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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
Rock dos anos 1980, prefixo 48:
Um crime perfeito?
Rodrigo de Souza Mota
Florianópolis
2009
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
Rock dos anos 1980, prefixo 48:
Um crime perfeito?
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em História da
Universidade Federal de Santa Catarina,
como requisito parcial e último para a
obtenção do grau de Mestre em História,
sob a orientação da Professora Doutora Ana
Lice Brancher.
Rodrigo de Souza Mota
Florianópolis
2009
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4
Agradecimentos
Esta dissertação de mestrado não deveria dar créditos a apenas uma ou duas
pessoas. Falar que escrevi somente com a orientação da professora Ana Lice seria
extremamente egoísta de minha parte.
Começo estes agradecimentos por esta professora, que além de apoio intelectual e
“puxões de orelha” foi compreensiva e atenciosa, mesmo quando não mereci. Assim como
a Fábio Feltrin, colega de graduação, por discussões sobre rock muito esclarecedoras e de
grande ajuda.
Agradeço meus pais, Liana e Bernardino que, mesmo morando longe (o pai mais
que a mãe), se fizeram presentes em toda esta minha caminhada.
Meus irmãos Wallace e Luiz Carlos pelo companheirismo em todos esses anos.
Meus avós Luli e Neiva pelo carinho e pelo orgulho que demonstraram. Meus sogros:
Tânia e Sidemar e minha cunhada Mariana, sempre perguntando sobre a pesquisa e
apoiando minha esposa quando eu não podia.
Da família não posso esquecer meu Tio Mano (Luiz Antônio), este me ensinou o
que é o rock, sem ele e sua influência em minha vida este trabalho nem seria imaginado.
Agradeço sua inspiração e, mesmo no momento mais difícil de sua vida, o falecimento de
minha prima Maíra, seu apoio que nunca deixou de existir.
À todos os entrevistados devo um agradecimento especial, pois todos mostraram-se
solícitos às minhas perguntas e sempre tentavam ajudar mais do que eu pedia. Airton
Perrone, Murillo Valente, Juca May, Marco Audino, grande amigo, Lígia Gastaldi, Zeca
Petry, Daniel Lucena, Volnei Varaschin, meu muito obrigado. Paulo Back em especial,
pois seu acervo sobre o Expresso Rural/Expresso facilitou, e muito, meu trabalho de
pesquisa e seu apoio me empolgou ainda mais para a finalização da dissertação.
Outros que foram essenciais, embora indiretamente, neste trabalho também devem
ser citados. Agradeço aos amigos, Jorge (Jó) por me apresentar à banda Expresso e á
Tubarão, assim começar a conhecer o rock catarinense; Juninho, grande roqueiro e com um
acervo dos anos de 1980 de dar inveja; e Gonçalo, meu primeiro professor de violão e
teoria musical, me ensinando sobre o estudo da música, não só o prazer.
5
Sem bolsa de estudos, por escolha própria, foi necessário a compreensão das
escolas em que trabalhava e das novas que comecei a lecionar no decorrer do mestrado.
Agradeço à escola Dinâmica e meus coordenadores e amigos Jorge e Fernanda por sempre
facilitarem meus horários e minhas escolhas para a finalização da dissertação. Também
agradeço ao colégio Energia de Santo Amaro e à coordenadora Sirlei, mesmo sabendo que
estava no último ano do mestrado, me aceitaram e apoiaram, mesmo sem precisar,
mostraram-se dispostos a qualquer ajuda que precisasse.
Como minha formação é apenas em história, precisei de ajuda para as discussões
musicais. Meu muito obrigado à Denise e a Rodney, meus professores de Solfejo, Teoria
Musical e aula prática de contrabaixo. Sem vocês minhas análises seriam precárias e sem
fundamento.
Agradeço às bandas que fizeram a trilha sonora de minhas idéias. Além das aqui
trabalhadas, The Beatles, The Who, The Clash e Ramones foram as mais tocadas.
Mas meu principal agradecimento é à minha esposa e companheira Francieli. Soube
ser compreensiva em todos momentos. Quando achava que não conseguiria aumentava
minha auto-estima. Leu todo o trabalho para a revisão ortográfica. Seu amor e carinho
presentes facilitaram muito o rendimento de minha escrita e pesquisa. Obrigado meu amor.
6
RESUMO
A presente dissertação tem como objetivo principal a análise sobre a formação de grupos
de rock, no que chamo Mundo 48, durante a década de 1980, suas músicas e como estas
ajudavam a criarem suas redes sociais. O termo Mundo 48 caracteriza um espaço
geográfico através do prefixo telefônico, abordando a grande Florianópolis e parte da
região sul catarinense. Sendo as bandas catarinenses um tema inédito, recorri inicialmente
em uma discussão historiográfica sobre algumas das bandas estudadas. Tendo como recorte
temporal principal, a atuação da banda Expresso Rural (posteriormente apenas Expresso),
entre 1982 e 1992, neste período são criadas novas comunidades emocionais e
características próprias na composição de canções e apresentação em shows e televisão.
Porém, a Expresso Rural não é vista como principal. Outras bandas são analisadas com a
mesma importância como a Ratones/Tubarão, Decalco Mania, Burn, Bandalheia ou Stryx,
apenas para citar algumas.
Palavras Chaves: Rock, Anos 1980, Florianópolis, Jovens
7
ABSTRACT
This present dissertation has as its main objective the analysis about the formation of rock
groups, what I call Mundo 48, during the 80’s, their music and the way it would help them
to create their social connections. The term Mundo 48 refers to a geographic space between
an area code that goes from the whole Florianópolis down to part of the south Santa
Catarina State. Being the Santa Catarina’s band a subject never studied before, I firstly
appealed in a historiographical discussion about some of the bands. Based on the action of
the band Expresso Rural (lately Expresso), between the years of 1982 and 1992, new
emotional communities are created and particular characteristics are developed on the way
songs are created and shows and T.V. programs are presented. However, the band Expresso
Rural is not seen as the main band of that time. Some other bands are classified with the
same importance, such as Ratones/Tubarão, Decalco Mania, Burn, Bandalheia or Stryx,
naming a few.
Key Words: Rock, The 80’s, Florianópolis, Young People
8
Sumário
Introdução..........................................................................................................................09
Capítulo 1 – Rock´n´Roll nas ruas da capital....................................................................21
1.1 De Repente: Formação dos grupos de rock..............................................................21
1.2 – O Aparecimento das bandas 48´s..............................................................................26
1.2.1 Melhor maneira de viver é viver, viver, viver: Grupo Expresso Rural..........29
1.2.2 Vou Conquistar Seu Coração.........................................................................40
1.2.3 Rock, Surf e Sexo Oposto..............................................................................45
1.2.4 Própria Luz ...................................................................................................49
1.3 Enquanto isso, nos Becos...........................................................................................53
1.4 Perdidos no Deserto...................................................................................................59
Capítulo 2 – Onde estão os sonhos.....................................................................................71
2.1 - Formação dos jovens e a identificação com o rock....................................................71
2.2 - Surgimento da Música rock no mundo 48..................................................................83
2.3 – Tom Natural................................................................................................................86
2.3.1 – Nas Manhãs do Sul do Mundo.....................................................................89
2.3.2 – Esconda esses olhinhos que teu pai ta desconfiado...................................103
2.3.3 – Nuvens Negras............................................................................................111
Capítulo 3 –Um por todos e todos por mim.......................................................................117
3.1 - Certos Amigos............................................................................................................117
3.2 - Deuses Violeiros.........................................................................................................129
3.3 – Crime Perfeito...........................................................................................................135
3.4 – Aeroforça -Espaços do Rock.....................................................................................141
3.5 – Som da Gente: construção midiática dos jovens.......................................................147
Considerações Finais – Um Revival..................................................................................157
Fontes.................................................................................................................................163
Fontes Escritas........................................................................................................163
Fontes Orais............................................................................................................163
Webgrafia................................................................................................................164
Fontes Midiáticas...................................................................................................165
Referências Bibliográficas .................................................................................................167
Anexos................................................................................................................................173
Anexos 1 – Relação das músicas nos cd´s..............................................................173
Anexos 2 - Tabela relacionando as bandas com seus integrantes...........................177
9
INTRODUÇÃO
A idéia para esta dissertação nasceu de duas angústias que tive durante minha
graduação e minhas experiências musicais. Durante a última etapa de minha escolarização
básica, o Ensino Médio, entre 1993 e 1995, meu interesse por rock nacional da década de
1980 cresceu bastante e sempre buscava conhecer novas bandas. Desta busca surgiu minha
primeira angústia, a falta de discos e remasterizações de conjuntos catarinenses. Apenas em
1997 sou apresentado à Expresso Rural, com as canções Harmonia e Nas Manhãs do Sul
do Mundo pelo amigo Jorge Elias. Conhecer estas canções apenas intensificou meu
tormento, pois percebi uma banda de qualidade que estava caindo no esquecimento. Junto
com esta banda conheci a Tubarão, com Vou Conquistar Seu Coração, mais pop, com uma
levada de mais fácil assimilação, agradando-me tanto quanto o Expresso Rural.
Minha segunda angústia deu-se durante a graduação. Querendo aprofundar-me em
estudos históricos relacionados à música, não consegui encontrar bibliografia suficiente
que sanasse minhas dúvidas. Quando encontrava trabalhos sobre canções, eram mais
relacionados à letra, dificilmente à parte rítmica, deste modo sentia insuficiência nos
artigos ou monografias, limitando-se, no máximo, às descrições de instrumentos. É
inegável que as letras trazem muitas informações, sendo, por muitos graduandos, mais
percebidas como ligadas ao trabalho do historiador ao invés da música. Pode-se, também,
argumentar que a letra é mais direta. Entretanto, estudos de semiótica, percebem a letra
1
tão
subjetiva quanto o ritmo ou o uso de instrumentos, podendo modificar-se dependendo da
forma em que é interpretada ou no contexto que é apresentada
2
. No Brasil, dois exemplos
claros podem ser a canção Vida Louca Vida de Lobão, regravada por Cazuza, com os
versos: “Vida loca, vida / vida breve / que eu não posso te levar / quero que você me
leve”, que passa a ter conotações de despedida e o de apelo à vida como na primeira
versão. A canção Bicho de sete cabeças de Geraldo Azevedo e Ramalho também
demonstra modificações em duas de suas gravações. Cantada em dueto com Elba Ramalho
1
TATIT, Luiz. Análise Semiótica Através das Letras. São Paulo: Ateliê Editorial. 2001
2
Adalberto Paranhos faz considerações bem pertinentes sobre isto, fazendo-nos perceber como a mudança
dos arranjos pode modificar os sentidos da sica em seu artigo A música Popular e a dança dos
sentidos: distintas faces do mesmo. In.: Revista ArtCultura n?9, Jul-Dez. Uberlândia: Universidade
Federal de Uberlândia. 2004.
10
e Geraldo Azevedo de 1979, posteriormente, gravada apenas por Zeca Baleiro, em 2001, e
colocada no filme homônimo sobre manicômios passa a não ser mais uma discussão de
homem e mulher, mas uma discussão de um dito louco com a sociedade que o fez parecer
louco
3
.
As análises musicais também estão presentes neste trabalho, não com uma
discussão teórica sobre música, mas enquanto uma percepção histórica, demonstrando que
os ritmos, arranjos e usos de instrumentos também estão localizados temporalmente de
acordo com o sentido que seu instrumentista ou arranjador quer passar para seu público. A
identificação pela canção pode ser através apenas do ritmo, nem mesmo a necessidade
da letra e as bandas aqui selecionadas são um exemplo disto, com o arranjo baseando-se
em bandas internacionais, mas a letra totalmente fora do contexto que a banda original quis
passar.
4
O termo canção é mais adequado para este trabalho, pois a canção é a soma da
parte rítmica (música) com a leitura direta, o poema ou o discurso (letra).
Estudar historicamente a canção requer também o estudo de semiótica rítmica, não
apenas nas letras. Ao abordar apenas as letras, o historiador não faz verdadeiramente uma
“história da música”, mas sim uma história lingüística, pois trabalha semelhante a um
historiador que busca como fonte uma obra literária, romance ou poema. A canção está
além da letra. Miguel Wisnisk, estudioso da música ressalta a importância da mesma no
estudo da canção, demonstrando como o som e, principalmente, a música, foram e são
empregados para transmitir sentimento ou mexer como os sentidos do ouvinte:
..., a sica não refere nem nomeia coisas invisíveis, como a linguagem
verbal faz, mas aponta com uma força toda sua para o não-verbalizável;
atravessa certas redes defensivas que a consciência e a linguagem
cristalizada opõem à sua ação e toca em pontos de ligação efetivos do
mental e do corporal, do intelectual e do afetivo. Por isso mesmo é capaz
de provocar as mais apaixonadas adesões e as mais violentas recusas.
5
Apenas ao preparar meu projeto de mestrado, encontrei trabalhos com discussões
3
OLIVEIRA, Márcia Ramos de. A "Mídia Dentro Da Mídia": As Canções Judiaria e Bicho de Sete Cabeças
no Cinema. In.: http://www.hist.puc.cl/historia/iaspmla.html.
4
O exemplo que cito agora e aprofundarei mais tarde é a banda Burn, o nome já é uma homenagem à banda
inglesa Deep Purple, com inspiração nesta e em outras como Black Sabbath, mas enquanto a parte rítmica
é semelhante, a letra, das originais ligadas muitas vezes ao satanismo, a catarinense aborda temas de paz,
ecologia e até mesmo Jesus, na música Nuvens Negras.
5
WISNIK, José Miguel. O Som e o Sentido Um outra história das músicas. São Paulo: Companhia das
11
historiográficas para o uso de toda a canção como fonte histórica e sobre o rock catarinense
dos anos de 1980.
Cito aqui dois trabalhos que estudaram o rock de Florianópolis na década de 1980,
porém sem grandes análises na composição rítmica das canções deste período. Adriano
Rotini, em sua monografia no curso de graduação em História pela Universidade Federal
disserta sobre três bandas, Expresso, Tubarão e Aves de Rapina. Sua monografia tenta
ressaltar os aspectos “ilhéus” destes grupos, tendo por base a letra, ligando-os ao Grupo
Engenho. Contudo, suas escolhas de fontes de faz usando apenas alguns álbuns
6
, não a
totalidade e suas análises rítmicas não percebo levarem em consideração aspectos dos
subgêneros do rock, principalmente como os instrumentos são apresentados. Ao abordar,
por exemplo, a banda lagunense Aves de Rapina, o autor cita seu estilo como metal ou
progressivo
7
, mais pesado, usando apenas a apresentação do encarte como fonte: “..., tinha
bastante influência do rock setentista, um pouco de Led Zeppelin com Pink Floyd, o
encarte do disco da banda diz que:...” sendo que, ao levar em consideração o ritmo e o
arranjo, percebo uma levada clara de blues, sem distorção ou o peso característico do rock
mais pesado. Outro trabalho a abordar as bandas do Mundo 48
8
nos anos 80 do século
passado foi a dissertação de mestrado em Antropologia pela Universidade Federal de Santa
Catarina de Tatyana de Alencar Jacques. Seu objeto de estudo foram as bandas do início do
século XXI, desta forma os grupos anteriores aos principais de sua dissertação, aparecem
apenas como forma de posicionar o leitor às construções roqueiras de diferentes épocas no
cenário florianopolitano.
9
Descobrir as bandas do Mundo 48 da década de 80, seus integrantes e suas canções
letras. 2006, p. 28.
6
Do Expresso o autor utiliza apenas os discos: Nas Manhãs do Sul do Mundo de 1983; Expresso e Tubarão
de 1988 e Expresso Vivo de 1991; deixando de lado Certos Amigos de 1985 e Romance em Casablanca
de 1992. Do Tubarão analisa apenas o Expresso e Tubarão de 1988. Outros discos deste grupo são
esquecidos, Ratones (antigo nome da banda) de 1983, Tubarão- compacto de 1985; Tubarão de 1989 e
Perdidos no Deserto de 1991, não sem nem citados pelo autor. Apenas o grupo Aves de Rapina está com
sua discografia completa, seu único disco Própria Luz de 1988.
7
ROTINI, Adriano. sica e identidade cultural em Florianópolis na década de 1980. Trabalho de
Conclusão de Curso em história. Departamento de História. Florianópolis: CFH-UFSC, 2004. p.37
8
Uso este termo “Mundo 48” para classificar a região analisada, no caso, as cidades com prefixo telefônico
(DDD) 48. Além do prefixo telefônico, outras características ligam estas cidades. Sobre estas
características ressaltarei melhor nos capítulos a seguir.
9
JACQUES, Tatyana A. Comunidade Rock em Florianópolis - uma etnografia sobre socialidade e
concepções musicais. Dissertação de mestrado. Departamento de Antropologia. Florianópolis:
Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC, 2007.
12
foi a motivação desta pesquisa, além de querer entender as particularidades dos grupos da
Grande Florianópolis e suas semelhanças com o cenário nacional ou mundial, com quais
conjuntos dialogaram e como criaram suas identidades. As análises rítmicas das canções
mostraram-se dificultosas, pois, como dito, encontrei pouca bibliografia sobre
metodologias historiográficas sobre música e mais especificamente sobre o rock. Trabalhar
com a história da música, ou melhor, da canção é algo muito recente no Brasil e mais
recente ainda é considerar o rock como parte da cultura brasileira. Fábio Feltrin, em sua
dissertação de mestrado, coloca que apenas na década de 1990 “é que a historiografia
debruçou-se de forma mais sistemática sobre as relações entre história e música”
10
. Feltrin
cita que estudiosos como José Ramos Tinhorão, grande pesquisador da Música Popular
Brasileira, considerava o rock como uma música estrangeira, sem nada de nacional e
principalmente de popular. Feltrin rebate esta posição, considerando sim as influências do
rock inglês e estadunidense, colocando como esta influência foi absorvida e transformada
em uma cultura popular para um público jovem direcionado, com letras demonstrando as
angústias do jovem brasileiro, como garotas, futuro, política, carros e dinheiro.
11
Com pesquisas sobre o rock dos anos 80 do século XX aparecendo, mas deixando
de lado Florianópolis, criam-se algumas dúvidas sobre a relevância do movimento na
capital catarinense. Coletâneas sobre os maiores sucessos, ou com temáticas próprias
aparecem no início do presente século. Ressalto aqui a coletânea Discoteca Básica – Vol. 1
Pop Rock Nacional dos Anos 80, com seleção de Charles Gavin, baterista da banda paulista
Titãs. A apresentação do jornalista Arthur Dapieve, no encarte do cd, ressalta que para as
bandas desconhecidas,
os anos 80 do rock brasileiro se tornaram míticos porque, ao lado
das grandes estrelas, que vendiam centenas de milhares de pias
de seus LPs e EPs, pululavam dezenas de outras bandas e
intérpretes de qualidade, que, no entanto, ficaram em segundo
plano. Era essa multidão talentosa que dava ao público tanto na
época como de hoje a sensação de que alguma coisa, quiçá um
movimento, se fazia presente na música durante a redemocratização
do país.
12
10
SOUZA, Fábio Feltrin de . Canções de um Fim de Século História, música e comportamento na década
encontrada (1978-1991). Dissertação de mestrado. Departamento de História . Florianópolis:
Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC. 2005. p. 13.
11
SOUZA, op. cit.
12
DAPIEVE, Arthur. Discoteca Básica vol 1. Pop rock nacional dos anos 80. (encarte do CD). EMI.
2003.
13
Porém, os grupos são de cidades que têm seus representantes em outras
coletâneas: São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre e Brasília. Fica a pergunta inicial:
Florianópolis foi inexpressiva neste movimento? Muitas bandas como Ratones (depois
Tubarão), Burn, Vanaheim ou Decalco Mania mostraram que não, assim como o grupo
Expresso Rural (posteriormente apenas Expresso).
A música e todo o cenário rock, para a indústria cultural e boa parte da sociedade,
são considerados um ritmo criado para o público jovem, ressaltando as particularidades
deste grupo. Mas o termo jovem é muito extenso e depende de muitas considerações, como
período, sociedade, lugar ou classe. Considero uma idade limite, entre a dependência
infantil e a autonomia da idade adulta.
13
No caso do período estudado, levo em conta esta
autonomia e a vivência ainda com os pais, ou certa dependência, a maioria na
universidade ou ensino médio, mas fazendo alguns “bicos” para ganhar um dinheiro sem
precisar pedir para o pai, ou até mesmo administrando uma mesada. Também é
característica dos jovens estudados a sua condição social. Todos os músicos estudados
tinham boas condições financeiras, brancos e com estímulo cultural dos pais, saliento a
dificuldade de se conseguir os instrumentos e os discos das bandas influentes, tanto
internacionais como nacionais. No terceiro capítulo será discutida esta temática de
comunidade jovem no chamado Mundo 48, principalmente suas relações de
companheirismo, resolvendo problemas ou conflitos.
Outro termo sobre o qual acredito ser importante discorrer é o conceito de rock.
Este trabalho não tem como objetivo rediscutir o surgimento ou a história do rock. Muitos
o fizeram e parece praxe que todo trabalho que enfoque este tema tenha de refazer esta
questão. Mas como a necessidade de definir o que é rock e, principalmente, posicionar
as bandas estudadas em subgêneros (não encaixotá-las ou classificá-las, mas apenas
direcionando para um entendimento mais plausível do leitor). No rock, instrumentos
característicos, como: guitarra, bateria e contrabaixo, podendo ter variações como usar
13
Para Levi e Schmitt, na introdução da coletânea A história dos Jovens Vol. I, a definição de juventude deve
ser bem caracterizada com a época e lugar “De um contexto a outro, de uma época a outra, os jovens
desenvolvem outras funções e logram seu estatuto definidor de fontes diferentes.”(p. 14). Deste modo,
usarei a definição de jovens para a segunda metade do século XX no mundo ocidental segundo
Hobsbawm em A Era dos Extremos, uma camada dos sexualmente maduros mas ainda em crescimento
físico e intelectual, e sem a experiência da vida adulta” (p.318)
14
instrumentos acústicos no lugar de algum deles, ou todos, ou acrescentar outros
instrumentos, dos quais o teclado é o mais comum. Inflexão de voz com clareza, cantada,
mas sem muitas “subidas” ao agudo também é uma das características do rock, assim como
as letras sobre problemas percebidos pelos jovens acima caracterizados. Ritmicamente, o
compasso 4 por 4, a levada. Veremos nos capítulos 1 e 2 que nem todas as canções e
bandas seguiram este perfil, mas que tinham esta base na estrutura musical. Para finalizar,
cito uma abordagem de Peter Wicke, definindo rock como “movimento, portanto, isto é
válido para percebermos na música rock a perspectiva do desenvolvimento que pode ser
ignorado ou resistido, mas que definitivamente não pode ser interrompido”
14
. Esta
definição demonstra a idéia de mudança constante no rock. Outra característica da cultura
rock, segundo Paul Friedlander, é ser uma música de jovens para jovens, principalmente de
espaço urbano, com ritmos sincronizados com vocalizações de chamados e respostas, bem
característicos dos trabalhadores negros ligados à Igreja Protestante, nas fazendas de
algodão dos Estados Unidos durante os séculos XIX e início do XX.
Dos subgêneros, empreguei definições utilizadas pelo historiador Fábio Feltrin, em
sua dissertação de mestrado Canções de um fim de século e da antropóloga Tatyana de
Alencar Jacques, com a sua citada dissertação Comunidade Rock e Bandas
Independentes de Florianópolis. Estes dois autores dialogam com alguns pensadores
semelhantes com os quais trabalharei, como o filósofo francês Michel Maffesoli e os
sociólogos estadunidenses Paul Friedlander e Simon Frith, principalmente na idéia de não
encaixotar os subgêneros, mas demonstrando que estes têm características próprias, sempre
em mutação, podendo um conjunto divergir entre diferentes segmentos roqueiros. A única
distinção que trabalharei mais especificamente no segundo capítulo será entre pop / rock e
rock underground. O primeiro voltado para a entrada no maestream, gravar com grandes
indústrias da cultura de massa, aparecer na grande mídia e a segunda classificação como
sendo de grupos que não se preocupam com as mídias, alguns até repudiando as bandas
que “se vendem” para a indústria.
Tentei abordar a construção da identidade de jovem a partir da década de 80 do
século passado e como as bandas de rock codificam e decodificam
15
estas idéias, isto é,
14
WICKE, Peter. Rock Music culture, aesthetics and sociology. Cambridge University Press, 1995, p. IX.
(tradução do autor)
15
A idéia de codificação e decodificação é baseada nas formulações do sociólogo Stuart Hall sobre
15
como aceitam estas idéias vindas do público e de outros grupos nacionais ou internacionais
e transformam em suas próprias criações para assim outros também sofrerem este processo.
Não apenas com o grupo Expresso Rural, mas com várias bandas que gravaram ou não
LP's, que tinham suas músicas próprias em shows ou rádios, bandas como as mencionadas:
Ratones (posteriormente Tubarão) que também fizeram muito sucesso no mundo 48 dos
anos 1980 com três LP's e um compacto gravados, Decalco Mania, Olho Água, bandas
ligadas ao movimento New Wave e grupos considerados mais pesados, como Burn,
Têmpera, Corrente Sanguínea e Camisa de Força.
A escolha dos conjuntos estudados tem o critério de aparecimento na mídia, como
jornais e rádios e composições próprias. Muitas bandas faziam covers ou eram apenas
de garagem, sem conseguirem gravar nenhuma música, divulgar pelas rádios ou fazer
shows, estas não foram objetos para minha pesquisa. Meu interesse principal é a
identificação dos jovens e suas preocupações nas músicas feitas por eles. Portanto, suas
composições, as músicas, suas relações rítmicas e poéticas com o contexto em que são
criadas para um público jovem é minha abordagem principal neste trabalho. Assim como as
trocas e relações dos integrantes das diferentes bandas, em quais conjuntos um integrante
tocou, as semelhanças e diferenças presentes nos grupos em que fez parte. Para relacionar
as composições, devo apresentar quem eram os conjuntos. Para tanto, pesquisei em jornais
e entrevistei alguns dos músicos que participaram desta cena musical.
Outro aspecto na escolha foi a idéia de grupo, banda. Analisei alguns músicos
separados de suas bandas originais, em carreira solo, como o vocalista do grupo Expresso
Daniel Lucena. Porém, cantores ou instrumentistas tendo apenas a carreira solo, sem
participar efetivamente de uma banda como Luiz Meira, Beto Mondadori, Eliana Taulois e
Débora Blando, foram abordados quando trabalharam com alguma das bandas analisadas.
Não excluo estes músicos das tribos formadas pela música rock, porém trabalho estas
formações de identidades tribais com a formação de bandas.
O trabalho está dividido em três capítulos, cada um enfocando diferentemente as
fontes analisadas, a fim de perceber como a criação das canções ajudou na construção da
comunicação de massa nos dias atuais. Para o autor, a indústria de massa primeiramente codifica o que o
público está interessado, recodificando em mercadoria vendável, no caso deste trabalho, bandas com as
características escolhidas, como novidades. Ao perceberem o produto final, novos consumidores tentam
entrar no mercado com um produto semelhante ao apresentado pelas grandes empresas culturais. HALL,
Stuart. Da Diáspora: Identidades e Mediações Culturais, Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2006.
16
identidade dos jovens e como esta contribuiu na formação dos conjuntos. No primeiro
capítulo, Rock'n'roll nas Ruas da Capital, pesquiso o surgimento das bandas aqui
apresentadas, posicionando-as nas mudanças no Brasil e Santa Catarina que ajudaram no
desenvolvimento da construção da identidade jovem e da formação das bandas aqui
analisadas na década de 1980. Uso como principal teórico, Eric Hobsbawm e sua análise
sobre o século XX no livro Era dos Extremos
16
. Neste estudo, o historiador inglês faz
discussões pertinentes sobre como a economia e a cultura estavam relacionadas no século
XX e como ocorreram mudanças nos lares e na vida pública para o surgimento dos jovens.
Sua metodologia de pesquisa sobre as relações de mudanças no século XX e a formação de
um estilo musical formulada no livro A História Social do Jazz, também é utilizada em
combinação com as análises sobre o breve século XX.
O uso de entrevistas e de jornais foi imprescindível nesta parte da pesquisa. Não foi
feita nenhuma grande abordagem sobre métodos de entrevista. Como fonte metodológica,
utilizei artigos do livro Usos e Abusos da História Oral, principalmente nos cuidados de
uma pesquisa que se baseia em entrevistas. Muitas destas entrevistas são feitas via internet,
cabendo aqui fazer uma pequena ressalva metodológica: ao entrevistar os músicos,
entrelacei com informações obtidas oralmente e com informações de jornais. Também não
como fazer análises sobre como o entrevistado se porta em cada pergunta, mas ele pode
refletir ou pesquisar em arquivos pessoais sobre os assuntos abordados. Para a
instrumentalização e metodologia da pesquisa oral, Verena Alberti
17
com seu livro Ouvir
Contar: Textos em história oral foi de grande ajuda.
As entrevistas via o site de relacionamentos Orkut foram feitas seguindo estas
16
HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos: O Breve Século XX. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
17
Para Alberti, na história oral, deve-se questionar sobre a idéia de enquadramento da memória, usando-a
como fato, o entrevistador deve sempre perceber o entrevistado como uma das versões e saber
contextualizar o que esta memória está selecionando. No caso do presente trabalho, algumas bandas ainda
estão se apresentando, o grupo ainda está formado, desta forma minha preocupação com o que queriam
responder e como se sentiam presente a alguns questionamentos era constante. Duas entrevistas
exemplificam minha atuação: quando entrevistado, o grupo Expresso Rural estava retornando suas
atividades com a formação original, assim, quando questionados sobre as brigas que ocorreram durante
sua atuação, tentava-se desconversar, não lembrando “velhas feridas”, mas mesmo assim tinham um
posicionamento maduro de perceberem como “guris” durante suas desavenças. Outra entrevista que
demonstra o contrário, foi com Airton Perrone, ex-Decalco Mania, como a banda se desfez em 1985 e não
retornaram mais, o entrevistado sentia-se vontade para contrariar alguns integrantes da banda, colocando
sua versão sobre as atividades do conjunto. Não me posiciono a favor dos entrevistados, apenas percebo
como o contexto atual em que cada um vive cria uma dada versão sobre seu passado como parte de uma
banda.
17
metodologias: através de fóruns de discussão e por recados pessoais. Nos fóruns, perguntei
de forma generalizada, pois são vistos e discutidos por várias pessoas, com o entrevistado
tomando alguns cuidados sobre sua imagem. Por recados, o entrevistado sente-se mais à
vontade, mesmo sabendo que é aberto, podendo ser visitado por qualquer um, mas o mais
provável é que será lido somente por mim. Importante ressaltar que estas entrevistas não
foram deletadas e, assim, um entrevistado leu o que o outro escreveu, comentando e
deixando um debate aberto entre eles.
Sobre a formação de identidades no século XX, utilizei Stuart Hall com a idéia de
territorialidade e desterritorialidade para explicar as relações de comunidade e o fim das
relações espaciais no mundo atual, assim como a idéia de tribalismo e nomadismo
discutidas por Maffesoli em O Tempo das Tribos e Sobre o Nomadismo. Respectivamente,
com estes dois sociólogos, foi possível perceber como ocorreram as perdas de identidade e
como são reagrupadas novas identidades, não mais por ligações territoriais, mas emotivas e
sensoriais, com a música fazendo esta aproximação. Rejane Markman, com seu estudo
sobre o movimento Manguebeat e Valéria Brandini sobre o cenário musical dos anos 1990
brasileiro, serviram como referência sobre a formação de algumas bandas que conseguiram
destaque nacional.
A idéia do segundo capítulo, intitulado Onde estão os sonhos, foi discutir algumas
canções das bandas analisadas, como e se foram gravadas ou divulgadas, através de LP's,
compactos, videoclipes, shows. Ao fazer estas análises, abordei a célula rítmica da canção,
os instrumentos usados e como estão posicionadas a letra e as entonações do cantor. Para
estas análises, me apoiei no teórico José Miguel Wisnik com suas abordagens da história da
canção e teoria musical, e o sociólogo Simon Frith sobre análises de rock como música de
juventude característica do século XX. Canções, música e letras são signos importantes
para entendermos os aspectos presentes na identificação de ser jovem. Para o auxílio na
leitura desta simbologia, abordei aspectos analisados pelo estudioso da semiótica na
canção, Luiz Tatit.
Marcos Napolitano
18
, Adalberto Paranhos
19
e José Geraldo Vinci de Moraes
20
18
Este autor defende que o historiador deve escolher quais características estudará da canção e explorar ao
máximo. Não apenas a letra ou a música, mas também encartes, como e onde foi gravada, como estava o
contexto mundial, receptividade, rádios vinculadas. Trabalha principalmente com música popular e como
a sica ajudou na construção das redes sociais dos grupos em torno destas músicas. NAPOLITANO,
Marcos. A Síncope das Idéias A questão da tradição na música popular brasileira. São Paulo: Editora
18
proporcionaram o suporte historiográfico como exemplo de trabalho, de que formas um
historiador pode pesquisar a canção. Os dois primeiros, defensores da pesquisa de ritmos,
arranjos e harmonias nas canções, não fazem análises historiográficas apenas nas letras,
mas percebem desde a parte rítmica até como a música é apresentada ao público e como a
banda também se apresenta. Assim como sociólogos e estudiosos da comunicação com
trabalhos com conotações historiográficas ajudaram neste suporte, principalmente Heloísa
de Araújo Duarte Valente, com seus estudos sobre o uso da voz na canção, Valéria Brandini
analisando os cenários do rock e Márcia Tosta Dias, abordando a indústria fonográfica no
Brasil durante o período estudado neste trabalho.
Não sendo um trabalho de teoria musical, há um limite nos estudos sobre os
arranjos e ritmos, não podendo analisar em uma totalidade os instrumentos, faço a escolha
de apenas um como norteador dos outros instrumentos, o contrabaixo elétrico. Esta escolha
se deu por ser o contrabaixo o instrumento que constrói, junto com a bateria, a pulsação
rítmica da música e usa sua escala semelhante à guitarra, vocal e teclado os instrumentos
harmônicos sendo a base do rock
21
. Outros ritmos ou até mesmo músicas ligadas ao rock
não seguem este padrão, todavia é o suficiente para as análises feitas neste trabalho.
A música, no caso deste trabalho o rock, é considerada por alguns sociólogos, a
exemplo de Simon Frith, como uma aglutinadora de pessoas com algumas identificações
em comum, formando as relações neotribais de Maffesoli. Finalizo o trabalho no terceiro
capítulo, intitulado Um Por Todos e Todos por Mim, pesquisando e analisando sobre como
o rock fez algumas bandas entrarem neste universo que é considerado como um grande
motor para a formação da idéia de jovem presente no século XX. A análise enfatizou as
relações de companheirismo existente entre os músicos, e estes se identificando como
Fundação Perseu Abramo, 2007. & NAPOLITANO. Marcos. História & Música História cultural da
música popular. Belo Horizonte: Autêntica, 2002.
19
Paranhos acredita nas análises ligando letra e música. Como a construção de uma está diretamente ligada à
outra, além do arranjo instrumental, o pesquisador não deve separa-las, mas sim perceber como uma
complementa e fortalece ou diferencia os signos da outra. PARANHOS, Adalberto. A Música popular e a
Dança dos Sentidos: distintas fases do mesmo. In: ArtCultura n
o
9, julho – dezembro 2004.
20
Seu estudo sobre os anos de 1930 em São Paulo, tendo como referência principal os rádios e as músicas
que eram transmitidas, esclarece as mudanças de uma cidade em decorrência de um estilo musical. O
autor trabalha de forma dialética, percebendo as mudanças da cidade em decorrência das músicas, além da
criação das músicas causadas pelas transformações urbanas. MORAIS, José Geraldo Vinci de. Metrópole
em Sinfonia: História, cultura e música popular na o Paulo dos anos 30. São Paulo: estação
Liberdade, 2000.
21
No capítulo 2, ao fazer as análises das músicas nas canções escolhidas, voltarei a especificar melhor a
importância destes instrumentos para o rock.
19
jovens através das músicas que tocam. Num processo de codificação e decodificação,
novamente usando termos de Hall, procuro perceber como recebem produtos culturais, no
caso a canção, de outros estados e, principalmente, de outros países, decodificando-as e
produzindo novas canções para outros jovens também se identificarem.
Não pretendi estudar a receptividade das músicas produzidas, nem mesmo sua
abrangência, apenas como um produto decodificado de outras influências. Desta maneira,
continuei usando algumas das canções analisadas no capítulo II como fontes, mas agora
tentando discutir a idéia de identidade jovem presente nas letras e como o ritmo foi
percebido como marca da juventude do século XX.
Como referencial teórico continuei buscando auxilio a Maffesoli e Hall em seus
conceitos de “tribalização” e “identidade”, mas também, em Baumann, que acrescentou
nos conceitos de identidade. Sobre jovens e geração usei as considerações feitas por
Giovanni Levi e Jean-Claude Schmitt na coleção História dos Jovens e do sociólogo S. N.
Eisenstadt em seu estudo De Geração a Geração, com Frith e Peter Wicke a percepção e
produção do rock como cultura jovem. O trabalho, neste capítulo, poderia ser sintetizado
em de que forma a música rock adquiriu o status de cultura juvenil de uma geração no
mundo 48.
Nesta parte do trabalho também abordei a relação com a comunicação de massa e
indústria cultural. O principal teórico que usei para compreender a receptividade e
produção das canções foi Stuart Hall com sua metodologia de codificação / decodificação.
Todavia, Jean Baudrillard e Herbert Marcuse também analisam este meio de comunicação
e tais analises são relativas ao tema abordado. Com Baudrillard e suas idéias de
publicidade, concorrência e tentativas de venda a partir da propaganda, tentei demonstrar o
uso da mídia para a venda dos produtos, jornais, rádios e televisão. Marcuse defende a
mídia como possibilidade de meio de arte como revolução, o rock com ênfase. Suas
análises positivas deste uso da mídia são boas discussões sobre a percepção desta e não o
contrário.
Muitas das canções aqui analisadas foram gravadas em LP’s, desta forma as
discussões foram relevantes sobre o estudo, a forma de produção do LP, sua capa, ordem
das canções e encarte. Estes discos foram relativamente fáceis de conseguir, pois sebos na
capital e feiras de vinis comercializam estes LP’s regionais. O grupo Expresso produziu
todos os seus discos em CD pela produtora Trem Bala, lançados em 1997 e, como da
20
banda, eu os possuía. Músicas tocadas em rádio foram mais garimpadas, tendo que
recorrer a arquivos pessoais de membros da banda ou antigos fãs. Hoje, com as novas
tecnologias, é possível digitalizar todo este material e melhorar sua qualidade sonora para
poder perceber as questões pontuadas nesta introdução. Além de muitas bandas como
Têmpera, Tubarão, Bandalheia e Burn disponibilizaram algumas de suas canções em sites
para bandas divulgarem seu material, como: PalcoMP3, My Space e TramaVirtual.
21
CAPÍTULO 1- ROCK´N´ROLL NAS RUAS DA CAPITAL
Floripa meia noite
Lá fora está chovendo
Tristeza e solidão
só eu estou sofrendo
(...)
Tomando Molotov
Coca-cola e melhoral
Enchi de Rock´n´roll
As ruas da capital
22
1.1. De Repente
23
: Formação dos grupos de rock
O período de abertura política no Brasil teve como uma de suas marcas a euforia
nas campanhas das Diretas Já! e o “banho de água fria” perante a negação disto pelo
presidente Figueiredo e pela posterior morte do primeiro presidente civil eleito depois da
ditadura, Tancredo Neves. Em Santa Catarina, especificamente em Florianópolis, tivemos
grandes mudanças políticas, como a Novembrada em 1979. Este evento abalou a cidade,
percebendo-se o enfraquecimento do Governo Militar, com os estudantes protestando
abertamente contra o governante máximo do país, ainda um general, no caso, Figueiredo.
Além do caráter político, outras mudanças contribuíram para a construção dos
novos grupos de jovens que surgiam na cidade no final dos anos 1980, grupos, também
chamados de tribos
24
, com novas exigências e identificações. As novas características
urbanas construídas no século XX, como arranha-céus, aumento da tecnologia na
comunicação de massa, contribuíram para a construção deste novo modelo de jovens.
25
22
Trecho da música Ilha da Solidão de Daniel Lucena e Márcio Corrêa. In.: EXPRESSO. Romance em
Casablanca. Florianópolis: ARTMIX e EXPRESSO. 1992. faixa 3, lado B.
23
Título da música de Fernando Bahia na coletânea Crime Perfeito. Florianópolis: Jacaré Produções. 1986,
faixa 4, lado A.
24
Usarei mais especificamente o termo tribo segundo o autor ressalta para a identificação
dos grupos urbanos em comunidades afetivas, as identificações acontecendo por
motivos emocionais, não necessariamente próximos localmente. In.: MAFFESOLI, M.
O Tempo das Tribos o declínio do individualismo nas sociedades de massa. edição;
tradução Maria de Lourdes Menezes. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1987.
25
MORAIS, José Geraldo Vinci de. Metrópole em Sinfonia: História, cultura e música popular na São
Paulo dos anos 30. São Paulo: estação Liberdade, 2000.
22
Em Florianópolis, no plano urbanístico, foi inaugurado o Terminal Rita Maria,
facilitando assim a chegada de novos moradores e estimulando o turismo na capital. Estes
recém chegados trazem as novidades musicais dos grandes centros urbanos, como São
Paulo e Rio de Janeiro, além de modas nas roupas e cabelos dos jovens. No plano artístico,
foi construído o Centro Integrado de Cultura (CIC). Os grupos artísticos recebiam um novo
espaço para suas apresentações e até mesmo ensaio e divulgação. Anteriormente havia
apenas o Teatro Álvares de Carvalho (TAC), no centro da capital, que comportava um
pequeno público, muitas vezes, nem acomodava nem estimulava os shows em
desenvolvimento.
26
Florianópolis também se iniciava no setor técnico-industrial, com
destaque para a Eletrosul em 1976 / 77, ao lado da Universidade Federal de Santa Catarina
(UFSC), vindo muitos técnicos de várias partes do Brasil para trabalharem na empresa.
Junto com eles, viriam seus filhos, que assim trariam mais novidades para seus colegas
nativos.
Os anos de 1980 são vistos pelos economistas no Brasil como anos de recessão.
Inflação, planos econômicos mal-sucedidos e aumento na dívida externa foram alguns dos
problemas surgidos junto com a abertura política.
27
Paradoxalmente a esta recessão, as
indústrias catarinenses continuam com crescimento se relacionarmos com a conjuntura
brasileira, segundo Alcides Goularti Filho, enquanto “a média do PIB brasileiro, nos anos
1980, girou em torno de 2,2% ao ano. (...) o crescimento econômico em Santa Catarina em
torno de 5,3% ao ano”
28
. No estado, esta situação deve-se a dois fatores principais, a
industrialização no Vale do Itajaí e a mineração no Sul. Na região da Grande Florianópolis
desenvolveram-se ainda mais o turismo e serviço público, porém, algumas indústrias
formam-se na região, como a Macedo em São José.
29
Na mídia, há o crescimento do grupo RBS como a maior rede de TV do sul do país,
se desenvolvendo, além da televisão, nos jornais impressos. Com Florianópolis em foco,
muitos jovens de outras cidades acabam chegando para aqui tentar a universidade ou a vida
de músicos. Um exemplo claro são os irmãos May, Paulo e André, de Tubarão, que vieram
para divulgar sua banda de rock Ratones (posteriormente Tubarão), pois percebiam maior
26
CORRÊA, Carlos Humberto P. História de Florianópolis Ilustrada. Florianópolis: Editora Insular, 2004.
27
GOULARTI FILHO, Alcides. Formação econômica de Santa Catarina. Florianópolis: Editora da UFSC,
2007. p. 294.
28
Ibdem p. 294-295.
29
Ibdem.
23
receptividade e movimentação de grupos de rock em Florianópolis do que em sua cidade
natal. Destes jovens, muitos, como o Ratones, participam do que chamarei Mundo 48,
baseando-me no prefixo telefônico adotado pela TELESC para a Grande Florianópolis e
parte da região Sul. Contudo, alguns dos jovens vinham de outras cidades não 48, como os
membros do grupo Expresso Rural. Todavia, mesmo com integrantes oriundos de outras
cidades como Lages e Curitibanos, quando formam a banda eram moradores da capital,
pois seus pais aqui trabalhavam, além de, em entrevistas, colocarem-se sempre como uma
banda de Florianópolis
30
.
A ligação entre o interior do estado com o litoral ainda estava precária. Foi durante
a década estudada que a BR-282, “no trecho Lages-Florianópolis teve a sinuosa pista
asfáltica quase totalmente estendida”
31
. Percebe-se, então, os anos 1980 com uma maior
ligação entre as regiões catarinenses, porém, as bandas formam-se durante esta ligação,
com o contato inter-regiões muito precário ainda.
O termo mundo 48 servia, e ainda serve, para os músicos se diferenciarem de outros
lugares, podendo até mesmo ser usado de maneira pejorativa, para um “sacanear” o outro.
Segundo Rafael Weis, jornalista em Itajaí e muito ligado ao cenário musical, ocorre uma
maior ligação entre os músicos de cada região, por isso a denominação. Rafael Weis é dono
do domínio Mundo47 (http://www.mundo47.com/), site sobre música criada em Santa
Catarina, especialmente do Vale do Itajaí.
Na década estudada, ocorreu um novo movimento semelhante em todo o Brasil,
uma nova onda musical apareceu por várias cidades e em Florianópolis não foi diferente
32
.
Mas foi uma onda que teve diferenças em cada lugar em que surgiu. No Rio de Janeiro, o
teatro e músicas mais alegres prevaleceram, enquanto em São Paulo o peso e a
simplicidade do punk foram influentes. Engenheiros do Hawaii representa Porto Alegre
com maiores experimentações nos arranjos. Não quero generalizar, uma vez que mesmo
nestas cidades ocorreram variações intensas e algumas bandas assemelhavam-se mais a
outro estado que ao seu próprio. Todavia, uma percepção musical própria em cada
localidade.
30
No segundo capítulo abordarei a música “Nossos Corações”, nesta o compositor lageano Daniel Lucena
apresenta sua saudade à terra natal.
31
LINS, Hoyêdo de Gouvêa. A Ação Governamental. IN.: A Realidade Catarinense no século XX.
Florianópolis.: Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina, 2000. p.243
32
PERRONE, Airton. Entrevista concedida ao autor ao autor dia 24 de setembro de 2008
24
As bandas surgidas no mundo 48, durante a década de 1980 também têm
características próprias, sonoridades, letras e influências diferentes de outros lugares do
país. Alguns aspectos vão formar suas especificidades. A maior parte das cidades, ou as
mais influentes, são formadas pelo litoral propício para a prática do surf, com vários
torneios nacionais e internacionais sediados no mundo 48 desde a década de 1970. Nesta
região está localizada a capital do estado. muitos servidores públicos residindo na
Grande Florianópolis, assim como um comércio mais intenso em relação às outras
cidades catarinenses, deixando-a cada vez mais cosmopolita. Se junta a isto a Universidade
Federal de Santa Catarina, cria-se uma ligação intensa entre todo o mundo 48. Outras
regiões de Santa Catarina geralmente buscam necessidades cosmopolitas em outros
estados, como o mundo 47, no Vale do Itajaí, muito mais ligadas à Curitiba, tendo grande
influência musical desta cidade, como o grupo Bandeira Federal, com levada punk, ou as
bandas H2O e Atrito, letras mais urbanas e pegada mais levada ao mod, próprios de
Curitiba até os dias de hoje. Ou no oeste, mundo 49, a levada bem rural e gauchesca, como
o cantor Beto Mondadori, com o uso intenso de violão e acordeão.
Portanto, uso o termo 48 para identificar o território
33
de atuação das bandas aqui
analisadas. A citada Ratones é um bom exemplo desta idéia de territorialidade, pois não
se sentiam de Tubarão ou de Florianópolis. Nas reportagens e entrevistas, demonstram
dificuldade em estabelecer a cidade natal da banda, mas deixam claro pertencer ao mundo
48. Assim como as bandas 47, Vale do Itajaí e região que divulgavam seu trabalho apenas
nas cidades próximas, ocorriam trocas, porém acontecia mais intensamente entre os
integrantes do mundo 48.
Quando o grupo RBS inaugura suas emissoras em Santa Catarina, no ano de 1979,
é considerada uma grande mídia, com grande prestígio e divulgação já conquistados no Rio
Grande do Sul. Em Blumenau, é instalada a TV Coligadas e, em Florianópolis, a RBS TV -
Florianópolis, esta com abrangência também no Sul do Estado. Basicamente, em todo o
“mundo 48”, era a RBS a maior mídia televisiva e impressa (O jornal Diário Catarinense,
do grupo RBS é fundado em 1986).
34
Maurício Lima, em sua dissertação de mestrado em
33
O termo “território” está aqui sendo usado para especificar um espaço de atuação e identificação das
bandas analisadas, mais especificamente com a idéia do sociólogo Stuart Hall, sendo território o
sentimento de pertencimento a uma comunidade específica ligada à relação de indivíduo e nação. HALL,
Stuart. Da Diáspora. Belo Horizonte: Editora UFMG. 2006.
34
LIMA, Maurício Andrade de. Proposta De Um Placar De Performance Para A Indústria De Comunicação
25
Engenharia de Produção, destaca a comunicação televisiva em Santa Catarina, pós-1979,
como marcante para sua profissionalização, com a entrada de novas tecnologias, maior
alcance e fazendo parte do dia-a-dia dos catarinenses
35
. A televisão como meio propagador
de uma cultura de massa é de extrema importância para entendermos o crescimento destas
bandas.
36
Afinal, o apelo visual nas músicas também. A RBS foi uma grande
divulgadora nos telejornais e especiais de TV, com a utilização do videoclipe das bandas
em Santa Catarina, tema que será tratado no próximo capítulo.
Na década de 1970, quando os jovens (aqui estudados) ainda estavam em formação,
ocorriam festivais com o intuito de divulgar os problemas sociais, políticos e culturais do
Brasil. Além de outros festivais, com conotações diferentes, baseados nos divulgados pela
grande mídia, alguns eram puramente propaganda do governo. Objetivavam apresentar
novos compositores mais ligados à moral e aos bons costumes ditos pelos militares. Outros
eram criados dentro dos muros de escolas com este ideal político, para demonstrar a escola
como realizadora de eventos ligados à música, tanto a MPB como o nascente rock. Estes
festivais eram um bom modo de divulgarem os trabalhos ou conseguir levantar fundos para
novos empreendimentos musicais e compra de novos aparelhos, que se havia muita
dificuldade em encontrar instrumentos de qualidade na capital catarinense, sendo que estes
vinham de São Paulo ou da Argentina
37
. Em Santa Catarina, ocorreram vários destes
festivais. Todavia, gostaria de destacar alguns com objetivos diferentes da divulgação ou
das competições. Direcionando para um público jovem, principalmente ligado ao
movimento rock, sexo livre e uso de drogas de forma alucinógena (ou sexo, drogas e
rock´n´roll), porém sem a conotação diretamente ligada a política ditatorial ou anti-
ditadura. Dos maiores festivais, tivemos o Camburock em 1977
38
E o Palhostock de
De Santa Catarina: Televisão. In.: http://www.eps.ufsc.br/disserta99/lima/cap3.html acessado em
03/04/2007
35
“Observa-se que a partir de 1979 a indústria de comunicação de Santa Catarina iniciou uma nova fase, isto
é, passou de uma era amadora para uma era profissional, investindo na tecnologia e seriedade, levando
esta indústria ao crescimento constante no que se refere ao faturamento anual” Ibidem.
36
Mas, seguindo as idéias de Paulo Puterman, a comunicação de massa muitas vezes segmenta a cultura,
transformando uma cultura homogênea em várias sub-culturas, atingindo públicos alvos para a venda dos
produtos culturais. PUTERMAN, Paulo. Indústria Cultural: A agonia de um conceito. Série debates. São
Paulo: editora Perspectiva. 1994, 1994. p.104.
37
Informações por Paulo Back em entrevista concedida ao autor em minha página de recados do Orkut dia 21
de setembro de 2007.
38
O Estado 31 de janeiro de 1977. capa
26
1974
39
. Os dois festivais tinham como idéia principal propagar as mudanças culturais, ou
contra-culturais, que estavam acontecendo pelo mundo. O segundo, no mundo 48,
diretamente ligado com o festival de Woodstock dos anos 1960: busca pela paz, maior
aceitação do uso de drogas e do amor livre.
A cultura jovem no Brasil do período estudado, também se ligava ao surf. Na mídia,
este esporte era divulgado com uma cultura por trás, aparecendo filmes, como O Menino
do Rio, de 1981, com roteiro de André di Biasi, também ator principal e direção de Antonio
Calmon. Este filme retrata a vida de Valente, porém, “o filme abandonava os chavões de
conflito entre pais e filhos e abria espaço para jovens se refletirem como tais”
40
. Apesar de
retratar o Rio de Janeiro, um dos personagens principais, Pepeu, é um órfão vindo de
Florianópolis, demonstrando a ligação entre Florianópolis e Rio de Janeiro nesta
identificação entre os jovens, porém, ressalto que é o catarinense que vai pro Rio. Em
1984, o mesmo Antonio Calmon dirige a continuação, agora intitulada Garota Dourada,
filmada em Garopaba, no litoral 48, trazendo como protagonistas os mesmos personagens
do filme anterior.
Nesta década, também surgem séries como Armação Ilimitada, na Rede Globo,
voltada para o segmento jovem. Porém, estas séries conseguiram o sucesso alcançado
porque no Brasil a cultura jovem / surf inseria-se em seu cotidiano. No Rio de Janeiro e em
Santa Catarina, estados conhecidos pelo seu litoral propicio ao surf, não foi diferente.
Tendo praias com boas ondas para o esporte, alguns surfistas do Rio de Janeiro vieram
conhecer nosso litoral e, em 1976, acontece o primeiro campeonato de surf na Joaquina.
Em 1980, é fundada a Associação Catarinense de Surf (ACS) passando a denominar-se
Federação Catarinense de Surf (FECASURF) em 1987, demonstrando a organização e
fortalecimento dos jovens para este esporte ainda durante a década de 1980.
1.2. O aparecimento das bandas 48
Em Florianópolis, uma das primeiras bandas a gravar um disco
41
foi o Grupo
39
O Estado 21 de outubro de 1984. p. 53. reportagem de Cacau Menezes fazendo uma retrospectiva dos dez
anos do Palhostock.
40
BRYAN, Guilherme. Quem Tem Um Sonho Não Dança: Cultura Jovem Brasileira nos Anos 80. São Paulo:
Ed. Record, 2004. P. 38.
41
Segundo o grupo Expresso Rural em entrevista concedida ao autor dia 22 de outubro de 2007.
27
Engenho, em 1980, uma big band da capital, com uma busca de brasilidade. No caso do
Engenho, apesar de começar com levada rock
42
, misturaram ritmos mais regionais com
aspectos da música catarinense local, com acordeão, triângulo em ritmo mais rápido, com
temas ditos de cultura açoriana
43
, como o engenho, a rendeira, o pescador, ou o carro-de-
boi (canção 01)
44
. Foram, inclusive, homenageados no encarte por Franklin Cascaes,
conhecido estudioso sobre cultura e folclore em Florianópolis: “Caros jovens, o vosso
trabalho artístico deve continuar com entusiasmo e perseverança, falando todos os
componentes do grupo o mesmo tom de voz, para que haja confiança mútua e duradoura
anos afora”
45
. No mesmo disco, mas na capa, o grupo também homenageia Franklin
Cascaes: “‘Engenho’ é dedicado ao grande artista que despertou gerações para o amor a
terra: Franklin Cascaes”
46
. Todos integrantes do Engenho eram universitários e as
contestações contra-ditadura fizeram parte de seu repertório, como a canção “Nó Cego”
(canção 02), analisada por Marco Antonio Ferreira de Souza em sua monografia de
conclusão da graduação:
Nó Cego
47
amarrado feito saco de farinha
Querendo de todo jeito
Aliviar situação
E esse nó feito laço no pescoço
Impedindo minha Língua
De falar com o coração
Quero sair do meio desse emaranhado
Com o corpo inteiro e livre
42
Aqui, a levada rock segue os padrões analisados pela antropóloga Tatyana de Alencar Jacques em sua
dissertação de mestrado: A estrutura de uma música de rock compreende as partes: melodia
instrumental, verso, refrão e solo; organizadas de inúmeras formas, como: introdução instrumental / verso
/ verso / refrão / solo / verso / refrão / finalização. No entanto, estas partes não são fixas.” In.: JACQUES,
Tatyana A. Comunidade Rock em Florianópolis - uma etnografia sobre socialidade e concepções
musicais. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC. Dissertação de mestrado.
Departamento de Antropologia. 2007. p. 101. No segundo capítulo analisarei melhor as estruturas das
músicas aqui citadas.
43
De cultura açoriana, uso os aspectos caracterizados pela “criação” destas características descritas por Maria
Bernadete Ramos Flores In.: FLORES, Maria Bernardete Ramos. A farra do boi: palavras, sentidos,
ficções. Florianópolis: Ed.da UFSC, 1997.
44
Ao abordar canções que acho relevante para o bom entendimento do trabalho, estarão identificadas
conforme sua posição nos CD´s que anexo neste trabalho. Em razão da quantidade de músicas, estão em
formato MP3.
45
Capa do disco : Engenho do Grupo Engenho. Florianópolis: Engenho Produções e Gravações LTDA. 1981
46
Encarte do disco : Engenho do Grupo Engenho. Florianópolis: Engenho Produções e Gravações LTDA.
1981.
47
ALISON. Nó Cego. In.:Vou Bota Meu Boi Na Rua. Engenho Produções, 1980.
28
Pra tocá meu violão
Faca com ponta, espingarda e baioneta
Eu nunca vi jeito mais duro de falar de opinião...
Esta letra mostra a insatisfação com a repressão do regime que cerceava a
liberdade e impedia as pessoas de mostrar seu ponto de vista em relação ao
momento político vivido no país. Pode fazer também uma relação entre os
artistas de modo geral, e os músicos em particular, e a censura que os impedia de
expressar suas idéias. (...), embora na letra possa se fazer esta associação no
momento em que esta compara uma pessoa a um saco de farinha, gênero
alimentício bastante comum na cultura da cidade.
48
Apesar de muitos jovens interessarem-se pela idéia de viver de sicas, mesmo
com sonoridades diferentes ao Grupo Engenho, vêem no grupo a possibilidade de também
gravar e ganhar dinheiro com a música. Os grupos que surgem nos anos de 1980, por todo
o Brasil, buscam sonoridades mais internacionais, como a dos Beatles, Bob Dylan, Led
Zeppelin e The Clash e temas retratando problemas dos jovens de seu período, como
garotas, falta de dinheiro, uso de drogas, AIDS ou a desesperança no futuro.
Capa do segundo disco do Grupo Engenho, Engenho. Florianópolis: Produção
Independente, 1981. Arquivo pessoal.
29
Segundo Fábio F. Feltrin de Souza, estas bandas possuem semelhanças com a idéia
do punk: do-it-your-self ou “faça você mesmo”, fazendo assim suas músicas sem a
preocupação estética das grandes gravadoras ou da imprensa.
49
Por todo o Brasil o
surgimento destas bandas que a grande imprensa vai descobrir um grande filão para venda
de novos músicos, sem ficar presa à MPB.
50
Diferente da busca de uma sonorização regional, construída como uma
característica de nossa terra do Grupo Engenho, as bandas estudadas neste trabalho
preferiram características consideradas jovens
51
.
1.2.1. Melhor maneira de viver é viver, viver, viver
52
– Grupo Expresso Rural
Dentre as várias bandas estudadas, três se destacaram no cenário 48, sobretudo pelo
número de discos gravados, aparecimento na mídia, quantidade de shows ou recursos
conseguidos. São elas, a Expresso Rural (depois apenas Expresso), Ratones
(posteriormente Tubarão) e Decalco Mania.
A Expresso Rural nasce dentro dos festivais em 1981, com Zeca Petry e Daniel
Lucena se encontrando e trocando idéias nestes eventos, um apreciando o trabalho do
outro. Zeca, de Floripa, e Daniel, de Lages, sendo que o último convida seu amigo também
de Lages, Marcos Ghiorzi, que estava aprendendo a tocar bateria em latas velhas, para
compor o grupo
53
. Convidam Volnei Varaschin de Curitibanos para tocar baixo, mas como
preferia ficar com o violão, convidam Paulo Back, da capital, para o baixo. Para completar,
Beto Mondadori
54
, também de Lages, músico reconhecido em Florianópolis, tocava
48
SOUZA, Marco Antonio Ferreira de. Os sons da Ilha: a cultura local na produção musical do Grupo En-
genho, Florianópolis 1979-1984. Trabalho de Conclusão de Curso em história. Departamento de História.
Florianópolis: CFH-UFSC, 2007.
49
SOUZA, Fábio F. F. de. Op. Cit. Pág 18
50
Alexandre, Ricardo Dias de Luta: O Rock e o Brasil dos anos 80. São Paulo: DBA, 2002.
51
No terceiro capítulo analisarei melhor o termo jovem e suas construções nos anos de 1980, mas, cabe aqui
destacar a idéia de descompromisso ligado diretamente à política oficial e maior preocupações com
problemas interiores, como garotas, carro, futuro. Em termos musicais, friso a idéia do novo, de buscar
novidades e experimentações.
52
Trecho da música: Dança Molhada de Daniel Lucena. Certos amigos, Grupo Expresso, produção
independente. 1985.
53
Citado por Zeca Petry em show no dia 30 de outubro de 2008 no Centro Integrado de Cultura (CIC) em
Florianópolis.
54
Músico lageano que logo após sair do grupo grava um disco solo Naturais Inventos com sua principal
música de sucesso Suco de Imaginação.
30
teclados, sendo posteriormente substituído por Márcio Corrêa. Todavia, antes da música
uni-los, já havia uma sociabilidade entre eles,
o Daniel Lucena é amigo de adolescente em Lages, onde eu freqüentava a casa
dele e também dos avós do Marcos Ghiorzi. Eu sou do interior e tive que estudar
em um internato no Colégio Diocesano, em Lages. Nesse tempo 1973 / 74 / 75,
nós já participávamos dos festivais locais. Nessa época, eu conheci também o
Marcio Corrêa cuja família tinha uma casa de veraneio na mesma rua que eu em
Balneário Camboriú. Quando fui morar em Floripa, em 1976, conheci o Zeca
Petry no Colégio Catarinense, onde fui estudar, e depois, em 1979, o Paulo Back
quando tocamos em uma festinha.
55
O Expresso Rural foi uma ligação entre o regionalismo do Engenho e o rock
propriamente dito com, inclusive, a mídia batizando-os como herdeiros deste último.
56
Esta
comparação com o Engenho está mais ligada ao fato da “ruralidade” de suas principais
canções e por terem surgido em festivais. As composições desta época ainda possuem a
sonoridade mais voltada para os vocais e violão. pouca ênfase no contrabaixo ou nos
teclados, além da participação de Tayrone Mandelli e Sérgio Bassit nos sopros, não
deixando de alcançar a sonoridade esperada do rock.
57
Estes últimos sempre ligados
diretamente na banda, mas raras vezes considerados como parte integrante. Importante
destacar que Beto Mondadori fica pouco tempo na banda e a falta de teclados também
ressalta a ruralidade das principais canções. Por outro lado, outras composições exigiam o
teclado e, deste modo, contrataram Alejandro Surco, argentino que fica menos de um ano
na banda.
55
Segundo Volnei Varaschim em entrevista a mim respondida em minha página de recados do Orkut, dia: 23
de setembro de 2007.
56
Sobre o disco e os shows da coletânea O Som da Gente, o jornalista Cacau Menezes divulga em mídias
como o jornal O Estado e, o programa Jornal do Almoço da RBS TV, divulgam o Expresso Rural como o
herdeiro do Engenho, dando a entender que aquele disco “passará a coroa” para o novo grupo. (O Estado,
03/07/84, p. 19)
57
Sobre as diferentes sonoridades de rock e, principalmente sobre análises mais detalhadas das músicas,
31
O estilo musical característico desta banda demonstra algumas idéias de
contradições, o rock rural, o rock lembrando a modernidade e as tecnologias do século XX,
mas preso à ruralidade, à falta de tecnologias e ao sossego do campo. O folder acima, feito
para a divulgação de seus primeiros shows, desenhado pelo baixista da banda Paulo Back, é
uma versão deste pensamento. O trem, ainda que uma Maria Fumaça, chegando com a
banda para o divertimento e o lazer do campo, ou o contrário, saindo do campo e invadindo
a cidade com sua calma e tranqüilidade. Detalhe para os personagens: Daniel e Zeca na
locomotiva, Volnei, Marcos e Paulo nesta ordem, Sérgio no último vagão, Tayrone
correndo atrás e Alejandro chegando com muito esforço. Quebrar o que está instituído não
é tarefa fácil, principalmente se o novo ainda tem que conquistar espaços, não tendo
recursos externos. As bandas precisam elaborar, de forma independente, meios de
conseguir espaços. O folder serviu para a propaganda da banda, feita artesanalmente e
depois mimeografado para maior distribuição e divulgação dos shows.
Boa parte do grupo demonstra gostar do rock rural, como o feito pela
Almôndegas (canção 03)
do Rio Grande do Sul e & Guanabira de Minas Gerais. Porém,
é Zeca Petry o principal incentivador para este caminho
58
. É interessante ressaltar que este
discutirei mais profundamente no capítulo II.
58
Inclusive, após desligar-se do Expresso, Zeca Petry é convidado a tocar com a dupla Kleiton e Kledir, ex-
Folder do primeiro show individual no TAC, desenhado pelo baixista da banda Paulo Back.
Retirado do site: www.expressorural.com.br. Acessado em 07 de julho de 2008
32
estilo rural é mais ligado ao interior, uma vez que pessoas do meio rural se identificam com
o estilo. Mas no grupo, o chamado roqueiro, com guitarras elétricas é Volnei Varaschin, de
Curitibanos, cidade mais ligada à pecuária e agricultura, e o artista mais folk é Petry, da
capital, como dito pelos mesmos em seu site.
59
:
Apesar do grande sucesso da banda, com uma agenda lotada de shows pelo estado e
com o público sabendo suas canções na ponta da língua, sentiam que o grupo não duraria
muito se não gravassem seu LP. Dessa forma, Zeca Petry conversou com seus pais sobre
um empréstimo para a gravação em São Paulo, com um trabalho totalmente independente.
Produção, composição, arranjo, até mesmo a madeira que ilustra o encarte era da casa
deles. Foi Daniel quem queimou as letras para a capa com um pirógrafo e também colaram
o lacre do encarte do disco por causa da canção censurada. Tudo feito por eles.
60
Rock Rural
61
(canção 04)
G C
Não fosse o balanço da montaria
D G
Você sabe eu cantaria mais que um Rock Rural
G C
Uma balada pra cantar a reviria
D G
Falando de pradarias, Jesse James e curral.
Almôndegas. Informação pessoal em entrevista dia 22 de outubro de 2007.
59
Extraída foto e legenda do site: www.expressorural.com.br no dia 05 de abril de 2008
60
Entrevista concedida ao autor pelo grupo dia: 22 de outubro de 2007.
61
PETRY NETO, José & LUCENA, Daniel. Rock Rural. In.: Expresso Rural Nas Manhãs do Sul do
Mundo. Florianópolis: Expresso Produções e Gravações, 1984. Lado A, música 03.
Volnei e Zeca
-
1983.
33
F Em
E caso fosse a falta de melodia
F Em
O galope me daria um compasso natural
F Em
Minha viola certamente me traria
F D
Acordes de cantoria lá do fundo do quintal.
G C
se você fosse de encontro do fim do dia
D G
No pôr-do-sol me veria correndo de pés no chão
G C
Com a mente presa na liberdade do campo
D G
Me sentindo mais comigo do que só na multidão.
F Em
Voando leve no meio da ventania
F Em
A brisa corta de harmonia as folhas do milharal
F Em
Criando um folk bem no centro da cidade
F D
Como um postal esquecido entre as folhas de um jornal.
G C D G C D G
Wo wo - ha ha ha . Wo wo - ha ha ha
62
Rock rural, segundo os compositores, é o som da fazenda, inspirando o compositor
em sua jornada musical. “Minha viola certamente me traria / acordes de cantoria no
fundo do quintal”, acordes, vocabulário musical e a viola, instrumento acústico usado para
músicas caipiras ou sertanejas, instrumento que curiosamente não é usado nesta música, as
cordas agudas são tocadas por violões Ovation, Zeca e Volnei, e guitarra elétrica também
por Volnei. Contrariando a cidade pelo campo, sem querer voltar, e sim viver o campo na
cidade, o hibridismo da velocidade (Expresso) com a vida no campo (Rural), explicando
através dos versos: “Com a mente presa na liberdade do campo / me sentindo mais comigo
do que na multidão [...] Criando um folk bem no meio da cidade / como um postal
esquecido entre as folhas de um jornal”. Folk é a música estadunidense com levada
semelhante ao rock tocado com violão, Bob Dylan é um dos mais conhecidos cantores.
Tocar folk na cidade é passar as mensagens através de um violão, tocado em compasso 4
62
Decidi colocar cifradas as canções dos discos Nas Manhãs do Sul do Mundo e Certos Amigos pelo fato de
estarem desta maneira no encarte para quem quiser tocar a harmonia da música. Em respeito à vontade da
banda faço o mesmo neste trabalho.
34
por 4, de forma rápida como os movimentos urbanos. E acabar com o: “Wo wo - ha ha ha .
Wo wo - ha ha ha”, lembrando o grito com um cavalo é típico do rural.
O primeiro disco marcou muito a banda, principalmente pelo nome Expresso Rural,
pois havia uma exigência, por parte da mídia, para parecerem realmente rurais. O nome,
segundo os músicos
63
, vem de um sonho que Zeca teve em que a banda estava toda reunida
e este nome estava escrito no bumbo de Marcos. Mas o primeiro show da banda para o
lançamento do disco em Floripa, no CIC, dia 06 de abril de 1984, recebe críticas negativas
do colunista Cacau Meneses, no jornal O Estado, principalmente sobre as roupas coloridas,
mais new wave que rural e falhas sucessivas no som, com Daniel tendo que pedir desculpas
para o público.
64
No ano de 1984, o grupo RBS percebe o crescimento do público jovem como
consumidor e grava uma coletânea chamada O Som da Gente, com cantores e grupos que
estavam fazendo sucesso em Santa Catarina. Entre os participantes, o próprio grupo
Expresso Rural, o Grupo Engenho, e o cantor Beto Mondadori, que fez parte, tocando
63
O Estado 06 de abril de 1984, p. 22.
64
O Estado 10 de abril de 1984, p. 17.
Capa e contracapa do disco Nas Manhãs do Sul do Mundo.
Florianópolis: Produção Independente. 1983. Arquivo Pessoal.
35
teclados, no Expresso Rural. Estes três que já tinham discos gravados na praça.
65
Durante os shows de divulgação do disco, a banda sofre sua primeira grande
mudança. Um dos fundadores e incentivadores da banda, Zeca Petry, sai. A saída de Zeca
não foi bem esclarecida pelos músicos, nem pelos meios de comunicação que divulgavam a
mudança e as brigas judiciais pela posse do nome Expresso Rural entre Zeca e os outros
integrantes. Na briga, sem explicação
66
, separaram-se da banda Zeca Petry e Paulo Back. É
importante destacar que anteriormente à separação, o ex-baixista do Grupo Engenho,
Marcelo Muniz, havia sido contratado pelo Expresso Rural. Dificilmente uma banda usa
dois baixos juntos, pois é um instrumento que apenas a base, como a bateria, não é
muito usado como instrumento harmônico como uma guitarra solo ou violão. Durante os
shows, a banda se apresentava como os ex-integrantes do Expresso Rural. Sem muitas
explicações à imprensa, Paulo Back volta a assumir o baixo da banda. Modificam o nome
para Expresso, pois além de não precisarem mais brigar pelo uso do Rural, demonstrava a
mudança de sonoridade, agora se voltando mais para o som urbano. Ao questionado sobre a
briga, Paulo Back acredita ter sido uma disputa de egos, coisa de guri, entre Petry e Lucena.
A jornalista Ligia Gastaldi também ressalta esta idéia, lembrando das entrevistas dadas ao
jornalista Cacau Menezes, no Jornal do Almoço exibido pela RBS TV: “era até engraçado,
um xingava o outro”
67
. Paulo também analisa os ânimos com o retorno do grupo e diz que
hoje nem tocam no assunto, como se existisse um arrependimento e a vontade é de
simplesmente esquecerem.
O Expresso, em seu segundo disco, Certos Amigos, de 1985, apresentou uma levada
mais new wave, deixando um pouco os dedilhados em violão, o banjo, a importância das
cordas do primeiro disco de levadas mais rurais, para os teclados e acordes simples. Isso é
demonstrado na abertura da primeira e homônima canção do disco e no refrão, ressaltando
todo o conjunto de instrumentos, com o vocal bem nítido e acentuado, contendo até mesmo
um pá-pá-rá-rá-rá, para o público cantar junto.
As músicas passam a ter uma levada mais urbana, aparelhos mais eletrificados, uso
65
O Estado 30 de junho de 1984, p. 23.
66
O principal jornalista a divulgar a briga foi Cacau Menezes em sua coluna do jornal O Estado, que teve a
postura de não divulgar os motivos, por consideração à banda ou para criar polêmica e curiosidade, mas
mesmo quando perguntados sobre a separação em entrevista dia 22 de outubro de 2007, o grupo
desconversou e mudou de assunto, discutindo mais sobre as mudanças musicais que esta saída trouxe.
67
Entrevista concedida ao autor dia 05 de janeiro de 2009.
36
de sintetizadores, vocal menos entonativo, mais simples e as letras trazendo as dificuldades
de ser um jovem em um centro urbano, não falando de natureza ou a saudade da vida no
campo, apesar de ainda ter canções com este tema no disco como Bom dia dia e Dança
Molhada. O tema da solidão, da falta de uma companheira, ou daquele amor verdadeiro é o
principal, porém o espaço retratado é a cidade, como na música A Mel por Hora.
A Mel Por Hora
68
(canção 05)
O estilo new wave tem características ligadas ao punk. Porém, a simplicidade punk
na criação das músicas não tenta demonstrar os problemas do subúrbio ou as
desigualdades, é mais alegre e dançante, assim como as letras new wave englobam mais os
problemas pessoais ao invés dos sociais. Os integrantes de grupos new wave usam roupas
mais coloridas, são mais ligados ao mundo urbano, não se preocupando com idéias de
ecologia ou vida no campo como o rock rural. No show de lançamento do primeiro disco, a
banda aparece com cabelos pintados e roupas coloridas. Na mesma semana iriam gravar
um especial para a RBS TV, em um sítio, com todas as músicas do Nas Manhãs do Sul do
Mundo em forma de clipe. Nas gravações ficaram com roupas rurais e cabelos com mechas
coloridas, pois não saiu tão fácil como acreditavam
69
A escolha deste visual para
apresentarem seu LP, ressalta o que estava acontecendo com a banda desde seu início. Nas
fotos de divulgação do primeiro e do segundo disco, é nítida a mudança. Na primeira foto,
68
LUCENA, Daniel & VARASCHIN, Volnei. A Mel Por Hora. In.: Expresso Certos Amigos.
Florianópolis: RBS DISCOS. 1985. Lado B, música 01.
69
Informações obtidas com Paulo Back em entrevista concedida ao autor dia 16 de setembro de 2008.
D Bm Em A7
Você tá me botando louco e eu já estou a mel por hora
D Bm Em A7
Eu quero de tudo um pouco e tudo isso agora
Bm G
Te encontrar posso dizer
Bm E7 A7/5M
Foi lembrar de um velho sonho: Anos 60.
D Bm Em A7
Um toque, rum com Coca-Cola, mais um Rock na vitrola
D Bm Em A7
Teu beijo com gosto de Crush, me seduz e me consola
Bm G
Te encontrar posso dizer
Bm E7 A7/5M
Foi saber de um novo sonho: Anos 60.
37
tirada preta e branca, o cenário é uma fazenda. Eles usam botas, espingardas, chapéus e
bigodes, enquanto na segunda, estão em cima de um carro, com roupas de cores berrantes,
bem à vontade e descontraídos:
Em 1986, o grupo sofre mais uma perda. O outro fundador do grupo, Daniel
Lucena, deixa a banda para tentar carreira solo. O conjunto tenta contornar a saída de seu
vocalista e frontman
70
com Volnei e Paulo dividindo os vocais. Anterior a este período,
Daniel, Beto Mondadori e Ricardo Pilatti fundam uma produtora, a Jacaré Produções, com
o símbolo criado por Paulo Back. Tem como principal e único disco a coletânea Crime
Perfeito, com vários músicos ilhéus gravando suas próprias composições para uma maior
divulgação. Sobre este LP discutirei mais tarde, mas agora é importante destacar a
participação do Expresso neste projeto. Daniel Lucena, além de um dos idealizadores,
grava uma canção no LP de sua autoria, Banho das Seis, junto com seu colega do Expresso
Volnei Varaschim, assim como na canção Crime Perfeito de autoria dos dois, porém aquela
é cantada e tocada por todos os participantes do projeto.
Ao idealizarem o seu terceiro trabalho, os integrantes do Expresso resolvem
contratar um novo vocalista e a escolha recai a Norton Makowiecky, ator e diretor de teatro
com relativa fama na Ilha de Santa Catarina. Mas o disco não sai como o esperado. Com a
inflação aumentando o custo dos estúdios e com o cancelamento de uma reserva feita
oralmente em um estúdio de São Paulo, a banda opta por gravar seu disco no exterior, mais
70
Frontman é o músico que mais se destaca na banda, geralmente é o vocalista e o principal compositor.
Do rural para o new wave do grupo Expresso. Reparem no uso de cores e efeitos na segunda foto,
cortes de cabelo e a falta dos bigodes e chapéus. Fotos retiradas do site: www.expressorural.com.br.
Acesso em 07 de julho de 2008
38
precisamente em Londres. Usando reservas feitas com dinheiro de shows e com
empréstimos, a banda viaja em 1986 ficando três semanas na ilha dos Beatles. Em seu
retorno para a nossa ilha, trouxeram não apenas a fita com as gravações, mas também
novos instrumentos, difíceis de conseguir no Brasil, graças à Lei de Reserva de Mercado.
Uma guitarra Fender de 1966
71
, um teclado Emax, na verdade mais um emulador de outros
sons e uma bateria eletrônica Simmons SDS7, tornando sua instrumentação de ponta em
relação a instrumentos eletrônicos, também presentes em suas músicas, deixando-as cada
vez mais ligadas ao som eletrônico. Afastam-se ainda mais do rural e, segundo os próprios
músicos, do rock´n´roll tradicional, enquadrando-se mais no tecno-pop, levadas pop com
bastante tecnologia eletrônica
72
. A canção escolhida para abrir o novo disco, Deixe Como
Está (canção 06) representa bem esta mudança. Tendo o emulador de Márcio como
principal instrumento, dando a harmonia e ajudando na pulsação junto com uma bateria
eletrônica tocada por Marquinhos, guitarra com efeitos deixando-a com o som bem
eletrônico e o contrabaixo praticamente imperceptível.
mudanças significativas no Brasil nesta época, pois não conseguia driblar as
dificuldades de uma inflação astronômica, com a falta de incentivo do governo e com a
mídia no país ressaltando o esporte com a Copa do Mundo no México. Além disso, as
casas de shows abriam mais espaços para bandas nacionais e diminuíam para as locais.
Com isso, o grupo não tem como lançar este seu terceiro disco imediatamente após sua
chegada no Brasil. Mas, com a sanção de uma nova lei para incentivar a cultura, a
conhecida Lei Sarney, estimulando empresas privadas a financiar projetos culturais em
troca de diminuição nos impostos, o disco vai para a prensa apenas em 1988. Não como
queriam, pois resolvem dividir disco com outra banda 48 de sucesso por Santa Catarina, a
Tubarão. Cada banda, com um lado do disco, recebeu apoio através da Lei Sarney, do
Grupo Amaury
73
. Quando lançado o disco, o grupo Tubarão estava com uma nova
formação, com destaque para o guitarrista Murillo Valente. Este, um ex-Decalco Mania,
banda homenageada pelo Expresso em seu segundo disco.
71
Considerada por alguns guitarristas, como David Gilmour e Eric Clapton que usam até os dias de hoje,
como as melhores já fabricadas. In.: A História do Rock´n´Roll. David R. Axelrod. Warner Bros.
Television. 1995.
72
O Estado 09 de abril de 1987, p. 22.
73
Diário Catarinense, Caderno de Variedades. 30 de Junho de 1988, capa.
39
Como rotineiramente é feito, logo após o lançamento do disco, o Expresso começa
sua turnê de divulgação do trabalho, mas o que era para ser uma proposta nacional,
continua com seus shows apenas no estado. Também uma diminuição de público nestes
shows, tendo como conseqüência, um declínio no número de apresentações. Norton, o
recém vocalista também sai da banda logo após as gravações, deixando em seu lugar
Maurício Cavalheiro que assume os vocais nos shows. Neste período, a formação da
banda Get Back
74
, tendo como membro fundador Paulo Back, baixista do Expresso, além
de Robson Dias, também baixista, procedente das bandas Moçambique, Objeto de Prazer e
Decalco Mania. Como o contrabaixo é um instrumento apenas para a base das músicas,
Paulo assume a guitarra e convidam Ricardo Malagolli para assumir a bateria. Inicialmente
foi uma banda de covers. Os dois fundadores eram grandes fãs de Beatles, mas depois
fizeram composições próprias
75
(canção 07), sempre influenciadas pelo fabfour
76
.
Depois de um tempo parados, em 1991, os integrantes resolvem fazer um show de
comemoração aos dez anos do grupo. Deste show resolvem gravar um disco ao vivo,
segundo os próprios músicos, o primeiro em Santa Catarina. Neste espetáculo são
convidados todos os antigos integrantes, Daniel Lucena retorna nos vocais, mas Volnei
Varaschim também canta duas canções. Zeca Petry não participa do encontro, assim como
Paulo Back. Paulo, porém, participa apenas do show que deu origem ao disco, pois estava
74
O próprio nome da banda é referência a uma música dos Beatles.
75
Informações extraídas do site: www.getback.com.br. Visto em: 21 de junho de 2008
76
Apelido dos Beatles, abreviação de fabulous four ou quarteto fabuloso.
Capa e contra-capa do LP Tubarão/Expresso. Florianópolis:
Expresso Produções, 1988. Arquivo pessoal
40
com Robson Dias viajando na Inglaterra.
77
Com a boa receptividade do público nos shows, a banda resolve retornar e, em
1992, gravam seu último trabalho, Romance em Casablanca. Na última parte deste capítulo
abordarei melhor este disco.
1.2.2 Vou Conquistar Seu CoraçãoRatones/ Tubarão
Outra banda de grande sucesso no mundo 48 foi a Ratones. Formada pelos irmãos
Paulo e André May e seu amigo Murilo Gelosa (Murilo Verde) em 1977, com o objetivo de
se divertir e poder viver um período tocando rock. Muito influenciado por Rolling Stones, o
grupo já começa sua carreira com composições próprias, a grande maioria em inglês
(canção 08). Em 1983, sai Murilo Gelosa e entra na bateria Beto Chede, outro amigo de
infância dos irmãos May. Esta fica como a principal formação do Ratones. Neste mesmo
ano, lançam um disco homônimo independentemente. Bem reconhecido pelo público, o
grupo faz shows por todo o estado, com boa divulgação na mídia, sendo considerados, pelo
colunista Cacau Menezes, como a melhor banda de rock de Santa Catarina.
78
A crueza e simplicidade da banda são estampadas na própria capa. Apenas os três
integrantes com seus instrumentos, em preto e branco, com apenas o nome em azul. Esta
lembra a primeira capa do disco dos Ramones, banda punk de Nova York, onde ficavam os
quatro integrantes em frente de um muro, também em preto e branco.
77
www.expressorural.com.br acesso dia 07 de Julho de 2008.
78
O Estado 05 de Janeiro de 1984, pág. 17
41
Foto da capa do disco dos Ratones com sua
principal formação: Deka May, Juca May e
Beto Chede. Arquivo pessoal.
O Ratones, assim como o Expresso Rural também sofreu grandes mudanças no ano
de 1984. Anteriormente, tocando apenas canções em inglês, pois como conta Juca (Paulo),
guitarrista e vocalista da banda “eu vejo a voz como um elemento rítmico, e o português,
cheio de consoantes, torna difícil o swing dentro do rock. O inglês permite aglutinações
que facilitam a integração do vocal aos demais instrumentos”
79
. Neste ano, o Ratones, é
convidado para vários shows na capital catarinense, como no projeto Lonazul
80
e o II
Festival de Abertura do Verão. Sobre as mudanças, suas canções passam a ser em
português.
Por estas mudanças, a banda foi convidada pela RCA para gravar um disco pau-de-
sebo
81
Rock In Brazil, no ano de 1984, junto com bandas reconhecidas nacionalmente,
79
Na página do MySpace da banda:
http://profile.myspace.com/index.cfm?fuseaction=user.viewprofile&friendid=138712944. 20 de abril de
2008.
80
Durante os verões de 82 / 83 e 83 / 84, foi montado palco encoberto por uma Lona Azul, na Lagoa da
Conceição, para shows de bandas catarinenses, espetáculos de teatro, grupos de dança, com o intuito de
incentivar a arte catarinense, segundo um de seus produtores, Ney Piacenti. Infelizmente não teve o
público esperado, não tendo uma terceira edição. Entre os grupos musicais que se apresentaram, ressalto o
Ratones, Grupo Engenho, Moçambique e Banda de Nêutrons que serão analisadas neste trabalho. No
capítulo III abordarei melhor este evento. In.: O Estado, 15 de fevereiro de 1984.
81
“Na primeira metade da década de 1980 era muito raro uma banda ser lançada no mercado direto com um
LP. Ou as bandas gravavam compactos, um disco com duas canções, ou tinham uma canção inserida junto
com a de outras bandas. Uma espécie de coletânea das bandas novas. Isso era o pau-de-sebo”. SOUZA,
Fábio Feltrin de . op.cit. p. 19.
42
como Herva Doce, Lobão e os Ronaldos, João Penca, entre outros. A canção escolhida
para este disco foi História de Amor (canção 09), que chega ao segundo lugar das mais
pedidas em São Paulo. A música possui características ligadas ao Ska, ritmo caribenho, a
guitarra tem palhetadas ascendentes mais fortes e o contrabaixo com a célula rítmica de
semínima, pausa e colcheia, semelhante às músicas caribenhas. Grupos pós-punk buscavam
estes ritmos em suas composições, como o grupo inglês The Clash ou o carioca Paralamas
do Sucesso. A letra enfoca as relações entre o casal, e o território escolhido é a praia,
ambiente ligado aos jovens nos anos de 1980.
História de Amor
82
Hoje eu vi você tão linda
Imaginei você eu no mar
Fazendo amor, brincando na areia
Noites de verão
No céu um luar
De repente
Tudo fica tão real
Eu não consigo controlar meu sonho
Você me deixa fora do normal
Eu pensei que tudo fosse tão real
De repente fora do caminho
Você foi embora e me deixou sozinho
Oh é só mais uma história de amor
Até parece que você sabia
D´aventura que aconteceu
Me olhou assim meio sem jeito
Mas nessa história
Quem chamou fui eu
A gravadora também aconselha a mudarem o nome para Tubarão. A banda aceita
para representar bem suas mudanças sonoras.
83
Discos com coletâneas de músicas de
conjuntos pouco conhecidos eram comuns durante o início dos anos de 1980. Não
querendo arriscar com um LP produzido, as gravadoras lançam várias bandas em um
para perceberem a aceitação do público.
82
MAY, Juca & MAY, Deca. História de Amor. In.: Rock In Brazil. Rio de Janeiro: RCA, 1984.
83
Na página do MySpace da banda:
http://profile.myspace.com/index.cfm?fuseaction=user.viewprofile&friendid=138712944. visto em 20 de
43
Sobre este projeto, o vocalista e guitarrista da banda, Juca May relata as mudanças
ocorridas na banda em favor do que a gravadora procurava e a receptividade do novo som
do grupo:
Aí, tivemos que fazer algumas concessões" - conta Juca - "Primeiro, e era óbvio
para nós, passamos as letras para o português. Também atenuamos um pouco a
nossa sonoridade. O que era "Hard Rock" adquiriu nuances mais leves, prá poder
rodar nas FMs... nada muito dramático, até porque nunca fomos radicais, mas a
sugestão da gravadora de trocar o nome da banda para "Tubarão" foi até legal,
porque realmente houve uma mudança no som. Nós apostamos em "Feitiço",
mas fizemos "História de Amor", um "ska" lento em versão pop, quase infantil,
exclusivamente para chamar a atenção da RCA. E eles caíram na nossa!
84
Tocar em rádios no Brasil inteiro, principalmente em São Paulo, também contribuiu
para as mudanças do Ratones/Tubarão. Ao tocar apenas aqui, em bares ou rádios locais,
acontecia uma identificação direta com a platéia e ouvintes, pois eram vizinhos seus
tocando. Em rede nacional, teriam que soar como as bandas que estavam aparecendo, com a
identificação nacional, ou melhor, transcender e transformar-se numa banda que se fala uma
linguagem geral, ou global, tendo uma articulação entre as características catarinenses com
abril de 2008.
84
Na página do MySpace da banda:
http://profile.myspace.com/index.cfm?fuseaction=user.viewprofile&friendid=138712944. visto em 20 de
abril de 2008.
Rock in Brazil. Rio de Janeiro: RCA, 1986. Arquivo
pessoal.
44
a identificação global.
85
Sem acreditar ainda totalmente na banda, a RCA usa outro artifício comum quando
ainda era o LP, feito de vinil e de cara fabricação: o compacto. Um pequeno disco com
apenas duas canções, uma de cada lado. Gravam uma versão em português da canção She
Doesn´t Care (canção 10) da época do Ratones, agora intitulada você (canção 11) e
do outro lado Baby apareça, em 1985. O grupo demonstra uma preocupação no grande
público, não apenas o de Santa Catarina, não realizando um trabalho independente, como
no Ratones, mas buscam uma major para sua produção e maior divulgação. Ao
modificarem o estilo e o nome da banda, o grupo também sente necessidade de novos
integrantes, para guitarra base e vocal, pois Juca tinha intenção de dedicar-se mais a
guitarra solo. Desta maneira, são convidados Ida para a guitarra base e Guido Boabaid nos
vocais
86
. Esta formação permanece por pouco tempo, ao gravarem as músicas para um LP,
85
Stuart Hall apresenta estas classificações como global e local, sobre estas articulações, destacam-se “Ao
invés de pensar no global como ‘substituindo’ o local seria mais acurado pensar numa nova articulação
entre ‘global’ e ‘ o local’.”. in.: HALL, Stuart. A Identidade Cultural na pós-modernidade. Rio de
Janeiro: DP&A editora. 2004. p.77.
86
Tubarão também faz seu lançamento. In.:O Estado, 2º Caderno. 08 de novembro de 1985.
Capa do compacto Tubarão. Já com Ida e Guido Boabaid.
Tubarão. São Paulo: RCA Produções. 1985. Arquivo
pessoal.
45
Juca, Deca e Beto voltam a formarem apenas um power trio
87
.
Depois deste disco, em 1988, o conjunto faz novas mudanças em seus
componentes, passa a tocar guitarra Murillo Valente, ex-Decalco Mania e Carlos Trilha,
ex-Tiamats, nos teclados. Gravam as músicas para seu primeiro LP solo. Porém, os
problemas na economia brasileira atrapalhando seus planos, assim como prejudicaram o
terceiro disco do Expresso. O resultado foi um disco conjunto com o Expresso. Este disco
serviu para a divulgação da banda no cenário catarinense, as outras músicas ficaram para
seu segundo disco desta vez com dois lados seus.
O segundo disco da banda recebe grande apoio da rede midiática de Santa Catarina.
O disco segue os padrões musicais do Tubarão e o Ratones passa a ser uma lembrança
de seu início. Suas letras refletiram os problemas dos jovens de seu período, como o uso de
drogas na canção (só mais uma vez)
com a letra: “mais uma vez / mais uma / mais
uma / outra vez / mais uma / por que ele não vai parar / ele não vai parar / e quando ele
quiser / não vai dar”.
88
Outros temas são: AIDS, com Black Suzete
ou a intelectualização
das relações com Sexo Intelectual.
Fazendo grande sucesso, resolvem contratar um novo vocalista, pois Paulo queria
dedicar-se apenas na guitarra. A escolha fica com Maurício Cavalheiro, ex-Expresso do
tempo sem Daniel Lucena. Com este novo vocalista, gravam Perdidos no Deserto, seu
último trabalho
89
. Este disco trabalharei melhor no final deste capítulo.
1.2.3 Rock Surf e sexo Oposto – Decalco Mania
A terceira grande banda do mundo 48 nos anos 1980 que, mesmo não gravando LP
próprio, conseguiu um bom espaço de divulgação de seu trabalho, foi a Decalco Mania.
Com o sucesso da banda Blitz do Rio de Janeiro, vários grupos de estilo New Wave
90
87
È conhecido em rock o termo power trio, é usual para grupos de apenas três componentes e apenas guitarra,
contrabaixo e bateria, sendo que o guitarrista ou o baixista também faz o vocal.
88
(só mais uma vez) In.: MAY, Paulo e MAY, André. TUBARÃO. Tubarão. Florianópolis: BMG Ariola.
1989. Faixa 1, lado A.
89
Na página do MySpace da banda:
http://profile.myspace.com/index.cfm?fuseaction=user.viewprofile&friendid=138712944. 20 de abril de
2008.
90
O New Wave foi um movimento musical caracterizado pelo pós-punk, músicas com a simplicidade do punk
mas sem a agressividade, com roupas bem coloridas e espalhafatosas, teve como seu principal expoente a
banda estadunidense B-52´s, com ritmos mais dançantes e considerados os divulgadores das roupas
46
aparecem em todo o cenário musical brasileiro. A Decalco foi formada em 1984 por Iram
Melo (vocal), Murillo Valente (guitarra, solo), Airton Perrone (guitarra base), Ivan Ratcliff
(contrabaixo), Kaw Régis (teclado), e Murilo Verde, ex-Ratones, (Bateria). Consideravam-
se Tecnopop, “uma fusão de técnica-melódica do beat impacto da new wave com o
kitch.”
91
. Assim como a banda carioca Blitz
92
, seus integrantes eram ligados ao teatro antes
de montarem o grupo. Desta maneira, seus shows tinham aspectos cênicos, como
preocupação com o cenário e interpretações corporais das músicas apresentadas. Entre
estas interpretações, o comentarista Cacau Menezes, do jornal O Estado”, relata: “Mas
pelo amor de Deus, tem um momento do show simplesmente ridículo e inaceitável.
Airtinho, o guitarrista da banda aproxima-se do microfone e com uma voz feminina mal
imitada e desafinada, começa a bater um papo com o locutor de FM, (...)”
93
Apesar de sua principal característica ser New Wave, os integrantes tinham suas
diferenças musicais e foram estas individualidades que fizeram do Decalco uma banda
diferente das demais. Murilo Verde tem maior destaque nestas diferenças. Seu modo de
tocar bateria é muito mais ligado a um som mais pesado, ligado ao Heavy Metal, incluindo
na música Será Verdade? (canção 12) um solo de bateria de quase um minuto, lembrando o
coloridas, principalmente com o uso de perucas espalhafatosas, lembrando penteados dos anos 1950.
91
O Estado 14 de setembro de 1984, página 24.
92
Primeira banda a lançar um álbum e a fazer sucesso nos anos de 1980. Totalmente influenciada pela new
wave, tinha roupas coloridas, canções dançantes e bem-humoras. Além disso, misturavam teatro em seus
shows. Seu vocalista era Evandro Mesquita era ator, diretor e cantor. In: DAPIEVE: op. cit., p. 59. Apud: SOUZA,
Fábio F. F. op. cit.p. 47.
93
O Estado 26 de setembro de 1984, página 21.
Detalhe da reportagem sobre o show do Decalco Mania no Barddal. O Estado 14
de setembro de 1984. página 24
47
solo de John Bonham da banda inglesa Led Zeppelin na música Moby Dick.
94
A ligação
com o metal era tão marcante, fazendo o baterista tocar na Cogumelus Rock e Vanaheim,
bandas mais ligadas a este sub-gênero do rock.
Antes mesmo de seu primeiro show a banda era sucesso. Conseguem divulgação
de um videoclipe seu, Aeroforça, na RBS-TV. Quando acontece sua primeira apresentação,
no colégio Barddal, são sucesso de público, lotando o ginásio destinado à performance
da banda.
A Decalco Mania foi uma banda de grande sucesso em Florianópolis, participando
de vários projetos e sendo muito elogiada pelo colunista Cacau Menezes
95
. Dos festivais
que participou e recebeu elogios
96
, ressalto o II Festival de Abertura do Verão e o Antena 1
Rock Concert
97
, os dois festivais dividindo o palco com bandas locais e nacionais.
Entretanto, as dificuldades de gravarem um LP em Santa Catarina eram muitas,
principalmente pela falta de patrocínio e incentivo do governo estadual à cultura
98
. Deste
modo, partem para o Rio de Janeiro para uma temporada de shows. Mesmo com bom
público, não conseguem o apoio esperado e retornam para Santa Catarina.
99
Sua viagem para o Rio de Janeiro foi proveitosa se pensarmos no conhecimento
adquirido e pelos contatos que fizeram. O primeiro show foi no legendário Circo Voador
abrindo para a banda local Barão Vermelho, esta divulgando seu segundo disco, Maior
Abandonado, ainda com Cazuza nos vocais. Murillo Valente lembra os elogios deste
cantor: “Quando acabamos o show, o Cazuza veio nos cumprimentar. Falou que tinha ido
para perto do palco para falar mal, mas acabou gostando do show
100
. A ligação da banda
carioca com a ilhéu foi tão grande que depois da briga de separação de Cazuza com os
outros integrantes, Roberto Frejat, guitarrista do Barão, ligou para Iran Melo assumir o
94
BONHAM, John; JONES, J.P. & PAGE, Jimmy. Moby Dick. In.: Led Zeppelin II. Atlantic Music. 1969.
95
Nos anos de 1980, o colunista Cacau Menezes divulgava bandas catarinenses em suas colunas nos jornais
impressos O Estado e após 1986 no Diário Catarinense e, no Jornal do Almoço, programa transmitido ao
meio dia na RBS - TV. Para os músicos, a opinião do jornalista era importante, pois aparecer em uma de
suas colunas era um bom modo de divulgar seu trabalho.
96
O Estado 24 e 27 de dezembro de 1984, capa.
97
O Estado 27 de setembro de 1985, Caderno, capa.
98
Ao analisar jornais locais no ano de 1985 e entrevistar alguns músicos, como Paulo Back, constato queda
no número de shows de bandas locais e crescimento em shows nacionais. Acredito que a alta divulgação
da mídia do festival Rock in Rio no Rio de Janeiro em janeiro do mesmo ano, possa influenciar as casas
de shows e o governo do estado em apoiar a vinda de bandas já reconhecidas pelo público e não querer
arriscar em bandas locais.
99
Informações extraídas do site: www.getback.com.br. Acessado dia 07 de julho de 2008.
100
Entrevista concedida ao autor dia 15 de setembro de 2008.
48
lugar do antigo vocalista. Iran acaba não aceitando.
101
Após o retorno da banda por não conseguir se mantiver fora de Santa Catarina,
alguns integrantes abandonam a Decalco. Ivan Ratcliff deixa o Baixo e Murilo Verde a
bateria. Robson Dias, conhecido de outros integrantes é convidado para assumir as cordas
graves, inclusive já tocando com Murillo Valente na banda Moçambique
102
, e Masquinhas
Loureiro assume as baquetas. Com esta formação gravam, na coletânea Crime Perfeito, a
única música do Decalco produzida para um LP, Oras Bolas. Interessante destacar que
apesar da escolha, os entrevistados Murillo Valente e Airton Perrone da Decalco e Paulo
Back do Expresso, acharam uma música sem a cara do Decalco, gravada como um último
suspiro, mas sem identidade.
Oras Bolas
103
(canção 13)
As garotas enlouqueceram
Me dizendo pelo telefone
O que só faço na cama
Os rapazes estão pirando
Me perguntando a posição
Que dá mais satisfação
101
Informações obtidas em entrevista com Murillo Valente dia 15 de setembro de 2008.
102
Informações extraídas do site: www.getback.com.br. Acessado dia 07 de julho de 2008.
103
PERRONE, Airton & Melo, Iran. Oras Bolas. In.: Crime Perfeito. Florianópolis: Jacaré Produções. 1986.
Lado dois música 02.
O Estado. 13 de Março de 1985. p. 21.
49
Oras essa sei que é bom à beça
Oras bolas depende da hora
Genial sua falta de sorte
Em deixar que eu note seu ponto
Fraco vital, fraco vital
Oras essa sei que é bom à beça
Oras bolas depende da hora
O uso de termos ligados ao ato sexual é usual nesta canção. Além destes termos, o
autor coloca-se como um gênio no assunto, querendo demonstrar a sua prática sexual. A
“masculinidade” do rapaz que é bom nisso, com outros pedindo conselho, os rapazes estão
pirando / me perguntando qual é a posição / que mais satisfação. Airton Perrone
ressalta a arrogância dos músicos em cantarem frases tão atrevidas, comparando com o
próprio nome da banda Decalco Mania, Decalco para lembrar cromos auto-colantes
antigos e Mania como se fossem sucesso, uma nova “mania” em Florianópolis.
104
Estas
diferenças, para Perrone, foram o fator decisivo para o fim da banda.
Em 1986, logo após o disco, a banda se desfaz. Airton Perrone e Kaw Regis
continuam, durante a década estudada, trabalhando com música, tentando solos ou novas
bandas. Murillo Valente entra na banda Tubarão após a transformação desta. Iran Melo
passa a participar como apresentador no Jornal do Almoço na RBS-TV. Murilo Verde entra
em bandas mais pesadas, como já comentado.
1.2.4 Própria Luz
Além do Tubarão, a banda Olho D´Água também cria um compacto para apresentar
seu trabalho, mas não com uma gravadora por trás ou pensando em divulgação nacional.
Seu compacto é feito de forma independente, com os músicos bancando metade da
produção e dos shows de divulgação. A outra metade paga pelo bar Vagão, local onde
muitos dos músicos tocavam.
105
A formação do grupo é a seguinte: Renato Botelho e
Silênio, violão e voz; Luiz Meira, guitarra; Masquinha Loureiro, bateria; Jorge Athaide,
104
Informações obtidas através de entrevista concedida ao autor no dia 17 de setembro de 2008.
105
O Estado 27 de agosto de 1985, p. 17.
50
contrabaixo; Nicolau, teclado; e Joel Brito, sax tenor.
106
A formação começa no festival promovido pelo Colégio Catarinense, em 1979, com
Renato Botelho e Silênio vencendo a competição e resolvendo montar um grupo para tocar
profissionalmente. A coletânea de músicos catarinenses, O Som da Gente do grupo RBS,
trouxe uma música de Botelho, Olho d´Água
107
, título que deu origem ao grupo. Esta
música tem aspectos mais regionalistas, com violão em dedilhado, flauta, baixo apenas
acompanhando o violão e mais percussão à bateria. O conjunto toma força em 1984,
com a entrada dos outros integrantes para a participação do Projeto Desterro, um festival de
música catarinense promovido pelo governo do estado.
108
Em 1986, participa da coletânea
Crime Perfeito com a música Viver e viver.
109
(canção 14)
Esta banda representa o movimento das bandas locais, porém podiam não conseguir
a mesma divulgação e sucesso como o Expresso, Tubarão ou Decalco Mania. Nem mesmo
gravaram um LP próprio, mas através de lugares como bares, produções independentes e
com uma ajuda da mídia, como o jornal O Estado, conseguiam divulgar seu trabalho. Não
viver apenas de música, mas se divertir enquanto a banda está progredindo.
A coletânea Crime Perfeito apresentou várias bandas da capital de Santa Catarina,
no entanto, muitas não foram além deste LP, outras tiveram mudanças após o disco como o
caso da banda Alta Voltagem. Na coletânea, escolheram a canção Coluna Social (canção
15), que abre o LP, com teclados apenas como base e com solos de guitarra, com uma
levada pop, mas tentando diferenciar-se do New Wave. Posteriormente, em 1986, a banda
termina suas atividades. Porém, em 1987, três de seus integrantes, Marcelo Passos
(guitarra), Marco Alexandre (baixo, e agora vocal) e Rodrigo Schaeffer (bateria) juntam-se
com o tecladista Carlos Trilha, que tocava com Daniel Lucena em sua carreira solo, e
formam o Tiamats, uma banda que dava mais espaço para os teclados e mais ligada ao
Tecno-pop
110
. A banda dura pouco mais de um ano, participando de alguns festivais como o
2
º
Rock Paraíso sediado em Lontras
111
106
O Estado 29 de agosto de 1985, p. 15.
107
BOTELHO, Renato e ROSA, Gladis. Olho D´Água. In.: Som da Gente A música de Santa Catarina.
Florianópolis: RBS Discos. 1984. Lado A música 03.
108
O Estado 15 de novembro de 1984, p. 23.
109
BOTELHO, Renato. Viver e viver. In.: Crime Perfeito. Florianópolis: Jacaré Produções. 1986, faixa 03
lado B.
110
Diário catarinense, Caderno de Variedade, 21 de maio de 1987, p. 07.
111
Diário catarinense, Caderno de Variedade, Capa. 30 de outubro de 1987.
51
O Mundo 48 é muito maior que apenas a Grande Florianópolis. Cidades como
Laguna também tiveram sua banda representante, com disco gravado e sucesso na região
estudada. No caso, falo da banda Ave de Rapina, formada por João Rodrigues, no vocal;
Eduardo Paes, na bateria; Gero Perito, violão e vocal; Samir Abraão, contrabaixo; Jair
Foss, teclados e Marcelo Carneiro, guitarra solo. Diferente das demais, a Ave de Rapina
começa seu trabalho no mundo 47, participando dos Festivais Universitários da Canção,
FUC, em Blumenau, vencendo em 1985, com a música Um Lindo Blue e, em 1987,
classifica duas músicas, Girassóis da Rússia e Própria Luz. No ano de 1986, fica em
segundo lugar com seu maior sucesso, Sons, Baladas e Blues
112
. Em 1988, grava seu LP,
com as três últimas músicas participantes dos festivais, Sons, Baladas e Blues abre o disco
e Própria Luz batiza o mesmo.
113
Como os tulos das músicas sugerem, a base melódica
da banda é o Blues e o Jazz, estilos que serviram de base ao rock, porém é do filho rebelde
destes dois que o grupo cria suas melodias.
Diferentemente de outros conjuntos contemporâneos e conterrâneos, a preocupação
com a letra ressalta preocupações existenciais, mesmo ao escolherem o tema de busca da
cara metade “já tomei teu caminho /mas não pude andar / entre pedras e espinhos / negra
rosa / onde fostes brotar”
114
. Com influência de um blues carregado de sofrimento, no qual
a melancolia vem da mulher bela e venenosa, a negra rosa. No encarte, os músicos
posicionam o ouvinte sobre suas canções: “Ave de Rapina, aves que atacam! Assim este
grupo ataca com uma nova proposta, levando a simples arte de fazer poesia com música em
mensagem harmoniosa e sentimental, usando o blues e o jazz como base fundamental de
suas músicas, que ambos são a essência do rock”
115
. A música de trabalho da banda
também ressalta a melancolia, com apenas a música podendo desfazer o sofrimento.
Sons, Baladas e Blues
116
(canção 16)
Em que longínquo instante
Meu coração explode em luz
Restos no canto da sala
112
Comunidade Ave de Rapina ((a banda)), no site de relacionamentos Orkut. 27 de outubro de 2008.
113
Ave de Rapina – Própria Luz. Produção independente. 1988.
114
RODRIGUES Jr., João. Negra Rosa. In.: Ave de Rapina Própria Luz. Produção independente. 1988.
Música 04 lado A.
115
Ave de Rapina – Própria Luz. Produção independente. 1988.
116
116
RODRIGUES Jr., João. Sons, Baladas e Blues. In.: Ave de Rapina Própria Luz. Produção
independente. 1988. Música 01 lado A.
52
Imagens de dois corpos nus
Na tela da televisão
A cor, sem cor de um sol desbotado
Poemas rasgados no chão
Olhos cansados, chorados.
Eu quero mais é luz
A luz de toda minha cor
A união de átomos
Partes de um mesmo amor
Meu corpo é todo voz e vento
Meu ombro minha própria cruz
Eu quero cantar no vento
Meus sons, baladas meus blues.
Em qualquer tempo eu canto
Se meu peito me permitir
Na janela de uma apartamento
Para que longe, tu possas me ouvir.
Somos constelações de vida
Partes de um infinito
Eu abro meus braços a tudo
Eu rasgo este peito aflito.
O sentimento, o tempo e os sentidos são mesclados pelo compositor para transmitir
sua angústia que não deixa claro, o que é seu amor, apesar de parecer seu (sua) parceiro(a).
Para demonstrar o tempo, nos é apresentado apenas o que passou, ficando a tarjeta
117
para imaginarmos o que ocorreu anteriormente, “a cor, sem cor de um sol desbotado /
poemas rasgados no chão / olhos cansados, chorados”. Letras mais ligadas à poesia,
algumas depressivas, ligadas à melancolia da levada do blues são características desta
banda, diferente dos conjuntos até aqui estudados, mais alegres. No entanto, é com esta
levada que, segundo o grupo, buscam sua própria luz.
Outro grupo do mundo 48 fora da grande Florianópolis, de uma cidade de pequeno
porte, Urussanga, foi a Bandalheia, formada por Gera (guitarra e voz), Valter (contrabaixo)
e Dite (bateria). Esta banda demonstra bem as fronteiras que desejo formular ao descrever
mundo 48. Por apresentarem-se em Criciúma, alguns jornais se referiam como naturais
desta cidade
118
. Gravam seu primeiro disco no Estúdio 156 em Florianópolis tendo como
117
Tarjeta é um termo usado em histórias em quadrinhos para definir o espaço entre um quadrinho e outro. O
que acontece entre os dois desenhos é apenas fruto de imaginação do leitor, tendo que preencher o espaço
deixado pelo artista. Uso este termo pois acredito que muitos compositores usam este artifício em suas
canções, a música dá o tom do que possa estar acontecem, mas não fica explícito na letra.
118
Diário Catarinense. Caderno de Variedades. 04 de maio de 1988, capa.
53
técnicos de gravação Juca May e Murillo Valente do grupo Tubarão. Faço esta descrição
para percebermos estas trocas entre as cidades 48. O repertório deste EP
119
, Otário
apresenta músicas sobre motocicletas como Longe da moto ou alcoolismo como a faixa-
título Otário e Abraçado num Garrafão. Esta última usa o garrafão de vinho como símbolo
da bebedeira do jovem, uma vez que Urussanga é conhecida como uma cidade de formação
italiana, possui a Festa do Vinho, portanto o refrão “eu ontem acordei abraçado num
garrafão / minha mãe dizia: O que com sua geração”
120
. O Garrafão demonstrando a
tradição vinícola da cidade, porém usado de forma a contrariar a geração anterior a sua.
A banda presa pelo power trio, guitarra, baixo e bateria com um dos músicos
também no vocal. Com apenas três instrumentos, todos eles são bem destacados, distorções
e algumas sujeiras. Juntando com os arranjos de baixo e bateria, demonstram uma levada
forte no blues, mas com um pouco mais de peso como as bandas underground.
1.3 Enquanto isso, nos becos...
121
Mas nem de new wave viveu o rock 48. Alguns jovens também buscavam em
sons considerados mais pesados, suas inspirações. Exemplos são as bandas Asa de
Morcego, Burn, Corrente Sangüínea, Cogumelus Rock (posteriormente Vanahein) ou
Camisa de Força. Sons mais pesados, no rock, representam mais distorções nas guitarras
solo, baixo e bateria bem ritmada, com força nos graves. Diferente das tonalidades mais
leves, mais agudas, com grande destaque para os vocais, sem distorções e com a caixa mais
usada que o bumbo das outras bandas, classificadas como pop rock
122
. Inclusive, o repórter
do jornal O Estado que divulga o show da banda, relata um comentário de Victor Celso,
baixista da Burn: rock´n´roll mesmo, porque não admite o que estão fazendo, ou tentando
fazer com o rock. A comercialização e as músicas que a cada dia invadem os meios de
comunicação são farsas de um consumismo que não agrada”
123
.
119
A sigla EP é usada para discos que ainda não têem muitas músicas, média de dez, mas também não é um
compacto com apenas duas músicas. No caso do EP estudado, são quatro músicas.
120
GERA. Abraçado Num Garrafão. In.: Bandalheia Otário. Florianópolis: Estúdio 156, 1988. Lado A
música 02.
121
Nome da turnê de shows do Asa de Morcego em 1984. (O Estado: 08 de setembro de 1984).
122
ROSA, Pablo O. Rock Underground - Uma etnografia do rock alternativo. São Paulo: Radical Livros,
2007.
123
O Estado 27 de Junho de 1984, p. 28.
54
Estas bandas são compostas, geralmente, por cabeludos que muitas vezes são
considerados drogados ou marginais apenas pela aparência. Na verdade, usam esta
aparência para chocar, mais para demonstrar a violência que o mundo está passando, não
para apresentarem-se como violentos ou fazendo do rock uma música violenta. Como nesta
citação de Márcio Silva do grupo Burn:
“A violência também não tem pátria (...) Ela acontece em todo lugar. Você sai na
rua e é agredido, injustiçado e alugado. Resolvemos, ao invés de andar por
agitando,canalizar toda essa agressão para algo mais prestativo e que de alguma
forma ajude os jovens a se compreenderem melhor.”
124
.
Esta idéia de identificação está bem presente com os discursos do grupo em suas
entrevistas, para explicar suas escolhas musicais, principalmente ao focalizarem a idéia do
jovem urbano. Segundo Hobsbawm, o rock é uma cultura urbana e retrata os problemas
juvenis urbanos, principalmente contrariando a vida de campo que outras gerações tanto
enfatizam. Os meios de comunicação também auxiliam nesta divulgação na idéia de
urbanização do rock, assim como os meios de comunicação ficam cada vez mais
massificados com o crescimento das grandes cidades em detrimento das áreas rurais.
125
Nos anos 80, eram poucas as oportunidades de gravação que existiam. Era comum a
confecção de demotapes
126
, ou a divulgação por shows, sem gravar um disco ou singles ou
com divulgação e distribuição de uma gravadora. “Elas (bandas hoje de circuito nacional)
contaram com um público fiel que comparecia a shows em várias cidades e disputava a
compra de suas demotapes por reembolso postal”
127
. Desta forma, percebemos que a
produção musical inicia-se pelas tribos. Estas procuram, de alguma forma, acompanhar e
ter um material sobre sua banda. Com esta divulgação, as rádios acabam percebendo a
movimentação e acabam colocando em sua programação.
Em Florianópolis, a banda Burn, com a música Nuvens Negras, que apesar de não
ter sido gravada em LP ou single, alcançou o primeiro lugar na rádio Atlântida FM
128
. Esta
canção, apesar de ser de um rock mais pesado, com grandes solos de guitarra, próprios do
124
O Estado 04 de fevereiro de 1984, p. 23.
125
PUTERMAN, Paulo. Indústria Cultural: a agonia de um conceito. SP: Editora Perspectiva, 1994. p.103
126
Gravações caseiras em fita cassete com qualidade bem inferior ao estúdio e produtor.
127
BRANDINI, Valéria. Cenários do Rock Mercado, produção e tendências no Brasil. São Paulo: Olho
d´Água, 2004. p. 47.
128
http://www.bigua.com.br/modules.php?name=Encyclopedia&op=content&tid=48. 09 de outubro de 2006
55
subgênero Heavy Metal, tinha letra mais pacifista, até mesmo religiosa, diferente dos
satanismos presentes na maioria das bandas deste estilo, alcançando um grupo recém
formado de headbangers
129
de Florianópolis.
NUVENS NEGRAS
130
(canção 17)
Fizemos parte de um mundo,
de um mundo de paz e muito amor.
Somos jovens livres.
Cabelo ao vento e amor no coração.
(...)
Acreditamos em um homem
que existiu há muito tempo atrás.
Parte desta letra demonstra também uma das grandes preocupações do grupo
referentes a uma possível guerra nuclear e o desmatamento irrestrito da natureza. Outras
canções também seguem o mesmo padrão, com as mesmas idéias como Ruínas Atômicas
ou Mundo Cruel, que serão analisadas posteriormente.
Tanto a Burn, como as outras bandas de rock pesado
131
, não gravaram discos na
década estudada, mas lotavam muitos shows e suas músicas tocavam em rádios. Victor
Celso, baixista da Burn, quando questionado sobre a gravação de um disco, comenta que
“O nosso negócio é show mesmo, no palco a coisa é mais autêntica, queremos gravar
um disco após um trabalho de base”
132
. No documentário Heavy Metal, várias bandas
como a Korn, Black Sabbath, Twisted Sisters, comentam da importância do show para as
bandas de metal, dando maior importância que a gravação de discos
133
.
129
O termo headbanger, um sinônimo de metaleiro, faz menção à forma de expressão corporal - ou “dança” -
típica do heavy metal.
130
SILVA, Márcio. Nuvens Negras. Gravação Independente. 1984. Arquivo pessoal de Márcio Silva.
131
O peso aqui caracterizado por estas bandas é a interação dos instrumentos, bateria, contrabaixo e guitarra
de forma a tocarem mais grave, não necessariamente alto, mas com a guitarra distorcida, com uma levada
de riffs, com poucos acordes e, geralmente com a afinação meio tom abaixo do padrão (D#, B, C#, F#,
A#, D#), afinação criada por Tony Iommi do Black Sabbath. Baixo e bumbo juntos, sendo quase um
instrumento, dando a pulsação da música uma certa lentidão. In.: Heavy Metal: Louder Than Life. Dir.
Dick Carruthers. Focus Music.
132
O Estado 19 de Julho de 1984. p. 24
56
Segundo este documentário, o metal nasce de um movimento anti-hippie, jovens
que não conseguiam ver rebeldia no movimento “paz e amor”. Queriam se rebelar ainda
mais, encontrando assim uma canção mais contra-cultural, não obedecendo aos padrões até
então impostos pelo rock. Ao descrever as bandas da década de 1980, os integrantes do
Burn e Corrente Sangüínea, comentam da levada pop das bandas, faltando a subversão do
rock, por isso tocam o “verdadeiro rock´n´roll”. Nesta semelhança com o que estavam
criando de metal nos Estados Unidos e Inglaterra, os integrantes do Burn também possuem
diferenças, principalmente nas letras. A canção acima citada é um bom exemplo. Enquanto
o metal é conhecido por letras de cunho satânico (principalmente Black Sabbath,), a Burn
pregava a paz e citava indiretamente Jesus Cristo, “Acreditamos em um homem / que
existiu há muito tempo atrás”, como demonstra a letra de Nuvens Negras
134
. Ou falavam de
calamidades nucleares semelhantes às bandas punks como na canção Ruínas Atômicas
135
:
(...)
Não não quero...ver o nosso planeta se acabar
Vão chorar..
Quando houver somente as cinzas
Hiroxima...não serviu nem servirá
Como exemplo...de uma nova guerra nuclear
(...)
Outra característica que diferencia estes grupos dos outros analisados é a
133
Heavy Metal: Louder Than Life. Op. cit.
134
SILVA, Márcio, Op. cit.
135
SILVA, Márcio. Ruínas Atômicas. Acervo pessoal de Márcio Silva. 1984.
Grupo Burn. Detalhe de reportagem sobre o show do grupo em
Blumenau. Jornal O Estado 02 de fevereiro de 1984.
57
importância nos shows para o visual agressivo. Com cabelos compridos, jeans e couro,
havia uma equipe apenas encarregada para a iluminação do palco. No show, deveriam dar o
máximo possível para seu público, pois sabiam que os metaleiros eram fiéis, mas deveriam
respeitar o que esperavam. Além disso, também havia a potência dos amplificadores,
tentando sempre o som mais alto, para assim agravar ainda mais o “peso” do metal.
136
Críticas à sociedade em geral são temas deste estilo de rock, alguns com relações
satânicas. No mundo 48, não ocorreram estas citações diretas, como citado sobre a Burn,
poderiam até mesmo falar em Jesus Cristo como um salvador. Outras como a Camisa de
Força não critica diretamente a religião, criticam a fé desenfreada e a instituição.
Espectros Humano
137
(canção 18)
Na busca louca da verdade da luz
Buscamos perdidos só Deus os conduz
Os tempos podres de calúnia e terror
Impera a maldade e o desamor
Morte
Morte aos papas
Aos homens dementes
À sociedade presente
Queimando corpos
A inverdade do Inferno
Cabe ao homem escolher
Necessitamos fazer o mal perecer
Desmascarar o poder
A humanidade
Um dia vai se flagrar
Com esse sim acabar
Nós somos frutos desse mundo demente
Das bombas insanas de pessoas ausentes
Somos espectros de sistema implacável
Da verdade incerta da maldade encoberta
Morte
Morte aos papas
Aos homens dementes
À sociedade presente
Queimando corpos
A inverdade do Inferno
Cabe ao homem escolher
Necessitamos fazer o mal perecer
136
O Estado 02 de fevereiro de 1984, p. 17.
137
PIZARRO, Marcos; PIZARRO, Christian; SBISSA, Pedro Paulo. Espectros Humanos. In.: Projeto Ilha.
São José: Estúdio Mix. 1985. Lado A, Música 04.
58
Desmascarar o poder
A humanidade
Um dia vai se flagrar
A letra contesta o poder da Igreja, com suas “inverdades do Inferno”, o refrão
inquisitório buscando a destruição da Instituição com seu líder máximo, assim como da
sociedade atual. O arranjo da canção é bem característico do estilo. Christian Ângelo
Peredo Pizzarro e Paulo Rebelo Silva de Mendonça, com suas guitarras distorcidas, e
Marcos Maurício Peredo Pizarro no contrabaixo ligado com Roberto Vieira Ozelame na
bateria, tocando o tempo forte junto com o bumbo, fazendo uma cozinha coesa ligando o
pulso com a harmonia, finalizando com o vocal de Pedro Paulo Mendes Sbissa, nítido, sem
muita inflexão na voz. A banda tocou principalmente em colégios, Catarinense e
Barddal
138
, duas escolas que abriam espaços para grupos artísticos mostrarem seu trabalho
para os estudantes.
A percepção da sociedade perante a idéia de contrariar as imposições sócio-
culturais tinha dois lados, principalmente as mais conservadoras. Alguns viam com bons
olhos, afinal muitas vezes tocavam por alguma causa, como o Têmpera, que tocou no
presídio estadual, para a comemoração do ano internacional da juventude
139
. Outras vezes,
visto pejorativamente como maconheiros que não serviam de exemplos. Após entrevista do
Burn na RBS por Cacau Menezes, este recebe ligações de telespectadores com tal visão.
140
A banda Têmpera era formada por Paulinho Vaz, Julho Sallum, Renato Melo e
Maco. Assim como a Burn, prezava pelo rock pesado, com solos de guitarra e som mais
“sujo”, com distorção. Segundo relato da banda em sua página do site MySpace, quando a
banda surgiu, ainda tinham receio à prática de surf e tocar rock juntos: “assim o Têmpera
seguiu o seu caminho a procura de um novo guitarrista.... de repente aparece Paulinho Vaz,
na sua Kombi de surfista... a 1ª impressão foi de arrepio na espinha da galera (na altura surf
e Rock não eram da mesma família)”
141
Preconceito isolado, lembrando que na mesma
época, o Ratones faziam rock com levada mais punk e, ao mesmo tempo, eram surfistas
138
O Estado 08 de março de 1985, p.20.
139
O Estado 11 de janeiro de 1985, p. 24.
140
“Em 1984, o Cacau Menezes nos entrevistou na televisão. Os telespectadores ligaram depois para criticá-
lo por deixar ‘drogados’ participarem de um programa de televisão, como se ‘cabeludos’ fossem
automaticamente ‘drogados’”. In.:
http://www.bigua.com.br/modules.php?name=Encyclopedia&op=content&tid=48 acessado em 09 de
outubro de 2006.
59
em Garopaba.
Apesar destas bandas não concordarem com o estilo de outras, declarando que
apenas eles tocavam o “verdadeiro” rock´n´roll, o conjunto Vanaheim faz uma participação
no disco Crime Perfeito, com bandas ligadas ao New Wave. O Vanaheim foi a segunda
banda de Bruno Sala, conhecido como Medieval, por seu interesse pelo tema.
Anteriormente, existia a Cogumelus Rock. Os integrantes da banda eram: Mauro Hubbe
(baixista), Cláudio Hubbe (guitarra, irmão de Mauro), Medieval (vocal) e Rodd (Bateria).
Os irmãos Hubbe eram de Tubarão, também 48. Porém, quando fundam a banda em 1980,
moravam em Florianópolis quatro anos. A vontade era de tocar rock pesado. Segundo
Medieval, em 1978, quando assistiu ao filme The song remains the Same da banda inglesa
Led Zeppelin no cine Cecontur, decidiu que viveria de música. Outro fato que Bruno
lembra como marcante, foi uma apresentação do Ratones em Florianópolis, verificando a
possibilidade de viver de rock na ilha. Percebemos assim, a identificação da música na
comunidade emocional dos conjuntos formados no mundo 48 na década de 1980, mesmo
com estilos diferentes, o Led Zeppelin e o Ratones são as ligações feitas por Bruno Sala
que o levam a montar a Cogumelus Rock e posteriormente, a Vanaheim. A mudança foi
causada pela idéia do chá de cogumelo que o primeiro nome passava. Afinal, era esse
mesmo o interesse e Vanaheim é um dos territórios do mundo fictício de Conan, um
personagem de quadrinhos ambientado em fantasia medieval.
142
1.4. Perdidos no Deserto
143
Em meados da década estudada, as casas de shows passam a trazer para Santa
Catarina, bandas de renome nacional, principalmente depois do famoso Rock in Rio,
ocorrido em janeiro de 1985, no Rio de Janeiro. Este festival abriu as portas para a
divulgação e aceitação do gênero rock nos meios de comunicação. A Rede Globo, principal
rede televisava do país, transmitiu o festival com cobertura de bastidores e histórico das
bandas, além disso, programas musicais como o “Globo de Ouro” ou quadros no
141
http://profile.myspace.com/index.cfm?fuseaction=user.viewProfile&friendID=347856378
142
Informações obtidas do site: www.portalbigua.com.br. Acessado dia 97 de julho de 2008.
143
Título do último disco do Tubarão de 1991.
60
“Fantástico” têm como convidados as bandas que participaram nos festivais ou outras que
tocavam na rádio e já faziam sucesso.
Com problemas na economia brasileira, não solucionados com os planos
econômicos de José Sarney, como os Planos Cruzado e Cruzado II e o plano Bresser, as
gravações dos discos tiveram que ser adiadas ou, como fez o Expresso e o Tubarão,
gravação em conjunto. Segundo Paulo Back
144
do Expresso, o Plano Cruzado aumentou
muito o preço das gravadoras, desta forma o Expresso, uma banda com o nome
consolidado no estado, resolve gravar seu terceiro LP em Londres, uma vez que seu custo
seria reduzido. Mas nem todas as bandas conseguiram isto. A grande maioria que ainda não
havia gravado, como a Decalco Mania
145
, ou só compacto como a Olho D´Água, perdem
espaço para as bandas filiadas as grandes gravadoras. Não podendo mais atuar de forma
independente, as bandas são desfeitas e alguns músicos migram para outras bandas, como é
o caso de Murillo Valente, da Decalco Mania, que passa para o Tubarão. Importante
ressaltar a existência da chamada Lei Sarney (lei nº7. 505/86) que incentivava as empresas
a investirem na cultura e abaterem em impostos. No caso do disco em questão, o Consórcio
Amauri apoiou o projeto, que eram duas bandas de renome estadual, mas principalmente
dentro do mundo 48, área de atuação da empresa.
Outras grandes mudanças ocorrem nesta virada de década e início dos anos de
1990. Há, neste período, as primeiras eleições diretas após o período militar, trazendo
euforia, com vários partidos querendo lançar seu candidato. O candidato Fernando Collor
de Melo vence e torna-se o presidente, renunciando dois anos depois de eleito por medo de
ser cassado. O processo de impeachment do presidente teve grande repercussão nacional.
Inúmeros jovens fazendo passeatas para a saída do presidente, conhecidos como
movimento cara-pintada.
146
No plano econômico, não encontram soluções para a inflação,
chegando a trancar a poupança dos brasileiros, deixando a classe média em uma pequena
crise financeira.
Todavia, é neste período que é popularizado um novo formato para a gravação de
144
Entrevista para o Circuito Meio Dia - RCE 1991. No site:
http://www.youtube.com/watch?v=k6zqjGvfTgU&eurl=http://www.getback.com.br/EXPRESSO/Mp3link
s/1991%20Circuito%20Meio%20Dia.htm no dia 26 de março de 2008.
145
Informação de Murillo Valente em entrevista concedida em minha página de recados do Orkut, dia: 20 de
setembro de 2007
146
Este movimento recebe esta denominação pelos jornais, pois os jovens saíam com o rosto pintado com
dizeres “fora Collor” ou apenas pinturas verde-amarelas semelhantes às pinturas indígenas.
61
som, o cd ou Compact Disc. Feito para durar eternamente, armazena mais músicas que o
tradicional vinil, não necessitando mudanças de lado e de gravação mais barata que o
modelo anterior. Apesar desta novidade, apenas o grupo Expresso usa este formato em
Santa Catarina durante o período estudado. Porém, nos lares catarinenses e nas lojas
estavam alcançando espaço e ocupando o lugar do “bolachão”.
147
A falta de perspectiva foi marcante até o final da década de 1980 e início da década
de 1990. O grupo Expresso, em 1991, fez uma turnê para relembrar sucessos, pois a banda
havia diminuído o ritmo de shows. Estes shows foram marcados pelo disco Vivo gravado
no CIC, primeiro disco ao vivo, segundo os jornalistas locais.
O Vivo, além de ser comemorativo, também foi aproveitado para o retorno da
banda. Não proposital, os integrantes resolveram se unir apenas para a comemoração.
Convidaram alguns músicos, re-arrajaram as músicas, backing vocals femininos, por
exemplo, e tentaram a sorte novamente. Este retorno da banda também marca a volta de
Daniel Lucena nos vocais, faltando apenas dos originais, Paulo Back, que estava em
Londres e Zeca Petry, este iria tocar, mas por alguns erros no posicionamento do palco,
acaba não participando.
148
Estes shows fizeram a banda retornar às atividades. Reestruturam-se com a volta de
Daniel Lucena, já que desde a saída de Norton Malkovieck e a entrada de Maurício
Cavalheiro no grupo, haviam perdido um pouco o caminho que estavam trilhando.
Mauricio foi um bom vocalista, conseguiu fazer grandes levadas e contribuiu muito neste
período do Expresso. Mas, quem fora para Londres gravar havia sido Norton. Maurício
teve que aprender as músicas às pressas e assumir o lugar de frontman de uma banda com
sucesso, músicas tocadas na rádio.
149
. Maurício também participa do show de gravação dos
10 anos, no entanto, é Daniel o principal vocalista e, quando resolvem retornar e
transformar em disco o show, Maurício não fica como parte da banda.
Após os shows de divulgação do disco Vivo, resolvem voltar para os estúdios,
compor músicas novas e regravar antigas canções. Gravam seu último disco, este também
em CD, Romance em Casablanca em 1993, com o clipe da canção Ilha da Solidão
divulgado pela RBS TV. O disco demonstra um pouco a idéia de retorno, pois muitas das
147
Apelido dado ao LP, pois é muito maior que o cd.
148
Informações obtidas com Paulo Back em entrevista concedida ao autor dia 16 de setembro de 2008.
149
Ibdem.
62
músicas são do tempo do primeiro disco, tocadas e aprovadas em shows, como Nova
Estação, Aquela Menina, e Além do Porto, mas agora gravadas. A canção Banho das
Seis, de Daniel Lucena, anteriormente gravada na coletânea Crime Perfeito e principal
música do disco, também faz parte do repertório de Romance em Casablanca.
No ano de 1991, o Tubarão grava seu último LP, Perdidos no Deserto cujo título,
segundo Juca May, era “uma alusão à falta de perspectiva musical da época”.
150
As grandes
mudanças no grupo foram a contratação de Maurício Cavalheiro, ex-Expresso e que
havia tocado com Murillo Valente em shows com voz e violão, e a saída de Carlos
Trilha, que mudara para o Rio de Janeiro
151
. As mudanças ocorreram não apenas pela troca
de músicos, mas pelo estilo das principais canções. Há, realmente, uma percepção de “fora
do rumo” como o título do disco sugere. Mantiveram algumas letras com teor
contestatório, voltado para um público jovem e masculino, como nos primeiros LP´s,
150
Na página do MySpace da banda:
http://profile.myspace.com/index.cfm?fuseaction=user.viewprofile&friendid=138712944. visto em 20 de
abril de 2008.
151
No Rio de Janeiro, Trilha passa a trabalhar como produtor além de tecladista. Consegue grande sucesso,
tocando com Leo Jaime e fazendo parte da banda de apoio da Legião Urbana, inclusive produz o segundo
disco solo de Renato Russo, Equilíbrio Distante, todo cantado em italiano de 1995.
Capa do Disco: Tubarão - Perdidos no
Deserto. Florianópolis: RGE. 1991
63
porém as canções de trabalho eram baladas voltadas para um público feminino, com refrão
do tipo: “tudo na vida é um sonho / tudo que a gente sonhou / tudo na vida é um sonho /
tudo o que a gente deixou”
152
cantado com backing vocal, lentamente, semelhante a
cantores considerados de pop romântico, como Fábio Júnior ou o grupo Roupa Nova.
Mudanças são características do movimento rock. Ao analisarmos dos seus
primórdios aos dias atuais, percebemos negações, retornos e inovações. Influenciados pela
mídia ou por movimentos juvenis, porém sempre com o intuito de ser ouvido por um
público. Maffesoli aborda esta idéia de renovações, até mesmo na denominação da pedra
que rola. Além de ser uma gíria dos negros plantadores de algodão, nos Estados Unidos,
para o ato sexual, pode ser tomada como a idéia de movimento.
Esse “nomadismo espiritual”: I’m a wandering spirit” (Mick Jagger) pode ser
considerado, por mais de um motivo, o símbolo de um mundo em gestação.
Ainda que pouco competente em matéria musical, eu diria que tal idéia obsedante
certamente não deixa de ter conseqüências na estruturação do imaginário pós-
moderno. De fato, antes de ser teorizado, este, como todo mito fundador, é
cantado, testado e, seguramente, vivido em comum. A repercussão que possa ter
a temática da “pedra que rola” não está, de modo algum, limitada ao domínio da
psicologia individual.
153
A década de 1990 iniciou-se com a disseminação desta onda pop romântica que o
Tubarão abraçou. É desta onda que surge a Stryx, única banda catarinense a conseguir um
bom espaço nacional, com disco gravado por uma grande produtora e divulgação na maior
rede de televisão brasileira, a Rede Globo. Stryx era formada por Marco, voz; Andrey,
guitarra e violão; Moacir, teclado; Rodrigo, baixo e Emerson, bateria. Porém foi uma banda
fabricada pela mídia, para durar pouco, mas obtendo bons lucros. A cientista social Márcia
Tosta Dias, cita uma passagem de Marcos Maynard em que o produtor demonstra bem a
visão empresarial sobre estas bandas:
são artistas que existem porque s pensamos em formar um grupo para um
momento de mercado. Num momento determinado, não tem nada acontecendo
no mercado e você precisa sustentar os artistas de seu cast. (...). O projeto de
marketing é para um determinado período [no caso dos grupos infanto-juvenis],
152
MAY, Paulo e André. Tudo na Vida é um Sonho. In.: Perdidos no Deserto. Florianópolis: RGE. 1991,
música 01 lado B.
153
MAFFESOLI, Michel. Op. Cit. p. 34.
64
até que os caras cresçam. (...) O disco tem que se vender pelo fenômeno que
representa, com artistas que você possa “fabricar” e um repertório comercial. O
Dominó foi criado na esteira do Menudo, com uma produção mais pop, mais
voltada para o rock (...). Mas é claro que isso é aplicável apenas aos produtos que
a companhia tem 100% de poder de decisão, o que não se aplica a uma Simone
ou a um Milton Nascimeto. Aí existe um diálogo: nesse caso a companhia
viabiliza as idéias desses artistas.
154
No caso da banda estudada, existia um grupo anterior ao Stryx, os integrantes
eram da banda Kromo. Tocavam os instrumentos, faziam composições e sua formação
ocorre através de identificações entre os músicos, não contratados separadamente e
colocados em uma banda sem nenhum passado musical entre eles. Segundo o jornal Diário
Catarinense: “Os garotos do Kromo variam seu estilo do punk ao rock mais calmo”. Pouco
antes da mudança para Stryx, ocorreu a mudança do vocalista. Luciano Felipe deixa a
banda, desta forma Emerson e Rodrigo convidam Marco Alexandre Audino, vocalista da
banda Tiamats. Este aceita e viaja com Emerson para o Rio de Janeiro tentando contrato
com uma grande gravadora. Depois de muitos “nãos”, conseguem assinar com a Sony
155
.
Porém, a major daria continuidade aos trabalhos se ocorressem mudanças na banda,
composições dos produtores e modificação do nome. A Kromo aceita as sugestões da Sony,
mesmo sem gravar nenhuma canção sua, todas as composições do disco foram feitas por
Ricardo Leão e Victor Chicri, produtores do conjunto.
Tiveram dois sucessos nacionais. Um deles “Estou de Volta” incluída em trilha de
novela, no caso, “Araponga”
156
da rede Globo
157
, fato inédito até hoje por uma banda
catarinense. Além desta música, a canção “Nu de Corpo e Alma” também alcançou grande
sucesso, com os integrantes se apresentando em programas de televisão como “Os
Trapalhões”, no “Xou da Xuxa”, “Mara Maravilha”, “Clube do Bolinha”
158
. Antes da
gravação de seu LP, a banda havia conseguido um contrato com a Renato Aragão
154
Apud: DIAS, Márcia Tosta. Os Donos da VozIndústria fonográfica brasileira e mundialização da cultura.
2ª edição. São Paulo: Boitempo, 2008. p. 83-84.
155
Informações obtidas em entrevista concedida ao autor por Marco Audino. Dia 05 de fevereiro de 2009.
156
Novela dirigida por Cecil Thiré, Lucas Bueno e Fred Confalonieri, exibida às 21:30 pela Rede Globo.
Teve horário diferenciado, era transmitida depois da novela principal entre 15 de outubro de 1990 e 29 de
março de 1991. [dados retirados no site wikipedia: http://pt.wikipedia.org/wiki/Araponga_(telenovela)]
visto em 06 de dezembro de 2008.
157
LEÃO, Ricardo e CHICRI, Victor. Estou de volta. In: ARAPONGA. Rio de Janeiro: Som Livre, 1990.
Lado A música 06.
158
Todos estes programas foram gravados e por mim assistidos. Arquivo pessoal de Marco Audino.
65
Produções
159
.
A letra da canção “Nu de corpo e alma” demonstra bem o apelo passional existente
no grupo.
Nu de corpo e alma
160
(canção 19)
Por trás de quantas máscaras
A gente tem que se esconder
Até chegar a vez
De enfim se revelar
Nesse jogo só é vencedor
Quem não tem medo de perder
Em nome do amor
Um segredo vou contar
Eu quero ficar nu
De corpo e alma nu
Eu quero ficar nu
De corpo e alma nu
Pra você
Passa o tempo
E o que se faz bem
É a vontade de te ver
Tão inocente assim
Esse jeito de me olhar
Quem vacila perde o trem
Da vida leva o pior
Então por que negar
E por que não confessar
Eu quero ficar nu
De corpo e alma nu
Eu quero ficar nu
De corpo e alma nu
Pra você
Melhor que um sonho bom
Eu nunca imaginei nós dois aqui
Vem me conhecer, vem brincar comigo
Vem que eu te mostro exatamente o que eu sou
Além de a música remeter a paixão adolescente, sonhos e saudades mesclados com
159
Diário Catarinense. Caderno de Variedades. 01 de Março de 1991. p.03.
160
LEÃO, Ricardo e CHICRI, Victor. Nu de Corpo e Alma. In.: STRYX. Rio de Janeiro: Sony Music
Entertainment. 1991. Lado A música 02.
66
a sensualidade da nudeza, o ritmo também é muito bem construído para este sentimento. O
“Nu” final de cada frase do refrão é estendido assim como acaba o refrão com um “ié, ié”,
cantado suavemente, com pequenos crescentes agudos. O contrabaixo faz o suporte para a
voz, mas a base da música fica com o teclado, instrumento comum neste estilo musical. No
capítulo 3, abordarei melhor esta banda.
Segundo Arthur Dapieve, mesmo bandas de renome nacional estavam com quedas
de vendas e desgaste em shows, muitas modificando sua sonoridade, deixando as músicas
mais ligadas a ritmos regionais.
161
Ao analisarmos a história do rock desde os anos de
1950, percebemos a idéia de décadas, com uma década contradizendo a anterior. Esta idéia,
segundo Paul Friedlander, está ligada ao conflito de gerações, pois, como o rock é
identificado como uma música para transgredir a cultura oficial, principalmente dos mais
velhos, da geração anterior, os roqueiros tendem a basear-se nos antigos, mas
transformando em novidades, muitas vezes até mesmo posicionando-se contra o ritmo
anterior. O maior exemplo seria o punk, com sua simplicidade, três acordes e músicas de
um ou dois minutos, contra o virtuosismo do rock progressivo, transformando os shows de
rock em verdadeiros concertos.
162
Não quero aqui declarar o fim do estilo ou das bandas, porém algo ocorreu e
161
DAPIEVE, Arthur. Brock – O rock brasileiro dos anos 80. Rio de Janeiro: Editora 34, 1995. p. 196.
162
FRIEDLANDER, Paul. Rock and Roll – Uma história social. 2ª edição; tradução: A. Costa. Rio de
Capa do LP STRYX. Rio de Janeiro: Sony. 1991.
67
modificou-se o cenário musical do mundo 48. Vários fatores diminuíram as atividades dos
conjuntos aqui estudados, como o aparecimento do compact disc, novas tecnologias,
maiores eventos com bandas nacionais e internacionais. Além disso, surgiram novas bandas
com identificações diferentes, destas cito como exemplo o Dazaranha, precursor de um
movimento conhecido como manébeat, músicas ligadas ao regionalismo ilhéu, mas com
características pop / rock. Esta pode ser ressaltada como uma das características das novas
bandas surgidas nos anos de 1990, segundo o jornalista Washington Olivetto, “a mesma
rapaziada que nos anos 80 imaginava, ingenuamente, que, para ser pop, antenado e
sintonizado com o mundo, era imprescindível se fingir de anglo-saxão, percebeu,
espertamente, que podia ser mais pop, antenada e sintonizada com o mundo se assumindo
brasileira.”
163
São inúmeros os exemplos sobre esta nova forma de se fazer rock no Brasil,
Nação Zumbi, misturando o frevo, Raimundos com seu forró rock, Carlinhos Brown, ou
Skank, buscando influências na cultura mineira.
Antes do surgimento do Dazaranha, o mundo 48 estava modificando seu estilo
de tocar. Bandas surgidas na virada das décadas de 1980 / 1990 demonstravam influência
por sons mais leves, falando sobre a Ilha, seus costumes e localidades, não a Ilha da
Solidão, como cantava o Expresso. A banda Stigma, de Criciúma, pode servir como
exemplo com sua música Ilha do Desterro.
164
Ilha do Desterro (canção 20)
Ilha do desterro
Terra da gente
Todo dia um vento diferente
Mas cada vento tem uma praia
Em cada praia um desejo ardente
Farol dos naufragados
Praia da solidão
Olhete na grelha
Cerveja e limão
Beleza-menino
Foi feita pra saciar
Pra provocar a vontade de viver
Janeiro: Record, 2003.
163
OLIVETTO, Washington. A Redescoberta do Brasil. In.: História do Rock Brasileiro Anos 90 e 00. São
Paulo: Ed. Abril. P. 08-13.
164
SILVESTRE, Idézio & KALIL, Ricardo. Ilha do Desterro. In.: Stigma Maltrapilho. Criciúma:
Independente. 1991.
68
Num pedaço de ilha cheirando a mato
Que prato morena
Ai! Que prato.
Mesmo sendo uma banda de outra cidade, adotam a Ilha como seu lugar de atuação,
semelhante aos integrantes do grupo Ratones / Tubarão. “Ilha do Desterro / terra da gente
o início da canção territorializa o ouvinte, sabendo que não será sobre Criciúma, mas
sobre a capital catarinense. O termo “terra da gente” posiciona o atuante da música, no
caso, o nós, o grupo, para todos os ouvintes, de forma a se apoderarem dela, “terra da
gente”, não a gente dela. Entretanto, gostaria de ressaltar o nome escolhido para a
Florianópolis, “Ilha do Desterro”. Esta escolha traz para o ouvinte a idéia da cidade
imaculada, anterior à vinda de “estrangeiros”, paulistas ou gaúchos. Também há negação ao
nome atual da cidade Florianópolis, nome muitas vezes criticado pelos moradores locais. O
sentimento de pertencimento e de construção de uma cidade ideal, ligada à natureza, “num
pedaço de ilha cheirando a mato” é evidente. O grupo Expresso, ao cantar sobre a cidade
dois anos depois, na canção Ilha da Solidão, trata de modo diferente, ainda ligado às idéias
de modernidade e crescimento urbano da cidade dos anos 1980, usa o termo “Floripa” não
se manifestando diretamente, contrário ao nome como faz o Stigma, ou mistura de
percussão e guitarra elétrica, ligando o antigo com o moderno, como as bandas de 1990
começavam a fazer.
165
Outras bandas se formam nesta virada de década, mantendo ou se assemelhando ao
estilo New Wave ilhéu. Entre estas bandas, destaco a Know How de Florianópolis e a citada
Stigma de Criciúma, estas duas por gravarem LP´s com uma boa vendagem para bandas
locais. A banda florianopolita com um ritmo mais dançante, semelhante às segundas fases
do Expresso e Tubarão, assim como do Decalco Mania, mas também segue alguns padrões
de ruralidade do tempo do Expresso Rural. A Know How era formada por estudantes
universitários, Leandro Marcucci (guitarra e voz) era estudante de Administração; Luciano
Candemil (bateria), estudante de Engenharia Civil; Marcelo Gouvêa (teclados),
Administração e Alessandro Soares (Contrabaixo), estudante de Letras.
166
Seu principal hit,
Ilusão, começa com sintetizadores e teclado lembrando piano, para depois entrar bateria e a
165
MARKMAN. Rejane . Musica e Simbolização Manguebeat: contratcultura em versão cabocla. São
Paulo: Annablume, 2007.
166
LEITE, Pedro. Sucesso é para quem tem Konw How. In.: Diário Catarinense. Caderno de Variedades.
69
gaita para a harmonia. O refrão contesta a vida na cidade, não pelo ambiente poluído,
como as críticas do Expresso, criticam a vida de simulacros em que a sociedade dos anos
de 1990 vive: “que entre prédios e céus cinzentos / de um lugar chamado cidade / ficam
trancados a sete chaves / ilusão”
167
Além de preocupações ambientais e uma crítica ao progresso, a extrema
valorização do trabalho também é posta à prova nesta nova roupagem do som ilhéu. Na
virada da década estudada, o retorno da valorização do “manezinho”, ressaltando a
cultura açoriana como a “verdadeira” cultura florianopolitana e de algumas outras cidades
litorâneas de nosso estado, como São José, Laguna e São Francisco do Sul. O ilhéu é visto
como preguiçoso, pouco trabalhador e que faz para seu sustento
168
. A banda Stigma
batiza seu disco com a música que trata deste aspecto do homem açoriano, “Maltrapilho”.
Maltrapilho
169
(canção 21)
Pé ante pé
Devagarinho
Juntam-se as coisas
Do lugar
Mais do que um jeito
É preciso um jeitinho
Para poder desanubiar
Maltrapilho
Desnaturado filho
Em nossa society
Never nunca have light
Pra você
Pé ante pé
Devagarinho
Fundem-se as coisas
Do viver
Ego orgulho
Desaparecem de mansinho
Sai de fininho
Quem não sabe o que é ceder
Vagabundo
Herói do submundo
Florianópolis, 06 de Dezembro de 1990. Capa.
167
MARCUCCI, Leandro. Ilusão. In.: Know How. Porto Alegre: Produção Independente. 1990. Música 01
Lado B
168
Ressalto aqui principalmente a visão germânica demonstrada pelos viajantes que aqui passaram durante os
séculos XVIII e XIX. In.: Ilha de Santa Catarina: Relatos de viajantes nos séculos XVIII e XIX.
Assembléia Legislativa do Estado de Santa Catarina/ Editora da UFSC, 2ª ed. 1984.
169
SILVESTRE, Idézio & KALIL, Ricardo. Maltrapilho. In.: Stigma – Maltrapilho. Criciúma: Independente.
1991, música 01 lado A.
70
Em nossa society
Never nunca have ligh
Pra você
As duas estrofes da música iniciam-se com as mesmas frases e ritmos “pé ante /
devagarinho”, cantadas por Cristina Vianna, com um ritmo mais lento, como se a música
fosse demorar, ou passar a idéia de vagarosidade do “vagabundo”. São estas algumas das
mudanças que percebo nos trabalhos surgidos na nova década. Sonoridade mais rural e
temas que buscam a “açorianidade perdida”, não tão internacionais como as bandas até
aqui analisadas, mudanças do que é ser jovem e nas posturas político-culturais destes.
Porém, ressalto que, apesar de modificarem algumas posturas, permanecem com a mesma
base de grupos como Expresso ou Tubarão, até porque ainda estavam na ativa e, com seus
sucessos, acabavam por influenciar as novas bandas que surgiam.
as mudanças nas canções e nos estilos musicais entre as décadas, ressaltada por
Friedlander
170
. Os estilos permanecendo por uma década e modificando na posterior, assim
como os jovens de 1980, tornando-se adultos com suas responsabilidades, profissões e
famílias na década de 1990, tendo, esta, novos jovens para novas identificações e novas
construções. Isso não ocorre de forma linear ou teleológica, porém novas influências vão
surgindo com algumas bandas modificando seu estilo e dando origem a novas formas de
pensar a arte, agora como inovadora e não mais como imitação.
170
FRIEDLANDER, Paul. Op. cit.
71
Capítulo IIOnde estão os sonhos
171
Tantas lutas, tantos sonhos
Tantas emoções
Será que então valeram à pena
Nossas confissões.
2.1 Formação dos jovens e a identificação com o rock
Usando os termos codificação e decodificação cunhados por Stuart Hall, podemos
analisar como a mídia ajudou a construir o estereótipo do jovem do século XX. As canções
feitas por bandas consideradas internacionais, geralmente originárias dos Estados Unidos e
Inglaterra e cantadas em inglês, produziram nos jovens efeitos de identificação com a letra
ou apenas com a sonoridade. Levaram a indústria midiática a investir em bandas que
produzissem material semelhante ao que os jovens estavam ouvindo e também em
propagandas veiculadas a rádios e programas de TV, massificando os ouvidos e produzindo
novas bandas com as mesmas sonoridades. Não vejo, então, a indústria cultural como
praticamente uma mão única, nem mesmo decisiva e controladora como alguns estudiosos,
como Adorno
172
, apresentam. Em Santa Catarina, percebo sim, muita influência destas
grandes bandas apresentadas pela mídia, que são decodificadas para atender aos interesses
do público ou somente da banda. Como exemplo claro, uso novamente a canção I Want To
Hold Your Hand (canção 01) dos Beatles que Paulo Back do Expresso Rural parodia com
O Bode e a Cabra
173
(canção 02). A vontade de se igualar ou se aproximar de seus ídolos
levavam a estas homenagens. Sentiam-se como continuadores do processo criativo, pois
conseguiam adaptar ou decodificar como Hall analisaria a canção para o novo público
alvo.
Sobre este aspecto, a declaração de Pena Smith, produtor musical muito atuante nos
171
Título de música do grupo Tubarão do disco Tubarão/Expresso de 1988.
172
“Não se desenvolveu qualquer sistema de réplica e as transmissões privadas são mantidas na
clandestinidade. Estas se limitam ao mundo excêntrico dos amadores, que, ainda por cima, são
organizados do alto. (...) Os talentos pertencem à indústria muito antes que esta os apresente; ou não se
adaptariam tão prontamente.”ADORNO, T. e HORKHEIMER, M. Indústria Cultural: O Iluminismo
como mistificação de Massas. In.: Luiz Costa Lima (Sel.) Teoria da Cultura de Massa. 7 ed. São Paulo:
Paz e Terra. 2005. p.171
173
Esta música nunca foi gravada em estúdio, apenas era apresentada durante shows, antes e depois da
gravação do primeiro disco do Expresso Rural. A gravação desta música está em fita K7, gravada de um
72
anos de 1980, principalmente no eixo Rio-São Paulo, expressa a visão empresarial:
o artista precisa de um tempo para dirigir-se ao mercado, necessidade de um
processo para sua formação, onde ele vai conhecer o seu público e vai poder
fazer exatamente aquilo que o público quer, saber alimentar o processo de feed-
back, onde ele vai saber o que está funcionando e o que não está, reorganizando
seu trabalho. Ele faz primeiro apresentações para as pessoas mais próximas, para
a primeira fila do teatro, e vai ampliando devagar, cinqüenta pessoas, cem
pessoas, ele vai ampliando também a forma de acertar. O público dele vai
crescendo, até chegar ao tamanho que impressiona a mídia. Quando você está
fazendo sucesso para duzentas, trezentas pessoas, um jornalista pode ir e falar:
bom artista! Quando você faz sucesso para duas, três mil pessoas, o dono da
rádio pode falar: se todo esse pessoal gosta dele, vou tocar a música dele na
minha rádio, pois as pessoas vão querer ouvir. Existe, portanto, um processo
independente ao processo econômico, onde você divulga espertamente s
história. Na realização das entrevistas, o artista vai falar A e eles vão dizer B, até
lê entender como é que ele tem que fazer para sair do jeito que ele quer.
174
Segundo esta declaração de Smith, o processo de codificação e decodificação não
se restringe às gravadoras. O próprio músico, ao tentar inserir-se no circuito de shows,
mesmo de bares, percebe o que está agradando e não agradando o público, codificando e
re-codificando suas apresentações e suas músicas para as pessoas de suas apresentações,
com o objetivo de agradar seu público. O processo de identificação dos jovens pelos
músicos se configura neste processo, a partir da percepção sobre a nova mentalidade dos
jovens, que resulta na composição de canções, contribuindo para a divulgação e
fortalecimento da construção desta mentalidade.
O surgimento desta nova visão sobre o que é ser jovem, coincide com o
aparecimento deste novo estilo musical, o rock, tendo direta ligação entre ambos. A partir
da segunda metade do século XX, percebemos o surgimento de uma nova construção no
conceito de jovem. Com o fim da Segunda Guerra Mundial, novos atores sociais, ainda não
independentes financeiramente de seus pais, passam a contestar mais a sociedade
construída pelas gerações anteriores, sociedade que os jovens viam como causadora de
guerras como as duas mundiais anteriores e a construção da bomba atômica. Estes atores
são considerados os novos jovens surgindo naquele meado de século.
A música, principalmente o rock, é importante para o entendimento deste grupo de
jovens, disponibilizando recursos de uma articulação coletiva, consigo e com o grupo.
show em 1984 no arquivo pessoal de Paulo Back.
174
Apud: DIAS, Márcia Tosta. Os Donos da Voz Indústria fonográfica brasileira e mundialização da
73
Todas as relações envolvendo os jovens podem ser descritas na canção, tanto nas letras,
como na parte rítmica, expressando de forma artística seus sentimentos. Juarez Dayrell,
baseando-se em Torti considera que:
a música oferece aos jovens a possibilidade de conjugar a trama de um caminho
de busca existencial com os signos de uma pertença coletiva. Por meio da
música, as necessidades dos jovens de uma ancoragem e agregação coletiva se
articulam com os percursos de experimentação de si mesmos: (...) ‘A música é a
companheira íntima e cúmplice da vida dos jovens, os acolhe nos momentos
tristes e nos momentos de alegria, adere às linguagens da festa e do amor, da
curiosidade e do conhecimento e marca uma separação com o mundo adulto.
175
Outra consideração importante sobre a formação dos jovens no século XX foi a
mudança na mídia e na indústria cultural. Percebendo os jovens como um novo grupo
consumidor, investem para a produção de mercadorias relativas a este segmento. Na
segunda metade do século XX, a juventude passa a ser reorganizada através de novos
posicionamentos midiáticos frente a este novo grupo que vem se construindo. Estas novas
comunidades jovens não seguem os padrões territoriais tradicionais
176
de formação de
comunidades, mas seus territórios estão ligados a manifestações estéticas e produtos de
consumo. Cria-se assim, uma comunidade sem o território delimitado. Muitas vezes, até
mesmo noções como nação, são quebradas. Muitos jovens identificam-se mais com bandas
de outros países as de seu próprio território, mesmo estas bandas cantando em outras
línguas, sem entender a mensagem da letra, apenas no ritmo e nas imagens construídas
pelos conjuntos. São comunidades desterritorializadas, usando o termo no sentido de Stuart
Hall, de comunidades sem a identificação com um território específico ou então,
comunidades sentimentais seria o termo mais adequado
177
. Por mais que não haja um
território específico, o sentimento de pertencimento, mesmo que um pertencimento
nômade entre os indivíduos da comunidade, não diaspórico, como Hall analisa algumas
cultura. 2 ed. São Paulo: Boitempo, 2008. P. 146-147.
175
DARYELL, Juarez. A Música Entra em Cena O rap e o funk na socialização da juventude. Belo
Horizonte: Editora UFMG, 2005, p.37
176
Para Stuart Hall, os territórios tradicionais são os Estados-nação modernos, com fronteiras rígidas,
inclusive culturais. In.: HALL, Stuart. Da Diáspora, Belo Horizonte: Editora UFMG. 2006, p.34
177
Para Stuart Hall em Da Diáspora o autor cita as comunidades desterritorializadas como diaspórica, isto é,
para o sociólogo jamaicano há, no século XX, a falta de identificação pelos lugares, ou territórios. Os
termos de identidade nômade e tribalização cunhados por Maffesoli, são mais adequado, pois o filósofo
francês percebe as mudanças nas identidades, não enraizadas em seus territórios de origem ou de moradia,
ligados a uma percepção espacial, todavia a percepção sentimental é mais forte.
74
destas identificações. Jeder Silveira Janotti Junior acredita nas redes de comunicação
midiáticas construindo estes territórios. Assim, criam as comunidades sentimentais, através
das informações passadas por estas.
178
Internacionalmente, o rock aparece para os jovens a partir da década de 50. Depois
da Segunda Guerra, ocorre uma grande mudança nas relações entre gerações, que podemos
perceber até hoje, oportunizando o clima de surgimento do rock’n´roll. Os jovens, antes
vistos apenas como um estágio entre a infância e a idade adulta, a partir do século passado
são percebidos como uma faixa etária com necessidades e características próprias
179
. Antes
da primeira Grande Guerra, um rapaz com quatorze anos estava começando a se tornar
homem. Durante a década de 60 e 70, um garoto com quatorze anos, até mais ou menos,
vinte e cinco, é considerado um jovem, não se preocupando com a vida adulta, podendo ser
irresponsável e preparado para novas experiências. Nesta época, também ocorrem o
surgimento das mortes prematuras de jovens famosos que configuram a idéia do eterno
jovem, como Jimmy Hendrix, Janis Joplin e Jim Morrissom, vivendo intensamente com
experimentações, como as drogas, estas, inclusive, levando-os à morte.
Hobsbawm, a esse respeito, retrata que:
os acontecimentos políticos mais dramáticos, sobretudo nas décadas de
1970 e 1980, foram as mobilizações da faixa etária que, em países menos
politizados, fazia a fortuna da indústria fonográfica, que tinha de 70% a
80% de sua produção sobretudo de rock vendida quase inteiramente a
clientes entre as idades de catorze e 25 . A radicalização política dos anos
60, antecipada por contingentes menores de dissidentes culturais e
marginalizados sob vários rótulos, foi dessa gente jovem, que se rejeitava
o status de crianças e mesmo de adolescentes (ou seja, adultos ainda não
inteiramente amadurecidos), negando ao mesmo tempo humanidade plena
a qualquer geração acima dos trinta anos de idade, com exceção do guru
ocasional.
180
178
Dessa forma, o termo Comunidades de Sentido remete a práticas discursivas que se submetem não a
uma configuração mundializada dos sentidos, mas também aos aspectos globais investidos em certos
produtos da cultura midiática. A Comunidade de Sentido fornece uma espécie de ‘capital cultural’ para
que a vivência de determinados valores seja partilhada em um nível global, através das mídias
compartilhadas mundialmente.JANOTTI Jr. J. Mídia, Cultura Juvenil E Rock And Roll: Comunidades,
Tribos E Grupamentos Urbanos. Trabalho apresentado no Núcleo de Comunicação e Cultura das
Minorias, XXVI Congresso Anual em Ciência da Comunicação, Belo Horizonte/MG, 02 a 06 de setembro
de 2003. In.: http://www.intercom.org.br/papers/nacionais/2003/www/pdf/2003_NP13_janotti.pdf.
Pesquisado dia 17 de abril de 2008.
179
ROSA, Pablo O. Op. Cit. Pp. 28-29.
180
HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos O breve século XX. São Paulo: Companhia das Letras, pp.317-
318.
75
Segundo o autor, este estilo musical está diretamente relacionado aos processos
econômicos de sua época, assim como suas mudanças no decorrer do século
desenvolveram-se inseridos nas mudanças de ordem econômica. O aparecimento do punk,
por exemplo, está ligado ao grande número de desempregados durante os planos de
Thatcher e Regean, no final dos anos 1970 e início de 1980. Para Umberto Eco, a canção
feita seguindo este modelo, “é um produto industrial que não mira a nenhuma intenção de
arte”, mas é “ausente [e] não está a responsabilidade, assumida no momento em que o
autor decidiu produzir música de consumo para o mercado que a procura, e a procura tal
qual é.”
181
Stuart Hall também concorda com esta afirmação, “foi a difusão do
consumismo, seja como realidade, seja como sonho, que contribuiu para este efeito de
‘supermercado cultural’”
182
. Mas Hall não concorda totalmente com esta visão de Eco.
Para ele, a indústria cultural contribuiu, mas não determinou a forma como os jovens tocam
sua canção. Sofrem o processo de codificação / decodificação, com o consumo e a
produção diretamente ligados, um percebendo o outro para seu resultado final, não apenas
a imposição de somente um lado.
183
Valéria Brandini acredita que a idéia dos jovens de viver apenas de música, sem
empregos tradicionais almejados pela maioria dos pais. O que tocar, o modo de tocar e suas
inspirações não são diretamente definidos pelo mercado, pode sim direcionar mais uma
banda, porém sua vertente principal continua tendo escolhas artísticas ou subjetivas.
184
Destas inspirações subjetivas, cada integrante tendo suas próprias razões, mas algumas são
as ligações causadoras das comunidades emocionais relacionadas às tribos, como a idéia de
pop star, ser grande, ficar em evidência assim como seus ídolos, idolatrados como Beatles,
considerado um rei como Presley; transgressor como Sex Pistols; intelectual e engajado
como Bob Dylan. Os exemplos podem ser muitos, mas o importante é pensar em como
estes ídolos influenciam o imaginário da juventude.
A identificação do jovem pela música rock transforma-o em integrante de um grupo
181
ECO, Umberto. Apocalípticos e Integrados. Série Debates. São Paulo: Perspectiva. 2004. pp.296-298.
182
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A editora. 2004.p. 75
183
HALL, Stuart. Teoria da Recepção. In.:_________.Da Diáspora. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2006.
pp. 333 – 384.
184
“Sendo produção cultural juvenil, o rock surgiu como uma experiência sonora que representava o universo
das tribos. É, portanto, música permeada por significados da vida real. Apud.: BRANDINI, Valéria.
Cenários do rock– mercado, produção e tendências no Brasil. São Paulo: Editora Olho d’Água, 2004, p.
42.
76
construído sob a idéia de arte e de contravenção aos ideais constituídos pela sociedade. As
identidades constituídas nos conjuntos de rock no mundo 48 não necessariamente teriam
ligação pessoal com os outros grupos, mas são identificações com grupos que podem
existir em qualquer parte do mundo, ligados pela música. Este tipo de identificação e tribo
musical foi possível com a universalização das propriedades de posição,
185
identificárias nas músicas, pois os jovens, ao assistirem ou escutarem uma determinada
música ou conjunto, percebem relações com suas experiências ou com o contexto vivido.
A propriedade de posição principal aqui é a música, especificamente o rock.
Diferentes bandas influenciam-se mais em alguns outros conjuntos e criam suas músicas
com estas propriedades, como os instrumentos, compassos e temas das letras. O termo
mais adequado para algumas das bandas analisadas neste trabalho seria pop / rock não
apenas rock, pois “Isto reflete uma natureza dupla: raízes musicais líricas derivadas da era
clássica de rock (rock) e seu status com uma mercadoria produzida sob pressão para se
ajustar à indústria do disco (pop)”
186
Porém, o termo rock é uma definição melhor do
sentimento que perpassava os grupos, de não estar inserido na sociedade tradicional, mas
sim construindo suas tribos. Deste modo, usar pop remete a um status de vendido pelo
sistema e, analisando o sucesso, ou o não-sucesso dos grupos, poucos poderiam se
qualificar por pop, sendo que as exceções serão analisadas posteriormente.
Nos anos de 1970, as canções criadas para um segmento mais popular e jovem eram
destinadas, especialmente, para contrariar as questões políticas dominantes. Tanto estas
canções de engajamento
187
, quanto o pop / rock, possuem conotações populares
188
, ou pop
se usarmos uma linguagem mais mercadológica. Querendo atingir o grande público, não
busca influências diretas na música erudita, acreditando estar mais relacionada a uma
pequena parcela intelectualizada e com preocupações artísticas da população geral.
185
Termo usado pelo sociólogo francês Pierre Bourdieu em seu livro A Economia das trocas simbólicas. Para
conseguir analisar como as ligações sociais, o autor relacionada aqui as idéias de status de Weber para
perceber como alguns bens e costumes são importantes para o indivíduo participar de uma comunidade e
diferenciar-se de outras.
186
FRIEDLANDER, Paul. Rock and roll – uma história social. Rio de Janeiro: Record. 2003, P. 12
187
Música de engajamento, segundo Napolitano, seriam as músicas com ligação direta aos problemas
políticos, usadas para incitar a população à mudança. In.: NAPOLITANO, Marcos. A arte engajada e
seus públicos (1955/1968). Estudos Históricos, Rio de Janeiro, n. 28, 2001.
188
A grande diferença entre a busca de público das duas é a intenção de venda do pop / rock, segundo o
sociólogo especializado em rock Simon Frith: “Música pop é criada com a busca da indústria cultural de
larga audiência em mente; outras músicas não (e, como nós podemos ver, uma das contradições do rock
rodeia estas distinções)”Apud: FRITH, S. Sound Effects Youth, leisure, and the politics of rock´n´roll.
77
Napolitano esclarece, principalmente ao abordar a música popular, que esta nasce nas
massas, como o jazz ou o samba que nascem das comunidades negras, mas após conseguir
relativo sucesso fora desta comunidade, a indústria a usa como divulgadora para a venda
desta arte
189
. Além disso, os ouvintes de música popular, segundo o autor, são críticos às
novidades e aos modelos de rádios, ditos modinhas pela cultura jovem. Desta maneira, a
criticidade contra a imposição midiática está presente nos ouvintes destes estilos musicais.
No contexto musical, a definição de Paulo Puterman:
os produtos culturais constituem sempre um meio de comunicação, na medida em
que serão consumidos por uma coletividade, e, portanto, interpretados por esta
(como a palavra é também interpretada, para poder funcionar), não fogem à regra
e também têm função tanto de aproximação quanto de distanciamento.
190
Alguns jovens de Florianópolis acabam se identificando com este movimento. No
período estudado, a década de 1980, percebe-se uma tendência. São em sua maioria,
homens, entre 17 e 25 anos, estudando em colégios particulares, demonstrando assim
estarem inseridos em um grupo de boas condições financeiras e / ou intelectualizados. “A
situação financeira das nossas famílias era todas de classe média-alta. Ninguém no
Expresso era pobre. Todos estudaram nos melhores colégios”
191
relata Volnei Varaschin,
guitarrista do grupo Expresso Rural. A identificação acontece em escala global, pois são
com jovens de outros países ou de outras metrópoles brasileiras com desejo de se
igualarem a seus ídolos. uma percepção e um sentimento ético e estético de
contracultura, usando um termo de Maffesoli
192
, uma comunidade emocional, entre estes
pares que fizeram perceber nas canções, seja no ritmo ou nas letras, uma identidade maior
que nas músicas brasileiras, pois não encontravam suas respostas ou angústias nos músicos
locais
193
.
O termo identidade está sendo aqui empregado de forma possível de passagens,
New York: Pantheon Books, 1981. p. 4. Traduzido por mim.
189
NAPOLITANO, Marcos. História & Música História cultural da música popular. Belo Horizonte:
Autêntica, 2002.p18
190
PUTERMAN, Paulo. Indústria Cultural: A agonia de um conceito. Série debates. São Paulo: editora
Perspectiva. 1994, p.40.
191
Entrevista concedida em minha página de recados do Orkut, dia: 23 de setembro de 2007.
192
MAFFESOLI, Michel. O Tempo das Tribos o declínio do individualismo nas sociedades de massa. 1ª
edição; tradução Maria de Lourdes Menezes. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1987.
193
Encontrei vários destes relatos, principalmente relacionado com o movimento punk, no documentário:
78
uma vez que foi construída a idéia de juventude como uma fase de transição, isto é, nem
sempre foi jovem, nem durará eternamente. Deste modo, acho mais adequado o conceito de
identificação abordado por Stuart Hall, pois “deveríamos falar de identificação, e vê-la
como um processo em andamento. A identidade surge, não tanto na plenitude da identidade
que já está dentro de nós como indivíduos, mas de uma falta de inteireza que é ‘preenchida’
a partir de nosso exterior, pelas formas através das quais nós imaginamos ser vistos por
outros.”
194
Bauman concorda com Hall sobre esta movimentação da identidade, mas além
desta visão do outro, Bauman ressalta que o outro também está em movimento:
é porque existem tantas dessas idéias e princípios em torno dos quais se
desenvolvem essas ‘comunidades de indivíduos que acreditam’ que é preciso
comparar, fazer escolhas, fazê-las repetidamente, reconsiderar escolhas feitas
em outras ocasiões, tentar conciliar demandas contraditórias e freqüentemente
incompatíveis. (...) o ‘pertencimento’ e a ‘identidade’ não m a solidez de uma
rocha, não são garantidos para toda a vida, são bastante negociáveis e
revogáveis, e de que as decisões que o próprio indivíduo toma, os caminhos que
percorre, a maneira como age e a determinação de se manter firma a tudo isso
– são fatores cruciais tanto para o ‘pertencimento’ quanto para a ‘identidade’.
195
A escolha de ritmos ou das letras reflete um pouco esta identificação. Uma das
primeiras bandas a surgir com composições próprias e estilos bem definidos a gravar um
disco em Florianópolis foi a Ratones, cujo disco homônimo teve todas as suas canções em
inglês. Na verdade era um grupo de Tubarão que segundo o próprio Juca (Paulo) May,
guitarrista e vocalista do grupo, “Morávamos desde 77 em Florianópolis, ensaiávamos em
Laguna e raramente tocávamos em Tubarão”.
196
A idéia era de ensaiar em Laguna, sua casa de praia, pois para Juca e Deca (André),
seu irmão, a música servia para “curtir a vida pegando onda e tocando rock´n´roll
197
. Para
a socióloga Valéria Brandini, neste querer estar fora de uma sociedade pré-concebida, que
os pais impõem para os adolescentes, está justamente o poder característico que buscam,
principalmente tentando alcançar o sucesso. “O poder que um contraventor desfruta ao
Botinada: A origem do punk no Brasil de Gatão Moreira. ST2 vídeo. 2007
194
HALL. Op. Cit., p. 39.
195
BAUMAN, Zygmunt. Identidade. RJ: Jorge Zahar Editor, Tradução: Carlos Alberto Medeiros.2005. p.17
196
Entrevista concedida ao autor via internet dia 26 de setembro de 2007.
197
Na página do MySpace da banda:
http://profile.myspace.com/index.cfm?fuseaction=user.viewprofile&friendid=138712944. visto em 20 de
abril de 2008.
79
obter sucesso profissional e econômico.”
198
A identidade para a formação destas bandas,
tanto com o rock star, quanto com os amigos, também está diretamente ligada. Deste
modo, o instrumento, os shows ou os ensaios criam rituais representando um universo
tribal que Maffesoli relaciona com a comunidade emocional acima citada.
A comunidade, por sua vez, esgota sua energia na própria criação ou,
eventualmente, recreação. Isso é o que permite estabelecer um laço entre a ética
comunitária e a solidariedade. Um dos aspectos marcantes dessa ligação é o
desenvolvimento do ritual. Como sabemos, esse não é propriamente teleológico,
isto é, orientado para um fim. Pelo contrário, ele é repetitivo e, por isso mesmo,
dá segurança.
199
A música, principalmente a canção, contribui para percebermos como os jovens
criam suas tribos
200
. Neste amálgama de ritmos e letras, o jovem sente fazer parte daquele
universo “a estrutura deste universo refletiu a percepção de mundo e sentimentos expressos
na música, constituindo as bases da ideologia das tribos.”
201
. Bruno Sala, o Medieval, da
banda Cogumelus Rock e posteriormente Vanahein, comenta “Em 1974
202
, a banda Ratones
(que mais tarde virou o Tubarão) fez um show na antiga boate ‘Le 88’ (depois Chandon).
Era o máximo que tínhamos como show de ‘rock
203
.
Esta afirmação nos remete a duas características: a falta de bandas de rock em
Florianópolis na década estudada e a identificação com uma banda que era “o máximo que
tínhamos”, pois mesmo o subgênero de rock
204
dos dois grupos serem diferentes. Existia a
identificação entre eles, pelo fato de tocarem rock. Bruno Sala gostava mais de rock
pesado, músicas com longos solos de guitarra com efeitos e bateria com baixo bem fortes,
como Led Zeppelin, Deep Purple ou Black Sabbath. Já o Ratones era uma banda mais
198
BRANDINI, Valéria. Cenários do Rock mercado, produção e tendências no Brasil.
São Paulo: Editora Olho d’Água, 2004. p.43
199
Maffesoli, Op. Cit. p. 25
200
“Entre nós, brasileiros, a canção ocupa um ligar muito especial na produção cultural. Em seus diversos
matizes, ela tem sido termômetro, caleidoscópio e espelho não das mudanças sociais, mas sobretudo
das nossas sociabilidades e sensibilidades coletivas mais profundas.” NAPOLITANO, Marcos. História &
Música. Belo Horizonte: Autêntica. 2001. p.77
201
Brandini, op. Cit. p. 14.
202
Sobre esta data, Bruno Sala deve ter se confundido, pois o primeiro show do Ratones a capital, segundo o
Jornal O Estado e a própria banda, inclusive este show na Boite ‘Le 88 será apenas em 1980.
203
Extraído do site portal biguá:
http://www.bigua.com.br/modules.php?name=Encyclopedia&op=content&tid=47 dia:15/06/2006
204
Uso aqui o termo subgêneros para me referir a diferenças que há no rock. Não aprofundarei termos, apenas
descreverei como cada uma das bandas usa suas diferenças nos instrumentos ou vocais.
80
minimalista, tocavam covers de Status Quo e Rolling Stones, caracterizando poucos
acordes em cada música, em torno de três ou quatro apenas. Poucos efeitos de guitarra.
Contrabaixo e bateria dando apenas a base da música, sem muito destaque, como, por
exemplo, a canção Money, gravada em seu primeiro disco homônimo. O destaque é para a
voz, guitarra e piano, parte harmônica da canção.
A construção dos conjuntos passava pelas identificações discutidas, principalmente,
pelas trocas de bandas por parte dos músicos, algumas com propriedades de posição bem
diferentes entre si. Estas trocas de músicos demonstram a ligação que tinham. Murilo
Gelosa (ou Murilo Verde) que tocava no Ratones, depois começa a tocar na Decalco
Mania, uma banda mais ligada ao movimento new wave, e posteriormente começa a tocar
na Vanaheim de Medieval, com batidas mais pesadas com uma bateria mais intensa, com
um desenvolvimento maior. A canção Espiral de Matança (canção 03) demonstra isto.
Apesar de ainda estar bem compassados, o contrabaixo e a bateria estão mais presentes,
com o volume praticamente igual ao dos outros instrumentos, além do uso de duas
guitarras, uma base e uma solo, dando maior “peso” na música, principalmente com o solo
de meio minuto no meio da música, pouco para o Heavy Metal, mas exagerado para o New
Wave, um solo demonstrando bem a mistura dos ritmos.
Em seu artigo The cultural study of popular music, Simon Frith acrescenta que,
mesmo no nível mais “local”, tocar música é apenas uma parte de um conjunto de tarefas
mais elaboradas e relacionamentos que envolvem o mundo musical. Ele afirma que: “[...] o
simples grupo de escola ou de garagem começa como uma ‘banda’ para desenvolver-se
como um suporte de promoção e publicidade, dirigindo e transportando, dedicados fãs e
seguidores.”
205
. O que Frith talvez queira deixar claro é que, em torno das bandas, monta-
se toda uma estrutura organizacional onde pessoas assumem tarefas e desenvolvem
habilidades específicas. Sabendo desta rede de socialização, a mídia encontra os garotos
que já estão fazendo sucesso para divulgar e vender ainda mais. Isso inclui novas formas de
comunicação onde os signos passam a ser mais comuns ao da cultura jovem, produzidos e
interpretados para uma audiência com caráter identitário.
No primeiro capítulo, citei o fim da ditadura militar nos anos 1980 e as
transformações musicais ocorridas com esta mudança política como um dos catalisadores
205
FRITH, S. The cultural study of popular music, In: L. Grossberg, N. Cary & P. Treichler eds. Cultural
81
da formação de identidade de parte dos jovens desta década. Mas para compreendermos
melhor os desencadeamentos culturais no início desta década, é importante ressaltar
algumas características musicais da década anterior, principalmente sobre como esta
produção cultural influenciava a construção da identidade de parte dos jovens. Diferentes
gerações possuem diferentes signos de identidade. Como a mídia ou o público aceitam esta
divulgação midiática, fazem parte destes signos, isto tudo influenciados por contextos
políticos e econômicos. Adorno, em seu famoso estudo sobre indústria cultural,
206
coloca a
cultura de massa como algo alienante. Mas, ao analisarmos muitas canções, percebemos
que abordam exatamente o contrário. Com as informações recebidas pela mídia, os jovens
transformam-nas em protestos, contra a política. Abre-se espaço para questões ecológicas
ou até mesmo para acabar com a fome mundial, como os famosos LIVE AID, shows feitos
em várias partes do mundo para divulgar os problemas de fome e arrecadar fundos para
ajudar os países necessitados.
207
Durante a década de 1970, o Brasil viveu o período mais pesado do governo militar
sob o autoritarismo de Médici à abertura lenta e gradual de Geisel e Figueiredo, uma vez
que o governo da ditadura era, entre outras coisas, sustentado pelo medo do socialismo por
grande parte da população. Outra parte era contrária à ditadura e aos estrangeirismos
trazidos com a mídia estadunidense, opondo-se às alianças feitas pelo governo brasileiro
com os Estados Unidos. Alguns artistas preocupavam-se com esta influência de estilos
musicais estrangeiros, acreditando que assim estariam “estragando” a cultura nacional.
Adalberto Paranhos ressalta esta preocupação nos anos 1960, com o exemplo da canção
Criticando de Carlos Lyra: “Pobre samba meu / Foi se misturando / Se modernizando / E
se perdeu.”
208
Neste cenário musical, ocorreu uma disputa de mercado pelos artistas
consagrados e os jovens artistas surgidos com o intuito de tocar rock. No entanto, com o
medo de perderem público para estes jovens, artistas ligados a MPB dificultavam, através
de pressões nas gravadoras, a divulgação deste nero musical. Parte do público jovem
também estava preocupada com as imposições culturais da ditadura e da influência
Studies, Londres: Routledge. 1991, p. 176
206
ADORNO e HORKHEIMER. A Indústria Cultural O iluminismo como mistificação de massa. In.:
LIMA, Luiz Costa. Teoria da Cultura de Massa.São Paulo: Paz e Terra. 2005. pp. 169 – 215.
207
FRIEDLANDER, op. cit. p. 373 – 374.
208
PARANHOS, Adalberto. A Música popular e a Dança dos Sentidos: distintas fases do mesmo. In:
ArtCultura n
o
9, julho – dezembro 2004. p. 28
82
estadunidense na produção da cultura brasileira. Deste modo, valorizavam mais a MPB,
principalmente a chamada arte engajada, aceitando apenas o rock vindo do exterior
209
,
pouco o feito em território brasileiro. Os roqueiros brasileiros eram vistos apenas como
forma de diversão, não como uma música que devesse ser levada a sério, apenas como um
produto e não como arte
210
.
Para os jovens que começavam a contestar o mundo em que viviam, principalmente
as imposições político-culturais, não era fácil identificar-se com um movimento que estava
baseado na indústria cultural dos Estados Unidos, tão contrário assim aos ideais
revolucionários anti-ditadura e anti-capitalismo. O rock nasce e se identifica por seu caráter
rebelde, anti-dogmas e paradigmas, características desta construção de jovem do século XX
(apesar de posterior a isto ser deturpado e transformado em mercadoria, Elvis Presley ou
até mesmo o movimento Punk podem ser usados como exemplo). Na década de 1960, estes
jovens brasileiros também sentem necessidades de rebelarem-se e, num Brasil com
imposições tão sérias, torturas e censuras, foi caminho corrente problematizar na ditadura
suas angústias referentes aos problemas brasileiros, não precisando assim do movimento
rock para se rebelar. Quem quisesse contrariar algo, buscava “brasilidades” para isto e não
internacionalismos.
211
Os jovens da década de 1980 eram diferentes das duas décadas anteriores. Não
podemos apenas rotulá-los de jovens e esperar os mesmo comprometimentos ou
209
Percebo esta aceitação principalmente com a grande influência dos Beatles, segundo a revista Bizz de
Junho de 2007, comemorando os quarenta anos do LP Sargent Pepper´s Lonely Hearts Club Band, é
ressaltado como os tropicalistas se influenciaram pela sonoridade. Um LP com influências de diversos
países, ressaltando estas culturas através de instrumentos musicais identificados com estes, como exemplo
da cítara indiana. Mas mesmo tendo este disco como influencia, os tropicalistas fazem uma releitura,
colocando sons e instrumentos ditos mais brasileiros e temas também refletindo a construção cultural
brasileira. Não podemos então classificar este movimento como rock, mesmo tendo influência deste, pois
não segue os padrões rítmicos e o peso dos instrumentos eletrificados característicos do rock.
210
Visão semelhante ao discurso de Adorno sobre a indústria cultural, algo fabricado pela mídia servindo
apenas para um divertimento passageiro, sem nenhuma conotação artística. No Brasil deste período uso
como exemplo a cantora Nora Ney, gravando Rock around the Clock (maior sucesso de Bill Haley and the
Comets gravada originalmente em 1955 e um dos primeiros grandes clássicos do rock.), mesmo sendo
uma cantora considerada de fossa”. Depois disso, nunca mais cantou rock, lançando em 1961 a música
cansei de Rock, demonstrando bem que o primeiro rock gravado no Brasil foi apenas um produto
encomendado pelas rádios. (História do Rock Brasileiro – anos 50 e 60. Volume 01. São Paulo: Ed. Abril.
2005.
211
Sobre estas relações culturais, Rejane Markman, ao abordar o movimento Manguebeat em
Pernambuco, nos fala que “A presença da hibridação cultural é uma característica das culturas atuais e
aceitarsua existência é acreditar que a divisão entre formas de expressão culturais entre eruditas,
massiva e populares se anula, embora sejam mantidas as alteridades e idiossincrasias que caracterizam
cada formato. As três formas mesclam-se e se expressam sob o tulo de cultura, que as reúne em um
83
descomprometimentos, ao levarmos em consideração a vivência de um período com uma
política oficial ditatorial e reacionária e com os meios de comunicação de massa ainda
nascente em nosso país. Rejane Markman, citando Dapieve, ressalta a importância das
mudanças políticas para a formação da percepção do que é ser jovem, pois, nascidos
próximos de 1960, tiveram sua infância sob a vigência da ditadura militar. Mas, ao
alcançarem a maturidade (sexual ou intelectual, próximo aos 16 anos) a fase ditatorial mais
pesada havia passado ou estava se findando
212
. Eram então, muito mais intelectuais que
políticos, pois também são filhos de uma classe média que foi favorecida pelo “Milagre
Econômico”, com relativa ascensão. Muitos inclusive, filhos de pais ligados à contra-
cultura, acreditando numa educação mais libertária e alternativa
213
.
2.2 Surgimento da música rock no mundo 48
Durante o século XX, a indústria fonográfica teve grande crescimento
mercadológico entre os grupos consumidores, destacando-se os produtos voltados para a
cultura jovem. Como foi dito, Hobsbawm comenta, em sua análise sobre o século XX, o
aumento de natalidade nos primeiros anos do pós-Segunda Guerra, conhecido como o baby
boom, entre 1945 e 1948. Importante perceber que durante a década de 1960, estes recém
nascidos estavam na adolescência. Ocorrendo um grande crescimento urbano e econômico,
há, na construção desta geração, a possibilidade de consumo independente dos pais. Alguns
trabalhando, outros ganhando mesadas, de qualquer forma o surgimento deste novo
grupo consumidor nos centros urbanos, na segunda metade do século XX. Além disso, as
famílias passam por uma revolução. De nucleares burguesas, sofrem grandes alterações,
com o crescimento nos divórcios, aceitações de homossexualidade e nascimentos
cruzamento dialético.” (2007, p.: 44-45)
212
MARKMAN, Rejane Sá, Música e Simbolização Manguebeat: contracultura em versão cabocla.SP:
Annalube, 2007. p.111
213
Um exemplo disto é a fundação da Escola Sarapiquá em 1982 que segundo a educadora Mara Lúcia
Bastiani, nasceu da vontade de alguns pais em educarem seus filhos de maneira mais libertadora e
democrática. A pedagoga também ressalta que a idéia da escola veio por um grupo de pais, em sua maioria
professores da Universidade Federal de Santa Catarina, novamente destaca a idéia de elite intelectualizada
para este tipo de educação. Obviamente os jovens aqui analisados não estudaram nesta escola, mas apenas
cito para destacar como alguns pensavam a educação, algo que não nasce com a Sarapiquá, mas que desde
os anos 1970 estava planejando-se em debates pedagógicos pelo Brasil. (BASTIANI, M. L. Escola
Alternativa: pedagogia da participação. Florianópolis: Cidade Futura. 2000, p.108-109.
84
ilegítimos
214
. Para Hobsbawm, neste período, os jovens tomam consciência de sua
identidade de jovem consumidor mais cedo que as gerações anteriores, comprando
produtos e buscando fazer parte dos grupos musicais, de seus ídolos, ou ao menos criando
seus grupos.
Segundo este autor, é neste cenário que a indústria perceberá o filão de novos e
promissores consumidores. Um mercado seguindo uma idéia dialética na comunicação.
uma percepção dos meios de comunicação no interesse dos jovens pelo estilo musical.
Assim, começam a investir de forma mais pesada na divulgação e crescimento deste ou
daquele artista, o que for mais rentável.
Um dos signos de importância para entendermos a construção da identidade dos
novos jovens urbanos é a música que escutam. Alguns dos artistas aceitam a divulgação
pelo mercado, modificando seu estilo musical ou adaptando letras para agradar ao público,
conforme empresários organizam. Desta maneira, aparece o adjetivo pop para algumas
bandas. Esta noção de modificações para atingir um maior mercado e, conseqüentemente,
criando o termo pop é, muitas vezes, visto como um adjetivo pejorativo para as bandas,
fugindo de suas raízes. Deste modo, é importante destacar as diferenças de pop-rock e rock
underground. Aquele não busca os meios midiáticos para suas composições, até mesmo
percebe as bandas aparecendo na dia como vendidas pelo sistema
215
. O conceito
trabalhado por José Miguel Wisnik pode ser um bom início para percebermos a idéia
rítmica deste gênero musical: “o rock é a superfície de um tempo que se tornou
polirrítmico. Progresso, regressão, retorno, migração, liquidação, vários mitos do tempo
dançam simultaneamente no imaginário e no gestuário contemporâneos, numa
sobreposição acelerada de fases e defasagens”.
216
Os grupos analisados neste trabalho não tiveram destaque nacional, apenas fizeram
excursões fora do estado. Com exceção do Tubarão e do Stryx, nenhum outro teve contrato
com uma grande gravadora, mesmo o primeiro teve apenas uma música gravada em um
disco pau-de-sebo e um compacto com apenas duas canções, já o segundo teve todo um LP
214
HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos O breve século XX. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. p.
316-317.
215
ROSA, Pablo O. Rock Underground uma etnografia do rock alternativo. São Paulo: Radical Livros.
2007, p. 41 – 42.
216
WISNIK JoMiguel. O Som e O Sentido: Uma outra história das sicas. São Paulo: Cia das Letras.
edição, 2006. p.98
85
com músicas gravadas. E, algumas das bandas, como a Decalco Mania, Vanahein, Burn ou
Sobrinhos do Beethoven, não conseguiam gravar em um LP ou EP, apenas uma ou duas
músicas, tendo boa parte de seu repertório usado apenas em shows ou divulgação em
rádios.
Tocar fora do estado ou gravar com uma major traria estabilidade financeira para as
bandas 48. Elas formam-se com a idéia de “viver de música”, mesmo com estilos
diferentes, procuravam a identificação de tribos semelhantes, exceto as bandas ligadas ao
underground, que tinham um público próprio. Percebo, nas músicas, os estilos de cada um,
sendo diferentes entre si, mas tendo em comum alguns aspectos para assim poderem tocar
em grupos. A construção de um cenário musical de rock nos anos 1980 passa por redes de
significação, sendo que os jovens desenvolviam as identidades através de momentos muito
distintos em cada banda. As mudanças constantes, tanto na sonoridade como nos
integrantes, demonstram bem a mutabilidade da identidade jovem.
Interessante ressaltar que, entre as bandas, a forma de percepção em relação às
gravadoras ocorria de maneira distinta. Boa parte das bandas desejava apenas a divulgação
de seu trabalho, não um produtor nas gravações, mas sim, fazer um trabalho mais
independente, sem intervenções externas da banda. No entanto, ao levarmos em
consideração a busca de sonoridades de bandas reconhecidas, nacionais ou
internacionais e a preocupação com o público percebemos a codificação feita pelos
músicos. Os integrantes das bandas, objetivando demonstrar através de sua música,
pertencer a uma tribo, ressignificam estilos mais antigos para sua geração, decodificando o
esperado pelo público.
A construção social e cultural dos jovens perpassa por vários segmentos culturais.
Codificam os novos modos de ser jovem e decodificam para o consumo de um grande
público, massificando esta percepção do ser jovem. O estilo musical conhecido como rock
foi um dos elementos chaves para a formação de uma identidade jovem no século XX.
Criado nos Estados Unidos, com influências do Blues e rhythm and blues, teve, com o
aparecimento dos grandes ídolos como Elvis Presley, uma grande influência no mercado
cultural. Nos anos de 1960, com a chamada invasão inglesa, o rock passa a ter uma grande
conotação de pop pela indústria cultural, isto é, pensavam na venda de um produto, não se
preocupando em sua qualidade ou autenticidade. A indústria cultural cria uma rede de
sociabilidades através da identificação dos jovens com este estilo musical. A indústria
86
estimula os meios de comunicação de massa a desenvolverem e venderem a imagem dos
ídolos e das músicas como se estivesse falando de sua própria vida. Os cantores compõem
seus problemas e suas vivências nas letras dependendo de seu lugar social. Por exemplo,
Chuck Berry, vindo das fazendas de algodão e vivendo próximo aos trilhos de trem,
compõe em ritmos de alternação entre graves e agudos em quintas, lembrando o barulho de
trem.
A facilidade de entendimento é percebida nos ritmos, em sua maioria, com
compasso 4 por 4. Poucos acordes e com instrumentos eletrificados, trazendo a idéia de
modernidade, novamente, contrariando o antigo, a geração passada. O movimento punk no
final da década de 1970 criou estas características do do it yourself
217
, além da busca na
simplicidade nos acordes, geralmente apenas três, tônica, terças ou quintas e sétima
218
.
Estas mudanças estavam ligadas à idéia de contrariar o rock progressivo de grupos como
Pink Floyd ou Yes, com o músico sendo virtuoso para tocar, não deixando o jovem sem
muita experiência musical, se aventurar, precisando de grandes e caras aparelhagens para a
possibilidade de um show.
Outro fator importante para percebermos a construção das canções do período é
relacionarmos com a independência ou gravação com as majors, produção e financiamento
para estas criações.
2.3. Tom Natural:
Neste trabalho, priorizei o contrabaixo como instrumento de análise rítmica e
harmônica nas músicas. Este instrumento tem grande destaque nas composições de rock,
herança do jazz. Constrói, junto com a bateria, a parte rítmica das canções, chamado de
cozinha de um conjunto.
“Alguns baixistas e bateristas perceberam que, ao integrarem os dois
instrumentos, eram realçados alguns elementos capazes de tornarem a música
mais dançante. Foi a origem daquilo que os músicos negros apelidaram de ‘the
lock’ (em português, ‘o cadeado’). Ao traduzirmos esta gíria ao da letra,
217
SOUZA, Fábio F.F. de, Op. cit.
218
Intervalos dos acordes, ou distância entre uma nota e outra, exemplo: dó, sol ou mi e si.
87
podemos perceber a importância desta integração, principalmente na black
music, gênero em que o bumbo e o baixo são executados em perfeita sincronia,
como se fossem um único instrumento.”
219
O interesse das bandas de rock deve-se a facilidade dos instrumentistas quando Leo
Fender cria o baixo elétrico. Usando a mesma tecnologia da guitarra elétrica, mas
adaptando à gravidade do baixo, “com o corpo maior que o da guitarra Telecaster e provido
de quatro cordas, o novo protótipo possuía algo revolucionário: trastes.”
220
Esta inovação
facilita o uso deste instrumento, pois não necessidade de saber o lugar exato de cada
nota. Perde-se a real sonoridade do som, a naturalidade, pela precisão temperada.
221
A música do século XX, incluindo o rock, passa desta forma a envolver mais o
pulso das músicas, segundo Jonas da Silva Junior,
refletir sobre música popular é refletir o sobre um importante dado da música no
século XX: o pulso. Segundo Wisnik, é visível a ruptura entre a música de “alto
concerto”, mais precisamente a sica de concerto contemporânea ao século
XX, com a música popular. A primeira procurou negar a repetição e questionar o
pulso rítmico, enquanto que a música popular tem como marca principal o pulso
rítmico:“Um contesta o tom e o pulso, outra repete o tom e o pulso”
222
Não quero dizer que eletrificar o contrabaixo foi determinante para esta pulsação,
visto que nas bandas de jazz ou Blues o contrabaixo acústico era muito usado, ou os
primeiros cantores de rock como Chuck Berry, Elvis Presley e Johnny Cash também
contratavam músicos deste instrumento. Mas a facilidade de locomoção e a possível
amplificação do instrumento levaram-no para a linha de frente das músicas amplificadas.
223
Diferente da bateria, o contrabaixo preocupa-se também com a parte harmônica,
afinal, também a escolha de notas musicais e não apenas de sua duração. Desta forma, a
ligação entre a cozinha e a parte harmônica, guitarra, voz e teclado dá-se por este
instrumento. Segundo o baixista Billy Sheehan: “O baixo é a conexão entre o ritmo e a
melodia. É esta a função do instrumento, além de dar uma ‘tonalidade’ ao ritmo.”
224
Nas
219
SAVAGLIA, Fernando. Lugar de baixo é na cozinha. In.: Cover Baixo, ED HMP. São Paulo 2006.
220
WOOD, Nilton. Onde tudo Começou. In.: Cover Baixo 72, Ed. HMP. São Paulo, Setembro de 2008. p.
18.
221
MED, Bohumil. Teoria da Música. Brasíla, DF: Musimed. 1996. p. 31.
222
JUNIOR, Jonas da Silva. História dos Contrabaixistas na MPB. TCC: Artes: Música 2006. p. 05
223
Ibdem. p.14
224
SHEEHAN, Billy. Espírito Rock Roll. Entrevista com Billy Sheehan. Cover Baixo 72:, ED HMP. São
Paulo 2008.p. 32.
88
bandas estudadas, os baixistas poderiam ser uma análise à parte: a qualidade musical e o
ritmo beatlemaníaco de Paulo Back no Expresso; o peso da cozinha bem ligada entre Ivan
Ratclif e Murilo Verde do Decalcomania, contrapondo a leveza da harmonia; ou a
cumplicidade dos três principais integrantes do Tubarão com Deca May ligando todos os
instrumento ao redor de seu contrabaixo; e a base pesada de Victor Silva na Burn. Porém,
nestes grupos o contrabaixo é usado apenas como instrumento base, não tendo solos ou
grandes performances. Seguem sua célula rítmica unindo a banda de forma a não se
destacar, apenas auxiliando o guitarrista a voltar para a célula rítmica e para a escala
harmônica da música, ou auxiliando o baterista acompanhar os compassos dos harmônicos.
Além destes motivos, o contrabaixo é o instrumento que tenho maior familiaridade
e posso perceber os padrões musicais de cada canção. As escalas existentes no contrabaixo
são as mesmas da guitarra, mesmo não tendo domínio do instrumento melódico, através da
percepção na tonalidade do baixo, é possível direcionar o ouvido para a tonalidade dos
outros instrumentos.
No Expresso, o contrabaixo ficou sob responsabilidade de Paulo Back. Não é um
músico de formação. Inclusive, quando convidado para integrar a banda, não sabia tocar o
instrumento, como ele mesmo conta: “tocava ainda com o polegar, não conhecia o
pizzicato
225
, o Zeca ficava me olhando estranho, como se pensasse ‘que jeito estranho de
tocar desse cara’”. Mas aprende como tocar o instrumento e sua paixão pelo quarteto de
Liverpool é visível na batida da banda, levando o ritmo em 4 por 4, com semínimas e
colcheias. A música não fica muito rápida, mas também enfraquece a ruralidade. Na música
Tom Natural (canção 04), o contrabaixo modifica o compasso, levando a canção em 2 por
4, mantendo a idéia de cavalgada presente no rock rural. Diferente de Nas Manhãs do Sul
do Mundo (canção 05), em que a cozinha, baixo e bateria ficam em segundo plano,
deixando apenas os harmônicos. Apenas na metade da música entra a bateria e o baixo.
Tem como célula rítmica mínimas pontuadas em um compasso 4 por 4, dando apenas um
grave de fundo. Os harmônicos são tão evidentes na música que colocam uma gaita de
boca tocada pelo Volnei para sentirmos a nostalgia referente à letra.
No segundo disco, as mudanças já comentadas têm destaque nos arranjos. Ao
ressaltar os teclados, Paulo Back associa seu contrabaixo com esse instrumento, além da
225
Técnica de tocar baixo usando as pontas dos dedos, geralmente o indicador e o anular, pinçando as cordas.
89
bateria, para fortalecer a cozinha. Além disso, a saída de Zeca Petry deixa Volnei sozinho
na guitarra / violão, precisando fortalecer a base rítmica da música através do contrabaixo.
A quarta música do disco Certos amigos, Sinais de Calor
226
(canção 06), começa com um
dedilhado de violão, para depois entrar o contrabaixo, teclado e bateria juntos, como um
instrumento. Não destacando, como no disco anterior, as cordas, e o contrabaixo fazendo a
ligação com o teclado, deixando uma base forte com o eletrônico. Isto proporciona a
característica new wave que buscavam, estilo pós-punk
227
, de grande influência no Brasil
durante o período aqui estudado.
2.3.1. Nas Manhãs do Sul do Mundo - Questão Ambiental e Relação do lugar
As preocupações ambientais cresceram muito no século XX, marcado em seu início
pelas conseqüências do uso do carvão no século anterior. Tal preocupação, a partir dos anos
1970, foi intensificada pelo uso desenfreado do petróleo, crescimento do desmatamento e
intensa urbanização. Em Santa Catarina, esta preocupação se apresenta nas letras do Grupo
Engenho, principalmente levando em consideração o retorno à “açorianidade original” da
Ilha. No entanto, esta banda estava ligada à sonoridade MPB, principalmente dos anos
1970, com vocal bem nítido e buscando o regionalismo de seu estado ou cidade. Nos anos
1980, as idéias de preservação ambiental e retorno ao mundo rural, estão bem enfatizadas
nas idéias da banda Expresso Rural, procurando uma fuga dos problemas causados nos
grandes centros urbanos.
O Expresso Rural, quando surge, tem como principal influência o rock rural. Este
estilo tem como características principais o folk norte-americano. Com o ritmo ligado ao
compasso 2 por 4, usando bateria, baixo e violão no lugar da guitarra, é comum fazer a
parte harmônica com uma gaita de boca, também no lugar da guitarra. Suas letras são bem
elaboradas e têm como tema principal a vida no campo ou críticas ao mundo moderno
industrializado. O principal integrante da banda, com esta influência, era Zeca Petry,
226
LUCENA, Daniel. Sinais de Calor. In.: Certos Amigos. Florianópolis: Grupo Expresso. 1985. Lado A
música 04.
227
Depois do movimento punk nos anos 1970, surgiram vários sub-estilos deste movimento. O New Wave foi
um deles, buscando a simplicidade do punk, mas com letras e aparências mais leves e extremamente
coloridos.
90
natural de Florianópolis, uma área urbana, mas sentindo falta da vida rural. Os outros
integrantes eram de regiões mais rurais, como Lages, cidade natal de Daniel Lucena e
Volnei Varaschin, sendo que suas características musicais nasceram dentro desta sociedade.
Paulo Back, contrabaixista da banda, também era de área urbana, da capital, porém sua
referência principal, em termos de música, é a banda The Beatles, grupo inglês com discos
de diferentes sonoridades, entre os quais Rubber Soul
228
(canção 07). Este disco aproxima
Paulo Back do folk e country
229
.
O primeiro disco do Expresso Rural demonstra muito bem a característica rural do
conjunto. na canção de abertura do disco Tom Natural demonstra a idéia de ruralidade e
ao mesmo tempo a busca de uma sonoridade rock. Inicia com dedilhados de um violão
ovation de Zeca Petry. Logo depois entra uma guitarra base com uma entrada de baixo e
bateria com intervalos de quintas em compasso 2 por 4, lembrando o galopar de um cavalo.
Os instrumentos que ressaltam a harmonia da música estão o violão ovation que é mais
agudo e eletrificado, sem o acústico característico do tradicional, guitarra e banjo. Esta
mistura demonstra bem a idéia que a banda deseja passar: um aparato tecnológico, mas ao
mesmo tempo, som que lembre o campo como o banjo. Além da parte rítmica da canção, a
letra também apresenta o ouvinte para o amanhecer na fazenda:
228
Disco de 1965, com grande influência do cantor de folk Bob Dylan, influenciou a banda em diversificar
mais as cordas, principalmente com o uso de violões e dedilhados, vocal mais arrastado e baixo com
linhas de levadas crescentes e descendentes, além de apresenta-los à maconha, que segundo os próprios,
abriu a mente para novas experiências. Segundo FRIEDLANDER, op. cit., p.133
229
“Beatles tem country sim. e bastante. Principalmente na fase do 'Help!' e 'Rubber Soul' o som deles ficou
mais coutry e com levadas no violão.” Segundo Paulo Back em reposta na comunidade do Orkut: Sou Fã
de Paulo Back.”, tópico “entrevista com Paulo Back”dia 22 de setembro de 2007.
91
Tom Natural
230
(canção 04)
O autor e a natureza são confundidos na letra da canção. A noção de ecologia aqui é
viver na natureza como se fosse parte desta: “sou sabiá cantando na soleira”. A música
também está presente na letra Tom Natural, o morador da fazenda deve encontrar o tom
certo para sua harmonia. Daniel Lucena pinta o cenário para assim o ouvinte perder-se
entre o som do banjo e o ritmo 2 por 4 do galope do cavalo, na cozinha
231
: baixo e bateria,
230
LUCENA, Daniel e ALENCAR, Roberto U. Tom Natural. In.: Expresso Rural Nas Manhãs do Sul do
Mundo. Florianópolis: Expresso Rural. 1983, faixa 1 lado A.
231
A base rítmica da música, posicionando o compasso é direcionada pelo contrabaixo e pela bateria,
D C G C G
Quando o dia bate na varanda - Me toca o coração
D C D
Por perto das cinco da manhã
Am Em
Um sabiá acorda cantando na soleira
Am C
E voa leve pelo azul do meu quintal
D Am
O sol sombreia melodias na parede
C D
Quando pássaros repousam no varal
G C G
Tom natural.
D C G C G
Uma vontade grande de viver - Me toma o coração
D C G C D
Ao amanhecer me sinto o sol cantando esta canção
Am Em
Sou sabiá cantando na soleira
Am C
O sol entrando pelas frestas pra te ver
D Am
Manhãs de maio folhas caem em ciranda
C D
E da varanda um mundo todo pra viver
G C G
Tão natural.
Bm Em
Tom natural é viver como se nunca
Bm Em
Tão natural é viver como se já
Bm Em
Tom natural é te ter naturalmente
C D G
E de repente a gente sente que se amar é natural.
92
para o ouvinte sentir-se numa fazenda.
O disco teve repercussão também, com um especial pela RBS TV, em 1984,
apresentando um clipe de cada música. Todos os clipes são gravados em uma fazenda,
inclusive com cenas humorísticas, brincando com a vida no campo, demonstrando a
amizade do grupo, dormindo, comendo e perseguindo galinhas, sempre unidos. O uso do
videoclipe traz o apelo visual, além do auditivo. A partir dos anos 1980, com a criação do
canal MTV (apesar de só surgir no Brasil em 1991), há maior valorização deste formato. As
bandas não se apresentam apenas nas rádios, também conseguem espaço no meio
televisivo, expandindo seu público.
O uso de efeitos e instrumentos não convencionais no rock, que escapam da
gramática deste estilo musical, está presente no disco. Mesmo assim, o ouvinte consegue
identificar e classificá-las como rock. A canção Nossos Corações, apitos e efeitos nos dão a
impressão de estarmos no meio de um ambiente rural, efeitos que estão na introdução, mas
permanecem por toda a canção. Sua letra traz o saudosismo e a melancolia de um passado
perdido, ou de um lugar que não mais se encontram. A referência pode ser sobre a cidade
natal de Daniel Lucena, autor de letra e música desta canção.
Nossos Corações
232
(canção 08)
conhecido pelas bandas como a cozinha do grupo. In.: COVERBAIXO 48, São Paulo: Editora HMP,
setembro de 2006. p. 14.
232
LUCENA, Daniel. Nossos Corações. In.: Expresso Rural Nas Manhãs do Sul do Mundo. Op. cit.
Música 04, lado A.
Dm C Bb A
Me livro dessa solidão cantando versos feito de você
Dm C Bb A
Me laço no meu coração buscando forças para me conter
Bb Dm Bb Dm
Faz tempo que não vivo mais na terra onde te conheci
Bb Dm C
Cavalgo na vontade louca de voltar pra casa
Bb A
E sair na rua pra encontrar você.
Dm C Bb A
Em terra estranha parei para tomar meu chimarrão
Dm C Bb A Dm
Arriei sela e pensei - Ai, que saudade do meu chão!
Bb Dm Bb Dm
Saudade é uma faca afiada que corta nossos corações
Bb Dm
Que faz da vida quase nada
C Bb A
E nos confunde na poeira dessa estrada.
93
Ao cantar o refrão final, há uma virada na música, com Zeca tocando bongô e a mú-
sica ficando mais rápida, logo depois de um pequeno solo de Paulo para concretizar a vira-
da. A viagem a cavalo, a estrada deixando a saudade, referências ao tropeiro característico
da formação daquela região. Refere-se também ao chimarrão, bebida comum para identifi-
car o gaúcho, não apenas o originário do Rio Grande do Sul, mas também do Oeste e Regi-
ão Serrana catarinense. Tais características são importantes, pois assim conseguiram mui-
tos shows nesta região, chegando a ser considerados uma banda lageana, definição esta ne-
gada pelos integrantes, pois, além de ter integrantes da capital e ser de origem ilhéu, suas
composições eram pensadas nos jovens de Florianópolis.
233
Essas referências ao interior
catarinense possuem o significado de nostalgia, pensando nos moradores de Florianópolis
que deixaram sua terra natal, assim como Daniel.
Como dito no primeiro capítulo, no final da década de 1970 e início de 1980, Flori-
anópolis recebe grande quantidade de migrantes de outras cidades e até mesmo de outros
estados, principalmente pelo crescimento da Universidade Federal, construção do Terminal
Rodoviário Rita Maria e a instalação da Eletrosul. Desta maneira, a música de Lucena é
uma grande representação do sentimento destes migrantes serranos.
Uma música nunca gravada, igualmente com o sentimento serrano, faz paródia de
canção famosa, misturando a idéia do rural com um som identificatório dos jovens.
Neste caso, é a canção O Bode e A Cabra, uma paródia de I want to hold your hand de
Lennon e MacCartney. “o bode e a cabra / foram tomar café / o bode pegou a mala; e a ca-
bra gritou mééééé / e a cabra gritou méééééé
234
. Paulo Back, fã confesso de Beatles, poste-
riormente, cria uma banda de covers, a Get Back. Posteriormente, a banda passa a compor
músicas próprias, mas a influência dos Beatles é nítida nas melodias. A idéia de influências
é outro assunto importante para se abordar, pois mesmo as bandas já com renome estadual,
nacional ou até mesmo internacional, divulgam suas influências. Acima citei como os Bea-
tles tiveram influência de Bob Dylan, mas ao analisarmos a famosa capa de Sargent Pep-
per´s Lonely Hearts Club Band, percebemos as influências que os músicos desejam que
233
Sobre estas definições, ressalto a opinião de Paulo Back, em que o baixista florianopolitano, é categórico:
“apesar do Daniel e do Marcos serem de Lages e o Volnei de Curitibanos, o Expresso é uma banda daqui
[Florianópolis], a gente se formou aqui e as sicas eram pensadas no público daqui.”. Em entrevista
concedida ao autor dia 16 de setembro de 2008.
234
Música nunca gravada em estúdio, mas existente em arquivo pessoal de Paulo Back. O trecho citado neste
texto encontrasse no site da banda: www.expressorural.com.br, acessado em 07 de julho de 2008.
94
notemos, como Dylan na música, Oscar Wilde na literatura, ou até mesmo Marlon Brando,
artista de cinema, ou da plantação de cannabis logo abaixo do título do disco. Segundo
Paulo Back: “Beatles é influência para tudo, já que foram influenciados por tudo”
235
.
Estas relações são discutidas por Simon Frith, ao analisar sobre a formação do rock
e suas influências nos meios de comunicação de massa. No final dos anos 1980, o cenário
musical brasileiro passa por uma série de modificações. uma diminuição nas vendas
devido aos planos frustrados de conter a inflação. As rádios investem em músicas mais
românticas, chegando ao brega, com cantores como Fábio Júnior. No entanto, também
uma ligação com a MPB, como a carreira solo de Cazuza.
Alguns dos músicos, com a pressão da mídia, passam a tentar carreira solo,
acreditando conseguir o mesmo sucesso da banda ou até mais. Geralmente, o frontman da
banda é o primeiro a tentar, com ou sem o apoio dos meios de comunicação, dividindo o
público e concorrendo com a divulgação de seus trabalhos com sua banda original. No caso
da banda estudada, Daniel Lucena faz isto no auge do sucesso do Expresso, com uma boa
235
Segundo Paulo Back em reposta na comunidade do Orkut: Sou de Paulo Back., tópico “entrevista
com Paulo Back”dia 22 de setembro de 2007.
Capa do Lp Sargent Pepper´s Lonely Hearts Club
Band. Londres: EMI-Odeon. 1967. Produtor: George
Martin. Arquivo pessoal.
95
venda de discos e com uma grande aceitação do público, tentando a carreira de pop
romântico. Daniel Lucena, ao tentar a carreira solo, procura identificar-se com o mundo
feminino, não apenas com os jovens. No Brasil, estes cantores são muitos ligados a
presença feminina no palco, o próprio Paulo Ricardo, ex-vocalista da banda carioca RPM,
em sua fase solo, criou algumas músicas com a temática romântica. As mulheres são, na
maioria das vezes, uma conquista masculina, um objeto a ser conquistado.
A canção Banho das Seis, composta por Lucena, foi gravada duas vezes. A primeira
gravação, em sua carreira solo (canção 09), no disco coletânea Crime Perfeito, em 1985, e
posteriormente, pelo grupo Expresso, com Daniel retornando nos vocais, no disco Romance
em Casablanca de 1992(canção 10). Quando gravada pela primeira vez, Daniel canta de
forma mais baixa, praticamente um sussurro ao do ouvido, com grandes levantadas para
um agudo. Diferentemente, na regravação é cantada com mais vigor, bateria e guitarra bem
acentuada, com todos os instrumentos quase na mesma intensidade da voz, não enfatizando
o vocal, como na primeira. A célula rítmica de cada instrumento permanece quase a mesma
nas duas gravações. Apenas a bateria é mais intensa, com viradas e uso da caixa e dos tons
mais vibrantes no Expresso, com intensidade sonora mais baixa, usando muito mais o
teclado na parte harmônica que a guitarra. Estas características são bem marcantes de sua
época. Tem como referência a idéia do brega, lembrando o ato sexual de forma romântica.
O título já ressalta para a nudez sensual, o banho das seis, depois do trabalho, mais
demorado. Há uso do teclado, instrumento mais usado na música pop, também remetendo à
melodia sem rebeldia, não soa muito rural ou tradicional como o violão, mas também, sem
a modernidade jovem da guitarra.
As principais composições no período e local estudado são, na maioria das vezes,
canções relacionadas ao universo jovem, suas relações, seja com os amigos, com garotas,
seja com o território experimentado. A canção de maior sucesso da banda Tubarão, Vou
Conquistar seu Coração, demonstra um território bem relacionado à cultura jovem nos
anos de 1980, a praia. Não o mar, local de trabalho do pescador, mas as ondas, a areia e o
esporte, um dos principais locais para encontrar garotas para paquerar. Além disso, a
música trata da conquista, como o título já sugere, da garota desinteressada pelo rapaz, mas
este lutando pela conquista. O uso de termos em inglês, proveniente dos Estados Unidos,
também sugere uma hibridização de culturas, aceitando-a como parte do dia-a-dia destes
jovens.
96
Vou Conquistar seu Coração
236
(canções 11, 12 e 13)
Hoje na praia você me esnobou
De Morey-Boogie ao som de rock´n´roll
Good time, surfing in U.S.A.
Você não sabe mas agora eu sei
Pois tudo o que você quiser eu faço meu bem
Pra conquistar seu coração
Vou conquistar seu coração – Oh! OH! OH!
Tudo que você quiser eu faço meu bem
Pra conquistar seu coração
Eu vou gritar até você me dar
Seu coração que ta naquele lugar
Que gosto bom que você deve ter
Gosto gostoso de gostar você
Tudo que você quiser eu faço meu bem
Pra conquistar seu coração
André (Deca) May, um dos fundadores do Ratones / Tubarão, era o responsável
pelas cordas graves nas bandas. Sua contribuição nos arranjos e na célula rítmica das
canções pode ser analisada através da canção Vou Conquistar se Coração”, gravada três
vezes pela banda. A primeira, no disco Tubarão / Expresso de 1988(canção 11), depois no
Tubarão de 1989(canção 12) e por último, no Perdidos no Deserto em 1992(canção 13).
Em todos os LP´s da banda, esta música esteve presente, mas em três versões diferentes.
Na primeira, a levada é mais ligada à surf music, o contrabaixo apenas os acordes
básicos, a guitarra cria a base de 4 por 4, com semi colcheias em intervalos ascendentes e
descentes, lembrado uma onda. Na última versão, o baixo é mais forte, dando a base
necessária à música, esta agora mais ligada às músicas românticas, sem a levada surf de
guitarra e o baixo com intervalos de quinta em colcheias, mas intercalo com pausas em
semínimas. As diferentes versões desta canção demonstram as mudanças ocorridas na
música das mídias na década estudada. A primeira, voltada para o público surfista ou que
seguiam a moda surf, como os próprios componentes do grupo, e a última buscando o lado
mais romântico, para garotas ou para tocar em serenatas. Apesar desta gravação, no show
continuavam com a levada surf music, pelo menos em um especial feito para a RBS -
236
MAY, Juca e Deca. Vou conquistar seu coração. In.: Tubarão/Expresso. Florianópolis: Grupo Expresso
Produções. 1988. lado A, Música 01.
97
TV
237
.
As mudanças ocorridas na levada da música correspondem às transições no cenário
musical brasileiro. A música pode servir como contrapondo da história da banda. Como
mencionado, a música romântica começa a ganhar força na metade da década de 1980 e no
início dos anos 1990. Canções eram encomendadas para temas de novelas e com a queda
nas vendas de discos de rock, estas foram mais exploradas. Segundo o estudioso em
semiótica na canção, Luiz Tatit:
a simplicidade musical das composições, dos arranjos e a singeleza dos temas
tratados nessas composições radicalmente passionais contribuíram para criar um
lugar bem definido de classificação deste velho estilo, chamado em outros
tempos de kitsch, cafona ou simplesmente romântico: o estilo brega. Se na
década derradeira do século a música sertaneja encarnou o brega, outros
gêneros, como o samba, o funk ou o rock, não mais esconderam o uso, com
maior ou menor intensidade, do elemento brega, como algo já arraigado ao
gosto brasileiro [...] O apogeu da música sertaneja nas grandes redes de
televisão brasileira foi simultâneo a uma significativa queda na popularidade do
rock nacional no início dos noventa, o que resultou em nova exacerbação dos
apelos passionais no mundo da canção.
238
São estes apelos passionais, as principais modificações nas canções de Daniel
Lucena quando sai do Expresso, mas principalmente, do Tubarão, em seu último disco, nas
letras e no arranjo. No arranjo da canção acima citada, é retirado o riff de guitarra,
lembrando o estilo surf music, e o contrabaixo fica apenas com lula rítmica em duas
semínimas e pausa em mínima. O vocal também é mais arrastado, lento, menos animado
que as versões anteriores, não perdendo o sentido da letra, focando o público feminino.
Os territórios dos jovens são bem explorados pelas bandas locais. Muitas letras
tratando deste tema ou apenas apresentando para o ouvinte de que local se remete a canção.
O Expresso aborda isto muito bem, em sua primeira fase e a música citada Tom Natural
é uma referência. Todavia, é com seu primeiro grande sucesso, Nas Manhãs do Sul do
Mundo que isto é mais explorado. A canção começa com efeitos de sintetizadores,
representando sons de carros e buzinas, introduzindo então a frase cantada arrastada por
Daniel Lucena, “Vou fugir desta metrópole à libertação / e seguir algum caminho que me
leve ao sul”. A música apresenta dedilhados de violão ovation e efeitos de percussão, mas
237
Este vídeo foi recentemente divulgado por Juca May no site www.palcomp3.com.br/ratones. Acessado em
03 de janeiro de 2009.
98
ao mesmo tempo, guitarra e contrabaixo elétricos, com intervalos crescentes em quintas e
decrescentes quartas dando, a sensação de tristeza e saudades como canta a letra.
Nas Manhãs do Sul do Mundo
239
(canção 05)
Esta canção, também título do disco, foi a canção de trabalho neste primeiro disco,
representando as fugas da cidade para o campo. No segundo disco, buscam o contrário, a
urbanização. Em 1985, com influências do que estava acontecendo no cenário musical
brasileiro, bandas new wave surgindo, com problemáticas ligadas ao mundo jovem, como a
canção Você não soube me amar da banda Blitz, os músicos do Expresso Rural divergem
sobre seus próximos trabalhos. Zeca Petry não era a favor das mudanças, acreditando no
sucesso que conquistaram com o rock rural. Mas, outros integrantes como Daniel Lucena e
Volnei Varaschin, desejavam um som mais urbano, com maior ênfase nos teclados e
diminuição dos violões, para que as guitarras tivessem mais efeitos
240
. Essa “urbanização”
de suas músicas não é algo novo, mesmo na época do Nas Manhãs do Sul do Mundo a
banda tinha em seu repertório de shows muitas canções com estas características, apenas
238
TATIT, Luiz. O Século da Canção. Cotia: Ateliê Editorial, 2004. P.234
239
LUCENA, Daniel. Nas Manhãs do Sul do Mundo. In.: Expresso Rural Nas Manhãs do Sul do Mundo.
Florianópolis: Expresso Rural. 1983, faixa 5 lado B.
240
Em entrevista concedida ao autor pelo grupo dia 22 de outubro de 2007.
G D C
Vou fugir dessa metrópole à libertação
G D
E seguir algum caminho que me leve ao sul
C D
E nas manhãs do sul do mundo
G Em
Pelos campos, estradas e rios
C D C
Semear meu canto em campos de cereais.
G D C
Pode ser um sonho louco, mas eu vou achar
G D
Em algum lugar dessa federação
C D
Alguma substância estranha
G Em
Que substitua a dor no coração
C D C
E mate essa vontade de voltar.
99
não haviam gravado, como Nova estação.
O local narrado deixa de ser o campo, sendo voltado para a Ilha. A música de
trabalho do disco Romance em Casablanca, do Expresso, Ilha da Solidão, retrata uma
Florianópolis diferente das descrições feitas até momento. O Grupo Engenho priorizava a
açorianidade e o Tubarão, a praia. Nesta música, a Ilha retrata os paradoxos da cidade e a
vida dos jovens urbanos.
Ilha da Solidão
241
(canção 14)
Floripa meia-noite lá fora está chovendo
Tristeza e solidão só eu estou sofrendo
O amor da minha vida era tudo o que eu queria
São tantas as mulheres minha cama tão vazia
Talvez eu não te amasse se soubesse que era assim
Eu nem sempre preciso de quem precisa de mim
Pra desafiar as leis da gravidade
Botar de pé pro alto esta cidade
Tomando molotov (coca-cola e molhoral)
Enchi de rock´n´roll as ruas da capital
Saí pela tangente pra não cair na besteira
Ir pra lama do sucesso no início da carreira é normal
É quase meia vida na ilha da solidão
Não dê passos em falso nunca me diga não
O que é certo o que é errado dualidade em vão
Metade da cidade sim metade da cidade não
Sabendo que na vida não se pode ter certeza
O que hoje é alegria amanhã vira tristeza
Para o que não se conhece todo mundo é conselheiro
E pra mulher dos outros todo mundo é cavalheiro
É quase meia vida na ilha da solidão
Não dê passos em falso nunca me diga não
O que é certo o que é errado dualidade em vão
Metade da cidade sim metade da cidade não
Sabendo que na vida não se pode ter certeza
Pois tudo se divide entre bondade e malvadeza
Hão de ficar sozinhos sem ter ninguém por perto
Deixando corações enterrados no deserto da vida
preocupações com a vida social da cidade, não a isolando, mas deixando-a
241
LUCENA, Daniel & CORREA, Márcio. Ilha da Solidão. In.: EXPRESSO. Romance em Casablanca.
Florianópolis: ARTMIX e EXPRESSO. 1992. faixa 3, lado B.
100
como agente participante. É a Ilha da Solidão que deve ser modificada, revolucionando,
“botar de pés pro alto esta cidade / Tomando Molotov (coca-cola e melhoral) / enchi de
rock´n´roll as ruas da capital”. A música já começa com célula rítmica lembrando suspense
e um grito de horror, para assim começar os riffs da música antes do vocal.
Daniel Lucena, na primeira frase da música, deixa clara a idéia que a cidade é
sujeito atuante da música, passando aspectos de uma Florianópolis, o horário e o clima de
tensão e solidão. “Floripa, meia-noite, fora está chovendo”, meia-noite e chovendo,
poucas pessoas vagando pelas ruas, ao mesmo tempo é o momento em que saem os
bandidos e boêmios. Também é marcante o apelido usado para a cidade, Floripa, que não é
o nome formal, mas é como descontraidamente é conhecida a Ilha de Santa Catarina. O
nome Florianópolis, para a capital, desde sua criação é motivo de polêmica. Alguns
músicos como o grupo Stigma, de Criciúma, preferem usar a antiga denominação, Ilha do
Desterro, na homenagem que faz à cidade no disco Maltrapilho.
Local de encontros e desencontros, de passagem, territórios nômades que, segundo
o filósofo francês Michel Maffesoli, é uma característica dos jovens desta era. Um destes
territórios de passagem, não permanecendo no local, apenas com chegada e partida, assim
como muitas das relações afetivas e passionais dos sujeitos estudados, é o aeroporto.
Inclusive, no primeiro hit da banda Decalco Mania, com videoclipe passando na RBS - TV,
antes mesmo de fazerem o primeiro show
242
, é usado como lugar social para o encontro do
rapaz com seu amor. Aeroforça, depois do videoclipe, passa a ser o carro chefe desta banda.
AEROFORÇA
243
(canção 15)
Passei horas a fio esperando você entrar no saguão
Garota moça aeroforça você me fez perder o avião
Com cara de tacho contando meus passos ruí unhas e mãos
Caí no vácuo do seu papo mas você atribuir os seus atos
Fiz um estudo de fato sócio-econômico
Pra saber se você era de fato algum super sônico
Depois de toda espera passei uma mensagem no rádio
Doutor inteligente quanto eu talvez você estivesse ao meu lado
Subi na torre de controle e chamei o comissário de bordo
Tomei café, sonhei e pensei, assim eu acordo
Moça aeromodelo contando seus passos entrou no saguão
242
Informações obtidas com Murillo Valente, guitarrista da banda, em entrevista concedida ao autor dia 15 de
setembro de 2008.
243
MELLO, Iran & VALENTE, Murillo. Aeroforça. Música gravada em demotape, arquivo de Airton
Perrone.
101
Foi nesse instante eu vi meu concorde voar pro Japão
Saia daqui se o que tem sou um (inaudível)
Bandeirante de araque sempre pronto para o ataque
Vou cortar suas asas
O local de passagem acaba também sendo de encontros e desencontros, como a
aeromoça que faz o sujeito perder o seu vôo para o outro lado do mundo, o Japão. A
aeromoça é descrita de forma a entendermos sua beleza “moça aeromodelo” ou “garota
moça aeroforça”.
O assunto da letra, falando de perdas e desencontros, entra em contraste com a
harmonia da canção. Iran conta de modo alegre, transformando a cena em algo cômico e
não sentimental. Desafinando alguns momentos de propósito, ou mudando o timbre, como
em uma conversa informal e próximo dos três minutos de música, faz uma pausa para um
aviso de aeroporto sobre o próximo vôo e desejando uma boa viajem. Estas mudanças são
características de bandas que buscam nas artes cênicas, influência para sua arte, lembrando
que Iran Melo, vocalista e frontman da banda, tem formação em artes cênicas e não
musicais.
244
A famosa banda carioca Blitz demonstrava bem esta influência. Seu líder,
Evandro Mesquita, fazia parte do grupo teatral Asdrúbal Trouxe o Trombone, antes de
fundar a banda. Músicas como Você não soube me amar ou A Dois Passos do Paraíso são
bons exemplos. Segundo Perrone, a Decalco Mania não se influenciou com a Blitz,
simplesmente esta nova onda e estilo musical ocorriam em vários locais.
245
A famosa música da Blitz, Você não soube me amar, conta a história de uma relação
conturbada de um garoto e sua namorada, vivendo no dia-a-dia de um centro urbano. A
letra da música é escrita de forma teatral, com trocas de vocais masculino e feminino, com
interpretações vocais dos integrantes. Esta vivência na cidade grande, relações dos rapazes
e suas respectivas namoradas também foram relatadas em Florianópolis. Decalco Mania, a
banda mais teatral da capital catarinense, colocou nas rádios a música Coisas do Amor.
Coisas do Amor
246
(canção 16)
Fico todos os dias na mesma esquina
Só pra conquistar
244
Informações obtidas com Airton Perrone em entrevista concedida dia 17 de setembro de 2008.
245
Ibdem.
246
MELO, Iran e VALENTE, Murilo. Coisas do Amor. Arquivo pessoal de Airton Perrone.
102
Aquela bela menina
Que não quer me olhar
Fico até cabisbaixo
Só de pensar
Que de um dia para o outro e com outro
Ela possa passar
Coisas do amor
Isso acontece
Você bem que podia
Me dar um sinal
Faça um favor
Desaparece
Não vou ficar parado
A vida inteira a te esperar
De repente você passa
Tão roupande diferente meu bem
O meu mal é te amar
E na saída do colégio
E ela nem me ligou
E eu lá destontadeado e um carro
Quase me atropelou
Eu prometi até cortar o cabelo
Se ela me namorar
E sua não quer saber de papo
Diz que é pra eu ir trabalhar
(...)
Coisas do amor
Isso acontece
Você bem que podia
Me dar um sinal
Faça um favor
Desaparece
Mas não vou ficar parado
A vida inteira disfarçado
De repente eu fico louco e perco o juízo
E vou
Eu vou me suicidar
O ritmo da música é cantado alegremente, com flexões de voz bem teatrais.
Inclusive, no final da música ao falar “vou me suicidar”, é colocado um efeito de tiro, com
Iran soltando um grunhido, como se morresse. A principal análise aqui é no cantor, pois a
canção quer ressaltar a história cantada, muito semelhante à feita por Evandro Mesquita,
acima citada. O arranjo dos instrumentos fica em segundo plano. bastante ênfase nos
teclados, sendo este o principal instrumento da parte melódica. Guitarra e contrabaixo dão
apenas a sustentação complementar e a bateria, a pulsação rítmica.
103
2.3.2. Esconda esses olhinhos que teu pai ta desconfiado
O rock geralmente é associado ao uso de drogas, como se “ser roqueiro” fosse
sinônimo de drogado. Esta ligação deve-se à idéia de contra-cultura em que nasce o rock, a
rebeldia que a droga demonstrava para a sociedade. Muitos músicos também contribuíram
para esta visão, como Led Zeppelin, grupo inglês conhecido por atitudes vândalas em
hotéis, as músicas como Cocaine de Eric Clapton ou os abusos do Punk inglês. Outros
mortos por overdose, como Jimmi Hendrix, Janis Joplin, John Bonhan, Jim Morrison,
fizeram com que alguns jovens acreditassem no mito rock e drogas e com que outros se
distanciassem desta face” do rock. No Brasil, dos anos 1980, tivemos casos afirmando
esta ligação. As prisões de Arnaldo Antunes e de Lobão foram exemplos e até hoje estes
artistas guardam o estigma de drogados.
A percepção do rock como um dos aspectos da contracultura trouxe o jovem
roqueiro para este meio. Sobre o movimento contra-cultural das décadas de 1960 e 1970, a
socióloga Maria Isabel Mendes de Almeida e a antropóloga Fernanda Eugenio ressaltam
que “tanto no âmbito da luta armada, como até mesmo entre aqueles que procuravam no
caminho das drogas ‘a abertura das portas da percepção’, era possível se acompanhar a
subordinação de um projeto pessoal ao plano coletivo”
247
. Não era o simples ato de usar,
mas sim, uma forma de se desvincular ao que era permitido, ir além da permissão. As
mesmas autoras apontam, como droga usual nos anos de 1980, a cocaína. Todavia, de
forma diferenciada, não mais pensando na idéia contra-cultural “investida menos do caráter
de frenética produtividade, que veio a tomar entre os yuppies nos anos 80, e mais de um
aspecto lúdico, festivo e eventualmente frívolo.”
248
As bandas estudadas também tratam sobre o uso de drogas em suas letras. Suas
preocupações, diversões ou negações. Nas outras fontes pesquisadas, jornais e entrevistas,
não encontrei citações sobre o uso de drogas em momento algum. Quando perguntados
sobre este uso, membros do grupo Expresso Rural relataram que alguns até podiam
247
ALMEIDA, Maria Isabel M. de & EUGENIO, Fernanda. Paisagens existenciais e alquimias pragmáticas:
uma reflexão comparativa do recurso às ‘drogas’ no contexto da contracultura e nas cenas eletrônicas
contemporâneas. In.: ALMEIDA, M. I. M. de, & NAVES, Santuza C. (org.). “Por que não?” Rupturas
e continuidades da contracultura. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2007. p.175
248
Ibdem p. 159
104
consumir, mas até mesmo bebidas não eram coletivas, não tinha este uso pelo grupo. Quem
usava drogas lícitas ou ilícitas, usava sozinho e não influenciava o resto do grupo.
249
O grupo Expresso Rural foi o primeiro dos estudados a gravar uma música usando
como tema as drogas. A música citada, Flodoardo, do disco Nas Manhãs do Sul do
Mundo, entra no final das gravações, trazendo as palavras maconha e bronha em sua letra.
Tentaram sintetizar a voz para passar pela censura, sem sucesso, pois capa do disco teve
que ser lacrada. Mesmo assim, a música era sempre pedida em shows e interessante
destacar sobre o lacre, que, em 1997, quando a discografia foi relançada em CD, a banda
optou por colocar na capa deste CD o selinho no canto, como se o lacre ainda existisse.
FLODOARDO
250
(canção 17)
G C
Essa é a história de um sapinho diferente
D G
Chamado Flodoardo, só curtia boca quente
G C
Nas festas do banhado ele não perdia nada
D G
Curtia com as sapinhas até de madrugada
G C D G
Hey, Flodoardo! Êta sapinho fissurado!
G C D G
Hey, Flodoardo! Êta sapinho sem vergonha!
G C
Era tão bem servido que não batia bronha
D G
Em vez de fumar cigarro ele curtia uma maconha
G C
Era tão bem servido que não batia bronha
D G
Em vez de fumar cigarro ele curtia uma maconha
G C D G
Hey, Flodoardo! Êta sapinho fissurado!
G C
Hey, Flodoardo!...
D C G
Esconde esses olhinhos que o teu pai tá desconfiado.
251
249
Entrevista concedida ao autor dia 22 de outubro de 2007.
250
LUCENA, Daniel e SOLLER, Francisco. Flodoardo. In: EXPRESSO RURAL. Nas Manhãs do Sul do
Mundo. Florianópolis: Produção Independente. 1983. faixa 6, lado B.
251
A banda, como tinha grande preocupação com o entendimento de musicalidade de seu público, colocou,
em seu primeiro disco, no encarte, as cifras das músicas para quem quiser poder fazer a parte harmônica
das músicas. Segundo Zeca Petry em entrevista para o jornal O Estado, 06 de abril de 1984.
105
O interessante nesta canção é o último verso na segunda estrofe, falando que “era
tão bem servido /que não batia bronha / em vez de fumar cigarro / ele curtia uma
maconha. Por causa das palavras “bronha” e “maconha”, a canção foi censurada, tendo o
disco que sair com um selo
252
lacrando o encarte, mesmo com a idéia do técnico de
gravação do disco, Paulo Farat (que insistiu para colocarem a canção
253
), de sintetizar as
palavras proibidas para o público em geral não perceber. Em outro trecho da canção,
Flodoardo é o jovem que ainda mora com os pais e precisa, de uma forma ou outra,
esconder-se para o pai não descobrir suas verdadeiras vontades, “esconda esses olhinhos /
que o teu pai tá desconfiado”.
A comicidade da letra e do modo de cantar da banda são notórios, como uma
brincadeira entre amigos. Censurar a música demonstra que ditadura ainda não estava
totalmente desfeita e ajudou a espalhar a idéia principal da música, o fim da caretice, não
fazendo apologia ao uso de drogas, apenas demonstrando como a geração mais velha
percebe com maus olhos os hábitos dos jovens. O final da música é emblemático: “esconda
esses olhinhos / que teu pai ta desconfiado.” Logo depois, gritos de alegria em fazenda:
“yihoo”, e um dedilhado de banjo, bem como final de uma travessura.
252
Apesar de, oficialmente, ter acabado a censura, ainda muitos artistas estavam sendo censurados,
principalmente quando atacavam os “bons modos”, como a banda Blitz do Rio de Janeiro, que teve duas
de suas músicas cortadas em seu primeiro disco por conterem palavras de baixo calão.
Selo obrigatório lacrando a capa do disco “Nas Manhãs do Sul do Mun-
do”, 1984, desenho de Paulo Back. Retirado do site:
www.expressorural.com.br
a
cess
a
do dia 07 de julho de 2008.
106
a banda Tubarão, trata com mais seriedade o assunto. Na parte rítmica da canção
Pó (só mais uma), é feito com maior alegria, é rápido e dançante, mas o conteúdo da letra é
mais sério.
Pó (só mais uma)
254
(canção 18)
Ele corre e se esconde ele quer gritar
A paranóia de fugir
O gosto de sangue o cheiro no ar
Duas noites sem dormir
Mais uma vez
Mais uma
Outra vez
Só mais uma
Porque ele não vai parar
Ele não vai parar
Que quando ele quiser
Não vai dar
Já faz um tempo que ele entrou na roda
De uma só pra ver qualé
Bateu legal e ele achou demais
Agora é tudo o que ele quer
Mais uma vez
Mais uma
Outra vez
Só mais uma
Porque ele não vai parar
Ele não vai parar
Que quando ele quiser
Não vai dar
O perigo do vício é a principal preocupação. Os autores, Juca e Deka, não
demonstram preocupação com o malefício das drogas ou das relações sociais existentes,
querem apenas discutir como o pó, a cocaína no caso, pode viciar e quando você achar que
pode sair “não vai dar”. Interessante ressaltar que esta canção está no primeiro disco solo
da banda, já com Murillo Valente na guitarra solo e Carlos Trilha nos teclados.
A canção introduz o ouvinte ao universo do viciado. Começa com um riff alegre de
guitarra, baseado no surf music, com gritos que lembram alguém empolgado com algo,
para depois contar a história de forma mais alucinante: “ele corre, se esconde, ele quer
253
Informação obtida pelos músicos em entrevista concedida ao autor dia 22 de novembro de 2007.
254
MAY, Juca e May, Deca. (só mais uma). In.: Tubarão. Florianópolis: BMG/RCA. 1989. Lado A música
01.
107
gritar / a paranóia de fugir / um gosto de sangue, um cheiro no ar / duas noites sem
dormir”. uma euforia na vida depois do vício, o prazer inicial depois “é tudo o que ele
quer”. A escolha por falar da cocaína ressalta o tipo de jovem que desejam alcançar. Como
dito, a cocaína é uma droga mais cara, portanto, voltada para um grupo com melhor
poder aquisitivo, mais preocupados com o seu bem estar e enriquecimento rápido, vida de
luxos, ao bem coletivo. Apesar de serem de família abastada, os irmãos May criticam os
chamados “playboyzinhos”, jovens com a descrição acima. A escolha da música reflete
isso e a música Babaca
255
(canção 19), que se posiciona logo após a canção , fortalece as
críticas a estes jovens alienados. “será que as gatinhas acham ele demais? / afinal de contas
ele sabe o que faz / um carro zero sempre novo na mão / um puta apê ele é um tesão / [...]”
e no refrão ressalta “Babaca / e ele ainda acha que é o tal / babaca / gatinha ele é legal /
babaca / esse cara tem cara de boçal, cara de boçal”.
Dito por mais de um roqueiro, a tríplice “sexo, drogas e rock´n´roll” é um ícone nos
signos feitos aos jovens com guitarra na mão. Destruir este ícone, pelo menos de drogados,
foi a idéia do Decalco Mania no título da canção Rock, surf e sexo oposto (canção 20). O
refrão chega a ter ligação com vícios “quem ta não quer sair / quem ta fora quer
entrar”, todavia é a vida antiburguesa que estão contestando, viver apenas de “rock, surf e
sexo oposto / o que me prazer / são as coisas que eu gosto / elas sabem convencer”
256
Outra banda que modificou a tríplice “sexo, drogas e rock´n´rollfoi a Burn. Estes
eram constantemente confundidos com drogados, pois possuíam longos cabelos soltos e
tocavam músicas mais pesadas. Porém, ao analisarmos o refrão da letra de Olhar
Inocente
257
(canção 21) de Márcio Silva, uma nova negação de drogas ao afirmar que
“só pensava em guitarra, nunca tive ninguém / queria sexo, amor e muito rock´n´roll”.
A palavra amor colocada no lugar de drogas é extremamente relevante, que muitos
confundem ou relacionam amor e sexo. No entanto, Márcio Silva coloca os dois. E mais, o
que quer muito é rock´n´roll. O início do refrão prioriza o rock como o principal da
255
MAY, Juca & MAY, Deca. Babaca. Op. Cit. Música 02 lado A
256
DECALCO MANIA. Rock, Surf e Sexo Oposto. Música encontrada no arquivo pessoal de Airton Perrone,
sem data definida.
257
SILVA, Márcio. Olhar Inocente, 1986. Regravação em: Burn Tempos Perdidos. Florianópolis:
Diamondreamer Records. 2007. música 08.
108
tríplice, mesmo não conseguindo as garotas sonho de vários rapazes que buscam a fama
de rockstar, conquistar várias garotas.
Quando realmente estão falando sobre as drogas, os rapazes do Decalco contam
uma história, novamente a vertente teatral, sobre o tráfico na divertida Historinha.
Historinha
258
(canção 22)
... Era uma vez
conta pra mim, eu conto até três
em seu castelo rainha e reis
Jack Chamá e o lobo cortês
Soou telefone é o diz e me diz
Mas a Emília e o seu nariz
A Branca de Neve chegou de avião
Veio da Bolívia...
O dono da festa, a turma feliz
Eu tenho alergia à água de giz
(...)
Acabou o sonho do era uma vez
Cheirei carreirinha dentro do xadrez
E aí rapaziada, vamos nessa
Que a Branca de Neve ta preta meu irmão
Os homem tão na área
A inocência das histórias infantis é misturada com a malícia do tráfico de drogas. O
tráfico aqui é visto como um divertimento, sem nenhuma grande conseqüência além da
prisão dos envolvidos. Mesmo assim, o modo de escaparem da cadeia fica por conta de
quem eles estavam contestando, seus pais. Assim como em Flodoardo, a presença da
geração anterior é presente, demonstrando como o jovem ainda não possui a postura
esperada pela sociedade, ou seja, postura de um adulto. Todavia, enquanto o Expresso
Rural esconde do adulto seu uso, o Decalco pede ajuda para sair do problema que a droga
causou, acabando a música com um pedido “Aí papai, me tira dessa enrascada vai / tudo
por causa da Branca de Neve / papai por favor / chama meu advogado please. Canta de
forma divertida, com o teclado lembrando o som de uma sirene. O uso da palavra “papai”
também fortalece o pedido, um chamado carinhoso, do filho sabendo que assim conseguirá
a ajuda necessária.
258
DECALCO MANIA. Histórinha. Música encontrada no arquivo pessoal de Airton Perrone, sem data
definida.
109
Outros signos ligados à cultura jovem, desde os anos de 1950 até os dias de hoje,
são as motocicletas
259
e o álcool, droga lícita. De acordo com o cientista social Pablo
Ornelas Rosa,
o compartilhamento entre as diversas individualidades, representadas pelos
diferentes indivíduos membros das bandas e tribos, em um ritual de consumo de
drogas [lícitas e ilícitas], pode gerar uma relação de aproximação muito
importante para a construção da identidade, tanto dos indivíduos quanto de
grupos sociais.
260
No mundo 48, estes signos foram apresentados por uma banda de Urussanga,
cidade de colonização italiana. A banda Bandalheia lança um EP com apenas quatro
músicas, todas tratando sobre bebida, moto e rock´n´roll, “Otário” fala sobre a vida
burguesa e as angústias que levam o indivíduo à bebida; “Vávula de Escape mostra o
mesmo problema, porém o rock entra no lugar da bebida, “No meu caminho sem rumo
entrou o rock”; “Abraçado num Garrafão” é uma ode ao vinho que vale a pena
estudarmos mais profundamente.
Abraçado num Garrafão
261
(canção 23)
Eu ontem acordei abraçado num garrafão
Minha mãe dizia, o que há com sua geração
Vocês fazem coisas, assim corto a pensão
E de gole em gole e todo dia, tu arruma uma razão
Mas deve estar havendo um engano
Não é nada disso tomarmos vinho
E a senhora precisa muito para rejuvenescer
Vinho tinto é bom pra cabeça e muda a expressão
Ele é bom demais e perdemos a conta
Não vê como somos todos faixa rosada
E de qualquer forma faz bem pro coração
Eu ontem acordei abraçado num garrafão
Minha mãe dizia, o que há com sua geração
259
Entre os vários exemplos que poderia citar sobre motos e juventude, cito o filme: “O Selvagem da
Motocicleta” com Marlon Brandon, filme ligado à cultura juvenil dos anos 1950. Para exemplificar a
época estudada cito a sica Vital e sua Moto dos Paralamas do Sucesso, banda carioca que se tornou
uma das mais famosas nacionalmente nos anos 1980.
260
ROSA, Pablo Ornelas. Rock Underground uma etnografia do rock alternativo. São Paulo: Radical
Livros, 2007. p. 87.
261
GERA. Abraçado num Garrafão. In.: Bandalheia Otário. Florianópolis: Estúdio 156. 1988, Lado A,
música 02.
110
Beber vinho de garrafão é um modo de conseguir uma boa quantidade de bebida
alcoólica a baixo custo, por isso muitos jovens identificam-se com essa idéia de beber
vinho e depois ter que escutar a mãe. Lemos, baterista da banda brasiliense Capital
Inicial, lembra que “quando a gente era jovem nos ano 80 aqui em Brasília era assim,
muito vinho francês sangue de boi’ [fala com sotaque francês, mas na verdade é vinho
brasileiro barato] para tocarmos ou não fazermos nada.”
262
. Com a música acima descrita,
percebemos também a bebida como parte do cotidiano dos jovens aqui estudados,
lembrando desta fase como a transição para a maturidade, para a vida adulta. Portanto,
experimentações novas, como as drogas. Sendo uma droga lícita, a bebida passa a ser um
modo de transgredir os desejos da família, “Minha mãe dizia, o que há com a sua geração”,
não descumpre a lei, tendo liberdade legal para beber a vontade, apenas com a censura
familiar para controlar sua bebedeira. O vinho, como forma de contrariar a geração
anterior, fica ainda mais forte se pensarmos na cidade natal da Bandalheia, Urussanga,
cidade que possui a Festa do Vinho, sua maior festa anual.
A sensação de liberdade experimentada pelos jovens na droga e o perigo que estas
traziam, pode ser expresso nas motocicletas. Veículos fáceis de pilotar e de grande rapidez
dentro do trânsito, foi símbolo de várias tribos juvenis como os Mods e os Rockers, grupos
rivais na Inglaterra nos anos 1960 e 1970. No Brasil, as primeiras fábricas de motos surgem
nos anos de 1970. Contudo, foi na década seguinte que houve um aumento significativo em
suas vendas,
263
impulsionado pelo poder aquisitivo da classe média e pela crise do
petróleo, levando os brasileiros a procurarem um meio de transporte mais econômico. Nas
mães, causava aflições pelo perigo: “daquela loucura então nem se fala / quando era a moto
a mãe rezava”, fala a letra da canção Válvula de Escape, mas é com Longe da Moto que
Gera cria um ritmo lento, um vocal arrastado, para dar a impressão da saudade:
Longe da moto
264
(canção 24)
O que me dá vida é esta liberdade
Com muito vento e velocidade
É longe da moto que eu sinto saudades
262
No DVD MTV Especial – Capital Inicial/Aborto Elétrico. São Paulo: Sony BMG. 2005.
263
BERERDI, Gabriel. Yamaha do Brasil, 37 anos. In.: Motociclismo Magazine. São Paulo: Motor Press
Brasil. pp.106 – 108.
264
GERA. Longe da Moto.In.: Bandalheia – Otário. Florianópolis: Estúdio 156. 1988, Lado B, música 01.
111
Que me suja mas que por dentro me limpa
Companheira pra toda hora
Em dias de chuva e de muito sol
É um topo é uma coisa
Que quem conhece sabe explicar
Tocando fundo vai mesmo
Mas me dá medo e também me põe fé...
O que me dá vida é essa liberdade
É longe da moto que eu sinto saudades
2.3.3. Nuvens Negras: AIDS e ameaça nuclear
No future for you”. Frase da banda inglesa Sex Pistols, foi marca sobre a visão de
futuro nos anos de 1980. Ameaça nuclear, descoberta da AIDS, crise no sistema socialista,
mortes pelo uso de drogas, um panorama de descrédito no que poderia acontecer. Esta
visão apocalíptica do futuro foi demonstrada através das letras das canções de rock por
todo o Brasil, de Plebe Rude a Replicantes, Aborto Elétrico a Engenheiros do Hawaii, até
mesmo o cantor Leo Jaime, não ligado ao movimento punk, mostrava estas
preocupações.
265
O historiador Fábio Feltrin de Souza, em sua dissertação de mestrado, classifica as
canções pop / rock compostas no Brasil, como uma representação da percepção dos jovens
sobre as mudanças ocorridas na década de 1980, com o imaginário de um fim de século.
Percebe três características principais nas canções por ele citadas: o fim do socialismo, a
ameaça nuclear e o aparecimento da AIDS. Os conjuntos do mundo 48 aqui analisados
demonstram também esta visão de fim de século, de mudanças e renovações na vida dos
jovens, porém não fazem citações às questões diretamente relacionadas com a política.
Interessante ressaltar o momento político em que vivia o Brasil. Euforia pelo fim da
ditadura militar, abertura política, mundialmente o fim da Guerra Fria, a União Soviética
dava seus últimos suspiros e o sistema socialista começava a ruir. Nenhuma das bandas 48
querem posicionar-se perante estes acontecimentos. Todavia, a ameaça nuclear e o vírus da
AIDS foram assuntos nas letras das canções.
265
Fábio Feltrin, em sua dissertação de mestrado, aborda estes temas. Demonstra que não no Brasil
existiam estas preocupações, demonstrando através das letras como estes temas são discutidos. Como
neste trabalho estou priorizando as bandas do mundo 48, trabalharei apenas sobre as canções compostas
por bandas deste mundo. SOUZA, Fábio F.F. Op. Cit.
112
Ao falar sobre a ameaça nuclear, as bandas mais pesadas são o destaque,
principalmente a banda Burn. Sua canção principal, Nuvens Negras ou Ruínas Atômicas
são bons exemplos disto.
Ruína Atômicas
266
(canção 25)
Pássaro da paz me mostre este caminho
Voa na direção de um mundo mais tranqüilo
Onde eu possa caminhar consciente de ser um bom lugar
Quero ver...o deus do sol se enfurecer
Quando ver...o nosso verde se perder
Não não quero...ver o nosso planeta se acabar
Vão chorar..
Quando houver somente as cinzas
Hiroxima...não serviu nem servirá
Como exemplo...de uma nova guerra nuclear
Onde não restará nem mais uma flor.
E não existirá vencedor
Percebemos, nesta música, diferenças com o No Future do movimento Punk. Aqui,
os compositores acreditam na possibilidade de mudanças, porém esta “salvação” é externa,
não dos homens “pássaro de paz me mostre este caminho / voa na direção de um mundo
mais tranqüilo” é o pássaro que levará os homens a um lugar melhor, pois mesmo com
exemplos, como Hiroshima, o homem continua com o desenvolvimento de energia nuclear.
Os arranjos da música são muito bem elaborados para ressaltar a idéia de tristeza.
No início, apenas guitarra, sem distorção e o contrabaixo, os dois tocados lentamente com
riffs simples, para assim entrar o vocal, também lento e baixo, dando o sentimento de
tristeza. No segundo verso, entra bateria e a guitarra muda, com distorção, bastante peso
na guitarra, mudando completamente o sentimento, não mais passional, mas atuante,
revoltado, Márcio Silva com um vocal forte, “Quero ver... o Deus do Sol se enfurecer / [...]
Vão chorar quando nosso planeta se acabar.” Finalizando com o arranjo inicial e repetindo
o primeiro verso, um lamento e um pedido contra a destruição.
A música mais famosa da banda, Nuvens Negras
267
é mais catastrófica,
ressaltando o no future.
266
SILVA, Márcio. Ruínas Atômicas, 1986. Regravação em: Burn Tempos Perdidos. Florianópolis:
Diamondreamer Records, 2007. Música 11.
267
A música continua muito forte com a banda. Estive presente no show para comemorar os trinta anos da
banda no Célula, no bairro João Paulo em 2008 e esta foi muito pedida pelo público, tanto jovens quanto
veteranos do rock e, quando tocada, um coro se uniu cantando junto. Ressalto que apesar de apenas neste
novo século a banda produz um disco, esta música não está em nenhum de seus cds, todavia o público
113
NUVENS NEGRAS
268
(canção 26)
Fizemos parte de um mundo,
de um mundo de paz e muito amor.
Somos jovens livres.
Cabelo ao vento e amor no coração.
Acreditamos em um homem
que existiu há muito tempo atrás.
Pois ele é o caminho
da certeza de um novo amanhecer...amanhecer
Nuvens negras vagam pelo ar
com a esperança da luz encontrar.
O mundo caminha para o seu final
Por favor, pare prá pensar.
Vejo nos jornais violência,
ligo a tv muito mais.
Ganha dinheiro quem mostra
guerra, morte e sangue no ar...no ar!
Não adianta falar,
nem discutir nem brigar.
Pois nosso mundo caminha...caminha pro seu final.
Irmão matando seu próprio irmão.
Natureza protestando em forma de tragédia.
Animais entrando em extinção.
Em troca de simples e sujas moedas.
Em troca de simples, mas sujas moedas.
Pare um pouco pra pensar.
E então você verá..há.
O conjunto mostra, nesta música, uma mistura de sub-gêneros do rock. Mescla o
movimento hippie com versos como “fazemos parte de um mundo / um mundo de paz e
muito amor”, punks como “não adianta falar / nem discutir nem brigar / pois nosso
mundo caminha / caminha pro seu final”, metal, como solos de guitarra bem elaborados,
mudanças repentinas no andamento da canção, e a mesmo gospel, falando de Jesus
Cristo, “acreditamos em um homem / que existiu a muito tempo atrás / pois ele é o
caminho”.
Medo da potência nuclear e da poluição foi uma constante em meios de
comunicação voltados para o público jovem. Para não me alongar, usarei apenas dois
exemplos. Nos quadrinhos, é criada, nos Estados Unidos, uma das histórias de super-herói
mais conceituadas até os dias de hoje, Watchmen
269
, de Alam Moore e Brian Boland.
Criada em 1984, inicia com a morte de um antigo herói, o Comediante. Desta forma, outros
heróis passam a desconfiar de um matador de mascarados. Após este fato, aparece a
conhece do início ao fim a canção.
268
SILVA, Márcio. Nuvens Negras. Demotape de Márcio Silva. Arquivo pessoal do mesmo.
114
primeira relação com o medo nuclear. O herói mais poderoso, Dr. Mahatan, que possui
poderes vindos de energia nuclear é acusado de envenenar pessoas próximas e fazê-las
ficarem com câncer, como sua ex-namorada, inimigos e parceiros, refugiando-se em Marte.
uma ameaça nuclear mundial que só finaliza no final da história. Quadrinhos são
percebidos pelo público como leitura de descompromisso, de super-heróis, infanto-
juvenil
270
. Esta história demonstra o que os jovens estavam lendo e identificando-se com
tal ameaça.
Durante os anos de 1980, a Síndrome de Imunodeficiência Adquirida, AIDS, for-
ma-se no consciente de parte dos brasileiros como uma nova epidemia que ocorre apenas
nos homossexuais, mas que poderia contaminar qualquer usuário de drogas ou pessoas com
relação sexual mais liberal. Os jovens roqueiros passam a ter esta nova preocupação. Fábio
Feltrin relata que:
na década de 1980, mesmo tendo nascido sob o rótulo conservador de “câncer
gay”, a AIDS deu origem a fobias e temores, atormentou todos os segmentos
sociais com sua possibilidade irrevogável da morte trágica. As doenças
metaforizadas, como a AIDS, podem atormentar a imaginação coletiva, levando
a uma morte sofrida ou imaginada como tal. Ela é também muitas vezes
encarada como uma doença social na medida em que um processo de
vergonha na publicização dessa doença e de culpabilidade por ter contraído o
vírus responsável pela síndrome.
271
O imaginário dos jovens foi povoado por esta nova doença, metaforizada de várias
formas. Paulo May, guitarrista do Tubarão descreve sua inspiração para a música Black
Suzete: “A letra surgiu quase pronta durante um engarrafamento numa noite chuvosa em
Porto Alegre. De dentro do carro, observava um travesti chorando e, num ambiente
daqueles, fiquei imaginando a razão...”
272
apenas a visão de um travesti chorando foi o
motivo para o imaginário do compositor criar toda a história triste dele.
269
MOORE, Alam & BOLAND, Brian. Watchmen. São Paulo: Editora Abril. 1989.
270
Edgar Morin, ao analisar os meios de comunicação de massa, aborda esta separação das mídias para o
público, os quadrinhos de super-heróis são voltados para o infanto-juvenil. Se considerarmos a teoria de
Stuart Hall sobre composição e decomposição nos meios de comunicação, as editoras criam as histórias
de acordo com o que o público aceita, não unidirecional.
271
SOUZA, Fábio F. F. Op. Cit. P.86
272
Na página do MySpace da banda:
http://profile.myspace.com/index.cfm?fuseaction=user.viewprofile&friendid=138712944. visto em 20 de
abril de 2008.
115
Black Suzete
273
(canção 27)
Black Suzete leu o exame e começou a chorar
Black Suzete ela jurou que agora vai se vingar
Contaminou o silicone da Suzi
Transou de graça ela quis sangrar
Quem será que agora Black Suzete vai contaminar?
Suzete gay não vai mais chorar
Suzete gay agora quer é se vingar
Suzete gay pobre Black
Black Suzete
Black Suzete recebeu a carta de Paris
Shirlei tinha ido era tudo que ela sempre quis
Mas agora o que resta da vida
Suzete faz a cirandinha rodar
Quem será que agora Black Suzete vai contaminar?
O medo não está apenas na doença, mas também em quem se contamina. O travesti
negro retratado é vingativo “Black Suzete faz a cirandinha rodar”, seus sonhos, como ir a
Paris, foram desfeitos não sabendo seu tempo de vida, deixando o choro e partindo para a
vingança, provavelmente contra o mundo que a levou à esta vida e a infectou. Apesar de
que, em 1988, os estudos estavam apenas começando, pois apenas em 1979 a doença foi
descoberta, Juca demonstra conhecimento sobre sua transmissão ao falar “ela quis
sangrar”. O autor reporta ao método de transmissão, sabendo que não é apenas o ato
sexual, mas sim a troca de sangue ou sêmen contaminado. Deste modo, o travesti precisaria
sangrar parar transmitir a doença.
Contrariamente à mensagem da letra (o desespero de Black Suzete), o ritmo é
rápido e alegre, diferente do que se espera quando se fala em AIDS, como a fase de Cazuza
doente, rimo lento e com guitarra base apenas. Em Black Suzete, Juca canta de forma
dançante com riff de guitarras e teclados dando boa base, o contrabaixo, instrumento muito
usado no blues para dar o peso da tristeza, aqui está com pouco volume, fazendo um
acompanhamento no riff da guitarra, esta, inclusive, com um pequeno solo na finalização
da canção. O assunto AIDS foi discutido, porém, ainda não havia sido percebido com o
“terror” dos anos 1990. O ritmo demonstra esta despreocupação, contradizendo a letra.
274
273
MAY, Juca e May, Deca. Black Suzete. In.: Tubarão. Florianópolis: BMG/RCA. 1989. Lado B música 03.
274
O primeiro caso de AIDS que repercutiu na mídia brasileira foi o de Cazuza, este admitindo totalmente
possuir o vírus em 1989, apesar da mídia anunciar seu estado de saúde, chegou a negar ser portador em
1988 no programa de entrevistas de Marília Gabriela, In.: ALEXANDRE, Ricardo. Op. cit. P. 300.
116
Apesar da euforia existente nos anos 1980 para que ocorressem as eleições diretas e
o fim da Ditadura Militar, não encontrei nenhuma canção das bandas catarinenses
analisadas abordando algum tema ligado diretamente à política. Enquanto no Brasil os
conjuntos de rock oitentista, punk e pós-punk, criaram músicas como Inútil da banda
paulista Ultraje a Rigor, ou fazendo discursos como a carioca Barão Vermelho no Rock In
Rio, as preocupações se baseavam no cotidiano dos jovens e no espaço. A jornalista Ligia
Gastaldi, ao ser questionada sobre as influências das 48´s por bandas nacionais, lembra da
mentalidade provinciana, sendo Florianópolis percebida como uma mini-Rio de Janeiro.
Talvez esta seja uma das explicações para não comentar a política nacional, percebendo
que uma cidade como Florianópolis deve pensar em sua localidade, deixando os problemas
nacionais para as maiores cidades do país.
Em sua dissertação de mestrado, Fábio Feltrin de Souza, aborda diretamente este
tema, usando algumas canções e depoimentos de músicos sobre a nova configuração
política do Brasil. Entre vários exemplos citados, escolho o que percebo mais diretamente,
a canção Inútil, do grupo paulista Ultraje a Rigor, em versos como “A gente não sabemos
escolher presidente”, diretamente ligada ao movimento Diretas Já!.
275
. Contudo, percebo
apenas bandas de três cidades, Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília, presentes nos
exemplos de Fábio. Não por acaso, as duas maiores cidades do país e a capital federal,
metrópoles que são percebidas por parte dos outros estados como as principais e de caráter
nacional, não regional. Deste modo são vistas por alguns, como detentoras de um poder
para falar e tentar resolver os problemas nacionais.
275
SOUZA, Fábio, F. F. de. Op. cit.
117
CAPÍTULO III -
UM POR TODOS E TODOS POR MIM
276
3.1 Certos Amigos
No segundo capítulo considerei que o sentido de ser jovem, como conhecemos e
definimos nos anos de 1980, formou-se com as mudanças culturais do pós-Segunda
Guerra. Importante destacar também que é neste período que aparece o estilo musical
denominado rock. Com o desenvolvimento desenfreado da comunicação de massa inicia-
se, com a Guerra Fria, a indústria de comunicação e entretenimento, a qual investe neste
novo mercado consumidor, os jovens. Filmes, músicas e modas criam novos signos,
tomando o que os jovens estão produzindo em determinados grupos e transformando em
produtos para toda uma geração, massificando assim, os signos juvenis. Conforme
descreve Maffesoli:
a imagem vivida no cotidiano, a imagem banal das lembranças, a imagem
dos rituais diários, imobiliza o tempo que passa. Seja a da publicidade, a
da teatralidade urbana, a da televisão onipresente, ou a dos objetos a
consumir, sempre insignificante ou frívola, ela não deixa de delimitar um
ambiente que delimita bem a experiência estética da pós-modernidade.
277
A música é um objeto de identificação destes jovens. As comunidades
emocionais
278
, muitas vezes, são criadas pelos jovens através destas canções e a própria
idéia de conjunto musical é uma ligação com outros podendo fazer parte do grupo
279
.
Tendo a mesma profissão que seu ídolo e sendo ídolo de outros. Mas o espaço de criação
também cria redes de sociabilidade entre os músicos. Daniel Lucena, em sua canção Certos
Amigos, demonstra este sentimento de querer estar junto, da importância do encontro com
o outro:
276
Trecho da música Todos Por Mim do grupo Tubarão, gravada no LP Perdidos no Deserto, BMG Ariola,
1991, faixa 2 lado B.
277
Apud: AMARAL, Adriana. Rock e imaginário: as relações imagético-sonoras na atualidade. In.: Revista
FAMECOS. Porto Alegre. nº 18, agosto 2002
278
Termo cunhado por Maffesoli em seu livro O Tempo das Tribos para referenciar-se ás comunidades não
territoriais, tribos formadas por afinidades éticas e estéticas. Grupos de rock e seu público são exemplos
de comunidade emocional, pois são formados por jovens de várias partes do mundo através de afinidades,
musicais, poéticas ou gestuais.MAFFESOLI, Michel. Op. Cit. pp. 13-44
279
BRANDINI, Op. cit. p. 42
118
CERTOS AMIGOS
280
(canção 01)
No clipe de divulgação, feito pela RBS - TV, em 1984, ficavam todos os integrantes
da banda juntos em um vagão de trem cantando. Novamente o trem, mas todos sendo
guiados e cantando juntos, não com os principais na locomotiva, demonstrando agora sua
inseparabilidade. Cria-se, desta forma, uma rede de sociabilidade entre eles, caracterizando
o movimento presente, as mudanças e experimentações de ritmos e instrumentos dos mais
diversos.
280
LUCENA, Daniel. In: EXPRESSO. Certos Amigos. Florianópolis: Som Livre e RBS DISCOS. 1985.
G D Em Em7
Quando esse trem de alegria vara a vida da gente
C G/B Am7 C/D
Sempre que a estação mais perto é o nosso coração
G D Em Em7
Difícil se saber na hora o que a gente sente
C G/B Am7
Se certos amigos nos mostram que o mundo ainda é bom
C/D
Por saber,
G D Em Em7
Que tendo você do meu lado me sinto mais forte
C G/B Am7 C/D
Quero beijar o teu rosto e pegar tua mão
G D Em Em7
Se cada estrela no céu é um amigo na terra
C G/B Am7
A força do acaso do encontro é uma constelação
C/D
Lumiar,
G D Em
De que planeta você é?
Em7 C G/B Am7 C/D
Eu faço o que você quiser em troca do teu amor
G D Em Em7 C G/B
Posso te dar o que eu sou, amigo é um cobertor
Am7 C/D
Bordado de estrelas - de estrelas.
G D Em Em7
Constelação, nave louca
C G/B Am7 C/D G
A vida é pouca e o que vale é se querer
119
A amizade entre as bandas e, assim, a criação de uma rede de sociabilidade foi
construída principalmente através do encontro em shows e trocas entre as bandas. Estas
redes poderiam ser harmônicas com as bandas ajudando uma à outra, ou até mesmo,
homenageando uma banda amiga. Neste segundo disco, o Expresso demonstra grande
interesse na tribo roqueira 48. Prestam homenagens aos seus amigos de outra banda que
haviam tocado juntos, no caso a Decalco Mania. A homenagem está presente no título da
canção Decalcomania (canção 02). Depois, são várias referências que, segundo Volnei
Varaschim
281
, eles mesmos entendem: É bom que você apareça / antes que aconteça de
eu te encontrar / Viver é um lance de magia, Decalcomania”
282
.
Apesar de o rock ser um aglutinador de membros na formação de tribos, um estilo
ético e estético definido pelas bandas e músicas, a grande tribalização no rock, tendo vários
sub-gêneros com a identificação em cada um deles, isso acontece com maior intensidade
no final dos anos 1970 com o aparecimento do punk. O lema principal deste movimento foi
o do it yourself, ou “faça você mesmo”. Deste modo, os jovens buscaram diversas
inspirações para sua música, o reagge jamaicano, o Hip hop dos guetos estadunidenses, o
Ska caribenho, formando assim, várias tribos dentro do nero rock.
283
Quando as bandas
Faixa 1, lado A.
281
Em resposta em minha página de recados de Orkut dia 14 de abril de 2008.
282
Trecho da música Decalcomania In.: LUCENA, D. e VARASCHIN, V. EXPRESSO. Certos Amigos.
Florianópolis: Expresso Produções, 1985. Faixa 2 lado A.
283
FRIEDLANDER, Paul. Op. cit. p. 352
Cena do clipe: Certos Amigos. Direção: Luiz César da
Silva. RBS-TV, 1984. Filmado no trem e estação de São
Francisco do Sul Joinville. Retirado em:
www.expressorural.com.br, acessado dia 07 de julho de
2008.
120
de rock brasileiras dos anos de 1980 formam-se, além deste contexto mundial estar
concretizado, é nestes novos ritmos que se inspiram.
284
A banda 48 Tubarão inspira-se
neste movimento tribal e compõe, em seu último disco, a canção A Tribo, de forma a
transmitir para os ouvintes a harmonia existente entre elas. A música começa com sons
primitivos, tambores e efeitos lembrando gritos de macacos. O arranjo da música dá
bastante espaço para a pulsação, bumbo e contrabaixo bem acentuados com compasso 4
por 4, tendo duas mínimas sucedidas por quatro colcheias, com influência de músicas
primitivas, sacrificial. Apropriando-me de Wisnik, seria música modal: “assinalo que na
música modal esses conflitos [sacrifícios rituais] são marcados pelas intensidades da
economia sacrificial de base, onde o ruído está sempre no limite de invadir o som”
285
, a
letra cantada com inflexão para influenciar a dança.
A Tribo
286
(canção 03)
A Tribo quer dançar
Toquem os tambores
A Tribo quer dançar
Pintem suas cores
Se é Funk – Blues – Reggae ou Soul
Se é Trash – Rap ou Rock´n Roll
A Tribo quer dançar
Toquem os tambores
A Tribo quer dançar
Pintem suas cores
Dance já dance sem parar
Se é dia é noite a gente quer dançar
Dance já dance sem parar
Se é quente ou frio a Tribo quer dançar
A Tribo quer dançar
Se é Funk – Blues – Reggae ou Soul
Se é Trash – Rap ou Rock´n Roll
A escolha rítmica e os arranjos citados acima estão bem ligados com os temas da
letra: dança, tambores e pinturas. As tribos escolhidas também estão ligadas às tribos que o
rock troca influências, funk, Blues, Reggae, Soul, Trash ou Rap, alguns pouco difundidos
no Brasil quando a música foi lançada, em 1991. Esta afirmação de alguns estilos musicais
284
SOUZA, Fábio F. F. Op. cit.
285
WISNIK, José Miguel. O Som e o Sentido.o Paulo: Companhia das Letras, 2 ed. 2006. p. 34-35
286
MAY, Paulo & MAY, André. A Tribo. In.: Tubarão - Perdidos no Deserto. Florianópolis: RGE. 1991,
121
nega outros. No início da década de 1990, no Brasil, o rock perdia espaço nas dios e
gravadoras para novos neros musicais, como sertanejo, pagode, brega romântico, Axé,
entre outros.
287
O disco, como dito no primeiro capítulo, trazia mudanças na formação, a entrada de
Maurício Cavalheiro no vocal. Não quero discutir a qualidade do cantor, porém o vocalista
é o frontman da banda, o mais visto, mesmo não sendo o compositor ou o líder, é ele quem
conduz a banda ao público. O título do disco, Perdidos no Deserto, também era uma alusão
aos rumos incertos que as bandas estavam passando. Desta forma, uma música chamando
para a união neste momento remete à importância de juntarem-se para não deixar as bandas
e o movimento em que estavam passando acabar.
O rock, nascendo na contracultura, criou estas tribos, resolvendo conflitos
percebidos por estes jovens. Até mesmo músicas mais passionais, como a maioria gravada
neste último disco da Tubarão, davam espaços para as dúvidas e as contestações que a
banda queria dividir com seu público. Como a estudiosa Mônica Nogueira de Assis
comenta:
a Contracultura foi um movimento de contestação ocorrido na década de
sessenta, que preconizava romper com qualquer padrão institucionalizado,
visando à liberdade de expressão. Desta forma, grupos heterogêneos eram
atraídos por um sentimento empático, que os fazia sentir membros de uma
mesma tribo. (...) Nesse contexto, o rock é o estilo musical que representa a
expressão de uma tribo, caracterizado pelo espírito de contestação e que tem
um forte poder de mobilização de massas. Assim, a maneira rocker de ser
determina identidades entre indivíduos múltiplos, gerando uma espécie de
nova agregação social.
288
Não é somente a música e os grupos que construíram esta nova configuração da
cultura jovem. Outros meios de comunicação atingiram os jovens de várias maneiras para
que estas novas tribos aparecessem. Um aliado para a divulgação da música rock foi o
cinema, vinculando músicas com filmes sobre a juventude ou mesmo criando filmes
baseados no movimento. No Brasil, podemos situar nos tempos da jovem guarda, as
Lado A, música 03.
287
Que Rock é Esse? A História do Rock Brasileiro Contada por Alguns de seus Ícones. Rio de Janeiro:
Editora Globo, 2008.
288
ASSIS, Mônica Nogueira de. Cancioneiro transgressor: um estudo sobre a poética da canção em Renato
Russo e Cazuza. Rio de Janeiro: PUC-Rio. Dissertação de Mestrado. Departamento de Letras, 2005. p.09-
10.
122
aparições de Roberto Carlos em filmes como: Roberto Carlos em Ritmo de Aventura ou
Roberto Carlos a 300 Quilômetros por Hora, com músicas do Rei, mas também
ressaltando o movimento juvenil da época. Porém, na década de 1980, os filmes ligados à
juventude não usavam um artista de sucesso para alavancar a produção, criaram roteiros e
convidaram vários músicos para demonstrar todo o movimento que estava acontecendo no
Brasil. Lael Rodrigues cria uma trilogia para apresentar esta juventude, em busca de fama
através da música e suas angústias de não querer seguir o rumo traçado pelos pais. São os
filmes Bete Balanço, Rock Estrela, e Rádio Pirata, que tinham como atrações músicos do
movimento rock do período no elenco.
Com o sucesso dos filmes, as gravadoras tiveram certeza de que era um ritmo
rentável, até porque era muito mais barato gravar o disco de uma banda de rock, com
músicos na banda, sem precisar de muitas contratações ou gravação no exterior como
acontecia com os cantores de MPB.
289
A mídia estrutura um universo capaz de agrupar diferentes tribos, cada uma
identificando-se com músicas e condutas éticas (como visões políticas e sociológicas) e
estéticas (vestuário e ritmos). A indústria cultural padroniza alguns destes valores éticos e
estéticos criando novas condutas para as tribos em formação. Sobre a rede de significados
presente nas tribos Valéria Brandini ressalta:
nesse sentido, a tribo estabelecia-se através de uma noção de ética comunitária
descentralizada e fundamentada no âmbito emocional, no lazer e no prazer de
compartilhar os mesmos valores por meio de rituais (curtir um som, ir a um
show, fundar fã-clubes de bandas), de produzir uma identidade própria e
expressá-la na composição estética. Portanto, a estética (o visual adotado)
tornava-se um meio de experimentar e sentir em comum e também, um meio de
se reconhecer. A teatralidade instaurava e reafirmava a comunidade.
290
No caso estudado, percebemos esta tribalização para diferenciar o rock underground
com o pop rock. Contudo, mesmo dentro destes, certa estética para que isto ocorra. As
roupas pretas das bandas mais undergrounds, Burn e Vanaheim, com cabelos compridos e
uma estética musical mais pesada, mesmo não tendo atitudes ou letras violentas. Sobre esta
estética do preto, é interessante ressaltar um depoimento da jornalista Lígia Gastaldi sobre
289
DIAS, rcia Tosta. Os Donos da Voz Indústria fonográfica brasileira e mundialização da cultura. 2
ed. São Paulo: Boitempo, 2008.
290
BRANDINI, Valéria. Op. cit. P. 14.
123
Medieval, vocalista da Vanaheim:
usa preto, é impressionante. Eu tinha medo dele no começo, sabia? [...]
encontrei com ele naquela de adicionar no orkut, e ele é tão suave, na época
achava um hard, [...] não sei se ele ainda tem a Vidal 58, aquela confeitaria!? Na
época ele tinha. A gente ia na noite, ele tocava, e no outro dia de manhã, quando
a gente ia pra aula, passava e tava ele lá, todo de preto abrindo a padaria.
291
As alterações no início da carreira do Expresso Rural também são exemplos destas
mudanças. Ao usarem roupas mais coloridas ou pintarem os cabelos para apresentações,
fica claro o sentido de urbanização que queriam transmitir ao público, deixar de ser
identificados como uma banda rural. Mudando suas estruturas estéticas, os jovens criam
outras tribos, grupos diferentes podem perceber-se como membros, assim como outros que
se identificavam mais com o rural deixam de escutar a banda. O importante, nesta análise,
são as novas manifestações de tribos criadas com a mudança que, segundo Maffesoli:
a comunidade, por sua vez, esgota sua energia na própria criação, ou,
eventualmente, recreação. Isso é o que permite estabelecer um laço entre a ética
comunitária e a solidariedade. Um dos aspectos marcantes dessa ligação é o
desenvolvimento do ritual. Como sabemos, esse não é propriamente teológico,
isto é, orientado para uma fim. Pelo contrário, ele é repetitivo e, por isso
mesmo, dá segurança.
292
Ao conversar com alguns músicos que fizeram parte das bandas estudadas, como
Zeca Petry, Paulo Back, Murillo Valente e Airton Perrone, todos citaram que antes de pen-
sar em um contexto juvenil, problemas de gerações ou angústias, queriam era viver de mú-
sica. “A música que te escolhe” cita Petry. Esta vontade de viver mais com a música do que
a pertencer a determinada banda ou grupo é caracterizada, no mundo 48, pelas trocas de
músicos que existiam na época. Alguns tentando, inclusive, carreira solo, pois as modifica-
ções, brigas internas ou fim dos conjuntos os levavam a tentar outros meios de viver o rock
e do rock.
Muitos dos músicos tinham outras profissões. Paulo Back, por exemplo, é formado
em Arquitetura e Murillo Valente em Jornalismo. O modo de viver pelo rock era então, o
melhor caminho que encontraram. Alguns trancavam faculdade, pois a vontade de viver de
291
Entrevista concedida ao autor dia 05 de janeiro de 2009.
292
MAFFESOLI, Michel. O Tempo das Tribos. p.25
124
música era maior. A letra da canção Válvula de Escape, da Bandalheia explica bem este
sentimento:
Válvula de Escape
293
(canção 04)
Eu já fiz de tudo na vida e mais um pouco
O que não entendiam era como eu extravasava
Quando provocado dava muita porrada
Batia a vontade pegava uma e me acabava
Daquela loucura então nem se fala
Quando era moto a mãe rezava
Hei! Não faltaram conselhos
Gravata não foi feita pra mim.
No meu caminho sem rumo entrou o rock
Encontrei o som e aliviei a tensão
Procure alguma coisa assim
Não transforme sua vida, num mundo cão
A letra nega diretamente os conselhos familiares para um emprego formal, uma vi-
da que levaria o autor a ter uma vida de cão. Trancar faculdades escolhidas pelos próprios
músicos ou deixar empregos para tentar a vida de shows, demonstra esta vontade de fazer o
que gostam: viver de música.
Cantores da MPB divulgavam seus trabalhos através de festivais, patrocinados pelo
governo militar ou por emissoras de TV nacionais, como Rede Globo e Rede Record. Os
músicos catarinenses, ao tentarem seu espaço, sabiam da dificuldade de entrar nestes
festivais ou de promoverem-se como músicos. O Expresso Rural, para solucionar este
problema, montou um palco provisório no centro de Florianópolis, na praça XV de
Novembro, para apresentar suas canções para o povo. A surpresa foi a aglomeração que
surgiu de público, elogiando o som dos rapazes.
294
Algumas iniciativas de apresentação também foram feitas por particulares. Com
base no Circo Voador
295
, instalado no Arpoador no Rio de Janeiro, foi criado, no ano de
1983, na Lagoa da Conceição em Florianópolis, a Lonazul, uma espécie de palco
293
GERA e CARLA, lvula de Escape. . In.: Bandalheia Otário. Florianópolis: Estúdio 156. 1988, Lado
B, música 02.
294
Paulo Back, em entrevista concedida ao autor dia 16 de setembro de 2008.
295
Um palco idealizado pelo grupo teatral Asdrúbal trouxe o Trombone na praia do Arpoador no Rio de
Janeiro em 1982. Entre as várias bandas que se apresentaram, destaco Kid Abelha e os Abóboras
Selvagens, Barão Vermelho, Lulu Santos e a própria Blitz. Como já dito, a banda florianopolitana Decalco
Mania também se apresentou lá.
125
alternativo para apresentações cênicas e musicais. Idealizado por Ney Piacentini e Fátima
Lima, o projeto aconteceu em dois anos, 1983 e 1984, o que consagrou inúmeras bandas.
296
A Banda de Nêutrons retorna em 1984, especialmente para o evento, com uma levada mais
para o New Wave, deixando um pouco de lado o jazz. Ratones, Gota D´Água e Decalco
Mania foram outros grupos que participaram. A importância do projeto foi a divulgação e
fortalecimento de um movimento que estava acontecendo na Ilha, com fãs se esforçando
para poder assistir: “Eu lembro que numa das edições eu tive que voltar da Lagoa ao
Centro a pé. Era uma loucura.”
297
A recordação da jornalista Lígia Gastaldi é um bom
modo de percebermos o estímulo dos jovens para participar de alguma forma. Se não
tocando ou atuando, assistindo, marcando presença no momento do acontecimento.
Os festivais eram bons divulgadores de trabalhos para bandas pouco conhecidas.
Todavia, também ocorreram, no período estudado, shows feitos em conjunto para uma
maior arrecadação de público. O show mais antigo que encontrei com várias destas bandas
aconteceu em 1982, no estádio Orlando Scarpelli, com as bandas: Expresso Rural, Ratones,
Convidado Especial e Banda de Nêutrons. Esta última, uma banda de rock progressivo que
tinha como um de seus integrantes Márcio Corrêa, posteriormente se tornou tecladista do
Expresso Rural.
296
O Estado 19 de fevereiro de 1984. p. 31.
297
Em entrevista concedida ao autor dia 05 de janeiro de 2009.
Cartaz de show conjunto com bandas catarinenses em
Florianópolis, 1982. Arquivo pessoal de Paulo Back
126
Durante os anos de 1980, vários destes festivais aconteceram com as bandas
citadas, mas alguns tiveram maior divulgação na mídia com uma visibilidade maior pelo
público, até mesmo, chamando bandas de renome nacional para crescer ainda mais o
público, como no caso do Antena 1 Rock Concert. Promovido, obviamente, pela rádio
Antena 1, teve a participação das bandas catarinenses: Burn, Alta Voltagem, Têmpera,
Decalco Mania, Olho D´Água e Capuchon, além dos cantores Beto Mondadori e Maurício.
Das bandas nacionais, ressalto as mais famosas, RPM, Made In Brasil e Gang 90 e os
cantores e Kiko Zambianchi, todos de São Paulo, e Lobão do Rio de Janeiro.
298
Influenciado pelo Rock in Rio, este festival durou dois dias e nele os músicos trocaram
experiências e perceberam a postura no palco dos músicos de renome nacional, criando-se
assim, uma rede de sociabilidades entre os músicos por todo o Brasil. Lembrando que foi
neste ano que o Decalco havia feito uma mini turnê no Rio de Janeiro, deste modo, era
uma banda com contatos fora de Santa Catarina.
A vontade de alcançar o público jovem foi o principal interesse da rádio Antena 1,
ao organizar um evento deste porte. Suas propagandas posteriores pautavam para este
público, direcionando o modo de ser do jovem, como o slogan encontrado em jornais dos
meses posteriores que demonstram isto:
Este festival demonstrou como Santa Catarina poderia comportar espetáculos
298
O Estado. 22 de setembro de 1985, p.17.
O Estado, 06 de novembro de 1985
127
nacionais voltados para o público jovem. A partir de 1986, abrem-se boites voltadas para
shows de público juvenil, trazendo muitas bandas nacionais para se apresentar. Agora,
como apresentações principais, dificultando o aparecimento de novas bandas.
Na década de 1980, alguns festivais se destacavam no cenário catarinense.
Percebendo um público cada vez maior escutando as músicas com levada mais pop-rock,
feitas para as mídias, algumas cidades apostam neste público. Em Florianópolis, as praias
foram palcos para alguns destes festivais, sendo o maior deles a Abertura do Verão.
Acontecendo na praia da Joaquina, teve grande repercussão na mídia, inclusive o
apresentador, colunista do jornal O Estado na época, Cacau Menezes, realizou sorteio de
bicicleta para melhor performance entre um rapaz qualquer do público que estivesse de
cueca verde e uma moça com calcinha roxa, para dar um clima de descontração no
espetáculo.
299
Importante destacar que este festival foi voltado para bandas locais,
organizado pela prefeitura de Florianópolis. Apenas Sandra de foi a atração nacional,
porém, os elogios de Rosane Porto e de Cacau Menezes, os dois no jornal O Estado, foram
para as bandas Decalco Mania e Ratones, ambas do mundo 48. Estes dois jornalistas
citados, ao comentar sobre o evento, discordam no sucesso deste. Rosane divulga, em
matéria de capa, que o vento sul e a repressão policial abafaram o público, não tendo
platéia suficiente para ser considerado um bom evento, enquanto Cacau discorda da colega,
chegando a citar o programa dominical da Rede Globo, o Fantástico, divulgando o sucesso
do evento.
300
Os Festivais foi um modo em que as prefeituras encontraram para “presentear” a
população. Nos anos de 1980, as bandas escolhidas para tocar em shows e festivais, tanto
em cidades do interior, como na capital, eram grupos catarinenses de sucesso, tratados
como grandes astros. Percebo uma diminuição nas apresentações de bandas locais a partir
de 1986, um ano depois do Rock in Rio, festival em que bandas como Blitz e Barão
Vermelho tiveram grande repercussão nacional, aumentando seus shows para outros estados
fora de eixo Rio - São Paulo, enquanto nestas cidades aumenta o número de grupos e
cantores internacionais. Se percebermos, até o final dos anos de 1990, os espetáculos são
com apenas bandas de renome nacional. O Planeta Atlântida, promovido pela rádio
299
PORTO, Roseane. Vento Sul compete com descontração na Joaquina. In.: O Estado. 27 de dezembro de
1984. p 05.
300
O Estado. 27 de dezembro de 1984. p. 17.
128
Atlântida do Grupo RBS, é um bom exemplo, considerado, por algumas mídias, o maior
festival de verão de Santa Catarina. Quando bandas locais, tocam ainda à tarde ou
apenas para abrir o festival, ou então são colocadas em palco alternativo, não mais como
atração principal, como no caso da Abertura do Verão citado anteriormente ou do Antena 1
Rock in Concert, em que mesmo com bandas nacionais, o tratamento, pelo menos em
divulgação e respostas dos jornais, foi maior para as bandas locais.
Outra forma de vencer as dificuldades encontradas era através da gravação e
divulgação de um disco em conjuntos com outras bandas. Assim, os dois grupos 48,
Tubarão e Expresso, optaram por gravar cada grupo um lado do disco, lançado em 1988. O
terceiro disco do Expresso era para chamar-se Ímpar e ser apenas do Expresso, assim como
o Tubarão estava gravando seu 1º LP solo, mas com a crise afetando a indústria fonográfica
no Brasil, este teve que ser o resultado.
Mudanças, trocas, instabilidades, conflitos, são características próprias dos
jovens
301
. Segundo Maffesoli, também no rock: “enfim, como indício da volta à errância
nas sociedades contemporâneas, pode-se lembrar uma idéia obsedante marcando a história
do rock, o tema da ‘pedra que rola’, uma constante que merece atenção”
302
As mudanças, muitas vezes, também estão marcadas com a lógica do mercado da
indústria cultural, principalmente quando relacionada à cultura de massa, como o rock.
Mesmo Juca May, que cita “nunca tive a pretensão de viver de música, embora tenha ganho
um bom dinheiro com ela. Eu sou médico, meu irmão (Deca May, contrabaixista do grupo)
é advogado / empresário e o Beto (Chede, baterista da banda que permaneceu por mais
tempo) engenheiro químico / comerciante”
303
, em outro momento, registra os motivos da
mudança de Ratones para Tubarão:
Ratones e Expresso Rural já existiam quando a Blitz estourou. O Ratones
totalmente anos 70 e o Expresso totalmente folk/country/regional. De uma hora
301
“Todos os jovens ocupam uma posição de transição semelhante assim que saem da família em que foram
criados para o sistema econômico e social ao qual devem afinal adequar-se; todos os jovens possuem, em
outras palavras, um status marginal.” In.: FRITH, Simon. Rock as Leisure. In.: Sound Effects: youth,
leisure and the politics of rock´n roll. New York: Pantheon Books, 1981, p. 20. Concordo com o autor ao
considerar as dificuldades da adolescência, não importando se rebelde ou não, mas não generalizo como
Frith ao considerar a dificuldade na transição por “todos” os jovens. Vejo esta generalização semelhante à
percepção massificada presente no século XX.
302
MAFFESOLI, Michel. Sobre o Nomadismo vagabundagens pós-modernas. Tradução: Marcos de
Castro. Rio de Janeiro: Record, 2001. p. 34.
303
Entrevista concedida em minha página de recados do Orkut dia 26 de setembro de 2007
129
prá outra, nos vestimos de "new wave", com aqueles infames paletós com
ombreiras, mudamos os arranjos das músicas (o Ratones passou tudo pro
português e virou Tubarão), colocamos aquele chorus
304
obrigatório no som das
guitarras, um sintetizador (teclado era quase que obrigatório na época) e
deixamos os grooves mais mecânicos/eletrônicos. Daí...voilá! Duas bandas "new
wave" nas paradas.
305
A indústria cultural pode não ser determinante, mas no caso do Tubarão, fez
diferença a idéia da gravadora. A percepção do que está acontecendo e principalmente quais
os estilos que estavam fazendo sucesso, foi determinante nas mudanças, não como forma de
perda de identidade. Está em constante construção como Hall afirmou, mas construindo-
as conforme uma absorção econômica e cultural da indústria. Afinal, o sonho de ser um
pop-star está ligado à identidade do público com sua música. A decodificação passa a ter
um propósito maior, a idéia de sucesso. Porém, suas letras e células rítmicas continuam
semelhantes, modificam-se os arranjos, velocidades e estilo visual.
3.2. Deuses Violeiros
As gravações, na década de 1980, tinham como principal meio o vinil, um método
caro, em que o material usado para a confecção tem um custo elevado. Já falamos da falta
de acesso às majors das bandas catarinenses e, para piorar, depois da explosão do rock
nacional após 1982, as gravadoras tinham privilégios sobre a matéria prima do vinil. A
independência, apesar de ainda existir e ganhar força no eixo Rio - São Paulo, na capital
catarinense ficava praticamente impossível. Até mesmo as bandas que gravaram seus
discos de forma independente acabavam precisando de algum auxílio, ou tinham capital
guardado para isso. A Tubarão, que gravou o Ratones, disco que levava o nome antigo da
banda, de forma independente, teve auxilio do grupo RBS e o Expresso, que também
gravou seu segundo LP através deste grupo de comunicação.
Bandas pequenas, ainda começando, precisavam de maiores incentivos e
investimentos por parte de gravadoras, empresas ou governo. Como isto não aconteceu,
304
Este efeito cria a multiplicação da fonte sonora por meio da combinação de um delay bem curto [...] com
leves desvios de tonalidade e afinação. Delay: Efeito que cria repetições de um mesmo som.
305
Na página do MySpace da banda:
http://profile.myspace.com/index.cfm?fuseaction=user.viewprofile&friendid=138712944. Em 20 de abril
de 2008.
130
resolveram se unir e gravar um disco conjunto. Vem desta idéia o disco Projeto Ilha
306
.
Gravado e produzido no Estúdio Mix, em São José, de Chico Thives, ex-Grupo Engenho,
trazia músicas, além do próprio Chico, de grupos como Camisa de Força, Seixo Rolado,
Século Astral, Anjo, Sobrinhos de Beethoven (este tinha como tecladista um molequinho
chamado Carlos Trilha, que depois tocou com Tubarão, Tiamats e faria carreira nacional
tocando com Leo Jaime, Legião Urbana e hoje toca no grupo Tantra além de ser sideman
da cantora Ana Carolina), além do cantor e compositor Rogério Orozko, que depois gravou
um disco solo. Esta pode ser considerada a primeira tentativa independente de grupos se
firmarem no cenário rock da cidade. Independente, pois foram as próprias bandas que
arcaram com os custos do projeto, e a distribuição foi feita pelos mesmos nas lojas.
307
Para
o produtor Charles Monforte, divulgador da gravadora e produtora paulista, Paradoxx:
para ter o status de independente, a empresa tem de percorrer toda a cadeia,
desde o conceito abstrato até a colocação do produto na prateleira. Mas não
pense que isso precisa ser grande. Há gravadoras pequenas que dominam o
processo de cabo a rabo ainda hoje, valendo-se da força que pode ter uma
distribuição por correio. Quando se fala de gravadoras segmentadas, que são as
que escolhem produzir determinado estilo musical ou estilos afins, é possível
criar canais de distribuição que não sejam um mero atacado e varejo para o
lojista, mas que consiga, por intermédio da internet, do correio e do telefone,
uma venda final superexpressiva, de até 50% ou 70% de seu total de vendas. A
gravadora independente não faz, necessariamente, mais grana do que um selo.
Existem selos com grandes artistas, mas que têm vendas terceirizada. É mais
importante o que ele faz do que quanto ele fatura; é dominar as etapas.
308
No caso do disco estudado, a Estúdio Mix poderia ser considerada independente,
porém o processo de prensagem da obra ainda ficou a cargo de uma empresa paulista, não
tendo este tipo de tecnologia em nosso Estado. A noção de independência poderia ser
contestada, ainda necessidade de uma parte ser terceirizada. Todavia, acredito ser algo
com o custo muito elevado para uma gravadora independente possuir, e a prensagem não
passa pelo processo de criação ou divulgação, principais etapas para a caracterização de um
grupo.
A divulgação e distribuição caracterizam o grupo, pois não um empresário da
gravadora impondo lugares para sua música estar relacionada, tocando apenas em espaços
306
O Estado 21 de agosto de 1985, 2º Caderno.
307
Ibdem.
308
Apud: BRANDINI, Valéria. Op. Cit. P. 66.
131
identificados pela banda como parte de sua tribo. A divulgação passa pelo modo artesanal,
levando os discos nos shows para vender, cartazes artesanais e folders para apresentar a
banda para o público.
Apesar de todos se considerarem roqueiros, ao escutarmos o disco, classificamo-lo
em diferentes sub-gêneros. Sobrinhos de Beethoven mais progressivo, dando bastante
ênfase nos instrumentos, o vocal leva mais de dois minutos para aparecer e, mesmo quando
surge, fica em segundo plano. A preocupação maior é com o arranjo instrumental, diferente
de Espectros Humanos, com os instrumentos tocados com distorção e o vocal bem nítido.
A letra já foi analisada anteriormente, porém relembro o refrão: “Morte / Morte aos Papas /
Aos homens dementes / Á sociedade presente”. A destruição da sociedade constituída, os
líderes, religiosos e políticos devendo ser mortos.
Enquanto a maior parte das composições escolhidas para a coletânea é ligada à
natureza, com bastantes violões e levada mais rural, o Camisa de Força é um grupo mais
pesado com instrumentos distorcidos e letras mais contestatórias. O Sobrinhos de
Beethoven também se diferencia pelo arranjo dos instrumentos, sua levada bem trabalhada
no campo harmônico, sem diferenciação entre os instrumentos, sendo a voz também parte
deste arranjo, não algo separado como nas canções mais tradicionais. Estas escolhas
demonstram a variação de subgêneros do rock dentro da Ilha, além da cumplicidade entre
Detalhe da capa do 2º caderno do jornal O Estado 21 de agosto de 1985.
132
estas diferentes tribos. Aqui, apesar de podermos diferenciar os aspectos dos sub-gêneros,
percebemos como estão ligadas as tribos dentro de um projeto, não produzindo vários
discos com um estilo cada, mas um com vários estilos.
As outras canções presentes no disco das bandas Século Astral, Seixo Rolado, Anjo
e Sol Nascente seguem o estilo do rock rural setentista, semelhante ao que o Expresso
Rural estava fazendo. Contudo, não há inovações buscando outras sonoridades, como
reggae ou New Wave, com destaque para as cordas e vocal bem trabalhado, subindo para
agudos e voltando para o tom principal, não usando apenas a escala maior como as bandas
dos anos 1980. Quando lançado o LP, já haviam conseguido sucesso as três maiores bandas
da região, Expresso (já no estilo mais urbano), Tubarão (também já haviam modificado sua
sonoridade e nome) e Decalco Mania. Mesmo assim, os grupos assumem esta atitude rural,
mantendo letras com mensagens positivas, preenchendo a lacuna deixada pela mudança do
Expresso. Uma das canções do grupo Seixo Rolado, tem como título “Deuses Violeiros”,
uma ligação com a idéia de heróis da guitarra instituída na década de 1970 substituindo a
guitarra, instrumento elétrico, pelo violão acústico. No encarte, a banda faz algumas
homenagens, sendo o primeiro homenageado Zeca Petry, ex-Expresso Rural, quem mais
lutava para manter a ruralidade na banda.
Deuses Violeiros
309
(canção 05)
Foram deuses violeiros
Que abriram espaços no ar
Pra que eu aprendesse a tocar
Todas essas canções
E eu como um ébrio de sons
Embebi infinitos refrões
Clareia simplesmente
O sonho é real não precisa ser nada igual
Rebelde do voz
Felino e feroz
Posso ser
Repente de tons
Que o vento espalhou
E aos olhos prescrevo
Nossa luz que exala o luar
Pode ser uma força que faça cantar
Cantar
309
SEARA, Guto. Deuses Violeiros. In.: Projeto Ilha. São José: Estúdio Mix, 1985. Lado B, música 04.
133
Ponho fé num caminho
Que me faça sentido
Mas não ando sozinho
Sempre nós
Sempre nós de mão dadas queremos brilhar
Não faremos distante um mundo melhor
Nas mentes abertas seremos na certa
[inaudível] no chão
Seremos irmãos
Um só coração
Sempre nós de mão dadas queremos brilhar
Não faremos distante um mundo melhor
Nas mentes abertas seremos na certa
[inaudível] no chão
Seremos irmãos
Um só coração
A introdução traz solo de flauta acompanhado por um violão ovation, instrumentos
muito usados de forma a lembrar a ruralidade. O companheirismo e inspiração que a letra
retrata são mais evidenciados com o uso de um coral, após algumas frases de Guto Seara o
vocalista principal, dando a idéia de apoio e continuidade de um grupo sobre o que foi
cantado anteriormente. Não destaque para o contrabaixo, apenas fazendo uma levada 4
por 4 com semínimas e mínimas, com poucos compassos diferentes, dando o grave nas
cordas apenas e marcando o pulso. Esta levada de contrabaixo maior destaque para o
violão, pois é uma corda e não o bumbo que leva a pulsação de todo o conjunto. Bandas
como Almôndegas, 14 Bis e A Cor do Som, da década de 1970 possuem esta levada. Isso
demonstra que os grupos deste disco (com exceção de Sobrinhos de Beethoven e Camisa
de Força), com a mesma célula rítmica do contrabaixo, ainda estavam ligados ao rock
brasileiro setentista, não se modificando como o Expresso Rural já havia feito.
Outra relação de companheirismo existente neste projeto é a troca de músicos entre
as composições. Os dois cantores solo, Orozko e Chico Thives, ao compor sua banda de
apoio, se apropriam dos instrumentistas das outras. Douglas, Baixista, o guitarrista Heitor
Bittencourt e Rogério Porto, todos do Século Astral tocam com Orozko, assim como os
músicos do Seixo Rolado apóiam Chico Thives. Mesmo uma banda pronta, Grupo
Nascente pede para Carlos Trilha do Sobrinhos tocar em sua canção
310
. O sentimento tribal
se mescla com uma necessidade de criação de espaço, para enfrentar dificuldades
310
Informações obtidas no encarte: Projeto Ilha. São José: Estúdio Mix, 1985.
134
encontradas na produção de um LP.
Na década de 1980, eram comuns os LP´s com vários compositores, conhecidos
como “pau-de-sebo” pela idéia principal da gravadora: apresentar vários grupos para o
público. O que se sobressair grava um LP sozinho. Neste trabalho, o motivo do
agrupamento e várias faixas de artistas diferentes não é a competição, mas um
fortalecimento para enfrentarem a mídia excludente para novidades e as dificuldades
financeiras encontradas.
Com o sucesso do projeto, em 1987, acontece o Projeto Ilha II. Este, porém, mais
ligado aos músicos de carreira solo. Dos participantes da versão anterior, retornam Chico
Thives, Orozko e, agora solo, Carlos Trilha. Apenas duas bandas participam: Metrópolis
com duas composições e Terra Verde. Neste projeto, as bandas também arcaram com os
custos de cada música, alguns conseguindo patrocínios, lembrando que já havia entrado em
vigor a chamada Lei Sarney para incentivar a cultura.
As trocas continuam existindo. Os músicos mesclando-se em diferentes canções,
como uma banda única. Carlos Trilha, por exemplo, além de compor e tocar a única música
instrumental dos dois Projetos, toca teclados com Orozko, banda Metrópolis, Jorge Lacerda
e Daisy, só para citar um exemplo. Os temas das canções continuam sugerindo a ruralidade,
com títulos como Terra Verde, Luz da Manhã ou Céu Azul II, ressaltando características da
natureza. As letras também traziam este tema: “belo como flor de laranjeira / meu amor
nasce à beira / de um riacho de ilusão”
311
assim inicia-se a música Belo de Jorge Lacerda.
O arranjo também segue estes padrões. Quase todas as músicas têm o violão como
instrumento principal, tocado com dedilhados fortes. As exceções ficam com a
instrumental Sideralismo, de Carlos Trilha e as duas composições da Metropólis: 747 e
Diferenças.
747
312
(canção 06)
Semanas se passaram
Tanto tempo sem te ver
Beijos se gastaram
Noites em claro sem você
Amores impossíveis
311
LACERDA, Jorge Tavares de. Belo. In.: Projeto Ilha II. São José: Estúdio Mix, 1987. Lado B, música 01.
312
GOEDERT, Mauro & Gomes, Wilfredo. 747. In.: Projeto Ilha II. São José: Estúdio Mix, 1987. Lado A,
música 04.
135
Queria mesmo era te ver
Agora eu já sei
O 747 tomei
Agora meu bem
Só no ano que vem ...
Copos se quebraram
Um adeus então gelei
Histórias mal contadas
Nosso caso terminei
O tema da música continua sendo as relações amorosas conturbadas. Os
desencontros de um casal é um tema bem abordado por várias das bandas pesquisadas. Não
colocando o amor num pedestal, elogiando a mulher amada ou tendo saudades, mas sim
falando do amor complicado, incerto. Temas apresentados pelos meios de comunicação
como característicos da vida dos jovens pós-anos 1950, com suas incertezas de futuro e
vida ligada ao presenteísmo. Não grandes mudanças de tom no vocal, sendo este mais
falado. O ritmo continua dando a característica musical e, novamente, características do
rock mais urbano. As outras composições do disco o vocal tem grandes subidas de agudo,
subindo para sétima, quase uma oitava acima.
3.3 Crime Perfeito
Outro exemplo deste companheirismo entre algumas bandas é o disco “Crime
Capa: Projeto Ilha. São José: Estúdio
Mix, 1985.
Capa: Projeto Ilha II. São José: Estúdio
Mix, 1987.
136
Perfeito”, de 1985. Alguns integrantes do Expresso (Daniel Lucena e Volnei Varaschin)
fazem uma coletânea com os principais músicos com levadas rock de Florianópolis,
(diferente do antigo projeto da RBS, Som da Gente de 1984, com artistas catarinenses, não
importando o ritmo, com Engenho, Expresso Rural, entre outros) tentando, desta forma,
obter mais espaço em rádios, shows e nas gravadoras.
Para a produção deste disco, foi criado um selo independente. Diferente do Projeto
Ilha, não era uma gravadora. Alugaram um estúdio em São Paulo, Estúdio Mosh, e os
músicos viajaram até para fazer as gravações. Tinham produtores do selo, não foi feita a
produção por cada uma das bandas, mas sim por Ricardo Pilatti e Beto Mondadori, donos
do selo Jacaré Produções. De acordo com a socióloga Valéria Brandini, os selos foram
criados para fazer frente às grandes empresas, usando de seu aparato tecnológico para os
autores gravarem seus discos. Nos anos de 1980 e início dos anos 1990, o selo foi se
difundido pelo número de bandas que iam se formando e as poucas portas abertas para
mostrarem seu trabalho
313
.
conhecidos como “indies” ou “independent labels”, os selos não possuem
sempre o porte de pequenas empresas, mas sempre dependem do escoamento da
produção fonográfica. O selo comporta todas as etapas do processo de produção
da música e manufatura dos discos: da descoberta do artista, da gravação em
estúdio, da mixagem até da produção gráfica da capa e encarte. (...) uma
motivação ideológica evidenciou-se nesse trabalho pois, como diz o produtor
musical Pena Schmidt, “selo é coisa de autor”, cada um deles possui uma linha
de trabalho musical específica que determina a escolha do artista, de acordo
com uma proposta fundamentada em valores estéticos ou ideológicos,
responsáveis pela definição do gênero musical, subgênero e estilo a serem
trabalhados.
314
313
BRANDINI, Op. cit. pp.62-64
314
Ibdem. p 63.
Símbolo do selo Jacaré Produções. Detalhe da contracapa: Crime
Perfeito. Florianópolis: Jacaré Produções. 1986.
137
O selo Jacaré Produções fez apenas um trabalho, uma coletânea com os principais
músicos que se identificaram com o padrão estético musical do rock oitentista, pós-punk
principalmente as levadas de New Wave, como as bandas Decalco Mania, Alta Voltagem,
Vanaheim, Olho D’água e Big Ben, além de músicos solos como Beto Mondadori, Daniel
Lucena e Fernando Bahia, tentando, desta forma, obter mais espaço em rádios, shows e
gravadoras. A canção principal do disco, Crime Perfeito”, é uma grande festa com todos
os cantores fazendo o vocal de cada estrofe e cantando, juntos, o refrão. Semelhante aos
projetos de ajuda humanitários tão famosos nos anos 80, mas com grande irreverência por
parte dos integrantes, demonstrando sua luta para conseguir manter o rock ilhéu:
Crime Perfeito
315
(canção 07)
Com tanta campanha no mundo
A nossa turma sem fundo
Também quer o direitcho
Queremo ficar por cima
Transar muita menina
E impor mais respeitcho
E com essa fome tamanha
Aqui vai uma campanha
Em nosso próprio proveitcho
Pedimo grana pro padre
Pro pai da rapaziada
E também pro prefeitcho
Prá gravar esse disco
E mostra pras menina
O que nós temo no peitcho
E quando a rádio tocar
Nós vamo acreditá
Que esse disco tá feitcho
We are the Estreitcho, we are the Estreitcho
É tão gostoso pensar
Que a gente vai fabricar
Um disco do nosso jeitcho
Podendo barbarizar
E sem aviso trocar
Segundo nosso conceitcho
315
LUCENA, D. e VARASCHIN, V. Crime Perfeito. In.: LUCENA e VARASCHIN (org.). Crime Perfeito.
Florianópolis: Jacaré Produções. 1986. Faixa 5, lado B.
138
A grana que pintar
A gente pode aplicar
Em outro crime perfeitcho
We are the Estreitcho, we are the Estreitcho
O Expresso, neste momento, estava recém voltando de seus shows na Europa e
tinha prestígio perante a secretaria da cultura, patrocinadora do disco, e também com as
rádios e gravadoras da capital catarinense. Percebemos na música a vontade de contrariar o
que está instituído. Não seguir regras gramaticais e expressar o que realmente querem com
este disco “Queremo ficar por cima / Transar muita menina / e impor mais respeitcho”.
Aqui o humor e o preconceito definidos contra o pessoal do Estreito, parte continental
da cidade: “Estávamos fazendo uma brincadeira pra provocar os moradores do Estreito, por
isso explodir a ponte e finalizar as frases com o sotaque deles, acabando com ‘tcho’”.
316
Também brincam com as campanhas humanitárias desenvolvidas nos anos de 1980,
referência direta à campanha We are the world. Novamente com irreverência, deixam claro
que a ajuda não é para os outros, mas para eles mesmos “Com tanta campanha no mundo /
e a nossa turma sem fundo / também quer o direitcho / [...] / aqui vai uma campanha em
nosso próprio proveitcho”. Ressaltar este movimento é perceber que o grupo coloca-se
informado e inserido nos movimentos mundiais, porém demonstrando as diferenças e os
aspectos que destacam sua individualidade perante os outros grupos.
A capa do disco demonstra as idéias de desconstrução da sociedade estabelecida,
trazendo o trágico para a capital, explodindo a ponte Hercílio Luz, o símbolo máximo da
cidade, o Crime Perfeito. “É esta a ‘sabedoria dionisíaca’. Trata-se de outra sabedoria, vale
dizer, uma sabedoria integradora da alteridade, qualquer que seja ela [...]. A crueldade,
portanto, tem seu lugar na socialidade pós-moderna.”
317
As cores da capa também
estabelece o sub-gênero new wave do disco, mesmo trazendo a banda Vanaheim que tem
uma batida mais pesada é Bruno Sala, o Medieval, vocalista da Vanaheim, o único na capa
com camiseta preta, cor muito marcante em bandas de sonoridade mais pesada. Realmente,
é a faixa mais metal do disco com a canção Espiral de Matança, discutida. É um disco
leve e dançante, bem fácil de ser absorvido pela massa, com as características pop para
316
Daniel Lucena em entrevista concedida ao autor dia 22 de outubro de 2007.
317
MAFFESOLI, Michel. A Parte do Diabo Resumo da subversão pós-moderna. Rio de Janeiro: Editora
139
uma grande vendagem e assim, talvez, facilitando a gravação de discos solos e o
crescimento do rock ilhéu.
A destruição da ponte Hercílio Luz demonstra a visão da cidade como um ator
social, com os roqueiros atacando-a para contrariar as normas impostas. Segundo
Maurício Muniz, o idealizador da capa: “olha, quase todo mundo gostou de cara da
idéia, sempre tive problemas com as pontes e quando falaram o nome eu pensei num
crime perfeito, não do sentido da expressão, mas do ponto de vista da perfeição pra
cidade, sem ponte, sem turistas, sem invasores”
318
. Cerutti aborda a importância de
perceber a cidade como este ator, pois
consiste portanto em interrogar sobre a construção das categorias dos
atores sociais que a habitavam e sobre a construção das categorias atuais.
Em lugar de considerar evidente o pertencimento dos indivíduos a grupos
sociais, é preciso inverter a perspectiva de análise e se interrogar sobre o
modo pelo qual as relações criam solidariedades e alianças, criam, afinal,
grupos sociais.”
319
A relação cidade / ator social merece um pouco de atenção, pois é neste ator que
terão as formações dos grupos sociais. O projeto teve apoio da secretaria da cultura do
Estado. Porém, quando questionado sobre este apoio, Daniel Lucena aborda o mínimo
apoio que tiveram, apenas alguma pequena contribuição
320
. A própria letra cita as
instituições sociais deres da sociedade: família, Igreja e estado, com os músicos
pedindo sua contribuição para a concretização do trabalho. Apesar de contribuir para
projetos como o “Crime Perfeito”, são os compositores (aqui também sociais) que
escolhem as músicas e todo o projeto gráfico, então a contribuição, mas são estes
compositores que desenvolvem o fato estudado, a composição do disco, como diz nos
créditos finais, ao identificar os músicos na última faixa “vocal: todos ‘Cúmplices’”.
321
Record. 2004. p.149
318
Entrevista concedida em minha página de recados do Orkut dia 22 de outubro de 2007
319
CERUTTI, Simona. Processo e experiência: indivíduos, grupos e identidades em Turim no século XVII.
In.: REVEL, Jacques (org.), Jogos de Escala A experiência da microanálise. Rio de Janeiro: Editora
Getúlio Vargas. 1998.p. 183
320
Em entrevista concedida ao autor dia 22 de outubro de 2007.
321
O disco foi praticamente todo confeccionado pelos próprios compositores, Beto Mondadori foi o diretor
de produção; Kaw Regis, diretor de estúdio; Arte e programação visual: Maurício Muniz; Coordenação
artística: Daniel Lucena e Volnei Varaschin; Assistentes de Estúdio: Bahia e Masquinhas; Técnico de
gravação e mixagem: Paulo Farat e Luiz Paulo também como Técnico de gravação. Todos os citados,
exceto Maurício Muniz, participaram também das gravações como músicos. Além disso, a Jacaré
140
A idéia destes jovens “criminosos” poderia estar sendo motivada pela ponte ter sido
interditada, ficando sobressalente, tendo que dar lugar ao novo, como eles queriam,
sobressair-se do antigo. Mesmo que a brincadeira de se apropriar do sotaque dos
moradores do continente e a destruição da ponte possa ser uma referência à separação da
ilha com o Estreito, vale lembrar sobre a interdição da ponte Hercílio Luz em 1982, e a
única ligação com o continente era pela ponte Colombo Sales, inaugurada em 1975.
Somente em 1991, com a finalização das obras da terceira ponte (Pedro Ivo), é que
voltou à Colombo Sales não ser mais a única. A ponte Colombo Sales foi a única
ligação entre a região insular com a continental. Explodir a Hercílio Luz não
representaria a separação, desta forma é a explosão da ordem instituída, do antigo de
Florianópolis, para assim construírem uma nova cidade.
Produções era do Daniel Lucena, Beto Mondadori e Ricardo Pillati, e até mesmo o símbolo tem a relação
Capa do Disco Crime Perfeito. Florianópolis: Jacaré
Produções. 1986.
141
3.4 Aeroforça - Os espaços do rock
As construções e interdições nas pontes eram apenas algumas das mudanças
urbanas que vinham ocorrendo na cidade. A construção do Terminal Rita Maria, do
Centro Integrado de Cultura (CIC), Shopping Center em São José, organizações para a
prática de surf, tudo isso já foi indicado como grandes mudanças para o aparecimento da
cultura jovem no mundo 48. Alguns bares abriram dando espaço para a apresentação de
bandas como o Taj Mahal, localizado na SC 401, próximo ao antigo jornal O Estado,
com capacidade para um público de 1.200 pessoas, apelidado pelo jornalista Miro, do
jornal O Estado, de A Fábrica do rock
322
. Alguns outros espaços foram abertos
pensando em algum grupo específico. O restaurante Vagão permitia a banda Olho
D´Água tocar e ensaiar nos fundos do restaurante.
323
Estes espaços abertos não tocavam apenas rock ou tinham uma programação
específica para bandas locais. Deste modo, não chegou a constituir um território
exclusivo para as tribos roqueiras. As próprias tribos se identificavam como roqueiras,
diferenciando-se de outras. Contudo, a falta de um território de rock não estimulou
trocas maiores entre elas ou a aglutinar outros membros, ficando assim, as bandas e seu
público, não uma tribo com um território para trocas e vivências. Diferencio espaço e
território usando a definição de Claude Tain:
[...] o espaço é anterior ao território. O território se forma a partir do espaço, é
resultado de uma ação conduzida por um ator sigmático (ator que realiza um
programa em qualquer nível) (...) Nessa perspectiva, na medida em que o espaço
passa a ser vivido, tomado por uma relação social de comunicação e
representado pelo ator, não é mais espaço, mas a imagem de espaço, ou melhor,
do território.
324
Espaços para se criar ou ouvir músicas, são fontes importantes para
compreendermos como os músicos, ou mesmo a comunidade que as cerca, percebem a
importância de determinado estilo musical. No mundo 48 da década de 1980, a aparição de
alguns destes espaços demonstra bem a batalha das bandas para conseguirem ser ouvidos.
de amizade, pois foi feito por Paulo Back, baixista do Expresso.
322
O Estado 07 de Julho de 1985. p.21
323
O Estado 27 de Agosto de 1985. p. 17
324
Apud: ROSA, Pablo Ornelas. Rock Underground – uma etnografia do rock alternativo. São Paulo:
142
O cientista social Pablo Ornelas Rosa, em seu ensaio sobre o antigo bar Underground de
Florianópolis, ressalta esta importância: “é impossível compreender os atores sociais, as
tribos urbanas e as bandas de rock underground sem descrever os espaços e principalmente
os territórios em que estes compartilham suas vivências”
325
.
Lugares para se escutar, tocar ou apenas curtir rock no início da década de 1980, na
grande Florianópolis, eram escassos. O Teatro Álvares de Carvalho – TAC era praticamente
o único espaço possível para apresentações musicais. Apenas após a inauguração do Centro
Integrado de Cultura – CIC abre-se mais espaço para estas apresentações.
Os teatros representavam o melhor modo das bandas do período controlarem o
público pagante. Porém, alguns integrantes de bandas não percebem o teatro como espaço
para rock. Entre eles, Murillo Valente: “O CIC era o único lugar que cabia mil pagantes,
[...] depois do Decalco proibiram a realização de shows de rock no CIC, porque quebraram
as cadeiras todas”
326
. A necessidade de um espaço torna-se presente com esta fala de
Murillo, pois o teatro era o único lugar com capacidade para um grande público de rock,
somente espetáculos, com várias bandas ou cantores internacionais, aconteciam em
estádios. No CIC, porém, suas acomodações não era estruturadas para o determinado
público em questão. Para as bandas recém formadas, sem uma gravadora por trás para
apoiá-los e divulgá-los, os espaços de divulgação eram extremamente importantes. Além da
rádio, tinham que se fazer presentes para o público, pois muitas vezes o LP demorava para
ser produzido, quando a banda conseguia esta produção.
No período anterior ao Rock in Rio, as bandas nacionais e internacionais eram
pouco conhecidas no cenário musical catarinense, deixando os espaços para as locais. Ao
serem questionados sobre o apoio governamental, os integrantes do Expresso Rural
percebem exatamente o contrário. Quando a prefeitura ou governo estadual elaboravam
festivais ou shows, como a inauguração do Terminal Rita Maria, convidava-os para
participar, pois sabiam que teriam casa lotada, bandas locais, com boa recepção do público,
aparecendo na mídia e com baixo custo à organização, não precisando pagar transporte ou
hospedagem.
327
Apresentações em colégios e festivais também foram comuns no período estudado.
Radical Livros, 2007. p. 107.
325
Ibdem. p. 97
326
VALENTE, Murillo. Entrevista concedida ao autor dia 15 de setembro de 2008.
143
A primeira apresentação da banda Decalco Mania, o show intitulado Aeroforça
328
, foi no
colégio Barddal, lotando o ginásio, demonstrando como os colégios poderiam abrir espaço
para os músicos locais.
Os shows em colégios de ensino médio reportam bem a idéia de juventude, com o
público bem específico em seu território social mais tradicional. Estes shows em escolas
têm um fator de duplo interesse. São as bandas desenvolvendo sua arte para seu público,
divulgando seu material, mas também há, por parte dos diretores destes colégios, o interes-
se na publicidade, demonstrando para seus alunos e possíveis alunos, como são preocupa-
dos com a cultura própria do jovem, não apenas com a cultura tradicional e erudita. Tam-
bém vale a pena ressaltar que muitas das bandas eram formadas por alunos ou ex-alunos
das escolas. Assim, os atuais estudantes poderiam se espelhar nos músicos e formar novas
bandas. Esta abertura dos colégios para este novo tipo de cultura está muito ligada à idéia
de transgressão dos valores. Colégios como o Catarinense, jesuíta, sabiam que os seus es-
tudantes se identificavam com este movimento de rock e não se importavam com suas le-
tras ou ritmos fora do erudito, mais ligados a cultura popular, dando importância para os
sentidos expressos para os alunos e não para seus pais.
Viver na cidade é um dos problemas mais relatados pelos músicos estudados.
Dilemas pessoais, sendo que muitas vezes é a cidade a causadora dos conflitos.
Desencontros amorosos nada mais são que aspectos comuns do dia-a-dia urbano. No
segundo capítulo, abordei algumas das visões que marcaram a transição de uma cidade
com a vinda de migrantes de meios rurais. Abordarei agora como os jovens demonstram,
em sua canção, viver na cidade, nascidos e criados em centros urbanos. No final da década
de 1980, o grupo Know How cantam Ilusão, mesclando a vida urbana com relações
amorosas.
327
Entrevista concedida ao autor dia 22 de outubro de 2007.
328
Segundo Iran Mello o nome é para caracterizar o “comportamento leve, por isso aero, do ar, de onde vêm
coisas não táteis, pensamentos, correntes, modismos que sintetizamos para fazer surgir nossas idéias. (...)
Além disso, a melhor referência para se saber das coisas do planeta é olhá-lo de cima; afinal, nessa hora a
gente sente a fragilidade de nossa condição de humanos” citados em reportagem pelo jornal O Estado 14
de setembro de 1984, p. 24.
144
Ilusão
329
(canção 08)
Ilusão na vida de alguém
Acho que é um sonho
É muito mais que um sonho
É o amor que brota nas veias
Corações de pessoas
Que procuram uma luz no fim do túnel
Restos de amizade
Que entre prédios e céus cinzentos
De um lugar chamado cidade
Ficam trancados a sete chaves
Sim eu sei
Que a vida não demora
Ela passa aqui e agora
Pode ser na tolice
Ou na cisma de algum lugar passado
Restos de amizade
Que entre prédios e céus cinzentos
De um lugar chamado cidade
Ficam trancados a sete chaves
Ilusão de amizades verdadeiras ou de liberdade “num lugar chamado cidade”. An-
gústias ditas da era moderna. Não há, na música, um querer voltar para o campo. Há, ape-
nas, demonstrações de como estão passando a vida na cidade, no caso do grupo, perceben-
do a vida dos jovens de Florianópolis, a falta de amizades sinceras e a lembrança saudosis-
ta de “algum lugar passado”. Passado que não existe, temporal ou espacialmente. O ritmo é
compassado do contrabaixo em 4 por 4, com semínimas e colcheias, não deixando-a muito
rápida. Também usam escala maior básica, deixando a música com a levada pop. Quando
cantado o refrão, Leandro sobe seu tom para na última frase descer abaixo do que foi toda a
música, dando a impressão de tristeza final por estarem trancados, passando a mensagem
de que gostariam da aflição da vida urbana.
Na medida em que as bandas iam crescendo e conseguindo mais público, novos es-
paços para suas apresentações surgiam. A partir de 1985, com a divulgação do Rock´n Rio,
realizado no Rio de Janeiro, as bandas de levada pop-rock conseguem fazer shows em vá-
rias partes do Brasil e muitos bares abrem espaços para este ritmo. Em Florianópolis, não
329
MARCUCCI, Leandro. Ilusão. In.: Know How. Porto Alegre: Produção Independente. 1990. Música 01
Lado B
145
foi diferente. Mas, apesar do número de bandas surgindo na cidade, também o interesse
de bandas de caráter nacional, como Ultraje a Rigor e Titãs. Taj Mahal e Ópera Rock são
exemplos dos novos espaços que surgem. Ligados diretamente com o estilo que despontava
em cenário nacional, trazem bandas nacionais e divulgam as locais para o lazer de seus fre-
qüentadores, além de representar esta característica em seu público, jovens de classe média,
intelectualizados, preocupados com o lazer da música, não mais os jovens politicamente
engajados, mas estes novos, mais consumistas e levados pelo prazer.
330
Estes acordos e engajamentos para uma melhoria no cenário musical catarinense fi-
cam baseados apenas em ajudas mútuas com fins culturais, como citado no início do capí-
tulo. Esta foi uma geração pouco politizada em termos de organizações políticas, mas inte-
lectuais bem ligados a temas culturais, querendo mudar a política pela música, sem a preo-
cupação com as instituições. Em 1986, com o advento de várias bandas, alguns músicos
encabeçados por Fernando Bahia, ex-Asa de Morcego, tentaram convocar os músicos para
uma associação e assim criarem um sindicato, pois acreditavam que a concorrência estava
apenas favorecendo os donos de bares e casas para os shows e os músicos pouco se benefi-
ciavam com isso. Porém, ao convocar os músicos para discussões em reuniões, poucos se
faziam presentes, alguns alegando falta de tempo, outros de interesse.
331
As relações neo-
tribais, novamente Maffesoli, se ligam aqui pela cultura, não por laços políticos. Tem rela-
ção direta com sua principal identificação cultural, mesmo ligando-se com grupos de dife-
rentes estilos de rock, no contato político essas ligações emocionais são quebradas ou rare-
feitas.
332
Outra música do grupo Tubarão demonstra o egoísmo existente para alcançar o
sucesso:
Todos Por Mim
333
(canção 09)
Eu não quero saber quem foi
Que roubou meus ideais
Agora é tarde pra recomeçar
Do zero eu não quero mais
330
FRITH, Simon. Music and Pleasure: Essays in the sociology of pop. New York: Routledge. 1988.
331
SELIGMANN, Airton. Os Músicos Vão á Luta. In.: O Estado, 30 de junho de 1986. p. 08.
332
Para Maffesoli é sim possível existir as comunidades emocionais através da política, mas o sociólogo
francês percebe nas tribos pós-1950 uma ligação maior com a cultura. No Brasil podemos perceber isto
apenas na década de 1980, pois anteriormente sob a égide do regime militar os laços políticos contra-
culturais eram muito fortes.
333
MAY, Juca & MAY, Deka. Todos por Mim. In.: Tubarão Perdidos No Deserto. Florianópolis: RGE,
1991. Lado B, música 02.
146
Deixe então como está
Eu acho que é melhor assim
De um jeito ou de outro
Eu vou me virar
Um por todos e todos por mim – assim
Na verdade não importa
Se ninguém quer abrir a porta
NA NA NA NA NA NA
Não fui eu que quis assim
Agora é um por todos e todos por mim
Eu nem to me sentindo mal
Deixo por
Agora tudo é normal e eu faço
Que nem vi
O que foi, não é mais, eu não quis assim
De um jeito ou de outro eu não vou mudar
Um por todos e todos por mim
Na verdade não importa
Se ninguém quer abrir a porta
NA NA NA NA NA NA
Não fui eu que quis assim
NA NA NA NA NA NA
Agora é um por todos e todos por mim
A música, lançada em 1991, resume os problemas que os músicos passaram na dé-
cada anterior, pouco incentivo e apoio em geral. Se não ocorre ajuda, tem que fazer tudo
sozinho, o compositor sente sozinho e sob pressões para sua mudança, como no refrão: “na
verdade não importa / se ninguém quer abrir a porta/ [...] /agora é um por todos e todos por
mim”. Com toda a dificuldade encontrada, não porque pensar no grupo, sabendo que
mesmo entre eles havia muita rivalidade. Murillo Valente cita que era um falando mal do
outro. Existiam os projetos como o Crime Perfeito, mas no dia-a-dia não havia tanto com-
panheirismo assim.
334
O entrevistado participou de vários grupos. Moçambique, Decalco
Mania e Tubarão foram os principais. Portanto, possui visão diferenciada, que são con-
juntos de sucesso heterogêneos. Ressalta sua experiência comparando nestas duas últimas
bandas, analisando que quando estava no Decalco achava que a Cotempo, empresa de alu-
guel de aparelhagem de som, privilegiava a Tubarão, colocando o som melhor para eles
nos festivais. Contudo, quando integra este conjunto, percebe que era tudo besteira.
335
334
Em entrevista concedida ao autor dia 15 de setembro de 2008.
335
Ibidem
147
3.5 Som da Gente: Construção midiática dos jovens no Mundo 48.
A identidade do jovem do século XX está diretamente marcada pelo
desenvolvimento dos meios culturais de massa. No Brasil, estes meios foram controlados
pelo regime militar entre o golpe em 1964 e a abertura política na década de 1980. Durante
este período, tentava-se esquecer o rock, pois, se por um lado era ligado à rebeldia e uma
ameaça ao governo, por outro era criticado por parte dos jovens acadêmicos e / ou
politicamente engajados. O jovem roqueiro podia ser considerado um divulgador ou fruto
da indústria capitalista. A mídia então pouco explorava este filão. Algumas cidades como
São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília, conseguiam muitas informações vindas de jovens que
viajavam para o exterior e traziam na bagagem revistas e discos lançados no Inglaterra ou
Estados Unidos sobre rock
336
. Aqui em Santa Catarina, pouca informação rolava sobre o
assunto. Apenas alguns poucos, com contatos em outras capitais, conseguiam estas
informações, ou em lojas de discos como Ás de Ouro e Brunetti os lojistas conseguiam
alguns LP´s mais famosos, como Beatles.
337
A RBS - TV, mídia de maior audiência em Santa Catarina desde a década de 1980,
mídia televisiva, radiofônica, impressa e, hoje em dia, também virtual, teve algumas
contribuições para o surgimento e crescimento das bandas estudadas. O primeiro deles foi
o jornalista Cacau Menezes. Polêmico em suas entrevistas, porém em seu espaço no Jornal
do Almoço, apresentava bandas que estavam despontando no cenário local, além de
escrever sobre elas em sua coluna no jornal O Estado e, a partir de 1986, no Diário
Catarinense
338
. Um exemplo disto foi a separação de Zeca Petry do Expresso Rural,
Menezes foi o único jornalista a cobrir o caso, sem dar muitas explicações, convidando o
músico e depois o restante da banda para entrevistas televisivas para fazer perguntas em
que jogava um contra o outro, causando polêmica. Polêmica que ajudava à preocupação e
busca por mais informações do público. Quando questionado sobre o jornalista, Zeca Petry
fala que “é um jornalista que só cria polêmica, mas ajudou muito na divulgação das
336
DAPIEVE, Arthur. Brock – o rock brasileiro dos anos 80. Rio de Janeiro: Editora 34, 1995.
337
Informações obtidas com a banda Expresso Rural em entrevista concedida ao autor dia 22 de outubro de
2007.
338
Estas informações foram conseguidas através de pesquisa feita nos jornais O Estado, de 1982 a 1990 e
Diário Catarinense, 1986 a 1992, também a jornalista Lígia Gastaldi informa o mesmo em entrevista dia
05 de janeiro de 2009.
148
bandas”
339
.
Divulgação por esta emissora também acontecia através de clipes. A banda Decalco
Mania faz seu primeiro show no ginásio do Colégio Barddal, com público lotado. Quando
questionados sobre isto, Murillo Valente e Airton Perrone analisam que o videoclipe feito
antes para a RBS, da música Aeroforça e a divulgação do show pelo jornal O Estado foram
essenciais, mas lembram que só conseguiram porque a música era boa. O público conheceu
e, principalmente, gostou do que estava ouvindo. O especial feito em 1984 com a banda
Expresso Rural, todas as músicas do primeiro LP foram transformadas em videoclipe,
gravado em Águas Mornas, e transmitido pela RBS - TV. O videoclipe traz uma nova
experiência para apreciar uma música. Para Peter Wicke:
essas origens fizeram do videoclipe uma forma de publicidade. É isso que o
distingue de todas as outras prévias fusões de filme ou TV e música, diferente
aos filmes de rock do passado ou os programas de TV de música pop
transmitiam visualmente a experiência da música. Em contraste, o videoclipe
concebe-a com a linguagem das imagens da publicidade, seguindo a sua estética,
que, necessariamente, penetra na música.
340
A mídia conseguiu assim, codificar o que estava acontecendo no Brasil, bandas
surgindo e tentando encontrar um representante em Santa Catarina. Ressalto que os
conjuntos nacionais ainda não haviam alcançado o sucesso posterior, não havia então, uma
banda com lucros garantidos, com exceção da Blitz. Mesmo as bandas catarinenses
estavam lutando por um lugar ao sol nacionalmente, como a Tubarão gravando um pau-de-
sebo pela RCA, com várias outras bandas.
Uma produtora de discos ligada a Som Livre, gravadora do Rio de Janeiro, também
facilitou para o grupo RBS divulgar as bandas, assim sua exposição e reconhecimento do
público renderia contratos para gravação de discos com vendagem garantida. O primeiro
trabalho da RBS Discos, com as bandas aqui analisadas, foi o LP “Som da Gente”, gravado
e lançado em 1984. Teve apresentações das bandas vinculadas à programação da emissora,
alcançando uma vendagem de mais de 10 mil exemplares com apenas dois meses de
vendas
341
. A escolha das bandas estava vinculada aos sons mais regionais. Ainda não
estavam investindo nos grupos mais roqueiros, apenas o Expresso Rural poderia ser
339
Entrevista concedida ao autor dia 22 de outubro de 2007.
340
WICKE, Peter. Rock Music. Op.cit. p.162
149
classificado como rock, ainda que rural. Outros que fizeram parte da coletânea foram:
Grupo Engenho, banda de maior sucesso em Santa Catarina no período do lançamento;
Renato Botelho, posteriormente forma a banda Olho D`Água, nome da música gravada
neste disco(canção 10); Zuvaldo Ribeiro e Grupo Grande Pássaro; Regional do Zequinha;
Ricardo Boppré; Beto Mondadori, sua música também estava fazendo grande sucesso,
Suco de Imaginação(canção 11); e Frank, compondo a música tema, apesar de não fazer
muito sucesso, Som da Gente
342
(canção 12).
Gravar um disco ou ter sua música veiculada a uma gravadora de uma emissora de
TV é uma maneira de mostrar seu trabalho e ter a aprovação, ou não, do público. A maioria
das composições apresentadas tinha uma levada mais rural, sem ligação ao movimento
jovem que estava constituindo a nova mídia brasileira. Desta forma, apenas alguns
conseguiram dar continuidade para os trabalhos. Esta afirmação pode ser exemplificada
através de duas bandas, o Grupo Engenho e o Expresso Rural. A primeira acabou um mês
antes do lançamento do disco anunciando o fim durante o show de 1º de maio com
Expresso Rural e Beto Mondadori, patrocinado pela RBS. Brigas internas, discussões sobre
o sucesso e os rumos da banda levaram a sua fragmentação. Assim como no Expresso
Rural, ocorreram brigas e o quase fim da banda
343
. Porém, ao aproveitarem o bom
momento que estavam passando com a divulgação e sabendo transformar-se para continuar
na mídia, se tornaram a banda de maior sucesso nos anos 1980 em Santa Catarina.
Aproveitaram o sucesso e souberam usufruir das vantagens de uma ligação com a RBS,
esta também divulgando o material do grupo, convidando-os para programas e festivais,
sabia que teriam público garantido e seu nome bem visto pelos jovens consumidores.
344
341
O Estado 15 de agosto de 1984. p. 15.
342
Contra –capa de Som da Gente. Florianópolis: RBS Discos e Som Livre. 1984.
343
O Estado, 03 de maio de 1984. p. 21.
344
Análise feita pelo grupo em entrevista concedida ao autor dia 22 de outubro de 2007. Também concordo
com esta afirmação, tendo por base o processo midiático analisado por Hall, sabendo o que o público
deseja, a mídia massifica este desejo, aumentando seus lucros, mas também ajudando o artista.
150
Ao perceber este novo filão no mercado consumidor jovem, a RBS passa a
patrocinar novos empreendimentos. O primeiro é o disco do Expresso, Certos Amigos, que
leva o selo da produtora e tem alguns clipes vinculados à programação. Outra banda foi a
Tubarão, também com vídeos vinculados e seu último disco, Perdidos no Deserto, também
é lançado com o selo RBS Discos.
O apelo visual da televisão, mesclando imagem e som, contribui para ficar gravado
ou fazer ligações com a finalidade de maior assimilação do produto musical. No cenário
nacional, a Som Livre é uma afiliada da Rede Globo e, de acordo com Márcia Tosta Dias,
quando o mercado fonográfico entra em crise, no final da década de 1970, a única
gravadora que conseguiu manter boa vendagem foi a Som Livre. Segundo a autora por
produzir essencialmente trilhas de novelas ou colocando seus músicos em especiais, como
no programa dominical Fantástico. Citando a cantora Vange Leonel e o diretor artístico da
rádio Jovem Pan, Dias comenta:
em uma programação são divulgadas centenas de canções e pela audiência das
novelas, milhões de lares brasileiros (e até mesmo estrangeiros) vão ouvir parte
considerável delas e em condições facilitadas pelo contesto da própria novela:
“você vende a música pegando as pessoas comovidas; as pessoas estão
envolvidas com a cena e você joga a música ali” (Vange Leonel). Ou ainda: “No
rádio você só tem o áudio. Na TV, você fica anestesiado pela imagem e a música
entra com mais facilidade.” (Ricardo Henrique).
345
345
DIAS, Márcia T. Op. Cit.p. 65.
Capa e contra-capa: Som da Gente. Florianópolis: RBS Discos e Som Livre. 1984. Arquivo pessoal.
151
Ter a música dentro do casting da Rede Globo era algo almejado por vários
músicos, podendo até mesmo, modificar seu estilo ou toda sua roupagem para alcançar o
sucesso através desta mídia. No caso de Santa Catarina, o exemplo mais significativo, é a
banda Kromo, que se modifica para Stryx. Mesmo possuindo material próprio, ao
assinarem com a Sony, os rapazes permitem ter toda sua característica estética criada por
dois produtores, Ricardo Leão e Victor Chicri. Para os rapazes, isto aconteceu de forma
positiva, segundo o jornalista Pedro Leite:
a troca, que a princípio poderia ser vista como uma violência ao trabalho do
grupo, é avaliada como positiva pelos garotos. Tanto que eles abdicaram de
compor e optaram por um trabalho mais comercial. Sem receios eles enfatizam
que: “Esse é o disco que a gente sempre quis fazer, mas não conseguia por falta
de recursos em Florianópolis”
346
.
Antes mesmo de gravarem este LP, a Sony consegue vincular a banda a uma novela
da Rede Globo, Araponga. Novela com horário diferenciado, após a tradicional novela das
08:00h PM, os rapazes tocavam a música Estou de Volta.
Estou de Volta
347
(canção 13)
Só um desejo, uma paixão fugaz
Pode explicar porque agi assim
A tentação, a atração fatal
Irresistível sensação de amor
Uma aventura na minha idade faz bem
E outra vez me deixei levar
Pensando nisso me confundi
Entre suas bocas e seus perfumes
Eu me perdi
Mesmo doendo, você sabia
Olhos nos olhos
Foi o silêncio sua resposta
Foi um só dia ao lado dela
Você me aceita sem nada perguntar
Do mesmo jeito que a gente foi
346
LEITE, Pedro. Stryx para o Brasil. In.: Diário Catarinense Caderno de Variedades. 14 de maio de
1991, capa.
347
STRYX, Estou de Volta. In.: Araponga. Rio de Janeiro: Som Livre. 1990. Lado A, música 06.
152
Mesmo querendo o tempo inteiro você
Experimentei um outro prazer
Pensando nisso me confundi
Entre suas bocas e seus perfumes
Eu me perdi
Mesmo doendo, você sabia
Olhos nos olhos
Foi o silêncio sua resposta
Foi um só dia ao lado dela
Estou de volta
A música segue características feitas para novelas. Vocal com inflexão de
sofrimento, o cantor sobe alguns agudos no final de cada frase, dando a impressão de
sofrimento. Começa com um teclado com harmônico menor tocado lentamente, uma
guitarra fazendo um solo simples para introduzir o vocal. O refrão fica mais intenso,
subindo sua entoação para depois, no final, deste diminuir, como se arrependendo do
ocorrido. Acompanha a letra com a história de uma traição, própria para temas de novelas.
O lançamento do disco acontece no programa dominical Os Trapalhões, com a
música Nu de Corpo e Alma, divulgada por vários programas da Rede Globo como Xou da
Xuxa, programa infantil. Expor ao máximo a banda amplia as redes de público, uma vez
que tocavam em programas familiares, como Os Trapalhões e infantil, como o Xou da
Xuxa. A mesma música para nichos diferentes, o refrão: “Eu quero ficar nu / de corpo e
alma nu / pra você.”.
Exposição na mídia e divulgação do material são as maneiras de conseguir o
Os integrantes do Stryx assinado contrato com a Renato Aragão Produções. Na foto, os
integrantes com Os Trapalhões e o cantor Nil da extinta Dominó. Diário Catarinense
Caderno de Variedades. 01 de março de 1991. p. 03.
153
consumo de determinado produto. Codificar o que os jovens querem ver é um dos modos
de conseguir sua audiência e, portanto, vender seu produto. Esta relação de cultura jovem e
consumismo está diretamente ligada desde o pós-guerra. Exemplo disto é o sucesso de
Elvis Presley, sucedendo Chuck Berry. A indústria cultural investe apenas em Elvis, pois
era branco, cantando músicas que eram cantadas por negros. Porém, se negros
aparecessem não venderiam tanto.
348
O desenvolvimento da cultura midiática do pós-
guerra está ligado ao aumento da produção de massa dos bens de consumo. Para Janotti
Junior, “a apropriação cultural envolve determinadas produções de sentido que, apesar de
fazer parte do mercado midiático, não podem ser reduzidas aos índices de audiência ou
vendagem.”
349
Para o autor, este consumismo posiciona e transforma em objetos culturais,
fazendo da cultura jovem do pós-guerra, nos países ocidentais, uma forma de ser ligada ao
consumismo e buscando sempre as novidades que esta indústria cultural produz. Citando
Canclini:
o consumo é o conjunto de processos socioculturais em que se realizam a
apropriação e os usos dos produtos. Essa caracterização ajuda a enxergar os atos
pelos quais consumimos como algo mais que um simples exercício de gostos,
caprichos e compras irrefletidas, segundo os julgamentos moralistas ou atitudes
individuais, tal como costumam ser explorados pela pesquisa de mercado (1998,
p. 53)
350
.
Escolher algumas bandas para “apadrinhar” é processo corrente das empresas midi-
áticas. Para conseguirem o sucesso deste ou daquele artista, a indústria cultural cria hábi-
tos, ou codifica os hábitos das cidades, massificando-os. O uso televisivo citado anterior-
mente cria imagens dos artistas ligadas a suas músicas. Estas imagens correspondem ao
que o espectador espera da banda e leva-o a buscar consumir o produto ali presente, seja
um produto à venda propriamente dito com o músico garoto propaganda, ou as roupas e
objetos ligados ao músico. De acordo com Simon Frith:
348
FRIEDLANDER, Paul. Op. cit.
349
JANOTTI JUNIOR, Jeder Silveira. MÍDIA, CULTURA JUVENIL E ROCK AND ROLL:
COMUNIDADES, TRIBOS E GRUPAMENTOS URBANOS. Trabalho apresentado no Núcleo de
Comunicação e Cultura das Minorias, Belo Horizonte/MG: XXVI Congresso Anual em Ciência da
Comunicação, 02 a 06 de setembro de 2003.
350
Apud: JANOTTI Junior. Op.cit.
154
se as relações são constituídas em práticas culturais, então nosso senso de
identidade e diferença é estabelecido no processo de discriminação. E isso é tão
importante para o popula massivor como para as atividades culturais burguesas,
importante igualmente para os níveis mais íntimos da sociabilidade (um aspecto
do modo como as redes de amizade e namoro são organizadas) e os mais
anônimos níveis de escolhas mercadológicas (o modo como as indústrias da
moda e da propaganda procuram nos posicionar socialmente traduzindo
julgamentos individuais do que gostamos e desgostamos em padrões de venda).
Essas relações entre julgamentos estéticos são claramente cruciais para as
práticas da cultura popular massiva, para os gêneros, cultos e subculturas
351
Constituir novas práticas culturais e mercadológicas através da música torna-se prá-
tica comum em meados dos anos 1980 em todo o mundo
352
. Quando as bandas nacionais
alcançam o sucesso, a indústria passa a querer vincular as bandas à sua programação, tanto
os que alcançaram a fama quanto os fabricados para sucessos momentâneos. Bandas re-
gionais, por mais que modificassem, não eram mercadologicamente satisfatórias, pois a
grande mídia estava expondo, ao máximo, artistas já consagrados e ligados a todo o Brasil.
O grupo RBS, por exemplo, ligado à Rede Globo, percebeu que poderia trazer estes músi-
cos com fama difundida pela rede nacional, não precisando investir nas locais. Junto com
este momento, ou apesar dele, aparecem grupos tocando em bares covers de outras fa-
mosas nacionalmente ou mundialmente, diluindo assim os grupos de músicas autorais.
353
Afirmar mudanças entre as décadas parece óbvio. Concordo. Mas ao pesquisarmos
o cenário nacional, percebemos o retorno de algumas bandas ou a continuidade de outras.
Os Titãs, banda paulista, nunca pararam, mas conseguiram um retorno ao sucesso na
metade da década de 1990 com seu CD Acústico MTV; Legião Urbana, de Brasília,
acaba quando seu líder e vocalista, Renato Russo, falece; Paralamas do Sucesso, grupo
carioca, continuaram ininterruptamente, porém modificaram sua musicalidade, deixando-a
mais parecida com a regionalização das novas bandas
354
, apenas para citar algumas.
De todas as bandas catarinenses citadas neste trabalho, apenas a Bandalheia conti-
nuou, porém não ininterruptamente, tendo vários momentos de pausa durante a década de
1990. Os integrante do Expresso partiram para trabalhos solo, somente Paulo Back conti-
nuou com banda, a Get Back de covers, mas gravando um CD com composições pró-
351
FRITH, Simon. Performing Rites: on the value of popular music. Cambridge/Massachusett: Havard
University Press, 1998. p. 18. Tradução do autor.
352
WICKE, Peter. Op. cit. p.159
353
Informação concedida pela jornalista Lígia Gastaldi em entrevista dia 05 de janeiro de 2008.
155
prias
355
. Do Tubarão, Juca parte para carreira médica, Deca advocacia e Beto Chede abre
uma farmácia após o fim do grupo.
356
A Decalco Mania acabou suas atividades antes do
final da década de 1980. Alguns de seus integrantes na década de 1990 continuaram com
trabalhos com música, Kaw Regis trabalhando como músico na Inglaterra, Robson Dias
tocando contrabaixo na Get Back e Murillo Valente com trabalhos solo ou com seu estúdio
de gravação o Tundum. Outros partiram para áreas artísticas diferentes, como Iran Mello
trabalhando como ator no Rio de Janeiro e Airton Perrone viajando pela Europa e Brasil
coordenando vários projetos artísticos ligados às artes plásticas, musicais ou cênicas. Hoje,
trabalha como coordenador artístico no Espaço Cultural Sol da Terra, na Lagoa da Concei-
ção.
357
Saliento que cito apenas quatro das bandas catarinenses analisadas nesta disserta-
ção.
Todavia, é na década de 1990 que aparecem bandas preocupadas com a regionali-
dade. Skank em Minas Gerais, Raimundos de Brasília, mas tocando o que apelidaram de
forrócore, Chico Scienci & Nação Zumbi de Pernambuco
358
. Explodem na mídia, viram
sucesso nacional e demonstram uma nova fase do rock brasileiro. O grupo RBS passa a
apoiar os rapazes do Dazaranha, considerados os precursores do Manébeat, ritmo que mis-
tura rock com sons da Ilha de Santa Catarina, Marco Antonio Souza cita reportagem do
Diário Catarinense sobre o lançamento do primeiro CD do Dazaranha em que ressalta a
açorianidade presente: “o grande diferencial do Daza é o fato de ter sido a pioneira em
mesclar elementos do folclore ilhéu com as novas tendências musicais. Guitarras sublinha-
das por bumbos, boi-de-mamão com capoeira, pirão de peixe com bateria. O Daza é a cara
da ilha e se fosse do centro do país ou do nordeste, tinha emplacado na mídia nacional a
bem mais tempo”.
359
. Sobre este movimento Tatyana Jacques ressalta que:
o movimento visava “a construção de uma identidade regional, local, por meio
354
Que Rock é Esse? Op. cit.
355
Entrevista concedida ao autor dia 22 de outubro de 2007.
356
Informações obtidas por Juca May em entrevista via Orkut em minha página de recados dia 07 de agosto
de 2007.
357
Informações concedidas por Airton Perrone em entrevista concedida ao autor dia 17 de setembro de 2008.
358
Que Rock é Esse? A História do Rock Brasileiro Contada por Alguns de seus Ícones. Rio de Janeiro:
Editora Globo, 2008.
359
Diário Catarinense, 29 março de 1996. Apud: SOUZA, Marco Antonio Ferreira de. Da sanfona ao
violino, do violão à guitarra: Florianópolis na música do Grupo Engenho e do Dazaranha,1980 2000.
Trabalho apresentado para disciplina História Cultural. Departamento de pós-graduação em História.
Florianópolis: CFH – UFSC, 2008.
156
da música” (Maheirie, 2001: 156) a partir do resgate de elementos percebidos
pelos músicos como próprios da cultura de Florianópolis. Entre esses elementos,
figura a idéia de açorianidade, presente no próprio nome do movimento, que
significa batida do mané (: 155). Assim, a partir da acentuação do local”
frente ao “global”, essas bandas, de características musicais diversas, buscam
“projetar Florianópolis musicalmente em todo o território nacional” (:161).
360
Sobre esta nova década seria necessário um trabalho à parte. Quem eram os novos
músicos que despontavam no cenário 48? Se continuou existindo este Mundo 48? O que as
canções estavam transmitindo para o novo perfil de jovem desta nova década? São questi-
onamentos que não conseguiria responder em poucas linhas. Apenas queria ressaltar as in-
fluências açorianas nestes músicos de 1990, diferente dos jovens da década de 1980 que
representaram o fim da açorianidade explodindo a Ponte Hercílio Luz, mesmo ela estando
desativada. No início da década de 1990 ela é reativada, por pouco tempo e apenas para
pequenos veículos e pedestres, na mesma época do surgimento do Manébeat. Deixo para
futuros pesquisadores responderem se o movimento querendo o retorno da açorianidade foi
fraco e passageiro como o retorno da Hercílio Luz, ou foi construído sob a perspectiva de
preservação da Ponte e com ajuda de novidades como a construção da Pedro Ivo Campos.
360
JACQUES, Tatyana de A. Op. cit. P.44.
157
CONSIDERAÇÕES FINAIS – Um Revival
Relatando um pouco sobre estas bandas, retomo a pergunta inicial: “foi um Crime
Perfeito?”. Será que os músicos na década de 1980 conseguiram quebrar o que estava
instituído e criaram uma nova vivência de ser jovem através de suas músicas?
Para responder esta pergunta, conceituarei o que apresento como crime. A coletâ-
nea e música título, Crime Perfeito, discute o conceito. Para Daniel Lucena, era conse-
guir o dinheiro de instituições como prefeitura, família e religião, para assim conseguirem
gravar músicas baseadas na ideologia contra-cultural vigente na época, o pós-punk. A con-
travenção é percebida na idéia de criar músicas contrariando as mesmas instituições patro-
cinadoras do disco. A capa e a contracapa possuem símbolos escolhidos pelos músicos ou
produtores para criar identificação entre os signos e o grupo. A capa do Crime Perfeito
foi discutida, agora ressalto a contracapa apresentando o principal instrumento do grupo
para que ocorra o crime, uma dinamite acesa e as bananas presas com silver tape, fita
adesiva usada pelos jovens para arrumar seus tênis já rasgados.
Contra-capa de Crime Perfeito.
Florianópolis: Jacaré Produções. 1986.
Arquivo pessoal.
158
Assim como a explosão da ponte representou o fim da era “Ponte Hercílio Luz”,
também marcou a interrupção da música “mané”, da açorianidade na produção musical do
Grupo Engenho. Os novos jovens dos anos de 1980 conseguiram seu espaço, tocaram suas
músicas, tiveram seu momento de rebeldes, de rock-stars, ídolos que voltam hoje para o
CIC, mesmo local de apresentação de vinte anos atrás, e lotam o teatro. Apresentaram um
novo modo de ser jovem no mundo 48 e influenciaram mundos 47, 49, chegando ao 21
(Rio) e ao 11 (São Paulo).
Pode não ter sido perfeito, pois ficaram suspeitos e até mesmo culpados deste cri-
me. Como um serial killer, ou um terrorista, assinaram o crime e informaram seus cúm-
plices. Entretanto, deixaram seu nome em uma explosão que abriu espaço para novos jo-
vens surgidos pós-1980.
O retorno, neste século, de algumas bandas demonstram a força que o movimento
teve. Dia 03 de outubro de 2007, o grupo Expresso Rural fez um show comemorando os 25
anos do surgimento da banda. Era para ser um show único, apenas para relembrar o
passado da banda que havia oficialmente acabado em 1993. Atendendo aos pedidos do
público, o show único se estendeu para mais três, um em Lages dia 04 de outubro, um
show extra em Florianópolis dia 25 e mais um show em Itajaí dia 04 de novembro. Em
2008, continuou com seu espetáculo por várias cidades catarinenses, como Criciúma,
Blumenau e Jaraguá do Sul.
Encontro dos músicos do Expresso Rural em show comemorativo
de 25 anos. Detalhe para a foto da capa do primeiro disco. Foto retirada do
site: www.expressorural.com.br
159
Estive presente neste primeiro show, me senti consideravelmente mais novo, uma
vez que a média de idade do público chegava aos 45 anos, um público nostálgico que
cantou junto todas as músicas desta banda dos anos 1980. Mostraram a importância da
banda e, conseqüentemente de todas as bandas estudadas nesta dissertação, um saudosismo
revitalizando o recente passado roqueiro do Mundo 48. Bandas estas que fizeram a trilha
sonora da cidade por este período.
Sabemos da impossibilidade de tornar possível este resgate total ao passado da
banda, sendo apenas uma nova roupagem com um grupo mais maduro e experiente. Uso
como exemplo, para demonstrar estas mudanças, a contradição rural/urbano que fiz no
primeiro capítulo comparando Zeca, tocando violão, mais rural, com Volnei, tocando
guitarra, o rapaz do campo dando o peso elétrico à banda. Ao assistir a passagem do som e
posterior show da banda no dia 30 de outubro de 2008, percebo a total mudança. Zeca
tocando uma guitarra fender, além dos violões, enquanto Volnei apenas tocava violões.
A volta da banda remete a um retorno que ocorre no rock de relembrar bandas e
músicas de vinte anos antes. Samuel Rosa, vocalista da banda mineira Skank, cita este
retorno a cada duas décadas no cenário nacional:
[...] é preciso diferenciar o revival que acontece em décadas intercaladas. Nos
anos 1990 houve uma releitura fortíssima da disco music dos anos 1970. Nos
anos 2000, uma releitura forte do rock dos anos 1980. Ao mesmo tempo que
Foto do autor, durante a passagem de som do show no Teatro do CIC,
Florianópolis. No dia 30 de outubro de 2008.
160
é uma coisa meio nostálgica, é também um deboche. Se fosse para eu escolher,
preferiria que o Skank fosse lembrado sempre como uma banda dos anos 1990,
mas que não tivesse uma retomada como o Balão Mágico.
361
Não o Expresso regressa aos palcos. Bandas como Burn também comemorou
seus trinta anos de carreira com show em Julho no Célula. O programa da RBS - TV,
Patrola, entrevistou membros do Decalco Mania com churrasco na casa de Airton
Perrone
362
. Juca May criou comunidades no Orkut sobre o Ratones, além de perfis nos sites
PalcoMP3 e MySpace, usando o nome Ratones. Interessante esta denominação, pois nega o
nome Tubarão, nome em que a banda ficou mais conhecida, inclusive no site PalcoMP3
Juca escreve no release: “No meio da década de 80, prá levantar uma grana (e valeu!:-),
aceitamos uma dose do veneno pop, mudamos o nome para Tubarão, mas depois de alguns
anos, isso praticamente decretou o fim da banda”
363
No entanto, as músicas escolhidas
para popularizarem a banda, são dos discos do Tubarão, como Black Suzete, Vou
Conquistar Seu Coração (ou VCSC, como está no site). Semelhante percepção sobre as
mudanças tem Marco Audino da Kromo / Stryx. Para o compositor, as mudanças foram
importantes para o momento, sem elas, provavelmente, a Sony não assinaria contrato,
porém, se gravassem música da Kromo, ficariam por mais tempo no mercado.
364
Percebemos uma retomada e uma revisão das antigas bandas. Tanto o público
espera estes retornos como os integrantes vêem como uma forma de serem recordados
pelos fãs e voltarem para os palcos, rememorando um sucesso perdido ou apenas
relembrando a sensação do palco. A Bandalheia, de Urussanga, apesar de várias formações,
tentou manter-se nos palcos, especialmente com a presença de Gera, vocalista e guitarrista
da banda em todas as formações. Em 2007, lançam um cd duplo, Apenas Indo, com os
principais sucessos da banda, incluindo as quatro gravações do LP Otário. Das canções
novas ressalto Colônia
365
(canção 14), música que compara a cidade grande com o campo,
a colônia, no caso da banda a cidade de Urussanga como seu refrão: “Na colônia é bom / na
cidade sei não.”
361
ROSA, Samuel. In.: Que Rock é Esse? A História do Rock Brasileiro Contada por Alguns de seus
ícones. Rio de Janeiro: Editora Globo, 2008. P. 176
362
Segundo Airton em entrevista concedida ao autor dia 24 de setembro de 2008
363
http://palcomp3.cifraclub.terra.com.br/ratones/ visto em 02 de fevereiro de 2009.
364
Entrevista concedida ao autor dia 05 de fevereiro de 2009.
365
GERA. Colônia. In.: Bandalheia Apenas Indo. Florianópolis: Produção independente. 2008 Cd 01,
música 07.
161
Outra banda que retoma seus sucessos neste novo século foi a Burn. Retornam à
ativa em 2001 e gravam algumas de suas músicas dos anos 1980 criando novas
composições. Desta nova safra, gravam o cd demo Sagrado Rock’n Roll, com a música
título sendo um pedido ao retorno do “puro rock”:
Sagrado Rock’n Roll
366
(canção 15)
A noite da a juventude que eu queria encontrar
A noite faz eu me encontrar ouvindo rock`n`roll
Nas casas de show onde só rola o puro rock`n`roll
Sagrado rock`n`roll
Sagrado rock`n`roll
Ligo o rádio não da pra aguentar
Ouço sempre aquele blá blá blá
Quero rock pesado escutar
Eu sou do tempo do led zeppelin e do deep purple
De black sabbath de pink floyd e tantos outros
Eu sou do tempo que se curtia muito rock`n`roll
Sagrado rock`n`roll
Sagrado rock`n`roll
Ligo o rádio não da pra aguentar
Ouço sempre aquele blá blá blá
Quero rock pesado escutar
Guitarra ligada liberando as energias
Vamos sonhar vamos sonhar os mesmos sonhos
E ver renascer o tão esperado e puro rock`n`roll
Sagrado rock`n`roll
Sagrado rock`n`roll
Ao começar uma estrofe com “eu sou do tempo”, Márcio Silva demonstra seu
sentimento. A nostalgia do que foi, podendo retornar. A célula rítmica permanece seme-
lhante à suas músicas dos anos de 1980, bateria e contrabaixo bem sincronizados na pul-
sação, riff de guitarra na base harmônica e um solo no meio da canção. As canções atuais
não o agradando como no início da música, que abre seu último cd, Era da Paz, Pesadelo
(canção 16): “Ontem a noite eu tive um pesadelo / sonhei com um amigo que é um cara
legal / um baita roqueiro meio radical / [...] /na calada da noite / o telefone tocou / eu não
queria acreditar / mas a pessoa falou / que meu amigo roqueiro / virou um pagodeiro.”
367
366
SILVA, Márcio. Sagrado Rock?n?roll. In.:single. Florianópolis: Produção Independente, 2005. Música 01
367
SILVA, Márcio. Pesadelo. In.: Burn - Era da Paz. Florianópolis: Produção Independente, 2008. Música
162
O grupo faz referência à perda de espaço de bandas de rock, nas rádios e outras mídias,
para o estilo pagode, briga comum entre os roqueiro mais radicais durante a década de
1990 da década atual. Neste mesmo cd, a banda relança Nuvens Negras, com a diferença
de modificarem o idioma. Nuvens Negras transforma-se em Nigaj Nuboj
368
(canção 18),
cantada toda no idioma internacional esperanto.
Estes retornos e continuidades demonstram a força deste momento para o rock ca-
tarinense. Não afirmo que os anos 1980 estão retornando como algumas matérias jornalís-
ticas garantem. Aceito a idéia de nostalgia de adultos lembrando sua juventude, contudo
são reestruturados shows e músicas para o público novo e antigo. Os slogans demons-
tram esta nostalgia: “voltam comemorando 25 anos de carreira” ou “30 anos de Burn”.
Todavia, mesmo sem retornar os anos 80 do século passado, o revival destas bandas de-
monstra o quanto o crime, a explosão feita há mais de vinte anos causou no Mundo 48.
01
368
SILVA, Márcio. Ruínas Atômicas. In.: Burn Tempos Perdidos. Florianópolis: Diamondreamer Records,
2007. Música 11.
163
Fontes
Fontes Escritas:
Jornais locais: O Estado – todas as edições entre 1982 a 1992
Diário Catarinense, Caderno de Variedades todas as edições entre 1986 a
1992.
Todos os jornais pesquisados neste trabalho estão disponíveis no arquivo
jornalístico da Biblioteca Municipal de Florianópolis. As matérias citadas foram
fotografadas digitalmente para melhoria nas pesquisas e serviram como norteadoras para as
entrevistas com os músicos.
Fontes Orais:
Entrevistas:
- Paulo Back (Grupos Expresso Rural e Get Back)
- Volney Varaschin (grupo Expresso Rural)
- Zeca Petry (Grupo Expresso Rural)
- Daniel Lucena (Grupo Expresso Rural)
O grupo Expresso Rural foi entrevistado dia 22 de outubro de 2007 no Zoom
Studio entre 18h e 19h e 30m, após ensaio para seus shows.
- Paulo Back (Grupos: Expresso Rural e Get Back)
Dia 16 de setembro de 2008. Na praça do Palácio Cruz e Souza entre 13h e
14h.
- Murillo Valente (Grupos: Moçambique, Decalco Mania e Tubarão)
Dia 15 de setembro de 2008. No Estúdio Tundum, seu local de trabalho,
entre 13h e 14h.
- Airton Perrone (Decalco Mania)
Dia 17 de setembro de 2008. No Espaço Cultural Sol da Terra, seu local de
trabalho, entre 14h30m e 16h.
- Lígia Gastaldi (jornalista e coordenadora da TVCOM do grupo RBS)
Dia 05 de janeiro de 2009. Escritório da TVCOM, seu local de trabalho,
entre 18h e 17h.
- Marco Alexandre Audino (Grupos Alta Voltagem, Tiamats, Kromo e Stryx)
164
Dia 05 de fevereiro de 2009. Em sua residência no bairro da Barra, no Rio
de Janeiro, entre 20h e 22h.
O áudio das conversas, assim como sua transcrição está com este historiador para,
após o término desta dissertação, arquivar no departamento de História da Universidade
Federal de Santa Catarina.
Entrevistas via site de relacionamentos, Orkut:
Comunidade: “Eu sou do Paulo Back”,
http://www.orkut.com.br/Main#Community.aspx?cmm=6647357. Tópico:
“Entrevista com Paulo Back”,
http://www.orkut.com.br/Main#CommMsgs.aspx?cmm=6647357&tid=243332370
3053625592&start=1
Perfil com respostas: Rodrigo Mota,
http://www.orkut.com.br/Main#Profile?uid=12358562345867685089
Obs.: Escolhi não colocar os perfis dos músicos entrevistados por questão de privacidade.
Deixo apenas o meu para verificação e pesquisa do arquivo com as respostas aqui
analisadas.
Webgrafia:
Sites:
Banda Expresso Rural: http://www.expressorural.com.br
Bandas: Get Back, Decalcomania e Expresso: http://www.getback.com.br
Banda Tubarão: http://www.myspace.com/bandatubarao
Banda
Burn:http://www.bigua.com.br/modules.php?name=Encyclopedia&op=content&tid=48
Banda Vanahein:
http://www.bigua.com.br/modules.php?name=Encyclopedia&op=content&tid=118
Palco MP3: http://www.palcomp3.cifraclub.terra.com.br
Todos os sites aqui analisados foram acessados durante toda a pesquisa que iniciou-
se em 2006, mas no dia 07 de julho de 2008, acessei todos novamente e as informações
retiradas para este trabalho ainda estavam na rede.
165
Fontes Midiáticas:
Canções:
Banda/ músico Canção Ano de
gravação
Álbum Gravadora/
produtora
Burn
Nuvens Negras 1986 --------------
Ruínas Atômicas
1985
Grupo
Engenho
Barra da Lagoa 1980 Vou Bota Meu Boi na
Rua
Engenho Produções
Nó Cego 1980 Vou Bota Meu Boi na
Rua
Engenho Produções
Carro de Boi 1981 Engenho Engenho Produções
Decalco
Mania
Aeroforça 1985 ----------------
Historinha 1985 ----------------
Coisas do Amor 1985
Será Verdade 1985
Álbuns:
Grupo/ Músico Álbum Ano Produtora/Gravadora
Ave de Rapina Própria Luz 1988 Produção Independente
Bandalheia Otário 1988 Estúdio 156
Apenas Indo 2007 Produção Independente
Burn Tempos Perdidos 2007 Diamondreamer
Era da Paz 2008 Produção Independente
Expresso Rural Nas Manhãs do Sul do
Mundo
1983 Expresso Rural
Expresso Certos Amigos 1985 RBS Discos
Vivo 1991 CB Discos
Romance em Casablanca 1992 ARTMIX e Expresso
Ímpar 1997 Trem Bala
Know How Know How 1990 Produção Independente
Ratones Ratones 1983 Ratones
Stigma Maltrapilho 1991 Produção Independente
Stryx Stryx 1991 Sony
Tubarão Tubarão - Compacto 1985 RCA
Tubarão e Expresso Tubarão/ Expresso 1988 Grupo Expresso
Produções
Tubarão Tubarão 1989 BMG Ariola
Perdidos no Deserto 1991 RGE
166
Vários Araponga – trilha da novela 1990 Som Livre
Vários Crime Perfeito 1986 Jacaré Produções
Vários Projeto Ilha 1985 Estúdio Mix
Vários Projeto Ilha II 1987 Estúdio Mix
Vários Rock In Brazil 1985 RCA
Vários Som da Gente 1984 RBS Discos
167
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Setembro de 2008. p. 18.
DVD
A História do Rock´n´Roll.David R. Axelrod. Warner Bros. Television. 1995
Heavy Metal: Louder Than Life. Dir. Dick Carruthers. Focus Music
Botinada: A orgiem do punk no Brasil de Gatão Moreira.ST2 vídeo. 2007
173
ANEXOS
Anexo 1
CD Capítulo 1 - Rock´n´Roll nas Ruas da Capital
Nº da
Música
Canção Banda/
músico
Ano de
gravação
Álbum Gravadora/
produtora
01 Carro de
Boi
Grupo
Engenho
1981 Engenho Engenho
Produções
02 Nó Cego Grupo
Engenho
1980 Vou Bota Meu Boi
na Rua
Engenho
Produções
03 Vento Negro
Almôndegas
1975 Almôndegas Continental
04 Rock Rural Expresso
Rural
1983 Nas Manhãs do Sul
do Mundo
Expresso Rural
05 A Mel Por
Hora
Expresso 1985 Certos Amigos RBS Discos
06 Deixe
Como Está
Expresso 1988 Tubarão/Expresso Expresso
Produções
07 Don´t
Believe Me
Get Back 1999 Get Back Trem Bala
Produções
08 Money Ratones 1983 Ratones Ratones
09 História de
Amor
Tubarão 1985 Rock In Brazil RCA
10 She doesn´t
care
Ratones 1983 Ratones Ratones
11 Só dá Você Tubarão 1985 Tubarão (Compacto)
RCA
12 Será
Verdade?
Decalco
Mania
Indefinida Acervo em
demotape de Airton
Perrone
Gravação de
Show
13 Oras Bolas Decalco
Mania
1986 Crime Perfeito Jacaré
Produções
14 Viver e
Viver
Olho
D´Água
1986 Crime Perfeito Jacaré
Produções
15 Coluna
Social
Alta
Voltagem
1986 Crime Perfeito Jacaré
Produções
16 Sons,
Baladas e
Blues
Ave de
Rapina
1988 Própria Luz Produção
Independente
17 Nuvens
Negras
Burn 1986 -------------- Produção
Independente
18 Espectros
Humanos
Camisa de
Força
1985 Projeto Ilha Estúdio Mix
19 Nu de
Corpo e
Alma
Stryx 1991 Stryx Sony Music
20 Ilha do
Desterro
Stigma 1991 Maltrapilho Produção
Independente
174
21 Maltrapilho Stigma 1991 Maltrapilho Produção
Independente
CD Capítulo 2 - Onde Estão Os Sonhos
Nº da
Música
Canção Banda/
músico
Ano de
gravação
Álbum Gravadora/
produtora
01 I Wan´t to
Hold Your
Hand
Beatles 1963 Single: I Wan´t to
Hold Your Hand
Capitol/EMI
02 Várias Expresso
Rural
1983 Coletânea dos
shows “Nas Manhãs
do Sul do Mundo”
Arquivo pessoal
Paulo Back.
03 Espiral de
Matança
Vanaheim 1986 Crime Perfeito Jacaré Produções
04 Tom Natural Expresso
Rural
1983 Nas Manhãs do Sul
do Mundo
Expresso Rural
05 Nas Manhãs
do Sul do
Mundo
Expresso
Rural
1983 Nas Manhãs do Sul
do Mundo
Expresso Rural
06 Sinais de
Calor
Expresso 1985 Certos Amigos RBS Discos
07 I´m Looking
Through You
Beatles 1965 Rubber Soul Capitol/EMI
08 Nossos
Corações
Expresso
Rural
1983 Nas Manhãs do Sul
do Mundo
Expresso Rural
09 Banho das
Seis
Daniel
Lucena
1986 Crime Perfeito Jacaré Produções
10 Banho das
Seis
Expresso 1992 Romance em
Casablanca
Artmix e
Expresso
11 Vou
Conquistar
Seu Coração
Tubarão 1988 Tubarão/Expresso Grupo Expresso
Produções
12 Vou
Conquistar
Seu Coração
Tubarão 1989 Tubarão BMG Ariola
13 Vou
Conquistar
Seu coração
Tubarão 1991 Perdidos No Deserto
RGE
14 Ilha da
Solidão
Expresso 1992 Romance em
Casablanca
Artmix e
Expresso
15 Aeroforça Decalco
Mania
1985 Acervo em
demotape de Airton
Perrone
Gravação de
Show
16 Coisas do Decalco Indefinida Acervo em Gravação de
175
Amor Mania demotape de Airton
Perrone
Show
17 Flodoardo Expresso
Rural
1983 Nas Manhãs do Sul
do Mundo
Expresso Rural
18 Pó (só mais
uma)
Tubarão 1989 Tubarão BMG Ariola
19 Babaca Tubarão 1989 Tubarão BMG Ariola
20 Rock, Surf e
Sexo Oposto
Decalco
Mania
S/data Acervo em
demotape de Airton
Perrone
Gravação de
Show
21 Olhar
Inocente
Burn 1985 Tempos Perdidos
(Regravação)
Diamondreamer
22 Historinha Decalco
Mania
1985 Acervo em
demotape de Airton
Perrone
Gravação de
Show
23 Abraçado
num Garrafão
Bandalheia 1988 Otário Estúdio 156
24 Longe da
Moto
Bandalheia 1988 Otário Estúdio 156
25 Ruínas
Atômicas
(regravação)
Burn 2007 Burn – Tempos
Perdidos
Diamondreamer
26 Nuvens
Negras
Burn 1986 Acervo em
Demotape de
Márcio Silva
Produção
Independente
27 Black Suzete Tubarão 1989 Tubarão BMG Ariola
CD Capítulo 3 - Um Por Todos e Todos Por Mim
E Considerações Finais
Nº da
Música
Canção Banda/
músico
Ano de
gravação
Álbum Gravadora/
produtora
01 Certos
Amigos
Expresso 1985 Certos Amigos Grupo Expresso
02 Decalcomania
Expresso 1985 Certos Amigos Grupo Expresso
03 A Tribo Tubarão 1991 Perdidos no Deserto RGE
04 Válvula de
escape
Bandalh
eia
1988 Otário Estúdio 156
05 Deuses
Violeiros
Seixo
Rolado
1985 Projeto Ilha Estúdio Mix
06 747 Metrópolis 1987 Projeto Ilha II Estúdio Mix
07 Crime
Perfeito
Crime
Perfeito
1985 Crime Perfeito Jacaré Produções
08 Ilusão Know How 1990 Know How Produção
Independente
09 Todos por Tubarão 1991 Perdidos no deserto RGE
176
Mim
10 Olho D´Água Renato
Botelho
1984 Som da Gente RBS Discos e
Som Livre
11 Suco de
Imaginação
Beto
Mondadori
1984 Som da Gente RBS Discos e
Som Livre
12 Som da Gente
Frank 1984 Som da Gente RBS Discos e
Som Livre
13 Estou de
Volta
Stryx 1991 Stryx Sony Music
14 Colônia Bandalheia 2007 Apenas Indo Produção
Independente
15 Sagrado
Rock´n´Roll
Burn 2005 Single Produção
Independente
16 Pesadelo Burn 2008 Era da Paz Produção
Independente
17 Nigraj Nuboj Burn 2007 Burn – Tempos
Perdidos
Diamondreamer
177
Anexo 02
Tabela relacionando as bandas com seus integrantes
Grupo/ Músico
Álbum
Integrantes
Ano Produtora/Grava
dora
Ave de Rapina Própria Luz
Rogério Perito – Violão e Vocal
Samir Abrahão – Contrabaixo
João Rodrigues – Vocal
Eduardo Paes – Bateria
Jair Foss - Teclado
1988 Produção
Independente
Bandalheia Otário
Gera – Guitarra e Vocal
Valter – Contrabaixo e Vocal
Dite – Bateria e Vocal
1988 Estúdio 156
Expresso Rural
Nas Manhãs do
Sul do Mundo
Daniel Lucena – Vocal e Violão
Zeca Petry – Violão Ovation e
Vocal
Volnei Varaschin – Violões e
Guitarra
Paulo Back – Contrabaixo
Marcos Ghiorzi – Bateria
1983 Expresso Rural
Expresso Certos Amigos
Daniel Lucena – Vocal e Violão
Volnei Varaschin – Violões e
Guitarra
Paulo Back – Contrabaixo
Marcos Ghiorzi – Bateria
Márcio Corrêa - Teclados
1985 RBS Discos
Tubarão/ Expresso
Volnei Varaschin – Violões e
Guitarra
Paulo Back – Contrabaixo
Marcos Ghiorzi – Bateria
Márcio Corrêa – Teclados
Maurício Cavalheiro – Vocal
Norton Malkoviechi - Vocal
1988 Grupo Expresso
Produções
Vivo
Daniel Lucena – Vocal e Violão
Volnei Varaschin – Violões e
Guitarra
Marcos Ghiorzi – Bateria
Márcio Corrêa - Teclados
1991 CB Discos
Romance em
Casablanca
Daniel Lucena – Vocal e Violão
Volnei Varaschin – Violões e
Guitarra
Paulo Back – Contrabaixo
Marcos Ghiorzi – Bateria
Márcio Corrêa - Teclados
1992 ARTMIX e
Expresso
Ímpar
Volnei Varaschin – Violões e
Guitarra
Paulo Back – Contrabaixo
Marcos Ghiorzi – Bateria
Márcio Corrêa – Teclados
Maurício Cavalheiro - Vocal
1997 Trem Bala
Know How Know How
Leandro Marcucci – Guitarra e
Voz
Luciano Candemil – Bateria
1990 Produção
Independente
178
Marcelo Gouvêa – Teclados
Alessandro Soares - Contrabaixo
Ratones
Ratones
Paulo May – Guitarra e Vocal
André May – Contrabaixo
Beto Chede – Bateria
1983 Ratones
Stigma Maltrapilho
Cristina Vianna – Voz
Idézio Silvestre – Guitarra e Voz
Ricardo “Kalil” - Sax e Voz
“Sacha” Garaschenco Bateria,
Contrabaixo e Guitarra
1991 Produção
Independente
Stryx Stryx
Marco Audino – Voz
Andrey – Guitarra/ Violão
Moacir – Teclados
Rodrigo – Contrabaixo
Emerson - Bateria
1991 Sony
Tubarão
Tubarão -
Compacto
Paulo May – Guitarra
André May – Contrabaixo
Beto Chede – Bateria
Guido – Voz
Ida – Guitarra base
1985 RCA
Tubarão/ Expresso
Paulo May – Guitarra e Vocal
André May – Contrabaixo
Beto Chede – Bateria
Murillo Valente – Guitarra
Carlos Trilha - Teclados
1988
Grupo Expresso
Produções
Tubarão
Paulo May – Guitarra e Vocal
André May – Contrabaixo
Beto Chede – Bateria
Murillo Valente – Guitarra
Carlos Trilha - Teclados
1989 BMG Ariola
Perdidos no
Deserto
Paulo May – Guitarra
André May – Contrabaixo
Beto Chede – Bateria
Murillo Valente – Guitarra
Carlos Trilha – Teclados
Maurício Cavalheiro - Vocal
1991 RGE
Decalco Mania Crime Perfeito
Iran Melo – Voz
Murillo Valente – Guitarra
Airton Perrone – Guitarra
Robson Dias – Contrabaixo
Masquinhas Loureiro - Bateria
1986 Jacaré Produções
Alta Voltagem Crime Perfeito
Marcelo Figueira – Voz e
Guitarra
Marco Audino – Contrabaixo e
Vocal
Marcelo Passos – Guitarra e
Vocal
Rodrigo Schaefer – Bateria
1986 Jacaré Produções
Vanaheim Crime Perfeito
Bruno Sala “Medieval” - Voz
Claudio – Guitarra
Mauro – Contrabaixo
Murilo Verde – Bateria
1986 Jacaré Produções
179
Olho D´Água Crime Perfeito
Renato Botelho – Voz
Nico Varela – Teclados
Luiz Meira – Guitarra
Masquinhas Loureiro – Bateria
Jorge Athaide - Contrabaixo
1986 Jacaré Produções
Sobrinhos de
Beethoven
Projeto Ilha
Robson Varella – Bateria
Carlos Trilha – Teclados
Xande Martins – Contrabaixo e
vocal
Billy Dan – Guitarra, Violão e
Vocal
J. Mecal – Guitarra e Voz
1985 Estúdio Mix
Camisa de Força Projeto Ilha
Christian Ângelo Peredo
Pizzarro – Guitarra
Paulo Rebelo Silva de
Mendonça- Guitarra
Marcos Maurício Peredo Pizarro
– Contrabaixo
Roberto Vieira Ozelame
Bateria
Pedro Paulo Mendes Sbissa -
Vocal
1985 Estúdio Mix
Seixo Rolado Projeto Ilha
Guto Seara – Voz e Ovation
Hector Pombo – Violão e Viola
Catullo – Contrabaixo
Heitor Bitencourt – Guitarra
Hamilton – Bateria
Mariza - Flauta
1985 Estúdio Mix
Terra Verde Projeto Ilha II
Vânio Ribeiro – Violão e Vocal
Júlio César Melo – Flauta e
Teclado
Jorge Lacerda – Guitarra solo
Sérgio Quadros – Bateria
1987 Estúdio Mix
Metrópolis Projeto Ilha II
Mauro Rai – Vocal
Carlos Trilha – Teclado
Alex Sílvio – Contrabaixo
Sandro Murilo – Bateria
Fred Gomes - Guitarra
1987 Estúdio Mix
Decalco Mania -----------------
Iran Melo – Vocal
Murillo Valente – Guitarra Solo
Airton Perrone - Guitarra Base
Ivan Ratcliff – Contrabaixo
Kaw Régis – Teclado
Murilo Verde - Bateria
1984
Tiamats --------------------
Marcelo Passos – Guitarra
Marco Audino Contrabaixo e
Vocal
Rodrigo Schaeffer – Bateria
Carlos Trilha - Teclados
1986
Kromo --------------------
Luciano Felipe – Vocal
Andrey – Guitarra/ Violão
Moacir – Teclados
Rodrigo – Contrabaixo
Emerson - Bateria
1988
180
Burn -------------------
Márcio Silva – Voz e Guitarra
Victor Celso – Contrabaixo
Hudson Soares – Bateira
1978
Corrente
Sanguínea
--------------------
Adriano Furlanetto – Guitarra
Marco Ruiz – Contrabaixo
Marcelo Ruiz – Vocal e Guitarra
Márcio Ruiz - Bateria
1983
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