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UNIVERSIDADE GAMA FILHO
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS
OS TRANSPORTES NO BRASIL - A INTERPRETAÇÃO
REGULATÓRIA PARA OS “GARGALOS” FERROVIÁRIOS
LUCIANO DA SILVA MOREIRA
RIO DE JANEIRO
2009
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2
LUCIANO DA SILVA MOREIRA
TRANSPORTES NO BRASIL – A INTERPRETAÇÃO REGULATÓRIA PARA OS
“GARGALOS” FERROVIÁRIOS
Dissertação apresentada ao Programa
de Mestrado em Direito, como
requisito parcial à obtenção do grau de
Mestre em Direito do Estado e da
Cidadania da Universidade Gama
Filho.
Orientador: Prof. Dr. MARCOS JURUENA VILLELA SOUTO
Rio de Janeiro
2009
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3
O(A) autor(a), abaixo assinado(a), autoriza as Bibliotecas da Universidade Gama
Filho a reproduzir este trabalho para fins acadêmicos, de acordo com as
determinações da legislação sobre direito autoral, n(s) seguintes(s) formato(s)
( X ) Fotocópia ( X ) Meio digital
Assinatura do autor: Luciano da Silva Moreira
4
AGRADECIMENTOS
Ao meu orientador, Professor Doutor MARCOS JURUENA VILLELA SOUTO, pela
seriedade acadêmica, competência ímpar e paciência constante, no direcionamento
deste trabalho.
Aos professores que ministraram aulas que, por certo, preencheram lacunas na minha
formação acadêmica.
Ao Programa de Pós-Graduação de Direito da Universidade Gama Filho.
Às funcionárias D. Neuza e D. Rosangela, pela constante cooperação.
Aos funcionários desta Instituição, pela reiterada simpatia.
À Professora Doutora SIGRID GAVAZZI, pela revisão.
A todos que me apoiaram nesta tarefa – pelo carinho.
À minha esposa, Maria Aparecida S. Abreu, pelo companheirismo de sempre.
Aos meus pais, por tudo.
5
RESUMO
O transporte constitui-se como um dos elementos mais importantes do conjunto de
fatores que compõem a infra-estrutura de um país, tendo em vista ser indispensável tanto
para a mobilização da população como para o deslocamento de cargas. Dentre as formas de
transportes, a ferrovia, por suas peculiaridades, principalmente no que se refere à
capacidade de carga, apresenta-se com inúmeras vantagens relativas, quando comparada a
outros modais. Seus atributos indicam-na como a mais adequada para um país como o
Brasil, em função de suas dimensões, características geográficas e perfil da produção
econômica. Contudo, a sua utilização apresenta índices desfavoráveis, principalmente
quando comparado ao modal rodoviário que vem sendo a principal opção para o transporte
de cargas. Dentre os diagnósticos apresentados para essa situação, destacam-se a forma pela
qual se desenvolveram as ferrovias com pouco ou nenhum planejamento e o baixo nível
de investimentos, bem como a ocorrência de entraves físicos que interferem em sua
eficiência. Esses problemas, que acontecem ao longo da linha férrea, são denominados
como “gargalos” e decorrem de passagens de vel e de invasões, que resultam em
assentamentos em faixas de domínio das ferrovias, afetando a segurança, tanto da
população lindeira como das concessionárias, e, também, diminuindo a eficiência da
operação ferroviária.. Por suas conseqüências, essas questões colocam-se como prioritárias,
demandando especial atenção. Emerge, assim, imperiosa necessidade de seu enfrentamento,
com a utilização dos instrumentos regulatórios disponíveis. São, aqui, pesquisados atos
normativos vigentes e indicados os mais adequados para resolução das pendências
existentes.
6
ABSTRACT
Transportation is one of de most important elements within the group of itens that make
part of a country’s structure, whereas it commutes population and carries goods as well.
Within the means of transportation, railway is best one, for its chacteristics, mainly in
refence to the amount of goods it carries when compared with, other means. Its advantages
suggest that the railway is the most suitable way to transport loads within a country as
Brasil, taking into account its geographic characteristics and the economical productions’s
outline. However its usage shows unfavarouble rates when compared with the road
transportation wich has been the main option for carryng goods. Within this situation it is
highlited the way they have been developed with no or little planning, not much
investment as well as the occurrence of phisycal obstacles that abridge its effiency. These
problems that take place alongside the railways are called “bottle-necks” caused by vehicles
crossing the railway and people who build their houses within the security area (near the
rails) putting at risk not only themselves but the dealership as well, diminishing the
effectiveness of transport operation. According to its consequences these matters are high
priorites that demand a special attention from authorities. It comes from what was exposed
a vital necessity to face it with the usage of regulation instruments. It has been researched
the actual law and the most suitable one to the solution of the existing questions.
7
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
1 – O INVESTIMENTO EM FERROVIAS
1.1 - O Contexto Infra-Estrutural
1.2 - Fator Limitador dos Investimentos
2 – EVOLUÇÃO DAS FERROVIAS
2.1 – Breve retrospecto histórico
2.2 – A disciplina jurídica da ferrovia no Brasil
2.3 – Gestão Estatal: a transição do modelo RFFSA
2.3.1 – O quadro da RFFSA pré-estatização
2.3.2 – O Programa Nacional de Desestatização
2.3.2 – A desestatização do serviço ferroviário
3 – A REGULAÇÃO
3.1 – A Norma Regulatória
3.2 – A criação do CONIT, ANTT e DNIT
4 – DECISÕES REGULATÓRIAS PARA OS “GARGALOS” FERROVIÁRIOS
4.1 – Invasão das Faixas de Domínio das Ferrovias
4.2 – Passagens de Nível
4.3 – Conflitos de tráfego ferroviário e urbano.
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
8
INTRODUÇÃO
O tema da Dissertação seguiu os parâmetros da linha de pesquisa de Mestrado “Estado
e Direito, Internacionalização e Regulação”. Discorre sobre as limitações infra-estruturais
que impactam o Desenvolvimento Econômico, tendo sido selecionado, como foco
principal, o modal ferroviário, dentro do conjunto de transportes sobre o qual incide a
competência estatal para legislar (conforme dispõe o artigo 178 da Constituição Federal).
Como propósito, apresentam-se as formas pelas quais o Direito - principalmente no
campo da Regulação – pode vir a atuar, contribuindo para a resolução de problemas
constatados no decorrer da pesquisa. Tais dificuldades afetam a atividade ferroviária, e
destaca o Direito Regulatório como instrumento disponível e viabilizador para algumas das
ações necessárias, que devem ser capitaneadas pelo órgão responsável pelo setor, a
Agencia Nacional de Transportes Terrestres – ANTT.
Ressalte-se que o enfrentamento desses problemas, cujas soluções, infelizmente, nem
sempre dependem de ação isolada da Agência Reguladora, apresentam-se como
fundamentais para estimular o uso do transporte ferroviário, bem como investimentos
nesse modal, colaborando decisivamente para minimizar os problemas infra-estruturais
detectados e que obstaculizam o Desenvolvimento Econômico e Social.
O presente trabalho tem como tema central os transportes ferroviários, destacados do
conjunto de fatores que compõem a infra-estrutura nacional. Tal escolha deve-se ao fato de
seu peso ser significativo 1) para as necessidades demandadas pelo sistema produtivo e 2)
pela sua indispensabilidade no tocante ao deslocamentos diários que está obrigado enorme
contingente humano. Esse último caso é apontado como uma das causas que colaboram
para a ocupação desordenada do solo dentro das grandes cidades, por representar um
9
dispêndio financeiro significativo, muitas vezes insuportável, para as classes trabalhadoras
de baixa renda, normalmente oriundas da periferia das grandes cidades.
Dos diversos modais que constituem o transporte como um todo, o foco foi direcionado
para o transporte ferroviário de cargas, que, por suas peculiaridades, projetam-no, talvez,
como o mais adequado para um país como o Brasil em função de suas dimensões,
características geográficas, distribuição da ocupação e perfil da produção econômica, entre
outros fatores.
O modal ferroviário, contudo, padece de dificuldades que se tornam limitadoras de sua
operacionalidade. D esta Dissertação apresentará alguns desses problemas e tentará
viabilizar as possíveis providências que consolidem soluções viáveis para setores
envolvidos nessa atividade. Visa-se superar (ou pelo menos minimizar) algumas das
questões pendentes no que tange às operações ferroviárias. Tais propostas fundamentam-se
no consenso indicativo da necessidade de estimular a utilização mais intensa desse modal,
bem como a expansão da malha ferroviária.
Quando são analisadas as formas de transportes de cargas disponíveis no país, e
comparadas em termos de características e custos, observa-se que o vel da opção pela
ferrovia é baixo (quando confrontado com os outras formas de transporte), apesar das
vantagens peculiares que apresenta para vários segmentos do setor produtivo nacional.
As informações disponíveis acerca da utilização das diversas formas de transporte
indicam concentração no modal rodoviário: 62%, contra 24% em ferrovias e 14% em
hidrovias, conforme registra Fiocca
1
, verificando-se, na ssia, por exemplo, a título de
comparação, a proporção de 81% de transporte ferroviário contra 8% de rodoviário; nos
Estados Unidos, 43% de transporte ferroviário contra 32 de rodoviário. Deve-se ainda
mencionar que, no Brasil, o crescimento anual desses modais apresentou a) no período
1951/1963 ,um aumento de 23,9% para rodovias pavimentadas e, em contrapartida, um
1
FIOCCA, Demian. Infra-Estrutura e Desenvolvimento. Disponível em <http://bndes.gov.br>. Acesso em
15/02/2009
10
decréscimo de 0,3% para ferrovias; b) no período de 1964/1980 o crescimento foi de 16%
das rodovias pavimentadas com um decréscimo de 1,6% nas ferrovias; c) no período de
1981/1993 registrou-se crescimento de 4,9% das rodovias pavimentadas e de somente 1%
nas ferrovias, e d) finalmente no período 1994/2002, um acréscimo de 1,5% contra um
decréscimo de 0,5 %, indicando a renúncia do transporte ferroviário em favor do modal
rodoviário.
A questão está associada a algumas outras considerações.
Em primeiro lugar, o Estado deve atuar no sentido de fomentar as atividades
econômicas, com o objetivo de promover o desenvolvimento econômico e social,
materializado com a elevação dos padrões indicados por diversos índices PIB, IDRH,
entre outros, os quais revelam, em última análise, os resultados das políticas públicas,
utilizadas no sentido de estimular o progresso do país.
A capacidade de crescimento de uma economia, por sua vez, está associada a um
ambiente positivo, tanto para o parque produtivo como para a população de um modo geral.
Essas condições favoráveis decorrem da existência de recursos essenciais que integram do
Estado e são tratados como infra-estrutura. Portanto, deficiências (ou insuficiências) nesse
conjunto significam menor possibilidade de desenvolvimento em função das limitações
impostas por tal situação.
No plano dos investimentos internacionais, tão importante para as economias carentes
de capital próprio, as escolhas das aplicações para inversão de recursos em produção,
encaminham-se para aqueles países que se tornam mais atraentes, justamente por
oferecerem boas condições infra-estruturais - uma das referências no processo decisório
para implementação de seus projetos. Ressalte-se, contudo, que esses fatores de produção
também devem apresentar vantagens no tocante a custos, uma característica essencial,
influenciadora direta no projetos de viabilidade econômica.
Em resumo, é de suma importância disponibilizar não os recursos indispensáveis à
implementação e à manutenção do parque produtivo, como fazê-lo de tal forma que sejam
11
eficientes além de apresentarem preços, que, quando comparados, sejam capazes de
superar aqueles oferecidos por outras economias. Para tanto, é imprescindível que haja
permanente observação do comportamento desses fatores e uma capacidade para corrigir
desvio de metas, com o objetivo de mantê-los eficazes e economicamente competitivos.
Ora, o Brasil, é costumeiramente indicado como um país com sérios problemas infra-
estruturais, por falta de investimentos nesse setor de sua economia, provocando
repercussões negativas. Deixa-se, então, o país de tornar-se opção interessante para
investimentos no setor produtivo, gerando um círculo vicioso, qual seja: não se investe no
parque produtivo porque não se investe na infra-estrutura.
Assim, observa-se ser indispensável criar condições favoráveis, no sentido de atrair
capitais necessários às aplicações nesse segmento , com a finalidade de gerar oferta dos
recursos específicos, criando ambiente propício a inversões financeiras no parque
industrial.
Dentro dessas condições infra-estruturais, uma das mais significativas é o transporte,
pela sua representatividade logística. Entre os modais disponíveis, a ferrovia coloca-se
como importante opção, por suas vantagens relativas no campo do transporte de cargas.
Lamentavelmente, o transporte ferroviário, utilizado em larga escala por outras
economias, é preterido em função de uma política que, de longa data, privilegia o transporte
rodoviário (como já comprovaram os índices acima referenciados). Por conseguinte, o
modal rodoviário predomina a forma de transporte utilizado nas unidades produtivas,
apesar de suas características determinarem incremento nos custos logísticos da maioria
das empresas. Também, colabora para esse panorama, a ausência de concorrência entre as
duas formas de transporte, em função insuficiência de oferta de serviços ferroviários
associados a problemas intrínsecos do sistema, tema principal desta Dissertação.
Para se ter uma idéia da importância atribuída ao transporte ferroviário em outras
economias, a China, para combater a crise mundial que vem ocorrendo desde o 2º semestre
12
de 2008, lançou um pacote de quase US$ 600 bilhões de dólares, investindo em infra-
estrutura (o principal motor do pacote anunciado) e bem estar social, estabelecendo que
estradas e ferrovias serão prioridades. No quarto trimestre de 2008, o governo chinês
investirá, ainda, US$ 290 bilhões (quase metade do pacote da ajuda financeira que os
Estados Unidos forneceu à época ao seu sistema financeiro), em um ambicioso projeto de
construção de ferrovias pelo país
2
.
No mesmo passo, o orçamento dos Estados Unidos, para 2009, com o novo governo
presidencial, prevê uma dotação de US$ 72,5 bilhões para o setor de transportes sendo
US$ 5 bilhões para trens de alta velocidade, valor esse superior, dentre outros, àqueles
destinados à Energia ( US$ 23,6 bilhões), Educação (US$ 46,7 bilhões) e Habitação ( US$
47,5 bilhões)
3
.
Verifica-se, em decorrência, como anteriormente observado, ser indispensável o contínuo
aprimoramento das condições infra-estruturais, objetivando torná-las cada vez mais
eficientes e eficazes, para fomentar a instalação e manutenção do complexo produtivo,
melhorando, também, o nível de atendimento das demandas da população,
proporcionando melhor qualidade de vida ao cidadão.
Em resumo: partícipe desse conjunto, o sistema de transportes revela-se de importância
significativa, pois sua insuficiência acarreta sérios problemas, tanto para o sistema
produtivo (tendo em vista as necessidades do acesso de insumos e distribuição da
produção), como para a população que o utiliza como meio de locomoção. Destaca-se,
então, nesse segmento, a ferrovia, por suas peculiaridades, que não a indicam como uma
das formas de transporte que melhor se enquadra nas necessidades provindas da geografia
e das características de um país de dimensões continentais , mas, também por sua
eficiência resultante da possibilidade de combinar alcance, capacidade e baixos custos.
2
O GLOBO, seção“Economia” em 10/11/2008.
3
O GLOBO, EM 27/02/2009,
13
Não é sem razão que o papel representado pelo transporte, além imprescindível, coloca-
o, em grande parte das empresas, como o de custo mais significativo dentre as despesas
logísticas. Nazário
4
, por exemplo, indica que, em média, o transporte significa cerca de
60% de todas as despesas logísticas, podendo variar de 4% a 25% do faturamento bruto.
Em alguns casos, como na de distribuição de combustíveis, pode representar duas ou três
vezes o lucro de uma companhia.
A malha ferroviária brasileira, levando-se em conta a extensão territorial do país, é
inexpressiva - 29.817 quilômetros
5
. À guisa de comparação, veja-se a Alemanha: com
dimensão territorial aproximada a de São Paulo, segundo meros do Comitê Ferroviário
do Congresso SAE Brasil 2007, possui 4,9 mil locomotivas, 1.573 vagões de carga; 9.500
carros de passageiros; e 213 carros de alta velocidade. O Brasil conta somente com 2.518
locomotivas e 83.733 vagões de carga.
Entretanto, no tocante ao ônus que representa, a gestora do projeto para a construção,
em Santa Catarina, da denominada Ferrovia do Frango, Megacorp
6
, demonstra que o custo
de uma tonelada de carga por quilômetro de ferrovia é de US$ 0,02 enquanto no transporte
rodoviário o preço da tonelada varia entre US$ 0,10 e US$ 0,12 o que já justificaria a
opção por esse tipo de transporte.
Logo, os fatos apresentados (percentuais e uma experiência concreta) indicam a
importância de serem resolvidos os problemas que afetam o transporte ferroviário.
Além disso, com esse panorama demonstra-se ser de relevância pesquisar e identificar
as causas que desestimulam o emprego da ferrovia a os problemas correntes que a
envolvem . Assim, com situações fáticas levantadas, apresentar-se-ão formas pelas quais o
Direito, principalmente no campo da Regulação, pode contribuir para a Resolução do
4
NAZÁRIO, B. O Papel do Transporte na Estratégia Logística. Disponível em
<http://www.centrodelogistica.com.br.>. Acesso em 10/11/2008.
5
ANTT. Disponível em<http://antt.gov.br>. Acesso em 11/01/2009.
6
Ferrovia do Frango.Disponível em<www.newscomex.com.br>. Acesso em 13/02/2009.
14
problema, apontando possíveis soluções para as das pendências, resultando no fomento do
uso do transporte ferroviário.
O objetivo desta Dissertação é, a partir dos obstáculos apontados apresentar uma
proposta por meio da qual alguns dos problemas operacionais pendentes possam ser
solucionados.
O primeiro capítulo trata dos investimentos. Comentam-se os óbices apresentados pelos
investidores, com relação a fatores que podiam desestimular aplicações financeiras no setor
produtivo da economia, destacando-se o setor de transportes e o modal ferroviário.
O segundo capítulo, por sua vez, é dedicado à disciplina jurídica da Ferrovia no Brasil
até a criação e extinção da RFFSA, e o surgimento da ANTT.
no terceiro Capítulo são indicados os principais problemas do modal, sob a gestão da
ANTT, alguns deles anteriores à criação da Agência Reguladora, mas que não foram
solucionados e ainda geram ambiente desfavorável ao uso do transporte ferroviário.
Nas conclusões, por fim, são elencadas sugestões para solução de algumas das
dificuldades indicadas.
15
1 –O INVESTIMENTO EM FERROVIAS
1.1 - O Contexto Infra-Estrutural
Os investimentos, visando à produção de bens em serviços, são, normalmente,
submetidos a uma análise prévia, que irá avaliar as condições de atendimento às
necessidades do empreendimento. Dentre as mais importantes dessas exigências,
encontram-se as disponibilidades infra-estruturais logísticas –entre elas o transporte-, que
podem ser determinantes para a indicar a viabilidade (ou não) de um projeto com o
propósito de ingressar parque no produtivo nacional.
Assim, a eleição geográfica de um determinado ponto para a instalação de uma unidade
de produção, por exemplo, dependerá das condições infra-estruturais do local escolhido -
desde o fornecimento de energia até as suas condições de acessibilidade -, bem como os
custos que envolvem o atendimento a essas exigências. Assim, supõe-se que nenhum
empreendedor irá montar uma indústria em um ponto que não disponha de transportes que
permitam o fornecimento de seus insumos e escoamento de sua produção, e, se existente,
este meio esteja disponível a um custo que inviabiliza o seu produto.
Existem casos, nos quais o investidor irá criar e/ou manter infra-estrutura independente
da sua atividade fim, principalmente em grandes empreendimentos, mas trata-se de
exceções. Um exemplo, no caso de transportes, é a Companhia Vale do Rio Doce e a
Estrada de Ferro de Carajás
7
.
Torna-se, dessa forma, fundamental a existência de um ambiente de disponibilidade de
recursos dessa natureza, favorável e indutor do Desenvolvimento Econômico. Para tanto, é
necessário o aporte de investimentos com o objetivo de suprir às insuficiências que se
apresentam. Ou seja, investir na infra-estrutura geral, para atrair a inversão de capitais no
7
Em 28/06/97 , no processo de privatização da Cia. Vale do Rio Doce, foi outorgada, por um prazo de 30
anos, renovável por mais 30, a Concessão para exploração das Estrada de Ferro Vitória a Minas e a Estrada
de Ferro Carajás. Fonte: ANTT. Disponível em < www.antt.org.br>. Acesso em 15/03/2009.
16
sistema produtivo, sendo importante ressaltar que a infra-estrutura atende não ao pólo
produtivo, como, também, e diretamente, às demandas do cotidiano da população.
Para Ferreira, está estabelecido, em nível empírico e teórico, a estreita ligação entre
infra-estrutura e crescimento econômico
8
. Opina, ainda, que provavelmente no setor de
transportes tenha havido a maior repercussão da queda dos investimentos públicos,
considerando que os investimentos totais, em 1993, superaram pouco mais de 10%
daqueles ocorridos em 1980, atingindo todos os modais, particularmente no setor
ferroviário, que se constituía praticamente pela Rede Ferroviária Federal S.A. RFFSA e
pela Companhia Brasileira de Trens Urbanos, desmembrada, em 1984, da RFFSA.
Do total dos investimentos estatais de 1980, 11% eram destinados às ferrovias, sofrendo
uma significativa e contínua retração até 1993, quando esse percentual reduziu-se a 3,8% .
Em 1996 representou, em termos reais, 11% dos investimentos de 1980.
Em paralelo à retração de investimentos, ocorreu diminuição (também contínua) da carga
transportada no período de 1986 a 1990, para a qual teria colaborado a recessão constatada
à época pelo país.
Costa da Silva
9
observa que uma série de estudos destacam reflexos favoráveis ao
crescimento da economia, em todos os níveis da atividade produtiva, como decorrência dos
gastos de infra-estrutura. Destaca:
Parece razoável esperar que esses gastos tenham uma capacidade completiva
importante, na medida em que estimula os investimentos privados. Em síntese, tal
capacidade se refere ao poder que
determinado investimento tem em induzir
outros investimentos. De acordo com Hirschman, a infra-estrutura consiste
naqueles serviços básicos, facilitadores do desenvolvimento da atividade
8
“.O capital em infra-estrutura afeta o retorno dos insumos privados e desta forma estimula investimento e
trabalho. O mecanismo de transmissão é simples. Para uma dada quantidade de fatores privados, melhores
estradas, energia e comunicação abundante e barata elevam o produto final e conseqüentemente implicam
maior produtividade dos fatores privados e reduzem o custo por unidade de insumo. A maior produtividade,
por sua vez, se traduz em elevação da remuneração dos fatores, o que estimula o investimento e o emprego.
Infra-estrutura também pode provocar um crowding-in, na medida em que condições do investimento
privado se instalar....”
FERREIRA, Pedro Cavalcanti. Investimentos em infra-estrutura no Brasil: fatos estilizados
e relação de longo prazo. Disponível em <http//www.ipea.gov.br>. Acesso em 1/3/2009,
9
COSTA DA SILVA, Guilherme Jonas. INFRA-ESTRUTURA E CRESCIMENTO: UMA
AVALIAÇÃO DO CASO BRASILEIRO NO PERÍODO 1985-1998. Disponível em <www.bnb.gov.br>.
Acesso em 21/01/2009.
17
produtiva. O autor ressalta que o custo de prover tais serviços é bastante
reduzido, uma vez que este pode ser total ou parcialmente coberto, por meio de
cobranças de impostos ou taxas de utilização. No entanto, em função do vultoso
volume desses investimentos estratégicos e da elevada razão capital/produto
necessários para fornecer tais serviços, Hirschman conclui que estes devam ser
mantidos pela administração blica ou por agentes que sofram fiscalização do
mesmo. Nesse sentido, pode-se falar da importância dos gastos em infra-estrutura
na estratégia de desenvolvimento. O papel da infra-estrutura se torna evidente na
teoria de Hirschman, quando o autor define, com base no vel de oferta destes
serviços, dois cenários possíveis nos quais a industrialização que conduziria o
país ao desenvolvimento poderia ser dar: um com excesso e outro com escassez
de infra-estrutura, frente à “atividades diretamente produtivas”.
Fiooca
10
observa que os investimentos, particularmente em infra-estrutura,
“[...]
têm papel fundamental na sustentação do crescimento devido a suas
externalidades positivas sobre os demais investimentos e o conjunto da
economia”. Acrescenta, “[...] Em outras palavras, investimentos em infra-
estrutura são importantes não só como mecanismo de geração de demanda,
sobretudo para o setor de construção civil, mas também pelos seus impactos de
oferta a longo prazo. Investimentos em infra-estrutura promovem ganhos
sistêmicos de produtividade, aumentando os lucros e a competitividade das
empresas brasileiras.”
Deve-se, neste momento, rever o que foi realizado pelo Governo, em termos de
investimentos públicos.
Entre 1956 e 2001, ocorreram investimentos de R$ 55 bilhões na RFFSA e R$ 14
bilhões na Companhia Vale do Rio Doce. Entre 1956 e 1970, os investimentos na RFFSA
foram da ordem R$ 740 milhões anuais. Tiveram aumento significativo a partir de 1971,
chegando a R$ 4,4 bilhões em 1976. Nos anos subsequentes, foram diminuindo, chegando,
em meados dos anos 80, aos mesmos níveis dos anos 60. Esses aumentos, ocorridos na
década de 70 e o início da década de 80, refletem a política de investimentos adotada, por
meio do I e II Plano Nacional de Desenvolvimento PND, do Governo Federal. Em
contrapartida, o processo da retração de investimentos nos períodos seguintes está
associado ao estrangulamento fiscal do Governo, em decorrência da crise da dívida externa
nos anos 80.
10
FIOCCA, Demian. Infra-Estrutura e Desenvolvimento. Disponível em <http://bndes.gov.br>. Acesso
em 15/02/2009
18
o investimento dio anual da RFFSA, entre 1985 e 1993, foi de R$ 709 milhões, e,
no período que antecedeu a concessão da Rede a particulares, entre 1994 e 1996, os
investimentos recuaram para uma média anual de R$ 70 milhões, sendo que em 1995 foram
de apenas R$ 18 milhões
11
.
A taxa de investimento públicos em relação PIB ao experimentou significante redução
nas ultimas décadas, representando percentualmente no período de 1970/1979: 3,7%; de
1980/1989: 2,7%; de 1990/1999: 2,7% e de 2000/2003, 1,8%, constatando-se uma
diferença de 50% de decréscimo entre o primeiro e o último período
12
.
Como é o principal inversor de recursos em infra-estrutura, a redução de investimentos
por parte do Estado justifica o baixo nível de aportes financeiros em diversos segmentos,
repercutindo na área de transportes e de energia elétrica, que, de 1994 a 2002,
apresentaram um crescimento médio anual abaixo daqueles apresentados em períodos
anteriores.
O investimento em infra-estrutura é fundamental para evitar problemas logísticos, que
devem ser disponibilizados para o crescimento da economia, evitando-se o que ocorreu
com o setor de energia elétrica em 2001, criando problemas para a produção e para a
população diretamente. Fiocca
13
, indica, ainda, que a perda, em termos de crescimento
econômico, naquele ano foi da ordem 3% do PIB, percentual maior do que aquele que
teria que ser despendido nos investimentos que poderiam ter evitado o problema . A opção
de privatização adotado pelo Governo, resultou em aumento de investimentos no setor
de telefonia, não tendo havido, de imediato, a mesma repercussão em outros segmentos que
integraram o referido processo.
11
LACERDA, Sander Magalhães.. O transporte ferroviário de cargas. Disponível em
<www.bndes.gov.br>. Acesso em 12/02/2009
12
Infra Estrutura e Desenvolvimento. Disponível em <hhtp://bndes.gov.br>. Acesso em 07/02/2009.
13
FIOCCA, Demian. Op. cit. pág. 17.
19
Não é sem razão, pois, que o presidente da Sociedade Nacional da Agricultura, no
Congresso do Agrobusiness
14
, afirmou que uma das principais dificuldades enfrentadas
pelo agronegócio no país é a rede precária de transportes, em decorrência dos baixos
investimentos no setor ferroviário. Informou, ainda, que 62% das terras são agricultáveis e
42% do território nacional estão ocupados por estabelecimentos agropecuários, com alta
produtividade, mas que grande parte da produção é desperdiçada, sendo um dos principais
problemas a área de logística, principalmente no setor de transportes. Segundo ele, as
estradas e os portos não dão vazão suficiente a produção brasileira.
Com as desestatizações, desonerou-se, em princípio, o Governo de aplicar recursos
diretamente no transporte ferroviário, transferindo para o concessionário essa
responsabilidade, agindo o Estado, somente com a finalidade de promover o fomento da
atividade, na maior parte das vezes através de financiamentos do BNDES. O setor
ferroviário por ter sua oferta reprimida em relação à expectativa de demanda, deve
mostrar-se como uma alternativa capaz de atrair interesses nacionais e estrangeiros.
A ferrovia apresenta-se, assim, como um segmento que deve ser estimulado pelas
políticas públicas e que pode tornar-se extremamente atrativo para investimentos privados,
desde que, sejam solucionados alguns problemas associados a garantias e a resolução de
problemas que influenciam sua operacionalidade e expansão.
Um exemplo vem da importância atribuída a investimentos em ferrovia vem da Ásia
15
:
para combater a crise mundial que vem ocorrendo no semestre de 2008 a China lançou
um pacote de quase US$ 600 bilhões de dólares, pretendendo o governo tentar conter a
crise investindo em infra-estrutura e bem estar social, (O Globo ECONOMIA
10/11/2008), estabelecendo que estradas e ferrovias serão prioridade e que a maior parte
dos recursos será destinada a obras de integração no país. Informa, que
14
Agência Brasil, 04/12/2007. BAIXO INVESTIMENTO EM FERROVIAS PREJUDICAM O
AGRONEGÓCIO. Disponível em <www.agenciabrasil.ebc.htm>. Acesso em 12/01/2009
15
O GLOBO. Seção “Economia” em 10/11/2008.
20
“[...] ainda que o governo da China tenha reduzido impostos e taxas de juros para
ajudar o setor empresarial do país a se movimentar num cenário de crise, são os
investimentos em infra-estrutura o principal motor do pacote anunciado.No
quarto e último trimestre de 2008, o governo chinês investirá 400 bilhões de
yuans US$ 290 bilhões, quase a metade do pacote de ajuda de ajuda dos EUA
ao seu sistema financeiro a serem investidos num ambicioso projeto de
construção de ferrovias pelo país”.
Tais investimentos ocorrerão nos próximos dois anos e o objetivo é que a China chegue
a 2010 com uma malha ferroviária de 90 mil quilômetros de extensão. Na época da crise
asiática em 1997, a China conseguiu manter as suas altas taxas de crescimento investindo
pesadamente na construção de rodovias por todo o país, . A idéia é repetir esta experiência,
dessa vez com as ferrovias. Cerca de 1,2 trilhão de yuans foram alocados no orçamento
e os projetos começaram ainda este ano para que os efeitos sobre a economia possam ser
sentidos em 2009, segundo fontes oficiais. No dia 15 de outubro de 2008, foi deflagrado o
maior e mais ambicioso projeto ferroviário do país que envolve a construção de 841
quilometros, orçados em US$ 17,2 bilhões, prevististos para estarem concluídos em 2012.
Quando em operação, a ferrovia vai transportar 80 milhões de passageiros por ano no em
cada sentido dos trechos projetados.
1.2 - Fator Limitador dos Investimentos
Divulgado em 2007
16
pelo Instituto Internacional para o Desenvolvimento Gerencial
(IMD, na sigla em inglês), em conjunto com a Fundação Dom Cabral, o Relatório de
Competitividade Mundial 2007 indica que o Brasil recuou 5 (cinco) posições em relação a
2006 ( de 44º. para 49º. lugar), em decorrência de antigos problemas, tais como carga
tributária alta, burocracia, juros elevados e infra-estrutura precária, aliados a novos
problemas como o apagão aéreo. No Relatório de 2006 em relação a 2005, a perda foi de 2
(duas) posições. Além da elevada carga tributária e da legislação complexa, que são
historicamente entraves ao país, impactou todo o conjunto de variáveis analisadas na
pesquisa - segundo comentário do Prof. Carlos Arruda professor de inovação e
competitividade da Fundação Dom Cabral e responsável pelo levantamento no Brasil do
16
O Globo de 10/05/07.
21
citado Relatório-, o fato do país não ter investido em infra-estrutura e na melhoria do
ambiente regulatório permitindo que outros países o ultrapassassem, como México e
Rússia. Tal documento se propõe a constituir uma ferramenta para analisar a capacidade de
um país em prover um ambiente no qual as empresas possam competir (eficientemente) e
crescer. No denominado BRIC, conjunto das as economias emergentes que inclui ainda
Rússia, Índia e China, o desempenho do Brasil fez que com que fosse o único no grupo a
registrar queda no ranking. Uma análise preliminar indica o Relatório, sugere que a perda
do Brasil pode estar associada a falta de melhoria significativa em fatores de infra-
estrutura.
Assim, para atrair capitais privados, dificuldades devem ser enfrentadas, sobretudo as
que desestimulam a implementação de empreendimentos importantes para a economia
nacional.
Entre os diversos problemas, apontados no conjunto denominado Custo Brasil
encontram-se, dentre outros, deficiências infra-estruturais (que demandam investimentos), e
segurança jurídica (fator limitador de inversões no conjunto da economia). Pela ordem
natural, em relação aos óbices apresentados, supõe-se ser prioritária a busca por soluções
para o entrave da segurança jurídica, afastando, ou minimizando, o impedimento de
inversões no conjunto infra-estrutural geral. Com isso, passaria a depender, somente, de
estímulos da política econômica, gerando ambiente propício a empreendimentos que
requeiram recursos dessa natureza.
Segundo PANHOCA
17
, O Custo Brasil, constitui um conjunto de fatores que afeta a
análise de investimentos no país, sendo composto por carga tributária, custos portuários,
encargos trabalhistas, financiamentos, telecomunicações, transporte e regulamentação
governamental.
No caso dos transportes, inserido dentre outros fatores infra-estruturais deficientes, a
situação do setor ferroviário exige correções (apontadas mais à frente). Rodrigo Vilaça,
17
PANHOCA, Luiz. Custo Brasil. Disponível em <www.she.com.br>. Acesso em 11/11/08.
22
diretor executivo da Associação Nacional dos Transportes Ferroviários, em reunião da
Subcomissão Temporária da Regulamentação, realizada em 25/6/2007
18
, no Senado,
afirmou que um Marco Regulatório mostra-se indispensável para o estabelecimento da
segurança jurídica no referido setor, e que problemas jurídicos dificultam a gestão da
recuperação das ferrovias. Para a economia do país como um todo, revela-se, então, a
segurança jurídica como um dos itens mais sensíveis em relação à refração, no tocante à
inversão de capitais privados nacionais ou estrangeiros. Sobre este problema, PINHEIRO
19
,
afirma que é reconhecida a importância da existência de instituições que definam
claramente e tornem estáveis as “regras do jogo”, oferecendo certeza e previsibilidade às
relações econômicas, consequentemente estimulando a eficiência e o investimento. Isso
demonstra o peso da segurança jurídica, que tem, entre seus papéis fundamentais – talvez o
de maior importância para o crescimento econômico do país -, o de assegurar a
impossibilidade de expropriação de direitos de propriedade pelo setor público. Esse risco,
segundo o autor, decorre do fato de que o Estado, como qualquer parte em uma relação
jurídica
[....] tem incentivos para agir de forma oportunista, afigurando-se esse risco tão
maior quanto mais específico for o investimento exigido da outra em
cumprimento às suas responsabilidades contratuais. O risco de expropriação
reduz o valor dos ativos, o retorno esperado de novos investimentos e,
consequentemente, a propensão a investir. A falta de segurança jurídica também
desencoraja a poupança e estimula a evasão de capital reduzindo o volume de
fundos disponíveis para se financiar investimentos.
Portanto o comportamento do Estado, como agente estabilizador, é determinante, e deve
ser manifestado, através de seus três Poderes, de forma a oferecer a segurança jurídica
indispensável, neste caso, para estimular ações positivas dos agentes econômicos. Ainda
Pinheiro opina:
[...] O que torna o Estado tão especial é o monopólio da coerção legal a ele
atribuído pela sociedade, o que aumenta a sua liberdade para unilateralmente
mudar, invalidar ou não honrar os termos da relação sem ser punido. Por isso são
necessárias limitações substantivas e processuais à capacidade de o governo
mudar as regras “no meio do jogo”, e contar-se com um Judiciário independente e
18
Sub-comissão discute Marco Regulatório. Disponível em <www.cna.org.br >. Acesso em 03/11/2008.
19
PINHEIRO, Armando Castelar. Segurança Jurídica, Crescimento e Exportações – Texto para
discussões. Rio de Janeiro, IPEA, 2005.
23
forte que garanta a sua aplicação. Assim, um dos objetivos que inspiram o
princípio da segurança jurídica é garantir que as relações ou situações jurídicas
não serão alteradas para acomodar fatores circunstanciais ou a conveniência
política do momento.
Afirma, ainda que o oportunismo do Poder Público, sem diminuir a sua flexibilidade na
condução política, representa relevante objetivo no âmbito da segurança jurídica.
Ora, o risco associado à jurisdição brasileira reflete-se nas inversões financeiras privadas
em infra-estrutura, porque neste segmento envolvem-se investimentos com longo prazo de
maturação, que impõem contratos igualmente de longa duração e, pela natureza dessa
operação, sem condições para prever ocorrências de eventualidades até a sua conclusão.
Acrescente-se, ainda, o fato desses investimentos destinarem-se a segmentos muito
específicos (rodovias, ferrovias, etc), setores significativos que tornariam o investidor
privado particularmente sensível ao oportunismo estatal.
O comportamento dos investimentos em transportes, decorrem, também, entre outros
fatores, das políticas que vieram e vêm sendo adotadas pelos Governos para esse setor.
Refletem, no caso do modal em foco, na disciplina jurídica das ferrovias no Brasil.
24
2. – EVOLUÇÃO DAS FERROVIAS
2.1 – Breve retrospecto histórico
Ora, inegável é a contribuição do transporte para o progresso da humanidade, tanto no
concernente à possibilidade do deslocamento de pessoas tanto, como que tange à produção
e distribuição de bens e serviços. Esse fato pode ser constatado ao observarmos que o ser
humano, desde os tempos mais remotos, valeu-se dos mais diversos recursos para superar
os limites da sua auto-locomoção. Os exemplos da importância e das conseqüências da
utilização de variados tipos de transporte pelo homem, evidentemente, fazem parte da
história das civilizações.
20
Entretanto, cem anos 90% da humanidade nunca tinha-se afastado mais de 30
quilômetros de casa.
21
Com relação ao início do transporte ferroviário cumpre notar que, esteve associado à
atividade econômica. Conforme menciona RANSOLIN
22
, a origem da ferrovia está
diretamente ligada ao transporte de minérios, surgindo na Europa para remover carvão das
minas e levá-lo às fundições. Existente desde o século XVI na Alemanha, expandiu-se para
o resto do Continente, sobre trilhos de madeira e utilizando tração humana e animal.
20
Huberman , descreve que: “...Nos primórdios da sociedade feudal, a vida econômica decorria sem muita
utilização de capital. Era uma economia de consumo em que cada aldeia feudal era praticamente auto-
suficiente. O servo e sua família cultivavam seu alimento e com as próprias mãos fabricavam qualquer
mobiliário de que necessitassem....Assim o estado feudal era praticamente completo em si fabricava o que
necessitava e consumia seus produtos...Havia um certo intercâmbio local de mercadorias.... no mercado
semanal mantido junto de um mosteiro ou castelo, ou numa cidade próxima. Esse mercadores estavam sob o
controle do bispo ou senhor e ali se trocavam quaisquer excedentes produzidos por seus servos ou artesões....
...Assim sendo o comércio nos mercados semanais nunca foi muito intenso e era sempre local. Um outro
obstáculo à sua intensificação era a péssima condição das estradas. Estreitas, mal feitas, enlameadas e
geralmente inadequada às viagens. E, ainda mais, eram freqüentadas por duas espécies de salteadores
bandidos comuns e senhores feudais que faziam parar os mercadores e exigiam que pagassem direitos para
trafegar em suas estradas abomináveis.....O transporte de mercadorias para longas distâncias, sob tais
circunstâncias, obviamente era penoso, perigoso, difícil e extremamente caro...”. HUBERMAN, Leo .
História da Riqueza do Homem. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1972, pgs..26-27.
21
O GLOBO,, Caderno “Carro, etc...”, 01/10/2008.
22
RANSOLIN, Antonio F. FERROVIAS NO RIO GRANDE DO SUL. Disponível em
<http://www.trt4.ju.br>. Acesso em 20/10/2008.
25
Ainda em função do transporte de minérios, as linhas férreas tiveram impulso a partir de
1765, quando James Watt construiu a primeira máquina a vapor fixa, e, em 1769, quando o
francês Josephe Cugnot aperfeiçoou-a, tornando-a máquina móvel. Relevante evolução
ocorreu em 1804, ocasião em que o inglês Richard Trevithick construiu a primeira
locomotiva que se deslocava sobre trilhos de ferro fundido, transportando, em um percurso
de 15 quilômetros, carga de minérios e 70 homens em cinco vagões.
a primeira linha férrea comercial, ligando duas cidades, surgiu em 1830, entre
Liverpool e Manchester. As ferrovias, desde então, alastraram-se pela Europa e pelo
mundo, tendo, em 1832, chegado à França e, entre 1835 e 1839, à Alemanha, Itália
Holanda, Bélgica, Rússia, e, na década seguinte, a Dinamarca, Espanha e Suíça, chegando
à América do Norte e subseqüentemente as outras Américas. Em 1837 implanta-se em
Cuba, em 1849 no Peru e no México, em 1850 no Chile, em 1854 no Brasil, em 1855 na
Colômbia, em 1857 na Argentina e no Paraguai.
É evidente que tal expansão atendia aos interesses do capitalismo e de sua evolução na
primeira Revolução Industrial A Inglaterra, por exemplo, menos de duas décadas após a
inauguração de sua primeira linha férrea, possuía mais de 10.000 quilômetros de
ferrovias (investimento de 250 milhões de libras esterlinas, quase 50% de toda a renda
nacional).
23
Não é sem razão que na visão do mesmo autor
[...]
Por volta de 1840, os comerciantes ingleses reconheciam que os limites da
demanda latino-americana pós-independência haviam sido atingidos e que se
deveria aumentar as vendas via desenvolvimento de recursos não utilizados no
interior do continente, como construção de ferrovias e portos. Isso se realizou
após 1850, quando a influência econômica inglesa cresceu com grande rapidez no
continente, notadamente em termos de ferrovias, ações de empresas de serviços
públicos e de infra-estrutura . Com a construção de estradas de ferro, os ingleses
estimularam o desenvolvimento de sua própria indústria de bens de capital e
fomentaram as possibilidades exportadoras da agricultura, pecuária e mineração
latino americanas”
24
23
RANSOLIN, Antonio F., op. cit. p.24..
24
RANSOLIN, Antonio F., op. cit. p. 24 , apud STEIN, Stanleye , Bárbara. A herança colonial da América
Latina. 3ª ed. Rio de Janeiro. Paz e Terra, 1983. p. 119.
26
Além disso, ressalta que
[...]As inversões inglesas, as mais importantes, mas não únicas, entre 1865 e 1885
triplicaram e ao final de trinta anos, aumentaram sete vezes, ao mesmo tempo
alterava-se a sua composição radicalmente. Asferrovias que representavam 11,8%
em 1865, saltam para 36,2% trinta anos após; o setor financeiro sobe de 2.5% em
1865 para 7,1% em 1895.
25
2.2 – A disciplina jurídica da ferrovia no Brasil
No Brasil, a primeira manifestação da intenção para positivar um sistema ferroviário
ocorreu em 31 de outubro de 1835, quando foi sancionada a Lei 101 pelo então Regente do
Império - passando, em razão desse fato, a ser conhecida como Lei Feijó - com o propósito
de ligar o Rio de Janeiro às capitais de Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Bahia. Previa,
essa lei, a outorga de concessão por 40 anos, cessão de terrenos públicos e direito de
desapropriação de terras de particulares para a implantação da ferrovia, além de isenção de
impostos durante 15 anos. Apesar de todas as vantagens que apresentava, a iniciativa não
logrou êxito em razão da carência de recursos, decorrente da falta de interesse de
investidores nessa área e pela difícil situação política nos anos da Regência.
Efetivamente, o marco inicial da implantação das ferrovias foi estabelecido com o
Decreto 641 de 26 de junho de 1852, ou seja, dezessete anos após a promulgação da Lei
Feijó. Com o objetivo atrair capitais nacionais e estrangeiros para construção de estradas de
ferro ligando as principais províncias do país, o governo oferecia uma série de privilégios e
vantagens, além dos já estabelecidos pela Lei Feijó tais como:
a) criação do chamado “privilégio de zona”, que era a garantia do monopólio dos serviços
na região em que a linha fosse implantada, proibindo concorrentes numa distância de 5
léguas de cada lado dos trilhos;b) garantia de uma taxa de retorno de 5% sobre o capital
investido na ferrovia; (c) aumento do período de concessão para 90 anos, abrindo a
possibilidade do investidor negociar a aquisição da linha 30 anos após.
25
. Op. cit, apud CUEWVAS, A. O desenvolvimento do capitalismo na América Latina. São Paulo:
Global, 1983. p. 71.
27
Vedava, contudo, a utilização da mão de obra escrava na construção das estradas e
premiava os operários que trabalhassem nas obras com a dispensa do serviço militar, na
época denominada Guarda Nacional.
Nesse mesmo ano, 1852, é feita concessão a Irineu Evangelista de Souza (1813-1889),
que, depois, tornar-se-ia o Barão de Mauá, para a ligação do Rio de Janeiro ao Vale do
Paraíba e, mais tarde, a Minas Gerais, por meio de um sistema que hoje seria denominado
multi-modal: de barco, do Rio até porto nos fundos da baía de Guanabara (depois
denominado Porto de Mauá), a partir daí, em ferrovia até a Raiz da Serra; deste último
local, por estrada de rodagem, até Petrópolis; e, a partir de Petrópolis, novamente Estrada
de Ferro
26
.
Assim, em 30 de abril de 1854, foi inaugurado o primeiro trecho ferroviário do Brasil,
com 14 quilômetros de extensão, ligando o porto de Mauá à estação de Fragoso, chegando,
dois anos após, à raiz da Serra da Estrela.
Contudo, tratava-se, de um empreendimento que dependia, para seu sucesso, do
funcionamento de outros modais, além da ferrovia. Fora isso, atrasos na conclusão da
rodovia União e Indústria levou à derrocada da Estrada de Ferro Mauá, que, em 1883, foi
incorporada pela Leopoldina Railway.
27
.
26
DNIT. Histórico. Disponível em<www.dnit.org.br>. Acesso em 15/11/2008.
27
A publicação “Trens & Cia” , em artigo denominado “Ferrovias no Brasil Breve Histórico” observa que
[...] Não era plausível à época a construção vencendo a montanha, pois não havia ainda tecnologia disponível.
Para se ter uma idéia, basta mencionar o fato de que a primeira estrada de montanha do mundo, veio a ser
inaugurada em 1853, nos Alpes. Embora esse trecho inicial não fosse de grande valor econômico, deduz-se
que a escolha deveu-se a visão política de seu construtor, de vez que a família imperial tinha especial
predileção pela cidade serrana, e a viagem do Rio até lá era uma jornada extremamente penosa e demorada. É
evidente que a eliminação ou atenuação desse inconveniente só poderia trazer satisfação para D. Pedro II. E
na verdade o foi outra coisa que aconteceu.”. Disponível em <http://trens&cia.e1.com.br>. Acesso em
20/11/2008.
Observação: Deve ser ressaltado, além do pioneirismo, o espírito empreendedor do Barão de Mauá, que, em
1845, deu início a industria naval brasileira, ao fundar, em Niterói os Estaleiros da Companhia Ponta de
Areia, que, em 11 anos, fabricou 72 navios à vapor e à vela. Fonte: Histórico. DNIT. Disponível em
<www.dnit.org.br>. Acesso em 15/11/2008.
28
A Lei 641, no entanto, desencadeou uma série de concessões para a construção de
ferrovias. Novamente valemo-nos de Ransolin
28
, ao observar que
[...] Sob a garantia de juros mínimos, sem nenhum plano nacional de viação,
passaram-se a construir centenas de quilômetros isolados, expandindo-se linhas
fragmentária e desordenadamente por todo o país. Esta realidade também
simbolizava, apesar dos esforços bem-sucedidos de centralização da Monarquia, a
força das oligarquias dominantes nas províncias. Em 1860, 128 quilômetros
haviam sido construídos; no final da década seguinte, em torno de 300
quilômetros. Com esses escassos resultados, o Governo Imperial alterou em
1873 sua política ferroviária...’.
Assim, com a Lei 2.450, de 24 de setembro de 1873, criaram-se mais incentivos para a
construção de ferrovias: concessão de juros ou subvenção quilométrica de 30 contos de reis
por quilometro construído. Com as vantagens oferecidas, houve um aumento da rede para
1.288 quilômetros em 1880, chegando, no final da década, a 3.281 quilômetros.
O oferecimento de subvenção, no entanto, se, por um lado, proporcionou certa expansão
da rede, por outro, acarretou a implementação de péssimos trechos com a construção de
ferrovias de baixo custo e quilometragem desnecessária (com traçados que objetivavam o
mínimo de despesa para sua implementação), sempre com o propósito de obter o máximo
de lucro em função dos critérios para a concessão das vantagens.
Em 29 de dezembro 1880, então, foi publicado o Decreto 7.959, o que aprovava as
cláusulas que regulariam as concessões de estradas de ferro gerais no Império, colocando
todas as regras de exploração, direitos e obrigações dos concessionários das ferrovias num
único documento.
Segundo OLIVEIRA
29
a promulgação desta lei que pretendia reduzir o impacto dos
privilégios concedidos, como, por exemplo a redução do prazo de concessões de 90 para 30
anos, a queda da taxa de juros de 9% para 6% e a diminuição da faixa de domínio de 33
para 10 quilômetros, acabou afastando os investidores privados e implicou a necessidade do
aporte de recursos públicos na construção de ferrovias e aquisição de ações das estradas de
28
RANSOLIN, Antonio Francisco, op. cit. p. 24.
29
OLIVEIRA, Ricardo Wagner Carvalho de. Direito dos Transportes Ferroviários, Rio de Janeiro: Editora
Lumen Júris, 2003, p. 20.
29
ferro privadas. Em 1889, quando do término da monarquia , o Estado detinha 34% do total
das ferrovias do país.
A Constituição da República, promulgada em 24 de fevereiro de 1891, explicita, em seu
artigo 13, que
[...]
O direito da União e dos Estados de legislarem sobre a viação férrea e
navegação interior será regulado por lei federal” e, no artigo 48 determina que [...]
Compete privativamente ao Presidente da República: ) sancionar, promulgar e fazer
publicar as leis e resoluções do Congresso; expedir decretos, instruções e regulamentos
para sua fiel execução” .
Como consequência encargos gerados pelas garantias de juros, decorrentes dos
compromissos anteriores, criaram um significativo problema financeiro que, em 1898,
consumiu um terço do orçamento público. Determinou, ainda, a medida do Governo, o
decreto da moratória, por três anos, das garantias que haviam sido oferecidas e, até 1903, a
suspensão da construção de estradas de ferro.
Três anos mais tarde, executando uma manobra financeira, o Governo conseguiu obter
um empréstimo em Londres, cujos juros eram mais baixos do que aqueles que haviam sido
anteriormente garantidos. Com isso, comprou as ferrovias dos empresários então seus
credores. Essa operação, contudo, não tinha, como propósito do Governo, assumir a gestão
das ferrovias, mas sim sanar (ou minimizar) os problemas decorrentes de políticas
anteriores. Tanto que o passo seguinte foi a adoção de um processo de arrendamento das
estradas de ferro a fim de repassar as despesas assumidas e suprir e ampliar o atendimento
aos usuários do sistema
30
.
Nesse período, começam a se instalar no país companhias ferroviárias estrangeiras, como
um novo marco da história desse setor de transporte, embora, em 1898, por intermédio do
Decreto 2.797 de 14 de março de 1898, tivesse se instalado no País a The Leopoldina
Railway Company Limited, que assumiu - como conseqüência de liquidação forçada em
1897 da Companhia Geral de Estradas de Ferro - o controle dessa empresa.
30
OLIVEIRA, Ricardo Wagner, op. cit. p. 28, pág. 20.
30
Foi em 7 de dezembro de 1912 que se publicou a Lei 2.681, que regula até hoje
responsabilidade civil das ferrovias, dispondo que
[...]”Art. - As estradas de ferro serão responsáveis pela perda total ou parcial,
furto ou avaria das mercadorias que receberem para transportar. Será sempre
presumida a culpa e contra esta presunção se admitirá alguma das seguintes
provas:...”.
A Responsabilidade Civil Objetiva das estradas de ferro tem fundamento nesse
diploma.
O Decreto 15.673, promulgado em 7 de dezembro de 1922, por seu turno, aprovou o
Regulamento para a segurança polícia e tráfego nas ferrovias. A importância dessa lei se
deve ao fato de ter tratado dos assuntos de forma detalhada. Alguns de seus dispositivos
foram utilizados em diplomas posteriores. Tal Decreto vigorou a 1963 quando foi
revogado pelo Decreto 2.089, de 18 de janeiro de 1963, que dispôs, dentre outros artigos, os
dos seguintes:
[...]“
Art. 1º Este Regulamento disciplina a segurança, tráfego e polícia das
estradas de ferro.
Art. A construção e a exploração industrial e comercial das estradas de ferro
destinadas a servir ao público mediante a cobrança de passagens e fretes
competem ao Poder Público..
Parágrafo único. O Poder Público poderá executar êsses serviços diretamente -
por si ou pelas autarquias que constituir para esse fim - ou indiretamente,
mediante delegação a entidades privadas de natureza particular ou paraestatal.
Art. 3º As estradas de ferro que se refere o artigo precedente constituem
emprêsas executoras de serviço blico, ficando subordinadas à fiscalização do
outorgante da delegação, concessão ou arrendamento e, em qualquer caso, nos
limites que forem estabelecidos pelo Poder Público Federal. .”
Parágrafo único. A fiscalização do Poder Público Federal será exercida através do
Departamento Nacional de Estradas de Ferro (D.N.E.F.), que poderá exigir das
estradas as medidas que julgar necessárias à segurança e regularidade do tráfego,
assinando-lhes prazos para sua execução e aplicando-lhes as penalidades
previstas neste Regulamento, em caso de inobservância”.
31
Destaque-se o disposto no Artigo 2º, que atribui ao Poder Público a competência para a
construção e exploração das ferrovias.
Esse propósito foi consolidado quando, iniciando a fase das denominadas Constituições
econômicas no Brasil, a Constituição de 1934 estabeleceu a União como detentora da
competência para explorar e legislar sobre o transporte ferroviário da seguinte forma
(...)
Art 5º - Compete privativamente à União:...
VIII - explorar ou dar em concessão os serviços de telégrafos, radiocomunicação
e navegação aérea, inclusive as instalações de pouso, bem como as vias-férreas
que liguem diretamente portos marítimos a fronteiras nacionais, ou transponham
os limites de um Estado; “
IX - estabelecer o plano nacional de viação férrea e o de estradas de
rodagem, e regulamentar o tráfego rodoviário interestadual;...”
Essa determinação ( art. 5º VIII e IX) foi reiterada na Constituição de 1946 que
preconiza:
(...)
Art - Compete à União:. ..... XII - explorar, diretamente ou mediante
autorização ou concessão, os serviços de telégrafos, de radiocomunicação, de
radiodifusão, de telefones interestaduais e internacionais, de navegação aérea e de
vias férreas que liguem portos marítimos a fronteiras nacionais ou transponham
os limites de um Estado;...” .
O Decreto-lei 9.760 de 5 de setembro de 1946, que dispunha sobre os bens imóveis
da União, incluiu entres estes as ferrovias:
(...)
Art. 1º Incluem-se entre os bens imóveis da União:
... g) as estradas de ferro, instalações portuárias, telégrafos, telefones, fábricas
oficinas e fazendas nacionais;...”.
32
Com o objetivo de obter recursos destinados a investimentos nas estradas de ferro, a Lei
1.272-A, de 12 de fevereiro de 1950, tratava sobre o financiamento para o Plano Geral de
Reaparelhamento Ferroviário e dispunha
(...)
Art. 1º É criado o Fundo Ferroviário Nacional, destinado à construção, renovação
e melhoramento das ferrovias compreendidas no Plano Ferroviário Nacional e ao
auxílio às ferrovias estaduais, quer de propriedade dos Estados, quer de sua
concessão”.
Tal fundo, que beneficiaria tanto as ferrovias do Plano Ferroviário Nacional como as
concessionárias estaduais, seria constituído por produto das taxas de melhoramentos
instituídas pelo Decreto Lei nº 7.632, de 12 de junho de 1945, prorrogado por mais 20 anos,
a) por imposto único sobre minerais dos país e energia elétrica; b) pelo imposto sobre
carvão importado; c) pelo produto da Constituição de Melhoria relativa as estradas de ferro
e, finalmente, d) por dotações que lhe fossem atribuídas no Orçamento Geral da República.
Autorizava, também, o Poder Executivo a promover operações de financiamento
necessárias não ao reaparelhamento como também à ampliação das estradas de ferro
nacionais, com a garantia do Fundo Ferroviário Nacional.
Já a Lei 1.102 de 18 de maio de 1950 autorizava o Presidente da República a realizar, no
período de 1950 a 1954, o Plano S.A.L.T.E empreendimentos relativos a saúde (S),
alimentação (AL), transporte (T) e energia (E) – , explicitando :
(...)
Art. 13. É o Poder Executivo autorizado a celebrar acordos com os
concessionários de Estradas de Ferro beneficiadas com o Plano SALTE e dispor
sobre a forma de reembolso das quantias que nas mesmas forem aplicadas pela
União”. .
Nesse período, grande parte das ferrovias estavam sob a gestão do Estado, e dentro
desse comportamento estatizante, foi encaminhada ao Congresso, em 1952, pelo presidente
Getúlio Vargas, um projeto de Lei propondo a criação da Rede Ferroviária Federal.
33
Publicação da a Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários
31
, observa que o
desenvolvimento ferroviário brasileiro sempre esteve ligado a políticas de governo, que por
seu turno, variaram grandemente ao longo da história, e divulga estudo elaborado pelo Eng.
José Eduardo Castelo Branco, o qual divide o desenvolvimento ferroviário brasileiro nas
seguintes fases:
Fase I (1835-1873) durante a Regência e o Segundo Reinado, sendo
observado o início da implantação de ferrovias no Brasil e o
Desenvolvimento desse sistema de transporte de forma lenta,
através de empresas essencialmente privadas;
Fase II (1873-1889): abrangendo o Segundo Reinado e
caracterizada por uma expansão acelerada da malha ferroviária,
através de empreendedores privados, estimulados pelo instituto da
garantia de juros;
Fase III (1889-1930): englobando a República Velha, ainda sendo
observada uma acelerada da malha, porém com o Estado sendo
obrigado a assumir o controle de várias empresas em dificuldades
financeiras;
Fase IV (1930-1960): compreendendo a era Vargas e o pós-guerra,
com o ritmo de expansão diminuindo e um amplo controle estatal
das empresas antes privadas;
Fase V (1960-1990) : situada quase que inteiramente ao longo do
período que a nação foi governada por um regime militar, estando a
malha consolidada em poucas empresas blicas, ocorrendo
erradicação de ramais anti-econômicos e implantação de projetos
seletivos de caráter estratégico;
Fase VI (1990 - ?) : período da Nova República, marcado pela
privatização de todo o sistema ferroviário nacional.
2.3 – Gestão estatal: A transição do modelo RFFSA
Em 16 de março de 1957, a Lei 3.115 determinou a transformação das empresas
ferroviárias da União em sociedades por ações, e constituiu uma única, também sociedade
por ações, denominada Rede Ferroviária Federal Sociedade Anônima RFFSA-, à qual
foram incorporadas as estradas de ferro de propriedade da União e por ela administradas ,
bem como as que viessem a ser transferidas, ou cujos contratos de arrendamento fossem
encampados ou rescindidos.
31
ANTF. Disponível em <www.antf.org.br>. Acesso em 10/12/2008.
34
A totalidade das ões que constituiriam o capital inicial da RFFSA foi subscrita pela
União, e integralizada com o valor dos bens e direitos que formavam o patrimônio das
empresas ferroviárias de sua propriedade, incorporados pela sociedade criada.
A RFFSA deveria operar diretamente ou por meio de subsidiárias que organizasse,
mediante prévia autorização do Governo, expressa em decreto do Poder Executivo.
Estabelecia, também, que, no prazo de um ano, a partir da publicação da Lei, deveria a
nova empresa apresentar um plano de grupamento das estradas de ferro a ela incorporadas,
com o propósito de se formarem sistemas regionais e que se constituiriam sociedades
anônimas subsidiárias.
De acordo com a Lei 3.115/57, competiria à RFFSA: administrar, explorar, conservar,
reequipar, ampliar, melhorar e manter em tráfego as estradas de ferro a ela incorporadas;
subscrever capital das sociedades sob seu controle e conceder-lhes empréstimos ou
garantias; propor as revisões e modificações de tarifas, que julgasse necessárias; elaborar o
plano de atividades e aprovar os orçamentos das sociedades sob seu controle, fiscalizando a
respectiva execução; elaborar o plano de atividades e aprovar os orçamentos das sociedades
sob seu controle, fiscalizando a respectiva execução; realizar todos os trabalhos de estudo e
construção de estradas de ferro que lhe fossem cometidos pela União, ou para os quais lhe
fossem fornecidos recursos.
Posteriormente, pela Lei n° 6.171 de 1974, foram incorporadas, à competência da Rede,
fiscalizar, em todo o território nacional, os serviços de transporte ferroviário; promover a
coordenação de estudos tarifários e de custos de transportes ferroviários em geral; planejar
a unificação e padronização do sistema ferroviário brasileiro; proceder à avaliação
qualitativa e quantitativa do sistema ferroviário nacional; realizar pesquisa relacionada com
o aperfeiçoamento das atividades ferroviárias no País e proceder à execução da parte
ferroviária do Plano Nacional de Viação.
A receita da R.F.F.S.A. proviria dos seguintes recursos: dividendos das ações das
empresas sob seu controle; renda do tráfego e de outras indústrias; renda das taxas de
melhoramentos e renovação patrimonial; aluguéis ou arrendamentos de imóveis; prestação
35
de serviços às subsidiárias ou a terceiros; subvenções do Tesouro e outros recursos
concedidos pela União; juros e comissões provenientes de operações de crédito e de
depósitos bancários e renda eventual.
Com base na referida Lei, o Orçamento da União consignou no primeiro ano de
funcionamento da R.F.F.S.A. uma dotação de Cr$12.000.000.000,00 (doze bilhões de
cruzeiros) que seria entregue à sociedade em duodécimos para atender à situação deficitária
dos seus serviços, assumindo responsabilidade dos compromissos, que onerassem as
estradas de ferro a ela incorporadas, mantidas as garantias do Tesouro Nacional, quando
existissem..
As propriedades que possuísse - bem como as aquisições de bens e imóveis que fizesse-
seriam isentos de impostos e taxas e quaisquer outros ônus fiscais compreendidos na
competência da União. Tanto a RFFSA como suas subsidiárias gozariam da isenção de
direitos de importação, imposto de consumo e taxas aduaneiras, exceto a de previdência
social, para os maquinismos, seus sobressalentes e acessórios, aparelhos, ferramentas,
instrumentos e materiais destinados à construção, instalação ampliação, melhoramentos,
funcionamento, exploração, conservação e manutenção de suas instalações para os fins a
que se destinassem, somente sendo respeitadas as disposições legais relativas à existência
de similares da indústria nacional.
A RFFSA e as empresas sob seu controle tiveram ainda assegurado o direito de
promover desapropriação, nos termos da legislação em vigor, na época, depois de declarada
a utilidade pública dos bens a desapropriar pelo então Ministério da Viação e Obras
Públicas.
A União poderia, ainda, incumbir a R.F.F.S.A. da execução de serviços condizentes com
o seu objetivo para os quais destinasse recursos financeiros especiais. A Lei também
autorizava a Rede a organizar uma subsidiária para operar um sistema de armazéns gerais,
frigoríficos e silos, que regularizasse o escoamento da produção.
36
A criação da RFFSA, tinha como objetivo, segundo Lamy
32
[...]
tratar do saneamento, de forma programada, do prejuízos acumulados pelas
ferrovia sob a Administração Pública, responsável por cerca de 90% do déficit
público, resultando daí, a erradicação de mais de 5.000 quilômetros de linhas; a
substituição por diesel da tração a vapor; substancial redução de mão de obra, de
140.000 para 70.000 pessoas; deslocamento do nível de produção de seis para 37
bilhões de tkm, tendo sido adotada com relação aos passageiros, o fim do
transporte para longa distância, e, partir de 1985, os serviços de atendimento aos
usuários do transporte suburbano , foram transferidos para a CBTU, uma
subsidiária criada com esse objetivo específico”
A Lei 3891, publicada em 26 de abril de 1962, instituiu O Departamento Nacional de
Estradas de Ferro, vinculada ao então Ministro de Viação, tendo somente suas atribuições
regulamentadas através do Decreto 1.710, publicado em 28 de novembro de 1962.
OLIVEIRA
33
, identifica nas competências que foram atribuídas a esta entidade o “que pode
ser considerado o primeiro embrião de órgão regulador ferroviário que o País conheceu
destacando as relativas:
(i) ao controle e à fiscalização da política de viação férrea e do fiel cumprimento,
por parte das empresas ferroviárias, dos contratos de concessão e de todos os
dispositivos legais e regulamentares emanados do Governo Federal;
(ii) ao estudo e construção de novas linhas férreas, bem como sua delegação a
terceiros; e
(iii) a edição de normas técnicas sobre construção manutenção e operação ds
estradas de ferro, zelando pela exata observância do Plano Nacional de Viação.
No ano de 1969, a partir das ferrovias que integravam a RFFSA foram criados quatro
sistemas Regionais: Sistema Regional Nordeste, tendo como sede a cidade de Recife; o
sistema Regional Centro com sede no Rio de Janeiro; o Sistema Regional Centro-Sul, com
sede em São Paulo e o Sistema Regional Sul com sede em Porto Alegre
34
.
A RFFSA, em 1976, criou dez (10) Superintendências Regionais, mais tarde desdobradas
em doze (12), controladas por uma Administração Geral, localizada no Rio de Janeiro.
35
32
LAMY, P. A MODERNIZAÇÃO DO SETOR DE TRANSPORTES DE CARGA”. TEXTO PARA
DISCUSSÃO Nº 339 – IPEA. Disponível em <www.ipea.gov.br>. Acesso em 30/11/2008.,
33
OLIVEIRA, Ricardo Wagner. Op. cit. p. 28, p. 27.
34
DNIT – Ferroviário. Histórico. Disponível em <www.dnit.org.br>. Acesso em 10/01/2009.
35
Mais tarde, quando da desestatização, foram utilizadas como base para as Concessões.
37
Pela Lei estadual 10410/71, o Governo do Estado de São Paulo criou a Ferrovia
Paulista S.A. FEPASA -juntando numa empresa as suas estradas de ferro: a
Companhia Paulista de Estradas de Ferro, Estrada de Ferro Sorocabana, Estradas de Ferro
Araraquara, Companhia Mogiana de Estrada de Ferro e Estrada de Ferro São Paulo-Minas,
administrando em torno de 5.000 quilômetros de ferrovias
36
.
2.3.1 - O quadro da RFFSA pré-desestatização.
Em resumo, verifica-se que até a década de 30, a maioria das ferrovias foi construída
pela iniciativa privada, tendo sido totalmente nacionalizado e estatizado em 1957, com a
criação da RFFSA. A. partir daí, observa-se, principalmente no início da década de 70, a
degradação na malha da RFFSA e da FEPASA, em decorrência de prejuízos operacionais,
sem aporte de recursos do acionista controlador, que era a União. Como observado em
fórum da ANNT
37
[...}“Nesta época o setor amargava um momento de abandono, os investimentos
do governo federal beiravam o zero desde a década de 70, equipamentos e trilhos,
ultrapassados, entraram em deterioração fazendo com que o transporte
realizado por meio de vias férreas se tornasse quase inexistentes em nosso país”.
No período compreendido entre 1980 e 1992, os sistemas ferroviários, pertencentes à
RFFSA e a FEPASA, sofreram sérios problemas em função de drástica redução da inversão
de recursos financeiros, que, no ano de 1989, na RFFSA, representou 19% dos
investimentos ocorridos na década de 80. Em 1984, a RFFSA não tinha, portanto,
condições de gerar receitas que pudessem cobrir os compromissos de sua dívida. Tal
situação criava sérios problemas técnico-operacionais, decorrentes da degradação da infra e
da super-estrutura das linhas férreas e da manutenção do seu material rodante, o que teria
determinado a perda de mercado para o transporte rodoviário. O Decreto 89.396, de 22
de fevereiro de 1984, criou a Companhia Brasileira de Transporte Urbano, retirando esse
tipo de serviço da RFFSA, em geral, altamente deficitário.
36
DNIT – Ferroviário. Histórico. Disponível em <www.dnit.org.br>. Acesso em 10/01/2009.
37
55º fórum de Debates Projeto Brasil – “Logística: a regulação do setor e a integração entre agências”.
Disponível em <www.antt.org.br>. Acesso em 25/01/2009.
38
Diante de tais circunstâncias, e não tendo possibilidade de continuar investindo nesse
segmento, o Governo Federal decidiu tomar as medidas destinadas à concessão de serviços
públicos de transporte de carga à iniciativa privada
38
.
2.3.2 - O Programa Nacional de Desestatização
A Lei 8.031, de 12 de abril de 1990, criou o Programa Nacional de Desestatização,
tendo dentre seus objetivos, transferir à iniciativa privada algumas atividades que vinham
sendo exploradas pelo setor público, colaborar para reduzir a divida bem como o
saneamento das finanças do setor público, com o propósito de permitir a modernização do
parque industrial e concentrar os esforços da administração pública para as atividades nas
quais a presença do Estado é fundamental para alcance das prioridades nacionais.
O referido diploma incluiu, em seu Art.. 2º, a possibilidade da privatização das empresas
controladas direta ou indiretamente pela União e instituídas por lei ou ato do Poder
Executivo, e, em seu Art., previu dentre as formas de operacionais para alcançar objetivo
da lei, a alienação da participação societária. Determinou, ainda, em seu art. 7º, que a
privatização de empresas que prestam serviços públicos, efetivada mediante uma das
modalidades previstas mencionado art. 4°, pressupõe a delegação, pelo Poder Público, da
concessão ou permissão do serviço objeto da exploração, observada a legislação específica.
2.3.3 – A desestatização do serviço ferroviário
Com o decreto 473/92, iniciou-se o projeto de desestatização das ferrovias, com a
inclusão da RFFSA no Plano Nacional de Desestatização – PND.
A inclusão da RFFSA no Plano Nacional de Desestatização ocorreu em um período no
qual a legislação que tratava da concessão de serviços públicos ainda era insuficiente.
Inexistia, também, a atividade regulatória para o setor. Essas situações poderiam
desestimular prováveis investidores. Contudo, durante o processo de desestatização, em 13
de fevereiro de 1995, foi promulgada a Lei 8.987 que dispôs sobre o regime de concessão e
38
DNIT – Ferroviário. Histórico. Disponível em <www.dnit.org.br>. Acesso em 10/01/2009.
39
permissão de serviços públicos, em conformidade com o artigo 175 da Constituição
Federal, estabelecendo, em seu artigo 3º, que as concessões e permissões estariam sujeitas à
fiscalização do poder concedente, responsável pela delegação.
Em seu Capítulo II - DO SERVIÇO ADEQUADO -, o caput do artigo indica a
pressuposição tal condição, explicitando-o em seu o § 1º: Serviço adequado é o que
satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade,
generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas”. Atribui ao poder
concedente, em seu artigo 29, VI, o encargo de cumprir e fazer cumprir as disposições
regulamentares do serviço e as cláusulas contratuais da concessão”, e no Parágrafo Único
estipula que
(...)
a fiscalização do serviço será feita por intermédio de órgão técnico do poder
concedente ou por entidade com ele conveniada, e, periodicamente, conforme
previsto em norma regulamentar, por comissão composta de representantes do
poder concedente, da concessionária e dos usuários”.
Dessa forma o processo de desestatização do serviço ferroviário ocorreu sob a égide da
Lei 8.987/95.
Em novembro de 1993, a Comissão Diretora do Programa Nacional de Desestatização
aprovou o modelo de desestatização da RFFSA, sendo depois ratificado pelo Conselho
Nacional de Desestatização. Conforme registra Sousa e Prates
39
, esse modelo que previa:
a) Licitação, no mesmo leilão, da concessão do serviço público de transporte
ferroviário de carga prestado pela RFFSA, pelo prazo de 30 anos, do
arrendamento dos ativos operacionais e da venda de bens de pequeno valor de
propriedade da empresa;
b) Agrupamento das 12 superintendências regionais em seis malhas ferroviárias a
serem desestatizadas, as quais representariam a melhor configuração operacional
para se constituírem em unidades de negócio independentes e auto-suficientes;
c)Manutenção da empresa como estatal, encarregada de administrar seus ativos
não-operacionais de modo a auferir receita sobre eles e amortizar o seu
endividamento, que não seria repassado à iniciativa privada; e
39
SOUSA, Raimunda Alves e PRATES, Haroldo Fialho. O Processo de Desestatização da RFFSA:
Principais Aspectos e Primeiros Resultados. Disponível em <www.bndes.gov.br>. Acesso em 10/03/2009,
40
d) Criação de uma entidade encarregada de resolver, em caráter administrativo,
eventuais conflitos entre concessionárias, usuários e o poder concedente.
Observa, ainda:
[...].Os editais de licitação das seis malhas introduziram um novo conceito de
obrigações a serem cumpridas pelas concessionárias. Em vez de se exigir a
realização de investimentos predefinidos, estabeleceu-se como obrigação o
atendimento de metas de desempenho, as quais espelham a prioridade do governo
federal no caso da privatização em questão.
Para que essas metas sejam atendidas, a concessionária terá que fazer
investimentos, mas foi delegada a ela a responsabilidade sobre a decisão de quais
investimentos devem ser feitos na malha sob sua administração. O pressuposto é
que o administrador do negócio é que sabe identificar o melhor caminho para
prestar o serviço com qualidade, sem perder a rentabilidade. Como se trata de um
serviço público, a metodologia adotada para acompanhamento da qualidade da
prestação do serviço foi a de escolher duas metas de desempenho, a serem
atendidas concomitantemente: o aumento do volume de transporte e a redução
do nível de acidentes. Essas metas foram determinadas com base na
configuração operacional de cada malha à época da avaliação e em seu
desempenho operacional projetado dar rentabilidade ao negócio.” (grifo nosso).
Assim, com o leilão
40
da Malha Oeste para a Ferrovia Novoeste em 5 de março de 1996,
iniciou-se o processo de desestatização do setor ferroviário.
O Governo Federal outorgou, em 28/06/97, à Cia. Vale do Rio Doce, dentro do processo
de privatização, a exploração da Estrada de Ferro Vitória a Minas e Estrada de Ferro
Carajás
41
.
Em função desse processo a atuação da RFFSA passsou a ser estritamente voltada para:
1) Fiscalização do uso de bens arrendados às concessionárias;
2) Administração dos passivos judiciais;
3) Exploração e alienação do patrimônio não operacional;
4) Tentativa de saneamento de sua situação financeira;
5) Implementação de ações que assegurassem a preservação do patrimônio histórico,
artístico e cultural ferroviário
42
.
40
Art. 28 da Lei nº 9074/95
41
DNIT – Ferroviário. Histórico. Disponível em <www.dnit.org.br>. Acesso em 10/01/2009.
42
Histórico do Processo de Desestatização do Setor Ferroviário. Disponível em
<http://www.planejamento.gov.br>. Acesso em 07/02/09
41
Com o leilão da Malha Paulista (antiga FEPASA, incorporada a RFFSA pelo Decreto
20502 em 18/02/98), foi concluída a desestatização das malhas da RFFSA.
Por fim, em 7 de dezembro de 1999, pelo Decreto 3.227 do Governo Federal, com
base na Resolução 12, de 11 de novembro de 1999 do Conselho de Desestatização, a
RFFSA foi dissolvida e entrou em processo de liquidação
43
.
.
43
DNIT – Ferroviário. Histórico. Disponível em <www.dnit.org.br>. Acesso em 10/01/2009
42
3 – A REGULAÇÃO
3.1 – A Norma Regulatória
A Constituição Federal, em seu artigo 173, limitou a exploração direta da atividade
econômica pelo Estado aos casos nela previstos, ou quando resultantes de imperativos da
segurança nacional ou, ainda, relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.
O início da desestatização, ocorrido a partir de 1996, como resultado do processo de
flexibilização ou extinção dos monopólios estatais nas áreas de serviço blico, em função
da alteração havida no Capítulo da Ordem Econômica da Constituição, trouxe, como
contra-ponto, a necessidade do exercício do disposto no art. 174, do referido diploma.
Estipula, mencionando-se o referido artigo, que Como agente normativo e regulador da
atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização,
incentivo e planejamento, sendo este determinante para o Poder Público e indicativo para
o setor privado”. SANTOS
44
indica que:
[...] De forma análoga à de diverso outros países latino-americanos, a ampliação
das possibilidades de concessão de serviços públicos à iniciativa privada gerou a
imediata necessidade de reformulação do exercício da função reguladora estatal,
prevista no art. 174 da Constituição: uma vez que não mais caberia ao Estado
exercer diretamente a prestação de serviços, ou por meio de empresas de sua
propriedade, tornava-se necessário prevenir e corrigir, por meio da regulação, as
falhas do mercado, exercendo-se, ainda, a fiscalização sobre os serviços públicos
prestados pelas empresas privadas nos setores de telecomunicações, energia,
transportes e outros, além de submeter as empresas do setor de petróleo e
combustíveis a controles até então inexistentes, dada a flexibilização do
monopólio estatal nessa área.”
Já para SOUTO
45
,
[...] A necessidade de regular as atividades em que o setor privado substituiu ou
ocupou os espaços não atendidos pelo público, bem como aquelas de interesse
econômico geral, acarretou o surgimento de novas estruturas administrativas e de
44
SANTOS, Luiz Alberto dos. Políticas e experiências de gestão e fortalecimento da função pública: a
experiência brasileira com a regulação e as transformações na função regulatória do Estado. VIII Congreso
Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Panamá, 28-31 Oct.
2003 . Disponível em <www.regulaçao.gov.br>. Acesso em 25/02/09.
45
SOUTO, Marcos Juruena Villela. Direito Administrativo Regulatório, Rio de Janeiro, Lumen Júris,
2005, p. 21.
43
novas categorias de normas, respectivamente as agências reguladoras e as normas
regulatórias”
.
BARROSO
46
, por sua vez observa que
[...] .Embora a etimologia sugira a associação da função reguladora com o
desempenho de competências normativas, seu conteúdo é mais amplo e variado.
Ainda quando se aproxime, eventualmente, da idéia de poder de polícia
administrativa – poder de direcionar as atividades de acordo com interesses
públicos juridicamente definidos -, a regulação contempla uma gama mais ampla
de atribuições, relacionadas ao desempenho de atividades econômicas e à
prestação de serviços públicos, incluindo sua disciplina, fiscalização, composição
de conflitos e aplicação eventual de sanções...”
Ainda para SOUTO
47
a norma regulatória
[...].
faz um papel de ligação entre a lei genérica, distante da realidade dos
fatos e despida da especialização inerente à concretização dos interesses de cada
grupamento econômico e social e o administrado. Limita-se à interpretação do
conteúdo técnico da lei (por exemplo, a definição de produto perigoso, de
atividade poluidora, de serviço eficiente, de tarifa módica, de preço abusivo, de
bem essencial). O conteúdo dessa eficiência é ditado por conceitos de uma análise
econômica do direito. Uma norma regulatória será eficiente quando alcançar o
equilíbrio que envolve os interesses da sociedade, eventualmente representados
pelo Poder Público, os interesses dos consumidores e, em especial, usuários
de serviços públicos e os interesses de fornecedores, sobretudo, os
prestadores de serviços públicos. Portanto, haverá uma norma regulatória que
atenda ao princípio constitucional da eficiência quando esta alcançar a
eqüidistância entre os vértices de um triângulo eqüilátero."
E mais à frente
:
"Cabe, portanto, à norma reguladora traduzir tecnicamente, com neutralidade
política, princípios constitucionais e legais que constituem a base da moldura
regulatória (marco regulatório) para uma implementação eficiente, com vistas ao
atendimento das decisões políticas previamente tomadas pela sociedade por meio
de seus representantes no Poder Legislativo. Os agentes reguladores editam
normas, que passam a compor a moldura regulatória, desde que compatíveis com
a Constituição e com a lei. A norma regulatória representa a maneira pela qual o
agente regulador interpreta determinados comandos constitucionais e legais. A
observância dessas normas regulatórias pela própria agência representa uma
obrigatoriedade do ponto de vista do princípio da segurança jurídica, porque ali é
fixada uma interpretação acerca de como deve ser cumprido eficientemente um
determinado comando constitucional e legal."
46
BARROSO,Luís Roberto. Introdução.In: MOREIRA, Diogo de Figueiredo . Direito Regulatório. Rio de
Janeiro: Renovar, 2003, p.45
47
SOUTO, Marcos Juruena Villela. Função Regulatória. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ Centro
de Atualização Jurídica, 11, fevereiro, 2002. Disponível em <http://direitopúblico.com.br>. Acesso em
15/03/2009.
44
MOREIRA NETO
48
, afirma:
[...]“Podem-se distinguir dois níveis de positivação da regulação no Brasil: o
constitucional, que estabeleceu o marco pioneiro em 1995, e o legal, que surgiu
um ano mais tarde. Assim, a introdução formal do instituto da regulação entre nós
tem seu marco preciso: a Emenda Constitucional 8, de 16 de agosto de 1995,
que em seu artigo 1º, ao modificar o art. 21, XI, da Constituição, determinou que
se criasse um “órgão regulador” para a disciplina dos serviços de
telecomunicações. Três meses depois, nova Emenda Constitucional nº 9, de 10 de
novembro de 1995, ao alterar o § 2º do art. 177 da
Constituição, também determinava a criação de um outro “órgão regulador”,
desta feita para o setor de hidrocarbonetos monopolizados pela União. Afora esse
dois órgãos reguladores, todos os que foram anteriormente ou posteriormente
instituídos, não o foram em virtude de disposição constitucional: uma vez que
não mais se referiam a setores originariamente destacados pelo constituinte como
objeto de monopólios públicos; todos os demais setores de serviços públicos bem
como de atividades de interesse geral sujeitos à regulação o foram por disposição
congressual ordinária sobre as matérias tratadas através de leis deslegalizadoras.
É nessa categoria que se insere a primeira agência reguladora brasileira
suficientemente caracterizada como tal, a Agência Nacional de Energia Elétrica
ANEEL, criada pela Lei nº 9.427 de, de 26 de dezembro de 1996.
3.1 – Criação do CONIT, da ANTT, e do DNIT.
Em 5 de junho de 2001, foi editada a Lei 10.233 que trata da reestruturação dos
transportes aquaviário e terrestre, cria o Conselho Nacional de Integração de Políticas de
Transporte - CONIT, a Agência Nacional de Transportes Terrestres - ANTT, a Agência
Nacional de Transportes Aquaviários ANTAQ -, e o Departamento Nacional de Infra-
Estrutura de Transportes – DNIT.
A Lei explicita com relação , ao Sistema Nacional de Viação SNV (art. 2º), ser este
constituído pela infra-estrutura viária e pela estrutura operacional dos diferentes meios de
transporte de pessoas e bens, sob jurisdição da União, dos Estados, do Distrito Federal e
dos Municípios. É regido, conforme seu Parágrafo único, pelos princípios e diretrizes
48
MOREIRA, Diogo de Figueiredo. Direito Regulatório, Rio de Janeiro:Renovar, 2003, p.189
45
estabelecidos em consonância com o disposto nos incisos XII, XX e XXI do art. 21 da
Constituição Federal
49
.
Estipula , como objetivos essenciais do Sistema Nacional de Viação (art.4, incisos I,II e
III ) : dotar o País de infra-estrutura viária adequada; garantir a operação racional e
segura dos transportes de pessoas e bens e promover o desenvolvimento social e
econômico e a integração nacional”. Define (art. 4º, § ) como infra-estrutura viária
adequada a que torna mínimo o custo total do transporte, entendido como a soma dos
custos de investimentos, de manutenção e de operação dos sistemas e como operação
racional e segura (art. 4º, § 2º) a que se caracteriza pela gerência eficiente das vias, dos
terminais, dos equipamentos e dos veículos, objetivando tornar mínimos os custos
operacionais e, conseqüentemente, os fretes e as tarifas, e garantir a segurança e a
confiabilidade do transporte.”
No que concerne ao Conselho Nacional de Integração de Políticas de Transporte
(CONIT), vincula-o à Presidência da República, com a atribuição de propor ao Presidente
da República políticas nacionais de integração dos diferentes modos de transporte de
pessoas e bens, em conformidade com as políticas de desenvolvimento nacional,
regional e urbano, de defesa nacional, de meio ambiente e de segurança das populações,
formuladas pelas diversas esferas de governo; ....( art. 5º), cabendo ao CONIT, em razão
de suas competências, “... harmonizar as políticas nacionais de transporte com as políticas
de transporte dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, visando à articulação dos
órgãos encarregados do gerenciamento dos sistemas viários e da regulação dos
transportes interestaduais, intermunicipais e urbanos;..., V - aprovar as revisões
periódicas das redes de transporte que contemplam as diversas regiões do País, propondo
ao Poder Executivo e ao Congresso Nacional as reformulações do Sistema Nacional de
Viação que atendam ao interesse nacional.”.(Art. 6º)
49
Constituição Federal: Art. 21. Compete à União: XII - explorar, diretamente ou mediante autorização,
concessão ou permissão:... d) os serviços de transporte ferroviário e aquaviário entre portos brasileiros e
fronteiras nacionais, ou que transponham os limites de Estado ou Território; XX - instituir diretrizes para o
desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento básico e transportes urbanos; XXI - estabelecer
princípios e diretrizes para o sistema nacional de viação.
46
Com relação às outorgas referidas na lei em tela (art. 13 e incisos), dispõe que estas serão
realizadas sob as seguintes formas: concessão, no caso exploração de infra-estrutura de
transporte público (precedida ou não de obra pública) e de prestação de serviços de
transporte associados à exploração da infra-estrutura; de permissão, quando se tratar de
prestação regular de serviços de transporte terrestre coletivo de passageiros desvinculados
da exploração da infra-estrutura e autorização na situação de prestação não regular de
serviços de transporte terrestre coletivo de passageiros, de prestação de serviço de
transporte aquaviário, ou de exploração de infra-estrutura de uso privativo.
As disposições acima seriam aplicadas de acordo com as diretrizes dispostas no art. 14
que estabelecem:
(...)
I – depende de concessão:
a) a exploração das ferrovias, das rodovias, das vias navegáveis e dos portos
organizados que compõem a infra-estrutura do Sistema Nacional de Viação;
b) o transporte ferroviário de passageiros e cargas associado à exploração da
infra-estrutura ferroviária;.
.... IV - depende de permissão:
...b) o transporte ferroviário regular de passageiros não associado à infra-
estrutura,
Determina, ainda, que as concessões ou permissões serão sempre precedidas de
licitação, conforme prescreve o art. 175 da Constituição Federal, e, no parágrafo 3º,
estabelece que, no caso de outorgas de concessão, estas poderão estar vinculadas a
contratos de arrendamento de ativos ou de construção, com cláusula de reversão ao
patrimônio da União.
Por meio desta lei, conforme art. 20, foram criadas Agências Reguladoras, tendo como
objetivos implementar, em suas respectivas esferas de atuação, as políticas formuladas
pelo Conselho Nacional de Integração de Políticas de Transporte e pelo Ministério dos
Transportes, segundo os princípios e diretrizes estabelecidos nesta Lei (inciso I); regular
ou supervisionar, em suas respectivas esferas e atribuições, as atividades de prestação de
47
serviços e de exploração da infra-estrutura de transportes exercidas por terceiros” (inciso
II) , com vistas a “garantir a movimentação de pessoas e bens, em cumprimento a padrões
de eficiência, segurança, conforto, regularidade, pontualidade e modicidade nos fretes e
tarifas” (inciso II – a).
A instituição específica da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) e a
Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ) é estabelecida no art. 21, que as
define como entidades integrantes da Administração Federal indireta, submetidas ao regime
autárquico especial e vinculadas ao Ministério dos Transportes, nos termos desta Lei,
indicando o parágrafo que o regime autárquico especial conferido à ANTT e à ANTAQ
é caracterizado pela independência administrativa, autonomia financeira e funcional e
mandato fixo de seus dirigentes.
Como esfera de atuação da ANTT (art. 22), constituem-se, entre outros: o transporte
ferroviário de passageiros e cargas, ao longo do Sistema Nacional de Viação; a exploração
da infra-estrutura ferroviária bem como o arrendamento dos correspondentes ativos
operacionais e o transporte multimodal.
Determina, também, que a ANTT deverá articular-se com as demais Agências (§ 1
o
do
art. 22), para resolução dos entrelaçamento do transporte terrestre com os outros meios de
transporte, em busca de movimentação intermodal mais econômica e segura de pessoas e
bens além de harmonizar a sua esfera de atuação ) em consonância com a de órgãos
dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios encarregados da gestão de seus sistemas
viários e das operações de transporte intermunicipal e urbano.
Em sua esfera de atuação, são atribuições gerais, da Agência Nacional de Transportes
Terrestres (art. 24):
[...] promover pesquisas e estudos específicos de tráfego e de demanda de
serviços de transporte;
II – promover estudos aplicados às definições de tarifas, preços e fretes, em
confronto com os custos e os benefícios econômicos transferidos aos usuários pelos
investimentos realizados;
48
III propor ao Ministério dos Transportes os planos de outorgas, instruídos por
estudos específicos de viabilidade técnica e econômica, para exploração da infra-
estrutura e a prestação de serviços de transporte terrestre;
IV elaborar e editar normas e regulamentos relativos à exploração de vias e
terminais, garantindo isonomia no seu acesso e uso, bem como à prestação de serviços
de transporte, mantendo os itinerários outorgados e fomentando a competição;
V – editar atos de outorga e de extinção de direito de exploração de infra-estrutura
e de prestação de serviços de transporte terrestre, celebrando e gerindo os respectivos
contratos e demais instrumentos administrativos;
VI – reunir, sob sua administração, os instrumentos de outorga para exploração de
infra-estrutura e prestação de serviços de transporte terrestre celebrados antes da
vigência desta Lei, resguardando os direitos das partes e o equilíbrio econômico-
financeiro dos respectivos contratos;
....VIII fiscalizar a prestação dos serviços e a manutenção dos bens arrendados,
cumprindo e fazendo cumprir as cláusulas e condições avençadas nas outorgas e
aplicando penalidades pelo seu descumprimento;
...XIV estabelecer padrões e normas técnicas complementares relativos
às
operações de transporte terrestre de cargas especiais e perigosas;
O inciso I do Parágrafo único do artigo 24, declara que a ANNT, poderá exercício de
suas atribuições, “... firmar convênios de cooperação técnica e administrativa com órgãos
e entidades da Administração Pública Federal, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios, tendo em vista a descentralização e a fiscalização eficiente das outorgas”.
Até este ponto, estava estabelecida a competência genérica da ANTT. As atribuições
específicas associadas ao transporte Ferroviário, ficam definidas à partir do art. 25, dentre
elas, as seguintes:
(...):
“I publicar os editais, julgar as licitações e celebrar os contratos de concessão
para prestação de serviços de transporte ferroviário, permitindo-se sua vinculação com
contratos de arrendamento de ativos operacionais;
II – administrar os contratos de concessão e arrendamento de ferrovias celebrados
até a vigência desta Lei, em consonância com o inciso VI do art. 24;
III publicar editais, julgar as licitações e celebrar contratos de concessão para
construção e exploração de novas ferrovias, com cláusulas de reversão à União dos
ativos operacionais edificados e instalados;
49
IV fiscalizar diretamente, com o apoio de suas unidades regionais, ou por meio
de convênios de cooperação, o cumprimento das cláusulas contratuais de prestação de
serviços ferroviários e de manutenção e reposição dos ativos arrendados;
V regular e coordenar a atuação dos concessionários, assegurando neutralidade
com relação aos interesses dos usuários, orientando e disciplinando o tráfego mútuo e o
direito de passagem de trens de passageiros e cargas e arbitrando as questões não
resolvidas pelas partes;
VI articular-se com órgãos e instituições dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios para conciliação do uso da via permanente sob sua jurisdição com as redes
locais de metrôs e trens urbanos destinados ao deslocamento de passageiros;..) .
Com relação às diferentes formas de outorgas, a ANTT deverá observar as normas e
procedimentos previstos nesta lei, com o objetivo de que a exploração da infra-estrutura,
bem como a prestação de serviços ocorra de forma adequada, satisfazendo, entre outras, as
condições de regularidade, eficiência, segurança e modicidade de tarifas (art. 28 , inciso I).
Determina, ainda, a lei (art.50), que as empresas que forem detentoras de outorgas
expedidas por entidades públicas federais do setor de transportes, na data da instalação da
ANTT, terão seus direitos ratificados e adaptados ao disposto por esta lei.
Deverão ser precedidos de audiência pública (art.68), as iniciativas de projetos de lei,
alterações de normas administrativas e decisões da Diretoria para resolução de pendências
que afetem os direitos de agentes econômicos ou de usuários de serviços de transporte,
conforme o art. 68, estabelecendo, também, em seu § 2º: “Os atos normativos das Agências
somente produzirão efeitos após publicação no Diário Oficial, e aqueles de alcance
particular, após a correspondente notificação” .
Também sob a égide da lei 10.233/2001, foi criado o Departamento Nacional de Infra-
Estrutura de transportes – DNIT, pessoa jurídica de direito público, sob o regime de
autarquia e vinculado ao Ministério dos Transportes tendo como objetivo
(...)
“implementar, em sua esfera de atuação, a política formulada para a administração da
infra-estrutura do Sistema Federal de Viação, compreendendo sua operação,
manutenção, restauração ou reposição, adequação de capacidade, e ampliação mediante
construção de novas vias e terminais, segundo os princípios e diretrizes estabelecidos
nesta Lei”,
50
correspondendo à esfera de sua atuação à infra-estrutura do Sistema Federal de Viação,
sob a jurisdição do Ministério dos Transportes, constituída de vias navegáveis, ferrovias e
rodovias federais, instalações e vias de transbordo e de interface intermodal..
São atribuições do DNIT, entre outras, em sua esfera de atuação, conforme o disposto
no art. 82, em relação às ferrovias:
(...)
I estabelecer padrões, normas e especificações técnicas para os programas de
segurança operacional, sinalização, manutenção ou conservação, restauração ou
reposição de vias, terminais e instalações;
II estabelecer padrões, normas e especificações técnicas para a elaboração
de projetos e execução de obras viárias;
III – fornecer ao Ministério dos Transportes informações e dados para
subsidiar a formulação dos planos gerais de outorga e de delegação dos
segmentos da infra-estrutura viária;...
IV - administrar, diretamente ou por meio de convênios de delegação ou
cooperação, os programas de operação, manutenção, conservação, restauração e
reposição de rodovias, ferrovias, vias navegáveis, terminais e instalações
portuárias fluviais e lacustres, excetuadas as outorgadas às companhias docas;
V - gerenciar, diretamente ou por meio de convênios de delegação ou
cooperação, projetos e obras de construção e ampliação de rodovias, ferrovias,
vias navegáveis, terminais e instalações portuárias fluviais e lacustres, excetuadas
as outorgadas às companhias docas, decorrentes de investimentos programados
pelo Ministério dos Transportes e autorizados pelo Orçamento Geral da União;...
....VIII firmar convênios, acordos, contratos e demais instrumentos legais,
no exercício de suas atribuições;...
...IX declarar a utilidade pública de bens e propriedades a serem
desapropriados para implantação do Sistema Federal de Viação; ...
....XIII - desenvolver estudos sobre transporte ferroviário ou multimodal
envolvendo estradas de ferro;...
...XVI - aprovar projetos de engenharia cuja execução modifique a estrutura
do Sistema Federal de Viação, observado o disposto no inciso IX do caput deste
artigo.
.XVII - exercer o controle patrimonial e contábil dos bens operacionais na
atividade ferroviária, sobre os quais será exercida a fiscalização pela Agência
Nacional de Transportes Terrestres - ANTT, conforme disposto no inciso IV do
art. 25 desta Lei, bem como dos bens não-operacionais que lhe forem
51
transferidos...”.s ativos operacionais devolvidos pelas concessionárias, na forma
prevista nos contratos de arrendamento; e
XIX - propor ao Ministério dos Transportes, em conjunto com a ANTT, a
destinação dos ativos operacionais ao término dos contratos de arrendamento”.
O § do art. 82, ressalva que ...As atribuições a que se refere o caput não se
aplicam aos elementos da infra-estrutura concedidos ou arrendados pela ANTT ...e o § 4º
determina
:
(...)
“O DNIT e a ANTT celebrarão, obrigatoriamente, instrumento para execução das
atribuições de que trata o inciso XVII do caput deste artigo, cabendo à ANTT a
responsabilidade concorrente pela execução do controle patrimonial e contábil dos bens
operacionais recebidos pelo DNIT vinculados aos contratos de arrendamento referidos
nos incisos II e IV do caput do art. 25 desta Lei.
Com relação a planos e programas de trabalho e de investimentos, compete ao
Conselho de Administração do DNIT (art. 86) definir seus parâmetros e critérios, de acordo
com as diretrizes e prioridades que forem estabelecidas, sendo competência da Diretoria
(art.89, III) editar normas e especificações técnicas sobre matérias da competência dessa
entidade.
Ressalte-se que com a instalação da ANTT, ANTAQ e DNIT, foram extintos a
Comissão Federal de Transportes Ferroviários (COFER) e o Departamento Nacional de
Estradas de Rodagem (DNER) e dissolvida a Empresa Brasileira de Planejamento de
Transportes (GEIPOT), conforme o disposto no art. 102-A.
Os contratos e os acervos técnicos, incluindo registros, dados e informações, detidos
por órgãos e entidades do Ministério dos Transportes encarregados, até a vigência desta
Lei, da regulação da prestação de serviços e da exploração da infra-estrutura de transportes
terrestres, foram transferidos para a ANNT, para o cumprimento de suas atribuições,
principalmente no que se refere ao inciso VI, do referido artigo:
(...)
52
“VI reunir, sob sua administração, os instrumentos de outorga para
exploração de infra-estrutura e prestação de serviços de transporte terrestre
celebrados antes da vigência desta Lei, resguardando os direitos das partes e o
equilíbrio econômico-financeiro dos respectivos contratos”
.
Em 27 de agosto de 2008, foi editado o Decreto 6.550, que dispõe sobre a estrutura e o
funcionamento do Conselho Nacional de Integração de Políticas de Transporte – CONIT.
Dessa forma, a Lei 10.233 de 2001 e o Decreto 6.550 de 2008 oferecem instrumental
para atuação dos órgãos dos quais depende a atividade ferroviária.
Diante desse quadro algumas observações devem ser efetuadas.
O processo de evolução do setor ferroviário no Brasil, ocorreu com pouco (ou nenhum)
planejamento. Desde os primórdios da instalação desse modal no País, como verificamos
até aqui, constata-se que as intervenções públicas foram, quase sempre, resultantes de
situações pontuais e de políticas de curto prazo. De um modo geral, não tinham a pretensão
de tratar do problema de forma unificada. Indicavam mais serem atitudes espasmódicas, do
que medidas fundamentadas em uma política ferroviária nacional, por estarem dissociadas
de um planejamento global. Daí não contribuiram para o desenvolvimento do segmento de
transportes, de fundamental importância para a infra-estrutura e, conseqüentemente, para o
desenvolvimento econômico e social.
Até mesmo a criação da RFFSA foi resultado da mera assunção de serviços públicos pelo
Estado, objetivando redução de despesas, por meio da centralização das atividades
ferroviárias, mais com propósitos de facilidade de gestão do que pretensão de aglutinação
com objetivos desenvolvimentistas. De acordo com LAMY
50
,
[...].A RFFSA foi criada em 1957 (Lei 3.115/57), com delegação da União para
sanear a passos programados, as perdas financeiras, responsáveis por quase 90%
(noventa por cento) do deficit público brasileiro, acumuladas pelas ferrovias sob
administração pública...”, comentando, mais à frente, que a estrutura
organizacional da Rede vinha contribuindo para “sua insensibilidade ao mercado,
pela sua incapacidade em interligar as superintendências entre si e com as outra
50
LAMY, P., Op. cit. p. 35.
53
companhias ferroviárias brasileiras, em particular a FEPASA, priorizando assim
o transporte transversal de média distância, no qual a concorrência com o
rodoviário torna-se mais difícil , e abandonando-lhe o transporte longitudinal de
longa distância, para o qual detém vantagens comparativas”.
Assumiu, assim, o Estado, a responsabilidade pelo transporte ferroviário, não
conseguindo, contundo, solver as situações existentes, nem tampouco aportar os
investimentos necessários, deficientes até para a manutenção dos bens operacionais,
resultando na amplificação dos problemas e contribuindo, ainda, para a degradação do
sistema, tornando-se uma atividade insatisfatória e sua eficácia se restringiu a ser
alimentadora do déficit público.
Portanto, a inclusão da RFFSA no Plano Nacional de Desestatização, com o posterior
leilão das malhas, as quais foram transferidas sob a forma de concessão dos serviços e
arrendamento dos bens, outorgaram ao setor privado a responsabilidade pela prestação dos
serviços, que, obviamente, vieram acompanhados dos problemas vicejantes na Rede.
54
4 - DECISÕES REGULATÓRIAS PARA OS “GARGALOS” LOGÍSTICOS DAS
FERROVIAS
Inúmeras dificuldades foram detectadas, seja pela forma com se que desenvolveu (e foi
formada) a cultura da atividade ferroviária no país, considerada no processo evolutivo da
disciplina jurídica das ferrovias (seção 2.2) seja pela transição da RFFSA, (estatização e
desestatização), ou seja ainda pela a gestão da malha ferroviária pela Rede (considerada na
seção 2.3).
Além disso, a maneira pela qual foi efetivado o processo de concessões, sem qualquer
planejamento no sentido de moldar uma política ferroviária para o país, foi o legado
recebido pela, tardiamente criada, Agência Nacional de Transportes Terrestres - ANTT.
Se por um lado, esse quadro isenta a responsabilidade da Agência nos problemas
herdados, por outro, demanda sobre-esforço e extrema agilidade para superar a situação do
quadro a exigir ações urgentes, sob pena de dificultar o desenvolvimento da atividade
ferroviária.
Diversos , pois, são os obstáculos
51
que aguardam solução e atingem os envolvidos no
transporte ferroviário, dificuldades estas, justiça seja feita, que não surgiram
necessariamente na gestão da RFFSA, mas resultaram do tratamento dispensado, ao longo
do tempo, a esse modal.
As propostas apresentadas por entidade representativa do setor de transportes
ferroviários, a Associação Nacional dos Transportes Ferroviários (ANTF), assim como
estudos desenvolvidos por outros setores ligados a essa atividade, apontam para uma
Agenda Ferroviária voltada para solução de problemas e para o desenvolvimento do
setor.
51
Algumas dessas dificuldades e/ou obstáculos, o meio ferroviário denomina “gargalos”, nomenclatura
respeitada nesta Dissertação.
55
A ANTF
52
. assim se manifesta:
[...]
Como se não bastasse o problema da pequena extensão, as dez malhas
concedidas à iniciativa privada, herdadas da extinta RFFSA (Rede
Ferroviária Federal S.A.), contam ainda com gargalos físicos: 434
invasões de faixa de domínio e um total de 12.273 passagens em nível, das
quais 2.611 são consideradas críticas. Nesses pontos, apesar dos
investimentos em sinalização e das campanhas de segurança realizadas
pelas concessionárias, acontece a maior parte dos acidentes, embora a
ANTF tenha apurado uma substancial redução de 81% no número de
acidentes...”.
A necessidade de interlocução entre os entes envolvidos nesse processo para definir
os objetivos a serem alcançados, bem como a padronização de procedimentos a serem
adotados, indicam a necessidade da ANTT assumir o comando desse processo, fornecendo
interpretação e a indispensável roupagem regulatória às soluções das questões postas.
Nas discussões sobre o tema, entre as demandas apresentadas e que envolvem Marco
Regulatório, registra-se a presença constante, no rol de problemas existentes, os referentes
aos denominados “gargalos” logísticos, tendo como integrantes a invasão das faixas de
domínio e passagens de nível das ferrovias.
4.1 – Invasão das Faixas de Domínio das ferrovias
Inicialmente, para melhor posicionamento com relação a esse problema, cabe esclarecer
se o que vem ocorrendo, há longo tempo, é invasão ou ocupação da faixa de domínio. A
invasão sugere um ato de força para assumir a posse, enquanto ocupação está associada a
uma atitude voluntária, mas pacífica.
O que se constata, no entanto, é que, desde o início da implantação das estradas de ferro
no País, houve uma tendência à ocupação urbana em torno das estações ferroviárias. Essa
fixação, decorreu da atividade de movimento de cargas e de passageiros, provocando o
surgimento de entrepostos, de armazéns e de comércio de um modo geral, o que,
concomitantemente, estimulou o desenvolvimento de parte das cidades, em função da
52
ANTF. Desafios para o desenvolvimento do transporte ferroviário. Disponível em
<http://www.antf.org.br>. Acesso em 01/03/09
56
conseqüente construção de moradias. Tais habitações inicialmente eram destinadas a
funcionários envolvidos com o processos associados às ferrovias, assentamentos estes que,
em princípio, não comprometiam a sua operacionalidade.
De um modo geral, o desenvolvimento das cidades, entretanto, acabou provocando a
ocupação de espaços aparentemente livres, para construção de moradias.
Assim, fator dos mais importantes do problema foi o crescimento da população urbana e
o assentamento desordenado do solo, decorrente, em grande parte, da migração contínua e
da crescente população rural na direção das grandes cidades, principalmente a partir da
década de 50, provocando, também, o esvaziamento do campo
53
.
Entre os espaços que foram sendo impropriamente ocupados, estão as denominadas
Faixas de Domínio das Ferrovias, áreas dispostas lateralmente às linhas férreas, destinadas
tanto à expansão das empresas, como à indispensável segurança do tráfego desse modal e
da população lindeira, vindo a se tornar um sério problema para a operação ferroviária e
para os habitantes desses assentamentos.
Segundo Rodrigo Vilaça
54
, existiam, por exemplo, até 2005, cerca de 434 focos de
invasão em faixa de domínio envolvendo 200 mil famílias, o que afeta a segurança e o
desempenho operacional do transporte, tendo em vista que é necessária a redução da
velocidade das composições, de 40 km/h para 5 km/h nas áreas urbanas, a fim de
minimizar ocorrência de acidentes. Grande parte das invasões acontecem em áreas
urbanas, algumas nas cercanias de acesso a terminais portuários, gerando, muitas vezes,
além dos acidentes, as mais diversas ocorrências, tais como furtos de cargas além de outras
violências
53
O quadro abaixo permite uma avaliação desse movimento:
Ano 1970 2000
População Total................... 93.134.846 -> -> -> 169.799.170
População Urbana (%).......... 55,94 % -> -> -> 81,23%
População Rural.................... 44,06% -> -> -> 18,75% Fonte: IBGE.
54
VILAÇA,Rodrigo. Importância do setor ferroviário no cenário logístico e econômico do País disponível
em <http://cnt.org.br>. Acesso em 01/10/08.
57
Essa situação, à qual as empresas têm de se submeter - uma vez que são obrigadas a
conviver com as famílias que se fixam às margens das ferrovias desde o tempo em que
estas pertenciam ao governo -, resultam em perda de eficiência na operação de transporte.
A invasão da faixa de domínio é praticada, majoritariamente, por segmento de
população de baixa renda, que não tem como ingressar no mercado imobiliário forma.
Ocorre, principalmente, nos centros urbanos, de forma assemelhada, muitas vezes, ao
processo de favelização, como resultado do que o Prof. Ricardo Lira
55
denomina de
“segregação residencial”.
Diferenciam-se, contudo, pelo fato de a população que vive à beira da estrada de ferro
provocar, potencialmente, situações de risco tanto à sua segurança como à dos operadores
ferroviários, impondo , a estes últimos, a adoção de medidas que visem a minimizar a
ocorrência de eventos fatídicos. Determinam, entre outras providências, a redução drástica
de velocidade das locomotivas, o que, em contrapartida, aumenta o permanente perigo da
prática de atos criminosos, por parte dos marginais que coabitam naquele aglomerado com
a população ordeira
56
.
Caso pico, a propósito das invasões da faixa de domínio, que ilustra e sintetiza o
processo e a situação vigente, encontra-se em documento, do qual transcrevemos um
trecho, abaixo , produzido pela Comissão de Direitos Humanos de Passo Fundo
57
:
[...]
Convém visualizar, desde já, que o processo de ocupação dessas áreas de
risco, próximas a via férrea, deu-se em vista de jamais terem sido erguidas as
chamadas “cerca da ferrovia”, isto é, o cercado que separa a faixa de
domínio da ferrovia, dos terrenos marginais, estradas e outras propriedades.
Assim, aquela faixa de terra lindeira aos trilhos passou a ser pacífica, pública e
paulatinamente ocupada pela população de baixíssima renda a qual, por não ter
alternativas onde morar, desconsiderou o perigo do local. .... Como se disse,
tais ocupações com fins de habitação vêm acontecendo quarenta anos, sem
nunca terem sido tomadas quaisquer providências eficazes e sérias - à luz dos
55
LYRA, Ricardo Pereira O Uso do Solo Urbano e o seu Controle (Alguns aspectos do Projeto de Lei
Federal nº775/83). Rev. de Dir. Administrativo, vol. 154, págs. 1/28.
56
Em 21 de setembro de 2007, viagem de trem foi alvo de tiros de traficantes na favela do Jacarezinho no Rio
de Janeiro. O trem transportava dois Ministros de Estado e várias outras autoridades, além empresários e
jornalistas. Gazeta Mercantil, seção Transportes e Logística. 21/09/2007.
57
CDHPF. Relatório sobre o caso “beira trilhos”. Disponível em <www.midiaindependente.org.br>. Acesso
em 10/11/2008 .
58
direitos humanos - para retirada das famílias ocupantes daquela área de risco.
Consolidando-se o assentamento durante esses anos de ocupação continuada,
as administrações públicas foram oferecendo a muitos moradores do beira
trilho serviços públicos, tais como água, energia elétrica, telefonia, rede de
esgoto. Embora um número significativo de famílias, que ocuparam a área
recentemente, não estejam contempladas, atendidas, pela prestação desses
serviços públicos. Aliás, tamanha foi a falta de seriedade e omissão, em
termos de política públicas, que um gestor público municipal chegou a
conceder autorizações de uso de terreno, datadas do ano de 1987/1988,
mediante os quais autorizava a ocupação de áreas pertencente ao leito de
ruas e parte à Rede Ferroviária Federal Sociedade Anônima (RFFSA)...
(grifos nossos).
Esse caso, que bem ilustra o processo de ocupação em Faixa de Domínio das Ferrovias,
resultou em litígio, porque a Rede Ferroviária Federal ajuizou uma ação de reintegração de
posse contra as famílias ocupantes e residentes naquele espaço, tendo o Juiz de Instância
julgado improcedente o pedido, dando origem à Apelação Cível de 70004800553, que
confirmou a sentença através do seguinte Acórdão
58
:
EMENTA: AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE JULGADA
IMPROCEDENTE. SITUAÇÃO DE FATO QUE MOSTRA QUE AS
FAMÍLIAS QUE OCUPAM A ÁREA OBJETO DA AÇÃO, ALI ESTÃO
MUITO TEMPO (DÉCADAS). AUSENTES AS CONDIÇÕES PREVISTAS
NO ART. 927 DO CPC. TERRENO PERTENCENTE À REDE FERROVIÁRIA
FEDERAL. EMBORA IMPROCEDENTE A AÇÃO, INEXISTE DIREITO À
PRESCRIÇÃO AQUISITIVA PLEITEADA PELOS REQUERIDOS A TEOR
DO DEC. LEI 9.760/46 E LEI 6.428/77. REDUZIDA A HONORÁRIA. O
CARACTERIZADA A ILEGITIMIDADE PASSIVA ARGÜÍDA NO
ADESIVO, FICANDO ESTE PARCIALMENTE PREJUDICADO. APELO
PARCIALMENTE PROVIDO. REJEITADA A PRELIMINAR DO ADESIVO,
QUE FICA PARCIALMENTE PREJUDICADO. UNÂNIME. (Apelação Cível
70004800553, Vigésima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator:
Rubem Duarte, Julgado em 10/11/2004).
Neste caso foi negada a reintegração de posse, sem que tenha havido o reconhecimento
de usucapião. Contudo, foi proferida decisão admitindo essa forma de aquisição de
propriedade, sendo um exemplo o Acórdão do Tribunal de Justiça de Santa Catarina
59
:
USUCAPIÃO IMÓVEL PERTENCENTE À REDE FERROVIÁRIA
FEDERAL (RFFSA) ESTRADA DE FERRO DESATIVADA AUSÊNCIA
DE INTERESSE PÚBLICO EM PRESERVÁ-LA POSSIBILIDADE DE SER
USUCAPIDO.
A Rede Ferroviária Federal é sociedade de economia mista dotada de
personalidade jurídica de direito privado. Seus bens são suscetíveis de serem
58
Apelação Cível nº 70004800553. Relator: Rubem Duarte. (na íntegra).
59
Apelação Cível n. 2002.001294-7, de Orleans. Relator: Desembargador Newton Trisotto.
59
usucapidos. não o eram os “originalmente integrantes do acervo das estradas
de ferro incorporadas pela União à Rede Ferroviária Federal s/a” (lei 6.428/77).
Perderam eles essas características, no entanto, com a desativação da estrada de
ferro, pois não há mais interesse público na sua preservação.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível 2002.001.294-7,
da Comarca de Orleans, em que é apelante a Rede Ferroviária Federal S.A.
(RFFSA) e apelada a Igreja Evangélica Assembléia de Deus:
ACORDAM, em Segunda Câmara de Direito Público, por votação unânime,
negar provimento ao recurso” .
A aquisição, por usucapião, de terrenos localizados em Faixas de Domínio das
Ferrovias, contudo, não encontra amparo jurídico, tendo em vista que as áreas sobre as
quais se assentam, não são de propriedade dos transportadores ferroviários mas sim,
decorrentes dos Contratos de Concessão e Arrendamento celebrados com o Estado, seu
efetivo proprietário, o que, consequentemente, derrota a possibilidade dessa forma de
aquisição.
Tais contratos, resultantes dos leilões que efetivaram o processo de desestatização da
Rede Ferroviária Federal (RFFSA), estabelecem de forma explícita a outorga da referida
área.
Assim, tomando como exemplo o contratos de Concessão e Arrendamento assinados em
28 de agosto de 1996, entre a Rede Ferroviária Federal S/A e a Ferrovia Centro Atlântica,
idênticos, em termos genéricos, àqueles assinados com a MRS. LOGÍSTICA S.A. e a
FERROVIA NOVOESTE S.A., vamos encontrar:
“CONTRATO DE ARRENDAMENTO DE BENS VINCULADOS A
PRESTAÇÃO DO SERVIÇO PÚBLICO DE TRANSPORTE FERROVIÁRIO,
OBJETO DA CONCESSÃO OUTORGADA PELA UNIÃO FEDERAL
ATRAVÉS DO DECRETO DE 26 DE AGOSTO DE 1996 PUBLICADO NO
DIÁRIO OFICIAL DA UNIÃO NO DIA 27 DE AGOSTO DE 1996, QUE
ENTRE SI CELEBRAM A REDE FERROVIÁRIA FEDERAL S.A. (RFFSA) E
A FERROVIA CENTRO-ATLÂNTICA S.A.
Os vocábulos e as expressões a seguir relacionados são usados neste instrumento
com o siginificado a seguir expresso, para efeito de interpretação de suas
cláusulas.
CONCESSÃO: é a concessão do direito de exploração do TRANSPORTE
FERROVIÁRIO DA MALHA CENTRO-LESTE nos termos do
contrato celebrado nesta mesma data entre a CONCEDENTE e a
CONCESSIONÁRIA.
60
CONCEDENTE: é a União Federal por intermédio do Ministério dos
Transportes.
CONCESSIONÁRIA: é a empresa vencedora da licitação para exploração do
TRANSPORTE FERROVIÁRIO na MALHA CENTRO-LESTE.
......FAIXA DE DOMÍNIO: é a faixa de terreno de pequena largura em
relação ao comprimento, em que se localizam as vias férreas e demais
instalações da ferrovia, inclusive os acréscimos necessários à sua
expansão.(grifo nosso).
VIA PERMANENTE: É o conjunto de instalações e equipamentos que compõem
a infra e a supra-estrutura da ferrovia.
....CLÁUSULA PRIMEIRA DO OBJETO
O objeto do presente contrato é o arrendamento pela RFFSA, à
ARRENDATÁRIA, dos bens operacionais descritos nos Anexos I e II que
integram este instrumento para serem usados nas prestação do TRANSPORTE
FERRROVIÁRIO na FAIXA DE DOMÍNIO da MALHA CENTRO-LESTE
objeto da CONCESSÃO.” (grifo nosso).
Dessa forma, a União destinou à Concessão e ao Arrendamento, feitos a um só tempo,
respectivamente, os serviços e os bens de sua propriedade, incluídas, obviamente, às
Faixas de Domínio.
O fato de se tratar de um serviço público que foi desestatizado, e que passou a ser
gerido pela iniciativa privada, pode ter induzido à aparência de que o domínio é das
empresas que exploram os serviços ferroviários (haja vista a constante menção de
privatização em vez de desestatização), quando a situação real é a da posse dos bens
concedidos e arrendados.
A propriedade da Faixa de Domínio pela União resulta e está expressa nos em diversos
atos, como o Decreto-Lei 9760 de 5 de setembro de 1946, que dispõe sobre os bens
imóveis da União, estabelecendo:
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, usando da atribuição que lhe confere
o artigo 180, da Constituição, DECRETA:
.....TÍTULO I - Dos Bens Imóveis da União, CAPÍTULO I - Da Declaração dos
Bens, SEÇÃO I - DA ENUNCIAÇÃO. ...... Art. Incluem-se entre os bens
imóveis da União: ..... g) as estradas de ferro, instalações portuárias,
telégrafos, telefones, fábricas oficinas e fazendas nacionais...;....(grifo nosso).
61
Manifesta-se, novamente, a propriedade das estradas de ferro, em 16 de março de 1957,
quando foi sancionada a Lei nº 3115 que determinava a transformação das empresas
ferroviárias da União em sociedades por ações, autorizava a constituição da Rêde
Ferroviária S.A., e que dispõe:
(...)
Art 1º Fica o Poder Executivo autorizado a constituir, nos têrmos da presente
lei, uma sociedade por ações sob a denominação de Rêde Ferroviária Federal
Sociedade Anônima (R.F.F.S.A.), à qual serão incorporadas as estradas de
ferro de propriedade da União e por ela administradas, assim como as que
venham a ser transferidas ao domínio da União, ou cujos contratos de
arrendamento sejam encampados ou rescindidos.
............. Art A União subscreverá a totalidade das ações que constituirão o
capital inicial da R.F.F.S.A. e o integralizará com o valor:
a) dos bens e direitos que hoje formam o patrimônio das empresas
ferroviárias de sua propriedade e que foram incorporadas à
R.F.F.S.A.;”...(grifos nossos).
Reforça, ainda, a relação entre a RFFSA e a União, o texto do art. 20:
(...)
Art 20. A receita da R.F.F.S.A. provirá dos seguintes recursos:
...f) subvenções do Tesouro, na forma do art. 22 e outros recursos concedidos
pela União;.
Nesse mesmo sentido, a Lei nº 11.483, de 31 de maio de 2007, que trata da revitalização
do setor ferroviário,e dá outras providências, dispõe:.
(...)
Art. 1
o
Fica encerrado o processo de liquidação e extinta a Rede Ferroviária Federal
S.A. - RFFSA, sociedade de economia mista instituída com base na autorização contida
na lei 3.115 de 16 de março de 1957.
Art. 2
o
A partir de 22 de janeiro de 2007:
I - a União sucederá a extinta RFFSA nos direitos, obrigações e ações judiciais
em que esta seja autora, ré, assistente, opoente ou terceira interessada, ressalvadas as
ações de que trata o inciso II do caput do art. 17 desta Lei; e
62
II – os bens imóveis da extinta RFFSA ficam transferidos para a União,
ressalvado o disposto no inciso I do art. 8º desta Lei.
............ Art. 8
o
Ficam transferidos ao Departamento Nacional de Infra-Estrutura
de Transportes - DNIT:
I - a propriedade dos bens móveis e imóveis operacionais da extinta
RFFSA;....(grifos nossos).
A redação de parte do art. , acima citado, foi modificada pela Lei 11.722 de 17 de
setembro de 2008, que alterou e acrescentou dispositivos à diversas Leis, dispondo em seu
artigo 30, o seguinte:
(...)
Art. 30. A Lei n
o
11.483, de 31 de maio de 2007, passa a vigorar
com as seguintes alterações:
“Art. 2º.................................................................................
II - os bens imóveis da extinta RFFSA ficam transferidos para a União,
ressalvado o disposto nos incisos I e IV do caput do art. 8
o
desta Lei.” (grifo
nosso).
Constata-se, dessa forma que a concessão do usucapião de Faixas de Domínio das
ferrovias é incabível por se tratar de bem de propriedade da União.
Em decisão recente, o Superior Tribunal de Justiça, endossa essa conclusão
60
:
[...}USUCAPIÃO. IMÓVEL. REDE FERROVIÁRIA Cinge-se a matéria à
viabilidade da propositura de ação de usucapião de bem imóvel pertencente à
rede ferroviária. O Min. Relator entendia que, uma vez desativada a via férrea e,
consequentemente, afastado o bem de sua destinação de interesse público, o
imóvel perdeu o caráter especial, motivo pelo qual passou a ter natureza de bem
particular pertencente à sociedade de economia mista, portanto passível de
usucapião. Mas o Min. Carlos Fernando Mathias (Juiz convocado do TRF da
Região), discordando do Min. Relator, entendeu tratar-se de bem incluído entre
os da União, conforme o art. do DL n. 9.760/1946. Além de também
mencionar as Leis ns. 3.115/1957 e 6.428/1977, ressaltou que a recente Lei n.
11.483/2007, com a redação dada ao inciso II do art. pela Lei n. 11.772/2008,
dispôs que os bens imóveis da extinta RFFSA ficam transferidos para a União.
Diante disso, a Turma, por maioria, conheceu do recurso da União e lhe deu
provimento. REsp 242.073-SC, Rel. originário Luis Felipe Salomão, Rel. para
60
STF. Informativo nº 0385. Período: 2 a 6 de março de 2009.Quarta Turma.
63
acórdão Min. Carlos Fernando Mathias (Juiz convocado do TRF da
Região), julgado em 5/3/2009”
A decisão, que indica a impossibilidade de ocorrer a aquisição por usucapião, contudo,
não representa, em termos práticos, a resolução do problema. São necessárias providências
no sentido de liberar as áreas invadidas para as finalidades específicas que foram criadas.
A situação é complexa, pois as invasões ocorrem em toda a malha ferroviária, e são
perpetradas, em geral, como comentado, por população de baixa renda, como uma
alternativa em face às suas carências de ordem financeira. Fixam-se em locais de risco,
convivendo com o perigo que representa essa atitude, impondo, ao mesmo tempo,
dificuldades para o tráfego dos trens.
Assim, o problema deve ser analisado tanto sob ângulo da situação dos moradores da
Faixa de Domínio, como pelo prisma das necessidades das operações ferroviárias, sabendo-
se que, em comum, existe o aspecto da indispensável segurança permanente.
A busca de qualquer solução, que não de sentido paliativo, requer indispensável
definição, de importância vital tanto para a análise do quadro atual como para o
balizamento de ações futuras, das dimensões do que se denomina “Faixa de Domínio”.
Essa lacuna, pelo menos aparente nos atos normativos vigentes, e que regem a atividade
do transporte ferroviário, cria a inusitada situação, quando trata do assunto, da falta de
referência da amplitude, em termos quantitativos, desse espaço.
Dessa indefinição, surge, dentre outros, o problema da constatação de invasão, pois,
tendo em vista a inexistência de um marco métrico, não há como se comprovar se tal fato
ocorreu (e a partir de onde), acarretando questionamentos a propósito a) da possibilidade
de ação judicial de reintegração de posse e b) do agente com competência para promover
este pleito - se for essa a opção, ou, ainda, dos entes que podem ser convocados para tratar
da resolução desse assunto.
64
Instada sobre o assunto, assim se pronunciou a Companhia Brasileira de Transportes
Urbanos – CBTU
61
, em 8 de maio de 2006 :
[...] Despacho Jurídico CBTU-
A discussão promovida em Natal durante a Terceira Reunião do Grupo de
Transporte e Desenvolvimento Urbano - GTDU teve como tema base a faixa de
domínio, com abordagem sobre definição legal e técnica, clandestinidade e
irregularidade nas passagens de vel, problemas com as comunidades lindeiras,
acidentes ferroviários, questões patrimoniais, segurança da via e outros.
Em primeiro lugar, cabe definir a faixa de domínio e a sua largura. Entretanto,
não constam no ordenamento jurídico brasileiro vigente a definição certa e a
metragem da faixa de domínio.
Em pesquisa na INTERNET, não foi encontrado qualquer registro de que tal
Resolução encontra-se em vigor, já que, como se disse, o DNEF foi extinto e suas
funções repassadas à Secretaria Geral do Ministério dos Transportes e à RFFSA -
em liquidação.
Portanto, atualmente não uma definição legal da faixa de domínio e a fixação
de sua largura....” (...) “...Conclui-se, pois, que na falta de dispositivo legal ou
normativo que determine o conceito e a metragem da faixa de domínio, devem as
áreas técnicas e operacionais da CBTU definir e, através de uma proposição a ser
elevada à Diretoria, promover a regulamentação da faixa no âmbito da
Companhia.
Em conseqüência da normatização da faixa de domínio, outras controvérsias
deverão ser resolvidas, tais como, regularização das áreas indevidamente
ocupadas por imóveis lindeiros à linha férrea e planejamento urbano dessas áreas
que envolverão a atuação de Municípios e Estados”.
a Agência Nacional de Transportes Terrestres - ANTT, por meio da Resolução
2.695 de 13 de maio de 2008, ao estabelecer procedimentos a serem seguidos pelas
concessionárias de serviços públicos de transporte ferroviário na obtenção de autorização
da ANTT para execução de obras na malha objeto da Concessão, explicita o que deve ser
entendido como faixa de domínio. Expressa o diploma:
“... A Diretoria da Agência Nacional de Transportes Terrestres ANTT, no uso
de suas atribuições,.....
.....CONSIDERANDO o direito de a concessionária em construir ramais,
variantes, pátios, estações, oficinas e demais instalações, bem como proceder a
retificações de traçados para a melhoria e/ou expansão dos serviços da malha
objeto desse contrato, sempre com prévia autorização da Concedente;
CONSIDERANDO o interesse e/ou a necessidade de terceiros, entidades públicas
e privadas, de realização de obras na faixa de domínio da ferrovia para a
prestação de serviços blicos ou privados;
CONSIDERANDO a necessidade de a ANTT regulamentar os procedimentos de
61
CBTU. Faixa de Domínio e assuntos correlatos. Disponível em <www.cbtu.gov.br>. Acesso em
10/12/2008
65
autorização para execução de obras, com vistas à padronização do processo de
autorização, RESOLVE:
Art. Estabelecer procedimentos a serem observados pelas concessionárias de
serviços públicos de transporte ferroviário, na obtenção de autorização da ANTT
para a execução de obras de interesse das concessionárias e obras de interesse de
terceiros (público ou privado) que sejam realizadas dentro da área da concessão
ferroviária...”
“...Art. 2º Para fins desta Resolução, considera-se:
I - obras de interesse da concessionária: aquelas realizadas pela concessionária
para a melhoria e/ou expansão dos serviços relacionados ao transporte
ferroviário;
II - obras de interesse de terceiros: aquelas realizadas ao longo da faixa de
domínio da ferrovia ou que envolvam travessia ferroviária, por solicitação de
entidades públicas ou privadas;
III - Faixa de Domínio: é a faixa de terreno de pequena largura em relação
ao comprimento, em que se localizam as vias férreas e demais instalações da
ferrovia, inclusive os acréscimos necessários à sua expansão.” (grifo nosso).
Ora, a publicação dessa Resolução, como se nota em seu artigo , III, define o que se
entende por Faixa de Domínio, sem, contundo, estabelecer claramente seus parâmetros,
limitando-se, neste particular, a mencionar “pequena largura em relação ao comprimento”
– definição extremamente imprecisa e, portanto, não elucidando a questão.
Curiosamente, a Resolução em tela ainda prevê a possibilidade de desapropriação além
da faixa de domínio como se verifica em seu artigo . 4º., que indica:
(...)
“..... § 2º A concessionária providenciará a documentação legal exigida para
solicitação de Declaração de Utilidade Pública DUP, no caso de autorização de
obras a serem realizadas fora da faixa de domínio e que venham exigir
desapropriação, conforme especificado no Anexo 1.”.
Ressalte-se ainda que o Departamento Nacional de Infra-Estrutura e Transporte –
define, em seu “Glossário de Termos Ferroviários”
62
, faixa de domínio como “uma faixa
de terreno de pequena largura em relação ao comprimento, em que se localizam as vias
férreas e demais instalações da ferrovia, inclusive os acréscimos necessários.”.
62
DNIT .Glossário de Termos Ferroviários. Disponível em <http://www.dnit.gov.br>. Acesso em
30/01/2009.
66
A Lei 6.766, de 19/12/79, que trata do parcelamento do solo urbano, como requisito
urbanístico para loteamento, dispõe, em seu artigo 4º,
(...)
III- ao longo das águas correntes e dormentes e das faixas de domínio público
das rodovias, ferrovias e dutos, será obrigatória a reserva de uma faixa non
aedificandi de 15 (quinze) metros de cada lado, salvo maiores exigências da
legislação específica”.
É importante observar que este ato normativo estabelece - nas áreas que menciona -, a
distância a ser respeitada como não edificável, não devendo ser confundida com largura
da Faixa de Domínio da ferrovia, mas sim, como a que deve ser reservada além daquela
destinada ao sistema ferroviário.
Também o Decreto no 84.398 de 16 de janeiro de 1980 que dispõe sobre a ocupação de
faixa domínio, em seu artigo (que teve nova redação dada pelo Decreto 86.859/82)
estabelece que
(...)
“A ocupação de faixas de domínio de rodovias, ferrovias, oleodutos e linhas de
transmissão de energia elétrica e outros concessionários, por linhas de
transmissão, sub-transmissão de energia elétrica de outros concessionários de
serviços públicos de energia elétrica, serão autorizadas pelo órgão público
federal, estadual ou municipal ou entidade competente, sob cuja a jurisdição
estiver a área a ser ocupada ou atravessada”.
Tal Decreto, dessa forma, estabelece competências para autorização da utilização da
referida área, entretanto não menciona os parâmetros que permitam sua real mensuração.
Seguindo nossa linha de raciocínio, observe-se, então, o Parecer Analítico sobre Regras
Regulatórias 11/2007 de 20 de dezembro de 2007 da Secretaria de Acompanhamento
Econômico – Coordenação Geral de Transportes e Logística do Ministério da Fazenda, que
menciona
[...} Segundo a ANTT, compreende-se como faixa de domínio a faixa de terreno
em que se localizam as vias férreas e demais instalações das ferrovias, inclusive
67
os acréscimos necessários à sua expansão. A faixa de domínio é parte integrante
do contrato de concessão e como tal é qualificado como bem operacional passível
de exploração pela concessionária”.
.
A falta de definição para a largura da faixa de domínio no processo legislativo, com a
entrada em vigor de novas normas revogando diplomas anteriores, gerou um pequeno
imbróglio, uma vez que, pesquisando-se legislação pretérita, identifica-se tal especificação
integrando atos normativos revogados, o mesmo não ocorrendo com as normas vigentes,
tendo sido omissos os diplomas revocatórios, nesse particular aspecto.
Assim, o Decreto 2089, de 18 de Janeiro de 1963, que tratava do Regulamento para
Segurança, Tráfego e Polícia nas Estradas de Ferro, publicado pelo Ministério da Viação e
Obras Públicas , em seu artigo do Capítulo II que trata Da Construção, Ampliação,
Conservação e Defesa da Via Permanente e sua Faixa, explicitava:
“As estradas de ferro gozarão do direito de desapropriação, por utilidade pública,
dos imóveis e benfeitorias necessários a construção, funcionamento, ampliação,
conservação e defesa da via permanente e das demais instalações
ferroviárias, bem como à segurança e regularidade dos trens, estendendo-se
esse direito às pedreiras, aguadas, lastreiras e árvores situadas nas proximidades
do leito da via férrea.
Parágrafo - Para o fim previsto neste artigo, a faixa mínima de terreno
necessária à perfeita segurança do tráfego dos trens, terá seus limites
lateralmente fixados por uma linha distante seis metros do trilho exterior,
salvo em casos excepcionais, a critério do Departamento Nacional de
Estradas de Ferro – D.N.E.F.”. (grifos nossos).
Em 8 de março de 1963 entrou em vigor o Decreto 51.813, que aprovou o
“Regulamento Geral de Transportes para as estradas de ferro brasileiras”. Este Decreto
cuidava das relações entre empresas de estrada de ferro, seus usuários, com os interessados
no respectivo serviço, em tráfego mútuo, etc... . Não tratava especificamente de Faixas de
Domínio, mas dispunha, também em seu artigo 2º:
(...)
Para efeitos da aplicação do presente Regulamento, ficam tôdas as Estradas
de Ferro existentes em território nacional sujeita à orientação e deliberação do
Departamento Nacional de Estradas de Ferro (D.N.E.F.) nos têrmos da Lei
número 4.102 de 22 de julho de 1962”.(grifo nosso).
68
Em 9 de dezembro de 1974 foi sancionada a Lei 6.171, que extinguiu o Departamento
Nacional de Estradas de Ferro, constituído pela Lei 4.102 de 20 de julho de 1962, dispondo
em seu artigo 2º :
... São acrescentadas ao artigo da Lei nº 3.115, de 16 de março de 1957, as
alíneas abaixo:
"i) fiscalizar, em todo o território nacional, os serviços de transporte ferroviário;
j) promover a coordenação de estudos tarifários e de custos de transportes
ferroviários em geral;
l) planejar a unificação e padronização do sistema ferroviário brasileiro;
m) proceder à avaliação qualitativa e quantitativa do sistema ferroviário nacional;
n) realizar pesquisa relacionada com o aperfeiçoamento das atividades
ferroviárias no País; e
o) proceder à execução da parte ferroviária do Plano Nacional de Viação."
Parágrafo único. Na formulação da Política Ferroviária, na fiscalização de
sua execução, bem como na atualização da parte ferroviária do Plano Nacional de
Viação e no acompanhamento da execução desse Plano, o Ministro dos
Transportes será assessorado pela Secretaria-Geral de seu Ministério.
A Lei 3.115 de 16 de março de 1957, acima mencionada, criou a Rede Ferroviária
Federal, que, dessa forma, assumiu as atribuições especificadas, do extinto Departamento
de Estradas de Ferro.
Em 14 de fevereiro de 1985 foi baixado o Decreto 90.959, aprovando o Regulamento
dos Transportes Ferroviários, revogando o Decreto 2.089 de 18 de janeiro de 1963 e o
Decreto 51.813 de 8 de março de 1963, e demais disposições em contrário,
estabelecendo, em seu artigo 2º, que
(...)
O Ministro de Estado dos Transportes expedirá, por Portaria, os atos
complementares e as modificações de caráter técnico que se façam necessários
para a permanente atualização do Regulamento e obtenção dos níveis adequados
de segurança nesse tipo de transporte”.
69
Em seus 112 artigos este Regulamento disciplinou: a relação entre a administração
ferroviária e seus usuários; a segurança nas ferrovias; atribuiu ao Poder Público a
administração, construção e a exploração das estradas de ferro; definiu procedimentos
quanto à faixa de domínio e seu fechamento bem como as condições de passagem de nível
e a definição associadas ao encargo de sua construção e manutenção.
Estabeleceu, ainda, que não poderia ser impedida a travessia de suas linhas por um
conjunto definido de serviços e permitiu que a administração ferroviária, observadas as
restrições desse decreto, em caso de absoluta necessidade para a segurança do tráfego,
pudesse alterar cruzamentos anteriormente autorizados. Determinou, ainda que a
administração ferroviária providenciasse a vedação da faixa ocupada por suas linhas, bem
como sua conservação, sendo, também, obrigada a proteger devidamente a circulação
dos trens, mediante a adoção de sistemas de licenciamento e sinalização compatíveis com
a intensidade do tráfego e a aplicar as normas gerais de de segurança de operação,
baixadas pelo órgão competente da administração federal ”.
Atribuiu, ainda a competência à administração ferroviária para organizar e estabelecer o
policiamento em suas dependências, em ação harmônica, quando necessário, com as
autoridades policiais competentes. Proibiu, a qualquer pessoa, de desviar águas, inclusive
pluviais, para a Faixa de Domínio da ferrovia”.
Constata-se, nos assuntos destacados, um conjunto de obrigações a serem observadas
que tratam da segurança da ferrovia, inclusive na Faixa de Domínio, sem qualquer menção
às suas características, verificando-se, ainda, a referência, em alguns casos, à expressão
órgão competente da administração federal, levando à conclusão, implicitamente, da
compatibilidade deste Regulamento com normas a ele exógenas.
Em 4 de março de 1996 é editado o Decreto nº 1.832, revogando o Decreto 90.959 de 14
de fevereiro de 1985, e aprovando novo Regulamento dos Transportes Ferroviários,
disciplinando, entre outras, as relações entre a Administração Pública e as Administrações
Ferroviárias, e a segurança nos serviços ferroviários, mencionando ainda, em seu artigo 12 :
70
(...)
A Administração Ferroviária deverá implantar dispositivos de proteção e
segurança ao longo de suas faixas de domínio”.
Este Decreto encontra-se em vigor.
Verifica-se, mais uma vez, que o conjunto da legislação vigente responsabiliza as
concessionárias pela segurança e vigilância dos serviços concedidos, não estabelecendo,
contudo, como faziam os diplomas pretéritos, a largura da faixa de domínio, omitindo-se a
respeito de tal assunto.
Ou seja, a partir da Lei 6.171/74, que extinguiu o Departamento Nacional de Estradas
de Ferro, os atos normativos citados criaram Regulamentos da atividade Ferroviária,
prevendo procedimentos e estabelecendo diversas responsabilidades em atividades
envolvendo instalações, segurança interna, policiamento de dependências etc, devendo as
ações serem exercidas pelas Administração Ferroviária , em áreas definidas, que devem
estar sob seu domínio.
O Decreto 2.089/63, que fez a última referência à amplitude da Faixa de Domínio, foi
revogado pelo Decreto 90.959/85 , é omisso nessa definição, assim, como, acima
verificado, os demais diplomas que tratam parcialmente matéria.
No Contrato de Concessão e Arrendamento das ferrovias, anteriormente utilizado como
exemplo, são relacionados uma série de vocábulos e expressões e seus significados para
efeito de interpretação de suas cláusulas. Dentre estes vocábulos, exsurge a Faixa de
Domínio com o seguinte significado : ......FAIXA DE DOMÍNIO: é a faixa de terreno de
pequena largura em relação ao comprimento, em que se localizam as vias férreas e demais
instalações da ferrovia, inclusive os acréscimos necessários à sua expansão.
.
Esses instrumentos contratuais talvez sejam o marco inicial, a origem, da atual
significação, por conterem as referências mais remotas da falta de especificação, em
termos exatos, da Faixa de Domínio, que, a partir daí, passou a ser a definição adotada,
inclusive, posteriormente , pela Agência Nacional de Transportes Terrestres ANTT e
pelo Departamento Nacional de Infra-Estrutura e Transporte - DNIT, indicando que os
71
direitos e obrigações da outorgada incidem sobre o leito onde se assenta a linha férrea,
sendo este seu comprimento mas sua largura é novamente indefinida.
Assim, aparentemente, o vácuo existente nas atuais definições, decorre da falta de
amparo legal para uma demarcação objetiva.
Recapitulando e sumarizando parte da legislação até aqui referida, vamos verificar que:
a) O Decreto 2.089, de 18 de Janeiro de 1963, em seu § explicitava quantitativamente
a largura da Faixa de Domínio;
b) Definiu-a, também, em termos métricos, o Ato Normativo no 43/66 do Departamento
Nacional de Estradas de Ferro -DNEF;
c) A Lei 6.171 de 9 de dezembro de 1974, que extinguiu o DNEF, em seu artigo ,
transferiu para a RFFSA algumas das atribuições da Autarquia extinta;
d) O Decreto 2.089/63 foi revogado pelo Decreto 90.959/85, não trazendo
especificações métricas da Faixa de Domínio;
e) O Decreto 1.832/96, de 4 de março de 1996, em vigor, que criou novo Regulamento,
revogando o Decreto. 90.959/85, e que é anterior à celebração dos Contratos, também não
fornece informações específicas sobre o assunto. Assim, não como se identificar a
origem da definição que foi adotada nos Contratos, para as devidas responsabilidades das
partes.
De extrema importância é a Proposta de Resolução da ANTT, que esclarece, oferece
soluções e atribui responsabilidades de forma extremamente objetiva, para o conjunto de
problemas, apontado os entes diretamente envolvidos em sua solução.
Ora, se não esgota toda a matéria, manifesta-se de forma clara sobre questões sobre as
quais repousam situações que contribuem, de forma decisiva, para o quadro vigente,
trazendo à discussão pontos que estão exigindo urgente esclarecimento e decisão. Com o
conjunto de definições e interpretações que apresentava, a minuta de Resolução , que
72
pretendia estabelecer critérios e procedimentos sobre a exploração da faixa de domínio,
vinculada à prestação dos serviços públicos federais de transportes ferroviários ”, se não
esgotava, pelo menos abordava grande parte dos problemas sensíveis que pairam na
atividade dos transportes ferroviários. Por esses aspectos, merece apreciação mais
exaustiva, em função da abordagem que dá ao tema sob análise, da seguinte forma:
[...]. A DIRETORIA DA AGÊNCIA NACIONAL DE TRANSPORTES
TERRESTRES, no uso de suas atribuições, em conformidade com o disposto no
art. 25, inciso V, da Lei nº 10.233, de 5 de junho de 2001, na Lei nº 8.987, de 13 de
fevereiro de 1995, e fundamentada nos termos do Relatório ____ - ____ /2006, de
____ de __________ de 2006, e
CONSIDERANDO que constituem a esfera de atuação da ANTT o transporte
ferroviário de passageiros e cargas ao longo do Sistema Nacional deViação - SNV;
CONSIDERANDO que a faixa de domínio ferroviária encontra-se vinculada à
concessão e como tal caracteriza-se como bem operacional, sendo objeto de
obrigação por parte da Concessionária zelar pela sua integridade, conforme normas
técnicas específicas, mantendo-a em perfeitas condições de funcionamento e
conservação, até a sua transferência à Concedente ou à nova concessionária;
CONSIDERANDO que no Contrato de Concessão e no de Arrendamento
possibilidade de a Concessionária utilizar a faixa de domínio para desenvolvimento
de atividades Associadas à prestação do seu objeto social ou projetos associados,
sempre com autorização prévia da Concedente;
CONSIDERANDO que o Contrato de Concessão atribui a Concessionária o direito
de construir linhas férreas e demais instalações ou promover retificações de
traçados para melhoria e/ou expansão dos serviços da sua malha, com prévia
autorização da Concedente;
CONSIDERANDO que o Contrato de Concessão e o de Arrendamento estabelece
que é obrigação da Concessionária, dentre outras especificadas, manter as
condições de segurança operacional da ferrovia, de acordo com o Regulamento dos
Transportes Ferroviários - RTF, aprovado pelo Decreto 1832, de 4 de março del996
e demais normas pertinentes; e
CONSIDERANDO que compete à ANTT regulamentar as atividades de
exploração da infra-estrutura de transportes terrestres, exercidas por terceiros e,
especificamente estabelecer as normas e instruções que se fizerem necessárias à
adequada aplicação do Regulamento dos Transportes Ferroviários, RESOLVE:
Art. 1º. Estabelecer critérios e procedimentos para a exploração da faixa de
domínio vinculada aos serviços públicos de transporte ferroviário federal, visando
preservar as condições de segurança operacional das ferrovias e promover a sua
proteção.
Parágrafo único. Entende-se como faixa de domínio a faixa de terreno de
pequena largura em relação ao comprimento, em que se localizam as vias
férreas e demais instalações da ferrovia, inclusive os acréscimos necessários à
sua expansão.
73
Art. 2º. Fica estabelecida como extensão mínima obrigatória da faixa de
domínio a faixa de terreno demarcada pela distância de 5 (cinco) metros além
das linhas offset ou, na falta destas, por linhas imaginárias, paralelas ao eixo
da via, situadas, em ambos os lados, distando 6m (seis metros) a partir dos
trilhos externos ao conjunto da via.
§1º- Quando não houver documento comprobatório quanto à delimitação da faixa
de domínio e não havendo concordância quanto à delimitação existente, considerar-
se-á, para fins de providências para a sua delimitação, o disposto no caput deste
artigo.
§2º- Para fins desta Resolução, entende-se como offset a linha definida pelo
encontro dos taludes de aterro ou corte com o terreno natural.
§3º- Nos locais onde houver pátios ou linhas paralelas, serão consideradas linhas
imaginárias paralelas àquelas situadas, em ambos os lados, distando 7,5 (sete e
meio) metros a partir dos trilhos externos ao conjunto da via, independentemente se
em curva ou em tangente.
Art. 3º. Compete a Concessionária a exploração da faixa de domínio que
integra a infra-estrutura vinculada ao Contrato de Concessão.
Art. 4º. A implantação ou retificação de trechos ferroviários com vistas a sua
expansão e melhoria do serviço deverá considerar, para fins de promoção de
declaração de utilidade pública e desapropriação, a faixa de domínio existente e os
acréscimos das áreas necessárias para as instalações definidas no projeto, além das
áreas suficientes para atender às construções e obras necessárias para cruzamentos
e entroncamentos com outras vias e áreas de proteção ambiental, segurança e
proteção de crista de cortes e saias de aterros, nascentes e outras.
....§3º A área declarada de utilidade pública e desapropriada, uma vez integrada à
concessão, é de inteira responsabilidade das Concessionárias, quanto à sua
posse, domínio e uso.
Art. 5º. Quando houver discordância do proprietário do terreno limítrofe à faixa de
domínio da ferrovia e não sendo possível obter o acordo quanto aos limites em
causa, a Concessionária adotará medidas necessárias, inclusive judiciais, se for
o caso, para salvaguardar os limites da faixa de domínio quanto às ocupações
ocorridas dentro do período da vigência dos Contratos de Concessão.
Parágrafo único. No caso de invasão anterior à concessão, a Concessionária deverá
comunicar à proprietária do bem para o processamento das providências que se
fizerem necessárias, voltadas à reconstituição ou liberação da faixa de domínio,
sem excluir as medidas previstas no caput, quando houver prejuízo às operações
ferroviárias.
Art. 6º. A Concessionária deverá manter atualizadas as informações cadastrais
relativas à faixa de domínio, por trechos, sob sua responsabilidade, que permitam o
controle e acompanhamento de situação da ocupação territorial, com destaque para
as informações que identifiquem e classifiquem as utilizações de acordo com o art.
7º, incluindo aquelas sobre as eventuais invasões e as travessias não autorizadas.
§ Quando não for possível obter as informações dominiais sobre a faixa de
domínio, bem como os registros das invasões anteriores à Concessão, a
74
Concessionária informará a existência destas violações, quando visualmente
identificadas
§ Para fins de sua qualificação no cadastro, os trechos ferroviários com invasões
na faixa de domínio devem ser identificados, em sua posição quilométrica, relativa
à estação anterior e à posterior, seu posicionamento à direita ou esquerda no
sentido crescente de quilometragem e, ainda, na sua condição, em relação às
seguintes situações decorrentes:
(...)
...III Com tráfego suspenso e com vel de invasão na faixa de domínio que não
impeça o restabelecimento do tráfego; e
IV – Com tráfego suspenso e com nível de invasão na faixa de domínio que impeça
o restabelecimento do tráfego.
§ 3º - Para os trechos cadastrados nas situações previstas no § 1º, quando
constatada a existência de edificações, cercas ou outras ações de terceiros que
representem a invasão, devem ser acrescidas as seguintes informações:
I Se a invasão é anterior ou posterior à data de assunção da Malha pela
Concessionária;
(...)
.......§ No intervalo de tempo existente entre o envio dos Relatórios a que se
refere o § 4º, a Concessionária deverá comunicar a ANTT a ocorrência de novas
invasões da faixa de domínio, se houver, independentemente das providências que
lhe são afetas.
§ A ANTT notificará a Concessionária, caso constate a ocorrência de invasões
da faixa de domínio durante a fiscalização que não tenham sido comunicadas
previamente, para as devidas providências.
(...)
....Art. 9º. Na concepção do projeto a ser executado na faixa de domínio da
ferrovia, deverão ser levadas em consideração as condições de implantação,
operação e manutenção, de forma a permitir o acesso ao empreendimento e a sua
inspeção, bem como as interferências nas operações ferroviárias, no sentido de:
I - Minimizar os riscos à ferrovia, a terceiros e à comunidade;
II – Atender ao disposto nos Contratos de Concessão na legislação pertinente;
III Evitar riscos de dano aos bens arrendados ou de propriedade da
Concessionária;
IV – Manter as condições de segurança do tráfego;
V – Preservar a continuidade da prestação de serviço concedido; e
VI - Cumprir todas as exigências ambientais.
(...)
Art. 11 - A Concessionária terá o prazo de 120 (cento e vinte) dias, após o envio
do primeiro Relatório Analítico, previsto no § 5º, do Art. , para encaminhar
à ANTT, o plano geral de adequação de utilização da faixa de domínio,
relativamente às ocupações e travessias irregulares.
(...)
Art. 13. A Concessionária deverá preservar a faixa de domínio por meio de
cercas, muros ou outras formas de isolamento e/ou pela vigilância adequada,
especialmente em trechos urbanos, restringindo o trânsito de pessoas estranhas ao
75
serviço e de animais, visando à segurança e a eficiência operacional da ferrovia...”.
(grifos nossos).
Este documento foi submetido e mereceu o parecer analítico nº 10/2007 da Coordenação
Geral de Transportes Logísticos da Secretaria de Acompanhamento Econômico do
Ministério da Fazenda
63
que se manifestou sobre a Audiência Pública 67/2007, que
sumariza, de forma muito oportuna ,em seu item 3: ...Das Considerações da SEAE. A
proposta de Resolução de que trata esse parecer , quando adotada em definitivo,
representará avanço significativo em matéria que até o presente momento abarca elevado
grau de insegurança regulatória...”.(grifos nossos).
Contudo, a Proposta - em que pese o seu conteúdo amplo, detalhado, delimitador de
responsabilidades e que preencheria lacunas ou esclareceria dúvidas sobre atos normativos
- não foi implementado na forma em que foi apresentada.
Isto posto, os suportes para edição de ato normativo devem ser encontrados na
legislação vigente, que dão fundamentos convergentes a esse propósito, por imporem
obrigações que exigem claras demarcações.
O que foi até aqui apresentado, sugere a existência de importante lacuna normativa.
Contudo, ao se observar de forma mais acurada, verifica-se que a Resolução 43/66, ato
normativo de de abril de 1966 do Conselho Ferroviário Nacional , editada pelo
Departamento Nacional de Estradas de Ferro do Ministério dos Transportes, determinava
em seu item 2.6.7 :
(...)
Faixa de Domínio A faixa de domínio terá uma largura mínima limitada pela
distância de 10 metros, contada a partir dos pés de aterro ou das cristas dos
cortes, para cada um dos lados e nunca será inferior a 30 metros.....(grifo nosso).
Embora a Autarquia, competente para a emissão dessa norma, tenha sido desconstituída,
nos atos subsequentes à sua extinção, não se verifica, em relação à Faixa de Domínio das
63
SEAE. MF. Parecer analítico sobre regras regulatórias. Disponível em <www.seae.fazenda.gov.br.>.
Acesso em 10/12/2008.
76
Ferrovias, nenhuma menção à mudança, ou conflito, com relação às características
definidas no referido ato normativo, nem tampouco a invalidação de sua determinação.
Dessa constatação resulta a possibilidade da permanência em vigor e, portanto a
validade desse ato normativo. O fato de ter sido extinto um órgão com atribuições
regulatórias, não anula regras emanadas, pois, estas desaparecem frente à revogação
tácita ou implícita, o que não restou comprovado no material pesquisado que trata da
matéria.
A primeira urgente medida é instar a ANTT, entidade que abarca a regulação do
transporte ferroviário, a esclarecer ou definir a amplitude da Faixa de Domínio, por meio da
confirmação da Resolução 43/66 do DNEF ou editando norma com nova metragem,
substituindo, dessa forma, o diploma emitido pelo extinto Departamento, o que permitiria
de imediato identificar possíveis invasões.
Deve ser observado que a Proposta de Resolução da ANNT, da qual foi transcrita
parte, na página. 72, ataca o problema com clareza e objetividade, adotando forma e
apresentando subsídios que podem servir de fundamento para ato normativo específico,
merecendo, por essas razões, voltar a ser objeto de avaliação e discussão na Agência
Reguladora.
Entretanto, em 18 de fevereiro de 2009, foi publicada no Diário Oficial a Resolução
3.000, de 28 de janeiro de 2009, da ANTT, aprovando novo Regimento Interno, trazendo,
entre seus artigos o seguinte: .....Art. 68. À Superintendência de Serviços de Transporte de
Cargas compete: .... VII definir e regulamentar o uso das faixas de domínio ao longo
das ferrovias... , (grifo nosso), o que indica ter sido atribuída especial atenção ao assunto.
77
4.2 – Passagens de nível ferroviárias
Outro problema, indicado como entrave pelos operadores ferroviários
64
, reconhecido
também pela ANTT e pelo DNIT, são as aproximadamente 12.400 passagens de nível
ferroviárias, uma a cada 2,3 quilômetros, sendo que 134 delas são apontadas como críticas
e/ou prioritárias, havendo necessidade de investimentos da ordem de R$ 385 milhões para
combater (ou minimizar) o problema.
Nesses pontos acontecem maior parte dos acidentes: à semelhança do que ocorre nas
Faixas de Domínio, invadidas por assentamentos, determina-se, também, a redução de
velocidade dos trens nessas passagens, em função da precariedade da sinalização, tornando-
se mais um obstáculo à eficiência operacional, além da sujeição a constantes indenizações
decorrentes dos acidentes.
O Decreto nº 1.832 de 4 de março de 1996, que trata do Regulamento dos Transportes
Ferroviários
65
, atribui a Administração Ferroviária a responsabilidade pela segurança em
toda a sua Faixa de Domínio. Incluiu-se aí, obviamente, as Passagens de Nível, entre outras
obrigações.
Ressalte-se que os contratos de Concessão de Transportes Ferroviários estipulam, no
item 5.2 de sua Cláusula Quinta, que:
(...)
A CONCESSIONÁRIA obedecerá às normas de seguranças vigentes para a
prestação de serviços objeto da CONCESSÃO e para a operação e a manutenção
dos ativos a ela vinculados. A segurança do serviço oferecido será avaliada
precipuamente pela freqüência da ocorrência de acidentes, medida pelo seguinte
índice: número de acidentes/milhão de trens, quilometro”.
64
AGENDA ESTRATÉGICA PARA O DESENVOLVIMENTO DAS FERROVIAS. Disponível em
<www.antf.org.br> .Acesso em 27/02/2009.
65
Este Regulamento disciplina a segurança nos serviços ferroviários (art. 1º, IV), levando a Administração
Ferroviária a implantar dispositivos de proteção e segurança ao longo de suas faixas de domínio, além de
obrigá-la a manter a via permanente, o material rodante, os equipamentos e as instalações em adequadas
condições de operação e de segurança.
78
os Contratos de Arrendamento, vinculados à Concessão, estabelecem, em sua
Cláusula Quarta
(...)
DAS OBRIGAÇÕES DA ARRENDATÁRIA: . III) manter as condições de
segurança operacional e responsabilizar-se pela conservação e manutenção
adequadas dos bens objeto deste contrato, de acordo com as normas técnicas
específicas. IV) responder por todo e qualquer dano ou prejuízo causado à própria
RFFSA ou à terceiro decorrente do uso dos bens objetos do presente contrato...”.
A ANTF
66
propõe que a ANTT atue na conscientização dos órgãos responsáveis pela
construção e manutenção das Passagens de Nível, pelas Prefeituras e pelos Departamentos
de Estrada de Rodagem, para a realização e manutenção de obras de sinalização dessas
travessias, em conformidade com o artigo 10 da Lei 1832/96 que instituiu o Regulamento
do Transporte Ferroviário , e que prevê
(...)
Art. 10 - A Administração Ferroviária não poderá impedir a travessia de
suas linhas por outras vias, anterior ou posteriormente estabelecidas,
devendo os pontos de cruzamento ser fixados pela Administração Ferroviária,
tendo em vista a segurança do tráfego e observadas as normas e a legislação
vigentes.
.....§ - A Administração Ferroviária não poderá deixar isoladas, sem
possibilidade de acesso, partes do terreno atravessado por suas linhas.
....§ 4º - O responsável pela execução da via mais recente assumitodos os
encargos decorrentes da construção e manutenção das obras e instalações
necessárias ao cruzamento, bem como pela segurança da circulação no
local.”(grifos nossos).
No tocante às Prefeituras, convém destacar que o Código Nacional de Trânsito, Lei
9.503 de 23/09/97, dispõe:
(...)
Art. 90 .....
..........§ 1º O órgão ou entidade de transito com circunscrição sobre a via é
responsável pela implantação da sinalização, respondendo por sua falta,
insuficiência ou incorreta colocação.
A ANTT, por intermédio da Resolução nº 006 de 11 de abril de 2002
67
, aprovou o
convênio de cooperação técnica e administrativa com Departamento Nacional de Infra-
estrutura de Transportes – DNIT para
(...)
66
SENADO FEDERAL. I Simpósio Infra-Estrutura e Logística no Brasil: Desafios para um País
Emergente”. “INFRA-ESTRUTURA E LOGÍSTICA NO BRASIL:Transporte Ferroviário de Carga”.
Disponível em <www.antf.org.br>. Acesso em 12/03/09.
67
Disponível em <www.antt.org.br>. Acesso em 10/02/09.
79
a implementação de políticas do Ministério dos Transportes e do CONIT
relacionadas ao gerenciamento da infra-estrutura do Sistema Federal de Viação e
à operação dos transportes terrestres, com o desenvolvimento de atividades no
sentido de estudar o propor formas para viabilizar a superação de conflitos entre
os tráfegos ferroviário e urbano, através da construção de contornos ferroviários,
de viadutos e da implantação e recuperação de passagens de nível....”
Esta é a devida interpretação Regulatória, no concernente ao tema, uma vez que neste
caso, a competência da Agência cinge-se ao disposto no art. 24 da Lei 10.233/2001,
que, em relação às atribuições gerais da ANTT, entre outras, estabelece
(...)
VI reunir, sob sua administração, os instrumentos de outorga para exploração
de infra-estrutura e prestação de serviços de transporte terrestre celebrados
antes da vigência desta Lei, resguardando os direitos das partes e o equilíbrio
econômico-financeiro dos respectivos contratos;
....VIII fiscalizar a prestação dos serviços e a manutenção dos bens arrendados,
cumprindo e fazendo cumprir as cláusulas e condições avençadas nas outorgas e
aplicando penalidades pelo seu descumprimento;
O inciso I do Parágrafo único do artigo 24, declara, por sua vez, que a ANNT, poderá,
no exercício de suas atribuições, “... firmar convênios de cooperação técnica e
administrativa com órgãos e entidades da Administração Pública Federal, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios, tendo em vista a descentralização e a fiscalização
eficiente das outorgas”. Por outro lado a mesma Lei nº 10.233/2001, prevê, no art. 82, entre
as atribuições do DNIT, em sua esfera de atuação:
(...)
I estabelecer padrões, normas e especificações técnicas para os programas de
segurança operacional, sinalização, manutenção ou conservação, restauração ou
reposição de vias, terminais e instalações;
II estabelecer padrões, normas e especificações técnicas para a elaboração de
projetos e execução de obras viárias...; .
.
80
4.3. Conflitos de tráfego ferroviário e urbano
Em áreas urbanas, principalmente, ocorrem gargalos denominados de gargalos
logísticos das ferrovias, resultantes do conflito entre tráfego ferroviário, veículos e
pedestres, quando os trens tem de atravessar áreas dentro das cidades. Para eliminação
desse problema, as Concessionárias reivindicam que o Estado defina regras e participe de
parcerias público- privadas, para atender os projetos indicados como prioritários.
Este problema, à exemplo do que ocorre com as passagens de nível, não estão sujeitos
somente à uma definição da Agência Reguladora, uma vez que, envolve o tráfego de
veículos outros, além dos ferroviários, e a mobilidade da população. Tal situação, por
envolver a segurança dos serviços ferroviários subordinam-se, também ao Decreto 1832/96
que trata do Regulamento dos Transportes Ferroviários, principalmente aos artigos
caput e inciso IV, 4º, 12, 13 e 54 caput e inciso IV. Os programas oficiais que envolvem a
segurança de transportes, no tocante ao setor ferroviário- PRONURB e PROSEFER, não
estão subordinados à ANTT.
Assim, o DNIT
68
, definiu em 2006- tendo como base os recursos existentes-, prioridades
de investimento a segurança do tráfego e a resolução dos conflitos ente o transporte
ferroviário e urbano numa série de municípios e a superação de trechos críticos.
68
Publicação oficial do DNIT informa que “... Através do Pronurb - Programa Nacional de Segurança
Ferroviária em Áreas Urbanas, o DNIT identificou a existência de 927 Passagens de Nível críticas em áreas
urbanas de todo o país. Desde 2005, o Órgão desenvolve ações pontuais em tais áreas, buscando resolver os
problemas de maior urgência. Ao mesmo tempo projeta soluções de natureza estruturante e a implantação de
Projeto Piloto em áreas com grande diversidade de conflitos O Programa visa construir 320 quilômetros de
contornos ferroviários, 24 mil metros de viadutos, além da implantação de 450 cancelas (sinalização
automática) e sinalizações luminosas e acústicas Dentro deste quadro, considerando os recursos existentes,
foram definidas como prioridades de investimento a segurança do tráfego; a solução dos conflitos existentes
entre o transporte ferroviário e urbano em vários municípios brasileiros; a superação de trechos críticos e a
expansão da malha. , num investimento de R$ 1,3 bilhão”. DNIT INFORMATIVO. 24/05/2006.
Disponível em <www.dnit.org.br>. Acesso em 05/03/2009.
81
CONCLUSÃO.
Como é de domínio público, condições infra-estruturais favoráveis são fundamentais
para o desenvolvimento econômico e o transporte figura como um dos seus componentes
de maior importância, sendo o modal ferroviário, pelas suas peculiaridades, o de maior
representatividade, principalmente para o transporte de cargas.
Ao ser analisada, comparativamente, a utilização da ferrovia em relação às outras
formas de transporte de carga disponíveis no mercado nacional, verifica-se a sua posição
extremamente desfavorável, demonstrando sua modesta participação. Destacando-se, no
referido quadro, a primazia do modal rodoviário, opção contrária à que se verifica em
economias mais desenvolvidas.
A evolução das ferrovias aponta para um desenvolvimento desordenado que evoluiu
sem planejamento específico, sendo as soluções adotadas de forma segmentada, como
resultado de interesses individualizados. Apresenta-se descomprometido de qualquer
objetivo voltado para estruturação em forma de malha, haja vista as diversas bitolas, e os
traçados que desenham as linhas ponto a ponto. A integração configura uma exceção e o
resultado de ações posteriores à implantação da linha férrea.
A falta de programa de investimentos, inclusive durante o processo de aglutinação na
RFFSA, agravou o problema, decorrente do desinteresse estatal de estimular esse modal,
preterido no século passado, principalmente a partir da década de 50, em favor de uma
política que privilegiou o transporte rodoviário.
Além disso, o processo de desestatização
69
- através da Concessão dos transportes
ferroviários e o arrendamento dos equipamentos da RFFSA, fora o fato de desonerar o
Estado em termos financeiros-, arejou a gestão do sistema assumido pela iniciativa privada.
69
Iniciado pelo Decreto 3.227 de 07/12/1999.
82
Mas o próprio processo de desestatização se inovou e teve o mérito de estabelecer metas
associadas às Concessões, sofreu pela falta de maior planejamento, por ter sido efetivado
antes da criação da Agência Reguladora para o setor.
Percebe-se, então, no panorama nacional, a manifestação de importantes segmentos do
setor produtivo, reivindicando a disponibilização do transporte ferroviário de carga, por
caracterizar-se como o modal mais adequado em termos de capacidade de escoamento e
custo/benefício.
Além da insuficiência de sua oferta, a capacidade agregada, disponível das ferrovias,
ainda é atingida em sua eficiência pelos problemas já indicados os “gargalos”-, que
figuram como entraves, indicados e reconhecidos pelos transportadores e pelo Agência
Reguladora, como aqueles a serem combatidos prioritariamente, e que demandam, além de
soluções técnicas, a inversão de um grande volume de recursos financeiros.
Ressalte-se, ainda, que pelos termos contratuais ajustados, que implicam
automaticamente a observância do disposto na Lei 1.832/96 - Regulamento dos Transportes
Ferroviários -,a maior parte dos problemas operacionais a serem sanados (e que demandam
investimentos), são, em princípio, de responsabilidade exclusiva das Concessionárias , as
quais seriam, também, as maiores beneficiárias de eventuais ganhos resultantes do aumento
da eficiência. Entretanto, o prazo das Concessões e as condições de reversibilidade à
Concedente das benfeitorias realizadas pela Concessionária, ao fim da Concessão,
(conforme disposição contratual
70
), torna difícil classificar esse tipo de intervenção,
podendo-se tornar um fator de desestímulo às iniciativas dessa natureza.
70
“.CLAUSULA DECIMA-SEXTA – DA REVERSÃO E DA INDENIZAÇÃO
Com a extinção da CONCESSÃO, qualquer que seja a sua causa:
I- Retornarão à CONCEDENTE todos os direitos e privilégios transferidos à CONCESSIONÁRIA e
aqueles resultantes de investimentos por esta efetivados em bens arrendados, declarados reversíveis pela
CONCEDENTE por serem necessários à continuidade da prestação do serviço concedido;
II Haverá a imediata assunção do serviço pela CONCEDENTE, que providenciará a ocupação das
instalações e a utilização por seus agentes de todos os bens reversíveis e dos bens arrendados pela
CONCESSIONÁRIA;
III Os bens considerados reversíveis serão indenizados pela CONCEDENTE pelo valor residual do seu
custo, apurado pelos registros contábeis da CONCESSIONÁRIA, depois de deduzidas as depreciações e
quaisquer acréscimos decorrentes de reavaliação. Tal custo estará sujeito a avaliação técnica e financeira por
83
Obviamente, nada impede que os Municípios, pretendendo melhorar as condições da
população e em acordo com a Concessionária, execute obra visando a melhorar as
condições de segurança ou a mudança do traçado da ferrovia, afastando-o do centro urbano.
A Agência Reguladora, no tocante à solução dos problemas apresentados, pode
intervir no que concerne à edição de norma balizando a Faixa de Domínio das Ferrovias, o
que já seria de grande valia, sendo atribuição da Concessionária - considerando-se os
comprometimentos contratuais -, agir no sentido de ser reintegrada da posse da área, sendo
sua possível participação no reassentamento das famílias uma deliberação autônoma,
desvinculada de qualquer obrigação legal.
Entretanto, no que concerne ao tema de segurança jurídica, segundo Vilaça
71
“[...] O
Marco Regulatório tem como um dos pontos motivadores criar um ambiente propício à
segurança jurídica na atividade e viabilizar a atração de investimentois no setor”.
.
Há, de certa forma, assim, o reconhecimento de problemas associados à questão da
segurança jurídica, expresso em parecer analítico antes transcrito da Coordenação-
Geral de Transportes Logísticos da Secretaria de Acompanhamento Econômico do
Ministério da Fazenda quando manifestou sobre a Audiência Pública 67/2007, ...Das
Considerações da SEAE. A proposta de Resolução de que trata esse parecer , quando
adotada em definitivo, representará avanço significativo em matéria que até o presente
momento abarca elevado grau de insegurança regulatória.”.(grifos nossos).
A subcomissão no Senado para tratar do assunto demonstra que providências ainda
devem ser tomadas, principalmente pela ANTT, entre as quais aquelas que se encaminhem
para abordar as questões tratadas nesta Dissertação.
parte da CONCEDENTE. Toda e qualquer melhoria efetivada na superestrutura da via permanente, descrita
no Anexo V, não será considerada investimento para os fins deste Contrato,...”.
71
ANTF. MARCO REGULATÓRIO NO SETOR FERROVIÁRIO . Disponível em <www.antf.org.br>.
Acesso 15/03/2004.
84
Com relação ao aumento da oferta da disponibilidade do transporte ferroviário, por meio
das Concessões em vigor, Bernardo Figueiredo, Diretor da Agência Nacional de
Transportes Terrestre, manifestou-se, em entrevista
72
, informando que dois terços da malha
ferroviária estão sub-utilizados. Atribui essa situação às exigências contratuais a serem
observadas pelos Concessionários, que não impôs, de forma objetiva, a realização de
investimentos, mas sim metas, relativas ao aumento do volume de cargas e ao decréscimo
do mero de acidentes ferroviários, a serem atingidas em determinado período, não
especificando, contudo, trechos ferroviários a serem utilizados, nem, tampouco, tipo de
cargas a serem transportadas. A pretensão da ANTT, atualmente, é de proceder a uma
revisão de metas, qualificando-as, amparada por disposição contratual
73
, com o objetivo de
aproveitar a capacidade disponível que vem sendo sub-utilizada. A inexigibilidade de
investimentos , por parte das atuais Concessionárias, na verdade não existe : a necessidade
da aplicação de recursos está inferida em função da necessidade de alcançar as metas
estabelecidas.
72
Revista Ferroviária . “ANTT quer rever contratos e metas”..Março de 2009.
73
O Contrato de Concessão estabelece: “.... CLÁSULA QUINTA – DA QUALIDADE DO SERVIÇO.. ...5.1
- DA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO ......Parágrafo Único: A CONCEDENTE estabelecerá novas metas anuais
de produção de transporte que deverão ser pactuadas com a CONCESSIONÁRIA, para cada quinquenio
subseqüente. Para servir de subsídio ao estabelecimento de tais metas, a CONCESSIONÁRIA deverá
apresentar à CONCEDENTE as projeções de demanda de transporte ferroviário, devidamente
consubstanciada por estudos específicos de mercado”.
85
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90
D
ISSERTAÇÃO APRESENTADA AO
M
ESTRADO EM
D
IREITO DA
U
NIVERSIDADE
G
AMA
F
ILHO
,
NO
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,
E APROVADA PELA
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E
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M
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F
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G
ETÚLIO
V
ARGAS
-
FGV
Rio de Janeiro, 22 de junho de 2009
Profª. Drª. Maria Stella Faria de Amorim
Coordenadora do Programa de Pós-graduação em Direito
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