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o procedimento lógico-dedutivo e a capacidade da aplicação subsuntiva da lei garantir uma
decisão justa, razão pela qual defendia o pensamento tópico, por problemas
162
.
Acompanhar a crítica de Müller à tópica é importante porque o pensamento deste
autor vem sendo caracterizado no país como tópico-concretista, especialmente em virtude de
Paulo Bonavides, um dos principais divulgadores da obra de Friedrich Müller no Brasil
163
. É
de se ressaltar, contudo, que o jurista alemão expressamente refuta a designação da sua teoria
estruturante do direito como sendo de influência tópica
164
.
Apesar da tópica destacar a importância da consideração dos “dados materiais”
trazidos pelo problema – o que a torna próxima da teoria e metódica estruturantes –, o papel
que a norma desempenha no processo de aplicação do direito a torna incompatível com os
pressupostos da teoria e metódica estruturantes. Já sob o ponto de vista epistemológico,
Müller critica a tópica por sustentar a diferença categórica entre ser e dever-ser, e por não
fazer a distinção entre norma e texto de norma. Entretanto, o que Müller julga
162
Nos dizeres de Larenz, a tópica de Viehweg pode ser definida como “um processo especial de tratamento de
problemas, que se caracteriza pelo emprego de certos pontos de vista, questões e argumentos gerais,
considerados pertinentes – os “tópicos”, precisamente”. Os tópicos são todos aqueles argumentos utilizados para
a solução dos problemas jurídicos, como e.g., princípios jurídicos materiais e conceitos como declaração de
vontade, tutela da boa-fé, etc. (...) Segundo Larenz, Viehweg “aparentemente, considera como tópico toda e
qualquer idéia ou ponto de vista que possa desempenhar algum papel nas análises jurídicas, sejam estas de que
espécie forem”. Larenz, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. pp. 171-172.
163
Ao caracterizar o jurista alemão, afirma Bonavides: “O método de Müller é concretista. Tem sua base
medular ou inspiração na tópica, a que ele faz alguns reparos, modificando-a em diversos pontos para poder
chegar aos resultados da metodologia proposta”. Cf. Bonavides, Paulo. Curso de direito constitucional. p. 456.
Em outras paragens a relação entre a tópica e a teoria de Müller foi assim desenvolvida: “Sobre os alicerces da
tópica buscou-se reconstruir o edifício filosófico do direito. Um dos arquitetos dessa reconstrução, que
apresentou o projeto mais brilhante e engenhoso, na obra Teoria estrutural do direito, é o professor Friedrich
Müller, da Universidade de Heidelberg, de cuja faculdade já foi decano. Cf. Bonavides, Paulo. Teoria Estrutural
do Direito, de Friedrich Müller. In Müller, Friedrich. O novo paradigma do direito: Introdução à teoria e
metódica estruturantes do direito. p. 232.
164
Müller expressamente recusa a designação da sua teoria como de inspiração tópica. Nas palavras do próprio
autor em entrevista: “(...) não estou de acordo com Paulo Bonavides quando ele afirma possuir minha posição
uma “inspiração tópica”. Evidentemente, estou mais próximo da tópica que do positivismo. Porém, apesar disso,
não concordo com o pensamento tópico”. Cf. Müller, Friedrich. O novo paradigma do direito: Introdução à
teoria e metódica estruturantes do direito. p. 272. Outros autores também recusam a relação entre a metódica
estruturante do direito e a tópica. Thomas da Rosa de Bustamante assim se pronuncia: “Em minha opinião,
considerar o autor da Juristiche Methodik um “constitucionalista da tópica” (...) é exagerar a influência daquela
corrente de pensamento no método jurídico-concretista, que está muito mais próximo de Kelsen do que de
Viehweg (...) pois, segundo Müller, sem dúvida o texto da norma deve prevalecer sobre os problemas concretos
(...), devendo todo o processo de “concretização” tê-lo como ponto de referência (...)”. Cf. Bustamante, Thomas
da Rosa de. Sobre o conceito de norma e a função dos enunciados empíricos na argumentação jurídica segundo
Friedrich Müller e Robert Alexy. In Revista de Direito Constitucional e Internacional. São Paulo, v. 43, 2003,
pp. 101-102. Concorda-se com Bustamante no que se refere à discutível caracterização da metódica estruturante
como de decisiva influência tópica. Tem-se, porém, como temerária a gradação da obra de Müller entre os
extremos de Kelsen e Viehweg. Como visto no decorrer do trabalho, Müller refuta os conceitos de ciência,
norma jurídica, bem como a teoria da interpretação de Kelsen, o que por si só dificulta uma relação aproximada
entre as teorias.