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1
ADRIANA RODRIGUES MACHADO
A LÍRICA ESSENCIAL DE HENRIQUETA LISBOA
PORTO ALEGRE
2009
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2
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
INSTITUTO DE LETRAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS
ÁREA: ESTUDOS DE LITERATURA
ESPECIALIDADE: LITERATURA BRASILEIRA, PORTUGUESA E
LUSO-AFRICANA
LINHA DE PESQUISA: LITERATURA, IMAGINÁRIO E HISTÓRIA
A LÍRICA ESSENCIAL DE HENRIQUETA LISBOA
ADRIANA RODRIGUES MACHADO
ORIENTADORA: PROFA. DRA. ANA MARIA LISBOA DE MELLO
Dissertação de Mestrado em Literatura Brasileira, apresentada
como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre
pelo Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul.
PORTO ALEGRE
2009
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3
A meus pais,
Antonio Mendes Machado
(in memoriam)
e Idília Rodrigues Machado:
Sonho e Força em mim.
4
AGRADECIMENTOS
Ao Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal do Rio Grande Sul,
representado pelo corpo docente, funcionários e colegas, pela oportunidade e pelo muito
que aprendi.
Ao CNPq, pela bolsa de incentivo à pesquisa que viabilizou este trabalho.
À minha orientadora, professora Ana Maria Lisboa de Mello, pelo entusiasmo
constante, pela confiança, exemplo e profissionalismo.
À minha mãe, Idília Rodrigues Machado, pelo apoio imprescindível.
E a todos que acreditaram, e que sonharam comigo, especialmente, Eneyda
Rodrigues Araujo, Carlos Norberto Bauermann, Camila Rodrigues Machado, Janaína de
Azevedo Baladão e Lina Tâmega Peixoto: energia propulsora.
5
Quem, em sua existência, não pressentiu, uma vez sequer, que
tudo estava por fazer, nem sentiu, ao menos em desejo, a audácia
de apagar tudo para tudo recomeçar, esse tal não recebeu o
batismo metafísico (GUSDORF, 1960, p. 23).
6
RESUMO
A partir da lírica de Henriqueta Lisboa (1901-1985), o presente trabalho busca
investigar a relação existente entre a poesia e a filosofia. Tendo em vista a lírica
henriquetiana estar entre aquelas que se caracterizam pelo forte teor metafísico, ontológico,
mostrou-se consonante ao anseio de encontrarmos os fundamentos desta poesia de caráter

tal objetivo, procuramos mostrar o que entendemos como a essencialidade dessa poesia,
situando Henriqueta Lisboa na história da poesia brasileira e assinalando a sua importância
dentro desse contexto. Valendo-nos como método o levantamento da fortuna crítica da
poeta, juntamente com a leitura dos seus ensaios críticos e das obras mais características,
procuramos ressaltar o que ela tem de mais autêntico, sem esquecer, no entanto, o intenso
diálogo que estabelece com seus pares. No que se refere às relações entre filosofia e poesia,
partimos dos primeiros filósofos procurando o que de mais significativo para o nosso
intento, passando pelos místicos da Idade Média, igualmente com o mesmo objetivo,
confluímos para os primeiros românticos, representados, principalmente nas figuras de
Novalis e Schlegel. No Romantismo, encontramos as raízes da poesia metafísica, que
depois se desenvolveu no Simbolismo e que se mantém até os dias de hoje. Mostrar a
atualidade e a relevância da temática dessa tendência da poesia fortemente marcada por
perquirições filosóficas também é nosso propósito, e procuramos atingi-lo ao demonstrar o
quanto é necessário nos desfazermos de preconceitos epistemológicos. Com nosso trabalho,
pretendemos contribuir com os estudos que estão cada vez mais se interligando, como a
Filosofia e a Literatura, bem como a Teologia e a Poética. Há muito que investigar sobre os
processos que envolvem a criação literária, especialmente a criação poética, que é nosso
interesse mais imediato. Nosso trabalho surgiu dessa necessidade e pretende ser um
contributo no sentido de preencher lacunas e de suscitar maiores questões acerca da
condição humana e do ato criador.
Palavras-chave: poesia metafísica; Henriqueta Lisboa; filosofia.
7
RÉSUMÉ
Le présent travail analyse le lien existant entre la poésie et la philosophie à partir de
-1985). La lyrique de Lisboa se situant parmi
ontologique, une telle étude est
conforme à notre souhait de retrouver les fondements de cette poésie à caractère
« spiritualiste », très peu valorisée au Brésil. Dans le même temps, nous tentons de montrer
ce que nous entendons par l‘essentialité de cette 
              

ses ouvrages les plus ca
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partons des premiers philosophes pour ensuite aborder les premiers mystiques du Moyen
Âge et finalement les premiers romantiques plus particulièrement Novalis et Schlegel.
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tendance de la poésie fortement marquée par des questionnements philosophiques est
          
épistémologiques. Nous espérons contribuer aux études qui sont toujours plus liées entre

Les processus en jeu dans la création littéraire, et plus spécifiquement la création poétique,
              
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créateur.
Mots-clés : poésie métaphysique ; Henriqueta Lisboa ; philosophie.
8
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .................................................................................
09
1 SITUANDO HENRIQUETA LISBOA ........................................
11
1.1 Delineando o perfil da poeta Henriqueta Lisboa ......................
17
1.2 Henriqueta Lisboa na história da poesia brasileira ...................
23
1.3 Do ofício do ensaio e da tradução .............................................
29
1.4 Percurso da escrita de Henriqueta Lisboa .................................
32
2 POESIA E FILOSOFIA ................................................................
41
2.1 As artes na Idade Média ...........................................................
44
2.2 Ideia e sentimento .....................................................................
46
2.3 Mística e poesia ........................................................................
49
2.4 A quaestio Dei e a poesia moderna ..........................................
55
2.5 A poesia metafísica ...................................................................
60
3 A POESIA METAFÍSICA DE HENRIQUETA LISBOA .........
65
3.1 Cor, música e silêncio ...............................................................
70
3.2 As imagens aéreas .....................................................................
85
3.3 O tempo e a sedução do Eterno ................................................
88
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................
90
REFERÊNCIAS ................................................................................
96
9
INTRODUÇÃO
Este trabalho foi elaborado a partir de estudos desenvolvidos desde a graduação na
            
 Maria Lisboa
de Mello.
Como produtora de uma lírica essencialmente metafísica, espiritualista, marcada por
perquirições filosóficas, Henriqueta Lisboa mostrou-se totalmente consonante aos objetivos
da pesquisa. Nesse primeiro momento, abordamos os aspectos mais evidentes dessa lírica

poesia que tem como tema as grandes questões que envolvem o pensamento filosófico,
principalmente o filosófico-religioso. Ao identificarmos tais características, tentamos

partir dos resultados encontrados, que continuássemos nossa investigação, agora, nesse
segundo momento, de um modo mais aprofundado.
No presente estudo, buscamos uma maior compreensão de um atributo que Alfredo
Bosi, em História concisa da literatura brasileira, denominou de essencial, ao situar
Henriqueta Lisboa entre aqueles que produziram uma lírica radicalmente intimista, com
tendência pós-modernista.
1
Para tal intento, como forma de apresentação de nossos resultados, estabelecemos a
seguinte estrutura: no primeiro capítulo, procuramos situar a poeta Henriqueta Lisboa
partindo de dados biográficos, ressaltando características próprias, juntamente com alguns
depoimentos que as ilustram. Assim, ao traçarmos o perfil da poeta, ao mesmo tempo
repensamos a sua posição na lírica brasileira, e percorrendo a sua trajetória literária,
destacamos o seu trabalho como ensaísta e tradutora.
O segundo capítulo foi dedicado à explanação a respeito da aproximação entre
poesia e filosofia. Com o aporte de filósofos e teóricos da literatura que investigam essa
relação, buscamos na Idade Média e no Romantismo, as raízes platônicas. Com os místicos,
pensamos a poesia e a questão de Deus a quaestio Dei , procurando mostrar o quanto
ela está presente nas preocupações do homem moderno, marcada por uma ausência sentida
1
Cf. BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. Ed. revista e aumentada. 37. ed. São
Paulo:Cultrix, 2000, p. 463.
10
e ao mesmo tempo recalcada. Sublinharemos nesse momento de nossa análise, a
importância dessa questão enquanto hipótese de investigação filosófica e, desse modo,
como contributo fundamental aos estudos literários, principalmente no que concerne à
poesia de feição metafísica.
No terceiro e último capítulo, explorando a temática, bem como as peculiaridades
dessa poesia, sob a perspectiva da obra de Henriqueta Lisboa, tentaremos aplicar como
método de análise as aproximações possíveis, especialmente naquilo que diz respeito às
motivações, às escolhas de determinadas imagens e de determinados recursos utilizados
pela poeta. De posse do material teórico que desenvolvemos no segundo capítulo e de
alguns recursos interpretativos, como o efeito da cor e a influência da música,
trabalharemos os aspectos formais do poema, na tentativa de desvendar, ou de forjar, novos
prismas de leitura.
No subcapítulo dedicado às imagens aéreas, procuraremos realçar o elemento que
julgamos ser dominante na imagística de Henriqueta Lisboa, aproximando-as da
personalidade da autora. Nesse momento, porém, sublinhamos que o fizemos apenas como
especulação, tendo em vista que para alcançarmos um resultado mais definitivo e
abrangente, demandaríamos de um corpus maior do que aquele analisado.
Buscar uma possível definição do que seria a essencialidade na lírica henriquetiana,
mais do que a essência desta, o que está assinalado no título de nosso trabalho ,
passa a ser o nosso maior desafio, que por ora está expresso nas próximas páginas.
11
1. SITUANDO HENRIQUETA LISBOA
Membro de uma família numerosa, com muitos irmãos e irmãs, Henriqueta Lisboa
nasceu em Lambari, município localizado ao sul do Estado de Minas Gerais quando a
região ainda se chamava Águas Virtuosas, por ser uma importante estância hidromineral. O
dia era 15 de julho de 1901
2
. Rabiscou seus primeiros versos em Campanha, interior do
mesmo Estado; morou no Rio de Janeiro, e depois em Belo Horizonte, onde fez carreira e
morreu, aos 84 anos, no dia 09 de outubro de 1985. Filha de João de Almeida Lisboa,
natural de Macaé, no Estado do Rio de Janeiro, e de Maria Rita de Vilhena Lisboa, de
Campanha, em Minas Gerais, Henriqueta Lisboa foi poeta, crítica, tradutora, professora e a
primeira mulher eleita para a Academia Mineira de Letras, em 1963. Revelou certa vez as
qualidades que admirava nos pais
3
. Dissera que a mãe cultivara as três virtudes teologais:
fé, esperança e caridade, e que, do pai, reunira em si as quatro virtudes cardeais: justiça,
prudência, temperança e fortaleza. Herdeira das sete virtudes, Henriqueta Lisboa buscou
expressá-las por meio da criação poética, e tinha-as como um modelo de conduta.
C           
existência
4
. Culta e de modos refinados, soube cultivar afeto e respeito entre seus pares,
muitos deles reconhecidos artífices da nossa história literária.
Curiosamente, as efemérides de nascimento e morte da poeta mineira marcam,
respectivamente, a data da morte e do nascimento de dois grandes nomes que muito
significaram na sua história pessoal.
Em 15 de julho de 1921 morreu Alphonsus de
Guimaraens (1870-1921), poeta simbolista considerado o grande místico de Minas Gerais e
o grande nome do Simbolismo brasileiro, ao lado de Cruz e Sousa (1861-1898). Henriqueta
Lisboa, que contava na ocasião com vinte anos de idade, revelaria, anos mais tarde, em
1937, numa conferência literária sobre o poeta: no dia que Alphonsus morreu foi que a
poesia nasceu, verdadeiramente, em mim. [...] Foi como se uma clareira verde se abrisse
2
Em muitos artigos sobre a obra da poeta, encontramos divergências no que se refere à data de nascimento e
morte da mesma. Tomamos como fonte fidedigna os dados encontrados na edição comemorativa do centenário
de nascimento da escritora Henriqueta Lisboa: poesia traduzida. Organização, introdução e notas Reinaldo
Marques, Maria Eneida Victor Farias [tradução Henriqueta Lisboa] - Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2001 ,
       Letras da
UFMG.
3
Cf. Entrevista concedida a Edla Van Steen. Disponível em
<www.letras.ufmg.br/henriquetalisboa/midia/entrevista01.htm> Acesso em 04 jun. 2006.
4
ueta Lisboa, por
ocasião da homenagem das Amigas da Cultura Mineira de letras, em 29/9/79.
12
aos meus olhos. Momento extático de iniciação
5
. E, em 09 de outubro, nasceu Mário de
Andrade, em 1893, com quem a poeta se corresponderia durante os últimos cinco anos de
vida do ilustre modernista, aproximadamente de 1940 a 1945, o que contribui de forma
decisiva para suas reflexões sobre o fazer poético e sobre outras importantes questões, entre
elas, àquelas relativas ao momento histórico em que vivem, no chamado pós-
modernismo.
6
Mário de Andrade dizia ser o Movimento Modernista o grande responsável pela
prática da correspondência enquanto lugar privilegiado para o verdadeiro debate de idéias e
de sentimentos mais humanos, lugar onde também acontecia a literatura brasileira. Ele
exercia a literatura nas suas cartas, instigando, motivando, criticando seus companheiros de
ofício, levando a relação que se estabelecia através delas muito além daquela que se fazia
de corpo presente.
7
Henriqueta Lisboa recebeu uma educação dentro dos moldes severos da tradição
católica do início do século XX. Fez o Curso Normal no Colégio Sion de Campanha, onde
as aulas eram administradas em língua francesa. As irmãs da Congregação Sionense
8
tinham como objetivo educar as moças da elite mineira, que, segundo estudo de Ana
Cristina Pereira Lage
9
, em sua maioria, era formada por filhas de ricos fazendeiros de todo
o estado de Minas Gerais e até de outras regiões. O pai da poeta mineira, contudo, era um
farmacêutico autodidata que seguiu pelo caminho da política, chegando a eleger-se
deputado estadual e federal e a ocupar o cargo de presidente do Conselho Administrativo
do Estado de Minas Gerais.
5
Cf. LISBOA, Henriqueta. Alphonsus de Guimaraens. Rio de Janeiro: AGIR, 1945, p. 66-67.
6
Importante ressaltar que as considerações a respeito da coincidência das datas, acrescentam ao nosso estudo
na medida em que tomamos o fato como constitutivo do que é imponderável, ou seja, daquilo que suporta um
efeito ainda que desvinculado de uma causa, algo próximo ao princípio junguiano da sincronicidade, onde, os
termos de uma coincidência significativa são ligados tão somente pela simultaneidade e pelo significado,
desconsiderando-se, aqui, a ordem do tempo linear. Cf. JUNG, C.G. Sincronicidade. Tradução de Pe. Dom
Mateus Ramalho Rocha. Rio de Janeiro: Vozes, 1984, p. 53-54.
7
As cartas de Mário de Andrade para Henriqueta Lisboa estão publicadas em Querida Henriqueta: cartas de
Mário de Andrade a Henriqueta Lisboa. 2. ed. Org. Abigail de Oliveira Carvalho; transcrição dos manuscritos
Rozani C. do Nascimento; revisão, introdução e notas Lauro Palú. Rio de Janeiro: José Olympio, 1991. Até a
presente data não foi publicada a correspondência recíproca entre os dois. Sobre as relações estabelecidas por
Mário de Andrade através das cartas, verificar, entre outros, As cores da amizade: cartas de Anita Malfatti,
Oneyda Alvarenga, Henriqueta Lisboa e rio de Andrade, de Marilda Ionta. São Paulo: Annablume; Fapesp,
2007.
8
Congregação vinda da França e que já havia se estabelecido na cidade de Petrópolis, no Estado do Rio de
Janeiro, em 1888. Em Minas Gerais, na cidade de Campanha, o Colégio Nossa Senhora de Sion é fundado em
1904 e mantém atividade até 1965.
9
Cf. LAGE, Ana Cristina Pereira. A instalação do Colégio Nossa Senhora de Sion em Campanha: uma
necessidade política, econômica e social sul-mineira no início do século XX. 2007. Dissertação (Mestrado em
Educação/ UNICAMP/2007). Disponível em <http://www.sebocultural.org.br/noticias/dessertacao.pdf> [sic].
Acesso em 07 jul. 2008.
13
Blanca Lobo Filho, em um de seus estudos sobre a poesia de Henriqueta Lisboa,
ressalta a importância dessa educação na formação da poeta. Típico da educação feminina
em Minas Gerais, com rígida disciplina e muita leitura, o Colégio de Sion proporcionava
uma educação de base humanística, que, segundo a autora, é uma das características do
           

10
A respeito dessa característica, convém lembrar um estudo intitulado
Biografia crítica das letras mineiras, de Waltensir Dutra e Fausto Cunha (1923-2004),
onde os autores destacam o caráter subjetivo-clássico-universalista do povo mineiro
dizendo:
A clausura geográfica, de tamanho efeito na evolução econômico-política de
Minas, ao lado do subjetivismo com que essa e outras circunstâncias
marcaram o temperamento do povo mineiro, explicam em boa parte a
tendência universalista, o espírito clássico, que mais de um estudioso
assinalou na cultura mineira.
11
Para os autores do referido estudo, a poesia de Henriqueta Lisboa insere-se na
tradição poética de Alphonsus de Guimaraes e traz a marca de uma evolução percebida
desde suas primeiras obras, consideradas penumbristas
12
como as de Cecília Meireles
(1901-1964). Porém, ainda que a considerem 
   
13
, é em Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) que
encontram o espírito mineiro numa expressão mais pura.
14
Citando os versEssa
mineiríssima Henriqueta, tenta definir o que talvez seja indefinível: o espírito mineiro. Diz
[...]
Só os mineiros sabem. E não dizem nem a si mesmo o irrevelável segredo chamado
10
LOBO FILHO, Blanca. A poesia de Henriqueta Lisboa. Tradução de Oscar Mendes. Belo Horizonte:
Imprensa Oficial, 1966, p. 22.
11
DUTRA, Waltensir; CUNHA, Fausto. Biografia crítica das letras mineiras. Rio de Janeiro: Instituto Nacional
do Livro, 1956, p. 14.
12
Penumbrismo é chamado o período intermediário entre escolas, que se caracterizou, no Brasil, como uma
espécie de zona intermediária entre o Simbolismo e o Modernismo. A origem do termo encontra-se em um artigo
O jardim das confidências, de Ribeiro
Couto (1898-1963). Segundo Ronald de Carvalho (1893-1935), penumbristas são poetas tentados pela sombra,
fascinados pelo mistério. Rodrigo Octávio Filho (1892-1969), em Simbolismo e penumbrismo, destaca, entre os
penumbristas, o próprio Ronald de Carvalho, Mário Pederneiras (1867-1915), Guilherme de Almeida (1890-
1969), Eduardo Guimarães (1892-1928), Ribeiro Couto, entre outros. Cf. OCTAVIO FILHO, Rodrigo.
Simbolismo e penumbrismo. Rio de Janeiro: Livraria São José, 1970, p. 73.
13
DUTRA, Waltensir e CUNHA, Fausto. Op. cit., p. 110.
14
Importante assinalar que, em obra anterior, Passeios na ilha, de 1952, Carlos Drummond de Andrade
inscreve Henriqueta Lisboa na tradição simbolista de Alphonsus de Guimaraes, destacando, porém, a
originalidade da poeta mineira (Cf. Op. cit., 2. ed. 1975, p. 126).
14

15
Rangel, nas primeiras linhas se pergunta: a poeta], e arrisca
uma resposta-si e tão toda-sobre-o-
mundo, sobre o céu, a terra, o homem. Tão poeta! Mineiríssima Henriqueta [...]
16
Toda
s-sobre-o- talvez sejam as locuções que mais se aproximam desse
sentimento de mineiridade. M
publicado no jornal O Estado de São Paulo, em 1939, corrobora esse pensamento, de certa
forma, tentando delinear algumas características da intelectualidade mineira:
O que de mais fácil se pode perceber na literatura mineira é o seu
individualismo. Se em toda ela se expande uma inteligência mansa, inimiga do
brilho, desconfiada do enceguecimento das paixões doutrinárias, não é menos
certo que essa mansidão e também essa desconfiança das paixões intelectuais
são de uma serena independência, cada qual se reservando o exclusivismo de
se encontrar apenas em si mesmo. É curioso de observar que Minas, terra
fecunda em poetas, e altíssimos poetas, não tenha produzido nenhum grande
romântico e nenhum grande parnasiano. Ora, não derivará isso da natureza
mesma da inteligência mineira?...
17
Helena Bomeny, sob a perspectiva sociológica, investiga a constituição desse
espírito mineiro partindo do princípio de que o nome, pouco preciso, de mineiridade
encontra-se banalizado na cultura brasileira. Para a socióloga, pensar a respeito de um
conjunto de valores que são atribuídos aos naturais de Minas Gerais é se defrontar com
idéias a respeito do jeito de ser de um grupo em suas particulares características
psicossociológicas
18
, o que requer uma atenta investigação, uma visada que além do
simples rótulo de mineiridade, e que se configurou num mito. Estudando, especialmente,
o grupo de intelectuais que formaram a primeira geração modernista mineira, na Belo
Horizonte dos anos 20, da qual o jovem poeta Carlos Drummond de Andrade fazia parte,
Bomeny associa o conceito de mineiridade a um projeto político de base educacional e
cultural, que ultrapassaria os limites estritamente locais. Os intelectuais mineiros
integravam o movimento modernista, ocupando-se da reflexão sobre ser moderno, construir

19
. Os temas locais, para esse
determinado grupo, despertavam mais desconforto do que lealdades, na avaliação de
Bomeny.
15
DRUMMOND DE ANDRADE, Carlos. Poesia completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2006, p. 774.
16
RANGEL, Paschoal. Essa mineiríssima Henriqueta. Belo Horizonte: O lutador, 1987, p. 15.
17
Cf. ANDRADE, Mário de. Letras mineiras. In: ___. Vida literária. São Paulo: Hucitec: Edusp, 1993, p. 126-
127.
18
Cf. BOMENY, Helena. Guardiães da razão: modernistas mineiros. Rio de Janeiro: Editora UFRJ/ Tempo
Brasileiro, 1994, p.15.
19
Cf. BOMENY, Helena. Op. cit., p. 17.
15
[...] o fato de aquele pequeno grupo estar diretamente ligado à literatura e à
cultura fez com que sua concepção de mundo, em princípio restrita a ele
próprio como grupo, ultrapassasse as fronteiras de Minas, prolongando-se na
obra literária. Como os valores que difundiam diziam respeito também à
política, fortaleceu-se a mística de que a política mineira humanizava-se,
distinguindo-se, em diálogo com a criação literária, num imbricamento com a
cultura.
20
Podemos inferir que o espírito mineiro, enquanto discurso ideológico é um conceito
que se vem construindo com e como a própria história de Minas Gerais. muitos
estudos sobre o tema na área das Ciências Sociais, especialmente na Sociologia da
Literatura, onde o maior interesse recai sobre o momento mineiro do Movimento
Modernista brasileiro, detendo-se na figura de Carlos Drummond de Andrade, seu maior
representante
21
.
Henriqueta Lisboa, ainda que não tenha participado ativamente do movimento
modernista mineiro, também se preocupava com as mesmas questões que inquietavam
aquele grupo, pois, como educadora, e, sobretudo poeta, ela refletia sobre os valores de uma
identidade cultural e política e via na educação e na arte o único caminho capaz de
promover as mudanças desejadas, como bem assimilou nas lições de Schiller (1723-1796),
pensador que exerceu grande influência na sua formação. E 
  
22
, referindo-se aos temas de sua obra, a poeta chamou   

23
os livros: Madrinha Lua (1952) que recebeu o primeiro prêmio da
Câmara Brasileira do Livro (São Paulo) , Montanha viva Caraça (1959), que
recebeu a medalha da Academia Mineira de Letras , e Belo Horizonte bem querer (1972),
poema em série, que escreveu em agradecimento pelo título que lhe fora concedido de
da     ontou-nos que, na sua infância, se debruçava
sobre Histórias da terra mineira

24
, e que reconhecia em Minas Gerais o seu lugar, o lugar adequado
à sua índole, à sua condição psicológica:
20
Id. ibid., p. 17.
21
Helena Bomeny, na obra citada, destaca o nome de Fernando Correia Dias como roteiro obrigatório aos que se
iniciam no tema da mineiridade, bem como no Modernismo mineiro e assuntos ligados a educação e
universidade em Minas Gerais. Cf. BOMENY. Op. cit., p. 22.
22
Cf. LISBOA, Henriqueta. Poesia minha profissão de fé. In: ____. Vivência poética: Ensaios. Belo Horizonte:
[s.n.], 1979, p. 11.
23
Id., ibid., p. 20.
24
Id., ibid.. p. 20.
16
Eu podia ter nascido em Minas. Caso contrário, sairia andando pelo Brasil
até encontrar o meu berço, a minha estrutura, o reconhecimento da minha
índole, as raízes das minhas possíveis virtudes e prováveis defeitos: Minas,
nem sempre estimulante à vida intelectual, no entanto propícia ao
recolhimento dos líricos.
25
Paschoal Rangel
26
confessa que foi sobretudo o livro Madrinha Lua, com o que
ele chama de romances
27
, e a tentação de aproximá-lo do Romanceiro da
Inconfidência
28
de Cecília Meireles, que o levaram a começar seus estudos da poesia
henriquetiana. Mais tarde, em 1996, ele publica O Romanceiro de Henriqueta Lisboa em
‗Madrinha Lua‘, estudo que, segundo o crítico, ele teria ficado devendo na obra já citada
Essa Mineiríssima Henriqueta.
       de Madrinha Lua, que traz a
seguinte epígrafe de Federico García Lorca (1898-1936)Oh ciudad de los gitanos!‖.
Ó cidade de Ouro Preto
boa da gente morar!
Numa casa com mirantes
entre malvas e gerânios,
ter os olhos de Marília
para cismar e cismar.
[...]
Ó poesia de Ouro Preto!
Em cada beco ver sombras
que já desapareceram.
Em cada sino ouvir sons,
badaladas de outros tempos.
Em cada arranco do solo,
batida de pedra e cal
ver a eternidade em paz.
[...]
29
Oscar Mendes (1902-1983), referindo-se à poeta na ocasião da publicação de
Madrinha Lua, em 1952, assim descreve a atmosfera de seus versos:
25
LISBOA, Henriqueta. Entrevista concedida a Edla van Steen. p. 5. V. nota 3.
26
Cf. RANGEL, Paschoal. Op. cit., p. 69.
27

país. Às vezes, mistura-s vezes, reduz-se a puro folclore. Na
Espanha, os romanceiros (q. são coleções de romances), se compunham antigamente de lendas ou estórias da
  Cf. RANGEL, Paschoal. O Romanceiro de Henriqueta
Lisboa em ―Madrinha Lua‖. Belo Horizonte: O Lutador, 1996, p. 9.
28
Segundo RANGEL, op. cit. p. 78, Maria Luiza Ramos também compara as duas obras em seu estudo
Tendência. Belo Horizonte, 3, 1960, p. 43-
67.
29
LISBOA, Henriqueta. Madrinha Lua. 2. ed. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1958, p. 53-57.
17
Nos nove poemas de seu mais recente livro, Madrinha Lua, nos fala da
atmosfera de encantamento e de poesia em que paira a secular cidade e resume
o que ela significa para a nossa sensibilidade e para a nossa inteligência como
relicário de arte, de história e de poesia.
30
E, confirmando sua inclinação humanística, ressaltada no estudo de Blanca Lobo
Filho, lembramos as palavras de Henriqueta Lisboa num momento em que revela o
verdadeiro Leitmotiv de sua poética: 
de identidade. Sempre o ser humano em jogo. Diante das contingências e reflexos em

31
E o mesmo parece ser o motivo que sempre norteou o poeta itabirano, que, ao se
voltar para dentro de si mesmo encontra o reflexo do mundo, sem esquecer jamais o ponto
de partida externo, a referência enigmática chamada Minas:
[...]
A treva mais estrita já pousara
sobre a estrada de Minas, pedregosa,
e a máquina do mundo, repelida,
se foi miudamente recompondo,
enquanto eu, avaliando o que perdera,
seguia vagaroso, de mãos pensas.
32
           
,           
falando nada entre eles, só o tudo 
33
1.1. Delineando o perfil da poeta Henriqueta Lisboa
Dona de um temperamento discreto e mido, afeita ao recolhimento e à solitude,
Henriqueta Lisboa constrangia-se diante de uma platéia, e justificava dizendo ter feito do
silêncio e da sombra a sua morada
34
. Conta-nos Blanca Lobo Filho, em estudo já referido,
que a poeta ganhara da diretora do Colégio Sion o apelido de la petite orgueilleuse, tendo
em vista o caráter introvertido que ela apresentava. Diante da sua extrema sensibilidade,
30
MENDES, Oscar. Poetas de Minas. Belo Horizonte: Impr. Publicações, 1970, p. 110.
31
LISBOA, Henriqueta. Op. cit., v. nota 22, p. 15.
32
DRUMMOND DE ANDRADE, Carlos. A máquina do mundo. In: ___. Poesia completa, 2006, p. 304.
33
Cf. WISNIK, JoMiguel. Drummond e o mundo. In: NOVAES, Adauto (Org.) Poetas que pensaram o
mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2005, p. 57.
34
Cf. LISBOA, Henriqueta. Op. cit., nota 22, p. 11.
18
muitas vezes admitida por ela mesma em entrevistas e atestada por aqueles que a
conheceram pessoalmente, esse cognome parece-nos bastante inadequado.
Henriqueta Lisboa unia à sensibilidade aguda uma vulnerabilidade que lhe exigia
uma espécie de autoproteção, e desculpava-se ao dizer que [...] quando se recebe educação
rigorosa, com o fortalecimento do caráter, a sensibilidade se torna mais vulnerável diante

35
Em carta dirigida à sobrinha Ana Elisa, datada de cinco de agosto de 1963, a poeta
escreve uma sentença bastante elucidativa quanto a essa sua necessidade de se preservar, e
que denota até mesmo um aparente receio: [...] Amanhã recomeçarão as aulas e me
.
36
De compleição frágil, quem conheceu Henriqueta Lisboa guardou na memória a
imagem de um ser humano invulgar, capaz de despertar sentimentos de pura reverência.
Cecília Meireles, que se correspondeu com a poeta e amiga por muitos anos, assim a
descreve em carta datada de 10 de outubro de 1945:
[...] quando vejo você me alegro. Porque você é quase aérea. Eu tenho a
impressão de que você não tem estômago, rins, fígado. Você tem isso tudo?
Você pousa, mas um pouquinho. Não tem peso suficiente para pousar...
Quando você me fala que tem dor de cabeça, custo a entender. Você deve ser
sem dor, como a luz. A luz sofrerá? E que remédio lhe posso ensinar? se
lhe fizer um poema porque dar a você uma cafiaspirina me parece violência.
Henriqueta, seja sempre assim alada! Se a Academia lhe tocar nas asas,
liberte-se! Devia haver uma Academia Etérea para você.
37
E,  datado de 23 de junho de
1991, também a descreve destacando a sua suavidade, seu caráter etéreo. Com imagens
aéreas, usando a terminologia bachelardiana,
38
assim como a amiga Cecília Meireles
também o fez na citação anterior , o crítico nos faz perceber o quanto Henriqueta Lisboa
era coerente na sua conduta, na sua postura, deixando transparecer o que carregava no seu
íntimo:
35
Cf. LISBOA, Henriqueta. Entrevista concedida a Edla Van Steen, v. nota 03.
36
Cf. GREGORI, Ana Elisa Lisboa. Saudades de Henriqueta. In: CARVALHO DE OLIVEIRA, Abigail;
SOUZA, Eneida Maria de; MIRANDA, Wander Melo (Org.) Presença de Henriqueta. Rio de Janeiro: José
Olympio, 1992, p. 8.
37
Carta de Cecília Meireles a Henriqueta Lisboa, datada de 10/10/45. Cf. CURY, Maria Zilda Ferreira. Cartas na
mesa: Cecília Meireles escreve a Henriqueta Lisboa. In: MELLO, Ana Maria Lisboa de. (Org) Cecília Meireles
& Murilo Mendes (1901/2001). Porto Alegre: Uniprom, 2002, p. 81.
38
Analisaremos no decorrer de nosso estudo o predomínio do elemento ar no imaginário da poeta, segundo a
teoria dos quatro elementos (fogo, água, terra e ar) formulada pelo filósofo francês Gaston Bachelard.
19
Conheci Henriqueta Lisboa. Discretamente. Suavemente, como ela nos
permitia. [...] E eu estou vendo Henriqueta Lisboa ora saindo de uma livraria,
ora esperando pacatamente por um ônibus numa rua de Belo Horizonte, ora
saindo das aulas de literatura que dava na universidade. Ela passava como
uma brisa, como um anjo tímido, ela passava por nós com o rumor branco de
sua poesia. Era uma parte da poesia modernista retida em Minas. Eu olhava
reverencialmente. A poesia era possível, delicadamente, sem atropelos das
modas, liricamente.
39
Lina Tâmega Peixoto, poeta contemporânea, nascida em Cataguases, Minas Gerais,
conterrânea e amiga de Guilhermino César (1908-1993) e que também cultivou laços de
amizade com os poetas Carlos Drummond de Andrade e Cecília Meireles , participando,
em 1978, do XII Encontro Nacional de Escritores, em Brasília, teve a oportunidade de um
único, porém inesquecível, contato pessoal com Henriqueta Lisboa, e assim o descreve:
Quando escutei sua "fala", fez-se um momento único e completo com a
poesia. Lembro-me de ter lhe dito, após o fim da palestra, coisas da alma,
presas na mais profunda emoção estética. A grandeza desses momentos que
vivi naquela tarde trouxe-me, para sempre, ao espírito e ao coração, imagens
nítidas de admiração e enlevo por uma figura que, vestida de túnica lilás e
com voz de quem chamava anjos, parecia vir de outro horizonte, convertida na
própria qualidade abstrata que ela projetava, desprendida das determinações
do tempo e espaço, para que mais facilmente ela ali estivesse presente, como
uma bênção, um amanhecer, talvez. Suportei - apoiada em sua visão e em suas
palavras - todas as mutilações do sentir, entendidas não como perdas, mas
como um ressurgir na vida.
40
Considerada pela crítica como uma das grandes vozes da poesia brasileira moderna,
Henriqueta Lisboa é comparada a Cecília Meireles e Manuel Bandeira (1886-1968) por
Antonio Candido
41
, no que se refere à fluidez e ao caráter etéreo de seus versos. Perguntada
certa vez a respeito da afinidade que nutria com a poeta de Solombra, ela respondeu: a
nostalgia do espiritual, a sensação do efêmero e a intuição de que a forma, reflexo do
conteúdo, deve ser devidamente depurada. Por veredas diferentes, ela com sua linda voz

42
A crítica é unânime em apontar a perfeição com que constrói seus versos e o poder
sugestivo de suas imagens, perfeição revelada nos versos curtos, nas frases contidas, na eterna
39
              
VIRGILLO, Carmelo. Henriqueta Lisboa: Bibliografia analítico-descritiva 1925-1990. Rio de Janeiro: José
Olympio, 1992, p. viii.
40
Depoimento escrito pela poeta Lina mega Peixoto e gentilmente enviado por e-mail em 12/01/09, a pedido
da autora deste trabalho.
41
Cf. CANDIDO, Antonio. Algumas opiniões sobre a poesia de Henriqueta Lisboa. In: LISBOA, Henriqueta.
Pousada do ser. Rio de janeiro: Nova Fronteira, 1982, p. 110.
42
LISBOA, Henriqueta. Entrevista concedida a Angelo Oswaldo de Araújo Santos, em 1968. Disponível em:
<www.letras.ufmg.br/henriquetalisboa/midia/entrevista02.htm> Acesso em 04 jun. 2006.
20
busca pela palavra exata, concisa. Mário de Andrade    
anti  
43
para descrever o seu fazer poético, e comparou a sua força
estilística a de Gabriela Mistral (1889-1957) poeta chilena com quem a escritora
desenvolveu uma profunda amizade. Para a poeta mineira, a grandeza de alma de Gabriela
Mistral encontrava paralelo com a de Mário de Andrade que inclusive se estimavam e
se admiravam mutuamentela [Gabriela Mistral] me dava a impressão de uma força das
antigas civilizações asiáticas ou americanas, que tivesse abandonado os nossos terrenos

44
, conforme as palavras do próprio Mário.
Henriqueta Lisboa, além da vocação para a poesia e para o magistério, com igual
dedicação às crianças e aos jovens, também compartilhava com a amiga chilena o gosto
pel usando uma expressão sua , especialmente de Plotino
(205-270), filósofo que refletia sobre o belo e sobre as coisas da alma. E, escrevendo sobre
a obra daquela que tanto admirava, enquanto tradutora de sua poesia, ela ressaltará, entre
outras, as duas qualidades exigidas por Schiller para a obra de arte: energia e ternura;
qualidades que ambas irão desenvolver com maestria.
45
Oscar Mendes, referindo-se à poética henriquetiana no que concerne ao aspecto
conciso da sua linguagem, 
poemas um excesso de síntese, que lhes um tom de hai-
anto a força emotiva dos versos
46
.
    uatro versos, que se encontra em A face lívida
(1941-1945), livro dedicado à memória de Mário de Andrade , ilustra essa contenção
vocabular, bem ao estilo hai-kai japonês apontado por Mendes.
Noite amarga
sem estrela
Sem estrela
mas com lágrimas.
47
43
Cf. ANDRADE, Mário de. Coração magoado. In: ___. O empalhador de passarinho: Obras completas de
Mário de Andrade. São Paulo: Martins, 1946, p. 220.
44
ANDRADE, Mário apud LISBOA, Henriqueta. Depoimento da tradutora Henriqueta Lisboa. In: MISTRAL,
Gabriela. Poesias escolhidas. Rio de Janeiro: Delta,1969, p. 52.
45
Cf. LISBOA, Henriqueta. Depoimento da tradutora Henriqueta Lisboa. In: MISTRAL, Gabriela. Poesias
escolhidas, 1969, p. 50-54.
46
Cf. MENDES. Op. cit., nota 30, p. 99.
47
 In: ___. Obras completas: I Poesia geral. São Paulo: Duas Cidades, 1985,
p. 112. A partir desta citação, quando mencionados os poemas do mesmo volume, serão citadas, no corpo do
texto, as respectivas páginas e, quando necessário, o nome do poema.
21

Borboleta vindo do alto
na palma da mão pousou.
Lavor de ouro sobre esmalte:
linda palavra trasflor (p. 130-131).
Ressaltando o apuro técnico e a escolha de um léxico preciso, Mario Quintana
(1906-1994) assim escreve na revista Província de São Pedro, por ocasião do lançamento
do livro A face lívida, em 1945:
Nenhuma concessão ao convencional, neste livro, nenhum sentimentalismo
fácil. Um grande tato na busca da expressão, com belos achados técnicos, e a
exumação da palavra trasflor. Sentimento, muito, mas junto com ele, o
pudor do sentimento, que dá em resultado poemas densos e tensos como
Elegia, um poema definitivo.
48
acima mencionado por Quintana, pinçamos o dístico a
seguir por considerá-lo paradigmático, especialmente no que se relaciona ao aspecto da
concisão da linguagem aliada à extensão do sentido:
[...]
De então a vida
pertence à morte.
[...] (p. 155)
Referindo-se à escrita poética zen o haikai e o koan , a escritora Adriana
Lisboa,  citando a poesia de Matsuo Bashô célebre
poeta japonês do século XVII , ilustra o que por ora buscamos aproximar da poética
henriquetiana, detidamente nos versos supracitados: 
aparentes opostos, com a vida e a morte, o ser e o não-ser, a imobilidade e o movimento, o
princípio transitório (kyo) aliando-se ao eterno (ryuko
49
.
Nos versos da poeta mineira, podemos dizer que ambos os princípios se encontram
interligados:     kyo)/pertence à morte (ryuko o transitório pertence ao
eterno, e o eterno encontra-se no transitório; ambos afirmam-se na transcendência, no
esgotamento de uma dualidade ilusória. Por sua vez, essa dualidade vai encontrar
48
Cf. QUINTANA, Mario. Depoimento disponível em <www.letras.ufmg.br/henriquetalisboa/> Acesso em 04
jun. 2006.
49
Cf. LISBOA, Adriana. Ocidente, oriente. Disponível em
http://www.adrianalisboa.com.br/publicacoes/ocidenteoriente.html>Acesso em 07 nov. 2008.
22
ressonância em outro princípio, oriundo da milenar cultura chinesa: o Tao
50
, expressão de
difícil tradução, onde o par yin-yang representa um dueto de forças complementares em
busca de um permanente equilíbrio.
51
José Lira, em Emily Dickinson e a poética da estrangeirização, aponta certas
semelhanças entre a obra da poeta norte-americana e a herança lírica oriental, o haikai
ressalvando, porém, que a comparação não comporta a totalidade da obra dickinsoniana,
e sim, se qualifica pelo que de intrínseco no haikai. Buscando o cerne dessa expressão
poética ele diz que o haikai é uma poesia 
aura de contemplação mística. Os animais de toda espécie (e entre eles os insetos), as
plantas, as flores e até as pedras compõem o universo poético do haicai (sic)
52
Do mesmo
argumento valemo-nos quando o objeto de comparação é a poesia de Henriqueta Lisboa, o
que podemos observar nos versos que seguem:
[...]
Os mortos pertenciam à morte
como as pedras e as plantas
a seus reinos.
[...] (p. 154)
Blanca Lobo Filho, em seu estudo comparativo, A poesia de Emily Dickinson e de
Henriqueta Lisboa, desvenda certa similaridade que entre as duas poéticas e que vai
além dessa aproximação com a lírica oriental, marcada pela brevidade, simplicidade e ao
mesmo tempo pela profundidade, no que concerne especialmente à temática. Sem excluir
essa figuração, apenas deixando de mencioná-la diretamente, a autora encontra na temática
da morte um ponto de apoio entre as duas. Discorrendo também sobre outros aspectos que
as aproximam, como o gosto pela solidão, a feição frágil e a afinidade com a natureza,
Blanca Lobo Filho sintetiza-os situando as autoras numa mesma dimensão: a do espírito
humano.
53
50
Tao é a realidade última e indefinível como tal, é o equivalente do
Brahman hinduísta e do Dharmakaya budista. Difere, no entanto, desses dois conceitos indianos em razão de sua
qualidade intrinsecamente dinâmica que constitui, na visão chinesa, a essência    
Fritjof. O Tao da Física. São Paulo: Cultrix, 2005, p. 85.
51
-se tomando apenas uma
estrofe de dois versos, de modo que não se constitui em uma análise comparativa que obedece ao rigor da
estrutura do poema japonês tradicional, onde o poema se reduz a três versos metrificados.
52
LIRA, José. Emily Dickinson e a poética da estrangeirização. Recife: Programa de Pós-Graduação em Letras
UFPE, 2006, p. 136.
53
Cf. LOBO FILHO, Blanca. A poesia de Emily Dickinson e de Henriqueta Lisboa. Tradução de Oscar Mendes.
Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1973, passim.
23
A morte, como tema de eleição, é trabalhado por ambas as poetas, nos poemas a
seguir, com a mesma suavidade; não morbidez ou desespero, apenas marcas de uma
resignação objetiva. O primeiro sem título , com tradução de Ivo Bender é de autoria
de Emily Dickinson (1830-1886)
Numa casa, a lida
Na manhã seguinte a uma morte,
É labor dos mais solenes
Que na terra pode haver,
Limpa-se, varrendo, o coração
E, guarda-se, bem guardado, o amor
Que não mais se deseja usar
Até a Eternidade.
54
...
A morte é limpa.
Cruel mas limpa.
Com seus aventais de linho
fâmula esfrega as vidraças.
Tem punhos ágeis e esponjas.
Abre as janelas, o ar precipita-se
inaugural para dentro das salas.
Havia impressões digitais nos móveis,
grãos de poeira no interstício das fechaduras.
Porém tudo voltou a ser como antes da carne
e sua desordem. (p. 176-177)
1.2. Henriqueta Lisboa na história da poesia brasileira
A poesia de Henriqueta Lisboa, segundo Fábio Lucas
55
, situa-se entre duas
vertentes: a simbolista e a modernista. Na avaliação de José Guilherme Merquior (1941-
1991)
56
, a poeta encontra-se junto àqueles que não foram modernistas stricto sensu; coloca-a
54
DICKINSON, Emily. Poemas de Emily Dickinson. Tradução de Ivo Bender. Porto Alegre: Mercado Aberto,
2002, p. 137.
55
Cf. LUCAS, Fábio. Henriqueta Lisboa: Os melhores poemas. São Paulo: Global, 2001, p. 8.
56
Cf. MERQUIOR, José Guilherme. Crítica 1964-1989: ensaio sobre arte e literatura. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1990, p. 294.
24
ao lado de Augusto Frederico Schmidt (1906-1965)
57
, um católico neorromântico e Cecília
Meireles (1901-1964). Henriqueta Lisboa, Augusto Frederico Schmidt, e Cecília Meireles,
entre outros não citados, fazem uma poesia espiritualista, transcendente, menos nacionalista e
mais universal. Consonantes, importante frisar, com o pensamento de Tasso da Silveira
(1895-1968) que via, no momento efervescente do Modernismo brasileiro, vigorar um
sentimento de pátria no seu aspecto mais superficial. Falando em nome do grupo que
integrava a revista Festa, ele assim explicitava a sua visão diante do impasse
nacional/universal:
Não há, porém, realidade viva sem significação profunda, porque o
mundo é obra de Deus. E, embora puramente espiritual, nenhuma realidade
é mais viva em nós do que o sentimento de pátria. Se à nossa percepção
mais clara de hoje tal sentimento se nos revela sobretudo sob o seu aspecto
limitativo, é porque continuamos a interpretá-la num sentido que, por não
ser o seu sentido profundo, os nossos desejos novos ultrapassaram.
58
Tasso da Silveira encerra o artigo reportando-se a Hegel (1770-1831)
pátria. Sentimento do universo. Amor à pátria, por amor ao mundo. Tese, antítese, síntese.
Ainda 
59
Henriqueta Lisboa, apesar de algumas vezes figurar entre o chamado grupo dos
espiritualistas, por afinidade, não deixou registros de sua participação em qualquer
movimento dessa ordem, nem mesmo na revista Festa, como se poderia supor
60
.
Massaud Moisés
61
, em seu estudo sobre o Simbolismo no Brasil, sem citar a poeta
Henriqueta Lisboa, situa Cecília Meireles, Augusto Frederico Schmidt, Tasso da Silveira,
Murilo Araújo (1894-1980), Ribeiro Couto (1898-1963) e Jorge de Lima (1893-1953), como
57
Convém lembrar que Augusto Frederico Schmidt participou do 5 da revista Verde, em 1928 revista

    Verde      ovimento modernista por Peregrino


segunda como a de São Paulo (com Mário e Oswald de Andrade, Alcântara Machado, entre outros), e a terceira
como o grupo de Tasso da Silveira com a revista Festa, ainda que esta tenha sido marcada por programas e
idéias próprias, diferenciada quanto ao caráter ideológico das outras. Cecília Meireles participou ativamente da
revista Festa. Henriqueta Lisboa, apesar de citada por Dulce Salles Cunha Braga no seu livro Autores
contemporâneos Brasileiros Depoimento de uma época, 2ª edição, S.P: Ed. Giordano: 1996, p. 131-132, como
colaboradora da revista Verde, nada consta de sua autoria com o seu nome , nos seis números da revista.
58
Cf. SILVEIRA, Tasso da. Universalismo e sentimento de pátria. In: ___. Caminhos do espírito. 2. ed. Rio de
Janeiro: Clássica Brasileira,1957, p. 126.
59
Id., ibid., p. 129.
60
Nossa investigação, até a presente data, não encontrou registros que refutem esta informação. Sobre a revista
Festa destacamos o estudo de Neusa Pinsard Caccese, Festa: contribuição para o estudo do Modernismo,
editado pelo Instituto de Estudos Brasileiros, em 1971, com referências completas ao final deste trabalho.
61
Cf. MOISÉS, Massaud. História da Literatura Brasileira: Simbolismo. São Paulo: Cultrix: Ed. da
Universidade de São Paulo, 1985.
25
representantes da vertente espiritualista do Modernismo. Moisés critica a posição ideológica
-
     desvinculadas da realidade histórica e preconizam

62
. Mas ressalva
       apesar do exposto, apresentava- 
vezes concretizada em peças 
63
Convém lembrar que essa é uma antiga e ao mesmo tempo sempre renovada questão
que envolve a definição do conceito de arte e de história, mais precisamente de estética
vinculada ao momento histórico. Como contraponto ao julgamento que faz Massaud Moisés
 reportamo-nos a José Guilherme Merquior,
quando, concluindo um longo ensaio onde discute o vínculo entre estética e antropologia e
detendo-se na relação entre arte e história, ele recorre à estética de Dilthey (1833-1911):
A arte emerge de certas disposições anímicas constantes, mas mergulha, com
a mesma intensidade, no universo histórico e na sua temporalidade concreta.
Da dupla fidelidade da arte ao universal e ao histórico, à forma atemporal
e ao conteúdo epocal derivam conseqüências com valor de lei para o
fenômeno estético. [...] Nenhuma forma, enquanto condensadora de
estruturas universais da mente humana, pode ser dada diretamente. pela
mediação do histórico a arte alcança tocar o universal [...].
64
Entretanto, apesar de considerarmos as divergências conceituais, é importante
examinarmos com Massaud Moisés as relações entre o Simbolismo e o Modernismo, a fim
de melhor entendermos a poética henriquetiana, que, ainda que não tenha aderido a padrões
fixos e a modismos, incorpora na sua trajetória características de ambos os movimentos.
Para o crítico, as raízes do Modernismo encontram-se no Simbolismo,   
instrumento anarquizante das hos
65
E complementa:
Por vias subterrâneas, ou às escâncaras, o Modernismo manteve com o
Simbolismo um comércio benéfico: o primeiro, continuando aspectos do
segundo, procurava pôr em prática ideais de arte que o outro, tendo-os apenas
vislumbrado, se apressou a comunicar à geração subseqüente, na esperança de
-los concretizados.
66
62
Id., ibid., p. 18.
63
Id., ibid., p. 18.
64
MERQUIOR, José Guilherme. Estética e Antropologia esquema para a fundamentação antropológica da
universalidade da arte. In: ___. Razão do poema : ensaios de crítica e de estética. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1965, p. 236-237.
65
MOISÉS, Massaud. Op. cit., p. 20.
66
Id., ibid., p. 20.
26
Associando-se às comemorações que assinalavam a passagem do trigésimo
aniversário da Semana de Arte Moderna, em 1952, em um depoimento publicado na
Revista Branca, Tasso da Silveira, poeta que ocupava o lugar de liderança naquele que o
 chamado Grupo
de Festa, sustenta o argumento de Massaud Moisés, supracitado. Referindo-se ao momento
dos sincretistas, movimento que, segundo ele, precedeu o Modernismo e que consistia
na coexistência de parnasianos e simbolistas
67
, com um subtítulo bastante sarcástico
como     que sublinha o tom dos discursos que
predominavam entre os grupos que não comungavam dos mesmos ideais ele diz:
Foi do seio do próprio sincretismo que surgiu, como não poderia deixar de
acontecer, o movimento modernista. Foi, aliás, da linha simbolista do
sincretismo. [...] Parnasianos e naturalistas, donos da imprensa e das posições,
negaram quanto puderam o Simbolismo, e apagaram sua lembrança da
memória do público. Isto não impediu que o Simbolismo brasileiro
transmitisse às gerações posteriores sua magnífica substância de poesia e de
arte: tributária do Simbolismo, pelo menos em parte, é a obra de Augusto dos
Anjos, de Cecília Meireles, de Murilo Araújo, de Manuel Bandeira, de tantos
outros dos maiores nomes atuais.
68
Segundo Eneida Maria de Souza
69
, Henriqueta Lisboa, na evolução do seu fazer
poético, vai aos poucos se afastando da tendência simbolista, vai aprimorando a sua técnica,
e, graças à sensibilidade de Mário de Andrade manifestada por meio da correspondência
que mantiveram, já mencionada anteriormente 
poesia quanto a apropriação da simbologia literária comum aos seus escritos, e dialogar,
modernamente
70
Em carta dirigida ao amigo Mário de Andrade, respondendo a críticas a respeito do
lugar da sua poesia no panorama nacional, segundo os padrões da crítica literária da
época, e, em certa medida, também do próprio Mário enquanto modernista empenhado ,
a poeta deixa claro que, antes de ser brasileira, ela é humana, essencialmente humana; suas
preocupações vão além do espaço meramente territorial:
67
Alceu Amoroso Lima, no seu Quadro sintético da literatura brasileira, chama esse mesmo período de eclético
ou nacionalista, caracterizando-o pela coexistência de simbolistas, realistas e parnasianos. Cf. AMOROSO
LIMA, Alceu. Op. cit., p. 61.
68
SILVEIRA, Tasso da. 50 anos de literatura. In: COELHO, Saldanha (Org.) Modernismo: estudos críticos. Rio
de Janeiro: Revista Branca, 1954, p. 18.
69
Cf. SOUZA, Eneida Maria de. A dona ausente. In: ___. A pedra mágica do discurso. 2. ed. Belo Horizonte:
Ed. UFMG, 199, p. 222.
70
SOUZA, op. cit., p. 222 [ grifo nosso].
27
Você diz que não pertenço às linhas gerais da poesia nossa, nem dos seus
problemas e intenções. Pois é isso. Os meus problemas são até muito
humanos, são meus como de todos aqueles que apelam para as forças morais
em face da esfinge, quando não logram decifrá-la. Sinto-me criatura de Deus
antes de tudo, muito antes de ser brasileira. E com isso não sei se haverá metal
brasileiro na minha poesia. Estarei no meio da raça como estrangeira? Já fiz
uma pergunta semelhante, muito tempo, num poema sobre o carnaval, que
tanto me desgosta; mais tarde voltou a preocupação ampliada naquele
poema em que me dirijo a Irmãos, meus Irmãos: -    
reconhecei-me!
71
Mas não será por falta de amor que a minha poesia talvez
não tenha pátria.
72
Henriqueta Lisboa encontra-     
73
dos
 citado por Mendes
74
, a pátria ocupa
um espaço interno, ela é um sentimento que se liga à natureza, às coisas da terra, ao que é
belo e significativo. Essa pátria não tem endereço, trata-se de uma misteriosa presença
indistinta:
Não sei bem onde estás, Pátria, porém sinto a
tua misteriosa presença.
Nas minhas expectativas sofrem teus campos
necessitados de chuva
Precipitam-se nos meus desassombros tuas
cachoeiras em torvelinho.
[...]
Vagam pela minha saudade silenciosas Marílias
e nos meus ermos rezam tuas velhas igrejas coloniais.
Não sei bem onde estás, Pátria, porém sinto a
tua misteriosa presença [...].
75
Ao contrário de Vinicius de Moraes (1913-1980), que personifica a pátria em Pátria
minha
76
dizendo [...] Vontade de beijar os olhos de minha pátria/ De niná-la, de passar-
lhe a mão pelos cabelos... [...] / Que vontade me vem de adormecer-me/ Entre teus doces
montes, pátr
77
, Henriqueta Lisboa incorpora a pátria e toma como seu o que lhe é
externo              
71
Trata-Prisioneira da Noite (1935-1939), op. cit. nota 47, p. 73.
72
LISBOA apud SOUZA, op. cit. nota 69, p. 223, carta de 20/02/44.
73
Província de São Pedro,
n° 19, Rio de Janeiro - Porto Alegre - São Paulo: Ed. Globo, 1954, p. 72.
74
Segundo Mendes, esse poema encontra-se no livro Prisioneira da Noite Civilização Brasileira Editora, Rio,
1941; contudo, ele não foi incluído pela poeta no volume Lírica (Obra poética reunida), editado em 1958, onde
há 26 poemas de Prisioneira da Noite; o que, por sua vez , não o fez constar nas Obras completas da autora (op.
cit. nota 47). Cf. MENDES, Oscar. Op. cit., p. 101-102.
75
LISBOA apud MENDES, op. cit. nota 30, p. 101.
76
Pequeno livro editado em 1949 onde o poeta declara seu amor à pátria num único e longo poema. Cf.
MORAES, Vinicius de. Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro: Ed. Nova Aguilar, 2004, p. 359-61.
77
Id., ibid., p. 359.
28
palmeiras/ Alongam-se na minha indolência tuas relvas macias e tenras. [...] / sinto que te

78
Fábio Lucas
79
, referindo-se à poesia produzida em Minas Gerais, e detendo-se ao
momento efervescente do Modernismo, faz uma análise que nos permite compreender, um
pouco mais, o pensamento e o sentimento que norteavam a poeta mineira:
Alguém ainda explicará por que estranhamente os temas sociais gritam mais
entre os poetas de Minas. Mas o que nos chama a atenção no momento é o
fato de que, quando a renovação incendeia o país, ali ela se mostra mais lenta,
porém mais profunda e duradoura. Foi assim no Modernismo, quando as
audácias, os poemas-piada, as forças arbitrárias do movimento, a gratuidade e
a desorientação muito pouco duraram entre nós. Carlos Drummond de
Andrade, Henriqueta Lisboa, Abgar Renault e companheiros assimilaram logo
a essência do Modernismo, deixaram de lado a sua face anedótica e deram um
ritmo duradouro de serenidade àquilo que mais parecia onda de transitório
modismo
80
.

81
, dedicado
ao livro de poemas de Guilhermino César Sistema do Imperfeito , definindo o que seja
              
medida, a análise de Lucas na citação acima:
Arte é renovação, sem dúvida, porém não ruptura. Modifica-se, deforma-se e
transforma-se a criatura, com o tempo; todavia conserva, no íntimo, suas
faculdades essenciais. Ligam-se as épocas e as gerações através dessa
Essencialidade que se define por impulsos instintivos, hereditários; que se
enriquece de fatores históricos; e que se cumpre com novas opções, novas
aspirações e novos requisitos formais, em hora propícia.
82
Sobre prováveis influências recebidas de autores estrangeiros, Henriqueta Lisboa
respondeu, na já citada entrevista concedida a Edla Van Steen, em maio de 1984:
78
LISBOA apud MENDES, op. cit. nota 30, p. 101.
79
Cf. LUCAS, Fábio. A Face Visível. Rio de Janeiro: José Olympio, 1973, p. 18.
80
Id., ibid., p. 19-20 [grifo nosso].
81
Cf. LISBOA, Henriqueta. Vivência Poética. Belo Horizonte: [s.n], 1979, p. 121.
82
Id., ibid., p. 122.
29
Influência de autores estrangeiros não sei se as recolhi, embora sinta
predileção antiga e renovada por simbolistas franceses, românticos ingleses,
místicos espanhóis, medievais portugueses, Dante, Leopardi, Holderlin, Rilke,
Tagore, sem falar nos mais modernos como Ungaretti e Jorge Guillén, com os
quais sinto muita afinidade. Também me foram proveitosas as reflexões de
Santo Agostinho, Schiller, Emerson, Alain.
83
Anos antes, em abril de 1978, ao encerrar uma conferência proferida em Brasília, a
convite da Fundação Cultural do Distrito Federal, na ocasião do XII Encontro Nacional de
Escritores, Henriqueta Lisboa reconhece a grande influência recebida do poeta, dramaturgo,
e filósofo alemão Friedrich von Schiller (1723-1796), citando-o:
E aqui deixo a lembrança de um pensamento de Schiller, que exerceu grande
influência na minha formação, através de seu livro sobre educação estética:
  amos ao gozo da verdadeira beleza, então somos, naquele
momento, donos em igual proporção de nossas potências ativas e passivas;
com a mesma suma ligeireza nos entregamos à seriedade e ao jogo, ao repouso
e ao movimento, à condescendência e à reação, ao pensamento instintivo e ao

84
.
Em Interpretação da lírica de Henriqueta Lisboa, um estudo-síntese que traça a
trajetória da poeta abrangendo sua produção até meados dos anos 60, ocasião da publicação
do livro, Blanca Lobo Filho vislumbra o que melhor se aproxima de uma definição de
para Henriqueta Lisboa. Nestes termos:
Tomou ela o melhor de cada escola literária que, numa época ou noutra, a
influenciou, combinando num estilo único os elementos do Simbolismo e
Classicismo com os dos românticos e parnasianos. Nesta síntese, transcendeu
qualquer escola e tornou-se um poeta moderno que cabe ao mesmo tempo em
todas as categorias e em nenhuma delas.
85
1.3. Do ofício do ensaio e da tradução
Padre Lauro Palú, estudioso da obra da poeta mineira, postula que três caminhos
para conhecer e amar Henriqueta Lisboa
86
: por meio da sua poesia, de seus ensaios, e de
seus ensaios auto-exegéticos. Estes constam na primeira parte de Convívio Poético,
publicado em 1955, e, sobretudo, no depoimento inicial de Vivência Poética, seu quarto e
83
Cf. LISBOA, Henriqueta. Entrevista concedida a Edla Van Steen, v. nota 03
84
LISBOA, Henriqueta. Op. cit., nota 22, p. 22. Lembramos que o evento mencionado é o mesmo referido pela
poeta Lina Tâmega Peixoto no seu depoimento. V. nota 40.
85
Cf. LOBO FILHO, Blanca. Interpretação da lírica de Henriqueta Lisboa. Belo Horizonte: Imprensa Oficial,
1965, p. 32.
86
Cf. PALÚ, Lauro. Apresentação. In: LISBOA, Henriqueta. Vivência Poética, 1979, p. 7.
30
último livro de ensaios, publicado em 1979      Sobre
Convívio poético, Alfredo Bosi, em História Concisa da Literatura Brasileira, destaca sua
importância dentro da historiografia da poesia brasileira.
87
Nele, a escritora discorre sobre a
essência da poesia, aproxima-a da prosa, compara-a com a gica, a didática, busca
definições, conceitos, a fim de desvendar o mistério que se encerra no processo da criação
poética; disserta sobre a obra de grandes nomes da literatura brasileira, portuguesa e
hispano-americana, como Mário de Andrade, João Alphonsus (1901-1944), Cecília
Meireles, Fernando Pessoa (1888-1935), Gabriela Mistral, Jorge Guillén (1893-1984), entre
outros.
Martins de Oliveira, em História da literatura mineira, editado em 1958, referindo-
se inicialmente ao primeiro livro de ensaios da escritora, publicado em 1945 onde ela
aborda a vida e a obra de Alphonsus de Guimaraes , realça, em Convívio poético, sua
acurada análise de pendor filosófico; característica preponderante na Henriqueta Lisboa
ensaísta, ratificada nos livros seguintes: Vigília poética, publicado em 1968, e Vivência
poética, em 1979.
Assim refere-se o estudioso, que também inclui o nome de Henriqueta Lisboa em
uma longa lista de poetas e prosadores que formavam a vanguarda mineira:
Ensaísta brilhante, buscou penetrar a alma de Alphonsus de Guimaraes em
livro que traz o nome do grande poeta. Reafirmando os pendores de analista
em Convívio poético, teceu vigorosa série de estudos, entre os quais não
descurou dos aspectos nitidamente filosóficos dos problemas que a poesia
sempre sugeriu aos mestres e pensadores.
88
Reportando-se ao livro de ensaios Vigília poética, de 1968, José Geraldo Nogueira,
por sua vez,           
- da experiência poética
e da 
89
. Na avaliação do crítico, são as mais lúcidas páginas escritas em
língua portuguesa sobre o dom da criação, 

90
Henriqueta Lisboa, além de poeta e notável ensaísta, também se destaca no ofício da
tradução. Verte para a língua portuguesa grandes nomes da literatura de língua espanhola,
italiana, alemã, e inglesa, como Gabriela Mistral, Joan Maragall (1860-1911), Dante
87
Cf. BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira, 1994, p. 463.
88
Cf. OLIVEIRA, Martins de. História da literatura mineira. Belo Horizonte: Itatiaia, 1958, p. 216.
89
Cf. NOGUEIRA, José Geraldo. Vigília poética. In:___. A fonte e a forma: 50 ensaios sobre literatura brasileira
contemporânea. Rio de Janeiro: Imago, 1977, p. 71.
90
Id., ibid., p. 71.
31
Alighieri (1265-1321), Friedrich Schiller, Henry Longfellow (1807-1882), Ungaretti (1888-
1970), Cesare Pavese (1908-1950), entre outros.
91
De todos os poetas traduzidos,
Henriqueta Lisboa nunca escondeu sua predileção e reverência pelo autor da Divina
Comédia, Dante Alighieri, especialmente      
Data de 1969 a publicação do volume Henriqueta Lisboa - Cantos de Dante, traduções do
         -Brasileiro,
representado pelo professor Edoardo Bizzarri, diretor da entidade. E, antes desse evento,
em 1965, em obra conjunta, por ocasião das comemorações do VII centenário do
nascimento do poeta florentino, vem a público O meu Dante. No ensaio que lhe cabe, a
título de um depoimento,           
Henriqueta Lisboa , ressaltando que

É o clímax da Divina Comédia, a meu ver. É a hora da consciência a refletir-
se na translucidez do marmore (sic), a debater-se fôsca (sic) nas arestas do
rochedo confessional, a receber no rubor sangrento da aurora o perdão de seus
descaminhos. É a hora da responsabilidade que dignifica, da justiça que se
cumpre, do claro reconhecimento da destinação humana.
92
Logo n      na pequena apresentação que a
tradutora          podemos ler,
        Sei que também o Inferno, com seus
embates de paixão. E o Paraíso também, com seus êxtases. Mas diz e repete meu coração

93
E,    um lugar onde reina, sobretudo a esperança, podemos
afirmar que semelhante a um nascente, com as cores que mimetizam a hora crepuscular,
essa morada também é a eleita da poeta de Lambari, pois, mais do que uma simples
ático, vai se tornando um
ponto de partida e de chegada para a alma, é um entre-mundos. Jacques Le Goff, na obra O
Nascimento do Purgatório
Divina Comédia, é quem nos a medida exata dessa tonalidade que buscamos expressar,
91
Cf. Op. cit., nota 2, e entrevista concedida a José Afrânio M. Duarte. Disponível em
<www.letras.ufmg.br/henriquetalisboa/>. Acesso em 04 jun. 2006.
92
LISBOA, Henriqueta et al., O meu Dante. São Paulo: Instituto Cultural Italo-Brasileiro, 1965, p. 10.
Destacamos que Henriqueta Lisboa recebe uma medalha conferida pelo Ministério das Relações Exteriores da

convite do governo italiano e é recebida oficialmente em Portugal.
93
LISBOA, Henriqueta. Henriqueta Lisboa: 
Cultural Italo-Brasileiro, 1969, p. 5.
32
e que é, numa escala muito próxima, a analogia perfeita do lugar onde se inscreve a poética
henriquetiana:
Sobretudo e apesar dos episódios de escuridão, de fumo, de noites mas são
noites sob as estrelas , a montanha do Purgatório é progressivamente
envolvida pela claridade. A ascensão é uma caminhada para a luz. Entre as
trevas do Inferno e a luz do Paraíso, o Purgatório é um lugar que mergulha
num claro-escuro que não cessa de se iluminar.
94
Henriqueta Lisboa t       
Mário de Andrade
    Guimarães Rosa       

95
, entre outros. Organizou as obras Antologia poética para a infância e a
juventude, publicada em 1961, com uma edição em 1966, e Literatura oral para a
infância e a juventude, em 1968, com uma 2ª edição em 1969.
Reinaldo Marques
96
, tendo em vista a intensa e significativa atividade intelectual da
poeta, a aproxima da grande tradição moderna dos poetas-críticos, em que se inscrevem
Ezra Pound (1885-1972), T.S. Eliot (1888-1965), Octávio Paz (1914-1998), Haroldo de
Campos (1929-2003), entre outros. Destaca sua preocupação metafísica e ontológica ante o
fenômeno poético como basilar de toda a sua produção artística.
1.4. Percurso da escrita poética de Henriqueta Lisboa
Sua primeira obra publicada data de 1925, Fogo Fátuo, que, ironicamente,
-
foi obra renegada pela autora. Conforme declarara em uma entrevista para um jornal
carioca em julho de 1966
97

apenas, e, segundo Carlos Durval (1972), foi obra pouco significativa, marcada por
influências parnasianas, notadamente de Bilac, que sequer foi incluída pela poeta na Poesia
Geral, volume de suas Obras Completas. Portanto, sua obra inicia com Enternecimento,
94
LE GOFF, Jacques. O nascimento do Purgatório. Lisboa: Estampa, 1995, p. 420.
95
Disponível em: <http://www.letras.ufmg.br/henriquetalisboa/midia/murilo.htp>. Acesso em 07 jun. 2006.
Integra o livro de ensaios Vigília poética, p. 55-64, com referências completas ao final deste trabalho.
96
MARQUES, Reinaldo. Henriqueta Lisboa e o ofício da tradução, op. cit. nota 2, p. 19.
97
Cf. DURVAL, Carlos. Estudo Crítico. In: Poetas do Modernismo: antologia Crítica. Brasília: Inst. Nacional do
Livro, 1972, p. 55.
33
em 1929, livro que lhe rendeu o prêmio Olavo Bilac da Academia Brasileira de Letras, em
1931.
Em 1936, a poeta publica Velário, e Prisioneira da Noite, em 1941. Segundo o
crítico Paschoal Rangel
98
, essas obras, junto com Enternecimento, encerram uma primeira
fase da poesia de Henriqueta Lisboa. Referindo-se a essa primeira fase, Rangel reporta-se a
Mário de Andrade para chamar noturnidade
99

isso quer dizer, ao menos em parte, um voluntário cativeiro dentro da temática e mesmo
dentro do vocabulário de um neo-modernismo neo-
100
Fábio Lucas, por sua vez, reforçando a mesma idéia de conjunto, situa a tríade como
        
101
. E acrescenta


102
, que se caracteriza, segundo o crítico, entre outras coisas, pelo gosto
das miniaturas, pela descrição de objetos ornamentais, na busca dos espaços silentes,
sacralizados, e, sobretudo, pela sutileza com que expressa os estados de alma, o que
Rangel
103
vem a destacar como sendo reflexos da 
Afrânio Coutinho (1911-2000)
104
, no volume dedicado ao Modernismo, situando a
poeta na segunda fase do movimento, ressalta que foi com os versos de Velário que
Henriqueta Lisboa transitou para a modernidade; e Drummond , 
 
105
, em julho de 1941, assim refere-se à poeta na ocasião da
publicação de Prisioneira da Noite:
Mais prisioneira de si mesma do que da noite ou do mundo exterior,
Henriqueta Lisboa realiza uma poesia concentrada, de expressão cada vez
mais segura e diáfana, revelando as grandes caminhadas do espírito e da
experiência poética. Seu nome pode figurar, sem timidez, ao lado dos de
Cecília Meireles e Adalgisa Nery, que mais longe levaram, entre nós, a
mensagem da poesia feminina.
106
98
RANGEL, Paschoal. Op. cit, nota 16, p. 16. Obs.: Esse livro de Rangel recebeu em 1988 o Prêmio União
Brasileira de Escritores pelo Melhor Livro de Crítica de Poesia e o Prêmio Agripino Griecco, Lugar, da
Associação Brasileira de Crítica Literária, como o Melhor Livro de Crítica Literária.
99
Id., ibid. Cf. ANDRADE, Mário de. Coração Magoado. In: O Empalhador de Passarinho : Obras Completas
de Mário de Andrade. São Paulo: Martins, 1943, p. 219.
100
Id., ibid., p. 219.
101
Cf. LUCAS, Fábio. A poesia de Henriqueta Lisboa. In: ____. Do Barroco ao Moderno. São Paulo: Ática,
1989, p. 191.
102
Id., ibid., p. 191.
103
Cf. RANGEL, op. cit. nota 16, p. 17.
104
Cf. COUTINHO, Afrânio. A Literatura no Brasil : Modernismo. Rio de Janeiro: Ed. Sul Americana, 1970, p.
180.
105
Cf. DRUMMOND DE ANDRADE, Carlos. Conversa de livraria 1941 e 1948. Porto Alegre: São Paulo:
AGE/Giordano, 2000, p. 69.
106
Id., ibid., p. 69.
34
Publicado em 1943, O Menino Poeta trata-se de um livro de poemas que tem como
tema a infância. Não é um livro de poemas destinado ao público infantil, unicamente, é um


107
Ângela Vaz Leão realçando o fato de que essa poesia também é bem recebida pelo
público infantil, destaca em O Menino Poeta, justamente a ausência de didatismo, de um
caráter pedagógico que muitas vezes vem a sufocar a poesia destinada às crianças.
Referindo-se à leitura de O Menino Poeta ela diz:
Mergulha-se simplesmente numa atmosfera infantil de encantamento, em que
o mundo aparece virgem como nos primeiros dias da criação. E isso já é
educativo. A poesia educa na medida em que revela o belo, na medida em que
proporciona nova visão do mundo. Ou, então, na medida em que enriquece a
sensibilidade infantil, agindo sobre ela como age a música.
108
Gabriela Mistral
109
        
110
-nos o melhor

111
.
Reportando-   
112
, Mistral confessa sua admiração por esse
fazer poético tão singular, e aproxima o eu-lírico da poeta da própria essência do poema, da
matéria propriamente dita, do elemento terra representado pela areia pelos castelos de
areia as:

dos primores do livro. Henriqueta gosta de areia, gosta do ar e do floco de
paina, como do vapor da névoa, porque essas matérias são as de sua alma e
também de seu corpo. Todos nós vamos empós daquilo que se parece conosco
e às vezes o encontramos com facilidade, como Henriqueta, parenta da areia.
[...] Não poeta e tema aqui: uma mulher transformada em areia e essa
areia se diz a si mesma com língua desfiada em grãos.
113
107
Cf. RANGEL, Paschoal. Op. cit. nota 16, p. 19.
108
Cf. LEÃO, Ângela Vaz. Evolução de um poeta. In:___. Henriqueta Lisboa: o mistério da criação poética.
Belo Horizonte: PUCMINAS, 2004, p. 29.
109
A convite de Henriqueta Lisboa, com o apoio do então prefeito Juscelino Kubitschek, Gabriela Mistral
profere duas conferências no Instituto de Educação de Belo Horizonte: uma sobre o Chile e outra sobre O
Menino Poeta, no mesmo ano da sua publicação, em 1943. Cf. op. cit. nota 36 Cronologia.
110
Disponível em: <http://letras.ufmg.br/henriquetalisboa>. Acesso em 07 jun. 2006. Integra o livro O menino
poeta, de Henriqueta Lisboa, edição especial e ampliada, editado em 1975, p. 195-

111
Id., ibid., (versão eletrônica) p. 3.
112
Lírica (1929-1955), e não encontra-
se, portanto, nas Obras Completas da autora, op. cit. nota 47.
113
MISTRAL, Gabriela. op. cit. nota 110, p. 4.
35

   no
seu poder de sugestão aproxima-
114
.
Areia fina
feito farinha
coada entre dedos
arma castelos
à-beira-mar
Como peneira
meus dedos coam
a fulva areia
que é de ouro em
[...]
Espero um dia
verde farol
nos meus castelos
hospedar
um velho rei cansado o Sol.
115
Para Henriqueta Lisboa, O Menino Poeta      

116
           

117
. Segundo a poeta, o livro lhe proporcionou horas felizes em que voltou a
respirar a atmosfera do primitivo e do ingênuo
118
.
Ainda que Jorge Ramos
119
        
Henriqueta Lisboa não se considerava como tal. Reconhecia que o tema lhe era constante,
itamente sugestivo, aberto a hipóteses

120
; dizia tê-Flor da Morte, de 1949
121
.
Assim como Rilke (1875-1926), aproximação apontada por Alfredo Bosi
122
,
Henriqueta Lisboa concebia a morte como um florescimento do ser, e não como um fim.
Antes mesmo de Flor da Morte, em A Face Lívida (1941-1945), poemas produzidos

114
Id., ibid., p. 3.
115
LISBOA, Henriqueta. O Menino Poeta, 1943, p. 71.
116
LISBOA, op. cit. nota 22, p. 19.
117
Id., ibid., p. 19.
118
Id., ibid., p. 19.
119
Escritor português cujos artigos publicados estão referenciados nas Obras Completas da autora, op. cit. nota
47, p. 555, e, alusivamente citado pela poeta em seu ensaio Vivência Poética, op. cit. nota 22, p. 18.
120
LISBOA, op. cit. nota 22, p. 18.
121
Id., ibid., p. 18.
122
Cf. BOSI, Alfredo. História Concisa da Literatura Brasileira. São Paulo: Cultrix, 2000, p. 438.
36
forma mais direta, e também nos seus livros anteriores a morte apresentava-se entrelaçada a
outros temas; sempre, paradoxalmente, ligada à condição da própria vida.
A fim de elucidar essa aproximação rilkeana, recorremos a Vinicius de Moraes, a
          
123
, na sua
primeira fase , quando, reportando-
de 1959, ressalta a sua concepção de morte:
[...] Sua simplicidade como poeta nasce dessa longa tortura lírica de ver a
morte como um amadurecimento da vida, numa total compensação. Rilke
acreditava que a morte nasce com o homem, que este a traz em si tal uma
semente que brota, faz-se árvore, floresce e frutifica ao se despojar do seu
alburno humano [...]
124
.
Drummond
125
, referindo-se a Flor da morte, inscreve Henriqueta Lisboa na tradição
de Alphonsus de Guimaraens, conforme já referimos, e aproxima seus poemas de um quase

126
. Diz ainda tratar-se de um livro que constitui, organicamente,

127
.
-se a plena aceitação, a entrega
incondicional, e podemos perceber o traço reflexivo que aponta Drummond:
Vem, doce morte. Quando queiras.
Ao crepúsculo, no instante em que as nuvens
desfiam pálidos casulos
e o suspiro das árvores secreto
não é senão prenúncio
de um delicado acontecimento.
[...]
Tenho o corpo tão leve (quando queiras)
que a teu primeiro sopro cederei distraída
como um pensamento cortado
pela visão da lua
em que acaso mais alto refloresça.
128
Juliana Santos
129
, estudando a poética da morte em Augusto Frederico Schmidt,
especificamente no capítulo que trata sobre o poeta e sua construção de uma estética da

123
Id., ibid., p. 438.
124
Cf. MORAES, Vinicius. Poesia Completa e Prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2004, p. 666-68.
125
Cf. DRUMMOND DE ANDRADE, Carlos. Passeios na Ilha, 1975, p. 126.
126
Id., ibid., p. 123.
127
Id., ibid., p. 123.
128
LISBOA, Henriqueta. Flor da Morte, op. cit. nota 47, p. 178-179.
37
Trazida nos braços dos anjos,
brincando com os azuis incensos,
com as pequenas mãos molhadas pelo orvalho da última aurora,
- Vem, ó doce morte!
Vem, ó doce morte,
noite de estrelas,
noiva imponderável, berço de infanta,
perfume de outras eras,
sonho de esperanças!
Vem, ó doce morte!
[...]
Vem, ó doce morte,
morte pequenina, morte de inocência, morte alegre e boa!
Vem, ó doce morte!
130
Podemos aproximá-
pelo título que difere apenas quanto ao caráter vocativo da expressão , mas também
pelas imagens que ambos resgatam mostrando uma visão positiva da morte. Para Schmidt,

              
[...]

doce morte. Quando  Segundo Durval
131
,
com a publicação de Flor da Morte, dá-se a consagração definitiva de Henriqueta Lisboa.
Por esse livro, a poeta recebe o prêmio Othon Bezerra de Mello da Academia Mineira de
Letras, em 1950.
132
Em 1956, Henriqueta Lisboa publica Azul Profundo, que terá uma edição em
1958, quando publica Lírica, obra que reúne sua produção poética até então.
Rangel
133
, reportando-se a Azul Profundo        
               

134
.
129
Cf. SANTOS, Juliana. Augusto Frederico Schmidt e sua Poética da Morte, 2004, p. 27.
130
SCHIMIDT apud SANTOS, id., ibid., p.27.
131
DURVAL, Carlos. Op. cit. nota 97, p. 66.
132
Como mencionamos anteriormente ao tratar dos aspectos relativos à presença do espírito mineiro na obra
da poeta (v. p. 1            
Madrinha Lua, de 1952, Montanha viva Caraça, de 1959, e Belo Horizonte bem querer, de 1972.
133
RANGEL, op. cit., nota16, p. 29.
134
Id., ibid., p. 29.
38
Em Além da Imagem, obra de 1963, que contém poemas de 1959 a 1962, a poesia
avras de Rangel
135

      
136
em O Alvo Humano, que reúne poemas
escritos entre 1963 e 1969, publicados por inteiro em 1973. Antes, em Nova Lírica (1971)
137
, já estavam publicadas dezessete das trinta e seis composições.
Aludindo-se aos temas que desenvolve em sua obra, defendendo-se do título de

138
, diz que mesmo antes de A
Face Lívida, como depois, já abordara temas metafísicos e ontológicos. Cita os livros
Velário, Azul Profundo, Além da Imagem e O Alvo Humano, como testemunhas de uma
concentração dessa índole
139
:
[...] tenho visado, de modo pertinaz e intensivo, a essência do ser, a substância
do que é vital, a ansiedade da criatura em busca da perfeição e do infinito, os
mistérios da natureza, o próprio mistério do processo poético, o
relacionamento entre alma e Deus, a caminhada da alma à procura de Deus
140
.
Ângela Vaz Leão
141
considera Além da Imagem o livro mais importante, até a
data do seu estudo           

142
 vida ou morte que
impressionam agora a inteligência e a sensibilidade do poeta: é a própria essência do ser,
humano 
143
.
Em relação a Miradouro e outros poemas, obra de 1976, Henriqueta Lisboa diz
complementar de certa forma O Alvo Humano
144
.
Destaca uma frase de Plotino dizendo que esta deveria ser a epígrafe de Miradouroo que
       
145
. Rangel, por sua vez, diz que
Miradouro 
146
No mesmo ano, 1976, é publicado Reverberações; um livro bem diverso dos
demais, resultado da paixão que a poeta dizia ter pelo nosso idioma após muitos anos de
135
Idem, ibidem, p. 31.
136
Idem, ibidem, p. 33.
137
No mesmo ano, 1971, Henriqueta Lisboa recebe o Prêmio Brasília de Literatura pelo conjunto da obra,
conferido pela Fundação Cultural do Distrito Federal. (cf. op. cit. nota 33 Cronologia)
138
Cf. LISBOA, op. cit. nota 19, p. 18-19.
139
LISBOA, op. cit. nota 19, p. 19.
140
Idem, ibidem, p. 18-19.
141
LEÃO, Ângela Vaz., op. cit., p. 218.
142
Idem, ibidem, p. 218.
143
Idem, ibidem, p. 220.
144
LISBOA, op. cit., nota 19, p. 20.
145
PLOTINO apud LISBOA, op. cit. nota 19, p. 21.
146
RANGEL, op. cit. 98, p. 45.
39
estudo e pesquisa. Ela recorre a uma epígrafe de Khliébnikov (1885-1922) para ilustrar os
seus intuitos ao escrever Reverberações:
A palavra possui uma vida dupla. Ora ela cresce como uma planta e produz
um acúmulo de cristais sonoros: então o começo do som vive sua própria vida
e a parte da razão permanece na sombra. Ora a palavra se põe a serviço da
razão: o som deixa de ser onipotente e absoluto, o som torna-se nome e
executa docilmente as ordens da razão. É uma luta dos dois universos, das
duas potências, que prossegue sempre no seio da palavra e que à língua
uma vida dupla: dois círculos de estrelas cadentes.
147
Em 1977, como resultado da sua constante atração pela Natureza, a poeta publica
Celebração dos Elementos água ar fogo terra, um longo poema dividido em quatro
partes. Em 1979, ocasião do cinquentenário da sua obra, é publicada uma 1ª edição de Casa
de Pedra poemas escolhidos. Em um ensaio introdutório, Fábio Lucas destaca as
temáticas recorrentes nos dando um panorama da sua arte poética:
Infância, morte, imaginação, realidade, Deus e as dores do mundo: em torno
disso Henriqueta Lisboa tece a sua arte poética. Uma fusão de mito e poesia.
Uma busca insofrida do splendore para a celebração do transcendente e
eterno.
148
Em uma entrevista publicada em 1985
149
, ano da sua morte , Henriqueta
Lisboa declara que havia encerrado sua carreira literária com a publicação de Pousada do
ser
150
    [...] e não pretendo escrever nenhuma obra mais. Esta é uma

151
. o
            
exploração, existencial e filosófica 
152
Referindo-se aos temas
mais freqüentes na sua obra
153
, falando sobre a natureza e seus desdobramentos, Henriqueta
dizia posicionar-se diante dela como uma aprendiz, num estado de abandono e
 natural que somos,
147
KHLIÉBNIKOV apud LISBOA, op. cit., nota 20, p. 21. Poeta russo, Vielímir Khliébnikov (1885-1922) foi
um grande criador de neologismos que chegou ao Brasil pelas mãos dos concretistas. Considerado um inventa-
língua
Cf. LUCCHESI, Marco. Poemas de Khliébnikov, 1993, p. 15.
148
 Casa de Pedra Poemas escolhidos, 1979,
p. 8.
149
Cf. RANGEL, op. cit., nota 16, p 61.
150
Em 1984, a poeta recebe o prêmio Pen Club do Brasil pela obra Pousada do ser, e o prêmio Machado de
Assis da Academia Brasileira de Letras, pelo conjunto da obra. Cf. op. cit. nota 36 Cronologia.
151
LISBOA apud RANGEL, op. cit. nota 16, p. 61.
152
RANGEL, op. cit. nota 16, p. 64.
153
LISBOA, op. cit. nota 22, p. 19.
40
          
154
. Revelou ter

155
, com intensa emotividade,
[...] ao perseguir a idéia de um possível paralelismo entre a evolução da vida
humana e o desenvolvimento dos 3 reinos ou processos naturais, para em
conclusão-síntese, prenunciar o surgimento de um 4° reino o do puro
espírito
156
Como observamos anteriormente, os livros Velário (1930-1935), Azul Profundo
(1950-1955), Além da Imagem (1959-1962) e O Alvo Humano (1963-1969), foram
resultados dessa busca pela transcendência, da disposição anímica, metafísica ou
ontológica, que a poeta manteve de certa forma durante toda a sua trajetória; intensificada
nas últimas obras, manifestando-se em Miradouro e outros poemas (1968-1974), e
culminando em Celebração dos Elementos (1977) e Pousada do Ser (1976-1980), sua
última obra.
154
Id., ibid., p. 19.
155
Poema dividido em quatro partes, integrante do livro O Alvo Humano (1963 1969), op. cit., nota 47, p. 381-
383.
156
LISBOA, op. cit. nota 22, p. 19 [grifo nosso].
41
2. POESIA E FILOSOFIA
Não podemos discorrer sobre a relação que existe entre a poesia e a filosofia sem
antes recorrermos aos pensadores gregos, em especial a Platão (c. 427348 a.C) na obra A
República. Acusado, injustamente, na avaliação de alguns estudiosos, de ter expulsado os
-los, faz-se necessário nos determos
em alguns destes argumentos que saem em defesa do filósofo grego. Inicialmente,
reportamo-
157
, onde a filósofa
Maria da Penha Villela-      elha
              
República não é suficiente para a compreensão da tão complexa relação que se estabelece
entre poesia e filosofia, na concepção platônica. A autora lembra que, numa comunidade
em que prevalece a tradição oral, como na Grécia antiga, o pensamento denominado
- -se primeiramente em poemas, como no caso de
Xenófanes de Cólofon (c. 570-480 a.C) e de seu discípulo Parmênides (c.515-440 a.C); ela
crê ser injusto atribuir a Platão a origem da crítica aos poetas, pois Xenófanes, embora
adotasse a forma tradicional versificada enunciando seu pensamento em poemas,
criticava Homero e Hesíodo, os grandes poetas da tradição, por divergirem quanto a
questões de cunho ético-religiosa.
158
Villela-Petit realça que, a palavra do poeta, dentro de uma sociedade onde prevalece
a tradição oral, conforme já referimos, é depositária de valores e ensinamentos éticos, e está
intrinsecamente associada à paidéia, à educação lato sensu, e portanto, ao êthos. Assim, os
poetas são considerados os verdadeiros mestres, os legítimos educadores da Grécia. Daí a
crítica dos primeiros pensadores dirigida aos poetas, à influência destes, tanto no plano do
indivíduo quanto no nível da cidade, da polis. A posição de Platão era contra a corrupção
do êthos 
o começo [do diálogo nos primeiros livros da República], fica patente que Platão entende
confrontar o saber tradicional forjado pelas palavras dos poetas com o pensamento
dialético, que se esforça não em repetir, por ouvir dizer, como as coisas se passaram ou se
157
Cf. VILLELA-           
<http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0100-512X2003000100005&script=sci_arttext>. Acesso em 30 jan.
2009.
158
Cf. VILLELA-PETIT, op. cit. p. 02.
42
        
159
, não esquecendo que o
tema central do diálogo é a justiça, é a tese que gira em torno da supremacia desta sobre a
injustiça. Convém destacar junto à autora que,
[...] Platão não renega sistematicamente o que os poetas afirmam. Necessário é
o discernimento relativo às afirmações que fazem em suas obras. Platão não
hesita em recorrer aos poetas quando o que dizem se aproxima da verdade que
a filosofia tem por bem buscar [...]
160
.
Analisando desde os primeiros livros da República, Villela-Petit considera bastante
significativo o fato de Platão iniciar a interrogação sobre justiça evocando reiteradamente o
pensamento veiculado pelos poetas, e que a questão da poesia ainda ressurja no último
livro. Para a filósofa, considerar apenas o livro X, excluindo os primeiros, é comprometer a
interpretação do diálogo platônico, e dificultar a compreensão que se possa auferir de
Platão em relação à poesia. Saindo em defesa do filósofo grego, combatendo os adversários
do, de maneira simplista, por
expulsar os poetas da República, ela diz:
Se Platão preconizava uma regulação do uso da produção poética como
hoje são chamados a fazer os comitês de ética em relação às produções
técnico-científicas ou às produções da mídia no setor da comunicação , não
instituía um tribunal para condenar desvios relativos a uma ortodoxia, a um
corpo de definições dogmáticas, como aquele que condenara seu mestre
Sócrates. O que ele queria traçar eram as coordenadas de uma educação capaz
de implantar na alma uma harmonia e uma aspiração ao Belo e ao Bom.
161
Erich Auerbach (1892-1957), partindo de uma perspectiva histórica, em seu estudo
sobre Dante Dante poeta do mundo secular (1997) também recorre a Platão a fim de
situar a idéia do homem na literatura. Para o crítico alemão, foi Platão que transpôs o
abismo entre poesia e filosofia, ao elaborar sua crítica da arte imitativa. Auerbach postula
 talento
poético e, na sua concepção de uma utopia estrita e pura, condenou a emoção

162
Para Platão, só as Idéias têm verdade e existência, e
o mundo empírico não passa de uma cópia destas. Então a arte, enquanto cópia, imitação da
159
Cf. VILLELA-PETIT, op. cit., p. 04.
160
Id. ibid., p. 5.
161
Id. ibid., p. 10.
162
Cf. AUERBACH, Erich. Dante: poeta do mundo secular. Tradução de Sá Barbosa. Rio de Janeiro: Topbooks,
1997, p. 17.
43

terceira em relação à verdade [...] 
163
Discorrendo sobre as razões de Platão, e de possíveis incompreensões que possam
ser geradas em função de seus julgamentos em relação às artes imitativas e não-imitativas,
Auerbach defende que os ensinamentos do filósofo grego, longe de destruir a dignidade da
arte imitativa, impulsionam-na rumo a um novo objetivo. Para Auerbach,
foi através de Platão que artistas e amantes da arte começaram a refletir sobre
a presença da Idéia na aparência das coisas e a aspirar por ela. [...] Ele [Platão]
impôs aos poetas a tarefa de escrever filosoficamente, não no sentido de
instruir, mas no sentido de esforçar-se, pela imitação da aparência, para chegar
à sua verdadeira essência e mostrar a insuficiência dela quando comparada à
beleza da Idéia.
164
As lições de Platão, segundo Auerbach, introduziram a filosofia na arte e lançaram
              
filosófica da arte buscar não seu fim mas seus começos na crítica platônica da

165
Auerbach na teoria das Idéias de Platão o germe de uma transformação,
onde, os pensadores que buscavam uma justificação filosófica das artes transpuseram,


166
Plotino (204-270), filósofo que influenciou desde os maiores santos da Igreja
Católica, como Santo Agostinho (354-430), São Basílio (329-379), e também os grandes
místicos da Idade Média como Nicolau de Cusa (1401-1464) e Meistre Eckhardt (1260-
1328) , e, na época moderna, os românticos alemães como Novalis (1772-1801) e
Schelling (1775-1854) , tem em Platão a sua maior referência. Carlo Bussola, estudioso
de Plotino, afirma que encontramos no cerne do pensamento plotiniano a essência da
doutrina de Platão, embora Plotino não o seguisse literalmente.
167
Bussola, aproximando-a
dos diálogos de O Banquete, de Platão, destaca a seguinte asserção extraída da Enéade
168
III-5, para ilustrar a influência do pensamento platônico na mística de Plotino:
163
Id. ibid., p. 17.
164
Cf. AUERBACH, Erich, op. cit., p. 18.
165
Id. ibid, p. 18-19.
166
Id. ibid., p. 19. Auerbach cita como exemplo Erwin Panofsky, na obra Idea, edição de 1924. Verificar, entre
outros, Compreender Plotino e Proclo, de Cícero Cunha Bezerra, Rio de Janeiro: Vozes, 2006, onde, de forma
didática, o autor expõe e atualiza diferentes teses sobre a filosofia neoplatônica.
167
Plotino é considerado o maior expoente da escola neoplatônica. Sobre as diferenças entre o Platonismo e o
Neoplatonismo verificar, entre outras, a obra referida na nota anterior.
168
Porfírio, discípulo de Plotino, foi quem corrigiu e reordenou todos os escritos do mestre. Num total de 54
tratados, Porfírio agrupou-ica
44
O amor de Deus é um gênio ou uma paixão da alma? Ou, melhor, não será
Deus, sob um aspecto; gênio, sob outro; e paixão, sob um terceiro aspecto? É
sobretudo a Platão que devemos nos reportar, por ser ele o único que
frequentemente escreveu sobre o amor.
169
Os estudiosos que se debruçam sobre os tratados plotinianos encontram no campo
da estética, especialmente, enquanto disciplina filosófica, um veio precioso. Na Enéade I,
indicada por Carlo Bussola como o primeiro tratado escrito por Plotino, considerando-se a
ordem cronológica, encontramos as explanações de Plotino em reposta à seguinte pergunta:

170
Discorrendo sobre a alma purificada, o Belo, o Bem e a inteligência, entre
outras conceituações, Plotino sintetiza dizendo que o Bem e o belo estão num mesmo
princípio, e que o belo, que é o lugar das idéias, está no inteligível.
171
Para Carlo Bussola, Plotino espiritualmente era um místico, e filosoficamente era
um metafísico, que se preocupava muito mais com o conhecimento intuitivo do que com o
conhecimento racional. Bus           
ponto importante de toda a filosofia de Plotino. (...) É à intuição que Plotino dedica toda a
sua atenção, pois a intuição é o fundamento do raciocínio metafísico; o degrau que o eleva
  
172
E Plotino fixará seu pensamento na história da filosofia por meio da sua
doutrina da Unidade do Ser, ou doutrina do Uno, uma doutrina marcada pela
Transcendência.
2.1 As artes na Idade Média
No capítulo dedicado às teorias da arte, na obra Arte e beleza na estética
medieval, Umberto Eco postula que a opinião dos medievais sobre arte manteve-se quase
unanimemente apoiada em uma doutrina clássica, intelectualística, e centrada no fazer
humano.
173
A Idade Média, segundo o teórico italiano, repetiu e formulou de vários modos
os mesmos princípios de toda a tradição grega, aproveitando-se das definições de arte desde

pitagórica de dar um sentido extra-
é considerado o mero perfeito, Porfírio agrupou os escritos de Plotino dessa forma. Cf. BUSSOLA, Carlo.
Plotino: a alma no tempo. Vitória: FCAA,1990, p. 30.
169
Cf. BUSSOLA, Carlo. Plotino: a alma no tempo, 1990, p. 34.
170
Encontramos o título da Enéade I n. 6 na forma de pergunta na tradução de Carlo Bussola, que baseou seu
ensaio no texto vertido para a língua francesa (do original em grego). Cf. BUSSOLA, Carlo, op. cit., p. 11.
171
Cf. DUARTE, Rodrigo. (Org.) O belo autônomo: textos clássicos de estética. Belo Horizonte: Ed. UFMG,
1997, p. 48.
172
Id. ibid., p. 33.
173
Cf. ECO, Umberto. Arte e beleza na estética medieval. Rio de Janeiro: Globo, 1989, p. 131.
45
Aristóteles (384-322 a.C), de Cícero (106-43 a.C), dos estóicos e outros. Eco lembra que
ars também deriva do grego aretés virtude, uma capacidade de fazer algo,
e, portanto, uma virtus operativa
174
Para o homem medieval,
a arte é uma construção, uma operação que visa um resultado, não é uma expressão, é uma
ciência. A arte na Idade Média, diz Ec       
servilmente o que a natureza lhe oferece como modelo: na imitação da arte existe invenção,

175

das relações entre ela 
176
, o que demonstra a pouca consciência
do que seja o especificamente artístico; falta à Idade Média, segundo Umberto Eco, uma
teoria das belas-artes, uma noção de arte como a concebemos hoje
177
   
artes belas e técnica [na Idade Média] está bloqueada pela distinção entre artes liberais e
artes servis, e estas últimas são vistas como artes belas quando, ao mesmo tempo, são

178
Quanto às artes poéticas, o verdadeiro despertar crítico acontece no século XII, com
Averrois (1126-1198), com sua poética do espetáculo, apoiada em alguns conceitos
aristotélicos, sem muita originalidade, na opinião de Eco. E aqui uma distinção, nova
para a Idade Média, entre história e poesia, que convém reproduzi-la:
[...] 
sem ordená-los; o poeta, ao contrário, um número e uma norma (o metro
poético) a fatos verdadeiros ou verossímeis, e fala do universal; por isso a
poesia é mais filosófica que o simples conto fantástico. [...] a poesia não deve
nunca usar meios persuasivos ou retóricos, mas meios imitativos. Deve-se
imitar com tal vivacidade e cor de modo que a coisa imitada apareça viva
diante dos olhos. Quando o poeta renuncia a esses meios e passa ao raciocínio
direto, peca contra a própria arte.
179
174
Cf. ECO, Umberto, op. cit., p. 131-132.
175
Id. ibid., p. 132.
176
Id. ibid., p. 133.
177
              
polissêmico a partir do século XX, tendo em vista o seu uso em algumas das principais teorias contemporâneas,
e mesmo a partir da sua trajetória histórica. Sobre o assunto, verificar, entre outros, Edgar Roberto Kirchof, em
Estética e semiótica: de Baumgarten e Kant a Umberto Eco. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2003.
178
Cf. ECO, Umberto, op. cit., p. 137.
179
Cf. Menéndez y Pelayo apud ECO, Umberto. op. cit., p. 142. Em nota, Umberto Eco informa que, somente
através desse comentário médio de Averrois é que a Poética de Aristóteles chega à Idade Média, até ser
traduzida, em 1272, por Guilherme de Moerbeke. Segundo Alain de Libera, em A filosofia medieval, os
Comentários de Averrois dividiam-se em: os Pequenos (jawâmi‘), os Médios (talkhis) e os Grandes (tafsîr)
Comentários, e revelaram ao Ocidente uma nova forma literária. Cf. DE LIBERA, Alain. A filosofia medieval.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1990, p. 19.
46
Lentamente, vai se moldando uma consciência em relação a novos valores no que se
refere à palavra e à imagem, e a poesia vai adquirindo um novo estatuto, aos poucos vai
           

180
, e aproxima-se da teologia; indo além do mero exercício métrico,
ela chega a ser chamada pelos poetas antigos de uma segunda teologia, e é considerada

181
. Porém, a noção de poeta theologus não
é precisa, e se transforma em alvo de disputas entre pré-humanistas e adeptos da teoria
escolástica, que está fechada para essa visão. Para a filosofia oficial, a poesia das
Escrituras, salienta Eco, é outra coisa, é
menos vaga, mais precisa em suas referências alegóricas, e todavia não
humana. O ver profundo do místico, o êxtase estético compenetrado de fé e de
graça, não tem nada a ver com o êxtase poético no sentido romântico do
termo. Não se pode pensar na poesia didascálica como uma comunicação mais
profunda que a filosófica.
182
Eco, no entanto, não reprova a teoria escolástica da arte por isso, destaca sua

consciência da artisticidade fundamental de toda a operação técnica e da tecnicidade

183
2.2 Ideia e Sentimento
Ainda na Idade Média, vemos acentuarem-se os valores do sentimento com a
entrada em cena do romance de cavalaria. Com o amor cortês, e com ele o elemento
feminino, a mulher passa a ocupar o centro da vida social e artística. Na poesia, renova-se a
 que já aproximara a poesia da teologia ,
e a Idade Média passa a representar o germe de uma estética do sentimento.
184
Umberto Eco, em obra citada, lembra que se o romantismo revalorizou tanto a
Idade Média é 
uma nova sensibilidade da paixão inapagada que leva a poesia a se tornar expressão do
180
Cf. ECO, Umberto. Op. cit., p. 142.
181
Id. ibid., p. 142.
182
Id. ibid., p. 145 [grifo do autor]
183
Id. ibid., p. 145.
184
Cf. ECO, Umberto. Op. cit., p. 149-150.
47

185
E, a essa altura, a teoria escolástica da arte mostrava-se inadequada para
explicar a
didascálica, como referimos anteriormente. Delineava-
do fato inventivo e uma incancelável referência ao mundo das paixões e dos sentimentos,

186
Para o medievista italiano, porém,
os únicos que poderiam fornecer à nova poesia uma temática da idéia, do
sentimento, da intuição, são os místicos. A mística está perdida em outras
regiões da alma, mas é, sem dúvida, em suas categorias que é possível
encontrar os germes de uma futura estética da inspiração e da intuição.
187
Erich Auerbach, ao comentar o mesmo período, em estudo referido, destaca a
presença de uma mística cristã que se faz acompanhar de aventuras maravilhosas e
mágicas; cita Chrétien de Troyes (1135-1183) em sua obra Perceval, onde, a busca do
Santo Graal como símbolo da graça divina denota a presença da nuança mística introduzida
no romance cortês.
188
E, ao analisar a atividade intelectual da Idade Média, Auerbach realça
             

189
. Marcadas pela índole especulativa e metafísica, o
crítico nomeia, sobretudo, as de São Bernardo de Clairvaux (1090-1153) e de Ricardo de
Saint-Victor (d. 1173), no século XII, e de Boaventura (1221-1274), no século XIII.
190
Referindo-se, como fez Eco, ao entusiasmo dos românticos em relação à Idade Média,
Auerbach vê, na aversão destes ao racionalismo e no culto dos sentimentos, um despertar
das crenças religiosas. Corrobora a tese de Eco quando aproxima o sentimento gerado nesse
período, de índole mística, com a retomada pelos românticos desse universo medieval.
191
Umberto Eco reporta-se igualmente a São Boaventura e também a Meister Eckhart,
             
preexistem na mente de Deus, e toda vez que concebe a imagem de algo o homem tem, no
fundo, uma iluminação, uma graça intelectual
192
Eco destaca ainda que, o conceito
185
Id. ibid., p. 150.
186
Id. ibid., p. 150.
187
Id. ibid., p. 150.
188
Cf. AUERBACH, Erich. Introdução aos estudos literários. São Paulo: Cultrix, 1970, p. 117.
189
Id. ibid., p. 106.
190
Id. ibid., p. 106.
191
Cf. op. cit., p. 232.
192
Cf. ECO, Umberto. Op. cit., p. 151 [grifo nosso].
48
platônico de ideia, ou mesmo o aristotélico, vai diferenciar-se na teoria de Meister Eckhart,
por que, para o místico,
procurar um exemplar artístico não é compor: é fixar misticamente o olhar na
realidade a ser reproduzida até a identificação com ela. Mas as idéias
subsistentes em Deus e comunicadas à mente do homem não o arquétipos
platônicos, e sim tipos de atividades, forças, princípios de operação. As idéias
são viventes, não existem como standards, mas como idéias de atos a realizar.
[...] nela [teoria] um sentido de maior dinamismo e germinalidade da idéia.
193
A influência de Plotino na teoria de Meister Eckhardt fica evidente nessa exposição
de Umberto Eco. O que 
            
contemplação, ou visão. Cícero Cunha Bezerra, em obra já referida, diz que o termo
utilizado pelo filósofo alexandrino para designar a união mística é visão

194
Essa visão, porém não é passiva, ela é
uma atividade contemplativa, portanto, dinâmica. Reportando-se ao tratado III-8, intitulado
Sobre a natureza, a contemplação e o Uno, Bezerra Cunha reforça que, para Plotino,
todos os seres aspiram à contemplação, não somente os racionais, mas
também os irracionais. A natureza (...) produz permanecendo em si mesma e,
por isso, é uma razão contemplativa. Na verdade, estamos ante um
pensamento que compreende a realidade como um ciclo onde a vida produz
vida e onde todo ser gerado é uma razão potencialmente vivificante.
195
Carlo Bussola destaca, em estudo referido, que, uma vez admitida a presença da
divindade em tudo o que existe, as primeiras questões que Plotino se impôs foi como e
onde encontrar a essência do Uno, de Deus. E a resposta ele encontrou percorrendo duas
           

Universal.
196
E, aqui, podemos nos reportar a Martin Heidegger, mantendo as devidas
proporções, ao que ele chama de ente, e ser do ente enquanto essência. Como sabemos, o
segundo Heidegger vai beber na fonte dos místicos e aproximar-se do inapreensível.
Alain de Libera, na obra Pensar na Idade Média, referindo-se à noção de
Gelassenheit, em Mestre Eckhardt, recorda um pronunciamento de Heidegger, ocorrido em
1955, cujo discurso intitulava-se exatamente: Gelassenheit, ou seja, Serenidade; descrita
193
Id. ibid., p. 151 [grifo nosso].
194
Cf. CUNHA BEZERRA, Cícero. Compreender Plotino e Proclo. Rio de Janeiro: Vozes, 2006, p. 88.
195
Id. ibid., p. 91.
196
Cf. BUSSOLA, Carlo, op. cit., p. 38-39.
49
             
atitude do sim e do não ditos conjuntamente ao mundo técnico: é a palavra Gelassenheit,

197

[...]

198
Podemos entender esse sentido oculto também como mistério, enquanto a mais
oculta essência do ser. Heidegger ao investigar os hinos de Hölderlin diz, paradoxalmente,

se fechando, abrir-se como mistério
199
Buscando uma definição precisa do conceito de Ser, encontramos em Nicola
Abbagnano, a seguinte abordagem:
a palavra Sein [Ser], como qualquer outra palavra, dissecada com a especial
abordagem etimológica de que Heidegger se serve, apresenta-se sem fundo ou
sem possível fundamento: fragmenta-se e abisma-se em si mesma, de algum
modo se expunge. Deixa de ser apreensível em um conceito, é possível apenas
indicá-la, mantê-la à distância. [...] não é possível discorrer sobre ele [Ser]
com juízos afirmativos e definições conceituais rigorosas, mas apenas com
negações, analogias, constelações metafóricas, etc.
200
Desse modo, podemos inferir que o Ser heideggeriano, ainda que não se converta
exatamente ao Ser Universal de Plotino, encontra-se na mesma dificuldade de ser abarcado
conceitualmente, racionalmente. E a mística parece ser um caminho viável, que, aliada à
poesia, pode nos ajudar a encontrar algumas respostas, ou melhor, a nos levar a novas e
maiores indagações.
2.3 Mística e poesia
Diante da afirmação a respeito da teoria de Meister Eckhardt, especialmente no que
se refere ao caráter dinâmico das idéias, não é difícil aproximá-la das reflexões teóricas de
outro místico, este, do século XVIII, considerado um dos iniciadores do Romantismo, e,
que não por acaso, cunhou seu cognome pesquisando suas origens medievais. Seu nome
literário: Novalis
201
.
197
Cf. LIBERA, Alain de. Pensar na Idade Média. São Paulo: Ed. 34, 1999, p. 326.
198
Id. ibid., p. 327.
199
Cf. WERLE, Marco Aurélio. Poesia e pensamento em Hölderlin e Heidegger. São Paulo: Ed. UNESP, 2005,
p. 59 [grifo nosso].
200
Cf. ABBAGNANO, Nicola. Ser. In: ____. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 1052.
201
Novalis é o nome literário adotado por Georg Friedrich Philipp von Hardenberg. A genealogia dos barões
Von Hardenberg remonta ao culo XII. O próprio Novalis explica em carta endereçada a W. Schlegel a origem
50
À primeira vista, pode parecer estranho aproximar aquele que merece um verbete
num dicionário básico de filosof
místico alemão considerado o criador da linguagem filosófica alemã e o fundador do

202
, de um teórico e poeta romântico que nem sequer tem seu nome
citado no mesmo dicionário, pois não passaria de um coadjuvante na dita filosofia
romântica esta, sim, merecedora de um discreto verbete, no qual, igualmente não consta
o seu nome .
Conhecido, vulgarmente, como o poeta da flor azul, Novalis tornou-se, antes de
tudo, um mito literário, segundo um dos tradutores e estudioso de sua obra, o filósofo
Rubens Rodrigues Torres Filho.
203
Esse mito gerado em torno de Novalis parece justificar o

204
, na opinião de Torres Filho. E os
ingredientes capazes de elaborar tal mito parecem ser, entre outros, a brevidade da sua vida
Novalis morreu aos 29 anos , e o sofrimento causado por uma experiência de amor e
morte
205
, que ocorreu muito prematuramente, e que teria deixado suas marcas, de forma
definitiva, em toda sua obra.
Hoje, no entanto, em virtude de renovadas investigações e traduções de sua
produção literária a maior parte na forma de fragmentos , é possível afirmar que
Novalis representa não individualmente, pois pensava a filosofia como prática do
sinfilosofar
206
, um dos teóricos essenciais dentro da história da filosofia e,
consequentemente, dentro da história do que designamos chamar modernamente de
literatura, na medida em que ele concebia a filosofia e a poesia como uma coisa só, como
uma única expressão do pensamento. Cabe lembrar que, para os primeiros românticos,
como ressaltou Walter Benjamin (1892-1940) na introdução da sua tese O conceito de
crítica de arte no romantismo alemão , os conceitos de Idéia de arte e de obra de arte
estão intimamente relacionados a uma concepção de poesia. Ao delimitar o campo temático
no qual irá desenvolver seus argumentos, Benjamin esclarece essa relação dizendo:
       Novalis cujo nome é um antigo nome genealógico meu, e não
         omantismo estudioso. In:
NOVALIS, Friedrich. Pólen. Fragmentos, diálogos, monólogos. São Paulo: Iluminuras, 1988, p. 13, 20-21.
202
Cf. JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário sico de Filosofia. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 1996, p. 78. Convém destacar que, para os autores da referida obra, a importância filosófica de Meister
Eckhardt, se deve a seu modo de demonstração, e por que Hegel o considera o precursor de sua dialética.
203
Cf. TORRES FILHO, Rubens Rodrigues, nota 201, op. cit., p. 13.
204
Id. ibid., p. 13.
205
Novalis noivou com Sophie von Kühn, quando esta tinha apenas 13 anos de idade, em 1795, e o noivado foi
desfeito drasticamente em virtude da morte da mesma, dois anos depois. Cf. TORRES FILHO, Rubens
Rodrigues, op. cit., p. 199.
206
Segundo Rubens Rodrigues Torres Filho, sinfilosofar é uma expressão cunhada por Schlegel que significa

51
A fundamentação objetiva do conceito de crítica de arte que Friedrich
Schlegel tem a ver apenas com a estrutura objetiva da arte enquanto
Idéia e com a de seus produtos enquanto obras. De resto, quando ele
fala sobre arte, pensa basicamente na poesia, sendo que as demais artes têm,
no período que aqui nos toca, uma relação quase sempre subordinada a ela.
Para ele [...] as leis fundamentais da poesia valem também para as demais
artes. [...] Ambos os conceitos podem se diferenciar apenas de maneira
confusa, para não dizer que se orientam reciprocamente, de modo que não se
pode construir nenhum conhecimento sobre a peculiaridade e os limites da
expressão poética com relação às demais artes.
207
Márcio Seligmann-Silva, estudioso do romantismo alemão, referindo-se à retomada
dos estudos da obra dos primeiros românticos, e do próprio Benjamin na sua citada
tese , destaca a relevância dessas leituras dentro dos estudos literários, principalmente
quando se tem em vista o notável contributo dos mesmos no que concerne aos aportes
teóricos. Para Seligmann-Silva,
uma das características mais marcantes da recepção das idéias de Novalis (e
de seu amigo e também membro do grupo de pensadores primeiro-românticos
de Iena, Friedrich Schlegel) é que, ao menos desde 1919, ano da tese de
Walter Benjamin sobre o conceito de crítica de arte no Romantismo alemão, e
sobretudo desde os anos 70 do século passado coincidindo com um
momento de profundas renovações no pensamento da teoria literária , essas
idéias têm servido para pensarmos tanto as bases da nossa modernidade no
sentido baudelaireano e benjaminiano desse termo como também nos têm
-modernidade.
208
Assim como em Eckhardt, no qual realçamos com Umberto Eco o caráter
dinâmico da linguagem aliado ao misticismo, também em Novalis encontramos semelhante
característica. Márcio Selligmann-Silva, em estudo já citado, identifica esse caráter ativo ao
classificar, em Novalis, a poesia como poiesis
antes de tudo, au
209
[...] Para Fichte (1762-
1814) assim como para Novalis , eu e não-eu, mundo material e espiritual, são fruto
[...]
210
, por isso poesia como poiesis.
Importante destacar, que, como bem recorda Manuel Antônio de Castro, em seu
Poiesispoiesis
207
Cf. BENJAMIN, Walter. O conceito de crítica de arte no romantismo alemão. São Paulo: Iluminuras, 2002,
p. 19.
208
Cf. SELIGMANN-SILVA, Márcio. Hieróglifo, alegoria e arabesco: Novalis e a poesia como poiesis. In: ___.
O local da diferença. Ensaios sobre memória, arte, literatura e tradução. São Paulo: Ed. 34, 2005, p. 309.
209
Id. ibid., p. 309.
210
Id. ibid., p. 309.
52
agir, enquanto sentido do agir
211
, o que denota uma ação, um movimento. Em
Pólen/Observações    mos encontrar o seguinte fragmento
que ilustra o que por ora buscamos demonstrar:
A designação através de sons e traços é uma abstração admirável. Quatro
letras me designam Deus Alguns traços um milhão de coisas. Quão fácil se
torna aqui o manejo do universo! quão visível a concentricidade do mundo dos
espíritos! a gramática é a dinâmica do reino dos espíritos! Uma palavra de
comando move exércitos a palavra liberdade nações.
212
E, numa interessante observação do tradutor, em nota explicativa, vamos encontrar
o seguinte insight
nessa fase ainda estava sob a influência de Friedrich Schlegel e Fichte], ser invertida assim:

213
Hugo Friedrich (1904-1978), por sua vez, apontara no seu clássico estudo sobre a

Hermética, no sentido de um encantamento, de uma invocação  
poét               
profundamente distinto em seu efeito do simples prazimento o qual, agora, deixa de ser o
  
214
Friedrich via nas teorias do Romantismo os sintomas do
poetar moderno, onde os conceitos de fantasia e de poesia se encontravam consolidados,
a partir das redefinições elaboradas por Rousseau (1712-1778) e Diderot (1713-1784);
notadamente naquilo que concerne à noção de tempo interior e genialidade, noções que
encontrarão ressonância em algumas modernas e/ou pós-modernas concepções de
sujeito, subjetividade, indivíduo e alteridade, por exemplo.
Márcio Seligmann-Silva justamente naquilo que ele mesmo chama de
mânticos pela filosofia tradicional, até hoje,
uma revolução no conceito de identidade
eu como poiesis e jogo de diferenças [eu/não-
215
211
Cf. CASTRO, Manuel Antônio de. Poiesis, sujeito e metafísica. In.__ (org.) A construção poética do real.
Rio de Janeiro: 7Letras, 2004, p. 54 [grifo nosso].
212
Cf. NOVALIS, Friedrich. len. Fragmentos, diálogos, monólogos, 1988, p. 37. Helena Blavatsky, por sua

ser; é uma causa e um efeito de outra causa precedente, a combinação destas produz efeit  
BLAVATSKY, Helena P. Síntese da doutrina secreta. São Paulo: Pensamento, 1975, p. 47.
213
Cf. TORRES FILHO, Rubens Rodrigues, op. cit., p. 201.
214
Cf. FRIEDRICH, Hugo. Estrutura da lírica moderna. São Paulo: Duas Cidades, 1978, p. 28.
215
Cf. SELIGMANN-SILVA, Márcio. Onde começa a poesia. In:___. O Local da diferença, 2005, p. 332.
53
Importante observar, com Gerd Bornheim (1929-2002)
é o único que se estrutura como movimento a partir, conscientemente, de uma posição
filosófica, o que vai garantir à filosofia um destaque singular dentro do panorama
  
216
E, partindo dessa perspectiva filosófica, o Romantismo irá
desaguar numa vertente de cunho religioso, que procurará dar conta da exigência de uma
unidade total, que abarque e que comungue com os mistérios que envolvem o Absoluto.

que os próprios românticos tomaram consciência disto:
que o problema religioso é o problema filosófico por excelência, o único
grande problema da filosofia. [...] A explicação total que exige para a filosofia
não pode distinguir-se da participação religiosa, e por isto mesmo não mais
razão para separar filosofia e religião [...].
217
        -se um visionário,
bastante próximo do misticismo de tipo ori
218
E visionário Novalis o era, e também
           
Raymond (1897-1981)
219

s palavras de José Guilherme Merquior.
220
Quanto ao aspecto visionário de Novalis, além dos muitos fragmentos onde é
possível vislumbrá-lo, um comentário de seu irmão, Karl Von Hardenberg, que dá uma
idéia dessa dimensão que leva a marca do esoterismo filosófico, segundo Raymond.
221
Ao
enviar o manuscrito de Os aprendizes de Saís a Ludwig Tieck (1773-1853), que era o
responsável pela edição póstuma dos escritos de Novalis, Hardenberg escreve:
va morrer; nós ainda não
estamos maduros para as descomunais revelações que, através dele, teriam vindo a nós
      
222
Para Novalis, a filosofia é uma idéia mística, e
 leva à essência do Uno: o

216
Cf. BORNHEIM, Gerd. A. Aspectos filosóficos do Romantismo. Porto Alegre: Instituto Estadual do Livro,
1959, p. 109.
217
Id. ibid., p. 109-110.
218
Id. ibid., p. 110.
219
Cf. RAYMOND, Marcel. De Baudelaire ao surrealismo. São Paulo: Edusp, 1997, p. 256.
220
Cf. MERQUIOR, José Guilherme. Razão do poema. Ensaios de crítica e de estética. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1965, p. 53.
221
Cf. RAYMOND, Marcel, op. cit., p. 256.
222
Cf. NOVALIS, Friedrich. Pólen. Fragmentos, diálogos, monólogos. São Paulo: Iluminuras, 1988, p. 13.
54
Quando se começa a refletir sobre filosofia então parece-nos (sic) a
filosofia, como Deus e amor, ser tudo. Ela é uma idéia mística, eficaz ao
extremo, penetrante que nos impele incessantemente para todas as direções.
A decisão de filosofar Procurar filosofia é o ato de manumissão o golpe
sobre nós Mesmos.
223
Para o filósofo e linguista Sílvio Elia (1913-1998), em seu ensaio dedicado às
            
           
s os
domínios do pensamento humano, o artístico como o científico, não só o político mas
  
224
Importante nos determos nesse último, a fim de analisarmos a
mística e os aspectos ontológicos que a envolve, tendo em vista seus desdobramentos na
lírica de teor metafísico.
Porém, ratificamos as palavras de C. G. Jung (1875-1961) quando este se refere ao
termo religião. Jung entende religião no sentido do vocábulo latino religere, muito
próximo do termo cunhado por Rudolf Otto (1869-1937) na sua obra O sagrado ,
denominado o numinoso. Jung o toma como
uma existência ou um efeito dinâmico não causados por uma ato arbitrário.
Pelo contrário, o efeito se apodera e domina o sujeito humano, mais sua vítima
do que seu criador. [...] O numinoso pode ser a propriedade de um objeto
visível, ou o influxo de uma presença invisível, que produz uma modificação
especial na consciência.
225
Rudolf Otto leva em conta os aspectos irracionais na noção do divino, dizendo que
os atributos racionais não esgotam a idéia da divindade. Ele é incisivo ao defender o caráter
apriorístico do sagrado:
O sagrado no sentido pleno da palavra é para nós, portanto, uma categoria
composta. Ela apresenta componentes racionais e irracionais. Contra todo o
sensualismo e contra todo o evolucionismo, porém, é preciso afirmar com
todo o rigor que ambos os aspectos se trata de uma categoria estritamente a
priori.
226
Na mesma esteira segue Emmanuel Carneiro Leão, 
arcaica em todo homem, vigor livre de criação. [...] Sem ela, não se dá religiosidade de raiz
e, sem religiosidade de matriz ontológica, não pode haver esse fenômeno histórico chamado
223
Cf. NOVALIS, Friedrich. Pólen. Fragmentos, diálogos, monólogos, 1988, p. 110.
224
Cf. ELIA, Sílvio. O Romantismo em face da Filologia. Porto Alegre: Instituto estadual do Livro, 1956, p. 5.
225
Cf. JUNG, C.G. Psicologia e religião. In: ___. O espírito na arte e na ciência. 3. ed. Rio de Janeiro: Vozes,
1990, p. 9 [grifo nosso].
226
Cf. OTTO, Rudolf. O sagrado. São Leopoldo: Sinodal, 2007, p. 150.
55

227
Não stica sem a presença do sagrado, do numinoso, e ambas as
categorias se confundem quando abordamos a religião enquanto um sentimento.
2.4 A quaestio Dei e a poesia moderna
       [...]   
(1912-2000), no seu Tratado de metafísica
228
. E inclui, entre alguns deles, elencando os
mais próximos da era moderna, o nome de Novalis, seguido por Hölderlin (1770-1843),
Rilke (1875-1926), Valéry (1871-1945) e Jean Wahl (1888-1974).
Gusdorf reconhece a difícil demarcação entre poesia e filosofia, e compara-as com a
relação que ocorre entre a teologia e a metafísica. Para o filósofo francês,
a história da filosofia, quer queira quer não, tem de reservar um lugar aos
doutores da Igreja, e muitos são os filósofos que se nos afigura serem teólogos
fracassados, quando não demasiado bem sucedidos: as filosofias de autoridade
são numerosas, como numerosos são os filósofos pontificais, desde José de
Maistre a Augusto Comte ou a Durkheim. Quanto aos filósofos profetas,
temos, por exemplo, Hamann e kierkegaard, Stirner e Nietzche.
229
Novalis, assim como Friedrich Schlegel, não distinguia o poetar do filosofar, como
           
           ltâneo pensar,
  
230
Porém, Selligmann-Silva destaca, em estudo citado, que o ideal
fichteano de uma concepção prática da filosofia, concebida como um ato filosófico, é
levado mais adiante por Novalis e Schlegel
com a sua entronização do eu, com a sua concepção de poesia (romântica)
universal e de poeta transcendental. Pensar, falar e agir são conectados nessa
visão de mundo, e a linguagem oriunda dessa constelação é mágica,
absolutamente criadora como a linguagem de Deus no início da Bíblia:

faça-se luz e fez-
231
227
Cf. CARNEIRO LEÃO, Emmanuel. A mística de Eckhardt em Eckhardt. In: ECKHARDT, Mestre. Sermões
alemães, v. 2, 2008, p. 9.
228
Cf. GUSDORF, Georges. Tratado de metafísica, 1960, p. 96. Reconhecemos em Novalis, tendo em vista o
caráter visionário da sua obra, elementos que poderiam colocá-lo ao lado dos filósofos profetas citados por
Cf.
NOVALIS, op. cit. p. 118.
229
Cf. GUSDORF, op. cit., p. 96.
230
Cf. SELLIGMANN-SILVA, Márcio, op. cit., p. 320.
231
Id. ibid., p. 319-320.
56
 um tal

232
 
233

       
234
, ele sustenta a tese de Umberto Eco
[...] a mística está perdida em outras regiões
da alma, mas é, sem dúvida, em suas categorias que é possível encontrar os germes de uma

235
Aproximamos aqui o conceito de misticismo
segundo Bergson (1859-1941)
o elã criador da vi            
236
.
-se com o amor de Deus por
sua obra, amor que criou todas as coisas e é capaz de revelar a quem souber interrogá-lo o
mistério da 
237
Entendemos também que     aplica-se aqui, não no
sentido de uma religião institucionalizada, mas igualmente muito próxima do conceito de
sagrado, como o concebe Rudolf Otto, como referimos anteriormente. Diz Otto em
relação ao numinoso , no mesmo sentido aplicado por Emmanuel Carneiro Leão em

está vivo em todas as religiões, constituindo seu mais íntimo cerne, sem o qual nem seriam

238

religiosidade dinâmica, para um sentimento de índole mística. E foi o que Heidegger, por
ser de algo que é,


239
Alain de Libera, na obra A filosofia medieval, referindo-se à  
teoria da visão bem-aventurada recorre a Dietrich de Friburgo (1250-1310) que, segundo
           
      -averroísta do intelecto e da teoria

240
para abordar a relação de natureza intelectual com Deus.
232
Cf. NOVALIS, Friedrich. Pólen. Fragmentos, diálogos, monólogos, 1988, p 110.
233
Cf. apud SELLIGMAN-SILVA, op. cit. nota 51, p. 314.
234
Id. ibid., p. 315.
235
Id. ibid., p. 150.
236
Cf. BERGSON apud ABBAGNANO, Nicola. Misticismo. Dicionário de filosofia, 2007, p. 784.
237
Id. ibid., p. 784.
238
Cf. OTTO, Rudolf. O sagrado, 2007, p. 38 [grifo do autor].
239
Cf. WERLE, Marco Aurélio. Poesia e pensamento em Hölderling e Heidegger, 2005, p. 67.
240
Cf. DE LIBERA, Alain. A filosofia medieval, 1990, p. 93.
57
E aqui, entendemos que uma expressão une o pensamento filosófico-poético de
Novalis à stica medieval como um todo, e, em particular, à mística eckhartiana: é a
 nas palavras de Alain de Libera
241
               
 que repousará sobre sua própria essência. Elucida De Libera:
[o intelecto agente] é uma substância dinâmica, que é substância enquanto age
ou opera, cujo objeto não é nada mais que essa atividade ou operação que lhe
é idêntica enquanto ela é substância, de modo que o pensamento pode ser
definido como uma procedência na qual o pensado é a própria procedência.
Como fundo secreto da alma, o intelecto agente é não apenas o princípio de
todo o conhecimento, mas exemplar de todo ente enquanto ente, o que
equivale a dizer que ele próprio é intelectualmente todo o ente. Daí resulta que
todo conhecimento intelectual é conhecimento de si: o intelecto agente
conhece todas as coisas como ele conhece a si mesmo, por sua própria
essência; ele é, pois, enquanto sujeito pensante, a própria identidade entre
pensar e pensado. Enquanto fundo da alma, o intelecto agente é também, no

242
Depreendemos que essa aproximação -
        l e
[...] quem não sente e sabe, imediatamente, o que a poesia é, não pode
aprender nenhum conceito dela. Poesia é poesia. Incomensuravelmente diversa da arte-do-
discurso (-da-linguagem)
243
Importante ressaltar que hoje predomina uma abordagem bastante secularizada na
crítica de uma maioria de teóricos modernos, o que já foi constatado como uma

244
, que um esvaziamento de sentido nessa tentativa de definição da poesia, como, por
            

245
Referindo-se, justamente, à busca de uma definição de poesia, Berardinelli diz
inicialmente que há décadas tal empreendimento foi abandonado pelos filósofos mais

246
, e que teria sido

241
Id. ibid., p. 93-94.
242
Cf. DE LIBERA, Alain, op. cit., nota 240, p. 93-94 [grifo nosso].
243
Cf. NOVALIS apud SELIGMANN-SILVA, op. cit., p. 314.
244
Para um maior entendimento do fenômeno, ver entre outras, a obra de Erick Felinto: Silêncio de Deus,
silêncio dos homens Babel e a sobrevivência do sagrado na literatura moderna, 2008, com referências
completas ao final deste trabalho.
245
Cf. BERARDINELLI, Alfonso. As fronteiras da poesia. In: ___. Da poesia à prosa. São Paulo: Cosac &
Naify, 2007, p. 13-16.
246
Id., ibid., p. 13.
58

247
. O teórico italiano diz      -
sobre a poesia termina por assemelhar-        

248
Em vista do exposto, posicionamo-nos de acordo com outro estudioso,
contemporâneo de Berardinelli, que, pensando as origens do debate filosófico versus
teológico, a partir da Idade Média, atreve-[...] Não seria a filosofia uma
teologia racional, um método teológico particular ou uma maneira de fazer teologia o


249

se vale de uma imagem que se aproxima de
um processo de destilação para dizer que,
O discurso se torna discurso sobre o silêncio e se parece cada vez mais com
um rumor de ebulição. Durante essa ebulição, o pensamento filosófico perde o
seu estatuto conceitual: primeiro se torna quido, depois, evapora. Da poesia
entendida como qualidade ontológica não se pode falar, mas se deve, de fato,
calar. [...] Se os discursos sobre a poesia remeterem a essa qualidade intrínseca
[qualidade ontológica], entrarão no âmbito do tautológico. Com ar de dizer a
coisa essencial, não dizem senão isto: a poesia é aquilo que é, a poesia é
poesia.
Apropriando-nos da mesma imagem de Berardinelli, defendemos que o silêncio se
mostra fecundo e, longe de representar um vazio sem sentido ele antes repousa na lógica do
paradoxo. Entendemos também que cada vez mais a poesia moderna clama por um
           
Muitos estudos contemporâneos o atestam
250
, onde seus autores se recusam a praticar,

     
 que deixa evidente um traço do que o mesmo classifica de
-
251
.
247
Id., ibid., p. 13.
248
Id., ibid., p. 13.
249
Cf. DE LIBERA, Alain. A filosofia medieval, 1998, p. 10.
250
Ver, entre outros, La quête métaphysique dans la poésie moderne Des années 1920 aux années 1960, de
Mihae Son, de 2002, e Silêncio de Deus, silêncio dos homens Babel e a sobrevivência do sagrado na literatura
moderna, de Erick Felinto, editado em 2008, com referências completas ao final deste trabalho.
251
Cf. PONDÉ, Luiz Felipe. Religião como crítica: a hipótese de Deus. Cult, ano VI, n. 64, 2002, p. 7-19. Pondé
salienta que noesis, segundo a filosofia grega, é a atividade mais elevada do intelecto, que busca apreender a
essência das coisas.
59
           
pensamento filosófico, se considerarmos essa possibilidade, cremos que o mesmo, e
sobretudo o pensamento filosófico-religioso, não desaparece. Certas evidências nos fazem
 
-se carregado de novas e inquietantes questões. Longe de
ser um portador de respostas prontas ou de afirmações absolutas, o pensamento filosófico
apresenta-potencializado na forma de uma essência-silêncio. O
rida por

252
  
não poupa a ironia nem mesmo quando aborda a literatura como ideia e a linguagem
poética como mito, o que reduz, no nosso entendimento, o desenvolvimento da sua
explanação.
253
E, tomando a sugestiva imagem, bastante sonora 
pelo crítico, cremos que ele não cessa, não cessará, e se fará ouvir permanentemente
enquanto o homem pensar sobre o homem, o que no nosso contexto é pensar sobre poesia.
           
remetemo-nos por associação a uma frase de Schlegel, referida de um modo muito
pertinente por Rubens Rodrigues Torres Filho no seu ensaio citado sobre a obra de

nascida da Crítica da razão pura) é que eles vão até o limiar da religião e
interrompem
254
. Isso nos faz pensar, não com Schlegel mas também com Novalis e
           

Como o próprio Heidegger percebeu,
de um bosque, cujos caminhos não levam a parte
alguma. [...] 
 - [...] O ser pode aparecer e pode ocultar-se, porém em
caso algum é mera aparência: é presença permanente, o horizonte luminoso,
no qual todos os entes encontrariam sua verdade.
255
252
V. citação da p. 49.
253
Cf. BERARDINELLI, op. cit., p. 16.
254
SCHLEGEL apud TORRES FILHO, op. cit., p. 12.
255
Cf. CHAUÍ, Marilena de Souza. O ser como iluminação da linguagem. In: HEIDEGGER, Martin.
Conferências e escritos filosóficos, tradução e notas: Ernildo Stein, 2005, p. 10.
60
2.5 A poesia metafísica
Mihae Son, em La quête métaphysique dans la poésie moderne propõe como
questões metafísicas por excelência as interrogações acerca do Ser Absoluto, da finitude e
da transcendência, da morte e da existência de divindades. Reconhece também como
característica dessa poesia moderna de feição metafísica a impossibilidade de um
conhecimento efetivo e pleno acerca dessas questões, e afirma que justamente está nessa
impossibilidade a origem dessa tendência poética, onde estabelecer o questionamento torna-
se mais importante do que encontrar respostas.
256
Em Silêncio de Deus, silêncio dos homens, Erick Felinto corrobora a tese de Son,
quando, referindo-se à obra de Kafka d         

257
Felinto define o caráter eminentemente paradoxal da modernidade como uma convivência
conflitiva entre o novo e o velho, entre tradição e ruptura, entre o sagrado e o profano.
258
Abordando elementos teológicos e metafísicos na modernidade, ele os no cerne da
paradoxalidade que está presente tanto na lírica como na ficção modernas, e que se
configura como uma espécie de saudade, de um desejo de presença, ou pelo menos, como
uma constatação de uma ausência incômoda. Indo além das categorias negativas, que são
constantemente apontadas, desde Hugo Friedrich em Estrutura da lírica moderna, como
características da poesia da modernidade, Felinto no paradoxo o caráter que mais se
aproxima de uma possível descrição dessa poética:
a obra moderna recusa o princípio da inteligibilidade exaustiva; descarta a
noção da transparência total entre palavra e idéia. Mas o sentido não é
simplesmente negado. Ele antes se expande, numa multiplicação de
significados que torna impossível decidir por apenas um. Aqui, ao contrário
do que sucede na lógica aristotélica, o paradoxo é força criadora.
259
No âmbito da filosofia, abordando mais diretamente o conceito romântico de ironia
associado ao paradoxo, René Wellek (1903-1995) vai dizer que
a ironia é associada ao paradoxo. É uma forma de paradoxo. O paradoxo é
aquilo que é, ao mesmo tempo, grande e bom. A ironia é, para Schlegel, o
reconhecimento do fato de ser o mundo, em sua essência, paradoxal e de que
256
Cf. SON, Mihae. La quête métaphysique dans la poésie moderne Des années 1920 aux années 1960, 2002,
introduction.
257
Cf. FELINTO, Erick. Silêncio de Deus, silêncio dos homens : Babel e a sobrevivência do sagrado na literatura
moderna. Porto Alegre: Sulina, 2008, p. 126.
258
Id., ibid.., op. cit., p. 17.
259
Id., ibid.., p. 32-33.
61
apenas uma atitude ambivalente pode apreender a sua totalidade contraditória.
Schlegel considera a ironia como a luta entre o absoluto e o relativo, a
consciência simultânea da impossibilidade e a necessidade de uma descrição
completa da realidade.
260
E, Eduardo Lourenço, por sua vez, em Tempo e Poesia, corrobora de certa forma
ambos os autores ao dizer que
o paradoxo ilumina o que o discurso banal nos falha. A Filosofia constitui-se
por e através dele. [...] O paradoxo nasce do espanto, matriz inesgotável da
Filosofia, espanto do homem que uma vez acordado não reentrará jamais na
casa sossegada da simples vigília.
261
Na obra Os conceitos fundamentais da metafísica, Heidegger estabelece como tais
conceitos o mundo, a finitude e a singularização solidão , e admite a difícil definição
do objeto da metafísica. Diante das tentativas de caracterização da metafísica, o filósofo
chega bem próximo, presumimos, da definição do que é a filosofia para Novalis. Heidegger
inclusive se vale de uma citação de Novalis ainda que com reservas tomando-a como
fio condutor de sua preleção. Diz Heidegger:
Mas para onde ela [metafísica] nos atraía? A metafísica se retraía e se retrai no

transformou-
obtivemos decerto uma resposta. Ao contrário, o homem mesmo se nos tornou
mais enigmático. Perguntamos novamente: o que é o homem? Uma transição,
uma direção, uma tempestade que varre nosso planeta, um retorno ou um
enfado para os deuses? Não o sabemos. Mas vimos que a filosofia acontece
nessa essência enigmática.
262
Recorremos a Heidegger, especialmente no que ele postula como o lugar onde
acontece a filosofia, a fim de circunscrevermos o nosso campo de ação diante da difícil
tarefa de abordar a temática da poesia de teor metafísico, enfatizando que tomamos como
passível de concordância o fato de estarmos diante do cerne de toda investigação filosófica,
teológica, e psicológica, tendo em vista que, para C. G. Jung, o processo de individuação
nada mais é que a realização do self, da Alma, do si-mesmo.
        de que nos fala Heidegger,
inevitavelmente nos leva a percorrer os caminhos que vão ao encontro do mais enigmático
personagem da história humana: Deus, o Supremo Ser. Deparamo-nos, mesmo sem querer,
260
Cf. WELLEK, René. História da crítica moderna v. 2, 1967, p. 13.
261
Cf. LOURENÇO, Eduardo. Tempo e poesia, 2003, p. 37.
262
Cf. HEIDEGGER, Martin. Os conceitos fundamentais da metafísica: mundo, finitude, solidão, 2003, p. 9
[grifo nosso].
62
com o grande enigma. A quaestio Dei parece ser a pauta do grande dia em que estamos
mergulhados, um dia que não podemos precisar quando começou, nem mesmo prever seu
crepúsculo.
            
desenvolve argumentos bastante lúcidos quanto a essa questão, exatamente sobre a quaestio
Dei questão de Deus . Ele pergunta, e também foi esta a hipótese que animou a
             
mais foi proclamada na história da filosofia. O que explicaria, porém, sua persistência nessa

263
Constatando o progressivo processo de desvalorização dos discursos ditos
substancialistas como os da teologia e da metafísica, Erick Felinto, por mais que evidencie
as divergências e diferenças entre modernidade e pós-modernidade, vê que pelo menos em
um aspecto elas convergem: no movimento de dessacralização do mundo, principalmente
no que conhecemos como mundo ocidental. A morte de Deus, anunciada por Nietzsche, e
mantida pelos que ele chama de neonietzscheanos, parece ser um engodo, ou, como o
próprio Felinto adverte, parece haver uma face quase oculta na literatura e no pensamento
modernos, pois o que explicaria a literatura moderna insistir em lidar com tantos elementos
e símbolos de um mundo dado como morto?
264
Savian Filho, no artigo citado, distingue o Deus da filosofia e o Deus da vida,
onde o primeiro é peça importante de um quebra-cabeça conceitual, e o segundo é
reservado àqueles que têm . Abordando a questão de Deus e a Antropologia, o estudioso
postula que é o resultado de uma experiência humana que acontece numa região supra-
racional e não irracional.
265
Para Savian Filho, os iluministas racionalistas
combateram o Deus da vida, e, na perspectiva de Erick Felinto, eles ainda o fazem, agora
chamados de neoiluministas. E por sua vez, os gnósticos representados pelos
neognósticos vêm resgatá-lo, possibilitando pensarmos sobre a quaestio Dei e tudo que a
envolve sob uma nova lógica.
Felinto chama de neognósticos pensadores como Bachelard, Gilbert Durand, Harold
Bloom, que percorrem a via de uma gica não-cartesiana, capaz de dar conta da
263
FILHO, Juvenal Savian. A persistência de Deus. Cult, ano XI, n. 131, 2008, p. 46-49.
264
Cf. FELINTO, op. cit., p. 13-14.
265
Cf. SAVIAN FILHO, op. cit., p. 49.
63
           ciência da
espiritualidade, ela também pretende ser o espiritual cientificizado
266
.
No que concerne à temática da poesia metafísica, e especialmente àquilo que vai ao
encontro de um possível método de abordagem que conta de uma investigação de uma
lírica de caráter essencial, faz-se necessário pensarmos nos estudos das representações
simbólicas do homem, onde o mito toma lugar central junto à teologia. Na visão de Erick
            
capacidade de existir até mesmo na ausência aparente de seu objeto
267
No capítulo dedicado às concepções do mito, Felinto situa Gilbert Durand em
posição inteiramente oposta à de Adorno (1903-1969), exposta em Dialética do
esclarecimento, que vê o mito como elemento irracional
razão di
268
Nas palavras de Adorno,
Cantar a ira de Aquiles e as aventuras de Ulisses, é uma estilização
nostálgica daquilo que não se deixa mais cantar, e o herói das aventuras
revela-se precisamente como um protótipo do indivíduo burguês, cujo
conceito tem origem naquela auto-afirmação unitária que encontra seu modelo
mais antigo no herói errante. Na epopéia, que é o oposto histórico-filosófico
do romance, acabam por surgir traços que a assemelham ao romance, e o
cosmo venerável do mundo homérico pleno de sentido revela-se como obra da
razão ordenadora, que destrói o mito graças precisamente à ordem racional na
qual ela o reflete.
269
Durand, por sua vez, trata de uma racionalidade que se baseia numa lógica do
paradoxo, na soberania do imaginário, na afirmação do sujeito, onde o mito representaria
uma visada sobre o mistério, aproximando-se assim da dicção da poesia metafísica, que
investiga, essencialmente, uma face do real que não podemos articular por meio do discurso
da razão clássica. Citando Antoine Faivre, Felinto diz que os novos exploradores do mito
devem defender o estabelecimento de uma nova razão uma razão mítica , 
para lidar com a lógica contraditória e operaria dentro de um
espaço mental situado no interstício entre fé e ciência.
270
266
Cf. FELINTO, op. cit., p. 92.
267
Id., ibid., p. 44.
268
Id. ibid., p. 47.
269
Cf. ADORNO, W. Theodor; HORKHEIMER, Max. Dialética do esclarecimento. São Paulo: Jorge Zahar,
1985, p. 53.
270
Id., ibid., p. 96.
64
Analisando o paradoxo do imaginário no Ocidente, em O imaginário, Durand os
movimentos do pré-romantismo Sturm und Drung, na Alemanha e o Romantismo
           

dade de atingir o belo, Durand o identifica
como elemento criador, gerador, capaz de estabelecer, ao lado da razão e percepção
costumeira, uma terceira via de conhecimento que abre espaço para uma nova ordem de
emonstração

271
271
Cf. DURAND, Gilbert. O imaginário: ensaio acerca das ciências e da filosofia da imagem. Tradução de
Renée Eve Levié. 2.ed. Rio de Janeiro: Difel, 2001, p. 27.
65
3. A POESIA METAFÍSICA DE HENRIQUETA LISBOA
Carlos Drummond de Andrade, em um depoimento sobre a poesia de Henriqueta
Lisboa, dissera que ela estava entre aquelas        
segredos, notícias da alma dos homens e 
272
Salientara também que
cabia aos críticos avaliar a importância dessa poética no quadro da poesia brasileira e da
poesia em geral, justificando-se: Eu não sou crítico. Sou um daqueles para quem a poesia
de Henriqueta Lisboa significa mais do que magia verbal ou refinamento artístico, porque é
um estado de consciência profunda
273
Não Drummond, mas outros analistas e companheiros de ofício identificaram na
obra de Henriqueta Lisboa um pendor para o fazer poético que se aproxima da reflexão
        

sobre a lírica henriquetiana, e nos autorizam a incluí-la entre os chamados poetas-filósofos,
conforme vimos com 

274
Davi Arrigucci Jr., em Coração partido, referindo-se à lírica reflexiva de
Drummond, aborda questões que se aproximam daquilo que por ora buscamos identificar


275
. O que nos permite ampliá-lo, recorrendo à terminologia heideggeriana, com o conceito
do Dasein, o ser-aí           

276

272
Cf. DRUMMOND DE ANDRADE, Carlos. Depoimento. In: LOBO FILHO, Blanca. A poesia de Henriqueta
Lisboa, 1966, p. 160 [grifo nosso].
273
Id., ibid., p.160.
274
LINS, Ivan. Depoimento. In: LISBOA, Henriqueta. Pousada do ser, 1982, p. 112.
275
Cf. ARRIGUCCI Jr., Davi. Humor e sentimento. In: ___. Coração partido. São Paulo: Cosac & Naify, 2002,
p. 40.
276
Cf. HEIDEGGER, Martin. O que é metafísica? 1969, p.70. Convém ressaltar que o ser-aí [Dasein] é
mencionado aqui na perspectiva da analítica existencial do primeiro Heidegger, enquanto ponto de partida
fundamental que fez o filósofo desenvolver num segundo momento da sua obra a partir do encontro com a
poesia de Hölderlin uma análise que busca identificar a verdade do ser-aí que está presente essencialmente na
linguagem poética. A respeito dessa questão, verificar, entre outros, Poesia e pensamento em Hölderlin e
Heidegger, de Marco Aurélio Werle, com referências completas ao final deste trabalho.
66
o possível do Dasein-

277
E aqui cabe lembrar uma observação de José Guilherme Merquior sobre o caráter
dinâmico do ser heideggeriano, quando, recorrendo ao pensamento grego ele revela o
sentido exato de ser eunai 
278
. Merquior 
, para Heidegger, é tornar-se presente, e que o aspecto dinâmico desse conceito
abriga uma -se presente implica a existência em si próprio de algo
ainda não presente. Não se pode pensar a presença do ser sem o seu correlativo, que é essa
ocultação
279
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é o meu coração.
280
Em Coração partido, além dos aspectos levantados por Arrigucci em função de um

também se ajustariam à de Henriqueta Lisboa, o que nos interessa, fundamentalmente, é a
possibilidade de explorar essa dimensão meditativa que a lírica consegue atingir e que é
contemplada a partir dessa análise de Arrigucci. Pois, como o próprio crítico reconhece,
essa lírica é muito rara entre nós.
281
Identificando nos primeiros românticos as origens do enlace que existe entre
            
-lo e de evidenciá-lo num mundo tão diferente daquele que
os românticos conheceram.
282
O que de certa forma também é o nosso desafio, ou seja,
reconhecer o que é perene na lírica henriquetiana e resgatá-la do esquecimento, o que
significa penetrar na essencialidade na qual ela se encerra e traduzi-la, ou melhor, investir
esforços nesse sentido.
Diz Arrigucci a respeito da lírica meditativa em Drum
possível este reconhecimento do próprio sentimento; este depende do movimento reflexivo
do pensamento para que aflore à consciência e, a uma vez, para que possa exprimir-se.
277
Id., ibid., p. 70.
278
Cf. MERQUIOR, José Guilherme. A história da metafísica como imperialismo do ente. In: ___. Arte e
sociedade em Marcuse, Adorno e Benjamin ensaio crítico sobre a escola neohegeliana de Frankfurt, 1969, p.
160.
279
Id., ibid., p. 160-161.
280
DRUMMOND DE ANDRADE, Carlos. Poema de sete faces. In: ___. Poesia completa vol. único, 2006, p.
5.
281
Cf. ARRIGUCCI, op. cit., p. 43.
282
Id., ibid., p. 16.
67
Paradoxalmente, é a reflexão o caminho para o cor
283
O que nos remete
inapelavelmente ao que abordamos sobre o sagrado, ainda que em Drummond não lhe
seja dado à seguinte conotação. Reiteramos com     
sagrado é a c
284
Postulamos que a reflexão, cedo ou tarde vai se deparar com a insuficiência da
racionalidade, ou da própria linguagem diante da incapacidade de articularmos em palavras
os sentimentos mais sublimes ou os mais intensamente aterradores, o que justificaria os
poemas mais herméticos e mais concisos. Luiz Costa Lima, abordando o caráter hermético
em Mallarmé (1842-1898)       
transitiva, mas auto-telos 
285
      ,     
enigma poético.
Este enigma, que no poema analisado por ele , assume a forma
 a salamandra como única forma de articulação de sentido.
286
Em Drummond, Arrigucci vai dizer que
O coração é o centro do enigma. Por sua causa, o lirismo reflexivo, com seu
ritmo de associações, volta a consultar o oráculo. Debruça-se sobre si mesmo.
E se defronta com o enigma. O enigma é o ponto de encontro do conceptual e
do visual; o tortuoso e atormentado discurso intelectual, lacerado entre
questões, se concretiza nesse objeto da experiência sensível que é a
salamandra, como emblema, hieróglifo ou ideograma. Nele se resume
simbolicamente o percurso todo da busca pelo sentido que obriga o poeta a
lavrar com o pensamento a difícil matéria do amor.
287
Northrop Frye (1912-1991), observando a estreita ligação entre o visual e o
conceptual em poesia, ao dissertar sobre lírica enquanto ritmo de associação, no seu
imprescindível estudo editado em 1957, Anatomia da crítica, é quem define enigma da
seguinte forma:
[...] o princípio básico da ópsis
288
na lírica é o enigma, que é caracteristicamente
uma liga de sensação e reflexão, o uso de um objeto da experiência sensorial
para estimular uma atividade mental em conexão com ele. O enigma era
283
Id., ibid., p. 41.
284
Verificar nota 239.
285
Cf. COSTA LIMA, Luiz. Mímesis e modernidade, 1980, p. 163. Quem aponta para esse aspecto da
                
-o entre aspas. Cf. FELINTO, op. cit., p. 16.
286
Cf. ARRIGUCCI, op. cit., p. 137.
287
Id. Ibid., p.137.
288
Northrop Frye conceitua ópsis 
Anatomia da crítica, 1973, p. 362.
68
originalmente a matéria cognata da leitura, e o enigma parece intimamente
envolvido com todo o processo de reduzir a língua a uma forma visível, um
processo que passa por formas paralelas do enigma como o hieróglifo e o
ideograma.
289
Explorando o conceito de ópsis na lírica, e consequentemente de enigma nos
moldes de Frye reportamo-nos a uma observação da poeta Henriqueta Lisboa, quando,
ao analisar a plasticidade dos versos da Divina Comédia ela realça a força do poema

e jamais deslustram o valor intelectual da palavra, porque são rigorosamente simbólicos
290
. Descrevendo os ambientes percorridos por Virgílio, a poeta assim se expressa:
Como expressão pictórica, os ambientes revezam-se em paletas variadas e
espessas colgaduras de fumaças, ora premidos em desfiladeiros, ora abertos ao
infinito. no vale ameno a descrição da paisagem é tela multicor de tão vivas
tintas que venceriam, na voz do Poeta, o ouro, a prata, o carmim, o alabastro e
a esmeralda partida. [...] A própria cena da escuridão, que é o castigo dos
iracundos, tem sugestões visuais.
291
Partindo da citação supracitada, podemos inferir que o enigma em Dante enquanto
           
diversidade das cores, ou mediado por elas. Não como um objeto concreto, mas abstrato
como a música, que faz dos diferentes matizes percebidos ao longo do poema, entrelaçados
num jogo de sombra e luz, o elemento simbólico por excelência o enigma .
Do canto I do Purgatório, traduzido por Henriqueta Lisboa, extraímos os seguintes
versos a título de ilustração, onde, numa metáfora sinestésica é possível intuir o enigma:
[...]
A doce cor de oriental safira
que participa do éter suavemente
desde o horizonte puro que a cingira,
os meus olhos deslumbra novamente
depois das auras mortas que a outro ensejo
me haviam contristado a vista e a mente.
[...]
292
289
Cf. FRYE, op. cit., p. 276. Para um entendimento do conceito de hieróglifo na concepção romântica, verificar,
entre outros, o ensaio de Márcio Seligmann-         

290
Cf. LISBOA. Henriqueta. O meu Dante. In: LISBOA, Henriqueta. et al., O meu Dante, 1965, p. 11 [grifo
nosso].
291
Id., ibid., p. 11.
292
Id., ibid., p. 13.
69
Importante reiterar a ressalva emitida pela ensaísta ao dizer que os recursos plásticos
        
293
, lembrando que na sua
concepção de arte poética a palavra tem maravilhoso poder mágico através do poeta e não

294
.
E, quanto ao poder sugestivo da imagem no poema, ela o reconhecia como irradiação
e envolvência, e o definia em termos de uma duração contínua. Para Henriqueta Lisboa a
imagem
é uma palpitação mental da vida, a fluir de dentro para fora, proporcionando
intensidade, linha, cor, forma e volume ao poema. É a proposta que se torna
tátil, ponto de convergência plástica no reino da oralidade. Configura-se em
estremecimentos de sangue e de carne, ainda que sem alusão ao concreto.
Mesmo abstrata ou metafísica, a imagem transfunde, pelo espírito que a
anima, algo de real, de vívido e de sólido. Insinua tanto o visível quanto o
invisível. Seu desígnio não é afetar os olhos, mas despertar os sentidos para a
tangência do recôndito, ou do que paira além, talvez fora do existente, na
periferia do mágico e do absurdo.
295
Ainda que a poeta mineira, na citação supracitada, esteja se referindo a um conceito
de imagem em relação ao poema em geral, e não especificamente às imagens na Divina
Comédia, reportamo-, a fim de
corroborar a formulação da ensaísta, p        ua

296
-prima da
   
297
, ele permite-      da poeta, ao
considerarmos o seu labor no sentido de ir além do visível quando se trata do próprio fazer
poético.
    , encontramos, em tom de confidência, a
perfeita tradução dessa práxis henriquetiana:
Recrio o visível
a meu desejo
com particulares matizes.
Invento o visível
de acordo com meus próprios olhos
para que através de cotejo
a novos prismas
outros olhos o vejam.
298
293
Id., ibid., p. 11.
294
Cf. LISBOA, Henriqueta. Essência da poesia. In: ___. Convívio poético, 1955, p. 18.
295
Cf. LISBOA, op. cit, nota 22, p. 14-15.
296
Cf. BOSI, Alfredo. Fenomenologia do olhar. In: NOVAES, Adauto. et al., O olhar, 2003, p. 72.
297
Id., ibid., p. 72.
298
Cf. LISBOA, Henriqueta. Pousada do ser, 1982, p. 67-68.
70


299
3.1 Cor, música e silêncio
Na poesia de Henriqueta Lisboa encontramos igualmente o predomínio do elemento
simbólico que observamos em Dante considerando o recurso das cores enquanto
enigma, enigma cognitivo.
300
Em Azul profundo, por exemplo, obra publicada em 1956, no título nos deparamos
com um emblema cromático que nos desafia a interpretá-lo. Conforme apontamos
anteriormente, ao traçar o percurso da escrita poética da autora, Azul profundo, Velário e O
alvo humano representam, na sua própria avaliação, seu lado místico com mais intensidade,
no qual ela investiu, e aqui enfatiza: 
301
Quanto à simbologia da cor azul, encontramos em Jean Chevalier e Alain Gheerbrant
a referência no que concerne às suas qualidades fundamentais: é a cor mais fria e mais pura
do esmaterial em si mesmo, o azul desmaterializa tudo aquilo que dele

302
Também em Goethe (1749-1832), na sua Doutrina das cores, reconhecemos um
importante aliado considerando-se a disputa que se trava no campo das verdades
demonstráveis 
303
, academicamente
 usando uma expressão de Muniz Sodré.
304
Sem entrar na discussão que
demandaria extensa exposição, reportamo-       
Sensível-           

299
Cf. BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira, 2000, p. 463.
300
Há estudos recentes na área da Neurologia, aliados a outras áreas como a semiótica e a filosofia, que
investigam as relações sinestésicas entre som e cor (cromossonia), que nos fazem crer que muito podem
contribuir com as pesquisas que envolvem os estudos literários, especialmente no campo da poética. Verificar,
              Mente &
Cérebro - Segredos dos sentidos: como o cérebro decifra o mundo ao redor, n. 12, s/d.
301
Cf. Entrevista concedida a Edla Van Steen. V. nota 03.
302
Cf. CHEVALIER, Jean; GHEERBRANDT, Alain. Dicionário de símbolos, 2003, p. 107.
303
Tomamos aqui a expressão do tradutor quando, referindo--se dizendo analisá-
Doutrina das cores. Apresentação, seleção e
tradução de Marco Giannotti, 1993, p. 16.
304
Cf. SODRÉ, Muniz. Apresentação. In: FELINTO, Erick. Op. cit., p. 9.
71
Que, enfim, a cor autorize uma interpretação mística, é fácil de perceber. Pois
como o esquema que permite a representação da variedade cromática remete a
relações primordiais, que pertencem tanto à intuição humana quanto à
natureza, não dúvida de que é possível utilizar de algum modo suas
ligações como linguagem para exprimir relações primordiais, que não se
apresentam de modo tão forte e variado aos sentidos. O matemático aprecia o
valor e o uso do triângulo, cultuado também pelo místico, já que nele muita
coisa pode ser esquematizada; o mesmo ocorre com o fenômeno cromático,
apresentado de tal modo que, por meio da duplicação e entrecruzamento, se
obtém o antigo e misterioso hexágono.
305
Convém lembrar aqui o que referimos ao citar Novalis e Schlegel reiteradamente,
e que Goethe vem reforçar. Marco Giannotti, na apresentação da Doutrina das cores, assim
destaca:
Ao recorrer a uma linguagem imagética, poética, Goethe propõe uma nova
dimensão interpretativa para o fenômeno cromático. [...] Quando nos referimos
a uma experiência poética das cores, estamos nos baseando no sentido original
da palavra grega poiésis-ação de fazer um objeto. Nesse aspecto, tanto a pintura
quanto a própria poesia se enquadram nessa prática. A linguagem da poiésis é
essencialmente a linguagem da ação.
306
Não os primeiros românticos exploraram tais recursos, como os simbolistas
também, enquanto herdeiros espirituais daqueles. Como se esquecer de Rimbaud (1854-
1891) e suas vogais coloridas? Como um perfeito alquimista, ele ousou, cifrou e calou:
Inventei a cor das vogais! A negro, E branco, I rubro, O azul, U verde
Regulei a forma e o movimento de cada consoante, e, com ritmos instintivos,
me vangloriava de inventar um verbo poético acessível, mais dia menos dia, a
todos os sentidos. Eu me reservava a tradução.
307
          
incorporá-las e penetrá-las na essência, daí Alfredo Bosi incluí-la entre aqueles que
produziram uma lírica essencial, segundo ele comum a quase toda a poesia pós-
modernista.
308
Perguntada certa vez em função da sua vocação para a literatura, Henriqueta Lisboa
respondeu:
305
Cf. GOETHE, J. W. Doutrina das cores. Apresentação, seleção e tradução de Marco Giannotti, 1993, p. 166.
306
Cf. GIONNOTTI, Marco. Apresentação. In: GOETHE, J. W. Doutrina das Cores, 1993, p. 28.
307
RIMBAUD, Arthur. Uma estadia no inferno. Tradução de Ivo Barroso. Rio de Janeiro: Civilização brasileira,
1977, p. 85.
308
Cf. BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira, 2000, p. 463.
72
Fui percebendo, aos poucos, que a criatura humana acusa dupla vocação: a de
conhecer-se introspectivamente e a de travar relações com o mundo exterior
a natureza em geral, os semelhantes em particular. Compreendi,
paulatinamente, o valor da linguagem, seja no sentido do verbo, seja na
sistematização de sinais capazes de revelar o subjetivo. Som, movimento, cor,
linha e forma seriam meios de compreensão, interpretação e irradiação de vida,
perfazendo música, dança, poema, desenho, pintura e escultura, sob a égide da
poesia, considerada elemento essencial e aura propulsora.
309
Em Azul profundo , símbolo do inconsciente e
morada dos sonhos e encantamentos, revela-se chave-mestra que pode descerrar enigmas
    
           culmina nos

Ó noite, ensina-me
o teu magno
segredo:
iluminar da sombra.
Da sombra permitir
a visão mais profunda.
Projetar pela sombra
o roteiro dos astros.
Quanto mais te recolhes,
ó noite, nos teus véus,
tanto mais fulgem
as constelações.
Serás acaso, humilde,
generosa,
ou apenas criadora
de beleza?
Ó noite, ensina-me
o teu magno
segredo. (p. 245-246)
Henriqueta Lisboa identificada com a sombra e
com o silêncio, conforme muitas vezes referia-se ao falar de si mesma e da sua poética.
 seu magno segredo,
paradoxal segredo de iluminar a partir da sombra, da ausência da luz. Podemos pensar aqui
a luz enquanto sinônimo de racionalidade, do lado solar vinculado ao estado de vigília, em
oposição ao lado escuro, lunar, dos sonhos, da mente inconsciente, conforme referimos.
Porém, convém ressaltar que a esfera noturna, aqui simbolizada, não abriga um
309
Cf. Entrevista concedida à Edla Van Steen. V. nota 3.
73
irracionalismo stricto sensu, mas antes, tal como a linguagem da mística, ela sustenta uma
gramática própria que se aproxima de uma a-racionalidade ou meta-racionalidade, capaz
de elaborar novos códigos e diferentes modos de expressá-los, semelhante ao processo de
elaboração dos sonhos.
310
Desde Freud, em A interpretação dos sonhos, é consensual que o trabalho realizado
pelo sonho é tecido por uma escritura onde os pensamentos são postos em imagens, e que
estas imagens instauram enigmas que solicitam decifração
311
, do mesmo modo que a
imagem poética. Entretanto, não podemos esquecer que, para Freud, o processo de análise
             
mística tal como a concebemos até aqui, amparada numa inefabilidade inata, por que é
incapaz de responder à voz lírica que indaga e que também suplica:
Serás acaso, humilde,
generosa,
ou apenas criadora
de beleza?
Ó noite, ensina-me
o teu magno
segredo. (p. 245-246)
Nesse sentido, com uma abordagem diversa da freudiana, encontramos aporte em C.
G. Jung ao dissertar . Ao analisar, não diretamente a função dos
sonhos, mas sim o fenômeno artístico. Estabelecendo, primeiramente, a diferença entre a
essência da obra de arte e as particularidades pessoais que agem sobre ela, e atendo-se ao
fenômeno da atuação da força imagística da poesia sobre o homem criador, ele diz:
[...] os elementos criadores irracionais que se expressam nitidamente na arte
desafiarão todas as tentativas racionalizantes. A totalidade dos processos
psíquicos que se dão no quadro do consciente pode ser explicada de maneira
causal; no entanto, o momento criador, cujas raízes mergulham na imensidão
do inconsciente, permanecerá para sempre fechado ao conhecimento humano.
Poderemos somente descrevê-lo em suas manifestações, pressenti-lo, mas
nunca será possível apresá-lo.
312
310

Hubert e FERREIRA DA SILVA, Dora. Angelus Silesius A mediação do nada, 1986, p. 26-43.
311
Sobre o enigma onírico, verificar, entre outros, os artigos da revista Literal da Escola de psicanálise de
Campinas, número dedicado ao centenário da obra A interpretação dos sonhos    
Literal, nr. 4, 2001.
312
Cf. JUNG, C.G. Psicologia e poesia. In: ___. O espírito na arte e na ciência, 1991, p. 76.
74
Referindo-se à obra de Dante e de Goethe, enquanto reflexo de uma grande
experiência visionária, Jung elucida ao dizer que
no que diz respeito à obra de arte, a qual nunca deve ser confundida com
aquilo que o poeta tem de pessoal, é indubitável que a visão é uma vivência
originária autêntica, apesar das restrições do racionalismo. Ela não é algo de
derivado, nem de secundário, e muito menos um sintoma; é um símbolo real, a
expressão de uma essencialidade desconhecida. (...) A obra de arte desta
espécie não é a única que provém da esfera noturna; os visionários e profetas
dela se aproximam [...]
313
Podemos inferir a partir das palavras de Jung, que a poesia de feição metafísica,
assim como o procedimento da mística mediada pela expressão poética, vão ao encontro de
uma fonte comum, comum a toda obra de arte autêntica.

expressão artística, realça a importância da contribuição de Jung ao citá-lo a partir desse
             cesso
humano-pessoal; por outro, um processo impessoal-
314
Gaston Bachelard (1884-1962), o filósofo que reinventou uma filosofia da criação
artística ao investigar o homem noturno da Poesia e o homem diurno da Ciência, em A água
e os sonhos, nos ajuda a compreender essa dualidade ao definir o papel da imaginação. Diz
Bachelardgere a etimologia, a faculdade de formar imagens
da realidade; é a faculdade de formar imagens que ultrapassam a realidade, que cantam a
realidade. É uma faculdade de sobre-
315
O filósofo francês via no instante
poético uma perspectiva metafísica, e dizia preferir a companhia dos poetas à dos filósofos.
316

poesia o que o trabalho de pesquisa é para o pensamento: sua infra-
317
Como observamos ao tratar da simbologia da cor azul, partindo do título do livro
Azul profundo podemos dizer que a noite se encontra num campo semântico comum,
conforme vimos com Jean
Chevalier e Alain Gheerbrant, e é capaz de transformar o real em imaginário, e a noite,
como um reverso do    , com seu mundo povoado pelas imagens
oníricas, faz do imaginário um extrato de outra realidade.
313
Id., ibid., p. 82-83.
314
JUNG apud LISBOA, op. cit., nota 22, p. 16.
315
Cf. BACHELARD, Gaston. A água e os sonhos. Ensaio sobre a imaginação da matéria, 1998, p. 17-18.
316
Cf. JAPIASSÚ, Hilton. Para ler Bachelard, 1976, p.13.
317
Id., ibid., p. 23.
75
ativo na poesia de Henriqueta

ponto de partida a temática da morte, da corporalidade da morte e chega ao louco, ao
mítico louco, passando pelo mutilado, o cego e o surdo motivos que já mencionamos .
Percorre os arcanos do Tarot, o gauche de Drummond, e o Menino Divino, enquanto uma
das funções arquetípicas apontadas por Jung, e conclui dizendo que
a privação, seja de uma parte do corpo, de um dos sentidos, da razão, ou
mesmo da vida, ratifica a tônica da ausência, [...] da nostalgia do vazio, de um
distanciamento e de um estranhamento que não se dá apenas com relação à
percepção do humano, mas se projeta também na percepção das coisas.
318
A ensaísta ressalta, porém, que o vazio que exercia um fascínio sobre a escritura da
poeta mineira era um vazio no sentido mais pleno, antes negatividade no sentido de
 e não o negativo num sentido niilista radical. E, reportando-  
, ela postula que, ao compartilhar do segredo da noite é desde esse lugar que
Henriqueta Lisboa nos deixa uma obra poética das mais positivas da nossa literatura.
319
Podemos aproximar essa práxis henriquetiana, que é recorrente na sua poética, do
artifício empregado pelos místicos, especialmente da dialética eckhartiana, pois negando,
marcando a ausência ela remete a uma presença maior, que vai além do simplesmente
afirmar/negar, do sim e do não. Emmanuel Carneiro Leão ao referir-se a mística de Mestre
Eckhardt elucida afirmando que
a mística vive e vivifica todo encontro e/ou desencontro entre os homens. A
mística acontece sempre e para sempre, em cada empenho de ser e em todo
desempenho de não ser. [...] Somente muito raramente e de modo implícito,
lhe pressentimos a força de mistério, pois mística se na medida em que
se retira, só acontece enquanto foge e se retrai.
320
Hubert Lepargneur e Dora Ferreira da Silva (1918-2006), reportando-se ao poeta
místico Angelus Silesius (1624-1667)    ística é absurda se quisermos
subordiná-la a outra coisa. Não é absurda para quem a vivencia. [...] Mística é abertura ao

321
318
Cf. RAMOS, Maria Luiza. A elaboração do negativo na poesia de Henriqueta Lisboa. In: ___. Interfaces:
literatura mito inconsciente cognição, 2000, p. 229.
319
Id., ibid., p. 232.
320
Cf. CARNEIRO LEÃO, op. cit., p. 9-11.
321
Cf. LEPARGNEUR, Hubert e FERREIRA DA SILVA, Dora. Angelus Silesius A mediação do nada, 1986,
p. 63.
76
A lógica da stica é a lógica do paradoxo, como podemos observar neste dístico
do poeta silesiano:    zer a essência da eternidade, / Primeiro deves
privar-te por completo da linguagem
322
Do livro Prisioneira da noite, editado em 1941, 
fim de exemplificar o que seria uma estética da ausência em Henriqueta Lisboa.
Em vez de amar singelamente
uma casa pequena com jardim,
uma varanda com pássaros,
uma janela em que ao sereno há uma bilha de barro
um pessegueiro, uma canção e um beijo
o pessegueiro de seu pomar,
a canção popular
e o beijo que poderia alcançar
a minha musa ama precisamente
o que não existe neste lugar. (p. 59)
Trabalhando com elementos do cotidiano, com rimas precisas, percebemos o
deslocamento de sentido que o sujeito lírico imprime nos dois últimos versos ao realizar um
movimento que vai do concreto ao abstrato, modulando o ritmo que Northrop Frye chama
de oracular
323
. Ritmo meditativo, irregular, que aqui é marcado no advérbio precisamente,
justapondo-se ao ritmo semântico que vinha se desenvolvendo e que é interrompido diante
não existDe súbito, percebemos que somos lançados de
alguma forma a essa não-
apenas intuía.
No mesmo livro, ainda poemas menos velados, menos implícitos, mas também
representativos de uma estética da ausência, 
[...]
Se acaso perguntar algum estranho
quem nesta casa ocupa o mais alto lugar,
quem à mesa preside, quem governa
atos e corações no redil familiar,
responderão em coro as seis vozes dolentes
a esposa e as filhas para as quais viveu:
É ele, o Ausente. (p. 62)
322
Cf. SILESIUS, Angelus. O peregrino querubínico. São Paulo: Paulus, 1996, p. 81.
323
Cf. FRYE, Northrop. Anatomia da crítica, 1973, p. 267.
77
[...]
E quanto mais corria o tempo e se apagavam no planeta os vestígios do anjo,
mais acre se tornava a parábola da vida.
Os homens deram mesmo de procurá-lo em sentido oposto:
banqueteavam os fartos pela mão dos servos famintos,
perturbavam o repouso da infância com a volúpia das assombrações,
mercadejavam a água de que bebiam para a multiplicação do prazer,
destruíam templos que o passado teria levado séculos para construir,
trucidavam-se uns aos outros para que o Anjo ressuscitasse do sangue sacrificado.
E não viam que as estrelas se haviam eternizado em cruzes
para significar a ausência do Anjo. (p. 76-77)
 fala de
uma poética da ausência sofrida. Apoiando-      
identifica na lírica henriquetiana uma estética do silêncio enquanto herança do Simbolismo.
324
E Marilda Ionta, no referido As cores da amizade, apropria-se de uma expressão de
Fábio Lucas,   , justificando-se, ao dizer que no seu entendimento a
poética do sigilo não perpassa somente a obra da poeta mineira, mas também sua escrita
epistolar e seu modo de lidar com a vida.
325
        
recorridamente nos textos daqueles que se aproximam da obra de Henriqueta Lisboa na
tentativa de interpretá-la, de desvendá-la. C   sob efeito de um
sortilégio, o sortilégio da palavra poética, parece-nos que a alternativa viável encontra-se na
rendição, na rendição total a esse encantamento enquanto condição para que possamos nos
aproximar da essencialidade que buscamos.
Heidegger, aludindo-se à essência da poesia em Hölderlin, postula que o reino de
ação da poesia é a linguagem e que, desse modo, a essência da poesia é a essência da
linguagem.
326
A poesia, nas palavras de Hölderlin,  inocente das

327
     
328
, o que permite a  
efeito, quando pudermos conceber ambas as determinações em um pensamento,
324
Cf. QUEIROZ, Maria José de. Henriqueta Lisboa: do real ao inefável. In: LISBOA, Henriqueta, Miradouro e
outros poemas, 1976, p. 10.
325
Cf. IONTA, Marilda. As cores da amizade: cartas de Anita Malfatti, Oneyda Alvarenga, Henriqueta Lisboa e
Mário de Andrade, 2007, p. 202.
326
Cf. HEIDEGGER, Martin. Hölderlin y la esencia de la poesia. In: ___. Arte y poesía, 1985, p. 140
(traduzimos).
327
Cf. HÖLDERLIN apud HEIDEGGER In: HEIDEGGER, Martin. Hölderlin y la esencia de la poesia. In: ___.
Arte y poesía, 1985, p. 140 (traduzimos).
328
Id., ibid., p. 140.
78
     
329
. E é nesse sentido que sublinhamos a

Murray Schafer, compositor canadense e pesquisador na área da música e das artes
plásticas, que cunhou a noção de paisagem sonora, diz que o silêncio reverbera. Em O
ouvido pensante, ele argumenta nestas palavras:
o silêncio é a característica mais cheia de possibilidades da música. Mesmo
quando cai depois de um som, reverbera com o que foi esse som e essa
reverberação continua até que outro som o desaloge ou ele se perca na
memória. Logo, mesmo indistintamente, o silêncio soa.
330
Trazendo essa noção de paisagem sonora, juntamente com a imagem auditiva que o poema
consegue evocar, o
Prisioneira da noite.
Varanda em sombra, à hora do sol.
Preguiça mais doce que o mel.
Água num copo de cristal
com vago reflexo azul
do céu lavado de anil.
Sobre a mesa flores e pão.
(Quanta riqueza se contém
numa lareira, num jardim!)
Livros bem guardados e um
rádio em silêncio. Que bom!...
Hora simples, hora feliz.
Nada de novo para nós.
Na transparência da luz,
como um lago em placidez,
talvez deslize o anjo da paz. (p. 64.)
Quanto ao aspecto sonoro, podemos atribuir o tom melódico dos versos nas três
estrofes (todas de cinco versos) à presença das cinco vogais. Na primeira estrofe, as vogais
estão acompanhadas da consoante quida (sol, mel, cristal, azul, anil). Na
segunda estrofe, a consoante nasa  marca um novo ritmo, a partir da vogal
  que culminará com as
sibilantes 
 Nesta, observamos a conjugação perfeita do aspecto sonoro (assonância) com a
329
Cf. HEIDEGGER, Martin. Hölderlin y la esencia de la poesia. In: ___. Arte y poesía, 1985, p. 140
(traduzimos).
330
Cf. SCHAFER, Murray. O ouvido pensante, 1991, p. 71.
79
um lago em placidez,/talvez

Importante observar 
            
            
. Aqui, a ausência é marcada pelo silêncio do rádio e de
 
novo pa   E, quan   , como indicador de
possibilidades e não de certezas, também instaura, podemos pensar, um espaço aberto,
vazio/pleno de múltiplos sentidos.
Ainda sobre as vogais, reportamo-nos a Albino Esteves (1884-1943) na obra
Esthetica dos sons, côres, rythmos e imagens, de 1933, onde o autor tece longas
considerações a respeito das relações entre a música (notas musicais) e as vogais, e destas
com as cores e imagens que evocam no leitor. Citando Eugenio de Castilho (1846-1900) ele
brilhante e arrojado; e E tenue e incerto; o I, subtil e triste; o O, animoso e
forte; o U, carrancudo e tu
331
.
Alfredo Bosi, em O ser e o tempo na poesia, 
vai lembrar, entre outras vogais, das possibilidades que a   tem de evocar, por
analogia, por ser grave, fechada, velar e posterior, sentimentos de angústia e experiências
negativas, como tristeza e morte
332
; o 
perspectiva,    também nos remete, além da simbologia da cor, à
novas associações de sentido.
Quanto à musicalidade dos versos de Henriqueta Lisboa, Massaud Moisés em
estudo sobre o Modernismo, precisamente ao abordar o segundo momento modernista
(1928-1945), destaca        Além da imagem, de 1963,
afirmando:
[...] os seus poemas são verdadeiras canções, pela melopéia, pelo ritmo
cantante, pela sugestão de espaço, movimento e cor, pela suspensão da palavra
e sua carga lógica e semântica em favor da sonoridade que se basta em ser
música, desdenhosa de significados, que se cumpre em ser música e nada
mais. Pura musicalidade, aliança entre o vocábulo e o som, velho sonho dos
poetas pré-renascentistas, mesmo quando não o declarassem ou não o
331
Cf. CASTILHO, Eugenio de apud ESTEVES, Albino. In: ESTEVES, Albino. Esthetica dos sons, côres,
rythmos e imagens, 1933, p. 36.
332
Cf. BOSI, Alfredo. O som no signo. In: ___. O ser e o tempo da poesia, 2004, p. 56.
80
desejassem conscientemente, sonho que a poética simbolista viria a
transformar numa das suas vigas mestras.
333
Vejamos a seguir   , onde podemos observar, além dos
aspectos assinalados por Massaud Moisés quanto à musicalidade dos versos, o
predomínio do elemento ar, não por que o anjo é uma imagem aérea por excelência mas
também por que o canto remete às ondas sonoras que cruzam o ar.
Gaston Bachelard, ente ao abordar
o elemento ar , em O ar e os sonhos, assim exalta o
elemento:
Para esses espíritos, cantar é agir, é agir materialmente. Eles vivem no ar,
vivem do ar. Pelo ar, toda a vida e todos os movimentos são possíveis. É o
sopro do ar que faz girar a Terra. Como toda esfera, o enorme globo da Terra
tem para a imaginação dinâmica a delicada mobilidade da rotação.
334
Bachelard, para quem os quatro elementos são os hormônios da imaginação, diz
     maginário é o hormônio que nos faz crescer

335
Os anjos negros como cantam.
São negros. Todavia cantam.
São negros sempre embora cantem.
E são mais negros porque cantam.
Urge o canto claro: é demanda
no ar em reflexos vivos e amplos.
A cruz que contra a luz se implanta
carrega na cor negra entanto.
E a fria prata em halos brancos
treme de subterrâneo pranto. (p. 340)
Interessante observar com Murray Shafer, em obra citada, quando ele diz que o
silêncio ausência de som é negro. Ao valer-se da relação imagem visual e percepção
       -nos novos recursos
interpretativos. Assim ele elucida:
333
Cf. MASSAUD, Moisés. A história da literatura brasileira vol. III Modernismo, São Paulo: Cultrix,
2001, p. 255.
334
Cf. BACHELARD, Gaston. O ar e os sonhos: ensaio sobre a imaginação do movimento, 1990, p. 47-48.
335
Id., ibid., p. 12.
81
Na ótica, o branco é a cor que contém todas as outras. Emprestamos daí o

complexo. Se filtrarmos o ruído branco, eliminando progressivamente as
faixas maiores de frequências mais altas e/ou mais baixas, eventualmente
vamos chegar ao som puro o som sinoidal. Filtrando-o, também, teremos
silêncio total escuridão auditiva.
336
Outro autor que também contribui no sentido de fornecer novos elementos que nos
fazem pensar sobre o fenômeno da criação poética interligado à criação musical é Sérgio
Roclaw Basbaum no estudo Sinestesia, arte e tecnologia: fundamentos da cromossonia.
337
Detendo-se na relação metáforas sinestésicas e percepção, especialmente sobre a sinestesia
som-cor que é o ponto que nos interessa mais de perto Basbaum postula que a
sinestesia parece estar de alguma maneira, e aqui ele destaca: mesmo que somente através
da linguagem           

338
onsciênci
que é o mesmo que perseguimos ao investigarmos a lírica de teor metafísico está
também
o estado onde se toda manifestação de arte autêntica. E não é demasiado reiterar, uma
vez mais, as palavras de Umberto Eco ao afirmar
regiões da alma, mas é, sem dúvida, em suas categorias que é possível encontrar os germes
de uma futura estética da inspiração e da intuição
339
Não esquecendo-nos que Eco disserta a partir da estética medieval, porém
reconhecendo a perenidade que está contida nesta concepção de arte e de estética, ao
identificarmos         que são
evidenciáveis, não só na Idade Moderna como na Idade Contemporânea.
Affonso Ávila, evitando o modo estanque de dividir a história da arte em períodos
determinados, reportando-que as
formas assumidas pela arte numa dada curva do devir humano [podem]
reemergir na sua dinâmica própria, ainda que sob roupagem nova, desde que
dois ou mais momentos da história da humanidade ou particularmente das
336
Cf. SHAFER, Murray. Op. cit., p. 71.
337
Inicialmente dissertação de mestrado na área de Comunicação e Semiótica, defendida na PUC/SP, em 1999, a
obra encontra-se, até o presente momento com edição esgotada, apenas disponível em
<http://books.google.com.br/books?id=veexuxNPzk4C&dq=sinestesia,+arte+e+tecnologia&printsec=frontcover
&source=bl&ots=mgP8VgJAJC&sig=rp0zFMK6H8IA8ji2dQr4wApicZI&hl=pt-BR&ei=TBP-
SdvrE5vYlAf7hrsSWCw&sa=X&oi=book_result&ct=result&resnum=2> . Acesso em 14 mar. 2009.
338
Id., ibid., p. 52.
339
Cf. ECO, Uumberto, op. cit., p. 150.
82
nações inflitam para uma idêntica e mesma curva de tensão estética,
existenc
340
E isso nos remete a outra questão que diz respeito à metodologia de análise
literária, observada por José Guilherme Merquior. Para o crítico, o método de organizar
autores por ordem cronológica é um equívoco, pois o importante para os estudos
historiográficos, segundo ele, é a tendência literária, não a cronologia.
341
De Azul profundo,     , poema fragmentado em três
partes onde cada parte sustenta três estrofes de quatro versos e tem a música, a figura do
como alguns dos elementos que nos permitem aproximá-
lo da estética do Barroco do século XVIII, como bem observou Paschoal Rangel ao se
reportar aos aspectos da mineiridade fundamental da poeta, no estudo referido, Essa
mineiríssima Henriqueta.
342
Ainda que Rangel se detenha nos três primeiros livros Enternecimento (1929),
Velário (1936) e Prisioneira da noite (1941) para acentuar esse aspecto, assinalamos
que o mesmo também está presente em outras obras da autora.
Apoiamo-nos na argumentação de Affonso Ávilla quando ele diz que o homem
moderno, assim como o homem barroco são um único e mesmo homem agônico, perplexo,

também assuma formas ag
343
I
Os olhos são da infância, os mesmos:
lagos com reflexos de arco-íris.
Luas crescentes de surpresa
pelos vergéis que iluminam.
Oásis tenros que esperam
talvez há séculos o instante
de serem colhidas as tâmaras
que nem o anjos percebem.
Como a lâmpada de Aladino
contra as lufadas acesa,
os olhos guardam a inocência
suspensa por sobre o abismo.
340
Cf. ÁVILA, Affonso. O Barroco e uma Linha de Tradição Criativa. In: ___. O poeta e a consciência crítica.
Uma linha de tradição, uma atitude de vanguarda. 3. ed. rev. e ampl. São Paulo: Perspectiva, 2008, p. 20.
341
Cf. MERQUIOR, José Guilherme. Um mestre da polêmica. Entrevista concedida a Marcos Sá Corrêa, em
novembro de 1981. Disponível em <http://veja.abril.com.br/especiais/35_anos/p_014.html> Acesso em 01 mar.
2009.
342
Cf. RANGEL, Paschoal. Essa mineiríssima Henriqueta, 1987, p.
343
Cf. ÁVILA, Affonso, op. cit., p. 22.
83
II
As mãos pousam no ombro amigo.
Ó doce fluido magnético!
Acenos de trigal ao zéfiro,
auras do círculo infinito
no qual em rosas a água e o fogo,
o céu e a terra se entrelaçam;
guirlandas contornam mares,
névoas desprendem chuvas de ouro.
As mãos ignoram que profundas
garras possui a carícia.
Como pesaria uma pluma
sobre o espírito!
III
O peito é como o dos pássaros
procurando repouso.
Uma cruz esconde o tesouro
de pérola, magnólia e nácar.
Ergue-se um punhal contra o peito:
violino sob o toque do arco
arqueja e desfere aos jactos
um trinado mais célebre.
A que imprevisíveis mundos
poderá conduzir,
pássaros nas grades, a tua
música para víboras! (p. 248-249)
       [...] em termos de

344
ao abordar um dos temas mais centrais da
metafísica: a finitude humana, entre outros temas de igual e complexa abrangência.
Tomamos aqui à metafísica, enquanto parte mais central da filosofia, que se define
como filosofia primitiva a ontologia geral, o tratado do ser enquanto ser, conforme
Marta Luzie Frecheiras, que a caracteriza como a transcendência que se efetua através da
344
Cf. Entrevista concedida a Edla Van Steen. V. nota 03.
84
            

345
.
Entre os grandes temas metafísicos abordados por Henriqueta Lisboa estão
justamente as questões relativas à morte enquanto possibilidade de transcendência,
conforme já assinalamos, a temporalidade, Deus e a totalidade do ser. Vivaldi Moreira a
chamou  por parecer algumas vezes bastante hermética ao tratar
              
comunicam por cifras enigmáticas que dão avisos, suscitam diatribes, mas apaziguam as
almas e voam par
346
Imagem que condiz
perfeitamente com aquela que a nossa sensibilidade consegue apreender.
Prisioneira da noite, ressaltamos o ritmo e
o movimento que os aproxima do movimento do próprio mar; marcados por um jogo de
aparentes oposições, e pelo verbo no singular, que, a cada estrofe, assinala uma sequência
de ações distintas e progressivas que culmina na grande síntese que se encerra no dístico
final. Aqui, também percebemos características próprias do barroco, na dualidade antitética,
no jogo, na acentuada religiosidade que envolve o poema.
Sonhei com o mar. E ele era terrível
como a cólera de Deus.
E também era belo e era grande
como a misericórdia de Deus.
Olhei o mar. E ele era triste
na solidão e profundeza de suas águas.
E também era louco e poeta
no seu mistério e nas suas viagens sem caminho.
Aproximei-me do mar. E ele era pérfido
com suas algas e seus milenares abismos.
E também era repousante
com suas ilhas e seus vergéis nascentes.
Fui para o mar. E ele era bárbaro
no acolhimento rumoroso de suas ondas.
E era também a graça, o espírito,
na revoada de suas espumas e gaivotas.
Amei o mar: ele era um deus humano
Com seus demônios e seus anjos em liberdade. (p. 54)
345
Cf. FRECHEIRAS, Marta Luzie de Oliveira. Para além da metafísica está a mística. In: FRECHEIRAS,
Marta Luzie; PAIXÃO, Márcio Petrocelli. Em torno da metafísica. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2001, p. 62.
346
Cf. MOREIRA, Vivaldi. A sibila. Prefácio a Essa Mineiríssima Henriqueta. Op. cit. nota 16, p. 13-14.
85
3.2 As imagens aéreas
Como assinalamos no primeiro capítulo de nosso trabalho, observamos na
imagística da poeta Henriqueta Lisboa um predomínio das imagens aéreas, porém sem se
esquecer dos demais elementos. Em      la revelou ter
 água ar fogo te
uma culminação da sua atração pela natureza, como já salientamos, e assim o descreve:
Entregue à fascinante aventura de sondar o arcaico, perquirir o esotérico,
subjetivar o cosmo em rasgos humanos de presença, esbocei o panorama
daquilo que promove, envolve e manipula a espécie do homem, cuja
existência se fundamenta e se inscreve na perenidade dos elementos
classificados pelos antigos. Simultaneamente, acompanho a intuição de que o
humano participa da vivência de cada um desses fenômenos, por força de
afinidade e contato.
347
Também conforme observamos ao delinear o perfil da poeta, reafirmamos que
em sua imagística marcas que se deixam por vezes confundir com a própria personalidade
da autora, com seu temperamento tímido que se traduz na mobilidade suave de seu
pensamento, não deixando, no entanto, de mostrar-se profundo e intenso, e por vezes
enigmático.
A imagem de um anjo, de um ser portador de asas, ou mesmo de um pássaro, está
muitas vezes associada à persona da poeta. Mário de Andrade, no seu modo tão peculiar de
         
leveza e movimento que a amiga lhe causava, por vezes alterando suas observações que ora
se referiam à pessoa Henriqueta Lisboa, ora à sua obra, ao seu modo de poetar, como
podemos observar nos dois momentos a seguir. Em carta datada de 27/8/40, ele escreve:
Mas o que mais me 
vez, em sua casa, foi isto que você não consegue perder mesmo agora em que
as suas cartas de Amiga, me confessam seus dramas: foi a realidade do seu ser
de passarinho, em que nem seus desfalecimentos nem seus entusiasmos nem
nada consegue trazer a noção desgraciosa de um desequilíbrio.
348

do livro da poeta, Prisioneira da noite:
347
Cf. LISBOA, Henriqueta. Poesia: minha profissão de fé. In: ___. Vivência poética. Ensaios, 1979, p. 20.
348
Cf. ANDRADE, Mário. Querida Henriqueta. Cartas de Mário de Andrade a Henriqueta Lisboa, 1991, p. 31.
86
[...] me lembrei de intitular essa crônica 
-
me lá por quê! Ora Henriqueta Lisboa vive sempre esvoaçando em meus
pensamentos, feito um passarinho. Quando os seus versos não se tingem de
um certo didatismo que desejo esquecer, e maltratam a terceira parte deste
livro novo, neles a graça inquieta, simples e um pouco agreste, um pouco
ácida, dos passarinhos.
349
Difícil         [...] um pouco
agem da delicadeza persiste, e com ela a capacidade de

proporcionar.
Gaston Bachelard, em O ar e os sonhos
um instinto de leveza
350
Italo Calvino, ao expor as suas Seis propostas para o próximo milênio não se
esqueceu de mencioná-lo ao valorizar a leveza em detrimento de qualquer peso que venha a
oprimir e delimitar os mecanismos que envolvem os processos da criação literária,
especialmente nos aspectos que envolvem a estrutura da narrativa e a linguagem. Aludindo-
se a uma imagem visual de Boccaccio onde o poeta Guido Cavalcanti salta sobre túmulos,
             
-filósofo que sobreleva o peso do mundo [...]
351


352
Podemos afirmar que o que o crítico italiano postula a favor da leveza encontra-se
realizado na obra de Henriqueta Lisboa, pois a preocupação da poeta em relação à recepção
da sua obra, assim como a preocupação de Calvino, não eram outras senão a de trazer
alento, jamais desânimo ou sobrecarga. E a escolha das imagens aéreas, principalmente na
recorrência da imagem do anjo e do pássaro, que povoam muitos dos seus poemas e
ensaios, atesta essa intenção. Cremos também que a escolha da ilustração da capa de seu
último livro não foi aleatória: sob o título Pousada do ser, de 1982, encontra-se um pássaro
com as asas semi-abertas.
Gaston Bachelard, no capítulo dedicado a Nietz
no estudo citado, imaginação material, o voo não é uma mecânica a
349
Cf. ANDRADE, Mário de. Coração magoado. In:___. O empalhador de passarinho, s/d, p. 221.
350
Cf. BACHELARD, Gaston. O ar e os sonhos, 1990, p. 30.
351
Cf. CALVINO, Italo. Seis propostas para o próximo milênio: lições americanas, 1990, p. 24.
352
Id., ibid., p. 28.
87
inventar, é uma matéria a transmudar, base fundamental de uma transmutação de todos os
valores. Nosso ser, de terrestre, deve tornar-se aéreo. Então ele tornará leve 
353
De Pousada do ser extraímos do grande poema dividido em quatro partes,
Celebração dos elementos, àquela dedicada ao elemento aéreo, 
Plumagem desgarrada em busca
de outras plumagens desgarradas
o ar voluteia na amplitude
e alarga o giro sempre mais
no alvoroço das descobertas
libertário de plena audácia.
Sem itinerário qualquer
cantarolando assobiando
fremindo rindo retinindo
ao balanço das próprias asas
em volta de espigas e vinhas,
o anunciador da boa nova
o portador do amor instável
o mesmo transgressor de normas
é carícia sobre os cabelos
logo é lufada em meio a telhas.
No concerto das madrugadas
com sustenidos e bemóis
é um som de flauta que divaga
de tom menor a tom maior.
É têmpera de redemoinho
abraço não correspondido
que envolve o talo da roseira
e que abre as pétalas da rosa
com doçura ou desfaçatez.
É dádiva que se divide
entre esplanada e calabouço
visitando cidades e ilhas
penetrando poros despertos
promovendo velhos encontros.
Abram-se portas e janelas
para o reinado do invasor.
Ar das praias ar das campinas
das montanhas de não sei onde
talvez de outrora, sê bem-vindo!
Quero usufruir tuas delícias
até o fundo dos pulmões
para que alma e corpo se portem.
Ar azul de azul invisível
feito de espírito e matéria
tu és vitória sobre a morte.
Pois além dessa vida etérea
que existe em função do amanhã
significas ressurreição. (p. 506-507)
353
Cf. BACHELARD, Gaston. O ar e os sonhos :ensaio sobre a imaginação do movimento, 1990, p. 143.
88
3.3 O tempo e a sedução do Eterno
As questões relativas ao tempo, à dimensão temporal, enquanto um período
determinado e fugaz, a vida da matéria , em oposição ao permanente, ao Eterno, ao
que não tem início nem fim, a vida do espírito , sempre estiveram presente na poética
henriquetiana. O Eterno sempre a seduziu, o infinito, o momento não-linear do instante, a
 preconizada pela doutrina cristã.
 visto aqui como a brevidade da vida da
matéria , aparece nos primeiros versos de Enternecimento    

[...]
Vida que esplendes porque passas,
e que és amada porque findas!
Ser em ti por ti mesma, aspirar-te, sorver-te,
integrar no teu ser todas as cousas lindas,
adivinhar em ti o atropelo das raças,
subir contigo aos píncaros, num grito
da vontade que doma a atração do infinito,
transpor-me, presa do teu hausto,
e um dia, em frente ao sol, de súbito perder-te
e rolar pelo caos, como um pássaro exausto!
[...]
O paradoxo já se instaura nos primeiros versos: splendes porque passas,/
, num jogo onde se fundem e se complementam instantes,

[...]
Há de chegar o dia em que em todo o universo
não restará de mim nem uma poeira de ossos.
E como hoje, tal qual, haverá noite e lua,
e um vulto a uma janela e um sofrimento e um verso,
e um sabor de imiscuir desejos e destroços,
e esse estranho prazer que me exalta e extenua
de surpreender o ruído tímido de uma asa,
de ver a sombra que se alastra pela casa,
de beber o perfume e a umidade de fora,
de ter vertigens quando o sono aos outros basta,
de ser só como um deus dentro da noite vasta,
de ser eterna por uma hora,
de viver, de viver!... (p. 22-23)
89
Conforme assinalamos, Henriqueta Lisboa concebia a morte como um processo.
No seu modo rilkeano de concebê-la, a morte é parte de um ciclo inevitável; com um olhar
metamórfico, transformador, a morte é celebrada como um  muito
próxima dos processos que ocorrem no reino vegetal. Em Flor da morte, editado em 1949,
a morte é tema que percorre do primeiro ao último verso, celebrada em cores, silêncio e
canção; pássaros e anjos. E o tempo, implacável tempo, aloja-se na polpa dos dedos e faz
ressoar os passos do eterno, 
Maturidade, sinto-te na polpa
dos dedos: abundante e macia.
Saturada de sábias,
doce-amargas amêndoas.
És o tálamo para a morte,
o velame no porto.
Sob teu musgo, a pedra.
O silêncio em teu seio é prata
a sofrer o lavor
minucioso do tempo.
À tua sombra de pomar
ressoam passos do eterno
entre folhas: do eterno.
Ó pesado momento,
ó bojo cálido! (p. 200)
Sobre Flor da morte, o amigo e poeta Carlos Drummond de Andrade escreveu:
-se da matéria-prima em que outros saberiam
encontrar apenas aniquilamento ou desespero. E por isso tal poesia é tão confortadora, na

354
Como o próprio Drummond reconhece, Henriqueta Lisboa fez da vida o próprio
mote da sua obra, vida com todas as suas cores, de todas as formas que a palavra poética
consegue abarcar; foi íntima das palavras e também do silêncio, sabendo forjá-los na
exatidão da escolha e na síntese suprema do sentido. Perseguiu o instante poético e nele
habitou soberana, e deixa-nos a obra como testemunho, testemunho da devoção à deidade
que chamou de Poesia.
354
Cf. DRUMMOND DE ANDRADE, Carlos. Um poeta conta-nos da morte. In: ___. Passeios na ilha, 1975, p.
126.
90
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Henriqueta Lisboa estréia no cenário nacional em 1929, e produz até o início dos
anos 80. É premiada muitas vezes, deixa-nos uma obra extensa e bastante significativa, e
ainda assim é totalmente desconhecida do grande público. Contemporânea de grandes
nomes da literatura nacional, produziu uma lírica muito próxima de Cecília Meireles, Raul
de Leoni, Augusto Frederico Schmith, Murilo Mendes, Jorge de Lima, Vinicius de Moraes
fase , e outros. Detentora de uma poética de teor filosófico, e de um poder de
análise literária digno de ser comparada a próceres da crítica como Ezra Pound, T.S.Eliot,
Octavio Paz, por Reinaldo Marques
355
, a obra de Henriqueta Lisboa suscita ainda muito
estudo.
Massaud Moisés, dissertando sobre a poesia no Modernismo brasileiro, inclui
Henriqueta Lisboa na vertente espiritualista da revista Festa, porém enfatiza que ela, muito
              
ocasional do verso livre, nada em sua dicção denuncia o contágio do vanguardismo de 22.
[...] criou uma obra i       
356
O crítico
atribui a pouca difusão dessa mesma obra e o seu apagamento na lembrança dos leitores de
hoje, principalmente ao caráter arredio da poeta mineira, e por ter sido muito apegada à
e à sua privacidade. E o fato de ser contemporânea de Cecília Meireles, afirma
Moisés: 
357
Tendemos a crer, no entanto, que, além destes motivos alegados pelo crítico,
outras razões para essa falta de reconhecimento. Manuel Bandeira, em Brief History of
Brazilian Literature, publicada em Washington, em 1958
358
, assim refere-se à poeta:

não a inclui na sua Apresentação da Poesia Brasileira
359
. Anos mais tarde, em carta
endereçada a ela, datada de setembro de 1961, Bandeira se diz inconsolável, que não se

355
Cf. MARQUES, Reinaldo. Henriqueta Lisboa e o ofício da tradução. Ensaio já citado, op. cit. nota 2, p. 19.
356
Cf. MOISÉS, Massaud. História da literatura brasileira. v. 3. Edição revista e ampliada. São Paulo: Cultrix,
2001, p. 255.
357
Id., ibid., p. 255.
358
Cf. LOBO FILHO, Blanca. A poesia de Henriqueta Lisboa, 1966, p. 37.
359
Obra publicada no Brasil em 1946.
91
mas cuja poesia não 
360
Esta declaração, aparentemente ingênua de Bandeira,
suscita muitas questões acerca da formação do cânone da literatura brasileira e, também, ao
que diz respeito à nossa historiografia crítica. Precisamos refletir sobre os critérios
estabelecidos definidores do cânone, ou seja, repensá-los criticamente. A poesia de feição
metafísica, ontológica, parece causar certo desconforto na crítica por ser de difícil
enquadramento, tendo em vista a predominância das perspectivas sociológicas em nossa
historiografia literária; soma-se a isso a condição feminina da poeta, que sofre assim um
pré-julgamento sobre a sua produção, principalmente sobre sua produção ensaística.
Conforme aponta Alceu Amoroso Lima no seu Quadro Sintético da Literatura Brasileira,
[...] os grandes parnasianos e simbolistas foram homens. E os primeiros modernistas
igualmente. O meio ainda não favorecia as vocações literárias femininas, que sempre
   
361
O crítico justifica dizendo que o caráter demolidor da
primeira fase do Modernismo brasileiro não condizia com o espírito feminino, naturalmente
construtivo, segundo sua concepção. Ele insere a poeta mineira no chamado
neomodernismo, na segunda geração, por volta de 1930, momento, então, classificado
como propício para o surgimento crescente de figuras femininas.
Cabe salientar que, em alguns estudos em torno da obra da escritora, o uso do
prefixo neo parece ser uma tentativa de enquadramento, pois para uns ela é neossimbolista,
para outros neomodernista, ou antimodernista, usando uma expressão de José Guilherme
Merquior, quando este se refere ao modernismo espiritual partilhado pelo grupo da revista
Festa.
362
Henriqueta Lisboa manteve-se sempre fiel a si mesma, dialogando intensamente
com seus pares, porém seguindo seu próprio caminho. Alfredo Bosi inclui a poeta entre
aqueles que participavam de um projeto de uma lírica essencial, comum a quase toda a
poesia pós-modernista, conforme assinalamos anteriormente. E salienta que, apesar de
menos conhecidos pelo público médio, esses poetas deveriam figurar ao lado de um
Drummond, de um Jorge de Lima e de uma Cecília Meireles.
363
Apesar de grande parte da crítica considerar a poesia de teor metafísico alheia aos
problemas sociais, distante do momento histórico, o que se comprova pela escassez de
material crítico, a poesia de Henriqueta Lisboa, assim como a de seus pares, provam por
360
Carta publicada em Presença de Henriqueta, obra organizada por Abigail de Oliveira Carvalho, Eneida Maria
de Souza e Wander Melo Miranda, editada em 1992 (páginas iniciais, s/n). V. nota 36.
361
Cf. AMOROSO LIMA, Alceu. Quadro sintético da literatura brasileira. 2. ed., revista e aumentada. Rio de
Janeiro: AGIR, 1959, p. 152.
362
Cf. MERQUIOR, José Guilherme. Formalismo e tradição moderna: o problema da arte na crise da cultura.
Rio de Janeiro: Forense-universitária; São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1974, p. 94.
363
Cf. BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira, 2000, p. 463.
92
meio da sua universalidade, da sua abrangência, ser essencialmente social, como concebe
  Palestra sobre lírica e s
364
. Enquanto reflete os anseios e
questionamentos do homem moderno, a lírica henriquetiana reconstitui a dignidade do
humano dentro de uma sociedade que se perde em meio ao consumo e à apologia do
utilitário. A expressão lírica enquanto produto individual, não se opõe ao social, pelo
contrário, ela protesta contra um estado social caótico e desumano. O poema instaura um
novo olhar, permite o sonho de uma nova sociedade. O distanciamento atribuído ao sujeito
lírico não se traduz como alheamento, ele é necessário para que se faça a construção do
novo, ou a reconstrução do que por hora parece ruir. Diz Adorno:
As altas composições líricas são [...] aquelas nas quais o sujeito, sem qualquer
resíduo da mera matéria, soa na linguagem, até que a própria linguagem ganha
voz. O auto-esquecimento do sujeito, que se entrega à linguagem como a algo
objetivo, é o mesmo que o caráter imediato e involuntário de sua expressão:
assim a linguagem estabelece a mediação entre a lírica e sociedade no que
de mais intrínseco.
365
ilo: cartas de Henriqueta Lisboa a Mário
de Andradeo pensamento de Henriqueta Lisboa que ilustra o que por
ora buscamos demonstrar: conta-nos que nos anos 40, a poeta foi acusada pela crítica de
fazer uma poesia intimista desvinculada dos problemas sociopolíticos de seu tempo, pois
seu lirismo estaria longe da poesia social adotada pelos poetas daquela geração. Ionta
reproduz um excerto de uma carta redigida em 16 de agosto de 1944, onde a poeta mineira
se dirigi a Mário de Andrade nestes termos:
Os que emprestam à arte um sentido revolucionário de classe devem saber que
uma revolução não se faz de fora para dentro, mas sim de dentro para fora,
pela base, partindo de um ponto de apoio que é, no caso, a consciência
humana [...] Enquanto não nos definirmos ou não determinarmos a nós
mesmos, não estaremos aptos para avançar no terreno social.// Você tem
razão: não me sinto chamada à poesia social. Penso mesmo que a mulher é
acessível o tom menor (como diz Antonio Candido). Mas é possível que exista
uma terceira modalidade poética, em que o tom menor aprisiona motivos que
interessam mais diretamente à coletividade. [...] Quero superar-me sobretudo
no terreno essencial, no sentido de charitas.
366
364
Cf. ADORNO, Theodor W. Palestra sobre lírica e sociedade. In. ___. Notas de literatura I. Tradução e
apresentação de Jorge M. B. de Almeida. São Paulo: Duas Cidades: Ed. 34, 2003, p. 65-89.
365
Id., ibid., p. 74.
366
LISBOA apud IONTA. A poética do sigilo: cartas de Henriqueta Lisboa a Mário de Andrade. Disponível em
<www.anpuh.vepg.br/xxiii-simposio/anais/textos/MARILDA%20IONTA.pdf> Acesso em 26 dez. 2008.
93
Tal declaração vai ao encontro do que Adorno preconiza ao falar do fundamento de
toda lírica individual como uma corrente subterrânea coletiva:
Não apenas o sujeito lírico incorpora de modo decisivo o todo, quanto mais
adequadamente se manifesta, mas antes a própria subjetividade poética deve a
sua existência ao privilégio: somente a pouquíssimos homens, devido às
pressões da sobrevivência, foi dado apreender o universal no mergulho em si
mesmos, ou foi permitido que se desenvolvessem como sujeitos autônomos,
capazes de se expressar livremente.
367

a substancialidade da lírica individual deriva essencialnente de sua participação nessa
corrente subterrânea coletiva, pois somente ela faz da linguagem o meio em que o sujeito se

368
 -me no terreno essencial    
369
, declara a
poeta de Azul profundo. Ionta reporta-se ao estudo de Jurandir Freire Costa sobre o amor
romântico onde ele diz que no cristianismo dos primeiros séculos, o amor dedicado a Deus
guarda os traços da busca de um Bem Absoluto não perecível e cuja essência independe do
sujeito. Lembrando santo Agostinho, 
para Deus. Só esse amor verdadeiro, a caritas
370
Questionado por Albert Einstein (1879-1955), por meio de uma carta, sobre como
pode a humanidade se proteger da maldição da guerra, em 30 de julho de 1932, Sigmund
Freud (1856-1939) responde, em meio à longa explanação:
Nossa teoria mitológica dos instintos facilita-nos encontrar a fórmula para
métodos indiretos de combater a guerra. Se o desejo de aderir à guerra é um
efeito do instinto destrutivo, a recomendação mais evidente será contrapor-
lhe o seu antagonista, Eros. Tudo o que favorece o estreitamento dos
vínculos emocionais entre os homens deve atuar contra a guerra.
371
O            
envergonhar se nesse ponto fala de amor, pois a própria religião emprega as mesmas
367
Cf. ADORNO. Op. cit., p. 76.
368
Id., ibid., p. 77.
369
LISBOA apud IONTA, v. nota 366.
370
Cf. COSTA, Jurandir Freire. Utopia sexual, utopia amorosa. In: ___. Sem fraude nem favor: estudos sobre o
amor romântico. Rio de Janeiro: Rocco, 1998, p. 37.
371
Cf. FREUD, Sigmund. Por que a guerra? In: ___ Novas conferências introdutórias sobre psicanálise e outros
trabalhos. Volume XXII das Obras psicológicas completas. Traduzido do alemão e do inglês sob a direção-geral
e revisão técnica de Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago, 1976, p. 255.
94

372
Complementando, porém, que essa
premissa é mais fácil de ser verbalizada do que praticada.
Em vista de tal declaração, e levando-se em conta de que a proposta era manter
uma troca de ideias acerca das grandes questões que preocupam a sociedade humana, uma
vez que a iniciativa partiu da Liga das Nações e de seu Instituto Internacional para
Cooperação Intelectual, permanece outra pergunta: o que poderia ser mais indecoroso para
o ser humano do que a própria estupidez da guerra?
Permitimo-nos trazer o problema submetido a Freud, por mais que possa parecer
uma digressão sem propósito, a fim de concluir o nosso estudo, em vista da relevância da
temática da poesia de teor metafísico, que encontra nas indagações mais cruciais que
afligem o homem moderno, o seu reflexo. E a lírica, conforme vimos com Adorno, tem um
papel fundamental diante desses grandes conflitos que envolvem valores, e que estão nos
levando, cada vez mais, para a dissolução de vínculos emocionais, à destruição de laços
afetivos, e, .
373
Atravessar a modernidade dobrando os
 chaves do pensamento de Freud, Benjamin e Bataille, diz
que vivemos em uma modernidade bloqueada, e identifica o projeto civilizatório do
ocidente como um projeto teológico que tem medo de dizer seu nome.
374
Poderíamos
enumerar aqui muitos autores que apontam para esse caminho, além de todos
mencionados, o que seria exaustivo.
Henriqueta Lisboa foi poeta, uma ensaísta brilhante, educadora, e sobretudo uma
pensadora do seu tempo; viveu a poesia na sua essencialidade, o que significa sondar as
manifestações do Ser, tocar o Absoluto, tentar encontrar e desvendar o sublime que se
esconde em cada gesto, em cada sentimento, em cada palavra.
N   E   O alvo humano, de 1973, encontramos a
descrição do que seria o processo do ser em evolução a partir do reino mineral, passando
pelo vegetal, o animal e chegando ao presumível reino, que a poeta chamou: o reino do
puro espírito, síntese do seu pensamento e da sua esperança:
372
Id., ibid., p. 255.
373
George Steiner, analisando o f


George. Nenhuma paixão desperdiçada. Tradução de Maria Alice Máximo. Rio de janeiro: Record, 2001, p. 50.
374
Cf. SAFATLE, Vladimir. Atravessar a modernidade dobrando os joelhos. Cult, n. 106, ano 9, 2006, p. 62.
95
Aleluia. Talvez exista um novo reino
para muito além das fronteiras
do mineral, do vegetal, do animal.
Talvez a desaguar do oceano
salpicada de primevas espumas
outra aurora se faça. Talvez.
Aleluia por esse talvez. Aleluia. (p. 383)
Henriqueta Lisboa foi uma utopista, no significado mais positivo que reconhece a
utopia como base de renovação social
375
.
Citando Jean-Yves Lacroix, no estudo sobre a Utopia, sublinhamos quando ele diz:
A utopia é necessária. Ela nos faz pensar e querer o mundo. É um convite à
filosofia, em suma. [...] A existência imaginária da cidade perfeita significa o

em qualquer lugar, e é do presente, quer dizer, é sempre possível.
376
Se pudéssemos traduzir a lírica essencial de Henriqueta Lisboa, que perseguimos
desde o primeiro momento deste trabalho, traduziríamos como um sentimento de
superação, tal como ela almejou e alcançou plenamente. Por essa razão, acreditamos que
poetas como Henriqueta Lisboa não serão esquecidos, enquanto a poesia, aliada à filosofia,
insistirem em buscar seus fundamentos. O grande legado da poeta mineira, parece-nos ser
uma saudável utopia, que se revela e ao mesmo tempo se oculta, com a finalidade de
fazermo-nos lembrar a todo instante que a esperança deve ser buscada, e que não nos será
dada gratuitamente.
375
utopia em Nicola Abbagnano, Dicionário de
Filosofia, com referências completas ao final deste trabalho.
376
Cf. LACROIX, Jean-Yves. A Utopia. Tradução de Marcus Penchel. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,1996, p. 171.
96
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<http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0100-512X2003000100005&script=sci_arttext>.
Acesso em 30 jan. 2009.
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