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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA
CENTRO DE ARTES E LETRAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS
ANÁLISE CRÍTICA DE GÊNERO DE RELATOS DE
PESQUISA SOBRE ESCRITA
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
Francieli Socoloski Rodrigues
Santa Maria, RS, Brasil
2008
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2
ANÁLISE CRÍTICA DE GÊNERO DE RELATOS DE
PESQUISA SOBRE ESCRITA
por
Francieli Socoloski Rodrigues
Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado do Programa de Pós-
Graduação em Letras, Área de Concentração em Estudos Lingüísticos,
da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM, RS), como requisito
parcial para obtenção do grau de
Mestre em Letras.
Orientadora: Profª. Drª. Désirée Motta-Roth
Santa Maria, RS, Brasil
2008
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Universidade Federal de Santa Maria
Centro de Artes e Letras
Programa de Pós-Graduação em Letras
A Comissão Examinadora, abaixo assinada,
aprova a Dissertação de Mestrado
ANÁLISE CRÍTICA DE GÊNERO DE RELATOS DE PESQUISA
SOBRE ESCRITA
elaborada por
Francieli Socoloski Rodrigues
como requisito parcial para obtenção do grau de
Mestre em Letras
COMISSÃO EXAMINADORA:
Désirée Motta-Roth, Dr.
(Presidente/Orientadora)
Hilário Inácio Bohn, Dr.
Marcia Cristina Corrêa, Dr.
Santa Maria, 27 de maio de 2008.
4
AGRADECIMENTOS
À Désirée, pela orientação inquietante e desafiadora, que nos faz sempre buscar o
melhor de nós mesmos; pelo esforço em criar um ambiente de pesquisa colaborativo
e profícuo.
Ao Prof. Hilário e à Profa. Márcia, pela leitura do trabalho; à Profa. Márcia também
pelas contribuições oferecidas na etapa de qualificação.
À Graciela, pela oportunidade única que colocou em meu caminho ao me apresentar
à Désirée como candidata a bolsista de iniciação científica; também pelo aceite em
compor a banca examinadora deste trabalho.
À CAPES, pelo apoio financeiro fundamental no primeiro ano desta pesquisa.
Ao Programa de Pós-Graduação em Letras: às coordenações que por ele passaram
nesse período e aos técnico-administrativos Irene e Jandir, por todo seu
comprometimento com o trabalho e por sua disponibilidade.
À Direção do Campus de São Borja da Universidade Federal do Pampa, nas figuras
da Profa. Cárlida e da Profa. Sheila, pelos eventuais afastamentos concedidos para
realização deste trabalho; também aos colegas que gentilmente assumiram minhas
tarefas nesses dias: agradeço de modo especial ao Alex e ao Ricardo.
Aos participantes (autores e editores) do meu estudo, por sua disponibilidade e
pelas contribuições valiosas.
A minha família, especialmente a minha mãe, Clara, a quem dedico esta
dissertação, pela doação e apoio incondicional aos meus projetos, o que faz com
que as conquistas sejam tão suas quanto minhas.
Ao David, pelo amor e amizade dessas muitas rotações compartilhadas; por ser a
força de equilíbrio que evitou o colapso nos dias de maior turbulência da jornada.
Às queridas colegas Suzi e Janete, pelo companheirismo nas disciplinas cursadas; à
Suzi, pela troca de idéias diária via msn; à Janete, pela disponibilidade em ajudar,
emprestando seus livros.
À Ticks, Sandra e Thaiane, pela amizade e pela troca de idéias e impressões
sempre produtiva em relação à vida acadêmica e não acadêmica.
Aos colegas do GT, pelas sugestões para a apresentação em power point; de modo
especial, agradeço a força oferecida pela Pati e pela Suzi.
À minha querida amiga Rafa, pelas happy-hours animadas na Kitute ou na Cia do
Pão, uma válvula de escape para o estresse dos dias de trabalho mais cansativos.
A todos os meus queridos colegas do LabLeR, pela interação enriquecedora nos
vários processos de aprendizagem que vivenciamos juntos.
5
RESUMO
Dissertação de Mestrado
Programa de Pós-Graduação em Letras
Universidade Federal de Santa Maria
ANÁLISE CRÍTICA DE GÊNERO DE RELATOS DE PESQUISA
SOBRE ESCRITA
AUTORA: FRANCIELI SOCOLOSKI RODRIGUES
ORIENTADORA: DÉSIRÉE MOTTA-ROTH
O debate entre pesquisadores envolvidos com a investigação da escrita no Brasil
tem priorizado o estudo dos gêneros textuais como objetos de ensino (por exemplo,
CRISTÓVÃO; NASCIMENTO, 2005; LOPES-ROSSI, 2005; MOTTA-ROTH, 2006;
MACHADO; CRISTÓVÃO, 2006). Nesse sentido, as pesquisas têm se centrado em
questões relativas à prática pedagógica, ao passo que uma carência de estudos
acerca do próprio processo de pesquisa na área. A análise das formas de
investigação, no entanto, exerce papel fundamental na construção da epistemologia
de uma dada área (MOITA LOPES, 1994; MOTTA-ROTH, 2005). Com o presente
estudo, busco contribuir para o debate metodológico na Lingüística Aplicada (LA) ao
enfocar a pesquisa acerca da escrita (seu processo, ensino, aprendizagem e
análise). O objetivo é identificar discursos sobre a escrita e sua investigação pela
análise de relatos de pesquisa publicados sobre o tema em periódicos de LA e pela
análise de entrevistas com autores desses relatos e editores dos periódicos
selecionados. O suporte teórico-metodológico da pesquisa inclui a Lingüística
Sistêmico-Funcional (HALLIDAY, 1989; HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2004) e a
Análise de Gênero (SWALES, 1990; 1998; 2004). A análise do corpus evidencia que
o relato da metodologia na área se constitui como um discurso silenciado ou
sintético, com escassas explicações das opções metodológicas e do processo de
pesquisa empreendido, em termos da abordagem, dos procedimentos e das
categorias de análise. O discurso teórico predominante sobre a natureza da escrita é
aquele que a concebe como prática social, evocando seu caráter situado, como
fenômeno sociodiscursivo. Por outro lado, os desenhos de pesquisa sugerem que os
estudos carecem de uma descrição mais densa dos contextos em que a escrita
constitui práticas sociais. Esses discursos sobre a natureza da escrita e sobre sua
investigação se chocam, se questionam, e reiteram a necessidade de que a prática
de pesquisa seja continuamente repensada, dadas as contingências desse objeto de
investigação complexo – a escrita.
Palavras-chave: escrita, pesquisa, metodologia, análise de gênero.
6
ABSTRACT
Dissertação de Mestrado
Programa de Pós-Graduação em Letras
Universidade Federal de Santa Maria
CRITICAL GENRE ANALYSIS OF RESEARCH REPORTS ON
WRITING
AUTHOR: FRANCIELI SOCOLOSKI RODRIGUES
ADVISOR: DÉSIRÉE MOTTA-ROTH
The debate among researchers involved with the investigation of writing in Brazil has
been focused on the study of genres as objects for teaching (CRISTÓVÃO;
NASCIMENTO, 2005; LOPES-ROSSI, 2005; MOTTA-ROTH, 2006; MACHADO;
CRISTÓVÃO, 2006). In this scenario, pedagogical issues have been most explored,
while little attention has been paid to the process of research itself. However, as
authors have pointed out (MOITA LOPES, 1994; MOTTA-ROTH, 2005), analyzing
the forms of investigation plays an important role in the very shaping of epistemology
in a given field. This work has the objective of contributing to the methodological
debate in Applied Linguistics (AL) by focusing on research about writing (its process,
teaching, learning and analysis). The intent is to identify discourses about writing and
its investigation by analyzing research reports on the topic as well as data from
electronic interviews with authors of these reports and editors of the journals
selected. The theoretical and methodological framework includes Systemic
Functional Linguistics (HALLIDAY, 1989; HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2004) and
Genre Analysis (SWALES, 1990; 1998; 2004). The analysis of the corpus shows that
the methodological report in the area constitutes itself as a silent or clipped
discourse, including few explanations about methodological choices and about the
research process implemented. On the one hand, the theoretical discourse in the
reports is the one which understands writing as a social practice. On the other hand,
the research designs suggest that the studies are lacking a thick description of the
contexts in which writing constitutes social practices. These discourses about the
nature of writing and about the research on writing contrast with each other, question
each other, and show the necessity of rethinking the research practice over and over
again, given the contingencies of this complex object of investigation – writing.
Key-words: writing, research, methodology, genre analysis
7
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1 – Visão multinivelada da linguagem ................................................... 23
FIGURA 2 – Discursos sobre a escrita ................................................................ 30
FIGURA 3 – Níveis do fenômeno lingüístico e discursos sobre a escrita ............ 33
FIGURA 4 – Modelo CARS para Introduções de artigos ..................................... 46
FIGURA 5 Descrição esquemática da seção de Metodologia proposta por Oliveira
(2003) ................................................................................................................... 51
FIGURA 6 Descrição esquemática da seção de Metodologia proposta por
Marcuzzo (2006) ................................................................................................... 52
FIGURA 7 Descrição esquemática do movimento recorrente nas seções de
Metodologia do corpus ......................................................................................... 81
FIGURA 8 Descrição esquemática da Metodologia em artigos sobre Formação do
Professor .............................................................................................................. 84
FIGURA 9 Exemplar da estrutura esquemática da Metodologia nos artigos sobre
Formação do Professor ........................................................................................ 86
8
LISTA DE QUADROS
QUADRO 1 – Listagem dos lexemas relacionados às diferentes concepções de
escrita ................................................................................................................... 31
QUADRO 2 – Variações em seções de Metodologia ........................................... 50
QUADRO 3 – Listagem de referências dos artigos selecionados ........................ 55
QUADRO 4 – Movimentos retóricos nos relatos do corpus ................................. 61
QUADRO 5 – Estudos da área de interesse Análise de Texto/Discurso ............. 74
QUADRO 6 – Estudos da área de interesse Ensino/Aprendizagem da Escrita .. 76
QUADRO 7 – Estudos da área de interesse Formação do Professor de Escrita 77
QUADRO 8 – Sistematização das abordagens metodológicas identificadas .... 90
QUADRO 9 – Discursos teóricos sobre a escrita identificados .......................... 100
QUADRO 10 Sistematização de crenças sobre a escrita nos três discursos
identificados ........................................................................................................ 107
9
LISTA DE SIGLAS
AA Artigo Acadêmico Experimental
ACD Análise Crítica do Discurso
AG Análise de Gênero
CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
CARS Create a Research Space
CNPq Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
IMRD Introdução – Metodologia – Resultados - Discussão
LA Lingüística Aplicada
LE Linguagem & Ensino
LSF Lingüística Sistêmico-Funcional
OCNs Orientações Curriculares Nacionais
PCNs Parâmetros Curriculares Nacionais
PNLD Programa Nacional do Livro Didático
RBLA Revista Brasileira de Lingüística Aplicada
TLA Trabalhos em Lingüística Aplicada
10
LISTA DE ANEXOS
ANEXO 1 – Convite enviado aos autores .............................................................122
ANEXO 2 – Convite enviado aos editores ............................................................ 123
ANEXO 3 – Questionário enviado aos autores .................................................... 124
ANEXO 4 – Questionário enviado aos editores ................................................... 126
ANEXO 5 – Procedimentos de análise identificados nos relatos ........................ 128
ANEXO 6 – Respostas dos autores-participantes ............................................... 131
ANEXO 7 – Respostas dos editores-participantes .............................................. 138
11
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 12
CONTEXTUALIZAÇÃO ........................................................................................12
OBJETIVOS ..........................................................................................................15
ORGANIZAÇÃO DO ESTUDO .............................................................................16
1 REVISÃO DA LITERATURA ............................................................................. 17
1.1 CONCEPÇÕES ACERCA DA ESCRITA ....................................................... 17
1.1.1 Tendências contemporâneas de entendimento da escrita .................... 17
1.1.2 Um enquadre analítico para identificação de discursos sobre a escrita
............................................................................................................................... 22
1.1.2.1 Visão multinivelada da linguagem ........................................................ 23
1.1.2.2 Os seis discursos sobre a escrita caracterizados por Ivanic ............ 24
1.2 ABORDAGENS METODOLÓGICAS NA PESQUISA EM ESCRITA ........... 34
1.2.1 A análise dos sistemas de atividades ..................................................... 37
1.2.2 Análise de texto/discurso ......................................................................... 39
1.3 SUPORTE TEÓRICO-METODOLÓGICO DO ESTUDO ............................... 43
1.3.1 Relação entre texto e contexto: pressuposto da LSF ........................... 43
1.3.2 A Análise de Gênero como abordagem metodológica para o estudo de
práticas discursivas .......................................................................................... 44
1.3.2.1 O artigo acadêmico experimental na literatura ................................... 48
1.3.2.2 A textualização da Metodologia no artigo acadêmico ....................... 49
2 METODOLOGIA ............................................................................................... 53
2.1 DELIMITAÇÃO DO UNIVERSO DE ANÁLISE ............................................. 53
2.2 SELEÇAO DO CORPUS ............................................................................... 55
2.3 ANÁLISE TEXTUAL ...................................................................................... 56
2.4 ANÁLISE CONTEXTUAL .............................................................................. 58
3 APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS E DISCUSSÃO ................................ 60
3.1 ORGANIZAÇÃO RETÓRICA DOS TEXTOS ................................................ 60
3.2 INTERESSES E FOCOS DE PESQUISA EM ESCRITA ............................... 72
3.3 ORGANIZAÇÃO RETÓRICA DA SEÇÃO DE METODOLOGIA .................. 81
3.4 SISTEMATIZAÇÃO DE ABORDAGENS METODOLÓGICAS E
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ............................................................ 88
3.5 DISCURSOS SOBRE A ESCRITA E SUA INVESTIGAÇÃO ....................... 97
4 CONCLUSÕES, LIMITAÇÕES DO ESTUDO E SUGESTÕES PARA FUTURAS
PESQUISAS ....................................................................................................... 109
4.1 SÍNTESE DOS PRINCIPAIS RESULTADOS E CONCLUSÕES ................. 109
4.2 LIMITAÇÕES DO ESTUDO E SUGESTÕES PARA FUTURAS PESQUISAS
............................................................................................................................. 113
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................. 115
12
INTRODUÇÃO
Contextualização
O debate entre os pesquisadores envolvidos com o ensino da língua materna no
Brasil tem priorizado, nos últimos anos, a reflexão acerca das mudanças produzidas
no cenário educacional brasileiro a partir da publicação dos Parâmetros
Curriculares Nacionais - PCNs (1997) e da implementação de outras políticas de
educação lingüística pelo Ministério da Educação, como o Programa Nacional do
Livro Didático, que apresentam como argumento principal o ensino contextualizado
da linguagem (exemplares dessa tendência são os trabalhos de ROJO; BATISTA,
2003; MARCUSCHI, 2004; DIONÍSIO; BEZERRA, 2005; MACHADO; BRONCKART,
2005). Em relação à escrita especificamente, o foco de pesquisa tem sido o estudo
dos gêneros textuais, definidos como objetos de ensino (por exemplo, CRISTÓVÃO;
NASCIMENTO, 2005; LOPES-ROSSI, 2005; MOTTA-ROTH, 2006; MACHADO;
CRISTÓVÃO, 2006).
Tanto no âmbito geral da educação lingüística quanto no âmbito particular do
ensino da escrita, portanto, as investigações têm se centrado em questões relativas
à prática pedagógica, ao passo que há uma carência de estudos acerca do processo
de pesquisa em si nessa área. No entanto, diversos autores têm enfatizado a
necessidade, para a evolução do campo disciplinar da Lingüística Aplicada (LA), de
se constituir um corpo de metaconhecimento que recorrentemente se atualizando
com os problemas da contemporaneidade (MOITA LOPES, 1994; 2006).
Considerando que a análise das formas de investigação contribui para definir a
própria área (MOITA LOPES, 1994, p. 329), coloca-se como urgente na agenda da
LA o debate acerca de como se a produção de conhecimento em suas diversas
subáreas.
Nesse sentido, a recente publicação de três livros, no contexto nacional, merece
destaque, uma vez que se constituem justamente como propostas de sistematização
de pesquisa dentro da LA. O primeiro deles (MOITA LOPES, 2006), de escopo
bastante amplo, coloca em discussão a necessidade de se (re)pensar um novo
estatuto para a LA, construindo novos modos de teorizar e fazer pesquisa na área.
Essa nova LA discutida no livro pode ser caracterizada como mestiça, que dialoga
13
continuamente com teorias que atravessam o campo das Ciências Sociais e das
Humanidades, e ideológica, pois reconhece a necessidade de questionar inclusive a
que servem os interesses que ela própria produz. O livro, segundo argumenta o
organizador, não almeja apresentar uma uniformização, mas tendências de como
ver e abordar a LA de modo auto-reflexivo, como um campo que se repensa
insistentemente. O livro reúne pesquisadores que, fazendo uso de teorias que têm
interrogado a modernidade, formulam questionamentos sobre os tipos de
conhecimento produzidos e discutem uma agenda sociopolítica para a LA, com foco
na reflexão sobre o papel da linguagem na constituição da vida social e pessoal.
O segundo livro (LEFFA, 2006), ainda de caráter mais geral, propõe o
mapeamento de temas e métodos de pesquisa centrais em LA no Brasil. O livro
cobre a discussão dos seguintes temas: aprendizagem mediada por computador,
Lingüística Sistêmico-Funcional, interação verbal na sala de aula, autonomia
relativa, ensino de leitura e gêneros textuais, relacionados, respectivamente, à
descrição das seguintes metodologias de pesquisa: estudo de caso, estudo de
corpus, micro-análise etnográfica, pesquisa-ação, pesquisa avaliativa e análise
sócio-retórica. O organizador do livro destaca a opção por metodologias qualitativas,
de cunho interpretativista, que refletem, no seu entendimento, a tendência da LA no
Brasil (LEFFA, 2006, p. 9).
O terceiro livro importante para a discussão da metodologia de pesquisa em
estudos da linguagem que gostaria de destacar (MEURER; BONINI; MOTTA-ROTH,
2005) busca mapear as diferentes perspectivas de entendimento e de estudo dos
gêneros textuais, que passaram a ser uma noção central na definição da própria
linguagem. O livro cobre a retomada do construto de nero sob diferentes pontos
de vista, que se aproximam entre si no olhar social que lançam sobre a linguagem,
mas que se diferenciam em termos de teorização e tratamento metodológico desse
objeto. Cada enquadre teórico apresentado é exemplificado com a descrição dos
procedimentos metodológicos adotados para a análise.
Tendo como pano de fundo tais discussões, o presente estudo tem o objetivo de
contribuir para o debate metodológico em LA ao enfocar a pesquisa acerca do
processo, do ensino, da aprendizagem e da análise da escrita
1
. O trabalho integra o
1
Doravante, ao me referir genericamente ao foco deste trabalho como “um estudo acerca de relatos
de pesquisa sobre a escrita”, estarei me referindo a todas estas dimensões: processo, ensino,
aprendizagem, análise, da escrita.
14
esforço conjunto que o Grupo de Pesquisa/CNPq
2
“Linguagem como Prática Social”
tem dedicado à reflexão sobre a metodologia de pesquisa em estudos da linguagem.
O primeiro trabalho publicado centrado nessa temática (Motta-Roth, 2003) explorou
o modo como perspectivas diversas do pesquisador sobre a linguagem e seu estudo
demandam diferentes desenhos metodológicos. Oliveira (2003) e Kurtz (2004), por
sua vez, investigaram a construção da metodologia em artigos acadêmicos
eletrônicos de LA, sendo que o primeiro trabalho centrou-se na configuração textual
da seção de metodologia e sua relação com a tendência de pesquisa adotada
(quantitativa/qualitativa), enquanto o segundo enfocou tópicos e procedimentos de
pesquisa. Esses trabalhos estavam vinculados a um projeto guarda-chuva
3
, cujos
objetivos foram descrever, analisar e interpretar a configuração da linguagem na
construção da metodologia em artigos acadêmicos de diferentes subáreas da
Lingüística, de modo a interpretar a variabilidade do campo conceitual.
Atualmente os estudos produzidos no grupo têm fechado o foco sobre subáreas
específicas dentro da LA. Marcuzzo (2006)
4
investigou seções de metodologia em
artigos de Inglês para Fins Acadêmicos, identificando categorias analíticas e
procedimentos de pesquisa adotados na análise do artigo acadêmico, a fim de
elaborar uma sistematização do processo de pesquisa em Análise de Gênero.
Nessa mesma perspectiva, o presente estudo deverá oferecer contribuições para
o debate metodológico ao investigar a textualização de práticas de pesquisa sobre a
escrita. O corpus consistirá de artigos acadêmicos sobre o tópico, coletados em três
periódicos brasileiros de prestígio na área de LA, bem como de dados resultantes de
entrevistas via correio eletrônico com os autores dos artigos e com os editores dos
periódicos.
A escolha do tópico de pesquisa (o processo, o ensino, a aprendizagem e a
análise escrita) está relacionada à minha formação docente
5
e ao meu interesse em
2
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.
3
Projeto de Produtividade em Pesquisa/CNPq: “Discursos de investigação”: Uma análise de gênero
da construção discursiva da “Seção de Metodologia” em artigos acadêmicos de Lingüística (Processo
nº 350389/98-5), de autoria da orientadora desta dissertação.
4
Trabalho vinculado ao Projeto de Produtividade em Pesquisa/CNPq: “Categorias analíticas e
procedimentos metodológicos em análise crítica de gêneros discursivos” (Processo nº 350389/98-5),
de autoria da orientadora desta dissertação.
5
Minha experiência docente em língua materna e estrangeira se limita à ministração de cursos de
língua estrangeira no Projeto LABLER-Línguas no Campus/UFSM; ao estágio curricular do Curso de
Letras da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), em que realizei um trabalho voltado
especificamente para a produção textual em língua portuguesa em uma escola pública federal; e a
minha atuação como monitora do Curso de Extensão em língua portuguesa “Redação Acadêmica”,
15
atuar nessa área. O estudo, portanto, deverá oferecer subsídios para minha atuação
futura como docente e pesquisadora.
Esta proposta de pesquisa foi sendo delineada à medida que fui abandonando
caminhos de pesquisa voltados para o ensino, devido à minha incipiente experiência
em sala de aula e falta de um conhecimento mais amplo dos princípios teórico-
metodológicos legitimados para a pesquisa sobre escrita. A partir disso, percebi que
uma metapesquisa poderia, nesse momento, contribuir de modo mais efetivo para
minha formação de pesquisadora e professora e talvez para a formação de outros
profissionais iniciantes na área.
Objetivos
O presente estudo se insere na temática de discussão da metodologia de
pesquisa em LA, partindo do pressuposto de que a textualização das práticas de
pesquisa desempenha papel importante na própria definição das áreas de
investigação. Com esta pesquisa, busco contribuir para tal debate ao investigar
relatos de pesquisa de uma comunidade disciplinar específica dentro da LA: a
comunidade que publica artigos acadêmicos acerca da escrita em periódicos
brasileiros de prestígio na área.
Nesse sentido, o objetivo geral deste estudo é identificar os discursos que
circulam na área acerca da natureza da escrita e de sua investigação por meio da
análise de relatos de pesquisas sobre a escrita no locus acima descrito. Para tanto,
meus objetivos específicos são os seguintes:
a) descrever a configuração dos artigos do corpus em termos de sua
organização retórica;
b) identificar a área de interesse e o foco de estudo em cada artigo;
c) descrever a organização retórica das seções de Metodologia dos relatos do
corpus;
d) sistematizar abordagens e procedimentos metodológicos implementados na
pesquisa da área;
ministrado anualmente pela orientadora deste trabalho a alunos de todas as áreas do saber da UFSM
em nível de pós-graduação.
.
16
e) explicitar os discursos sobre a escrita e sua investigação que perpassam os
estudos;
f) cotejar os resultados da análise textual com dados obtidos por entrevista com
os autores dos artigos e com os editores dos periódicos.
Busco responder ao seguinte questionamento:
- A partir do corpus analisado, que discursos sobre a escrita (princípios
teóricos/metodológicos) recorrentes nos relatos são passíveis de identificação?
Organização do estudo
Este estudo está organizado em quatro capítulos, além desta Introdução. No
primeiro capítulo, de Revisão da Literatura, compilo contribuições teóricas relevantes
para este trabalho. No segundo, de Metodologia, descrevo os critérios de seleção do
corpus, bem como os procedimentos metodológicos adotados para a análise. No
terceiro capítulo, apresento e discuto os resultados da análise. Por fim, apresento as
conclusões, limitações da pesquisa e sugestões para futuras pesquisas.
17
1 REVISÃO DA LITERATURA
Neste capítulo, reviso contribuições teóricas relevantes da literatura prévia
que serão tomadas como referencial na investigação proposta neste trabalho. O
capítulo está dividido em três grandes seções, que contemplam as três questões
teóricas principais para a sustentação do trabalho. Na primeira seção, discuto o
conceito do objeto de estudo desta dissertação - a escrita - ao visitar diferentes
perspectivas teóricas de entendimento de sua natureza. Na segunda parte, destaco
abordagens metodológicas para pesquisa em escrita. Por fim, na última seção,
explicito a teoria de linguagem que orienta o estudo. Reúno a Lingüística Sistêmico-
Funcional, segundo a qual é legítimo investigar o processo de pesquisa pela análise
da sua textualização em artigos acadêmicos, e a Análise de Gênero swalesiana, que
será tomada como abordagem metodológica neste trabalho.
1.1 Concepções acerca da escrita
Nesta seção, busco descrever diferentes abordagens de entendimento da
escrita, a fim de subsidiar a identificação de perspectivas teóricas adotadas nos
textos que compõem o corpus desta dissertação.
Na primeira parte, 1.1.1, aponto o que parece se configurar na literatura como
tendências contemporâneas de conceituação do objeto. Na segunda, 1.1.2, exponho
um enquadre analítico para análise de discursos sobre a escrita, proposto por Ivanic
(2004).
1.1.1 Tendências contemporâneas de entendimento da escrita
A literatura da área tem apontado significativamente para uma superação da
dicotomia “produto textual versus processo de produção do texto”, assumindo o
pressuposto de que texto e contexto se constroem mutuamente: “qualquer exame
mais detalhado do produto textual depende de uma visão mais precisa do contexto
social onde o texto veicula discursos” (MOTTA-ROTH, 2000, p. 172) e vice-versa.
Esse entendimento provém de uma concepção de linguagem como prática social
18
(FAIRCLOUGH, 1989, p. 22-3), que defende a existência de uma relação interna e
dialética entre fenômenos lingüísticos e sociais.
As atividades e a organização de grupos sociais são constituídas em grande
parte pela produção, pela circulação e pelo consumo de textos que criam redes de
significados, relações e conhecimentos (BAZERMAN, 2004, p. 309). Os atos de fala
instanciados como formas textuais tipificadas e reconhecíveis constituem os
gêneros, que realizam ações sociais significativas (idem, p. 11). Tais formulações
ratificam os conceitos de gênero elaborados por Bakhtin (2003, p. 279), como “tipos
relativamente estáveis de enunciados” produzidos em esferas específicas de
utilização da língua, e por Miller (1984, p. 159), como “ações retóricas tipificadas,
baseadas em situações recorrentes”.
Essa compreensão de ordem social da natureza e do funcionamento da
linguagem influencia os modos atuais de se pensar o processo, a análise, o ensino e
a aprendizagem da escrita. Diversos estudos, tanto no âmbito da comunidade
internacional quanto no Brasil, podem ser alinhados com uma perspectiva de escrita
como gênero/prática social.
A esse enquadre teórico, é possível associar a proposta da Escola
Australiana de Gênero, concebida em contrapartida ao que autores dessa escola
chamam de ensino tradicional e ensino progressivista, perspectivas que
caracterizaram, em diferentes épocas, a prática pedagógica de produção textual na
Austrália.
Ao contrário dos progressivistas, os analistas de gênero consideram
importante o ensino da estrutura da linguagem, mas defendem que a forma deve ser
pensada em termos das funções sociais a que serve, o que também os diferencia
dos tradicionalistas, que se debruçam sobre a forma em si mesma (COPE;
KALANTIZIS, 1993, p. 8). A proposta de letramento do Círculo Australiano, portanto,
considera que o ensino deve ser explícito acerca do modo como a linguagem
trabalha para produzir significado social.
Nessa perspectiva, a linguagem se organiza de modo razoavelmente
previsível de acordo com padrões de interação social em uma cultura particular - os
gêneros que são, portanto, processos sociais, reiterando a noção proposta por
Bakhtin. As pessoas agem dentro de um contexto cultural a partir do conhecimento
de diferentes neros, que possibilitam o acesso a certos domínios de ação social e
a certos domínios de poder (idem, ibid.). O projeto pedagógico do rculo
19
Australiano é motivado pelo projeto político de permitir o acesso eqüitativo de grupos
historicamente marginalizados aos gêneros e culturas de poder e aos benefícios daí
decorrentes (KRESS, 1993, p. 28). O acesso a esses discursos de poder e seus
benefícios requer um ensino explícito, implementado por meio de um ciclo de
atividades (a chamada “Roda”) que inclui a desconstrução de exemplares do gênero
com vistas a subsidiar a subseqüente produção de textos (COPE; KALANTIZIS,
1993, p. 10-11).
Outra proposta de letramento organizada a partir da noção de gênero é a do
Interacionismo Sociodiscursivo, desenvolvida por pesquisadores do Grupo de
Genebra (BRONCKART, 1999; SCHNEUWLY; DOLZ, 2004), a qual tem
fundamentado a produção de muitos trabalhos no Brasil (CRISTÓVÃO;
NASCIMENTO, 2005; MACHADO; CRISTÓVÃO, 2006). Nesse domínio, nero é
entendido como um instrumento semiótico complexo que permite a realização de
ações de linguagem (SCHNEUWLY, 2004, p. 27). Essa perspectiva guarda
semelhanças gerais com a proposta australiana, pois busca promover a
reconstrução e apropriação de gêneros por parte dos alunos como mecanismo de
inserção prática em atividades comunicativas em contextos culturais específicos. De
modo similar à “Roda Australiana”, o construto “Modelo Didático de Gênero” norteia
o ensino sistemático de produção textual, uma vez que permite a visualização das
dimensões constitutivas do gênero e a seleção das que podem ser ensinadas” em
um determinado nível de ensino (MACHADO; CRISTÓVÃO, 2006
6
).
O trabalho de Norman Fairclough tem também contribuído substancialmente
para se pensar o papel do ensino da escrita no mundo contemporâneo. Para
Fairclough (1989, p. 1), a linguagem desempenha parte importante na produção, na
manutenção e na mudança de relações sociais de poder, constituindo-se, portanto,
como uma ferramenta para mudanças discursivas e sociais. O acesso democrático à
escrita, como forma de letramento que goza de alto prestígio e status, é crucial para
possibilitar ao maior número possível de pessoas a contribuição ativa e igualitária
para a criação e circulação de significados (CLARK; IVANIC, 1997, p. 217). Nesse
sentido, a escrita desempenha um papel central no desenvolvimento da democracia,
possibilitando a pessoas comuns uma participação mais direta nos processos de
decisão acerca do desenvolvimento da sociedade (idem, p. 241).
6
As citações de partes específicas em que não menciono páginas são provenientes de textos
veiculados em formato eletrônico, em periódicos, sem a delimitação das páginas.
20
Essas formulações dão origem a um projeto emancipatório de letramento, que
busca desenvolver uma consciência crítica acerca de como a linguagem pode
naturalizar determinadas ordens do discurso como verdadeiras em favor de
interesses dominantes (FAIRCLOUGH, 1989, p. 4). A escola deve formar “analistas
críticos do discurso” que possam identificar as escolhas lingüísticas e semióticas que
posicionam escritores e leitores em termos de determinadas visões de mundo,
papéis sociais e relações de poder (IVANIC, 2004, p. 238).
Por fim, nesse inventário de enquadres teóricos orientados para um
entendimento social da escrita, apresento a implementação de duas propostas
pedagógicas desenvolvidas no Brasil, que exemplificam a abordagem de escrita
como prática social, situada em contextos significativos. Ambos os projetos foram
desenvolvidos em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, e partem do princípio de que
“ensinar a escrever começa pela criação de condições para que os alunos produzam
textos – texto circula pela cidade – e não apenas redações escolares, que se
confinam à sala de aula” (GUEDES, 1999, p. 14).
A primeira proposta (ZATT; SOUZA, 1999) foi iniciativa de duas professoras
de escola pública da periferia de Porto Alegre, interessadas em fazer da escrita uma
atividade significativa para seus alunos. As atividades de escrita levaram os alunos
de sexta série das escolas do Morro Alto e do Morro da Polícia a contarem a sua
própria história e a de sua gente, criando a oportunidade de se enxergarem como
autores, como cidadãos que têm algo a escrever e que merece ser lido. Os alunos
se sentiram motivados a escrever porque suas histórias seriam compiladas e
publicadas em livro, ou seja, seus textos seriam lidos não pela professora, mas
pelos colegas, pela família, pelas pessoas da comunidade, e até por pessoas
totalmente estranhas e distantes (GUEDES, 1999, p. 13). Além disso, as professores
estabeleceram uma dinâmica de correspondência entre os alunos das duas escolas,
redescobrindo uma das mais antigas funções da escrita.
A outra proposta (descrita em NEVES ET AL., 1998) consiste de um projeto
multidisciplinar que divide entre todas as disciplinas da escola o compromisso de
levar o aluno a se tornar leitor e produtor de textos. As atividades de escrita
idealizadas, diferentes das atividades propostas por Zatt & Souza (1999), que se
centram no âmbito da vida particular, estão relacionadas ao contexto educacional, à
produção de conhecimento. Nesse sentido, o aluno é envolvido em atividades
21
significativas de leitura e escrita nas diferentes áreas, tendo de aprender as
especificidades lingüísticas e discursivas de cada disciplina.
Uma atividade na área de Ciências, por exemplo, propõe aos alunos uma
reflexão acerca da importância do conhecimento científico para a vida cotidiana das
pessoas. Sugere-se que os alunos observem nas prateleiras do supermercado e em
casa as informações científicas veiculadas em rótulos de produtos (como a
informação de que o produto contém uma determinada enzima, ou que é
biodegradável) e reflitam sobre a importância de se aprender sobre essas questões.
As informações e reflexões obtidas devem ser descritas em uma espécie de relatório
de pesquisa, que, como caracteriza Motta-Roth (2006), “funciona como um relato de
uma experiência, compreendida de observação e reflexão, organizada de maneira
metódica, como um embrião de prática de pesquisa”.
As linhas de trabalho descritas acima exemplificam alternativas de
implementação efetiva da concepção de escrever como prática social. Elas criam a
possibilidade de “levar o aluno a se engajar em uma atividade de produção textual
como uma forma de estar no mundo, de agir com um objetivo e com um motivo”
(MOTTA-ROTH, 2006).
Em um estudo cujo objetivo foi descrever, analisar e discutir como um grupo
de professores avaliava a recepção, produção e circulação de textos em seu
ambiente escolar, Bohn (2003) percebeu um certo medo, uma angústia frente à
atividade de escrita. Questionando possíveis respostas para esse “aprisionamento”
da palavra, Bohn (idem, p. 80) destaca que talvez ele esteja “relacionado às
abordagens de ensinar, baseadas na interdição em vez da utilização de
metodologias que privilegiam a dialogia, a interlocução, a expressão da
subjetividade”. O autor também evidenciou que a produção textual, segundo os
professores, estava fundamentalmente vinculada aos processos de avaliação
escolar, que, da maneira como têm sido praticados, têm levado à “repetição de
palavras pré-selecionadas, o recurso à memória, à cópia, ao plagio legitimado”.
Bohn destaca, por fim, que o “aprisionamento das palavras” possivelmente
esteja relacionado com os gêneros que se elaboram e que circulam na sala de aula.
Os professores-participantes de seu estudo indicaram a preferência por breves
resumos, relatórios e resenhas como os textos mais freqüentes. Bohn (2003, p. 82)
questiona tal preferência, destacando que eles ajudam a formar escritores
“desvinculado[s] das práticas sociais para as quais a escritura é normalmente
22
utilizada, tais como anunciar, prática presente em todas as esquinas dos centros
urbanos; redigir atas para relatar os acontecimentos e decisões de uma reunião;
elaborar pareceres com o objetivo de opinar, recomendar ou rejeitar propostas[...]”.
Ou seja, o autor chama a atenção para momentos de escritura de relevância social
para os alunos.
Nesta subseção, caracterizei perspectivas que podem ser associadas ao que
parece se colocar como a tendência contemporânea de entendimento da escrita: a
atenção para a dialética entre o produto textual e o processo (social) de produção do
texto. O que se sobressai da discussão teórica da área é o entendimento de que a
escrita é funcional: a motivação para fazermos escolhas no sistema da língua e
constituirmos um texto advém do envolvimento em práticas sociais, atividades
humanas significativas, que, por sua vez, são constituídas e reconstituídas pelo
papel fundamental da linguagem. No item subseqüente, apresento outras
abordagens de entendimento da escrita, que ocuparam o centro do debate teórico
em outros momentos, mas que ainda circulam nos discursos de professores, de
livros didáticos, etc., ao lado das abordagens que se colocam como a tônica dos
estudos contemporâneos.
1.1.2 Um enquadre analítico para identificação de discursos sobre a escrita
O objetivo desta subseção é expor um esquema analítico das diferentes
perspectivas sobre escrita encontradas na literatura: desde as abordagens
centradas no produto, passando pelas abordagens que destacam o processo e
chegando, finalmente, nas que buscam a dialética entre produto e processo.
Ivanic (2004) propõe um enquadre analítico para explicitar as concepções
acerca da escrita subjacentes a corpora pedagógicos, como documentos oficiais,
material didático, entrevista/grupos focais com professores e alunos, gravações da
prática pedagógica, etc. Essas concepções sobre a escrita e sobre a aprendizagem
da escrita são instanciadas no modo como as pessoas falam sobre a escrita e nas
ações que elas tomam enquanto aprendizes, professores e avaliadores.
O enquadre analítico proposto por Ivanic descreve seis distintos “discursos”
acerca da natureza da escrita e da sua aprendizagem: “associações reconhecíveis
entre valores, crenças e práticas que conduzem a formas peculiares de ação
23
situada, a decisões particulares, escolhas e omissões, assim como textualizações
típicas” em relação à escrita (IVANIC, 2004, p. 220). O ponto de partida de Ivanic
para a descrição dos seis discursos sobre a escrita é uma visão multinivelada da
linguagem, segundo a qual cada concepção de escrita privilegiaria um determinado
nível do fenômeno lingüístico como o mais importante.
1.1.2.1 Visão multinivelada da linguagem
A proposta de Ivanic (2004, p. 222) parte do entendimento de que a
linguagem se constitui em diferentes e interligados níveis. A Figura 1, elaborada pela
autora, ilustra tal construto:
Figura 1 – Visão multinivelada da linguagem (IVANIC, 2004: 223).
A Figura 1 representa o fenômeno lingüístico como constituído de quatro níveis
interligados. O primeiro nível, o textual, a base do construto, diz respeito
estritamente à substância lingüística, à materialidade textual (idem, ibid.). O
segundo, o nível cognitivo, se refere a estratégias e processos mentais envolvidos
na produção e na compreensão da linguagem (idem, p. 223). Os outros dois níveis
1: Texto
2: Processos cognitivos
3: Evento
4: Contexto político e sociocultural
24
referem-se aos aspectos sociais da produção e da recepção da linguagem. O
terceiro corresponde ao evento, ou seja, o conjunto de características observáveis
do contexto social imediato em que a linguagem está sendo usada, incluindo os
propósitos para o seu uso, a interação social, as particularidades de tempo e espaço
(idem, ibid.). É o que Halliday (1989) designa como “contexto de situação”. Por fim, o
quarto nível refere-se ao contexto mais amplo que circunda o evento discursivo,
incluindo as visões de mundo, estruturas sociais, relações de poder, que interagem
com as práticas discursivas (Ivanic, 2004, p. 224). Corresponde ao que Halliday
(1989) designa como “contexto de cultura”.
Então temos que o texto é produzido por meio de processos cognitivos, que são
mobilizados num evento discursivo de interação, localizado numa situação imediata,
que por sua vez, está inscrita num contexto social mais amplo, de estruturas
ideológicas, institucionalizadas. Os vários níveis, os quais são complementares entre
si, entram em ação nas práticas discursivas de produção de textos na sociedade.
Diferentes matrizes teóricas percebem de modo distinto a importância de cada
um desses níveis na constituição da linguagem, o que origina diferentes
perspectivas teóricas de entendimento da escrita e de sua aprendizagem. Ivanic
(2004, p. 234) entende que o discurso da escrita como prática social, por exemplo,
prioriza o evento”, ou seja, o papel da linguagem na constituição das diferentes
atividades socioculturais da vida cotidiana. A autora destaca que uma mesma
abordagem pode centrar-se em mais de um nível da linguagem, como, por exemplo,
o discurso da escrita como gênero, que se refere, segundo ela, ao modo como o
produto é moldado pelo evento de que faz parte (idem, p. 232), valorizando, assim,
os níveis textual e situacional (o evento). Ela enfatiza que as instanciações dos
discursos (na fala do professor, em documentos pedagógicos, etc.) podem ser
híbridas, incorporando mais de uma entre as abordagens aqui discutidas ou mesmo
outras (IVANIC, 2004, p. 227).
1.1.2.2 Os seis discursos sobre a escrita caracterizados por Ivanic
Ivanic (2004) identifica seis discursos relativos a diferentes crenças acerca da
natureza da escrita, seu ensino, aprendizagem e avaliação, a saber: os discursos de
habilidade, criatividade, processo, gênero, prática social e ação sociopolítica.
25
Algumas dessas perspectivas estão mais orientadas para o produto textual (discurso
de escrita como habilidade); outras para o desenvolvimento dos processos
cognitivos mobilizados pela produção textual (discurso de escrita como processo); e
um terceiro grupo, para a relação dialética entre o produto textual e o processo
social de produção do texto (escrita como gênero, prática social).
1.1.2.2.1 Discurso da escrita como produto ou habilidade
O discurso da escrita como produto ou habilidade (lingüística) privilegia o
nível textual da linguagem e é baseado na crença de que a escrita consiste na
aplicação de um conjunto de padrões lingüísticos e regras de relações som-símbolo
e construção de frases” (IVANIC, 2004, p. 227). A escrita é concebida como uma
atividade autônoma, independente do contexto, uma vez que os mesmos padrões e
regras são aplicados a todas as instâncias de produção.
Nessa abordagem, o ensino é, em grande escala, de natureza explícita, com
foco nas habilidades lingüísticas de caligrafia, ortografia, pontuação e estrutura
frasal (idem, ibid.). A visão de aprendizagem subjacente, portanto, é a de que
aprender a escrever consiste em aprender um conjunto de habilidades lingüísticas:
aprender as relações som-símbolo para gerar palavras bem-formadas; aprender os
padrões sintáticos para gerar frases bem-construídas e aprender padrões de coesão
dentro e entre parágrafos para produzir textos (idem, ibid.). O critério de avaliação
proposto para a escrita, nessa perspectiva, é a precisão na reprodução desses
padrões.
1.1.2.2.2 Discurso da escrita como criatividade
O discurso da escrita como criatividade, por sua vez, prioriza
simultaneamente os níveis textual (com ênfase no conteúdo e no estilo) e cognitivo
(com ênfase nos processos mentais envolvidos na produção de significado) da
linguagem (idem, p. 229). A escrita é tratada como uma atividade cujo valor está em
si mesma, no ato criativo de um autor, sem outras funções sociais além do
26
entretenimento do leitor. Esse discurso da escrita se molda a partir de valores vindos
do campo da literatura.
A crença a respeito da aprendizagem é a de que as pessoas aprendem a
escrever pela prática: escreverão melhor quanto maiores forem as oportunidades de
se engajar em atividades de escrita acerca de picos pessoalmente relevantes e
inspiradores (idem, ibid.). Além disso, a leitura dos grandes clássicos também influi
no processo, ao fornecer modelos e estímulo. A abordagem pedagógica, portanto, é
caracterizada muito mais por aprendizagem implícita do que por ensino explícito: os
aprendizes desenvolverão suas habilidades de escrita ao serem expostos aos
exemplos de boa escrita e ao terem muitas oportunidades de prática (idem, p. 230).
Os textos são avaliados em termos do seu conteúdo e estilo e da sua capacidade de
mobilizar o interesse, a imaginação ou a emoção do leitor.
1.1.2.2.3 Discurso da escrita como processo
O discurso da escrita como processo, como o próprio nome sinaliza,
desloca o foco do produto textual para o processo de produção do texto. Segundo a
autora, essa abordagem privilegia dois níveis do fenômeno lingüístico
simultaneamente: o cognitivo e o situacional, uma vez que tenta dar conta tanto dos
processos mentais envolvidos na produção da escrita como dos processos práticos
de instanciação da escrita, como planejamento, rascunho e revisão (IVANIC, 2004,
p. 231). No texto de Ivanic, parece que o evento é explicado apenas em termos
desses processos práticos de escrita, sem alusão aos processos sociais envolvidos
na produção da escrita. Por isso, para fins deste trabalho, considerarei o discurso da
escrita como processo apenas como de natureza cognitiva. O nível do evento, que
caracteriza a escrita como um processo social, será vinculado aos discursos de
escrita como prática social, ação sociopolítica.
A visão de aprendizagem associada ao discurso da escrita como processo
destaca a aprendizagem dos processos e dos procedimentos de composição textual:
os processos cognitivos podem ser aprendidos implicitamente, enquanto os práticos
(planejar, rascunhar e revisar) devem ser explicitados pelo ensino. A discussão
acerca da avaliação da escrita, nessa perspectiva, permanece aberta, pois, de um
lado, pareceria incoerente avaliar a qualidade do produto enquanto a prática
27
pedagógica está centrada no processo e, de outro, não parece clara a validade de
se avaliar os processos por si mesmos, que eles são um meio para melhorar a
qualidade do produto (idem, ibid.).
1.1.2.2.4 Discurso da escrita como gênero
Em sua proposta, Ivanic (2004) distingue um discurso da escrita como gênero
de um discurso da escrita como prática social. A abordagem de gênero
caracterizada pela autora está mais associada à tipificação textual, entendida como
estruturas textuais características de um determinado gênero, ainda que essas
características sejam socialmente moldadas. A caracterização de Ivanic, portanto,
aponta para uma concepção de gênero de natureza textual.
O discurso da escrita como gênero é relacionado por Ivanic (2004, p. 232) aos
níveis textual e situacional da linguagem simultaneamente, com destaque para o
modo como o produto (texto) é moldado pelo processo (evento). Nesse sentido, a
escrita é pensada em termos de tipos de texto que variam lingüisticamente em
função de objetivos e contextos.
A prática pedagógica, nessa abordagem, consiste em explicitar para os
alunos as características lingüísticas de diferentes gêneros para que eles possam
reproduzi-los apropriadamente em contextos específicos (idem, p. 233). Em
princípio, é possível adquirir esse conhecimento implicitamente, mas é característica
marcante desse discurso o incentivo ao ensino explícito. Em termos de avaliação, o
critério usado é o de adequação, segundo o qual o texto considerado bom é o texto
lingüisticamente apropriado ao objetivo que serve (idem, ibid.).
Neste trabalho, assumo uma concepção de gênero como tipificações de
atividades, ações sociais em que a linguagem desempenha papel constitutivo,
conforme caracterizam Bakhtin (2003), Miller (1984), Bazerman (2004). Nesse
sentido, as recorrências o podem ser pensadas apenas em termos lingüísticos,
mas em termos de recorrências de ações sociais, de propósitos comunicativos, etc.
Portanto, escrita como gênero e escrita como prática social, referem-se, desse ponto
de vista, a um único discurso.
28
1.1.2.2.5 Discurso da escrita como prática social
Para Ivanic (2004, p. 234), o fator contextual no entendimento da linguagem
adquire maior destaque no discurso da escrita como prática social. Nesse discurso,
“o texto e os processos que o compõem são indissociáveis do todo complexo da
interação social que constitui o evento comunicativo em que eles estão situados”
(idem, ibid.). Esse é o discurso da escrita como gênero para os teóricos da
Sociorretórica, como Miller (1984, p. 159), que define gêneros como “ações retóricas
tipificadas, baseadas em situações recorrentes”.
Entende-se que a aprendizagem da escrita se pela participação em
eventos de letramento socialmente situados que preenchem objetivos sociais
significativos (idem, p. 235). O ensino, nesse sentido, deve propor tarefas de escrita
situadas em contextos da vida real, que cumpram objetivos específicos. Em termos
de avaliação, um texto bem-sucedido, nessa perspectiva, é aquele que cumpre com
eficácia o objetivo social a ele designado, o que pode ser visto nas
conseqüências desse ato de escrita, inclusive nos efeitos sobre os outros (idem, p.
237).
1.1.2.2.6 Discurso da escrita como ação sociopolítica
Ivanic (2004, p. 234) assevera que o discurso da escrita como prática social,
com freqüência, se combina com o discurso sociopolítico da escrita, o qual destaca
o papel de aspectos mais amplos, políticos, na produção do discurso. Com base em
uma noção de discurso faircloughiana, Ivanic destaca o pressuposto central de que
quem escreve não é inteiramente livre para escolher como representar o mundo e a
si próprio, nem para escolher o papel social a assumir e a maneira de se dirigir ao
leitor. Os discursos de poder influenciam ou até mesmo ditam os mecanismos
discursivos e genéricos que o escritor pode usar (idem, p. 238). No entanto, segundo
a autora, versões mais atuais dessa visão socioconstrutivista da escrita admitem que
o indivíduo pode vir a tomar um papel mais ativo, subversivo e desafiador das
normas e convenções, no sentido de contestar o status quo e contribuir para
mudanças discursivas e sociais, ao desenvolver consciência crítica acerca dos
29
fatores políticos e históricos que fazem discursos e gêneros particulares serem do
modo que são e gozarem de maior ou menor prestígio.
A missão da prática pedagógica, nesse sentido, é formar “analistas do
discurso”. O ensino assim descrito permite a quem escreve entender as
conseqüências de ”escolhas lingüísticas e semióticas [que] posicionam escritores e
leitores em termos de visões de mundo, papéis sociais e relações de poder” (idem,
ibid.).
A noção de avaliação, nessa perspectiva, parece se colocar como uma
antítese, uma vez que se entende que os julgamentos são impregnados de relações
de poder e interesses. No entanto, um critério talvez poderia ser proposto em
consonância com os pressupostos da abordagem: o julgamento da medida em que o
texto sustenta igualdade entre os participantes de uma instância de comunicação
escrita e toma responsabilidade pelo modo como os atores estão representados
(idem, p. 239).
A caracterização desses seis discursos acerca da escrita e da aprendizagem
da escrita está sistematizada na Figura 2 (p. 35), elaborada por Ivanic (2004). A
primeira coluna vertical enumera os seis discursos propostos. Em uma linha
horizontal a cada discurso, apresenta-se o nível privilegiado na compreensão da
linguagem e sintetizam-se as crenças sobre a escrita, o ensino, a aprendizagem e a
avaliação que podem ser associadas a cada perspectiva.
30
Figura 2 – Discursos sobre a escrita (IVANIC, 2004, p. 225).
31
Avalio que o enquadre proposto por Ivanic (2004) é bastante produtivo para a
caracterização de discursos acerca da escrita, mas vejo a possibilidade de torná-lo
mais econômico e funcional. Por isso, reagrupo os seis discursos por ela apontados
em três concepções principais, a que chamo de macrodiscursos, por entender que,
apesar de variações específicas, são três grandes perspectivas epistemológicas
acerca do fenômeno lingüístico que estão em jogo. Esses macrodiscursos serão
referidos como “discurso da escrita como estrutura”, “discurso da escrita como
processo cognitivo” e “discurso da escrita como prática social”. O discurso da escrita
como estrutura corresponde ao discurso da escrita como habilidade, priorizando os
aspectos do produto lingüístico/textual em si mesmo. O discurso da escrita como
processo cognitivo inclui os discursos da escrita como criatividade e como processo,
que valorizam o processamento cognitivo do indivíduo na construção do texto. Por
fim, o discurso da escrita como prática social açambarca os discursos da escrita
como gênero, prática social e ação sociopolítica, apontados por Ivanic, ou seja, os
discursos que tomam a escrita como uma prática situada, dialeticamente relacionada
ao seu contexto de produção.
O reconhecimento dos discursos sobre a escrita se dá, de acordo com Ivanic
(2004), pela atenção às escolhas lingüísticas feitas na construção discursiva da
natureza da escrita. O Quadro 1 traz os lexemas explícitos considerados pela autora
como típicos de cada discurso:
Macrodiscurso Discurso Lexemas explícitos típicos
Escrita como
estrutura
Escrita como
habilidade
Reconhecível em referências a “habilidades”,
ortografia, pontuação e gramática, em
expressões como “correto”, “preciso”,
“adequado”, “os aprendizes devem” (p. 228).
Escrita como
criatividade
Pode ser reconhecido em expressões como
“escrita criativa”, “a voz do autor”, “estória”,
“conteúdo interessante”, “bom
vocabulário/palavras” (p. 230).
Escrita como
processo
cognitivo
Escrita como
processo
Manifesta-se em verbos e substantivos verbais
como “planejar/plano”, “rascunhar/rascunho”,
“revisar/revisão”, “colaborar/colaboração”,
“editar” e em outras expressões referentes a
sutilezas mais sofisticadas do processo de
composição (p. 232).
Escrita como
gênero
Caracterizado por referências à lingüística,
nomes para tipos textuais como “relato”,
terminologia lingüística como “nominalização”,
“passiva”, referências ao que é “apropriado” (p.
234).
Escrita como
Escrita como
prática social
Caracterizado por referências a eventos,
contextos, propósitos e práticas, a pessoas,
32
tempos, lugares, tecnologias e recursos
materiais de escrita, às características físicas e
visuais dos textos (p. 237).
prática social
Escrita como
fenômeno
sociopolítico
Manifesta-se em referências a política, poder,
sociedade, ideologia, representação, identidade,
ação social e mudança social (p. 239).
Quadro 1 – Listagem dos lexemas relacionados às diferentes concepções de escrita
por Ivanic (2004).
Os três macrodiscursos apontados caracterizam, conforme descreve Schultz
(2006, p. 365), a progressão histórica na pesquisa em escrita através do tempo. Os
primeiros estudos tinham como foco o produto textual e a análise de estratégias para
atingir textos ideais. Essa primeira fase deu lugar, principalmente a partir dos anos
70, a uma mudança de foco do produto para o processo (cognitivo), privilegiando a
investigação dos processos de composição e desenvolvimento cognitivo do
indivíduo. A terceira fase caracterizada por Schutz marca o crescente interesse, nas
últimas décadas, por um entendimento social da escrita, caracterizada como um
evento situado em contextos sociais e culturais complexos. Essa virada social na
compreensão do letramento configura a necessidade de se investigar não apenas o
produto textual, mas também os processos sociais, as práticas situadas que
constroem (e ao mesmo tempo são construídas por) os textos.
Apresento, na Figura 3, uma adaptação da representação proposta por Ivanic
(2004). A cada nível do fenômeno lingüístico, vinculo um dos três macrodiscursos
propostos: a escrita como estrutura tem como base o nível textual; a escrita como
processo cognitivo está vinculada ao nível dos processos mentais envolvidos na
produção da escrita; a escrita como prática social mobiliza os níveis do evento social
(contexto de situação) e do contexto político e sociocultural mais amplo (contexto de
cultura).
33
Figura 3 – Dimensões do fenômeno lingüístico e discursos sobre a escrita
Figura 3 – Níveis do fenômeno lingüístico e discursos sobre a escrita
Ao descrever seis diferentes discursos sobre a escrita, Ivanic (2004) vincula
diferentes valores, crenças e práticas à escrita propriamente dita, sua aprendizagem,
ensino e avaliação. Neste trabalho, a expectativa é a de que a análise do corpus,
combinada com o estudo da literatura teórica da área, permita-me complementar a
proposta da autora, oferecendo visões sobre a prática de pesquisa em cada um dos
três macrodiscursos derivados da proposta de Ivanic.
Na seção 1.1.1, apresentei como tendência, na cultura disciplinar estudada, o
entendimento da escrita como prática social, ao explorar perspectivas teóricas de
trabalho com a escrita. Na próxima seção, discuto abordagens metodológicas
disponíveis para estudar a escrita como prática social.
TEXTO
PROCESSOS
COGNITIVOS
EVENTO
CONTEXTO
POLÍTICA E
SOCIOCULTURAL
Escrita como estrutura
Escrita como processo cognitivo
Escrita como prática social
34
1.2 Abordagens metodológicas na pesquisa sobre escrita
Em texto escrito em meados dos anos 1990, Moita Lopes (1994, p. 330)
apontava ainda a predominância, na LA e nas Ciências Sociais como um todo, de
estudos de natureza positivista. Essa tendência foi confirmada nos estudos de
Oliveira (2003, p. 102) e Kurtz (2004, p.110), nos anos 2000, que, ao analisarem
artigos acadêmicos eletrônicos de LA, observaram a preferência por métodos e
técnicas quantitativas, tais como a abordagem correlacional e a experimental.
Os estudos correlacionais têm o objetivo de comparar os níveis de uma
variável com os de outra a fim de estabelecer hipóteses causais, geralmente
controlando a presença de outras variáveis (“o problema da terceira variável”)
(STANOVICH & CUNNINGHAM, 2004, p. 29). Segundo os autores, os estudos
correlacionais se tornam mais validados quanto mais usam técnicas estatísticas que
permitem controlar parcialmente essas terceiras variáveis, como, por exemplo, a
regressão múltipla. Com a ajuda dos pacotes estatísticos, a correlação entre duas
variáveis pode ser recalculada com a remoção ou isolamento de outras variáveis-
chave.
os estudos experimentais, cujas bases estão nos trabalhos pioneiros
desenvolvidos por estudiosos da natureza como Galileo e Copérnico, ainda nos
séculos XVI e XVII, têm como princípios centrais a observação sistemática e a
evidência empírica na busca de relações de causa-efeito (VELLUTINO &
SCHATSCHNEIDER, 2004, p. 114). O objetivo, ao se conduzir um experimento, é
determinar se um dado tratamento causa um dado efeito. Buscando controlar
influências externas, são usados grupos de controle, pré e pós-avaliação do
experimento e/ou controle estatístico. Vellutino & Schatschneider (2004, p. 117)
explicam que os estudos experimentais são diferentes dos correlacionais em razão
de que estes últimos, embora permitam determinar que duas variáveis estão
relacionadas, não estabelecem qual é a causa e qual é o efeito.
A tradição de pesquisa positivista ainda é forte dentro dos estudos de LA; no
entanto, conforme Moita Lopes também apontava na cada de 1990, um
interesse crescente em novas formas de se conceber e produzir conhecimento na
perspectiva qualitativa/interpretativista. Chapman (2006, p. 17) caracteriza as duas
35
últimas décadas com o que se convencionou chamar “a virada social” nos estudos
lingüísticos (e também nas Ciências Sociais como um todo), com a crescente
adesão a perspectivas sociocognitivas, sociolingüísticas, socioculturais e
sociopolíticas para a compreensão e estudo da linguagem e do letramento.
No entendimento de Leffa (2006, p. 9), a tendência contemporânea da LA no
Brasil é a opção por metodologias qualitativas, de cunho interpretativista, que
permitem contextualizar o que é pesquisado. Uma definição consensual de pesquisa
qualitativa talvez seja impossível (LAZARATON, 1995, p. 468), mas características
gerais podem ser delineadas. Etnógrafos e outros pesquisadores orientados por
uma visão qualitativa de estudo da linguagem priorizam uma perspectiva holística na
condução de uma pesquisa (DAVIS, 1995, p. 432). Desse ponto de vista, a
linguagem não é pensada apenas em termos de processos mentais particulares,
mas também como um fenômeno sociocultural. Isso não significa desprezar os
processos mentais, mas situá-los em um contexto sociocultural mais amplo (idem,
ibid.). Essa, portanto, pode ser considerada a primeira característica inerente à
pesquisa qualitativa: o entendimento de que a realidade é socialmente construída e
que o papel do pesquisador é explicitar essa realidade ao investigar seu objeto
(OLIVEIRA, 2003, p. 29).
Segundo Moita Lopes (1994, p. 332), na perspectiva positivista, a realidade é
passível de ser reduzida a uma causa, observável, manipulável estatisticamente
para gerar generalizações, tendo a objetividade como elemento central. Por outro
lado, na perspectiva qualitativa/interpretativista, entende-se que os significados que
constituem as realidades são múltiplos e, portanto, o que existem são possibilidades
de interpretação intersubjetivas, construídas e reconstruídas na interação (idem,
ibid.).
Uma segunda característica da pesquisa qualitativa pode ser definida como a
valorização do olhar dos participantes do contexto estudado. Um estudo qualitativo/
interpretativo busca assumir uma perspectiva êmica
7
de investigação, ou seja, busca
entender os significados que os atores atribuem para as ações sociais (DAVIS,
1995, p. 433).
Segundo Moita Lopes (2006, p. 23), citando Bygate (2004), na pesquisa
contemporânea, “é preciso que aqueles que vivem as práticas sociais sejam
7
A perspectiva êmica (emic) se opõe à perspectiva etic, que leva em conta apenas a interpretação do
pesquisador, do outsider da cultura estudada.
36
chamados a opinar sobre os resultados de nossas pesquisas, como também a
identificar nossas questões de pesquisa como sendo válidas de seus pontos de
vista”. Para Cavalcanti (2006, p. 250), é preciso ir além da etnografia, é preciso que
a pesquisa seja feita “de dentro para fora”, é preciso que a voz venha dos
participantes para interpretação dos significados locais.
Um conceito central na pesquisa qualitativa/interpretativista é o de descrição
densa do contexto (DAVIS, 1995, p. 434), que envolve a perspectiva êmica, com as
interpretações dos atores desse contexto, bem como a análise de todas as
influências contextuais teoricamente salientes que mantenham uma relação
sistemática com os comportamentos ou ações observados.
Outro aspecto constitutivo da pesquisa qualitativa é a sua natureza cíclica. O
processo de investigação envolve coletar dados, analisar dados e formar hipóteses
acerca deles, confrontar essas hipóteses com novos dados e assim por diante, até
que se alcance uma certa redundância (idem, p. 444). Esse caráter não linear
freqüentemente muda as direções em termos das questões perseguidas no estudo e
das perspectivas teóricas que informam o estudo (idem, ibid.).
A literatura sugere que os estudos acerca da escrita, pelo menos em âmbito
internacional, têm seguido essa tendência geral da LA e pensado a pesquisa a partir
de um ponto de vista interpretativista. Juzwik et al. (2006, p. 467), em um
mapeamento da pesquisa em escrita no período entre 1999 e 2004, evidenciaram
que os estudos têm priorizado a investigação do contexto e das práticas sociais da
escrita, abordando questões como culturas disciplinares de escrita, escrita no
contexto profissional e nos locais de trabalho, interação social e escrita, escrita
colaborativa, letramento e relações de poder, etc. (idem, p. 463). Para a investigação
desses tópicos, seus dados apontaram também a preferência por metodologias
interpretativistas na investigação acerca da escrita, com destaque para a análise do
discurso, entrevistas, grupos focais ou de discussão, observação e pesquisa
etnográfica (idem, ibid.).
A seguir, descrevo diferentes propostas metodológicas possíveis para o
estudo do texto e da escrita sob um enfoque social, que serão tomadas como
referência na análise dos relatos do corpus. Na subseção 1.2.1, caracterizo a
proposta de análise dos sistemas de atividades, descrita por Bazerman (2004),
segundo a qual é possível descrever o modo como os processos sociais se vêem
textualizados. Na subseção 1.2.2, caracterizo perspectivas de análise do texto e do
37
discurso que tentam explicar o modo como as escolhas no sistema da ngua criam
as práticas, os significados, os discursos e as relações.
1.2.1 Análise dos sistemas de atividades
A análise dos sistemas de atividades, proposta por Bazerman (2004, p. 309),
objetiva investigar o modo como os processos de produção, circulação e uso dos
textos constituem as atividades e a organização dos grupos sociais; ou seja, objetiva
investigar a regularidade dos textos em desempenhar tarefas reconhecidamente
similares, tipificadas, na construção de significado, relações e conhecimento.
A análise dos sistemas de atividades, como abordagem metodológica,
envolve o estudo inter-relacionado de uma série de categorias, conforme descritas
por Bazerman (idem, p. 311):
Cada texto bem-sucedido cria para os seus leitores um fato social. Os fatos sociais
consistem de ações sociais significativas sendo realizadas por meio da linguagem, ou atos
de fala. Esses atos são realizados em formas padronizadas, típicas, e, portanto, formas
textuais inteligíveis ou gêneros textuais/discursivos, que estão relacionados a outros textos
e neros que ocorrem em circunstâncias relacionadas. Os tipos textuais se agrupam como
conjuntos de gêneros dentro de sistemas de gêneros, que são parte de sistemas de
atividade humana.
Para exemplificar, tomemos o sistema de atividades que constitui o contexto
universitário, ou seja, o sistema de práticas sociais que são rotineiramente
realizadas nesse ambiente. Poderíamos separar esse sistema superordenado em
subsistemas, como o sistema administrativo, o sistema docente, o sistema discente.
Cada um desses sistemas de atividades é constituído de conjuntos de gêneros, ou
seja, uma rede de diferentes formas de interação reconhecíveis por sua tipificação.
Os gêneros são formas tipificadas de atos de fala, ou seja, a linguagem que
performa ações quando dita pelas pessoas certas, na situação certa, sob as
condições certas. Ao assinar uma portaria, o reitor de uma universidade está
produzindo um ato que pode ser, por exemplo, a nomeação de um diretor de um
centro de ensino. Para o documento ter validade, conforme estatuto dessa
instituição, é preciso que ele seja assinado pelo reitor ou substituto legal e que haja
indicação prévia do nome do diretor por parte do conselho do centro de ensino, que
38
deverá ter realizado eleição no conselho ou consulta à comunidade acadêmica. A
recorrência desse evento, sempre em formas reconhecíveis, similares, torna-o
tipificado, ou seja, um gênero.
Alguns gêneros que compõem o conjunto de gêneros administrativos da
universidade são, por exemplo, editais de licitação para compra de materiais,
portarias de designação de cargos e funções por parte de uma determinada chefia,
memorandos de solicitação de informações ou serviços entre os diversos setores. O
conjunto dos gêneros docentes inclui, por exemplo, reuniões de departamento e
colegiado, planos de aula, aulas propriamente ditas, apresentação de trabalhos em
eventos, escritura de artigos e (capítulos de) livros. Por sua vez, o conjunto dos
gêneros discentes inclui reuniões dos movimentos estudantis, participação em
reuniões de órgãos colegiados, escritura de ensaios, monografias e artigos em
disciplinas, participação em seminários de iniciação científica em um grupo de
pesquisa, etc.
Todos esses conjuntos de gêneros compõem a integridade do sistema de
gêneros da universidade. A recorrência e a tipificação de uso desses neros para
desempenhar determinadas práticas sociais criam fatos sociais, ou seja, ações que
as pessoas tomam como verdadeiras para agir em uma determinada situação. As
pessoas agem com base nesse conhecimento depreendido da prática e tentam
produzir instanciações textuais aceitáveis para as tarefas em que se engajam de
modo que possam participar efetivamente do sistema.
A investigação de um conjunto de gêneros permite determinar o escopo e a
variedade do trabalho de escrita necessário para exercer um dado papel/tarefa,
revelando o conhecimento de gênero e de habilidades de escrita necessárias para
desempenhá-lo/la (BAZERMAN, 2004, p. 326). a investigação do sistema de
gêneros permite compreender as interações práticas, funcionais e seqüenciais de
documentos produzidos em um determinado locus. Por fim, a observação do
sistema de atividades permite a compreensão do trabalho como um todo realizado
dentro do sistema e como cada instância de escrita contribui para o trabalho total
(idem, ibid.).
Os estudos em escrita nessa perspectiva, de descrição e análise do sistema
de atividades como um todo, auxiliam no entendimento dos gêneros e atividades de
campos não familiares que são importantes para nós ou para nossos alunos, como
também no entendimento dos sistemas com os quais estamos familiarizados até
39
certo ponto, de modo que as contribuições da análise nos permitam agir mais
efetiva, precisa e articuladamente (idem, p. 321).
Bazerman oferece várias orientações para o estudo de gêneros e de
atividades por eles realizadas. Ele sugere ir além das análises lingüísticas, retóricas
ou organizacionais mais óbvias, buscando, por exemplo, um olhar historicamente
orientado sobre um dado gênero, com um corpus constituído de exemplares ao
longo do tempo, com o objetivo de entender o modo como o gênero muda quando
mudam um campo e um contexto histórico.
Para compreender o sistema como um todo em que um gênero opera,
Bazerman (2004, p. 326) sugere uma investigação etnográfica no lugar estudado,
com a coleta de cada texto que as pessoas usam, seja em um dia, uma semana, ou
um mês, observando em quais ocasiões as pessoas o usam, para quais propósitos,
como elas o produzem, com quem, como o interpretam. Pode-se gravar a seqüência
em que os documentos são usados e observar em relação a que atividades. Isso
tudo pode prover uma pintura mais completa dos mundos textuais em que essas
pessoas estão inseridas, enriquecendo o entendimento do papel da escrita na
constituição da vida social.
1.2.2 Análise de Texto/Discurso
Conforme ressaltam Ikeda & Vian Jr (2006, p. 38), citando Van Dijk (1997),
“fazer análise do discurso pode significar muitas coisas, pelo fato de existirem várias
escolas e diversos ângulos de análise”. Nesta subseção, aponto algumas
abordagens teórico-metodológicas de análise do texto e do discurso relevantes para
o estudo da escrita, a partir do meu viés teórico, explicitado na seção 1.3.
Muitas perspectivas de análise do texto e do discurso que compartilham o
princípio da indissociabilidade entre linguagem e vida social, entre texto e contexto,
têm sido utilizadas como enquadres analíticos nos estudos sobre a escrita. Dentre
essas abordagens, destaco a Lingüística Sistêmico-Funcional (LSF), a Análise de
Gênero (AG) e a Análise Crítica do Discurso (ACD). Reconheço obviamente que
existem muitas outras possibilidades, que certamente têm sua validade, sua
legitimidade, mas que não estão contempladas aqui por uma questão de escolha
metodológica e epistemológica.
40
A LSF, a AG e a ACD compartilham uma concepção funcionalista do discurso,
segundo a qual:
o foco de interesse não é apenas a interioridade dos sistemas lingüísticos, mas, sobretudo, a
investigação de como esses sistemas funcionam na representação de eventos, na construção
de relações sociais, na estruturação, reafirmação e contestação de hegemonias de discurso.
Está claro, entretanto, que o conhecimento acerca da gramática uma gramática
funcionalista é indispensável para que se compreenda como estruturas lingüísticas são
usadas como modo de ação sobre o mundo e sobre as pessoas (RESENDE; RAMALHO,
2006, p. 13).
Essa visão discursiva de linguagem envolve explorar a relação entre os
padrões lingüísticos de textos completos e os contextos sociais em que eles
funcionam (MCCARTHY & CARTER, 1994, p. 38). A noção de texto é entendida nos
termos hallidayanos, como uma unidade semântica que é funcional, isto é, qualquer
instância de linguagem que desempenha um papel em um contexto de situação
(HALLIDAY, 1989, p. 10).
Conforme caracterizam Ikeda & Vian Jr (2006, p. 39), a LSF é uma teoria
sociossemiótica da linguagem, tendo como argumento central o fato de que a língua
é um sistema de escolhas ao dispor do usuário para desempenhar funções sociais.
Nesse sentido, qualquer escolha feita nos diferentes níveis do sistema lingüístico
(semântico, léxico-gramatical, fonológico, fonético) determina a criação de diferentes
significados, na medida em que cria diferentes visões de mundo. Quando, na escrita
ou na fala, opta-se por uma estrutura dentro do conjunto de escolhas possíveis, essa
estrutura é significativa e revela uma determinada visão acerca da realidade (idem,
ibid.).
De acordo com Halliday & Matthiessen (2004, p. 309), a língua, em cada
oração, está estruturada de forma a construir simultaneamente três tipos de
significado: o ideacional (a oração como uma representação de um estado de
coisas), o interpessoal (a oração como uma troca entre indivíduos) e o textual (a
oração como uma mensagem).
Essas três estruturas expressam três amplos conjuntos de escolhas
semânticas: 1) As estruturas de TRANSITIVIDADE expressam o
conteúdo/significado da oração, que tipicamente envolve algum Processo, associado
a Participantes e Circunstâncias; 2) as estruturas de MODO expressam significado
41
interacional, a partilha verbal entre falante/escritor e audiência, realizada pelas
categorias Modo verbal, Modalidade e Pessoa; e 3) as estruturas TEMÁTICAS
expressam, com as categorias Tema e Rema, a organização da mensagem (idem,
ibid.). A explicação dos princípios da LSF é retomada na seção 1.3.1, onde a
descrevo como referencial teórico desta dissertação.
Por sua vez, com o mesmo entendimento das práticas de linguagem como
situadas, a Análise de Gênero, tal como implementada por John Swales (1990,
1998, 2004), tem sido amplamente utilizada a fim de descrever a organização
retórica de gêneros acadêmicos e interpretar suas funções dentro de suas
comunidades discursivas. Caracterizada como de cunho textográfico, a AG combina
a descrição das categorias “movimento” e “passo” na organização retórica dos
textos, com a investigação de valores e convenções disciplinares que permitam
interpretar por que os textos são como são.
A AG swalesiana apresenta grandes influências do trabalho de Carolyn Miller
que, em seu texto de 1984 (p. 159), define gêneros como “ações retóricas tipificadas
baseadas em situações recorrentes”. A linguagem se organiza, nesse sentido, de
modo relativamente previsível de acordo com padrões de interação social em uma
dada cultura. As pessoas agem no contexto de acordo com o conhecimento
construído intersubjetivamente, ou seja, é na prática que esse conhecimento é
criado e recriado.
O detalhamento da análise que pode ser empreendida a partir desse
enquadre está explicitado na seção 1.3.2, onde descrevo a abordagem metodológica
que usarei para analisar os relatos.
Por fim, destaco o referencial proposto por Norman Fairclough, a Análise
Crítica do Discurso. O pesquisador (1989, p. 20) parte de uma concepção de
linguagem como discurso, ou seja, como uma forma de prática social, o que implica
uma relação indissociável entre estruturas lingüísticas e estruturas sociais. Conforme
Meurer (2005, p. 81), os analistas críticos do discurso: “ao analisar textos
criticamente não estão interessados apenas nos textos em si, mas em questões
sociais que incluem maneiras de representar a “realidade”, manifestação de
identidades e relações de poder no mundo contemporâneo”.
Desse modo, o discurso cria, reforça ou desafia: a) formas de conhecimentos
ou crenças, b) relações sociais; e c) identidades ou posições sociais. Para
Fairclough (1989, p. 1), a linguagem desempenha parte importante na produção, na
42
manutenção e na mudança de relações sociais de poder, constituindo-se, portanto,
como uma ferramenta para mudanças discursivas e sociais.
De acordo com Heberle (2000, p. 290), a ACD é uma área multidisciplinar de
estudos lingüísticos, cujo interesse é investigar uma grande variedade de fenômenos
discursivos, principalmente aqueles relacionados à injustiça, à opressão e
desigualdades; os pesquisadores, nesse campo de estudo, estão interessados em
desvelar e questionar discursos naturalizados.
As formulações da ACD dão origem a um projeto emancipatório de
letramento, que busca desenvolver uma consciência crítica acerca de como a
linguagem pode naturalizar determinadas ordens do discurso como verdadeiras em
favor de interesses dominantes (FAIRCLOUGH, 1989, p. 4). A escola deve formar
“analistas críticos do discurso” que possam identificar as escolhas lingüísticas e
semióticas que posicionam escritores e leitores em termos de determinadas visões
de mundo, papéis sociais e relações de poder (IVANIC, 2004, p. 238).
A abordagem metodológica da ACD envolve a análise do texto, da prática
discursiva e da prática social (MEURER, 2005, p. 83). Para a análise do texto,
Fairclough utiliza as categorias da LSF, referentes às metafunções ideacional,
interpessoal e textual da linguagem. Para a análise da prática discursiva, Fairclough
propõe a investigação dos processos de produção, distribuição e consumo dos
textos, com foco na coerência, força ilocucionária, intertextualidade e
interdiscursividade. Por fim, no nível da análise da prática social, o teórico propõe a
investigação de categorias como ideologia e hegemonia, relacionando os textos com
práticas sociais mais amplas das quais ele é parte.
Em todas essas abordagens descritas, fazer análise do texto ou do discurso
é, nos termos de Barton (2004, p. 66), buscar indutivamente (e intuitivamente), nos
textos, por elementos textuais ricos, ou seja, características estruturais da língua que
apontem para funções ou relevância no contexto estudado. Um elemento textual rico
pode ser um elemento de qualquer nível do sistema (do fonológico ao nível
discursivo) que aponte para um significado relevante naquele texto em conexão com
o contexto no qual ele é produzido. Os elementos textuais ricos são, portanto, a
base para a interpretação do significado situado no contexto.
Nesta subseção, busquei explicitar abordagens metodológicas para pesquisa
em escrita alinhadas com o discurso de escrita como prática social, descrevendo
seus princípios, procedimentos e categorias. Tais pressupostos serão tomados
43
como ponto de referência para a análise dos discursos acerca da investigação da
escrita construídos nos relatos de pesquisa que compõem o corpus deste trabalho.
1.3 Suporte teórico-metodológico do estudo
Nesta seção final, explicito o suporte teórico-metodológico da pesquisa, com
dois pontos de argumentação centrais: primeiro, o pressuposto da relação entre
texto e contexto, segundo o qual é legítimo levantar dados do processo (de
pesquisa, neste caso) pela análise do produto (os relatos); segundo, a
caracterização da Análise de Gênero como abordagem para o estudo de práticas
discursivas e a síntese de questões recorrentes na literatura da área acerca da
função e da estrutura do artigo acadêmico e da seção de Metodologia, em particular.
1.3.1 Relação entre texto e contexto: pressuposto da Lingüística Sistêmico-
Funcional
Neste trabalho, a linguagem é entendida numa perspectiva sociossemiótica,
ou seja, como um sistema de significados socialmente construídos (HALLIDAY,
1989, p. 3). O ponto de partida é o pressuposto de que existe uma relação
sistemática entre o ambiente social e a organização da linguagem (idem, p. 11), de
modo que o texto é revelador das práticas sociais constituídas na linguagem,
enquanto que o contexto, por sua vez, revela também os significados discursivos
possíveis de serem construídos. Essa relação entre texto e contexto é de tal forma
sistemática que o contexto é expresso no texto por meio de determinados elementos
léxico-gramaticais que realizam funções da linguagem.
Halliday (idem, p. 12) apresenta três conceitos para a descrição de um
contexto de situação: 1) o campo do discurso, que se refere à natureza da
atividade/ação social que se desenrola; 2) a relação do discurso, que se refere à
natureza dos participantes dessa atividade e seus papéis; e 3) o modo do discurso,
que diz respeito ao papel da linguagem na constituição dessa prática. Esses índices
contextuais encontram sua interface no texto por um conjunto de escolhas léxico-
44
gramaticais que se inscrevem dentro de três metafunções (ideacional, interpessoal e
textual) da linguagem correspondentes às variáveis do contexto.
De acordo com Halliday & Matthiessen (2004, p. 309), cada oração é uma
combinação de três estruturas diferentes que derivam de componentes funcionais
distintos. Esses componentes, ou “metafunções”, como são chamados na teoria
sistêmica, são o ideacional (oração como uma representação da experiência), o
interpessoal (oração como troca de informação ou de serviço) e o textual (oração
como uma mensagem).
As pessoas usam essa relação próxima entre texto e contexto como uma
base para a interação (HALLIDAY, 1989, p. 36). Fazem inferências da situação para
o texto e do texto para a situação acerca dos significados possíveis de serem
trocados. Nesse sentido, a análise do texto permite reconstruir dados do contexto
em que ele se originou, do mesmo modo que a análise do contexto permite inferir as
configurações possíveis do texto.
Partindo desse princípio, busco delinear características do processo de
pesquisa acerca da escrita por meio da análise de relatos de pesquisa da área. A
seguir, descrevo os princípios teórico-metodológicos da Análise de Gênero (Swales,
1990; 2004), que, combinada com princípios da LSF, será referencial de análise
neste trabalho.
1.3.2 A Análise de Gênero como abordagem metodológica para o estudo de
práticas discursivas
Nesta pesquisa, tomo como abordagem metodológica para o estudo dos
relatos de pesquisa sobre a escrita a Análise de Gênero, tal como descrita e
implementada por John Swales. Conforme caracterizada pelo próprio autor (2004, p.
95), a Análise de Gênero, como abordagem para a investigação de práticas
discursivas, é um processo indutivo em grande parte, no qual o primeiro passo deve
ser a busca por algo interessante a ser estudado no contexto explorado. Segundo
Swales (idem, p. 97), se, de um lado, cada vez mais cresce a aceitação de que é a
intuição que forma a base para a exploração bem-sucedida de um corpus, de outro
lado, pela sua experiência, ele entende que o processo envolve um ciclo de
tentativas e erros.
45
Segundo Barton (2004, p. 66), essa linha de abordagem do texto e do
discurso pode ser chamada de análise de elementos textuais ricos. Ela explica que,
nessa perspectiva teórico-metodológica, procura-se por características particulares
em um texto ou um conjunto de textos que estão associadas com convenções de
significado e relevância no contexto. Nesse sentido, os elementos textuais ricos são
definidos como qualquer característica lingüística em um texto que aponta para o
modo como o significado está embutido dentro daquele texto em relação a
convenções do contexto.
A abordagem de Swales para a Análise de nero, portanto, tem sido
descrita como de cunho textográfico, uma vez que objetiva o estudo e análise de
práticas textuais situadas no contexto que as constituem. O conceito central da
abordagem, a noção de gênero, um elo entre texto e contexto, se tornou central na
própria definição de linguagem.
A linguagem se organiza de modo razoavelmente previsível de acordo com
padrões de interação social em uma cultura particular. Os gêneros são, portanto,
ações retóricas, processos sociais recorrentes, que se tornam tipificados. As
pessoas agem dentro de um contexto cultural a partir do conhecimento de diferentes
gêneros, que possibilitam o acesso a certos domínios de ação social e a certos
domínios de poder (COPE & KALANTIZIS, 1993, p. 7). Nesse sentido, a Análise de
Gênero busca explicitar esse conhecimento que a prática cria e recria.
Como bem resume Marcuzzo (2006, p. 20), “dois aspectos metodológicos se
destacam na proposta de Swales: 1) a descrição dos movimentos e passos
retóricos [...] e 2) a interpretação das funções do nero investigado na sua
comunidade discursiva”. A direção do estudo pode se dar a partir de qualquer uma
dessas vias (SWALES, 2004, p. 72-73).
Na dimensão textual, a Análise de Gênero trabalha com corpus constituído de
exemplares de um determinado gênero, sobre o qual é empreendida uma análise
comparativa entre esses exemplares e, às vezes, contrastiva em determinados
aspectos. O foco da análise textual é a organização retórica do gênero, ou seja,
busca-se explicitar como a organização textual revela aspectos do evento
comunicativo ao qual o texto está ligado (BONINI; BIASI-RODRIGUES; CARVALHO,
2006, p. 199).
Para analisar a organização retórica, as categorias de análise são os
movimentos e os passos. Conforme define Swales (2004, p. 228), o movimento, em
46
Análise de Gênero, é “uma unidade discursiva ou retórica que desempenha uma
função comunicativa coerente em um discurso escrito ou falado”. Cada movimento,
por sua vez, inclui elementos constitutivos que se combinam para formar a
informação que constitui um movimento, os chamados passos (MOTTA-ROTH,
1995, p. 47). Em síntese, um propósito comunicativo é organizado em grandes
ações (movimentos) que, por sua vez, são realizadas por sub-ações (passos)
(BONINI; BIASI-RODRIGUES; CARVALHO, 2006, p. 195).
Swales (2004, p. 229) pondera que os movimentos e os passos devem ser
vistos como categorias flexíveis em termos da sua realização lingüística, seja por
uma única oração ou por diversos períodos. São unidades funcionais, e não formais.
A identificação dos movimentos, bem como a delimitação entre eles, fazem parte de
um processo que ocorre em diferentes direções; tende a ser um processo bottom-
up, no sentido de busca, sintagma a sintagma, de elementos textuais ricos, mas é
também um processo top-down, influenciado pelas intuições advindas dos
esquemas que o analista traz sobre tipos de texto e gênero (idem, ibid.).
O exemplo mais conhecido de análise da organização retórica que se pode
dar é o modelo CARS
8
, proposto por Swales (1990) para descrever seções de
Introdução em artigos acadêmicos (ver Figura 4).
___________________________________________________________
MOVIMENTO 1: ESTABELECER UM TERRITÓRIO
Passo 1 – Estabelecer a importância da pesquisa
e/ou
Passo 2 – Fazer generalização/ões quanto ao tópico
e/ou
Passo 3 – Revisar a literatura
MOVIMENTO 2: ESTABELECER UM NICHO
Passo 1A – Contra-argumentar
ou
Passo 1B – Indicar lacuna/s no conhecimento
ou
Passo 1C – Levantar questionamentos
ou
Passo 1D – Continuar a tradição
MOVIMENTO 3: OCUPAR O NICHO
Passo 1A – Delinear os objetivos
ou
Passo 1B – Apresentar a pesquisa
Passo 2 – Apresentar os principais resultados
Passo 3 – Indicar a estrutura do artigo
_______________________________________________________________________
Figura 4 – Modelo CARS para introduções de artigos (SWALES, 1990, p. 141).
8
Create a Research Space, que pode ser traduzido como “Criando um Território de Pesquisa”.
47
O modelo prevê a realização retórica de três grandes ações (movimentos): 1)
estabelecer um território de pesquisa; 2) estabelecer um nicho, uma lacuna; e 3)
ocupar esse nicho com sua pesquisa. Essas ações, por sua vez, são realizadas por
sub-ações, elementos retóricos menores (passos). Para exemplificar, no Movimento
1 Estabelecer um Território, três passos de realização possíveis para a grande
ação: 1) estabelecer a importância da pesquisa; 2) fazer generalizações quanto ao
tópico; e 3) revisar a literatura.
Na dimensão contextual, a Análise de Gênero trabalha com corpora como
entrevistas e observações em loco, por exemplo, que objetivam dar um olhar
etnogrático, ou textográfico, como prefere Swales, ao objeto investigado. Com base
em teorias culturais, a etnografia permite construir teorias locais sobre as normas e
valores de uma determinada comunidade sociocultural (PURCELL-GATES, 2004, p.
92).
Para a análise contextual, conforme proposta por Swales, um conceito-chave
é o de comunidade discursiva, entendida genericamente como “um grupo de
pessoas que regularmente trabalham juntas e que têm uma noção estável, embora
em evolução dos objetivos propostos para o grupo” (HEMAIS; BIASI-RODRIGUES,
2005, p. 117). Assim, uma comunidade discursiva é unida por temas e ações
independentemente do local, enquanto uma comunidade de fala está centrada em
uma língua restrita a um território (BONINI; BIASI-RODRIGUES; CARVALHO, 2006,
p. 196). As comunidades discursivas se distinguem por propósitos próprios,
mecanismos de intercomunicação e de participação, terminologia específica e
estrutura hierárquica (idem, ibid.). Para Swales (2004, p. 97), o auxílio de
informantes-especialistas na cultura estudada pode prover um modo viável de se
angariar o conhecimento necessário para entender como os discursos que
estudamos vem a ser como são.
A partir do enquadre analítico proposto por Swales, combinado com insights
provenientes da Lingüística Sistêmica Funcional, analiso os relatos do corpus, e
busco um olhar contextual sobre os textos a partir de entrevistas com membros da
comunidade discursiva estudada (autores e editores em Lingüística Aplicada e, em
particular, em escrita).
48
Nas próximas subseções, retomo trabalhos da literatura da área acerca do
gênero analisado neste estudo: o artigo acadêmico experimental, e acerca da seção
de Metodologia, de modo particular.
1.3.2.1 O artigo acadêmico experimental na literatura
O artigo acadêmico experimental (AA) é um dos gêneros de grande prestígio
na produção, na distribuição e no consumo do conhecimento científico (SWALES,
1990, 2004; MOTTA-ROTH, 2001). Esse gênero tem como objetivo básico reportar
um estudo sobre um dado problema dentro de uma área de conhecimento específica
(MOTTA-ROTH, 2001, p. 39).
Embora se admita que o relato de pesquisa não é um retrato fiel da
experiência de pesquisa vivida (SWALES, 1990, p. 124), ele permite recuperar ou
reconstruir certos dados do processo, uma vez que organiza e sistematiza
textualmente uma seqüência de ações que, em geral, acontecem de modo dinâmico
e caótico.
Um estudo marcante acerca do artigo acadêmico foi publicado por Hill et al
(1982), com foco na organização retórica do gênero. Segundo os autores, o artigo
apresenta uma estrutura composta pelos movimentos de Introdução, Metodologia,
Resultados e Discussão – o conhecido padrão IMRD.
Direcionando seu foco para o movimento de Introdução apontado por Hill et al
(1982), Swales (1990) propôs um esquema prototípico da organização retórica
dessa seção em artigos acadêmicos o conhecido modelo CARS. Esse esquema
se mostrou bem-sucedido, uma vez que se confirmou em estudos que enfocaram o
artigo acadêmico em diferentes áreas do conhecimento. De acordo com o modelo
CARS, a seção de Introdução contextualiza o estudo a partir de três movimentos
retóricos básicos: a criação de um território de pesquisa, o estabelecimento de um
nicho de estudo e a ocupação desse nicho. Nessa seção, portanto, o autor
geralmente faz uma transição do contexto amplo do campo disciplinar para o
enfoque específico de um tema de pesquisa ao descrever inadequações ou
imprecisões da literatura prévia que motivam o estudo (Hill ET AL, 1982, p. 335).
Exemplos de lexemas explícitos tipicamente encontrados nessa seção são:
“Recentemente, tem havido um grande interesse em...”, “O estudo de... tem se
49
tornado um aspecto importante de...”, “Muitos investigadores têm se voltado
recentemente para...”.
A seção de Metodologia é caracterizada em Hill et al (1982, p. 336) como uma
descrição passo a passo do processo de obtenção dos dados, organizada
cronologicamente. Mais que isso, o objetivo dessa seção é “apresentar os materiais
e os métodos (sujeitos, instrumentos, procedimentos, critérios, etc.) empregados na
pesquisa para se obterem e analisarem dados” (MOTTA-ROTH, 2001, p. 70). Como
a metodologia é, em geral, uma narrativa em ordem cronológica, são características
lingüísticas dessa seção verbos no passado relacionados à atividade de pesquisa
(“coletou-se/coletaram-se”, “analisou-se/analisaram-se”) e expressões que sinalizam
a ordenação entre essas ações (“primeiramente”, “em seguida”) (idem, ibid.).
No(s) capítulo(s) de Resultados e Discussão, o autor apresenta, comenta e
interpreta os dados obtidos no estudo (MOTTA-ROTH; HENDGES, 2001, p. 77). Na
discussão dos dados, repete-se o movimento característico da seção de Introdução,
porém de modo inverso: “amplia-se o foco gradativamente dos resultados do estudo
em direção a questões gerais da disciplina, apontadas na Introdução” (idem, ibid.).
Lingüisticamente, a apresentação dos resultados é caracterizada por lexemas
explícitos como “os resultados podem ser sumarizados em”, “não houve diferenças
significativas em”, etc. Na seção de Discussão, são marcas prototípicas: “os
resultados parecem apontar x”, “a diferença principal entre x e y é...” (idem, p. 86),
ou seja, lexemas de natureza mais interpretativa, em contraste com a natureza
objetiva da apresentação dos resultados.
A estrutura IMRD será tomada como esquema de referência para o
mapeamento da organização retórica dos textos que compõem o corpus deste
estudo. Na próxima subseção, aprofundo a descrição da seção de Metodologia.
1.3.2.2 A textualização da Metodologia no artigo acadêmico experimental
Este estudo, conforme explicitado, busca entender as práticas de pesquisa
em escrita por meio do viés discursivo, ou seja, pela descrição e pela interpretação
dos relatos de pesquisa que textualizam essas práticas. Como o foco de
investigação está nas escolhas metodológicas, a seção de Metodologia dos relatos
merecerá atenção especial.
50
Um aspecto significativo para a descrição da seção de Metodologia é a
variação da quantidade de detalhe incluído. Swales (2004, p. 220) propõe a
distinção entre dois tipos de seção de Metodologia: textos sintéticos versus textos
elaborados. As características distintivas entre essas duas categorias estão
sistematizadas no Quadro 2.
A característica de saliência textual dos textos elaborados pode ser
relacionada a uma série de motivos. Pode ser atribuída, por exemplo, a convenções
disciplinares. Áreas com procedimentos de pesquisa menos estabelecidos e
ratificados precisam de uma descrição mais explicativa (SWALES, 2004, p. 221).
Além disso, a seção de Metodologia tenderá a ser mais elaborada quando trouxer
inovação metodológica para a área ou quando os métodos, ainda que não
necessariamente novos, sejam novos para maioria do público-alvo. (idem, p. 23).
Textos sintéticos Textos elaborados
assumem um conhecimento prévio da
metodologia geral
reconhecem a necessidade de fornecer
conhecimento prévio
evitam subseções nomeadas freqüentemente contém subseções
usam siglas e citações como atalhos para as
descrições dos procedimentos
usam descrições em vez de citações para indicar
os vários aspectos da metodologia adotada
usam uma série de verbos em uma sentença tendem a ter um verbo finito por oração
evitam definições de termos e exemplos fornecem definições, exemplos e ilustrações
quando necessário
apresentam poucas justificativas para escolhas
metodológicas
incluem justificativas e princípios explicativos para
detalhes dos procedimentos adotados, às vezes
colocados em posição de pré-sujeito marcado via
uma oração de objetivo
usam poucos verbos “de volição”; por exemplo,
“nós analisamos” em vez de “nós decidimos
analisar”
contém um ou mais verbos “de volição”, tais como
“Nós decidimos focar em...”
oferecem poucas reiterações dos sujeitos/objetos
da pesquisa, mas enfocam as técnicas usadas
tendem a ter uma ampla gama de “orações de
ligação” (lógica, temporal e espacial) no início das
sentenças
Quadro 2 – Variações em seções de Metodologia (SWALES, 2004, p. 220).
Swales (idem, p. 94) destaca uma grande tendência ao silenciamento dos
textos, com a omissão do relato dos obstáculos superados, dos falsos começos, das
diferentes falhas. Essas convenções textuais de silenciamento podem representar
um obstáculo a pesquisadores iniciantes empenhados em entender sua cultura
disciplinar (idem, p. 95). Se, por um lado, existe a necessidade de conscientização
do pesquisador iniciante de que os relatos que ele lê não são retratos fiéis da
experiência de pesquisa vivida, que muitas etapas são silenciadas, por outro,
5
1
pesquisadores mais experientes poderiam escrever descrições metodológicas mais
elaboradas com vistas a facilitar esse processo de aculturação acadêmica
(MARCUZZO, 2006, p. 65).
Para analisar em que medida as seções de Metodologia dos artigos do corpus
deste estudo podem ser descritas como sintéticas ou elaboradas, o principal
procedimento de análise será a descrição de sua organização retórica. Para mapear
a organização retórica das seções, tomarei como referência duas descrições
esquemáticas elaboradas no grupo de pesquisa a que este trabalho se filia; o
primeiro esquema foi proposto a partir da análise de artigos de LA em geral e o
segundo com base em relatos de Análise de Gênero.
A partir da análise de 39 artigos da área de LA, Oliveira (2003) identificou a
saliência de quatro movimentos retóricos, conforme o esquema apresentado na
Figura 3. O Movimento 1 apresenta a descrição do corpus ou dos participantes
selecionados para a pesquisa. O Movimento 2 é caracterizado pela descrição dos
materiais ou instrumentos utilizados na coleta dos dados. O Movimento 3 especifica
os procedimentos implementados e o Movimento 4 descreve a análise dos dados.
_______________________________________________________________________
MOVIMENTO 1 – Descrição do corpus ou participante da pesquisa
PASSO 1 Especificação do tamanho da amostra (tamanho do corpus ou número de participantes
PASSO 2 Especificação do perfil dos participantes:
PASSO 2A Especificação do sexo e idade
PASSO 2B Especificação do nível de escolaridade (estudantes, professores, etc...)
PASSO 2C Especificação da sub-área a que os participantes pertencem
PASSO 2D Especificação do nível de conhecimento dos participantes na língua ou pico que está
sendo investigado pela pesquisa
OU
PASSO 3 Especificação do corpus selecionado
MOVIMENTO 2 – Descrição dos materiais ou instrumentos utilizados na coleta dos dados
MOVIMENTO 3 – Descrição dos procedimentos
MOVIMENTO 4 – Descrição da análise dos dados
_______________________________________________________________________
Figura 5 Descrição esquemática da seção de Metodologia proposta por Oliveira (2003)
(OLIVEIRA, 2003, p. 87).
Marcuzzo (2006), a partir da análise de 12 relatos de Análise de Gênero,
propôs um esquema um pouco distinto em relação ao de Oliveira (2003) para
descrever a seção de Metodologia. A análise de Marcuzzo evidenciou a realização
de dois movimentos retóricos, conforme esquema da Figura 4. O Movimento 1
52
compreende a descrição do corpus e o Movimento 2 diz respeito à descrição das
categorias e/ou procedimentos.
_______________________________________________________________________
MOVIMENTO 1 – DESCRIÇÃO DO CORPUS
PASSO 1 Especificação do corpus (tamanho, gênero, área(s) investigada(s) e fonte de coleta)
E/OU
PASSO 2 Justificativa da escolha do corpus
MOVIMENTO 2 – DESCRIÇÃO DAS CATEGORIAS/PROCEDIMENTOS
PASSO 1 Especificação das categorias analíticas
E/OU
PASSO 2 Descrição dos procedimentos
_______________________________________________________________________
Figura 6 Descrição esquemática da seção de Metodologia proposta por Marcuzzo (2006)
(MARCUZZO, 2006, p. 52).
Essas descrições esquemáticas serão tomadas como esquemas de
referência para delinear a organização retórica da seção de Metodologia em estudos
sobre a escrita, com o objetivo de evidenciar em que medida os textos se
configuram como elaborados ou sintéticos.
No próximo capítulo, descrevo a metodologia empregada neste estudo.
53
2 METODOLOGIA
Neste estudo, busco identificar discursos acerca da escrita e sua investigação
por meio da análise de relatos de pesquisa sobre o assunto. A expectativa é a de
que o estudo permita vislumbrar respostas para o seguinte questionamento:
- A partir do corpus analisado, que discursos sobre a escrita (princípios
teóricos/metodológicos) recorrentes nos relatos são passíveis de identificação?
Neste capítulo, descrevo as etapas seguidas para a realização do estudo em
quatro subseções: 1) Delimitação do universo de análise; 2) Seleção do corpus; 3)
Procedimentos de análise textual; e 4) Procedimentos de análise contextual.
2.1 Delimitação do universo de análise
O universo de análise desta pesquisa inclui três dos principais periódicos da
área de LA publicados no Brasil: 1) Trabalhos em Lingüística Aplicada (TLA),
publicação do Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de
Campinas; 2) Revista Brasileira de Lingüística Aplicada (RBLA), publicação da
Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais; e 3) Linguagem &
Ensino (L&E), publicação da Pós-Graduação em Letras da Universidade Católica de
Pelotas.
Os três periódicos têm uma política de publicação ampla, que permite o aceite
de trabalhos de temas variados, mas especificamente relacionados à análise da
linguagem, seu ensino e sua aprendizagem. O periódico TLA apresenta apenas
versão impressa enquanto os demais apresentam, além da impressa, versão
digitalizada, idêntica à impressa.
A delimitação desse universo de análise foi baseada nos critérios:
representatividade, reputação e acessibilidade (NWOGU, 1990; MOTTA-ROTH,
1995). Na lista Qualis
9
de periódicos da CAPES
10
, busquei, em primeiro lugar, títulos
9
“Qualis é uma lista de veículos utilizados para a divulgação da produção intelectual dos programas
de pós-graduação stricto sensu (mestrado e doutorado), classificados quanto ao âmbito de circulação
(Local, Nacional, Internacional) e à qualidade (A, B, C), por área de avaliação. A Capes utiliza o
54
de periódicos que remetessem à “escrita”, à “produção textual”. Como a busca
resultou em nenhum tulo nesses termos, ampliei então a busca para títulos que
remetessem à Lingüística Aplicada em geral, nos quais a escrita figuraria como uma
dentre as temáticas exploradas. Dessa busca, resultaram os periódicos
selecionados, sendo os três de âmbito nacional. Assim, considero que o universo de
análise selecionado seja representativo da produção nacional de artigos acadêmicos
sobre a escrita, publicados em periódicos nacionais.
Considerei que os periódicos selecionados desfrutam de aceitação da
comunidade disciplinar, pois os artigos nele publicados circulam recorrentemente
nas referências de trabalhos da área. Além disso, eles possuem um corpo editorial
constituído de membros reconhecidos como autoridades na discussão de temas de
LA, o que parece conferir maior qualidade na seleção dos textos publicados.
A facilidade de acesso aos periódicos também foi fator determinante na
escolha dos periódicos. Os artigos dos periódicos RBLA e L&E podem ser
acessados gratuitamente pela internet, ao passo que os artigos da revista TLA se
mostraram acessíveis porque a orientadora deste trabalho mantinha uma assinatura
do periódico.
Editores de dois dos três periódicos aceitaram participar da pesquisa,
respondendo um questionário via correio eletrônico
11
. Entre outras informações, os
editores dos dois periódicos informaram que submissões inclusive por parte de
alunos de graduação. No entanto, E2 afirmou que os artigos que recebem os
pareceres favoráveis, em geral, são de pesquisadores iniciantes, entendidos como
professores universitários em início de carreira e alunos de pós-graduação. E2
informou que há um certo equilíbrio entre trabalhos escritos por pesquisadores
iniciantes e trabalhos de pesquisadores mais experientes, já conhecidos na área.
Em relação a focos temáticos para publicação, no periódico em que é editor,
E1 afirmou haver um balanceamento entre artigos de três áreas de interesse:
Análise de Texto/Discurso; Ensino/Aprendizagem e Formação do Professor.
Segundo E2, no periódico do qual faz parte, percebe-se um predominância de
artigos que abordam o Ensino/Aprendizagem.
Qualis para fundamentar o processo de avaliação do Sistema Nacional de Pós-Graduação. ”
Informações obtidas no site da Capes.
10
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior.
11
Os editores-participantes serão chamados E1 e E2.
55
2.2 Seleção do corpus
Os textos que formam o corpus deste estudo foram selecionados entre os
números publicados no período de 2000 a 2007. Como o meu foco de estudo é a
escrita, selecionei somente artigos centrados nessa temática. O relato, para ser
selecionado, deveria apresentar palavras-chave como “(re)escrita”, “produção de
texto (textual)”, “redação”, “(re)textualização”, em seu tulo, resumo ou na indicação
das próprias palavras-chave, presentes em alguns artigos. Além disso, deveria estar
escrito em português, que o meu interesse é investigar as práticas brasileiras de
pesquisa nessa área, e deveria estar direcionado ao estudo da escrita em língua
materna. Alguns artigos inicialmente selecionados foram depois excluídos do corpus
em razão de se configurarem como relatos de experiência, não apresentando
claramente procedimentos de coleta e análise de dados.
O corpus foi formado com todos os artigos que pude encontrar a partir desses
critérios estabelecidos. Os 20 artigos selecionados estão listados no Quadro 3:
TLA#1 MENEGASSI, Renilson José. Comentários de revisão na reescrita de
textos: componentes básicos. Trabalhos em Lingüística Aplicada,
Campinas, n. 35, p. 83-93, 2000.
TLA#2 SANTOS, Carmi Ferraz. A produção de textos argumentativos por crianças
das séries iniciais. Trabalhos em Lingüística Aplicada, Campinas, n. 39,
p. 93-103, 2002.
TLA#3 CONCEIÇÃO, Ruth Izabel Simões. O ensino de produção textual e a
(re)construção da competência discursiva do aluno. Trabalhos em
Lingüística Aplicada, Campinas, n. 40, p. 45-61, 2002.
TLA#4 LIMA, Regina Célia de Carvalho Paschoal. Concepções de escrita nos
PCNs de língua portuguesa e em um curso de formação de professores.
Trabalhos em Lingüística Aplicada, Campinas, n. 41, p. 51-64, 2003.
TLA#5 BUNZEN, Clécio. Crenças e valores sobre a escrita em manuais escolares
de língua materna para o ensino dio. Trabalhos em Lingüística
Aplicada, Campinas, n. 43, v. 1, p. 19-34, 2004.
TLA#6 RAFAEL, Edmilson Luiz. Construção de saberes conceituais e integradores
sobre escrita, texto e nero por professores de português em formação
continuada. Trabalhos em Lingüística Aplicada, Campinas, n. 43, v. 1, p.
9-18, 2004.
TLA#7 FRONZA, Cátia de Azevedo; LORANDI, Aline; LEMES, Patrícia Beatriz.
Dados de escrita em séries iniciais: ortografia, fonologia e textualidade.
Trabalhos em Lingüística Aplicada, Campinas, n. 45, v. 1, p. 187-204,
2006
TLA#8 REINALDO, Maria Augusta de Macedo. Saberes sobre produção de texto e
avaliação de material didático na formação continuada. Trabalhos em
Lingüística Aplicada, Campinas, n. 45, v. 2, p. 271-292, 2006.
TLA#9 ARAÚJO, Denise Lino de; RAFAEL, Edmilson Luiz; REINALDO, Maria
Augusta de Macedo. “Professora, é para responder esse questionário
aqui?”: Estudo sobre a entrevista transformada em exercício escolar.
56
Trabalhos em Lingüística Aplicada, Campinas, n. 45, v. 2, p. 239-254,
2006.
TLA#10 CORRÊA, Manoel Luiz Gonçalves. Relações intergenéricas na análise
indiciária de textos escritos. Trabalhos em Lingüística Aplicada,
Campinas, n. 45, v. 2, p. 205-224, 2006.
TLA#11 MENEGASSI, Renilson José. Professor e escrita: A construção de
comandos de produção de textos. Trabalhos em Lingüística Aplicada,
Campinas, n. 42, p. 55-79, 2003.
RBLA#1 TERZI, Sylvia Bueno; SCAVASSA, Júlia Sant’Ana. Mudanças na
concepção de escrita de jovens e adultos em processo de letramento.
Revista Brasileira de Lingüística Aplicada, Belo Horizonte, v. 5, n. 1, p.
183-211, 2005.
RBLA#2 REINALDO, Maria Augusta G. de M. Como professores em formação
continuada mobilizam saberes sobre escrita e avaliação de texto. Revista
Brasileira de Lingüística Aplicada. Belo Horizonte, v. 4, n. 2, p. 97-111,
2004.
RBLA#3 BEZERRA, Maria Auxiliadora; QUEIROZ, Anne Karine de; TABOSA,
Mariana Queiroga. Correção de textos e concepções de língua e variação:
relações nem sempre aparentes. Revista Brasileira de Lingüística
Aplicada, Belo Horizonte, v. 4, n. 1, p. 230-249, 2005.
L&E#1 CONCEIÇÃO, Ruth Izabel Simões. Da redação escolar ao discurso: um
caminho a (re)construir. Linguagem & Ensino, Pelotas, v. 3, n. 2, 109-133,
2000.
L&E#2 OLIVEIRA, Maria Bernadete Fernandes de. Produções escritas e processos
identitários: um estudo de textos de alunos do ensino fundamental.
Linguagem & Ensino, Pelotas, v. 4, n. 1, 67-77, 2001.
L&E#3 REINALDO, Maria Augusta G. de M; SANT’ANA, Tatiana Fernandes.
Análise da orientação para produção de texto no livro didático como
atividade de formação docente. Linguagem & Ensino, Pelotas, v. 8, n. 2,
97-120, 2005.
L&E#4 KÖCHE, Vanilda Salton; PAVANI, Cínara Ferreira; BOFF, Odete Maria
Benetti. O processo de reescrita na disciplina de Língua Portuguesa
Instrumental. Linguagem & Ensino, Pelotas, v. 7, n. 2, 141-164, 2004
L&E#5 ANDRADE, Eliene Peres de Oliveira; MACHADO, Gisélia dos Santos Silva
& SILVA, Sílvio Ribeiro da. Retextualização de uma história em
quadrinhos por alunos de meios letrados. Pelotas, v. 9, n. 2, p. 177-199,
2006.
L&E#6 KÖCHE, Vanilda Salton. O ensino de dissertação no ensino médio:
características, problemas e alternativas de solução. Linguagem & Ensino,
Pelotas, v. 5, n. 2, 11-48, 2002.
Quadro 3 – Listagem de referências dos artigos selecionados.
2.3 Procedimentos de Análise textual
A análise dos artigos compreendeu cinco procedimentos: 1) mapeamento da
organização retórica de cada artigo; 2) identificação da área de interesse e foco de
estudo de cada relato; 3) descrição da organização retórica da seção de
Metodologia; 4) sistematização de abordagens e procedimentos metodológicos
implementados para análise; e 5) explicitação dos discursos sobre a escrita.
O objetivo do primeiro procedimento de análise - o mapeamento da
organização retórica - foi entender a textualização macro dos textos, identificando a
57
localização das parcelas textuais referentes ao referencial teórico, à metodologia e
aos resultados obtidos. Meu ponto de referência para a análise foi a conhecida
estrutura IMRD (HILL ET AL., 1982). Observando os títulos das seções e o seu
conteúdo, tentei verificar em que medida essa estrutura, que tem se mostrado
recorrente em diversos relatos de pesquisa, se manifestava no corpus deste estudo.
O passo seguinte teve como objetivo identificar os interesses de pesquisa da
área e delinear o foco de estudo em cada artigo. Para tanto, centrei-me nas parcelas
de texto que pude identificar como de Introdução, especificamente no estágio em
que os objetivos dos estudos são delineados. O ponto de partida para a análise
foram lexemas explícitos (SWALES, 1990; NWOGU, 1990) que sinalizam tal função,
como “o objetivo do trabalho é”, “este trabalho tem como objetivo”, “nossos objetivos
são”.
O terceiro procedimento correspondeu à descrição da organização retórica da
seção de Metodologia dos artigos. Tomei como ponto de partida as representações
esquemáticas propostas por Oliveira (2003) e Marcuzzo (2006), buscando identificar
em que medida os movimentos e passos encontrados por essas pesquisadoras se
confirmavam ou não no meu corpus de análise. Meu referencial de análise foi a
proposta de Swales (1990; 2004), cujas categorias são os movimentos e os passos.
Tais categorias são identificadas no texto com base no conteúdo das proposições e
nos expoentes lingüísticos que indicam a natureza da informação (ver descrição
detalhada do referencial de análise na seção 1.3.2 da Revisão da Literatura, a partir
da página 45). A expectativa era de que esse procedimento permitisse identificar as
abordagens e procedimentos de análise implementados nos estudos do corpus. No
entanto, como, em geral, as seções de Metodologia dos artigos analisados pouco
detalham o processo de análise, foi preciso estender a análise à seção de
Resultados para tentar identificar esses elementos.
Como quarto procedimento, sistematizei as abordagens e procedimentos de
análise identificados. Como abordagens considerei níveis superiores de organização
de uma metodologia, em termos de princípios epistemológicos, procedimentos e
categorias de análise. Como procedimentos de análise considerei as ações
implementadas para descrição e interpretação dos dados.
Por fim, busquei explicitar o(s) discurso(s) sobre a escrita assumido(s) em
cada estudo. Tomei como base os três macrodiscursos derivados da proposta de
Ivanic (2004): o discurso da escrita como estrutura, o discurso da escrita como
58
processo cognitivo e o discurso da escrita como prática social. Observei a natureza
dos lexemas explícitos empregados na construção de discursos sobre a escrita (ver
Revisão da Literatura, p. 31). Lexemas explícitos o palavras que explicitamente
sinalizam o conteúdo e a função em uma determinada parcela de texto (NWOGU,
1990, p. 129; MOTTA-ROTH, 1995, p. 117).
A análise empreendida, a fim de identificar abordagens teórico-metodológicas
para a pesquisa em escrita, com base nos postulados da Lingüística Sistêmico-
Funcional, foi realizada pela observação das escolhas semânticas no sistema de
transitividade (nominalizações, principalmente), uma vez que essas escolhas
revelam a construção de diferentes posturas em relação à produção de
conhecimento sobre a escrita.
2.4 Procedimentos de análise contextual
A triangulação, ou seja, a utilização de múltiplas fontes de dados, tem sido
apontada como um procedimento essencial em estudos de cunho interpretativista, a
fim de se buscar maior validade aos dados levantados (DAVIS, 1995, p. 446;
PURCELL-GATES, 2004, p. 98). Nesse sentido, enfatiza-se a necessidade de se
olhar o apenas para os textos, mas também para as práticas, os contextos de
produção, distribuição e consumo que os constituem (BAZERMAN; PRIOR, 2004).
Nesse processo, “é preciso que aqueles que vivem as práticas sociais [estudadas]
sejam chamados a opinar sobre os resultados de nossas pesquisas, como também
a identificar nossas questões como válidas de seus pontos de vista” (MOITA
LOPES, 2006, p. 23, citando Bygate, 2004). Buscando o alinhamento com tais
perspectivas, foram realizadas entrevistas via correio eletrônico com os autores dos
artigos analisados, bem como com os editores dos periódicos do universo de
análise. As questões foram elaboradas de modo que os participantes pudessem
emitir parecer sobre a validade dos dados levantados com a análise textual, ao
mesmo tempo em que apresentassem sua visão acerca de questões da pesquisa
desenvolvida atualmente em LA e, particularmente, em escrita. O convite enviado
aos autores corresponde ao Anexo 1; o convite enviado aos editores, ao Anexo 2; o
questionário enviado aos autores que aceitaram participar encontra-se no Anexo 3; e
59
o questionário enviado aos editores que se dispuseram a participar da pesquisa
encontra-se no Anexo 4.
Foi convidado a participar do estudo o primeiro autor de cada relato de
pesquisa incluído no corpus, exceto em um caso, em que o contato do primeiro
autor, e também o do segundo, não foram encontrados na plataforma Lattes
12
e em
sites de busca na internet, tendo sido contatado então o terceiro autor. Alguns
pesquisadores se mostraram autores de mais de um artigo no corpus selecionado;
por isso, apesar de o corpus conter 20 relatos, 15 pesquisadores-autores foram
convidados a participar da pesquisa. Desses, 7
13
responderam ao questionário.
Entre os editores, contatei 5 pesquisadores, os quais são apontados como
editores-chefes dos periódicos nos respectivos sites das publicações (um editor da
TLA, um da RBLA e três da L&E). Desses, 2 responderam ao questionário.
O projeto referente a esta parte da pesquisa, que envolve a participação de
autores e editores da comunidade disciplinar investigada, foi submetido ao Comitê
de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Santa Maria, tendo sido aprovado
sob o protocolo Nº 0030.0.243.000-08.
As entrevistas foram analisadas com foco nos conteúdos relevantes para
esclarecer a análise textual, atentando-se para as escolhas semânticas no sistema
de transitividade (nominalizações e processos, principalmente) que apontavam para
posicionamentos epistemológicos em relação à escrita. Nos termos de Barton (2004,
p. 66), procurei por “elementos textuais ricos em significação”. De acordo com
Barton, (idem, ibid.), um elemento textual rico pode ser qualquer característica
lingüística, em um texto, que aponta para o modo como o significado está inscrito
naquele texto, revelando valores contextuais.
No próximo capítulo, apresento a análise e a discussão dos dados.
12
A Plataforma Lattes é a base de dados de currículos de pesquisadores e instituições, das diversas
área do conhecimento, atuando no Brasil.
13
Os autores-participantes serão chamados A1, A2 e assim sucessivamente em ordem numérica.
60
3 APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS E DISCUSSÃO
A partir da descrição e interpretação dos relatos de pesquisa e das
entrevistas, os resultados podem ser assim sintetizados:
1) a lógica de relatar o processo de pesquisa pode ser descrita por cinco
movimentos retóricos, que ratificam a lógica IMRD, mas apresentam peculiaridades
no modo como são textualizados, como o hibridismo retórico em algumas seções;
2) as áreas de interesse para pesquisa identificadas podem ser assim nomeadas: a)
Análise de Texto/Discurso (com foco no estudo de elementos lingüístico-textuais ou
discursos subjacentes ao texto); b) Ensino/Aprendizagem da Escrita (com foco no
processo de reescritura de textos); e Formação do Professor de Escrita (com foco na
(re)construção de crenças sobre escrita, linguagem e avaliação);
3) as seções de Metodologia dos relatos se configuram como textos sintéticos,
silenciados em termos da descrição da abordagem metodológica dos dados, de
procedimentos e categorias de análise adotados;
4) o procedimento de análise que se mostra mais recorrente nos relatos, pela
observação da apresentação dos resultados, é a análise do texto ou do discurso
como busca indutiva por elementos textuais ricos (BARTON, 2004), fatos textual-
discursivos significativos em relação ao tópico estudado;
5) o discurso teórico da escrita como prática social, recorrente nos artigos, contrasta
com desenhos de pesquisa que pouco exploram a investigação dos contextos nos
quais a escrita é produzida.
3.1 Organização retórica dos textos
Conforme relatei na seção de Metodologia deste estudo, o primeiro
procedimento de análise, que serviu para entender a textualização macro dos
relatos, foi o mapeamento da sua organização retórica. Algumas seções se
mostraram de difícil classificação retórica e outras apresentaram um certo hibridismo
retórico, como, por exemplo, a mistura de informações de ordem metodológica e da
ordem dos resultados. Embora não avaliem como negativa essa variabilidade dos
relatos, alguns participantes entrevistados acreditam que ela dificulta a leitura e a
61
apreensão de modelos de referência para a escritura do gênero, principalmente para
os pesquisadores iniciantes. Os resultados parecem apontar para a necessidade de
se estabelecer uma cultura de sistemas simbólicos e valores disciplinares
compartilhados em termos da textualização de estudos na área.
A lógica de relatar o processo de pesquisa evidenciada a partir dos relatos do
corpus pode ser sistematizada em cinco movimentos retóricos: introduzir o estudo;
revisar a literatura; descrever a metodologia; apresentar e discutir resultados; e
concluir o relato, os quais ratificam a lógica IMRD proposta na literatura (HILL ET
AL., 1982; SWALES, 1990; MOTTA-ROTH, 2001, ver Revisão da Literatura, seção
1.3.2.1, a partir da página 48). Foram identificadas, no entanto, algumas variações
em relação à realização desses movimentos, em relação à forma como o
efetivamente textualizados. Cada um dos movimentos é desenvolvido em uma ou
mais seções textuais. O Quadro 4 mostra a ocorrência dos 5 movimentos retóricos
nos relatos do corpus (o sinal positivo indica a identificação do movimento no texto,
ao passo que o sinal negativo indica a ausência):
Texto 1. Introduzir
o estudo
2. Revisar a
literatura
3. Descrever
a
metodologia
4. Apresentar
e discutir
resultados
Concluir o
relato
TLA#1 + + + + +
TLA#2 + + + + +
TLA#3 + + + + -
TLA#4 + - + + +
TLA#5 + + + + +
TLA#6 + + + + +
TLA#7 + - + + +
TLA#8 + + + + +
TLA#9 + + + + +
TLA#10 + - + + +
TLA#11 + + + + +
RBLA#1 + + + + +
RBLA#2 + + + + +
RBLA#3 + + + + +
L&E#1 + + + + +
L&E#2 + + - + +
L&E#3 + + + + +
L&E#4 + + + + +
L&E#5 + + + + +
L&E#6 + + + + +
Quadro 4 – Movimentos retóricos nos relatos do corpus
62
Os 20 artigos iniciam o relato com uma seção introdutória, que, em 16 deles,
têm o título convencional
14
Introdução. Conforme o modelo CARS, proposto por
Swales (1990, p. 141), na seção de Introdução de um artigo, o autor realiza 3
movimentos retóricos principais: 1) estabelece um território de pesquisa, 2) constrói
um nicho, identificando uma lacuna no conhecimento a ser preenchida, e 3) explicita
como esse nicho vai ser ocupado pelo estudo a ser realizado (ver Revisão da
Literatura, página 47). Para fins dessa pesquisa, detive-me apenas na identificação
do movimento 3 Ocupar o Nicho, que apresenta como principais estratégias de
realização (passos): a) delinear os objetivos; ou b) apresentar a pesquisa, pois esse
movimento foi observado para a posterior determinação dos interesses de pesquisa
em escrita (subseção 3.2). O Exemplo 1 ilustra tal movimento em um dos artigos da
TLA, com destaque dos lexemas explícitos observados para identificá-lo:
Exemplo 1
[TLA#5] Este trabalho tem como objetivo discutir crenças e valores sobre a
escrita em recentes manuais escolares de língua portuguesa para o Ensino
Médio.
Dos 20 artigos, 17 apresentam uma seção de Revisão da Literatura, separada
da Introdução, para discussão de estudos prévios. No modelo CARS, Revisar a
literatura é o passo 3 do movimento 1 Estabelecer um território. Os artigos do
corpus mostram uma certa especificidade quanto a esse aspecto: em geral, as
seções de Introdução estabelecem o território fazendo generalizações (passo 2) e
estabelecendo a importância da pesquisa (passo 1), mas a Revisão da Literatura se
dá efetivamente em uma seção posterior, específica. Características gerais que
permitem evidenciar o movimento retórico de Revisar a literatura são os padrões de
citação direta e indireta (indicação do nome dos autores, do ano da obra e da página
consultada; uso de aspas).
Foi possível identificar duas tendências para a construção da Revisão da
Literatura no corpus analisado: 1) resenhar itens de pesquisa prévia sobre o foco de
estudo; e 2) apresentar suporte teórico-metodológico da pesquisa. A primeira
tendência se constitui como uma síntese avaliativa do conhecimento e das idéias
que foram construídas na literatura em relação a um determinado assunto. É
comum o destaque de conceitos, resultados, discussões e conclusões relevantes
14
Chamarei os títulos que remetem à tradicional estrutura IMRD de títulos convencionais por
oposição a títulos de conteúdo, que evocam a temática específica abordada no estudo.
63
sobre o tema, apontados em trabalhos anteriores, sem que haja indicação do
enquadre escolhido para analisar os dados. O Exemplo 2 ilustra essa tendência:
Exemplo 2
[TLA#1] Cavalcanti e Cohen (1993), comparando composições de um aluno
com as do restante da classe, notaram que os alunos esperam modelos
preestabelecidos de escrita que demonstrem valores importantes no modo de
produção textual. Suas pesquisas apresentam a revisão como uma forma
de modificação do texto original, levando à reescrita. De acordo com os
autores, essa revisão é preferida pelos professores durante o processo de
composição textual, quando oferecem comentários que a suportam.
A segunda tendência se constitui como a descrição de um enquadre analítico
que serve de base para descrever e interpretar os dados (esse movimento aparece
alternativamente na seção de Metodologia dos artigos). Pode constituir-se como
uma descrição mais detalhada, com a caracterização de uma abordagem já
conhecida ou nova (com princípios, categorias e procedimentos mais ou menos
claros) ou, simplesmente, com a descrição de um conjunto de categorias conceituais
segundo as quais os dados serão analisados. Os Exemplos 3 e 4 o
representativos, respectivamente, dessas duas possibilidades:
Exemplo 3
[TLA#2] I. A TEORIA DA ARGUMENTAÇÃO
Dentro de uma concepção tradicional de argumentação, a
argumentatividade de um texto está baseada nos fatos e valores
descritos através da linguagem. São, portanto, estes fatos e valores que
constituem o suporte no qual está alicerçada a argumentação, não tendo
a estrutura lingüística nenhuma relação com o encadeamento argumentativo
do discurso. [...] A língua, nesta perspectiva, é, portanto, considerada
como um código através do qual se transmite uma mensagem.
Exemplo 4
[TLA#6] Neste trabalho, adotamos a seguinte classificação, proposta por
Carvalho e Peres (op. cit.) e aqui adaptada aos propósitos de nossa
pesquisa:
a) saberes conceituais: [...].
b) saberes integradores: [...].
c) saberes pedagógicos: [...].
Com base nessa classificação, podemos pensar os conhecimentos
sobre escrita, texto e gênero textual, mobilizados ao longo do Curso de
Especialização.
No Exemplo 3, a adesão ao enquadre proposto não aparece com lexemas
explícitos como “adotamos o paradigma x” ou nosso referencial é y”, mas ela pode
64
ser evidenciada na assertividade das proposições acerca da natureza da linguagem
e da argumentação, que são tomadas como verdades. No Exemplo 4, a tomada do
conjunto de conceitos como referencial de análise está clara nos sintagmas
“adotamos a seguinte classificação” e “com base nessa classificação”.
Em alguns relatos, não foi possível fazer uma distinção clara entre esses dois
movimentos dentro da seção de Revisão da Literatura. As duas tendências, por
vezes, parecem se entrelaçar, se confundir, como no Exemplo 5:
Exemplo 5
[RBLA#2] A concepção do ato de ensinar como um processo que envolve a
mobilização de saberes de diversas ordens trouxe à tona, nos recentes
estudos sobre formação de professores, a questão do saber e de sua
produção. Defende-se, nesse processo, o estudo, de forma não
normativa, do conjunto dos saberes mobilizados e utilizados pelos
professores em suas tarefas, entendendo-se saber como o conjunto dos
conhecimentos, competências, habilidades e atitudes, incorporados no
processo de trabalho docente (PERRENOUD, 2002; TARDIF, 2002).
Evocamos, com base em Carvalho e Perez (2002), o que tem sido
considerado na bibliografia da área como saberes necessários para o
saber fazer do professor de um conteúdo específico: os saberes
conceituais e metodológicos e os saberes integradores. [...]
No Exemplo 5, o autor parece estar revisando conceitos da literatura prévia,
mas, ao mesmo tempo, descreve um conjunto de categorias que serão usadas como
referencial na análise dos dados (mesmo sem explicitar isso nesse momento). O
modo de realização do movimento Revisar a literatura se mostrou, portanto, fluido
em alguns artigos, em que não pude determinar exatamente qual a tendência
empregada ou se as duas estavam entrelaçadas. A partir da dificuldade que
evidenciei nesse processo de classificação, sugeriria que os relatos fossem mais
explícitos principalmente quanto à descrição do suporte teórico-metodológico da
pesquisa, a partir do qual os dados são analisados. Nesse sentido, em muito
auxiliaria o uso mais recorrente de marcadores metadiscursivos (Vande Kopple,
1985, p. 83), que ajudam os leitores a organizar, classificar, interpretar, avaliar e
reagir em relação ao material lido”.
Nas seções de Revisão da Literatura, na discussão de conceitos sobre
escrita, linguagem, letramento, observei duas estratégias distintas que permitiram
identificar discursos teóricos acerca da escrita presentes nos relatos: a) adesão a
um discurso por caracterização positiva; e b) adesão a um discurso pela negação de
65
outro. Esse aspecto será detalhado na subseção 3.5, onde trato especificamente
dos discursos sobre a escrita identificados no corpus.
As seções de Revisão da Literatura, em 14 relatos, apresentam títulos de
conteúdo: títulos relacionados ao conteúdo disciplinar abordado no trabalho (como
Manuais escolares de língua materna: letramento e saberes escolares), diferente
dos títulos convencionais (como Revisão Bibliográfica, Revisão da Literatura). Ao
analisar essas seções, centrei meu olhar em parcelas textuais que explicitassem as
perspectivas teórico-metodológicas acerca da escrita adotadas nos estudos, que
meu objetivo principal é traçar os discursos sobre a escrita que perpassam esses
relatos.
Em relação às seções cuja função é reportar a Metodologia, dos 18 artigos
que apresentam uma seção específica para esse movimento, 16 apresentam títulos
convencionais que sinalizam explicitamente a natureza da seção, como A
Metodologia da Pesquisa, O corpus da Pesquisa, etc. Os outros dois apresentam
informações metodológicas sob títulos relacionados à natureza específica do estudo
(como A proposta de redação e a expectativa da banca). Como a Metodologia é o
foco desta dissertação, apresento, na subseção 3.3, uma descrição esquemática
das seções que cumprem essa função nos artigos do corpus.
A apresentação e a discussão dos resultados de pesquisa são feitas, de
modo integrado, ou sem uma separação sistematicamente marcada, nos 20 artigos.
Enquanto a apresentação dos Resultados é caracteristicamente descritiva, a
Discussão tem um tom mais interpretativo, ampliando gradativamente o foco dos
resultados do estudo em direção às questões gerais da disciplina (MOTTA-ROTH &
HENDGES, 2001, p. 77-8). Essas diferenciações são materializadas por
características lingüísticas específicas, como, por exemplo, a escolha de verbos: na
apresentação dos Resultados, que tem uma natureza mais objetiva, verbos picos
são obter, descobrir, identificar; enquanto na Discussão, cujo tom é mais avaliativo,
são escolhidos verbos como revelar, sugerir, ilustrar, que evidenciam um esforço de
interpretação. Os Exemplos 6 e 7 ilustram a apresentação e a discussão de
resultados realizadas de modo articulado:
Exemplo 6
[TLA#8] A observação do material produzido na avaliação permitiu
verificar que a diversidade de neros textuais representados na coletânea
de fragmentos de texto foi a principal justificativa para a adequação do
66
comando extraído do livro didático não identificado, apontada por 5
professoras que o consideraram adequado. Tal Justificativa parece aderir à
máxima de que “o ensino de língua deve se dar por meio de textos
diversificados”, integrada à cultura escolar, como resultado dos estudos de
Lingüística Textual presentes em documentos oficiais e materiais didáticos em
circulação.
Exemplo 7
[TLA#7] Os dados do gráfico 3 mostram como as alterações de MES se
comportam de modo heterogêneo. É importante lembrar que esses dados
referem-se a percentuais baixos de alteração, considerando todas as
possibilidades de escrita, conforme mostra o gráfico 1. Esse percentual é
menor ainda quando relacionado apenas aos casos de MES, pois esta é
uma das alterações mais freqüentes cujas ocorrências somam-se ao total de
alterações indicado pelo primeiro gráfico. Nesse contexto, percebem-se mais
alterações de MESE nas coletas 1, 2, 4, 6 e 8. Nestas, a série é a que
apresenta mais alterações. [...] Salienta-se que algumas coletas podem
indicar um crescimento no número de alterações que não caracteriza
retrocesso na produção da criança, mas revela que, naquele texto, ela
escreveu mais e, por conseguinte, teve mais possibilidades de contexto para
que essas alterações ocorressem.
No Exemplo 6, o pesquisador apresenta os resultados com a utilização de
verbos e substantivos verbalizados de natureza mais objetiva (observação, verificar,
apontar), enquanto, para interpretá-los, ele usa “parece aderir”, sinalizando que se
trata de uma interpretação, de caráter subjetivo, e não de uma constatação. De
modo semelhante, no Exemplo 7, os dados o apresentados por verbos como
“mostram”, “referem-se”, “é menor”, e interpretados com “podem indicar”.
Em 12 dos 20 artigos analisados, as seções de Resultados e Discussão
apresentam títulos de conteúdo, relacionados à temática estudada (como As
formações discursivas ou Construindo a visão de produtor de textos); nos outros 8,
são usados títulos de natureza mais convencional (como Análise dos dados). Outro
detalhe que se mostrou característico nos dados foi a organização da apresentação
dos resultados a partir da divisão em duas ou mais seções e ainda em subseções
com títulos de conteúdo.
A análise evidenciou também a ocorrência sistemática, presente em 19
artigos, de uma seção de fecho do relato, que apresenta movimentos como
apresentação de conclusões, resumo dos principais resultados e discussão de
implicações pedagógicas. Em 10 artigos, o tulo recorrente da seção é
Considerações finais. O Exemplo 8 traz a principal conclusão ou contribuição que
pôde ser tirada do trabalho desenvolvido:
67
Exemplo 8
[L&E#1] Por fim, este trabalho serviu, especialmente, para nos mostrar
que os alunos envolvidos passaram a lidar com a língua não mais como algo
pronto e acabado que está à disposição dos usuários para utiliza-la também
de uma forma fixa e padronizada segundo modelos preestabelecidos.
Começaram a conceber a linguagem como fruto de um trabalho de reflexão à
medida que passaram a selecionar os recursos expressivos da língua com o
objetivo de provocar deliberados efeitos de sentido nos interlocutores, fato
que ficou evidente nas intensas reescritas decorrentes da busca da
incorporação das qualidades discursivas no texto [...].
Em alguns textos do corpus, algumas seções não se mostraram de fácil
classificação retórica, ou porque não se alinhavam com a natureza de nenhum dos
cinco movimentos identificados como típicos, ou porque se caracterizavam como
híbridas, apresentando, ao mesmo tempo, informações de naturezas distintas. Essa
organização por vezes caótica dificultou os estágios seguintes da análise, como a
sistematização dos dados metodológicos das pesquisas, que, em alguns artigos,
informações metodológicas apareciam na Introdução ou nos Resultados, o que
acarretou a necessidade de se buscar por todo o texto informações dessa ordem.
O Exemplo 9 traz um trecho de uma seção que não foi classificada em
nenhum dos 5 movimentos retóricos do artigo como um todo. Essa seção trata de
experiências vivenciadas por alunos de Letras em relação à produção textual na
escola, reportadas em relatório de estágios. A seção configura-se, portanto, como
uma espécie de relato de experiência, que motivou a pesquisa feita a posteriori.
Exemplo 9
[TLA#3] Os sucessivos relatórios de estágio dos alunos do Curso de
Letras/Campus de Dourados/UFMS, ano após ano, têm mostrado que a
maioria dos professores de Ensino Fundamental e Médio evita ensinar a
produzir textos em suas aulas de Língua Portuguesa e os que se aventuram
cometem alguns equívocos que tornam o trabalho ineficiente. [...] Dentre os
problemas relacionados ao ensino de produção textual detectados pelos
alunos em suas observações de aula, seus relatos têm mostrado que, além
de os professores não se sentirem muito à vontade para ensinar a produção
textual, quando tentam faze-lo utilizam-no como instrumento de avaliação.
o Exemplo 10 é ilustrativo de uma seção de natureza híbrida, intitulada
Coletas das produções textuais e identificação das alterações de escrita, que
apresenta uma mistura de informações de ordem metodológica e da ordem dos
resultados.
68
Exemplo 10
[TLA#7] Foram realizadas, mensalmente, na primeira etapa da pesquisa,
oito coletas de produções textuais. O Gráfico 1 ilustra o percentual de
alterações verificado em cada série, [...] nas três escolas que participaram da
pesquisa [...]. Cada coleta é representada por uma coluna. O gráfico 1,
apesar de mostrar dados quantitativos, revela um fator qualitativo muito
importante: a evolução das crianças no processo de aquisição da escrita. O
maior percentual de alterações ocorreu nas 1ªs séries, [...] superando-se
os 50%, seguido das 2ªs, cujos valores foram inferiores a 15%; depois estão
as 3ªs, que não chegam a 10%, e as 4ªa séries, que não alcançam 8%.
Esses resultados indicam que muito mais adequações de escrita que
inadequações, registrando o progresso evidenciado pelos alunos nas sua
produções.
Com o Exemplo 11, ilustro uma seção que inicia apresentando informações
de ordem da Revisão da Literatura e termina com informações sobre o contexto de
realização da pesquisa e sobre os sujeitos, de ordem metodológica:
Exemplo 11
[RBLA#1] A base teórica subjacente a este trabalho é constituída pelas
pesquisas na área de Letramento Crítico (FEHRING e GREEN, 2001) e na
área de Estudos cio-culturais do Letramento (The new literacy studies)
(HEATH, 1983; STREET, 1984 [...]). [...]
Por ocasião do início do curso, os sujeitos tinham tido um contato muito
pequeno com os usos da modalidade escrita da língua. Conheciam-na como
meio de comunicação com parentes e amigos distantes. [...]
A fim de tornar mais claro o trabalho desenvolvido em sala de aula,
durante os cinco meses de curso, com os sujeitos da pesquisa,
sintetizamos as principais práticas de letramento em que foram
envolvidos e os tipos de textos escritos que as integram, não
necessariamente nesta ordem: [...].
Evidentemente o processo de pesquisa, em geral, não obedece a uma
seqüência pré-determinada e linear de ações e se constitui como um processo
dinâmico, passível de reorganizações a cada nova etapa. Alguns dos artigos do
corpus parecem refletir em sua textualização a assistematicidade do processo.
Porém, no estudo do Exemplo 11, por exemplo, uma organização mais clara das
ações vivenciadas no processo poderia trazer uma melhor sistematização do
conhecimento gerado na pesquisa.
A lógica de relatar o processo de pesquisa evidenciada a partir dos relatos
pôde ser sistematizada em cinco movimentos retóricos: introduzir o estudo; revisar a
literatura; descrever a metodologia; apresentar e discutir resultados; e concluir o
69
relato, os quais ratificam a lógica IMRD proposta na literatura. Foram identificadas,
no entanto, variações em relação à forma como são efetivamente textualizados.
uma certa variabilidade ou “fluidez”, em termos do tamanho do artigo; da
organização do conteúdo; do número e do nome das suas partes/seções.
Determinadas seções em alguns artigos analisados se mostraram de difícil
classificação retórica e outras se mostraram híbridas. Em alguns artigos do corpus,
por exemplo, informações como descrição da coleta do corpus foram identificadas
na Introdução.
Artigos publicados em inglês, em periódicos internacionais, analisados em
outros estudos (por exemplo, Oliveira (2003) e Kurtz (2004)), se mostraram mais
uniformes ao apresentarem seções mais precisamente delineadas. Nesse sentido,
perguntei aos autores e editores participantes do estudo, como avaliavam as
diferenças em termos de textualização evidenciadas entre os relatos publicados no
Brasil e os publicados no circuito internacional, questionando possíveis causas.
Os participantes, em geral, atribuíram características positivas à “fluidez” dos
relatos brasileiros, como “salutar”, necessária”, “positiva”, “saudável”, “não
problemática”. Apontaram diferentes causas ou justificativas para a variabilidade
mais caracterizadora dos relatos nacionais em oposição aos da comunidade
internacional. Para A1 e A2, essa “fluidez” é decorrente da busca por novas formas
de relatar pesquisas, da busca de uma identidade brasileira de textualização:
Exemplo A
15
[A2] Parece-me que a “forma” de relatar pesquisas na área dos estudos da
linguagem, mais especificamente refiro-me ao campo da LA, estaria
passando por um processo de mudança, ou seja, buscando alternativas
ao modo clássico” de relato de pesquisas, herança dos modelos
quantitativos de análise de dados, nos quais obedecia-se religiosamente
aos nones de : Introdução, Revisão bibliográfica, Objetivos, Referencial
Teórico, Procedimentos metodológicos ( sujeitos, origem dos dados, forma de
coleta etc), Análises ( Resultados), considerações gerais (finais), para uma
forma, algumas vezes híbrida [...].
Exemplo B
[A1] Essa fluidez”, como sua pesquisa denomina, é justamente uma prova
de como, no Brasil, os pesquisadores e a LA estão em busca de sua
identidade. O viés teórico proposto acaba levando muitos pesquisadores a
desenvolver metodologias próprias de trabalho.
15
Enquanto os Exemplos da análise dos relatos são nomeados a partir de algarismos numéricos (1,
2, 3...), os Exemplos provenientes da análise das entrevistas são nomeados por letras, em ordem
alfabética. Os excertos foram transcritos ipsis literis conforme redigidos pelos participantes.
70
Nessa mesma linha de pensamento, A3 atribui a padronização dos artigos
internacionais a uma identidade ou tradição já estabelecida, que é tida como
parâmetro na seleção dos textos para publicação:
Exemplo C
[A3] Acredito que existe um certo padrão nos artigos internacionais, devido
a um maior rigor na seleção dos artigos e na própria tradição de
pesquisa.
A busca de novas possibilidades, segundo A6, confirma a plasticidade dos
gêneros ou, nos termos de Bakhtin, a idéia de enunciados “relativamente estáveis”:
Exemplo D
[A6] Associando o conceito bakhtiniano de gênero como enunciados
relativamente estáveis (Bakhtin, 1997) e o de Bazerman (2006 ,p.29) como
uma realização visível de um complexo de dinâmicas sociais e
psicológicas à idéia de escrita como um trabalho que envolve não
conhecimentos lingüístico-textuais, mas também sócio-pragmáticos e
discursivos (portanto, um trabalho que se altera, pois os grupos sociais
onde a escrita circula são diferentes), as variações dos relatos de pesquisa
escritos no Brasil confirmam a plasticidade dos gêneros.
Tanto A2 quanto A6 acreditam que a variabilidade está relacionada à
singularidade de cada pesquisa, que, por sua natureza orgânica, às vezes precisa
ser relatada de forma híbrida; outras vezes, conforme indica A2, precisa se ater aos
modelos mais tradicionais, citando como exemplo estudos etnográficos, que,
segundo o autor, por sua natureza, precisam de uma seção de Metodologia
específica:
Exemplo E
[A2] A meu ver, essa fluidezé necessária e sua escolhavai depender
da natureza da pesquisa, da temática tratada, dos objetivos, enfim da
singularidade de cada pesquisa. Algumas podem se permitir essa
“liberdade científica”, outras, no entanto, como aquelas que regem-se
pelo padrão do modo quantitativo ou aquelas que pretendem realizar
etnografia no sentido estrito, a meu ver, precisam, por exemplo, de
capítulo específico sobre procedimentos metodológicos, devendo ater-
se a modelos mais próximos dos canônicos.
Exemplo F
[A6] Por exemplo, apresentar procedimentos metodológicos na
introdução do relato pode indicar que os dados a informar se conformam
71
com o contexto da pesquisa e de seus objetivos de tal forma que separá-
los poderia causar dificuldade na compreensão da pesquisa feita.
Portanto, a configuração do texto tem influência também do tipo de
pesquisa que foi desenvolvido.
Embora não considerem um aspecto negativo a variabilidade discutida, A7 e
E2 atribuem a “fluidez” dos relatos brasileiros à falta de formação específica para a
pesquisa e sua textualização em cursos de graduação, contrastando com a dinâmica
de universidades de outros países, como dos Estados Unidos:
Exemplo G
[A7] A meu ver, a “fluidez” na textualização dos relatos de pesquisa
publicados no Brasil, sugerida no corpus, se deve à pouca tradição de
pesquisa nos cursos de licenciatura, que só mais recentemente estão mais
sensibilizados para este eixo da formação docente.
Exemplo H
[E2] Acho que isso pode ser atribuído à ausência de “treinamento” na
realização de trabalhos acadêmicos em nossos cursos de graduação e a
uma certa desconfiança brasileira com relação à padronização.
Se isso de fato se confirma, então a necessidade de se estabelecer, no
Brasil, uma cultura de cursos de redação acadêmica voltados à discussão de
sistemas simbólicos e valores compartilhados para a escrita em cada cultura
disciplinar.
Sem atribuir negatividade à fluidez evidenciada nos relatos publicados em
periódicos brasileiros, E1 e A7 ponderam que isso dificulta a leitura e a apreensão
de modelos de referência desse gênero:
Exemplo I
[E1] Não há mesmo uniformidade e nem sempre é fácil identificar a
metodologia e mesmo a teoria de suporte.
Exemplo J
[A7] Embora não veja essa “fluidez” como negativa (levando em conta o
caráter de relativa estabilidade dos gêneros), considero-a um fator que
dificulta a apreensão de modelos de referência para o ensino desse
gênero acadêmico.
Compartilho da opinião posta nos Exemplos I e J, de que a “fluidez” ou
hibridismo dos relatos às vezes dificulta a sua leitura, pois, na análise dos relatos,
senti dificuldade para abstrair os princípios gerais que caracterizam a textualização
72
do gênero na cultura disciplinar estudada. Como alguns estudos têm apontado,
frente ao grande número de trabalhos publicados hoje, pesquisadores experientes
tendem a ler seletivamente os relatos de pesquisa, buscando as informações que
interessam imediatamente a eles (BURROUGH-BOENISCH, 1999). Nesse sentido,
reitero a necessidade de relatos com uma textualização mais sistematizada, e isso
não significa padronizada/uniforme, mas clara na indicação das várias etapas do
processo de pesquisa, com a sinalização de marcadores metadiscursivos que
orientem a leitura.
Acredito que quem estuda gêneros textuais/discursivos hoje, área que talvez
tenha alcançado uma certa maturidade pelos constantes debates sobre o objeto (por
exemplo, nas edições do evento específico sobre o tema realizado no Brasil, o
SIGET, e em publicações da área como Meurer; Bonini; Motta-Roth, 2005), entende
que o objetivo da Análise de Gênero não é formular padrões textuais, mas descrever
práticas sociais recorrentes e tipificadas em que a linguagem tem um papel central
na constituição dos eventos, das relações. As pessoas escrevem e lêem dentro de
um contexto cultural a partir do conhecimento de referência dos gêneros, tipificados,
aceitos como legítimos. Esses gêneros são, de fato, “relativamente estáveis”, mas
devem atender às expectativas da comunidade que deles faz uso. Nesse sentido,
reitero a posição de que relatos mais sistematizados, principalmente com uma
descrição metodológica detalhada, podem contribuir mais efetivamente para a
evolução do debate teórico-metodológico na área e, conseqüentemente, para o
amadurecimento disciplinar.
Na próxima subseção, fecho o foco sobre a seção de Introdução dos relatos,
particularmente na apresentação dos objetivos, buscando delinear áreas de
interesse e focos de estudo predominantes para a pesquisa em escrita no contexto
investigado.
3.2 Interesses e focos de pesquisa em escrita
Em síntese, a análise dos relatos, quanto a interesses e focos de pesquisa,
evidenciou um maior número de estudos voltados à análise do texto e do discurso;
no entanto, sem enfocar a descrição sistemática das escolhas no sistema da língua
que criam discursos, relações e significados particulares. O processo de reescritura
73
se mostrou foco de estudo significativo no universo estudado, mostrando que a área
atribui considerável relevância ao discurso de escrita como processo cognitivo, que
teve seu auge na década de 1980. A análise realizada aponta para a carência de
estudos centrados na descrição e interpretação de práticas socioculturais de
letramento, ou seja, o estudo da escrita contextualizado no entorno de sistemas de
atividades da vida social em que ela exerce papel constitutivo fundamental.
Para identificar os interesses de pesquisa dos relatos, além de observar os
títulos dos artigos, centrei-me nas seções que identifiquei como de Introdução, em
função de que um dos passos retóricos descritos na literatura como pertencentes a
essa seção (SWALES, 1990; 2004; MOTTA-ROTH, 2001) é a apresentação do
objetivo. Observei lexemas explícitos que sinalizam tal função, como “o objetivo
deste trabalho é”, nossos objetivos são”, e identifiquei os interesses de pesquisa a
partir da segunda parte das sentenças (por exemplo, “discutir crenças e valores
sobre a escrita em recentes manuais escolares de língua portuguesa para o Ensino
Médio”), que corresponderam, em geral, ao Rema da estrutura temática (HALLIDAY
& MATTHIESSEN, 2004, p. 93). A partir disso, destaquei o foco do estudo (crenças
e valores sobre a escrita, por exemplo).
Os relatos do corpus puderam ser agrupados em três grandes áreas de
interesse para pesquisa: Ensino/Aprendizagem, Formação do Professor e Análise de
Texto e de Discurso, que parecem se constituir como as grandes ramificações de
estudo em LA, como aponta Motta-Roth (2007). Com a classificação dos relatos
conforme essas áreas de interesse, procurei delinear apenas o principal foco de
estudo, mas é preciso considerar que intersecções nas pesquisas realizadas na
área. Assim, por exemplo, estudos centrados na análise de discursos e identidades
têm implicações para os processos de ensino/aprendizagem e também para a área
de formação do professor.
Para fins dessa categorização, considerei o foco de investigação de cada
estudo. Relatos centrados na descrição e análise de uma situação de intervenção na
formação do professor foram incluídos na área Formação do Professor de Escrita
(foco no professor). Por sua vez, relatos centrados na descrição e análise de uma
situação de intervenção no processo de ensino/aprendizagem do aluno foram
agrupados na categoria Ensino/Aprendizagem da Escrita (foco no aluno). Por fim,
relatos centrados na descrição e análise de processos de textualização ou
interpretação do discurso foram reunidos sob o rótulo Análise de Texto/Discurso
74
(foco no texto/discurso). Conforme já mencionei, essa divisão é uma forma de tentar
organizar os dados, mas não pode ser pensada de forma definitiva, uma vez que os
movimentos na sala de aula envolvem “o fazer do professor e do aluno mediados
pela linguagem” (CONCEIÇÃO, 2002, p. 45), conforme bem coloca a autora de um
dos artigos do corpus, destacando a inter-relação entre as áreas de interesse.
O maior número de artigos foi agrupado na categoria Análise de
Texto/Discurso (8 estudos), conforme sistematizado no Quadro 5. São apresentados
os objetivos de cada artigo, com o destaque de elementos léxico-gramaticais que
guiaram a identificação do foco de estudo.
ÁREA DE
INTERESSE
AA OBJETIVO APRESENTADO FOCO DE ESTUDO
TLA2 Analisar, em textos de crianças, marcas que indiquem a
capacidade argumentativa já presentes nos textos
infantis.
Textualização da
argumentatividade
TLA 4 [Determinar] os modos como os conceitos que
envolvem língua, linguagem, leitura e escrita,
desenvolvidos nos PCNs, estão sendo articulados em
um curso universitário voltado para a formação de
professores de língua portuguesa.
Crenças/
concepções
sobre a escrita
TLA5 Discutir crenças e valores sobre a escrita em recentes
manuais escolares de Língua Portuguesa para o Ensino
Médio.
Crenças/
concepções
sobre a escrita
TLA7 Verificar, na escrita, aspectos fonológicos
característicos da aquisição normal de fala, além de
estabelecer relações quanto à presença de padrões de
textualidade.
Alterações
ortográficas e
padrões de
textualidade
TLA9 Discutir as características do gênero entrevista tal
como foi entendido por candidatos professores inscritos no
vestibular simplificado [...], visando selecionar professores
em serviço para os cursos de licenciatura.
Textualização do
gênero entrevista
TLA10 Buscar novas explicações para fatos textual-
discursivos nas produções escritas de formandos em
Letras. Explorar a propriedade dialógica da linguagem,
mobilizando fatos dessa natureza como orientação na
determinação de indícios, modo de dar um contorno
específico a determinados fatos textual-discursivos
por meio do assim chamado paradigma indiciário.
Processo de
textualização/
Abordagem
metodológica para
análise de textos
L&E2 Apontar os tipos de discursos que circulam e que são
construídos no contexto escolar, identificando as vozes
que se fazem presentes na produção textual de alunos.
Construções
discursivas e
identitárias
ANÁLISE DE
TEXTO E DE
DISCURSO
L&E6 Verificar como é o ensino da dissertação nas escolas de
grau de Bento Gonçalves [o estudo trabalha, na
verdade, com a descrição do professor sobre como ele
ensina a dissertação, e não com as práticas de ensino in
loco]
Representações do
professor sobre a sua
prática de ensino
Quadro 5 – Estudos da área de interesse Análise de Texto e de Discurso
75
Em primeiro lugar, parece necessário explicitar o que se entende neste
trabalho como “texto” e como “discurso”. Para isso, tomo as formulações de Meurer
(2005, p. 86-87, inicialmente propostas em Meurer (1997, p. 15-17)), as quais
articulam formulações de Foucault, Kress e Fairclogh:
[O] discurso é o conjunto de afirmações que, articuladas na linguagem, expressam os valores
e significados das diferentes instituições; o texto é a realização lingüística na qual se
manifesta o discurso. Enquanto o texto é uma entidade física, a produção lingüística de um ou
mais indivíduos, o discurso é o conjunto de princípios, valores e significados ‘por trás do
texto. Todo discurso é investido de ideologias, isto é, maneiras específicas de conceber a
realidade. Além disso, todo discurso é também reflexo de uma certa hegemonia, isto é,
exercício de poder e domínio de uns sobre os outros.
Tendo como ponto de partida essa diferenciação entre a materialidade da
linguagem e as formulações ideológicas subjacentes ao texto, 4 artigos do corpus
parecem mais orientados para a análise da textualização em produções escritas,
seja de ordem ortográfica (TLA#7), de operadores argumentativos (TLA#2) ou da
ordem de características textuais/conteudísticas que apontam para o gênero
entrevista como uma prática letrada (TLA#9). Um dos artigos busca refletir sobre a
própria análise da textualização, propondo uma determinada abordagem
metodológica para o estudo de textos escritos (TLA#10).
Os outros 4 artigos classificados como Análise de Texto/Discurso parecem
mais orientados para a interpretação de princípios, valores e significados
subjacentes ao texto, sem, no entanto, uma explicitação sistemática das categorias
lingüístico-textuais de análise que geram essas interpretações. Há a necessidade de
uma explicação mais sistemática de como as escolhas no sistema lingüístico criam
determinados discursos. Os estudos exploram a análise de concepções sobre
linguagem e escrita nos PCNs e no discurso de professores (TLA#4); crenças e
valores sobre a escrita em livros didáticos (TLA#5); construções identitárias em
produções textuais (L&E#2); e representações do professor sobre a sua prática de
ensino (L&E#6).
Nesses 8 estudos, considerei que o foco estava no texto ou no discurso. Em
outros estudos do corpus além destes, usa-se análise do discurso e perspectivas de
análise textual como abordagens metodológicas para o “tratamento dos dados”, mas
76
com o objetivo de analisar os processos de ensino/aprendizagem do aluno e de
formação do professor. Tais artigos foram classificados nas outras categorias.
Dos 12 relatos restantes, avaliei que 6 estavam centrados nos processos de
ensino/aprendizagem da escrita pelo aluno, com descrição e análise de alguma
situação de intervenção didática (ver Quadro 6). Dentre os focos de estudo
abordados, o processo de reescrita de textos foi a temática em 4 artigos (RLA#3,
L&E#1, TLA#1 e L&E#4); o processo de retextualização da “fala” para a escrita em 1
artigo (L&E#5) e a (re)construção de concepções do aluno sobre a escrita em 1
artigo (RBLA#1).
ÁREA DE
INTERESSE
AA OBJETIVO APRESENTADO FOCO DE ESTUDO
TLA1 Analisar os comentários oferecidos pelo professor aos
textos dos alunos, observando os componentes básicos
ali constantes e a importância desses comentários de
revisão para a reescrita do texto em situação de ensino.
Processos de
revisão/
Reescrita
TLA3 Analisar e demonstrar o tipo de olhar que cada um dos
sujeitos diretamente envolvidos no processo [de
construção do discurso] põe sobre o texto no diálogo
que com ele trava e como esses sujeitos se vêem, posto
que o movimento de escrita/reescrita envolve o fazer do
professor e o do aluno mediados pela linguagem.
(Re)construção da
competência
discursiva/
Processo de reescrita
RBLA1 Analisar as transformações ocorridas no conceito de
língua escrita de jovens adultos não escolarizados,
potencializadas pela participação em cursos do
Programa Alfabetização Solidária.
(Re)construção de
concepções/
crenças sobre escrita
L&E1 Investigar o trabalho de reconstrução da discursividade
na escrita em textos de alunos de terceiro grau
[verificando o caminho percorrido ao longo de um
semestre na escrita e reescrita de textos].
(Re)construção da
competência
discursiva/
Processo de reescrita
L&E4 Investigar as modificações qualitativas e quantitativas
decorrentes da reescrita do texto dissertativo
produzido por alunos do curso de Licenciatura em Letras e
Pedagogia.
Processo de reescrita
ENSINO/
APRENDIZAGEM
DA ESCRITA
L&E5 Analisar a relação entre o texto “falado em uma
história em quadrinhos e o texto escrito do aluno a
partir do falado, observando as relações entre oralidade
e escrita na perspectiva da retextualização. Avaliar o
grau de consciência lingüística dos alunos e o seu
domínio da noção das relações entre o texto oral e o
texto escrito.
Processo de
retextualização
Quadro 6 – Estudos da área de interesse Ensino/Aprendizagem da Escrita
O destaque para a temática da reescrita revela o lugar relevante ainda
atribuído, na área, ao discurso da escrita como processo. Esse discurso teve sua
origem no final dos anos 1970, quando houve um redirecionamento do foco de
pesquisa em escrita do produto para os processos cognitivos. Um marco, nesse
77
período, é o trabalho de Flower & Hayes, de 1980, conforme aponta Nystrand (2006,
p. 18). Flower & Hayes propuseram um modelo dos processos de composição
envolvidos na escrita com três elementos centrais: planejamento, tradução e revisão,
os quais estariam em interação com a memória de longo prazo e o ambiente da
tarefa. A ênfase nesses aspectos cognitivos levou a prática pedagógica a enfatizar,
a partir dos anos 1980, os processos práticos de planejar, rascunhar e revisar as
produções textuais.
Ainda que, conforme indiquei na Revisão da Literatura, a área pareça apontar
para uma orientação social na discussão sobre a escrita, o discurso da escrita como
processo (por oposição a produto) é muito difundido (IVANIC, 2004, p. 232). Em
documentos oficiais, no Brasil, como o Catálogo do Programa Nacional do Livro
Didático (2006, p. 79), nos critérios para avaliação das atividades de produção
textual, uma das expectativas, na análise dos livros, é a de que as atividades
contemplem as diferentes etapas envolvidas na escrita, nomeadas como
planejamento, escrita, avaliação/revisão, reescrita.
Por fim, na análise dos outros 6 relatos, considerei que o foco principal estava
na Formação do Professor de Produção Escrita, com a descrição e análise de uma
situação de intervenção, às vezes na formação inicial, às vezes na formação
continuada (ver Quadro 7).
ÁREA DE
INTERESSE
AA OBJETIVO APRESENTADO FOCO DE ESTUDO
TLA6 Analisar como o saber conceitual sobre escrita, texto e
gênero textual se apresenta em trabalhos acadêmicos,
como artigos e monografias que foram produzidos por
professoras de Língua Portuguesa que estavam
realizando um curso de especialização.
(Re) construção de
conceitos
TLA8 Verificar, em duas situações-problema, a mobilização
desse conceito [gênero textual] pelas professoras
participantes, para a prática de análise de atividades
de produção de texto presentes em livros didáticos de
Português.
(Re) construção de
conceitos
TLA11 Analisar as propostas de comandos produzidos pelos
professores, a partir da reflexão sobre o emprego dos
quatro elementos propostos pelos PCNs para a produção
de textos escritos.
Relação do professor
com o processo da
(re)escrita
RBLA2 Analisar os saberes mobilizados por três professoras
numa atividade de avaliação de texto escolar, realizada
em contexto de Formação Continuada.
(Re) construção de
conceitos
FORMAÇÃO DO
PROFESSOR DE
ESCRITA
RBLA3 Identificar conceitos de língua e variedade lingüística
subjacentes às atividades de correção e avaliação de
textos escolares e explicitar a relação existente entre
esses conceitos e a correção/avaliação.
(Re) construção de
conceitos
78
L&E3 Verificar em que medida alunas do curso de Pedagogia
mobilizam o saber conceitual sobre produção de texto
a elas apresentado, no âmbito de uma disciplina, para
avaliar propostas de ensino de produção de texto
escrito, presentes em livros destinados às séries iniciais
do ensino fundamental.
(Re) construção de
conceitos
Quadro 7 – Estudos da área de interesse Formação do Professor de Escrita
O foco de estudo predominante, presente em 5 dos 6 artigos, foi a
(re)construção de conceitos-base para o professor de escrita, como as concepções
de linguagem, de escrita, de avaliação de texto. Nesses estudos, a tendência geral é
investigar as crenças/saberes/concepções que esses professores têm inicialmente
em relação à escrita (ao ingressarem em cursos de formação inicial ou continuada) e
o modo como esse saber conceitual é afetado pelo engajamento nos cursos, os
quais, nos relatos analisados, priorizam a reflexão a partir de uma perspectiva
social/enunciativa/discursiva no trabalho com a escrita, quase sempre associada aos
PCNs. Barcelos (2001, p. 71) chama a atenção para o crescente interesse, na LA
em geral, nas crenças acerca da aprendizagem de línguas. Isso se deve à
correlação atribuída entre crenças e comportamento/ações, ou seja, entende-se que
as crenças acerca do ensino e da aprendizagem podem influenciar o modo como os
aprendizes gerenciam sua aprendizagem, o modo como organizam e definem suas
tarefas (p. 73). No caso específico dos relatos de pesquisa do corpus, o interesse
nas crenças do professor parece um meio de se investigar e de se interferir nas
possíveis ões desse profissional no ensino da escrita, que seu modo de
entender a linguagem e a escrita determinam, em tese, seu modo de conduzir a
prática pedagógica.
Frente aos focos de pesquisa identificados no corpus e, conseqüentemente,
às carências evidenciadas, sugiro a necessidade de estudos: 1) centrados na
descrição e interpretação das práticas socioculturais que constituem e são
constituídas pela escrita, ou seja, o estudo da escrita contextualizado no entorno do
sistema de atividades do qual ela faz parte (BAZERMAN, 2004); 2) estudos que
focalizem a descrição sistemática do modo como as escolhas no sistema da língua
criam discursos, relações, significados; e 3) estudos que investiguem a escrita na
sua relação com diferentes modalidades semióticas possíveis para a construção da
mensagem, como imagens, sons, oralidade (SCHULTZ, 2006, p. 365).
79
Os autores-participantes do estudo foram consultados em relação às áreas de
interesse e focos de pesquisa identificados. Perguntei a eles em que medida
avaliavam tais dados como uma representação fidedigna da pesquisa em escrita no
Brasil. Dois deles avaliaram como uma representação fidedigna; 4 avaliaram como
parcialmente fidedigna; e 1 disse não saber avaliar, mas que percebia a recorrência,
na literatura da área, das temáticas apresentadas. Os Exemplos K, L e M, ilustram
essas três posturas identificadas:
Exemplo K
[A2] Concordo com a afirmação de que a pesquisa sobre o Ensino da
Língua Escrita, no âmbito do contexto escolar, tem privilegiado essas três
temáticas, inclusive porque esse é o resultado obtido nas “resenhas
bibliográficas” que realizado em minhas pesquisas e que utilizo como
indicador em sala de aula, ao tratar da “pesquisa com língua escrita”.
Exemplo L
[A5] Acredito que representa muito do que se faz, mas tenho dúvidas
quanto ao lugar das práticas de letramento e dos estudos que se voltam
para fonologia e escrita/ortografia.
Exemplo M
[A4] Sinceramente, não sei. O seu trabalho é que vai demonstrar. De modo
geral, recordo que essas três áreas têm sido recorrentes na literatura.
Os participantes que avaliam como parcial o rol de interesses e focos
temáticos apresentados apontam alguns temas que não foram contemplados. No
Exemplo L, acima, o autor-participante questiona o lugar do estudo das práticas de
letramento
16
, que de fato parecem não ter sido exploradas em termos do
envolvimento efetivo de alunos em práticas de escrita constitutivas de eventos da
vida social. Não há, no corpus, estudos nos moldes descritos por Bazerman (2004,
p. 309), centrados na investigação dos processos de produção, circulação e uso dos
textos como constitutivos de sistemas de atividades sociais. Porém, eu avaliaria que
em alguns artigos sobre Formação do Professor a investigação de práticas de
letramento docente, pois o envolvimento do professor na negociação de crenças
e valores sobre a sua prática profissional. Quanto ao lugar dos estudos de
fonologia/ortografia, esse realmente se mostrou minoritário (foi foco em apenas um
artigo) e seria necessário consultar pesquisadores que trabalham com essa temática
específica acerca de possíveis justificativas.
16
Práticas de letramento são entendidas aqui genericamente como práticas sociais que envolvem a
leitura e escrita de textos.
80
Outros autores apontaram outros temas não contemplados:
Exemplo N
[A1] Creio que a caracterização proposta atende parcialmente as
pesquisas brasileiras sobre escrita. No item 3) [Ensino/Aprendizagem da
Escrita], observo um foco direcionado na revisão e reescrita de textos. É
certo que esse tema é realmente central em muitas publicações, contudo
não expõe exatamente as pesquisas que são desenvolvidas também em
outros momentos do processo de produção textual escrita, como: a) as
atividades antecipatórias à escrita e as estratégias empregadas no
ensino de LM e LE, que são diferentes; b) as interfaces entre os
momentos de leitura e a efetiva escrita do texto, que, por si só,
manifestam uma linha de interesse muito recente no país; c) as
manifestações de compartilhamento (aluno-professor; professor-aluno;
aluno-aluno) na escrita produzida pelo educando; d) os processos atuais
de avaliação da escrita, que estão estudando as diferenças de construções
de planilhas em função dos diversos gêneros discursivos.
Exemplo O
[A6} [A]qui estão contemplados três aspectos interrelacionados: o texto
escrito, o processo de ensino-aprendizagem da escrita e a formação do
professor para desenvolver esse processo. Mas acho que estão ausentes
estudos sócio-cognitivos sobre o processo de escrita, como por exemplo,
os que propõem modelos de produção de textos escritos (cf. Meurer,
1997).
Exemplo P
[A7] Essas são as áreas mais representativas da pesquisa em escrita,
embora se possa falar também de estudos com enfoques
sociocognitivos, como os realizados por Meurer.
Conforme ressalta o autor do Exemplo N, não são contemplados como foco
principal de estudo, nos textos analisados, os diversos momentos que envolvem o
processo de produção textual, além da escrita propriamente dita e da reescrita
(como atividades antecipatórias, por exemplo). de se ressaltar, no entanto, que
os processos de avaliação da escrita são abordados nos trabalhos alinhados à área
Formação do Professor, quando são analisadas situações de intervenção na
(re)construção de conceitos de escrita e avaliação dos professores. Quanto à
temática proposta nos Exemplos O e P, estudos sociocognitivos sobre o processo
da escrita, verifica-se de fato a ausência de estudos a partir desse enfoque, no
corpus analisado, os quais seriam possivelmente alinhados à área de interesse
Ensino/Aprendizagem da Escrita.
Em resumo, os autores-participantes avaliaram que a sistematização proposta
representa, total ou parcialmente, o que se pesquisa sobre escrita no Brasil e
81
apontaram temáticas que deveriam complementar esse quadro, considerando que o
corpus é limitado a três títulos de periódicos e a vinte relatos. A partir dessas
indicações, considero que os dados levantados sejam representativos, de modo
geral, da produção de artigos acadêmicos sobre a escrita publicados em periódicos
nacionais.
3.3 Organização retórica da seção de Metodologia
O foco principal deste trabalho, no intento de mapear discursos sobre a
investigação da escrita é a metodologia. Em razão disso, a seção de Metodologia
dos relatos mereceu maior atenção. Mapeei sua organização retórica, buscando
delinear como os pesquisadores relatam seu processo de análise. A expectativa era
de, a partir disso, identificar as abordagens metodológicas e os procedimentos de
análise implementados nos estudos.
As seções de Metodologia analisadas, no entanto, focalizam a seleção do
corpus de análise e oferecem poucas justificativas em relação às opções
metodológicas assumidas. Há, em geral, um silenciamento na descrição do
processo de análise, em termos da abordagem metodológica utilizada, dos
procedimentos e categorias analíticos adotados. Dada a variedade de perspectivas
possíveis para o estudo da escrita, o relato mais elaborado da metodologia de
pesquisa é fundamental para ajudar a construir a epistemologia da área (MOTTA-
ROTH, 2005, p. 66).
Apenas um movimento, que inclui duas estratégias de realização (passos
retóricos), foi identificado como recorrente no corpus como um todo: Movimento 1
Seleção do corpus de análise. A Figura 7 apresenta a descrição esquemática do
Movimento 1 nos artigos do corpus:
Figura 7 – Descrição esquemática do movimento recorrente nas seções de Metodologia
MOVIMENTO 1
SELEÇÃO DO
CORPUS
DE ANÁLISE
Passo 1 – Especificação do corpus (natureza, tamanho)
Passo 2 – Descrição de procedimentos para coleta do corpus
82
Um movimento nesses termos foi também identificado em trabalhos
anteriores do grupo de pesquisa a que este trabalho se filia (OLIVEIRA, 2003;
MARCUZZO, 2006).
O Movimento 1 não aparece necessariamente como a primeira informação da
seção (ao contrário do que evidenciaram Oliveira (2003) e Marcuzzo (2006)). Às
vezes aparece depois de outros trechos, que trazem informações de outras
naturezas, como descrição de procedimentos de análise, ou descrição de suporte
metodológico, mas que não se constituíram como movimentos recorrentes no corpus
em geral, pois aparecem em poucos artigos.
O Movimento 1 – Seleção do corpus de análise – foi identificado em 15
seções de Metodologia. Nos outros 5 relatos, o movimento também apareceu,
porém, em 2 deles, foi identificado em uma seção híbrida de Metodologia e
Resultados e, nos outros 3, na seção de Introdução. Esse movimento é realizado por
2 passos retóricos. No Passo 1, o autor especifica sempre a natureza (por exemplo:
textos produzidos por alunos em situação escolar, dados provenientes de entrevistas
com professores, livros didáticos, etc.) e opcionalmente o tamanho do corpus. Os
Exemplos 12 e 13 ilustram a realização desse passo retórico:
Exemplo 12
[TLA#10] O corpus considerado reúne um total de 363 textos
representativos dos cursos de Letras de todo o Brasil e de todos os tipos
de IES (Instituições de Ensino Superior públicas e privadas, universidades,
centros universitários, faculdades integradas e instituições isoladas).
Exemplo 13
[TLA#8] Os dados empíricos, para análise da prática de formação
implementada, consistem de documentos escritos e de gravações orais,
coletados durante os dois momentos de formação aqui descritos.
No Exemplo 12, destaco lexemas explícitos que sinalizam a natureza do
corpus (textos representativos dos cursos de Letras de todo o Brasil) e o numeral
que indica o tamanho da amostra (363). No exemplo 13, destaco também os
lexemas que apontam a natureza do corpus analisado (documentos escritos e
gravações orais), os quais não foram quantificados. Um levantamento geral mostra
que a tendência mais recorrente para composição do corpus é a utilização de textos
escritos por alunos em situação escolar, a fim de se investigar o processo de
reescrita, a retextualização, o uso de operadores argumentativos e alterações
83
ortográficas, entre outros objetivos (em 8 estudos). Em segundo lugar, são mais
recorrentes como corpus de análise as avaliações produzidas por professores para
textos de alunos em cursos de formação do professor (5 estudos).
No Passo 2, o autor descreve os procedimentos implementados para gerar ou
coletar os dados para análise. O Exemplo 14 ilustra a composição do corpus por
textos gerados especificamente para a pesquisa. O Exemplo 15 ilustra a seleção de
um corpus preexistente:
Exemplo 14
[RBLA#2] Com o objetivo de gerar dados que revelassem a mobilização
dos conceitos de escrita e avaliação de texto, apresentados nas disciplinas já
referidas, utilizou-se como instrumento uma atividade de
correção/avaliação de um texto escolar, acompanhada de justificativa
escrita para a atribuição da nota aos sujeitos, conforme instrução: [...].
Exemplo 15
[TLA#5] Para responder as questões de pesquisa mencionadas acima,
selecionamos, em um primeiro momento, um total de 5 coleções de
Ensino Médio, publicadas nos últimos três anos (2000-2003). [...]
Resolvemos, dessa maneira, fazer um recorte metodológico e concentrar
nosso olhar nos livros didáticos que traziam unidades didáticas
especificamente sobre escrita, sua origem ou sobre sua relação com a
oralidade.
Justificativas para a escolha do corpus aparecem em apenas 3 artigos e,
portanto, não constituíram um movimento retórico do corpus como um todo. As
justificativas, no entanto, em relação à seleção do corpus e, principalmente, em
relação às escolhas metodológicas de análise, parecem muito importantes em áreas
com procedimentos não suficientemente estabelecidos e ratificados (SWALES,
2004, p. 221), caso dos estudos em escrita e, portanto, mereceriam maior atenção.
Conforme ressalta Motta-Roth (2005, p. 66), se a Lingüística Aplicada se caracteriza
pela interdisciplinaridade e pela multiplicidade de abordagens, então a importância
de esclarecer a metodologia de pesquisa pode estar sendo subestimada.
Nos 6 artigos da área de interesse Formação do Professor de Escrita e em 1
da área de Ensino/Aprendizagem da Escrita foi identificado, além do Movimento 1,
um outro movimento: Descrição do Contexto de Intervenção, realizado por 3 passos
retóricos. A Figura 8 apresenta a estrutura esquemática para esses artigos:
84
Figura 8 – Descrição esquemática da Metodologia em artigos sobre Formação do
Professor
O Passo 1 do Movimento 2 Especificação do Curso de Intervenção indica
o contexto no qual se deu o processo de intervenção na formação, inicial ou
continuada, do professor. Em 4 estudos, tal processo se deu em cursos de
Especialização em LA ao ensino do Português; em 1 estudo, em um curso de
Pedagogia; e no outro, como uma espécie de grupo de trabalho com professores de
uma escola privada. Em geral, indica-se, além do curso de intervenção, o nome da
disciplina específica usada como locus de investigação. O Exemplo 16 é
representativo da tendência mais recorrente:
Exemplo 16
[RBLA#3] Esses professores freqüentaram o Curso de Especialização em
Lingüística Aplicada ao Ensino de Língua Portuguesa, com duração de
360 horas, oferecido pelo Departamento de Letras da Universidade Federal
de Campina Grande [...], A disciplina Análise e Preparação de Material
Didático, a última do curso, teve como objetivos [...].
Após especificarem o curso de intervenção, os autores costumam apontar o
número e descrever os participantes do evento (professores pré- ou em serviço), em
termos de experiência profissional e/ou formação acadêmica, e/ou faixa etária,
conforme ilustra o Exemplo 17:
Exemplo 17
[TLA#6] Quanto ao corpo discente, este era formado por 12 alunas, todas
professoras de língua portuguesa do ensino fundamental e médio.
Dessas professoras, três tinham concluído o curso de Licenciatura Plena
em Letras mais de dez anos e nove eram recém-formadas. Cinco
cursaram Letras na UFCG (antigo Campus II da UFPB) e sete na
Universidade Estadual da Paraíba, ambas instituições públicas e
MOVIMENTO 1
SELEÇÃO DO
CORPUS
DE ANÁLISE
Passo 1 – Especificação do corpus (natureza, tamanho)
Passo 2 – Descrição de procedimentos para composição e/ou coleta do corpus
MOVIMENTO 2 – DESCRIÇÃO DO CONTEXTO DE INTERVENÇÃO
Passo 1 – Especificação do curso
Passo 2 – Descrição dos participantes
Passo 3 – Descrição das atividades implementadas
85
localizadas em Campina Grande. Vale ressaltar que as nove professoras
recém-formadas já atuavam em escolas há pelo menos dois anos.
O Passo 3 – Descrição das atividades implementadas -, corresponde ao
relato das atividades que compreenderam o curso de intervenção, incluindo leituras
de textos teóricos e de documentos oficiais sobre ensino, discussão, atividades de
correção/avaliação de textos escolares, escrita de monografias, sessões reflexivas,
oficinas para análise de propostas de produção de texto, etc. O Exemplo 18 ilustra a
realização desse passo:
Exemplo 18
[L&E#3] Essa experiência compreendeu um conjunto de atividades
sistematizadas em duas etapas:
Etapa I Leitura e discussão de textos representativos do saber de
referência produção de texto, construídos na instância divulgação científica.
[...]
Etapa II Oficinas para análise de atividades de produção de texto em
livros didáticos de Língua Portuguesa. [...]
As leituras realizadas nos cursos apontam para uma forte tendência ao
entendimento da escrita como prática social situada e do encaminhamento do
ensino textual na perspectiva da escritura de gêneros discursivos.
A Figura 9, que apresenta a Metodologia de um dos artigos do corpus
(TLA#6), exemplifica a estrutura esquemática identificada nos estudos de Formação
do Professor de Escrita, com destaque de alguns expoentes léxico-gramaticais que
guiaram a identificação. Atente-se para o fato de que o Passo 2 - Descrição de
procedimentos para coleta do corpus -, do Movimento 1 Seleção do Corpus de
Análise -, é realizado após o Movimento 2 – Descrição do Contexto de Intervenção -,
evidenciando uma flexibilidade na ordem de ocorrência dos movimentos. Esse
exemplo de seção de Metodologia apresenta ainda, a descrição da orientação
teórico-metodológica do Curso, movimento que não se mostrou recorrente no corpus
como um todo.
86
1. O CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO E AS ALUNAS-PROFESSORAS
Os dados analisados neste trabalho são trechos de monografias produzidas por
professoras que foram alunas do Curso de Especialização em Lingüística Aplicada
ao Ensino da Língua Portuguesa, oferecido pelo Departamento de Letras, da UFCG
(Campina Grande PB). Esse curso de especialização foi de natureza presencial, com
uma carga horária de 360 horas, distribuídas em oito disciplinas.
As aulas ocorreram
regularmente às terças e quintas-feiras, à tarde, das 13:30 às 17:30.
Quanto ao corpo discente, este era formado por alunas, todas professoras de língua
portuguesa do ensino fundamental e médio. Dessas professoras, três tinham
concluído o curso de Licenciatura Plena em Letras mais de dez anos e nove
eram recém-formadas. Cinco cursaram Letras na UFCG (antigo Campus II da UFPB)
e sete na Universidade Estadual da Paraíba, ambas instituições públicas e localizadas
em Campina Grande. Vale ressaltar que as nove professoras recém-formadas já
atuavam em escolas há pelo menos dois anos.
Nas aulas, as professoras tinham a oportunidade de manter contato com textos
teóricos e exposições que mobilizavam conhecimentos e terminologias específicos da
orientação teórico-metodológica adotada pelo Curso, para o estudo das noções de
escrita, texto e gênero textual. De forma geral, as aulas se organizavam em atividades
acadêmicas como exposição, discussão de textos teóricos, seminários e
exercícios de análise realizados na própria sala, entre outras.
Além das aulas, as alunas podiam contar com um professor orientador que as
acompanhou, durante todo o curso, na realização das tarefas de elaboração de
projeto, desenvolvimento da pesquisa e elaboração de monografia final. Para
desenvolvimento da pesquisa e elaboração da monografia, as alunas foram
orientadas, desde o início do Curso, a escolher um tema para pesquisa e a realizar
os trabalhos finais de disciplina sobre o mesmo tema, com os mesmos dados, que
viriam a ser objeto de pesquisa e de monografia final. Esperava-se com esse
procedimento favorecer às alunas um melhor desenvolvimento, tanto da atividade de
pesquisa quanto na escrita da monografia. As monografias que utilizamos como
corpus de análise para este trabalho resultaram deste tipo de orientação.
Quanto à orientação teórico-metodológica do Curso, ressaltamos que foi adotada uma
perspectiva de estudo e de ensino de língua atualizada do ponto de vista acadêmico-
científico. Em relação a texto e gênero textual, foram apresentados estudos que vêem as
produções lingüísticas como gêneros, seguindo as orientações teóricas de Bronckart
(1999) e de Marcuschi (2002), entre outros. Segundo esses estudos, gênero refere-se
aos textos efetivamente realizados ou materializados que encontramos em nossa vida
diária e que apresentam características sócio-comunicativas definidas por conteúdos,
propriedades funcionais, estilo e composição característica. Quanto a texto, diz respeito
a seqüências ou segmentos lingüísticos que servem para contar fatos (seqüências de
natureza narrativa), para argumentar em favor ou contra algo (seqüências de natureza
narrativa), para argumentar em favor ou contra algo (seqüências de natureza
argumentativa), para solicitar ou impor ações (seqüências de natureza injuntiva), para
descrever situações, objetos, procedimentos (seqüências de natureza descritiva), entre
outras.
Figura 9 Exemplar da estrutura esquemática da Metodologia nos artigos sobre Formação do
Professor
Os trechos de descrição de abordagens metodológicas, com detalhamento de
procedimentos e categorias de análise, nosso maior foco de interesse, não se
Mov 2
Descrição
do contexto
Passo 2 – Descrição
dos
participantes
Mov 2
Descrição
do contexto
Passo 3 – Descrição
das
atividades
implementadas
Mov 1
Seleção do
corpus
Passo 2 – Descrição
de procedimentos
para composição
e/ou coleta do
corpus
Mov 2
Descrição do contexto
Passo 1 – Especif. do curso
Mov 1
Seleção do
corpus
Passo 1 – Especif. da natureza
87
mostram como características consistentes do corpus analisado, aparecendo em
poucos relatos.
O Exemplo 19, dentre os artigos que apresentam descrição de procedimentos
e categorias, sem julgamentos sobre o tipo de análise realizada, é o que evidencia
um maior esforço no relato do processo de análise, a começar pelo próprio título da
subseção (“O processo de Análise”), dentro da seção de Metodologia. No trecho,
destaco as nominalizações que indicam as categorias e os verbos (processos) que
indicam os procedimentos/ações de análise (e ou verbos nominalizados - metáfora
gramatical - exemplo: analisar - análise).
Exemplo 19
[L&E#1]O processo de análise
Dividimos a análise do corpus em duas fases:
Na 1ª etapa investigamos se os textos, em algum momento, apresentaram
as formalidades características da redação escolar expressas:
na obrigatória disposição canônica (introdução, desenvolvimento e
conclusão) das partes do texto, ainda que inadequada ao conteúdo expresso;
no conjunto de idéias expostas, denominado de lugar-comum, porque
oriundas da reprodução de segmentos congelados de linguagem manifesto
através da linguagem estereotipada, de expressões vagas e genéricas, de
clichês, de noções confusas e de provas morais que denunciam
estratégias de argumentação que substituem o esforço da construção
de uma reflexão pessoalizada.
Na 2ª etapa investigamos se houve, à medida que os textos foram sendo
reescritos, a construção de um discurso fundamentado na intenção de
propor uma relação dialógica com algum eventual leitor manifesta
através da presença, nos textos, das qualidades discursivas:
unidade temática, concretude, objetividade, questionamento.
As modificações ocorridas foram investigadas através da análise
comparativa entre as primeiras versões e as reescritas a partir das
mudanças ocorridas no âmbito do parágrafo, do período, de segmentos
e de itens lexicais, através das operações lingüísticas de: adição,
eliminação, substituição, e deslocamento de unidades lingüísticas.
Em geral, no entanto, as seções de Metodologia analisadas parecem se
configurar como textos sintéticos, condensados, nos termos definidos por Swales
(2004, p. 220), apresentando como características: textos curtos, não-divisão em
subseções, escassas justificativas para escolhas metodológicas e o silenciamento
em termos do processo de análise, em geral sem uma descrição sistemática de
procedimentos e categorias de análise. Algumas seções de Metodologia apresentam
vários detalhes sobre o contexto de intervenção vivenciado na pesquisa ou sobre as
88
ações implementadas para gerar ou coletar o corpus, mas os detalhes do modo
como a análise foi realizada permanecem silenciados.
Como, em geral, não houve uma descrição sistemática das abordagens
metodológicas e dos procedimentos analíticos nas seções de Metodologia, foi
preciso estender a análise às seções de apresentação e discussão dos resultados, a
fim de se buscar explicitar tais informações.
3.4 Sistematização de abordagens metodológicas e procedimentos de análise
O discurso metodológico dos relatos se configura como um discurso
silenciado. Contudo, a observação da apresentação dos resultados permite indicar
que o procedimento mais recorrente nos relatos é a busca indutiva por elementos
textuais ricos (BARTON, 2004), entendidos como fatos textual-discursivos
significativos em relação ao tópico estudado, no contexto estudado. Os relatos
carecem, no entanto, de uma descrição mais sistemática das escolhas do sistema
lingüístico que permitem criar significados e discursos particulares.
A análise das abordagens metodológicas e dos procedimentos de análise nos
relatos do corpus sugere a necessidade de um maior detalhamento e explicitação
das escolhas metodológicas nos estudos sobre escrita, informações que, ao que
parece, têm sido colocadas em segundo plano em relação a informações de outras
ordens, presentes nos relatos de pesquisa. A escritura de seções de Metodologia
elaboradas, nos termos de Swales, certamente contribuiria para a evolução do
debate metodológico na área. Além disso, como argumenta Marcuzzo (2006, p. 65),
o relato sistematizado do que de fato aconteceu durante todo o processo de
pesquisa poderia ajudar mais efetivamente pesquisadores menos experientes a se
engajarem nas práticas de pesquisa e publicação em sua cultura disciplinar.
Neste trabalho, retomo o conceito de “abordagem” tal como definido por
Richards & Rodgers (2001, p. 19). Os autores usam o termo originalmente para o
contexto de ensino (discutem abordagens de ensino), mas sua acepção parece
apropriada ao campo da pesquisa também. Assim, entende-se abordagem como um
conjunto de suposições/axiomas/crenças sobre a natureza de um estado de coisas,
podendo estar relacionada à natureza da linguagem, da aprendizagem e, neste
caso, da pesquisa. A abordagem, portanto, está no nível superior de organização de
89
uma metodologia; diz respeito às crenças sobre o modo de produzir conhecimento.
O procedimento é um nível subordinado, inferior, que corresponde às ações,
práticas, implementadas para a realização da pesquisa.
Para exemplificar, retomo a caracterização elaborada por Marcuzzo (2006, p.
13) para a Análise de Gênero como abordagem teórico-metodológica para o estudo
da linguagem:
A Análise de Gênero é uma abordagem para o estudo da linguagem que, a partir da proposta
de Swales (1990), está ancorada em teorias e métodos de pelo menos oito campos de estudo
diferentes. Dentre esses campos, destaco a contribuição da Análise Crítica do Discurso, dos
estudos sobre os contextos de escrita e da Antropologia. [...] Esses três campos de estudo
ajudam a Análise de Gênero a alcançar o seu objetivo fazer uma descrição densa da
linguagem em uso (Bhatia, 1993, p. 11), que envolve a descrição, a explicação e a
interpretação dos aspectos textuais e também dos aspectos contextuais (as relações sociais)
acerca dos gêneros (ibidem, p. 13). Desse modo, essa abordagem investiga o gênero a partir
do contexto amplo do evento comunicativo (Ruiying & Allison, 2004, p. 265).
Nesse trecho, a autora explicita o posicionamento epistemológico da Análise
de Gênero em relação à produção de conhecimento sobre linguagem: a premissa de
que existe uma relação dialética entre texto e contexto, que precisa ser levada em
conta na análise das práticas discursivas.
Conforme argumentado, a abordagem se situa no plano superior de
organização da metodologia, sendo que as unidades menores, responsáveis pela
implementação da abordagem, são os procedimentos. Marcuzzo (2006, p. 60-61)
também fornece um bom exemplo para elucidar o termo “procedimento”, ao
sistematizar 3 procedimentos para análise da macroestrutura de gêneros, segundo
resultados da análise de seu corpus:
Para analisar a macroestrutura, os autores adotam um ou mais dos três procedimentos abaixo:
1. análise de um corpus-piloto, que consiste em examinar um conjunto reduzido de artigos a
fim de que os resultados dessa análise prévia orientem a seleção das categorias; e/ou
2. utilização de um modelo previamente proposto para analisar os dados, que consiste em
adotar os procedimentos de análise textual propostos por outro(s) pesquisador(es) em
estudo(s) publicado(s) na área; e/ou
3. análise cruzada, denominada, em inglês, de inter-rater anlysis, que consiste em realizar
um cruzamento dos resultados levantados pelo autor da pesquisa e um outro avaliador
[...].
90
No trecho, a autora descreve os procedimentos de Análise de Gênero
identificados em seu corpus, que indicam o foco na análise do texto e a carência de
procedimentos mais voltados para investigação do contexto.
Para determinar as abordagens metodológicas empregadas nos estudos do
corpus desta dissertação, centrei-me nas seções de Metodologia dos relatos, bem
como nas seções de Revisão da Literatura (já que a descrição da abordagem
teórico-metodológica aparece alternativamente nesses dois espaços). O exame do
corpus evidencia que raramente as abordagens são nomeadas, definidas e descritas
em seus procedimentos. Pode-se especular, como justificativa para esse dado, que
os autores dos artigos assumem conhecimento prévio por parte dos leitores,
considerando desnecessária essa explicação (SWALES, 2004, p. 220). Reitero, no
entanto, a posição, explicitada em outras partes deste texto, de que as
explicações e justificativas metodológicas o muito importantes em áreas como a
LA em geral, que não têm (e provavelmente nunca terão, devido à natureza do
objeto, variável, situado) abordagens e procedimentos auto-explicativos.
O Quadro 8 traz uma síntese das informações levantadas quanto às
abordagens metodológicas no corpus. Na primeira coluna, indico o artigo analisado,
na segunda coluna, destaco os relatos em que a abordagem é explicitada, seja na
Revisão da Literatura, seja na Metodologia; na terceira, sinalizo se a abordagem
apresentada é definida, em uma dessas seções, em termos de seus construtos
epistemológicos e; por fim, na última coluna, sinalizo se os procedimentos de análise
utilizados são descritos na seção de Metodologia.
ABORDAGENS METODOLÓGICAS
AA NOMEADA DEFINIDA
(NATUREZA/
CONCEITOS)
DESCRITA EM
PROCEDIMEN-
TOS
TLA#1 - - -
TLA#2 Teoria da Argumentação de Ducrot (Revisão da
Literatura)
+ -
TLA#3 Proposta de Guedes (1994) para (re)construção
da discursividade dos textos (Rev. Literatura)
+ -
TLA#4 Análise do Discurso de linha francesa
(Metodologia)
+ -
TLA#5 - - -
TLA#6 - - -
TLA#7 - - -
TLA#8 - - -
TLA#9 - - -
TLA#10 Paradigma indiciário (Metodologia) + +
TLA#11 - - -
91
RBLA#1 - - -
RBLA#2 - - -
RBLA#3 Paradigma interpretativista – Estudo de caso
(Metodologia)
- -
L&E#1 Proposta de Guedes (1994) para (re)construção
da discursividade dos textos (Rev. Literatura)
+ +
L&E#2 - - -
L&E#3 - - -
L&E#4 - - -
L&E#5 Estudo de caso (Introdução) - -
L&E#6 - - -
Quadro 8 – Sistematização das abordagens metodológicas identificadas
Dois estudos que nomeiam explicitamente a abordagem metodológica o
fazem sem uma definição clara (o Exemplo 21 fornece uma pida conceituação,
mas que carece de aprofundamento e da definição das bases epistemológicas da
abordagem). Nesses estudos, os autores parecem supor conhecimento prévio por
parte dos leitores, entendendo como desnecessária sua caracterização:
Exemplo 20
[RBLA#3] Este estudo segue o paradigma interpretativista, podendo ser
configurado como um estudo de caso, pois nossa atuação se restringiu a
um grupo de 12 professores de Língua Portuguesa do ensino fundamenta e
médio [...].
Exemplo 21
[L&E5] Em se tratando de caracterização metodológica, esta pesquisa fica
enquadrada como um estudo de caso. Segundo Nunan (1992), o estudo de
caso pode ser identificado como uma pesquisa do como e do que acontece
em uma escola específica, em uma sala de aula com alguns alunos.
Esses estudos carecem de uma descrição aprofundada em termos dos
princípios epistemológicos que sustentam as abordagens, assim como de uma
descrição de procedimentos e categorias de análise implementados a partir do
enquadre assumido.
O exemplo de descrição de abordagem metodológica mais extensivo do
corpus é o que trata do paradigma indiciário, o qual explora aspectos do fenômeno
discursivo, tais como relações intergenéricas e dialógicas. Como a nomeação
“paradigma indiciário” parece pouco recorrente em relatos de pesquisa da área (no
corpus analisado, pelo menos, só apareceu neste exemplo), seus pressupostos
teórico-metodológicos são explorados ao longo de 4 páginas, algo singular no
corpus analisado. De acordo com Swales (2004, p. 223), a descrição tende a ser
92
mais elaborada se a metodologia, quando não necessariamente nova, é nova para
grande parte da audiência-alvo.
O paradigma indiciário, além de nomeado e definido, é descrito
(abstratamente) em termos dos procedimentos e categorias de análise a serem
adotados segundo seus princípios.
Exemplo 22
[TLA#10] Como, enfim, explorar, nesse tipo de investigação didático-
pedagógica, a singularidade de fatos textual-discursivos que ocorrem nos
textos? Se todos os enunciados são sempre responsivos, como eleger um
fato singular dentre tantos outros? o seria particularizar demais, para cada
fato, uma nova explicação? [...] Em primeiro lugar, nenhum fato pode ser
singularizado sem que se levante e se teste uma hipótese sobre ele. [...]
, evidentemente, diferentes critérios para o estabelecimento de
hipóteses no campo lingüístico. No presente trabalho, essas hipóteses
situam-se no plano dos fatos a que chamo de textual-discursivos. Desse
modo, incluem-se referências que podem ir da ortografia às diferente
dimensões da linguagem (fonético-fonológica, morfossintático-
semântica e pragmático-enunciativa), desde que as observações feitas
com base em cada uma delas estejam ligadas ao processo de textualização
pela escrita e em consonância com a perspectiva textual-discursiva de
partida. Concebo, portanto, a constituição de hipóteses com base em
critérios lingüísticos como fruto de um recorte, ao mesmo tempo, teórico
- o dialogismo bakhtiniano como teoria de partida e metodológico a
delimitação de fatos textual-discursivos, marcados por aspectos
lingüísticos particulares.
Nesse exemplo, o pesquisador explica a abordagem que adotará para
analisar os dados, mas não relata como se deu efetivamente seu processo de
análise: as etapas e os procedimentos implementados.
O estudo que apresentou maior clareza e sistematização dos procedimentos
de análise, apresentado na página 87, é um estudo que utiliza como abordagem
metodológica a proposta de Guedes (1994), cujo objetivo é analisar a transformação
de redações escolares em discursos com um trabalho centrado em 4 categorias
(chamadas “qualidades discursivas”): unidade temática, objetividade, concretude e
questionamento:
Exemplo 23
[L&E#1]O processo de análise
Dividimos a análise do corpus em duas fases:
Na 1ª etapa investigamos se os textos, em algum momento, apresentaram
as formalidades características da redação escolar expressas:
93
na obrigatória disposição canônica (introdução, desenvolvimento e
conclusão) das partes do texto, ainda que inadequada ao conteúdo expresso;
no conjunto de idéias expostas, denominado de lugar-comum, porque
oriundas da reprodução de segmentos congelados de linguagem manifesto
através da linguagem estereotipada, de expressões vagas e genéricas, de
clichês, de noções confusas e de provas morais que denunciam
estratégias de argumentação que substituem o esforço da construção
de uma reflexão pessoalizada.
Na 2ª etapa investigamos se houve, à medida que os textos foram sendo
reescritos, a construção de um discurso fundamentado na intenção de
propor uma relação dialógica com algum eventual leitor manifesta
através da presença, nos textos, das qualidades discursivas:
unidade temática, concretude, objetividade, questionamento.
As modificações ocorridas foram investigadas através da análise
comparativa entre as primeiras versões e as reescritas a partir das
mudanças ocorridas no âmbito do parágrafo, do período, de segmentos
e de itens lexicais, através das operações lingüísticas de: adição,
eliminação, substituição, e deslocamento de unidades lingüísticas.
Nesse relato, o pesquisador explicita as ões implementadas para análise e
as parcelas lingüístico-textuais que foram observadas para categorização dos
dados.
A tendência evidenciada no corpus, no entanto, é a ausência de uma
nomeação específica da abordagem metodológica utilizada como referência para a
análise dos dados (em 11 artigos) ou a simples menção a uma abordagem, sem sua
explicação (em 2 artigos). Nos demais artigos, em que a nomeação das
abordagens, os estudos carecem de um relato dos procedimentos de análise
realizados. Nesse sentido, o discurso metodológico dos relatos se configura, em
geral, como um discurso silenciado.
Conforme relatei na seção 3.3, poucas vezes, nas seções de Metodologia dos
relatos analisados, foram identificados trechos que descrevessem os procedimentos
de análise dos dados. Desse modo, foi necessário buscar a identificação e a
sistematização dos procedimentos a partir da observação da apresentação e
discussão dos resultados. Tal tarefa se mostrou árdua em certos casos, em que foi
difícil abstrair os procedimentos centrais entre um mar de dados. Nesse sentido,
ressalta-se que os dados levantados são interpretações, parciais, subjetivas, falíveis.
Mais uma vez, reitero a importância de uma descrição sistemática, ainda que
sintética, sobre as ações de análise do estudo, o que seria de grande valia para a
sistematização das formas de produzir conhecimento na área.
94
No Anexo 5, apresento uma tabela com os procedimentos de análise centrais
identificados em cada relato, descritos ou na seção de Metodologia, ou observados
na seção de apresentação dos resultados. A leitura desse quadro permite abstrair
procedimentos centrais que se mostram recorrentes no corpus: 1) descrição/análise
de fatos lingüístico-textuais e/ou interpretações discursivas; 2) exemplificação
desses fatos e/ou interpretações a partir de excertos textuais; e 3) destaque de
elementos léxico-gramaticais observados para a análise.
Tomando como corpus de análise textos produzidos por alunos ou
professores, entrevistas, livros didáticos, documentos oficiais, etc., os estudiosos
buscam revelar fatos textual-discursivos relacionados ao processo, análise, e
ensino/aprendizagem da escrita. Esse procedimento se mostrou típico em 19 dos 20
artigos analisados, entre todas as áreas de interesse investigadas. Assim, indica-se
que fazer pesquisa sobre a escrita, ainda que com foco na Formação do Professor
ou em Ensino/Aprendizagem, é também analisar texto/discurso.
Fazer análise do texto ou do discurso, nesse contexto, parece se configurar,
nos termos descritos por Barton (2004, p. 66), como a busca indutiva e intuitiva por
elementos textuais ricos, como trechos que apontem para valores e crenças sobre a
escrita em livros didáticos ou concepções do professor sobre a escrita.
O Exemplo 24 evidencia o procedimento de interpretação do discurso de
professores universitários entrevistados acerca de suas concepções sobre a escrita.
Observa-se o destaque de excertos ilustrativos e elementos lexicais observados
para identificar, conforme denomina o autor, determinadas formações discursivas:
Exemplo 24
[TLA#4] Observem-se os diferentes estatutos de falta na resposta de um
informante quando lhe foi solicitado que justificasse sua afirmação de que
eles têm muita dificuldade na execução do que nós pedimos pra eles, do
que nós exigimos deles:
[6] entendimento do texto, falta de vocabulário e falta de exercício da fala
e da escrita. (P1)
Diríamos que, nos sintagmas entendimento do texto, falta de vocabulário
e falta de exercício, o abstrato falta hierarquiza-se no campo semântico
da causa-conseqüência. Ou seja, um efeito de sentido produzido por essa
seqüência sintagmática seria algo como: o aluno não entende porque não tem
vocabulário, e não tem vocabulário porque não se exercita nem oralmente
nem por escrito. De onde se deduz que o exercício repetitivo seria o meio
mais eficaz ou para evitar problemas de leitura-escrita ou para soluciona-los.
De qualquer forma, essa visão mecanicista do ato de ler-produzir textos,
95
inscreve-se indubitavelmente em uma FD tradicional de ensino de
língua.
Os relatos parecem carecer, nesse aspecto, de propostas teórico-
metodológicas de referência que permitam sistematizar como os elementos do
sistema lingüístico constituem determinados significados, discursos e relações. A
não-descrição desses elementos configura a análise de texto e de discurso apenas
como processo de interpretação cognitiva. É um processo cognitivo de fato, mas
orientado pela materialidade lingüística, que tem a propriedade de constituir as
realidades discursivas. Os referenciais propostos nesta dissertação, por exemplo,
oferecem possibilidades de parcelamento da linguagem para análise. A Lingüística
Sistêmico-Funcional organiza as escolhas do sistema a partir das metafunções
ideacional (sistema de transitividade), interpessoal (estuturas de modo) e textual
(estrutura tema-rema). Já a Análise de Gênero proposta por Swales parcela a
linguagem a partir de unidades retóricas, os movimentos e os passos, flexíveis em
termos de realização lingüística.
Pensando uma escala em termos da natureza de procedimentos de análise,
poder-se-ia alocar, em um extremo, os procedimentos de cunho totalmente textual e,
no outro, os procedimentos exclusivamente centrados na investigação do contexto.
No corpus analisado, os procedimentos utilizados situam-se, em geral, mais
próximos do eixo textual, que apenas 5 estudos indicam mais explicitamente a
exploração de índices contextuais, ao entrevistarem ou promoverem sessões
reflexivas com os participantes das comunidades de escrita investigadas. Nenhum
estudo do corpus apresenta, pelo menos explicitamente, uma abordagem
etnográfica.
Evidencia-se a necessidade, portanto, de estudos que ampliem o foco de
investigação sobre os contextos de produção da escrita, a partir da descrição e
interpretação dos processos de produção, distribuição e consumo dos textos, que
constituem sistemas de atividades sociais (BAZERMAN, 2004). Além da perspectiva
etnográfica de observação desses vários processos, também aponta-se como
sugestão metodológica para a área, a adoção de uma perspectiva êmica para os
estudos (DAVIS, 1995), que permita aos atores sociais que vivenciam as práticas de
escrita estudadas, não dar sua interpretação sobre essas práticas, como também
opinar sobre os nossos resultados e questões de pesquisa (Moita Lopes, 2006, p.
26).
96
Neste estudo, embora eu tenha contado com a opinião de pesquisadores da
comunidade estudada, que avaliaram certos dados levantados a partir da análise
dos relatos, faltou, por uma questão de tempo, mostrar aos participantes do estudo o
texto final da dissertação a fim de que reagissem a ele, nos moldes de Swales
(1998), em sua textografia.
As entrevistas com os autores e com os editores trouxeram questões
importantes para o debate metodológico na área. Cinco autores e os dois editores-
participantes concordam que a metodologia nos relatos da área tem sido
insuficientemente detalhada. No Exemplo W, o autor A1 discute a generalidade
dessa tendência e os problemas decorrentes:
Exemplo Q
[A1] O problema da descrição metodológica não se restringe às
publicações de textos em periódicos e livros. Ele está muito constante na
construção do capítulo que descreve as metodologias empregadas em
pesquisas em monografias, relatórios de pesquisa, dissertações de
mestrado e teses de doutorado. Assim, particularmente, creio que os
relatos de pesquisa, no Brasil, são parciais e não atendem às
necessidades dos leitores da área.
Pelo menos 3 participantes apontam como uma das causas do pouco
detalhamento metodológico as restrições de espaço impostas pelos periódicos
(conforme Exemplos R, S e T); nesse sentido, os autores prefeririam detalhar menos
a metodologia, a fim de obterem maior espaço para a apresentação dos resultados:
Exemplo R
[A1] [...] me incomoda nesse sentido, ao enviar artigos para revistas, é que o
número de páginas permitido acaba reduzindo a exposição da parte
metodológica. Assim, como autor, prefiro dispor de mais espaço para a
análise e a discussão dos resultados do que para a metodologia do
trabalho efetuado.
Exemplo S
[A4] É a seção na qual fazemos mais cortes para deixar espaço para as
demais.
Exemplo T
[A6] Se os relatos de pesquisa são publicados em revistas
especializadas ou em anais, a descrição da metodologia é restrita, tendo
em vista que a quantidade de páginas para todo o artigo é reduzida. Se
são divulgados em livros, o número de páginas é consideravelmente maior,
logo, é possível encontrar-se uma descrição pormenorizada. Ou seja, são
97
fatores externos que podem estar determinando o maior ou menor
detalhamento da metodologia das pesquisas.
No entanto, apesar das restrições de espaço, de se ressalvar que em uma
área de contingências e variedade de enfoques sobre o objeto, a importância de
esclarecermos nossa metodologia de pesquisa pode estar sendo subestimada
(MOTTA-ROTH, 2005, p. 66).
Aliada a essa questão de restrição de espaço por parte das publicações, A1
menciona que outro fator pode estar influenciando o pouco detalhamento
metodológico: a influência de áreas de métodos e procedimentos mais
estabelecidos, que não necessitam de maior explicação:
Exemplo U
[A1] Essa posição redutora é resultado de influências que recebemos de
outras ciências, em que os métodos são extremamente fechados e
reducionistas, o que leva os autores a não precisar descrevê-los, apenas
citar o procedimento e os leitores já sabem do que se trata.
Diferente dessas áreas, a Lingüística Aplicada, em geral, incluindo os estudos
sobre a escrita, necessitam de relatos mais explicativos, menos silenciados, que
nossa área de investigação não se caracteriza por procedimentos suficientemente
estabelecidos e ratificados (SWALES, 2004, p. 221), conforme já argumentado nesta
dissertação. Isso, a meu ver, contribuiria para a evolução do debate metodológico na
área, já que, como caracteriza o autor A1, “estamos, no período atual da Lingüística
Aplicada, num momento de interface, de busca de identidade metodológica”.
3.5 Discursos sobre a escrita e sua investigação
Para identificar os discursos em relação à escrita construídos em cada relato,
parti do enquadre analítico proposto por Ivanic (2004), que propõe seis discursos
sobre a escrita, os quais reagrupei em três macrodiscursos (escrita como estrutura,
escrita como processo cognitivo e escrita como prática social), conforme descrito na
Revisão da Literatura. Busquei, em primeiro lugar, trechos que conceituassem ou
caracterizassem a escrita, o que encontrei, prioritariamente, nas seções de Revisão
da Literatura. No entanto, a identificação do discurso sobre a escrita nessa seção
não se constituiu como regra geral; em alguns artigos, ela apenas pôde ser
98
depreendida em outras seções, como a seção de Metodologia, ou Introdução, pelo
próprio hibridismo dos relatos, já comentado.
Atentei para lexemas explícitos que poderiam ser associados a cada
perspectiva, conforme sugestões de Ivanic (ver Revisão da Literatura, p. 31). Em
certos relatos, a identificação do discurso sobre a escrita se deu, indiretamente, pela
identificação do discurso sobre a linguagem ou sobre o letramento, considerando
que os conceitos estão intimamente articulados com a visão de escrita.
A construção dos alinhamentos teóricos se deu, nos relatos analisados,
basicamente por duas estratégias distintas: a) adesão a um discurso por meio de
sua caracterização positiva (pelo que ele é); ou b) adesão a um discurso pela
negação de outro (pelo que ele não é). O Exemplo 25 ilustra a primeira tendência,
predominante no corpus, mostrando a adesão explícita à perspectiva da escrita
como prática social, com destaque para os lexemas indicativos da tendência:
Exemplo 25
[TLA#6] Quanto à concepção de escrita que fundamentou a proposta teórico-
metodológica do curso, adotou-se a visão de escrita como prática social
situada. Segundo essa visão, compreende-se que a escrita atende a
propósitos e a audiências específicas e está sempre relacionada aos
contextos de sua realização, o que resultará em diferentes tipos de escrita
e, em conseqüência, de gêneros. Portanto, a escrita é ao mesmo tempo
produto e processo, uma vez que as opções de textualização (produto)
sempre atendem aos propósitos sociais, à audiência e à situação
(processo).
o Exemplo 26 ilustra também a adesão à perspectiva da escrita como
prática social, mas construída a partir da crítica a uma perspectiva teoricamente
contrária:
Exemplo 26
[RBLA#2] A tradição concebe a língua como uma abstração, uma
essência, um ideal isolado, independente do povo que a fala. [...] Essa
concepção de ensino de língua presente na maioria das escolas, reforçada
pelo senso comum e pela mídia, é resultado de uma série de reduções
língua = norma culta = gramática da frase (BAGNO, 2002), que torna cada
vez mais distante o falante real (aqui o aluno) dessa língua ideal. [...]
Entretanto, se deslocarmos nosso olhar desse ideal para o real, saindo do
abstrato para o concreto, veremos que a língua, como essência, não existe,
o que existe são os sujeitos que a falam, imprimindo-lhe uma série de
variações que são construídas numa realidade histórica, social e
cultural. Ou seja, é uma atividade social [...].
99
Os três diferentes discursos acerca da natureza da escrita (e da própria
linguagem) representados na Figura 3 (p. 33), a saber, escrita como prática social,
escrita como processo cognitivo e escrita como estrutura, foram identificados na
análise dos relatos. O Quadro 9 traz o discurso identificado em cada um dos artigos,
com uma sistematização dos lexemas explícitos que apontam para tal escolha
epistemológica. Em alguns estudos, entendi que havia a combinação de dois
discursos. O algarismo entre parênteses nos sintagmas nominais indica o número de
ocorrências daquele sintagma no trecho analisado.
Discurso identificado Expoentes lingüísticos significativos AA
textos autênticos (1) ; contextos reais (1); práticas sociais (2); gêneros [circulantes na sociedade/textuais] (9); finalidades (1);
meio de interação (1); condicionamentos textuais e lingüísticos do discurso (1); construções sócio-históricas (1); interações entre
os membros de uma dada comunidade (1); desenvolvimento de entidades lingüísticas adaptadas a situações específicas (1);
condições contextuais (1); parâmetros contextuais (1); objetivo geral (1); lugar social (1); papel social do enunciador (1); explicitar
o conhecimento implícito dos gêneros (1); situações de comunicação reais e precisas (1)
TLA#2
atividade produtiva de discursos (1); sujeito sócio-historicamente constituído (1); condições sociais, históricas e ideológicas em
que a produções textuais acontecem (1); funções sociais da escrita (1); a linguagem nas mais diferentes situações sociais (1)
TLA#4
instituições sociais (1); práticas sociais (1); conceitos, normas, valores e funções socioculturais (1); as práticas de letramento são
situadas (1)
TLA#5
gênero [textual] (2); produções lingüísticas como gêneros (1); textos efetivamente realizados ou materializados que encontramos
em nossa vida diária (1); características sócio-comunicativas (1); escrita como prática social situada (1); propósitos [sociais] (2);
audiências específicas (2); contextos de realização (1); situação (processo) (1)
TLA#6
modo de ação social (1); práticas sociais (2); natureza enunciativa da linguagem (1); ato de produzir um texto como um processo
construtivo, sócio-interativo e situado (1); condições de produção dos textos (4); contexto de produção (2); contexto físico (1);
contexto social (1); lugar social (1); interação (1); papel social do produtor/locutor (1); papel social do interlocutor (1); objetivo da
interação (1); gêneros de texto (1); situação de ação de linguagem (1); situação de produção do texto (1); parâmetros do
contexto de produção (1)
TLA#8
práticas letradas [de letramento] (4); gêneros [textuais] (3); práticas sociais de usos da escrita (1); fenômeno social relativo a
eventos de comunicação (1); valores, atitudes, sentimentos, relações sociais (1); regras sociais que regulam o uso e a
distribuição dos textos (1); evento de letramento (1); ponto de vista cio-comunicativo (1); realização lingüística que circula
socialmente (1)
TLA#9
gêneros discursivos (4); relações intergenéricas (4); diferentes atividades humanas (1); atividade dialógica (1); enunciados;
propriedade dialógica da linguagem (1)
TLA#10
condições de produção [dos textos] (2); finalidade [da produção] (5); gênero [textual] (9); lugar de circulação [do texto] (6);
interlocutor (9); objetivo (1); “razão para dizer o que se tem a dizer” (1)
TLA#11
práticas cio-culturais que se realizam através de textos escritos (1); função das práticas sócio-culturais (1); atividades sociais
dentro do contexto cultural (1); práticas [sociais] de letramento (2); fenômeno social (1); padrões culturais próprios de grupos
sociais específicos (1); práticas sócio-culturais em que a escrita se insere (1)
RBLA#1
gêneros textuais (2); práticas sociais (2) RBLA#2
realidade histórica, social e cultural (1); atividade social (1); contextos de uso (1); a língua é situada (1); constitutiva realidade (1);
natureza sócio-cognitiva, histórica e situacionalmente desenvolvida (2); interação humana (2); gêneros textuais (2)
RBLA#3
instituição social (1); discursos (1); práticas discursivas (3); práticas sociais (1); signo verbal como elemento mediador e
constitutivo da realidade (1); processo de construção de identidades, formação de atores sociais (1); escrita como espaço de
manifestação de práticas discursivas inter e intrasubjetivas(1); neros discursivos (1); esferas do público e do privado, do
institucional e do cotidiano (1); sujeitos interlocutores(1)
L&E#2
Escrita como prática
social
natureza enunciativa da escrita (1); relação entre a linguagem, a sociedade e a interação (1); aspectos sócio-pragmáticos do
texto (1); condições de produção dos textos (4); natureza enunciativa da linguagem (1); parâmetros acerca da situação de
L&E#3
101
comunicação (1); mobilização de representações dos mundos físico e sócio-subjetivo (2); lugar e momento da produção (1);
instituição social onde se dá a interação (1); conhecimentos dos mundos físico e social (1); objetivo da interação (1); papel social
representando pelo enunciador e pelo destinatário (1); gênero
(4); forma relativamente estável de escrever, elaborada sócio-historicamente (1); esferas das atividades humanas (1); interação
social (1); situações de produção de texto (1); caráter enunciativo dos textos (1); situação enunciativa (1)
evento de letramento (2); práticas sociais de leitura e de escrita [em determinado grupo social] (2); práticas sociais (2); situação
de interação social (1); eventos de letramento; práticas sociais de leitura e escrita (2); momento específico da interação social
(1); evento social (2); situação (2); contexto da produção discursiva; fenômenos dialógicos e discursivos (1)
L&E#5
Escrita como prática
social
discurso (1); (re)construção do discurso [discursividade] (3); produzir deliberados efeitos de sentidos sobre bem determinados
interlocutores (1); resposta e/ou proposta de diálogo (1); “para quem fazer” (1); “para que fazer” (1); diálogo [contundente] (3);
interlocução (1); qualidades discursivas (7); linguagem como atividade humana de caráter social (1); contexto social (1);
enunciação (1); condições de produção (1)
Escrita como
processo cognitivo
reescrita [de textos] (5); processo [de produção textual] (2); reescrever (1); (re)construção do discurso [discursividade] (3);
primeira versão (1); sucessivas reescritas (1)
TLA#3
Escrita como prática
social
diálogo (6); enunciação (1); diálogo (1); processo ininterrupto de comunicação (1); relações dialógicas (2); discurso (2); tempo
sócio-histórico (1); (re)construção da discursividade (2); qualidades discursivas ( 5)
Escrita como
processo cognitivo
reescrita (6); (re)construção da discursividade (2); necessidade de reescrever (2)
L&E#1
Escrita como prática
social
processo interlocutivo (1); interação(1); sistema dialógico de signos (1); texto enquanto ato interativo (1); forma de ação (1)
Escrita como
processo cognitivo
reescrita (6); texto inacabado (1); novo texto (1); processo (1); reescritura (6); revisão (2); modificações qualitativas ou
quantitativas (1); versão (1); melhoramento do texto (1); reescrever (1); processo de escrita (1); planejamento (1); modificações
(2); aprimoramento do trabalho (1) recriação (1)
L&E#4
Escrita como prática
social
linguagem como forma de interação humana (1); prática de ações (1); discursividade (1)
Escrita como
estrutura
desenvolvimento da linguagem do aluno (1); capacidade expressão na linguagem oral e escrita (1); deficiências lingüísticas (1);
ortografia (1); sintaxe (1); pontuação (1)
L&E#6
Escrita como
processo cognitivo
revisão [do texto] (13); reescrita [do texto/da produção] (6); processo de revisar (1); construção do texto [textual] (5); versão(ões)
[ original/finais do processo/melhor do texto/final do texto] (8); texto em construção (1); etapa da construção [de produção do
texto] (2); trabalho em progressão (1); comentários de revisão (1); processar as observações do professor (1); anotações
mentais (1); modificação dos textos [do texto original] (2); processamento dos comentários (1); processo de composição textual
(1); processo (1); texto reescrito (1); processar as observações (1).
TLA#1
Escrita como
estrutura
evidências fonológicas (1); textualidade (1); aquisição do sistema fonológico (1); aspectos fonológicos (1); padrões de
textualidade (1); modificação na estrutura segmental (1); acentuação gráfica (1); uso indevido de letra (1); transcrição fonética (1)
TLA#7
Quadro 9 – Discursos teóricos sobre a escrita identificados
No corpus analisado, sobressai-se como perspectiva teórica predominante,
seja como discurso único (em 14 relatos), seja combinado com outro (em 4 relatos),
o discurso da escrita como prática social, como fenômeno sócio-historicamente
situado. Como bem sintetiza Chapman (2006, p. 17): “enquanto uma visão cognitiva
de escrita dominou a pesquisa até e incluindo os anos 1980, as duas últimas
décadas têm visto um impacto maior do social, com um interesse crescente em
perspectivas sociocognitivas, sociolingüísticas, socioculturais e sociopolíticas no
letramento”.
No Brasil, esse interesse tem se mostrado mais consistente na última década,
em que tem aumentado significativamente o número de estudos que buscam
explicitar as práticas de letramento como situadas em complexos sistemas sociais e
culturais (um exemplo claro dessa tendência é a proliferação de livros, artigos e
demais trabalhos centrados na reflexão acerca dos gêneros discursivos). Uma ação
que provavelmente muito tenha contribuído para isso foi a publicação dos
Parâmetros Curriculares Nacionais, documento que adotou uma perspectiva
sociodiscursiva para o ensino da linguagem, bem como os documentos oficiais
subseqüentes, que mantiveram a mesma perspectiva, como o Catálogo do
Programa Nacional do Livro Didático e as Orientações Curriculares Nacionais
para o Ensino Médio.
Embora o discurso teórico assumido acerca da natureza da escrita e da
linguagem seja o de prática social, existe, como apontei na descrição dos focos de
estudo identificados nos relatos, a carência de estudos centrados efetivamente nos
eventos e práticas da vida social em que a escrita exerce papel constitutivo
fundamental.
A construção do discurso da escrita como prática social se por escolhas
semânticas que evocam o caráter situado da escrita, como fenômeno
socioenunciativo, com destaque para o caráter constitutivo da linguagem/da escrita
nas práticas, atividades. Usando os lexemas dos próprios relatos, entende-se que a
escrita é constitutiva das “práticas sociais”, “atividades humanas”, que são
realizadas em “contextos”, “situações” específicos, com “propósitos” específicos, por
“formas relativamente estáveis de escrever” – os “gêneros textuais/discursivos”.
Sobressai-se a relação linguagem, cultura e sociedade.
Exemplo 27
[TLA#8] A construção de uma proposta pedagógica sobre o componente
“produção de texto” exige a compreensão de dois campos de referência
científica a linguagem e a aprendizagem. Uma forma atual de
compreensão da linguagem é a que a considera como um modo de ão
social, realizado por meio das práticas sociais de compreender, falar e
escrever. Essa compreensão centrada na natureza enunciativa da
linguagem tem construído um conjunto de noções necessárias à explicação
do ato de produzir um texto como um processo construtivo, sócio-
interativo e situado.
A construção do discurso da escrita como processo cognitivo se efetiva por
escolhas semânticas que conferem à produção escrita um caráter provisório,
passível de aprimoramento”. Assim, a escrita é concebida como um “processo”,
constituído de diferentes “etapas”, que incluem “planejamento”, “revisão”,
“reescrita/reescritura”, que darão origem a diferentes “versões” de um mesmo texto,
em busca de seu aprimoramento. As ações de planejar, revisar e reescrever,
embora também práticas, demandam essencialmente o processamento cognitivo.
Sobressai-se a relação linguagem e cognição.
Exemplo 28
[TLA#1] Sobre os resultados, Zamel (1985: 79) comenta que “os professores,
portanto, necessitam fazer comentários mais apropriados à escrita dos
alunos. Eles precisam facilitar a revisão, pensando a escrita como um
trabalho em progressão, ao invés de julgá-la como um produto final
acabado”. A partir dessa idéia, pode-se afirmar que o professor deve colocar-
se na posição de leitor-avaliador e não na de simples juiz e avaliador, como
normalmente tem sido o seu papel. Assim posicionando-se, ele poderá
demonstrar ao aluno a importância da avaliação do texto e da necessidade
de revisão e reescrita da produção que está sendo feita.
Por fim, a construção do discurso da escrita como estrutura se por
lexemas que evocam os diferentes níveis do sistema que constitui a língua em si,
como “fonologia”, “ortografia”, “sintaxe”, “pontuação”, “padrões de textualidade”,
níveis pensados em termos de relações internas ao sistema. Nesse sentido, nesse
discurso, as únicas relações que se sobressaem são às internas à linguagem.
Exemplo 29
A cada vestibular, o aluno deixa registrado no papel as marcas de
deficiências lingüísticas de toda ordem, na ortografia, na sintaxe, na
estruturação das idéias, na pontuação etc. Qual é a origem desse fracasso?
104
Os lexemas associados a cada discurso sobre a escrita confirmam aqueles
sugeridos por Ivanic (2004), conforme sistematizados no Quadro 1, na Revisão da
Literatura (p. 31).
Os autores-participantes do estudo relatado nesta dissertação foram
consultados acerca de sua visão sobre os discursos sobre a escrita que orientam os
estudos no cenário atual de Lingüística Aplicada, tendo como referência o enquadre
proposto por Ivanic (2004).
Como bem pondera o autor A6 (Exemplo W), os limites entre os discursos são
fluidos, e um estudo, portanto, pode discutir aspectos que evocam mais de um
desses discursos ou ainda outros. A tentativa, neste trabalho, foi a de apontar
tendências, mas sempre reconhecendo as intersecções inerentes à natureza
heterogênea do objeto escrita.
Exemplo W
[A6] o é possível afirmar com precisão, que certas pesquisas sobre
escrita sejam definidas por determinados discursos; na verdade, os limites
são fluidos, pois a natureza do objeto de estudo é heterogênea. No
entanto, podemos apontar tendências.
Os discursos mais apontados pelos autores-participantes foram os discursos
da escrita como gênero e escrita como prática social, lembrados 6 vezes cada um, e
o discurso da escrita como processo, mencionado em 5 ocasiões. Tais dados
ratificam os resultados levantados com a análise dos relatos, que apontam uma
tendência, para a área, do macrodiscurso da escrita como prática social, majoritário,
e uma adesão significativa ao macrodiscurso da escrita como processo cognitivo. O
Exemplo X ilustra essas indicações pelo autor A7:
Exemplo X
[A7] A meu ver, os estudos sobre escrita, no cenário brasileiro
contemporâneo de LA, têm sido orientados majoritariamente pelos
discursos de escrita como processo, escrita como gênero, escrita como
prática social.
A comunidade disciplinar estudada parece assumir como predominante o
discurso teórico da escrita como prática social, evocando seu caráter situado, como
fenômeno constitutivo das práticas e atividades sociais. Nesse caso, os níveis
constitutivos do fenômeno lingüístico privilegiados o o do evento” (contexto
105
situacional) e o “contexto político e sociocultural” (contexto de cultura) (figura da
página 33).
Conforme discuti na subseção anterior, os discursos metodológicos dos
relatos são silenciados ou bastante sintéticos em termos da descrição das
abordagens e dos procedimentos usados para estudar esse objeto entendido como
de natureza social. A análise da apresentação dos dados desses autores sugere que
os desenhos de pesquisa evidenciados:
a) têm o texto como corpus principal de análise, onde busca por elementos
textuais ricos;
b) carecem de uma descrição sistemática de como as escolhas no sistema da
linguagem têm a propriedade de construir significados, crenças, identidades,
relações;
c) precisam ampliar o foco para incluir a descrição dos processos de produção,
distribuição e consumo dos textos que constituem sistemas de atividades
sociais;
d) não contam com a interpretação dos atores sociais que vivenciam as práticas
estudadas, ou seja, os estudos são conduzidos numa perspectiva etic, e não
êmica.
A partir dessas observações, parece pertinente concluir que os desenhos de
pesquisa traçados priorizam os níveis “texto” e “processos cognitivos” de
interpretação do discurso. Em geral, os estudos carecem de uma descrição densa
do contexto de escrita estudado para se constituírem como discursos de
investigação alinhados com a noção de escrita como prática social.
Nesse sentido, os discursos teóricos e metodológicos parecem evocar
diferentes pontos de vista ou vozes que se polemizam entre si, em meio a
descontinuidades e contradições, avanços e recuos. E essas vozes precisam de fato
ser confrontadas, questionadas, a fim de que busquemos um amadurecimento na
constituição da epistemologia da área.
Na visão bakhtiniana, o dialogismo é condição da linguagem e do discurso e,
portanto, a polifonia de vozes que se polemizam, se completam, respondem umas
às outras, perpassa os textos (BARROS, 2003, p. 04). A polifonia, para Bakhtin, está
associada aos conceitos de formação, inconclusibilidade, processo de evolução que
106
nunca se conclui (BEZERRA, 2007, p. 191). Esses princípios são caracterizadores
do que pude depreender da análise do corpus: os relatos de pesquisa indicam
diferentes vozes sobre o que é produzir conhecimento sobre escrita, quando
confrontados os postulados teóricos e metodológicos.
Segundo Coracini (1998), as contradições, na cultura ocidental, “são sinais de
incoerência e, como tal, são objeto de repúdio”, momentos freqüentemente vistos
negativamente como deslizes, lapsos, que precisam ser abafados, apagados. Meu
objetivo, no entanto, ao apontar a heterogeneidade desses discursos, não é repudiá-
los, mas colocá-los em discussão, confrontá-los, que a LA hoje se propõe como
continuamente auto-reflexiva (MOITA LOPES, 2006). Acredito que é essa atitude
questionadora que pode contribuir para a evolução do debate metodológico (e
epistemológico) nos estudos sobre escrita, assim como na LA como um todo.
Para finalizar, conforme mencionei na página 33 desta dissertação, minha
expectativa era a de que este trabalho me permitisse complementar o quadro
proposto por Ivanic (2004), oferecendo visões sobre a prática de pesquisa que
podem ser associadas a cada macrodiscurso. A partir da análise do corpus,
combinada com o estudo da literatura teórica que serviu de base para este estudo,
proponho, no Quadro 10, a sistematização de crenças acerca dos três discursos que
pude identificar no corpus. Na primeira coluna, nomeio os três discursos (escrita
como estrutura, escrita como processo cognitivo e escrita como prática social).
Numa linha paralela a cada discurso, descrevo o nível priorizado na compreensão
da linguagem, as crenças sobre a escrita, sobre a aprendizagem da escrita, sobre o
seu ensino, sobre a avaliação dos textos e sobre a prática de pesquisa em escrita.
Discurso Nível priorizado na
compreensão da
linguagem
Crenças sobre a
escrita
Crenças sobre aprender a
escrever
Crenças sobre o
ensino da escrita
Critérios de
avaliação da
escrita
Crenças sobre a pesquisa em
escrita
Escrita como
estrutura
Texto Escrever é aplicar
um conjunto de
conhecimentos de
relações som-
símbolo e padrões
sintáticos
Aprender a escrever é
aprender essas relações
som-símbolo e padrões
sintáticos
Ensinar a escrever é
ensinar explicitamente
as propriedades
fonéticas, fonológicas,
morfológicas, sintáticas
Precisão na
reprodução
dessas
propriedades
Pesquisar a escrita é descrever e
analisar propriedades lingüísticas,
tendo como corpus os dados léxico-
gramaticais dos estudos
Escrita como
processo
cognitivo
Processos
cognitivos
Escrever é compor
processos mentais
para produção do
texto e aplicá-los
Aprender a escrever inclui
os processos mentais e
práticos (rascunhar, revisar,
reescrever) envolvidos no
processo de composição
do texto
Ensinar a escrever é
ensinar explicitamente
os processos de
planejar, rascunhar,
revisar, reescrever e
revisar textos
Questionamento
sobre se o foco
de avaliação
deve ser posto
no processo ou o
produto
Pesquisar a escrita é analisar a
evolução do processo de produção
do texto em suas diferentes etapas
É analisar as estratégias cognitivas
empregadas pelos escritores dos
textos no processo
É interpretar texto apenas pelo
conteúdo semântico, sem
desenvolver análise técnica dos
elementos do sistema da linguagem
que entram na confecção do texto e
possibilitam a análise do discurso
Escrita como
prática social
Evento
Contexto político e
sociocultural
Escrever é realizar,
por meio de textos,
ações retóricas
tipificadas,
baseadas em
situações
recorrentes da vida
social, tendo
consciência de que
as escolhas no
sistema da
linguagem criam
determinadas
visões de mundo,
papéis e relações
sociais
Aprender a escrever é
aprender a analisar
discurso, ou seja, fazer
escolhas lingüísticas e
retóricas, tomando por
base os discursos em
circulação no contexto de
referência
Ensinar a escrever é
formar analistas críticos
do discurso, capazes
de identificar relações
entre texto e condições
de produção e
consumo
Adequação e
eficácia dos
textos na
constituição das
ações sociais a
que servem
Pesquisar a escrita é descrever
sistematicamente como as escolhas
no sistema da linguagem constituem
realidades discursivas
É descrever e analisar o papel dos
processos de produção, distribuição e
consumo dos textos na constituição
dos sistemas de atividades sociais
É analisar a interpretação dos que
vivenciam as práticas de escrita
estudadas
Quadro 10 – Sistematização de crenças sobre a escrita nos três discursos identificados.
O discurso teórico da escrita como estrutura estaria alinhado com o
entendimento de que a pesquisa deve priorizar a descrição e análise de
propriedades léxico-gramaticais dos textos. Por sua vez, a concepção da escrita
como processo cognitivo estaria alinhada com a análise do texto em suas múltiplas
etapas de composição, com a análise das estratégias cognitivas empregadas pelo
produtor do texto e com uma interpretação de discurso baseada apenas no conteúdo
semântico, sem a descrição técnica dos elementos da linguagem que evocam o
reconhecimento de tais discursos. Por fim, o discurso da escrita como prática social
reivindica a necessidade de uma descrição sistemática de como as escolhas no
sistema lingüístico constituem realidades discursivas e a ampliação do foco de
investigação sobre o contexto de produção dos textos, levando em conta a
interpretação dos que vivenciam as práticas estudadas.
Neste trabalho, a análise dos relatos de pesquisa evidencia um discurso
teórico predominante da escrita como prática social. A metodologia dos relatos,
contudo, mostra-se silenciada ou muito sintética em termos da descrição e
explicação de opções metodológicas para análise. Evidencia-se, a partir da
observação dos desenhos de pesquisa traçados, a necessidade de se ampliar o foco
sobre o contexto de produção das práticas de escrita, buscando formas de
investigação que permitam melhor dar conta do caráter situado do objeto.
109
4 CONCLUSÕES, LIMITAÇÕES DO ESTUDO E SUGESTÕES PARA
FUTURAS PESQUISAS
4.1 Síntese dos principais resultados e conclusões
Neste trabalho, busquei identificar discursos sobre a escrita pela análise de
relatos de pesquisa publicados em periódicos de circulação nacional. Sendo uma
pesquisa de caráter interpretativista, considerei importante contar com a participação
das pessoas que vivenciam essas práticas (MOITA LOPES, 2006, p. 23). Os autores
e editores de periódicos da comunidade disciplinar estudada foram chamados a
opinar sobre as questões centrais da pesquisa em LA hoje, e especialmente em
escrita, e sobre os resultados levantados com a análise textual.
O primeiro procedimento de pesquisa foi o mapeamento da organização
retórica dos relatos do corpus. A lógica de relatar o processo de pesquisa pôde ser
sistematizada em cinco movimentos retóricos: 1) introduzir o estudo; 2) revisar a
literatura; 3) descrever a metodologia; 4) apresentar e discutir resultados; e 5)
concluir o relato, os quais ratificam a lógica IMRD proposta na literatura (HILL ET
AL., 1982; SWALES, 1990; MOTTA-ROTH, 2001). No entanto, identifiquei algumas
variações desses movimentos em relação à forma como são efetivamente
textualizados. uma variabilidade em termos do tamanho do artigo; da
organização do conteúdo; do número e do nome de partes/seções. Determinadas
seções em alguns artigos se mostraram de difícil classificação e outras se
mostraram híbridas, apresentando, ao mesmo tempo, informações de diferentes
naturezas.
Os participantes do estudo avaliaram positivamente essa “fluidez” ou
variabilidade, que marca uma certa diferenciação em relação a artigos publicados
em inglês, em periódicos internacionais, que tendem a ter seções mais precisamente
delineadas. No entanto, alguns autores entrevistados ponderam que tal fluidez pode
dificultar a leitura e a apreensão de modelos de referência do gênero artigo
acadêmico. Apontam ainda que falta, no Brasil, uma tradição de cursos de iniciação
à pesquisa e redação acadêmica já nos cursos de graduação.
Se isso de fato se confirma, é preciso criar uma cultura de discussão de
sistemas simbólicos e valores compartilhados para a escrita em cada cultura
110
disciplinar. Nesse sentido, “a interpretação óbvia é a de que cursos de redação
acadêmica deverão trabalhar essas perspectivas locais e que, para tanto,
precisamos que pesquisadores, ao publicar, narrem seu processo de reflexão e
pesquisa de modo a ajudar a construir a epistemologia da área” (MOTTA-ROTH,
2005, p. 66).
O segundo procedimento de análise foi a identificação de interesses de
pesquisa e focos de estudo nos relatos. Eles foram agrupados em três grandes
áreas de interesse para pesquisa: Análise de Texto e de Discurso,
Ensino/Aprendizagem e Formação do Professor, que parecem se constituir como as
grandes ramificações de estudo em LA, conforme aponta Motta-Roth (2007). Essa
classificação não pode ser pensada de forma definitiva, pois uma inter-relação
entre as áreas, que torna os limites fluidos; busquei definir apenas o que parecia se
configurar como o principal foco.
Na área de interesse Análise de Texto e de Discurso, os focos de estudo
variaram entre aspectos da materialidade do texto (como operadores
argumentativos, por exemplo) e formulações discursivas subjacentes ao texto (como
crenças sobre a escrita, por exemplo). Na área de interesse Ensino/Aprendizagem
da Escrita, o foco de estudo principal evidenciado foi o processo de reescrita de
textos. Por fim, na área Formação do Professor de Escrita, sobressaiu-se a
(re)construção de conceitos/crenças sobre linguagem, escrita, avaliação de texto. Os
participantes entrevistados definiram que essa sistematização representa muito do
que se pesquisa hoje sobre a escrita no Brasil.
A sistematização dos interesses e focos de pesquisa no corpus evidenciou
um maior número de estudos voltados à análise do texto e do discurso; no entanto,
sem a análise técnica das escolhas do sistema da língua que permitem criar
significados e discursos particulares. O processo de reescritura se mostrou foco de
estudo significativo no contexto estudado, revelando que se atribui considerável
relevância ao discurso da escrita como processo cognitivo. A partir dessas temáticas
identificadas, sugere-se a necessidade de as pesquisas ampliarem seu foco de
investigação para além da materialidade textual, de modo a explorar o contexto da
escrita. Esse contexto seria estudado por meio da descrição e interpretação de
sistemas de atividades e das práticas socioculturais no interior das quais a escrita
exerce papel constitutivo.
111
O terceiro procedimento consistiu no mapeamento da organização retórica
das seções de Metodologia dos artigos do corpus, com a expectativa de identificar
abordagens e procedimentos de análise. Para o corpus como um todo, identifiquei
apenas um movimento como recorrente: Movimento 1 – Seleção do corpus de
análise, realizado pelos passos 1) Especificação do corpus (natureza, tamanho) e 2)
Descrição de procedimentos para coleta do corpus. Nos artigos da área de interesse
Formação do Professor de Escrita, além do Movimento 1 Descrição do Corpus,
evidenciei o movimento Descrição do Contexto de Intervenção.
Os trechos de descrição dos procedimentos e categorias de análise não se
mostraram recorrentes no corpus. Assim, as seções de Metodologia analisadas
parecem se configurar, como define Swales (2004, p. 220), como textos sintéticos,
condensados: de extensão curta, sem divisão em subseções, com escassas
justificativas para escolhas metodológicas e silenciamento em termos do processo
de análise. A maioria dos participantes (5 autores e 2 editores) concorda que a
metodologia nos relatos da área não tem sido suficientemente detalhada.
Como quarto procedimento, busquei sistematizar abordagens metodológicas
e procedimentos de análise presentes no corpus pela observação da apresentação e
discussão dos resultados. As abordagens são raramente nomeadas, definidas e
descritas em seus procedimentos. Pode-se especular que os autores assumem
conhecimento prévio por parte dos leitores, considerando desnecessária essa
explicação, conforme aponta Swales (2004, p. 220). Em uma área de contingências,
dada a complexidade do objeto de análise e, portanto, extremamente propensa ao
dissenso, há necessidade de que os relatos sejam mais detalhados e sistematizados
acerca de suas escolhas metodológicas.
Apesar do discurso metodológico silenciado dos relatos, a observação dos
resultados permite indicar que o procedimento mais recorrente é a busca indutiva
por elementos textuais ricos (BARTON, 2004). Essa busca parece se configurar nos
termos descritos por Motta-Roth (2005, p. 75): “em virtude da complexidade de
nosso objeto (as práticas discursivas), pesquisadores sabem o que procurar e
como procurar isso quando encontram o que não sabiam que buscavam”. É salutar
para a epistemologia da área que, nos relatos de pesquisa, esse esforço indutivo (ou
intuitivo) seja transformado na explicitação textual dos procedimentos e categorias
que se mostraram produtivos para o estudo daquele conjunto particular de dados.
112
Por fim, busquei delinear os discursos sobre a escrita e sobre sua
investigação. Partindo da adaptação do enquadre analítico proposto por Ivanic
(2004), três macrodiscursos sobre a natureza da escrita puderam ser identificados
no corpus: o discurso da escrita como prática social, o discurso predominante; o
discurso da escrita como processo cognitivo, de recorrência significativa; e, por fim,
o discurso da escrita como estrutura, pouco recorrente.
A comunidade disciplinar estudada parece assumir, com base nos relatos e
nas entrevistas, um discurso quase que uníssono de prática social, evocando o
caráter situado da escrita, como fenômeno constitutivo das práticas sociais. Os
níveis priorizados na compreensão do fenômeno lingüístico são, nesse caso, o
“evento” (contexto de situação) e o “contexto político e sociocultural” (contexto de
cultura).
A construção do discurso da escrita como prática social se por escolhas
semânticas que evocam o caráter situado da escrita. Usando os lexemas dos
próprios relatos, entende-se que a escrita é constitutiva das “práticas sociais”,
“atividades humanas”, que são realizadas em “contextos”, “situações” específicos,
com “propósitos” específicos, por “formas relativamente estáveis de escrever” os
“gêneros textuais/discursivos”.
Contudo, os desenhos de pesquisa traçados parecem indicar que as opções
metodológicas feitas talvez não consigam dar conta do caráter situado do objeto,
que, para tanto, parece necessário que ampliem o foco para descrições mais densas
dos contextos em que a escrita constitui práticas sociais.
Nesse sentido, os discursos sobre a natureza da escrita e sobre a sua
investigação parecem se questionar, se confrontar, e a discussão desse contraste
parece muito profícua para o amadurecimento da área, que deve ter um caráter
auto-reflexivo, repensando-se insistentemente (MOITA LOPES, 2006).
Refletindo sobre teoria e prática no âmbito da sala de aula, Coracini (1998)
caracteriza tal relação como complexa, que só pode ser encontrada onde a
dispersão, o esfacelamento, o conflito e as contradições são permanentes e
constitutivos”. Esses postulados parecem caracterizadores também da relação entre
teoria e prática de pesquisa, conforme indicam as diferentes vozes identificadas nos
relatos do corpus. O confronto entre os discursos teóricos sobre a natureza da
escrita e os discursos sobre sua investigação são reveladores das contingências
113
desse objeto complexo, multifacetado, e apontam a necessidade de se discutir mais
recorrentemente a prática de pesquisa na área.
Por ora, a “reflexividade” ou conhecimento sobre a prática que estudei
(CHOULIARAKI; FAIRCLOUGH, 1999, apud MOTTA-ROTH, 2005, p. 75) leva-me a
construir a seguinte teoria local sobre o que é pesquisar a escrita como prática
social: a) descrever sistematicamente como as escolhas no sistema da linguagem
constituem realidades discursivas; b) descrever e analisar o papel dos processos de
produção, distribuição e consumo dos textos na constituição dos sistemas de
atividades sociais; e c) analisar a interpretação dos que vivenciam as práticas de
escrita estudadas.
4.2 Limitações do estudo e sugestões para futuras pesquisas
A primeira limitação do estudo diz respeito ao alcance de seu universo de
análise: foi analisado apenas um gênero de relato de pesquisa (o artigo acadêmico),
com publicação em três periódicos, num período cronológico delimitado, o que
resultou em um número reduzido de exemplares. Outros estudos poderiam ampliar
esse escopo, analisando outros gêneros de relatos de pesquisa (por exemplo,
dissertações, teses, artigos apresentados em eventos). Poderiam também investigar
o próprio gênero artigo acadêmico, mas com mais exemplares, publicados em outros
periódicos. Outra possibilidade seria aumentar a cronologia de publicação,
realizando-se, por exemplo, um estudo histórico de relatos de pesquisa sobre a
escrita no Brasil, evidenciando as mudanças teórico-metodológicas ao longo do
tempo.
A segunda limitação diz respeito à investigação dos processos de produção,
distribuição e consumo dos relatos analisados. O estudo carece de uma descrição
mais densa nesse aspecto. Repensando a trajetória, entendo que, desde o início da
pesquisa, eu poderia ter estabelecido um contato mais interativo com os
participantes do estudo. Poderia, por exemplo, ter feito uma síntese avaliativa
desses textos e submetido a cada autor, criando a possibilidade de plicas na
busca de sistematizar formas de produzir conhecimento sobre a escrita em cada
relato. Outra alternativa seria a investigação do processo de recepção e consumo
desses relatos por parte de membros experientes ou iniciantes na prática de
114
pesquisa. Nesse caso, os participantes poderiam avaliar um determinado artigo em
termos das escolhas teórico-metodológicas assumidas, avaliação que poderia ser
repassada ao autor do artigo, criando uma rede de discussão.
Um outro desenho de pesquisa que eu vislumbro, neste momento da
trajetória, seria realizar um estudo etnográfico dentro de um grupo de pesquisa
sobre a escrita, analisando todo o fluxo de textos e atividades envolvidos na
produção de conhecimento.
Gostaria de ressaltar também que este trabalho não teve como objetivo
analisar questões estilísticas individuais de constituição de autoria, embora se
considere que o tópico de estudo também pode ser muito profícuo. Meu foco foram
os valores compartilhados em relação à escrita e sua pesquisa na comunidade que
publica artigos sobre o tema em periódicos da área de LA.
Em termos de sugestões para futuras pesquisas, destaco:
1) a descrição e a interpretação do papel da escrita na constituição de diferentes
práticas socioculturais da vida cotidiana, explorando o modo como os
processos de produção, circulação e uso dos textos constituem as atividades
e a organização de grupos sociais (BAZERMAN, 2004, p. 309);
2) a descrição técnica de como as escolhas no sistema da linguagem têm a
propriedade de criar discursos, relações e significados;
3) novas metapesquisas sobre a escrita, de diferentes ângulos e com diferentes
desenhos de pesquisa, que poderiam contribuir para o amadurecimento do
debate metodológico na área;
4) a investigação da escrita na sua relação com diferentes modalidades
semióticas possíveis para construção da mensagem, como imagens, sons,
oralidade (SCHULTZ, 2006, 365), temática não explorada no corpus.
Por fim, no campo teórico, conforme aponta Motta-Roth (2007), “resta o desafio
de refinar o conceito de contexto relevante para os usos da linguagem de modo que
possamos entender e ensinar os usos da linguagem como práticas situadas e não
como sistemas de regras e verdades”.
115
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122
ANEXO 1 – Convite enviado aos autores
Santa Maria, 26 de março de 2008.
Prezado/a Senhor/a ________________,
Estamos desenvolvendo um estudo, ligado ao Programa de Pós-Graduação em
Letras da Universidade Federal de Santa Maria, sobre relatos de pesquisa acerca da
escrita, com o objetivo geral de mapear tendências teórico-metodológicas na área.
O seu artigo X, publicado na Revista X, faz parte de nosso corpus de análise. Além
da análise dos relatos, gostaríamos de contar com a opinião dos autores desses
relatos em relação a algumas questões da pesquisa desenvolvida atualmente em
Lingüística Aplicada e, particularmente, em escrita.
Pedimos que o/a Sr./a nos envie um e-mail, manifestando sua disponibilidade em
participar da pesquisa, respondendo a um questionário eletrônico (com 5 questões).
Ressaltamos que o presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa
da Universidade Federal de Santa Maria/SISNEP (Processo nº 0030.0.243.000-08) e
que as informações obtidas via questionário eletrônico serão incorporadas à
textualização de nosso estudo sem a revelação do nome de seu autor (usaremos
pseudônimos).
Desde já, agradecemos sua atenção.
Atenciosamente,
Profa. Dra. Désirée Motta-Roth Profa. Mestranda Francieli Rodrigues
http://w3.ufsm.br/desireemroth
Laboratório de Pesquisa e Ensino de Leitura e Redação
Campus da Universidade Federal de Santa Maria, Prédio 16, Sala 3308 – Camobi
CEP 97119-900 – Santa Maria RS
Tel: (55) 3220.8477 Ramal 31
123
ANEXO 2 – Convite enviado aos editores
Santa Maria, 26 de março de 2008.
Prezado/a Senhor/a ________________,
Estamos desenvolvendo um estudo, ligado ao Programa de Pós-Graduação em
Letras da Universidade Federal de Santa Maria, sobre relatos de pesquisa acerca da
escrita, com o objetivo geral de mapear tendências teórico-metodológicas na área.
O periódico editado pelo/a Sr./a faz parte de nosso universo de análise. Além da
análise dos relatos, gostaríamos de contar com a opinião dos editores-chefes dos
periódicos selecionados em relação a algumas questões da pesquisa desenvolvida
atualmente em Lingüística Aplicada e, particularmente, em escrita.
Pedimos que o/a Sr./a nos envie um e-mail, manifestando sua disponibilidade em
participar da pesquisa, respondendo a um questionário eletrônico (com 5 questões).
Ressaltamos que o presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa
da Universidade Federal de Santa Maria/SISNEP (Protocolo nº 0030.0.243.000-08) e
que as informações obtidas via questionário eletrônico serão incorporadas à
textualização de nosso estudo sem a revelação do nome de seu autor (usaremos
pseudônimos).
Desde já, agradecemos sua atenção.
Atenciosamente,
Profa. Dra. Désirée Motta-Roth Profa. Mestranda Francieli Rodrigues
http://w3.ufsm.br/desireemroth
Laboratório de Pesquisa e Ensino de Leitura e Redação
Campus da Universidade Federal de Santa Maria, Prédio 16, Sala 3308 – Camobi
CEP 97119-900 – Santa Maria RS
Tel: (55) 3220.8477 Ramal 31
124
ANEXO 3 – Questionário enviado aos autores
I. Na análise do nosso corpus, contendo 20 artigos científicos sobre a escrita
publicados no Brasil, detectamos como principais áreas de interesse:
1) Análise de Texto/Discurso (foco no texto):
i. análise de aspectos textuais/lingüísticos em produções textuais
(questões ortográficas, operadores argumentativos,
características de gênero textual);
ii. interpretação de princípios, valores e significados subjacentes ao
texto, como concepções de linguagem e escrita (nos PCNs, em
livros didáticos, no discurso de professores entrevistados).
2) Formação do Professor de Escrita (foco no professor): análise de
situações de intervenção na formação inicial ou continuada do
professor, com foco na (re)construção de saberes conceituais sobre
linguagem, escrita, avaliação.
3) Ensino/Aprendizagem da Escrita (foco no aluno): descrição e análise
de situações de intervenção didática com foco na revisão e reescrita de
textos.
O/A senhor/a avalia que esse levantamento faz uma representação geral
fidedigna da pesquisa sobre a escrita no Brasil? Por quê?
II. Ivanic (2004) identifica seis perspectivas de entendimento e
ensino/aprendizagem da escrita, a saber: escrita como habilidade
(lingüística); escrita como criatividade; escrita como processo; escrita
como gênero; escrita como prática social; e escrita como ação
sociopolítica
17
. A seu ver, que discurso(s), dentre os citados ou ainda
outro(s), orienta(m) os estudos sobre a escrita no cenário brasileiro
contemporâneo de Lingüística Aplicada?
17
IVANIČ, Roz. The discourses of writing and learning to write. Language and Education, v. 18, n. 3,
p. 220-245, 2004.
Descrição sintética de cada discurso, conforme caracterização da autora (p. 225):
a) Escrita como habilidade (lingüística): a escrita consiste em aplicar conhecimento de relações
de som-símbolo e padrões sintáticos para construir um texto. Aprender a escrever envolve
aprender essas relações e esses padrões.
b) Escrita como criatividade: a escrita é o produto da criatividade do autor. Você aprende a
escrever escrevendo sobre tópicos que interessam a você.
c) Escrita como processo: a escrita consiste de processos de composição na mente do escritor
e de sua realização prática. Aprender a escrever inclui aprender os processos mentais e os
processos práticos envolvidos em compor um texto.
d) Escrita como gênero: a escrita é um conjunto de tipos de texto, moldados pelo contexto
social. Aprender a escrever envolve aprender as características de diferentes tipos de escrita
que servem a propósitos específicos em contextos específicos.
e) Escrita como prática social: a escrita é comunicação orientada a propósitos em contextos
sociais. Você aprende a escrever escrevendo em contextos da vida real, com propósitos reais
para escrever.
f) Escrita como ação sociopolítica: a escrita é uma prática sociopoliticamente construída, que
tem conseqüências para questões identitárias e é aberta a contestação e mudança. Aprender
a escrever inclui entender por que diferentes tipos de escrita são do modo que são, e inclui
tomar uma posição entre alternativas.
125
III. Listamos abaixo, em ordem alfabética, algumas abordagens teóricas e/ou
metodológicas possíveis para o estudo da escrita. A elaboração dessa
lista (que não se pretende completa) se deu a partir de indicações na
literatura da área e a partir da análise do nosso corpus. Qual(is)
perspectiva(s) o/a senhor/a indicaria como tendência(s) na pesquisa sobre
a escrita atualmente? Justifique.
( ) Análise de Discurso Crítica
( ) Análise de Gênero
( ) Análise do Discurso de Linha Francesa
( ) Lingüística Textual
( ) Lingüística Sistêmico-Funcional
( ) Pesquisa Correlacional
( ) Pesquisa Etnográfica
( ) Pesquisa Experimental
( ) Outra(s). Qual (is)? _______________________________________
IV. Em que medida, a descrição da metodologia (da coleta do corpus, dos
procedimentos e categorias de análise) tem sido suficientemente
detalhada nos relatos de pesquisa da área que o/a senhor/a tem lido?
V. Nossa análise do corpus sugere uma certa variabilidade ou “fluidez” na
textualização dos relatos, em termos do tamanho do artigo; do mero, do
nome e da organização do conteúdo nas suas partes/seções.
Determinadas seções em alguns artigos analisados se mostraram de difícil
classificação retórica e outras se mostraram híbridas (apresentando, por
exemplo, informações metodológicas e resultados na mesma divisão). Em
alguns artigos do corpus, informações como descrição da coleta do corpus
foram identificadas na Introdução. Artigos publicados em inglês em
periódicos internacionais, analisados em outros estudos, se mostraram
mais uniformes. Como o/a senhor/a avalia esse dado? Em que medida
haveria diferenças entre os relatos de pesquisa publicados no Brasil e os
publicados no circuito internacional em termos da sua textualização? A
que isso seria atribuído? Essa “fluidez” seria positiva ou negativa?
Profa. Dra. Désirée Motta-Roth Profa. Mestranda Francieli Rodrigues
http://w3.ufsm.br/desireemroth
Laboratório de Pesquisa e Ensino de Leitura e Redação
Campus da Universidade Federal de Santa Maria, Prédio 16, Sala 3308 – Camobi
CEP 97119-900 – Santa Maria RS Tel: (55) 3220.8477 Ramal 31
126
ANEXO 4 – Questionário enviado aos editores
I. Em linhas gerais, o/a senhor/a. conseguiria traçar o perfil dos pesquisadores que
publicam em seu periódico? São professores universitários? Alunos de pós-
graduação? Enfim, são eles pesquisadores iniciantes buscando reputação na
comunidade acadêmica ou são pesquisadores experientes, já conhecidos na área?
II. Em sua publicação, qual é o foco temático de preferência da política da revista ou
dos autores dos artigos? Por exemplo, em nossa análise de um corpus contendo 20
artigos científicos sobre a escrita publicados no Brasil, detectamos como principais
áreas de interesse:
1) Análise de Texto/Discurso (foco no texto):
i. análise de aspectos textuais/lingüísticos em produções
textuais (questões ortográficas, operadores
argumentativos, características de gênero textual);
ii. interpretação de princípios, valores e significados
subjacentes ao texto, como concepções de linguagem e
escrita (nos PCNs, em livros didáticos, no discurso de
professores entrevistados).
2) Formação do Professor de Escrita (foco no professor): análise de
situações de intervenção na formação inicial ou continuada do
professor, com foco na (re)construção de saberes conceituais sobre
linguagem, escrita, avaliação.
3) Ensino/Aprendizagem da Escrita (foco no aluno): descrição e análise
de situações de intervenção didática com foco na revisão e reescrita de
textos.
III. Nos artigos publicados em sua revista, há preferência por determinada orientação
teórica e/ou metodológica, como, por exemplo, Análise de Discurso Crítica, Análise
de nero, Análise do Discurso de Linha Francesa, Lingüística Textual, Lingüística
Sistêmico-Funcional, Pesquisa Correlacional, Pesquisa Etnográfica, Pesquisa
Experimental, ou outra qualquer?
IV. Nossa análise do corpus sugere uma certa variabilidade ou “fluidez” na
textualização dos relatos, em termos do tamanho do artigo; do número, do nome e
da organização do conteúdo nas suas partes/seções. Determinadas seções em
alguns artigos analisados se mostraram de difícil classificação retórica e outras se
mostraram híbridas (apresentando, por exemplo, informações metodológicas e
resultados na mesma divisão). Em alguns artigos do corpus, informações como
descrição da coleta do corpus foram identificadas na Introdução. Artigos publicados
em inglês em periódicos internacionais, analisados em outros estudos, se mostraram
mais uniformes. Como o/a senhor/a avalia esse dado? Em que medida haveria
diferenças entre os relatos de pesquisa publicados no Brasil e os publicados no
circuito internacional em termos da sua textualização? A que isso seria atribuído?
Essa “fluidez” seria positiva ou negativa?
127
V. Em termos da descrição da metodologia, o que é minimamente esperado de um
relato para publicação no periódico do qual o/a senhor/a é editor/a? Os artigos
submetidos têm contemplado satisfatoriamente tais expectativas? Como e por quê?
Profa. Dra. Désirée Motta-Roth Profa. Mestranda Francieli Rodrigues
http://w3.ufsm.br/desireemroth
Laboratório de Pesquisa e Ensino de Leitura e Redação
Campus da Universidade Federal de Santa Maria, Prédio 16, Sala 3308 – Camobi
CEP 97119-900 – Santa Maria RS
Tel: (55) 3220.8477 Ramal 31
ANEXO 5 – Procedimentos de análise identificados nos relatos
PROCEDIMENTOS
AA DESCRITOS NA SEÇÃO DE METODOLOGIA OBSERVADOS NA APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS
TLA#1 - Levantamento de estratégias utilizadas por professores para construir
comentários de revisão em textos de alunos;
avaliação da eficiência dessas estratégias a julgar pela reescrita realizada
pelos alunos;
destaque excertos de comentários de revisão e de passagens reescritas
como exemplos.
TLA#2 - Levantamento de marcas lingüísticas que indicam a argumentatividade nos
textos analisados;
destaque de excertos ilustrativos e de elementos léxico-gramaticais
observados na análise.
TLA#3 Classificação dos textos em três níveis de desempenho: Desempenho
Discursivo Baixo, Intermediário ou Alto;
levantamento e inventário dos comentários do professor a partir de
categorias formuladas com base em Guedes (1998), Serafini (1994) e Ruiz
(1998);
promoção de uma interação entre os textos, os comentários escritos pelo
professor e as respostas dadas pelos alunos no questionário e as
considerações feitas no texto de avaliação das aulas.
Levantamento de dados quantitativos em relação às reescritas;
classificação do nível de desempenho discursivo dos textos;
destaque de excertos ilustrativos dessas interpretações;
levantamento e classificação dos comentários de revisão oferecidos pelo
professor;
levantamento das atitudes dos alunos frente à produção textual antes e
após o processo de intervenção;
comparação entre duas versões de um mesmo texto com base nas
qualidades discursivas, buscando indícios da influência dos comentários nas
alterações.
TLA#4 - Interpretações de efeitos de sentido que inscrevem os enunciados em
determinadas formações discursivas;
destaque de excertos ilustrativos das interpretações e de elementos léxico-
gramaticais observados na análise.
TLA#5 - Interpretações acerca de concepções de escrita presentes em livros
didáticos;
destaque de excertos ilustrativos das interpretações, explicitando, poucas
vezes, elementos léxico-gramaticais observados.
TLA#6 - Levantamento de temáticas e objetivos nas monografias produzidas por
professoras;
destaque de elementos léxico-gramaticais observados para esse
levantamento;
explicitação de recursos lingüísticos que mostram a proximidade entre o
saber produzido pelas professoras nas monografias e os saberes de
referência;
129
destaque de excertos ilustrativos e de elementos léxico-gramaticais
observados na análise.
TLA#7 - Identificação e classificação das alterações ortográficas encontradas nos
textos dos alunos;
exemplificação de palavras alteradas;
busca de correlações entre as alterações ortográficas e indicações de
textualidade (coesão, coerência, informatividade);
exemplificação a partir de um texto, com destaque das alterações
ortográficas.
TLA#8 - Interpretações sobre a mobilização de saberes de referência para avaliação
de material didático por professoras em um curso de formação;
destaque de excertos ilustrativos.
TLA#9 - Análise de características temáticas, lingüísticas, textuais, nos textos
produzidos no concurso vestibular, que se aproximam/distanciam do gênero
entrevista entendido como uma prática letrada;
destaque de excertos ilustrativos dessas características.
TLA#10 Levantamento e testagem de hipóteses a respeito da história de sentidos
que uma ruína de gênero carrega, reconhecendo, com base em fronteiras
textual-discursivas, os aspectos da formulação lingüística que lhe dão o
caráter ruiniforme;
comparação entre réplicas presentes em um texto que serviu de base
para as intervenções de formandos em Letras e réplicas presentes em
textos dos formandos.
-
TLA#11 - Levantamento, nos comandos de produção elaborados, dos índices que
situam as condições de produção para escrita;
interpretações acerca do grau de entendimento do professor em relação à
perspectiva de escrita discutida;
destaque de trechos de comandos ilustrativos dessas interpretações.
RBLA#1 - Análise quantitativa e qualitativa do entendimento dos entrevistados em
relação a determinados tópicos sobre a escrita;
comparação entre dados obtidos nas entrevistas iniciais e dados das
entrevistas finais - levantamento das transformações;
destaque de excertos ilustrativos das concepções dos entrevistados acerca
da escrita.
RBLA#2 - Interpretações sobre a mobilização de saberes conceituais sobre escrita e
avaliação de texto por professoras em um curso de formação;
destaque de excertos ilustrativos das interpretações.
RBLA#3 - Classificação das correções feitas pelos professores nos textos dos alunos;
destaque de trechos ilustrativos das classificações;
130
interpretações sobre as concepções subjacentes às correções;
destaque de excertos ilustrativos das interpretações.
L&E#1 Levantamento, nos textos, da presença de formalidades características da
redação escolar (disposição canônica, uso de lugares-comuns);
Levantamento da presença das qualidades discursivas nas reescritas;
análise comparativa entre as primeiras versões e as reescritas a partir das
mudanças ocorridas no âmbito do parágrafo, do período, de segmentos e
de itens lexicais, através das operações lingüísticas de: adição, eliminação,
substituição, e deslocamento de unidades lingüísticas.
-
L&E#2 - Análise das relações que se estabelecem entre os sujeitos envolvidos no
processo de produção textual;
análise das posições de sujeito assumidas;
destaque de excertos ilustrativos dessas interpretações, com explicitação de
elementos léxico-gramaticais observados na análise.
L&E#3 - Análise do grau de mobilização pelas professoras, em dois momentos
distintos, do saber conceitual sobre produção de texto discutido no curso de
formação;
destaque de excertos ilustrativos das interpretações.
L&E#4 Análise da escrita e reescrita de textos, observando-se a coesão e a
coerência textuais, a prática da argumentação e os aspectos relativos à
estrutura do texto dissertativo;
cálculo das ocorrências de inadequações em cada versão;
avaliação da evolução apresentada no decorrer das reescritas.
Destaque de trechos comparativos entre diferentes versões, explicitando
elementos léxico-gramaticais observados na análise.
L&E#5
-
Identificação das operações textual-discursivas realizadas por dois alunos
na passagem do texto oral para o texto escrito;
análise das marcas de retextualização;
destaque de trechos ilustrativos, com elementos léxico-gramaticais
observados.
L&E#6 Agrupamento estatístico, em torno das variáveis selecionadas, das
respostas que os professores deram às questões do questionário, com
perguntas abertas, permitindo a análise descritiva dos seus percentuais;
Agrupamento estatístico dos tipos de correções utilizadas na avaliação de
duas dissertações por professores, com as respectivas anotações e notas
por eles atribuídas;
Análise qualitativa dos conteúdos mínimos trabalhados pelos professores,
procurando verificar o espaço que o ensino da dissertação está ocupando
dentro do ensino da língua portuguesa e o que está sendo privilegiado
nesse ensino.
-
131
ANEXO 6 – Respostas dos autores-participantes
Pergunta A Resposta
A1 Creio que a caracterização proposta atende parcialmente as pesquisas brasileiras sobre escrita. No item 3), observo
um foco direcionado na revisão e reescrita de textos. É certo que esse tema é realmente central em muitas
publicações, contudo, não expõe exatamente as pesquisas que são desenvolvidas também em outros momentos do
processo de produção textual escrita, como: a) as atividades antecipatórias à escrita e as estratégias empregadas no
ensino de LM e LE, que são diferentes; b) as interfaces entre os momentos de leitura e a efetiva escrita do texto, que,
por si só, manifestam uma linha de interesse muito recente no país; c) as manifestações de compartilhamento (aluno-
professor; professor-aluno; aluno-aluno) na escrita produzida pelo educando; d) os processos atuais de avaliação da
escrita, que estão estudando as diferenças de construções de planilhas em função dos diversos gêneros discursivos.
Para tanto, encontram-se pesquisas que estão se situando na situação de concursos públicos, como o vestibular, por
exemplo, que está empregando, em várias instituições, o trabalho com os gêneros. Desta forma, creio que, se a
pesquisa aqui pretendida está com um corpus cronologicamente delimitado, é possível que a caracterização proposta
sirva como parâmetro de avaliação, contudo, atende parcialmente o que se vislumbra atualmente nas pesquisas sobre
escrita produzidas no país.
A2 Concordo com a afirmação de que a pesquisa sobre o Ensino da ngua Escrita , no âmbito do contexto escolar , tem
privilegiado essas três temáticas, inclusive porque esse é o resultado obtido nas “resenhas bibliográficas” que realizo
em minhas pesquisas e que utilizo como indicador em sala de aula, ao tratar da “pesquisa com língua escrita”.
A3 Sim, pois são os principais aspectos no ensino da escrita.
A4 Sinceramente, não sei. O seu trabalho é que vai demonstrar. De modo geral, recordo que essas três áreas têm sido
recorrentes na literatura. Os dados com os quais trabalhos recentemente estão inseridos no item 2. Seria bom que seu
trabalho apresentasse outras áreas.
A5 Acredito que representa muito do que se faz, mas tenho dúvidas quanto ao lugar das práticas de letramento e dos
estudos que se voltam para fonologia e escrita/ortografia.
A6 Em princípio sim, pois as pesquisas em Lingüística Aplicada, nas 2 últimas décadas, m-se voltado para a sala de
aula e aqui estão contemplados três aspectos interrelacionados: o texto escrito, o processo de ensino-aprendizagem
da escrita e a formação do professor para desenvolver esse processo. Mas acho que estão ausentes estudos sócio-
cognitivos sobre o processo de escrita, como por exemplo, os que propõem modelos de produção de textos escritos
(cf. Meurer, 1997: esboço de um modelo de produção de textos).
Na análise do nosso corpus,
contendo 20 artigos
científicos sobre a escrita
publicados no Brasil,
detectamos como principais
áreas de interesse:
1. Análise de Texto/Discurso
(foco no texto)
2. Formação do Professor
de Escrita (foco no
professor)
3. Ensino/Aprendizagem da
Escrita (foco no aluno).
O/A senhor/a avalia que
esse levantamento faz uma
representação geral
fidedigna da pesquisa sobre
a escrita no Brasil? Por quê?
A7 Sim. Essas são as áreas mais representativas da pesquisa em escrita, embora se possa falar também de estudos com
enfoques sociocognitivos, como os realizados por Meurer.
132
Pergunta A Resposta
A1 As publicações atuais das pesquisas envolvem, ao se considerar a classificação proposta, dois tipos específicos: a) a
escrita como gênero; b) a escrita como prática social. Observo que o primeiro tipo é o mais freqüente nas
apresentações de congressos e nos textos em revistas especializadas e nos livros de coletâneas de experiências,
reproduzindo-se, com isso, nos livros didáticos atuais de ensino de LM. É muito interessante como essa questão é
freqüente no Brasil. Costumeiramente, os pesquisadores apropriam-se do material didático trabalhado pelas escolas
para lhes dar novo “enfoque” teórico-metodológico, contudo, acabam circulando os mesmos gêneros que a escola
trabalha há anos, dando-lhes “novas abordagens”, fazendo com que o discurso da escrita como gênero se mantenha.
É, de certa maneira, um mascaramento que coloca a escrita como um propósito específico em contexto específico. Por
outro lado, temos poucas pesquisas efetivas que trabalham com a noção de escrita como prática social, tendo os
princípios do letramento e do tratamento com gêneros discursivos sendo apresentadas. Percebo que muitos
pesquisadores até tentam expor essa categoria de perspectiva de trabalho, porém, em certa altura da pesquisa,
enveredam para propósitos específicos, não se vislumbrando mais o objetivo inicial que era o desenvolvimento de
propósitos reais de comunicação escrita. Atribuo esse fato à busca que temos, como brasileiros, por uma identidade
própria para o trabalho com a escrita em sala de aula. Diria que estamos, no período atual da Lingüística Aplicada,
num momento de interface, de busca de identidade metodológica.
A2 Em meu entendimento, na pesquisa com e sobre a língua escrita, no âmbito da Lingüística Aplicada que se pratica no
Brasil, uma predominância de pesquisas referentes às concepções de escrita presentes nas letras “c” e “d” das
perspectivas apontadas por Ivanovic, sendo que, em uma visão diacrônica da história da pesquisa com a língua
escrita, podemos dizer que a concepção da escrita como processo teve seu auge até meados da década dos anos 90
do século passado, enquanto que a visão de escrita relacionada ao conceito de gêneros ( discursivos e/ou textuais) ,
diríamos, é atualmente a concepção hegemônica nas pesquisas. Em menor escala, surgem algumas pesquisas que
adotam a concepção apontada na letra “a”, estas, principalmente, quando se tratam de pesquisas cujo objetivo é
endereçado para os processos de alfabetização, ou do ensino da ngua escrita nas primeiras séries do ensino
fundamental. As conceituações apresentadas na letra “b”, a meu ver, não se encontra significativamente representada
nas pesquisas da Lingüística Aplicada, surgindo muito mais em pesquisas realizadas por professores que ensinam a
literatura ou que tem uma compreensão literária da língua e que incentivam os seus alunos a produzir textos literários,
tais como poemas, contos etc. No que diz respeito às concepções apontadas nas letras “e” e “f” parece-me que
constituem-se como campos muito pouco pesquisados, quase ausentes ao fazermos uma resenha bibliográfica (
estado da arte) da área, principalmente àquela focalizada na letra “F”, que ,diríamos, ser praticamente inexistente,
quando muito referida em artigos que sugerem mecanismos/estratégias/concepções de linguagem que possibilitariam
considerar a escrita e seu processo de ensino e aprendizagem como um instrumento de ação sócio-política e todas
implicações daí decorrentes.
Ivanic (2004) identifica seis
perspectivas de
entendimento e
ensino/aprendizagem da
escrita, a saber: escrita
como habilidade
(lingüística); escrita como
criatividade; escrita como
processo; escrita como
gênero; escrita como prática
social; e escrita como ação
sociopolítica. A seu ver, que
discurso(s), dentre os
citados ou ainda outro(s),
orienta(m) os estudos sobre
a escrita no cenário
brasileiro contemporâneo de
Lingüística Aplicada?
A3 Escrita como gênero e como prática social, porém há ainda práticas no Ensino Fundamental e Médio que apenas
133
consideram a escrita como criatividade, ou só como processo.
A4 Creio que, atualmente, os mais recorrentes são Escrita como prática social, Escrita como ação sociopolítica. Em outros
momentos, os demais ‘discursos’ tiveram sua importância e sua contribuição.
A5 Diante do material a que tenho tido acesso, verifico a presença das perspectivas a, c, d e e, seguindo Ivanic (2004).
A6 Não é possível afirmar, com precisão, que certas pesquisas sobre escrita sejam definidas por determinados discursos;
na verdade, os limites são fluidos, pois a natureza do objeto de estudo é heterogênea. No entanto, podemos apontar
tendências. Influenciados pelas questões de cidadania e de identidade, muitos estudos têm sido orientados pela
perspectiva da escrita como prática social, como ação sociopolítica (por exemplo, trabalhos de I. Signorini, de J. W.
Geraldi); outros, preocupados com a ação docente, estão orientados pela perspectiva de escrita como processo, como
gênero, procurando entender e subsidiar o ensino do texto escrito (por exemplo, pesquisas de R. Rojo, de A. R.
Machado).
A7 A meu ver, os estudos sobre escrita, no cenário brasileiro contemporâneo de LA, têm sido orientados majoritariamente
pelos discursos da escrita como processo, escrita como gênero, escrita como prática social.
Pergunta A Resposta
A1 ( x ) Análise de Gênero
A2 ( x ) Análise de Gênero
( x ) Lingüística Textual
A3 A partir da publicação dos PCNs se deu maior atenção à escrita como prática social. Destacamos também a Análise
do Discurso de Linha Francesa e a Lingüística Textual.
A4 ( X ) Análise de Gênero
( X ) Lingüística Textual
( X ) Pesquisa Etnográfica
A5 ( X) Análise de Gênero
( X ) Análise do Discurso de Linha Francesa
( X ) Lingüística Textual
( X ) Pesquisa Etnográfica
Listamos abaixo, em ordem
alfabética, algumas
abordagens teóricas e/ou
metodológicas possíveis
para o estudo da escrita. A
elaboração dessa lista (que
não se pretende completa)
se deu a partir de indicações
na literatura da área e a
partir da análise do nosso
corpus. Qual(is)
perspectiva(s) o/a senhor/a
indicaria como tendência(s)
na pesquisa sobre a escrita
atualmente? Justifique.
A6 ( x ) Análise de Gênero
( x ) Lingüística Textual
( x ) Lingüística Sistêmico-Funcional
( x ) Pesquisa Etnográfica
Acredito que as 4 assinaladas podem indicar uma tendência atual, considerando a influência das teorias de letramento
134
(incidindo mais nas pesquisas etnográficas e no estudo de gênero) e dos estudos interacionais e funcionalistas
voltados para a sala de aula (influenciando o ensino de textos escritos, ou seja, a materialidade lingüística, embora não
se desconsidere aspectos sociais da escrita).
A7 ( x ) Análise de Gênero
( x ) Lingüística Textual
( x ) Pesquisa Etnográfica
Indico essas tendências, em virtude do meu conhecimento de estudos apresentados em dissertações e teses; bem
como de resumo/trabalhos completos apresentados em eventos acadêmicos nacionais (ex. Congressos da ALAB, da
ABRALIN) e regionais ( ex. Jornadas GELNE) e nos periódicos nacionais. Acredito que um fator determinante,
sobretudo para a tendência Análise de Gênero, foi a oficialização da concepção de ensino de língua centrado no
gênero de discurso ( PCN, 1998)
Pergunta A Resposta
A1 O problema da descrição metodológica não se restringe às publicações de textos em periódicos e livros. Ele está muito
constante na construção do capítulo que descreve as metodologias empregadas em pesquisas em monografias,
relatórios de pesquisa, dissertações de mestrado e teses de doutorado. Assim, particularmente, creio que os relatos de
pesquisa, no Brasil, são parciais e não atendem às necessidades dos leitores da área. Pessoalmente, tomo muito
cuidado com essa parte da pesquisa, junto aos meus orientandos, solicitando-lhes que ‘pequem por excesso’ na
descrição da conduta investigativa empregada em sua pesquisa. Normalmente, ao final do trabalho, essa parte é a
mais elogiada pelas bancas. Outra coisa que me incomoda nesse sentido, ao enviar artigos para revistas, é que o
número de páginas permitido acaba reduzindo a exposição da parte metodológica. Assim, como autor, prefiro dispor
de mais espaço para a análise e a discussão dos resultados do que para a metodologia do trabalho efetuado. Essa
posição redutora é resultado de influências que recebemos de outras ciências, em que os métodos são extremamente
fechados e reducionistas, o que leva os autores a não precisar descrevê-los, apenas citar o procedimento e os leitores
sabem do que se trata. Em Lingüística Aplicada não funciona assim. Em outros ramos das ciências da linguagem é
possível encontrar esse reducionismo com muita veemência. Sinceramente, essa questão me incomoda por demais.
A2 Até então , diria, que os procedimentos e as categorias de análise são suficientemente descritos de forma a possibilitar
a compreensão de como a pesquisa foi realizada.
A3 Não há um padrão na publicação dos artigos. Em alguns há um detalhamento dos passos e em outros não há, isso
depende também das características do veículo
em que é publicado.
A4 Em geral não tem sido. É a seção na qual fazemos os maiores cortes para deixar espaço para as demais.
Em que medida, a descrição
da metodologia (da coleta do
corpus, dos procedimentos e
categorias de análise) tem
sido suficientemente
detalhada nos relatos de
pesquisa da área que o/a
senhor/a tem lido?
A5 O que me parece mais problemático diz respeito aos procedimentos e categorias de análise. Nem sempre
135
conseguimos clareza nos textos, talvez pela necessidade de concentrarmos o relato do estudo ao espaço e ao formato
exigido para cada publicação, ou por não termos certeza da forma como podemos apresentar tais informações, Uso 1ª
pessoa, porque esta é uma situação com a qual freqüentemente me deparo.
A6 Se os relatos de pesquisa são publicados em revistas especializadas ou em anais, a descrição da metodologia é
restrita, tendo em vista que a quantidade de páginas para todo o artigo é reduzida. Se são divulgados em livros, o
número de páginas é consideravelmente maior, logo, é possível encontrar-se uma descrição pormenorizada. Ou seja,
são fatores externos que podem estar determinando o maior ou menor detalhamento da metodologia das pesquisas.
Observando, especificamente, as informações dadas sobre os procedimentos metodológicos, percebemos que eles
parecem não receber muita atenção (se há pouco espaço físico para o artigo, prefere-se destinar mais páginas para o
tópico de análise). Assim, caso um outro pesquisador queira basear-se nesses procedimentos para coletar e
analisar dados semelhantes, pode não obter sucesso, tendo em vista que nem todos os passos são divulgados. Além
disso, também fica restrita uma discussão sobre parâmetros metodológicos de pesquisas.
A7 Não raramente, os relatos de pesquisa que leio na área (trabalhos completos em anais, dissertações) deixam a
desejar, quanto à descrição metodológica, sobretudo quanto à definição/apresentação de categorias de análise, que
tendem a ser substituídas por simples relato dos fatos/apreciação dos dados. Essa tendências se confirma nos
artigos de revistas, que, via de regra, resultam dos dois tipos de trabalhos acima referidos.
Pergunta A Resposta
A1 Essa “fluidez”, como sua pesquisa denomina, é justamente uma prova de como, no Brasil, os pesquisadores e a LA
estão em busca de sua identidade. O viés teórico proposto acaba levando muitos pesquisadores a desenvolver
metodologias próprias de trabalho. Por exemplo, na região [XX], na qual me encontro, os professores têm muito
acesso a eventos desenvolvidos pelas IES e recebem capacitação teórica constante por parte das secretarias de
educação (estadual e municipais). Com isso, ao se desenvolver trabalhos envolvendo a escrita, essa situação deve ser
considerada, pois os participantes dominam conteúdos específicos. Nesse sentido, as pesquisas conduzidas nessa
região já estão enveredando para outras posturas metodológicas, incluindo, com isso esse viés produzido.
Em relação à uniformidade produzida nas pesquisas relatadas no exterior, creio que essa tendência também é seguida
pelos brasileiros quando enviam artigos para fora, caso contrário seu texto não é aceito. Dessa forma, como temos
uma peculiaridade de viés teórico diversos, com lugares geográficos diferenciados com tratamentos também diversos,
creio que será difícil uma uniformização de tratamento nas pesquisas sobre escrita. Aliás, para mim essa
heterogeneidade é extremamente salutar, para um país que busca melhorar sua educação (ainda acredito nas
crianças...)
Nossa análise do corpus
sugere uma certa
variabilidade ou “fluidez” na
textualização dos relatos,
em termos do tamanho do
artigo; do número, do nome
e da organização do
conteúdo nas suas
partes/seções.
Determinadas seções em
alguns artigos analisados se
mostraram de difícil
classificação retórica e
outras se mostraram
híbridas (apresentando, por
A2 Parece-me que a “forma” de relatar pesquisas na área dos estudos da linguagem, mais especificamente refiro-me ao
campo da LA, estaria passando por um processo de mudança, ou seja, buscando alternativas ao modo clássico” de
136
relato de pesquisas, herança dos modelos quantitativos de análise de dados, nos quais obedecia-se religiosamente
aos cânones de : Introdução, Revisão bibliográfica, Objetivos, Referencial Teórico, Procedimentos metodológicos (
sujeitos, origem dos dados, forma de coleta etc), Análises ( Resultados), considerações gerais( finais) , para uma
forma, algumas vezes híbrida, na qual a Introdução, de uma certa forma contém o conjunto de informações
necessárias à compreensão da pesquisa que vai ser realizada, contemplando muitas vezes, além da justificativa e
apresentação da temática/objeto de estudo, o estado da arte, objetivos e questões da pesquisa e os próprios
procedimentos metodológicos e os capítulos seguintes “mesclam” referencial teórico com a apresentação/descrição e
análise dos dados. A meu ver, essa “fluidez” é necessária e sua “escolha” vai depender da natureza da pesquisa, da
temática tratada, dos objetivos , enfim da singularidade de cada pesquisa. Algumas podem se permitir essa “liberdade
científica”, outras, no entanto, como aquelas que regem-se pelo padrão do modo quantitativo ou aquelas que
pretendem realizar etnografia no sentido estrito, a meu ver, precisam, por exemplo, de capítulo específico sobre
procedimentos metodológicos, devendo ater-se a modelos mais próximos dos canônicos.
A3 Acredito que existe um certo padrão nos artigos internacionais, devido a um maior rigor na seleção dos artigos e na
própria tradição da pesquisa. Penso que as revistas brasileiras são mais flexíveis na produção de artigos, no entanto,
essa fluidez é positiva.
A4 Não vejo problema na fluidez do gênero. Será que ele não está mudando?! Não vejo um aspecto negativo na fluidez.
Ceio que apenas o leitor iniciante (aluno de graduação) pode sentir alguma dificuldade na leitura.
A5 Considerando o material que consulto e os artigos que preparo para publicação, percebo uma certa uniformidade nos
textos de divulgação científica, independente da circulação. Por outro lado, concordo com a diferença entre a seção de
metodologia e de resultados: os textos publicados em inglês separam a metodologia dos resultados; textos nacionais
trazem todas as informações de coleta, descrição, levantamento e discussão dos dados na seção da Metodologia.
Sinceramente, não tenho reposta para a razão dessa diferença. Se considerar apenas esta divergência, não entendo
como uma “fluidez” negativa.
exemplo, informações
metodológicas e resultados
na mesma divisão). Em
alguns artigos do corpus,
informações como descrição
da coleta do corpus foram
identificadas na Introdução.
Artigos publicados em inglês
em periódicos
internacionais, analisados
em outros estudos, se
mostraram mais uniformes.
Como o/a senhor/a avalia
esse dado? Em que medida
haveria diferenças entre os
relatos de pesquisa
publicados no Brasil e os
publicados no circuito
internacional em termos da
sua textualização? A que
isso seria atribuído? Essa
“fluidez” seria positiva ou
negativa?
A6 Associando o conceito bakhtiniano de gênero como enunciados relativamente estáveis (Bakhtin, 1997) e o de
Bazerman (2006,p.29) como uma realização visível de um complexo de dinâmicas sociais e psicológicas à idéia de
escrita como um trabalho que envolve não só conhecimentos lingüístico-textuais, mas também sócio-pragmáticos e
discursivos (portanto, um trabalho que se altera, pois os grupos sociais onde a escrita circula são diferentes), as
variações dos relatos de pesquisa escritos no Brasil confirmam a plasticidade dos gêneros. Embora haja um, digamos,
padrão de textualização internacional (em geral, normas determinadas por periódicos e livros norte-americanos), isso
não impede de haver alterações em textos que circulam em outros grupos, inclusive porque objetos de estudo e
metodologias adotadas se relacionam intrinsecamente. Por exemplo, apresentar procedimentos metodológicos na
introdução do relato pode indicar que os dados a informar se conformam com o contexto da pesquisa e de seus
objetivos de tal forma que separá-los poderia causar dificuldade na compreensão da pesquisa feita. Portanto, a
configuração do texto tem influência também do tipo de pesquisa que foi desenvolvido. A meu ver, não se pode avaliar
como negativa nem positiva essa variabilidade dos relatos de pesquisas, pois ela atende às necessidades
137
comunicativas dos interlocutores.
A7 A meu ver, a “fluidez” na textualização dos relatos de pesquisa publicados no Brasil, sugerida no corpus, se deve à
pouca tradição de pesquisa nos cursos de licenciatura, que mais recentemente estão mais sensibilizados para este
eixo da formação docente. Aliada a este fato está a ausência de uniformidade, em termos de normas mais detalhadas,
pelos conselhos editoriais das revistas nacionais. Embora não veja essa “fluidez” como negativa ( levando em conta o
caráter de relativa estabilidade dos gêneros), considero-
a um fator que dificulta a apreensão de modelos de referência
para o ensino desse gênero acadêmico.
138
ANEXO 6 – Respostas dos editores-participantes
Pergunta E Resposta
E1 O periódico é procurado por todos, inclusive alunos de graduação e alguns poucos conseguem
ter seus textos aprovados. Acho que um equilíbrio entre pesquisadores experientes e
iniciantes.
Em linhas gerais, o/a senhor/a. conseguiria
traçar o perfil dos pesquisadores que publicam
em seu periódico? São professores
universitários? Alunos de pós-graduação? Enfim,
são eles pesquisadores iniciantes buscando
reputação na comunidade acadêmica ou são
pesquisadores experientes, conhecidos na
área?
E2 Recebemos submissões até de estudantes da graduação, mas os artigos que normalmente
recebem pareceres favoráveis e que acabam sendo publicados são de professores
universitários, geralmente iniciantes, e de alunos de pós-graduação, geralmente doutorandos
E1 Na [XX], predominam os artigos sobre formação de professor, ensino e aprendizagem e
análise do discurso de uma forma balanceada.
Em sua publicação, qual é o foco temático de
preferência da política da revista ou dos autores
dos artigos? Por exemplo, em nossa análise de
um corpus contendo 20 artigos científicos sobre
a escrita publicados no Brasil, detectamos como
principais áreas de interesse:
1. Análise de Texto/Discurso (foco no texto)
2. Formação do Professor de Escrita (foco no
professor)
3. Ensino/Aprendizagem da Escrita (foco no
aluno).
O/A senhor/a avalia que esse levantamento faz
uma representação geral fidedigna da pesquisa
sobre a escrita no Brasil? Por quê?
E2 Talvez devido ao tulo do periódico (XX), uma predominância de artigos que abordam o
Ensino/Aprendizagem da Escrita (foco no aluno).
E1 Percebe-se o predomínio pelo sociointeracionismo e análise do discurso na vertente francesa.
Nos artigos publicados em sua revista,
preferência por determinada orientação teórica
e/ou metodológica, como, por exemplo, Análise
de Discurso Crítica, Análise de Gênero, Análise
do Discurso de Linha Francesa, Lingüística
Textual, Lingüística Sistêmico-Funcional,
Pesquisa Correlacional, Pesquisa Etnográfica,
Pesquisa Experimental, ou outra qualquer?
E2 Temos tido muitos artigos nas áreas da pesquisa em sala de aula e da interação
professor/aluno
139
E1 Não mesmo uniformidade e nem sempre é fácil identificar a metodologia e mesmo a teoria
de suporte. muitos ensaios com revisão de literatura. Acho que a área está amadurecendo
e é natural essa fluidez.
Nossa análise do corpus sugere uma certa
variabilidade ou “fluidez” na textualização dos
relatos, em termos do tamanho do artigo; do
número, do nome e da organização do conteúdo
nas suas partes/seções. Determinadas seções
em alguns artigos analisados se mostraram de
difícil classificação retórica e outras se
mostraram híbridas (apresentando, por exemplo,
informações metodológicas e resultados na
mesma divisão). Em alguns artigos do corpus,
informações como descrição da coleta do corpus
foram identificadas na Introdução. Artigos
publicados em inglês em periódicos
internacionais, analisados em outros estudos, se
mostraram mais uniformes. Como o/a senhor/a
avalia esse dado? Em que medida haveria
diferenças entre os relatos de pesquisa
publicados no Brasil e os publicados no circuito
internacional em termos da sua textualização? A
que isso seria atribuído? Essa “fluidez” seria
positiva ou negativa?
E2 A textualização dos relatos de pesquisa no Brasil parecem realmente ser mais fluidos e menos
padronizados do que os “internacionais”. Não vejo problemas. Acho que a estrutura deve ser
orgânica, ou seja, adequar-se ao tópico que está sendo abordado e à maneira (tempos,
lugares) como a pesquisa foi realizada.
Acho que isso pode ser atribuído à ausência de “treinamento” na realização de trabalhos
acadêmicos em nossos cursos de graduação e a uma certa desconfiança brasileira com
relação à padronização. Me parece bastante saudável. Comecei lecionando escrita acadêmica
em uma universidade nos Estados Unidos e, quando cheguei ao Brasil, tive que adaptar minha
maneira de ensinar a mesma (?) disciplina. Precisei ser mais criativa e menos padronizada.
E1 Nossas normas não estabelecem parâmetros e fica a cargo do parecerista fazer a avaliação da
metodologia, mas posso te dizer que muitos artigos deixam a desejar, pois não deixam claro
como os dados foram analisados.
Em termos da descrição da metodologia, o que é
minimamente esperado de um relato para
publicação no periódico do qual o/a senhor/a é
editor/a? Os artigos submetidos têm
contemplado satisfatoriamente tais expectativas?
Como e por quê?
E2 Acho que toda a informação pertinente deve ser dada (sujeitos, forma de coleta dos dados,
princípios adotados para análise, enfim, a informação necessária para que os resultados sejam
considerados confiáveis e o artigo tenha credibilidade acadêmica). Agora, não acho que essa
informação deva necessariamente vir confortavelmente “acondicionada” em um item intitulado
Metodologia.
Nem todos os artigos submetidos à Revista têm contemplado tais expectativas. Os
recomendados pelos pareceristas, sim. Me parece que a tendência é aprovar aqueles artigos
mais “certinhos”, inclusive fazendo com que haja uma certa monotonia estrutural, ou seja,
todos os artigos seguindo os mesmos passos.
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