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KARINE MAGALHÃES FERNANDES VIEIRA
O CORPO DA MULHER EM CORREÇÃO:
SUBJETIVIDADE E CIRURGIA ESTÉTICA
FORTALEZA
2006
FUNDAÇÃO EDSON QUEIROZ
UNIVERSIDADE DE FORTALEZA – UNIFOR
Vice-reitoria de Pesquisa e Pós-graduação - VRPPG
Centro de Ciências Humanas - CCH
Mestrado em Psicologia
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KARINE MAGALHÃES FERNANDES VIEIRA
O CORPO DA MULHER EM CORREÇÃO:
SUBJETIVIDADE E CIRURGIA ESTÉTICA
Dissertação apresentada à Coordenação do Curso
de Mestrado em Psicologia da Universidade de
Fortaleza - UNIFOR, como requisito parcial à
obtenção do título de Mestre.
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Leônia Cavalcante Teixeira.
Universidade de Fortaleza – UNIFOR.
Fortaleza
Universidade de Fortaleza – UNIFOR
2006
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__________________________________________________________________________
V658c Vieira, Karine Magalhães Fernandes.
O corpo da mulher em correção: subjetividade e cirurgia
estética / Karine Magalhães Fernandes Vieira. - 2006.
142 f.
Cópia de computador.
Dissertação (mestrado) – Universidade de Fortaleza, 2006.
“Orientação : Profa. Dra. Leônia Cavalcante Teixeira.”
1. Mulheres – Cirurgia plástica – Aspectos psicológicos. 2. Corpo e
mente.
3. Subjetividade. 4. Psicanálise. I. Título.
CDU 159.9:616.089.844-055.2
______________________________________________________________________
Dissertação intitulada, “O CORPO DA MULHER EM CORREÇÃO: SUBJETIVIDADE
E CIRURGIA ESTÉTICA” de autoria da mestranda Karine Magalhães Fernandes
Vieira. Aprovada pela banca examinadora, constituída pelos seguintes professores:
_______________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Leônia Cavalcante Teixeira – UNIFOR - Orientadora
_______________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Monah Winograd – PUC/ Rio de Janeiro
_______________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Clara Virgínia de Queiroz Pinheiro – UNIFOR
_______________________________________________________
Prof. Dr. Georges Daniel J. Bloc Boris - UNIFOR
_______________________________________________________
Prof. Dr. Henrique Figueiredo Carneiro
Coordenador do Curso de Mestrado em Psicologia – UNIFOR
Fortaleza, 11 de dezembro de 2006.
FUNDAÇÃO EDSON QUEIROZ
UNIVERSIDADE DE FORTALEZA – UNIFOR
Vice-reitoria de Pesquisa e Pós-graduação – VRPPG
Centro de Ciências Humanas – CCH
Mestrado em Psicologia
Dedico esta dissertação:
Aos meus pais, Maria Lúcia e Ornelito, que
com suas orações se fizeram presente
neste percurso. Aos meus irmãos,
Germana e Daniel, pelos seus exemplos
de vida.
Ao meu marido, Igor Pimentel Gomes F.
Vieira, por seu amor, incentivo, apoio, bem
como pela compreensão em minhas
ausências e cansaços no decorrer da
produção deste trabalho. Sou
imensamente grata!
A minha querida irmã, Andréa (em
memória), que imaginaria e espiritualmente
está sempre tão perto de mim.
AGRADECIMENTOS
Esta dissertação de mestrado é o coroamento de muitas aprendizagens de vida.
Hoje, posso dizer que sou uma pessoa diferente e mais feliz. Foi um trabalho tecido
em meio a muito amor, dedicação, disciplina e companheirismos. Por isto, eu tenho
muito a agradecer:
A Deus, que em sua imensa bondade, me fortaleceu e providenciou cada detalhe.
Aos meus sogros, Nilton e Ada, que, de forma tão carinhosa e efetiva, participaram
deste trabalho. A minha cunhada, Anya, pela colaboração e incentivo. Muito
obrigada!
À prof.ª Dr.ª Leônia, por sua orientação criteriosa e por seu amor à pesquisa.
Agradeço-lhe a paciência em guiar os meus primeiros passos como pesquisadora.
Sou muito grata!
A minha analista, Greize Pires Campos, que em sua escuta fecunda, me deu espaço
e tempo para elaborações valiosas para este estudo.
Ao médico Nilton Parron, que de forma dedicada colaborou com a pesquisa,
indicando a maior parte das participantes, bem como lendo e colaborando com o
texto. Obrigada!
Aos médicos Edilson Pinheiro e Agostinho Moura, pela colaboração na pesquisa.
Aos colegas professores da Universidade Federal do Ceará, da Faculdade de
Medicina, em especial ao Prof. Dr. Gerardo Cristino, pelo apoio e incentivo.
À coordenação do Mestrado em Psicologia da UNIFOR, na pessoa do Prof. Dr.
Henrique Figueiredo Carneiro, pela qualidade do curso.
Aos membros da Banca, pelas valiosas contribuições que tanto enriqueceram este
trabalho. Agradeço a imensa disponibilidade e dedicação.
À amiga Adriana Dall’Olio, por sua amizade e carinho, um dos tesouros encontrados
neste caminho. Agradeço pelas dicas, leituras e pela sua constante atenção para
comigo.
Às amigas Daniela e Michelinne, pela amizade, incentivo e carinho.
Às amigas Alexandra e Adriana Gurgel, pelas colaborações e as valiosas dicas.
E a todos aqueles que contribuíram, direta ou indiretamente, para o desenvolvimento
desse estudo.
Meu corpo não é meu corpo, é ilusão de
outro ser. Sabe a arte de esconder-me e é
de tal modo sagaz que a mim de mim ele
oculta. Meu corpo, não meu agente, meu
envelope selado, meu revólver de
assustar, tornou-se meu carcereiro, me
sabe mais que me sei. Meu corpo apaga a
lembrança que eu tinha de minha mente.
Inocula-me seu patos, me ataca, fere e
condena por crimes que não cometidos. O
seu ardil mais diabólico está em fazer-se
doente. Joga-me o peso dos males que
ele tece a cada instante e me passa em
revulsão. Meu corpo inventou a dor a fim
de torna-la interna, integrante de meu Id,
ofuscadora da luz que aí tentava espalhar-
se. Outras vezes se diverte sem que eu
saiba ou que deseje, e nesse prazer
maligno, que suas células impregna, do
meu mutismo escarnece. Meu corpo
ordena que eu saia em busca do que não
quero, e me nega, ao se afirmar como
senhor do meu Eu convertido em cão
servil [...] (Drummond, 1984, p. 7-8).
RESUMO
Na atualidade, existe uma supervalorização do corpo e de novos padrões estéticos,
como o da magreza, o da juventude e o da perfeição corporal, sendo estes
relevantes na configuração das relações sociais. O corpo constitui o principal espaço
de compreensão do sujeito, tomado principalmente em sua experiência de
exterioridade. Nas sociedades capitalistas, é considerado uma mercadoria que deve
estar sempre atualizada. Agrega-se a ele valor, esculpindo-o em academias de
ginásticas, clínicas estéticas e em centros cirúrgicos. Estes corpos, no entanto, são
também falantes e o presente estudo procura escutá-los a partir da Psicanálise
freudiana em diálogo com as áreas da Sociologia e da Antropologia. Objetiva-se
investigar as motivações que definem as experiências corporais das mulheres que
se submeteram à cirurgia estética e suas implicações subjetivas. Para tanto,
identificam-se as expectativas, afetos e repercussões psicossociais do corpo
modificado. Discute-se o lugar do corpo na atualidade, enfatizando que a
experiência corporal contemporânea está entrelaçada pela cultura do narcisismo e
do consumismo. A pesquisa é de cunho qualitativo, sem pretensões de
generalização estatística, tendo sido realizada com seis mulheres a partir de
entrevistas semi-estruturadas. Os relatos foram organizados e discutidos a partir de
três categorias de análise: o corpo carnal e o ideal estético, o olhar do outro,
feminilidade e a dimensão da falta. Foram observadas figurações de um corpo-palco
de prazer, beleza, satisfação, mas também, de insatisfações, incompletudes e mal-
estares: corpo insuficiente que se torna campo de batalha em busca da perfeição e
da plenitude. Depreende-se deste estudo a idéia de que, por meio da cirurgia
estética, as mulheres modificam seus corpos, buscando conquistar uma imagem
ideal diante do olhar do outro e experienciar a diversidade das sensações e
possibilidades corporais. Com esta pesquisa procura-se contribuir com a área da
saúde, estimulando estudos e intervenções interdisciplinares, nos quais os seus
profissionais possam compreender a diversidade e as demandas do corpo, levando
em consideração as experiências subjetivas do mesmo.
Palavras-chave: Corpo, Mulher, Cirurgia estética, Psicanálise, Subjetividade.
ABSTRACT
In the actuality, there is a super valorization of the body and new aesthetics patterns
as slimness, youth and body perfection, being those relevant in the construction of
social relationships. The body is the main space for the understanding of the being,
specially taken its exteriority experience. In the capitalist societies, the body is
considered as a product that needs to be continually updated. Value is added to it,
sculpting it in gyms, aesthetic clinics, and in operating rooms. However, those bodies
also speak, and the present study intends to listen to them through Freud’s
psychoanalysis in dialogue with the anthropology and sociology areas. The objective
of the study was the investigation of the motivation that defines the body experiences
and subjective implications in women that were submitted to aesthetic surgery. For
this purpose, the expectation, the affections, and the psychological repercussion of
the modified body were identified. The role of the body in the actuality is discussed,
with emphasis in the contemporary body experience, which is enlaced by the culture
of consumption and narcissism. This is a qualitative research, and as such, does not
intend to present statistic generalization. Six women were interviewed using a semi-
structured questionnaire. The speeches were organized and discussed through three
categories of analysis: the body and the aesthetic ideal, the look of the other, and
femininity and speech dimension. The body was observed as stage of pleasure,
beauty, satisfaction, but also unsatisfaction, incompleteness and suffering:
incomplete body which turns itself into a battle field searching for perfection and
plenitude. It can be understood from this study that, through aesthetic surgery,
women modify their bodies aiming the ideal image through the others eyes and to
experience the diversity of sensations and body possibilities. This research tries to
contribute to the area of health, stimulating studies and interdisciplinary interventions,
from which its professionals may understand the diversity and demands of the body,
taking into consideration its subjective experiences.
Key words: Body, woman, aesthetic surgery, psychoanalysis, subjectivity.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO..........................................................................................10
I CORPO NA ATUALIDADE: LEITURAS INTERDISCIPLINARES........... 23
2 CORPOS EM CONSUMO........................................................................ 23
2.1 Corpo e sociedade: sistemas que se recriam............................... 24
2.2 O corpo consumido como valor social ..........................................26
2.3 O corpo e seus ideais....................................................................31
2.4 O mito cientificista......................................................................... 35
3 CORPO EM CONSTRUÇÃO E MODOS DE SUBJETIVAÇÃO............... 40
3.1 A biotecnologia e a derrota do sujeito........................................... 40
3.2 A cultura somática e o desfile de corpos na mídia........................ 45
3.3 Bioidentidades: corpos-sujeito.......................................................48
3.4 Cirurgia estética: instrumento de correção corporal......................54
4 CORPO: SUBJETIVIDADE ENCARNADA –
CONSIDERAÇÕES PSICANALÍTICAS.......................................................62
4.1 Do corpo fisiológico ao corpo pulsional......................................... 62
4.2 Narcisismo e a imagem corporal...................................................67
II ENSAIO SOBRE A CORREÇÃO CORPORAL NA MULHER.................73
5 CONSIDERAÇÕES METODOLÓGICAS..................................................73
6 O CORPO DA MULHER EM BUSCA DE SENTIDO.................................79
6.1 O corpo carnal e o ideal estético..................................................80
6.2 O olhar do outro..........................................................................100
6.3 Feminilidade e a dimensão da falta.............................................110
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS.....................................................................123
REFERÊNCIAS...........................................................................................136
ANEXOS......................................................................................................142
1 INTRODUÇÃO
No final do século XIX, o paradigma cartesiano era o que representava a
dualidade do sujeito (Couto, 1996), dotado de duas realidades distintas: o corpo,
identificado com a natureza, e a psique com a conotação de espírito ou de alma.
Nesta mesma época, o discurso freudiano sobre a organização psíquica do ser
humano surgiu como uma crítica ao pensamento cartesiano (Birman, 2003a;
Roudinesco, 2000). Foi com a invenção da instância psíquica do inconsciente que a
Psicanálise iniciou uma ruptura com esta perspectiva, causando uma revolução no
pensamento científico. A partir da visão psicanalítica, o homem não está mais tão
seguro de sua consciência, existindo algo nele de desconhecido e que foge ao poder
da sua razão.
A Psicanálise questionou a dualidade do sujeito, defendendo a noção de
que o corpo não funciona apartado da psique, mas encontra-se intimamente ligado a
ela. Ao investigar o desenvolvimento psíquico, a perspectiva psicanalítica postula a
idéia de um corpo dinâmico e fundamento para a constituição subjetiva e social do
humano (Freud, 1905/ 1996). Nesta análise, o corpo adquire um lugar de destaque,
funcionando como o primeiro espaço de morada do sujeito, a partir do qual ele
ganha sentido e estrutura. Desta maneira, o acontecimento freudiano, além de
apontar para a incerteza da percepção da realidade como garantia da verdade, põe
em questão a dualidade mente-corpo, característica da época. O sujeito é corpo e o
corpo é sujeito. São realidades que pertencem a uma mesma perspectiva, não
podendo uma existir sem a outra (Roudinesco, 2000).
A Psicanálise, também, introduz uma transformação fundamental na
existência humana, a alteridade, ou seja, elege a diferença como o pivô da
11
construção psíquica (Birman, 2003a). O relevo é atribuído à singularidade do sujeito
formulada no decorrer de sua experiência de vida e de sua relação com os outros.
Cada sujeito tem a sua verdade e passa a ser interrogado sobre a sua história.
Trata-se, então, de indagar o que causa a sua existência, impelindo-o a dar sentido
a si mesmo, ao outro e ao mundo.
Birman (1999) assinala que outra importante contribuição da Psicanálise
foi o seu exame sobre a sexualidade. Esta perspectiva teórica desbancou a
sexualidade da visão biologicista, na qual ela era percebida com único sentido e
objetivo: o da reprodução. A sexualidade foi deslocada da linearidade científica e
situada no seio das elaborações imaginárias e do desejo, não se prendendo mais
apenas a um fim e nem a um só objeto. Segundo Freud (1905/ 1996), ela foi
considerada polimorfa e aquilo que impulsiona o sujeito. Neste sentido, os órgãos
genitais não são mais, somente eles, as fontes de excitação e a reprodução não é
mais a única finalidade da sexualidade, que o corpo em sua totalidade e em suas
partes pode ser fonte de prazer. A sexualidade passou a habitar todo o corpo,
caracterizando-o pela pluralidade de sensações e possibilidades.
A Psicanálise freudiana advoga o argumento de que o ser humano passa
por um processo de elaboração psíquica, no qual o ego, gradativamente, se
diferencia do mundo externo, assumindo um sentido próprio (Freud, 1930/ 1996).
Isto acontece na medida em que o sujeito, em sua relação com o mundo, reconhece
o que em si mesmo causa sensações de prazer e de desprazer. Na alternância
destas sensações que o afetam, o sujeito amplia a capacidade perceptiva de si
mesmo e do mundo. Para Freud (1915/ 1996), o corpo é investido de uma energia
que o impulsiona a manter uma relação dinâmica e fecunda com o mundo externo.
Cada um de seus poros, orifícios e profundidades, pulsa subjetivamente,
12
constituindo-se no decorrer de suas relações sociais. Compreendemos que o corpo
é espaço, no qual se articulam o orgânico e o psíquico, o natural e o cultural, o
singular e o social. Nele, estas dimensões são indiscerníveis e interagem
simultaneamente.
Segundo Freud (1930/ 1996), o funcionamento psíquico do ser humano é
estabelecido intrinsecamente ao funcionamento corporal, estando organizados
conforme a busca incessante do sujeito de obter a satisfação e fugir daquilo que o
ameaça e o faz sofrer. No decorrer das vivências no mundo, o sujeito se depara com
a restrição das possibilidades de satisfação, pois a própria constituição e a realidade
humana o situam ante a um processo de maturação, no qual é inevitável que algo
lhe falte ou que alguém não o entenda e, portanto, não satisfaça a sua demanda tal
como esta se apresenta.
Há, pelo menos, três fontes de sofrimento que ameaçam a existência do
homem: o próprio corpo, condenado à imperfeição e à dissolução; a natureza, com
os acontecimentos catastróficos, e os relacionamentos sociais, que exigem a
renúncia das vontades individuais em prol do bem-estar comum (Freud, 1930/ 1996).
Submetido a estas possibilidades de sofrimento, o sujeito é levado a moderar a
busca pela felicidade, ou seja, ele pode se considerar feliz pelo simples fato de
conseguir escapar do sofrimento ou da morte. Na lição de Freud (1930/ 1996), diante
da condição humana do desamparo, existem, pelo menos, duas saídas: a
paralisação ou a violência diante da impossibilidade da satisfação plena e a do
movimento em busca de uma condição que se aproxime, ao máximo, dos seus
ideais de felicidade. Esta última saída requer um reconhecimento da incompletude,
ou seja, dos limites, o que leva o sujeito a ter uma relação positiva com o seu
desamparo.
13
Apesar de não podermos escapar por completo do sofrimento,
continuamos perseguindo um ideal de satisfação, de quietude dos conflitos e de
perfeição da realidade. No que tange ao sofrimento que atinge o corpo, por exemplo,
encontramos aqueles que limitam a sua capacidade de atuação e de adaptação. Por
conta da condição corporal, não conseguimos fazer tudo o que desejamos, e, muito
menos, ter um corpo perfeito, isento de adoecimento e da morte. Para Freud (1930/
1996), esta condição, em vez de nos paralisar, pode nos levar ao movimento em
busca de minimizar, ao máximo, o nosso sofrimento. Empenhamo-nos, mediante
nossas ações no mundo, em dominar, cada vez mais, a nossa existência. Temos a
preocupação de utilizar todo nosso potencial organísmico e o da natureza a fim de,
um dia, encontrarmos o segredo da imortalidade e da perfeição.
Uma cultura se caracteriza justamente pelo conjunto de atividades e de
produções humanas que visam não apenas ao desenvolvimento, mas também, à
proteção do homem contra as forças da natureza, as imperfeições do corpo e as
hostilidades nas relações sociais (Freud, 1930/ 1996). Compreendemos que a
cultura é uma produção do homem que toca e modifica a sua existência e, por
conseguinte, toda a sua organização social. O ser humano tem uma natureza
cultural, pois, em sua existência, ele é fruto e agente da cultura (Vilhaça e Góes,
1998). Há, portanto, uma relação de interdependência da natureza com a cultura,
não sendo possível traçar uma linha divisória entre o que é natural, constante e
universal e o que é cultural, singular e variável no homem.
Como percebemos, a Psicanálise freudiana pensa o sujeito como uma
realidade dinâmica e que se edifica a partir de suas relações e produções sociais.
Ela reflete sobre um corpo-sujeito atravessado pelos valores, pelos padrões sociais
e pelas construções culturais (Freud, 1905; 1914; 1915; 1930). A partir da
14
perspectiva psicanalítica, defendemos o pressuposto de que sujeito e sociedade se
entrelaçam, constituindo-se mutuamente. Concordamos com Mariano (2003) sobre a
idéia de que tanto a cultura quanto os sujeitos o estão prontos e acabados, mas
que o sistemas em constante movimento de criação e de recriação. Desta
maneira, o ser humano não é apenas um produto do contexto social, mas, também,
um agente ativo na instituição dele. Isto significa que o homem, ao longo de sua
existência, pode criar maneiras de ser no mundo. Vale ressaltar que é nesta zona de
“indiscernibilidade” entre sujeito, corpo e mundo que o presente trabalho é tecido. A
partir desta perspectiva, podemos pensar num corpo subjetivado, denso, plástico e
afetado pelas normas sociais e pelas instituições de poder. Compreendemos que o
sujeito, ao falar e ao tocar os aspectos orgânicos do corpo, está falando de si
mesmo e se construindo subjetivamente.
Consideramos, a partir de Costa (2004), que para chegarmos a discutir a
forma como lidamos com o corpo na atualidade, devemos compreender que
passamos por intensa modificação na maneira de perceber o corpo e a sua
experiência no mundo. Segundo o autor, o desenvolvimento da ciência, da
tecnologia e do sistema econômico do capitalismo delineia nova maneira de
perceber a experiência humana. Não apenas é criada e produzida grande variedade
de conhecimentos e de produtos que facilitam e aprimoram as potencialidades
humanas, como também estas produções chegam de forma acessível à maioria da
população, por intermédio do consumo em massa (Bauman, 2001, 2004; Lipovetsky,
2005).
Neste contexto, experimentar e consumir as produções capitalistas deixou
de ser uma vaidade ou um luxo de poucos para ser um direito de todos. Nas
sociedades capitalistas a percepção do corpo toma uma direção: o corpo assume a
15
cena social, sendo protagonista e usufruindo de toda a atenção e de todo o cuidado.
Como nos ensina Foucault, para o corpo, são criados produtos e tecnologias que
visam ao seu embelezamento, ao seu aprimoramento e a sua docilização.
A tradição e os valores morais, que, outrora, serviam como referência ao
desenvolvimento do sujeito, passaram a ser gradativamente trocados por outros, que
privilegiam a liberdade e a expressão corporal (Costa, 2004). A inserção no contexto
social ocorre, na atualidade, essencialmente, por meio das imagens, das sensações
e do “status”. Esta realidade impõe ao homem grande preocupação com a
apresentação e com a forma física, haja vista que estes novos valores centrados no
corpo balizam a sua experiência no mundo.
Como parte integrante do ideal bioacético (Ortega, 2004), o discurso
médico sobre a qualidade de vida, a saúde e a perfeição corporal conquista, cada
vez mais, espaço na vida dos sujeitos, delineando a maneira de ser no mundo.
Segundo Le Breton (2003), esta ordem social impõe a necessidade de cuidar,
controlar e aperfeiçoar atentamente a experiência corporal, originando o que
denominamos como uma verdadeira “medicalização” do corpo. Em outras palavras,
o discurso científico e, mais especificamente, os discursos médicos propoem uma
experiência de consumo do corpo.
Le Breton (2003) explica que, atualmente, o sujeito se dedica a diferentes
atividades e procedimentos que o ajudam neste caminho da boa forma, da qualidade
de vida, do embelezamento, da jovialidade e da correção dos defeitos de seu corpo.
Entre eles, o autor destaca: 1. Body building, no qual o sujeito toma o corpo como
um verdadeiro objeto a ser modelado. O treinamento intenso dos músculos e os
cuidados excessivos com a alimentação parecem delinear a sua experiência
corporal; 2. Body art, na qual o corpo é considerado como objeto de expressão
16
artística e levado ao extremo das sensações e possibilidades a fim de causar, no
expectador, um impacto físico e emocional. Ele é considerado a própria tela ou o
próprio meio de comunicar o trabalho do artista; 3. Cirurgia estética que é
compreendida não como uma atividade, mas como um dos procedimentos da
biotecnologia médica, através do qual o sujeito se entrega nas mãos de um cirurgião
para esculpir o seu corpo, segundo o que é imposto socialmente como ideal de
beleza ou mesmo a partir da vontade do sujeito de experienciar e dominar as
diversas sensações e possibilidades do corpo.
Na presente pesquisa, priorizamos como objeto de investigação a cirurgia
estética, haja vista que ela se destaca como um dos principais procedimentos
médicos para cumprir, principalmente, nos corpos femininos, o ideal de perfeição.
Pensamos junto com Ribeiro (2003) que o corpo é, pela intervenção cirúrgica,
modificado e controlado, o para livrá-lo de uma doença orgânica, mas para aliviá-
lo de um mal-estar social expresso subjetivamente.
Mélega (2002), Franco (2002) e Ferreira (1997) nos ajudam a melhor
compreender a cirurgia plástica. Ressaltam que esta é uma área especializada da
Cirurgia Geral e que pode atuar em todas as partes do corpo, com, pelo menos, dois
principais objetivos: reparar o que, no corpo, se encontra prejudicado em razão de
traumas, doenças e defeitos congênitos ou para ajustar o corpo ao padrão social de
beleza, corrigindo as marcas do seu envelhecimento.
A cirurgia estética, objeto do presente estudo, ao se fundamentar em
ideais estéticos como o do corpo magro, bonito e sempre jovem, é foco de
investigação da sociedade atual, haja vista que ela valoriza e estimula as práticas e
os cuidados corporais. Por este procedimento, o sujeito tem a possibilidade concreta
de alterar o que, no corpo, não está de acordo com a sua vontade ou com a lógica
17
vigente, bem como de experienciar a diversidade da imagem e das sensações
corporais. O corpo é eleito, como anota Le Breton (2003), um dos principais espaços
de inscrição subjetiva e de aceitação social.
Estatísticas revelam que, na atualidade, a cirurgia estética ocupa, cada
vez mais, o nosso cotidiano social. Segundo a Sociedade Americana de Cirurgia
Plástica Estética (ASAPS), os procedimentos estéticos realizados nos Estados
Unidos, em 2004, tiveram aumento de 44% em relação ao ano anterior, num total de
11,9 milhões de cirurgias (Veja, 2004). A Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica,
em uma pesquisa encomendada ao Instituto Gallup, em 2005, observou que, no
Brasil, apenas em 2004, foram realizadas 616.287 cirurgias plásticas, sendo 59%
delas puramente estéticas e 82% das pessoas do sexo feminino e estando 11% na
faixa etária de 14 a 18 anos (Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, 2005).
Em 2003, uma pesquisa foi realizada pelo Observatoire Cidil des
Habitudes Alimentaires (Ocha), na França, num universo de mil mulheres, revelando
que 86% delas se dizem insatisfeitas com suas formas anatômicas. Apenas 14%
expressaram que se sentem bem com seu corpo, não tendo utilizado qualquer
procedimento de modificação (Volich, 2005). Em junho de 2004, foi realizado,
também, um estudo do Interscience, Informação e Tecnologia Aplicada (instituto
especializado em pesquisas de mercado de São Paulo), mostrando que, entre
12.477 entrevistados, 90% das mulheres e 65% dos homens sonham com
mudanças no próprio corpo. Elas querem modificar, principalmente, o abdômen
(28%) e os seios (20%), enquanto eles querem ter mais cabelos (20%). Entre os 5%
que tinham feito plástica, 90% pretendem fazer outra. Entre os que nunca fizeram
cirurgia estética 30% declararam que vão criar coragem e enfrentar o bisturi (Volich,
2005).
18
Os dados ora citados mostram que as mulheres é que mais procuram a
cirurgia estética para modificarem os corpos e que a demanda por este
procedimento aumentou de forma considerável nos últimos anos. Tais informações
muito influenciaram o presente estudo sobre a modificação corporal da mulher na
atualidade. Quais são as motivações que definem a experiência corporal das
mulheres que se submeteram à cirurgia estética e suas implicações subjetivas? Este
é o questionamento que procuramos responder ao longo deste ensaio.
Com o intuito de responder à questão, buscamos identificar os motivos,
expectativas e afetos que permeiam a decisão das mulheres de se
submeterem à cirurgia estética, bem como discutir as repercussões psicossociais
dos corpos modificados por este procedimento cirúrgico. Destacamos o fato de que
não nos interessa fazer juízo de valor sobre a decisão destas em se submeterem à
cirurgia estética para corrigir seus corpos. O que nos importa é discutir o que norteia
esta experiência corporal e suas repercussões subjetivas.
Para melhor discussão do objeto desta pesquisa, percorremos uma
trajetória de estudos. Primeiramente, nos dedicamos a caracterizar a sociedade
atual, reconhecendo que ela passou por longa e gradativa transformação cultural.
Consideramos que esta organização social está mergulhada na trama do sistema
capitalista, caracterizando-se pela produção e pela venda de materiais, pelo
consumismo, pela globalização econômica, bem como pelo hedonismo, pelo
narcisismo e pelo individualismo exacerbados.
Ao discutirmos as análises sociais, nos deparamos com diferenças,
principalmente, no que diz respeito ao momento histórico atual. Guiddens (1991)
sustenta a idéia de que vivemos em tempos modernos; Freire (2001) assegura que
estamos numa modernidade tardia; Lyotard (1996) acentua que vivemos numa Pós-
19
Modernidade e Latour (1994) defende o argumento de que ainda nem chegamos à
Modernidade. Em nossas considerações, não entramos no mérito desta discussão,
pois o que nos interessa é a caracterização da sociedade de hoje e a sua
interferência na maneira como o sujeito experiencia o corpo. Assim, utilizamos o
termo atualidade para designar o período sócio-histórico contemporâneo.
Adotamos uma interlocução da Psicanálise, com a Sociologia e a
Antropologia, que nos permitirá analisar de modo mais complexo a sociedade atual,
discutindo importantes características, como o narcisismo e o consumismo. Nesta
trajetória, elegemos como base teórica a Psicanálise freudiana, a partir da qual
dialogamos principalmente com os estudos de: Costa (1988; 2004), Lipovetsky
(1989; 2005) e Le Breton (2003; 2004).
Em Lipovetsky (2005), adotamos a idéia de que a sociedade atual tem por
excelência o eu e escolhe a regra de viver intensamente, isto é, de lançar-se ao
sabor dos impulsos e das fantasias pessoais. Planta-se, dessa forma, a semente de
um superinvestimento no eu, ou seja, do narcisismo, não somente por uma
necessidade de autenticidade, mas, essencialmente, para assegurar a sua
consistência, diante do terremoto e do afrouxamento dos valores e das instituições
sociais. Ainda a partir de Lipovetsky (1989), mencionamos a idéia de que a moda se
tornou, na atualidade, nova referência, o que é, desta forma, contraposta ao
pensamento de Costa (2004), que sustenta a opinião de que é a ciência, não a
moda, a balizadora das ações e das relações humanas.
No contexto do consumismo, discutimos como o corpo assume a
categoria de um objeto, devendo por isto ser cada vez mais atraente e sedutor,
acompanhar as inovações tecnológicas e os padrões estéticos, bem como não ter
20
limites, isto é, ser um corpo globalizado, permeável e passível de modificação de
acordo com a demanda do mercado e do sujeito.
Reconhecendo que o corpo é protagonista na atualidade, discutimos seus
modos de subjetivação. Para tanto, apoiamo-nos, sobretudo, em Costa (2004), que
propõe a “personalidade somática” como a organização subjetiva comum ao que ele
denomina de “moral do espetáculo e do entretenimento”. Adotamos, ainda, o
pensamento de Le Breton (2003; 2004) sobre o lugar que o corpo ocupa na
atualidade, ou seja, o locus de uma realidade em si mesma, na qual o homem é
julgado e classificado. Guardadas as diferentes particularidades entre as idéias dos
autores pouco citados, concordância de que a ênfase do sujeito se volta para
a exteriorização, para a imagem apresentada ao outro e para as sensações que o
corpo experimenta.
Outro ponto que estimulou o interesse pelo tema se relaciona ao grande
avanço tecnológico e científico da Medicina, ou seja, às inúmeras descobertas na
área dos cuidados corporais, oferecendo ao homem grande diversidade de
instrumentos e materiais para aperfeiçoar, modificar e, sobretudo, aumentar os
limites e as potencialidades de seu corpo (Le Breton, 2003, 2004; Roudinesco,
2000). Para discutirmos melhor este assunto, analisamos o discurso dico no que
se refere à biotecnologia voltada à experiência do corpo na atualidade.
Adotando, principalmente, as idéias de Costa (2004) e de Le Breton
(2003), sustentamos o argumento de que a cirurgia estética consiste em uma das
criações tecnocientíficas que possibilitam ao homem remodelar, de acordo com o
seu desejo, a estrutura corporal. Em concordância com os autores, pensamos que
este procedimento, na medida em que se populariza, por intermédio da propaganda
de seus efeitos e das facilidades de pagamento ofertadas, origina na população forte
21
demanda e, por que o considerar, uma nova maneira de lidar com o corpo como
um lugar no qual o mal-estar subjetivo pode ser situado.
Desenvolvemos, em seguida, uma discussão sobre o corpo a partir da
Psicanálise freudiana, destacando a dimensão pulsional, bem como a pluralidade de
sentidos e a erogenidade. Consideramos um corpo que ultrapassa os sentidos
orgânicos e fisiológicos, possuindo uma história e uma singularidade. Vemos que é
no decorrer das relações sociais, representadas inicialmente pelas relações
parentais, que o sujeito ganha sentido próprio e elabora uma representação mental
do corpo, nele investindo libidinal e imaginariamente (Birman, 1999, 2002, 2003a;
Nunes, 2000).
Com base em Dolto (2004), estudamos sobre o esquema corporal e a
imagem inconsciente do corpo, enfatizando que é em torno desta última que o
sujeito engaja o seu desejo e se faz subjetivamente. Analisamos o fato de que o
esquema corporal é representado pelo organismo e por tudo aquilo que caracteriza
a espécie humana, enquanto a imagem inconsciente do corpo está ligada à história
de vida de cada sujeito, diferenciando-o dos demais. A imagem do corpo faz parte
da nossa vida psíquica e condensa as nossas experiências afetivas, podendo ser
modificada ou alterada a cada momento (Shilder, 1999).
Na segunda parte do trabalho, apresentamos as considerações
metodológicas da pesquisa, ressaltando que ela é de cunho qualitativo, já que
trabalhou no campo das representações sociais e da subjetividade humana.
Utilizamos como técnica de coleta dos dados a entrevista semi-estruturada, a fim de
escutarmos mais livremente sobre as motivações, expectativas e afetos envolvidos
na decisão das mulheres de fazerem uso da cirurgia estética. Entrevistamos seis
mulheres indicadas pelos médicos colaboradores com a pesquisa. As participantes –
22
Rubi, Safira, Turquesa, Alexandrita, Pérola e Esmeralda são pertencentes à classe
média da cidade A-Ceará-Brasil, sendo uma delas, Rubi, da cidade B-Ceará-Brasil.
A faixa etária variou de 23 a 60 anos, sendo duas delas solteiras e as demais
casadas. São mulheres engajadas em suas atividades profissionais, indicando certa
autonomia financeira.
No momento seguinte, com base no método de análise temática de
conteúdo, aos moldes de Bardin (1977), discutimos os indicadores obtidos com a
realização das entrevistas semi-estruturadas. Elegemos categorias temáticas que
foram analisadas a partir dos referenciais teóricos abordados na primeira parte deste
texto, bem como de produções teóricas sobre aspectos suscitados na análise dos
dados. Percebemos que três categorias tiveram mais força nas falas das
participantes e, por isto, as escolhemos como os núcleos significativos para as
análises e discussões: o corpo carnal e o ideal estético, o olhar do outro,
feminilidade e a dimensão da falta.
Destacamos a importância desta investigação, mediante a qual nos
propomos a lançar luz sobre a questão do corpo da mulher corrigido pela cirurgia
estética, oferecendo, aos que se interessam pelo assunto, uma visão mais ampla
sobre a experiência corporal, haja vista que procuramos escutar o corpo para além
de sua dimensão orgânica. Esperamos que esta pesquisa contribua para o debate
acadêmico e inspire outros estudos.
23
I CORPO NA ATUALIDADE: LEITURAS INTERDISCIPLINARES
2 CORPOS EM CONSUMO
[...] Onde terei jogado fora meu gosto e capacidade de escolher,
minhas idiossincrasias tão pessoais, tão minhas que no rosto se
espelhavam, e cada gesto, cada olhar, cada vinco da roupa resumia
uma estética? Hoje sou costurado, sou tecido, sou gravado de forma
universal, saio da estamparia, não de casa, da vitrine me tiram,
recolocam objeto pulsante, mas objeto que se oferece como signo
de outros objetos estáticos, tarifados. Por me ostentar assim, tão
orgulhoso de ser não eu, mas artigo industrial peço que meu nome
retifiquem. não me convém o título de homem. Meu nome novo é
coisa. Eu sou a coisa, coisamente (Carlos Drummond de Andrade
apud Severiano, 2001).
Para discutir a experiência corporal da mulher na atualidade, propomo-
nos analisar o contexto atual, haja vista que partimos do pressupomos que o corpo é
constituído socialmente. O corpo é, aqui, entendido não como uma realidade
acabada, mas como um espaço de incompletude, submetido a diversos sentidos e
sobre o qual se produzem diferentes saberes. Ressaltamos, portanto, o caráter
interdisciplinar de nossas discussões teóricas.
Consideramos que o corpo vai além da sua estrutura orgânica e que
carrega em si mesmo as marcas de suas vivências e relações. Adotamos a idéia de
que sujeito, corpo e sociedade se edificam mutuamente, não havendo, desta forma,
como compreender estas realidades de forma separada e estanque.
Articulamos com as idéias de Lipovetsky (2005, p. 1) a premissa de que a
sociedade atual segue a um “processo de personalização”, no qual a preocupação
do indivíduo consigo mesmo e com a satisfação dos seus desejos parece sufocar o
interesse e o bem coletivo. Neste contexto social, destacamos as lógicas do
consumo e do narcisismo, bem como a influência delas nos sentidos atribuídos ao
corpo na atualidade. O consumismo e o narcisismo são vivências sociais que
24
atingem fortemente a constituição subjetiva do homem e de seu corpo na nossa
sociedade. No consumismo, enfatizamos a exterioridade, a “objetalidade” e a
exposição corporais, e, no narcisismo, ressaltamos o investimento nas escolhas,
conquistas e satisfações individuais em detrimento da coletividade.
2.1 Corpo e sociedade: sistemas que se recriam
O corpo assume, hoje, um lugar de destaque em nossas vidas. Ele é
dinâmico, incompleto e se faz e refaz constantemente numa relação fecunda com o
social. Isso significa que a cada momento histórico, a cada transformação social, o
corpo se recria e se modifica. Antes mesmo que o ser humano consiga se diferenciar
como sujeito singular e fazer uso da linguagem falada, o corpo o acolhe como o seu
primeiro território, a partir do qual ele percebe e responde aos estímulos do mundo
externo, delimitando gradativamente a sua existência. Na alternância de sensações
de prazer e desprazer provocadas em seu corpo por meio de suas relações com os
discursos sociais e com a realidade que o cerca, o sujeito vai se diferenciando e
ampliando a sua capacidade perceptiva e relacional (Freud, 1914/ 1996).
Desta maneira, não há como pensar o sujeito e o seu corpo não inseridos
em uma realidade social que os estimule e que lhes possibilite estabelecer relações
de troca e de desenvolvimento com os demais. Neste processo, sujeito e sociedade
são sistemas abertos e em constante movimento de criação e de recriação. São
realidades interdependentes e que se constituem mutuamente, ou seja, o ser
humano é fruto e agente ativo de seu meio social (Mariano, 2003).
Assim, como destacou Freud (1930/ 1996), a sociedade é um conjunto de
atividades humanas criadas a fim de proteger e de melhorar a existência do homem
25
no mundo. Para o seu melhor uso e proveito, o homem necessita organizar suas
ações, criando normas e regras sociais que têm o intuito de facilitar a sua
convivência social. É, então, a partir da necessidade e da ação dos homens que
uma civilização se forma e se torna parte constitutiva de seu desenvolvimento.
Para que uma sociedade se organize como uma civilização, é necessário
que o homem renuncie à satisfação irrestrita de seus desejos, a fim de respeitar os
seus semelhantes. Desta forma, a civilização surge como um conjunto de
“realizações e regulamentos que distinguem nossas vidas de nossos antepassados
animais, e que servem a dois intuitos, a saber: o de proteger os homens contra a
natureza e o de ajustar os seus relacionamentos” (Freud, 1930/ 1996, p. 96). A
sociedade exige do homem civilizado - e por que não dizer do corpo civilizado - que
valorize a beleza e que busque uma ordem em suas ações, bem como a limpeza de
seu espaço. Neste processo de educação dos corpos, o que escapa ao controle do
que é considerado belo, ordenado e limpo pela sociedade deve ser punido, posto à
parte, causando, no sujeito, sensações de vergonha e repugnância.
Daolio (1995, p.37) destaca a idéia de que cada cultura produz corpos
diferentes e maneiras diversas de lidar consigo mesmos e com os outros, ou seja,
que há um “[...] conjunto de significados que cada sociedade escreve nos corpos dos
seus membros ao longo do tempo, significados estes que definem o que é o corpo
de maneiras variadas”. Kehl (2003) corrobora esta perspectiva, quando exprime que
o corpo é um objeto social, pertencente ao universo simbólico em que vive. Com
Villaça e es (1998, p.23) aprendemos que “a vida nos impõe o corpo
cotidianamente, pois é nele e por ele que sentimos, desejamos, agimos e criamos”.
O corpo é justamente a condição carnal para a relação do organismo com o mundo
e, por conseguinte, com o corpo do outro. Se um corpo para cada diferente
26
contato realizado com o mundo, podemos, também, intuir que um corpo para
cada sujeito. Defendemos a idéia de que o corpo é marcado pelas relações e pelos
padrões sociais, mas é, também, individualizado no que se refere às suas
elaborações subjetivas, aos seus desejos e à sua história de vida.
Nesta linha de pensamento, o ser humano se diferencia dos outros seres
vivos pela sua capacidade singular de estabelecer uma relação especial com o meio,
mediante a qual o criados padrões sociais e diversos instrumentos culturais que
lhe permitem se desenvolver em suas capacidades e alterar a sua existência. Assim,
ratificamos a idéia de que, para analisar os sentidos do corpo na atualidade, é
importante discutir o que caracteriza a nossa organização social.
2.2 O corpo consumido como valor social
Na sociedade atual, os corpos são controlados por meio de um processo
de personalização (Lipovetsky 2005), que consiste em reduzir as atitudes autoritárias
e, ao mesmo tempo, incentivar a livre escolha, a diversidade e a satisfação dos
desejos. O controle social não ocorre mais via repressão, mas pelo estímulo e pela
sedução de uma “liberdade” irrestrita do indivíduo para satisfazer seus desejos e
comunicar suas idéias, livre, cada vez mais, do controle da tradição, da hierarquia e
da padronização.
A sociedade, ao privilegiar a satisfação dos desejos individuais e o
hedonismo, se apóia, principalmente, na lógica do consumismo que prevaleceu num
primeiro momento, nos Estados Unidos, na década de 1920, e, posteriormente, em
toda a sociedade ocidental (Lipovetsky, 2005). A partir desta lógica, a grande
maioria das pessoas não apenas teve acesso a inúmeros objetos de luxo por meio
27
da publicidade, mas também às inúmeras facilidades de crédito para consumí-los,
usufruindo, o máximo possível, das produções do capitalismo.
O culto ao prazer e aos desejos pessoais é, hoje, legitimado pelo
consumismo como ordem social. Percebemos que nasce, então, uma nova forma de
organização, na qual se integram ao processo de personalização conteúdos
culturais que, antes, eram opostos, formando um indivíduo livre do peso da tradição
e dos valores religiosos, mas fortemente atado à lógica capitalista.
Em seu estudo sobre o consumo, Costa (2004) defende a hipótese
ecológica sobre o consumismo, segundo a qual a relação entre o organismo humano
e o meio ambiente, pela aquisição de objetos, é fundamento da expressão da vida.
O ato de adquirir objetos tem um sentido psicossocial e remete à relação do sujeito
com o mundo, na qual ele pode materializar as suas expectativas e os seus ideais
de felicidade. Consumir representa, então, nesta perspectiva, uma maneira de o
homem se apropriar emocionalmente dos objetos no mundo. “Na relação do sujeito
com o mundo, todo objeto cede parte de sua concretude física à imaginação
emocional e toda intencionalidade emocional recorre a materialidade física dos
objetos para ganhar consistência e durabilidade cultural”. (Costa, 2004, p. 162). O
mundo é a moldura simbólica e material na qual nos movemos e da qual extraímos
os elementos usados para formar os nossos hábitos físicos e mentais.
Nos tempos atuais, a função moral dos objetos parece se alterar. Na
moral dos sentimentos, expressa nos costumes da antiga burguesia, os objetos
eram representantes das crenças e da história dos indivíduos, enquanto que, hoje,
na moral do consumo, eles assumem uma conotação transitória e não
representam o passado ou uma personalidade, mas a sensação e o “status” que,
com eles, se pode conquistar (Costa, 2004).
28
Em nossa sociedade, os objetos perdem rapidamente o seu valor, caem
facilmente em desuso e o ultrapassados por outros mais modernos. Permanece,
neste contexto, a reprodução da insatisfação nos indivíduos, o que garante a compra
desenfreada dos objetos e, por sua vez, a manutenção do sistema econômico
capitalista. Baudrillard (1970) corrobora esta perspectiva, ao assinalar que a função
da sociedade de consumo é regular a escassez de bens materiais ou simbólicos a
fim de originar, nos indivíduos, a carência e o privilégio, elementos básicos para a
diferenciação social.
A apropriação dos objetos de consumo como doadores de “status” e de
prazer acentua-se e modifica a relação sujeito-objeto a partir de pelo menos três
fenômenos socioculturais: a mudança da natureza do trabalho, as novas percepções
das imagens do corpo e o enfraquecimento moral da autoridade (Costa, 2004,
p.163). Elegemos, como foco de nossos estudos, o corpo como valor principal do
sujeito, sendo este julgado socialmente a partir de sua “corporalidade”.
Consideramos que a imagem do corpo é fortemente inflacionada, por ser
ela o principal espaço de juízo social. Esta parece ser o único item do mundo dos
privilegiados à disposição do homem comum. Assim como explicou Costa (2004),
apresentar-se com um corpo como o dos bem-sucedidos é a forma como muitas
pessoas têm de, imaginariamente, ganhar “status” e aprovação social. O sujeito,
então, passa a lidar com o seu corpo como se ele fosse um passaporte para o
reconhecimento social e a realização pessoal.
A preocupação com a forma física e com a estética, pouco a pouco, toma
o espaço da preocupação com os sentimentos e as tradições. O tipo de prazer a que
se aspira mudou. Costa (2004) nos indica que a felicidade sentimental implica ter
boa experiência afetiva, sendo importante para o sujeito expressar suas idéias e
29
costumes. Entrementes, no cultivo das sensações, estar feliz significa,
essencialmente, se perceber corporalmente semelhante aos astros da mídia, bem
como usufruir as sensações e “status” que os objetos e o seu “novo” corpo lhe
podem oferecer. A tradição e a história não têm tanta importância, pois as
sensações almejadas, na atualidade, precisam somente do momento presente e dos
objetos à mão para serem vividas.
Com o recuo das antigas raízes sociais, da tradição, da religião, enfim,
dos valores de outrora, a mídia assume um lugar de grande importância na
sustentação do consumismo e das formas atuais de se relacionar consigo mesmo e
com o outro (Lipovetsky, 2005), pois é a partir da divulgação das mais diversas
invenções da moda e da eficiência científico-tecnológica, bem como do sucesso das
pessoas que delas fazem uso, que o desejo de comprar e de buscar o ideal da
felicidade é instigado.
Como nos ensina Costa (2004), a referência dos sujeitos deixa de ser a
família, o trabalho ou a religião, para ser a celebridade, que é forjada no mundo
mutável da moda. O autor ressalta que, atualmente, não se espera mais da
autoridade o cultivo dos referenciais e das tradições, mas da beleza física, do
sucesso e da visibilidade. O sujeito contemporâneo, sem o peso dos valores éticos e
também morais de outrora, luta pela via do consumo, do individualismo e/ou da
violência, para adquirir os objetos que o aproximem do mundo das celebridades.
Acompanhamos Costa (2004) na noção de que comprar ou adquirir
objetos não é em si mesmo, ruim, mas é importante para o sujeito, pois é justamente
este movimento que o constitui socialmente. Isto parece assumir uma lógica
desagregadora e violenta na medida em que o sujeito se afasta das representações
simbólicas e éticas para priorizar as sensações, o “status” e o entretenimento.
30
Depreendemos, portanto, que é a partir do momento em que a diferenciação como
sujeito se fragiliza que a relação com os objetos, e por que não dizer com o corpo,
passa a ser fortemente afetada pela lógica homogeneizante do consumismo.
Não percebemos, portanto, que o sujeito poste diante dessa realidade
consumista como um vácuo, totalmente sem valores. O que pensamos junto com
Costa (2004), Le Breton (2003, 2004) e Lipovetsky (2005) é que os referenciais da
atualidade são outros, são aqueles que valorizam a experiência corporal. O sujeito
atual opta por cuidar ou modificar o corpo não porque é um objeto estéril nas mãos
dos ideais do capitalismo, mas, principalmente, por percebê-lo como um espaço de
grande investimento social e subjetivo. Para contar a história de vida ou para
apresentar-se aos outros, o sujeito não privilegia mais os contos ou a tradição, mas
a ação no corpo. Se considerarmos que tal visão para o corpo é em si mesmo ruim,
estaremos sendo maniqueístas e lançando-o em uma posição negativa.
Reconhecemos, porém, que os discursos sociais afetam fortemente, não apenas, a
relação do sujeito com os objetos de consumo, mas, sobretudo, a relação do sujeito
com sua forma física.
Consideramos que, a partir do crescente desenvolvimento das vivências
do consumismo, outra característica se manifesta em nossa sociedade, o
narcisismo
1
. Este tem seu fortalecimento na esfera social a partir do que Lipovetsky
(2005) fala sobre o privilégio dado na sociedade à satisfação dos interesses
individuais em detrimento da coletividade. Aludimos, portanto ao fato de que, a partir
das vivências sociais do consumismo e narcisismo, nasce outro tipo de indivíduo,
aquele fundado nos princípios de um hiperindividualismo.
1
A noção de narcisismo que adotamos na presente discussão tem relação com o individualismo
contemporâneo, no qual os ideais coletivos parecem perder espaço. Narcisismo, aqui, é abordado
como uma característica social e não como uma condição indispensável para a estruturação
subjetiva, assim como foi trabalhado por Freud (1914/ 1996).
31
2.3 O corpo e seus ideais
Na sociedade atual, torna-se urgente investigar como se desenrola o
individualismo. Estaria ele relacionado com o fortalecimento do ego e de suas
posições singulares, quando o sujeito consegue ter uma percepção equilibrada da
importância de si e do objeto, ou estaria ele fundado num hiper-investimento neste
ego, em decorrência de um forte sentimento de desamparo ante os tumultos sociais
deste momento social?
Na visão de Costa (1988), a estratégia de um super-dimensionamento do
ego implica um afastamento deste de sua realidade externa e ocorre, não num
momento de segurança e autonomia do ego, mas quando este último se sente
exposto, frágil e ameaçado por situações externas de frustração e desamparo.
Ao contrário do que o sistema capitalista prega, depreendemos que esse
individualismo atual está longe de ser resultado de um fortalecimento da
personalidade do indivíduo, mas uma estratégia de sobrevivência do “eu” diante de
inúmeras adversidades e ameaças no corpo social. Ocorre, pois, uma retirada da
libido do mundo e dos valores sociais, investindo-a no sujeito, ou seja, ocorre um
retorno à onipotência narcísica primária
2
, mediado pelo ego-ideal e um afastamento
da realidade externa, dos ideais culturais, representados pelo ideal de ego.
Para a compreensão da influência do narcisismo na atualidade, é
importante entender bem as diferenças entre as categorias de ideal, ou seja, entre
as expressões ideal de ego e ego ideal. Segundo Freud (1914/ 1996, p. 101), o “ego
2
Veremos, no terceiro capítulo de nosso trabalho, que para Freud (1914/ 1996, p. 82), o narcisismo
constitui um estado psíquico que se origina no retorno da energia libidinal ao ego, quando o sujeito
escolhe a si mesmo como objeto de amor. “A libido afastada do mundo externo é dirigida para o ego e
assim a margem a uma atitude que pode ser denominada de narcisismo”. Portanto, nas
considerações freudianas, narcisismo ocorre justamente no momento de estruturação deste ego
primário, sendo ele responsável pela organização das pulsões fragmentadas e dispersas nas zonas
erógenas, dando ao sujeito uma imagem integrada de seu corpo.
32
ideal” é um ideal de onipotência forjado a partir do modelo do narcisismo infantil,
consistindo num ego inorganizado e que busca corresponder a uma condição ideal.
Durante o seu desenvolvimento, em razão do confronto com a realidade, o sujeito é
forçado a abandoná-lo, alimentando, porém, o desejo de um dia reconquistá-lo. No
que se refere ao “ideal de ego”, Freud (1914/ 1996) defende o argumento de que ele
pressupõe do sujeito o reconhecimento da falta e da própria impotência ante as
frustrações do mundo externo, consistindo, portanto, na tentativa de adequação a
um modelo externo, que requer o abandono dos ideais onipotentes do ego ideal.
Portanto, esse ego idealizado, que o homem adulto vislumbra alcançar,
nada mais é do que um substituto no narcisismo perdido de sua infância, na qual ele
era o seu próprio ideal. Como substituto, ele jamais será o mesmo e sempre
implicará um distanciamento da realidade original. Para o seu alcance, o sujeito terá
que abandonar o seu estado de quietude e completude narcísicas e incorporar
novos traços psíquicos que lhe permitam maior mobilidade, seja no investimento dos
ideais, seja no investimento de novos objetos de satisfação.
Segundo Freud (1914/ 1996, p. 107), mesmo diante das imposições
severas do ideal de ego à satisfação da libido, “tornar a ser o seu próprio ideal, como
na infância [...], isso é o que as pessoas se esforçam por atingir como sendo a sua
felicidade”. Para isso, o sujeito recorre às saídas regressivas, às idealizações, nas
quais ou o próprio ego é excessivamente reinvestido da libido ou o ideal do ego é
substituído por um objeto idealizado. No primeiro caso, o ego toma para si mesmo
todo o fluxo energético antes dirigido para os objetos e os ideais, estancando o seu
desenvolvimento, e, no segundo caso, o objeto é engrandecido de forma ireal,
atraindo para ele toda a libido do sujeito, o que faz o ego cair num esgotamento. Em
ambos os casos, se expressam uma frustração e um fracasso do ego no
33
atendimento de tais exigências, levando-o a um desligamento da sua realidade
externa.
Ressaltamos que o sujeito, acometido por sentimento de desamparo ante
a realidade externa e mediante a um processo de idealização, tem pelo menos duas
saídas: retirar sua energia dos ideais e dos objetos, investindo-a fortemente no seu
ego, o que o faz se distanciar da sua condição real de sujeito faltoso ou se fechar
num fascínio ao objeto que toma o lugar do ideal de ego, tendo um
dimensionamento errado das realidades, sendo o objeto engrandecido e tratado
como o próprio ego, sem que haja qualquer alteração em sua natureza.
Esta realidade expressa o caráter conservador do ego, no que tange a
sua imagem e a sua preservação (Costa, 1988). Isto significa que, ante qualquer
sinal de risco à sua composição, ele lança mão de seus mecanismos de defesa,
numa tentativa de restaurar a sua unidade. Esta atitude conservadora consiste em
resistir, ao máximo, a quaisquer alterações na estrutura psíquica, reduzindo qualquer
tensão ao mais baixo nível.
Em suma, a escolha de si mesmo como objeto de amor, na atualidade,
parece ser uma estratégia de defesa egóica que implica, necessariamente, um
afastamento ou um desprezo às questões sociais e coletivas. A cultura narcísica
lança, aos sujeitos, ideais que os conduzem à inflação do ego e, conseqüentemente,
à deflação da ordem social. Podemos exemplificar algumas das estratégias
presentes na cultura, tais como: o culto da expansão da consciência, da saúde e do
crescimento pessoal, expressos em alguns programas psicoterapêuticos; o apelo
constante em se buscar viver intensamente o momento, desprezando o passado e
negligenciando o futuro, e a preocupação exclusiva com o desempenho particular
em detrimento das causas coletivas.
34
Depreendemos, portanto, que a individualidade, hoje, constitui uma
ilusão, pois, nela, o indivíduo é muito mais valorizado em seu papel de consumidor.
O sujeito singular, com paixões, vontade e opinião própria está muito fragilizado
neste universo. O que existe é uma espécie de personalização, na qual o sujeito se
diferencia dos demais, não tanto pela sua subjetividade e alteridade, mas
principalmente pelo objeto que consegue consumir ou pelo que no seu corpo
consegue apresentar. Diferencia-se mais pelo que tem e pelo que apresenta
socialmente do que por aquilo que reflete e pensa.
Baudrillard (1970) defende a idéia de que, na sociedade de consumo, o
corpo recebe uma posição especial, a de um objeto, entrando, dessa forma, na
lógica da mercadoria. Segundo o autor, este investimento narcísico no corpo permite
que o sujeito regrida afetivamente na relação com ele, quando o corpo tende a ser
objetificado, como na primeira fase do desenvolvimento do ego na infância, quando
imperava a libido fragmentada e dispersa em zonas erógenas. Assim como a criança
na sua fase narcísica estava sob forte influência e domínio dos significados materno
e paterno, agora, o homem adulto no narcisismo social parece ficar sob a égide da
produção técnico-científica, do consumismo e da moda.
A partir da vivência do narcisismo na sociedade atual, pensamos que a
relação do homem com o seu corpo é uma vinculação narcísica, mas não por situá-
lo como objeto estéril de sentido, à mercê das leis do prazer e da rentabilidade da
sociedade de consumo, mas por considerar o seu corpo como espaço de sua única
propriedade e responsabilidade. Depreendemos que na experiência corporal, o
sujeito contemporâneo procura, de alguma maneira, afirmar os seus limites, bem
como vivenciar as suas diversas possibilidades de sensações e imagens.
Atualmente, o corpo é pensado em sua plasticidade para, assim, expressar a sua
35
diversidade histórica e subjetiva. As transformações que o ser humano realiza em
seu corpo, portanto, representam, também, maneiras do sujeito se construir
subjetivamente.
2.4 O mito cientificista
A partir do que aludimos anteriormente, não podemos negar que os ideais
consumistas da atualidade influenciam fortemente a condição do sujeito, mas não
achamos que estes anulem por completo a sua capacidade reflexiva diante de suas
vivências e escolhas. Asseverar que o sujeito se lança nos ideais capitalistas sem se
implicar é o mesmo de assegurar que ele está como um anônimo diante da sua
realidade social. Esta posição, certamente, não sustenta as vivências sociais de
hoje, das quais o sujeito, também, é autor.
O que parece acontecer é que o sujeito tem se significado por outros
referenciais. Lipovetsky (1989, p. 241) afirma que a moda o “império do efêmero” -
passa a ser a matriz imaginária na atualidade. Segundo o autor, a partir do momento
em que desabam as crenças numa verdade absoluta da história, a moda se instala
como um novo regime a ser seguido. Esta nova ideologia, que prega a liberdade de
expressão, a leveza dos sentidos, o apagamento das diferenças, o culto ao novo e à
mudança, no primeiro momento, parece favorecer o desenvolvimento da
individualidade e o fortalecimento do ego, porém o que observamos é um
afrouxamento dos referenciais imaginários e sociais.
Atualmente, se não delegamos mais à religião, ao trabalho, à política ou à
família o papel de dar sentido à vida, certamente, elegemos outro referencial: o mito
cientificista (Costa, 2004, p. 189). Concordamos com Costa, na idéia de que a
36
ciência e não a moda substitui as instituições tradicionais, no papel de doadora de
sentido. O que era antes baseado nos critérios morais passou a ser validado pelo
controle cientificista que, por sua vez, privilegia a eternização da espécie, bem como
a perfeição do corpo humano. Assim, justificamos a configuração de uma nova forma
social: “a cultura somática” (Costa, 2004, p. 203). Nesta, o cuidado de si mesmo não
está mais voltado para o desenvolvimento das qualidades morais e sim para a
longevidade, a saúde, a beleza e a boa forma. Ser jovem, saudável e atento à forma
física tornou-se a regra científica que julga as pessoas na atualidade.
O fechamento do sujeito em si mesmo, na preocupação exacerbada com
os seus próprios ideais, acarreta uma desagregação dos laços sociais, característica
marcante na cultura influenciada pelo narcisismo. Freud (1921/ 1996) forneceu
elementos para entendermos tal aspecto de nossa realidade. Em sua análise,
somente a identificação mútua entre os membros da massa, que diz respeito ao
amor e à admiração do seu líder, justifica a renúncia ao que é pessoal em prol do
que é coletivo. No controle do narcisismo, ou seja, na contenção do seu fechamento
em si, é que o sujeito se une aos outros na busca de uma constante aprovação de
seu chefe.
A ilusão que as pessoas têm de serem igualmente amadas pelo chefe é
que funda uma comunidade e permite com que elas sejam companheiras e
alimentem entre si laços afetivos. Portanto, a presença de uma autoridade e de um
ideal, que barre o crescimento do narcisismo, não estrutura a coletividade como,
também, protege os indivíduos de seus instintos egoístas e violentos. Pensamos,
então, que o embotamento da autoridade na sociedade, bem como a substituição de
um ideal sólido e que congregue os indivíduos, por um outro que acentua o
37
narcisismo, o egoísmo e a preocupação pessoal em detrimento do bem comum,
fazem com que o tecido social seja objeto de intensos cortes e desgastes.
A figura da autoridade, hoje, encontra-se dissolvida no que Severiano
(2001, p.154) vem chamar de “tendências identificadas com os ideais do consumo”
que, diferentemente do chefe, não provoca um declínio no narcisismo de seus
membros, mas, ao contrário, o estimula, originando um estado de competição e
violência social. Os líderes de outrora forneciam para seus seguidores normas de
condutas e ideais a serem perseguidos que de alguma maneira os protegiam e
estruturavam. Agora, na sociedade narcísica, é prioritariamente a ideologia do
consumo, situada neste lugar de comando, exige do sujeito pouco compromisso
social. Nesta ideologia, os feitos em comum são mínimos, pois a sua exigência
maior parece ser a da adesão. Este “líder” não aponta para nenhum projeto futuro,
ou seja, para nenhum ideal fora do sujeito - ideal de ego - e sim para os desejos e
realizações irreais do ego ideal.
Aprendemos com Birman (2003b) que é em função da inflação do
narcisismo que evidenciamos a intolerância e a violência social aumentar cada vez
mais. O autor defende a idéia de que somente ultrapassando esta preocupação
excessiva consigo mesmo e com os próprios ideais o sujeito poderá,
verdadeiramente, respeitar a sua singularidade e a do outro, convivendo melhor com
as diferenças e os desamparos provindos do descentramento. Pensamos junto com
Birman (2003b) que o desafio maior a ser enfrentado, na atualidade, é aceitar as
diferenças entre os sujeitos, evitando com que este domine o outro como meio de
não fazer ouvir os desamparos e as faltas, tão próprios da condição humana.
Percebemos, assim, que o sujeito, em busca de resguardar a existência e
o convívio social, está, gradativamente, lançando o de novas ferramentas
38
identificatórias. Roudinesco (2000) nos orienta no sentido de que, perante as
mudanças ocorrentes nas relações com as autoridades e com os referenciais, o
sujeito esse ligando a redes, grupos e comunidades com temas bem específicos
para, mediados por estas, conseguir certo compromisso e identidade social.
Destacamos, portanto, a idéia de que outros discursos sociais, além da ideologia
consumista, que se apresentam como referência ao sujeito, permitindo certo
barramento de seu narcisismo e a sobrevivência das suas relações sociais.
Não podemos deixar de ressaltar o fato de que, no presente contexto
social, os objetos de consumo tendem a ser falsamente percebidos. Eles muito
facilmente assumem a dimensão de ideais de felicidade e de completude humana,
levando o sujeito a aceitar, sem grandes resistências, a realidade da sociedade de
consumo e aderir aos seus produtos representantes de “status”, poder, diferenciação
social, segurança, beleza, felicidade etc. Severiano (2001, p. 159) defende a posição
segundo a qual “essa forma de apropriação fetichista do objeto de consumo” se
caracteriza pela transferência para o objeto, das forças, poderes e desejos, criados,
originalmente, pela atividade humana.
No desenvolvimento da cultura de massa e do consumismo, a produção
de novos objetos fetiches é constante e os ideais de felicidade o de tal modo
distantes da realidade do sujeito, que o lançam numa busca angustiante. Para Del
Priore (2000), o resultado de tudo isto é a inflação dos sentimentos de fracasso e
frustração diante de um corpo que não consegue usufruir a infinidade de produtos
lançados, nem alcançar os ideais de beleza e felicidade apresentados socialmente.
A cirurgia estética tem, hoje, o seu espaço mais nobre, pois por seu intermédio o
sujeito tem a possibilidade concreta de modificar o curso de sua experiência
corporal, a fim de se adequar às exigências sociais.
39
Apesar das diferenças nas concepções dos estudiosos retrocitados, os
pontos apresentados comungam com a idéia de que, no decorrer das
transformações sociais, os ideais de eu são substituídos por valores outros que
acabam todos por lançar o ego de volta às malhas do narcisismo primário, no qual
não o seu desenvolvimento fica extremamente prejudicado, acentuando os
sentimentos de vazio e de falta, como também a sua relação com os outros sujeitos
resta aprisionada à rede do egoísmo.
A partir do que analisamos sobre a sociedade narcísica, desenvolvemos,
a seguir, um exame acerca dos modos como o corpo tem se significado em tal
realidade. Refletimos sobre o discurso médico que, como referência do sujeito na
atualidade, valoriza o corpo perfeito como um dos principais ideais de felicidade.
40
3 CORPO EM CONSTRUÇÃO E MODOS DE SUBJETIVAÇÃO
[...] Quero romper com meu corpo, quero enfrentá-lo, acusá-lo, por
abolir minha essência, mas ele se quer me escuta e vai pelo rumo
oposto. premido por seu pulso de inquebrantável rigor, não sou
mais quem dantes era: com volúpia dirigida, saio a bailar com meu
corpo (Drummond, 1984, p. 9).
A partir das investigações sobre a sociedade atual, discorremos, neste
capítulo, sobre a influência do discurso tecnocientífico e, mais especificamente, do
repertório médico, na maneira como lidamos com o nosso corpo. A cena atual é de
valorização do corpo em sua materialidade como o principal espaço de inscrição do
sujeito.
Analisamos, principalmente, a partir do pensamento de Costa (2004) e de
Le Breton (2003; 2004), a respeito do lugar do corpo e no tocante aos seus modos
de subjetivação. Discutimos que o corpo é, fortemente, olhado, cuidado e modificado
por ser o representante fiel do sujeito nos tempos atuais. Ele é o passaporte que
permite o aceite ou não do sujeito na sociedade.
Estudamos sobre a cirurgia estética, um dos mais potentes e procurados
instrumentos de modificação corporal na atualidade. Observamos que esta
especialidade médica se propõe a trabalhar, essencialmente, com a adequação dos
limites corporais aos padrões de beleza.
3.1 A biotecnologia e a derrota do sujeito
O homem, na tentativa de garantir a sua felicidade, bem como a melhoria
de sua existência, empenha-se cotidianamente em alargar seus conhecimentos
sobre si mesmo e acerca da sua realidade, buscando aperfeiçoar suas capacidades
41
e aumentar suas possibilidades de ação. O ser humano atribuía o sustento e os
sentidos da vida à obra de Deus que, em sua divindade, o amparava e guiava. A
partir do momento em que foi se percebendo capaz de explorar a realidade, criar
instrumentos, bem como maneiras de facilitar e alterar a sua condição, o homem foi
se apropriando das criações e atribuindo a si mesmo, e não mais, essencialmente, à
força divina a melhoria de sua existência.
Segundo Freud (1930/ 1996), pouco a pouco, a criatura toma o lugar do
Criador, superando, cada vez mais, as limitações, bem como vencendo a sua
extinção e, por que não acentuar, igualando-se a Deus. Dessa forma, o ser humano
chega aos tempos presentes com uma produção científica e tecnológica
extraordinária, o que lhe concede a oportunidade de alterar, concretamente, as suas
condições de vida.
Le Breton (2003, p. 55) aceita a idéia freudiana quando defende a posição
de que o ser humano, na tentativa de se livrar das ambivalências dos afetos ou das
incertezas do mundo e da sua realidade corpórea, procura, por suas descobertas
científicas e criações tecnológicas, apreender e organizar a sua existência. O corpo,
como a única ponte de apoio para o mundo, é fortemente estudado, pesquisado e
controlado na tentativa de torná-lo mais ágil, forte e potente. Os afetos,
representando aquilo que nele é singular, obscuro e inesperado, passam, também, a
ser alvo da contenção e padronização científica, por meio das produções na área da
Farmacologia. Com a descoberta de algumas substâncias químicas, dos tão
conhecidos psicotrópicos, o sujeito, mesmo sem estar acometido de um sofrimento
mental, faz o uso de tais substâncias para administrar melhor o seu cotidiano e
tornar-se socialmente mais adequado diante de situações de desamparo e
sofrimento.
42
O corpo passa a ser, na atualidade, uma elaboração ou mesmo uma
realidade a ser manipulada de acordo com a vontade pessoal e com a ordem social
do momento. O consumo, por parte de muitos indivíduos, de substâncias químicas
serve para regular as suas reações no mundo. Confirmando esta reflexão, Le Breton
(2004, p.71) anota:
Sem se estar doente, tomam-se produtos para dormir, acordar, estar
em forma, ter energia, revigorar a memória, a produtividade, suprimir
a ansiedade, o stresse, etc, toda uma enorme quantidade de
próteses químicas para um corpo percebido como enfraquecido
perante as exigências do mundo contemporâneo, para manter-se à
tona num sistema cada vez mais ativo e exigente [...] Não se trata
de se submeter aos seus humores, mas sim de programá-los.
Roudinesco (2000, p. 13) também corrobora a idéia há pouco expressa,
quando entende que na sociedade atual ocorre uma “derrota do sujeito” diante da
normalização dica e farmacológica. A sociedade, em nome da liberdade irrestrita
e do sucesso da globalização econômica, tenta abolir toda sorte de conflito,
implantando, por intermédio dos discursos “biologizantes”, um pacifismo e um
nivelamento de condições e comportamentos.
Sant’Anna (2001, p. 91) confirma esta premissa, demarcando: “com os
recentes desenvolvimentos da biotecnologia tornou-se possível apagar fronteiras
que, durante séculos, constituíram as singularidades biológicas de cada ser vivo,
inclusive, do ser humano”. O conflito e as diferenças, entretanto, características da
formação subjetiva do homem, apesar de abafadas na conjetura social, emergem de
forma fulminante no campo das relações sociais e afetivas, bem como no que o
sujeito tem de mais concreto: no seu corpo. Nesta esteira de pensamento,
Roudinesco (2000, p. 18) defende a idéia de que “o ódio pelo outro é, inicialmente, o
ódio a si mesmo”. A partir disto, postulamos o argumento de que a guerra inicial
ocorre no próprio sujeito, em seu corpo e nas suas reações emocionais.
43
O corpo se encontra como verdadeiro campo de batalha, onde o saber
médico, as investigações científicas e as descobertas tecnológicas incidem,
buscando transpor e transformar os seus limites (Breyton e Armênio, 2006). O mal-
estar contemporâneo é vivenciado pela experiência do corpo, na qual as pessoas,
para resolver tal incômodo, se assujeitam ao discurso médico, aquele que busca
aplainar as diferenças, acabar as imperfeições, as dores, as angústias, ou seja, com
aquilo que falta e limita os corpos. Defendemos, então, o posicionamento de que, no
contexto atual, quando não se valoriza mais o respeito ao outro, a reflexão ou
mesmo instituições como a família, a proposta curativa e libertadora da biotecnologia
nos seduz imensamente.
Na atualidade, o corpo está em evidência e isso não surge como um
passe de mágica, mas como fruto de modificações culturais, bem como de
descobertas e avanços científico-tecnológicos (Costa, 2004). O progresso em
algumas áreas do saber foi determinante para a revalorização deste na sociedade.
São percebidos no cotidiano grandes investimentos, sejam eles financeiros ou
intelectuais, na área científica. Mapeamentos e estudos minuciosos do
funcionamento cerebral demarcam uma relação próxima entre as atividades mentais
e as físicas, entre as funções psíquicas e as funções orgânicas, o que leva o sujeito
a perseguir, com afinco, o controle de suas sensações e emoções. Assim, o que
antes era tido como sentimento e vivência própria da condição humana passou a ser
considerado como um distúrbio, algo estranho ao funcionamento do organismo e
que precisa ser tratado. Refletimos, desta maneira, a idéia de que a “patologização”
de aspectos existenciais do homem é, também, fruto da onipotência científica de
querer tudo controlar.
44
Percebemos outra mudança muito próxima da anterior e que influencia
bastante a visão sobre o corpo: os inúmeros avanços e as grandes descobertas na
área das tecnologias médicas (Costa, 2004). Estas refletem diretamente no aumento
da expectativa de vida da população, bem como possibilitam, com seus novos e
eficientes instrumentos, técnicas e produtos, que as pessoas modifiquem a sua
estrutura física de acordo com o desejo e vontade. Ressaltamos, então, a
plasticidade corporal e o aumento das possibilidades do homem em controlar a si e a
sua existência.
Destacamos, ainda, que fatores da ordem político-social e filosófica,
também, influenciam na mudança da percepção cultural do corpo (Costa, 2004).
Citamos como exemplos: o deslocamento do interesse dos indivíduos das questões
políticas para as de cunho social, como os conflitos raciais, sexuais ou geracionais,
elegendo as especificidades biológicas como predicados para a igualdade de
expressão e de direitos; as críticas e transformações das quais foi alvo a
religiosidade ocidental fizeram com que outros tipos de crenças, como as religiões
orientais, fossem incluídas no imaginário social. Estas últimas trouxeram consigo
outro modo de ver o corpo, considerando que, para o crescimento da fé e da
espiritualidade, é fundamental cuidar e ter uma relação mais próxima com este; o
surgimento de novas teorias filosóficas sobre a natureza do corpo que expressam
uma recusa à dicotomia cartesiana mente-corpo e defendem uma visão holística e
global do organismo humano.
Dessa forma, percebemos que o corpo ganha na cena social da
atualidade um espaço de escuta, cuidado e estudo. No item seguinte, discutimos
sobre as principais características desta cultura do corpo, destacando a importância
da mídia na sua sustentação.
45
3.2 A cultura somática e o desfile de corpos na mídia
Após a reaproximação gradativa às questões sobre o corpo, referidas
anteriormente, consideramos que este assume um lugar de evidência, quando é
levada em consideração, principalmente, a sua realidade concreta com todas as
suas sensações e demandas. Atualmente, desenrola-se nova dinâmica moral, a
“cultura somática” (Costa, 2004, p. 221), na qual o corpo em sua materialidade é
tomado como referência. Esta é constituida na indiferença ao outro, bem como no
enfraquecimento das instituições doadoras de sentido e valor, como a família, a
religião e a política. Reconhecemos que toda cultura tem seus aspectos positivos e
negativos e, por isto, advogamos a opinião de que a sociedade atual não é um
buraco sem valores, mas que as antigas referências foram trocadas por outras bem
mais sensíveis à liberdade de expressão do que as de outrora.
Como aludimos anteriormente, os valores se sustentam num ideal de
felicidade referido ao corpo e às sensações. Neste contexto, o corpo é tomado como
a primeira e a fundamental instância de inscrição e realização do sujeito. Os
parâmetros de felicidade são as sensações que tocam o corpo e a satisfação parece
não estar mais na herança dos valores tradicionais nem na imitação honrosa de
outro parental, mas na experimentação das sensações corporais, bem como no
alcance de um modelo veiculado pelos meios de comunicação: o corpo das
celebridades.
Percebemos que o papel da mídia é muito importante e de grande
influência na constituição psicossocial. Ao mesmo tempo em que a mídia,
positivamente, situa o sujeito em contato com as diferentes realidades, contribuindo
para a sua diversidade informativa, estimulando a vinculação deste às descobertas e
46
produções realizadas, ela, assim, o faz de forma impessoal e acrítica. O sujeito,
portanto, está interligado com o mundo e com as suas elaborações, porém, de
maneira ilusória, pois este contato se opera de forma distante, num mundo pouco
concreto das imagens, numa realidade pertencente às pessoas que aparentam ser
perfeitas e sem dificuldades, como os astros de cinema ou as celebridades da
televisão.
Maciel, Teixeira e Pinheiro (no prelo, p. 1) afluem a esta idéia, ao
sustentarem que na mídia circulam discursos hegemônicos sobre o corpo perfeito,
“[...] belo, jovem, saudável e, sobretudo, magro”. Segundo suas pesquisas às capas
da Revista Veja, as mulheres são as mais fortemente afetadas por esses discursos,
haja vista que nelas as mulheres magras, com seus corpos esculturais, estavam
sempre vinculadas ao sucesso, à saúde e à boa forma.
A mídia percebe a vida como se fosse um “desfile de imagens” (Costa,
2004, p. 228), longe da atuação singular do sujeito, porém extremamente influente
na sua organização subjetiva e social. Este desfile de imagens, ao contrário do que
podemos pensar, determina o que merece atenção ou admiração do sujeito e
comanda a significação social da sua existência e, por que não dizer, do seu corpo.
Na maioria das vezes, ser feliz e dar sentido à vida parece não fazer mais
parte unicamente de um processo de escolha e autonomia, mas provir,
principalmente, de uma aprendizagem do que se expõe nos meios de comunicação,
minimizando, assim, a capacidade do sujeito de pensar e de se implicar,
verdadeiramente, em suas construções. A realidade parece diluir-se em imagens e
se curvar a uma versão virtual de ser, na qual as pessoas perdem, gradativamente,
“[...] a confiança em seu discernimento, crendo, prima facie, no que dizem os jornais,
revistas, filmes e programas de rádio ou de televisão”. (Costa, 2004, p. 229).
47
Refletimos, desta maneira, a noção de que o corpo humano, com todas as
suas limitações e fragilidades, para experienciar as inúmeras e potentes inovações
tecnológicas, as diversas estimulações que a ele se apresentam, bem como para
alcançar o corpo das celebridades divulgado na mídia, precisa ser alterado para o
que Bauman (2001; 2004) chamou de corpo fluido, sem uma consistência subjetiva
que o defina como próprio e que seja atravessado pela alteridade. Segundo o autor
o mundo de hoje é um mundo das incertezas e da falta de referências duradouras, o
que causa no sujeito um grande mal-estar da instabilidade identitária.
Refletimos com Da Poian (2000, p. 57) que a depressão considerada
como um sintoma maior de nossos tempos, tem relação com a falta de referenciais
mais duradouros e com a fluidez dos vínculos e das identificações sociais. O sujeito
fica como “orfão de ideais”, procurando ansiosamente por algum discurso social que
lhe signifique. Segundo a autora, o problema ocorre porque os discursos que se
apresentam na atualidade exigem do sujeito unicamente a volatilidade, as mudanças
instantâneas e a descartabilidade, não o estimulando à reflexão e à construção
pessoal dos significados de suas experiências no mundo.
Nas condições atuais, as diferenças e as particularidades de cada sujeito
tendem ao apagamento. Na cultura que valoriza o espetáculo e o entretenimento, o
que se exige do sujeito o é uma consciência e defesa firme dos valores morais e
da sua história, mas, como sustenta Birman (2003a, p. 168), faz-se a ele uma
“exigência infinita da performance”, quando o que importa é que o “eu” seja
glorificado. Neste contexto, o corpo carnal fica em evidência no palco da cena social
como espaço privilegiado de demonstração de um “eudesgarrado da sua história e
de seus laços sociais. Aludimos, portanto, ao argumento de que simultaneamente a
48
esta realidade, ocorrem mudanças e implicações na subjetividade humana. Sobre
esses aspectos, discutimos no próximo item.
3.3 Bioidentidades: corpos-sujeito
O homem é levado, na atualidade, a lidar com o seu corpo como uma
realidade exterior e autônoma à sua condição subjetiva. Para Le Breton (2003), o
corpo deixa de ser representante da pessoa, de seus gostos, da sua história de vida
para colocar-se como um acessório, ou mesmo um kit à disposição das
manipulações do sujeito e da sociedade. Ao assumir esse lugar, de uma matéria à
parte, o corpo deixa de ter identidade única, território próprio, abrindo suas fronteiras
para absorver os avanços e as novidades que se apresentam a ele.
Ortega (2004, p. 250), em seu artigo sobre Modificações Corporais e
Bioidentidades, contrapõe-se a Le Breton (2003), quando propõe que, na atualidade,
o corpo não é um outro ego, no qual o sujeito expõe o que ele pensa e sente, mas é
o próprio sujeito. Na atualidade, “a aparência virou essência”. Resta, então, a esse
corpo, que é a mais pura manifestação do sujeito, ser cuidado e alterado para
expressar suas diversas facetas subjetivas. Não queremos entrar no foco da
discussão se o corpo é um outro ego ou se ele toma o espaço do próprio sujeito,
mas o que nos interessa é que, em ambas as visões, o corpo é tomado como
espaço privilegiado de constituição e apresentação subjetiva.
No corpo ou por meio dele, os sujeitos inscrevem as suas marcas e
experimentam o contato com o ambiente. Por intermédio de atividades mais
próximas à natureza e na medida em que se põem horas e horas delineando os
seus músculos nas academias, fazendo ginástica, usando cosméticos e seguindo
49
dietas, as pessoas buscam um contorno e um bem-estar físico. Neste movimento, o
homem tenta, na exterioridade do corpo, dizer quem ele é. Manipulando-o, junto ao
olhar dos outros, ele se mostra, conta a sua vida, os acontecimentos mais marcantes
e ainda se insere no seu âmbito social, aderindo aos padrões de beleza física.
Le Breton (2003, 2004) exprime que o sujeito contemporâneo, para traçar
os limites de sua existência, submete-se a um design corporal, alterando o seu corpo
de uma forma ou de outra. Acentuam-se, com efeito, práticas como o body building,
o body art e a cirurgia estética. A preocupação consigo se traduz, na atualidade,
como uma preocupação com um corpo tecido pelo próprio sujeito. O corpo
representa atualmente o último continente a ser descoberto, explorado e
personalizado mediante as modificações corporais.
O body building é uma “prática corporal que se popularizou nos Estados
Unidos ao longo dos anos 80, e se espalhou pelo mundo tecnológico como um
esporte que trabalha a cultura visual do músculo” (Moraes, 2004, p. 24),
representando de maneira mais fidedigna a cultura da aparência do corpo. O body
builder por meio de uma ascese baseada em exercícios repetitivos, delineia os seus
músculos e por uma dieta alimentar rigorosa trava uma guerra contra a gordura e em
favor do aumento da massa muscular. Ele parece construir a sua maneira de ser por
intermédio de uma modelação dos músculos. Passa horas na academia delineando,
fazendo e dominando a realidade corporal, no intuito de sentir-se consistente, com
limites bem estabelecidos. Le Breton (2004, p. 69) nos explica melhor:
O body builder, o maníaco do corpo, traça os seus limites físicos,
enfrentando-os diariamente por intermédio de uma ascese baseada
em exercícios repetitivos [...] Num mundo de incertezas, constrói
pedra a pedra uma espécie de abrigo que lhe permite continuar
senhor de si, ou quando muito produzir a ilusão sincera de ser,
enfim, ele próprio.
50
Outra atividade apresenta-se como reflexo cultural da exposição do corpo:
body art. Nesta, o corpo tem fronteiras abertas, os limites ultrapassados para servir
como palco da crítica, do questionamento e das provocações sociais. Nesta
atividade artística, o corpo entra em cena em sua materialidade, tendo a arte como
um ato a ser inscrito o mais em telas de madeira, mas em telas de carne e osso.
O body art atua na carnalidade do corpo, nas suas diversas possibilidades e
performances, a fim de representar a liberdade irrestrita e a vontade soberana do
sujeito sobre a sua existência.
Como explica Le Breton (2003), o sentimento da maleabilidade do corpo e
o desejo de onipotência e domínio deste sustentam, também, o desenvolvimento
considerável da cirurgia estética. Esta se apresenta, na atualidade, como um dos
mais importantes instrumentos de modificação corporal. Por este procedimento, o
sujeito tem à disposição a possibilidade de alterar concretamente, de acordo com o
desejo, o curso da história e imagem corporal.
A cirurgia estética não opera somente na dimensão física do sujeito, mas,
sobretudo, na sua dimensão subjetiva e imaginária. O sujeito, ao mudar a maneira
como o corpo se apresenta aos outros, também altera o olhar destes sobre a sua
existência, o que parece lhe dar a sensação de tomar posse de uma nova identidade
(Le Breton, 2003). Com o uso rotineiro da cirurgia estética, a anatomia passa a ser
uma instância remodelável, sempre pronta a ser modificada. O corpo deixa de fato a
sua versão imutável, raiz de uma história pessoal, para ser uma forma passível de
retoques e correções.
Este contexto social tece um novo sujeito, com um modo diferente de lidar
consigo e com sua realidade. Na atualidade, quando a imagem corporal é a
protagonista das relações, surge o que Costa (2004, p.194) denomina de
51
“personalidade somática”. Nessa organização subjetiva, por mais que se tente
encobrir, as pessoas, também, pagam um preço e não deixam de sofrer golpes em
suas idealizações.
O padrão de normalidade, hoje, é o da bioascese
3
, no qual o sujeito deve
ter uma vontade forte e disciplinada de procurar a saúde e o corpo perfeito. Os que
se desviam desse caminho, e por algum motivo o conseguem controlar os seus
excessos, são tidos como fracos, débeis e por isso ficam excluídos enquanto não se
adequam a esta ordem. Costa (2004, p. 195) chama de “estultos” os desviantes da
norma da boa forma. São eles: os dependentes ou adictos, que não se controlam
diante dos apelos; os desregulados física ou mentalmente, que não equilibram seus
estados emocionais ou necessidades físicas; os inibidos, que não se apresentam de
forma espetaculosa; os estressados, que não se organizam e não utilizam bem suas
energias, e os deformados, que não conseguem se adequar aos padrões de beleza.
Estão todos estes colocados como marginais da boa forma.
Segundo Costa (2004, p. 196), na formação das bioidentidades, sob as
exigências da boa forma, encontramos algumas contradições da cultura somática.
Nesta, o sujeito ocupa o lugar de onipotência, quando acredita que, por um ato de
vontade pode cuidar de seu corpo e comandar a sua felicidade, porém, situa-se num
lugar de extrema passividade, atribuindo a uma anomalia biológica toda e qualquer
experiência de sofrimento. Permanece, então, vinculado a uma crença, a do poder
irrestrito da Medicina.
Paradoxalmente, ao desconsiderar a importância das instituições morais,
como a família, menosprezando o outro próximo, como, por exemplo, os pais, o
3
Usamos o termo bioascese de acordo com Ortega (2004), quando nos explica que ela corresponde
à ascese corporal moderna. A bioascese enfatiza “os procedimentos de cuidados corporais, médicos,
higiênicos e estéticos na construção das identidades pessoais, das bioidentidades” (P. 248).
52
sujeito da atualidade se mostra como independente e auto-suficiente, mas, em
contra-partida, torna-se tão dependente de um outro anônimo, distante, que em
nada se implica e se responsabiliza com a sua história: as celebridades (Costa,
2004). Continua, dessa forma, precisando de um referencial e de um
reconhecimento.
Podemos, também, perceber a contradição de que, quanto mais este
sujeito associa a sua felicidade ao prazer, mais ele se sente desprotegido e frágil
diante dos sofrimentos que não consegue evitar (Costa, 2004). Tem um
comportamento extremamente ansioso diante daquilo que não pode prever. Os
acontecimentos que fogem de seu controle são vivenciados como verdadeiras
explosões emocionais, achando que de alguma maneira falharam em seus deveres
bioascéticos.
Aprendemos, ainda com Costa (2004) a noção de que a cultura somática
ao privilegiar a moral do corpo e das sensações em detrimento da intimidade do
desejo e dos sentimentos, posiciona o sujeito diante de extrema e angustiante
exposição de si. O corpo, ao ser eleito o depositário fiel do eu, é lançado num
sentimento de confusão e numa sensação de que suas fronteiras estão sendo
constantemente invadidas.
Para Costa (2004), a partir dessas contradições culturais, surgem
algumas características do sujeito na atualidade. Este se organiza dentro de uma
extrema desconfiança do outro, achando que as pessoas vigiam a sua vida para,
assim, invejá-lo em suas virtudes e condená-lo em seus defeitos e nas suas
imperfeições. O olhar do outro se mostra perigoso e ameaçador, causando no sujeito
uma desconfiança persecutória. Outra característica é a da sensiblerie, ou seja, o
sujeito reage com muita sensibilidade sentimental a qualquer intercorrência no
53
âmbito de sua aparência corporal, pois isto submete a risco o sucesso e a
adequação social.
Ocorre, também, que, diante da superexposição, as pessoas procuram
uma superficialidade e uniformidade nos comportamentos (Costa, 2004). Não
nada melhor para ter um pouco de privacidade do que ser igual à maioria.
Consideramos, portanto, que as pessoas atualmente recorrem à estratégia da
unifomização como uma maneira de passarem despercebidas. Inferimos, assim, que
buscar compulsivamente a boa forma se tornou atualmente, também, uma maneira
de o sujeito proteger-se da crítica e do olhar exagerado do outro.
Mediante o exposto, ressaltamos junto com Costa (2004) que o ideal de
felicidade situado no corpo tem sua face positiva e que por isto estamos longe de
achar que sustentamos esta dinâmica sem nenhum ganho ou vantagem para a
nossa existência. Este ideal é tecido por nós e se estamos nele é porque, de alguma
maneira, o achamos interessante. A possibilidade de expressarmos livremente, por
meio do corpo, nos situou em contato com novas realidades, permitindo estas maior
ação do que aquelas pautadas na moral burguesa do sentimentalismo, na qual
éramos postos em torno de moralismos, o que nos impedia de experienciar mais
livremente os afetos e as sensações.
Como aludimos, colocar o corpo em evidência nos permitiu formular
uma infinidade de estudos e descobertas que em muito tem ajudado a melhorar a
nossa realidade e prolongar a nossa existência. Estamos, cada vez mais, ativos em
busca da saúde e da qualidade de vida, deixando definitivamente de cultuar os
sofrimentos e as frustrações. O que questionamos não são as conquistas, mas as
linhas de força que afirmam o corpo exclusivamente na sua carnalidade, na sua
materialidade e o quanto ele se torna hegemônico na cultura contemporânea.
54
Citamos como exemplo as pessoas que fazem uso da cirurgia estética
para modificar os corpos. No lugar de ficarem paralisadas diante daquilo que as
incomodam no corpo e que as deixam prejudicadas nas relações sociais, elas
ultrapassam os riscos, as inseguranças, bem como buscam as condições financeiras
necessárias para realizarem tal procedimento e se permitem, assim, alterar a sua
estrutura corporal. Portanto, consideramos que a retirada do corpo do ostracismo
deu ao homem um ganho extraordinário no que tange a liberdade de expressão e
ação, porém o levou a percorrer um longo e inquietante caminho de transposição
dos limites corporais, a fim de alcançar os padrões estéticos.
A cirurgia estética trabalha com a área da modificação corporal, buscando
a adaptação do corpo a padrões de beleza. Direciona-se ao sujeito que não está
acometido por uma dor física, mas a um outro tipo de mal-estar, aquele que diz
respeito a imagem e a percepção corporal.
A seguir, discutimos o que é e a que se propõe a cirurgia estética. Para
essa análise geral, nos apoiamos na literatura médica, utilizando, principalmente,
alguns estudiosos como: Ferreira (1997), Franco (2002) e Mélega (2002).
3.4 Cirurgia estética: instrumento de correção corporal
Plástica é uma denominação que vem da palavra grega plastikós que
significa moldar, plasmar ou reparar. Ao consultarmos o significado da palavra
plástica em Houaiss e Villar (2004, p. 575), encontramos os seguintes significados:
“1. Arte de modelar; 2. Forma do corpo de alguém; 3. Cirurgia plástica”. Na medicina,
o termo é usado para designar uma das especialidades da cirurgia geral, a cirurgia
plástica.
55
Segundo a orientação de Mélega (2002, p. 3), a cirurgia plástica é uma
das mais antigas manifestações da Medicina, haja vista que já em 800
anos antes de
Cristo, na Índia, “foram descritas técnicas de reconstrução nasal e de lóbulo de
orelha através do uso de retalhos de vizinhança”. A busca do aprimoramento dos
aspectos da vida é uma característica que acompanha a natureza humana e que
sustenta o advento da cirurgia plástica.
A cirurgia plástica se distingue em dois principais ramos: a cirurgia
plástica reparadora ou reconstrutiva e a cirurgia plástica estética ou corretiva.
Ferreira (1997) nos ajuda a entender que a cirurgia plástica reparadora ou
reconstrutiva tem a finalidade de reparar um defeito causado por doença, acidente
ou malformação congênita. a cirurgia plástica estética ou corretiva se propõe a
alterar o que no corpo não está em conformidade com o padrão de beleza de uma
determinada sociedade, bem como corrigir alterações próprias da evolução do
tempo, promovendo uma suavização do envelhecimento da pele. Em ambas as
modalidades, a finalidade estética está sempre presente, pois, ao procurar este
procedimento cirúrgico, o sujeito e o profissional que lhe atende buscam uma
aproximação do que é posto como normal e belo em seu grupo social.
O grande impulso da cirurgia plástica reparadora se deu nos períodos
vizinhos às duas guerras mundiais, quando o grande número de mutilados estimulou
os estudos e as descobertas nesta área. Com relação ao crescimento da cirurgia
estética, ele vem ocorrer, principalmente, após a II Guerra Mundial, quando se
desenrola grande desenvolvimento do conhecimento científico e das descobertas
tecnológicas na área da Medicina e se acentuam transformações culturais, em que a
experiência corporal é fortemente alterada. A modificação corporal que antes era tida
como uma afronta à vontade de Deus ou mesmo como um ato superficial, vazio e
56
pecaminoso, assume, na atualidade, por influências culturais e da mídia, um lugar de
normalidade e evidência (Ferreira, 1997).
Atualmente, o sujeito o pode como deve fazer uso da tecnologia
para aprimorar o corpo de acordo com a vontade pessoal. O desenvolvimento
técnico-científico na Medicina, a multiplicação do número de profissionais na área, a
conseqüente redução dos custos e a maior divulgação dos efeitos da cirurgia
plástica por parte da mídia permitiram que a especialidade se expandisse e se
democratizasse imensamente nos últimos tempos, estando mais acessível à grande
população.
A cirurgia estética tem, então, o seu maior impulso dentro de um contexto
social onde os cuidados e a experiência corporal são valorizados, pois esta se
vincula, essencialmente, a uma preocupação em alcançar um padrão de beleza
física. Percebemos que o sujeito, ao submeter-se a este procedimento cirúrgico, não
está acometido por uma dor ou uma anormalidade física, mas por uma necessidade
interna de melhorar a qualidade de vida e atingir os ideais estéticos.
A cirurgia estética não deve, no entanto, perder de vista os seus
parâmetros em especialidade da Medicina. O seu compromisso é com o bem-estar
global do paciente, com sua conformação física e adequação social. O médico não
pode esquecer do compromisso ético em perceber as motivações e interesses do
paciente e orientá-lo quanto à melhor saída para a sua saúde. Ferreira (1997, p. 22)
compara o cirurgião plástico a um “psiquiatra com bisturi”, pois, além de precisar
desenvolver a habilidade de escuta à demanda de seu paciente, deverá ter toda um
conduta ética diante das propostas dele. Jaimovich (2002, p. 40) é muito claro sobre
a necessidade do cirurgião, que atua na área da estética, desenvolver habilidades
57
como a do bom senso, a da escuta sensível, a da ação crítica e da ética quando
acentua:
O cirurgião plástico mais do que ninguém, necessita entrar no
campo da motivação, dos fatores pessoais, da interpretação
individual da deformidade, seja ela grande ou pequena, evidente ou
apenas referida. Deve analisar as circunstâncias e a situação de
vida dos que procuram este tipo de ajuda [...] deve ter apurado
noção crítica sobre a sua própria pessoa e sobre as possibilidades e
limitações de sua atuação e de sua própria obra.
Para Jaimovich (2002), o paciente, ao procurar a cirurgia com fins
estéticos, é movido principalmente por três motivos: manter a sua forma física,
reconquistar o que dela perdeu e conquistar o que nunca teve. O cirurgião plástico
atua, assim, no campo da percepção e correção corporal e por isso deve estar
atento à imagem que a pessoa tem de si, confrontando-a com suas expectativas e
com os resultados que uma eventual cirurgia possa produzir sobre as vidas dos
pacientes.
Ressaltamos, aqui, o caráter de correção corporal que a cirurgia estética
apresenta. Segundo Houaiss e Villar (2004, p. 195), corrigir significa “dar ou tomar
forma correta, melhor”. A partir de uma imagem que idealiza pessoalmente ou de
uma imagem idealizada por terceiros, o sujeito, ao buscar este procedimento, está
de alguma maneira insatisfeito com a forma de seu corpo, achando que algo de
errado e que deve ser concertado nele. A decisão, portanto, de recorrer à cirurgia
estética faz parte de uma percepção interna que o sujeito tem de si e de seu corpo.
O olhar dos outros funciona como uma espécie de espelho que reflete muitas vezes
uma imagem provinda não de uma realidade “objetiva”, mas de uma imagem que
tem relação direta com as experiências afetivas de cada sujeito.
O sujeito, ao procurar uma ação corretiva no corpo, lida com aspectos
emocionais, afetivos e familiares (Ferreira, 1997). Ao modificarem os corpos por
58
meio da cirurgia estética, eles parecem buscar uma maior adequação aos padrões
estéticos, e, por isto, uma maior qualidade nas relações e expressões afetivas. No
decorrer da pesquisa de campo, atentamos para tais vivências, haja vista que faz
parte dos objetivos da pesquisa investigar as motivações, expectativas e
repercussões das modificações corporais por meio da cirurgia estética.
Este procedimento, por atuar no campo das correções corporais, das
expectativas pessoais e das adequações sociais, desperta no paciente e na mídia
uma aura milagreira, podendo tudo concertar e oferecer resultados mágicos. Esta é
uma realidade muito prejudicial e perigosa para a prática médica que, apesar das
importantes conquistas, não pode assegurar a perfeição e muito menos a realização
plena da vontade humana. Ressalvamos, portanto, a noção de que a cirurgia
estética é um procedimento cirúrgico como outro qualquer, oferecendo aos pacientes
alívios, mas, também, riscos de vida, dores no processo de recuperação e cicatrizes.
Por mais que a mídia queira minimizar e relativizar esta realidade, ela existe e por
isto não deve ser banalizada e servir a fins comerciais e financeiros.
Existem alguns aspectos, como a anestesia e a cicatrização, muito
discutidos na consulta com o cirurgião plástico (Ferreira, 1997). O paciente, muitas
vezes, anseia que o processo cirúrgico seja diferente dos demais, o marcando o
seu corpo e nem, muito menos, oferecendo riscos para a vida. A cirurgia estética
tende a ocupar um lugar lúdico e irreal na percepção de alguns pacientes.
No que diz respeito à anestesia, ela é um elemento básico para a
realização da cirurgia. De maneira didática, Ferreira (1997) nos explica que pelo
menos três tipos de anestesia: a geral, a local e a regional. A anestesia geral implica
sempre a perda de consciência e muitas vezes dos reflexos vitais. Ela é, ainda, a
opção mais temida pelos pacientes. A anestesia regional é aquela que bloqueia
59
alguma área do corpo e a anestesia local é a opção mais simples e que é utilizada,
apenas, em procedimentos, também, simples e rápidos. A escolha, de uma dessas
formas de anestesia fica ao critério do cirurgião, que analisa, entre outros fatores, o
tamanho da área atingida e o tempo necessário para se realizar o ato cirúrgico.
Quanto à cicatriz, ela é inevitável em um processo cirúrgico, que este
provoca na pele uma ferida que atinge suas camadas mais profundas (Ferreira,
1997). O que se deve esperar de um cirurgião plástico competente é que ele tente,
na parte que lhe compete, obter a melhor cicatriz possível, a mais fina, a menos
saliente e de cor mais aproximada da pele normal. Vale ressaltar, no entanto, que
um bom processo de cicatrização depende de variáveis que não competem, apenas,
à técnica do cirurgião, mas, principalmente, às questões fisiológicas de cada
paciente, à idade, à raça, ao tempo desde a cirurgia e cuidados pós-operatórios.
O corpo, portanto, será marcado, mesmo se o procedimento visar,
essencialmente, a um resultado estético, demarcando, dessa maneira, que os
resultados por ele oferecidos não fazem parte de uma ação natural. Para melhor
compreensão do processo de cicatrização que vivencia a pessoa que se submete a
uma incisão cirúrgica, Ferreira (1997, p. 37) o divide em três fases: inflamatória,
fibroproliferativa e de maturação. A primeira é a reação inicial de defesa do
organismo à incisão cirúrgica. Esta fase, que consta numa irritação do tecido
agredido, deve durar poucos dias e dar início à cicatrização. A fibroproliferativa, que
em média se inicia no segundo ou terceiro dia, se caracteriza pelo aparecimento dos
fibroblastos, ou seja, das células responsáveis em secretar a substância
fundamental da cicatriz (composta por água, eletrólitos e complexos de ácidos
mucopolissacarídeos) e de várias proteínas, das quais a mais importante é o
colágeno. O final desta fase ocorre com o fechamento completo da lesão. Por último,
60
ocorre a fase de maturação, na qual uma reorientação do colágeno que vai
amolecendo com o tempo e dando à cicatriz um aspecto mais fino e discreto.
Ocorre, também, neste momento, uma redução na vascularização, o que explica
uma evolução progressiva da cor da cicatriz, que passa do avermelhado para o mais
próximo da cor natural da pele. A duração deste último período é muito variável de
pessoa para pessoa, podendo durar em torno de um a dois anos.
É importante, também, compreender as principais áreas
4
trabalhadas pela
cirurgia estética: a cirurgia estética do rejuvenescimento da face, a cirurgia estética
do nariz, a cirurgia estética das mamas e a cirurgia estética do contorno corporal.
Segundo Ferreira (1997, p. 51), a primeira se caracteriza por um conjunto de
métodos cirúrgicos - os principais são as cirurgias das lpebras e as de suspensão
da face - que visam a atenuar as alterações de envelhecimento e dissimulá-las em
alguma extensão. A cirurgia estética do nariz é considerada uma das mais antigas e
que marca o início da cirurgia plástica. Este tipo de cirurgia visa a alterar a forma do
nariz no intuito de harmonizar a estética da face e, na maioria dos casos, é feita para
diminuir o seu tamanho. Ferreira (1997, p. 71) alerta para o fato de que este
procedimento não é recomendável antes dos 14 anos de idade, pois, aesta idade,
o nariz não se formou completamente.
A cirurgia estética das mamas, segundo Ferreira (1997, p. 78), é chamada
de mastoplastia e pode ser dividida em três grandes grupos: a mastoplastia de
redução direcionadas para as mamas grandes e flácidas, a mastoplastia de
aumento, que objetiva aumentar o volume das mamas pequenas (mais comumente
4
No presente trabalho, nos propomos situar de forma geral o leitor sobre as principais áreas de
atuação da cirurgia plástica estética. Para o conhecimento mais detalhado dos métodos cirúrgicos da
cirurgia plástica estética, orientamos ver em: Ferreira, M. (1997). Beleza e bisturi: o que as cirurgias
estéticas podem (e o que não podem) fazer por você páginas 51 a 112 - São Paulo: MG Editoras
Associados.
61
com implantes de próteses de silicone) e por último a mastoplastia reconstrutiva, em
que se objetiva refazer uma mama ausente, enquadrando-se mais como uma
cirurgia reparadora.
Com relação à cirurgia estética do contorno corporal, Ferreira (1997, p.
95) explica que ela está voltada para o remodelamento da forma corporal, que, por
questões fisiológicas e com o passar dos anos, vai sendo alterada pelo acúmulo de
gordura, pela flacidez e desgaste da pele. Segundo o autor, a técnica da
lipoaspiração, surgida nos anos de 1980, é a mais utilizada, pois não exige grandes
incisões na pele. Esta consiste na sucção de gordura e de parte do tecido conectivo
que a envolve. Para isto, utiliza-se cânula ligada a um compressor que produz
pressão, rompendo as células gordurosas e liberando a gordura que é aspirada.
Seguindo as orientações de Souza (2002), ressaltamos a importância,
independentemente do procedimento que o paciente é submetido, das consultas no
pré-operatório - que devem ser esclarecedoras quanto ao método, aos riscos e à
recuperação, bem como proporcionar uma avaliação clínica minuciosa do paciente,
identificando os fatores de morbidade que possam influenciar o processo e do
acompanhamento seqüencial do paciente no pós-operatório, o que permite ao
médico diagnosticar precocemente qualquer evento desfavorável, assim como
orientar e tranqüilizar o seu paciente.
Ao aprofundarmos os conhecimentos sobre o lugar do corpo na
atualidade, suas formas de subjetivação e a cirurgia estética como um dos principais
instrumentos de modificação corporal, a seguir, estudamos o corpo, a partir da
perspectiva psicanalítica.
62
4 CORPO: SUBJETIVIDADE ENCARNADA - CONSIDERAÇÕES PSICANALÍTICAS
A metafísica do corpo se entremostra nas imagens. A alma do corpo
modula em cada fragmento sua música de esferas e de essências
além da simples carne e simples unhas. Em cada silêncio do corpo
identifica-se a linha do sentido universal que à forma breve e
transitiva imprime a solene marca dos deuses e do sonho [...]
(Drummond, 1984, p. 12).
O corpo, delineado a partir de concepções psicanalíticas, constitui o foco
deste capítulo. Inicialmente, abordamos o corpo representado da histérica, a partir
do qual Freud (1893, 1894, 1914/ 1996) inaugurou a compreensão da constituição
do corpo erógeno, situando o conceito de pulsão que investe e impulsiona o
humano.
Em seguida, estudamos sobre o fenômeno do narcisismo, no qual o
sujeito opera a passagem de um corpo disperso nas zonas pulsionais para um corpo
unificado, adquirindo uma imagem própria e cheia de sentido. Vemos que este é um
processo de intensa identificação e que ocorre no seio das relações parentais.
Discutimos, por último, o que significa e o que caracteriza a imagem
corporal de uma pessoa, reconhecendo a sua interdependência com o esquema
corporal, bem como o seu caráter dinâmico e social.
4.1 Do corpo fisiológico ao corpo pulsional
Desde os primórdios de seus estudos sobre a histeria, Freud (1893/ 1996)
se referiu a uma nova concepção de sujeito e de corpo, trazendo importantes
contribuições à investigação sobre as relações entre as dimensões somáticas e
psíquicas, situando o corpo na mediação destas realidades.
63
Preocupado em estabelecer as diferenças entre os adoecimentos
orgânico e histérico, Freud (1893/ 1996) percebeu que o corpo das histéricas estava
fundado nas representações subjetivas, diferenciando-o radicalmente do corpo
cientificista dos anatomistas que, por sua vez, se prendiam, unicamente, a sua
realidade natural e biológica. As manifestações corporais das histéricas, que não
conseguiam referências, somente, nas organizações anatômicas, fisiológicas e
neurológicas, permitiram Freud considerar as relações íntimas entre o organismo e a
dinâmica psíquica do sujeito. Os sintomas histéricos, portanto, carregados de
significados e marcados pela história de vida do sujeito, representavam a expressão,
por meio do corpo, de um conflito psíquico inconsciente.
Freud (1894/ 1996, p. 56) propõe que a histeria se enquadra numa atitude
defensiva, na medida em que o “eu”, confrontado com uma experiência, uma
representação ou mesmo um sentimento, que despertam um afeto forte e de teor
aflitivo, decide colocar este afeto de lado por um processo de recalcamento. Por não
se perceber em condições de lidar com tal situação mediante o pensamento, o “eu”
enfraquece-a, retirando o afeto “a soma de excitação” - que lhe é próprio. Na
histeria, esta excitação passa a ser utilizada em alguma coisa somática. A este
processo, de escoamento da excitação pela via somática, Freud chamou de
conversão histérica.
Ao defender a noção de que o corpo da histérica era algo mais do que o
corpo puramente biológico, Freud (1894/ 1996) percebia que este representava as
angústias e repressões nascidas na relação do corpo com o seu meio cultural.
Surgia, então, uma nova percepção sobre a corporeidade, a de um corpo capaz de
representar e expressar os conflitos e os sentidos nascidos da sua relação social.
Um corpo constituído no diálogo entre o psíquico e o somático, ou seja, que nem é,
64
apenas, psique e nem, unicamente, soma, mas que se encontra na interface dessas
realidades e que se inscreve na história de vida de cada sujeito.
Tal como podemos perceber, o corpo como território sitiado pelo
organismo - por sua estrutura biológica, colonizado pelo saber médico e
desencarnado do psiquismo - perde, decisivamente, lugar no pensamento freudiano.
Mergulhado nessa nova percepção do corpo é que está situado o conceito de
pulsão.
A pulsão é definida por Freud (1915/ 1996) como uma força instintual que
surge de dentro do próprio organismo, atuando sempre como um impacto constante
e que não é passível a nenhuma ação de fuga. Percebemos que Freud, ao discutir o
conceito de pulsão, está defendendo o caráter dinâmico e energético presente nas
excitações do organismo e que impulsiona a existência humana. A pulsão está
situada na fronteira entre o psíquico e o somático, isto é, no próprio corpo,
colocando-se não apenas como representante psíquico de estímulos que se
originam dentro do organismo e alcançam a mente, mas, também, como uma
exigência de ação, ao retornar para o sujeito de origem. A pulsão é, então, uma
representação psíquica das excitações que se originam no interior do corpo e voltam
a esse mesmo corpo para encontrar a sua finalidade que é a satisfação (Freud,
1915/ 1996). O corpo aparece, assim, como início e fim da pulsão, ou seja, investido
e unificado pela força pulsional.
A pulsão se caracteriza por exercer uma pressão, possuir uma finalidade,
um objeto e uma fonte. Entende-se como pressão a quantidade de força exercida
sobre a fonte, como finalidade à satisfação, como objeto àquilo e naquilo por meio
do que a pulsão encontra a sua finalidade. Freud (1915/ 1996) garante não saber de
que ordem é a fonte e que o seu estudo cabe ao domínio da Medicina e não ao da
65
Psicanálise, deixando claro que, para a constituição do sujeito, a pulsão é
fundamental no que tange aos seus destinos e finalidades.
Freud (1915/ 1996, p.129) propõe ainda que a pulsão se distribua em dois
grupos: “as pulsões do ego, ou autopreservativas, e as pulsões sexuais”. Embora,
apenas, achasse possível que a Psicanálise realizasse um estudo confiável com
relação às pulsões sexuais, por meio dos estudos das psiconeuroses, ele abre a
possibilidade de encontrar, com a extensão da Psicanálise às outras afecções, uma
base para as pulsões do ego. Freud, em suas pesquisas, no entanto, mantém o foco
nos destinos das pulsões sexuais e nos seus efeitos sobre a vida psíquica do
sujeito.
Segundo a observação freudiana, as pulsões sexuais têm, pelo menos,
quatro destinos: “a reversão em seu oposto, o retorno em direção ao próprio eu do
indivíduo, a repressão e a sublimação”. (Freud, 1915/ 1996, p.132). Durante todo o
processo de construção subjetiva do indivíduo, que ocorre essencialmente na
primeira infância, nas primeiras relações com o mundo, o eu se organiza,
paulatinamente, por intermédio dos destinos dados à pulsão. A cada diferente
destino da pulsão, ele atinge nova posição ou novo nível de percepção.
De acordo com esses destinos da pulsão, Freud (1915/ 1996) propõe três
registros do eu: o eu-real originário, o eu-prazer/desprazer e o eu-realidade
definitivo. O primeiro corresponde ao retorno da força pulsional sobre o próprio
organismo. A pulsão, ao ser lançada para um outro, retorna ao organismo que a
originou alterada por um sentido, em forma de traços. Como este movimento é
constante e acontece repetidamente, se supõe que ocorra, neste nível primário do
eu, uma superposição aleatória dos traços, o tendo, ainda, uma organização dos
seus sentidos.
66
Mais tarde, com o reconhecimento da falta, da impossibilidade da
satisfação plena e sobre a influência do recalque primário, o eu atinge certo nível de
organização, transformando a superposição de traços em inscrições e constituindo-
se como um eu-prazer/desprazer, regulado pelo princípio do prazer e o da realidade.
Com a percepção mais clara dos limites, pela constituição dos ideais e do
estabelecimento do narcisismo, o eu assume uma unidade e uma totalidade,
constituindo-se como um eu-realidade definitivo (Birman, 2003a).
Dessa forma, depreendemos que a Psicanálise freudiana apresenta outra
visão sobre o corpo humano, na qual a linguagem constitui a base de sua
constituição, expressando o biológico imbricado com o psíquico. Entendemos que o
corpo, para a Psicanálise é feito na trama entre o psíquico e o somático, sendo
tecido por dimensões orgânicas e imaginárias, contornado pela energia libidinal e
afetado pela relação com os outros. Neste sentido, o corpo psicanalítico se define
como cheio de significados, constituído pela linguagem e delineado por uma
imagem.
É importante salientar que, em nosso trabalho, enfatizamos o corpo em
sua complexidade, sendo ele muito mais do que um lugar do diálogo entre
realidades e saberes. Estudamos um corpo que é simultaneamente social, singular,
psíquico, orgânico, natural, cultural e fundamento para a existência humana; um
corpo denso, plástico, atravessado pelos valores e pelas relações sociais.
Desenvolvemos a idéia de que uma ação sobre a sua dimensão orgânica não ocorre
em separado e de forma estanque, mas que está intimamente ligada a todas as
suas outras dimensões.
Quando optamos por investigar as motivações que definem as
experiências corporais das mulheres que fazem uso da cirurgia estética e suas
67
implicações subjetivas, partimos do pressuposto de que, ao tocar o corpo, a cirurgia
estética afeta, simultaneamente, todas as suas dimensões, pois o orgânico, para a
Psicanálise freudiana, é pulsional e erógeno. Desta forma, com esta ação cirúrgica,
abre-se espaço para a produção de representações e sentidos subjetivos.
Consideramos, portanto, que a cirurgia estética surge, na atualidade, como uma das
importantes experiências corporais que enseja ao sujeito possibilidades de
transformações subjetivas.
Discutir o corpo, a partir das considerações psicanalíticas, é assumir uma
posição de não-dualismo, pois ela o percebe mergulhado em uma dinamicidade e
em uma complexidade não discerníveis, elegendo-o como fundamental na
constituição subjetiva e social do humano. Por meio de seu corpo, de suas relações
e das sensações que o atingem, o sujeito delimita a sua história de vida, a sua
singularidade e a sua imagem corporal. A seguir, discutimos sobre a percepção do
corpo no campo da subjetividade, estudando sobre sua constituição narcísica e
imaginária.
4.2 Narcisismo e a imagem corporal
No primeiro momento, Freud utilizou o termo narcisismo para falar dos
invertidos sexualmente, considerando que estes “[...] tomam a si mesmos como
objeto sexual, ou seja, a partir do narcisismo buscam homens jovens e parecidos
com a sua própria pessoa, a quem eles devem amar tal como sua mãe os amou”.
(Freud, 1913/ 1996, p.137). Posteriormente, Freud (1914/ 1996) elegeu o vocábulo
como um fenômeno libidinal de grande importância e comum ao desenvolvimento
sexual do ser humano. O narcisismo, neste sentido, não é mais considerado uma
68
perversão, mas um fenômeno de autopreservação que, em certa medida, pode ser
atribuído ao sujeito.
O narcisismo é definido, então, por Freud (1914/ 1996) como um estado
psíquico que se origina no retorno da energia libidinal ao ego, quando o sujeito
escolhe a si mesmo como objeto de amor. O narcisismo é considerado por Freud,
porém, como um fenômeno secundário, pois a libido, que retorna ao ego, realiza um
movimento contrário ao que foi percorrido quando da sua constituição, na primeira
infância.
Existe na origem do ego uma energia que é, posteriormente, transmitida
aos objetos, investindo-o libidinalmente, porém, sem nunca desinvesti-lo totalmente.
Este último estará sempre pronto para retomar a libido para si próprio, desde que se
ache em condições de desamparo ou de frustração excessiva. Dessa maneira,
Freud (1914/ 1996) faz a diferença entre a libido dirigida ao ego e a libido orientada
ao objeto. Defende a noção de que a libido objetal atinge sua carga mais elevada
quando um sujeito se encontra apaixonado, ou seja, quando ele deixa de olhar para
si mesmo em favor de um objeto de amor, ao passo que, se percebe uma situação
oposta, quando um sujeito está acometido por alguma doença orgânica, não se
interessando pelas coisas do mundo externo, na medida que não se referem ao seu
sofrimento. Em linhas gerais, Freud situa esses dois tipos de investimento,
diferenciadamente, de maneira que, quanto mais um é desenvolvido, mais o outro se
esvazia. Para o equilíbrio psíquico do sujeito, no entanto, é necessário um
balanceamento energético entre os investimentos do ego e dos objetos.
O ego, em sua forma unificada, não existe desde sempre na constituição
primária do sujeito, precisando de “uma nova ação psíquica” para alcançar a sua
fase mais evoluída (Freud, 1914/ 1996, p. 84). A fase narcísica ocorre, justamente,
69
no momento de estruturação deste ego primário, ou seja, o narcisismo é responsável
pela organização das pulsões fragmentadas e dispersas nas zonas erógenas, dando
ao sujeito uma imagem integrada de seu corpo.
Esta passagem do ego primário para uma unidade fortemente estruturada
somente é possível graças à imagem corporal que a criança obtém de si mesma nas
suas relações parentais e mais fortemente na relação com a e. Através do olhar
materno, reconhecendo e atendendo as necessidades desta criança, é que o
investimento libidinal do ego ocorre, funcionando como uma espécie de costura
imaginária (Simanke, 2002). Portanto, a vinculação afetiva é de fundamental
importância para a estruturação do aparelho psíquico. Sem a mãe que lhe confirme,
a criança é incapaz de se perceber e de se diferenciar como sujeito. Ela ficaria presa
e sufocada nas malhas da realidade fragmentada das pulsões.
Sem a mãe que o apóie e permita mais seguramente sentir a falta e
buscar no mundo externo o seu objeto de satisfação, temos um sujeito “ausente” ou
pouco inserido na realidade, assim como no mito do Narciso: alguém que morre
afogado no próprio eu. Freud (1914/ 1996) defende a noção de que é absolutamente
necessário para a vida mental que ultrapassemos os limites do narcisismo e
liguemos a libido aos objetos no mundo.
Lacan (1998) corrobora a idéia freudiana sobre o narcisismo, quando
postula a premissa de que este deve ser compreendido como uma identificação,
quando uma transformação se efetua no sujeito, permitindo-lhe assumir uma
imagem unificada de si mesmo. Lacan (1998, p.97) denomina este momento de
“estádio do espelho”. Nele, o espelho é o olhar do outro materno que percebe o
corpo do bebê como integrado e ideal, porém, bem distante da percepção do próprio
bebê que se percebe com um corpo imaturo e fragmentado. É nesta diferença de
70
percepção que o bebê e a e experimentam a quebra da ilusão de perfeição,
reconhecendo a condição faltosa e incompleta do corpo humano. A criança, a partir
de então, não mais percebe o outro materno como um grande e inatingível “eu
ideal”, mas se identifica com uma série de “ideais de eu” perpassados pela falta e
pelos limites, próprios da condição humana.
Para Simanke (2002), na medida em que o corpo da criança vai
amadurecendo em suas funções orgânicas, bem como sendo mergulhado na trama
das relações e padrões sociais, por intermédio das significações maternas, ele vai se
individualizando, expandindo a sua percepção e por isto relacionando-se com a
realidade a sua volta de maneira mais complexa e independente. Kehl (2003, p. 251)
discute, também, a ideação de que o bebê humano, a partir de sua relação dual com
a mãe, deixa de ser, gradativamente, um conjunto confuso e desordenado de
sensações de prazer e desprazer para ser um “eu/prazer” do outro materno,
precisando, no entanto, no decorrer das experiências, dar um passo à frente no
fortalecimento do ego e de sua imagem corporal.
Vale ressalvar que Kehl (2003), Lacan (1998) e Simanke (2002), a partir
de leituras feitas aos escritos freudianos, posicionam-se com relação à constituição
psíquica e imaginária do ser humano. O que destacamos no estudo é o ponto que os
une e assim seja dito: o que funda o sujeito como tal é a relação e o olhar do outro
materno. Este proporciona à criança não as condições necessárias para o
reconhecimento das funções orgânicas, motoras e psíquicas, como, também, um
sentido e uma imagem corporal unificada. Somente por meio dos cuidados e da
afeição materna é que a criança toma posse de seu corpo desejante e singular.
Prosseguimos os estudos sobre a imagem constitutiva do sujeito,
apresentando o que Dolto (2004) discute sobre o assunto. A autora revela que o
71
corpo em sua origem é permeado por duas principais realidades: a do esquema e a
da imagem corporal. Estas realidades são interdependentes e edificam-se,
mutuamente. O esquema corporal é organismo, ou seja, é o corpo carnal e orgânico
que nos diferencia como espécie humana. a imagem corporal é considerada
como sendo aquilo que o sujeito tem de singular e que o diferencia de outro sujeito.
É a síntese viva de todas as experiências afetivas, aquelas vividas na mais tenra
infância. Ressaltamos, assim, que constituímos imaginariamente o corpo a partir do
que experimentamos nas relações parentais e, conseqüentemente, com as outras
personagens sociais que se fazem presentes ao longo da nossa história de vida e do
que apreendemos sobre a idéia que os outros fazem a nosso respeito.
A imagem corporal é “[...] é atual, viva, em situação dinâmica,
simultaneamente narcísica e inter-relacional”. (Dolto, 2004, p. 15). Em outras
palavras, consideramos, primeiramente, que a imagem do corpo se funda na e pela
relação com os outros, sendo esta última iniciada na concepção, quando os pais,
dentro de suas expectativas e histórias de vidas, iniciam a formação da imagem dos
filhos. Em seguida, entendemos que a imagem do corpo é atual, viva e dinâmica,
pois esta é uma espécie de depósito de experiências que durante toda a vida do
sujeito se fazem presentes e são atualizadas ou reeditadas nas suas relações
futuras. Compreendemos, por último, que a imagem corporal é narcísica por ser ela
o suporte subjetivo do corpo e aquilo que faz do sujeito um ser único e estruturado.
Neste estudo, discutimos o caráter dinâmico e social da imagem corporal.
Barros (2005) nos orienta no sentido de que as imagens corporais são determinadas
socialmente e por isso não são fixas ou estáticas. Entendemos, assim, que fatores
da experiência corporal são modificados a todo o momento, afetando,
simultaneamente, o contexto social. A maneira como sentimos e pensamos o corpo,
72
também, influencia o modo como percebemos o mundo. Dessa forma, a imagem
corporal é um espaço aberto e por isto atravessado por diversos discursos e
diferentes afetos.
Schilder (1999) defende a idéia de que a imagem corporal adquire
essas possibilidades porque o corpo não é isolado e, apenas, consegue vida na
relação criativa e fecunda com os outros corpos. Destacamos, portanto, que os
discursos sociais que criamos e sustentamos na atualidade por exemplo, as novas
tecnologias, a mídia e o forte poder consumista da sociedade são apreendidos
como parte de nossa existência, influenciando a nossa imagem corporal. Ao
considerarmos que a imagem corporal é uma realidade dinâmica e que se faz
mediante a interação social do sujeito, entendemos que ela é atualizada
permanentemente.
Neste sentido, na pesquisa empírica do presente trabalho, entrevistamos
mulheres que se submeteram a cirurgia estética. Escutamos livremente sobre as
motivações que definem as experiências corporais das participantes da pesquisa e
suas implicações subjetivas. Vale ressaltar que, quando pensamos mulher em sua
corporalidade, mediada pelas transformações que realizam nos corpos pela cirurgia
estética, estamos receptiva a pensá-lo não mais como acabado e condenado, mas
em decurso de elaboração, buscando, constantemente, novas maneiras de se
constituir e de se explicar.
73
II ENSAIO SOBRE A CORREÇÃO CORPORAL NA MULHER
5 CONSIDERAÇÕES METODOLÓGICAS
[...] Entre folhas, surpreende-se na última ninfa o que na mulher
ainda é ramo e orvalho e, mais que natureza, pensamento da
unidade inicial do mundo: mulher planta brisa mar, o ser telúrico,
espontâneo, como se um galho fosse da infinita árvore que
condensa o mel, o sol, o sal, o sopro acre da vida [...] (Drummond,
1984, p. 12).
Optamos por fazer uma pesquisa cujo referencial teórico principal é a
Psicanálise freudiana (Freud, 1893; 1894; 1905; 1913; 1914; 1915; 1919; 1921;
1930; 1933/ 1996), por intermédio do qual dialogamos com a área da Sociologia e
da Antropologia. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, haja vista que trabalhamos
no campo das relações sociais e da subjetividade humana, o que exige uma relação
de empatia e confiança entre nós e as participantes. Observamos que esta interação
dos sujeitos é uma característica inerente a pesquisa qualitativa. Nesta perspectiva,
as questões devem ser escutadas de maneira ampla e livre, respeitando as
especificidades de cada sujeito.
Minayo (1994) explica com clareza que, apesar das perspectivas
quantitativa e qualitativa não se anularem, mas, ao contrário, que elas podem
ricamente se complementar, é somente por intermédio desta última que temos um
terreno propício para analisar e discutir o universo dos significados, motivações,
atitudes, crenças e valores próprios das relações interpessoais e dos fenômenos
sociais.
Para que a pesquisa qualitativa se confirme cientificamente e exerça um
papel relevante, deve ter um grau elevado de coerência interna, porém os seus
parâmetros e os seus critérios são tomados como organizadores, não como prisões
74
que impossibilitam o pesquisador de vivenciar os impactos dos conteúdos
pesquisados ou mesmo que o impeçam de estabelecer um diálogo com outras
correntes igualmente reconhecidas e dedicadas ao tema da pesquisa (Minayo e
Sanches, 1993).
Adotamos, então, uma abordagem dialógica, mediante a qual
contemplamos as relações e as representações sociais do sujeito que traduzem o
seu mundo de significados. Consideramos que o processo social deve ser entendido
nas determinações e transformações provocadas nos sujeitos constituídos
historicamente. Sustentamos, junto com Shilder (1999), a idéia de que o social e o
natural, o biológico e o psicológico têm relação íntima de complementaridade,
guardando, em si mesmos, zonas de indiscernibilidade. Isto significa que, na
pesquisa, prezamos por ultrapassar a visão dicotômica entre as dimensões que
habitam o corpo.
No intuito de fundar uma relação íntima entre a teoria e a prática,
objetivamos investigar as motivações que definem as experiências corporais das
mulheres que se submeteram à cirurgia estética e suas implicações subjetivas. Para
tanto, buscamos identificar os motivos e as expectativas, bem como investigar os
afetos que permeiam a decisão das participantes do estudo em se submeterem à
cirurgia estética, discutindo as repercussões psicossociais do corpo modificado.
Escolhemos como instrumento de coleta de dados da pesquisa a
entrevista semi-estruturada. Esta modalidade de entrevista permite ao entrevistador
maior flexibilidade na condução, na medida em que ele pode alterar a ordem das
perguntas, tendo liberdade para fazer intervenções de acordo com o seu
andamento. Aprendemos com Franser e Gondim (2004) que este tipo de entrevista
privilegia as falas dos agentes sociais, favorecendo um espaço de expressão das
75
opiniões, crenças, valores, bem como dos significados que eles atribuem a si
mesmos, aos outros e ao mundo. Vimos, ainda, com as autoras que esta técnica
permite a produção de um texto negociado, na medida em que é concedida ao
entrevistado a oportunidade de interpretar as suas falas e condutas, não deixando
que as conclusões fiquem apenas ao encargo do pesquisador.
O método da entrevista semi-estruturada permitiu manter um contato mais
próximo com as participantes, oferecendo-lhes um espaço de empatia e confiança
para que pudessem falar livremente sobre suas vidas. No decorrer das falas é que,
de maneira cuidadosa e atenta, foram sendo feitos os ganchos necessários com os
objetivos da pesquisa. As participantes residem na cidade A, com exceção de uma
delas, que mora em B. As entrevistas ocorreram nas suas próprias cidades, em um
ambiente tranquilo e prropício para o seu desenvolvimento.
Alves (1991) assinala que o instrumento da entrevista semi-estrturada é
valioso por possibilitar uma escuta à expressão e à experiência vivida pelas
participantes, respeitando a pluralidade de sentidos dos discursos e assumindo um
compromisso com a criação de uma linguagem que comunique os seus encontros e
desencontros.
Assim como nos explicou Alves (1991), numa pesquisa qualitativa, é
previsto que, a partir de um certo momento da coleta de dados, as informações
obtidas fiquem suficientemente confirmadas e o surgimento de mais dados fiquem
cada vez mais escassos, atingindo um “ponto de redundância(P. 59) e justificando
a finalização desta fase da pesquisa. Logo, na presente pesquisa, o conteúdo das
entrevistas determinou o número de participantes e o término da coleta de dados.
Entrevistamos seis mulheres que tinham se submetido a cirurgia estética. Elas
76
estão situadas na classe média de suas cidades e inseridas no mercado de trabalho.
A faixa etária das entrevistadas variou entre 23 e 60 anos.
Destacamos o fato de que as informações referentes à vida de cada
participante foram coletadas a partir de contatos individuais, com duração xima
de sessenta minutos, num ambiente seguro, confortável e que favoreceu a
comunicação. Vale ressaltar, ainda, que a pesquisa empírica ocorreu entre os meses
de maio a agosto do presente ano e que, a partir da devida autorização das
participantes, as informações foram gravadas e posteriormente transcritas. Para
resguardar a identidade das entrevistadas, foram atribuídos a elas nomes de pedras
e de metais preciosos, haja vista que seus corpos são considerados, por elas
mesmas, verdadeiras preciosidades, passíveis de cuidados diversos e “lapidações”.
Destacamos que escolhemos como campo de investigação os
consultórios particulares de cirurgia plástica de três cirurgiões, estando um
localizado na cidade A e os outros dois na cidade B. As participantes eram suas
pacientes, sendo convidadas a fazer parte da pesquisa como voluntárias conforme
as diretrizes e as normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres
humanos (Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde), reguladas pelo
Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade de Fortaleza UNIFOR - cuja
autorização e termo de consentimento livre e esclarecido encontram-se no Anexo.
Após discussão prévia dos objetivos da pesquisa e dos critérios de
escolha das mulheres junto aos médicos colaboradores, escolhemos as
participantes da pesquisa empírica. Obedecemos aos seguintes critérios: mulheres
que tinham se submetido a cirurgia estética, com quadro clínico estável e que
concordassem em colaborar com a pesquisa, assinando o termo de consentimento
77
livre e esclarecido. Todas as participantes tiveram a liberdade de sair em qualquer
momento da pesquisa, sem que houvesse dano à sua pessoa.
Após a coleta dos dados, realizamos sua análise e discussão, tendo em
vista que a análise das informações coletadas no campo têm algumas finalidades,
assim como acentua Minayo (1994, p.69):
Estabelecer uma compreensão dos dados coletados, confirmar ou
não os pressupostos da pesquisa e/ou responder às questões
formuladas e ampliar o conhecimento sobre o assunto pesquisado,
articulando-o ao contexto cultural da qual faz parte.
Utilizamos a análise de conteúdo temática (Bardin, 1977), quando
extraímos dos relatos os aspectos relevantes para os objetivos da pesquisa. Para
tanto, fizemos um bom levantamento dos discursos das participantes, identificando a
incidência de sinalizações respeitante à temática. Isto significa que, após uma leitura
atenta dos relatos, pinçamos os núcleos ou as categorias de sentidos, cuja presença
ou frequência de aparição indicam algo para as nossas análises.
Aprendemos com Bardin (1977) que o tema funciona como uma unidade
de registro apropriada para estudar as motivações de opiniões, atitudes, valores e
crenças. Neste sentido, destacamos que este tipo de análise muito se identificou
com os objetivos da pesquisa, permitindo que procedéssemos a análise
compartilhada com os significados e interpretações das participantes.
Inicialmente, fizemos a primeira leitura do material, verificando o potencial
do conteúdo e obtendo uma visão ampla. Nesta etapa, destacamos os aspectos
dinâmicos e interativos dos conteúdos, bem como identificamos os principais temas
que emergiram das falas das entrevistadas. Esta leitura preliminar teve um caráter
de flutuação, na medida em que o texto foi analisado de maneira mais livre,
permitindo que os conteúdos despertassem as nossas impressões e orientações.
78
Após este levantamento inicial, uma leitura minuciosa e mais precisa do
material foi realizada, visando à categorização das variáveis, iniciadas nas leituras
preliminares, com base no referencial teórico e nos objetivos da pesquisa. Na fase
seguinte, buscamos assinalar, em cada depoimento, a incidência das variáveis em
estudo. Bardin (1977, p. 77) sugere a contagem de um ou de vários itens de
significação, de acordo com uma unidade de codificação:
Por enumeração temática, é possível levar a cabo, num texto, o
levantamento das atitudes (qualidades, aptidões) psicológicas
aconselhadas ou desaconselhadas, que o leitor deve atualizar ou
afastar de modo a poder chegar aos fins. Conta-se, assim, em cada
unidade de codificação (neste caso a frase), a ‘qualidade’ ou o
‘defeito’ presente.
Após classificação das variáveis garimpadas nos depoimentos,
procedemos à discussão dos resultados à luz dos fundamentos utilizados, bem
como a partir de novas perspectivas teóricas adotadas após a pesquisa empírica.
Foram evidenciados três principais temas: o corpo carnal e os ideais estéticos, o
olhar do outro, feminilidade e a questão da falta, os quais desenvolvemos no item a
seguir.
Esperamos que esta pesquisa estimule reflexões amplas sobre a
experiência corporal da mulher na atualidade, bem como suscite novos trabalhos
nesta temática.
79
6 O CORPO DA MULHER EM BUSCA DE SENTIDO
[...] De êxtase e tremor banha-se a vista ante a luminosa nádega
opalescente, a coxa, o sacro ventre, prometido ao ofício de existir, e
tudo mais que o corpo resume de outra vida, mais florente, em que
todos fomos terra, seiva e amor. Eis que se revela o ser, na
transparência do invólucro perfeito (Drummond, 1984, p. 12).
Ao objetivarmos a investigação das motivações que definem a experiência
corporal das mulheres que se submeteram a cirurgia estética e suas implicações
subjetivas, entrevistamos seis mulheres que já recorreram a este procedimento
cirúrgico, conforme metodologia explicitada anteriormente. A análise e discussão dos
dados foram realizadas com base na análise de conteúdo temática (Bardin, 1970),
visando a assinalar e discutir nos relatos os pontos mais relevantes para a presente
pesquisa.
Percebemos, inicialmente, na pesquisa empírica, que o discurso das
participantes sobre o corpo disse respeito a sua materialidade. Ao corpo carnal,
estas mulheres atribuiram toda a atenção, mas ao corpo singular e palco de uma
história, tal qual afirmado pela Psicanálise (Freud 1905; 1914; 1915/ 1996), foram
registradas poucas referências. Para se sentirem bem, elas mencionaram que o
poupavam esforços com relação aos cuidados corporais. Observamos nos relatos
que as mudanças corporais tinham forte relação com a busca de um padrão estético:
o corpo saudável, magro, bonito e jovem. As mulheres, em geral, expressaram
grande preocupação com dietas alimentares, a fim de emagrecerem, assim como
intensa angústia e culpa quando não conseguiam manter a forma. Elas percebiam o
que em seus corpos não se encontrava em conformidade com os padrões estéticos
como um defeito, ou mesmo como uma doença, referindo-se a sentimentos de
80
vergonha e inibição ante às diferenças físicas. Dessa maneira, elegemos, como a
primeira categoria a ser analisada, o corpo carnal e o ideal estético.
A segunda categoria de análise percebida, na maioria das falas, foi a
referência ao olhar do outro. Nos relatos, observamos grande preocupação das
mulheres com a opinião dos outros sobre os seus corpos, demonstrando um forte
temor e angústia com relação às críticas e vergonha diante deste olhar que aprova
ou condena. O outro tema destacado dos discursos foi a referência a um vazio ou a
um sofrimento que não é preenchido nem resolvido, apesar dos esforços. Elegemos,
por último, como a terceira categoria para as análises: feminilidade e a dimensão da
falta.
Ressaltamos que estas três categorias de análise, as quais
desenvolvemos no decorrer deste item, representam os pontos mais relevantes
encontrados nos relatos das participantes, levando em consideração os objetivos da
presente pesquisa. Estas, por sua vez, não esgotam as temáticas discutidas nas
entrevistas, podendo, futuramente, nos próximos estudos, ser discutidas outras
análises.
6.1 O corpo carnal e o ideal estético
O costume de vincular o feminino à beleza corporal não é algo novo. Da
mesma forma que se espera que o homem seja forte, exige-se da mulher que ela
seja bela. Segundo Sant’Anna (1995), o que parece mudar com o passar do tempo é
como se manifestam os padrões de beleza femininos. A autora nos ensina que
assistimos, no decorrer da história, ao desenvolvimento de discursos com o intuito
de controlar e embelezar a mulher.
81
Na sociedade ocidental, durante um longo tempo, o corpo da mulher foi
inscrito por dois principais discursos: o da filosofia cristã e o do saber médico (Del
Priore, 1999). O médico e o padre se dividiam nos cuidados entre o corpo e a alma,
respectivamente, considerando o corpo como um abrigo frágil, perigoso e imperfeito
da alma.
Na tradição cristã, encontramos referências à criação do corpo da mulher
a partir de uma costela do homem. Eva, a mãe de todas as mulheres, foi criada a
partir da necessidade de Adão em não ficar só, tendo, dessa maneira, um sentido
maior na sua existência: o de ser uma companheira ideal e eficaz para o homem.
um momento, porém, em que, encantada pela beleza e o poder, ela escolhe comer o
fruto do conhecimento do bem e do mal, levando, assim, toda a sua descendência à
perdição (Jerusalém, 1992).
Nesta linguagem figurada, percebemos que a mulher é fundada na
necessidade e no desejo do homem, sendo a ela atribuídos o poder de sedução e o
de encantamento que, por sua vez, leva o homem a perder o equilíbrio e a cometer
loucuras. A mulher, na tradição cristã, é possuidora de um corpo sedutor e de uma
vontade profana que deve ser contida e controlada (Del Priore, 1999). O corpo
feminino passa, então, a ser vigiado e sua ação limitada diante da realidade
perigosa que inspira.
Nos estudos sobre a história do corpo, tanto Soares (2002) como
Sant’Anna (1995) retratam que, durante muito tempo, até os finais do século XVIII, a
mulher não passava de um homem sem o “calor vital” e, por que não dizer, sem a
perfeição. Era sempre comparada às qualidades masculinas, sendo considerada
como um ser menor e necessitado da sua potência. A ela restava a função de
guardar, em seu útero, os filhos produzidos pelo homem e de criá-los com muita
82
dedicação. O seu corpo era controlado e coberto minuciosamente para não
manifestar o perigo, o poder e a beleza, evitando, assim, que ele fosse palco de
tentações para os homens. Segundo as autoras, a capacidade feminina de, em seu
corpo, expressar algo da ordem do desejo e da paixão foi algo muito presente nos
discursos sociais da época.
Nunes (2000) anota que, no século XIX, a mulher ainda era vista como
um ser genuinamente preparado para o casamento e para realizar-se na esfera
doméstica. O discurso médico, preponderante na época, constitui uma dupla
imagem feminina: a mulher, ao mesmo tempo em que era vista como frágil, sensível
e necessitada de proteção, era também considerada como alguém que não tinha
condições de manter sob controle o furacão dos desejos, sentimentos e
pensamentos, precisando, então, ser monitorada por um tutor, o pai ou o marido.
Desta maneira, qualquer que fosse o comportamento feminino que diferisse dos
padrões sociais de mãe e de esposa era considerado patológico e amoral.
Segundo Soares (2002), a virada do século XIX para o culo XX foi
marcada pelos movimentos feministas, quando foram reivindicados direitos iguais
entre homens e mulheres. Elas estavam insatisfeitas com o lugar que lhes era
reservado socialmente, buscando novos espaços para o melhor desenvolvimento de
suas potencialidades. Por força destes movimentos, a mulher passou a ter,
gradualmente, o seu corpo liberado para maior expressão. Isto ocorreu
paralelamente ao questionamento da filosofia cristã como verdade e ao
fortalecimento da verdade científica sobre a natureza humana. Para a autora, na
ciência, o corpo da mulher ganha um espaço de elaboração, estudo e manifestação.
Para Del Priore (2000) e Soares (2002) nesta mesma época, surgia a
tendência, que ocorria primeiramente na Europa e depois em todo o mundo, de
83
incentivo à saúde dos corpos femininos mediante os exercícios físicos. As diversas
modalidades de esportes, como a natação e o nis, começavam a ter as primeiras
atletas. Acompanhando diretamente esta realidade, surgiu a necessidade das
mulheres usarem roupas mais leves, como bermudas, maiôs e camisetas, ocorrendo
maior exposição das formas físicas, o que as despertou para uma preocupação
crescente com o olhar e a crítica dos outros.
Foi, a partir da segunda metade do século XX, porém, com o
fortalecimento do sistema capitalista, do consumismo e do desenvolvimento da
mídia, em geral, que a mulher encontrou o seu maior espaço de expressão e
atenção (Del Priore, 2000; Soares, 2002). Com o desenvolvimento da indústria da
imagem (a fotografia, o cinema e a imprensa em geral), o corpo da mulher passa a
ser alvo de uma superexposição, sendo por esta indústria divulgados padrões de
beleza a serem seguidos. Fischer (2001) e Natansohn (2005) corroboram essa idéia,
quando indicam que há, na mídia contemporânea, uma predominância de produtos
televisivos dirigidos à mulher (das mais variadas faixas etárias e situações sociais).
Neles, é comum encontrar profissionais da saúde que respodem consultas em
público e dão dicas variadas sobre como a mulher deve viver mais e melhor com o
seu corpo, deixando evidente o caráter pedagógico destes discursos em torno da
mulher. As autoras ressaltam, desta forma, que a mídia utiliza-se de estratégias
variadas para capturar o sujeito feminino, veiculando e erigindo sentidos que
atravessam a maneira de ser da mulher na atualidade.
Quando se trata do corpo feminino, o tom é de disciplinamento, com
dietas, ginásticas e cirurgias. A mulher é sempre vinculada a discursos sobre a
corporalidade, fazendo com que o corpo seja a sua principal razão de ser na
sociedade atual (Nathansohn, 2005). Seu corpo é submetido a constantes críticas e,
84
por isto, deve se consumir em regimes e nas salas de musculação ou nas salas de
cirurgias para serem modelados e esculpidos segundo a norma estética do corpo
magro e perfeito.
Le Breton (2003), em seus estudos sobre o corpo, escreve que, na
atualidade, o sujeito carrega o seu corpo como um objeto em meio às academias de
ginásticas, aos salões de estética e às cirurgias estéticas, a fim de modelá-lo e
aperfeiçoá-lo. O autor retoma o dualismo entre o corpo e o sujeito, não para positivá-
lo, mas para erguê-lo como um traço dominante da experiência corporal
contemporânea.
Compreendemos, então, que, numa organização social, o corpo é
modelado no interior de poderes que conferem limitações, proibições e obrigações.
Existe um controle minucioso das atividades e forças do corpo, impondo-lhes um
comportamento de docilidade-utilidade e de assujeitamento ao discurso social.
Vemos em Foucault (1996, p. 146) que uma sociedade não se organiza como tal a
partir do consenso e da universalidade das vontades, mas “pela materialidade do
poder se exercendo sobre o próprio corpo dos indivíduos”. O tecido social se
estrutura a partir de uma relação entre as instâncias de controle sobre as vontades e
histórias individuais inscritas nos corpos e as respostas e reivindicações deles.
Foucault (1996, p.147) explica que
O corpo se tornou aquilo que está em jogo numa luta entre os filhos
e os pais, entre a criança e as instâncias de controle. A revolta do
corpo sexual é o contra-efeito desta ofensiva. Como é que o poder
responde? Através de uma exploração econômica (e talvez
ideológica) da erotização, desde os produtos para bronzear até os
filmes pornográficos... Como resposta à revolta do corpo,
encontramos um novo investimento que não tem mais a forma de
controle-repressão, mas de controle-estimulação: “Fique nu... mas
seja magro, bonito e bronzeado!” A cada movimento de um dos dois
adversários corresponde o movimento do outro.
85
Verificamos, também, em Lipovetsky (2005) que, na atualidade, o poder
não se manifesta mais pela repressão, mas pela sedução dos corpos. Ocorre uma
supervalorização das sensações, do hedonismo e do momento presente, priorizando
a vontade pessoal em detrimento do bem-estar coletivo. Como aludimos o corpo,
hoje, é tomado pelo sujeito como o principal espaço de sua compreensão (Costa,
2004). Em nossa sociedade, a cena de exposição é do corpo. As pessoas, cada vez
menos, recorrem aos contos, às histórias e à tradição para falarem sobre si mesmas,
escolhendo a experiência corporal como a maneira privilegiada de ser e de existir.
Neste contexto, o corpo assume um lugar de preciosidade que deve ser atentamente
cuidado, vigiado e lapidado.
Nas entrevistas, observamos grande preocupação das participantes com
a forma corporal, engajando-se em dietas alimentares e numa rotina intensa de
cuidados corporais, fazendo referência, inclusive, ao policiamento e à disciplina dos
corpos. Relataram que não se sentem bem quando estão gordas e “fora de forma”:
Às vezes, eu acho que estou um pouquinho acima do peso, por
exemplo, agora, eu estou de dieta. Voltei a malhar estou fazendo
caminhada, pra perder mais, depois vou fazer musculação (...)
Então, eu tento me policiar. Se eu ficar me dando corda, e achando,
ah! isso aqui está insatisfeito, isso está ruim, eu vou querer fazer
outro procedimento cirúrgico. Só que isso vai ser uma coisa sem fim,
vou estar sempre querendo melhorar alguma coisa, fazendo
sempre. Então, não acho isso saudável. , eu tento me policiar e
verificar que todo mundo tem defeito, que todo mundo tem partes
melhores do corpo. Não se acomodar de tentar melhorar. Mas de
não ficar querendo uma perfeição, um padrão perfeito e inatingível.
(Rubi).
Quando estou mais gorda, eu não me sinto bem e procuro usar
roupas mais frouxas e começo a me controlar por que senão
viu, né! (Alexandrita).
Passo a semana todinha, o trabalho é estressante, quando é final de
semana não tenho uma pessoa para eu conversar, dividir minhas
coisas. Aí, tem a segunda-feira que eu tenho que começar a dieta, a
dieta que eu nunca sigo. Faço dois três dias e quando é na quarta,
eu já deixo e coloco tudo por água abaixo. É desse jeito! Foi desde a
86
época que o namoro terminou. Foi quando eu terminei o namoro que
eu engordei 15kg em três meses. (Safira).
Mas eu vivo de dieta, minha vida é dieta. É a semana toda de dieta
e o fim de semana, eu fico fora da dieta, mas eu não me controlo.
Eu passei semana passada toda de dieta porque da lipo pra cá, eu
aumentei cinco quilos, eu corro pra balança, eu corro pra academia
e na dieta (...) É um arrependimento tão grande: oh, meu Deus pra
que eu fui comer aquilo vou conversar com minhas amigas e elas
também quebraram a dieta. (Turquesa).
Vemos que as mulheres falaram sobre os cuidados corporais, referindo-
se, claramente, aos corpos como uma realidade à parte de sua subjetividade e que
deve ser minuciosamente modelada e ajustada. Tudo se apresenta como se não
ocorresse uma implicação subjetiva do corpo, tratando-o como um outro ego (Le
Breton, 2003) ou mesmo como um objeto de consumo das produções
biotecnológicas do mundo capitalista, como nos ensina Baudrillard (1970).
Esta realidade parece ser promovida pela influência do discurso midiático.
Sabemos que, em se tratando da imagem corpórea, a mídia nem sempre incentiva o
sujeito a refletir e aceitar a sua realidade, mas, ao contrário, estimula-o a buscar
padrões coletivos como o da beleza, o da magreza e o da juventude. Como nos
lembra Costa (2004), a mídia veicula ideais de felicidade e bem-estar que não
devem ser refletidos e implicados subjetivamente pelos seus expectadores, mas,
somente, seguidos. Como referencial para os sujeitos contemporâneos, a mídia
oferece poucas possibilidades de reflexão ou de crítica dos modelos apresentados,
exigindo que estes sejam adotados na sua integralidade pelos sujeitos.
Maciel, Teixeira et al. (no prelo) destacam que a mídia, com o seu poder
de criar e manipular as imagens, é uma das principais ferramentas de
convencimento da mulher sobre as vantagens de se possuir um corpo perfeito,
magro e saudável. Segundo o que as autoras observaram em suas pesquisas, a
mulher magra e com o frescor da juventude está na mídia sempre vinculada ao
87
sucesso profissional, à realização pessoal e familiar. Estas são mensagens que vão,
sutilmente, se apresentando para a população feminina como condição de
felicidade. Em outras palavras, o estímulo que a mídia faz à mulher para a conquista
de um corpo saudável, mais ágil e, por isto, necessariamente, mais leve, contribui
fortemente para que ela se liberte gradativamente das amarras moralistas, tais como
as impostas pela religião, tradição e costumes, e se apegue àquelas da magreza e
da boa forma da atualidade, a fim de conseguir um corpo ideal e ser aceita
socialmente.
Autores como Birman (2003a), Costa (2004), Le Breton (2003, 2004) e
Lipovetsky (1989, 2005) discutem que a pertença social, na atualidade, tem como
referência a aparência social e o prazer do momento presente. O sujeito valoriza o
presente como se não existisse outro tempo na sua existência, afastando-se do
passado e negligenciando o futuro. O corpo é tomado como o que o sujeito tem de
mais atual e mais concreto na sua existência. Os autores comungam entre si a idéia
de que o importante é usufruir, “corporificadamente”, dos acontecimentos,
tecnologias e produtos ofertados pelo mercado. O valor do sujeito se vincula muito
mais pela imagem que apresenta aos outros e pelos objetos que consegue consumir
do que por suas características morais e pensamentos. Em nossa sociedade, o ter
parece engolir o ser.
Escutamos das participantes da pesquisa que os seus ideais de
satisfação estavam fortemente vinculados às experiências de seus corpos em busca
da saúde, da beleza, da magreza e da juventude. Vejamos em algumas falas:
Eu tento não engordar muito, quando eu estou me sentindo um
pouquinho gorda, eu controlo, mas eu não faço academia. Não
tenho tempo (...) Mas como eu não to fora dos padrões, não to
gorda, não to me sentindo mal, então, eu vou fazendo o que eu
posso. Os padrões são justo esse tipo, né, não está gorda, se
88
sentindo muito flácida, com muita celulite que hoje é o terror de toda
mulher, to dentro, não to aquela coisa, não vou posar pra nenhuma
revista, não é? Então to bem, o marido também não ta reclamando,
eu me olho no espelho e não to achando aquela coisa que me
incomode, então, to me sentindo bem. (Alexandrita).
Não sei se é devido às amizades que a gente encontra na
academia, só se fala de regime, dieta. Quando você está numa
turma de amigas malhadas e magras, você fica naquela turma,
diferente de quando você era solteira. Quando eu era solteira em
Massapé, numa cidade pequena, se fala no que se vai comer
hoje, no que vai comer amanhã, não tinha academia. A vida da
gente muda, porque a gente na academia, quer ficar parecida com
aquela pessoa que está perto de você, quer imitar e diz: fulano é
mais velho do que eu e está com o corpo melhor que o meu. Fico
querendo me comparar, e às vezes não estou satisfeita com o
corpo, visto uma roupa e às vezes não dá certo, não combina.
Gente gorda não é tudo que combina. (Turquesa).
Depois das cirurgias, eu me senti ótima! Melhorou em tudo. No
vestir uma calça jeans que eu não vestia, era uma marca que eu
acho bonita e que eu não podia vesti, hoje, eu chego em qualquer
canto e não vou comprar um numero pequeno, mas de media a
grande e usava GG extra. Não gosto de roupa de velho, uso
coisinhas bonitinhas, o uso óculos feios, uso lentes e tudo o que
for para ficar melhor eu uso. Tenho sessenta anos e eu não acho
que tenho essa idade, com certeza, eu vejo minha irmã mais nova
se entregando, é diferente de mim, gosto de beber vinho.
(Esmeralda).
Observamos, contudo, que as mulheres o deixam de fazer certa
vinculação do corpo com os sentimentos e sensações, apresentando uma
ambiguidade em seus discursos. Contraditoriamente à automatização dos corpos,
elas falam sobre as repercussões afetivas de suas experiências corporais,
mencionando sensações de bem-estar e de felicidade, bem como de sofrimento ou
de angústia no decorrer delas. Neste momento, lembramos o que Ortega (2004)
defende, sobre o corpo na atualidade, sendo ele tomado como o próprio sujeito ou o
próprio ego. Ribeiro (2003) corrobora esta idéia, quando discute que o sujeito
comtemporâneo experiencia “corporificadamente” sua subjetifidade, ao considerar o
corpo como o locus de seu entendimento, expressando no/com o corpo o seu estar
no mundo.
89
Sinto muita satisfação em me arrumar, vou pro salão três vezes na
semana, faço unha toda semana, vou a Fortaleza me depilar, tirar as
sobrancelhas, tomar banho de lua e cortar o cabelo - nas casas
especializadas (...) Eu faço tratamento de pele, tiro as manchinhas.
Faço tudo isso por prazer e nem sinto o tempo passar. (Pérola).
Fui para o hospital e antes de ir para o centro cirúrgico, eu fui tomar
banho, minha barriga estava, assim, eu não via as minhas mãos, a
cirurgia do abdome foi de cinco e meia até as duas horas da tarde,
depois fui fazer as lipos, era tanto que ele ajeitou de novo a barriga.
Eu me achei uma rainha e tomei gosto. Os braços são difíceis de
fazer cirurgia, vou procurar um médico em Belo Horizonte, já tenho o
cartão de um, vou dar umas massagens pra ver se massageando
diminui, porque compro uma roupa e os braços são imensos, eu
estava com cento e seis quilos e os braços são quase os mesmos.
As sobrancelhas, eu vou fazer permanente. Faz um ano que eu
marquei, porque quero fazer com essa senhora. Ela tem vaga
em setembro, mas nesse mês tenho uma limpeza de pele e não
quero fazer as sobrancelhas. Mas gosto muito de me arrumar, de
me pintar e de cuidar de meu corpo, pois me sinto bem.
(Esmeralda).
Não falo muito no meu corpo justo porque não me incomoda, ou
melhor, me incomoda, assim, porque eu gosto de comer que é um
dos prazeres da vida. Quando eu passo do peso na outra semana
eu controlo. Eu tenho um culto à não ser gorda. Quando estou me
sentindo gorda uso roupas mais frouxas, não gosto de ir a academia
e faço dieta, não sou perfeita, mas qual é a mulher que não tem
celulite, nada me deixa feliz ou com vergonha na frente do meu
marido. Aconselho a todas as mulheres que não se sentem bem
com o seu corpo a mexer nele, a levantar, a se sentir bem.
(Alexandrita).
Segundo Segre e Ferraz (1997), o conceito de saúde que,
hodiernamente, orienta os profissionais de saúde e a população é irreal,
ultrapassado e unilateral. A Organização Mundial de Saúde (OMS) define saúde
como a ausência de doença e uma situação de perfeito bem-estar físico, mental e
social
5
. Este conceito é considerado irreal porque impõe ao sujeito a busca da
perfeição, atentando contra as próprias características de limitação e desamparo do
humano; é ultrapassado, pois ainda faz distinção clara entre as dimensões físicas,
mentais e sociais; é unilateral, por querer enquadrar em padrões coletivos um
5
Para maiores informações sobre o tema, ver o livro: Dannangelo, C. (1979). Saúde e sociedade.
São Paulo: Duas Cidades.
90
conceito tão relativo e pessoal como o de bem-estar. Segundo os estudiosos, esta
idéia se sustenta na renúncia à capacidade subjetiva do sujeito em construir
sentidos, a partir da linguagem e da experiência íntima, para estas categorias. Isto
provoca um empobrecimento na vida psíquica dos sujeitos, levando-os a considerar
como seus os padrões que são coletivos e externos a eles próprios.
Com relação a esse aspecto, Freud (1930/ 1996) mostrou que a perfeita
felicidade do indivíduo numa civilização se constitui como algo impossível. Para o
autor, a civilização surge dentro de um pacto entre os homens de renunciar a uma
boa parcela das satisfações e dos desejos em prol do bem-estar e segurança
coletiva. Dessa forma, a própria organização social e a condição mesma da
existência humana se baseia na renúncia e na incompletude, o que apesar de
assegurar alguns benefícios para o sujeito, produz, nele um constante sentimento de
mal-estar e desamparo. Para Freud, é justamente esta falta a assolar o sujeito que o
leva a buscar novas experiências e novos significados para a sua existência,
garantindo, assim, a sua energia vital.
As mulheres expressaram nas falas um bem-estar pessoal, quando
cuidam dos corpos e os modificam de acordo com os padrões estéticos. Percebem-
se mais felizes e mais satisfeitas, bem como mais seguras nas relações, quando
conseguem ter o corpo perfeito, mais magro e todo “ajeitado”. Fazem referências à
felicidade, à satisfação e à segurança para falarem de suas experiências subjetivas,
baseando-as nas idéias de harmonia e completude. Parece que, quando falam
assim, não atentam para o caráter paradoxal de suas falas, que, logo após, se
referem à baixa auto-estima, a sentimentos de inferioridade e de angústia, quando
não conseguem cuidar bem dos corpos e se adequarem socialmente.
91
O corpo em sua carnalidade, controlado por padrões estéticos, é situado
pelas mulheres no lugar de vilão, sendo considerado como o principal motivo das
satisfações, mas, também, das infelicidades. Ele é palco dos dramas existenciais,
sendo tratado ora como redentor, ora como traidor. Observemos em seus relatos:
Mas, eu acho que dentro do possível, eu sou bem vaidosa,
cuidadosa procuro sempre estar bem. Agora, realmente, eu tive um
pouco de descuido, acabei me envolvendo mais com o trabalho,
prestando menos atenção, eu engordei um pouco. Parei a
academia, que estava sem tempo, acabei engordando um
pouquinho, mas, aí, caiu a ficha. fui na endocrinologista fiz uns
exames, estou fazendo uma dieta, voltei para os exercícios
físicos, sou bem vaidosa, cuidadosa no sentido de nunca me deixar
entregar ou deixar abandonada a parte física. É questão da auto
estima, se vai baixando a auto estima e acaba interferindo na sua
vida pessoal, com relação às outras pessoas, aí, você acaba
sentindo-se feia, se sentido menos que alguém, aí, eu procuro está
sempre me cuidando, para nunca ficar me sentindo assim. (Rubi).
Eu sempre sou muito alegre por fora, mas tenho esses grandes
problemas que eu não consigo resolver. Nem consigo me aproximar
de alguém e nem consigo emagrecer. Eu acho que uma coisa está
relacionada à outra. Eu acho que esse problema nos seios ficou
resolvido. Isso para mim não é mais problema. Acho que os rapazes
não olham para mim por que eu sou diferente, sou dessa grossura,
eu tenho esse peso. Às vezes pode até não ser assim e quando um
rapaz olha, eu não quero porque eu acho que vai ser ruim, como
o outro foi. Que no inicio vai ser bom e depois vai ser ruim Safira
faz um grande silêncio e muda de assunto. (Safira).
Quando faço cirurgia, eu fico tão faceira! Compro roupas diferentes.
Quando eu fiz a lipo, eu usei blusa de costa nua, quero estar o
tempo todo arrumada, é bom um elogio tipo: - Você está tão bem,
tão magra. E isso levanta a estima da gente, vontade de estar
bronzeada, porque eu gosto de vestir uma roupa e a marquinha ficar
aparecendo, acho lindo! Sabe doutora porque eu sou assim? Porque
eu não tive infância, comecei a trabalhar criança fazendo chapéu
para comer, eu não sabia o que era uma festa, uma roupa nova, um
divertimento (silêncio). Sabe, o meu corpo é tudo pra mim! Quando
ele não está bem, eu fico muito mal e nem quero sair de casa. Você
nem imagina o quanto eu sofro quando o meu corpo não está bem!
(Turquesa).
Vemos que as mulheres, ao falarem de si mesmas, concentram-se para
se referirem ao corpo anatômico, aos cuidados com a saúde orgânica, fazendo forte
referência ao saber médico para assegurar o que sentem e pensam sobre si
92
mesmas. O discurso médico que prega a completude e perfeição corpórea se
apresenta, na atualidade, como doador de sentido ao sujeito, buscando, com suas
criações e normas, aplainar os conflitos, angústias e sofrimentos, assim como nos
ensinam Le Breton (2003), Roudinesco (2000) e Sant’ Anna (2001). Percebemos
que, quando solicitadas a aprofundar as falas sobre alguns dos sofrimentos e sobre
as angústias, que não se referiam diretamente à corporalidade, as participantes
silenciavam ou mudavam de assunto, apresentando respostas em torno do que os
médicos lhes haviam explicado ou atribuindo a culpa de tais afetos às formas
corporais.
Aí, nunca consegui perder esses quilos e não gosto de ser dessa
grossura. Não me aceito e já gastei rios de dinheiro. Até para
psicólogo fui, mas não sei, nada serve. Nutricionista,
endocrinologista, aqueles programas de h., aqueles remédios que
vende caríssimos na televisão. tomei tudo que se pode imaginar.
Tudo eu fiz para tentar emagrecer. Emagreci três a quatro quilos,
aí, continuo gorda de novo. Acho que não arranjo ninguém porque
continuo gorda. Eu sei que é tanta dúvida na minha cabeça! Fico tão
ansiosa que não páro de comer. Não sei fazer outra coisa a não ser
comer. (Safira).
Eu me sinto muito bem, pois me cuido muito, faço meus
tratamentos, cuido muito bem do meu corpo, da saúde... De seis em
seis meses vou ao mastologista, fazendo meus exames, sou muito
cuidadosa, tenho pouca osteoporose, porque já fui gorda. Não tenho
medo, me previno de doenças e me sinto muito feliz assim. O
marido que fez o fez comigo, mas dei a volta por cima e hoje estou
melhor do que muita gente. (Esmeralda).
Tenho alergia a tudo e fui a muitos médicos, tomei muitos
remédios e nada resolveu. Eu não sei o que isso e nenhum
tratamento resolveu. Os médicos não me dizem nada! Hoje, já estou
acostumada, mas ela me atrapalha muito. (Turquesa).
A minha cunhada tem depressão e acha bonito dizer que tem, se
tenho não acho bonito e quero que ninguém saiba. O médico um dia
passou um remédio, eu não quis tomar, eu li a bula e ele era um
antidepressivo. A partir do momento em que eu comecei a tomar, eu
dormi melhor, eu passo o dia melhor do que eu passava antes, essa
questão de chorar e me esconder (Silêncio) Se meu esposo me
irritar eu não brigo, eu dou um desprezo, passei de dois a três
meses sem falar com ele, dentro de casa dormindo na mesma
cama, ele virava de um lado e eu para o outro, até que um dia ele
não agüentou e me chamou pra conversar, porque se ele fosse
93
esperar por mim, a gente passava a vida toda daquele jeito. Quando
ele saia, eu ia chorar, sem um sentido na vida. Viver assim pra que?
Quando morre uma pessoa da família, eu não me conformo. Eu não
me conformo com a morte... (Pérola).
Ironicamente, a mulher, ao conquistar um espaço de expressão corporal e
ser a maior responsável pela construção de seu corpo, vincula-se a uma norma e
empenha-se, mais uma vez, na busca de um ideal que está perdido nas mensagens
e imagens divulgadas na mídia. O corpo feminino, normatizado pelo discurso médico
do corpo perfeito, sem falhas e com uma perene juventude, esconde a sua
singularização. Ribeiro (2003) e Araújo (2001) confirmam esta idéia, quando
expressam que, atualmente, os discursos midiáticos e os da Medicina referendam
um ao outro, oferecendo modelos estéticos de forma “medicalizada” e se colocando
como os principais agenciadores do corpo feminino. Nestes discursos, ocorre uma
tentativa de apagar o que singulariza e diferencia cada sujeito, pregando a
indiferença aos conflitos, desejos e modos pessoais de existir. Oferecem regras,
normas e procedimentos para se alcançar a saúde, o bem-estar e a felicidade,
fragilizando, no sujeito, a responsibilidade de implicar-se na formulação de tais
experiências.
A Psicanálise (Birman, 2003a; Kehl, 2003), em seu discurso, propõe outra
vivência para o humano. O conflito, a angústia e a alteridade são positivados por ela
como condições sine qua non para a existência humana. Somente a partir de tais
experiências é que o sujeito se constitui e se mobiliza. A Psicanálise estimula o
sujeito a contar a sua história, a constituir, ele mesmo, os seus significados para as
ações no mundo. Eisembruch (2000) expressa, também, que a Psicanalise sublinha
os discursos produzidos pelo próprio sujeito, com suas produções fantasmáticas,
como sendo a maneira primeira de vivenciar a sua subjetividade. Ela salienta a
94
subjetivação do corpo e dos afetos que nele habitam, principalmente o da angústia,
valorizando o que o sujeito pensa sobre as suas vivências.
Andrade e Bosi (2003) garantem, ainda, que a importação de modelos
globais pulveriza a dimensão subjetiva do sujeito, promove um desraizamento
pessoal e cultural, transforma os modos de produção, de hábitos e valores, bem
como produz uma crise de identidade no homem contemporâneo, que, em meio às
incertezas e à fluidez dos discursos sociais, se sentem soltos e desprotegidos. Para
os estudiosos, o atual projeto social está ancorado no cientificismo, no tecnicismo,
bem como na velocidade vertiginosa das produções e mudanças. Neste contexto, o
ambiente e a humanidade adoecem, pois não conseguem acompanhar o seu ritmo
intenso e avassalador, ficando nítidos, na mesma intensidade das produções e
mudanças, os seus limites e as suas incapacidades. Sem ser poupada desta
realidade, a mulher é posta em meio a modelos corporais inatingíveis e
anatomicamente impossíveis de serem alcançados, restando-lhe a intensificação da
frustração e da impotência em face dos limites. Ela, segundo Breyton e Armênio
(2006), trava uma batalha contra o corpo, lutando para que ele acompanhe os
apelos consumistas e as atualizações propostas, principalmente, pelo mundo da
moda e da biotecnologia.
Segundo Sant’Anna (1995, p. 135), as mulheres, hoje, não mais sofrem
com o receio moral de serem consideradas “libertinas ao se embelezarem”, mas são
invadidas pelo medo de não terem acesso aos produtos e procedimentos de beleza
e, assim, ficarem ultrapassadas nos cuidados com os corpos, o que as deixa
fortemente expostas às críticas sociais. Há, na atualidade, o fortalecimento de um
discurso psicológico dirigido à mulher que insiste em dizer que para ela ser feliz e
assim progredir em sua vida é preciso cuidar, tocar e curtir o seu próprio corpo.
95
Ribeiro (2003) anota, também, que a “medicalização” do corpo feminino ocorre,
principalmente, em torno da estética. O discurso médico não se legitima, apenas,
pelos cuidados ao corpo doente, mas se ancora especialmente em um discurso
psicológico sobre o corpo. Existem, hoje, outros valores que sustentam a experiência
corporal das mulheres, tais como sentir-se bem consigo mesma, a auto-estima e o
prazer.
É muito bom ouvir o elogio de que você está bem melhor do que
antes. Eu já fui muito pior, não tinha cintura, era bem mal feita, não
usava blusa decotada, devido aos seios que eram grandes e nessa
época eu não era exigente comigo. Não sei se é devido as amizades
que a gente encontra na academia! (Turquesa).
Em primeiro lugar, a auto-estima, porque quando você não está se
sentindo bem com você mesma, sente vergonha do teu corpo, com
certeza isso te incomoda. Então, eu aconselho a todas as mulheres
que não se sentem bem com o seu corpo a mexer nele (...) A
felicidade é olhar no espelho e se sentir perfeita. Tem pessoas que
se vêem uma celulite vai tirar aquela única celulite localizada e eu
concordo. Se isso está causando infelicidade! (Alexandrita)
fiz o nariz duas vezes, as pálpebras, além do abdômen, eu gosto
mesmo é de estar mexendo, me sentindo bem (...) Eu estou me
sentindo bem melhor assim do que antes, gosto de olhar no
espelho, gosto de elogio e isso faz bem pro meu ego. De imediato
me arrependo devido ao mal estar, mas depois, mesmo com
lagrimas de dor, estou satisfeita. (Pérola).
Quando eu tinha os seios grandes eu não tinha ânimo e coragem
para nada. Vivia dentro de casa! Hoje, eu vou pra festa, me bronzeio
na praia, uso blusa tomara que caia e me sinto bem melhor comigo
mesmo. Não estou completa porque tenho esse problema da
gordura... Se tivesse uma cirurgia para reduzir o estomago, acho
que eu faria, que não pode porque tem que ter muitos quilos e
para o médico eu não sou obesa, tenho pré-obesidade, aí, eu
não posso fazer esse tipo de cirurgia, mas se pudesse teria coragem
de fazer. Para eu ficar bem, eu sou capaz de buscar qualquer coisa.
(Safira).
Eu fiz a cirurgia para o meu próprio bem estar, não foi para ninguém,
pois as pessoas que estão de fora diziam que não precisava. Mas
eu era que sentia que precisava e fiz a cirurgia para mim mesmo.
(Rubi).
96
Novaes e Vilhena (2003) acentuam, também, que a novidade atual, com
relação à experiência corporal da mulher, não é nem tanto os modelos de beleza,
pois, de uma certa forma, eles sempre existiram, mas o que é mais forte na
normatização atual é a afirmação constante de que a mulher pode ser bela, se assim
o quiser. A beleza passou, agora, a ser não apenas uma obrigação, mas, sobretudo,
uma questão de vontade pessoal e disciplina. Não ser bela tornou um problema
individual e uma questão no campo da moral e da ética. Como Baudrillard (1970)
nos explica, na atual sociedade, percebe-se uma espécie de moralização do corpo
feminino.
Sem personalidade, sem força de vontade e tidas como descuidadas, as
mulheres que não perseguirem os ideais de beleza principalmente o da magreza são
postas no limbo social e consideradas como portadoras de algum distúrbio que deve,
urgentemente, ser tratado (Novaes, Medeiros e Vilhena, 2005). A Medicina, com
suas produções científicas e tecnológicas em torno do bem-estar corporal sublinha
cada vez mais a importância do corpo magro para preservar, não somente a saúde,
mas também a beleza e a juventude do corpo. Segundo Del Priore (2000, p. 72), “a
vida higiênica, disciplinada e moderada” é sinônimo de saúde, beleza e inteligência.
As mulheres que não se adequarem a esta exigência social encontram,
principalmente na indústria cosmética e na cirurgia estética, as possibilidades de
moldarem mais rapidamente seus corpos a esta norma.
Assim, o discurso médico, que antes impunha ao corpo da mulher a
função e o sentido maior de guardar os filhos de seu marido, agora, lança a este
mesmo corpo a convocação da melhoria e correção das formas, a fim de que ele se
molde aos padrões estéticos e busque constantemente a sua saúde. Ribeiro (2003)
acentua, mais diretamente, que a Medicina, por intermédio da cirurgia estética,
97
não se dirige, exclusivamente, ao corpo doente da mulher, mas à mulher que deseja
ser bela e feliz com sua silueta.
Não ficar comendo comida gordurosa, não ficar tomando
refrigerante, nada muito radical, como cortar uma coisa ou outra,
mas eu procuro sempre ficar com uma alimentação mais saudável.
Mas, assim, eu sabendo que se eu tiver esse posicionamento, eu
provavelmente vou ter um corpo mais parecido com que eu queira
para mim, a pessoa que eu quis para mim. Eu acho mais uma
disciplina, uma alimentação mais adequada evita mais de eu ficar
acima do peso. Que me deixa insatisfeita. me deixa achando
que as roupas não estão legais, procuro evitar chegar a essa
situação, de ficar acima do peso, de passar muito tempo sem
malhar, que, aí, eu fico achando que estou com flacidez, alguma
coisa assim. Então, eu procuro não deixar chegar nesse ponto.
Agora, acabei deixando um pouco, estou acima do peso um pouco,
aí, eu já acordei para voltar (...) Não é uma perfeição, mas num
padrão que eu me sinta confortável, que eu me sinta bem. Essa
busca é mais uma disciplina. Eu acho mais uma disciplina. (Rubi).
Quando você vai ao ginecologista que ele está fazendo exame de
toque enquanto você está na horizontal, tudo bem, mas quando
você fica sentada o peito cai, aí, eu ficava com vergonha da pessoa
pensar: como pode uma mulher tão nova de peito caído. Então, eu
resolvi fazer a cirurgia. Tem coisas que só a cirurgia realmente
resolve. A minha auto-estima voltou ao normal e eu recuperei o peito
que eu tinha antes. Se você está insatisfeita, você tem que ir atrás
do que te deixa feliz, se tiver que mudar alguma coisa que mude,
então. (Alexandrita).
Percebemos que no Brasil a cirurgia estética
6
faz parte do nosso
cotidiano, oferecendo à população, além dos exercícios físicos, outra possibilidade
para conseguir o corpo perfeito divulgado na mídia. Como anota Ribeiro (2003), no
lugar de “malhar” é melhor e mais rápido tirar os excessos com o bisturi. Atualmente,
6
Del Priore (2000, p. 82) cita algumas pesquisas que nos confirmam essa realidade. Uma pesquisa
do Data folha ( In. Revista da Folha, 231, Folha de São Paulo, 22 de set. 1996, pp. 12-20) cujo o título
era Beleza a qualquer custo” e que revelava que 50% o estavam satisfeitas com o seu peso e
55% gostariam de fazer uma cirurgia plástica. A pesquisa revelou ainda que 44% das mulheres
pesquisadas gastavam mais de 20% de seus salários com cosméticos e que as partes menos
apreciadas do corpo feminino, e, portanto sujeitas à mudança graças ao bisturi seriam barriga (16%),
seios (12%) e rosto (9%). Segundo o Data Folha, 64% gostariam de mudar alguma coisa no cabelo,
50% não estão satisfeitas com o seu peso atual e 20% gostariam de perder mais de dez quilos. Uma
outra pesquisa intitulada A arte de reconstruir o corpo realizada pela Globo Ciência (n. 75, p. 38-47)
nos diz que só no ano de 1996, 6 mil profissionais brasileiros que atuavam na área realizaram 150 mil
operações estéticas (o maior índice mundial em relação à população e o dobro das reparadoras). A
previsão era que em 2000 esse numero chegasse a 350 mil.
98
os exercícios físicos ocupam a função de manutenção da forma esculpida pelos
cirurgiões plásticos. Conjugados à ideia de corpo perfeito, os exercícios físicos e as
cirurgias estéticas fazem uma parceria muito próxima e muito procurada pelas
mulheres.
Cabeda e Guareschi (2004) mostram-nos que inúmeros são os espaços
na mídia em geral, sobretudo em revistas especializadas, que promovem o
marketing das clínicas exclusivas, das novas técnicas e dos novos procedimentos,
todos empenhados na formação do corpo feminino perfeito: saudável, magro, belo e
jovem. As publicações utilizam diversos artifícios para conferir credibilidade às suas
mensagens com a evidente intenção de exercer poder pela persuasão. Atrizes
exibem seus corpos maravilhosos, e, quando assumem a verdade de que se
submeteram ao procedimento cirúrgico com fins estéticos, elas propagam a idéia de
que tudo é muito simples, muito seguro e com um resultado perfeito, confirmando o
discurso midiático de que hoje não é bonita quem não quer. Mesmo a questão
financeira parece ser solucionada com o surgimento de planos e consórcios de
cirurgia estética. Observemos alguns relatos das participantes:
Sempre achei os meus seios com tamanho pequeno, sempre achei
que deveriam ser maiores e tinha uma certa vergonha, uma certa
insatisfação com essa parte do meu corpo. Aí, eu resolvi dois
anos atrás fazer a cirurgia (...) E, não tem como! é o tipo da
mudança que não tem como você... Por exemplo, fazer um regime.
A questão da prótese mamária não tem como ser diferente, ou você
faz, ou você desiste, porque não tem regime, não tem academia,
não tem ginástica, nada que tenha o mesmo efeito! Usar sutiã com
enchimento, nem todas as blusas você usa sutiã, na praia você não
usa sutiã, na sua intimidade você não vai estar de sutiã. Então, isso
também nunca preencheu, essa insatisfação. (Rubi).
faz cinco anos de pra cá. Eu gosto muito do meu estilo de
barriga, eu fiz as duas cirurgias, eu tirei as partes que não
gostava, agora recente, mais ou menos um ano, eu fiz uma Lipo,
mas não fiquei muito satisfeita, a satisfação foi de 50%, eu vejo
dobras que eu não gosto, quando eu vou sair, eu visto e tiro várias
roupas, enquanto eu vejo as dobras, porque tem roupa que disfarça
(...) Acho bonito uma blusa bem decotada, os meios seios são bem
99
afastados. Antes, eu tinha levantado e diminuído um pouco. Agora,
eu quero aumentar um pouquinho, pois tem blusa que eu visto e
noto que meu seio é pequeno e sem volume. Eu tenho uns top’s e
ele fica muito batido. Eu acho lindo o seio de prótese. Ele é durinho
e bom de pegar. É assim que quero os meios seios, juntos e bem
duros – Turquesa levanta a blusa e mostra os seios. (Turquesa).
Confirmando esta realidade, as participantes da pesquisa entregam seus
corpos para serem esculpidos pelos cirurgiões plásticos, na intenção de
conquistarem o padrão estético, situando este procedimento cirúrgico como um ato
corriqueiro e simples em suas vidas. Leiamos a reprodução de algumas falas:
Meu nariz, eu nunca gostei. Era muito grande e eu não me sentia
bem em olhar pro espelho. Fiz a primeira vez e a segunda para
corrigir a pontinha. Fiz plástica na barriga porque não me sentia bem
em botar uma blusa coladinha, fiz pálpebras e vou fazer o peito.
fiz lipo e vou fazer um retoque no abdome. Vou colocar prótese. Na
realidade, eu queria dar uma levantadinha, mas conversei com o
médico e a melhor opção é a prótese. (Pérola).
Eu sou mais expansiva, eu gosto de me arrumar, de fazer plásticas,
estas coisas. Eu me adoro. Tenho desgosto por que tenho os braços
grossos, eu olho para ela eu vejo os braços, ela é gorda, não é
assim tanto, mas tem os braços finos, não é como os meus. Eu digo
assim: Oh Lourdes. Tudo meu está exagerado, ela acha graça. Mas
quer dizer, eu hoje se botar as três, não é que eu esteja, que eu me
ache bonita, eu acho que botando as três, eu estou melhor, melhor
dos que as três. Eu me cuido mais. Mas eu me gosto, eu gosto de
me arrumar. Me sinto muito bem! Gosto! Dei uma volta por cima na
minha vida! Meu marido tem outra mulher, vive com outra mulher.
(Esmeralda).
Estar em forma é a norma hodierna que muda o modo de viver e pensar
da mulher, ou seja, a maneira como ela percebe o seu corpo. Agora, o corpo
feminino não apenas é autorizado a se mostrar, mas também, é território da autoria
e responsabilidade de cada mulher. Nossa liberdade de ação e expressão, no
entanto, nos impõe grande desafio: o de significar pessoalmente a ação sobre os
nossos corpos, permitindo com que ela seja também uma representação de nosso
100
desejo e de nossa reflexão, algo mais do que uma corrida desenfreada pela
adequação aos padrões estéticos.
Depreendemos, então, que o corpo não deve ser visto como máquina ou
objeto de consumo, mas feito expressão da subjetividade e do desejo. Para a
Psicanálise (Kehl, 2003), o corpo é pulsional e não é independente da rede
discursiva e do sistema de trocas que estabelecemos com a realidade que nos
cerca, bem como não é independente das nossas produções imaginárias. Portanto,
quando escolhemos a Psicanálise como o nosso principal referencial teórico,
defendemos uma visão mais ampla sobre o corpo, percebendo-o como espaço da
pluralidade, da satisfação, do prazer, mas também dos conflitos, das incompletudes
e do desprazer.
6.2 O olhar do outro
A imagem corporal se caracteriza por ser a representação mental da
existência do sujeito, sendo ela marcada por todas as vivências afetivas. Constituida
socialmente, ela é um sistema aberto e dinâmico e que se atualiza a cada toque, a
cada olhar ou acontecimento (Dolto, 2004). Segundo Shilder (1999, p. 137), o corpo
e o mundo são duas experiências intimamente conectadas, não podendo uma existir
sem a outra. O autor estabelece, desta forma, uma “zona de indiferenciação” entre
estas experiências. Nesta perspectiva, a imagem corporal é desenvolvida e formada
no decorrer das vivências do sujeito no mundo e do mundo no sujeito, sendo ambas
as realidades atualizadas a cada momento. Confirmando esta visão, Gil (1997) se
refere ao corpo como uma grande língua em comunicação com o mundo, ratificando
que ele fala e está atravessado pelo social.
101
Mariano (2003) assinala, também, que o ser humano não é apenas
produto do contexto social, mas, também, um agente ativo na sua constituição. O
social é um espaço de interações no qual homens e mulheres se recriam
constantemente, produzindo, no decorrer de suas existências, maneiras variadas de
serem no mundo. Desta forma, quando aludimos, a partir de Lipovetsky (2005), que
a sociedade atual é caracterizada pela fragilidade dos valores morais, da tradição,
dos costumes religiosos e pela ênfase nos outros valores que dizem respeito à
supervalorização do momento presente, das experiências de prazer e das
satisfações particulares em detrimento do bem coletivo, reconhecemos que isto
ocorre de forma entrelaçada com modificações na maneira de ser do sujeito
contemporâneo.
Costa (2004) entende que a sociedade atual é caracterizada pela ênfase
dada às sensações, às experiências e às imagens corporais, ocorrendo um
superinvestimento do sujeito no que tange aos cuidados com a sua forma física e
com a sua apresentação social. O autor anota, ainda, que, neste contexto, a mídia é
eleita como um dos principais referenciais do sujeito na atualidade, ocupando o lugar
deixado vago pela tradição, pelos costumes e pela religião.
Maciel, Teixeira et al. (no prelo) acentuam que na mídia o veiculados
discursos hegemônicos que pregam a perfeição corporal como ideal de felicidade a
ser seguido por seus expectadores. Esta não exige do sujeito um posicionamento
reflexivo diante de suas mensagens, mas, ao contrário, induz os seus ouvintes a
uma adesão irestrita aos discursos. Na compreensão de Novaes e Vilhena (2003), o
discurso publicitário promete o preenchimento do vazio existencial promovendo no
sujeito a crença de que, ao consumir os produtos, as tecnologias e as idéias
102
divulgadas em suas imagens, ele estará resolvendo os seus conflitos, preenchendo
os seus vazios e conquistando a harmonia em sua vida.
A superexposição do corpo na mídia, as inúmeras atividades e
tecnologias que circudam os cuidados corporais, como, por exemplo, os exercícios
físicos e a cirurgia estética, são criadas, visando prioritariamente à correção e à
adequação do corpo aos padrões estéticos da saúde, magreza, beleza e juventude
(Andrade e Bosi, 2003). Aprendemos, ainda, com Andrade e Bosi (2003) que o ideal
de corpo perfeito, preconizado pela sociedade e divulgado pela mídia, leva
especialmente a mulher a ter uma relação persecutória com o corpo. Ocorre uma
insatisfação crônica com a imagem corporal, dispondo-se como extremamente
sensível às diferenças entre a sua realidade e o que é veiculado como ideal estético.
Tais diferenças são vivenciadas como uma falha ou defeito que deve ser corrigido
imediatamente, sob pena da exclusão social. Observemos alguns relatos:
Deixo de sair se me olhar no espelho e não achar que estou bem.
Por isso tiro a sobrancelha em Fortaleza, aqui ninguém sabe tirar
minha sobrancelha. Gosto do que é bom, gosto de estar bem, gosto
de me sentir bem. Uma vez fui fazer a minha sobrancelha num lugar
que não conhecia e foi um horror. Ficou diferente e feia. Neste dia,
eu tinha um aniversário para ir e não fui, pois não estava me
sentindo bem. Eu me sinto ruim e acho que todos irão comentar.
Uma vez fui passar um final de semana numa praia com alguns
casais amigos e uma das amigas se levantou e todos ficaram
comentando sobre o seu contorno. Acho que assim como fizeram
com ela vão fazer comigo. Eu não quero que isso aconteça e assim
já fico preocupada com as manchas no meu contorno ou na pele em
geral. Já fui a uma especialista para que ela me orientasse quanto a
isso. Uma vez fui fazer o meu contorno num lugar diferente e a
pessoa não soube puxar e isso me acarretou um pelo encravado e
que está me incomodando muito. Já fico preocupada. (Pérola).
Porque é muito ruim, eu vou pra Fortaleza, passar três dias, eu levo
uma mala lotada, como se fosse passar um mês, porque não é toda
roupa que eu coloco que eu gosto, tem que ficar trocando, a
gente sofre desse jeito, bom é colocar a roupa e pronto (...) Eu gosto
de comer e quando eu adquiro uns quilinhos, eu não fico satisfeita
com o meu corpo, eu acho que a pessoa assim não é satisfeita com
o corpo, porque se eu fosse não teria isso. Eu fui pior, pois não
tinha cintura, era bem mal feita, não usava blusa decotada, devido
103
aos seios que eram grandes e nessa época eu não era exigente
comigo. (Turquesa).
Vemos que este olhar persecutório, também, se volta para o corpo do
outro, travando uma relação de exigências e críticas tuas, consoante a
explicação de Costa (2004). Na superexposição dos corpos, pelo desenvolvimento
da indústria da imagem (televisão, cinema, fotografia etc.), o que antes fazia parte de
uma confissão íntima, dentro de um convívio familiar, é lançado entre espelhos
refletores que expõem a imagem, desnudando o sujeito de sua privacidade, bem
como divulgando os seus segredos como em autofalantes para todos que quiserem
ouvir. Neste contexto, o outro é considerado como alguém pouco confiável e que, na
maioria das vezes, está ali para apontar os defeitos ou invejar as qualidades.
No entendimento de Novaes e Vilhena (2003), as mulheres travam uma
luta com os corpos, por meio dos cuidados físicos, sendo esta uma maneira de
enfrentarem os julgamentos e as expectativas sociais. Os corpos femininos são
disciplinados e corrigidos em academias de ginásticas, em clínicas de estética e em
centros cirúrgicos para terem momentos de recompensa, expondo-se socialmente,
sem receio nem vergonha. Para as autoras, é no jogo de espelhos, produzido entre
o corpo e os olhares dos outros, que as mulheres tanto modelam a sua imagem,
como também se aprisionam ao poder dos padrões estéticos. São divulgadas na
mídia e adotadas pelas mulheres inúmeras estratégias de sedução, no intuito de
minimizar as suas fragilidades e as suas vulnerabilidades, ante as supostas
expectativas que os outros têm a respeito dos seus corpos.
Hoje, eu me sinto melhor depois da cirurgia do nariz, eu gostei mais
do que a do abdome, hoje, eu to particularmente ótima, quem nota
as manchas e comenta, eu digo: Ta, mas eu estou fazendo
tratamento, eu não queria ter as manchas de abdome, meu esposo
fica reclamando, porque acha que não precisa. Visto uma roupa,
chego num local e recebo um elogio, eu procuro consertar o que me
104
incomoda. Um dia eu estava em Belo Horizonte com a minha mãe e
minha tia e um homem falou: São irmãs? Eu falei: Foi o nariz. Todos
são iguais. Fotos de perfil, eu rasguei todas, eu não sei como eu
fiquei tanto tempo com esse nariz. Eu, hoje, estou me sentindo
realizada, depois da cirurgia do abdome e do nariz, depois de ter
sofrido tanto, tem gente que passa um tempo sem me ver e diz que
eu estou bem, eu não sou infeliz, mas se tem algo que me deixa
insatisfeita, eu procuro resolver para ficar com o astral melhor.
(Pérola).
Depois das cirurgias, eu me senti ótima! No vestir uma calça jeans
que eu não vestia, era uma marca que eu acho bonita e que eu não
podia vestir, hoje, eu chego em qualquer canto e não vou comprar
um numero pequeno, mas do media ao grande. Eu usava GG extra.
(Esmeralda).
As minhas costas tinham três dobras, eu sou vaidosa, gosto de me
arrumar, gosto de roupa decotada, não gosto de blusa de manga,
então, pra usar uma roupa que gosta, tem que estar com o corpo
bem, porque tem gente que não tem senso do ridículo, bota
qualquer coisa, fica bolão pra e pra lá, nem liga. Eu sou muito
comedeirazinha! Eu sou muito ansiosa e às vezes nem estou com
fome e quero ficar comendo todo tempo. Eu passo três horas no
espelho, igual ao meu menino, pra sair de casa. Tenho uma
cunhada que bota uma roupa, passa batom, mal olha no espelho e
sai. eu digo: menina é muito bom ser assim, eu não sou assim,
acho que por isso que sofro. (Turquesa).
Freud (1914; 1925/ 1996) explicou a importância do anatômico, ou seja,
da forma ou da estética, para a estruração do aparelho psíquico. Freud compreende
que, no início do desenvolvimento do sujeito, apenas um sexo é percebido, o
masculino. Para o autor, esta diferença anatômica causa efeitos psíquicos. Ao falar
em complexo de castração ou inveja do pênis, Freud(1925/ 1996) está se referindo à
ferida narcísica vivida pelas mulheres, em decorrência da não-visibilidade do seu
orgão genital. Em se tratando do desenvolvimento da mulher, Freud sugere que esta
ausência, que marca o corpo feminino, assume uma dimensão mais ampla,
representando uma falta ou um “defeito” no campo da demanda de afeto. A mulher,
durante a sua existência, estaria, então, mais fortemente empenhada em buscar a
forma que lhe falta, tentando desta maneira apresentar-se, no olhar dos outros,
representado inicialmente pelo olhar materno, com uma imagem ideal.
105
Tomando emprestado de Lacan (1998) a metáfora do espelho, pensamos
que a mulher, ao se olhar no espelho, sente uma espécie de estranhamento com a
própria imagem (Freud, 1919/ 1996), percebendo, por um mal-estar, que algo de
errado com a imagem corporal e que precisa ser alterada. Como aludimos, este
estranhamento se funda numa recusa ao desamparo, situado nas relações afetivas
mais primitivas e que emerge em forma de mal-estar difuso por todo o corpo. Ele
aponta para a história afetiva do sujeito. Nesta perspectiva, acompanhamos o
pensamento de que, ao falarem e tocarem os seus corpos, as mulheres estão
também falando de si mesmas e se elaborando imaginariamente.
Vilhena, Medeiros, Novaes (2005) garantem que é o olhar amoroso e
narcísico, representado inicialmente pelo olhar materno, que, incorporado, se
transforma em espelho interno, para quem a mulher se empenha em mostrar sempre
a melhor imagem. Desta maneira, é em busca de uma imagem ideal, diante do olhar
do outro e de sua aceitação incondicional, que o sujeito feminino luta contra as
incompletudes do próprio corpo. Segundo os autores, a mulher, no decorrer de sua
existência, projeta, para os outros, parte deste espelho, tentando se constituir
permanentemente, sob a vista e a expectativas deles. Nestes tempos, encontramos
a mídia como a mais fiel platéia da mulher, exigindo dela um espetáculo elaborado e
massificado.
Costa (2004) confirma esta perspectiva, quando relata que, na cultura
somática, o olhar do outro está disperso nos apelos consumistas, divulgados pela
mídia, exigindo sem trégua e sem compaixão que os sujeitos acompanhem os
imperativos estéticos para conquistarem a perfeição e o bem-estar corporal.
Consoante o autor, os olhares que preocupam as mulheres não são mais os da
pessoa íntima, próxima, e que está afetivamente envolvida com elas, mas aqueles
106
representados por um outro distante que se expõe na mídia como celebridade, nas
academias, nas ruas ou nos shoppings centers, enfim, no cotidiano de suas vidas,
como incorporações dos discursos hegemônicos (sobre o corpo saudável, magro,
bonito e jovem). As mulheres, como uma forma de se defenderem desta
superexposição, optam por esconderem-se na igualdade, ou seja, no cumprimento
dos padrões estéticos. Observemos em alguns relatos:
É mais vergonha! Como eu to falando, se eu fosse a uma loja
experimentar uma roupa e tirar o sutiã, eu ficava me escondendo
pra vendedora não ver o meu peito. O marido nem tanto me
incomodava, muito não, até porque ele não cobrava, ele dizia ta
bom assim, mas incomodava a mim mesma, mas eu não tinha
aquela vergonha de marido, não, mas eu particularmente não
gostava e como eu não gostava, até pra vestir um biquini, eu ficava
aquela coisa desarrumada. Só levantei (...) A minha auto-estima
voltou ao normal e eu recuperei o peito que eu tinha antes.
(Alexandrita).
Antes da cirurgia, eu ficava bronzeando se ficasse sozinha, mas
lá no meio de todo mundo como eu estava, não. Acho que é por isso
que fiquei tão empolgada. Hoje, eu me bronzeio na praia na frente
de todo mundo, troco minha roupo na frente das colegas, uso blusa
tomara-que-caia... É tão psicológico esse negócio de blusa tomara-
que-caia, que a minha mãe falou que quando eu estava no hospital,
na hora que a anestesia estava passando, eu fiquei dizendo: - cadê
a minha blusa tomara-que-caia, traga logo. (Safira).
Depois da cirurgia, eu me senti bem melhor. Antes eu achava que
as coisas só ficavam bonitas em mulheres de seios grandes, que
existia mulheres de seios grandes, eu via na minha frente as
mulheres de seios grandes e por isso enquanto não fiz a cirurgia, eu
não me sentia bem. (Rubi).
Paradoxalmente, mediante as constantes mudanças, atualizações dos
objetos e produções tecnológicas no mundo do capitalismo, o modelo apresentado
na mídia como sendo ideal é escorregadio e impossível de ser alcançado em sua
plenitude (Andrade e Bosi, 2003). O corpo midiático apresenta-se perfeito, não sente
o tempo passar e acompanha como um camaleão todos os investimentos e
mudanças ocorridas no mundo globalizado. No tocante a esta realidade, Novaes e
107
Vilhena (2003) assinalam que o corpo da “mulher comum”, que o está
atravessado pelos efeitos da maquiagem, nem pelos efeitos milagrosos do
computador e da imagem, é acometido por fortes sentimentos de frustração. Ocorre
uma insatisfação constante da mulher com a sua imagem corporal, posicionando-a
numa busca angustiada e desamparada pela beleza.
As autoras pouco citadas comungam com a idéia de que neste
momento de encontro com a incompletude, própria da existência humana, o outro
distante da mídia não tem nenhuma resposta de apoio ou de afeto a dar, mas, ao
contrário, acentua ainda mais as exigências e as críticas, evidenciando que os seus
espectadores é que são incompetentes e devem melhorar em suas estratégias de
busca do corpo midiático. Depreendemos, então, que vivenciamos hoje uma
essencialidade do corpo e um forte desamparo afetivo em nossas elaborações
singulares e subjetivas.
Como nos diz o sociólogo Ehrenberg (1998), os sujeitos hoje são
incitados à própria iniciativa e a sua única responsabilidade é agir em busca de sua
satisfação e melhor performance. Ocorre uma imposição do sujeito ser ele mesmo o
maior responsável por sua estada no mundo. Não com quem contar, a não ser
consigo mesmo. Neste contexto, o autor sugere que existe um campo fértil para as
formas de adoecimento psíquico em torno da impotência e da fadiga, que muitas
vezes se traduz nos quadros depressivos.
Bauman (2004) expressa a opinião de que, na nossa sociedade, quando
a história, a tradição, as relações íntimas com a família e com a comunidade caem
em descrédito, o olhar e o apoio que encontramos e recorremos para nos recriarmos
subjetivamente é um olhar distante, vazio de afeto, sem nada a dar, mas a cobrar
preços altíssimos que acompanhemos todas as inovações e prazeres do mundo
108
globalizado. Birman (1999, 2003a) demarca, também, que o sujeito, lançado sozinho
e desamparado em seu mundo, encontra no próprio olhar uma saída defensiva. Em
busca de um eu ideal, do eu-prazer total, do amor de si mesmo e da perfeição,
confirmado pelas produções da tecnologia, pelas criações da ciência e pelos apelos
consumistas da mídia, o sujeito se elege como o seu principal e único objetivo.
Observamos que as mulheres entrevistadas falaram que as suas
modificações corporais tinham relação com o reconhecimento de si mesmas como
alguém de valor e importância diante dos olhares dos outros, mas, também, as
relacionaram às próprias satisfações. Algumas participantes relataram que ficam
horas diante do espelho, cuidando e investigando os corpos. Tocam,
narcisicamente, os seus corpos, se satisfazem e experimentam a diversidade de
suas sensações. Mudam várias roupas diante do espelho, na tentativa de encontrar
a sua imagem ideal. Vejamos em algumas falas:
Eu quero me olhar no espelho e ver que estou melhor do que antes,
acho que está faltando alguma coisa, porque no abdome eu fiz e
gostei, ainda quero consertar porque a lipo de um lado ficou melhor
do que a do outro, então, quando eu olho no espelho a cicatriz ainda
está em processo de clareamento, então, eu digo: poderia ficar um
pouco melhor, a questão do umbigo que quebrou um pontinho, isso
me faz mal de não ter ficado 100%. Se tiver jeito quero consertar. O
meu nariz, quando eu olhava no espelho e achava feio. Fiz uma vez,
fiz outra, a questão dos óculos que não gosto, fiz a cirurgia e depois
de algum tempo voltou, tenho lentes mais irritam meus olhos, minha
perna eu acho fina, não uso saia porque eu acho que vão falar de
mim, porque eu não gosto penso que as pessoas ficam falando, eu
me olho no espelho e quero está ajeitando pra ver se fica do meu
jeito, assim perfeito. (Pérola).
faz cinco anos de pra cá. Eu gosto muito do meu estilo de
barriga, eu fiz as duas cirurgias, eu tirei as partes que não
gostava, agora recente, mais ou menos um ano, eu fiz uma Lipo,
mas não fiquei muito satisfeita, a satisfação foi de 50%, eu vejo
dobras que eu não gosto, quando eu vou sair, eu visto e tiro várias
roupas, enquanto eu vejo as dobras, porque tem roupa que disfarça.
Fiz a Lipo porque as minhas costas tinham três dobras, eu sou
vaidosa, gosto de me arrumar, gosto de roupa decotada, não gosto
de blusa de manga, então pra usar uma roupa que gosta, tem que
estar com o corpo bem, porque tem gente que não tem senso do
109
ridículo, bota qualquer coisa, fica bolão pra e pra lá, nem liga. Eu
sou muito ansiosa e às vezes nem estou com fome e quero ficar
comendo todo tempo. Eu passo três horas no espelho, igual ao meu
menino, pra sair de casa. Tenho uma cunhada que bota uma roupa,
passa batom, mal olha no espelho e sai. eu digo: menina é muito
bom ser assim, eu não sou assim, acho que por isso que sofro.
(Turquesa).
Sabemos com Freud (1905/ 1996) que o corpo é pulsional e que cada
uma de suas regiões é zona de sensações, através das quais o sujeito experiencia o
mundo e se constitui. O corpo é erógeno e a cada toque seu ou do outro se enche
de afetos e possibilidades. Para nos sentirmos vivos, necessitamos de uma
constante elaboração de nossos corpos, em busca de novas vivências e sensações.
Shilder (1999) nos ensina que fazemos experiências constantes em nosso
corpo. Expandimos e contraímos; retiramos e adicionamos partes; criamos detalhes;
pintamos e decoramos os nossos corpos, na tentativa de experienciarmos todas as
suas possibilidades e sensações. O autor argumenta que as nossas ações e
movimentos, que necessariamente afetam a imagem corporal, não são algo
específico de uma patologia social ou subjetiva, mas, ao contrário, podem nos
indicar vida e capacidade lúdica com a pluralidade dos sentidos. Vemos que as
mulheres, dentro deste movimento vital de toques e retoques de seus corpos, fazem
referência ao prazer que sentem nesta experiência.
Eu gosto de fazer plástica, não tenho medo, gosto e me sinto bem,
faço numa boa. Gosto de estar bem comigo mesma. O meu marido
tem o prazer de trocar e comprar os carros dele e eu tenho o prazer
de cuidar do meu corpo. (Pérola).
A cobrança foi pessoal mesmo, na cirurgia da mama, o casamento
não existia, não fiz para reconquistar o marido, até porque fui eu que
tomei a decisão de me separar, por ele estávamos juntos até hoje.
Tomei a decisão em fazer as cirurgias não como muitas mulheres,
que escutei, que fazem para reconquistar o marido, para voltar ao
corpo que tinham antes, esse não foi o meu caso, foi pelo próprio
ego. (Alexandrita).
110
Então, eu realmente ainda tenho insatisfações e tudo, mas, nessa
parte que era a parte do meu corpo que eu tinha mais, não posso
dizer que passou cem por cento, mas pelo menos, oitenta a noventa
por cento ficou melhor. Depois da cirurgia me senti mais sensual,
me senti melhor comigo mesmo, me senti mais segura, até em
relações sexuais e tudo. Realmente mudou mais na parte pessoal!
(Rubi).
Observamos, então, que as entrevistadas, ao procurarem tocar e
modificar seus corpos, à frente do espelho ou pela cirurgia estética, estão também
investindo-os libidinalmente, bem como se relacionando eroticamente com eles. Por
isto, compreendemos que nenhuma ação no corpo é vazia e sem sentido, mas, ao
contrário, permite que o sujeito tenha novas possibilidades de se experienciar, bem
como de se reconstruir imaginariamente. Pensamos, assim, que é na busca de
constituir uma imagem “ideal”, diante do olhar do outro, e de usufruir as sensções
que afetam o corpo, que o sujeito feminino ganha corpo e se elabora. Diante do
vazio e do desamparo que assola a sua existência, ele se manifesta e cria formas de
existir.
6.3 Feminilidade e a dimensão da falta
No decorrer dos estudos, observamos que a visão freudiana sobre a
mulher e a sua sexualidade é paulatinamente alterada e que, apesar de suas
considerações sobre o assunto dizerem respeito do modelo falocêntrico e da
diferenciação sexual, ao final de seu percurso, Freud (1933/ 1996) postulou o
conceito de feminilidade como uma experiência essencial para a constituição
subjetiva do humano. No decorrer deste item, abordamos as principais mudanças do
pensamento freudiano sobre a mulher e a sua sexualidade para, em seguida,
tecermos a idéia de feminilidade, mais bem desenvolvida por estudiosos das teses
111
freudianas, como, por exemplo, Birman (1999, 2002, 2003a) e Nunes (2000),
articulando-a aos dados coletados na pesquisa de campo.
Como aludimos anteriormente, o feminino é vinculado, ao longo da
história, à beleza e a discursos sociais que significam a mulher como um ser frágil,
dócil e necessitado da proteção masculina (Sant’Anna, 1995; Soares, 2002). A visão
freudiana sobre a mulher foi, inicialmente, muito influenciada por estas idéias. As
mulheres eram percebidas, também, por Freud (1893/ 1996) como pessoas passivas
e dóceis, enquanto os homens eram mais ativos e agressivos. O melhor lugar para
elas era, de fato, em casa, ocupando-se com os maridos e com os filhos.
Segundo Nunes (2000), as mulheres, na opinião freudiana, não eram
percebidas, porém, como pessoas débeis e que não conseguiam controlar seus
impulsos. Ao contrário, elas eram especiais, inteligentes, bondosas e, por isto,
deveriam ser poupadas e protegidas das agressões e competições mundanas.
Nessa maneira de ser, as mulheres se alegravam e se satisfaziam com as
conquistas e produções dos maridos, não sentindo necessidades de outras
realizações.
Na medida, porém, em que Freud (1893/ 1996) começou a escutar as
histéricas que o procuravam para tratamento, outra visão sobre a mulher se
delineiou na Psicanálise. Estas mulheres guardavam grande insatisfação com
relação aos casamentos e forte repressão dos desejos. A histeria, antes presa aos
diagnósticos dicos, passou a ser identificada como um conflito psíquico, fruto do
antagonismo entre as pulsões sexuais e as exigências do ego. Segundo Fernandes
(2003), os sintomas histéricos não obedeciam às leis neurofisiológicas e pertenciam
a um corpo representado subjetivamente e fortemente violado em seu direito de
expressão. Para a autora, a histérica freudiana adoecia em decorrência da
112
repressão de anseios. Desta forma, a mulher, cada vez mais, se apresentava na
teoria psicanalítica como uma mulher também rebelde e que recusava uma posição
passiva diante da vida e do outro.
A partir da constatação de uma atividade na sexualidade da mulher,
Freud (1933/ 1996) apoiou-se na idéia da bissexualidade humana, aceitando a
hipótese de que um indivíduo pudesse carregar consigo tanto características
femininas como masculinas, justificando que a histérica por excelência se debatia
entre as duas fantasias. Segundo Nunes (2000), a mulher começa a aparecer no
discurso freudiano como portadora de uma potência e de uma força que não seria
patrimônio, no entanto, da essência feminina, mas da constituição masculina. A sua
figura aparece como castradora e invejosa da realidade do homem, fálica, narcísica
e uma ameaça para o desenvolvimento da civilização, na medida em que pode
deixar de lado o seu interesse e satisfação exclusiva com a lida da família e com a
procriação. Ora portando-se como frágil, dócil e por isso feminina, e outras vezes
colocando-se como um homem, impetuosa em seus desejos, a mulher resta cada
vez mais difícil de ser decifrada e por isso mais escorregadia ao controle social.
Freud (1933/ 1996) nos informa que, “de acordo com a sua natureza
peculiar, a psicanálise não tenta descrever o que é a mulher seria esta uma tarefa
difícil de cumprir - mas se empenha em indagar como é que a mulher se forma,
como a mulher se desenvolve desde a criança dotada de disposição bissexual”. (P.
117). Assim, entendemos que a idéia freudiana de que a mulher o nasce pronta,
mas se torna mulher no decorrer de seu desenvolvimento sexual, permitiu que Freud
(1933/ 1996) se afastasse completamente de uma visão naturalizadora da mulher e
lhe delineasse outra concepção, dependente das suas inter-relações subjetivas e da
conseqüente trajetória que as pulsões sexuais tomariam: na menina em direção ao
113
pai e no menino afluindo à mãe. O autor formula a existência de uma fase da
sexualidade
7
, a fase fálica, que se seguiria ao período oral e ao anal, quado ocorre
um investimento libidinal, em ambos os sexos, num órgão genital, o masculino. O
que está em questão, neste momento, é ter ou não ter o pênis, sendo este o único
critério infantil para a diferenciação de gênero.
Esta diferença anatômica entre os sexos (Freud 1925/ 1996) tem uma
repercussão mais ampla na constituição psíquica do sujeito. O nis é culturalmente
revestido de poder, assumindo atribuições imaginárias e constituindo-se como falo,
ou seja, como uma analogia ao desejo e àquilo que falta a todo ser humano e que
pode ser representado pela “completude”. Neste sentido, Mariano (2003) garante
que, no plano da realidade, ninguém possui o falo, nem homem, nem mulher, exceto
imaginariamente. O desejo de ser e/ou ter o falo é o desejo dessa completude
imaginária, nunca plenamente alcançada. Compreendemos, então, que é em torno
da falta e da incompletude humana que homens e mulheres se organizam e se
constituem subjetivamente.
No que tange à constituição subjetiva da mulher, Freud (1933/ 1996)
ressalta que ela passa por um complexo de castração, no qual vivencia a sua falta
como uma ferida narcísica que a acompanha por toda a existência. Entendemos
melhor o papel social da mulher na qualidade de ser essencialmente incompleto,
quando recorremos às explicações de Mariano (2003), ao assinalar que, embora
ninguém realmente seja ou tenha o falo, aos homens é suposto té-lo por meio dos
representantes culturais, ou, na ausência de algum discurso adequado que o
simbolize, pela simples posse do pênis. Este último ainda funciona para o homem
7
Para o melhor conhecer sobre as fases do desenvolvimento sexual descritas pela Psicanálise
freudiana ver: Freud, S. (1905). Um caso de histeria três ensaios sobre sexualidade e outros
trabalhos, v. 7. Obras psicológicas completas, edição standard brasileira /Rio de Janeiro: Imago.
114
como um suporte imaginário do falo, fazendo com que ele acredite na ilusão de
possuir o que nenhuma mulher poderá um dia ter. Com a ajuda da autora,
compreendemos que, na ordem fálica, os sujeitos são tomados pela crença de
retomar uma antiga condição de plenitude e satisfação. Nela, à identidade dita
masculina é atribuído ter o falo e à mulher é pressuposto que, um dia, ela o possuirá.
Na análise de Birman (2002) a feminilidade transcenderia a diferença de
sexos, caracterizando-se como outro registro da sexualidade, no qual o sujeito
ultrapassa a onipotência fálica e reconhece a sua condição faltosa. O registro da
feminilidade se articula ao conceito de desamparo, desenvolvido por Freud (1930/
1996) em Mal-estar na civilização. Neste estudo, Freud postula a noção de que a
condição originária do ser humano é a de estar desamparado ante o seu corpo e o
mundo, não podendo garantir uma condição segura diante da dor e dos perigos que
assolam a sua existência. O corpo é condenado, desde sempre, à imperfeição e à
dissolução, o que leva o humano a ter que lidar constantemente com a sua
insuficiência.
Segundo Freud (1930/ 1996), diante da condição na qual o desamparo
ameaça, o sujeito tem pelo menos duas saídas: a da paralisação diante da
impossibilidade da satisfação plena e a do movimento em busca de uma condição
que o aproxime, ao máximo, dos ideais de sua satisfação. Compreendemos que a
segunda opção passa pelo reconhecimento, por parte do sujeito, de sua
feminilidade, ou seja, de seus limites e incompletudes, o que o leva a ter uma
relação positiva com o desamparo, tão próprio da constituição humana. No tocante
ao mal-estar que atinge o corpo, Freud (1930/ 1996) ensina que o sujeito tende a se
colocar em movimento à procura da forma que mais se aproxime de sua perfeição
ou de seus ideais de felicidade. Depreendemos, então, que é justamente por se
115
perceber desamparado e incompleto, que o sujeito cria e faz uso de suas
tecnologias e produtos, a fim de conquistar a satisfação um dia perdida.
Se aqui discutimos que a angústia da falta funda a subjetividade, na
medida que, em face ao vazio, o sujeito se movimenta em busca de algo que se
aproxime da completude e satisfação de seus desejos, também aludimos que a
feminilidade, como forma de ultrapassar a onipotência fálica e de reconhecimento da
falta, é crucial para a constituição subjetiva do humano. Sem esta, a pessoa
permaneceria presa na ilusão da completude, não buscaria nada fora desta
realidade e sucumbiria como sujeito.
Depreendemos, então, que somos desamparados em nossa essência,
sendo justamente a percepção do que falta e limita a nossa existência o que nos
impulsiona. A insuficiência do corpo e o mal-estar do desamparo que nele se localiza
é a pulsação que o mantém vivo e em busca de novas experiências. Como nos
relatam as entrevistadas:
Mas, na realidade, falta alguma coisa, não sei o que é, eu vivo
buscando encontrar, mas eu não consigo. Tive um namorado de
cinco anos, depois desse namorado, não consegui me aproximar de
nenhum outro rapaz Eu não consigo encontrar explicação (...) Eu
sempre sou muito alegre por fora, mas tenho esses grandes
problemas que eu não consigo resolver. Nem consigo me aproximar
de alguém e nem consigo emagrecer. Eu acho que uma coisa está
relacionada à outra. Eu acho que esse problema nos seios ficou
resolvido. Isso para mim não é mais problema. Acho que os rapazes
não olham para mim por que eu sou diferente, sou dessa grossura,
eu tenho esse peso. (Safira).
Quando morre uma pessoa da família, eu não me conformo. Eu não
me conformo com a morte, porque você passa tanta dificuldade pra
conseguir, ele é doido por carro vive trocando de carro, agora
comprou um apartamento em Fortaleza, tudo muito apertado pra
depois morrer, isso não tem sentido. Eu acho que tem que conseguir
as coisas na vida e não morrer, chegar a um certo ponto e
estacionar. Eu não me conformo com a morte! (Pérola).
Vivo com meu marido, meus filhos, que nada no mundo é
completo na vida da gente, depois que eu cheguei aqui adquiri um
problema alérgico e de pra eu vivo sempre indo ao médico e
116
até hoje não resolvi esse problema, coisa que me atrapalha demais.
Eu fico conversando e o ouvido fica tampando, tampando o nariz
para destampar o ouvido. Piora demais o ouvido parece que tem
bolha de sabão, então, eu não sei mais o que fazer sobre isso.
Quanto a minha vida de plástica, eu fiz a primeira com o Dr. T.
Quando eu tive meu primeiro filho, eu aumentei vinte quilos e fiquei
deformada, com bastante estrias, seios caídos, barriga mole. Fiquei
velha, quem me ver hoje diz que estou mais nova. Depois de ter
meus filhos, eu acho que estou melhor hoje, quando eu era solteira
eu não tinha esse cuidado. (Turquesa).
Aprendemos com Freud (1914/ 1996) que a suposta satisfação plena dos
desejos, bem como a crença numa completude e perfeição humana estão na ordem
da alienação e da ficção do eu ideal, no narcisismo primário. Como
desenvolvemos em itens anteriores, para que o sujeito não morra afogado nas
malhas do egoísmo, tendo a si mesmo como o único referencial, é essencial que
esta onipotência narcísica seja quebrada e o sujeito seja inscrito no registro do ideal
de eu. Isto significa dizer que ele precisa de um ideal que lhe ultrapasse e o insira na
ordem da alteridade, a fim de que prossiga em seu desenvolvimento subjetivo.
Esta passagem do eu ideal para o ideal de eu é regulado, segundo
Birman (1999, 2002), pela experiência da castração, ou seja, pelo rompimento com a
soberania fálica. Isto conduz o sujeito para a alteridade e para o amor do outro,
reconhecendo que existem outros ideais além de si mesmo e uma causa mais ampla
do que aquela de satisfazer o próprio desejo. A experiência da feminilidade se
encontra, exatamente, neste processo de “desfalicização”, isto é, de quebra da
onipotência fálica, quando o sujeito é inscrito na alteridade e no reconhecimento da
diferença do outro, assim como na percepção clara de sua incompletude e
desamparo.
Freud (1905/ 1996) nos ensina que as primeiras experiências corporais
vividas na relação com a mãe é que permitem a constituição subjetiva, bem como a
representação psíquica de corpo e do corpo do outro. Compreendemos, ainda, que
117
as experiências de fusão-separação, de prazer-desprazer são reeditadas e
ressignificadas durante toda a existência do sujeito, persistindo como anseio no
âmago do psiquismo humano, não produzindo obrigatoriamente um destino
patológico. O desejo de tornar-se mais uma vez parte desta mãe do início da
infância, sem nenhuma frustração, nenhuma responsabilidade, narcisicamente
aceito e amado, encontra-se dentro de nós. Para que este desejo, porém, seja força
motriz de nossas ações no mundo e não motivo de paralisação e morte psíquica,
precisamos reconhecer a sua impossibilidade, representando-o e conquistando-o da
maneira como nos for possível em nossa existência. Observemos algumas falas:
Você se sente melhor. Mais bonita e mais satisfeita. Mais segura, é
como se tivesse uma segurança maior, de achar que você está
melhor, de você achar...Claro que a mulher é sempre insatisfeita!
Pelo menos eu interpreto a mulher como sendo sempre insatisfeita.
A pessoa sempre quer mudar alguma coisa, sempre acha que seus
detalhes poderiam ser melhores, seu cabelo poderia ser um pouco
melhor, sua bunda, sua barriga. Eu acho a mulher extremamente
insatisfeita! (Rubi).
Eu adorei fazer as cirurgias, me senti como uma princesa. Fiz as
lipos, eu tinha um bumbum muito grande aqui de lado, o piu-piu
muito grande, foi feito toda a lipo. Demorou muito, acho que o
médico estava com medo de tanta coisa. Não tenho medo, minha
irmã e minha filha têm muito medo. Os filhos, não, eles dão a maior
força. Eu invento história para o marido, é a questão do pagamento
sabe, dizendo que vou fazer uma cirurgia no útero, porque se eu
disser que é pra isso ele não o dinheiro, e assim ele vai
deixando. (Esmeralda).
Observamos nos relatos referências à crença na perfeição e na
completude corpórea. As mulheres, ao descreverem os cuidados corporais e as suas
motivações com relação às cirurgias estéticas, falam de uma tentativa de,
pessoalmente, se sentirem melhores, mais seguras, mais completas e mais felizes.
Querem agradar a elas mesmas ao atingirem o ideal estético e serem valorizadas
socialmente. Dizem se sentir muito bem ao mexerem em seus corpos, pois não
conseguem ficar de “qualquer jeito”.
118
Hoje, eu vou para a praia me bronzear. Acho que a cirurgia me
ajudou muito, muito mesmo, eu estava de uma maneira muito triste.
Hoje, eu estou melhor e se não estou completa porque tenho esse
problema da gordura (...) Hoje em dia a minha vida está boa, estou
trabalhando, estudando, mas no fundo, no fundo no meu interior, eu
sou meio triste. Tudo eu choro. Eu sou muito alegre, mas no interior
falta alguma coisa que não me completa. Não sei se é um namorado
que está me faltando. (Safira).
Hoje, eu me sinto melhor depois da cirurgia do nariz, eu gostei mais
do que a do abdome, hoje, eu to particularmente ótima, quem nota
as manchas e comenta, eu digo: Ta, mas eu estou fazendo
tratamento, eu não queria ter as manchas de abdome, meu esposo
fica reclamando, porque acha que não precisa. Visto uma roupa,
chego num local e recebo um elogio, eu procuro consertar o que me
incomoda. Um dia eu estava em Belo Horizonte com a minha mãe e
minha tia e um homem falou: São irmãs? Eu falei: Foi o nariz. Todos
são iguais. Fotos de perfil, eu rasguei todas, eu não sei como eu
fiquei tanto tempo com esse nariz. Eu, hoje, estou me sentindo
realizada, depois da cirurgia do abdome e do nariz, depois de ter
sofrido tanto, tem gente que passa um tempo sem me ver e diz que
eu estou bem, eu não sou infeliz, mas se tem algo que me deixa
insatisfeita, eu procuro resolver para ficar com o astral melhor.
(Pérola).
Ao falarem assim, as mulheres não se dão conta de suas contradições.
Esta essencialidade do corpo demonstrada nas suas experiências corporais nos faz
recorrer ao que Novaes, Medeiros et al. (2005) refletem sobre o desamparo da
mulher ante ao olhar do outro. Os autores assumem que é porque as mulheres se
sentem desamparadas diante deste olhar e em busca de um reconhecimento
incondicional de suas formas físicas, que elas se movimentam para tomar posse da
imagem corporal mais perfeita possível. Percebemos que entrevistadas fazem
referência a algo que falta em suas vidas, que foge aos seus controles, provocando
fortes sofrimentos. Quando, no entanto, se permitiram falar um pouco mais sobre o
assunto, fizeram referência clara aos seus mal-estares no corpo (alergias, insônias,
depressão e insatisfações com suas formas) não deixando, porém, de reconhecer
algo, que não estava diretamente relacionado à corporalidade, as angustiava (o
119
medo da morte, a solidão afetiva, o medo de perder os filhos, a impulsividade na
expressão dos pensamentos e opiniões). Vejamos nos relatos:
Mas, eu continuo assim, eu não sei o que é, para todo o ser humano
falta alguma coisa, para mim falta mais, falta tanto, que no domingo
à tarde passo a tarde toda querendo chorar, com a maior tristeza.
Eu acho que com as outras pessoas não acontece isso (...) Eu sou
altamente ansiosa, tão ansiosa, que agora neste momento tem
muita coisa da faculdade para fazer, tem prova para estudar, tem o
trabalho que está um pouco acumulado porque eu andei uns dias
faltando, aí, eu estou altamente ansiosa. É uma fome direto! Eu fico
com fome da ansiedade. Antes, eu não tinha isso, essa ansiedade
toda, é de agora e eu não consigo controlar, eu fico pensando no
que vou fazer, vivendo o futuro logo. Eu não sei esperar, é muita
ansiedade. (Safira).
Eu sou mais independente, quando eu era solteira que a minha mãe
brigava comigo, eu não dizia nada, me trancava no banheiro e
chorava, eu choro muito. Se brigar com o meu esposo, faço a
mesma coisa, nunca esqueci nada do que ele fez comigo. Não falo
nada, faço chorar! Conversei com uma amiga e ela sugeriu que
eu buscasse um tratamento, uma ajuda, me indicou um médico em
Fortaleza. Eu fui, mas não gostei. Tenho insônia e por isso fui a
outro médico e ele me passou um anti depressivo. Desde que estou
tomando, eu estou me sentindo bem melhor. (Pérola).
Eu sou muito... deixa-me ver, às vezes, eu sou meio impulsiva,
me controlei mais, hoje em dia estou menos, mas sou muito
impulsiva. Na hora que estou com muita raiva, eu explodo, mas no
lado profissional, não, tenho mais pelo lado pessoal, talvez, por no
lado profissional eu sempre ter que me controlar muito, pois não
posso explodir com o meu cliente. que no lado pessoal. Mas por
dentro não faz bem. (Rubi).
Sobre a morte, eu nunca pensava, hoje, pela idade, eu penso e
peço muito a Deus para eu não ver nenhum filho morto e tenho
muita convicção que Nossa Senhora não de deixar. Eu quero ir
primeiro. Porque um pai e uma mãe não são pra enterrar um filho,
eu sou louca alucinada pelos meus bebês. Eu me cuido porque
quero estar perto, tem minha morte, mas não quero perde-los. Se
chegar a minha hora de ir peço a Deus. Eu perdi o amor do marido,
sofri muito, então, preciso do amor dos filhos e todos os quatro
viajam muito, mas eu não deixo de dormir, de passear, eu sempre
digo com fé: - Não deixe acontecer nada com meus filhos. Não
quero morrer agora não, eu quero ficar mais com eles. Toda noite eu
penso neles e me perdendo nos pensamento, choro, penso muito
neles. (Esmeralda).
Aprendemos com Araújo (2001) que as mulheres, diante da ilusão do
corpo perfeito, ideal de beleza imposto por nossa cultura e bem divulgado na mídia,
120
acham-se privadas, na realidade concreta de seus corpos, de algo a que teriam
direito, isto é, de um corpo sem falhas. Assim, não economizam esforços para que
este sonho se realize. Segundo a autora, esta seria uma das maneiras dos sujeitos
encobrirem a realidade da falta. Vejamos a reprodução das falas:
Se tiver como ajeitar, eu quero, se não, eu fico assim. Na mama,
falta alguma coisa, então, eu quero a prótese. Uma amiga minha
estava insatisfeita com o bumbum, ela fez uma lipo, aplicou a
gordura e gostou, então, eu fico olhando pra ver, minha mãe tem
bumbum grande, minha família é assim, eu fico procurando e
achando que está faltando alguma coisa. No inicio do casamento, eu
achava que faltava alguma coisa porque ele saia, só que ele já havia
mudado quando eu comecei a mexer comigo. Eu não quero ser
gorda nem magra, meu esposo fala que eu não quero parar, que eu
faço uma coisa e procuro outra. (Pérola).
Insatisfação tanto ao vestir as roupas, eu achava que as roupas
ficavam mais bonitas para quem tivesse mais seios. Eu achava,
então, que não ficava legal. Com biquíni, até mesmo para trocar de
roupa na frente das pessoas, eu tinha mais vergonha. Mas, eu tinha
mais! Por achar menos sensual, então, uma série de situações que
eu sempre achava que ficaria melhor se eu tivesse seios maiores.
Acho que realmente vem da cabeça da pessoa, pois o pessoal de
fora não entende. Então, quando eu ia comprar todas as roupas que
eu ia comprar, eu achava que não ficava que não ficava muito legal,
se eu tivesse os seios maiores eu achava que ficaria bem melhor. É
como se eu visse as mulheres com seios grandes. Toda mulher
que eu olhava, eu via as mulheres de seios grandes. Eu achava
que todo mundo tinha seios maiores. Então, cada vez eu ficava
pensando mais e querendo mais, mudar meu corpo, neste sentido.
(Rubi).
Depreendemos de Freud (1905, 1914, 1915/ 1996) a noção de que o
corpo é erógeno, constituido pela linguagem, pelas fantasias e por isto pulsa
libidinalmente em cada uma de suas partes. Na complexidade de sentidos e nas
descontinuidades de sensações, o corpo é percebido em sua porosidade e
plasticidade.
Assim, como nos ensinam Birman (1999, 2002) e Nunes (2000), o corpo,
como uma totalidade, foi percebido pela psicanálise freudiana como não suficiente e
carente em suas possibilidades de satisfação, precisando sempre do outro para
121
mediar suas inúmeras demandas eróticas. São justamente a incompletude e a
plasticidade corpórea as condições para o erotismo e para a dinâmica do sujeito. A
continuidade e plenitude corporal, se não passadas pela experiência da feminilidade,
restringem-se às ilusões biológicas e consumistas, sustentadas pelo discurso
médico veiculado na mídia, trazendo fortes prejuízos para a capacidade reflexiva e
criativa do sujeito. Leiamos alguns relatos:
Quero meu corpo perfeito, tudo sem barriga, com peito ajeitadinho,
sem gordura, eu quero me sentir bem. Às vezes, me incomoda. A
minha barriga não ficava bem, se vestisse uma calça e ela
apertasse na cintura já ficava saindo aquela gordura, cheguei a
trocar várias roupas até me sentir bem. Até a acne me incomodava.
Eu estou fazendo tratamento, estou terminando, tirou as
manchinhas. Sempre estou procurando uma coisa para me sentir
melhor, tem roupa que eu quero colocar e não fica bem, comprei
aquele sutiã que é um adesivo, mas depois que eu tirar vai ficar do
mesmo jeito, então, eu quero ficar direitinha se tiver jeito. (Pérola).
Se você está insatisfeita, você tem que ir atrás do que te deixa feliz,
se tiver que mudar alguma coisa que mude, então. Felicidade pra
mim é se olhar no espelho e se sentir perfeita. Tem pessoas que se
vêem uma celulite vai tirar aquela única celulite localizada e eu
concordo. Se isso está causando infelicidade! No meu conceito não
existe nada 100%, não existe vida perfeita, todo mundo enfrenta
problemas de uma maneira ou de outra, todo mundo tem problemas,
então, a pessoa é infeliz a partir do momento em que ela quer
corrigir o mundo, mas é lógico que se existir uma maneira para você
solucionar vá atrás. (Alexandrita).
Prata (2003) acentua que, na atualidade, os discursos sociais disciplinam
os corpos por meio da sedução, exigindo a sua atuação rápida diante dos apelos
consumistas veiculados na mídia. Não exigem do sujeito um posicionamento crítico
diante de suas ofertas, esperando dele, tão-somente, a adesão. Quanto a este
mesmo ponto, Costa (2004) compreende que a cultura somática estimula o sujeito a
negar a falta e o mal-estar, oferecendo a ele uma diversidade imensa de produtos e
tecnologias para encobrir o seu desamparo. Isto leva o sujeito a ter uma relação
122
infantilizada com a sua existência, pautando as suas ações na ilusão da onipotência
e perfeição humanas e buscando a todo custo a obtenção do prazer.
Na impossibilidade de sustentar por muito tempo esta empreitada, o
sujeito se lança numa corrida angustiada em busca de objetos ou experiências que o
recoloquem na posição de majestade e de satisfação, caindo, por vezes, em um
esgotamento de seu eu, assim como ocorre num estado de depressão (Deluya, 2002
a b). No lugar de elaborar a sua condição originária de sujeito faltoso, recriando de
maneiras diversas a sua existência, o sujeito, num ato de recusa ao desamparo,
pode ficar preso a si mesmo e aos seus ideais, estagnando o seu processo de
criação e desenvolvimento.
123
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho teve como objetivo investigar as motivações que
definem a experiência corporal das mulheres que se submeteram a cirurgia estética
e suas implicações subjetivas, a partir de entrevistas semi-estruturadas. Para tanto,
tomamos como referencial teórico a Psicanálise freudiana, desenvolvendo a partir
dela um diálogo com as áreas da Antropologia e da Sociologia, especialmente com
base no pensamento de: Costa (1988, 2004), Le Breton (2003, 2004) e Lipovetsky
(1989, 2005).
Intuímos que o corpo é construído socialmente, mantendo com o mundo
uma relação de interdependência e de “indiscernibilidade”. Isto significa que o corpo
e o mundo são sistemas interconectados, abertos e que se recriam a cada momento.
O corpo não é uma realidade acabada, mas um território da incompletude e da
pluralidade de sentidos, atravessado por diversos saberes e dimensões.
Na primeira parte do trabalho, desenvolvemos um estudo interdisciplinar
sobre o corpo. No primeiro capítulo, analisamos a ordem social da atualidade,
elegendo duas de suas principais vivências: a do consumismo e a do narcisismo. No
consumismo, analisamos a idéia da objetalidade do corpo, sendo ele valorizado,
principalmente, em seu papel de consumidor das produções capitalistas. Com
relação ao narcisismo, enfatizamos o egoísmo e o privilégio atribuído à satisfação do
individuo em detrimento do bem-estar coletivo.
Abordamos, ainda, a noção de que, na “cultura somática” (Costa, 2004),
novos valores se apresentam como referência do sujeito. A tradição, os sentimentos,
a história, a religião e os costumes não representam a preocupação do homem e
nem mais os meios pelos quais ele se apresenta ou fala de si mesmo, pois a
124
importância agora é comferida ao momento presente, às sensações e ao prazer que
tocam o corpo. Este último, por sua vez, é escolhido como o principal espaço de
compreensão e de expressão do sujeito na atualidade. Para o corpo são criados
diversos procedimentos, objetos e tecnologias, a fim de ampliar e aperfeiçoar a sua
experiência no mundo.
A ciência e, em especial a configurada no discurso médico, se expressa
como um dos principais doadores de sentido ao sujeito contemporâneo. Nesta
perspectiva, o corpo é tomado, exclusivamente, em sua dimensão orgânica,
procurando alargar, ao máximo, o seu potencial e as suas capacidades. Persegue-
se a perfeição, luta-se pela saúde e pelo bem-estar perene, acreditando que, um dia,
a ciência desvendará o segredo da imortalidade e da completude. Situamos neste
contexto a cirurgia estética, que se apresenta com a missão de livrar o sujeito das
insatisfações com a forma física, oferecendo-lhe a possibilidade concreta de alterar o
corpo de acordo com a sua vontade ou a partir dos padrões estéticos.
No momento seguinte, desenvolvemos o estudo sobre o corpo a partir de
considerações psicanalíticas. Defendemos a premissa de que o corpo é insuficiente
em si mesmo, precisando da relação com os outros corpos para se constituir com
um significado próprio. Em seu polimorfismo e porosidade, este corpo é diverso,
descontínuo e pulsional. Em cada uma de suas partes, ele sente a intensidade das
relações e das sensações. Para a Psicanálise, o corpo é dinâmico e possuidor de
uma imagem que representa todo o vivido relacional do sujeito, sendo ela alterada a
cada instante (Dolto, 2004).
Na segunda parte do trabalho, apresentamos as considerações
metodológicas, onde ressaltamos que a pesquisa é de cunho qualitativo, haja vista
que trabalhamos com o campo da subjetividade e das relações humanas. Coletamos
125
os dados por meio de entrevistas semi-estuturadas com seis mulheres que já tinham
se submetido à cirurgia estética. Debatemos, em seguida, os conjuntos significativos
que se destacaram nos relatos, desenvolvendo-os conceitualmente e articulando-os
com trechos das falas das entrevistadas.
Compreendemos que a experiência corporal é complexa e diversificada,
pois é marcada pela história e pelas relações sociais de cada sujeito, podendo ser
percebida a partir de variadas perspectivas. Por isto, ressaltamos que nas análises e
discussões dos dados não esgotamos as possibilidades que emergiram das falas
das participantes e que procuramos desenvolver uma visão plural e não linear sobre
as experiências corporais, na medida em que as situamos no campo da
subjetividade. Ressaltamos o fato de que analisar as implicações subjetivas das
experiências corporais destas mulheres é a contribuição mais marcante do presente
trabalho.
Assistimos, na atualidade, à elaboração dos discursos sociais que
buscam normatizar o corpo humano, como, por exemplo, o discurso científico
(Roudinesco, 2000; Soares, 2001). Assim como nos explicou Foucault (1996), o
poder incide diretamente nos corpos dos sujeitos, realizando a sujeição de suas
forças e lhes impondo uma relação de docilidade-utilidade, isto é, de disciplina.
Observamos com o autor que, se o corpo, ao longo das organizações sociais,
precisa ser docilizado, também produzirá formas de reação à sua disciplina. Nesta
ação e reação entre o corpo e as instituições de poder é que o processo civilizatório
acontece.
Ora, se advogamos o argumento de que uma reação da subjetividade
à sua normatização, aludimos que há, também, uma relação entre as formas de se
subjetivar e o contexto social em que se está inserido. Desta maneira,
126
compreendemos que a subjetividade é uma construção social e isto significa que o
corpo ganha novos sentidos e os expressa de forma diferente a cada época. Assim,
a produção de novos discursos sociais, a que assitimos na atualidade, acontece,
simultaneamente, à produção de novas formas de subjetivação.
Extraimos de Lipovetsky (2005) a lição de que, na sociedade atual, o
discurso social não se articula mais pela disciplina e pela autoridade, mas pelo poder
da sedução. A ordem social incide nos corpos, convocando-os a serem sempre
belos, ativos, saudáveis, jovens e sensuais. Devem se prender a único tempo, o do
presente, silenciando as instâncias do passado e do futuro. Com isto, o que importa
é o prazer e as sensações sentidas no aqui-e-agora, perdendo valor tudo o que diz
respeito à tradição, à história e aos costumes. Nesta perspectiva, o discurso dico
sobre a perfeição dos corpos e o discurso da mídia sobre o seu embelezamento e
consumo são os que se posicionam como referenciais dos sujeitos na atualidade
(Bauman, 2001, 2004; Costa, 2004; Da Poian, 2000).
Retiramos de Ribeiro (2003) a idéia, por nós aceita, de que é divulgada na
mídia a criação de várias tecnologias, objetos e procedimentos, destacando-se,
entre eles, a cirurgia estética. Pensamos junto com a autora que estas produções
procuram “medicalizar” e agenciar, principalmente, o corpo feminino. No tocante às
cirurgias estéticas, percebemos aumento considerável na sua demanda e na
divulgação de seus efeitos nos diversos meios de comunicação. O que nos chamou
a atenção e nos estimulou a prosseguir nos estudos foi o aspecto de que, na
atualidade, a “medicalização” dos corpos não ocorre mais em torno do corpo doente,
mas, ao contrário, ela se ancora num discurso psicológico acerca do mesmo, criando
e divulgando ideais de felicidade e completude para os sujeitos. O discurso está
127
direcionado para a mulher que deseja ser saudável, magra, jovem, bonita e,
sobretudo, feliz.
Empenhado em tamponar a falta, os defeitos e os limites do corpo
humano, o discurso médico, mediado pela da cirurgia estética, propõe uma nova
normatização do corpo feminino, a de que basta querer para ser bela e feliz
(Sant’Anna, 1995). A beleza, agora, passou a ser considerada uma questão de
vontade e disciplina. A Medicina faz a sua parte, oferecendo as suas descobertas e
produções, em torno dos cuidados e do embelezamento corporal, não mais
aceitando por parte dos sujeitos o cultivo dos “desajustes” ao que se institui
socialmente como belo e normal. Pensamos, junto com Novaes e Vilhena (2003),
que se trata, agora, de colocar o sujeito sempre a serviço de seu corpo, empenhado
em cuidá-lo, modificá-lo e ornamentá-lo, com o intuito de se adequar aos padrões
estéticos e, assim, ser feliz.
A “medicalização” dos corpos, na atualidade, tem fortes implicações
subjetivas (Andrade e Bosi, 2003). O sujeito contemporâneo em meio à intensa
convocação à ação, ao prazer, às satisfações, bem como à adesão aos inúmeros
produtos e tecnologias criados e divulgados na mídia como ideal de felicidade,
sente-se fatigado de si mesmo, impotente e frustrado em suas estratégias de busca
do corpo perfeito, que, a cada instante, são desautorizados por novas produções
e convocados a aderir a novos modelos (Ehrenberg, 1998).
O corpo feminino parece estar sempre em dívida e muito longe de
alcançar as exigências e as atualizações divulgadas na mídia. Esta realidade
acentua a insatisfação das mulheres com seus corpos, fazendo com que elas travem
uma angustiada batalha contra a sua imagem corporal. Junto com Ehrenberg (1998)
entendemos, que, na atualidade, se percebe grande incidência de mal-estares em
128
torno da fadiga e da impotência, que muitas vezes se traduzem nos quadros
depressivos.
Percebemos com a presente pesquisa que, as mulheres vivenciam um
vazio existencial (Da Poian, 2000), não significando pessoalmente as suas ações no
mundo, delegando esta responsabilidade, principalmente, ao discurso médico. Os
mal-estares, próprios da condição humana - como o tédio, o desamparo, o medo, as
inseguranças e as frustrações - emergem no corpo como sintomas que devem ser
diagnosticados e curados pela ciência e mais especificamente pela Medicina.
A partir do desenvolvimento da indústria da imagem (cinema, televisão,
fotografia etc.), o sujeito é também convocado a expressar o que sente e o que faz a
todo instante, sendo objeto de uma superexposição de sua imagem e de sua vida.
Concordamos com Costa (2004) e Ortega (2004), na noção de que esta realidade
deixa o sujeito extremamente vulnerável às críticas sociais. Na tentativa de se
defender desta superexposição e conquistar um pouco de privacidade, o sujeito se
esconde na igualdade, seguindo a padrões estéticos e esfumaçando as
peculiaridades de suas vidas.
Aprendemos, ainda, com Costa (2004, p. 195) a idéia de que na cultura
somática aqueles que não se adequarem à norma da bioacese são considerados
como “estultos”, ou seja, como desviantes e fracos. São colocados no limbo da
sociedade, precisando recorrer à tecnologia e à Medicina para adequarem-se às
exigencias da boa forma. Segundo o autor, esta realidade produz um sujeito seguro
de que, a partir unicamente de suas experiências corporais é capaz de sentir-se
feliz, mas extremamente frágil e impotente diante dos seus fracassos, delegando às
causas orgânicas o sentido de seus mal-estares. Costa anota ainda que o sujeito
contemporâneo tende a se comportar diante de seus desajustes à norma do corpo
129
perfeito com hipersensibilidade afetiva. Qualquer problema no que tange à aparência
corporal, o sujeito se sente muito afetado e se diz muito infeliz.
Observamos nos relatos das mulheres entrevistadas os imperativos
referidos há pouco. Elas travam uma batalha contra o seu corpo, no intuito de
conquistar o corpo perfeito: saudável, magro, bonito e jovem. Perseguem estes
padrões estéticos, por meio de intensos cuidados corporais, rigorosas dietas para
emagrecimento, exercícios físicos e sucessivas cirurgias estéticas. Vinculam,
claramente, a aquisição deste corpo ideal à conquista da felicidade, do bem estar e
da harmonia em suas vidas. Ao falarem de suas experiências subjetivas, relatam as
suas sensações de bem-estar referentes ao corpo, baseando-se nas idéias de
harmonia e completude do discurso médico. Percebem, no entanto, que há algo em
suas vidas, em seus corpos, que foge ao controle, mencionando que, apesar de
todos os esforços, não conseguem obter satisfação plena, uma felicidade perfeita e
tomar posse de uma imagem ideal. Relatam que sentem vergonha, medo,
ansiedade, angústia e um intenso mal-estar quando estão “fora de forma”.
Reconhecem que são insatisfeitas com suas imagens corporais e por isto se
“disciplinam” em busca de um corpo melhor. Temem as críticas e a exclusão social,
caso não se adequem aos padrões estéticos, principalmente, com relação à
magreza e à juventude corporal.
As participantes garantem que sentem muito prazer e muita satisfação
pessoal em cuidar e “mexer” nos seus corpos. Mencionam que fazem isto porque
querem agradar a elas mesmas e por que desejam se sentir como sujeitos de valor
para si mesmas e para os outros. Fazem, também, uma vinculação de suas cirurgias
estéticas com suas sensações e sentimentos, quando relatam que, após as
cirurgias, se sentem “verdadeiras princesas”, mais “faceiras”, mais bonitas, mais
130
vaidosas, têm mais ânimo, mais coragem e são mais seguras nas relações,
expondo-se socialmente sem receios e vergonha. Afirmam, todavia, que não podem
se descuidar nenhum instante, pois logo tudo isto desaba, basta não fazerem seus
exercícios físicos, não estarem atualizadas com a moda ou sairem de suas dietas.
Quando isto ocorre, tudo parece ficar “sem gosto”, ficam trancadas em suas casas,
evitam os contatos sociais e culpabilizam-se por tais mal-estares.
Neste sentido, destacamos que o corpo oferece um caminho para a
compreensão do sujeito contemporâneo, mas, para tanto, não consideramos que o
corpo deva ser tomado como um objeto, mas como sujeito de suas experiências no
mundo. Ao entendermos o corpo como sendo socialmente constituído e como um
espaço por onde circulam o poder e os discursos sociais, devemos ter o cuidado
para não tomá-lo como quinas que, simplesmente, obedecem a comandos. Na
nossa compreensão, o corpo deve participar como autor e não como vítima das
experiências sociais.
Mesmo que as mulheres entrevistadas demonstrem forte preocupação em
cumprir os padrões estéticos, elas não deixam de perceber e de valorizar as
sensações corporais, elegendo-se como sujeitos importantes em suas experiências.
Almejam o seu próprio bem-estar, reconhecem que são somente elas as
responsáveis para construir a sua corporalidade, não hesitando em utilizar as
produções biotecnológicas que lhes são ofertadas. Sabem que têm livre espaço de
expressão e ação sobre seus corpos e por isto recorrem, sem constrangimentos
nem pudores, às sucessivas cirurgias estéticas, a fim de adequarem-se aos padrões
de beleza, mas também experimentarem as diversidades sensitivas de seus corpos.
Percebemos, assim, que os discursos e as vivências socias são
produzidos na relação singular do corpo com o mundo. Desenvolvemos, neste
131
trabalho, uma visão ampla sobre o corpo e acerca das vivências sociais,
percebendo-o não como mero consumidor, mas como participante direto e ativo de
sua existência no mundo. Enfatizamos que a experiência corporal é, sobretudo, uma
experiência subjetiva, já que nos guiamos pela perspectiva psicanalítica.
No campo da subjetividade, tendo por base a Psicanálise,
compreendemos que o sujeito vivencia uma realidade diferenciada da proposta pelo
discurso médico. Depreendemos de Eisenbruch (2000) a idéia de que a Psicanálise
sublinha a subjetividade do corpo, dos afetos que o habitam, particulamente o da
angústia. Os sofrimentos e os mal-estares não são abafados, nem as experiências
manipuladas, mas, ao contrário, o sujeito é solicitado a falar livremente de suas
vivências e afetos, produzindo pessoalmente os significados e sentidos. A
perspectiva psicanalítica destaca a alteridade como a mola mestra para a existência
do sujeito, opondo-se radicalmente aos discursos que visam a massificar a
experiência subjetiva.
Sabemos que a Psicanálise tem uma leitura sobre corpo humano como
sendo fundado pela sexualidade (Freud, 1905/ 1996), porém, a sua percepção sobre
a mesma difere totalmente daquela entendida pela Medicina. Observamos que, na
visão psicanalítica, a sexualidade é polimorfa e por isto não está delimitada a um
comportamento ou a uma função, como tenta nos ensinar a ciência. A reprodução
não é o seu único destino e os órgãos sexuais não o as suas únicas fontes de
excitação. Birman (1999) nos ensina que a Psicanálise, ao definir a sexualidade
pelos atributos do prazer e do erotismo, propondo a ela vários destinos e
representações, empreende a sua libertação do registro biológico e a aproxima,
insofismavelmente, do imaginário popular, vinculando-a à linguagem e ao desejo.
132
Assim, compreendemos com a perspectiva psicanalítica que a
sexualidade foi situada no campo das relações sociais e das formulações
imaginárias, tendo o seu berço nos contatos mais primitivos do ser humano. Alocado
no registro da fantasia, o sujeito passa a ter uma atividade sexual desde sempre,
pois o sexual o mais precisa, fundamentalmente, do amadurecimento orgânico
para existir (Freud 1905/ 1996). Aludimos ao fato de que a sexualidade toma corpo
no corpo, pois é em toda a dimensão corporal que ela se materializa e se manifesta.
Desta maneira, sustentamos o argumento de que o corpo, estando
fundado na sexualidade, ultrapassa e muito o registro biológico da vida, sendo
marcado pelas pulsões, ou seja, pela intensidade e pelo afeto. As suas partes, seja
na superfície ou na profundidade, são mergulhadas no erotismo e constituem zonas
ou fendas erógenas (Freud 1915/ 1996). Por meio delas, o sujeito experimenta a
intensidade dos contatos, a diversidade das sensações e possibilidades corpóreas.
O corpo é, então, caracterizado por uma porosidade, sendo tomado pela
descontinuidade. O corpo é denso, plástico e por isto insuficiente em si mesmo,
precisando do outro para vivenciar suas variadas demandas eróticas.
Com a Psicanálise (Freud, 1905; 1914; 1915/ 1996) apreendemos que
são, justamente, a incompletude, a descontinuidade e a complexidade do corpo que
impulsionam o sujeito, de forma inapelável, a precisar do outro e a sair das malhas
do seu egocentrismo, estabelecendo, com efeito, uma relação fecunda com o social.
Verificamos em Freud (1930/ 1996) que o homem é essencialmente desamparado e
que por isto se empenha em melhorar e expandir sua existência. Neste sentido,
consideramos que a continuidade corporal não passa de uma ilusão biológica
sustentada pelos cânones científicos e tecnológicos.
133
Destacamos, portanto, a importância de a pesrpectiva psicanalítica
investigar sobre as experiências corporais, pois ela sublinha a subjetividade do corpo
e dos afetos que o habitam, postulando ser o próprio sujeito o seu principal
agenciador no mundo. A Psicanálise convoca o sujeito a falar sobre os desejos, os
conflitos, os receios, enfim, sobre a vida, possibilitando que ele mesmo elabore os
próprios discursos e significados.
As mulheres entrevistadas, quando falam de seus sofrimentos, daquilo
que lhes falta ou mesmo daquilo que não conseguem controlar, apesar dos esforços,
estão de alguma maneira reconhecendo-se incompletas. Aludimos ao fato de que é
por se sentirem desamparadas existencialmente e insatisfeitas com as suas imagens
corporais, que elas mudam os seus corpos com a cirurgia estética. Lutam para
conquistar a imagem que está perdida no olhar do outro, representado inicialmente
pelo olhar materno, mas se depararam com a impossibilidade de reavé-la em sua
integralidade.
Vilhena, Medeiros et al. (2005), nos ensinam que o olhar amoroso e
narcísico da mãe, incorporado, se transforma em espelho interno, para quem as
mulheres lutam para apresentar a mais “perfeita” imagem. Segundo os autores, elas,
no decorrer de sua existência, também projetam para os outros parte deste espelho,
para quem continuam tentando tomar posse do corpo ideal. Verificamos que as
participantes da pesquisa passam horas diante do espelho, investigando
narcisicamente seus corpos, percebendo cada um de seus detalhes. Elas mudam
várias vezes de roupas, ensaindo a melhor imagem a ser apresentada publicamente.
Diante do espelho detectam principalmente as fragilidades de seus corpos e pensam
qual será a próxima estratégia a ser adotada para a aquisição do corpo ideal. Desta
maneira, observamos que é em busca de uma imagem ideal, perdida no olhar do
134
outro, visando a um amor incondicional e aceitação plena de si mesmo, que o sujeito
feminino batalha contra as incompletudes do próprio corpo.
Destacamos que somente quando tomamos o corpo no campo da
subjetividade é que entendemos que ele está em constante elaboração, em busca
de novas imagens, vivências e sensações, sabendo que este movimento está
intimamente conectado com as experiências afetivas de cada sujeito. Identificamos o
fato de que as mulheres entrevistadas ao experienciarem constantemente seus
corpos, estão se constituindo subjetiva e imaginariamente. Expandem, contraem,
retiram e adicionam, pintam e decoram seus corpos, na tentativa, não apenas de
serem sujeitos de valor para os outros, cuprindo padrões estéticos, mas sobretudo
para satisfazerem a si mesmas, experienciando as inúmeras possibilidades e afetos
dos corpos. Observamos que estas mulheres, ao procurarem tocar e modificar seus
corpos, com as cirurgias estéticas, estão investindo-os libidinalmente. Concluimos,
assim, que nenhuma ação sobre o corpo é vazia e sem sentindo, mas, ao contrário,
permite com que os sujeitos tenham novas possibilidades de se experienciarem e de
se construirem imaginariamente.
Com o presente trabalho, percebemos a complexidade das experiências
corporais, na medida em que as interligamos com a subjetividade, ultrapassando as
forças que visam a massificar e padronizar tais experiências. Observamos o modo
como as mulheres entrevistadas se relacionavam com seus corpos, bem como
procuramos escutar os seus significados a respeito das vivências corporais. Este
processo é denso e, por isto, ressaltamos a importância de desenvolver uma visão
que contemple a complexidade do assunto, que são inúmeras as possibilidades
de sua análise.
135
Consideramos que esta pesquisa pode contribuir com a área da saúde
nas suas interfaces com a Psicanálise principalmente possibilitando estudos e
intervenções interdisciplinares nos quais os profissionais da área médica quanto os
do campo da psicologia compreendam as diversidades e as demandas do corpo que
clamam por uma escuta em termos psicanalíticos menos reducionista e menos
adaptadora a padrões higiênicos, normatizadores de modos hegemônicos de
constituição subjetiva .
Diante da riqueza dos dados coletados nas entrevistas e das
possibilidades de análises que podem, futuramente, ser empreendidas, enfatizamos
o intento de prosseguir nos estudos sobre a experiência corporal da mulher na
atualidade. Outras questões nos provocam, tais como: pesquisar sobre os modos de
subjetivação do corpo da mulher ao longo da história social até o momento presente,
estabelecendo uma interface da Psicanálise com a História; estudar as fronteiras do
corpo feminino reconstituído com a Medicina, analisando suas especificidades e
repercussões subjetivas, bem como pesquisar sobre a interface da psicanálise com
as áreas da publicidade, no que tange aos cuidados do corpo feminino, elegendo
também outras práticas biomédicas, como por exemplo o botox e os vários
procedimentos dermatológicos com fins estéticos.
Destacamos que esta pesquisa muito nos interessou, modificando e
enriquecendo nossa visão sobre o corpo e, portanto, evidenciamos que tal tema nos
instiga a continuar os estudos sobre o assunto, interligando sempre o corpo às suas
vivências subjetivas, já que é no campo da Psicanálise que nos situamos.
Esperamos que este trabalho contribua para a complexidade das visões
sobre as experiências corporais da mulher na atualidade, estimulando e
enriquecendo o debate acadêmico sobre a temática.
136
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ANEXOS
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Na qulidade de mestranda em Psicologia na Universidade de Fortaleza e
sob a orientação da Profa. Dra. Leônia Cavalcante Teixeira, eu, Karine Magalhães
Fernandes Vieira, desenvolvo uma pesquisa sobre “O corpo da mulher em correção:
subjetividade e cirurgia estética”. Esta tem como objetivo geral investigar as
motivações que definem as experiências corporais das mulheres que fazem uso da
cirurgia estética e suas implicações subjetivas.
A pesquisa consta de entrevistas individuais sobre dados referentes às
experiências corporais das participantes. Vale ressaltar que estas informações
somente serão utilizadas para os objetivos da atual pesquisa e ficarão em sigilo,
sendo preservado o seu anonimato. As participantes têm a liberdade de desistir a
qualquer momento de colaborar com a pesquisa, não tendo nenhum prejuízo para a
sua pessoa.
Em caso de desejar maiores esclarecimentos, favor entrar em contato
com a pesquisadora responsável no endereço: Rua Balbino, 385, apto. 204 Bairro
Parque Silvana II, Cep. 62.040.200, Sobral-Ceará. Telefone: 0**88 9961.6694.
Depois de esclarecidos os pontos principais da pesquisa e cientes de que
a sua participação é de grande importância para a realização deste trabalho, vimos
solicitar sua colaboração assinando o seguinte termo:
__/ ___ de_____.
Eu, ______________________________________,__________ anos,
portadora de RG/CPF________________________________
residente____________________________________________________________
___e com o telefone_______________________, abaixo assinada (ou responsável
legal), dou meu consentimento livre e esclarecido para participar como voluntária
deste projeto de pesquisa, sob a responsabilidade da pesquisadora Karine
Magalhães Fernandes Vieira, estudante do curso de mestrado em Psicologia na
Universidade de Fortaleza UNIFOR. Afirmo estar ciente de que esta pesquisa
investiga dados da história de vida de mulheres que se submeteram à cirurgia
plástica estética, através de entrevistas e que será guardado o anonimato e
considerado o caráter ético em todos os passos da pesquisa.
_______________________________________
ASS. VOLUNTARIA
________________________________________
ASS. PESQUISADORA
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