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Fundação Oswaldo Cruz
Instituto Fernandes Figueira
Pós-Graduação em Saúde da Criança e da Mulher
Crianças Vítimas de Violência Familiar e o Desenho da Família.
Um estudo com escolares de São Gonçalo - Rio de Janeiro
Letícia Gastão Franco Veltri
Rio de Janeiro
Março 2009
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Fundação Oswaldo Cruz
Instituto Fernandes Figueira
Pós-Graduação em Saúde da Criança e da Mulher
Crianças Vítimas de Violência Familiar e o Desenho da Família.
Um estudo com escolares de São Gonçalo - Rio de Janeiro
Letícia Gastão Franco Veltri
Dissertação apresentada à Pós-
Graduação em Saúde da Criança
e da Mulher como parte dos
requisitos para a obtenção do
título de Mestre
Orientador: Simone Gonçalves de Assis
Rio de Janeiro
Março 2009
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Agradecimentos
À Deus, primeiramente, por ter me dado forças e me iluminado em mais
essa caminhada.
À Profª Drª Simone Assis por todo carinho, orientação, incentivo e
dedicação dispensados ao longo deste trabalho.
Aos Joviana Avanci, Maria de Fátima Junqueira, Patrícia Constantino e
Romeu Gomes pela participação na banca avaliadora e pelas valiosas sugestões.
À Liana, Thiago, Rachel pela dedicação e paciência no trabalho de análise
estatística dos dados, e à toda equipe CLAVES.
Aos profissionais da pós-graduação, membros e funcionários da secretaria
acadêmica do Instituto Fernandes Figueira.
À Instancia financiadora CAPES pelo auxílio financeiro para a realização
desta pesquisa.
Às crianças e famílias que fizeram parte desse estudo, por terem
proporcionado uma excelente oportunidade para o meu crescimento profissional e
um espaço para a produção científica.
Aos diretores e professores das escolas, que gentilmente nos acolheram,
proporcionando um espaço para a realização desta pesquisa.
Ao meu marido, por todo amor e incentivo.
À minha família, em especial, à minha irmã pela ajuda, incentivo e
hospedagem.
Às amigas do curso de mestrado, não só pelos momentos de trabalho, mas
também de lazer e diversão que passamos juntas.
SUMÁRIO
Resumo--------------------------------------------------------------------------------------5
Abstract--------------------------------------------------------------------------------------6
Introdução ----------------------------------------------------------------------------------7
Capítulo 1 Quadro Teórico ----------------------------------------------------------15
1.1 Família ---------------------------------------------------------------------------------15
1.2 Violência na Família ---------------------------------------------------------------23
1.3. Desenho infantil--------------------------------------------------------------------27
1.3.1. Desenho da Família--------------------------------------------------------------31
1.3.2. Desenho da Figura Humana---------------------------------------------------37
1.3.3. Decifrando os desenhos: a criança e sua família------------------------44
1.3.4. HTP – House- Tree- Person---------------------------------------------------63
1.3.5. Decifrando o contexto do desenho-------------------------------------------66
1.3.6. Decifrando desenhos de vítimas de violência-----------------------------78
Capítulo 2 Materiais e Métodos----------------------------------------------------87
Capítulo 3 Resultados-----------------------------------------------------------------100
3.1. Perfil das crianças------------------------------------------------------------------100
3.2. Convivência com a violência------------------------------------------------ ----102
3.3. Convivência familiar----------------------------------------------------------- ----106
3.4. Características do desenho da família----------------------------------------114
3.5. Contexto do desenho--------------------------------------------------------------126
3.6. Estórias infantis e desenhos selecionados-----------------------------------133
Capítulo 4 Discussão e Considerações Finais--------------------------------161
Referências -------------------------------------------------------------------------------173
Anexo----------------------------------------------------------------------------------------180
Resumo
Fruto de uma pesquisa realizada nos anos de 2005 e 2006, intitulada “A
violência familiar produzindo reversos. Problemas de comportamento em crianças
escolares de São Gonçalo Rio de Janeiro”, o presente estudo teve por objetivo
investigar as especificidades manifestas no Desenho da Família realizado por
crianças vítimas de violência física familiar severa. Das 500 crianças investigadas,
devido a perdas e recusas, trabalhou-se com uma amostra de 446, fazendo uma
análise comparativa entre os Desenhos da Família de 316 crianças submetidas
e/ou testemunhas de violência física familiar severa e os de 130 crianças sem
história de vitimização. Foram verificadas as diferenças nos detalhes destes
desenhos, distinguindo os resultados segundo sexo, cor da pele, idade, situação
sócio-econômica e estrutura familiar, através de uma análise quantitativa. Foi
realizada a análise qualitativa do questionário respondido pelas crianças após a
realização do desenho e das estórias contadas, e para tal, também foram
utilizados outros instrumentos da pesquisa original, como os questionários
aplicados aos responsáveis e aos professores das crianças. Verificou-se que as
crianças vítimas e testemunhas de violência severa apresentaram maior tendência
em desenhar a família separada em grupos, figuras de perfil, pernas, braços
longos, os grandes, falta de nariz, nuvens, chaminé e árvore com a copa mais
longa que o tronco. Os resultados encontrados possibilitaram ainda uma visão
geral acerca da realidade em que vivem estas crianças de São Gonçalo, de suas
características e de suas famílias. E também do modo como esta é representada
pela criança no Desenho da Família, bem como de sua visão a respeito de cada
um dos personagens, perceptível através dos detalhes no desenho, e de sua
convivência com a violência, tanto na família quanto na escola e no local onde
vive.
Palavras chaves: Desenho, Família, Violência.
Abstract
Result of a survey conducted in the years 2005 and 2006 "The family
violence producing reverse. Behavior problems in school children of São Gonçalo -
Rio de Janeiro, this study aimed to investigate the specific manifest in the Family
Drawing held for 500 children. Due to losses and refusals, the study worked with a
sample of 446 drawings of the family, making a comparison between the drawings
of 316 children victims of family violence and severe in 130 children with no history
of victimization. We found differences in the details of these designs, distinguishing
the results according to gender, race, age, socio-economic situation and family
structure, through a quantitative analysis. We performed a qualitative analysis of
the questionnaire answered by the children after the drawing and told stories, and
for such other instruments were also used in original research, as the
questionnaires used for leaders and teachers of children. It was found that the child
victims and witnesses of severe violence had greater tendency to draw the family
into separate groups, the profile pictures, legs, long arms, large hands, lack of
nose, clouds, chimney and the tree canopy longer than the trunk. The results also
allowed an overview about the reality in which these children live in o Gonçalo,
their characteristics and their families. And also of how this is represented by the
child in the Family Drawing, as well as his vision for each of the characters, seen
through the details in design, and its coexistence with the violence, both in family
and in school and where they live.
Key words: Draw, family, violence.
INTRODUÇÃO
Neste último século, apesar das leis de proteção à população infanto-juvenil
e do reconhecimento da infância como fase que requer proteção integral, crianças
convivem com formas cotidianas de violência, perpetuada e incrementada
continuamente através das relações interpessoais (pessoas significativas para a
criança ou não), das instituições sociais e dos meios de comunicação, afetando,
indubitavelmente, o desenvolvimento saudável da criança e podendo acarretar
danos severos à vida adulta.
A violência existente na sociedade, principalmente aquela que ronda a
criança no seu entorno próximo, a família e/ou a comunidade, atinge e transforma
profundamente os rumos infantis. É cruamente danosa e penetrada no
inconsciente da criança desde muito cedo (Assis, 2002).
Durante a fase escolar (7-10 anos), comumente denominada como a ‘idade
da razão’, algumas aquisições relevantes são alcançadas pela criança, orientando
seu desenvolvimento futuro. Entre elas destacam-se: (1) período crítico de
transição da vida pré-escolar à escolar; (2) percepção cultural diferente do
comportamento da criança, a partir de então mais capaz de exercer atividades
adultas, incluindo o cuidado de outras crianças; (3) senso de responsabilidade e
moralidade mais desenvolvido; (4) influências mais ampliadas sobre o
comportamento, que o círculo social é aumentado; (5) níveis mais elevados da
cognição humana e; (6) fase menos instável, com maior capacidade de absorção
e organização das novas experiências culturais (Sameroff e Haith, 1996).
A importância de se investigar a fase escolar (7-10 anos) se justifica, pois,
sofrer violência nesta fase da vida certamente compromete a criança
emocionalmente e afeta a sua capacidade de desenvolvimento.
Existem poucos estudos com base populacional sobre violência em faixas
etárias tão novas em território nacional. A maioria dos estudos existentes focaliza
a fase da adolescência e vida adulta (Cárdia, 1999; Minayo et al, 1999; Assis,
1995; Assis e Avanci, 2004; IBGE, 1989, Moraes, 2001; Assis e Constantino,
2003).
Dados das Nações Unidas indicam que há pelo menos cinqüenta conflitos
étnicos ou políticos violentos atualmente em andamento no mundo, apontando um
número estimado de 1,5 milhão de mortes de crianças devido à violência na última
década, além de outras 4 milhões que ficaram seriamente feridas e 10 milhões
traumatizadas em um destes conflitos. Anualmente, cerca de 40 milhões de
crianças estariam sujeitas ao abuso e à negligência (Westphal, 2002).
Adolescentes e jovens constituem as principais vítimas e, ao mesmo tempo,
contribuem para perpetuar a violência interpessoal em cada região do mundo,
representando a perda de milhares de vidas, a mutilação de pessoas, custos
significativos e uma demanda considerável de trabalho no setor de saúde,
constituindo um desafio e um importante problema de saúde pública.
É crescente o número de crianças e adolescentes vítimas de violência seja
ela efetivada em qualquer âmbito, que vem sendo atendido nos consultórios da
rede pública e particular. Todavia, ainda o se conhece a magnitude real desse
fenômeno, assim como as conseqüências que podem advir dessa experiência.
Contudo, existem evidências apontando para um cenário merecedor de
enfrentamento imediato. Especificamente no Brasil, a prevenção aos acidentes e
violências passou a ser encarada como prioridade na agenda do Estado desde o
advento da Política Nacional de Redução da Morbimortalidade por Acidentes e
Violências, em 2001. Nesta, a violência familiar toma posição de destaque no
enfrentamento da violência. Recentemente, a implantação do Plano Nacional de
Prevenção da Violência e Promoção da Saúde está sendo realizada a partir dos
propósitos e diretrizes da Política Nacional, estruturando-se a Rede Nacional de
Prevenção da Violência e Promoção da Saúde e a Implantação e Implementação
de Núcleos de Prevenção à Violência em Estados e Municípios (Brasil, 2004).
Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra Domiciliar realizada no ano de
1988 (IBGE, 1989), 80% das agressões físicas às crianças e adolescentes foram
perpetradas por parentes ou conhecidos. A magnitude da violência familiar
também pôde ser evidenciada no inquérito realizado com 1986 adolescentes
escolares do município de São Gonçalo em 2002. Nesse estudo, cerca de 15%
dos adolescentes entrevistados relataram sofrer violência física severa dos pais,
enquanto 48% afirmaram sofrer violência psicológica de pessoas significativas
(Assis e Avanci, 2004).
A violência não é tema exclusivo das relações familiares brasileiras. Straus
(1979) mostrou, através de um inquérito nacional de violência ocorrida em lares
americanos, que 63% dos respondentes usaram alguma forma de violência sobre
suas crianças.
Pelo lugar privilegiado que ocupa a violência familiar, pelo desconhecimento
com que está circunscrita na vida das crianças do Brasil e, por ser a família uma
instituição fundamental, senão a mais importante para formar cidadãos, é que este
trabalho privilegia a violência ocorrida neste âmbito.
Contudo, ainda que se tenha conhecimento de que uma criança seja vitima
de violência, parece complicado afirmar, sem uma boa avaliação, que seu
comprometimento seja relacionado a este fato. Mas, algumas especificidades
podem ser notadas, por exemplo, no comportamento infantil, no desenho ou na
brincadeira da criança vitima de violência. Falar do assunto, que é algo difícil
para uma pessoa adulta, o é ainda mais para a criança. Crianças pequenas se
comunicam através do desenho e de outras atividades lúdicas. A partir do
desenho, a criança consegue expressar seus sentimentos, percepções e
descobertas de um modo menos desgastante para ela, podendo então, apresentar
características reveladoras. Sendo assim, considerando a relevância da
representação da família em sua vida, o “desenho da família” poderá conter
informações importantes a respeito da criança e sua relação com os familiares.
Neste sentido, este trabalho tem como objeto de estudo a investigação da
possível relação existente entre a experiência de violência familiar e as
especificidades manifestadas no desenho da família de crianças escolares de São
Gonçalo/Rio de Janeiro, expostas à experiência deste tipo de violência.
Com os seguintes objetivos:
Geral
Investigar as especificidades manifestas no desenho da família realizado
por crianças escolares de São Gonçalo, submetidas e/ou testemunhas de
violência física familiar severa (atos com intenção de ferir, como: dar murro,
espancar, queimar, chutar, fazer ameaças com armas ou utilizá-las de fato contra
a criança) comparando com os desenhos das crianças sem história de vitimização.
Específicos
Analisar comparativamente o desenho da família realizado pelas crianças
vítimas, diretas e/ou testemunhas, da violência física severa na família, e
pelas crianças sem histórias de vitimização.
Avaliar as diferenças dos desenhos das crianças nas situações de vítima e/
ou testemunha da violência.
Distinguir os resultados segundo sexo, cor da pele, idade, situação sócio-
econômica e outras variáveis importantes.
Analisar histórias contadas pelas crianças sobre as famílias e os
personagens do desenho, incluindo o agressor e o tipo de violência
cometida.
Utilizar a análise do desenho da criança como instrumento de investigação
de violência sofrida nos lares é uma cnica inovadora. Os métodos tradicionais
como questionários e entrevistas diretas, são usualmente direcionados ao adulto
ou adolescente, e por isso é crescente o interesse no uso da arte como meio de
facilitar a comunicação com a criança e entrar em seu mundo de significações. É
um caminho para acessar a inteligência ou distúrbios emocionais.
Segundo Driessnack (2005), a análise do desenho da criança tem sido
utilizada tanto na prática clínica quanto em pesquisa com uma longa tradição no
campo da psiquiatria, psicologia e educação, mesmo que sejam variáveis os
métodos de avaliação. A autora cita numerosos estudos que têm mostrado que o
desenho facilita a habilidade da criança para falar, particularmente sobre os
eventos ou situações que elas têm dificuldade de descrever. O desenho forma
e significado para aquilo que é vivido pela criança em casa, na escola, na rua,
através da mídia, nos livros e em suas brincadeiras. É considerado um método
que facilita a comunicação com a criança.
O fato de se tratar do município de São Gonçalo/Rio de Janeiro também
relevância ao presente estudo, pois este ocupa a 50ª posição no que diz respeito
ao Índice de Desenvolvimento Infantil, no Estado do Rio de Janeiro, com apenas
0,2% das crianças entre 0 e 3 anos matriculadas em creches e 27,5% daquelas
entre 4 e 6 anos em pré-escola (Unicef, 2001). As causas violentas constituem a
segunda causa de morte (15,3% do total de mortes) e cerca de 15% dos
estudantes adolescentes da rede pública e particular de São Gonçalo sofrem
violência familiar severa (Assis e Avanci, 2004).
Embora o município apresente elevados índices de violência infantil, este
oferece à população poucas políticas de atendimento endereçadas às crianças e
adolescentes que sofrem violência em seus lares. A escassez e a ineficiência de
alguns serviços públicos fundamentais ao atendimento às vítimas de violência,
bem como para o crescimento e desenvolvimento infantil são manifestações da
violência estrutural, que potencializam a ocorrência de várias outras formas de
vitimização.
A realização de uma pesquisa neste município contribui para o
conhecimento da magnitude da violência contra a criança na cidade, local
tradicionalmente conhecido pela precariedade de estudos científicos. A
sistematização das informações possibilitará uma análise mais apurada de uma
realidade pouco esclarecida, possibilitando futuras ações preventivas no âmbito da
educação e da saúde. Permitirá esclarecer melhor os aspectos relacionados a
esta problemática, avaliando as condições emocionais das crianças frente à
experiência de violência, possibilitando, assim, o conhecimento dos efeitos
psíquicos da exposição à violência, e a sua influência em amplos aspectos da
vida.
Os resultados da pesquisa certamente contribuem para uma intervenção
mais incisiva na sensibilização e capacitação de profissionais envolvidos no
atendimento a este tipo de clientela, para que tenham uma escuta ativa e sensível,
possibilitando uma intervenção mais qualificada. Este estudo também permite
discutir a importância de se ampliar o trabalho em defesa dos direitos,
comprovando que é possível reduzir os custos sócio-econômicos das
conseqüências do atual quadro de violência a que crianças e adolescentes são
submetidos.
Assim, a carência de informações sistematizadas e aprofundadas no
município e, mais amplamente na sociedade brasileira, expressa a relevância do
estudo e remete à extrema necessidade de se refletir sobre o assunto, a partir de
uma ótica diferenciada e inovadora no país, investigando variáveis decorrentes da
violência familiar, dando voz às crianças vítimas através da expressão gráfica.
Esta dissertação organiza-se da seguinte forma. No capítulo 1 é feita uma
revisão teórica das temáticas abordadas, como, a importância da família no
desenvolvimento da criança, a presença da violência nas relações familiares, o
desenho infantil, suas diferentes formas de análise segundo alguns autores de
relevância para a área e as técnicas do Desenho da Família, Desenho da Figura
Humana e do teste HTP (House-Tree-Person). O capítulo 2 expõe os métodos
utilizados para a coleta e avaliação dos dados a fim de alcançar os objetivos
propostos. A seguir, no capítulo 3, descreve-se o perfil das crianças estudadas, o
modo como a violência está presente no quotidiano destas, a maneira como a
família está representada em seus desenhos, a visão das crianças a respeito dos
membros a ela pertencentes e de si mesmas em relação a estes. Também são
apresentados diversos detalhes presentes no desenho da família, comparando-os
em categorias quanto a vitimização por violência física familiar severa. Ao final
deste capítulo, faz-se o estudo de algumas crianças através de suas histórias
gravadas nos questionários, seus desenhos e estórias contadas pelas crianças
após a realização do desenho. Por fim, nas considerações finais, o realizadas
algumas reflexões e ponderações sobre os resultados obtidos neste estudo.
Capítulo 1
Quadro Teórico
Neste capítulo está apresentada a revisão teórica acerca das temáticas
abordadas nesta dissertação. Inicialmente, apresenta-se um breve quadro sobre a
importância da família para o crescimento e desenvolvimento infantil. A seguir,
focaliza-se a questão da violência presente nas relações familiares e tão arraigada
na cultura. O último tópico aborda o desenho infantil, sua conceituação, utilização
e limites, tanto na clínica como em pesquisa. As técnicas do desenho da família,
da figura humana e do teste HTP (House-Tree-Person) o apresentadas, assim
como diferentes formas de análise de desenhos apontadas por autores de
relevância para a área. Finalmente, são apresentados alguns outros estudos
realizados com crianças vítimas de violência, utilizando o desenho infantil como
técnica projetiva.
1.1 Família
Pode-se definir família como um grupo social construído por indivíduos
ligados por laços emotivos, que fornecem a cada um deles o sentimento de fazer
parte deste grupo, ser “membro” desta família.
Por ser uma construção social, o tipo da família pode variar segundo as
épocas, no entanto, aquilo que se chama de “sentimento de família” permanece.
Esse sentimento se forma a partir de ações e emoções tanto pessoais quanto
culturais, compondo o que se pode chamar de universo familiar. Para Gomes e
Pereira (2005), esse universo familiar é único para cada família, mas circula na
sociedade nas interações com o meio social em que vivem.
Segundo Wernet e Ângelo (2003), família é um grupo de dois ou mais
indivíduos, cuja associação é caracterizada por termos especiais, que podem ou
não estar relacionados a linhas de sangue ou legais, mas, que funcionam de modo
a se considerarem uma família.
A família faz parte do universo de experiências, reais e/ou simbólicas, dos
seres humanos no decorrer de sua história. Ao se falar em família, ficam
embutidos, além dos significados cognitivos, os significados afetivos. Isso porque
cada pessoa tem sua própria representação de família. Não é algo concreto, mas
algo que se constrói a partir de elementos da realidade.
Compete à família assegurar aos seus membros, bem-estar material,
emocional e espiritual, além de convivência em ambiente agradável, como forma
de garantir, a cada um, conforme os ditames da lei e da moral, formação
adequada para que possam transmitir aos descendentes uma vida perfeitamente
saudável. Isso implica em capacidade de amar e de sentir-se amado, amparado,
útil e valorizado nas diversas fases da vida (Rodrigues et al, 2000).
Assim, a família é, ou deveria ser um espaço indispensável para a garantia
da sobrevivência e da proteção integral dos filhos e demais membros,
independentemente do arranjo familiar ou da forma que é estruturada. É a família
que deve propiciar os aportes afetivos e, sobretudo, materiais necessários ao
desenvolvimento e bem-estar dos seus membros, pois é na família que são
absorvidos os valores éticos, morais e culturais. Neste sentido, o papel da família
se volta para o bem-estar do grupo familiar, em termos de crescimento,
desenvolvimento, progresso e realização de seus ideais, através de apoio mútuo,
flexibilidade e compreensão entre seus membros.
Elsen (1994) define família saudável como sendo aquela que se auto-
estima positivamente, seus membros convivem e se percebem mutuamente como
família. Sua estrutura e organização permitem prover os meios para o
crescimento, desenvolvimento, saúde e bem-estar de seus membros. Está unida
por laços de afetividade exteriorizados por amor e carinho, tem liberdade de expor
sentimentos e dúvidas, compartilha crenças, valores e conhecimentos. Aceita a
individualidade de cada um, possui capacidade de conhecer e usufruir de seus
direitos, enfrenta crises, conflitos e contradições, possui abertura para pedir e
oferecer apoio mútuo. A família saudável interage dinamicamente com outras
pessoas e com outras famílias, em diversos níveis de aproximação, influenciando
e sendo influenciada.
As formas de funcionamento da chamada “família moderna” no Brasil se
diferenciam de uma região para outra e de uma classe social para outra, devido
aos diversos fatores existentes em cada uma dessas esferas. É notável, por
exemplo, a diferença entre o modo de funcionamento e os valores de uma família
da zona rural e o de outra da zona urbana, que vive cercada de “tecnologias”
diversas (Szymanski, 1987).
Diferentemente da estrutura familiar tradicional, com o pai sendo o único
provedor e a mãe a única responsável pelas tarefas domésticas e cuidados com
os filhos, o modelo de família vem passando por um processo de transição.
Atualmente, em muitas delas, tanto o pai quanto a e, compartilham aspectos
referentes às tarefas educativas e à organização do dia-a-dia da família.
Esse novo perfil de família se deve aos importantes fenômenos e
movimentos sociais, como, a entrada das mulheres no mercado de trabalho e sua
maior participação no sistema financeiro familiar, o crescente número de
separações e divórcios, casamentos sucessivos com parceiros distintos e a
convivência com filhos de diferentes uniões; casais homossexuais adotando filhos
legalmente; casais com filhos ou parceiros vivendo em locais diferentes, ou
mesmo, cada um vivendo com uma das famílias de origem; as chamadas
“produções independentes”, nas quais os avós acabam exercendo, muitas vezes a
função de pais. São as novas e diversas formas de arranjos familiares que
coexistem com o modelo tradicional de família, que se forma com o casamento,
em que os pais vivem junto com os filhos, responsabilizando-se por manter o
sustento, a guarda e a educação destes.
Porém, essas mudanças parecem o estar ocorrendo com a mesma
freqüência e intensidade em todas as famílias. O que encontramos hoje em dia é a
coexistência de famílias com diferentes configurações e estruturas.
Alguns tipos de famílias encontradas no país são (Elsen, 1994):
família nuclear, composta por pai, mãe e filhos, em que se destacam as
funções social e política, sexual, econômica, reprodutiva e educativa.
extensa ou ramificada, estão incluídas diferentes gerações na mesma
família.
família associativa, quando incluídos entre os membros, estão também as
pessoas com as quais são mantidos estreitos laços afetivos.
família adotivada, conjunto de pessoas que, ao se encontrarem,
desenvolvem afinidade, passam a conviver considerando-se uma mesma
família, independente de qualquer consangüinidade, tendo-se por exemplo:
estudantes que vivem em residências universitárias ou que dividem
apartamento ou outros espaços residenciais;
família dual ou monoparental, aqui denominada como aquela formada
apenas por dois membros: mãe-filho, pai-filho, esposo-esposa/
companheiro-companheira;
família recomposta, àquela família que após uma primeira experiência não
bem sucedida, faz uma nova tentativa com o mesmo ou com outro cônjuge;
família homossexual, resulta da união de pessoas do mesmo sexo.
De acordo com Dessen e Lewis (1998), a família constitui o primeiro
universo de relações sociais da criança, podendo proporcionar-lhe um ambiente
equilibrado de crescimento e desenvolvimento ou instável a ponto de causar
comprometimentos emocionais e comportamentais que podem perdurar até a vida
adulta.
A influência da família tem importância fundamental na vida e no
desenvolvimento da personalidade do individuo, principalmente quando criança.
Sua influência se dá, primordialmente, através das relações estabelecidas através
da comunicação verbal e não verbal. É considerada, por alguns, como a influência
mais poderosa para o desenvolvimento da personalidade e do caráter das
pessoas (Petrini, 2003).
A família representa, talvez, a forma de relação mais complexa e de
ação mais profunda sobre a personalidade humana, dada a enorme
carga emocional das relações entre seus membros (Rey e Martinez,
1989, p. 143).
É no convívio com a família que o indivíduo se torna capaz de distinguir
entre o bem e o mal, entre o belo e o feio, formando os conceitos, valores e
crenças. Estes valores morais, culturais, cívicos, materiais etc, precisam ser
transmitidos não só, através da instrução, mas, principalmente, através da
educação. A educação bem-sucedida da criança na família irá servir de apoio à
sua criatividade e ao seu comportamento produtivo quando for adulto.
A educação dos filhos, tarefa complexa para os pais, comumente é feita em
ambiente em que as responsabilidades não são compartilhadas de forma
igualitária entre o casal (Gauvin e Huard, 1999; Stright e Bales, 2003). Diversas
pesquisas apontam que as mães tendem a se envolverem mais do que os pais
nas tarefas do dia-a-dia da criança e, geralmente, estão à frente do planejamento
educacional de seus filhos. Em contrapartida, observa-se um número crescente de
pais que também compartilham com a mulher ou amesmo assumem as tarefas
e a responsabilidade de educar os filhos, buscando adequarem-se às demandas
da realidade atual.
As famílias vão se adaptando às transformações de cada era e aos
problemas do dia-a-dia. Porém, ainda que a sociedade até hoje ofereça como
modelo familiar ideal a estrutura em torno de um homem provedor, o núcleo de
muitas famílias tende a ficar sob a responsabilidade da mulher, que costuma
manter uma ligação com os filhos mais intensa (Forte, 1996).
Winnicot (1997) enfatiza a importância da mãe (e da família) como modelos
de transição para a entrada do indivíduo num círculo social imediato e ir
caminhando para círculos cada vez mais amplos, como a política, a religião e a
própria sociedade.
Nas famílias das camadas mais empobrecidas da população, a realidade de
composição familiar é bem diferente do modelo tradicional idealizado de família
nuclear, com pai provedor, mãe que cuida da casa e em que os filhos estudam.
Nestas camadas sociais, é muito elevado o número de cleos familiares
compostos apenas por mulheres e seus filhos menores. Também dos grupos
sociais mais desfavorecidos estão indivíduos e famílias moradores de rua (Senna,
2003).
Os altos índices de desigualdade social e de renda no país agravam a
situação de vulnerabilidade das famílias brasileiras, favorecendo o desequilíbrio
das relações e a desagregação de seus membros. A precária situação
socioeconômica contribui para a desestruturação de muitas famílias que vivem
situações especiais de risco, em que se agregam situações como, doenças,
desemprego, envolvimento em atividades ilícitas, problemas com a polícia,
dependência de drogas, entre outros.
As consequências das dificuldades a que estão sujeitas as famílias mais
empobrecidas do Brasil, levam as crianças, na maioria das vezes, ao abandono da
escola e à busca de trabalho a fim de ajudar no orçamento familiar. Essa situação
muitas vezes se estabelece, ficando o retorno destas crianças ao convívio sócio-
familiar cada vez mais distante.
Petrini (2003) afirma que as situações de vulnerabilidade se criam à medida
que a família encontra dificuldades para cumprir satisfatoriamente suas tarefas
básicas de socialização, de amparo e serviços aos seus membros.
As crianças são os membros mais vulneráveis às situações de conflitos no
grupo familiar e, neste sentido, estão mais expostas que os demais, justamente
por não terem autonomia e capacidade plena de defesa e resolução (Chauí,
1986).
Com relação aos adolescentes, a situação é praticamente a mesma, com o
agravante de que, muitas vezes, eles são depositários de expectativas e
esperanças de ascensão do grupo familiar, sofrendo também com a frustração
destas expectativas, tanto pelo contexto familiar de sobrevivência, como pelo
contexto de possibilidades de inserção social.
A pobreza, a miséria, a falta de perspectiva de um projeto existencial que
resulte na melhoria da qualidade de vida, impõem a toda a família uma luta
desigual pela sobrevivência, em que crianças e jovens se vêem ameaçados e
violados em seus direitos fundamentais. E a sobrecarga ou falta de trabalho gera
ainda mais conflitos, contribuindo para o aumento dos conflitos e da violência no
lar.
1.2. Violência na Família
A violência contra a criança e o adolescente perpassa a história da
humanidade. na Antigüidade, há relatos escritos que destacam a violência
entre pais e filhos, as infrações juvenis e os óbitos infantis decorrentes de várias
formas de violência. O que ocorre na contemporaneidade é um novo olhar, uma
nova forma de enfrentar questões, equipado do arsenal de conhecimentos e
sensibilidade de uma época e de comunidades distintas (Assis, 1999).
A partir da cada de 70, a violência passou a ser uma das principais
causas de morbi-mortalidade, principalmente na população de adolescentes e
adultos jovens das grandes cidades. É considerada um grave problema de saúde
pública, constituindo hoje a principal causa de morte de crianças e adolescentes
brasileiros a partir dos 5 anos de idade, o que levou a intensificação de esforços
dos estudiosos no sentido de conhecer melhor o problema.
A população infanto-juvenil tem seus direitos sicos, muitas vezes,
violados, como o acesso à escola, à assistência à saúde e aos cuidados
necessários para o seu desenvolvimento. Sofrem pela exploração sexual, pela
utilização de sua o-de-obra para o sustento da família ou para atender ao lucro
fácil de terceiros e, ainda, há situações em que são abandonadas, fazendo da rua,
seu espaço de sobrevivência. Neste contexto de exclusão, costumam ser alvo de
ações violentas que comprometem física e mentalmente sua saúde (Sociedade
Brasileira de Pediatria, 2001).
As definições para violência contra a criança e o adolescente variam de
acordo com as visões culturais e históricas sobre a criança e seus cuidados, com
os direitos e o cumprimento de regras sociais relacionados a ela e com os
modelos explicativos usados para a violência. A definição do que possa ser uma
prática abusiva ainda passa por uma negociação entre a cultura, a ciência e os
movimentos sociais (Deslandes, 1994). As dificuldades para conceituar a violência
provêm do fato de se tratar de um fenômeno da ordem do vivido e cujas
manifestações provocam uma forte carga emocional em quem a comete, em quem
a sofre e em quem a presencia (Minayo e Souza, 2003).
A violência contra a criança e o adolescente é dividida nos seguintes tipos:
(1) a física (uso da força física de forma intencional, o-acidental, com o objetivo
de ferir, danificar ou destruir, deixando ou não marcas evidentes); (2) a sexual (ato
ou jogo sexual, relação hetero ou homossexual cujo agressor está em estágio de
desenvolvimento psicossexual mais adiantado que a criança ou adolescente. Pode
variar desde atos em que não contato sexual aos atos com contato sexual sem
ou com penetração, incluindo a prostituição e a pornografia); (3) a psicológica
(forma de rejeição, depreciação, discriminação, desrespeito, cobrança ou punição
exageradas; (4) a negligência (ato de omissão do responsável pela
criança/adolescente em prover as necessidades básicas para o seu
desenvolvimento); (5) a Síndrome de Munchausen por procuração (situação na
qual a criança é trazida para cuidados médicos devido a sintomas e/ou sinais
inventados ou provocados pelos seus responsáveis) (Sociedade Brasileira de
Pediatria, 2001). Essas formas de violência podem alcançar a criança nos seus
diversos âmbitos de convivência, ou seja, no seu seio familiar, escolar, na vida
comunitária e na sociedade em geral. O cruel panorama de como vivem crianças e
adolescentes, vítimas de violência estrutural, se reflete no fenômeno da violência
familiar, espaço privilegiado tanto para socializar e estabelecer afetos quanto por
constituir-se numa escola de violência.
A questão da violência familiar é um tema tabu que perpassa todas as
classes sociais, todos os tempos e todos os lugares. Fatores sociais, sócio-
econômicos, político-ideológicos, culturais e educacionais possuem um peso
considerável na gênese e na manutenção deste tipo de violência (Braghini, 2000).
Origina-se de relações interpessoais assimétricas e hierárquicas, marcadas
por desigualdade e subordinação (Koller, 1999). o é, na maioria dos casos,
claramente identificável. Pode ser fruto de uma crise não resolvida na família, ou
um padrão de relacionamento que acompanha a história familiar daquele grupo,
podendo perpassar gerações de uma mesma família.
O uso da punição física na sociedade brasileira atual é, ainda, um
instrumento bastante freqüente na educação dos filhos, uma prática normal de
disciplinamento. Os pais tendem a defender essa forma de disciplina que, em
determinadas circunstâncias, pode favorecer a banalização e a cronicidade da
violência física doméstica contra crianças e adolescentes (Azevedo e Guerra,
1994).
A práxis exercida na educação familiar e escolar baseia-se em várias
gerações no uso de atitudes emocionais negativas que incluem a utilização da
força física e da agressão psicológica, desde a mais tenra infância. Não
raramente, relações familiares são permeadas pela violência, pela falta de atenção
e pela ausência de contatos afetivos abertos. Galiano (apud Westphal, 2002)
afirma que:
A extorsão, o insulto, a ameaça, a bofetada, a surra, o açoite, o quarto
escuro, a ducha gelada, o jejum obrigatório, a comida obrigatória, a
proibição de sair, a proibição de se dizer o que pensa, a proibição de se
fazer o que se sente e a humilhação pública o alguns dos métodos de
tortura tradicionais na vida da família (p.26).
A violência é a mais comum e grave violação aos direitos da criança, por
negar-lhes a liberdade, a dignidade, o respeito e a oportunidade de crescer e se
desenvolver em condições saudáveis. O UNICEF (1994) afirma:
A iniciação das crianças na cultura e nas normas de sua sociedade
começa na família. Para um desenvolvimento completo e harmonioso de
sua personalidade, a criança deve crescer num ambiente familiar, numa
atmosfera de felicidade, amor e compreensão (p. 5).
Famílias com muitos atritos entre os pais e destes com seus filhos
propiciam facilmente desajustamentos emocionais nos filhos. Se as primeiras
experiências das crianças forem saudáveis, ela poderá adquirir segurança, fazer
uma avaliação realista do seu valor, de suas forças e de suas limitações, aceitar a
si mesma pelo que é, podendo empregar construtivamente suas energias a fim de
solucionar problemas (Mussen, 1970; Rodrigues et al, 2000).
Quando a violência está dentro da família, este lar deixa de ser um espaço
de proteção para se tornar um espaço de conflito, dificultando para a criança
superar problemas e dificuldades.
1.3. Desenho infantil
A maioria dos indivíduos na infância começa a comunicar-se graficamente
por meio do desenho, independentemente de raça, sexo ou nacionalidade. A partir
dele, a criança organiza informações, processa experiências vividas e pensadas,
revela seu aprendizado e pode desenvolver um estilo de representação singular
do mundo. O desenho reflete suas idéias, sentimentos, percepções e descobertas;
é seu meio de comunicação mais precioso. Nele estão muitos de seus medos, de
suas vontades, de suas carências e de suas realizações. É um dos aspectos mais
importantes para o desenvolvimento integral do indivíduo e constitui-se em um
elemento mediador de conhecimento e autoconhecimento.
De acordo com Cox (2005), a maioria das crianças adquire ou inventa o seu
próprio jeito de desenhar uma variedade de objetos comuns. Muitas vezes,
desenvolvem um tipo de esquema ou fórmula para cada objeto. Para a autora, da
primeira infância aa idade aproximada de oito anos, as crianças parecem estar
mais preocupadas em que os objetos que elas desenham sejam claramente
reconhecíveis do que estejam corretamente desenhados sob determinado ponto
de vista.
Por volta dos oito ou nove anos, as expectativas das crianças se tornam
mais amplas. Querem que seus desenhos não sejam apenas identificáveis, mas
também, visualmente realistas. Acham que o desenho de uma pessoa deve ser
realmente parecido com aquela pessoa. Os traços que a criança produz podem
representar objetos reais, os rabiscos aparentemente sem significados, na
verdade, não o são.
O desenho tem um valor narrativo, sobretudo com um significado simbólico.
Ele nos mostra a maneira como a criança, através das coisas, vive os significados
simbólicos por ela atribuídos. É a reunião de seu mundo imaginário refletida no
seu desenho. O que ela não pode nos dizer de seus sonhos, emoções, nas
situações concretas, ela nos indica pelos seus desenhos (Grubits, 2003).
Ainda na primeira infância, a criança experimenta, ao desenhar, mais
satisfação por sustentar o lápis,o se preocupando em expressar algo com seus
rabiscos. À medida que vai crescendo, o desenho se transforma em um jogo, seus
traços se orientam e vão tomando forma e assim a criança pode se expressar
através dele. Sem se dar conta, a criança começa a transpor seu estado psíquico
ao papel (Bédard, 2006). O desenho então, começa a configurar-se em campo
minado de possibilidades, confrontando o real, o percebido e o imaginário,
originando um território entre o visível e o invisível (Goldberg et al, 2005).
Dentre as muitas teorias relativas às etapas do desenvolvimento gráfico
infantil, Lowenfeld (1977) e Kellog (1985) trazem estudos importantes com relação
a evolução do grafismo. Segundo eles existem etapas fundamentais comuns a
todas as crianças, porém cada criança, de acordo com a sua educação e o meio
social em que vive apresenta um ritmo processual distinto.
Para Piaget (1976), a origem do conhecimento está na ação do sujeito
quando interage com o objeto, e como o objeto é percebido pelo sujeito depende
das estruturas mentais que ele possui num determinado momento. A
representação gráfica da criança, neste caso, é feita através de atividades
realizadas com o objeto, desenhando o que suas estruturas mentais permitam que
ela veja. Com o desenvolvimento dos esquemas mentais e da interação com o
meio, a criança amplia seu repertório criador, valendo-se de elementos internos,
externos, intenção, associação de idéias, acontecimentos passados e mais
recentes.
O interesse científico pelo desenho infantil parece ter surgido no final do
século XIX. Nesta época, os primeiros trabalhos sobre o tema relacionavam-se à
Psicologia Experimental. Rapidamente, os estudos sobre o desenho infantil se
diversificaram e contribuíram com várias disciplinas, como a psicologia, a
pedagogia, a sociologia e a estética. Em seguida, foi introduzido no tratamento
psicanalítico.
Na cada de 20, os testes psicológicos começaram a ser elaborados para
uso em contextos educacionais e clínicos, buscando entender como os desenhos
poderiam revelar as capacidades ou o estado mental de uma criança (Cox, 2001).
As pesquisas sobre o desenho da criança se avolumaram ao longo do século XX e
contribuíram consideravelmente para o desenvolvimento da psicologia infantil e,
atualmente, o uso do desenho como técnica projetiva continua sendo freqüente
em estudos nas áreas da educação e da psicologia.
As técnicas projetivas o importantes recursos de comunicação indireta
com crianças e adolescentes, sendo especialmente facilitadoras no trabalho onde
a comunicação verbal direta nem sempre se mostra suficiente para se obter
informações necessárias para a realização de um bom diagnóstico.
O termo projeção foi utilizado por Freud, definido como um mecanismo
intrínseco à leitura que o sujeito faz do mundo, de modo que, ao observar o que
está a sua volta, deposita sobre este algum aspecto que traz dentro de si (afetos,
história pessoal, entre outros), uma propriedade do psiquismo capaz de revelar a
personalidade do sujeito. Em um sentido mais amplo, aquilo que é percebido no
momento pelo indivíduo, está carregado de sentido e pode ser atribuída carga
afetiva, relacionada a experiências anteriores.
As técnicas projetivas propiciam ótimas condições para o diagnóstico da
personalidade, pois possibilitam a manifestação mais direta de aspectos que o
sujeito não tem conhecimento, não quer ou o pode revelar. Quando um
desenho é produzido, além da projeção, outros mecanismos como a identificação
pode também se manifestar (Van Kolck, 1984).
Além das técnicas projetivas serem utilizadas como recurso de avaliação
diagnóstica clínica, são também utilizadas como instrumento de investigação de
uma determinada população em relação ao ajustamento familiar, profissional,
psicossexual, auto-imagem, dentre outros (Trinca, 1987).
Autores como Driessnack (2005) afirma que, o desenho infantil como
técnica projetiva deve focalizar o que a criança diz sobre o desenho, mais do que
o que a criança desenha. Neste sentido, Winnicott (1971), em seu método
denominado squiggle game, trouxe uma rica contribuição à investigação
psicológica de crianças e adolescentes. Oferecia folhas de papel aos pacientes,
onde traçava rabiscos, convidando-os a introduzir modificações nesses rabiscos.
Juntos, teciam comentários a respeito das idéias que lhes fossem ocorrendo.
Também Trinca (1987), utiliza uma série de cinco desenhos que são propostos ao
examinando, com a produção de cinco estórias, tendo por base os próprios
desenhos. O emprego desse recurso passou a representar um importante
instrumento de investigação clínica da personalidade de crianças e adolescentes,
que ficou conhecido como “Teste de Walter Trinca”.
1.3.1. Desenho da Família
Partindo do pressuposto de que o sujeito projeta, em sua representação
gráfica da família, o modo como vivencia a relação com seus pais e demais
membros familiares que constituíram figuras significativas em suas vidas, bem
como as fantasias inconscientes, conflitos, ansiedades e impulsos ligados à
satisfação de suas necessidades básicas (Oliveira et al, 2007), o Desenho da
família passou a ser utilizado, em diversas áreas, para se colher este tipo
informação a respeito da criança. Até hoje é utilizado para aferir a percepção da
criança sobre sua família, bem como seus sentimentos e atitudes em relação aos
seus membros.
O Desenho da Família (DF) passou a ser utilizado como técnica projetiva
por volta de 1940, expandindo-se rapidamente. Não consenso quanto à sua
origem e seu criador (Ortega, 1981). É considerado um bom instrumento de
avaliação, porém as formas de instrução e interpretação são muito variadas.
O primeiro autor a utilizar um sistema de codificação do Desenho da
Família foi Parot, em 1952. Em sua técnica ele enfatizava três aspectos:
composição da família, valorização e desvalorização dos membros da família, e a
situação na qual o sujeito se coloca com relação a cada um dos familiares
desenhados (Ortega, 1981).
Corman (1967) propôs, em sua técnica, orientar os sujeitos a desenhar uma
família da forma como imagina. Além de enfocar a proximidade e o afastamento
dos membros da família entre si e os personagens valorizados, desvalorizados,
incluídos e excluídos, o autor propõe ainda a utilização de um inquérito
padronizado posterior aos desenhos, com o intuito de esclarecer alguns aspectos
das produções gráficas.
Freitas e Cunha (2003) oferecem algumas instruções para a administração
do desenho da família. Na utilização mais comum pede-se à criança que desenhe
a sua família, nomeando as figuras desenhadas. Outras versões seriam instruir a
criança a desenhar uma família como imagina ou uma família em movimento,
procedimentos complementares ao desenho tradicional.
Alguns mecanismos são comuns durante a aplicação do desenho da
família: encorajar a criança a desenhar (caso haja resistência), estimular que fale
o que quiser a respeito do desenho ou solicitar que indique, dentre os diferentes
membros, aquele que é considerado o melhor, o pior, o mais feliz, o mais infeliz, o
preferido, quem gostaria de ser e o motivo da escolha.
Freitas e Cunha (2003) afirmam que não existe um roteiro padronizado para
o desenho da família, embora haja certa concordância sobre algumas hipóteses
interpretativas. Estes autores acreditam que alguns aspectos são levados em
consideração com maior freqüência durante a análise do desenho da família: a
impressão geral transmitida pelo desenho, o tamanho de cada pessoa
representada, o tamanho relativo de alguns membros em relação a outros, a
distância entre as figuras, a posição das pessoas no papel, a distribuição
seqüencial da família, as omissões, os exageros, os sombreados, a omissão do
próprio sujeito, a inclusão de pessoas falecidas, pessoas riscadas, as feições
faciais, as barreiras entre os membros e a representação dos membros da família
de forma muito diversa do grupo sócio-cultural do sujeito como, por exemplo,
animais ou marcianos.
Walter Trinca desenvolveu em 1987 um procedimento de Desenhos de
Família com Estórias (DF-E), um desdobramento de sua técnica. O DF-E é um
instrumento de investigação psicodiagnóstica do qual também se faz uso
terapêutico. Consiste na aplicação e avaliação de quatro desenhos de família
(uma família qualquer, uma família ideal, uma família onde alguém não está bem e
a própria família), que funcionam como estímulos de apercepção temática, sendo
capazes de detectar angústias inconscientes presentes nas relações, com ênfase
nos aspectos afetivos das relações familiares. A fundamentação deste
procedimento baseia-se nas teorias e práticas da psicanálise, das técnicas
projetivas e da entrevista clínica (Trinca, 1997).
Cox (2005), importante autora internacional que décadas investiga sobre
o desenho infantil, indica que os desenhos ainda são muito utilizados de modo
informal pelos profissionais, quando desejam auxiliar a criança a falar sobre suas
famílias, ou sobre algo que possa estar acontecendo com ela. São ainda
empregados para sugerir algum tema a ser explorado em outro momento no
atendimento clínico ou que o facilite a levantar hipóteses sobre algo que possa
estar ocorrendo com a criança.
Para se pensar nos desenhos em formato de testes, que se preocupar
com a questão da confiabilidade da interpretação (Cox, 2005). Para tanto, torna-se
essencial comparar grupos diferentes para considerar se seus desenhos diferem;
por exemplo, comparar os desenhos de um grupo muito agressivo com outro o
agressivo. Neste momento, passa-se da utilização clínica (que, inegavelmente
facilita o contato entre um paciente-criança e seu terapeuta), para uma estratégia
de pesquisa, que pode ser compreendida como: instrumento diagnóstico
complementar; objeto de estudo com finalidades de validação; instrumento para
levantar características comuns de grupos específicos; objeto de análise
comparativa; instrumento auxiliar ao contato e à compreensão dos processos
psicológicos.
A utilização do desenho da família em pesquisas requer uma consideração
sobre o método clínico e o método estatístico para avaliação e interpretação dos
achados. O método clínico diferencia-se do método estatístico e experimental por
aplicar conhecimentos, proposições e conceitos científicos ao indivíduo. o
estatístico, procura uma regularidade ou tenta descobrir e determinar relações
existentes entre variáveis isoladas. O método clínico propõe-se a observar os
fenômenos quando e onde surgem independente de sua freqüência, em um
determinado mero de sujeitos. A utilização desse método parte da suposição de
que as respostas dos sujeitos são determinadas pelas suas condições
psicológicas. As abordagens psicanalítica e fenomenológica são exemplos de
referenciais para a análise de desenhos infantis que se sustentam no método
clínico (Amiraliam, 1997).
Diem-Wille (2001) faz um contraponto entre a interpretação do desenho da
criança em psicanálise e nas ciências sociais. Considera que o desenho em
psicanálise só pode ser compreendido em um contexto, na situação em que ele foi
produzido. Uma figura pode ter diferentes significados de acordo com o momento
em que foi desenhada. Para as ciências sociais o desenho projetivo da criança
pode também ser usado como complemento de entrevistas narrativas. Pode ser
utilizado, por exemplo, para verificar se o desenho traz algum dado adicional para
compreender as experiências emocionais na infância. Neste caso é utilizado junto
com uma entrevista estruturada.
Wallon et al. (1990) alertam quanto aos riscos que corremos ao analisar o
desenho, quando, para facilitar ou por falta de clareza, nossa atitude pragmática
nos leva a esquecer as origens do desenho e a considerá-lo como objeto
autônomo, sem nos preocuparmos com as circunstâncias particulares e os
processos que orientam sua produção.
Outro aspecto a ser observado é o fato de isolar algum detalhe privilegiado,
atribuindo-lhe um valor significativo específico, sem inseri-lo no contexto total do
desenho e da vivência da pessoa que o fez. Vale lembrar que o signo o adquire
seu significado senão nas suas relações com a reunião de tudo aquilo a que ele
pertence. Também os objetos se definem nas suas relações com os outros objetos
(Grubits, 2003).
Neste sentido, Grubits (2003) informa que escalas psicométricas, devido ao
número de detalhes por elas avaliados, traduzem melhor leitura (interpretação) do
desenho do que a análise de detalhes isoladamente.
Alguns autores como Di Leo (1991) argumentam que o uso dos desenhos
em pesquisas são louváveis, mas ainda pouco convincentes. O autor afirma que o
desejo dos cientistas de ter um padrão sobre o qual trabalhar com o ser humano
perece impossível de ser alcançado. Em sua opinião, o ser humano está muito
longe da padronização e que as grandes diferenças físicas e psicológicas das
pessoas exercem influência em seu comportamento. A validade das conclusões
derivadas das pesquisas e dos sistemas de escores construídos permanece
questionável. Os estudos estatísticos são valiosos para revelar similaridades e
tendências nos desenhos, assim como em outras expressões comportamentais. A
pesquisa é, então mais produtiva quando objetiva o significado de características
globais. Sinais e indicadores específicos são mais reveladores quando vários
apontam na mesma direção.
Peres (2002) aponta para a importância de se fazer uso de mais de uma
técnica projetiva juntas, possibilitando uma investigação dinâmica e global. Em
sua pesquisa com andarilhos de estrada, o autor utilizou o Desenho da Família
como instrumento de aplicação, aliado ao HTP (House-Tree-Person) e ao
Desenho da Figura Humana (DFH). Este autor desenvolveu, especialmente para
sua pesquisa, um protocolo de avaliação dos desenhos, pois:
Não se encontrou na literatura científica consultada nenhuma proposta
sistemática de avaliação do DF, uma vez que a maior parte dos estudos
que empregam essa técnica como instrumento de investigação prioriza um
exame predominantemente intuitivo e subjetivo dos desenhos. Desse
modo, elaborou-se especialmente para esta pesquisa um protocolo de
avaliação (Peres, 2000, p.9).
No Brasil, ao se optar por trabalhar com cnicas projetivas, enfrenta-se o
problema de não haver uma sistematização com rigor decnicas projetivas
comumente empregadas na prática clínica ou em pesquisa (Noronha et al, 2005),
embora comece a se perceber a recente tentativa de alguns pesquisadores em
fazê-lo, como por exemplo, Van Kolck (1974), Cunha (2000), Hutz e Bandeira
(1995) e Weshler (2003).
1.3.2. Desenho da Figura Humana
É um instrumento projetivo considerado muito útil para avaliar a
personalidade, baseando-se nos pressupostos de que o desenho de uma pessoa
representa a expressão do eu, ou o corpo, no meio ambiente. E que a imagem
complexa que constitui a figura desenhada está intimamente ligada ao eu em
todas as suas ramificações.
Inicialmente foi desenvolvido por Florence Goodenough (1926), visando
avaliar o desenvolvimento intelectual de crianças. Mais tarde, foi introduzido por
Karen Machover (1949), que o popularizou. A interpretação que Manchover dava
aos desenhos levava em conta as partes do corpo incluídas, seus tamanhos e
formas, a qualidade do traço, o quanto foi apagado com borracha, sua posição na
página, etc. Essa posição parece influenciada por um enfoque psicanalítico, dando
a cada segmento do desenho um significado simbólico.
Posteriormente, Harris (1963), juntamente com Goodenough, revisaram e
expandiram o teste Draw a Man (ou DAM), que, então, passou a ser considerado
como um medidor de maturidade intelectual e não de inteligência. Neste, são
creditados pontos ao desenhista, de acordo com o número de elementos
incluídos, suas proporções, e o modo como são relacionados à figura principal.
Embora não se considere que haja grandes diferenças no modo como
meninos e meninas desenham, as meninas tendem a acrescentar mais detalhes
que os meninos. O amadurecimento costuma se dar em ritmos diferentes,
segundo o sexo, a favor das meninas (Scott, 1981 apud Cox 2001). A fim de
compensar essa diferença, no teste Draw a Man de Goodenough-Harris (Harris,
1963), existem tabelas distintas para converter os pontos em contagem-padrão.
Alguns anos mais tarde, Koppitz (1968) propôs um sistema quantitativo
objetivo de avaliação do desenho da figura humana para o diagnóstico de
problemas de aprendizagem e distúrbios emocionais. Seu teste Draw a Person
(DAP) baseou-se em desenhos da figura humana feito por aproximadamente 2000
crianças de idade entre cinco e doze anos. Ela avaliava cada figura segundo trinta
itens de desenvolvimento derivados do teste de Goodenouh-Harris e de acordo
com sua própria experiência de estudo de desenhos infantis. Esses itens de
desenvolvimento foram agrupados em quatro categorias para cada faixa etária: 1)
esperado, 2) comum, 3) não habitual, 4) excepcional. As pernas, por exemplo, são
itens esperados na figura de uma criança de seis anos. Se essa criança desenhou
pernas, então ela marca +1, se as pernas estão ausentes, registra-se então -1.
Detalhes excepcionais ocorrem apenas em desenhos de crianças com maturidade
mental acima da media. A contagem total no teste de Koppitz pode ser convertida
a uma contagem de QI.
O teste de Koppitz é hoje um dos testes mais empregados em pesquisa e
na prática clínica (Hutz e Bandeira,
2003). Tem sido utilizado no Brasil, com
normas nacionais atualizadas para os indicadores evolutivos e emocionais de
Koppitz (Wechsler, 2003). Alguns autores a utilizam para diagnóstico e avaliação
de abuso sexual (Kaufman e Wohl, 1992)
De acordo com Cox (2005), esses tipos de testes são confiáveis e
apresentam uma correlação bem razoável com outros testes, como os de
inteligência. A correlação entre estes testes e o teste de inteligência WISC
(Wechsler Intelligence Scale for Children), outro teste conhecido e consagrado,
não o especialmente altas, embora sejam evidentes. É necessário salientar que
alguns bons desenhistas podem o ter desempenho particularmente alto e que
alguns alunos brilhantes podem não ser muito bons em desenho.
Segundo a autora, estes testes o úteis em fornecer uma estimativa do
nível de desenvolvimento da criança. No entanto, por serem baseados em uma
contagem complexa, relacionada a detalhes incluídos na figura, muita informação
relacionada à estrutura da figura é perdida. Duas crianças podem registrar o
mesmo número de pontos ainda que as figuras sejam muito diferentes.
A maturidade intelectual de algumas crianças pode ultrapassar a sua idade
cronológica e estas podem ser consideradas mais dotadas. Seus desenhos da
figura humana assemelham-se aos de grupos de mais idade. De modo contrário, a
maturidade de outras pode ficar aquém. Estas crianças, geralmente, são
possuidoras de alguma dificuldade de aprendizagem, que podem ser leves ou
graves.
De acordo com Cox (2001), diversos pesquisadores (Burt, 1921; Earl, 1933;
Goodenough, 1926; Israelite, 1936; Kerschensteiner, 1905; McElvee, 1934) tem
enfatizado as diferenças entre os desenhos de crianças normais e os de crianças
com dificuldade de aprendizagem. Eles enfatizaram a insuficiência de detalhes, a
falta de organização, proporções imperfeitas e a inclusão de detalhes estranhos
ou irrelevantes encontrados nos desenhos destas últimas.
Em contraste com este ponto de vista, Rouma (1913) constatou, em seus
estudos, que as crianças com dificuldades de aprendizagem produzem os
mesmos tipos de desenho que as normais, embora estas os produzam com menor
idade. Tal idéia sugere que as crianças com dificuldade em aprender estão
simplesmente passando pelos estágios de desenho por um ritmo mais lento.
McElwee (1934) também demonstra estar de acordo com este pensamento.
A idade mental de crianças subnormais corresponde à idade cronológica de
crianças mais novas. Cox (2001) indicou, em um de seus estudos, que as crianças
com dificuldade de aprendizagem apresentam mais um atraso de desenvolvimento
do que uma desordem ou desvio em sua capacidade de desenhar.
O Desenho da Figura Humana é um dos instrumentos mais divulgados e
utilizados na prática de avaliação psicológica de crianças no Brasil. Recentemente
um novo sistema de correção para avaliação cognitiva infantil foi publicado por
Wechsler (2000, 2003), que revisa os trabalhos de Harris (1963), Koppitz (1968).
É também muito utilizado em pesquisas, por ser uma técnica simples, de
baixo custo, mas de grande abrangência. O Desenho da Figura Humana é uma
técnica de boa aceitação, principalmente por crianças.
Da mesma forma que os desenhos têm sido usados para revelar a
personalidade de uma criança, têm sido também usados para avaliar distúrbios
emocionais.
Diversos autores têm apontado vários indicadores de distúrbios nos
desenhos de pessoas, feito por uma criança. Esses vão desde omissão de
elementos que as
crianças normais incluiriam (tronco, braços, boca, etc), a
inclusão de elementos como a genitália, o que raramente ocorre em desenhos de
crianças normais (pelo menos nas culturas ocidentais), a ampliação ou redução de
certas partes do corpo, estarem essas partes desligadas do corpo ou espalhadas,
proporções incomuns da figura, sombreado e formas grotescas. (Cox, 2001, p.
94).
Autores como Di Leo (1991) reconhecem que o uso dos desenhos infantis
para diagnosticar distúrbios emocionais é potencialmente problemático. Segundo
Florence Goodenough e Harris (1950, apud Cox 2001), muitas das características
consideradas anormais nos desenhos de uma única criança ou de um pequeno ou
seleto grupo perdem seu significado quando se tornam conhecidos a idade e o
sexo dos indivíduos estudados e as condições em que os desenhos foram feitos.
Koppitz (1968) enumera trinta indicadores emocionais pelos quais se pode
avaliar o ajuste ou o distúrbio emocional da criança. O grau de ajuste ou distúrbio
é avaliado de acordo com o número total de indicadores emocionais no desenho
da criança. A autora adverte que o há sentido em fazer o diagnóstico com base
em um único indicador, que os problemas e as ansiedades podem ser
externados de diversas maneiras por crianças ou na mesma criança em ocasiões
diversas. Alem disso, insiste em que não só sejam considerados o número total de
indicadores, como também sejam analisados com base na idade e na formação
cultural e social da criança.
Segundo Van Kolck (1984), o indivíduo ao atender à solicitação “desenhe
uma pessoa”, lança sobre o papel a imagem corporal que possui e que se torna
veículo de expressão de sua personalidade. A afirmação do autor parece se
aplicar não somente ao teste do Desenho da Figura Humana, mas também a
outras técnicas que solicitam o desenho de pessoas, como é o caso do HTP
(House-Tree-Person - teste da casa, árvore e pessoa) e do Desenho da Família,
onde a criança desenha pessoas de sua família.
A seguir são apresentadas visões diferenciadas de vários autores nacionais
e internacionais que utilizam sua prática clínica como base para suas análises de
desenhos. Verificar-se-á que algumas conceituações são bastante amplas e,
algumas vezes a mesmo díspares. Em outros momentos, as definições
convergem de forma mais uniforme para constructos similares. Essas diferentes
visões podem ser devidas a questões como diferentes linhas teóricas utilizadas,
diversidade cultural, etc.
Em relação aos referenciais teóricos utilizados para análise dos desenhos
da família é importante fazer um breve comentário a respeito de algumas
orientações mais usuais:
No todo fenomenológico existencial a constituição do caso é construída
em conjunto pelo aplicador do teste e a criança, sendo que o primeiro procura
explicitar todas as suas percepções e observações, compartilhando com a criança
o seu entendimento. Nesse enfoque, os testes psicológicos são entendidos como
estratégias de interação que permitem a reprodução de circunstâncias da vida
diária e seus resultados não podem ser interpretados isoladamente.
A abordagem Jungiana baseia-se fundamentalmente na análise do
desenvolvimento arquetípico-simbólico da personalidade da criança, levando em
consideração os vários contextos no qual ela está inserida: familiar, escolar, sócio-
cultural e outros.
A abordagem Gestáltica que procura compreender o desenho da criança
sempre como um todo, que é maior e mais importante do que a soma de suas
partes. Nessa abordagem, a atenção do aplicador fica centrada no fenômeno tal
qual ele se apresenta, tal qual ele é, mais do que com aquilo que foi, poderia ou
deveria ser.
Outra forma de abordar os desenhos infantis seria através da arte terapia,
que tem indicado que o ato de desenhar serve tanto para relaxar quanto para
reduzir as defesas e negações do indivíduo, assim melhorando a comunicação da
criança com o adulto e com o seu mundo (Arrington, 2001).
A psicanálise é a linha que mais fornece dados interpretativos para os
detalhes presentes no desenho. Muitos teóricos desta área desenvolveram seus
métodos de interpretação e avaliação de desenhos com base nos estudos de
Freud a respeito do psiquismo e em suas práticas clínicas, porém sempre
destacando a importância de se avaliar o contexto em que está inserido o sujeito,
juntamente com suas ações e reações percebidas na análise.
1.3.3. Decifrando os desenhos: a criança e sua família
Neste tópico apresentamos a visão de diversos autores, como Buck (2003,
originalmente publicado em 1964), Campos (1996), Bédard (2006) e Rodriguez e
Velasco (2006), sobre formas de interpretação de desenhos infantis. A maioria
destes autores parece concordar com o fato de que, em qualquer teste projetivo, o
desenho não pode ter resposta certa nem errada, tratando-se de algo subjetivo,
que contém informações muito importantes a respeito do sujeito que o desenhou.
Ao levantar hipóteses interpretativas para o desenho, é importante, em
primeiro lugar, identificar a impressão geral que ele causa. Cunha (2000)
recomenda que, na interpretação de aspectos projetivos e expressivos globais, se
verifique uma série de itens, como a posição, o tamanho, as características do
traçado, o sombreado, etc.
Também é importante observar se a criança recusa a desenhar, que pode
ser indicador de autocrítica muito elevada (Campos, 1996).
Quanto à força do traçado, o “normal” costuma significar bom tônus,
equilíbrio emocional e mental. O traçado fraco pode indicar baixo nível de energia,
depressão ou sentimento de inadequação. O traçado forte pode indicar tensão,
medo, insegurança e agressividade, e o excessivamente forte pode indicar
sujeitos extremamente tensos. o negrito pode ser indicador de conflito
(Campos, 1996). Tanto Cunha (2000) quanto Campos (1996), afirmam que a
representação de algum membro da família em negrito pode identificar um conflito
com essa pessoa.
A existência de uma linha de base para o desenho da família é concebida
como um indicador de suporte (Di Leo, 1991).
Segundo Corman (1979), o personagem desenhado de forma valorizada
pode estar representando uma figura de poder, afeto, liderança, de valência
positiva. Para o autor, a desvalorização no Desenho da Família pode ser um
indicador de dificuldades de relacionamento ou falta de reconhecimento.
Algumas características podem chamar a atenção nos desenhos das
crianças, como por exemplo, se a criança desenha todos os membros da família
ou somente alguns, se os desenhou juntos ou separados, quais os membros estão
separados, se estão de mãos dadas no desenho, entre outros.
O desenho da família separada em grupos pode significar divisão na
constelação familiar (Cunha, 2000).
É importante observar o tamanho do desenho como um todo. A relação
entre o tamanho do desenho e o espaço disponível na folha de papel pode
estabelecer um paralelo entre a relação dinâmica entre o sujeito e o seu ambiente
ou entre os sujeitos e as figuras parentais. O tamanho sugere a forma pela qual o
sujeito está reagindo à pressão ambiental. Desenhos em tamanho muito pequeno,
por exemplo, podem significar problemas emocionais, inibição, desajuste ao meio,
repressão à agressividade, timidez, sentimento de inferioridade ou fator somático
(desnutrição, por exemplo), mas podem, se bem desenhados, ser casos de
inteligência elevada. Desenhos grandes podem simbolizar fantasia e os
exageradamente grandes, que atingem quase todo o limite do papel, podem
significar sentimento de constrição do ambiente e também revelar forte
agressividade (Campos, 1996).
É importante, ainda, considerar o tamanho de cada personagem
representado com relação aos outros. Uma grande figura materna, por exemplo,
pode sugerir uma mãe dominante, enquanto um pai pequeno, quase do tamanho
do sujeito, pode indicar que este o percebe somente um pouco mais importante
que ele. O autor coloca também a hipótese de que, se a criança desenha o irmão
mais novo, de igual ou maior tamanho que ela, pode pressupor que ele represente
uma figura competitiva, que ameace sua posição na família. E ainda, que a
distância dos personagens entre si e sua posição no papel também devem ser
considerados (Hammer, 1981).
A proporção entre as figuras humanas desenhadas pode estar baseada na
idade de cada membro da família e pode também simbolizar tanto o valor que o
sujeito atribui à figura desenhada, quanto o valor ideal que gostaria de atribuir à
essa figura. A figura de um irmão maior que a do pai pode representar sentimento
de ciúme e o desenho de um adulto de menor ou igual tamanho ao de uma
criança pode ser sinal de competição, rebeldia ou sentimento de menos valia
(Campos, 1996).
Cunha (2000), fazendo um apanhado entre os estudos de Klepch e Logie
(1984) e Campos (1977), com relação às hipóteses interpretativas do desenho da
família, faz uma observação sobre a distribuição seqüencial com relação aos
personagens: se o sujeito se coloca em primeiro lugar existe a hipótese de
egocentrismo e se em último, de cerceamento. Outro ponto a se considerar é a
inclusão de animais no desenho, que podem também significar a expressão de
tendências pessoais mascaradas, como, por exemplo, se a criança desenhar o
irmão como forma de um animal, que pode representar uma forma de desvalorizá-
lo como pessoa.
Campos (1996) também faz algumas observações sobre hipóteses
interpretativas no desenho da família, com relação à ordem que criança desenha
os personagens. Segundo a autora, a primeira pessoa desenhada pode ser a de
mais valia para a criança, seja num sentido positivo ou negativo. Geralmente, de
acordo com a ordem de colocação das figuras, descobre-se a valência das
pessoas para a criança. Família separada em grupos representa divisão na
família. E o desenho da família de mãos dadas pode indicar cerceamento.
Outros detalhes importantes a serem observados são figuras da família
riscadas ou desenhadas dentro de um círculo. Uma figura riscada pode
representar um sentimento de afastá-la da família. Do mesmo modo, um membro
da família envolvido em um círculo, pode ter essa mesma significação, ou denotar
uma ênfase especial por razões afetivas ou circunstanciais, como um problema de
doença, por exemplo (Cunha, 2000), pode também significar alguém que o sujeito
deseja eliminar (Campos, 1996).
O desenho da família dentro de um quadrado pode refletir o desejo de
libertar-se da família (Campos, 1996).
.Alguns aspectos no Desenho da Família merecem ser observados para
uma análise mais precisa. Um deles é verificar se o próprio sujeito se encontra
incluído no grupo familiar. A omissão do próprio sujeito na representação da
família pode significar que ele o se sente nela incluído, ou dela não participa,
não recebe afeto, ou algum problema de rejeição (Cunha, 2000). Isto se dá,
geralmente em desenhos de crianças que se sentem rejeitadas, que não se
sentem apreciadas. Essa omissão pode ser deliberada ou um “esquecimento”
inconsciente. Ocorre com grande freqüência em crianças adotadas, que não são
criadas pelos pais, e também em crianças que se aproximam da adolescência,
tempo em que a identidade se torna a maior preocupação, mesmo entre aqueles
que vivem com seus pais verdadeiros. Podem ainda refletir sentimentos de
inferioridade e rivalidade entre irmãos (Di Leo, 1991).
Também merece identificação os desenhos em que exclusão da mãe no
desenho da criança, podendo expressar ressentimento. A ausência do pai, no
entanto, é mais comum nos desenhos infantis do que a ausência da mãe. O pai
não desempenha o seu papel meramente por estar presente. Ele deve estar
também disponível física e funcionalmente. O desenho do pai olhando para a TV,
fumando, comendo sozinho ou escondendo o rosto atrás do jornal, por exemplo,
pode sugerir o afastamento dos interesses e atividades familiares, e que a criança
sente-se, justificadamente, negligenciada e emocionalmente afastada do pai, de
quem necessita como um modelo de papel a desempenhar. o da mãe
cozinhando ou servindo comida, simboliza dar calor e amor. E o desenho da mãe
engajada com o aspirador de ou limpando podem refletir um interesse principal
pela ordem.
O desenho do próprio sujeito perto ou longe de um dos pais ou irmãos pode
indicar preferência ou sentimentos negativos com relação a estes membros da
família.
A separação de um membro de outro pela colocação de uma moldura, ou
quando a criança separa a si mesma dos pais pela colocação de uma peça de
mobília ou aparelho de TV, por exemplo, Di Leo (1985) chamou de
“compartimentalização”, que pode expressar a falta de comunicação e sentimentos
de isolamento.
Di Leo (1985) afirma que é comum que crianças oriundas de lares desfeitos
apresentem resistência para desenhar a família. Pode ser também um
comportamento característico de crianças cuja vida no lar é caracterizada por
tumulto e violência, e que adquiriram uma imagem intensamente negativa da
família.
O desenho do próprio defeito também não é muito comum em crianças, que
tendem a desenhar a imagem desejada ou idealizada.
Desenhos de crianças vindas de lares desestruturados pela pobreza,
doença, maus-tratos, aprisionamento ou abandono, tendem a apresentar figuras
humanas minúsculas, repetitivas e estereotipadas, sendo difícil distinguir uma da
outra. Os membros da família, geralmente se localizam na parte de baixo da folha
e uma predominância de figuras de pauzinhos nos desenhos dos meninos,
enquanto que os das meninas podem ser mais elaborados, embora também
pequenos. Tal redução no tamanho e o empobrecimento das figuras são
largamente interpretados como expressões de insegurança e imagem corporal
pobre, assim como a colocação na parte inferior da folha como suporte.
Corman (1967) faz uma observação quanto à importância da localização do
desenho na folha, afirmando que a parte superior representa a expressão da
fantasia, e a inferior, a ausência de fantasia, de energia, como zona de depressão.
Segundo a autora, o meio da gina indica ajuste. Crianças que desenham no
centro da página mostram-se mais autodirigidas, autocentradas. Desenhos fora do
centro da página são característicos de pessoas descontroladas e dependentes. O
desenho não levado a grandes extremos da página indica grande segurança. O
desenho em um dos cantos da página pode indicar pessoas fugindo ao meio ou
desajuste do indivíduo ao ambiente. O desenho no eixo horizontal, desenho mais
para a direita do centro horizontal indica comportamento controlado, desejando
satisfazer suas necessidades e impulsos, prefere satisfações intelectuais em
relação às emocionais. No eixo horizontal, mais para a esquerda do centro
horizontal, indica comportamento impulsivo, procura satisfação imediatamente de
suas necessidade e impulsos. No lado esquerdo da gina pode indicar inibição,
controle intelectual ou introversão. o desenho no lado direito indica extroversão
e procura de satisfação imediata. O canto superior direito é menos grave que no
canto esquerdo. O desenho na linha vertical, acima do ponto médio pode indicar
desajuste com possibilidade de reagir ao mesmo. O desenho abaixo do ponto
médio da gina pode significar que o indivíduo sente-se inseguro e inadequado,
em depressão, preso à realidade e ao concreto, firme e sólido. Criança de escola
primária tende a desenhar no quadrante de cima e esquerdo. O desenho mais
abaixo, mas quase no centro pode significar desajuste, debilidade física e fuga.
Os desenhos de pessoas, como todos os outros desenhos, vão evoluindo
de acordo com a idade da criança. O desenho de pessoas realizado pela criança
de maneira muito simples pode revelar que esta concede a si mesma pouca
importância e deseja atrair a atenção para outros componentes do desenho
(Bédard, 2006). Os detalhes mais importantes a serem observados para dard
são o rosto, a posição dos braços e dos pés. A localização do desenho na folha
também revela dados importantes. O lado esquerdo do papel representa o vínculo
com a mãe e o lado direito, o vínculo com o pai. O centro da folha representa o
próprio indivíduo.
Apresenta-se, a seguir, algumas hipóteses interpretativas para os itens
componentes das figuras humanas que compõe o desenho da família:
Cabeça: é o primeiro item que a criança desenha; é mais importante, mais
visível e representa melhor a personalidade de cada individuo (Rodriguez e
Velasco, 2006). O que memorizamos com mais facilidade em uma pessoa é o
rosto, que pode trazer significados muito importantes ao interpretar um
desenho, verificando as expressões faciais. O desenho de uma cabeça
grande riscada diversas vezes, por exemplo, pode significar que o sujeito
deseja compensar um sentimento de inferioridade. O desenho de uma
cabeça pequena pode indicar um problema de auto-imagem. A representação
da cabeça somente por um círculo, sem face, pode refletir a dificuldade do
indivíduo de integrar-se em uma vida social normal. Segundo Campos (1996),
a cabeça é considerada como o centro do poder intelectual, social e do
controle dos impulsos corporais. A maior parte do autoconceito do indivíduo
está focalizada na cabeça. Para Di Leo (1985), a cabeça é investida de
atributos simbólicos expressos na representação gráfica. Nos desenhos de
crianças pré-escolares, a cabeça costuma ser desproporcionalmente maior,
dominando a figura, mas, à medida que a criança amadurece e os desenhos
se tornam mais realistas, usualmente por volta dos 7 ou 8 anos, a figura
humana e suas partes assumem proporções mais objetivas. o exagero
exacerbado da cabeça pode ser visto em desenhos de crianças com retardos
mentais, na medida em que continuam a pensar e agir em níveis de
desenvolvimento inferiores à sua idade cronológica. Grandes cabeças podem
ser desenhadas também por crianças com dislexia, atribuindo a dificuldade
de aprender a algum mau funcionamento localizado na cabeça. As crianças
bem pequenas costumam desenhar apenas a cabeça com olhos, nariz e boca
para efetivamente, representar a pessoa sem o corpo.
Olhos: têm muito a dizer sobre a pessoa desenhada (Bédard, 2006). Olhos
grandes e redondos podem indicar curiosidade, mas também podem ser
indício de medo. Em contrapartida, olhos excessivamente pequenos revelam
que a criança prefere não enxergar o que acontece ao seu redor. Os olhos
são a porta de entrada da percepção (Rodriguez e Velasco, 2006). Através
dos olhos temos uma imagem de nós mesmos e do mundo que nos cerca.
São os órgãos mais expressivos do corpo, através do qual pode-se perceber
o sentimento da pessoa. O desenho de olhos grandes, por exemplo, se
presente em rosto longo, pode significar imaginação e riqueza de idéias,
criatividade. E, se desenhado em rosto mais arredondado, pode indicar
inquietude, atividade, praticidade, porém podem indicar caráter passivo e
sonhador, se os traços do rosto forem fracos. Olhos pequenos podem retratar
pessoas que não aceitam sugestões e opiniões dos outros, desconfiança a
atitude de negar a realidade. Olhos sem pupila podem significar imaturidade
emocional e egocentrismo. Olhos representados por apenas pontos podem
indicar retraimento e insegurança. O desenho de olhos vesgos pode indicar
rebeldia, hostilidade. E a omissão dos olhos, pode significar introversão. De
acordo com Campos (1996), olhos fechados, bem como, olhos representados
por um ponto podem significar imaturidade afetiva. A representação dos olhos
apenas por um traço pode revelar introversão e não aceitação do meio. Os
olhos em negrito são indicadores do conflito, agressividade ou recusa total do
meio. Olhos vazios, sem pupila, podem indicar egocentrismo, recusa a
enfrentar a realidade ou ainda agressividade. Figuras sem olhos podem
significar imaturidade afetiva. Segundo Di Leo (1985), o desenho de olhos
excessivamente grandes tem sido observado em pessoas desconfiadas e
paranóides, mas nas crianças pequenas, demonstram simplesmente, uma
expressão da importância atribuída a este órgão nas pessoas. A associação
dos olhos com o despertar sexual, voyeurismo, culpa e vergonha, pode ser
encontrada em olhos desenhados por adolescentes, que podem estar sem
pupilas (olhos cegos), anormalmente pequenos, escondidos por lentes
escuras, ou mesmo omitindo-os totalmente. O embelezamento dos olhos é
visto frequentemente nas figuras femininas desenhadas por meninas. Os
olhos são desenhados pelos meninos de forma mais simples, naturais e
funcionais.
As sobrancelhas tem grande importância no desenho da pessoa, pois, em
conjunto com os olhos, refletem os gestos e sentimentos (Machover, 1949).
Segundo Rodriguez e Velasco (2006), a ausência de sobrancelhas pode
indicar apatia, diminuição de interesse, déficit de atenção e de memória, ou
também, falta de habilidade para desenhar.
O nariz é essencialmente possuidor de simbolismo sexual, e a
representação de narinas, pode indicar algum tipo de fantasia neste campo
(Campos, 1996). Segundo Rodriguez e Velasco (2006), o destaque para o
nariz pode indicar acentuada virilidade, uma libido potente e enérgica. A
omissão de nariz, assim como o sombreamento, pode indicar atitudes
frustradas.
Boca e lábios tem a mesma significação para Campos (1996): ambas
referem-se a tendências captativas, como nutrição, satisfação da libido oral,
relações sociais, dar e receber afeição e, mesmo, relações sexuais. O
desenho de uma boca grande pode estar relacionado à ambição ou alguém
que come ou fala muito. A boca representada somente por um traço pode
significar introversão. E o desenho de dentes na boca pode significar
agressividade oral ou pode indicar uma situação ou experiência relacionada
aos dentes. De acordo com Rodriguez e Velasco (2006), a boca pode ser
representada no desenho de diversas formas e é um dos órgãos que melhor
podem refletir os conflitos infantis. A representação da boca por uma linha
côncava pode significar passividade, complacência. uma linha convexa
pode indicar amargura. Lábios pintados simbolizam feminilidade e lábios
marcados, os prazeres obtidos pela boca (comer, sugar, morder). A
presença de dentes pode indicar agressividade destrutiva, ofender, insultar.
Segundo Bédard (2006) a ausência de boca pode significar que a criança
prefere calar-se.
Orelhas nos desenhos geralmente indicam preocupação com críticas e
opiniões (Rodriguez e Velasco, 2006). As orelhas não merecem muita
atenção em desenhos infantis, a não ser que elas se destaquem. Neste caso,
podem estar refletindo tendências paranóides, vulnerabilidade psíquica ou
dificuldades auditivas. Segundo Campos (1996), a omissão das orelhas é
comum no desenho infantil. O desenho de orelhas muito grandes pode indicar
sensibilidade à crítica e desejo de aprovação social. Di Leo (1985), também
afirma que omissão das orelhas pode ser encontrada normalmente em
desenhos de crianças. Se estas são desenhadas enormes ou enfatizadas por
uma forte pressão do lápis, pode estar refletindo dificuldade de audição ou
ainda alucinações auditivas. A interpretação de orelhas salientes como uma
expressão de paranóia, atitudes desconfiadas ou distúrbios alucinatórios tem
sido vista por vários investigadores.
Cabelo, considerado por diversos autores como símbolo de vitalidade; pode
significar nos meninos, força e virilidade, e nas mulheres, sedução
(Rodriguez e Velasco, 2006). A ausência de cabelo pode indicar pouca
preocupação com a aparência física, ou, em alguns casos, sentimentos de
inferioridade ou competição.
Pescoço: simbolicamente é a ponte que liga a cabeça com o restante do
corpo, portanto, qualquer anomalia que se perceba nesta zona pode ser um
indicador de perturbação, bloqueios ou dificuldades entre o sujeito e o meio
(Rodriguez e Velasco, 2006). Nos desenhos, é importante observar se o
pescoço é grosso, que pode refletir a falta de delicadeza e refinamento ou
fino e longo, que indica arrogância ou desarmonia entre o intelecto e a
emoção. A omissão de pescoço é normal em desenhos de crianças
pequenas, mas pode significar imaturidade ou dificuldades de relação entre
o indivíduo e o meio De acordo com Campos (1996), o pescoço constitui
uma zona de conflito entre o controle emocional e os impulsos corporais. O
desenho de um pescoço curto e grosso pode simbolizar poder físico. o
desenho de um pescoço fino e comprido, pode representar moralismo,
pessoa de controle rígido, racional. A omissão de pescoço pode indicar
dificuldade maior de controle entre os aspectos intelectuais e os impulsos e
também inferioridade, regressão.
Corpo: o formato do corpo na interpretação do desenho costuma ser forte,
fraco, redondo, quadrado, etc. A omissão do corpo, ou tronco, é normal em
desenhos de criança de pouca idade (Campos, 1996), entretanto, pode
também significar necessidade de reprimir ou negar impulsos corporais. O
corpo quadrado, como uma “caixa quadrada” ou o meio triangular é
freqüentemente indicador de pouca habilidade para desenhar, comum em
crianças. (Rodriguez e Velasco, 2006). Mas também pode ser indicador de
grande agressividade. O desenho do corpo arredondado também pode
indicar agressividade, porém menor (Campos, 1996).
Braços são extensões do corpo que acompanham as palavras quando a
pessoa se expressa, são os órgãos de contato com o mundo externo
(Rodriguez e Velasco, 2006). Braços largos e fortes (em duas dimensões)
podem significar impulso de abraçar o mundo, seja num sentido positivo ou
de destruição. Segundo Campos (1996), braços e mãos de relacionam a
adaptação social do sujeito. Braços para trás podem significar falta de
confiança. Braços rígidos, grudados ao corpo, podem indicar fuga do
indivíduo ao meio ou desejo de superar o problema. E para dard (2006),
podem ser indício de que a criança não está buscando contato social algum.
Para Rodriguez e Velasco (2006), podem significar uma atitude passiva de
reserva, retraimento. De modo contrário, braços na horizontal e abertos
podem indicar necessidade de interagir com os outros. A posição que a
criança desenha os braços pode revelar aspectos importantes a seu
respeito. Braços para cima podem significar que a criança necessita ser
escutada (Bédard, 2006). Braços curtos e pouco firmes podem indicar
timidez, retraimento e pobreza de recursos para abrir caminhos para a vida.
Braços em jarra, ou seja, com cotovelos podem indicar orgulho e valorização
de si. E, a omissão dos braços pode significar depressão, frustração ou
retraimento do contato social. (Rodriguez e Velasco, 2006). Segundo
Campos (1996), braços longos podem indicar ambição por alguma aquisição
ou proeza. E, a omissão dos braços é freqüente no caso de rompimento com
o mundo exterior, pode indicar também pessoas com quebra de palavra.
A atenção a braços, mãos e dedos pode ajudar a compreender o
comportamento que esconde medo e timidez ou hostilidade e agressão.
Segundo Di Leo (1985), o simbolismo se manifesta, frequentemente, na forma,
dimensões ou ausências destas partes o ativas nos relacionamentos. A
ausência de braços é comum e desapercebida em crianças até os 4 anos de
idade; pode ser, no entanto, bastante significativa no desenho de uma criança
de 10 anos. O mesmo se aplica a suas dimensões e ao seu ponto de junção.
Não se deve esperar que crianças em idade escolar continuem a desenhar
braços que saem de cabeças ou de pernas. O desenho de pessoas com as
mãos atrás do corpo sugerem falta de confiança no relacionamento com as
pessoas.
As os o os instrumentos executores do pensamento, os instrumentos
das ações. O desenho de mãos pequenas pode significar inadequação no
contato social, timidez ou pouco interesse pelo mundo exterior. E, mãos
muito grandes podem indicar desejo de parecer forte e poderoso. Já a
ausência das mãos pode significar negação de dar e receber, egoísmo, ou
ainda, vergonha por agressão reprimida. O punho cerrado, ou mãos
decepadas, podem indicar tendências agressivas reprimidas (Rodriguez e
Velasco, 2006). Segundo Campos (1996), a ausência das mãos indica falta
de confiança nos contatos sociais. Mãos no bolso podem indicar sentimento
de menos valia, crítica, punição ou ainda, pessoas dadas ao furto. Mãos em
garfo podem significar disritmia, imaturidade ou deficiência mental. Para
Bédard (2006), a ausência de mãos pode significar que a criança se sente
incapaz de dominar a situação em que vive, ou porque alguém não o deixa
fazer o que quer ou porque ele mesmo não se permite. E para Di Leo (1985),
pode estar relacionada à falta de confiança nos contatos sociais ou
passividade.
Os dedos podem expressar nossa atitude interna com relação ao que pode
ser tocado, manipulado, podendo simbolizar um sentimento de culpa por
algo indevido feito com as mãos, ou ainda insegurança e medo por não
saber o que fazer com eles. Dedos em pétalas podem significar pessoas
infantis. Dedos em garfo podem expressar espírito crítico, indignação ou
resposta frente à frustrações e agressividade (Rodriguez e Velasco, 2006).
Pernas e pés são os órgãos que utilizamos para nos aproximarmos dos
objetos e pessoas que estão a nossa volta. A forma com que se desenham
as pernas reflete o modo como cada um se move para relacionar-se com o
ambiente e satisfazer suas necessidades. Por outro lado, são também o que
nos permite manter a estabilidade e o equilíbrio do corpo. Pernas longas
podem significar necessidade de autoafirmação, locomoção ou fuga do meio
ambiente (Campos, 1996) e também podem indicar luta pela autonomia,
desejo de independência. Pernas grossas e curtas indicam sentimento de
imobilidade. Pernas juntas e apertadas podem indicar insegurança, timidez e
falta de apoio (Rodriguez e Velasco, 2006), ou podem também significar
introversão, isolamento, sentimento de culpa ou dificuldade de caráter social
(Campos, 1996). Os desenhos de pés pequenos podem indicar insegurança
de manter-se em pé, de alcançar metas, mas também pode indicar
delicadeza e agilidade para mover-se, sensibilidade, feminilidade. Pés
grandes e pontiagudos podem indicar agressividade. E grandes e
arredondados, tendências dominantes e autoritárias, mais ou menos,
suavizada. Pés descalços podem refletir possessividade, se a figura estiver
vestida. Sapatos destacados são indicadores de impulso sexual elevados. E
a falta de s pode indicar desânimo, abatimento, tristeza, desilusão ou
ainda, insegurança (Rodriguez e Velasco, 2006). Segundo Campos (1996),
dependendo de como são desenhadas, pernas e pés podem ser indicativo
de conflitos e dificuldades. Para a autora, os s indicam a segurança geral
do indivíduo em caminhar no meio ambiente. O desenho de dedos nos pés
de uma pessoa vestida pode indicar agressividade. A omissão dos pés pode
significar dificuldade de contato. De acordo com Bédard (2006), a falta de
pés, geralmente, transmite a mensagem de busca de estabilidade, ou
também que a criança não esteja conseguindo mover-se por si mesma,
mostrando dependência do outro. As pernas de pauzinhos e a colocação
instável dos pés podem sugerir insegurança (Di Leo, 1991).
O desenho de perfil pode significar dissimulação ou desajuste, incapacidade
de enfrentar o meio. Pode também indicar deficiência afetiva. O desenho do
corpo de frente e o rosto de perfil pode indicar caráter não ajustado em seus
propósitos ou falta de aprendizado (Campos, 1996).
A roupa também é um detalhe importante na interpretação do desenho. Pelo
ponto de vista prático e social, ela tem a finalidade de proteger o corpo
contra o frio, o calor e também de realçar a aparência, destacar a figura,
simbolizando vaidade ou tentativa de fazer-se respeitar. A presença de
muitos botões pode indicar imaturidade, dependência, caráter obsessivo ou
preocupação como social. Apenas um botão, na altura do umbigo, pode
indicar apego ao nculo materno. Gravatas podem ser símbolos sexuais
(Rodriguez e Velasco, 2006). De acordo com Campos (1996), a roupa teria
surgido por necessidade de proteção, pudor e socialização. Transparência
nas calças ou saia pode indicar imaturidade psicossexual ou exibicionismo.
Paletó com botões numerosos podem significar dependência, gerando
conflito. O cinto apertado pode indicar estabilidade, força. Chapéu indica
proteção. De acordo com Di Leo (1985), se a criança enfatiza os botões da
roupa, pode estar demonstrando sinal de desajuste, especialmente em
crianças no qual o comportamento mostra dependência materna.
O desenho com integração das partes, segundo Rodriguez e Velasco
(2006), pode ser desenhado por sujeitos bem adaptados em sua família,
mas com dificuldades de adaptação fora dos círculos habituais, insegurança
e ansiedade.
O sombreamento no corpo é indicador de alguma patologia. Mãos
sombreadas são interpretadas, normalmente, como sentimento de culpa de
algo realizado com as mãos (Rodriguez e Velasco, 2006).
Qualquer forma de assimetria ou distorção de um lado em relação ao outro
nos desenhos, pode indicar na relação do indivíduo com os outros e na vida
social, revelando que algo não vai bem na personalidade deste indivíduo
(Rodriguez e Velasco, 2006).
O desenho de figuras inclinadas, soltas no espaço, pode indicar
instabilidade psíquica ou somática, desvio de controle visomotor, disritmia,
entre outros (Campos, 1996).
A presença de transparências, segundo Campos (1996), é normal aos 6
anos de idade. A transparência de elementos sexuais através das roupas
pode indicar curiosidade sexual ou revelar retardo. Di Leo (1985) afirma que
pré–escolares, comumente, recorrem à esta técnica, por ele denominada de
raio X, pois desenham o que sabem que deve estar ali, indiferentes ao fato de
serem visíveis ou não. De acordo com o autor, é um fato que reflete o
realismo intelectual da criança em fase pré-operacional. Entretanto, se
desenhado por pré-púberes, pode indicar capacidade mental ou
funcionamento abaixo das expectativas para sua idade, ou ainda,
possibilidade de querer tornar a figura mais sedutora.
O desenho de órgãos genitais é comum em crianças com idade escolar,
simbolizando a descoberta do sexo ou significando auto-afirmação, mas
também pode indicar promiscuidade no lar (Campos, 1996).
O desenho de monstros ou figuras grotescas está relacionado à
discrepância entre o ideal que a pessoa tem sobre si mesmo e a realidade.
Traduz, portanto, sentimentos de fracasso, sensação de incompleto,
desvalorização (Rodriguez e Velasco, 2006).
De acordo com Campos (1996), tanto Buck, que interpreta o desenho da
família, quanto Manchover, que interpreta o desenho da pessoa, insistem,
igualmente sobre o fato de que cada item do desenho não pode ser avaliado,
senão em conexão com todos os outros dados do desenho. Fazendo uma
comparação aos todos de interpretação dos dois autores, Campos afirma que
Machover emprega, separadamente, para cada aspecto do desenho da pessoa,
diversas interpretações, que ilustram uma rica experiência clínica pessoal. E Buck
avalia cada item em função de sua relação com os outros.
1.3.4. HTP – House- Tree- Person
É uma técnica projetiva sistematizada por John N. Buck em 1948, nos
Estados Unidos. Nesta cnica pede-se que o sujeito desenhe uma casa, uma
árvore e uma pessoa, em folhas separadas e posteriormente responda a um
questionário padronizado para complementar a expressão gráfica com a verbal. A
escolha de tais elementos específicos deve-se ao fato de serem itens familiares a
todos, por isso, oferece fácil aceitação até mesmo para a criança bastante nova.
De acordo com Siqueira et al (2003), através dos desenhos de uma casa,
uma árvore e uma pessoa, é possível observar a imagem interna que o sujeito tem
de si mesmo e de seu ambiente. O desenho de elementos do ambiente reflete a
maneira como o sujeito percebe o mundo. Embora se peça para desenhar uma
casa, não se faz nenhuma indicação de qual casa, tamanho, localização ou tipo, o
mesmo ocorre com a árvore e com a pessoa. Logo, revela-se como uma técnica
rica para a exploração da realidade interna.
De acordo com Di Leo (1985), as crianças consideram pessoas, casas e
árvores como influências significativas em suas vidas. E, ao desenhá-las não
sabem que estão comunicando mais sobre si mesmas do que sobre o que
desenharam.
No que diz respeito à análise dos desenhos é importante considerar as
áreas mais amplas da personalidade investigadas pelos três itens que compõem o
teste – casa, árvore e pessoa.
Hammer (1981) considera que o desenho da Casa reflete a percepção da
família, mas também aspectos do ego que podem representar um auto-retrato. A
árvore e a pessoa, permitem investigar a auto-imagem e o autoconceito.
Na concepção de Buck (2003), o HTP tem como objetivo obter informação
sobre como uma pessoa vivencia a sua individualidade em relação aos outros, e
em facilitar a projeção não de elementos da personalidade, mas de áreas de
conflitos, identificados como o propósito de avaliação ou terapêutica. Sua técnica
se respalda no conceito de que os desenhos da figura humana, bem como os da
casa e da árvore, são úteis para o estudo da personalidade ou como meio de
diagnóstico.
Alguns estudos afirmam que os três desenhos do HTP trabalham com a
mesma deliberação do desenho da figura humana e, ainda, do desenho da família,
no que diz respeito ao relacionamento do sujeito com ele mesmo (auto-imagem) e
com o outro (imagem do outro), tendo em vista a interpretação das características
da personalidade, estado emocional, transtorno mental e outros. Convém salientar
que, no caso clínico, para a avaliação da personalidade, a praxe recomenda a
aplicação de mais de um teste projetivo, além do acompanhamento do sujeito. Em
pesquisas sobre o desenho infantil, as hipóteses interpretativas dos estudiosos do
HTP podem auxiliar no processo de avaliação dos diversos detalhes presentes
nos desenhos das crianças como é o caso deste trabalho.
Segundo Buck (2003), é importante observar as características gerais dos
desenhos, ao interpretá-los. A proporção entre a figura desenhada e a folha,
podem revelar os valores que o indivíduo atribui aos objetos, situações, pessoa se
de como se sente no ambiente. A perspectiva pode ser verificada na localização
do desenho na página, posição, transparência e movimento, que podem indicar a
medida de compreensão do indivíduo, como ele compreende e reage aos
aspectos da vida. É importante também prestar atenção se os detalhes são
relevantes ou não, bizarros, se sombreamento e ênfase em detalhes, além da
qualidade da linha, que podem estar relacionados aos elementos da vida diária.
Para o autor, o HTP contribui para revelação de conflitos, necessidades,
ansiedades e aspectos do ambiente que o indivíduo percebe como problemático.
O desenvolvimento da técnica do HTP é semelhante a dos outros testes
projetivos utilizados na prática clínica e no processo diagnóstico, fornecendo
dados e podem ser também associados a entrevistas e outros instrumentos de
avaliação.
Apesar da inexistência de pesquisas voltadas à padronização e
normatização do HTP com crianças brasileiras, as interpretações podem se
basear em obras que, mesmo que não apresentem um sistema ordenado e
metódico de análise, podem contribuir para a atribuição de significados aos
diversos aspectos das produções gráficas (Peres, 2003).
O HTP é uma técnica bastante utilizada no Brasil nas áreas clínica,
organizacional e educacional. Alguns trabalhos consistem em estudos de casos e
outros fornecem dados estatísticos. Faz-se necessário ressaltar a preocupação
com a questão da confiabilidade dos resultados (Silva, 2005).
1.3.5. Decifrando o contexto do desenho
Juntamente com as pessoas, a presença de contexto, representada por
casas, flores, animais e árvores também são vistos, freqüentemente, nos
desenhos das crianças. Entretanto, o desenho do próprio sujeito do mesmo
tamanho que objetos do contexto que deveriam ser menores que ele, pode refletir
problemas de auto-imagem. Estes objetos contidos nestes desenhos podem ou
não fazer parte do ambiente ou do dia a dia que vive a família, mas podem ser de
significado importante.
Algumas crianças podem dar maior destaque às figuras do contexto,
desenhá-lo de forma desproporcional aos membros da família, ou ainda, fazer uso
de figuras do contexto como obstáculo entre membros da família. Segundo
Hammer (1981), uma árvore, por exemplo, entre as figuras do pai e da mãe pode
sugerir dificuldades no relacionamento do casal.
Para Meredieu (1993), entre todos os temas possíveis para o desenho
infantil, o da casa permite apreender o modo com que a criança vive o espaço. É o
primeiro espaço explorado pela criança, símbolo do meio familiar em que se
desenvolvem as primeiras experiências cognitivas e afetivas. A casa é carregada
de afetos. É prolongamento do corpo e da personalidade da criança. A criança
projeta nela suas angústias, suas fantasias, deixando a casa de representar
somente o ambiente externo.
A casa é também o símbolo de todas as “peles” sucessivas que nos
envolvem, o seio materno, o corpo, a família, o universo, que vão se encaixando e
modelando. A representação de uma casa parece, muito particularmente, levar em
conta as interações entre a natureza e a cultura, entre o inato e o adquirido. A
casa é o termo mais carregado de afetividade, mais capaz de desencadear
lembranças e sonhos: a casa da infância, a casa da família, a casa das férias, a
casa dos sonhos. Cada casa possui sua fragrância, alquimia, culinária, ruídos e
silêncios. A imagem da casa, alegre ou não, nos acompanha ao longo de nossa
vida (Grupits, 2003).
O desenho da casa estimula associações conscientes e inconscientes
referentes ao lar e as relações interpessoais. Indica a capacidade do indivíduo em
lidar com situações de estresse, tensões nas relações e para analisar criticamente
problemas gerados por essa situação. As áreas de interpretação do desenho da
casa geralmente referem-se à acessibilidade, nível de contato com a realidade e
grau de rigidez do indivíduo (Buck, 2003). Na análise da casa, são considerados
elementos essenciais o telhado, paredes, porta e janelas, e os acessórios como
chaminé, perspectiva, linha de solo, etc. A ausência destes elementos essenciais
pode suscitar a presença de transtornos; quanto mais lógica e estruturada a casa,
mais adequadas podem ser consideradas as condições da pessoa (Cunha, 2000).
Para outro autor, Hammer (1981), a casa envolve a percepção de família,
seja numa ótica atual, passada ou de um futuro idealizado, mas também pode
representar um auto-retrato. Campos (1996) considera que a casa tanto pode
assumir a significação de auto-retrato quanto expressar a percepção da situação
no lar, seja a presente e/ou a desejada para o futuro.
Diversos autores apontam que algumas características do contexto
merecem atenção especial e que, detalhes do desenho da casa podem apresentar
significados importantes. Segundo dard (2006), os muitos detalhes podem
modificar de uma forma importante, a interpretação de um desenho e de outro. O
desenho de uma casa grande, por exemplo, pode significar que o sujeito esteja
vivendo uma fase mais emotiva que racional. uma casa pequena simboliza um
estado introspectivo. Para Cunha (2000), acessórios como cerca, arbustos, flores,
podem facilitar o intercâmbio com o mundo externo, ou ao contrário, estabelecer
meios de defesa ou proteção. Alguns detalhes da casa se destacam:
Teto: pode ser empregado pelo individuo para simbolizar a área ocupada
na sua vida pela fantasia. Desenhar o teto exageradamente grande pode
significar imersão na fantasia e retraimento do contato interpessoal, bem
como problemas de imaturidade afetiva, ambição maior que a capacidade
de realização. O teto muito elaborado pode significar compulsividade. E a
ausência de teto pode significar que o sujeito está rompendo contato com o
mundo exterior, indivíduos a quem falta fantasia (Campos, 1996).
Portas e janelas: coloca que estes representam canais de comunicação ou
vias de acesso ao mundo externo e sua ausência pode significar
isolamento. A porta muito pequena pode refletir uma relutância em
estabelecer contato com o ambiente, retraimento no intercâmbio pessoal,
timidez e receio nas relações com os outros. E a porta muito grande pode
revelar indivíduos muito dependentes dos outros (Cunha, 2000). Segundo
Bédard (2006), a porta muito pequena indica que o sujeito pode ser muito
seletivo com amigos e parentes. a porta muito grande é um sinal de que
quase todos que se aproximam são bem vindos. Para as crianças que
assim desenham, a vida é quase sempre uma festa. Para Campos (1996),
a janela no lugar normal indica equilíbrio, a janela junto ao teto pode
refletir algum problema somático ou cerceamento, o indivíduo não tem por
onde fugir. Segundo Campos (1996), o desenho de janelas nuas pode
indicar indivíduos que se relacionam com os demais de forma
demasiadamente rude e direta; geralmente, o uso do tato é mínimo em seu
comportamento. janelas com grades podem significar que o indivíduo se
sente cercado, ou desejo de proteção. Janelas com persianas ou cortinas
podem indicar retraimento e relutância à interação com os outros, se
estiverem fechadas. E podem significar atitudes controladas de interação
com o ambiente, se estiverem entreabertas. Segundo Cunha (2000), o
acréscimo de cortinas, persianas, ou o desenho de janelas parcialmente
abertas são compatíveis com a existência de interações com o ambiente,
mas controladas. Campos (1996) afirma que o desenho de uma pessoa na
janela pode indicar uma família bem equilibrada, mas também pode ser
sinônimo de ansiedade. Segundo Bédard, quanto mais janelas a criança
desenha, maior é sua curiosidade em saber o que se passa ao seu redor.
Uma criança introvertida costuma desenhar janelas pequenas e poucas
janelas. Janelas muito grandes podem indicar curiosidade pela vida, mas
também necessidade de estender seu olhar para horizontes mais amplos,
sem limites.
Chaminé: diversas hipóteses interpretativas para a presença da
chaminé, porém alguns autores reforçam que a questão cultural deve ser
levada em conta. Para Campos (1996), a chaminé pode ser considerada
um símbolo fálico, com caráter sexual e de poder, que aparece com
freqüência, nos desenhos de meninos. Entretanto, em indivíduos bem
ajustados, a chaminé indica apenas um detalhe necessário na
representação da casa. Segundo Di Leo (1985), o desenho de uma casa
com a chaminé emitindo fumaça abundante pode significar expressão de
calor e afeto dentro dela. Em contrapartida, para Campos (1996), a
presença de fumaça na chaminé pode indicar conflito. E, segundo Bédard
(2006), pode representar o grau de emoção que prevalece na família e no
ambiente que rodeia a criança. a fumaça em negrito pode indicar um
problema mais grave (Campos, 1996) refletir tensão ou conflitos nas
relações familiares (Hammer,1981) ou reação desfavorável à influência
vivida no seio familiar (Bédard, 2006).
Cercas desenhadas em torno da casa, podem representar comportamento
defensivo. o desenho de um caminho bem feito, proporcionado,
conduzindo à porta, pode indicar controle e tato no seu contato com os
outros. Um caminho longo e sinuoso pode ser desenhado por indivíduos
que inicialmente se retraem, mas eventualmente se tornam cordiais e
estabelecem uma relação emocional com os outros; se mostram cautelosos
em fazer amizades, mas quando a relação se desenvolve, tende a ser
profunda. Caminhos bifurcados podem indicar indecisão ou imaturidade
afetiva (Campos, 1996).
A presença de transparências pode sugerir problemas nos limites pessoais
com a realidade, mas também pode ser atribuída à maturidade, quando o
desenho é realizado por crianças pequenas. A linha do solo representa o
contato com a realidade (Cunha, 2000).
Segundo Campos (1996), o desenho da casa com árvores, vegetais, jardim,
e outros detalhes podem indicar falta de segurança, com intuito de cercar e
proteger a casa. Muito jardim pode indicar desejo e repressão. Ao desenhar uma
árvore, o sujeito seleciona em sua memória, dentre o número incontável de
árvores que viu, aquela com a qual tem maior identificação empática e, ao
desenhar, a modifica e a cria. O indivíduo se projeta ao desenhar a árvore,
tornando-a um verdadeiro auto-retrato. Segundo a autora, no mito e no folclore, a
árvore tem simbolizado vida e crescimento.
O desenho da árvore representa o crescimento (Buck, 2003). É uma
expressão gráfica da experiência de equilíbrio sentida pelo indivíduo e da visão de
seus recursos internos para obter satisfação no meio ambiente. Considera-se na
interpretação o tronco, copa ou galho, frutos, linha de solo e raízes. Campos
(1996), afirma que ao interpretar o desenho de uma árvore, pode-se julgá-lo como
um todo e, mesmo antes de analisar os detalhes, pode-se ter uma impressão geral
de harmonia ou de inquietação, de vazio, de nudez, ou de plenitude.
Tronco: Para Buck (2003), o tronco representa o sentimento de poder
básico e força interior do sujeito, a área básica do autoconceito. De acordo
com Cunha (2000), o tronco pode representar a auto-estima, e
irregularidades no tronco podem indicar sentimentos de inadequação.
Bédard (2006) afirma que o tronco representa a energia física da criança. O
tronco foi desenhado com linhas tremidas, de acordo com Campos (1996),
pede significar algum tipo de trauma físico ou psíquico. Segundo Campos
(1996), o tronco solto no espaço, pode significar falta de apoio,
desorientação, insegurança. O tronco curto pode indicar pressão externa ou
falta de expressão de si. O equilíbrio entre a copa e o tronco da árvore, ou
seja, de tamanhos proporcionais, pode significar imaturidade, predomínio
da vida instintiva. O desenho do tronco mais longo que a copa é normal
para crianças até o jardim de infância; para crianças de idade escolar, a
copa pode ser do tamanho do tronco. a copa mais longa que o tronco pode
representar predomínio da esfera intelectual, espiritual. Pode significar
também uma tendência para o cômico, capacidade de abstração ou
idealismo. E ainda, arrogância, fanatismo apaixonado, ambição. Entre
meninas o tronco é um pouco mais longo que entre meninos. Segundo Di
Leo (1985), o desenho de uma árvore com o tronco grande, longo, é típico
de crianças, indicando vida emocional dominante. O reforço nas linhas de
contorno do tronco pode refletir a necessidade de manter intacta a
personalidade, empregando defesas para encobrir e combater o temor de
desintegração desta, tentando proteger-se (Campos, 1996).
Nódulos: a presença de nódulos no tronco pode indicar situação
traumatizante, um evento traumático na vida de quem desenha (Campos,
1996; Di Leo, 1991).
A estrutura dos galhos, assim como a integração de braços e pernas na
figura humana, revela a capacidade para obter satisfação do ambiente
(Buck, 2003). Os galhos representam os recursos utilizados pelo indivíduo
para aproximar-se dos outros, para expandir e realizar-se. Pode-se
desenhar uma pessoa com longos braços abertos como num esforço
varonil, mas seu desenho da árvore apresenta galhos truncados,
mostrando o que realmente sente. As hipóteses interpretativas irão
depender do tipo de galho desenhado pelo sujeito. O desenho de galhos
finos e pequenos pode indicar, por exemplo, avareza, o de galhos
frondosos e vivos indicam humor alegre (Campos, 1996).
A raiz corresponde à parte inconsciente, às forças impulsivas e instintivas.
O desenho da árvore com a representação da linha da terra, na qual fica
subentendida a raiz pode ser indicador de equilíbrio e maturidade. De modo
inverso, raízes visíveis podem indicar imaturidade, mas não relacionada
diretamente com o nível intelectual, e sim, à vida instintiva. No entanto a
raiz vista através de solo transparente pode indicar falha na capacidade do
sujeito de perceber a realidade (Campos, 1996).
A copa representa a organização da personalidade e a maneira de interagir
nom o ambiente. A ausência de folhas pode se relacionar com
vulnerabilidade ou, eventualmente, insatisfação. Frutos pendentes sugerem
necessidade de dependência, em desenhos de crianças, e se estiverem no
chão, sentimentos de rejeição (Cunha, 2000). As extremidades da copa são
a zona de intercâmbio com o ambiente, onde se relacionam o “internoe o
“externo” (Buck, 2003). Para Campos (1996), arcadas na copa podem
significar bons modos, obsequiosidade. A copa esférica aparece mais
freqüentemente em desenhos de meninos e é mais encontrada em
desenhos de crianças na faixa dos 7 anos de idade. Este tipo de copa pode
indicar tendência ao fantástico, convencionalismo, falta de sentido
construtivo, inclinações e aspirações não diferenciadas, presunção, falta de
energia, puerilidade, ingenuidade, medo da vida real, falta de autenticidade,
tipos emotivos, tipo acomodado, impressionabilidade, falta de
concentração. A copa encaracolada pode indicar atividade, mobilidade,
intranqüilidade, fadiga, comunicabilidade, cortesia, alegria, humor,
entusiasmo, vingança, falta de perseverança, improvisação, ostentação,
romantismo, valorização do aspecto externo, talento descritivo, bom gosto,
pedantismo, confusão, exagero, malabarismo, vaidade, superficialidade,
capricho, despreocupação. A copa pequena é considerada normal nos
desenhos de crianças aos 9 ou 10 anos. Em desenhos de crianças mais
velhas pode indicar imaturidade, infantilidade. A copa grande pode indicar
fantasia, vaidade, entusiasmo, exibição. A copa sombreada pode indicar
impressionabilidade, empatia, indeterminação, irresolução, confusão,
irrealidade, mas também pode significar neutralidade, passividade e
suavidade.
Flores: segundo dard (2006), as flores são o símbolo do amor. A criança
que desenha flores deseja agradar.
As folhas podem significa vivacidade, preocupação com a aparência,
leviandade, primitivismo, ostentação, ingenuidade e dotes decorativos
(Campos, 1996). Para Bédard (2006), o desenho de muitas folhas indica
criatividade, muitas idéias e projetos.
Frutos: indicam produto, utilidade, rendimento da árvore, portanto, indicam
desejo de maturação, de compreender os problemas da vida. O desenho de
frutos, na infância e na adolescência, pode significar gosto pelo resultado
imediato, desejo de triunfar, ou também impaciência, oportunismo. O
desenho de frutos que caem podem significar sacrifício, renúncia,
abdicação, frustração, sentimento de morte, ou de perda (Campos, 1996).
Nuvens: Segundo dard (2006), nuvens são necessariamente indicio de
mal tempo, mas também geram chuva e vivifica. O desenho de nuvens
pode indicar que a criança sabe que em sua vida tem momentos bons e
ruins. O desenho de uma nuvem escura pode simbolizar um tipo de
ameaça (Di Leo, 1991).
Sol: De acordo com Campos (1996), o sol é um símbolo paterno, indica
masculinidade. Segundo Bédard (2006), a atribuição do significado paterno
à figura do sol vem passando por transformações ao longo dos anos. Ele
representa a energia masculina e define nosso lado independente e
combativo. O sol aparece nos desenhos das crianças muito mais que a lua
e as estrelas, e sua interpretação está relacionada a relação da criança
consigo mesma ou com seus pais. Este tipo de interpretação está
diretamente relacionado à posição do desenho na folha de papel. Como
visto anteriormente, segundo a autora, o lado esquerdo representa o
vínculo com a e. O sol desenhado deste lado pode representar a
influência de uma mãe independente. O desenho de raios solares muito
grandes pode indicar que a mãe demasiadamente envolvente. Quanto mais
fortes são os raios, maior é a suspeita de que há uma e que impõe suas
vontades e controlar o filho. O sol desenhado do lado direito revela a
percepção que a criança tem de seu pai. Um sol excessivamente radiante
pode indicar certa tendência à violência verbal ou física por parte do pai. E
um sol sem raios demonstra perda de entusiasmo e, talvez, de autonomia.
O sol desenhado no centro da folha representa o próprio indivíduo. Neste
caso, se trata de uma criança que quer ser independente e que imagina ter
certa responsabilidade com seus pais.
Lua: a lua representa o aspecto feminino, intimamente ligado à doçura,
adaptação e intuição. Assim, a criança que percebe sua mãe como uma
pessoa doce e flexível, intuitiva e atenta, desenha a lua do lado esquerdo
do papel. A lua desenhada do lado esquerdo também pode representar um
pai imaginativo e com talento artístico (Bédard, 2006).
Animal: o tipo de animal desenhado pela criança mostrará a origem de
suas preocupações, se físicas, emocionais ou intelectuais. O desenho de
um cachorro pode significar que gosta de companhia. Geralmente é uma
criança muito ativa. o desenho de um gato pode significar necessidade
de independência. O desenho de um cavalo, geralmente, é característico
de crianças ambiciosas, que falam com freqüência do que fará no futuro. O
pássaro é muito habitual nos desenhos de crianças, e demonstram
curiosidade e alegria, mas também desejo de fazer muitas coisas ao
mesmo tempo. O desenho de água e peixes simboliza tranqüilidade e
sentimento de felicidade se está sozinho ou em grupo (Bédard, 2006).
Reiterando o que foi mencionado anteriormente com relação à interpretação
dos detalhes do Desenho da Família, destaca-se para a análise do contexto que
uma avaliação global dos desenhos não deve negligenciar o significado dos itens
individuais. Estes requerem atenção especial quando existem muitos elementos
apontando na mesma direção e encontram significados dentro do contexto global.
Para o autor, a impressão geral do desenho é muito importante (Di Leo, 1991).
1.3.6. Decifrando desenhos de vítimas de violência
Alguns autores fizeram uso de desenhos de vítimas de violência em seus
estudos, sucintamente descritos a seguir.
Mayer (2002) investigou a rede de apoio social e afetivo e a representação
mental das relações de apego de meninas vítimas e não-vítimas de violência
doméstica através do Desenho da Família e de outros dois instrumentos
(entrevista bio-sociodemográfica e Mapa dos Cinco Campos). Foram avaliadas 40
meninas, sendo vinte vítimas de violência doméstica (abuso físico) e vinte
meninas não-vítimas, com idades entre oito e doze anos, com renda familiar de no
máximo um salário mínimo e que freqüentavam da segunda a quinta rie do
ensino fundamental no Rio Grande do Sul. O grupo de meninas vítimas de
violência havia sido encaminhado por instituições e/ou escolas, que haviam
identificado o problema e registrado as ocorrências de violência doméstica nos
órgãos competentes (Conselho Tutelar, Ministério Público). O grupo de meninas
não vítimas foi composto por pares de igual sexo que freqüentavam as mesmas
escolas, emparelhadas por escolaridade, idade, constituição familiar e situação
econômica. O Desenho da Família foi analisado segundo a proposta de Fury,
Carlson e Sroufe (1997) a partir do sistema de escore de Kaplan e Main para
avaliar a representação mental das relações de apego, cuja Escala de Freqüência
de Sinais Específicos é composta por 24 itens que descrevem características do
desenho, tais como, falta de individuação, rigidez nos braços, exagero na cabeça,
falta de cor, etc., que são pontuados de acordo com a sua freqüência nos
desenhos. No Brasil, foi adaptado por Cecconello (1999). Desenhos que
apresentam determinado sinal recebem um ponto, desenhos que não apresentam
o sinal recebem zero. Os sinais apresentados nesta escala indicam características
de apego inseguro. A Escala Global para avaliação do desenho da família é
composta por oito subescalas: 1) Vitalidade/Criatividade; 2) Felicidade/Orgulho da
Família; 3) Vulnerabilidade; 4) Distância Emocional/Isolamento; 5) Tensão/Raiva;
6) Papéis Invertidos; 7) Dissociação; e, 8) Patologia Global. A pontuação nessas
escalas vai de 7 a 1 (muito alto a muito baixo). Nas escalas de
Vitalidade/Criatividade e Felicidade/Orgulho da Família, quanto mais alta a
pontuação, melhor é o desenho em termos de criatividade e sentimentos de
felicidade com relação à família. Nas demais escalas, quanto mais alta a
pontuação, o desenho apresenta mais características negativas. Os desenhos
foram avaliados por dois pesquisadores que atuaram individualmente, se
reunindo, posteriormente, para discutir eventuais discordâncias a obter
consenso. Quando discordâncias posteriores aconteceram, um terceiro avaliador
interveio no processo e participou da discussão até obter consenso. O estudo
encontrou que os itens sinalizados com mais freqüência pela amostra total foram:
a) falta de cenário (50%); b) figuras flutuando e omissão da e ou da criança
(42,5%); c) rigidez nos braços; d) figuras incompletas (30%); e) afeto facial neutro
(25%); e, f) criança posicionada muito longe da mãe (22,5%). Não se notou
diferença estatisticamente significativa (p>0,05) entre os dois grupos de meninas
com relação aos sinais específicos do Desenho da Família. Para comparar os dois
grupos (vítimas e não-vítimas), a autora agrupou os sete níveis originais de
pontuação nas escalas de Avaliação Global (segundo sugestão de Cecconello,
1999) em três níveis devido ao baixo número de observações por escore individual
em cada grupo, gerando três novos níveis para cada uma das subescalas e para o
total: alto=7, 6; moderado=5, 4 e 3; e baixo=2 e 1. O teste de Qui-quadrado
revelou diferença significativa nas subescalas de vulnerabilidade (p=0,03), tensão
e raiva (p=0,02), dissociação (p=0,01) e patologia global (p=0,05), todas mais
apresentadas pelo grupo vítimas de elevada violência. Este estudo demonstrou
que uma rede de apoio social e afetiva ampla pode proporcionar um
desenvolvimento mais saudável para meninas vítimas de violência doméstica.
Também foi verificado que a representação mental das relações de apego é, em
sua maioria, do tipo inseguro para estas meninas. Por outro lado, meninas não-
vítimas de violência doméstica, vivendo no mesmo ambiente comunitário violento
que meninas vítimas, apresentaram uma rede de apoio social e afetiva mais ampla
e a representação mental das relações de apego que apresentam são mais do tipo
seguro, baseadas na confiança. Os resultados deste estudo possibilitaram ainda
identificar formas de promover resiliência e minimizar ou interromper o ciclo da
violência dentro destas famílias.
Bonavides (2005), também utilizou o Desenho da Família junto a outros
instrumentos em sua pesquisa para investigar a auto-estima de sete crianças com
idade entre seis a doze anos, vítimas de violência física familiar. Foram
selecionadas 7 crianças (três meninos e quatro meninas) com idade entre 6 a 12
anos, estudantes de três escolas públicas, cujas famílias haviam sido denunciadas
no programa S.O.S. Criança, do município de Natal RN. Neste estudo, as
crianças, após uma seqüência de atividades, foram solicitadas a realizar o
desenho de uma família e, posteriormente, o desenho de sua família. O intuito da
utilização dos Desenhos da Família, de ambas as formas, neste estudo, não foi
interpretá-los, e sim, utilizá-los como uma atividade desencadeadora do discurso
da criança, tornando alguns elementos da dinâmica familiar mais facilmente
perceptíveis aos avaliadores. O estudo verificou que a violência é muito presente
na vida destas crianças, inclusive na forma de educá-las, prejudicando a
efetivação dos vínculos familiares e contribuindo para a reprodução do fenômeno
fora do contexto familiar. E, com relação à auto-estima, encontrou que as crianças
demonstram dificuldades de se aceitarem como são e de amor próprio, mostrando
grande insatisfação física e vontade de que suas realidades fossem diferentes,
bem como sentimentos de tristeza, medo e culpa. O estudo aponta estes fatos
como conseqüência da vitimização de violência. o apresenta análise dos
desenhos.
Koehler (2005) realizou um estudo com alunos matriculados, na série
das escolas da Rede Pública e Particular no município de Guaratinguetá, São
Paulo, Brasil, no ano de 2001, buscando identificar a existência de violência
psicológica na relação professor-aluno. Utilizando como instrumento de pesquisa,
um questionário e o desenho, no qual o adolescente deveria representar o pior
professor que tivera. Os resultados desta pesquisa possibilitaram,
estatisticamente, demonstrar “a partir da voz dos adolescentes” a prevalência do
fenômeno da Violência psicológica na relação professor-aluno, nos “atos dos
professores e nos sentimentos” frente a estes atos, fazendo uma reflexão a esse
respeito. A análise dos desenhos de 465 estudantes aponta dados interessantes:
a) figura humana com atitudes desfavoráveis (36,2% dos desenhos): professor
autoritário, agressivo, punitivo, rangendo os dentes; gestos que demonstram o
poder por exemplo, braços erguidos, braços em riste; mãos na cintura, rosto
sisudo, olhar de reprovação, régua na o do professor em posição ameaçadora;
b) figuras mitológicas que causam medo (23,8%): bruxa, demônio com tridente e
chifres, monstros; c) figuras humanas ridicularizadas/humor (14,7%): nariz
enorme, corpo desproporcional, gordos, descabelados; d) figura humana com
aspectos intelectuais ou cognitivos da aprendizagem (9,8%): professor com livro,
óculos destacados no desenho, livro aberto, camisa do professor com operações
matemáticas; quadro negro com operações matemáticas; mesa com livro; e)
ambiente (5,6%): sala de aula; mesa, carteiras com alunos; f) figura humana com
atitudes favoráveis (4,4%): em relação ao professor/escola; sorriso no rosto do
professor, professor com os braços abertos; coração na camisa; e) objetos (3.3%):
caderno, garrafa de pinga, lousa; tubo de cola, livro, gua; f) figura de um animal
(2,2%): vaca, macaco, cobra; baleia; cachorro. Verificou-se, neste trabalho, uma
visão mais negativa dos alunos em relação aos seus professores.
Beraldo e cols. (2006) fizeram uma pesquisa com 112 universitários de uma
universidade particular do Sul de Minas Gerais - Brasil, provenientes do curso de
Farmácia, Odontologia e Radiologia, buscando encontrar indicadores de abuso
sexual que pudessem ter ocorrido antes dos 18 anos, no Desenho da Figura
Humana. Neste trabalho foram comparadas as respostas de um questionário
sobre sexualidade, aplicado anteriormente ao desenho, e os indicadores sexuais
sugeridos por Retondo (2000) para a interpretação do Desenho da Figura
Humana. Analisou-se apenas aqueles indicadores que apareceram nos desenhos
tais como: desenho do sexo oposto; figura nua do próprio sexo ou o, nua com
partes sexuais acentuadas, parcialmente nua, roupa transparente ou com
elementos sexuais por meio da figura, figura com calça ou saia transparente;
transparência na figura; cabelo (grudado em caracol ou cabelo repartido no meio);
olhos (muito bem trabalhados ou para cima); nariz grande; boca (arredondada ou
oval com lábios grossos ou boca com lábios finos); orelha (muito grande,
enfatizada ou pontiaguda); ombros arredondados; tórax (arredondado ou com
linha suaves, quando desenhados por homens, ou rax com parte inferior o
fechada); seios com ênfase na figura masculina; omissão dos pés; complemento
(jóias, pintura ou adornos); sapato de salto alto; camisa (paletó, blusa ou camisa
com botões); chapéu sobre o cabelo; mãos (no bolso e mãos cruzadas na linha da
zona central); pernas (com ênfase no joelho, recusa em desenhar o corpo abaixo
da linha da cintura ou indicação muito sumária da região das pernas); calça com
vinco; roupas (ausência de roupas, roupa íntima e traje de banho); decote em V;
barba ou bigode; corpo estereotipado e cinto com fivela. Para verificar a relação
entre as respostas no questionário sobre a sexualidade e traços de indicadores
sexuais no DFH, o autor selecionou a pergunta ‘você se considera vítima de algum
tipo de abuso ou violência sexual antes dos 18 anos de idade’, visando
caracterizar a ocorrência de abuso ou violência sexual. Para explorar possíveis
diferenças entre o abuso sexual e os indicadores da figura humana, o autor dividiu
os estudantes em dois grupos. O primeiro grupo foi composto por estudantes que
responderam que se consideravam vítimas de algum tipo de abuso ou violência
sexual antes do 18 anos de idade (34,5%; n=10) e o outro por 20% da amostra de
estudantes que responderam não se considerar vítima de algum tipo de abuso ou
violência sexual antes dos 18 anos de idade (65,5%; n=19). A seleção dos 20% da
amostra foi aleatória, visando um maior equilíbrio entre os grupos. O protocolo de
cada grupo foi avaliado qualitativamente no que tange aos itens da figura humana.
Os resultados evidenciaram que para a maior parte dos itens não houve diferença
entre os itens desenhados na figura humana entre as pessoas que responderam
que se consideravam vítimas de algum tipo de violência sexual antes do 18 anos
de idade e aquelas que responderam que não. Entretanto, destaca-se o fato de o
grupo que respondeu não se considerar vítima de nenhum tipo de violência sexual
antes do dezoito anos, desenhou os itens “nariz grande”, “ausência de pés” e
“calça com vinco”, que apontam traços de indicadores de sexuais no desenho. Os
resultados gerais mostraram que o relato de abuso ou violência sexual antes dos
18 anos foi baixo. E que os sujeitos não diferenciam abuso de violência sexual.
Vale a pena destacar que a caracterização de abuso sexual engloba atos muito
variados e díspares.
Palmer e cols (2000) utilizaram o teste HTP (House-Tree-Person) para
avaliar crianças vítimas de abuso sexual e investigar a validade deste instrumento
na avaliação deste tipo de violência. Foram comparados os testes realizados por
47 crianças vítimas e 82 não vítimas de abuso sexual, pareadas por sexo, idade,
grupo étnico e estrato sócio-econômico. O protocolo criado a partir do HTP inclui 4
escalas: preocupação com conceitos sexuais relevantes, agressão e hostilidade,
abstinência e alerta/perigo. Os resultados da investigação indicam cautela quanto
à eficácia dos escores total de pontuação do HTP na avaliação de histórias de
abuso sexual em crianças.
Amir e Lev-Wiesel (2007) realizaram um estudo em Israel, com o objetivo
de investigar a dissociação, definida como um distúrbio ou alteração das funções
normalmente integradas de identidade, memória ou consciência, representadas
nos questionários e desenhos feitos por 27 pessoas que sofreram abuso sexual na
infância, sendo dois homens e vinte e cinco mulheres, clientes de dois centros de
tratamento de vitimas deste tipo de violência. Os desenhos, neste estudo,
serviram como uma narrativa visual, permitindo divulgar as experiências e
memórias dos “sobreviventes” ao abuso sexual na infância. Somente no grupo
adulto se constatou associação de indicadores de desrealização no desenho
(cena irreal, ambiente vazio) com um questionário de experiência dissociativa.
Detalhes apresentados que chamaram atenção são: cama e pessoas nela
deitadas flutuando (mulher de 59 anos abusada sexualmente pela avó aos 5 anos
de idade), menino se desenhou separado de seu corpo (sugerindo
despersonalização), vítima e perpetrador muito similares no desenho (indicando
possível confusão de identidade).
Piperno e colaboradores (2007), aproveitando dados de um estudo
prospectivo realizado na Itália, avaliaram os desenhos de 12 crianças que haviam
sido abusadas fisicamente, 12 sexualmente e 12 que não sofreram violências.
Todas as crianças tinham entre 5 e 10 anos de idade. Os resultados mostraram
diferenças significativas entre os grupos vitimizados e o que o sofreu violência.
Dentre os que foram vítimas encontrou-se mais a presença de corpos distorcidos
e figura humana sem muitos detalhes. Muitas crianças vítimas de violência
deixaram de desenhar o principal cuidador.
Como visto aqui de forma sintética, existem estudos que utilizam o desenho
como instrumento de investigação de violência, porém poucos exploram detalhes
do desenho. A maioria deles investiga abuso sexual. Apesar dos diferentes
objetivos e diferentes cnicas projetivas utilizadas, é comum a comparação de
grupos de vítimas com não-vítimas de determinado tipo de violência. O fato é que
cada vez mais este tipo de técnica vem sendo utilizada, tanto em abordagens
quantitativas, quanto em qualitativas, pelo seu aspecto interpretativo. Junto a
outros instrumentos, o desenho tem sido considerado um poderoso aliado nas
investigações de crianças.
Capítulo 2
Materiais e métodos
Esta dissertação de mestrado é fruto de um estudo seccional seguido de
acompanhamento (Kleinbaum e colaboradores, 1982), realizado nos anos de 2005
e 2006 com 500 crianças escolares, intitulado “A violência familiar produzindo
reversos. Problemas de comportamento em crianças escolares de o Gonçalo
Rio de Janeiro”. A pesquisa foi financiada pelo CNPq.
Todas as crianças foram selecionadas em 2005 na série do primeiro
segmento do ensino fundamental das escolas municipais de São Gonçalo, através
de amostragem por conglomerado em três estágios de seleção: 1) escolas
selecionadas proporcionalmente ao tamanho das turmas (PPT); 2) duas turmas de
série por escola, selecionadas aleatoriamente; 3) 10 alunos selecionados
aleatoriamente em cada turma, através das listas de chamada, a fim de minimizar
o número de instrumentos respondidos por professor e evitar vieses e recusas.
O tamanho de amostra (proporção de 50%, nível de significância de 1,98%
e erro relativo de 5%) foi calculado de forma a maximizar a variância e
conseqüentemente o tamanho da amostra, minimizando os efeitos de perda
durante o seguimento da coorte ao longo do tempo.
No ano seguinte, todas as crianças foram novamente avaliadas,
observando-se uma perda de 28 crianças da amostra inicialmente estudada.
A presente dissertação está essencialmente baseada nos dados de 2005;
todavia, alguns dados analisados provem de informações coletadas em 2006.
Instrumentos e medidas utilizadas na pesquisa original
Foram aplicados questionários aos responsáveis pelas 500 crianças
(especialmente es), buscando conhecer: o perfil da criança e da família; o
comportamento da criança; o tipo de tratamento que a criança recebe em casa,
incluindo a convivência com violência física e emocional; os cuidados iniciais
prestados a criança; questões perinatais; o relacionamento familiar, escolar e
comunitário; o rendimento escolar da criança; as situações de risco vividas pela
criança e família; as experiências familiares estressantes; o apoio social à família;
e os aspectos psicológicos da mãe, ou de quem cuida da criança. O tema da
violência em outros espaços sociais como escola e comunidade também foram
indagados. Também foi aplicado um instrumento à professora da criança que
enfocou, especificamente, as questões de comportamento da criança na escola e
com os amigos e o rendimento escolar do aluno.
Quanto à violência cometida pelo responsável sobre a criança, utilizou-se a
Escala Tática de Conflitos CTS-PC (Straus, 1979). A CTS consiste de uma lista
de ações que pode tomar um membro da família quando em conflito com outro. A
escala é medida através da presença de pelo menos um ato violento cometido
pelo pai e pela mãe (separadamente) em cada um dos três níveis: 1) agressão
verbal (ou simbólica): uso de meios simbólicos ou verbais para ferir ou agredir a
criança, como xingar ou insultar, ficar emburrado, chorar, fazer coisas para irritar,
destruir, bater ou chutar objetos, 2) violência menor: atos que têm a intenção
(percebida ou não) de causar dor física ou ferir a criança, como jogar objetos
sobre o pesquisado, empurrar, dar tapas ou bofetadas, 3) violência severa: atos
com alto potencial de ferir a criança, como dar murros, chutar, bater ou tentar
bater com objetos, espancar, ameaçar ou realmente usar armas de fogo ou faca.
A escala também permite aferir a violência entre os pais, colocando a criança
como testemunha dessa violência.
Em 1996, esta escala foi validada para a população brasileira com mães de
baixa escolaridade e sofreu adaptação transcultural do instrumento a partir de uma
avaliação formal de equivalência semântica e de mensuração com resultados
satisfatórios (Hasselmann e Reichenheim, 2003). Vem sendo utilizada no país
com êxito. Em um estudo realizado com 1923 adolescentes escolares de São
Gonçalo bons dados psicométricos são verificados: alfa de Cronbach para a
violência do pai e da mãe, respectivamente foi de 0.93 e 0.83; ICC de 0.79 e 0.84
e kappa substancial e moderado. Em relação a validade de constructo, ambos os
tipos de violência se correlacionaram entre si. A violência da mãe se correlacionou
inversamente com satisfação de vida e positivamente com violência sexual,
psicológica e entre os pais, violência na escola e na localidade e com o fato do
jovem ser transgressor. A violência do pai correlacionou-se com violência sexual e
jovem transgressor (Assis et al. 2006).
No questionário também foram inseridas poucas questões para aferir a
existência de violência sexual contra a criança.
Após a aplicação do questionário aos responsáveis, as crianças foram
entrevistadas individualmente na escola, aplicando-se inicialmente a Escala de
Inteligência Weschsler – WISC III - para crianças (Weschsler, 1991) em sua
versão reduzida, adaptada à crianças brasileiras (Figueiredo, 2001).
Imediatamente após seu término, as crianças foram solicitadas a participar da
aplicação do desenho da família: 479 realizaram seus desenhos em 2005 e 14 em
2006, no segundo ano de acompanhamento das crianças. Alguns motivos
justificaram este atraso na aplicação dos desenhos, tais como dificuldade em
retornar a escola devido à violência na comunidade e falta da criança no dia da
aplicação do desenho e ainda, cinco crianças recusaram-se a desenhar em 2005.
Logo, 493 crianças realizaram o desenho da família na pesquisa original.
Desenho da família como instrumento de pesquisa
Minha participação na pesquisa original teve, desde o início, o interesse
primordial de estudar a existência de uma possível relação entre ser vítima de
violência familiar e expressão de características específicas no desenho infantil.
Por essa razão, priorizamos a aplicação do desenho da família na pesquisa e o
outra técnica projetiva, considerando-se o pouco tempo disponível para o contato
com as crianças na escola.
O instrumento de coleta e análise de dados para o desenho utilizado nesta
pesquisa contém o Teste do Desenho da Família – DF (Campos, 1996; Parot 1952
apud Ortega, 1981); escalas desenvolvidas para a avaliação do Desenho da
Figura Humana (Koppitz, 1968), neste caso, utilizadas apenas para avaliar a
presença dos itens componentes das pessoas da família desenhadas pela
criança, a fim de comparar os desenhos das crianças com e sem vitimização (sem
a avaliação de escores); manual de interpretação do Teste da Casa-Árvore-
Pessoa - House-Tree-Person HTP (Buck, 2003; Campos 1996), neste caso
utilizado para avaliação da casa e da árvore presentes no contexto dos desenhos,
quando existentes e para avaliação das pessoas da família; estória contada pela
criança após a realização do desenho da família, com base no Teste de Walter
Trinca (1987) – Desenho da Família-Estória (DF-E). (anexo 1)
Para auxiliar a análise dos dados encontrados no desenho, foram utilizados
além destes, informações utilizadas por renomados autores como Corman (1979),
Machover (1949), Hammer (1981), Di Leo (1985), Rodriguez e Velasco (2006),
entre outros. A agregação de tais informações fornece subsídios para a atribuição
de significados aos diversos aspectos dos desenhos.
A aplicação do desenho da família foi executada pela autora deste trabalho,
junto a outras três psicólogas e uma estudante, bacharel em psicologia. A cada
criança foi demandado que desenhasse a sua família (Campos, 1996; Parot 1952
apud Ortega, 1981) em uma folha branca, tamanho ofício, de posse de um lápis
preto, n.2, sem oferecimento de borracha (Corman, 1967). Aqueles que quiseram
recomeçar o desenho por alguma razão, utilizaram o verso da folha. Apenas
quando a criança hesitava em iniciar a tarefa, o pesquisador a encorajava.
Após a realização do desenho, a criança respondeu a um pequeno
questionário, baseado no inquérito proposto por Corman (1967) em sua aplicação
do Desenho da Família, solicitando-se que a criança apontasse: 1) personagens
desenhados; 2) ações realizadas por pais e criança; 3) qual o melhor personagem
dentre os desenhados e porquê razão; 4) qual o pior personagem dentre os
desenhados e porquê razão; 5) qual o mais feliz e porquê razão; 6) qual o menos
feliz e por quê razão; 7) qual o personagem familiar preferido; 8) qual o
personagem familiar gostaria de ser. Em seguida, solicitou-se à criança que
contasse uma história sobre o desenho (Trinca, 1987).
Durante a aplicação o pesquisador anotou: 1) ordem dos personagens no
desenho; 2) negativa para a realização do desenho e justificativa; 3) alegação de
incapacidade para a realização do desenho e justificativa; 4) hesitação ante a
figura de determinado personagem e, 5) em que ponto da gina foi iniciado o
desenho (Corman, 1979; Hammer, 1981; Cunha, 2000; Campos 1996).
A ficha de avaliação dos desenhos foi organizada da seguinte forma:
1) Características gerais do desenho (Campos 1996; Klepsch e Logie,
1984): 1) posição do desenho na folha (quadrantes); 2) força do traçado; 3)
tamanho dos personagens; 4) existência de linhas de base para os personagens
do desenho; 5) nível dos personagens; 6) personagens ao lado da criança; 7)
personagens mais longe da criança; 8) personagens com traçado mais rico em
detalhes; 9) personagens com traçado mais simples; 10) personagens com
traçado mais reforçado ou em negrito; 11) distinção de sexo masculino e feminino;
12) personagens riscados ou excluídos; 13) desenho de pessoas falecidas; 14)
desenho no verso do papel; 15) personagens com partes do corpo destacadas;
16) personagens envolvidos em círculo ou quadrado; 17) família separada em
grupos; 18) família de mãos dadas; 19) ação de agressão na família e; 20)
presença de objetos fálicos.
2) Para a avaliação da existência ou não dos detalhes que compõem os
desenhos das pessoas integrantes da família, foram utilizados como base os itens
contidos nas escalas criadas por Koppitz (1968) (Hutz e Antoniazzi, 1995; Cunha,
2000). São eles:
a) Itens evolutivos: cabeça; olhos; pupilas; sobrancelha/cílios; nariz;
narinas; boca; lábios; orelhas; cabelo; pescoço; corpo; braços, qualquer
representação; braços em duas dimensões; braços apontando para baixo; braços
corretamente ligados aos ombros; cotovelos; mãos; dedos; número correto dedos;
pernas; pernas em 2 dimensões; joelho; pés; pés em 2 dimensões; perfil; roupa 1
peça; roupa 2 ou 3 peças; roupa 4 ou mais peças; boas proporções da figura
(tamanho:cabeça/tronco/membros).
b) Itens emocionais: integração das partes; sombreamento do rosto;
sombreamento do corpo e/ou dos membros; sombreamento das mãos e/ou do
pescoço; assimetria grosseira dos membros; figura inclinada; figura minúscula (5
cm ou menos de altura); figura grande (23 cm ou mais de altura); transparência;
cabeça minúscula; olhos vesgos; dentes; braços curtos; braços longos; braços
grudados ao corpo; mãos grandes; mãos decepadas; pernas juntas apertadas;
órgãos genitais; monstro ou figura grotesca; três ou mais figuras desenhadas
espontaneamente; nuvens; falta de olhos; falta de nariz; falta de boca; falta de
corpo; falta de braços; falta de pernas; falta de pés; falta de pescoço.
No presente estudo, os itens evolutivos e emocionais de Koppitz foram
avaliados apenas nos cinco primeiros personagens da família, desenhados pela
criança, para verificar presença ou ausência destes.
As escalas de Koppitz (1968) (Hutz e Bandeira, 1995; Cunha, 2000) foram
escolhidas para integrar o instrumento, na pesquisa original, pelo fato de serem
utilizadas em diversos estudos com crianças vítimas de violência, sendo
reconhecida sua validade para tal, e também para que fossem utilizadas em
outros estudos, como é o caso desta dissertação.
3) Avaliação do contexto do desenho, quando existente, foi avaliada
seguindo indicações do HTP Desenho da casa, árvore, pessoa (Buck, 2003;
Campos. 1996). Inclui os seguintes itens: existência de contexto para o desenho
(casa, jardim, árvore, nuvem sol, lua, animais, outros); figura do contexto como
obstáculo para os personagens; análise da casa e da árvore; destaque para
alguma figura do contexto; desproporção de alguma figura do contexto.
A elaboração de instrumentos para a avaliação de desenhos da família vem
sendo utilizada por diversos autores. Algumas pesquisas, inclusive, têm adaptado
o desenho da família aos temas por elas investigados. o existe na literatura um
sistema padronizado para avaliá-lo, de modo a minimizar a subjetividade em sua
interpretação. Alguns exemplos de pesquisas que propõem formas de análise
próprias, a partir de técnicas existentes são: a) Peres (2000), que, em sua
pesquisa com andarilhos de estradas, elaborou um protocolo de avaliação do
Desenho da Família, baseado nos métodos avaliativos do Desenho da Figura
Humana e HTP; b) Lemos (2007), que, em um estudo sobre orientação
profissional, desenvolveu o procedimento de Desenhos de Profissionais com
história, adaptando a técnica de Walter Trinca, de Desenhos Estórias, para
investigar os aspectos psicológicos das escolhas profissionais.
Apesar de ser comum em diversos estudos, vale lembrar que existem
algumas limitações ao avaliar o desenho infantil com a utilização da combinação
de diferentes técnicas, pois, cada teste possui uma determinada forma de
aplicação, ficando sua análise atrelada a esta. O Desenho da Família é diferente
do Desenho da Figura Humana e do HTP, portanto aplicar uma cnica e avaliar
por outra pode produzir respostas diferentes, gerando alterações nos resultados.
Com o cuidado para que isso não ocorresse, foram utilizadas apenas as listagens
de itens das escalas de Koppitz (1968), para avaliar as figuras humanas
representantes dos membros da família e as listagens de itens para a avaliação da
casa e da árvore (Buck, 2003), quando presentes no contexto do Desenho da
Família, sem utilizar os escores de pontuação.
Avaliação dos desenhos da família
Das 500 crianças da pesquisa original foram excluídas 7 que não
desenharam, 28 que não responderam o questionário em 2006 (e que, portanto,
não tinham todas as informações desejadas) e 19 que foram consideradas
intelectualmente deficientes através da avaliação pelo WISC III (que mereceriam
estudo à parte por ser grupo com elevada vulnerabilidade). Desta forma, 446
desenhos da família compõem o banco de dados final analisado nesta
dissertação.
Cada um dos 446 desenhos foi avaliado por dois juízes, integrantes da
equipe de pesquisa: seis psicólogas, incluindo a autora deste trabalho, e uma
médica com experiência na área de saúde mental (equipe de pesquisa), além de
consultores em arteterapia e psicologia clínica. Cada profissional avaliou os
desenhos sem conhecimento dos resultados do outro avaliador. As discordâncias
foram debatidas e acordadas pelo grupo de juízes, que foram redigindo um
manual de dúvidas para ir sanando as principais discordâncias pari passo a
análise.
A utilização de alguns critérios para afinar a concordância entre os
avaliadores é necessária para que o modo de avaliação se torne mais consistente
e confiável. O rigor na forma de avaliação dos desenhos é importante para que se
desenvolva um método padrão de avaliar, que vai sendo formado à medida que as
discordâncias vão sendo discutidas e sanadas. Nos estudos de Weschler (2003),
para a padronização do Desenho da Figura Humana no Brasil, por exemplo, os
avaliadores eram submetidos a treinamentos, e os que não demonstravam boa
concordância eram excluídos.
No presente estudo foi utilizada a estatística kappa (k) para variáveis
nominais, que mostrou concordância elevada - acima de 0,80 em 18 dos 30 itens
que aferem desenvolvimento infantil (Koppitz) e os itens presentes no contexto. Os
itens com menor concordância entre os avaliadores foram: perfil, boas proporções
da figura, cotovelos, braços (qualquer representação) e corretamente ligados aos
ombros.
O uso do Desenho da Família é destacado no Brasil por ser considerado
um bom instrumento para a avaliação dos conflitos familiares da criança e também
para avaliação da personalidade. Através desta técnica torna-se possível observar
como a família é composta pela criança, os membros presentes e ausentes,
valorizações e desvalorizações dos personagens, proximidade e afastamento
entre os membros, posição com que a criança se coloca em relação aos outros,
etc. Para este trabalho, investigou-se, especificamente, além destes dados, as
especificidades contidas em cada personagem da família desenhado pela criança,
bem como o traçado, posição do desenho na folha, entre outros. Buscando
correlacioná-los, através da comparação, com o fato da criança estar ou não na
situação de vítima e/ou testemunha de violência familiar severa.
Processamento e analise dos dados
Para o processamento dos dados, toda a informação obtida foi armazenada
em um banco de dados (EpiData 3.1), que passou por uma crítica rigorosa durante
todo o processamento dos dados, nas diferentes etapas de seguimento:
codificação, digitação, correção e análise. Todos os questionários digitados foram
revistos. Este banco foi analisado conjuntamente com os dados da pesquisa
original no programa SPSS 15 e na confiabilidade e consistência foi utilizado o
programa R versão 2.7.1.
A análise dos dados quantitativos utilizou, a princípio, análise exploratória
através de descrição de freqüência absoluta e relativa e do cruzamento de
variáveis, que possibilitaram um conhecimento dos dados obtidos. O principal
destaque foi a obtenção de medidas de prevalência dos itens das escalas do
desenho, relacionando à ocorrência de violência familiar severa. Após a análise
descritiva e análise de confiabilidade das informações, foram analisados,
conjuntamente, as informações do banco dos responsáveis com o banco do
desenho Foram realizados testes qui-quadrado das variáveis do banco do
desenho com as variáveis disponíveis no banco das mães/responsáveis. Usou-se
a significância de p<0,05 para aferir diferença estatística significativa entre os
grupos analisados.
Aspectos éticos
O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética do Instituto Fernandes
Figueira em 11 de dezembro de 2008, protocolo número: 0040/08.
Por se tratar de um estudo com seres humanos, foram consideradas todas
as recomendações da Resolução 196, de 10 de outubro de 1996 do Conselho
Nacional de Saúde, que normaliza as pesquisas com seres humanos, observando
os princípios da autonomia, beneficiência, não maleficiência, justiça e equidade,
não oferecendo riscos às crianças pesquisadas. No caso de alguma reação
inusitada, as psicólogas da equipe da pesquisa poderiam oferecer um suporte
para a criança.
A pesquisa que deu origem a esta dissertação, onde foram colhidos os
dados aqui explorados, foi aprovada pelo Comitê de Ética da Escola Nacional de
Saúde Pública Sergio Arouca, em 2005. Também foi aprovada pela Secretaria
Municipal de Educação de o Gonçalo e pela direção das escolas envolvidas,
que assinaram o termo de Consentimento Livre e Esclarecido - TCLA. Também
todos os pais e professores dos alunos assinaram o termo; conforme preconizado
na Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde.
Capítulo 3
Resultados
Este capítulo irá proporcionar ao leitor um conhecimento maior a respeito
das crianças aqui estudadas e das características de seus desenhos da família.
Começa trazendo alguns dados sobre o perfil destas crianças e, em seguida,
destaca a presença da violência em seu dia-a-dia. Mostra um pouco da visão das
crianças a respeito de sua família, dos membros a ela pertencentes e de si
mesmas em relação a eles, como também, o modo como a família está
representada em seus desenhos. Destaca ainda os diversos detalhes presentes
no desenho da família, comparando-os em categorias quanto à vitimização por
violência física familiar severa. Por último, são destacados alguns desenhos
selecionados e algumas estórias contadas pelas crianças após a realização do
desenho.
3.1. Perfil das crianças
As 446 crianças investigadas, em 2005, residiam do município de São
Gonçalo/Rio de Janeiro e estudavam na 1ª série do primeiro segmento do ensino
fundamental das escolas municipais. A tabela 1 contém dados do perfil destas
crianças, possibilitando conhecer um pouco mais a seu respeito. Como se vê,
ligeira predominância de meninos (51,6%); em sua maioria são afrodescendentes
(cor da pele negra ou parda - 67,3%) e estão entre 6 e 8 anos de idade (76,9%).
Com relação ao estrato social, as crianças pertencem a camadas mais
desfavorecidas sócio-econômicamente: 54,8% das crianças pertencem aos
estratos médios B e C (5,1% no estrato B e 49,7% no estrato C), e 45,2% aos
estratos populares D e E. Observa-se, uma convergência de crianças e famílias
pertencentes aos estratos C e D, que correspondiam, em 2005, a renda mensal
familiar entre R$ 424,00 e 927,00. Esta renda, associada a uma dia de 4,7
pessoas morando no mesmo domicílio, dá dimensão das dificuldades encontradas
por essas famílias.
No que diz respeito à estrutura familiar, verifica-se que a maioria das
crianças reside com o pai e a mãe juntos (53,8%). Mas também um percentual
considerável de crianças que residem somente com um dos pais (25%).
Tabela 1 - Perfil das crianças matriculadas em escolas públicas municipais, SG/RJ, 2005
Variáveis N
%
Sexo (N=446)
Masculino 230
51,6
Feminino 216
48,4
Cor da pele (N=440)
Branca 144
32,7
Negra 55
12,5
Parda 241
54,8
Estrato Social (N=372)
B e C 204
54,8
D e E 168
45,2
Idade (N=446)
6 a 8 anos 343
76,9
9 a 10 anos 92
20,6
11 anos ou mais 11
2,5
Estrutura familiar (N=444)
Pai e mãe 239
53,8
Pai e madrasta ou mãe e padrasto 78
17,6
Só com um dos pais 111
25,0
Sem pai e sem mãe 16
3,6
Obs.: Não há informação de todas as variáveis para o n total de 446 crianças.
3.2. Convivência com a violência
Foi observado que 74% das crianças estudadas sofrem violência na
localidade onde residem como, viver situações de perigo na vizinhança, ter a casa
assaltada, presenciar assalto ou assassinato, conviver com pessoas armadas,
entre outros. E 42,4% na escola em que estudam como, se envolver em
confusões com outras crianças, vivenciar conflitos com o professor, sofrer
humilhação ou ameaça na escola, etc. Estes dados apontam o contexto social de
violência em que essas famílias estão expostas, dificultando um pleno crescimento
e desenvolvimento para essas crianças.
Quanto à violência familiar, 80,6% das crianças são vítimas de agressão
verbal por parte da mãe, como xingar, insultar, humilhar, ameaçar bater ou jogar
objetos ou dizer coisas para irritar a criança. E 76,1% sofrem violência em grau
menor por parte da mesma, como, dar um tapa, destruir objetos da criança, entre
outros. Também se observou que 62,4% sofrem agressão verbal e são vítimas de
violência em grau menor (43,7%) por parte do pai. E ainda, 1,4% das crianças,
são vítimas de violência sexual.
Analisando-se a violência física familiar severa, verifica-se que 193 crianças
(43,3%) são vítimas diretas deste tipo de violência, como, chutar, morder ou dar
murro na criança, bater com objetos, espancar, queimar, estrangular, ameaçar
utilizar faca ou arma ou, utilizá-las de fato contra a criança. Outras 81 são vítimas
e testemunham a violência física severa entre os pais (18,2%), 40 crianças não
sofrem, mas testemunham (9%) e 130 não sofrem nem testemunham a violência
(29,1%). A tabela 2 apresenta como se distribuem as crianças não vítimas, vítimas
e testemunhas segundo sexo e estrato social. Um número maior de meninos
sofrem violência severa (sofre e sofre/testemunha) e mais meninas predominam
entre os que não sofrem. Com relação ao estrato social, observa-se que a maioria
das crianças que sofrem e testemunham a violência física severa pertence às
classes D e E, e os que não sofrem nenhuma forma de violência às classes B e C.
Para as variáveis idade e estrutura familiar o se encontrou diferença em
relação a sofrer ou não violência física severa nas famílias.
Tabela 2- Perfil das crianças segundo categorias de violência severa - SG/RJ, 2005.
Variáveis
Não sofre nem
testemunha
Testemunha Sofre
Sofre e
testemunha
P
valor
N
%
N
%
N
%
N
%
Sexo
Masculino 57
43,8
13
32,5
112
58
47
58
0,004
Feminino 73
56,2
27
67,5
81
42
34
42
Estrato social
B+C 67
65,0
11
29,7
94
59,5
31
42,5
0,000
D+E 36
35,0
26
70,3
64
40,5
42
57,5
Para facilitar os cruzamentos e a apresentação dos resultados ao longo da
dissertação, agregaram-se os resultados das crianças vítimas, diretas ou
testemunhas de violência severa entre os pais, contrapondo-os as crianças sem
histórias de vitimização, como pode ser verificado na tabela 3 e demais que se
seguem.
Tabela 3- Perfil das crianças segundo vitimização/testemunho de violência severa - SG/RJ,
2005.
Não Sim Variáveis
N
%
N
%
p valor
Sexo (N=446)
Masculino 57
43,8
173
54,7
0,036
Feminino 73
56,2
143
45,3
Cor da pele (N=440)
Branca 39
30,2
105
33,8
0,068
Negra 10
7,8
45
14,5
Parda 80
62,0
161
51,8
Estrato Social (N=372)
B e C 67
65,0
137
50,9
0,014
D e E 36
35,0
132
49,1
Observação: O valor de N entre as variáveis: Sexo, Cor da Pele e Estrato Social varia por
não se ter no banco os dados disponíveis para todas as crianças.
Constata-se diferença significativa entre os grupos no que se refere ao sexo
(p=0,036), e ao estrato social (p=0,014), confirmando a existência de relação
destes com o fato de sofrer ou não violência física severa. Esses dados indicam
que os meninos se destacam dentre os que sofrem violência, e que há uma
distribuição mais equânime de estratos sociais entre os que sofrem violência,
enquanto entre os que não a sofrem mais crianças dos estratos médios (B e
C).
que se observar que a variável cor da pele apesar de não ter
apresentado diferença estatisticamente significativa (p=0,068) é bastante
aproximado de 0,05, que indicaria leve predominância de crianças de pele negra
entre as que sofrem e/ou testemunham violência severa. maior percentual de
crianças de pele parda entre as que não sofrem e percentual bastante semelhante
de crianças de pele branca, entre as duas categorias.
Na entrevista com os responsáveis pela criança, vê-se que a e aparece
isoladamente como autora de atos agressivos contra a criança com maior
freqüência (38,3%; n=171); seguida pelo pai (4,9%; n=22). Por último estão 18,2%
das crianças (n=81) que sofrem violência do pai e da mãe.
Embora estes dados se refiram aos atos de violência praticados pelo pai ou
pela e, a violência sofrida e/ou presenciada pelas crianças deste estudo não
parece ter apenas estes autores. As respostas das crianças revelam atos de
violência praticados também por outros membros da família, principalmente pelos
irmãos. Verifica-se no questionário aplicado às mães, que 46,4% das crianças
sofrem violência física praticada pelos irmãos.
3.3. Convivência familiar
Nos desenhos da maioria das crianças observou-se a presença de
personagens como o pai, a mãe, os irmãos, avós e primos, além do próprio
entrevistado. Notou-se também, em alguns desenhos, a presença de outras
pessoas, como padrasto, madrasta, namorado(a) da(o) irmã(o), entre outros.
A mãe está presente na maioria dos desenhos das crianças (92,6%) e o pai
em 80,3%. Muitas crianças incluíram a si mesmas em seus desenhos (70,2%). Há
presença de um irmão em 80,9% dos desenhos, de dois irmãos em 45,7% e três
irmãos em 16,1% dos desenhos, havendo também crianças que desenharam mais
de três, de acordo com o número de irmãos que possui. A figura do aestá
presente em 11,9% dos desenhos das crianças e a da avó, em 22,6%. Verificou-
se ainda o desenho de primos (11%) e primas (9,9%).
Também foi observada a ordem dos personagens da família nos desenhos
das crianças estudadas. Pode-se observar na Tabela 4 que a maioria das crianças
desenhou a e em primeiro lugar (37%), destacando-a dos demais familiares.
Em segundo lugar, a maioria das crianças desenhou o pai (24,9%). Em terceiro, o
irmão (22%) e assim por diante. Apenas 1,8% das crianças desenharam a avó em
primeiro lugar. Também se nota que poucas crianças desenharam a mãe (4%) ou
o pai (6%) em um dos últimos lugares (acima do 5º), apontando a centralidade que
estas figuras têm na fase infantil. Algumas crianças desenharam a elas próprias
em primeiro lugar (17%). Boa parte das crianças se desenhou em terceiro lugar
(15%), e poucas se desenharam em um dos últimos lugares (6,2%).
Destaca-se o fato de que 29,8% das crianças não desenharam a si
próprios, excluindo-se do cenário familiar.
Tabela 4- Ordem dos personagens no desenho da família- SG/RJ, 2005.
Percentual
Personagem N
1º.
2º.
3º.
4º.
5º.
Acima de 5º
Não
desenhou
Entrevistado 313 17
10,5
15
13
8,5
6,2
29,8
Mãe 413 37
22,4
14,3
10,1
4,7
4
7,4
Pai 358 16,4
24,9
16,4
11,7
4,9
6
19,7
Irmão 1 361 21,3
20,6
22
12,8
1,8
2,4
19,1
Irmão 2 204 0,2
7,6
9,2
13,5
11,4
3,7
54,3
Irmão 3 72 - - 3,4
3,4
4,9
4,4
83,9
Avô 53 0,7
0,7
2,2
1,8
6,3
88,1
Avó 101 1,8
1,6
4,9
4
4
6,2
77,4
A Tabela 5 contém dados obtidos através das respostas das crianças às
perguntas sobre o desenho, indagadas após a aplicação do desenho da família
(Corman, 1967), tais como: qual o melhor personagem dentre os desenhados e
por quê razão; qual o pior personagem dentre os desenhados e por quê razão;
qual o mais feliz e por quê razão; qual o menos feliz e por quê razão; qual o
personagem familiar preferido; qual personagem familiar gostaria de ser. A seguir
apresentaremos as preferências e desafetos das crianças que sofrem ou
testemunham violência e das que não são vitimizadas.
Tabela 5- Questionário do desenho da família segundo vitimização/testemunho de violência
física severa (Corman, 1967)- SG/RJ, 2005.
Violência não Violência sim
Variáveis
N
%
N
%
P valor
Melhor de Todos
Mãe (N=251) 84
64,6
167
52,8
0,023
Pai(N=95) 28
22,3
66
20,9
0,739
Irmãos(N=58) 10
7,7
48
15,2
0,032
Criança (N=12) 4
3,1
8
2,5
0,746
Pior de todos na família
Mãe (N=15) 1
0,8
14
4,4
0,051
Pai(N=53) 14
10,8
39
12,3
0,641
Irmão(N=176) 51
39,2
125
39,6
0,949
Criança (N=20) 4
3,1
16
5,1
0,357
Mais feliz
Mãe (N=109) 25
19,2
84
26,6
0,101
Pai(N=68) 15
11,5
53
16,8
0,162
Irmãos(N=110) 34
26,2
76
24,1
0,640
Criança (N=69) 22
16,9
47
14,9
0,586
Menos feliz
Mãe (N=38) 11
8,5
27
8,5
0,977
Pai(N=72) 24
18,5
48
15,2
0,393
Irmãos(N=116) 31
23,8
85
26,9
0,504
Criança (N=68) 21
16,2
47
14,9
0,732
Quem prefere na família?
Mãe(N=264) 75
57,7
189
59,8
0,679
Pai(N=104) 29
22,3
75
23,7
0,746
Irmãos(N=41) 13
10
28
8,9
0,705
Criança (N=2) 0
0
2
0,6
0,363
Quem gostaria de ser na família?
Mãe(N=136) 35
26,9
101
32
0,294
Pai(N=96) 22
16,9
74
23,4
0,129
Irmãos(N=81) 32
24,6
49
15,5
0,023
Criança (N=29) 10
7,7
19
6
0,513
Mãe
A maioria das crianças estudadas elegeu a e como a melhor pessoa
dentre todos os membros da família (56,3%). Todavia, foi mais escolhida pelas
crianças que não sofrem nem testemunham violência severa entre os pais
(64,6%), em comparação àquelas que a sofrem e/ou testemunham (52,8%;
p=0,023) (tabela 5).
A figura da mãe também foi apontada como a preferida pelas crianças
(59,2%), dentre todos os outros membros da família. Dentre as justificativas
apresentadas, estão: “porque ela é boa”, “ela é legal”, “porque gosto dela”, e ainda
respostas relatando atenção, carinho e cuidado da mãe com a criança. Além de
aspectos afetivos, também foram relatados razões materiais como “porque me
comida ou “porque me as coisas” (roupa, dinheiro, presentes). Por fim,
surgiram respostas como: “porque ela não me bateou “briga menos comigo”,
introduzindo o critério da disciplina e agressão dos pais para com os filhos como
possível fator a justificar a preferência da criança por sua mãe. Não se notou
distinção entre as crianças vítimas/testemunhas e não vítimas nesta questão.
A e foi eleita como a mais feliz por 19,2% das crianças que não sofrem
nem testemunham e por 26,6% das crianças que sofrem e testemunham a
violência familiar severa, sem distinção significativa entre os grupos. E como a
menos feliz por 8,5% das crianças, em ambos os grupos.
A mãe foi a pessoa menos apontada pelas crianças na questão qual é o
pior de todos na família”. Todavia, ressalta-se que mais crianças que sofrem e/ou
testemunham a violência severa entre os pais (4,4%) assim informam, em
comparação a 0,8% das crianças que não sofrem nem testemunham (p=0,051).
Observou-se também que 30,5% das crianças (26,9% das que não sofrem
nem testemunham e 32% das que sofrem e testemunham a violência severa)
responderam que gostariam de ser a e, se pudessem escolher ser alguém da
família, sem distinção estatística significativa.
Pai
Pode-se dizer que também existiu um considerável percentual de crianças
que elegeu ou citou o pai como sendo o melhor de todos entre os membros da
família (21,3%). As justificativas dadas pelas crianças enfatizam o aspecto afetivo
(“porque eu gosto dele”, “porque ele é bom”), o sustento financeiro (“porque ele
compra tudo”, “dá dinheiro”); a autoridade e força conferida em muitas famílias ao
provedor do sexo masculino (“ele me defende”, “é grandão”, “me leva para sair”).
Foi considerado o preferido por 23,3% das crianças.
Algumas crianças elegeram o pai como o mais feliz (15,2%). Também
houve um percentual de crianças que, de modo contrário, o elegeram como o
menos feliz entre os membros da família (16,1%).
A escolha pelo pai, em nenhuma das questões, apresentou diferença em
relação a sofrer ou não violência.
Irmãos
Poucas crianças apontaram o irmão como o melhor de todos entre os
membros da família (13%), com destaque para as crianças que sofrem e/ou
testemunham violência severa entre os pais (15,2%), comparadas a 7,7%
daquelas que não são vítimas e nem testemunhas dessa forma de violência
(p=0,032).
O irmão foi apontado como sendo o mais feliz entre os membros da família
por 24,7% das crianças, representando a maioria das respostas das crianças. E foi
apontado também como sendo o pior de todos entre os membros da família pela
maioria das crianças (39,5%), sendo, 39,2% das crianças que não sofrem nem
testemunham e 39,6% das crianças que sofrem e/ou testemunham a violência
severa entre os pais, sem distinção entre os grupos. A escolha foi justificada por
possíveis atitudes negativas desse irmão, como: bater, brigar, implicar, “ser chato”,
fazer muita bagunça e xingar.
Ao serem questionadas sobre se pudessem escolher ser alguém dessa
família, quem seria?”, algumas crianças optaram pelo irmão (18,2%), sendo,
26,4% das que não sofrem nem testemunham e 15,5% das crianças que sofrem
e/ou testemunham a violência severa entre os pais, apresentando relação
estatística entre esta resposta e o fato estar ou não na situação de vítima e/ou
testemunha de violência severa (p=0,023).
Criança entrevistada
Poucas crianças elegeram a elas mesmas em qualquer das questões,
sendo que as que tiveram maior percentual foram Quem é o mais felize Quem
é o menos feliz”. Entretanto, ambas apresentaram percentuais semelhantes
(15,5% em ambas as questões). Na questão Quem é o melhor de todos”, 3,1%
das crianças que não sofrem e 2,5% das que sofrem e/ou testemunham violência
física familiar severa, elegeram a elas próprias. E, de modo contrário, 3,1%das
crianças que não sofrem e 5,1% das que sofrem e/ou testemunham violência
severa elegeram a elas próprias na questão Quem é o pior de todos?, sem
distinção entre os grupos
Houve ainda algumas crianças que responderam que gostariam de ser eles
mesmos na família (7,7% das crianças que não sofrem e 6,0% das que sofrem
e/ou testemunham violência severa). Nenhuma distinção foi observada segundo o
critério de vitimização para a figura da própria criança.
Agressor
Também foi realizado o cruzamento da variável agressor com as questões
Quem é o pior de todose Qual é o menos feliz”, porém não foi encontrada
diferença em relação à violência.
3.4. Características do desenho da família
Seis crianças apresentaram inicialmente alguma negativa para a realização
do desenho (2,4%), porém o realizaram. Este dado não apresentou diferença
estatística em relação a vitimização da violência física familiar severa, entretanto,
ao cruzá-lo com a variável “agressor”, encontrou-se associação entre o
responsável que agride e a negativa para realizar o desenho. No caso, houve mais
crianças que apresentaram negativa para realizar o desenho nas famílias onde o
pai é o agressor (tabela 6). A negativa para a realização do desenho da família
parece algo característico de crianças que vivenciam a violência em seu lar, e que
adquiriram uma imagem negativa da família (Di Leo, 1991).
Tabela 6- Negativa para a realização do desenho da família X agressor - SG/RJ, 2005.
Pai agressor Mãe agressora
Pai e Mãe
agressores
p-
valor
Negativa para a
realização do desenho da
família
N
%
N
%
N
%
Sim 2
9,5
1
0,6
3
3,9
Não 19
90,5
161
99,4
73
96,1
0,020
Houve ainda algumas crianças que pararam mais tempo ao desenhar
determinado personagem (17,2%). E, apesar desta questão não ter apresentado
diferença significativamente estatística com relação à violência, de-se observar
que nenhuma criança parou mais tempo ao desenhar a mãe. Verificou-se também
que 47,1% das crianças pararam mais tempo diante do desenho do pai, sendo
que todas estas crianças são vitimas e/ou testemunhas de violência familiar
severa. E que, dos 41,1% das crianças que pararam mais tempo diante da figura
do irmão, apenas 2 desenhos são de crianças que não sofrem violência severa.
Quanto à força do traçado, a maioria das crianças realizou o desenho com
traçado “normal” (60,8%), o havendo diferença entre as crianças que sofrem
e/ou testemunham a violência severa entre os pais. Este tipo de traçado,
geralmente, indica bom tônus, maior equilíbrio emocional e mental (Campos,
1996). Houve ainda um percentual considerável de crianças que realizou o
desenho com traçado “forte” (33,9%), que pode indicar tensão, medo, insegurança
e agressividade (Campos, 1996).
Observou-se também que a maior parte das crianças, tanto as que sofrem e
as que não sofrem violência severa, utilizou uma linha imagináriacomo base
para seu desenho da família (52,2%). A existência de uma linha de base para o
desenho da família, geralmente indica suporte (Di Leo,1985). No caso, pode-se
levantar a hipótese de haver indício de que esse suporte seja sentido, ou
imaginado por estas crianças.
Linha de base imaginária
Quanto à localização do desenho na folha, verificou-se que 28,7% das
crianças ocuparam todo o espaço do papel; 26,5% metade da folha para baixo; e
apenas 4,5% das crianças a metade da folha para cima; 20% ocuparam somente
o lado esquerdo, da metade para baixo da folha; apenas 1,6% das crianças
ocupou o lado direito, da metade para baixo da folha; 7,2% das crianças
desenharam somente o lado esquerdo, da metade para cima da folha; 4% das
crianças ocupou toda a parte, da metade para a esquerda; apenas 0,2% das
crianças utilizaram toda a parte, da metade para a direita e 1,3% desenharam
somente o centro da folha de papel. Não distinção destes dados segundo a
vitimização por violência.
Com relação à posição de cada personagem, verificou-se que a maioria das
crianças colocou o irmão ao seu lado no desenho, (63,3%). Houve também
algumas crianças que desenharam a mãe ao seu lado (15,6%) e outras que
colocaram o pai ao seu lado no desenho (21,1%), sendo que, em alguns destes
casos, a criança está posicionada entre os pais. Não foi encontrada distinção
destes dados segundo a vitimização por violência.
O personagem com traçado mais rico em detalhes desenhado pelas
crianças foi o da mãe (33,8%). Também foram observados, em 30,9% dos
desenhos, a figura que representa um dos irmãos desenhada com riqueza de
detalhes. Este fato pode estar representando uma figura de poder, afeto,
liderança, de valência positiva para a criança (Corman, 1979). Entretanto, o irmão
também foi o personagem desenhado de forma mais simples por 49,6% das
crianças. E foi também o personagem desenhado com traçado mais reforçado ou
em negrito (43,7%), podendo indicar conflito com essa pessoa (Campos, 1996;
Cunha, 2000). Não foi encontrada distinção destes dados segundo vitimização por
violência.
Personagem mais rico em detalhes
Algumas crianças desenharam a família separada em grupos (13,5%).
Como se na Tabela 7, este tipo de desenho foi mais observado entre as
crianças que sofrem e/ou testemunham a violência física familiar severa (15,6%),
comparadas às que não sofrem nem testemunham (8,5%; p=0,046). O desenho
da família separada em grupos pode explicitar a divisão na família (Cunha, 2000).
Tabela 7- Família separada em grupos segundo vitimização/testemunho de violência física
severa - SG/RJ, 2005.
Violência não Violência sim
Família separada em
grupos
N
%
N
%
p-valor
Sim 11
8,5
49
15,6
Não 119
91,5
266
84,4
Total 130
100
315
100
0,046
Apenas 9% das crianças desenhou a família de mãos dadas. E, em
somente 0,7% dos desenhos infantis foram observadas ações sugerindo agressão
na família. Apesar desta questão não ter apresentado significância estatística,
parece importante atentar para um desenho de uma criança classificada no grupo
das que sofrem e/ou testemunham a violência severa entre os pais, que desenhou
o tio deitado em cima da irmã, fato que pode estar sugerindo ou explicitando uma
ação de violência.
Em alguns desenhos também foi possível observar sugestão de objetos
fálicos (4,5%), como: grande foice na o do pai, grande gravata que sai da
cabeça, árvore com morros que parecem seios, entre outros. Não foi encontrada
distinção deste dado segundo vitimização por violência.
Sugestão de Objetos Fálicos
Foram observados personagens da família riscados ou excluídos em 2,2%
dos desenhos das crianças. Este fato foi observado somente em desenhos de
crianças que sofrem ou testemunham a violência severa. Entre estes, verificou-se
que 0,4% das crianças riscaram/excluíram a mãe, 0,2% o pai e 0,4%
riscaram/excluíram a elas próprias, podendo estar expressando o sentimento de
afastar esta pessoa da família (Cunha, 2000)
personagens envolvidos em círculo ou quadrado em 2,9% dos desenhos
das crianças, sendo, 3,8% das crianças que não sofrem nem testemunham e 2,5%
dos desenhos das que sofrem e/ou testemunham a violência severa entre os pais.
Como se na Tabela 8, as crianças que não sofrem desenharam mais o irmão
envolvido em círculo que as que sofrem e/ou testemunham a violência familiar
severa (p= 0,043). Este fato pode expressar vontade de afastar essa pessoa da
família, mas pode também indicar destaque por razões afetivas ou um problema
de doença (Cunha, 2000).
Tabela 8- Personagens envolvidos em círculo ou quadrado segundo vitimização/testemunho
de violência física severa - SG/RJ, 2005.
Grupo Não Grupo Sim
Personagens envolvidos em
círculo ou quadrado
N
%
N
%
p-valor
Mãe 2
1,5
4
1,3
0,82
Entrevistado 2
1,5
2
0,6
0,357
Pai 0
0
2
0,6
0,363
Irmãos 3
2,3
1
0,3
0,043
Observa-se na Tabela 9 que, na análise dos itens que compõem as
pessoas (Koppitz 1968), verificou-se que grande parte das crianças desenhou os
personagens da família com a maioria dos componentes: cabeça (100%), olhos
(96,9%), nariz (70,1%), boca (92,1%), cabelo (94,6%), braços (96,9%) e corpo
(98%).
Observou-se relação entre violência e o desenho de figuras de perfil
realizado apenas por 3,2% das crianças que sofrem e/ou testemunham (p=0,040),
podendo indicar incapacidade de enfrentar o meio, ou desajuste (Campos, 1996).
Figura de perfil
Nota-se, com significância próxima à definida na presente dissertação, uma
possível relação entre os itens “pernas” (p= 0,080), mais presentes nos desenhos
das crianças que o sofrem, podendo representar estabilidade e equilíbrio e
também uma forma de se aproximar das pessoas que estão ao redor, visto que
são os órgãos que nos permitem tal ação; e “cotovelos” (p= 0,078), mais presentes
nos desenhos das que sofrem e testemunham a violência física familiar severa,
sugerindo busca de sentimento de orgulho e valorização de si (Rodriguez e
Velasco, 2006) e o fato de estar ou não na situação de vítima e/ou testemunha de
violência física familiar severa.
Tabela 9 Presença de itens no desenho (Koppitz, 1968), segundo vitimização/ testemunho
de violência física severa - SG/RJ, 2005.
Violência não Violência sim Total
Item
N
%
N
%
%
p valor
Cabeça 130
100
315
100
100
-
Olhos 125
96,2
306
97,7
96,9
0,587
Pupila 28
21,5
70
22,2
22
0,874
Sobrancelhas 27
20,8
74
23,5
22,7
0,533
Nariz 91
70
221
70,2
70,1
0,973
Narinas 5
3,8
9
2,9
3,1
0,587
Boca 120
92,3
290
92,1
92,1
0,931
bios 31
23,8
54
17,1
19,1
0,102
Orelhas 7
5,4
26
8,3
7,4
0,294
Cabelo 121
93,1
300
95,2
94,6
0,359
Pescoço 58
44,6
146
46,3
45,8
0,739
Corpo 128
98,5
308
97,8
98
0,641
Braços – qualquer
representação
126
96,9
305
96,6
96,9
0,957
Braços em duas dimensões 72
55,4
187
59,4
58,2
0,439
Braços apontando para baixo 96
73,8
210
66,7
68,8
0,137
Braços corretamente ligados
aos ombros
25
19,2
70
22,2
21,3
0,484
Cotovelos 11
8,5
46
14,6
12,8
0,078
Mãos 74
56,9
173
54,9
55,5
0,699
Dedos 65
50
146
46,3
47,4
0,483
Número correto de dedos 13
10
21
6,7
7,6
0,229
Pernas 127
97,7
295
93,7
94,8
0,080
Pernas em duas dimensões 68
52,3
174
55,2
54,4
0,572
Joelho 1
0,8
4
1,3
1,1
0,649
Pés 71
54,6
194
61,6
59,6
0,173
Pés em duas dimensões 70
53,8
187
59,4
57,8
0,284
Perfil 0
0
10
3,2
2,2
0,040
Roupa 1 peça 42
32,3
105
33,3
33
0,834
Roupa 2 ou 3 peças 61
46,9
155
49,6
48,5
0,661
Roupa 4 ou mais peças 10
7,7
16
5,1
5,8
0,285
Boas proporções 13
10
34
10,8
10,6
0,804
Há ainda, uma observação importante a ser feita com relação ao “N”. Pode-
se notar que, aqui, trabalhou-se com 445 crianças e não 446. Esta variação do “N”
foi dada devido a uma criança que não desenhou os membros da família, fez o
desenho de sua casa e disse que a família estava dentro dela, ficando impossível
fazer a avaliação das pessoas da família. Esta criança pertence ao grupo das que
sofrem e/ou testemunham a violência severa entre os pais.
Destacam-se, na Tabela 10, alguns itens próximos à significância estatística
definida no estudo:
a) os itens “braços longos” (p= 0,052) estão mais presentes nos desenhos
das crianças que sofrem e/ou testemunham violência severa (21%), que pode ser
indicador de ambição por alguma aquisição ou proeza (Campos, 1996);
Braços longos
b) “falta de pés” (p= 0,052), estranhamente, mais comum nos desenhos das
crianças que não sofrem nem testemunham violência severa (66,2%), pois,
comumente, outros estudos têm encontrado este item como característica de
desenhos de vítimas de violência como, por exemplo, de abuso sexual. A falta de
pés pode ser também indicador de desânimo, abatimento, tristeza, desilusão,
insegurança (Rodriguez e Velasco, 2006), dificuldade de contato (Campos, 1996)
ou ainda, busca de estabilidade e dependência (Bédard, 2006).
Falta de pés
c) “mãos grandes” (p=0,072) e “falta de nariz” (p=0,077), mais presentes
nos desenhos das que sofrem/testemunham violência severa, podendo indicar
desejo de parecer forte, poderoso (Rodriguez e Velasco, 2006).
Mãos grandes
Tabela 10: Presença de itens no desenho (Koppitz, 1968) segundo vitimização/testemunho
de violência física severa - SG/RJ, 2005.
Violência não Violência sim Total
Item
N
%
N
%
N
%
p valor
Má integração das partes 119
91,5
296
94
0,353
Sombreamento do rosto 41
31,5
97
30,8
138
31
0,877
Sombreamento do corpo e/ou
dos membros
52
40
112
35,6
164
36,9
0,377
Sombreamento das mãos e/ou
do pescoço
20
15,4
33
10,5
53
11,9
0,146
Assimetria grosseira dos
membros
117
90
282
89,5
399
89,7
0,881
Figura inclinada 46
65,4
112
35,6
158
35,5
0,973
Figura minúscula (5 cm ou
menos de altura)
113
86,9
283
89,9
396
89
0,371
Figura grande (23 cm ou mais
de altura)
0
0
0
0
0
0
-
Transparência 11
8,5
27
8,6
38
8,5
0,97o
Cabeça minúscula 15
11,5
39
12,4
54
12,1
0,805
Olhos vesgos 6
4,6
7
2,2
13
2,9
0,173
Dentes 3
2,3
7
2,2
10
2,2
0,956
Baços curtos 47
36,2
116
36,8
163
36,6
0,894
Braços longos 17
13,1
66
21,0
83
18,7
0,052
Braços grudados ao corpo 7
5,4
10
3,2
17
3,8
0,269
Mãos grandes 22
16,9
78
24,8
100
22,5
0,072
Mãos decepadas 18
13,8
56
17,6
74
16,6
0,311
Pernas juntas apertadas 14
10,8
30
9,5
0,689
Órgãos genitais 1
0,8
6
1,9
7
1,6
0,381
Monstro ou figura grotesca 16
12,3
41
13
57
12,8
0,839
Três ou mais figuras
desenhadas espontaneamente
0
0
0
0
0
0
-
Falta de olhos 20
15,4
48
15,2
68
15,3
0,969
Falta de nariz 59
45,4
172
54,6
231
51,9
0,077
Falta de boca 39
30
111
35,2
150
33,7
0,288
Falta de corpo 2
1,5
12
3,8
14
3,1
0,212
Falta de braços 12
9,2
42
13,3
54
12,1
0,228
Falta de pernas 12
9,2
47
14,9
59
13,3
0,108
Falta de pés 86
66,2
177
56,2
263
59,1
0,052
Falta de pescoço 89
68,5
213
67,6
302
67,9
0,863
3.5. Contexto do desenho
Verificou-se que 58,7% das crianças desenharam a família inserida em um
contexto, com casa, sol, árvores, entre outros. o foi encontrada distinção entre
a existência de contexto segundo a vitimização por violência.
Os itens foram listados no instrumento para avaliar quais objetos estariam
presentes no contexto dos desenhos, com base nos estudos de Campos (1996) e
Buck (2003) sobre o HTP, e outros estudiosos do desenho infantil, como Bedard
(2006) e Rodriguez e Velasco (2006).
Na Tabela 11 estão listados alguns itens presentes no contexto do desenho
da família realizado pelas crianças. Como se percebe, em 21,3% dos desenhos
das crianças existência de “sol”, sendo que algumas crianças desenharam
mais de um sol. Também foi observado o desenho de sol sombreado (0,4%),
encoberto (3,8%) e com expressão (16,1%). O Sol, simbolicamente representa a
masculinidade, podendo indicar maior sentimento de independência e
combatividade nestas crianças (Campos, 1996; Bédard, 2006).
Nuvens; Sol com expressão
Somente 0,7% das crianças desenhou lua, que representa adaptação,
doçura (Bédard, 206). E, animais, apenas 9,4 %.
Pode-se observar maior diferença entre os grupos na presença de nuvens,
mais desenhada pelas crianças que sofrem e/ou testemunham violência física
familiar severa (23,1%) e apenas por 15,4% das que não sofrem, fato que sugere
possível relação com convivência com a violência (p= 0,068). O desenho de
nuvens, no caso, mais comum entre as crianças vítimas, pode indicar que a
criança convive melhor com as dificuldades, sabendo que em sua vida existem
momentos bons e ruins (Bédard, 2006).
A casa está presente no desenho da família de 25,1% das crianças
(N=112).
Tabela 11: Presença de itens no desenho segundo vitimização/testemunho de violência
física severa - SG/RJ, 2005. (N = 446)
Grupo Não Grupo Sim Total8
Item do contexto
N
%
N
%
N
%
p-
valor
Casa 27
20,8
85
26,9
112
25,1
0,175
Jardim 20
15,4
34
10,8
54
12,1
0,174
Árvore 19
14,6
52
16,5
71
15,9
0,629
Nuvem 20
15,4
73
23,1
93
20,9
0,068
Sol 23
17,7
72
22,8
95
21,3
0,233
Sol sombreado 1
0,8
1
0,3
2
0,4
0,515
Sol encoberto 3
2,3
14
4,4
17
3,8
0,287
Sol com expressão 16
12,3
56
17,7
72
16,1
0,158
Lua 2
1,5
1
0,3
3
0,7
0,151
Lua sombreada 0
0
0
0
0
0
-
Lua com expressão 1
0,8
1
0,3
2
0,4
0,515
Animais 10
7,7
32
10,1
42
9,4
0,424
Na Tabela 12 estão presentes os itens componentes do desenho da casa
realizado pelas crianças (Campos, 1996; Buck 2003). Verificou-se diferença entre
os grupos, em relação à violência, apenas no desenho de chaminé, desenhada
somente por crianças que sofrem e/ou testemunham violência familiar severa (p=
0,049). Algumas destas crianças (11,8%) desenharam fumaça na chaminé, o que
também pode estar relacionado à questão da violência (p= 0,062). A chaminé
pode ser considerada um símbolo fálico, de poder (Campos, 1996). A fumaça,
neste caso, pode ser indicador de conflito (Campos, 1996; Hammer, 1981) ou
reação desfavorável à influência vivida na família (Bédard, 2006).
Chaminé; fumaça na chaminé; Teto pouco elaborado
A diferença entre os grupos no item “teto pouco elaborado”, mais realizado
pelas crianças que não sofrem nem testemunham a violência severa
(44,4%), também sugere alguma relação com a violência (p= 0,090).
Tabela 12: Presença de itens no desenho da casa (HTP), segundo vitimização/testemunho
de violência física severa - SG/RJ, 2005. (Campos, 1996; Buck, 2003) (N = 112, sendo 27
no grupo não e 85 no grupo sim)
Violência não
Violência sim
Total
Análise da casa
N
%
N
%
N
%
p valor
Teto exageradamente grande 1
3,4
11
12,9
12
10,7
0,176
Ausência de teto 0
0
4
4,7
4
3,6
0,251
Teto muito elaborado 10
37
39
45,9
49
43,8
0,420
Teto pouco elaborado 12
44,4
23
27,1
35
31,3
0,090
Paredes desconjuntadas 10
37
35
41,2
45
40,2
0,702
Contornos reforçados das
paredes
0
0
6
7,1
6
5,4
0,156
Contorno das paredes com
traço fraco e inadequado
2
7,4
7
8,2
9
8
0,890
Porta muito pequena, em
relação a casa
18
66,7
45
52,9
63
56,3
0,210
Porta excessivamente grande 1
3,7
1
1,2
2
1,8
0,388
Janelas nuas, sem
cortinas/postigos/caixilhos
5
18,5
19
22,4
24
21,4
0,672
Janela junto ao teto 11
40,7
34
40
45
40,2
0,945
Janela no lugar normal 7
25,9
29
34,1
36
32,1
0,427
Janela com grades 9
33,3
23
27,1
32
28,6
0,530
Pessoa na janela 1
3,7
2
2,4
3
2,7
0,705
Cortinas nas janelas 3
11,1
14
16,5
17
15,2
0,499
Chaminé 0
0
11
12,9
11
9,8
0,049
Fumaça na chaminé 0
0
10
11,8
10
8,9
0,062
Fumaça em negrito 0
0
1
1,2
1
0,9
0,571
Caminho 0
0
3
3,5
3
2,7
0,322
Cercas/muros em torno da casa 1
3,7
1
1,2
2
1,8
0,388
Verificou-se ainda a presença de outros objetos na casa, no desenho da
família de 32 crianças (28,1%), como, flor na janela, antena parabólica, bandeiras,
chave, lâmpada, fogão, entre outros. A árvore esteve presente no contexto do
desenho da família de 71 crianças. Na Tabela 13 estão presentes os itens
componentes do desenho da árvore (Campos, 1996; Buck 2003). Entre estes,
verifica-se que as crianças que não sofrem nem testemunham violência familiar
severa desenharam mais árvores com a “copa pequena (42,2%) que as que
sofrem (19,2%). Esta diferença se mostra relacionada à violência (p= 0,05). A
copa pequena é considerada normal no desenho de crianças de até 10 anos de
idade, mas também pode ser indicador de imaturidade (Campos, 1996).
Copa pequena
Outra diferença a ser observada com cautela entre os grupos, no desenho
da árvore, que pode estar relacionada à violência, é no item “copa mais longa que
o tronco”, desenhado por 30,8% das crianças que sofrem e/ou testemunham a
violência familiar severa e por 10,5% das que o sofrem (p= 0,083). A copa mais
longa que o tronco pode representar o intelectual, capacidade de abstração,
idealismo, ou ainda, alguma tendência para o cômico, arrogância, ambição
(Campos, 1996).
Tabela 13: Presença de itens no desenho da árvore, segundo segundo vitimização/
testemunho de violência física severa - SG/RJ, 2005. (N = 71; 19 do grupo não e 52 do
grupo sim)
Violência não Violência sim Total
Análise da árvore
N
%
N
%
N
%
P
valor
Tronco com linhas tremidas 0
0
5
9,6
5
7
0,161
Tronco solto no espaço, sem raiz,
sem base, longe linha de terra
5
26,3
15
28,8
20
28,2
0,834
Tronco curto 3
15,8
15
28,8
18
25,4
0,263
Tronco longo 3
15,8
8
15,4
11
15,5
0,967
Tronco mais longo que a copa 8
42,1
15
28,8
23
32,4
0,291
Copa mais longa que o tronco 2
10,5
16
30,8
18
25,4
0,083
Equilíbrio entre o tamanho do
tronco e da copa
7
36,8
19
36,5
26
36,6
0,981
Nódulos no tronco 3
15,8
14
26,9
17
23,9
0,330
Reforço das linhas de contorno 1
5,3
3
5,8
4
5,6
0,935
Raízes visíveis 1
5,3
1
1,9
2
2,8
0,451
Copa esférica 4
21,1
8
15,4
12
16,9
0,573
Arcadas na copa 11
57,9
37
71,2
48
67,6
0,291
Copa encaracolada 1
5,3
5
9,6
6
8,5
0,559
Copa pequena 8
42,1
10
19,2
18
25,4
0,050
Copa grande 3
15,8
9
17,3
12
16,9
0,880
Copa sombreada 0
0
3
5,8
3
4,2
0,285
Árvore cheia de flores 0
0
2
3,8
2
2,8
0,396
Galhos 5
26,3
8
15,4
13
18,3
0,292
Folhas 2
10,5
6
11,5
8
11,3
0,905
Folhas que caem 0
0
0
0
0
0
-
Frutos 10
52,6
26
50
36
50,7
0,844
Frutos que caem 0
0
1
1,9
1
1,4
0,543
Ninhos 0
0
0
0
0
0
-
Houve ainda outros objetos presentes na árvore no desenho da família de 5
crianças (6,8%), como, por exemplo, um balanço pendurado. Duas destas
crianças desenharam pessoas da família na árvore, ambas pertencentes ao grupo
das que sofrem e/ou testemunham a violência severa entre os pais.
Algumas crianças, em seus desenhos, utilizaram alguma figura do contexto
como obstáculo entre os personagens da família (24,9%), o que pode indicar
distanciamento entre os membros e divisão na família (Hammer, 1991; Campos,
1996; Cunha, 2000).
Observou-se também o destaque dado por algumas crianças a alguma
figura do contexto (35,7%). E ainda o emprego do contexto de forma
desproporcional em alguns desenhos (52,1%). o foi encontrada distinção
destes dados segundo a vitimização por violência.
3.6. Estórias infantis e desenhos selecionados
A avaliação qualitativa das estórias contadas pelas crianças que sofrem
e/ou testemunham a violência física familiar severa apontam para experiências
cotidianas vividas pela criança na família:
Minha mãe fez comida para eu comer. Eu estava comendo, e quando
acabei, ela me deu carinho. Meu pai e minha avó também comeram. Aí,
quando acabaram, ele falou: me ajuda a cortar o de abacaxi? A avó
falou: Ajudo. Aí eles cortaram e eu fui brincar. (Ronaldo, 8 anos)
Meu irmão brinca, meu pai me ajuda a fazer o dever de casa, minha
irmã passa a minha roupa da escola, bota o meu caderno na mochila.
E, quando estou fazendo o dever com meu pai, ela guarda a minha
bagunça. (Marcelo, 7 anos)
também falas em que a criança expressa sentimentos pelos
membros familiares:
A minha família é alegre, é feliz. Eu gosto muito deles, menos da minha
tia, que é muito chata. Minha prima e meu primo, eu gosto muito deles.
(Maria, 7 anos)
E algumas crianças explicitam claramente a presença da violência na
família:
Quando eu faço as coisas, minha e fala que vai me bater e fala que
vai matar a gente, e o meu pai fala que vai bater, mas não bate.
(Robson, 8 anos)
Minha mãe e meu pai de vez em quando brigam e eu não gosto. Aí meu
pai bate na minha mãe... fica xingando. (Carlos, 8 anos)
Minha mãe é baixinha, ela bate, ela belisca o braço, bate com chinelo e
com a mão. (Sandra, 7 anos)
As estórias contadas pelas crianças que não sofrem nem testemunham a
violência física familiar severa também relatam algumas experiências vividas no
dia a dia da família:
Eu estava brincando, meu pai estava soltando pipa em cima da casa, e
minha mãe estava lavando louça. (Jonas, 8 anos)
Meu irmão brinca comigo, minha irmã também. A gente joga bola,
brinca com a bicicleta, joga peão... Minha mãe faz comida. (Paulo, 9
anos)
que se notar a diferença na conotação dos relatos de violência nas
estórias das crianças que o sofrem nem testemunham a violência familiar
severa, mostrando mais afeto entre os familiares:
A minha mãe algumas vezes fica brigando com o meu pai. Mas sei que eles
se gostam muito. Eu, meus irmãos... eu gosto deles. Meu irmão pequeno
gosta de mim, não briga comigo. (Renata, 7 anos)
Também neste grupo surgem estórias mais criativas, mais dicas e
fantasiosas:
Era uma vez uma mulher, um homem e dois meninos indo para casa.
Aí, fez comida, depois foi passear. Voltou para casa e foi dormir. Aí,
ficaram felizes para sempre. (Leonardo, 8 anos)
Era uma vez uma e feliz que fazia todas as festas para os filhos,
menos para a irmã mais malvada. Os primos são mais felizes, eles se
dão bem. A irmã malvada não se dá bem com os outros. (Laura, 8
anos)
Nota-se, através destas estórias, as diferenças nos relatos das crianças
que sofrem e/ou testemunham e das que não sofrem nem testemunham a
violência física severa na família. Observa-se que além de explicitarem mais
ações de agressão em seu dia a dia, ao contar uma estória sobre a família, as
crianças vítimas demonstram também menos relatos de brincadeiras, e quando o
fazem, não se percebe a participação de seus pais, como ocorre nas estórias
contadas pelas crianças o vítimas, que demonstram também mais afeto entre
as pessoas da família e felicidade. Talvez isso possa se relacionar também ao fato
das crianças vítimas e/ou testemunhas da violência física familiar severa se
mostrarem menos fantasiosas, menos lúdicas em suas estórias, pois é sabido que
a criatividade na criança é algo que vai se desenvolvendo na medida que esta
recebe estímulos para tal, principalmente da família. Fazendo-se necessário
também refletir sobre o fato de que, em uma família onde supostamente, a criança
vivencia muito mais experiências de violência do que de atenção, estímulo e
carinho, fica realmente mais difícil de se encontrar expressões como “felizes para
sempre”.
A seguir, apresentam-se a história de vida e os desenhos de duas crianças
vítimas/testemunhas de violência física severa familiar.
Lucas e o desenho da família. Estudo de caso
Lucas mora com os pais biológicos e três irmãs (filhas de relacionamentos
anteriores dos pais). Em 2005, o menino, de sete anos de idade e cor da pele
parda não participava de nenhum tipo de culto religioso. Sua mãe tinha 32 anos e
havia estudado ao primeiro grau, trabalhava por conta própria (vendas) e
sustentava a casa com uma renda mensal de R$ 200,00, somada ao auxílio do
programa bolsa família no valor de R$ 95,00. Seu pai tinha então 33 anos,
trabalhava em estaleiro e, assim como a e, também parou de estudar no
primeiro grau.
A mãe de Lucas relata que a gravidez do garoto não foi planejada e que
se sentiu triste neste período, que foi cheio de desentendimento e brigas. Relata
também, o uso de álcool durante a gravidez.
Ao falar sobre o filho, a mãe diz que Lucas gosta de jogar futebol e vídeo
game e que tem muitos amigos. Salienta que ele é nervoso, teimoso, porém é
bom filho. E ajuda em casa com a tarefa de lavar o banheiro.
Comparando-o com outras crianças da mesma idade, considera-o igual às
outras no que diz respeito a sua relação com as irmãs e com os pais. E não soube
dar informações a respeito de seu desempenho escolar. Disse que sua maior
preocupação com seu filho se refere a possível separação conjugal que se
aproxima, pois o pai é carinhoso e amoroso com ele.
Em relação ao comportamento da criança, disse que ele às vezes:
argumenta muito, não consegue terminar o que começa, faz cocô na calça, é
distraído, agitado, dependente, queixa-se de solidão, chora muito, é desobediente
em casa, e fica com ciúmes facilmente, acha que ninguém gosta dele, sente-se
inferior, entra em brigas, sente-se excessivamente culpado, foge de casa, se irrita
com facilidade, fala ou anda dormindo e é barulhento demais.
A respeito do relacionamento mãe e filho, mostra certo distanciamento, ao
dizer que poucas vezes conversam ou brincam um com o outro por diversão, riem
juntos, fazem alguma coisa especial que Lucas goste e pratica esporte ou
hobbies. Nunca com ele, talvez devido à precária escolaridade de todos na
família.
Com relação à violência na família, a e informou que algumas vezes
Lucas é chamado de nomes desagradáveis pelos pais e que poucas vezes briga
com as irmãs a ponto de se machucarem, ou humilhando um ao outro.
Com relação à argumentação, relata que, tanto ela quanto o pai, nunca
discutem um problema calmamente com o filho e nunca procuraram saber
informações para conhecer melhor seu modo de pensar. Pelo contrário, enfatiza a
presença de agressão verbal, relatando que ela e o marido muitas vezes xingam
um ao outro, e que, muitas vezes, ela xinga também o filho. Segundo a mãe, o pai
de Lucas age dessa forma com ele com menos freqüência que ela.
Em relação à violência física severa, a mãe informa praticar atos violentos
como bater e jogar objetos na criança, espancar, bater com objetos, ameaçar com
armas ou facas. Estas formas de violência estão presentes tanto na relação dos
pais com a criança quanto entre eles.
Os pais de Lucas fizeram o uso de álcool até se embriagar, e do cigarro em
2005. De acordo com as observações feitas durante a entrevista com a mãe neste
ano, esta parecia muito agitada e agressiva, falando muitos palavrões.
Em 2006, Lucas continuou morando com os pais biológicos e as três irmãs. A
renda familiar aumentou, a e foi contratada por uma firma de limpeza,
passando a ganhar R$ 350,00, o pai passou a ganhar R$ 530,00. Também
continuaram contando com o auxílio de R$ 95,00 do programa bolsa família.
Lucas repetiu a primeira rie em 2005, de acordo com a mãe, porque o
estudou o suficiente. Ela relatou novamente a vontade de se separar do marido
argumentando ainda não tê-lo feito por causa do filho. Disse ter ocorrido rios
problemas financeiros na família, que mora amontoada, sem espaço. Relatou que
alguém da família foi preso e que ocorreram graves discussões envolvendo os
filhos. No que diz respeito à violência, o relato da e foi de que, neste ano,
diminuiu a violência psicológica e física.
A mãe de Lucas, ao falar de sua vivência na infância, relata ter sido uma
criança alegre e agitada, porém, desobediente e agressiva. Também relata nunca
ter visto seus pais brigarem humilhando um ao outro ou a ponto de se
machucarem, disse que eles nunca a humilharam nem a criticaram pelas coisas
que ela fazia. E poucas vezes a chamavam de nomes desagradáveis. Entretanto,
utilizavam de violência física, batendo nela muitas vezes e, algumas vezes
espancando.
Ao falar sobre seu atual jeito de ser, demonstra uma boa auto-estima,
satisfação consigo mesma e reconhecimento de suas qualidades. Entretanto,
quando fala de sintomas, relata estar se sentindo triste, dormir mal, sentir-se
nervosa, tensa ou agitada e ter dores de cabeça com freqüência. Relata também
que, tanto ela quanto o marido continuam usando o cigarro e o álcool a se
embriagar.
Em 2008, o salário da mãe diminuiu para R$ 300,00, trabalhando como
doméstica e o do pai aumentou para R$ 600,00. Também continuaram contando
com o auxílio do programa bolsa família, que aumentou para de R$ 152,00.
Mantém uma renda familiar estável no período.
A e continuou usando o cigarro e bebendo até se embriagar, porém,
informou que o pai havia parado. Relata ainda que o menino continuou
apresentando alguns comportamentos como, não conseguir terminar o que
começa, fazer cocô na calça, ficar agitado, dependente, ficar com ciúmes
facilmente, exigir que prestem a atenção nele, xingar e falar palavrões, gritar
muito, ser alvo de gozações e preferir ficar sozinho. Disse que o relacionamento
de Lucas com as irmãs continuava difícil.
Em relação à escola, informou que Lucas falta aula de vez em quando por
motivo de doenças. Diz que o menino encontra dificuldades em cumprir as
responsabilidades e tarefas, tendo sido chamada à escola para conversar sobre
seus problemas. Disse também que Lucas é um pouco mais desleixado com a
aparência que as outras crianças de sua idade. Com relação à violência, relata ter
diminuído a freqüência, principalmente para com o menino, porém relata mais o
uso de violência de seu marido para com ela. E afirma que não ocorreram mais
episódios de violência severa na família.
Observações feitas durante a entrevista domiciliar com a mãe em 2008,
mostram que respondia as questões enquanto descascava legumes para o
almoço, alegando o poder perder tempo. Xingava os filhos com freqüência, ao
longo da entrevista.
A professora que acompanhava o desempenho escolar de Lucas em 2005
relatou que ele estava muito abaixo da média exigida pela escola em todas as
disciplinas. Comparando-o com outros alunos, disse que ele se dedicava muito
menos aos estudos e também aprendia bem menos que os outros, destacando
sua preocupação com ele em relação às dificuldades de leitura e escrita.
Quanto ao comportamento, disse que Lucas é comunicativo, com grande
capacidade de fazer amigos. Às vezes se comporta como se tivesse menos idade,
argumenta muito, não consegue terminar o que começa, não se concentra, não
pára quieto, fica grudado nos adultos de modo dependente, tem dificuldade de
obedecer ordens ou seguir instruções, fica com ciúmes facilmente, sente-se
magoado quando é criticado, seus trabalhos escolares são sujos e mal cuidados,
é estourado, tem comportamento imprevisível, xinga ou fala palavrões.
Para a realização do desenho da família em 2005, Lucas não apresentou
nenhuma negativa e também não declarou incapacidade para tal. Seu desenho
ocupou todo o espaço da folha de papel e foi feito na posição horizontal, com linha
de base imaginária, utilizando a folha como base para o desenho, e traçado
“normal”. Este tipo de traçado, geralmente, indica equilíbrio, bom nus (Campos,
1996).
A família de Lucas foi, por ele, representada desta forma:
Ordem dos personagens da esquerda para a direita: Mãe, Irmã (14 anos), Pai, Tia, Lucas, Irmã (13 anos)
Os membros da família foram desenhados em tamanho muito pequeno em
relação à folha de papel. Essa relação entre o tamanho do desenho e o espaço
disponível na folha é um paralelo entre a relação entre o sujeito e o seu ambiente
ou entre o sujeito e as figuras parentais. Desenhos em tamanho muito pequeno
podem significar problemas emocionais, inibição, desajuste ao meio, repressão à
agressividade ou sentimento de inferioridade (Campos, 1996), características que
estão presentes nas falas da e de Lucas, em relação a ele. Entretanto, neste
caso, ele utilizou todo o espaço da folha, completando o desenho da família com
figuras do contexto, que ganham destaque e servem para separar membros da
família em grupos, ficando estes, quase que disfarçados entre as figuras, como
flores. O desenho dos personagens separados em grupos pode significar divisão
na família (Cunha, 2000; Campos, 1996). Esta divisão ou distanciamento também
é confirmado na entrevista com a mãe de Lucas, que relata muito poucas
atividades junto ao filho.
Os personagens estão todos, praticamente, do mesmo tamanho, sem
distinção entre crianças e adultos. O desenho de um adulto de menor ou igual
tamanho que uma criança pode ser sinal de competição, rebeldia, sentimento de
menos valia (Campos, 1996), ou de falta de diferenciação entre adulto e criança,
numa fase em que as diferenças e o significado emocional deveriam estar bem
estabelecidos.
Quanto à ordem dos personagens, a criança desenhou, em primeiro lugar,
a mãe, em segundo a irmã de 14 anos e, em terceiro o pai. Em seguida, desenhou
a tia, em quarto lugar. E desenhou a si mesmo em quinto lugar. Por último, a outra
irmã, de 13 anos, que, sem muita atenção, pode ser confundida com uma flor.
Através da ordem de colocação das figuras, pode-se descobrir o valor sentimental
das pessoas para a criança. A primeira pessoa desenhada, por exemplo, pode ser
a de mais valor sentimental, seja num sentido positivo ou negativo
(Campos,1996).
Não personagens desenhados ao lado do menino. A tia é a que está
mais próxima, porém separada por uma flor. Esta situação pode refletir um
sentimento de afastamento dos pais, principalmente da mãe, que está posicionada
mais longe dele, que pouca participação na vida do filho e também ser quem
comete mais atos agressivos na família, inclusive com Lucas. O desenho do
próprio sujeito longe de um dos pais ou irmãos pode indicar sentimentos negativos
com relação a estes membros da família (Di Leo, 1991). Entre os pais, está
desenhada a irmã de 14 anos, considerada por ele a pior de todos entre os
membros da família “porque é chata e o deixa pegar biscoito” e que também foi
desenhada com traçado mais simples, fato que sugere algum sentimento de
competição com essa irmã, que também se destaca em comparação com a outra
irmã.
O personagem desenhado com traçado mais rico em detalhes é o que
representa o pai, que foi eleito como o mais feliz de todos na família, porque
quase o fica em casa”, palavras que despertam para a hipótese de que Lucas
não percebe a casa como um ambiente feliz. Segundo Corman (1979), o
personagem desenhado de forma valorizada pode estar representando uma figura
de poder, afeto, liderança, de valência positiva, e a desvalorização pode ser um
indicador de dificuldades de relacionamento ou falta de reconhecimento.
A mãe de Lucas, que relata ser a que mais briga e bate no menino, foi o
personagem desenhado com traçado mais reforçado ou em negrito. A
representação de algum membro da família em negrito pode identificar um conflito
com essa pessoa (Cunha 2000, Campos 1996).
Alguns itens desenhados por Lucas são comuns a todos os personagens,
como a cabeça, o corpo, braços e pés em duas dimensões, “mãos decepadas”,
integração das partes, figuras grotescas, falta de pescoço, falta de nariz e
assimetria grosseira dos membros.
O desenho da cabeça é importante, pois, representa o intelecto, o
autoconceito (Campos, 1996). Entretanto, Lucas desenhou uma cabeça bastante
pequena no personagem que representa a si próprio, o que, segundo Rodriguez e
Velasco (2006), pode significar problemas de auto-imagem. Nos outros
personagens, a cabeça foi desenhada em tamanho proporcional.
O formato do corpo dos personagens masculinos desenhados pela criança
é um pouco quadrado e curto, o dos femininos, em triângulo, fato comum em
desenhos de crianças (Rodriguez e Velasco, 2006).
Os braços em duas dimensões podem significar impulso de abraçar o
mundo, seja num sentido positivo ou de destruição (Rodriguez e Velasco, 2006).
Tanto o personagem que representa a própria criança quanto o que representa o
pai, foram desenhados com braços curtos, indicando, segundo as autoras, timidez,
retraimento e pobreza de recursos para abrir caminhos para a vida.
A ausência das mãos em todos os personagens pode significar negação de
dar e receber, ou ainda, vergonha por agressão reprimida. E, no caso, o desenho
de mãos decepadas, ou, punho cerrado, podem indicar tendências agressivas
reprimidas. (Rodriguez e Velasco, 2006). E o desenho de figuras grotescas,
segundo estes mesmos autores, está relacionado à discrepância entre o ideal que
a pessoa tem sobre si mesmo e a realidade. Traduz, portanto, sentimentos de
fracasso, sensação de incompleto e desvalorização, características citadas pela
mãe, pela professora e pelo próprio Lucas, que disse ser ele o menos feliz na
família, “porque às vezes os amigos ficam me chateando”.
A omissão de pescoço é normal em desenhos de crianças pequenas
(Rodriguez e Velasco, 2006), e pode indicar dificuldade maior de controle entre os
aspectos intelectuais e os impulsos e também inferioridade, regressão (Campos,
1996).
A omissão do nariz pode indicar atitudes frustradas (Rodriguez e Velasco,
2006).
O desenho com “má integração das partes” pode ser realizado por sujeitos
bem adaptados em sua família, mas com dificuldades de adaptação fora dos
círculos habituais, insegurança e ansiedade. E qualquer forma de assimetria ou
distorção de um lado em relação ao outro nos desenhos, pode indicar dificuldades
na relação do indivíduo com os outros e na vida social, revelando que algo não vai
bem na personalidade deste indivíduo (Rodriguez e Velasco, 2006).
sombreamento no rosto dos personagens que representa a criança e a
mãe. Além do rosto, o corpo do personagem que representa a mãe também está
sombreado, o que pode simbolizar o conflito com ela (Campos, 1996) ou indicar
alguma patologia (Rodriguez e Velasco, 2006).
Os personagens que representam a criança e o pai estão inclinados no
desenho podendo indicar instabilidade psíquica ou somática, desvio de controle
visomotor, disritmia, entre outros (Campos, 1996).
Somente o personagem que representa o pai tem olhos, todavia,
representados apenas por um ponto, o que segundo Rodrigues e Velasco (2006)
pode significar imaturidade afetiva. Os outros personagens não possuem olhos
que, segundo Campos (1996), também significa imaturidade afetiva. O pai
também é o único que tem boca e, inclusive, lábios. Segundo Campos (1996),
tanto a boca quanto os lábios, referem-se à nutrição, satisfação da libido oral,
relações sociais, dar e receber afeição e, mesmo, relações sexuais. O desenho de
uma boca grande, como é o caso do desenho do personagem que representa o
pai, pode também estar relacionado à ambição ou alguém que come ou fala muito,
fala alto. E, de acordo com Rodriguez e Velasco (2006), é um dos órgãos que
melhor podem refletir os conflitos infantis. Nenhum dos outros personagens possui
boca, inclusive o que representa a criança, o que para Bédard (2006) pode
significar que a criança prefere calar-se.
Todos os personagens femininos possuem cabelo. A ausência de cabelo,
no caso, na criança e no pai, pode indicar pouca preocupação com a aparência
física, sentimentos de inferioridade ou competição (Rodriguez e Velasco, 2006).
Os personagens que representam a irmã de 14 anos e a tia foram
desenhados com a face totalmente em branco, o que, segundo Rodriguez e
Velasco (2006), pode refletir a dificuldade do indivíduo de integrar-se em uma vida
social normal.
Em relação ao contexto do desenho, observa-se a presença de casa,
jardim, árvore, nuvens e animais (pássaros voando). Árvores e flores servem de
obstáculos entre alguns personagens, o que pode sugerir dificuldades no
relacionamento entre estes (Hammer, 1991). destaque para o tamanho dos
pássaros. E desproporção no tamanho das árvores e da casa, em relação aos
personagens.
A casa é pequena, sem porta e foi desenhada distante dos personagens. O
teto da casa foi considerado pelos avaliadores como exageradamente grande,
pois ocupa mais que a metade da casa. Segundo Campos (1996), desenhar o teto
exageradamente grande pode significar imersão na fantasia e retraimento do
contato interpessoal. As paredes parecem desconjuntadas. A casa foi desenhada
sem porta, o que, segundo Cunha (2000), pode significar isolamento. Entretanto
uma janela na frente da casa, onde deveria estar a porta, o que pode significar
uma certa abertura para o contato externo. também uma janela junto ao teto,
fato que pode refletir algum problema somático ou cerceamento, o indivíduo não
tem por onde fugir (Campos, 1996). também uma chaminé com fumaça. Para
Campos (1996), a chaminé pode ser considerada um símbolo fálico, com caráter
sexual e de poder, que aparece com freqüência, nos desenhos de meninos.
Entretanto, em indivíduos bem ajustados, a chaminé indicaria apenas um detalhe
necessário na representação da casa. O desenho de uma casa com a chaminé
emitindo fumaça abundante pode significar expressão de calor e afeto dentro dela
(Di Leo, 1991), mas também pode indicar tensão ou conflitos nas relações
familiares (Campos 1996; Hammer, 1981). Segundo Bédard (2006), a fumaça da
chaminé representa o grau de emoção que prevalece na família e no ambiente
que rodeia a criança e também reação desfavorável à influência vivida no seio
familiar.
As árvores foram desenhadas de modo muito parecido, com o tronco curto,
solto no espaço, sem raiz, sem base, e longe da linha da terra. O tronco solto no
espaço, pode significar falta de apoio, desorientação, insegurança. O tronco curto
pode indicar pressão externa ou falta de expressão de si. A copa foi desenhada
com arcadas, fato que pode significar bons modos (Campos, 1996).
Como visto, muitas das hipóteses interpretativas, dos diversos autores,
sobre os detalhes que compõem o desenho correspondem às informações
fornecidas pela mãe, pela professora e, de certa forma, pelo próprio Lucas ao
longo dos três anos em que a família e a professora foram entrevistadas.
Apesar do aparente afastamento e pouca participação dos pais na vida de
Lucas, ele os considera como os preferidos na família, “porque o legais, me
levam no parque”.
Apesar da violência ser um fato muito presente na vida da família, de
acordo com os relatos da mãe, que se descreve mais agressiva com o filho que o
pai, Lucas diz que “todo mundo é feliz”. Entretanto, conta esta estória após a
realização do desenho:
Minha mãe e meu pai estavam na rua pegando o ônibus. Depois o
feijão estava ruim e meu pai bateu na minhae. Eu já vi 5 vezes. Aí o
outro feijão ficou bom.
A estória contada pelo menino subentende uma cena do cotidiano da
família, que desta vez, mostra o pai como o possível agressor. Em ralação à
influência da família na vida e no desenvolvimento da personalidade do individuo,
principalmente quando criança, atenta-se para o fato de que se Lucas pudesse
escolher ser alguém da família, seria o pai, porque “ele é muito legal”.
Questiona-se se a redução da agressão verbal e da violência física severa
referidas pela mãe ao longo dos 3 anos de acompanhamento seja real ou fruto do
reconhecimento por parte desta de que a violência era o tema central da pesquisa
e, que poderia em sua visão, acarretar algum tipo de problema para a família.
Seja qual for a resposta correta acerca do grau de convivência com a
violência atual, tem-se de forma clara que Lucas tem dificuldades várias que estão
refletidas em sua maneira de expressar sua família através do desenho.
Mario e seu desenho da família. Estudo de caso
Mário mora com seus avós e uma tia. Tem dois irmãos, filhos de
relacionamentos anteriores do pai e da mãe, que não moram com ele e que ele
não tem contato. Em 2005, o menino, de cor parda, tinha 8 anos. E sua avó,
responsável por ele à entrevista, tinha 50 anos de idade, não sabia ler nem
escrever, trabalhava como doméstica e recebia um salário mensal de R$ 260,00.
O avô ajuda no sustento da casa com um salário no valor de R$ 200,00. O pai de
Mário tem 26 anos, parou de estudar no primeiro grau, trabalha como pedreiro e
contribui com uma quantia de R$ 80,00 para o sustento do filho.
Passam por problemas financeiros sérios na família e moram todos juntos
amontoados. Enfrentam problemas com o álcool e refere acontecem discussões
envolvendo as crianças (a avó fuma e o pai bebe a ponto de se embriagar). Os
pais de Mário se separaram entre 2004/2005, próximo ao momento em que se
iniciou a pesquisa. Na comunidade, a avó relata que Mário viu alguém ser
gravemente ferido, roubando ou atirando em outra pessoa. Também vivenciaram
enchente grave em casa. Todos estes dados indicam dificuldades que tornam
mais conturbada a vida familiar.
A avó definiu Mário como um garoto bom e doce, que gosta de jogar
futebol, cafifa, bola de gude e tem muitos amigos. Disse que ele não se bem
com os irmãos, mas sim com as outras crianças. Com relação ao desempenho
escolar, disse que Mário teve nota insuficiente em todas as disciplinas. E que sua
maior preocupação com ele é de que ele fique doente, se machuque ou que
alguém “faça malvadeza” com ele. O elogia, dizendo que ele é um menino
honesto.
Em relação ao seu comportamento, aponta muitas dificuldades. Informa
que ele às vezes: não consegue terminar o que começa, há poucas coisas que lhe
dão prazer, é muito convencido, gosta de contar vantagem, é distraído, não
consegue tirar certos pensamentos da cabeça (como achar que a tia não gosta
dele), é muito agitado, dependente, queixa-se de solidão, chora muito, é cruel com
os animais, destrói as próprias coisas, é desobediente em casa, e fica com ciúmes
facilmente, acha que ninguém gosta dele, acha que os outros o perseguem, sente-
se inferior, rói unhas, come exageradamente, é nervoso, é medroso, ansioso, não
vai bem na escola, é muito desastrado, desajeitado, recusa-se a falar, grita muito,
é reservado, fechado, preocupa-se com o que os outros vão pensar dele, é tímido,
fica emburrado facilmente, é desconfiado, xinga ou fala palavrões, tem acessos de
raiva, é infeliz, deprimido, faz xixi na cama e às vezes, faz manha.
A aconta que a gravidez dele não foi planejada, mas que o período da
gestação foi tranqüilo e o parto foi normal. Mário deixou de mamar com um s
de idade, pois, de acordo com a avó, sua mãe não quis amamentar. E que,
quando bebê, Mário era muito nervoso, irritado e chorava muito.
Quanto à sua relação com o neto, disse que poucas vezes o elogia,
conversa, brinca com ele, ou faz alguma coisa especial que ele goste. Diz que o
menino é obediente e que se sente muito satisfeita por ser a responsável por ele.
A avó também informou que algumas pessoas, às vezes humilhavam Mário
e quase sempre o chamavam de nomes desagradáveis. Com relação à violência,
disse que os pais de Mário muitas vezes brigavam insultando um ao outro, a ponto
de ameaçar bater ou jogar objetos e, muitas vezes, chegaram às vias de fato, e
inclusive, agiram com violência severa, chutando, espancando queimando ou
ameaçando com faca ou arma. A avó diz que a mãe de Mário não liga para o filho
e costuma bater nele. Disse também que o menino tem alguns problemas com a
madrasta e sente que ela não gosta dele.
Em 2006, quem respondeu o questionário foi a tia de rio, irmã de seu
pai, que informou ser a pessoa que tomava conta dele na época, deixando
evidente a inconstância de cuidados para com o menino ao longo dos anos.
Informou que ele continuava morando com os avós, e que a renda familiar,
provavelmente continuava a mesma. Disse que havia nascido um novo irmão de
Mário, com o qual o menino não teve muito contato. E informou que o pai dele
estava trabalhando como pescador.
A tia de Mário informa ainda que seus pais, os avós que criam o menino
brigavam muito entre eles quando ela era criança, a ponto de se machucar e
humilhar um ao outro. Esse dado indica que as agressões verbais fazem parte
desta família em gerações anteriores à de Mário.
Em relação ao desempenho escolar e ao comportamento, disse que Mário
repetiu a primeira série em 2005 e atribui este fato à falta que ele sente dos pais
de verdade. Define Mário como um menino bom, carinhoso, mas que poucas
coisas dão prazer a ele, que fica o tempo todo pensando nos pais, se sentindo
rejeitado, é muito dependente, ás vezes chora, fica no mundo da lua, é
desobediente, não se bem com outras crianças, briga e não se arrepende,
desrespeita as regras da casa, sente-se inferior, acha que ninguém gosta dele, é
nervoso, sente-se sempre culpado, gosta de gozar com a cara dos outros, mata
aula é muito barulhento.
Disse que a família continuava morando amontoada, sem espaço, e que
um membro da família havia sido preso naquele ano.
Em 2008, a avó respondeu o questionário, informando que o menino
continuava morando com eles e a tia, e que estava participando de cultos
evangélicos. A renda familiar aumentou, pois a avó, trabalhando como doméstica,
passou a receber um salário de R$ 415,00 e seu avô continuou recebendo R$
200,00. O pai de Mário estava trabalhando como embalador, entretanto a avó não
diz se ele continuava contribuindo com o sustento do filho.
A arelatou que Mário continuava apresentando algumas características
como, argumentar muito, ter poucas coisas que lhe o prazer, ser dependente,
distraído, não conseguir terminar o que começa, ser desobediente em casa e na
escola, ficar com ciúmes facilmente, achar que ninguém gosta dele, roer unhas,
ser nervoso, não ir bem na escola, recusar-se a falar, ser reservado, fechado,
tímido e desconfiado, xingar ou falar palavrões, ser barulhento demais e ainda
fazer xixi na cama com freqüência, mesmo com 11 anos. Relata também que foi
chamada mais de uma vez na escola para conversar sobre problemas com Mario.
Considera o neto mais desleixado que a maioria das crianças da sua idade. Diz
que ele já foi humilhado na escola.
Quanto à capacidade de argumentação em situações conflituosas, disse
que algumas vezes tem discutido os problemas calmamente com o neto. Com
relação à violência menor (com intenção, percebida ou não, e causar dor física),
afirmou ter batido em Mário algumas vezes, inclusive com objetos. Entretanto,
pelos relatos da avó, parece não ter ocorrido atos de violência severa na família
neste último ano. Percebeu-se, durante a aplicação do questionário em 2008, que
a avó parece sentir muito carinho por Mário.
A professora de Mário, que o acompanhou em 2005, disse que ele
aprendia e se dedicava muito menos aos estudos que os outros alunos de sua
classe, o que reflete em seu baixo desempenho e notas em todas as disciplinas. E
que seu comportamento em sala de aula também não era muito apropriado para
sua idade. Disse, inclusive, que o o via como um garoto muito feliz e que ele,
geralmente, o conseguia terminar o que começava. Informa diversas
dificuldades no comportamento: poucas coisas lhe davam prazer, não se
concentrava, parecia estar confuso, atordoado, fazia pequenos movimentos,
mostrando-se inquieto, ficava no mundo da lua, perdido nos próprios
pensamentos, tinha sempre tonturas, useas, problemas de pele, dores de
estômago e vômito. Tinha ainda dificuldade de aprender, não participava das
aulas e faltava muito, às vezes era desobediente, atrapalhava os colegas, roia
unhas, falava fora de hora, dormia durante a aula, era desastrado, não copiava e
nem fazia as tarefas propostas, chegava atrasado, era pouco ativo, deprimido e
seus trabalhos eram sujos, e mal cuidados.
Em relação ao desenho da família em 2005, Mário o apresentou
nenhuma negativa e também não declarou incapacidade para realizá-lo. Seu
desenho foi feito na posição horizontal, localizado no canto superior à esquerda do
papel, sem linha de base e com traçado “normal”. A parte superior da folha,
geralmente, representa a expressão da fantasia. E, desenhos fora do centro da
página são característicos de pessoas descontroladas, dependentes. O fato de
estar em um dos cantos da página pode indicar que está fugindo do meio ou
desajuste do indivíduo ao ambiente. O desenho do lado esquerdo da gina pode
indicar inibição, controle intelectual ou introversão. Crianças de escola primária
tendem a desenhar no quadrante de cima e esquerdo (Corman, 1967). Já a
ausência de linha de base para o desenho pode indicar falta de suporte (Di Leo,
1991).
A família está representada por Mário da seguinte maneira:
Or
dem dos personagens da esquerda para a direta: Avó, Pai, Tia e Avô.
No desenho de Mário estão representados alguns membros da família
(avó, pai, tia e avô) e não há existência de contexto. Nem o menino, nem sua mãe,
com quem tem pouco contato, estão representados no desenho. A omissão do
próprio sujeito na representação da família pode significar que ele o se sente
nela incluído, ou delao participa, não recebe afeto, ou sofre algum problema de
rejeição (Klepch e Logie (1984) e Campos (1977) apud Cunha, 2000). Isto se dá,
geralmente em desenhos de crianças que não se sentem apreciadas e ocorre com
grande freqüência em crianças adotadas, que o são criadas pelos pais. Podem
ainda refletir sentimentos de inferioridade e rivalidade entre irmãos. Se a criança
exclui a mãe de seu desenho, pode estar expressando algum ressentimento para
com esta ( Di Leo, 1991).
Como visto no caso anterior, pode-se dizer que a relação entre o tamanho
do desenho e o espaço disponível na folha representa a relação entre o sujeito e o
ambiente ou as figuras parentais (Campos, 1996). Neste caso, os membros da
família foram desenhados em tamanho pequeno em relação à folha de papel, fato
que pode, então, sugerir que Mário pode estar se sentindo diminuído em relação à
família e ao ambiente familiar. Os personagens flutuam e possuem os órgãos
sexuais aparentes, destacados e diferenciados em masculino e feminino. O
desenho de órgãos genitais é comum em crianças com idade escolar,
simbolizando a descoberta do sexo ou significando auto-afirmação, mas também
pode indicar promiscuidade no lar (Campos, 1996).
Mário desenhou, em primeiro lugar, a avó, por quem é criado, que, no
desenho, é maior que os outros personagens e que foi, por ele, eleita a mais feliz
de todos na família, pois vai à igreja e fica alegre”. O pai, apesar de não morar
junto com Mário, está representado logo após a avó, e foi eleito por ele como o
melhor de todos e como o preferido entre os membros da família, justificando a
escolha porque gosta dele”. Em terceiro lugar, desenhou a tia, que disse ser a
menos feliz entre os membros da família. Por último, desenhou o avô.
Levando-se em conta que a ordem dos personagens permite descobrir o
valor sentimental que a criança atribui à pessoa, pode-se dizer que Mário atribui
maior valor sentimental à avó, num sentido positivo ou negativo (Campos,1996).
Mário também disse que, se pudesse escolher ser alguém da família, seria
o “tio Roby”, que não está representado no desenho, porque “gosta do nome”.
A estória contada por Mário após a realização do desenho da família
sugere o possível sentimento de alegria ao estar junto com o pai, quando recebe
atenção o cuidados básicos, como com a vestimenta: todo mundo é alegre. Meu
pai vai comprar roupa para mim”.
Diversas hipóteses interpretativas de alguns autores a respeito das
características que compõem os personagens correspondem a informações
fornecidas pela avó, pela tia e pela professora de Mário.
O item que representa melhor a personalidade do individuo é a cabeça
(Rodriguez e Velasco, 2006), item comum a todos os personagens do desenho.
Os olhos, que no desenho estão representados por um ponto, podem significar
imaturidade afetiva e o nariz é considerado essencialmente um simbolismo sexual
(Campos, 1996), itens que também estão em todos os personagens. A boca que
podem refletir os conflitos infantis, no caso, representadas por uma linha côncava,
em todos os personagens, também podem significar passividade e complacência.
O cabelo, símbolo de vitalidade, foi um item comum a quase todos os
personagens, podendo representar, em homens, força e virilidade e em mulheres,
sensualidade. A ausência de cabelo, no caso, no personagem do avô, pode
representá-lo como é na realidade, mas também pode indicar pouca preocupação
com a aparência física, ou, em alguns casos, sentimentos de inferioridade ou
competição (Rodriguez e Velasco, 2006).
Outro item comum a todos os personagens foi a falta de pescoço,
considerada normal em desenhos de crianças pequenas, mas que também pode
significar imaturidade ou dificuldades de relação entre o indivíduo e o meio
(Rodriguez e Velasco, 2006). Pode também indicar dificuldade maior de controle
entre os aspectos intelectuais e os impulsos e também inferioridade, regressão
(Campos, 1996).
O corpo meio triangular, característico de todos os personagens da família
de rio, em seu desenho, é considerado algo comum em desenhos de crianças,
demonstrando a pouca habilidade para desenhar.
Os braços de todos os personagens foram desenhados em duas
dimensões, que podem significar impulso de abraçar o mundo, tanto num sentido
positivo ou de destruição (Rodriguez e Velasco, 2006) e apontados para baixo, o
que pode sugerir pouco contato social (Campos, 1996).
As mãos, que simbolizam os instrumentos executores do pensamento, os
instrumentos das ões, e os dedos, que podem expressar a atitude interna com
relação ao que pode ser tocado, manipulado, podendo também simbolizar um
sentimento de culpa por algo indevido feito com as mãos, ou ainda insegurança e
medo por não saber o que fazer com eles (Rodriguez e Velasco, 2006), também
estão representados em todos os membros da família de Mário.
As pernas e os pés são os órgãos que utilizamos para nos aproximarmos
dos objetos e pessoas que estão a nossa volta (Rodriguez e Velasco, 2006). E, no
desenho de Mário, todos os personagens foram desenhados sem estes itens,
podendo significar dificuldade de contato (Campos, 1996) e ainda, busca de
estabilidade, ou também que a criança não esteja conseguindo mover-se por si
mesma, mostrando dependência do outro (Bédard, 2006). A falta de pés pode
indicar ainda, desânimo, abatimento, tristeza, desilusão ou ainda, insegurança
(Rodriguez e Velasco, 2006).
Há também “má integração das partes” nos personagens, que pode revelar
dificuldades de adaptação fora dos círculos habituais, insegurança e ansiedade.
ainda, “assimetria grosseira dos membros”, que pode sugerir que algo não vai
bem na personalidade de Mário (Rodriguez e Velasco, 2006).
A presença de transparências, o é comum em crianças com mais de 6
anos de idade. E a transparência de elementos sexuais através das roupas pode
indicar curiosidade sexual ou retratar retardo (Campos, 1996). Se desenhado por
pré-púberes, pode indicar capacidade mental ou funcionamento abaixo das
expectativas para sua idade, ou ainda, possibilidade de querer tornar a figura mais
sedutora (Di Leo, 1991). É também um dos indicadores sexuais sugeridos por
Retondo (2000) para avaliação de abuso sexual no Desenho da figura humana
(Beraldo e cols, 2006).
O personagem que representa a tia é único que está inclinado. O desenho
de figuras inclinadas, soltas no espaço, pode indicar instabilidade psíquica ou
somática, desvio de controle visomotor ou disritmia (Campos, 1996).
Capítulo 4
Discussão dos resultados e considerações finais
O presente estudo analisou comparativamente o desenho da família
realizado pelas crianças vítimas, diretas ou testemunhas, da violência familiar
severa e pelas crianças sem histórias de vitimização, verificando as diferenças nas
especificidades destes desenhos, e distinguindo os resultados segundo sexo, cor
da pele, idade, situação cio-econômica e estrutura familiar. Também foi feita a
análise do questionário respondido pelas crianças após a realização do desenho e
das estórias contadas.
Os resultados encontrados possibilitaram uma visão geral acerca da
realidade em que vivem estas crianças de o Gonçalo, de suas características e
de suas famílias, do modo como esta é representada pela criança e o modo como
é percebido cada personagem a ela pertencente, através da distribuição dessas
figuras no desenho e dos detalhes expostos pela criança, bem como sua
convivência com a violência, tanto na família quanto na escola e no local onde
vive.
Como visto, a violência está muito presente na vida destas crianças,
principalmente na família, onde a mãe se mostra autora de agressão verbal em
80,6% das crianças e pratica atos de violência em grau menor, como, por
exemplo, dar um tapa em 76,1% dos casos. Também 62,4% das crianças sofrem
agressão verbal e 43,7% das crianças são vítimas de violência em grau menor por
parte do pai, confirmando que punições físicas estão intimamente relacionadas à
lógica educativa na cultura brasileira.
O estudo encontrou que 43,3% são vítimas diretas de violência física
familiar severa. Em relação à este tipo de violência, 18,2% das crianças, além de
serem vítimas, também testemunham a violência entre os pais, 9% o sofrem,
mas testemunham e apenas 29,1% não sofrem nem testemunham nenhuma
forma de violência.
O estudo encontrou ainda que 1,4% das crianças são vítimas de violência
sexual de distintos tipos: abuso de um primo adolescente sobre um garoto de 3-4
anos; uma menina mais velha excitando um garoto pequeno (sem informação de
penetração); um colega com problemas mentais incentivando uma criança a fazer
sexo oral; um garoto mais velho que penetrou no ânus de criança do sexo
masculino; um menino molestado pelo pai; e um cuidador do sexo masculino que
tentou abusar de criança (sem sinais físicos de abuso). Este tema não foi
abordado com detalhes nesta dissertação pela heterogeneidade dos tipos de
violência relatados, o que demandaria maior aprofundamento das informações do
que o que obtido na pesquisa.
Observou-se que a violência física e verbal, muitas vezes, nem são
percebidas ou são justificadas pelos responsáveis como atitudes repressivas ou
punitivas com o intuito de educar. A definição do que possa ser considerada uma
prática abusiva, ou um ato violento, parece algo bastante complexo, difícil de se
compreender e enraizados na cultura e história o apenas destas famílias,
perpassando épocas e estratos sociais (Minayo e Souza,2003; Assis, 1999;
Deslandes, 1994; Braghini, 2000). Entretanto, é comum encontrar resultados como
os aqui encontrados, em que a maioria das crianças que sofre e testemunha a
violência física severa são pertencentes às classes D e E, e os que não sofrem, às
classes B e C (p=0,036). O estudo também encontrou que a maioria das crianças
que sofrem/testemunham a violência física familiar severa são meninos (p=0,014),
e que 46,4% das crianças também sofrem violência física praticada pelos irmãos,
vislumbrando um contexto familiar cuja comunicação é feita através de violência.
A dificuldade socioeconômica contribui com o aumento dos conflitos
familiares, e piora a medida que a família encontra dificuldades para cumprir
satisfatoriamente suas tarefas básicas de socialização (Petrini, 2003), e também
com as situações de risco vividas no dia a dia destas famílias, que muitas vezes,
se vêem obrigadas a conviver com o tráfico, assaltos, assassinatos, etc. Verificou-
se que muitas das crianças estudadas vivenciam a violência na comunidade (74%)
e na escola (42,4%), onde trocam com os colegas a reprodução destas
experiências, o que as torna ainda mais vulneráveis.
Apesar de todos os problemas familiares existentes, a maioria das crianças
não demonstrou resistência ao desenhar a família. Entretanto, verificou-se que a
maior parte das crianças que negou a realização do desenho pertence às famílias
onde o pai é o agressor (p=0,020). Essa atitude frente à solicitação para que se
desenhe a família pode ser um comportamento característico de crianças que
presenciam violência nos lares, e que adquiriram uma imagem negativa da família
(Di Leo, 1991).
que se destacar que, apesar da mãe ser quem comete mais atos
violentos com a criança, está presente na maioria dos desenhos (92,6%), e
desenhada em primeiro lugar pela maioria das crianças (37%). O pai está
presente em 80,3% dos desenhos e foi o personagem mais desenhado em
segundo lugar. Geralmente, de acordo com a ordem de colocação das figuras,
descobre-se a valência das pessoas para a criança (Di Leo, 1991), refletindo a
importância que tem os pais, principalmente nessa fase, fazendo-se necessário,
aqui, destacar sua responsabilidade e influência na vida e formação da
personalidade infantil.
O personagem da mãe foi ainda o desenhado com traçado mais rico em
detalhes (33,8%) e eleito pela maioria das crianças como o melhor de todos
(56,3%), sendo mais escolhida pelas crianças que não sofrem nem testemunham
violência severa entre os pais (64,6%, p=0,023), e também como a preferida
(59,2%). As justificativas apresentadas podem refletir que estas crianças sintam a
violência cometida pela e como menos graves, educativas, ou como algo
pertencente à rotina, com a qual a criança se acostumou (e apreendeu), ou ainda
que “o dar comida”, “dar as coisas” compensem a violência. Apesar de ter sido a
menos apontada como a pior de todos entre os membros da família, nas vezes em
que isto ocorreu, foi mais apontada pelas crianças que sofrem e/ou testemunham
a violência severa (4,4%), em comparação a 0,8% das crianças que não sofrem
nem testemunham (p=0,051).
É importante atentar para o fato de que 29,8% das crianças não
desenharam a si próprios, excluindo-se do cenário familiar, que pode ser reflexo
de crianças que se sentem rejeitadas, que não se sentem apreciadas, ou ainda
refletir sentimentos de inferioridade e rivalidade entre irmãos. Essa omissão pode
ser deliberada ou um “esquecimento” inconsciente (Di Leo, 1991).
O irmão foi o mais apontado como o pior de todos (39,5%) justificando por
possíveis atitudes negativas como: bater, brigar, implicar, “ser chato”, fazer muita
bagunça e xingar, o que talvez tenha relação com o fato de mais crianças que não
sofrem nem testemunham a violência familiar severa (26,4%) do que as que
sofrem (15,5%), escolherem o irmão ao serem questionadas sobre “se pudessem
escolher ser alguém dessa família, quem seria?” (p=0,023).
Entre as características gerais encontradas nos Desenhos da Família, feito
pelas crianças, verificou-se a força do traçado “normal” (60,8%), que costuma
significar bom tônus, equilíbrio emocional e mental (Campos, 1996) e com linha de
base imaginária (52,2%). Ainda que imaginária, a existência de uma linha de base
para o desenho da família é concebida como um indicador de suporte (Di Leo,
1991). A localização do desenho na folha foi diversificada, sendo que a maior
parte das crianças, ou ocupou todo o espaço da folha (28,7%), ou metade da folha
para baixo (26,5%) ou ocupou somente o lado esquerdo, da metade para baixo da
folha (20%). Verificou-se que também que a maioria dos personagens desenhados
possui cabeça (100%), olhos (96,9%), nariz (70,1%), boca (92,1%), cabelo
(94,6%), braços (96,9%) e corpo (98%). E que 58,7% das crianças desenharam a
família inserida em um contexto, com casa (25,1%), sol (21,3%), árvores (15,9%),
entre outros.
Em relação à violência, verificou-se que as crianças que sofrem e/ou
testemunham a violência física familiar severa desenharam mais a família
separada em grupos (15,6%; p=0,046), podendo refletir a divisão nestas famílias
(Cunha, 2000) e os itens: cotovelos (14,6%; p= 0,078), sugerindo que a criança
busca algo que possa se orgulhar, valorizar-se. (Rodriguez e Velasco, 2006),
braços longos (21%; p= 0,052), que pode significar ambição por alguma
aquisição ou proeza (Campos, 1996), mãos grandes (24,8%; p=0,072), podendo
indicar desejo de parecer forte, poderoso (Rodriguez e Velasco, 2006), falta de
nariz (54,6%; p=0,077), que podem indicar atitudes frustradas, nuvens (23,1%; p=
0,068), significando que a criança consegue conviver com as dificuldades,
compreendendo que em sua vida existem momentos bons e ruins (Bédard, 2006),
árvore com a copa mais longa que o tronco (30,8%; p= 0,083), que representa
o intelectual, a capacidade de abstração, idealismo, ou alguma tendência para o
cômico, arrogância, ambição (Campos, 1996), com destaque para os itens perfil
(3,2%; p=0,040), que indica incapacidade ou dificuldade de enfrentar o meio,
desajuste (Campos, 1996), chaminé (12,9%; p= 0,049), considerada um símbolo
fálico, de poder (Campos, 1996) e fumaça na chaminé (11,8%; p= 0,062), que,
neste caso, pode ser indicador de conflito (Campos, 1996; Hammer, 1981) ou
reação desfavorável à influência vivida na família (Bédard, 2006) verificados
apenas nos desenhos destas crianças, em comparação com as que não sofrem
nem testemunham.
Os itens pernas (97,7%; p= 0,080), que sugerem maior estabilidade,
equilíbrio e aproximação das pessoas ao redor (Rodrigues e Velasco, 2006), teto
da casa pouco elaborado (44,4%; p= 0,090), e árvore com a copa pequena
(42,1%; p= 0,05), considerada normal no desenho de crianças de até 10 anos de
idade mas, que também pode ser indicador de imaturidade (Campos, 1996), foram
mais encontrados nos desenhos das crianças que não sofrem nem testemunham
violência física familiar severa. O item falta de pés (66,2%; p= 0,052), indicador de
desânimo, abatimento, tristeza, desilusão, insegurança (Rodriguez e Velasco,
2006), dificuldade de contato (Campos, 1996) ou ainda, busca de estabilidade e
dependência (Bédard, 2006) também foi mais encontrado nos desenhos das
crianças que não sofrem. Entretanto, diversas pesquisas têm encontrado este item
como característico de crianças vítimas de violência. Este fato pode estar
relacionado ao grande número de desenhos de pernas em palito observado no
presente estudo. Também foi verificado que as crianças que não sofrem,
desenharam mais o personagem do irmão envolvido em círculo (p= 0,043), o
que pode tanto significar alguém que a criança deseja eliminar, ver fora de seu
caminho (Campos, 1996), quanto enfatizar alguma razão afetiva ou circunstancial,
como um problema de doença (Cunha, 2000).
Na avaliação qualitativa das estórias contadas pelas crianças, observou-se
que, tanto as crianças que sofrem e/ou testemunham a violência física familiar
severa quanto as que não sofrem nem testemunham relatam experiências
cotidianas vividas por ela na família ou expressam seus sentimentos pelas
pessoas da família. Entretanto, uma clara diferença nos relatos de situações
reveladoras de violência, onde as crianças que sofrem e/ou testemunham a
violência física familiar severa, explicitam mais as experiências sofridas e as que
não sofrem, além de relatarem violência em graus menores, demonstram
felicidade e afeto entre os familiares, o que talvez explique o fato deste grupo
apresentar estórias mais criativas, mais lúdicas e fantasiosas, com expressões
como “era uma vez...” e “felizes para sempre”.
Foi feito também o estudo de caso de duas crianças vítimas e/ou
testemunhas de violência familiar severa, utilizando, além das informações
contidas no desenho da família e no questionário aplicado após a realização deste
(Corman, 1967), os instrumentos aplicados aos responsáveis pela criança nos
anos de 2005, 2006 e 2008, e o instrumento aplicado às professoras em 2005. Em
ambos os casos foi possível observar que diversos detalhes em seu desenho
apontam para semelhantes interpretações, permitindo o levantamento de algumas
hipóteses a cerca de seu comportamento, unindo à estas as informações
fornecidas pela mãe e pela professora nos questionários.
No caso de Lucas, pode-se dizer que detalhes do desenho revelam
problemas emocionais e de auto-imagem, como sentimento de inferioridade,
desvalorização, inibição, desajuste ao meio, agressividade reprimida competição,
rebeldia, retraimento, sentimentos de fracasso, sensação de incompleto,
dificuldades de adaptação fora dos círculos habituais, insegurança e ansiedade,
dificuldades na relação com os outros e na vida social e pouca preocupação com
a aparência física (Di Leo, 1991; Campos, 1996; Cunha, 2000; Bédard, 2006;
Rodriguez e Velasco, 2006), confirmados pelas falas da mãe e da professora, e do
próprio Lucas, que disse ser o menos feliz na família. As dificuldades no
relacionamento entre membros da família, relatadas pela mãe, também
transparecem no desenho, onde Lucas está localizado longe dos pais,
principalmente da mãe, que relata ser a que mais briga e bate no menino,
podendo sugerir sentimentos negativos para com esta, desenhada em negrito,
confirmando a possibilidade de conflito (Di Leo, 1991; Campos, 1996). A irmã de
14 anos, considerada por ele a pior de todos entre os membros da família está
posicionada entre os pais e também foi desenhada com traçado mais simples,
indicando competição com esta, que se destaca em comparação com a outra
irmã. Esta outra irmã e a tia podem ser confundidas com as flores desenhadas,
passando quase que desapercebidas. O pai, que, de acordo com a mãe, é mais
carinhoso com Lucas foi desenhado com traçado mais rico em detalhes,
representando uma figura de poder, afeto, liderança e valência positiva para o
menino (Corman, 1979), que o elegeu o mais feliz de todos na família, porque
quase não fica em casa”, sugerindo que Lucas o perceba a casa como um
ambiente feliz. A casa, pequena, sem porta e desenhada distante dos
personagens, possui uma janela junto ao teto, podendo refletir cerceamento, no
qual não tem por onde fugir (Campos, 1996), possui também chaminé, símbolo
fálico, com caráter sexual e de poder, com fumaça, indicador de tensão, conflitos
nas relações familiares ou reação desfavorável à influência da família (Campos
1996; Hammer, 1981; dard, 2006). Finalmente as árvores, que separam a
família em grupos, desenhadas com o tronco curto e solto no espaço e com a
copa pequena e com arcadas, indicando a falta de apoio, pressão externa ou falta
de expressão de si, e os bons modos, que lhe possam estar sendo cobrados
(Campos, 1996).
No caso de Mário, as características apontam para dificuldades no contato
social, instabilidade, dependência, imaturidade afetiva (Campos, 1996; Bédard,
2006; Rodriguez e Velasco, 2006), e também um possível sentimento de rejeição,
inferioridade e exclusão, pelo fato de ele não ter se desenhado (Cunha, 2000),
cogitando-se ainda a hipótese de um sentimento de abandono, tendo em vista que
foi criado pela avó, diferentemente de seus irmãos, com os quais não tem contato.
Mário também não tem contato com a e, e não a representou no desenho,
expressando seu ressentimento (Di Leo, 1991). Destaca-se o fato de que os
personagens desenhados por Mário possuem características consideradas por
muitos autores como possuidoras de simbolismo sexual, como o nariz (chamando
mais a atenção para o do pai, que se diferencia dos outros personagens no
formato e tamanho), falta de s, significando desânimo, abatimento, tristeza,
desilusão ou ainda, insegurança (Rodriguez e Velasco, 2006) e transparência de
elementos sexuais, que podem expressar curiosidade sexual, simbolizando a
descoberta do sexo, capacidade mental abaixo das expectativas para sua idade
ou significando auto-afirmação, mas também pode indicar promiscuidade no lar
(Campos, 1996; Di Leo, 1991) ou ainda ser indicador de abuso sexual (Retondo,
2000), fato negado pela ae pela tia nas entrevistas. também o desenho de
dedos, que podem expressar a atitude interna com relação ao que pode ser
tocado, manipulado, podendo também simbolizar um sentimento de culpa por algo
indevido feito com as os, ou ainda insegurança e medo por o saber o que
fazer com eles (Rodriguez e Velasco, 2006), fato que talvez se aplique,
relacionado à possibilidade de descoberta e manipulação dos órgãos sexuais.
É importante salientar que não se tratou aqui de psicodiagnóstico, pois seria
impossível fazê-lo com apenas um contato com a criança, e sim de hipóteses,
inclusive nos casos descritos acima. Trata-se de uma avaliação de grupos mais
amplos de crianças, em que o desenho como técnica projetiva é mais um
instrumento que pode facilitar a proximidade com a criança por seu aspecto lúdico,
além de fornecer informações dificilmente alcançadas somente por meio de outros
instrumentos comumente utilizados em pesquisas.
Faz-se necessário ressaltar a importância de se analisar o desenho como
um todo, somando os detalhes nele encontrados com outras informações a
respeito dos sujeitos analisados. E atentar para as limitações ao levantar
hipóteses interpretativas sobre o desenho infantil, tendo em vista o distanciamento
do contexto particular em que as crianças estão inseridas. Todavia, além da
escolha de autores reconhecidos pela experiência com desenhos, os dados da
pesquisa original permitiram um conhecimento maior a respeito destas e sua
convivência com a violência, servindo de base para tais hipóteses. Além disso, os
resultados dos desenhos encontrados no presente estudo, m sido comumente
vistos em outras pesquisas como característicos de desenhos de crianças vítimas
de violência. O estudo comparativo entre grupos diferentes também permite uma
visão mais ampla, além de uma avaliação mais rica e completa em abrangência e
menos aprofundada das especificidades individuais.
Faz-se necessário ainda, destacar a importância da junção dos métodos
quantitativos e qualitativos utilizada neste estudo. O primeiro permitindo a
observação dos dados e tendências mais observáveis, fortes em termos de
validade externa, possibilitando a generalização destes dados. E o segundo,
possibilitando o conhecimento dos hábitos, atitudes, valores e crenças, bem como
das representações das crianças estudadas e de suas famílias, focalizando as
particularidades e as especificidades.
O desafio de analisar os desenhos de 446 crianças na fase escolar, longe
do seu contexto original, investigando a relação com a violência produziu ganhos,
tendo em vista a riqueza de se trabalhar com um estudo de base populacional
onde a criança é a principal protagonista, contribuindo para o conhecimento da
magnitude da violência contra a criança existente no município de São Gonçalo e
possibilitando uma sensibilização maior em relação aos efeitos psíquicos da
violência nas crianças e despertando para ações preventivas futuras.
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Anexo 1
Instrumento de Avaliação do Desenho da Família
DESENHO DA FAMÍLIA
(desenvolvimento infantil e ajuste emocional)
PEDIR À CRIANÇA QUE DESENHE A SUA FAMÍLIA.
1. PERGUNTAR À CRIANÇA:
Personagem
( anotar sexo, idade)
A. Ordem desenho
B-
Que fazem no desenho
C-
Tamanho dos personagens
a Entrevistado º
b Mãe º
c Pai º
d Irmão 1 º
e Irmão 2 º
f Irmão 3 º
g Avô º
h Avó º
i Primo º
j Prima º
k outro_____________ º
º
2. Qual o melhor de todos? ____
(INSERIR NUMERO DO PERSONAGEM
) Por quê?
_________________________________________________________________________
___________________________________________________________________
3. Qual o pior de todos? ____
(INSERIR NUMERO DO PERSONAGEM
) Por quê?
_________________________________________________________________________
___________________________________________________________________
4. Qual é o mais feliz? ____
(INSERIR NUMERO DO PERSONAGEM
)Por quê?
_________________________________________________________________________
___________________________________________________________________
5. Qual é o menos feliz? ____
(INSERIR NUMERO DO PERSONAGEM
) Por quê?
_________________________________________________________________________
___________________________________________________________________
6. E você, nesta família, quem prefere? ____
(INSERIR NUMERO DO PERSONAGEM
) Por quê?
_________________________________________________________________________
___________________________________________________________________
7. Se pudesse escolher ser alguém dessa família, quem seria? ____
(INSERIR NUMERO DO
PERSONAGEM
) Por quê?
_________________________________________________________________________
___________________________________________________________________
8. PEDIR À CRIANÇA QUE CONTE UMA HISTÓRIA DO DESENHO QUE FEZ.
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
______________________________
ROTEIRO PARA OBSERVAÇÃO
9. Se houve negativa para a realização do desenho
1.( )Sim Qual?____________________________________ 2. ( )Não
10. Se a criança declarou incapacidade para a realização do desenho
1. ( )Sim. Qual? __________________________________ 2.( ) Não
11. Se a criança parou mais tempo ante a figura de determinado personagem.
1. ( ) Sim. Qual?_____
(INSERIR NUMERO DO PERSONAGEM
) 2. ( ) Não
12. Posição do desenho na folha. 1.( ) Vertical 2.( ) Horizontal
13. Em que ponto da página foi iniciado o desenho?
1.( )1° Quadrante 2 .( ) 2° Quadrante 3.( ) 3° Quadrante 4.( ) 4° Quadrante 5.( )Centro
14. Localização do desenho na folha:
1. ( )1° quadrante 2. ( ) 2° quadrante 3. ( ) 3° quadrante 4. ( ) 4° quadrante
5. ( ) centro da
página
6. ( ) Todos os
quadrantes
7. ( ) 1°e 2º quadr. 8. ( ) 1º e 3° quadr.
9. ( ) 1º
e 4° quadr.
10. ( )2°e 3º quadr.
11.( ) 2° e 4º
quadr.
12.( ) 3°e 4º quadr.
13. ( ) Três quadrantes
15. Força do traçado global do desenho:
1.( ) Excessivamente fraco 2.( )Fraco 3.( )Normal 4.( )Forte 5.( )Excessivamente forte
16. Há linhas de base para os personagens do desenho?
1. ( ) Sim, linha explicitamente desenhada
2. ( ) Sim, linha imaginária
3. ( ) Não há linha de base
17. Os personagens estão:
1 ( ) todos em mesmo nível 2. ( ) em níveis distintos
.
18. Que personagens estão ao lado da criança entrevistada? (
) 1.
Preenchido
____; ____ ( ) 0.
nenhum
( Tomar como referência, a criança)
direita esquerda
( ) 9.
criança ausente
19. Que personagens estão mais longe da criança entrevistada?
( ) 1.Preenchido
___;___
(Tomar como referência a criança)
( ) 0.
nenhum
( ) 9.
criança ausente
20. Que personagens têm traçado mais rico em detalhes?
( ) 1. Preenchido
___; ___; ( ) 0.
nenhum
21. Que personagens têm traçado mais simples?
( ) 1. Preenchido
____; ____ ( ) 0.
nenhum
22. Que personagens têm traçado mais reforçado ou em negrito? (
) 1.
Preenchido
____; ____ (
) 0.
nenhum
23. O desenho tem traços que distinguem o sexo masculino do feminino?
1. ( )
Sim. Qual/quais?
____________________________________________ 2. ( )
Não
24. Que personagens foram riscados/excluídos?
( )
1.
Preenchido
____; ____ ( ) 0.
nenhum
25. Pessoas falecidas? 1. ( )
Sim
2.( )
Não
9 ( )
sem informação
26. Desenho no verso do papel? 1.( )
Sim
2.( )
Não
27. Que personagens tem partes do corpo destacadas? (
) 1.
Preenchido
____; ____ ( ) 0.
nenhum
Que parte(s) tem destaque?________________
28. Personagens envolvidos em rculo ou quadrado 1.( ) Sim. Quais?___; ___ 2.( ) Todos
3. ( ) Não
29. Família separada em grupos 1.( ) Sim. 2.( ) Não
30. Família de mãos dadas 1.( ) Sim 2.( ) Não
31. Ação de agressão na família 1.( )Sim.
Qual/quem?
________ 2.( ) Sugerida.
Qual/quem?
_______ 3. ( ) Não
32. Objetos fálicos 1.( )Sim.
Qual/quem?
___________ 2.( ) Sugerida.
Qual/quem?
___________
3. ( ) Não
33. Itens evolutivos do teste da figura humana infantil
A-Código do
Personagem
___________
B-Código do
Personagem
___________
C-Código do
Personagem
___________
D-Código do
Personagem
___________
E-Código do
Personagem
________
___
a.Cabeça
b.Olhos
c.Pupilas
d.Sobrancelha/cílios
e.Nariz
f. Narinas
g.Boca
h.Lábios
i.Orelhas
j.Cabelo
l.Pescoço
m.Corpo
n.Braços-qualquer representação
o.Braços em duas dimensões
p.Braços apontando para baixo
q.Braços corretamente ligados aos ombros
r.Cotovelos
s.Mãos
t.Dedos
u.Número correto dedos
v.Pernas
x.Pernas em 2 dimensões
z.Joelho
aa.Pés
ab.Pés em 2 dimensões
ac.Perfil
ad.Roupa 1 peça
ae.Roupa 2 ou 3 peças
af.Roupa 4 ou mais peças
ag.Boas proporções
34. Itens emocionais do teste da figura humana infantil
A-Código do
Personagem
___________
B-Código do
Personagem
___________
C-Código do
Personagem
___________
D-Código do
Personagem
___________
E-Código do
Personagem
___________
a.Má integração das partes
b.Sombreamento do rosto
c.Sombreamento do corpo e/ou dos membros
d.Sombreamento das mãos e/ou do pescoço
e.Assimetria grosseira dos membros
f.Figura inclinada
g.Figura minúscula (5cm ou menos de altura)
h.Figura grande (23cm ou mais de altura)
i.Transparência
j.Cabeça minúscula
A-Código do
Personagem
___________
B-Código do
Personagem
___________
C-Código do
Personagem
___________
D-Código do
Personagem
__________
_
E-Código do
Personagem
___________
k.Olhos vesgos
l.Dentes
m.Braços curtos
n. Braços longos
o.Braços grudados ao corpo
p.Mãos grandes
q.Mãos decepadas
r.Pernas juntas apertadas
s.Órgãos genitais
t.Monstro ou figura grotesca
u.Três ou mais figuras desenhadas espontaneamente 0 0 0 0 0
v.Nuvens
w.Falta de olhos
y. Falta de nariz
X Falta de boca
Z Falta de corpo
Ab Falta de braços
Ac Falta de pernas
Ad. Falta de pés
Ae. Falta de pescoço
Opções complementares
Af. Mãos escondidas no corpo
Ag. Mãos reduzidas
Ah. Mãos em garfo
Ai. Ausência de tronco
Aj. Tronco longo
Al. Tronco curto
Am. Tronco Palito
An Figuras toda em perfil
35. Desenho da família e história do apego
1.sim 2.não 9.Criança/mãe
ausente
1.Falta de diferenciação entre a mãe/criança (atributo físico/veste/tamanho)
FALTA DE INDIVIDUAÇÃO
2. Braços muito próximos ao corpo RIGIDEZ NOS BRAÇOS
3. Cabeça superior a metade do tronco EXAGERO NA CABEÇA
4. Criança longe da mãe
5. Omissão da mãe ou da criança
6. Membros da família disfarçados, mascarados ou escondidos
7. Figuras amontoadas ou sobrepostas
8. Figuras separadas por barreiras
9. Figuras demasiadamente pequenas
(folha na horizontal < 1,4cm ; na
vertical < 2,1cm)
10. Figuras demasiadamente grandes
(folha na horizontal > 14,5cm ; na
vertical > 22,1cm)
11. Figuras no canto das páginas
12. Exagero das partes do corpo moles (abdômen e glúteos)
13. Exagero das características faciais
14. Exagero das mãos ou braços
15. Falta de cenário
16. Figuras flutuando
17. Figuras incompletas
1.sim 2.não 9.Criança/mãe
ausente
18. Mãe não feminizada
19. Homens e mulheres não diferenciados por gênero
20. Afeto facial neutro ou negativo
21. Inícios falsos
22. Figuras esmagadas
23. Sinais, símbolos ou cenas não usuais.
36. Escala global (apego)
1) Vitalidade/criatividade:
1. Ausência 2.
Baixo
3.
Moderadamente
baixa
4.Nem interessante, nem
desinteressante
5. Moderadamente alta 6. Alta 7. Muito alta
2) Orgulho da família/felicidade:
1. Muito baixo 2. Baixo 3. Moderadamente baixo 4. Moderado 5. Moderadamente alto 6. Alto 7. Muito alto
3) Vulnerabilidade:
1. Muito baixo 2. Baixo 3. Moderadamente baixo 4. Moderado 5. Moderadamente alto 6. Alto 7. Muito alto
4) Distância emocional/isolamento entre mãe/criança:
1. Muito
baixo
2.Baixo
3.Moderadamente
baixo
4. Moderado/
neutro
5.Moderadamente
alto
6.Alto
7. Muito alto 9. Ausência
mãe/criança
5) Tensão/raiva:
1. Muito baixo 2. Baixo 3.Moderadamente baixo 4. Moderado/
neutro
5. Moderadamente alto 6. Alto 7. Muito alto
6) Papéis Invertidos:
1. Muito
baixo
2.Baixo
3. Moderadamente
baixo
4.Moderado
5. Moderadamente
alto
6.Alto
7. Muito alto 9. Ausência
mãe/criança
7) Dissociação/extravagante:
1. Muito baixo 2. Baixo 3. Moderadamente baixo 4. Moderado 5. Moderadamente alto 6. Alto 7. Muito alto
8) Patologia Global:
1. Muito baixo 2. Baixo 3. Moderadamente baixo 4. Moderado 5. Moderadamente alto 6. Alto 7. Muito alto
37. Existência de contexto 1. ( ) Sim 2. ( ) Não
38. Análise do contexto do desenho
Contexto Tamanho
(cm;mm)
1. Casa 1.( ) Sim 2.( ) Não
2. Jardim 1.( ) Sim 2.( ) Não
3. Árvore 1.( ) Sim 2.( ) Não
4. Nuvem 1.( ) Sim 2.( ) Não
5. Sol 1.( ) Sim 2.( ) Não Quantos?
6. Sol sombreado
1.( ) Sim 2.( ) Não
7. Sol encoberto 1.( ) Sim 2.( ) Não
Contexto Tamanho
(cm;mm)
8. Sol com expressão 1.( ) Sim 2.( ) Não
9. Lua 1.( ) Sim 2.( ) Não
10. Lua sombreada 1.( ) Sim 2.( ) Não
11. Lua com expressão 1.( ) Sim 2.( ) Não
12. Animais 1.( ) Sim 2.( ) Não
13. . Outros – quais? 1.( ) Sim 2.( ) Não
Atenção! No “tamanho” só ponha a altura das figuras
39. Algum figura do contexto serve de obstáculo entre personagens?
1.( ) Sim. Qual a figura do contexto? _____ Quais personagens foram separados? ___;___
2.( ) Não.
40. Análise da casa
Itens
1.sim 2.não
Itens
1.sim 2.não
1. Teto exageradamente grande 12. Janela no lugar normal
2. Ausência de teto 13. Janela com grades
3. Teto muito elaborado 14. Pessoa na janela
4. Teto pouco elaborado 15. Cortinas nas janelas
5. Paredes desconjuntadas 16. Chaminé
6. Contorno reforçados das paredes 17. Fumaça da chaminé
7. Contorno das paredes com traço fraco e
inadequado
18. Fumaça em negrito
8. Porta muito pequena, em relação à casa 19. Caminho
9. Porta excessivamente grande 20.Cercas/muros em torno da
casa
10. Janelas nuas, sem cortinas /postigos /
caixilhos
21. Outros. Quais?
11. Janela junto ao teto
41. ANÁLISE DA ÁRVORE
Itens 1. sim
2.não
Itens 1.sim
2.não
1. Tronco com linhas tremidas 13. Copa encaracolada
2. Tronco solto no espaço, sem raiz,
sem base, longe da linha de terra
14. Copa pequena
3. Tronco curto 15. Copa grande
4. Tronco longo 16. Copa sombreada
5. Tronco mais longo que a copa 17. Árvore cheia de flores
6. Copa mais longa que o tronco 18. Galhos
7. Equilíbrio entre o tamanho do tronco
e copa
19. Folhas
8. Nódulos no tronco 20. Folhas que caem
9. Reforço das linhas de contorno 21. Frutos
10. Raízes visíveis 22. Frutos que caem
11. Copa esférica 23. Ninhos
12. Arcadas na copa 24. Outros. Quais?
42. Existe destaque para alguma figura do contexto? 1.( ) Sim. Quais? __________
2.( ) Não.
43. Existe desproporção de alguma figura do contexto? 1( ) Sim. Quais? _________
2. ( ) Não.
44. Observações gerais do avaliador:
_________________________________________________________________________
_________
_________________________________________________________________________
__________
_________________________________________________________________________
_________
_________________________________________________________________________
__________
_________________________________________________________________________
__________
_________________________________________________________________________
__________
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