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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIA
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E LETRAS
CURSO DE MESTRADO EM HISTÓRIA DO BRASIL
RUPTURAS, PERMANÊNCIAS E VIVÊNCIAS COTIDIANAS:
O BAIRRO MAFUÁ DE 1970 A 1990
FRANCISCA LIDIANE DE SOUSA LIMA
TERESINA-PI
2006
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FRANCISCA LIDIANE DE SOUSA LIMA
RUPTURAS, PERMANÊNCIAS E VINCIAS COTIDIANAS:
O BAIRRO MAFUÁ DE 1970 A 1990
Dissertação apresentada ao Curso de Pós-Graduação
em História do Brasil, do Centro de Ciências
Humanas e Letras da Universidade Federal do Piauí,
para obtenção do título de Mestre em História do
Brasil.
Orientadora: Profª. Drª. Wilza Gomes Reis Lopes.
TERESINA-PI
2006
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L864r Lima, Francisca Lidiane de Sousa
Rupturas, permanências e vivências cotidianas: o bairro
Mafuá de 1970 a 1990 /
Francisca Lidiane de Sousa
Lima. Teresina, 2006.
107f. il.
Dissertação (Mestrado em História do Brasil)–
Universidade Federal do Piauí.
Orientadora: Profª. Drª. Wilza Gomes Reis Lopes.
1. Mafuá (Bairro) Teresina 2. Memória. 3. História. I. Lopes,
Wilza Gomes Reis II. Título.
C.D.D 981
307.76
FRANCISCA LIDIANE DE SOUSA LIMA
RUPTURAS, PERMANÊNCIAS E VINCIAS COTIDIANAS:
O BAIRRO MAFUÁ DE 1970 A 1990
Dissertação apresentada ao Curso de Pós-Graduação
em História do Brasil, do Centro de Ciências
Humanas e Letras da Universidade Federal do Piauí,
para obtenção do título de Mestre em História do
Brasil.
Aprovada em: ____ /____ /______
BANCA EXAMINADORA
__________________________________________________________
Prof
ª
. Dr
ª
. Wilza Gomes Reis Lopes – UFPI
Orientadora
__________________________________________________________
Prof. Dr. Gisafran Nazareno Mota Jucá – UECE
Examinador
___________________________________________________________
Prof. Dr. Francisco Alcides do Nascimento – UFPI
Examinador
A minha mãe Lúcia, por se permitir a escutar minhas
angústias, tristezas e alegrias, sendo a minha fortaleza
nos momentos mais difícies da minha vida.
A minha filha Luíza Gabriele e ao meu sobrinho Luã,
verdadeiras fontes de inspiração, essências de pureza,
amor, carinho e alegria.
AGRADECIMENTOS
Aos professores do Programa de Mestrado em História do Brasil da
Universidade Federal do Piauí, em especial Paulo Ângelo Meneses, Áurea
Pinheiro, Edwar Castelo Branco e Alcides Nascimento, pelas reflexões,
sugestões e críticas ao trabalho.
Aos colegas da primeira turma de Mestrado em História da UFPI,
entre eles Daniel Sólon, Ana Cristina Brandim, Amparo Carvalho e Jonhy
Santana, que se tornaram grandes amigos, e companheiros de todas as horas,
principalmente na árdua tarefa de finalização da dissertação.
Ao coordenador do Programa de Mestrado em História da Brasil da
UFPI, Prof. Dr. Francisco Alcides do Nascimento, pelos desabafos e conselhos,
e principalmente pelo “pai” que acabou se tornando durante esses sete anos
de vida acadêmica.
Às funcionárias da secretaria do mestrado, Andréa Maranhão e
Lêda Rodrigues que com imensa competência, me ajudaram no trato das
questões burocráticas dentro do Programa, fazendo com que eu o perdesse
datas ou prazos.
Ao professor Paulo Vilhena, que, como ex-morador do bairro Maf,
me levou as principais pessoas que conheciam de perto o meu objeto de
estudo.
Ao Prof. Dr. Pedro Vilarinho Castelo Branco, pelas contribuições na
banca de qualificação.
A minha orientadora Prof
ª
. Dr
a
. Wilza Gomes Reis Lopes, pelos
conselhos, compreensão e amizade sincera, se revelando uma segunda “mãe”,
nessa trajetória cheia de erros e acertos.
Ao Prof. Dr. Antônio Torres Montenegro, da UFPE, pela atenção que
teve ao ler e responder aos meus e-mails, manifestando seu interesse em
ajudar-me com indicações e sugestões de leitura.
Aos amigos de todas as horas, como Santiago Júnior e Nilsângela
Cardoso, por me ensinarem, na prática, o significado da amizade eterna.
A amiga Ana Claúdia, por se disponibilizar a fazer a tradução do
meu resumo, mesmo com todas as ocupações.
Aos meus avós Francisca e Moacir (in memorian), principais
responsáveis pela minha formação. Se não fosse por eles, com certeza eu não
estaria onde estou hoje.
As minhas irmãs Adriana e Luciana, meu irmão Francisco (in
memorian), e ao meu cunhado Leonardo, agradeço pelo amor, apoio e
conselhos nos momentos de angústias, tristezas e alegrias.
A minha mãe Lúcia, por estar sempre ao meu lado e por se dispor a
fazer o papel de “mãe” da minha filha, para que eu pudesse chegar à
conclusão deste trabalho.
A Luíza, meu tudo, minha vida, me perdoe se às vezes não tive
tempo de acompanhar os momentos mais lindos do seu desenvolvimento, mas
o fato de você existir, me transformou em uma mulher forte e determinada.
Te amo, filha.
Ao grande companheiro e “eterno” amigo Antônio Carlos Machado,
que me acompanhou desde o início desta trajetória, agradeço pela dedicação,
conselhos, carinho, pelas palavras de incentivo e, principalmente, por me
mostrar que todos os sonhos são possíveis de ser realizados, basta acreditar
neles.
Aos irmãos do Centro Espírita “Mansão da Paz”, que me receberam
de braços abertos, mostrando a importância da palavra de Deus em minha
vida.
Aos entrevistados(as), que me receberam em suas casas e locais de
trabalho e se puseram à disposição para se pronunciarem sobre suas
histórias e memórias, fornecendo ricos elementos para a construção deste
trabalho.
Aos funcionários e estagiários do Arquivo Público do Estado do Piauí
(Casa Anísio Brito) e da Biblioteca Central da UFPI, que se mostraram sempre
disponíveis, auxiliando e fornecendo o material necessário para o
enriquecimento do trabalho.
Enfim, agradeço a todos que aqui não foram citados, mas que, ao
longo desta caminhada, contei com a solidariedade e palavras de estímulo.
RESUMO
Este trabalho trata do bairro Mafuá, na cidade de Teresina/Piauí, enfocando suas rupturas
urbanas e econômicas no período de 1970 a 1990. O trabalho ainda compreende as
permancias, que diante das rupturas, fizeram-se presentes no próprio modo de vivenciar
cotidianamente o Mafuá, ao longo dos anos 70 a 90, em que a memória dos atores sociais,
sendo eles moradores, trabalhadores e freqüentadores inseridos nesse espaço-palco, passam a
ser reveladas pela metodologia da História Oral, tida como método/técnica de pesquisa
privilegiada neste trabalho, que registrou uma memória construída no presente a partir das
vivências ou experiências ocorridas no passado, revelando, portanto, um esforço de
constituição da verdade. Para melhor conhecer o bairro Mafuá, o trabalho também percorreu
os seus espaços de sociabilidade e de consumo, como o mercado e as feiras-livres, que
consolidam em seu cotidiano uma extensa rede de socialização entre as várias relações de
vivências, assim como os antigos restaurantes, que nas décadas de 1970 e 1980, marcou uma
socialização, ao se definirem como espaços de consumo do Mafuá. Em relação a cultura e ao
lazer do bairro, vale destacar o carnaval de rua e o Espaço Cultural São Francisco, que passam
a divulgar e ao mesmo tempo revelar toda uma memória de um Mafuá, rico em histórias e
vivências. Esta investigação trouxe a percepção do Mafuá como um espaço plural,
diversificado, não só pelo comércio, mas, sobretudo, por ser um espaço onde se articulam
identidades, vivências, cultura, lazer e, principalmente, muitas memórias.
Palavras - Chaves: Mafuá, Rupturas, Permanências, Memória, História.
ABSTRACT
This research treats the neighbourhood called Mafuá, in the city of Teresina/Piauí, focusing its
urban and economical ruptures in the period of 1970 the 1990. This work also enlightens the
permaneces, of the ruptures, showed in the everyday life of Mafuá, in the seventies and
nineties, where the memory of the social actors, that is to say occupants, workers attenders
included in this scenery, revealed by Oral History methoddogy, reckoned to be the research
method/technique chosen in this research., it recorded a memory built in the present from the
experiences occurred in the past, revealing, therefore, an effort to build up the truth. To
understand Mafuá better, this work also traveled around its social and commercial spaces, as
the marketplaces, these places show its everyday life, so as the restaurants, that in the decades
of 1970 and 1980, registered a socialization, or consumption spaces in Mafuá. In relation to
the culture and leisure of Mafuá, we can mention the street carnival and the Cultural Space
São Francisco, that expose and at the same time make the memory of this neigbourhood
known. This investigation brought the feeling of a Mafuá as a plural space, rich, not only by
its commerce, but, above all, a space where identities, experiences, culture, leisure and,
mainly, many memories.
Keywords: Mafuá, Ruptures, Permaneces, Memory, History.
LISTA DE FOTOGRAFIAS
Foto 1 – Comércio do bairro Mafuá, na Rua Gabriel Ferreira...............................................31
Foto 2 – Comércio do bairro Mafuá, na Rua Lucídio Freitas ............................................... 31
Foto 3Entrada do bairro Mafuá pela Rua Gabriel Ferreira, vista a partir da antiga ponte de
concreto do Mafuá, entre o final da década de 1970 e início da década de 1980 ................... 36
Foto 4 – Viaduto do Mafuá visto da Avenida Miguel Rosa, antes da ampliação da linha férrea
para a construção do pré-metrô de Teresina, na década de 1980 ...........................................39
Foto 5 Viaduto do Mafuá visto da Avenida Miguel Rosa, após a ampliação da linha férrea
para a construção do pré-metrô de Teresina, na década de 1990 ...........................................39
Foto 6 Antigo restaurante de Manoel Alves Ramos, na Rua Alcides Freitas, no bairro Maf....40
Foto 7 Praça do Augusto Ferro, no bairro Mafuá, entre as Ruas Gabriel Ferreira e Lucídio
Freitas, nas décadas de 1970 e 1980 ................................................................................... 43
Foto 8 Praça do Augusto Ferro, no bairro Mafuá, entre as Ruas Gabriel Ferreira e Lucídio
Freitas, reformada no início da década de 1990 .................................................................. 43
Foto 9 – Casas residenciais na Rua David Caldas, no bairro Mafuá .................................... 45
Foto 10 – Entrada do bairro Mafuá vista do viaduto Paulo Ferraz, nos dias atuais ............... 46
Foto 11 – Feirantes e vendedores ambulantes próximos ao Mercado do Mafuá, na Rua Gabriel
Ferreira, década de 1970 .................................................................................................... 48
Foto 12 – Comerciante Augusto Ferro de Sousa, aos 50 anos de idade ...................................... 49
Foto 13 – Local onde funcionava a antiga mercearia Quitanda Nova, localizada na esquina das
Ruas Gabriel Ferreira e Amazonas, no bairro Mafuá .......................................................... 50
Foto 14 – Picolé Amazonas, localizado na Rua Gabriel Ferreira, no bairro Mafuá .............. 50
Foto 15 – Entrada do mercado público do Mafuá, Tersandro Paz, na Rua Lucídio Freitas ........ 52
Foto 16 Feiras-livres em frente ao Mercado do Maf, na Rua Lucídio Freitas, na cada de 1970 .. 53
Foto 17 – Feiras-livres do bairro Mafuá, na Rua Quintino Bocaiúva ................................... 54
Foto 18 – Maria Ambrósio da Silva, a Maria Tijubina, em frente ao seu antigo restaurante, nas
imediações da linha férrea, próximo à Praça do Augusto Ferro, na década de 1980 ............ 57
Foto 19 Maria Tijubina, em seu restaurante, no Mafuá, na Rua Amazonas, entre assíduos
freentadores: o ex-diretor do Teatro 4 de Setembro e morador do bairro, Ací Campelo
sua direita) e o dramaturgo e ator Afonso Lima (à sua esquerda) ........................................... 59
Foto 20 Desfile da escola Império do Samba, na Praça Pedro II, no carnaval de rua de
Teresina, na década de 1970 ............................................................................................... 64
Foto 21 – Maria Ambrósio da Silva, a inesquecível Maria Tijubina do Mafuá, que foi
homenageada no carnaval de rua do Mafuá, no ano de 2001 ............................................... 72
Foto 22: Wortigern Rocha sendo homenageado pelo Jornal O DIA, quando conquistou o título
de tetracampeão do carnaval de rua de Teresina, no concurso de fantasias patrocinado pela
Prefeitura Municipal, na praça Pedro II, no ano de 1969 ..................................................... 73
Foto 23 – Wortigern Rocha como destaque do carnaval de rua de Teresina, no ano de 1964, com a
fantasia de Índio Bossa Nova, criticando o problema da falta d’ água na Zona Norte................. 74
Foto 24 Wortigern Rocha como destaque do carnaval de rua de Teresina, no ano de 1971,
solucionando o problema de transporte com o “Meu Fusca” ............................................... 74
Foto 25 Fundador da escola de samba Império do Samba, José Monteiro da Silva, o Zeca
Couro Velho, como destaque de cuiquista direita), no carnaval de rua de Teresina, no ano
de 1977, na Avenida Frei Serafim ...................................................................................... 76
Fotos 26 e 27 Apresentação do Bloco Tijubina do Mafuá, na Avenida Marechal Castelo
Branco, no carnaval de rua de Teresina, no ano de 2005, prestando homenagem ao Augusto
Ferro, que deu origem ao Mercado do Maf..................................................................... 79
Foto 28 O artista plástico Cícero Manoel, no Espaço Cultural São Francisco, na Rua
Lucídio Freitas, no bairro Mafuá ........................................................................................ 81
Foto 29 – Espaço Cultural São Francisco em sua variedade cultural de livros, objetos de arte e
fotografias .......................................................................................................................... 81
Foto 30 Cartaz de abertura da exposição “Todas as Cores de Teresina”, ocorrida no ano de
2005, no Espaço Cultural São Francisco, no bairro Mafuá .................................................. 82
Foto 31 Pinturas e fotografias da segunda versão da exposição Todas as Cores de Teresina”,
ocorrida no ano de 2006, no Espaço Cultural São Francisco, no bairro Mafuá ........................ 82
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – Bairros da cidade de Teresina distribuídos por administração regional (1992) ... 27
Figura 2 – Localização e mapa do bairro Mafuá ................................................................. 30
LISTA DE SIGLAS
AGESPISA – Águas e Esgotos do Piauí S.A.
CEPISA – Companhia Enertica do Piauí S.A.
COC – Comissão Organizadora do Carnaval
MPB – Música Popular Brasileira
PMT – Prefeitura Municipal de Teresina
SEMPLAN – Secretaria Municipal de Planejamento
UFPIUniversidade Federal do Piauí
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................................................ 14
CAPÍTULO 1 CONHECENDO A CIDADE: ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE O
PROCESSO DE TRANSFORMAÇÃO E EXPANSÃO URBANA DE TERESINA DA
SEGUNDA METADE DO SÉCULO XIX AO SÉCULO XX ........................................... 22
1.1 Bairro Mafuá: o espaço, a vida e o cotidiano ................................................................ 28
1.2 O Mafuá face às rupturas e permanências, de 1970
a 1990 ............................................ 35
CAPÍTULO 2 – ESPAÇOS DE SOCIABILIDADE E DE CONSUMO DO BAIRRO
MAFUÁ ............................................................................................................................ 46
2.1 Mercado e feiras-livres do Mafuá ................................................................................. 49
2.2 Antigos restaurantes do Mafuá ..................................................................................... 56
CAPÍTULO 3 DIVULGANDO O BAIRRO: O MAFUÁ ENTRE A CULTURA E O
LAZER ............................................................................................................................. 61
3.1 Carnaval de rua do Mafuá ............................................................................................ 61
3.1.1 Bloco Tijubina do Mafuá: o começo .......................................................................... 67
3.1.2 As vivências do bloco Tijubina do Mafuá .................................................................. 70
3.2 Espaço Cultural São Francisco ..................................................................................... 80
CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................... 84
REFERÊNCIAS ............................................................................................................... 87
APÊNDICES .................................................................................................................... 93
A – Entrevista nº 01 – Francisco Ventura Dias de Morais
B – Entrevista nº 02 – Maria Ambrósio da Silva
C – Entrevista nº 03 – Ubirani de Sousa Rocha
D – Entrevista nº 04 – Jerônimo Rodrigues Alves
ANEXOS......................................................................................................................... 108
A – Mapa do bairro Mafuá
B – Praça do Augusto Ferro, a partir do decreto lei 074 – 28/05/1976
C – Projeto da Praça do Augusto Ferro, no bairro Mafuá, década de 1990
INTRODUÇÃO
Eu vivo aqui desde quando nasci [...] então, viver no Mafuá, eu sinto assim
que eu estou sabe, perto do meu povo, eu tenho muito medo de sair daqui,
posso sair um dia quem sabe, mais minhas raízes estão aqui [...].
João Lopes da Silva Sobrinho
1
Nossa vivência com o bairro Mafuá, na cidade de Teresina/Piauí, data do período
de infância a adolescência, quando passamos a ser moradores e freqüentadores dos seus
espaços de maior movimentação, como o mercado e as feiras-livres. Essa experiência
cotidiana no bairro fez com que iniciássemos, durante o curso de História da UFPI, um
conjunto de estudos voltados para a compreensão dos fenômenos urbanos apresentados pelo
Mafuá. Com esse estudo iniciado, passamos a ir além, voltando nosso interesse para a história
do bairro Mafuá em suas diferentes rupturas
2
, principalmente no espaço urbano e na
economia, no período de 1970 a 1990, mas sem esquecer de trazer à cena as permanências, o
lazer e a cultura existentes nesse espaço-palco
3
cheio de representações que, a partir das
diferentes vivências humanas e cotidianas, implicam revelar outros significados, que os
atores sociais inseridos ali passam a representar diferentes papéis diante das suas próprias
práticas culturais.
Com esse estudo centrado no Maf, o trabalho passa a analisar as rupturas do
bairro, sobretudo em sua estrutura urbana e econômica, no período de 1970 a 1990, uma vez
que foram observadas nesse período, principalmente, várias mudanças urbanas na cidade de
Teresina, e também no próprio bairro. Diante das rupturas, passamos a verificar as
permancias, presentes no próprio modo de vivenciar cotidianamente o Mafuá, ao longo dos
anos 70 a 90, seja como morador, trabalhador ou freqüentador desse espaço. Desse modo,
para melhor conhecer o bairro, o trabalho ainda passou a percorrer os seus espaços de
1
SILVA SOBRINHO, João Lopes da. Entrevista concedida a Francisca Lidiane de Sousa Lima. Teresina, 2005.
2
Rupturas são aqui entendidas como rompimentos, quebras, promovendo transformações ou mudanças dentro do
espaço urbano.
3
Espaço-palco é aqui entendido como um espaço revestido de práticas e representações de múltiplos atores
sociais, que vivem e convivem cotidianamente dentro dos “cenários” que compõem o bairro Mafuá, ou seja, o
mercado, as feiras e o comércio em geral. Assim, o Mafuá torna-se palco de vivências, dentro do grande teatro
que é a cidade de Teresina.
15
sociabilidade
4
, no sentido de compreender a imporncia do mercado, das feiras-livres, dos
antigos restaurantes e da própria cultura, como o carnaval de rua, percebendo, assim, a
importância não só desses espaços, como das próprias mudanças nas vivências cotidianas dos
vários atores sociais inseridos no espaço-palco, bairro Mafuá.
Para a melhor compreensão do nosso objeto de estudo, foi necessário nos
apropriarmos de alguns instrumentos conceituais tais como cidade, bairro, cotidiano,
identidades e memória, os quais forneceram subsídios para a montagem deste trabalho.
Dentre o leque de conceitos que existe sobre cidade, cabe aqui destacar a análise
de Raquel Rolnik
5
, que considera a cidade como ímã, pois ela atrai, reúne grupos, idéias e
massas. Desse modo, a cidade, com todo o seu fascínio (educão, trabalho, lazer, saúde,
habitação) atrairia as pessoas para a vida urbana, ou seja, para o que Rolnik costuma chamar
de "ideologia da vida urbana", no sentido de coisa ideal e desejável.
Numa perspectiva do imaginário urbano, poderiam ainda ser lembradas as
"Cidades Invisíveis" de Ítalo Calvino
6
, as quais ganham uma dimensão bem diferente das
análises que se preocupam em descrever o domínio do capital sobre o trabalho nos limites da
produção de mercadorias, ou do ir e vir incansável das prestações de serviços, sendo as
cidades invisíveis, resultado de uma concentrada leitura de cidades imaginadas e desejadas.
As imagens citadas por Marco Pólo no livro de Calvino serviram ao historiador Antônio
Paulo Rezende para colocar que:
[...] os encantos do texto de Calvino, mostram que as cidades
representam mudaas e permanências, imaginários e cotidianos,
heterogêneos e grandiosos, para quem as vive, para quem as pensa,
para quem se envolve com as suas histórias [...]
7
.
Portanto, enveredar por esse caminho do imaginário urbano nos leva a pensar para
muito além do espaço, sendo que “as representações simbólicas da urbe, podem corresponder
ou não à realidade sensível: sem que com isso percam a sua força imaginária”
8
.
4
Espaços de sociabilidade o entendidos aqui como lugares de participação, de consumo e visibilidade, isto
inclui o mercado, as feiras, os antigos restaurantes, o próprio corcio local e o carnaval de rua.
5
ROLNIK, Raquel. O Que é Cidade. 3. ed. São Paulo: Brasiliense, 1995.
6
CALVINO, Ítalo. As Cidades Invisíveis. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.
7
REZENDE, Antônio Paulo. O Recife: os espelhos do passado e os labirintos do presente ou as tentações da
meria e as inscrições do desejo. Recife: [s.d]. p.2.
8
PESAVENTO, Sandra Jatahy. Muito além do Espaço: por uma história cultural do urbano. Estudos Históricos.
Rio de Janeiro: CPDOC, v. 8, n. 16, 1995. p. 280.
16
Nesse sentido, passamos a ler a cidade como um espaço de sociabilidade onde as
pessoas trabalham, se divertem, produzem, vivem, se emocionam, criam suas identidades,
transformando, assim, seu modo de viver, pensar e sentir, construindo suas representações.
Dentro dos espaços produzidos pela cidade, estão os bairros, considerados novas
áreas, ao serem "[...] formados por aglomerações que tem seu próprio comércio, sua própria
área de lazer, igrejas, escolas e que são quase independentes do restante da cidade"
9
.
O bairro Mafuá, passou a ser considerado um novo espaço dentro da cidade de
Teresina, na medida em que espontaneamente ali se instalaram moradores, havendo um
aumento do comércio e serviços de naturezas diversas, passando a ser um local de produção e
reprodução dos diversos atores sociais, permitindo, assim, a realização da vida humana e
cotidiana.
Desse modo, é que procuramos entender o cotidiano, uma vez que
[...] a história do cotidiano não é um terreno relegado apenas aos hábitos e
rotinas obscuras. As abordagens que incorporam a análise do cotidiano têm
revelado todo um universo de tenes e movimento com uma potencialidade
de confrontos, deixando entrever um mundo onde se multiplicam formas
peculiares de resistência/luta, integração/diferenciação,
permanência/transformação, onde a mudança não está excluída, mas sim
vivenciada de diferentes formas. Assim, não se pode dizer que a história do
cotidiano privilegie o estático [...]
10
.
Assim, o movimento diário no bairro Mafuá espetaculariza a vida cotidiana, onde
podemos observar o seu cotidiano através do modo de vida das pessoas que vivem e
convivem nesse espaço, fazendo dele
[...] o lugar para se viver, trabalhar, rezar, observar, divertir-se, misturando-
se os laços comunitários e étnicos, criando espaços de sociabilidade e
reciprocidade, no trabalho e no lazer, em meio às tensões historicamente
verificáveis
11
.
Diante disso, o cotidiano passa a ser reproduzido constantemente pela população
que mora, trabalha e freqüenta o Mafuá, sobretudo, através de seu mercado e suas feiras, que
organizam a produção e estabelecem as relações de trabalho, definindo um ambiente social
significativo para o indivíduo, “[...] na qual positiva ou negativamente, ele se sente
9
LIMA, Iracilde Maria de Moura ; NUNES, Maria Cecília Silva de Almeida; ABREU, Irlane Gonçalves de;
NUNES, Maria Célis Portela. Teresina Tempo e Espaço. Teresina: EDUFPI, 1997. p. 50.
10
MATOS, Maria Izilda Santos de. Cotidiano e Cidade. In: ____. Cotidiano e Cultura: história, cidade e
trabalho. Bauru, SP: EDUSC, 2002. p. 26.
11
Ibid., p. 35.
17
reconhecido [...]”
12
. E isso é o que vai marcar as identidades de “[...] um usuário ou de um
grupo, na medida em que essa identidade lhe permite assumir o seu lugar na rede das relações
sociais inscritas no ambiente [...]”
13
, produzida o só a partir da idéia de pertencimento ao
local ou a um grupo, mas também através das práticas culturais arbitrárias.
Desse modo, as identidades que compõem o Mafuá são construídas
[...] no interior de contextos sociais que determinam a posição dos agentes e
por isso mesmo orientam suas representações e suas escolhas. Além disso, a
construção da identidade não é uma ilusão, pois é dotada de eficácia social,
produzindo efeitos sociais reais
14
.
Além das identidades que perpassam o Mafuá, em suas várias subjetividades, a
memória também se torna uma ferramenta importante na tentativa de construir a história do
bairro, pois, uma vez sendo ela individual ou coletiva, “[...] é um glorioso e admirável dom da
natureza, através do qual reevocamos as coisas passadas, abraçamos as presentes e
contemplamos as futuras, graças à sua semelhança com as passadas”
15
, podendo ser, desse
modo, recuperada através do próprio ato de lembrar sobre pessoas, lugares, fatos e
acontecimentos. Dessa forma, a memória é construída no presente a partir das vivências ou
experiências ocorridas no passado, revelando, portanto, um esforço de constituição da
verdade.
Inserida nessa discussão, passamos a compreender a memória do bairro Mafuá,
sobretudo, através da memória individual dos mais antigos moradores, trabalhadores e
freentadores, em suas relações de vivências ou experiências passadas com o bairro. Desse
modo, foi possível identificar, entre os anos de 1970 a 1990, as rupturas ou mudanças no
urbano e na economia, além das permanências, do lazer e da própria cultura, uma vez que
“[...] lembrar, não é reviver, mas refazer, reconstruir, repensar, com imagens e idéias de hoje
as experiências do passado. A memória não é sonho, é trabalho [...]”
16
.
Para o trabalho de construção da memória, em nosso estudo, recorremos à
História Oral, como método/técnica de pesquisa, que permite capturar vestígios da “[...]
12
CERTEAU, Michel de, GIARD, Luce e MAYOL, Piene. O Bairro. In: ____. A Invenção do Cotidiano: 2.
Morar, Cozinhar. Tradução de Ephaim F. Alves e Lúcia E. Orth. Petrópolis, RJ: Vozes, 1996. p. 40.
13
Ibid.
14
CUCHE, D. Cultura e Identidade. In: ____ (org.). A Noção de Cultura nas Ciências Sociais. Bauru, SP:
EDUSC, 2002. p.182.
15
LE GOFF, Jacques. Memória. In: ____. História e Memória. 2. ed. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 1994.
p. 453.
16
BOSI, Ecléa. Memória e sociedade: lembranças de velho. 5. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. p.55.
18
vida cotidiana, tendo em vista que esta se manm firmemente na memória, apesar de poder
sofrer alterações como resultado de experiências posteriores ou mudanças de atitude”
17
.
Com o intuito de registrar fragmentos de memória dos atores sociais que
mostraram ter uma identidade, de forma direta ou indireta com o bairro, foram realizadas
dezoito (18) entrevistas, tendo como elemento norteador um roteiro pré-elaborado, a fim de
organizar e articular os temas, de forma a enriquecer nosso trabalho.
Ao buscamos os sujeitos para ajudar a compor esse estudo, nos deparamos com
um imenso número de pessoas, entre moradores, trabalhadores e freqüentadores. Por este
motivo, optamos por aqueles que mantinham uma relação de vivência com o Mafuá, antes
ou desde a década de 1970, e que conheciam de perto o bairro em seus aspectos urbanos,
econômicos e culturais.
Partindo do interesse de que os entrevistados tratassem do período de 1970 a 1990
no Mafuá, passamos a questioná-los sobre variados assuntos relacionados ao bairro, como o
processo de urbanização, a economia voltada para o mercado, feiras-livres e antigos
restaurantes, no sentido de identificar as rupturas e as permanências, além da cultura e do
lazer existentes no local. Inserida nessa variedade de questionamentos, a escolha da forma de
entrevista recaiu sobre a história oral temática
18
.
Dessa forma, os registros orais forneceram subdios necessários para o desenrolar
da nossa trama, uma vez que, ao selecionar as fontes escritas sobre bairros da cidade de
Teresina, especificamente o Mafuá, nos deparamos com grandes dificuldades. Uma delas foi a
escassez de estudos sobre essa temática.
No Brasil, já existe uma ampla produção sobre bairros das grandes cidades
brasileiras, como Rio de Janeiro, São Paulo, Recife, entre outros, das quais podemos aqui
citar o livro Utopia Urbana: um estudo de antropologia social, escrita por Gilberto Velho
19
,
que traz como objeto de estudo o bairro de Copacabana, no Rio de Janeiro; o texto Etnias em
17
MONTENEGRO, Antônio Torres. História Oral e Memória: uma cultura popular revisitada. São Paulo: Ed.
Contexto. 2002. p.17.
18
A história oral temática, segundo Sônia Maria de Freitas, no livro, História Oral: possibilidades e
procedimentos. São Paulo: Humanitas/USP: Imprensa Oficial do Estado, 2002, têm a característica de
depoimento, sobre um determinado assunto específico, que diferentemente da história de vida, não abrange
necessariamente a totalidade da existência do depoente, podendo assim, os depoimentos serem mais numerosos,
resultando em maiores quantidades de informações, o que permite uma comparação entre eles, apontando
divergências, convergências e evidências.
19
Gilberto Velho, no livro Utopia Urbana: um estudo de antropologia social. 3. ed. Rio de Janeiro: Zahar
Editores, 1978, ao escrever sobre o bairro de Copacabana, no Rio de Janeiro, local em que morou de 1952 a
1970, faz um estudo sistemático do bairro, na linha da chamada antropologia urbana, analisando três variantes
fundamentais: estratificação social, residência e ideologia.
19
Convívio: o bairro do Bom Retiro em São Paulo, escrita por Oswaldo Truzzi
20
; a produção do
historiador Antônio Torres Montenegro
21
, que dedica um capítulo do seu livro História Oral e
Memória: uma cultura popular revisitada ao bairro de Casa Amarela, na cidade de Recife,
além do site do Instituto de Pesquisas Sociais da Fundação Joaquim Nabuco
22
, em que se
pode conhecer um pouco da história dos bairros de Recife, como Beberibe, Madalena, Dois
Irmãos, entre outros. Em Teresina, apesar de serem ainda em número reduzido, as produções
sobre os bairros da cidade vêm começando a ganhar espaço, tanto dentro da academia como
fora dela.
Desse modo, entre os livros e trabalhos que abordam o assunto em nível local com
os quais tivemos contato, de forma a ajudar na construção deste trabalho estão: O
Crescimento da Zona Leste de Teresina - Um caso de segregação?
23
, de Irlane Gonçalves de
Abreu; a coletânea Teresina Descalça: memória desta cidade para deleite dos velhos
habitantes e conhecimento dos novos
24
, de Orgmar Marques Monteiro; o livro Teresina em
Bairros
25
, organizado pela Secretaria Municipal de Planejamento de Teresina – SEMPLAN, e
o livro Monte Castelo: muitas lutas, uma razão
26
, de Rosângela Maria Sobrinho Sousa.
Mesmo sabendo da grande contribuição de fontes, que a metodologia da história
oral ofereceu a nossa pesquisa em torno do bairro Mafuá, também tivemos contato com outras
fontes, com a de jornais, no Arquivo Público do Piauí, sobretudo do Jornal O Dia, que entrou
em circulação na década de 1950, se revelando um dos mais ricos em informações sobre a
20
TRUZZI, Oswaldo. Etnias em convívio: o bairro do Bom Retiro em São Paulo. Estudos Históricos, n
o
28,
2001, Rio de Janeiro: Centro de Pesquisa e Documentação da História Contemporânea do Brasil da Fundação
Getúlio Vargas (CPDOC), p. 143-164.
21
Antônio Torres Montenegro, no livro, História Oral e Memória: uma cultura popular revisitada, ao escrever o
texto Batalhas em Casa Amarela, registra a memória popular dos moradores do bairro de Casa Amarela, na
cidade de Recife, na luta contra os agentes da especulação imobiliária, pelo lugar de morar.
22
Bairros de Recife. Disponível em: <http://www.fundaj.gov.br/notitia/servlet/newstorm.notitia>. Acesso em: 26
ago. 2006.
23
O crescimento da Zona Leste de Teresina – Um caso de segregação?, é a dissertação de Mestrado em
Geografia, apresentada por Irlane Gonçalves de Abreu na UFRJ, em 1983, em que a preocupação fundamental
do seu trabalho foi estudar a organização sócio-espacial da zona leste da cidade de Teresina, tomando os
bairros Jockey Club, Fátima, Campus Universitário, Planalto Ininga, Horto Florestal e São Cristóvão, como de
alto status de características elitistas, com tendência a tornar-se segregado.
24
O livro Teresina Descalça: memória desta cidade para deleite dos velhos habitantes e conhecimento dos
novos, organizado em 1987, é uma clássica coletânea de cinco volumes sobre Teresina, em que no segundo
volume, ao escrever sobre “O Povoamento”, faz um histórico de alguns bairros da cidade, entre eles o bairro
Mafuá.
25
Teresina em Bairros foi publicado em 1994, pela SEMPLAN, órgão blico da Prefeitura Municipal de
Teresina, com a função de contribuir para a história da cidade de Teresina, oferecendo informações relativas a
cada um dos bairros de nossa capital, apresentando os dados históricos, populacionais, habitacionais dos
bairros, agrupado segundo as Administrações Regionais.
26
O livro Monte Castelo: muitas lutas, uma razão, ao ser publicado em 1998 pela EDUFPI, Rosângela Maria
Sobrinho Sousa, trabalha com movimento de bairro, especificamente, o do Monte Castelo, localizado na zona
sul da cidade de Teresina, trazendo à cena o processo de surgimento e urbanização do bairro entre os anos de
1960 e 1970, assim como as lutas populares na conquista de serviços sociais básico pela comunidade do Monte
Castelo.
20
cidade de Teresina, em todos os aspectos, político, econômico, social e cultural. Além de
fontes diversas que tratam das questões que envolvem a temática, como fotografias antigas e
recentes do Mafuá, bem como revistas e cadernos especializados em matéria sobre Teresina,
os quais nos permitiram construir uma narrativa histórica sobre um bairro com tanto a dizer,
como o Mafuá.
Na perspectiva de verificarmos as práticas sociais em meio às realizações
humanas de vivências cotidianas, tentamos fugir do discurso urbanista oficial, que propõe
uma fronteira fixa ao construir uma narrativa coerente com uma identidade única do Mafuá,
que é exclusivamente o de bairro comercial privilegiado dentro da cidade de Teresina, foi que
procuramos responder, através do cruzamento de várias fontes orais e escritas, às seguintes
questões: A partir dos diferentes níveis de vivências que compõem o bairro e pelos indivíduos
que o formam, quais as identidades que particularizam o Mafuá, da cidade de Teresina? Quais
as permanências e rupturas que fazem do Mafuá um bairro para ver e ser visto? Quais são os
atributos identitários compartilhados pelos moradores do bairro Mafuá e que os levam a se
reconhecerem como membros dessa comunidade? Qual a importância do mercado, das feiras-
livres e dos antigos restaurantes para as pessoas que moram, trabalham e freqüentam o
Mafuá? Como a cultura e o lazer passaram a contribuir para a reconstrução da memória do
bairro Mafuá?
A partir dessas indagações, a fim de conhecer esse espaço-palco em suas várias
práticas e relações de vivências cotidianas, organizamos a dissertação em três capítulos.
No primeiro capítulo, “Conhecendo a Cidade: algumas reflexões sobre o processo
de transformação e expansão urbana de Teresina da segunda metade do século XIX ao século
XX”, foram feitas algumas reflexões sobre a cidade de Teresina, desde a sua fundação, em
1852, até o século XX, no tocante ao seu processo de transformação e expansão urbana, que
passaram a revelar novas áreas dentro da cidade, entre elas, o bairro Mafuá. Desse modo,
passamos a conhecer o espaço bairro Mafuá, que se compõe de experiências e realizações dos
múltiplos atores sociais que vivem ou percorrem cotidianamente esse espo, sendo por isso
considerado um espaço-palco das práticas sociais, perpassado de identidades, dentro das
relações sociais em que estão inseridas as vivências humanas e cotidianas. Assim, passamos a
descrever as mudanças urbanas e econômicas do espaço construído, bairro Mafuá, no período
de 1970 a 1990, e as permanências das práticas e vivências cotidianas dos seus atores sociais,
face a essas rupturas ou mudanças que vieram a influenciar no modo de viver e conviver
nesse espaço. Para a montagem deste capítulo, usamos os dados coletados em entrevistas,
21
pesquisa em jornais, principalmente, no jornal O Dia, e um levantamento bibliogfico, o qual
forneceu a teoria necessária para o entrelaçamento dos instrumentos metodológicos.
No segundo capítulo, “Espaços de Sociabilidade e de Consumo do bairro Mafuá”,
trazemos para cena os principais espaços de sociabilidade do bairro Mafuá, como o mercado,
as feiras-livres e os antigos restaurantes, tidos como lugares de participação, de consumo e
visibilidade, sendo produzidos e reproduzidos cotidianamente pelos atores sociais inseridos
nesse espaço. Com base principalmente nas entrevistas, passamos a conhecer de perto a
formação e a importância desses espaços, não para o crescimento econômico do bairro,
como também para a população que mora, trabalha e freqüenta o Mafuá.
No terceiro capítulo, ”Divulgando o bairro: o Mafentre a cultura e o lazer”,
fomos ao encontro da cultura e do lazer, que, por andarem sempre juntos, revelam toda uma
memória de um Mafuá rico em histórias e vivências. Como forma de divulgar o bairro, estão
o carnaval de rua do Mafuá e o Espo Cultural São Francisco, os quais, desde a cada de
1970, se fazem presentes no bairro e, com o passar dos anos, vieram a se moldar, definindo-se
com espaços de lazer e cultura, contribuindo para enriquecer a história do próprio Mafuá. A
partir das várias entrevistas realizadas com moradores que conheceram, participaram e
participam ativamente da cultura no Mafuá, foram reveladas as origens e toda uma memória
de vivências existente nesse espaço-palco cheio de significados.
Sabendo da existência de poucos estudos específicos sobre os bairros da cidade de
Teresina, principalmente sobre o bairro Mafuá, passamos a nos envolver com esta temática,
na tentativa de construir a história de um bairroo antigo quanto a própria cidade de
Teresina. As páginas que se seguem revelam um Mafuá que, por mais simples que seja em
seu cotidiano, passa a ter uma história marcada por rupturas, permanências, identidades,
vivências, cultura e lazer.
CAPÍTULO 1 – CONHECENDO A CIDADE: ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE O
PROCESSO DE TRANSFORMAÇÃO E EXPANSÃO URBANA DE TERESINA DA
SEGUNDA METADE DO SÉCULO XIX AO SÉCULO XX
[...] Entender uma cidade, ou melhor, tentar entendê-la, é buscar, através de
diferentes níveis de interpretação, a compreensão de uma realidade em
movimento e sempre fugaz aos olhos de quem procura respostas de uma
organização social concreta e palpável.
Antônio Cardoso Façanha
1
A cidade de Teresina, fundada em agosto de 1852 e planejada para melhor acolher
as mudanças político-administrativas e econômicas, passou a constituir o principal centro
urbano da região Meio-Norte, em substituição à antiga capital, Oeiras. A idéia da mudança
imposta por outros governantes da Província do Piauí, ganhou grande ênfase, quando Jo
Annio Saraiva assumiu a presidência da Província, em 1850, com a função de promover e
efetivar, o quanto antes, o desenvolvimento econômico da nova capital, uma vez que
[...] era preciso buscar meios de fácil comunicação com outras áreas do
Império, viabilizar o desenvolvimento dos meios de transportes e favorecer o
intercâmbio comercial e atividades econômicas. [...] o projeto de
desenvolvimento exigia que a sede administrativa da Província fosse
transferida para as margens do rio Parnaíba [...]. Nessa perspectiva, a nova
capital, nasceu como parte das estratégias que visavam transformações
positivas nas estruturas econômicas regionais
2
.
Após a fundação, Teresina transformou-se, durante os anos de 1877 a 1879, no
palco de concentração de um grande número de migrantes que fugiam da seca que se abateu
sobre algumas áreas do Nordeste e do interior do Piauí.
Segundo dados do IBGE, a população de Teresina, nos anos de 1872 a 1890,
cresceu 45,3%. Na década seguinte, o crescimento foi de 43,7%.
Considerando apenas o ano de 1878, os migrantes cearenses representavam
um percentual de 96% dos oriundos de outras Províncias, enquanto o
1
FAÇANHA, Antônio Cardoso. A Evolução Urbana de Teresina: agentes, processos e formas espaciais da
cidade. Recife, 1998. 235p. Dissertação (Mestrado em Geografia). Centro de Filosofia e Ciências Humanas,
Universidade Federal de Pernambuco. p. 43.
2
CASTELO BRANCO, Pedro Vilarinho. Desejos, tramas e impasses da modernização (Teresina 1900/1930).
Revista Scientia et Spes, Teresina: Instituto Camilo Filho. v. 1, n. 2, 2002. p. 297.
23
percentual de piauienses era de 53,3%. Pode-se, então, dizer que a cidade
mais inchava que crescia, com “levas de migrantes” procedentes tanto do
interior do Piauí, quanto de outras Províncias do Nordeste [...]
3
.
Na primeira década do século XX, Teresina passa a assumir uma nova dinâmica,
tornando-se a principal cidade do Estado do Piauí,
[...] não só por conter funções que sua situação de capital lhe permitia
abrigar e exercer: serviços médicos e hospitalares, educação primária,
ginasial, curso cientifico e de formação de professores, comunicações e
indústrias rudimentares, mas por possuir uma relativa dinâmica comercial
[...]
4
.
Em conseqüência dessa expansão no setor de serviços na capital, ocorreu uma
concentração de um maior número de pessoas e de empregos, fazendo com que Teresina,
entre os anos de 1940 e 1950, tivesse uma população total “[...] de 23.100 habitantes, sendo a
taxa de crescimento de 3% (três por cento). Na década seguinte, o crescimento foi de 51.868,
mais do dobro do decênio anterior”
5
.
Na segunda metade do século XX, em especial entre os anos de 1970 a 1990,
Teresina foi marcada por diversas mudanças. O geógrafo Antônio Cardoso Façanha
6
, em
estudo sobre a cidade, considera esse período como aquele em que ocorreram as maiores
transformações tanto no âmbito social, político, econômico como espacial. Nesse sentido,
passamos a verificar algumas das transformações urbanas que, durante essa época, colocaram
Teresina em face de uma nova forma estrutural, contribuindo para alterar significativamente o
próprio modo de viver do citadino teresinense.
O Estado, ao se fazer presente na organização do espaço urbano da cidade de
Teresina, no período de 1970 a 1990, passou a atuar como gestor e patrocinador, ou seja,
desencadeador de obras de infra-estrutura, principalmente na parte de saneamento,
abastecimento de água e energia elétrica. Nesse ínterim, o poder público estatal foi
responsável pela criação de empresas mistas, como a CEPISA e a AGESPISA, tendo assim
3
ARAÚJO, Maria Mafalda Baldoíno. Na Trama Urbana, Personagens, Experiências e Imagens (Teresina, 1877-
1910). In: EUGÊNIO, João Kennedy (org.). Histórias de Vário Feitio e Circunstância. Teresina: Instituto
Dom Barreto, 2001. p. 236-237.
4
ABREU, Irlane Gonçalves de. O Crescimento da Zona Leste de Teresina: um caso de segregação. Rio de
Janeiro, 1983. 136p. Dissertação (Mestrado em Geografia). Centro de Filosofia e Ciências Humanas,
Universidade Federal do Rio de Janeiro. p.10.
5
NASCIMENTO, Francisco Alcides do. A Cidade sob o Fogo: modernização e violência policial em Teresina
(1937-1945). Teresina: Fundação Monsenhor Chaves, 2002. p.125.
6
FAÇANHA, Antônio Cardoso. A Evolução Urbana de Teresina..., op. cit.
24
participação decisiva no processo de desenvolvimento e melhoramento urbano da capital, o
qual se iniciou na década de 1950 e ganhou destaque e importância nos anos 70.
No início da década de 1970, a CEPISA (Companhia Energética do Piauí S.A),
passou a contar com a Usina de Boa Esperança, construída no rio Parnaíba, a partir de 1964,
no município de Guadalupe, cujas linhas de transmissão estão atualmente integradas ao
sistema Norte e Nordeste, no sentido de prover o suprimento elétrico do Estado, em especial
da capital. Desse modo, no final dos anos 70, “[...] a Cepisa começou o trabalho de ampliação
das redes de abastecimento, seguindo, depois, reformas das subestações e melhorias na
iluminação pública, principalmente de Teresina [...]”
7
.
Ainda nesse mesmo ano, a AGESPISA (Águas e Esgotos do Piauí S.A.), com a
finalidade de executar, complementar, ampliar e gerar os serviços de abastecimento de águas
e esgotos, iniciou uma verdadeira transformação no armazenamento e oferta de água para os
teresinenses, direcionando-se também para o saneamento básico. Esse programa foi assim
revelado pelo Jornal do Piauí, no ano de 1977.
[...] a construção da obra mais importante dos últimos vinte anos do Piauí.
Trata-se da Estão de Tratamento D’ água a que sem favor algum pode ser
chamada de “a obra do século”, pela sua importância nos aspectos mais
significativos, pois envolve em profundidade um decantado problema da
cidade de Teresina, o do saneamento básico, hoje recebendo um tratamento
cuidadoso e especial em todo o mundo
8
.
Desse modo, Teresina, ao se inserir nesse contexto de mudanças durante os anos
70, a cidade passou a contar com uma população total de 220.487, colocando os seus
habitantes em face de uma nova fase de sua existência, diante do cenário urbano que se
moldava nesse momento, quando “[...] novas ruas são projetadas [...], ampliam-se a rede
elétrica e a iluminação pública [...]”
9
.
No ano de 1980, Teresina já com uma população de 377.774 habitantes e
contando com alguns problemas sociais, como a favelização, passava a imagem de uma
cidade em transformação, com ares de modernizão em conseqüência dos “[...] ganhos e das
vicissitudes da urbanização (grandes avenidas, pontes sobre o rio Poti, extensos conjuntos
habitacionais para as populações de baixa renda) [...]”
10
.
7
Abastecimento de energia foi ampliado em todo Piauí. O DIA. Teresina, 26 fev., 1986, p.02.
8
Agespisa e a obra do século. Jornal do Piauí. Teresina, 21 jun., 1977, p.01.
9
FILHO, Bernardo Pereira de. Cidade: Teresina Espaços Marginais. Cadernos de Teresina, ano XI, n. 25,
abr. 1997. p. 7
10
LIMA, Antônia Jesuíta de. As Multifaces da Pobreza: formas de vida e representações simbólicas dos pobres
urbanos. Teresina: Halley, 2003. p. 43.
25
Com o aperfeiçoamento das obras de infra-estrutura e a ampliação do perímetro
urbano, que passou a ser ocupado por pessoas vindas das cidades do interior do Piauí e
estados vizinhos (Maranhão e Ceará) à procura, principalmente, de serviços de saúde,
emprego, lazer e compra de produtos e serviços em geral, nos anos de 1990, Teresina passou a
atender 598.323 habitantes, oferecendo melhores condições de vida na capital.
Inserida nessa trajetória de reflexões sobre as transformações urbanas e
dinamização do espaço, passamos a conhecer a expansão urbana de Teresina, que, ao longo da
segunda metade do século XIX e século XX, se desenvolveu acompanhando o ritmo de
crescimento da cidade.
Iracilde Moura
11
, ao escrever sobre o processo de urbanização de Teresina, em
seus cento e cinqüenta anos de existência, revelou o surgimento de novas áreas dentro da
cidade, a partir da sua expansão iniciada na segunda metade do século XIX e início do século
XX, mostrando, dentro desse contexto, como a cidade veio se moldando ao longo dos anos.
A primeira expansão oficial do sítio urbano deu-se em direção à zona Norte,
após a desativação do cemitério primitivo no Alto da Jurubeba e após a
construção do Cemitérioo José, no cruzamento da Alameda Parnaíba com
a atual Rua Rui Barbosa [...]. A direção da expansão da cidade para a zona
Norte, no início do culo XX, também foi orientada pela construção do
Matadouro, em 1929. Este foi situado à margem da antiga estrada que ligava
o centro da cidade ao então povoado da Vila Velha do Poti, hoje
representada pela Rua Rui Barbosa e pela Avenida João Izidoro França [...].
A construção do mencionado matadouro público, na planície de inundação
do rio Parnaíba, no caminho para o Poti Velho, fez ampliar para o Norte
aquela estrada do gado. E o trabalho de construção da via férrea, desde a
ponte metálica sobre o rio Parnaíba (projetada em 1908 e inaugurada em
1938) até o pontão da estrada da Catarina, no Rio Poti, possibilitou que essa
estrada fosse urbanizada, passando a contornar a zona central da cidade,
ligando a zona Norte à zona Sul, até o bairro Vermelha. Por essa razão
recebeu o nome de Avenida Circular [...]. Essa estrada transformada em
avenida, passou a interligar também outro bairro nascente o Mafuá cujo
nome permanece ainda hoje [...]. A expansão da ocupação para a zona Sul
iniciou-se com a urbanização da Estrada Nova, que, na época de sua
abertura, em 1877, era um caminho que ia desde a Praça Saraiva até o lugar
Areias (hoje bairro da zona Sul) seguindo o eixo da estrada que ia aOeiras
e que atualmente corresponde à extensão-sul da Rua Rui Barbosa que
continua na Avenida Barão de Gurgéia [...]. O crescimento da cidade em
direção ao Leste, ainda no interflúvio Parnaíba/Poti, na área atual da
Avenida Frei Serafim e do bairro Ilhotas, se deu a partir do prolongamento
do eixo da Rua Grande, hoje Senador Teodoro Pachêco [...]
12
.
11
LIMA, Iracilde Maria de Moura Fé. Teresina: urbanização e meio ambiente. Revista Scientia et spes,
Teresina: Instituto Camilo Filho. v.1, n.2, 2002. p. 181-206.
12
Ibid., p. 187-191.
26
A partir dessa relação entre o passado e o presente, sobre o desenvolvimento
urbano de Teresina, observamos que, na segunda metade do século XX, a cidade passou por
uma grande transformação espacial, dando lugar aos bairros, considerados “[...] espaços
novos, formados por aglomerações que tem seu próprio comércio, sua própria área de lazer,
igrejas, escolas e que são quase independentes do restante da cidade"
13
, promovendo uma
nova dinâmica à cidade, no tocante a sua configuração físico-espacial.
Nesse ínterim, Teresina passou a contar, no final da década de 1960, [...] com 22
bairros, distribuídos em sua maioria, nas Zonas Centro, Norte e Sul, e, de modo reduzido, com
alguns outros bairros na Zona Leste”
14
. Nessa época, o crescimento da Zona Norte deu-se
[...] em direção aos bairros Mafuá, Vila Operária, Vila Militar, Feira da
Amostra e Matadouro. Na Zona Sul, a expansão acontecia em direção aos
bairros Piçarra, Vermelha, o Pedro e Tabuleta, segundo os espaços entre
os rios Poti e Parnaíba
15
, [...] já a delimitação urbana de 1960 consagra como
área urbana os bairros hoje conhecidos como Jockey Club, Fátima, e parte
do hoje bairro São Cristóvão, que à época, iriam constituir o embrião da
zona leste [...]
16
.
Em função do grande crescimento populacional, ocorrido no período de 1970 a
1990, a cidade passou a contar com 110 bairros (Figura 1), distribuídos em cinco
administrações regionais: Norte, Centro, Sul, Leste e Sudeste, a fim de organizar
territorialmente o espaço urbano de Teresina, proporcionando, desse modo, novas
aglomerações de habitantes, com novas relações e vivências humanas.
13
LIMA, Iracilde Maria de Moura Fé; NUNES, Maria Cecília Silva de Almeida; ABREU, Irlane Gonçalves de;
NUNES, Maria Célis Portella. Teresina Tempo e Espaço. Teresina: EDUFPI, 1997. p. 50.
14
FAÇANHA, 1998, p.75.
15
LIMA, Iracilde Maria de Moura Fé. ; NUNES, Maria Cecília Silva de Almeida; ABREU, Irlane Gonçalves de;
NUNES, Maria Célis Portella. Teresina Tempo e Espaço, op. cit., p. 50.
16
ABREU, Irlane Gonçalves de. O Crescimento da Zona Leste de Teresina..., op. cit., p.99.
27
FIGURA 1 – Bairros da cidade de Teresina distribuídos por Administração Regional (1992)
Fonte: SEMPLAN PMT
28
Conhecer Teresina, observando algumas de suas transformações e a sua expansão
urbana ao longo da segunda metade do século XIX e século XX, nos revela vários espaços
que, com suas histórias, merecem ser trazidos para cena. Percebendo o desenvolvimento de
novas áreas, como fruto da dinâmica que deu uma nova configuração à cidade, voltamos o
nosso olhar para o bairro Mafuá, o qual tem a sua importância por ser um dos mais antigos e
tradicionais bairros de Teresina e que em meio ao contexto dos anos 70 a 90, veio a se
desenvolver acompanhando o ritmo de crescimento da cidade.
Portanto, no sentido de aprofundar o nosso estudo sobre as rupturas no Mafuá,
sobretudo em sua estrutura urbana e econômica no período de 1970 a 1990, e as
permancias, presentes no próprio modo de vivenciar cotidianamente o bairro, ao longo
dessa época, seja como morador, trabalhador e freqüentador desse espaço, é que passamos a
conhecer o Mafuá, repleto de práticas, experiências, identidades e realizações dos múltiplos
atores sociais.
1.1 Bairro Mafuá: o espaço, a vida e o cotidiano
[...] o bairro Mafuá, eu defino como uma comunidade harmônica(sic), uma
comunidade que oferece meios de sobrevivência para todos os que aqui
habitam [...] nós temos um bairro que, para os padrões de Teresina, é um
privilégio se morar nele.
Klebert Carvalho Lopes da Silva
17
O Mafuá é um dos mais antigos bairros da cidade de Teresina
18
, com uma
população de 3.163 habitantes
19
bastante diversificada sob todos os aspectos. A formação do
bairro ocorreu no início doculo XX, por ocasião dos trabalhos de nivelamento da Estrada do
Gado (Av. Circular, hoje Av. Miguel Rosa) para a colocação dos trilhos da estrada de ferro, que
tinha a função de ligar Teresina, capital do Estado do Piauí, à o Luís, capital do Estado do
Marano.
17
SILVA, Klebert Carvalho Lopes da. Entrevista Concedida a Francisca Lidiane de Sousa Lima. Teresina 2005.
18
Ver SECRETARIA MUNICIPAL DE PLANEJAMENTO. Teresina em Bairros. Teresina: SEMPLAN, 1994.
19
Mafuá. Disponível em: <http://www.teresina.pi.gov.br/semplan/arquivos/the_bairros/Bairros_PDF/Bairro_Centro/Maf.
pdf>. Acesso em: 15 maio 2006.
29
Na década de 1920, o responsável pela obra, Capitão engenheiro José Faustino
Santos e Silva, chamou a área de Mafuá
20
, referindo-se às atividades de feiras-livres e à venda
de comida aos trabalhadores no local da construção do parque ferroviário, onde se
concentrava em seu conjunto um grande número de operários e trabalhadores braçais
ocupados com a escavação ou corte do terreno ondulado para o estabelecimento da grad, e a
colocação dos trilhos da estrada de ferro. Além disso, havia a necessidade da construção de
uma ponte para manter o acesso do bairro ao centro da cidade, separado pelo corte
21
. A
palavra Maf origina-se do francês ma foire, que quer dizer minha feira
22
.
Localizado na Zona Norte de Teresina, o bairro Mafuá fica aproximadamente a 1
km do centro da cidade, compreendendo uma área de 353.703 m
2
, contida no seguinte
perímetro: “[...] começando no entroncamento da Avenida Miguel Rosa com a Rui Barbosa,
segue, por esta, em direção leste, até a Rua Anísio de Abreu, daí prossegue até a Avenida
Alameda Parnaíba”
23
e segue em direção oeste, até o ponto de encontro da Rui Barbosa com a
Avenida Miguel Rosa. Assim, o Mafuá passa a compor uma região intermediária entre os
bairros Vila Operária, Marquês, Centro e Matinha (Figura 2).
20
SECRETARIA MUNICIPAL DE PLANEJAMENTO. op. cit., p.110.
21
O corte é uma obra de engenharia, que promoveu o rebaixamento da superfície do terreno para a fixação de
trilhos da linha férrea, sobre a qual passaram a transitar os trens que vinham ou iam de São Luís para Teresina.
22
Ibid.
23
Ibid.
30
FIGURA 2 – Localizão e mapa do bairro Mafuá
Limites do Bairro Mafuá:
Ao norte - Vila Operária
A leste - Marquês
Ao sul - Centro
A oeste – Matinha
Pontos importantes do Mafuá:
Mercado Tersandro Paz (Mercado do Mafuá)-Rua Lucídio Freitas
Praça do Augusto Ferro - Ruas Gabriel Ferreira e Lucídio Freitas (junto ao viaduto do Mafuá)
Feiras-livres do Mafuá - Rua Quintino Bocaiúva
Fonte: SEMPLAN-PMT
31
Por ser um bairro visivelmente comercial, que oferece tanto aos seus moradores,
quanto aos dos bairros vizinhos condições de uso e consumo, o Mafuá é revestido por um
cotidiano que permite uma variedade de atividades, sendo que o comércio se concentra,
principalmente, no quadrado das ruas Gabriel Ferreira (Foto 1), Lucídio Freitas (Foto 2),
Quintino Bocaiúva e Manoel Domingues, os quais, de uma forma geral, cortam a área, em que
se encontram cerca de quinze armarinhos de brinquedos, roupas e sapatos; sete farmácias; sete
frigoríficos; duas oficinas mecânicas; três lojas de material de construção; duas padarias; três
mercadinhos; três bares, além de agência bancária, loteria, correios, supermercado, mercado
público, feiras-livres de frutas e verduras, distribuidora de produtos de limpeza e gêneros
alimentícios, locadora de vídeo e DVD, floricultura, entre outros pontos comerciais. A
atividade comercial é intensa durante toda a semana, no horário das sete da manhã ao meio-
dia, especialmente nos finais de semana.
Andando pelas ruas de comércio, observamos também, no cotidiano do bairro,
especificamente na Rua Lucídio Freitas, alguns vendedores ambulantes, os quais se
concentram próximo ao mercado do Mafuá, vendendo animais para o abate (galinhas e
porcos), queijos, doces, produtos artesanais, jogo do bicho, flores, frutas e verduras.
O movimento drio no Mafuá passa a se refletir nas práticas sociais das pessoas
que se apropriam desse espaço construído [...] para diferentes usos e funções [...]
24
, uma vez
que a circulação do comércio faz do bairro um local de encontro e socialização, onde se
24
SALGUEIRO, Teresa Barata. Especialidades e temporalidades urbanas. In: CARLOS, Ana Fani Alessandri,
LEMOS, Amália Inês Geraiges (orgs). Dilemas urbanos: novas abordagens sobre a cidade. São Paulo:
Contexto, 2003. p. 99.
Foto 2: Comércio do bairro Maf na Rua Lucídio Freitas.
Fonte: Acervo pessoal de Lidiane Lima. Teresina, set. 2003
Foto 1: Comércio do bairro Maf na Rua Gabriel Ferreira.
Fonte: Acervo pessoal de Lidiane Lima. Teresina, set. 2003.
32
misturam pessoas de todas as classes e cores, com múltiplas experiências, desenvolvendo as
mesmas atividades de comerciante, feirante, açougueiro, vendedor ambulante, criando assim
novos espos de experiências cotidianas e de convivência, o que torna o Mafuá um espaço de
vivência, trabalho e diversão. Dessa forma, o bairro a cada dia “[...] transforma-se no
espetáculo de consumo [...]”
25
, em que o cotidiano ganha vida, ao ser revestido por máscaras e
cenários, sendo os principais, o mercado e as feiras, onde se consolida a socialização das mais
diferentes pticas e relações de vivências.
Apesar de ser um bairro com uma identidade predominantemente comercial,
enquanto condição e meio de produção e reprodução social, diversificado e definido pelas
relações de uso e consumo manifestadas cotidianamente, é possível ler” o Mafuá para além
do que ele apresenta como espaço real e concreto.
Esse espo, construído e “embebido”
26
por sua função comercial, passa a ser
percebido como espaço-palco de diferentes práticas e vivências cotidianas, onde estão
inseridos múltiplos significados e os ltiplos atores sociais, que se confrontam, se
submetem, cooperam e imprimem na materialidade do lugar uma espacialidade, passando a
exercer diferentes papéis que se refletem na vida, no trabalho, na cultura e no lazer.
Desse modo, os moradores, trabalhadores e freqüentadores acabam por se tornar
os atores sociais que vivem ou percorrem cotidianamente esse espaço-palco, caracterizado ao
amanhecer, pelos ruídos dos carros e das pessoas vendendo seus produtos, que se cruzam com
o movimento das pessoas ao fazerem suas compras, mostrando outra face ao anoitecer, com
as ruas calmas e tranqüilas, interrompidas apenas pelos grupos de amigos e vizinhos, que
conversam sentados nas portas de suas casas ou nas esquinas.
Considerado como espaço-palco, o bairro revela ainda rios significados,
representados pelo
[...] percurso diário para as compras e demais tarefas domésticas, um mesmo
açougue, a mesma quitanda, sapateiro, jornaleiro; palavras trocadas entre
pessoas para as quais a civilidade aprendida e um laivo de interesse pessoal
se mesclam no bom-dia, como-vai?
27
.
25
CARLOS, Ana Fani Alessandri. O Espaço e Tempos Sociais no Cotidiano. In: ____. O Espaço urbano: novos
escritos sobre a cidade. São Paulo: Contexto, 2004. p. 62.
26
Embebido é uma expressão utilizada por Roberto DaMatta, no livro Espaço-casa, rua e outro mundo: o caso
do Brasil, ao referir-se a um espaço misturado e não individualizado.
27
BRESCIANI, Maria Stella M. Cultura e História: uma aproximação possível. In: PAIVA, Márcia e
MOREIRA, Maria Ester. Cultura, Substantivo Plural. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1996. p. 50.
33
É a partir dessas representações culturais que os próprios atores sociais, em suas
múltiplas práticas e experiências, sejam elas coletivas ou individuais, na realização da vida
humana e cotidiana, passam a construir identidades, que atuam como a condição para que
cada indivíduo, seja ele morador, trabalhador e freqüentador, se encontre na representação
desse espaço.
O bairro Mafuá é também um espaço que possui ltiplas histórias e identidades
“[...] plasmado em experiências diversas, idas e vindas, sonhos, desilusões, trocas, realizações
[...]”
28
, inseridas na ação dos sujeitos, que buscam o reconhecimento com o local, a partir das
práticas cotidianas de uso e consumo.
Mas o que faz as pessoas que moram, trabalham e freqüentam o bairro se sentirem
do Mafuá e não de outros bairros?
A resposta está no fato de que elas fazem parte de um processo de socialização,
numa interação que relaciona o “indivíduo ao “grupo”, perpassado de personalidades,
capacidades e comportamentos que se misturam, definindo-se assim, seus traços identitários.
Desse modo, os indivíduos que se encontram fora do Mafuá, ou seja, os
moradores dos bairros vizinhos, acabam construindo entre as bordas ou margens do bairro sua
existência, seus pensamentos e suas marcas identitárias, reconhecendo-se, dessa forma, como
membros dessa comunidade. Isso é revelado na entrevista do aposentado Coronel Jerônimo
Alves
29
, que não mora no Mafuá, mas se sente como se fosse parte dele, manifestando sua
forma de identidade com o bairro.
Aqui, na Avenida Miguel Rosa, não é Mafuá, mas o relacionamento é muito
grande, é tanto que, sem a Prefeitura aprovar, muita gente pensa que mora no
Mafuá [...]. Eu moro aqui perto do Mafuá, eu compro aqui, gasto o dinheiro
que ganho aqui [...] e, justiça seja feita, hoje está para se morar melhor que
no passado, porque no passado existia mais arruaças, mais desentendimentos
com as famílias que ficavam aqui e as famílias que moravam nas laterais no
bairro Mafuá [...]. Com o passar do tempo, os arruaceiros foram ficando de
fora da vida do Mafuá [...]
30
.
Em contradição, as pessoas que moram dentro do Mafuá, acabam por extrapolar
ou romper suas fronteiras, indo em busca de outros lugares e reconhecendo os bairros
vizinhos como partes de sua vida dria. Essa forma de se identificar com outras comunidades
28
SILVA, José Borzacchiello da. Vivendo a cidade: o caso de Fortaleza. In: VASCONCELOS, José Gerardo e
ADAD, Shara Jane Holanda Costa (Orgs.). Coisas de cidade. Fortaleza: Editora UFC, 2005. p.46-47.
29
Jerônimo Rodrigues Alves, tem 79 anos de idade, é policial militar aposentado e 51 anos freqüenta o bairro Maf.
30
ALVES, Jerônimo Rodrigues. Entrevista concedida a Francisca Lidiane de Sousa Lima. Teresina, 2005.
34
próximas do Mafuá pelo que elas oferecem a população do bairro, é percebida na entrevista
do morador João Lopes
31
, que relata:
[...] quem é que não quer morar em um bairro, por exemplo, em que você
não pega ônibus, que em 10 minutos você chega de pé ao centro da cidade
[...], aqui você tem maternidade perto, que está um pouquinho fora da
fronteira do bairro, a maternidade está bem aqui próximo, no Marquês, a
Santa Fé, e a nível de religião você tem perto do bairro, a Igreja da Vila
Operária, com as tradicionais novenas de Nossa Senhora do Perpétuo
Socorro, que acontece todas as terças-feiras [...]
32
.
A partir desses relatos orais, é possível perceber que o Mafuá se caracteriza pelo
“[...] ‘sentimento de localidade existente nos seus moradores, e cuja formação depende não
apenas da posição geográfica, mas também do intercâmbio entre as famílias [...], pessoas
[...]”
33
e lugares. Dessa forma, na cidade de Teresina, o Mafuá passa a ser um bairro
diferenciado, uma vez que passa a oferecer a sua comunidade condições estáveis de moradia e
sobrevivência, acabando, assim, por gerar marcas identitárias, que passam a ser manifestadas
constantemente por moradores e freqüentadores em seu próprio cotidiano.
Portanto, ao considerarmos o Mafuá como “[...] espaço-palco das práticas sociais,
permitindo dar conta das diferenças como os vários grupos que usam e se apropriam do
espaço [...]”
34
, dando outros significados às vivências cotidianas e revelando identidades,
passamos a analisar as rupturas do Mafuá, em sua estrutura urbana e econômica no período de
1970 a 1990, assim como as permanências, que em face das rupturas, se fazem presentes no
próprio modo de vivenciar cotidianamente o Mafuá, ao longo dessa época, pela população que
mora, trabalha e freqüenta esse espaço.
31
João Lopes da Silva Sobrinho tem 45 anos de idade, é funcionário público do Estado, compositor dos enredos
do bloco Tijubina do Mafuá e morador do bairro Mafuá há 45 anos.
32
SILVA SOBRINHO, João Lopes da. Entrevista concedida a Francisca Lidiane de Sousa Lima. Teresina, 2005.
33
SOUSA, 1987 apud BARROS, Sandra Augusta Leão. Que Recorte Territorial Podemos Chamar de Bairro?: O
caso de Apipucos e Poço da Panela no Recife. Revista de Urbanismo. Santiago, Chile, n.9, mar. 2004. p.4.
34
SALGUEIRO, Teresa Barata. Especialidades e temporalidades urbanas. op. cit., p.100.
35
1.2 O Mafuá face às rupturas e permanências, de 1970
a 1990
Em quase oitenta anos de existência, o Mafuá passou por um complexo processo
de rupturas, sobretudo urbanas e econômicas, entre os anos de 1970 a 1990, período em que a
cidade registrou as maiores transformações no âmbito social, político, econômico e espacial
de sua história.
Para a melhor compreeno das rupturas e permanências no bairro Mafuá, foi
necessário lançar mão da metodologia da História Oral, pois, segundo Thompson
35
, está em
consolidar a idéia de quem dela se utiliza para registrar as evidências também se conscientiza
de que qualquer atividade está, irremediavelmente, inserida num contexto social.
Mesmo sabendo que a memória [...] sofre flutuações que são fuão do momento
em que ela é articulada, em que ela está sendo expressa [...]”
36
, para a realização do nosso
estudo, esta passou a ser uma ferramenta essencial no sentido de capturar os fragmentos das
vivências ou experiências passadas dos vários atores, que viveram e ainda continuam vivendo
no bairro Mafuá.
Diante disso, passamos a verificar primeiramente, as rupturas ou mudanças que,
segundo os entrevistados, vieram a influenciar não só o crescimento da economia do bairro
Mafuá, mas também o modo de viver e conviver com esse espaço.
Em meados da década de 1950, ainda era visível no Mafuá, além da falta de infra-
estrutura, como energia elétrica, saneamento básico e calçamento, a presença de vários
quiosques de madeiras e animais como porcos e galinhas, que acabavam dando ao bairro um
aspecto de periferia.
A partir da década de 1970, com o início das reformas urbanas na cidade de
Teresina, o Mafuá também passou por algumas modificações, como o asfaltamento das
principais ruas (Ludio Freitas, Gabriel Ferreira, Manuel Domingues e Quintino Bocaiúva),
onde ocorre a atividade comercial do bairro, tornando-as mais transitáveis e propícias ao
desenvolvimento de um melhor comércio (Foto 3). Ao acompanhar as primeiras mudanças no
Mafuá, o barbeiro Francisco Ventura Dias
37
, em sua vivência com o bairro, relatou:
35
THOMPSON, Paul. A voz do passado: História Oral. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.
36
POLLAK, Michael. Memória e Identidade Social. Estudos Históricos. Rio de Janeiro: CPDOC, v. 5, n. 10,
1992. p. 203.
37
Francisco Ventura Dias de Morais, mais conhecido no bairro Mafuá como seu Diola, tem 73 anos e exerce a
profissão de barbeiro desde 1954 no bairro Mafuá.
36
Quando eu cheguei aqui, na década de 50, aqui era cheio de quiosques de
madeira, não tinha calçamento, era areia, buraco e lama, misturado com
animais, então era uma desordem total [...] onde era o mercado era uma
quinta de pé de caju, de manga, de laranja [...]. Na década de 70, foi
onde tudo começou a melhorar, tiraram os quiosques de madeira, asfaltaram
as ruas, foi melhorando, o comércio foi crescendo e se organizando, sem
aquela sujeira toda que existia no bairro [...]
38
.
Com relação ao desenvolvimento urbano do Mafuá, a partir da década de 1970 e
1980, o morador Ubirani Rocha
39
comenta que as mudanças na urbanização do bairro
tomaram impulso quando as obras de infra-estrutura, como ampliação do sistema de
iluminação pública, abastecimento de água, saneamento e asfaltamento, deram os seus
primeiros avanços com o crescimento da cidade de Teresina.
A urbanização do bairro, já é da década de 70 pra cá, que foi quando chegou
o calçamento, até então a rua era de piçarra, existia muito lamaçal. Então em
1970, veio o calçamento, em 1976, as ruas foram asfaltadas no bairro. Na
década de 80
40
, com o crescimento da cidade, iniciou-se o sistema de
iluminação pública no bairro, e também as obras de saneamento básico
como, a rede de esgoto [...]
41
.
Foto 3: Entrada do bairro Mafuá pela Rua Gabriel Ferreira, vista a partir da antiga ponte
de concreto armado, entre o final da década de 1970 e início da década de 1980.
Fonte: Acervo pessoal de Açaí Campelo. Teresina, 1980.
38
MORAIS, Francisco Ventura Dias de. Entrevista concedida a Francisca Lidiane de Sousa Lima. Teresina, 2003.
39
Ubirani de Sousa Rocha, morador do bairro desde 1965, tem 38 anos de idade, foi promotor de eventos
culturais no bairro Mafuá, como o carnaval de rua, com o bloco Tijubina do Mafuá.
40
O entrevistado Ubirani Rocha se equivocou ao dizer que, “na década de 80, iniciou-se o sistema de iluminação
pública no bairro”, na verdade foi na década de 1970, com a construção da Barragem de Boa Esperança que o
sistema de iluminação pública iniciou na cidade de Teresina, chegando, nesta mesma época ao Mafuá.
41
ROCHA. Ubirani de Sousa. Entrevista concedida a Francisca Lidiane de Sousa Lima. Teresina, 2003.
37
Dentre as mudanças, como calçamento, asfaltamento, iluminação, saneamento e
abastecimento de água, a urbanização do bairro também é marcada, na década de 1980, pela
construção do viaduto Paulo Ferraz, localizado próximo às ruas Gabriel Ferreira e Lucídio
Freitas.
Para manter o acesso ao bairro Mafuá, após o corte realizado para a fixação dos
trilhos da linha férrea, foi construída, na década de 1920, uma ponte de madeira, a qual, por
ser muito precária, dificultava o acesso de carros e até mesmo de pessoas ao bairro, havendo
assim, a necessidade de ser substituída por outra mais segura.
Desse modo, a ponte de madeira, que durou até a década de 1950, foi substituída
por uma de concreto armado, mas a obra foi concluída em meados da cada de 1980, ao
ser construído o viaduto Paulo Ferraz, o qual permanece até os dias atuais, sendo conhecido
popularmente como viaduto do Mafuá.
Tendo acompanhado toda a trajetória da nova configuração que a antiga ponte do
Mafuá foi tomando até chegar ao viaduto, o barbeiro Francisco Ventura Dias relatou:
Até o final da década de 40, derrubaram a ponte de madeira e construíram,
na década de 50, uma de cimento muito ruim, essa foi a segunda ponte, aí,
quando chegou no final da década de 70, que foi na prefeitura de Bona
Medeiros, eles derrubaram a ponte de cimento e construíram esse viaduto,
que foi concluído na década de 80
42
.
Diante dessas rupturas, reveladas nas entrevistas, as quais marcaram o Mafuá nos
anos de 1970, é importante destacar o Estado como agente modelador da cidade, com atuão
“[...] em três níveis político-administrativos e espaciais: federal, estadual e municipal [...]
43
.
Assim, o Estado passou a atuar quando o governador Alberto Tavares Silva, em
seu segundo mandato (1987-1991), com suas idéias megalomânicas baseadas nos saberes da
engenharia, resolveu construir em Teresina um trem de superfície, o chamado Pré-Metrô, cuja
função era ligar o centro da cidade ao bairro Dirceu Arcoverde, mais conhecido como Itararé.
Fato destacado pelo jornal O DIA, no ano de 1987.
Dos sonhos à realidade - Dito e feito. Quando fez um balanço dos 100
primeiros dias de seu Governo, o Governador Alberto Silva prometeu que
dentro de cinco dias estaria assinando o convênio para a implantação do P-
Metrô em Teresina. Cinco dias depois o prometido foi cumprido. O Governo
do Estado do Piauí e a Rede Ferroviária Federal assinaram convênio para a
implantação do Sistema de transporte de Passageiros no Corredor
42
MORAIS, Francisco Ventura Dias de. Entrevista concedida a Francisca Lidiane de Sousa Lima. Teresina, 2003.
43
CORRÊA, Roberto Lobato. O espaço urbano. 4 ed. São Paulo: Ática, 2002. p. 26.
38
Ferroviário, que é o Pré-Metrô [...]. A linha do Pré-Metrô atenderá aos
moradores do Itarae de Timon. Serão 15 quilômetros de linha com toda a
segurança para passageiros e transeuntes. Em apenas 10 minutos você vai do
Itararé ao Centro da cidade, gastando bem menos [...]
44
.
Nesse sentido, o sistema de transporte de massa urbana, Pré-Metrô, inaugurado
em 17 de novembro de 1990
45
e implantado com o intuito de contribuir para a melhor
organização do espaço urbano de Teresina, foi ampliado, com uma extensão de 15 km, e
distribuído em “[...] sete estações, Itararé I, Itararé II, Parque Ideal, Renascença, Ilhotas, Frei
Serafim e Matinha [...]”
46
, atendendo, dessa forma, à população de alguns bairros da cidade,
dentre eles, o Mafuá, que passou a contar com a estação Matinha, construída no próprio bairro
Matinha.
O bairro Mafuá, por se localizar nas imediações da linha férrea, passou por
algumas mudanças, tendo a sua configuração espacial modificada entre o final dos anos 80 e
início dos anos 90, após a retirada de casas (Fotos 4 e 5) e alguns estabelecimentos
comerciais, que se concentravam próximo ao local de ampliação da linha férrea, para a
concluo das obras do P-Metrô de Teresina. O procedimento de “limpeza” da área para o
início da obra no bairro foi revelado na entrevista da ex-moradora Antônia Maria
47
, que
acompanhou e vivenciou todo o processo de saída do Mafuá e a expectativa de ter outro local
para morar.
Assim que eu comecei a trabalhar fazendo serviço de casa, ali próximo ao
Mafuá, eu aluguei uma casa no do viaduto, era uma casinha pequena [...],
já estava com uns quatro meses morando lá, quando as secretárias do Alberto
Silva começaram a passar lá, e faziam um bocado de perguntas do tipo
quantas pessoas moravam na casa, se a casa era da gente mesmo [...] e aí
depois começaram a medir todas as casas que existiam ali no do viaduto
do Mafuá, mas a gente sabia que as casas iriam ser derrubadas para a
construção do Metrô [...]. Pra mim, o Alberto Silva fez bem, ele não enganou
ninguém, fez tudo certinho, ele indenizou todo mundo que teve sua casa
derrubada, quem não queria casa, ele deu dinheiro, como a Tijubina, que
recebeu dinheiro e comprou outra casa, lá no Mafuá mesmo. Ele agiu bem,
pra mim, ninguém se sentiu prejudicado, porque ele primeiro alugou umas
casas pra gente, ali próximo ao seu Abraão, depois do cemitério São José,
enquanto era construído o conjunto pra botar a gente, lá na Ilhotas, depois de
mais ou menos uns sete meses, o conjunto estava pronto. E todo mundo
foi pra lá, ainda hoje todo mundo mora lá, no conjunto Murilo Rezende, na
44
Dito e Feito: obras do governo Alberto Silva em apenas 100 dias. O DIA. Teresina, 11 jul., 1987. p. 7.
45
Ver CARVALHO, Wilson Gonçalves. Teresina: Pesquisas Históricas. Teresina: Editora Júnior Ltda, 1991.
46
Metrô anda em caráter educacional. O DIA. Teresina, 15 e 16 nov., 1990. p.2.
47
A emprega doméstica, Antônia Maria da Conceição, tem 58 anos de idade, foi moradora a quase um ano do
bairro Mafuá.
39
Ilhotas [...], eu pelo menos fiquei muito satisfeita, por que eu morava de
aluguel e o Alberto Silva me tirou do aluguel e me deu uma casa própria
48
.
Dando continuidade a essa teia de lembranças que se volta para o final dos anos
80 e início de 90, quando da ampliação da linha férrea no bairro Maf, para a conclusão das
obras do pré-metrô de Teresina, a já falecida moradora e dona de estabelecimento comercial,
Maria Tijubina
49
, nos revelou que ao receber a indenização paga pelo governo do Estado do
Piauí, teve sua casa, na qual também funcionava seu restaurante, retirada das imediações da
linha do trem, optando por continuar a viver no próprio bairro.
[...] antigamente o meu restaurante era onde é a Praça do Augusto Ferro, era
um terreno grande, ali eu vendi durante 22 anos. Por causa do Metrô, o
Alberto Silva tirou meu restaurante dali e também muitas famílias [...]. O
Alberto Silva construiu um terreno lá na Ilhotas, e construiu muitas casas e
colocou todo mundo lá. Eu fui também indenizada pelo governo, mas, como
eu não queria sair daqui, comprei esta casa aqui, na Rua Amazonas, e
continuei com o meu restaurante aqui mesmo no Mafuá [...]
50
.
Embora alguns benefícios tenham sido garantidos pelo governo do Estado à
população do Mafuá, como a indenização para aqueles que tiveram suas casas e
estabelecimentos comerciais retirados das proximidades da linha férrea, outros moradores não
48
CONCEICÃO. Antônia Maria da. Entrevista concedida a Francisca Lidiane de Sousa Lima. Teresina, 2006.
49
Maria Ambrósio da Silva, conhecida no Mafuá, como Maria Tijubina, foi moradora do bairro desde 1962,
tendo falecido em Agosto de 2003, aos 78 anos de idade.
50
SILVA, Maria Ambrósio da. Entrevista concedida a Francisca Lidiane de Sousa Lima. Teresina, 2003.
Foto 4: Viaduto do Mafuá visto da Avenida Miguel
Rosa, antes da ampliação da linha férrea para a
construção do pré-metrô de Teresina, na década de
1980.
Fonte: Acervo pessoal de Açaí Campelo, 1980.
Foto 5: Viaduto do Mafuá visto da Avenida Miguel
Rosa, após a ampliação da linha férrea para a construção
do pré-metrô de Teresina, na década de 1990.
Fonte: Acervo pessoal de Lidiane Lima, ago. 2006.
40
tiveram o mesmo destino. Prejudicado pelas obras do Pré-Metrô, sem receber indenização, o
já falecido morador e também dono de restaurante, Manoel Ramos
51
, teve metade da sua casa
derrubada (Foto 6), em conseência disso, desativou seu restaurante, continuando a viver no
local.
[...] durante a década de 90
52
, o restaurante ainda era freqüentado por muitas
pessoas de todos os tipos e de todas as classes, vinha gente de longe, atrás
das minhas comidas [...]. Com a construção do Metrô, derrubaram a metade
do fundo do meu restaurante, acabando com o meu de manga, de goiaba
[...], assim deixamos de funcionar [...] e nunca recebi indenização, nada
mesmo, nem proposta de morar em outro local, o pessoal só vem aqui, olha a
situação da minha casa e nada faz, e eu não tenho condições de sair daqui
[...]
53
.
Foto 6: Antigo restaurante de Manoel Alves Ramos, na rua Alcides Freitas, no bairro Mafuá.
Fonte: Acervo pessoal de Lidiane Lima. Teresina, set. 2003.
A partir desses fragmentos de memória, ou o que Michael PollaK
54
chama de
acontecimentos “vividos por tabela”
55
, foi possível perceber que a ampliação da linha férrea
51
Manoel Alves Ramos, morador do Mafuá desde 1972, era considerado um dos mais antigos donos de
restaurante no bairro, tendo falecido no ano de 2004, aos 80 anos de idade.
52
O entrevistado Manoel Ramos se equivocou ao dizer que o Pré-Metrô de Teresina veio a ser construído na
cada de 90, na verdade, o início da sua construção foi no final da década de 1980, sendo inaugurado em
17/11/1990.
53
RAMOS, Manoel Alves. Entrevista concedida a Francisca Lidiane de Sousa Lima. Teresina, 2003.
54
POLLAK, Michael. Memória e Identidade Social. op. cit.
55
Michael PollaK no texto Memória e Identidade Social, chama de acontecimentos “vividos por tabela”, os “[...]
acontecimentos vividos pelo grupo ou pela coletividade à qual a pessoa se sente pertencer[...]” (1992, p.202).
41
para a construção do trem de superfície foi um fato marcante nas vivências dos moradores do
Mafuá, uma vez que dividiu opiniões quanto à relação de perdas e ganhos, que uns foram
beneficiados e outros, não.
Diante disso, percebemos entretanto, que a principal perda não foi no físico ou no
material, mas sim uma perda do próprio sentimento de identidade com o bairro. Isso veio a ser
revelado pelo jornal da época, em que muitos dos moradores que ali residiam ou moravam
manifestaram esse sentimento de perda com o local de sua vivência.
[...] Muitos dos moradores da área do p-metrô residem ali 20 anos,
como Beatriz Leite dos Santos, que tem casa no bairro Mafuá. Preocupada
em ter que deixar sua casa para ir morar no conjunto em construção, diz que
será obrigada a sair de perto do centro comercial, que a Ilhotas fica mais
distante. [...] É comum também o saudosismo, como acontece com Antônia
Domingas Barbosa, que lamenta ter que deixar o lugar onde nasceu e
cresceu: “nem o dinheiro vai fazer a gente esquecer que viveu aqui”, afirmou
[...]
56
.
Essa manifestação também se apresenta na entrevista de Cícero Manoel, que,
como freqüentador e dono de ponto comercial no Mafuá mais de vinte anos, percebeu que
a chegada do P-Metrô contribuiu para uma descaracterização do bairro, ocasionando uma
perda de identidade com o local privilegiado pela sua memória, durante a sua inncia.
Esse Metrô que passa aí, eu acho que descaracterizou [...] hoje é fechado, o
chamado corte, onde o trem passava e eu me lembro quando criança
atravessava o corte, porque eu morava na 7 de Setembro [...], então eu saía
do armarinho da minha mãe, aqui no Mafuá, pequeno e descia o corte,
atravessava a Miguel Rosa e ia para minha casa na 7 de Setembro [...]. A
minha vida praticamente foi aqui, da saída do Mafuá até mais na frente,
tudo era mato, entendeu, aqui no corte tudo era mato, tinha a linha do
trem, hoje não, está tudo descaracterizado, você não consegue mais entrar no
corte, porque não tem passagem, tá tudo fechado [...]
57
.
Sabendo que “[...] a memória é essencial a um grupo porque está atrelada à
construção de sua identidade [...]
58
, percebemos, a partir dos cruzamentos desses registros
orais e escritos, que a identidade construída nas vivências com o Mafuá foi deconstruída no
momento em que o bairro foi se moldando e assumindo uma nova configuração, a qual passou
56
Moradores da linha férrea preocupados com pré-metrô. O DIA. 10 jun., 1988. p. 7.
57
SILVA, Cícero Manoel da Cunha. Entrevista concedida a Francisca Lidiane de Sousa Lima. Teresina, 2006.
58
ALBERTI, Verena. Histórias dentro da História. In: PINSKY, Carla Bassanezi (org.). Fontes Históricas. São
Paulo: Contexto, 2005. p. 167.
42
a fazer parte do cotidiano do bairro, mas acima de tudo marcando a memória de quem viveu
em um espaço onde se achava que os símbolos da modernidade tardariam a chegar.
É importante ressaltarmos que o Mafuá foi ainda marcado em sua urbanização,
pela consolidada e nomeada oficialmente no final da década de 1970, Praça do Augusto Ferro
(Foto 7)
59
. Localizada próximo ao viaduto do Mafuá, entre as ruas Gabriel Ferreira e Lucídio
Freitas, nas décadas de 1970 e 1980, a praça apresentava em seu entorno, além de casas
residenciais, vários pontos comerciais e restaurantes, como o da Maria Tijubina, que, ao ser
apropriado, configurou-se como área de lazer e diversão da populão do Mafuá.
[...] antes da praça ser construída, tinha uma amplificadora, botavam pra
cantar, se voqueria oferecer alguma melodia. Era assim um movimento de
gente que vendiam comidas, tinha mercearias e a mesmo casas
60
. [...] próximo
onde é a praça, tinha umas casinhas baixas de telha, onde ali a Maria
Tijubina tinha o seu restaurante, que se vendia muita panelada, também era
cheio de barzinhos, onde se vendia muita cachaça
61
.
No início dos anos 90, as a retirada de casas e estabelecimentos comerciais para
a conclusão das obras do Pré-Metrô de Teresina, a Praça do Augusto Ferro
62
passou por
algumas reformas, contribuindo para a nova configuração do Mafuá e abrindo-se, como “[...]
um território especial, uma região teoricamente do povo. Uma espécie de sala de visitas
coletiva [...]”
63
, que atualmente serve à população do bairro como local de descanso e de
conversa, incluindo os taxistas e os que se concentram na banca de revista, modificando,
assim, a rotina de lazer e diversão que existia no bairro nos anos de 1970 e 1980 (Foto 8).
59
Ver Decreto-lei de n
0
074 de 28/05/1976 na SEMPLAN – PMT.
60
CARVALHO, Durval Ribeiro de. Entrevista concedida a Francisca Lidiane de Sousa Lima. Teresina, 2003.
61
LIMA, Francisca das Chagas Nascimento. Entrevista concedida a Francisca Lidiane de Sousa Lima. Teresina,
2003.
62
Augusto Ferro de Sousa foi um dos primeiros moradores do bairro e importante comerciante para o Mafuá, em
que a maioria da população acredita que tanto o Mercado como as Feiras, foram origem do grande comércio
que ele desenvolveu no bairro.
63
DAMATTA, Roberto. A casa e a Rua. Espaço, cidadania, mulher e morte no Brasil. In: ____. Espaço-casa,
rua e outro mundo: o caso do Brasil. 4. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1991. p. 49.
43
Essas rupturas urbanas ocorridas no Mafuá, nos anos 70 a 90, contribuíram para
as mudanças econômicas, uma vez que, ao longo dessa época, houve um aumento no número
de casas comerciais, ocasionando mudança na estrutura física do bairro e proporcionando um
melhor desenvolvimento comercial e meios de sobrevivência, passando a atrair pessoas de
outras localidades da cidade de Teresina, para morar, trabalhar e consumir, alterando, o
próprio cotidiano de viver e conviver com esse espaço.
Em virtude disso, observamos que durante os anos de 1990, o Mafuá tornou-se
um bairro praticamente independente, pela nova estrutura comercial que se revestia nesse
momento, com a implantação de agência bancária, oficina mecânica, loteria, correios,
farmácias, supermercados e armazéns de pequeno e médio porte.
Nesse processo de transformações pelo qual o Mafuá passou durante o período de
1970 a 1990, entretanto, existem as permanências, inseridas nas próprias vivências dos atores
sociais. Tais permanências se fazem presentes no movimento diário e constante de pessoas,
nas práticas de uso e consumo e nas relações sociais manifestadas cotidianamente no bairro.
Por ser um bairro de bom relacionamento social, principalmente entre vizinhos,
permanecem ainda a fidelidade e a amizade entre as pessoas que compram, vendem e
freentam o Mafuá, firmando-se assim, uma identidade entre aqueles que, embora não
morem mais no bairro, insistem em não abandonar suas raízes, revelando, portanto, um
Foto 8: Praça do Augusto Ferro, no bairro Mafuá entre
as Ruas Gabriel Ferreira e Lucídio Freitas, reformada
no início da década de 1990.
Fonte: Acervo pessoal de Lidiane Lima. Teresina, jul. 2006.
Foto 7: Praça do Augusto Ferro, no bairro Mafuá
entre as Ruas Gabriel Ferreira e Lucídio Freitas, nas
décadas de 1970 e 1980.
Fonte: Acervo pessoal de Açaí Campelo. Teresina, 1980.
44
sentimento de “[...] reconhecimento de pertencimento e de fortalecimento de vínculos [...]
64
com o Mafuá. Isso é observado na entrevista do advogado Klebert Carvalho Lopes da Silva,
que, como morador do bairro Mafuá há 50 anos, revela esse forte lo de reconhecimento com
o local de sua origem.
[...] os filhos do bairro, mesmo aqueles que não moram hoje aqui no bairro,
aos sábados e domingos, eles aproveitam exatamente pra matar a saudade do
bairro, vindo ver aqueles amigos, aquelas pessoas antigas que ficaram no
bairro, vem dos mais longe recantos da cidade, do Jockey Club, de outros
bairros, certo, pra fazer compra no mercado do Mafuá, porque ainda hoje
tem exatamente aquela verdureira, aquela pessoa exatamente antiga, que é
amiga da família, que eles mantêm relacionamento, certo, então é uma
oportunidade. Eu mesmo tenho o prazer, todos os sábados que posso,
evidentemente, ir tomar cano mercado do Mafuá, para encontrar muitos
amigos, juízes, outros filhos ilustres do bairro, que não moram mais aqui,
mas que fazem questão de fazer compra no bairro [...]. Eno o bairro Mafuá
tem esse sentimento de amizade, de carinho entre seus habitantes muito
tempo.
65
Além do bom relacionamento, o bairro permanece com a mesma área de
comércio, com a concentração de atividades comerciais, desde a cada de 1970, nas ruas
Lucídio Freitas, Gabriel Ferreira, Quintino Bocaiúva e Manuel Domingues, que continuam
em plena atividade, além do mercado e das feiras-livres,
[...] os mercadinhos o Major, o Uchôa, o Nivaldo, o armarinho Casa Forte,
que pertence a Dona Maria Fortes, o pico Amazonas, da família do
Augusto Ferro, as barbearias do seu Diola e do seu Antônio e a lanchonete
G. lanches, são os mais antigos do bairro
66
.
Em se tratando do comércio no Mafuá, que possibilita meios de sobrevivência,
percebe-se que os estabelecimentos comerciais funcionam ainda de forma rudimentar,
permanecendo no seu cotidiano, as calculadoras de bolso e as velhas cadernetas de anotações,
como forma de registrar os “fiados” às pessoas mais conhecidas e antigas do bairro. Sobre a
rotina das casas comerciais no bairro, João Lopes revelou que:
Apesar do bairro ser rico de casas comerciais, se você verificar, as casas de
comércio são ainda aquele tipo de comércio ainda de boca-a-boca, de amigo
a amigo, não um comércio com a estrutura que é nas suas formalidades.
Aqui, ainda existe, por exemplo, caderneta de anotações, muito antigo, ou
64
BARROS, Sandra Augusta Leão. Que Recorte Territorial Podemos Chamar de Bairro?: O caso de Apipucos e
Poço da Panela no Recife. Revista de Urbanismo. Santiago, Chile, n.9, mar. 2004. p. 6.
65
SILVA, Klebert Carvalho Lopes da. Entrevista concedida a Francisca Lidiane de Sousa Lima. Teresina 2005.
66
ALVES, Jerônimo Rodrigues. Entrevista concedida a Francisca Lidiane de Sousa Lima. Teresina, 2005.
45
eles trabalham assim ou então não vão ter os clientes deles, que são as
pessoas mais antigas, e assim o comércio vai sobrevivendo [...]
67
.
Além das permanências dessas práticas no comércio do Mafuá, observamos
também que, em relação à estrutura física do bairro, em especial às residências, permanecem
algumas construções antigas, típicas casas de porta e janela, ou seja, uma habitação térrea e
estreita com uma porta e uma janela (Foto 9).
Foto 9: Casas residenciais na Rua David Caldas, no bairro Mafuá.
Fonte: Acervo pessoal de Lidiane Lima. Teresina, set. 2006.
Portanto, falar de permanências no Mafuá entre os anos de 1970 a 1990 resulta,
sobretudo, em um prazeroso ato de lembrar das experiências e vivências do passado,
emaranhado pelas mudanças urbanas que vieram de forma lenta, moldando o bairro, pelo
crescimento do comércio, com o surgimento das primeiras casas comerciais, das pessoas que
ainda continuam vivenciando cotidianamente o comércio, seja trabalhando ou consumindo,
pelos antigos restaurantes, como o de Maria Tijubina, assim como o início do mercado, das
feiras-livres, e dos primeiros comerciantes, que entre os anônimos, estão aqueles considerados
símbolos de eternidade para o bairro, como Augusto Ferro.
67
SILVA SOBRINHO, João Lopes da. Entrevista concedida a Francisca Lidiane de Sousa Lima. Teresina, 2005.
CAPÍTULO 2 – ESPAÇOS DE SOCIABILIDADE E DE CONSUMO DO BAIRRO
MAFUÁ
Sociabilidade é um fenômeno que deriva do ato de reunir-se socialmente,
estar com o outro, para um outro, contra o outro que, através do veículo dos
impulsos e propósitos, forma e desenvolve conteúdos e interesses materiais
ou subjetivos [...].
Lídia Valeska Bonfim Pimentel
1
Quem atravessa o viaduto do Mafuá logo percebe uma "outra cidade", com várias
casas comerciais, um grande mercado público e inúmeras feiras-livres. Por se destacar
economicamente como zona de comércio, o espaço-palco, bairro Mafuá, atrai diariamente
centenas de pessoas vindas não de bairros próximos, como Vila Operária, Marquês,
Porenquanto, Matinha e do próprio Centro de Teresina, mas também de outras localidades
mais distantes, como dos bairros Dirceu Arcoverde, Santa Teresa, São Joaquim, entre outros,
construindo-se assim, uma extensa rede de sociabilidade, ligada ao ato de trabalhar e consumir.
Foto 10: Entrada do bairro Mafuá vista do viaduto Paulo Ferraz, nos dias atuais.
Fonte: Acervo pessoal de Lidiane Lima. Teresina, set. 2003.
1
PIMENTEL, Lídia Valeska Bonfim. Praça José de Alencar: Pedaços da cidade, palco da vida. Programa de
Pós-Graduação em Sociologia. Fortaleza, 1998. 135p. Dissertação (Mestrado em Sociologia). Centro de
Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal do Ceará. p. 46.
47
O início das atividades comerciais do Mafuá vêm desde a década de 1920,
associado à própria origem do bairro, já que “[...] este surgiu de uma feira-livre instalada para
atender os trabalhadores durante a construção da estrada de ferro entre Teresina e o Maranhão
[...]”
2
. Inserido nesse contexto, foi que o bairro passou a se organizar economicamente,
proporcionando o surgimento de novos comércios e novas relações de socialização e
vivências.
Em função das mudanças urbanas, como as obras de infra-estrutura (asfaltamento
de ruas, abastecimento de água e energia), ocorridas no bairro Mafuá, no período de 1970
a
1990, o comércio passou a ter um crescimento significativo, alterando o cotidiano das pessoas
em suas relações de vivências com esse espaço e estabelecendo novos modelos culturais de
comportamento na realização da vida cotidiana.
É nesse contexto que
[...] o fenômeno urbano tem o sentido da produção humana como processo
em realização, tecendo-se como produto da reprodução da sociedade, como
reprodução da vida, isto é, as relações sociais se realizam e ganham
concretude, materializando-se no espaço [...]
3
.
Nesse sentido, o bairro Mafuá, a partir dos anos 70, passou a ganhar mais
importância econômica devido à incorporação e à consolidação de novos espaços de
sociabilidade e de consumo, como o mercado, feiras-livres, restaurantes e casas comerciais
como mercadinhos, farmácias e armarinhos, os quais proporcionaram, sem dúvida alguma,
um maior dinamismo à parte comercial do Mafuá e meios de trabalho e sobrevivência dentro
desse espaço (Foto 11).
O barbeiro Francisco Ventura Dias, mais conhecido no Mafuá como “Diola”,
tendo acompanhado o crescimento ecomico do bairro durante os anos 70 e 80, relatou:
Na década de 70 [...], com a instalação do mercado, foi que se deu o
crescimento do bairro, se instalaram os pontos comerciais que não tinha, aí
veio esses mercadinhos, isso no final da década de 70 e início da década de
80, melhorou muito, com isso o comércio cresceu bastante [...]. Aqui, hoje, é
freentado por muita gente, o bairro vem melhorando e chamando gente de
muitos lugares, e já tem muita gente com comércio aqui [...]
4
.
2
LIMA, Iracilde Maria de Moura Fé. Teresina: urbanização e meio ambiente. Revista Scientia et spes. Teresina:
Instituto Camilo Filho. v. 1, n. 2, 2002. p. 191.
3
CARLOS, Ana Fani Alessandri. Espaço e Cotidiano. In: _____. Espaço-tempo na metrópole: a fragmentação
da vida cotidiana. São Paulo: Contexto, 2001. p. 32.
4
MORAIS, Francisco Ventura Dias de. Entrevista concedida a Francisca Lidiane de Sousa Lima. Teresina, 2003.
48
Foto 11: Feirantes e vendedores ambulantes próximos ao Mercado do Mafuá, na
Rua Gabriel Ferreira, década de 1970.
Fonte: O DIA. Teresina, 01 fev. 1976, p. 3.
Ao se revestir de uma nova estrutura comercial, o Mafuá se tornou o espaço-palco
de produção e reprodução social em que os protagonistas, isto é, os atores que representam e
compõem esse espaço, sendo eles moradores, trabalhadores e freqüentadores, com seu papel
definido, entram em cena, consolidando sua socialização nas rias práticas de uso e
consumo, passando a dar vida e movimento ao cotidiano das ruas Lucídio Freitas, Gabriel
Ferreira, Manuel Domingues e Quintino Bocaiúva, onde se encontram os vários cenários do
bairro, ou seja, o mercado, as feiras e o comércio em geral.
Nesse sentido, passaremos a conhecer o mercado e as feiras-livres do Mafuá, que
a partir da década de 1970, ao se abrirem como espaços de vivências cotidianas, tornaram-se
os principais espaços de sociabilidade e de consumo, passando a dar grande visibilidade
comercial ao bairro. Diante dessa sociabilidade, ainda é possível percebermos como espaço de
consumo os antigos restaurantes, como o da Maria Tijubina, que durante essa época, foi
refúgio e fim de noite de muitos boêmios.
49
2.1 Mercado e feiras-livres do Mafuá
Localizado na Rua Lucídio Freitas, o Mercado do Mafuá é um dos mais antigos e
tradicionais mercados públicos da cidade
5
. Em seu entorno se concentram centenas de feiras-
livres e casas comerciais, as quais possibilitam um maior dinamismo ao bairro, na realização
das várias práticas de uso e consumo.
Com o início das atividades comerciais do Mafuá, ainda que de forma tímida, na
década de 1920, o bairro passou a ter um grande impulso comercial, quando nos anos 30, o
comerciante Augusto Ferro de Sousa (Foto 12) chegou ao bairro, trazendo com ele a prática
do comércio, dando movimento às ruas Gabriel Ferreira e Amazonas, sendo assim,
considerado o pioneiro das atividades comerciais no Mafuá.
Natural de Riachão, município de o João dos Patos, no Maranhão, Augusto
Ferro de Sousa chegou a Teresina aos dezoito anos de idade, para servir ao exército no 25ºBC.
Nessa cidade, casou-se três vezes, gerando um total de doze filhos. Na década de 1930, aos
trinta e oito anos, já tendo o ofício de comerciante, chegou ao Mafuá, investindo e praticando
o comércio no bairro a partir da instalação de pontos comerciais, como a mercearia Quitanda
5
Dentre os mais antigos mercados públicos de Teresina, está o Mercado Central, no Centro da cidade, que foi
criado pouco tempo depois da fundação de Teresina, por volta de 1854.
Foto 12: Comerciante Augusto Ferro de
Sousa, aos 50 anos de idade.
Fonte: Acervo pessoal de Gilvanete
Carvalho. Teresina, 1960.
50
Nova (Foto 13) e a sorveteria e picolé Amazonas (Foto 14), a qual permanece até os dias
atuais. Tais estabelecimentos propiciaram um ritmo de comércio em que vieram a se
consolidar várias relações de vivências e práticas cotidianas, contribuindo, dessa forma, para o
desenvolvimento comercial do bairro.
A chegada de Augusto Ferro a Teresina e a sua trajetória como comerciante no
Mafuá, assim como o crescimento do comércio no bairro, com a chegada das feiras-livres, foi
revelado na entrevista de Gilvanete Carvalho
6
, que, como filha mais velha, acompanhou,
desde a sua infância, todos os passos do pai.
[...] o papai nasceu no povoado Riachão, próximo a São João dos Patos, no
Maranhão. Chegou em Teresina aos dezoito anos para servir ao exército no
25BC [...], casou-se três vezes, onde ele teve doze filhos [...] ele chegou aqui
no Mafuá aos trinta e oito anos, e assim que ele chegou aqui, ele tirou um
empréstimo e comprou a quadra toda, que vai da rua Amazonas à Gabriel
Ferreira [...] e nós viemos pra , mas antes de vir pra cá, ele tinha uma
mercearia, na José dos Santos e Silva, que a gente chamava antigamente
de Barrocão, e quando chegou aqui, começou a praticar o comércio, logo,
logo, como nós tínhamos uma mercearia lá, ele trouxe direto pra cá, pro
Mafuá, e montou logo, com o nome de Quitanda Nova [...] a tática dele era
vender mais barato, que as mercearias daqui eram muito longe, e vendia
bem e mais barato que as outras e foi chamando os fregueses [...] e as
6
Gilvanete de Sousa Ferro Carvalho, tem 69 anos de idade, é moradora do bairro Mafuá mais de cinqüenta
anos.
Foto 14: PicoAmazonas, localizado na Rua Gabriel
Ferreira, no bairro
Mafuá.
Fonte: Acervo pessoal de Lidiane Lima. Teresina, ago.
2006.
Foto 13: Local onde funcionava a antiga mercearia
Quitanda Nova, localizada na esquina das Ruas
Gabriel Ferreira e Amazonas, no bairro Mafuá.
Fonte: Acervo pessoal de Lidiane Lima. Teresina,
set. 2006.
51
pessoas vinham mesmo de longe, dos bairros distantes como Piçarra,
Vermelha, comprar no Augusto Ferro, era uma coisa mesmo incrível [...] ele
vendia carne, verduras, tudo, tudo, caldo de cana, martelo, prego, tachinha,
faca, facão, foice, até arame farpado, querosene ele vendia [...] ele foi o
pioneiro do comércio aqui no bairro [...]. Com o início do seu comércio,
foram se aglomerando outros comerciantes, começou a chegar banquinhas,
que deu origem às feiras de verduras, de carnes, chegou os magarefes, e
assim foi crescendo e se desenvolvendo o comércio no bairro, [...] a Rua
Amazonas inteira era cheia de feiras-livres a céu aberto, onde a prefeitura
não cobrava nenhum imposto, porque o terreno era particular, do meu pai, e
quem cobrava era ele, [...] o movimento do comércio dele ia a semana toda,
de quatro da manhã até as nove horas da noite e ao domingo até ao meio-dia
[...]. Ele era de 15 de Setembro de 1911, faleceu com 61 anos, em 1972, e até
1965, mais ou menos 40 anos, ele praticou o comércio aqui no Mafuá [...],
ele começou com a mercearia, depois veio a sorveteria e PicoAmazonas
que em 1954, que é o único tipo de comércio que ainda hoje sobrevive no
bairro, do tempo do meu pai, é o Picolé Amazonas. Ali a gente vendia picolé
de pão-com-leite, de milho, abóbora, hoje funciona apenas como depósito de
sorvete, [...] o comércio dele acabou por causa da concorrência, foram
surgindo outras mercearias e os fiados, porque a base do comércio é o
vender fiado, o comércio foi ficando difícil, e ele teve que vender tudo
[...]
7
.
Com o início do movimento de comércio no bairro Mafuá, entre ascadas de 1930 e
1950, nas ruas Gabriel Ferreira e Amazonas, ainda que de forma muito precária, principalmente pela
falta de estrutura física, a Prefeitura Municipal de Teresina, em 1966, com o então prefeito Hugo
Bastos (1963-1967), iniciou a constrão do prédio destinado ao mercado público do Maf, que
recebeu o nome de Tersandro Paz
8
(Foto 15), passando tamm a ser conhecido popularmente
como Mercado do Augusto Ferro. A partir daí, o bairro passou a ter um local estruturado e
apropriado para o melhor desenvolvimento das atividades comerciais, que vinham
ocorrendo no antigo Mercado do Augusto Ferro, onde se realizavam as atividades de venda de
carnes, frutas e verduras.
[...] Em 1966, a prefeitura, no tempo do Hugo Bastos, fizeram o mercado
trazendo da Rua Amazonas pra cá, porque o terreno era no aberto, no ar
livre, onde tudo era misturado, tinha fruta, verdura, carne, e aqui, na Rua
Lucídio Freitas, o terreno era grande e mais estruturado [...]. O mercado
não é Augusto Ferro é Tersandro Paz, sem medo de errar [...]
9
. Antes do
atual mercado, existia o Mercado do Augusto Ferro, que teve uma influência
muito forte na economia do bairro, esse mercado realmente era a céu aberto,
era uma espécie de bancas, onde se cortava carne, se vendia carne a céu
aberto, exatamente em barracas de madeira, cobertos por lonas, e quando era
7
CARVALHO, Gilvanete de Sousa Ferro. Entrevista concedida a Francisca Lidiane de Sousa Lima. Teresina, 2006.
8
Tersandro Gentil Pedreira Paz, nasceu em Teresina, no ano de 1878, foi farmacêutico, industrial e no campo
da política, exerceu entre o período de 1910-1916, o mandato de Intendente de Teresina.
9
MORAIS, Francisco Ventura Dias de. Entrevista concedida a Francisca Lidiane de Sousa Lima. Teresina, 2003.
52
exatamente no período invernoso era uma lama [...] muito precário realmente
[...], então hoje esse mercado, já deu uma outra vida, uma outra cara ao
bairro, no início realmente, era muito difícil o Mercado do Mafuá [...]
10
.
Mesmo com a transfencia do antigo mercado do Augusto Ferro para o atual Mercado
do Mafuá, cujo entorno ocorriam as feiras-livres, sob quiosques de madeira, ainda persistia o
problema da higienização no bairro, uma vez que a falta de organização e limpeza continuavam a
dificultar o trabalho dos feirantes, levando o local a ser conhecido como Mercado da Lama (Foto
16).
Percebendo a necessidade de mais reformas e limpeza, a Prefeitura Municipal de
Teresina, na cada de 1970, com o então prefeito Raimundo Wall Ferraz (1975-1979), resolveu
fazer uma segunda reforma, que ocorreu em 1976, no sentido de ampliar o mercado do Mafuá,
para abrigar os feirantes e resolver o problema da sujeira e da lama que existia no bairro. Essa
reforma para acabar com o Mercado da Lama” foi noticia do jornal O DIA, no início do ano de
1976:
Uma reforma nos chamados “Mercados da Lama” está sendo anunciada pela
Prefeitura Municipal de Teresina [...]. O prefeito de Teresina, Sr. Raimundo
Wall Ferraz, anunciou ontem que os mercados dos bairros Piçarra e Mafuá,
serão totalmente reformados e ampliados, a partir do próximo mês de
10
SILVA, Klebert Carvalho Lopes da. Entrevista concedida a Francisca Lidiane de Sousa Lima. Teresina 2005.
Foto 15: Entrada do mercado público do Mafuá, Tersandro Paz, na Rua Lucídio Freitas.
Fonte: Acervo pessoal de Lidiane Lima. Teresina, set. 2003.
53
fevereiro, com recursos oriundos do Banco Nacional de Habitação, no valor
de Cr$ 1 milhão e 200 mil. Os precários mercados serão transformados em
modernos e higiênicos prédios para abrigar os feirantes que estão espalhados
pelo meio das ruas de Teresina. De acordo com declarações do Prefeito de
Teresina, cada mercado será ampliado em mais de 800 metros quadrados,
além das instalações hidráulicas e sanitárias, com as obras tendo início no
mês de fevereiro e devendo ser concluídas até o final do mês de março [...]
11
.
Desse modo, após a ampliação, a estrutura do mercado do Mafuá, passou a contar,
no final dos anos 70, com duas divies, o mercado da carne e de peixes, onde podemos
encontrar desde a carne de boi ao peixe fresco, e o mercado das frutas e verduras, onde se
encontram as frutas e verduras das mais variadas, hortaliças, fumo de corda, plantas
medicinais e até roupas. Nessa parte ainda existem dezesseis pequenos boxes destinados a
uma espécie de praça de alimentação, que funciona no mesmo horário do mercado, das cinco
da manhã às duas da tarde. Ali se pode almoçar, tomar café com cuscuz, caldo de carne ou
comer panelada.
Nesse sentido, o mercado do Mafuá se abriu como um importante e grande espaço
de consumo do bairro, possibilitando meios de sobrevivência e proporcionando a realização
de novas socializações e vivências.
Como importantes espaços de sociabilidade e de consumo do Mafuá, merecem
destaque as feiras-livres, localizadas na Rua Quintino Bocaiúva, próximo ao mercado público
11
Mercados da Piçarra e Mafsão modificados. O DIA. Teresina, 23 jan., 1976. p. 3.
Foto 16: Feiras-livres em frente ao Mercado do Mafuá, na Rua Lucídio Freitas, na
cada de 1970.
Fonte: O DIA. Teresina, 23 jan. 1976, p. 3.
54
do bairro. A feira-livre do Mafuá, mais conhecida popularmente como Feira do Augusto
Ferro, existia a céu aberto na Rua Amazonas, no antigo Mercado do Augusto Ferro, antes,
portanto do mercado ser construído, em 1966.
A construção do mercado Tersandro Paz possibilitou, a partir da década de 1970,
o aumento de estabelecimentos comerciais, assim como de barracas, que, aos poucos, se
aglomeraram e se fixaram publicamente em feiras-livres, se caracterizando, portanto como
“[...] em todo o Brasil, de feiras semanais de caráter intra-urbano (de âmbito praticamente
restrito ao bairro), diferentes daquelas tradicionais que reúnem compradores e vendedores
oriundos de áreas distantes, muito comum no Nordeste [...]”
12
.
Essa atividade informal passou a reunir nos anos 90, cerca de 300 barraquinhas,
onde se vendem diariamente frutas como mamão, abacaxi, banana, abacate e laranja, além de
verduras, legumes e folhas frescas, como a alface (Foto 17), que o um colorido especial à Rua
Quintino Bocaiúva, marcando um momento de socialização entre os atores, sendo eles moradores,
trabalhadores e freqüentadores, que entram em cena nesse grande cenário aberto.
Foto 17: Feiras-livres do bairro Mafuá, na Rua Quintino Bocava.
Fonte: Acervo pessoal de Lidiane Lima. Teresina, set. 2003.
As semanais feiras-livres do Mafuá começam cedinho, às cinco da manhã, já se vê
os feirantes colocando em prática o seu ofício, expondo e oferecendo suas frutas, verduras e
12
MASCARENHAS, Gilberto. O Lugar da Feira Livre na Grande Cidade Capitalista: conflito, mudança e
persistência (Rio de Janeiro: 1964-1989). Rio de Janeiro, 1991. 230p. Dissertação (Mestrado em Geografia).
Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal do Rio de Janeiro. p. 31.
55
legumes. Os feirantes em sua maioria, são trabalhadores autônomos, que, muitas vezes, se
deslocam de bairros próximos ou distantes do Mafuá, encontrando nas feiras mais um meio de
sobrevivência. Isso foi relatado pela feirante Lúcia Martins, a qual, oito anos, freenta o
bairro, vendendo frutas nas feiras-livres do Mafuá.
[...] as pessoas que trabalham nas feiras, algumas moram próximas ao bairro,
a maioria mora em lugares distantes, como Santa Teresa, Dirceu
Arcoverde, São Joaquim, entre outros lugares, mas muitas dessas pessoas
têm outras formas de vida, e assim a gente vai tentando sobreviver, eu pelo
menos fico a manhã toda aqui até encerrar o movimento e à tarde vendo
minhas roupas lá onde eu moro, no São Joaquim [...], o movimento aqui é
grande, as feiras funcionam toda a semana, mas o movimento maior é nos
fins de semana, que vai até ao meio-dia, durante os sábados e domingos
13
.
Nesse contexto, os espaços do mercado, assim como o das feiras-livres no Mafuá,
passam a ganhar importância, ao configurarem espaços abertos e necessariamente públicos
voltados para a produção e a reprodução social, que permitem uma socialização entre os
vários atores sociais em suas diferentes práticas cotidianas. Essa socialização é revelada na
entrevista do coronel Jerônimo Alves, aposentado militar que há 51 anos freqüenta o Mafuá,
considerando esse espaço uma área de sucesso por oferecer oportunidades de sobrevivência e
de compras, das mais variadas formas.
Observando o Mafuá hoje, é uma área de sucesso, de muito sucesso,
especialmente na parte da manhã, quando o dia amanhece, você já vê o
movimento nas laterais do Mercado do Augusto Ferro, tem carro e pessoas,
que às vezes a gente nem conta e feirantes ao redor do mercado público [...],
nós temos visitantes aqui, diariamente de pessoas que vêm ao Mafuá,
especialmente para a parte de Mercado Público, […] vem gente de todos
os bairros fazer compras e trabalhar, [...] eu pelo menos moro aqui perto do
Mafuá, eu compro e gasto o dinheiro que eu ganho no Mafuá [...]
14
.
Portanto, o bairro Mafuá, passou a ser um espaço mais visível pelo seu
desenvolvimento comercial, possibilitando que os diversos atores sociais, façam parte de uma
“outra cidade”, constituindo-se, dessa forma, como espaço-palco privilegiado dentro do
grande teatro que é a cidade de Teresina.
13
MARTINS, Lúcia de S. Entrevista concedida a Francisca Lidiane de Sousa Lima. Teresina, 2003.
14
ALVES, Jerônimo Rodrigues. Entrevista concedida a Francisca Lidiane de Sousa Lima. Teresina, 2005.
56
2.2 Antigos restaurantes do Mafuá
Após conhecermos um pouco da história do mercado e da feira do Augusto Ferro,
bem como das pessoas que se dedicam informalmente ao trabalho nas feiras no Mafuá,
passamos a trazer para a cena os antigos restaurantes do Mafuá, em especial o da Maria
Tijubina, que, nas décadas de 1970 e 1980, se tornou um dos principais espaços de
sociabilidade e consumo do bairro.
Alguns livros
15
registram que, desde a construção da estrada de ferro, na cada
de 1920, se faziam presentes no Mafuá vendedores de produtos alimentícios, quinquilharias e
ambulantes, propiciando assim, que outros tipos de comércios viessem a se desenvolver ou se
instalar no bairro. Nesse sentido, além do mercado e das feiras-livres, surgiram os
restaurantes, como o do Mãozinha, Sapucaia, Maria Tijubina e Manoel Ramos, os quais
contribuíram para o desenvolvimento comercial do bairro, em especial nos anos de 1970 e
1980. Espaços estes, que estão fortemente guardados na memória daqueles que um dia
tornaram-se seus freqüentadores.
Eu era pequeno, tinha dez anos de idade, mais eu lembro dos restaurantes
que existiam no bairro. Onde era o Supermercado Brasil, existia uma
madeireira e, ao lado da madeireira, existia o restaurante do Mãozinha, onde
íamos pequenos, tomar caldo de cana, almoçar, comer alguma coisa [...]. Ali,
próximo a praça, tinha o do Sapucaia, que era ao lado da Tijubina, era um
senhor que tinha um restaurante, e bem na frente tinha um de sapucaia,
que hoje não existe mais, por isso chamavam Sapucaia [...]
16
. Dos
restaurantes antigos que existia no Mafuá, além do da Tijubina, eu lembro
que tinha o do Sapucaia, o do Mãozinha e o mais antigo de todos, o do
Manoel Ramos, que ficava ali próximo ao cemitério São José [...]
17
.
Dentre os antigos restaurantes que existiam no bairro Mafuá, destacamos o
restaurante de Maria Tijubina, o qual ficou famoso pela venda de comidas típicas nordestinas,
como panelada, mão-de-vaca, carne de sol e sarapatel, atraindo não a população do bairro,
mas também a população de outros bairros e até mesmo de fora da cidade de Teresina.
15
MONTEIRO, Orgmar Marques. Teresina descalça: memória desta cidade para deleite dos velhos habitantes e
conhecimentos dos novos. 3 v. Teresina: Editora Júnior, 1987; SECRETARIA DE PLANEJAMENTO.
Teresina em Bairros. Teresina: SEMPLAN, 1994.
16
SILVA, Cícero Manoel da Cunha. Entrevista concedida a Francisca Lidiane de Sousa Lima. Teresina, 2006.
17
MORAIS, Francisco Ventura Dias de. Entrevista concedida a Francisca Lidiane de Sousa Lima. Teresina, 2003.
57
Natural de Parnaíba, no estado do Piauí, e moradora do bairro Mafuá quase
quarenta anos, a cozinheira Maria Ambsio da Silva, a famosa Maria Tijubina
18
, chegou ao
bairro aos trinta e oito anos de idade, instalando seu restaurante no início da década de 1960,
nas imediações da linha férrea, próximo à Praça Augusto Ferro (Foto 18). Ali passou a atrair,
pelo seu tempero, nos anos 70 e 80, pessoas dos mais diferentes veis sociais, tornando-se,
dessa forma, muito conhecida no Mafuá e na própria cidade de Teresina. Essa trajetória de
vida como comerciante foi relatada pela própria Maria Tijubina, que, muito debilitada, veio a
falecer três meses depois dessa entrevista.
Eu vim de Parnaíba quando tinha 38 anos, eu com quase quarenta anos
que moro aqui no Mafuá [...]. Quando eu cheguei aqui, não tinha nada.
Aonde hoje é a Praça do Augusto Ferro era um terreno vazio, comecei a
construir minha casa, que era também meu restaurante [...] e ali eu vendi
durante 22 anos [...]. Antigamente meu restaurante era aberto quase que 24
horas, hoje o movimento tá fraco, mas aqui vinha o pessoal de Teresina
quase todo, desde a classe baixa até o pessoal chique [...]. Eu ainda sou a
única de todos que ainda mora aqui no Mafuá e também muito conhecida em
quase toda Teresina
19
.
Foto 18: Maria Ambrósio da Silva, a Maria Tijubina, em frente ao seu antigo restaurante,
nas imediações da linha férrea, próximo à Praça do Augusto Ferro, na década de 1980.
Fonte: Acervo pessoal de Açaí Campelo. Teresina, 1980.
18
O apelido Tijubina, Maria Ambrósio ganhou do pai ainda pequena, o qual dizia que parecia com uma Tijubina,
por ser rápida, igual um lagarto, nas suas danões de criança.
19
SILVA, Maria Ambrósio da. Entrevista concedida a Francisca Lidiane de Sousa Lima. Teresina, 2003.
58
Desse modo, entre o peodo de 1970 a 1980, o restaurante da Maria Tijubina,
além de ser freqüentado pela população do bairro, tornou-se ponto de encontro, fim de noite e
refúgio de muitos boêmios, poetas e artistas da cidade, assim como de alguns cantores da
MPB que vinham fazer show no Teatro 4 de Setembro, como Alceu Valença, Gilberto Gil,
entre outros, que o encontravam em Teresina, durante essa época, opções de lazer,
acabando dessa forma, por se refugiarem no restaurante da Tijubina.
Esse movimento de socialização, em que se misturavam cantores, boêmios, poetas
e artistas, nesse importante espaço de consumo, tornou-se marcante na memória daqueles que
um dia tiveram a oportunidade de freqüentar o restaurante da inesquecível Maria Tijubina do
Mafuá. Ací Campelo
20
, que freqüentava diariamente o local, lembrou de como essas pessoas,
consideradas “chiques” pela própria Tijubina, chegavam até o restaurante, levando-o a ser
considerado um dos mais importantes e freqüentados restaurantes do bairro Mafuá (Foto 19).
Quando o Teatro 4 de Setembro foi reinaugurado em 1975, que em 76, 77,
até 80, os cantores que vinham fazer show no teatro iam para a Tijubina [...].
O Açaí, meu irmão, que hoje é o atual diretor do teatro, trabalhou nele desde
a sua reinauguração, e como ele era uma pessoa conhecida, já que ele
pertenceu a uma fundação aqui em Teresina, chamada Fundação Projeto
Piauí, que era um centro de pesquisas interdisciplinares, então era um lo
criador de cultura realmente, e o Açaí fazia parte dele [...], então os cantores
que iam para o teatro procuravam a noite através do Açaí, e, como ele
morava e mora ainda aqui no bairro e tinha afinidade com o bairro, acabava
levando assim, esses cantores e artistas para o restaurante da Tijubina [...],
dando grande popularidade, na década de 70 e 80, ao bairro e à Tijubina [...].
Entre os que freqüentavam a Tijubina, nesse período, estavam o poeta
Climério Ferreira, o maestro Aurélio Melo, a cantora Maria da Inglaterra, o
cantor Edvaldo Nascimento, o cantor e ator Rubens Lima, o poeta e
jornalista Menezes Morais, o poeta Durvalino Couto, o poeta e fotógrafo
José da Providência, o músico Viriato Campelo, o cineasta e artista Arnaldo
Albuquerque, o dramaturgo e ator Afonso Lima, os artistas Murila Castro,
Santana e Silva, Claudete Dias, que fez cinema com Arnaldo Albuquerque e
Torquato Neto, estes que eu estou lhe citando, todos eram boêmios,
principalmente o poeta William Soares, [...] e os cantores, como Alceu
Valença, Gilberto Gil, Ednardo, entre outros, que, depois do show no teatro,
iam para o restaurante da Tijubina, por opção de noite, e, como a Tijubina
ficava aberta a noite todinha e Teresina não tinha muita movimentação, se
tornou um bar boêmio [...]
21
.
20
Francisco Ací Campelo, é morador do bairro Mafuá desde 1969 e foi diretor do Teatro 4 de Setembro, no
período de 2000 a 2002, na cidade de Teresina.
21
CAMPELO, Francisco Ací. Entrevista concedida a Francisca Lidiane de Sousa Lima. Teresina, 2006.
59
Essa socialização do restaurante da Tijubina deixou marcas na memória não
apenas de moradores do bairro, mas também de outros freqüentadores, como a historiadora
Claudete Dias, que mesmo tendo freqüentado pouquíssimas vezes esse espaço de consumo e
se desconsiderando uma boêmia, nos revelou que o restaurante era famoso nas madrugadas de
Teresina, na década de 1970, pelos seus chamados “levanta-defuntos”.
Na verdade, nos anos 1970, este restaurante era muito famoso nas
madrugadas, e amanhecer o dia lá era muito natural para os notívagos
comerem mão-de-vaca, buchada, sarapatel, caldo verde, caldo de carne, os
chamados "levanta-defuntos", e tomarem a saideira ao som do violão de
algum seresteiro de plantão [...]. Na verdade, freqüentei muito pouco, pois
não como nenhuma dessas comidas, morria de sono, eno ia para casa mais
cedo, e quem ia muito era os boêmios e eu nunca fui uma. Dirigi muito carro
de amigo bebum” pelas madrugadas, pois era a única bria. Bebo
pouquíssimo, um copo de cerveja a noite toda, e a moçada "entornava o
caldo", como o Pierre Baiano, o Pedro Guerra, figura maravilhosa, artista
nato, poeta, compositor, cantor, ator, jornalista e agrônomo, mas que
infelizmente morreu "comido pela bebida", como se diz. Ele merece ser
citado como um dos mais assíduos freqüentadores, tinha histórias
maravilhosas, assim como o Durvalino Couto e o Annio Noronha, [...]. Em
1975, vim embora pro Rio de Janeiro e ia ao Piauí nas férias, quando
encontrava os amigos da época. Mas eu gostava mesmo era de namorar e
quase nunca freqüentava bares ade manhã, como era comum nessa época,
e o Tijubina era o mais procurado [...]
22
.
22
DIAS, Claudete Maria Miranda. Entrevista concedida a Francisca Lidiane de Sousa Lima. Teresina, 2006.
Foto 19: Maria Tijubina, em seu restaurante, no Mafuá, na Rua Amazonas,
entre assíduos freqüentadores: o ex-diretor do Teatro 4 de Setembro e morador
do bairro, Ací Campelo sua direita) e o dramaturgo e ator Afonso Lima (à
sua esquerda).
Fonte: Acervo pessoal de Ací Campelo. Teresina, 1997.
60
São esses os fragmentos de memória que deixam “vivo” o tão movimentado
restaurante boêmio, sobretudo, pelos seus mais ilustres freqüentadores, que, nas décadas de
1970 e 1980, deram grande popularidade a Maria Tijubina e ao próprio bairro Mafuá,
marcando assim, não a memória individual, mas também coletiva.
Dessa forma, apesar da economia do bairro ser voltada atualmente para o mercado
e feiras-livres, que se constituem e se consolidam como os principais espaços de sociabilidade
e de consumo do Mafuá, é importante ressaltar os antigos restaurantes, não o da Maria
Tijubina, como também o do Mãozinha, o Sapucaia, e o do Manoel Ramos, que ao longo dos
anos 70 e 80, também ganharam destaque por contribuírem para o desenvolvimento comercial
do bairro, mas principalmente por marcarem a história do Mafuá como espaço de
sociabilidade e de consumo.
CAPÍTULO 3 – DIVULGANDO O BAIRRO: O MAFUÁ ENTRE A CULTURA E O
LAZER
Mangueirais, minha velha Teresina, / O povo alegre, sorridente, vivo, / O
Mafuá num batucar festivo, / Saudade, mestra e mãe que amar ensina [...].
Gregório de Moraes
1
Após falarmos das rupturas e permanências, dos espaços de sociabilidade e de
consumo, como o mercado, feiras-livres e antigos restaurantes, passamos agora a ir ao
encontro da cultura e do lazer no Mafuá, que, por andarem sempre juntas, divulgam um bairro
rico em histórias e vivências. Nesse sentido, trouxemos para a nossa trama, o carnaval de rua
do Mafuá e o Espaço Cultural São Francisco, que, ao se definirem como espaços de lazer e
cultura, passaram a revelar toda uma memória do bairro, assim como várias vivências
presentes nesse espaço, contribuindo dessa forma para enriquecer a sua própria história.
3.1 Carnaval de rua do Mafuá
O carnaval é considerado uma das festas populares mais animadas e
representativas do mundo. No Brasil, o carnaval passou a ser marcado primeiramente pelo
“[...] Entrudo ou estilo Lusitano (1605 1840); O Grande Carnaval ou Carnaval Burguês
(1840 – 1920) e Carnaval Popular (1920 aos dias atuais) [...] com os blocos de rua e escolas
de samba”
2
.
Em Teresina, a exemplo do que acontecia no carnaval do Rio de Janeiro, que se
manifestava sob a forma de “[...] entrudo, baile de máscaras, corso, blocos de sujo e sociedade
e as escolas de samba [...]”
3
, a cidade começou a incorporar, desde 1859, bem próximo a sua
1
TITO FILHO, Arimatéa. Teresina, Meu Amor. Teresina: COMEPI, 1973. p. 53
2
FILHO, Bernardo Pereira de. O Carnaval em Teresina. In: EUGÊNIO, João Kennedy (org.). Histórias de
vário feitio e circunstâncias. Teresina: Instituto Dom Barreto, 2001. p. 79.
3
Ibid., p.83.
62
época de fundação (1852), essas formas de representações do carnaval, que vieram a marcar a
história do próprio carnaval de Teresina.
Teresina sempre teve uma forte tradição carnavalesca, sendo que os momentos de
auge dessa grande festa de Momo, ocorreram em pleno século XX, em especial nas décadas
de 1960 e 1970, sobretudo, quando as escolas de samba floresceram, passando a roubar a
cena, vindo a se tornar a principal atração do carnaval de rua da cidade.
[...] Em Teresina, a adesão ao modelo da escola de samba viria a ocorrer
uma década depois (1949), com o surgimento da primeira escola de samba
que recebeu o nome de Nova Escola de Samba [...]. Nos anos seguintes,
foram fundadas outras escolas de samba. Em 1969, eram sete
agremiões, fazendo o colorido e gingado dos foliões no desfile oficial do
carnaval de rua: Escravos do Samba, Império do Samba, Piratas do Ritmo,
Malucos por Samba, Bambas da Folia e Ternura da Mangueira. [...]. Foi na
década de 70 que as escolas de samba tornaram-se a atração maior do
carnaval de rua, o desfile ocorria na Avenida Frei Serafim, organizado
pela COC (Comissão Organizadora do Carnaval), determinando que as
escolas seriam julgadas por um corpo de jurados nos seguintes quesitos:
enredo, bateria, mestre-sala e porta-bandeira, fantasias e adereços, evolução,
cronometragem e cores oficiais da escola. Em 1975, o desfile contou com
treze escolas, as quais obtiveram a seguinte classificação: Brasa samba
(campeã), Samo (vice-campeã), Unidos da Palmeirinha (3º lugar),
Piratinga do Ritmo (4º lugar), Acadêmicos do Samba (5º lugar), Império do
Samba, Araçagy do Samba, Escravos do Samba, Bambas da Folia, Malucos
por Samba, Farrapos do Samba e Piratas do Ritmo [...]
4
.
No final da década de 1980, durante o segundo mandato do então prefeito
Raimundo Wall Ferraz (1986-1989), as escolas de samba começaram a desaparecer, quando a
Prefeitura Municipal de Teresina decidiu suspender as subvenções que mantinham as escolas
funcionando, com a justificativa de que o dinheiro gasto nos desfiles iria ajudar a resolver
problemas mais graves e urgentes em Teresina. Isso descontentou os amantes da cultura
popular, principalmente diretores e integrantes das escolas de samba, que se voltaram
contestar contra às autoridades municipais, no sentido de recuperar o carnaval teresinense.
Durante a sua administração, o ex-prefeito Wall Ferraz, falecido, decidiu
cancelar as subvenções oferecidas às escolas de samba, que contavam com o
apoio da Prefeitura Municipal para mobilizar integrantes, adquirir fantasias e
disputar na avenida um prêmio pago pela própria Prefeitura para as primeiras
colocadas. Justificou o professor Wall assim era mais conhecido que
Teresina tinha problemas muito graves e urgentes para serem enfrentados e o
dinheiro dado às escolas seria melhor utilizado se aplicado em benefício da
comunidade carente da capital. Sua argumentação foi, de certa forma,
compreendida pela população em geral. Porém, os amantes da cultura
4
Ibid., p. 91-92
63
popular, alguns intelectuais, os próprios diretores e integrantes das escolas
de samba, entenderam o contrário e desde então iniciaram um processo de
pressão sobre as autoridades municipais para que fosse resgatado o carnaval
teresinense, então restrito aos clubes da elite [...]
5
.
Com a chegada do ano de 1990, a cidade passou a recuperar o carnaval de rua,
dando lugar a outras formas de representação do carnaval, como os blocos de rua, que se
manifestavam e se organizavam nos chamados blocos de sujo e de sociedade, dando, assim,
um novo movimento às ruas de Teresina.
[...] Contudo, nas últimas décadas, mesmo quando as escolas de samba
deixaram de desfilar, porque a Prefeitura suspendeu a subvenção que cada
agremião recebia, anualmente, outras formas de representação do carnaval
tomaram conta das ruas da Cidade: os blocos de sujo e de sociedade. Quem
não lembra do Em Cima da Hora, Dou-lhe Três, Língua de Trapo, Lotação,
Baixa da Égua, Bumbum das Virgens. E mais recentemente o Coisa de
Nêgo, Barão de Itara e Tabaco Roxo? E ainda, o Beco do Prazer,
reunindo milhares de foliões na Avenida Frei Serafim e na Praça São
Benedito [...]
6
.
Em meio a esse contexto de representações do carnaval de rua de Teresina,
manifestadas seja através das escolas de samba, seja pelos seus blocos de rua, insere-se o
carnaval de rua do Mafuá, que guarda um traço cultural muito forte, em especial nos anos 60 e
70, ao ser fundada e formada, no próprio bairro, a escola de samba Império do Samba (Foto
20), a qual, durante essa época, passou a levar alegria e diversão às ruas do Mafuá e de
Teresina.
Fundada em 1960, pelo falecido magarefe do Mercado do Mafuá, José
Monteiro da Silva
7
, mais conhecido no bairro como Zeca Couro Velho, a escola Império do
Samba teve o seu momento de auge quando, em dezoito anos de existência (1960-1978),
ganhou por seis anos consecutivos (1966-1971), o título de melhor escola de samba do
carnaval de Teresina, marcando assim a sua passagem na história do carnaval de rua do bairro
e da cidade.
5
Carnaval de Teresina. Jornal Meio Norte. Teresina, 27 fev., 2001. p. 2.
6
SÁ FILHO, Bernardo Pereira de. O Carnaval em Teresina. op.cit., p. 94.
7
Morador do Mafuá, desde 1949, JoMonteiro da Silva, mais conhecido no bairro como Zeca Couro Velho,
foi fundador e cuiquista da escola Império do Samba e magarefe do Mercado do Mafuá, durante 36 anos,
falecendo em setembro de 1997, aos 70 anos de idade.
64
A trajetória da escola Império do Samba, desde sua fundação até a decadência, assim como os
momentos do desfile nas ruas do bairro Mafuá até chegar à Praça Rio Branco, para a
apresentação da escola, os prêmios conquistados, como o de melhor passista e escola de
samba inovadora e moderna, bem como os temas, que sempre estavam voltados para a cidade
de Teresina, foi relatado pelo músico Luiz Monteiro
8
, filho mais velho de José Monteiro da
Silva e ex-passista da Império do Samba, o qual acompanhou todos os passos da escola.
A Império do Samba foi uma escola que ela nasceu quando foi desativada a
Nova Escola de Samba, que foi uma das escolas mais antigas de Teresina. A
Nova Escola de Samba foi desativada em 1955, aí nós ficamos uns três anos
sem carnaval em Teresina, quando surgiu, em 1960 a Imrio do Samba,
junto com outras escolas, nós iniciamos a Império do Samba, meu pai
juntou com outros amigos e fomos campeões seguidamente seis anos [...], foi
de 66 a 71 exatamente, foram seis anos diretos, na época foi noticia , fora
de Teresina [...], ela saiu desfilando de 60 a 78 sem interrupção, foi direto.
[...] Nós fomos até o ano de 78, foi quando teve uma grande evolução das
escolas de samba em Teresina. Começou a surgir o Sambão, Brasa Samba, aí
a gente o conseguiu mais segurar, o motivo foi esse, que as escolas
começaram a crescer e as escolas pequenas foram desaparecendo [...]. Nós
tínhamos uma tradição na época [...], que antes da gente entrar no coreto na
Praça Rio Branco, era onde tinha o julgamento das alas das escolas, a gente
fazia visita nas casas do bairro, saía desfilando nas ruas do bairro Mafuá,
saía três horas da tarde e às dezoito horas a gente já estava no coreto, e saía
os moradores e saía todo mundo pra torcer [...]. A escola ganhou outros
8
Luiz Monteiro da Silva tem 56 anos de idade, exerce a profissão de músico há 45 anos e atualmente é diretor
da bateria da escola de samba Skindô, na cidade de Teresina.
Foto 20: Desfile da escola Imrio do Samba, na Praça Pedro II, no
carnaval de rua de Teresina, na década de 1970.
Fonte: Acervo pessoal de Clarice Pereira. 1970.
65
prêmios, fora esse período, que a escola ganhou o carnaval que eu lhe falei,
que foram seis anos seguidos, teve outros prêmios, não é, prêmio de melhor
passista, de melhor porta-estandarte, que foi em 1965, em 1966, nós temos
dois prêmios importantes, na apresentação que teve, na avenida da prainha e
foi na época que teve concurso de passista não é, eu ganhei o concurso
masculino, minha irmã ganhou o concurso feminino, e a Império do Samba,
recebeu o prêmio de escola mais inovadora do carnaval, mais moderna [...].
Os temas eram locais, falando de Teresina, falando de algum carnavalesco
mais antigo, falando dos bairros, o Poti Velho e do Rio Parnaíba, que tinha
as lavandeiras que lavavam roupas ali na beira do Rio Parnaíba [...], nunca
era um tema fora de Teresina, a cidade de Pedro II foi homenageada rias
vezes [...]
9
.
Dentre os fragmentos de memória revelados por Ls Monteiro, o que mais nos
chamou atenção foi o fato de que a escola, antes de se apresentar em júri oficial, circulava
pelas ruas do Mafuá, reunindo os moradores para ir torcer pela escola, marcando, dessa
forma, um momento de socialização, uma vez que o carnaval proporciona “[...] um campo
social cosmopolita e universal, polissêmico por excelência. lugar para todos os seres,
tipos, personagens, categorias e grupos; para todos os valores. Forma-se então o que pode ser
chamado de um campo social aberto [...]”
10
.
Outro momento marcante dessa socialização, segundo o entrevistado, está os ensaios, que
ocorriam geralmente no fundo do quintal da casa do próprio diretor da escola, Zeca Couro
Velho, na Rua Lucídio Freitas, no Mafuá, acabando também por se constituir um lugar de
sociabilidade ao reunir os moradores, envolvendo todos em uma mesma festa de alegria e
diversão.
Os ensaios eram realizados na casa da gente mesmo, no fundo do quintal,
aqui mesmo no bairro, e a gente fazia um barraco no quintal, né, a gente
morava na Lucídio Freitas, [...] e tinha um quintal bem amplo, e a gente
ficava num barraco coberto de palha, e os ensaios se realizavam no quintal
de casa, ensaio de bateria, de passista, de tudo, não tinha muitos
participantes, até porque as alegorias nesse tempo, não eram o grandes,
como hoje [...] em que alguns moradores do bairro participavam, outros
vinham olhar, então era assim um momento de união da comunidade, onde
todo mundo se divertia [...]
11
.
Apesar da escola Império do Samba ter sido desativada no ano de 1978, foi possível encontrar
alguns registros escritos sobre a organização da escola no ano de 1973, a qual, mesmo com as
dificuldades, tentou fazer um bom carnaval, buscando retornar à época de glória, quando
9
SILVA, Luiz Monteiro da. Entrevista concedida a Francisca Lidiane de Sousa Lima. Teresina, 2006.
10
DAMATTA. Roberto. Carnavais, malandros e heróis: para uma sociologia do dilema brasileiro. 6. ed. Rio de
Janeiro: Rocco, 1997. p. 62-63.
11
SILVA, Luiz Monteiro da. Entrevista concedida a Francisca Lidiane de Sousa Lima. Teresina, 2006.
66
venceu o concurso carnavalesco por seis anos consecutivos, com o título de melhor escola de
samba do carnaval de rua de Teresina.
Com 200 figurantes a escola “Império do Samba” espera alcançar este ano a
primeira classificação no concurso anualmente promovido pela Prefeitura
para escolher a melhor escola que desfila durante os festejos do carnaval.
Para isso a direção da agremiação está fazendo ensaios diários e está
providenciando novos instrumentos para a bateria. Mesmo contando com
algumas dificuldades, os diretores da Império do Samba” esperam que este
ano a fama da escola volte a ser comentada, porque durante seis anos ela já
conseguiu a primeira classificação, antes da criação de outros blocos, que
nos últimos anos vêm conseguindo superar as tradicionais escolas de
Teresina [...]. A escola se apresentará com 200 pessoas distribuídas entre
todas as categorias, assim é que serão apresentados passistas, ritmistas, ala
de arlequins e pierrôs, batuqueiros [...]. O samba-enredo da Império é uma
homenagem a Teresina e se chama Cidade Verde”[...]. Enquanto
prosseguem os ensaios a direção da escola vem se empenhando na aquisição
de mais recursos para serem empregados na aquisição de melhores
instrumentos para a bateria. Mas mesmo assim, e com os instrumentos que
dispõe, a Império do Samba pretende alcançar uma boa interpretação no
entender do público [...]. A Império quer reviver sua época de esplendor
quando conseguiu seis vitórias no concurso de carnaval de rua [...]
12
.
Mesmo deixando de existir, a escola Império do Samba deixou marcas na
memória dos moradores do Mafuá, não apenas por levar a alegria ao bairro, mas,
principalmente, pela grande rivalidade que existia entre ela e a escola de samba Escravos do
Samba, do bairro da Vila Operária, comunidade vizinha ao Mafuá.
[...] o bairro Mafuá tem uma tradição forte no carnaval [...] nós tivemos
exatamente uma grande escola de samba, no bairro Mafuá, que foi a Império
do Samba, que era patrocinado, na verdade foi fundado por um magarefe do
bairro Mafuá, que era o Zeca Couro Velho, que gostava de carnaval e a
família toda gosta, tanto que ele fundou essa escola aqui no bairro, grande
escola Império do Samba, que na década de 70, rivalizava com outra escola
do bairro vizinho Vila Operária, que era a Escravos do Samba, então essas
eram as duas escolas que sempre brigaram, na década de 70, pelo primeiro
lugar, no título de carnaval de rua de Teresina [...]
13
.
Nesse sentido é que, atrelado a essa forte tradição carnavalesca, o bairro Mafuá
passou a se definir como lugar de memória
14
, voltando, assim, a recuperar essa grande festa,
ao se manifestar também em forma de bloco de rua, no chamado bloco Tijubina do Mafuá, no
12
Imrio do Samba, a busca do melhor som para o carnaval. O DIA. Teresina, 18 e 19 fev., 1973. p.1.
13
SILVA, Klebert Carvalho Lopes da. Entrevista concedida a Francisca Lidiane de Sousa Lima. Teresina, 2005.
14
A expressão lugar de memória, ou melhor, lugares de memória, é tida por Pierre Nora no texto Entre Memória
e História: a probletica dos lugares, como aqueles que “[...] nascem e vivem do sentimento de que não
meria espontânea, que é preciso criar arquivos, que é preciso manter aniversários, organizar celebrações
[...], porque essas operações não são mais naturais[...]”(1998, p. 13).
67
sentido de construir/reconstruir histórias e memórias das vivências dos seus mais antigos
moradores, como a do próprio Zeca Couro Velho, Maria Tijubina
15
, Wortigern Rocha
16
,
Augusto Ferro
17
e Joaquim Lopes da Silva
18
, e acima de tudo, recuperando a mesma alegria e
diversão que a Império do Samba, um dia, levou às ruas do bairro.
3.1.1
Bloco Tijubina do Mafuá: o começo
Com o retorno do carnaval de rua de Teresina, na década de 1990, alguns bairros
da cidade passaram a organizar e a consolidar a alegria do carnaval de rua, em forma de
blocos
19
, fazendo, assim, com que o carnaval se transformasse em “[...] uma festa do povo [...]
o povo como massao individualizada”
20
, independente de classe, cor ou sexo.
No bairro Mafuá, o carnaval de rua veio a se recuperado, inicialmente, no ano de
2000, quando as prévias carnavalescas feitas pela banda do Ubirani
21
passaram a acontecer
durante o mês de fevereiro, sempre três semanas antes do período de carnaval, levando cultura
e lazer o só para o Mafcomo também para outros bairros próximos, como Vila Operária,
Marquês e Porenquanto.
[...] o carnaval de rua no Mafuá hoje é o que s conseguimos resgatar [...]
com a banda Ubirani, a banda que a gente fez a partir de um movimento com
os moradores, em que a gente resgata aquelas marchas carnavalescas nesse
período de 50, 60 e 70, que hoje não se toca mais nos clubes, hoje tudo é
axé, hoje tudo é trio elétrico. E a banda do Ubirani, ela se concentra dentro
do Mafuá e ela sai quatro sábados que antecede o carnaval todos os anos,
percorrendo as ruas do bairro Mafuá, vai também ao Marquês, a Vila
Operária, o Porenquanto e retorna ao bairro Mafuá, trazendo uma multidão
atrás da banda [...]
22
.
15
A falecida Maria Ambrósio da Silva, mais conhecida como Maria Tijubina, foi cozinheira e moradora do
bairro Mafuá quase quarenta anos.
16
O falecido Wortigern Rocha chegou ao bairro Mafuá na década de 1920, funcionário publico estadual que
em época de carnaval, se transformava em crítico-social através de suas fantasias.
17
O já falecido Augusto Ferro chegou ao bairro Mafuá na década de 1930, foi um importante comerciante para o
Mafuá, em que a maioria da população acredita que tanto o Mercado como as Feiras, foram origem do grande
comércio que ele desenvolveu no bairro.
18
O advogado e juiz de direito Joaquim Lopes da Silva, foi morador do bairro Mafuá, quase 50 anos, tendo
falecido em 1985, aos 75 anos de idade.
19
Baião de Boi, do bairro Angelim, Barão de Itararé, do bairro Dirceu Arcoverde, Coisa de Nêgo e Los Baleados
do Centro da cidade de Teresina, entre outros.
20
DAMATTA, Roberto. Carnavais, malandros e heróis..., op. cit., p. 59-60.
21
A banda Ubirani, era promovida pelo morador Ubirani de Sousa Rocha, ex-presidente da Associação do bairro
Mafuá, no período de 2000 a 2005.
22
ROCHA, Ubirani de Sousa. Entrevista concedida a Francisca Lidiane de Sousa Lima. Teresina 2003.
68
Desse modo, o carnaval de rua do Mafuá, ao permanecer durante seis anos (2000-
2005), através de suas prévias, voltou a dar lugar ao movimento da alegria e da festa, que
passou a tomar conta das ruas do bairro, consolidando um momento de novas socializações e
de identidades, envolvendo todos, seja moradores, trabalhadores e freqüentadores, na mesma
festa.
Mas não é apenas o comércio e as festas que fazem do Mafuá um espaço para ver
e ser visto, mas também de grandes vivências, ou seja, pessoas falecidas que moraram no
bairro e que, ao longo das suas trajetórias de vida, ficaram conhecidas, ao se destacarem,
principalmente, no lado econômico e cultural do bairro. Foi pensando na riqueza de vivências
e em toda uma memória que o Mafuá guarda, que três moradores do bairro, Ubirani Rocha
23
,
Ací Campelo
24
e João Lopes
25
, fundaram, no ano de 2001, o bloco Tijubina do Mafuá, com o
intuito de recuperar algumas das várias vivências de pessoas conhecidas no bairro, em
especial antigos moradores, contribuindo, dessa forma, para enriquecer a história cultural do
Mafuá. O início de tudo, a história da formação do bloco Tijubina do Mafuá e a verdadeira
intenção da sua criação, foram revelados nas entrevistas dos próprios fundadores do bloco:
Os blocos, eles já vêm de longas datas, e o bairro Mafuá é o berço da cultura
de Teresina e aqui existem pessoas com histórias incríveis, como a da
cozinheira e dona de restaurante no bairro, Maria Tijubina. O Tijubina foi
criado em 2001 foi com a união dos moradores né, que a gente teve essa
idéia, a Maria Tijubina, ela era viva na época, e a gente queria homenagear
uma pessoa do bairro [...] aí surgiu o Tijubina do Mafuá, que veio bem forte,
porque ele tinha uma interpretação e enredo próprio [...]
26
. Quando eu fui
diretor da Fundação Cultural Monsenhor Chaves, em 1993, até o ano 2000,
resolvemos resgatar o carnaval através dos blocos [...] a prefeitura de
Teresina deu um estímulo, no sentido de localizar as suas festas nos bairros
da cidade [...] então a prefeitura começou a mandar bandas para bairros,
antes de chegar o carnaval, aí localizou [...] e, aqui no bairro, o Ubirani criou
com a gente aqui, as pessoas daqui, criamos o Tijubina do Mafuá, eu, o
Ubirani, o João Lopes [...]
27
. O bloco Tijubina do Mafuá faz com que a cada
ano aumente o amor do povo pelo bloco, pela própria proposta do bloco, que
é resgatar aquelas figuras que tiveram relação grandiosa com o bairro, [...]
com o mínimo da sua existência ou da sua vivência no bairro [...]
28
.
23
Ubirani de Sousa Rocha, morador do bairro desde 1965, promovia eventos culturais no Mafuá, como o
carnaval de rua, com o bloco Tijubina do Mafuá.
24
Francisco Ací Campelo, morador do bairro Mafuá desde 1969, foi diretor do Teatro 4 de Setembro, no período
entre 2000 a 2002.
25
João Lopes da Silva Sobrinho, morador do bairro Mafuá 45 anos, é professor e foi compositor dos enredos
do bloco Tijubina do Mafuá.
26
ROCHA, Ubirani de Sousa. Entrevista concedida a Francisca Lidiane de Sousa Lima. Teresina, 2003.
27
CAMPELO, Francisco Ací. Entrevista concedida a Francisca Lidiane de Sousa Lima. Teresina, 2006.
28
SILVA SOBRINHO, João Lopes da. Entrevista concedida a Francisca Lidiane de Sousa Lima. Teresina, 2005.
69
Além das prévias carnavalescas que ocorriam no bairro antes do período de
carnaval, ao ser formado o bloco Tijubina do Mafuá, não o Mafuá passou a ser palco do
bloco, mas também a Avenida Marechal Castelo Branco, que durante o período de carnaval,
se transformava num grande palco de alegria, lazer e cultura, na cidade de Teresina.
Nesse sentido, o bairro Mafuá, entre os anos de 2001 a 2005, representado pelo
bloco Tijubina, passou a mostrar na Avenida, sob a forma de enredo e fantasias próprias, as
vivências dos seus mais ilustres moradores, revelando e divulgando, portanto, toda uma
memória do bairro.
Na noite de segunda-feira, os blocos carnavalescos fizeram a festa na
Avenida Marechal Castelo Branco. Representantes de quase todas as zonas
da cidade levaram, além de alegria, temas de suas comunidades para serem
apresentados nos enredos [...]. Este ano participaram os blocos Máquina de
Machucaralhos, Turma do Pirata, Afro-Cultural Coisa de Nêgo, Unidos do
Pererê, Paçoco, Los Baleados, Lisossomos, Agüenta Goitana, Gueri-Có e
Tijubina do Mafuá [...]. O quinto bloco a desfilar na Avenida Marechal
Castelo Branco foi o Tijubina do Mafuá, que levou cerca de 200
componentes para cantar e mostrar o Mercado Público do bairro “Augusto
Ferro” [...]. O bloco foi fundado em 2001 e tem esse nome devido a uma
comerciante do bairro, muito famosa, chamada Tijubina. O bar dela era
considerado reduto de boêmios e artistas da noite, que se reuniam para
comer panelada, mão-de-vaca, sarapatel e carne-de-sol. O bloco tem como
hábito homenagear moradores ilustres do bairro
29
.
Assim, o carnaval de rua do Mafuá, através do bloco Tijubina, com o intuito de
recuperar as vivências importantes do bairro, passou a divulgar o bairro, levando cultura e
lazer, não para o Mafuá, bem como para os bairros próximos e para a própria cidade de
Teresina, mostrando um espaço rico em histórias e vivências.
Sabendo que “[...] a memória recupera a história vivida, história como experiência
humana de uma temporalidade [...]
30
, passamos a revelar as vivências do bairro, ou seja, as
de conhecidos e importantes moradores, que, através do carnaval de rua, com o bloco Tijubina
foram recuperadas e eternizadas, de forma a permaneceremvivos” na memória do bairro.
29
Blocos deram um show na Avenida. Jornal Meio Norte. Teresina, 09 fev., 2005. p. 2.
30
PINTO, Júlio Pimentel. Os Muitos tempos da Memória. Projeto História, São Paulo: PUC, n. 17. nov. 1998. p. 209.
70
3.1.2 As vivências do bloco Tijubina do Mafuá
O bloco Tijubina do Mafteve a sua importância, por recuperar as vivências de
moradores considerados figuras “eternas” para o bairro. Nesse sentido, esse bloco passou a
homenagear, a partir de 2001, os mais antigos moradores do bairro, como Maria Tijubina
(2001), Wortigern Rocha (2002), Zeca Couro Velho (2003), Joaquim Lopes da Silva (2004) e
Augusto Ferro (2005), os quais se destacaram, sobretudo na economia e na cultura, sendo
considerados importantes vivências do Mafuá.
Na tentativa de construir/reconstruir a história das vivências desses moradores,
passamos a recorrer à memória, uma importante ferramenta que realiza “[...] um trabalho
sobre o tempo, mas sobre o tempo vivido, conotado pela cultura e pelo indivíduo [...]
31
.
Assim, além da memória individual, a memória da família também foi extremamente
necessária para compreendermos de perto, o papel dos sujeitos em suas vivências no bairro
Mafuá, uma vez que “[...] a comunidade familiar [...] exerce uma função de apoio como
testemunha e intérprete daquelas experiências [...]”
32
ou vivências passadas.
Com esse intuito, trouxemos à nossa trama, as cinco vivências homenageadas pelo
bloco Tijubina. Apesar de terem sido expostas, no capítulo anterior, algumas delas, em
especial, na parte econômica do bairro, nunca é demais reforçarmos a existência desses
moradores, que estarão sempre presentes na memória daqueles com quem conviveram ou dos
que tiveram a oportunidade de conhecer de perto as suas vivências, pois estes têm sempre
algo mais a revelar, dentro dessa caixinha de surpresas que é a memória.
A primeira vivência aqui revelada será a da cozinheira e comerciante Maria
Ambrósio da Silva, a Maria Tijubina (Foto 21), também a primeira grande homenageada do
bloco, a qual batizou e, assim, eternizou com o nome de Tijubina do Mafuá. Sobre a
homenagem a Maria Tijubina, Ubirani Rocha comenta:
[...] em 2001, com o lançamento do Tijubina, nós homenageamos a própria
Maria Tijubina, né, daí ficou o nome do bloco, Tijubina do Mafuá [...].
Então pra nós moradores do bairro Mafuá, a Tijubina foi o ícone na
culinária, era uma cozinheira de mão-cheia do bairro, era uma pessoa pobre,
que colocou seu restaurante perto do viaduto do Mafuá, e ali ela vendia as
suas iguarias. O seu tempero atraiu muita gente na década de 70 e 80, como
a saudosa cantora Elis Regina, Gilberto Gil, Caetano Veloso e Alceu
31
BOSI, Ecléa. A Pesquisa em Memória Social. In: _____. O tempo vivo da memória: ensaios de psicologia
social. São Paulo: Ateliê Editorial, 2003. p. 53.
32
Ibid., p. 54.
71
Valea. Dona Tijubina foi a primeira grande homenageada pelo bloco, no
samba-enredo de 2001 [...]
33
.
Mesmo depois de falecida, em agosto de 2003, aos setenta e oito anos de idade,
Maria Tijubina e seu freqüentado restaurante ainda continuam “vivos” na memória de quem a
conheceu e conviveu de perto com o seu cotidiano. Ela se revela, portanto, como uma
moradora importante no Mafuá por se destacar, como já vimos, pela venda de comidas típicas
do Nordeste, como panelada, mão-de-vaca, sarapel e carne de sol, marcando, assim, a
economia do bairro nos anos 70 e 80.
Quando tinha o Projeto Seis e meia, do Clube dos Diários, que vinha
aqueles artistas de fora, TeSpindola, Alceu Valença e outros mais que
vinham pra cá, pra Teresina, ia todo mundo, depois do projeto, se reunir lá
no restaurante da mamãe, o pessoal que fazia essas peças teatrais, iam pra lá
também [...], quando o restaurante, ainda era na Praça do Augusto Ferro
[...]
34
. Tamm temos que lembrar aqui, a Maria Tijubina, figura folclórica
do nosso bairro, que tinha exatamente um restaurante, onde ela servia
iguarias do nosso Estado, na cidade de Teresina, comidas típicas como
panelada, mão-de-vaca, e ela permanecia aberta no horário da noite, quase
que 24 horas, e este restaurante dela se notabilizou de tal maneira, que vários
artistas da nossa música popular, artistas nacionais como Gilberto Gil,
Caetano Veloso e outros, tiveram exatamente a oportunidade naquele
momento, a oportunidade de estarem no restaurante da Maria Tijubina e a
conheceram-na. Com certeza ela foi um marco no bairro Mafuá [...]
35
.
33
ROCHA, Ubirani de Sousa. Entrevista concedida a Francisca Lidiane de Sousa Lima. Teresina, 2003.
34
SILVA, Maria do Amparo da. Entrevista concedida a Francisca Lidiane de Sousa Lima. Teresina, 2005.
Maria do Amparo, mais conhecida como Paruca, é a filha mais velha de Maria Ambsio da Silva, a Maria Tijubina.
35
SILVA, Klebert Carvalho Lopes da. Entrevista concedida a Francisca Lidiane de Sousa Lima. Teresina 2005.
72
A vivência cotidiana de Maria Tijubina na parte econômica do bairro, serviu de inspiração, no
ano de 2001, para a composição do primeiro samba-enredo do bloco Tijubina do Mafuá, cuja
letra diz:
REFRÃO: É hora de ir pra Avenida
Vamos todos homenagear
Aquela que é pra Teresina
A rainha do Mafuá.
Arena dos bmios, dos cantores, dos poetas e dos amores,
Maria de todos os artistas, Tijubina dos nossos amores.
Traz panelada, mão-de-vaca, carne de sol, no Mafuá, Tijubina sempre vai
reinar. Alceu, Elis, Ednardo e Gil tiveram lá, para provar das iguarias, da
rainha do Mafuá
36
.
A segunda vivência que enfocamos é a do segundo homenageado pelo bloco
Tijubina, o carnavalesco Wortigern Rocha. Natural de Uruçuí, no estado do Piauí, Wortigern
chegou ao Mafuá, na cada de 1920, se destacando na cultura, quando veio a se tornar
conhecido no Mafuá a partir da década de 1950, por gostar de fazer fantasias durante o
período de carnaval. Suas fantasias eram sempre criadas no intuito de satirizar órgãos
públicos, sendo considerado um grande crítico social, no bairro e na cidade de Teresina, onde
36
O samba-enredo Maria Tijubina, a rainha do Mafuá”, foi uma composição de Francisco Ací Campelo e João
Lopes da Silva Sobrinho, fundadores do bloco Tijubina do Mafuá e interpretada por Humberto de Sousa Morais.
Foto 21: Maria Ambrósio da Silva, a
inesquecível Maria Tijubina do Mafuá,
que foi homenageada no carnaval de
rua do Mafuá, no ano de 2001.
Fonte: Acervo pessoal de Ací
Campelo. Teresina, 1997.
73
se tornou popular por ganhar vários títulos de campeão na categoria de fantasias originais do
carnaval de Teresina (Foto 22).
Em 2001, com o lançamento da Tijubina, nós homenageamos a própria
Maria Tijubina [...]. No ano seguinte, em 2002, nós homenageamos o
Wortigern Rocha, meu pai, o Wortigern foi jogador de futebol, era
funcionário público do Estado, da COMDEPI, e gostava de samba, de beber,
de com aquele movimento do Mafuá, então, aonde tinha zoada de
carnaval, o Wortigern saía. Chegou ao bairro na década de 20, ele nasceu
praticamente ali, próximo ao mercado, e veio a falecer em 1976, já tinha 64
anos […] a partir da década de 50, Wortigern Rocha fazia fantasias criativas
e ao mesmo tempo críticas em relação ao governo da época, sendo
considerado, portanto, um crítico social, e também ganhando vários títulos
de fantasias originais do carnaval de Teresina [...]. E o Wortigern Rocha saía
nas ruas do bairro e ia até onde se apresentava o carnaval, na época, na
Antonino Freire, na Praça Pedro II, levando sempre uma crítica, ou com
relação à lamparina, que Teresina vivia às escuras, ou com relação à luz
elétrica, da Barragem de Boa Esperança [...]
37
.
37
ROCHA, Ubirani de Sousa. Entrevista concedida a Francisca Lidiane de Sousa Lima. Teresina, 2003.
Foto 22: Wortigern Rocha sendo homenageado pelo
Jornal O DIA, quando conquistou o título de
tetracampeão do carnaval de rua de Teresina, no
concurso de fantasias patrocinado pela Prefeitura
Municipal, na praça Pedro II, no ano de 1969.
Fonte: O DIA. Teresina, 20/02/1969, p.1.
74
Ao acompanhar a trajetória do pai, como carnavalesco e crítico-social, Ubirani
Rocha ainda revelou que a carreira de Wortigern Rocha foi também marcada por dois
momentos importantes. O primeiro pela crítica feita à construção da caixa d’ água do Morro
da Esperança, também chamado de Morro do Urubu, que abastece o Mafuá e os bairros da
Zona Norte (Foto 23), e o segundo momento, com o lançamento do carro fusca, quando se
destacou, no carnaval de rua dos anos 70, com uma fantasia bem original, procurando
solucionar o seu problema de transporte, ao construir o seu próprio fusca (Foto 24).
O papai, na verdade, quando ele brincava o carnaval, ele gostava de sair
fantasiado criticando alguma coisa do momento, [...] um momento marcante
foi quando fizeram a caixa d’ água, aquela caixa d’ água azul lá do Morro da
Esperaa, chamado Morro do Urubu também, foi quando chegou a água na
Zona Norte, que é a nossa caixa dágua, que abastece o Mafuá e os bairros
vizinhos […], ele fez uma crítica também ao fusca, quando foi lançado o
fusca, na década de 70, que o fusca era uma novidade na década de 70,
tinha sido lançado e poucas pessoas tinham condição de comprar um fusca,
então ele, como tinha vontade de ter um, ele fez o “Meu Fusca” […]
38
.
38
Idem.
Foto 23: Wortigern Rocha como
destaque do carnaval de rua de
Teresina, no ano de 1964, com a
fantasia de Índio Bossa Nova,
criticando o problema da falta d’
água na Zona Norte.
Fonte: O DIA. Teresina, 09/02/1964, p.1.
Foto 24: Wortigern Rocha como destaque do
carnaval de rua de Teresina, no ano de 1971,
solucionando o problema de transporte com
“Meu Fusca”.
Fonte: O DIA. Teresina, 28/02/1971, p. 5.
75
Desse modo, a vivência desse carnavalesco no Mafuá, foi marcada não apenas por
ser morador, mas, principalmente, por levar alegria ao bairro e às ruas de Teresina, com as
suas sátiras em forma de fantasias, inspirando, assim, o samba-enredo do bloco Tijubina do
Mafuá, no ano de 2002.
Vamos esquentar os tamborins
Para o mundo escutar
Abram alas na Avenida, o Tijubina vai passar.
Gol de placa na placar, encantou e deu olé, no jogo de futebol, fez mais gol,
do que Pelé.
Eu vou contar uma história popular
De um sambista que foi a alegria do bairro Mafuá
Nasceu em Uruçui, em Teresina ele viveu, gerou uma tribo magistral,
herdeira do seu carnaval.
REFRÃO: Alegria, alegria Wortigern Rocha, criador de fantasias, alegria,
alegria, eta cachaça da folia e boemia.
Um crítico-social, ele lembrou do morro e da usina, fez a fantasia genial,
exaltou a sua Teresina
39
.
Outro carnavalesco homenageado pelo bloco Tijubina do Mafuá foi o músico José
Monteiro da Silva, o Zeca Couro Velho
40
(Foto 25). Natural de Teresina, José Monteiro criou-
se no próprio bairro, onde exerceu, durante trinta anos, a profissão de magarefe do Mercado
do Mafuá. Desde sua adolescência, gostava de carnaval, se envolvendo em blocos de rua
como Mulato Sambista, do bairro Aeroporto, e escolas de samba, como a Nova Escola de
Samba e Malucos por Samba. Foi por gostar de fazer carnaval, que, no início da década de
1960, Zeca Couro Velho fundou a escola de samba Império do Samba, tornando-se assim,
conhecido no bairro Mafuá, pelo seu oficio de magarefe e carnavalesco.
A história de Zeca Couro Velho foi lembrada pelo filho mais velho, Luís
Monteiro, que, desde cedo, acompanhou os passos de seu pai como magarefe, sico e
carnavalesco.
[...] o papai nasceu aqui mesmo no bairro Mafuá, em 25 de Agosto de 1928.
Ele foi funcionário público do IPASE, que era o Instituto de Previdência e
Assistência do Servidor do Estado, onde ele passou três anos e depois veio a
ser magarefe, no antigo Mercado do Augusto Ferro, aí depois ele veio pra
esse atual mercado, quando foi feito, onde ele tinha dois ougues, então
foram ao todo trinta anos de profissão como magarefe do Mercado do Mafuá
39
O samba-enredo de 2002, do bloco Tijubina do Mafuá, “Se meu fusca falasse, foi uma composição de
Francisco Ací Campelo, um dos fundadores do bloco Tijubina do Mafuá, Ubiraci Carvalho e interpretada por
Humberto de Sousa Morais.
40
O apelido Zeca Couro Velho veio através do seu pai João José, que era matador de boi, e gostava de esticar os
couros do boi, passando a ganhar o apelido de João Couro Velho. Assim como o pai, o filho JoMonteiro,
também recebeu o apelido de Couro Velho, sendo conhecido, portanto, como Zeca Couro Velho.
76
[...]. Desde novinho era envolvido com carnaval, ele participou de um bloco
chamado Mulato Sambista, no bairro Aeroporto, aí durou uns três anos,
depois ele foi para a Nova Escola de Samba, ao lado do Lindolfo Monteiro,
onde hoje é o Verdão, depois ele foi para os Malucos por Samba, e, por fim,
ele fundou a Império do Samba, com mais dois amigos, o Manuel Fininho e
o Zeca Jacu, em que ele foi o dirigente da escola [...]. No carnaval, ele
gostava de tocar instrumentos musicais como pandeiro, bateria, cuíca. Ele foi
também passista da escola, e assim foi que ele ficou conhecido no bairro
Mafuá, por gostar de fazer carnaval e como magarefe do mercado [...]
41
.
Essa vivência de Zeca Couro Velho como magarefe do Mercado do Mafuá e
carnavalesco serviu de tema para o samba-enredo do bloco Tijubina do Mafuá, no ano de
2003.
Couro Velho fez história, mesmo sem nada ter
Na tonca da bilonga e do cabuletê.
Chegou, chegou a vez de homenagear,
O gigante do samba, que fez todo mundo dançar.
Artista, malabarista, um baterista,
Foi o melhor dirigente de ação, criador de grande emoção,
Escravos, Império do Samba, José Monteiro criou,
Unidos da Vila Operária, fez todo mundo cantar.
41
SILVA, Luiz Monteiro da. Entrevista concedida a Francisca Lidiane de Sousa Lima. Teresina, 2006.
Foto 25: Fundador da escola Império do
Samba, José Monteiro da Silva, o Zeca Couro
Velho (à direita) como destaque de cuiquista,
no carnaval de rua de Teresina, no ano de
1977, na Avenida Frei Serafim.
Fonte: Acervo pessoal de Clarice Pereira.
1977.
77
REFRÃO: Olha a carne aí, olha a carne lá,
Couro Velho foi o rei do Mercado do Mafuá
Chegou nas escolas de samba, fez enredos de sonhos
Sete Cidades, Pedra do Sal, Rainha de Iemanjá
42
.
Outra vivência importante do bairro Mafuá, a qual também marcou o bloco
Tijubina, foi a do advogado e juiz Joaquim Lopes da Silva. Natural de Parnarama, no
Maranhão, Joaquim Lopes veio para Teresina aos dezoito anos, com intuito de estudar.
Chegando à cidade, como ajudante de barbeiro no exército do 25ºBC, teve então a
oportunidade de começar seus estudos, se tornando advogado. A sua chegada ao Mafuá, na
década de 1950, aos trinta anos de idade, foi impulsionada pelo namoro com uma moradora
do bairro, Raimunda Nascimento mais conhecida, como “Dica”. Casou-se e comprou uma
casa no bairro, morando ali durante quase cinqüenta anos.
A sua vivência no bairro foi marcada por três momentos importantes: o primeiro
quando montou uma vacaria, com a venda de leite à população do Mafuá, sendo que muitas
vezes ele acabava doando leite a quem não podia comprar; o segundo momento foi quando
comprou um fusca, na década de 1970, o qual, muitas vezes, ele emprestava aos moradores do
bairro, em caso de emergência; e por fim, Joaquim Lopes, como era advogado, acabou se
tornando conselheiro e ajudando muitas vezes os moradores do bairro em casos jurídicos.
Essas ações que tornaram o advogado e juiz Joaquim Lopes da Silva conhecido e
respeitado no Mafuá, foram reveladas com bastante emoção pelo filho mais velho, o
advogado Klebert Carvalho Lopes da Silva.
[...] o papai era filho de lavradores. Aaos dezoito anos de idade, morava
no campo, em Parnarama, no Maranhão. A vinda dele para Teresina somente
foi possível porque o irmão mais velho, de nome Filomeno Lopes da Silva,
veio para Teresina a fim de servir o exército brasileiro. Tentando sair do
campo para vir à cidade, aceitou a proposta do irmão de trabalhar como
servente de barbeiro no 25º BC, em troca de alimento e hospedagem. A
partir daí, começou a estudar e, no ano de 1954, colou grau em Direito, na
antiga Faculdade de Direito do Estado do Piauí [...]. Ele chegou ao bairro
Mafuá na década de 50, aos trinta anos de idade, através da minha mãe,
Raimunda Nascimento, conhecida como “Dica”, que já era moradora do
bairro e, em razão de namorar com a minha mãe, que depois vieram a se
casar, em função do trabalho, primeiramente no Tribunal de Justiça, como
oficial de Justiça e posteriormente como secretário da Faculdade de Direito,
ele comprou um terreno em frente à casa do sogro, aqui na Lucídio Freitas,
onde ele montou uma vacaria e vendia leite [...]. No bairro, em função da
vacaria ser um comércio que abastecia a população do bairro, no sentido de
42
O samba-enredo de 2003, do bloco Tijubina do Mafuá, “Zeca Couro Velho”, foi uma composição de
Francisco Ací Campelo, Ubirani Rocha e João Lopes da Silva Sobrinho, fundadores do bloco Tijubina do
Mafuá e interpretada por Humberto de Sousa Morais.
78
vender leite, e muitas vezes quando chegava a pessoa para comprar e o
tinha dinheiro, ele não deixava a pessoa sem leite e acabava dando o leite,
passando a ser conhecido no bairro pela sua excessiva generosidade. Em
função do seu trabalho, ele comprou um fuscão e na cidade tinha poucos
carros na década de 70, e esse carro ele cedia à população do bairro, em caso
de emergência [...]. Aprovado em concurso de juiz, em 1956, se tornou uma
espécie de conselheiro, orientando e ajudando as pessoas do bairro, em atos
jurídicos, era uma espécie de juiz de paz, então tudo isso contribuiu para que
ele ganhasse o respeito e a amizade da população do bairro, porque ele era
um homem humilde e humano, que sempre procurava servir
43
.
Em razão desses atos, Joaquim Lopes da Silva, foi homenageado pelo bloco
Tijubina do Mafuá, inspirando o samba-enredo do ano de 2004.
Vamos esquentar os tamborins
Para o mundo escutar
Abram alas na Avenida, o Tijubina vai passar.
REFRÃO: Tijubina do Mafuá, todos nós vamos lembrar,
Dançando samba na Avenida, nos corações sempre estará.
Joaquim Lopes da Silva, vindo do interior,
Nasceu em Parnarama, em Teresina se formou.
No bairro Mafuá, foi sempre morador,
Com os filhos e Dona Dica, a mulher que tanto amou.
Ele foi abençoado, fez bondade, sim senhor,
Doutor sério da justiça, ao povo se dedicou,
À vacaria seu leite dava e vendia,
Besouro verde foi seu fuscão, a muita gente ele servia
44
.
É importante ainda ressaltar a vivência do morador e comerciante Augusto de
Sousa Ferro, que foi o ultimo homenageado no bloco Tijubina. Augusto Ferro, como foi
exposto, chegou ao Mafuá na década de 1930, instalando rios pontos comerciais no bairro,
o que deu grande impulso ao desenvolvimento econômico do Mafuá. Mesmo após o seu
falecimento, no ano de 1972, aos sessenta e um anos de idade, e a decadência do seu
comércio, o seu sucesso como comerciante fez com que permacesse no bairro e na memória
de seus moradores, a grande marca do seu ofício.
[...] o que nós temos de conhecimento do Augusto Ferro, foi um morador
que chegou na década de 30 no Mafuá, quando instalou um comércio, onde
ele vendia os seus produtos, vendia alumínio, querosene, vendia essas coisas
de casa, como panela, no próprio bairro, ali na Rua Amazonas com Gabriel
Ferreira, aí logo depois surgiu o Picolé Amazonas [...]. Então ele foi o
primeiro comerciante que levou da Gabriel Ferreira com a Amazonas, o
43
SILVA, Klebert Carvalho Lopes da. Entrevista concedida a Francisca Lidiane de Sousa Lima. Teresina, 2005.
44
O samba-enredo de 2004, do bloco Tijubina do Mafuá, “Luto da Tijubina e a Família Lopes da Silva”, foi
uma composição de Francisco Ací Campelo, Ubirani Rocha e João Lopes da Silva Sobrinho, fundadores do
bloco Tijubina do Mafuá e interpretada por Humberto de Sousa Morais.
79
seu comércio pra dentro do mercado, ele praticamente que abriu o comércio,
dando origem ao Mercado do Mafuá [...]
45
.
Nesse sentido, esse comerciante revelou-se umas das mais destacadas vivências
cotidianas no Mafuá, por proporcionar o desenvolvimento comercial, em especial na década
de 1960 e 1970, quando o seu comércio possibilitou a construção do mercado público, mais
conhecido no bairro como Mercado do Augusto Ferro.
A vivência de Augusto Ferro no bairro, inspirou no ano de 2005, o ultimo samba-
enredo do bloco Tijubina do Mafuá (Foto 25).
REFRÃO: Tijubina, outra história vai contar,
É a do Augusto Ferro, Mercado do Mafuá.
Não se sabe suas origens, mas ali se consagrou,
E deixando seu nome, que no mercado ficou.
Comerciantes, verdureiros e açougueiros estão pedindo uma nova instalação,
Mais espaço e mais limpeza, para atender o povão.
Tem picolé de abacaxi, maracujá, tem picolé de abóbora,
Quero ver quem vai pagar.
Tem aí, bacuri, coco e cajá, picolé pra todo mundo,
É o Ubirani que vai pagar
46
.
45
ROCHA, Ubirani de Sousa. Entrevista concedida a Francisca Lidiane de Sousa Lima. Teresina, 2003.
46
O samba-enredo de 2005, do bloco Tijubina do Mafuá, Augusto Ferro, Mercado do Mafuá”, foi uma
composição de Francisco Ací Campelo, Ubirani Rocha e João Lopes da Silva Sobrinho, fundadores do bloco
Tijubina do Mafuá e interpretada por Humberto de Sousa Morais.
Foto 26 e 27: Apresentação do Bloco Tijubina do Mafuá, na Avenida Marechal Castelo Branco, no carnaval de
rua de Teresina, no ano de 2005, prestando homenagem ao Augusto Ferro, que deu origem ao Mercado do
Mafuá.
Fonte: Acervo pessoal de Lidiane Lima. Teresina, fev. 2005.
80
A partir dessa constituição de vivências no Mafuá, foi possível perceber a
importância da memória, na construção de um passado vivido, uma vez que através dela “[...]
recoletamos cenas, reconformamos episódios, distinguimos o ontem do hoje, confirmamos
termos experimentado um dado passado [...]”
47
, em que moradores e principalmente,
familiares em suas memórias trouxe a tona, privilegiadas vivências do bairro.
Portanto, o carnaval de rua do Mafuá, representado pelo Império do Samba, que
permaneceu por dezoito anos (1960 a 1978) e mais recentemente pelo bloco Tijubina, que
durou apenas seis anos (2000 a 2005), tiveram grande importância, que levaram alegria e
diversão ás ruas do Mafuá, mostrando a população do bairro e para a própria cidade de
Teresina, que este possui uma grande riqueza cultural e várias memórias ainda por serem
reveladas.
3.2 Espaço Cultural São Francisco
O Espaço Cultural São Francisco, localizado na Rua Lucídio Freitas, próximo ao
Mercado do Mafuá, tem se revelado como um grande local de lazer e cultura no bairro Mafuá.
O que, na década de 1970 a 1990, era considerado apenas um simples armarinho de vendas de
linhas, botões e aviamentos, a partir de 2001, foi aos poucos se moldando, passando a dar
lugar à arte e à cultura, definindo-se, portanto, como um local misto, ou seja, comercial e
cultural.
Quem chega ao Espaço Cultural São Francisco logo avista uma pequena estrutura
física de quatro paredes ocupadas por várias caixas de linhas e botões de variadas cores e
tamanhos, pinturas e desenhos do artista plástico Cícero Manoel
48
(Foto 26), fotografias
antigas do bairro Mafuá, objetos de arte e de adorno, além de uma pequena biblioteca com
um acervo variados de livros e revistas sobre a cidade de Teresina, arte, literatura e cordel
(Foto 27).
47
PINTO, Júlio Pimentel. Os Muitos tempos da Meria. op. cit., p. 205.
48
Cícero Manoel da Cunha Silva é artista plástico e proprietário do armarinho e Espaço Cultural São Francisco
quase 40 anos.
81
Sobre essa nova faceta estrutural do armarinho, que veio a se tornar espaço
cultural, o artista plástico Cícero Manoel nos revelou em sua entrevista que, ao transformar o
pequeno local, para divulgar exposições de arte, pinturas e fotografias, tentou conservar as
características originais do armarinho, que existe 35 anos, como forma de preservar a
memória de seus pais no local, e como veio à idéia de moldar o armarinho em espaço cultural,
assim como as primeiras exposições.
Eu praticamente cresci onde é hoje o Espaço Cultural São Francisco. Aqui
antes era o que a minha mãe criou o chamado Armarinho São Francisco. Ela
nasceu em São João dos Patos, Maranhão. Quando veio pra cá, ela começou
e se envolver com comércio, e ela montou esse armarinho 35 anos atrás,
aqui no Mafuá. Mesmo depois que ela faleceu, nós continuamos com o
espaço, com suas características originais, nós mantemos o armarinho do
jeito praticamente que a minha mãe deixou, então eu procuro conservar
todas as características originais de quando a minha mãe trabalhava aqui, os
móveis que estão aqui foram feitos pelo meu pai, as máquinas de cobrir
botão são as que a minha mãe usava [...], eu continuo aqui ainda, continuo
mantendo o armarinho e, a partir do ano de 2001, começamos a fazer o
Espaço Cultural São Francisco de Assis, eu conservei o nome que a minha
mãe deu, mas, quando começou ainda não tinha esse formato de espaço
cultural. Foi a partir de um acervo de artes plásticas que eu tinha de artistas
piauienses, que resolvemos colocar na parede do armarinho e, aos poucos,
naturalmente, as pessoas que freqüentavam o armarinho foram achando
interessante aquilo, entendeu, a achar bonito e assim o espaço foi cada vez
mais se abrindo [...]. A primeira exposição aqui foi do Ací Campelo,
morador aqui mesmo do Mafuá, mas foi uma exposição muito precária, não
tava ainda com a parede para exposições, entendeu, o tava ainda com a
cara de um espaço, tava assim meio que desarrumado ainda, foi aos poucos
naturalmente que o espaço começou a ficar formatado. Assim, nós achamos
a necessidade de abrirmos uma parede só para exposições [...]
49
.
49
SILVA, Cícero Manuel da Cunha. Entrevista concedida a Francisca Lidiane de Sousa Lima. Teresina, 2006.
Foto 28: O artista plástico Cícero Manoel, no Espo
Cultural São Francisco, na Rua Lucídio Freitas, no
bairro Mafuá.
Fonte: Acervo pessoal de Lidiane Lima. Teresina, ago. 2006.
Foto 29: Espaço Cultural São Francisco em sua
variedade cultural de livros, objetos de arte e
fotografias.
Fonte: Acervo pessoal de Lidiane Lima. Teresina, ago. 2006.
82
Ao se consolidar o pequeno armarinho como espaço cultural, as exposições
começaram a ser realizadas anualmente, como a exposição “Todas as Cores de Teresina”,
ocorrida no ano de 2005 (Foto 28), com uma segunda versão em 2006 (Foto 29). Hoje
ocorrem mensalmente, visando oferecer à população que mora, trabalha e freqüenta o bairro
lazer e cultura, mas, sobretudo, manter “viva” a memória do Mafuá.
[...] ao colocamos o armarinho para um lado e o outro lado para
exposições, que começaram a ocorrer de ano em ano, nós abrimos a
exposição do Gabriel Arcanjo, em 2003. Em 2005, abrimos a exposição
Todas as Cores de Teresina, que, em 2006, fizemos uma segunda versão
dessa exposição, aqui no espaço [...], as exposições hoje o feitas
mensalmente, nosso interesse é que, a cada mês, o espaço tivesse algo
diferente para oferecer às pessoas que freqüentam, moram e trabalham no
bairro [...]. É um caso de amor, que eu tenho com esse espaço aqui [...] nós
temos hoje o Espaço Cultural São Francisco, que mantém viva praticamente
a memória, a parte cultural do Mafuá [...], nós temos uma biblioteca aberta
ao público, em que nós temos livros de arte, literatura, entendeu, nós temos
fotos antigas de Teresina, fotos antigas do Mafuá, enfim o nosso único
problema é que nossa estrutura é pequena em termos físicos, eu acho que
isso aí é o grande charme do espaço [...]
50
.
50
Idem.
Foto 30: Cartaz de abertura da exposição
“Todas as Cores de Teresina”, ocorrida no
ano de 2005, no Espaço Cultural São
Francisco, no bairro Mafuá.
Fonte: Acervo pessoal de Cícero Manoel.
Teresina, ago. 2005.
Foto 31: Pinturas e fotografias da segunda versão da exposição
“Todas as Cores de Teresina”, ocorrida no ano de 2006, no
Espaço Cultural São Francisco, no bairro Mafuá.
Fonte: O DIA. Teresina (PI), 22/07/2006, p. 3.
83
Esse pequeno cantinho no coração do Mafuá, que é o Espaço Cultural São
Francisco, tem a sua importância por mostrar, mais uma vez, que o bairro, tem uma cultura e
uma memória que se afirma “[...] pela capacidade de assegurar permanências, manifestações
sobreviventes de um passado muitas vezes sepultado, sempre isolado do presente pelas muitas
transformações [...]”
51
. Desse modo, o Mafuá passa a se revelar como um espaço em que
cultura e lazer sempre andam juntos.
51
PINTO, Júlio Pimentel. Os Muitos tempos da Meria. op. cit., p. 207.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao tomar como objeto de estudo o bairro Mafuá, que, no início do século XX, se
revelou como um novo espo dentro da cidade de Teresina, objetivou-se analisar as rupturas,
principalmente em sua estrutura urbana e econômica, no período de 1970 a 1990. Na parte
urbana, destacamos algumas mudanças ocorridas nos anos de 1970 e 1980, quando o Mafuá
foi palco de obras de infra-estrutura, como ampliação do sistema de iluminação pública,
saneamento e asfaltamento. Já no final de 1980 e início de 1990, o bairro, por se localizar nas
imediações da linha férrea, teve a sua configuração espacial modificada, após a retirada de
casas e alguns estabelecimentos comerciais para as conclusões das obras do pré-metrô de
Teresina, que vieram a marcar a memória de quem viveu esse momento. Assim, foi possível
observar que esse fato provocou, sobretudo, uma perda de identidade com o local, como
morador e freentador desse espaço.
Observamos que as rupturas urbanas ocorridas no Mafuá, de 1970 a 1990,
contribuíram para mudanças econômicas, a partir do aumento de casas comerciais, as quais
modificaram a estrutura física e proporcionaram um melhor desenvolvimento comercial do
bairro, fazendo com que o Mafuá se transformasse nos anos 90, em um bairro praticamente
independente, pela sua nova estrutura comercial, com a implantação de agência bancária,
supermercados e armazéns de pequeno e médio porte, se moldando, portanto, como uma
“outra cidade” dentro de Teresina.
Mesmo com as mudanças ocorridas no período estudado e o conseqüente
desenvolvimento do Mafuá, as permanências sobreviveram, quanto ao modo de vivenciar
cotidianamente o bairro. Isso foi verificado tanto em relação às próprias práticas cotidianas do
comércio, que ainda permanecem de forma rudimentar, com as calculadoras de bolso e as
velhas cadernetas de anotações, como também no movimento diário de pessoas no
desenvolver de suas práticas de uso e consumo, mas, principalmente, pelo bom
relacionamento social entre vizinhos.
85
Ao depararmos com os principais espaços de sociabilidade e de consumo do
Mafuá, como o mercado e as feiras-livres, ou melhor, o conhecido Mercado e Feiras do
Augusto Ferro, verificamos que, ao se consolidarem como espaços de consumo,
necessariamente públicos, passaram a dar grande visibilidade comercial ao bairro, que atrai
diariamente centenas de pessoas vindas de bairros próximos e distantes do Mafuá, permitindo,
em seu cotidiano, uma extensa rede socialização, com novas relações de vivências. Ainda foi
possível percebermos como espo de sociabilidade e de consumo do Mafuá, sobretudo nos
anos 70 e 80, os antigos restaurantes, como o de Maria Tijubina, o qual veio a marcar a
história do bairro ao se transformar em um movimentado e freqüentado restaurante de artistas,
poetas, cantores e boêmios.
E por fim, fomos ao encontro da cultura e do lazer no bairro, que, por andarem
sempre juntos, trazem para cena toda uma memória, revelando um Mafuá cheio de histórias e
de vivências. Assim, trouxemos para o nosso estudo, o carnaval de rua do Mafuá, que, no
período compreendido entre 2000 e 2005, divulgou e revelou as vivências dos seus antigos
moradores, como a do comerciante Augusto Ferro, que deixou a sua contribuão na parte
econômica do bairro, com o mercado e as feiras-livres. Nesse aspecto também o Espaço
Cultural São Francisco, que apesar de antigo no bairro, começando apenas como um simples
armarinho de vender linhas e botões, se definiu como um espaço de cultura e lazer,
divulgando e preservando a memória do Mafuá, contribuindo dessa forma, para enriquecer a
história de um espaço-palco com tanto ainda a dizer.
Para montar toda a nossa trama, em torno das rupturas ou mudanças no urbano e
na economia, além das permanências, do lazer e da própria cultura, no período de 1970 a
1990, e chegar a essas conclusões, mesmo com todas as dificuldades, em decorrência da
incipiente bibliografia sobre essa temática, principalmente a nível local, foi necessário
trabalhar com a memória dos mais antigos moradores, trabalhadores e freqüentadores do
Mafuá, que a partir das suas experiências passadas com o bairro, demonstraram um Mafuá
cheios de histórias, deltiplas vivências e identidades.
Nesse sentido, o uso da História Oral como método/técnica foi de extrema
relevância na concretizão deste trabalho, uma vez que foi através dessa metodologia que as
narrativas das experiências dos sujeitos vieram à tona, ajudando na construção da história do
bairro Mafuá, na cidade de Teresina.
86
Ao lançar um novo olhar sobre o Mafuá, percebeu-se um cotidiano cheio de
vários significados e de representações, a partir do qual chegamos à conclusão de que o bairro
é um espo plural, diversificado não só pelo comércio, mas também por ser um espaço onde
se articulam identidades, vivências, cultura, lazer e, principalmente, muitas memórias.
Esperamos que este trabalho seja relevante, no sentido de que, se torne mais uma
referência para aqueles que desejam conhecer a história do seu pprio bairro, desvendando, a
partir de um simples cotidiano, significados que merecem vir à tona, contribuindo, assim, para
enriquecer a história de uma Teresina repleta ainda de vários espaços a serem explorados e
conhecidos pelos seus habitantes.
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APÊNDICE – A
TRANSCRIÇÃO DE ENTREVISTA
Nº 01
ENTREVISTADO: Francisco Ventura Dias de Morais – “Diola” (F.M)
IDADE: 73 anos
PROFISSÃO: Barbeiro
ENTREVISTADORA: Francisca Lidiane de Sousa Lima (F.L)
DATA DA ENTREVISTA: 28/01/2003
Fonte: Acervo pessoal de Lidiane Lima.
[FITA 1 – LADO A]
F.L Quando o senhor chegou aqui, como era o bairro Mafuá? De 1970 a 1990, as obras de
infra-estrutura eram visíveis, ou seja, se já existia nesse peodo, no bairro, calçamento,
asfalto, água encanada e saneamento?
94
F.M Comecei a trabalhar aqui em 1954, vai fazer 48 anos. Quando eu cheguei aqui, na
década de 50, era cheio de quiosques de madeira, não tinha nada, não tinha calçamento, era só
areia, buraco e lama, misturado com animais, então era uma desordem total. o tinha muro
tudo era de tábua de buriti. Então não tinha nada, e pouco a pouco coisas só foi melhorando,
onde era o mercado era uma quinta de pé de caju, pé de manga, pé de laranja, e tinha
também o restaurante do seu Padre Cícero. Na década de 70, foi a onde tudo começou a
melhorar, tiraram os quiosques de madeira, asfaltaram as ruas, foi melhorando, saiu a serraria,
veio o supermercado, foi melhorado, o comércio foi crescendo e se organizando, sem
aquela sujeira toda que existia no bairro. Com o governo de Helvídio Nunes, foi que deu uma
melhorada na parte urbana do bairro, que a rede elétrica, a água encanada a rede de esgoto,
isso já foi no governo de Alberto Silva.
F.L – E por que o nome Mafuá?
F.MÉ Mafuá, porque segundo um policial antigo, com mais de 80 anos, uma certa vez me
disse, que era porque tinha uma festa aí, um forró, todos os sábados tinha festa, nesse forró,
barraquinha de palha e o piso era bruto, quando dava umas horas da noite, a poeira cobria por
cima, aí começaram a chamar de fuá, desse fuá surgiu o Mafuá.
F.L Em termos de urbanização, o senhor percebeu mudanças no bairro? Se o viaduto
continua o mesmo, a praça, ou seja, o que mudou ou foi modificado de 1970 a 1990?
F.MO bairro foi crescendo, e melhorando, no tempo em que veio a Estrada de Ferro. Até o
final da década de 40, derrubaram a ponte de madeira e construíram na década de 50, uma de
cimento muito ruim, essa foi a segunda ponte, aí quando chegou no final da década de 70, que
foi na prefeitura de Bona Medeiros, eles derrubaram a ponte de cimento e construíram esse
viaduto, que foi concluído na década de 80. A construção da praça foi na década de 90,
banco, loterias, armazéns, grandes comerciantes, tudo surgiu na década de 90, o que não
tinha. O metrô é década de 90. O pessoal que morava aí, próximo ao metrô, foi tirada as
casas e pagaram indenização e foi levado todo mundo, para próxima a CEFAT (Quartel de
Polícia), para poder aprofundar e ampliar a construção do metrô, isso no governo de Alberto
Silva.
95
F.L Sobre o Mercado do Mafuá, quando foi construído? Qual a sua origem? Passou por
alguma reforma de 1970 a 1990?
F.MEm 1966, a prefeitura, no tempo do Hugo Bastos, fizeram o mercado trazendo da Rua
Amazonas pra cá, porque o terreno era no aberto, no ar livre, onde tudo era misturado, tinha
fruta, verdura, carne e aqui na Rua Lucídio Freitas, o terreno era grande e mais estruturado.
Com a instalação do mercado foi que se deu o crescimento do bairro, se instalaram os pontos
comerciais que não tinha, aí veio esses mercadinhos, isso no final da década de 70 e início da
década de 80, melhorou muito, com isso o comércio cresceu bastante. Aqui hoje, é
freentado por muita gente, o bairro vem melhorando e chamando gente de muitos lugares, e
já tem muita gente com comércio aqui, nosso comércio aqui é muito bom. O movimento aqui
é maior nos finais de semana, pois você sabe no comércio é assim cheio de altos e baixos, dias
melhores, dias ruins. A única reforma que fizeram aí, foi quando o mercado de fruta era em
aberto. No governo do Coronel Jofre Castelo Branco, foi que fizeram esse mercado de fruta,
primeiro veio mercado da carne em 1966, depois o Coronel Jofre Castelo Branco, fez uma
reforma nos boxes, e melhorou bastante. O mercado o é Augusto Ferro, é Tersandro Paz,
sem medo de errar, o pessoal pegaram a mania, porque veio lá defronte do Augusto Ferro,
quando era aberto, lá na rua Amazonas não era mercado, era uma feira.
F.L – Quais os restaurantes que existiram no bairro, de 1970 a 1990, além da Tijubina?
F.M Dos restaurantes antigos que existia no Mafuá, além do da Tijubina, eu lembro que
tinha o do Sapucaia, o do Mãozinha e o mais antigo de todos, o do Manoel Ramos, que ficava
ali próximo ao cemitério São José.
APÊNDICE – B
TRANSCRIÇÃO DE ENTREVISTA
Nº 02
ENTREVISTADA: Maria Ambrósio da Silva – “Maria Tijubina” (M.S)
IDADE: 77 anos
PROFISSÃO: Comerciante e cozinheira
ENTREVISTADORA: Francisca Lidiane de Sousa Lima (F.L)
DATA DA ENTREVISTA: 15/06/2003
Fonte: Acervo pessoal de Ací Campelo.
[FITA 4 – LADO A]
F.L Quando a senhora chegou aqui, como era o bairro Mafuá? De 1970 a 1990, as obras de
infra-estrutura existiam nesse período, no bairro, como calçamento, asfalto, água encanada
e saneamento? Se houve mudanças, se o viaduto, a praça, o mercado continuam do mesmo
jeito, desde quando a senhora chegou aqui?
M.S Eu vim de Parnaíba, quando tinha 38 anos, eu tô com quase quarenta anos que moro
aqui no Mafuá. Quando a gente veio pra cá, não tinha nada, só tinha uma ponte de madeira aí
97
caiu e fizeram uma de ferro, mas não sei em que governo. O Coronel Jofre foi quem construiu
o mercado. Do Coronel Jofre pra cá, foi que veio o calçamento, a mudança do Augusto Ferro
para o mercado.
F.L – Me fale sobre seu restaurante?
M.S Antigamente o meu restaurante era onde é a Praça do Augusto Ferro, era um terreno
grande, vazio, começei a construir minha casa, que era também meu restaurante, e ali eu
vendi durante 22 anos. Por causa do metrô, o Alberto Silva tirou meu restaurante dali e
também muitas famílias. O Alberto Silva construiu um terreno na Ilhotas, e construiu
muitas casas e colocou todo mundo lá, eu fui também indenizada pelo governo, mas como eu
não queria sair daqui, comprei esta casa aqui, na Rua Amazonas, e continuei com o meu
restaurante aqui mesmo no Mafuá. Antigamente meu restaurante era aberto quase que 24
horas, hoje o movimento fraco, mas aqui vinha o pessoal de Teresina quase todo, desde a
classe baixa até o pessoal chique. Eu ainda sou a única de todos que ainda mora aqui no
Mafuá e também muito conhecida em quase toda Teresina.
F.L – E por que lhe chamam de Tijubina?
M.S – Porque (risos), quando eu era criança, eu era muito rápida pra fazer danação, aí meu pai
começou a me chamar de Tijubina, e até hoje sou conhecida como Maria Tijubina. Você não
conhece uma Tijubina? É um lagarto pequeno e rápido que se arrasta pelos muros.
APÊNDICE – C
TRANSCRIÇÃO DE ENTREVISTA
Nº 03
ENTREVISTADO: Ubirani de Sousa Rocha (U.R)
IDADE: 38 anos
PROFISSÃO: Ex-secretário da Secretaria Municipal de Projetos Estruturantes, ex-presidente
da associação de moradores do bairro Mafuá, quando promovia eventos culturais no bairro,
como o carnaval de rua, com o bloco Tijubina do Mafuá.
ENTREVISTADORA: Francisca Lidiane de Sousa Lima (F.L)
DATA DA ENTREVISTA: 18/03/2003
Fonte: Acervo pessoal de Lidiane Lima.
[FITA 3 – LADO A]
F.L – Qual a origem do bairro Mafuá? Porque o bairro tem esse nome?
99
U.R – O bairro Mafuá, ele praticamente nasceu com a cidade de Teresina, que agora no dia 16
completa 150 anos, o primeiro bairro que é conhecimento de todos, foi o bairro Poti, que
era uma vila de Poti, e logo depois vindo do rio Poti, se achou aqui no bairro Mafuá. As
primeiras pessoas que começaram a colonizar o bairro, surgiu com uma feira, que é aqui do
mercado, quando começou essa feira a 15 anos atrás, o bairro passou a receber as pessoas e a
fazer o comércio, de aves, de carne, de alimentação de produtos alimentícios. E o bairro
Mafuá vem destacando ao longo do tempo, por ser um bairro de berço cultural. Várias pessoas
que já fizeram cultura na nossa cidade e no nosso Estado, nasceram no bairro Mafuá. É
importante destacar a Rua Ludio Freitas, que é a principal rua, que é a rua que passa no
Mercado do Mafuá é a rua onde está à rádio Irapuan, que é uma rádio da comunidade. Lucídio
Freitas, foi o primeiro escritor da Academia Piauiense de Letras, que já tem mais de 100 anos.
E nós podemos destacar dentre outras pessoas que por aqui moraram e moram, Gabriel
Arcanjo, que é um artista plástico contemporâneo, o Cícero Manoel, Paulo Moura que é um
cartunista, dentre outros. A origem do bairro nasceu com a colonização de Teresina, quando
se forma a vila do Poti e logo começaram a vir de do rio, que era o berço do encontro das
águas de Parnaíba e Poti, vieram de rumo ao centro, fazendo assim comércio. Existia uma
bagunça no bairro,onde as ruas eram cheias de lama, animais por todos os lados, existia na
verdade uma bagunça, então por que o nome Mafuá, Mafuá significa desordem aquele
amontoado de coisas sem uma organização do nome Mafuá.
F.L De 1970 a 1990, as obras de infra-estrutura eram visíveis, ou seja, se existia nesse
período, no bairro, calçamento, asfalto, água encanada e saneamento?
U.R – A urbanização do bairro é da década de 70 pra cá, que foi quando chegou o
calçamento, as ruas foram calçadas até então, as ruas era piçarra, existia muito lamaçal. Então
em 1970, veio o calçamento, em 1976, as ruas foram asfaltadas no bairro. Na década de 80,
com o crescimento da cidade, iniciou-se o sistema de iluminação pública no bairro, e também
as obras de saneamento básico como, a rede de esgoto. Sobre a iluminação elétrica, a
iluminação elétrica surgiu na cada de 70, a energia elétrica chegou ao nosso Estado em
1968, e existia aqui no Mafuá, postes de madeira, aqui também ainda existia uns portes de
ferro, já que existia uma associação, um convênio entre a REFSA, que era comum os trens
passarem aqui, que corta o bairro Mafuá, e alguns pedaços de ferro serviu também para
intercalar os postes de madeira nas ruas do bairro. Iluminação surgiu em 1970, assim chegou a
100
televisão, através da TV Ceará, e daí em diante a iluminação foi melhorando. A construção da
rede de esgoto, no bairro melhorou quando foi feita uma obra subterrânea, durante o governo
do Mão Santa, que atendeu todo o bairro, nós temos esgotos no Mafuá, onde as casas jorram
seus esgotos no Projeto SANEAR. O metrô é outro ponto importante para o bairro, na década
de 80, a linha do trem passava por cima não existia aquele buraco que foi feito. Então no
segundo governo de Alberto Silva, em 1986, ele fez esse projeto, e em 1990, ele fez aquele
canal e colocou o metrô de Teresina, que a sua central fica na REFESA. Beneficiou o bairro,
porque foram feitos alguns viadutos, pra ligar o centro da cidade ao Mafuá. Mas prejudicou
em outro ponto, porque algumas ruas ficaram muito distantes desses viadutos, algumas
passagens, que hoje lutamos pra que hoje sejam feitos novos viadutos como a Rua Arêa Leão,
a Rua Quintino Bacaiúva e da Rua Sete de Setembro. Mas nós temos uma garantia do
Presidente da Campanha Metropolitana de transportes, doutor Hebert Matos, que o Mafuá vai
ganhar uma estação de Metrô, prevista para daqui no máximo dois anos, acredito que essa
estação vai beneficiar muito o bairro, porque vai atrair turistas, vai atrair o comércio e vai dar
condições para as pessoas se deslocarem do Mafuá para diversos pontos da cidade. Naquele
tempo, com a construção do metrô, foi tirada dali da Praça do Mafuá, a Maria Tijubina, que
tinha um restaurante típico, o Sapucaia, então essas pessoas, foram prejudicadas e inúmeras
outras famílias, que moravam ali na região Ribeirinha, onde passava a linha do trem. Mas o
metrô ainda ficar por desejar.
F.L Sobre o mercado e as feiras do mafuá, quando surgiu? Houve alguma reforma no
mercado, nesse período de 1970 a 1990?
U.R O mercado do Mafuá é da década de 60, sendo o grande atrativo do bairro, o mercado
onde lutamos para que seja reformado. O mercado Augusto Ferro, assim como as feiras, no
meu entender é onde se come se compra as comidas, se distribui renda. O bairro Mafuá é
altamente, um bairro praticamente independente, nos temos agências bancárias, clínicas, nós
temos uma rádio que serve também a comunidade, que serve também como vinculo de voz,
que se distribui as informações necessárias, tanto na parte cultural, como também no dia-a-dia
de cada morador e no comércio local. Então é um bairro comercial, ele gera renda, distribui
renda porque é através de seu comércio que boa parte dos moradores do bairro, mas também
de moradores, principalmente, da zona rural que vem trabalhar no mercado e nas feiras. O
mercado recebe pessoas que vendem frutas, verduras e isso o distribuídos pela CEASA, ou
o produzidas por pessoas que plantam na zona rural de Teresina. Então são várias as
101
pessoas que se deslocam para vender os seus produtos, são pessoas que moram em bairros
distantes, pra vender os seus produtos, dentro e fora do mercado do Mafuá, podemos citar,
pessoas que vêm da Santa Maria da Codipi, Cidade Jardim, Socopo, Mafrense, Poti Velho
do Dirceu, o pessoal da horta do Dirceu, do Povoado Alegria, Santa Rosa, Nova Laguna.
Então praticamente todos vêm para o mercado do Mafuá.
F.L Com relação a cultura do bairro, como o carnaval de rua, com o famoso bloco Tijubina
do Mafuá, quando começou? O que se pretende resgatar?
U.R Com relação à cultura do bairro, o carnaval hoje, é o que nós conseguimos resgatar
algum tempo, com a banda Ubirani, a banda que agente fez a partir de um movimento com os
moradores, em que a gente resgata aquelas marchas carnavalescas nesse período de 50, 60 e
70, que hoje o se toca mais nos clubes, hoje tudo é axé, hoje tudo é trio elétrico. E a banda
do Ubirani, ela se concentra dentro do Mafuá e ela sai quatro sábados que antecede o carnaval
todos os anos percorrendo as ruas do bairro Mafuá, vai também ao Marquês, a Vila Operária,
o Porenquanto e retorna ao bairro Mafuá; trazendo uma multidão atrás da banda. Eu acredito
que esse ponto da banda do Ubirani, é o ponto de resgate na cultura do carnaval de Teresina.
Os blocos eles vem de longas datas, e o bairro Mafuá é o berço da cultura de Teresina e
aqui existem pessoas com histórias incríveis, como a da cozinheira e dona de restaurante no
bairro, Maria Tijubina. O Tijubina foi criado em 2001, foi com a união dos moradores né, que
a gente teve essa idéia, a Maria Tijubina, ela era viva na época né, e a gente queria
homenagear uma pessoa viva. Então pra nós moradores do bairro Mafuá, ela foi o ícone na
culinária, era cozinheira era uma mulher pobre, que colocou seu restaurante perto do viaduto
do Mafuá, e ali ela vendia as suas iguarias. O seu tempero atraiu muita gente na década de 70
e 80, como a saudosa cantora Elis Regina, Gilberto Gil, Caetano Veloso e Alceu Valença.
Dona Tijubina foi a primeira grande homenageada pelo bloco, no samba-enredo de 2001 então
nós resolvemos homenagear essa senhora, a Maria Tijubina. surgiu a Tijubina que veio
bem forte, porque ele tinha uma interpretação e enredo próprio. Em 2001, com o lançamento
da Tijubina, nós homenageamos a própria Maria Tijubina, né, daí ficou o nome do bloco
Tijubina do Mafuá, no ano seguinte, em 2002, nós homenageamos o Wortigern Rocha, meu
pai, o Wortigern foi jogador de futebol, era funcionário público do Estado, da COMDEPI, e
gostava de samba, de beber, de com aquele movimento do Mafuá, então a onde zoada de
carnaval, o Wortigern saía. Chegou ao bairro na cada de 20, ele nasceu praticamente ali,
próximo ao mercado, e veio a falecer em 1976, tinha 64 anos. Eu posso destacar que na
102
década de 50, o Wortigern Rocha, fazia fantasias criativas e ao mesmo tempo, críticas em
relação ao governo da época, sendo considerado, portanto, um crítico-social, e também
ganhando rios títulos de fantasias originais do carnaval de Teresina. O Wortigern Rocha
saía nas ruas do bairro e ia até onde se apresentava, o carnaval na época, na Antonino Freire,
na Praça Pedro II, levando sempre uma crítica, ou com relação, a lamparina ou com relação a
luz elétrica da Barragem de Boa Esperança, com relação aos índios que ainda existiam em
Teresina naquele, período da década de 50. O papai, na verdade, quando ele brincava o
carnaval ele gostava de sair fantasiado criticando alguma coisa do momento, por exemplo, em
1965 chegou a energia elétrica no Piauí com a barragem de Boa Esperança, então ele fez uma
crítica positiva ao governo, ao mesmo tempo, ele criticava o fim da lamparina, já que vivia às
escuras, um momento marcante foi quando fizeram a caixa d’água, aquela caixa d’água azul,
lá do morro da Esperança foi quando chegou a água na Zona Norte, que é a nossa caixa d’
água, que abastece o Mafuá e os bairros vizinhos. Ele fez uma crítica a Agespisa, ele fez uma
crítica também ao fusca, quando foi lançado o fusca, na década de 70, já que o fusca era uma
novidade na década de 70, tinha sido lançado e poucas pessoas tinham condição de comprar
um fusca, então ele como tinha vontade de ter um, ele fez o “Meu Fusca”. E nesse ano de
2003, nos homenageamos o Zeca Couro Velho, foi fundador da escola Império do Samba em
1958, Zeca Couro Velho, foi magarefe durante trinta anos no Mercado do Mafuá e
funcionário público municipal. Na década de 60, foi o auge do Império do Samba, o Império
do Samba, o seu criador, o seu empresador foi o Zeca Couro Velho, ele era magarefe do
Mercado do Mafuá, e gostava de batuque, de roda de samba, foi quando ele fez a escola de
samba, o Império do Samba, ele reuniu os moradores, reuniu os magarefes, os feirantes do
mercado do Mafuá, e fez essa escola né. O Império do Samba acabou por falta de incentivo
mesmo, de apoio por parte dos órgãos governamentais né, ele era um homem pobre era um
homem que vivia da sua venda no mercado, então ele não teve aquela condição para bancar,
porque ele bancava, com os poucos recursos que ele tinha a sua escola, então ficou muito
difícil de dar continuidade à sua escola. Já para 2004, nós vamos homenagear um Juiz de
direito falecido, o doutor Joaquim Lopes da Silva que morou no bairro e seus filhos
continuaram morando no bairro.
[FITA 3 – LADO B]
F.L E sobre o comerciante Augusto Ferro, o que você sabe sobre a sua vivência no bairro
Mafuá?
103
U.R O que nós temos de conhecimento do Augusto Ferro, foi um morador que chegou na
década de 30, no Mafuá, quando instalou um comércio, onde ele vendia os seus produtos, ele
vendia alumínio, vendia querosene, vendia essas coisas de casa, panela, no próprio bairro, ali
na rua Amazonas com Gabriel Ferreira, logo depois, surgiu o picolé Amazonas. Então, ele
foi o primeiro comerciante que levou lá da Gabriel Ferreira com a Amazonas o seu comércio
pra dentro do Mercado. De dia era comerciante, e a noite era boêmio, então ele praticamente
abriu o comércio, dando origem ao Mercado do Mafuá comercializando os seus produtos.
F.L Pelas observações feitas em torno da cultura, da economia, do próprio crescimento
urbano do bairro, o que você espera, ou melhor o que o bairro pode lhe proporcionar, para
você como morador do Mafuá?
U.R – O Mafuá atualmente é um bairro que precisa passar até mesmo do significado que é da
desordem, precisa ter um ordem, precisa ter uma ajuda o só do poder público estadual e
municipal, mas precisa se conscientizar, e nós estamos trabalhando muito nesse sentido para
que os moradores e comerciantes possam acelerar esse processo, esse processo de formação e
desenvolvimento do bairro. Hoje, estamos solicitando a reforma do mercado, que é um
mercado sujo, é um mercado que atrai muitas pessoas, mas as pessoas reclamam pela falta de
urbanização, de saneamento, cobram taxa para usar o banheiro, um absurdo, eu aqui quero
aproveitar e criticar a administração do mercado. E a feira em si, é uma feira excelente, mas
imunda, então as pessoas ali não tem aquela conscientização de ter esse trabalho, mas nós
acreditamos que com o apoio dos moradores, nós vamos conseguir junto a Prefeitura, e ao
Governo do Estado, a garantia de reformar o mercado de reasfaltar as ruas que estão
emburacadas, e realizar o nosso grande sonho, de construir três viadutos ligando o Mafuá ao
centro da cidade, que são os viadutos da Arêa Leão, Quintino Bacaiúva e sete de setembro. Eu
acho que o Mafuá, ele pode, é meu sonho, e eu tenho certeza que o sonho da maioria dos
moradores, ser um bairro pólo, ser um bairro onde vai ser recebido turistas e a gente pode
sonhar alto, se todos sonharem juntos, mas é preciso a participação de cada morador. E você
trabalhar com comunidade é a uma coisa bem difícil, mas nós acreditamos muito na vontade
dos moradores.
APÊNDICE – D
TRANSCRIÇÃO DE ENTREVISTA
N
0
: 04
ENTREVISTADA: Jerônimo Rodrigues Alves (J.A)
IDADE: 79 anos
PROFISSÃO: Policial militar aposentado
ENTREVISTA: 19/06/2005
ENTREVISTADORA: Francisca Lidiane de Sousa Lima (F.L)
DATA DA ENTREVISTA: 15/06/2003
Fonte: Acervo pessoal de Lidiane Lima
[FITA 8 – LADO A]
F.L Qual a sua relação com o bairro, ou seja, possui uma certa identidade com o bairro, no
sentido das festas, amigos, o comércio, por ter nascido, crescido e vivido no Mafuá, daí a forte
ligação de pertencimento ao bairro?
105
J.A Aqui na Avenida. Miguel Rosa, não é Mafuá, mas o relacionamento é muito grande, é
tanto que sem a prefeitura aprovar, muita gente pensa que mora no Mafuá. Essa área aqui, a
Avenida Miguel Rosa, de baixo, na Rua Jônatas Batista, até mais em cima, perto da ponte
não é, Mafuá é depois da ponte. A minha família se relaciona muito com a zona sul da
cidade, o meu relacionamento social e familiar, é mais na zona sul da cidade de Teresina. Eu
moro aqui perto do Mafuá, eu compro aqui, gasto o meu dinheiro que eu ganho aqui.
F.L Existe algum momento(s) do qual se recorda importante (cultura, economia, infra-
estrutura etc.), com relação ao Mafuá, no período de 1970 a 1990, que contribuíram para o
crescimento do bairro?
J.A A parte de educação e construção de escolas, asfaltamento do bairro todinho,
encerramento das obras do mercado público, energia elétrica, alguns calçamentos. O metrô
também contribuiu para o crescimento do bairro, nós temos visitantes aqui diariamente de
pessoas que vêm ao bairro Mafuá, especialmente para a parte de mercado público, e o
comércio está ao redor do mercado público, nós temos uma multidão de pessoas que vêm
fazer compras aqui no Mafuá. O metrô no começo deu muita confusão porque algumas
pessoas foram indenizadas outras não, mas que hoje é problema superado pela população. As
festas eu não conheço no bairro, raramente eu vou, mas eles tem um bloco aqui, bem típico,
que é o bloco da Maria Tijubina. A Tijubina que tinha restaurante bem aqui perto, logo depois
da ponte, onde á a praça, é que era o estabelecimento comercial dela. Aí depois, ela mudou-se
desceu um pouco mais pra Rua Amazonas, mas hoje eu não sei, se existe mais o restaurante,
porque a Maria Tijubina morreu, há uns 2 anos.
F.L Fale-me da parte econômica do bairro, ou seja, do mercado, das feiras, das atividades
comerciais de um modo geral.
J.A – No Mafuá, as casas comerciais, que ainda funcionam de 70 pra cá, são os mercadinhos o
Major, o Uchôa, o Nivaldo, o armarinho Casa Forte, que pertence a Dona Maria Fortes, o
picolé Amazonas, da família do Augusto Ferro, as barbearias do seu Diola e do seu Antônio e
a lanchonete G. lanches, são os mais antigos do bairro. Quando eu cheguei aqui nesta área em
1954, a verdade é que existia o mercado público aqui do Augusto Ferro, e foi um dos
pioneiros na parte comercial do Mafuá, foi o Augusto Ferro, que veio a falecer depois,
deixando um patrimônio, até invejável. Cheguei a conhecer o Augusto Ferro, ele era
106
funcionário público federal do INSS, e nas horas vagas ele trabalhava de comerciante e se
dava muito bem e tinha um patrimônio invejável. Reformas no Mercado eu sei que houve
pelo menos três, era deste tamazinho, e foi aumentando e hoje tem esse pedaço . O mercado
público apenas é envolvido pelas edificões particulares, como o Nivaldo, o Major e outros,
ou seja, cada um tem à sua parte.
F.L – Como você definiria o Mafuá?
J.A Eu como freqüentador do bairro 51 anos, posso dizer que o Mafuá é um bairro que
está permanentemente em crescimento, justiça seja feita, hoje esta para se morar melhor do
que no passado, porque no passado existia mais arruaças, mais desentendidos, com as famílias
que ficavam aqui e as famílias que moravam nas laterais do bairro Mafuá. Com passar do
tempo os arruaceiros foram ficando de fora da vida do bairro Mafuá. Observando o Mafuá
hoje, é uma área de sucesso, de muito sucesso, especialmente na parte da man, quando o dia
amanhece, você já vê movimento nas laterais do Mercado do Augusto Ferro, tem carro que às
vezes a gente nem conta, e feirantes ao redor do mercado público e as centenas mercearias
que tem em torno do mercado, vem gente aí de todos os bairros fazer compras e trabalhar [...]
F.L – Sobre os restaurantes, e quais o senhor lembra, no período de 1970 a 1990?
J.A – Em 70 ainda existia alguns restaurantes no bairro, esse da Tijubina veio até a reforma da
praça, os outros eu não conheci, só mesmo a Tijubina.
F.L – O que o bairro ainda pode lhe proporcionar?
J.A O bairro está em forte progresso, ele vive às custas do teresinense de um modo geral,
vem gente de todos os bairros fazer compras, porque essa parte de cereais é ais barato do que
em até supermercados. Poderia ainda melhorar, se houvesse uma conservação do
asfaltamento, se fizessem uma renovação do serviço de esgoto, fizessem uma revisão no
emplacamento das ruas certo, nas sinalizações das ruas para melhorar o trânsito, tem muita
coisa que poderia ser feita, mas nada impossível de ser feito, até mesmo particular pode, por
que se nós fossemos depender do poder público municipal, nós estávamos ruins, somos nós
mesmos aqui da área, que ganhamos o nosso dinheiro e aplicamos o nosso dinheiro no dia-a-
107
dia do Mafuá é um leva e traz diário, todo dia eu mando meu dinheiro para o Mafuá, todo dia
vem as compras do Mafuá.
ANEXO – A
MAPA DO BAIRRO MAFUÁ
ANEXO – B
PRAÇA DO AUGUSTO FERRO, A PARTIR DO DECRETO LEI 074 – 28/05/1976
ANEXO – C
PROJETO DA PRAÇA DO AUGUSTO FERRO, NO BAIRRO MAFUÁ, DÉCADA DE
1990
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