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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ACRE - UFAC
P-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO
Mestrado em Ecologia e Manejo de Recursos Naturais
SEGURANÇA ALIMENTAR EM TERRAS INDÍGENAS:
OS SHANENAWÁ NO RIO ENVIRA - ACRE
CARLOS ANTÔNIO BEZERRA SALGADO
Rio Branco - AC
2005
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ACRE - UFAC
P-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO
Mestrado em Ecologia e Manejo de Recursos Naturais
SEGURANÇA ALIMENTAR EM TERRAS INDÍGENAS:
OS SHANENAWÁ NO RIO ENVIRA - ACRE
CARLOS ANTÔNIO BEZERRA SALGADO
RIO BRANCO - AC
2005
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ACRE - UFAC
P-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO
Mestrado em Ecologia e Manejo de Recursos Naturais
SEGURANÇA ALIMENTAR EM TERRAS INDÍGENAS:
OS SHANENAWÁ NO RIO ENVIRA - ACRE
CARLOS ANTÔNIO BEZERRA SALGADO
Orientador : Prof. Dr. JACÓ CÉSAR PICCOLI
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Ecologia e Manejo de Recursos
Naturais da Universidade Federal do Acre, como
parte das exigências para obtenção de título de
Mestre em Ecologia e Manejo de Recursos Naturais.
Rio Branco - AC
2005
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SALGADO, C. A. B. 2005.
Ficha catalográfica preparada pela Biblioteca Central da UFAC
S164s
SALGADO, Carlos Antônio Bezerra . Segurança alimerntar em
terras indígenas: os Shanenawá no Rio Envira - Acre. 2005.
209f. Dissertação (Mestrado em Ecologia e Manejo de Recursos
Naturais) – Universidade Federal do Acre, Rio Branco-Ac.
Orientador: Prof. Dr. Jacó César Piccoli
1. Segurança alimentar, 2. Terras indígenas – sustentabilidade,
3. Índios Shanenawá, 4. Alimentação - Cultura,
5. Transformação sociocultural – subsistência, I. Título
CDU 553.493.53:008 (811.2)
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ACRE - UFAC
P-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO
Mestrado em Ecologia e Manejo de Recursos Naturais
FOLHA DE APROVÃO
Título: SEGURANÇA ALIMENTAR EM TERRAS INDÍGENAS:
OS SHANENAWÁ NO RIO ENVIRA - ACRE
Autor: CARLOS ANTÔNIO BEZERRA SALGADO
Orientador: Prof. Dr. JACÓ CÉSAR PICCOLI
Aprovada em ......................................... de 2005
Comissão Examinadora:
____________________________________________________
Prof. Dr. Elder de Andrade de Paula
____________________________________________________
Prof. Dr. Jacó César Piccoli
____________________________________________________
Prof
a
. Dr
a
. Lais Maretti Cardia
____________________________________________________
Prof. Dr. Vicente Cruz Cerqueira
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AGRADECIMENTOS
É sempre uma felicidade poder agradecer a quem nos ajudou.
Quero agradecer especialmente, e em primeiro lugar, a minha querida mãe,
que sempre acreditou em minhas possibilidades e apostou nos meus sonhos, de
forma altruísta, impessoal, sem direcionar ou perguntar o porquê das coisas. Deu-
me seu amor incondicional e me educou para o mundo.
A meu pai, um exemplo, que ao seu jeito sempre acreditou na minha
capacidade incentivando constantemente os meus estudos.
A Jussânia, uma grande amiga e incentivadora em todos os momentos de
dúvida sobre fazer o mestrado.
A Adelina, amiga acreana, que desde a minha chegada ao Acre me deu força
e apoiou para que ingressasse no mestrado.
A minha querida filha Nahira, que soube compreender a minha ainda maior
ausência vivendo temporariamente no Acre.
A minha irmã Mariza, por acreditar em meus propósitos e ideais, pelo apoio,
atenção e empenho na revisão do texto.
Ao meu Orientador, Camarada Jacó, que soube compreender minhas
dificuldades e rigor quanto aos meus pensamentos, e me orientou em questões
definidoras do conteúdo final dessa dissertação.
Aos professores da comissão examinadora que muito me auxiliaram na
melhoria do conteúdo e no formato final dessa dissertação.
Aos professores, funcionários e amigos do mestrado, que de uma forma ou
outra me ajudaram a trilhar este caminho.
Aos meus amigos Raquel e Antônio Gomes, Alair e Lassi Lessa, que,em
momentos diferentes, me acolheram carinhosamente em Rio Branco na fase final de
escrita e revisão dessa dissertação quando precisei de apoio.
Aos meus amigos índios, com quem tanto aprendi, particularmente ao povo
Shanenawá, da aldeia Morada Nova, em especial a família de Wacaino (Bruno
Brandão) e Runi (Maria Geni) que sempre me acolheu com carinho.
Ao meu amigo e irmão índio, Tekahane Shanenawá (Carlos Francisco
Brandão), que sempre me apoiou com a sua amizade nas horas em que precisei.
Enfim, a Deus por estar vivo e feliz, realizando este antigo sonho . . .
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“A Natureza faz do homem um ser natural;
a sociedade faz dele um ser social;
somente o homem é capaz,
de fazer de si próprio um homem livre.”
Rudolf Steiner
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LISTA DE ILUSTRAÇÕES
FIGURAS Página
Figura 1-1 Mapa da fome no mundo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29
Figura 2-1 Rito de fertilidade Kaxinawá do plantio da batata doce . . . . . . 80
Figura 3-1 Distribuição das terras indígenas no Acre . . . . . . . . . . . . . . . . . 95
Figura 3-2 Mapa da terra indígena Katukina/kaxinawá . . . . . . . . . . . . . . . . 108
Figura 3-3 Representação do território Shanenawá . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 109
Figura 3-4 Imagem da aldeia Morada Nova . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 110
Figura 3-5 Distribuição da população . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 111
Figura 3-6 Percentual da população por gênero e faixa etária . . . . . . . . . 111
Figura 3-7 Saneamento ambiental percentual do fornecimento de água . . 115
Figura 3-8 Saneamento ambiental . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 116
Figura 3-9 Fonte de recursos financeiros . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 117
Figura 3-8 Saneamento ambiental . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 116
Figura 3-10 Calendário de atividades relevantes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 119
Figura 3-11 Principais alimentos tradicionais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 124
Figura 3-12 Diagrama da disponibilidade anual de alimentos . . . . . . . . . .. . 125
Figura 3-13 Produção dos roçados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 128
Figura 3-14 Coleta de Frutas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 128
Figura 3-15 Variedades de milho massa .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 129
Figura 3-16 Tipos de roçado e famílias que têm roçado . . . . . . . . . . . . . . . 130
Figura 3-17 Roçado Shanenawá . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 131
Figura 3-18 Diagrama do ciclo produtivo dos principais alimentos . . . . . . . . 132
Figura 3-19 Peixes e outros animais mais procurados. . . . . . . . . . . . . . . . . . 136
Figura 3-20 Porcentagem de famílias que praticam caça e pesca . . . . . . . . 137
Figura 3-21 Croqui sobre os barreiros e trilhas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 141
Figura 3-22 Mata virgem . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 142
Figura 3-23 Manejo de caça . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 184
Figura 3-24 Alimentos mais adquiridos na cidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 136
Figura 3-25 Alimentos adquiridos em menor quantidade na cidade . . . . . . . 137
Figura 1 Malocas de índios isolados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 163
Figura 2 Distribuição dos grupos de índios isolados . . . . . . . . . . . . . . . . 164
QUADROS
Quadro 1-1 Produção e apropriação de alimentos . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44
Quadro 3-1 Terra e povos indígenas no estado do Acre . . . . . . . . . . . . . . . 96
Quadro 3-2 Plantas do roçado Shanenawá . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 130
LISTA DE TABELAS
Tabela 1-1 Evolução dos índices de nutrição da América Latina . . . . . . 45
Tabela 1 Grupos indígenas segundo o grau de contato . . . . . . . . . . . . . . 177
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LISTA DE SIGLAS
Administração Executiva Regional de Rio Branco (AER-Rio Branco)
Associação Agro-Extrativista Poyanawa do Barão do Ipiranga (AAPBI)
Associação Comunitária Shanenawá de Morada Nova (ACOSMO)
Associação dos Seringueiros Kaxinawá do Rio Jordão (ASKARJ)
Banco Interamericano de Desenvolvimento (BIRD)
Centro de Referência em Segurança Alimentar e Nutricional (CERESAN)
Comissão Intersetorial de Saúde Indígena (CISI)
Comissão Pró Índio do Acre (CPI-Acre)
Confederação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB)
Conselho de Missões entre Índios (COMIN).
Conselho Distrital de Saúde Indígena (DISEI)
Conselho Indigenista Missionário (CIMI)
Conselho Nacional de Saúde do Ministério da Saúde (CNS/MS)
Conselho Nacional de Segurança Alimentar (CONSEA)
Coordenação das Organizações Indígenas da Bacia Amazônica (COICA)
Coordenação Geral de Identificação e Delimitação (CGID)
Curso de Pós-graduação em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade (CPDA)
Departamento de Índios Isolados (DII)
Departamento de Saúde Indígena (DESAI)
Food and Agriculture Organization (FAO)
Fundação Elias Mansur (FEM)
Fundação Nacional do Índio (FUNAI)
Fundação Nacional de Saúde (FUNASA)
Fundação Nacional de Saúde (FUNASA)
Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (FUNRURAL)
Instituto de Estudos Sócio-Econômicos (INESC)
Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS)
Ministério da Agricultura (MA)
Ministério da Educação (ME)
Ministério da Saúde (MS)
Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA).
Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS)
Ministério do Meio Ambiente (MMA)
Organização dos Povos Indígenas do Acre, Sul do Amazonas e Noroeste de Rondônia (OPIN)
Organização dos Povos Indígenas do rio Envira (OPIRE)
Organização Mundial de Saúde (OMS)
Oxford Committe for Famine Relief (OXFAM),
Partido dos Trabalhadores (PT)
Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT)
Programa de Distribuição de Alimentos (PRODEA)
Programa de Proteção Integral às Terras e Populações Indígenas na Amazônia Legal (PPTAL)
Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE)
Projetos Demonstrativos dos Povos Indígenas (PDPI)
Secretaria Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (SESAN)
Secretaria Extraordinária dos Povos Indígenas (SEPI).
Serviço de Patrimônio da União (SPU)
Serviço de Proteção ao Índio e Localização de Trabalhadores Nacionais (SPILTN)
Serviço de Proteção ao Índio (SPI)
Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (SISVAN)
União da Nações Indígenas do Acre e Sul do Amazonas (UNI)
Universidade Federal do Acre (UFAC)
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ)
Zoneamento Ecológico e Econômico do Estado do Acre (ZEE-Acre)
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RESUMO
poucas informações sobre a segurança alimentar e nutricional em
sociedades indígenas. Estudos sobre esse tema se justificam com a crescente
compreensão de que doenças podem ser evitadas com uma dieta equilibrada.
Sabemos dos problemas alimentares que ocorrem tanto entre os pobres e os
indigentes que têm fome, quanto entre os ricos que comem, mas não se nutrem
adequadamente.
Nas sociedades indígenas, temos algumas situações graves. Nelas o as
crises de abastecimento alimentar e o uso inadequado dos alimentos disponíveis
devem ser considerados, mas também outros fatores, mais profundos, que merecem
uma análise criteriosa sobre suas nefastas conseqüências para a saúde. Esses
fatores, determinantes da insegurança alimentar são de ordem histórica, social,
econômica e ambiental. Não há como dissociar quaisquer dessas dimensões.
Terras indígenas foram demarcadas para seu "usufruto exclusivo" e
"benefícios sociais" de nossa sociedade lhes foram estendidos para diminuir o
sofrimento causado pela desestruturação da vida tribal. Os seus recursos
alimentares naturais e os originários de sistemas de produção equilibrada passaram
de componentes da sobrevivência autóctone a mercadorias necessárias às frentes
de expansão do capital nacional. Ao mesmo tempo em que lhes foi modificada a
economia, também lhes foi imposta uma nova condição territorial, com a
demarcação de terras que nem sempre atendem à manutenção tradicional da
sobrevivência. O sistema de Segurança Alimentar e Nutricional estabelecido ao
longo de milênios, em pouco tempo, foi modificado completamente, gerando
constantes crises alimentares.
Dessa forma, as sociedades indígenas remanescentes vivem uma saga
particular de contato com nossa sociedade, que promove, em graus variados, uma
ruptura com o “etos tribal”, trazendo modificações nos seus modos de vida. Com a
identidade étnica afetada pela perda de parte de suas tradições, absorvem novos
elementos culturais. Passam assim a sobreviver de modo semelhante ao da
sociedade que os cerca, absorvendo por vezes seus mesmos padrões de nutrição e,
conseqüentemente contraindo suas mesmas doenças, o que demanda cuidados
extras com a “saúde”.
Nesta dissertação, procurou-se realizar um aprofundamento do tema
segurança alimentar e nutricional no contexto das sociedades indígenas no Brasil.
Analisaram-se, em um recorte, as atuais condições de vida do povo Shanenawá da
aldeia Morada Nova, na terra indígena Katukina/Kaxinawá, município de Feijó.
Pudemos constatar um elevado grau de ruptura sociocultural, uma redução da
diversidade alimentar e uma elevada fragilidade ambiental, com o comprometimento
da capacidade de suporte no fornecimento de proteína animal. Foi verificado
tamm um elevado grau de dependência econômica no abastecimento alimentar e
com relação a benefícios sociais e empregos, principais geradores de renda.
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ABSTRACT
There is little information about alimentary and nutritional safety within Indian
societies. Once many kinds of deseases can be avoided with a balanced diet, it’s
necessary to carry out studies on this field. There are serious alimentary problems
among poor people and indigents who live with hunger and also among rich people,
because of inadequate use of food.
Inside the Indian societies there are serious problems, not only because of lack of
food but also the inadequate use of it. There are also some other factors to be
considered, since they have bad consequencies to haelth. These factors come from
historical, social, economical and enviromental order.
Indian land are delimited for their use, and social benefits are provided to
reduce the problems caused by desorganization of tribal life, where the natural
alimentary resources originary of a balanced production system passed from
components of local surviving to products (goods) which are needed to the
expansion of national capital. As the same time their economy was modified, it was
imposed a new territorial condition, what is not easy to keep the traditional way of
surviving. The alimentary and nutritional system - constructed during millenniums -, in
a little time, was changed creating alimentary crisis.
Thus, the Indian societies live a particular saga in contact with our society,
what has promoted a rupture with the tribal ethos, changing their way of life, making
them get new cultural elements. This new way of life has made these societies live in
a similar way of our society, with the same pattern of nutrition and getting the same
kinds of desease, what needs special care with their health.
In this work, it was studied the alimentary and nutritional safety within the
Indian societies in Brazil, in special the conditions of life of Shanenáwa people of
Aldeia Morada Nova, in Indian land Katukina/Kaxinawá, in Feijó, where we could feel
a high degree of social and cultural rupture, with reduction of alimentary diversity,
what compromises the support of supplying of animal protein. It was also noticed
economic dependence concerning to alimentary supply and social benefits and jobs,
their main source of income.
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SUMÁRIO
Página
INTRODUÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12
1 Hipótese . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16
2 Objetivos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16
3 Metodologia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17
1 SEGURANÇA ALIMENTAR: ASPECTOS CONCEITUAIS E CONTEXTUAIS 23
1.1 A insegurança alimentar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23
1.2 Segurança alimentar e nutricional: um conceito em construção . . . 25
1.3 A soberania alimentar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31
1.4 Alimentação: uma análise cultural . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33
1.5 O valor nutricional da alimentação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 36
1.6 A terra e a produção . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39
1.7 A sustentabilidade ambiental . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40
1.8 A ação do estado brasileiro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45
2 SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL EM TERRAS INDÍGENAS . 47
2.1 Contexto etnoambiental . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 48
2.1.1 A relação com a natureza . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 48
2.2 A institucionalização da segurança alimentar e nutricional
indígena . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53
2.3 Os aspectos culturais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 56
2.4 O etnodesenvolvimento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57
2.5 O território e a terra indígena . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 59
2.6 As mudanças resultantes do contato . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . 62
2.7 A economia das comunidades indígenas . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . 64
2.7.1 O coletivo e o individual . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 66
2.7.2 O tempo indígena . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 68
2.8 A alimentação indígena . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 69
2.8.1 A culinária indígena . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 73
2.8.2 A fome e as doenças em terras indígenas no Brasil . . . . . . . . 74
2.9 A provisão alimentar indígena . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 77
2.9.1 O roçado de corte e queima . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 78
2.9.2 A coleta . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81
2.9.3 A pesca . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 82
2.9.4 A caça . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 84
2.9.5 Outras origens alimentares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . 86
2.10 Os fatores que desequilibram a provisão alimentar indígena . . . 86
2.10.1 A ação paternalista e assistencialista do Estado . . . . . . . . . . 86
2.10.2 Os benefícios sociais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 87
2.10.3 A merenda escolar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . 88
2.10.4 Os empregos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . 88
2.10.5 Outras formas de remuneração . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 89
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3 SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL DOS SHANENAWÁ . . . . . 90
3.1 A Questão Indígena no Acre . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 90
3.1.1 A economia da borracha . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 92
3.1.2 Os novos tempos e a demarcação das terras . . . . . . . . . . . . . 94
3.1.3 As dificuldades com alimentação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 98
3.1.4 O movimento indígena no Acre . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 102
3.1.5 O movimento indígena e o governo regional . . . . . . . . . . . . 104
3.2 Identificação, língua e consolidação territorial . . . . . . . . . . . . . . 105
3.2.1 O atual território Shanenawá . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 107
3.2.2 Os Shanenawá de Morada Nova . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 110
3.3 Indicadores socioambientais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 112
3.3.1 A cultura e a educação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 112
3.3.2 O saneamento ambiental . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 114
3.3.3 As doenças . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . 116
3.3.4 Emprego, ocupação e renda . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . 117
3.3.5 Principais atividades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 118
3.4 A alimentação Shanenawá . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 119
3.4.1 A alimentação na viagem do rio Tarauacá para o rio Envira . 120
3.4.2 A alimentação nos primeiros anos no rio Envira . . . . . . . . 121
3.4.3 A alimentação tradicional . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 121
3.4.4 A alimentação especial e as restrições alimentares . . . . . 126
3.4.5 As modificações alimentares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 126
3.5 A produção de Alimentos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 127
3.5.1 Os principais alimentos de produção própria . . . . . . . . . . . 127
3.5.2 O resgate das sementes tradicionais . . . . . . . . . . . . . . . . 129
3.5.3 O roçado Shanenawá . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 130
3.5.4 Os Alimentos de origem animal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 135
3.5.5 O plano de manejo de caça . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 138
3.6 A dependência externa no abastecimento alimentar . . . . . . . 143
3.7 Os fatores econômicos e a assistência oficial . . . . . . . . . . . . . 145
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 149
REFERÊNCIAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 160
ANEXOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 168
Anexo A A TRANSFORMAÇÃO SOCIOCULTURAL E O INDIGENISMO 169
1 As sociedades indígenas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 170
2 O contato e a transformação sociocultural . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 173
3 A ação indigenista oficial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 179
4 O movimento indígena no Brasil . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 183
Anexo B QUADROS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 186
Anexo C TRANSCRIÇÃO DE ENTREVISTAS . . . . . . . . . . . . . . . . . 191
Anexo D RELATÓRIO DO PLANO DE MANEJO DE CAÇA . . . . . . 198
Anexo E ICONOGRAFIA SHANENAWÁ . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 199
Anexo F FICHA PARA COLETA DE DADOS EM CAMPO . . . . . . . 206
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INTRODUÇÃO
Escrever sobre Segurança Alimentar e Nutricional em terras indígenas me pareceu
interessante, pois vem ao encontro de minha formação acadêmica e atuação
profissional. A escassa, mesmo quase inexistente, literatura específica sobre o tema
nos deu a dimensão da importância que pesquisas desta natureza podem ter para a
descoberta de um mundo novo.
De antemão, pode-se afirmar que conhecemos muito pouco sobre a situação nutricional das
populações indígenas. [...] Infelizmente as informações acerca da composição dietética, incluindo
proteínas, calorias e outros nutrientes, o muito esparsas. Estudos dessa natureza são
particularmente difíceis de realizar em comunidades indígenas, uma vez que, além de requererem
uma longa permanência entre elas, em geral demandam a pesagem sistemática dos alimentos. Como
os índios não têm o hábito de realizar refeições em horários fixos e consomem alimentos tanto na
aldeia como fora dela, tais estudos se tornam muito difíceis. (SANTOS, R., 1995, p.22)
Nem tudo em uma sociedade indígena é visível aos nossos olhos. Muitas vezes
desconhecemos a origem real ou mesmo detalhes do uso e processamento de
determinados alimentos, principalmente os derivados de relações de natureza
cultural.
1
Essas relações são responsáveis por uma complexa rede interna de
distribuição de alimentos.
Uma grande parte dos itens comestíveis escapa à característica de mensurabilidade e
previsibilidade, possível de ser pensada no caso da agricultura e do criatório, mas muito difícil de ser
aplicada em atividades de resultados incertos e não dimensionáveis em termos numéricos, como a
caça, a coleta de frutas e raízes. Neste quadro torna-se muito difícil avaliar a carência alimentar de
um indivíduo, pois isso exigiria dizer quem consome o que, em que quantidade e com que freqüência.
A fome, em um sentido de conduta individual manifesta e reconhecida pela consciência das pessoas,
estaria virtualmente ausente dessas sociedades. (OLIVEIRA, 1995, p. 17)
Mesmo as organizações que têm por responsabilidade prestar assistência
emergencial às populações indígenas possuem pouca informação a respeito da
questão alimentar e nutricional em terras indígenas. Trabalha-se sempre na
perspectiva de atenuar o problema mais grave para o momento e as questões mais
conceituais e filosóficas vão sendo deixadas para posterior encaminhamento.
As dificuldades enfrentadas pelas sociedades indígenas ao longo desses mais de
500 anos de colonização, com o esbulho de suas terras, a pilhagem de seus
recursos e conhecimentos, a desestruturação da vida tribal por completo, a
integração socioeconômica e a marginalização provocada pela ação paternalista do
estado, ampliaram a insegurança alimentar e nutricional geradora de fome e miséria.
Segundo Verdun (1995, p.12), o “Mapa da Fome em Terras Indígenas II”, do Instituto
de Estudos Sócio-Econômicos (INESC), informa que cerca de 34% da população
indígena vive em condições de penúria e subnutrição, permanente ou sazonal.
Como afirma Sampaio (1995, p. 31), no nordeste brasileiro, onde a marca da
convivência com a sociedade nacional e os efeitos da conquista sobre suas culturas,
sua autonomia política e econômica e, sobretudo, sobre suas terras, elevam os
índices de pobreza a 85% da população, que convive regularmente com a fome e a
carência alimentar.
1
Essas relações que interferem no uso e processamento dos alimentos decorre de relações de
compadrio estabelecidas com os regionais mais próximos com quem mantêm relações de
casamento e de trocas materiais próprias do universo cultural Shanenawá.
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Para muitos povos indígenas a modificação dos hábitos alimentares vem gerando
uma nova fome: a carencial, que estabelece um quadro de doenças características
da falta de nutrientes. Doenças antes inexistentes como o diabetes mellitus, m se
manifestando em parte considerável da população Xavante.
Observa-se que a dieta atual dos Xavante é muito distinta de sua dieta tradicional. Este fato,
associado ao sedentarismo e estresse, são os fatores que mais contribuem para a ocorrência do
diabete na terra indígena São Marcos. Em relação à prevalência de diabetes nesta terra, esta já pode
ser considerada de um vel preocupante, sendo que a tendência da mesma é de se elevar a curto
prazo. Ainda, de modo geral, as aldeias com maior prevalência de diabetes o aquelas que
possuem um maior contato com a cidade, confirmando haver uma relação positiva entre a ocorrência
da doença e o nível de aculturação da população da aldeia. (FREITAS et al, op.cit., p.22)
O diabetes, segundo Vieira (1977) citado por Freitas et al. (2004, p.8) é manifestado
tamm entre os índios Caripuna e Palikur, que vivem no Amapá e sofreram uma
mudança alimentar, suprindo-se basicamente com farinha de mandioca e cana-de-
açúcar. Em outros estudos anteriores, com os Xikrin, Gavião e Surui, Vieira (1975)
não encontrou casos, o que pode acontecer devido a relativa manutenção de seus
hábitos alimentares tradicionais.
Atualmente, a situação de maior gravidade, é a mortalidade infantil por subnutrição.
Em 2001 foi manchete nos noticiários uma grave situação de mortalidade infantil
entre os índios Kaigang no Rio Grande do Sul. Agora em 2005 o caso mais
alarmante é a mortalidade infantil entre os Guarani Kaiowá.
Matéria veiculada pela internet no web site do Ambientebrasil em 06/03/2005,
intitulada "A morte das nossas crianças: a desnutrição e nossas terras", assinada
pela Comissão de Direitos Indígenas Guarani Kaiowá, afirma:
Na raiz desta situação está a falta de terra, que é conseqüência da história de roubo e
destruição dos nossos territórios tradicionais, da política de confinamento, da perda de nossa
liberdade e até da perda da vontade de viver. [...] Esse assunto não pode ser discutido como se fosse
um problema simplesmente de “dar comida aos índios”. Também não se pode dizer que a
responsabilidade das mortes é por causa da nossa cultura.
Esse mesmo web site informa: em 31/03/2005, que cerca de 27 mil Guarani kaiowá
vivem em aldeias do sul do Estado. A Fundação Nacional de Saúde (FUNASA)
atendeu em 2004 cerca de 7.320 crianças dessa etnia menores de cinco anos, das
quais quase 2.000 eram desnutridas ou estavam abaixo do peso normal; em
10/05/2005, que uma comissão com representantes de vários ministérios, reunida na
região de Dourados (MS), anunciou a distribuição de 1.200 cestas de alimentos por
mês aos índios, além das 1.876 já fornecidas pelo governo do Estado. Contudo, o
manifesto divulgado pelo Conselho Distrital de Saúde Indígena (DISEI) e assinado
por três caciques de aldeias localizadas no município de Miranda informou que o
"problema das comunidades indígenas do Mato Grosso do Sul é a falta de terra para
subsistência das famílias".
De um lado, os representantes do povo Guarani Kaiowá insistindo na necessidade
de terras e de outro, em uma dimensão fetichista, o governo em uma operação
envolvendo vários órgãos federais, sinalizando a distribuição de cestas de alimentos
como forma de resolução para o problema.
A gravidade da situação nacional pode ser vista com a distribuição generalizada de
cestas de alimentos para diversos povos indígenas. Em 2004, de acordo com dados
da Secretaria Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (SESAN) do Ministério
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do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), foram distribuídas no Brasil
38.796 cestas de alimentos a comunidades indígenas.
Essa política assistencial traz sérias conseqüências à manutenção da integridade
física e cultural desses povos que buscam a sobrevivência com saúde
2
. A segurança
alimentar e nutricional em terras indígenas é fator fundamental para a geração e
manutenção da saúde, sendo, de forma geral, colocada em segundo plano pelas
políticas assistencialistas e mesmo indigenistas.
São diversos os fatores internos e externos que podem influenciar, de forma
negativa ou positiva, a sustentabilidade dos “sistemas de segurança alimentar”
3
nas
terras indígenas. As interferências podem gerar um maior ou menor grau de
desequilíbrio interno e dependência crescente de incrementos externos, afetando
diretamente esses sistemas e a própria sobrevivência autônoma desses povos.
Sabe-se da capacidade de produção de alimentos e da sabedoria milenar dos pajés
e outros sábios que, com suas dietas, quase tudo curam e também do conhecimento
dos velhos, que ainda praticam uma dieta rica e equilibrada aprendida
tradicionalmente. Esses conhecimentos são de grande ajuda na resolução das
dificuldades alimentares e nutricionais.
1 HIPÓTESE
As alterações e as adaptações ambientais, culturais, econômicas e assistenciais,
derivadas do processo histórico de contato entre os Shanenawá e a sociedade
brasileira podem conduzir ao enfraquecimento do sistema de segurança alimentar e
nutricional.
2 OBJETIVOS
2.1 Geral
Avaliar a sustentabilidade do sistema de segurança alimentar dos Shanenawá da
terra indígena Katuquina/Kaxinawá procurando identificar parâmetros locais de
modificações e adaptações ocorridas na história recente.
2.2 Específicos:
2
Por sobrevivência com saúde se subentende que um organismo bem alimentado é menos
suscetível em contrair doenças. Hipócrates no culo III A.C. afirmava : “Teu alimento é teu
remédio, teu remédio é teu alimento”.
3
Entende-se por “Sistemas de Segurança Alimentar”, para efeito dessa dissertação, a intrincada teia
de relações de produção e apropriação de alimentos e sua relação de estabilidade ao longo do ano
e da própria vida. Aqui não se pensa estabelecer o que etnicamente se define como Sistema de
Segurança Alimentar pelo povo Shanenawá, pois certamente exigiria estudo antropológico mais
acurado da cultura Shanenawá e de suas migrações territoriais em busca da sobrevivência.
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a) Descrever fatores econômicos que levam os Shanenawá ao abandono parcial do
sistema tradicional de produção agrícola de alimentos;
b) Identificar fatores tecnológicos que levam ao desequilíbrio do sistema de
produção de alimentos dos Shanenawá;
c) Identificar formas complementares de apropriação pelos Shanenawá, de
alimentos da natureza através da caça, pesca, coleta e criação de animais;
d) Identificar na sociedade Shanenawá fatores institucionais/assistenciais que
influenciam a estabilidade do seu sistema de segurança alimentar.
3 METODOLOGIA
Os procedimentos metodológicos adotados para a realização da presente pesquisa
enfatizaram a análise da bibliografia consultada e a coleta de dados em campo para
o estudo de caso em uma comunidade indígena específica. Assim, realizamos uma
análise e discussão sobre os fatores influentes na sustentabilidade da segurança
alimentar e nutricional entre povos indígenas no Brasil, procurando referenciar mais
particularmente a situação de um povo indígena do Acre. Estudamos a influência na
sustentabilidade levando em consideração, durante a alise, fatores ambientais,
econômicos, sociais, culturais, institucionais e geográficos. Esse estudo reúne
informações que permitem uma aproximação sobre as atuais condições de
segurança alimentar e nutricional e possibilitam visualizar a relação existente entre a
produção agrícola de alimentos e outras formas de suplementação alimentar.
A escolha do tema “Segurança alimentar em terras indígenas: os Shanenawá no rio
Envira - Acre”, para a realização da pesquisa e a elaboração da dissertação, partiu
de uma reflexão sobre como aproveitar a experiência adquirida ao longo de 17 anos
de indigenismo e sobre como poder retribuir os conhecimentos aprendidos, de forma
a promover a melhoria da vida das populações indígenas. Motivaram-me também a
pequena quantidade de trabalhos que abordam esse tema; a dificuldade de se
encontrar uma análise criteriosa sobre a sustentabilidade de sistemas de produção
de alimentos em terras indígenas; e o aprofundamento da linha pessoal de
investigação, permitindo revisitar o trabalho com essa temática em minha atuação
como agrônomo e como indigenista.
Para realização do estudo de caso em campo foi delimitada a área habitada pela
etnia Shanenawá
4
. A área delimitada fica no estado do Acre, próximo ao município
de Feijó, na terra indígena Katuquina/Kaxinawá onde habitam, os Shanenawá e os
Kaxinawá. A terra indígena se situa à margem esquerda do rio Envira, em frente a
sede municipal. O território Shanenawá ocupa parte dessa terra e se subdivide em
quatro aldeias, tendo sido escolhida como área de pesquisa a aldeia Morada Nova
que fica cinco minutos a jusante de Feijó.
4
De acordo com Cândido (1998), as alternâncias entre as grafias Shanenáwa e Shanenawá devem-
se ao fato de que na literatura corrente o termo Shanenáwa segue os padrões prosódicos do
português. Contudo no trabalho lingüístico realizado pela mesma, os falantes, se auto-referem
como Shanenawá seguindo o padrão fonológico da própria ngua. Estas informações extraídas da
bibliografia, são reafirmadas por Carlos Francisco Brandão, liderança Shanenawá, em informação
verbal, onde afirmou que Shanenáwa é jeito de falar dos brasileiros e que o correto é Shanenawá.
Assim estaremos utilizando a grafia Shanenawá em consideração a auto-denominação do povo.
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A escolha dessa área geográfica e étnica se deveu basicamente a três fatores, a
saber: a viabilidade de traslado ao local de pesquisa em qualquer época do ano; a
experiência pessoal em outros trabalhos com essa etnia; e a proximidade com a
cidade de Feijó, caracterizando uma sociedade com alto grau de influência e
dependência externa.
Com relação à delimitação do período estudado, foi necessária a análise de
documentos relativos ao século XX, sendo utilizadas tamm algumas poucas
informações que remontam ao início da colonização portuguesa. Mas a pesquisa
bibliográfica se concentrou em documentos escritos da segunda metade do século
XX até os dias de hoje, o que varia de acordo com a temática investigada.
O método escolhido para o desenvolvimento dessa dissertação segue mais de uma
linha. Na parte do estudo de caso, seguimos a indutiva, pois a partir de observações
anteriores em algumas comunidades indígenas, pudemos inferir sobre a
sustentabilidade do sistema de segurança alimentar e nutricional junto à aldeia
Morada Nova. Utilizamos tamm a linha interpretativa, visto que parte considerável
do trabalho foi realizada através de pesquisa e interpretação bibliográfica, utilização
de entrevistas gravadas e transcritas (em anexo) e de questionários (em anexo), o
que de modo diverso permitiu a análise e interpretação qualitativa das informações.
Foi realizado um levantamento bibliográfico sobre trabalhos publicados em livros,
revistas científicas e documentos. os dados de campo são oriundos da pesquisa
em andamento e outras que realizamos anteriormente.
A escolha das pessoas para as entrevistas foi feita segundo a sua importância
social, conhecimento étnico e participação na migração do rio Taraua para o rio
Envira. Tamm foram entrevistadas outras lideranças mais jovens que participam
do movimento indígena e têm influência na vida da aldeia.
Procuramos extrair da literatura pesquisada os elementos que vêm ao encontro do
tema de estudo, permitindo uma análise crítica das informações. Como forma de
complementar alguns dados referentes aos Shanenawá, aproveitando duas viagens
para a execução do projeto sobre manejo de fauna, foram realizadas entrevistas
com velhos, lideranças e dirigentes da Associação Comunitária Shanenawá de
Morada Nova (ACOSMO).
Utilizamos informações de natureza bibliográfica oriundas de livros, periódicos,
textos e documentos avulsos, alguns site na internet e outras fontes bibliográficas.
Consultamos a biblioteca da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) em Brasília e a
biblioteca da Universidade Federal do Acre (UFAC).
Os principais autores pesquisados foram: Darcy Ribeiro e Antônio Carlos de Souza
Lima, sobre índios no Brasil; Vandana Shiva, Ignacy Sachs e Eugene Odum, sobre o
tema meio ambiente; Renato Maluf e Francisco Menezes, sobre segurança alimentar
e nutricional; Ja César Piccoli, Marcelo Piedrafita Iglesias e Terri Vale de Aquino,
sobre povos indígenas no Acre; Gláucia Vieira Cândido e Jacó César Piccoli, sobre
os Shanenawá. Especificamente sobre os Shanenawá, utilizamos também dados
fornecidos pelo Chefe de Posto da FUNAI no município de Feijó.
Como forma de confirmação e validação de informações, utilizamos e comentamos
material iconográfico (fotografias e desenhos) produzido anteriormente. Foram
tamm aproveitados dados de campo de coletas anteriores, realizadas para outros
projetos executados e em execução, onde foram realizadas entrevistas com
velhos, oficinas de desenhos e textos, visitas às casas e aos roçados, incursões na
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floresta e visitas a lagos e outras unidades de recursos. Analisamos dados coletados
recentemente em Morada Nova, onde entrevistamos algumas pessoas mais velhas e
preenchemos um questionário procurando levantar a realidade alimentar de todas as
40 famílias.
Tecemos comentários elaborados a partir de análises qualitativas sobre a
alimentação e sua sustentabilidade. Essas análises estarão verificando o abandono
de determinados alimentos, as substituições desses alimentos por outros
industrializados, além de outras formas de se examinar a qualidade da alimentação.
Para a sistematização e análise das informações coletadas, construímos diagramas
com os recursos alimentares e sua disponibilidade ao longo do ano, permitindo
verificar visualmente os períodos de maior escassez ou fartura.
Foram estudadas as bases de sustentação tanto resultantes dos cultivos em
roçados, quanto da coleta na própria floresta na forma de caça, frutos e outros
alimentos, e ainda das alternativas a esses sistemas. Em síntese analisamos a
capacidade de suporte ambiental para o estabelecimento da comunidade, a opção
cultural por esse estabelecimento e, em caso de dificuldades, quais as alternativas
que foram implementadas.
A estrutura da dissertação foi pensada da seguinte forma: desenvolvemos uma
introdução procurando estabelecer a importância e justificativa para a escolha do
tema, elaborar e constituir o problema de pesquisa, bem como delimitá-lo nos seus
principais aspectos constitutivos e, por fim, caracterizar os procedimentos
metodológicos adotados.
O primeiro capítulo desenvolve os aspectos conceituais e contextuais sobre o tema
Segurança Alimentar e Nutricional, aprofundando a análise sobre: a construção do
conceito de segurança alimentar e nutricional; a fome; a soberania alimentar; os
fatores culturais que influenciam a alimentação; a sustentabilidade ambiental da
produção de alimentos; o valor nutricional dos alimentos; e a ação institucional do
governo brasileiro.
O segundo capítulo permite verificar a mudança no tratamento contemporâneo para
com a natureza, seguindo o estudo da segurança alimentar em terras indígenas
enfocando: a institucionalização da segurança alimentar e nutricional indígena; as
influências da cultura na alimentação; o etnodesenvolvimento; o território e a terra
indígena; mudanças resultantes do contato; a economia das comunidades indígenas
e sua relação com a produção de alimentos; a produção e o uso dos alimentos;
fatores que levam ao desequilíbrio do sistema tradicional de produção de alimentos;
e a questão indígena acreana.
No terceiro capítulo, damos procedimento a um estudo de caso onde se particulariza
a segurança alimentar entre os Shanenawá, especificamente na aldeia Morada
Nova, procurando estabelecer uma relação da alimentação antiga com a atual e
suas conseqüências na economia e na saúde, procurando ainda analisar os fatores
que interferem nos sistemas alimentares de uma forma geral.
Nas considerações finais, encerrando a parte textual da dissertação, comentamos as
dificuldades e principais problemas enfrentados nesse trabalho de pesquisa e
estabelecemos algumas recomendações. Em seguida, disponibilizamos as
referências pesquisadas e citadas no texto da dissertação.
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Os anexos trazem um texto sobre a transformação sociocultural e o indigenismo,
abordando informações sobre: as sociedades indígenas; o contato das sociedades
indígenas com a sociedade brasileira e suas implicações; a ação indigenista
contemporânea; e algumas considerações sobre a constituição e atuação do
movimento indígena no Brasil. É recomendável a leitura desse texto que serve como
base para a discussão da temática indígena. Também são disponibilizados nos
anexos, as entrevistas realizadas na aldeia Morada Nova com alguns Shanenawá,
uma iconografia sobre segurança alimentar entre os povos indígenas, o questionário
utilizado para coleta de dados de campo e alguns quadros com a consolidação de
dados de campo.
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1 SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL: ASPECTOS
CONCEITUAIS E CONTEXTUAIS
“Ao longo dos anos milhões de pessoas conseguiram vencer a fome. Mas, em todo o mundo, cerca de
800 milhões de pessoas continuam à margem do direito fundamental de ter o alimento”.
Dr. Jacques Diouf, Diretor-Geral da FAO
Cúpula Mundial da Alimentação: Cinco Anos Depois (2002)
A abordagem da "segurança alimentar e nutricional" será desenvolvida partindo-se
da compreensão da situação geral no planeta, para um recorte no Brasil.
Primeiramente estudaremos o aspecto conceitual sobre a própria segurança
alimentar, a fome e a soberania alimentar. Em seguida, abordaremos a alimentação
em seus aspectos culturais e em sua relação com a sustentabilidade ambiental. e por
fim a qualidade dos alimentos.
Estudar “segurança alimentar e nutricional pode parecer simples, mas os múltiplos
fatores determinantes e as relações entre esses devem ser abordados e
compreendidos como um todo, trazendo certa complexidade ao assunto.
A análise do problema alimentar não é um tema de interesse individual de cada país. Só
poderia ser algo exclusivo de uma população se ela vivesse isolada em alguma parte do mundo.[...] A
maior parte das populações do mundo, porém, produz sua alimentação apenas parcialmente e resolve
suas questões alimentares num sistema de relações que implica intercâmbio, particularmente com a
tendência crescente à urbanização das civilizações (CONCHOL,1986, p.96).
Parte das sociedades indígenas vivem em situações relativas de isolamento e, em
muitos casos, m plenas condições de auto-suficiência alimentar, mas para
algumas, a situação atual é de dependência parcial e até total pelo alimento externo.
1.1 A INSEGURANÇA ALIMENTAR
Embora se produzam hoje alimentos mais que suficientes para suprir todas as
necessidades da população planetária, ainda existem imensos contingentes de
famintos por todos os lados, muitos pela falta de acesso direto aos alimentos, outros
pela utilização inadequada dos mesmos. Ou seja, uns não comem e outros comem,
mas não se alimentam.
Surge, dessa forma, um estado de insegurança alimentar incompreensível, pois,
além dos alimentos em fartura, temos hoje muito conhecimento e informações
detalhadas sobre o valor nutricional dos alimentos e sobre como produzi-los
adequadamente, mas ainda é baixa a qualidade do que é consumido. Tudo isso se
manifesta como fome e miséria, para alguns miles de indivíduos.
Neste quadro de insegurança alimentar com dois lados e que produz uma crescente
preocupação mundial, é que vem se buscando e formando um melhor entendimento sobre suas
origens constituintes e repercussões sobre a humanidade. Disso vem resultando uma compreensão
abrangente que procura dar conta de todos os aspectos relacionados ao alimento e à alimentação no
mundo sob o enfoque do que é chamado de segurança alimentar. (MONTAÑA, 2003, p.2)
Logicamente, sem alimentos é impossível pensar a vida. O primeiro entendimento
sobre segurança alimentar, esteve ligado aos mais primordiais sentimentos e
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instintos da própria sobrevivência, remontando ao início da humanidade. Garantir o
alimento de cada dia sempre foi uma necessidade intrínseca à própria adaptação e
existência humanas em determinado ambiente.
O homem essencialmente coletor não armazenava alimentos por longos períodos.
As tecnologias mais primitivas, com o uso do fogo e do sal, auxiliavam na
conservação de alguns poucos itens e por períodos reduzidos. A sedentarização com
o domínio de tecnologias de produção de alimentos, complementando a coleta,
mudou gradativamente esta ótica, trazendo novas possibilidades de armazenamento
podendo se retardar a colheita de algumas raízes ou mesmo colher e guardar grãos.
O paulatino desenvolvimento tecnológico gerou formas de processamento de
alimentos que muito ajudaram na manutenção permanente da oferta. O polvilho e a
massa extraídos habilmente da mandioca eliminando sua toxidade é o exemplo mais
marcante dessas tecnologias.
Na história de todas as civilizações, grandes dificuldades foram enfrentadas, onde o
clima adverso ou mesmo pragas impediam a produção de alimentos.
No Brasil, durante os primeiros anos da colonização, optou-se pela adoção da agricultura
indígena para a produção de alimentos. Desta forma foi assimilada a mandioca sendo plantada em
larga escala mono-cultural para atender as necessidades coloniais. Com os sistemas fragilizados pela
falta de diversidade, ocorrem as primeiras fomes no Brasil, provocadas pela infestação dos
mandiocais por lagartas. Assim foi no Rio de Janeiro em 1779 e em Salvador em 1804. (SILVA, 1994,
p.42).
As mudanças climáticas e distúrbios ambientais típicos da atualidade estão
presentes e aumentam sua freqüência e magnitude ano após ano.
1.2 SEGURANÇA ALIMENTAR: UM CONCEITO EM CONSTRUÇÃO
O termo "Segurança alimentar" começou a ser utilizado após o fim da Primeira Guerra Mundial.
Com a traumática experiência da guerra, vivenciada, sobretudo na Europa, tornou-se claro que um
país poderia dominar o outro controlando seu fornecimento de alimentos. [...] Portanto, esta questão
adquiria, nas primeiras décadas do século XX, um significado de segurança nacional para cada
país, apontando para a necessidade de formação de estoques "estratégicos" de alimentos e
fortalecendo a idéia de que a soberania de um país dependia de sua capacidade de auto-suprimento
de alimentos. (MALUF; MENEZES, 2002, p.1)
Com o fim da II Guerra Mundial, essa compreensão sobre segurança alimentar foi
retomada agregando-se a ela uma noção de direito humano à alimentação. Esse
acréscimo foi influenciado por deliberações resultantes da Conferência das Nações
sobre Alimentação e Agricultura realizada em 1943, com o objetivo de libertar da
miséria todas as pessoas da Terra.
A política aliada do pós-guerra, com a criação da Food and Agriculture Organization
(FAO), em 1945, e com a Declaração dos Direitos Humanos, em 1948, manteve em
pauta o assunto em nível mundial.
Paralelamente se desenhavam as estratégias para o desenvolvimento da chamada
“Revolução Verde”
5
. Entra em cena todo um arsenal químico, para adubação e
5
A "Revolução Verde" tinha como objetivo expcito o aumento da produção e da produtividade
agrícola no mundo. O programa foi iniciado em 1943 no México, quando a fundação americana
Rockefeller foi convidada a realizar trabalhos sobre as causas da fraqueza de sua agricultura.
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combate a pragas, aliado à mecanização intensiva do trabalho agrícola,
melhoramento genético e novas tecnologias. Assim as fundações americanas
Rockefeller e Ford iniciaram a Revolução Verde que se baseava no paradigma de
que a ciência poderia alimentar todos os famintos.
Em 1963, foi criada pela FAO e pela Organização Mundial de Saúde (OMS) a
comissão do Codex Alimentarius
6
, que buscava a proteção da saúde dos
consumidores. Na década de 70, surgem crises com a produção de alimentos em
diversos países e é quando a FAO, diante de um quadro generalizado de
desabastecimento, fome e miséria, promove a I Conferência Mundial de Segurança
Alimentar, que concluiu pela necessidade de se fortalecer a capacidade de produção
agrícola para haver uma maior disponibilidade de alimentos no mundo.
Na década de 80, mesmo com a capacidade mundial de produção de alimentos
recuperada, ficou claro que segurança alimentar não era apenas produzir em
quantidade. Apesar de existirem alimentos, aumentava no mundo o número de
pessoas que o dispunham deles e assim deveriam ser buscadas estratégias para
acesso das pessoas famintas ao alimento existente.
O acesso a alimentos saudáveis e de boa qualidade é um direito universal dos povos, e deve se
sobrepor a qualquer fator econômico, político ou cultural que impeça sua efetivação. Infelizmente na
sociedade contemporânea este acesso está obstruído para uma parcela significativa da população.
(MEIRELLES, 2004, p.12)
Até a década de 80, três aspectos eram apontados como relevantes para a
segurança alimentar: disponibilidade; estabilidade; e acesso. Uma oferta suficiente
para atender às necessidades de consumo de toda a população, a manutenção de
níveis ideais de abastecimento e principalmente a capacidade de produzir ou
comprar os alimentos necessários. Para que toda a população acesse alimentos em
quantidade suficiente, disponibilidade e estabilidade são condições necessárias, mas
não suficientes. Com as discussões da década de 90 se chegou a outros elementos
importantes para a segurança alimentar, agregando-se, a qualidade dos alimentos, o
direito à informação e a valorização das opções culturais. É quando tamm surge a
preocupação com a sustentabilidade.
Embora a fome e a desnutrição, sejam as manifestações mais cruéis da situação de
insegurança alimentar, e a incapacidade de acesso aos alimentos a sua principal causa, outros
aspectos devem tamm ser considerados, de maneira que se identifiquem as condições necessárias
para que prevaleçam melhores condições alimentares, seja nos planos locais e nacionais ou no plano
global.
Um primeiro ponto diz respeito à qualidade dos alimentos e sua sanidade. Ou seja, todos
devem ter acesso a alimentos de boa qualidade nutricional e que sejam isentos de componentes
químicos que possam prejudicar a saúde humana. [...]
Outro ponto refere-se ao respeito aos hábitos e à cultura alimentar. Exige-se aqui que se
considere a dimensão do patrimônio cultural que está intrínseco nas preferências alimentares das
comunidades locais e nas suas práticas de preparo e consumo. [...]
Um terceiro ponto está na sustentabilidade do sistema alimentar. A segurança alimentar
depende não apenas da existência de um sistema que garanta, presentemente, a produção,
distribuição e consumo de alimentos em quantidade e qualidade adequadas, mas que tamm não
venha a comprometer a mesma capacidade futura de produção, distribuição e consumo ( MALUF;
MENEZES, op. cit, p.2).
6
A comissão do “Codex Alimentárius” foi criada para desenvolver normas alimentares e regulamentos
para produtores e elaboradores de alimentos, e para auxiliar os organismos nacionais de controle
dos alimentos e para regulamentar o comércio internacional de produtos alimentares.
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A atual forma de se produzir alimentos, com o uso de tecnologias ainda pouco
testadas com relação a seus efeitos para a saúde humana, como é o caso dos
transgênicos e mesmo o uso de venenos agrícolas em nome de maiores
produtividades, deve ser examinada.
Os hábitos alimentares culturais estabelecidos por determinadas populações estão
ligados a uma lógica de condições ambientais e sociais, não significando que
estejam coerentes com as necessidades fisiológicas individuais, podendo ser
necessária a sua melhoria. Mas nem sempre os parâmetros estabelecidos pela
sociedade ocidental para uma nutrição ideal são válidos genericamente.
Devemos estar bem atentos às necessidades de sustentabilidade dos sistemas de
produção, distribuição e consumo alimentar, para o comprometer a sustentação
futura. Mesmo estando garantida a produção sustentável de alimentos adequados a
boa nutrição e que atendam às preferências culturais, segurança alimentar e
nutricional precisam ser atendidas ao mesmo tempo.
A segurança alimentar e nutricional como é compreendida hoje, vai além da mera
ação do cidadão e para ser assegurada para todos, precisa da atuação conjunta do
governo com a sociedade.
É preciso que se considere o direito humano à alimentação como primordial, que antecede a
qualquer outra situação, de natureza política ou econômica, pois é parte componente do direito à
própria vida. A questão alimentar mexe com interesses diversos e até contrários, o que faz com que a
definição do significado da segurança alimentar se transforme em um espaço de disputa. Além do
mais, não é um conceito já estabelecido, mas em construção. ( MALUF; MENEZES, op. cit, p.3).
em 1996, em Roma, durante a Conferência Mundial da Alimentação, surge o
seguinte conceito sobre Segurança alimentar:
A garantia, a todos, de condições de acesso a alimentos sicos de qualidade, em quantidade
suficiente, de modo permanente e sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, com
base em práticas alimentares saudáveis, contribuindo assim para uma existência digna, em um
contexto de desenvolvimento integral da pessoa, com preservação das condições que garantam uma
disponibilidade de alimentos em longo prazo. (CONFERÊNCIA apud MONTAÑA, 2003, p.3)
Em junho de 2002, foi realizada em Roma a "Cúpula Mundial da Alimentação: Cinco
Anos Depois", com o objetivo de analisar o que foi feito para reduzir a insegurança
alimentar no mundo após os compromissos
7
firmados na Cúpula Mundial da
Alimentação.
Na declaração da "Cúpula Mundial da Alimentação: Cinco Anos Depois" foi firmada a
base para a constituição de uma “Aliança Internacional Contra a Fome”, sendo
consensual que o combate à insegurança alimentar devia ser evidenciado no
conjunto das estratégias nacionais e internacionais propostas para o imediato
combate à fome e redução da pobreza, por extensão.
Associada à pobreza, a fome confunde os sintomas e os meros, dificuldade de
identificar o número exato de famintos, pobres ou indigentes. Segundo Abramovay
(1986), Josué de Castro dizia que a fome é a manifestação biológica de um
fenômeno social, econômico e político, podendo ser compreendida por uma
abordagem multidisciplinar que desvende os mecanismos que a provocam. Mas
7
Foi diagnosticado que, apesar dos esforços dos países, as metas estabelecidas em 1996, não foram
alcançadas quanto ao objetivo de reduzir pela metade, até 2015, o número de pessoas que sofriam
de fome. A FAO estimava em 826 milhões de pessoas desnutridas: 792 milhões nos países em
desenvolvimento e 34 milhões nos desenvolvidos. A meta era baixar para 580 milhões até 2015.
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apenas compreender a fome não é o bastante. É fundamental apresentar alternativas
e soluções a esta civilização de miseráveis e famintos.
Segundo dados da FAO, a fome está em praticamente todo o mundo, mas é
característica maior dos países subdesenvolvidos e em desenvolvimento (Fig. 1-1).
Na América Latina, analisando os dados sobre subnutrição, podemos ver algumas
disparidades. Segundo dados da FAO (2005), temos desde situações onde
permanentemente se mantém um índice elevado acima de 20%, mas temos
situações onde os índices são considerados baixos (Tabela 1-1).
Tabela 1-1 : Evolução dos índices de nutrição na América Latina entre os anos de 1969 e 2002
SUBNUTRIÇÃO NA AMÉRICA DO SUL
Existência de subnutrição em relação a população total (%)
N
o
Nome do País 1969-1971 1979-1981 1990-1992 1995-1997 2000-2002
1 Argentina < 2.5 < 2.5 < 2.5 < 2.5 < 2.5
2 Bolivia 35 26 28 25 21
3 Brasil 23 15 12 10 9
4 Chile 6 7 8 5 4
5 Colombia 39 22 17 13 13
6 Equador 20 11 8 5 4
7 Guiana 19 13 21 12 9
8 Paraguai 11 12 18 13 14
9 Peru 21 28 42 19 13
10 Suriname 23 18 13 10 11
11 Uruguai < 2.5 3 6 4 4
12 Venezuela 14 4 11 16 17
FONTE : Divio de estatísticas da FAO (2005, web site)
Conforme afirma Singer (1986, p.50), Josué de Castro em sua obra “Geografia da
Fome“ editada em 1946, distingue dois tipos de fome, bastante diferentes no seu
impacto e na sua origem: a “fome epidêmica”; e a “fome endêmica”.
Figura: 1-1 Mapa da Fome no Mundo
Fonte: Divisão de Estatísticas da FAO (2005 web site)
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A “fome epidêmica” é um fenômeno grave, porém de curta duração, geralmente
ligado a calamidades (secas, enchentes, terremotos, maremotos). Todo o sistema
produtivo e econômico se desorganiza, e grande parte da população sofre
gravemente de fome. Como o que ocorreu recentemente na Ásia com as “Tsunamis”.
Este tipo de fome pode também ser provocado por questões políticas (revoluções,
guerras, represálias), trazendo os mesmos efeitos das calamidades.
A “fome endêmica”, a fome estrutural, a fome crônica, essa praticamente não
aparece. As pessoas que sofrem desse mal, não têm acesso aos bens de produção
no meio rural (terra e insumos), ou nas cidades o têm dinheiro para adquirir
comida, e o pouco que possuem, desviam para outras aquisições menos prioritárias,
mas não menos importantes a sua sobrevivência.
O fomento a produção de alimentos realizada em bases socialmente eqüitativas e
ambientalmente sustentáveis resulta da associação do objetivo da segurança alimentar com a adoção
de estratégias de desenvolvimento com crescente eqüidade e inclusão social. [...]
A pobreza constitui a principal causa do acesso insuficiente ou custoso aos alimentos e da
ocorrência da manifestação mais aguda da insegurança alimentar¯ a fome. (COSTA; MALUF, 2001,
p.32)
1.3 A SOBERANIA ALIMENTAR
De acordo com Maluf (op.cit.), ao considerar a ordem internacional é inevitável
incorporar questões de soberania à noção de segurança alimentar.
O acesso a um alimento saudável e de boa qualidade é um direito universal dos povos e deve
se sobrepor a qualquer fator econômico, político ou cultural que impeça sua efetivação. Todas as
pessoas devem ter direito a um abastecimento alimentar seguro, culturalmente apropriado e em
quantidade e qualidade suficientes para garantir seu desenvolvimento integral. O conceito de
Soberania Alimentar remete, além disso, a um conjunto mais amplo de relações: ao direito dos povos
de definir sua política agrária e alimentar, garantindo o abastecimento de suas populações, a
preservação do meio ambiente e a proteção de sua produção frente à concorrência desleal de outros
países. (MEIRELLES, 2004, p.13)
O rum Mundial Sobre Soberania Alimentar, que ocorreu em Havana, Cuba, em
setembro de 2000, foi um marco na definição de propostas da sociedade civil para
enfrentar o problema da fome em todo o mundo. A evidência de que a lógica
exclusiva do livre mercado não é capaz de garantir a segurança alimentar dos povos,
e inclusive a deteriora, impõe como urgente e necessária a construção de
alternativas democráticas e de inclusão social que combatam efetivamente o
"fundamentalismo" neoliberal.
Na plenária desse fórum foi afirmado entre outras questões que:
A soberania alimentar é o direito dos povos de definir suas próprias políticas e estratégias
sustentáveis de produção, distribuição e consumo de alimentos, que garantam o direito à alimentação
para toda a sua população, com base na pequena e média produção, respeitando as próprias culturas
e a diversidade dos modos camponeses, pesqueiros e indígenas de produção agropecuária, de
comercialização e de gestão dos espaços rurais, nos quais as mulheres desempenham um papel
fundamental.
Para se obter soberania alimentar, são necessários sistemas produtivos sustentáveis, em que
se valorize a sabedoria e as culturas locais e, em especial, os hábitos alimentares. Bem como a
necessidade de se praticar uma agricultura com camponeses, indígenas e comunidades pesqueiras:
vinculada ao território; voltada prioritariamente aos mercados locais; que se preocupe com os seres
humanos; que preserve o ambiente e os recursos naturais; que preserve e valorize as culturas locais.
(SILIPRANDI, 2001, p.18)
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Como afirmam Silva e Carvalho (2001), no plano nacional existem dois enfoques
possíveis: auto-suficiência na produção de alimentos ou auto-capacidade na
obtenção de alimentos. O primeiro deles trata da satisfação das necessidades
alimentares basicamente com produção doméstica e dependência mínima de
importação. A experiência contemporânea mostra que os principais países
desenvolvidos optaram pela auto-suficiência. O segundo enfoque na importação
um complemento importante para o suprimento de alimentos. Assim a segurança
alimentar é conquistada aliando-se importações e produção doméstica o que afeta
diretamente a soberania alimentar de muitos paises.
O Brasil vem abandonando progressivamente a sua auto-suficiência valendo-se cada
vez mais de importações para atender a demanda interna de alimentos. Quer sejam
para alimentação humana direta ou mesmo para alimentação animal. Não se
apresentam dificuldades com a segurança alimentar no conjunto do país mas, o
mesmo não se pode afirmar se analisamos a questão do ponto de vista individual. A
importação de produtos baratos desestimula a produção doméstica e contribui para
reduzir o acesso aos alimentos para as famílias que têm nessa atividade sua
principal fonte de renda. Esse é o principal problema que atinge a segurança
alimentar e nutricional do Brasil, que aliado a falta de sustentabilidade do sistema
alimentar e a imposição de um padrão alimentar inadequado, ameaça os valores
culturais da grande riqueza nutricional da nossa alimentação.
Esta noção de Soberania Alimentar surge como novo componente a ser incorporado
ao conceito de segurança alimentar e nutricional, conforme é exposto por Menezes
(2001, p.15) em uma nova formulação para o mesmo:
"Segurança alimentar e nutricional é a garantia do direito de todos ao acesso a alimentos de
qualidade, em quantidade suficiente e de modo permanente, com base em práticas alimentares
saudáveis e sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, nem sequer o sistema
alimentar futuro, devendo se realizar em bases sustentáveis". Todo país deve ser soberano para
assegurar sua segurança alimentar, respeitando as características culturais de cada povo,
manifestadas no ato de se alimentar. É responsabilidade dos Estados nacionais assegurarem este
direito e devem fazê-lo em obrigatória articulação com a sociedade civil, cada parte cumprindo suas
atribuições específicas.
Mas não devemos esperar que o Estado se renda a verdade tecnológica sobre
produção, ou mesmo sobre a utilização adequada dos alimentos. Sabemos que os
interesses do grande capital sempre prevalecem. A sociedade não comprometida
com o capital ou com as tecnologias criadoras de eterna dependência pode tomar o
curso da soberania alimentar. Assim, Meirelles (2004) é enfático ao afirmar que
iniciativas “agroecológicas” como o resgate e a manutenção de sementes varietais
8
pelas famílias agricultoras, a conservação de recursos naturais, a produção de
alimentos limpos e a articulação de novas redes de distribuição e consumo de
alimentos são condições indispensáveis para garantir o acesso a alimentos de
qualidade para todos.
8
Sementes Varietais, são sementes que guardam consigo características genéticas estabilizadas ao
longo das gerações, gerando novas sementes com as mesmas características. Se contrapõem com
as sementes híbridas que, não possuem nem o vigor nem as características que a geração híbrida
possuía, podendo assumir características de uma ou outra variedade utilizada no cruzamento para
produzir o híbrido, ou mesmo se degenerarem.
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1.4 ALIMENTAÇÃO: UMA ANÁLISE CULTURAL
A sobrevivência de um grupo humano exige que seu regime alimentar satisfaça as
necessidades nutricionais. Mas é certo que as escolhas alimentares de cada
sociedade são determinadas por suas necessidades fisiológicas, disponibilidade do
meio e possibilidades tecnológicas e econômicas. Assim, motivações de caráter
meramente ideológico podem determinar escolhas alimentares e formas de
manipulação dos alimentos que particularizam uma cultura. Quando estudamos a
alimentação em diversas sociedades, verificamos situações onde aspectos
nutricionais são sobrepujados por valores culturais prioritários e que de forma
secundária se busca a complementação nutricional.
O homem se alimenta de acordo com a sociedade a que pertence. Sua cultura define as opções
sobre o que é comestível e as proibições alimentares que eventualmente o distinguem de outros
grupos humanos. É no âmbito da alimentação infantil posterior ao desmame que a diferença entre o
que é recomendável pela cultura e o que é nutricionalmente indispensável se torna mais evidente.
(MEAD, M. apud GARINE, 1987, p.4)
Cada sociedade, ao longo da sua história, construiu (e continua a construir) um
conjunto de práticas alimentares que constituem parte de seu patrimônio cultural.
Estas escolhas alimentares e estas práticas de cozinha estiveram sempre
associadas à região e às condições locais de sobrevivência.
As sociedades devem compreender que seus hábitos mais antigos guardam uma identidade.
Além do que, é preciso destacar que graças a esta cultura alimentar elas puderam se manter, durante
culos, auto-suficientes e com um maior controle sobre a qualidade da alimentação. Uma vez
decifrada sua cultura alimentar fica mais fácil o restabelecimento de algumas práticas alimentares,
mesmo que estas tenham sido completamente abandonadas (MALUF; MENEZES, op. cit. p.38).
É importante chamar atenção para nossos hábitos alimentares e mostrar como eles
se encontram hoje estreitamente ligados ao quadro de miséria, subnutrição e fome.
Muitos estão preocupados com os graves problemas ambientais e sociais a nível
global, contudo poucos estão cientes das enormes implicações que o simples ato de
comer tem sobre vários destes problemas.
A mudança dos padrões alimentares das nações ocidentais de maior magnitude se
deu, sobretudo, depois da II Guerra Mundial, passando de uma dieta composta
principalmente de alimentos de origem vegetal para uma dieta à base de alimentos
de origem animal. Durante o século XX, a mudança fundamental na dieta das
populações ocidentais, de alimentos vegetais para alimentos animais resultou em
uma mudança paralela na produção mundial de grãos destinados à alimentação
humana para grãos destinados à alimentação de animais.
Segundo Winckler (1995), essa mudança acarretou uma dieta com mais gordura,
menos carboidratos e consumo protéico que excedia as recomendações oficiais. Os
parâmetros estabelecidos para uma alimentação idealmente balanceada, têm sido
questionados por diversos estudos onde se verifica que com uma dieta
razoavelmente "inferior", principalmente no tocante ao fornecimento de proteína,
muitas vezes, determinadas populações se mantêm em melhores condições de
saúde que outras "convenientemente" alimentadas.
O aspecto mais importante da busca de alternativa alimentar é aquele que procura resgatar a
extraordinária riqueza da cultura humana em alimentos, algo que estamos perdendo. [...] O que vem
acontecendo com a sociedade industrial é uma tremenda uniformização dos padrões alimentares e ao
mesmo tempo a perda de tradições e conhecimentos extremamente valiosos. (SACHS,1986, p.136)
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Sabe-se que o como impedir a modificação alimentar, pois os diversos
aspectos de uma cultura são dinâmicos, cabe, porém, verificar se ela está ocorrendo
por razões fúteis, seguindo o modelo dominador provocado pela distorção do “agro-
negócio”
9
ou se é fruto da absorção de conhecimentos úteis a melhoria da vida.
A busca de alternativas passa em primeiro lugar por uma tentativa de resgatar o que
ainda sabemos e conhecemos da riqueza de cada ecossistema e dos produtos
alimentares que podemos extrair de seus componentes (SACHS,1986, p.137).
1.5 O VALOR NUTRICIONAL DA ALIMENTAÇÃO
Citado por Corrêa, (1996), J. R. Vasconcellos afirma no livro “Somos a herança do
que nossos pais comeram”, que:
“Quando a ciência, como entidade coletiva da inteligência humana, ou pesquisadores,
individualmente, investigarem a cozinha dos povos, perfazendo a civilização do trigo, a civilização do
arroz e a civilização do milho, talvez obtenhamos a origem alimentar de raças humanas e a origem
das doenças. Teremos então, configurado comprovadamente, que não existe raça superior, mas
alimentação superior. O indivíduo ou povo que adotá-la, tornar-se-á superior e terá as características,
transmissíveis à sua geração e a seus descendentes, próprias típicas de sua alimentação.”
(VASCONCELLOS, 1981 apud CORRÊA, 1996, p.3).
Ao examinarmos com cautela se estamos nos nutrindo quando comemos, é
necessário termos em mente o que comíamos a quatro ou cinco cadas, e procurar
analisar nossa atual alimentação. Sujeitamos-nos, neste curto espaço de tempo, a
uma grande transformação de hábitos alimentares, saindo da produção e uso de
alimentos tradicionais e culturalmente adaptados às várias condições sócio-
ambientais do Brasil, para um sistema industrial e globalizado.
Chonchol (1986) afirma que as mudanças na forma de nos alimentarmos trouxeram
várias conseqüências tanto para as populações dos países em desenvolvimento
quanto para as dos desenvolvidos. A subalimentação por carência nutricional é um
fenômeno típico dos países pobres, assim como a alimentação pelo excesso é
um fenômeno característico dos países desenvolvidos.
De forma concisa podemos afirmar que para nos nutrirmos adequadamente,
precisamos: de ar despoluído; água pura; e alimentos saudáveis. Ingerindo
adequadamente estes componentes nosso corpo se nutre e mantém a vida. Água
mineral e em quantidade adequada, é fundamental na manutenção das funções
orgânicas de assimilação dos nutrientes e eliminação de dejetos. Dos alimentos,
retiramos: carboidratos e gorduras, que são transformados em calorias fornecendo
energia para o funcionamento do organismo; e elementos estruturais na forma de
proteínas, que transformadas em aminoácidos e são matéria-prima para o
desenvolvimento e reconstituição corporal. Além destes componentes, os alimentos
nos dão sais minerais, vitaminas e alguns outros oligoelementos utilizados em uma
escala de pouca percepção, mas tão ou mais importantes para o bom funcionamento
de nossos processos vitais quanto qualquer outro macro componente.
9
O agro-negócio aqui se refere similarmente ao agribusiness”, padrão econômico de agricultura
comercial levada a cabo com a preocupação de geração de lucro. O agro-negócio não envolve
apenas a produção do alimento mais sim e principalmente a sua categorização como matéria prima
para a agroindústria transformadora e modificadora que cria novos alimentos a serviço do mercado.
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Algumas dietas relativamente ricas em proteínas não fornecem determinados
aminoácidos essenciais. A falta desses deixa o organismo debilitado e predisposto a
doenças que, quando instaladas, logo se desenvolvem levando pessoas mais frágeis
como crianças novas e velhos a dificuldades de sobrevivência.
Existem muito mais coisas dentro de um prato de comida do que enxergamos. Uma
alimentação saudável e equilibrada pode ser o segredo da cura de males do corpo e
da alma. As propriedades dos alimentos podem ir muito além de nutrir ou de
simplesmente saciar a fome.
Todos os nutrientes e substâncias existentes nos alimentos, de forma positiva ou
negativa, vão participar do metabolismo orgânico. Portanto, o equilíbrio e a qualidade
do alimento que nós consumimos é muito importante para a manutenção da saúde. A
filosofia oriental diz que se nos alimentamos inadequadamente ocorre um
desequilíbrio entre o Yin, que é o espírito, e o Yang, que é o corpo. Então, diversas
doenças psicossomáticas e físicas podem ocorrer.
Saúde e doenças são opostos com os quais a humanidade convive. Tem saúde aquele que vive
plenamente em equilíbrio com as leis naturais. As doenças são causadas por deficiências alimentares,
por falta de conhecimento sobre nós mesmos e sobre o meio em que vivemos. A natureza nos oferece
tudo para uma vida saudável: terra; ar; água; sol. (BRANCO, 2003, p.10)
Também a má qualidade da água pode estar transmitindo muitas doenças que
afetam diretamente a capacidade de aproveitamento dos alimentos, como as
verminoses e mesmo doenças mais graves como a hepatite.
Uma vez modificados os bitos alimentares, é preciso um complexo trabalho de
reeducação alimentar onde o consumidor tenha maior consciência das suas escolhas
alimentares, bem como das razões para consumir este ou aquele alimento e dos
efeitos das escolhas no funcionamento do organismo e sobre a sua saúde.
Uma dieta é saudável na medida em que fornece todos os elementos necessários ao
desenvolvimento e a manutenção do organismo, sendo essencial que seja gostosa e
respeite a cultura alimentar.
O aproveitamento dos alimentos começa na boca, pois necessitamos de enzimas
específicas para a digestão completa de certos alimentos e elas estão na saliva.
Para tanto, precisamos tamm de dentes saudáveis e bito de mastigar para
salivar e pré-triturar adequadamente os alimentos. Caso contrário, muitas vezes
enchemos a barriga, inclusive com alimentos de qualidade e que nos forneceriam o
necessário a uma dieta saudável, mas o nosso organismo não é capaz de aproveitá-
los em sua totalidade surgindo muitas carências nutricionais.
Falando sobre qualidade alimentar, não podemos deixar de abordar a modificação de
organismos vivos, gerando os Organismos Geneticamente Modificados (OGM)
10
.
Não cabe aqui falar contra ou a favor, mas alertar sobre uma realidade pouco visível
e de interesses não explicitamente declarados. A luta contra a imposição dos
10
Organismos Geneticamente Modificados ou simplesmente “transgênicos”, são os organismos
biológicos que sofreram artificialmente, através da engenharia genética, modificações em seus
códigos genéticos acrescentando-lhes ou retirando-lhes “genes responsáveis por características
desejáveis ou indesejáveis a uma finalidade determinada previamente estabelecida. Esta prática
permite aumentar a resistência a determinado fator natural (como déficit hídrico) ou mesmo um fator
artificial agregado a prática produtiva (como uso de determinado herbicida) e com isto diminuir
custos ou simplesmente viabilizar a utilização de uma nova tecnologia.
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“transgênicos” adquiriu para a segurança alimentar mundial um significado
importante, obrigando um atento acompanhamento sobre a movimentação das
empresas interessadas na sua disseminação.
É preciso que se enfrente o argumento de que estes produtos se constituem na solução do
problema da fome no mundo. Trata-se da mesma falácia utilizada no período da “Revolução Verde”,
que acabaria com a fome no mundo. [...] É preciso que essa afirmação seja energicamente
desmentida, mostrando-se que a fome só vai acabar no dia em que estiver superada a exclusão de
milhões de pessoas, e que a estas seja reconhecido e assegurado um direito que é anterior a
qualquer outro, que é o de poder adquirir e/ou produzir alimentos sadios e de qualidade. (MALUF;
MENEZES, 2002, p.35)
1.6 A TERRA E A PRODUÇÃO DE ALIMENTOS
Ao invés de bem patrimonial, sujeito a especulação imobiliária e financeira, a terra
deve ter seu valor afirmado como fator de produção. O Brasil ainda vive uma elevada
concentração da propriedade fundiária.
A I Conferência Nacional de Segurança alimentar, realizada em 1994, no contexto de
mobilização social da “Ação da Cidadania Contra a Fome, a Miséria e Pela Vida”,
evidenciou o diagnóstico da concentração da terra e da renda como fatores
determinantes para a situação da fome e da insegurança alimentar no país.
As crises de subsistência se explicam no contexto social e econômico em que se inserem. Para
entendê-las é necessário analisar o conjunto de opções que deram origem ao sistema produtivo de
alimentos. O monopólio dos fatores de produção, em especial a terra, os mecanismos de
subordinação dos produtores de alimentos e, em particular, a apropriação da renda social e as
disputas em torno do uso do meio ambiente podem ser identificados como os principais pontos de
fragilidade do sistema de produção de alimentos, com as conseqüentes crises de subsistência,
carestia e fome (SILVA, 1994, p.40).
Quanto a questão agrária, Abramovay (1986) afirma que existem dois problemas no
Brasil: um é o da subutilização das terras, problema gravíssimo que é um dos
grandes obstáculos a produção alimentar em nosso país. O outro está ligado à forma
como estão sendo utilizadas as terras que estão em produção.
No Brasil os maiores responsáveis pela produção de alimentos utilizados nas
diversas dietas regionais são os pequenos produtores rurais. Além de resolverem
completamente a questão de segurança alimentar familiar, diga-se de passagem,
com muito mais qualidade que boa parte das populações urbanas, abastecem os
mercados regionais com alimentos recém produzidos.
Para que as populações indígenas possam manter a sua forma tradicional de
sobrevivência, a terra é fundamental, tanto em quantidade quanto em qualidade, de
acordo com a cultura de cada povo.
1.7 A SUSTENTABILIDADE AMBIENTAL
Para se assegurar efetividade de um sistema de segurança alimentar precisamos ter
uma produção de alimentos constante, mesmo que com pequenas flutuações, mas
que tamm atendam culturalmente às necessidades de alimentação e nutrição
adequadas a uma determinada população.
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Precisamos então estar atentos às condicionantes ambientais que colocam em risco
a produção sustentável de alimentos, sobretudo a seca, a desertificação, as pragas e
doenças, a erosão genética, a degradação dos recursos naturais de terras, ares e
águas, a perda do conhecimento tradicional e as modificações climáticas.
Essas são preocupações básicas quando tratamos de sistemas de produção de
alimentos naturais, orgânicos, ecológicos, onde o aporte de inputs externos ao
sistema é reduzido, podendo ser quase nulo, oriundo exclusivamente de processos
naturais. Esses sistemas tendem a uma estabilidade com a manutenção da
capacidade produtiva garantindo sustentabilidade na produção de alimentos apoiado
na diversidade biológica e no uso de tecnologias ecológicas.
Nos sistemas convencionais de produção de alimentos, que necessitam de elevados
inputs externos de energia, além das preocupações anteriormente descritas, temos
que verificar a garantia do abastecimento com adubos sintéticos, dos adubos
minerais como o fosfato e calcário, e de toda a energia gasta com o transporte
desses insumos e com a mecanização da lavoura. Esses sistemas são denominados
energo-intensivos
11
. A parte mais preocupante disto tudo é o fosfato que tem
reservas limitadas e é de difícil retorno cíclico ao sistema.
Esses sistemas o altamente artificiais, sujeitos a desequilíbrios internos,
concorrendo para o aparecimento de pragas e doenças, que são controladas
preventivamente, com inseticidas e outros produtos químicos de alta toxidade e
persistência ambiental, ampliando consideravelmente os impactos sobre o ambiente.
Quando somamos a esses impactos, a erosão dos solos provocada pela excessiva
mecanização, temos a real dimensão da impraticabilidade desses sistemas de
plantation”
12
disseminados pela “Revolução Verde”.
De acordo com Meirelles (2004), a internacionalização, nos últimos cinqüenta anos,
do pacote tecnológico da “Revolução Verde” tem levado a uma crescente erosão da
biodiversidade agrícola e alimentar. Esse modelo tecnológico, baseado no cultivo de
variedades genéticas de alta produtividade, na utilização de insumos químico-
sintéticos, na mecanização e no uso de fontes não-renováveis de energia, tem sido o
responsável pela deterioração progressiva da própria base natural que assegura a
estrutura e o funcionamento dos sistemas agrícolas.
Nas zonas empobrecidas e excessivamente exploradas, uma vez afetados e
degradados, estes ambientes precisam ser recuperados, o que demanda recursos
elevados, nem sempre disponíveis, para restabelecer e reabilitar a base de recursos
naturais, incluindo a fertilidade do solo, a pureza da água e revitalização das bacias
hidrográficas. Isso ocorre em muitas terras indígenas, que tiveram seu solo
explorado com essas tecnologias, principalmente no Centro Oeste e no Sul do País.
11
Sistemas de produção agrícola "energo-intensivos" são os sistemas convencionais que demandam
um aporte grande de energia para a obtenção da produção agrícola. Este aporte é traduzido na
forma de energia utilizada tanto diretamente, como trabalho humano e combustíveis para o
transporte e mecanização, quanto indiretamente, pela energia utilizada para a fabricação dos
adubos químicos, venenos, ferramentas e máquinas utilizados.
12
Agricultura de “plantation”, é a pratica contemporânea de plantio monocultural em grandes escalas,
utilizando tecnologias artificiais de fertilização dos solos e uso práticas agregadas de combate
químico de pragas e doenças utilizada pela Revolução Verde a partir da II Grande Guerra Mundial.
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Nas últimas décadas, Ignacy Sachs vem trabalhando com o conceito de
ecodesenvolvimento, definindo estratégias de desenvolvimento socialmente úteis,
ecologicamente sustentáveis e economicamente viáveis.
Desde os primórdios da agricultura, o manejo da diversidade de espécies e varietal
dos cultivos tem sido um elemento central para a sustentabilidade dos sistemas
agrícolas, segundo afirma Almeida (2003). É essa diversidade que vem permitindo
aos agricultores, ao longo do tempo, tanto enfrentar os limites, quanto aproveitar as
potencialidades que as condições sócio-ambientais locais oferecem. Sistemas de
produção tradicionais encontrados nos diferentes centros de diversidade dos cultivos
agrícolas atestam que esta é uma opção consciente dos agricultores e não apenas o
resultado natural de processos evolucionários.
Através de sucessivas gerações, todo agricultor de subsistência vem trabalhando o
melhoramento genético efetivo das plantas agricultáveis. Com a atenciosa
observação dos resultados do processo natural de mutação, verificando o
aparecimento de características desejáveis, e em um cuidadoso processo
permanente de seleção de sementes e outros materiais de propagação, tais
agricultores desenvolveram uma imensa variabilidade de culturas.
De acordo com Cooper, et al. (1994), a "Revolução Verde" destruiu as práticas
agrícolas baseadas na diversidade rompendo a base da agricultura sustentada.
Dessa forma reduziu o controle dos agricultores sobre seus próprios sistemas de
produção. Mooney (1987), afirma que a destruição continuada dos Centros de
Vavilov”
13
resultará no aumento de uniformidade genética e da vulnerabilidade das
culturas em todo o mundo. Segundo Paschoal (1987), a redução da diversidade
genética nos centros de origem do terceiro mundo (erosão genética), por destruição
dos ecossistemas naturais e pela substituição das variedades locais por variedades
geneticamente uniformes dos países desenvolvidos, deverá ser o embrião de uma
crise mundial de alimentos.
Precisamos imitar a natureza em parte de seus processos ecológicos, construindo
sistemas que sejam sustentáveis, ao longo do tempo.
Meggers (1972) afirma que os métodos de exploração dos recursos naturais trazidos
da Europa que tem um clima temperado, não são aplicáveis às condições tropicais
do Brasil. Ela achou importante a valorização do conhecimento tradicional como
alicerce para um remanejamento ambiental mais inteligente.
O conhecimento científico da questão ambiental cresceu muito com a compreensão
do desenvolvimento sustentável e a conseqüente interiorização política da ecologia
como um instrumento de planejamento, abrindo novas perspectivas e conceitos de
desenvolvimento e progresso, colocando a nível planetário a problemática ambiental.
Em suas considerações sobre “ambiente, desenvolvimento sustentável e qualidade
de vida”, Manfredi (1994) afirma que para se ter uma qualidade de vida com
equidade e que se mantenha através do tempo, é fundamental que se utilize o
critério de sustentabilidade, especialmente na seleção de tecnologias e formas de
uso do meio ambiente.
13
“Centros de Vavilov” foram locais definidos pelo cientista russo Vavilov, como sendo os centros de
origem de diversos recursos genéticos alimentares no planeta.
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De acordo com Stout (1980), os primeiros habitantes da terra eram caçadores e
coletores. Em condições favoráveis, são necessários, pelo menos, 1,5 Km
2
para suprir
uma só pessoa, e em ambientes mais hostis até 80-100 Km
2
.
O aumento da pressão demográfica levou o homem a criar animais e cultivar plantas.
A agricultura nômade é um dos primeiros sistemas agrícolas que surgiu, sendo ainda
hoje empregada largamente, podendo manter uma pessoa por hectare em um
regime alimentar exclusivamente agrícola.
No estado do Acre, segundo informações do Zoneamento Ecológico e Econômico do
Acre (ZEE-Acre) (2002), em 1970 o rebanho bovino tinha 100.000 animais. Em 2002
chegou a 1.500.000 animais. A população da época era de aproximadamente
500.000 habitantes. Isso nos uma relação média de 3 bois por pessoa. Se um
hectare de pasto produz em média 120 kg/ano de carne e o homem moderno come
por volta de 0,5 kg/dia, o que equivale a 150 Kg/ano, é necessário portanto 1,2 ha para
produção de carne para uma pessoa por ano.
A prática agrícola padrão dos Estados Unidos exige, atualmente, pelo menos 1,4 ha
de terra para alimentar uma pessoa com uma dieta rica em carne ou cerca de 0,3 ha
com uma dieta vegetariana (HAWKEN et al.,1999, p.189).
H. T. Odum foi um dos primeiros ecologistas a expressar a ligação vital entre a
entrada de energia, a seleção e a produtividade agrícola. Em 1967, ele escreveu o
seguinte: "o sucesso do homem em adaptar alguns sistemas naturais para seu usos,
resultou, essencialmente, do processo de inserir em sistemas vegetais e animais
circuitos de trabalho auxiliar derivados de fontes ricas em energia, tais como a
energia fóssil e atômica”. (ODUM, 1988, p.75) (Quadro 1-1).
Quadro 1 – 1. Produção e Apropriação de Alimentos
PARCELA COMESTÍVEL DA PRODUÇÃO PRIMÁRIA LÍQUIDA, POR UNIDADE DE ÁREA
Nível da Agricultura Kg Matéria seca / ha / ano Kcal / m
2
/ ano
Coleta de alimentos 0,4 - 20 0,2 - 10
Agricultura Tradicional
sem subsídio energético
50 - 2.000 25 - 1.000
Agricultura de mercado
com subsídio energético
2.000 - 20.000 1. 000 - 10.000
Baseado em ODUM, (1988 : p. 75)
Uma maior produção não representa obrigatoriamente a garantia do estabelecimento
da Segurança alimentar, mas pode ajudar diante do imenso problema mundial. A
abundância deve ser procurada como uma forma de que mesmo diante dos
desperdícios ainda inevitáveis, consigamos garantir a todos o atendimento dos
direitos fundamentais do ser humano a alimentação.
1.8 A AÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO
A recriação do Conselho Nacional de Segurança alimentar (CONSEA), deu nova
dimensão às discussões sobre a assistência estatal, permitindo a sociedade
participar ativamente nos debates e acompanhamento das políticas públicas geradas
nos gabinetes. O CONSEA tem caráter consultivo sendo um instrumento de
articulação entre governo e sociedade civil gerando diretrizes para políticas públicas.
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A prioridade conferida pelo novo governo do Brasil para a erradicação da fome e a promoção da
segurança alimentar e nutricional, contempladas no programa “Fome Zero”, abriu novas possibilidades
para a participação da sociedade civil, ao mesmo tempo em que o êxito deste programa depende,
sobremaneira, da referida participação. Porém nota-se uma relativa dispersão e fragmentação das
iniciativas de implementação das ações tanto por parte da sociedade civil quanto dos governos.
(MALUF, 2004, p.32)
Como ações do estado, existem programas de caráter suplementar: Programa de
Distribuição de Alimentos (PRODEA); Programa Nacional de Alimentação Escolar
(PNAE); Programa Nacional de Incentivo ao Aleitamento Materno e ainda, o Sistema
de Vigilância Alimentar e Nutricional (SISVAN). Temos também programas de
melhoria da renda que auxiliam indiretamente, como: o Programa Cartão
Alimentação; a Bolsa-alimentação; a Bolsa-escola; o Vale-gás e a Bolsa-família.
Ligados a parcerias do governo com o setor empresarial, temos programas de
suplementação como: o Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT); os
Restaurantes Populares e o Mesa Brasil.
É importante lembrar a existência do "Centro de Referência em Segurança Alimentar
e Nutricional (CERESAN)"
14
, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
(UFRRJ), iniciativa que vem dando contribuições conceituais e estratégicas para a
melhoria da segurança alimentar e nutricional nacional.
Importante lembrar da contribuição da Igreja Católica Apostólica Romana através da
Pastoral da Criança e em especial pela luta incansável do Bispo Dom Mauro Morelli.
Também, a nível federal, estadual e mesmo municipal, outras iniciativas vem sendo
realizadas por religiões e movimentos sociais.
Ao concluir este capítulo temos certeza que "segurança alimentar e nutricional" em
sua conceituação, é um tema inacabado e em construção. Mas podemos afirmar que
estamos caminhando para soluções mais permanentes, e que o esforço dos
envolvidos com a questão trará uma melhor condição de vida a muitas pessoas. Uma
vez terminado este estudo conceitual, o próximo capítulo abordará o tema Segurança
alimentar em sua interespecificidade com populações indígenas.
14
O Centro de referência está sediado no Curso de s-graduação em Desenvolvimento, Agricultura
e Sociedade, do CPDA/UFRRJ. Foi criado oficialmente em janeiro de 2003, trata-se de uma
parceria do CPDA/UFRRJ com o Departamento de Nutrição Social da Universidade Federal
Fluminense (DNS/UFF), e o Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (IBASE).
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2. SEGURAA ALIMENTAR E NUTRICIONAL EM TERRAS
INDÍGENAS
A questão da auto-sustentação das comunidades ou povos indígenas vem recentemente acumulando
discussões que procuram as causas do fracasso da maioria das experiências protagonizadas pelos mais
diversos agentes.
"Para os Índios Fazerem Mais Festas"
JULIO GAIGER Brasília: INESC, 1993.
Neste capítulo estudaremos a Segurança Alimentar e Nutricional no contexto das
sociedades indígenas. Veremos a relação com o meio ambiente e como as
instituições oficiais tratam a questão. A seguir, faremos uma análise sobre as
relações com a cultura, o etnodesenvolvimento, o território e a economia.
Examinaremos, por fim, a assistência oficial, e a relação com a concessão de
benefícios sociais e as outras fontes de renda.
As primeiras referências sobre a alimentação praticada pelas sociedades indígenas
do Brasil foram feitas por ocasião da chegada dos portugueses, em abril de 1500, em
trechos da carta de Pero Vaz de Caminha ao rei de Portugal:
Deram-lhes ali de comer: pão e peixe cozido, confeitos, fartéis, mel, figos passados. Não
quiseram comer daquilo quase nada; e se provavam alguma coisa, logo a lançavam fora. Trouxeram-
lhes vinho em uma taça; mal lhe puseram a boca; não gostaram dele nada, nem quiseram mais.
Trouxeram-lhes água em uma albarrada, provaram cada um o seu bochecho, mas o beberam;
apenas lavaram as bocas e lançaram-na fora.
[...] E diziam que em cada casa se recolhiam trinta ou quarenta pessoas, e que assim os encontraram;
e que lhes deram de comer dos alimentos que tinham, a saber, muito inhame, e outras sementes que
na terra dá, que eles comem. [...] Eles não lavram nem criam. Nem há aqui boi ou vaca, cabra, ovelha
ou galinha, ou qualquer outro animal que esteja acostumado ao viver do homem. E não comem senão
deste inhame, de que aqui há muito, e dessas sementes e frutos que a terra e as árvores de si deitam.
E com isto andam tais e tão rijos e tão nédios que o não somos nós tanto, com quanto trigo e legumes
comemos.
Pouco se observou sobre as elaboradas estratégias de apropriação extrativista,
produção e uso dos recursos alimentares bem como do manejo sustentável praticado
pelos diversos povos que aqui já habitavam em total harmonia com o meio ambiente.
Isso demonstra o caráter etnocêntrico
15
da cultura que chegou para dominar e que
acompanha séculos o relacionamento da sociedade brasileira com esses povos
remanescentes.
2.1 O CONTEXTO SÓCIO AMBIENTAL INDÍGENA
Um estudo sobre Segurança Alimentar em Terras Indígenas precisa tecer
considerações sobre o ambiente onde estas populações se estabeleceram e suas
relações de reciprocidade e sobrevivência.
15
"Etnocentrismo" é a tendência do pensamento a considerar as categorias, normas e valores da
própria sociedade ou cultura como parâmetro aplicável a todas as demais.
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Na base para a sobrevivência humana estão as condições ambientais, que definem a
capacidade de suporte, sustentabilidade e qualidade-de-vida no estabelecimento de
uma sociedade em determinado território. Verificamos esta afirmação quando vemos
que as grandes civilizações surgiram, em locais onde a fartura proporcionada pelo
ambiente permitia não a sua manutenção como tamm condições ideais para o
seu constante crescimento.
2.1.1 A relação com a natureza
Nos primórdios dos tempos, a natureza era concebida como sagrada, e, portanto
respeitada e adorada, sendo reverenciada como a “Mãe Natureza” de onde tudo
surge. A teoria de Gaia
16
definiu o planeta Terra como um ser vivo”, onde tudo
interage sendo causa e conseqüência das inter-relações entre os seres vivos e o
ambiente onde vivem. Novas evidências científicas mostram, a cada dia, que de fato
a Terra é um superorganismo, dotado de auto-regulação. Como partes desses
sistemas, porém, temos responsabilidade individual em mantê-la viva e saudável
para as futuras gerações.
Os Yanomami, por exemplo, utilizam a palavra urihi para se referir à "terra-floresta": entidade
viva, dotada de um "sopro vital" e de um "princípio de fertilidade" de origem mítica. Urihi é habitada e
animada por espíritos diversos, entre eles os espíritos dos pajés Yanomami, também seus guardiões.
(ISA, 2005, web site)
A civilização Inca denominava a terra por Pacha Mama”, ou mãe terra. A deificação
da mãe terra e a sua feminilidade a faz onipresente, nutritiva e protetora; toda
parideira, princípio e fim de todas as vidas. A terra é o surgimento de todas as
coisas, dela vem a razão da vida. É ela que nos supre constantemente com seus
recursos naturais.
De acordo com Shiva (2000), a palavra resource
17
em sua origem etimológica
sugere vida, dando o sentido de uma fonte infinita, que brota continuamente,
enfatizando o poder de auto-regeneração e criatividade prodigiosa. Sugeria também
uma antiga noção a respeito do relacionamento entre seres humanos e a natureza,
segundo a qual a terra cobre os seres humanos de dádivas e esses, por sua vez, e
para o seu próprio bem, tem a obrigação de demonstrar certo zelo para com ela, não
abusando de sua generosidade.
Com o colonialismo, a industrialização e a revolução científica, “recursos naturais”
passaram a ser aquelas partes da natureza necessárias como matéria-prima para o
comércio colonial e para a produção industrial. Essa nova visão despiu a natureza de
16
"Gaia" é o nome que os gregos deram à deusa Terra. A moderna teoria de Gaia é fundamentada
no trabalho pioneiro dos cientistas James Lovelock e Lynn Margulis. É levada a público em 1970
com o livro "Gaia: Um novo olhar sobre a vida na Terra" de autoria de James Lovelock. Eles
consideraram a superfície da Terra e a biosfera um sistema fisiológico, um “superorganismo”. Na
realidade, a teoria de Gaia afirma que a vida de cada um de s, assim como a de toda Gaia e
cada uma de suas espécies, são interdependentes. A sustentabilidade é vista como caminho para o
bem-estar.
17
A palavra resource, em francês e também em inglês é composta do prefixo “re” (que indica
repetição) e da palavra source (= fonte). No português, a palavra recurso vem do latim recursu
(=recorrer), e não de sugere (=surgir); portanto não é possível utilizar a mesma imagem.
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seu poder criativo e fez dela um repositório de matérias-primas que aguardam sua
transformação em insumos para a produção de mercadorias.
Essa transformação que faz de uma natureza mãe, que dá vida e alimento, uma matéria inerte,
sem vida e manipulável, era extremamente conveniente para a necessidade de exploração inerente
ao capitalismo nascente. A antiga imagem de uma terra maternal atuava como uma barreira cultural
para os novos modelos de exploração da natureza. (MERCHANT, apud SHIVA, op. cit., p.305 )
Assim a Natureza, cuja verdadeira essência é ressurgir espontaneamente, foi
transformada em matéria manipulável e sem vida própria.
O tratamento da natureza como um recurso que adquire valor através da exploração em
benefício do crescimento econômico, foi essencial ao desenvolvimento.
Do ponto de vista filosófico, a dessacralização da natureza significou a violação de sua
integridade, dos limites que teriam que ser mantidos para que a vida natural pudesse ressurgir e
renovar-se". [...]
Na medida em que são danificados os limites que possibilitam à natureza renovar-se, e que lhe
dão a capacidade de “ressurgir”, gera-se, então, a verdadeira escassez as florestas desaparecem,
os rios secam, os solos perdem sua fertilidade, a água, a terra e o ar são poluídos. [...]
O resultado da revolução científica deveria ter sido a diminuição da ignorância. Em vez disso,
uma corrente específica do conhecimento, que considera a natureza um recurso e os limites naturais
meros obstáculos, criou um tipo de ignorância fabricada pelo próprio ser humano e sem precedentes
históricos. Uma ignorância que, cada vez mais, torna-se uma fonte de risco para a vida neste planeta.
(SHIVA, op.cit., p.307-308)
Em todo o mundo a transmutação da natureza em recurso econômico, foi
acompanhada por um processo de alienação do direito ancestral de sua utilização
como fonte de sustentação, com a apropriação não só dos direitos, mas tamm dos
recursos naturais e saberes imemoriais a eles associados.
Quem já pensou nos índios como homens "naturais", defensores inatos da natureza,
"naturalistas" está a um passo de vê-los como mera extensão do meio ambiente: deveriam ser
"conservados" e mantidos à distância do mundo "civilizado".
Mesmo não sendo "naturalmente ecologistas", aos povos indígenas se deve reconhecer o
crédito de terem manejado historicamente os recursos naturais de maneira branda, provocando
poucas perturbações ambientais até a chegada dos conquistadores europeus.(ISA, op. cit., web site)
É importante que guardemos as diferenças de visão sobre mundo natural e sua
utilidade, de uma pessoa que vive diretamente ligada à natureza e com ela interage
constantemente e uma que vive sem um contato direto com a mesma. Como
tamm de uma cultura tradicional ou de uma cultura contemporânea.
Culturas que encaram a natureza como um ser vivo tendem a circunscrever cuidadosamente o
alcance da intervenção humana, porque é quase certa uma resposta hostil sempre que se transpõe
um limiar crítico. "Meio Ambiente" não tem nada em comum com esta perspectiva; através dos olhos
modernistas de um conceito como este, os limites impostos pela natureza parecem meramente
imposições físicas à sobrevivência humana. Chamar economias tradicionais de "ecológicas" é muitas
vezes desprezar esta diferença básica de abordagem. (SACHS, 2000, p.127)
Aqui, temos que considerar a forma de enxergar a natureza a serviço de sua
sobrevivência, entendida pelo homem tradicional. Para o professor Carlos Rodrigues
Brandão apud Silva J. P. (2001, p.27-28):
Existem três princípios de relações que orientam o sentimento e o saber dos índios a respeito
do mundo e dos seres naturais com os quais se relacionam: a terra e os seus elementos não são uma
coisa, mas um dom; tudo o que existe e é dado ao homem estabelece a obrigação de uma
reciprocidade que dissolve a dualidade entre a natureza e a sociedade e que se atualiza
continuamente por meio de trocas de parte a parte; a terra não é somente um lugar, mas um tempo
realizado de símbolos e de memórias.
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Uma das mais relevantes contribuições da cultura indígena para a sociedade brasileira, no
momento em que se depara com a necessidade de novos paradigmas de desenvolvimento, como a
defesa da biodiversidade, é a dimensão do dom que representa a natureza, não sendo um objeto a
ser espoliado. Na verdade, ela é um patrimônio universal, que une gerações passadas, presentes e
futuras. Para estabelecer tais vínculos, as relações têm de estar assentadas em bases de
reciprocidade, em que uma parte adquire significados específicos, sem perder a característica central
de igualdade entre sujeitos diferenciados.
Em grande parte dos países do terceiro mundo muitas famílias ainda obtêm seu
sustento através da economia de subsistência. Quando a subsistência é o princípio
organizador do relacionamento da sociedade com a natureza, a natureza existe
como bem comum e seus limites de sustentabilidade são respeitados. A
sustentabilidade exige que mercados e processos produtivos sejam reformulados
seguindo a gica de retornos da própria natureza e não a lógica capitalista. Uma
economia subordinada aos limites que a natureza estabelece para sua exploração.
O agro-negócio, que transforma alimentos em commodities”
18
, quando aliado a
biotecnologia moderna, vem desrespeitando estes limites, sendo hoje, visto
precisamente como a possibilidade de se converter algo que tinha de direito um valor
ambiental, em algo que pode ter de fato um valor econômico.
Segundo Vandana Shiva apud Santos (1995, p.141):
A biorrevolução está seguindo o mesmo caminho aberto pela Revolução Verde dos anos 50 e
60 e pela revolução da semente da década de 70 do culo XX. Ela sabe que tal caminho é
construído pelas mesmas corporações farmacêuticas, agroquímicas e de petróleo que inicialmente
monopolizaram o mercado global de fertilizantes, e em seguida transformaram a produção de
sementes em um imenso negócio, e que agora tem na mira a própria vida.
Por esta razão, querendo explicar como a biotecnologia trata a biodiversidade, Vandana Shiva
recorreu à analogia da semente, elaborada por Jack Kloppenburg. "Para o camponês ou o habitante
da floresta, a semente é tanto um "produto" quanto um "meio de produção", isto é, grão, que será
comido e grão que servi como semente no próximo plantio. Como meio de produção, esta desenha,
portanto, um círculo: o lavrador a reinveste no processo produtivo e nesse sentido a semente é o seu
"capital"; um obstáculo a este investimento, e ele é de natureza biológica, é preciso condições
apropriadas para que o capital se reproduza e multiplique."
Com a biotecnologia, passam a existir duas categorias de sementes: as nativas,
resultado de uma acurada seleção natural e humana ao longo de muitos e muitos
anos, denominadas "primitivas"; e as variedades criadas nos laboratórios das
corporações de sementes transnacionais, denominadas "modernas". Cada categoria
traz consigo uma relação de domínio, sendo as primeiras, de "domínio público" e as
outras carregadas de segredos protegidos por patentes, de "domínio privado",
propriedades das grandes empresas transnacionais de biotecnologia.
A modificação acelerada da forma de se enxergar a natureza e a conseqüente
manipulação de seus componentes, tem construído um mundo onde impera uma
ordem artificial de regulação dos processos naturais, que tem levado as populações
tradicionais a serem também agentes das frentes de expansão agrosilvopastoris.
18
"Commodities" são categorias atribuídas a determinadas mercadorias com relação a sua
negociação nas bolsas de valores. Assim, produtos alimentícios passam a ser negociados nas
bolsas com referência ao mercado futuro, prevendo-se um maior ou menor abastecimento do
mercado mundial.
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Os maiores biomas existentes no Brasil sofreram diretamente a ação do homem.
foram modificados ou degradados: a Mata Atlântica e os Pampas em sua quase
totalidade; parte considerável do Pantanal, dos Cerrados e das Caatingas; e por fim
assistimos a uma ação antrópica acelerada sobre a Amazônia. Isso afeta
diretamente as terras e populações indígenas que tem seus territórios em situações
marginais a essas frentes de expansão.
A análise da cultura indígena fornece um conjunto de informações e conhecimentos sobre os
processos da natureza, que ajudam a aprofundar a reflexão sobre a questão ambiental em muitos
aspectos. Não se pode estabelecer demarcação explícita entre ecossistemas naturais e remanejados.
Grande parte do que tem sido chamado florestas e savanas naturais na Amazônia é, possivelmente, o
resultado de milênios de remanejamento empreendido por comunidades indígenas. O saber indígena
constitui, assim, uma alternativa para o aproveitamento sustentável dos ecossistemas amazônicos.
(BRASIL, 1991, p.69).
Hoje grande parte da natureza preservada que nos resta está nas terras indígenas,
sob a guarda e conhecimento imemorial desta rica sociodiversidade. Isto representa
pouco mais de 12% do território nacional demonstrando a importância da
manutenção da integridade sica e cultural dos povos indígenas remanescentes
nestes territórios.
2.2 A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA SEGURANÇA ALIMENTAR E
NUTRICIONAL INDÍGENA
As preocupações com a Segurança Alimentar e Nutricional em sociedades indígenas
são recentes. A III Conferência Nacional de Saúde Indígena, realizada em maio de
2001, deliberou, como um dos principais desafios para o governo brasileiro em
parceria com as organizações indígenas e indigenistas, a garantia da Segurança
Alimentar com a implementação de uma política específica de Desenvolvimento
Sustentável dos Povos Indígenas.
A temática “Segurança Alimentar” passa, assim, a ter uma agenda específica nas
reuniões da Comissão Intersetorial de Saúde Indígena (CISI), do Conselho Nacional
de Saúde do Ministério da Saúde (CNS/MS).
19
Com a realização de debates
envolvendo organizações indígenas e instituições governamentais e não-
governamentais que trabalham com a questão indígena, surgiu, no âmbito da CISI, a
proposta de se criar uma “Política Pública Nacional de Segurança Alimentar e
Desenvolvimento Sustentável” para os Povos Indígenas. Essa política pública visava
promover a segurança alimentar e nutricional de forma sustentável, consolidando as
ações de alimentação e nutrição no âmbito da atenção básica à saúde.
Em novembro de 2002, no Primeiro Seminário Nacional para Articulação de uma
Política Pública de Segurança Alimentar e Desenvolvimento Sustentável para os
Povos Indígenas”, em suas deliberações finais, foi aprovada uma proposta de
realização de oficinas regionais para discussão e aprofundamento da questão, com a
coordenação do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA).
19
Um dos resultados desse esforço foi a publicação da Portaria do Ministério da Saúde (MS) N
o
2.405, de 27 de dezembro de 2002, sobre Alimentação Saudável em Comunidades Indígenas (DOU
n
o
251, 30 de dezembro de 2002 Seção 1; p.49), que contemplou parcialmente as propostas
apresentadas pela CISI ao Plenário do Conselho Nacional de Saúde.
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Após a realização de 17 oficinas regionais, foi realizado em novembro de 2003, com
a participação de 680 lideranças indígenas, o “Primeiro Fórum Nacional para a
Elaboração da Potica Nacional de Segurança Alimentar e Desenvolvimento
Sustentável dos Povos Indígenas do Brasil” que definiu diretrizes e recomendações
para a formulação de uma política pública, com as seguintes considerações:
Constatamos que os problemas de auto-sustentação estão presentes na maioria das Terras
Indígenas. Os problemas de fome e carência alimentar manifestam-se em todas as regiões, com alto
índice de mortalidade infantil, principalmente nas terras invadidas e impactadas pelos grandes
projetos e intrusão de fazendeiros, garimpeiros, madeireiros e posseiros, sendo agravados pela seca
que assola principalmente os povos indígenas do Nordeste.
Esses fatores ocasionam um contínuo processo de redução territorial e degradação ambiental,
retratando até o momento o descaso geral da sociedade envolvente e de diversos governos para com
os povos indígenas.
Diante dessa situação, apresentamos as diretrizes e propostas deliberadas no Fórum, acerca
dos temas discutidos nas oficinas: território, atividades produtivas, recursos naturais, alimentação e
nutrição, saúde, educação e controle social, que são pertinentes e fundamentais para a construção
dessa política, tendo como prioridade a garantia da terra com os seus territórios regularizados como
eixo central para nossa segurança alimentar e nutricional e desenvolvimento sustentável das nossas
comunidades. (BRASIL, MDA.Fórum, 2003, p.2)
Assim a segurança alimentar e nutricional das sociedades indígenas é tratada pelo
atual governo, ainda sem o efetivo atendimento dessas reivindicações.
2.3 OS ASPECTOS CULTURAIS
Falar de alimentação indígena em um país de dimensões continentais como o Brasil
requer um criterioso cuidado para o cairmos em generalizações. São muitas as
dimensões a serem consideradas. Além dos diversos ecossistemas com condições
ecológicas distintas, temos uma rica sociodiversidade com particularidades de
adaptação ambiental. Essa sociodiversidade é resultante da reunião de centenas de
povos indígenas remanescentes, dos estrangeiros que vieram ou foram trazidos por
motivos variados e da população resultante da miscigenação desses contingentes
populacionais. Além desse aspecto, temos ainda as diferenças culturais da
população: das grandes cidades; das pequenas povoações; dos ambientes rurais;
das comunidades ribeirinhas e das sociedades indígenas afastadas do mundo
urbanizado; e, em uma condição ainda mais peculiar, dos povos indígenas isolados
que vivem autonomamente em seus territórios de perambulação e vida.
O indígena forneceu muitas contribuições ao vocabulário de nossa língua e também
ensinou a conseguir e preparar boa parte dos alimentos consumidos no Brasil
Colônia, até hoje utilizados na nossa culinária. Conheciam bem os recursos naturais
e identificavam os frutos comestíveis, a mandioca boa para cozinhar ou para fazer
farinha, a caça adequada para comer. A adoção da agricultura indígena nos tempos
da colonização foi definida, provavelmente, pela sua total adaptabilidade ao clima,
com sistemas de produção bem desenvolvidos e a farta disponibilidade de recursos
genéticos melhorados que propiciavam grandes colheitas sem dificuldades
tecnológicas. Assim absorvemos parte de sua cultura ancestral.
Não se estabelecem parâmetros para uma cultura, pois ela é dinâmica e resulta da
vida das pessoas. As formas que uma pessoa tem de pensar e perceber o mundo
não podem ser totalmente destruídas.
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Um aspecto relevante na definição de culturas tradicionais é a existência de sistemas de
manejo dos recursos naturais marcados pelo respeito aos ciclos naturais, à exploração dentro da
capacidade de recuperação das espécies de animais e plantas utilizadas.
Esses sistemas tradicionais o são somente formas de exploração econômica dos recursos
naturais, mas revelam a existência de um complexo de conhecimentos adquiridos pela tradição
herdada dos mais velhos, de mitos e símbolos que levam à manutenção e ao uso sustentado dos
ecossistemas naturais.
Além do espaço de reprodução econômica, o território é também o lócus das representações e
do imaginário mitológico dessas sociedades tradicionais. As representações que essas populações
fazem dos diversos habitat em que vivem, também se constroem com base no maior ou menor
controle de que dispõem sobre o meio físico. [...]
É com base tamm nessas representações e no conhecimento empírico acumulado que
desenvolvem seus sistemas tradicionais de manejo. (DIEGUES,1996, p.84-85)
É preciso considerar: as questões culturais ligadas às origens desses povos e a sua
forma de adaptação ao meio ambiente; a permissividade de acesso aos recursos
naturais para a prática de suas estratégias autônomas de sobrevivência; e as
particularidades do contato com nossa sociedade.
Quando observamos essas especificidades, encontramos situações de
desenvolvimento distintas, que guardam entre si diferenças, inclusive em um mesmo
povo, ao que podemos chamar a princípio de etnodesenvolvimento. É dessa forma
que precisamos examinar a situação de sobrevivência de cada comunidade indígena
para que compreendamos a realidade que os move e as suas dificuldades.
2.4 O ETNODESENVOLVIMENTO
De acordo com Azanha (2002, p.31), foi Stavenhagen (1984) o propositor do
conceito de etnodesenvolvimento definindo-o como:
O desenvolvimento que mantém o diferencial sociocultural de uma sociedade, ou seja, sua
etnicidade”. Nesta acepção, desenvolvimento tem pouco ou nada a ver com indicadores de progresso
no sentido usual do termo: PIB, renda per capita, mortalidade infantil, vel de escolaridade, etc. Na
definição de Stavenhagen, “o etnodesenvolvimento significa que uma povo, autóctone, tribal ou outra,
detém o controle sobre suas próprias terras, seus recursos, sua organização social e sua cultura, e é
livre para negociar com o Estado o estabelecimento de relações segundo seus interesses”
Em termos gerais, os princípios básicos para o etnodesenvolvimento seriam: objetivar a
satisfação de necessidades básicas do maior mero de pessoas em vez de priorizar o crescimento
econômico; embutir-se visão endógena, ou seja, dar resposta prioritária a resolução dos problemas e
necessidades locais; valorizar e utilizar conhecimentos e tradição locais na busca da solução dos
problemas; preocupar-se em manter relação equilibrada com o meio ambiente; visar a auto-
sustentação e a independência de recursos técnicos e de pessoal e proceder a uma ação integral de
base, com atividades mais participativas.
O Primeiro Fórum Nacional para Elaboração da Política Nacional de Segurança
Alimentar e Desenvolvimento Sustentável dos Povos Indígenas do Brasil enfatizou os
aspectos da educação alimentar no fortalecimento de culturas alimentares. As
representações indígenas ressalvaram que "o etnodesenvolvimento deve ser
compreendido não somente como a necessidade de se reaproximar da cultura, mas
tamm de incorporar o que há de adequado nas outras culturas".
Da mesma forma que existe uma relação de influência dos países desenvolvidos no
padrão alimentar dos países em desenvolvimento e subdesenvolvidos, tamm
existe entre a sociedade brasileira e as sociedades indígenas. está a importância
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de disponibilizarmos o conhecimento adequado à sobrevivência indígena. Essas
sociedades muitas vezes tiveram acesso a conhecimentos inadequados, levados
pelas frentes de expansão territorial.
O SPI e a FUNAI utilizaram, durante muito tempo, o “ardil” de atrair as sociedades
contatadas com a oferta gratuita” de produtos industrializados interessantes a sua
sobrevivência. Assim, foram criados hábitos de uso de ferramentas, panelas, armas
de fogo, tecidos e roupas. A FUNAI ainda manteve esse procedimento por muito
tempo e passou também a fornecer permanentemente esses bens de mercado às
populações contatadas mais tempo. Essas instituições mantinham também,
cada uma na sua época, a "roça do posto", que era uma forma de atrair alguns índios
para o convívio mais cotidiano.
Com as dificuldades contemporâneas de recursos para a FUNAI, esse fluxo gratuito
diminuiu bastante, mas ainda é esse o principal incentivo à produção de outros bens
de mercado.
Contemporaneamente muitas sociedades indígenas vêm produzindo bens
destinados exclusivamente à comercialização a fim de gerarem recursos para a
aquisição de bens industrializados. Essa prática afeta a disponibilidade de tempo
para as atividades cotidianas de subsistência e para os rituais, interferindo
diretamente na segurança alimentar. Mas segundo Azanha (op.cit.), é possível
ajustar esse tempo sem traumas ao cotidiano da vida.
Ter essa procura pelos bens industrializados plenamente satisfeita por meio de
recursos próprios gerados internamente de forma não-predatória, com relativa
independência das determinações externas do mercado na captação de recursos
financeiros é sem dúvida um dos principais indicadores do etnodesenvolvimento.
Esse atendimento não deve contudo ser realizado em detrimento de outras
necessidades básicas de sobrevivência. GAIGER (1993) relata que, em viagem ao
rio Envira, no Acre, estranhou o comportamento dos Madijá, pois pescavam muito
peixe, mas salgavam e guardavam a maior parte, quando deviam estar se
alimentando fartamente. Ele soube depois que eles guardavam o pescado para
pagar dívidas de mercadorias adquiridas de um regatão, inclusive do sal utilizado
para a conservação do peixe.
Mesmo produzindo e utilizando bens de outras culturas, os povos indígenas mantêm
certa fidelidade aos componentes de sua cultura. Procuram, assim, compensar as
modificações introduzidas com adaptações e arranjos que restabelecem o equilíbrio
inicial.
2.5 O TERRITÓRIO E A TERRA INDÍGENA
As estratégias de agrupamento indígena levam sempre em consideração
prioritariamente a segurança física e o abastecimento alimentar, que se refere aos
recursos extrativistas, a água e a terra adequada ao plantio de seus legumes. São
secundárias, embora igualmente importantes, questões de abastecimento com
matérias-primas diversas para construção, remédios e confecção de utensílios
ligados tanto ao desenvolvimento da arte utilitária quanto ritual.
Nessa relação que se estabelece com o ambiente para o provimento das necessidades,
constrói-se a noção de espaço e territorialidade, a exemplo dos lugares de onde são obtidos os
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alimentos e outros materiais utilitários para confecção de ferramentas, artesanato ou mesmo para a
construção da habitação. O limite do espaço passa a se relacionar com o limite da satisfação das
expectativas, além do fato de que essa noção é construída de forma comunal ou familiar. (GUERRA,
2004, p.98)
Assim, na escolha de um local para aldeamento, é experimentado um local por
determinado tempo no qual o território de uso e perambulação vai sendo definido aos
poucos. Nessa definição, pesam tanto observações de ordem sica quanto
cosmogica, social e religiosa, convertendo-se, por conseguinte, o território, num
espaço simbólico. O território é portanto um elemento dinâmico, funcionando como
um espaço onde suas tradições físicas, míticas e culturais podem ser desenvolvidas
a contento. Se uma determinada população passa por dificuldades em um local, ela
estará constantemente procurando, em outros locais de seu território, uma nova
localização que atenda aos seus princípios de sobrevivência.
É preciso sublinhar a diferença entre um conceito de terra como meio de produção, lugar do
trabalho agrícola ou solo onde se distribuem recursos animais e de coleta, e o conceito de território
tribal, de dimensões sócio-potico-cosmológicas mais amplas. Vários grupos indígenas dependem, na
construção de sua identidade tribal distintiva, de uma relação mitológica com um território, sítio de
criação do mundo, memória tribal, mapa do cosmos [...] outros não parecem definir sua identidade em
relação a uma geografia determinada. (SEEGER e CASTRO, 1979, p. 104)
Fato é que o território comumente extrapola as próprias fronteiras físicas e temporais
da demarcação, indo sua abrangência e consideração a todos os locais e tempos de
uso e necessidade para a manutenção da sobrevivência. É o espaço físico utilizado
por um povo, ou necessário para este, para a sua subsistência, para a perpetuação
de suas práticas culturais e onde se encontram suas referências ancestrais.
A posse de um território tribal é condição essencial à sobrevivência dos índios.[...] O direito do
índio a terra em que vive, embora amparado por copiosa legislação que data dos tempos coloniais,
jamais se pode impor de fato.[...] No plano geral, o índio sempre teve reconhecido o seu direito à terra.
Essa prerrogativa data de um alvará de 1680, que os define como "primários e naturais senhores
dela". Este direito é confirmado e ampliado pela Lei n
o
6 de 1755 e toda a legislação posterior.
(RIBEIRO, 1970, p.197-198)
Embora a posse do território seja condição essencial à sobrevivência dos índios, com
o contato tudo muda e com a mudança surgem novas necessidades.
A experiência ensina que a garantia dos territórios, por si , não assegura níveis de bem-estar
para os índios. Isto porque, como se disse acima, todos os povos indígenas enfrentam necessidades
e condições novas que não permitem a simples continuidade de suas práticas tradicionais de
subsistência. Estas precisariam adaptar-se à nova realidade sem porém retirar dos índios o controle
sobre elas. (GAIGER, 1993, p.5)
A concepção de território está diretamente ligada a uma relação de utilidade, mas há
sempre uma especialização por determinados recursos, procurando-se a forma mais
facilitada de sobrevivência, o que acaba por reservar outros recursos igualmente
abundantes. Da mesma forma que existem concentrações de determinadas plantas,
tamm existem os locais de maior concentração de determinados animais, muitas
vezes intrinsecamente interligados.
As formas de relação estabelecidas com o território por diferentes grupos passam a incorporar a
sua própria construção sociocultural e simbólica, perpetuadas por seguidas gerações. Assim, se
desdobram as referências de ancestralidade e alteridade ligadas à perpetuação do conhecimento
tradicional. (GUERRA, 2004, p.97)
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Dessa forma, podemos ver a importância do território para a transmissão do
conhecimento, informações e valores étnicos ligados intrinsecamente à própria
sobrevivência da sociedade enquanto unidade autônoma e soberana. A concepção
de território como espaço destinado à prática da sobrevivência cultural de um povo e
à necessidade de manutenção de sua integridade física exige necessariamente o
uso exclusivo dos recursos ambientais existentes nesse espaço. O estatuto do índio
em vigor (LEI N
o
6.001,1973) estabelece a seguinte definição do usufruto indígena:
Art. 24 O usufruto assegurado aos índios ou silvícolas compreende o direito à posse, uso e
percepção das riquezas naturais e de todas as utilidades existentes nas terras ocupadas, bem assim
ao produto da exploração econômica de tais riquezas e utilidades.
§ É garantido ao índio o exclusivo exercício da caça e pesca nas áreas por ele ocupadas,
devendo ser executadas por forma suasória as medidas de polícia que em relação a ele
eventualmente tiverem de ser aplicadas.
O direito de usufruto exclusivo, assegurado constitucionalmente aos índios, implica
que eles podem tirar dos recursos naturais de suas terras todos os frutos, utilidades
e rendimentos possíveis, desde que não lhe alterem a substância ou comprometam a
sua sustentabilidade ambiental.
A Constituição
20
de 1988, reconhece a dependência das comunidades indígenas
pelo seu habitat natural e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente
ocupam.
Tais terras “são inalienáveis e indisponíveis e os direitos sobre elas, imprescritíveis”
(Constituição Federal, Art. 231, § 4º).
Essa defesa das terras indígenas juridicamente também está presente no estatuto do
índio em vigor:
Art. 18 As Terras Indígenas não poderão ser objeto de arrendamento ou de qualquer ato ou
negócio jurídico que restrinja o pleno exercício da posse direta pela comunidade indígena ou pelos
silvícolas.
§1º Nessas áreas, é vedada a qualquer pessoa estranha aos grupos tribais ou comunidades
indígenas a prática da caça, pesca ou coleta de frutos, assim como de atividade agropecuária ou
extrativa.
O conceito de territorialidade para as sociedades indígenas difere completamente
dos estabelecidos por nossa sociedade.
Ao longo desse processo de colonização e civilização, o Estado nacional sempre impôs seu
poder de reconhecer os limites das terras dos índios. Esse reconhecimento dava-se, sobretudo pelo
(des)conhecimento, expresso nos atos de doação e demarcação das terras para os índios. Tanto a
demarcação quanto a doação implicavam um ato arbitrário de estabelecer uma divio sobre
fronteiras que já haviam sido delimitadas em confrontos intertribais e na própria dinâmica das relações
dos povos indígenas com a terra. (COELHO, 2002, p. 99 apud GUERRA, 2004, p.95)
A exemplo do etnocentrismo do Estado brasileiro, as expressões muita terra para
pouco índio" e ndio é preguiçoso" são tradicionais manifestações do preconceito de
nossa sociedade etnocêntrica e gananciosa.
20
A Constituição Federal de 1988 em seu Art. 231 §1º, impôs ao Poder Público a obrigação de
demarcar, defender e fazer respeitar, não as terras tradicionalmente habitadas pelos índios,
como tamm as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos
recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução sica e
cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.
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2.6 AS MUDANÇAS RESULTANTES DO CONTATO
O contato das sociedades indígenas com a sociedade brasileira foi sempre
traumático, resultando em uma total transfiguração étnica em nível ideológico, tanto
em suas concepções míticas quanto religiosas. Podemos definir esse fato como a
ruptura do ethos tribal.
Cada grupo indígena, como de resto toda comunidade humana, conta com um conjunto de
crenças que explica a origem do universo e da própria comunidade bem como o caráter do nculo
que a unifica internamente e a contrapõe a outros grupos humanos e a toda natureza. A mais alta
expressão dessas crenças se encontra na mitologia que dramatiza, através da ação alegórica dos
heróis, os temas básicos do ethos tribal e suas respostas aos problemas que se propôs. (RIBEIRO,
1970, p. 377)
Essa ruptura do ethos tribal afeta o equilíbrio sociocultural estabelecido, pois
contribui para a mudança radical dos hábitos de sobrevivência e atinge diretamente
as relações com o ambiente e a própria sustentação.
O contato dos povos indígenas com outras sociedades os leva a transformações,
adaptações e arranjos, temporários e permanentes, nos diversos modos de vida. A
cultura e a própria vida é permeada, surgindo espontaneamente um novo jeito de
ser, pensar e existir. Colocados em contato com novos componentes exógenos, os
conhecimentos desenvolvidos e acumulados sobre sistemas equilibrados de
produção de alimentos são fragmentados, colocando em risco a sua própria
segurança alimentar.
As mudanças nos hábitos de vida têm como efeitos tanto uma mudança alimentar
que lhes diminui a resistência física e os predispõe a doenças, quanto o próprio
contato com novos patógenos que aceleram o declínio populacional.
As novas tecnologias absorvidas tiveram um efeito significativo na relação das
populações com o seu meio ambiente. As ferramentas cortantes viabilizaram maiores
derrubadas alterando as práticas de horticultura. A introdução das armas de fogo e
do anzol, redes e tarrafas tamm m mudando a caça e a pesca. O uso de
motores de popa aumentou o raio de exploração de recursos. Tudo isso lhes alterou
a apropriação de recursos, criando uma nova ótica de segurança alimentar.
A inserção das populações indígenas na sociedade nacional, como nos revela a história do
contato, tem acarretado sensíveis modificações nas economias tradicionais, segundo vários
interesses econômicos, regionais e nacionais. Estes geram impactos irreversíveis, resultando em
invasões, reduções e depredações das terras; geram, por conseguinte, graves conseqüências não
de cunho físico e moral, mas igualmente sociocultural, dadas as relações simlicas que cada
sociedade mantém com seu território. (FUNAI, 2005, web site)
Precisamos ter cuidados especiais quando realizamos trabalhos em terras indígenas.
Deve-se ter, antes de mais nada, a preocupação com a participação dos sujeitos do
processo desde o seu início. Vejamos as recomendações de Corrêa (2000, p.2) para
técnicos que estavam preparando uma viagem à terra indígena Krahô no Tocantins.
Se estamos trabalhando justamente a sobrevivência do povo Krahô através do resgate de suas
roças tradicionais e do uso de frutas e ervas do Cerrado, o poderíamos com isto continuar a levar
para eles tudo que o branco muito tempo vem introduzindo nas Terras Indígenas no Brasil, que
causam prejuízos para qualquer ser humano e mais ainda para populações rurais ou nativas que
normalmente não têm acesso a informações esclarecedoras sobre os efeitos colaterais de uma série
de produtos criados pela nossa civilização.
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Dentre esses produtos podemos falar do óleo refinado, macarrão, açúcar, café, refrigerantes,
leite em , sal refinado, cigarros, enlatados e diversos outros que, além de não possuírem um real
valor nutritivo, causam danos muitas vezes irreversíveis ao organismo.
O etnocentrismo nos leva constantemente a acreditar que temos as rmulas
corretas para salvar os que eso em dificuldades, mas, se nem conseguimos
resolver os problemas que afligem a nossa sociedade, como poderemos resolver os
de outras. Cada um tem que resolver os seus próprios problemas, segundo seus
paradigmas e suas reais possibilidades; caso contrário, o haverá sustentabilidade
real nas soluções e em pouco tempo os mesmos problemas retornarão.
2.7 A ECONOMIA DAS COMUNIDADES INDÍGENAS
As sociedades autóctones sofrem com o processo de mudança para o mundo
globalizante, tecnológico, facilitador da sobrevivência humana, que historicamente as
tem levado à dependência de tecnologias e bens de produção manufaturados.
Essencialmente baseada na subsistência, a economia indígena não significa apenas
alimentação, mas as condições necessárias para uma vida em abundância. Significa não só fartura de
caça, pesca, produtos de roça ou frutas silvestres, mas tamm aperfeiçoamento de técnicas que
facilitam a obtenção e o manejo necesrio dos recursos naturais, condição para a sobrevivência de
todos. "A economia atual incorpora novas necessidades que as técnicas e os conhecimentos
tradicionais, por si não conseguem resolver".[...] Como pressuposto básico para o futuro das
economias indígenas deve-se ter, por um lado, a idéia de autogestão territorial e, por outro, políticas
públicas adequadas e eficazes para apoiar e dar conta dessa atual realidade e demanda indígena,
sem demagogia, sem medo, superando a política do faz-de-conta. (CUSTÓDIO, 2003, p.1)
A economia indígena, de acordo com o grau de contato e a forma como foram
absorvidas novas demandas, pode estar priorizando basicamente o suprimento de
alimentos para atender a auto-suficiência alimentar, ou pode estar procurando gerar
recursos para adquirir bens de manufatura externa, entre eles a própria alimentação.
As alternativas econômicas que se apresentam às sociedades indígenas, porém, se por um
lado permitem, grosso modo, complementar a produção de alimentos e bens, o acesso a artigos de
consumo industrializados que hoje não mais dispensam, por outro lado evidenciam a situação de
dependência a que, inexoravelmente, estas sociedades estão sujeitas. (FUNAI,op.cit.,web site)
Cabe ainda reconhecer a diferença dos sistemas implementados por sociedades
com culturas diferenciadas, mais coletoras ou mais agricultoras, sendo impossível
generalizar situações relativas aos modelos empregados para a produção agrícola
de alimentos, sob pena de estarmos nos equivocando.
Quando observamos a diferença de processos de sobrevivência que utilizam a
mesma tecnologia de produção de alimentos, podemos ver se aumenta, ou diminui, a
demanda por força de trabalho. Analisando dois extremos ¯ o de uma sociedade
autóctone que se restringe à caça, pesca e coleta, com um sistema reduzido de
agricultura complementar; e o de outra sociedade em pleno contato, que participa
da economia regional, fornecendo alguns bens e adquirindo outros ¯ , veremos que,
no primeiro caso, temos um emprego de mão-de-obra menor. Dessa forma, é
provável que haja uma disponibilidade de tempo que poderá ser utilizado na
manutenção da cultura, reforçando a tradição. Com outro enfoque, temos
comunidades que trabalham com tecnologias mecanizadas e outras que ainda
manm a tradicional roça de toco. Nesse caso, tamm haverá uma diferença: as
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primeiras utilizarão menos tempo, mas provavelmente não utilizarão o tempo
restante na prática cultural, pois está em outro estágio de contato.
A determinação pessoal indígena em imitar o colonizador e a assistência equivocada
acabam reproduzindo modelos iguais aos da agricultura regional, modelos esses
baseados em tecnologias utilizadas na grande propriedade rural. O risco de
atividades com esse perfil darem errado é grande e talvez seja a causa dos imensos
fracassos protagonizados ao longo de toda a ação indigenista oficial. Além de
economicamente inviáveis, são dissociados da cultura e não possuem
sustentabilidade ambiental.
2.7.1 O coletivo e o individual
É preciso cuidado com generalizações sobre o individual e o coletivo. Nem sempre o
que se apresenta coletivamente é o somatório das realidades individuais.
Em algumas situações de carência alimentar, encontramos famílias de uma mesma
comunidade que têm sua segurança alimentar plenamente atendida.
A conciliação da economia tribal coletivista com o sistema de economia individual, altamente
competitivo e movido pela busca de lucro, foi sempre o mais grave problema da proteção ao índio.
Nos seus primeiros anos, o SPI procurou resolvê-lo, fugindo ao problema, regalando dádivas aos
índios, sem exigir qualquer compensação.
Muito cedo, porém, reconheceu que com este procedimento, criaria neles uma mentalidade de
eternos dependentes e a idéia de que teriam direito a uma assistência permanente do Governo. Foi o
que de fato ocorreu em muitos casos, impedindo a criação de um sistema de motivações para o
trabalho, capaz de conduzir os índios à reorganização da economia antiga em bases novas,
compatíveis com sua nova vida. (RIBEIRO, 1970, p.210)
Um determinado agricultor indígena pode ser mais bem sucedido que outro, por
domínio de tecnologias ou mesmo por acesso a recursos naturais mais privilegiados
para a produção de alimentos. Uma boa articulação familiar que reúna mão-de-obra
para algumas etapas essenciais da produção pode também representar uma melhor
condição para a produção de alimentos.
Deve-se considerar também a questão de gênero relativa a etapas exclusivamente
femininas ou masculinas ligadas à produção de alimentos. Assim, uma maior
quantidade de mulheres muitas vezes pode significar maior produção de alimentos
de origem vegetal, mas isso pode variar bastante, não sendo possível afirmá-lo
genericamente.
A prática de agricultura incentivada pelos postos indígenas desde a época do SPI era
e ainda é baseada na nossa cultura ocidental, privilegiando-se a produção
comunitária em regime de mutirão”, em detrimento da “produção familiar em regime
solidário”, comum a todos os povos indígenas. Os “mutirões”, "júris", ou "adjuntos"
para a preparação das “roças do projeto” eram induzidos com ferramentas, sementes
e alimentação gratuitas.
Essa prática, além de desestruturar a forma de organizar a produção, trouxe grandes
transtornos às sociedades indígenas, pois, sendo a produção coletiva, todos têm
direito de recorrer a ela quando bem entendem. Como essas sociedades não
possuem o “Estado” para controlar a produção, isso traz desavenças internas e
muitas vezes, divisões de aldeias. Assim surgiu o papel do posto indígena como
controlador da produção de alimentos.
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Os mecanismos de redistribuição predominam amplamente sobre os de acumulação, a
produção econômica não é divorciada das tradições e dos valores expressos pela atividade ritual, a
rede de parentesco (com sua malha diferenciada de expectativas e obrigações) é virtualmente
coextensiva com a sociedade. Nestas sociedades o presente (o ato de dar) é o princípio básico de
interação social, instaurando uma cadeia de reciprocidades que é o próprio fluxo da vida social. À
diferença da ética do capitalismo, o valor reside não em poupar mas em dar, sendo essa inclusive
uma estratégia segura para aquisição de presgio. (OLIVEIRA, 1995, p. 16)
Talvez por motivo diferente, mas tamm afeto às incongruências do entendimento
sobre o coletivo e o individual, diversas tentativas de ver os povos indígenas livres da
economia de mercado, com a constituição de cooperativas, cantinas e armazéns,
não surtiram o efeito desejado, acabando por serem abandonados após se
encontrarem em completa insolvência econômica.
2.7.2 O tempo indígena
Uma das variáveis de maior influência da economia indígena, na sua relação com a
economia externa, é a noção diferenciada de tempo.
As noções de tempo variam conforme a sociedade. Elas podem ser representadas
como passado, presente e futuro; agora e depois; verão e inverno; dia e noite; novo,
jovem e velho; a lua minguante, nova, crescente e cheia, todas formas que
intrinsecamente, para existirem, guardam em si parâmetros que se referenciam por
um certo espaço temporal em linearidade ou mesmo em ciclos.
Ao olhar para uma sociedade indígena, “primitiva”, o observador europeu estaria olhando para o
que fora sua própria sociedade no “começo da civilização”, pois todos partem do mesmo ponto, já que
a história da humanidade é una. Segundo esta noção, o “ser” das sociedades indígenas é o “vir a ser”
das sociedades ocidentais; o presente indígena é o passado europeu. (BORGES, 2004, p. 20)
Costuma-se dizer que o índio não pensa no passado nem no futuro, pensa no
presente. Mas, se observarmos com cautela, veremos que as lembranças boas ou
ruins constroem um passado e que, ao organizar uma caçada, ou uma festa ritual,
ele sabe exatamente o tempo que ainda tem para se preparar. Existem rituais que
têm claramente datas ou épocas propícias definidas para sua realização.
Para povos gregários, horticultores, parte do verão é o tempo de trabalharem nas
roças com suas famílias extensas, esse é um tempo mais individual. Parte do inverno
é dedicada à vida nas aldeias, quando tudo já foi plantado e está florescendo, esse é
um tempo coletivo, da preparação das festas e rituais, muitas vezes ligados à fartura
das colheitas.
Seus referenciais temporais não se limitam a questões meramente sociais, mas
antes são regidos por uma natureza suprema que tudo provê e que os avisa por
meio de sinais, informando sobre tudo o que está ocorrendo ou deverá ocorrer para
que a sobrevivência siga seu curso. São sinais estelares de constelações
reconhecidas, chuvas fortes e passageiras, alagações de todos os anos, pássaros
que cantam infinitamente, animais que procriam, abelhas com fartura de mel, flores
que embelezam o dia, frutos que amadurecem, animais gordos prontos para serem
caçados, são colheitas, dádivas da terra trabalhada com o suor dedicado e a
sabedoria ancestral. Assim é o tempo indígena, vivido em suas medidas, em
referência ao meio ambiente, que lhes regula a vida e o que é possível organizar
socialmente para facilitar a sobrevivência.
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O fluxo do tempo, criado pelo homem, é, desse modo, ordenado pela celebração de rituais que,
por sua vez, criam os intervalos de tempo que conferem ordem à vida social. Se são as sociedades
que criam seu próprio sistema temporal, então a visão de que o tempo seria um fluxo linear no qual
todas as coisas seguem um caminho que vai do passado ao futuro e que tem um efeito progressivo,
cumulativo é circunscrita social e historicamente às sociedades ocidentais.(BORGES, op.cit., p.35)
É preciso ter noção clara de que cada sociedade tem seu tempo e que, ao entrarmos
em contato com sociedades indígenas, não devemos buscar referência em nossas
realidades temporais como se fossem as únicas. Diversas atividades em terras
indígenas têm fracassado pela dissociação completa do tempo proposto para a sua
execução com a temporalidade indígena e a organização de seus compromissos
sociais e ambientais.
2.8 A ALIMENTAÇÃO INDÍGENA
Imemorialmente os povos indígenas desenvolveram diversas formas para atender
suas necessidades alimentares, procedendo de acordo com o ambiente e com a sua
capacidade de suporte ao estabelecimento de suas comunidades. Essas formas
levaram-nos a serem mais, ou menos, bem sucedidos na adaptação cultural ao meio
e no crescimento de suas populações.
A qualidade da alimentação está ligada antes de tudo a preferências culturais
experimentadas, passadas e fixadas ao longo de gerações e que estabeleceram uma
condição razoável de desenvolvimento biológico saudável. Está ligada tamm aos
conhecimentos e indicações repassadas aos pajés e xamãs através de "mecanismos
rituais"
21
de percepção extra-sensorial.
Conforme o local de aldeamento ou mesmo o desenvolvimento da cultura de
adaptação a distintos ecossistemas, a auto-sustentação alimentar tradicional se
realiza segundo dois tipos diferenciados de uso dos recursos naturais: quando no
decorrer do ano a natureza fornece um bom suprimento de alimentos ou quando o
alimento coletado supre determinadas épocas, com períodos mais ou menos
curtos em que a dificuldade de sobrevivência leva ao desenvolvimento de novas
estratégias para o suprimento das necessidades alimentares.
A crescente pressão sobre os recursos naturais próximos de uma comunidade assentada pode,
em longo prazo, resultar em alterações nas estratégias de subsistência (por exemplo, dependência
crescente da horticultura), nas práticas de manejo de recursos naturais e na escolha de espécies
úteis. (PPTAL, 2004, p.7)
Dessa forma, foram e são desenvolvidos alguns métodos para se conseguirem
alimentos: em alguns casos novos alimentos devem ter sido experimentados e
descobertos; em outros, constantes migrações são realizadas em busca de
suprimentos sazonais, com retorno ao local de origem quando novamente estejam
disponíveis os recursos locais; e outro com a sedentarização, e o desenvolvimento
gradual da domesticação e cultivo de vegetais.
21
No estado do Acre, igualmente a diversas sociedades indígenas no Peru e Bolívia, diversas povos
se utilizam do chá de duas plantas, a chacrona (pisicotria viridis) e o mariri (banisteriopisis caapi),
que juntas por um processo de cocção dão origem a uma bebida chamada Ayawasca. Esta bebida
é utilizada pelos pajés para auxiliar a encontrarem na floresta plantas específicas para a cura. Traz
também orientação sobre a vida e é utilizada para fazer uma limpeza do organismo.
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Principais mantenedores do conhecimento tradicional, cientistas ancestrais, homens e
principalmente mulheres, destes e de outros povos autóctones, nos trouxeram o fogo e o manejo de
plantas e animais. Indo mais além, nos garantiram acesso a uma infinidade de conhecimentos
etnobiológicos para usufruto da natureza e nos legaram um "banco de germoplasma" melhorado e
resguardado imemorialmente por práticas agrossilvoculturais. (SALGADO, 1996, p.24)
O ambiente tropical sempre deu condições a uma alimentação rica e diversificada.
Havia poucos problemas com a Segurança Alimentar, mudando-se, de acordo com a
necessidade, apenas a estratégia de subsistência. Com seleção genética e
aprimoramento de cnicas de cultivo, os povos antigos desenvolveram sistemas de
produção bem sucedidos, complementares à coleta, conseguindo às vezes até
suplantá-la, quando nos referimos a alimentos vegetais.
As impressionantes seleções feitas pelos índios em plantas tuberosas, cereais, fruteiras e
outras tiveram, como conseqüência genética, a produção de dezenas de espécies domesticadas e
centenas de cultivares. Esses conhecimentos resultaram do acúmulo milenar de experimentos e
crenças.[...] É tarefa da maior importância, reconhecer nas tribos indígenas remanescentes na biota, o
domínio de um saber etnobiológico excepcional, que não podemos dar-nos o luxo de perder, sob pena
de fraudarmos o futuro dessa imensa região ( KERR, 1987, p.170 ).
Uma adaptação bem sucedida às condições ambientais, aliada à fartura dos
ecossistemas tropicais, pode ter sido fator decisivo para o estabelecimento de
culturas na Amazônia. Sem vida, tamm contribuiu não a capacidade de
manipulação da natureza através da seleção genética e do eficiente manejo dos
recursos naturais, disponíveis em "ilhas de recursos"
22
espalhadas aleatoriamente e
definidoras do território indígena.
Alcida Ramos (1986) afirma que o processo produtivo indígena, quer seja na forma
de caça, pesca, coleta ou agricultura, não poderia ser levado a efeito sem um
embasamento cognitivo do meio ambiente e que o conhecimento daí gerado revela
uma construção que difere da prática científica ocidental mais na forma do que no
conteúdo. A prova desse conhecimento é a rica biodiversidade agro-alimentar que
garante estabilidade à segurança alimentar tribal e domínio pleno dos ambientes– e
suas possibilidades de uso com profundo conhecimento das relações pesquisadas e
apreendidas imemorialmente segundo parâmetros próprios de desenvolvimento.
As atividades dos povos indígenas como agentes pró-ativos da evolução dos
ecossistemas por eles manejados, a interação e a reciprocidade com a natureza o
descritas por Morán (1987, p.216), conforme segue:
O efeito das atividades dos indígenas nas florestas de terra firme tem sido promover a
diversidade genética. Assim, nas áreas de melhores solos, observamos a criação de florestas
antropogênicas com concentração de valor econômico ainda baseadas em sistemas de conservação.
As florestas antropogênicas foram tão bem sucedidas em imitar a floresta virgem que até
recentemente foram vistas como sistemas de vegetação natural e não como produtos de manejo
ambiental.
Ou pela interferência consciente, ou pelo fato de estarem em um mesmo local por
muitos anos, trazendo e concentrando recursos genéticos, ocorre a formação
22
"Ilhas de recursos" é uma denominação utilizada para estudos da paisagem, definindo unidades
locais onde ocorrem determinados recursos naturais de interesse da pesquisa.
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antropogênica de ilhas de recursos naturais alimentares, associadas inclusive à
existência de terras mais férteis
23
resultantes de acúmulos de materiais descartados.
A auto-suficiência com a utilização sustentada dos recursos naturais possibilita
diretamente a manutenção da biodiversidade no território e a sobrevivência
sociocultural desses povos, que ainda mantêm uma forte integração com as forças
que regem a natureza e o homem.
A interferência direta nos modelos de subsistência autóctones– com a absorção e o
ingresso de novos alimentos e culturas agrícolas alheias à visão tradicional– leva ao
uso mais imediato e predatório dos recursos naturais.
2.8.1 A culinária indígena
A culinária indígena é simples e reduzida. O preparo dos alimentos é em geral feito
de forma complementar. Não se costuma elaborar excessivamente as comidas e são
poucos os temperos utilizados. Muitos povos utilizam como condimentos apenas a
pimenta tradicionalmente plantada e o sal introduzido recentemente.
O cardápio de uma refeição também é simples. Não é comum o preparo de vários
pratos como na culinária brasileira. Alguns pratos dependem do fornecimento de
ingredientes sazonais que estão disponíveis em determinadas épocas do ano.
Algumas comidas são preparadas em casos extremos de não se ter outra
alternativa. Assim, o cardápio acaba por ser ditado pela própria natureza, com
pequenas variações permitidas pelo "armazenamento" de alimentos nos próprios
roçados, principalmente raízes.
É comum se preparar diretamente o que se vai comer de forma separada. Não se
senta "à mesa" para comer em um determinado momento. As reuniões familiares
ocorrem, normalmente quando todos retornam de suas atividades, mais ao final do
dia. O mais usual é ir comendo alguma coisa quando se tem fome.
Mais recentemente, tem-se utilizado o hábito de fritar
24
algumas coisas, mas
antigamente se comia cru, moqueado
25
ou assado. Alguns povos ceramistas
tinham por hábito o cozimento de algumas comidas. Muito da culinária brasileira foi
absorvido do índio e adaptado a ingredientes novos.
As afirmações acima referentes a culinária indígena não se aplicam a todos os povos
indígenas, mas são exemplos ilustrativos de algumas práticas restritas a povos
específicos. Não como querer aqui descrever questões genéricas a todos os
povos, pois não existe na literatura descrições completas a respeito da culinária de
cada povo, sendo esse tema normalmente pouco estudado.
23
Essas terras férteis são cientificamente denominadas de "terra preta do índio" sendo comum
encontrá-las por toda a Amazônia, supondo-se que tenha sido local de habitação ancestral
indígena.
24
Esse é um hábito visto entre os Shanenawá que costumam fritar banana, mas é comum também
diversos outros povos fritarem carne para comer.
25
A comida moqueada é preparada no moquém, que é uma grelha feita de galhos verdes, armada
sobre o braseiro baixo que lentamente vai moqueando a carne. Assemelha-se ao processo de
defumação, dando inclusive uma maior durabilidade ao alimento. Essa técnica de preparo de
alimentos, assando na brasa ou no fogo é provavelmente a mais comum a todos os povos.
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Fato concreto é que com a absorção de novos ingredientes e novas formas de
preparo, a culinária indígena encontra-se em plena transformação.
2.8.2 A fome e as doenças em terras indígenas no Brasil
Com a relação intercultural, deu-se a redução dos territórios ancestrais indígenas.
Assim, algumas sociedades indígenas abandonaram hábitos antigos de
sobrevivência, perdendo importantes sementes que antes lhes garantiam uma
agricultura segura e diversificada. Tiveram que se adaptar também a uma diminuição
das áreas de concentração de recursos de coleta sazonal, de onde sempre
conseguiram suprir suas necessidades alimentares.
Com a chegada da "Civilização", começa a era da fome e penúria que segundo
Darcy Ribeiro (1970), aparece quando o abandono dos sistemas de produção de
alimentos que consumiam e dos bens que eles próprios faziam e usavam, dá lugar a
produção de mercadorias exportáveis.
Com a fome, a miséria e a conseqüente mudança dos padrões alimentares, é
verificado um considerável aumento das doenças, ocorrendo inclusive doenças
carenciais, típicas da desnutrição.
Quando observamos os aspectos da nutrição de um povo precisamos nos basear em formas
concretas de apropriação alimentar levando ainda em consideração todos os componentes
disponibilizados tradicionalmente. Nutrição funciona como um barril feito por tábuas onde, se um
determinado componente falta, isto é se uma das tábuas for menor do que se precisa, não é possível
absorver os demais e o excesso escorre pelo buraco acima da tábua curta.
De que adianta termos uma grande disponibilidade energética se dispomos de quantidades
insuficientes de proteínas e vitaminas necessárias ao metabolismo da vida? (SALGADO, op. cit., p.30)
A desnutrição nem sempre é visível e é verificada quando ocorrem essas
doenças, caracterizando um quadro denominado de “fome branca”
26
. Diversas são
as formas da absorção de novos hábitos alimentares, mas uma das mais comuns é a
induzida por pessoas que o às terras indígenas a passeio ou a trabalho e levam
coisas que as populações indígenas não usam normalmente em suas casas. Aos
poucos cria-se o interesse por determinados itens e, na oportunidade de uma ida à
cidade, iniciam o seu consumo.
As doenças representam sempre o primeiro fator da diminuição das populações indígenas. A
história das nossas relações com os índios é, em grande parte, uma crônica de chacinas e sobretudo
de epidemias.[...] Nos grupos mais aculturados, que perderam seu sistema de adaptação ecológica,
em virtude da adoção de novas técnicas e de diferentes hábitos alimentares, m-se manifestado
moléstias carenciais que não parecem ocorrer nas tribos que ainda mantêm seu modo de vida
tradicional. (RIBEIRO,op.cit, p.208)
Da mesma forma que ocorrem doenças carenciais, por outros motivos tamm
podem ocorrer doenças provocadas pelo uso de substâncias incorporadas ao
26
No 'Mapa da Fome entre os Povos Indígenas no Brasil II' do INESC (1995), “Fome branca” foi
definida como sendo a fome que permanece quando a pessoa se alimenta mas não se nutre
adequadamente. De forma oposta, se utiliza a expressão Segurança Alimentar e Nutricional,
contemplando justamente a necessidade de se alimentar (encher a barriga), e de também se nutrir
adequadamente.
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cotidiano alimentar. É o caso do uso excessivo do açúcar e do sal de cozinha, que
acidificam o sangue, prejudicam os dentes e alteram a pressão arterial.
A cozinha indígena tradicional, parece, não adotava o sal como um de seus temperos. O uso do
sal como tempero tem sido introduzido nas tribos indígenas pelo contato com os homens civilizados.
Por isso, geralmente os índios dependem dos brancos para seu abastecimento de sal. Isso não
significa que o desconheciam. Algumas tribos o fabricam, mas segundo uma técnica pela qual só
podem obter uma quantidade mínima. (MELATTI,1993, p.156)
Diversos povos indígenas produzem o sal em pequenas quantidades, sendo em
alguns locais uma especiaria. Os Enawene Nawe produzem o cloreto de potássio a
partir do olho da palmeira inajá. Igualmente no Alto Xingu, na região denominada
"Uluri"
27
, o sal obtido pelos índios não é o cloreto de sódio, mas o cloreto de potássio
que é obtido a partir do aguapé (echornia crassipes).
Sal que nós comprávamos desmanchado na água. A gente comparava sal como quem
comparava cachaça, engarrafado. Sal engarrafado desmanchado n'água. Sal no litro viu. Não
temperava na bóia. Botava é na comida. Molhava a carne para poder comer. [...] Antigamente,
pessoal comia insosso. Mas eu não alcancei. Antigamente o índio comia insosso, mas depois meu pai
tava civilizado. comia sal tudo. Papai falava português bem também. (BRANDÃO, B., 2005,
comunicação verbal)
Certa vez entre os Asheninka no rio Amônea, fronteira com o Peru, perguntei a uma
liderança sobre como as pessoas da aldeia tinham dentes tão bonitos, mesmo as
mais velhas. Ele me respondeu que a comunidade não utilizava açúcar. A
cooperativa não trazia da cidade e poucos índios iam comprar devido à distância.
A precária higiene bucal e do consumo de açúcar, biscoitos, refrigerantes e balinhas
trazidos da cidade, são os grandes responsáveis pela degeneração dentária. A falta
de dentes prejudica sobremaneira a mastigação, levando a pessoa a praticamente
engolir tudo que coloca na boca de imediato sem nenhuma salivação deixando de
acrescentar a amilase e outras substâncias essenciais à boa digestão.
A diminuição territorial, a desagregação e modificação social, a desestruturação dos
sistemas de produção e outros fatores que afetam a sobrevivência indígena
concretizaram-se na forma de fome permanente ou sazonal e fazem da
miserabilidade uma constante da atualidade indígena.
A fome no contexto indígena está associada com o não reconhecimento e a não garantia de
seus territórios tradicionais; está relacionada com a intrusão das terras indígenas e com a depredação
dos recursos naturais ali existentes (desmatamentos, poluição, superexploração dos solos, etc); e está
associada com as políticas indigenistas equivocadas e ironicamente denominadas de
"desenvolvimento comunitário".
Não obstante a carga pejorativa que o conceito de pobreza carrega quando utilizado para se
referir a populações indígenas, o fato é que o quadro construído a partir do conjunto de informações
disponíveis nos levaram a concluir, sim, que vários povos indígenas encontram-se num processo
acelerado de empobrecimento, chegando alguns ao extremo da mendicância por falta de alternativas
de sobrevivência.(VERDUN, 1995, p.8)
A fome nas comunidades indígenas, como descrita na introdução deste documento,
encontra seu ápice nos elevados índices de subnutrição e mortalidade infantil, que
crescem dia após dia. Nos momentos de maior incidência dessas ocorrências
sazonais, os órgãos federais, que têm por obrigação do poder constitucional a
27
A região do Uluri é definida como uma zona de refúgio onde diversos povos xinguanos se
estabeleceram, com um relacionamento intercultural, onde especializações complementares foram
desenvolvidas por cada povo.
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responsabilidade com a questão, correm para mostrar a sua atuação fraca e
desorganizada até mesmo nos momentos emergenciais.
Antes de ser responsabilidade do estado, a questão da fome é também
responsabilidade das próprias populações indígenas que, porém, precisam de apoio
e orientação para que, de forma autônoma e capacitados para o enfrentamento de
novos mundos, sobrevivam com dignidade e soberania. A economia indígena,
quando organizada, sempre atendeu às suas necessidades de sobrevivência e talvez
esteja nela a solução para os atuais problemas de abastecimento alimentar.
2.9 A PROVISÃO ALIMENTAR INDÍGENA
A alimentação indígena é um misto de alimentos originários da coleta pura e simples
(frutas, palmitos, cogumelos e larvas), da caça de animais (terrestres e aves), da
captura de peixes e de outros animais aquáticos, da produção de alimentos nos
roçados
28
e, por fim, das aquisições externas.
Na Amazônia e nas baías da costa brasileira ecologicamente a ela similares, como a de São
Luís, a de Todos os Santos, a de Vitória, a de Guanabara, a de Angra dos Reis, a de Cananéia, a de
Paranaguá e a das ilhas de Santa Catarina, agrupavam-se grandes contingentes populacionais, com a
alimentação básica suprida pela mandioca, planta especializada em produzir sete toneladas de amido,
por hectare, por ano, em solos tropicais e sem maiores trabalhos, e pelo peixe de suas piscosas
águas, o que ocorre até hoje. E havia comida para todos, por três anos consecutivos, garantidos pelos
mandiocais: um em plantio, outro em crescimento e outro em produção. (FERNANDES, 2001, p.13)
De forma genérica isso ocorre em locais onde a fartura de peixes é grande, como
tamm é o caso do parque indígena do Xingu. Mas em outras regiões interioranas
muda-se a estratégia de suprimento de proteína animal para um misto entre a caça e
a pesca, sendo também, nesse caso, comum uma maior diversificação dos produtos
cultivados nos roçados.
2.9.1 O roçado de “corte e queima”
Existe uma forte complementaridade entre a agricultura indígena e as outras
atividades de apropriação alimentar. Ela é parte fundamental do sistema de
segurança alimentar em terras indígenas, visto que garante certa estabilidade
temporal no fornecimento de alimentos ao longo do ano. É propriamente a
"segurança" em momentos de dificuldades alimentares devido a adversidades que
dificultem a provisão alimentar através da pesca, caça e coleta.
Nos sistemas tradicionais de “roça de corte e queima”, também denominados "roça
de toco", "agricultura de coivara" ou "cultivo itinerante", predominam culturas
temporárias plantadas por um curto período, alternando com o pousio arborizado de
28
A terminologia "roçado" é equivalente a "roça" e está sendo utilizada nessa dissertação por ser a
mais empregada no estado do Acre, local do estudo de caso entre os Shanenawá, onde roça
também significa o mesmo que macaxeira.
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longa duração. Nesses sistemas existe uma relação entre o modo de limpeza do
terreno para plantio e a capacidade de suporte agricultural
29
.
A expressão "roça de toco" vem da característica de não se retirarem os tocos ou
raízes, o que possibilita a rápida regeneração local com a formação da capoeira. As
sociedades indígenas têm em comum o fato de praticarem uma agricultura em
pequena escala, variando o tamanho das roças e as espécies cultivadas. Tamm
haverá uma participação diferenciada da mão-de-obra feminina ou masculina
conforme a etapa de desenvolvimento do roçado.
A primeira etapa para que se estabeleça o sistema é a broca, que consiste no corte
da vegetação de menor porte, dos cipós e mesmo de pequenas árvores que se
entrelaçam naturalmente com as árvores maiores. Após a broca, o esperados
alguns dias para que a vegetação cortada murche e seque um pouco.
A segunda etapa é a derrubada, que é facilitada, pois não mais resistência do
entrelaçamento de árvores e cipós. Assim, quando as árvores grandes são
derrubadas, caem com elas outras menores que já estavam cortadas. Essas duas
etapas do trabalho são realizadas no período mais seco do ano, procurando-se ainda
ter um tempo para que a vegetação seque bem. Algumas árvores maiores ou de
utilidade como suporte a determinadas culturas são mantidas.
Passado pouco mais de um mês, normalmente é feita a queima, que deve ser
realizada com cautela e no momento certo para que queime adequadamente todo o
material disponível.
Alguns dias após essa etapa, ainda com o solo um pouco quente, é feita uma
limpeza geral com amontoamento do material que ainda pode ser queimado para
facilitar o plantio. É nesta etapa que geralmente as mulheres começam a participar
juntamente com o restante da família. Aos montes de material ligeiramente queimado
que serão incinerados definitivamente dá-se o nome de coivara podendo nessa
etapa ser realizado o plantio de alguma cultura, como batata doce.
Após essa preparação, aguarda-se o momento certo com relação ao início das
chuvas e a lua certa para o plantio do milho. Essa fase do plantio levará alguns
meses conforme a cultura a ser plantada, podendo ir a o meio das chuvas, quando
essas diminuem e o risco de se perderem determinadas culturas por encharcamento
e mela está descartado. Conforme a vegetação de origem, se mata virgem ou
capoeira, serão feitas duas, três ou até mais limpas.
29
Da escolha correta do local onde será estabelecido o sítio de plantio dependerá primeiramente a
produtividade. Tanto a vegetação, de mata virgem ou capoeira, como as condições de fertilidade e
drenagem dos solos são fatores determinantes do êxito, representando inclusive um maior ou
menor trabalho posterior de limpeza. A derrubada da vegetação, utilizando métodos rústicos com a
foice e o machado, seguida de queima, define um suprimento natural de nutrientes e uma
capacidade de suporte do solo a determinada densidade de plantas, de forma a que se obtenha
produção que compense minimamente o trabalho despendido.
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No plantio, os "ritos de fertilidade" (Fig.2-1) são inerentes a muitos povos indígenas,
quando podem ser entoados cânticos, esperada a lua certa e outras manifestações
rituais, conforme a cultura.
No caso do plantio da batata pelos Kaxinawá, ela deve ser plantada por uma mulher
que carrega seu filho nas costas e vai cantando pedindo uma colheita farta.
Existem muitas outras crenças praticadas por diversos povos que associam a
fertilidade às forças da natureza. Alguns povos, como os Krahô e os Mebemgokrê,
têm restrições e especificidades para o plantio de certas sementes, pois deve ser
feito por indivíduos de determinada faixa etária, ou mesmo de determinado sexo.
Também existem certas plantas companheiras que, de formas diversas, se ajudam,
como também plantas antagônicas que não devem ser misturadas por problemas de
competição pela luz ou mesmo incompatibilidade química.
Da utilização correta de tecnologias, sementes tradicionais, crenças e práticas
aprendidas ancestralmente, depende o êxito da produção de alimentos e, por
conseguinte, a própria segurança alimentar e nutricional dos povos indígenas.
Assegurada uma base permanente de carboidratos, a estratégia de sobrevivência
procura suprir com a pesca, a caça e a coleta a parte protéica e de outros elementos
necessários a uma alimentação saudável.
Enquanto a agricultura, praticada pela maioria das populações indígenas, é uma
ocupação direcionada à família elementar (pai, mãe e filhos), as atividades de pesca,
caça e coleta desdobram-se em modalidades coletivas e individuais. A produção é
regulada pela divisão sexual do trabalho ou raramente por especialização. Assim
homens e mulheres têm suas tarefas na obtenção, transporte e processamento dos
alimentos.
O sistema de corte e queima exaure rapidamente os recursos disponíveis, sendo o
roçado abandonado em dois ou três anos. Os roçados abandonados continuam
Figura: 2-1 - Rito de fertilidade Kaxinawá do plantio de batata
Fonte: Desenho de Agente Agroflorestal Indígena Kaxinawá. In: SALGADO, C.
Relatório de aula sobre sementes. Curso de Agentes Agroflorestais Indígenas da CPI-Acre -(2000)
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servindo de fonte alimentar, seja na forma de tubérculos e árvores frutíferas, que se
manm produzindo por muitos anos, ou pela presença de animais terrestres e
alados atraídos por seus cultivares, constituindo uma reserva de caça.
2.9.2 A coleta
Principalmente durante as estiagens, ou em épocas determinadas pelo
amadurecimento de frutos, as incursões à floresta tornam-se mais freqüentes. Elas
podem durar apenas um dia nas proximidades da aldeia ou dos acampamentos
temporários, ou mais tempo quando a distância for maior. A rigor, a coleta ocorre
muitas vezes sem um planejamento específico, ou seja, quando se encontra
determinado recurso em condições de ser utilizado, é feita a coleta.
A coleta de diversos itens, principalmente das frutas, é normalmente praticada pelas
mulheres e crianças. Mas pode tamm ser efetuada pelos homens, confundindo-se
inclusive com a atividade de caça de pequenos animais como é o caso do jabuti, que
é coletado e não caçado. O mel de abelhas, por sua vez, é retirado das colméias nos
ocos das árvores. A rigor isso varia de povo para povo.
A coleta não se restringe a alimentos, mas tamm a outros materiais empregados
na construção de casas, na confecção de elementos utilitários e rituais, e mesmo na
cura de determinadas doenças. Podem-se tamm suprir as necessidades de
proteína animal com larvas de insetos, lagartas e formigas. Alguns povos no Acre,
como os Jaminawá e os próprios Shanenawá comiam alguns tipos de cogumelos.
A biodiversidade animal e vegetal dos diversos ecossistemas do Brasil representa
uma grande fartura garantindo um sistema de Segurança Alimentar tradicional
sempre eficiente. Frutas, vegetais diversos, animais, de tudo um pouco.
2.9.3 A pesca
A pesca é normalmente uma atividade masculina, mas também tem a participação
das mulheres, sobretudo quando, conforme a técnica, se assemelha a uma atividade
de coleta. Entre as técnicas, estão as pescarias coletivas, familiares ou comunais,
com o uso de "anestésicos", entre os quais vários tipos de tim (ci) e tingui
(arbusto). Em alguns lugares do Acre, se lhes dá o nome de "mariscar". Também são
coletados peixes quando os igapós estão quase secos, ficando fácil pegá-los na
lama.
Diversas outras estratégias tradicionais o utilizadas. As cercas são comuns no Alto
Xingu, utilizadas em pequenas lagoas temporárias, associadas ao tim, ou mesmo
em lagoas mais permanentes com o uso de "jiquis"
30
, que são diariamente visitados.
No alto Xingu também é possível se encontrarem alguns índios pescando com arpão
de ar-comprimido, contrapondo-se ao uso ainda regular e generalizado do arco e
flecha. Os Enawene Nawe constroem grandes barragens fechando completamente o
rio, onde instalam grandes "jiquis" que aprisionam os peixes que estão vindo das
cabeceiras. Todas essas formas tradicionais de pesca são repletas de rituais onde
se fazem oferendas aos espíritos para uma boa pescaria.
30
Espécie de cesto armadilha confeccionado em palha (talo). Quando o peixe entra não consegue
mais sair. O cesto é instalado dentro da água em cercas colocadas no caminho natural dos peixes.
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As estratégias de pesca têm mudado bastante com a grande introdução de novos
apetrechos de pesca nas comunidades indígenas. Temos alguns povos que
aprenderam a pescar com bicheiros
31
comuns nos rios do Acre. O uso de redes e
tarrafas é comum nas pescarias em lagos, igarapés e beiras de rios para a pesca de
peixes pequenos e médios. Durante as piracemas são utilizadas tanto as redes
quanto as tarrafas quando a fartura é garantida pelos cardumes que sobem o rio. As
linhadas com anzóis são também utilizadas por todos os povos, sendo comum para a
pesca de variados tipos e tamanhos de peixes.
São muitas as formas de pesca e grande a variedade de apetrechos utilizados
buscando a sua eficiência. A carne originária das atividades de pesca, onde é
possível a sua prática, sempre foi responsável por boa parte da sustentação e
concorre com a caça no atendimento das necessidades de proteína animal, sendo
inclusive priorizada nos locais de maior fartura.
Os peixes das mais diversas qualidades, pescados por vários métodos, constituíam o segundo
alimento básico da brasílica gente, geralmente consumido moqueado, isto é, assado e defumado
numa trempe de madeira, o moquém, cujo uso difundiu-se entre os piratas, em geral franceses, que
passaram a chamar de moguém. [...] Um pouco mais torrado, o peixe era pilado e transformado em
outra ração de grande durabilidade, o piracuí. (FERNANDES, op.cit, p.14)
Os peixes e alguns tipos de caça estão entre as preferências alimentares dos povos
indígenas, tanto das populações costeiras, quanto das ribeirinhas, o que pode variar
de um povo para outro. De uma forma geral predomina o consumo de peixes.
2.9.4 A caça
São muitas as estratégias de caça conforme a adaptação cultural ao ambiente, o tipo
de animal disponível e mesmo a própria época do ano.
A carne de caça sempre foi um alimento secundário, sendo ingerida assada, e a sua obtenção
atribuída às tribos das terras centrais. A mais abundante era a dos porcos-do-mato, caititus e
queixadas, que em grandes varas juntavam-se em determinadas épocas.
Da carne pilada com farinha produziam as paçocas. Na Amazônia comiam-se ainda lagartos,
cobras, jacarés e todos os tipos de quelônios e seus ovos, preparados de formas diversas.
(FERNANDES, op.cit., p.14)
Igualmente a outras especificidades étnicas, a preferência por animais varia
bastante, os Panará são exímios caçadores de antas, os Kayabi preferem a carne de
queixada e de macaco prego, os Asheninka gostam mais das aves. Os povos do Alto
Xingu comem preferencialmente peixes, mas eventualmente comem algum animal
de pena, evitando comer animais de pelo, que acreditam ser reencarnações de seus
próprios espíritos. Os Shanenawá preferem caçar veado, vindo em seguida a paca e
o tatu. A ave mais apreciada é o nambu galinha.
31
O bicheiro é uma espécie de arpão manual, com um elástico em uma das pontas para ser
arremessado. É utilizado bem próximo ao peixe que costuma se alojar nas pausadas acumuladas
nos leitos dos pequenos rios amazônicos durante as enchentes e que aparecem durante a seca,
formando pequenos nichos ecológicos que atraem alguns peixes.
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Entre os povos mais interioranos, o fornecimento de carne pelos homens sempre foi
considerado pelas mulheres. Para alguns povos, os bons caçadores estão entre as
pessoas mais importantes da aldeia.
De espera no barreiro ou em uma fruteira, de aponto andando em busca de rastros,
com armadilhas ou mesmo com cachorro acuando o as estratégias mais comuns
de se caçar após a introdução da espingarda. Alguns povos, porém, ainda mantêm a
sua tradição e eficiência utilizando-se de zarabatanas, bordunas e arcos com flechas
específicas para cada animal. O uso de flechas envenenadas tamm é comum,
sendo técnica dominada e muito utilizada por vários povos indígenas.
Estratégias elaboradas, praticadas ainda hoje pelos Xavante, implica tocar fogo nos
campos do Cerrado, na forma de uma imensa ferradura e matar os animais
esperando-os no único local restante para a fuga. Com a vegetação queimada,
tamm fica mais fácil encontrar os animais, mesmo a grandes distâncias, bem como
seguir seus rastros. Os Mebengokrê (Kaiapó) em caçadas coletivas costumam fechar
um grande cerco em torno dos animais e, após feri-los, partem para cima dos
mesmos terminando por matá-los com bordunas.
Não se caça em qualquer tempo, no verão fica difícil encontrarem-se rastros,
durante as chuvas os animais se abrigam e fica dicil encontrá-los, mas durante os
dias de estiagem encontra-se de tudo. Entre os Manchineri, no rio Yaco, Acre, pude
ver que, em um dia de estiagem após chuvas constantes, todos que saíram para
caçar voltaram com algum animal abatido.
Com o aumento da eficiência da caça, atras do uso de armas de fogo e cachorros,
muitas terras indígenas, em diferentes escalas, têm tido dificuldades em manter a
disponibilidade natural. Diversos povos, porém, m conseguido melhorar essa
condição desenvolvendo planos de manejo ambiental, se adaptando a novos
padrões alimentares e lançando mão de outras estratégias de abastecimento. Os
Shanenawá estão desenvolvendo um plano de manejo de caça que gradativamente
tem assumido a dimensão de um plano de manejo ambiental.
2.9.5 Outras origens alimentares
Muitos povos m estabelecido, ao longo dos últimos anos, uma relação diferente
com o ambiente, procurando melhorar o fornecimento de carne. Iniciaram pequenas
criações de animais domésticos, vacas, galinhas, porcos, patos e carneiros, entre
outros. Galinhas e patos são os preferidos. Em locais onde as condições
topográficas, edáficas e de disponibilidade de recursos hídricos o favoráveis, tem
sido incentivada a criação de peixes em açudes. Mas sempre o problema de
alimentar os animais, o que tradicionalmente não era praticado por sociedades
indígenas, exceção relativa aos "Xerimbabos".
32
2.10 OS FATORES QUE DESEQUILIBRAM A PROVISÃO ALIMENTAR
INDÍGENA
32
"Xerimbabos" são animais de estimação, aprisionados da natureza, provavelmente quando
pequenos em uma caçada onde foram mortos os adultos. Ou mesmo coletados em ninhos para
fornecerem quando grandes as plumagens necessárias aos adornos rituais.
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Diversos fatores econômicos, ambientais, culturais e sociais podem ser alterar os
sistemas de produção de alimentos em terras indígenas.
2.10.1 A ação paternalista e assistencialista do Estado
A FUNAI é a maior responsável pela interferência nesses sistemas de produção de
alimentos, além de induzir mudanças tecnológicas, vicia as populações com suas
ações assistencialistas emergenciais. O incentivo indiscriminado aos benefícios, em
nome da cidadania, serve para incentivar a ociosidade de muitos jovens, que se
encostam em seus avós usufruindo às vezes até mesmo mais que os próprios
aposentados.
A Fundação Nacional de Saúde (FUNASA), com suas práticas assistenciais, também
tem feito interferências. Com uma ação baseada em índices, números e metas, está
ainda construindo uma experiência sobre a questão indígena.
As metas do Departamento de Saúde Indígena (DESAI) incluem a redução dos índices de
mortalidade infantil, malária, tuberculose e alcoolismo, além de chegar à cobertura total de vacinação
nas comunidades indígenas. Desde que assumiu o Subsistema da Saúde Indígena, em 1999, a
FUNASA conseguiu avanços. [...]O DESAI também trabalha para reduzir os índices de desnutrição
entre menores de cinco anos de idade. Além do uso da multimistura (complemento nutricional
desenvolvido pela Pastoral da Criança), o Departamento estuda formas de incluir as populações
indígenas no programa Bolsa-Alimentação. (FUNASA, 2004, web site)
Cheia de boas intenções a FUNASA repete erros assemelhados aos que a FUNAI
cometia quando gestora da ação de saúde indígena. Ainda concentra sua ação em
programas emergenciais e alguns preventivos, todos importantes, mas que não
alteram o quadro de dependência externa por alimentação e nem modificam os
hábitos alimentares equivocados absorvidos. Algum avanço podemos verificar com a
criação dos Conselhos Distritais Indígenas, constituídos paritariamente por índios e
organizações que trabalham com à saúde indígena.
2.10.2 Os benefícios sociais
Existem diversos tipos de aposentadorias concedidas pelo Instituto Nacional de
Seguridade Social (INSS) ou pelo Fundo de Apoio ao Trabalhador Rural
(FUNRURAL). Na Amazônia existe ainda outra categoria no sistema do INSS que é o
"soldado da borracha"
33
, que recebe dois salários mínimos.
As aposentadorias e os salários dos funcionários públicos têm sido uma alternativa às
dificuldades de se adaptarem às novas condições de sobrevivência junto aos rios, mas representam
uma faca de dois gumes, pois a população passa a freqüentar excessivamente a cidade,
abandonando suas atividades de rotina nas aldeias e, além disto, representa um ingresso
considerável de produtos prejudiciais à saúde, principalmente nos itens relativos a alimentação, que
passam a serem consumidos em larga escala em detrimento de produtos tradicionais mais saudáveis
e auto-sustentados. [...]
33
Soldados da Borracha o os voluntários que na época de servir o exército, por ocasião da II
Grande Guerra Mundial optaram por ir trabalhar com a extração de látex na Amazônia.
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Este fato afeta principalmente gestantes e lactentes que com os novos hábitos ficam sujeitos a
alterações no desenvolvimento da nutrição mais equilibrada, necessária tanto ao desenvolvimento da
criança ainda no útero como também após o nascimento. (SALGADO, 2002, p.9)
Além das aposentadorias, existem os benefícios temporários estabelecidos segundo
algum perfil exigido para acessá-los e continuar recebendo, como o Bolsa Escola e o
Bolsa Família e mesmo os que duram um período específico como o Auxílio
Maternidade e Doença.
2.10.3 A merenda escolar
O programa de merenda escolar é preocupante, pois opera em uma dimensão de
formação de consciência, a escola, que trabalha com uma faixa etária reduzida e de
fácil manipulação. É quando são induzidos os primeiros e principais hábitos
alimentares futuros.
A atual orientação do Ministério da Educação (ME) é de que essa merenda seja o
mais regionalizada possível. Mas como ele é um mero repassador de recursos aos
estados que, por sua vez, os repassam aos municípios para a aquisição de
alimentos, o que vemos é uma total distorção nos cardápios oferecidos. Ao invés de
se privilegiarem os alimentos produzidos nas aldeias, todos os meses chegam de
fora alimentos de baixa qualidade e sem nenhuma relação com o universo alimentar
e nutricional indígena.
2.10.4 Os empregos
São diversas as possibilidades internas de emprego vividas hoje pelas sociedades
indígenas. Em todas as terras indígenas temos os agentes de saúde indígena e
agentes de saneamento. Em algumas, temos professores bilíngües e antigos
funcionários da FUNAI. Temos tamm pessoas empregadas com contratos
especiais de curta duração atuando a serviço da FUNASA.
Diversas organizações indígenas e indigenistas, como também organizações
governamentais estaduais e municipais costumam empregar pessoas. De forma
geral normalmente os empregos são para motoristas, pilotos de lanchas, auxiliares
de serviços gerais e outras categorias de baixos salários.
2.10.5 Outras formas de remuneração
O trabalho por diária nas fazendas, cidades e na própria aldeia tem sido uma das
formas de remuneração. São atividades diversas no trabalho agrícola e outros
serviços temporários. Nas aldeias é comum trabalhar para os aposentados que não
mais dispõem de força sica e para os assalariados que dispõem de pouco tempo.
tamm as remunerações por trabalhos esporádicos e permanentes, em diversos
projetos desenvolvidos por organizações indígenas e indigenistas.
Na cidade também são comercializados produtos de seus roçados, de suas criações
domésticas ou de caçadas. Ocasionalmente se vende tamm na cidade, parte do
conseguido em, concorrendo com o abastecimento alimentar interno.
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Todos os fatores aqui mencionados se relacionam de uma forma ou de outra com a
segurança alimentar nas sociedades indígenas. Boa parte deles traz consigo os
vícios estruturais do assistencialismo e do paternalismo. Esses contribuem para a
formação de uma sociedade sem autonomia, encostada em um sistema assistencial,
acreditando ser o melhor e mantendo-se marginalizada da sociedade brasileira.
Terminamos por estudar sobre a segurança alimentar e nutricional em terras
indígenas e a seguir daremos procedimento ao estudo de caso Shanenawá.
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3 SEGURAA ALIMENTAR E NUTRICIONAL DOS
SHANENAWÁ
Para compreendermos melhor a problemática da segurança alimentar entre os
Shanenawá, como chegaram aos dias de hoje, pelo que passaram para serem como
são, é preciso entender como se deu o processo de invasão e conquista dos
territórios indígenas acreanos, quais as distintas reações provocadas e ainda como
elas influenciaram a atual configuração do movimento indígena acreano, no qual os
Shanenawá estão inseridos.
3.1 A QUESTÃO INDÍGENA NO ACRE
No Acre, a história indígena contemporânea se confunde com a própria colonização
da região realizada por brasileiros, peruanos e colombianos vindos de todas as
partes, protagonistas de uma situação conflituosa que se estendeu por mais de um
século. Quando contada na ótica do ocorrido com as sociedades indígenas, fica
melhor contextualizada, representando momentos distintos para as diversas fases
do contato com nossa sociedade, segundo o espaço temporal estabelecido a partir
de suas referências culturais. Por esse prisma, a história se inicia bem antes do
tempo do próprio contato, onde a colonização da América pré-histórica, na região, é
confirmada por duas distintas tradições ceramistas: a "Quinari", nos vales dos rios
Purus e Acre; e a "Acuriá", nos vales dos rios Juruá, Muru e Tarauacá.
Nessa época, de existência autônoma, os diversos povos indígenas viviam livres e
sobreviviam aos conflitos interétnicos. Guerreavam, mas tamm estabeleciam
territórios litigiosos que não deviam ser explorados, evitando o contato com seus
rivais.
A partir de 1860, com as viagens de exploração de naturalistas, constatou-se tanto a
presença indígena quanto a existência de riquezas exploráveis. Em pouco tempo,
chegaram milhares de homens vindos de todas as partes do Brasil em busca da
borracha. Pelo sudoeste, chegavam os caucheiros peruanos e, pelo sul, os
seringalistas bolivianos.
Assim se estabeleceu um novo momento que subjugou as sociedades indígenas. De
senhores da terra, passaram a serem vistos como empecilhos ao desenvolvimento
da atividade extrativa.
A ocupação do Acre, realizada por força do extrativismo do caucho e da borracha,
escreveu nessas terras mais um capítulo de genocídio na história do Brasil. A
colonização se deu diretamente pelos próprios interessados nas drogas da mata,
sem qualquer intermediação do estado ou de missionários. Desta forma, grande
dificuldade em se estudar a etnologia dos índios na região.
As matas da região banhada pelos rios Juruá e Purus, originalmente habitada por índios,
constituíam, dez anos depois da descoberta dos seringais, a principal zona produtora de borracha da
Amazônia e contavam com uma população superior a cinqüenta mil habitantes, formada,
principalmente, de deslocados nordestinos que lá foram ter, fugindo da seca. Em conseqüência da
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rapidez e da violência desta invasão, o que fora uma das áreas amazônicas de maior população
indígena despovoou-se em poucos anos, na medida em que nasciam os núcleos civilizados. [...]
O seringueiro não estava interessado em distinções lingüísticas e culturais: com uns poucos
nomes batizou todas as tribos, fazendo-os recair sobre grupos completamente diferentes.[...] Tratava-
se, entretanto, de uma área de grande homogeneidade cultural, em que grupos de famílias
lingüísticas Pano, Aruak e Katukina fundiram seus patrimônios, alcançando alto desenvolvimento e
uma perfeita adaptação ao ambiente.[...]
Grande parte das tribos do Juruá-Purus desapareceu antes que fosse possível qualquer
documentação sobre seus costumes; de muitas delas só se conhece a crônica das violências de que
foram vítimas, crônicas, aliás, quase idênticas, pois os mesmos fatos se repetiam com uma tribo após
outra. (RIBEIRO, 1970, p.43)
3.1.1 A economia da borracha
Os seringais descobertos se mostravam muito produtivos e, com isto, atraíam
contingentes cada vez maiores de aventureiros e sonhadores devido à riqueza fácil
da borracha. Mas o quadro de hostilidades era aterrador: de um lado, havia os
índios defendendo os seus territórios ancestrais; do outro, os seringueiros recém-
chegados a uma terra hostil, coberta por uma floresta cheia de segredos e mistérios
que lhes ceifava a vida em pouco tempo.
É tamm nessa época que chegam novas doenças como o sarampo, a
coqueluche, a gripe e outras, complementando o quadro de terror antes
estabelecido. Os índios encontravam-se subjugados e indefesos. Após três a quatro
décadas de perseguições e sofrimentos, se inicia um tempo que vai da década de
10 a meados da década de 80 do século XX. Foi um período de submissão ao
poderio da empresa seringalista que se instalara nos principais rios, abrindo
colocações para a exploração da borracha por toda a parte, restando pouco espaço
para alguns pequenos grupos se refugiarem.
Durante sete décadas de cativeiro, os povos indígenas do Acre sofreram com a degradação de
suas culturas tradicionais. O peso dos preconceitos da sociedade não-índia, a expropriação de suas
terras ancestrais, a falta de políticas de assistência, de educação ou de saúde levou-os a uma grave
condição econômica e social. (NEVES,M., 2002, p.14).
A economia da borracha no Acre se estabeleceu através dos dois grandes rios da
região: o Purus e o Juruá, deslocando, inicialmente, as populações indígenas para
as cabeceiras dos seus afluentes maiores. Foi também, após certo tempo, realizada
a instalação de seringais à montante dos povoados.
No processo de desenvolvimento da economia da borracha, os índios foram
alocados como mão-de-obra para o fornecimento de carne de caça e outros
produtos da alimentação, sendo posteriormente integrados à lida geral do seringal e
à própria extração da borracha. Os próprios Shanenawá, foram contratados para
amansarem os índios "brabos" da região do Alto Envira.
As práticas de sobrevivência passaram por uma reestruturação. A moradia foi
transferida mais para o interior da floresta, onde ocorre a seringueira. Houve uma
maior fartura de caça, deixando porém a fartura dos rios com suas duas colheitas
agrícolas e peixes o ano todo.
O seringalista vendia a alimentação no "barracão", pois a safra de látex coincidia
com o período de preparo da terra para o cultivo, inviabilizando a produção de
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alimentos na agricultura. O que não era abastecido pelo barracão, era fornecido
principalmente pelo "regatão".
Para o índio, o seringal e toda a indústria extrativa têm representado a morte pela negação de
tudo que ele necessita para viver: ocupa-lhe as terras, dissocia sua família, dispersando os homens e
tomando as mulheres; destroem a unidade tribal sujeitando-a ao domínio de um estranho, incapaz de
compreender suas motivações e de proporcionar-lhe outras. Enfim, submete o índio a um regime de
exploração, ao qual nenhum povo poderia sobreviver. Assim, diante do avanço dessa civilização
representada pelos extratores de drogas da mata, só resta ao índio resistir, e quando isto se torna
impraticável, fugir para mais longe, mata adentro, para zonas altas onde não cresce a seringueira
(RIBEIRO,op.cit, pg.27) .
Com o declínio da atividade extrativa da borracha, foi-se um ciclo de fartura ilusória
abastecido pelos sistemas de "regatão e barracão"
34
..
No tempo do cativeiro, o patrão mandava no seu barracão. Tinha muito patrão que não queria
ver seus fregueses plantar roçado, caçar ou pescar. tinha interesse de ver o freguês cortando
seringa e comparando no seu barracão.
Mas os índios sempre trabalhavam no seu roçado, para não deixar seu trabalho parado. Eles
tinham família. Cada uma dessas famílias tinha um chefe que governava na sua colocação. Esse
mandava o pessoal dele fazer todo tipo de serviço. Mandava trabalhar todos juntos para pagar as
contas e poder comparar querosene, sal, sabão, munição, tecido e outras mercadorias. Depois
juntava a produção e vendia para o dono do seringal. Em alguns povos indígenas continuou existindo
o chefe, que era respeitado pelas diferentes famílias. Esse chefe pedia para seus parentes não
descuidar de pescar, caçar, colocar roçado, plantar macaxeira e banana.[...] No tempo do
barracão o patrão queria ver o índio sempre no cativeiro, cortando seringa, sempre endividado.
Mas o índio continuou sendo o governo da sua própria casa e de sua família. Ele nunca
descuidou de seus trabalhos na agricultura, das caçadas e das pescarias. Era por isso que o branco
chamava o índio de caboclo preguiçoso, porque a produção de borracha dele era sempre menor do
que do seringueiro cariú, que não podia plantar nada. (KAXINAWÁ, 2002, p.105)
A chegada da FUNAI em 1976 traz consigo a legitimação do direito indígena e o
acirramento da luta pela demarcação das terras indígenas acreanas.
3.1.2 Os novos tempos e a demarcação das terras indígenas
É época do declínio da atividade nos seringais e da negociação deles com
empresas paulistas, interessadas no desenvolvimento da atividade agropecuária,
ampliando consideravelmente os conflitos pela posse da terra.
Mas é nessa situação conflituosa que surgem os movimentos organizados para a
defesa da floresta nos quais, os "empates"
35
, fizeram frente às moto-serras e
pacificamente foram minando a força das novas empresas.
34
O "regatão" ocorreu e ainda ocorre em muitas regiões de difícil acesso na Amazônia, é uma forma
de comercialização realizada por via fluvial. As negociações invariavelmente eram realizadas com
base na troca: mercadorias industrializadas por alimentos, animais e outros bens de produção.
Explorado pelo regateiro, muitas vezes o trabalhador da floresta ficava em bito mantendo um
nculo eterno de comércio. Igualmente dominador era o "barracão" que era explorado pelo dono do
seringal, mas suas práticas comerciais eram assemelhadas às do regatão.
35
Os "empates" eram atividades de enfrentamento organizadas pelos movimentos de seringueiros,
que, encabeçados por Wilson Pinheiro e Chico Mendes que formavam grandes contingentes de
homens desarmados que iam para as frentes de desmatamento convencer os trabalhadores a não
desmatarem os seringais. Surge pari passu com diversos movimentos ecológicos por todo o mundo.
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Nos anos 80, as populações indígenas se mobilizaram localmente para garantir as terras
identificadas pela FUNAI. Dessas mobilizações resultaram a legitimação de novas lideranças, a
desarticulação do regime de barracão, a abolição da renda, a retirada dos patrões, o retorno de
famílias indígenas que viviam espalhadas por seringais e colônias, a ocupação produtiva de
colocações e estradas de seringa, a estruturação de cooperativas e uma maior autonomia para
comercializar borracha e mercadorias nas sedes municipais. (IGLESIAS, 2001, p.16)
É um momento de ampliação da produção de borracha, impulsionada pela ocupação
produtiva das colocações e disponibilidade de recursos nas cooperativas indígenas
para manutenção das atividades. Já nos anos 90:
Com o prolongamento da crise da economia da borracha nas terras indígenas, a grande
maioria das famílias extensas optou por abandonar as colocações nos centros da floresta, antes
usadas para a moradia e o corte da seringa, mais fartas em caça, e preferiu se concentrar em novos
locais nas margens dos rios e em locais mais próximos às sedes municipais. [...]
Essas aldeias nas margens, por outro lado, se apresentam como locais bem mais escassos
de caças grandes e peixes, reforçando a necessidade de intensificar a atividade da criação de
pequenos animais nos terreiros. ( IGLESIAS, op.cit., p.17)
Alguns povos, porém, permaneceram mais à cabeceira dos grandes rios onde ainda
existe fartura de recursos para caça, pesca e coleta.
De acordo com Iglesias (2001), vivem no estado do Acre treze povos indígenas
identificados pertencentes aos troncos lingüísticos Pano e Aruak. São os povos
Jaminawá, Manchineri, Kaxinawá, Madijá, Asheninka, Apolina Arara, Shanenawá,
Yawanawá, Katukina, Arara, Nukini, Poyanawa e Nawá (Fig.3-1). Além desses, tem
os índios isolados, de etnias desconhecidas, que vivem nas cabeceiras do rio Envira
na terra indígena "Kampa e Isolados do rio Envira" e "Riozinho do Alto Envira", e nas
cabeceiras do rio Tarauacá na terra indígena "Alto Tarauacá".
Figura 3-1 : Distribuição das terras indígenas no Estado do Acre
Fonte : ZEE-Acre (2000)
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O processo de identificação e demarcação das terras indígenas no Acre foi
inicialmente marcado pelo autoritarismo e o levou em consideração as demandas
efetivas das populações indígenas, deixando etnias sem terra e territórios reduzidos
para o desenvolvimento de suas atividades tradicionais de subsistência.
Quadro 3-1 : Terras e Povos Indígenas no estado do Acre
Ao longo das três ultimas décadas, 34 terras indígenas foram reconhecidas no Acre pelo
governo federal. Com superfície agregada de 2.659.068 hectares, que equivale a 16,1% da extensão
do estado, essas terras encontram-se hoje em diferentes etapas de seus processos de regularização.
Distribuídas em metade dos 22 municípios acreanos, essas 34 terras estão destinadas a 14
diferentes povos indígenas com uma população estimada em 12.167 índios que representam cerca
de 1,9 % da população do estado. (AQUINO; IGLESIAS, 2005, p.20)
MUNICÍPIO TERRA INDÍGENA POVO POP. EXTENSÃO(ha) SITUAÇÃO JURÍDICA
Assis Brasil Cabeceira do Rio Acre Jaminawa 238 78.513 Registrada *
Sena Madureira
e Assis Brasil
Mamoadate Manchineri
Jaminawa
937
168
313.647 Registrada
Sena Madureira
Manchineri do seringal Guanabara
Jaminauá do rio Caeté
Jaminauá do Guajará
Manchineri
Jaminauá
Jaminauá
166
78
70
213.254
21.000
600
Em identificação
A identificar
A identificar
Santa Rosa
Manoel Urbano
Alto Rio Purus
Kaxinawá
Kulina
1.117
743
263.130 Registrada
Feijó e
Santa Rosa
Riozinho do Alto Envira
Isolados
Ashaninka
?
15
260.970 Em Identificação
Jaminauá/Envira
Kulina
Ashaninka
60
51
80.618 Registrada
Kampa e Isolados do Rio Envira
Ashaninka
Isolados
283
?
232.795 Registrada *
Katukina/Kaxinawá
Shanenawa
Kaxinawá
332
376
23.474 Registrada
Kaxinawá do Rio Humaitá Kaxinawá 287 127.383 Registrada
Kaxinawá Nova Olinda Kaxinawá 247 27.533 Registrada
Kulina do Rio Envira Kulina 257 84.364 Registrada
Kaxinawá do Seringal Curralinho Kaxinawá 89 ? Em Identificação
Feijó
Kulina do Igarapé do Pau Kulina 127 45.590 Registrada *
Igarapé do Caucho Kaxinawá 531 12.318 Registrada
Kampa do Igarapé Primavera Ashaninka 21 21.987 Homologada *
Kaxinawá Colônia 27 Kaxinawá 70 105 Registrada
Kaxinawá da Praia do Carapanã Kaxinawá 485 60.698 Homologada *
Tarauacá
Rio Gregório
Yawanawá
Katukina
475
99
92.859 Registrada
Jordão e Feijó Alto Tarauacá Isolados ? 142.619 Homologada
Kaxinawá do Baixo Rio Jordão Kaxinawá 203 8.726 Homologada *
Kaxinawá do Rio Jordão Kaxinawá 920 87.293 Registrada
Jordão
Kaxinawá Seringal Independência Kaxinawá 138 14.750 Reservada/Dominial
Jaminawa/Arara do Rio Bagé
Jaminawa-
Arara
196 28.926 Regularizada *
Kampa do Rio Amônia Ashaninka 450 87.205 Regularizada
Kaxinawá/Ashaninka do Rio Breu
Kaxinawá
Ashaninka
400 31.277 Homologada *
Marechal
Thaumaturgo
Arara do Rio Amônia Arara 278 20.764 Em Identificação
Porto Walter Arara do Igarapé Humaitá Arara 327 86.700 Demarcada
Nukini Nukini 553 27.264 Registrada
Poyanawa Poyanawa 403 24.499 Registrada *Mâncio Lima
Nawa Nawa 306 83.218 Em Identificação
Campinas/Katukina Katukina 404 32.624 Registrada
Cruzeiro do Sul
Jaminawa do Igarapé Preto Jaminawa 210 25.652 Registrada *
11 34 14
12.16
7
2.659.068
ß TOTAIS
FONTE : Aquino e Iglesias , 2005., p.20. * Terra Indígena demarcada pelo Programa Integrado de
Proteção às Terras e Populações Indígenas na Amazônia Legal (PPTAL)
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A grande pressão exercida pela fronteira do desenvolvimento que se avizinhou
trouxe consigo a exaustão de recursos naturais antes fartos; e o ambiente, tão
fortemente exigido, mal teve tempo para o seu restabelecimento. Essa pressão,
embora ocorresse sobre todo o ambiente, pôde ser sentida de forma mais
contundente sobre a fauna.
Nas sedes dos novos municípios, o acelerado crescimento da população urbana resultou na
crescente demanda por carne. [...] A caça é rara nos arredores dessas cidades. No rio, o peixe é
restrito ao período de verão e é recurso arduamente disputado por grande número de famílias que
moram no núcleo urbano. Acontecem, ainda, atividades predatórias feitas por pescadores
profissionais. (IGLESIAS, 2001, p.21)
Sem muitas opções e ainda imbuída do seu caráter assistencialista, a FUNAI
procurou estender ao estado do Acre, de forma generalista, as suas políticas de
assistência.
Dada a profunda crise instalada na economia da borracha e as dificuldades inerentes à venda
de produtos agrícolas, os salários de funcionários públicos e as aposentadorias passaram a ter
crescente importância para várias famílias nas terras indígenas, constituindo uma alternativa segura
para a obtenção das mercadorias e bens industrializados necessários à vida na floresta, que são
consumidos e redistribuídos por extensas redes de parentes. (IGLESIAS, op.cit., p.21)
Alguns índios conseguiram, assim, se inserir na sociedade nacional como
aposentados na categoria de soldados da borracha. Outros conseguiram se
aposentar como trabalhadores rurais, sendo esta a categoria hoje mais comum.
Com as aposentadorias, aumentou a aquisição de bens manufaturados e alimentos
nas cidades próximas aumentando a dependência. Essa dependência e freqüência
com que passaram a ir para a cidade criaram um vínculo que se enraizou
gradativamente no modo de vida da população indígena.
A permanência na cidade com a família grande, aliada às freqüentes demoras por problemas
burocráticos, leva muitos aposentados a gastar ali boa parte do dinheiro recebido, diminuindo a
quantidade de mercadorias levadas para casa. Nas sedes municipais, os aposentados fazem
compras fiadas nos comércios, deixando procurações para que os comerciantes retirem o dinheiro e
quitem as dívidas aos poucos. Por vários meses deixam de voltar à cidade, o que fazem quando os
débitos estão saldados. Esta longa permanência longe de casa prejudica os trabalhos na
agricultura e deixava as colocações e as criações sem os devidos cuidados. (IGLESIAS, op.cit., p.22)
Atualmente, o maior problema enfrentado com o recebimento dessas
aposentadorias, principalmente para os indígenas residentes longe das sedes
municipais, é a exigência do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS): o
comparecimento às cidades pelo menos a cada dois meses.
3.1.3 As dificuldades com a alimentação
Essas modificações impostas pelo novo modelo “pós regatão” causaram e
continuam causando problemas com a redução da produção dos roçados; a
escassez de alimentos originários da caça e da coleta; e o êxodo relativo,
principalmente de jovens, para as cidades, quer seja permanente ou temporário.
Mas o maior problema o é relativo à produção agrícola, atividade extremamente
rica e diversificada nas terras indígenas acreanas, e sim à dificuldade de se
conseguir carne, item culturalmente indispensável. Esse problema ligado a "fome de
carne" ocorre principalmente com as comunidades que vivem hoje mais próximas
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dos povoados e cidades, onde a natureza sofreu grande depleção de seus estoques
de animais, não sendo uma regra geral.
Costuma-se dizer que no Acre indígena não fome, mas vi uma criança
Kaxinawá desnutrida no posto de saúde da FUNASA em Feijó, que faleceu dois dias
depois. Em pesquisa para o plano de sustentação das terras indígenas no Acre, de
27 aldeias, em cinco terras indígenas, pesquisadas sobre a mortalidade infantil nos
últimos quatro anos, pudemos verificar a existência de óbitos em 15 aldeias. Dessas
apenas três grandes aldeias, uma Manchineri, uma Kaxina e uma Katukina
tiveram óbitos em todos os quatro anos. Apenas uma terra indígena, Cabeceira do
Rio Acre, onde moram os Jamináwa, não apresentou nenhum caso.
Embora não seja uma regra geral, muitos casos de mortalidade infantil são
provocados diretamente por desnutrição ou por complicações daí originadas.
No Acre o encontradas situações bem distintas de sobrevivência dos povos
indígenas. Existem grupos de índios isolados e povos bem estabelecidos em suas
terras demarcadas, sem conflitos ou invasões, onde a fartura da natureza se
encarrega de manter a segurança alimentar e nutricional sempre adequada. Mas
tamm temos comunidades que estão próximas a sede dos municípios, como os
Shanenawá, onde a natureza foi degradada, seus sistemas de produção de
alimentos estão desestruturados e uma dependência constante por produtos
da cidade. Existe ainda um contingente razoável de famílias nas cidades.
Essas famílias geralmente moram na periferia das cidades em processo acelerado
de transfiguração étnica. Vivem em constante estado de insegurança alimentar, na
mesma condição de pobreza e indigência que os brasileiros vizinhos.
A fome nas terras indígenas acreanas está ligada não propriamente à alimentação,
mas talvez a problemas nutricionais específicos. O que parece é que em parte
reduzida das terras indígenas ocorrem problemas com alimentação. Conforme dito
na introdução, pela primeira vez a FUNAI distribuiu cestas básicas. Agora no mês de
junho foram distribuídas cerca de sete a oito toneladas de alimentos para algumas
terras indígenas. Segundo o chefe do posto indígena da FUNAI em Feijó, Carlos
Brandão Shanenawá (informação verbal), chegou uma caminhonete por lá, o que dá
em média uns oitocentos quilos, mas deu problemas devido à grande quantidade
de interessados e à pouca comida a ser distribuída. A ação equivocada da FUNAI
continua e pode ser confirmada em recente relatório do posto de Feijó à
administração de Rio Branco:
Realizamos essa viagem aos povos indígenas do Alto Envira, com o propósito de fiscalizar
entregas de materiais como: chapa de aço; peneira de aço; lima chata k&f; saco de fibra sintética;
motor Toyama 5 hp a diesel com rabeta; e motor Yanmar de 3,5 hp a gasolina para casa de farinha.
(BRANDÃO,C.F., 2005a, p.1)
O material se destinava a uma aldeia Madijá e a outra Asheninka onde, em parceria
com o governo de estado, foram treinadas pessoas para fazer farinha. Fato é que a
farinha não faz parte da cultura desses povos, demonstrando como se inicia a
transfiguração étnica. Todo este material já havia sido adquirido na gestão anterior.
Mas no mesmo relatório verifica-se a preocupação do chefe de posto:
O objetivo também foi o de diagnosticar a situação das aldeias, incentivar e sensibilizar as
comunidades indígenas a darem mais prioridade a suas culturas tradicionais, conscientizar da
importância de suas funções em relação ao fortalecimento e do desenvolvimento dos seus povos e
sua organização interna, de seus deveres e direitos dentro do contexto político. (BRANDÃO, C.F.,
op.cit. p.1)
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Em outra vertente, com uma atuação construtiva, a CPI-Acre desenvolve um
trabalho no Centro de Formação dos Povos da Floresta mais de duas cadas,
com a formação de professores indígenas. Devido à importância do tema meio
ambiente, saúde e alimentação, foi iniciada mais recentemente a formação
específica de Agentes Agroflorestais Indígenas, para capacitar jovens de diversas
etnias para a gestão ambiental de suas terras.
Essa formação tem muita relação com a segurança alimentar, trabalhando a
fiscalização de invasões, a produção de alimentos em sistemas agroflorestais, o
enriquecimento da dieta nutricional com a implementação de hortas e o manejo da
floresta como um todo. A importância desse trabalho com a educação agroambiental
é confirmada no manifesto dos Agentes Agroflorestais Indígenas pelo
reconhecimento da sua profissão, conforme segue:
A profissão do agente agroflorestal não é só plantar as frutíferas, palmeiras e outras árvores na
aldeia. Mas é também orientar a comunidade no cuidado do nosso meio ambiente, na conservação e
no manejo dos nossos recursos naturais da florestais. Somos também parte da educação e parte da
saúde: na parte da saúde, trabalhamos na produção de alimentos, as verduras e as frutas do SAF.
Também discutimos e orientamos os problemas do lixo, contaminação das nossas águas e a
conservação o nosso meio ambiente limpo e sadio. Dentro da aldeia, somos os representantes da
educação ambiental indígena. Fazemos parte da escola, ensinando as pessoas da comunidade e
outras pessoas fora da comunidade. Somos os educadores ambientais indígenas. Como educadores
ambientais, estamos lutando junto da floresta para conservar as nossas riquezas naturais dentro de
nossa terras demarcadas. (MANIFESTO AAFI, 2000, p.1)
Como é possível ver, está sendo gerada paulatinamente uma nova cultura de
relacionamento com a floresta, mais consciente e responsável a respeito do futuro
das sociedades indígenas, hoje submetidas a limitações ambientais.
De modo geral o trabalho com a formação dos Agentes Agroflorestais Indígenas é a expressão
e o resultado de parte dos sonhos dos que acreditam num futuro para a humanidade e para o
planeta.
No entanto devemos entender que essa é uma corrida contra o tempo. De um lado, está a
defesa de interesses imediatistas instalados na floresta, mas operados desde uma lógica externa a
ela. Do outro, estão os que defendem um desenvolvimento econômico, social e ecologicamente
orientado. Para esse último setor, a promoção de uma verdadeira segurança alimentar e do
desenvolvimento sustentável passa pela intensificação de quintais agroflorestais e sistemas silvo
pastoris, pelo extrativismo baseado na participação, na auto-gestão e no manejo sustentável dos
recursos naturais. Significa enfim perceber a floresta e todos os seus habitantes como aliados, e não
inimigos a serem abatidos. (GAVAZZI et al., 2002, p.74)
O trabalho, que se apóia no método da "autoria", com a geração autônoma do
conhecimento tem sido exemplo para o desenvolvimento de diversos outros em
terras indígenas de outros estados e vem produzindo muitos resultados junto às
comunidades indígenas acreanas.
O enriquecimento de terreiros, roçados e capoeiras com árvores frutíferas, madeiras de lei,
palmeiras, palheiras e outras espécies de uso cotidiano, junto com a recuperação da cobertura
florestal nas margens dos rios, onde hoje se concentra a quase totalidade dos grupos familiares,
podem abrir, a médio e longo prazo, novas fontes de alimentação para as famílias indígenas, suas
criações domésticas, as caças e os peixes, bem como outras alternativas de comercialização de um
leque maior de produtos florestais. (IGLESIAS, op.cit, p.39)
Um dos grandes méritos desse programa da CPI-Acre é o conhecimento que é
trabalhado sobre o manejo da floresta de forma integral. Isso tem induzido a um
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estudo sistemático da floresta e de seus recursos potenciais, o que vem de encontro
ao desenvolvimento de novas alternativas de exploração sustentável.
3.1.4 O movimento indígena no Acre
A história do movimento indígena no Acre vem sendo construída de forma autônoma
pelas próprias lideranças indígenas que, ao mesmo tempo em que adquiriam
consciência de seus direitos, passaram a buscar a organização de um movimento
indígena politicamente articulado.
Os índios acreanos, cidadãos que atravessaram uma odisséia secular de violência, massacres,
escravidão e preconceitos, passam, atualmente por um processo criativo e inovador de revitalização
cultural, de confirmação de direitos e de busca de participação política.
Querem ser a gentes e participantes de sua história. A legislação que garante os direitos
indígenas e as terras tradicionalmente habitadas por eles exige, determina e orienta cuidados
especiais com relação a eles e suas terras. (NETO, 2002, p.2)
Apóiam essa luta diversas entidades indigenistas não-governamentais, como a CPI-
Acre, o Conselho Indigenista Missionário (CIMI) e o Conselho de Missões entre
Índios (COMIN).
Dessa forma surge a União da Nações Indígenas do Acre e Sul do Amazonas (UNI)
em 1986, articulada com a União das Nações Indígenas (UNI) nacional, sendo
legalizada em 1991, quando declara autonomia em relação à entidade nacional.
Foi nos cursos de formação de professores que tivemos a visão de começar a fundar o
movimento indígena, as associações e as próprias organizações locais, de acordo com a realidade
de cada povo. Essas novas formas de organização vêm procurando abrir novas alternativas
econômicas para o desenvolvimento de comunidades que sempre foram dominadas pelos patrões
dos seringais. (KAXINAWÁ, 2002, p.133 apud DALMOLIN, 2004, p.258)
A partir de 1987 surgem as primeiras associações locais e regionais, a Organização
dos Povos Indígenas do rio Envira (OPIRE), a ACOSMO e a Associação Agro-
Extrativista Poyanawa do Barão do Ipiranga (AAPBI); e a primeira organização
regional, a Associação dos Seringueiros Kaxinawá do Rio Jordão (ASKARJ).
Além da UNI, existem atualmente no estado do Acre um total de 32 organizações indígenas,
criadas e formalmente legalizadas: vinte e uma associações, duas cooperativas, quatro organizações
regionais, duas representativas de categorias profissionais (AAFI's e professores), duas de mulheres,
e uma de estudantes. [...] Juntas as Associações representam 11 diferentes povos, que habitam em
22 terras indígenas no Acre. (IGLESIAS; AQUINO, 2005, p.164)
A UNI tem em sua existência diversas realizações que vem contribuindo com a
autonomia do movimento indígena acreano e que culmina com a conquista de uma
Secretaria de Estado e com a nomeação de um índio para assumir a Administração
Executiva Regional (AER) da FUNAI em Rio Branco.
Também a questão de gênero tem sido contemplada pelo movimento indígena no
Acre, que tem procurado abrir espaço para sua institucionalização.
Em novembro de 1998, aconteceu o I Encontro de Mulheres do Acre e Sul do Amazonas,
coordenado pelo Grupo de Mulheres Indígenas, que funciona dentro da UNI. Neste encontro, pela
primeira vez, reuniram-se 40 mulheres de seis diferentes etnias e foram discutidos temas relativos à
saúde, educação, direitos e movimento indígena, alternativas econômicas e cultura. (IGLESIAS,
op.cit., p. 27)
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Depois de passar por sérios problemas com a administração de questões
complexas, relativas à administração de convênio com a FUNASA, alheias às
próprias características políticas da organização, a UNI encontra-se sob intervenção
do seu conselho e envolvida em diversas questões judiciais, nem podendo ser
simplesmente extinta, nem tendo condições de atuar.
Dessa forma, o movimento indígena acreano passou a ser representado, a partir de
maio de 2005, pela Organização dos Povos Indígenas do Acre, Sul do Amazonas e
Noroeste de Rondônia (OPIN), estruturada em uma nova concepção de
representatividade que busca injetar ânimo ao então desgastado movimento.
Surge, assim, um novo tempo na busca da renovação de procedimentos e definição
de novas estratégias de atuação do movimento indígena no Acre.
3.1.5 O movimento indígena e o governo regional
No período de 1999 a 2002, no primeiro mandato do governo do Partido dos
Trabalhadores (PT) no Acre, auto-intitulado "Governo da Floresta", iniciou-se uma
certa aproximação do governo estadual com o movimento indígena.
Um estado que nunca atendera às reivindicações dos índios passava agora a
sinalizar a possibilidade de relacionamento. Com a revisão do componente indígena
do EIA-RIMA da BR-364, foi iniciado um trabalho que abrangeu as áreas de
educação, saúde, produção e infra-estrutura.
Em 2003, no início do segundo mandato do "Governo da Floresta", pressionado
pelas cobranças do movimento indígena para que fossem cumpridos os
compromissos estabelecidos desde a gestão anterior, foi criada a Secretaria dos
Povos Indígenas (SEPI). Essa secretaria foi assumida por uma liderança, indicada
em meio a divisionismos do movimento indígena.
A interferência da secretaria, enquanto órgão do governo, manteve a postura de
direcionamento dos interesses do estado e não do movimento indígena, deixando
claro que ainda necessidade de uma postura menos etnocêntrica que permita o
crescimento do movimento indígena, principal interlocutor desse setor do estado.
É fundamental que esteja sempre claro que a SEPI é um órgão de governo, e não a
organização centralizada de representação do movimento indígena, cuja nova estrutura e
coordenação e cujos rumos futuros permanecem por ser definidos pelas lideranças e suas
organizações. (AQUINO; IGLESIAS , op.cit., p.183)
O movimento indígena no Acre, hoje parcialmente dividido por algumas posições
administrativas, sempre soube encaminhar autonomamente as suas demandas
políticas. Com o tempo, diante das recentes conquistas desses espaços político-
institucionais, deverá reconstruir essa identidade fragmentada restabelecendo a
unidade na hora em que for imperativa para a construção gradativa da soberania
indígena.
Aqui terminamos por descrever as considerações sobre a "Questão Indígena no
Acre", cientes de que os integrantes do "Movimento Indígena", mesmo tendo sido
objeto de equívocos institucionais e filosóficos, e muitas vezes mal assessorados,
ainda são capazes de se reorganizarem em um movimento indígena autônomo, que
busca encontrar seus próprios caminhos.
Hoje esse movimento encontra-se em "xeque", com as diferenças afirmadas e as
alianças construídas, sendo importante ficar bem demarcada a distinção existente
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entre: indigenismo da sociedade, praticado por cidadãos sem vínculo
governamental; indigenismo do estado, praticado pela instituições governamentais;
e a relação de ambos, com o movimento indígena desenvolvido autonomamente
pelas lideranças escolhidas por seus povos.
É bom saber também, que o é, em última instância, a personificação do índio
enquanto dirigente que costuma prevalecer nas ações institucionais, mas, antes, a
necessidade de se atender ao caráter da instituição, que, guiada por outros
interesses, se sobrepõe ao indivíduo.
É nesse contexto histórico que se inserem os Shanenawá, que ao seu modo vem
desenvolvendo suas estratégias de segurança alimentar e nutricional .
3.2 IDENTIFICAÇÃO, LÍNGUA E CONSOLIDAÇÃO TERRITORIAL
A primeira identificação dos Shanenawá pela sociedade acreana em formação foi
como sendo um grupo da etnia Katukina. Segundo Cândido (1998), isso ocorreu
provavelmente na época das correrias do início do século XX.
Mesmo morando atualmente à margem esquerda do rio Envira, os Shanenawá não
são originários do local. Segundo o Sr. Bruno Brandão (Wacaino), que conta hoje
com 94 anos de idade, antigamente eles moravam no alto rio Gregório:
Eu nasci em Tarauacá, viu? Eu nasci em 1910. por causa da briga nós saímos da nossa
terra. Muita briga demais. Não é briga de facão não. Briga de tiro, de tocar fogo na casa. Matava
muita gente, muita, muita mesmo, muito Shanenawá matava de tiro. Estragou carne, não comia não
é. para estragar e ter raiva dos outros. nós fugimos dezesseis pessoas. Da minha terra
Tarauacá chegamos no rio Envira. No seringal Califórnia. Daí nós saímos no seringueiro dele, saímos
na margem do barracão. Do barracão nós viemos para o Muru. Do Muru descemos no igara
Boaçu. Do Boaçu nós varamos no Califórnia. Aí já tinha varador. chegamos no custódio. ele
bonzinho falou: "lá em cima tem lugar bom para vocês trabalhar, tem caboclo brabo também, mas
vocês sabem encostar neles para amansar". Do seringal Califórnia s subimos pro alto Envira, do
alto Envira nós chegamos no Simpatia. Aí do Simpatia passamos para o Progresso mais em cima. Do
Progresso nós fomos amansar "caboclo brabo". Fomos para lá para amansar lá. Caboclo brabo levou
dois do meu pai. Mataram o cunhado e o irmão. outra briga de novo. Lá nós passamos para o
Progresso. s ficamos. Lá foi outra correria trocando bala. De lá baixamos pro Simpatia. Depois
do Simpatia nós fomos trabalhar em madeira. Tirar madeira. Juntar o couro. Depois da madeira,
em 1941 passamos para a seringa, cortamos seringa, depois caucho, juntando couro e nada de
ninguém comparar sal, desmanchado n'água. Nós não agüentamos mais, descemos. nós
viemos trabalhando descendo, nós saímos no Califórnia. Do Califórnia saímos no Nova Olinda. De
Nova Olinda nós saímos pro São Francisco. No São Francisco nós vínhamos trabalhar em Feijó. Que
era aonde tinha o nosso patrão que também mandou chamar e nós viemos ajudar.
Fizemos uma derrubada para ele. Nós vínhamos mais para baixo mas o dono do Morada Nova
- o Antônio Sena - foi e colocou nós. Ele tinha um bocado de trabalhador caboclo mas caboclo pegou
uma doença, sarampo, e morreu tudinho. Então ele gostava muito do índio e falou para nós ficarmos
com ele. Nós ficamos com ele. Com um ano ele morreu e o pessoal dele o queria que ninguém
morasse mais ali que o velho tinha morrido. o Jorge Kalume comprou o seringal que era da
Morada Nova. Jorge Kalume comprou pro papai o seringal, 25 miis ele deu. nós ficamos
trabalhando. Aí saiu outro governo, tirou lote. Aí veio a FUNAI. Foi o tempo que apareceu a FUNAI, aí
não consentiu mais. Comprou para nós, comprou não, entregou terra para nós. Aí nós ficamos nessa
terra, até hoje nós estamos vivendo nessa terra. Até hoje nós estamos bem graças a Deus, nós
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temos para comer, temos para vender e temos para nós vivermos.
36
(BRANDÃO, B. 2005, entrevista
ao autor).
O idioma Shanenawá é classificado no grupo lingüístico “Pano”, que abrange outras
etnias no estado do Acre, se estendendo também ao Peru e Bolívia.
O Shanenawá (Pano), língua falada por um grupo localizado no Estado do Acre, de acordo
com a terminologia de Krauss(1992), está prestes a se tornar uma endangered language”, ou seja,
uma língua ameaçada de extinção. O Termo Shanena, etimologicamente, é composto pelo radical
shane "espécie exótica de pássaro, de cor azul cintilante com aproximadamente 30 cm de altura" e
pelo sufixo na "povo". Sendo assim, os Shanenawá seriam conhecidos como o “povo pássaro”.
(CÂNDIDO,1998, p.14)
Ao estudarmos o mito da origem de alguns alimentos como: mandioca, milho,
banana, e ainda do fogo, é possível confirmar a origem "Pano" dos Shanenawá.
Esse mito conta a história de um velho sovina e sua mulher, que não tinham filhos,
mas que tinham todos os legumes e o fogo. Ele dava comida quando iam pedir, mas
não dava nem o fogo nem as sementes de milho, nem as manivas da mandioca,
nem os filhos da banana. Também não era possível pegar diretamente na roça, pois
era cheia de cabas, cobras e outros bichos perigosos. A estrutura da versão contada
pelo Sr. Bruno Brandão (Anexo C, entrevista 1.2) é praticamente a mesma do mito
Yawa Xiku Nawa contado no livro "Shenipabu Miyui", sobre os mitos Kaxinawá,
editado pela CPI-Acre, com pequenas alterações.
A sociedade Shanenawá está organizada através de cinco clãs: Waninawa (povo da
pupunha); Varinawa (povo do sol); Kamanawa (povo da onça); Satanawa (povo da
ariranha) e Maninawa (povo do céu).
3.2.1 O atual território Shanenawá
O atual território ocupado pelos Shanenawá não se constituiu como um
território tradicional, onde teriam desenvolvido raízes culturais. Mas a partir da sua
ocupação no final da década de 50, incorporaram-na como espaço físico onde
passaram a exercer sua subsistência, sua organização social, potica e cultural.
Em 1930 depois da vinda do Gregório para o Envira e de passarem um tempo mais
próximo às cabeceiras, chegaram a Fei para trabalhar no seringal "Liege".
Posteriormente o seringal foi adquirido pelo governador Jorge Kalume, que dizia ser
a terra para os Shanenawá e deixou-os morar . Segundo Piccoli (2001), no
governo de Wanderlei Dantas, foi realizado um levantamento das terras do seringal
e autorizada a retirada de lotes para os colonos de Feijó. Com a abertura da BR-364
e o agravamento dos conflitos entre os índios e os colonos, é chamada a FUNAI,
que inicia um longo processo de retomada das terras por cerca de dez anos.
36
As entrevistas realizadas com os Shanenawá, transcritas e citadas na dissertação, sofreram
algumas adaptações e correções para uma melhor compreeno, sem prejuízo do seu conteúdo. Os
originais sem correção encontram-se em sua integra nos anexos.
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A terra indígena Katuquina/Kaxina (Fig. 3-2) foi homologada pelo Decreto n
o
283
de 29/10/91, com uma área de 23.474 hectares. Foi registrada no Serviço de
Patrimônio da União (SPU) em 08/09/1999.
Figura 3-2: Mapa da terra indígena Katuquina / Kaxinawá
Fonte : FUNAI – Coordenação Geral de Identificação e Delimitação (CGID)
A terra indígena Katuquina/Kaxinawá, em tamanho, é uma das menores áreas indígenas do
estado. Apresenta uma cobertura florística bastante alterada, com pastos e capoeiras, situação
deixada dessa forma após o uso intensivo dos recursos naturais pelos antigos proprietários”
(seringalistas, colonos, fazendeiros). Possui características topográficas peculiares à região com
terras baixas nas margens do rio e igarapés, sujeitas a inundações periódicas, com muitos charcos
no período das chuvas, e terras altas, distantes das margens do rio principal, o Envira, caracterizando
áreas pouco exploradas e habitadas por algumas famílias.[...] A maioria dos igarapés que delimitam
ou drenam a área são pobres em recursos de pesca.(PICCOLI, op.cit., p.83)
Nessa terra indígena existem quatro aldeias Shanenawá: Cardoso, Morada Nova,
Nova Vida e Paredão. também três aldeias Kaxinawá: Pupunha, Belo Monte e
Paroá.
MORADA NOVA
CARDOSO
NOVA VIDA
PAREDÃO
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Figura 3-3: Representação do território Shanenawá
Fonte : Iconografia Shanenawá desenvolvida para o plano demanejo de caça (2004),
Na definição territorial dos Shanenawá (Fig. 3-3), é possível verificar a estratégia de
ocupação espacial, estando cada aldeia junto a um igarapé que corta
transversalmente a terra, devido principalmente à exploração dos recursos naturais.
Vivem na Terra Indígena Katuquina/Kaxinawá 403 índios Shanenawá, sendo: 33 na
aldeia Cardoso; 224 na aldeia Morada Nova; 73 na aldeia Nova Vida; e 73 na aldeia
Paredão. uma relativa flutuação populacional entre as várias aldeias, sendo
comum uma família ir passar um tempo em outra aldeia e depois retornar.
Segundo Piccoli (op.cit), a população Shanenawá, na década de 20, por ocaso de
sua migração do rio Tarauacá para o rio Muru, era de apenas 16 pessoas. Quando
finalmente chegaram ao seringal Morada Nova, já na década de 60, eram 60
pessoas. Atualmente são 403 Shanenawá.
3.2.2 Os Shanenawá de Morada Nova
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0
10
20
30
40
Quantidade
0 a 5 6 a 10 11 a 15 16 a 50 + de 50
Faixa etária
Distribuição da população
Feminino
Masculino
Os primeiros Shanenawá a chegarem ao seringal Liege foram trazidos pelo tuxaua
Inácio. A aldeia Morada Nova (Fig. 3-4) foi o primeiro e é o maior núcleo habitacional
formado pelos Shanenawá, depois foi sendo desmembrada dando origem a outras
três. Até hoje a aldeia exerce uma certa influência e liderança sobre as demais,
embora se respeitem os espaços territoriais e sociopoliticos estabelecidos.
Figura 3-4: Imagem da aldeia Morada Nova na margem do rio Envira
Fonte : Salgado(2004), iconografia realizada para diagnóstico de segurança alimentar dos Shanenawá .
A aldeia Morada Nova conta hoje com uma população de 224 pessoas (Fig.3-6),
se subdivide em 40 famílias, sendo 47,76% mulheres e 52,24% homens, mostrando
certo equilíbrio quanto ao gênero.
Figura 3-5: Gráfico da distribuição da população da aldeia Morada Nova por faixa etária e gênero
Fonte : Salgado(2004), dados coletados para diagnóstico de segurança alimentar dos Shanenawá
Na definição das faixas etárias, foi utilizado como critério o seguinte: 0-5 anos é uma
faixa onde as crianças estão muito pequenas e ainda muito dependentes; 6-10 anos
as crianças já acompanham seus pais e aprendem os primeiros ofícios; 11-15 já são
auxiliares diretos em uma grande quantidade de tarefas; 16-50 é uma faixa
48%
52%
Feminino
Masculino
População segundo o gênero
POPULAÇÃO
Distribuição por faixa etária e gênero
0 a 5 6 a 10 11 a 15 16 a 50 + de 50
F M F M F M F M F M
TOTAL
25 25 21 25 12 18 39 37 10 12
224
22,32% 20,54% 13,39% 33,93% 9,82%
100,00%
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aproximada onde os indivíduos estão plenamente inseridos na economia; e + de 50
já é uma faixa em que o indivíduo passa a depender de auxílios e já se encontra
com certa dificuldade para desenvolver determinadas tarefas (Fig. 3-5 e 3-6).
Figura 3-6: Composição da população por gênero e quadro com faixa etária e quantificação de percentuais.
Fonte : Salgado(2004), dados coletados para diagnóstico de segurança alimentar dos Shanenawá
A população é formada por 56,25% de crianças e jovens até 15 anos de idade,
33,93% de adultos na faixa compreendida entre 16 e 50 anos e 9,82% de idosos
com mais de 50 anos. É possível verificar que a população é predominantemente
jovem e que a sua expectativa de vida o é muito elevada embora exista uma
pessoa com 94 anos. A maior família tem doze pessoas, os pais, oito filhos e dois
netos, mas as famílias têm em média quatro a seis filhos.
Comparando alguns dados de 2001, coletados para o diagnóstico agroambiental,
com os dados coletados para este estudo, não houve alteração no número de
famílias, permanecendo as mesmas 40 famílias. Houve, porém, um crescimento
vegetativo da ordem de 8,8%, pois em 2001 eram 206 e agora são 224.
3.3 INDICADORES SOCIOAMBIENTAIS
Diversos fatores podem ser aqui indicados como contribuintes para o nível de
qualidade de vida dos Shanenawá em Morada Nova.
3.3.1 A cultura e a educação
Vários problemas vividos atualmente pelos Shanenawá não são relativos à falta
de assistência, mas tamm são culturais. Sua cultura sofreu transfigurações e os
Shanenawá não têm acesso a bens culturais de nossa sociedade que possam ser
incorporados positivamente ao seu universo em transformação.
Essa questão pode ser encaminhada adequadamente com ações de educação. A
aldeia possui uma escola e tem atualmente cinco professores indígenas bilíngües.
Nela é desenvolvido o ensino básico bilíngüe, fator fundamental na manutenção da
ngua.
Dentre suas manifestações culturais, o “Mariri” é ainda a prática mais difundida. É
uma festa com muita música cantada, danças e brincadeiras, que tem tanto aspecto
de diversão quanto de competição e cortejo.
Parte dos Shanenawá ainda mantém o uso tradicional e ritual do huni , chá
preparado com um cipó e as folhas de um arbusto (conforme descrito no capítulo 3,
p.106, nota de rodapé).
Atualmente é possível observar muitas mudanças no aspecto cultural desse povo. Os hábitos
não indígenas têm tomado o lugar daqueles tradicionais. [...] Há, além disso, um grande interesse
pela migração para grandes centros urbanos. (CÂNDIDO, op.cit., p.19)
Sem dúvida, as mudanças mais profundas são as introduções de diversos novos
hábitos de consumo tanto alimentar quanto de bens industrializados em geral.
Podemos ver também exemplos de valorização cultural nas atitudes de alguns
jovens, como é o caso de Carlos Francisco Brandão.
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Nossa cultura é muito importante, até por que a gente mora bem perto da cidade, a gente tem
80% da nossa cultura dentro de nós. E agora na minha vinda aqui para aldeia, a gente está tentando
resgatar tudo aquilo que perdeu um pouco.
Para isso a gente analisou que nós estamos perdendo e pegando as coisas do branco e as
coisas do branco são cheias de química. Às vezes trazem doença para nós. E nosso não. Bem
original e bem cultural e não tem nada de mistura química. Bem dizer que ele é saudável para nós
porque não tem química, não tem nada de hormônio que tem na galinha.
E questão do algodão é muito importante porque quando eu conheci minha mãe fazia. Tecia
algodão para fazer cinturão, bolsa, rede, pulseira tudo de algodão. Minha avó. A questão do algodão,
porque a gente compra rede, compra bolsa, a gente pode usar bolsa, pode usar nossa rede
tradicional. Uma bolsa de algodão é muito importante nós estarmos usando. Para estar usando,
como comercializar também. Com algodão se faz rede, faz tecido de flecha, corda, tudo isso s
temos jeito de fazer que ninguém estava fazendo. Agora nós vamos plantar algodão para poder
fazer nosso artesanato culturalmente.
A minha volta para a aldeia é para incentivar estas velhas antigas ensinar para minhas filhas
ensinar os filhos que vem ai para poder a gente estar trabalhando com nossa cultura. E a questão do
algodão é porque não tem ninguém para incentivar para plantar mesmo. Então agora s estamos
chegando e reunindo com a comunidade para a gente buscar resgatar um pouco a nossa cultura. E
para isso nós temos representante das mulheres já incentivando.
Questão do barro é muito importante, eu vi minha avó fazendo, minha mãe e minhas primas,
minha tia fazendo panela de barro, fazendo bacia de barro, fazendo pote de barro, porque pote de
barro para nós é igual a um filtro, é igual tipo uma geladeira, ele esfria a água está entendendo.
Então a gente tem uma cultura de fazer isso, só que a gente não esqueceu também, mas também
ninguém está fazendo. Estamos comprando panela e filtro do branco. Agora não. Agora a minha
prima está começando a fazer panela de barro. Fazendo copinho de barro. Recentemente deu
presente para minha filha. Achei que é importante fazer porque agora ela aprendeu para ser
representante das mulheres. Incentivar de estar construindo um artesanato da cultura Shanenawá.
E minha volta para a comunidade é muito importante porque eu quero usar tudo isso. Porque
isso é importante para mim. Mas muita gente está esperando que a gente volte a antigamente. Como
também voltar a flechar. Flecha é muito importante, o faz zoada e arma é muito perigoso e já deu
muito acidente em nossa área porque às vezes não sabe pegar a arma e a flecha não. É diferente, é
nossa cultura. Então esse manejo é para chamar mais caça para proximidade e você poder usar sua
flecha pois os animais ficam mansos comendo fruta da floresta.
Então para nós é importante porque nós convivíamos com isso e agora está aumentando e se
ninguém começar a proteger vai chegar uma hora que nós não vamos ter mais nem caça nem
floresta. Por isso que nós estamos protegendo. Nós vivemos, nós educamos nosso povo. Nós nos
alimentamos sem derrubar floresta. Protegendo o meio ambiente. Sem prejudicar nada da floresta.
Que é mata nativa que fruta e isso é muito importante para a gente conviver com isso que s
sabemos viver sem derrubar a floresta. (BRANDÃO, C.F., 2005b, entrevista ao autor)
3.3.2 Saneamento ambiental
As condições sanitárias do local onde está localizada a aldeia Morada Nova,
principalmente no inverno, são preocupantes. O local é um grande charco, e no
inverno acumula muita água parada por todos os lugares, devido às condições ruins
de drenagem, relativas tanto à constituição estrutural do solo, pouco permeável
(muito argiloso), quanto à topografia local muito plana, onde provavelmente existiam
igapós. A vegetação que circunda a aldeia, rica em açaí e outras plantas
características de alagados, reforça essa possibilidade.
Além dessas condições advindas das chuvas, a própria moradia contribui com a
insalubridade. As habitações dos Shanenawá são semelhantes às da maioria das
outras etnias da região: as casas são do tipo palafitas, apoiadas em barrotes a mais
ou menos 50cm do chão, são feitas atualmente, em sua grande maioria, de madeira
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serrada
37
e cobertas com folhas de palheiras
38
. A palha mais utilizada é a de jaci,
que tem uma durabilidade de até oito anos, mas pode ser utilizada também palha de
ouricuri e jarina, que essas duram menos. Hoje é comum a cobertura de
alumínio, muito utilizada na região amazônica atualmente. A palha é mais fresquinha
de dia e mantém um pouco a temperatura à noite, portanto de melhor conforto
ambiental, enquanto o alumínio, além de esquentar muito durante o dia e esfriar
rápido à noite, faz barulho quando chove, sendo praticamente impossível se ter um
sono tranqüilo. O espaço interno divide-se geralmente em aposentos abertos,
utilizados como sala de visitas e cozinha, e outros fechados usados como
dormitório.
A cozinha normalmente fica nos fundos, podendo ser contígua ou separada, e
sempre tem um fogão à lenha, feito com barro dentro de uma caixa de madeira, e
um pequeno girau onde são preparadas as comidas e lavados os utensílios.
Acontece que não existe nenhum esgotamento sanitário e a água juntamente com
parte dos restos vai-se acumulando embaixo da cozinha, transformando o local em
um foco de doenças e parasitoses.
Com as medidas de mitigação dos impactos da BR-364, a FUNASA vem
construindo banheiros coletivos (Fig.3-8) para grupos de casas, onde são colocados
vasos sanitários, chuveiros e algumas torneiras externas para pegar água para
casa. mais de um ano eles vêm sendo construídos, mas ainda não resolveram o
problema dos poços de abastecimento, que não dão água suficiente. Quando em
funcionamento, esse sistema deve melhorar bastante a sanitarização. Enquanto
isso, a aldeia se abastece com água de alguns poços semi-artesianos construídos
pela OXFAN (95% da população utiliza esse sistema). A água de beber e cozinhar
vem dos poços, ou mesmo das cisternas(Fig.3-7). Somente três famílias usam
filtros, o que significa 7,5% em um universo de 40 famílias, um índice muito baixo.
Figura 3-7: Saneamento Ambiental. Detalhes do fornecimento e uso da água.
Fonte : Salgado(2004), dados coletados para diagnóstico de segurança alimentar dos Shanenawá .
Para lavagem de roupas e banho, a água é coletada em cisternas na beira dos
barrancos (72,5% da população ainda utiliza esse método). Algumas casas têm
tanques e reservatórios abastecidos com moto-bomba a diesel, ligadas diretamente
aos poços semi-artesianos.
Figura 3-8: Saneamento Ambiental. À esquerda temos o sistema construído pela FUNASA, ao centro, o poço
semi-artesiano construído pela OXFAN e à direita uma cisterna utilizada tradicionalmente pelos ribeirinhos.
Fonte : Salgado(2004), Iconografia realizada para diagnóstico de segurança alimentar dos Shanenawá .
37
Antigamente as casas eram feitas quase que todas de paxiuba, tanto as paredes quanto o chão.
Com a exaustão dos recursos ambientais foi preciso adaptar-se às novas condições.
38
Palheiras é um termo regional do Acre que tem significado equivalente a palmeira, mas
normalmente só é utilizado quando a palmeira pode fornecer palha para a cobertura das casas.
Filtro
7,5%
92,5%
Sim
Não
Cacimba
72,5%
27,5%
Sim
Não
Poço
95,0%
5,0%
Sim
Não
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Utilizam banheiros convencionais regionais, que consistem em uma casinha em
cima de um buraco. Como o solo o permite a infiltração da água, esse banheiro
vira uma criação de larvas caracterizando mais um foco de doenças.
3.3.3 As doenças
A saúde dos Shanenawá, como a da grande maioria dos índios no Acre, é uma
resposta direta às suas condições de sobrevivência, que, somadas aos hábitos
higiênicos e alimentares, resultam em uma melhor ou pior condição de qualidade de
vida. São muitas as situações de insalubridade.
O baixo índice de 7,5% de famílias que utilizam filtros (Fig. 3.7), contribui muito para
a ocorrência de doenças. De acordo com o relatório de Carlos Francisco Brandão
(2005a), as principais doenças são diarréias, febres e gripes. A primeira, tipicamente
resultante da falta de higiene e de contaminação da água, a segunda, a rigor, um
sintoma comum a diversas doenças e a última, uma característica da baixa
imunidade, causada talvez pelo consumo elevado de açúcar e outros excessos ou
deficiências nutricionais.
A aldeia não tem posto de saúde, mas possui três agentes de saúde indígena e
ainda conta com três pajés, que tratam as doenças cada um a seu modo. Tamm
para o encaminhamento das questões de saúde, principalmente relativas ao
abastecimento de água e esgotamento sanitário, existe um agente indígena de
saneamento. Os nascimentos ainda são realizados da forma tradicional e para o
atendimento das gestantes existem na aldeia quatro parteiras.
3.3.4 Emprego, ocupação e renda
São diversas as formas de geração de renda (Fig.3-9), implicando uma grande
diversidade o modo de sobrevivência dos Shanenawá.
Figura 3-9: Principais fontes de recursos financeiros
Fonte : Salgado(2004), dados coletados para diagnóstico de segurança alimentar dos Shanenawá .
Fontes de recursos financeiros
27,5%
15,0%
27,5%
12,5%
7,5%
5,0%
30,0%
22,5%
Comércio
cidade
Diárias
Eventuais
Empregos
Aux.
Maternidade
Bolsa Escola
Bolsa
Alimentação
Auxílio
Saúde
Aposentados
Tipo
Percentual de famílias
Comércio
Benefícios Sociais
Trabalhos
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A sustentação alimentar dos Shanenawá de Morada Nova vem em parte da
alimentação produzida ou coletada em sua terra, mas também, e principalmente,
dos recursos originários dos empregos (27,5% das famílias têm pelo menos uma
pessoa empregada), e de aposentadorias (25% das famílias m pelo menos um
membro aposentado). Outros benefícios sociais contribuem de forma menos
expressiva, ou pela sua baixa remuneração ou por serem temporários.
São onze pessoas empregadas: quatro professores indígenas, três agentes
indígenas de saúde, um agente indígena de saneamento, um piloto de barco do
CIMI, um operador de máquina do Departamento de Estradas e Rodagem do Estado
do Acre (DERACRE) e um funcionário da FUNAI.
As pessoas que não possuem renda dessas fontes comercializam algum produto
agrícola em Feijó e com esses recursos compram suas mercadorias. É comum
essas pessoas levarem para vender em Feijó, a banana, a roça (macaxeira), alguma
pupunha. Os produtos são, normalmente, negociados com os comerciantes que os
revendem.
"Para comprar, os índios vão levar a banana e a macaxeira. Ai para trocar, para comprar carne
não é. Agora quem é aposentado que nem eu que tenho aposentadoria, pego dinheirinho guardo o
dinheiro aqui mesmo. Agora quem não guarda fica na miséria, porque gasta logo o dinheiro todo.
Agora quem entende mais do dinheiro, guarda um dinheiro pouquinho e vai comprando rancho.
Compra o sal, o açucarzinho para ir comendo, viu? Quando falta ranchozinho vai comprar na cidade,
bichinho, carnezinha de boi, porco, galinha. Mas quem não tem emprego vai cortar macaxeira, e
troca, compra carne. (BRANDÃO, B. 2005, entrevista ao autor)
3.3.5 Principais atividades
Ao longo do ano existe uma variação nos trabalhos de acordo com as épocas de
maior ocupação quando devem ser realizadas determinadas tarefas características
daquele período, como o preparo e o cultivo dos roçados, a renovação de casas e
outras atividades próprias de épocas já definidas (Fig. 3-10).
No período do ano em que não estão muito ocupados com os trabalhos, realizam
suas festas ou viagens. Existem também algumas atividades cotidianas ligadas
principalmente a sobrevivência. tamm uma variação nos trabalhos em função
do inverno ou do verão.
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Figura 3-10: Diagrama da ocorrência das atividades mais relevantes de acordo com a época do ano
Fonte : Salgado(2004), dados coletados para o diagnóstico de segurança alimentar dos Shanenawá .
3.4 A ALIMENTAÇÃO SHANENAWÁ
Não é simples fazer uma análise sobre a situação da alimentação entre os
Shanenawá. Seria necessário um tempo maior de observação para verificar caso a
caso, cada família. Não como linearizar conclusões que sirvam de parâmetro
para todas as aldeias, e muito menos para todas as famílias.
Podemos distinguir algumas situações. Caso 1: a família tem uma pessoa
empregada e/ou aposentada, dispondo, portanto, de recursos regulares e em
quantidade razoável. Caso 2: a família tem apenas algum benefício de menor valor
condicionado a uma classificação temporária. Caso 3: a família só dispõe da própria
produção para o seu sustento e algum membro trabalha por diárias e comercializa
algum produto na cidade.
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Cada situação define valores diferentes de raciocínio quanto ao que é prioritário
para a sobrevivência. tamm sempre uma rede solidária. Quem tem como
comprar, sempre dá alguma coisa a quem não tem.
Na aldeia Morada Nova encontramos todas essas situações. Assim, no caso 1, a
dependência por produtos alimentares externos é maior que no caso 2 e no caso 3.
No caso 2 e 3 a prioridade será para itens que não podem ser produzidos, tais
como: óleo diesel, sal, munição, pilha, sabão e outros itens manufaturados.
Quanto maior o poder aquisitivo, menos se procura caçar ou pescar. Já no caso dos
roçados isso não se aplica, pois, muitas vezes, ter recursos pode significar ter gente
trabalhando para si. Todos esses fatores influenciam não a quantidade de
alimentos disponível, mas tamm a qualidade alimentar e, conseqüentemente, todo
o sistema de segurança alimentar e nutricional.
3.4.1 A alimentação na viagem do rio Tarauacá para o rio Envira
Quando resolveram ir para o Envira, o “tuxaua” Inácio Brandão e seus 16 familiares
não tinham como fazer tal viagem no meio do mato levando muita coisa, o jeito era
ir sobrevivendo com o que se encontrava na mata mesmo.
Tarauacá indo para cá, matava caça. Chegava no igarapé pegava jacaré, matava jacaré para
não atirar, não é? A gente trazia pouca munição. Para não gastar muito, pescava mais no igarapé,
fachiava peixe de noite. Facho, não é? De sernambi. Não tinha querosene. Fazia facho de sernambi,
ai ia matando os peixinhos n'água não é para comer. Jacaré também do mesmo jeito. Pegava na
mata, pegava muito jabuti. Era o que nós comíamos mais. Não passamos muito ruim. Agora
passamos ruim é por causa de negócio de mistura. com palmito. Derrubava palmito para poder
tirar para comer com carne. É jarina tirava aquela massa para poder cozinhar. Tirava aquela capa
para comer com carne. Ouricuri, cocão, também fazia do mesmo jeito. Tirava para misturar com a
massa. Fazia era assim esse negócio de mistura. Agora mistura de peixe, de carne era mais fácil.
Muito jabuti, muito jacaré. Fachiava peixe de noite, matava peixe e ia comendo, era ruim negócio
de rancho, de mistura com carne, banana e macaxeira. [...]
Derrubava palha, tirava palmito, nós comíamos. Passamos um mês dentro da mata perdidos.
Nós passamos comendo jarina, jarina verde. Tirava, comia, despencava tudinho. Tirava e comia,
comia ouricuri, tirava palmito na mata. Na mata não tem macaxeira nem banana, não é? Então nós
comíamos era isso até nós sairmos no seringal. Até nós sairmos no seringal Baima. (BRANDÃO, B.
op.cit., entrevista ao autor)
3.4.2 A alimentação nos primeiros anos no rio Envira
Os primeiros anos no Envira não foram fáceis, pois ainda não tinham roçado e
tiveram que sair pedindo emprestado para pagar depois. A parte de carne, outros
produtos da floresta, dos rios e igarapés estava, porém, bem garantida, pois o alto
rio Envira, onde passaram a trabalhar, ainda hoje é muito rico em caça, peixe e
outros recursos naturais para alimentação.
A fome que nós passávamos nesse negócio de mudar de Tarauacá para Envira, de Envira
para baixo, porque primeiro ano não é. Pedia aos companheiros, a gente tirava um pedaço de roça,
roçado não é, emprestado o é, fazia outro roçado para ele. Rapaz se me arranja um pedaço de
roça do roçado seu, nós faz um para ti. nós fazia a nossa, aumentava, não é? Passava dia era
isso. quando chegamos que s o tínhamos alimento de banana, alimento de macaxeira.
Quando nós tirávamos pedacinho de roçado do branco emprestado, fazia um para ele. Fazia o
nosso e aumentava. Aí nós comíamos. Era isso mesmo, mas não passamos fome não. Só dava
fome no primeiro ano que nós chegamos." (BRANDÃO, B. op.cit., entrevista ao autor)
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3.4.3 A alimentação tradicional
São poucas as comidas tradicionais de elaboração mais complexa. Pudemos
verificar apenas algumas comidas mais elaboradas: n r ni mamã - palmito com
milho massa; wara napu vutã - milho massa com semente de jirimum; atxaxiru -
macaxeira com folha de nawant ; Txaxuxi - rã cozida com banana verde; mingau de
banana verde com carne ou peixe; pamonha de milho cozida e pamonha de milho
massa seco assada na folha da sororoca.
Normalmente tudo é preparado individualmente e depois se come junto com outros
alimentos ou mesmo separado. Assim temos: o furakú (patarasca) - peixe assado na
folha da sororoca; banana verde assada; carne e peixe moqueado; lagarta da
seringueira moqueada; Xixiu (coró) torrado; Txurã (orelha de pau ou cogumelo),
assado na folha da sororoca.
Aspecto de destaque deve ser dado aos diversos mingaus preparados geralmente
com água e outros ingredientes que podem ser cozidos, como a banana e a batata,
torrados, como o amendoim, e mesmo crus como a macaxeira e o milho. Às vezes
misturam mais de um ingrediente. A caiçuma de mandioca passa por um processo
de fermentação, uma criança masca na boca um pouco de mandioca e acrescenta a
mistura para acelerar o seu preparo auxiliando a fermentação. A essa caiçuma,
pode-se acrescentar também a batata doce de cor bem vermelha escura que
aspecto mais bonito e adoça um pouco. As comidas tradicionais mais utilizadas
ainda são o mingau de banana, a caiçuma de macaxeira e o peixe e carne
moqueados.
Perguntada sobre a alimentação tradicional, se mudou muito de antigamente até
agora, dona Runi Canamari (2005, entrevista ao autor) (Maria Geni Nascimento),
esposa do Sr. Bruno Brandão disse o seguinte:
Mudou, por que nós índios comíamos assim nossa comida. A comida que nós comíamos nós
plantávamos banana, nós plantava assim inhame, plantava batata. Plantávamos batata de toda
qualidade. Plantava e comia. Nós não comíamos macaxeira. Nós comíamos banana, batata,
batata inhame, batata doce, porque nós nhamos muita batata mesmo, tanta batata que a gente
comia. Nós ficávamos forte não precisava pegar remédio no doutor nem consultávamos.
Nós retivamos no mato remédio, nós mesmo tratávamos e agora que o branco que nós
entramos, é tanta doença que nós encontramos e que uma hora a gente sente dor assim fraqueza,
parece que falta nossos legumes, não é?
Que nós comíamos era banana, e esse milho não é, nós comíamos palmito, nós comíamos
aquelas orelha-de-pau que chamava vissussi e chamava txurã, chamava kunu. Nós comíamos
aquele... eu sou índio mesmo porque que eu vou dizer, aquele busio de índio da água. Aquele do
igarapé nós comíamos. Nós comíamos aquele do igarapé aquele carangueijo grande. Esse do rio
grande não. Aquele que é para comer mesmo. Aquele carangueijozão, que não sei como se chama
no português, mas nós chama é chacá. Chama chacá que é aquele que nós comemos.
Que nós comer essas coisas que nós estamos comendo, essa cabeça de porco nós não
comíamos o. Nós comíamos, matava tatu, nós moqueava, fazia mingau de banana, de milho s
também fazia mingau, a gente tomava ai ficava forte. Todos nossos meninos também eram fortes, e
nem comia leite, dava banana, meus filhos criaram com banana.
Nunca eu fazia mingau de leite. E banana indígena crua queria, eu dava, se queria assim um
mingau eles tomavam mingau. Tomavam só aquela qualidade de banana não, comia batata essas
coisas, como é que digo, essas orelha-de-pau pois eu buscava coisa do mato. Primeiro não, eu
pegava tudo para meus filhos comer, palmito que eu derrubava mais minha madrinha, eu cozinhava
ali, tão bom que eu achava. Mas ninguém não faz isso para mim mais. Nem meu marido que ele é
muito ruim para mim, porque quando eu quero uma coisa ele vai me gritar. É sozinha que eu faço
coisa e roçado que eu estou fazendo e plantando no arrancador, eu mesmo planto eu mesmo faço,
eu mesmo faço aquela farinha.
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Ainda ontem eu disse para esse meu menino pequeno, oi meu filho se sua vó morrer vai faltar
muito. Porque aqui eu ajudo muito eles, porque eu planto banana eles estão trabalhando na rua.
Planto banana, planto macaxeira, planto mamão, eu planto batatinha. mas batata eu planto mas, não
sei porque que morre batata. Batata que você faz caiçuma, parece com açaí que essa batata eu
planto mas não dá mais, de quando minha madrinha morreu para cá essas batatas sumiram. Não sei
por quê. Porque essa batata que faz caiçuma parece com açaí que fica um vermelho que é bonito,
mas essa batata não dá mais aqui.
Eu falto muito por que nós índios não é, comemos daqui não é do mercado esse peixe velho
de gelo nós não comemos não. Que tem o jeito que nós comemos por que não tem nada que comer,
que nós acostumamos assim, mas eu o sou acostumada com carne desses peixes não, eu como
hoje, amanhã não quero mais. Eu como banana, assim uma coisa macaxeira cozida com sal e como,
fico satisfeita. Eu falto muito porque primeiro nós fazia assim agora malvado só quer que vira branco
mas eu não posso eu digo mesmo que eu não posso fazer voltar mesmo assim na minha idade,
parece que eu fazia porque eu andava, marido que não procurava, eu que procurava eu criava minha
família, eu que ia no mato matava tatu, matava paca, matava cotia eu matava tudo, era eu que
dava comida para meus filhos. Mas eu não fazia salgado não, eu moqueava, fazia mingau de
banana, tudo que dava comida para os meus filhos. Eu não gosto de salgado eu moqueava ali. Agora
não que estão querendo virar branco mas eu o acho vantagem que esse pessoal que estão
fazendo.
Como é possível verificar na entrevista acima, o papel da mulher vai além de
preparar comidas, é também de cultivar, colher, procurar encontrar outras coisas no
mato e até mesmo caçar pequenos animais.
Os principais alimentos ainda produzidos são o milho massa, que está sendo
recuperado aos poucos, a macaxeira e a banana. Os três formam uma base
alimentar forte em termos de carboidratos, sendo complementados com peixe e
carne. Realmente os principais são a banana e a macaxeira, que têm produção
permanente e consumidas durante todos os meses do ano (Fig.3-12).
Nos meses de dezembro até abril é possível se encontrar o açaí que é coletado em
quantidade e com grande freqüência, sendo muito apreciado por todos os
Shanenawá. Recentemente foi adquirida uma máquina para processar açaí, com o
objetivo de um fornecimento mais facilitado para toda a aldeia.
Figura 3-11: Principais alimentos tradicionais. Acima, da esquerda para a direita, ralando milho verde para
pamonha, milho massa em recuperação, macaxeira para fazer farinha, banana comprida para mingau, embaixo
à esquerda, meninada retirando açaí do cacho, no centro, coco jaci e à direita, inhame branco e roxo
Fonte : Salgado(2004), iconografia realizada para o diagnóstico de segurança alimentar dos Shanenawá
O coco jaci (Fig.3-11) também é muito apreciado, sendo coletado constantemente. É
comido cru ou assado. Sua produção é maior nos meses de fevereiro e março.
Outras frutas silvestres, como a pama, a biorana, o ingá, também são consumidas
mas em menor quantidade.
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Os temperos mais utilizados são a pimenta malagueta tradicional, o sal, o colorau
(urucum), alho e principalmente a pimenta do reino
39
, que é muito utilizada por todas
as famílias. O sal talvez tenha sido um dos primeiros produtos relacionado à
segurança alimentar introduzido, criando uma dependência externa. Ele também foi
o grande modificador da culinária tradicional. O óleo tamm é um item de consumo,
mas é comprado em pequena quantidade e, quando acaba, esperam o outro mês
para comprar. Alguns ainda utilizam a banha de porco para frituras.
Figura 3-12: Diagrama da disponibilidade anual dos principais alimentos produzidos e coletados
Fonte : Salgado(2004), dados coletados para o diagnóstico de segurança alimentar dos Shanenawá
De acordo com o diagrama da disponibilidade anual de alimentos (Fig.3-12), é
possível verificar uma boa cobertura ao longo do ano, mas uma concentração
maior no período que vai de dezembro até abril, quando os primeiros produtos do
roçado são colhidos. Quando se plantavam batatas e inhames em maior quantidade,
essa cobertura tamm aparecia com maior segurança em outros meses do ano. O
que garante realmente é a banana e a macaxeira que dão o ano todo.
3.4.4 A alimentação especial e as restrições alimentares
Tradicionalmente, quando a mulher está gestante procura comer banana, mandioca,
farinha, mamão, inhame, batatas, carne, peixe e outras frutas. evita comer
39
A pimenta do reino, é parte integrante da culinária regional acreana. É uma pimenta que causa problemas a
saúde humana, mas mesmo assim é muito apreciada e consumida.
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carnes mais remosas. Durante o período de amamentação, enquanto a criança é
pequenininha, reforça a dieta com caiçuma de milho, macaxeira e banana, caldos
diversos, sucos, macaxeira cozida com amendoim.
As crianças pequenas, procuram amamentar e lhes dar mingau de banana, mas
utilizam bastante o leite em pó. Com o salário maternidade e a falta de orientação,
esse fato tem se agravado, pois o leite em é recomendado pelos vários
profissionais de saúde da FUNASA, inclusive pelos a gentes de saúde indígena, que
não procuram alternativas mais saudáveis e sustentadas.
O milho massa, o povo Shanenawá tem respeito e faz dieta para se formar em pajé e fortalecer
a nossa experiência cultural. Quando estudávamos na floresta para ser pajé, comíamos milho
assado e tomava caiçuma de milho e torrávamos para comer durante um ano e seis meses.
Comemos milho, banana e mandioca assada, por exemplo, quando vamos tomar o uni (vegetal) da
floresta, comemos coisas leves que é milho, banana e mandioca assada, o vegetal ensina como cura
uma doença e a partir daí íamos nos formando em pajé definitivo da comunidade. (BRANDÃO, C.F.,
op.cit., entrevista ao autor)
Faz parte da tradição também o comerem urubu, preguiça, mambira, mucura,
cobra, mussum e algumas frutas da mata. Muitas pessoas não comem carne de
ovelha e os mais velhos não comem carne de gado, pois dizem que dor de
cabeça e febre porque o gado é criado no sol do campo.
3.4.5 As modificações alimentares
Com a ida a campo, foi possível verificar uma série de mudanças na alimentação,
principalmente quando perguntamos sobre as comidas antigas. Mesmo com a
cultura mudando, quem se interesse em trazer de volta os antigos e saudáveis
hábitos alimentares.
Então comida que nós comíamos era macaxeira. s comemos a macaxeira, come banana,
come milho massa torrado, pisa faz caiçuma. Banana madura cozinha, faz mingau para nós tomar.
Macaxeira cozinha, pisa, faz caiçuma, nós bebe. A nossa comida é só isso, viu? [...] O que nós
comíamos era isso. Agora nós comíamos a orelha-de-pau assado na folha. Nós comíamos tripa do
bicho, tirado o fato, assado na folha. Patarasca que chama, comíamos também. As coisas que eu
comia eu posso contar. Que é para vocês saberem o que é que a gente come e o que é para não
comer. Agora que nós nunca comemos cobra, uma coisa que nunca comeu. Eu tenho comido
todos bichos da água e do seco. Puxei essas coisas.
Agora tão fazendo bóia de branco já não é. Mas eu não me acostumo. Eu como assim quando
estou viajando, bóia de branco. Mas eu estando aqui em casa, como minha bóia. De índio mesmo,
cozida na fumaça mesmo. Não como cozinhando na panela de pressão. A nossa bóia faz, cozinha
panela de barro, depois ai forra com folha. É tampa, viu? Para não sair a pressão para cozinhar logo.
Nós faz assim. Toda comida nós comíamos é na panela de barro mesmo. Agora que nós querendo
que fosse branco, nós comparamos a panela dos brancos. Antigamente era panela de barro. Comia
no vaso, no tacão de barro para colocar caiçuma dentro para nós tomar, fazia assim, não é?
(BRANDÃO, B. op.cit., entrevista ao autor)
Diversas outras modificações alimentares ocorreram, com conseqüências sempre
do abandono de componentes de dietas equilibradas e mais adequadas
nutricionalmente. A modificação de uma alimentação aleatoriamente, pode significar
o início de um processo carencial que acaba por gerar doenças antes inexistentes.
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3.5 PRODUÇÃO DE ALIMENTOS
A produção de alimentos tradicionais está sendo revitalizada. Hoje na aldeia
Morada Nova um trabalho de recuperação de sementes antigas de todas as plantas
que antes eram da tradição Shanenawá.
3.5.1 Principais alimentos de produção própria
Além do milho, banana, macaxeira, inhame, abóbora, batata doce e arroz que são
produzidos nos roçados (Fig.3-13), são coletadas muitas frutas (Fig.3-14) e criados
alguns pequenos animais.
Figura 3-13: Gráfico dos principais alimentos produzidos com quantificação das famílias produtoras
Fonte : Salgado(2004), dados coletados para o diagnóstico de segurança alimentar dos Shanenawá
O único alimento de manufatura artesanal é a farinha, muito apreciada mas
produzida em pequena escala, o que só atende a um consumo doméstico. Todos os
anos os Shanena fazem farinha, não são todas as pessoas, há oito famílias que
costumam preparar (Fig.3-13). Embora não seja um produto “tradicional”
40
40
Muitas vezes confundimos tradicional com ancestral. Na concepção da cultura como uma forma
viva, em constante evolução, muito do que era ancestral, vai sendo abandonado e novos
componentes vão sendo apropriados e com o passar do tempo podem perfeitamente passar a
categoria de tradicional.
Coleta de Frutas
23
10
5
1
5
2
8
Açai Coco Jaci Biorana Pama Patoá Bacuri Abacaba
Tipo
Famílias Coletoras
Produção dos Roçados
22
8
15
2
7
5
18
Banana Farinha Macaxeira Batata doce Inhame Mamão Milho Tipo
Famílias produtoras
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Shanenawá o consumo é bastante elevado, são produzidos cerca de 21 paneiros
41
(756 kg) a cada dois ou três meses, algo em torno de 3000 kg/ano. Para
complementar, são comprados outros 870 quilos mensalmente, o que dá um total de
cerca de 10.500 kg/ano, ou seja, por volta de 290 paneiros.
Figura 3-14: Gráfico da coleta de frutas com a quantificação das famílias coletoras
Fonte : Salgado(2004), dados coletados para o diagnóstico de segurança alimentar dos Shanenawá
3.5.2 O resgate das sementes tradicionais
Preocupado com a perda de diversas variedades alimentares, e conseqüentemente
com suas tradições, existe um índio que vem trabalhando na recuperação do milho
ancestral.
Já da origem Shanenawá desde o tempo, Iri o Deus fez o mundo tanto Chimpe, atsa e Sheki.
A questão do milho, nós temos seis qualidades de milho massa e delas eu tenho quatro (Fig.3-
14) então faltam dois para concluir o que nós temos. Tem vários tipos no povo Shanenawá que é o
branco, preto, vermelho e chocho. A nossa importância de a gente estar plantando o milho massa da
nossa cultura é porque o milho massa é bom pro nosso alimento Shanenawá. Como a gente faz fubá,
faz o milho torrado, faz a caiçuma de milho e faz a pamonha. Então tudo isso tamm é importante
porque traz alimento saudável para as crianças e para nossa comunidade, principalmente as pessoas
que trabalham de forma comunitária. Com milho massa faz turran. Turran que nós chama é milho
torrado. Então tudo isso é importante porque traz saúde para nós. Milho massa chamamos de Sheki
antepassado, o milho tem um significado grande para nós, porque usamos o milho massa para várias
coisas.
Questão da batata. A batata doce é para você comer sem colocar açúcar, já é doce. Batata
vermelha é para misturar com macaxeira para fazer caiçuma para ser mais bonita a caiçuma e
pessoal tomar para sentir bem porque é uma saúde e a caiçuma vermelha tem vitamina, batata
também tem vitamina.
A mandioca que é atsa, plantamos bastante dentro da comunidade indígena, comemos tanto
assada como cozida e tamm fazemos caiçuma, tanto fraca e forte para as festas culturais da
comunidade.
A questão da batata, questão do milho, questão da roça, todas frutas que nós antigamente
comia e passava bem, isso nós estamos pensando plantar de novo. Algumas delas nós esquecemos
mas nós temos onde buscar. Tem o Kaxinawá também, eles conseguem plantar, então o que
Kaxinawá planta que nós planta, tem algum deles que está sumindo na nossa cultura.
Para isso a gente analisou que nós estamos perdendo e pegando a coisa do branco e a coisa
do branco é cheia de química. Às vezes traz doença para nós. E nosso não. Bem original e bem
cultural e não tem nada de mistura química.Bem dizer que ele é saudável para nós porque não tem
química, não tem nada de hormônio que tem na galinha.
(BRANDÃO,C.F. op.cit., entrevista ao autor)
Esse trabalho de resgate de sementes que vem
sendo realizado por Carlos Brandão já começa a dar
seus primeiros frutos com a recuperação parcial de
algumas variedades de milho (Fig.3-15).
3.5.3 O roçado Shanenawá
41
Um paneiro equivale a duas latas de 18 litros, aproximadamente uns 18 quilos.
Figura 3-15: Variedades de milho massa
Fonte : Salgado(2004), iconografia
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Das 40 famílias Shanenawá de Morada Nova 15 não possuem roçado (cerca de
37,5%). Em termos de dimensão, a aldeia tem um total de 42,4 hectares de roçados
cultivados: cerca de 18,6 ha para roça e outros legumes; cerca de 5 ha para milho; e
cerca de 18,8 ha exclusivos para banana.
Figura 3-16: Gráfico com os tipos de roçado. Gráfico com percentual das famílias que possuem ou não roçados
Fonte : Salgado(2004), dados coletados para o diagnóstico de segurança alimentar dos Shanenawá
Nós Shanenawá fazemos o roçado. Plantamos shipi é a banana, atsa é a mandioca, sheki é o
milho, kari é a batata doce, pua é o cara, tsuati é a cana, kakã é o ananás, varã é o jirimum, nena é a
pupunha. Plantamos também, mamão, arroz e cupuaçu. No quintal plantamos beribá, mamão, cana e
outras frutas. (BRANDÃO,B. op.cit., entrevista ao autor)
O roçado Shanenawá é bem diversificado, possuindo grande variabilidade de
espécies e de variedades relacionadas a cada espécie de alimento.
Quadro 3-2: Plantas dos roçados Shanenawá: uso, número de variedades e material de plantio
O maior roçado da aldeia é o da família do Sr. Bruno (Fig.3-17), que foi feito sob a
responsabilidade do seu filho Carlos Brandão, chefe de posto da FUNAI em Feijó.
Assim pode ajudar nas despesas do adjunto (mutirão) para a derrubada da capoeira.
É um roçado trabalhado pela família extensa. Em alguns casos é derrubado um
roçado conjuntamente e depois de queimado é dividido pelas famílias nucleares
para realizarem o cultivo. Normalmente se mata um boi e se fornece farinha, café,
etc. é a segunda vez que ele coloca o roçado no mesmo local. Um rio
problema no local é a perda de fertilidade do solo e uma forte erosão com grandes
22
2
18
13
1
1
Banana Milho Roça Banana
Roça
Roça Milho Roça Milho
Banana
Tipo Roçado
Tipo
Quantidade de Famílias
Roçado
62,5%
37,5%
Possui
Não Possui
t
PRINCIPAIS PLANTAS DO ROÇADO
Plantas Utilizadas
Shanenawá Português
Modo de usar
Material
de
plantio
Quantidade
de
variedades
Chimpe
Banana mingau, assada e natural muda 12
Atsa
Macaxeira caiçuma, massa, torrada e farinha muda 10
Sheki
Milho caiçuma, pamonha, venda e criação semente 4
Kari
Batata doce cozida e assada batata
Puá
Ca cozido, assado e venda batata 2
Mamão natural e venda semente 4
Shuaté
Cana garapa, mel de cana e açúcar muda
Maká
Ananás natural muda 2
Arroz comer e vender semente 5
Vára
jirimum comer e vender semente
Pue mama
Tinhe matar peixe no igarapé
Pimenta tempero semente
Nena
Pupunha comer e vender semente 2
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valas por toda a parte inclinada, como se estivesse derretendo o barranco.
Numa área de cinco hectares foram plantados milho híbrido e três variedades de
milho massa de índio como parte do trabalho de resgate das variedades tradicionais,
5.000 covas de roça (macaxeira) para comer e fazer farinha e um pouco de inhame
tradicional para comer e tamm para o resgate de variedades.
Figura 3-17: Roçado Shanenawá. À esquerda, Carlos Brandão, mostrando o milho massa que está sendo
recuperado. À direita vista parcial do roçado de milho da falia com uma capoeira aos fundos
Fonte: Salgado(2004), iconografia realizada para o diagnóstico de segurança alimentar dos Shanenawá
Existem dois outros grandes roçados com quatro hectares cada, pertencentes a
famílias extensas que têm aposentados e que podem custear despesas com os
mutirões familiares. ainda um grande roçado com cerca de três hectares, mas
que está ligado a uma família nuclear que não possui renda fixa e costuma
comercializar rios produtos em Feijó. Os outros roçados têm em média um a dois
hectares. De uma forma geral, os Shanenawá m roças suficientes para se
alimentarem bem, pois têm em media um hectare por família.
As dimensões dos roçados são aproximadas e sem grande precisão, pois
sempre uma transformação das unidades de medida mais compreendidas, o que
pode apresentar erros. Um hectare pode significar 50 paus de roça, ou 40 braças,
ou 3,3 linhas conforme o local, mesmo no estado do Acre. Outra questão é que as
roças o seguem um padrão ortogonal, sendo derrubadas em formato irregular, o
que dificulta ainda mais sua medição. Por outro lado, nenhum roçado foi medido e
as medidas foram fornecidas por informação dos próprios donos.
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A escolha e plantio das diversas espécies de culturas alimentares na agricultura
indígena seguem uma estratégia de provisão constante ao longo do ano.
Figura 3-18: Diagrama do ciclo produtivo dos principais alimentos dos roçados Shanenawá
Fonte : Salgado(2004), dados coletados para o diagnóstico de segurança alimentar dos Shanenawá
Plantam-se culturas de ciclo curto, médio e longo, mantendo-se sempre algo em
produção (Fig. 3-18). Assim é estabelecido um equilíbrio produtivo no decorrer do
ano. Outra forma de equilíbrio é conseguida através dos adjuntos, por sua vez, com
troca de serviços, eles acabam permitindo certo gradiente de tempo de maturação
dos diversos roçados. Quando o milho de um roçado está maduro, o de outro ainda
está amadurecendo, e o de um terceiro pode ainda estar pendoando. Então os
donos chamam seus parentes e amigos próximos para colherem o seu produto o
que se retribuído depois, garantindo um período maior de cobertura alimentar por
um mesmo produto.
A situação atual da produção de alimentos nos roçados é preocupante, pois poucas
roças foram plantadas devido a dificuldades com a sua queima. Na época de
queimar choveu muito e principalmente quem colocou roçado novo em mata virgem
não conseguiu queimar e não plantou. alguns roçados colocados em capoeira
foram queimados e plantados, conforme afirma o Sr. Bruno Brandão:
Aconteceu muita chuva. Muita chuva demais. Muita chuva, muita chuva. Chovia hoje. O ano
todinho chovendo. Caboclo tocava fogo, só queimava aquele pedacinho. A folha molhada não é.
Terra molhada num pegou fogo. Agora ninguém sabe este ano. Esse ano passado os índios não
plantaram macaxeira porque não pegou fogo, todo tempo chovendo. Não tinha esses dois, quatro,
cinco dias que fazia sol não. Chovia hoje, amanhã dia de sol, esperava dois, três dias para esquentar
para enxugar, mas não deu para enxugar bem. Tá tudo derrubado, tá tudo lá, e não pegou fogo,
por isso que índio já passando baixo. Como é que vai ser? Este ano nós estamos, como bem
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dizer, por Deus. Se fizer verão bom, se não fizer s vamos ficar na
miséria.(BRANDÃO,B.,op.cit.,entrevista ao autor)
Aparentemente as famílias não estão preocupadas. Parece que algo mais lhes
segurança. A princípio pela grande quantidade de aposentadorias e de pessoas
trabalhando para o governo federal, estadual, municipal e outros empregadores.
Soma-se ainda uma quantidade razoável de benefícios sociais como bolsa-escola,
auxílio-maternidade e outros, que garantem um bom suporte. Os que não dispõem
de recursos financeiros permanentes acabam sendo ajudados ocasionalmente pelo
regime de compadrio ou mesmo vendendo alguma coisa na cidade. Essa relativa
tranqüilidade também se deve ao fato de que parte dos roçados é quase
permanente e produz de um ano (macaxeira), até cinco ou mais anos (banana).
Na agricultura indígena Shanenawá, o se costuma plantar mandioca brava,
apenas a mansa, "macaxeira ou roça" como é chamada. Muito raramente plantam
mandioca exclusivamente para fazer farinha. Antes de queimar o roçado é jogada a
semente de mamão; depois de queimado, primeiro se planta o milho em setembro e
com uns dez a quinze dias entra a roça, é quando se planta o inhame.
O arroz é plantado em separado, podendo-se plantar algum milho em linhas bem
espaçadas, para complementar o plantio mais adensado ou para aproveitar
alguma semente. Após o plantio, são feitas duas capinas até a colheita do milho, e
roça, mas no caso de roçado de capoeira podem ser feitas até três ou mais capinas.
A banana deve ser plantada em um roçado específico, pois sombreia muito
rapidamente, prejudicando as outras culturas, ela começa a produzir a partir dos
primeiros dez meses, seguindo bem até cinco anos ou mais.
A banana comprida que chama chimpé, nós comemos e fazemos mingau e cozinhamos. O
chimpé é para criança comer mingau para crescerem forte e com saúde, o mingau de banana
fazemos muito para reunir a comunidade, para conversarmos internamente durante o dia e no dia
seguinte ir trabalhar dentro da comunidade, plantamos muito chimpé. (Brandão, C.F., op.cit.,
entrevista ao autor)
Portanto, tem sempre algo produzindo e o grande hábito do consumo de mingau de
banana, por si só, consegue saciar a fome. A banana comprida e a maçã são as
mais apreciadas e são plantadas em um espaçamento de 3x3 m, cabendo no
roçado cerca de 500 plantas/ha. Já no plantio da peroá e da prata, o espaçamento é
de 4x4 m, cabendo umas 400 plantas/ha.
A alimentação mais permanente, produzida nos roçados, é de média maturação: a
macaxeira dá a partir de oito a doze meses, indo até dois anos ou um pouco mais,
principalmente quando se destina a fazer farinha; a banana, a partir do primeiro ano;
e o inhame, com oito a dez meses.
O milho não é atualmente um alimento prioritário. Nos dados coletados, alguns
afirmam ter plantado. Parte do milho (de branco) plantado se destina à venda, parte
à criação e parte é comido ainda verde na forma de pamonha e mingau. O milho
indígena está sendo plantado por poucos, principalmente para a reprodução de
sementes e replantio, parte pequena é para comer mais raramente.
Como em toda lavoura, indígena ou o, são enfrentados alguns problemas
atualmente. A batata doce tradicional não está dando bem nas terras do local. Às
vezes, várias lagartas juntas atacam o milho e a macaxeira. O arroz tem dado
queima e um tipo de potó. A banana é atacada pelo moleque.
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Depois que passa a formiga no roçado, a roça fica “insuada”, não cozinha mais
direito, serve para “farinhada”. no planejamento do plantio, parte da
macaxeira e às vezes certa quantidade de mandioca brava já são plantadas com
destino a transformação em farinha.
3.5.4 Os alimentos de origem animal
Com relação à proteína de origem animal, algumas estratégias distintas de
apropriação: pelas práticas tradicionais de caça e pesca; pela criação de pequenos
animais domésticos; ocasionalmente o abate de algum boi, mais comum para festas
ou comemorações; ou aquisições externas, que são mais freqüentes tanto para
peixe quanto para a carne de porco ou de boi. Tamm são adquiridos com
freqüência enlatados com sardinha ou carne bovina.
Criamos também takara que é a galinha, nunu que é o pato, yná que é a vaca. Comparamos
fora o peixe, carne de boi, café, açúcar, sal, sabão, roupa, terçado e outras coisas. Para comparar
estas coisas produzimos um pouco de artesanato mas o mercado é pouco. Os que não têm renda
vendem no mercado de Feijó o milho, banana e macaxeira. (BRANDÃO, B. op.cit., entrevista ao
autor)
Na aldeia tem uma pessoa que comumente presta serviço de abate para os batelões
que trazem porcos do alto Envira, sendo remunerada em parte com pedaços do
animal, como pés, cabeça e outros menos nobres.
Em algumas épocas distintas, o realizadas excursões a locais do rio Envira a
montante de Morada Nova, próximo à aldeia Kaxina Nova Olinda e na Aldeia
Madijá do Igarapé do Anjo, onde residiram anteriormente e hoje promovem caçadas
e pescarias. Hoje há muita dificuldade com o abastecimento de carne de peixes que
eram muito pescados durante as piracemas. Com o aumento da população a
jusante, já não sobem mais cardumes grandes, restando pouco para ser pescado.
Figura 3-19: Gráfico com os peixes e outros animais mais pescados e caçados
Fonte : Salgado(2004), dados coletados para o diagnóstico de segurança alimentar dos Shanenawá
No gráfico sobre a caça (Fig.3-19), podemos ver que ainda caça na terra
Shanenawá. Entre os animais mais caçados temos o veado, que igualmente
aparece entre os animais raros. Essa ocorrência se pela preferência Shanenawá
por caçar esse animal, que mesmo o existindo com fartura, ainda é possível ser
caçado.
Caça
8 8
5
6
5
7
3
10
Quatipuru
Paca
Nambu
Veado
Tatu
Queixada
Veado
Porquinho
Animais mais caçados Animais raros
Quantidade de Famílias
Tipo
Pesca
2
8
19
21
25
Bodó
Mandin
Sardinha
Cachimbo
Curimatã
Quantidade de Famílias
TIPO
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Com relação a pesca podemos ver que apenas peixes de pequeno porte são mais
pescados demonstrando a relativa dificuldade na captura esses animais.
Figura 3-20: Gráfico sobre a porcentagem de famílias que pescam e caçam
Fonte : Salgado(2004), dados coletados para o diagnóstico de segurança alimentar dos Shanenawá
Como podemos ver (Fig.3-20), poucas famílias caçam mas muitas pescam. Isso
pode ocorrer em função de que quase todas famílias moram na beira do rio Envira e
assim pessoas de qualquer idade pescam. Por outro lado a atividade de caçada, é
mais demorada, sendo necessária uma maior idade para sua prática.
Essa estratégia sempre abasteceu de forma temporária a aldeia em tempos
passados, pois acontece de acordo com o ciclo de reprodução de cada espécie
uma vez por ano. A época das piracemas sempre foi um tempo de fartura, pois
várias espécies de peixes m esse comportamento, ocorrem de forma distinta
propiciando oportunidades em dias e mesmo em meses diferentes. A piracema se
entre os meses de junho e novembro sendo basicamente realizada, na região,
pelos peixes curimatã, mocinha, piau, surubim e mandim.
A aldeia Morada Nova tem, segundo seu Bruno, um "açude que tem umazinha,
assim mesmo o presta, que não tem peixe. Peixe que tem ai pessoal vai pesca
unzinho, o tem mais peixe". Na terra indígena tem um lago; que já está bem
cerrado e tem pouco peixe, além de estar no território da aldeia Nova Vida.
A comunidade de Morada Nova vem reivindicando muito tempo a construção de
mais açudes, sendo um caminho adequado a melhoria do fornecimento de carne.
Agora em junho de 2005, com o apoio do DERACRE, foram construídos sete
tanques para criação de peixes. Isso dará novo ânimo a criação de animais,
concorrendo para a melhoria da segurança alimentar e nutricional.
A proximidade com a cidade de Feijó tamm influencia sobremaneira a
disponibilidade de peixes. Em minha última viagem em fins de 2004, havia notícias
de invasões pelos locais mais distantes das aldeias, por pessoas que vinham de
Tarauacá. Este é um impacto que pode ser sentido pelo asfaltamento recente da
BR-364, que tende a aumentar conforme outros trechos sejam construídos.
Atualmente um acordo tácito para o manejo da fauna. Mas muitos Shanenawá,
que gostariam que esse acordo seja gradativamente transformado em um plano de
manejo da caça. Por enquanto, tudo está se iniciando e é preciso um maior
amadurecimento de todos para que efetivamente se tenha um plano único para a
terra indígena. Isso implica inclusive acordos com os Kaxinawá.
3.5.5 O plano de manejo de caça
25,00%
Sim
Não
Caça
70,00%
30,00%
Sim
Não
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A caça é sem dúvida um dos principais temas a ser abordado quando tratamos da
segurança alimentar, principalmente por estarem entre os maiores valores para
determinadas sociedades indígenas as questões ligadas ao fornecimento da
proteína animal na dieta, em especial os animais terrestres e as aves. Embora para
algumas outras, os peixes estejam em primeiro lugar.
A caça hoje na nossa comunidade ficou escasso a alguns animais. Até porque no redor de
nossa área indígena é cheio de posseiro. Fazendeiro às vezes fica caçando na nossa área. Agora
não. Agora nós temos o manejo de caça da cultura Shanenawá. A gente não coloca mais armadilhas,
não caça mais com cachorro. Ainda tem também porque é nossa cultura e pensando de passar cinco
anos sem caçar. Com muita gente para matar, aquele bicho que está escasso e sendo sumido de
nossa área porque pessoal tão acabando.
Não é todo mundo que pensa direito, tem que ir conversando aos poucos. nós temos um
programa. Esse programa é importante porque nós caçamos e comemos as caças e aonde também
nós estamos protegendo as frutas da mata onde é bom pros animais e também é bom para os
indígenas Shanenawá. Porque eu digo isso. O bacuri, o macaco come e o índio come. Coco, a paca
come e a cotia come e o índio come. Tem também o caroço que dá para fazer artesanato. Então tem
vários tipos de frutas da mata que os animais come da floresta, que os índios também se alimentam.
Da fruta nativa da floresta. Então por isso nós estamos tentando valorizar caça, até porque
convivemos com ela, nós somos da floresta, é questão da caça. (BRANDÃO,C.F., op.cit. entrevista
ao autor)
Conforme Carlos Brandão (2005, informação verbal), a partir de 2001, os
Shanenawá iniciaram uma discussão sobre a atividade da caçada nas suas terras.
Na época ficou acertado que não mais se caçaria com cachorros. Logicamente nem
todos apoiaram de imediato, mas aos poucos foram aderindo à idéia. Em 2003, por
iniciativa da comunidade, foi encaminhado ao Ministério do Meio Ambiente (MMA),
através da Secretaria de Coordenação da Amazônia (SCA), um projeto para iniciar
os estudos para a elaboração de um plano de manejo de caça. Em 2004 se iniciou o
trabalho reunindo as quatro aldeias Shanenawá.
É comum ouvirmos de muitos povos indígenas diferentes, habitantes de
ecossistemas distintos, a expressão "fome de carne". A dieta da floresta é por sua
vez muito adaptada e dependente da questão da caça, em especial na floresta
acreana, onde as populações tradicionais, em sua grande maioria, têm a sua dieta
anual apoiada na proteína animal originária da carne de caça e alguns tipos de
fontes de carboidratos geralmente a macaxeira e a banana.
O plano de manejo vem trabalhando com diversas dimensões distintas: a
conscientização da população sobre métodos de caçar; um diagnóstico da
ocorrência da fauna nos territórios das diversas aldeias e o plantio de fruteiras
nativas mais próximas da aldeia. Para a realização dos diagnósticos, foram
montados abrigos de observação mais próximos aos diversos barreiros de cada
aldeia, onde também são empreendidas algumas caçadas. Em relatório do
encarregado do plano de manejo, pela aldeia Nova Vida, podemos verificar a
realidade existente, que é válida para todo o território Shanenawá, conforme
seguem várias ocorrências:
1 - No dia 10/01/2005, o filho do vizinho que tem o nome de Arnaldo, foi caçar e viu lá na beira
do igarapé Paredão muito rastro de paca e ainda viu rastro de uma onça e pelo tamanho do rastro
percebeu que seria o rastro de uma onça pintada e ainda estava com o filhote.
2 - Em um outro dia o morador da aldeia Nova Vida, o Sr. Aldo Paulino Kaxinawá foi pastorar
em uma tocaia feita embaixo de um pé de jaci, comida de paca e cutia. Como naquela noite não veio
nada, ele já vinha de volta para casa quando de repente avistou uma onça no meio do caminho, pois
deu dois tiros nela e matou, era pintada e era bem adulta.
3 - O mesmo morador da aldeia, no dia 13 do mesmo mês, foi caçar nas proximidades da
colocação Cachoeira. Com a distância de uma hora e meia de caminhada, ouviu um barulho na beira
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de um igarapé, foi observando com muita cautela e percebeu que era uma onça pegando um veado,
atirou na onça pensando que o veado estava morto, quando a onça caiu morrendo, o veado saiu
correndo deixando muito sangue no local do acontecimento.
4 - Outro morador da mesma aldeia, José Luiz saiu cedinho para caçar com parazo de quase
uma hora e meia de caminhada dentro do mato encontrou rastro de um bando de queixada que tinha
passado recentemente. Andou mais um pouco e viu rastro de muito porquinho.
5 - No outro dia o Valquimar foi para o mato caçar, andou muito no mato, não viu nada e nem
rastro, viu um bando de macaco"paroacú" (uma espécie de macaco muito cabeludo, preto e branco)
atirou e matou um e ainda pegou um filhote que até ainda existe na aldeia.
6 - Um dia uma mulher por nome Elizabeth e a sua irmã foram quebrar milho no roçado quando
pensando de ser alguma coisa, perceberam que era um veado que estava deitado no meio do
roçado. Quando chegaram bem pertinho o veado saiu correndo e os cachorros saíram atrás latindo
até quando não ouviram mais o latido dos cachorros.
7 - O Zé Luiz e o Neudo foram cortar madeira na beira do rio e viram que os queixada tinham
passado por ali um dia antes. Era aproximadamente 60 porcos que tinha no bando. No dia seguinte
foram atrás, mas não encontraram, porque os porcos só andam correndo.
8 - Nós fomos para uma caçada de dormida, para fazer o ponto do nosso abrigo andamos
quase duas horas e chegamos ao local. Nós éramos em seis pessoas. Caçamos dois dias e não
matamos nem uma caça grande, também encontramos pouco rastro e nos barreiros o estava
andando mais nada porque estava chovendo muito naquele mês. (ASSIS SHANENAWÁ, 2004,
relatório em anexo)
Analisando estas informações, podemos verificar que nas ocorrências 1, 2 , e 3
foram avistados sinais de onça adulta com filhote, adulta e adulta caçando,
denotando que um estoque razoável de animais, senão as onças não estariam
por perto e nem escolheriam o local para procriação, é relatado, inclusive, um veado
que estava sendo caçado. Nas ocorrências 4 e 7, são encontrados muitos rastros de
queixada e porquinho. Na ocorrência 6, é avistado um veado que sai correndo. Na
ocorrência 5, foi interceptado um bando de macaco paroacú, sendo inclusive morto
um e capturado um filhote. Na ocorrência 8, mais uma vez a caçada é frustrada em
uma época reconhecida como difícil. O que podemos ver é que existe caça, apesar
de não ser em abundância, mas a tendência é melhorar com o plano de manejo.
Entre os Shanenawá, não se usa mais cachorro para as caçadas, o que melhorou
gradativamente a aproximação maior da caça. Cada aldeia tem seus próprios
barreiros
42
já definidos. A caça é mais promissora durante a época das chuvas,
principalmente nas estiagens mais ou menos curtas. Nessa época os rastros são
mais ceis de serem encontrados e é tamm a época de maior fartura de
alimentos. Quase todos os animais estão mais gordos nos meses de abril e maio,
justamente na época do final das chuvas.
42
Os barreiros, são locais aonde a fauna de uma forma geral vem beber água principalmente durante
a época das chuvas e lamber os barrancos em busca do sal. Alguns destes barrancos durante o
verão ficam secos e inativos.
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Ainda não uma grande consciência desenvolvida quanto aos aspectos éticos de
se caçar apenas os animais nas épocas em que não estejam procriando, pois a
caça está mais frágil, principalmente as meas. O plano de manejo vem sendo
discutido e recentemente foi realizado um projeto para a Secretaria de Coordenação
da Amazônia. Com este projeto, foram construídos um abrigo em cada aldeia, na
região onde se localiza a maior parte dos barreiros. Na figura 3-21, podemos ver a
situação de Morada Nova.
Figura 3-21: Croqui sobre os barreiros, o abrigo de observação da caça e trilhas.
Fonte: Iconografia produzida durante os estudos para o projeto de elaboração do plano de manejo de caça.
Segundo Manoel Shanenawá, "quando entra para caçar não para ficar vendo se
é fêmea ou macho. Ele não quer perder e mata logo". Alguns dizem que não dá para
ficar esperando para ver se é fêmea ou macho, pois quando se vê, o bicho foi
embora. Dependendo do animal e do conhecimento do caçador, não é o difícil
identificar se é fêmea ou macho. Muitas vezes o animal é abatido acompanhado de
pequenos filhotes, denotando um desprezo total com a necessidade de manejo.
Durante as reuniões sobre manejo, têm sido discutidas algumas estratégias: caçar
só em uma região; deixar alguns barreiros descansando; não caçar na época de cria
nova; procurar desenvolver outras alternativas para a produção de carne. Na terra
indígena, ainda existem algumas matas virgens (Fig.3-22) que servem como reserva
de caça, onde os animais podem-se desenvolver mais tranqüilamente.
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Figura 3-22: Mata virgem no caminho para o abrigo de observação da caça.
Fonte: Salgado(2004), iconografia produzida para os estudos para elaboração do plano de manejo de caça
Mesmo com as discussões avançando bastante, ainda se usam muitas
armadilhas (tanto armando a espingarda como colocando bestas) e os abrigos de
observação muitas vezes servem mesmo é de apoio para as caçadas. Em março de
2005, quando estive na aldeia e saímos em uma excursão, depois de caminharmos
umas quatro horas, retornamos à aldeia com apenas dois quatipurus (Fig. 3-23).
Figura 3-23: A esquerda, volta da caçada, à direita acima, pegadas de paca, à direita abaixo, armadilha
Fonte: Salgado(2004), iconografia produzida durante os estudos para elaboração do plano de manejo de caça.
3.5 A dependência externa no abastecimento alimentar
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Conforme os dados coletados (quadro 5, Anexos), o abastecimento externo é
constante para todas as famílias, com exceção de apenas duas pequenas famílias
que dependem dos outros familiares. Com esses dados, pode-se verificar uma
grande dependência por produtos da cidade
São adquiridos itens diversos tradicionais da cultura regionalizada. Alguns itens
chamam maior atenção (Fig.3-24). Consomem uma média de 560 quilos por mês de
açúcar, o que dá uma quantidade de 2,5 kg por pessoa por mês, em média 80
gramas por dia. Não é um consumo tão elevado quando comparado com nossa
sociedade, que consome em média 200 gramas por dia. Mas a rigor não
necessidade alguma de se consumir açúcar, o que precisamos é de glicose que
produz energia ao ser “queimada”. Os povos antigos não consumiam nenhum grama
sequer de açúcar fabricado. Quase tudo que comemos, 100% dos carboidratos
(farinhas, cereais, açúcar das frutas, etc.) e 60% das carnes ingeridas se convertem
em glicose; é assim que normalmente mantemos as necessidades bioquímicas.
Figura 3-24: Gráfico do consumo mensal de alimentos mais adquiridos na cidade
Fonte : Salgado(2004), dados coletados para o diagnóstico de segurança alimentar dos Shanenawá
Esse consumo de açúcar está principalmente ligado ao consumo do leite em pó e do
café, que, no entanto, são consumidos moderadamente e funcionam mais como
indutores. Melhor seria se alguém fabricasse todo o açúcar necessário na própria
aldeia. Teríamos um acréscimo elevado na questão da qualidade, visto que o açúcar
branco refinado é sacarose e o gramixó, o melado ou a rapadura têm, em sua
composição, fibras, minerais e alguns outros nutrientes.
São consumidos anualmente ainda cerca de 10.500 kg de farinha, 4.350 kg de
arroz, 2.400 kg de feijão, sendo que todos poderiam ser produzidos no local,
gerando vários empregos. A carne é talvez o item mais dispendioso, pois são
consumidos mensalmente 606 kg de carne de boi e 365 kg de carne de peixe. O
consumo de carne de boi é realizado principalmente pelos mais jovens porque os
velhos não costumam comê-la.
Alimentos mais adquiridos na cidade (mensal)
872
149
93,5
39,95
566
365
606
200
363
Arroz
(kg)
Feijão Carne
boi (kg)
Peixe
(kg)
úcar
(kg)
Café
(kg)
Sal (kg) Óleo
(lata)
Farinha
(kg)
Tipo
Quantidade
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Os outros itens consumidos em quantidade grande são o óleo, o café, o leite em pó
e bolachas (Fig.3-25). De forma geral, esses itens são menos expressivos,
representando apenas uma preferência pessoal.
Figura 3-25: Gráfico do consumo mensal de alimentos adquiridos em menor quantidade na cidade
Fonte : Salgado(2004), dados coletados para o diagnóstico de segurança alimentar dos Shanenawá
Uma das questões também observadas é que há pessoas que o tomam ca e
tamm não comem feijão, denotando não terem absorvido esses hábitos.
3.6 Os fatores econômicos e a assisncia oficial
Com relação às aposentadorias, existe uma diferença entre os dados coletados e os
dados da FUNAI. Para 16 aposentadorias verificadas, 11 coincidem com a
listagem da FUNAI. Segundo dados do Serviço de Assistência da Administração
Executiva Regional (AER) Rio Branco (2005), são 27 aposentadorias registradas,
sendo 16 ativas. pelos dados atuais do posto indígena de Feijó (2005), o 19
aposentados. Existem tamm aposentados por invalidez.
As aposentadorias variam, sendo que alguns conseguiram se aposentar como
soldado da borracha e recebem dois salários-mínimos, enquanto que os outros
foram aposentados pelo Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (FUNRURAL) e
recebem um salário-mínimo.
Antigamente os velhos eram um estorvo para seus familiares que, além dos
afazeres constantes advindos da lida diária na floresta, tinham que cuidar deles.
Agora eles o o grande sustentáculo familiar. Uma família que tem um aposentado
é uma família que sobrevive mais facilmente. Mas os recursos advindos da
aposentadoria são utilizados para custear as viagens à cidade, para comparar
alimentação e outros materiais. Eventualmente, tamm servem para adquirir
alguma infra-estrutura como barco, motor ou outro bem tecnológico qualquer.
Normalmente o aposentado passa a criar algum gado para emergências. Costuma
tamm pagar pessoas para fazer em determinadas tarefas eventuais, como
preparar e cuidar dos roçados e pilotar o seu barco, entre outras.
O aposentado costuma também auxiliar toda a sua família extensa, fornecendo
sempre alguma coisa do que comprou na cidade. São eles normalmente que
organizam grandes mutirões para fazerem grandes roçados. As aposentadorias
Alimentos adquiridos em menor quantidade (mensal)
24
35
12
14
121
64
Sardinha
(lata)
Carne
(lata)
Frango
Granja
Macarrão
(kg)
Bolacha
(pac.)
Leite pó
(lata)
Alho Pimenta
reino
Tipo
Quantidade
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podem ter alguns inconvenientes, como o aumento do consumo de bebidas
alcoólicas, a permanência nas cidades, o aumento da dependência por produtos da
cidade, mas de certa forma auxiliam o sistema de segurança alimentar e nutricional.
Mais da metade da sustentação da comunidade Shanenawá é oriunda dos 11
empregos e das 16 aposentadorias. O que falta é uma orientação alimentar e
nutricional, que deveria estar sendo feita pela FUNASA para diminuir os índices de
determinadas doenças.
Sem outras alternativas, essas aposentadorias m diminuído consideravelmente o
sofrimento causado pela desestruturação econômica e social principalmente das
comunidades mais próximas aos municípios.
Na Morada Nova, existem 11 pessoas que com o auxílio-maternidade, poderiam
estar ajudando, mas, pela mesma falta de orientação, acabam agravando os
problemas nutricionais e, o que é pior, justo dos recém-nascidos.
A merenda escolar é outro benefício que poderia auxiliar, mas acaba induzindo à
formação de hábitos inadequados e insustentáveis. Todos os meses, os professores
vão à cidade para receber da Secretaria de Educação Municipal de Feijó os
mantimentos que serão utilizados para a merenda escolar. São fornecidos
mensalmente para 64 alunos, que estudam da 1
a
à 4
a
série, os seguintes
componentes: 20 pacotes de bolacha salgada; 20 pacotes de biscoito doce; 10
garrafas de suco de caju; 24 latas de conserva de carne ou sardinha; 30 kg de
açúcar; 100g de pimenta do reino; 4 pacotes de 250g de café; 500g de alho; 10 kg
de farinha; 10 kg de feijão; 10 kg de arroz; 2 latas de óleo de soja; 2 kg de sal; 5 kg
de macarrão; 10 pacotes de 500g de leite em pó; e 5 pacotes de 500 g de chocolate.
Com os alimentos fornecidos, pode-se preparar almoço e janta, mas a orientação
segue os mesmos moldes da cidade onde as crianças que recebem merenda
escolar têm essa alternativa para comerem. Talvez fosse mais adequado o
fornecimento da merenda pela própria comunidade, que se encarregaria de
abastecer a escola com coisas de seu cotidiano, sustentáveis, geradoras de saúde e
não indutoras de dependência externa.
Podemos ainda falar de diversos projetos com financiamentos oficiais que podem
contribuir com a sustentação Shanenawá e, por conseguinte, com a segurança
alimentar e nutricional. um ano foi desenvolvido um projeto, financiado pela
Secretaria de Coordenação da Amazônia, para a implantação de uma máquina
beneficiadora de açaí que está sendo instalada. Pretende-se assim ter açaí para o
fornecimento a toda a aldeia, e até mesmo para vender na cidade.
Atualmente um projeto de iniciativa do Centro de Cultura Indígena da Universidade
Federal do Acre (UFAC), apoiado pela FUNAI, vem trabalhando com a manufatura
experimental de látex para a criação de peças artesanais.
O plano de manejo de fauna aguarda um novo impulso, mas vem sendo
constantemente discutido pela comunidade, que o vai implementando conforme
pode. A discussão passou do manejo da fauna para o manejo da floresta como um
todo, o que é muito interessante e pode estar construindo novos caminhos de
sustentabilidade para a comunidade.
Foi instalada uma rede de energia elétrica agora em junho de 2005. Isso deve
mudar bastante a ótica da vida em Morada Nova. Gastos, como o efetuado com a
aquisição de óleo diesel para lamparinas e puxar água para as casas, não serão
mais realizados. Muda tamm a contaminação por fumaça oriunda das lamparinas,
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melhorando a saúde. Outras modificações no cotidiano devem aparecer, mas o
tempo poderá mostrar a real influência da luz para os Shanenawá.
Dessa forma, os estudos específicos sobre a segurança alimentar e nutricional dos
Shanenawá se encerram com a certeza de que, mesmo sendo uma comunidade
fortemente dependente de nossa sociedade, eles têm plenas condições de
sobreviver de suas próprias alternativas naturais. O que precisa ser feito é um maior
investimento específico em orientações sobre nutrição e saneamento ambiental para
que, afastando-se uma série de doenças recorrentes, se possa, com mais saúde,
pensar em novos horizontes de etnodesenvolvimento.
A seguir será feita uma análise geral dessa dissertação, procurando verificar o
estudado, tirar algumas conclusões e recomendações sobre como interferir no
sistema de segurança alimentar Shanenawá para se estabelecer uma melhoria
gradativa do mesmo.
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4 . CONSIDERAÇÕES FINAIS
O descaso histórico com a questão do índio no Brasil é constantemente reafirmado
na bibliografia analisada, devido à situação das sociedades indígenas,
remanescentes de um tempo difícil que se perpetua, não totalmente por seu
interesse ou de nossa sociedade, mas por incapacidade e impotência, para
solucionarem os problemas.
A pesquisa bibliográfica abrangeu as áreas de segurança alimentar e nutricional, a
antropologia indígena, o indigenismo, o etnodesenvolvimento, a ecologia, a questão
indígena no Brasil e no Acre, e, por fim, esses mesmos aspectos entre os índios
Shanenawá.
Dessa pesquisa e da análise realizada, pude extrair os elementos necessários à
construção textual dessa dissertação, complementada com o conhecimento
adquirido ao longo de 16 anos de trabalho, dedicados especificamente à questão
indígena na área de etnodesenvolvimento. Igualmente importante foram os dados
coletados na pesquisa de campo realizada entre os Shanenawá de Morada Nova, o
que me permitiu um recorte específico da realidade vivida atualmente por um povo
indígena. Essa coleta foi realizada em duas viagens à aldeia, uma no mês de março
e outra no mês de dezembro de 2004, no rio Envira, em Feijó.
Se não todos os problemas vividos contemporaneamente pelas sociedades
indígenas, pelo menos parte considerável deles se deve à impotência da área
indigenista do governo brasileiro que, envolta na burocracia e desinteresse estatal,
ainda não conseguiu resolver totalmente o primeiro deles: a demarcação das terras
indígenas. Pode parecer estranho, mas dessa atitude da sociedade brasileira,
representada por seu governo, dependem todas as possibilidades de sobrevivência
étnica com dignidade, qualidade de vida e soberania.
Como vimos em diversas situações relatadas, analisadas no desenvolvimento dessa
dissertação, a assistência oficial da FUNAI na área de "atividades produtivas" vem
impregnada de equívocos filosóficos e históricos. Isso torna qualquer mudança
praticamente impossível, pois a burocracia oficial espalhada por mais de 60
escritórios regionais, a falta de infra-estrutura e de pessoal técnico impedem uma
ação renovadora. Com relação aos técnicos, a dificuldade não está apenas na
questão quantitativa, mas antes na questão qualitativa, tanto na sua preparação
filosófica específica, quanto na sua reciclagem profissional inexistente.
Não adianta continuarmos a eventualmente trocar de nomes (como a troca
constante de direção e de técnicos), adquirir novos equipamentos, ou, mesmo,
realizar concursos para contratar alguns poucos técnicos para a sede em Brasília.
Isso pouco resolve. Porque o problema é estrutural e de cunho filosófico e político.
A questão ainda deve ser analisada pela ótica do índio, o sujeito do processo, e seu
único receptor, que vem sendo tratado como um objeto, viciado pelo sistema, mas
que não abre mão de seus “direitos” adquiridos secularmente. Por fim, esse sistema
é utilizado, historicamente, como válvula de escape para ações de manutenção
política do poder financiadas por um orçamento reduzido.
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A partir da promulgação da Constituição Federal de 1988, a assistência aos povos
indígenas deveria ter passado em sua totalidade ao Ministério da Agricultura (MA),
mas somente algumas "ações-piloto” têm sido implementadas desde então. Essas
ações, pautadas numa demanda filosoficamente equivocada, apresentada por
lideranças indígenas de momento, são encaminhadas muitas vezes por poticos de
nossa sociedade que nem sempre são os reais conhecedores ou interessados na
resolução de seus problemas. Vivem justamente disso. Tamm aqui as tecnologias
aplicadas e induzidas, vindas de fora, acabam por complementar as condições para
que se perpetuem modelos insustentáveis de sobrevivência com a desestruturação
do sistema de segurança alimentar e nutricional.
Mais recentemente, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA),
ainda por demandas de alguns povos indígenas, começou a atuar oficialmente. Pelo
seu sistema rigoroso de projetos e resultados, vem implementando ações bem
interessantes com a recuperação de sementes tradicionais, mas que deixam um
pouco a desejar pela inexperiência e necessidade de mais recursos técnicos
específicos. Nesse caso, influencia também a inespecificidade da empresa para lidar
com a temática indígena, que vem sendo suprida pelo esforço de uns poucos
técnicos, dedicados a todo um processo de capacitação em serviço, podendo gerar
resultados futuros de grande valia.
Mas é cedo para fazermos uma análise pontual mais acertada, pois ainda estamos,
nesse caso, em um tempo que a direção da EMBRAPA pouco apóia ou incentiva,
visto estar preocupada, com resultados econômicos a serviço do agronegócio.
Contribui também o fato de operar em um tempo de resultados científicos
inadequado ao tempo indígena. Um tempo futuro– com melhores condições
estruturais em uma unidade executiva específica para tratamento da questão
indígena e das populações tradicionais talvez– possa trazer resultados mais
concretos.
Podemos, sem dúvidas, aplaudir a ação do programa Projetos Demonstrativos dos
Povos Indígenas (PDPI), gerado no âmbito do Ministério do Meio Ambiente (MMA).
Com a participação indígena qualificada, desde sua concepção, vem revolucionando
procedimentos e diretrizes filosóficas, gerando experiências muito interessantes em
todos os aspectos. Trabalha de forma integral abrangendo as diversas áreas afetas
ao etnodesenvolvimento, proporcionando o surgimento de respostas inovadoras e
demonstrativas, dentro da realidade indígena de cada etnia. Mas a sua ação atinge
apenas parte das diversas demandas, visto ser um programa filosoficamente
constituído para gerar exemplos e multiplicar resultados. É fundamental sua
continuidade, sendo o que de melhor temos como potica pública estruturante,
preocupada com a gestão autônoma dos povos indígenas na resolução de suas
dificuldades.
Como ação mais pontual desse atual governo, o Ministério do Meio Ambiente vem
desenvolvendo, juntamente com o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate
à Fome (MDS), a "Carteira de Projetos Fome Zero e Desenvolvimento Sustentável
em Comunidades Indígenas", que tamm vem financiando bons projetos. A Carteira
foi formatada em um amplo processo de diagnose e discussão com as lideranças
indígenas por todo o Brasil, tendo, portanto, todo o aval indígena, mas opera
prioritariamente no sentido emergencial.
Muitos projetos filosoficamente bem orientados, estruturantes e geradores de
experiências replicáveis, vêm sendo desenvolvidos por organizações indigenistas e
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indígenas, mas não temos no Brasil um banco de dados oficial que nos permita
conhecer e avaliar melhor essas potencialidades, sendo um trabalho que aguarda
um encaminhamento posterior. Muitos erros e acertos poderão ser dai apreendidos,
evitando que erros primários contribuam para o fracasso de iniciativas e fazendo
com que acertos possam ser utilizados como exemplo para o êxito de outras
experiências.
Essas ações m sido desenvolvidas sem a pressão que as ações governamentais
normalmente estão sujeitas, podendo-se definir a sua linha de ação, a sua forma e a
sua amplitude. São invariavelmente financiadas por recursos de agências
internacionais e eventualmente do governo brasileiro. O estado do Acre conta com
uma das melhores experiências com o desenvolvimento do ensino agroflorestal para
povos indígenas no Brasil. Essa prática deve continuar servindo de exemplo para
outras organizações e principalmente para os governos estadual e federal, que
podem melhorar consideravelmente sua atuação. Baseada no processo de "autoria",
na construção e desenvolvimento prático do conhecimento, é uma forte ação
estruturante, contribuindo com a realização plena da autonomia e autodeterminação
dos povos indígenas.
No caso do governo do estado do Acre, a Secretaria Extraordinária dos Povos
Indígenas (SEPI) o dispõe de técnicos do quadro permanente. A constituição de
quadros específicos para o desenvolvimento de um programa de
etnodesenvolvimento sustentável de sociedades indígenas” poderia imprimir ao
órgão maior eficiência. Deve-se procurar evitar tamm a fragmentação excessiva,
com a criação de instâncias de deliberação e encaminhamento da "questão
indígena", paralelas a SEPI, como vem ocorrendo, pois enfraquece o "movimento
indígena" no Acre. A rigor, a Secretaria é "extraordinária" sendo frágil a sua situação
diante de mudanças políticas que possam ocorrer no governo. Um quadro
permanente e sua transformação em Secretaria Executiva traria maiores avanços a
questão indígena no acre.
Todas essas políticas públicas, de uma forma ou de outra, se envolvem com as
questões econômicas, cabendo lembrar a importância dessa área no
desenvolvimento de uma economia indígena forte e soberana, responsável
imemorial pelo encaminhamento e resolução dos problemas relativos à segurança
alimentar e nutricional. O problema da insegurança alimentar e nutricional, gerador
de fome e miserabilidade, é intrinsecamente ligado à esfera da economia indígena
que é desestruturada desde os primeiros momentos do contato interétnico. O
desenvolvimento de bons projetos e a estruturação dos órgãos responsáveis por
essas políticas são fundamentais para a mudança dos atuais paradigmas.
Pode parecer um retrocesso, mas é preciso que se encontre uma saída para o
esfacelamento do tratamento da questão indígena, hoje pulverizada por gabinetes
ministeriais e autárquicos. Isso tem gerado a duplicidade de ações em algumas
áreas e a inexistência de ações em outras. A maior dificuldade é que quando é
atribuição de determinado órgão realizar uma ação, e este não a realiza, parece
haver certo impedimento para que outros o façam. Nesse sentido é que uma “única
organização”, que trate da questão indígena como um todo, poderia encaminhar
melhor a situação através de ações complementares.
A pesquisa transcorreu sem grandes dificuldades operacionais, porém algumas
dificuldades foram encontradas com relação à metodologia de coleta dos dados em
campo. No questionário, foi utilizada a medida de hectare para quantificar o tamanho
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do roçado, o que se mostrou de pouca eficiência devido ao desconhecimento e
pouca praticidade da medida em roçados irregulares. O ideal é ser utilizada uma
medida de maior compreensão como, por exemplo: litros de milho; covas de roça;
covas de banana; depois podemos converter na base de 10 litros de milho, 5.000
covas de roça ou 400 covas de banana equivalendo a aproximadamente um hectare.
O importante é que primeiro se identifique a medida local para dimensionamento e
depois se faça a conversão que se julgar necessária.
Outra questão complicadora é a quantificação das compras realizadas fora da
aldeia. Os dados foram coletados e tabulados com base no consumo mensal, mas,
para efeito de coleta, fica mais prático considerar períodos semanais. Para o
aprovisionamento originário da própria aldeia, fica mais prático também quantificar o
consumo semanal. O fato é que se sabe o que se compra no mês, mas o consumo é
melhor mensurado em períodos menores.
É importante que se consiga executar um planejamento que permita um tempo
suficiente para se coletarem os dados com calma. Pesquisas dessa natureza
tamm devem procurar se referenciar em mais de uma época do ano para poder
atingir todo o universo sazonal. Esse fato foi contornado parcialmente, pois
dispúnhamos de dados de coletas anteriores para outros trabalhos que preenchiam
bem o ano todo.
Não é simples fazer uma análise sobre a situação da segurança alimentar e
nutricional entre os Shanenawá. Seria necessário um tempo maior de observação
para realmente verificar caso a caso cada família. Não como linearizar
conclusões que sirvam de parâmetro para todas as aldeias, e nem mesmo para
todas as famílias da aldeia Morada Nova.
Nessa aldeia encontramos uma prática de aprovisionamento alimentar delineada por
distintas estratégias de sobrevivência, ficando difícil concluir sobre a situação geral
da aldeia. Foi possível inferir que o maior problema no âmbito da segurança
alimentar e nutricional é relativo ao aprovisionamento de proteína de origem animal e
essa questão deverá ser a tônica principal de discussão por alguns anos. Não que o
problema com o fornecimento de outros itens alimentares esteja solucionado. A
dependência por todos os itens é muito elevada, mas a questão é cultural. Comprar
carne de gado, enlatada ou “peixe de gelo” não é a mesma coisa que pescar ou
caçar e trazer para casa carne fresquinha, culturalmente mais apreciada. Quando
analisamos esse suprimento, pudemos concluir pelos dados históricos e etnográficos
que a capacidade de suporte ambiental é grande, havendo espaço e alimento
suficiente para manter um estoque de animais que alimente toda a população. Isso
pode ser visto nos relatos das pessoas mais idosas, que contam da fartura
experimentada nos primeiros anos de aldeamento na região.
Mas temos também que ressaltar o que é alertado como um risco por Beth Meggers
(1972), pois uma tendência a que os estoques de animais sejam excessivamente
solicitados e a população fique abaixo da capacidade de se recuperar, correndo o
risco de extinção.
De alguma forma a pressão sobre o ambiente diminuiu por parte dos Shanenawá
que buscaram outras soluções, e já existe certo hábito de se comprar carne de fora e
alguns animais são criados com a finalidade de suprir essa demanda. É preciso que
se continue a procurar e implementar alternativas sustentáveis. Reforçar o sistema
de produção de peixes sinaliza um bom encaminhamento nesse sentido. A região
possui vários locais que podem ser utilizados com essa finalidade faltando no
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momento organização e alguns recursos para implementar a idéia. A própria
comunidade vem reivindicando a realização de um projeto para esta finalidade, o
que torna a idéia exeqüível e de êxito promissor.
Com o apoio do DERACRE, em junho de 2005, foram escavados sete tanques de
piscicultura, o que ajudará no fornecimento de carne.
Esforços devem ser realizados para que o "plano de manejo de caça" que vem
sendo discutido seja estabelecido, implementado, e tenha a sua continuidade
assegurada, pois poderá efetivamente mudar o atual quadro de fornecimento de
proteína animal oriunda da floresta. É importante verificar e incentivar os avanços
nessa discussão que vem atingindo maturidade e está gradativamente se
transformando em uma discussão mais ampla sobre o manejo sustentável da
floresta como um todo.
Com o asfaltamento dos primeiros trechos da BR-364, entre os municípios de Feijó e
Tarauacá, as pressões estão aumentando gradativamente e, com a abertura de
novos trechos, a tendência é termos uma pressão cada vez maior. Esse aumento de
pressão, com invasões realizadas principalmente por caçadores, deve ser
combatido, mas será sempre uma constante daqui para a frente. Contribui nesse
sentido o crescimento acelerado da cidade de Feijó.
Outra questão estrutural de grande relevância é a eletrificação rural que chegou a
todas as casas da aldeia. Isso deverá ser responsável por uma mudança em todos
os hábitos de sobrevivência e consumo. Poderá alterar a aquisição de alimentos e os
hábitos de manutenção de estoques conservados para uso posterior, melhorando as
condições para a segurança alimentar e nutricional.
Pode-se verificar que os recursos monetários disponíveis permanentemente
promovem uma constante aquisição de alimentos na cidade, e, portanto, são os
principais indutores de hábitos alimentares que modificaram a alimentação
tradicional. Mas essa disponibilidade monetária não pode jamais ser enfrentada
como um problema, pois ela é solução para uma série de outras demandas.
Não se pode engessar, nem colocar uma redoma sobre as comunidades indígenas.
Pois toda cultura é dinâmica e é natural que a mesma absorva aos poucos
elementos de outras culturas. O mais importante é procurar orientar as populações
indígenas para que estejam atentas a determinadas substâncias que sabemos
serem nocivas à saúde humana. Nesse sentido, o caminho é o ensino, e
especificamente o ensino agroambiental integral, que tra conhecimentos sobre a
produção agroecológica de alimentos e também sobre nutrição, devendo tudo isso
estar sempre referenciado na cultura existente.
Devemos valorizar e incentivar constantemente às iniciativas autônomas existentes
na própria comunidade pelo resgate e revitalização cultural. O desenvolvimento de
ações específicas nessa área deve dar bons resultados, pois estará trazendo de
volta ao uso elementos constitutivos de dietas mais ricas e equilibradas.
É recomendável que as pessoas que se dirigirem às terras indígenas para prestarem
assistência, desenvolverem trabalhos, ou mesmo para uma simples visita cultural,
tenham o cuidado com a alimentação que levam, pois poderão estar induzindo a
formação de novos hábitos alimentares.
Esse cuidado deve ser mais acentuado especialmente nas terras onde a cultura
tradicional ainda é mantida. Procurando valorizar a alimentação tradicional,
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estaremos reforçando a cultura alimentar, fortalecendo a segurança alimentar e
nutricional. A desestruturação dos bitos alimentares pode gerar de imediato uma
nova carência de nutrientes específicos, o que deverá provocar sérias alterações
metabólicas com a predisposição ao aparecimento de doenças.
Cuidados especiais se devem ter tamm com os projetos que concorrem para a
desestruturação da segurança alimentar e nutricional. Podemos afirmar que as
modificações dos hábitos alimentares acontecem pela busca e introdução
espontânea, ou pela indução externa, sendo ambas as situações reforçadas pelo
desenvolvimento de projetos de segurança alimentar ou de geração de renda.
Os estudos realizados nessa dissertação, verificaram alterações e adaptações
ambientais referentes ao uso dos recursos naturais diretamente utilizados na
alimentação, bem como os utilizados indiretamente para a produção de alimentos
como novas ferramentas, sementes e cnicas de cultivo. Verificou-se também uma
modificação cultural com relação a forma de preparo e mesmo ao abandono de
determinadas comidas. A relação econômica atual está visivelmente alterada com
relação à pratica tradicional demonstrando uma grande dependência por elementos
externos, tanto no que se refere a geração de renda quanto ao seu uso para a
aquisição de bens manufaturados. Parte dessa geração de renda vem da área
assistencial através dos diversos benefícios existentes. Todas essas alterações e
modificações do modo de vida Shanenawá, de uma forma ou de outra, podem ser
responsáveis pelo enfraquecimento do sistema de segurança alimentar e nutricional
verificado nesses estudos.
Algumas outras recomendações e conclusões poderão ser definidas pelos próprios
Shanenawá que verdadeiramente devem estar cientes de seus problemas e das
alternativas para resolvê-los. Devem, assim, estar sempre à frente das discussões
delegando a assessores apenas o papel secundário de suporte aos seus
planejamentos e encaminhamentos.
O que parece acontecer é que diante de um novo mundo por se adaptar, com
mudanças constantes de pensamento sobre suas necessidades de sobrevivência, os
Shanenawá estão cada vez mais autodeterminados a fazer do tempo presente a
construção de um futuro melhor para os seu filhos. Erros e acertos formam vistos e
hoje suas lideranças mais jovens já se encontram em plenas condições de
encaminharem suas próprias demandas de forma autônoma e soberana.
Termino essa dissertação na esperança de que ela possa servir como mais um
referencial temático para a construção de soluções às atuais demandas dos povos
indígenas no Brasil. Em específico para os Shanenawá espero estar contribuindo
para que continuem, cada vez mais seguros, a encontrarem as respostas para suas
atuais dificuldades e que, de uma forma ou outra, possa ajudar na melhoria da
qualidade de vida de sua população.
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Instituto Sócio Ambiental - ISA
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ANEXOS
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ANEXO A
TRANSFORMAÇÃO SOCIOCULTURAL E O
INDIGENISMO
Um estudo sobre Segurança Alimentar em
Terras Indígenas precisa estabelecer parâmetros
para que possamos melhor compreender as
situações históricas vividas pelas sociedades
indígenas no Brasil, em especial no período
compreendido de 1500 a 1999. É importante a
compreensão sobre o como pensaram, agiram e
agem indivíduos da sociedade brasileira, aliados
dessas populações, que em seus erros e acertos
contribuíram com a formação do indigenismo
brasileiro e com o surgimento e consolidação do
movimento indígena.
Nossa atualidade é marcada pela herança de
imensas transformações sociais e avanços
tecnológicos, de guerras violentas e catástrofes
climáticas, vividas no culo XX, quando paradigmas
como: equidade e inserção social; preservação
ambiental; e sustentabilidade, foram gerados,
validados e assumidos publicamente, como verdades
científicas absolutas e necessidades imperativas.
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Estes paradigmas ainda o desprezados e
nos encontramos em um processo onde a
desigualdade social, a degradação ambiental, novas
e antigas doenças incuráveis, a violência, a fome e a
miséria, parecem nunca ter fim.
Neste contexto “segurança alimentar” parece
ser algo de dimensões reduzidas e importância
secundária, mas está ligada a tudo que se relaciona a
vida do homem atual, estando talvez entre os
grandes debates que continuarão em pauta nestes
novos tempos de procura por um mundo mais justo
para todos.
O entendimento sobre segurança alimentar,
provavelmente com outra denominação, esteve
presente desde os primeiros tempos da humanidade,
compreendida como a necessidade de garantir o
alimento de cada dia, para si e para os de sua
comunidade. Contemporaneamente, a segurança
alimentar vem sendo debatida, com maior freqüência,
em resposta às dificuldades de sobrevincia
enfrentadas pela sociedade moderna.
No final do século XX, as discussões sobre
segurança alimentar passam a ter uma face mais
humana, de tal forma que a Conferência Mundial da
Alimentação, realizada em 1996 em Roma, produziu
uma compreensão onde, a garantia ao acesso
permanente a alimentos em quantidade e qualidade,
e o respeito à dignidade e ao direito nato de se
alimentar adequadamente, passam a ser
considerados. Mas mesmo com todos os avanços
todos os dias muitos ainda morrem de fome.
Não podemos ficar sentados e aguardar que o futuro traga a solução.
Cada ser humano é chamado à vida em um tempo concreto. Enquanto
caminhamos e respiramos na face da terra, necessitamos de meios
adequados para atingir a maturidade e assim poder participar da história de
nossa própria comunidade.[...]
Nenhum argumento pode justificar a negação da liberdade humana,
da paz e da felicidade às pessoas que estão vivendo hoje! Elas não podem
ser objeto do sarcasmo da promessa de que seus filhos terão dias
melhores.
A solução para o problema da fome e da exclusão social passa por
uma nova ordem social, econômica e política que tenha como objetivo
estratégico atingir o desenvolvimento humano sustentável. Em verdade,
uma nova civilização deve surgir, comprometida com a promoção da vida
com dignidade e esperança para toda família humana (MORELLI, 2001, p.5)
Falta vontade, coragem e ousadia política para
garantir o acesso permanente a alimentação
adequada à saúde e qualidade-de-vida do ser
humano. É nesse contexto que se insere a questão
indígena no Brasil, colocada em um plano secundário
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em contato com as frentes de penetração territorial
brasileiras.
1 AS SOCIEDADES INDÍGENAS
Com base em dados arqueológicos, podemos
experimentar uma visão de modos de vida perdidos
no tempo, embora constituam, ainda hoje, parte
integrante da nossa herança cultural. Antes da
chegada dos europeus, os “índios” que aqui viviam
dominavam plenamente a sobrevivência em todos os
ecossistemas.
A Amazônia e as populações nativas que durante séculos conviveram
nela encontram-se hoje ameaçadas. Possuidora da maior diversidade
biológica do planeta e habitada por diversos grupos étnicos autóctones, a
região experimenta veis de desmatamento que ameaçam a sobrevivência
dos povos autóctones e o patrimônio biológico contido na floresta (MORÁN,
1987, p. 23).
Ainda segundo Meggers (1987), a Amazônia,
durante os últimos milênios, foi alvo de dois
sucessivos e distintos tipos de utilização humana. O
primeiro se desenrolou sob a influência da seleção
natural, resultando tanto dos ingredientes trazidos
quanto dos domesticados do ambiente pelos
primeiros homens que a povoaram. O segundo,
introduzido no princípio do século XVI, foi um sistema
de exploração controlado do exterior, que não apenas
destruiu o equilíbrio anterior mas impediu o
estabelecimento de um novo equilíbrio.
Supõe-se que planície amazônica era bem
mais populosa ao tempo da conquista européia
demonstrando uma feliz adaptação cultural às
características especiais do meio. Tal adaptação
gerou um equilíbrio entre o tamanho da população e
a capacidade de suporte ambiental, impedindo a
super-exploração das fontes de subsistência e uma
dilapidação irreversível de recursos essenciais.
As sociedades indígenas tiveram êxito em se
estabelecerem tanto na Amazônia, quanto no litoral e
no interior do Brasil. Em condições naturais
garantiam a sua sobrevivência que foi
desestabilizada apenas no século XVI, com a
chegada dos portugueses e tudo de ruim que
trouxeram. Novas doenças, matanças, apresamento,
escravidão, redução e tantas outras formas de
extermínio cultural fizeram com que muitos povos
indígenas desaparecessem.
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Resistentes e auto-determinados, estes povos
escravizados e outros ainda sem contato com
agentes de nossa sociedade, se refugiaram mais a
oeste e em regiões de difícil acesso, fugindo da
dominação estabelecida pelo colonizador a partir do
litoral brasileiro.
Embora as crônicas dos primeiros contatos
nos relatem certa cordialidade interétnica, com o
passar do tempo a colonização feita com bases na
exploração de riquezas e uso de mão-de-obra
escravizada mudou essa relação. Deu-se início ao
genocídio perpetrado, voluntária e involuntariamente,
pela sociedade brasileira.
Para alguns povos indígenas um período de
migrações constantes e novas adaptações culturais,
desta feita, pelo confronto com outros seres
humanos.
A busca de refúgio e sobrevivência em
ecossistemas diferentes dos que estavam
familiarizados e adaptados culturalmente, determinou
uma nova adaptação, em algumas situações bem
sucedida, em outras miserável. Em muitas situações
já não encontraram o solo fértil de que precisavam ou
outras condições ecológicas adequadas para suas
sementes tradicionais acabando por abandoná-las.
Com a brutal destruição das culturas indígenas e da própria natureza,
sem um registro adequado, todo um gigantesco acervo de experiências
milenares e de espécies vegetais e animais perdeu-se irremediavelmente.
Só nas últimas décadas deu-se início ao estudo sistemático da etnobotânica
e da etnozoologia, ciências que registram e analisam a utilização da flora e
da fauna nativa por parte dos aborígines ( RIBEIRO, 1986, p.9).
Neste processo de genocídio, diversos
conhecimentos sobre o ambiente e sobrevivência
foram apreendidos, mas grande parte foi perdida para
sempre. Diversos autores afirmam que quando os
portugueses chegaram, encontraram um mundo
"primitivo" pela ótica européia, mas, estruturado,
auto-suficiente e populoso.
As estimativas sobre a população indígena no
Brasil em 1500 e atualmente o desencontradas.
Segundo o Instituto Sócio Ambiental (ISA) (2005, web
site):
Estima-se que, na época da chegada dos europeus, fossem mais de 1.000
povos, somando entre 2 e 4 milhões de pessoas. Hoje, são cerca de 220
povos, que falam mais de 180 línguas diferentes e totalizam
aproximadamente 370 mil indivíduos. A maior parte dessa população
distribui-se por milhares de aldeias, situadas no interior de 626 Terras
Indígenas.
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Não exatidão nestas informações relativas
à população indígena, pois não temos dados de um
censo indígena e existem principalmente na
Amazônia muitos milhares de índios vivendo nas
cidades. Os dados do ultimo censo do IBGE de 2000,
apontam para 700.000 índios.
Cerca de 65% da população indígena
remanescente no território brasileiro vive na
Amazônia. É nessa região tamm onde se
encontram grupos com contato reduzido com a
sociedade nacional e os últimos grupos isolados.
2 O CONTATO E A TRANSFORMAÇÃO
SOCIOCULTURAL
O contato com a sociedade brasileira remonta
a época do descobrimento, quando iniciaram um
relacionamento com os portugueses que aqui
chegavam para colonizar. Esta relação, às vezes
amistosa, trazia consigo uma visão ideológica cheia
de etnocentrismos que prejulgava os indígenas e os
definia como selvagens, incapazes, que precisavam
ser civilizados e preparados para o trabalho.
O contato com os índios sempre foi realizado
com a intenção de usá-los como mão-de-obra, para
os trabalhos das fazendas de produção agrícola e
para a exploração do ambiente com a retirada de
recursos necessários a construção e manutenção dos
povoamentos. Com o passar do tempo a demanda
por mão-de-obra se eleva acompanhando a
necessidade crescente no envio de riquezas para
Portugal. Assim são intensificadas as expedições de
aprisionamento de indígenas com a finalidade de
escravizá-los. Mas cada vez mais arredios os nativos
passam a se embrenharem nas matas dificultando
sobremaneira o aprisionamento.
O insucesso na utilização dos índios como
mão-de-obra, devido a alta mortalidade e a não
submissão aos trabalhos forçados, levou os
colonizadores a utilizarem como alternativa a
importação de escravos dos povos africanos. Assim
muda a ótica do contato passando a ser visto como a
necessidade de livrar as terras da presença destes
povos, abrindo caminho para a colonização.
As populações indígenas, antes de
estabelecerem o contato com a sociedade nacional,
viviam de forma autônoma e independente possuindo
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mecanismos próprios de manter a subsistência e a
saúde e é neste processo inicial de contato que foram
absorvidos diversos materiais genéticos e
conhecimentos sobre o ambiente e as formas de
exploração extrativa e agrícola para a sobrevivência.
A gica de seus conhecimentos expressa no
jeito de ver a realidade, dando ordenamento a seu
mundo, sempre se fez através de uma visão
cosmogica integrada. Após o contato com nossa
sociedade foram submetidos ao poder político e
econômico e neste contexto sofreram diversos
impactos que lhes alterou substancialmente as
formas de organização da vida.
Darcy Ribeiro (1970) em estudo sobre
diferentes categorias referentes aos graus de
integração comparou a situação em que 230 grupos
indígenas se encontravam em 1900 e em 1957. Para
o estudo, classificou-os em quatro categorias, sendo:
isolados; contato intermitente; contato permanente; e
integrados.
A categoria "isolados" se refere às tribos que,
vivendo em zonas não alcançadas pela sociedade
brasileira, tem experimentado contatos acidentais
e raros com civilizados. Ou se escondem ou são
hostis devido a violências sofridas, tiram da região
em que vivem tudo que precisam para a
sobrevivência autônoma.
Conforme adaptação, fazem pequenos
roçados próximos à aldeia ou concentram sua
estratégia de sobrevivência no extrativismo (Fig.1).
São considerados índios isolados os que vivem em
grupos desconhecidos ou de que se possuem poucos
Figura 1: A direita, Índios Isolados no Vale do Javari maloca do rio Alerta; a esquerda, índios isolados no Alto
rio Envira. Ambos de Etnia desconhecida
Fonte - Departamento de Índios Isolados - FUNAI
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e vagos informes através de contatos eventuais com
elementos da comunhão nacional. (Lei 6001, art. 4
o
).
Antigamente a metodologia de trabalho com os índios
isolados preconizava contatá-los e integrá-los a
sociedade nacional. Com a criação do Departamento
de Índios Isolados (DII) da FUNAI a partir de 1987
este procedimento passou a ser questionado e hoje
não se contata mais estes grupos a o ser em
situação emergencial. Procura-se, com expedições,
estabelecer o território de ocupação e demarcar suas
terras que ficará aos cuidados de
uma Frente de Proteção Etno
Ambiental, resguardando-os para
que vivam segundo suas tradições.
Segundo fontes do Departamento
de Índios Isolados da FUNAI, tem
45 locais onde podem existir índios
isolados (Fig.2).
Grupos com "contato
intermitente" vivem em regiões em
início de ocupação pelas frentes de
expansão sendo suas terras
cobiçadas pela capacidade de
produção de riquezas e mesmo
pela reserva de mão-de-obra que
poderia ser agregada as atividades
mercantis. Mantém sua autonomia
cultural e embora supram tudo para sua
sobrevivência, tem necessidades que os
brancos podem suprir. Se supõe que já sofreram uma
redução da população e já ocupam parte do seu
tempo na crescente produção de artigos para troca e
trabalhando em tarefas diretamente para os brancos.
A língua começa a absorver elementos novos que
refletem as novas experiências. O contato neste
estágio é feito com pequenos grupos ou indivíduos
isolados que fornecem o necessário da sociedade
branca.
Deste estágio em diante passam em pouco
tempo a categoria de "contato permanente", quando
as necessidades externas por artigos industrializados
e o tempo demandado para consegui-los se ampliam.
Ainda mantém alguma autonomia cultural mas, pelo
decréscimo populacional e pela necessidade de
participarem mais ativamente da economia mercantil
da região, o conseguem desenvolver seus
rituais. Desorganiza-se a subsistência aumentando a
dependência externa, com isso se rompe o sistema
de controle social, agravando a ruptura étnica.
Figura 2 : Distribuição dos grupos de índios isolados e
Frentes de Proteção Etno-Ambiental
Fonte - Departamento de Índios Isolados - FUNAI
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Em estágio mais avançado de transfiguração,
estão os grupos "integrados" incorporados a
economia nacional. Alijados de suas terras, ou
confinados a parcelas reduzidas de seu antigo
território, vivem a margem da sociedade.
descaracterizados culturalmente, sem falar mais a
ngua, ainda utilizados como reservas de mão-de-
obra barata, são reconhecidos como índios por seus
vizinhos e por manterem ainda uma lealdade a
identidade étnica, estando certos de constituírem um
povo.
Neste estágio é praticamente impossível
reconstruir a antiga cultura. Mestiçados com os
brancos, pouco ou nada se distinguem da população
rural com que convivem, estando maltrapilhos e
miseráveis, perdidos em um estágio onde deixaram
de ser índios, mas não conseguiram ser brancos.
De 1900 a 1957 estes grupos passaram por
modificações distintas características do processo de
integração à sociedade nacional.
Com esses dados do estudo de Darcy Ribeiro
(1970) (Tab. 1), podemos ver como estes grupos
evoluíram da condição de isolados a outras
categorias e até mesmo a categoria de extinção ou
integração total desaparecendo como grupos tribais
diferenciados da sociedade brasileira.
Tabela 1 : Número de grupos indígenas que se encontravam em 1957 nas diferentes etapas de
integração à sociedade nacional em relação à distribuição dos mesmos em 1900
1957
Isolados
Contato
Intermitente
Contato
Permanente
33
___
___
___
23
4
___
___
33 27
FONTE: RIBEIRO, 1970, p.239
Com o avanço desenfreado de nossa
sociedade materializado nas frentes de expansão do
capital colonizador, o sistema de apropriação dos
recursos naturais das sociedades indígenas é
gradativamente sobrepujado. Estas frentes
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expansionistas adentraram por todo o Brasil
buscando riquezas e materiais para satisfazerem os
desejos de uma sociedade de consumo em pleno
crescimento.
Diversos foram os interesses destas frentes de
expansão da sociedade brasileira. No início da
colonização, nos séculos XVI e XVII a economia
agrícola açucareira dizimou diversas populações
indígenas no litoral do nordeste. No culo XVIII é a
vez da economia do ouro e pedras preciosas que
impulsiona a sociedade brasileira para o interior do
Brasil indo atuar principalmente nos estados de
Minas Gerais, Mato Grosso e Goiás, seguindo os
mesmos padrões de genocídio. No século XIX m
lugar os territórios ainda inexplorados, não muito
distantes do litoral sudeste. Desta vez a frente
expansionista se impulsionada pela agricultura
empresarial cafeeira e cacaueira. Ao final do século
XIX e início do século XX se a colonização mais
ao norte, movida pela economia extrativista do
caucho, da borracha e da castanha.
Os grupos indígenas que se opuseram a estas
frentes foram trucidados impiedosamente quer sejam
pelas novas doenças para as quais o tinham
resistência, ou mesmo em chacinas coletivas, e para
os que restaram a sorte lhes reservou um processo
de desagregação cultural e degradação social.
Somente se conservavam unidos e no domínio das terras que
ocupavam quando estas não representassem qualquer valor econômico e
sua cooperação como mão de obra não fosse um imperativo da economia
regional. Era fatal para os índios a ocorrência de qualquer fonte de riqueza
em seu território, como minérios, essências florestais de grande procura ou
o valor relativo do próprio terreno, quando à acessibilidade se juntavam
possibilidades de aproveitamento agrícola ou pecuário.(RIBEIRO,op.cit.,
p.111-112)
Na Amazônia, esta relação ficou conhecida
como correria. Segundo Piccoli (1993, V.2, p.427):
Na Amazônia oriental as correrias representam materializações
históricas resultantes de um conjunto de relações assimétricas de natureza
econômica, social, cultural e ideológica, próprias do período e das regiões
do extrativismo gumífero, envolvendo as frentes de expansão e ocupação
das diferentes sociedades nacionais, brasileira, peruana e boliviana,
engendradas e coordenadas pelo capital monopolista internacional e pelo
capital mercantil e dezenas de sociedades tribais. Caracterizam e definem
essas relações o conflito e a contradição exacerbados ao mais alto grau. De
um lado, representam uma tipologia de relações marcadas pelo extermínio,
genocídio, redução, escravização, expropriação, assimilação e integração
das populações indígenas. De outro lado, supõem relações de resistência,
luta, reorganização e “acomodação” oferecidas pelos grupos nativos ao
projeto de ocupação extrativista.
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Contemporaneamente, inseridos nas frentes
regionais de expansão extrativista e colonizadora,
começaram a buscar recursos financeiros para a
sobrevivência, principalmente para a aquisição de
itens manufaturados e de alimentação. Nesse
contexto, de forma subserviente, atuaram junto às
frentes de expansão como fornecedores de carne e
outros produtos da natureza, elementos
intrinsecamente ligados a sua segurança alimentar,
comprometendo a própria sobrevivência. Buscando
tamm alternativas para a geração de renda,
incentivados por agentes externos, passam a cultivar
em seus roçados plantas que antes não conheciam.
Surgem assim, dificuldades na manutenção do
equilíbrio agroecológico estabelecido e antigos e bem
selecionados recursos genéticos são abandonados,
para dar lugar aos novos, influindo na formação
estrutural dos roçados.
Muitas introduções ocorreram
espontaneamente, pois em visitas à cidade, ou
mesmo através de um visitante que veio a aldeia com
comida diferente, provaram e gostaram de
determinados ingredientes da culinária de nossa
sociedade, passando a cultivá-los para atendimento
de suas demandas domésticas.
Esses fatos bem poderiam ficar restritos a
crônicas do passado, mas, a realidade é que, com
outra ótica colonizadora, as últimas frentes
expansionistas estão em pleno conflito com as
populações indígenas. Hoje extração de madeira,
garimpos, biopirataria e arrendamento de terras são
os principais interesses.
3 A AÇÃO INDIGENISTA OFICIAL
Nossa história não é só repleta de genocídio,
esbulho, apropriação, discriminação e desprezo pelos
povos indígenas. Através de cinco séculos de
invasão territorial temos muitos exemplos do
altruísmo de indivíduos que, isoladamente ou ligados
a instituições influentes, fizeram parte de uma história
de respeito e cuidado com os povos indígenas.
Podemos citar muitos exemplos, mas o de maior
destaque foi o deixado pelo Marechal Rondon que
trabalhou pelo sertão afora mantendo sempre
respeito pelas sociedades indígenas.
Em meio a este cenário de violência e terror avultava, porém, uma
exceção: um grupo de militares que, percorrendo as zonas mais desertas do
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pais, desbravando alguns dos últimos redutos de tribos virgens de
influências da civilização, assumiria diante delas uma atitude amistosa,
procurando chamá-las ao convívio com a sociedade brasileira.
Era a Comissão de Linhas Telegráficas estratégicas de Mato Grosso
ao Amazonas, depois chamada comissão Rondon, criada para a construção
de linhas telegráficas que ligariam as regiões mais desertas de Mato Grosso
e Amazonas ao circuito de comunicações brasileiras. Essa obra, que por
suas proporções seria uma grandiosa empresa política, econômica e militar,
tornou-se, sob a direção de Cândido Mariano da Silva Rondon, um dos
maiores empreendimentos científicos e humanísticos jamais tentados.
(RIBEIRO, op.cit., p.112)
Rondon teve os primeiros contatos com
populações indígenas em 1890 e graças ao seu
trabalho foi realizada a demarcação de diversas
terras indígenas no estado do Mato Grosso. Em 1906
iniciou a ligação telegráfica de Cuiabá ao território do
Acre recém incorporado ao Brasil. Propôs ainda que
os trabalhos fossem ampliados e se fizesse o estudo
científico da rego, em suas feições geográfica,
florística, faunística e etnográfica e que, as
populações indígenas desconhecidas que viviam na
região a devassar deveriam ficar aos cuidados da
Comissão.
No bojo do desenvolvimento desses projetos, foram estabelecidas as
novas bases da ação indigenista. A criação, em 1910, do Serviço de
Proteção ao Índio e Localização de Trabalhadores Nacionais (SPILTN) (a
partir de 1918, Serviço de Proteção ao Índio- SPI) tem como um de seus
objetivos centralizar o processo de incorporação dos territórios e das
populações indígenas à sociedade brasileira na Primeira República. [...]
Assim, baseados no evolucionismo humanista, propugnavam pela
autonomia das nações indígenas, na certeza de que, uma vez libertas de
pressões externas e amparadas pelo governo, evoluiriam
espontaneamente. Seu projeto de Linhas Telegráficas visava a integrar os
indígenas, transformados em brasileiros, em trabalhadores. (BIGIO, 2003,
p.23 )
Na ação indigenista as estratégias do SPI, iam
sendo colocadas a prova no dia a dia de sua
implementação. Pressupunha-se a necessidade de
uma evolução do estado de "guerra", que pelo
processo de "pacificação" chegaria ao estado de
"paz". Assim foram constituídas as inspetorias,
unidades administrativas regionais que iniciavam o
trabalho através de "expedições" de reconhecimento
e contato inicial com a realidade local, permitindo e
orientando as ações subseqüentes.
A pacificação e a atração eram suas decorrências ideais num
primeiro momento, para se desdobrarem depois em pontos fixos da
administração de territórios e populações. Do reconhecimento à definição
concreta de unidades, o cerco de paz se construía no plano simbólico e na
materialidade dos brindes e prédios. (LIMA, 1995, p.166)
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Como unidades executivas locais foram
criados os "Postos Indígenas", concebidos com
autonomia e instalados bem próximos ao povo a ser
pacificado, mas segundo Lima (op.cit.) as suas
iniciativas pacificadoras dependiam largamente da
possibilidade de alimentar a construção do
clientelismo e da disponibilidade econômico-
tecnológica induzidos desde os primeiros contatos.
Os índios, embora não abandonem os seus hábitos nômades
caçadores, vão, no entanto, contínua e rapidamente restringindo a
amplitude de suas excursões, de modo a nunca se afastarem muito do
acampamento ou posto pacificador, onde sabem que jamais lhes faltará o
acolhimento afetuoso, o alimento, os instrumentos de ferro, a roupa, o
fósforo e os meios de satisfazerem as necessidades de novos hábitos que
insensivelmente vão contraindo, tais como o uso do sal, o da gordura e o
das armas de fogo, pelas quais depressa abandonam os seus arcos e
flechas. [...] Não tarda que alguns indivíduos e famílias fixem moradia entre
os nossos, façam as suas roças de milho e de feijão, e ajudem-nos nas
lavouras maiores donde o Serviço tira os mantimentos e frutas com que a
todos atrai, agrada e serve (BRASIL, apud LIMA, op.cit., p. 177)
É explícita a postura assistencialista e a
gradativa ampliação da dependência propositalmente
criada pelo sistema de pacificação. Surge a ação
paternalista do estado, fornece de tudo e cria novos
hábitos alimentares e de plantio, implementando uma
agricultura com elementos e tecnologias
diferenciadas da praticada pelos indígenas, induzindo
a desestruturação da produção de alimentos e da
própria segurança alimentar nos seus aspectos
imediatos e futuro.
A utilização permanente de mão-de-obra
indígena era feita tanto por necessidade quanto por
estratégia de transformação e educação dos índios,
que assim passam de caçadores nômades a
lavradores sedentários. Ao mesmo tempo em que
ocorria a conversão ao trabalho agrícola acontecia a
monetarização da economia indígena, incentivada
pela manutenção constante do armazém de
mercadorias do posto e o pagamento de diárias aos
indígenas.
De fato, a utilização do trabalho e de recursos naturais indígenas é
referida em numerosas ocasiões, sendo percebida não só enquanto forma
de dar sustentação de diferentes maneiras aos trabalhos do SPI, mas
também na qualidade de produção mercantilizável, destino legítimo e ideal
de toda atividade indígena num idealizado futuro próximo.(Lima, op.cit.,
p.186)
Assim continuou em nome do humanitarismo a
ação pacificadora do estado, mas era visível o
esbulho posterior à desmobilização guerreira e fato
corrente que mesmo salvando vidas, na prática o que
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mais acontecia era a transformação dos índios em
populações rurais empobrecidas que faziam crescer
os povoamentos.
A manutenção da ação indigenista segue sem,
no entanto, ter grandes resultados. A falta de
recursos e de interesse governamental fizeram do
SPI um órgão burocrático e sem eficiência. Na
década de 60, essa ação indigenista é questionada, e
em meio a denúncias de corrupção e ineficácia, é
extinto o SPI.
Pra dar seguimento a ação indigenista, que
passa a ser orientada pelos militares, é criada a
Fundação Nacional do Índio (FUNAI)
43
, que porém,
manm diversas posturas anteriores, reforçando
equívocos e o assistencialismo anterior.
Reforçando a ruptura causada pela
monetarização da economia indígena, a FUNAI, na
década de 80 passa a defender o direitos indígenas a
aposentadoria rural. Posteriormente outros
programas assistencialistas governamentais, como:
auxílio maternidade, bolsa escola e merenda escolar,
agravam a situação.
Além destes benefícios sociais, hoje cada
aldeia tem pelo menos um professor, um agente
Indígena de Saúde e às vezes um agente de
Saneamento remunerados pelo estado. Todo esse
recurso contribui com a economia de mercado
estabelecida nas cidades, em detrimento da
economia interna, criando um ciclo de dependência
cada vez maior por recursos externos.
A ação indigenista dos tempos do SPI, mesmo
realizada com equívocos inegáveis, era empreendida
de forma integral. Eram considerados todos os
aspectos da vida indígena: o território, a saúde a
produção e a educação. Com a Constituição Federal
de 1988, a ação da FUNAI é restrita e as ações de
educação, saúde, produção e meio ambiente passam
a ser atribuição de outros órgãos federais, estaduais
e municipais, numa desastrosa fragmentação.
Pressupunha-se uma ação coordenada, fato
que a hoje não foi conseguido, existindo por parte
do estado uma grande confusão onde todos estão
envolvidos sem ações que realmente justifiquem suas
funções e responsabilidades. Mesmo diante dessas
dificuldades os órgãos responsáveis pela assistência
43
A FUNAI foi criada pela Lei N
o
5371, de 5 de dezembro de 1967, no âmbito do Ministério da
Justiça, com o objetivo de prestar assistência integral aos povos indígenas.
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não tomam qualquer atitude que busque repensar a
forma de assistência, preferindo continuar a velha
forma de agir através do clientelismo assistencialista.
Capítulo a parte poderia versar sobre o
indigenismo não oficial, praticado pelas organizações
indigenistas e instituições religiosas que representam
a ação, acertada ou equivocada, da sociedade civil
brasileira, mas não é nosso intento se estender em
demasia. Muitas iniciativas de se apoiar a questão
indígena têm partido diretamente de pessoas que não
possuem qualquer vínculo institucional, mas uma
grande vontade de estar perto dos povos indígenas,
ajudando-os como podem. Isso ocorre na própria
relação de vizinhança e compadrio existente entre os
indígenas e os sertanejos que distante das cidades
se auxiliam na luta pela sobrevivência.
O maior legado do movimento indigenista
brasileiro, é o trabalho incansável pela organização e
preparação do movimento indígena que surge
gradativamente.
4 O MOVIMENTO INDÍGENA NO BRASIL
Com os avanços indigenistas, pode-se
perceber uma maior participação indígena na
condução de suas próprias determinações de vida.
Isto se dá estruturalmente ao longo do século XX,
com o resgate parcial da autonomia econômica. Na
década de 80, são criadas diversas organizações
indígenas que passam a defender seus direitos por
terra e por tê-las protegidas do esbulho nacional, e
uma efetiva participação na vida político partidária
nacional. Isto leva as lideranças indígenas
emergentes a um momento novo, onde desabrocha
um movimento preparado e corajoso que busca a
autodeterminação de seus povos.
Em abril de 2005, Gersem Baniwa, secretário
executivo do Fórum em Defesa dos Direitos
Indígenas, comentando a avaliação de 700 lideranças
indígenas que participaram do "Abril Indígena", de
que o Ministério do Meio Ambiente (MMA) precisa ter
ações coordenadas para evitar que os recursos
sejam aplicados de maneira dispersa, afirmou: "O
mais importante, no momento, é fazer com que essas
diferentes frentes tenham uma coordenação, para
otimizar recursos, esforços, experiências
acumuladas". Isso mostra um movimento indígena
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maduro e consciente do seu papel contemporâneo
para a resolução das questões mais atuais que
afetam suas sociedades.
Existem hoje diversas organizações indígenas
de grande expressão nacional e mesmo regional. A
maior parte atua na Amazônia brasileira onde está a
maior parte das sociedades indígenas no Brasil. A de
maior representatividade é a Confederação das
Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira
(COIAB), que se articula com outras organizações
nacionais e é também filiada a Coordenação das
Organizações Indígenas da Bacia Amazônica
(COICA) que reúne organizações do Brasil, Peru,
Colômbia, Equador, Venezuela, Guiana, Suriname e
Guiana Francesa.
A organização do "Movimento Indígena" difere
de região para região, sendo fruto de cada realidade
de sobrevivência física e cultural. algum tempo
diversas iniciativas de unificação nacional do
movimento vem sendo experimentadas sem êxito.
Estas dificuldades são encontradas também a nível
regional. Entre as décadas de 70 a 90 do século XX
organizações internacionais apoiaram a organização
do movimento indígena no Brasil, sem muito êxito
aparente.
A The Oxford Committe for Famine Relief (OXFAM), incentivou
sobremaneira o movimento indígena sendo responsável por uma das
primeiras tentativas de apoio a sua organização a nível nacional. No período
de 1978 a 1991, apoiou a realização de assembléias nacionais e regionais,
encontros e reuniões das organizações e apoiou diretamente a organização
da UNI e constituição de seus escritórios regionais. Dos cinco escritórios
previstos, somente três foram constituídos e atualmente apenas o do Acre e
Sul do Amazonas existe, só que não mais ligado a UNI nacional, mas como
uma organização autônoma. (Athias, 2002 )
No Acre este movimento indígena, estruturado
por sua vontade e apoiado por um indigenismo
consciente e atuante, se materializou com a criação
da UNI.
Com os resultados da análise da bibliografia
consultada foi verificado em um primeiro momento as
relações harmônicas das sociedades indígenas com
o meio ambiente onde vivem e que lhes provê a
sobrevivência.
Quanto ao relacionamento interétnico desde os
tempos da colonização ficou tido o total
desinteresse da sociedade brasileira pelas condições
de sobrevivência das sociedades indígenas, ficando
definido, porém o seu interesse com relação à
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utilização de seus integrantes como mão-de-obra
farta e "gratuita".
Verificamos tamm, mesmo diante das
posturas etnocêntricas de nossa sociedade a
importância de indigenistas que mesmo equivocados
em algumas ações e interpretações lutaram por
justiça e reconhecimento dos povos indígenas.
Por fim o estudo nos mostrou a existência de
um movimento indígena maduro e preparado que,
tamm tem seus erros e equívocos, mas que, se
encontra em condições de organizar politicamente
suas demandas contemporâneas e reivindicar seus
direitos de forma autônoma e auto-determinada.
Essa contextualização tem por objetivo
fornecer subsídios específicos ligados ao contato
interétnico, ao indigenismo e a questão indígena,
considerados como importantes para a compreensão
da dissertação.
ANEXO B - QUADROS
QUADRO 1
NÚMERO DE HABITANTES POR FAMÍLIA
Componentes Familiares por Faixa Etária Total
0 a 5 6 a 10 11 a 15 16 a 50 + de 50 da
Família
Chefe da Família
F M F M F M F M F M Família
1 Carlos Francisco Brandão 1 1 1 1 4
2 Auricélio Batista Brandão 1 1 1 2 2 1 8
3 Miliestão Brandão 2 1 1 2 6
4 José Carlos Soriano da Silva 2 1 2 1 1 7
5 Sebastião Brandão da Silva 1 1 1 1 2 2 8
6 Edinaldo Calixto 1 1 2
7 Janio da Silva Gomes 1 1 1 1 1 1 6
8 Francisco Alberto Silvino 1 2 2 2 3 10
9 Francisco das Chagas C.da Silva 2 1 1 4
10 José Ribamar da Silva 2 3 1 1 1 1 9
11 Francisco Assis Brandão 2 1 1 1 5
12 José Nagib Gomes 1 1 2
13 Aldecildo Brandão Katukina 1 1 1 3
14 José Sebastião Souza da Silva 1 2 1 1 1 6
15 Eude Carlos Brandão 2 1 2 2 2 3 12
16 Antônio Carioca da Silva 1 2 1 1 5
17 Bruno Brandão (Wacaino) 1 1 1 2 1 1 7
18 Josimar Souza Gomes 1 1 2
19 Pedro de Souza Gomes 2 2 2 1 1 8
20 Amaral Brandão Shanenawá 1 2 1 2 1 1 8
21 Nilo Brandão 1 1 1 2 1 6
22 Maria Costa Shanenawá 1 2 2 1 1 1 8
23 Francisco Cláudio Alberto Nunes 1 1 2 2 2 1 9
24 Elio Pereira da Silva 2 1 1 1 5
25 Alfani Pereira da Silva 2 1 2 1 1 1 8
26 Manoel Gadelha da Silva 1 1 2
27 Albecildo Gomes Brandão 1 2 2 1 1 7
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28 Eldo Carlos Gomes 2 1 1 4
29 Cecílio Pereira da Silva 1 1 1 1 1 1 6
30 Francisco Alves de Araújo (Minauã) 1 1 1 1 1 1 6
31 João Bertulino 1 1 1 1 4
32 Antônio Leal da Silva 1 1 1 3
33 Antônio Ferreira Gomes 1 3 1 2 1 1 9
34 Pedro Alves da Silva 1 1 1 1 4
35 José Alberto A.da Silva 1 1 2
36 Manoel pereira Katukina 1 1 1 1 1 5
37 Thiago Brandão da Silva 1 1 1 3
38 Manoel de Jesus Silva Alves 1 1 1 1 4
39 Valdeni B. Gomes 1 1 2 1 1 6
40 Napoleão Silvino 1 1
Total Geral 25 25 21 25 12 18 39 37 10 12 224
Porcentagem
22,32% 20,54% 13,39% 33,93% 9,82%
100,00%
FONTE : Salgado (2005), dados coletados para diagnóstico de Segurança Alimentar dos Shanenawá.
QUADRO 2
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QUADRO 3
INDICADORES FÍSICOS E FINANCEIROS
Origem da Água Tam.Roçado (ha) Financeiros Benefícios Sociais
Família
Filtro
Cacimba
Poço
Banana
Milho
Roça
Comércio cidade
Diárias Eventuais
Pensão do Pai
Empregos
A. Maternidade
Bolsa Escola
B. Alimentação
Auxílio Saúde
Aposentados
1 x x 4,0 1,0 x 1
2 x x 1 2 1
3 x x 1,0 1,0 1,0 x 1
4 x x 1,0 1,0 x
5 x x 0,0 0,0 1
6 x x
7 x 1
8 x 1,0 1,0 1 2
9 x 0,5 0,5 1 2
10 x x 1,0 1,0 1
11 x x 0,4 0,4 1
12 x x 0,5 0,5 1
13 x x 1
14 x x 0,4 x x
15 x x x 0,6 0,4 1 2
16 x x 1,0 1,0 x 1
17 x x 2
18 x x
19 0,2 0,4 x x 1
20 x x x 3
21 x x 1,0 1
22 x x 1,0 2 1 1
23 x x
24 x x 1,0 1
25 x x 1 1
26 x x 0,6 0,4
27 x x 1 1 1
28 x x 1
29 x x x 1,0 1
30 x x x 0,5 1
31 x x 1,0 1,0 x 2
32 x x 4,0 2
33 x x 2,0 1,0 x 1
34 x x 2,0
35 x x 1,0 1
36 x x 0,1 1
37 x x x
38 x 1
39 x 1
40 x 2,0 2,0 1
Total
3 29 38 18,8 5 18,6 11 6 2 11 5 11 5 2 16
%
7,50 72,5 95,0 57,5 4,00 45,0 27,5 15,0 5,0 27,5 12,5 22,5 7,5 5,0 30,0
FONTE : Salgado (2005), dados coletados para diagnóstico de Segurança Alimentar dos Shanenawá.
"x" significa auncia de quantificação devido a dificuldades em mensurar, indica a ocorrência.
ALIMENTOS DE ORIGEM INTERNA
Produção dos Roçados Coleta de Frutas Criação
Família
Banana (cacho)
Farinha (paneiro)
Macaxeira (saco)
Batata dôce
Inhame
Mamão
Milho (saco)
Pupunha (cacho)
Açai (litro)
Coco Jaci
Biorana
Pama
Patoá (litro)
Bacuri
Abacaba (litro)
Galinha
Boi
Cachorro
Pato
1
8 0,4 0,3 x 20 5 8 x x 17 9 6
2
16 1 x 50
3
x x 1
4
15 x 2 5
5
20 1,5 1 6
6
5 1
7
20 1
8
x 40
9
x
10
11
1 x 5 10 x 30 1 1 20
12
x 8 4 4
13
2 2
14
20
15
30 4 x x x x x 10
16
10 4 x x x x x x 5
17
30 10 2 x 15 x 3 3 20 22 2 4
18
20 1 3 10 1
19
30 3 x x x x 7 1
20
21
6 2 x x x
22
6 x x x x x 2
23
x x x
24
3 x 2
25
x 1
26
6 4 x x x x
27
8 0,4 x
28
5 0,5 40 x
29
24 50 10 20
30
x x 5 x x 2
31
10 x x x x
32
3 x
33
20 1 4 x x x x 10 5 x x 4 2
34
20 2 x
35
10 5 x x 3 3
36
12 1
37
1 0,25 1 1
38
39
20 5 3
40
Total
318 21,2 29,2 x x 70 18 15 242 x x x 7 x 7 120 48 22 43
FONTE : Salgado (2005), dados coletados para diagnóstico de Segurança Alimentar dos Shanenawá.
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QUADRO 4
CAÇA E PESCA
Caça
Pesca
Animais mais caçados Animais raros Modo
FAMÍLIA
Bodó
Mandin
Sardinha
Cachimbo
Curimatã
Vezes por mês
Quatipuru
Paca
Nambu
Veado
Macaco
Tatu
Anta
Jabuti
Queixada
Mutum
Veado
Porquinho
Mac. Preto
Espera
Armadilha
Tempo da aldeia (H
)
1 x x
2
3
4 x x
5 x x x 2 x x x x x x 2
6
7 x x
8 x x x
9
10 x x
11 x x 2 x x x x x x x x x 3
12 x x x 1 x x x x x x 2
13 x x
14 x x
15 x x x 0,2 x x x x x x x 4
16
17
18 x x x 8 x x x x x x 3
19 4 x x x x x x 2
20 x x
21 x x x
22 x x x 4 x x x x x x x 3
23 x x x 8 x x x x x x 2
24 x x x
25 x x
26 x x x 3 x x x x x x x 2
27 x x
28 x x x
29 x x x 12 x x x x x x x x x 3
31 x x x x x
3x x x
32 x
33 x x x x 1 x x x x x 2
34 x x x 4 x x x 4
35
36 x x x
37 x
38
39
40 x x x
Total 25 21 19 8 2 8 10 8 5 4 6 5 6 5 1 7 3 2 10 0
FONTE : Salgado (2005), dados coletados para diagnóstico de Segurança Alimentar dos Shanenawá. "x"
significa ausência de quantificação devido a dificuldades em mensurar, indica a ocorrência.
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QUADRO 5
AQUISIÇÕES EXTERNAS
Principais Alimentos Adquiridos na Cidade (mensal) Outros Produtos
Família
Arroz (kg)
Feijão
Carne boi (kg)
Peixe (kg)
Açúcar (kg)
Café (kg)
Sal (kg)
Óleo (lata)
Banha (litro)
Sardinha (lata)
Carne (lata)
Frango Granja
Macarrão (kg)
Farinha (kg)
Refrigerante (2lit)
Bolacha (pac.)
Leite pó (lata)
Alho
Pimenta reino
Gás
Sabão em Pó (cx)
Sabão Barra (kg)
Óleo Diesel (litro)
1 15 5 8 2 10 0,5 1 2 3 3 3 2 x x
2 28 15 67 10 30 1 7 16 360 6 5
3 3
4 16 36 4 1 2 8 2 x 2 1 1
5 12 3 12 2 20 4 2 2 3 4 0,3 4 4 5
6 6 2 10 12 5 0,5 1 3 2 3 3
7 6 5 8 10 10 1 3 8
8 15 10 25 10 2,5 4 15 x x 4 8
9 4 4 2 5 2 2 2 3 2
10 10 20 20 5 30 1 3 5 4 10 36 2 10 5 x x 4 3 5
11 18 18 20 15 15 1,2 5 10 15 2 x x 30
12 5 4 10 8 8 1 5 3 18 x x 2 5 5
13
14 5 3 2 2 18 10 x x 2 2 3
15 30 30 60 60 30 2,0 1 8 1 2 x 2 1
16 2 10 10 30 0,3 1 2 5 x x 5
17 8 3 60 30 60 7 1 3 4 4 9 25 x 10
18 10 10 0,5 2 2 x x 2 2 4
19 12 15 8 0,3 1 1 4
20 2 1 10 8 30 0,8 2 4 36 x 3 5
21 20 15 15 5 0,5 2 4 3 5 18 5
22 5 5 10 10 30 2 2 6 180 3
23 2 2 5 3 3 0,5 1 2
24 3 3 4 4 4 0,5 1 3 3 3 5 1
25 5 1 5 4 10 0,5 4 4 4 36 1 2 5 5
26 6 8 4 10 5 4 36 x 4 5
27 10 5 15 5 10 1 2 5 5 1 2 17
28 15 5 25 5 20 1,2 5 4 18 10 8 x 3 3 5
29 15 10 20 15 10 0,5 3 4 36 5 6 x 5 5 5
30 10 2 10 10 2 0,5 1 12 8 18 4 12 2 x x 1 5 6
31 30 30 30 30 30 1 3 5 10 3 x 3
32 5 1 2 10 30 2 5 3 0,2 1 2
33 2 30 10 0,3 2 1 x 1
34 5 5 2 10 0,3 1
35 10 4 4 4 0,3 1 1 4 1 x 4 2
36 10 10 15 10 20 1 2 6 54 4 10 4 x x
37 3 8 8 5 0,3 1 2 1 5
38 12 10 5 10 0,5 2 5 5
39 8 10 10 30 5 5 10 1 5 5
40 5 3 5 4 6 3 5 4 3 7 5
Total 363 200 606 365 566 40 94 149 7 24 35 12 14 872 16 121 64 x x 2,5 35 78 167
FONTE : Salgado (2005), dados coletados para diagnóstico de Segurança Alimentar dos Shanenawá. "x"
significa ausência de quantificação devido a dificuldades em mensurar, indica a ocorrência.
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ANEXO C - TRANSCRIÇÃO DE ENTREVISTAS NA ALDEIA MORADA NOVA
ENTREVISTAS - 01
Entrevistas realizadas para coleta de dados para os estudos sobre manejo de caça.
Morada Nova, 12 de março de 2004
Entrevista com o Sr. João Bertolino (60)
"Eu, meu nome João Bertolino, na gíria Tekahane. No tempo que nós vivia aqui, quando nós
cheguemos, eu primeira vez que eu foi tinha muita caça aqui, aqui na beira não. Eu fui morar dentro
de nossa área bastante tinha muita caça. Tinha mutum, jacu, é paca, tatu. Eu matava muita caça. Eu
conto até hoje, eu com setenta e seis anos de idade o fundo de nossa área eu conhece tudo, até
mais que nossa área eu conhece tudo. Então depois correu abriu rodagem aqui. Zoada das máquinas
parece que as caça afastaram e que não tem mais. Os posseiros daí anda com cachorro. Ninguém
sabe nem pra onde foram. Eu sai de lá. hoje não tem mais nada. Então até agora. Quando eu
cheguei aqui, município de Feijó. Muitas coisa, caça onde s se alimentava, hoje em dia não tem
mais nada. Antes porquinho comia nossa roça. Bando de quati era bem ali. Quando chegamos tinha
muito bicho. Tem muitos caçadores mas ninguém caça mais.
Então nós tamos precisando de projeto pra nós é criar os bichos pra manter, criar nossos filhos não
tem mais nada. Nós temos outras coisas. A plantio como pessoal disse. A produção nós tem mas
coisa que nós não temos, nem peixe nem carne. As vezes pra poder nós comer a gente pega a
produção. Uma macaxeirazinha, uma bananinha pra poder nós comer."
Entrevista com o Sr. Manoel Pereira Shanenáwa (43)
"Meu pai matou muita caça. Quanto mais tempo se passa, mais difícil fica a alimentação É importante
para nós preservar alimentação tradicional. Pra não chegar até o fim é que a gente quer fazer
manejo. Pra parar de comer carne de fora. Carne de caça é melhor pra saúde. Papai fica com febre
quando come carne de boi. Precisamos fazer um projeto pra criar alguns animais. Quando entra pra
caçar não dá pra ficar vendo se é fêmea ou macho. Ele não quer perder e mata logo."
Entrevista com o Sra. Marilda da Silva Gomes Shanenáwa (45)
"No tempo que meu pai era vivo meu pai caçava muito. Tempo desse acabou mesmo. Quando a
gente morava na colocação tinha muito. Se pra matar uma caça grande, chega não pra quem
quer. Quem tem muita criança não uma paquinha, um tatu. Branco come carne de boi, galinha,
porco. Nossos antigos não comia essas coisas só comia caça. Os homens caçavam as mulheres iam
junto e já trazia moqueada trazia tanton, pêra (cesto grande provisório) cheia."
Entrevista com o Sr. José Augustinho Shanenáwa (40)
"Tudo que os outros disseram é certo. Antigamente quando brincava de mariri, ia matava caça e
comia na festa. Hoje brinca só com caiçuma de macaxeira e de milho."
ENTREVISTAS - 02
Entrevistas realizadas para coleta de dados para estudos sobre Segurança Alimentar
Morada Nova, 11 de dezembro de 2004
1 . Entrevista Sobre a migração dos Shanewa do Rio Gregório para o rio Envira e Alimentação.
Entrevista com o Sr. Waicano Shanenáwa (Bruno Brandão) (94)
Carlos Salgado: Seu Bruno, me fale um pouco sobre como o Sr. chegou aqui?
Como o Sr. saiu de sua terra antiga? Quero que o Sr. conte um pouco desta história para a gente.
Sr. Bruno Brandão: "Pois não. Eu nasci em Tarauacá viu. Eu nasci em 1910. Ai por causa da briga
que nós saímos da nossa terra. Muita briga demais. Não é briga de facão não. Briga de tiro, de tocar
fogo na casa. Matava muita gente, muita, muita mesmo, muito Shanenáwa matava de tiro. Estragou
carne, não comia né. Só pra estragar e ter raiva dos outros.
Ai nós fugimos dezesseis pessoas, dezesseis pessoas s fugimos, da minha terra Taraua
cheguemos no rio Envira, Seringal Califórnia. Do Seringal Califórnia nós subimos pro alto Envira, do
alto Envira s cheguemos no Simpatia. Ai do Simpatia passemos para o Progresso mais em cima.
Daí nós passemos pro Simpatia depois para Progresso. Do Progresso nós fomos amansar "caboclo
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brabo". Tirou duas vidas, do cunhado e irmão do meu pai. foi outra correria trocando bala. De
baixemos pro Simpatia. Depois ai do Simpatia nós fomos trabalhar em madeira. Trabalhar em
madeira. Tirar madeira. Ajuntar o couro.
Sal que nós comprava dismanchado. Sal dismanchado na água. A gente comprava sal como quem
comprava cachaça, engarrafado. Sal engarrafado dismanchado n'água. Sal no litro viu. Não
temperava na bóia. Botava é na comida. Molhava a carne pra poder comer. Então tudo isso eu fazia.
Depois da madeira nós passemos para seringa. 1941 passemos pra seringa, cortemos seringa,
depois caucho, ajuntando couro e nada de ninguém comprava sal, só dismanchado n'água. Nós o
agüentemos mais, descemos. Ai nós veio trabalhando descendo, nós saímos no Califórnia. Do
Califórnia saímos no Nova Olinda. De Nova Olinda nós saímos pro São Francisco. No São Francisco
nós vinha trabalhar no Feijó. Que era aonde era nosso patrão. Também mandou chamar e nós vimos
ajudar. Fizemos uma derrubada pra ele. Nós vinha mais pra baixo mas o dono do Morada Nova - é o
Antônio Sena - foi e colocou nós. E tinha um bocado de trabalhador caboclo mas caboclo pegou uma
doença, sarampo, morreu tudinho. Que ajudava muito ele, mas sarampo não deu, morreu tudinho.
Então ele gosta muito do índio, falou com nós pra nós ficar com ele. Nós fiquemo com ele. ele
também com um ano ele morreu e o pessoal dele o queria que ninguém morasse mais ali que o
velho já tinha morrido.
Ai o Jorge Kalume compra o seringal que era da Morada Nova. Jorge Kalume comprou pro papai o
seringal, 25 miréis ele deu. Ai nós fiquemos trabalhando.
Ai saiu outro governo, tirou lote. Ai veio a FUNAI, foi o tempo que apareceu FUNAI, ai não consentiu
mais. Comprou pra nós, comprou não, entregou terra pra nós. Ai nós fiquemo nessa terra, ai até hoje
nós tamo vivendo nessa terra. Até hoje nós tamo bem garças a Deus, nós tem pra comer, tem pra
vender e tem pra nós viver."
Carlos Salgado: Como era a comida antigamente?
Sr. Bruno Brandão: Até tem roçado, nós trabalha mais é o que, nós trabalha mais de macaxeira.
Que nós come mais macaxeira e banana viu, feijão pouco, arroz s planta também. Mas é pouco
também.Depois disso, aqui, como eu tava falando agora que s cheguemo aqui. Ai foi tempo que
meu pai morreu e eu fiquei tomando de conta como cacique. Até hoje, eu tou velho com 94 anos,
entreguei já pro meu filho.
Então comida que nós comia macaxeira. Nós come a macaxeira, come banana, come milho massa
torrado, pisa faz caiçuma. Banana madura cozinha, faz mingau pra nós tomar. Macaxeira cozinha,
pisa, faz caiçuma, nós bebe. A nossa comida é só isso viu. Antigamente, pessoal comia insosso. Mas
eu não alcancei. Antigamente o índio comia insosso, mas depois meu pai já tava civilizado. comia
sal tudo. Papai falava português bem também.
Então eu por hoje to no lugar do meu pai.
O que nós comia era isso. Agora nós comia a orelha-de-pau assado na folha. nós comia. Nós comia
tripa do bicho, tirado o fato, assado na folha. Patarasca que chama, comia tamm. As coisa que eu
comia eu posso contar. Que é pra vocês saberem o que é que a gente come e o que é pra não
comer. Agora que nós nunca comemos cobra, uma coisa que nunca comeu. Eu tenho comido
todos bichos da água e do seco. Puxei essa coisas.
Agora tão fazendo bóia de branco . Mas eu não me acostumo. Eu como assim quando estou
viajando, boi a de branco. Mas eu tando aqui em casa, come minha bóia. De índio mesmo, cozida na
fumaça mesmo. Não come cozinhando na panela de pressão. A nossa bóia, faz, cozinha panela de
barro, depois ai forra com folha. É tampa viu pra não sair a pressão pra cozinhar logo. Nós faz assim.
Toda comida s comia é na panela de barro mesmo. Agora que s querendo que fosse branco,
nós compramos a panela dos brancos. Antigamente era panela de barro. Comia no vaso, no tacão de
barro pra colocar caiçuma dentro pra nós tomar, fazia assim né.
Chegamo aqui em Feijó, até hoje tamo bem. Agora só não tem caça. Caça aqui antigamente, quando
eu cheguei aqui em 60, tinha muita caça. o tinha, não era cidade não. Só seringalzinho que era
aqui Feijó um seringal. Não tinha nada. Mas agora é cidade, não tem mais caça pra nós, nós não
temos lago dentro da nossa área, não tem lago. Dentro da nossa área tinha muita caça hoje em dia
aumentaram muito. Cheguemos com 60 pessoas hoje em dia 480 pessoas. Aumentaram muito viu.
Além disso os brancos, rodeiam por trás, caçam também né. Então por isso que nós não temos caça,
por isso que nós não temo lago, não tem lago pra nós comermos peixe. Nós não temos açude. Açude
que tem umazinha, assim mesmo não presta, que não tem peixe. Peixe que tem ai pessoal vai pesca
unzinho, não tem mais peixe.
Então nós tamo passando assim. Agora legume não, legume s tem pra nós comer, mas falta de
carne é que ta fazendo falta. Pessoal aqui aumentaram muito, tanto que aumentaram o índio e Feijó
também. Era um seringalzinho, hoje é uma cidade e já aumentou muito. Então por isso que nós tamo
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por aqui ainda, nós tamo vivendo e hoje nós aqui em Feijó, índio mesmo já tão trabalhando na aula,
professores e trabalha na saúde. Aprenderam procriar e tão vivendo até mais ou menos."
Carlos Salgado: Gostaria de saber como é que foi quando vocês saíram lá de Tarauacá? Quando
vocês saíram de lá pra vir pro Envira, o que vocês comiam no mato?
Sr. Bruno Brandão: "Lá é rio Gregório. Começou briga, papai se mudou para Tarauacá. Seringal
Tamandaré. Quando nós comecemos de vir pro Envira. A alimentação que nós comia era palmito.
Derrubava palha, tirava palmito, nós comia. Passemos um mês dentro da mata perdido. Ainda mais
com gado, esse gado papai mandou matar, disse que não era pra matar não. Soltemos, já tava com
duas semanas que nós andava com gado. Soltemos, foi acompanhando como cachorro. Uma grota
ruim, rodeava ia embora. Acompanhando que nem cachorro. Quando chegava onde nós tava,
amarrava. Tirava palha de jarina, destalava tudinho, dava pro gado. Amarrava pr não mexer nas
coisas do caboclo. Ai outro dia soltava. Tornava acompanhar a gente. Nós passemos comendo jarina,
jarina verde. Tirava, comia, despencava tudinho. Tirava e comia, comia ouricuri, tirava palmito na
mata. Na mata não tem macaxeira nem banana né. Então nós comia era isso até nós sair no seringal.
Até nós sair no seringal Baima. Daí s saímos no seringueiro dele, nós saímos na margem do
barracão. Do barracão s viemos no Muru. Do Muru decemo no igarapé Boaçú. Do Boaçú nós
varemos no Califórnia. Ai já tinha varador. Ai cheguemos no custódio ai ele bonsinho falou "lá em
cima tem lugar bom pra vocês trabalhar, tem caboclo brabo também, mas vocês sabem encostar
neles pra amansar. Fumo pra lá pra amansar lá. Caboclo brabo levou dois do meu pai. O cunhado e o
irmão mataram. outra briga DE NOVO. nós passemo é no Progresso. De lá nós baixemo pro
Simpatia. Lá nós fiquemo. A fome que nós passava nesse negócio de mudar de Tarauacá pra Envira,
de Envira pra baixo, por que primeiro ano né. Pedia aos companheiro, a gente tirava um pedaço de
roça, roçado né, emprestado né, fazia outro roçado pra ele. Rapaz se me arranja um pedaço de roça
do roçado seu, nós faz um pra ti. Ai nós fazia a nossa, aumentava né. Passava dia era isso.
quando chegar que nós não tinha alimento de banana, alimento de macaxeira. Quando nós tirava
pedacinho de roça do branco emprestado, ai fazia uma para ele. Fazia a nossa e aumentava. Ai nós
comia. Era isso mesmo, mas não passamo fome o. dava fome primeiro ano que nós
chegamos."
Carlos Salgado: Não teve nenhuma época que teve dificuldade com alimento? Nenhum ano?
Sempre deu bem?
Sr. Bruno Brandão: "Não. Até hoje graças a Deus nos demos bem."
Carlos Salgado: E esse ano que pessoal ta falando que não conseguiu queimar roçado, como é que
vai ser a dificuldade esse ano, o que aconteceu?
Bruno Brandão: "Aconteceu muita chuva. Muita chuva demais. Muita chuva, muita chuva. Chovia
hoje. O ano todinho chovendo. Caboclo tocava fogo, só queimava aquele pedacinho. A folha molhada
né. Terra molhada num pegou fogo. Agora ninguém sabe este ano. Esse ano passado os índios não
plantaram macaxeira por que não pegou fogo, todo tempo chovendo. Não tinha esses 2, 4, 5 dias que
fazia sol não. Chovia hoje, amanhã dia de sol, esperava dois , três dias pra esquentar pra enxugar,
mas não deu pra enxugar bem. Ta tudo derrubado, ta tudo lá, ta lá e não pegou fogo, por isso que
índio já ta passando baixo. Como é que vai ser? este ano nós tamo, como bem dizer, por Deus. Se
fizer verão bom, se não fizer nós vai ficar na mesma miséria.
Agora eu, pelo menos eu sou velho mas graças a Deus eu ainda plantei cinco mil pés de roça. Vou
alimpar agora, já fiz farinha agora vou limpar, já toda grandinha. Eu ainda não passei eu sou velho
mas ainda não passei pedindo não. Nunca, graças a Deus nunca roubei, nem roubo, parece que não.
Por que eu não estou novo pra jogar bola, não estou novo pra ta na cachaça, agora eu sou velho e
não caça mais, eu também não joga mais tarrafa, por que minha perna é fraca, mas trabalhar eu não
deixo de trabalhar não. É uma duas coisas que eu tenho na cabeça, comer e conversar. Mas pra
viajar, andar ligeiro, trabalhar ligeiro, até pra tarrafiar e caçar, eu não faço.
Até hoje, graças a Deus tem minha bananasinha pra mim comer. tem minha roça ainda pra fazer uns
duzentos paneiro, se não for mais. Tem muita roça ainda.
Carlos Salgado: Seu Bruno, quais os bichos que tinha e acabou?
Bruno Brandão: "Bicho daqui, do mato, pra comer? Bicho aqui do mato que tem pra comer, que
acabou mesmo, a anta. Anta acabou, porquinho tem mas é brabo. De primeiro antigamente a
gente matava mais fácil, mas hoje em dia ta tudo brabo. Veado tamm do mesmo jeito, tem. Só não
tem anta. Nem anta nem cujubim e mutum, não tem. Estes não tem, acabou-se e macaco preto, nem
macaco prego não tem, nem paroacú também não, macaco. Mas porquinho, bicho do mato, cutia,
paca, tatu e quati, essas coisa ainda tem, mas é brabo, veado, porco, jabuti ainda acha, difícil mesmo,
entocado ainda acha. Primeiro tinha muito mas como eu to dizendo, quando tinha pouca gente, tinha
muito. Quando aumentaram, tanto como foi branco, como foi índio aumentaram muito, não tem mais.
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Esse rio aqui, antigamente subia muito piracema nunca faltou peixesinho. Mas agora esse pouco
tempo não sobe mais piracema. Agora no alto Envira tem muito peixe. peixe tem mesmo. Tempo de
verão no alto Envira, tempo que eu acabei de me criar e tudo, tem muito peixe, muita caça.
ninguém come a galinha não, bicho de terreiro. Galinha lá, mãe criava mas a gente nem fazia conta.
Tinha bicho do mato pra comer né, ai não fazia conta, bicho do terreiro. comia do mato mesmo.
Peixe, muito peixe, muita caça. Lá tinha, agora aqui não tem nada é difícil aqui. Agora queixada, tem
mas é pouco mas é brabo."
Carlos Salgado: A coisa do dinheiro, pra comprar as comidas, como é que é isso hoje?
Sr. Bruno Brandão: "Pra comprar, os índios vamos levar a banana, a macaxeira. Ai pra trocar, pra
comprar carne né. Agora quem é aposentado que nem eu. Que tem aposentadoria. Pega dinheirinho
guarda o dinheiro aqui mesmo. Agora quem não guarda fica na miséria, por que gasta logo o dinheiro
todo. Agora quem entende mais do dinheiro guarda um dinheiro pouquinho e vai comprando
rancho. Compra o sal, o açucarsinho pra ir comendo viu. Quando falta ranchosinho vai comprar da
cidade, bichinho, carnesinha de boi, porco, galinha. Mas quem não tem emprego vai cortar
macaxeira, pupunha dela e troca, compra carne.
Tarauacá indo pra cá, matava caça. Chegava no igara pegava jacaré, matava jacaré pra não atirar
né. A gente trazia munição pouco. Pra não gastar muito, pescava mais no igarapé, fachiava peixe de
noite. Facho né, de sernambi, o tinha querosene. Fazia facho de sernambi, ai ia matando os
peixinhos n'água pra comer. Jaca tamm do mesmo jeito. Pegava na mata, pegava muito
jabuti. Era só o que nós comia mais. Passemos muito ruim não. Agora passou ruim é porque negócio
de mistura. com palmito. Derrubava palmito pra poder tirar pra comer com carne. É jarina tirava
aquela massa pra poder cozinhar. Tirava aquela capa pra comer com carne. Ouricuri, cocão, também
fazia do mesmo jeito. Tirava pra misturar com a massa. Fazia era assim esse negócio de mistura.
Agora mistura de peixe, de carne era mais fácil. Muito jabuti, muito jacaré. Fachiava peixe de noite,
matava peixe e ia comendo, era ruim negócio de rancho, de mistura com carne, banana e
macaxeira."
Carlos Salgado: Como é que antigamente usava a lamparina, o que utilizava nela?
Sr. Bruno Brandão: "Facho de sernambi e caucho. Derrubava caucho se quiser, se não quiser,
primeiramente anelava sapopema. Ai nós vamos sangrar de terçado né, de marreta. Pra tirar leite de
caucho. Ai quando tiver seco né 3, 4, 5 dias, tira ai faz aquele sernambi. Ajunta um bocado ai bota no
olho da palheira. Olho da palheira a gente abre ai vai embrulhando, vai amarrando. No comprimento
que você quiser fazer né. Ai depois derruba caucho ai anela DE NOVO. O fogo do sernambi quando
vai apagando, ai pega uma palhetinha limpa e volta DE NOVO. Antigamente nossa lamparina era
essa. Depois do sernambi, começaram a cortar seringa, ai fazia do mesmo jeito. A gente não usava
querosene nem diesel nem nada.
Flecha. De flecha a gente mata qualquer bicho, queixada, veado, anta. Anta a gente mata debaixo do
suvaco ela corre e cai. Porquinho só flecha no suvaco, em cima do coração. Agora macaco tamm a
gente flecha, macaco as vezes pega em outro canto grita e fica gritando ai acaba de matar de perto.
Agora usa mais é pra bicho de pena. Nambu viu, ai vai assobiando nambu e quando ta assoviando
faz tocaia, arremeda de gente a a gente mata de flecha. Nambu a gente mata fazendo tocaia.
Agora quando ta rastejando anta é com a flecha na mão. Uma no lugar do arco e uma na mão. Fazia
assim. Depois ai é que começou, apareceu a arma né. Ai já deixaram o modelo do índio. Nós usava.
Agora hoje em dia pessoal não usa mais não.
Carlos Salgado: E o milho?
Bruno Brandão: "Agora milho, milho tem o milho chocho, tem o milho preto, tem o milho branco, tem
o milho amarelo, as nossas qualidade do milho. Ai você quiser fazer caiçuma, debulha, pisa, fazer
caiçuma panelão grande. Quiser fazer pequena, debulha e torra. Torra a gente pisa, faz. Também
com banana com milho verde. Agora é que hoje o índio usa mais, café usa, mais outras comidas né.
Mas planta muito milho de branco. Naquele roçado do campo pra lá plantemos dois paneiros e meio.
Agora que eu hoje ou amanhã se não chover, vou começar a quebrar. umas quatro a cinco
toneladas de milho. Muito milho. Agora comeu muito quando tava verde né. É cozido, é canjica, é
pamonha é comendo. Agora só pras galinhas.
Agora milho massa não, milho massa é pra toda vida esse ai nós faz pra poder viajar. Faz farinha de
milho massa pra poder viajar, s debulha, torra, pisa, é farinha do índio, pra comer na viagem.
Quando você quiser fazer caiçuma, se tira faz caiçuma. Não quiser. molha, faz pamonha também
mas é comprida né, não é cozida na panela não. Faz uma pamonha comprida amarrada e ai assa,
moqueia, fica assadinha. Quiser misturar com banana madura a gente mistura também, como que a
gente diz, fazer pamonha doce, mas é assado. Faz na folha né. Não querendo a gente leva pra
comer na mata, pra comer assado na mata, é o milho do índio. Esse aqui cuscuz todo tempo,
pamonha, dá caiçuma de milho, milho do índio não se perde. Começa a comer verde até ficar seco. A
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gente bota do jeito que ta ai na água. Bota de molho, ai fica pixésinho de coisa ardida. só pra comer
assado que tem esse pixésinho.
Tinha outra aldeia. História né.
"Outra aldeia, que tinha legume, que tinha legume, e nós não tinha. Tinha o "matza" que nós
comia com carne e não existia caiçuma. pão do índio que chama... parece com cupim. É mole, é
misturado milho preto com branco, a gente comia aquele ali. Não existia caiçuma, não existia banana,
não existia nada, comia aquele ali com carne. Nós tinha tinha fogo. tinha fogo, agora outras
aldeias tinha, tinha pimenta tinha tudo, macaxeira, banana, e milho. Tinha toda comida do índio. Eles
tinha, não dava não. Tão sovino que era, todos galhos de macaxeira que eles tem eles plantava,
pegava margona colocava ali, ficava alastradinho de marimbondo. Agora o dono que pegava e
mexia com ele. Agora os de fora foi pegar, já sabia, não pegava não saia fora. Milho também, fazia
igual e era, são miseráveis não dava não. Se você chegava, pedia filho de banana, cortava no meio
filho de banana, leva pra você plantar. Filho do milho torrava e dava pra num nascer. Tudo isso fazia,
pegava maniva, cortava, sapecava e dava pra num nascer. Todos pelejavam com eles,ai foi falar com
o tatu canastra pra matar eles tudinho. Ali não tinha como chegar, no de macaxeira tinha muita
cobra chegava o dono mesmo. O dono pegava as cobras toda, botava num canto e arrancava.
Nós tinha um varadourosinho de passeio pra ir na aldeia.... É tão suvina que era ruim mesmo. Eles
ia aprender a fazer mingau de banana, mingau de macaxeira cozida aprenderam lá com ele .
Quando vai passear vai espiar o que tava fazendo. Ele dava de comer mas não dava a semente não,
dava não de jeito nenhum."Então caboclo resolveram, falaram com tatu canastra, tatu canastra foi
fazer o buraco. Ele fazia o buraco na casa dele todinha no redor do tamanho que era o terreiro cavou.
Ai quando ele via tinha cancão. Tinha na boca do varadouro também esse canção que chama"Xá,
hã, hã..". Quando ele via já tava se espantando, ta vindo ele. ta vindo gente. Quando pessoal
chegou mataram tudo, tudo mesmo, tocaram fogo no marimbondo, mataram as cobras. Ai que
começaram espalhar. Tiraram maniva, filho de banana, milho, pimenta todas coisa ai começaram
aumentar pra todas aldeia. Sendo o dono mesmo, nunca que dava pra ninguém não. Dava tudo
sapecado pra num nascer. Então por isso que nós tamo comendo.
Entrevista com a Sra. Runi Canamari (Maria Geni Nascimento Brandão) (70), esposa do Sr. Bruno
Brandão
Carlos Salgado: Dona Geni, a alimentação de antigamente mudou muito para agora?
Dona Geni: "Mudou, por que nós índio comia assim nossa comida. A comida que s comia nós
plantava banana, nós plantava assim inhame, plantava batata. Plantava batata de toda qualidade.
Plantava e comia. Nós comia só de macaxeira não. Nós comia banana, batata, batata inhame, batata
doce, por que s tinha batata muito mesmo, tanta batata que a gente comia. s ficava forte não
precisava pegar remédio no doutor nem consultava.
Nós retirava no mato remédio, nós mesmo tratava e agora que o branco que nós entremos, é tanta
doença que nós encontra e que uma hora a gente sente dor assim fraqueza, parece que falta nossos
legumes né.
Que nós comia era só banana, e esse milho não é, nós comia palmito, nós comia aqueles orelha-de-
pau que chamava vissussi e chamava txurã, chamava kunu. Nós comia aquele- eu sou índio mesmo
por que que eu vou dizer - aquele busio de índio da água. Aquele do igarapé nós comia. Nós comia
aquele do igarapé aquele caranguejo grande. Esse do rio grande não. Aquele que é pra comer
mesmo. Aquele caranguejosão, que não sei como se chama no português, mas nós chama é Chacá.
chama chacá que é aquele que nós come.
Que nós comer essas coisas que s tamo comendo, esse porco cabeça s o comia não. s
comia, matava tatu, nós moqueava, fazia mingau de banana, de milho nós também fazia mingau, a
gente tomava ai ficava forte. Todos nossos meninos também forte, e comia nem leite, dava banana,
meus filhos criou com banana.
Nunca eu fazia mingau de leite não. E banana indígena crua queria, eu dava, se queria assim um
mingau eles tomava mingau. Tomava aquele qualidade de banana não, comia batata esses
coisas, como é que digo, esses orelha-de-pau pois eu buscava coisa do mato. Primeiro não, eu
pegava tudo pra meus filhos comer, palmito que eu derrubava mais minha madrinha, eu cozinhava ali,
tão bom que eu achava. Mas ninguém não faz isso pra mim mais. Nem derruba meu marido que ele é
muito ruim pra mim, por que eu querendo uma coisa ele vai me gritar. É sozinha que eu faço coisa e
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roçado que eu tou fazendo e plantando no arrancador, eu mesmo planto eu mesmo faço, eu mesmo
faço aquela farinha pra fazer.
Ainda ontem eu disse pra esse meu menino pequeno, oi meu filho que seu vó morrer vai faltar muito.
Por que aqui eu ajudo muito eles, por que que eu planto banana eles tão trabalhando na rua. Planto
banana, planta macaxeira, planta mamão, eu planta batatinha. mas batata eu planto mas, não sei
porque que morre batata. Batata que você faz caiçuma, parece com açaí que esse batata eu planto
mas não dá mais, de quando minha madrinha morreu pra cá esses batata sumiu. Por que que não sei
porque. Porque esse batata que faz caiçuma parece com açaí que fica um vermelho que bonito, mas
esse batata não dá mais aqui.
Eu falto muito por que nós índio né, come daqui não é do mercado esse peixe veio de gelo nós não
come o. Que tem o jeito que nós come por que o tem nada que comer, que nós costumemos
assim, mas eu não sou acostumada com carne esses peixe não, eu come hoje, amanhã o quero
mais. Eu como banana, assim uma coisa macaxeira cozida com sal e como, fico satisfeita. Eu falto
muito porque primeiro nós fazia assim agora malvado só quer que vira branco mas eu não posso eu
digo mesmo que eu não posso fazer voltar mesmo assim na minha idade, parece que eu fazia porque
eu andava, marido que não procurava, eu que procurava eu criava minha família, eu que ia no
mato matava tatu, matava paca, matava cotia eu matava tudo, era eu que dava comida pra meus
filhos. Mas eu não fazia salgado não, eu moqueava, fazia mingau de banana, tudo que dava comida
pros meus filhos. Eu o gosto de salgado eu moqueava ali. Agora não que tão querendo virar
branco mas eu não acho vantagem que esse pessoal que tão fazendo não.
Entrevista com o Sr. Tekahane Shanenáwa (Carlos Francisco Brandão) (33), Chefe do posto da
FUNAI em Feijó.
Morada Nova, 11 de dezembro de 2004
Carlos Salgado: Então Carlos, fala um pouquinho sobre o milho que vocês estão querendo
recuperar, sobre o barro, sobre o algodão.
Carlos Brandão: Nossa cultura é muito importante, é até por que a gente mora bem perto da cidade,
a gente tem 80% da nossa cultura dentro de nós. E agora na minha vinda aqui pra aldeia, a gente ta
tentando resgatar todo aquilo que perdeu um pouco.
da origem Shanenáwa desde o tempo, Iri o Deus fez o mundo tanto chempe, artsa e chimke. A
questão do milho, nós temos 6 qualidades de milho massa e delas eu tenho 4 então falta 2 para
concluir o que nós temos. Tem vários tipos no povo Shanenáwa que é o branco, preto, vermelho e
chocho. A nossa importância de a gente estar plantando o milho massa da nossa cultura é porque o
milho massa é bom pro nosso alimento Shanenáwa. Como a gente faz fubá, faz o milho torrado, faz a
caiçuma de milho e faz a pamonha. Então tudo isso também é importante porque traz alimento
saudável para as crianças e para nossa comunidade, principalmente as pessoas que trabalham
comunitário. Com milho massa faz turran. Turran que nós chama é milho torrado. Então tudo isso é
importante porque traz saúde para nós. Milho massa chamamos de chemke antepassado, o milho
tem um significado grande para nós, porque usamos o milho massa para várias coisas. O milho
massa o povo Sanenáwa tem respeito e fazer dieta para se formar em pajé e fortalecer a nossa
experiência cultural. Quando estudávamos na floresta para ser pajé, comíamos milho assado e
tomava caiçuma de milho e torrávamos para comer durante um ano e seis meses. Comemos milho,
banana e mandioca assada, por exemplo, quando vamos tomar o uni (vegetal) da floresta, comemos
coisas leves que é milho, banana e mandioca assada, o vegetal ensina como cura uma doença e a
partir daí íamos nos formando em pajé definitivo da comunidade.
Questão da batata. Da batata doce é para você comer sem colocar açúcar, é doce. Batata
vermelha é para misturar com macaxeira pra fazer caiçuma pra ser mais bonita a caiçuma e pessoal
tomar para sentir bem porque é uma saúde e a caiçuma vermelha tem vitamina, batata também tem
vitamina.
A mandioca que é artsa, plantamos bastante dentro da comunidade indígena, comemos tanto assado
como cozida e também fazemos caiçuma, tanto fraca e forte para as festas culturais da comunidade.
A banana comprida que chama chimpé, nós comemos e fazemos mingau e cozinhamos. O chimpé é
para criança comer mingau para crescerem forte e com saúde, o mingau de banana fazemos muito
para reunir a comunidade, para conversarmos internamente durante o dia e no dia seguinte ir
trabalhar dentro da comunidade, plantamos muito chim.
A questão da batata, questão do milho, questão da roça, todas frutas que nós antigamente comia e
passava bem, isso nós estamos pensando plantar DE NOVO. Algumas delas nós esquecemos mas
nós temos onde buscar. Tem o Kaxinawá tamm, eles conseguem de plantar, então o que Kaxinawá
planta que nós planta, tem algum deles que nós estamos sumindo na nossa cultura.
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Para isso a gente analisou que nós estamos perdendo e pegando a coisa do branco e a coisa do
branco é cheia de química. As vezes traz doença para nós. E nosso não. Bem original e bem cultural
e não tem nada de mistura química.Bem dizer que ele é saudável para nós porque não tem química,
não tem nada de hormônio que tem na galinha.
E questão do algodão é muito importante porque quando eu conheci minha mãe fazia. Tecia algodão
pra fazer cinturão, bolsa, rede, pulseira tudo de algodão. Minha vó. A questão do algodão, porque a
gente compra rede, compra bolsa, a gente pode usar bolsa, pode usar nossa rede tradicional. Uma
bolsa de algodão é muito importante nós tá usando. Pra tá usando, como comercializar também. Com
algodão se faz rede, faz tecido de flecha, corda, tudo isso nós temos jeito de fazer que ninguém
tava fazendo. Agora nós vamos plantar algodão pra poder fazer nosso artesanato culturalmente.
Na minha volta para a aldeia é para incentivar estas velhas antigas ensinar pra minhas filhas ensinar
os filhos que vem ai pra poder a gente estar trabalhando com nossa cultura. E a questão do algodão
é porque não tem ninguém pra incentivar pra plantar mesmo. Então agora nós estamos chegando e
reunindo com a comunidade para a gente buscar resgatar um pouco a nossa cultura. E para isso nós
temos representante das mulheres já incentivando.
Questão do barro é muito importante, eu vi minha vó fazendo, minha mãe e minhas primas, minha tia
fazendo panela de barro, fazendo bacia de barro, fazendo pote de barro, porque pote de barro para
nós é igual a um filtro, é igual tipo uma geladeira ele esfria a água ta entendendo. Então a gente tem
uma cultura de fazer isso, que a gente não esqueceu tamm, mas também ninguém está
fazendo. Tamos comprando panela e filtro do branco. Agora não. Agora a minha prima es
começando a fazer panela de barro. Fazendo copinho de barro. Recentemente deu presente pra
minha filha. Achei que é importante de fazer porque agora ela aprendeu pra ser representante das
mulheres. Incentivar de estar construindo um artesanato da cultura Shanenáwa.
Então tudo isso que nós sabemos, as pessoas que sabem vão ensinar outros para poder construir
para a gente usar dentro da comunidade. E minha volta para a comunidade é muito importante
porque eu quero usar tudo isso. Porque isso é importante para mim.
A caça hoje na nossa comunidade ficou escasso alguns animais. Até porque no redor de nossa área
indígena é cheio de posseiro. Fazendeiro às vezes fica caçando na nossa área. Agora não. Agora
nós temos o manejo de caça da cultura Shanenáwa. A gente não colocamos mais armadilhas, não
caça mais com cachorro. Ainda tem também porque é nossa cultura e pensando de passar cinco
anos sem caçar. Com muita gente pra matar, aquele bicho que está escasso e ta sendo sumido de
nossa área porque pessoal tão acabando. Não é todo mundo que pensa direito tem que ir
conversando aos poucos.
Ai nós temos um programa. Esse programa é importante porque nós caçamos e comemos as caças e
aonde também nós tamos protegendo as frutas da mata onde é bom pros animais e tamm é bom
pros indígenas Shanenáwa. Porque eu digo isso. O bacuri o macaco come e o índio come. Coco, a
paca come e a cotia come e o índio come. Tem também o caroço que pra fazer artesanato. Então
tem vários tipos de frutas da mata que os animais come da floresta, que os índios também se
alimentam. Da fruta nativa da floresta. Então por isso nós estamos tentando de valorizar caça, até
porque a gente convive com ela, nós somos da floresta é questão da caça.
Mas muita gente es esperando que a gente volte a antigamente. Como também voltar a flechar.
Flecha é muito importante, não faz zoada e arma é muito perigoso e deu muito acidente em nossa
área porque às vezes não sabe pegar a arma e a flecha não. É diferente é nossa cultura. Então esse
manejo é pra chamar mais caça pra proximidade e vo poder usar sua flecha pois os animais ficam
manso comendo fruta da floresta. Então para nós é importante porque nós convivia com isso e agora
aumentando e se ninguém começar a proteger vai chegar uma hora que nós não vai ter mais nem
caça nem floresta. Por isso que nós estamos protegendo. Nós vivemos, nós educamos nosso povo.
Nós nos alimentamos sem derrubar floresta. Protegendo meio ambiente. Sem prejudicar nada
questão da floresta. Porque índio vive se alimentando sem derrubar a floresta. Que é mata nativa que
dá fruta e isso é muito importante pra gente conviver com isso que nós sabemos viver sem derrubar a
floresta.
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ANEXO D - RELATÓRIO DO PLANO DE MANEJO DE CAÇA
ALDEIA NOVA VIDA
Aldeia Nova Vida – dezembro de 2004
No dia 10/01/2005 o filho do vizinho que tem o nome de Arnaldo, foi caçar e viu lá na beira do
igarapé paredão muito rastro de paca e ainda viu rastro de uma onça e pelo tamanho de rastro
percebeu que seria o rastro de uma onça pintada e ainda estava com o filhote.
Em um outro dia o morador da aldeia Nova Vida, o Sr. Aldo Paulino Kaxinawá foi pastorar em
uma tocaia feita embaixo de um de jaci, comida de paca e cutia. Como naquela noite o veio
nada, ele já vinha de volta para casa quando de repente avistou uma onça no meio do caminho, pois
deu dois tiros nela e matou, era pintada e era bem adulta.
O mesmo morador da aldeia, no dia 13 do mesmo mês, foi caçar nas proximidades da
colocação cachoeira, com a distância de uma hora e meia de caminhada, quando ouviu um barulho
na beira de um igarapé, foi observando com muita cautela e percebeu que era uma onça pegando um
veado, atirou na onça pensando que o veado estava morto, quando a onça caiu morrendo, o veado
saiu correndo deixando muito sangue no local do acontecimento.
Outro morador da mesma aldeia, José Luiz saiu cedinho para caçar com prazo de quase uma
hora e meia de caminhada dentro do mato encontrou rastro de um bando de queixada que tinha
passado recentemente. Andou mais um pouco e viu rastro de muito porquinho. No outro dia o
Valquimar foi para o mato caçar, andou muito no mato, não viu nada e nem rastro, viu um bando de
macaco"paroacú" (uma espécie de macaco muito cabeludo, preto e branco) atirou e matou um e
ainda pegou um filhote que até ainda existe na aldeia.
Um dia uma mulher por nome Elizabeth e a sua irmã foram quebrar milho no roçado quando
pensando de ser alguma coisa, perceberam que era um veado que estava deitado no meio do
roçado. Quando chegaram bem pertinho o veado saiu correndo e os cachorros saíram atrás latindo
até quando não ouviram mais o latido dos cachorros.
O Luiz e o Neudo foram cortar madeira na beira do rio e viram que os queixada tinha
passado por ali um dia antes. Era aproximadamente 60 porco que tinha no bando. No dia seguinte
foram atrás, mas não encontraram, porque os porcos só andam correndo.
Nós fomos para uma caçada de dormida, para fazer o ponto do nosso abrigo andamos quase
duas horas e chegamos no local. Nós éramos em seis pessoas. Caçamos dois dias e não matamos
nem uma caça grande, também encontramos pouco rastro e nos barreiros não estava andando mais
nada porque estava chovendo muito naquele mês.
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ANEXO E - ICONOGRAFIA
SOBRE SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL SHANENAWÁ
1 - Processamento de farinha :
2 – Comidas tradicionais - A
Ao lado, prensando a
massa ralada. Abaixo,
à esquerda, torrando a
farinha, abaixo à
direita a farinha
pronta.
Acima à direita, descascando
e lavando, à esquerda ralando
no caititu motorizado.
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3 – Comidas tradicionais - B
Milho indígena tradicional, “pré-
colombiano”, que está sendo
recuperado.
Mingau de banana
comprida. Abaixo banana
maçã e baé.
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4 – Comidas tradicionais - C
Peixe assado na folha de
sororoca. “Patarasca”.
Cogumelos comestíveis.
Acima Kunu. À direita Txurã.
São raramente consumidos.
Folha de Nauante, utilizada
para comer juntamente com a
macaxeira cozida.
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5 – Aspectos da lida no campo:
O vinho extraído da fruta da
palmeira açaí é o produto da
floresta o mais apreciado. É muito
consumido por todos. Dizem que o
açaí da região é o melhor do Acre.
Todo o ano tem uma festa do açaí
em Feijó.
Waicano, Bruno
Brandão, filho
mais velho do
patriarca Inácio
Brandão. Aos
94 anos em
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6 – Aspectos das casas da aldeia:
Detalhes do campo de
criação de gado da família
do seu Bruno.
À esquerda,
boi de
transporte,
com a
zorra.
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7 – Cultura e Educação Agroflorestal:
Acima à direita, uma casa onde mora uma grande família. A parte detrás mais antiga de paxiuba
coberta com palha, a parte da frente mais nova de madeira serrada com cobertura de alunio.
Acima à esquerda, casa tradicional. Abaixo à esquerda, aspectos do novo e o velho com o
detalhe do quintal cercado. Abaixo à direita grupo da casas de uma família extensa.
À direita casa com
cozinha separada. À
esquerda, detalhe
da cozinha com
diversos utensílios
de alumínio,
prejudicial à saúde.
Abaixo à direita um
fogão improvisado
durante o verão.
Abaixo à esquerda
um fogão tradicional
estilo seringueiro.
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8 – Aspectos do rio Envira
Acima durante um curso de gestão
ambiental realizado pelo governo do
estado, com o apoio da CPI-Acre.
Ao lado e abaixo, hortas que começam a
aparecer como resultado desse curso.
À direita Cupixáua e casa de
trabalhos das mulheres. Acima sede
da Organização dos Povos Indígenas
do rio Envira (OPIRE), responsável
por estas conquistas como forma de
mitigação dos impactos da BR-364.
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ANEXO F - FICHA PARA COLETA DE DADOS EM CAMPO
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PERFIL DA FAMÍLIA
Nome Parentesco idade sexo
Pai
Mãe
Família morando na mesma casa: ( ) extensa ( ) nuclear
RECURSOS FINANCEIROS
Nome Tipo Valor
1 Tipos : Trabalho Temporário, Aposentadorias, Auxílio Gestante, Bolsa escola, Salário
ORIGEM DA PROVISÃO ALIMENTAR
2 Produção de alimentos o roçado
( ) Terra Firme
( ) Praia
Quantos / Tamanho O que planta no roçado?
3 Abastecimento de água
Origem da água da casa:
( ) Poço ( ) Sistema FUNASA ( ) Cacimba ( ) Rio
Possui filtro em Casa?
( ) Sim ( ) Não
4 Caça
Quantas vezes
caça por semana
Animais mais caçados Animais raros ou que
desapareceram
Tempo da Aldeia até
local
Jeito de caçar
Espera ( ) Armadilha ( ) Cachorro ( ) Aponto ( )
5 Pesca
Local
Rio ( )
Lago ( )
Açude ( )
Peixes mais pescados Apetrechos usados
Tarrafa ( )
Malhadeira ( )
Anzol ( )
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6 Coleta de frutos e outros alimentos da natureza
Tipo Quantidade Época
Açaí
Coco Jací
7 Alimentos que compra fora ( semanal )
Tipo Quantidade Tipo Quantidade Tipo Quantidade
Arroz Óleo Leite-em-pó
Feijão Carne de boi Pimenta-do-reino
Farinha Peixe Refrigerante
Açúcar Carne em lata Macarrão
Café Sardinha
Sal Bolacha
Quantas vezes no mês faz compras fora?
8 Alimentos que produz na aldeia ( semanal )
Tipo Quantidade Tipo Quantidade Tipo Quantidade
Banana Farinha
Macaxeira
9 Criações Domésticas
Tipo Quantidade Tipo Quantidade Tipo Quantidade
Galinha Cachorro
Pato Gato
Boi
BITOS ALIMENTARES
Comidas antigas que ainda come?
OUTROS ITENS QUE COMPRA FORA (mensal)
Tipo Quantidade Tipo Quantidade Tipo Quantidade
Diesel Sabão (pó)
Gás cozinha Sabão (barra)
COMÉRCIO
O que vende? Onde vende Quanto tempo Quantidade Valor R$?
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DADOS CULTURAIS GERAIS
Trabalho Indígena
Atividade Época
Preparação do roçado
Broca e derrubada
Queima e Coivara
Plantio e Colheita
Alimento Planta Colhe
Pesca
Normal
Piracema
Caça
Animal gordo
Animal magro
Construção de Casa
Coleta de frutos e outros alimentos da Floresta
Tipo Época Ocorrência
(muito ou pouco)
Observação
OUTRAS MANIFESTAÇÕES CULTURAIS
Atividade Época
Festa (Mariri)
Viagem para outra aldeia
Pesca Coletiva
Inverno
Verão
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Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo