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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
TALITA DANIEL SALVARO
DE GERAÇÃO EM GERAÇÃO E O LÁPIS NA MÃO: O PROCESSO DE
REVITALIZAÇÃO DA LÍNGUA KAINGÁNG NA EDUCAÇÃO ESCOLAR
INDÍGENA/ TERRA INDÍGENA XAPECÓ SC
Florianópolis
2009
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ii
TALITA DANIEL SALVARO
DE GERAÇÃO EM GERAÇÃO E O LÁPIS NA MÃO: O PROCESSO DE
REVITALIZAÇÃO DA LÍNGUA KAINGÁNG NA EDUCAÇÃO ESCOLAR
INDÍGENA/ TERRA INDÍGENA XAPECÓ SC
Dissertação apresentada como requisito à obtenção do
grau de Mestre em História Cultural, Curso de Pós-
Graduação em História, Centro de Filosofia e Ciências
Humanas, Universidade Federal de Santa Catarina.
Orientadora: Prof.
a
Dr.
a
Ana Lúcia Vulfe Nötzold
Florianópolis
2009
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iii
AGRADECIMENTOS
Esta pesquisa não se fez sozinha, ela faz parte de vários momentos que acompanharam
esses dois anos de mestrado. Agradecer é um gesto de gratidão por todos aqueles que fizeram
parte dessa etapa e que como outros momentos permanecerão na memória, para serem
lembrados com carinho. Agradecer é dizer sinceramente muito obrigada por tudo.
Obrigada Deus por estar sempre ao meu lado e possibilitar essa caminhada com
sinceridade, amor e paz.
Aos meus pais Alédio e Edinalva, por terem me ensinado os verdadeiros valores de
um ser humano. Por todo carinho, apoio, preocupação e dedicação a mim todo esse tempo,
meu amor por essas duas pessoas é eterno. Ao meu irmão Alencar e minha cunhada Dânia,
pessoas queridas e companheiras.
À pessoa amiga, confidente, séria, engraçada, dedicada que é a Prof.
a
e orientadora
Ana Lúcia. Obrigada por confiar em mim e sempre me animar com palavras, almoços, risos e
também muito trabalho, nosso dia a dia na casa LABHIN e o envolvimento com as pesquisas
se deram devido a alguém que realmente tem um coração indígena.
Agradeço a todos da Terra Indígena Xapecó/SC, que nos acolheram como uma família
nas saídas a campo, colaborando com as entrevistas e documentos para esse estudo. Aos
professores: Carlos Jacinto, Dalgir Pacífico, Getúlio Narsizo, Jovelino de Oliveira Belém,
Leacy Lopes, Loreni Nokrig Paulo, Luciano Fernandes, Maria Virgínia Mendes, Pedro Kresó,
Sirley Alves de Assis, Sonimara, Valdecir de Paula. As pessoas sábias dessa comunidade:
Avelino Alípio Fongre, Cezário Pacífico, Divaldina Luiz Pinheiro (D. Diva), João Maria
Benedito (Major), Matilde Koito. A diretora Anísia Belino, Diretora Adjunta Cristina,
assistente Lírio. As merendeiras e serventes Doralina, Judite, Lorildes, Salete, e o vigia
Laudacir. A estas pessoas e toda a comunidade da TI Xapecó minha eterna gratidão, carinho e
saudade.
À lingüista Ruth Maria Fonini Monserrat e a assessora do Diretor de Educação Básica
da SED/SC Jane Motta por contribuir com seus conhecimentos sobre a questão indígena.
iv
À toda a equipe LABHIN por acompanhar o desenvolver desse estudo e fazer parte de
todos os momentos de socorro, Clóvis, Jeniffer, Gabriel, Gabriela, Lucas Alves, Lucas Bond,
Ninarosa, Sandor. Aos agregados Elton e Pablo. A Helena integrante do laboratório, colega de
mestrado, amiga que pude conhecer de perto, pessoa de coração bom em que se pode confiar,
Helena mulher de verdade. Jackson, pessoa admirável por todas suas conquistas e por seu
dom mais que especial de ensinar.
Aos professores José Ribamar Bessa Freire, Maria Izabel de Bortoli Hentz, Marcos
Fábio Freire Montysuma pela contribuição na dissertação, enriquecendo este estudo.
Ao grupo de oração da UFSC, em especial ao Daniel, Rafael, Daiane, Larissa, Gisa.
À Daiani, Caroline e Meiry por compartilhar o apartamento 202 e todas as peripécias
da vida de estudante.
A todos os amigos de Florianópolis e Meleiro, perto e longe, mas sempre presentes:
Aline, André, Bruna, Eduardo, Francieli, Gabriel, Hélder, Iracema, Jean, Juliane, Liziani,
Luiz Augusto, Paula, Rafael, Rejane, Sabrina, Samira, Sandra.
A todos os professores do Programa de Pós-Graduação em História/UFSC. Todos os
funcionários, Nazaré e Maurício. À Irma e Toninho do Departamento de História.
Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), pela
bolsa que possibilitou as participações em congressos, pesquisa de campo e o resultado final
dessa dissertação.
v
RESUMO
Essa pesquisa tem como propósito perceber a língua Kaingáng em dois momentos
distintos que marcaram a história dos Kaingáng da Terra Indígena Xapecó, localizada no
oeste catarinense. Durante o período de atuação do Serviço de Proteção ao Índio/SPI, marcado
pela integração do indígena à sociedade nacional, a ngua Kaingáng foi proibida e iniciou-se
o ensino da língua portuguesa. Nesse período, a identidade indígena foi negada, pois a política
da época era a de progresso e da buscas de uma identidade única para o país. Sendo assim, a
educação destinada aos Kaingáng era como a das escolas rurais brasileiras. A partir da
promulgação da Constituição Federativa do Brasil de 1988, a educação abandona seu viés
integracionista e contempla uma educação diferenciada, bilíngue, comunitária, intercultural e
específica. Neste momento, o ensino da língua Kaingáng é retomado nas escolas como um
fator de identidade étnica do grupo. Nosso recorte temporal abrange a data de 1941, quando
foi criado o Posto Indígena Xapecó, e se estende até os dias atuais. Urdindo os relatos obtidos
nas entrevistas realizadas por meio da Metodologia de História Oral, documentos do SPI e
FUNAI, Atas de Pais e Professores da Escola Indígena de Educação Básica Cacique Vanhkrê,
materiais didáticos elaborados pelos professores de língua Kaingáng e observações durante as
saídas de campo, pretende-se mostrar como a língua Kaingáng é ensinada na escola, as
dificuldades encontradas no seu ensino e aprendizagem e sua função como fator de identidade
para essa comunidade.
Palavras-chave: Kaingáng, língua materna, identidade, escola, História Oral, etnohistória,
educação.
vi
RÉSUMÉ
Cette recherche a pour intention de faire connaître la langue “Kaingáng” à deux moments
distincts qui ont marqué l’histoire des Kaingángs de la Terre Indigène Xapecó, localisée dans
l’ouest catarinense (état de Santa Catarina). Durant la période d’action du Service de
Protection de l’Indien(SPI), marquée par l’intégration de l’indigène dans la société nationale,
la langue Kaingáng fût interdite et débuta alors l’enseignement de la langue portugaise.
Durant cette période, l’identité indigène fût déniée car la politique menée à l’époque était
celle du progrès et à la recherche d’une seule et unique identité pour le pays. Cependant,
l’éducation destinée aux Kaingángs était identique à celle des écoles rurales brésiliennes. A
partir de la promulgation de la Constitution Fédérative du Brésil de 1988, l’éducation
abandonne son côté intégrationniste et se tourne vers une éducation différenciée, bilingue,
communautaire, interculturelle et spécifique. Actuellement, l’enseignement de la langue
Kaingáng est reprise dans les écoles comme un facteur de l’identité ethnique. Notre
découpage dans le temps englobe l’année 1941, date à laquelle fût crée le Poste Indigène
Xapecó, qui d’ailleurs existe toujours. En montant les récits obtenus lors des entretiens
réalisés à l’aide de la Méthodologie de l’Histoire Orale, des documents du SPI et de la
FUNAI, des témoignages de pères de familles et de professeurs de l’Ecole Indigène
d’Education Elémentaire Cacique Vanhkrê, de matériaux et de méthodes pédagogiques
élaborés par des professeurs connaissant la langue Kaingáng et d’observations faîtes durant
les excursions sur le terrain. Ainsi, on prétend montrer de quelle manière la langue Kaingáng
est enseignée dans les écoles, des difficultés rencontrées lors de son enseignement et de son
apprentissage et de sa fonction majeure comme facteur d’identité pour cette communauté.
Mots clés: Kaingáng, langue maternelle, identité, école, Histoire Orale, ethnologie, éducation.
vii
LISTA DE COLABORADORES
Avelino Alípio Fongre (1933-). Kaingáng, morador da TI Xapecó na aldeia/sede Jacu, filho
de Augusto Alípio e Rosalina Fernandes, trabalhou como motorista da saúde e auxiliar de
ensino no período do SPI.
Cezário Pacífico Jagaglê (1948-). Kaingáng, morador da TI Xape na aldeia/sede Jacu,
auxilia no registro de nascimento dos nomes Kaingáng junto ao Posto Indígena da FUNAI na
TI Xapecó há 32 anos.
Dalgir Pacífico Ránkán (1977-). Kaingáng, nascido, criado e morador da TI Xapecó na
aldeia/sede Jacu, professor de língua Kaingáng na Escola Indígena de Educação Básica
Cacique Vanhkrê. Cursa a faculdade de Pedagogia pela UNIASSELVI. Filho do senhor
Cezário Pacífico Jagaglê.
Divaldina Luiz Jacinto (1945-). Kaingáng, conhecida como D. Diva, moradora da TI
Xapecó na aldeia Pinhalzinho, curandeira, diagnostica a utilização e aplicação das ervas
medicinais.
Getúlio Narsizo (1979-). Kaingáng, nascido, criado e morador da TI Xapecó na aldeia/sede
Jacu. É professor Kaingáng na Escola Indígena de Educação Básica Cacique Vanhkrê. Cursou
Magistério Bilíngue em São José do Cerrito; Faculdade de História, porém, não a concluiu e
cursa atualmente Pedagogia pela UNIASSELVI. Primeiro indígena concursado como
Secretário de Escola.
Jane Motta (1958-). Não indígena, pedagoga com mestrado na área de Educação.
Coordenadora do Núcleo de Educação Indígena/NEI de 2003-2007, atualmente é assessora do
viii
Diretor de Educação Básica da Secretaria do Estado da Educação de Santa Catarina -
SED/SC.
João Maria Benedito (1903-). Kaingáng, conhecido como seu Major, é uma das pessoas
mais velhas da TI Xapecó. Nasceu no Canhadão, próximo à aldeia Pinhalzinho, reside na TI
Xapecó na aldeia Paiol de Barro.
Leacy Lopes Nofer (1965-). Kaingáng, nascido em Nonoai/RS, reside na TI Xapecó na
aldeia/sede Jacu. Cursou o Magistério Bilíngue em São José do Cerrito e Pedagogia Gestora
na Universidade de Palmas UNICS (PR). Professor de Língua Kaingáng na Escola Indígena
de Educação Básica Cacique Vanhkrê.
Loreni Nokrig Paulo (1960-). Kaingáng, monitor bilíngue formado pelo Centro de
Treinamento Profissional Clara Camarão, fazendo parte da terceira turma que começou em
1977. Professor de língua Kaingáng na Escola Indígena de Educação Básica Cacique
Vanhkrê.
Luciano Rengrê Fernandes (1966-). Kaingáng, nascido na TI Xapecó. Possui o 2
o
grau
completo e o Magistério Bilíngue em São José do Cerrito. Professor de Língua Kaingáng na
Escola Indígena de Educação Básica Cacique Vanhkrê.
Maria Virgínia Mendes Kaingáng. Monitora Bilíngue formada pelo Centro de Treinamento
Profissional Clara Camarão e professora de séries iniciais e língua Kaingáng na Escola
Indígena de Ensino Fundamental Pinhalzinho.
Sebastião Mendes (1941). Kaingáng, morador da TI Xapecó na aldeia/Sede Jacu.
ix
Pedro Alves de Assis Kresó (1966-). Kaingáng, nascido e morador da TI Xapecó, formado
em Técnico Agrícola, monitor bilíngue formado pelo Centro de Treinamento Profissional
Clara Camarão e Pedagogia. Professor de Língua Kaingáng e séries iniciais.
Ruth Maria Fonini Monserrat (1939-). o indígena, professora de linguística e
pesquisadora de línguas indígenas aposentada da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Pesquisadora associada do Laboratório de Línguas Indígenas da UNB, Universidade de
Brasília, coordenado pelo professor Aryon Rodrigues.
Sirlei Alves de Assis (1978-). Kaingáng, nascida e moradora da TI Xapecó, tem 2
o
grau
completo e Faculdade de Letras, professora de língua Kaingáng na Escola Indígena de
Educação Básica Cacique Vanhkrê. Irmã do Professor Pedro Kresó.
Valdecir de Paula (1971-) Kaingáng, nascido no Rio Grande do Sul, na Terra Indígena
Votouro. Professor desde 1997 na Escola Indígena de Ensino Fundamental Paiol de Barro,
atualmente diretor dessa escola.
x
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1 MAPA DO TERRITÓRIO TRADICIONAL KAINGÁNG COM
LOCALIZAÇÃO DA TI XAPECÓ....................................................................24
FIGURA 2 VISTA DA ALDEIA SEDE DA TI XAPECÓ...................................................31
FIGURA 3 MAPA COM LOCALIZAÇÃO DAS TERRAS INDÍGENAS
KAINGÁNG.......................................................................................................32
FIGURA 4 TRONCO LINGUÍSTICO MACRO JÊ.............................................................54
FIGURA 5 PROFESSORA MARIA VIRGÍNIA MENDES................................................65
FIGURA 6 PROFESSOR LUCIANO FERNANDES...........................................................66
FIGURA 7 SENHOR CEZÁRIO PACÍFICO.......................................................................68
FIGURA 8 FREQUÊNCIA ESCOLAR DA PROFESSORA MARIA GUISSO
VELHO................................................................................................................71
FIGURA 9 PROFESSOR LORENI NOKRIG PAULO........................................................75
FIGURA 10 ESQUEMA QUE REPRESENTA A PARTE ENTRE EDUCAÇÃO
BILÍNGUE E NACIONAL.................................................................................77
FIGURA 11 ESCOLA DO BANHADO GRANDE..............................................................95
FIGURA 12 SENHOR JOÃO MARIA BENEDITO (MAJOR)...........................................97
FIGURA 13 DIVALDINA LUIZ PINHEIRO (D. DIVA)....................................................98
FIGURA 14 SENHOR AVELINO ALÍPIO FONGRE.........................................................98
FIGURA 15 EIEB CACIQUE VANHKRÊ.........................................................................104
FIGURA 16 GINÁSIO DE ESPORTES DA EIEB CACIQUE VANHKRÊ.....................105
FIGURA 17 CENTRO CULTURAL DA EIEB CACIQUE VANHKRÊ..........................105
FIGURA 18 PROFESSOR DO PRÉ ESCOLAR E ALUNOS....................................112-113
FIGURA 19 ATIVIDADES DO PLANO DE AULA DO PROFESSOR PEDRO KRESÓ.
VOGAIS E ALFABETO.................................................................................114
xi
FIGURA 20 ATIVIDADES PRODUZIDAS PELO PROFESSOR LUCIANO
FERNANDES.................................................................................................117
FIGURA 21 ATIVIDADES PRODUZIDAS PELO PROFESSOR
PEDRO KRESÓ .............................................................................................118
FIGURA 22 PROFESSOR LORENI, LEACY, DALGIR E JONATAS NA RÁDIO
KAIRU FM......................................................................................................120
xii
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.......................................................................................................................13
1 CULTURA, IDENTIDADE E MEMÓRIA NO ESTUDO DA HISTÓRIA
INDÍGENA
1.1 . Os Kaingáng da Terra Indígena Xapecó ..........................................................................23
1.2 . A memória compondo a história: Tempo Presente e a Metodologia de
História Oral......................................................................................................................35
1.3 . Cultura, etnicidade, identidade: o pertencer a um grupo étnico .......................................42
1.4 . Línguas indígenas, Língua Kaingáng ...............................................................................52
2 A INSTITUIÇÃO ESCOLAR E A LÍNGUA KAINGÁNG
2.1 . SPI e a integração nacional: educação como meio de nacionalização..............................56
2.2. FUNAI: formação de monitores bilíngues no CTP Clara Camarão e o Bilinguismo
de substituição....................................................................................................................69
2.3. Educação escolar indígena em Santa Catarina ..................................................................78
3 CONSTITUIÇÃO DE 1988: A LÍNGUA KAINGÁNG NA EDUCAÇÃO
ESCOLAR INDÍGENA
3.1 . A legislação brasileira e a educação escolar indígena......................................................83
3.2 . Palco de mudanças: a escola sede da Terra Indígena Xapecó..........................................94
3.3 . Alfabetização escolar: a oralidade e a escrita.................................................................107
3.4 . O ensino-aprendizagem da língua materna como fator de identidade ..........................110
CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................................122
FONTES E BIBLIOGRAFIA..............................................................................................125
ANEXOS................................................................................................................................135
INTRODUÇÃO
Nossa proposta de pesquisa decorreu da percepção da necessidade de entender os
efeitos da proibição do uso da língua Kaingáng e da introdução da língua portuguesa no
ensino escolar durante o período de atuação do Serviço de Proteção ao Índio e Localização de
Trabalhadores Nacionais - SPI/LTN
1
, momento marcado pela integração do indígena à
sociedade nacional. Visa também a analisar em que contexto surgiu a queso linguística, a
partir de 1970, e como o ensino da língua Kaingáng passou a ser ministrado após a
promulgão da Constituição Federal (CF) do Brasil, de 1988, uma vez que, em seu conteúdo,
contempla aspectos da cultura indígena no ensino escolar
2
dessas comunidades, inclusive sua
própria ngua materna. Busca-se mostrar ao longo da história, a língua Kaingáng como um
fator de identidade étnica, que vem sendo revitalizada por meio da educação escolar indígena.
Esta pesquisa foi desenvolvida com a etnia Kaingáng, da Terra Indígena (TI) Xapecó,
tendo como foco principal a EIEB Cacique Vanhkrê, situada na aldeia Jacu, Sede do Posto.
Foi nessa comunidade, localizada no Oeste do Estado de Santa Catarina, que realizamos parte
de nosso estudo, cuja fase essencial deu-se graças à colaboração dos seus membros. Sem a
confiança e o auxílio que nos depositaram, concedendo-nos entrevistas de História Oral e
tamm pela disponibilização da documentação existente na escola, esse trabalho não
atingiria seu objetivo principal, qual seja, o de analisar a função da língua Kaingáng na
educação escolar indígena em dois momentos: i) nos períodos de atuão do SPI (1941-1967
3
)
e da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) (1967-); e ii) após a promulgação da CF do Brasil,
de 1988.
O corpo documental do presente trabalho são as atas de reuniões de pais e professores
da EIEB Cacique Vanhkrê
4
(1988-2006); materiais diticos produzidos pelos professores de
língua Kaingáng; documentos referentes ao período de atuação do SPI e da FUNAI
localizados na Regional da FUNAI de Paranaguá-PR; entrevistas realizadas com os
1
Criado em 1910, o órgão de protão chamava-se Serviço de Protão ao Índio e Localização dos
Trabalhadores Nacionais SPI/LTN, entretanto em 1914, não atendendo mais os trabalhadores nacionais, passou
a utilizar a sigla SPI, o órgão foi extinto em 1967, sendo substituído pela FUNAI.
2
Nosso propósito não é trabalhar com a forma de ensino ministrada pelos missionários com objetivo
religioso, pois concentramos a pesquisa na instituição escolar concebida pela população não indígena e inserida
na TI Xape na década de 1940.
3
Assinalamos o ano de 1941, pois fora a data que o Posto Indígena do SPI instalou -se na TI Xape.
4
Essa é a atual nominão da escola da sede, porém existiram outras instituições em locais diferentes da
área com outras denominações, que aparecem ao longo da dissertação. As atas de reuniões de pais e professores
neste trabalho referem-se a escola atual pois permanecem arquivadas nesta.
14
professores de língua Kaingáng; professor de História e assistente de educação; idosos da
comunidade; e alunos da escola. Também colaboraram, concedendo-nos entrevista, a linguista
Ruth Maria Fonini Monserrat, que integra o Laboratório de Línguas Indígenas da
Universidade de Brasília, e a senhora Jane Motta, que foi coordenadora do Núcleo de
Educação Indígena (NEI) de Santa Catarina de 2003 a 2007, e atualmente é assessora do
Diretor de Educação Básica da Secretaria do Estado da Educação de Santa Catarina
(SED/SC).
Tamm utilizamos a iconografia como uma fonte que auxilia na compreeno do
tema de pesquisa. Nas fotografias muitas vezes está um olhar, um gesto, um objeto que
contém também a história de um povo. Peter Burke em seu livro testemunha ocular: história
e imagem‟ traz várias evincias de pinturas e imagens fotogficas que contém muito da
história, ele ressalta que as imagens assim como textos e testemunhos orais, constituem-se
numa forma importante de evidência histórica, elas registram atos de testemunha ocular
5
. As
fotografias aqui dispostas não são meras ilustrações e sim fizeram nos compreender muito da
comunidade e do sentimento Kaingáng, principalmente por serem em sua maioria
fotografadas pela autora, que presente pode perceber o contexto do momento.
Além da TI Xapecó, a Regional da FUNAI, localizada em Paranaguá-PR, foi tamm
um local de pesquisa, onde se encontra parte da documentação deste órgão e os arquivos do
SPI referentes a várias aldeias do Estado de Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Paraná e
outros estados brasileiros. O arquivo não es catalogado, o que dificultou o trabalho de
pesquisa, mas nele localizamos ricos documentos que contribuíram para este estudo,
resultando em um melhor entendimento sobre o assunto, levando-nos a outras indagações e
fontes.
Essa pesquisa encontrou respaldo na história social da linguagem, uma área nova
como pesquisa histórica, porém vem ganhando grandes dimensões por ser interdisciplinar,
abarcando áreas como a Sociologia, História e a Linguística. Segundo Bessa Freire
6
a
abordagem da questão histórica da língua começou a ganhar consistência a partir dos anos
1960-70, com o desenvolvimento da sociolinguística, que permitiu analisar a ngua como uma
5
BURKE, Peter. Testemunha ocular: história e imagem. Bauru/São Paulo: EDUSC, 2004, p.17.
6
FREIRE, José Ribamar Bessa. Da Língua Geral ao Português: para uma história social dos usos das
línguas na Amazônia. Tese de Doutorado (versão preliminar). Universidade do Estado do Rio de
Janeiro/Instituto de Letras, UERJ, 2003, p. 41.
15
instituição social, fazendo parte constitutiva da cultura, assim como das práticas sociais
cotidianas.
Anteriormente, a ngua era analisada apenas na sua estrutura linguística, constitda por
fonemas, gramática, léxicos, sem enten-la em suas funções sociais. O entendimento da ngua
como parte essencial da sociedade e suas funções sociais como tamm suas transformações,
contato com uma ou mais línguas, seu desaparecimento, crescimento e outros tantos elementos
constituem um área de pesquisa histórica denominada pelo historiador Peter Burke como história
social da linguagem ou história social do falar. Momento em que a língua é percebida tanto pelos
seus grupos como uma forma de poder, como pelos historiadores por ser um elemento
importante de pesquisa que pode contar muito sobre determinado processo histórico e identitário
de um grupo. Segundo Peter Burke
7
diversos historiadores passaram a reconhecer a
necessidade do estudo da linguagem, especialmente por dois motivos: primeiro por
reconhecerem a linguagem sendo vista como uma instituição social, como uma parte da
cultura e da vida cotidiana. Em segundo por ser esse estudo um meio para a melhor
compreensão das fontes orais e escritas pela via da consciência de suas convenções
linguísticas.
A linguagem carrega em si os emaranhados da história de seu povo, por meio dela
pode-se perceber que é possível a análise dos grupos sociais, do seu processo histórico, das
mudanças, da oralidade e da escrita, dentro outros que se constituem de acordo com o foco de
cada estudo. Nesta dissertação a língua Kaingáng nos possibilita identificar a trajetória da
comunidade Kaingáng em momentos diferentes e que abarcaram funções diferentes. É
possível percebermos a ngua utilizada pelo SPI para seu objetivo, qual seja de integração
nacional e identificar a revitalização da ngua como uma reivindicação para que ela não seja
extinta e que possa ser ensinada na escola como um fator cultural e de identidade do povo.
A etnohistória é uma abordagem essencial nesse estudo, “urdindo as evincias
produzidas por meio da história oral, documental, mitológica e linguística, procura
compreender a complexa dinâmica das sociedades indígenas no presente
8
. Segundo Bessa
Freire
9
a etnohistória estabelece tecnicamente a diferença entre as sociedades essencialmente
7
BURKE, Peter. A Arte da conversação. Trad. Álvaro Luiz Hattnher. São Paulo: Editora da
Universidade Paulista, 1995, p. 9.
8
NÖTZOLD, Ana Lúcia Vulfe (org.). O ciclo de vida Kaingáng. Florianópolis: Imprensa Universiria
da UFSC, 2004, p. 2.
9
FREIRE, José Ribamar Bessa. Tradão oral e meria indígena: a canoa do tempo. In: Salomão,
Jayme (dir): A mérica: Descoberta ou Invenção. 4º Colóquio UERJ. Rio de Janeiro, Imago, 1992, p.140.
16
orais e as sociedades onde predomina a escrita, para poder estudar melhor: as formas distintas
de armazenamento, transmissão e produção do saber, exigem procedimentos particulares de
abordagem. Nossa pesquisa trabalha com um grupo em que a cultura e todos os processos
educativos eram mantidos pela tradição oral, ou seja, é um povo de oralidade, porém
atualmente a escrita tamm compõe a história Kaingáng. Percebemos pela metodologia de
História oral que mesmo com a escrita, o modo de pensar por meio da oralidade se faz
presente, ou seja, o modo de lembrar, pensar e agir é o de uma comunidade de tradição oral.
Respeitam nas suas lembranças o cronograma de suas memórias; os mitos e ensinamentos são
mantidos pelo falar e a credibilidade, diferente da nossa sociedade onde prevalece a escrita, se
dá pela palavra.
A metodologia de história oral cumpre sua função de registro dessa memória mantida
pela oralidade, porém não se constitui pela fala oral, pois desde o momento em que é gravada,
transcrita ela ganha outras dimensões que não são próprias da oralidade. Como ressalta Peter
Burke
10
, a língua escrita é um outro exemplo óbvio de registro, pois de maneira geral trata-se
muito mais de uma tradução do que uma transcrição da língua falada. A escrita é uma
variedade distinta da língua, com suas próprias regras, variando com o tempo, o lugar,
escritor, potencial leitor, tópico.
Este estudo compreende a educação escolar indígena, centrando a queso no ensino
da língua materna como uma disciplina da grade curricular escolar. A educação escolar
indígena abrange todos os níveis educacionais desde a educação infantil a o ensino médio e
é uma modalidade de ensino que vem recebendo um tratamento especial por parte do
Ministério da Educação (MEC), alicerçada em um novo paradigma educacional de respeito à
interculturalidade, ao multilinguismo e à etnicidade
11
. É uma educação diferenciada e
específica, que contempla os conhecimentos universais, como matemática, história, língua
portuguesa, e aspectos da cultura de cada etnia que o garantidos em lei, como o ensino da
língua materna.
A opção por trabalhar com a temática indígena se deu durante o curso de graduação
em História, cursado na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), onde tive
oportunidade de participar como bolsista no Laboratório de História Indígena (LABHIN)
12
.
10
BURKE, P. A arte da conversação. Op. Cit., p. 33.
11
Disponível em: http://portal.mec.gov.br/secad/index.phoption=content&task=view&id=37&it
emid=164, acesso em 12 de novembro de 2007.
12
O Laboratório de História Indígena localiza-se no prédio do Departamento de História da
Universidade Federal de Santa Catarina. Informações www.labhin.ufsc.br.
17
Em nosso Trabalho de Conclusão de Curso (TCC)
13
discutimos a questão linguística na
educação escolar indígena, porém, na ocasião, centramos o estudo na legislação educacional e
no que ela continha sobre a língua materna e seu ensino. Como não foi possível responder
algumas questões pertinentes ao assunto, devido ao curto tempo de elaboração do TCC,
buscamos na presente pesquisa responder novos questionamentos no que se refere ao
conhecimento sobre o processo da ngua materna para os Kaingáng da TI Xapecó. A questão
linguística tornou-se foco desse estudo, pois percebemos que, mesmo com a diminuição do
número de falantes na TI Xapecó devido ao processo de nacionalização e integração durante o
período do SPI, a língua estava presente com grande imporncia nas atas das reuniões de pais
e professores da escola como um fator cultural e de identidade, e, por isso, deveria ser
revitalizada e ensinada. O esforço desse processo foi visível e mostra os mecanismos adotados
por lideranças políticas e educacionais nessa caminhada, além do empenho dos professores de
língua Kaingáng em ministrar suas aulas apesar das dificuldades encontradas na aquisição e
elaboração de material ditico específico para seu ensino.
Algumas questões podem parecer estranhas ao leitor, principalmente no que se refere à
importância que a língua materna de uma comunidade tem, mesmo não sendo falada
fluentemente pela maioria das pessoas. Os conceitos de identidade e cultura que permeiam
este trabalho, no entanto, indicam que o sentimento de identidade não está apenas no falar a
língua, nem em confeccionar artesanato ou em outros tantos elementos, mas sim no
sentimento de pertencer-se, reconhecer-se como indígena por si próprio e pelo seu grupo. A
princípio, consideramos a ngua de uma comunidade um fator cultural, mas, am disso, ela é
um fator de identidade, que manm a coesão do grupo e o sentimento de pertencimento, pois
a língua materna de uma comunidade é um dos componentes mais importantes de sua
cultura, constituindo o código com que se organiza e mantém integrado todo o conhecimento
acumulado ao longo das gerações
14
.
Anterior à instalação das escolas nas áreas indígenas, o ensinamento da tradição
Kaingáng baseava-se na oralidade, sendo repassadas de geração em geração a cultura e a
tradição do povo, como a ngua materna, o aprendizado do artesanato, os mitos, as lendas, os
rituais, o conhecimento das ervas medicinais, dentre outros, que eram aprendidos na prática,
13
Trabalho de Conclusão de Curso intitulado A importância da ngua Kaingáng na educação escolar
indígena: proibição e retomada”, defendido em fevereiro de 2007 na Universidade Federal de Santa Catarina, sob
orientão da Prof.
a
Dr.
a
Ana Lúcia Vulfe Nötzold.
14
Educação Indígena I Reunião do Consed. Recife-Pernambuco, Ministério da Educão e do
Desporto, 1997, p. 6.
18
através da observação e da comunicação oral. Durante o período do SPI
15
, a instituição
escolar foi introduzida na área indígena. Esse modelo de escola objetivava a que os indígenas
aprendessem a falar e a escrever a ngua portuguesa. Assim, a oralidade dividiu espaço com a
escrita, provocando o decréscimo do ensino pela tradição oral. Hoje, muitas crianças não
falam a língua materna, pois são filhos e netos de pessoas que viveram nesse período e
tiveram que aprender a ngua portuguesa.
Temos a escola como cenário principal deste trabalho, haja vista ser essa instituição
um marco na vida das sociedades indígenas. Ela foi palco de mudanças que transformaram a
cultura Kaingáng, como a inserção da ngua portuguesa e da escrita. A instituição escolar, tal
qual a concebemos, começou a difundir-se nas Terras Indígenas após a criação do SPI, e para
os Kaingáng da TI Xapecó deu-se no ano de 1941, quando foi fundado o Posto Indígena (PI)
Chapecó. Entretanto temos notícias de uma escola particular para indígenas que era mantida
pelo juiz de Direito Antonio Selistre de Campos.
De início, o objetivo da escola era levar a civilização e o ensinamento às populações
nativas, visando a integrá-las à sociedade nacional. Hoje, porém, ela assume papel inverso,
pois a maioria das etnias indígenas reivindica-as, para servir como espaço de fortalecimento e
valorização da história do seu povo e da identidade étnica. A escola, então, mantém uma forte
relação com a comunidade, sendo que os mais velhos fazem parte da sua história, pois são
considerados como detentores de sabedoria e da história do povo. A instituição escolar é um
lugar de difusão, reelaboração e elaboração do conhecimento. É tamm fonte de renda, pois
emprega professores, funcionários, merendeiras, vigias e auxilia na alimentão das crianças,
já que a merenda escolar é fundamental para a maioria dos estudantes.
É a partir da escola e do currículo intercultural, que contemplou a língua materna
como parte do ensino diferenciado, que buscamos entender esse fator cultural e linguístico
como um processo sócio cultural de identificação do grupo. Levamos em consideração a
grande diminuição dos falantes da língua materna e o fato de que os mantenedores desse
conhecimento são os mais velhos, os quais, na sua maioria falam o idioma, e os professores
de ngua Kaingáng, que falam e escrevem.
As línguas indígenas fazem parte da cultura imaterial de cada grupo e, no Brasil,
tamm passaram por um grande processo de extinção e redução no seu número e no de seus
15
Utilizamos neste trabalho apenas a sigla SPI, pois nosso recorte temporal abrange o peodo em que o
órgão atendia apenas às questões indígenas.
19
falantes. No século XVI, eram em torno de 1.200, mas, devido ao contato com os não-
indígenas e com a interação entre culturas diferentes, esse número diminuiu. Hoje, há em
média 180 nguas indígenas que compreendem uma população indígena aproximada no censo
de 2000 em 734 mil pessoas (0,4% dos brasileiros) que se auto-identificaram como
indígenas
16
.
Algumas etnias encontram dificuldade na revitalização de sua língua pois, muitas
vezes, o número de falantes é nimo e são pessoas idosas que dem o conhecimento oral.
Vem à cena neste momento o trabalho do linguista, que, através de pesquisas, passa a
documentar e registrar uma ngua. Este processo de trabalho muitas vezes desperta na
comunidade o interesse de aprender e ensinar a língua materna na escola para que ela se
mantenha e seja valorizada.
Sobre o conceito de identidade, foco principal deste trabalho, partimos da premissa de
que a identidade é algo constrdo ao longo da vida do indiduo e que este não possui apenas
uma, mas sim várias identidades, que o utilizadas no momento que lhe é oportuno. Am
disso, percebe-se que há identidades impostas e reivindicadas. Durante o período de atuação
do SPI, uma identidade foi imposta para os Kaingáng com o objetivo de integrá-los à
sociedade nacional por meio da transição gradativa da sua cultura para a cultura dita
civilizada. Objetivamos também neste trabalho compreender de que forma, por meio do
ensino da língua materna, a identidade indígena é afirmada e como ela fortalece o grupo.
A presente dissertão está dividida em três capítulos: no primeiro, intitulado Cultura,
me mória e identidade no estudo da Hisria indígena, buscamos apresentar a etnia
Kaingáng para que o leitor tenha conhecimento da história deste povo e de seu modo de ser, o
que envolve a demarcação da terra, sua denominação, cultura, educação. Percebemos nas
falas de membros da comunidade as mudanças que se deram ao longo do tempo, seja na
paisagem, na alimentação, na educação, entre outros elementos que a identificam. Após este
momento, consideramos ser necessário discorrer sobre alguns conceitos que permeiam este
estudo, como: memória, cultura, grupo étnico e identidade.
16
Disponível em:
http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_visualiza.php?id_noticia=506&id_pagina=1 , acesso
em 20 de março de 2009.
20
Falar de memória é perceber, por meio das entrevistas de história oral, o que os
sujeitos participantes de seu próprio processo histórico m a relatar e como podem contribuir
na pesquisa a partir desses mecanismos. A história oralpode ser utilizada para alterar o
enfoque da própria história e revelar novos campos de investigação [...] pode devolver às
pessoas que fizeram e vivenciaram a história um lugar fundamental, mediante suas próprias
palavras
17
. Este momento de recordar, possibilitado pela história oral, foi significativo, pois
concedeu voz aos indígenas e nos encaminhou a novos questionamentos que contribram
para o encaminhamento da pesquisa. Para conceituar o termo memória utilizamos como
teóricos Maurice Halbwachs, Michael Pollack, Jacques Le Goff, e sobre história oral e tempo
presente, Paul Thompson, Marieta Ferreira e José Sebe Bom Meihy.
Na perspectiva de falar sobre um grupo étnico, utilizamos como referencial a obra de
Philippe Poutignat e Jocelyne Streiff-Fenart, que mostram a origem do termo etnicidade, e
Frederick Barth, que apresenta o conceito de fronteiras étnicas. Segundo este último, o termo
grupo étnico na bibliografia antropológica é geralmente entendido pra designar uma
população que:
1. Perpetua-se biologicamente de modo amplo; 2. Compartilha valores
fundamentais, realizados em patente unidade nas formas culturais; 3.
Constitui um campo de comunicação e de interação; 4. Possui um grupo de
membros que se identifica e é identificado por outros como se constituísse
uma categoria diferenciável de outras categorias do mesmo tipo
18
.
Considerando o 4
o
pressuposto apontado por Barth, partilhamos da noção de que
grupo étnico seria aquele em que os indivíduos compartilham de um pertencimento
independente de um conjunto de fatores culturais comuns. Esse sentimento de pertencimento
através de símbolos é o que forma um grupo étnico. Porém, apesar de o sentimento de
pertença ser significativo para a identidade do grupo étnico, não podemos ignorar os
elementos culturais que são compartilhados, já que entendemos a cultura como algo em
processo contínuo de elaboração e reelaborão. Segundo Barth
19
, nem o fato de falarem uma
mesma língua, nem a contiguidade territorial, nem a semelhança dos costumes representam
17
THOMPSON, Paul. A voz do passado. Hisria Oral. Trad. Lólio Lourenço de Oliveira. São Paulo:
Paz e Terra, 1998, p. 22.
18
BARTH, Frederick. Grupos étnicos e suas fronteiras. In: POUTIGNAT, Philippe. & STREIFF-
FENART, Jocelyne. Teorias da etnicidade. 2
a
ed. São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1998, p. 189-190.
19
POUTIGNAT, P. & STREIFF-FENART, J. Op. Cit., p. 163.
21
por si próprios atributos étnicos. Apenas se tornam isso quando utilizados como marcadores
de pertença por aqueles que reivindicam uma origem comum. Estes elementos culturais
devem ser entendidos pelo grupo como parte de seu sistema cultural.
Nesse entendimento, temos o conceito de cultura a partir do que descreve Geertz
20
,
como uma teia de significados. Estes signos são compartilhados pelo grupo, pois se nasce
num sistema cultural, pom essa cultura herdada se modifica, se adapta, é constrda pelo
sujeito. De acordo com Cuche
21
, cultura é uma produção histórica, isto é, uma construção que
se inscreve na história, e mais precisamente, na história das relações dos grupos sociais entre
si.
Finalmente, mostramos alguns aspectos das nguas indígenas no Brasil e da língua
Kaingáng, destacando o trato do linguista, o que corresponde ao sistema gramatical, sonoro,
descrição da língua, estudo dos textos, percebendo tamm a língua como um fator cultural
em constantes transformações.
No segundo capítulo, A instituição escolar e a língua Kainng, falamos sobre como
se deu a inserção da escrita e da língua portuguesa para os Kaingáng. Nessa parte do texto
damos ênfase ao período em que houve o decréscimo de falantes da ngua materna, haja vista
que as crianças tinham de aprender a língua portuguesa, momento em que a oralidade dividiu
espaço com a escrita, fazendo com que o ensino da língua materna se tornasse cada vez mais
difícil. O período a que se refere essa seção do trabalho é o da atuação do SPI (1941-1967) e
da FUNAI (1967-).
O indiduo considerado bilíngue é aquele que consegue articular fala, escrita e
entendimento em duas línguas distintas. No caso aqui estudado, alguns podem ser
considerados bilíngues, mas a maioria não o é. Mesmo no bilinguismo, uma língua se
sobrepõe à outra. Aquela mais utilizada no cotidiano e de uso efetivo tende a dominar.
Procuramos dar ênfase à criação do SPI e à política de integrão nacional da época,
para entender os ideais dessa instituição. Percebemos, então, a educação como um meio
utilizado para a assimilação. A cultura não indígena transmitida por meio da escola e o ensino
20
GEERTZ, Cliford. A interpretão das culturas. Rio de Janeiro: Editora Guanabara Koogan, 1989,
p. 15.
21
CUCHE, Denys. A noção de cultura nas ciências sociais. Trad. Viviane Ribeiro. 2ª ed. Bauru:
EDUSC, 2002, p. 143.
22
da ngua portuguesa em detrimento da língua materna colaboravam para a formão de uma
identidade única para o Brasil, formando assimcidadãos‟ brasileiros.
Como palco de mudanças, elegemos a EIEB Cacique Vanhkrê para estabelecer um
histórico de algumas escolas da TI Xapecó, tendo como focos a escola localizada no Banhado
Grande, que tinha como professor o indígena Felicíssimo Belino, e uma escola situada na
aldeia Pinhalzinho, cujo professor era o não indígena Samuel Brasil. Este último capítulo,
denominado Constituição de 1988: A língua Kainng na educação escolar indígena, tem
por objetivo mostrar como a língua materna dessa comunidade está sendo revitalizada na
escola, que hoje tem um sentido distinto daquele do período de atuação do SPI.
É a partir da CF do Brasil, de 1988, que se início a uma política educacional que
contempla a cultura indígena. A língua materna passa a ser uma disciplina da grade curricular,
sendo ministrada em três horas/aula por semana em cada série. São os próprios professores
que elaboram seus recursos diticos, pois há pouco material na ngua Kaingáng.
Frente às dificuldades, a língua Kaingáng permanece presente no dia a dia da
comunidade, sendo a escola uma sua extensão. Segundo o professor de língua Kaingáng
Pedro Kresó, a língua é “tudo, na organização, demarcação de terra, problema de terra, a vida
Kaingáng, é em tudo, a ngua Kaingáng tá em tudo
22
. Portanto, é essa visibilidade da ngua
Kaingáng como um fator de identidade étnica, fortalecida por meio da educação escolar
indígena, e a função que ela exerceu em dois períodos distintos que queremos abordar com
essa dissertação.
22
KRESÓ, Pedro. Entrevista concedida a Talita Daniel Salvaro, em 21 de junho de 2006, Terra
Indígena Xape/SC.
23
CAPÍTULO 1 - CULTURA, IDENTIDADE E MEMÓRIA NO ESTUDO DA
HISTÓRIA INDÍGENA
1.1 Os Kaingáng da Terra Indígena Xape
O povo Kaingáng é um dos cinco maiores grupos indígenas em número de população
do Brasil pertencentes ao tronco linguístico Macro . Tradicionalmente ocupavam territórios
que compreendiam partes do Estado de São Paulo, Paraná, Rio Grande do Sul, Santa Catarina
e parte de Missiones na Argentina, como mostra o mapa seguinte (Fig.1). Nestes estados, este
povo predominava nas partes mais altas do planalto.
Nosso estudo contempla a comunidade Kaingáng da TI Xapecó, localizada no Oeste
catarinense entre os municípios de Ipuú e Entre Rios, com uma área de 15.600 ha. No total
o 16 aldeias que constituem essa área. Aproximadamente a 20 km do município de Xanxerê
está a Sede da aldeia, que se chama Jacu, as outras aldeias são: Olaria, Água Branca, Fazenda
São José, Serrano, Cerro Doce, Pinhalzinho, Baixo Samburá, Linha Mao, Paiol de Barro,
João Veloso, Linha Guarani, Linha Limeira, Barro Preto, Placa e Pinheirinhos
23
.
A Escola da Sede, EIEB Cacique Vanhkrê, é a maior da área, com aproximadamente
800 alunos. A TI Xapecó conta ainda com unidades sicas de saúde, Associação Indígena
Kairu (AIKA), responsável tamm pela saúde, e uma cooperativa agrícola. A principal
liderança que representa essa área e é responvel pelos principais assuntos no interior e
exterior da TI é o cacique Waldemar Barboza, seguido pelo vice-cacique. Cada aldeia possui
os capies e major, que tammo lideranças.
23
Conforme relato do prof.
o
Kaingáng, Getúlio Narsizo Tojfã, em 25/04/2007, Terra Indígena Xape
(SC). Apud. TZOLD, Ana Lúcia Vulfe. Olhar, escutar e trançar: o artesanato Kaingáng de cada dia. IV
Encontro Regional Sul de História Oral, UFSC: 12-14/11/2007, p. 2. Disponível em:
http://www.cfh.ufsc.br/abho4sul/, acesso em 15/12/2007.
24
FIGURA 1 Território Tradicional Kaingáng com localização atual da TI Xapecó
24
.
24
Adaptão do Mapa de SILVA, Marcos Antônio da. Merias que lutam por identidade: a
demarcação da Terra Ingena Toldo Chimbangue (SC) 1970-1986. Dissertação. (Mestrado em História).
Universidade Federal de Santa Catarina, 2006, p. 55.
25
Os Kaingáng habitavam as regiões mais altas de seu território devido à abunncia de
araucárias, que m por semente o pinhão, o qual, segundo Pierre Mabilde
25
, constita seu
principal e quase exclusivo alimento: fruto do pinheiro que assavam no borralho e depois
comiam. Também viviam da caça de animais como tatu, anta, porco do mato. Coletavam
frutas, raízes e vegetais. Os territórios remanejados por Coroados
26
e Botocudos
27
foram alvo
das frentes de expansão que aconteceram durante o Império e a primeira República no Brasil.
Estas frentes começaram no início do século XIX com a criação de gado, e foi em torno desse
abastecimento para São Paulo que a Região Sul do Brasil entrou no contexto dos interesses
econômicos nacionais, pois sustentaria as áreas cafeeiras e de mineração, sendo tal território
caminho das tropas que levava o gado do Rio Grande do Sul para São Paulo.
A partir deste propósito, era preciso expandir os campos de criação. Para isso, sob o
comando do Tenente coronel Diogo Pinto de Azevedo Portugal, a expedição, cuja primeira
tropa partiu de Santos ainda em 1809, chegou aos campos de Guarapuava em 17 de junho de
1810”
28
. Essa interiorização foi estimulada por D. João VI, que era a favor de uma guerra de
extermínio aos indígenas, pois considerava que essa população não chegaria à civilização e
inviabilizaria os projetos desenvolvimentistas para o Brasil.
Dissertando sobre estas frentes de expansão, DAngelis
29
destaca que, em 1837, o
Governo Provincial de São Paulo decidira pela „descoberta‟ dos Campos de Palmas
30
, o que é
oficializado na lei de 16 de março daquele ano, pois “a região de Palmas e Guarapuava,
próprias para a criação do gado, apresentava grandes vantagens, em relação à Província de
São Pedro, principalmente pela maior proximidade com os centros consumidores, o que
facilitaria o transporte de animais, um dos maiores obstáculos dos tropeiros
31
. Para facilitar
as entradas nos campos de Guarapuava e Palmas, as expedições utilizavam-se dos indígenas
25
MABILDE, Pierre. Apontamentos sobre os Índios Selvagens das Nações Coroados do Mato da
Província do Rio Grande do Sul 1836-1866. São Paulo: IBRASA, p. 125. Pierre Mabilde foi u m engenheiro
Belga que conviveu com os indígenas no século XIX.
26
Nome pelo qual eram conhecidos os Kaingáng, devido ao seu corte de cabelo em forma de coroa.
27
Os Xokleng eram conhecidos por botocudos, devido a um botoque que era colocado na parte inferior
do seu lábio por meio de um ritual de passagem da fase de criança para a vida adulta, apenas nos indivíduos de
sexo masculino. Pertencem ao tronco linguístico Macro Jê.
28
D‟ANGELIS, W ilmar da Rocha. Para uma história dos índios do oeste catarinense. In: Cadernos do
CEOM: CEOM 20 anos de memórias e Histórias do Oeste de Santa Catarina. Chapecó: Argos, 2006. Ano 19, n
o
23, p. 278.
29
Ibidem, p. 282.
30
Cf. DANGELIS. Idem. Naquele peodo anterior a demarcação de terras pertencentes ao Paraná e
Santa Catarina, dos Campos de Palmas incluem do Paraná atual, apenas os munipios de Clevelândia e Palmas,
enquanto do atual estado de Santa Catarina abrange onze municípios, de São Lourenço do Oeste a Quilombo, a
oeste; até caçador, Rio das Antas e Videira, a leste.
31
MARCON, Telmo. A trajetória Kaingáng no Sul do Brasil. In: MARCON. Telmo (coord). Hisria e
Cultura Kaingáng no sul do Brasil. Passo Fundo: Graf. Ed. Universidade de Passo Fundo, 1994, p. 61.
26
chamados mansos na pacificação dos considerados arredios. Os primeiros eram atraídos pelo
governo e nomeados com patentes militares
32
. Vitorino Confoi um destes chamados índios
mansos que ajudou os não-indígenas a aldear vários grupos no Oeste de Santa Catarina.
Segundo DAngelis
33
, Con pertencia às hordas Kaingáng que haviam aceitado a
convincia pacífica com os fazendeiros em Guarapuava. Mostrando as consequências atuais
que a aliança de Controuxe para seu povo, Nötzold
34
assinala que, naquele momento, os
Kaingáng não tinham consciência de ser uma nação, e Conpensava estar beneficiando seu
grupo.
São desse período os aldeamentos que tinham por objetivo liberar terras para as frentes
de expano e transferir os indígenas para espaços cada vez mais reservados, tendo assim seu
controle e, aos poucos, ir introduzindo-os na sociedade nacional por meio da sedentarização
que se dava com a agricultura, criação de pequenos animais, utilização de objetos não
indígenas. Durante a atuação do SPI, o nome aldeamento foi substitdo por povoações
indígenas‟, as quais, porém tinham o mesmo objetivo dos aldeamentos do culo XIX. Como
destaca DAngelis
35
, por volta de 1856 (ano em que Condá foi para Chapecó), podemos
aceitar a localização dos Kaingáng na região oeste catarinense pelo menos nos seguintes
locais: Toldo Xapecó, Toldo Formigas, Toldo Jacu, entre outros no médio Chape e
Chapecózinho.
Devido aos conflitos referentes às fronteiras, no entanto, o governo percebe que deve
proteger o território contestado entre Brasil e Argentina e, em seguida, entre Paraná e Santa
Catarina. O Governo Imperial resolve, então, determinar a instalação das Colônias Militares
do Xapecó e Chopim, que haviam sido criadas pelo decreto n.
o
2502 de 16 de novembro de
1859. Em 02 de março de 1882, a Colônia militar do Xapecó é instalada no Xanxerê
36
, e
essa mesma colônia, querendo abrir uma picada para instalação de linhas telegficas, contrata
como mão de obra barata os indígenas de Chapecó e Clevelândia. No final desse serviço, em
lugar do pagamento em dinheiro, o der do grupo, Cacique Vanhk, pediu que fossem dadas
terras para seu povo. É nesse momento que se origina a área da TI Xapecó, que tem essa
denominação porque se encontra entre os rios Chapecó e Chapecózinho, tendo origem através
32
Hoje ainda mantêm-se algumas patentes dentro da área indígena, como major, capio.
33
D‟ANGELIS, W. da R. Para uma hisria dos índios... Op. Cit., p. 285.
34
NÖTZOLD, Ana Lúcia Vulfe. Nosso Vizinho Kaingáng. Florianópolis: Imprensa Universiria da
UFSC, 2003, p. 75-76.
35
D‟ANGELIS, W. da R. Para uma hisria dos índios... Op. Cit., p, 305.
36
Ibidem, p. 308.
27
do Decreto n
o
. 7, de 18 de junho de 1902 (anexo 1), assinado pelo Presidente
37
do Estado do
Paraná, Francisco Xavier da Silva. Nesta época, a região fazia parte do Paraná, limites de terra
que se resolvem após o conflito do Contestado.
Apesar da concessão da área, os conflitos ainda continuaram e foram motivo de novas
medições de terra. A partir do início do século XX, a explorão madeireira tem um surto na
região oeste do estado, além do aumento na povoação, pela vinda de indiduos do Rio
Grande do Sul, que adquiriram terras no território ocupado pelos indígenas através da compra
de títulos das empresas colonizadoras. A venda de madeiras, principalmente de araucárias, foi
responvel pelo desmatamento encontrado hoje na área indígena. Um dos madeireiros
responveis pela extração dessas árvores foi Alberto Berthier de Almeida, de Passo Fundo
RS. Nötzold
38
menciona este madeireiro em sua pesquisa, ressaltando que ele conseguiu
novas medições nas terras Kaingáng e se apossou de uma parte do território com ajuda de
encarregados corruptos do órgão de proteção que colaboravam” com os madeireiros e
fazendeiros. O antropólogo e pesquisador da temática indígena Sílvio Coelho dos Santos
aponta que:
[...] em Xanxe, município onde se localiza a reserva Dr. Selistre de Campos
[...] até 1916, quando do acordo de limites entre o Paraná e Santa Catarina, a
região tinha sua economia baseada na crião de gado e extração de erva
mate. Propriamente não havia pretensões da populão regional sobre a área
reservada aos índios nas vizinhanças dos rios Chapecó e Chapecózinho.
Quando, entretanto a questão de limites é resolvida, uma nova frente pioneira
atinge a região [...] a reserva começa a ser cobiçada. A nova frente pioneira
baseava-se na atividade agcola e na extração de madeiras
39
.
Durante esse período, foram introduzidas serrarias na área indígena e, com isso, deu se a
derrubada de muitos pinheiros. Entre 1966 e 1968 estima-se a derrubada de 60.000
pinheiros
40
.
37
Após a Proclamação da República, as províncias passam a se chamar Estado, porém os governadores
destes lugares continuaram a ser chamados de presidentes.
38
NÖTZOLD, A.L.V. Nosso Vizinho... Op.Cit., p. 84-85.
39
SANTOS, Sílvio Coelho dos. A Integração do índio na sociedade regional. A função dos postos
indígenas em Santa Catarina. Imprensa Universitária da UFSC, 1970, p. 81.
40
SANTOS, Sílvio Coelho dos. Educação e Sociedade Tribais. Porto Alegre/RS: Movimento, 1975, p.
28.
28
As modificações no meio em que vivem, consequentemente, trazem outras
transformações em vários aspectos da tradição indígena. Os registros de Pierre Mabilde
referentes à metade do século XIX registram que os alojamentos dos Kaingáng,
[...] o formados de ranchos com vários tamanhos e configurações. Todos são
cobertos com as folhas do gerivaseiro (Arecastrum (cocos) Romanzoffianum)
ou com fetos arborescentes (Alsophyla arborescens). Fazem ranchos de forma
prismática a que, entre nós, chamamos de ranchos de beira do chão”. Estes,
em geral,o os ranchos dos caciques e dos selvagens que têm mulher em sua
companhia, os ranchos de beira do chão, cuja construção é conhecida, o de
tamanhos diversos e proporcionados ao mero de indivíduos que deve
conter. Em geral, m mais ou menos de 15 a 25 palmos de comprimento, 10
palmos, mais ou menos, de altura, e de 10 a 12 palmos de largura, na base
41
.
Os ranchos dos indígenas solteiros são menores e feitos com varas atadas com cipó e
depois cobertas com a folha do gerivaseiro.
A organização social Kaingáng é marcada pelas duas metades exogâmicas, Kamé e
Kairu, duas metades que se complementam e que perpassam toda a vida desse povo. O mito
de origem Kaingáng é contado de diversas maneiras, pois é passado de geração em geração e
cada pessoa repassa o mito com algumas modificações, mas sem que perca o sentido. Os
detentores desse saber podem ser considerados, segundo Le Goff
42
, como homens e
mulheres
43
memória, com importante papel de manter a coesão do grupo, pois a memória é
construída de acordo com o contexto da época, sendo tamm seletiva e reelaborada. A
memória, à medida que traz a tona elementos do passado, tamm colabora na construção da
identidade. Pollak
44
aponta que a memória é um elemento constituinte do sentimento de
identidade, tanto individual como coletiva, na medida em que ela é tamm um fator
extremamente importante do sentimento de continuidade e de coerência de uma pessoa ou de
um grupo em sua reconstrução de si. Segundo os mais velhos, o povo Kaingáng surgiu de um
buraco, onde:
41
MABILDE, P. Op. Cit., p. 39.
42
LE GOFF, Jacques. Hisria e memória. II vol. Lisboa: Edições 70, 1982, p. 14.
43
Grifo meu, pois mes mo que „homenspossam também englobar o sexo feminino, ressaltamos que as
mu lheres também perpassam os mitos e tradições de seu povo.
44
POLLAK, Michael. Memória e identidade social. Estudos Históricos: Rio de Janeiro, vol 5, n.
o
10,
1992, p. 5.
29
certo dia, bem de manhãzinha quando o sol estava nascendo, a terra se abriu
formando um buraco e nasceu um grupo, olharam e viram o arredondado do
sol e deram ao grupo o nome de Kanhru. À tarde, quando o sol estava se
pondo, a terra tornou-se a abrir formando outro buraco e nasceu outro grupo,
que olharam e viram os raios do sol e deram o nome do grupo de Kamé. Esses
dois grupos se uniram e estão vivendo a hoje e por isso que o povo
Kaingáng tem a cor da terra
45
.
As pessoas correspondentes a mesma metade são consideradas como irmãs, por isso os
casamentos devem ser realizados entre pessoas de cada metade: Ka, representado por um
risco preto, pode casar-se com Kairu, representado por um círculo vermelho, e vice-versa.
Hoje, porém, na TI Xapesão raros os casos que levam em consideração essa ressalva no
matrimônio. Essas duas marcas tammo pinturas corporais para as danças e rituais.
Antigamente, extraiam a cor preta do carvão do pinheiro queimado e aferventado na água e a
vermelha da planta sete sangria ou do ciguabiroba. Hoje, devido à falta de matéria-prima,
utilizam outras formas de coloração nas pinturas corporais, como as tintas artificiais.
Um dos principais rituais Kaingáng é o Kiki, ritual de passagem dos mortos após um
ano ou mais de seu falecimento. Durante o Kiki, são realizadas rezas feitas por rezadores, e o
som é marcado pelo maracá, instrumento sagrado feito de porongo, em cujo interior são
colocadas pedrinhas ou sementes que, ao balançar, emitem um som. As rezas são iniciadas
pela falia cujo membro tenha morrido naquele período. Os rezadores são as pessoas mais
velhas das duas metades e conhecedores das orações. O ritual do Kiki demanda vários dias
para que possa ser realizado. Segundo Curt Nimuendajú, em seu trabalho etnográfico sobre os
Kaingáng:
Esta festa se realiza geralmente uma vez por ano, logo que o milho na roça
para fazer a bebida Kikí [...] Os rezadores se reúnem alguns dias antes da festa
cada noite e narram a tradição do princípio do mundo que com todas as suas
minúcias serve de base e justificação para os diversos atos da cerimônia da
festa [...] Limpam dois lugares, da aldeia para o lado do Oriente, numa
distância que de um não se enxerga o que se passa no outro, servindo um lugar
para os Kamé, o outro para os Kañerú prepararem o material. As pessoas
nomeadas para este fim procuram árvores ao leste da aldeia, os Kamé uma
canela brava, os Kañerú um pinheiro... Preparado tudo, especialmente também
okí num coxo grande, começa a dança no dia seguinte. Todos se reunem na
casa grande, diante da qual se faz uma fogueira comprida [...] Formam-se os
dois grupos, dos Kañerú e Kamé. Primeiro rompem os nerú, saindo
dançando da casa grande, mas chegando num certo ponto, param e esperam os
45
NÖTZOLD, Ana Lúcia Vulfe. & MANFROI, Ninarosa Mozzato da Silva. (orgs). Ouvir memórias,
contar hisrias: Mitos e lendas Kaingáng. Santa Maria/RS: Pallotti, 2006, p. 22-23.
30
Kamé que passam por eles, e em seguida os dois clãs tomam seus lugares de
ambos os lados da fogueira
46
.
O ritual religioso tem por finalidade uma boa passagem para os mortos e tamm para
que seu nome seja liberado e utilizado por outras pessoas. O ritual é seguido de orações e
danças. O último Kiki realizado na TI Xapecó se deu em 2004. Desde então não mais
aconteceu, devido à morte de rezadores.
As mudanças culturais, ambientais e alimentares na TI Xapecó se deram de forma
mais intensa após a instalação do posto indígena, durante o período de atuão do SPI, sendo
que a paisagem foi se modificando rapidamente devido ao desmatamento. O senhor Sebastião
Mendes, hoje com 66 anos de idade, morador da aldeia sede da TI Xapecó, ao referir-se ao
tempo passado, diz que muita coisa mudou:
[...] no passado tinha (pinhão). Na época aqui atigre tinha na vereda desse
rio aí. Desse alagado aí porque era mato. Mas depois entro aí os, como se diz
os branco entraro e daí demoliro com tudo, de resto aquele ali oh. D pra
conta aqueles pinheiro que tem ali oh
47
.
Por meio de seu relato, pode-se perceber um olhar diante das mudanças decorridas na
área que compreende a TI Xapecó (Fig.2), posterior à inserção do PI Chapecó (1941), em que
o entrevistado refere-se a um ambiente que se modificou rapidamente desde o tempo em que
era criança. Essa área passou por transformações que não atendem mais as necessidades
daquela época. Por exemplo, hoje há extinção e escassez de matéria-prima para o artesanato,
para a colheita de ervas medicinais utilizadas como remédios, e de frutos e raízes utilizados na
alimentação. O modo de viver também já não é o mesmo, pois as pessoas eso inseridas num
meio transformado e precisam adaptar suas necessidades às mudanças ocorridas.
46
NIMUENDA, Curt. (organização e apresentação de Marco Antonio Gonçalves). Etnografia e
indigenismo sobre os Kaingáng, os Ofa-Xavante e os Índios do Pará. Campinas: Editora da UNICAMP,
1993, p. 67- 68.
47
MENDES, Sebastião. Entrevista concedida a Ninarosa M. da Silva M.; Talita D. Salvaro;
Jackson Alexsandro Peres, em 23 de abril de 2007, Terra Indígena Xape/SC.
31
O ambiente atual que presenciamos durante as pesquisas de campo
48
é o de um
território com pouca mata nativa, sendo que as araucárias quase não existem mais. As casas
o na sua maioria de madeira. Há estradas de chão que ligam as aldeias uma com as outras e
com a cidade, mas apresentam grande precariedade, principalmente nos dias chuvosos. Nem
todas as comunidades m energia elétrica. A aldeia Paiol de Barro foi atendida apenas em
2006, através do projeto do Governo Federal “Luz para todos.
FIGURA 2 - Vista da aldeia Sede da TI Xapecó, com a EIEB Cacique Vanhkrê e o ginásio
de esportes em primeiro plano
49
.
A etnia Kaingáng, com uma população aproximada de 29 mil pessoas
50
ocupa cerca de
30 áreas reduzidas, distribdas sobre seu antigo território histórico. (Fig.3).
48
Pesquisas de campo realizadas durante o período de pesquisa de projetos desenvolvidos pelo
LABHIN em parceria com os Kaingáng e pesquisa do TCC e mestrado. Estas saídas são acompanhadas pela
Prof
a
. Dr
a
. Ana Lúcia Vulfe Nötzold e integrantes do laboratório.
49
SALVA RO, T. D. Aldeia Sede da TI Xapecó. Ipuú, 2006. Acervo da autora. 1 fotografia color
digital.
50
Disponível em http://www.portalkaingang.org/index_povo_1htm acesso em 08 de fevereiro de 2008.
32
FIGURA 3 Mapa com a localização das Terras Indígenas Kaingáng
51
.
Anterior à denominação Kaingáng, estes indígenas já foram chamados de Chiquis,
Gualachos, Coroados. A denominação atual foi inclda na literatura por Temaco Borba, o
qual diz ser o primeiro a utilizá-la, porém em suas pesquisas, o historiador Lúcio Tadeu
51
Mapa com as Terras Indígenas Kaingáng. Disponível em
http://www.socioambiental.org/pib/epi/kaingang/loc.shtm, acesso em 07 de novembro de 2007.
33
Mota
52
mostra que Frei Luiz de Cimitile e Alfredo D Escragnolle Taunay usaram, na mesma
época, em seus escritos, tal nominação. Tanto Borba como Cimitile já haviam sido
informados pelos Kaingáng de sua autodenominação e de que não gostavam de ser chamados
de Coroados.
Elles porem não gostam deste appelido, e a si mesmos chamam-se Caingang,
que em ngua portuguesa quer dizer índio ou antes Abogene, elles também
se chamam Caingang-pé ndio legítimo) e Caingang-venherê ndio cabello
cortado) mas os historiadores sempre o tratam pelo nome de Camés, palavra
cuja etymologia ainda não conhecemos
53
.
A nominação que determina a etnia, assim como o nome que cada indiduo possui,
representa uma forma de identificação. Não apenas denomina o grupo, mas o cria,
estabelecendo sua coletividade. Poutignat e Streiff-Fenart
54
destacam em seus estudos sobre
etnicidade que a nominação não é somente um aspecto particularmente revelador das relações
interétnicas, ela é por si própria produtora de etnicidade. E, ainda, segundo Barth
55
, a
etnicidade é uma forma de organização social, baseada na atribuição categorial que classifica
as pessoas em função de sua origem suposta, que se acha validada na interação social pela
ativão de signos culturais socialmente diferenciadores. Estes signos são pertencentes à
cultura do grupo que, por mais que seja reelaborada e transformada, mantém a coesão pelo
seu laço de pertencimento.
O nome do indiduo em Kaingáng é importante para seu povo, pois nele es
registrada sua identidade. “A nomeação da criança acontecia em um ritual bem simples, no
qual o pai escolhia o nome da criança, reconhecendo assim a paternidade, e passava o rem-
nascido às mãos da mãe
56
. Os partos eram realizados por parteiras, pom hoje a maioria
acontece no Hospital, por meio da cirurgia cesariana. O nome em português e em Kaingáng
o registrados no PI Xapecó, localizado na aldeia Sede, administrado por funcionários da
52
MOTA, Lúcio Tadeu. A denominação Kaingáng na literatura antropológica, histórica e lingüística.
In: MOTA, L. T.; TOMMASINO, K.; NOELLI, F. S. Novas contribuições aos estudos interdisciplinares dos
Kaingáng. Londrina: Eduel, 2004, p. 8-11. Mota também assinala que o militar Camilo Lellis da Silva registrou
o nome Caegang quando da sua viagem de demarcação da futura estrada que deveria ligar Guarapuava ao rio
Paraná.
53
Cf. Frei Luiz de Cemitile. Memória sobre os costumes e religião dos Índios Camés ou Coroados que
habitam na Província. In: Catálogo dos objetos do Museu Paranaense remettidos á exposição Anthropologica do
Rio de Janeiro. Curitiba, 1882. Apud. Mota, L. T. A denominação Kaingáng ... Op.Cit., p. 6.
54
POUTIGNAT, P. & STREIFF- FENART, J. Op. Cit., p. 143.
55
Ibidem, p. 141.
56
NÖTZOLD, A. L.V. O ciclo de vida... Op. Cit., p. 26.
34
FUNAI. O nome na ngua materna é dado pelo Senhor Cezário Pacífico, que tem 60 anos de
idade e, 32 anos, trabalha no posto auxiliando no registro do nome Kaingáng. Lá os pais
chegam com os filhos e pedem para que ele coloque um nome indígena. Esse nome às vezes
vem de casa escolhido pelos pais, e outras vezes é o próprio senhor Cezário que nomeia:
Importante paras ter um nome de índio, pra nunca terminar que se nós não
ponha nome de índio não comprova lá fora, lá fora você tem que ter o nome
de índio pra você comprová que é índio, até documento tem que ter nome de
índio, daí comprova que vo também é nascido aqui, nessa reserva, se você é
nascido no Rio Grande, Nonoai, também tem no documento, nascido tal dia,
na Reserva Indígena Nonoai e o nome assim de índio né, qualquer lugar que
você nasceu no Posto de Mangueirinha, no posto de Palmas, também tem tudo
o dia que você nasceu e o nome de índio. Vo nasceu lá, então no documento
comprova se você é nascido lá tal lugar, e meu nome aqui, daí vo pode
chegar em qualquer delegacia, qualquer, às vezes você tá viajando, você
procura o lugar e não pode achar, daí você vai numa delegacia eu sou índio
assim, assim, talvez você não levou a portaria do posto, mas na tua identidade
você comprova que é índio
57
.
Está presente na fala do senhor Cezário a preocupação na afirmação de sua identidade
frente ao não indígena, pois é frente ao diferente que a identidade é realçada. De acordo com
Pollak
58
, a construção da identidade é um fenômeno que se produz em referência aos outros,
em referência aos critérios de aceitabilidade, e uma das maneiras de afirmação é por meio do
nome. Cada nome tem um significado, podendo ser nome de madeira, de flor, de animal,
como por exemplo, Kapur, que significa árvore seca, ou Karro, que simboliza tempestade, e
Kresó que quer dizer cesto ou balaio.
As mudanças citadas acima não desqualificam os Kaingáng como pertencentes a sua
etnia, pois a cultura modifica-se ao longo do tempo, sendo constrda de acordo com o
contexto de sua época. O importante a assinalar nesse momento é que os Kaingáng são
pertencentes a um grupo e que esse laço de afetividade se tamm por fatores culturais,
mas principalmente pela coesão mantida pela idéia de pertencimento.
57
PACÍFICO, C. Entrevista. Op. Cit.
58
POLLAK, M. Memória e Identidade social... Op. Cit., p. 5.
35
1.2 - A memória compondo a história: Tempo Presente e a Metodologia da Hisria Oral
Este momento é dedicado aos percursos do trabalho com a Metodologia da História
Oral que, juntamente com fontes escritas, compõem esta pesquisa de mestrado. As fontes
orais a que nos referimos são entrevistas, que também constituem uma fonte escrita, pois, de
acordo com a Metodologia que utilizamos, após o processo de gravação, são transcritas
59
.
Nesta etapa, passam a compor um documento, como outros que os historiadores estão
habituados a analisar em arquivos, bibliotecas, acervos pessoais, sejam estas fontes
iconogficas, multidia, documentos oficiais, jornais, cartas. Sendo assim, no momento da
transcrição, a entrevista produzida de acordo com os critérios metodológicos, constitui-se em
uma fonte histórica, com os problemas, cuidados e análises requeridos por qualquer outra. O
diferencial dessa fonte em relação a outras é que o historiador participa de seu processo de
construção e, por seu intermédio e uso da metodologia da história oral, esta se torna um
documento. Todas as fontes históricas são produzidas de alguma forma por alguém; são fruto
de um contexto, de uma época e de uma interpretação.
Enumeramos alguns pontos que demonstram a importância da utilização de
entrevistas neste trabalho: 1) contempla um tema contemponeo, principalmente para a
educação escolar indígena; 2) possibilita visibilidade aos agentes da história, nesse estudo, os
Kaingáng da TI Xapecó; 3) mostra diferentes pontos de vista sobre um mesmo assunto; 4)
contempla o viés social; 5) abre um leque maior de investigações por si mesma em dlogo
com outras fontes.
A história oral auxiliou na construção da história do povo Kaingáng, no que se refere
principalmente à educação escolar indígena, uma vez que os sujeitos participantes de seu
próprio processo histórico contribuíram para o enriquecimento da pesquisa por meio dos
relatos e interpretação dos fatos questionados, fazendo parte do dlogo desta dissertação. A
história oral compõe um campo de investigação juntamente com demais fontes, pois esse
corpo documental pode nos levar a várias outras interrogações que ajudam a elucidar a
pesquisa. Thompson
60
, ao discutir o uso dos relatos orais como fonte, mostra que a entrevista
se constitui em um meio para descobrir documentos escritos e fotografias que, de outro modo,
59
Em nossa pesquisa utilizamos a transcrição, método em que a gravão passa para a escrita sem
modificações do transcritor.
60
THOMPSON, P. Op. Cit., p. 25.
36
não teriam sido localizados, sendo que muitas vezes eso sob posse da pessoa ou de sua
família, e que podem ser documentos essenciais para mapear a pesquisa.
Este tema de mestrado insere-se na história do tempo presente e utilizamos, como
citado acima, a Metodologia de História Oral, que é utilizada como uma ferramenta no estudo
da história contemporânea. O tempo presente designa-se aqui por um período que se
manifesta na memória da comunidade Kaingáng da TI Xapecó e que reflete o tempo passado
no presente. Portanto, o período em que a língua materna foi proibida durante o SPI e o
período em que ela foi garantida em lei e retomada na escola exercem importância para que
atualmente se perceba a valorização e a identidade étnica, mantida por meio do ensino da
língua materna nas escolas, questões do presente trazem à tona o passado, dando-lhe um
sentido e uma função.
O tempo presente não pode ser definido para um grupo sem que ele tenha significado.
Como nos coloca Le Goff
61
, o marco do que é contemporâneo ou do que se pode chamar de
presente depende da consciência nacional do povo ou da sociedade. Cabe ao historiador
delimitar na sua pesquisa aquilo que ele entende como tempo presente para o seu estudo e
verificar se o grupo estudado tem essa delimitão como um fator hodierno nas suas
memórias.
A história do tempo presente foi tida no século XIX e XX como história de amadores.
Em contrapartida, havia a história dita científica, aquela produzida por meio de fontes escritas
e documentais. A história medieval e moderna eram consideradas como matérias que
requeriam especialização para serem estudadas, portanto, foram na época, o campo de estudo
de historiadores com formação profissional, ao contrário da história contemporânea, que era
produzida por amadores. Por esse motivo, segundo Marieta Ferreira
62
, com base na delegação
da impossibilidade de lhe serem aplicadas regras científicas, foi recusado à história
contemporânea, o estatuto de história. Além disso, a história era tida como o estudo do
passado. Sendo assim, o que era denominado como História eram fatos que aconteceram e
que estão arquivados.
Com a geração de historiadores conhecida como École des Annales é que a história até
então centrada nas questões citadas acima começou a tomar novos rumos. Essas mudanças
61
LE GOFF, J. Op. Cit., p. 207-208.
62
FERREIRA, Marieta de Moraes; ABREU, Alzira Alves [ET all] (coord.). Entrevistas: abordagens e
usos da história oral. Rio de Janeiro: Fundão Getúlio Vargas, 1998, p. 2. Disponível em: http://www.cpdoc.
fgv.br, acesso em 07 de outubro de 2007.
37
não chegaram a modificar o uso das fontes orais no sentido de sua utilização, mas opuseram-
se à história positivista, trazendo à tona concepções do econômico e do social. Foi de “1965 a
1977 que se assistiu a um extraordinário desenvolvimento dos centros de história oral nos
EUA, em 1967 foi criada a American Oral History Association e em 1973 foi lançada a Oral
History Review
63
. Os questionamentos direcionados à história do tempo presente se deram
sempre em direção a sua cientificidade, credibilidade e fidedignidade das fontes. Porém,
mesmo com todas as discussões em torno desses fatores, a história do tempo presente vem
obtendo espaço no campo historiográfico, sendo fundamento de muitas pesquisas.
O historiador Paul Thompson publica em 1978 a obra „A voz do passado‟, pioneira
sobre a temática de história oral no que se refere às questões metodológicas e abre uma
discussão sobre o uso de fontes orais. Thompson atribui à história um viés social pertinente às
questões contemporâneas, situando a história oral como um mecanismo que contribui para
esse propósito. Segundo o mesmo autor, “o desafio da história oral relaciona-se em parte com
essa finalidade social essencial da história
64
. Para Thompson, a história adquire sentido ao
dar à pesquisa uma função social. Buscamos focar essa função social no momento em que
nossa pesquisa atinge a sociedade trabalhada, trazendo-lhe questionamentos sobre o seu
próprio grupo: i) no retorno da pesquisa; ii) no conhecimento compartilhado; iii) na auto
estima das pessoas quando percebem que estão contribuindo para o registro da sua própria
história e; iv) de acordo com Thompson
65
, utilizando a história oral para alterar o enfoque da
própria história e revelar novos campos de investigação. Dessa forma, pode devolver às
pessoas que fizeram e vivenciaram a história um lugar fundamental diante de suas próprias
palavras.
A história oral é inserida no campo da história na medida em que a historiografia passa
a contemplar a história social e cultural. É considerada uma metodologia recente
principalmente porque para sua efetivação é necessária a utilização do gravador
66
, que por si
só é uma invenção moderna.
A legitimidade dessa metodologia ainda é questionada, apesar de seu uso frequente em
pesquisas que tratam especialmente de alguma dimensão social e cujos sujeitos sejam
63
Ibidem, p. 4.
64
THOMPSON. P. Op. Cit., p. 21.
65
Ibidem, p. 22.
66
A primeira máquina de gravar, chamada fonógrafo, foi inventada em 1877, e o gravador em fio de
o, pouco antes de 1900. Na década de 1940 tinha-se a fita magnética e tinha sido posto à venda o primeiro
gravador de rolo. Os gravadores de cassete aparecem na década de 1960. Ver em THOMPSON, P. A voz do
passado, p. 84. (Hoje também se utilizam gravadores digitais, mp4).
38
coetâneos. Sua utilização pode ser notada em trabalhos com as chamadas minorias, grupos e
indivíduos que não apareciam como sujeitos no processo histórico e, portanto, não eram
privilegiados nos estudos, como operários, negros, indígenas e mulheres, que agora passam a
fazer parte do conhecimento histórico. A história privilegiava os grandes heis e as pessoas
mais importantes da sociedade como poticos, burguesia, e mesmo no início da utilização da
história oral estes personagens é que foram entrevistados.
Anterior à utilização da história oral, os relatos de que temos conhecimento sobre as
populações indígenas eram obtidos por meio do „outro‟ não indígena, e refletiam a sua
concepção e o contexto da época. O dizer do indígena, então, não era relatado. O que se
verifica, portanto, é que a história oral possibilita para os pesquisadores um leque maior de
investigação e representa para estes povos a possibilidade de serem escutados a fim de que se
produza um conhecimento histórico a partir do relato da narrativa, do que o índio tem para
expressar
67
, percebendo, assim, o seu próprio pensamento sobre sua história.
As discussões em torno da evincia oral são um ponto em voga, com questões que
abarcam desde a sua credibilidade e utilização, até a metodologia. Ao remeter-se à
fidedignidade das fontes e ao compará-la à análise de outras, Thompson
68
mostra que:
[...] do mesmo modo que o material de entrevistas gravadas, todos eles (outros
documentos) representam, quer a partir de posições pessoais ou de agregados,
a perceão social dos fatos, além disso, estão todos sujeitos a pressões sociais
do contexto em que o obtidos. Com essas formas de evidência, o que chega
até nós é o significado social, e este é que deve ser avaliado.
A história oral é uma metodologia, uma ferramenta a mais para se trabalhar com a
história do tempo presente
69
. Ela auxilia na interpretação dos fatos em que as pessoas que
deles participaram são nossas contemporâneas e podem contribuir com a sua memória sobre
os acontecimentos, dialogando tamm com as fontes documentais. Meihy
70
define a história
oral como um recurso moderno usado para a elaboração de documentos, arquivamento e
estudos referentes à experiência social de pessoas e de grupos. Ela é sempre uma história do
67
FREITAS, Edinaldo Bezerra de. Fala de índio, História do Brasil: o desafio da Etno -História
Indígena. In: Revista da Associação Brasileira da História Oral, n
o
. 7,vol. 7 /junho de 2004. São Paulo:
Associação Brasileira de História Oral, p. 184.
68
THOMPSON, P. Op. Cit., p. 145.
69
A história do tempo presente pode também ser feita através de documentos e não necessariamente
com o uso da história oral.
70
MEIHY, José Carlos Sebe Bom. Manual de Hisria Oral. 4ª ed. São Paulo: Edições Loyola, 2002,
p.13.
39
tempo presente e tamm reconhecida como história viva. Não vamos identificar verdades ou
mentiras nos relatos de nossos colaboradores, mas sim o modo como o fato foi percebido e
descrito, ou seja, as circunstâncias dos relatos. Meihy
71
assinala que a narrativa para a história
oral é uma versão dos fatos e não os fatos em si.
Não é qualquer entrevista, conversa, vídeo ou mesmo entrevista gravada sem a
permissão da pessoa entrevistada que pode ser considerada como fonte. Sendo uma
metodologia, há critérios que definem a história oral. Esses critérios podem divergir em
alguns aspectos, de acordo com regiões e teóricos utilizados para fundamentar a metodologia.
Em nossas entrevistas, utilizamos o Manual de História Oral de Meihy
72
, que divide a história
oral em quatro momentos: 1) elaboração do projeto; 2) gravação; 3) confecção de documento
escrito; 4) sua eventual análise.
O projeto é o diferencial da história oral. É o meio pelo qual o registro oral não vai
compor uma mera entrevista gravada, mas sim que esta tem por finalidade uma pesquisa,
exercendo uma função social e que, principalmente, estará regada de critérios que a tornam
uma fonte. Nossas entrevistas não comportam um projeto específico voltado diretamente a
cada uma, pom deixamos claro que essa seria uma das metodologias utilizadas. De acordo
com Meihy
73
, o projeto é o principal diferenciador entre a história oral e as demais áreas que
trabalham com entrevistas, pois é de acordo com um estudo sobre a temática que se mapeiam
as pessoas que poderão colaborar para a pesquisa, am do que, o projeto viabiliza um melhor
roteiro de questões.
A gravação consiste no registro da oralidade por meio de um gravador, seja ele
magnético ou digital. O momento da gravação requer alguns cuidados técnicos como o uso do
aparelho de gravação, quantidades de fitas ou disponibilidade de horas a serem gravadas. É
importante escolher um espaço silencioso para a gravação, a fim de que não haja
interferências, mas isso tamm varia conforme o espaço indicado pelo entrevistado, que
deve ser aquele onde ele mais se sentir à vontade.
A confecção do documento acontece quando a oralidade passa para a escrita. Há três
modelos, segundo Meihy, para essa fase. 1). a transcrião: digita-se como é falado, mas sem
as questões do entrevistador; 2). a textualização é quando se retiram os erros gramaticais e
71
MEIHY, J.C.S.B. Op. Cit., p. 100.
72
Ibidem, p. 76.
73
Ibidem, p. 162.
40
sons alheios; e 3). a transcrição, em que as palavras e sons são registrados de acordo com as
palavras do entrevistado. Optamos por esta última, pois, ao escutar ou ler a entrevista, é mais
fácil de as pessoas se identificarem com seus relatos. Os sons também são importantes para
contextualizar o espaço e o que se passava no momento daquela entrevista. É importante na
história oral que no momento da produção do documento não se perca o sentido do relato oral.
Ainda de acordo com Meihy
74
, são três os elementos que formam a relação de história oral: 1)
o entrevistador; 2) o entrevistado; 3) a aparelhagem de gravação.
Nossas entrevistas tiveram como objetivo central verificar como era a educação
escolar no período do SPI e o reflexo hoje da proibição da língua Kaingáng na educação
escolar indígena, e principalmente como acontece a sua revitalização atualmente. Portanto,
centramos nossas atenções em algumas pessoas mais velhas da comunidade, cujas falas
poderiam contribuir para o primeiro ponto citado acima, e com professores de língua
Kaingáng e alunos da escola que compartilham desse período atual, em que a língua é
ensinada na escola. O interessante é que esses dois grupos, separados apenas pela faixa etária,
como sujeitos eleitos para as entrevistas se intercalam no tempo e não centram suas narrativas
apenas no período sugerido, pois os mais velhos hoje percebem a importância do ensino da
língua que a eles fora proibida, e os mais jovens percebem a falta do uso social da ngua,
retomando-a para fortalecimento da identidade, necessidade sentida por ambos os indivíduos.
O que queremos mostrar, portanto, é que o tempo passado está o presente como o tempo
presente necessita do passado, e que a memória é compartilhada pelo grupo. As narrativas
representam essa memória, principalmente pela tradição oral indígena, Delgado diz que:
[...] narrativas sob a forma de registros orais ou escritos são caracterizadas
pelo movimento peculiar à arte de traduzir em palavras os registros da
memória e da consciência da memória no tempo. São importantes como estilo
de transmissão, de geração para gerão, das experiências mais simples da
vida cotidiana e dos grandes eventos que marcaram a Hisria da humanidade.
São suportes das identidades coletivas e do reconhecimento do homem como
ser no mundo
75
.
A ética do entrevistador é essencial para um bom trabalho. É importante que o
colaborador se sinta à vontade com a pessoa e que não haja nenhum tipo de hierarquia entre
eles. A simplicidade é essencial para que o entrevistado possa falar, pois ele detém o
74
Ibidem, p. 14.
75
DELGA DO, Lucilia de Almeida Neves. Hisria oral: memória, tempo e identidades. Belo
Horizonte: Autêntica, 2006, p. 43.
41
conhecimento que é importante coletar. Segundo Portelli
76
, cada pessoa é um amálgama de
grande número de história em potencial, de possibilidades imaginadas e não escolhidas [...]
como historiadores orais, nossa arte de ouvir baseia-se na conscncia de que praticamente
todas as pessoas com quem conversamos enriquecem nossa experiência. Todas as questões
éticas ao se trabalhar com a história oral devem ser respeitadas, principalmente porque es
em jogo a continuão das pesquisas, e o zelo pela pessoa entrevistada que está dispondo de
tempo para nos ajudar garante futuras colaborações. Em nossa pesquisa, levamos
questionamentos que podem ter diferentes consequências, pois é fato que no momento em que
nos inserimos na comunidade por conta da pesquisa de campo, estamos participando da
história da comunidade. Não há neutralidade na história, portanto nossos atos têm efeitos,
bons ou ruins.
Ao realizarmos as entrevistas, apresentamos o objetivo principal do nosso projeto para
que a pessoa saiba do que se trata, deixando-a à vontade para responder aquilo que ela quiser.
O respeito pela cultura indígena e pelo seu espaço é um ponto crucial, pois estamos no seu
território, por isso o conhecimento do assunto e das pessoas que serão entrevistadas é
necessário.
A entrevista não comporta em si o documento que será analisado, pois todo o
contexto em que ela foi elaborada e produzida ajuda na identificação de fatores essenciais
para a análise dos relatos, como o ambiente em que foi realizada, a(s) pessoa(s)
entrevistada(s), as emoções, o silêncio. O momento de lembrar, estimulado por meio das
questões levantadas pelo entrevistador, faz com que a pessoa traga para o presente algo que já
passou, mesmo que seja um passado recente. Automaticamente, com essas lembranças podem
surgir tristeza, alegria, traumas, que transparecem ou não nas falas do entrevistado.
Esse relembrar se por meio da memória, que é o principal suporte da história oral:
ela recorre à memória como fonte principal que a subsidia e alimenta as narrativas que
constituirão o documento final, a fonte histórica produzida
77
. O ato de relembrar é um
processo individual, porém as lembranças advindas pertencem a um meio social coletivo. Ao
lembrar um acontecimento, a pessoa traz consigo todo um social compartilhado pelo seu
grupo. A memória contribui para manter presente a identidade étnica, no momento em que ela
76
PORTELLI, Alessandro. Tentando aprender um pouquinho de história oral: algu mas reflexões sobre
a ética na história oral. In: Revista do Programa de estudos pós-graduados em Hisria e do departamento
de hisria PUC/SP. N. 15, abril de 1997, São Paulo, p. 17.
77
Ibidem, p. 16.
42
ainda é existente e compartilhada pelos seus membros. Nesse processar de lembranças, as
temporalidades vão e vêm, e muitas coisas podem aparecer. De acordo com Halbwachs
78
,
somos arrastados em múltiplas dirões, como se a lembrança fosse um ponto de referência
que nos permitisse nos situar em meio à variação contínua dos quadros sociais e da
experiência coletiva histórica. A memória, ao ser evocada, é um elo entre o passado e o
presente. Thompson identifica ts pontos em relação ao valor histórico desse passado,
mostrando que ele é estimulado pelo presente, trazendo significados essenciais para o
entender da história:
[...] primeiro, como demonstramos, ele pode proporcionar, e de fato
proporciona, informão significativa e, por vezes, única sobre o passado. Em
segundo lugar, pode também transmitir a consciência individual e coletiva que
é parte integrante desse mesmo passado e uma terceira que seria essa
retrospecção, é precisamente essa perspectiva histórica que nos permite avaliar
o significado ao longo prazo da história
79
.
A história oral tem por objetivo colaborar nessa ligação entre o passado e o presente,
pois possibilita trazer lembranças que fazem parte da coletividade do grupo. Por isso, nesta
pesquisa as entrevistas constituem parte do corpus documental que sentido a este trabalho,
no mesmo momento em que seus sujeitos são privilegiados por meio de seu acesso ao
conhecimento relacionado às suas vidas.
1.3 Cultura, etnicidade, identidade: o pertencer a um grupo étnico
Os critérios utilizados para definir a identidade étnica de um indiduo e seu
pertencimento a um grupo resumiam-se em torno da raça e da cultura. Estes fatores
direcionados ao estudo de um grupo indígena não mais se sustentam na atualidade, devido ao
contato com o não-indígena e as necessidades surgidas depois disso, quais sejam:
proximidade das aldeias com os centros urbanos, casamentos mistos, reelaborações na cultura.
78
HA LBWACHS, Maurice. A memória coletiva. Paris: Presses Universitaires de France, 1968, p. 14.
79
THOMPSON, P. Op. Cit., p. 195.
43
Além do que, a maioria destes grupos teve inflncia direta de várias instituições que
interferiram no seu cotidiano. Segundo Marcon
80
:
o cotidiano indígena reveste-se de uma complexidade muito maior do que as
outras realidades, na medida em que interferiram na construção da cultura
elementos do passado provenientes de diversas influências (catequese, atuação
do SPI, aldeamentos) que se mesclaram com novas situações do presente.
Alguns critérios foram estabelecidos no que concerne à identificação étnica. O
antropólogo Julio Cezar Melatti
81
disserta sobre os critérios de raça, cultura, legislão e
identidade, demonstrando que os três primeiros são insuficientes para designar a identidade
étnica.
O critério racial determinava a identidade de um indivíduo pelo biológico, centrando
se nas características sicas. Melatti
82
ressalta que este critério se choca com duas
dificuldades. Em 1
o
lugar, os índios não constituem uma única raça, mas populações que
apresentam profundas diferenças entre si. Em 2
o
lugar, desde o icio da colonizão da
América houve a oportunidade de cruzamento de índios com brancos e com negros, tornando-
se difícil classificar sob esse critério os frutos dessas uniões. Os governos coloniais, imperiais
e republicanos incentivaram a miscigenação como um fator contribuinte para a integração do
indígena.
Baseado na legislação, o critério legal enquadra os indiduos em algumas
características, em que toda pessoa que satisfizesse às características definidas por lei como
peculiares aos índios seriam classificados como indígenas.
Um dos critérios em que centramos atenção é o cultural, pois sua análise se dava de
forma a considerar que o indígena era somente aquele indivíduo que praticava o conjunto de
elementos da sua cultura de forma que parecessem esticas. Portanto,
as deficiências deste cririo se devem ao fato de se apoiar num conceito
antiquado e já ultrapassado de cultura como um mero conjunto de traços
culturais, a simples soma de costumes, crenças e técnicas. Não se leva em
80
MARCON, Telmo . Metodologia de pesquisa Kaingáng. In: MARCON. T. (coord) História e
Cultura Kaingáng ... Op. Cit., p. 34.
81
MELATTI, Julio Cesar. Índios do Brasil. 7
a
ed. São Paulo: HUCITEC: Editora da Universidade de
Brasília, 1993, p. 21-25.
82
Ibidem, p. 21.
44
consideração que uma cultura constitui um sistema em que os elementos
componentes mantêm relações entres si de tal forma que a modificão de um
deles acarreta mudança nos demais.
83
Sendo assim, o critério cultural é utilizado tamm nessa identificação, levando-se em
conta a ressalva de que cultura não é algo imutável. Porém, apesar das deficiências que
acompanha esse termo em alguns aspectos, Melatti
84
alerta que negar a adequação deste
cririo para resolver o problema de definição de índio não implica, de maneira nenhuma, em
subestimar o conceito de cultura.
Por último, Melatti descreve o critério de auto identificação, o qual é utilizado por nós
nesta pesquisa, como um fator de pertencimento que mais atende os grupos indígenas nos dias
atuais. Segundo Melatti
85
, esse critério é o que decide se um grupo de indivíduos pode ser
considerado indígena ou não. Seja qual for sua composição racial, esteja em que estado
estiverem suas tradições pré colombianas, é o fato de eles próprios se considerarem índios ou
não e de serem considerados índios ou não pela população que os cerca, que os identifica
como tal.
Baseando-nos neste último critério, partimos da premissa de que o sentimento de
pertença se quando o indiduo se percebe e é percebido como parte daquele grupo étnico.
Poutignat e Streiff-Fenart, em sua obra Teorias da Etnicidade, definem grupo étnico como
uma entidade que emerge da diferenciação cultural entre grupos que interagem em um
contexto de relações interétnicas, o ponto que separa um grupo de outro é a diferença entre
ambos, diferença marcada quando há interação. Conforme Barth
86
, se um grupo conserva sua
identidade quando os membros interagem com outros, isso implica critérios para determinar a
pertença e meios para tornar manifestas a pertença e a exclusão. Nessa interação, deve se
levar em conta que a identidade dos indivíduos pertencentes a tal grupo é concebida de
maneira divergente pelo não-indígena.
Devido ao senso comum, que considera indígena apenas aquele ser nu, que ainda vive
somente da caça, pesca e que mora em ocas, conciliado ao preconceito que persiste, muitos
reconhecem o indígena apenas como aquele que fala a ngua materna e pratica elementos da
sua cultura. Portanto, a identidade frente ao outro se evidencia demonstrando aspectos como,
por exemplo, a língua materna, que são utilizados para „provar‟ ao não indígena que essas
pessoas são indígenas. A análise do contexto que cerca um grupo tamm se faz necessária.
83
Ibidem, p. 23.
84
Idem.
85
Ibidem, p. 25.
86
BARTH, F. Grupos étnicos ... In: POUTIGNAT, P. & STREIFF-FENART, J. Op. Cit., p. 195.
45
No entendimento da identidade Kaingáng deve se tamm analisar o contexto ao seu redor,
como os moradores dos municípios vizinhos, pois estes também determinam a pertença étnica
no momento em que o indígena precisa afirmar que pertence a certo grupo.
Entendemos por grupo étnico, aqueles indiduos que compartilham de um
pertencimento, independente de um conjunto de fatores culturais comuns, po is nem sempre
esses fatores atendem satisfatoriamente à formação da identidade. De acordo com Poutignat e
Streiff-Fenart
87
grupo étnico seria quando indiduos compartilham um sentimento de
pertença comum, uma crença em uma mesma origem e dispõem de organizações unificadoras.
Percebemos por meio da fala do professor de História e atualmente assistente cnico
pedagógico da EIEB Cacique Vanhkrê, Getúlio Narsizo, que uma pessoa não deixa de ser
considerada indígena, mesmo que não saiba falar a ngua materna, porém ao mesmo tempo
ele assinala que elementos culturais, como a língua Kaingáng, são importantes, e que há na
comunidade apoio para que seja fortalecida. Segundo Getúlio Narsizo, há três requisitos que
se precisa preencher para ser considerado indígena:
Primeiro vo tem que pertencer a um grupo, segundo você tem que se
considerar índio e o terceiro é uma comunidade te reconhecer como índio,
então s sempre ficamos nessa terceira ali, tendo essas três coisas pra nós
hoje aqui dentro é bem forte, e é respeitado, não interessa se vo é um pouco
mais claro ou um pouco mais escurinho, tendo essa descendência, provando
que é descendente indígena, não existe essa diferea pelo fato de você falar
ou não, é respeitado, mas está sendo, está acontecendo agora, nós tamo
trabalhando junto com as lideranças para ser levantado a problemática, até os
professores também tão trabalhando, essa questão de s puxando mais
discussões, obrigando mais as nossas crianças a falar o Kaingáng, para que no
futuro não fique perdida a língua
88
.
O sentimento de pertencer é significativo, mas não exclui alguns elementos que fazem
parte da cultura material e imaterial dos povos indígenas, como a língua, a tradição oral,
conhecimento das ervas medicinais, artesanatos. Para Cuche
89
, nenhuma cultura existe em
estado puro‟, sempre igual a si mesma, sem ter jamais sofrido a nima inflncia externa,
pois se adapta e transforma-se de acordo com o contexto e a época.
O termo cultura foi tido como determinado pelo biológico e pela genética, definido
como arte, como designando uma pessoa culta e inteligente, porém vivemos uma mescla de
87
POUTIGNAT, P. & STREIFF-FENART, J. Op. Cit., p. 83.
88
NARSIZO, Getúlio. Entrevista concedida a Ninarosa M. da Silva Manfroi e Talita Daniel
Salvaro em 23 de abril de 2007, TI Xape/SC.
89
CUCHE, Denys. Op. Cit., p. 136-137.
46
culturas e mudanças culturais céleres, ocasionadas pela intensificação das migrações, da
crescente heterogeneidade das sociedades e de interações étnicas, o que aponta direções que já
não podem ter suportes naqueles conceitos tradicionais de cultura.
No nosso entender, cultura é um conjunto de símbolos que são herdados, reelaborados
e constrdos pelo sujeito e pelo grupo. Herdados, pois nascemos num sistema cultural em
que nos são transmitidos alguns aspectos simlicos, porém, estes podem ser posteriormente
ignorados, adaptados e impingidos a outros, o indivíduo constrói a cultura. O conceito
defendido por Geertz
90
é utilizado neste estudo, em que cultura é como uma teia de
significados e a sua análise entendida como uma ciência interpretativa à procura do
significado. Estes significados são os que dão coerência aos elementos culturais e sua relação
com o grupo. Segundo Geertz
91
, a cultura é pública, porque o significado o é. Dentro da
lógica cultural de um grupo, os sujeitos sabem o código cultural, portanto ao estudarmos um
grupo indígena e sua história é necessário tamm a nós um conhecimento prévio para que
não cometamos erros que podem interferir na cultura de um povo.
O viés cultural se faz presente nas pesquisas, quando, a partir da segunda metade do
culo XX, conquista espaço na historiografia em oposão à história potica. Lynn Hunt
92
assinala essa mudança como sendo estimulada pela inflncia de dois paradigmas de
explicação dominantes: o marxismo por um lado, e as escola dos Annales, por outro:
nos últimos anos, os próprios modelos de explicação que contribuíram de
forma mais significativa para a asceno da história social passaram por uma
importante mudança de ênfase, a partir do interesse cada vez maior, tanto dos
marxistas quanto dos adeptos dos Annales, pela história da cultura
93
.
Ao se falar em cultura, remete-se à antropologia americana, disciplina que foi
responvel pela emergência do termo e dos primeiros estudos, entretanto, atualmente, as
várias áreas de pesquisa, como geografia, história, psicologia, entre outras, se dedicam aos
estudos culturais.
A conceituação do termo surgiu de um debate entre pesquisadores alemães e franceses
no século XIX. Kultur era utilizado na Alemanha para simbolizar todos os aspectos espirituais
de uma comunidade. Como a Alemanha não tinha seu território unificado, buscava, portanto,
90
GEERTZ, C. Op. Cit., p. 15.
91
Ibidem, p. 22.
92
HUNT, Lynn. História, cultura e texto, pp. 1-29. In:_____. A nova Hisria Cultural. São Paulo:
Martins Fontes, 1992, p. 2.
93
Ibidem, p. 5.
47
uni-lo através da cultura, enquanto a palavra francesa Civilization referia-se principalmente
às realizações materiais
94
. Segundo Adam Kuper, “em 1954, o linguista Emile Benveniste
afirmou ter descoberto através de uma pesquisa diligente que o termo civilization fora usado
pela primeira vez pelo fisiocrata Mirabeau, em 1757
95
, e seu significado foi tomado logo
depois como sendo o estado de uma sociedade civilizada. A iia de civilização lembra
progresso, o qual por muito tempo estava imbdo no termo cultura, significando que cada
sociedade através de sua cultura poderia progredir, chegando ao estágio de civilizada.
Apesar desta grande disputa entre os termos cultura e civilização, porém, foi segundo
Cuche
96
, o antropólogo britânico Edward Burnett Tylor (1832-1917) que juntou esses dois
termos em um só chamado Culture, criando a primeira definição etnológica do termo.
Cultura e civilização, tomadas em seu sentido etnogico mais vasto, o um
conjunto complexo que inclui o conhecimento, as crenças, a arte, a moral, o
direito, os costumes e as outras capacidades ou hábitos adquiridos pelo
homem enquanto membro da sociedade
97
.
Tylor unificou várias características do que pensava ser cultura e que, segundo ele, é
adquirido pelo homem, pois onde nada lhe é inato, e enquanto sujeito em uma sociedade
constrói todos os seus hábitos. Tylor escreve em um contexto marcado pelo evolucionismo de
Charles Darwin e compartilha desse estudo, acreditando que o homem estava sujeito à
evolução e ao progresso. Seu conceito de cultura baseava-se no aprendizado, excluindo a
queso da transmissão genética. Através do aprendizado uma pessoa adquiriria cultura e
partilharia do sistema cultural em que foi criada. Após Tylor, abriu-se caminho para estudos e
discussões sobre o tema. Kuper
98
assinala a explosão de teorização cultural entre as décadas
de 1920 e 1950, em que se presenciou um campo de discuso especialmente entre
antropólogos.
Emile Durkheim (1858-1917) também se dedicou a entender as relações culturais.
Para ele, os fenômenos sociais m necessariamente uma dimeno cultural, pois são também
fenômenos simlicos
99
. São esses fenômenos sociais que, para ele, fazem parte da
94
LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. 11ª ed. Rio de Janeiro : Jorge
Zahar, 1997, p. 25.
95
KUPER, Adam. Cultura: a visão dos antrologos. Trad. Mirtes F. de Oliveira. Bauru/SP: EDUSC,
2002, p. 50.
96
CUCHE, D. Op. Cit., p. 35.
97
TYLOR, E. 1871, p.11. Apud. CUCHE, D. Op. Cit, p. 35.
98
KUPER, A. Op. Cit, p. 25.
99
CUCHE, D. Op. Cit, p. 52.
48
civilização, mostrando que não existem povos sem civilização. Os símbolos o o que
identificam uma cultura; seus significados são compreendidos quando se entende a cultura; e
um mesmo símbolo pode significar algo diferente em diversos lugares. Ele parte do
pressuposto de que os povos não seguem necessariamente a mesma dirão de outros rumo ao
progresso e à civilização, e que não haveria uma continuidade onde os mais avançados
estariam sempre no topo da pimide, mas que poderia haver o avanço de um povo que foi
subjugado como inferior e que de repente atinge o esgio de desenvolvido.
Contemporâneo a Durkheim, o ggrafo e antropólogo Franz Boas (1858-1942)
tamm se propôs a entender a cultura. Através de suas pesquisas, propunha mostrar que as
diferenças entre os grupos eram marcadas pela cultura e não pela raça, sendo o primeiro a
abandonar o conceito de raça na explicação dos comportamentos humanos. Em um estudo que
realizou sobre os esquimós, percebeu que a sua organização social era determinada mais pela
cultura do que pelo ambiente sico. Foi considerado o inventor da etnografia, concebendo a
etnologia
100
como uma cncia de observão direta. Sendo assim, estava de acordo que a
cultura deveria ser observada nos seus mínimos detalhes. A tese fundamental boasiana era de
que:
a cultura é que nos faz, e não a biologia. Nós nos tornamos o que somos ao
crescer num determinado ambiente cultural; não nascemos assim. Raça, e
também sexo e idade são constructos culturais e não condições naturais
imutáveis
101
.
Por meio dos estudos de Boas, percebe-se que o sistema cultural em que se nasce e se
vive é um dos determinantes da cultura do indiduo, porém a construção dos eleme ntos
culturais é mutável e varia de acordo com as escolhas, situações e contato com novos sistemas
que se dão ao longo da vida do indiduo.
O relativismo cultural implantado por Boas ganhou terreno na antropologia americana
nas décadas de 1950 e 1960 e vinha ao encontro dos neo evolucionistas. Sahlins fazia parte do
centro de evolucionistas, que foi trazido de volta por Leslie White. Os pertencentes a esse
centro achavam que “Boas havia desviado a antropologia do seu curso com sua atitude cética
em relação à teoria evolucionária e sua insistência na particularidade de identidades
100
Parte da antropologia que procura generalizar e sistematizar os conhecimentos a respeito dos
diferentes povos e suas culturas, obtido através da etnografia.
101
KUPER, A. Op. Cit, p. 35.
49
culturais‟‟
102
. Tinha-se, portanto, a abordagem evolucionista e do relativismo cultural. Sahlins
deixou a posição evolucionista na década de 1960. As discussões sobre cultura vão ser
contínuas, porém nosso intuito era apresentar as discussões iniciais sobre o termo cultura após
a definição de Tylor.
Ao analisarmos cultura, o fator temporal nos é significativo, haja vista que as
sociedades vivem em sentido de tempos diferentes. Muitas vezes tem-se a sensação de que
algumas comunidades indígenas (principalmente as mais isoladas), estão paradas no tempo e
continuam praticando os mesmos símbolos de sua cultura, pois para esses grupos o contato
com a cidade se dá com menos freqncia, além do que, não sentem a necessidade de grandes
mudanças, devido ao seu modo de vivência, centrado nos ensinamentos e respeito pelos mais
velhos.
A cultura se também na construção da identidade, pois produz elementos
simlicos que identificam a pessoa e com que esta tamm se identifica, permeando as
relações sociais. De acordo com Silva
103
, a cultura molda a identidade ao dar sentido à
experiência e ao tornar possível a opção entre várias identidades. Portanto, considera-se que
cultura e identidade são conceitos essenciais no estudo dos grupos indígenas, haja vista que a
cultura, seja ela material ou imaterial, é fator de identificação étnica, embora não suficiente,
mas presente. Logo, cultura e identidade caminham lado a lado, corroborando com Cuche
104
quando diz que atualmente, as grandes interrogações sobre a identidade remetem
frequentemente à questão da cultura.
Hoje, o grande problema que cerca vários grupos indígenas em relação à questão de
identidade é quando se diz que não há mais indígenas, pois muitos não falam a sua língua
materna, vestem-se como os não-indígenas, usam celular, cursam faculdade, entretanto, se
sentem e o considerados pelo seu grupo como indígenas. Mas como não se pode
generalizar, há tamm outros que não querem se identificar como tal. A identidade pode
estar ligada a diferentes fatores estabelecidos pelo grupo, pom o importante é que haja a
identificação pela pessoa e pelo grupo, pois cada pessoa tem sua identidade pessoal, mas
uma parte muito importante da identidade de uma pessoa é a identidade do seu grupo ou do
seu povo
105
. Essa identidade coletiva é que dá coesão ao grupo e fortalece sua representação.
102
Ibidem, p. 208.
103
SILVA, Tomas Tadeu da (org).; STUART, Hall.; WOODWARD, K. Identidade e diferença: a
perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis/RJ: Vozes, 2000, p.18.
104
CUCHE, D. Op. Cit, p. 175.
105
DANGELIS, Wilmar da Rocha. Kaingáng: questões de língua e identidade. In: Revista Liames. Nº.
2. Campinas/SP, 2002, p. 110.
50
A identidade não é definida pela cor da pele, dos olhos e dos cabelos. Tomamos um
caso sobre a cor da pele, que servirá de exemplo. O relato de Márcia Nascimento, naquele
momento (2001) acadêmica do Grau Indígena, em Barra dos Bugres/MT. Ela fala sobre
identidade, quando diz que por conta da pele mais clara dela e de outros indígenas, os
indígenas de Mato Grosso perguntavam se eles eram índios mesmo, criando uma animosidade
entre eles. Em função disso, foi realizado um debate sobre Identidade Indígena, ocasião em
que:
os ingenas puderam colocar que a identidade indígena não está na pele,
nos cabelos e na cor dos olhos, mas sim que se trata de um sentimento interno
de se reconhecer enquanto indígena e ser reconhecido como tal pelo seu
grupo
106
.
Mesmo entre os indígenas, nãoo apenas os traços sicos que estabelecem as
identidades e sim, como diz Barth
107
para definir a identidade de um grupo, o importante não
é inventariar seus traços culturais distintivos, mas localizar aqueles que são utilizados pelos
membros do grupo para afirmar e manter uma distinção cultural.
Mas afinal o que define identidade? A identidade é definida pelo sentimento de
pertença a um grupo e ser reconhecido por ele como membro, não importando o local em que
o indiduo se encontre, pois para se afirmar uma identidade não existem fronteiras e nem
elementos prontos e acabados em que as pessoas se enquadrem. Roberto Cardoso de Oliveira
mostra que a identidade étnica é contínua frente às mudanças culturais, e que uma “etnia pode
manter sua identidade étnica mesmo quando o processo de aculturação em que esinserida
tenha alcançado graus altíssimos de mudança cultural
108
. A aculturação é a interação entre
grupos que provoca diferentes mudanças no seu sistema cultural. Segundo Wachtel
109
, ela não
se reduz a uma única marcha, à simples passagem da cultura indígena à cultura ocidental;
existe um processo inverso pelo qual a cultura indígena integra os elementos europeus sem
perder suas características originais. Dissertando sobre os fenômenos de aculturação, Wachtel
106
Cadernos de educão Escolar Indígena. 3º Grau Indígena. Vol. 2, nº 1, 2003. Barra dos
Bugres/MT, p. 55.
107
BARTH, F. Apud. CUCHE. Op. Cit, p. 182.
108
OLIVEIRA, Roberto Cardoso de. Caminhos da identidade: ensaios sobre etnicidade e
mu lticulturalismo. São Paulo: Editora da Unesp, Brasília: Paralelo 15, 2006, p. 36.
109
WACHTEL, Nathan. A aculturação. In: LE GOFF, Jacques & NORA, Pierre. Hisria: Novos
problemas. Trad. Theo Santiago. 2
a
ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1979, p. 114.
51
aponta que, nesse processo, ela abrange: integração, assimilação e, no interior destes, o
sincretismo e o dualismo.
O processo de integração, principalmente devido ao contato, é inevitável e, como
ressalta Wachtel
110
, nesse processo, os elementos estranhos são incorporados ao sistema
indígena, que os submete a seus próprios esquemas e categorias; e mesmo se provocam
mudanças no conjunto da sociedade, essa reorganização adquire sentido no interior dos
modelos e valores autóctones. A assimilação é tida como o último estágio, que se dá em longo
prazo. Como nos mostra Cuche
111
, ela implica o desaparecimento total da cultura de origem
de um grupo e na interiorização completa da cultura do grupo dominante. No caso do povo
Kaingáng aqui estudado, eles vivem um processo de integração, em que elementos da cultura
não indígena são inseridos no seu meio, coexistindo, pom, com elementos culturais próprios
do seu sistema.
Nossa identidade geralmente é assumida quando estamos em uma cultura diferente,
pois em um mundo homogêneo, no qual todas as pessoas partilham a mesma identidade, as
afirmações de identidade não fazem sentido
112
. Sendo assim, a identidade é afirmada quando,
por exemplo, um indivíduo esem outro país e, numa cultura diferente, ele se identifica com
os outros membros do seu país de origem, pois assim se sente socializado e pertencente a um
grupo: a diferença é aquilo que separa uma identidade da outra, estabelecendo distinções,
frequentemente na forma de oposições
113
, como por exemplo, sou brasileiro, logo nãosou
japonês, „não‟ sou italiano.
A identidade é algo construído. Ela pode ser negada frente a situações que favorecem
isso, quando o indiduo pode querer não se sentir como tal, negando o reconhecimento da
sua identidade. Outras vezes a utiliza como estragia de sobrevivência.
A identidade de um indiduo com o seu grupo, portanto, parte dos critérios
estabelecidos por ele para sua identificação. Na presente dissertação, a identidade é percebida
pelo sentimento de pertencimento e também por meio da ngua Kaingáng na educação
escolar indígena, haja vista que sua revitalização é um modo de afirmação e revitalização de
uma identidade que fora negada.
110
Ibidem, p. 118.
111
CUCHE, D. Op. Cit., p. 116.
112
SILVA, T. T. da (org).; STUART, H.; WOODWARD, K. Op. Cit, p. 75.
113
Ibidem, p. 41.
52
1.4 - Línguas indígenas, língua Kainng
Assim como a cultura é dinâmica, tamm a língua de um povo tende a sofrer
modificações, desaparecer, ser revitalizada e adaptada. No contexto brasileiro, muitas das
línguas indígenas faladas no culo XVI desaparecem, algumas juntamente com seus povos,
devido ao contato com o não indígena, ao externio e às poticas de integração à sociedade
nacional. No século XVI, segundo o linguista Aryon Rodrigues
114
, estima-se que havia cerca
de 1,2 mil diferentes nguas faladas em nosso território pelos povos indígenas. O ponto de
partida para essa estimativa foi uma relação de 76 povos indígenas que se encontravam numa
estreita faixa paralela à costa leste, desde o rio São Francisco, ao norte, até o Rio de Janeiro,
ao sul, feita pelo padre jesuíta Fernão Cardim, no século XVI.
Sabe-se que muitas línguas indígenas desapareceram sem ao menos serem
documentadas. A linguista Ruth Monserrat
115
assinala que somente três nguas, o Tupinam
ou Tupi Antigo, o Guarani Antigo e o Kiriri dispõem de documentação dos séculos XVI e
XVII. Entretanto essas línguas como eram faladas não existem mais. A língua Pankaruru
(Pernambuco) e Kiriri (Bahia), mesmo com alguns descendentes, são consideradas nguas
extintas, devido ao falecimento dos mais velhos que as conheciam oralmente.
Atualmente no Brasil há cerca de 180 nguas indígenas, porém muitas delas
enfrentam diversas dificuldades, como por exemplo, em algumas etnias, a língua materna da
comunidade é falada por poucos, o que dificulta sua continuação e revitalização. Fatores que
se agregam à miscigenação, ao contato da aldeia com os centros urbanos e principalmente
devido a uma geração que não aprendeu a ngua, também no caso Kaingáng, fazem com que
não seja repassada para seus filhos.
Este estudo não discute a ngua nas suas questões linguísticas, porém achou-se
necessário explicitar algumas informações sicas que são pertinentes para se entender a
língua dessa comunidade. A língua Kaingáng é falada por esta etnia nos Estados de São
Paulo, Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina. Segundo D Angelis
116
, ela é uma das
línguas com maior número de falantes entre as nguas indígenas do Brasil. O povo Kaingáng
114
RODRIGUES, Aryon Dall´Igna. Sobre as línguas indígenas e a sua pesquisa no Brasil. (quadro das
línguas indígenas ainda faladas no Brasil). Disponível em:
http://cienciaecultura.bvs.br/pdf/cic/v57n2/a18v57n2.pdf, acesso em 15/01/2008.
115
MONSERRAT, Ruth Maria Fonini. nguas Indígenas no Brasil contemporâneo. In: GRUPIONI,
Luís Donizete Benzi. Índios no Brasil, MEC, 1994, p. 94.
116
D‟ANGELIS, Wilmar da Rocha. A Língua Kaingáng, p. 1. Disponível em:
http://www.portalkaingang.org/Lgua_Kaingang.pdf, acesso em 5 de maio de 2008.
53
está distribuído em dezenas de áreas indígenas ao longo dos três estados do Sul do Brasil e
interior de São Paulo, totalizando mais de 29 mil pessoas. Como se espalharam por lugares
tão distantes, há tanto tempo, os Kaingáng desenvolveram vários dialetos diferentes.
As línguas indígenas foram definidas por meio de estudo antropológico, lingstico e
histórico. Sua distribuição se por grupos ou troncos e, sequencialmente, em famílias e
línguas. Algumas destas últimas alojam dialetos. São quatro os grupos linguísticos: Tupi,
Macro-Jê, Aruak e Karib. Além desses grandes grupos, Monserrat
117
assinala que,
há várias famílias menores, com menos número de línguas, distribuídas mais
compactamente. E finalmente, as chamadas nguas isoladas, que não
revelam parentesco com nenhuma das outras e que poderiam alternativamente
ser consideradas famílias de um só membro.
Os Kaingáng pertencem ao tronco linguístico Macro-Jê, da família Jê, e falam a língua
Kaingáng, considerada pelo linguista Aryon Rodrigues como o grupo mais diferenciado
dentro da falia Jê. Esta ngua agrega cinco dialetos diferentes: dialeto do Sudeste, dialeto
do Sudoeste, dialeto do Paraná, dialeto de São Paulo e dialeto Central (Fig. 4). Em seus
estudos, Rodrigues
118
diz que o constituinte maior do Tronco Macro-é a família linguística
, que compreende línguas faladas sobretudo nas regiões de campos cerrados que se
estendem do sul do Maranhão e do Pará, em dirão ao sul, pelos Estados de Goiás e Mato
Grosso, aos campos meridionais dos Estados de São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio
Grande do Sul.
117
MONSERRAT, R. M. F. nguas Indígenas no Brasil contemporâneo. In: GRUPIONI, Luís
Donizete Benzi. Op.Cit., p. 95.
118
RODRIGUES, Aryon Dall‟Igna. Línguas Brasileiras: para o conhecimento das línguas
indígenas. São Paulo: Edições Loyolas, 2002, p. 47.
54
FIGURA 4 Tronco Linguístico Macro Jê
119
.
São vários os estudos que compreendem a questão das línguas indígenas, sobretudo na
área de linguística. Trabalhos pioneiros são os desenvolvidos pelos linguistas Aryon DallIgna
Rodrigues, Wilmar D‟Angelis, Ruth Monserrat, Bruna Francheto e Glória Kindell, entre
outros, que tratam da questão a que chamamos teórica e classificatória destas nguas,
analisando seus fonemas, sons, dialetos, grafia. D‟Angelis aponta que:
119
Disponível em: http://www.socioambiental.org/pib/portugues/linguas/macroje.shtm, acesso em
05/12/2007.
55
a primeira publicação que traz informação sobre a ngua Kaingáng é a da
Memória sobre o descobrimento e colônia de Guarapuava, escrita pelo Padre
Francisco das Chagas Lima, capelão da Real Expedição de conquista de
Guarapuava. Chagas Lima a escreveu no ano em que deixava Guarapuava
(1827), após 17 anos na função, quinze dos quais em contato direto e
freqüente com os índios. O manuscrito foi oferecido ao Instituto Histórico e
Geogfico Brasileiro por um sócio honorário, provavelmente depois da morte
do autor, e publicado no seu tomo IV
120
.
A escrita do Kaingáng utilizada nas escolas indígenas até os dias atuais foi produzida
pela linguista alemã Ursula Wiesemann. De seus estudos resultou o dicionário Kaingáng-
Português Português-Kaingáng. Anterior ao trabalho desenvolvido por Ursula temos
tamm um vocabulário Caingáng (anexo 2), segundo Felicíssimo Belino, que foi professor
Kaingáng na área da Terra Indígena Xapecó. O manuscrito foi produzido por Antonio Selistre
de Campos, Juiz de Direito que pagava o sario deste professor
121
. Consta que esse
vocabulário data de 1940. O mesmo contém 356 palavras com suas respectivas traduções,
adjetivos, numerais, pronomes possessivos, pronomes, preposições, verbos, conjugação de
verbos, advérbios, expressões, frases.
Como mencionado anteriormente, esta é uma pesquisa em história e não em
linguística, portanto este documento não foi analisado em relação a outros em sentido de
comparação ou de modificações nas palavras e muito menos no que se trata de seu
entendimento linguístico, pois não temos formação acadêmica para tal análise. Percebemos o
mesmo como um documento histórico, uma fonte, um registro que pode conter vários
sentidos. Nossa hipótese é que naquele contexto, assim como faziam os viajantes, o interesse
do Senhor Selistre de Campos, tido como defensor dos indígenas, era entender um pouco da
língua Kaingáng para sua comunicação com os indígenas. Porém não temos essa figura como
um incentivador da língua materna Kaingáng nas escolas, uma vez que nem na escola que
fundou era ensinada.
A língua Kaingáng, além do dicionário bilíngüe, conta tamm com materiais
produzidos nos cursos de formão oferecidos pela SED/SC e materiais produzidos por outras
instituições.
120
D‟Angelis, Wilmar da Rocha. O primeiro século de registro da língua Kaingáng (1842-1950):
valor e uso da documentão etnográfica. Disponível em: http://www.portalkaingang.org/Primeiros100anos.pdf,
acesso em 15/01/2008, p. 3.
121
Sobre o Senhor Antonio Selistre de Campos e sua relação com os Kaingáng ver: MANFROI,
Ninarosa Mozzato da Silva. A hisria dos Kaingáng da Terra Indígena Xapecó (SC) nos artigos de Antonio
Selistre de Campos: Jornal A Voz de Chape 1939/1952. Dissertão (Mestrado em História). Universidade
Federal de Santa Catarina, 2008.
56
CAPÍTULO 2 A INSTITUIÇÃO ESCOLAR E A LÍNGUA KAINGÁNG
2.1 O SPI e a integração nacional: educação como meio de nacionalização
Conhecer a trajetória do SPI/LTN e de sua potica em relão aos indígenas se faz
necessário nesta dissertão para que se entenda como foram efetuadas as tentativas de
incorporão dessa população à sociedade nacional.
Anterior à criação de um órgão de proteção para as populações indígenas, foram
instituições religiosas como as dos jestas, franciscanos, salesianos, que estiveram à frente
do processo de civilização e incorporão dos indígenas à sociedade nacional, tendo por
objetivo catequizá-los e torná-los cristãos, além de utilizá-los como mão de obra. Estes
missionários modificaram o cotidiano indígena, pois dividiam o seu dia em momentos de
reza, estudo e trabalho. Conforme Bessa Freire
122
,
[...] nas aldeias de repartição
123
, os missionários fundavam colégios e
ensinavam a ler e escrever em determinadas horas do dia [...] com a língua os
índios aprendiam ofícios de pedreiros, oleiros, carpinteiros, pintores [...] o
resto do dia era dedicado ao trabalho produtivo em benefício dos missionários
e as noites eram reservadas para os sees e ensino das doutrinas cristãs.
Os jestas foram expulsos do Brasil em 1759, coube, então, ao governo português delegar a
diretores de aldeamentos os ocios em relação aos povos indígenas.
122
FREIRE, José Bessa. Da fala boa ao português na Amazônia Brasileira. A meríndia, nº. 8, 1983,
p. 56.
123
Também conhecida como “aldeias domésticas, foi dirigida por colonos e por jesuítas para controle
do dia do indígena. Local onde eram levados os indígenas para serem alugados, escravizados e para aprender
profissões e doutrinas cristãs.
57
No que se refere às investidas para que as línguas indígenas fossem proibidas, tem-se
já no período colonial o documento “O Diretório dos Índios
124
, que apresentava artigos
referentes ao ensino da língua portuguesa, considerando as nguas faladas pelos indígenas
como abomiveis. O objetivo de integrá-los à comunhão nacional se dava por diversas
formas como a miscigenação, práticas culturais da sociedade dita civilizada e aprendizado
da língua nacional, a língua portuguesa. O propósito era que se formasse uma identidade
única para o país, ou melhor, cidadãos brasileiros, de pele clara e falantes da ngua oficial do
Brasil.
No século XIX, o Brasil era considerado pelos intelectuais como um país atrasado em
relação à Inglaterra e aos Estados Unidos, que tinham um desenvolvimento industrial e
progressista. A República brasileira se consolidou em 1889, momento em que os ideais da
doutrina positivista influenciavam a classe dominante. Hoje ainda estão presentes na bandeira
do Brasil seus princípios representados pela frase Ordem e Progresso. A Igreja e o Estado
caminharam rumo à separação, pois desde o final do imrio, os grupos republicanos, de
inspiração positivista, levantaram a bandeira da separação entre a Igreja e o Estado
125
. Como
aponta Gagliardi
126
, do mesmo modo que o Estado, a educação e o casamento foram
laicizados, deveria acabar tamm a presença da religião junto às populações indígenas. Esse
era o fundamento político da ordem burguesa que se estabelecia no Brasil.
Algumas mudanças efetuaram-se nos vários setores da sociedade, principalmente entre
os que estavam ligados ao desenvolvimento do país, como a construção de ferrovias, que
adentravam territórios, passando pelas terras habitadas por indígenas, acirrando conflitos entre
eles e os colonos. Acompanhando o crescimento, estavam as linhas telegráficas e as estradas.
É nesse contexto que as áreas ocupadas por grupos indígenas hostis configuravam-se como
entrave maior ao desenvolvimento capitalista.
127
124
O Diretório dos Índios, que se deve observar nas Povoações dos Índios do Pará e Maranhão”, foi
assinado em três de maio de 1757, pelo governador do Grão Pará F rancisco Xavier de Mendonça Furtado, tendo
suas diretrizes aprovadas pela força do Alvade 17 de agosto de 1758, e estendido para o Brasil em agosto de
1758. O Diretório contém 95 parágrafos, que tratam de diversas questões, desde a civilização dos índio s aos
problemas da distribuição de terras para cultivo, formas de tributão, produção agrícola e comercializão,
expedições para coleta de espécies nativas, relações de trabalho dos índios com os moradores, edificação de
vilas, povoamento e manutenção dos povoados por meio dos descimentos, presença de brancos entre índios,
casamento, e cria a figura do “diretor”.
125
MARCON, T. & MACIEL, E. N. O serviço de proteção ao índio. In: MARCON, T. Op. Cit., p. 137.
126
GA GLIARDI, José Mauro. O indígena e a Reblica. São Paulo: HUCITEC: Editora da
Universidade de São Paulo: Secretaria de Estado da Cultura, 1989, p. 226.
127
Ibidem, p. 236.
58
Durante o XVI Congresso de Americanistas, realizado em setembro de 1908 em
Viena, foi auferido espaço de discussão nos debates científicos à questão indígena. No dia
quatorze daquele mês, um pronunciamento de um jovem de 27 anos foi motivo de debates:
“Albert Frič denunciou e responsabilizou os colonizadores brasileiros e europeus pelo
genocídio das poucas comunidades indígenas restantes no Brasil
128
. A denúncia foi
amenizada por outros participantes, e os debates foram encerrados pelo presidente do
Congresso que, ao referir-se à fala de Frič, disse que o assunto era de responsabilidade
governamental e não de um congresso científico. Entretanto, a declaração daquele dia não
esteve restrita apenas ao congresso e provocou grande pomica e repercussão em alguns
países.
No Brasil, a discussão foi promovida pelos jornais paulistas e cariocas por meio de um
artigo publicado na Revista do Museu Paulista. Nessa revista, Hermann von Ihering, diretor
do referido Museu, escreveu em seu artigo que:
os atuais índios do Estado de S. Paulo não representam um elemento de
trabalho e de progresso. Como também nos outros Estados do Brasil, não se
pode esperar trabalho sério e continuado dos índios civilizados e como os
Caingangs são um empecilho para a colonização das regiões do sertão que
habitam, parece que não há outro meio, de que se possa lançar mão, se não o
seu extermínio
129
.
Logo após a publicação desse texto, que enfatizava o extermínio em prol do progresso,
várias respostas em forma de crítica apareceram nos jornais, principalmente dos positivistas
como Sílvio de Almeida, Luís Bueno Horta Barbosa e ndido Rondon, que condenavam os
dizeres de Ihering. Após as críticas, von Ihering tentou se explicar, publicando artigos em sua
defesa. Segundo Darcy Ribeiro
130
, paradoxalmente, o pronunciamento de Ihering foi um dos
mais decisivos para a fundação do SPI, pois trouxe várias questões ligadas à proteção e
integração dessa população que a então estava a cargo de missionários.
A partir desses debates, apresentavam-se duas correntes de opinião: uma que
propunha entregar o cuidado dos índios às instituições religiosas e outra que propunha a
128
Ibidem, p. 70.
129
IHERING, Hermann von. Antropologia do Estado de São Paulo”, Revista do Museu Paulista, vol.
VII, 1907, p. 215. Apud. GAGLIARDI, J. M. Op.Cit., p. 72.
130
RIBEIRO, Darcy. Os índios e a civilização. A integração das populações indígenas no Brasil
Moderno. São Paulo: Companhia das Letras, 1996, p. 149.
59
assistência leiga aos índios
131
. Neste contexto de mudanças e de denúncias, a queso
indígena apareceu com mais frequência e se consolidou a criação do SPI/LTN, “primeiro
aparelho de poder governamentalizado, institdo para gerir a relação entre os povos
indígenas, distintos grupos sociais e demais aparelhos de poder
132
.
O SPI/LTN foi criado em vinte de julho de 1910 por meio do decreto n
o
. 8072, sendo
inaugurado em setembro do mesmo ano. O projeto para instituí-lo foi encaminhado pelo
ministro Rodolfo Miranda, que:
[...] em meados de junho encaminhou o projeto ao Presidente Nilo Peçanha,
para ser apreciado. Na exposição de motivos, publicada dois dias depois,
Rodolfo Miranda informava ao presidente que seus objetivos eram
sistematizar a proteção aos índios e prescrever regras para a localização dos
trabalhadores nacionais. O mbolo da nova orientão foi a substituição da
palavra catequese pela palavra proteção
133
.
Com a criação deste órgão, a assistência aos indígenas passou a ser de cunho estatal. O
SPI atuou, mesmo que de forma precária e sem muito aporte financeiro, até 1967, quando foi
substitdo pela FUNAI.
De acordo com a potica de integração, o SPI serviu como um mecanismo cujo
objetivo era integrar os povos indígenas à sociedade nacional por meio da substituição de sua
cultura, inserção de novas técnicas em detrimento das utilizadas pelos indígenas e do ensino
da ngua portuguesa, coibindo a utilização da língua materna
134
. Foi no período de atuação do
SPI que houve a inserção de escolas nas áreas indígenas, escolas voltadas a formar cidadãos
brasileiros.
O órgão ficou vinculado, em nível de Governo Federal, ao Ministério da Agricultura,
Indústria e Comércio. O primeiro diretor do SPI, de 1910 a 1915, foi Cândido Mariano da
Silva Rondon. Segundo o historiador Todd A. Diacon
135
, escritor de uma das últimas
131
MELATTI, J. C. Op. Cit., p. 171.
132
LIMA, Antônio Carlos de Souza. O governo dos índios sob a gestão do SPI. In: CUNHA, M. C. da.
(org.). Hisria dos Índios no Brasil. São Paulo: FAPESP: Companhia das Letras, 1998, p. 155.
133
GAGLIARDI, J. M. Op.Cit., p. 225-226.
134
A língua materna era proibida, pom algumas pessoas no interior de suas casas, principalmente os
mais velhos, mantinham conversas na sua língua. Esse fator contribuiu para que algumas línguas como, por
exemplo, o Kaingángo fossem extintas.
135
DIACON, Todd A. Rondon: o marechal da floresta. Trad. Laura Teixeira Motta. São Paulo :
Companhia das Letras, 2006, p. 127.
60
biografias sobre Rondon, foi em quatorze de mao de 1910 que Rondon escreveu ao então
ministro da Agricultura, Rodolfo Miranda, aceitando o convite para tornar-se o primeiro
diretor do Serviço de Protão aos Índios e nessa carta apresentou seu plano positivista para
regular as relações com os povos indígenas. Rondon foi escolhido devido ao seu
conhecimento dos sertões brasileiros, resultado de seus trabalhos nas linhas telegficas e de
sua formação no exército. Ele foi,
militar do exército, um mato-grossense nascido em Mimoso no município de
Santo Antônio do Leverger, em 5 de maio de 1865, chefiou as principais
iniciativas de desenvolvimento da região amazônica durante a primeira
República, com o objetivo de construir instalações militares que garantissem a
integridade territorial do Brasil. Até 1930, acumulou as chefias da comissão
de Linhas telegráficas do Mato Grosso ao Amazonas e a direção do SPI
136
.
Diacon mostra Rondon positivista e nacionalista como nunca fora descrito,
assinalando que o positivismo foi tudo para ele, moldou sua visão de mundo. Forneceu o
esquema para o desenvolvimento nacional que ele seguiu ao planejar e construir a linha
telegráfica. E tamm determinou suas iias sobre as relações entre índios e brancos no
Brasil
137
. Rondon carregava consigo a bandeira do Brasil e comemorava as datas do
calendário positivista e os dias cívicos. Nas aldeias que visitava colocava um gramofone para
escutar o Hino Nacional Brasileiro.
Diacon ainda aponta duas vertentes que se projetaram a partir das políticas
indigenistas de Rondon. Uma que elogia as suas poticas e outra que critica, surgida
especialmente entre autores vinculados à Universidade Federal do Rio de Janeiro. Essa última
vertente, chamada por ele de revisionista, afirma que o objetivo principal de Rondon era a
expansão do poder do Estado, e não a assisncia aos índios [...]. Para esta vertente a extinção
dos povos e das culturas indígenas e não a sua proteção, era a meta final da potica de
assimilação de Rondon”
138
. Sabemos, porém, que o órgão passou pela administrão de
outros diretores e funcionários que o organizaram de formas díspares, portanto o período de
criação do SPI e os princípios positivistas do primeiro diretor podem divergir. Um exemplo
136
BIGIO, Elias dos Santos. ndido Rondon. A integração nacional. Rio de Janeiro: Contraponto:
Petrobrás, 2000, p. 05.
137
DIACON, T. A. Op. Cit., p. 96.
138
Ibidem, p. 142.
61
disso é que o SPI contribuiu para o desmatamento de reservas indígenas por meio da
corrupção, fato não mencionado nos objetivos de Rondon.
No icio do órgão de protão, o então nomeado diretor teve “como diretrizes os
princípios compreendidos em 1822 por José Bonifácio de Andrada e Silva e até então
irrealizados
139
. José Bonifácio foi um grande intelectual brasileiro que ocupou vários cargos,
e dentre eles, já quase no final de sua vida, o de ministro do Reino e dos Negócios
Estrangeiros. Era celebrado e considerado pelos positivistas como um herói, por ser um dos
idealizadores da República e construtor da nação.
Os princípios elaborados por ele nos seus Apontamentos para a civilização dos índios
bravos do Imrio do Brasil”, apresentado na Assembléia Constituinte de 1823, baseavam-se
principalmente na miscigenação, na pacificação sem armas, em tornar os indígenas
agricultores, integrando-os aos poucos à sociedade nacional, substituindo a língua materna
pela portuguesa. Bonifácio acreditava que se fosse mudado o método de atração, o indígena
poderia integrar-se pacificamente à sociedade brasileira. Nesse sentido, propôs que o
relacionamento entre o Estado e as populações indígenas fosse orientado por quatro princípios
básicos: justiça, brandura, constância e sofrimento, para cativar seus sentimentos e pregar-lhes
a fé cristã
140
. Segundo Bonifácio:
procurará com o andar dos tempos, e nas aldeias já civilizadas introduzir
brancos e mulatos morigerados para misturar as raças, ligar os interesses
recíprocos dos índios com a nossa gente, e fazer deles todo um corpo da
não, mais forte, instruída, e empreendedora e destas aldeias assim
amalgamadas i convertendo em vilas como ordena a lei já citada de 1755.7º
141
Outros princípios estabelecidos por José Bonifácio tratam sobre o mesmo assunto e
indicam o objetivo de transformar os indígenas em agricultores através de etapas, fazendo
com que estes aprendessem aspectos da cultura não indígena, como a ngua e aponta que:
139
RIBEIRO, D. Os índios e a civilização... Op.Cit., p.156.
140
GAGLIARDI, J. M. Op.Cit., p.30.
141
SILVA, José Bonifácio de Andrada e. Projetos para o Brasil. Organização: Miriam Dolhnikoff. São
Paulo: Companhia das Letras: Publifolha, 2000, p.61.
62
[...] os línguas ensinao o idioma português, e a ler e contar aos selvagens, de
modo que a nossa língua venha a ser geral animar por todos os meios
possíveis os casamentos dos homens brancos e de cor com as índias [...]
convertê-los pouco e pouco de cadores e pastores. E depois a cultivadores
fixos
142
.
Ainda sobre a questão da língua, dizia José Bonifácio, que se deveria “acabar nas
aldeias com a língua da terra, e ensinar aos rapazes o português para acabar com a separação e
isolamento, banir a ignorância e antiga barbárie de costumes
143
.
Comparando estes princípios aos da doutrina positivista, percebe-se que compartilham
dos mesmos ideais, uma vez que para os positivistasa integração teria de ser através da
disciplina, do trabalho e da fusão das etnias, pois as novas gerações aos poucos perderiam
espontaneamente tros culturais, que para os positivistas atrasariam a almejadaevolução‟ do
espírito humano
144
.
De início, o órgão foi denominado SPI/LTN Serviço de Proteção ao Índio e
Localização de Trabalhadores Nacionais, mas, segundo Ribeiro
145
, já em 1914, reconhecendo-
se a especificidade dos problemas indígenas, o SPI passaria a tratar exclusivamente dele,
transferindo as atribuições de localização de trabalhadores nacionais para outra repartição
governamental. O órgão de proteção embasou sua potica na ideologia positivista, fundada na
França por Augusto Comte. Já no Brasil,
a filosofia positivista começou a partir de 1850, quando alguns trabalhos de
natureza científica, aliceados sobre os cânones do positivismo, foram
apresentados na escola militar. A escola militar foi um dos principais centros
de propagação da doutrina positivista. Benjamin Constant era o professor que
mais se destacava nessa entidade. Ele havia se transformado no principal
responsável pela irradiação do positivismo entre os militares jovens, entre os
quais estavam Ximeno de Villeray, ndido Mariano S. Rondon, Tasso
Fragoso, lio C. Horta Barbosa, Alípio Bandeira, Manuel Rabelo e Lauro
Sod
146
.
142
Ibidem, p.63.
143
Ibidem, p.67.
144
HOERHANN, Rafael Casanova de Lima e Silva. O Serviço de Proteção aos Índios e os botocudo:
a política indigenista através dos relatórios (1912-1926). 2005. Dissertação (Mestrado em História).
Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, p. 40.
145
RIBEIRO, D. Os índios e a... Op. Cit., p. 158.
146
GAGLIARDI, J. M. Op. Cit., pp. 42- 43.
63
As populações indígenas passaram, a partir daquele momento, a ser responsabilidade
do Estado, que tinha por objetivo não mais cristianizar e sim contactar, pacificar e formar
novos cidadãos que comporiam e incorporariam a população brasileira. Com base no
positivismo e na teoria dos três estados
147
formulada por Comte, os responsáveis pelo órgão
acreditavam que os indígenas estavam no estágio fetichista, mas que poderia m evoluir e
chegar à etapa positivista, que seria a civilização. Segundo Bigio
148
, Rondon entendia que os
povos indígenas do Brasil encontravam-se no 1
o
estágio, mas poderiam alcançar o estágio
positivo através da educação e do aprendizado de novas formas de produção.
Fica evidente, diante do contexto de criação do SPI e de sua potica, que um dos seus
objetivos era realmente que os povos indígenas fossem aos poucos assimilados e
compusessem a identidade que se almejava para o Brasil. No Regulamento do SPI, de 1936,
dentre outros propósitos, é citado que o órgão terá por fim r em execução medidas de
ensinamentos para a nacionalização dos silvícolas, com o objetivo de sua incorporação à
sociedade brasileira
149
.
A educação foi um dos meios para que se atingisse a integração das populações
indígenas, pois por meio do ensino da Educação Moral e Cívica e de questões ligadas à
nacionalidade brasileira e principalmente da aprendizagem da língua portuguesa, desejava-se
que estes fossem gradativamente substituindo sua cultura pela cultura não indígena.
O SPI instalava postos nas áreas indígenas. Ao seu redor se localizavam a escola, a
casa do encarregado do posto, algumas casas. Segundo o Art. 5 do Regulamento do SPI,
assim era o procedimento:
[...] nas zonas habitadas por índios seo instalados postos que além de
amparo e mais funções consignadas neste e no seguinte capítulo, procurarão
especialmente por mais brandos, atrair os índios em estado made, pacificar
os que se mantiveram hostis, reeducar os habituados ao nomadismo pelas
cidades e povoados e nacionalizar os índios em geral, especialmente os das
regiões de fronteiras
150
.
147
Essa teoria era baseada em estados de evolão, onde o conhecimento humano passaria pelos
estágios: Teológico, Metasico e o Positivo. O estado Teológico foi dividido por Comte em três etapas
sucessivas: fetichismo, politeísmo e monoteísmo.
148
BIGIO, E. dos S. Op. Cit., p. 31.
149
Regulamento do Serviço de Protão ao Índio. Decreto 736 de abril de 1936. Documentos da
Regional da FUNAI de Paranaguá PR.
150
Idem.
64
Nos estudos realizados por Sílvio Coelho dos Santos
151
sobre os indígenas em Santa
Catarina, consta que o Posto Indígena do SPI foi instalado no ano de 1941 na TI Xape e foi
denominado de PI Chapecó, mais tarde recebendo o nome de PI Dr. Selistre de Campos.
“Voltou a se chamar Posto Indígena Xapecó, dessa vez com X, quando o SPI foi substitdo
pela FUNAI
152
. Foi com a inserção da instituição escolar
153
que o ensinamento da tradão
através da oralidade dividiu espaço com o aprendizado que se tinha na escola e a escrita
começou, de forma lenta, a fazer parte do cotidiano da comunidade. O que é importante frisar
é que com as escolas tamm se deu o ensino da língua portuguesa e a obrigatoriedade de a
mesma ser falada pelos indígenas, fator que contribuiu para o decréscimo de falantes e da
oralidade que se dava na ngua materna. Ressalvamos que alguns Kaingáng, os que estavam
em contato com os não-indígenas conheciam um pouco da língua portuguesa, mas o seu
ensino regular se deu nas instituições escolares. Sendo assim, naquele momento, a escola foi
um mecanismo de opressão em relação à manutenção da língua indígena e de baixa auto
estima para os alunos, pois frente a uma língua desconhecida, sentiam-se discriminados e com
dificuldades na aprendizagem. A senhora Maria Virgínia Mendes (Fig. 5), atualmente
professora de ngua Kaingáng na Escola Indígena de Ensino Fundamental Pinhalzinho, relata
que:
[...] foi nessa época que eu passei por difíceis momentos dentro da sala de
aula, eu era assim massacrada por causa da minha própria ngua, eu era
proibida fala dentro, fora e dentro da sala de aula. Então foi muito triste, por
isso que hoje a gente se criou naquilo ali, oprimida, massacrada, então as
vezes alguém diz assim, ó lá na Terra Indígena Xapecó, quase ninguém fala
Kaingáng, mas o Kaingáng ele foi do povo Kaingáng que sofreu pra deixa sua
ngua e fala o português, porque nós falávamos só em Kaingáng, nossa ngua
materna
154
.
151
SANTOS, S. C. dos. Educão e sociedade... Op. Cit., p. 46 - 47.
152
MANFROI, N. M. da S. Op.Cit., p.75.
153
Instituição escolar não indígena sem bases nos direitos que foram conquistados pela Constituição
Federal do Brasil de 1988.
154
MENDES, Maria Virgínia. Entrevista concedida a Talita Daniel Salvaro, em 20 de junho de 2006,
Terra Indígena Xape/SC.
65
FIGURA 5 - Professora de ngua Kaingáng Maria Virgínia Mendes
155
.
Não só as nguas indígenas foram proibidas, tamm as línguas de imigrantes alemães
e italianos passaram pelo processo de nacionalização do governo Getúlio Vargas quando
houve o fechamento de várias escolas. Giralda Seyferth, em seu texto Identidade nacional,
diferenças regionais, integração étnica e a questão imigratória no Brasil
156
, discute a
proibição da ngua dos imigrantes como forma de negação de sua cultura. O que ela nos
aponta é uma experiência que também se deu com os indígenas, pois sendo a língua de uma
etnia um fator cultural e identitário, no momento em que se proíbe sua fala, tamm se nega a
cultura que é por ela transmitida. O que se pretendia através dessa proibição era a integração
dessas populações à sociedade nacional. Para que isso acontecesse, seria preciso haver
indivíduos que atendessem aos aspectos de identificação brasileira, formando uma unidade
comum, cujo fator principal seria todos falarem a ngua portuguesa.
A escola desempenhou o papel de colaboracionista no processo de nacionalização,
pois tinha por objetivo integrar as populações indígenas à sociedade nacional e sabiam que as
155
SALVA RO, T. D. Professora de língua Kaingáng Maria Virgínia Mendes. Terra Indígena
Xape, Ipuu, 2006. Acervo da autora, 1 fotografia digital.
156
SEYFERTH, Giralda. Identidade nacional, diferenças regionais, integração étnica e a questão
imigratória no Brasil. In: ZARUR, George de Cerqueira Leite (org.) Região e Nação na América Latina.
Brasília: Editora da UnB, 2000, p. 81-109.
66
línguas indígenas eram um dos obsculos para tal objetivo: daí que a função da escola era
ensinar os alunos indígenas a falar e escrever em português
157
. Percebemos tamm nos
dizeres dos Kaingáng a presença da tradição oral e das lembranças do período de atuação do
SPI, porém tais recordações nos são transmitidas por meio de pessoas que não viveram
naquela época, mas que sabem sobre alguns fatos, pois seus familiares lhes contaram, como
por exemplo, na fala do professor de língua Kaingáng Luciano Fernandes (Fig.6).
É meu pai falou pra mim, ele disse que no tempo do SPI eles não tinham
liberdade como nós temos hoje né, com as crianças né porque as vezes quando
a pessoa assim, quando encontra uma pessoa falando um idioma com outra ou
até mesmo na escola eles proibiam até davam castigo pras pessoas né, e hoje
nós dizemo que nós temo liberdade hoje de falar e trabalhar o Kaingáng
158
.
FIGURA 6 - Professor de língua Kaingáng Luciano Fernandes
159
.
157
MEC/SEF. RCNEI - Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas. Brasília:
Ministério da Educão e do Desporto, Secretaria de Educão Fundamental, 1998, p. 119.
158
FERNANDES, Luciano. Entrevista concedida a Talita Daniel Salvaro em 21 de junho de 2006,
Terra Indígena Xape /SC.
159
SALVARO, T. D. Professor de Língua Kaingáng Luciano Fernandes. Terra Indígena Xapecó,
Ipuaçu, 2006. Acervo da autora, 1 fotografia digital.
67
Os alunos tinham dificuldade em aprender uma língua até eno desconhecida.
Segundo o Senhor Cezário Pacífico (Fig.7), morador da Sede da TI Xapecó, havia muita
dificuldade com esse idioma: “nós proseava mais no idioma, daí não era fácil pra aprende a
língua português e a lê, lê, né, escreve. E daí fomo aprendendo tamm, aprendemos a prosea
mais o português e esquecemo tamm, né
160
.
Percebe-se nessa fala do senhor Cezário a relação entre o oral e o escrito, ou seja,
enquanto eles se comunicavam em Kaingáng, a língua materna prevalecia no seu uso
cotidiano, porém ao se inserir e ensinar a língua portuguesa, eles foram aprendendo tanto a
oralidade como a escrita em português. Cezário ainda assinala que era mais difícil escrever, o
que é compreensível visto que a oralidade que possam era a da língua Kaingáng. Nesse
relato tamm se observa que a língua portuguesa passou a predominar: aprendemos a
prosea mais o português e esquecemo tamm.... Esqueceu-se da língua materna, pois o
português passou a ser de uso efetivo na comunidade.
160
PACÍFICO, C. Entrevista. Op.Cit.
68
FIGURA 7 - Senhor Cezário Pacífico
161
.
Manter a língua materna de uma comunidade num momento em que havia
mecanismos para que fosse proibida tornava-se cada vez mais complicado, mesmo porque
havia a necessidade de comunicação dos indígenas com os não-indígenas, como por exemplo,
com os funcionários do posto. A escola acabou desempenhando um papel que contribuiu para
o decréscimo das nguas indígenas. Veiga
162
aponta algumas barreiras para a perpetuação da
língua indígena, sendo que o primeiro obsculo à manutenção da ngua Kaingáng foi fruto
das pressões e da discriminação regional, que ainda prevalecem. O segundo é a gradativa
afirmação da hegemonia de um projeto integracionista [...]; o terceiro é o próprio processo
161
SALVARO, T. D. Senhor Cezário Pafico, funcionário do Posto da FUNAI na TI Xape. Terra
Indígena Xape, Ipuú, 2007. Acervo da autora, 1 fotografia color digital.
162
VEIGA , Juracilda e D‟ANGELIS, Wilmar da Rocha. Bilinguis mo entre os Kaingáng: situão atual
e perspectivas. In: MOTA, L.T; NOELLI, F.S.; TONMASINO, K. Uri e xi. Estudos interdisciplinares dos
Kaingáng. Londrina: Editora UEL, 2000, p. 313.
69
educacional, bilíngue, instaurado há duas décadas [...] que direciona a criança para a
valorização e emprego da língua portuguesa em substituição à ngua indígena.
A ngua passou por processos que visavam à integração indígena e, como a cultura
destas populações se modificou devido ao contato com o colono, a ngua tamm passou (e
passa) por transformações e adaptações, pois além de ser um fator de identidade étnica, ela
tamm é um elemento cultural. Ribeiro
163
mostra que a língua constitui um dos elementos
mais persistentes da cultura, todavia, tamm ela reflete foosamente as experiências vividas
pelo grupo. Assim, concomitantemente com os processos de integração e aculturação, opera-
se uma diversificação da língua, quando menos, para exprimir o novo mundo em que o grupo
vai se integrando. Essa relação da língua com a cultura, marcada pela citação de Ribeiro,
permite analisar algumas das consequências, ou melhor, caminhos que se tomaram devido a
essas poticas de integração. Um cenário de poucos falantes que entendem e falam
fluentemente sua ngua materna deriva de um período ou parte do processo porque a ngua
Kaingáng passou.
2.2 - FUNAI: formação de monitores bilíngues no CTP Clara Camarão e o Bilinguismo
de substituição
Em 1967, em substituição ao SPI é criada pela Lei n5.371, de 5 de dezembro de
1967, a Fundação Nacional do Índio, regida naquele momento pelos Estatutos aprovados pelo
decreto n.
o
68377, de 1 de março de 1970, pelo Regimento Interno Aprovado pela Portaria n.
o
42-A, de 10/06/1970, do Ministério do Interior e pelo Regulamento de Pessoal aprovado pela
Portaria n
o
42-B, de 10/06/70, do mesmo ministério. Ficando sua presincia a cargo do
Jornalista e professor Jo de Queirós Campos, sua estrutura se dava da seguinte forma,
segundo consta em documento.
1 Presidência
2 Conselho curador
3 Conselho Indigenista
4 Junta de Planejamento e coordenão
5 Órgãos de Assessoramento
a. Procuradoria jurídica
b. Assessoriacnica
c. Assessoria de Relões Públicas
d. Assessoria de Seguraa e Informações
163
RIBEIRO, D. Os índios e a civilização... Op. Cit., p. 282.
70
6 Superintendência Administrativa
7 Unidades Executivas, em nível departamental
a. Departamento geral de assistência
b. Departamento geral de estudos e pesquisas
c. Departamento geral do Patrimônio Indígena
8 Unidades Regionais.
164
O PI Xapecó estava na área de jurisdição da 4
a
DR - Delegacia Regional de Curitiba,
juntamente com outras áreas indígenas do Estado de São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio
Grande do Sul.
O cenário em relação à questão indígena continuou seguindo muito dos objetivos do
SPI. Segundo o antropólogo Sílvio Coelho dos Santos, a FUNAI continua a ser um braço do
Estado autoritário que objetiva a transformação dos índios em não-índios
165
. Percebemos em
alguns documentos da FUNAI que o objetivo de integração está implícito em seus escritos
como nas informações sobre a 4
a
DR/FUNAI remetida pelo Cel Kleber Assumpção para a
Diretora do Departamento de Recursos Humanos da SUDESUL em Porto Alegre
166
. Na
exposição dos propósitos desta fundação está que o objetivo da FUNAI é a prestação de
assistência, através, inclusive, do exercício da tutela, ao silvícola, para o efeito de incorporá-lo
à comunhão nacional. Logo em seguida, em uma das competências que cabe a FUNAI e
remete-se à educação, lê-se “V promover a educação da base apropriada do índio, visando a
sua progressiva integração na sociedade nacional”
167
. A educação, que competia à FUNAI,
tinha como objetivo ensinar, pom com o fim de integração. Na listagem da frequência
escolar, o aluno era classificado por tribo ou civilizado, como aparece na frequência da
professora Maria Guisso Velho (fig.8). Portanto as populações indígenas eram sim
consideradas indivíduos que precisavam ser civilizados e que deveriam aprender a língua
portuguesa e a cultura da sociedade nacional.
164
Dados sobre a FUNAI e a 4
a
DR - 08.72 - Kleber Assumpção (Delegado da 4
a
DR). Documentos da
Regional da FUNAI de Paranaguá/PR.
165
SANTOS, Sílvio Coelho dos. Os povos indígenas e a constituinte. Florianópolis: Ed. da
UFSC/Movimento, 1989, p.16.
166
Informões sobre a 4
a
DR/FUNAI remetida pelo Cel Kleber Assumpção para a Diretora Ana Maria
dos Santos Amantino do Departamento de Recursos Humanos da SUDESUL em Porto Alegre. Documentos da
Regional da FUNAI de Paranaguá/PR.
167
Idem.
71
FIGURA 8 - Frequência escolar da professora Maria Guisso Velho 1977
168
.
168
Frequência escolar. Documentos da Regional da FUNAI de Paranaguá/PR.
72
A educação indígena mantida pelo SPI e depois pela FUNAI seguia os padrões das
escolas rurais brasileiras, sem nenhuma especificação à cultura indígena. Foi por meio do
Summer Institute of Linguistics - SIL que tem por objetivos: analisar línguas indígenas;
sugerir ortografias linguística e culturalmente viáveis; estimular a produção de literatura
indígena; traduzir material de alto valor cultural para essas nguas; e cooperar com o governo
no fornecimento de educação bilíngue intercultural para os grupos indígenas cujas línguas são
estudadas
169
, que foi inserido o estudo sistemático da escrita e publicação de material na
língua Kaingáng.
Na América Latina, foi através do trabalho do SIL, instituição missionária
norte-americana, e do Instituto Indigenista Interamericano
170
(III), que a idéia
de interculturalidade se tornou uma espécie de ponto forte do discurso
educacional para as populações indígenas dessa parte do mundo. Durante a
década de 50, quando da expano do SIL para a América do Sul, o Brasil,
assim como outros países, enfrentava problemas com os seus programas de
educação para índios. Havia, nesta época, 66 escolas em área ingenas, todas
seguindo o padrão de escola rural, com a alfabetizão feita em português
171
.
Portanto, o SIL comou a atuar no Brasil ainda na época do SPI. Collet
172
lembra que,
num primeiro momento, o SPI não aceitou a proposta do Summer de vir atuar junto a ele no
Brasil, pois a filosofia de Rondon pregava um indigenismo independente de qualquer
organização missionária. O SIL então procurou respaldo, em 1957, no Museu Nacional, e foi
aceito para iniciar pesquisa linguística com grupos indígenas brasileiros. Logo depois da
criação da FUNAI, o SIL assina convênio com esta instituição, a qual passou ao SIL a
responsabilidade pelo seu setor de educação.
Foi por meio da Escola Normal Clara Camarão, criada em parceria com a FUNAI e
com a Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil, que se deu icio ao ensino da
língua escrita em Kaingáng, documentada pela lingüista Ursula Wiesemann. Assim indígenas
de alguns postos aprenderem a escrever em Kaingáng para serem monitores bilíngues em suas
aldeias.
169
Disponível em http://www.sil.org/americas/brasil/PortSILB.htm, acesso em 19 de agosto de 2008.
170
Criado em 1942, com sede no México, com o objetivo de estimular e coordenar a política indigenista
no âmbito do continente americano.
171
COLLET, Célia Leticia Gouvêa. Interculturalidade e educão escolar indígena: u m breve histórico.
In: Cadernos de educação Escolar Indígena. 3º Grau Indígena. Op.Cit., p.177.
172
Ibidem, p.178.
73
No relatório de atividades da 4
a
DR, está descrito todo o funcionamento da Escola
Normal Clara Camao, que foi criada pela Portaria n
o
. 233/69 da Presincia da FUNAI por
sugestão da Chefia da 4
a
DR, e inaugurada em 19 de fevereiro na área do Posto Indígena de
Guarita, próximo à Vila São João, município de Redentora. A seguir, temos a descrição do
estabelecimento e do corpo docente:
O estabelecimento, cujas atuais instalações o provisórias, se compõe de 5
pavilhões de madeira, destinados a sala de aula com dormirio masculino,
sala de aula com dormitório feminino, residência de professora, além de uma
enfermaria de 20 leitos, com farmácia, sala de curativos e demais
dependências, tendo sido investidos nas construções, móveis, utensílios,
enxovais, uniformes e material didático mais de 40 mil cruzeiros.
A capacidade inicial do estabelecimento é de 40 alunos, estando, todavia,
matriculados 36 indígenas, com o curso primário completo, oriundos dos
Postos Indígenas de Guarapuava, Palmas, Mangueirinha, Rio das Cobras,
Tamarana, Ibirama, Xapecó, Guarita, Nonoai, Ligeiro e Carreteiro.
O corpo docente está sob a direção da professora Dr. Ursula Wiesemann,
antropóloga e linguista que também lecionou nessa escola, além de duas
professoras diplomadas pela Faculdade de Filosofia e por duas professoras
normalistas de grau colegial, algumas das matérias que se constitui o currículo
das 4 ries, estão as matérias de Kaingáng, Guarani e Português, elementos
de antropologia cultural, estudos sociais brasileiros, educação moral e cívica,
metodologia e prática do ensino primário. A escola funciona em regime de
internato, com horários para as atividades curriculares e complementares, o
estudo e a recreão
173
.
Em outro relatório do CTPCC
174
aparece que a escola consegue contratar a professora
Elaine Lopes de Araújo para lecionar matemática, já que havia falta de professor nesta
disciplina, entretanto não foi contratado por um semestre letivo um técnico agrícola, ficando
sem professor na disciplina de conhecimentos agro-industriais.
Dos 36 alunos citados acima, formaram-se 19 monitores bilíngues, sendo a 1
a
turma
em 1971. Os próximos dados sobre as turmas que frequentaram essa escola foram retirados de
um jornal elaborado pelos próprios alunos do CTPCC chamado O Mensageiro Indígena
(anexo 3). Não temos conhecimento se houve mais um número desse jornal, mas acreditamos
que não, pois este foi produzido pela última turma. O jornal fala sobre a escola, esportes e a
terceira turma que foi quem produziu esse primeiro exemplar. O mesmo tinha por objetivo
servir como vínculo de informação entre o CTPCC, monitores que já estão formados e que
173
Relatório de atividades - 4
a
DR Curitiba, abril de 1970. Documentos da Regional da FUNAI de
Paranaguá/PR.
174
Relatório de atividades do Centro de Treinamento Profissional Clara Camarão, de agosto a 19 de
dezembro de 1975. Documentos da Regional da FUNAI de Paranaguá/PR.
74
estão trabalhando nos postos indígenas, chefes dos postos, delegacias da FUNAI, Missões e
outros amigos dos povos indígenas Kaingáng e Guarani
175
.
Depois da 1
a
turma, foram selecionados mais 20 candidatos para o mesmo curso, que
iniciou em 1972. Foi nessa época que a escola passou a se chamar Centro de Treinamento
Profissional Clara Camarão e formou mais 12 monitores bilíngues em 1975. Em 1976, o
centro selecionou mais 40 candidatos para o curso de monitores bilíngues e monitores
agrícolas. Foi nessa época que começaram as novas instalações do centro, localizando-se
próximo a cidade de Tenente Portela. Em 1977, começou o curso para essa nova turma, sendo
o primeiro ano básico e, em 1978, cada aluno escolheu o curso que queria fazer, ficando 19
para monitoria agrícola e 21 para monitor bilíngue. A duração para cada curso era de três
anos, seguido do estágio e por fim da formatura. Depois de formados, podiam lecionar nos
postos indígenas. O professor Loreni Nokrig Paulo
176
(Fig 9) estudou no CTPCC, fez parte da
3
a
turma. Segundo o mesmo, eles estudavam português, cncias, história, geografia,
sociologia, psicologia, Kaingáng e todos os alunos ganhavam uma bolsa de estudos para
despesas. Depois que se formou e fez o estágio, Loreni teve que esperar até o ano de 1989
para ser contratado e começou a trabalhar na Terra Indígena Xapecó, onde permanece
lecionando a ngua Kaingáng.
175
Jornal “O Mensageiro Indígena”. Informões do Centro de Treinamento Profissional Clara
Camarão. Distribuição Interna. 1
o
ano, n.
o
1. Documentos da Regional da FUNAI de Paranaguá/PR.
176
PAULO, Loreni Nokrig. Entrevista concedida a Talita Daniel Salvaro em 06 de junho de 2008,
Terra Indígena Xape/SC.
75
FIGURA 9 Loreni Nokrig Paulo, professor de ngua Kaingáng da EIEB Cacique
Vanhkrê
177
.
A formação desses professores lhes dava o título de monitores bilíngues, exercendo a
função de tradutor da sua ngua para facilitar o ensino da ngua portuguesa aos alunos, haja
vista que esses não tinham donio da ngua nacional. Grupioni diz que:
o ensino bilíngue foi adotado como estratégico para o efetivo aprendizado do
português e dos valores da sociedade dominante: valoriza-se a língua indígena
porque ela era a chave para o aprendizado da língua nacional. O método,
usado pelo Estado em conjunto com missões religiosas, pode ser descrito
como o bilinguismo de transição, porque só serve para que as crianças saiam
do monolinguismo da sua ngua de origem para o monolinguismo em
177
SALVARO, T. D. Loreni Nokrig Paulo, professor bilíngue da EIEB Cacique Vanhkrê. Terra
Indígena Xape, Ipuú, 2008. Acervo da autora, 1 fotografia color digital.
76
português. Ao abandonarem suas línguas, pressupunha-se que também
abandonassem os modos de vida e as identidades diferenciadas. A escola em
áreas indígenas servia, assim, para a promoção da homogeneizão cultural.
178
Ou seja, mesmo com a formação nesse centro o monitor acabava sendo secundário
dentro da sala de aula. O professor Getúlio Narsizo
179
ressalta que, quando começou a estudar,
havia monitor bilíngue, a nossa professora da época quando eu comecei a estudar ela não era
assim obrigada a ensinar a ngua Kaingáng, ela era mais uma tradutora né da Língua
Kaingáng, ficava na sala de aula, ela acompanhava a professora não-indígena e a professora
não indígena trabalhava o português e ela ficava para auxiliar o camarada que não falava
bem o português. Ela acompanhava aquele aluno e não a turma toda.
O bilinguismo de substituição ou transição objetivava que a criança monongue na sua
língua materna fosse aos poucos aprendendo o português, mas para isso era preciso que ela
fosse introduzida na sua língua oral e depois a transição fosse acontecendo, como mostra o
esquema abaixo (Fig.10), encontrado nos documentos da FUNAI.
178
GRUPIONI, Luis Donizete Benzi. Um terririo ainda a conquistar. In: Educão Escolar Indígena
em Terra Brasilis. Rio de Janeiro: IBASE, 2004, p. 36-37.
179
NARSIZO, G. Entrevista concedida a T. D. S e N. M da S. M. Op.Cit.
77
FIGURA 10 - Parte entre educação bilíngue e educação nacional
180
.
180
Parte entre Educação Bilíngue e educão nacional, sem data. Documentos da Regional da FUNAI
de Paranguá/PR.
78
Por meio desse quadro, é possível observar que o trabalho exercido pelo monitor se
dava de forma efetiva no pré e 1
a
série, pois as crianças tinham mais dificuldade em entender
a ngua portuguesa, am de todo um contexto estranho de instituição escolar. na 2
a
série,
inicia-se a transição, quando as duas línguas compartilham espaço. Dessa forma as crianças
aprendiam o português e, aos poucos, esta língua passa a predominar, sendo que na 4
a
série
apenas a ngua portuguesa permanece e a figura do professor não indígena prevalece.
Hoje na escola Cacique Vanhkassim como nas demais escolas é utilizado nas aulas
de língua Kaingáng o dicionário bilíngue Kaingáng Português, Português- Kaingáng.
Segundo consta na introdução deste dicionário:
Os dados que aqui constituem a obra apresentada comaram a ser
colecionadas em 1958 em fichas individuais [...]. Em 1971 foi publicada uma
lista de palavras com o nome de Dicionário Kaingáng-Português e Português-
Kaingáng, com a intenção de ser usada nas escolas bilíngues, que abriram suas
portas em 1972 com professores formados no Centro de Treinamento
Profissional Clara Camarão, uma cooperação entre a FUNAI e a IECLB no PI
Guarita, Rio Grande do Sul (...). A presente edição, baseada na obra de 1971,
foi revisada, ampliada e enriquecida.
181
O dicionário consta de palavras com sua respectiva tradução, sendo que cada palavra
apresenta-se também numa frase. No final há um apêndice com colocações sobre o alfabeto e
as regras de ortografia, notas sobre os verbetes, interjeições, pronomes, dentre outros.
O CTPCC fecha em 1981 e a educação indígena fica a cargo da FUNAI até o ano de 1991,
quando passa a ser responsabilidade do MEC.
2.3 Educação escolar indígena em Santa Catarina
A educação escolar indígena baseada nos princípios da CF do Brasil, de 1988, teve
como principal objetivo instituir uma educação que rompesse com os propósitos
integracionistas que a educação vinha tendo para a população indígena. Esta Constituição traz
às comunidades indígenas o direito a uma educação específica, diferenciada, comunitária,
181
WIESEMANN, Úrsula Gojtéj. Kaingáng Português Dicionário Bingüe. Curitiba: Editora
Evangélica Esperança, 2002, p. 7.
79
bilíngue e intercultural, em que, segundo o RCNEI,
182
a escola constitui instrumento de
valorização dos saberes e processos próprios de produção e recriação de cultura que devem
ser a base para o conhecimento dos valores e das normas dos outros.
O que a legislação nacional propôs a partir da presente CF foi estabelecer princípios
gerais dessa educação, mas que deveriam ser adaptados pelos estados e municípios de acordo,
com respectivas situações socioculturais e sociolinguísticas próprias de seu território, am
dos processos divergentes de contato com a sociedade não indígena.
Ao ser repassado ao MEC em 1991 à responsabilidade pela educação escolar indígena
no Brasil, o mesmo delega aos Estados e as suas respectivas secretarias de educação o
cuidado com essa modalidade. No Estado de Santa Catarina, “a Secretaria de Estado da
Educação (SED/SC) assumiu, a partir de 1993, a gestão educacional das escolas indígenas
através da Comissão Estadual de Educação, criada pela Portaria n
o
16207/93
183
.
Entretanto, era necessário que no interior da secretaria houvesse um cleo para
debater somente esta questão, sendo então, em 1996, criado oficialmente na SED/SC o
Núcleo de Educação Indígena NEI. O NEI tem como base principal o RCNEI, documento
que orienta os profissionais que trabalham com essa modalidade, pois a mesma difere-se da
educação vigente até então:
a proposta das escolas ingenas diferenciada representa, sem vida alguma,
uma grande novidade no sistema educacional do ps, exigindo das
instituições e órgãos responsáveis a definição de novas dinâmicas, concepções
e mecanismos, tanto para que essas escolas sejam de fato incorporadas e
beneficiadas por sua inclusão no sistema, quanto respeitadas em suas
particularidades
184
.
O preparo dos funcionários que trabalham com a questão indígena é um dos principais
pontos de toda essa comunicação, pois essa intermediação tem que ser feita da forma mais
condizente possível, tentando entender as opiniões, as necessidades e também percebendo os
problemas encontrados nas escolas. O NEI foi criado para ser este espaço de debate, “como
órgão responvel pela proposição de diretrizes educacionais e pela implementação de uma
escola que contemple os princípios da especificidade e diferença, interculturalidade e
182
MEC/SEF. RCNEI. Op.Cit., p.32.
183
VIEIRA, Ismênia de Fátima. Educão escolar indígena: as vozes Guarani sobre a escola na
aldeia. 2006. Dissertação (Mestrado em Educação). Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, p.
47.
184
MEC/SEF. RCNEI. Op.Cit., p. 34
80
bilinguismo
185
. Segundo Jane Motta, coordenadora do NEI de 2003 a 2007, ele é composto
por:
parte governamental, parte não governamental e parte de representantes
indígenas. Hoje ele é constituído com representantes da Secretaria de Estado
da Educação, das Regionais que atendem às populações indígenas, o oito no
estado, das lideranças indígenas, dos professores ingenas e de organizões
que tenham algum trabalho com educação indígena, como é o caso da ABA,
de algumas universidades que tem trabalhos pontuais sobre educação escolar
indígena e com as populações indígenas, essa é a composição docleo
186
.
As Regionais localizam-se em cidades próximas às aldeias para facilitar a
comunicação, visitas as aldeias e distribuição de merenda escolar, material didático entre
outros. As regionais são: Canoinhas, Chapecó, Conrdia, Ibirama, Joinville, Laguna, São
José e Xanxerê. Dentre as ações em desenvolvimento pelo NEI são prioritárias:
- A ampliação da oferta das séries finais do ensino fundamental e ensino
médio tanto regular como na modalidade de EJA.
- Programa de Formação Inicial e Continuada de Educadores Indígenas.
- Produção de material espefico.
- A promoção de concurso público de ingresso espefico para o magistério
indígena.
- Discussão com a participão das lideranças para as propostas de uma
Resolução para regulamentação da educação escolar indígena em Santa
Catarina.
- Articulação com outros órgãos que atuam com queses indígenas.
- Participão no Conselho Estadual dos Povos Indígenas.
- Debate com UDESC e UFSC sobre a elaboração de um projeto de formação
específica - graduação na área do magistério para professores índios Guarani,
Xokleng e Kaingáng.
- Edição e publicação de material didático para as três etnias.
- III Seminário: Poticas de Educação Escolar indígena para as etnias
Kaingáng, Xokleng e Guarani de Santa Catarina em novembro, 24 horas.
- Programa de formação Guarani para 30 participantes de Santa Catarina.
- Produção de cadernos com Epagri.
- Implementão do Curso emvel médio, modalidade magistério para a
formação de professores indígenas Xokleng e Kaingáng
187
.
185
Estado de Santa Catarina/Secretaria de Estado da Educação e Tecnologia/Diretoria de Educação
Básica e Profissional/Núcleo de Educação Indígena. Florianópolis, janeiro de 2007.
186
MOTTA, Jane. Entrevista concedida a Helena Alpini Rosa e Talita Daniel Salvaro em 06 de
março de 2008, SED/SC.
187
Estado de Santa Catarina/Secretaria de Estado da Educação e Tecnologia/Diretoria de Educação
Básica e Profissional/Núcleo de Educação Indígena. Florianópolis, janeiro de 2007.
81
As escolas indígenas pertencem ao âmbito estadual, sendo que as escolas do Estado de
Santa Catarina “foram estadualizadas em 1999, por solicitação e encaminhamento do
NEI/SC
188
. A escola de que trata especificamente este estudo foi inaugurada em 2000, sendo
a primeira escola indígena de educação básica em uma Terra Indígena.
A amplião das séries finais do ensino fundamental é uma das prioridades da
Secretaria, pois possibilitará que os alunos possam continuar a escolarização nas suas aldeias,
não precisando ir para as cidades. Na TI Xapecó, a aldeia Paiol de Barro teve em 2007 a
amplião das ries finais do ensino fundamental, visto que muitas crianças tinham que sair
da aldeia para estudar no município de Entre Rios, em uma escola não indígena onde a cultura
Kaingáng não é ensinada.
Tamm no que concerne à formação de professores indígenas, a realização do Curso
de Magistério Bilíngue para o contexto Kaingáng e Xokleng, que começou em 1999 em São
José do Cerrito, foi uma grande conquista para os Kaingáng O curso foi aprovado pelo
Parecer n.
o
248/98 do Conselho Estadual de Educação/SC:
Teve a duração de 2.590 horas/aula, e 20% da carga horária de cada disciplina
é realizada na modalidade de ensino a distância. Entre uma etapa presencial e
outra, os alunos desenvolvem trabalhos, tais como: estudos orientados; coleta
de dados nas suas comunidades, buscando responder ou elucidar queses
surgidas no período presencial e estágios que contemplem observão,
participão e regência de sala de aula com o respectivo registro
189
.
O curso teve por objetivo formar professores principalmente para lecionar nas séries
iniciais. O professor Getúlio Narsizo nos contou em entrevista que aprendeu a língua
Kaingáng com os velhos e aprimorou o que conhecia no curso de formação. Como ele não
tinha muito domínio da língua, principalmente da parte escrita, pois seus pais o o
ensinaram, ele foi indicado pelas lideranças para participar juntamente com outras pessoas.
Segundo o professor Getúlio
190
, o professor de Língua Kaingáng para o seu grupo era o
professor Pedro Kresó, mas tamm havia outros professores que trabalhavam a língua
portuguesa e as outras disciplinas do currículo de uma escola não indígena. Havia outros
188
VIEIRA, I. de F. Op. Cit., p. 51.
189
Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/vol4c.pdf, p. 175 e 176. Acesso em 12 de
fevereiro de 2008.
190
NARSIZO, G. Entrevista concedida a T. D. S e N. M. da S. M. Op. Cit.
82
professores que eram vinculados ao Estado, que lecionavam matemática, biologia, e também
didática, disciplinas ligadas à estrutura pedagógica de ensino.
Tamm por meio de outros cursos de formação foram elaborados e publicados alguns
materiais didáticos na língua Kaingáng, porém há um déficit muito grande em relão a
material didático nessa língua, o que será discutido mais adiante.
A SED/SC é responvel pela educação escolar indígena das etnias Guarani,
Kaingáng e Xokleng, atendendo atualmente, segundo Jane Motta
191
, aproximadamente 2000
alunos, Xokleng, Kaingáng e Guarani, em 31 escolas, com possibilidades de serem criadas
mais cinco novas para a etnia Guarani.
191
MOTTA, J. Entrevista. Op. Cit.
83
CAPÍTULO 3 CONSTITUIÇÃO DE 1988: A LÍNGUA KAINGÁNG NA
EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA
3.1 - A legislação brasileira e a educação escolar indígena
Perceber a instituição escolar na TI Xapecó como um cenário de mudanças que
compreende sua estrutura, sua denominação, a história dessa comunidade com a escola é
compreender como a escola faz parte da história dos Kaingáng. A escola desempenhou na
comunidade indígena duas funções sociais contrárias: em um primeiro momento foi uma
forma de contribuir por meio da educação para sua integração nacional, e, em um segundo,
assumiu papel adverso quando foi utilizada para revitalizar e fortalecer a cultura que lhes foi
negada.
A instituição escolar tal qual a concebemos, com diretor, secrerio, merendeiras,
carteiras faz parte da cultura não-indígena, porém foi introduzida para as populações
indígenas como forma de ensiná-los a cultura do outro. Os processos educativos desse povo,
baseados na tradição oral, foram negados por meio da aprendizagem de um sistema
educacional divergente do seu e que foi modificando o dia a dia pela introdução de
ensinamentos que gradativamente substituiriam a cultura de origem, com o fim de promover a
civilização”. Portanto, a educação destinada aos indígenas se constituiu, seja no período
colonial e imperial com os missionários e diretores dos aldeamentos, seja no Brasil República
com o SPI, em mecanismo de opressão ao modo de ser indígena.
A instituição escolar anterior à CF do Brasil de 1988 é denominada de “escola para
indígena, na qual o projeto educacional era advindo do padrão das escolas não indígenas. A
escola indígena é o processo de busca por um currículo diferenciado, que contemple a
cultura de cada povo e onde os indígenas tenham cada vez mais autonomia sobre sua
educação e sobre o funcionamento da escola. O que se entende por “educação escolar é o
processo de ensino atribdo aos educandos em uma instituição de ensino, seja ela blica ou
privada, sendo as disciplinas ministradas por professores habilitados. A escola indígena tal
como a sociedade não indígena a concebe, em termos de estrutura física e funcional, é um
marco na história das sociedades indígenas, haja vista ser algo que não existia na tradão
indígena. Foi inserida ali por meio do „outro‟ como um mecanismo que contribuiria para a
84
integração desses povos à sociedade nacional. Entretanto, atualmente, a escola desempenha
um papel inverso, pois contribui no fortalecimento da identidade étnica, segundo o RCNEI:
[...] necessidade formada pós-contato, a escola tem sido assumida
progressivamente pelos índios em seu movimento pela autodeterminão. É
um dos lugares onde a relão entre os conhecimentos pprios e os
conhecimentos das demais culturas deve se articular, constituindo uma
possibilidade de informação e divulgão para a sociedade nacional de saberes
e valores importantes até então desconhecidos desta
192
.
A legislação brasileira contempla a educação escolar indígena, sendo esta
fundamentada pelos direitos garantidos principalmente pela CF do Brasil de 1988, pela Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional/LDB de 1996, pelo Plano Nacional de
Educação/PNE de 2001 e pelo Referencial Curricular Nacional para as escolas
indígenas/RCNEI de 1998.
A atual CF do Brasil foi promulgada no dia cinco de outubro de 1988, de tempos em
tempos sofre alterações resultantes das emendas constitucionais. É conhecida tamm por
Carta Magna, sendo a maior lei do país. “Trata dos princípios, direitos e garantias
fundamentais, da organização do Estado, dos poderes legislativo, executivo e judiciário, da
defesa do Estado e das instituições democráticas, da tributação e do orçamento, da ordem
econômica, financeira e social”
193
. É a primeira constituição brasileira a apresentar artigos
sobre a educação diferenciada para as populações indígenas, sendo que os próprios
interessados tiveram participação na elaboração daqueles artigos:
[...] durante todo o ano de 1988, o movimento ingena e o movimento de
apoio aos índios se articularam para conduzir as iniciativas referentes aos
direitos indígenas na futura Constituição do ps. Além de participar das
discussões de temas correlatos, assessoraram os parlamentares na elaboração
de propostas e emendas constitucionais em favor dos índios. Essa mobilizão
foi fundamental para garantir a consagração dos direitos indígenas e para
barrar as ações de grupos contrários, interessados na exploração dos recursos
naturais dos terririos indígenas”
194
.
192
MEC/SEF. RCNEI. Op. Cit., p.24.
193
GRUPIONI, Luís Donisete Benzi Grupioni. (org). As leis e a educão escolar indígena: Programa
Parâmetros em Ação de Educação Escolar Indígena. Brasília: Ministério da Educão, Secretaria de Educão
Fundamental, 2002, p. 13.
194
Idem.
85
Esta constituição foi um marco no que concerne aos direitos das populações indígenas,
e nela se inscrevem os primeiros passos em direção à construção de uma escola que valorize o
conhecimento indígena. No título VIII Da Ordem Social‟, capítulo III Da Educação, Da
Cultura e do Desporto, encontram-se os principais artigos que se referem à educação e à
cultura indígena, garantindo o uso da língua materna na instituição escolar:
Seção I - Da Educão
Art.210 Serão fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental,
de maneira a assegurar formação básica comum e respeito aos valores
culturais e artísticos, nacionais e regionais.
§2º O ensino fundamental regular se ministrado em língua
portuguesa, assegurada às comunidades indígenas também a utilizão de suas
nguas maternas e processos próprios de aprendizagem.
Seção II Da Cultura
Art.215. O Estado garanti a todos o pleno exercício dos direitos
culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoia e incentiva a
valorização e difusão das manifestações culturais.
§1º O Estado protegerá as manifestações das culturas populares,
indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo
civilizatório nacional
195
.
Verificamos, então, através desta lei, que a escola ganha um novo sentido para os
povos indígenas. A escola que antes proibia o exercício da cultura, agora pode conciliar os
saberes universais com os conhecimentos tradicionais de cada povo, pois na constituição:
[...] assegurou-se aos índios no Brasil o direito de permanecerem índios, isto é,
de permanecerem eles mesmos, com suas nguas, culturas e tradições. Ao
reconhecer que os índios poderiam utilizar suas línguas maternas e seus
processos de aprendizagem na educação escolar, instituiu-se a possibilidade de
a escola indígena contribuir para o processo de afirmação étnica e cultural
desses povos [...]
196
.
195
República Federativa do Brasil. Constituição de 1988. Brasília. Senado Federal, 2000, p. 169.
196
GRUPIONI, L. D. B. (org). As leis e a educação... Op. Cit., p. 9.
86
A atual CF do Brasil abriu as portas para que os povos indígenas pudessem ter direito
ao ensino diferenciado e mais autonomia na gestão de suas escolas. A partir desse momento,
outras leis dedicaram espaço às questões indígenas.
A presente Constituição do Estado de Santa Catarina foi promulgada em cinco de
outubro de 1989, e no que trata sobre a educação indígena
197
, reflete e enfatiza os artigos da
Constituição Federal. No Capítulo III, da educação, cultura e desporto‟, seção I „da
educação‟, diz que:
Art.164 - A lei complementar que organiza o sistema estadual de
educação fixará, observada a lei de diretrizes e bases da educação nacional, os
conteúdos mínimos para o ensino fundamental e médio, de maneira a
assegurar, além da formação básica: [...]
§2º - O ensino fundamental regular se ministrado em língua
portuguesa, assegurado as comunidades indígenas também a utilizão de sua
ngua materna e processos pprios de aprendizagem
198
.
No capítulo VIII intitulado, „dos Índios‟:
Art.192 O Estado respeitará e fará respeitar, em seu terririo, os
direitos, bens materiais, crenças e tradições e todas as garantias conferidas aos
índios na Constituição Federal.
Parágrafo único o Estado assegurará às comunidades indígenas
nativas, de seu terririo, protão, assistência social, cnica e de saúde, sem
interferir em seus hábitos, crenças e costumes
199
.
Em 1991, a responsabilidade das ações educacionais passou da FUNAI para o
Ministério da Educação e Cultura, em articulação com os estados e municípios. Em 1993, o
MEC lançou o documento “Diretrizes para a Potica Nacional de Educação Escolar
Indígena, que foi elaborada pelo Comide Educação Escolar Indígena do Minisrio da
Educação e do Desporto com vistas a assegurar os direitos indígenas garantidos na CF do
Brasil, de 1988, para servir de referência básica aos planos operacionais dos Estados e
197
No Estado de Santa Catarina existem três etnias: Kaingáng (oeste de Santa Catarina), Guarani
(litoral) e Xokleng. Este último localiza-se apenas neste estado, na localidade de Ibirama.
198
Constituição do Estado de Santa Catarina de 1989, p. 86. Disponível em
http://www.camara.gov.br/internet/interacao/constituicoes_sc.pdf acesso em 20/12/2006.
199
Ibidem, p. 96.
87
Municípios
200
, assinada na época pelo eno ministro de Estado da Educação e do Desporto,
Murílio de Avellar Hingel.
Ficaram estabelecidos através deste documento os princípios de organização da
educação escolar indígena, como currículo, uso das línguas maternas, escola diferenciada,
material didático, relão educador-educando-comunidade, avalião, e o ensino de
disciplinas como História, Geografia, Ciências, Matemática que devem ser ministradas em
paralelo com os conhecimentos da cultura de cada povo. As diretrizes fixam como objetivo da
escola indígena:
a conquista da autonomia sócio-econômica-cultural de cada povo,
contextualizada na recuperação de sua memória histórica, na reafirmação de
sua identidade étnica, no estudo e valorização da própria ngua e da própria
ciência sintetizada em seus etno-conhecimentos, bem como no acesso às
informações e aos conhecimentos técnicos e científicos da sociedade
majoriria e das demais sociedades, indígenas e não-indígenas
201
.
Para que eno essa escola possa se concretizar como uma escola diferenciada,
atingindo todos os objetivos citados acima, é necessário um currículo que contemple a cultura
indígena, que deve ser definido levando-se em conta as considerações de natureza sócio-
culturais, componentes da prática cultural tradicional. Outros componentes como, por
exemplo, a existência e uso pela comunidade de aparatos eletrônicos deverão fazer com que
conteúdos que vêm compondo os currículos tradicionais sejam repensados
202
, além do que
cada instituição escolar deve adaptar seu calenrio escolar de acordo com a região e cultura.
Por isso deve ser elaborado de tal maneira que permita ao aluno participar das atividades
cotidianas da comunidade
203
.
Nos princípios gerais, é dedicado o item 3.4, intitulado Língua materna e
Bilinguismo‟, para uma discussão acerca da complexidade das nguas indígenas, visto que
cada grupo possui situações diferentes em relação à questão linguística: uns a têm extinta,
outros são monolíngues na sua língua materna ou ngua portuguesa, bilíngues e até
multilíngues. Sendo assim:
200
Diretrizes para a política Nacional de Educação Escolar/Elaborado pelo comitê de Educação
Escolar Indígena. Brasília; MEC/SEF/DPEF, 1993, p. 8.
201
Ibidem, p. 12.
202
Ibidem p. 14.
203
Ibidem, p. 20.
88
Essa situão sociolinguística, assim como o momento histórico atual e suas
implicações de cater psicolinguístico, faz com que se assuma a educação
escolar indígena como sendo necessariamente bingue:
a) cada povo tem o direito constitucional de utilizar sua ngua materna
indígena na escola, isto é, no processo educativo oral e escrito, de todos os
conteúdos curriculares, assim como no desenvolvimento e reelaboração
dinâmica do conhecimento de sua língua;
b) cada povo tem o direito de aprender na escola o português como segunda
ngua, em suas modalidades oral e escrita, em seus vários registros
formal, coloquial, etc.
c) a ngua materna de uma comunidade é parte integrante de sua cultura e,
simultaneamente, o digo com que se organiza e se mantém integrado
todo o conhecimento acumulado ao longo das gerações, que assegura a
vida de todos os indivíduos na comunidade. Novos conhecimentos são
mais natural e efetivamente incorporados através da língua materna,
inclusive o conhecimento de outrasnguas
204
.
A lei que trata diretamente da educação escolar no Brasil é a Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional, de 1996 LDBEN, tamm conhecida como LDB ou Lei Darcy
Ribeiro, que substituiu a Lei n 5.692, de 1971. Esta última, ao que concerne à educação
escolar indígena nada proferia.
A LDBEN “foi aprovada pelo Congresso Nacional em dezessete de dezembro de 1996
e promulgada no dia vinte de dezembro daquele ano. Ela estabelece normas para todo o
sistema educacional brasileiro, fixando diretrizes e bases da educação nacional desde a
educação infantil até a educação superior
205
. A LDBEN trata da educação escolar indígena
no Título V Dos níveis e das Modalidades de Educação e Ensino, Capitulo II Da
Educação Básica‟:
Seção I Disposições Gerais
Artigo 26 Os currículos do ensino fundamental e médio devem ter
uma base nacional comum, a ser complementada, em cada sistema de ensino e
estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas
caractesticas regionais e locais da sociedade, da cultura da economia e da
clientela. [...]
§ - o ensino de hisria do Brasil levará em conta as contribuições
das diferentes culturas e etnias para a formação do povo brasileiro,
especialmente das matrizes indígenas, africana e européia.
204
Ibidem, p. 11-12.
205
GRUPIONI, L. D. B. G. (org). As leis e a educação... Op.Cit., p. 21.
89
Seção III Do ensino Fundamental
Artigo 32
§ - O ensino fundamental regular se ministrado em ngua
portuguesa, assegurada às comunidades indígenas a utilização de suas nguas
maternas e processos pprios de aprendizagem.
Titulo VIII Das Disposições Gerais
Artigo 78 O sistema de ensino da união, com a colaboração das
agências federais de fomento à cultura e de assistência aos índios,
desenvolverá programas integrados de ensino e pesquisas, para oferta de
educação escolar bingue e intercultural aos povos indígenas, com os
seguintes objetivos:
I proporcionar aos índios, suas comunidades e povos, a recuperação
de suas memórias históricas; a reafirmação de suas identidades étnicas: a
valorização de suas línguas e ciências;
II garantir aos índios, suas comunidades e povos, o acesso às
informações, conhecimentos cnicos e científicos da sociedade nacional e
demais sociedades indígenas e não índias.
Artigo 79 A união apoiará cnica e financeiramente os sistemas de
ensino no provimento da educação intercultural às comunidades indígenas,
desenvolvendo programas integrados de ensino e pesquisa.
§1º- Os programas seo planejados com audiência das comunidades
indígenas.
§2º - Os programas a que se refere este artigo, incluídos nos planos
nacionais de educação terão os seguintes objetivos:
I - fortalecer as práticas sócio culturais e a ngua materna de cada
comunidade indígena;
II - manter programas de formação de pessoal especializado, destinado
à educação escolar nas comunidades indígenas;
III - desenvolver currículos e programas específicos, neles incluindo
os conteúdos culturais correspondentes às respectivas comunidades;
IV - elaborar e publicar sistematicamente material didático específico
e diferenciado
206
.
206
Lei de Diretrizes e Bases da Educão Nacional. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/l9394.htm, acesso 25 de novembro de 2007.
90
As diretrizes sobre a educação escolar também foram elaboradas pelo Conselho
Nacional de Educação - CNE
207
, culminando no parecer 14/99 do Conselho Nacional de
Educação. As diretrizes curriculares emanadas por este conselho destinam-se às diferentes
modalidades de ensino, entre elas a da educação indígena, as quais foram aprovadas em 14 de
setembro de 1999. “Constituem o resultado das discussões que ocorreram na Câmara de
Educação Básica do CNE, quando esta se lançou na análise de dois documentos
encaminhados pelo Minisrio da Educação ao CNE, bem como de uma consulta feita pelo
Ministério Público Federal do Rio Grande do Sul
208
. O parecer teve como relator Pe. Kuno
Paulo Rhoden.
Em resumo, o Parecer 14/99 enfatiza os artigos da CF do Brasil de 1988 e a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Na sua introdução estabelece a diferença entre os
termos educação indígena e educação escolar indígena, sendo que a primeira é o modo de
aprendizado dos valores da própria comunidade, introduzidos no seu dia a dia e na vivência
do grupo. a educação escolar indígena é a instituição que partiu dos não indígenas desde o
período da colonizão e que assumiu diferentes facetas ao longo da História num
movimento que vai da imposão de modelos educacionais aos povos indígenas, por meio da
dominação, da negação de identidade, da integração e da homogeneização cultural, a modelos
educacionais reivindicados pelos índios, dentro de paradigmas de pluralismo cultural e de
respeito a valorizão de identidades étnicas
209
.
Na parte que se refere a fundamentação e conceituações, o parecer enfatiza a
prioridade de formação de professores indígenas, pois “é consenso que a clientela educacional
indígena é melhor atendida por professores índios, que deverão ter acesso a cursos de
formação inicial e continuada, especialmente planejadas para o trato com as pedagogias
indígenas
210
. É neste documento que se define a criação da categoria escola indígena, que
do ponto de vista administrativo identifica-se como: escola indígena é: o estabelecimento de
ensino, localizado no interior das terras indígenas, voltado para o atendimento das
necessidades escolares expressas pelas comunidades indígenas
211
. O que parece ambíguo é
207
O CNE foi instalado em 26.02.1996. É composto por duas câmaras: a Câmara de Educão Superior
e a Câmara de Educação Básica, cada qual com 12 membros. Entre as competências do CNE está a de emitir
pareceres sobre assuntos da área educacional e sobre questões relativas à aplicação da legislão educacional.
208
GRUPIONI, L.D.B. As leis e a educação... Op. Cit., p. 37.
209
Ibidem, p. 41.
210
Ibidem, p. 50.
211
Parecer CEB/CNE nº14/99. Brasília. Disponível em:
http://portal.mec.gov.br/secad/arquivos/pdf/indigena/PCB014.pdf, acesso em 20/10/2006.
91
que, mesmo sendo garantido desde a CF do Brasil de 1988 o direito a uma escola
diferenciada, apenas uma década depois é que se reconhece a categoria „escola indígena‟.
Na terceira parte do parecer, estrutura e funcionamento da escola indígena‟, ressalta-
se a responsabilidade do MEC, Estados e Municípios sobre a educação escolar indígena,
mostrando as características de uma escola diferenciada, que deve tamm ser um elo com a
comunidade, am de falar da formação e capacitação de professores indígenas.
Ações concretas visando à implementão da educação escolar indígena‟ é a
penúltima parte do documento antes da conclusão. Nesta parte fica distribda a competência
sobre a educação da União e Estados. Por fim, conclui-se o parecer dizendo que é preciso
garantir que as diversas sociedades indígenas tenham autonomia para traçar seus próprios
destinos e o poder para defender seus direitos perante a sociedade nacional na condição de
cidadãos brasileiros
212
, e que o CNE espera contribuir para esse propósito.
Em 17 de novembro de 1999, foi publicada a Resolução 3/99 do CNE, que fixa
diretrizes nacionais para o funcionamento das escolas indígenas e complementa as questões
do Parecer 14/99, mostrando no seu artigo 2º os elementos básicos para a organização,
estrutura e o funcionamento da escola indígena.
O Plano Nacional de Educação, instituído em nove de janeiro de 2001 e promulgado
por meio da Lei n10.172, apresenta um capítulo sobre educação indígena, dividido em três
momentos denominados: Diagnóstico; Diretrizes; Objetivos e Metas.
Na primeira parte, Diagnóstico, explana sobre a educação para o indígena desde a
catequização dos missionários a os dias atuais, mostrando que a escola não tem mais uma
vio integracionista, dando um novo significado à escola indígena, além de tratar da
responsabilidade do MEC para com a educação indígena.
Em uma segunda parte, „Diretrizes, refere-se à escola indígena diferenciada, à
formação de professores e à educação bilíngue, sendo que:
[...] é preciso reconhecer que a formação inicial e continuada dos pprios
índios, enquanto professores de suas comunidades, deve ocorrer em serviço e
concomitantemente à sua ppria escolarização. A formão que se contempla
deve capacitar os professores para a elaboração de currículos e programas
específicos para as escolas indígenas; o ensino bilíngue, no que se refere à
212
GRUPIONI, L. D. B. As leis e a educação... Op. Cit., p. 62.
92
metodologia e ensino de suas nguas e ao estabelecimento e uso de um
sistema ortográfico das nguas maternas (...)
213
.
Na última parte, “objetivos e metas, são elencados 21 itens referentes à educação
escolar indígena, que tratam entre outros assuntos: a responsabilidade pela educação indígena,
as ofertas de programas educacionais às comunidades indígenas, amplião da oferta de
ensino, a autonomia das escolas indígenas, programas especiais para a formação de
professores, reconhecimento oficial e regularização legal de todos os estabelecimentos de
ensino, localizados no interior das terras indígenas e em outras áreas, crião de programas
voltados à produção e publicação de materiais didáticos e pedagógicos específicos.
O RCNEI, de 1998, é um documento importantíssimo para o uso de funcionários dos
setores da educação que tratam da educação escolar indígena, professores indígenas e não-
indígenas, pois, trata do fundamento no esclarecimento da educação escolar indígena e das
disciplinas que são ministradas em sala de aula. O RCNEI foi elaborado por uma equipe de
educadores vinculados à assessoria de escolas indígenas e à formão de professores
indígenas. Tamm um grupo de professores indígenas enviou suas reflexões, que foram
consideradas propostas de algumas Secretarias de Educação e Organizações não
governamentais. Em resumo, seus principais objetivos foram subsidiar “a) a elaboração e
implementação de programas de educação escolar que melhor atendam aos anseios e
interesses das comunidades indígenas, b) a formação de educadores capazes de assumir essas
tarefas e de técnicos aptos a apoiá-las e viabilizá-las
214
.
O RCNEI está dividido em duas partes:
a primeira „para começo de conversa reúne os fundamentos poticos,
históricos, legais e antropogicos de uma proposta de educação escolar
indígena entendida como projeto de futuro e de escola que queremos,
conforme expressam as comunidades ingenas e algumas de suas
organizações. Seus destinarios principais são aqueles agentes que atuam nos
sistemas de ensino estaduais e municipais e demais órgãos afins e que,
muito recentemente, se viram ligados à execução da política educacional
formulada para as escolas indígenas. Segunda parte ajudando a construir os
currículos das escolas indígenas - tem a pretensão de fornecer referências
para a ptica pedagógica dos professores ndios e não-índios) diretamente
213
Ibidem, p. 31.
214
MEC/SEF. RCNEI. Op. Cit., p. 13.
93
ligados às ações de implementão e desenvolvimento das escolas indígenas.
Essa parte do documento dirige-se, mais diretamente, às salas de aula dos
cursos de formação de professores indígenas e às pprias escolas onde esses
professores atuam
215
.
Para que atenda aos requisitos de uma escola dessa categoria, segundo o RCNEI esta
tem de ser:
a) Comunitária - onde a comunidade indígena conduz de acordo com os seus
projetos, o que se refere ao currículo e ao modo de administrá-la. Inclui
liberdade de decisão quanto ao calendário escolar, à pedagogia, aos
objetivos, aos conteúdos, aos espaços e momentos utilizados para a
educação escolarizada;
b) Intercultural - porque deve reconhecer e manter a diversidade cultural e
linguística; promovendo uma situão de comunicação entre experiências
socioculturais, linguísticas e históricas diferentes, não considerando uma
cultura superior a outra;
c) Bilíngue e multilíngue - porque as tradições culturais, os conhecimentos
acumulados..., enfim, a reprodução sociocultural das sociedades indígenas
o, na maioria dos casos, manifestadas através do uso de mais de uma
ngua. Mesmo os povos indígenas que são hoje monolíngues em ngua
portuguesa continuam a usar angua de seus ancestrais como um símbolo
poderoso para onde confluem muitos de seus tros identificarios,
constituindo, assim, um quadro de bilinguismo simbólico importante;
d) Específica e diferenciada - porque concebida e planejada como reflexo das
aspirações particulares de cada povo indígena e com autonomia em
relação a determinados aspectos que regem o funcionamento e orientação
da escola não-indígena
216
.
Portanto, a escola passa a fazer parte do cotidiano indígena de maneira que,
contemplando os aspectos citados acima, ela estará contribuindo para revitalizar e fortalecer a
cultura, proporcionando também o acesso ao conhecimento da escola não indígena obtido por
disciplinas comuns que fazem parte da grade curricular de uma escola da rede blica de
ensino. De acordo com o antropólogo Luís D. B. Grupioni
217
, hoje a escola tem sido vista
como instrumento que pode lhes trazer de volta o sentimento de pertencimento étnico,
resgatando valores, práticas e histórias esmaecidas pelo tempo e pela imposão de outros
padrões socioculturais.
215
Ibidem, p. 14.
216
Ibidem, 24-25.
217
GRUPIONI, L.D.B. As leis e a educação... Op. Cit., p. 36.
94
3.2. Palco de mudanças: a escola sede da Terra Indígena Xape
Evidenciamos nesse momento o surgimento e a história da escola da Sede da TI
Xapecó, seu currículo diferenciado e a relão com a comunidade Kaingáng. Discorremos
sobre a escola da Sede, pois, como já mencionamos anteriormente, nossa pesquisa foi
desenvolvida diretamente lá. Nem todas as escolas tratadas aqui, localizavam-se onde hoje se
encontra a aldeia Sede, mas sim na área compreendida como TI Xapecó.
Os dados aqui apresentados sobre a escola na comunidade Kaingáng foi um estudo
que podemos chamar de investigativo, pois em vários momentos novos elementos surgiam e
direcionavam a pesquisa a novos questionamentos. Esse direcionamento foi possível devido à
consolidação das fontes orais e escritas. Por meio da pesquisa da etnohistoriadora Ana cia
V. Nötzold
218
e da mestre em História Cultural Ninarosa M. da Silva Manfroi
219
acessamos
alguns fatos sobre a primeira escola para os Kaingáng. Os dados obtidos por ambas foram
coletados por meio da Metodologia da História oral e da análise de demais fontes, como atas
da escola, jornais. Nossa pesquisa segue essa linha investigativa, tendo os colaboradores como
fundamentais para a construção do histórico da escola.
Na TI Xapecó tem-se notícia da fundação de uma primeira escola em 1937 (fig.11),
por meio do Jornal “A Voz de Chapecó
220
e de material fotogfico datados da época. Sabe-
se que ali lecionava um professor indígena chamado Felicíssimo Belino, cujo sario era pago
pelo juiz Antônio Selistre de Campos, que atuava na região oeste catarinense e foi defensor
dos Kaingáng nas questões ligadas à educação, saúde e terra. Segundo o jornal:
A pequena tribu existente de Índios Caingangs, à margem direita do rio
Chapecosinho, neste município, no Toldo Jacu, contíguo ao denominado
Banhado Grande, com os pprios recursos e trabalhos, construíram uma casa,
embora de madeira, para funcionamento de uma escola e residência do
professor, este também índio, no ano de 1937. Chama-se o dito professor
218
Doutora em História, etno-historiadora, coordenadora do LABHIN e professora do Departamento de
História da UFSC. Desenvolve pesquisas em parceria com os Kaingáng da TI Xape desde 1999, com livros
publicados sobre a temática.
219
Mestre em História Cultural pela UFSC. MANFROI, N. M. da S. A hisria dos Kaingáng da
Terra Indígena Xapecó (SC) nos artigos de Antonio Selistre de Campos. Op.Cit.
220
Periódico fundado em três de maio de 1939, que circulava aos domingos atendendo a cidade de
Chape e região. Ver em: MANFROI, N. M da S. Op. Cit., p. 36.
95
Felicíssimo Belino e conta hoje mais de 70 anos de idade, tendo, o Governo
Catarinense lhe prometido uma pensão de Cr$ 300,00 mensaes
221
.
FIGURA 11 Escola Kaingáng na TI Xapecó, professor Felicíssimo Belino e alunos. Foto
datada de 1939
222
.
Estima-se, por meio da citação acima retirada do Jornal A Voz de Chapecó e datada
do ano de 1950, que Felicíssimo Belino, indígena da etnia Kaingáng, começou a lecionar
nessa escola já em idade avançada, com cerca de 57 anos. Portanto teria nascido na década de
1880. O senhor João Maria Benedito, conhecido como Major, ao recordar-se desse homem,
refere-se a ele com a seguinte expressão: cabeça branca. Isso reforça a afirmação acima.
Porém, anterior à instalão dessa escola, temos informações de que esse mesmo professor
221
Jornal A Voz de Chapecó. Ano VIII, n.
o
863, Chapecó Sta Catarina, 7 de maio de 1950. Acervo
CEOM. Digitalizadas por Ninarosa M. da Silva Manfroi.
222
Acervo CEOM. Documento digitalizado por Ninarosa M. da Silva Manfroi.
96
dava aula nas casas das famílias Kaingáng. O senhor Major nos relatou que não chegou a
estudar com ele, porém afirma que Felicíssimo naquele tempo [...] se andava no mundo, eu
era mais pequeno e parava no colo dele. O Felicíssimo dava aula nas casas, ele não dava em
aula, dava nas casas, daí depois que veio aquela escola
223
.
Seu Major (Fig.12) nos diz que tem aproximadamente 105 anos
224
e que estudou com
um professor chamado Samuel: eu estudei só ts meses nessa escola, não na dele (do
Felicíssimo), na de tal de Samuel, primeiro professor que vimo entrar”.
225
Esse mesmo nome
acompanhado do sobrenome Brasil aparece nas entrevistas realizadas com D. Divaldina Luiz
Pinheiro (Fig.13), 63 anos, e Avelino Apio Fongre, (Fig.14) 75 anos, que afirmam ter
estudado com este professor. O que persiste como dúvida é a real idade do seu Major
226
, pois
Samuel Brasil é de 1915, portanto posterior à data de nascimento do Senhor Major, o que não
corresponde com a época de escolarização. Sendo Samuel Brasil de 1915, poderia ser sim
professor de Dona Divaldina e do senhor Avelino. Porém, aqui se presenciam os mecanismos
de memória e aquilo que Thompson expõe sobre os relatos de história oral:
a importância do testemunho oral pode estar, muitas vezes, não em seu apego
aos fatos, mas antes em sua divergência com eles, ali onde a imaginão e o
simbolismo desejam penetrar. Em suma a hisria não é apenas sobre eventos,
ou estruturas, ou pades de comportamento, mas também sobre como eles
o vivenciados e lembrados na imaginação
227
.
Portanto, o lembrar do senhor Major tanto em relão ao senhor Felicíssimo Belino
como a Samuel Brasil podem na sua memória não ser localizados em tempos exatos, porém
trazem uma história e vincia de momentos que lhe marcaram e que ele lembra ao ser
indagado.
223
BENEDITO, João Maria. Entrevista concedida a Talita Daniel Salvaro em 04 de junho de 2008.
Aldeia Paiol de Barro, TI Xape/SC.
224
De acordo com essa informão o Senhor Majo r teria nascido no ano de 1903.
225
BENEDITO, J. M. Entrevista concedida.... Op.Cit.
226
Não tivemos conhecimento de nenhum documento que tenha referência à data de nascimento do
Senhor Major
227
THOMPSON, P. Op. Cit., p. 184.
97
FIGURA 12 João Maria Benedito, conhecido como Seu Major
228
.
228
SALVA RO, T. D. Senhor João Maria Benedito. Terra Indígena Xapecó, Aldeia Paiol de Barro,
2008. Acervo da autora, 1 fotografia color digital.
98
FIGURA 13 Divaldina Luiz Pinheiro (D. Diva)
229
.
FIGURA 14 Senhor Avelino Apio Fongre
230
.
229
SALVARO, T. D. Divaldina Luiz Pinheiro. Terra Indígena Xape, Ipuaçu, 2006. Acervo da
autora, 1 fotografia color digital
230
SALVARO, T. D. Senhor Avelino Alipio Fongre. Terra Indígena Xape, Ipuaçu, 2008. Acervo da
autora, 1 fotografia color digital.
99
Na área da TI Xapecó temos primeiramente a presença de duas escolas, a do
Pinhalzinho (tendo como professor Samuel Brasil) e a do Banhado Grande (com o professor
Felicíssimo Belino).
O que estabelecemos por meio da pesquisa é que a escola do Banhado Grande foi a
primeira na área da TI Xapee logo depois a do Pinhalzinho. Estipulamos a data entre 1941
a 1945 como época da criação da escola do Pinhalzinho, pois a mesma seria criada apenas
depois da fundação do Posto Indígena que foi em 1941, sendo que a escola do Banhado
Grande foi em 1937. Em documento com nome do Senhor Paulino Almeida (chefe do SPI de
1931 a 1950), acompanha o dizer para que Samuel Brasil seja admitido no Toldo Pinhalzinho,
este documento está sem data, mas como acompanha o nome Paulino Almeida acredita-se
nessa data ou próxima (anexo 4). Samuel Brasil era não-indígena, nascido em 1915, em Santo
Ângelo (anexo 5) e foi auxiliar de sertão do SPI, lecionou inicialmente no Pinhalzinho numa
escola de madeira construída pelos próprios indígenas. Sobre a escola no Banhado Grande,
sabemos que tamm foi construída por indígenas, e que lá lecionava o Kaingáng Felicíssimo
Belino. Nessa última escola, segundo seu Avelino, ensinava-se a ngua portuguesa,
matemática, eu aprendi as quatro operações com ele. Tinha português naquela época
231
.
Essa escola não fazia parte da administração do SPI, mesmo porque não havia sido instalado o
posto na área. Mesmo o professor sendo indígena não se ensinava a ngua Kaingáng, porém
encontrou-se um manuscrito com 19 páginas onde está um vocabulário de palavras Kaingáng,
conjugação de verbos, frases
232
elaboradas por Felicíssimo e datilografadas por Selistre de
Campos.
A proposição para o ensino da ngua portuguesa, é que como Selistre era getulista, e
na época, a potica era a de nacionalização, a crião dessa escola pode ter tido como função
colaborar na integração das crianças por meio do ensino da língua portuguesa e outras
disciplinas do currículo. Ainda sobre o período de realização das aulas, conforme diz seu
Avelino, a aula era de manhã e de tarde. Ele dava aula de manhã para os adiantado e de tarde
dava aula para os abcdário
233
. Seu Avelino nos diz que era utilizado um quadro pelo
professor e pelos alunos uma lousa, na qual se escrevia e logo se apagava.
231
ALÍPIO, Avelino. Entrevista concedida a Talita Daniel Salvaro em 5 de junho de 2008, Terra
Indígena Xape/SC.
232
Vocabulário Caingang, segundo Felicíssimo Belino, original manuscrito por Dr. Antonio Selistre de
Campos (década de 1940). Fonte CIMI Chapecó 2006, digitalizada por Ninarosa M. da Silva Manfroi.
233
ALÍPIO, A. Entrevista. Op. Cit.
100
O senhor Avelino Alípio foi funcionário do SPI (anexo 6), trabalhou como motorista
da saúde, e como auxiliar de ensino durante o período de atuação deste órgão. É perceptível
na fala do senhor Avelino alguns aspectos daquela época, principalmente questões ligadas à
pátria. No regulamento do SPI fica claro o civismo pela pátria, em que no Art. 19, mostra que
uma das funções dos Postos de Assistência, Nacionalização e Educação, caracterizam-se: “f)
pelo culto cívico à bandeira e por outras instituições destinadas a incentivar o civismo
brasileiro entre os índios, sem distinção de sexo, inclusive o ensinamento da história da pátria,
e a explicação das datas nacionais
234
.
Muito da fala de nosso entrevistado contém a palavra civilizado, que era muito
utilizada na época. Ele nos fala que, no tempo do SPI, o hino nacional era obrigatório na
entrada e na saída das aulas, todos os dias. Sobre isso, o mesmo diz que:
todos os dias obrigario, porque eu acho lindo o hino nacional, e os meus
alunos aquele que tava lá meio brincalhão, ele ficava lá comigo né, ia
conversa depois com ele sozinho né, „que vê que é hino nacional, todo mundo
respeita, nós temos que respeitar também‟, então...
235
Em 1960 foi fundada a Escola Estadual São Pedro, que se localizava na aldeia Água
Branca. Houve posteriormente uma escola chamada Escola da Sede que se localizava em
terreno pximo à escola atual, constrda de madeira, onde lecionou uma professora chamada
Eva Fortes de Lara (anexo 7), filha de Francisco Siqueira Fortes, segundo encarregado de
administrar o PI Chapecó (1942/1948). Segundo seu Avelino Alípio, contemponeo a esta,
ela dava aula, onde agora foi desmanchada a escola velha, era perto daquela casa branca ali,
por ali (terreno próximo a EIEB Cacique Vanhkrê)
236
. Era comum que a esposa ou filha do
encarregado do posto lecionasse na escola da área. A esposa de Nereu Costa, encarregado do
SPI de 1950 a 1964, a senhora Lourdes M. da Costa, foi auxiliar de ensino na década de 1950
(anexo 8).
Em 1975 temos a criação da Escola Federal Posto Indígena, que em 1984 recebe a
denominação de Escola Isolada Federal Vitorino Kondá. Através da Portaria 488/88, de
6/12/88 e parecer n 609, a Escola Isolada Federal Vitorino Kondá, foi transformada em
234
Regulamento do SPI, decreto 736, 6 de abril de 1936. Op.Cit.
235
ALÍPIO, A. Entrevista. Op. Cit.
236
Idem.
101
Escola Básica Federal Vitorino Kondá, autorizando o funcionamento de a 8ª série do ensino
de grau. Pela Portaria 221/94, publicada no Drio Oficial de SC, em 06/06/94, foi emitida
a Portaria 788/88, na qual a escola passou a chamar-se Escola Básica Vitorino Kon
237
. O
termo Federal que acompanhava a nominação da escola foi motivo para que a comunidade e a
escola pedissem a modificação, pois, segundo eles, isso estava dificultando que o Estado de
Santa Catarina financiasse seus custos, alegando ser aquela uma escola Federal. Foi, então,
encaminhada uma solicitação da retirada da palavra Federal do nome da escola, devido às
dificuldades que vinha enfrentando, como nos mostram as atas:
P.I.Xapecó, Ipuú 14 de outubro de 1993
Ilmo Sr. Sebastião Fernandes (Administrador Regional da FUNAI/Chapecó)
Escola com dificuldades e falta de professores, monitores na língua Kaingáng,
merenda escolar, material didático, espaço sico, equipe administrativa etc,
pois dois anos (desde 1989), o Estado deixou de atender, alegando ser uma
escola federal.
FUNAI:
Declaração: a FUNAI concorda com a transformão do nome da escola para
Escola sica Vitorino Kon a ser mantida pelo Sistema Estadual de
Educação de Santa Catarina, nos termos do Decreto 26/91.
Nelmo Roque Soler (Chefe de Departamento de Educão).
238
Em um cadastro das escolas indígenas feito pela FUNAI em 1993
239
, apontava-se que
a escola Vitorino Kon estaria necessitando de amplião. Ela era descrita como escola de
alvenaria, tipo de construção não tradicional. Necessidade de amplião: 02 salas, 02
banheiros, 01 cantina, 01 sala para professores.
A escola contava naquele ano com dez professores. Destes, apenas três com formação
específica em educação indígena, sendo dois contratados pela FUNAI e dez pelo Estado.
Loreni Nokrig Paulo (atua de 1
a
a 8
a
série e fez curso no CTPCC, os outros dois professores
237
Sobre as denominações da escola há referências no Histórico Escolar que compõe o Plano Político
Pedagógico de 1996 da Escola Básica Vitorino Kondá. Fonte: Atas da EIEB Cacique Vanhkrê /acervo da autora.
238
Cadastro de escolas indígenas Escola Básica Federal Vitorino Kondá Sede 1993. Fonte: Atas da
EIEB Cacique Vanhkê/acervo da autora.
239
Idem.
102
da FUNAI fizeram cursos de curto prazo), contratado pelo Estado, com tempo de magistério
em escola indígena de cinco anos, em escola nacional e tem formação específica em educação
indígena.
Na parte que se refere à situação linguística, registra-se que na escola prevalece a
língua portuguesa:
modos de comunicação na escola: somente em ngua portuguesa: entre
professores e alunos na sala de aula e entre professores e alunos fora da sala de
aula; entre os alunos.
Bilíngüe incipiente: somente em língua portuguesa: entre professores e alunos
na sala de aula e entre professores e alunos fora da sala de aula; entre os
alunos.
A língua utilizada na escola como ngua primordial de educação é a ngua
portuguesa e o bilíngüe (Lm e LP) obs: a ngua materna es sendo
introduzida na escola porque o grupo estava deixando de falar sua própria
ngua. Pequena carga horia
240
.
Em 1997, a escola passou a ser Colégio Estadual Vitorino Kone foi implantando
gradativamente, no ano de 1998, o ensino médio: “no final do ano de 2000, a escola formou a
primeira turma de ensino médio em escola localizada em Terra Indígena, sendo pioneira no
país
241
. No Planejamento geral das atividades de 1996, percebe-se que até então a
comunidade e a escola não tinham conhecimento do papel que o „Cacique Vanhkrê‟, nome
atual da escola, desempenhou na demarcação da área da TI Xapecó. A escola tinha o nome
Vitorino Kondá‟ como sendo de um herói no processo histórico da conquista de terras da TI,
como aparece no planejamento ao citar que em:
1984 a Escola Federal Posto Indígena Xapecó passou a se chamar Escola
Federal Vitorino Kondá: Este nome originou-se por ser o Senhor Vitorino
Kondá um cacique guerreiro que lutou em favor dos índios, conseguindo
através de lutas a demarcão desta reserva ingena
242
.
No ano de 2000 o Colégio Estadual Vitorino Kondá passou a se chamar Escola
Indígena de Educação Básica Cacique Vanhkrê. Essa mudança se deu devido a uma pesquisa
240
Idem.
241
NÖTZOLD, A. L. V. Nosso Vizinho... Op. Cit., p. 29
242
Plano Político Pedagógico de 1996 da Escola Básica Vitorino Kondá. Atas da EIEB Cacique
Vanhkrê.
103
realizada na TI Xapecó, em que, onde através da história do seu povo, perceberam que o
Cacique Vanhk foi um personagem importante na conquista da demarcação da TI, que
aconteceu em 1902 através do Decreto n.
o
7, fato muito significativo para os Kaingáng. Con
foi um indígena Kaingáng que, na época, eram chamados de “mansos, pois colaboravam
com os não-indígenas a contactar grupos para os aldeamentos em troca de patentes militares e
contribuições a seu grupo, sendo assim, consta em atas:
Através deste solicitamos a alteração do nome do Colégio Estadual Vitorino
Kondá para Colégio Indígena Cacique Vanhk. Dados biogfico do Cacique
Vitorino Kon batizado em 1820, morto em 1870, para nós Kaingáng,
Kondá foi uma vítima da maldade do homem branco, que usou, explorou e
colocou nosso irmão contra seu próprio povo. Vanhkrê era cacique de 200
índios da tribo Coroados no passado. Os índios Coroados se estabeleciam na
margem esquerda do rio Chapecó no município de Palmas.
243
Acompanhando nossas fontes, o Planejamento geral das atividades de 1999, traz as
discussões em relação à mudança do nome, intitulado Escola em processo de mudança de
nome:
Após a realizão da pesquisa biográfica sobre Vitorino Kondá, foi feita a
leitura e discussão do assunto em reunião com APP, pais, alunos, lideranças e
professores que se pronunciaram a favor da mudança do nome da escola de
Colégio Estadual Vitorino Kondá. A comunidade sugeriu alguns nomes, entre
eles do Cacique Vanhkrê que foi muito importante na conquista do terririo
que atualmente pertence aos Kaingáng. A escolha se feita em votação com a
presença de toda comunidade escolar; pais; professores, alunos e lideranças
indígenas
244
.
A EIEB Cacique Vanhk foi inaugurada em 2000, sendo considerada refencia na
educação escolar indígena, pois além de atender ampla quantidade de alunos, seus professores
243
Atas da EIEB Cacique Vanhkrê/acervo da autora.
244
Planejamento Geral das atividades de 1990, Colégio Estadual Vitorino Kondá. Atas da EIEB
Cacique Vanhkrê.
104
o quase na totalidade indígenas e seu currículo contempla disciplinas específicas da cultura
Kaingáng como a língua materna, memória histórica, cultura Kaingáng.
Sua estrutura foi elaborada segundo a história do seu povo. Conforme um folder sobre
educação indígena produzido pela comunidade Kaingáng, com textos do professor de Língua
Kaingáng Pedro Kresó, a escola tem o formato circular (Fig.15), de acordo com a realidade
histórica da comunidade, sendo a sala da direção localizada no centro como se fosse a casa do
cacique e as salas de aula ficam ao seu redor, significando as casas das falias da
comunidade. A escola possui tamm um ginásio de esportes (Fig.16) constrdo no formato
de um tatu (fenenh). Esse formato foi pensado e discutido com os professores e lideranças
indígenas da comunidade. Os grupos que discutiram o projeto chegaram à conclusão de que o
tatu, que era uma caça muito importante no passado, está em extinção. Assim, acharam válido
construir o ginásio com essa forma para que o animal permanecesse na história e na
lembrança do povo dessa comunidade. Como a tartaruga (peni) tamm está em extinção, a
comunidade decidiu construir um centro cultural (Fig.17) com arquitetura que remete à forma
de uma tartaruga.
FIGURA 15 - EIEB Cacique Vanhkrê TI Xapexó.
105
FIGURA 16 - Ginásio de Esportes da EIEB Cacique Vanhkrê.
FIGURA 17 - Centro Cultural da EIEB Cacique Vanhkrê
245
.
245
PERES, J. A; SALVARO, T. D. Escola, Gisio e centro cultural da EIEB Cacique Vanhkrê.
Terra Indígena Xape, Ipuu, 2008. Acervo da autora, 3 fotografias color digitais.
106
Quando da implantação de escolas pelo SPI, os professores eram na maioria não
indígenas e oriundos de órgãos estaduais. Havia tamm as esposas de Encarregados do Posto
Indígena. Isso se estendeu além da década de 1970, pois segundo DAngelis
246
, até os anos
1970 podia se falar de casos muito espodicos de índios que, sendo alfabetizados, atuaram
como professores em suas comunidades. No geral, os professores eram brancos, funcionários
do SPI. Aos poucos, os Kaingáng foram se inserindo no campo educacional por meio dos
cursos de Magistério Bilíngue, como o que aconteceu em São José do Cerrito, em 1999;
cursos de formação organizados pela Secretaria de Educação do Estado de Santa Catarina, e
alguns começaram inclusive a frequentar a universidade. Hoje, quase todos os professores que
lecionam na Cacique Vanhkrê possuem terceiro grau completo.
No que concerne à educação, as crianças e adolescentes em idade escolar, além dos
adultos que não tiveram acesso à educação formal na idade regular por diferentes motivos, são
atendidos atualmente por três escolas maiores. A EIEB Cacique Vanhkrê, situada na aldeia
Jacu, Sede do Posto Xapecó, é a maior escola da área e tamm a maior escola Kaingáng do
Estado de Santa Catarina. Atende 808 alunos em todos os níveis de educação básica, inclusive
com um Centro de Educação de Jovens e Adultos - CEJA, e uma turma de língua brasileira de
sinais LIBRAS. Estão matriculados 319 alunos no ensino fundamental de 1
a
a 4
a
série; as
aulas da 1
a
e 2
a
ries são no período vespertino, e 3
a
e 4
a
, no matutino; 396 de 5
a
a 8
a
série,
sendo 5
a
e 7
a
no período da tarde e 6
a
e 8
a
no período da manhã; e 90 alunos no ensino médio
no período da noite
247
.
De acordo com Getúlio Narsizo
248
, são 46 funcionários na escola, sendo que cinco são
efetivos e apenas quatro são não indígenas. A escola conta ainda com quatro merendeiras e
um vigia.
A Escola Indígena de Ensino Fundamental Paiol de Barro, na aldeia Paiol de Barro,
teve no ano de 2007 o ensino implantado até a 7
a
série do ensino fundamental, possuindo
tamm o EJA. A Escola Indígena de Ensino Fundamental Pinhalzinho, localizada na aldeia
Pinhalzinho, atende alunos de 1
a
a 4
a
série do Ensino Fundamental. Em outras aldeias da área,
246
D‟ANGELIS, Wilmar da Rocha. A língua Kaingáng, a formação de professores e o ensino
escolar. Texto apresentado e distribuído no I Seminário de Educação Escolar Indígena da Região Sul,
promovido pela Coordenão Geral de Apoio às Escolas Indígenas/MEC. Balnr io Camboriú 23-24 de nov. de
1999, p. 4.
247
Situação da Unidade Escolar em junho de 2008.
248
NARSIZO, G. Entrevista. Op. Cit.
107
as escolas são multiseriadas, contemplando o ensino de 1
a
a 4
a
rie de acordo com a
demanda.
A EIEB Cacique Vanhkrê faz parte da história do povo Kaingáng e é hoje um meio
para que seja garantido a seus alunos o direito ao estudo que não mais negue sua cultura, mas
sim que a valorize e seja motivo de auto estima. A identidade é algo constrdo pelo indivíduo
que possui em si o sentimento de pertença étnica. Percebemos durante a pesquisa de campo
que a escola se faz um espaço em que essa identidade pode ser fortalecida por meio do ensino
da ngua Kaingáng, conhecimento da história dos povos indígenas e Kaingáng.
3.3 Alfabetização escolar: A oralidade e a escrita
Atualmente, percebe-se a preocupação dos Kaingáng da TI Xapecó em registrar
através da escrita a sua memória, haja vista que os mais velhos estão morrendo e, segundo
eles, eso perdendo a sua história. Devido ao contato com o não-indígena e à inserção da
escrita na comunidade, muito da cultura do povo está sendo reelaborada e adaptada.
Nas populações indígenas, a comunicação era centrada na tradição oral, que segundo
Henri Moniot é tudo aquilo que é transmitido pela boca e pela memória. Esse pode ser um
saber difuso em cada sociedade, transmitido mais ou menos amplamente pela educação e em
favor das circunstâncias práticas da vida
249
. Pela boca, pois é um mecanismo pelo qual a
oralidade se faz viável e por meio da memória, pois ela é quem seleciona e guarda aquilo que
deve ser repassado. A oralidade se dava na língua materna da comunidade e sustentava todos
os aspectos culturais, representando um forte fator de identidade étnica: a língua materna de
uma comunidade é um dos componentes mais importantes de sua cultura, constituindo o
código com que se organiza e mantém integrado todo o conhecimento acumulado ao longo
das gerações
250
.
Anterior à instalão das escolas nas áreas indígenas, portanto, o ensinamento da
tradição Kaingáng baseava-se na oralidade, que passava de geração para gerão a cultura e a
tradição do povo, como a língua materna, o artesanato, os mitos e lendas, o aprendizado sobre
249
MONIOT, Henri. A história dos povos sem história. In: LE GOFF, J. & NORA, P. Hisria: Novos
Problemas. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1979, p. 102.
250
Educação Indígena I Reunião do Consed. Op. Cit., p. 6.
108
as ervas medicinais dentre outros, que eram aprendidos na prática através da observação e da
comunicação oral. Hoje, essa oralidade continua acontecendo, porém com uma interferência
na sua continuidade, quando da introdução da escrita no cotidiano desse povo. Segundo o
linguista Wilmar DAngelis
251
, a introdução de escolas começou a generalizar-se após a
instalação do SPI, mas ainda assim, bastante lentamente. Muitas comunidades Kaingáng
vieram a conhecer as primeiras escolas na década de 1940 ou 1950, e alguns depois disso.
Essas escolas ficavam sob a responsabilidade dos postos indígenas, que eram administrados
por funcionários do SPI, e o ensino era o mesmo das escolas rurais brasileiras.
Foi com a inserção da instituição escolar
252
que o ensinamento da tradição através da
oralidade dividiu espaço com o aprendizado que se tinha na escola, e foi através dessa
instituição que a escrita começou de forma lenta a fazer parte do cotidiano indígena. É
importante frisar que junto com as escolas também veio o ensino da língua portuguesa e a
obrigatoriedade de a mesma ser falada pelos indígenas, fator que contribuiu para o decréscimo
de falantes e da oralidade que se dava na ngua materna. De acordo com D‟Angelis
253
, as
pressões sobre a sociedade Kaingáng também configuraram-se em políticas sistemáticas para
que os indígenas deixassem de falar a língua materna. Ressalvamos que os Kaingáng já
conheciam a língua portuguesa, mas que seu ensino escolar vai se dar com a instalação das
escolas na TI. Porém a dificuldade maior que se percebeu efetiva com a inserção da língua
portuguesa foi a aprendizagem da escrita, pois o contexto da língua naquele momento era que
a ngua Kaingáng mantinha-se pela oralidade. Tanto a escrita dessa ngua como
principalmente a da língua portuguesa, que era estranha ao meio, foram obstáculo para uma
comunidade que se mantém pela tradição oral.
Portanto, o contato com a sociedade não indígena, a presença da ngua portuguesa no
cotidiano, além da proximidade com os centros urbanos, trouxeram mudanças culturais na
tradição indígena. Essas modificações, aliadas à preocupação com os mais jovens em relação
à valorização de sua cultura fez com que os indígenas se mobilizassem para revitalizar sua
história e fortalecer sua tradição através do conhecimento dos mais velhos. A escrita agora é
utilizada para que a oralidade seja registrada, sendo assim, através de material didático pode-
se repassar para as gerações futuras aquilo com que elas não conviveram. Percebemos que
tanto na escola como no dia a dia que a oralidade ainda está presente, pois a cultura, mesmo
251
D‟ANGELIS, W. da R. Angua Kaingáng, a formação de professores... Op.Cit., p.3.
252
Nesse momento era uma educão vinda de fora, a partir da Constituição Federal do Brasil de 1988 é
que se início uma educão escolar indígena que privilegia um ensino diferenciado.
253
D ANGELIS, W. da R. Kaingáng: questões dengua ... Op.Cit., p. 109.
109
que registrada, passa pela oralidade. Essa oralidade é aquela marcada pela tradição e não
aquela utilizada no dia a dia para comunicação. A oralidade tem sua função social, pois,
segundo Thompson, toda história depende, basicamente, de sua finalidade social. Por isso é
que, no passado, ela se transmitia de uma geração a outra pela tradição oral e pela crônica
escrita
254
.
Nas sociedades de tradição oral, a memória é o mecanismo que possibilita repassar o
conhecimento. Pode-se dizer que a memória es ainda mais presente nestas sociedades, nas
quais exerce grande funcionalidade, pois toda a história do povo é permeada pela memória,
sendo reelaborada, mas sem que perca o sentido. Apenas é contada de uma forma diferente
pelos seus membros (homens memória). Le Goff
255
ressalta que a memória coletiva se aplica
de forma funcional nas sociedades sem escrita, pois um dos seus interesses através dessa
memória é a identidade coletiva do grupo. A memória e a identidade m grande ligação,
sendo a primeira elemento constituinte do sentimento de identidade. lix nos coloca que a
identidade é um elo com a história passada e com a memória do grupo
256
, quando a
identidade é fortalecida através da memória, que, por sua vez, mantém a coesão do grupo.
Hoje a escrita do Kaingáng tem como principal papel transmitir os conteúdos das
disciplinas, bem como para lecionar todas as outras, pois é preciso que o aluno possa
acompanhar as atividades e fazer avaliação. Tudo isso acontece por meio da escrita, porém a
oralidade é mantida e tem como principal função conservar a cultura Kaingáng. A escrita é
utilizada como uma forma de registro da tradição do povo Kaingáng, pois é perceptível nas
oficinas
257
a presença dos mais velhos que relatam por meio oral sobre a tradição, contando
como era a vida antigamente. E os mais novos fazem o registro por meio da escrita.
Geralmente o material é bilíngue, pois muitas crianças não têm donio da língua Kaingáng e
sentem dificuldades na aprendizagem. A escrita é percebida como um espaço realmente de
registro para as pximas gerações, visto que a eles foi imposta a escrita da ngua portuguesa,
então, como para resgatar a igualdade, é preciso ter a ngua que identifica o povo tanto na
oralidade como na escrita.
254
THOMPSON, P. Op. Cit., p. 20.
255
LE GOFF, J. Op. Cit., p. 16.
256
FÉLIX, Loiva O. Hisria e memória: a problemática da pesquisa. Passo Fundo/ RS: EDIUPF,
1998, p. 42.
257
Acompanhamento nas oficinas realizadas pelo LABHIN junto aos Kaingáng, por ocasião de projetos
de extensão e MEC/SESu/Depem.
110
3.4 - O ensino-aprendizagem da língua materna como fator de identidade
Nesse momento da dissertação, buscamos mostrar o que presenciamos em algumas
aulas de língua Kaingáng na EIEB Cacique Vanhkrê e também o que se percebeu nas atas e
entrevistas realizadas com alguns professores da escola sobre os desafios encontrados no
ensino e na aprendizagem da língua materna. Tendo em vista que o principal fator que
desencadeou o processo de diminuição de falantes da língua materna foi a inserção da ngua
portuguesa na educação escolar e com ela a introdução da escrita de uma língua diferente,
verificamos eno alguns apontamentos pós CF de 1988, percebendo as dificuldades da escola
e do ensino da ngua Kaingáng na EIEB Cacique Vanhkrê.
Atualmente a escola conta com 46 funcionários, que são na sua maioria indígenas. Os
professores de ngua Kaingáng no ensino fundamental de 1
a
a 4
a
série são: Dalgir Pacífico,
Loreni Nokrig Paulo, Sirlei Alves de Assis e Arnaldo Alves de Assis; de 5
a
a 8
a
série: Dalgir
Pacífico e Luciano Fernandes; ensino dio: Ezoneide Apio e Luciano Fernandes.
A alfabetização das crianças na EIEB Cacique Vanhkrê se dá na ngua portuguesa e o
primeiro contato com a escrita se nessa ngua, pois as crianças chegam à escola falando o
português. O professor Pedro Kresó, diz que,
a alfabetizão é em português, porque você não pode alfabetizar em
Kaingáng, que é uma ngua que as crianças não vêm falando de casa, os pais
não falantes, daí as crianças também passam por essa dificuldade, então nós
temos a língua Kaingáng hoje como uma segunda ngua no caso, e a
portuguesa seria a primeira ngua do povo hoje
258
.
Podemos compreender a língua Kaingáng, como diz o professor Pedro Kresó, como
segunda língua no ambiente escolar. Entretanto esse fato não se refere à questão de maior
ou menor importância entre essas duas nguas, mas sim se faz presente devido ao contexto
em que os Kaingáng estão inseridos. O processo histórico pelo qual passaram fez com que a
língua portuguesa viesse a prevalecer no dia a dia, sendo que o espaço de negociação é
mantido na ngua portuguesa. Isso se deu por obra de muitos fatores apontados anteriormente
258
KRESÓ, P. Entrevista. Op. Cit.
111
neste estudo e que, resumidamente, foram: i) o contato intenso com os não-indígenas e as
necessidades formadas pós-contato; ii) a língua proibida devido aos processos de
nacionalização e integração à sociedade nacional; iii) localização da Terra Indígena pxima a
cidade; iv) casamentos mistos. Segundo o RCNEI:
o problema é que devido à pressão social contra o uso das línguas indígenas,
seus falantes passam a usar a língua portuguesa em ambientes que
tradicionalmente não lhe pertencem. Quando isto acontece, por exemplo, no
interior do ambiente familiar, a ngua indígena enfraquece, porque perde
forças e falantes: as crianças vão crescer falando o português
259
.
Por isso ao chegarem à escola conhecendo apenas a oralidade da língua portuguesa
devem ser alfabetizados primeiramente nesta língua, pois é preciso que a aprendizagem
primária da escrita se na ngua oral que a criança aprendeu e com a qual convive, ou seja,
na língua que ela fala, ao contrário terá muitas dificuldades em aprender, como mostra a
linguista Ruth Monserrat:
a alfabetizão é um processo de descoberta, em que a pessoa percebe de
repente a relão entre a fala e a escrita, ela percebe a escrita como uma
representão da fala parcial, daí ela percebe que tudo o que ela fala, ela pode
representar de uma outra forma através do dedo, do lápis, ou coisa e tal, essa
coisa só é rica, é preciosa quando é realmente na ngua que a criança ou o
adulto fala, angua dele
260
.
O professor da EIEF Paiol de Barro
261
, Valdecir de Paula, explica um pouco sua
experiência sobre a alfabetização, mostrando realmente o que a linguista Ruth Monserrat
comentou anteriormente:
a aula de Kaingáng na verdade pra quem fala Kaingáng, quer dizer, a
alfabetização acontece em torno já vem trazendo de casa a fala dele, seria hoje
na nossa comunidade a questão da ngua portuguesa, então se alfabetiza ele
259
MEC/SEF. RCNEI, p.118.
260
MONSERRAT, Ruth Maria Fonini. Entrevista concedida à Helena Alpini Rosa e Talita Daniel
Salvaro, em junho de 2007, Faxinal do Céu Paraná.
261
Paiol de Barro localiza-se no município de Entre Rios, sendo uma das 16 aldeias da TIX.
112
na ngua que ele fala e aí sim depois parti pra uma outra segunda ngua que
seria, se fosse falante seria o português né, mas como aqui a gente na ngua
fala português então a gente entraria com a segunda ngua que seria o
Kaingáng, porque a gente aprendeu isso pouco tempo, tanto é que a gente
vinha fazendo um trabalho assim meio que ao contrário, entrava com o
Kaingáng a escrita e além disso a ngua portuguesa, então confundia muito o
aluno, aí ele não aprendia nem uma nem outra, então primeiro se alfabetiza na
ngua que ele fala e aí sim depois entra com a outra língua, que seria no nosso
caso o Kaingáng
262
.
Angua Kaingáng é trabalhada principalmente na sua forma oral com desenhos,
cânticos e pequenos textos traduzidos pelos professores. São introduzidas frases em Kaingáng
que são utilizadas no dia a dia para que a criança vá se familiarizando com as palavras na
língua materna, como “licença para ir ao banheiro, “fiquem em silêncio. A iniciação das
crianças na escola, ou seja, o pescolar acontece na antiga escola Vitorino Konda‟, devido
ao aumento no número de alunos da escola e à falta de salas de aulas. O professor de p-
escola trabalha o ensino da ngua Kaingáng com desenhos, colagem, palavras que remetem
ao corpo humano, como se vê na fotografia abaixo, no quadro de giz, onde ele escreve e
desenha as partes do rosto.
FIGURA 18 - Professor de pré-escola realizando atividades com seus alunos
263
.
262
PAULA, Valdecir de. Entrevista concedida à Talita Daniel Salvaro em 20 de setembro de 2007,
Aldeia Paiol de Barro, Terra Indígena Xape/SC.
263
SALVARO, T. D. Professor do pré escolar e alunos. Terra Indígena Xape, Ipuaçu, 2008.
Acervo da autora, duas fotografias color digitais.
113
De 1
a
a 3
a
série é trabalhada mais a oralidade para que as crianças possam se
identificar com a língua. Segundo o professor Valdecir
264
, é a partir da 3
a
série que eles
começam a utilizar a escrita porque eles ficam grande tempo com o alfabeto já trabalhando
algumas coisas que já sabem falar no dia a dia.
264
PAULA, V. Entrevista. Op. Cit.
114
FIGURA 19 Atividades do Plano de Aula do professor Pedro Kresó. Vogais e
alfabeto.
A professora Sirlei Alves de Assis, falante da ngua Kaingáng, leciona para asries iniciais.
Ela aprendeu a falar Kaingáng na escola, pois seus pais não a ensinaram. Seu professor foi
Loreni Nokrig Paulo, que leciona na Cacique Vanhkrê. Sirlei é um diferencial na escola nas
ries iniciais, pois consegue lecionar todas as disciplinas (exceto Educação Física) sem
precisar que outro professor a auxilie. Já no caso de outros professores, é necessário que um
professor faça rodízios no ensino da língua Kaingáng, pois alguns não a dominam
fluentemente. O rodízio é uma forma de ensino. Sirlei
265
fala que depois que virou uma
disciplina, a gente tem um professor que atua, mas aqui a gente tem também um professor
265
ASSIS, Sirlei Alves de. Entrevista concedida a Talita Daniel Salvaro em 20 de junho de 2006, TI
Xape/SC.
115
que faz rodízio, mas eu que falo o Kaingáng, daí eu trabalho sozinha, atuo em todas as
disciplinas...No ensino fundamental de 5
a
a 8
a
e no ensino médio a ngua Kaingáng é uma
disciplina como as outras. Sirlei remete a mudança‟ ao período em que se trabalhava dois
professores em sala de aula. Essa mudança se deu em 2002-2003, segundo Jane Motta a
“mudança coma quando há o primeiro concurso que efetiva professores, quando se conclui
a primeira turma de formação Xokleng/Kaingáng é ali que a grande ruptura, foi muito
difícil e ta sendo difícil até hoje
266
. Ela estabelece como principal dificuldade o entendimento
de um professor bilíngue, que segundo a mesma seria aquele que lecionasse todas as
disciplinas na ngua materna e na ngua portuguesa.
O professor Dalgir Pacífico leciona para o ensino fundamental de 5
a
a 8
a
série, e pede
que nas suas aulas os alunos falem apenas em Kaingáng. Segundo Dalgir Pacifico
267
, a
oralidade é o primeiro passo no ensino da ngua Kaingáng, sendo a escrita inserida de forma
mais ampla na série, pois precisam aprender bem a fonética da ngua. Ainda segundo ele,
com os grandes de a série ele trabalha mais formação de frases, textos, palavras, e
elaboração de algum texto como, por exemplo, 10 linhas, mas com ajuda.
Algumas das principais dificuldades que os professores encontram no ensino da ngua
se concentram principalmente na falta de material didático pedagógico na língua materna,
aliada ao fato de as crianças virem falando de casa a ngua portuguesa, além da utilização da
língua ser realizada apenas na escola. Os materiais são na sua maioria produzidos pelos
próprios professores. Às vezes conseguem materiais produzidos por outras instituições como
o LABHIN em parceria com os Kaingáng
268
e a Secretaria do Estado de Educação por meio
de cursos de formão.
O que podemos perceber nessa produção própria de material na língua Kaingáng é que
os professores estão expressando aquilo que sabem, que pesquisam, que aprendem na
faculdade, nos cursos de formação, nas oficinas e que, em conjunto com os outros
professores, acham pertinente. Os conteúdos e atividades são produzidos em um caderno que
serve como livro ditico, sendo que muitos conteúdos são repassados no quadro de giz e as
atividades para os alunos são rodadas no mimeógrafo. Os conteúdos de ngua Kaingáng são
266
MOTTA, J. Entrevista. Op. Cit.
267
PACÍFICO, Dalgir. Entrevista concedida a Talita Daniel Salvaro em 05 de junho de 2008, TI
Xape.
268
Materiais produzidos por meio de projetos de extensão UFSC e MEC/SESu/DEPEM.
116
voltados para a história e aspectos da cultura do povo. Na parte de conteúdos e atividades para
a 7
a
rie vespertina o professor Pedro trabalhou:
Tradição Kaingáng;
Palavras e frases referente a conteúdo;
O reestudo dos acentos agudo e til;
Agudo Ti gri j
Til tri gri n
Discussão sobre valores culturais indígenas;
A importância da ngua Kaingáng;
Objetivos da ngua Kaingáng;
Interpretação de textos com ajuda do professor;
Sempre fizemos leituras coletivas e individuais;
Trabalhamos com ditados de palavras e frases;
Reestudamos as vogais e consoantes;
Sempre ensaiamos alguns cânticos;
Trabalhamos cultura indígena devido a semana do índio e dia do índio;
Utilizamos material da natureza como: taquaras, varas, cipós, tintas extraídas
da mata
269
.
Nesse intuito a atividade abaixo, elaborada pelo professor Luciano Fernandes, pede no
enunciado que os alunos escrevam os nomes dos desenhos na ngua Kaingáng. O trabalho
com o desenho auxilia as crianças a memorizar os nomes e lembrar com mais facilidade. Eles
representam elementos do cotidiano indígena.
269
Diário de classe do Professor Pedro Kresó, conteúdo de atividade de 10/02 a 30/04. Disciplina
ngua Kaingáng, 7
a
série vespertina. Colégio Estadual Vitorino Kondá. 30/04/1998. Atas da EIEB Cacique
Vanhkrê.
117
FIGURA 20 - Atividades produzidas pelo professor Luciano Fernandes.
O material a seguir, elaborado pelo professor Pedro Kresó, traz um pouco da história
indígena com o ouriço. Por meio dessa história, ele explora as sílabas “fa, fe, fi, fo, fu, fy... e
forma pequenas frases que contêm essas sílabas.
118
FIGURA 21 - Atividade produzida pelo professor Pedro Kresó.
Questionamos a respeito da evasão escolar na escola, e o professor Getúlio Narsizo
nos explicou que a diminuição de alunos se em alguns períodos referentes ao plantio,
colheita e épocas de muito frio:
não pra você dizer assim houve evasão, porque assim, tem, no começo do
ano em janeiro, como é verão, nós temos um número grande de alunos, assim
até impressionante de alunos, mas nesse período de maio apassar julho, nós
temos um certo, uma certa diminuição de alunos, mais isso eu não posso dizer
pra você que pode ser caracterizado como evasão, a porque os Kaingáng,
119
eles... eles não o de fica só no mesmo lugar né, então eles vão de um lado
pro outro e principalmente nesse período, ele é o período tanto de inverno né,
e é o período que acabou já as colheita né, entendeu, por exemplo, o milho já
não tem mais pra colher, feijão já ta, nesse período aqui já, é os últimos que já
ta sendo colhido, e é um período de inverno né, então a maioria dos pais, eles
procuram serviço fora da aldeia, e o frio também atrapalha, mas partindo de
julho, depois do recesso escolar, a tendência sempre é normalizar né, que não
volta pra nossa escola, ele em outra escola né
270
.
Por meio do relato acima, podemos perceber que, mesmo com toda uma legislação que preze
por uma escola diferenciada, momentos em que é perceptível que isso não se aplica, pois a
realidade de uma escola indígena e do seu cotidiano são diferentes dos não indígenas. Como
fala Getúlio, as aulas deveriam ter para eles um outro calenrio de datas:
começar as aulas antes, começa tipo ali pro 10 de janeiro que s não vamos
na praia, porque janeiro é para quem vai na praia, é verão, nós podia ta
começando tipo 10 de janeiro e parar um pouco em julho no inverno e agora
em abril da uma paradinha por causa da colheita porque a grande maioria
precisa colher, seria a nossa divisória, mais como s somos preso ao sistema
também, não pudemo ta saindo tanto fora
271
.
Com a retomada da língua Kaingáng, ela passa a ter um sentido de grupo, de um povo
que tem uma ngua própria, que tem uma cultura. Esse sentimento é ainda maior, pois ela foi
uma identidade negada no período do SPI e pôde ser revitalizada por meio dos direitos
garantidos pela CF do Brasil, de 1988. O professor Valdecir
272
diz que a permancia e a
vincia de um povo é a queso da língua, e que para existir é preciso ter uma cultura, então
a gente trabalha muito isso porque senão, se acabar a cultura de um povo, aííí, daqui a pouco a
gente vai tá sendo tratado meio que de igual pra igual”.
A função social da língua no cotidiano ainda continua sendo a grande chave na
retomada das nguas indígenas, e a escola está contribuindo para uma revitalização, porém
por meio da escola, percebe-se essa retomada com uma função educativa e de aprendizagem
pelas crianças, como forma de perpetuar a língua através de uma nova geração. Mas a escola
por si não conta, pois a comunidade usa no seu dia a dia a ngua portuguesa: assistem
televisão, escutam rádio, vão ao mercado, negociam, trabalham fora da aldeia falando na
270
NARSIZO, Getúlio. Entrevista concedida a Talita Daniel Salvaro em 06 de junho de 2008, TI
Xape.
271
NARSIZO, G. Entrevista concedida a N. M. da S; T. D. S. Op. Cit.
272
PAULA, V. Entrevista. Op. Cit.
120
língua portuguesa. Portanto, parafraseando a linguista Ruth Monserrat
273
em entrevista, é o
“Davi contra o Golias, é uma luta constante na aprendizagem da ngua para que ela seja
retomada.
Faz quase dois anos que foi criada a dio comuniria Kairu 104.9 Fm, que funciona
na Terra Indígena Xapecó. A rádio, am de servir como um meio de comunicação que
interliga a comunidade, tamm é um meio de fortalecimento da sua cultura, pois alguns
programas são realizados na ngua Kaingáng e cantos tamm são executados.
FIGURA 22 Professor Loreni, Leacy, Dalgir e Jonatas, leitores e cantores na ngua
Kaingáng para a rádio Kairu
274
.
273
MONSERRAT, R. M. F. Entrevista. Op. Cit.
274
SALVA RO, T. D. Professor, Leacy, Dalgir e Jonatas, leitores e cantores na língua Kaingáng
para a rádio Kairu. Terra Indígena Xape, Ipuaçu, 2008. Acervo da autora, 1 fotografia color digital.
121
A escola tem como papel desenvolver nas crianças a valorização de sua cultura e o
fortalecimento da língua. O professor de ngua Kaingáng da EIEB Cacique Vanhkrê, Dalgir
Pacífico, diz que é nas crianças que está a esperança de continuar a tradição, pois:
os velhos estão morrendo e nós estamos incentivando agora as crianças a
valorizar os mais velhos, agora nós tamo trabalhando assim tipo nesse
semestre que passou a gente trabalho bastante com a oralidade com as crianças
pequenas, teve o seu Kresó, com as crianças ali, que nóis trabalhamo tudo
sobre os kofa ali falamo só na língua né ensinando eles assim na oralidade
por exemplo (palavras em Kaingáng citadas pelo professor) nós falemo pra
eles gravarem na memória
275
.
Hoje a escola e a educação escolar são reivindicações da grande maioria das
comunidades indígenas no Brasil, pois através do conhecimento do outro
276
podem ter
armas‟ para lutar em busca de seus direitos. O professor Mutuá Mehináku diz que:
é preciso usar a educação indígena para ensinar e estimular os jovens a
participarem mais da preservação da cultura. A escola indígena tem como
papel fundamental manter viva nossa identidade e ampliar nossa cultura
tradicional. É possível manter a cultura, mesmo com a proximidade das
cidades. Nossa cultura esta aí, viva. Como, hoje em dia, ações importantes da
aldeia estão morrendo juntamente com os idosos, os donos das tradições, a
gente pensou: Porque a gente não faz um registro da nossa cultura?
277
Esse registro já vem acontecendo, seja através de projetos realizados por algumas
instituições ou pelos próprios indígenas que produzem material ditico pedagógico,
registrando a história de seu povo. Muitas vezes o material é bilíngue, o que ajuda a fortalecer
a ngua materna.
275
PACÍFICO, D. Entrevista. Op. Cit.
276
A instituição escolar tal como a concebemos, faz parte da cultura não indígena e quando foi inserida
para os indígenas não privilegiava a sua cultura, o que começou a mudar após a promulgão da Constituição
Federal de 1988.
277
MEHINÁKU, Mutuá. Entrevista concedida a Revista Brasil Indígena. Ano III nº3
Julho/agosto/setembro de 2006.
122
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Essa pesquisa teve como foco perceber a ngua Kaingáng em dois períodos distintos,
SPI/FUNAI, mostrando as tentativas de assimilação por meio da educação e analisando a
inserção da escola pelo SPI como um mecanismo que contribuiu para as tentativas de
integração dos indígenas à sociedade nacional, quando sua ngua materna fora proibida e se
deu o ensino da ngua portuguesa. As a CF do Brasil de 1988, a ngua desempenha o
papel de fortalecimento da identidade étnica, ou seja, assistimos a uma mudança no cenário
brasileiro em relação à questão indígena, em que, por sua vez, a educação foi um dos direitos
contemplados, estabelecendo que as comunidades indígenas tivessem um ensino diferenciado,
que contemplasse sua língua materna e seus processos próprios de aprendizagem.
O marco estabelecido pela CF do Brasil de 1988 traz a indicação da mudança de uma
educação integracionista para uma educação que garanta o ensino dos conhecimentos
universais e da cultura indígena dentro do contexto de cada etnia. Por meio desses direitos é
que os indígenas buscam uma educação diferenciada. Porém, mesmo com toda a legislação
sobre a educação escolar indígena, ainda se tem uma longa caminhada para chegar ao
entendimento do que se poderia considerar uma educação escolar indígena, e que categoria
de escola seria essa, além do currículo diferenciado e específico garantidos pela Constituição.
Por meio da pesquisa de campo e principalmente das entrevistas foi que pudemos
obter uma melhor percepção do que realmente acontece na TI Xapecó e o que a língua
Kaingáng representa para a comunidade. Em entrevista com o senhor Avelino Alípio,
percebemos o quanto no seu discurso ainda há do SPI, principalmente quando se refere às
questões da pátria, quando disse que todos os dias o Hino Nacional era cantado. Acha isso
bonito e diz que deve ser respeitado. São relações que marcam esses indígenas que m o
tempo do SPI como um período bom. Ao mesmo tempo percebemos neste mesmo Senhor que
a ngua lhe serve como defesa em relação ao não indígena, pois quando fomos entrevistá-lo,
mesmo tendo estabelecido contato antes, este perguntou ao professor Dalgir Pacífico, que nos
acompanhava no momento, se poderia conversar comigo e se eu tinha autorização do cacique,
isso na ngua Kaingáng. São mecanismos de defesa que o uso da ngua ainda permite aos
seus falantes na comunidade.
123
Verificamos tamm, através de relatos obtidos na TI Xapecó, uma mudança de
pensamento por parte de algumas pessoas sobre a importância do estudo. Hoje se vê a
utilidade dos conhecimentos adquiridos na escola presentes no cotidiano indígena, haja vista
que, por meio destes, podem exercer uma profissão fora da aldeia, comercializar sem serem
enganados, conhecer seus direitos.
As necessidades pós contato e a proximidade com a cidade fizeram com que
atualmente o estudo seja um dos meios para que os indígenas conquistem seu espaço, para
que conheçam o outro. No relato acima, percebe-se o quanto isso é importante para a garantia
dos direitos trabalhistas.
Dialogar com esses e outros tantos relatos, analisar os documentos arrolados para este
estudo e as saídas a campo foram uma forma que reputo como realmente investigativa, pois
esse é o trabalho do historiador: procurar, investigar, interpretar e dar um sentido àquilo que
encontrou. Algumas lacunas podem ter ficado, pois nem sempre a investigação tem um
resultado concreto e objetivo. Penso serem essas lacunas favoveis na medida em que nos
possibilitam continuar a investigar sempre mais.
Esse trabalho é válido, pois pode auxiliar pesquisadores com suas questões,
permitindo o dlogo com as fontes apresentadas (documentos, atas, entrevistas, iconografia)
e principalmente, meu maior propósito é trazer à tona, mesmo que para poucos a história dos
Kaingáng da Terra Indígena Xapecó, contada por meio da sua ngua materna.
Como mostramos nessa pesquisa, os caminhos para a revitalização da ngua devem
ser algo persistente e contínuo, pois muitos fatores se agregam para criar as dificuldades
encontradas. A lacuna estabelecida entre a proibição e a revitalização da ngua teve como
conseqncia uma geração de pessoas que não aprenderam sua ngua materna, o que reflete
atualmente nos alunos da escola, que têm dificuldades em aprender uma língua, cuja oralidade
não possuem. Por isso a alfabetização se na língua portuguesa. Os casamentos mistos, o
contato próximo com as cidades e a comunicação na ngua portuguesa proporcionaram seu
predonio, pois m uma função efetiva no cotidiano.
A importância da língua materna, porém, é visível na comunidade Kaingáng da TI
Xapecó, o que foi perceptível nas atas da escola e nos relatos dos professores e membros da
comunidade. Como mencionamos na introdução dessa dissertação, pode parecer estranho ao
leitor pensar que uma língua que é falada fluentemente por poucos indivíduos seja tão
importante para uma comunidade e que represente um fator de identidade. Pois bem, o que
124
nós percebemos é que a ngua materna de um povo representa sim sua identidade, porém
outros fatores também já foram apontados como identificadores e não se baseiam somente na
língua. A língua tem como sentido manter a tradição, e compreendemos isso quando, em
pesquisa de campo e na realização de oficinas com os professores Kaingáng, a presença dos
mais velhos que detêm a língua é considerada muito importante. É por meio deles que são
repassados os mitos, os conhecimentos das ervas medicinais e as formas de trançado do
artesanato, a cultura Kaingáng se mantém viva pela ngua. Percebe-se, tamm, por meio da
atas essa retomada na ngua, quando se pede aos pais que incentivem os filhos a estudarem:
o professor Leacir destacou a importância do Kaingáng e pediu o incentivo dos pais para
fortalecer o aprendizado dos seus filhos para fortalecer a preservação da língua Kaingáng”
278
.
O processo de revitalização é feito como se estivesse “remando contra a ma,
devido à flncia na língua portuguesa, mas em nenhum momento se escuta dizerem que a
língua materna não é importante. A ngua precisa de uma função social para que realmente
se consiga mantê-la com mais presença. Os professores ensinam frases que são usadas no dia
a dia, além do que a comunidade conta hoje com uma dio comuniria que tem
programão na língua Kaingáng, o que contribui para o fortalecimento da mesma.
Hoje munidos de pis e conhecimento e associando a oralidade à escrita, os Kaingáng
buscam cada vez mais autonomia nas suas escolas, para que ela seja considerada realmente
uma escola indígena.
278
Ata da EIEB Cacique Vanhkrê, n.
o
05/04, 05/07/2004/ acervo do LABHIN.
125
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Editora Evangélica Esperança, 2002.
DOCUMENTOS GRAVAÇÕES/ENTREVISTAS
ALÍPIO, Avelino. Entrevista concedida a Talita Daniel Salvaro em 5 de junho de 2008,
Terra Indígena Xapecó/SC.
BENEDITO, João Maria. Entrevista concedida a Talita Daniel Salvaro em 04 de junho de
2008. Aldeia Paiol de Barro, T.I Xapecó/SC.
FERNANDES, Luciano. Entrevista concedida a Talita Daniel Salvaro em 21 de junho de
2006, Terra Indígena Xapecó /SC.
KRE, Pedro. Entrevista concedida a Talita Daniel Salvaro em 21 de junho de 2006,
Terra Indígena Xape.
130
MENDES, Maria Virgínia. Entrevista concedida a Talita Daniel Salvaro, em 20 de junho
de 2006, Terra Indígena Xapecó/SC.
MENDES, Sebastião. Entrevista concedida a Ninarosa M. da Silva M.; Talita D. Salvaro;
Jackson Alexsandro Peres em 23 de abril de 2007, Terra Indígena Xapecó/SC.
MONSERRAT, Ruth Maria Fonini. Entrevista concedida à Helena Alpini Rosa e Talita
Daniel Salvaro em junho de 2007, Faxinal do Céu/Paraná.
MOTTA, Jane. Entrevista concedida a Helena Alpini Rosa e Talita Daniel Salvaro em 06
de março de 2008, SED/SC.
NARSIZO, Getúlio. Entrevista concedida a Ninarosa M. da Silva Manfroi e Talita Daniel
Salvaro em 23 de abril de 2007, Terra Indígena Xapecó/SC.
NARSIZO, Getúlio. Entrevista concedida a Talita Daniel Salvaro em 06 de junho de 2008,
Terra Indígena Xapecó /SC.
PACÍFICO, Cezário. Entrevista concedida a Talita Daniel Salvaro em 24 de abril de 2007,
Terra Indígena Xapecó/SC.
PACÍFICO, Dalgir. Entrevista concedida a Talita Daniel Salvaro em 21 de junho de 2006,
Terra Indígena Xape/SC.
PAULO, Loreni Nokrig. Entrevista concedida a Talita Daniel Salvaro em 06 de junho de
2008, Terra Indígena Xapecó/SC.
PAULA, Valdecir de. Entrevista concedida à Talita Daniel Salvaro em 20 de setembro de
2007, Aldeia Paiol de Barro, Terra Indígena Xapecó/SC.
DOCUMENTOS
Atas de Pais e Professores da EIEB Cacique Vanhkrê.
Atas da EIEB Cacique Vanhkrê - n.
o
05/04, 05/07/2004/ acervo do LABHIN.
Atividades elaboradas e produzidas por professores de Língua Kaingáng da EIEB Cacique
Vanhkrê.
131
Dados sobre a FUNAI e a 4
a
DR - 08.72 - Kleber Assumpção (Delegado da 4
a
DR).
Documentos da Regional da FUNAI de Paranaguá.
Diário de classe do Professor Pedro Kresó, conteúdo de atividade de 10/02 a 30/04. Disciplina
Língua Kaingáng, 7
a
série vespertina. Cogio Estadual Vitorino Kondá. 30/04/1998. Acervo
da autora.
Estado de Santa Catarina/Secretaria de Estado da Educação e Tecnologia/Diretoria de
Educação Básica e Profissional/Núcleo de Educação Indígena. Florianópolis, janeiro de 2007.
Frequência escolar. Documentos da Regional da FUNAI de Paranaguá/PR.
Informões sobre a 4
a
DR/FUNAI remetida pelo Cel Kleber Assumpção para a Diretora Ana
Maria dos Santos Amantino do Departamento de Recursos Humanos da SUDESUL em Porto
Alegre. Documentos da Regional da FUNAI de Paranaguá/PR.
Jornal A Voz de Chape. Ano VIII, n 863, Chapecó Sta Catarina, 7 de maio de 1950.
Acervo CEOM. Digitalizadas por Ninarosa M. da Silva Manfroi.
Jornal O Mensageiro Indígena”. Informações do Centro de Treinamento Profissional Clara
Camarão. Distribuição Interna. 1
o
ano, n
o
1. Documentos da Regional da FUNAI de
Paranaguá/PR.
Parte entre Educação Bilíngue e educação nacional, sem data. Documentos da Regional da
FUNAI de Paranguá/PR.
Planejamento Geral das atividades de 1990, Colégio Estadual Vitorino Kondá. Atas da EIEB
Cacique Vanhkrê.
Plano Político Pedagógico de 1996 da Escola Básica Vitorino Kondá. Atas da EIEB Cacique
Vanhkrê.
Regulamento do Serviço de Protão ao Índio. Decreto 736 de abril de 1936. Documento da
Regional da FUNAI de Paranaguá/PR.
Relatório de atividades - 4
a
DR Curitiba, abril de 1970. Documentos da Regional da FUNAI
de Paranaguá/PR.
Relatório de atividades do Centro de Treinamento Profissional Clara Camarão, de agosto a 19
de dezembro de 1975. Documentos da Regional da FUNAI de Paranaguá/PR.
Vocabulário Caingang, segundo Felicíssimo Belino, original manuscrito por Dr. Antonio
Selistre de Campos (década de 1940). Fonte CIMI Chapecó 2006, digitalizada por Ninarosa
M. da Silva Manfroi.
132
DOCUMENTOS/FOTOGRAFIAS
Escola do Banhado Grande. Acervo CEOM. Documento digitalizado por Ninarosa M. da
Silva Manfroi.
PERES, J. A; SALVARO, T. D. Escola, Ginásio e Centro Cultural da EIEB Cacique
Vanhkrê. Terra Indígena Xapecó, Ipuu, 2008. Acervo da autora, 3 fotografias color
digitais.
SALVARO, T, D. Divaldina Luiz Pinheiro. Terra Indígena Xapecó, Ipuu, 2006. Acervo
da autora, 1 fotografia color digital.
SALVARO, T. D. Loreni Nokrig Paulo, professor bilíngue da EIEB Cacique Vanhkrê. Terra
Indígena Xapecó, Ipuú, 2008. Acervo da autora, 1 fotografia color digital.
SALVARO, T. D. Professor Loreni, Leacy, Dalgir e Jonatas, leitores e cantores na língua
Kainng para a rádio Kairu. Terra Indígena Xapecó, Ipuu, 2008. Acervo da autora, 1
fotografia color digital.
SALVARO, T. D. Professor de Língua Kainng Luciano Fernandes. Terra Indígena
Xapecó, Ipuu, 2006. Acervo da autora, 1 fotografia digital.
SALVARO, T. D. Professor do pré escolar e alunos. Terra Indígena Xapecó, Ipuaçu, 2008.
Acervo da autora, duas fotografias color digitais.
SALVARO, T. D. Professora de ngua Kainng Maria Virgínia Mendes. Terra Indígena
Xapecó, Ipuu, 2006. Acervo da autora, 1 fotografia digital.
SALVARO, T. D. Senhor Avelino Alípio Fongre. Terra Indígena Xapecó, Ipuu, 2008.
Acervo da autora, 1 fotografia color digital.
SALVARO, T. D. Senhor Cezário Pacífico, funcionário do Posto da FUNAI na TI Xapecó.
Terra Indígena Xapecó, Ipuú, 2007. Acervo da autora, 1 fotografia color digital.
SALVARO, T. D. Senhor João Maria Benedito. Terra Indígena Xapecó, Aldeia Paiol de
Barro, 2008. Acervo da autora, 1 fotografia color digital.
133
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http://www.camara.gov.br/internet/interacao/constituicoes_sc.pdf acesso em 20/12/2006.
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http://www.portalkaingang.org/index_povo_1htm acesso em 08/02/2008.
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acesso em 12 de novembro de 2007.
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pagina=1, acesso em 20 de março de 2009.
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http://www.portalkaingang.org/index_povo_1htm acesso em 08 de fevereiro de 2008.
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http://www.socioambiental.org/pib/epi/kaingang/loc.shtm, acesso em 07/11/2007.
NÖTZOLD, Ana Lúcia Vulfe. Olhar, escutar e trançar: o artesanato Kaingáng de cada dia. IV
Encontro Regional Sul de Hisria Oral, UFSC: 12-14/11/2007, p.2. Dispovel em:
http://www.cfh.ufsc.br/abho4sul/, acesso em 15/12/2007.
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http://portal.mec.gov.br/secad/arquivos/pdf/indigena/PCB014.pdf, acesso em 20/10/2006.
RODRIGUES, Aryon Dall´Igna. Sobre as línguas indígenas e a sua pesquisa no Brasil.
(quadro das línguas indígenas ainda faladas no Brasil). Disponível em:
http://cienciaecultura.bvs.br/pdf/cic/v57n2/a18v57n2.pdf, acesso em 15/01/2008.
SIL. Dispovel em http://www.sil.org/americas/brasil/PortSILB.htm, acesso em 19 de agosto
de 2008.
Tronco linguístico Macro Jê. Disponível em:
http://www.socioambiental.org/pib/portugues/linguas/macroje.shtm, acesso em 05/12/2007.
135
ANEXOS
136
Anexo 1 Decreto n.
o
7 de 18 de junho de 1902.
137
Anexo 2 Vocabulário Caingáng segundo Felicíssimo Belino.
138
139
140
141
142
143
144
145
146
147
148
149
150
151
152
153
154
155
156
157
158
159
160
Anexo 3 Jornal O Mensageiro Indígena.
161
162
163
164
165
166
Anexo 4 Confirmação de Telegrama sobre Samuel Brasil.
167
Anexo 5 Ficha de assalariado/SPI do Senhor Samuel Brasil. Fonte: Arquivo da Regional da
FUNAI de Paranaguá/PR.
168
Anexo 6 - Ficha de assalariado/SPI do Senhor Avelino Alipio Fongre. Fonte: Arquivo da
Regional da FUNAI de Paranaguá/PR.
169
Anexo 7 Ficha de assalariado/SPI da Senhora Eva Fortes de Lara. Fonte: Arquivo da
Regional da FUNAI de Paranaguá/PR.
170
Anexo 8 Folha de pagamento do SPI Lourdes M. da Costa, auxiliar de ensino. Fonte:
Arquivo da Regional da FUNAI de Paranaguá/PR
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