização” dos papéis sociais da mulher. Para
ele, a identidade feminina estaria atrelada a “missão de santificação da família”: missão
de ser rainha do lar, eis seu papel na sociedade,
[...] coroais os vossos esforços com um diploma útil à função social da
mulher [...] baseastes os vossos triunfos na aquisição de prendas e de
riquezas espirituais. Estou certo de que a transformação econômica da
idade moderna libertou a mulher, com a progressiva e ascendente
industrialização do mundo. Com isto, foi realmente ameaçada a
santidade da família![...] Não quiseste porém sacrificar a beleza do
vosso apostolado e ingressastes numa escola de aprendizagem nobre,
onde pudestes adquirir conhecimentos práticos e úteis aos vossos lares
[...] costurar é arte [...]
107
.
Para o cronista, o lugar da mulher é o espaço privado, “coroais os vossos
esforços com um diploma útil à função social da mulher”. Estudar para quê? A sua
missão residia em possuir prendas domésticas, ser rainha do lar, assim desempenharia
bem seu papel no seio da família. Possuir prendas domésticas era sinal de que estava
102
CARVALHO, 2003, p.34.
103
BASSANEZI, Carla. Mulheres nos anos dourados. In: DEL PRIORE, Mary (org). História das
Mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, 2000. p. 607-639.
104
SILVA, 2008
105
ESTÁ noiva? Teresina, O Piauí, Teresina, p.4, 10 de jul. de 1952.
106
O CENTRO Singer diplomou ontem a primeira turma de Corte, Costura e Bordados. O Piauí,
Teresina, p.4, 10 de jul. de 1952.
107
IDEM.
106
promovendo conscientemente, a sua felicidade, o bem estar dos que vivem debaixo de
sua orientação e de seus cuidados”, e aquelas que não possuíam tais prendas, ou se
negavam a possuí-las, estariam relegadas ao insucesso no casamento e seriam infelizes?
No processo da conquista de um bom partido para o casamento, as
mulheres, além de serem prendadas, também se utilizavam de outras técnicas para
seduzir os rapazes, o vestuário ajudava nessa empreitada, especialmente os sutiãs com
enchimento, que aumentavam o busto.
Nada de bumbum arrebitado. O padrão de sensualidade aprovado pelo
mercado erótico masculino era peito grande e cintura fina [...] O
Balada, também da De Millus aumenta confidencialmente o busto,
graças ao seu forro de espuma látex, bojo despontado em espiral. O
que não faltava era sutiã, todos anunciando que erguiam com conforto,
prendiam com naturalidade e realçavam confidencialmente [...] os
modelos não davam conforto nenhum lembra a empresária Marly
Passos, aluna do Sion, mas ajudavam a desenhar um shape falso, cheio
de curvas, que atraía o olhar dos homens. Queríamos seduzir como a
mulher de hoje. Mas, não para um rolo de uma noite erótica. A gente
queria casar. Esta era a meta maior da mulher de 58
108
.
Foto 26: "Folha da Manhã", 18 de novembro de 1956 - propaganda disponível em
<http://almanaque.folha.uol.com.br/anos50_popup.htm> Acesso em 29 de jan. de 2009.
108
SANTOS, 1998, p.52-3. (grifo nosso)
107
Um item que não poder faltar ao retratarmos a mocidade dos anos dourados,
é a referência aos concursos de beleza, e a importância que detinham as misses, na
sociedade teresinense. Consideradas mulheres que expressavam um ideal de beleza,
mostravam que a mulher podia ser sensual, graciosa e bonita sem ser vulgar.
Em 1958, a Miss Distrito Federal, Adalgisa Colombo “inventou truques de
beleza para vencer o Miss Brasil
109
em substituição ao pancake, que todas as
candidatas deveriam usar, ela utilizou o óleo Johnson para luzir a sensualidade de suas
pernas, e com isso a ajudou a desenhar a nova mulher brasileira, que explorava sua
sensualidade sem ser vulgar.
Foto 27: Adalgisa Colombo desfilava no Miss Universo (SANTOS, 1998, p.60)
Nas programações do centenário da capital do Piauí, ocorrido em 1952,
destacou-se o concurso para Rainha de Teresina. Surgiram, então várias candidatas, uma
delas foi candidata da Imprensa Piauiense, que venceu o concurso. Estamos falando da
senhorita Vilma de Figueiredo Rêgo, escolhida para Rainha da Cidade, uma escolha que
não foi à toa, ela representava não somente um rosto bonito, simpático, mas o que se
destacava nesta candidata, não eram características domésticas “ser prendada”, mas a
inteligência. Representava um novo padrão de comportamento feminino, que „invade o
espaço público‟, e é legitimado socialmente, pois fazia Direito, na única Faculdade
existente no Piauí, naquele período. Representava, singularmente, uma parcela das
mulheres teresinenses.
109
SANTOS, 1998, p.9.
108
4.7 Futebol: é uma prática machacaz?
Ao trabalhar com a categoria de gênero, percebemos que, mesmo na década
de 1950, eram múltiplas as representações do feminino e do masculino, portanto, não
existiam feminino e masculino no singular, mas femininos e masculinos no plural, visto
que são categorias vazias e transbordantes
110
, vazias, porque não podem ser fixas, e
transbordantes porque podem ter espaço para a alteridade, ou seja, as múltiplas
possibilidades de ver os pólos não como fixos, unos, mas plurais.
Nada de exercícios “pesados” ou violentos para a mulher, pois isso é “coisa
de homem”. A divisão de Educação Física do Ministério da Educação e Saúde, durante
a década de 1940, estabeleceu a diferença nos exercícios, a partir de pares binários, na
prática da educação física feminina e masculina, através de um discurso anatômico-
biológico, prescrevia, para os homens, exercícios que demandavam “força e ação física”
e, para as mulheres, exercícios condizentes com “as condições de sua natureza”
concepção expressa no Decreto-Lei 3.199 de 1941, que vigorou até 1975, o qual
estabelecia as bases de organização do desporto no Brasil.
O artigo 54 do decreto acima prescrevia uma educação física ao feminino de
acordo com o seu sexo: “as mulheres não se permiti a prática de desportos
incompatíveis com as condições de sua natureza
111
”. Dessa forma, os exercícios que
demandassem agilidade ou agressividade seriam condizentes somente para o sexo
masculino.
A prática do futebol era exclusivamente uma atividade esportiva masculina?
O futebol enquanto esporte, na década de 1950, era demarcado pelas diferenças de
gênero, numa perspectiva binária. Era prescrito como prática verdadeiramente
machacaz. O sexo feminino por ser identificado como sexo frágil e sensível era
desestimulado a praticar [os] jogos e esportes violentos nunca foram próprio à
delicadeza do belo sexo. São mesmo anti-higiênicos e prejudiciais
112
. Estas eram as
prescrições católicas ao feminino, face ao primeiro jogo de futebol feminino, ocorrido
em Teresina, em 1959, no Clube dos Bancários.
110
Sobre esse conceito ver SCOTT, 1995.
111
FRANÇA apud BRUNHS, Heloísa Turini. Corpos femininos na relação com a cultura. In: ROMERO,
Eliane (org). Corpo, mulher e sociedade. Campinas, SP: Papirus, 1995. p.93.
112
FUTEBOL feminino. O Dominical. Teresina, p.3, 27 de set. de 1959.
109
[...] as moças de hoje estão sendo educadas para atitudes masculinas
fumam, bebem, jogam [...] o industrialismo gigantesco do mundo de
nossos dias provocou a igualdade‟ dos sexos „masculinizou‟ a
mulher, que cada vez mais perde os seus atrativos [...] nas atitudes,
nos gestos, nos trajes, no trabalho a que se entregou por força do
processo de industrialização do mundo, na valorização de que se
presume porque pôde derrotar a autoridade do homem no lar,
principalmente no lar, a agência educadora por excelência de
finalidade perdida
113
.
Era ainda prescrita ao feminino somente os exercícios leves, como
“ginásticas, exercícios físicos, em delicadas e clássicas danças ritmadas”, portanto, a
educação física para as mulheres deveria ligar-se a “delicadeza dos exercícios”. Numa
visão marcadamente polarizada, demarcavam lugares femininos como frágeis, portanto,
nessa visão, a prática de futebol era interdita as mulheres, pois, a masculinizavam,
[...] as gregas de hoje querem jogar futebol [...] embruteceram-se,
masculinizaram-se [o ideal era que] se recorra a uma educação física
feminina, dentro das exigências fisiológicas do sexo [...] pular, saltar
[...] são exercícios tipicamente masculinos [...] todos os jogos, pois,
em que o homem se adestra (sic) são impróprios e perigosos para a
mulher, cuja função é outra, muito diferente. É uma função espiritual
[...] por que, ao invés dos movimentos ginásticos violentos, não se
submete a mulher a movimentos ritmados, lentos e harmoniosos? Esse
é que é sempre o exercício físico para o sexo que, apesar dos pesares,
de ser sempre o sexo frágil. Educação física da mulher, sim, mas
dentro das normas do pudor e da delicadeza do belo sexo
114
.
A expressão apesar dos pesares” demonstra que a mocidade feminina, ou
pelo menos algumas moças teresinenses não consumiam o discurso católico e eugenista,
tal como a “norma” impunha, mas agiam como lhes convinha. As mulheres, ao jogar
futebol, estavam deslocando fronteiras de gênero, demonstrando possibilidades de ser
algo mais, além de “reprodutoras”, mães, esposas, rainha do lar. As mulheres
deslocavam as fronteiras de gênero, jogavam futebol e tênis, práticas modernas, que não
eram bem vistas pelos setores tradicionais da sociedade. Já para outros, a atividade
esportiva, seja qual fosse a modalidade era valorizado: “era bárbaro ser do mesmo país
de Maria Ester Bueno, que foi campeã de duplas em Winbledon em 1958
115
”.
Dessa forma, mostramos que as normas, as regras, e as precauções não
impediam que, no cotidiano da mocidade teresinense, houvesse algumas moças que
113
TITO FILHO, 1975b, p.118
114
FUTEBOL feminino. O Dominical. Teresina, p.3, 27 de set. de 1959.
115
SANTOS, 1998, p.15
110
burlavam tais prescrições e normas. Fugindo aos padrões estabelecidos, mesmo sendo
“moças de famílias”, usavam de diferentes táticas, subvertiam a ordem, para vivenciar
sua mocidade, “fugiam” dos padrões estabelecidos, lendo romances “inapropriados”,
como A carne, livro de estética natural-realista, jogavam futebol, “exploravam” a sua
sensualidade, através do uso de maquiagem, para destacar partes do rosto. Umas
usavam sutiã com enchimento, para seduzir, outras utilizavam métodos
anticoncepcionais, como Tabelinha ou o Diafragma e usavam sua sexualidade sem se
importar com as prescrições sociais, e, algumas, embora pouquíssimas, dirigiam seus
próprios carros, como dona Genu Moraes meu pai e minha avó Lili me deram 34.700
contos de réis para comprar um carro. Comprei um Coupe Ford americano. Fui à
primeira mulher a dirigir carro em Teresina
116
”.
116
CORREIA, Maria Genovefa de Aguiar Moraes. Entrevista concedida a Ângela Maria Soares de
Oliveira. Teresina, 25 de julho de 2005.
111
5 RELAÇÕES FAMILIARES
Neste capítulo discutimos os papéis de gênero no interior do casamento,
observando as distinções nas configurações dos papéis sexuais, a partir do paradigma de
rainha do lar, das questões relacionadas ao controle de natalidade, dos embates em torno
da indissolubilidade do matrimônio. Finalizamos, apontando possibilidades de
mudanças no interior das relações familiares, a partir da inserção da mulher no mercado
de trabalho e do seu ingresso no ensino superior.
Ser mulher
1
Gilka Machado
Ser mulher, vir à luz trazendo a alma talhada;
para os gozos da vida: a liberdade e o amor;
tentar de glória a etérea e altívola (sic) escalada
na eterna aspiração de um sonho superior ...
Ser mulher, desejar outra alma pura e alada,
para poder, com ela, o infinito transpor;
sentir a vida triste, insípida, isolada,
buscar um companheiro e encontrar um senhor...
Ser mulher, calcular todo o infinito curto
para a larga expansão do desejado surto,
no ascenso espiritual aos perfeitos ideais...
Ser mulher e, oh! Atroz, tantálica tristeza!
ficar na vida qual uma águia inerte, presa
nos pesados grilhões dos preceitos sociais!
Este soneto reflete bem as condições existenciais femininas, na década de
1950. Segundo Bassanezi, a identidade feminina era pensada a partir da maternidade,
casamento e dedicação ao lar
2
, o que refletia o paradigma rainha do lar. Mas, muitas
mulheres, como Dona Iracema Silva, sentia-se como “águia inerte, presa”, sem poder se
dedicar a sua sonhada e desejada realização profissional, através da advocacia, mas o
que os preceitos sociais do período em estudo indicavam para ela como categoria
1
MACHADO, Gilka. Ser mulher. Folha da Manhã, Teresina, p.4, 23 de fev. de 1958. (grifo nosso)
2
BASSANEZI, 2000.
112
profissional, era o magistério, no entanto, ela fez também o Curso de Filosofia e depois
o de Didática, na FAFI. Deveria trabalhar como professora, sem esquecer suas
atribuições enquanto mãe, esposa e dona de casa.
5.1 Gerar filhos: função primária do matrimônio?
A encíclica Casti Connubi, publicada pelo Papa Pio XI, em 31 de dezembro
de 1930, preconizou e reafirmou que o matrimônio era uma instituição sagrada, sendo a
função primeira do casamento a geração e a educação dos filhos, esse era o primeiro
dever que impunha aos esposos
3
.
No período entre as guerras mundiais surgiram discursos em torno do
planejamento familiar. O desenvolvimento do processo de urbanização criou melhores
condições para a influência dos meios de comunicação social sobre a vida no lar
4
. Essas
mudanças incomodaram a Igreja Católica, que chamava para si a responsabilidade de
proteger a instituição família dos perigos que assombravam a sociedade. Ela, a Igreja se
autodefinia como o anjo tutelar da família
5
.
Dando seqüência as mudanças sociais, na década de 1950, ocorreram outras
descobertas, que também iriam afetar os comportamentos na família, a partir de 1951
6
quando a pílula de progesterona foi criada
7
, bem como outros métodos contraceptivos
que possibilitaram uma liberdade no comportamento sexual, especialmente o
feminino, proporcionando o sexo sem procriação. Esses recursos liberaram as mulheres
da obrigação da concepção, provocando mudanças na família e nos padrões de
sexualidade.
No entanto, face àquelas descobertas, os olhos de lince do anjo tutelar da
família passaram a exercer fortes reações a essas descobertas, que poderiam alterar os
rumos do cenário privado. A Igreja Católica usou diversas estratégias, procurando evitar
a propagação do uso destas novidades, a primeira foi a publicação da Encíclica Casti
Connubii, pelo Papa Pio XI em 1930, considerada um marco da doutrina cristã, e que,
3
EM DEFESA da família: fim primário do matrimônio. O Dominical, Teresina, p.2, 12 de dez. de 1948.
4
AZZI, 1993, p.101. Essas condições propiciaram maior veiculação de revistas e jornais em todo o país.
5
CAES, Andre Luiz. Da espiritualidade familiar ao espírito cívico: a família nas estratégias de
reestruturação da Igreja (1890-1934). Dissertação de Mestrado. Campinas, 1995.
6
Sobre a descoberta da Pílula. Disponível em <http://www.djerassi.com/portugese/interview/index.html
>
Acesso em: 05 de jan. de 2008.
7
A pílula passou a ser comercializada somente na década seguinte, 1960.
113
reafirmava ser a procriação a maior finalidade do matrimônio, sendo, portanto, um
pecado fazer o controle de natalidade.
Desde o século XII, o casamento fora considerado pelos católicos um
sacramento. No século XVI, com o Concílio de Trento (1545-1563), surgiram
regulamentações mais rígidas fazendo do ritual do matrimônio, uma atividade exclusiva
dos sacerdotes, o que trouxe como conseqüência a condenação dos casamentos que não
seguissem rigorosamente o que fora estabelecido como norma. Os nubentes, desde
então, passaram a ter que declarar, através de uma publicação, para a sociedade, o seu
consentimento, através dos proclamas, e o ritual do casamento deveria ser realizado por
um sacerdote e em uma Igreja, pois, anteriormente, era realizado em casa pelo pai da
noiva
8
.
No Brasil, com a Proclamação da República, em 1889, o catolicismo deixava
de ser a religião oficial do Brasil, instituindo-se a distinção entre o casamento religioso
e o casamento civil. Nesse período, a Igreja católica precisou contar com a força da
tradição e com o apego à religião dos fiéis, para legitimar o matrimônio religioso. A
força da Igreja Católica nos costumes pode ser percebida em relatos que tratam sobre o
valor do casamento religioso,
Eu casei em 1949, no dia 22 de dezembro no civil, e no dia 31 de
dezembro na Igreja de São Sebastião, mas nos tornamos marido e
mulher, depois do casamento religioso, quer dizer, passamos uma
semana arrumando a casa, para mim não foi problema e nem para
M. [esposo dela], ele não disse nada. era marido e mulher, quando
casava no religioso e no civil. Ninguém cogitava ser marido e mulher
antes do casamento religioso
9
.
A senhora V.G.F.N explicou que os jovens casavam, desta forma, por
convenções sociais e culturais, o discurso católico tinha outro argumento, para a Igreja o
casamento civil era simplesmente um contrato enquanto que o matrimônio dos
católicos, contraído perante a Igreja, era mais do que contrato era um sacramento
sagrado
10
.
Mais do que o casamento civil, o que preocupava a Igreja católica, na década
de 1950, era o crescimento de outras religiões na cidade, como o protestantismo e o
8
VAINFAS, Ronaldo. Casamento, amor e desejo no Ocidente Cristão. 2. ed. São Paulo: Ática, 1992.
9
V.G.F.N, 2007.
10
CASAMENTO religioso e contrato civil. O Dominical, p.4, Teresina, 26 de fev. de 1956.
114
espiritismo, bem como a influência destas crenças na sociedade, havia o receio da
formação de casais, em que os cônjuges poderiam ter religiões diferentes. Assim, a
Igreja passava a anatematizar o casamento misto, por meio de prescrições veiculadas no
semanário O Dominical. Os casamentos mistos eram tidos como prejudiciais à
formação religiosa dos filhos, podendo ainda criar conflitos entre os cônjuges
11
.
Muitos dos casamentos, no período em estudo, na classe média, estavam
condicionados a fatores endogâmicos, ou seja, a formação de casais ocorria dentro da
mesma classe social, mesmo que a escolha dos cônjuges fosse feita pelo coração, as
mães, principalmente, „aconselhavam‟ os filhos e as filhas sobre o bom partido,
[...] eu me lembro que um dia, um namorado me pediu em casamento,
dentro do Clube, dançando, ele agarrou os meus cabelos e disse que eu
iria saír do Clube dos Diários, se casasse com ele, então eu disse
que me casaria com ele se um dia ele se ajoelhasse, e me pedisse
em plena Praça. A mãe dele não queria que ele se cassasse comigo,
porque ele era de família importante e, eu não era, por isso a mãe dele
não queria que nós casássemos
12
.
Sobre a escolha dos cônjuges a partir do amor romântico e da coadunação
com interesses sociais, um cronista do jornal O Dia, produziu um discurso que merece
ser mencionado,
[...] o homem moderno está impregnado de romantismo no que se
refere ao matrimônio [...] quem o jovem [ou a jovem] moderno
guiando o seu automóvel de cores claras, dirá a primeira vista que os
curiosos personagens do romantismo já não existem. De fato, não se
encontra mais a „heroína‟ ingênua e frágil [...] que suspira por alguém
[...] ou o grande herói de compleição atlética, exuberante de
varoneidade [...] hoje, ele é um desportista alegre, de senso prático,
disposto a vencer na vida. Ela é empreendedora, desembaraçada,
utilitária, algumas vezes picantes; sente-se bem e quer aproveitar a
vida. Que neles encontramos do jovem sonhador ou da dama
lacrimejante que comoviam nossos avôs? Apesar de tudo, e em que
pese o clima de muito maior tolerância para o casamento inspirado em
motivos cinicamente financeiros, continua sendo considerável o papel
reservado ao sentimento que toca a escolha do futuro cônjuge
13
.
Mudanças sociais estavam ocorrendo, os rapazes não eram mais sonhadores,
tornaram-se práticos, dispostos a vencer sempre, as moças não eram mais ingênuas e
11
MOURA, Judite. Para minhas filhas lerem. O Dominical, Teresina, p.3, 09 de set. de 1951.
12
SILVA, 2008.
13
DIVÓRCIO e romantismo. O Dia, Teresina, p.5, 04 de mar. de 1956.
115
frágeis, tornaram-se desembaraçadas, empreendedoras, segundo o cronista, eles
casavam-se com vistas a uma promoção social e/ou permanecer na mesma classe social,
realizando casamento endogâmicos, no entanto, na escolha dos cônjuges o amor era um
dos itens que pesava.
Quanto a tornar-se mãe, o discurso católico preconizava que a maternidade
era uma missão sagrada, porque era através das dores no parto que a mulher passava de
Eva a Maria. A “humanidade estava maculada pelo pecado original, nas dores do parto,
a mulher expia o pecado de Eva
14
”, como se, a partir deste sofrimento, a mulher se
purificava, se tornava Maria, e a dor física seria o preço pago por seu erro
15
.
O motivo principal era a linguagem, seja escrita ou falada, especialmente do
Gênesis (Gn, 3, 16) In dolore paries filios - tu darás à luz na dor”, ou quando se
desejava a mulher no momento do parto uma “boa hora”, que era percebido como
uma „hora difícil para a mulher‟. Estudos liberaram a mulher a ter um parto sem dor,
era o início da humanização no parto. O próximo passo era tornar essas pesquisas
acessíveis à sociedade, a imprensa se encarregaria disso.
[...] no campo da obstetrícia, pouco se havia conquistado para a
abolição da dor no parto [...] muitos métodos foram ou são aplicados
ainda hoje, para a humanização do parto. O hipnotismo, analgesia por
gás [...] tudo isso resultou em fracasso. Até que obstetras russos
baseados nos estudos fisiológicos de Pavlov, da atividade nervosa
superior, com a descoberta dos reflexos condicionados, abriram
novos horizontes à supressão da dor do parto. Chegaram à conclusão
que a dor no parto não é outra coisa senão uma dor reflexa, isto é
condicionada à córtex-cerebral, através da palavra escrita e falada
desde os primórdios de nossa civilização, transformando o período
das contrações uterinas do parto em penosas sensações de dor
16
.
O novo método do parto sem dor tinha como principal objetivo ensinar e
educar a mulher para o trabalho de parto, criando um novo reflexo condicionado para
retirar da „ignorância‟ do medo, através de aula que a gestante começaria a receber a
partir do sexto mês de gravidez. O cronista ainda aconselhava que o ideal seria que
essas aulas fizessem parte do currículo escolar, de modo a impedir desde a meninice e
14
VICENT, 1992, p. 257.
15
BADINTER, 1985, p. 307.
16
SOARES, Vilmar Ribeiro. A maravilha do parto sem dor. O DIA, Teresina, p.5, 25 de jul. de 1957.
(grifo nosso)
116
a adolescência o condicionamento do reflexo doloroso
17
”. O dogma da dor no parto foi
„superado‟ pela palavra escrita e falada em 1955, quando houve um Congresso
Obstetrício em Roma, no qual o Papa Pio XII em uma Mensagem aos médicos deu seu
veridito, “esse é o método aprovado pela Igreja porque segue os ditames da natureza, as
leis, a teoria e a técnica do parto sem dor, são sem dúvida, válidas
18
”, uma absolvição as
mulheres. Elas agora teriam novos reflexos condicionantes, preconizado pela medicina e
agora também pela Igreja, logo, os partos ocorreriam não mais sob dor, mas, sob
alegrias e sorrisos.
O medo do parto provocou em muitas mulheres „ojeriza‟ à gravidez, de
modo que recorreram a métodos anticoncepcionais rudimentares, como a esponja
vaginal, ou a retirada do pênis, conhecido por coito interrompido. Estes eram os
métodos utilizados para controlar a quantidade de filhos, antes da descoberta do método
Ogino-Knauss, como nos informou Dona Lili Castelo Branco em suas memórias. Por
volta de 1922, quando ela morava no Rio de Janeiro, depois que deu a luz seu segundo
filho, Cláudio, revelou a uma tia as suas tormentas sobre a dor no parto, aquela a
aconselhou procurar um médico especialista em doenças de senhoras,
[...] revelei o receio de ter outro filho [...] fui e depois, de explicar ao
médico o medo que tinha dos partos, ele me disse: “há um processo
que é muito usado na França, infalível, mas, trabalhoso, porque exige
muita higiene [...] a esponja se usar conforme as prescrições: não terá
filhos” [a] esponja ele próprio a vendia no consultório, era uma
bolinha redonda de onde pendia um cordão forte e comprido. Eu a
usei obedecendo às prescrições, seis anos seguidos com absoluto êxito
e tive a habilidade de esconder do meu marido, para não me
desprestigiar, esse segredo que até beneficia as senhoras que usam.
Sete anos depois engravidei novamente. Íamos para a fazenda, julguei
que não fosse à esponja que me evitasse filhos, e então deixei-a. Logo
no fim de um mês engravidei do Heitorzinho. Aí compreendi o erro de
ter deixado a esponja, mas, era tarde, mais um filho que Deus me
ofereceu, pelo descuido. Daí por diante nunca mais deixei de usar a
esponja e não concebi mais
19
.
Nas duas primeiras décadas do século XX ocorreram o desenvolvimento de
pesquisas em torno dos métodos anticoncepcionais, feitas pelos médicos Kyusaku
Ogino e Hermann Knauss, iniciadas no Japão em 1924, e aperfeiçoadas na Áustria, em
17
SOARES, Vilmar Ribeiro. A maravilha do parto sem dor. O DIA, Teresina, p.5, 25 de jul. de 1957.
18
MENSAGEM de Pio XII aos médicos. Porto Alegre: Edições Paulinas, 1958. p.185.
19
CASTELO BRANCO, (Emilia) Lili. Fases do meu passado. Teresina: APL, 1983. p. 111-2
117
1929. Essas pesquisas afetariam diretamente questões relacionadas à sexualidade e à
família.
A partir da década de 1930, com as descobertas do método Ogino-Knauss,
popularmente conhecido como Tabelinha, para sua eficácia era preciso que a mulher
conhecesse seu corpo, o seu ciclo menstrual para detectar o seu período de ovulação.
Era preciso haver uma continência periódica neste período que a mulher estivesse fértil.
Esse método era o mais utilizado, segundo as respostas das nossas entrevistadas,
exemplificaremos com as memórias de Dona V.G.F.N, que rejeitou o papel de
„parideira‟, teve três filhos. Evitava porque não queria ser igual a sua mãe que teve 9
filhos. Controlava a quantidade de filhos “na medida do possível, a partir dos métodos
do período
20
”.
Utilizando os métodos anticoncepcionais como tabelinha ou diafragma, as
mulheres dos anos dourados, poderiam planejar a quantidade de filhos, serem mães
quando quisessem, escolhendo o melhor período, e com isso estava
iniciando uma revolução nos costumes, a sexualidade estava ocorrendo não
somente para fins de procriação, mas, por desejo também, a mulher começava a se
libertar da angústia de uma gravidez indesejada, a separar sua atividade erótica de sua
função reprodutora sem que [estivesse] faltando às regras da decência
21
.
Embora essas mudanças sociais e culturais estivessem ocorrendo, a Igreja
continuava a alardear que a função primeira do casamento era a procriação,
anatematizando as mulheres que casavam e não geravam filhos. Para a Igreja, aqueles
que em sua vida matrimonial fizessem uso „indevido‟ da máquina de reprodução
humana, ou de métodos anticoncepcionais, estariam se desviando do correto uso do
corpo e dos órgãos genitais, danificando o delicado mecanismo que permite perpetuar a
espécie.
22
5.2 Os papéis tradicionais de gênero nas relações familiares: a rainha do lar e o provedor
O enquadramento dos papéis de gênero no interior do lar, no período em
estudo, era marcado pela desigualdade e hierarquia de gênero. As desigualdades de
20
V. G. F.N, 2007.
21
VICENT, 1992, p. 252
22
LARRALDE, Luís Valdés; HUERTA, ReF. de la. Eu evito filhos, mas queria comungar. Belo
Horizonte: Edições Loyola (s/d), p.9-10
118
gênero podiam ser exemplificadas em diversas situações. A primeira era reservar ao
homem a esfera pública e à mulher a esfera privada. A diferença e a desigualdade dos
papéis foram traçadas, de acordo com as diferenças biológicas, a maternidade era
percebida como definidora da feminilidade, o que transformou a maternidade em
obrigação e sacrifício, uma missão sagrada. Dessa forma, a representação masculina era
vinculada a uma imagem hierárquica, o „cabeça da mulher‟, aquele que manda na
esposa e nos filhos, esta é uma representação construída, o que „deve ser‟. A identidade
construída para ela foi a de doméstica, enquanto que, para ele, era a identidade pública.
Segundo Maria Lúcia Rocha-Coutinho
23
, após a Segunda Guerra Mundial,
surgiu, na Europa e nos Estados Unidos da América, um conjunto de discursos,
propagados por psicólogos e cientistas sociais, embasados, principalmente, nas
concepções de Freud, procuravam naturalizar as divisões de gênero, afirmando que o
lugar ou destino natural das mulheres era o espaço privado, sua realização seria através
do casamento e da maternidade.
No período da guerra, as mulheres tiveram que sustentar a casa, elas saíram
do lar, e invadiram o espaço público, ocupando as profissões dos maridos, enquanto eles
estavam no front de batalha. Quando a guerra acabou, as mulheres foram convidadas‟ a
voltaram para o seu sagrado e „naturalizado‟ lugar.
A autora demonstrou como esses agentes sociais, de fato, interferiram no
comportamento dos jovens, que passaram a casar e ter filhos cada vez mais cedo, e
neste caso, as mães dedicando todo o seu tempo em razão do lar, do marido e dos filhos,
era, portanto a divulgação da imagem „Rainha do Lar’.
Dentre as revistas americanas e brasileiras que divulgaram a imagem da
identidade feminina pensada, a partir do reinado do lar, tínhamos as revistas Vida
Doméstica e Seleções do Reader’s Diges”, cujas propagandas eram direcionadas ao
reino das panelas, assim como também divulgavam a idéia de consumo atrelado ao
moderno.
Segundo Nicolau Sevcenko, mais uma vez o cinema hollywoodiano foi um
veículo fundamental na divulgação de novos padrões de organização e vivência dos
espaços domésticos. Os cenários dos filmes passavam a ditar estilos, objetos e arranjos
23
ROCHA-COUTINHO, Maria Lúcia. Tecendo por trás dos panos: a mulher brasileira nas relações
familiares. Rio de Janeiro: Rocco, 1994.
119
obrigatórios para o interior das casas. O cinema seria uma vitrine onde seriam exibidos
novos materiais, equipamentos de conforto e decoração doméstica
24
.
Em síntese, o cinema trazia para o mundo o american way of life,
popularizando a racionalização, a funcionalidade, o conforto e as eficiências dos
espaços, principalmente na cozinha, exemplificada, com os armários embutidos,
divulgados ainda em revistas, como a Seleções do Reader’s Digets, onde as
propagandas com as novidades elétricas, exemplificadas pela máquina de lavar,
geladeira, fogões a gás, batedeiras, aspirador de pó, liquidificador, dentre outros,
anunciavam um tempo onde os trabalhos domésticos ganhavam outra dimensão.
Foto 28: Revista Vida Doméstica, p.113, maio de 1957 Foto 29: O Dia, Teresina, p.6, 18 de dez. de 1958.
As propagandas apontavam para o consumo de produtos atualizados,
versáteis, modernos, as mulheres começavam a perceber que essas modernidades
domésticas facilitavam seu dia-a-dia nas tarefas domésticas, desde a limpeza da casa
com o aspirador de que “basta passar para limpar”, ou com a economia de tempo e
trabalho dispensado com a lavagem das roupas facilitado pela máquina de lavar, como
também pelo cozimento de alimentos no fogão a gás e não mais a lenha, novidades que
se diferenciavam, se comparadas ao período de seus pais ou avós.
24
SEVCENKO, 2004, p.602.
120
Foto 30: Seleções Digest, n.º 148, p.30, maio de 1954 Foto 31: O Dia, Teresina, p.5, 06 de dez. de 1953.
No jornal Folha da Manhã existia uma coluna chamada Página Feminina
que continha conselhos úteis a uma rainha do lar, desde tratamento de doenças com
plantas medicinais ou receitas de forno e fogão e ainda instruções sobre como lavar as
roupas, para aquelas donas de casa, que não possuíam uma máquina de lavar.
O trabalho de lavar roupa começa na véspera quando se separa as
peças de cor, da roupa branca, colocando-as de molho em separado
[...] os panos de prato devem ser fervidos, por causa da gordura [...] o
por de molho deve ser feito com cuidado. Os lugares mais sujos das
roupas dos homens, por exemplo, os punhos e os colarinhos das
camisas, devem ser ensaboados e esfregados com uma pequena
escova, que não deve ter os fios muito duros para não rasgar a fazenda
[...] depois de passar o sabão na roupa toda, o branco lógico, deve-se
colocar ao sol para clarear um pouco. Depois se enxágua com água
morna, torce-se e põe-se na corda ou no enxugador para secar
25
.
Segundo Betty Friedan citada por Badinter, “as americanas, pouco depois de
1945, foram condicionadas a serem mães devotas e mulheres do lar. Edificou-se, em
torno delas, toda uma mística, como se a maternidade fosse algo inato
26
pertencente à
natureza feminina, com um destino biológico a cumprir. Dessa forma, tentou-se
dogmatizar, através destes discursos, a distinção dos papéis masculinos e femininos, no
interior das relações familiares.
25
A LAVAGEM das roupas. Folha da Manhã, Teresina, p.5, 19 de jan. de 1958.
26
FRIEDAN apud Badinter, 1985, p. 326
121
A imprensa, na década de 1950, balizada em idéias freudianas popularizadas
no período entre guerras, como aquela de que o lugar da mulher é o lar, dando-lhe
características que as diferenciavam do homem, através de clichês como “ela é passiva e
submissa, ele ativo e dominador.
Algumas crônicas, em consonância com o discurso da rainha do lar e
conseqüentemente o discurso católico, nos dão pistas que apontam mudanças sociais e
culturais, no período, mostrando que nem todas as mulheres se enquadravam com tal
discurso,
No meio de tanta miséria deixada por uma guerra [...] que será da
família? Como nos salvar deste naufrágio? A tantas perguntas
responde a voz de Pio X: Daí-me mães verdadeiras e salvarei o
mundo! Sim, é elas que o mundo atual precisa [...] valem pela
educação dos filhos, rainhas de seus lares [...] infelizmente não é o que
se encontra hoje em dia. Muitas mães hodiernas não passam de umas
bonecas de salões onde mostram suas principais virtudes: o saber
enfeitar-se e o saber agradar
27
Segundo Iracema Santos Rocha da Silva, o ideal era que as mulheres não
cometessem excessos, não deviam nem ser rainhas de seus lares em tempo integral e
nem serem modernas em tempo integral, era preciso dosar, conciliando as tarefas fora e
dentro do lar. As mulheres deviam viver não somente em função do marido, dos filhos,
deveriam também pensar em seu bem-estar, seja através de sua realização profissional,
ou estudando, procurando meios de torná-las possíveis, portanto, sendo modernas sim,
mas tendo tempo, para se dedicarem a sua „higiene mental‟, ou seja, lendo, tendo acesso
a diferentes conhecimentos, outrora, não acessíveis ao feminino. Pensarem na sua
realização profissional, “idealizar um futuro bonançoso”
Os extremos são perigos [...] existem mulheres [que] se entregam aos
extremos [...] muitas compreendem a vida como um deslizar macio de
prazer a outro. Festas, passeios, compras. Entregam as empregadas os
filhos [...] beijam os filhos preocupadas com a hora da manicure, com o
novo penteado que vão usar, ou com o modelo balão ou saco [...]
esquecem uma boa leitura com os filhos e o marido [...] outras, na
extremidade oposta, apegem-se (sic) em demasia aos trabalhos caseiros
[que] sugam, desvitalizam e escravizam a mulher. Esquecem das
pequenas pausas, repousos [...] da higiene mental necessária ao impacto
árduo da vida [..] não tem tempo de sonhar, um pouco, idealizar um
27
CESAR, Rita Maria de Mello. Mãe. O Dominical, Teresina, p.1, 18 de jul. de 1948.
122
futuro bonançoso, salutar pelo efeito da esperança nas almas cansadas
[...]
28
.
Segundo Carla Bassanezi
29
, o ideal de felicidade conjugal constituía-se um
dos temas mais freqüentes nas publicações femininas brasileiras, entre 1940 e 1960. O
amor era um dos itens necessários à felicidade dos cônjuges, no entanto, não era o
único, na balança também pesavam as habilidades das prendas domésticas. Ser uma boa
mãe e esposa era medido, através do bem-estar dos filhos e do marido, se eles
estivessem bem ou não era responsabilidade da mulher.
O cuidado com a sua aparência, também era outro atributo essencial no qual
a esposa deveria manter em prol da felicidade conjugal, era manter-se bonita sem deixar
de descuidar dos afazeres domésticos. A quantidade de publicidade, em torno dos
produtos de higiene pessoal, maquiagem, peças íntimas, refletem essa preocupação com
os cuidados da beleza feminina. A esposa até poderia ficar mais bela e sensual para seu
esposo, usando lingeries que valorizavam seu corpo, sem ser confundida com uma
prostituta.
Foto 32: Revista Vida Doméstica, n.º 341, p.87, ago. de 1946.
28
SILVA, Iracema Santos Rocha da. Nada de excessos. O Dominical, Teresina, p. 4, 28 de jun. de 1959.
29
BASSANEZI, Carla. Revistas femininas e o ideal de felicidade conjugal (1945-1964). Cadernos Pagu,
n.º 1. Campinas: UNICAMP, 1993. p. 111-147 Vida Doméstica, Jornal das Moças estas revistas davam
„receitas de felicidade‟ conjugal.
123
O cuidado com o corpo e a higiene corporal impunha uma nova imagem à
mulher casada: a de sedutora do marido, com o objetivo de manter o casamento, as
revistas femininas começavam a divulgar essa nova imagem, como a francesa Marie-
Claire, se quiserem conservar os maridos, devem se manter atraentes [...] esses
conselhos que exigiam demais das mulheres, isso não estava no contrato que fundava o
casamento da geração anterior
30
.
Ser uma boa esposa também significava ter diálogo com seu esposo, mesmo
com tantos afazeres que um lar apresentava, os cuidados com crianças que também
requeriam, era preciso saber agradar o marido, conversar, mostrando interesse por
assuntos que interessavam a ele, mesmo que, algumas vezes, o assunto a aborrecesse.
Trocar idéias com seu esposo, dar-lhe atenção, era sinal de uma „companheira perfeita‟,
não se queixando da sobrecarga dos trabalhos domésticos, não sendo amargas, tristes,
choronas, irritando o marido e cansando-o. Isso era desaconselhado, o que moldava
mulheres resignadas e tolerantes, por vezes, se esquecendo das suas vontades, naquele
tempo a gente tolerava as coisas, quando o M. [esposo] gostava de uma coisa eu
também me esforçava para gostar e não brigávamos
31
”, pois, o objetivo maior era
manter o casamento, isso estava acima de tudo, a todo custo deveria evitar o desquite.
Possuir habilidades domésticas, cuidar da casa, ser a responsável pela
educação dos filhos, eram atributos vinculados ao ideal de felicidade conjugal,
esperados de uma dona de casa, mãe e esposa. Quanto às funções atribuídas ao homem,
pai e esposo, era a de prover a família, ou seja, ser honesto e trabalhador. Nos
documentos pesquisados não encontramos nenhuma referência ao desempenho sexual
do casal em nome da felicidade entre os cônjuges, a afinidade sexual “parece ter sido
um fator menos importante no ideal de felicidade conjugal
32
”.
Dona Iracema Santos Rocha da Silva escrevia constantemente para a coluna
Crônica Feminina, do semanário O Dominical, mesmo que de maneira contraditória
33
,
se levamos em conta crônicas suas analisadas anteriormente. Nesta, ela aconselhava
as mulheres a „aceitarem‟ sua condição sem revolta face a „desigualdade das sortes. Era
30
PROUST, p.97-8 (grifo nosso)
31
V.G.F.N, 2007.
32
DEL PRIORE, 2006, p.295.
33
Percebemos idéias contraditórias nas diferentes crônicas que escreveu na década de 1950, o que nos faz
analisar que entre 1957 e 1959 sua vida tomou rumos e guinadas diferentes que transformaram sua vida,
como a maneira de se pensar enquanto mulher num período regido por convenções sociais e também
rupturas nas transformações sociais que ocorriam. A ruptura em suas crônicas foi percebida a partir de sua
entrada na FAFI, as crônicas escritas antes de sua entrada e participação nas atividades acadêmica do
ensino superior tem uma perspectiva, e após suas “novas leituras, conhecimentos” passaram a ter novas
abordagens e muitas vezes a contradição prevaleceu.
124
preciso de coragem para calafetar as brechas da tua alma [...] se, porém, amiga, tens o
coração angustiado e a alma sufocada [...] contém-te um pouco que sentirás tua alma
sacudida por um canto suave que se chama resignação
34
”.
A discriminação, rigidez e desigualdade na divisão dos papéis sexuais
poderiam ser percebidas em relação às tarefas domésticas e aos cuidados com os filhos,
que eram reservados inteiramente às mulheres, não havia redistribuição dessas tarefas
com o homem. Dessa forma, em relação aos papéis de gênero na família, na década de
1950 continuava ainda presente, no inconsciente coletivo, a idéia de que a criação dos
filhos caberia principalmente à mulher, e de que os pais não passavam de colaboradores
nessa tarefa
35
.
Dona Iracema Rocha nos confirmou a informação anterior sobre a falta de
colaboração paterna nos cuidados e educação das crianças, seja a alimentação, o banho
ou nas atividades escolares. Sobre seu esposo, comentou “nunca me ajudou a vestir e a
dar comida às crianças [...] não ajudava com as fraldas, nem a dar banho [...] e ninguém
cobrava. Isso era normal, pois se sabia que era tarefa de mulher
36
.
O papel masculino no interior de um lar era essencialmente econômico, sua
função era a de prover a família. Por um lado, os homens se recusavam a participar de
forma efetiva das tarefas cotidianas, mesmo de vivenciar de forma efetiva a dimensão
afetiva da paternidade. Por outro lado, deles não era cobrado uma mudança nas atitudes
diante da família e da criação dos filhos
37
.
Com o trabalho feminino, houve a liberalização da mulher das teias
domésticas do reinado das panelas, através de uma libertação econômica, tendo acesso
às carreiras antes consideradas masculinas. Elas, aos poucos, poderiam questionar a
função paterna, que era meramente econômica, dessa forma, “estabelecida a igualdade,
os homens pensem, finalmente sob a sugestão insistente das mulheres, em questionar o
papel paterno
38
”.
Corroborando com a afirmação anterior, as mudanças sociais que estavam
apontando na sociedade demonstravam que o modelo de família hierárquica, proposto
pelo discurso católico, começava a se alterar, como podemos perceber na insatisfação de
um cronista católico, que afirmava que a família estava em crise e estava „deixando‟ seu
34
SILVA, Iracema Santos Rocha da. Para ti. O Dominical, Teresina, p. 4, 23 de mar. de 1958.
35
BADINTER, 1985, p. 286
36
SILVA, 2008.
37
BADINTER, op. cit. p. 287-294
38
IBIDEM, p. 294
125
sentido sagrado, porque o pai estava perdendo o seu lugar de rei e cabeça da sociedade
conjugal
39
.
Segundo o discurso católico, caberia à mulher resolver essa situação, “o
destino de nossa época está nas mãos de uma mulher
40
, ou seja, elas deveriam escolher
entre o lar e o trabalho. Daí porque o discurso, que considerava negativo o trabalho
feminino, passou a argumentar que o lugar da mulher era o lar, cuidando dos filhos e do
marido.
A desigualdade de gênero poderia ainda ser percebida nas sobrecargas das
responsabilidades femininas, especialmente a esposa, que era quem „moldava,
„construía‟ o homem. A carga ou peso que colocaram em seus ombros exigia esforços
de uma super-mulher, essa cobrança, porém, não ocorria com o homem, o cuidado do
mundo a sua volta, não era atribuído ao masculino, como se fazia em relação a „grei
feminina‟,
nunca será demais repetir que a mulher é a responsável pelo mundo
que se forma, a mulher é inspiradora e conselheira do homem, sua
formadora e seu refúgio, exemplo e incentivo, todo papel que o
homem desempenhar, será resultado da ação da Mulher
41
.
Era preciso adequar e instruir a mulher moderna quanto aos papéis de
gênero tradicionais que alguns discursos na sociedade esperavam que fossem
dominantes, no entanto, como fazer para que as mulheres acreditassem nas suas
„obrigações‟ e „sacrifícios‟, como função ou „missão divina‟ a ser exercida no seio da
família
Que resta, porém, a mãe, se seus exemplos: de bondade, pureza,
decoro e honestidade, são obscurecidos pelos exemplos múltiplos, que
a filha algures? Assim é que não pode uma dúzia de mulheres
reivindicar lugares tranqüilos para a futura geração que se projeta, se
não contar com o apoio de toda a grei feminina. Mulheres alertas, que
o mal (ele é masculino) quer roubar-nos a coroa da superioridade que
nos deu o céu, essas cúpula das formações. Dizem que somos
caprichosas. Pois eduquemos o vicio para a virtude, e selemos o pacto
de união com a dignidade do posto que ocupamos e sejamos símiles
da única mãe: Maria Santíssima
42
.
39
PAULA, Alves de. No dia dos pais. O Dominical, Teresina, p.3, 15 de ago. de 1954.
40
O DESTINO de nossa época está nas mãos da mulher. O Dominical, Teresina, p.3, 30 de jan. de 1955.
41
SILVA, Iracema Santos Rocha da. O lugar da mulher. O Dominical, Teresina, p.3, 15 de jul. de 1958.
42
IDEM.
126
Os estudos de gênero têm por objetivo quebrar a lógica da binariedade,
baseada na diferença biológica, ou na polaridade opressão masculina versus
subordinação feminina. Contudo, não podemos fazer análises reducionistas que
transformavam as mulheres em vítimas, elas não eram nem algozes nem timas, elas,
em muitas situações, se utilizavam de estratégias ou resistências bem sutis de
manipulação: como o capricho, por exemplo, ou outros micropoderes silenciosamente
disfarçados. Em outros casos, ocorria a submissão feminina perante o esposo, porque
ela consentia, através de uma violência simbólica, “aquele que a sofre contribui para sua
eficácia
43
”, sendo necessário compreender que,
a incorporação da linguagem da dominação [o que] ajuda a
compreender como a relação histórica cultural e linguisticamente
construído, é sempre afirmada como uma diferença de natureza,
radical, irredutível, universal. O essencial não é então, opor termo a
termo, uma definição histórica e uma definição biológica da oposição
masculino e feminino, mas, identificar para cada configuração
histórica, os mecanismos que enunciam e representam como natural,
portanto, biológica, a divisão social e portanto histórica dos papeis e
das funções
44
.
Dessa forma, faz-se necessário perceber tanto os discursos que tentaram
legitimar a binariedade, quanto perceber que as práticas, não apenas eram múltiplas,
mas estavam além da polaridade masculino e feminino.
Outros cronistas mais antenados com as transformações que levavam para a
igualdade nos papéis de gêneros que começavam a apontar na sociedade. Eles, portanto,
aconselhavam aos pais, especialmente ao homem, a mudar de postura no tocante à
educação dos filhos, devendo ajudar a esposa no cuidado com os filhos.
Procure cooperar com sua esposa na educação dos filhos. Evite
empregar sempre a sua própria lógica, nos acontecimentos da sua
família. Procure compreender os problemas de sua esposa e dos seus
filhos. Não tome sempre atitudes ditatoriais, ralhando com os filhos
ou castigando-os a qualquer preço [...] não ergua (sic) barreiras entre
sua personalidade e a de seus filhos, como fazia a educação clássica.
Pelo contrário, procure „descer‟ ao nível de compreensão e do afeto de
seus filhos
45
43
BOURDIEU apud CHARTIER, Roger. Diferenças entre os sexos e a dominação simbólica. (nota
crítica). Cadernos Pagu (4) - Fazendo História das Mulheres. Campinas: Núcleo de Estudos de Gênero
Pagu/Unicamp, 1995, p.40
44
IBIDEM, p.42.
45
CONSELHOS de higiene mental aos pais. Folha da Manhã, Teresina, p.4, 16 de mar. de 1958. (grifo
nosso)
127
“Procure cooperar com sua esposa na educação dos filhos” e “procure
compreender os problemas de sua esposa”, este discurso anunciava, mesmo de maneira
lenta e gradual, uma maior flexibilização na divisão sexual das funções na família, o pai
também seria o responsável na educação dos filhos.
5.3 Quase todos contra o divórcio: a dignidade e segurança da mulher „acima‟ de tudo!
No período em estudo, a legislação a partir da Constituição Federal e do
Código Civil, de 1916, tinham aspectos conservadores em relação à família, e, portando,
valores que diferenciavam hierarquicamente os papéis sociais no período pesquisado. A
a mulher casada era considerada incapaz, para exercer qualquer profissão precisaria da
permissão do marido, e em casos de novas núpcias perdia a guarda dos filhos.
O divórcio não existia e a única possibilidade de separação, na década de
1950, era o desquite, introduzido no Brasil, a partir de 1942, com a inclusão do artigo
315 no Código Civil, o qual estabelecia a separação de corpos sem dissolução do
vínculo conjugal, ou seja, não admitia novas núpcias para os desquitados.
Na década de 1950, travaram-se debates em torno da dissolubilidade do
vínculo matrimonial entre divorcistas e antidivorcistas, os argumentos utilizados foram
vários, os que eram contra fundamentavam seus argumentos em três categorias: sociais,
doutrinárias e outro relacionado às mulheres. Aqueles que defendiam a dissolubilidade
do vínculo argumentavam a partir da seguinte indagação “então não pode o cônjuge
refazer sua vida”?
O discurso católico, ao rebater os argumentos contra os divorcistas,
utilizavam-se de argumentos, como por exemplo, as conseqüências nefastas sobre a
desarticulação da célula mater na sociedade a família. Caso esta entrasse em
desarranjo, afetaria o bom funcionamento da Igreja, dessa forma, a partir daquele
discurso, a família tinha razão face ao matrimônio uno, sagrado e indissolúvel. Nessa
lógica de pensamento, o casamento indissolúvel beneficiaria principalmente à mulher,
por isso um dos argumentos utilizados para conter a aprovação do divórcio no Brasil
foi a defesa e preservação da dignidade e segurança feminina. Caso a “chaga social”
fosse aprovada, rebaixaria a mulher moralmente.
O divórcio, assunto que esteve na Câmara Federal e posteriormente no
Senado, foi uma das maiores preocupações da Igreja Católica, na primeira metade do
128
século XX, quando liderou campanhas contra a aprovação do divórcio no Brasil, que foi
aprovado somente em 1977
46
. Durante a década de 1950, e a partir das prescrições
colocadas no jornal O Dominical, pudemos perceber como o discurso católico
desenvolveu inúmeros estratégias de ação contra o cancro” social, desde a defesa da
dignidade da mulher à destruição do lar, para que os filhos não ser tornassem órfãos de
pais vivos
47
.
O debate sobre a indissolubilidade do casamento no Brasil começou ainda no
final do século XIX, quando houve a implantação da República e idéias liberais
entraram no Brasil. Mas, somente na década de 1950 que foi intensificada, quando o
deputado federal Nelson Carneiro lançou na Câmara o projeto de cunho divorcista .
786 de 1951, que buscava regulamentar a dissolução dos laços conjugais, alterando a
Carta Magna, que preconizava a indissolubilidade do vínculo.
Esse projeto não conseguiu passar da Câmara para as discussões no Senado,
mas, em 1953, outra vez, Carneiro lançava outro projeto, o de número 3.099/53.
A Câmara preservou e defendeu [...] uma das grandes tradições da
nossa formação moral e jurídica [durante] toda a longa e agitada
campanha empreendida pelos partidários da instituição do divórcio
[foi rejeitado a] emenda constitucional divorcista, na sessão noturna
de quarta-feira, por 187 votos contra 46. Tratava-se realmente de uma
emenda que visava abrir a implantação do divórcio no Brasil
48
.
Dentre os argumentos dos antidivorcistas para repelir o divórcio, o mais
enfático eram o desmoronamento social, a desestabilidade do lar, o esfacelamento
de famílias, cujas conseqüências diretas e nefastas cairiam sobre a mulher,
“[...] o divórcio prejudica muito mais a mulher do que o homem; honesta, recatada teme
escândalo [...] quando [o divórcio] sobrevém, encontra-a desarmada para a vida,
impotente para lutar e manter-se [...]
49
.
A mulher desquitada era discriminada socialmente, apontada como
uma mulher de escândalo, mal falada, os preconceitos existiam e eram tantos que a
mulher desquitada era vulgarmente chamada de galinha
50
.
46
BRASIL. Decreto Lei n.º 6.515, de 26 de dezembro de 1977. Regula os casos de dissolução da
sociedade conjugal e do casamento. Brasília. Disponível em:
<http://www6.senado.gov.br/sicon/ExecutaPesquisaLegislacao.action
>. Acesso em 29 de jan. de 2009.
47
O DIVÓRCIO e os filhos. O Dominical, Teresina, p.1, 25 de jan. de 1955.
48
O FRACASSO da campanha divorcista. O Dominical, Teresina, p.1, 07 de set. de 1952.
49
O DIVÓRCIO e a Assembléia. O Dominical, Teresina, p.1-4, 9 de set. de 1951.
50
SANTOS, 1998, p. 52
129
A justiça, ao analisar os casos de desquite, concluía, em alguns deles, que a
mulher era responsável. Esses processos constituem uma fonte preciosa de análise do
jogo de poder, no entanto, não tivemos acesso às referidas fontes. A imprensa
teresinense, em janeiro de 1950, publicava os arautos de uma ação litigiosa de desquite,
requerido pelo esposo, concluía-se que a esposa era culpada, devendo esta não mais usar
o sobrenome do esposo e, principalmente, perdia a guarda dos filhos. Infelizmente, não
tivemos acesso ao processo para analisarmos o ocorrido.
[...] nos arautos do desquite litigioso, entre as partes João Pereira de
Matos e Júlia Figueira de Matos, foi proferida a sentença datada de
cinco de janeiro de mil novecentos e cinqüenta, que julgou procedente
o pedido de desquite litigioso requerido por João Pereira de Matos
contra sua aludida mulher, Júlia Figueira de Matos, decretada a
dissolução da sociedade conjugal do autor com ré, considerada esta
cônjuge culpada condenada a não mais usar o nome do marido, e a
este assegurada à guarda dos filhos do casal
51
.
Continuavam os antidivorcistas a utilizar os seus argumentos, divulgando
para a sociedade, que todos deveriam ficar contra o divórcio, principalmente as
mulheres, estas seriam as que sofreriam as „piores conseqüências‟, desde o seu
rebaixamento moral, até a perda da dignidade de mãe e rainha de seu lar
52
.
Este era o pensamento de alguns moralistas, que, na sociedade teresinense,
expressavam seu ponto de vista em colunas dos jornais, como por exemplo, a registrada
pelo desembargador Simplício de Sousa Mendes, que expunha sua opinião em sua
coluna diária no jornal Folha da Manhã. Sobre o assassinato de Leila Dourado Lopes
pelo próprio marido, o banqueiro Antônio Abreu, de 50 anos, o colunista atribui ao
comportamento da mulher a culpa pela tragédia. Leila de 26 anos estava se desquitando
do banqueiro, e por não „seguir‟ padrões de comportamentos normalizados por alguns
setores da sociedade como paradigma de mulher resignada e submissa. Na opinião do
cronista, ela pagou um alto preço por sua transgressão às normas sociais.
[...] pouco durou a felicidade do lar. Nem o nascimento do filho -
Antônio impediu o desquite, homologado em 1956. Ele mundano,
dado à conquistas, freqüentador de boites (sic) e casas de jogatina. Ela
bela elegante da society carioca e de S. Paulo, brilhante pelo seu porte
atraente e sedutor. O pequeno Antônio entregue à sorte e sem os
devidos cuidados maternos. Resultado, conseqüência fatal, o marido
51
JUIZ de Direito da Segunda Vara: Edital de Intimação e Sentença. Jornal do Comércio, Teresina, p.2,
14 de jan. de 1950.
52
PORQUE devemos ser contra o divórcio. O Dominical, Teresina, p.1, 7 de outubro de 1951.
130
encontrou-a pelo braço do milionário paulista. A tragédia o ciúme
transforma o amor em crime. Leila pelo revolver do marido é abatida
com seis tiros, enquanto este no mesmo instante suicida-se [...]
somente uma insistente e bem orientada educação religiosa pode
refrear as paixões [...] é justamente essa generosa e insubstituível
figura de mãe cristã [...] justamente o que não foi a bela, elegante e
encantadora Leila, trocando o lar pelo mundo, tornando-se causa da
tragédia [...] na infelicidade do lar, faltou-lhe abnegação,
desprendimento, espírito de renúncia, de sacrifício pela força da
maternidade e conforto da religião
53
.
No período em estudo, havia uma predominância da dupla moral sexual, a
mulher tanto solteira quanto casada deveria se preocupar com sua reputação, portanto,
sua sexualidade era controlada. Aos homens, ao contrário, era concedida uma maior e
deliberada liberdade, “ele mundano, dado a conquistas, freqüentador de boites (sic) e
casas de jogatina”, ela a „boa‟ esposa não deveria tentar „cortar essas saídas‟, a mulher
deveria, conforme preconizado pela sociedade, „suportar com paciência‟, ser resignada,
submissa. O procedimento correto da „boa esposa‟ era reconquistar o marido,
esquecendo os ciúmes. Abandonar o lar ou separar-se do marido estava fora dos planos,
era preciso perdoar e manter silêncio, sem cobranças, tudo em nome da „família unida
54
.
E, caso algo não desse certo, a culpa ou erro recaía sobre os ombros femininos, os
fracassos no relacionamento conjugal e até mesmo tragédias como a que ocorreu a Leila
Dourado Lopes, já mencionada neste trabalho.
Outras ações de desquite impetradas por esposas, também, refletiam a busca
pela felicidade e liberdade, em face da vida que levavam como casadas, a moral já não
era suficiente para alimentar as suas aspirações. Angustiadas e, principalmente
agredidas, não apenas verbalmente, mas também fisicamente, algumas mulheres
buscavam novas chances de viver, iam à delegacia, prestavam queixas contra seus
esposos e, como isso não resolvia, buscavam o desquite,
[...] grave queixa de uma jovem senhora contra o capitão Augusto
Cesar Daniel, do Ministério da Guerra espancada, resolveu impetrar
uma ação de desquite o oficial não respeitou o despacho do titular da
Quinta Vara de família [...] a Sra. Maria do Socorro Moura Daniel
[foi] expulsa de casa juntamente com o filho Marcus Daniel de três
anos de idade. O marido para expulsá-la, trocou as fechaduras das
portas [...] cansada de tanto sofrer, resolveu separar-se, tendo para isso
apresentado à Justiça, ação de desquite. Isso uns dois meses. O
53
MENDES, Simplício de Sousa Mendes. Amor e crime. Folha da Manhã, Teresina, p.6, 06 de fev. de
1959.
54
BASSANEZI, 1993, p.137
131
oficial não gostou da iniciativa da esposa e não mais lhe deu um
centavo sequer para alimentação sua e do filho [...] o Juiz da Vara
da família [...] decretou separação de corpos e autorizou-a continuar
com o filho no apartamento
55
.
Muitas mulheres continuaram sendo barbaramente espancadas e, em
silêncio, permaneciam sendo agredidas, não conseguiram dar um primeiro passo: prestar
queixa ou ter coragem para dar um basta, impetrando ão de desquite. Poucas tiveram
essa iniciativa, algumas foram assassinadas por seus esposos, como demonstravam as
estatísticas policiais na cidade de Teresina, no período em estudo,
Hilda Bonfim Machado, residente na Vila Operária, n.º 22, apresentou
queixa na Delegacia de Segurança Pessoal, contra seu esposo Antônio
Araújo Machado, servente da Secretaria de Finanças, por haver
espancado a queixosa
56
.
A senhora Raimunda Alves Martinez, compareceu à Delegacia de
Segurança Pessoal e Ordem Publica, apresentando queixa contra seu
esposo Alcides Martinez, por ter o mesmo espancado-a e ameaçado-a
de morte
57
.
Compareceu a Delegacia Pessoal e Ordem Pública, o Sr. Marcelino
Santana, morador na Lagoa da Mota, apresentando queixa contra seu
genro José Benjamin, soldado da Polícia Militar do Estado, por ter o
mesmo espancado seu filho e esposa do acusado, a qual veio falecer
na madrugada de ontem, em virtude do bárbaro espancamento. O
criminoso está sendo procurado a fim de ser julgado pelo crime
58
.
Mudando o tom, a sociedade polarizava o masculino como forte e o
feminino como frágil, num discurso que tentava naturalizar essas características às
identidades, de homens e mulheres, tais discursos o construções, logo, poderiam ser
re-significados. Os homens, que eram associados à imagem de forte, se transformavam
em frágeis, ao expressarem seus sentimentos, a partir dos abandonos e amores não
correspondidos. As questões amorosas que afetavam o público masculino eram
representados na forma de samba-canções
59
, que era o estilo de musical dos anos 40 e
50, escritos por homens, em sua maioria, estes demonstravam os seus sentimentos
55
EXPULSOU a esposa e o filho de casa. O Dia, Teresina, p.5, 15 de jun. de 1958.
56
ESPANCOU a mulher. Na ronda das ruas. Folha da Manhã, Teresina, p.2, 28 de fev. de 1958.
57
ESPANCOU a mulher. Na ronda das ruas. Folha da Manhã, Teresina, p.2, 15 de abr. de 1958.
58
MATOU a esposa. Na ronda das ruas. Folha da Manhã, Teresina, p.2, 09 de mar. de 1958.
59
Sobre canções enquanto fonte significativa para se acessar as subjetividades dos sentimentos
masculinos e femininos nos anos dourados ver MATOS, Maria Izilda Santos de. Sensibilidades e
subjetividades: cantando dores e amores. In: ___________. Ancora de emoções: corpos, subjetividades e
sensibilidades. Bauru, SP: EDUSC, 2005. p.91-157.
132
através das letras das canções, afinal, eles também sofriam e demonstravam o quanto
eram sensíveis e frágeis.
“Antônio Maria foi o porta-voz especial e sensível das inquietações e
frustrações amorosas de seu tempo e lugar. Cantava e compunha sobre os rompimentos,
descrevendo as experiências das noites passadas entre uísques e samba-canções
60
. O
compositor não tinha ressalvas, fazia confissões através das letras que compunha. Com
a temática dor de cotovelo, Antônio Maria deu destaque aos desencontros e desilusões
amorosas que sofreu, cantou o amor e a dor, demonstrando que o homem também sofria
com a saudade de um amor e a dor do abandono. Em 1952, estourou o seu grande
sucesso “Ninguém me ama” na voz de Nora Ney.
Ninguém Me Ama
Antônio Maria
Ninguém me ama, ninguém me quer
Ninguém me chama de meu amor
A vida passa, e eu sem ninguém
E quem me abraça não me quer bem
Vim pela noite tão longa de fracasso em fracasso
E hoje descrente de tudo me resta o cansaço
Cansaço da vida, cansaço de mim
Velhice chegando e eu chegando ao fim
61
Onde Anda Você?
Antônio Maria
Nesta noite comprida
Onde anda você?
Neste instante da vida
Onde anda você?
Por que você não vem
Meu bem, por quê?
Nesta hora perdida
Eu queria você
Fui como um resto de bebida
Que você jogou fora
E na hora
Farto de mim
Me esqueceu
Eu fui mais uma taça desprezada
Quis ser tudo e não fui nada
Ninguém é mais triste do que eu
60
MATOS, 2005, p.106
61
Sobre letras e músicas do compositor Antônio Maria. Disponível em: <http://letras.terra.com.br/antonio-
maria/242515>. Acesso em 29 de jan. de 2009.
133
As letras, ao falar de amor e dor, demonstravam a fragilidade masculina em
lidar com os sentimentos de abandono e desilusões amorosas.
5.4 Descortinando os preconceitos: as mulheres no ensino superior e no mercado de
trabalho
Por iniciativa do Arcebispo Metropolitano, Dom Avelar Brandão Vilela, foi
criada a Sociedade de Cultura do Piauí, que, mais tarde, foi responsável pelo
funcionamento da Faculdade de Filosofia do Piauí FAFI, que passou a funcionar
mediante Decreto n.º 43.402, de 18 de março de 1958. Este decreto autorizou abertura e
funcionamento, iniciando, no mesmo ano as atividades da Faculdade.
A implantação da FAFI significou um avanço para o ensino superior no
estado, especialmente para as mulheres. A nova faculdade significou novos horizontes,
pois, até aquele momento, a única instituição de ensino superior existente no estado, era
a Faculdade de Direito - FADI, criada em 1931. Na FAFI, funcionavam os seguintes
cursos: Letras Neolatinas, História, Geografia e Filosofia, o que possibilitou ao universo
feminino da classe média, outras possibilidades de realização, no final da década de
1950, para além do casamento
62
. Dessa forma, percebe-se um ruído ou dissonância no
discurso católico que prescrevia ao feminino o lugar fixo de rainha do lar de um lado, e
de outro, o discurso modernizava-se ao propor outros lugares de realização, a partir do
funcionamento da FAFI.
O projeto ou desejo de ver funcionar uma faculdade com grande número de
cursos, a exemplo da Universidade de São Paulo, não partiu da Igreja Católica, como a
historiografia local colocava, partiu de um grupo de intelectuais, como o advogado e
jornalista Celso Pinheiro Filho, com o auxílio do professor Camilo Filho em 1952, ano
do centenário da capital piauiense. Tinham como principal objetivo abrir o maior
número possível de cursos em uma Faculdade, para, posteriormente, transformar-se em
Universidade, com a intenção de federalizá-la, como ocorreu com a FADI, em 1950.
A imprensa no período registrou o seguinte: “a documentação referente ao
reconhecimento da Faculdade de Filosofia do Piauí pelo Ministério da Educação foi
remetida a capital da República, por intermédio do senador Joaquim Pires, a 22 deste
63
62
Sobre a inserção de mulheres no ensino superior no Piauí, a partir do final dos anos cinqüenta, ver
CARDOSO, 2003.
63
SERÁ reconhecida a Faculdade. Jornal do Comércio, Teresina, p.1, 31 de ago. de 1952.
134
A primeiro do corrente, foi declarada fundada, em reunião para esse
fim realizada na Faculdade de Direito do Piauí, a Faculdade de
Filosofia do Piauí; sob a forma de associação civil. A solenidade foi
presidida pelo Des. Cromwell Barbosa de Carvalho, tendo usado da
palavra os drs. Pedro de Morais, Robert Wall de Carvalho e Celso
Pinheiro Filho, tendo este último lavrado ata de fundação [...]
Estamos seguramente informados, que a nova escola superior, abrirá
ainda este mês, inscricoes para exames vestibulares
64
.
Este acontecimento foi registrado não somente pela imprensa do período,
mas também pelas memórias dos que testemunharam esse episódio, Manoel Paulo
Nunes rememora como ocorreu a implantação da FAFI,
Por volta de 1952, houve um projeto originário para a criação da
Faculdade de Filosofia, aliás, chegou a funcionar, mesmo sem
autorização do Ministério da Educação, em uma casa na Rua Grande,
hoje Álvaro Mendes. Mandaram o projeto para e ao mesmo tempo,
fez-se funcionar [...] Evaldo Lord mandou a Polícia Federal fechar
militarmente a Faculdade [...] Eles [Celso Pinheiro Filho e Camilo
Filho] criaram com o intuito de depois federalizada a Faculdade de
Filosofia, ou seja, passar toda a sua responsabilidade para o governo
federal, todos os cursos possíveis e inimagináveis foram criados, e
designados professores. E então por algum tempo não se falou mais
nessa faculdade até Dom Avelar chegar, foi colocado esse problema
para ele, e com sua competência e sua autoridade, sua seriedade, ele
deu prosseguimento e em 1958 a Faculdade de Filosofia passou a
funcionar regularmente [...]
65
.
Sem dúvida, a Igreja Católica, através da atuação de Dom Avelar,
possibilitou mudanças nas trajetórias de escolarização e na condição feminina. A sua
atuação cultural no Estado foi notória, no que diz respeito aos esforços, para a instalação
da Faculdade de Filosofia no Piauí, em 1958. Queremos, entretanto, chamar a atenção
para o fato de que o pioneirismo do projeto de criação da FAFI não se deve ao
Arcebispo, houve um projeto anterior ligado a profissionais liberais, como argumentou
Nunes no depoimento citado, que é reforçado por outros registros anteriormente citados,
como, por exemplo o de José de Arimathéa Tito Filho: “em 1952 foi criada a primeira
Faculdade de Filosofia do Piauí, de curta duração
66
”.
A escolarização superior e o mercado de trabalho para algumas mulheres da
64
FACULDADE de Filosofia do Piauí. Jornal do Comércio, Teresina, p.1, 16 de mar. de 1952. (grifo
nosso)
65
NUNES, 2008.
66
TITO FILHO, 1978, p.55
135
classe média teresinense era uma realidade, mesmo que de forma singular
67
.
Entretanto, para outras o ensino normal continuava como „única‟ possibilidade de
escolarização, sendo que, no período em estudo, essa modalidade de ensino ainda era
considerada como educação feminina padrão, conforme constatamos nas fontes
pesquisadas, seja jornais, seja através das trajetórias de vida das entrevistadas.
Nasci numa época em que mulheres ainda eram educadas [de forma],
coatora (sic) e constrangedora da espontaneidade. A educação escolar
para mulheres castrava seus anseios e desejos pessoais. Mulher
poderia estudar para professora ou enfermeira. Criada para a casa,
para o lar, para as prendas domésticas. Leituras curtas e abreviadas de
romances água-com-açúcar. Não podia nem pensar nem filosofar [...]
era uma sociedade ainda preconceituosa, com respeito aos direitos da
mulher
68
.
No entanto, no período em estudo, a imprensa começava a divulgar e dar
ênfase a algumas mulheres, que, a partir dos investimentos familiares, começavam a
passar nos concursos vestibulares das mais variadas áreas, desde, Direito e
Odontologia
69
.
A Faculdade de Filosofia do Piauí começava a transformar os hábitos da
cidade provinciana. As mulheres passavam a freqüentar cursos superiores com maior
intensidade, conforme nos revelou Cardoso
70
, na análise do número de matrícula nos
cursos oferecidos pela FAFI.
Outro indicativo de mudança é percebido no horário adotado para o
funcionamento das aulas: no turno da noite. Estudar neste período constituía uma
liberdade muito grande na cidade de Teresina, “o meu balanço daqueles tempos
„fafianos‟ me leva a constatar uma afirmação da liberdade feminina que a vida
acadêmica reforçou, estudando à noite e participando de atividades acadêmicas
71
,
como por exemplo, da I Semana Universitária do Piauí, realizada em outubro de 1959,
organizada pelos Diretórios Acadêmicos da FADI e FAFI.
A aluna de Filosofia, Iracema Santos Rocha da Silva fez a abertura do
evento com a palestra sobre os “Problemas Universitários
72
”, na qual ressaltou as
questões e problemas pelos quais passava o ensino superior no Brasil e, especialmente
67
Ver CARDOSO, 2003.
68
SILVA, 2008.
69
SRTA MARISA Fonseca. O Dia, Teresina, p.6, 21 de mar. de 1954.
70
CARDOSO, 2003.
71
ABREU, 1996. p. 60. (grifo nosso)
72
SILVA, Iracema Santos Rocha da. Congresso Estadual de Estudantes. O Dominical, Teresina, p.6, 11
de out. de 1959.
136
no Piauí, como é o caso da falta de bibliotecas. Encontros como o mencionando
constituíam espaço oportuno para os estudantes debaterem e discutirem o ensino, as
políticas estudantis e as políticas sociais.
A partir de meados da década de 1950, as mudanças que estavam ocorrendo
tornaram-se visíveis, também, na publicação do casamento à sociedade, feita através dos
proclamas, o que demonstrava transformações sociais. No anúncio do casamento ou
publicação dos proclamas, havia identificação ou caracterização social do noivo,
geralmente apresentavam os nomes dos pais, a profissão do noivo e o adjetivo
„prendada‟; para qualificar a noiva. Em meados da referida década, esta caracterização
foi acrescida de uma importante informação: a profissão da noiva, ou o local onde ela
trabalhava. O trabalho fora do lar não era mais atributo apenas masculino, o que
revelava também transformações sociais.
Contrataram casamento o Sr. José da Paz Freitas, no dia 10 do mês
passado, funcionário da Agência Local do Banco do Brasil e a
prendada senhorita Maria Alcina Castelo Branco Soares, fino
ornamento da sociedade teresinense e funcionária do Departamento
dos Correios e Telégrafos nesta cidade
73
.
O trabalho feminino para as mulheres da classe média estava ficando cada
vez mais comum, visto que, para as mulheres das classes menos favorecidas, o trabalho
fazia parte do seu cotidiano. Embora continuasse sendo percebido de forma
preconceituosa e encarado como supérfluo, o trabalho feminino era visto apenas como
complementar para a renda familiar, pois prover a família cabia ao marido.
As mudanças sociais e culturais que estavam começando a ocorrer na
década de 1950, por exemplo, a partir do trabalho de algumas mulheres da classe média,
favorecia as transformações, também, na família. As mulheres começavam a abdicar da
imagem de rainha do lar e do trono que haviam lhe conferido no recôndito do lar e,
conseqüentemente, da missão sagrada de ser mãe. As mulheres estavam reduzindo
sua prole, pois, com poucos filhos, ficaria mais fácil para elas, começarem a ganhar
independência, através do trabalho e da escolarização. Algumas instituições sociais
tradicionais percebiam tais mudanças como crises sociais.
73
NOIVADO. O Dia, Teresina. p.6, 02 de jan. de 1958. (Grifo nosso)
137
A mulher moderna. Como é ela? O anjo tutelar da família? Aquela
que vive em casa e para os seus? [...] a mãe que ama a maternidade e
cuja alegria são os seus filhos? mas, isto é a mulher das nossas
gerações passadas até 50 anos atrás, não a mulher moderna. A de hoje,
que lástima! Não quer ter filhos [...] então a mulher emprega-se [...] o
grande mal hodierno é que a mulher esqueceu que é mulher. Preferiu
imitar os homens no que eles têm de pior. Julgou estúpido o plano
divino de fazer os dois sexos diferentes [...] e para começar, esqueceu
que a mulher existe para a maternidade no lar cristão que relegou tal
fato [...]
74
!
No período em estudo, muitas crônicas passaram a enfocar mudanças
sociais e estruturais que ocorriam na sociedade, como as que relatavam a mulher no
mercado de trabalho, especialmente, as casadas que passavam pelo grande „dilema‟ de
escolher entre a profissão e a família. Dessa forma, foi através da atuação como
educadora dos filhos, que a mulher sofreu uma das mais fortes pressões internas e
externas, para permanecer no recôndito do lar
75
,
[...] muitas mães que se vêem entre a profissão e a família [...] é
evidente que cada mulher deve decidir se podem coadunar as suas
atividades profissionais com os seus deveres de esposa e mãe. Do
ponto de vista social não é fácil levantar objeções. O problema muda,
porém de aspectos no momento em que se pense (sic) nas mulheres
casadas e com filhos [...] em conseqüência da conjuntura econômica
favorável, o número de mulheres empregadas aumenta dia-a-dia
76
.
Ainda que a conjuntura econômica ajudasse oferecendo condições
para as mulheres trabalharem, alguns setores tradicionais da sociedade, não
concordavam que a mulher se emancipasse, através do trabalho. Por isso clamavam para
que a população feminina percebesse que o seu extrato máximo de mulher, consistia em
ser rainha de seu lar,
o que chamam de emancipação da mulher moderna significa apenas o
abandono da condição feminina [...] a feminilidade dever ser
defendida, não emancipada. A mulher precisa ser como Deus a criou
e não o que ela o mundo pretendem que seja [...]
77
.
74
ELAS. Teresina, O Dominical, p.1, 07 de nov. de 1954. (grifo nosso)
75
ROCHA-COUTINHO, 1994, p.37
76
O GRANDE dilema da mulher moderna: entre a profissão e a família. Teresina, Jornal do Comércio,
p.5, 18 de mar. de 1956.
77
OS ERROS da emancipação feminina. O Dominical, Teresina, p.2, 04 de dezembro de 1955. (Grifo
nosso)
138
Algumas mulheres da classe média começaram a planejar a quantidade de
filhos, pois, isso tornaria mais fácil seu ingresso no mercado de trabalho, bem como
para dar prosseguimento aos estudos. Algumas iniciavam na profissão do magistério ou,
posteriormente, no serviço público federal como dona V.G.F.N., que teve apenas três
filhos, pois, trabalhava para ajudar seu marido
78
.
Ainda que as mulheres trabalhassem fora de casa, isso não lhes dispensava
das obrigações domésticas e dos cuidados com a educação dos filhos. Mesmo que
tivesse em casa a ajuda de empregadas domésticas, a „boa esposa‟ não deveria descuidar
dessas tarefas, acompanhando sempre de perto tudo o que aconteciam em seu lar. Era
preciso conciliar às tarefas domésticas com o trabalho fora de casa, ser uma „super
mulher‟ e, para conseguir essa conciliação, era preciso seguir um rigoroso cronograma
de atividades.
Esta semana quase esqueci tua crônica dominical, amiga [...] um
esquecimento punjante (sic) de preocupações [em] meu retalho
cotidiano de afazeres [...] coisas domésticas, em trabalhos de fogão,
em lides de fraldas de crianças, em costuras ou preocupações de
mercado [...] na afadiga das compras de todos os dias e, ao determinar
à cozinheira o „menu‟ modesto do meio-dia, volto-me à organização
do pandemônio do quarto das crianças [...] e da casa. Ainda tenho
como coisa exclusiva para donas de casa, os remendos das roupas
rasgadas e as confecções que todas elas são feitas por mim. E as aulas
que tenho a dar em dois estabelecimentos escolares e que preciso
organizar mentalmente, para que melhor sejam apreendidas pelos
alunos? Largo tudo e corro aos livros! Mas, os clássicos ponteiros do
relógio correm imperturbáveis, e vejo que é hora de sair para as aulas.
Qual o trabalho seguinte da lista? [...] E o caçula já saberá a lição? E o
ponto da Sociologia que preciso estudar para minha prova parcial na
Faculdade, como apreender sem perder tempo? „As cartas do Pequeno
Príncipe‟ em que estou interessada, como prolongar mais 20 minutos
diários de sua leitura? Se a lavadeira não trouxer a roupa hoje, tenho
de roubar alguns minutos espalhados para passar a ferro algumas
peças [...]
79
.
Como demonstra à crônica, esperava-se que as mulheres casadas, antes de
se dedicarem ao trabalho fora do lar ou de seus estudos, fossem boas esposas, mães e
dona de casa perfeitas. Mesmo com a sobrecarga de responsabilidades femininas,
alguns discursos do período em estudo adjetivavam a mulher de sexo „frágil‟, em
78
V.G.F.N, 2007.
79
SILVA, Iracema Santos Rocha da. A vida de todos os dias. O Dominical, Teresina, p.6, 14 de jun. de
1959.
139
oposição ao sexo forte, o homem, do qual era cobrado somente prover a família,
responsabilidade meramente econômica, e nada mais.
Um cronista, se utilizando de um relatório apresentado a sociedade norte-
americana, organizado pela empresa General Electric (GE), percebeu que a
normalização que caracterizava o masculino como ágil e forte e o feminino como frágil,
é uma questão social, cultural e não natural. É construída por discursos, que a qualquer
momentos são desconstruídos, desestruturados, demonstrando que essa divisão não tem
nada de natural, como a crônica a seguir exemplificava.
Segundo um inquérito de amplitude nacional realizado, pela General
Electric Company, mais de dez milhões de mulheres trabalham, ao
mesmo tempo, no lar e fora do lar, numa média de 79 horas por
semana. O primeiro inquérito em larga escala a respeito dos hábitos
das norte-americanas que exercem funções remuneradas revelou que,
além das 40 horas semanais que dedicam aquelas funções, as mulheres
funcionárias trabalham em casa, em média 36 horas por semana,
cozinhando, lavando louças e roupas, fazendo compras e tratando dos
filhos [...] o inquérito revelou que a dona de casa típica que trabalha
tem um filho, é casada, doze anos, está empregada seis anos,
mora numa casa de seis cômodos e tem um gato e um cachorro. Seus
aparelhos domésticos são os mesmos usados pela dona de casa que
não trabalha fora: o fogão elétrico, refrigerador, máquina de lavar
roupa, liquidificador, aspirador de pó e máquina de costura. Sua
contribuição para o orçamento é de 30% [para conseguir equilibrar as
tarefas dentro e fora de casa, segue um cronograma] as noites de
quarta-feira são dedicadas à limpeza da casa e os cuidados pessoais
de beleza [...] os maridos dão uma pequena ajuda em casa esvaziando
as latas de lixo e cooperando para a lavagem das roupas e para a
limpeza da casa em geral. O inquérito revelou que o existe homem
algum que deseje, ou seja, capaz de desempenhar o duplo papel da
mulher que trabalha. Às 79 horas de trabalho semanal parecem estar
reservadas apenas para o sexo ‘frágil‟
80
O fato de o marido ajudar a esposa nas tarefas domésticas não constituía
uma questão de divisão de tarefas, já que os dois trabalhavam fora do lar, pelo contrário,
era considerado apenas uma gentileza algo esporádico e não era considerado uma
obrigação do esposo compartilhar as tarefas no lar.
O trabalho produtivo era requisito necessário para a aquisição a
independência feminina, pois, através daquele começava-se a diminuir as desigualdades
entre os papéis de gênero.
80
DEZ milhões de mulheres desmentem a fragilidade do sexo. O Dia, Teresina, p.2, 19 de fev. de 1956.
(grifo nosso)
140
No entanto, no período em estudo, o trabalho feminino não estava em
primeiro plano, era percebido como complemento da renda familiar. Além disso, para
trabalhar as mulheres precisavam de uma prévia autorização do esposo, o que denota
submissão feminina ao homem. Em muitos casos, o desejo pessoal feminino deveria ser
suprimido, face aos sacrifícios do lar, revestidos em submissão feminina, juridicamente
legitimada pelo Código Civil de 1916, que exigia que a mulher casada tivesse
autorização do marido para trabalhar ou estudar.
Quando eu me formei em dezembro de 1946, então eu disse para meu
pai: “agora deixa eu fazer Direito”, um pedido, uma súplica. Acontece
que logo, no ano seguinte, eu estava namorando, noivando, e em
menos de um ano eu casei. Foi muito rápido. Depois de casada, eu
pedi para meu marido, “deixa eu fazer Direito” , ele disse “Para quê?
você já tem o curso de Filosofia!”, ou seja, com uma insinuação de
dizer não, sem dizer não, ele disse “vai estudar Didática”, [...] os
tempos eram outros, eu pedia “me deixa fazer”, porque eu não faria
sem a concordância dele, pois bem, para você perceber como naquele
tempo, mulher era bem diferente
81
.
No caso de Dona Iracema Silva, a escolha de dedicar-se integralmente à
criação dos filhos e ao marido levaram os planos profissionais para o segundo plano
mas, não os cancelaram
82
. Em 1969, com os filhos adolescentes, estudando fora, ela
passou no exame vestibular da Faculdade de Direito FADI,
Então essa luta minha para estudar Direito foi árdua. Anos depois de
casada, eu disse para meu marido “me deixa fazer Direito, as crianças
já cresceram”, mas, só bem depois de anos de casada, consegui fazer o
vestibular de Direito. Aliás, minhas filhas iam fazer vestibular em
Fortaleza [pois] elas queriam estudar Agronomia [...] antes de concluir
o curso de Direito, não é que eu não me sentisse feliz, na realidade, eu
não me sentia realizada
83
.
Podemos observar que as filhas de dona Iracema Silva tiveram uma
trajetória escolar bem diferente, logo se, tornaram engenheiras e, somente, depois de
formadas, constituíram família. Dona Iracema, ao contrário, fez o que as convenções
sociais lhe impuseram, na década de 1950, como casar-se e ter filhos. depois, teve
81
SILVA, 2008.
82
PASSERINI, Luisa. A juventude metáfora da mudança social dois debates sobre os jovens: a Itália
fascista e os Estados Unidos da década de 1950. In: LEVI, Giovanni; SCHIMIT, Jean Claude. História
dos jovens. Tradução Paulo Neves. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. p.349
83
SILVA, 2008.
141
oportunidade de estudar, daí, sentir-se como uma “águia inerte, presa nos pesados
grilhões dos preceitos sociais!
84
”,
[...] hoje, eu não acho que fui moderna, aliás, eu fui submissa demais,
eu fiz o que quiseram, o que os homens da minha vida exigiam, o que
a sociedade me cobrou e exigia. Apenas algumas coisas que eu fazia
que gostava como ler, estudar, ser professora. Em parte foi submissão,
porque eu fiz aquilo que a sociedade me exigia e custei a fazer o que
eu queria, mas, minha força de vontade me ajudou a vencer todas as
barreiras: fui professora catedrática, fiz o curso de Filosofia, de
Didática, fiz o curso de Direito, fui aprovada no concurso Juiz para a
cidade de Uruçui, fui aprovada no curso de Procurador do Estado,sou
Jornalista Profissional
85
.
Com o processo de crescimento da cidade de Teresina, expresso no
aumento da população, serviço, comércio, melhoria no acesso à saúde, houve também
um aumento da população escolar, expresso no aumento das matrículas
86
. Da mesma
forma, a criação da Faculdade de Filosofia FAFI aumentou as possibilidades no
campo de escolarização superior para o público feminino e, conseqüentemente, no
campo profissional.
No período em estudo o acesso da mulher era tolhido em determinadas
profissões socialmente legitimadas como pertencentes ao „universo‟ masculino. A
própria escolarização que lhe era oferecida contribuía para isso. Em sua maioria, as
mulheres cursavam o Curso Normal, de caráter profissionalizante, enquanto os homens
faziam o curso colegial ou clássico, de caráter propedêutico, o que facilitava o ingresso
no ensino superior. Dessa forma, as profissões disponíveis às mulheres eram aquelas
que eram consideradas uma extensão da sua função ou atribuição feminina. Profissões
como a de professora ou de enfermeiras e todas aquelas que estivessem ligadas ao ideal
de maternidade, eram prescritos às mulheres como inerentes a sua natureza: o cuidar das
crianças.
O trabalho feminino raramente era valorizado, quando muito era percebido
como um complemento da renda familiar, com o objetivo de sustentar a família, quase
„nunca‟ para a realização pessoal. No entanto, a sociedade teresinense ficou
maravilhada, quando em 1957, chegava à cidade a professora e notável jurista Regina
84
MACHADO, Gilka. Ser mulher. Folha da Manhã, Teresina, p.4, 23 de fev. de 1958. (Grifo nosso)
85
SILVA, 2008. (Grifo nosso)
86
FREITAS, Pedro de Almendra. Mensagem apresentada a Assembléia Legislativa do Estado
referente ao ano de 1953. Teresina: Gráfica O Dia, 1954. p.36
142
Gondim, para participar de uma Banca Examinadora de Concurso na Faculdade de
Direito
87
.
Esteve em nossa capital, tendo regressado ao Rio de Janeiro, onde
reside a Professora Dra. Regina Bottentuit Gondim Dias, catedrática de
Direito Civil na Faculdade de Niterói que aqui veio participar, na
qualidade de um dos examinadores, dos concursos para catedrático de
duas cadeiras de Direito Civil de nossa Faculdade a que concorreram os
Drs. Wilson Brandão e Joaquim Lustosa sobrinho. Não faz muito, sua
Exa ocupou durante semanas as colunas dos jornais do país, quando
teve a oportunidade de derrotar o professor Serpa Lopes, nome já
consagrado nas letras jurídicas nacionais, que com ela concorreu aquela
cátedra de que hoje é titular. A sua presença em Teresina [não passou]
despercebida, sobretudo verificou-se o interesse do público em
conhecer de perto essa notável mulher
88
.
A jurista e professora Regina Gondim, concedeu entrevista ao jornalista
José Eduardo, que não poupou elogios à “notável professora” de respeitável cultura”
com suas “autorizadas palavras de jurista” fez “brilhantes argüições” na banca
examinadora da Faculdade de Direito. Ao ser inquirida sobre as impressões que a cidade
havia lhe causado, respondeu em Teresina eu encontrei uma cidade pequena, de
natureza e costumes moldados naqueles princípios rígidos de organização familiar que o
impacto do modernismo ainda não veio atingir
89
”. Ao ser questionada pelo jornalista, a
jurista Regina Gondim falou acerca da posição da mulher em face do Direito,
enfatizando a desigualdade de gêneros juridicamente e socialmente. Segundo Regina
Gondim, essa igualdade era sentida, a partir das oportunidades de trabalho e estudos em
qualquer área ou atividade. Ela respondeu as indagações do jornalista da seguinte forma,
Não sou feminista exagerada acrescentou, não reivindico a chefia da
sociedade conjugal para a mulher, mas, apenas direitos inerentes à
condição humana, como o de poder desdobrar a sua atividade em
qualquer setor, sem necessidade da autoridade marital de poder
livremente ocupar um cargo ou exercer uma profissão [...] que o
casamento não traga para a mulher conseqüências desastrosas como a
perda do pátrio poder quanto aos filhos do leito anterior, em virtude de
novas núpcias. Que proibições legais para ambos os cônjuges [...]
não será atribuindo a mulher casada, uma incapacidade relativa
90
.
87
Suponhamos que esse fato foi o pontapé inicial para muitas mulheres pensarem em realizar-se
profissionalmente, meses depois dona Iracema Silva começava a escrever suas crônicas em jornais da
Capital, começava a estudar na FAFI, fazia concursos, e aos poucos sua postura enquanto mulher, mãe e
esposa, começava a transformar-se, o que é visível em suas crônicas.
88
EDUARDO, José. A Professora Regina Gondim. O Dia, Teresina, p.5, 28 de nov. de 1957.
89
IDEM.
90
IDEM.
143
Gradualmente as mulheres estavam ocupando as mais diversas áreas
profissionais, desde o magistério, à área da saúde, do direito, da administração pública,
conforme nos demonstra a crônica a seguir,
A mulher no serviço público [...] a mulher entrou fundo na nossa
burocracia, a ponto de não haver hoje neste país uma repartição
que não tenha o perfume das rosas concorrentes. Nos escritórios, no
comércio, por toda parte ocorre a mesma coisa. Sou, entretanto,
daquela época em que erroneamente chamado sexo frágil, vivia em
casa, nos seus trabalhos domésticos, cuidando dos filhos e tratando de
aparelhar-se para o casamento e para cumprir o preceito bíblico. Hoje
a mulher vive na rua, como os homens, trabalhando, lutando,
pendurada nos ônibus e nos trens sem o menor constrangimento.
Assistir essa evolução, diria melhor, essa transformação
91
[...]
Em 1957, a professora e jornalista Cristina Leite defendia o direito feminino
de exercer qualquer profissão, inclusive a de jornalista, no entanto, uma senhora,
“respeitável matrona”, não achava condizente com a condição feminina a profissão de
jornalista, “tolero todas as profissões para a mulher, menos a de jornalista”,
[...] essa opinião chocou profundamente [pois] quem escreve fixa
idéias [ou] conceitos que podem modificar por completo uma situação
[...] sendo a mulher parte integrante da sociedade e competindo com o
homem em quase todos os sentidos, não seria compreensível que ela
se afastasse voluntariamente das lides jornalísticas que tanto podem
engrandecê-la e ajudá-la na conquista de seus direitos
92
.
Através de suas crônicas, Cristina Leite legitimava a luta feminina em
qualquer espaço do mundo do trabalho e em qualquer área profissional.
Em outras crônicas, a jornalista e professora Cristina Leite denunciava e
cobrava ações dos governantes frente à situação de quase miséria na qual viviam as
professoras, pois seus vencimentos eram mínimos frente ao alto custo de vida. Ela,
ainda, enfatizava que eles eram fundamentais ao orçamento familiar. Contudo, no
período em estudo o trabalho feminino era considerado apenas complemento da renda
familiar, o que „justificaria‟ as baixas remunerações:
91
SOBRE as mulheres. Folha da Manhã, Teresina, p.5, 24 de jan. de 1959. (grifo nosso)
92
LEITE, Cristina. A mulher jornalista. O Dia, Teresina, p.2, 01 de dez. de 1957.
144
[...] professor primário geralmente é cargo para mulher. Poder-se-ia
alegar que a mulher não sustenta a casa, não tem responsabilidade de
família. Alegação essa que não subsiste. São raros os casos em que a
professora, se solteira não contribua com os vencimentos para a
manutenção dos pais e irmãos, se casada quase sempre o que o marido
ganha é insuficiente, e se é viúva, aí de todo é que é pior. O tempo dos
papais folgados e maridos por inteiro já passou
93
.
A partir do trabalho feminino, a mulher começava a se „libertar‟ do jugo da
dependência masculina, a hierarquia de gêneros começava a se abalar. A crônica a
seguir nos revela algumas pistas: [...] o mundo atual sofre de uma verdadeira peste
igualitária, chega a negar a existência legítima de qualquer autoridade [...] o
cristianismo defende a necessidade de hierarquias [...] de esposo para esposa
94
”.
A luta feminina pelo fim da desigualdade dos gêneros, no período em estudo
é retratado na crônica da professora Iracema Silva, que usava seus escritos para fazer
uma denúncia sobre o resultado da banca, que aprovou o candidato não por
competência, mas por tradição e proteção do poder masculino. O concurso era para
provimento da cátedra em Sociologia Educacional na Escola Normal Antonino Freire.
Dona Iracema Silva, que no período exercia a profissão de professora
normalista e de jornalista, era também aluna de Filosofia e professora em artes
femininas: economia doméstica, culinária, corte e costura, puericultura, como também
de Didática. Ela possuía registro de professora de História Geral concedido pela
Campanha de Aperfeiçoamento e Difusão do Ensino Secundário (CADES) e concorreu
com professor Wilson de Andrade Brandão, que era bacharel em Direito, professor
catedrático de Direito Civil da Faculdade de Direito, professor catedrático do Colégio
Estadual do Piauí, professor de Francês da Faculdade de Filosofia.
[...] colocou-se em primeiro lugar o Dr. Wilson [...], porém não
compreendi porque o examinador [...] dissera antevisando o seu
julgamento, que por melhor que eu me saísse no concurso, não
poderia preterir o Dr. Wilson, para o segundo lugar, pois seus
inúmeros títulos e antiguidade no magistério faziam-no merecedor do
lugar, por tradição [..] o concurso de Sociologia Educacional que fiz
era por concurso de títulos e tradição ou de competência de matéria
95
?
93
IDEM.
94
JOSEPH, MR. Incoerência Moderna. O Dominical, Teresina, p.3-4, 03 de fev. 1952. (grifo nosso).
95
SILVA, Iracema Santos Rocha da. Concursos ou tradição? O Dominical, Teresina, p.2, 13 de dez. de
1959.
145
[...] na prova escrita, eu e o professor Wilson tiramos a mesma nota,
na prova de títulos ele ganhou de mim “eu era uma professorinha
primária” e ele, autoridade de renome. Mas, na prova prática, a gente
tinha que dar 40 minutos de aula e como eu já estava acostumada de
dar aulas, eu gostei muito. Mas, quando o professor Wilson foi
ministrar a aula, e acabara sobrando minutos, e a banca disse, “o
senhor ainda tem 20 minutos” [...] isso mostrava que a minha nota
deveria ser melhor que a dele [...] o meu irmão já sabia que eu iria
perder. O professor Camilo Filho, que era o examinador no concurso
disse para meu irmão, que infelizmente tinha que dar nota menor para
mim, em relação ao professor Wilson Brandão
96
.
O modelo de identidade feminina relacionada ao de rainha do lar, era o mais
divulgado durante a década de 1950, mas não era o único, havia mulheres na classe
média trabalhando, estudando, conciliando os papéis de mãe e esposa, sendo auxiliadas
no trabalho domésticos por empregadas.
A presença feminina no mercado de trabalho era percebida de forma
negativa pelo discurso católico, segundo este discurso, o trabalho feminino fora do lar
estava causando crises e desestruturação na família, o que mostra a estratégia daquele
discurso: enfatizar os papéis tradicionais femininos, com a afirmação de que a
identidade feminina era o espaço privado. Era valorizado apenas o trabalho masculino,
caracterizador da masculinidade, mirem-se, pois, os pais em São José e terão mais
coragem para sustentar a sua família
97
”, as crônicas enfatizavam que as mulheres
passavam a trabalhar fora do lar, porque os homens, estavam sendo moles, em não
cumprir sua missão de sustentar a família .
Logo, foi através do esforço, da determinação em quebrar as desigualdades
de gênero, que muitas mulheres, que não aceitaram as agruras de seu tempo, tentaram
mudar o curso de suas histórias, escrevendo para denunciar as desigualdades de gênero.
Elas, também, trabalharam fora do lar e foi através do seu trabalho que as mulheres
começaram a se libertar do jugo e da dominação masculina, e a partir daí, as diferenças
de gênero começaram a diminuir na sociedade, pois, conquistando espaço e
participando igualmente do mercado de trabalho, as mulheres mesmo na década de
1950, puderam exercer qualquer profissão: jurista, médica, professora, dentista,
advogada, funcionária pública, secretária, enfermeiras e outras que desejassem.
96
SILVA, 2008.
97
A SAGRADA família. O Dominical, Teresina, p.1, 16 de jan. de 1955.
146
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O objetivo central deste trabalho foi analisar a família teresinense, nos anos
dourados, tendo como pretexto o discurso católico, desvendamos algumas trilhas e
vestígios, e chegamos a algumas reflexões possíveis. A década de 1950 foi marcada por
contradições e rupturas. A família era pensada pela ótica católica de forma hierárquica,
sendo que, os papéis sexuais eram bem rígidos e apresentados como naturais, mas, nas
práticas cotidianas, as múltiplas evidências demonstraram que essas relações são
construções culturais. O discurso católico continuava forte e presente na sociedade, mas
o consumo cultural já se mostrava bastante diversificado.
A igreja se oporia, no período em estudo, às mudanças dos costumes que
iam ocorrendo nessa época, e continuava a apregoar de forma intransigente a
necessidade de manter a mulher dentro dos padrões tradicionais de conduta
1
: esposa,
dona de casa e mãe. As convenções e normas sociais enfatizavam e valorizavam o bom
enquadramento dos papéis de gênero tradicionalmente estabelecidos.
Nas representações católicas, o masculino e o feminino eram representados
como identidades fixas e rígidas, estabelecendo a assimetria e rigidez nas diferenças
entre os papéis sexuais, cabendo ao homem prover a casa e ser o único representante da
esfera pública, enquanto à mulher era prescrito o ambiente privado, no recôndito do lar,
com a missão de cuidar da casa, da educação dos filhos e do marido.
Constatamos, a partir das análises hemerográficas e do conteúdo das
entrevistas realizadas, que os meninos e as meninas foram direcionados, desde a mais
tenra idade, à assimetria entre os papéis sexuais. Desde a infância, as crianças eram
direcionadas para as desigualdades de gênero, exemplificadas na educação diferenciada.
Para as meninas, o curso Normal, de caráter profissional, que as preparavam para ser
dedicadas professoras primárias, que era considerada a formação feminina ideal, pois
além das disciplinas como higiene e puericultura, havia também aquelas destinadas às
atividades manuais, às prendas domésticas. Para os meninos, o primário e ginásio, de
caráter propedêutico com o objetivo de preparar para o vestibular.
As desigualdades de gênero, também, eram percebidas nas próprias
brincadeiras. As meninas, desde cedo, começavam a bordar, a „substituir a mãe‟ no
cuidado dos irmãos mais novos, brincavam de „comidinha‟, práticas que possibilitavam
maior intimidade com sua missão futura: ser rainha do lar. os meninos, estes estavam
1
AZZI, 1993, p.11
147
liberados pata tomar banho de rio, jogar futebol, andar de bicicleta. No entanto, no final
da década de 1950, a prática de andar de bicicleta começava a aproximar masculino e
feminino, de forma a quebrar as desigualdades de gênero, pois, antes a prática de
pedalar era interdita às mulheres.
Não apenas a bicicleta estava quebrando as fronteiras de gênero, mas o
futebol também era indicativo de que os preceitos sociais começavam lentamente a
mudar a condição feminina, como também outros esportes, possibilitando a liberação da
representação do corpo feminino da imagem de delicada e frágil.
No período em estudo, houve uma valorização dos diversos discursos na
sociedade para manutenção da dupla moral sexual, na qual restringia a sexualidade
feminina, as moças deveriam se manter virgens até as núpcias, como „anjo na terra‟,
contidas por expressar valores rígidos em relação ao corpo e à sexualidade. Os
preceitos sociais buscavam manter a sexualidade feminina sob controle e vigilância,
devendo as moças andarem sempre acompanhadas, ou por irmãos mais velhos ou
amigas, nunca deveriam andar desacompanhadas. Já ao homem era concedida total
liberdade, pois a virilidade era medida pela quantidade de experiências sexuais que
tinham, pela freqüência a prostíbulos, pela audácia com que se movimentavam na
sociedade
2
.
O namoro estava se modificando, se antes ele ocorria às claras, agora
preferia a penumbra. No período em estudo, os casais estavam mais próximos e o
cinema facilitava essa aproximação, pois, nas salas de projeções, com pouquíssima
iluminação, o namoro de bolinação era facilitado.
A educação sexual era considerado um tabu pelo discurso católico, nem a
escola, tampouco os professores deveriam ser responsáveis por esse esclarecimento,
cabia aos pais, visto que os jovens tinham acesso a esse tema através das leituras de
romances, gibis ou do cinema, o dever de instruir e educar as sensibilidades da
mocidade.
Palavras como sexo, relações sexuais, virgindade não eram ditas, apareciam
como metáforas, tais como, „não cair na lama‟, „pudor‟, „nódoa repugnante‟, „não errar‟,
„macular o corpo‟, „conservar a pureza do corpo‟, „proteger a inocência‟, „tesouro
inestimável‟, conservar sua „dignidade‟:
2
DEL PRIORE, 2006, p.289.
148
no período que atravessamos muitas de nossas moças, perderem a
pureza [...] jamais suceda a desgraça de manchar tão sublime virtude,
com a nódoa repugnante do escândalo, coragem para enfrentar e
vencer, [...] fujamos das ocasiões perigosas
3
.
O noivado deveria ser de curta duração para não macular a imagem de boa
moça de família, entretanto, esse compromisso formal com o casamento aproximava
cada vez mais os jovens, possibilitando maior liberdade. Dessa forma, segundo o
discurso católico, era preciso fugir das ocasiões perigosas que o noivado ensejava,
“a aproximação exagerada dos noivos [...] faz com que muitas vezes, durante o namoro
e o noivado, não guardem a castidade e o pudor, elementos indispensáveis para a
felicidade conjugal
4
.
A década de 1950, foi marcada por continuidade e rupturas, nos costumes
praticados pelos jovens que começavam a mesclar os padrões de comportamentos
pensados pelos preceitos sociais, com a vivência de algumas práticas que questionavam
os padrões comportamentais tradicionais. Começava o processo de instituição e
vivência de novos modelos, ocasionando uma tensão entre o tradicional e o moderno.
Esses jovens também se utilizaram de táticas para burlar os códigos
sociais, re-significando as prescrições. Algumas moças dirigiram automóveis, prática
considerada como interdita ao seu sexo, liam romances, revistas, assistiam a filmes
considerados deletérios e, principalmente, abriam mão secretamente da virgindade.
Os rapazes, quando pensavam nas moças, as representavam de forma
binária, em tipos singulares e fixos, a moça para casar e a moça para brincar. Como eles
possuíam senso prático, solicitavam as namoradas ou noivas uma prova de amor, e
aquelas que se permitiam tais liberdades eram consideradas fáceis, se tornando mal
faladas, pois os rapazes, enquanto namorados ou noivos, queriam provar, não tinham
intenção de casar e eram os primeiros a saírem falando delas aos amigos.
A revolução dos costumes começava a apontar, na sociedade, expressada,
por exemplo, nas saias que diminuíram seu comprimento. Estas ainda não eram as mini-
saias da década de 1960, mas subiam alguns centímetros acima dos joelhos. Assim
também, as blusas encurtavam ou retiravam de vez as mangas, as roupas e tecidos
estavam mais finos, delineavam o corpo com os tecidos quase transparentes e leves. As
pernas estavam à mostra através do short e do uso da calça comprida pelas mulheres
3
A PUREZA. O Dominical, p.5, Teresina, 28 de jul. de 1950. (grifo nosso)
4
FABER, Fernanda. O século XX é assim. Teresina, O Dominical, p.3, 13 de nov. de 1949. (grifo
nosso)
149
solteiras. Da mesma forma surgiu a ampliação dos métodos contraceptivos. No período
em estudo, aparece no mercado, o diafragma, permitindo as moças o acesso a outro
método, diferente da tabelinha.
Os concursos de beleza ajudaram a mulher a desabrochar a sensualidade
„guardada‟, elas começavam a se transformar em Vênus modernas, sedutoras,
valorizando-se no modo de vestir e seduzir. Os sutiãs com enchimento ajudavam, na
hora de atrair pretendentes ao altar, assim como o uso de lingerie ajudava a agradar os
maridos.
O uso das propagandas ajudou na quebra da polaridade Eva versus Maria, as
imagens incidiram na veiculação de novos comportamentos e na mudança dos
costumes, pois possuíam poder de comunicar e induzir a novos consumos na
apresentação de modelos femininos plurais, sejam sedutoras, românticas ou atrevidas,
numa nova cultura corporal.
Revistas como O Cruzeiro, Vida Doméstica, através das sessões femininas,
e também as colunas dos jornais, como O Dominical e Folha da Manhã, com suas
colunas Página Feminina, cada uma ao seu modo, funcionavam como conselheiras,
modelando os comportamentos femininos, ora formando opiniões, educando
sensibilidades, ora prescrevendo valores a serem consumidos ou não.
As imagens que pensavam o feminino como frágil, eram re-significadas, por
exemplo, quando as mulheres ousaram desafiar seus esposos, sendo fortes e
determinadas ao denunciá-los por agressão física. Assim como também foram humanas
e imperfeitas, e não santas e perfeitas como queria o discurso católico, eram de carne e
osso, tanto que escolheram, ou não, criar e amar seus filhos.
A maior parte dos discursos do período em estudo, que procuraram
transmitir uma imagem do masculino de forma forte ou dominadora, no entanto, foram
re-significados. Ao escrever letras de músicas ou cartas de amor, os homens
expressavam seus sentimentos, deixando falar o coração, demonstrando o quanto eram
frágeis, sensíveis e que sofriam com a dor de não ser amado. Expressando, outras vezes,
a dor do abandono, as letras de música eram caracterizadas pela dor de cotovelo,
conforme expresso na letra da música Nervos de Aço de Lupicínio Rodrigues,
gravada pela primeira vez em 1947, grande sucesso na década de 1950:
você sabe o que é ter um amor, meu senhor, ter loucura por uma
mulher, [...] e por ele quase morrer, e depois encontrar esse amor, nos
150
braços de um tipo qualquer [...] quando a vejo me um desejo de
morte ou de dor
5
.
Na cada estudada, houve uma revalorização do discurso ideológico da
rainha do lar. Os discursos preconizaram as obrigações da mulher, enquanto mãe,
esposa e dona de casa, responsável pela educação dos filhos, da casa, como também
responsável pelo mundo. Era quem transformava os homens em cidadãos respeitados e
de sucesso, como afirmava o discurso católico „o destino de nossa época está nas mãos
da mulher‟. Cabia à mulher continuar aceitando essa condição de pensar a identidade
feminina a partir dos outros, filhos e marido, concordando com a desigualdade de
gênero estabelecida. Na análise de Roger Chartier
6
, essa submissão era originaria da
própria mulher, que aceitava e consentia a linguagem da dominação simbólica.
Existiam aquelas que preferiam ser rainhas de seus lares, sendo submissas
as convenções sociais, vivendo para os seus filhos, esposo e lar. Mas, existiam aquelas
que queriam mais, além de também cuidar dos seus, não esquecia de si, de seus desejos,
vontades de realização profissional, Nada em excessos”, mas, que também se
desdobravam em mil, para cumprir as árduas tarefas e missões que os preceitos
sociais lhes jogavam as costas.
As responsabilidades masculinas e femininas eram distintas e desiguais. No
interior das relações familiares, existiam diferenças entre as funções maternas e
paternas. À mãe era atribuído o papel de educar e instruir o filho, cuidando, desde sua
higiene, à alimentação, educação, saúde, confecção de roupas. Do homem, era exigido
somente a função econômica de prover a família. Mas, os sinais de mudanças
começavam a aparecer na imprensa, esta anunciava, mesmo que de forma tímida, as
mudanças que estavam por vir a acontecer no interior da família, convidando os homens
a atuarem como colaboradores na educação dos filhos, participando ativamente desse
processo, assim como também, ouvindo, entendendo e ajudando a esposa nas tarefas
domésticas.
Em parte o trabalho feminino fora do lar foi o responsável pelo início das
mudanças que apontavam no interior da família. Estavam ocorrendo importantes
mudanças na sociedade. A mulher casava-se, mas planejava a quantidade de filhos. No
5
Sobre letras das músicas de Lupicínio Rodrigues. Disponível em:
<http://nervosdeao.lupiciniorodrigues.letrasdemusicas.com.br/
>. Acesso em 30 de jan. de 2009. (grifo
nosso)
6
CHARTIER, 1995. p. 37-47.
151
período em estudo, o casamento continuava a fazer parte da realização feminina, porém,
não era o único objetivo, algumas mulheres começavam a diminuir a prole, com
vistas a sua profissionalização.
Os métodos contraceptivos estavam revolucionando os costumes, as
mulheres começavam a controlar e regular a quantidade de filhos, pois com menos
filhos, sua entrada no mercado de trabalho era facilitada.
A imprensa já começava a chamar a atenção do homem, enquanto esposo e
pai, para colaborar com sua esposa na educação dos filhos, ser mais participativo em
casa, deixar de ser apenas coadjuvante, ir além da função econômica de prover a
família, aprendendo a ser pai. A paternidade e suas responsabilidades estavam
começando a fazer parte dos debates sociais travados na imprensa.
Segundo Carla Bassanezi, “na ideologia dos anos dourados, maternidade,
casamento e dedicação ao lar, faziam parte da essência feminina
7
”. De fato, nas fontes
consultadas houve uma predominância da mulher enquanto rainha do lar, os discursos
tentavam veicular imagens fixas, tentando naturalizar os papéis de gênero no interior do
lar, afirmando que o lugar da mulher era no espaço privado cuidando da casa, dos
filhos e do esposo. Já do homem era no espaço público, que lhe possibilitava o sustento
da família. As mesmas fontes também demonstraram uma crescente presença feminina
em setores, antes considerados masculinos, elas conquistavam cada vez mais lugar na
imprensa, como jornalistas, eram também juristas, médicas e trabalhavam no serviço
público.
Os cronistas da época já começavam a polemizar sobre o paradigma rainha
do lar versus mulher moderna. Com a ajuda de uma empregada doméstica, a mulher
diminuía suas tarefas no lar, podendo conciliar cuidado da casa, com o trabalho fora de
casa, sem descuidar das crianças e do marido
O trabalho feminino apareceu, na maioria das fontes pesquisadas, de forma
negativa, pois os discursos divulgados, especialmente na imprensa problematizaram
com maior ênfase os papéis femininos tradicionais, mas, a partir da segunda metade da
década de 1950, os cronistas discutiam a relação entre rainha do lar e a
profissionalização feminina, especialmente depois da fundação da FAFI. Com o
crescimento e desenvolvimento da cidade, o trabalho feminino foi se intensificando, não
somente no magistério, mas, no comércio, nos setores burocráticos da administração
estadual e municipal, nos hospitais, nos postos de puericultura.
7
BASSANEZI, 1997, p. 609.
152
Outros discursos veiculados na imprensa expressavam de forma positiva a
presença feminina no mundo do trabalho, desde que a mulher, sobretudo a casada
conseguisse conciliar os papéis de mãe e esposa. Mas, esse trabalho era percebido de
forma complementar para a renda familiar, não aparecendo em primeiro plano.
As mulheres estavam presas entre os preconceitos sociais e as convenções,
se sentiam como „águias inertes‟. Em tom de desabafo, dona Iracema Silva nos
respondeu, quando indagamos se ela tinha sido moderna, nos respondeu da seguinte
forma: “não fui moderna [...] afinal fiz o que me disseram para fazer
8
”, seguiu em
primeiro lugar as orientações do pai e, logo depois, do esposo.
A Faculdade de Filosofia do Piauí possibilitou às estudantes expandir seus
horizontes adquirindo novos conhecimentos, assim como também pensar suas
identidades femininas, para além do casamento, da maternidade, investindo na
escolarização de nível superior e em uma profissão.
O presente trabalho não pretende esgotar o assunto nos pontos de vistas
apresentados. É apenas uma contribuição, que poderá se desdobrar em outras pesquisas.
8
SILVA, 2008.
153
REFERÊNCIAS E FONTES
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ANEXOS
Autorização das Entrevistas
168
Autorização da entrevista por Iracema Santos Rocha da Silva
169
Autorização da entrevista por Manoel Paulo Nunes
170
Autorização da entrevista por Maria Genovefa de Aguiar Moraes Correia
(Genu Moraes)
Teresina, 25 de Julho de 2005.
171
Autorização da publicação da entrevista por Teresa de
Albuquerque Vilarinho Castelo Branco
172
Autorizações da publicação das entrevistas por José Nazareno Soares de Araújo e
Marize Marques Martins de Araújo
173
Autorização da publicação da entrevista por Celso Barros Coelho
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