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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE SANTA CRUZ
FERNANDA BERALDO MACIEL LEME
REPRESAS COMO TERRITÓRIOS, LUGARES E PAISAGENS: SUBSÍDIOS PARA
O PLANEJAMENTO TURÍSTICO SUSTENTÁVEL
ILHÉUS-BA
2007
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FERNANDA BERALDO MACIEL LEME
REPRESAS COMO TERRITÓRIOS, LUGARES E PAISAGENS: SUBSÍDIOS PARA
O PLANEJAMENTO TURÍSTICO SUSTENTÁVEL
Dissertação apresentada, para a obtenção do título de mestre em
Cultura e Turismo, à Universidade Estadual de Santa Cruz.
Área de concentração: Ciências Sociais Aplicadas
Linha B: Políticas, Planejamento e Configuração de Produtos e
Serviços Turísticos.
Orientador: Salvador Dall Pozzo Trevizan
Co-orientador: Natanael Reis Bomfim
ILHÉUS – BA
2007
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FERNANDA BERALDO MACIEL LEME
REPRESAS COMO TERRITÓRIOS, LUGARES E PAISAGENS: SUBSÍDIOS PARA
O PLANEJAMENTO TURÍSTICO SUSTENTÁVEL
Ilhéus-BA, 15/06/07
__________________________________________
Salvador Dall Pozzo Trevizan - PhD
UESC - DCAA
(Orientador)
__________________________________________
Natanael Reis Bomfim
UESC – DCAA
(Co-orientador)
___________________________________________
Euler David de Siqueira – DS
UFJF – DTUR
(Convidado)
DEDICATÓRIA
A meus pais que, mesmo sem ter tido oportunidades de estudar com queriam, sempre
me incentivaram ao estudo. Diziam eles, que isto ninguém poderia tirar de mim e que com ele
enxergaria o mundo de outra forma. Espero que agora, não o enxergue de outra forma, mas
contribua, como docente, para que seja um pouco melhor.
A Sandro, que me ensinou que ter uma visão crítica do mundo, não significa endurecer
o coração, mas abrir a mente.
AGRADECIMENTOS
Não poderia deixar de agradecer imensamente o apoio dado pela minha família, que
abdicou de minha presença em minha terra, São Paulo, para que eu pudesse realizar meu
sonho e contribuir como pesquisadora em outra, a qual me encantei e me realizei
imensamente, a Bahia. Assim, não poderia deixar de agradecer também as pessoas que
encontrei neste lugar, que agora é também um pouco meu. Principalmente aos meus colegas
de mestrado, que com carinho, fizeram com que eu me sentisse amparada e nunca só, dando
forças para continuar. Agradeço também a Andréia Menezes, amiga fiel, pelo apoio e
incentivo dado durante toda a trajetória. A Sandro, pelo amor e respeito que sempre
demonstrou a mim e aos meus sonhos.
No longo caminho percorrido, também são muitos os que contribuíram para a minha
formação como pesquisadora. Tentando lembrar de todos que fizeram parte deste processo,
não poderia deixar de agradecer aos meus professores do mestrado que ajudaram, cada qual
com sua experiência e conhecimento, no amadurecimento de minhas idéias. Muitas vezes com
amizade e paciência, mostraram amparo nas diversidades encontradas neste caminho.
Agradeço principalmente o professor Marco Ávila pela serenidade com que contribui para a
humanização das relações entre docentes e alunos, a Natanael, meu co-orientador, sempre
amável e disposto a ajudar, por fim, ao meu orientador, Salvador Trevizan que, com sua
experiência e comprometimento, me ensinou a responsabilidade de ser um pesquisador.
Agradeço também ao apoio financeiro da Fapesb neste projeto, assim como à
Prefeitura de Bragança Paulista e a Sabesp, pela ajuda com os mapas que ilustram esta
pesquisa.
O homem chega e desfaz a natureza
Tira a gente põe represa, diz que tudo vai mudar
Adeus Remanso, Casa Nova, Sento-sé
Adeus Pilão Arcado vem o rio te engolir
Debaixo d'água lá se vai a vida inteira
(Sobradinho - Sá e Guanabira)
REPRESAS COMO TERRITÓRIOS, LUGARES E PAISAGENS: SUBSÍDIOS PARA
O PLANEJAMENTO TURÍSTICO SUSTENTÁVEL.
RESUMO
Este trabalho tem como objetivo analisar o turismo e o lazer em represas visando
subsidiar o planejamento sustentável destas áreas. O trabalho teve um enfoque
interdisciplinar, com ênfase nas relações estabelecidas entre ambiente, sociedade,
cultura, política e economia. Estas relações foram abordadas entendo as represas como
territórios, lugares e paisagens. No referencial teórico estes conceitos foram introduzidos
com o tema do trabalho, dando ao leitor o aporte necessário para o entendimento do
estudo do turismo na represa Jaguari-Jacar(SP). Através do estudo desta represa,
utilizando com metodologia entrevistas semi-estruturadas com diversos atores
envolvidos e aplicação de questionários com os usuários, pode-se verificar algumas
hipóteses levantadas, que indicaram a complexidade do fenômeno turístico. A represa
enquanto território tem no turismo e lazer possibilidades de geração de emprego e
renda, de exercício de poder local e de (re)apropriação do espaço pela comunidade. No
entanto, foram detectados impactos ambientais decorrentes de atividades praticadas
pelos usuários, construções em locais impróprios de despejo de resíduos sólidos nas
margens da represa. Com isso, interesses dos atores envolvidos com a atividade turística
na represa se confrontam com os dos gestores da represa, preocupados com a
integridade da água destinada ao abastecimento. Abordando a represa como lugar, tem-
se que esta envolveu primeiramente a perda de seu significado e função para os antigos
moradores do vale, para a construção do reservatório. No entanto, pode-se verificar que
a represa foi (re)significada, novos vínculos afetivos e novas funções foram atribuídos,
diferentemente dos valores e funções empregados ao lugar anteriormente à construção
da represa e pelos que captam sua água para o abastecimento, transformando-a também
em lugar de lazer e diversão. Como paisagem, a represa é percebida pelos usuários de
forma semelhante à de uma lagoa natural (comparando-a com a percepção da Lagoa
Encantada – BA), no que diz respeito aos valores estéticos atribuídos. Esta também
revelou uma paisagem sem memória, já que a maioria dos usuários não tem
conhecimento sobre a história da represa, bem como as demais especificidades desta,
como a destinação de suas águas para o abastecimento. Com isso, o lazer e turismo
(re)produz o pagamento da história local e faz com que comportamentos danosos ao
ambiente sejam pouco percebidos. Devido à segregação espacial de excursionistas e
moradores na represa, estes também convivem e percebem problemas do turismo e lazer
na represa de forma diferente dos turistas e proprietários de casa de veraneio. Por fim,
a pesquisa indica através do cumprimento dos objetivos específicos, medidas para que
não só um turismo sustentável, mas social e responsável seja promovido neste território,
lugar e paisagem tão particular.
Palavras-chave: turismo em represas; território; lugar; paisagem; planejamento.
DAMS AS TERRITORIES, PLACES AND LANDSCAPES: SUBSIDIES FOR THE
SUSTAINABLE TOURIST PLANNING
ABSTRACT
This work has as objective to analyze the tourism and the leisure in dams being aimed
at to subsidize the sustainable planning of these areas. The work had an approach to
interdisciplinary, with emphasis in the relations established between environment, society,
culture, politics and economy. These relations had been boarded understand the dams as
territories, places and landscapes. In the theoretical referential these concepts had been
introduced with the subject of the work, giving the reader arrive in port it necessary for the
agreement of the study of the tourism in the Jaguari-Jacareí dam (SP). Through the study of
this dam, using with methodology interviews half-structuralized with diverse involved actors
and application of questionnaires with the users, it can be verified some raised hypotheses that
had indicated the complexity of the tourist phenomenon. The dam while territory has in the
tourism and leisure possibilities of generation of job and income, of exercise of being able
local and of re-appropriation of the space for the community. However, decurrent ambient
impacts of activities practised for the users had been detected constructions in improper places
of ousting of solid residues in the edges of the dam. With this, interests of the involved actors
with the tourist activity in the dam if collate with the ones of the managers of the dam,
worried about the integrity of the water destined to the supplying. Approaching the dam as
place, it is had that this first involved the loss of its meaning and function for the old
inhabitants of the valley, for the construction of the reservoir. However, it can be verified that
the dam was meant, new affective bonds and new functions had been attributed, differently of
the employed values and functions to the place previously to the construction of the dam and
for that they also catch its water for the supplying, transforming it into place of leisure and
diversion. As landscape, the dam is perceived by the users of similar form to the one of a
natural lagoon (comparing it with the perception of Magic Lagoon - BA), in what it says
respect to the attributed aesthetic values. This also disclosed a landscape without memory,
since the majority of the users does not have knowledge on the history of the dam, as well as
the too much specificities of this, as the destination of its waters for the supplying. With this,
the leisure and tourism reproduce the payment of local history and make with that harmful
behaviors to the environment little are perceived. Due to space segregation of hikers and
inhabitants in the dam, these also coexist and perceive problems of the tourism and leisure in
the dam of different form of the tourists and proprietors of summering house. Finally, the
research indicates through the fulfillment of the specific objectives, measures so that not only
a sustainable, but social and responsible either promoted tourism in this territory, place and so
particular landscape.
Word-key: tourism in dams; territory; place; landscape; planning.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.......................................................................................................................10
CAPÍTULO 1 - ESTUDOS DO TURISMO: EM BUSCA DE NOVAS ABORDAGENS E
EXPECTATIVAS DO TURISMO.
1.1 - Novas abordagens e modelos teóricos no estudo do
turismo...........................................16
1.2 - O Planejamento Turístico com foco nas relações: por um turismo realmente
responsável................................................................................................................................2
2
CAPÍTULO 2 – AS REPRESAS COMO TERRITÓRIOS E LUGARES.
2.1 - Quando a água inunda lugares, para muitos energia e abastecimento, para outros,
sofrimento.................................................................................................................................31
2.2 - Identidade e memória, afetividade e ressentimento ligados à construção das
represas......................................................................................................................................41
2.3 - Do topocídio à valorização para o turismo: novas formas de territorialização do espaço e
[re]significação dos lugares......................................................................................................48
2.4 - Medidas legais para o uso das represas para o turismo e lazer.........................................53
2.5 - As implicações ambientais e sociais do uso recreativo das
represas................................56
CAPÍTULO 3 - AS REPRESAS COMO PAISAGENS: RELAÇÕES ESTABELECIDAS
ATRAVÉS DAS PERCEPÇÕES.
3.1 - A percepção da paisagem como instrumental para se entender valores e
atitudes...........61
3.2 - Lagoas naturais e represas: fatores que envolvem a percepção de paisagens
semelhantes, mas não
iguais...........................................................................................................................70
CAPÍTULO 4 – PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS.............................................78
CAPÍTULO 5 – TURISMO E LAZER NA REPRESA JAGUARI-JACAREÍ, REGIÃO DE
BRAGANÇA PAULISTA (SP).
5.1 - Caracterização da Represa Jaguari-Jacareí, sua Bacia Hidrográfica e municípios do
entrono......................................................................................................................................94
5.2 História e Memória da represa Jaguari-Jacareí a apropriação do território e a perda de
lugares.......................................................................................................................................98
5.3 - O “mar de água doce” que se tornou turístico: novas formas de territorialização através
usos da represa para o lazer.....................................................................................................110
5.4 - As novas casas da represa: residências secundárias e pousadas.....................................118
5.5 - O turismo utico e de pesca na represa Jaguari-Jacareí................................................125
5.6 - Meio ambiente: a água em que se nada é a mesmo que se bebe.....................................129
5.7 - Caracterização dos usuários da represa Jaguari-Jacareí para o lazer e turismo..............142
5.8 - Percepção dos usuários em relação à represa. ...............................................................163
CONCLUSÕES E SUGESTÕES.........................................................................................206
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................................214
INTRODUÇÃO
O turismo é um fenômeno complexo, que envolve relações diversas e, muitas vezes,
contraditórias entre sociedade, ambiente e cultura. Para entendê-lo em sua complexidade, os
estudos em turismo devem valer-se da interdisciplinaridade com foco nas diversas relações
que se estabelecem não somente no sistema formado pela atividade, mas também no sistema
social ao qual pertence.
Partindo deste pressuposto, o objetivo geral deste trabalho consiste em analisar o
desenvolvimento do turismo em represas, tendo em vista uma posterior discussão sobre as
possibilidades de se promover um planejamento sustentável nestas áreas. Para atingir a este
objetivo, aborda de forma interdisciplinar as relações existentes nas represas entendendo-as
como territórios, lugares e paisagens.
As represas como territórios, ou seja, como espaços apropriados onde se desenvolvem
jogos de força e poder, evolvem, desde a construção destas, a apropriação de espaços por
empresas cujo objetivo é o de barrar os rios para o fornecimento de energia ou abastecimento
público. Com isso, os municípios atingidos, acabam por ter parte de suas terras inundadas,
que passam a ser geridas por empresas ligadas ao abastecimento ou geração de energia. A
participação do poder local na gestão da represa, mesmo restrita, é assegurada pela legislação
referente aos recursos hídricos. De acordo com o Plano nacional de Recursos Hídricos, essa
participação pode ser exercida através dos Comitês de Bacias Hidrográficas, um mecanismo
de exercício da democracia participativa.
Na apropriação do espaço, os interesses dos construtores também entram em conflito
com os da população, que é desapropriada para a construção dos reservatórios. Com a
migração, algumas destas pessoas se vêem obrigados a exercer atividades econômicas
diferentes das que praticavam anteriormente. também aquelas que passam de pequenos
proprietários de terras a assalariados em centros urbanos.
Esta população acaba também por ver seu lugar, ou seja, o espaço dotado de função e
valor para o grupo, se perder com a inundação da área. Neste sentido, as represas envolvem
primeiramente topocídios, ou seja, a aniquilação deliberada de lugares. Essa aniquilação
acaba por transformar a paisagem local, que passa a se assemelhar a uma grande área lacustre.
As paisagens lacustres, contendo o elemento água, sempre exerceram atração,
cumprindo relevante papel no imaginário das culturas. Do simbolismo da água ao turismo que
atualmente se faz nela, constata-se o uso das lagoas como grandes atrativos para um lazer de
aventura (com a prática de esportes radicais), balneário (nado em suas águas), pesca,
contemplação e outros. Estes usos variam, justamente, conforme a percepção e ao simbolismo
que as águas exercem para cada indivíduo, frutos em parte, de sua cultura. Um turismo
semelhante a este vem sendo desenvolvido nas represas, baseado na paisagem lacustre que se
formou. Mesmo artificiais, as represas também proporcionam prática de esportes náuticos
com a utilização de barcos a motor, a pesca, banhos e ainda a contemplação da paisagem em
si. Assim, considerando o aspecto da paisagem, ou seja, da porção visível do espaço
geográfico, e o fato de ambas serem alimentadas por rios, represas e lagoas apresentam muita
semelhança, ambas de grande interesse para o lazer.
Assim, valendo-se dos conceitos de território, lugar e paisagem no referencial teórico
apresentando, o trabalho faz emergir relações presentes nas represas, contextualizando-as de
forma interdisciplinar. Esta contextualização permite que se formule hipóteses sobre um
posterior uso sustentável das represas para o turismo, entendendo que a atividade gera novas
formas de apropriação do território, de significação e valorização das represas enquanto
lugares e novas formas de percepção destas paisagens.
As vertentes da sustentabilidade podem ser enumeradas como: sustentabilidade
econômica (inclui a utilização dos recursos naturais, com redução dos custos ambientais),
sustentabilidade social (ganhos para a sociedade local), sustentabilidade ambiental
(preocupação em analisar os níveis de visitação, os tipos de visitantes e seu comportamento),
sustentabilidade cultural (envolvimento com a singularidade e a força das expressões culturais
locais) e sustentabilidade política (com a participação do poder local). O turismo em represas
poderia, seguindo estas premissas, promover: a geração de renda para os municípios do
entorno (compensando as perdas sofridas pela inundação de áreas produtivas); empregos para
a população; o uso múltiplo do recurso hídrico com a prática de diversas atividades
recreativas; a (re)significação do espaço, transformando lugares de perdas em lugares de
lazer; reflexão dos visitantes sobre os impactos ocasionados pelas represas para que se possa
ter energia e abastecimento em suas casas, transformando, assim, a memória submersa em
história presente.
No entanto, o trabalho de Queiroz (2000), um dos poucos trabalhos relacionados ao
tema, verificou na Represa do Lobo em Itirapina (SP), que a apropriação da represa pela
atividade turística promoveu a geração de novos impactos ao meio ambiente natural. Em sua
pesquisa, comprova estes impactos coletando o lixo produzido pelas casas de veraneio,
indicando que este não possui destinação correta, e através de amostras de água em pontos
onde a recreação é mais praticada na represa, indicando alterações na mesma. A referida
pesquisadora também constatou uma segregação espacial ocorrida na represa entre os
diferentes perfis sócio-econômicos de usuários, já que a apropriação do espaço obedece à
lógica capitalista e à especulação imobiliária. Assim, comprovou a outra face da atividade
turística em represas: esta poderia agravar ou gerar impactos negativos ao meio ambiente
natural e a comunidade local.
Poderia-se levantar também a hipótese de que o turismo, ao invés de promover a
reflexão sobre os impactos gerados para a construção da represa, promove a (re)produção do
“apagamento” da história e memória do local ocasionado pela forma como as represas são
construídas. Acrescentando, desta forma, demais impactos negativos, além dos detectados por
Queiroz (Op.Cit.).
Assim, tem-se como a problemática desse trabalho: como desenvolver políticas e
estratégias de gestão para que o turismo nas represas não agrave os problemas ambientais
iniciados por outras atividades, para que a vinda de visitantes possa gerar benefícios
econômicos para a comunidade local e para que a percepção dos diversos visitantes sobre
aquela paisagem seja capaz de culminar em reflexões sobre a história, memória, finalidade e
importância daquela paisagem?
Para alicerçar a discussão sobre como o turismo nas represas pode ser planejado
visando a sustentabilidade, os objetivos específicos do trabalho se concentrarão no estudo da
represa Jaguari-Jacareí, na região de Bragança Paulista, estado de São Paulo, com a análise:
- Da apropriação do território para a construção da represa e impactos para a sociedade
local: perda de lugares e migrações ocorridas;
- Da apropriação da represa enquanto atrativo turístico pelo poder local: objetivos
almejados e utilização do Comide Bacia Hidrográfica como ferramenta para que a
atividade turística na represa seja discutida;
- As possibilidades de geração de renda para o município e para os moradores locais
pela atividade turística;
- Os impactos gerados sobre o ambiente natural: uso e ocupação do solo pelas
construções as margens da represa e lixo produzido pelos usuários;
- Caracterização dos tipos visitantes: identificação de uma possível segregação social na
represa e atividades praticadas por estes que merecem atenção quanto aos impactos
gerados;
- Percepção dos usuários sobre aquela paisagem: problemas percebidos, conhecimento
histórico e funcional, valores estéticos atribuídos (comparando-os com os atribuídos às
lagoas naturais, no caso a Lagoa Encantada BA) e valores afetivos para com o local
que influenciam no comportamento dos visitantes.
Os três primeiros capítulos do trabalho se referem aos conceitos teóricos. No primeiro
são abordados o conceito de turismo e as novas vertentes de estudos na área, preconizando a
sustentabilidade e a responsabilidade da atividade. Neste capítulo é indicada assim, a postura
adotada pelo trabalho, ou seja, a interdisciplinaridade e a ênfase nas relações, indicadas por
estas novas vertentes. Nos dois capítulos seguintes, ainda proporcionando o referencial teórico
necessário, são abordados os conceitos de território, lugar e paisagem, aplicando-os ao tema
do trabalho, as represas e o turismo desenvolvido nestas. Posteriormente, no capítulo quatro,
são descritas as diferentes metodologias e suas etapas adotadas para se chegar aos objetivos
específicos do trabalho. No capítulo cinco, são apresentados os resultados e as discussões
sobre os dados coletados no estudo da represa Jaguari-Jacareí, verificando as hipóteses
levantadas. Por fim, são apresentadas conclusões obtidas com a pesquisa e sugestões para o
planejamento turístico na área.
A escolha pelo estudo da represa Jaguari-Jacareí é devido ao fato de que esta é uma
das principais represas de abastecimento do Brasil, responsável por 60% da água consumida
na capital paulista e Grande São Paulo. É uma represa relativamente nova, que teve o início
de suas operações na década de 80 e hoje possui diversos tipos de usuários para o lazer:
moradores, turistas, excursionistas e proprietários de casa de veraneio.
A represa foi indicada como um local onde se têm, por um lado, a geração de
empregos pelo turismo e, de outro, problemas ambientais causados pela atividade. De acordo
com a reportagem de Viveiros (2004) no jornal a Folha de São Paulo, a construção da represa
provocou impactos, mudando o perfil sócio-econômico da região. Muitas pessoas que viviam
na área, a maior parte pequenos agricultores, receberam indenizações, no entanto, migraram
para áreas urbanas e começaram a trabalhar em outras atividades. Os que ficaram passaram a
explorar o turismo que, segundo a reportagem, se desenvolvido sem os devidos cuidados pode
causar mais impactos ao meio ambiente, como a destruição da cobertura vegetal do local.
Viveiros (2004) ainda alerta que o Sistema Cantareira de abastecimento, ao qual a Represa
Jaguari-Jacareí faz parte, já possui 50% de sua área degradada, devido às atividades
desenvolvidas sem preocupação com o manancial, entre elas o turismo. Pode-se afirmar que,
por suas características descritas e presença de relações ambíguas relacionadas ao turismo, a
represa constitui um objeto de estudo onde é possível se verificar as hipóteses levantadas.
O trabalho justifica-se, pois com dados levantados no estudo da represa pode-se assim
conhecer melhor os riscos e benefícios da atividade turística nestas áreas recorrentes no
Brasil. No país, segundo o Movimento dos Atingidos por Barragens (2005), há mais de 2.000
represas e o plano da Eletrobrás para a2015, prevê ainda a construção de mais 494 grandes
barragens e 948 pequenas barragens.
Justifica-se também pelo fato de que, apesar de haver diversos estudos sobre as
represas sob diversos enfoques na academia, o turismo que se desenvolve nestas áreas, no
entanto, ainda é pouco estudado. Isso fica evidente na bibliografia disponível, onde são
analisados pontos relevantes do desenvolvimento da atividade em áreas litorâneas, rurais,
urbanas, montanhosas, entre outras, deixando de fora as áreas lacustres, tanto naturais quanto
artificiais. O trabalho estimularia, apontaria metodologias e aspectos interessantes a serem
pesquisados por demais pesquisadores em outras represas. Com demais trabalhos sendo
desenvolvidos sobre esta temática, poderia-se comparar resultados, identificar pontos em
comum, especificidades ocorridas em cada caso e, assim, seria estabelecido o aporte
necessário para indicar caminhos visando a sustentabilidade do turismo nas represas.
CAPÍTULO 1 - OS ESTUDOS DO TURISMO: EM BUSCA DE NOVAS ABORDAGENS
E EXPECTATIVAS.
Este capítulo tem como objetivo apresentar o referencial teórico relativo às novas
abordagens realizadas nos estudos sobre o turismo visando a interdisciplinaridade e assim, a
superação de uma visão meramente reducionista da atividade. São apresentados modelos
teóricos que tentam explicar o fenômeno turístico em sua complexidade, comparando os
diversos autores e suas contribuições.
Posteriormente são pontuados os novos objetivos almejados pelo planejamento
turístico, sob a forma de turismo sustentável, responsável ou social e como estes estão
intimamente ligados, para a sua realização, com as novas abordagens do fenômeno turístico.
O capítulo demonstra assim, a postura adotada pelo trabalho em utilizar a
interdisciplinaridade e em ter como foco as diversas relações estabelecidas entre turismo,
meio ambiente e sociedade, para assim atingir o objetivo proposto: gerar subsídios para
políticas e estratégias de gestão visando a sustentabilidade, responsabilidade ou socialização
do turismo.
1.1: Novas abordagens e modelos teóricos no estudo do turismo.
O turismo vem sendo estudado desde a década de 30 como o simples fenômeno de
pessoas se deslocando de um lugar a outro, causando efeitos de ordem social, cultural e
econômica. Tentava-se, no período inicial dos estudos sobre o turismo, explicar este
fenômeno de forma objetiva, como afirma Molina (apud Ansarah, 2003).
Os avanços tecnológicos, redução da carga de trabalho e as facilidades de se transitar
pelas fronteiras, fez com que o turismo se tornasse uma prática massiva e assim, passou
também a ser alvo de estudos das ciências econômicas. Molina (Op.Cit.) comenta o fato,
destacando que, por mais de 50 anos o turismo foi entendido como um “produto” da
sociedade industrial; um setor de destaque na economia nos seus diversos níveis, desde local
até o nacional. No entanto, o autor questiona a possibilidade se entender realmente o turismo,
em sua complexidade, abordando o turista apenas como consumidor, dentro de uma cadeia
produtiva, e o turismo enquanto “indústria”.
Surge, devido a essa necessidade, a atual tendência de se superar a base conceitual do
turismo que o definia como simples deslocamento físico de pessoas de seu local de origem
para outro, por mais de 24 horas (caso contrário o visitante seria considerado excursionista) e
menos de 6 meses (superando este tempo o visitante seria considerado migrante), por motivos
diversos, que o seja uma ocupação remunerada no local a ser visitado (pois o turismo faz
parte das atividades de lazer, que se dão necessariamente no tempo de não-trabalho).
Seguindo essa tendência de superação, autores como Moech (2002) definem o turismo
de forma mais complexa:
[...] O turismo é uma combinação complexa de inter-relacionamentos entre
produção e serviços, em cuja composição integram-se uma prática social com base
cultural, com herança histórica, a um meio ambiente diverso, cartografia natural,
relações sociais de hospitalidade, troca de informações interculturais. O somatório
desta dinâmica sociocultural gera um fenômeno recheado de
objetividade/subjetividade, consumido por milhões de pessoas, como síntese: o
produto turístico (MOECH, 2002, p.9).
Mesmo sendo ainda considerado primariamente um produto a ser consumido, mediado
por relações de consumo e de produção, onde o desejo desse consumo envolve questões
objetivas e subjetivas as quais os envolvidos na atividade devem satisfazer, o turismo também
é entendido pela autora como a junção de relações sociais, ambientais e culturais. De forma
semelhante, De La Torre (apud Moech, 2002) destaca que o turismo consiste em um
fenômeno social, envolvendo o deslocamento físico de pessoas por diversos motivos, que
acaba por gerar diversas relações de ordem social, econômica e cultural. Assim, o turismo,
outrora era apenas considerado sob a óptica economicista e agora ganha novas possibilidades
de apreensão, gerando a articulação entre as diversas faces da atividade.
As novas abordagens foram norteadas segundo Ansarah (2003) pelas teorias
humanistas e da alienação. O turismo, de acordo com as teorias humanistas, sendo uma forma
de lazer, é um direito dos que trabalham e também um meio pelo qual pode-se promover o
encontro e comunicação entre os povos. Já as teorias da alienação apresentam o turismo de
massa e a “indústria” que o gera como manipuladores e exploradores de pessoas,
acrescentando que o trabalham com indivíduos alienados nos países emissores, mas
também levam todo o mal às sociedades receptoras e nada de bom que existe nos países
desenvolvidos.
A busca nos estudos do turismo e as teorias emergentes destes passou a ser a de
entender a complexidade humana, as pistas das condições espirituais e materiais, em
perspectiva histórica e evolutiva, que culminam no fenômeno turismo em sua complexidade.
Em suma, situar o turismo em oposição à alienação, podendo-se trabalhar com um indivíduo
que, além de consumidor, é potencialmente capaz de desenvolver atividades vivenciais,
conscientes em suas ações de relacionamento que envolvem seu deslocamento espacial.
No entanto, como os estudos sobre o turismo podem conseguir entender o fenômeno
em sua complexidade, permeando até mesmo os aspectos subjetivos e históricos que levam o
homem a fazê-lo e ir além, abordando o emaranhado de interelações frutos dessa motivação?
O caminho que aparece como o mais adequado é o de promover, para que se entenda relações
conexas, sem segmentação de aspectos do fenômeno, estudos que unam saberes de forma
interdisciplinar, superando as barreiras existentes entre as diversas áreas e criando uma
sinergia entre essas.
Nas palavras de Rejowski (1998) o turismo passa por uma etapa de “cientificidade”,
com crescente número de pesquisadores na comunidade acadêmica vindos das chamadas
ciências sociais, sendo um campo de estudos promissor caracterizado como área de estudos
multi e interdisciplinar, com uma tendência a transdisciplinariedade.
Unindo os saberes seria possível superar uma abordagem reducionista nas pesquisas
sobre o turismo, que concebem seus elementos como objetos particulares, substancialmente
fechados, unidos em um único sistema isolado do restante da sociedade; fazendo com que o
foco dos estudos seja sobre os elementos, não sobre as inter-relações. Superando-se essa visão
reducionista, pode-se considerar todas as partes como inseparáveis e, portanto, não-
analisáveis isoladamente. Sendo inseparáveis, das inter-relações emergem contradições e toda
a complexidade de um fenômeno de diversas facetas.
O turismo tem o aporte para ser um dos objetos de estudo capaz de superar o
paradigma cartesiano
1
visível ainda na academia (façanha almejada pela educação como um
todo), devido à sua própria natureza complexa, onde o fato de não ser considerado como uma
disciplina ou ciência consolidada, não deve remeter a uma fragilidade epistemológica.
Dencker (1998) corrobora com Rejowski (Op. Cit.) ao afirmar que o turismo é tema de
diversas disciplinas atualmente, mas que ainda não constitui um ramo do conhecimento
consolidado como disciplina, sendo dependente de disciplinas consolidadas. Pode-se
aproveitar este fato e fazer com os estudos do turismo flutuem entre os saberes consolidados e
“fechados”, libertando-os de suas “celas”, promovendo a sinergia entre eles.
Além da percepção de que o turismo necessita de diversas áreas do saber para que a
atividade seja tratada de uma forma mais integrada, modelos foram criados, dentre os
estudiosos em turismo, levando em consideração as relações e interelações sociais, ambientais
e políticas que este provoca, é fruto ou altera. É fato, no entanto, de que alguns desses
1
O modo cartesiano de abordagem, aqui citado, refere-se a fragmentação dos saberes, seguindo a visão
mecanicista de René Descartes para quem os objetos de análise eram “máquinas” onde, entendendo-se as partes,
entenderia-se o todo, sem levar em conta as conexões entre as mesmas.
sistemas criados para explicar o dinamismo da atividade turística reproduziram a abordagem
economicista e administrativa
2
de outrora, tratando cultura, sociedade e meio ambiente apenas
como “recursos” dentro do quadro de relações estabelecidas pelo turismo. Dentre os autores
que formularam modelos teóricos referenciais para explicar o chamado “sistema turístico”
está Molina (Ibd.) que tentou, assim, superar a dificuldade de o se ter um corpo teórico
específico, fato apontado por Dencker (Op.Cit.).
Figura 1: Modelo de sistema de turismo de Molina.
Em sua proposta, Molina engloba a comunidade receptora, os atrativos, a demanda, os
equipamentos e instalações, assim como a infra-estrutura, como partes que interagem com a
atividade turística em si (Figura 1). No entanto, o modelo não deixa explícita a articulação
entre estas partes. O mérito do autor decorre do fato de que introduziu, em seu modelo, a
superestrutura como uma das partes as quais o turismo está relacionado. Para Boullón (2002),
que também desenvolveu seu modelo de sistema turístico, não existe uma única versão deste
que, apesar de ser apenas um, pode ser abordado de várias formas. Ao desenvolver o modelo
2
Ver modelos de SLACK, Nigel et al. Administração da produção. São Paulo: Atlas, 1997.
Superestrutura sociocultural (entorno)
Atrativos
Demanda
Comunidade
Equipamentos
Infra-estrutura
Superestrutura
de abordagem analítica o autor inclui, assim como Molina, a superestrutura. Em sua obra, a
superestrutura é definida como:
[...] todos os organismos especializados, tanto públicos como da iniciativa privada,
encarregados de otimizar e modificar, quando necessário, o funcionamento de cada
uma das partes que integram o sistema, bem como harmonizar suas relações para
facilitar a produção e a venda dos múltiplos e dispares serviços que compõem o
produto turístico (BOULLÓN, 2002, p. 61)
No Brasil, Beni (2000) desenvolveu o modelo teórico referencial denominado
“SISTUR” - Sistema de Turismo no qual a superestrutura também aparece como parte
integrante da atividade turística. No entanto, a superestrutura é tratada, nos modelos teóricos
referenciais, como “organismos especializados” no turismo, ou seja, apenas no que diz
respeito às regulamentações dadas à atividade. A superestrutura em si e sua relação com o
turismo continuam sem espaço para serem analisadas no meio acadêmico no que se refere aos
estudos em turismo. Questões que permeiam o sistema capitalista vigente, a democracia tal
como ela é aplicada no país e movimentos sociais podem, a primeira vista, o fazer parte do
sistema turístico, mas ao se almejar uma visão realmente sistêmica, percebe-se que na
realidade trata-se de uma realidade única, um todo no qual, como que em um holograma, são
reproduzidas relações do micro ao macro. Necessitando assim que, nos estudos, se
desembarace os fios dessa enorme e única teia de relações.
Outra lacuna deixada pelos modelos teóricos para o estudo do turismo é o fato de que
estes deixam de lado os múltiplos usos de fatores como ambiente, manifestações culturais e
infra-estrutura. Antes de serem apropriados pela atividade turística, estes fazem parte do
cotidiano de suas sociedades locais. Sua formatação como “produto turístico” ou “atrativo”
devem sempre caminhar juntos com estes usos anteriores, priorizando seu significado e valor
local.
Kripperdorf (2000), em sua obra sobre a sociologia que envolve o turismo, propôs um
modelo referencial para os estudos do turismo bastante abrangente, ondeo especificadas as
relações entre Estado, sociedade, estruturas econômicas, cotidiano, disponibilidades dos
recursos naturais e, também, o comportamento, a motivação e os sistemas de valores que são
parte dessas relações. Ao seu modelo denominou: Modelo Existencial na Sociedade
Industrial. Com o modelo teórico o autor avança para um entendimento não somente do
sistema turístico, mas do próprio sistema em que este está incluído que envolve, desde a
chamada superestrutura até valores, comportamentos e motivações da sociedade moderna.
Devido a esta percepção, Krippendorf (Op. Cit.) consegue realmente superar uma visão
reducionista e indicar diversos aspectos a serem considerados pelos pesquisadores em turismo
e pelos planejadores da atividade.
1.2 - O Planejamento Turístico com foco nas relações: por um turismo realmente responsável.
Assim como houve uma mudança nas abordagens adotadas nas pesquisas e nos
estudos sobre o turismo na academia, houve também a percepção por porte dos atores
envolvidos com a atividade que esta não poderia ser mais realizada sem um planejamento
específico. Desde então, a academia vem se ocupando em descrever as premissas que
norteariam o processo de planejamento turístico.
Beni (2000) apresenta o conceito de planejamento turístico em uma abordagem
administrativa, definindo a função do planejamento como “processo de interferir e programar
os fundamentos do turismo”. O conceito afirma que o processo de planejamento deve ser
realizado dentro das características do sistema turístico, explicitando o fato de que a atividade
turística “apresenta enorme interdependência e interelação de seus componentes”. Desta
forma, a abordagem feita pelo autor defende o planejamento como um processo visando a
realização de uma ação, mas que possui uma estrutura sistêmica, pois relações de
interdependência entre seus elementos.
Planejamento é o processo de interferir e programar os fundamentos definidos do
turismo que, conceitualmente, abrange três pontos essenciais e distintos:
estabelecimento de objetivos; definição de cursos de ação e determinação da
realimentação, que a atividade apresenta enorme interdependência e interação de
seus componentes (BENI, In: Lage e Milone, 2000).
Boullón (2002) apresenta o conceito de planejamento turístico físico/territorial em
uma abordagem geográfica, definindo a função do planejamento como “ordenamento das
ações do homem sobre o território”. Sua abordagem determina que a aplicabilidade do
planejamento consiste em prever os impactos da exploração dos recursos naturais pelo
homem, que deve ser feita de forma harmônica. Com sua abordagem geográfica, o autor
menciona, principalmente, o jogo de forças positivas ou negativas que envolvem as relações
entre sociedade e espaço.
O planejamento físico é uma cnica que pertence às categorias experimentais de
conhecimento científico. Sua finalidade é o ordenamento das ações do homem
sobre o território, e ocupa-se em resolver harmonicamente a construção de todo tipo
de coisas, bem como em antecipar o efeito da exploração dos recursos naturais
(BOULLÓN, 2002, p. 72)
Cooper (2001) define, em uma abordagem econômica/administrativa, que o
planejamento turístico teria como função a “organização de futuros eventos para atingir
objetivos especificados de antemão” e de tentar produzir a melhor estratégia. A dimensão de
seu conceito é explicativa/sistêmica/funcional e sugere que suas ações, visando produzir a
melhor estratégia, devam ser feitas dentro de “um mundo de influências internas e externas
em constante mudança”. Assim, em sua abordagem sistêmica, mostra a interdependência dos
elementos onde as ações devem se adaptar frente as constantes mudanças.
O conceito de planejamento está relacionado com a organização de futuros eventos
para atingir objetivos especificados de antemão. [...] O planejamento não é um
conceito estático, ele tenta produzir a melhor estratégia em um mundo de
influências internas e externas que estão em constante mudança. Ainda que o
planejamento, como um conceito dinâmico, possa assumir uma série de formas,
uma estrutura coerente que pode ser aplicada ao processo de planejamento
(COOPER, 2001, p. 242).
GI
Cruz e Sansolo (2005) abordam o planejamento governamental em uma perspectiva
administrativa, definindo sua função como “processo de tomadas de decisão, voltado para o
futuro e a perseguição de um ou mais fins”. A dimensão dada pelos autores é
descritiva/processual, pois define a separação entre planejamento e plano, mas não especifica
a relação entre eles. O tipo de abordagem feita entende o planejamento como processo,
definindo a separação entre planejamento e plano, mas não especificando a relação entre eles.
Planejamento é um processo contínuo de tomadas de decisão, voltado para o futuro
e para a perseguição de um ou mais fins. Como processo, o planejamento tem um
forte sentido de intangibilidade e não pode, portanto, ser confundido com um plano,
que é um documento que reúne um conjunto de decisões sobre tem/área/setor.
Planejamento governamental nada mais é do que o planejamento que se faz no
âmbito das administrações públicas, considerando-se suas diferentes escalas de
gestão (CRUZ e SANSOLO, 2005).
Confrontando os diversos conceitos de planejamento apresentados pelos autores, pode-
se afirmar que Beni (2000), Boullón (2002) e Copper (2001) apresentam uma abordagem
sistêmica, já Cruz e Sansolo (2005) apresentam o conceito em uma abordagem
descritiva/processual. Beni (2000), assim como Cruz e Sansolo (2005), apresenta o
planejamento como processo, Boullón (2002) como uma técnica. Cooper (2001) enfatiza que
este é um conceito que tem em seu bojo o dinamismo, pois deve se adaptar às mudanças do
meio. Os autores dão ênfase para o planejamento visando ões para o futuro; Boullón vai
além e coloca que essas ações m que visar a harmonia dos agentes envolvidos e prever
possíveis impactos.
De acordo com a bibliografia existente analisada, pode-se assim entender o
planejamento como um processo que envolve estabelecimento de objetivos e tomadas de
decisões, visando um determinado futuro desejado. Durante o processo, cabe ao planejador
estar atento às mudanças internas e externas que sofrem os elementos constituintes de seu
planejamento, já que estes possuem interdependência entre si e com o meio. Enquanto
técnica, o planejamento deve, não somente visar atingir o fim proposto, mas por meio de
cursos de retroalimentação, avaliar os impactos que se estabelecem durante o processo e
evitar futuros. Essa premissa é fundamental quando se almeja um planejamento harmônico
entre as forças envolvidas, que se concentram nas relações estabelecidas na sociedade ou na
relação homem - recursos naturais.
Como mencionado, os atuais estudos sobre o turismo apontam a necessidade da
interdisciplinariedade e a relevância de se analisar as relações existentes no sistema dentro do
qual o turismo está envolvido, nele é influenciado e influencia. Com essa nova abordagem, o
planejamento turístico teria subsídios para melhor direcionar suas ações e políticas, que,
entendendo as relações existentes, também entenderia os conflitos, as ações e a dimensão de
suas repercussões, as diversas visões e anseios.
Barretto (2001) dialoga com essa nova perspectiva e apresenta sua contribuição para o
planejamento turístico ao mencionar que o turismo deve ser entendido como um rizoma. A
estrutura rizomática, proposta por Deleuze e Guattari (1980), citada pela autora trata-se da
apropriação da idéia de rizoma (elemento da botânica) para explicar princípios das ciências
sociais. O rizoma como define a autora:
Trata-se de um talo com uma constituição específica, que se espalha
horizontalmente por debaixo da terra e, em qualquer parte, cria raízes formando
novas plantas totalmente independentes. O rizoma se espalha subterraneamente de
forma pouco controlável; vai conectando aleatoriamente partes de uma mesma
planta que, ao mesmo tempo, são independentes: essas partes podem ser cortadas,
gerando uma nova série de rebentos ao mesmo tempo interdependentes e
potencialmente independentes (BARRETO, 2001).
O modelo rizoma se aplica ao turismo, pois este também é formado de diversos atores,
numa relação de mútua dependência. No fenômeno turístico, assim como ocorre com o
rizoma, criam-se novas relações, pouco controláveis, às vezes inesperadas, que fazem parte
dessa dependência, mas que conseguem certo grau de independência. Assim, Barreto (2001)
não afirma a necessidade de se desconstruir modelos teóricos anteriores, mas alerta que, para
o planejamento turístico, o mais efetivo seria lidar com a idéia de interdependência entre as
partes, surgimento de novas situações a partir das relações, multiplicidade e heterogeneidade.
Se o planejamento turístico constitui em um processo que almeja a conquista de uma
situação futura desejável cabe, se esta situação futura desejável for a sustentabilidade e
responsabilidade da atividade, ações que contribuam para esta. No entanto, recorrendo à idéia
de uma estrutura rizomática, a sustentabilidade da atividade turística deve considerar as
diversas relações que o permeiam, as diversas faces que possui e a interconexão entre estas.
Ou seja, não se deve pensar na sustentabilidade econômica ou na sustentabilidade
ambiental, por exemplo, mas sempre na sustentabilidade econômica e na sustentabilidade
ambiental e na sustentabilidade cultural, entre outras.
Como menciona Dias (2003), o Desenvolvimento Turístico Sustentável enumerados
pela OMT (1994), deve contemplar diversas facetas:
- Sustentabilidade econômica: utilização dos recursos naturais com redução dos custos
ambientais;
- Sustentabilidade social: prevê a e a capacitação social e ganhos sociais;
- Sustentabilidade ambiental: analisa os níveis de visitação, os tipos de visitantes e seu
comportamento;
- Sustentabilidade cultural: envolve estudos sobre a singularidade, a força cultural;
- Sustentabilidade política: é determinada pelo apoio e pelo envolvimento dos residentes
no destino turístico.
A essas premissas pode-se acrescentar a contribuição da WWF (2003) que, ao lançar o
conceito de turismo responsável, ampliou as metas a serem atingidas pelo planejamento
turístico. Suas metas prevêem o papel do turismo dentro de um sistema maior no qual está
inserido e, assim, discute também como este pode contribuir para melhorar ou piorar dilemas
da sociedade e do meio ambiente natural que interessam a todos. Acrescenta que o turismo
deve ser “educativo e informacional” e prevê as seguintes características para que este seja
feito de forma responsável:
- O turismo deve ser parte de um desenvolvimento sustentável amplo e de suporte para a
conservação.
- O turismo deve respeitar as culturas locais e prover benefícios e oportunidades para as
comunidades locais.
- O turismo deve eliminar o consumo insustentável e minimizar a poluição e o desperdício.
- O turismo deve usar os recursos naturais de modo sustentável.
- O turismo deve ser informativo e educacional.
Outro termo vem sendo utilizado para definir um novo tipo de turismo a ser almejado
no planejamento da atividade: o chamado turismo social. Boullón (2004) propõe em sua
conceitualização que este, além de emprego e renda para a população local, deve proporcionar
a possibilidade de viagens às pessoas, principalmente de países do terceiro mundo que não
possuem renda o suficiente para longas visitas aos pontos turísticos mais almejados.
Os caminhos para um turismo social, no sentido mais amplo, incluindo não somente a
geração de emprego e renda para a população local, como indica Coriolano (2002), mas
também incluindo a possibilidade de pessoas com menor poder aquisitivo de realizar viagens,
ainda foram pouco traçados pela academia. A autora o conceitua como turismo das regiões
não direcionadas ao turismo global que descobrem formas de inclusão na cadeia produtiva do
turismo nos roteiros de visitação através de um turismo alternativo. Assim, chega aos lugares
excluídos do modelo global, denotando a força da inércia e da inclusão em contraposição à
força de exclusão. Surge então como um turismo solidário, participativo, comunitário, de
inclusão, mostrando a dinâmica dessa atividade e a possibilidade de novos turistas para todos
os segmentos, ou seja, um turismo como promotor de novas chances sociais através da
geração de empregos a locais castigados por condições históricas e excludentes.
Trigo (2002) aborda a temática do turismo social em sua obra construindo caminhos
ao indicar que se pode ter um turismo realmente social quando as condições econômicas,
políticas, culturais e sociais forem modificadas. O turismo no Brasil, como menciona o autor,
ainda é restrito a uma pequena parcela de pessoas que podem pagar altos preços de uma
viagem. Quem não pode pagar altos preços, não viaja ou se desloca em excursões sem
conforto e segurança mínimos. No caso das represas, a precariedade das excursões pode
culminar em mortes por afogamento pela falta de infra-estrutura (como salva-vidas) nos locais
de destino.
A mudança surge, segundo Trigo (Op.Cit.), da conscientização de que se pode ofertar
bons meios de hospedagem e alimentação, sem que para isso sejam necessários altos gastos
que implicam em altos preços para o consumidor. Com isso defende que luxo
necessariamente não tem a ver com conforto. A simplicidade, segurança e limpeza podem
proporcionar uma boa estadia a baixos custos para quem as usufrui.
Boullón (2004) vai além e ousa indicando, em sua obra, que turismo social e lucros
são termos incompatíveis. Estando sempre a iniciativa privada em busca de lucro, cabe ao
Estado subsidiar e até mesmo ser promotor de empreendimentos da oferta turística cujo
objetivo seja promover a socialização do turismo e não de obter lucros. O autor cita exemplos
na América Latina que ainda carecem de melhores formatações, mas que são uma
realidade, como os projetos de centro de turismo social como o Turiscentro Costa do Sol em
El Salvador e Turiscentro San Carlos no Panamá.
Turismo sustentável, turismo responsável ou turismo social. Essas novas formas de
turismo a serem alcançadas pelo planejamento mostram que, assim como em toda a
sociedade, novos paradigmas estão sendo inseridos na pesquisa e no planejamento turístico. A
repercussão disso é visível nas novas metas, abordagens e reflexões que estão contribuindo
para o melhor entendimento desse fenômeno complexo.
Mesmo sendo a própria vida social marcada pelo conflito e pela luta, a busca do
planejamento turístico por uma “harmoniapode ser interpretada como o desejo legítimo e
necessário de tornar as relações existentes menos desiguais, hegemônicas e insustentáveis do
ponto de vista social, ambiental e cultural. O resultado é que o turismo nunca encontrará uma
harmonia absoluta, por se tratar de um processo social. No entanto, dentro desta nova
perspectiva, aparece na atualidade como objeto capaz de fazer emergir questionamentos sobre
a própria sociedade, que o faz e que se apropria deste para múltiplos fins, sob a forma de
diversas relações envolvidas com a atividade.
Desta forma, transpassando a tendência dos novos estudos do turismo em enfatizar a
interdisciplinaridade, as relações, a sustentabilidade, responsabilidade e socialização do
turismo, foi traçada a abordagem a ser realizada por este trabalho dentro desta perspectiva.
Sendo a temática de pesquisa o turismo nas represas, optou-se por criar um modelo
teórico capaz de abordar as diversas relações estabelecidas neste espaço. Relações estas
mencionadas por Santos (1997, p. 2):
Consideramos o espaço como uma instância da sociedade, ao mesmo título que a
instância econômica e a instância cultural-ideológica. Isso significa que, como
instância, ele contém e é contido pelas demais instâncias, assim como cada uma
delas o contém e é por ele contida. A economia está no espaço, assim como o
espaço está na economia. O mesmo se com o político ideológico. Isso quer dizer
que a essência do espaço é social. Neste caso, o espaço não pode ser apenas
formado pelas coisas, os objetos geográficos, naturais e artificiais, cujo conjunto
nos a natureza. O espaço é tudo isso, mais a sociedade: cada fração da natureza
abriga uma função da sociedade atual. Assim, temos, paralelamente, de um lado,
um conjunto de objetos geográficos distribuídos sobre um território, sua
configuração geográfica ou sua configuração espacial e a maneira como esses
objetos se dão aos nossos olhos, na sua continuidade visível, isto é, a paisagem; de
outros lado, o que dá vida a esses objetos, seu princípio ativo, isto é, todos os
processos sociais representativos de uma sociedade em um dado momento.
Ao se analisar o espaço pode-se verificar as relações sociais, econômicas e culturais-
ideológicas vigentes e suas conexões. Santos (1997) indica caminhos para esta análise ao
afirmar que o espaço envolve territórios, paisagens e lugares. Valendo-se destes três
conceitos, pode-se analisar as relações emergentes da apropriação e configuração do espaço
(territórios), das mudanças ocorridas devido a esta apropriação na porção visível do espaço
(paisagem) e das representações que dão valor e função ao espaço (lugares).
Desta forma, a discussão das represas como territórios, lugares e paisagens, mostrou-
se adequada para que diversas relações sociais, econômicas, político-ideológicas entre outras,
fossem analisadas para, posteriormente, se indicar caminhos para o planejamento turístico
sustentável.
CAPÍTULO 2 – AS REPRESAS COMO TERRITÓRIOS E LUGARES.
Como apresentado anteriormente, as pesquisa em turismo devem incluir o estudo das
relações estabelecidas entre seus diversos atores e elementos para contribuir de forma efetiva
para com o planejamento turístico. Sendo as represas formas específicas do espaço
geográfico, será apresentado neste capitulo, o referencial teórico a cerca das relações
estabelecidas nas represa enquanto territórios.
Entendendo o território como espaço apropriado, onde são estabelecidos jogos de
força, este capítulo utiliza aportes de sociologia, história, geografia, entre outros, para explicar
a dinâmica territorial envolvida na construção das represas, que reflete na perda de lugares
(espaço dotado de função e valor) da população local, mudanças ambientais e em jogos de
força entre poder local e empresas gestoras.
Partindo desse referencial, é apresentado posteriormente autores que discutem a
apropriação das represas para o turismo, que acaba por gerar novos jogos de força,
(re)significações do espaço, bem como novos possíveis impactos benéficos e prejudiciais ao
ambiente e população local.
2.1 - Quando a água inunda lugares, para muitos energia e abastecimento, para outros,
sofrimento.
Se a construção de represas representa por um lado o progresso, através da produção
de energia elétrica, do abastecimento de água potável, da irrigação, regularização da vazão
dos rios possibilitando o controle das enchentes, por outro lado, como citado por Rocha e
Branco (1977), trás também conseqüências como alterações ambientais de caráter
hidrológico, com repercussões climáticas e ecológicas que, de modo geral, afetam
profundamente a flora e fauna, tanto aquática como terrestre, do local. Dentre os impactos
decorrentes da construção de represas nas áreas circundantes, os autores citam:
Alterações hidrológicas:
- Modificações na velocidade da água, transformando locais de correnteza em
ambientes lênticos.
- Oscilações constantes no nível da massa d´agua, o que modifica a forma e o
ambiente do vale do rio, o tipo de solo e a fertilidade.
- Alteração do nível do lençol freático.
- Redução da vazão do rio, o que prejudica a vida aquática e terrestre.
- Modificação do mesoclima com produção de neblina e aumento da umidade
relativa do ar.
- Modificações de temperatura da água e de velocidade de assoreamento.
Alterações geológicas
- Pode-se ter tremores de leve intensidade junto à represa.
Efeitos sobre o clima
- A grande superfície de água criada pelo represamento permite maior
evaporação e aumento da umidade relativa do ar.
Influência nas características físicas, químicas e na qualidade da água.
- Além do assoreamento, as partículas de segmento que chegam à água
provocam um aumento no índice de cor e de turbidez que, diminuindo a
transparência, dificultam ou impedem a penetração da luz necessária às reações
de fotossíntese do plâncton.
- A modificação da correnteza pelo represamento, que se torna mais lenta, cria
massas de água com temperaturas das camadas superficiais mais elevadas que
a temperatura média da água do rio.
Efeito sobre a paisagem:
Os lagos artificiais dão uma imagem nova e diferente à paisagem.
Aliado à presença da represa e da nova paisagem criada, em certas
regiões, é implantado o turismo. Nas represas situadas mais próximas
das cidades, com o decorrer do tempo, passam as mesmas a se
incorporar às áreas urbanas, transformando-se em locais de recreação.
Surgem clubes náuticos, que se estabelecem em suas margens, bem
como casas de veraneio. Às vezes, criam-se animais aquáticos e semi-
aquáticos, e pratica-se a pesca recreativa. Toda essa atividade surgida
em função das represas tem levado à efetivação de medidas de
proteção da qualidade da água, principalmente se a mesma é
reservada ao abastecimento. No Brasil, pioneiramente em São Paulo,
devido ao acentuado problema da poluição, têm sido feito estudos
para a proteção dos mananciais de abastecimento (ROCHA E
BRANCO, 1977).
A construção de represas também ocasiona impactos sociais, como a desapropriação
de famílias que residem na área escolhida para a construção do reservatório. Essas famílias
são, na maioria das vezes, indenizadas e migram para centros urbanos ou cidades próximas do
local de origem, sendo que, muitas vezes, as que permanecem no entorno do novo
reservatório, não conseguem exercer a mesma atividade anterior à barragem devido às
mudanças ambientais ocorridas.
A ótica vigente no trabalho de Jong (1991) é a de que “os custos ambientais são,
conceitualmente, custos sociais” no que diz respeito aos impactos gerados pela construção de
grandes reservatórios. O autor também relata que, ao se iniciar a construção de uma nova
represa, promessas de desenvolvimento regional são feitas para os municípios atingidos, o que
não se verifica após a conclusão do projeto.
Mais tarde percebeu-se que havia custos sociais e ambientais não-previstos, o
que ensejava uma certa margem de dúvida quanto aos benefícios antes
esperados. A inundação de vastas áreas, a recolocação compulsória das
populações afetadas, os movimentos de populações induzidos durante a etapa
de construção, os conflitos sócio-culturais relacionados a tais movimentos, os
efeitos inflacionários localizados oriundos do aumento pontual da demanda
de bens para a construção ou a inundação dos ecossistemas naturais e muitos
outros que seria cansativo enumerar. Entretanto, nenhum dos problemas
mencionados talvez tenha gerado tantas opiniões desfavoráveis, no âmbito
dos empreendimentos hidrenergéticos, quanto a frustração de expectativas
postas no desenvolvimento regional (JONG, 1991).
A Universidade de São Paulo (USP) publicou em 2000 seu relatório sobre pesquisas
realizadas a respeito dos impactos sociais decorrentes da construção de barragens. Neste
relatório destaca-se que, segundo a Comissão Mundial de Barragens, entre 40 e 80 milhões de
pessoas em todo o mundo já tiveram de sair de suas moradias devido à construção de represas.
No Brasil, as represas já desabrigaram 1 milhão de pessoas. Das preocupações mencionadas
pelo relatório referentes ao uso dos recursos hídricos, destaca-se a competição que irá
aumentar entre os três principais setores que utilizam água das represas: agricultura (usa 67%
do total), indústria (19%) e uso municipal/residencial (9%). A evaporação de reservatórios,
estimada em 5%, também é considerada um agravante.
O relatório apresenta também um paradigma: em todo mundo, 2 bilhões de pessoas
não tem acesso à eletricidade, 3,5 bilhões estão vivendo em países que sofrem de carência de
água, apesar do grande número de represas de caráter estatal, privado e que muitas vezes o
financiadas por agencias internacionais.
Como destaca Scherer-Warren (1993), o uso e a apropriação do espaço na sociedade
capitalista moderna tem se relacionado cada vez mais estreitamente com o processo de
reprodução do capital. Este processo é guiado por um modelo concentrador, desenvolvido a
partir da Segunda Guerra Mundial, cujo objetivo é o de estimular projetos governamentais de
grande escala, como a construção de grandes obras de engenharia. As grandes obras, por sua
vez, se apropriam do espaço já populacionalmente ocupado. No entanto, só mais recentemente
estão sendo pesquisandas as conseqüências sociais destes grandes projetos sobre as
populações diretamente atingidas, habitantes das áreas de sua implementação, que são
removidas de suas terras e/ou moradias como decorrência destas, ou indiretamente atingidas,
vítimas de seus reflexos.
De acordo com os estudos de Scherer-Warren (1993), as forças sociais que conduzem
à implantação de projetos de grande escala e subconseqüentemente à construção de grandes
obras de engenharia, estão articuladas com um projeto maior: o de uma idéia de modernidade.
Trata-se, segundo a autora, de uma forma de dominação que pretende legitimar-se em duas
vertentes:
- Através dos interesses do capital que utiliza o solo e recursos naturais com base em
decisões autoritárias e desapropriações com vista ao desenvolvimento, a necessidade
de acumulação e progresso.
- Através da ideologia da modernização que justifica a desapropriação e ocupação do
espaço para que sejam possíveis obras modernizadoras ligadas à industrialização e
urbanização.
Assim, pretende-se legitimar as grandes obras a partir da idéia de que elas respondem
ao interesse do público em geral, deixando às sombras os interesses de classes subjacentes. A
ideologia do progresso e modernidade embutida na construção das grandes represas é
verificada no discurso de Paiva (1982):
A construção de grandes barragens tem sido uma das principais
características da política desenvolvimentista do Brasil. [...] Este fato
decorre das condições naturais, encontradas nos mais importantes
sistemas fluviais brasileiros, que favorecem os represamentos d'agua,
para fins de múltipla utilização. O nível tecnológico alcançado no
planejamento, construção e operação de grandes barragens, serve
como segura indicação do progresso da engenharia nacional p (116).
As águas represadas permitem, igualmente a utilização múltipla das águas e
melhoram as condições ambientais, sendo importantes instrumentos à disposição do
Homem, para que este possa influir no balanço hídrico da Terra. Por isso, são os
componentes de qualquer política de administração dos recursos hídricos (p. 19).
As grades barragens dos tempos modernos alcançam dimensões gigantescas,
constituindo verdadeiros monumentos da engenharia, e comprovando a capacidade
do Homem no tocante do domínio da natureza. Além de refletirem o progresso
tecnológico utilizado na sua construção, muitas delas são comparáveis às
maravilhas da Antiguidade (p. 29).
Assim, no caso das represas, o discurso sobre a necessidade de obras para
abastecimento e geração de energia, progresso e modernidade para a população como um
todo, legitimam a construção destas. Os interesses de segmentos sociais que visualizam em
grandes obras também grandes lucros, como setores comerciais e financeiros, somados às
idéias embutidas nos discursos legitimadores, tem-se no caso das barragens:
[...] a convergência, pois, de interesses econômicos e ideológicos que são
assumidos objetivamente por empresas construtoras e consultoras, algumas de
aproveitamento hidrelétrico em decisões acabadas. Os custos sociais e ambientais
são assim minimizados, escamoteados, e na melhor das hipóteses adiado seu
enfrentamento para após a implantação das obras da barragem e conseqüentemente
de uma situação inevitável (SANTOS e NACKE apud Scherer-Warren, 1993, p.
83).
A minimização no discurso e nas pesquisas dos custos ambientais e sociais causados
pelas grandes obras não exime, no plano social, a criação de atores subordinados desse
processo que, posteriormente à finalização da obra, tornam-se expropriados, espoliados e
explorados. Scherer-Warren (Op. Cit., p. 85) classifica as vítimas da política econômica de
estímulo aos grandes projetos em:
- Os diretamente atingidos são os expropriados urbanos e rurais com possíveis perdas
em seus meios de produção e/ou terras para dar lugar à construção das grandes obras.
- Os indiretamente atingidos são, sobretudo, espoliados de periferias urbanas, que
sofrerão os efeitos sobre a infra-estrutura em seus locais de moradia. Ou vizinhanças
rurais que poderão sofrer tanto os efeitos ambientais como sobre seus sistemas de
produção.
- A mão-de-obra temporária constituída por explorados no que se refere aos
trabalhadores temporários não-qualificados, recrutados especialmente para a execução
destas obras.
Dentro da noção moderna de democratização cabe ao Estado apoiar as iniciativas que
atendam às necessidades da maioria da população, como a construção de represas,
promovendo energia e água potável. Contudo, o Estado acaba por se opor à minoria a ser
atingida pela obra e, assim, passa a ser co-autor da criação de classes de excluídos. Como
relatado por Wood (2003), o Estado dentro da noção moderna de democracia, acaba muitas
vezes por se opor aos cidadãos:
Não existia “liberalismo” – constitucionalismo, governo limitado, “direitos
individuais” e “liberdades civis” na Antiguidade Clássica. A democracia
antiga, em que o “Estado” não tinha existência separada como entidade
isolada da comunidade de cidadãos, não produziu uma concepção clara de
separação entre “Estadoe “sociedade civil”, nenhum conjunto de idéias nem
de instituições para controlar o poder do Estado ou para proteger a
“sociedade civil” e o cidadão individual da interferência dele. O
“liberalismo teve como preconizações fundamentais o desenvolvimento de
um Estado centralizado separado e superior a outras jurisdições mais
particularizadas.
Com a globalização e a crescente descentralização do Estado, empresas privadas e
agências internacionais passaram a tratar da necessidade de novas barragens, realizando a
construção, gestão ou financiamento destas e, tornando-se assim também, responsáveis pelo
abastecimento e geração de energia, obtendo lucro. Ao mesmo tempo, estas empresas despem
o Estado da total responsabilidade de atender às necessidades dos cidadãos. Tem-se com isso,
uma das marcas do neoliberalismo, a desresponsabilização do Estado por setores antes
considerados dever do Estado” e também da correção de injustiças ou desigualdades sociais
oriundas de suas atribuições.
Exemplo disso é a lei que define a Política Nacional de Recursos Hídricos, que teve
seu artigo 24 vetado pelo Senado Federal. O artigo correspondia a “compensação financeira
ou de outro tipo aos Municípios que tenham áreas inundadas por reservatórios ou sujeitas a
restrições de uso do solo com finalidade de proteção de recursos hídricos”. O artigo declarava
que a compensação financeira ao município atingido visa a ressarcir suas comunidades da
privação das rendas futuras que os terrenos inundados ou sujeitos a restrições de uso do solo,
poderiam gerar. Justificou-se o veto pelo fato da medida compensatória acarretar despesas
adicionais para a União, com impossibilidade de utilização da receita decorrente da cobrança
pelo uso de recursos hídricos para financiar eventuais compensações. Ou seja, municípios que
tiveram áreas inundadas com a construção de reservatórios não tem aparato legal no Plano
Nacional de Recursos Hídricos para serem indenizados. Na prática, alguns deles conseguem
direitos sobre os royalties das usinas hidrelétricas, mas esta iniciativa não é vista em todas as
represas, principalmente nas de abastecimento.
Dowbor (2004) menciona que, mesmo em tempos de liberalismo, deve-se criar
mecanismos compensatórios [...] até mesmo grandes intelectuais fundadores do pensamento
liberal defenderam, à sua época, políticas públicas compensatórias com o objetivo de corrigir
desigualdades sociais de partida, garantindo que áreas de interesse coletivo fossem supridas
com investimentos públicos, quando não rentáveis ao capital privado”. Relata também que, no
entanto, nos países Latinos Americanos, a questão tem outras cores: a luta em favor dos
direitos sociais e as eventuais garantias dos mesmos sempre foram um fardo, tanto para os
Estados como para os detentores do capital que arcam com os custos.
Neste contexto, a sociedade civil organiza-se para tentar participar das decisões, sanar
problemas sociais apresentando outras alternativas e, principalmente, fazer com que as
características do grupo atingido, existentes na esfera do privado, sejam consideradas na
esfera política. Pinto (2005) relata que a idéia de sujeito político vigente não leva em
consideração as características como sexo, etnia, idade, ficando apenas “um sujeito de idéias
universais capazes de contemplar a todos, independentemente de suas diferenças, que ficam
na esfera do privado”. Ter em comum ser um cidadão atingido por barragem na esfera do
“privado” levou à criação no chamado terceiro setor do Movimento dos Atingidos por
Barragens (MAB) cujo propósito é o de tornar um ato de exercício político protestar contra a
construção de grandes barragens.
O MAB é hoje um forte movimento popular, autônomo, organizado local,
regional e nacionalmente. Ele visa reunir, discutir, esclarecer e organizar os
atingidos direta e indiretamente pelas barragens, obras pré-construídas ou
projetadas, paras defesa de seus direitos. O Movimento é contra os planos
que impõem a construção de grandes barragens sejam elas estatais, privadas,
financiadas ou não por agências internacionais. O MAB incentiva a luta
como processo no qual os atingidos vão tomando consciência de sua situação,
participando integralmente de sua organização e decidindo com
responsabilidade sobre o seu destino coletivo (Movimento dos Atingidos por
Barragens, 2005).
Dentro do cenário apresentado, com movimentos sociais como o MAB, as relações
atualmente se expandem para além dos limites dos governos, fazendo com que a governança
se torne de múltiplo nível. Este conceito, segundo Souza (2002), corresponde às trocas
negociadas entre sistemas de governança em diferentes níveis institucionais, reduzindo ou
abolindo os comandos hierárquicos e formas de controle tradicionais. Dentro dessas novas
relações de governança que incluem os movimentos sociais atuantes, o Movimento dos
Atingidos por Barragens apresenta propostas de gestão visando a inclusão da minoria que
compõe seu movimento. Uma das propostas apresentadas que está sendo desenvolvida,
segundo Diniz (2005), é o projeto em convênio com o Governo Federal para que sejam
aproveitados os açudes e lagos formados por essas obras para a criação de peixes. Assim, o
MAB espera garantir aos antigos proprietários da terra a inclusão social por meio da produção
econômica.
Lobo (apud Diniz, 2005), assessora do MAB no projeto, acredita que as famílias
atingidas por barragens devem ter direitos sobre as áreas alagadas: “É uma coisa bastante
agressiva, você tirar a terra para preencher com água. Mas a gente pode estar pensando que
esta água pode trazer alguma inclusão e uma geração de renda para eles, que é de legítimo
direito de reivindicação da ocupação desta água para a produção”. Esse projeto justifica-se,
pois a construção de barragens implica também novas formas de territorialização,
entendendo-se como território o espaço apropriado, onde estão envolvidos jogos de força.
Para se entender estas novas formas de territorialização, cabe partir do conceito de
território. Dallabrida (2005) define o território como a delimitação para domínio ou gestão de
determinada área, estabelecendo a noção de limite. Para o autor, o território surge a partir do
espaço apropriado e na produção deste mesmo espaço pelo grupo que ali vive, que passa a
estabelecer relações com aquele recorte espacial. A dimensão dada pelo autor explica as
interelações entre apropriação, produção e relações estabelecidas entre homem e espaço que
culminam em território, cuja função é estabelecer os limites dessa atuação para sua gestão.
O conceito de território não deve ser confundido com o de espaço ou de lugar,
estando muito ligado à idéia de domínio ou de gestão de determinada área. Deve-se
ligar o conceito de território à idéia de poder. O território é, então, o espaço
territorializado, apropriado. É a escala local da escala espaço-temporal. [...] A
apropriação pode ser feita de forma concreta ou abstrata, por exemplo, pela
representação. A passagem do espaço ao território ocorre num processo de
produção do espaço, na medida em que este é balizado, modificado, transformado
por redes e fluxos (rodovias, circuitos comerciais e bancários, rotas...) que se
instalam. Falar em território é fazer uma referência implícita à noção de limite, que
mesmo não estando traçado, como em geral ocorre, exprime a relação que um
grupo mantém com determinado recorte espacial (DALLABRIDA, 2005).
Bozzano (apud Ouriques, 2003) apresenta uma abordagem geográfica de território,
este seria a junção de natureza, sociedade e articulação entre ambos. O autor coloca o
território como um conceito adotado, em cada cenário, de modo particular. O território seria
também justaposições temporais de elementos físicos da paisagem, sociais, políticos,
psicológicos, econômicos, cada qual com seu ritmo e duração. Assim, a apresentação dada ao
conceito, envolve também uma abordagem histórica e sistêmica da realidade.
[...] o território não é a natureza e nem a sociedade, não é a articulação entre ambos;
mas é natureza, sociedade e articulação juntos. Neste cenário, cada processo adotará
uma espacialidade particular [...] em um mesmo território, em uma cidade ou em
uma região, podemos ler e identificar tempos geológicos, meteorológicos,
hidrológicos, biológicos, sociais, políticos, psicológicos, econômicos, cada um com
seus ritmos, suas durações (BOZZANO, apud Ouriques, 2003).
Desta forma, os autores Bozzano (2003) e Dallabrida (2005), apresentam o conceito de
território como fortemente ligado à apropriação do espaço, a jogos de forças e sentimentos de
pertença. O limite estabelecido no espaço por sua apropriação, definido como território, tem a
função de destingir os que se inserem dentro dele e, por isso, apresentam o sentimento em
comum de pertença, dos que estão de fora dele. Também pode ter a função administrativa de
gestão ou domínio daquela determinada área.
Dentro dessa base conceitual, pode-se afirmar que a construção das represas além de
envolver novas formas de apropriação do espaço (ou seja, novas formas de territorialização),
também provoca concomitantemente novas relações de poder e jogos de força. Neste sentido,
além de novos gestores envolvidos, como as empresas responsáveis pela manutenção e
construção das represas, surgem também novos movimentos sociais como força de
resistência. E no jogo de forças de poder para a apropriação territorial, fatores como a
memória, identidade e afetividade vinculadas às represas enquanto lugares, também são
envolvidos.
2.2 - Identidade e memória, afetividade e ressentimento ligados à construção das represas.
O conceito de lugar pode ser definido como espaço dotado de função e valor. Cada
sociedade e indivíduo podem estabelecer assim, para com o espaço vivido, uma relação que
envolve funções práticas, criando lugares como de trabalho ou de descanso e, também, uma
relação valorativa envolvendo questões mais subjetivas e afetivas. Nascem assim, lugares de
memória, lugares queridos e, também, lugares de repulsa e ressentimento.
No caso da construção de grandes represas, como já foi discutido, o projeto envolve a
solução de problemas para uma grande parcela da sociedade como falta de energia e
abastecimento. No entanto, para uma minoria a perda de lugares com a modificação da
paisagem e pela inundação de lugares onde se vivia e que, assim, se estabeleciam relações de
função e valor.
Tuan (1980) conceitualiza os sentimentos que um grupo social ou cultural podem ter
em relação aos lugares. Estes sentimentos são os de topofilia e seu oposto, o de topofobia. O
sentimento topofílico pode ser definido como: “[...] o elo afetivo entre a pessoa e o lugar ou
ambiente físico. Difuso como conceito, vivido e concreto como experiência pessoal”. (Op.
Cit., p.5). Já o conceito de topofobia seria a aversão a certos ambientes.
O sentimento de topofilia é variável em intensidade e modo de expressão, sendo essa
afetividade por um determinado ambiente, uma resposta provocada por uma apreciação
estética ou por fatores mais perenes como o local de sua origem” ou onde encontra seu
meio de vida”.
A palavra topofilia” é um neologismo, útil quando pode ser definida em sentido
amplo, incluindo todos laços afetivos dos seres humanos com o meio ambiente
material. Estes diferem profundamente em intensidade, sutileza e modo de
expressão. A resposta ao meio ambiente pode ser basicamente estética: em seguida,
pode variar do efêmero prazer que se tem de uma vista até a sensação de beleza
igualmente fugaz, mas muito intensa, que é subitamente revelado. A resposta pode
ser tátil: o deleite ao sentir o ar, água, terra. Mais permanentes e mais difíceis de
expressar são os sentimentos que temos para com um lugar, por ser o lar o lócus de
reminiscências e o meio de se ganhar a vida (Ibd., p.107).
Os sentimentos topofílicos também variam de acordo com a cultura e, assim como
esta, mudam ao longo do tempo. Para entender as atitudes e preferências do grupo é
necessário, no entanto, conhecer a história cultural e a experiência das pessoas no contexto de
seu ambiente físico.
Os que habitavam uma área antes da construção de uma represa, poderiam ter
sentimentos topofílicos com o local, após a inundação de seus lugares, a represa pode
evocar sentimentos topofóbicos. Isso ocorre, pois as represa são fruto de um processo
histórico e cultural, que promovem para a sua própria criação, um topocídio
3
. Este termo,
explorado por Amorim Filho (1999), define a aniquilação deliberada de lugares. Como define,
essa aniquilação decorre de uma posição ideológica e cultural frente ao ambiente que é
3
Termo proposto pelo geógrafo britânico Porteous (1988), inspirado na obra de Tuan (1980).
transformado, visando moldá-lo, a fim de atender necessidade e anseios da sociedade. Assim,
modifica-se o local contendo o fluxo de rios, inundando lugares, mudando paisagens, mas
atendendo às expectativas de quem as constroem, gerando energia ou abastecimento. Ao
analisar as modificações ocorridas em lugares de Minas Gerais devido à construção de
represas, Amorim Filho (Op.Cit.) comenta:
[...] como nos casos menos divulgados e relativamente pouco estudados, de
lugares e bens danificados ou aniquilados por águas deliberadamente
represadas com a finalidade de produzir energia elétrica. Esta é uma questão
polêmica, pois, embora se trate de perdas motivadas por uma causa
econômica e socialmente justificável, não se elimina o fato de que, em
muitos casos, ocorrem verdadeiros topocídios. Tal foi o caso de Nova Ponte,
que teve parte de sua área rural e sua sede municipal inundadas pelo
represamento do Alto Paraíba Mineiro [...] A população, perplexa e
impotente, tomou conhecimento da inevitabilidade do desaparecimento
definitivo não apenas de sua cidade, mas de lugares e paisagens carregados
de suas memórias, emoções e mais caros valores. Para eles, foi uma dolorosa
perda de referencial topofilico, enquanto para outros as preocupações mais
imediatas eram a perda de suas casas e a necessidade de um recomeço de
vida na nova sede municipal construída a três quilômetros de distância. Por
um lado, uma série de dramas e tensões no nível individual e familiar, pelo
outros, a perda da personalidade histórico-cultural, pois que dela faz parte
sua base territorial, formada pelos lugares e paisagens valorizados
(AMORIM FILHO, 1999, p. 147).
O relato de um atingido pela construção da barragem de Candonga (MG) em entrevista
ao setor de comunicação do MAB, (disponível no site Consciência, 2005) evidencia também
o topocídio causado pelas represas, que leva a perda de lugares carregados de sentimentos
topofílicos:
Isso foi horroroso (
a construção da barragem
). Quando destruíam as casas,
várias pessoas passaram mal, teve uma senhora que ficou com o braço
machucado por um policial, pois quando começaram a destruir a casa da mãe
dela, ela ficou muito nervosa [...] Num dia destruíram tudo e no local ainda
moravam 14 famílias. Agora já encheu o lago e o pessoal está com a mão na
cabeça, como diz o ditado. Não sabemos o que fazer. Isso sem falar que
algumas famílias que receberam casas, tem que se mudar, pois as casas
estão caindo, outras estão escoradas com ferragem e paus pra não cair. E
mais, há 15 dias atrás teve uma reunião numa cidade vizinha e falaram sobre
proteção ao meio ambiente. Na verdade a gente escutava falar que não
teremos mais acesso ao lago, nem para pescar.
O depoimento do atingido pela Barragem de Candonga em Minas Gerais ilustra o mal
estar da população local, fato causado pela rápida e imposta transformação de seus lugares
cuja dimensão dos valores e funções depositados somente a comunidade sabe medir. Cada
casa, prédio, igreja, árvore, praça e bosque inundado representa a perda de elementos de uma
paisagem que lhe é semelhante, na qual o grupo se reconhece porque ali vivia. Trata-se de um
patrimônio próximo que envolve memórias, identidade e afetividade cotidianas. Assim, ao
continuar seu relato, o atingido pela Barragem de Candonga, também descreve sobre o
sofrimento de quem viu as últimas casas e a igreja local sendo destruídas pelas máquinas em
Candonga (MG):
Mas quem sofreu foram as pessoas mais idosas que viram a última construção ser
destruída, a igreja católica. E se não fosse chegar uma pessoa na hora, tinham
destruído a igreja com todas as imagens dentro. Foi uma imensa falta de respeito,
isso por volta das nove horas da noite (fonte: site Consciência, 2005).
Para se entender o cotidiano das pessoas é necessário estudar as seguintes dimensões
de suas realidades: a condição de existência (como eu vivo?), o quadro de vida (onde eu
moro?) e o modo de vida (como eu vivo?) como sugere Lamparelli (apud Scherer-Warren,
1993, p.86). O espaço social carregado de dimensões míticas, sagradas, de representação é na
verdade, um lugar privilegiado. Para que um espaço assuma nova dimensão simbólica é
preciso que haja um consenso coletivo de fundamentação, refundamentação de valores. No
processo de apropriação para a construção de grandes obras, como as represas, o cotidiano das
pessoas muitas vezes não tem relevância. As condições de existência, o quadro e o modo de
vida que se constituem em formadores de uma identidade própria, ligada ao lugar onde se
vive, são renegados ao se tirar com as desapropriações o próprio palco onde se essa
ligação. Não um consenso coletivo das alterações dos lugares e seus valores pela
comunidade e sim, um consenso por parte de atores sociais distantes de sua realidade.
Como descreve Yázigi (2001, p.17), as identidades de um lugar não são dadas pela
história mais antiga, mas por aquela sedimentada com o processo de construção e suas
relações de força”. As formas da paisagem, dos lugares, não podem ser tratadas distantes de
seus conteúdos. O autor defende que a natureza (praias, rios, montanhas, florestas, campos,
planícies, monumentos, bairros, quarteirões) transforma-se em imagens, caminhos e
representações da alma coletiva. A “alma”
de um lugar seria o que fica de melhor dele para os
que nele obtém experiências e que, por isso, transcende o tempo. Para que essa alma prenhe
de materialidades, práticas e representações exista, é preciso que exista um corpo, que é a
paixão das gentes pelo lugar.
Mudanças na paisagem e nos lugares podem acontecer. Desde que não sejam feitas de
forma brusca, acarretando que os conteúdos atribuídos a estes se percam. Maurice Halbwachs
(apud Yázigi, 2001) preconiza que, respeitar a estabilidade dos objetos materiais da vida
diária e que conferem uma imagem de permanência é respeitar o equilíbrio mental do grupo.
Mas, além disso, é respeitar uma identidade forjada pela relação na qual o grupo transforma
seu espaço à sua imagem e a ele se adapta, uma valorização identitária do meio natural. É o
respeito às imagens espaciais que desempenha um papel fundamental na memória coletiva e
na personalidade do lugar (conjunto das diversas identidades que nele se reúnem).
Ausentada a possibilidade de leitura da história e identidade local pelos que passam
pelas represas, estas se assemelham a não-lugares. Os lugares são fruto da ação humana, de
uma forma identitária de apropriação para a vida. A identidade do cotidiano está ligada ao
conhecido e reconhecido; aos lugares habitados, onde se percebem as marcas e os resíduos de
outros tempos. Através dessa identidade, os moradoreso capazes de reconhecer a paisagem
e “ler” tudo o que nela se mostra com coerência, pois diz respeito às suas vidas, aos sentidos
por eles atribuídos por práticas sociais advindas de uma acumulação cultural que se inscreve
no espaço. O não-lugar seria então, não somente a negação do lugar, mas também, um
produto de relações outras; diferencia-se do lugar pelo seu processo de constituição, onde se
produzem novos comportamentos e modos de apropriação dos lugares (Carlos, 2002). Assim
a aproximação das represas a exemplos de não-lugares é justificada, pois estas possuem
características como negação da identidade, da história e das formas de apropriação
originárias que caracterizam os chamados não-lugares, onde o sentido do lugar é perdido,
transformando-se em espaços vazios e de ausência identitária.
Nenhuma indenização ou remanejamento reconstituirá o cotidiano da população
atingida. Novas relações se estabelecerão no novo lugar a migrar e as lembranças de outrora
virarão memórias, pois passarão a ser um mecanismo de se recontar lembranças do que não se
vive mais no cotidiano, por isso ser memórias. Dentre os sentimentos latentes, esse cenário é
propício para que a exclusão e a expropriação causada dentro de um regime democrático
venha a criar o sentimento de topofobia para com as represas e, também, de ressentimento nos
grupos atingidos. As vertentes do ressentimento, segundo Merton (apud Ansart, 2001, p.18),
são três: o primeiro compõe-se de sentimentos difusos de ódio, de inveja e de hostilidade; o
segundo é a sensação de ser impotente para exprimir de forma ativa estes sentimentos; o
terceiro é a experiência continuamente renovada de impotente hostilidade. Já que
desapropriações legitimadas pelo bem estar da maioria dos cidadãos, implica em perdas para
um grupo minoritário, os sentimentos de impotência e de hostilidade surgem e, com eles, o
ressentimento fruto de uma experiência negativa para com os poderes que deveriam lhe
assegurar a proteção de seu espaço físico e social através do regime democrático.
O regime democrático favorece ou desfavorece a formação de
ressentimentos? Pode ele significar, de alguma forma, uma
terapia contra o ressentimento? Formulando estas questões,
retomamos, de um ponto de vista renovado, uma antiga
interrogação: a de Platão, que examinava quais eram as
suscitadas pelas diferentes constituições da Grécia; a de Aléxis
de Toqueville, que pesquisava quais as “paixões gerais e
dominantes” da aristocracia e as opunha às paixões da
democracia (ANSART, 2001, p. 23).
Por outro lado, o mesmo regime democrático abre possibilidades, através dos
movimentos sociais, para expressões de hostilidade, transformação dos sentimentos em
reivindicações racionalizadas e abrandamento destes pela tomada de consciência das
oposições de interesses. A eficácia da democracia consistiria assim em permitir romper os
sentimentos de impotência, arrancando os indivíduos de suas ruminações rancorosas, fazendo
deles seres responsáveis por si próprios e membros ativos de uma sociedade participativa.
Assim, a perda do lugar onde se construía uma identidade, pode ser revertida em uma
nova estruturação identitária a partir do momento em que o grupo tem a consciência dos
efeitos negativos das grandes obras sobre suas vidas. Essa identidade coletiva é forjada pelo
sentimento de que se foi vítima do progresso, de que se foi esquecido pelas leis que deveriam
dar a proteção necessária, de que se é uma minoria com problemas, história e perspectivas em
comum. A identidade de atingido se contrapõem ao discurso do “progresso” e dos
“benefícios”. Passa-se então para o discurso da “desgraça” sobre suas vidas. Trata-se de uma
identidade que se constrói em face do sentimento relativo a uma situação de expropriação,
mas que se define também enquanto bandeiras da luta por direitos.
A solidariedade coletiva estabelecida também contribui, neste processo de reprodução
grupal, para o estabelecimento de um novo projeto de vida e reestruturação de seu espaço
cotidiano. Scherer-Warren (1993, p. 93) defende que, mesmo marcados pela conjuntura, os
movimentos de atingidos por grandes projetos têm recuperado de forma coletiva a memória
de suas perdas e de suas conquistas, contribuindo para a luta dos setores pela cidadania. Tem-
se um novo trato com as memórias
4
, que podem atuar como advertência e rememoração de
derrotas nas quais a imagem dos vencidos assume a frente de cenários em ruínas, mas que
também encontram lugar na afirmação positiva do direito à cidadania por pessoas que, pela
condição social, deveriam se recolher a um não-lugar, ou que, por circunstâncias ocasionais
4
Outros exemplos dos usos da memória nesta direção em: BRESCIANI, S. e NAXARA, M. (org.)
Memória e
(re)sentimento. Indagações sobre uma questão sensível
. Campinas: Editora da UNICAMP, 2001.
da vida privada, vêem-lhe recusado o lugar privado da cidadania. Como descreve Nora (1993,
p.7)
Memória é a vida, sempre carregada por grupos vivos e, nesse sentido, ela está em
permanente evolução, aberta à dialética da lembrança e do esquecimento,
inconsciente de suas deformações sucessivas, vulnerável a todos os usos e
manipulações, susceptível de longas latências e de repentinas revitalizações.
Em casos onde a memória fica restrita a lembranças distantes do passado, esta
necessitará de arquivos, museus, inventários e toda forma material necessária para que essas
memórias sejam evocadas. Se por outro lado, a memória for vivida no presente, ao se ter a
consciência não somente do passado, mas do futuro que se pode ter, através dos movimentos
sociais, esta não necessitamais de materialidades para ser evocada, será vivida sob uma
nova perspectiva cotidiana. O elo entre passado, presente e futuro estará no bojo de um novo
trato para com a identidade e memória do grupo, sob uma perspectiva de mudança e melhoria
social.
2.3 - Do topocídio à valorização para o turismo: novas formas de territorialização do espaço e
[re]significação dos lugares.
Com introdução de um grande volume de água para a construção de uma represa é
alterado não somente o clima, a vegetação, a ocupação da área, mas também a estética e as
possibilidades de uso do local, para a pesca e prática de esportes náuticos. Este fato acaba por
gerar uma nova perspectiva sobre o território, a de sua apropriação para o lazer e turismo,
moldando também novos lugares.
As novas perspectivas do turismo sobre as represas corroboram com a afirmativa de
Tuan (1980) de que, a medida em que a sociedade e a cultura mudam com o tempo, podem
mudar também a atitude para com certo meio ambiente e até inverter-se. Prova disso, é que o
mesmo lugar que envolve topofobias e topocídios, formado pela represa é valorizado pelo
turismo, transformando, assim, as represas em lugares turísticos. Como afirma Luchiari
(2001), os lugares turísticos não existem a priori, estes não existem em si, mas se tornam
turísticos ao serem valorizadas pela cultura vigente e dotados dessa função.
O lazer e turismo são exercidos nas represas geralmente por quatro diferentes
categorias de usuários: moradores locais, turistas e excursionistas. A respeito dos tipos de
fluxos turísticos possíveis em um local, Beni (apud Aucilino 2001) os definem de forma mais
esclarecedora como: fluxo turístico itinerante (turistas que ficam, em média, seis horas nos
núcleos receptores e que não ultrapassam mais de 12 horas de permanência), o fluxo turístico
de estada (turistas que permanecem mais de 24 horas no local e que por isso pernoitam) e
fluxo turístico sedentário residencial (turistas que se deslocam por tempo indeterminado,
com afluência razoavelmente uniforme e sem renovação da demanda ou diversificação da
oferta).
Os fluxos turísticos observados nas represas se direcionam muitas vezes para a prática
do chamado turismo náutico nestes locais. O turismo utico é a atividade turística cuja
motivação de lazer está associada ao litoral, rios, lagos e lagoas, incluindo os esportes
náuticos praticados tanto em grandes navios como em pequenas embarcações de recreio. “O
lazer náutico não é praticado nas águas do mar, mas em igual intensidade nas águas
interiores: rios, lagos e represas” (Hrdlicka 2005, p. 374). As atividades específicas do
turismo náutico podem ser enumeradas em: caiaque, esqui aquático, mergulho, vela, acqua-
rider, bóia-cross, rafting, body boarding, outrigger, canoa havaiana, canoa, windsurf, pesca,
morey-buggie. Assim, os turistas que vêem a possibilidade de praticar atividades ligadas ao
universo náutico em represas e lagoas, constituem a demanda deste turismo.
O turismo náutico é muito difundido em diversas partes do mundo e no Brasil vem
crescendo. Hrdlicka (2005) comentando sobre o turismo náutico americano, afirma que este
movimentou em 1997, US 19,3 bilhões, por intermédio de 13 mil revendedores. O lazer
náutico nos Estados Unidos é de 1 barco para cada 20 habitantes. Teve seu maior crescimento
a partir dos anos 70. Menos de 10% da população guarda barcos em marinas, a maior parte
guarda seu barco em casa. Neste tipo de turismo, no entanto, as marinas são uma estrutura que
gera novas oportunidades de investimento. Estas estruturas não somente se ocupam em atracar
e abrigar embarcações. Atualmente também são equipadas de serviços que vão desde
restaurantes e vestiários até heliportos. As marinas, assim, representam atualmente um
segmento da hospitalidade, podendo também sediar eventos com impactos positivos para a
comunidade local.
Dentre os possíveis visitantes das represas para o lazer, os proprietários de casa de
veraneio se destacam. Na busca pelo conceito desse tipo de residência e sua tipologia dentro
do turismo discute-se primeiramente, na academia, se seus proprietários ou usuários podem
ser considerados turistas.
Tulik (2001) narra em sua obra as implicações européias e no Estado de São Paulo das
residências secundárias. A autora inicia citando a definição do IBGE (1991) de casas de
temporada: “domicílios particulares que serviam de moradia (casas e apartamentos), isto é, ou
usados para descanso de fim de semana, rias ou outro fim”. Cita também a obra de Perarce
(apud Tulik, 2001) onde o conceito é utilizado para se referir a “parte dos meios de
hospedagem que por sua vez integram a oferta turística que está compreendida nas estruturas
e nos processos do desenvolvimento turístico”.
Desta forma, percebe-se um dos componentes sicos do turismo - o deslocamento
por mais de 24 horas, envolvendo pernoite, razão principal da necessidade de um
alojamento turístico no tempo livre. A propósito desta questão. Michaud (1985:93)
observa que convém falar de alojamento turístico, não de lazer, e que, por
definição, os alojamentos recebem pessoas em deslocamento, por mais de 24 horas,
ainda que o motivo seja lazer, saúde, negócios, etc... (TULIK, Op. Cit.).
Ou seja, a autora define as segundas residências como parte integrante do chamado
turismo de férias ou de fim de semana, sendo os proprietários considerados turistas que
possuem residência em outros lugares e que as utilizam para hospedagem.
A localização das residências secundárias, segundo Tulik (Ibd.), obedece a fatores
como a demanda recreativa em geral, a degradação dos ambientes urbanos e oportunidade de
investir em patrimônio. A distância e a acessibilidade entre a origem e o ponto de destino
assim como as campanhas de marketing realizadas, são outros fatores que influenciam na
escolha do local para se ter uma segunda residência. O perfil dessa demanda faz com que as
campanhas de MKT comumente intensivas, procurando, segundo a autora, “alcançar
segmentos específicos que tenham condições financeiras para a aquisição de residências
secundárias”. Isso porque, a aquisição de uma residência secundária envolve gastos com o
terreno, construção, manutenção, impostos, pessoal, serviço público, melhorias, entre outros.
Surge também condomínios onde, apesar dos elevados preços, proporcionam a comodidade e
a segurança desejada.
Esse fenômeno pode envolver, no entanto, a segregação social em muitas represas e
lagoas, pois os melhores locais e infra-estrutura são destinados às casas de veraneio.
Constituem em um segmento crescente de empreendimento que recaem, segundo Tulik
(2001):
[...] sobre os recursos naturais: clima, superfícies líquidas (mar, represas, lagos e
rios), regiões de serra e de montanha, vegetação (parques, áreas protegidas), locais
históricos e áreas de ocorrência de manifestações culturais. Atualmente, é uma
constante a procura pela natureza, que se intensificou para o turismo em geral e
que, no caso das residências secundárias, constitui aspecto altamente valorizado,
explicando muitas concentrações.
No estado de São Paulo, nas regiões onde se encontram represas, “valorizou-se de
maneira espetacular, sendo extremamente elevados os preços das casas de campo e difícil
aquisição dos terrenos resultantes de loteamentos ali feitos” (Penteado, apud Tulik, 2000).
A comunidade originária do local, que acompanhou a transformação da paisagem, as
desapropriações e a perda de lugares nos quais estabeleciam seu cotidiano, também usufrui da
represa para o seu lazer, juntamente com turistas, excursionistas e proprietários de casa de
veraneio. Como alega Boullón (2004), a recreação feita por comunidades locais em espaços
também destinados ao turismo, deve ser analisada em conjunto com a atividade turística. Isso
porque, para se entender o turismo em suas diversas relações, deve-se também analisar a
segregação espacial provocada nos espaços que se apropria.
A segregação social/espacial acaba, muitas vezes, por destinar à população local,
espaços desprovidos de infra-estrutura necessária como sanitários, latas de lixo, marinas
públicas, salva-vidas, entre outros itens. Assim, a nova ocupação territorial feita pelo turismo
tende a obedecer as regras da especulação imobiliária, onde os melhores espaços são
destinados às casas de veraneio e empreendimentos como marinas, pousadas e hotéis, como
afirma ainda Boullón (2004):
Em geral é ali que se localizam os bairros com casas de fim de
semana, que durante os períodos de férias podem ser alugadas
turisticamente ou usadas por seus próprios proprietários para
esse fim. Na América latina, são raros os casos em que
margens de lagos, represas e rios perto das cidades não tenham
sido loteadas em vez de terem sido transformadas em áreas de
uso público, coisa comum em países desenvolvidos (p. 99).
Sem a infra-estrutura e planejamento necessários, a recreação pode gerar efeitos
danosos ao meio ambiente. Estes efeitos danosos fazem com que os gestores das represas
muitas vezes impeçam o uso da represa para o lazer e prejudicando, conseqüentemente, as
novas atividades econômicas praticadas. Este impedimento é justificado pela necessidade de
preservação da integridade do produto a ser vendido, a água.
O novo uso da represa para o lazer pela população local, é uma possibilidade de que
esta possa se (re)apropriar do espaço, de (re)significá-lo sob nova perspectiva. Essa nova
apropriação, aliado ao turismo realizado por pessoas vindas de outras localidades, pode abrir
também possibilidades econômicas para a população local, emprego e renda através dos
empregos gerados pelas pousadas, hotéis, casas de veraneio ou de empreendimentos próprios.
O planejamento territorial e turístico dos municípios envolvidos deve almejar essas
possibilidades a fim de exercer, dentro das perspectivas democráticas, um poder local cujo
propósito seja o de ressarcir de alguma forma, os prejuízos causados pela construção destas.
2.4 - Medidas legais para o uso das represas para o turismo e lazer.
O uso turístico de uma represa para benefício do município pode ser considerado
legítimo, assim como o projeto do MAB de desenvolver a pesca em represas, se consideradas
as perdas e impactos sofridos pelos municípios decorrentes da barragem de seus rios e
inundação de vastas áreas cultiváveis e habitadas.
Os chamados “Comitês de Bacias Hidrográficas” são mecanismos que fazem parte do
Plano Nacional de Recursos Hídricos com o propósito de assegurar a participação dos
usuários, poder local e sociedade civil organizada na gestão de rios e represas e onde o uso
turístico das represas poderia ser discutido. Souza (2002), no entanto, alerta que na
democracia representativa, na qual os Comitês estão envolvidos, há a participação como voz e
não como empowerment. Isso denota cautela em relação ao papel das instituições formais da
democracia representativa, preocupando-se em preservar a capacidade decisória dos que
foram eleitos para representar os distintos interesses das comunidades. Já a participação como
empowerment que o autor defende, [...] implica a tomada de consciência sobre injustiças e
iniqüidades, mas ao mesmo tempo, implica a crença nas possibilidades da ação coletiva para
promover mudanças” (Op.Cit.).
Existem projetos elaborados pelo Governo Federal de apoio ao turismo e lazer em
represas, como o projeto da Agência Nacional de Águas (ANA) denominado “Turismo e lazer
e sua interface com recursos hídricos” que apresenta as represas como atrativos turísticos
ainda a serem desenvolvidos e apoiados.
Dentro da legislação vigente, a Resolução 302 do CONAMA assegura o uso de 10%
do território no entorno de reservatórios para o desenvolvimento do turismo. O mesmo
CONAMA indica as regras para o uso e ocupação do solo em represas. Dentro de sua
legislação, as construções devem estar a 100 metros de recuo do nível máximo atingido pelas
águas.
A Cesp, responsável por grandes represas, também colocou, já em 1978 em seu
Modelo Piloto para reservatórios, o turismo como pauta a ser discutida nos projetos que
norteiam a gestão destes espaços.
A nova condição regional, com a formação do reservatório, abre uma enorme
perspectiva de desenvolvimento, pois via de regra essas implantações se verificam
em regiões pouco desenvolvidas, longe dos grandes centros urbanos, podendo
transformar consideravelmente a feição sócio-econômica da região. Alguns dos
setores que podem ser ativados: 1. agricultura (substituindo uma estrutura superada
e decadente por uma forma de organização cooperada ou colonizada). 2. economia
(possibilidade de pesca comercial controlada, desenvolvimento de novo sistema
viário e estabelecimento de novos vínculos regionais, navegação comercial, etc...).
3. turismo e recreação (colônia de rias, clubes náuticos, aquamotéis, campings,
balneários, praias artificiais, etc...). 4. educação e cultura (desenvolvimento de
novos cursos, incentivo ao artesanato, etc...) (CESP, 1978, p. 13).
A empresa afirma que no Plano de Desapropriações devem ser levados em conta não
as necessidades de preservação dos recursos naturais e o aproveitamento múltiplo da área
do reservatório, como também aspectos sociais, educativos, turísticos e econômicos. Esta
necessidade de se pensar e apoiar outros usos do reservatório, como para o turismo, surge da
própria conclusão de que estes impossibilitam muitas vezes atividades econômicas originárias
e que, com as desapropriações, muitas pessoas passam a exercer novas atividades em outros
locais. O uso múltiplo poderia assim, na sua visão, mudar essa dinâmica:
Além desses aspectos, verifica-se que a desapropriação pura e simples, via de regra
interrompe algumas atividades econômicas regionais, na medida em que a terra e
benfeitorias são indenizadas, mas o valor das indenizações em sempre é reinvestido
na região. Assim, torna-se socialmente mais adequado que o processo
desapropriatório estude e incentive a continuidade de atividades econômicas que
permitam não só a simples relocação dessas atividades, mas prevendo até novas
bases estruturais mais dinâmicas (CESP, 1978, p. 18).
O Plano de Uso do Solo proposto pela CESP (Ibid.) também coloca como meta
estabelecer locais de lazer e locais culturais nas áreas desapropriadas, e assim menciona:
O uso do solo objetiva determinar o tipo de atividade adequada para cada local da
área desapropriada, genericamente, o uso do solo no Plano Diretor do Reservatório
deverá prever as seguintes atividades: 1.áreas de lazer - são as áreas destinadas às
atividades de lazer, como esportes náuticos, piscinas, praias artificiais, aquamoteis,
iates clubes, ancoradouros e decks, balneários, hotéis, colônias de férias, bares e
restaurantes, etc...Vários equipamentos poderão ser construídos em convênio ou
arrendados a outros órgãos públicos ou privados. 2. áreas culturais - são as áreas
destinadas ao desenvolvimento e práticas culturais tais como pavilhão para a
exposições de artesanatos, festas folclóricas, exposições de artistas locais, museu da
água, museu da energia, roteiro das barragens, etc... (ibd, p. 21)
Paiva (1982) comenta da mesma forma, em sua obra, sobre a potencialidade do uso
das represas para a recreação e ao turismo, no entanto, focaliza a pretensão de se atrair
pessoas de alto poder aquisitivo:
Qualquer grande represa se presta ao uso recreacional, em maior ou
manos escala. A proximidade de centros urbanos, com a população
dispondo de bom vel de renda e sujeita à tensões normais da vida
em áreas metropolitanas, favorece este tipo de utilização, impondo
mesmo um rigoroso planejamento e controle das suas decorrentes
atividades. Desde os simples acampamentos até as sofisticações das
instalações de residências, clubes, restaurantes e hotéis situados nas
margens de uma represa, as mais diversas manifestações de lazer
podem ser exercidas [...] (p.160).
Ou seja, apesar de alguns planos diretores de represas defendem o uso turístico nas
represas, este apoio não é concretizado na prática em muitas destas. Esse fato poderia ser
explicado pelos demais problemas acarretados pelo uso múltiplo das represas, como para o
turismo, principalmente de ordem ambiental. Mas é fato que, este uso múltiplo, apoiado ou
não, existe. Isso pode ser comprovado na utilização das represas de todo o país para o lazer e
turismo, em diferentes níveis. O planejamento da atividade e o apoio a esta também não darão
conta, como discutido, de gerar uma harmonia absoluta nestes locais, entre os diversos atores
sociais envolvidos.
Mas, caso o turismo fosse assim organizado e apoiado por todos os escalões de poder,
com foco em diversos perfis sócio-econômicos de usuários, as possibilidades de se promover
um verdadeiro turismo social seriam mais concretas. Os planos constituiriam um suporte para
legitimar o uso das represas para o turismo. No entanto, para que a mesma lógica de ocupação
da represa o seja exercida, cabe ao poder local destituir o governo estadual e empresas
privadas da gestão exclusiva do território, tendo poder real de decisão na aplicação destes.
2.5 - As implicações ambientais e sociais do uso recreativo das represas.
Como mencionado, o turismo em represas pode representar uma oportunidade para
que os antigos moradores permaneçam na área de origem. A abertura de espaços públicos de
lazer para a população local, também constitui um fator capaz de promover a (re)apropriação
da área pela comunidade, que passa a (re)significar este espaço como local de diversão e
descanso. Por outro lado, com base na obra de Rocha e Branco (1977), pode-se apontar
possíveis impactos negativos decorrentes do uso recreacional das represas a serem evitados
pelo planejamento turístico:
1) Danos ecológicos gerais: são considerados danos gerais ao ambiente circundante das
represas as atividades que, mesmo não condicionadas a quaisquer alterações diretas ou
indiretas da qualidade da água contribuem, no entanto, para o prejuízo do efeito paisagístico e
de outros benefícios que podem ser esperados do ambiente. Exemplos:
- Queimada na mata adjacente produzindo cinzas que, durante as chuvas serão
transportadas para o reservatório e irão contribuir para a eutrofização das águas.
- Ausência da vegetação provocando maior efeito erosivo das águas, assoreamento e
turbidez das águas destinadas a consumo.
- Destruição da fauna pela caça indiscriminada e não-controlada.
- Destruição da flora protetora ou alimentadora dos elementos faunísticos.
- Corte ou queima de árvores, arbustos ou vegetação rasteira que contribuem para a
fixação dos solos.
- Lançamentos de detritos ao solo, como cascas de frutas que atrairão moscas.
- O turismo pode agravar impactos ambientais, já iniciados por outras atividades, como
a agricultura e atividade industrial.
2) Danos indiretos à qualidade da água: comprometem indiretamente a qualidade estética
e sanitária da água. Exemplos:
- Acúmulo de detritos no solo, resultantes de piqueniques e acampamentos.
- Restos de comida, latas, papéis, garrafas, recipientes de vidro e plástico e, amesmo,
matéria fecal de adultos de crianças que defecam no próprio solo, podem ajudar na
proliferação de insetos e ratos. Comprometendo assim, a estética do local.
- Latas e garrafas, quando atiradas por pescadores, podem se tornar uma ameaça à
segurança de pessoas que praticam esportes náuticos.
- Pela chuva, os produtos em decomposição desses lixos são arrastados para a água
elevando a demanda bioquímica de oxigênio do meio, as concentrações de bactérias e
outros microrganismos patogênicos.
3) Danos diretos à qualidade da água:
- Natação: a preocupação com a contaminação das águas causadas pela natação nos
reservatórios diz respeito mais à possibilidade de contágio dos próprios banhistas que
do comprometimento da potabilidade da água, pois não registros de contaminações
em grau representativo. No entanto, não meios realmente eficazes para se medir a
balneabilidade de grandes reservatórios para os que entram em contato com a água
antes de tratamento.
- Embarcações: o derramamento de óleos e graxas pelas embarcações, mesmo em
pequenas quantidades, causa odor e sabor indesejável. Também causa a formação de
espumas que acabam por aderir nas paredes dos decantadores e tanques. Para
abastecimento público, o desejável é que a água esteja totalmente isenta dessas
substâncias. As embarcações maiores também podem poluir pela descarga de resíduos
e alimentos, além de excretas. Conseqüência: problemas ecológicos, toxidez na água
de abastecimento, sabor e odor na água de abastecimento, alterações na carne de
peixes comestíveis.
4) Introdução de novas espécies de peixes para a pesca: a introdução de peixes para a
pesca deve obedecer a uma escolha minuciosa das espécies, pois a introdução de uma
espécie que prolifere demais ou que compita vantajosamente com as outras, pode
causar desequilíbrios ecológicos.
Os possíveis impactos da recreação nos recursos hídricos também o comentados por
Paiva (1982, p.164):
Outras atividades recreativas favorecidas pelas grandes represas, porém
incluídas entre aquelas de contato secundário - acampamentos, piqueniques,
navegão, pesca e caça -, podem em muito contribuir para a deterioração dos
ambientes aquático e marginal, em virtude da concentração de lixo nos locais
de aglomerações e lançamento de materiais poluentes na água, entre os quais
se destacam os restos de alimentos, os excrementos humanos, os
combustíveis dos motores de navegação e os resíduos da sua combustão.
Em relação à poluição causada por motores de embarcações, Rocha e Branco (1977),
explica que esta é devido ao combustível e óleos que são derramados, cujos componentes
mais poluentes são o zinco, chumbo e fenóis. O chumbo e o zinco por suas características de
metal pesado e os fenóis, letais em grande quantidade, em pequenas concentrações na água
para abastecimento pode provocar odor e sabor no consumo. Assim, pode se ter como
impacto para a água problemas ecológicos, toxidez na água de abastecimento, sabor e odor na
água, alterações na carne de peixes comestíveis. Por isso, é de suma importância que o uso de
equipamentos a motor pelos turistas da represa, seja controlado e fiscalizado.
A metodologia indicada por Rocha e Branco (Op. Cit.) para o cálculo do limite de
embarcações a motor em águas de represas, sem que causem maiores impactos na qualidade
da água obedece à seguinte fórmula: se em um dia de 8 h de máxima utilização recreacional
da represa, cada motor funcionar continuamente durante 4h, isto é, apenas metade do tempo
disponível, aproximadamente, para a recreação, se terá um consumo de combustível da ordem
de 8 litros por barco, durante esse dia. Se os resíduos de cada litro utilizado necessitam de
300.000 litros de água para a sua diluição, ter-se-á que, cada barco necessitará de 8 x 300.000
= 2,4 milhões de litros de água por dia, ou seja, uma vazão de 84 litros/s durante as 8 horas
por dia. Com isso, tem-se a base para o cálculo do número máximo de barcos que se pode
permitir, em uma represa, em função de sua vazão.
Os coliformes fecais também constituem um fator que deve ser analisado para que o
uso das represas para recreação não cause danos à água. No entanto, como demonstra Rocha e
Branco (Ibid.), atualmente deve-se estar atento ao contrário: se a água da represa é uma água
que não oferece riscos à saúde dos banhistas e em menor grau, se preocupar se estes estão
causando danos com seus coliformes à água, devido as grandes proporções de água de uma
represa. A maioria dos estudiosos estabelece o limite de 1.000 coliformes/100 ml na água que
será utilizada para o nado, para que esta não represente riscos à saúde do banhista. No entanto,
a proximidade de um banhista com outro, portador de doença transmissível via fezes, é um
risco, mesmo que a concentração da água da represa seja menor que o número limite de
coliformes fecais. Por isso, as áreas de maior risco são os espaços públicos que concentram
em um pequeno espaço centenas de pessoas.
O cálculo para se obter o número limite de freqüentadores de uma represa que
eliminam matéria fecal em suas águas, também é dado pelos mesmos autores. Uma pessoa
elimina diariamente, cerca de 200 bilhões de bactérias em suas fezes por dia. A xima
concentração permitida de coliformes fecais é 3.000 coliformes/100 ml. Dividindo-se 200
bilhões pela vazão diária da represa, chega-se a concentração de coliformes por 100 ml.
Dividindo-se o número máximo de coliformes permitidos que é de 3.000 coliformes /100 ml
pela concentração da represa por 100 ml, chega-se ao número máximo de pessoas que poderá
utilizar a represa deixando matéria fecal.
O planejamento turístico sustentável deve ter como meta a minimização dos efeitos
danosos ao meio ambiente supracitados. A despreocupação com estes impactos acabam por
dificultar ainda mais iniciativas do poder local e dos cidadãos na (re)apropriação daquele
espaço para seu benefício, pois legitima ações como o fechamento dos espaços de lazer e
multas aplicadas aos empreendedores do turismo. Assim, as relações estabelecidas com o
meio ambiente e as relações estabelecidas entre poder local, poder gestor da represa e
empreendedores se interconectam e merecem ser tratados de forma conjunta.
CAPÍTULO 3 - AS REPRESAS COMO PAISAGENS: RELAÇÕES ESTABELECIDAS
ATRAVÉS DAS PERCEPÇÕES.
Após serem apresentadas as implicações das represas enquanto territórios e lugares
cabe ainda, dentro da abordagem proposta, apresentar as represas como paisagens.
Parte-se do conceito de paisagem e sua relação como o turismo. Relação esta que
envolve a utilização das paisagens enquanto atrativos e as percepções dos visitantes sobre a
história, transformações e simbolismo que carrega. Neste sentido, também é apresentado o
conceito de percepção neste capítulo.
Utilizando autores de psicologia, semiótica, turismo, geografia, entre outros, o capítulo
também descreve quais fatores estão envolvidos no processo perceptível. São abordadas na
teoria, as características específicas das represas e posições culturais que podem interferir na
percepção dos visitantes, gerando relações superficiais ou de profundo conhecimento, de
alienação e descaso ou com valorizações e reflexões sobre esta paisagem.
3.1 - A percepção da paisagem como instrumental para se entender valores e atitudes.
Nas represas também são estabelecidas relações através de sua dimensão como
paisagem. Tuan (1980) faz uma abordagem histórica do conceito de paisagem, verificando
sua utilização através dos tempos, de forma explicativa:
[...] a palavra paisagem, em seu sentido original, se referia ao mundo real e não ao
mundo da arte e do faz-de-conta. A palavra landschap, originária do holandês,
designava alguns lugares comuns como “um conjunto de fazendas ou campos
cercados, às vezes uma pequena propriedade ou uma unidade administrativa”.
Somente quando foi transplantada para a Inglaterra, em fins do século dezesseis, é
que a palavra perdeu suas raízes terrenas e adquiriu significado valioso de arte.
Paisagem chegou a significar um panorama visto de um determinado ponto.
Depois, foi a representação artística desse panorama. Paisagem também foi o pano
de fundo de retratos oficiais; o cenário” de uma “pose”. Com esse significado a
palavra se integrou inteiramente no mundo do faz-de-conta. (TUAN, 1980, p.153)
Boullón (2002), em sua análise, aborda a paisagem geográfica e a paisagem enquanto
imagem. A paisagem, nessas duas abordagens, é constituída pelo espaço material (conjunto de
elementos de um território) mas também pela imagem influenciada pela idéia de realidade que
o homem possui como observador desta. Enquanto conjunto de elementos do espaço físico,
também passa a adquirir qualidade estética a partir da atitude contemplativa de seu
observador. A análise feita tem dimensão explicativa/sistêmica, mas carece de demais
explicações quanto a função do conceito de paisagem. A validade da abordagem feita pelo
autor, no entanto, reside no fato de ser esta psicossocial, incluindo a verificação da paisagem a
partir se suas relações com o homem, dotado de sua percepção, linguagem e pensamento.
O termo paisagem é tradicionalmente associado ao espaço material, seja este um lago, uma montanha
nevada ou bosque. [...] O exame da bibliografia proporciona mais ou menos dois grupos de acepções: a-) a
imagem (seja ela pintada, fotografada ou percebida pelo olho) de um território, e b-) a acepção culta da paisagem
geográfica, correspondente ao conjunto de elementos de um território ligado por relações de interdependência.
[...] O que queremos dizer é que a paisagem se vai com o observador porque não passa de uma idéia da realidade
que este elabora quando interpreta esteticamente o que está vendo [...] Podemos definir a paisagem como sendo
uma qualidade estética que os diferentes elementos de um espaço físico adquirem quando o homem surge como
observador, animado de uma atitude contemplativa dirigida a captar suas propriedades externas, seu aspecto, seu
caráter e outras particularidades que permitam apreciar sua beleza ou feiura” (BOULLÓN, 2002, p. 117).
Carlos (1979) define paisagem rural e urbana como forma espacial da divisão do
trabalho e aspecto formal advindo do produto da sociedade em determinado momento. A
função da paisagem seria, em sua visão, mediar a paisagem passada e futura, revelando as
características históricas de sua formação. Assim, a abordagem geográfica dada, é também
sistêmica, pois menciona as relações entre homem e espaço, entre paisagem passada, futura e
a presente.
A dimensão da autora carece, no entanto, de salientar a paisagem enquanto porção visível do
espaço, interpretada conforme a percepção do observador.
A paisagem urbana ou rural é a forma espacial da divisão do trabalho. O espaço,
sendo um produto das relações que se estabelecem entre ele e a sociedade, tem,
portanto, na paisagem o aspecto formal advindo do produto da sociedade num
determinado momento da organização. A paisagem atual aparece como mediação
entre a paisagem passada e a futura, revelando as características históricas de sua
formação (CARLOS, 1979).
Hard (1998) apresenta o conceito de paisagem sob diversas concepções. A dimensão
que dá a cada uma dessas concepções é descritiva/processual, pois descreve os seus elementos
e, em alguns casos, a função da paisagem. Em sua abordagem etimológica, apresenta como o
conceito de paisagem é aplicado em diversas acepções do conhecimento.
Paisagem enquanto fisionomia terrestre apresenta características visíveis. Enquanto
espaços paisagísticos comportam tudo que existe na face da Terra, reconhecido ou
não a olho nu. Paisagem, como ecossistema descreve o sistema de elementos
naturais e suas relações entre si. E, finalmente, paisagem enquanto meio de
organismo coleciona os fatos ambientais (HARD, 1998).
Yázigi (2001) define o uso do conceito de paisagem por geógrafos, turistas e cidadãos.
O uso pode ser pedagógico (para os geógrafos), para a contemplação (para turistas), ou outros,
variando segundo a percepção de cada observador. O autor mostra a relação intrínseca entre
imagem e observador para que o conceito e a idéia de paisagem exista (pois sem isso seria,
por exemplo, a natureza em si). O autor mostra também a importância da percepção para que
o uso da idéia de paisagem seja definido. Com isso sua abordagem é
explicativa/funcional/sistêmica de dimensão psicossocial e geográfica.
A paisagem dos geógrafos é um termo e uma noção de uso
fundamentalmente pedagógico. Para o turista ou para o cidadão
comum, ela é objeto de contemplação e dos mais diversos
significados. Oportuno ainda lembrar que a natureza (assim
como o meio) não é a paisagem: a primeira existe em si,
enquanto a segunda existe em relação ao homem e segundo
sua forma de percebe-la (YÁZIGI, 2001, p. 34).
Santos (1997) menciona a estreita relação entre paisagem e percepção - do aparelho
cognitivo depende sua apreensão. No entanto, o autor alerta que essa apreensão é feita de
forma diferente por cada observador, pois sua percepção é influenciada pelos valores,
experiência e conteúdos que se tem ao longo da vida. Sua definição, apesar de clara no que se
refere à descrição do processo (processual), carece de maiores detalhes quanto à função da
paisagem e seus elementos constituintes. O caráter explicativo do autor se limitou a
psicossociologia, relatando apenas a percepção dessa pelo homem.
Paisagem é: [...] a dimensão da percepção, o que chega aos sentidos. Por isso, o
parelho cognitivo tem importância crucial nessa apreensão, pelo fato de que toda
nossa educação, formal ou informal, é feita de forma seletiva, pessoas diferentes
apresentam diversas versões do mesmo fato (SANTOS, 1997).
Elaborando-se uma síntese comparativa entre os conceitos apresentados, tem-se que
autores como Bullón (2002) e Hard (1998) abordam a paisagem como porção visível do
espaço geográfico. Yázigi (2001) reforça essa concepção, mencionando que paisagem
existe quanto decodificada pelo observador. Nesse aspecto, dialoga com Santos (1997) que,
de maneira clara, coloca a relação entre percepção e paisagem: devido ao fato de que o
observador a decodifica segundo determinantes como a cultura, a paisagem se torna também
um “produto cultural”. Carlos (1979), aborda de modo diferente o conceito: paisagem seria a
“forma” derivada da divisão do trabalho no espaço e onde se pode fazer uma “leitura” de
paisagens passadas e construir futuras.
Assim como citado por Meneses (2002), para que se considere a paisagem como um
fato cultural, deve-se superar a divisão entre o objeto (relativo a uma porção da superfície da
terra), as intervenções humanas que o transformam e a interação material ou simbólica que é
estabelecida. É necessário principalmente, na visão da autora, que se trate a paisagem como
processo cultural.
No turismo a “paisagem turística” é formatada pelo mercado, correspondendo à
imagem que se quer atribuir, por meio de recortes e criação de um “cenário”, de certo destino.
É criada também por parte do turista, que ao observar esta parte visível do espaço, es
construindo sua própria idéia de paisagem daquele local. Serão estabelecidas percepções que
influenciarão, por sua vez, no comportamento que o visitante terá, bem como nas valorizações
atribuídas ao local.
Para corroborar com o pensamento de Meneses (Op.Cit.), a paisagem turística deve ser
também analisada enquanto processo cultural, entendendo-se as relações entre o sujeito e a
paisagem, estabelecidas através da percepção e influenciadas por acepções culturais.
Sobre o conceito de percepção, existem divergências entre os autores. Para Moreira
(2002), a percepção está ligada às realidades atingidas através dos sentidos. Pode-se também
entender por percepção, o método complexo de obter informação acerca do mundo,
especificamente através dos sentidos e da apreensão informações na consciência. Assim,
percepção “[...] indica o processo pelo qual a estimulação sensorial é transformada em
experiência organizada. Dado qualquer objeto no mundo ao nosso redor, objeto esse que nós
percebemos através dos sentidos, fenômeno é a percepção desse objeto que se torna visível à
nossa consciência” (MOREIRA, 2002, p.65).
Para Day (1979) o conceito de percepção em uma visão psicológica, é definido como a
multiplicação de processos perceptuais e atos do pensamento que levam ao conhecer. Coloca
como condição para o processo de percepção a proximidade no espaço e no tempo com o
objeto. Define como a função da percepção coordenar a conduta do indivíduo. A abordagem
feita pelo autor é assim psicossocial, com dimensão explicativa/sistêmica/funcional:
Perceber é conhecer, através dos sentidos, objetos e situações. O ato implica, como
condição necessária, a proximidade do objeto no espaço e no tempo, bem como a
possibilidade de se lhe ter acesso direto ou imediato. Objetos distantes no tempo
não podem ser percebidos. Podem ser evocados ou imaginados. Podem ser, ainda,
pensados. De qualquer modo fica excluída a possibilidade de serem percebidos.
Também não podem ser percebidos objetos distantes no espaço quando ultrapassam
os limites operacionais dos órgãos receptores ou quando obstruídos por barreiras
[...] A percepção é, assim, uma multiplicação de processos perceptuais, ou através
dos atos do pensamento [...] Perceber, de fato é conhecer para, com base nos dados
recolhidos, promover-se a coordenação da conduta (DAY, 1979, p.11).
Tuan (1980) também aborda a percepção como fator psicológico, no entanto, para o
autor, esta seria formada pelo diálogo entre o “eu” e o externo, das respostas que os sentidos
dão ao que está no mundo. Alguns dos sentidos podem estar condicionados pela cultura e por
isso alguns fenômenos são registrados ou bloqueados, outros proporcionarem satisfação (mas
a cultura que influenciará no que é satisfatório). Também sentidos perceptivos
responsáveis em fazer com que o processo de percepção se preocupe com a sobrevivência
biológica, estes são possivelmente os menos influenciados pela cultura. O autor dá assim uma
dimensão processual, explicativa e funcional para o conceito:
[...] a percepção é tanto a resposta dos sentidos aos estímulos externos, quanto a
atividade proposital, na qual alguns fenômenos são claramente registrados,
enquanto outros retrocedem para a sombra ou são bloqueados. Muito do que é
percebido tem valor para nós, quer para provermos de nossa sobrevivência
biológica, quer para propiciarmos algumas satisfações de conformidade com a
nossa cultura (TUAN, 1980, p.4).
Outro estudioso que colabora para a conceituação de percepção é Santos (1997).
Define como a função da percepção ser uma etapa para se chegar ao conhecimento, e que isso
dependeria de uma coleta de dados que vai além de uma primeira vista”. A abordagem do
conceito é psicossocial, no entanto, de dimensão limitada: “A percepção não é ainda o
conhecimento, que depende de sua interpretação e esta será tanto mais válida quanto mais
limitarmos o risco de tomar por verdadeiro o que é só aparência”.
Comparando-se as diversas conceituações, os autores apresentam a percepção como
um fenômeno ou processo psicológico que, na realidade, abarca diversos processos. Tuan
(1980) coloca a função da percepção proporcionar o diálogo entre o indivíduo e o meio e,
nesse aspecto, condiz com Day (1979), que defende esse diálogo como fundamental para que
se possa sobreviver frente às diversidades externas a que todos estão sujeitos. Santos (1978) e
Tuan (1980), no entanto, colocam de forma mais sistêmica as influências que esse diálogo,
mediado pela percepção, pode sofrer devido a variáveis como a cultura.
Pode-se ampliar o conceito dado pelos autores, entendendo que o produto final da
percepção é a influência na conduta do indivíduo frente ao fato ou objeto percebido. Essa
conduta pode se transformar em um marco cultural, ao se apresentar como fenômeno
recorrente. Com isso, em uma visão sistêmica, pode-se dizer que percepção – cultura
comportamento se entrelaçam e se condicionam mutuamente.
Tuan (1980) em sua obra o norte necessário para o estudo da percepção de
paisagens, através de conceitos e análises formatados de forma inovadora, dentro desta visão
sistêmica. Os conceitos apresentados pelo autor para análise da percepção de paisagens são:
Percepção: como já foi apresentado, o conceito de percepção do autor é entendido como o
registro de fenômenos, onde algumas características são registradas e outras deixadas de lado.
A função da percepção seria satisfazer fatores biológicos e culturais.
Atitude: pode ser entendida como uma posição cultural em relação ao mundo. A atitude, na
abordagem do autor é produto da sucessão de percepções, ou seja, de experiências, e que por
isso é mais estável que a simples percepção. Ela tem maior estabilidade e é formada de uma
longa sucessão de percepções.
Visão do mundo: é a conceitualização da experiência. A visão de mundo, para o autor, é em
parte pessoal, mas principalmente social. Constitui uma atitude ou um sistema de crenças;
entendido sistema como as atitudes e crenças já estruturadas cujas ligações são aparentemente
arbitrárias, sob uma perspectiva impessoal/objetiva.
Tuan (Op.Cit), formatando esses conceitos, conseguiu criar o instrumental necessário
para que a relação estabelecida entre homem e ambiente fosse entendida através das
vivências, representações e significações que, carregadas de forte influência cultural, fazem
emergir um mundo próprio naquele espaço-tempo específico. A leitura desse mundo
construído por um homem, e que assim nele se reconhece, faz com que se possa compreender
não somente o mundo, mas o próprio homem:
[...] a percepção, atitudes e valores preparam-nos
primeiramente a compreender nós mesmos. Sem a auto-
compreensão não podemos esperar por soluções duradouras
para os problemas ambientais que, fundamentalmente, são
problemas humanos. E os problemas humanos, quer sejam
econômicos, políticos ou sociais, dependem do centro
psicológico da motivação, dos valores e atitudes que dirigem as
energias para os objetivos (TUAN, 1980, p.1).
Quando Tuan (Ibid.) menciona valores como uma das variáveis que emergem com a
percepção de ambientes; os separa basicamente em valores estéticos e afetivos. Com isso,
indica que a valorização de uma paisagem pode ser estabelecida pelo conceito de belo
formatado pela cultura vigente. Mas o que seria o belo? Encontra-se em Hegel (2002) pistas
para uma definição do que vem a ser a apreciação estética. Para o autor, quando se contempla
o belo acontece o que denomina de “fuga do desejo”, pois o sujeito abdica dos fins os quais
atribuiu ao objeto e passa a considerar este em seu fim em si, como autônomo. Desse modo, o
objeto é compreendido fora de suas características exteriores que lhe dão uma utilidade e o
sujeito, ao deixar de curvar-se perante o racionalismo que lhe propõe somente essa utilidade
para aquele objeto, passa a se tornar livre para fazer desses objetos “realmente seus”. No
entanto, o autor coloca que, os objetos o são em si belos, o sujeito é que atribui essa
característica. Porque atribuem a certos objetos qualidade estética constitui a grande questão.
Para Hegel (Op.Cit.), os estados da alma, como define, são os responsáveis por essa
atribuição, a partir do momento em que entram em consonância com os objetos, e estes, por
sua vez, ecoam novamente para os estados da alma.
Há, enfim, entre nós e a beleza natural uma relação particular
por ela estabelecida mediante os estados da alma que em nós
provoca e com os quais se põe de acordo. Citaremos, como
exemplo, o silêncio de uma noite de luar, a tranqüilidade de
uma vale por onde um riacho abre caminho, o aspecto sublime
da cólera do imenso mar, a serenidade majestosa do céu
estrelado. A significação que atribuímos a estes objetos não
lhes pertence propriamente, mas provém dos estados de alma
que eles provocam (HEGEL, 2002, p.178)
Apesar de apresentar características como regularidade, simetria, subordinação a leis e
harmonia, como facilitadoras para se que tenha uma apreciação estética da paisagem, Hegel
(Ibid.), coloca que o conceito de belo está, na verdade, no campo das idéias. Com isso, o belo
não é material e portador de características e conceituações distintas, varia conforme a
concepção de belo de cada sujeito e cultura. Já Tuan (1980) menciona, em relação às
variações estéticas, que as cores, por exemplo, são quase que invariáveis de cultura para
cultura quanto a suas significações, e podem influenciar nos valores atribuídos a uma
paisagem.
Assim, a percepção da paisagem pode indicar o contexto perceptivo, influenciado pela
cultura vigente, que acaba por culminar em comportamentos e valores para com aquele
espaço, no caso as represas. As represas constituem paisagens carregadas de história,
conflitos, bem como de especificidades, como descrito no capítulo anterior, quanto ao cuidado
que se deve ter ao utilizá-las de forma múltipla e não somente para o abastecimento ou
geração de energia, mas para outros fins, como para o turismo e lazer.
Entendendo-se a percepção dos usuários de represa para fins recreacionais, pode-se
chegar ao entendimento dos comportamentos para com o ambiente, valorização estética,
afetiva e histórica do lugar, que poderão servir de subsídios para políticas públicas e
estratégias de gestão que visam promover um turismo sustentável.
3.2 Lagoas naturais e represas: fatores que envolvem a percepção de paisagens
semelhantes, mas não iguais.
Produto da ação humana ao longo do tempo, a paisagem apresenta uma
dimensão histórica. Na medida em que uma mesma paisagem ocorre em
certa área da superfície terrestre, apresenta uma dimensão espacial. Mas a
paisagem é portadora de valores, crenças, mitos e utopias: tem assim uma
dimensão simbólica. (CORRÊA E RODENDAHL, 1998, p. 8)
Assemelhando-se às lagoas naturais, as represas são valorizadas como paisagens
turísticas principalmente devido ao elemento água inserido nestas. Essa condição é
comprovada, pois o fluxo de visitantes inicia-se nos locais após o barramento dos rios,
formando áreas lacustres artificiais. Assim, no turismo que se estabelece em represas e lagoas
naturais, a água é o elemento em foco, mesmo que seja apenas um, entre os demais elementos
da paisagem.
O fato da água ser um atrativo capaz de fazer paisagens se tornarem turísticas pode ser
explicado, em parte, devido às características que esta carrega enquanto símbolo. O domínio
simbólico da água foi consolidado através dos tempos pela subjetividade, imaginação e leitura
que diversas culturas fizeram desta, como comenta Cunha (2000).
Prenhe de significados, a água é um elemento da vida que a encompassa e a evoca
sob ltiplos aspectos, materiais e imaginários. Se, por um lado, é condição sica
e vital para a reprodução, dependendo dela o organismo humano, por outro, a água
se inscreve no domínio do simbólico, enfeixando várias imagens e significados
(CUNHA, 2000).
A água pode ser entendida como um signo, visto que este segundo Santaella (2005) é
algo que se apresenta primeiramente para o observador, posteriormente indicará o que
representa e, em um terceiro momento, será interpretado pelo observador. Bakthin (1997),
dialoga com este conceito ao descrever que a interpretação de um signo depende do
observador, sem o intérprete não há signo e não há uma realidade outra, a das representações.
Corroborando com a afirmação de ser a água o principal atrativo das represas e lagoas,
Andrade (2000) menciona que a água ainda gera fascínio para o homem atual, seja pela sua
dependência para sobrevivência, seja pelos valores estéticos que lhe são atribuídos ou ainda,
pelo imaginário que esta evoca. Esse fascínio promove a busca por locais com este elemento,
busca que vai além da racionalização dos sentimentos.
A água é elemento vital para todos os seres humanos. Talvez por isso, desde as
mais remotas eras, o homem se manifesta enamorado das fontes, dos rios, dos lagos
e dos mares. Ela sempre o atraiu e, ainda hoje, exerce sobre ele um inexplicável e
místico fascínio. Por isso adultos e crianças, velhos e jovens nela se distraem e se
locomovem em mistos movimentos de diversão e de repouso [...]. As praias, os
rios, os lagos, as nascentes e mesmo as piscinas artificiais fazem do turismo
balneário a forma mais costumeira e procurada da era industrial, pois significam a
liberdade, o alívio e a naturalidade da vida que as pessoas percebem estão perdendo
a cada dia, envolvidas nas realidades urbanas que, além de destruir a beleza e as
virtudes dos recursos naturais, lhes tiram a possibilidade de um viver pleno de sua
humanidade.
Em diversas culturas, em diversos tempos, a água foi símbolo de paz, pureza,
renovação, vida. Como cita Andrade (2000), em um momento em que a urbanização e a
industrialização distanciam ainda mais o ser de subjetividade e imaginação, a água ainda
simboliza contato com o divino, com o natural, renovação, sendo também, na cultura vigente,
símbolo ligado ao lazer.
Aguiar e Scharf (2003, p. 19) relatam: “A água também, embora tenha sido divinizada
ao longo de milênios e ainda simbolize a paz e a pureza no inconsciente coletivo, tornou-se
destino dos desejos das sociedades industriais”, como se a perda da tranqüilidade,
espiritualidade e de momentos lúdicos, fizessem o homem moderno buscar na água, enquanto
signo desses sentimentos perdidos, uma mediação entre seus sentimentos. Bougerra (2004, p.
50) também reforça esse redimensionamento significo da água na atualidade:
O simbolismo da água, por outro lado, tão presente nas culturas ancestrais, também
impregna as sociedades mais modernas.[...] Estas sentem, instintivamente, que sua
vida depende dela, mesmo se nas grandes cidades, muitas vezes, a água necessária
está oculta, canalizada, submersa, domesticada. Então os cidadãos partem à sua
busca, com nostalgia.
A razão simbólica de escolhas por paisagens onde a água é presente para o turismo
revela a dimensão cultural no processo de construção da paisagem. Neste sentido, pode-se
conceber a natureza como externalidade, mas a idéia de paisagem carrega natureza e
sociedade, objetividade e simbolismo, em dualismos que dialogam.
A tradução do natural em cada época pelo imaginário coletivo transforma a natureza
em artefatos materiais e simbólicos, ou seja, em cultura. Como afirma Luchiari (2001, p.9):
“[..] a razão simbólica, constitutiva do processo de construção da paisagem, desnaturaliza seu
significado e revela sua dimensão cultural” .
Por meio da paisagem pode-se verificar materialmente como os signos presentes nesta
são concebidos por determinada cultura, a lógica envolvida na determinação da função que
carregará e a organização das estruturas materiais para que esta função seja cumprida.
Luchiari afirma, assim, que a paisagem:
[...] longe de ser apenas um modelo abstrato de compreensão do meio, é também a
materialidade por meio da qual a racionalidade humana organiza os homens e a
natureza em territórios. Ao ser objeto dessa lógica estruturante da sociedade, a
paisagem é portadora de sentido (LUCHIARI, 2001, p. 11).
Obviamente, o uso e as interferências do homem no ambiente natural fazem com que
novos signos e símbolos sejam erguidos pela relação que se passa a ter com as coisas que
habitam este espaço em mudança e com a “consolidação” de novas mediações entre o que os
objetos são e o que eles evocam em sua observação. Como sugere Berque (1998) o
imaginário e o real estão presentes na relação entre cultura e espaço que culmina nas
organizações territoriais e simbólicas.
[...] a “cultura” contribui para a interpretação do espaço, permite a articulação entre o imaginário e as
“coisas do real”. Então, o filtro transformador da cultura age nos dois sentidos, mas em cada ponta produtos
diferentes: numa delas produz uma organização territorial e, na outra, uma cosmogonia (BERQUE, 1998, p. 89).
Coriolano (2001, p.208) contribui para esta discussão, ao mencionar que: “O homem é
um ser simbólico; sua relação com o mundo, trabalho, lazer e turismo é sempre revestida de
significações e valorizações. Todas as suas relações o mediadas pelo significado ou pela
perspectiva simbólica”. Assim, o turismo aborda as paisagens no plano do real e da imagem,
utilizando para isso o imaginário e o simbólico, como comenta a autora:
A primeira situa-se no plano do real e revela os lugares turísticos cheios de potencialidades e fortalezas,
mas também com fragilidades e ameaças. A segunda situa-se no plano da imagem, do imaginário e do simbólico,
revelando as representações que se fazem desses lugares e enfocando questões virtuais que nem sempre
coincidem com o real. [...] Deve-se ter sempre em mente que a imagem comunicada é uma representação da
realidade, não podendo ser confundida com o real (p. 210).
Segundo Consgrove (1998), “Todas as paisagens são simbólicas, apesar da ligação
entre o símbolo e o que ele representa (seu referente) poder parecer muito tênue”. (p. 106). A
paisagem evoca significados a partir dos signos e valores atribuídos. Esses signos assumem
amplo espectro de propriedade e escalas numa grade semântica própria, como também
comenta Gomes (2001). No plano da imagem, o simbolismo envolvido nas paisagens é
evocado em seus mais favoráveis aspectos pelo turismo. As imagens veiculadas são sempre as
mais belas, retratadas nos mais favoráveis horários (como no entardecer onde o reflexo na
água torna as cores e o brilho mais intenso na paisagem) e, na maioria das vezes, desprovidas
de pessoas, fortalecendo e evocando o aspecto de paz, tranqüilidade, misticismo e até
romantismo que a água pode simbolizar para quem percebe estas imagens. Assim, o turismo
reproduz um mundo de sonhos, símbolos, idéias e representações onde se encontram valores
culturais do turista.
Para evidenciar como as lagoas naturais evocam símbolos enquanto paisagens e assim
são apropriadas pelo turismo, pode-se apresentar como exemplo a Lagoa Encantada no estado
da Bahia. A lagoa situa-se a 34 km do município de Ilhéus, sendo a maior lagoa de água doce
do estado da Bahia com 6,4 km² de espelho d’água, 5 km d comprimento, perímetro de 26.000
m e profundidade de 15 m, segundo Andrade apud (Soares 2004).
A principal motivação em visitar a Lagoa Encantada, segundo os dados de Santos
(2004), seria, para 65% dos entrevistados, a beleza natural do local. Durante o passeio de
barco feito pelos turistas, estes relataram também que o que mais lhes atraiu foi a paisagem
natural, reposta dada por 73% deles, em contra partida às lendas (17%) e a aventura (10%).
Para 60% dos turistas a paisagem natural seria o elemento da Lagoa Encantada que os fariam
retornar. Assim, a paisagem formada pela lagoa constitui um atrativo capaz de atrair visitantes
cuja principal motivação é a contemplação da beleza “natural” do local, bem como através da
água e seu simbolismo, experenciar sensações agradáveis em momentos de lazer.
Formando uma paisagem lacustre após sua finalização, as represas podem ser
apresentadas como atrativos da mesma forma com que são apresentadas as lagoas, evocando
aspectos cênicos da água que remetem a atributos positivos do local e assim serem percebidas
como uma paisagem natural”, de símbolos e sonhos a serem explorados em momentos de
lazer.
A percepção sobre as represas enquanto paisagens pode, com isso, ser pautada
exclusivamente em valores estéticos da água enquanto símbolo evocativo de sentimentos,
bem como nas possibilidades de lazer que esta oferece. As represas, no entanto, longe de
serem espaços naturais, são simulacros de uma natureza já tão distante e transformada.
Carregam consigo uma história que envolve apropriações e transformações do território que
culminaram na atual paisagem.
A percepção dos que as utilizam para o lazer e turismo deve abranger as reais
dimensões destas apropriações e transformações, que fazem das represas paisagens com
características específicas. Estas características envolvem os impactos gerados para a
construção, a memória escondida por debaixo das águas e a finalidade atribuída por seus
construtores, que muitas vezes é a de abastecer.
Não perceber a função atribuída, como o abastecimento, pode culminar em atitudes
prejudiciais à qualidade da água e assim legitimar a proibição do uso do recurso hídrico para o
lazer e turismo. Desta forma, essa apreensão deve ser feita, mesmo que a função tenha sido
imposta:
Apreender uma função é, realmente, aceita-la, na medida em que ela nos é exigida
ou imposta por certa estrutura. De fato, elas não resultam de um ato livre e
discricionário do perceptor que, antes, é compelido a reconhece-las e acatá-las
(PENNA, 1993, p. 83).
Não perceber o passado daquela paisagem pode fazer com que visitantes reproduzam o
esquecimento dos impactos gerados como a inundação de lugares e desapropriações,
justificados como “necessários” para a distribuição de água ou energia. Como enfatiza Penna
(1993), não ter uma percepção temporal é ter posteriormente uma atitude condizente com essa
“falha perceptiva”:
Não obstante dessa limitação no que se refere à nossa capacidade compreensiva, é indiscutível a imensa
importância da dimensão temporal na organização de nossa conduta. Na realidade, ela é função de um campo
temporal que inclui não só o passado como o futuro. (p. 106).
No caso das represas, essa apreensão do passado se torna difícil, pois muitos dos
elementos que constituíram a paisagem anterior ficaram submersos. Nos casos em que as
represas possuem uma grande extensão, os municípios atingidos também podem não ser
percebido em sua totalidade. Como abordado por Penna (Op.Cit.):
Objetos distantes no tempo não podem ser percebidos. Podem ser evocados ou imaginados. Podem ser,
ainda, pensados. De qualquer modo fica excluída a possibilidade de serem percebidos. Também não podem ser
percebidos objetos distantes no espaço quando ultrapassados os limites operacionais dos órgãos receptores ou
quando obstruídos por barreiras. A distância no espaço, tanto quanto a inacessibilidade direta ou indireta, exclui
o ato perceptual. Fica, em tais circunstâncias, aberta, apenas, a possibilidade de serem pensados ou imaginados.
O ato de perceber ainda pode caracterizar-se pela limitação informativa. Percebe-se em função de uma
perspectiva. A possibilidade de se apreender a totalidade do objeto apenas ocorre na imaginação, que, por outro
lado, constitui forma de organização da consciência inteiramente protegida contra erro. A percepção é assim,
forma restrita de captação de conhecimentos. A possibilidade de maior enriquecimento informativo terá que ser
atingida por uma multiplicação de processos perceptuais, ou através dos atos de pensamento (PENNA, 1993, p.
11).
É necessário entender assim como a paisagem se apresenta aos olhos do observador
enquanto fenômeno. Como menciona Heidegger (1989) fenômeno corresponde a tudo aquilo
que se apresenta no mundo. O sujeito apreenderá como o fenômeno se apresenta e que é, na
realidade, sua “aparência”, o seu “modo de se apresentar”. Com isso, o que pode ser apenas
aparência toma forma de “real”, influenciado a relações estabelecidas entre sujeito e objeto.
As aparências são revertidas em uma característica real a partir do momento em que a
percepção destas influenciam na conduta para com o objeto percebido. Como coloca Merleu-
Ponty (1979, p.13) “[...] não é preciso perguntar-se se nós percebemos verdadeiramente o
mundo, é preciso dizer, ao contrário: o mundo é aquilo que nós percebemos”. Assim deve-se
descrever e analisar a significação dos fenômenos que “sedam” a consciência e a vivência dos
homens, com suas aparências.
Entender a representação das coisas é entender também o porque de problemas, a
partir desse fato. Isso porque, além dos fenômenos apresentarem características veladas, a
própria percepção do observador está condicionada a diversos fatores e que por isso, não deve
ser considerada como conhecimento último.
A percepção é, em sua essência, um olhar específico sobre o qual se forma uma visão
de mundo e que influi nas atitudes e nos valores para com aquele objeto. Com isso, o estudo
da percepção encontra sua importância: é a chave para que se entenda o mundo construído
pelas diversas visões e seus conflitos, que a muitas vezes toma-se por verdade o produto
final o processo perceptível.
Hegel (2003) comenta que a consciência em relação ao objeto percebido tende a
somente de capta-lo pela apreensão: para ela, o que dali emerge é o verdadeiro. Caso essa
consciência alterasse, por conta própria, algum fator nesse apreender, estaria alterando
também a verdade, através desse [ato de] incluir ou excluir. Com isso, “Enquanto o objeto é o
verdadeiro e o universal, igual a si mesmo, ao passo que a consciência para si é o mutável e
inessencial, é possível que lhe suceda perceber incorretamente o objeto e iludir-se” (Op.Cit.,
p. 98). O estudo dessa “ilusão” das aparências, no entanto, representa um importante começo
para a verificação de determinantes. Assim, o importante não seria o de estudar como as
paisagens o a priori, mas como es os observadores a tomam como verdade, através das
características visíveis reveladas por estas e captadas por suas percepções, influenciadas sob
diversos aspectos.
Entendendo-se a percepção que se tem das represas como paisagens e os valores e a
atitudes entrelaçados, é possível criar mecanismos eficientes de sensibilização dos visitantes
sobre as características específicas destes locais. Para que assim, como sugere Krippendorf
(2000), seus “olhos” sejam abertos sobre as conseqüências de seus atos e as responsabilidades
que lhe cabem no sistema turístico.
CAPÍTULO 4 – PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS.
Sendo o objetivo do trabalho proposto subsidiar políticas e estratégias de gestão que
visem um turismo sustentável nas represas, o presente trabalho o poderia deixar de seguir a
tendência de realizar um estudo com foco nas relações existentes. Com isso, foram utilizados
conceitos de diversas áreas do saber como sociologia, psicologia e geografia, integrando-os de
forma que, ora não se pode dizer onde começa uma e termina outra.
No referencial teórico, abordado nos capítulos anteriores, especificamente três conceitos
foram utilizados para que a teia de relações existentes no turismo em represas fosse revelada:
entendendo as represas como território, paisagem e lugar.
Para analisar como turismo se desenvolve em represas, de acordo com as indicações
do aporte teórico abordado, foi escolhida da represa Jaguari-Jacarei (Região de Bragança
Paulista – SP) como objeto de estudo. A escolha pela represa Jaguari-Jacareí deveu-se às suas
características que permitiriam a viabilidade do estudo e a visualização de diversas relações
envolvidas. A represa é relativamente nova, sendo finalizada na década de 80, o que
permitiria analisar a dinâmica territorial sofrida no local neste período até os dias de hoje.
Assim, pode-se descrever dados históricos e impactos desde a sua construção, até os gerados
pelo turismo atualmente.
Os processos de significação daquela paisagem também puderam ser analisados de
forma consistente pela sua formação recente. O fato de ser esta uma represa de abastecimento
também influenciou na escolha pois, com isso, o planejamento de seu uso para recreação
carece de atenção redobrada em relação aos possíveis danos à qualidade da água.
Abordando primeiramente a represa como território, ou seja, como espaço apropriado,
o estudo analisou as relações derivadas dessa apropriação. Assim, de forma proposital, o
estudo buscou refletir, antes da análise em si sobre o turismo na represa, os impactos sociais e
ambientais gerados pela apropriação daquele espaço para a construção da represa. Estes
possíveis impactos, abordados no referencial teórico, estão interligados com a
superestrutura vigente e com os mecanismos de apropriação do espaço para a construção dos
reservatórios que dão origem a movimentos sociais contrários. Para este levantamento
histórico, foram realizadas entrevistas semi-estruturadas com um antigo morador da área
atingida que presenciou esta dinâmica e com um ex-funcionário da empresa construtora. Além
das entrevistas, foi realizada uma pesquisa bibliográfica com autores que pesquisaram sobre
os impactos decorrentes da represa na região.
Ainda abordando a represa como território, posteriormente foi realizada a análise da
apropriação da represa Jaguari-Jacareí pelo turismo. Para chegar-se a este objetivo utilizou-se,
como técnica metodológica, entrevistas semi-estruturadas com membros das Secretarias de
Turismo dos municípios de Bragança Paulista (janeiro/2006), Piracaia e Joanópolis (outubro
de 2005), situados no entorno da represa indagando sobre suas expectativas em relação à
utilização da represa como atrativo turístico, bem como os impactos positivos e negativos
detectados.
A analise dos mecanismos utilizados pelo poder local para sua participação na gestão
do turismo na represa foi feita através das atas de reuniões de 2003 a 2005 do Comitê de
Bacias Hidrográficas dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí, ao qual a represa pertence,
configurando uma pesquisa documental. As atas são disponibilizadas pelo site do mesmo
comitê.
Para o levantamento de dados mais consistentes sobre a atividade turística na represa,
foram entrevistados empreendedores locais, indagando sobre os empregos gerados, cuidados
que estes têm como o meio ambiente, apoio que recebem do poder público, perfil dos seus
clientes, atividades que os visitantes praticam durante sua permanência no local, taxa de
retorno de seus investimentos, quais as sugestões que estes dariam para a melhoria do turismo
na represa e como esta, enquanto atrativo, influencia na vinda dos turistas para o seu
estabelecimento. A escolha dos estabelecimentos foi de acordo com a sua localização:
somente foram entrevistados proprietários de pousadas e marinas que estivessem próximos à
margem represa. Apesar de mais empreendimentos terem sido abordados para participarem da
pesquisa, foram entrevistados os que se disponibilizaram a responder as perguntas.
Foi entrevistado um dos maiores guias da represa com o intuito de caracterizar uma
das atividades mais praticadas pelos turistas na represa, a pesca. para entender os
mecanismos de segurança, disponibilizados para quem pratica atividades na represa, foi
entrevistado um membro do corpo de bombeiros responsável pela segurança nas áreas
públicas do local.
Visando a descrição dos impactos negativos gerados pela atividade turística na
represa, foram coletados os resíduos sólidos deixados por visitantes na Praia da Serrinha, em
Bragança Paulista. O material foi recolhido no período do final da tarde (por volta das 18:00
horas), quando já quase não havia mais pessoas no local. Todo o lixo foi pesado, identificado
e posteriormente doado ao centro de reciclagem de Bragança Paulista. Assim, pode-se
constatar possíveis impactos na represa, indicados pela bibliografia pertinente, mencionada no
referencial teórico. As Figuras 3, 4 e 5 ilustram as etapas do procedimento de coleta do lixo:
Figuras 3, 4 e 5: Procedimentos da coleta de lixo para análise.
Para a obtenção de dados sobre as características dos visitantes da represa Jaguari-
Jacareí, foi escolhida como técnica metodológica a aplicação de questionários com pessoas
que estavam utilizando a represa para atividades de lazer e turismo.
A escolha pela aplicação de questionários com presença de entrevistador deveu-se às
vantagens apresentadas, como coloca Moreira (2002), estes permitem: flexibilidade, pois o
entrevistador pode pedir mais detalhes, explicar questões que não estão claras, bem como usar
auxílios visuais; altas taxas de respostas, pois tanto a taxa de resposta como a qualidade de
respostas ao questionário é maior na entrevista face a face do que o questionário por correio;
permite o uso de questionários complexos; permite obter levantamentos com populações
pouco letradas.
As perguntas contidas no questionário eram fechadas, abertas e semi-abertas. A
primeira série de perguntas teve o intuito de caracterizar os aspectos sócio-econômicos dos
usuários, local de origem, a importância da represa para que fosse aaquele município, meio
de hospedagem e alimentação que utilizam e atividades praticadas por estes na represa.
Partindo-se para o estudo da represa como paisagem, utilizou-se como ferramenta o
estudo da percepção da paisagem pelos que a utilizam para o lazer e turismo, a fim de
entender quais as relações emergentes dessas percepções.
Para isso, na segunda parte do mesmo questionário, havia perguntas referentes à
percepção da paisagem, adaptadas de autores que, seguindo a linha de pesquisa proposta por
Tuan (1980), dividiam estas em: perguntas referentes a valores estéticos e afetivos, atitudes
ambientais, percepção do turismo e percepção histórica da represa.
Especificamente Machado (1999), dentre os autores
5
seguidores do trabalho de Tuan
(Op.Cit.), contribuiu com seu trabalho para a elaboração das perguntas feitas nesta pesquisa.
A autora, em proposta semelhante, analisou a valorização da paisagem da Serra do Mar (SP)
como espaço e como lugar, na percepção de visitantes e moradores.
Seguindo esta proposta, as perguntas feitas tentaram identificar a percepção dos
usuários em relação: aos problemas da represa que influenciam no desenvolvimento do
turismo, percepção do comportamento ambiental dos demais usuários, percepção histórica da
represa, valores afetivos e estéticos atribuídos à paisagem. Segue uma melhor explanação do
conteúdo das perguntas feitas especificamente para este trabalho:
Percepção de problemas para o turismo na represa: quais os problemas de infra-estrutura
básica e turística presentes na represa na percepção dos usuários.
Percepção dos comportamentos ambientais: como, quem e por que prejudicam a paisagem
na visão dos usuários.
Percepção histórica da represa: os usuários sabem para quê e para quem a represa foi
construída? Quais cidades tiveram áreas inundadas?
5
Ver outros autores de pesquisas sobre percepção ambiental no livro: DEL RIO, V. e OLIVEIRA. L. Percepção
Ambienta: a experiência brasileira. São Paulo: Studio Nobel, 1999.
Valores afetivos atribuídos à represa:
freqüência com que visitam a represa, o que a represa
significa enquanto lugar para os usuários.
Valores estéticos atribuídos à paisagem: O que é considerado mais feio e mais belo na
paisagem. Classificação da água da represa segundo a percepção dos usuários.
Especificamente para a análise dos valores estéticos atribuídos à paisagem da represa,
foram realizadas entrevistas com visitantes da Lagoa Encantada em Ilhéus (BA) em fevereiro
e abril de 2006, sobre suas percepções em relação àquela paisagem. Para possibilitar a
verificação de percepções semelhantes em lagoas naturais e artificiais.
Assim, o levantamento da percepção dos usuários sobre aquela paisagem, foi utilizado
como método para se chegar a um dos objetivos do trabalho: o de entender quais as
percepções, valores e atitudes estão envolvidos na relação entre as pessoas e a paisagem.
Levantando as percepções tornou-se possível indicar pistas das razões para que impactos
negativos e positivos no local sejam promovidos.
Levantar a valorização e a afetividade para com aquele espaço permitiu entender como
este se transforma em lugar, ou seja, espaço dotado de função e valor para as pessoas. Pode-se
assim analisar as novas (re)significações daquele espaço com a utilização da represa para o
lazer e turismo e com isso, entender também a posição cultural adotada para com aquele
ambiente.
O referencial teórico indica o “apagamento” da história e memória local com a
construção dos grandes reservatórios, ao romper relações de identidade e afetividade dos
antigos moradores ao serem estes deslocados para outros locais e ao verem a transformação
de sua paisagem cotidiana. Através do levantamento da percepção histórica da represa, a
pesquisa pode constatar as reais dimensões desse apagamento da memória e história daquele
local.
Com a aplicação dos questionários, o levantamento dos dados foi realizado de forma
quantitativa. A pesquisa quantitativa é usualmente utilizada para o levantamento do perfil
sócio-econômico de determinados grupos em estudo, como foi realizado nesta pesquisa.
Mesmo não sendo utilizada na mesma proporção para pesquisa de percepção, Moreira (2002)
indica vantagens em levantar dados quantitativos sobre percepções, pois estes também
permitiriam constatar atitudes, crenças, comportamentos e fatos de forma consistente. Optou-
se também por uma pesquisa quantitativa pois, para atingir o objetivo de subsidiar políticas e
estratégias de gestão turística do local, ou seja, de ser esta pesquisa posteriormente utilizada,
necessitava-se obter dados abrangentes sobre os fatores estudados.
Os questionários foram aplicados nos quatro municípios do entorno da represa
Jaguari-Jacareí: Bragança Paulista, Vargem, Piracaia e Joanópolis. A aplicação contou com o
auxílio de 9 estagiários contratados da Universidade São Francisco (Bragança Paulista). Os
estagiários eram estudantes do Curso de Turismo, receberam treinamento prévio para a
aplicação dos questionários e, em campo, eram coordenados pela pesquisadora. Nos dias de
pesquisa a equipe era dividida, ficando cada grupo de estagiários em um bairro específico, de
um município específico. Alguns dos estagiários são retratados na Figura 6:
Figura 6: Estagiários que auxiliaram na pesquisa.
Sendo o universo a ser pesquisado o de pessoas que utilizam a represa para o lazer e
turismo, os questionários foram aplicados em: espaços públicos (prainhas), pousadas e
marinas (que autorizaram previamente a entrada dos estagiários) e em casas de veraneio. Indo
até estes locais foi possível ter acesso aos usuários que estavam praticando algum tipo de
atividade nas águas da represa, de diferentes locais de origem e perfil sócio-econômico (ver
Figura 7 ilustrativa). Sem a entrada dos estagiários nestes espaços ficaria inviável a pesquisa,
que o acesso à água é fechado pelos empreendimentos e casas de veraneio, dificultando a
abordagem dos que estavam praticando alguma atividade na represa. Somente nas “prainhas”
(espaços públicos) os estagiários puderam entrevistar sem prévia autorização, mas se acaso
fossem aplicados os questionários exclusivamente nestes locais, a pesquisa abordaria apenas
um tipo específico de usuário.
Fi
gura 7: ilustração do universo de pesquisa (usuários da represa) e locais de aplicação dos
questionários para ter acesso às diversas categorias.
Não somente tentou-se aplicar os questionários em diversos locais, mas também a
escolha dos bairros para a aplicação dos questionários foi devida à concentração das
categorias de entrevistados nestes. Sabia-se que em alguns bairros não havia espaços públicos,
em outros não havia pousadas ou casas de veraneio, por isso, para que todas as categorias
fossem abordadas, os questionários foram aplicados em 10 bairros.
As categorias de usuários da represa entrevistados foram: moradores locais,
proprietários de casas de veraneio, turistas (pessoas que permanecem mais de 24 horas) e
excursionistas (pessoas que permanecem menos de 24 horas), que se encontravam na represa
nos finais de semana dos meses de janeiro, fevereiro e março de 2006. Foram considerados
moradores pessoas que residem no município ao qual pertence a parte da represa onde se
estava aplicando o questionário naquele momento. Ou seja, quando se estava aplicando o
questionário no bairro da Serrinha, por exemplo, eram considerados moradores locais as
pessoas de Bragança Paulista.
O questionário base é o de moradores, com o acréscimo de algumas perguntas
específicas no questionário de proprietários de casa de veraneio e de turistas. A escolha dos
entrevistados era de acordo com a disponibilidade destes para responder as perguntas.
Evitou-se entrevistar pessoas entre 10 a 15 anos, visivelmente alcoolizadas ou que estavam se
alimentando.
Quadro 1: Municípios e bairros abordados e número de entrevistados por categoria.
Município
banhado pela
represa
Bairro de aplicação
do questionário
Número de
entrevistados
Número de entrevistados
por categoria
Bragança Paulista
Serrinha
236 160 moradores
54 excursionistas
20 turistas
2 proprietários casa veraneio
Sete Pontes 7 4 turistas
3 moradores
Piracaia
Divisa Bragança
Paulista/Piracaia
31 31 proprietários casa de
veraneio
Pinhal
41 23 excursionistas
9 turistas
9 moradores
1 proprietários casa veraneio
Joanópolis
Paiol Grande 36 29 turistas
4 excursionistas
3 moradores
Mangue Seco 17 7 excursionistas
6 turistas
4 moradores
Vargem Mato Dentro 7 7 proprietários casa veraneio
Piuca 5 5 proprietários casa veraneio
Usina 3 3 proprietários casa veraneio
Lopo 2 2 proprietários casa veraneio
Figura 8: Localização dos bairros onde foram aplicados os questionários.
Estatisticamente, o universo da pesquisa era desconhecido, ou seja, não havia dados
sobre o número total de pessoas que freqüentam a represa para o lazer e turismo. Ficou
impossibilitado o cálculo da amostra para que estatisticamente a pesquisa fosse válida. No
entanto, após a aplicação dos questionários, pode-se chegar à variância das repostas referentes
à renda por categoria (variável de forte influência na pesquisa) e assim, verificar a validade da
amostra coletada, como indica Harnet (1982).
Aplicando-se a fórmula para população com variância conhecida, tem-se o número da
amostra necessária por categoria:
n = (Z)² σ²
(D)²
Z: para o nível de significância da amostra de 95%, o Z é igual a 1.96.
σ: variância da renda dos proprietários.
D: erro aceito para a amostra, com relação à população, no que se refere à renda.
n: amostra
Com o cálculo, comprovou-se que a amostra analisada pela pesquisa superou a
amostra mínima necessária, como indicado no Quadro 2:
Quadro 2: Amostra da pesquisa por categoria de entrevistado.
Categoria de
entrevistado
Média das
respostas
Variância Amostra
mínima
Número de
entrevistados
Turistas 3.63 3.03 47 68
Excursionistas 2.34 1.26 19 88
Proprietários - casa
veraneio
3.18 3.18 41 51
Moradores 1.98 1.98 17 179
Descritos os procedimentos metodológicos aplicados na pesquisa, cabe ainda tecer
algumas considerações sobre o tipo de pesquisa empregada: a pesquisa estatística,
estratificada por categorias.
A pesquisa estatística possui dentre os seus objetivos, a busca por padrões de
características grupais, de comportamentos e do entendimento de fenômenos. É, sobretudo,
uma busca por maiores informações acerca do que se quer entender, a fim de tratar questões
em estudo nas suas reais dimensões. A interpretação dos dados coletados por uma pesquisa
estatística, no entanto, tende a formar o que se pode denominar de classes, a partir de
agrupamentos feitos a priori pelo pesquisador. Já no plano social, essas classes ou categorias,
não existem para o grupo enquanto divisões formatadas pelo próprio grupo; são criações que
nascem da delimitação de características forjadas a partir de condicionais alheias ao grupo, no
caso, o pesquisador. Como comenta Bourdieu (2004, p. 136-137):
[...] as classes que podemos recortar no espaço social (por exemplo,
por exigência da análise estatística que é o único meio de revelar a
estrutura do espaço social) não existem como grupos reais embora
expliquem a probabilidade de se constituírem em grupos práticos.
Os dados apresentados surgiram da iniciativa prévia no campo de estudo e da
necessidade atual, dentro do sistema social, de se saber mais sobre quem são as pessoas que
utilizam a represa para o lazer e qual a percepção destes em relação àquela paisagem. Para
atingir os objetivos, o universo formado pelos usuários foi seccionado em categorias,
formando grupos a partir de seu local de origem e tempo de permanência no local (turistas:
mais de 24h e residindo em outra cidade), excursionistas (residem em outra cidade e
permanecem menos de 24h), proprietários de casa de veraneio (residem ou o na cidade
onde foram entrevistados, mas necessariamente não residem no bairro onde possuem a casa
de veraneio), moradores locais (residem na cidade onde foram entrevistados).
Mesmo descrevendo em alguns momentos os dados separando os entrevistados nestes
grupos, ressalta-se que os entrevistados o fazem parte de um grupo conscientemente, como
foi mencionado. No entanto, estavam, naquele momento de pesquisa de campo, contendo
características que se encaixavam nas subdivisões adotadas: turistas, excursionistas,
moradores e proprietários de casa de veraneio, uma divisão que fragmenta e que impõe
medidas questionáveis como o estabelecimento de um tempo de permanência nimo para
que o turista seja considerado turista e não excursionista.
No plano social, estas pessoas ainda podem flutuar entre essas categorias. Um
excursionista, permanecendo por mais tempo na represa em outra visita ao local, torna-se,
dentro do quadro conceitual, um turista.
No entanto, sendo o objetivo a ser alcançado a verificação da potencialidade de um
usuário de transpor-se a outras categorias, ou não, devido ao seu perfil sócio-econômico, e
como isso afeta a sua percepção sobre aquele espaço, a separação dos usuários em categorias
tornou-se válida.
CAPÍTULO 5 TURISMO E LAZER NA REPRESA JAGUARI-JACAREÍ, REGIÃO DE
BRAGANÇA PAULISTA (SP).
Neste capítulo serão tratados aspectos do turismo e lazer na represa Jaguari-Jacareí
situada na região de Bragança Paulista (SP). Primeiramente, como proposto por este trabalho,
serão analisados dados referentes à represa enquanto território, ou seja, as apropriações e
jogos de força envolvidos naquele espaço.
Desta forma, será abordada a apropriação dos antigos vales do local e os jogos de
força envolvidos para a construção da represa, que acarretaram em transformações na
paisagem, bem como a perda de lugares e de referenciais identitários para os que ali viviam,
hoje transformados em história e memória.
Posteriormente, o capítulo analisará a apropriação da represa para o turismo e lazer, os
mecanismos de exercício do poder local utilizados pelos municípios do entorno da represa, os
jogos de força e interesses envolvidos na gestão do território, o turismo náutico desenvolvido,
a ocupação da represa por casas de veraneio e pousadas, a geração de emprego e renda pelos
empreendimentos turísticos, as implicações ambientais envolvidas oriundas do lixo deixado
pelos visitantes e da ocupação desordenada do local.
Para finalizar a abordagem da represa como território serão descritas as características
dos usuários da represa dividindo-os em categorias, verificando os principais locais emissivos
de visitantes da represa, a possibilidade de segregação espacial no uso do atrativo, os meios de
hospedagem e alimentação utilizados, ganhos econômicos para o local, identificação das
atividades praticadas pelos usuários e suas respectivas implicações ambientais.
Neste capítulo, como proposto, também será analisada a represa Jaguari-Jacareí como
paisagem, através do levantamento da percepção que os usuários têm desta. A análise tem
como objetivo entender a relação estabelecida entre usuários e o local. Relação esta
explicitada nos valores e comportamentos adotados relacionados à percepção.
Com o levantamento da percepção dos problemas ocorridos na represa, pode-se
verificar como a segregação espacial influencia na percepção e convivência com problemas
distintos na represa. Levantando a percepção dos usuários sobre os comportamentos danosos
ao ambiente, pode-se verificar as limitações de se perceber comportamentos danosos, nem
sempre se fácil visualização. Constatada a percepção histórica e funcional da represa, pode-se
verificar as hipóteses de (re)produção do apagamento da história local e de (re)significação do
lugar. Por fim, através do levantamento da percepção estética da represa pode-se verificar a
hipótese de que a percepção desta é semelhante à percepção de uma lagoa natural.
A descrição dos dados obtidos no estudo da represa e análises serão feitas por
metodologias e o por temas. Cada tópico descreve um assunto abordado utilizando uma
metodologia, mas que poderá voltar a ser abordado em tópico referente à outra metodologia,
como, por exemplo, dados sobre o lixo coletado se confrontarão posteriormente com dados
obtidos com a aplicação dos questionários. Optando-se por esta divisão, pode-se confrontar os
diferentes dados, visões e técnicas de pesquisa.
Com base neste capítulo, posteriormente serão feitas as conclusões pertinentes e
sugestões para o planejamento turístico na represa.
5.1. - Caracterização da Represa Jaguari-Jacareí, sua Bacia Hidrográfica e municípios do
entorno.
O abastecimento público de água da Grande São Paulo constitui um aspecto particular
da história da formação da metrópole paulistana. Nas fases iniciais de urbanização
predominavam os atendimentos de pequeno porte, merecendo destaque o sistema de pequenas
represas na Serra da Cantareira, situados ao norte da cidade. Posteriormente afirmou-se a
concepção da busca de mananciais protegidos, distantes da área urbanizada, dos quais iniciou-
se o aproveitamento de reservatórios existentes, construídos com finalidade
hidroenergética, como são os casos de Guarapiranga e da Billings. Essa utilização múltipla de
reservatórios próximos decorre de pressões sociais de monta, provocadas pelo acelerado
crescimento demográfico da metrópole, contemporâneo ao seu processo de urbanização. Estes
esforços logo se revelaram insuficientes: estando os mananciais situados ao Sul e a Leste da
cidade, acabaram por formar-se áreas com elevado grau de deficiência de abastecimento,
sobretudo na Zona Norte de São Paulo.
Visando atender às crescentes pressões daí advindas, inicia-se em 1965 o
aproveitamento daquele que viria a constituir o Sistema Cantareira. Os estudos de
aproveitamento múltiplo dos Recursos Hídricos do Alto Tietê, realizados sobre coordenação
do Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE) consolidaram, no Plano Diretor a
concepção do Sistema Cantareira, ao qual se deu prioridade de execução. Os esforços de
implantação do Cantareira cobriram mais de uma década e constituíram, durante esse período,
a prioridade da COMASP e de sua sucessora a SABESP.
A tecnologia empregada no Cantareira acabou se tornando um marco na história do
saneamento na região e no Brasil. Tratou-se de um conjunto de obras hidráulicas de grande
porte, especificamente planejado para abastecer a metrópole e atender às demandas nos cursos
de água situados à jusante dos reservatórios. O Sistema foi implantado em duas etapas. A
primeira corresponde ao aproveitamento dos Rios Juqueri, Atibainha e Cachoeira fornecendo
a vazão nominal de 11 m³/s para São Paulo. Constou da construção das barragens dos Rios
Cachoeira, Atibainha, Juqueri (Paiva Castro) e Águas Claras, túneis e canais de interligação,
elevatório de Santa Inês com três conjuntos elevatórios de 11 m³/s cada, e a primara fase da
Estação de Tratamento do Guaraú. Estas obras foram complementadas conjuntamente com as
do Sistema Adutor Metropolitano, destinado a promover à adução da água ao conjunto dos
reservatórios setoriais de distribuição que fazem parte do Sistema Integrado. A partir de 1976,
têm início das obras relativas à segunda etapa, compreendendo as barragens dos Rios Jaguari
e Jacareí, a tomada de água e túnel 7.
O sistema que, teve suas operações iniciadas em 1974, hoje produz 33 mil litros de
água por segundo. Sua maior importância está no fato de que o sistema integra 293 mil
pessoas e atende o abastecimento de água de cerca de 9 milhões de pessoas na Grande São
Paulo. Além disso, o Cantareira tem sido o responsável pelo funcionamento de praticamente
todas as vazões adicionais no abastecimento da Grande São Paulo, é de longe, o principal
manancial abastecedor, sendo responsável pelo fornecimento de 58% das vazões ofertadas.
Através de túneis e canais, a água passa por quatro reservatórios: do Jaguari para as
represas do Cachoeira, Atibainha e Juqueri, respectivamente. Ao chegar na Estação Elevatória
de Santa Inês, todo o volume é bombeado 120 metros acima, até a represa de Águas Claras,
no alto da Serra do Cantareira. De lá, a água passa para a Estação de Tratamento do Guaraú,
onde é tratada e distribuída. Para a construção deste complexo, foram gastos mais de R$ 1,2
bilhões e apenas um terço deste valor foi recuperado, segundo a Sabesp, empresa que opera o
sistema desde 1974 e é ligada à Secretaria Estadual de Energia, Recursos Hídricos e
Saneamento (SERHS-SP)
6
6
Informações retiradas de folders explicativos cedidos pela Sabesp.
Sistematicamente, a elaboração do Sistema Cantareira possuía em seu projeto a
construção de 3 grandes represas: Cachoeira, Atibainha e Jaguari-Jacareí, sendo este último o
objeto de estudo deste trabalho. A represa, localizada no estado de São Paulo, está a 22
o
58`30” de Latitude Sul e 46
o
32`30” de Longitude Oeste de Greenwich.
As barragens do Jaguari e Jacareí dão origem a maior e mais distante represa do
Sistema Cantareira. Localizada a uma altitude de 844 metros acima do nível do mar, contribui
para a vazão do sistema com 22 mil litros de água por segundo. Em números, a represa
Jaguari-Jacareí, possui 50km² de área inundada, com 1.038.000.000 de água. (MORAES,
1997).
Em relação à divisão administrativa, a represa Jaguari-Jacareí está localizada na
denominada Região Bragantina. A região situa-se na cabeceira da Bacia do Rio Piracicaba,
que abriga os rios Jaguari e Jacareí, represados pela barragem. Por esta razão, faz parte da
APA dos Rios Piracicaba e Juqueri-Mirim, decretadas pelo Governo Federal. Segundo dados
do SEADE (2005), com cerca de 3 milhões de habitantes, a bacia apresenta as maiores taxas
de crescimento populacional do Estado. Os municípios que pertencem a esta bacia são: Águas
de São Pedro; Americana; Amparo; Analândia; Artur Nogueira; Atibaia; Bom Jesus dos
Perdões; Bragança Paulista; Campinas; Charqueada; Cordeirópolis; Corumbataí; Cosmópolis;
Ipeúna; Iracemápolis; Itatiba; Jaguariúna; Jarinu; Joanópolis; Limeira; Monte Alegre do Sul;
Morungaba; Nazaré Paulista; Nova Odessa; Paulínia; Pedra Bela; Pedreira; Pinhalzinho;
Piracaia; Piracicaba; Rio Claro; Rio das Pedras; Santa Bárbara D'Oeste; Santa Gertrudes;
Santa Maria da Serra; Santo Antônio da Posse; São Pedro; Sumaré; Valinhos; Vinhedo.
Os municípios atingidos para formar a represa Jaguari-Jacareí foram Vargem, Piracaia,
Bragança Paulista e Joanópolis, sendo Vargem, na época da obra, ainda um distrito de
Bragança Paulista. Estes municípios atingidos pela Represa Jaguari-Jacareí fazem parte da
chamada Região de Bragança Paulista, que abrange mais 15 municípios.
Figura 9: Localização da Bacia Hidrográfica onde se encontra o Sistema Cantareira, do qual a
represa Jaguari-Jacareí faz parte.
Figura 10: Localização das barragens dos rios Jaguari e Jacareí.
Barragem
do Jaguari
Barragem
do Jacareí
Bacia Hidrográfica do
Sistema
Cantareira
A economia local é marcada pela diversidade, com destaque para os agronegócios, a
indústria e o turismo. De acordo com o IBGE, a população da Região Bragantina (Águas de
Lindóia, Amparo, Atibaia, Bom Jesus dos Perdões, Bragança Paulista, Joanópolis, Lindóia,
Monte Alegre do Sul, Nazaré Paulista, Pedra Bela, Pinhalzinho, Piracaia, Serra Negra,
Socorro, Vargem e Tuiuti) é de 325.392 habitantes.
Em relação à localização da área em que se encontram os municípios atingidos, estes
estão a uma distância de 75 km de Águas de Lindóia, também a 75 km de Serra Negra, 89km
de São Paulo, 89 km de Campinas e 97 km de São José dos Campos.
A vegetação da região é exuberante, sendo preservada no Parque Estadual da
Cantareira. Podem ser encontrados exemplares como jequitibás, jatobás, cedros, canelas,
louros, canafístulas e canjanas. As matas abrigam ainda mamíferos como a suçuarana e a
jaguatirica além de outros que estão em extinção como: preguiça, bugio, gato-do-mato e
lontra. Entre as aves espécies em extinção: gavião-de-penacho, opium de cauda vermelha,
peito pinhão, entre outros.
O clima é ameno com temperatura média anual em torno de 18
o
C e chuvas entre
1.300 e 1.500 milímetros, características que motivaram a implantação de duas Estâncias
Climáticas na região: Bragança Paulista e Atibaia. O relevo é abundante em montanhas e
vales. Um dos locais mais altos é a montanha do Lopo, a 1.780 m de altitude.
5.2 História e Memória da represa Jaguari-Jacareí a apropriação do território e a perda de
lugares.
Os bairros destes municípios, inundados pela represa, na época de sua construção,
eram essencialmente rurais. Segundo Barletta (2000), os bairros possuíam sua economia
voltada para o cultivo de milho, arroz, cebola, cana de açúcar, café, frutas como nectarina, uva
e pêssego. A pecuária era diversa, alternando entre os bairros a criação de bovinos, suínos e
avinos. Além dos setores primários produtivos, os bairros possuíam olarias (devido à
qualidade da argila existente), captação de areia que margeava os rios, alambiques de
aguardente e extração de granito, com destaque para o granito “Vermelho Bragança”, que
chegou a ser exportado pelos que o exploravam. Estes bairros tiveram forte ocupação de
imigrantes, principalmente italianos, que ali depositaram suas manifestações culturais tanto na
religiosidade quanto no cultivo com a terra.
Segundo o Departamento de Planejamento Ambiental Aplicado do Governo do Estado
de São Paulo (1998), a construção dos reservatórios, dentre eles o Jaguari-Jacareí, foi feita de
forma imposta pelo governo vigente no período de 1969 e 1972, sem a devida preocupação
com os moradores do local. A economia da região pôde ser, a partir de então, dividida em
dois momentos: antes da instalação das represas, quando era baseada na agropecuária e
depois, quando essa atividade tornou-se inviável por causa da inundação de extensas áreas.
Por trás da beleza dos reservatórios uma história de desrespeito e tristeza.
O impacto ambiental, cultural, econômico e social foi de grande porte e a
população, que sobrevivia da agropecuária, foi obrigada a mudar-se para
núcleos urbanos, encontrando sérias dificuldades de inserção no mercado de
trabalho, além de perder suas referências culturais, o que levou á falta de
ânimo para começar uma vida nova (Op. Cit.).
O pesquisador regional Barletta (2000), em sua obra sobre a história da Região
Bragantina, levantou em um de seus capítulos dados e registros fotográficos de importância
ímpar para a reconstituição da história dos bairros atingidos pela construção da represa.
Mesmo sem ser o foco de seu livro, aborda perdas de lugares e de possibilidades econômicas
ocorridas pela inundação, que estas perdas se entrelaçam com a história das famílias da
região, foco de suas pesquisas. Sobre a cidade de Bragança Paulista, inicia sua narrativa sobre
essa página da história comentando:
No final dos anos 70, o Brasil retornando à democracia e com a cidade de São
Paulo grande para a para a solução da falta de água, um audacioso projeto é
elaborado para a solução desse problema: a construção de uma barragem
envolvendo o represamento de diversos rios que banham a Região Bragantina,
dentre estes os rios Jaguari e Jacareí. Com a concretização do projeto, Bragança
Paulista teve quase oito mil hectares de terra inundados, guardando para sempre sob
as águas uma centenária história de colonização (Id. p.138).
Relatando sobre a cidade de Piracaia, afirma que no passado, no antigo vale,
colonizado por imigrantes europeus, floresceram grandes plantações de cereais em suas férteis
planícies, também ali ficaram as arcas da cultura, tradição, anseios e sonhos desses
imigrantes. Com a construção da represa nesse imenso vale, uma página da imigração
européia da região bragantina, principalmente italiana, “ficou encoberta pela águas, mas
certamente jamais será esquecida pela história de nossa região” (Id. p. 253). Dentro desta
perspectiva, coloca que, aspectos da cultura como as construções, atividades exercidas e as
valorizações estéticas, foram submersos:
Das profundezas da represa da Sabesp, adormece o vale do Jacareí, constituído
pelos bairros Sete Pontes, Serrinha, Varginha e Mato Dentro, juntamente com sua
história de vários séculos, iniciada pelos os bandeirantes, os quais ali passavam para
alcançar o sul de Minas Gerais. [...] Com a construção da Represa da Sabesp, no
final dos anos 70, toda a área foi inundada, submergindo construções, culturas e,
inclusive, os famosos rochedos do vale, restando apenas fotos e histórias de seus
protagonistas (p. 147-148).
Em relação às mudanças ambientais, devido à construção da represa, relata que houve
modificações não somente na fauna e na flora, como também no clima da região: [...]essa
região observa o seu clima passar de seco para úmido, bem como aves, como codornas,
perdizes se extinguirem dando lugar a tucanos, biguás e graças” (Id. p.354).
Sobre as mudanças na economia local, narra a perda de atividades como a extração de
areia e produção de aguardente:
Sobre o rio Jaguari e a extração de areia: Procedente do rico solo sul-mineiro,
infelizmente teve parte de seu escoamento interrompido pela construção da represa
da Sabesp nos anos 70, pois agora ele deságua em imenso lago e uma pequena parte
continua o seu caminho. Das recordações do passado, os portos de areia ali
existentes foram responsáveis por praticamente todas as edificações bragantinas e
com um detalhe, a areia retirada do interior de seu leito era anualmente reposta com
as novas cheias do rio. (p. 278).
Dessas indústrias a mais famosa de toda a região bragantina foi a Caminha São
Vicente, fundada pelo imigrante Nicolino Russo, que com seu conhecimento e
espírito de realização, praticamente decorou parte do extinto Vale do Rio Jacareí
com imensas plantações de cana-de-açúcar. (p. 220).
Neste contexto, o autor também afirma que a exploração do Granito Bragança foi
interrompida, restando vestígios desta atividade apenas nas edificações onde o granito foi
utilizado. Assim como as paisagens, os lugares, as atividades econômicas presentes no local,
agora submersos, são possíveis de serem visualizados em fotos, como as que ilustram o
livro do pesquisador:
Figura 11: Caminho de procissão submerso.
Figura 12: Capela submersa.
Figura 13: Vista do rio antes do represamento.
Figura14: Extração de areia do local. Figura 15: Fazenda de cana-de-
açúcar.
Figura 16: Mineração extinta. Figura 17: Estrada submersa
Para aprofundar a descrição dos acontecimentos acerca da construção da represa,
entrevistou-se o aposentado H.R. que relatou como, na sua visão, o processo de
desapropriações e modificações na paisagem. O entrevistado possuía uma propriedade na
área que posteriormente iria ser inundada pela represa, no Bairro da “Varginha”, município de
Vargem, desde 1953. Passava seus fins de semana no local, geralmente se ocupando de
pomares e plantação de nogueiras. Quando se aposentou, reformou a propriedade, onde
passou a residir. Dois anos aproximadamente após ter se mudado, surgiu a notícia de que ali
seria construída uma represa. Inicialmente, conta o entrevistado, a represa iria abranger
apenas a parte do rio Jaguari. Posteriormente, abrangeu também a do rio Jacareí e foi a partir
desta decisão dos construtores que sua propriedade estava ameaçada, já que esta estava
localizada próxima ao rio.
H.R. relata que, após saber da notícia, foi para a cidade conversar com o advogado
encarregado das desapropriações. Inicialmente, propôs que fosse feito um acordo com a
empresa construtora, já que o valor da indenização pela propriedade que teria de ser
desapropriada, na sua opinião, não era compatível com o valor desta. O advogado, no entanto,
disse que o poderia abrir precedentes e que por isso não haveria a possibilidades de acordo.
Sugeriu então que o entrevistado desocupasse a propriedade e processasse a empresa, que
tinha esclarecimento quanto à situação onde, realmente, o valor pago não correspondia ao
valor real do imóvel.
Este advogado era da empresa. E falou: “Na minha opinião se vo tem a
possibilidade de sair e não precisa de dinheiro de nada, você sai e move uma ação
contra a empresa”. O próprio advogado falou isso. E foi o que eu fiz. Porque ele
não tinha condições de abrir exceções. Ele viu que eu era uma pessoa esclarecida,
que não era nenhum matuto e falou para eu entender bem a situação: “Eu não posso
abrir nenhuma exceção, fazer nenhum acordo, sua propriedade vale mais realmente,
todo mundo tem essa situação, vale mais do que a empesa paga”. que tinha um
padrão para pagarem, um valor X, independente da propriedade, da localização, se
era uma residência, um sítio de recreio, se era uma agricultura, não interessava, era
tantos alqueires...a área é tanto. Se tinha, benfeitoria eles calculavam a benfeitoria
por um valor insignificante. Se você fazia uma casa que hoje valeria uns 100 mil,
eles avaliavam por 30, 20 mil, era assim que acontecia. Por isso eu vi a necessidade
de processar a empresa e foi isso que eu fiz.
Para o entrevistado, a importância do seu relato, no entanto, não consiste no
testemunho de seu caso, onde, se não possuísse conhecimento de seus direitos e meios legais
de obtê-los, não seria ressarcido do prejuízo de perder a propriedade na qual residia. Para ele,
o grande prazer em conceder seu testemunho por meio da entrevista, foi o de poder descrever
como o processo de construção da represa obedeceu a uma política de imposição e
negligência para com a população mais simples do local.
H.R. permaneceu o quanto pôde, acompanhou as obras para a construção do
reservatório até, como ele mesmo diz, que “[...] eles (os responsáveis pela obra), para produzir
um certo efeito, para amedrontar o povo tonto, faziam rolar pedra, perto das casas, ai eu me
assustei e sai de e vim para a cidade” (palavras do entrevistado). No acompanhar do
processo, H.R. presenciou as famílias do local que o possuíam inventários das terras e
escrituras registradas e que por isso não puderam receber a indenização relativa às suas
propriedades. Neste sentido, o entrevistado coloca que, mesmo sem ter registros para que
pudesse se basear o valor da propriedade, os responsáveis (e ele deixa claro que não sabe a
quem caberia essa responsabilidade, se era do Governo do estado, empresa construtora ou
outros), tinham o dever de remanejar essas pessoas para um local no qual pudessem dar
continuidade a suas vidas. Sobre a aparente iniciativa de se construir ranchos para abrigar
essas pessoas, comenta que esta não solucionou o problema de dezenas de famílias, apenas de
uma ou outra.
Tinha uns que tomavam refeição na casa da minha cunhada que também tinha
propriedade, e com jeito foram se ajeitando na casa de parentes no distrito de
Vargem, ficando nas garagens onde se acomodavam. Esse foi um fato que eu
testemunhei, então você veja como o poder público é de uma prepotência e de um
abuso de poder sem limites. Eu pude me defender agora esses coitados não tinham
condições de se defender. Eu também residia lá, vamos dizer que eu tivesse a
condição deles, eu também teria saído com a mala na mão sem ter para onde ir. Eu
achei que foi uma falha muito grande do poder público, eu não sei ao certo a quem
cabia essa responsabilidade, se era da empresa, se era do Governo do Estado, se era
a empresa que era encarregada de fazer a construção... (H.R, 2006).
O entrevistado também menciona que, na época, a maioria das famílias migrou para as
cidades vizinhas ou para a Grande São Paulo. Muitas dessas pessoas se acomodavam em
casas de parentes e posteriormente foram trabalhar em outras fazendas ou como caseiros de
propriedades rurais. Mas a maior perda, segundo H.R, foi que essas pessoas “Perderam aquela
independência, aquela condição de morar no pedacinho de terra deles”.
O relato do entrevistado vai de encontro às pesquisas realizadas por Whately (apud
Viveiros, 2004), onde afirma que a represa mudou o perfil sócio-econômico da região. Os
agricultores de várzea, segundo a pesquisadora, foram os mais afetados, mesmo aqueles que
receberam indenizações:
Os proprietários de terra receberam indenizações, e as
alternativas eram comprar outras propriedades, aplicar o
dinheiro no sistema financeiro ou migrar para cidades dos
arredores, a fim de trabalhar como empregados domésticos,
pedreiros, cozinheiros, etc...(WHATELY, 2004)
Em entrevista a Viveiros (2004), um agricultor de 56 anos relata também quais foram
as alterações ocorridas no local, na visão de quem trabalhava com a terra:
Vivo aqui a 40 anos. No lugar da represa, corria um riacho e
tinha muita mata, mas o pessoal já plantava principalmente
arroz. Para fazer as roças, a gente queimava as árvores. Depois
que alagaram a represa, a maioria do pessoal foi embora, mas
ficaram umas 30, 40 pessoas [...] Quem saiu foi trabalhar em
fábricas ou virou pedreiro, ajudante geral, mas eu sei plantar
(ALMEIDA apud Viveiros, 2004).
Além da independência econômica, as pessoas sentiram a perda de seu lugar de
moradia, onde construíram suas histórias e suas memórias. Lugares conquistados e
construídos ao longo do tempo, onde deixaram suas marcas e que estavam prestes a ficar
definitivamente submersos pela água. Sob este aspecto, o entrevistado por esta pesquisa H.R.
relata um caso que presenciou:
Teve um caso, de um sobrinho da minha mulher, que tinha uma casa . Esse rapaz
tinha uma olaria lá, ele mesmo construiu uma casa muito bem feita, a mulher dele
também trabalhava lá, e foi desapropriada bem a parte que ele morava. Ele também
era um desses que estava sem saber para onde ir, e a casa dele era novinha, tinha
acabado de construir. E eles não queriam sair, queriam ao menos um pouco mais de
prazo, para ver se tomava uma providência, se construíam uma outra casinha. Ai
chamaram a polícia
(os construtores)
, tiraram a força de dentro de casa, a mulher
desmaiando, e ela não queria dar a chave, eles tomaram a chave da mão dela,
entraram na casa e conseguiram fazer o inventário do que tinha lá. Tiveram que ir
morar na casa da sogra. Essas coisas que aconteceram lá eu não perdôo de jeito
nenhum (H.R., 2006).
Os elementos da paisagem dotados de vínculos afetivos, que iam se perdendo com a
construção da represa, não se limitavam apenas a casas e outras construções, mas também
envolviam elementos naturais, outrora cultivados pelos que residiam. Para o entrevistado,
uma das perdas mais sentidas foi o bosque de pinheiros que havia plantado anos, e o
rancho de araucárias, que segundo ele, demorou aproximadamente 10 anos para crescer.
Quando as máquinas avançaram sobre as proximidades de sua propriedade, não pouparam
esses elementos; os responsáveis pela obra argumentaram que, depois da construção, o local
seria arborizado, pois margearia a represa. No entanto, H.R. afirma que o local ainda
permanece sem qualquer tipo de vegetação. Então indaga: “Agora para que fazer isso, tirar
uma coisa que já estava plantada?.
Mesmo sobre as casas que foram derrubadas, H.R argumenta que nem todas
precisariam ter sido demolidas, pois apenas em sua propriedade, juntamente com a de seu
cunhado, foram 5 casa derrubadas, sendo que, após um tempo, foram construídas no local
residências para os funcionários da obra. A destruição das propriedades, ao invés de seu uso
para outros fins, representaria então, na visão do entrevistado, uma forma de se demonstrar o
poder de quem a fazia. Esta visão pode ser corroborada, pois é recorrente a aniquilação de
elementos culturais anteriores uma ocupação para a firmação do novo grupo. Chagas
(2003) afirma que “como se sabe, processos de mudança política e social favorecem a
(re)significação e a proliferação de novas imagens, palavras, sons e objetos vários, com o fito
de ocupar, no imaginário social, o lugar de velhos signos”. Assim, relata o entrevistado:
Derrubaram todas as casas da minha propriedade, a minha, a do caseiro e depois
construíram casas para os funcionários da empresa. Não poderia ter aproveitado as
casa que tinha lá? da minha propriedade com a do meu cunhado foram cinco
casas destruídas. E não foi área que inundou, mas que ficava ao lado. Eu acho que
isso foi para mostrar o furacão que estava passando por lá, para mostrar poder para
a população que morava lá.
Durante a construção da represa, outros atores estiveram envolvidos no processo,
como os trabalhadores da empresa de engenharia responsável por parte da obra. Estes
trabalhadores também foram testemunhas dos fatos ocorridos na ocasião, de implicações
ambientais e sociais.
Em entrevista, um ex-funcionário da empresa de engenharia contratada, hoje com 58
anos, relata a experiência a qual vivenciou durante a construção da represa Jaguari-Jacareí.
Trabalhou durante 2 anos na empresa, com carteira assinada, mesmo sendo um trabalhador
temporário.
O ex-funcionário mencionou que na época a indenização dada pelos responsáveis pela
obra para os moradores desapropriados foi baixa, e que muitos deles migraram para áreas
urbanas. Conta que, pelo o que presenciou, a situação foi de desespero para muitos.
Para a sua categoria, segundo o entrevistado, na época a firma forneceu aos
funcionários treinamento de segurança, mesmo assim, alguns acidentes ocorreram, devido aos
desabamentos de túneis e pedaços de madeira. Aproximadamente 10 pessoas acabaram por
falecer devido a esses acidentes, o que, na visão do entrevistado, representa um número baixo,
dado o tamanho da obra e a média de acidentes em outros locais.
O entrevistado afirma que a tecnologia utilizada na obra foi considerada, na época,
“muito moderna”. Na área em que trabalhou, foram construídos mais de 5.800 metros de túnel
que ficavam entre uma camada de pedra rente ao solo e outra de terra por cima. Dentre estes
túneis existiam as cambotas, túneis em formato de “U” concêntricos, com distância de 40 cm
entre cada um, unidos por cimento. Detalhes como esses, relatados e lembrados por quem
realizou este trabalho há mais de duas décadas.
Na área correspondente ao bairro da Serrinha (Bragança Paulista), segundo o ex-
funcionário, alguns alambiques, olarias e estradas foram cobertos por água. No bairro há,
hoje, locais de 25 a 500m encobertos. Durante a inundação não foram fechados os buracos
existentes, como poços de fazendas, pois na época não se pensava na possibilidade de uso da
represa para o lazer. O grande problema disto consiste no fato de que, quando o nível da água
está baixo as pessoas que nadam, não percebem que estão mais próximas dos locais com
buracos. Muitos visitantes nem sabem ao menos que eles existem, o que acaba por provocar
afogamentos que, por ocorrerem em uma área muito afastada da cidade, quase sempre são
fatais, devido à demora dos bombeiros. Quanto à presença de vegetação encoberta, o
entrevistado afirma que não perigo para os usuários, pois durante a construção foi feita a
“roçadados terrenos a serem inundados, ou seja, a vegetação foi retirada e posteriormente
queimada.
O ex-funcionário que hoje a represa sendo utilizada não somente para
abastecimento, como pensava que seria enquanto a construía, mas também freqüentada por
banhistas e turistas, diz que, a represa atualmente É um local de opção de lazer para os
pobres, que não tem condições de pagar um clube ou ir ao litoral”. Narra que em outros
tempos, havia mais espaços públicos, mas que atualmente estão acabando.
Todos os eventos decorridos do projeto de construção da represa Jaguari-Jacareí
narrados, tiveram pouca repercussão nas áreas urbanas dos municípios atingidos. Na época,
pouco se divulgou sobre a nova represa nos meios de comunicação, permanecendo a
população das cidades do entorno da represa pouco informada do que ocorria em áreas rurais
de seus municípios.
Pesquisando-se os principais jornais da época, praticamente não se encontra notícia do
período mais conturbado da obra, seu início, onde se deram as desapropriações. Como
afirmou um dos principais jornalistas de Bragança Paulista: “A imprensa não divulgou
consistentemente...processo onde a população não tomou consciência. As reportagens eram
superficiais, não havia na época uma abordagem de entrevistas com moradores locais”.
O Bragança Jornal, o mais importante da época, em 18 de junho de 1973, um sábado,
noticiou a referida obra com texto de título: “Comasp iniciará obras da represa em 74.
Vargem ficará fora do projeto elaborado”. A notícia, em formato de nota, divulgava os
objetivos e implicações da represa de forma simplista. Pontuou que a obra seria iniciada em
74, que a represa teria como objetivo levar água para a capital do estado (São Paulo) e que
daria manutenção para o abastecimento da capital por mais de um século.
A notícia destacou ainda que, ao contrário do que estava sendo comentado pela
população, a sede do município de Vargem não seria alagada, sendo apenas submersa parte da
área rural. Na notícia, a seguinte frase: “[...] não havendo, portanto, motivo para alarde dos
seus moradores” demonstravam que, sendo apenas a população rural atingida (mesmo se
tratando de pessoas, tanto quanto os moradores da área urbana) não haveria porquê a
população demonstrar preocupação. O jornal ainda destacou que a barragem seria de 50
metros e que, dentro de 30 a 40 dias, a prefeitura de Bragança Paulista receberia cópia do
projeto.
Analisando o retrospecto sobre memória, história, impactos ambientais e sociais
decorrentes da represa Jaguari-Jacareí, foram verificados através das entrevistas realizadas
com o ex-morador do local H.R. e com o ex-funcionário da obra, que impactos sócio-culturais
ocorreram no local pela construção da represa. Impactos estes, verificados por Whately
(2004) e Barletta (2000), através de suas pesquisas.
Os impactos sócio-culturais sofridos na região causados pela represa Jaguari-Jacareí
são os mesmos que alertam os movimentos sociais contrários à construção de grandes
reservatórios. Dentre as perdas materiais, entrelaçam-se também perdas simbólicas, afetivas,
culturais, de lugares e culturas destes que caminhavam juntos sobre o mesmo palco, o espaço,
apropriado sob novas formas, uma nova territorialização vigente.
A indiferença de uma população urbana que não se via como parte da população
atingida, ajudou no processo de se ter uma distância longa, em tão pouco tempo, entre
passado e presente. A represa torna-se então ilegível, não se pode ler naquela paisagem
testemunha de outrora, o que não se quer ver, o que não foi proposto para que se veja. Um
passado submerso, um destino imposto para alguns sob a forma de progresso para outros.
Dando continuidade à esta discussão, a hipótese de apagamento da história local,
assim como a hipótese de (re)significação do espaço para o lazer e turismo, serão verificadas
posteriormente através das entrevistas realizadas com os usuários, cujos resultados serão
abordados no tópico referente à percepção da represa.
5.3 - O “mar de água doce” que se tornou turístico: novas formas de territorialização através
usos da represa para o lazer.
A água, como foi apresentado, carrega consigo a função de evocar outros atributos que
não somente o de abastecer e de possibilitar as diferentes formas de vida. A água é portadora
de forte simbolismo que evoca deleite visual estético, sensações como de paz, relaxamento,
espiritualidade, pureza, harmonia com a natureza e, bastante acentuada atualmente, a
possibilidade de se ter nela momentos de lazer. Este lazer sob a forma de contato corporal
com a água é provedor de momentos em que, ao se lançar sob as correntezas, a diversas
profundidades e temperaturas, o homem se entrega a prazeres primitivos e essenciais para
rememorar seu vínculo visceral com o natural.
A introdução de grande volume de água por uma represa na paisagem faz com que o
lugar se torne alvo de pessoas que almejam momentos fugidios de seus cotidianos, nem que
para isso tenha que deslocar a outros municípios, como os do entrono da represa Jaguari-
Jacareí.
[...] no passado, nas elevações reinavam cafezais e dezenas de rezes pastavam
tranqüilamente nos prados verdejantes. Nas planícies, o dourado dos cachos dos
arrozais contrastava com o negro das centenas de pássaros pretos que cruzavam o
céu, atraídos pelos grãos da plantação. Com a construção da represa, a localidade
transformou-se em enorme enseada, às margens da qual foram erguidas construções
de vários estilos arquitetônicos, que se misturaram ao colorido dos braços
ancorados na represa, dando-lhe um estilo de vida praiano nas montanhas.
Atualmente, após duas décadas da implantação da represa, podemos dizer que essa
localidade se transformou em uma das mais importantes áreas turísticas de
Bragança Paulista, pelo belo cenário que oferece (BARLETTA, 200, p. 138).
Figura 18: Vista parcial da represa, janeiro de 2006.
Na represa iniciou-se assim, tempos após seu rmino, uma ocupação sob a forma
concreta de casas de veraneio e pousadas, por aqueles que, sabendo desta busca das pessoas
por momentos de lazer, visualizaram no local boas possibilidades de empreendimento. As
proximidades do bairro da Água Comprida, situado no município de Bragança Paulista, foi
um dos locais que mais sofreu ocupação pela atividade turística. Se, anteriormente à
construção da represa, este era um bairro cujo estilo de vida era simples e ligado à
religiosidade, agora apresenta características urbanas com a infra-estrutura para abrigar
modernas marinas e pousadas, bem como condomínios de alto padrão ao seu redor.
Nos finais da década de 70, com a construção da represa da Sabesp, originaram-se
diversos condomínios de lazer e marinas ás suas margens, havendo grande atração
de turismo procedente, inclusive, de localidades distantes. Com isso, o Bairro da
Água Comprida, além de passagem obrigatória aos que se dirigem a Piracaia e
Joanópolis, também se tornou caminho aos turistas da represa, intensificando sua
atividade comercial, dando-lhe praticamente “status” de Distrito de Bragança
Paulista (BARLETTA, 2000, p. 160).
O turismo ocasionou uma nova apropriação daquele território, como ocorrido pela
construção da represa. Novas forças de poder e novas formas de trato com o espaço se deram
com a introdução desta atividade, envolvendo empreendedores, turistas, excursionistas,
moradores locais, prefeituras de municípios do entorno e Sabesp. Tomando em análise os
municípios do entorno envolvidos neste jogo de forças, estes elevaram a represa de grande
gerador de impactos para provedora de renda, como comenta Barletta (2000) sobre Piracaia:
Com a derrocada do café, a partir de 1930, o município continuou sua trajetória
tendo sua economia calcada na agricultura mista, mas na década de 70, com a
construção do enorme lago artificial da represa da Sabesp, surgiu um novo marco
para o município, pois, embora tivesse grande parte de seu território inundado e
diminuídas mais de 50% suas atividades agrícolas, um novo caminho se abriu com
o turismo (p. 263).
Com isso, tem-se não somente o interesse por parte dos que buscam o lazer na represa
em apropriar-se dela, mas também do poder local em transformar a potencialidade turística
dessa área em fonte de renda. Os municípios organizam, cada qual em sua respectiva
Secretaria de Turismo, projetos para o desenvolvimento do turismo náutico e ecoturismo.
Na em entrevista realizada com a Secretaria de Turismo de Joanópolis percebeu-se a
vontade de fazer do turismo uma das principais atividades econômicas do local. Essa
expectativa, para a Secretaria, é mais que uma vontade é uma necessidade, pelo fato de
atualmente o município estar em área de proteção ambiental. O ecoturismo seria uma
possibilidade que agregaria geração de renda e proteção ambiental.
Joanópolis, desde que foi elevado á categoria de estância turística o foco dela é
trabalhar com o turismo. Ela não tem outra perspectiva. E por que ela não tem outra
perspectiva? Por que Joanópolis pertence a APA de Piracicaba, é área de proteção
ambiental. Joanópolis pertence também a micro região da bacia do Juqueri, Jundiái
e Piracicaba, então são dois motivos extremamente significativos, estar em uma
área de proteção ambiental e de proteção da água. No temos aqui 60% da água que
vai para São Paulo, que sai dessa região. [...] Então estamos jogando todas as
nossas cartas no turismo...pela geografia da região. Os malefícios que temos que
evitar é a depredação...(Membro da Secretaria de Turismo de Joanópolis, 2005).
Os planos para o desenvolvimento do turismo em Joanópolis, segundo a Secretaria de
Turismo, envolvem também o patrimônio cultural, rico em festas como São Gonçalo,
Congada, Caiapó, Catira, modas de viola, cavalgadas e Festa do Divino Espírito Santo.
Comenta que os proprietários de casa de veraneio da represa se interessam por este tipo de
atrativo participando, inclusive, efetivamente de festas religiosas como a cavalhada do
Divino Espírito Santo:
Quando a informação chega a tempo, tem gente que tem casa
de veraneio que vem para a cidade, por exemplo, para a Festa
das Nações, Junina...E a gastronomia atrai muito eles...Na
Festa do Divino também, muita gente que tem casa na represa
veio cavalgar com a gente nas cavalhadas desta festa. Foram 8
domingos (Membro da Secretaria de Turismo de Joanópolis,
2005.)
A Secretaria de Turismo de Joanópolis argumenta que a empresa gestora, a Sabesp, em
nada ajuda para que o município possa utilizar a represa para o turismo. A construção de
infra-estrutura, como marinas para sediar eventos e demais projetos são barrados. a Sabesp
argumenta que os projetos não possuem definição clara de objetivos e preocupações com a
área de proteção permanente que, de acordo com a legislação do CONAMA é de 100 metros a
partir do nível máximo atingido pela represa. Nesta área, monitorada pela Sabesp, é proibida
qualquer tipo de construção nociva à mata ciliar ou que apresente riscos de erosão e
assoreamento à represa. Mesmo o local possuindo extensos trechos sem mata ciliar, devido à
depredação e também por falta de reflorestamento após sua construção, o uso dessas áreas é
proibido. Sendo assim, um entrevistado ligado à Secretaria de Turismo comenta:
A Sabesp, infelizmente não tem facilitado em nada...inclusive, a câmara dos
vereadores, o prefeito, está com uma luta muito grande com a sabesp. Para você
ver, para fazer essa represa, foi desapropriado um mundo de terras, muitos locais
eles não pagaram, a Sabesp não indenizou... Então, tem uma série de problemas que
foram gerados a partir da represa e que são prejudiciais para o município. E não
permitem agora que se use. Porque em Nazaré
(município de outra represa)
todas
as represas que foram feitas foram feitas clandestinas, sem autorização da Sabesp.
Nós não temos nenhuma marina aqui no nosso espaço, a não ser particulares, que
até fizeram clandestinamente. Para um turista passear aqui em Joanópolis de barco,
ele tem que conhecer algum dono de alguma casa que tem marina ou se hospedar
em alguma pousada.
Em entrevista realizada na Secretária de Turismo de Bragança Paulista, também se
expôs que a represa é considerada um dos grandes atrativos do município (como mencionado
inclusive no guia da cidade) e será incluída nos planos de turismo, ainda não formulados pela
atual gestão.
Relata-se que, na época de sua construção, chegaram a haver rumores em Bragança
Paulista de manifestações e protestos, mas a causa foi perdida quando membros que
processaram a Sabesp receberam boas indenizações. Hoje, o turismo é percebido como uma
forma do município compensar os danos causados devido à construção:
Com relação à cidade ser privilegiada por ter uma represa: ela é e não é...porque ali
era uma área de plantio muito grande, era uma área de médias fazendas que
produzia e gerava riquezas. E lá foi alagado entre 77 e 79...E Bragança não queria a
represa, várias cidades não queriam, ela foi imposta, esta represa no governo do
General Figueiredo e era o Paulo Maluf governador de São Paulo. Eles ofereciam
vantagens para Bragança que acabaram não acontecendo...Nós fizemos até
movimento na época contra isso, porque havia estudos mostrando que a partir da
represa o clima iria ficar mais úmido. E o clima mais seco que nós tínhamos em
Bragança acabou sumindo...Ficou muito mais úmido. A vazão do rio Jaguari
diminuiu 60% a ponto de ter época do ano dele estar quase seco. Nos demos toda
essa área para produzir água para grande São Paulo, e Bragança não ganha nada
com isso? Todo prejuízo de estarmos sem água tem que ser reposto...O turismo não
seria uma forma de compensar ecologicamente, mas economicamente (Entrevistado
da Secretaria de Turismo de Bragança Paulista).
Aponta-se como um dos principais problemas a serem sanados, para viabilizar um
maior uso turístico da represa, a falta de espaços que margeiam esta. Devido à especulação
imobiliária, atualmente, a represa se encontra com poucos acessos à água. As propriedades
limitam essa possibilidade, já que os terrenos vão até a represa, muitos com rampas
particulares para barcos. Destaca-se também, na Secretaria de Turismo, que os proprietários
de classe econômica alta o gostam e não querem que espaços de lazer e turismo sejam
desenvolvidos. A privacidade e a estética da paisagem são os maiores atrativos da represa e
poderiam ser prejudicados com a presença de pessoas de baixa renda ou turistas de pousadas.
Neste sentido, argumenta-se que:
Na represa a especulação imobiliária tomou conta. O turismo náutico seria uma
possibilidade, mas os espaços estão fechados. Embora aquilo seja da Sabesp, os
espaços de entrada estão fechados. O poder blico
(anterior)
nunca se preocupou
com isso. Nós temos que começar do zero. O ideal seria fazer cumprir uma lei para
afastar as propriedades... Para quem tem casa de veraneio e pousada não interessa
esse turismo de “prainha”
(espaços públicos de lazer)
que são pobres e sujam,
inclusive a “paisagem”, então eles não querem dar esse direito deles freqüentarem o
que é de todos...(Entrevistado da Secretária de Turismo de Bragança Paulista,
2006).
Indagou-se à Secretaria sobre a Lei 11.378 de 14 de abril de 2003, instituindo o
“Circuito Turístico da Represa Jaguari-Jacareí”, promulgada pelo Governador Geraldo
Alckmin, visando promover o turismo nos municípios de Bragança Paulista, Vargem,
Joanópolis e Piracaia, com a utilização das potencialidades da represa. A Secretaria afirmou
que a lei não se faz valer e que a área, por muito tempo, foi visada por empreendedores e
proprietários de casa de veraneio, sendo esquecida pelo poder público.
Na Secretaria de Turismo de Piracaia, afirmou-se que a cidade é privilegiada por estar
no entorno de uma represa, pois esta recebe muitos turistas no verão a procura de atrativos
como pesca, natação e passeios de jet-ski. Através desse turismo, espera-se que haja geração
de divisas, movimentação no comércio (através de lojas de equipamentos náuticos entre
outros) e arrecadação de impostos.
Um dos impactos que se pretende evitar é o lixo deixado na represa por estes usuários.
O município, como foi informado, já formulou a lei de incentivo ao turismo (nº 1.976/99).
Comenta-se também sobre a contribuição do Plano Entre Serras e Águas, criado pelo Governo
Estadual, de incentivo ao uso turístico da área de influência da duplicação da Rodovia Fernão
Dias, na qual a represa se encontra.
Cabe destacar, a partir das entrevistas com as Secretarias de Turismo dos municípios
do entorno da represa, que o poder local, supostamente encarregado de desenvolver
oportunidades econômicas e de inclusão da população original no planejamento turístico da
represa, tem como um de seus principiais interesses obter renda através da cobrança de IPTU
das casas de veraneio.
As casas, em áreas rurais, possuem imposto baixo. Através de leis municipais passam
a ser consideradas áreas urbanas para que assim se possa cobrar o IPTU, imposto com valores
mais altos. Essa transformação afeta outras medidas que evitam a erosão das margens, pois
tornando urbana a área ao redor do reservatório, seguindo a legislação do CONAMA, as
construções próximas ao manancial (antes em área considerada rural com recuo obrigatório de
100 metros) poderiam passar a estarem próximas da água até 50 metros.
Assim, os municípios almejam essa oportunidade de renda, mas o incluem
concretamente em seus projetos medidas ambientais cautelares, nem uma dimensão histórica
daquele lugar. Exclui-se também propostas para que antigos moradores, que desejassem viver
novamente no entorno do reservatório, pudessem encontrar em atividades, como o turismo,
esta oportunidade.
O turismo na represa é então organizado, não apenas impulsionado pela beleza nica
e pelos atributos que suas águas. Passou a ser impulsionado também pela possibilidade de
gerar renda e lucro para os municípios. O turismo, assim como em todos os lugares que se
apropria, começou a reproduzir premissas do sistema capitalista.
O lazer na represa tornou-se privilégio de poucos, os que podem contribuir para o
lucro dos empreendimentos e com impostos. Os melhores espaços são destinados a esse
público e neles, a infra-estrutura necessária para um conforto cada vez mais exacerbado, é
introduzida sem maiores preocupações com o meio ambiente.
À população de menor poder aquisitivo, foram reservados espaços sem a menor infra-
estrutura de segurança, lazer, conforto e preocupação ambiental, sem latas de lixos, sanitários,
salva-vidas, arborização, entre outros, como ocorre em demais represas. Estes espaços, na
maioria das vezes freqüentados pela população local (alguns deles antigos moradores da área
inundada) não são tratados como locais de uso legítimo, de possibilidades econômicas
direcionadas para estas pessoas e de novas [re]significações através do lazer.
As mortes por afogamento na represa Jaguari-Jacareí são recorrentes nos espaços de
lazer destinados à população local e aos excursionistas devido à falta de seguranças e salva-
vidas, bem como placas indicativas dos locais de maior risco. Para um membro do corpo de
bombeiros de Bragança Paulista entrevistado, a questão da segurança em um dos pontos mais
problemáticos, a prainha da Serrinha, é complexa, pois envolve trabalho adequado para a
segurança do local, além de ser, na sua percepção, de responsabilidade de quem gerencia a
área da represa oferecer esses cuidados. “Nós dos bombeiros o temos efetivo, homens
treinados para cobrirem todos os locais onde os banhistas freqüentam na represa. Além faltar
equipamentos, os que possuímos são para atender emergências, e recebemos diversas
chamadas aqui na cidade” (entrevistado do corpo de bombeiros, 2006).
Segundo entrevistado, em janeiro de 2006, houve o registro de apenas uma ocorrência
de afogamento seguido de óbito na prainha da Serrinha em Bragança Paulista, mas em outros
trechos da represa foram constatados 5 casos. Esse número pode ser maior, já que o resgate
não é acionado em muitos casos em que os próprios banhistas conseguem salvar a pessoa.
Como indicado anteriormente, os Comitês de Bacias Hidrográficas o mecanismos
para questões decorridas do desordenamento territorial na represa possam ser discutidas
envolvendo diversos atores como Sabesp, municípios, comunidade local, entre outros. O
turismo e lazer na represa Jaguari-Jacareí, assim como suas oportunidades e ameaças,
poderiam ser discutidos de forma conjunta nas reuniões de seu Comitê, sendo um exercício de
poder local e cidadania em busca de objetivos comuns.
No caso do Comitê de Bacia dos Rios Capivari, Piracicaba e Jundiaí, ao qual a represa
Jaguari-Jacareí faz parte, os assuntos em pauta são discutidos por todos, mas o direito a voto é
prioridade de membros eleitos por um período de 2 anos. Entre os representantes, somente
alguns dos municípios o escolhidos, ficando outros como suplentes. A Sabesp é atualmente
a principal representante entre os usuários. A chamada sociedade civil organizada é composta
por representantes como engenheiros e pesquisadores.
Segundo as atas de reunião do Comitê, as conquistas realizadas incluem a cobrança
pelo uso das águas dos rios da União pela Sabesp (maior dos usuários pela transposição dos
rios Jaguari e Jacareí) e poder de decisão sobre o excedente de água armazenada na represa.
Contudo, nas atas das reuniões do Comitê de Bacia, não se verificam pautas relacionadas ao
uso recreacional do recurso hídrico em questão, nem debates sobre os impactos que causa por
estar sendo feito de forma desorganizada. Esta falta de debate ocorre, ao mesmo tempo em
que municípios utilizam a represa como “o maior atrativo turístico” e a Sabesp afirma ter
neste uso um dos seus maiores problemas de ordem ambiental.
A análise permite afirmar que os mecanismos criados para uma maior participação da
sociedade, dentro de uma visão democrática moderna, como os Comitês, mesmo sendo um
mecanismo que preconiza o poder local pode, muitas vezes, servir de ambiente para que
apenas assuntos e representantes, prioritários em sua lógica, sejam escolhidos ao debate. Estes
mecanismos também são influenciados por poderes não-locais, como os federais e estaduais o
que, no caso do Comitê de Bacias mencionado é visível, pois seu maior feito é a cobrança do
uso da água pela Sabesp, cujo lucro irá para a União.
As conseqüências do o exercício de poder local na gestão da represa serão ainda
abordadas com resultados das entrevistas com os usuários, onde pode-se constatar problemas
do turismo e lazer no local, visão dos que o freqüentam. A hipótese de segregação espacial
também será novamente discutida quando descritos o perfil sócio-econômico dos usuários e
as possibilidades de acesso, devido a este perfil, a locais que gozam de infra-estrutura turística
na represa ou sem a menor infra-estrutura básica.
5.4 - As novas casas da represa: residências secundárias e pousadas.
As residências secundárias são um fenômeno fortemente visível no turismo
desenvolvido na represa Jaguari-Jacareí. Os condomínios com lotes para casas de veraneio e
os clubes uticos com chalés a venda, utilizam em seu marketing os pontos fortes da represa
e têm na água e suas possibilidades recreativas, seu principal atrativo. Dentre os pontos
utilizados nas campanhas de MKT dos empreendimentos destacam-se:
O imaginário da água (o descanso, lazer, romantismo, liberdade)
O acesso (proximidade com São Paulo).
A segurança (para a família)
A extensão do espaço (dimensão da represa em oposição à falta de espaço das grandes
cidades).
Possibilidades de uso do entorno (esportes radicais como escalada e motocross).
Paisagem rural (estradas sem asfalto, flora e fauna da Serra da Mantiqueira).
Entretenimento gastronômico e opções noturnas.
Nota-se, nos programas de MKT, que o que poderia ser um ponto fraco, como a falta
de asfalto no entrono da represa, é transformado em atrativo, sugerindo a idéia de um local
“rural” propício para esportes de aventura. Uma das ameaças para a compra de terrenos, o fato
de ser um local de vigilância ambiental, o é mencionado no MKT e, o pouco, que se trata
de uma represa para abastecimento. Isso não cabe ser julgado em uma campanha que visa a
venda de lotes ou chalés, contanto que o empreendimento tome, na prática, medidas de
proteção do manancial.
Os preços dos lotes para segundas residências, de acordo com a imobiliária de
Bragança Paulista especializada na área da represa, variam conforme o condomínio. No
entanto, a classe econômica alvo é de alto poder aquisitivo, como indica os exemplos de
tabelas de preços:
Terrenos em condomínios:
1.000 m² - 55 mil reais
1.000 m² (“pé na água” – acesso à água) - 120 mil reais
Chácaras prontas: a partir de 200 mil reais
Terrenos de alto padrão:
Condomínio “A”- 3.000 m² - 360 mil reais
Condomínio “B”- 20.000 - 500 mil reais
Chácaras prontas alto padrão: 1 milhão a 4 milhões de reais.
Figura 19: Exemplo de marketing utilizado pelos condomínios na represa.
Figura 20: Exemplo de marketing utilizado pelos condomínios na represa.
As pousadas são outro tipo de meio de hospedagem que vêm crescendo nas
proximidades de represas e lagoas. Geralmente são de pequeno a médio porte, tendo como
características a simplicidade com conforto.
Muitas das pousadas oferecem aos hóspedes passeios de barco, guias para pesca,
restaurante típico e infra-estrutura de lazer. Tem público alvo misto composto por casais,
famílias, esportistas entre outros. também aqueles que promovem eventos de esportes
náuticos e festas de carnaval, junina e fim de ano.
Devido à obrigatoriedade de se respeitar a faixa de proteção permanente,
correspondente a 100 metros aproximadamente a partir da margem da represa, os
empreendimento muitas vezes possuem ões judiciais para compensar desmatamentos,
construções irregulares de marinas, entre outros impactos. Segundo os corretores, no caso da
Represa Jaguari-Jacareí, os novos empreendimentos se preocupam em inaugurar com todos
os tramites de regularização concretizados; o que não ocorreu no passado, quando a ocupação
do entorno da represa foi feita de forma irregular. Esse processo também envolve os
condomínios que, por estarem vendendo lotes menores do que o permitido em zona rural, no
sistema de “partes ideais”, devem agora ser regularizados, passando ao regime de condomínio
onde a cobrança de imposto é correspondente ao IPTU.
Em entrevista, os empreendimentos Clube utico Russo LTA. (condomínio,
restaurante, marina e clube), Marina Confiança (chalés, marina, pousada e restaurante),
Aguamarina Entretenimento (marina, restaurante e chalés), Busca Vida Pousada e
Restaurante, Rancho Verde (pousada e chalés), Yate Clube São Francisco (chalés e
condomínio) e Pousada Recanto Varanda do Sol (pousada) descreveram, de acordo com suas
experiências, características importantes do turismo na represa Jaguari-Jacareí.
Os empreendimentos são de diversos padrões e estilos e se localizam nas cidades do
entorno da represa, nas margens desta. As especificidades de cada estabelecimento são
explanadas no Quadro 3.
Quadro 3: Características dos empreendimentos na represa entrevistados.
Empresa Início
Público Origem clientes Taxa
retorno
Atividades Capacidade
Aquamarina 1998 Misto Campinas/
São Paulo
60% Esportes
náuticos
30 leitos
50 mesas
50 vaga barco.
Rancho
Verde
2002 Casais/
famílias
São Paulo/Jundiaí
Bragança/Atibaia/
Campinas
50% Pesca,
recreação,
jet-ski.
5 chalés
4 casas.
Yate Clube
São Francisco
1998 Famílias
Campinas/
São Paulo/
Bragança Pta.
Sem
dados
Lancha, nado
e pesca.
30 casas
100 lotes.
Clube Russo 2001 Misto Campinas/
São Paulo
10% Esportes
náuticos
400 pessoas
32 leitos
80 leitos chalé
150 cadeiras
200 vaga barco.
Busca Vida 1997 Misto São Paulo/
Reg. Bragantina
Sem
dados
Gastronomia,
shows,
danças.
800 pessoas
40 cadeiras
15 leitos.
Varanda
do Sol
2002 Casais Campinas/
São Paulo/
Grande SP.
40% Trilhas, lazer
náutico,
pescaria,
passeios
turísticos.
30 leitos em 8
chalés.
Marina
Confiança
1986 Família São Paulo/
Jundiaí/ Bragança
70%
a 80%
Esportes
náuticos,
16 apt. e 73
chalés.
Pta. e região trilhas,
motocross.
Dos 7 empreendimentos entrevistados, 6 responderam que a represa é seu principal
atrativo, pela paisagem formada. É também apreciado pelos visitantes a tranqüilidade do
local, possibilidades de lazer na água, a limpeza da represa, o clima é favorável e por estar
próximo à mata.
Os empreendedores consideram como diferenciais de seus estabelecimentos a estrutura
oferecida, a gastronomia, a liberdade dada aos hóspedes, o atendimento, a paisagem do local
onde está localizado, a simplicidade e também a represa, que possibilita oferecer esportes
náuticos. As formas de divulgação utilizadas são sites, faixas, indicação de hospedes,
anúncios em guias de cidades, jornais, panfletos e revistas.
A cidade de origem dos proprietários são: 3 de Bragança Paulista, 1 de Paulínia
(interior de São Paulo), 1 de Guarulhos, 2 de São Paulo. Empregam entre 5 a 35 pessoas,
totalizando, ao se somar os empregados de todos os estabelecimentos, 102 pessoas. A faixa de
escolaridade dos funcionários varia de estagiários universitários a pessoas com 1
o
grau
incompleto, predominado, de acordo com os proprietários, pessoas com 1
o
grau. Os
funcionários são em sua maioria de cidades do entorno da represa como Bragança Paulista e
Joanópolis, mas também aqueles vindos da Bahia e cidades do interior de São Paulo. A
presença de funcionários do bairro onde se localiza o empreendimento corrobora com a
hipótese de que o turismo na represa pode ser uma nova fonte de emprego para a população
que vive no local.
Na percepção dos empreendedores, o principal problema enfrentado é a sazonalidade
dos visitantes, falta de apoio da prefeitura, acesso em mal estado, problemas com a Sabesp,
terreno sem documentação e a falta de normas específicas para empreendimentos na represa
que deveriam ser elaboradas pela Sabesp.
Quando indagado sobre o apoio que recebem da prefeitura de seu município, 3
estabelecimentos o classificam como regular, 3 como bom e 1 como péssimo. Em relação ao
apoio recebido pela Sabesp, 6 classificaram como péssimo e 1 como bom. Por fim, em relação
ao apoio dado pelo governo do estado para os empreendedores da represa, 2 classificaram
como bom, 4 como péssimo e 1 como muito bom. Ou seja, mesmo gerando empregos para a
população, os empreendimentos o recebem o apoio necessário das diversas instâncias de
poder. A recusa de apoio a estes empreendimentos, segundo a Sabesp, é devido à falta de
preocupação com o recurso hídrico, o que resulta em multas e processo para os
empreendedores. Assim, foi também indagado aos donos das pousadas, marinas e clubes
entrevistados, quais medidas ambientais que estes tomam para minimizar os impactos
negativos ao meio ambiente natural.
Os empreendedores relataram tomar medidas de proteção ambiental através de atitudes
como o respeito à faixa de proteção permanente as margens da represa (100 metros), plantio
de árvores mediante decisão da Sabesp, cuidados com o lixo produzido, sensibilização dos
hóspedes, parceria com ONG´s e fiscalização das árvores da propriedade.
Na opinião destes, para que a represa possa ser utilizada como atrativo turístico em
benefício dos empreendedores, usuários e também para a conservação da represa, as
prefeituras locais deveriam providenciar salva-vidas, sinalização, sanitários e melhorias nos
atrativos na cidade (aumentando as possibilidades de passeios). Além disso, haver maior
divulgação, incentivo ao uso de barcos a vela que não poluem, melhorias nas estradas, maior
apoio da Sabesp em relação ao turismo na represa e conscientização ambiental dos turistas.
Foi indagado também sobre a distância que seu empreendimento está em relação à
margem da represa. As respostas foram: 400 metros, 500 metros, 100 metros e 30 metros. Um
dos empreendedores preferiu não responder à esta pergunta. Outro entrevistado, também não
respondendo a pergunta, apenas relatou que seu empreendimento está dentro das normas
estabelecidas pela SABESP”. Os dados obtidos indicam, assim, que empreendimentos que
não estão adequadamente situados às margens da represa, que, pela legislação do
CONAMA estes deveriam estar a uma distância de 100 metros do recurso hídrico.
Com isso, percebe-se os jogos de força evolvidos na represa, por um lado tem-se o
poder local e os empreendedores da represa visando ou gerando benefícios para o município
ou comunidade local, de outro a empresa gestora da represa que, sendo responsável por esta
se preocupa em manter a qualidade da água que será ofertada.
Os benefícios econômicos gerados pelos proprietários de casa de veraneio como
empregos para a população e renda para meios de alimentação do local por demais usuários
da represa, também serão analisados com dados obtidos através do questionário aplicado,
descritos no tópico referente à caracterização dos usuários.
5.5 - O turismo náutico e de pesca na represa Jaguari-Jacareí.
A represa Jaguari-Jacareí apresenta características específicas que contribuem para que
esta seja um grande atrativo para a demanda em busca de pesca e esportes náuticos. Isso
porque, pelo fato de ser uma represa para abastecimento, na ocasião de sua inundação, foram
retirados os restos de vegetação da área, como relatado na entrevista com um dos
trabalhadores da obra, sendo assim, o apresenta grande problemas para que equipamentos
náuticos circulem.
Como apresentado, na represa, meios de hospedagem que tinham como propósito
inicial serem marinas para embarcações. Devido ao crescente número de freqüentadores,
vindos de outras cidades, estes estabelecimentos passaram a oferecer novos serviços de
hospitalidade. Surgem, desta forma, Yates Clubes e diversas modalidades de marinas, além de
Clubes Náuticos, comuns em áreas marinhas que, como ocorre na represa estudada, estão se
disseminando nas águas interiores do país. Assim, no local, um grande número de
pequenas embarcações e equipamentos náuticos, como lanchas, jet-ski e velas de wind-surf.
A pesca é outra atividade marcante, também devido às características específicas da
represa. Ela possui uma das melhores espécies de peixe para pesca de lazer o black-bass,
peixe carnívoro de difícil apreensão. Justamente pela dificuldade de se capturar um exemplar
é que sua pesca se torna tão prazerosa e, por este mesmo motivo, os que a querem praticar
necessitam de guias especializados. Em entrevista para este trabalho, um dos primeiros guias
de pesca a ser oficializado e cadastrado no país, natural de Bragança Paulista, explica quais os
benefícios do black-bass nas águas da represa.
O guia inicia a entrevista dando sua versão sobre como o povoamento da represa por
esta espécie exótica (não natural da região), se deu há alguns anos. outras versões sobre o
fato, que defendem a hipótese da espécie já ter sido introduzida com finalidade de pesca
esportiva. No entanto, para o entrevistado:
Eles trouxeram as tilápias para predar as algas que estavam em abundância.
Acharam que a tilápia do Nilo iria resolver esse problema. Na verdade quem come
capim é a rendale, que é uma tilápia carnívora, ela come outros peixes, ela como
capim, ela come milho...Na verdade teria que ser essa. Ai ficaram as duas e ficaram
procriando e ficou uma situação que ficou muita tilápia. Ai veio os gestores da
represa e falam precisamos colocar um predador que coma as tilápias. Toda parte
que você inunda que tem várias espécies de peixe depois de 10 anos eles se
acomodam...Só que tem o seguinte, começou a cair a prodão de black bass, todo
mundo começou a pescar, e ele procria pouco, a tilápia a chance de sobrevivência é
de 90% do blass de 2%, 3%. Ai eu e meus amigos fomos repondo os peixes na
represa. Agora onde vivia 10 blass, hoje tem 100, então eu não coloquei uma
espécie nova, eu aumentei a que já existia.
De acordo com seu depoimento, os interessados na pesca do black-bass aumentaram o
número de exemplares já existentes, introduzidos por outras questões alheias ao turismo.
Hoje, com a represa possuindo em quantidade satisfatória o black-bass, este e outros guias
cobram por dia de 300
a 400 reais, dependendo de qual tipo de barco será utilizado para a
pesca.
O mercado gerado por esta espécie de peixe para pesca é muito grande, envolvendo
grandes lucros e circulação de renda:
Vamos dizer que o tucunaré é o carro chefe da pesca no Brasil, mas quem gera
emprego e dinheiro mesmo é o black bass. Começa pelo barco...você tem uma
barquinho que custa 3 mil reais para pescar tucunaré, chutando alto e para pescar
bass 80 mil...Porque tucunaré você pesca com 1 vara, para pescar bass você precisa
de 8, 10...sonar. O que está trazendo de benefício o black bass está trazendo
emprego para mim, emprego para mais 3 ou 4 guias, se eu não tenho emprego eu
não compro no supermercado, eu o abasteço aqui, porque eu não vou ter
dinheiro, então está dando o meu sustento, o sustento da minha família e de um
monte de família...ai eu trago gente de fora, o cara vem e gosta da cidade que
teve u monte de cliente meu que comprou depois casa aqui e está fazendo seu
local de viver aqui outros alugam o barco na marina, tem seu barco na marina, tem
chalé na marina, paga diária, almoça na marina, almoça aqui na cidade, e abastece
aqui, então olha o que está gerando na represa.
O entrevistado relata que, devido à pesca do black-bass, hoje Bragança Paulista é
conhecida internacionalmente, principalmente no Estados Unidos e Japão, grandes emissores
de turistas que se interessam pela pesca esportiva. Existem ainda pacotes de viagem para a
pesca na represa Jaguari-Jacareí, como o elaborado pelo Fishing e Travel, que incluem
almoço, iscas, varas a preços a partir de 300 reais por dupla.
Mesmo com todo este potencial, o guia expõe alguns problemas ambientais e de
descaso público que atrapalham o desenvolvimento da pesca na represa. Um dos problemas
que o entrevistado coloca é de ordem social: a falta de fiscalização e infra-estrutura nas
prainhas da represa, utilizadas pela população, atrapalha sua atividade. A posição adotada
pelo entrevistado em relação a possíveis soluções, não é a de apoiar a proibição da pesca
artesanal ou o uso recreacional da represa, mas de defender a criação de leis e infra-estrutura
para que alguns problemas sejam sanados:
Ninguém pode proibir ninguém de atuar, de passar seu dia de lazer, eu acho que
todo mundo tem seu lugar certo e não podemos proibir, mas podemos sim colocar
leis, que existem no mundo inteiro...Eu acho que, por exemplo, ali na Serrinha
(espaço utilizado pela população), ali é um lugar que vive morrendo gente, é um
lugar que todo mundo vai, até meninas da faculdade vão tomar banho ali..então eu
acho que deveria ter uma rampa pública ali, como tem no Capivari em Curitiba,
que todo mundo desse pela rampa e tem um guarda da prefeitura tomando conta. Eu
queria até fazer uma coisa melhor...eu consigo fácil um barco e um bom motor e a
prefeitura deveria dar dois guardas. Porque o cara de lancha que fica jogando
latinha de cerveja na água veria um guarda e este daria uma dura no cara.
No entanto, mesmo com essa posição, o entrevistado sofre pressões por atuar como
guia de pesca na represa. Argumenta que os órgãos fiscalizadores não levam em consideração
o sistema “pegue e solte” adotado pelos guias, nem mesmo o repeixamento financiado por
eles. Por fim, coloca que o direito de utilizar a represa para a pesca é legítimo frente aos
grandes impactos ambientais ocorridos nos rios devido à sua construção. Em sua visão, o
impacto gerado foi muito maior, sendo muito pouco o causado atualmente pela pesca
esportiva:
É falar com o IBAMA, que nós tínhamos nos dois rios que foram desmantelados
para construir a represa, tilápia, carpa, lambaria, traira, corimbatá,
mandi...Acabaram com o rio, o peixe não procria mais, não temos mais estes
peixes...Com quem que tem que brigar, comigo que está soltando peixes ou brigar
com a Sabesp que construiu a represa e acabou com os dois rios? A represa está
ai, não fui eu que construí a represa, eu estou tornando viável o que nós temos
aqui...
Há na bibliografia especializada, autores que defendem a introdução do black-bass em
represas, mas isto ainda constitui uma polêmica, dependendo muito de cada represa e espécies
nativas apoiar ou não a introdução. Este peixe é da família do Centraquídeos e originário dos
Estados Unidos.
Segundo a obra de Rocha e Branco (1977), o black-bass foi introduzido no Brasil na
década de 1920. Para os autores, o fato de serem peixes carnívoros quando adultos, faz com
que seja ideal em reservatórios com densas populações de lambaris. Nos Estados Unidos, pela
voracidade e força, é o segundo peixe mais apreciado na pesca esportiva, ficando a baixo
somente das trutas. Exemplares de 5 anos, com 55 cm, chegam a pesar 2,6 kg. Uma
desvantagem é que os filhotes o resistem a altas temperaturas, acima de 30 °C, já adultos
sobrevivem até 34 °C. Outra desvantagem é que, com falta de alimentos, esta espécie
fatalmente praticará o canibalismo. Assim, para a sua introdução, deve-se preservar a mata
ciliar que promoverá o equilíbrio térmico e ecológico. Além disso, estudos quantificando as
espécies e seus exemplares devem ser feitos para, se houver necessidade, realizar o
repeixamento na represa.
Mesmo partindo do pressuposto que o black bass é uma espécie adequada para a
represa, a pesca esportiva é restrita a poucos turistas que podem pagar altos preços pelos
passeios de barco acompanhados de guia. O que se percebe na represa também é a diminuição
de espécies propícias para a pesca artesanal.
Outro fato a ser analisado é o desejo de caracterizar a represa e os municípios do
entorno como a “Capital do black bass” por parte dos guias de pesca. Seria uma oportunidade
para que se criasse um diferencial para aquele atrativo, um marketing que atrairia turistas de
diversas localidades. No entanto, toda “formatação” ou slogan é reducionista e outros
aspectos da represa podem ser deixados de fora, proporcionando aos visitantes uma percepção
fragmentada da complexidade de aspectos que envolvem a represa de ordem social, cultural e
ambiental. Esta fragmentação ocorre no marketing dos condomínios de casa de veraneio
que, como analisado não aborda as funcionalidades, a história, o ambiente e a sociedade
envolvidos neste canário complexo que é a represa.
A descrição de demais atividades exercidas na represa e implicações ambientais
decorrentes destas, serão detalhadas e analisadas com os dados obtidos com as entrevistas
realizadas para a caracterização dos usuários da represa, abordados posteriormente.
5.6 - Meio ambiente: a água em que se nada é a mesmo que se bebe.
A apropriação da represa Jaguarí-Jacareí pela atividade turística com a presença de
casas de veraneio, marinas, pousadas e clubes uticos é um fato que, segundo Viveiros
(2004), pode agravar problemas ambientais causados por outras atividades. Um exemplo
disso é a degradação da mata ciliar que, como mencionado anteriormente, faz a Sabesp tomar
medidas punitivas em relação aos proprietários.
De acordo com a reportagem feita pelo autor, as casas de veraneio, pousadas e marinas
não respeitam muitas vezes o recuo obrigatório para construções próximas às margens da
represa, que é de aproximadamente 100 metros, variando de acordo com o declive do terreno.
Muitas casas de veraneio e pousadas acabam trocando a mata ciliar por rampas e jardins,
como relata Viveiros (Op.Cit.), provocando a erosão do solo e assoreamento. Bancos de areia
de mais de 2 metros estão encobertos por mato. Especula-se a relação deste assoreamento
com o baixo nível do Sistema Cantareira de abastecimento, ao qual a represa faz parte, que
em 2004 chegou a 17,5% de sua capacidade.
A foto retirada no local comprova a prática das casas de veraneio possuírem, cada
uma, sua própria rampa para embarcações.
Figura 21: Marinas de casas de veraneio na represa.
A dimensão do problema pode ser verificada através das inúmeras marinas detectadas
em apenas uma faixa, pertencente à Bragança Paulista, em foto área de 2003, cedida pela
prefeitura municipal. Com isso, verifica-se a legitimidade de medidas punitivas tomadas pela
Sabesp.
Na foto, para sua melhor visualização, as marinas foram destacadas com pontos pretos
e círculos amarelos.
Figura 22: Foto aérea de parte da represa Jaguari-Jacareí no município de Bragança
Paulista.
Uma das dificuldades da fiscalização do uso e ocupação área é a grande extensão da
área da represa. A Sabesp afirma que tentou sanar esta dificuldade, transformando os
proprietários de terras às margens do reservatório em responsáveis pela preservação da área.
Por meio do regime de comodato as áreas são cedidas aos particulares e estes, em
compromisso com a Sabesp, passam a serem parceiros e responsáveis pela sua área cedida.
No entanto, o cumprimento do trato não se verifica em muitos casos e assim, processos o
abertos contra empreendimentos.
Como afirma Viveiros (2004) outra medida adotada pela Sabesp, no ano de 2004, foi a
proibição de embarcações a motor em uma das principais marinas da represa que, em contra
partida, argumenta que o regime de comodato estaria vencido na ocasião e, com isso, todas as
construções da área estaria irregulares devido à este fato. Argumenta também que a Sabesp
teria autorizado, até aquele momento, sua iniciativa de plantar mais 800 árvores à beira da
represa.
As embarcações a motor, como explanado no referencial teórico, representam uma
ameaça para a qualidade das águas da represa. Contudo, existem meios para se calcular o
limite máximo de embarcações de acordo com a vazão de cada reservatório. Aplicando a
metodologia indicada por Rocha e Branco (1977) para o cálculo do limite de embarcações
nas águas da represa Jaguari-Jacareí, tem-se o seguinte resultado: sendo a vazão da represa
Jaguari-Jacareí, 22 /s, dividindo-se por 84 l/s, o número de barcos que podecircular pela
represa, por dia, sem comprometer a qualidade da água, será de aproximadamente 260 barcos.
O cálculo para se obter o número limite de freqüentadores de uma represa que
eliminam matéria fecal em suas águas, dado por Rocha e Branco (1977), também foi aplicado
no estudo das questões ambientais na represa Jaguari-Jacareí. Na represa, que o possui
sanitários nas áreas públicas e, em alguns casos, nem empreendimentos próximos que
poderiam servir de suporte, este limite deve ser calculado para que se possa evitar maiores
riscos de contaminação.
Uma pessoa elimina diariamente, cerca de 200 bilhões de bactérias em suas fezes por
dia. A máxima concentração permitida de coliformes fecais é 3.000 coliformes/100 ml. Sendo
a vazão da represa 22 m³/s, a vazão por dia é de 1,9 milhões de m³. Dividindo-se 200 bilhões
pela vazão diária da represa, chega-se a concentração 105 coliformes por 100 ml. Dividindo-
se o número máximo de coliformes permitidos que é de 3.000 coliformes /100 ml por 105
coliformes/100 ml, o número máximo de pessoas que poderá utilizar a represa deixando
matéria fecal será de aproximadamente 300 pessoas.
A poluição das grandes represas também restringe seu uso como fonte de
abastecimento d'agua, impondo procedimentos que vão desde a simples desinfecção ao
tratamento avançado, quando se tem em vista o consumo doméstico. Quando ao
abastecimento industrial, os padrões de qualidade são muitos variáveis, exigindo-se que as
indústrias relacionadas com a alimentação e saúde humana recebam águas de altos padrões
(PAIVA, 1982, p. 157). Assim, os resíduos sólidos deixados pelos que freqüentam a represa
para o lazer e turismo também podem causar danos a água e a fauna e flora do entorno.
Em janeiro de 2006, mês de maior visitação na represa, tentou-se aprofundar o
conhecimento sobre as possíveis ameaças ao recurso hídrico decorrentes da recreação no
local. Foram coletados os resíduos sólidos deixados pelos usuários (entre eles turistas,
excursionistas e moradores locais) na "praia" mais freqüentada da represa, situada no bairro
da Serrinha em Bragança Paulista. Os resíduos foram coletados aos domingos, dia de maior
movimento, por volta das 18:00 hs.
Como relatado, as chamadas “praias” são locais na maioria das vezes de acesso
público, muito presente nas grandes represas que, quanto mais afastadas do litoral e mais
próximas de grandes centros urbanos, mais recebem pessoas com a finalidade de banhos,
pesca, prática de esportes náuticos, contemplação da paisagem em si, enfim, em busca de um
lazer náutico semelhante ao praticado em áreas lacustres naturais e praias marinhas.
Na represa Jaguari-Jacareí, estes espaços estão presentes em quase todas as cidades do
entorno da represa, mas muitos já foram fechados, como relatado por alguns dos
entrevistados. O fato do acesso à água estar diminuindo deveu-se à especulação imobiliária
que, com a construção de casas de veraneio às margens da represa. O acesso torna-se restrito à
uma pequena parcela de pessoas de cidades de fora (turistas) que têm condições de comprar
terrenos de alto valor ou permanecer em pousadas.
Figura 23: Prainha de Mangue Seco, Piracaia.
Figura 24: Prainha da Serrinha em Bragança Paulista.
Mas de que forma e em que dimensões os espaços públicos de lazer, sem uma gestão
adequada, podem contribuir também para o impacto ambiental nas represas?
Segundo Paiva (1982, p.164),
Outras atividades recreativas favorecidas pelas grandes represas, porém
incluídas entre aquelas de contato secundário - acampamentos, piqueniques,
navegão, pesca e caça -, podem em muito contribuir para a deterioração dos
ambientes aquático e marginal, em virtude da concentração de lixo nos locais
de aglomerações e lançamento de materiais poluentes na água, entre os quais
se destacam os restos de alimentos, os excrementos humanos, os
combustíveis dos motores de navegação e os resíduos da sua combustão.
O resultado da coleta dos resíduos sólidos na represa Jaguari-Jacareí, nos dias 08, 15 e
22 de janeiro, três domingos (no quarto a pesquisa não foi realizada devido à forte chuva), foi
um montante de 51,925 kg de lixo.
Queiroz (2000), em sua pesquisa sobre a represa do Lobo em Itirapina (SP), analisou o
total de lixo produzido nas casas de veraneio durante o período de maior visitação. A
pesquisadora utilizou a metodologia indicada pela Cetesb que aconselha a separação dos
materiais coletados em: 1) papel papelão, 2) vidros e garrafas, 3) materiais ferrosos, 4)
materiais não ferrosos, 5) trapos e couros, 6) plásticos e borrachas, 7) madeiras e serragens, 8)
areias, cinzas, cerâmicas e tijolos, 9) restos de comida e vegetais. Depois de separados, os
materiais teriam de ser pesados separadamente. A pesquisadora também, após serem
coletados os materiais, calculou a quantidade de peso produzido por habitante, já que possuía
informações sobre o número de ocupantes por residência.
No entanto, para este estudo, não havia dados sobre o número de visitantes da praia da
Serrinha, local de coleta dos resíduos, optou-se então, por utilizar a informação da única fonte
disponível, o comerciante A.C.J., que cinco anos comercializa em seu trailer alimentos na
referida prainha. O comerciante afirma ter contado mais de 150 carros e 30 motos em apenas
um domingo do verão de 2006.
Entrevistando os visitantes do local, a pesquisa constatou que a média de ocupantes
por veículo é de 4 pessoas e de motos 2. Estas pessoas permanecem no local de 4 a 8 horas, o
que dá o valor médio de 6 horas de visitação. Seguindo estas informações, a média de
visitantes aos domingos seria de 660 pessoas. Sendo o total em peso do lixo coletado o valor
aproximado de 52 kg., a média de lixo produzido pelos visitantes foi de 23grs/visitante/6
horas. Este valor, no entanto, não expressa a gravidade do problema, já que muitos dos
materiais coletados eram extremamente leves, como copos plásticos e embalagens
metalizadas.
Por isso, optou-se por calcular a quantidade em unidades dos principais materiais
coletados mencionando o tempo de degradação de cada um deles. Assim, pode-se visualizar
melhor os impactos ambientais, estéticos e de segurança para os usuários decorrentes do lixo
deixado às margens da represa. O total em unidades dos componentes mais presentes, de alto
grau de impacto ou periculosidade para os usuários foi de:
Tabela 1: Materiais deixados pelos visitantes e suas respectivas unidades, Bairro da
Serrinha.
Resíduo sólido Total em unidades
Copos plásticos 472 unidades
Sacos plásticos 182 unidades
Garrafas de plástico 130 unidades
Garrafas de vidro 42 unidades
Fraldas descartáveis
utilizadas
10 unidades
Embalagem de cigarro 60 unidades
Embalagem de plástico
metalizada
90 unidades
Latas de alumínio 17 unidades
Outros resíduos coletados interessantes de serem mencionados foram: embalagens
plásticas de engradado de cerveja, restos de carvão para churrasco, restos de alimentos,
pedaços de tecidos, embalagens plásticas de gelo, embalagens de sorvete e biscoito, papel e
pedaços de pano. Dentre as garrafas de vidro mencionadas, grande parte era de bebida
alcoólica e, as garrafas de plástico, de refrigerante 2 litros.
O resultado atingido o apresenta grande quantidade de latas de alumínio devido à
venda para reciclagem, que faz com que muitas pessoas fiquem no local coletando-as. A
presença de materiais como carvão e restos de alimentos mostra que o local é utilizado para
práticas de lazer que envolve churrascos e piqueniques. A presença de grande número de
embalagens de "salgadinhos" mostra também que, parte dos resíduos sólidos deixados, é fruto
do consumo de produtos pelo grande número de crianças que freqüentam o local com suas
famílias.
Um fator interessante a ser analisado é o grande número de sacos plásticos
encontrados (182 unidades), o que faz refletir sobre a falta extrema de uma educação
ambiental nestes lugares, pois os freqüentadores, mesmo possuindo sacos de compras, o
utilizam-nos para levar o lixo produzido durante o passeio pela represa. Muitos sacos
contendo lixo em seu interior também foram encontrados, provavelmente devido à falta de
lixeiras no local e ao grande número de pessoas por veículo, o deixados às margens da
represa.
Os impactos decorrentes do despejo de resíduos sólidos em recursos hídricos estão
diretamente ligados ao tempo de decomposição destes. Abaixo segue a Tabela 2, com o tempo
de alguns resíduos encontrados na represa:
Tabela 2: Tempo de decomposição dos materiais.
Material Tempo de decomposição
Casca de frutas 1 a 3 meses
Papel 03 a 06 meses
Pano 06 meses a 1 ano
Filtro de cigarro 05 a 10 anos
Tampa de garrafa 15 anos
Sacos plásticos 30 a 40 anos
Material Tempo de decomposição
Lata de conserva 100 anos
Plásticos 450 anos
Latas de alumínio 200 anos
Fralda descartável 600 anos
Garrafas de vidro Indeterminado
Garrafas plásticas (pet)
Indeterminado
Borracha Indeterminado
Fonte: Bidone e Povinelli (1999).
Segundo Bidone e Povinelli (1999), de acordo com seu grau de degradabilidade, os
resíduos sólidos podem ser classificados em: a) facilmente degradáveis: é o caso da matéria
orgânica presente nos resíduos sólidos de origem urbana; b) moderadamente degradáveis: são
os papéis, papelão e material celulóstico; c) dificilmente degradáveis: são os pedaços de
plano, retalhos, aparas e serragens de couro, borracha e madeira; d)não-degradáveis: incluem-
se aqui os vidros, metais, plásticos, terra, entre outros.
Analisados qualitativamente, os resultados apontam para o fato de que, os resíduos
sólidos coletados na represa deixados pelos que a utilizam para o lazer e turismo, na maior
parte, são materiais considerados de difícil degradação como plásticos e vidros.
Os resultados também alertaram sobre a possibilidade do lixo deixado no local causar
problemas epidemiológicos. Dentre os resíduos, haviam fraldas descartáveis utilizadas
deixadas no local pelas mães. Bidone e Povinelli (1999, p.7) destacam que os aspectos
epidemiológicos do lixo também são agravados pelos animais que estes atraem:
Pode-se destacar, dentre os mesmo, os ratos (causadores da peste bubônica,
da leptospirose), as moscas (que podem abrigar agentes transmissores de
febres, cólera, lepra, varíola, hepatite, amebíase, teníase), os mosquitos
(transmitindo viroses, dengue, febre amarela, malária), as baratas (suspeita-se
que veiculem o vírus da poliomielite) e as aves como urubus (transmissores
da toxoplasmose).
Assim, a qualidade da represa para recreação e turismo também é comprometida. A
presença de matéria fecal humana devido à falta de sanitários, aliada ao lixo em
decomposição, que acaba por atrair bactérias e animais, pode causar doenças aos banhistas. O
lançamento de garrafas de plástico, vidro ou lata, por outro lado, causa acidentes, quando
flutuando, para os que praticam esportes náuticos.
Desta forma, o total de lixo coletado foi considerável pelo fato de ter sido obtido em
apenas 3 dias de pesquisa, pelos tipos de materiais encontrados e pela proximidade do local
onde é despejado com um recurso hídrico. O total do lixo também é alarmante se considerado
que, por se tratar de um bairro rural, a coleta de lixo na praia da Serrinha é feita somente em
alguns dias da semana e, em decorrência do alto índice de chuvas no verão, os resíduos são
facilmente levados à água pela declividade do terreno. A referida declividade é destacada em
amarelo na Figura 25:
Figura 25: Declive do terreno da praia da Serrinha em Bragança Paulista.
Pode-se afirmar assim, que os resíduos sólidos encontrados, contabilizados e
quantificados na pesquisa, aliados a outras formas de poluição, podem comprometer a
qualidade da água, estética e condições de higiene do local.
Queiroz (2000) constatou em sua pesquisa, que a ocupação das represas pela atividade
turística, através do lixo produzido pelas casas de veraneio indevidamente coletado, pode
gerar impactos negativos para o ambiente, usuários e estética local. Como comenta, a falta de
uma coleta eficaz destes resíduos culmina na seguinte situação:
[...] o lixo fica espalhado pela praia durante horas e dias, perigo evidente de
contaminação da área, através de substâncias orgânicas e inorgânicas, que podem se
espalhar pelo solo, escorrer para própria represa ou ainda, infiltrar-se e atingir a
água subterrânea. O mau cheiro é sentido à distância e a poluição visual é
expressiva! (QUEIROZ, 2000, p.146).
Assim como a pesquisadora, o trabalho realizado na represa Jaguari-Jacareí conseguiu
levantar dados que indicam também serem as “prainhas” locais onde a atividade turística e o
lazer praticado geram impactos danosos ao meio ambiente e à saúde dos que freqüentam o
local. Merecendo assim, estes locais, a devida atenção do poder público e empresa gestora da
represa, no que se refere a implantação nestes espaços da coleta de lixo necessária, latas de
lixo e programas de educação ambiental para os usuários.
Queiroz (Op. Cit.) aponta que a percepção dos usuários da represa do Lobo (SP) em
relação aos impactos decorrentes da produção de lixo nos espaços públicos, envolve aspectos
peculiares:
Os excursionistas ocasionais, por sua vez, não se percebem como produtores de
lixo, contudo jogam todo tipo de resíduos na areia da praia, tocos de cigarro, papéis,
restos de alimentos, garrafas vazias (de vidro e plástico), latas etc., parecendo não
se incomodarem com o mau-cheiro e a paisagem desagradável gerada. Esses fatos
nos levam a crer que os turistas sazonais (cada vez em maior número),
provavelmente por permanecerem pouco tempo ali, não conseguem estabelecer um
vínculo afetivo com o local, embora expressem muita admiração pela beleza cênica
da Represa. Dessa forma, não se preocupam com o meio ambiente e talvez nem
percebam a poluição que provocam. A maioria é oriunda das classes mais pobres
das cidades vizinhas, moradores da periferia urbana deficiente em infra-estrutura,
obrigados, pelas circunstâncias, a se acostumarem a padrões de limpeza pouco
exigentes, reproduzindo o seu cotidiano quando têm oportunidade de usufruir horas
de lazer.
Este trabalho, no entanto, propôs-se a investigar se realmente os usuários não se
percebem como produtores de impactos negativos e, também, se estes estão realmente
“acostumados” com o lixo espalhado ao seu redor. Esta seuma das questões indagadas na
parte referente à percepção da represa tratada no último tópico deste estudo.
Cabe destacar ainda que, durante a coleta do lixo, feita pelos estagiários e a
pesquisadora, algumas pessoas que estavam no local demonstraram interesse em ajudar na
coleta, como demonstrado na Figura 26. Foi indicado para estas pessoas que o lixo deveria ser
coletado e deixado próximo ao veículo da equipe. Estas pessoas indagavam sobre a razão da
pesquisa e muitas acabavam por confessar ter deixado lixo no local e que, refletindo sobre
como a prainha fica antes e após a coleta do lixo, não cometeriam mais estes atos. Esta
narrativa demonstra uma das qualidades das pesquisas sociais, a de influenciar no objeto
pesquisado que no caso, longe de serem objetos são sujeitos. A relação dialética entre
pesquisador e pesquisado é estabelecida quando o primeiro faz com que o sujeito em estudo
reflita sobre si mesmo e, com esta mudança, faz com que o pesquisador, por sua vez, mude
também sua perspectiva sobre o analisado.
Figura 26: usuário da represa auxiliando na coleta do lixo a ser analisado.
5.7 – Caracterização dos usuários da represa Jaguari-Jacareí para o lazer e turismo.
Neste tópico serão focalizados os seguintes aspectos dos que utilizam a represa
Jaguari-Jacareí, objeto dessa investigação, para o lazer e turismo: local de origem, motivação,
acompanhantes, meios de transporte, alimentação, hospedagem dos usuários, atividades
praticadas na represa, perfil sócio econômico (sexo, faixa etária, renda, grau de escolaridade e
ocupação).
Atendendo assim a um dos objetivos específicos deste trabalho: através do
entendimento destas características, traçar o perfil dos usuários da represa, verificar a hipótese
de segregação espacial dos visitantes das represas, de geração de benefícios para
empreendedores locais pelas diversas categorias e as possibilidades de uso múltiplo do
recurso hídrico através do levantamento das diversas atividades de lazer praticadas na represa.
Para a coleta dos dados foram entrevistados 386 usuários da represa Jaguari-Jacareí,
separados em quatro categorias: turistas, excursionistas, proprietários de casa de veraneio e
moradores locais, como já especificado no capítulo referente aos procedimentos
metodológicos adotados.
Iniciando a descrição e análise, os resultados obtidos com a pesquisa permitem afirmar
que a represa é o principal atrativo que leva os turistas e excursionistas entrevistados a se
deslocarem para as cidades de seu entorno. A porcentagem de turistas que afirmou ser a
represa a principal motivação para sua vinda é de 91%, correspondendo a 62 entrevistados; a
porcentagem de excursionistas também foi de 91%, correspondendo a 80 entrevistados.
A represa também foi a principal motivação para que os proprietários de casa de
veraneio adquirissem um imóvel próximo à represa. Dos entrevistados, 63% apontaram a
represa como o principal motivo. Outros motivos mencionados pelos entrevistados são
demonstrados na Figura 27:
63%
14%
12%
10%
2%
pela própria
represa
estética da
paisagem
rural
investimento influência
de amigos
outros
Figura 27: Motivos que levaram os proprietários de casa de veraneio a adquirir uma
propriedade na represa, segundo os entrevistados dessa categoria.
Foi indagado aos proprietários de casa de veraneio, quanto tempo adquiriram o
imóvel na represa. O resultado obtido com as respostas foi: 37% dos entrevistados possuem a
casa de 1 a 5 anos, 39% de 6 a 10 anos, 8% de 11 a 15 anos, 10% de 16 a 20 anos e 6%
possuem a casa de 21 a 25 anos. Estes dados demonstram que a ocupação na represa por casas
de veraneio teve seu crescimento acelerado após 1995, que 76% dos entrevistados possuem
sua casa 10 anos ou menos.
O fato de estar localizada próxima a grandes centros urbanos como São Paulo e
Campinas, com rodovias que ligam as cidades de seu entorno a estes grandes centros, ajuda a
promover o fluxo de visitantes interessados em ter na represa uma opção de viagem nos finais
de semana. Prova disso é que grande parte dos turistas provém de São Paulo (capital) ou de
cidades da Grande São Paulo, somando 66% dos entrevistados.
o fluxo de excursionistas, pessoas que permanecem menos de um dia na represa, é
oriundo principalmente de cidades do interior do estado de São Paulo (53%) ou de outras
cidades do entorno da represa (25%).
Os proprietários de casa de veraneio entrevistados são, em sua maioria, das cidades do
entorno da represa (51%), mesmo assim, considerável número destes que residem em São
Paulo (capital), somando 37% dos entrevistados. Também foram identificados proprietários
vindos da cidade de Campinas e outras cidades do interior de São Paulo, mas em número
reduzido. Os dados relacionados com o local de origem de turistas, excursionistas e
proprietários de casa de veraneio da represa são explanados na Tabela 2:
Tabela 2: Local de origem dos turistas, excursionistas e proprietários de casa de
veraneio.
Local de
origem
Categoria
São Paulo
(capital)
Grande
SP
Campinas
Interior
São Paulo
Entorno
da represa
Outros
estados
Totais
Turistas 28
41%
17
25%
2
3%
14
21%
5
7%
2
3%
68
Excursionistas
9
10%
9
10%
------ 46
53%
22
25%
2
2%
88
Proprietários 19
37%
----
-----
3
6%
3
6%
26
51%
----
----
51
Totais 56 26 5 63 53 4 207
Como demonstrado, o fluxo de visitantes na represa ainda não capta turistas de outros
estados em quantidade relevante. Apenas poucas pessoas de alto poder aquisitivo vem de
outros estados, principalmente visando a prática da pesca esportiva na represa, como já havia
relatado o guia de pesca entrevistado. Tal fato supostamente poderia ser explicado pela pouca
divulgação da represa, que, a maioria dos turistas e excursionistas soube de sua existência
através de amigos e não por sites ou outros meios de comunicação (Tabela 3).
Tabela 3: Meios de informação sobre a represa utilizados por turistas e excursionistas.
Meio Categoria
de informação
Turistas
Excursionistas
Totais
Por morar na
região
3
4%
7
8%
10
Indicação de
amigos
37
54%
52
59%
89
Indicação de
familiares
10
15%
19
22%
29
Indicação de
moradores locais
6
9%
2
2%
8
Através de
propagandas/sites
7
10%
-----
-----
7
Não se lembra 5
7%
8
9%
13
Totais 68 88 156
A represa também é um atrativo para os moradores das cidades do entorno da represa,
que a utilizam para o lazer. Estes permanecem menos de 24 horas ou, mesmo residindo
próximo ao local, adquirem casas em cidades vizinhas também banhadas pela represa como
opção para os fins de semana e férias.
Como o maior espaço público para que os moradores e excursionistas possam
freqüentar a represa é a “prainha” do bairro da Serrinha, em Bragança Paulista, o local de
origem de maior incidência dos moradores entrevistados é Bragança Paulista (91%); Piracaia
é a cidade de origem de 5% dos entrevistados e 4% são de Joanópolis (Figura 28). Em
Vargem não os espaços públicos de fácil acesso e, por este motivo, não foi possível
entrevistar moradores utilizando a represa para o lazer.
91%
5%
4%
Bragança
Paulista
Piracaia
Joanópolis
Figura 28: Local de origem dos moradores.
O fato dos moradores de Bragança Paulista freqüentarem a represa em maior número
do que moradores de demais municípios do entorno, demonstra que os espaços públicos estão
se tornando cada vez mais escassos. A represa, aos poucos, fica restrita a turistas ou
proprietários de casa de veraneio, aglomerando grande número de moradores em uma mesma
praia.
No que se refere aos acompanhantes, em todas as categorias, os usuários
predominantemente vão à represa com seus familiares. O que revela ser a represa um local
onde o turismo e lazer são praticados por famílias, que constituem, assim, o principal público
a ser visado pelo planejamento turístico.
Os veículos vão em média com 4 ocupantes, fato comprovado pelas repostas dadas por
todas as categorias. O número de ocupantes é compatível com os altos índices de visitantes
na represa. Se, por um lado, o fato de cada veículo levar de quatro a cinco passageiros implica
na redução do número de veículos na represa, por outro, faz com que seja um argumento para
não se levar o lixo produzido, que os veículos estariam com excessivo número de
passageiros (justificativas ouvidas em campo).
Com isso, os dados revelam também que o carro é em todas as categorias o veiculo
mais utilizado. O fato de poucas pessoas irem ao local de ônibus é uma decorrência das
poucas linhas urbanas para o local e inexistência de linhas intermunicipais. Isso prejudica o
acesso à represa de uma demanda que não possui veículo próprio. Os dados referentes ao
meio de transporte utilizado, média de ocupantes por veículo e acompanhantes são explanados
no Quadro 4:
Quadro 4: Meio de transporte utilizado, média de ocupantes e acompanhantes por
categoria.
Categorias Meio de transporte
Média de
ocupantes
Ocupantes do veículo Total
entrevistados
Turistas 94% carro
2% moto
4% outros meios
4 pessoas
59% família
32% amigos
6% família e amigos
3% sozinhos
68
Excursionistas 84% carro
13% moto
3% ônibus
4 pessoas 62% família
25% amigos
11% família e amigos
2% sozinhos
88
Proprietários 94% carro
4% moto
2% ônibus
4 pessoas 65% família
31% amigos
4% família e amigo
51
Moradores 73% carro
23% moto
1% ônibus
1% outros
2% nenhum/mora
no bairro
4 pessoas 52% família
36% amigos
4% família e amigos
6% sozinhos
2% não utilizou transporte
179
O nado é a atividade mais praticada por todas as categorias de entrevistados (Tabela
4). Como indicado por Rocha e Branco (1977), o nado é uma atividade que requer cuidados
tanto em relação à qualidade da água para os que nela irão entrar em contato, assim como
cuidados para que a água não seja contaminada por coliformes fecais dos banhistas. Assim, a
balneabilidade da represa é fundamental para que continue sendo visitada pelas categorias, já
que o nado é a atividade mais visada. Neste caso, devem ser monitorados e divulgados os
níveis de qualidade da água, para que se evite o nado em locais impróprios para banho.
A CETESB informa em seu site a balneabilidade das praias de reservatório no estado
de São Paulo. Contudo, grande parte do monitoramento concentra-se nas praias do
reservatório de Guarapiranga. Apenas duas praias da represa Jaguari-Jacareí são monitoradas
em relação à balneabilidade, com relatórios fornecidos apenas anualmente. Em 2005, a
classificação da Praia da Serrinha, um dos locais de aplicação do questionário foi “regular”,
demonstrando alerta em relação à sua balneabilidade, como demonstra o mapa elaborado pela
CETESB (Figura 29).
Figura 29: Mapa dos índices de balneabilidade das praias em reservatórios monitorados pela
CETESB, 2005.
A contemplação da paisagem, uma das atividades de baixo impacto, é a segunda
atividade mais praticada por turistas, excursionistas e moradores, menos pelos proprietários de
casa de veraneio, cuja segunda atividade mais praticada são os esportes náuticos e a pesca.
Com isso, a pesquisa detectou que a prática de esportes náuticos deve ser monitorada
principalmente próxima às casas de veraneio, que seus proprietários demonstraram ser os
principais praticantes. Como mencionado, o não monitoramento pode gerar a poluição das
águas por óleos e graxas advindos de motores que estejam fora das normas ambientais.
A pesca é a terceira atividade mais praticada pelos turistas, excursionistas e
moradores; demonstrando que, mesmo sendo propícia para a pesca esportiva, a represa ainda
é mais utilizada para o nado ou contemplação. Durante a pesquisa de campo, muitos
pescadores relataram à equipe que as espécies de fácil captura (diferentes das destinadas à
pesca esportiva) estão escassas na represa. Apenas poucos peixes, de baixo peso e tamanho,
são capturados, indicando um alerta para os órgãos envolvidos no repeixamento da represa.
Mecanismos de sensibilização dos pescadores devem ser elaborados, pois estes devem ter
cuidados para com o ambiente, como respeito ao período de reprodução dos peixes. Também
deve ser proibida a introdução de espécies exógenas no reservatório sem prévio estudo.
Entre os turistas, excursionistas e moradores, o esporte náutico é a quarta atividade
mais praticada. Para os proprietários de casa de veraneio, a quarta atividade mais praticada é o
banho em cachoeiras, atividade menos praticada pelos excursionistas e moradores.
Tabela 4: Atividades praticadas na represa por categoria de entrevistados.
Atividade Turistas Excursionistas Proprietários Moradores Totais
Nado 41
60%
50
57%
35
69%
122
68%
248
64%
Contemplação
36
53%
41
47%
12
23%
55
31%
144
37%
Pesca 32
47%
23
26%
28
55%
29
16%
112
29%
Esportes 24
35%
9
10%
28
55%
10
6%
71
18%
Cachoeiras 15
22%
4
4%
14
27%
3
2%
36
9%
Outras 5
7%
8
9%
1
2%
10
6%
24
6%
Em relação ao meio de hospedagem utilizado, a maior parte dos turistas permanece em
pousadas. Em menor proporção, os turistas também se hospedam em residências secundárias
de amigos, camping, casas alugadas e clubes, como indicado na Figura 30:
54%
24%
15%
4%
3%
pousada casa de
amigos
camping casa
alugada
clube
Figura 30: Meios de hospedagem utilizados pelos turistas.
As pousadas tiveram classificações que variaram de “boa” a “excelente”,
demonstrando a satisfação dos turistas em relação aos meios de hospedagem disponíveis
(Figura 31).
excelente
40%
muito boa
15%
o fica em
pousada
38%
boa
7%
Figura 31: Classificação da pousada em que se encontrava segundo os turistas
entrevistados.
Este dado corrobora com as informações obtidas com os proprietários de pousadas,
marinas e clubes entrevistados, pois estes afirmaram que a taxa de retorno dos hóspedes é alta.
Fato que demonstra ser a represa um local propício para investimentos, no que diz respeito a
ganhos comerciais para empreendedores. Mesmo gerando também empregos para a população
local, estes empreendimentos não recebem apoio necessário dos diversos poderes envolvidos
na represa como prefeitura, governo estadual ou empresa gestora da represa, como
explanado.
Como ilustrado na Tabela 5, os usuários da represa, de acordo com os dados
apresentados, também geram renda para empreendedores locais de alimentos e bebidas. Os
turistas são os que mais compram em bares e lanchonetes locais e os proprietários de casa de
veraneio os que menos consomem, trazendo, em sua maioria, alimentação de sua cidade de
origem. Queiroz (2000) também constatou na represa do Lobo em Itirapina-SP que 80% dos
proprietários de casa de veraneio trazem a alimentação da sua cidade de origem.
Tabela 5: Meio de alimentação utilizado pelas diversas categorias.
Categoria de
entrevistados
Meio de alimentação
utilizado
Traz alimentação da
cidade ou bairro de
origem
Bares e lanchonetes
locais
Outros meios de
alimentação
Turistas 31
46%
30
44%
7
10%
Excursionistas 65
74%
17
19%
6
7%
Proprietários casa
de veraneio
40
78%
- - - - - 11
22%
Moradores 94
53%
70
39%
15
8%
Ainda em relação à renda gerada pelos usuários da represa, cabe mencionar que a
maior parte dos proprietários de casa de veraneio entrevistados emprega indireta ou
diretamente pessoas da região, representando 57% da amostra (ver Figura 32). Quanto ao
número de pessoas empregadas, 22% emprega 1 pessoa, 18% emprega 2 pessoas, 14%
emprega 3 pessoas, 4% não sabe ao certo por ter casa em condomínio e o restante, 41%, o
emprega.
53%
41%
4%
2%
emprega
pessoas da
reigião
não emprega
emprega
indiretamente
não respondeu
Figura 32: porcentagem dos proprietários de casa de veraneio que empregam pessoas da
região, segundo os entrevistados dessa categoria.
No que diz respeito ao perfil sócio-econômico dos usuários, percebeu-se a tendência
da represa ser freqüentada por usuários do sexo masculino, fato também evidenciado na
pesquisa de demanda de Queiroz (2000) na represa do Lobo (SP). Do total 386 entrevistados,
58% foram do sexo masculino e 42% do sexo feminino. A faixa etária dos entrevistados
situou-se, na maior parte, entre 20 a 39 anos, sendo 79% com menos de 40 anos, 25% de 40 a
60 anos e apenas 4% com mais de 60 anos.
Sem separá-los por categoria, dos 386 sujeitos entrevistados, a maioria (62%) recebe
entre menos do que 1 salário mínimo (onde estão incluídos também estudantes e donas de
casa) até 3 salários nimos. Os que recebem de 3 a 10 salários somaram 28% dos
entrevistados, de 10 a 40 salários 9%, acima de 40 salários 1% e os que não possuem renda
fixa 1%, como indicado na Figura 33:
25%
37%
19%
9%
6%
3%
1%
1%
< 1 s.m
1 a 3 s.m.
3 a 5 s.m.
5 a 10 s.m.
10 a 20 s.m.
20 a 40 s.m.
> 40 s.m.
variável
Figura 33: Porcentagens do total de entrevistados que possuem determinado nível de
renda em salários mínimos.
No entanto, separando-os por categoria, pode-se chegar a dados que revelam a
discrepância de perfis sócio-econômicos entre turistas, excursionistas, moradores e
proprietários de casa de veraneio, como revelado na Tabela 6:
Tabela 6: Faixa de renda dos usuários.
Usuários <1s.m. 1 a 3
3 a 5
5 a 10 10 a 20
20 a 40
> 40 variável
totais
Turistas 9
13%
10
15%
17
25%
15
22%
9
13%
3
4%
3
4%
2
3%
68
Excursionistas
19
26%
38
43%
19
22%
8
9%
2
2%
2
2%
------
------
88
Proprietários
casa veraneio
9
18%
11
22%
12
24%
5
10%
9
18%
5
10%
------
------
51
Moradores 59
33%
83
46%
26
15%
6
3%
3
2%
------
1
0,5%
1
0,5%
179
Total 96
142
74
34
23
10
4
3
386
A tabela indica que quase a metade (48%) dos turistas possui renda mensal de 3 a 10
salários mínimos. Entre os demais, 17% recebe entre 10 a 40 salários mínimos e 7% acima de
40 salários ou tem renda variável.
Apesar de diversificada, pode-se afirmar que a maior parte da renda dos proprietários
também se concentra entre 3 a 10 salários mínimos. O elevado nível econômico é
comprovado pelo fato de que 18% dos proprietários entrevistados receberem de 10 a 20
salários mínimos ao mês.
No entanto, é importante ressaltar que, apesar de 28% dos turistas e 32% dos
proprietários entrevistados possuírem renda individual entre inferior a 1 salário nimo a3
salários, muitos apresentam esse nível de renda individual por serem donas de casa ou
estudantes.
A maior parte dos excursionistas possui renda entre inferior a 1 salário mínimo a 3
salários, 65%. Os moradores, em sua maioria, também possuem ganho mensal entre menor
que 1 até 3 salários mínimos, correspondendo a um número ainda maior de entrevistados,
77%.
A porcentagem de excursionistas que possui renda entre 3
a 10 salários é de 31%, dos
moradores 17%. Apenas 4% dos excursionistas e 7% dos moradores possuem renda de 10 a
40 salários mínimos.
Para a verificação detalhada do perfil sócio-econômico dos usuários são apresentados,
na Tabela 7, dados referentes ao grau de escolaridade dos usuários por categoria. Na Tabela é
possível observar as diferenças entre as categorias, também ocorridas em relação à renda:
Tabela 7: Nível de escolaridade dos usuários
Escolaridade
Categorias
Turistas Excursionistas
Proprietários Moradores Totais
Fundamental
incompleto
7
10%
20
23%
4
8%
49
27%
80
Fundamental
completo
----- 6
7%
1
2%
25
14%
32
Médio
incompleto
9
13%
13
15%
1
2%
39
22%
62
Médio
completo
14
21%
35
40%
6
12%
47
26%
102
Superior
incompleto
7
10%
2
2%
14
27%
10
6%
33
Superior
completo
28
41%
10
11%
22
43%
9
5%
69
Pós-
graduação
3
4%
2
2%
3
6%
---- 8
Totais 68 88 51 179 386
A tabela permite afirmar que a maior parte dos turistas, correspondendo a 56%, possui
um curso superior, em contrapartida, 44% que possui apenas o ensino médio ou fundamental.
Os turistas apresentam grau de escolaridade inferior apenas ao dos proprietários de casa de
veraneio, que 77% destes possui curso superior e apenas 24% possui ensino médio ou
fundamental.
Em contrapartida, o grau de escolaridade da maior parte dos excursionistas,
correspondendo a 85% dos entrevistados está entre o ensino médio ou fundamental. Apenas
17% tem nível superior, grau de escolaridade semelhante ao dos moradores, que 89%
destes possui ensino médio ou fundamental e apenas 11% curso superior. Ressaltando-se que
nenhum dos moradores entrevistados possui curso de pós-graduação.
Em relação à ocupação dos turistas, a maior porcentagem detectada foi a de
assalariados (38%), seguida de autônomos (25%), proprietários de negócios (21%), donas de
casa (9%), estudantes (6%). Apenas 2% estão desempregados.
Acima dos índices apresentados pelos turistas, os proprietários de casa de veraneio que
são proprietários de seus negócios somaram 33% dos entrevistados. O índice de assalariados
foi de 22%, de estudantes 16%, aposentados 14%, autônomos 8%, estudantes que trabalham
6% e de desempregados, assim como os turistas, apenas 2%.
A maior porcentagem, correspondendo a 47% dos excursionistas, era de assalariados,
26% autônomos, 11% donas de casa. No entanto, diferentemente dos turistas, 7% estão
desempregados, apenas 5% são proprietários de negócios, 2% são estudantes e 2% não
quiseram responder a essa pergunta.
Semelhantes aos excursionistas, 45% dos moradores são assalariados, 15% são
autônomos e 11% donas de casa. O número de desempregados foi o maior de todas as
categorias (8%). Os que são proprietários de negócios somaram 7%, aposentados 2% e,
registrando também o maior índice, 7% dos entrevistados, não quiseram responder a essa
pergunta.
De acordo com os dados apresentados sobre o perfil sócio-econômico dos usuários, os
resultados apresentados apontam uma realidade sócio-econômica semelhante entre turistas e
proprietários de casa de veraneio e entre excursionistas e moradores locais. Isso reflete nos
espaços que estes têm acesso na represa.
Proprietários de casa de veraneio permanecem em suas residências secundárias,
turistas em pousadas, gozando da infra-estrutura proporcionada pela iniciativa privada.
excursionistas e moradores o segregados em espaços como terrenos abandonados ou
loteamentos transformados em “prainhas”, sem qualquer iniciativa pública de proporcionar
infra-estrutura como sanitários, latas de lixo, salva-vidas e segurança.
Com indicado por Queiroz (2000), a distribuição de serviços públicos
e infra-estrutura turística é pouco igualitária nas represas, o que
denota um contexto de segregação sócio-espacial. A realidade
existente na represa Jaguari-Jacareí revela esta face do turismo: ele é
potencialmente excludente, passível e agente ao mesmo tempo de
segregações sociais. A ordenação territorial obedece ao poder
aquisitivo de grupos específicos que, mesmo sendo uma minoria, dita
o uso e ocupação que aquele espaço terá.
Com isso, casas de veraneio e pousadas às margens da represa
fecham cada vez mais o acesso à água para uma grande parcela de
excursionistas e moradores, que não possuem poder aquisitivo para
comprar uma residência no local ou pagar diárias para pernoitar em
uma pousada. Por isso, a flutuação entre as categorias torna-se uma
potencialidade e não uma realidade. Tem-se que excursionistas e
moradores não constituem nem uma demanda real, nem uma
demanda potencial, pois estes almejam consumir os produtos e
serviços oferecidos, mas não são capazes de consumir a dado preço.
A oferta turística disponível pode ser definida como a quantidade de bens e serviços
turísticos que as empresas são capazes de oferecer a dado preço, em determinado período de
tempo. Pode ser definida, também, como o conjunto de atrações naturais e artificiais de uma
região, assim como todos os produtos turísticos à disposição dos consumidores, para a sua
máxima satisfação. Neste caso, por outro lado, a oferta disponível na represa, no que diz
respeito aos meios de hospedagem, consegue satisfazer às necessidades e expectativas de seus
consumidores, já que a maioria dos turistas entrevistados classificou a pousada onde estava
hospedado como excelente.
As entrevistas realizadas com os empreendedores do turismo na represa, como
mencionado, também indicam que estes possuem uma boa relação entre sua oferta e a
demanda, pois seus investimentos apresentam altas taxas de retorno dos hóspedes. Da mesma
forma, a relação entre os que podem ofertar e entre os que podem consumir essatisfazendo
ambas as partes, o que vem a proporcionar a geração de empregos nestes estabelecimentos,
assim como a ocupação do espaço por casas de veraneio gera empregos para pessoas da
região, diretamente ou indiretamente.
Contudo, é a partir desta relação entre oferta-demanda baseada na maximização dos
lucros dos empresários e no atendimento dos desejos e anseios da demanda, bem como na
especulação imobiliária derivada das casas de veraneio que surgem outras categorias de
usuários da represa, como os excursionistas. Estes, tratados muitas vezes como um problema
para o turismo, como um grupo massivo de visitantes que nada deixa de benefícios
econômicos para o local.
Esta posição contrária aos visitantes que permanecem menos de 1 dia no local e que
não deixam benefícios, pode ser legitimada com dados relativos ao meio de alimentação
utilizado, pois estes, predominantemente, trazem suas refeições da cidade de origem.
No entanto, a pesquisa detectou que, mesmo entre os turistas, parte das pessoas traz a
alimentação de casa. Detectou também que os proprietários de casa de veraneio são os que
menos contribuem para gerar benefícios econômicos para os meios de alimentação locais,
que esta categoria foi a que mais afirmou trazer alimentação de seu município ou bairro de
origem. Verifica-se assim que estes dados, esperados que fossem relacionados somente aos
excursionistas, permeiam outras categorias. Além do que, a maior parte realmente traz sua
alimentação de casa, mas, mesmo assim, há excursionistas que fazem suas refeições em bares
e lanchonetes locais.
Para que se tenha uma reflexão mais ampla sobre as diversas categorias que
freqüentam a represa, não se deve entendê-las ou valorizá-las por sua vertente econômica,
mas em suas reais dimensões sociais. Fato é que, categorias como a dos excursionistas
constituem, na realidade, um fruto do próprio turismo. Não se melhora o turismo em um local
exaurindo os excursionistas, mas é tornando possível o acesso à população de baixa renda à
oferta turística que se diminuirá a quantidade de excursionistas, pois estes poderão se tornar
turistas.
No caso do Brasil, as represas, por estarem em todo o território
nacional e serem construídas a partir do aval público, mesmo sendo
muitas vezes administradas por empresas privadas, constituem um
espaço onde a intervenção e a promoção do Estado poderia
concretizar um turismo social, com premissas indicadas por Boullón
(2004), Trigo (2002) e Coriolano (2002). Premissas estas como um
turismo de curtas distâncias a baixos custos, inclusivo, tanto no
aspecto de possibilitar lazer de qualidade a pessoas de baixa renda,
quanto no aspecto de gerar emprego para pessoas do local.
Almejando este tipo de turismo, a iniciativa pública poderia ter como
uma de suas metas no planejamento turístico, empregar pessoas que
foram atingidas pela construção da represa em centros de lazer e
turismo (clubes, pousadas). Poderia também promover uma maior
infra-estrutura básica e turística, melhorando a qualidade dos que
utilizam o local para o lazer e minimizando impactos ambientais no
recurso hídrico.
Fica assim, com os dados apresentados, cumprido o objetivo de caracterizar o perfil
dos usuários da represa para o lazer e turismo, com o levantamento de variáveis sobre as
condições sócio-econômicas de cada categoria. Cumprido este objetivo, a pesquisa também
conseguiu verificar a relação direta entre o perfil sócio-econômico e a segregação espacial dos
usuários. Verificou-se desta forma, a hipótese de que, assim como relatado na pesquisa de
Queiroz (2000), as represas são locais de segregação não somente social, mas espacial.
A pesquisa também conseguiu identificar a origem dos diversos fluxos de visitantes na
represa e sua relação com os meios de divulgação desta. Observou-se que ainda faltam
mecanismos de captação de demandas vindas de outros estados, já que o fluxo ainda é restrito
a pessoas do estado onde a represa es localizada. Com isso, pode-se levantar também a
sugestão de que a novos atrativos desejam formatados para captar essa demanda, como a
realização de eventos e roteiros na represa.
Através dos dados apresentados, pode-se corroborar a hipótese de os usuários geram
empregos e renda para o local em diversas proporções entre as categorias, seja através do
meio de hospedagem que utilizam, meio de alimentação ou ainda empregando direta ou
indiretamente pessoas em suas casas de veraneio. Pode-se dizer então, que o turismo e o lazer
na represa, se incentivados, podem maximizar estes benefícios econômicos para pessoas de
seu entorno.
A pesquisa também conseguiu alcançar o objetivo de identificar as atividades
praticadas na represa por categorias de entrevistados. Verificou-se que a represa, além de ser a
o principal atrativo para que turistas e excursionistas se desloquem até os municípios
banhados, é um atrativo que oferece a possibilidade de se exercer uma vasta gama de
atividades, como o nado, pesca, esportes náuticos e contemplação. Cada uma das atividades
praticadas, no entanto, deve ser fomentada pelos planejadores de forma a evitar danos ao
recurso drico, o que inviabilizaria o uso múltiplo da represa que tem como finalidade o
abastecimento.
Relatando a pesquisa de campo, as dificuldades encontradas na aplicação dos
questionários foram decorrentes da extensão da represa, da falta de placas indicativas dos
locais públicos, estradas em péssimas condições e do exaustivo trabalho de abordar usuários e
convence-los de participarem da pesquisa.
O acesso às marinas e pousadas contou com a colaboração de seus proprietários que,
justificadamente, no entanto, não autorizavam que a equipe ficasse muito tempo no local
importunando os hóspedes. Cabe mencionar ainda que, os proprietários de casa de veraneio
foram os mais difíceis de se entrevistar. Muitas casas ficavam em condomínios fechados,
outras, não receberam seus proprietários durante aquele período.
Mesmo com as dificuldades relatadas, os subsídios gerados para os planejadores de
turismo envolvidos foram válidos e conseguiram desvendar um universo ainda pouco
explorado pelas pesquisas: o do turismo e lazer nas represas. Espera-se também que a
metodologia e os resultados obtidos possam ser utilizados em outras pesquisas semelhantes,
para que, em cada represa estudada, possa-se comparar os dados obtidos e assim ser possível
ter um panorama geral sobre o turismo nestas áreas.
5.8 – Percepção dos usuários em relação à represa.
Este tópico vêm a contemplar um dos objetivos específicos propostos neste trabalho, o
de analisar a percepção que os usuários possuem em relação à represa, enquanto paisagem.
Com isso, pretende-se entender a percepção das diversas categorias sobre problemas
relacionados à infra-estrutura básica e turística na represa.
Através do levantamento da percepção que os usuários possuem de comportamentos
danosos ao meio ambiente, elencar possíveis implicações que levam o turismo a promover
novos impactos ambientais no recurso hídrico.
Pretende-se também verificar se o turismo reproduz o “apagamento” da história e
memória local, caso estas não sejam passíveis de serem percebidas por quem visita a represa.
Por outro lado, observar se o turismo e lazer promovem a (re)significação do espaço através
dos novos valores afetivos para com o local, oriundos das novas funções estabelecidas para a
represa.
Por fim, verificar se os valores estéticos atribuídos à represa se assemelham àqueles
atribuídos às lagoas, verificando a hipótese de que as represas sejam percebidas, em alguns
aspectos, como grandes lagoas naturais.
Percepção dos problemas da represa.
Para a maioria dos turistas entrevistados (63%) a represa deveria ser um local mais
utilizado para turismo. Quando indagados sobre quais elementos necessitam de melhoria para
que houvesse um maior desenvolvimento da atividade turística na represa, constata-se os
índices descritos na Figura 34:
57%
43%
41%
38%
37%
27%
15%
infra-estrutura
eventos
infra-estrutura turística
segurança e salva-vidas
acesso
todos
outros
Figura 34: O que necessita de melhorias para o turismo na represa segundo os turistas.
Nesta figura, o principal fator que necessita de melhorias, segundo os turistas, é a
infra-estrutura básica, caracterizada pela necessidade de sanitários e latas de lixo, entre outros
elementos. Os turistas acreditam também que a promoção de eventos, associados a esportes
náuticos, seria o segundo fator propulsor do turismo na represa, se melhor desenvolvidos.
Logo, dos entrevistados, 41% apontou a falta de infra-estrutura turística na represa, 38% a
falta de segurança e salva-vidas, 37% a falta de melhorias no acesso. O total de entrevistados
que acreditam ter a necessidade de melhorias em todos os itens citados no questionário
(segurança, salva-vidas, infra-estrutura básica e turística, eventos e acesso) foi de 27%. O
percentual dos que acreditam haver necessidade de melhorar outros fatores, que não os
citados pela pesquisa, foi de 15%.
Também para a grande maioria dos excursionistas entrevistados, 86%, a represa
deveria ser um local mais turístico. A porcentagem de repostas referentes ao que deve ser
melhorado na represa para o desenvolvimento da atividade turística, segundo os
excursionistas é explanado na Figura 35:
83%
73%
73%
67%
59%
53%
10%
infra-estruturasica
infra-estrutura turística
segurança e salva-vidas
acesso
eventos
todos
outros
Figura 35: O que necessita de melhorias para o turismo na represa segundo os excursionistas.
Os excursionistas apontam como prioritária a melhoria na infra-estrutura básica e
turística da represa, assim como a implantação de postos de salva-vidas e segurança em locais
estratégicos. Melhorias no acesso foi o quarto fator mais apontado pelos excursionistas e a
realização de mais eventos o terceiro. A porcentagem de excursionistas que acredita haver a
necessidade de melhorar todos os fatores citados pelo questionário foi de 53%.
Os proprietários de casas de veraneios entrevistados, mesmo em menor índice que as
demais categorias citadas, também apóiam o maior uso da represa para o lazer e turismo,
resposta dada por 59% dos entrevistados. O que necessita de melhorias na represa, segundo a
percepção dos proprietários, está descrito na Figura 36.
46%
37%
33%
31%
26%
8%
57%
infra-estrutura
infra-estrutura turística
eventos
segurança e salva-vidas
acesso
todos
outros
Figura 36: O que necessita de melhorias para o turismo na represa segundo os
proprietários de casa de veraneio.
Assim, numa descrição mais apurada, o fator mais apontado pelos proprietários é a
infra-estrutura básica, citado por 57%. Necessidade de melhorias na infra-estrutura turística
foi o segundo fator mais apontado, por 46% dos proprietários. Em seguida, maior promoção
de eventos, implantação de postos salva-vidas e de segurança, juntamente com melhorias no
acesso, foram os que tiveram índices próximos de apontamento pelos proprietários. Dos
entrevistados, 26% acreditam ser necessário melhorar todos os itens levantados pelo
questionário.
Foi indagado também aos proprietários de casa de veraneio, qual o principal problema
enfrentado por quem possui um imóvel na represa (Figura 37). Para 41% dos entrevistados, o
principal problema enfrentado é o baixo nível da água da represa, que impossibilita a prática
de esportes náuticos e interfere na estética da paisagem. O segundo problema mais citado foi a
interferência da SABESP (órgão gestor da represa) que, segundo os proprietários, fiscaliza de
forma enérgica a integridade da vegetação circundante, o uso impróprio da área de
preservação permanente às margens da represa, entre outros fatores que representam riscos
ambientais. Muitos dos entrevistados relatam estar com multas pendentes devido a supostos
impactos detectados pela SABESP. A precariedade no sistema de coleta de lixo e a falta de
privacidade devido às embarcações que transitam margeando suas residências, também foram
apontadas como problemas pelos proprietários. para 4% dos entrevistados, não há nenhum
grande problema a ser enfrentado por quem possui casa de veraneio na represa.
41%
28%
12%
10%
6%
4%
baixo vel da água interferência da sabesp
coleta de lixo falta de privacidade
outros nenhum
Figura 37: Porcentagem dos problemas enfrentados por quem possui casa na represa,
segundo essa categoria.
Sobre a utilização da represa para o turismo, a grande maioria dos moradores
entrevistados (92%) apóia esse empreendimento. Entretanto, os moradores acreditam em
mudanças a fim de melhorar essa atividade. A Figura 38 demonstra a percepção desses
sujeitos:
83%
82%
81%
68%
65%
60%
7%
infra-estrutura
segurança e salva-vida
infra-estrutura turística
eventos
acesso
todos
outros
Figura 38: O que necessita de melhorias para o turismo na represa segundo os
moradores.
Melhorias na infra-estrutura básica e turística da represa e a implantação de salva-
vidas e segurança foram fatores apontados por grande parte dos moradores, em média por
82% dos entrevistados. Maior promoção de eventos e melhoria no acesso tiveram índices
semelhantes de apontamento, citados por respectivamente 68% e 65% dos entrevistados. a
porcentagem de moradores que acreditam haver a necessidade de melhorar todos os fatores
foi de 60%. Os que apontaram outros elementos que devem ser melhorados constituem 7%
dos entrevistados.
O fato de serem segregados socialmente e, por isso, também estarem segregados
espacialmente, faz com que as categorias de usuários tenham diferentes percepções em
relação àquela paisagem. Isso é evidenciado quando analisados os dados referentes à
percepção do turismo na represa. Analisando as repostas dadas à pergunta referente ao que
deveria ser melhorado na represa para que o turismo nela também melhorasse, tem-se que as
categorias de entrevistados diferem muito quanto à sua percepção. Para os turistas, os três
itens que precisam de melhorias mais citados foram: infra-estrutura básica como latas de lixo
e sanitários, eventos e, em terceiro lugar, infra- estrutura turística. A porcentagem de turistas
que responderam que todos os itens levantados (infra-estrutura básica, infra-estrutura turística,
segurança e salva-vidas, eventos e acesso) foi de 25% de entrevistados.
Na percepção dos proprietários de casa de veraneio, os três itens que necessitam de
melhorias na represa são: infra-estrutura sica, infra-estrutura turística e eventos. A
porcentagem dos que responderam que todos os itens necessitam de melhorias, também foi de
26% de entrevistados. Sendo assim, turistas e proprietários de casa de veraneio possuem uma
visão semelhante em relação aos problemas que devem ser sanados para um maior uso
daquele espaço para o turismo.
Para excursionistas e moradores, a infra-estrutura básica é o que mais necessita de
melhorias. Em seguida, as duas categorias citaram a falta de segurança e de salva-vidas, assim
como melhorias na infra-estrutura turística como importantes itens a serem mudados.
Sendo a percepção ligada à experiência com o observado, as repostas adquiridas,
indicam a relação direta entre o que foi indicado pelas categorias de entrevistados e a
realidade vivida nos momentos em que estes estão na represa. Esta premissa fica ressaltada
através da diferença marcante entre a porcentagem de 26% turistas e proprietários de casas
que acreditam que todos os itens citados necessitam de melhorias, enquanto que as
porcentagens de moradores e excursionistas que tem essa percepção foram de 60% e 53%
respectivamente. Apesar de todas as categorias terem citado a necessidade de melhorias na
infra-estrutura básica, a porcentagem das repostas variou: entre turistas e proprietários de
casas a porcentagem foi próxima de 50%, enquanto que essa porcentagem entre moradores e
excursionistas ultrapassou 80%.
Os dados revelam assim que, as categorias de turistas e proprietários de casa de
veraneio que possuem uma infra-estrutura básica e turística disponível, assim como segurança
e salva-vidas, não elegem estes como fatores primordiais para o melhor uso da represa para o
turismo. moradores e excursionistas, segregados espacialmente em locais sem a menor
infra-estrutura, convivem com os problemas que, muitas vezes, culminam em óbitos por
afogamento e convívio com o lixo. O lixo que, sem destinação correta, somou em apenas um
desses espaços públicos durante 3 domingos de coleta, quase 60,00 kg., como apresentado
anteriormente.
Comportamentos ambientais
Dos 386 usuários da represa entrevistados, 94,6% acredita que, de alguma forma, as
pessoas prejudicam a paisagem quando vêm à represa. Na percepção dos entrevistados, os
comportamentos danosos ao meio ambiente são: jogar o lixo em locais impróprios, construir
casas de veraneio às margens da represa, lançar coliformes fecais na água, excessivo número
de pessoas no local, excessivo uso da água para abastecimento, praticar pesca predatória,
utilizar barcos a motor que derramam óleos e graxas, fazer fogueiras e destruir a flora local.
Dos entrevistados, alguns responderam mais de um comportamento, outros que, na sua
percepção, as pessoas o causam impactos. Houve ainda entrevistados que relataram
perceber que impactos são causados, mas não saberiam responder quais. Os comportamentos
praticados na represa, que na percepção dos usuários podem prejudicar a paisagem, são
apresentados na Figura 39:
84,2%
5,4%
2,2%
2,2%
1,0%
1,0%
0,8%
0,8%
0,8%
0,5%
0,5%
0,2%
0,2%
0,2%
lixo
acha queo prejudica
lixo e destruição da flora
fogueiras e lixo
desmatamento
pesca predatória
barcos a motor
o sabe responder
excesso de pessoas
lixo e barcos a motor
coliformes fecais
construções nas margens
uso excessivo da água
lixo e casas de veraneio
Figura 39: Percepção do total de entrevistados em relação às atitudes dos que freqüentam a
represa para o lazer que podem prejudicar a paisagem.
Como demonstrado na Figura 39, a grande maioria dos entrevistados, 84,2%, apontou
apenas o comportamento de deixar o lixo às margens da represa como prejudicial à paisagem,
5,1% apontaram jogar lixo e mais outro fator como prejudicial, somando assim 89,3 % de
usuários que indicaram esse comportamento. O segundo maior índice foi o dos que
responderam acreditar que as pessoas não prejudicam de nenhuma forma a paisagem,
percepção de 5,4% dos entrevistados.
O lixo é um problema visível, perceptível ao observador da represa, principalmente
pelos que convivem com ele enquanto estão no local, seja nos espaços públicos ou quando, ao
usar equipamentos náuticos, se deparam com resíduos sólidos flutuando na água. Isso pode
explicar o fato de que 84% dos entrevistados apontaram apenas o comportamento de deixar o
lixo às margens da represa como prejudicial à paisagem.
O segundo maior índice foi o dos que responderam acreditar que as pessoas não
prejudicam de nenhuma forma a paisagem, percepção de 5% dos entrevistados. Este dado
indica também que, a percepção dos usuários em relação a comportamentos prejudiciais
àquela paisagem é limitada. Como já foi enumerado, atividades de turismo e lazer na represa
podem prejudicar muito mais o ambiente do que simplesmente através do lixo. A poluição da
água por derramamento de óleos e graxas de equipamentos náuticos, bem como a erosão
causada por casas de veraneio, a pesca predatória, a contaminação por coliformes fecais e
destruição da fauna e flora locais, também são fatores de grande impacto para o recurso
hídrico em questão.
Esta percepção em relação a comportamentos prejudiciais é preocupante, pois o
percentual de usuários que são proprietários de equipamentos náuticos como barcos a motor e
jet-ski entrevistados foi de 16%. Os proprietários de casa de veraneio são os que mais
possuem estes equipamentos (49%), em segundo lugar de turistas (28%) e, muito abaixo
destes índices, os excursionistas (6%) e moradores (4%). Turistas e proprietários de casa de
veraneio são, assim, as categorias que mais contribuem para este tipo de impacto, como
também evidenciado na represa do Lobo onde, segundo Queiroz (2000) 65% dos proprietários
de casa de veraneio utilizam jet-ski ou passeios de barco. Contudo, como mencionado, o uso
destes equipamentos não é percebido como prejudicial à represa para a grande maioria dos
entrevistados.
Quando indagado aos usuários quais pessoas têm comportamentos prejudiciais à
paisagem, as respostas dadas foram (Tabela 8): para os turistas são todos que visitam a
represa, para os excursionistas são pescadores, moradores, turistas juntamente com os
excursionistas, já para os proprietários de casa de veraneio são pescadores em conjunto com
os excursionistas e a SABESP.
Tabela 8: Porcentagem de respostas relativas a quem prejudica a paisagem segundo a
percepção das diversas categorias de entrevistados.
Quem prejudica a
paisagem
Percepção
dos turistas
Percepção dos
excursionistas
Percepção dos
proprietários de
casa de veraneio
Percepção dos
moradores
Turistas 47 49 47 46
Todos os que visitam 12 24 4
29
Não sabe 10 20 4 12
Excursionistas 7 -------
35
1
Moradores 6 6 2 6
Outros 9 1 2 3
Pescadores 6 ------- ------- 1
Turistas e excursionistas ------- 4 -------
Proprietários de casa
veraneio
3 ------- ------- 1
Pescadores e
excursionistas
------- ------- 2 -------
Sabesp ------- ------- ------- 1
Total: 100% 100% 100% 100%
Ainda em relação à percepção de comportamentos, os dados indicam que, na
percepção de todas as categorias de entrevistados, os turistas são os usuários que mais causam
impacto na represa. Outro dado interessante é o de que os moradores constituem a categoria
que mais acredita que todos os usuários prejudicam a paisagem, resposta dada por 29% dos
entrevistados. Os proprietários de casa de veraneio são os que mais apontaram (35%) os
excursionistas como os maiores agentes de impacto na represa.
Assim, proprietários de casa de veraneio são os que mais possuem o sentimento de
aversão à categoria de excursionistas, comumente criticada como a grande “vilã” dos lugares
turísticos. Queiroz (2000) também constatou esse sentimento de aversão dos proprietários de
casa de veraneio em relação aos excursionistas. Segundo a pesquisadora, o conflito entre estes
dois segmentos que visitam a represa, um oriundo da classe média-baixa, freqüentadores
eventuais e os que possuem segundas-residências no local, constitui um processo evidente de
distinção social.
Atribuir ao turista e aos excursionistas as responsabilidades sobre os prejuízos
causados ao meio ambiente, foi discutido na obra de Krippendorf (2000). O autor comenta
que, os comportamentos dos turistas que os levam a serem julgados desta forma, derivam
principalmente do fato de que estes não se preocupam em suas viagens de lazer com maiores
responsabilidades com o meio ambiente local. Muitas vezes, nem sequer tem o conhecimento
das reais dimensões de comportamentos predatórios. Assim, o autor critica também o fato de
não lhe serem dados mecanismos de aguçar sua percepção. Isso porque, o comportamento só
será mudado se a atitude ambiental for mudada, ou seja, a posição assumida pelos visitantes
em sua relação aquele ambiente. Pois é da atitude ambiental assumida internamente que
derivam suas externalidades, ou seja, os comportamentos condizentes à atitude assumida.
Neste aspecto, a visão dos entrevistados foi de encontro à visão do autor. Todas as
categorias de entrevistados têm a percepção de que o fator que mais leva os usuários a
prejudicar a paisagem é a falta de educação/sensibilização destes, ou seja, a falta de
programas de educação ambiental, que sensibilizem os usuários em relação aos problemas
causados por seus atos (Tabela 9).
Com tudo, outras justificativas apontadas por excursionistas e moradores indicam
demais medidas para sanar problemas ambientais. Estas categorias apontam a falta lixeiras
como um fato que leva as pessoas a cometer o ato de jogar o lixo na represa e seu entorno
(resposta de 36% e 30% dos entrevistados respectivamente). Essa percepção deriva do fato de
que estas categorias usufruem a represa em espaços que não possuem lixeiras e que,
justamente por isso,o os espaços onde mais se encontram lixos espalhados.
Tabela 9: Porcentagem, por categoria de entrevistado, que têm determinada percepção
dos motivos que levam os usuários a tomarem atitudes que prejudicam a paisagem da
represa.
Por quê as pessoas tomam
atitudes que prejudicam a
paisagem.
Turistas Excursionistas
Proprietários de
casa de veraneio
Moradores
Falta de lixeiras 7 30 19 36
Falta de educação 56 35 53 40
Falta de fiscalização 22 16 14 11
Por não morar no local ------ 2 6 2
Por não saberem que prejudicam
10 5 4 3
Não sabe responder 3 9 2 5
outros 2 3 2 3
Percepção histórica da represa.
A segunda parte de perguntas estava relacionada à memória do lugar, ao conhecimento
da dimensão da represa e do destino de sua água. O objetivo foi o de constatar a percepção
dos usuários acerca desses aspectos e, assim, se chegar a dados que explicassem a posição
adotada pelos usuários frente àquela paisagem.
A primeira pergunta da série foi relativa à percepção sobre a função da represa. Essa,
como as demais perguntas, foi feita a todas as categorias de entrevistados, sendo analisada
sem distinção de categorias. Posteriormente, foram comparadas as diversas percepções entre
as categorias. Um dos resultados obtidos foi o de que, a maior parte dos usuários não sabe o
motivo da construção da represa. Dos 386 entrevistados, 62% responderam “não” à pergunta
– Você sabe por que a represa foi construída? -, como explanado na Figura 40:
o
sabem
62%
sabem
38%
Figura 40: Porcentagem dos entrevistados no geral que tem conhecimento da razão da
construção da represa.
Comparado-se as diversas categorias, os resultados apontam que os proprietários de
casa de veraneio são os que mais sabem o motivo da construção da represa, 57% destes. Em
seguida, a segunda categoria que mais afirmou ter conhecimento sobre a construção da
represa foi a dos turistas, 38%, em terceiro lugar a dos moradores, 36%. A categoria que
menos possui conhecimento sobre o motivo da construção da represa foi a dos excursionistas,
30% dos entrevistados. Das categorias de entrevistados houve aproximadamente, em cada
uma delas, uma discrepância de 2% dos que afirmaram saber o motivo da construção da
represa e dos que responderam corretamente o motivo, ou seja, que foi construída para o
abastecimento. Assim, por categoria, alguns entrevistados julgaram saber o motivo da
construção, mas na realidade estavam equivocados, afirmando ter sido para geração de
energia, lazer ou criação de peixe. Ver Figura 41:
30%
36%
38%
57%
55%
32%
34%
27%
excursionistas moradores proprietários turistas
afirmaram saber sabem realmente
Figura 41: Comparativo entre os entrevistados que afirmam saber por que a represa foi
construída e índice dos que responderam corretamente o por quê da construção da
represa nas diversas categorias de entrevistados.
A segunda pergunta da rie foi correspondente ao conhecimento dos usuários em
relação aos municípios que tiveram áreas inundadas, ou seja, os municípios de Vargem,
Bragança Paulista, Piracaia e Joanópolis. Assim, pode-se constatar o conhecimento sobre a
história do local e também a percepção sobre a dimensão da represa. O resultado obtido pela
pesquisa foi o de que a grande maioria dos usuários desconhece quais municípios tiveram
áreas inundadas para a construção da represa, ou seja, quais municípios foram atingidos.
Os turistas constituem a categoria de usuários que menos possui um real
conhecimento, com 84% dos usuários afirmando não saber quais municípios foram atingidos.
Um dos dados mais interessantes levantados pela pesquisa foi o de que, os moradores
constituem a segunda categoria de usuários que menos sabe sobre quais municípios foram
atingidos, 79% dos entrevistados. Em seqüência, têm-se os excursionistas, onde 77% dos
entrevistados não sabem quais municípios foram atingidos. Igualmente, dos proprietários de
casa de veraneio, 77% também não sabem quais os municípios, como demonstrado na Figura
42.
84%
79%
77%
77%
turistas moradores excursionistas proprietários
Figura 42: Comparação entre as categorias de entrevistados demonstrando a
porcentagem dos que afirmaram não ter conhecimento dos municípios que tiveram
áreas inundadas pela represa.
A discrepância entre afirmar saber e realmente saber foi considerável. Os
excursionistas foram os que tiveram o maior índice, pois, dos 23% que afirmaram saber quais
municípios foram atingidos, somente 1% os citaram corretamente. Os turistas constituíram a
categoria onde a discrepância foi menor, dos 16% que afirmaram saber quais municípios, 9%
os acertaram. Ver Figura 43:
24%
16%
21%
23%
9%
4%
3%
1%
excursionistas moradores proprietários turistas
afirmaram saber acertaram os municípios inundados
Figura 43: Comparativo entre os entrevistados que afirmaram saber quais municípios
que tiveram áreas inundadas e os que acertaram quais os municípios, nas diversas
categorias de entrevistados.
Foi perguntado aos usuários se, na percepção destes, a água da represa abastece algum
município. O resultado obtido foi o de que 8% não sabem, 31% acreditam que o e 61%
afirmando que abastece, como explanado na Figura 44. Assim, 39% dos usuários
entrevistados freqüentam a represa sem perceber que a água da represa tem como finalidade o
abastecimento.
não
sabem
8%
o
31%
sim
61%
Figura 44: Porcentagem dos entrevistados que responderam que a água da represa
abastece algum município.
Novamente, houve discrepância entre os que afirmaram saber quais os municípios a
água abastece e quais os sabiam corretamente. A categoria dos moradores foi a que mais
apresentou essa discrepância, assim, dos 69% que afirmaram que a represa abastece algum
município, apenas 28% acertaram os municípios abastecidos, ou seja, responderam que são os
municípios da grande São Paulo. A discrepância foi menor na categoria dos proprietários,
onde dos 61% de entrevistados que afirmaram acreditar que a água abastece algum município,
45% os responderam corretamente (ver Figura 45).
69%
59%
61%
51%
29%
45%
28%
21%
excursionistas moradores proprietários turistas
acreditam que abastece sabem quais municípios abastece
Figura 45: Comparação entre os que afirmaram acreditar que a represa abastece algum
município e os que responderam corretamente quais os municípios abastecidos.
Os dados demonstram que, em relação à percepção
histórica e funcional da represa, os usuários possuem
pouco conhecimento real sobre estas dimensões da
paisagem. As respostas dadas indicam que os
impactos causados na paisagem pela construção da
represa não são passíveis de serem percebidos pela
observação dos usuários. A grande maioria não sabe
quais municípios tiveram áreas inundadas para a
construção desta. Este dado também indica que a
percepção destes sobre aquela paisagem não capta
quais os municípios a represa abrange. Poucos
entrevistados que afirmaram saber quais foram
municípios atingidos, um número bastante reduzido
sabe realmente os municípios corretos.
Corroborando com estas informações, tem-se que mais da metade dos usuários
entrevistados freqüentam a represa para o lazer e turismo sem saber qual foi a finalidade de
sua construção, a de abastecer a Grande São Paulo e capital. Sendo assim, parte dos
entrevistados também acredita que a água da represa não é destinada ao abastecimento.
Mesmo quando os entrevistados afirmaram ter conhecimento sobre a finalidade da água da
represa, quando indagados sobre quais municípios abastecidos, quase metade não soube
responder corretamente.
Mais uma vez, percebeu-se a influência da pesquisa nos sujeitos participantes. Ao
indagar às pessoas sobre a represa, a pesquisa estimulava os usuários a saberem mais sobre o
local e sobre o porque de certos problemas ocorrerem e não serem sanados. Muitos
entrevistados indagavam sobre os apontamentos que se podia fazer com a pesquisa, ainda
então, em andamento.
Os dados obtidos afirmam a hipótese de que as represas são paisagens portadoras de
história que, apesar de latente, não é facilmente percebida por aqueles que, visualizando-as
por de cima de suas águas, não evocam o passado submerso. Com a desinformação sobre a
história e memória da represa pelos que a utilizam para a recreação, o turismo e o lazer, se
tornam um instrumento de reprodução do “apagamento” da história local impulsionado pela
forma em que as represas são construídas. Ficou clara a impossibilidade do turismo e lazer,
desenvolvidos atualmente, serem caminhos para que, no local, os visitantes possam refletir
sobre os impactos decorrentes das grandes represas.
Sobre a dificuldade de se perceber objetos distantes no tempo e no espaço, Penna
(1993) acrescenta que, através da curiosidade, imaginação, interesse pode-se gerar um
processo perceptual múltiplo com potencial de ser transformado, por fim, em enriquecimento
informativo. Mesmo que submerso, o passado e a transformação ocorrida, em uma percepção
mais aprofundada, pode ser vivenciado, se observadas as conseqüências das formas de
apropriação daquele espaço, cujas dimensões são vividas no plano do presente, como afirma
Penna (Op.Cit.).
As relações estabelecidas devido à construção da represa como segregação espacial, a
pouca influência do poder local sobre esta, as espécies exógenas ao redor de suas margens
(fruto do reflorestamento devido ao desmatamento para sua construção), assim como outros
elementos, podem ser fatores perceptíveis que transformam a memória em vivido, e esta,
como preconiza Nora (1993), deixa de ser, assim, apenas memória.
O “apagamento” da memória da represa, afirmado com as entrevistas, remete também
à potencialidade de se conceitualizar esta como um não-lugar”. Estes são caracterizados, de
acordo com o referencial teórico, como lugares de frágil afirmação de memória e identidade.
No entanto, quando indagado aos entrevistados sobre os valores afetivos que possuem em
relação à represa, descobriu-se que é atribuído a esta, através da vivência destes no local para
lazer e turismo, vínculos afetivos e funcionais específicos entre os usuários e aquela
paisagem.
Valores afetivos atribuídos à represa.
Ainda em relação à percepção da paisagem pelos usuários, foram feitas, no
questionário aplicado, perguntas relativas aos valores afetivos atribuídos à represa. Os
resultados obtidos com essas perguntas foram analisados também sem a separação por
categorias, levando em consideração a percepção dos 386 entrevistados no total. Algumas
foram analisadas comparando-se as diversas percepções por categoria.
A primeira pergunta tentou identificar a freqüência com que os usuários visitavam a
represa e o tempo que permaneciam. Os resultado obtido foi o de que a maioria dos turistas,
proprietários de casa de veraneio e moradores a visitam mensalmente (ver Quadro 5). a
maior parte dos excursionistas entrevistados estava visitando a represa pela primeira vez. O
tempo de permanência de turistas e moradores é, segundo também a maior parte dos
entrevistados dessas categorias, de 2 dias. Moradores e excursionistas permanecem, segundo a
moda estatística de freqüência, de 4 a 8 horas na represa, cada vez que a visitam, como
explanado no Quadro 5:
Quadro 5: Freqüência e permanência modal à represa, por categoria social pesquisada.
Categoria de entrevistado Moda de freqüência Moda do tempo de
permanência
Turistas mensalmente 2 dias
Excursionistas primeira vez de 4 a 8 horas
Proprietários de casa de
veraneio
mensalmente 2 dias
Moradores mensalmente de 4 a 8 horas
A segunda pergunta da rie referente aos valores afetivos atribuídos à paisagem, teve
como objetivo identificar a passagem da represa de espaço a lugar, constatando os
significados e funções atribuídos a ela pelos usuários. Foi assim indagado Para você a
represa é um lugar de... Com isso, tem-se que, para os 386 usuários entrevistados, a represa
atualmente representa um lugar:
33%
27%
15%
12%
6%
3%
3%
2%
divero
descanso
sair da rotina
ficar junto da família
importante para o abastecimento
bom para namorar
outros
bom para conhecer pessoas
Figura 46: Porcentagem das respostas dadas pelos entrevistados no geral em relação à
pergunta - Para você, a represa é um lugar de...
Como demonstrado na Figura 46, 33% dos usuários disseram que a represa representa
para eles um lugar de diversão, em seguida, 27% dos entrevistados disseram que a represa
representa um lugar de descanso. Essas são as duas classificações que mais apareceram na
pesquisa. A represa é tida como lugar para se sair da rotina por 15% dos entrevistados,
seguido de 12% que a tem como um lugar para ficar junto da família. Os entrevistados que
tem a represa primeiramente como um lugar importante para o abastecimento, representaram
6% dos entrevistados. Os que a tem como um lugar bom para namorar, somaram 3% dos
entrevistados; 2% como um lugar bom para conhecer pessoas, os que atribuem ao local outro
significado e função somaram 2%.
A vivência, experiência e afetividade para com a represa, são constatadas
primeiramente pelos dados referentes à freqüência dos usuários no local. A freqüência com
que turistas, moradores e proprietários de casa de veraneio vão à represa é mensal, apenas
para a maioria dos excursionistas era a primeira vez que iam à represa. Devido à vivência e
experiência adquiridas com o local por sucessivas visitas, grande parte dos entrevistados a
consideram como um lugar, seja de lazer, bom para diversão, descanso, sair da rotina ou bom
para ficar com a família. Apenas 6% dos entrevistados quando questionados sobre “a represa
para você, é um lugar de...” se remeteram a: “é um lugar importante para o abastecimento”.
A paisagem passa de espaço a lugar com essa prerrogativa. O que se observa o é a
total isenção de sentidos vinculados ao local, nem de afetividades, como é preconizado na
definição do que vem a ser um “não-lugar”. Apesar das identidades, afetividades e funções
originárias terem sido desvinculadas daquele espaço pela construção da represa,
imediatamente esta, enquanto lugar, é (re)significada pelos agentes que se apropriam do local
para a captação de água e, como no caso estudado, para o lazer e turismo. Esta
(re)significação, no entanto, da represa como lugar de lazer, desloca para as sombras” as
outras significações e funções atribuídas em outros tempos para outras gentes, assim como as
valorizações e funções atribuídas atualmente pelos que captam suas águas para o
abastecimento.
Este fato é comprovado com o desconhecimento de 39% dos entrevistados quanto à
destinação das águas da represa, ou seja, a função que lhe é atribuída por quem a administra,
que no caso é o abastecimento público. Esse desconhecimento implica em atitudes e valores
de acordo com essa percepção. Desconhecendo-se o uso final da represa, o se pode ter as
reais dimensões dos impactos negativos que podem gerar ao abastecimento público quando
praticadas atividades de lazer na represa com o uso de jet-ski, poluição por resíduos sólidos,
destruição da mata ciliar, entre outras.
A falha perceptiva em relação à funcionalidade da represa é também problemática a
partir do momento em que esta função é imposta pelas estruturas de poder e, assim, deve ser
percebida e acatada para que, “conservando” as águas da represa haja um “benefício
coletivo”, o abastecimento. Talvez seja o fato da função ser atribuída de forma imposta pelo
grupo dominante que faz com que esta seja tão difícil de ser acatada por grupos distintos, no
caso, as categorias entrevistadas.
Apreendendo a função imposta da represa, que é o abastecimento, pode-se incentivar
atitudes condizentes com essa apreensão (como cuidados com o recurso hídrico) e assim abrir
caminho para maiores diálogos com os responsáveis por sua gestão. Isso, na medida em que
estes também apreendam a função atribuída por aqueles que freqüentam a represa como lugar
de lazer e turismo. Sem essa apreensão da visão do “outro” entre os diversos atores
envolvidos no uso múltiplo da represa, não se poderão definir estratégias para que esta seja ao
mesmo tempo um espaço de sociabilização através do lazer, abastecimento público e reflexão
sobre os impactos decorrentes para a formação deste cenário.
Esta identificação com o lugar, através da significação da represa por parte dos
usuários é também negligenciada por aqueles que a têm apenas como um espaço de
abastecimento. Esta negligência vem sob a forma de descaso com os espaços de recreação de
moradores e excursionistas e sob a forma da falta de apoio aos empreendedores do turismo no
local.
Não é somente a percepção temporal e funcional, bem como os valores afetivos, que
podem influenciar nas atitudes para com o ambiente. Os valores estéticos atribuídos à
paisagem também influenciam a percepção em relação ao ambiente e, com isso, influenciam
as atitudes para com este. Assim, a estética, juntamente com a afetividade, constitui um dos
valores os quais Tuan (1980) cita em sua obra acerca da percepção de ambientes. Em sua
obra, o autor relata que, para os visitantes, a valorização de uma paisagem é sempre mais
calcada na estética do que em valores afetivos, que geralmente necessitam de uma passagem
menos efêmera pelo lugar. No caso da represa, valores afetivos e estéticos semelhantes entre
as categorias foram detectados pela pesquisa. Cabe então analisar as repostas dadas pelos
usuários em relação ao que é considerado belo e feio na represa.
Valores estéticos atribuídos à paisagem.
Uma das perguntas dessa série teve como objetivo constatar como os usuários
classificam a água da represa que estavam freqüentando. Foi perguntado aos entrevistados
como estes percebiam a água quanto à sua turbidez, limpeza e temperatura.
Comparando-se a classificação das diversas categorias, o resultado obtido foi o de que,
os turistas são os que mais classificam a água da represa como limpa, resposta dada por 72%
dos entrevistados. Os turistas constituem também a categoria que mais classificou a represa
como transparente e morna.
A maior parte dos excursionistas entrevistados classificou a água da represa como
razoável quanto à sua limpeza e transparência e, também, como morna. A maioria dos
proprietários de casa de veraneio a água é razoavelmente limpa, transparente (ou
razoavelmente transparente) e fria. Para a maior parte dos moradores, a água da represa pode
ser classificada como limpa, turva e fria. No entanto, os moradores foram os que mais
classificaram a água da represa como suja, demonstrando mais uma vez que os espaços que
estes freqüentam não possuem a infra-estrutura necessária para a limpeza do local. Ver Tabela
10 comparativa:
Tabela 10: Porcentagem dos entrevistados que classificação a água da represa segundo a
sua percepção quanto à limpeza, turbidez e temperatura da água nas diversas categorias
de entrevistados.
turistas excursionistas proprietários moradores
limpa*
72
56 33 41
razoavelmente limpa 24 33 47 39
suja 3 9 6
20
transparente
41
27 22 29
razoavelmente transparente* 38 38 22 29
turva 19 33 20 42
fria 28 32 41 42
quente 4 7 14 12
morna* 60 49 20 41
* classificações que tiveram os maiores índices. Obs: a porcentagem restante de entrevistados que não
aparece na tabela corresponde aos que não sabem ou acham que variam as características da água.
Com a classificação da represa como morna pela maior parte dos entrevistados, a
pesquisa aponta para o fato de que, atividades como nado e esportes náuticos ficam restritas
ao verão. Mesmo nesta época a água da represa não é considerada quente. Outras
possibilidades para a baixa temporada, como a promoção de eventos náuticos, deveriam ser
visualizadas pelos planejadores com o objetivo de minimizar a sazonalidade. A pesquisa
conseguiu também detectar os bairros onde a água tem pior classificação quanto à limpeza da
água, como demonstrado na Tabela 11:
Tabela 11: Classificação da limpeza da água na percepção dos usuários por bairro de
entrevista.
Bairro Classificação
Limpa Razoável Suja Não soube
classificar
Total de
entrevistados
Serrinha 105 87 40 4 236
Paiol Grande 31 3 ---- 2 36
Mangue Seco 7 9 1 ---- 17
Sete Pontes 3 3 1 ---- 7
Pinhal 25 12 4 ---- 41
Mato Dentro 6 1 ---- ---- 7
Usina ---- 3 ---- ---- 3
Lopo ---- 2 ---- ---- 2
Piuca ---- 5 ---- ---- 5
Divisa
Bragança/Piracaia
11 12 3 5 31
Levando em consideração o número de entrevistados por bairro, os resultados revelam
que, os locais que necessitam de intervenção para melhoria na limpeza de suas águas são os
bairros da Serrinha e Pinhal. No entanto, os bairros Mangue Seco, bairro da divisa de
Bragança Paulista e Piracaia, Usina, Lopo e Piuca também necessitam de atenção, pois suas
águas foram classificadas como razoáveis quanto à limpeza pela maioria dos entrevistados.
Sobre os valores estéticos atribuídos, a pesquisa indagou também aos entrevistados em
qual horário a represa se mostrava mais bela na sua percepção. Não foram contabilizadas as
justificativas nas quais as pessoas alegavam ser um gosto pessoal ou disseram não saber
responder o porque acham mais belo ou mais feio um determinado horário.
Os horários da manhã e da tarde foram citados em proporções quase iguais Em todas
as categorias o horário da noite foi o menos citado, como demonstrado na Tabela 12:
Tabela 12: Horários considerados de maior beleza na represa, segundo as diversas categorias.
Usuários
Turno
Manhã Tarde Noite Todos Não sabe
responder
Turistas 29% 52% 9% ---- 10%
Excursionistas 40% 40% 3% ---- 17%
Proprietários de
casa de veraneio
28% 39% 20% 14% ----
Moradores 34% 50% 8% 1% 8%
O pôr-do-sol e a cores que este produz, foram as justificativas dadas pelos
entrevistados que escolheram o período da tarde. Também foram citadas as sensações de
“paz” e de romantismo” proporcionadas por este horário. Outros fatores indicados foram:
tranqüilidade pelo menor número de pessoas e diminuição de pessoas jogando lixo no local.
o horário da manhã foi justificado como o mais belo pelo nascer do sol, pelo canto
dos pássaros durante a manhã, pelos reflexos e pela claridade da água neste horário (já que
não foi remexida por embarcações e banhistas), pelo frescor e odores da manhã. Foram
também citados fatores mais objetivos: por ser um horário onde se pode obter um melhor
lugar para a pescaria, sendo também melhor para o nado (por ter poucas pessoas no início da
manhã) e favorável à navegação.
Os que apontaram ser a noite o horário mais belo a consideram por que, neste horário,
problemas como o lixo o aparecem (devido à pouca luz), pelas estrelas, pelo reflexo da
água que “parece um espelho”, pela tranqüilidade, pelo reflexo da lua na água e quando esta
fica entre as montanhas, pelo fato de que à noite a água se destacar na paisagem e pela visão
das luzes das casas acessas.
Quadro 6: Justificativas apresentadas pelas categorias por considerarem o horário mais
belo.
Turistas Excursionistas Proprietários Moradores
M
A
N
H
Ã
- tranqüilidade
12%
-
nascer do sol 7%
- claridade 4%
- reflexo do sol 4%
- clima fresco 4%
Outras:
- canto dos
pássaros
- conseguir lugar
para pescaria
- água mais clara
- mata fica mais
bonita
- tranqüilidade 4%
- nascer do sol 3%
- represa limpa 3%
- claridade 2%
Outras:
- mais divertido
- fácil para
navegar
- vista melhor
- contraste cores
- pouco vento
- o sol é melhor
- odor amanhecer
- nascer do sol 14%
Outras:
- vista deslumbrante
- horário bom para
esquiar
- o nascer do sol é
“inexplicável”
- mais tranqüilo
- melhor horário
para observar o local
- tranqüilidade 5%
- nascer do sol 4%
- água limpa 3%
Outras:
- sol fraco
- mais pessoas
- mais quente
- vista melhor
- horário esperado para
chegar na natureza
- canto dos pássaros
-paisagem “convidativa”
- clima agradável, leve,
puro, cheiro de natureza
- o dia está começando
T
A
R
D
E
- pôr-do-sol 19%
- tranqüilidade 7%
- sol da tarde 4%
Outras:
- mais pessoas
- “clima” no local
- mais fresco
- mais intensidade
dos elementos da
paisagem
- pôr-do-sol 18%
- sol da tarde 6%
- sensação de paz
2%
- mais pessoas 2%
Outras:
- água mais clara
- “luzes do sol”
- água fica como
“espelho”
- silêncio
- horário que pode
ir para o local
- pôr-do-sol 20%
Outras:
- visual bonito
- claridade da água
- é possível
aproveitar o dia todo
- pela luz
- pôr-do-sol 8%
- mais pessoas 8%
- brilho dourado na água
3%
Outras:
- sol mais forte
- água fica melhor
- horário que sai do
trabalho
- visual da água fica
romântico
- mais divertido
- fim de tarde pois não
tem mais ninguém
- tem mais gente
- sol é mais fraco
- quando as pessoas vão
embora, fica menos sujo
N
O
I
T
E
- fica bonito
quando fazem
fogueira 1%
- não aparece
sujeira na água 1%
- água limpa 1%
- represa parece
“espelho” (2%)
Outras:
- estrelas
- começo da noite
- melhor horário
- lua 12%
- céu estralado 6%
Outras:
- silêncio
- começo da noite
-
reflexo da lua na
- tranqüilidade 1%
represa
-lua entre montanhas
A segunda pergunta em relação aos valores estéticos atribuídos à represa correspondeu
ao o que era considerado mais belo naquela paisagem onde estava sendo entrevistado.
Chegou-se ao resultado de que a água é, em todas as categorias, o elemento considerado de
maior beleza. As justificativas passaram muitas vezes pelo simbolismo que esta carrega,
mencionado no referencial teórico, e que faz dela um atrativo, um objeto de contemplação e
também capaz de fazer emergir, juntas, sensações individuais e coletivas, impulsionadas por
valorizações culturais.
Para os entrevistados, a água consegue lhes transmitir sensações como as de paz,
tranqüilidade, romantismo e religiosidade. Também a consideram como “tudo”, “elemento
básico para a vida” (palavras retiradas das entrevistas) e se encantam pelo seu movimento,
dimensão e brilho. A água, para eles, também deve ser considerada como o fator mais belo na
paisagem porque ela lhes proporciona o lazer como o nado e a pesca. Como afirma um dos
entrevistados, no caso da represa, a água “parece praia”, local que muitos não têm condições
financeiras para visitar. A água também refresca, valoriza a paisagem rural e, para muitos,
ainda é limpa e transparente.
Tabela 13: Elemento mais belo na paisagem segundo a percepção dos usuários (%).
Usuários Elemento
Água Serras Cores Estilo
rural
Vegetação Outros Todos
Turistas 27 18 24 7 12 13 ----
Excursionistas
31 15 19 9 16 10 ----
Proprietários 33 10 29 18 6 ---- 2
Moradores 41 13 18 5 10 12 ----
Segue o quadro com as principais justificativas, apresentadas pelas quatro categorias,
por quem escolheu a água como o elemento mais belo na paisagem.
Quadro 7: Justificativas apontadas pelos usuários que consideram a água o elemento
mais belo.
Categorias Porque consideraram a água o elemento mais belo da paisagem
Turistas
Justificativas mais apresentadas: porque tem a possibilidade do lazer nela
(3%), porque refresca (3%).
Outras: tem um visual “legal”
- transmite paz, é romântica/ elemento básico para a vida
- porque é onde tem peixe para pescar
- permite contato com a natureza
- porque valoriza a propriedade rural
- porque fica bela com as serras ao redor
- porque é limpa
Excursionistas
Excursionistas
Justificativas mais apresentadas: pelas cores da água (3%),
pelo sossego que proporciona (3%), porque a água refresca (3%), porque é
limpa (3%).
Outras:
- passa a sensação de “vida”/ porque Deus está presente nela
- pelo visual da água, é gostoso contempla-la/ pelos reflexos na água
- porque é importante para todos
- pelo seu grande volume/ porque parece praia
- porque dá para nadar nela
- a água une tudo na paisagem
Proprietários
Justificativa mais apresentada: pela clareza da água/transparência (4%).
Outras :
- é uma opção de lazer
- transmite tranqüilidade/ paz de espírito
- pois é o que mais chama a atenção na paisagem/pelo conjunto
formado pela água.
Moradores
Justificativa mais apresentada: pelo seu volume (4%).
Outras:
- porque é conservada, limpa, transparente
- pelo seu visual/porque encanta/dá um sentimento “abstrato”
- trás calma, paz/é sinônimo de vida/a água é “tudo”/pois é boa para as
pessoas
- tem uma cor bonita, pelo seu brilho/pelo movimento dela
- é o que mais chama a atenção na paisagem, diferencia a paisagem
- é o que menos tem contato no dia-a-dia
- porque refresca, pelo lazer que proporciona/porque nela dá para nadar/
nela há peixes e porque serve para tudo
As justificativas apresentadas pelos moradores, que consideram as serras como o
elemento mais belo da paisagem, foram bastante variadas. Um dos entrevistados respondeu
que, o fato do nível da água da represa estar baixa naquele momento, fazia com que as serras
ficassem em destaque. Outros demonstraram gostar das serras por suas formas, pelo conjunto
formado por elas ou pelo fato de ainda haver nelas mata fechada. A cor verde presente
também foi uma das justificativas apresentadas por quem as admira. Os sentimentos
relacionados às serras descritos pelos entrevistados foram de vida e tranqüilidade.
Os excursionistas que escolheram as serras como o elemento mais belo da paisagem,
justificaram sua escolha pelo fato de que estas representam “muralhas”, são arborizadas,
chamam a atenção na paisagem, formam a paisagem típica da região ou porque adora o fato
destas serem verdes.
Os turistas que escolheram as serras como o elemento mais belo, relataram que a
escolha é, principalmente, por contrastarem com a água (3%). Outras justificativas dadas
foram pela tranqüilidade que transmitem e pela altura das serras.
Os proprietários de casa de veraneio que escolheram as serras justificaram-se com
respostas como: por lembra a infância já que mora na região, pois consegue vê-las da casa que
possui na represa, por suas cores e pela raridade da vista formada por elas.
As “cores da paisagem” constituem o segundo elemento
considerado de maior beleza no local, segundo a pesquisa. A mistura
entre o verde e o azul, o fato de serem cores da natureza e que não se
nas cidades; também por serem bem definidas e vivas, foram as
justificativas dadas. Os moradores que escolheram as cores da
paisagem justificaram-se pelo fato de, entre elas, haver em
abundância a cor verde. Segundo os entrevistados, se não houvesse
aquelas cores na paisagem, esta seria feia. Destacaram a mistura entre
o verde e o azul que, de acordo com estes, “é bonito e gostoso de
olhar”.
Os excursionistas que escolheram as cores da paisagem relataram que não costumam
ver essas cores diariamente. Mencionaram também que “são cores da natureza”, vivas, que
transmitem o sentimento de paz.
As justificativas mais apresentadas pelos turistas que escolheram as cores da paisagem
foram a mistura das cores da serra e da água (6%) e por serem cores da natureza (3%). As
demais foram: por serem cores que não se vê na cidade, vivas, diversas, alegres, bem
definidas ou ainda porque transmitem paz. Os proprietários de casa de veraneio disseram que
é porque o cores que não se no dia-a-dia (4%), ou ainda porque são muito variadas e
pelos contrastes que formam.
O estilo rural da paisagem foi pouco destacado como o elemento mais belo pelos
moradores. Os que o elegeram, justificaram sua escolha pelo fato de que este estilo sempre ter
vegetação e “mato”, muito verde, coisas diferentes e resume a identidade local.
O estilo rural é considerado belo pelos
excursionistas que gostam da natureza ou porque,
segundo eles, este estilo é que caracteriza a represa.
os que admiram mais a vegetação na paisagem,
justificam seu gosto porque, de acordo com estes, a
vegetação é misteriosa, é uma natureza de “Deus”,
proporciona sossego ou ainda, porque através dela
para ver o nível da água. Outros elementos
destacados pelos excursionistas foram as curvas da
represa e também o conjunto água e vegetação.
Os turistas que destacaram o estilo rural da
paisagem disseram que é pelo modo de vida inserido
neste. O estilo rural foi apontado pelos proprietários
principalmente porque é um estilo diferente, que não
se todo dia (8%) e também por ser simples, mas
muito aconchegante.
Os moradores que escolheram a vegetação
como elemento mais belo da paisagem justificaram
sua escolha pelo fato desta melhorar o ar e, por isso,
é importante que esteja presente na paisagem. Outras
justificativas foram a de que a vegetação é bonita
quando conservada, sem esta o local não seria
bonito. Um dos entrevistados ainda justificou sua
escolha dizendo que a vegetação lhe transmite
conforto.
Os excursionistas que apontaram ser a
vegetação apresentaram, principalmente, a
justificativa de que sua beleza é devido ao verde
(3%). Apontaram sentimentos ou o imaginário
como: a vegetação é misteriosa, proporciona
sossego, porque representa a natureza de “Deus”.
Alguns foram mais objetivos dizendo que, através
dela, para ver o nível da represa ou porque não
gosta da água.
A vegetação foi eleita como o que de mais belo na paisagem por turistas que
mencionaram que nela há poucos desmatamentos, pelo verde ou pelo fato desta ser florida. A
vegetação assim como em outras categorias, foi apontada pelos proprietários que consideram
que nesta há muito verde (6%).
Outros elementos ainda foram apontados pelos moradores como os mais belos na
paisagem como a “paz de espírito que a paisagem proporciona”, as pessoas que freqüentam o
local, o conjunto de serras e água e o conjunto de água e vegetação, pela importância destas.
Dos excursionistas, houve também quem escolheu outros elementos como o conjunto que
“tudo combina(6%) ou o conjunto de serras e águas e, ainda, um entrevistado mencionou as
curvas da represa.
Dentre os elementos destacados pelos turistas ainda não mencionados, estão o
conjunto de mata de água (maior índice com 4%), a vista ampla que se tem na represa e o
conjunto formado por todos os elementos. Dos proprietários, 4% disseram que consideram
belo tudo quena paisagem, pois um elemento completaria o outro.
Com os dados levantados pode-se afirmar que um indicativo de que a represa é
valorizada esteticamente da mesma forma com que é valorizada uma lagoa natural.
Para esta pesquisa foram entrevistados alguns visitantes da Lagoa Encantada, situada
no município de Ilhéus (BA), para ilustrar as diversas motivações que levam a conhecer a
lagoa e quais as impressões sobre o lugar quando estes o conhecem, assim verificado as
semelhanças entre lagoas e represas por quem as contemplam.
A entrevistada 1 residente em Vitória da Conquista (BA). Relata sua experiência
destacando o volume de água, o fato desta refrescar nos dias de calor e da paisagem lhe
provocar o sentimento de paz e de contato com o natural. Estes fatores também foram
apontados pelos entrevistados da represa.
Soube da lagoa através do meu ex-namorado que disse que tinha um
lugar bonito para me apresentar. É a primeira vez que venho para cá.
Eu nem sabia o que é que ia ter. Eu pensei que fosse um lugarzinho,
com um pouquinho de água, não pensei que fosse tanto e tão bonito.
Nadamos e tomamos banho nas cachoeiras. È uma delícia, sol quente,
a água fresca. Refresca mesmo. E a água é doce. A paisagem é linda,
é perfeita, a natureza, a paz. È uma delícia o passeio de barco. As
cachoeiras é o que tem demais bonito na paisagem A lagoa com
certeza valeria a pena, as cachoeiras são um atrativo a mais (visitante
da lagoa/entrevistado 1).
Foi entrevistado também um casal que visitava o
local. Os dois visitantes residem em Itabuna-BA e
disseram conhecer a lagoa ha muito tempo.
Segundo os entrevistados, a principal motivação é
pela paisagem com aspectos diferenciados: “A gente
estava procurando um espaço novo, uma coisa
diferente do que só a praia” (entrevistado 2). O casal
afirma ter praticado atividades como nado e banho
nas cachoeiras. Para o homem, a transparência da
água e o fato de ser doce são os fatores que
provocam sensações agradáveis durante o passeio. Já
para a mulher, a melhor sensação é de se banhar no
rio: “Se banhar no rio tem gosto de infância, lembra
a minha infância” (entrevistado 3). Nestes relatos
pode-se identificar que a transparência da água é
valorizada nas lagoas, assim como também é na
represa, segundo os entrevistados.
O entrevistado 4, do sexo feminino, também residente na cidade de Itabuna-BA Diz
que soube da lagoa através de um familiar havia comprado uma casa no local, o que evidencia
a existência de algumas casas de veraneio ao redor da lagoa. As atividades praticadas pela
entrevistada foram o nado, o banho nas cachoeiras e também a pesca. As sensações que
descreveu foram a tranqüilidade do local e a paz quando está na água. De acordo com a
entrevistada, seu gosto pela lagoa é por esta ter em parte água corrente, fato que aprecia
muito. Descreve que, mesmo sendo água corrente, pode-se nadar com segurança, o que nem
sempre ocorre no mar. Quando indagado sobre o que considera mais belo na paisagem,
explica que para ela é a dimensão da lagoa: “A lagoa (o que é mais belo na paisagem), logo
quando você chega e se depara com o tamanho com da lagoa” (entrevistado 4). A entrevistada
ainda coloca que para ela tudo na lagoa “Está ótimo e não precisa ter mais turismo não!”,
evidenciando que a rusticidade e baixa concentração de pessoas constituem em um atrativo
para sua visitação ao local.
Esta posição é semelhante a do entrevistado 5 do sexo masculino que já sabia da
existência da lagoa há bastante tempo, mas só a conheceu naquela ocasião. O entrevistado diz
ter achado a lagoa um lugar maravilhoso. Quando indagado sobre as atividades que praticou,
este diz ter ficado apenas no bar, tomando cerveja com os amigos, admirando a paisagem. O
que considerou mais belo na paisagem foi o fator humano do local: “[...] o povo, o carinho do
povo, das pessoas que moram aqui...” (entrevistado 5). O entrevistado coloca que, na sua
opinião, nada deveria mudar na lagoa, sendo sua rusticidade uma qualidade que lhe agrada
“[..] se mudar não presta, tem que ser assim agreste, rústico...” (entrevistado 5).
A entrevistada 6, do sexo feminino, havia visitado a lagoa, mas esta foi a primeira
vez que a conheceu por completo, indo também a suas cachoeiras. Sobre o que considerou
mais belo e mais feio na paisagem comenta:
Aqui é muito bom, você esquece do dia-a-dia, é aqui tem muita tranqüilidade,
muito verde, aqui é muito bonito, muito bom...Eu gosto muito de praia, mas é bom
a gente variar e aqui é muito bom. O que eu achei mais bonito aqui é essa paisagem
que você está vendo na nossa frente com esse verde. Se tivesse a lagoa sem
esse verde perderia toda a graça (entrevistado 6).
Segundo seu depoimento, não a água, mas os outros
elementos (como a presença da cor verde) fazem da lagoa um
conjunto que, sob a forma de paisagem, evoca sentimentos
agradáveis. A entrevistada comenta que achou feio foram a sujeira
que as vezes se encontrada na lagoa. Em relação à infra-estrutura do
local, sua opinião difere do entrevistado 5, pois para ela, a lagoa
deveria ter mais conforto e opções de comércio: “eu acho que deveria
ter aqui lugares que oferecessem mais conforto, que tivesse também
mais opções, outras cabanas também” (entrevistada 6).
A entrevistada 7 nasceu em São Paulo e atualmente mora em
Itacaré, onde trabalha em um hotel que faz passeios ao local. Ela e
amiga (entrevistada 8), já foram à cachoeira da lagoa e comentam que
gostam muito do passeio. No entanto, na ocasião da entrevista
estavam somente contemplando a lagoa.
Sobre as motivações que a leva à lagoa, a entrevistada 7
comenta: “A lagoa é um atrativo grande por ter água doce, é mais
tranqüilo, mais limpo que a praia”. Para ela, a lagoa remete a
sentimentos românticos e gosta de admirar o movimento da água,
assim como ocorre na represa. A entrevistada também comenta que
teme o aumento do fluxo de turismo na lagoa, para ela, isso o
deveria ocorrer, pois o local poderia também se tornar inacessível se
“descoberto” por grandes empreendedores:
Para mim aqui é bem romântico. vontade de vir aqui com
namorado, com a lua cheia. Aqui tem é misterioso, tem um astral
diferente você percebe no movimento da água. O bom de não asfaltar
é que dá uma segurada na visitação. Os turistas do hotel que eu
trabalho vêm muito para cá, os portugueses principalmente adoram
aqui. Daqui a pouco aqui vai estar cheio de gringo e não vai ter mais
acesso para a gente (entrevistada 7).
Visão semelhante possui a entrevistada 8. Para ela, a lagoa é bela por essa ser ainda
rústica e intocada, qualidades que aprecia. Por essa opinião, repudia possíveis modificações
no local para o turismo:
Acho que a paisagem é bonita por ser ainda um lugar rústico, ainda um pouco
intocado. A gente que mora na cidade fica preocupado, pensando que um lugar
assim pode acabar. Se a gente pudesse fazer alguma coisa para que isso não
acontecer seria incrível. O que a gente admira a gente tem medo que possa acabar.
Aqui é a mesmo Bahia que a gente conheceu ha 20 anos atrás. Acho que aqui é um
lugar que o nome define bem, a lagoa é encantada, um lugar ainda imaculado. As
pessoas têm que ter noção do que seria melhorar aqui para o turista porque os
grandes empreendedores eles acham que logo votem que fazer um hotel enorme
com casas de dois andares que não tem nada a ver, então eu acho que o legal aqui é
que tem que se explorar uma coisa rústica. Eu acho que mais do que tudo tem que
ter alguém aqui que regule isso, porque no Brasil é chegar com grana e fazer
tudo o que quer e isso pode quebrar a beleza do local (entrevistada 8).
Com os dados apresentados por outros pesquisadores e com as entrevistas levantadas,
fica evidenciado que a paisagem formada pela lagoa constitui um atrativo capaz de atrair
visitantes cuja principal motivação é a contemplação da beleza “natural” do local, bem como
através da água e seu simbolismo, experienciar sensações agradáveis em momentos de lazer.
Como ocorre nas lagoas, os elementos belos da represa são os considerados em
harmonia com o natural”, as cores que se misturam e que combinam, os brilhos, as
dimensões que se ressaltam e o foco à paisagem, a beleza de uma natureza, ainda que
transformada. Neste sentido, os dados levantados corroboram a hipótese de que as represas se
assemelham às lagoas naturais quando percebidas esteticamente. Pode-se, no entanto, nesta
busca pelo “natural”, mais uma vez se esquecer de que se trata de uma paisagem portadora de
transformações, impactos e com a função de abastecer. Trata-se de uma lagoa artificial.
Da mesma forma, os dados revelam que os planejadores do turismo, sabendo de que
não somente a água, mas o conjunto de elementos “naturais” da represa como serras, cores, o
estilo rural entre outros, são motivações para a visitação na represa devem, visando o turismo
na represa, auxiliar na preservação destes elementos, juntamente com a empresa gestora do
local.
O que é considerado feio também não foge a premissa de que se busca o natural. Feio
é o que estraga o cenário” esperado, o que faz as pessoas lembrarem que não se trata de um
ambiente natural sem intervenções humanas (como o lixo e os restos de troncos de
construções submersos), que não se trata de uma lagoa natural, nem ao menos de uma praia.
Ainda que seja esta a “praia” que camadas da população de baixo poder aquisitivo disponham.
Como demonstrado no Tabela 14, o lixo espalhado é
o mais apontado como o elemento mais feio na
paisagem nas categorias de excursionistas e
moradores, principalmente por “estragar” a
paisagem, causar impactos negativos ao ambiente,
ser desagradável e um indício de falta de
educação”.
para os turistas, o desmatamento em volta da
represa é considerado o elemento que mais
compromete a beleza da paisagem, pois o lugar
deveria ser mais arborizado para o lazer, pelo
desmatamento promover a sensação de destruição e
estar desarmônico com o restante da paisagem.
Para os proprietários de casa de veraneio a água
baixa é o elemento mais comprometedor da beleza
da paisagem, pela sensação de escassez que provoca
e por impossibilitar a prática de esportes náuticos.
Tabela 14: Elemento da paisagem considerado mais feio na percepção dos usuários (%).
Usuários Elemento
Água
baixa
Desmatamentos
Aspecto
da água
Lixo
espalhado
Nada Outros todos
Turistas 22 40 3 29 4 2 ----
Excursionistas
26 19 7 33 9 6 ----
Proprietários 55 16 4 18 6 ---- 2
Moradores 27 15 3 49 2 3 ----
As respostas em relação à percepção estética das paisagens obedecem ao princípio,
verificado anteriormente, da ocorrência de percepções semelhantes entre, por um lado,
excursionistas e moradores e, por outro, turistas e proprietários de casas de veraneio.
A respeito daquilo que é considerado mais feio na paisagem as respostas de
excursionistas e moradores serão descritas nos Quadros 8 e 9 a seguir.
Quadro 8: Elemento considerado mais feio na paisagem pelos excursionistas e
justificativas.
O que considera
feio?
Excursionistas: motivos freqüentemente apontados
O lixo espalhado
(33%)
- estraga a paisagem (3%), deixa impressão no lugar (2%), porque se
preocupa com as outras gerações (2%).
Outras:
1. porque ninguém gosta de ficar perto do lixo/o lixo é desagradável
2. pela falta de colaboração das pessoas/pois falta consciência nas pessoas
e porque é importante manter um local bonito limpo/porque é sinal que as
pessoas não conservam o que usam
3. imagem horrível quando tem lixo/aspecto de sujo
4. porque agride o meio ambiente/pois leva tempo para se decompor
5. o lixo na represa pode causar mal para as pessoas que vem para a
represa
Desmatamentos
(19%)
Dá um aspecto de vazio na paisagem (2%).
Outras:
1. porque depreda o meio ambiente/sensação de destruição
2. porque deveria ter grama, isso deveria deixar mais limpo o lugar
também
3. porque é a proteção da represa/fica sem pastagem
4. “quebra” o verde da paisagem/fica estranho
Nada (9%) - Tudo está muito bonito
- Porque o ambiente é tranqüilo
Aspecto da água
(7%)
- Pelo lixo na água/pelo barro na água/cor da água/é esquisito
- É resultado das ações do ser humano
Outros (6%) - O mais feio é o mato ao redor, pois tem formigas (5%).
Outras:
- é sujo e aspecto de abandono na represa/o mais feio da represa é a
falta de investimentos.
Quadro 9: Elemento considerado mais feio na paisagem pelos moradores e justificativas.
O que considera mais
feio?
Moradores: motivos freqüentemente apontados
Lixo Espalhado (49%)
- Aspecto de lugar sem cuidado (2%)/não combina com a natureza
(2%)/porque é falta de educação dos turistas (2%)/porque destrói a
natureza (2%).
Outras:
1. porque é falta de higiene/porque não é bom ficar no meio do lixo/
pois as pessoas se sentem bem em estar em um lugar limpo/ tem de
tudo no lixo (isso é desagradável)/espanta a população do local
2. desrespeito com as pessoas que nadam/porque o lixo vai para a
água/ fica com receio de entrar na água/ atrapalha a pescaria/o lixo
estraga o momento de diversão/ pode machucar alguém
3. pelos restos de comida que tem no lixo/atrai bichos
4. contamina a água/falta de cuidado com o meio ambiente/ aspecto
de bagunça/ pois é “ridículo”
Desmatamentos (15%)
Porque destrói a natureza (1%)
Outras:
1. tira a beleza da natureza/a represa combina com mato/fica
estranho
2. porque falta sombras/aos poucos vai acabar a vegetação
3. prejudica a represa/porque não sabe o porque daquele local estar
sendo desmatado/com os desmatamentos a água fica baixa/ sensação
que isso não deveria estar acontecendo/é devido á construção de casa
e isso é um “absurdo”
Nível Baixo da Água
(4%)
O nível baixo da água isso mostra a falta de água (4%).
Outras:
1. o lugar fica com aspecto de sujo/aspecto desagradável/ a água
perde o brilho
2. aparece buracos que tem embaixo/restos de construção/
troncos/fica com muito mato/aparece o vermelho dos barrancos (cor
da terra sem vegetação)/ fica com mais lodo
3. atrapalha para andar de barco/não para se divertir/é perigoso
quando a água fica baixa
4. é sinal de falta de chuva/sensação ruim quando vê a represa baixa
sem vegetação)/ parece que a represa vai “morrer”/ acaba com os
peixes
5. quando está mais cheio vem mais gente
Aspecto da água (3%) - Quando não chove e fica turva/aspecto de suja/fica feio quando a
água está baixa (0,5% cada uma)
Outros (3%) - Pessoas desagradáveis/tudo/mato envolta que precisa ser cortado
(pois tem formigas, bicho, cobra)
Nada (2%) - Acha que tudo é bonito na represa/acha que está tudo certo na
represa
Como demonstrado nos Quadros 8 e 9, nas categorias de excursionistas e moradores, o
lixo espalhado foi o elemento da paisagem mais citado como o que consideram de “feio”.
Essas categorias, pela segregação espacial ocorrida na represa, mencionada, convivem com
o problema dos resíduos sólidos deixados no local durante suas horas de lazer. Devido ao
sentimento de descaso, fruto dessa segregação, quando indagado às pessoas sobre porquê
considerar o lixo o que de mais feio na paisagem, estas respondiam que: “é porque
ninguém gosta de ficar perto do lixo”, “é um desrespeito com as pessoas que nadam” e as
pessoas se sentem bem em estar em um lugar limpo”, “o lixo um aspecto de bagunça”
(excursionistas e moradores entrevistados).
Algumas respostas demonstram também que o repúdio ao lixo é devido à preocupação
com a saúde dos usuários: “o lixo na represa pode causar mal para as pessoas que vêm à
represa”, “tem de tudo no lixo e isso é desagradável” e “pode machucar alguém”
(excursionistas e moradores entrevistados). Muitos alegaram preocupação com o ambiente e
justificaram a escolha do lixo como elemento mais feio através de argumentos como: “porque
é sinal que as pessoas o conservam o que usam”, “pois leva tempo para se decompor”,
“pela falta de consciência das pessoas”, “porque contamina a água” e também porque se
preocupam com as futuras gerações. Outros aspectos mais objetivos foram indicados com
repostas que argumentavam que o lixo atrapalha a pescaria, estraga a diversão e “espanta” os
turistas.
As categorias turistas e proprietários de casa de veraneio, em resposta à pergunta sobre
qual o aspecto que consideravam mais feio na paisagem, podem ter suas respostas agrupadas
nos Quadros 10 e 11:
Quadro 10: Elemento considerado mais feio na paisagem pelos turistas e justificativas.
O que considera mais
feio na paisagem?
Turistas: motivos freqüentemente apontados
Desmatamentos
(40%)
- Porque deveria ter grama para as pessoas ficarem sentadas (4%),
sensação de destruição (4%), arruína a paisagem (4%).
Outras:
1. é ruim para ficar admirando a paisagem sem árvores e grama
(sombra e local para sentar)/ porque esperava ter mais árvores, as do
campo
2. pois futuramente faltará as árvores/o desmatamento acaba com as
nascentes/é uma agressão ao meio ambiente evidente/ pela questão
ambiental/ tira a mata nativa, prejudicando o ecossistema/ pelas
conseqüências que isso traz/ provoca a diminuição da água da represa/
provoca o avanço da represa
3. fica um “vazio” na paisagem/é feio porque gosta de ver a mistura
verde e azul (mata e água)
Lixo Espalhado
(29%)
- O lixo tem um aspecto feio (4%), contribui para a degradação da
represa (4%).
Outras:
1. aspecto de local sujo/dá a sensação de descaso/estraga a beleza do
local
2. tem nojo do lixo/está acostumado com tudo “ok”
4. porque é fruto de resíduos de pescaria (como bóias)/demonstra falta
de educação
5. porque agride a natureza/contamina/demora para se degradar
6. o lixo na paisagem prejudica tudo/porque faz com que as pessoas
corram o risco de se machucar
Nada (4%) - Simplesmente acham que nada é feio na paisagem
Aspecto da água
(3%)
- Porque fica feio quando chove/porque faz com que as pessoas não
entrem na água
Outros (2%) - Acha que o mais feio é o gado no entorno da represa, preocupa-se
com isso afetar a qualidade da água
Quadro 11: Elemento considerado mais feio na paisagem pelos proprietários de casa de
veraneio e justificativas.
O que considera mais
feio?
Proprietários de casa de veraneio: motivos freqüentemente apontados
Quando a água fica
baixa (55%)
- a impressão que um dia a água da represa irá acabar/ escassez
(4%)
Outras:
1. pois cresce mais o mato e não tem acesso livre à represa/fica
distante para se chegar até a água/ fica difícil para descer o barco até a
água
2. tira a beleza da paisagem/dá desânimo de ir até a represa, pois fica
muito feio/ represa perde seu encanto e beleza/ por perder o “visual”
3. por aparecer restos de casas e de olarias
O lixo espalhado
(18%)
- É sinal que o homem está chegando, fazendo sujeira/homem
contaminando com a poluição (4%)
Outras:
1. pois com o lixo é preciso ter mais cuidado para não se machucar
2. não combina com a paisagem
3. é um lugar que as pessoas tem que preservar e não destruir
4. fica uma imagem ruim para a represa
Desmatamentos em
volta da represa
(16%)
- pois com os desmatamentos a chuva diminui
- perde o encanto e fica muito feio
- por serem desnecessários/porque parece que o homem destrói tudo
que é belo no mundo
Nada (6%) O lugar é “perfeito”
Aspecto da água
(4%)
Quando fica baixa (fica feio)
Todos (2%) Pois tudo isso “ofende” a natureza.
Para estas as categorias, o lixo não foi o mais citado. Apenas 18% dos turistas o
indicaram. Isso reforça ainda mais a afirmação de que, os espaços destinados aos turistas na
represa detêm a infra-estrutura necessária para assegurar um destino ao lixo produzido
durante o lazer, enquanto que os espaços freqüentados por moradores e excursionistas não.
Muitos turistas relataram que, para eles, o que é mais feio na paisagem é quando a
água da represa fica baixa. As justificativas dadas foram, em grande parte, remetendo ao fato
de que, o que está em baixo da represa fica visível quando a água esbaixa, como tocos de
madeira, buracos e lixo. As cores da paisagem também mudam quando a represa está com
baixo nível de água e, por isso, alguns entrevistados disseram que “fica feio” porque “fica um
vermelhão na paisagem”, decorrente da terra úmida que aparece. Isso corrobora com autores
como Merleau-Ponty (1999) que citam em suas obras o fato de que, as cores carregam em si
propriedades capazes de estimular sentimentos diversos. Para o autor, o vermelho e amarelo
“dilaceram” e o “picantes”, também “não dizem nada e não nos convoca a nada”,
provocando a “experiência de um arrancamento, de um movimento que se distancia do
centro”, a justificativa de considerar anti-estético o vermelho na paisagem. o azul e o
verde, como comenta também Merleau-Ponty (Op.Cit.) provocam o sentimento de reflexão e
descanso, o que provavelmente fez com que a mistura entre o azul da represa e o verde da
vegetação fossem tão citados por aqueles que consideram as cores da paisagem os elemento
mais belo do lugar.
Já para a maioria dos proprietários de casa de veraneio, os desmatamentos em volta da
represa constituem o fator mais “feio” da paisagem. As justificativas dadas remeteram à
preocupação destes com o ambiente, que consideram os desmatamentos desnecessários e
pelo fato de causarem problemas como diminuição das chuvas. O lixo também foi
substancialmente citado pelos proprietários de casa de veraneio que alegaram que “o lixo é
feio porque é sinal que o homem está chegando, fazendo sujeira e contaminando com a
poluição”. Justificativas como estas que tentam legitimar o fato de não quererem, em parte,
que a represa seja um local mais destinado ao lazer.
Neste tópico, a pesquisa conseguiu alcançar os objetivos propostos. Identificando
primeiramente os problemas de infra-estrutura básica e turística percebidos pelas diversas
categorias e assim, constando também os problemas enfrentados devido à falta destas. Neste
sentido, foi comprovado que os espaços destinados aos moradores e excursionistas são os que
mais carecem de infra-estrutura, ocasionando problemas de ordem ambiental e social.
A pesquisa revelou também que, tanto em relação à percepção de comportamentos
danosos ao meio ambiente, quanto em relação à percepção histórica e funcional da represa, os
usuários necessitam de mecanismos de informação para que estes fatores sejam apreendidos
nas suas reais dimensões.
Os valores afetivos para com a represa detectados, corroboraram com a hipótese de
que o lugar foi (re)significado para o lazer e turismo. Este fato, indica uma forma de
(re)apropriação do local. No entanto, dotar a represa apenas com a função de recreação e
valorizá-la apenas por esta possibilidade de lazer, confronta-se com as demais funções e
valorizações, como para o abastecimento. Neste sentido, mecanismos devem ser criados para
que, tanto os usuários da represa, quanto a empresa gestora, percebam as diferentes
atribuições dadas ao local e reflitam sobre as possibilidades de um uso múltiplo da represa
harmônico e responsável. Assim, refletidas as possibilidades de uso múltiplo, seriam
minimizados os conflitos de interesse.
Os valores estéticos detectados corroboraram com a hipótese de que a represa, em
alguns aspectos estéticos, é percebida como uma lagoa natural. A busca por este “natural” a
valora e a transforma como um atrativo capaz de atrair visitantes e moradores, mesmo que
para a simples contemplação desta. No entanto, mais uma vez, a pesquisa alerta que
mecanismos devem ser criados para que os usuários percebam as especificidades deste local.
Caso contrário, o turismo e o lazer continuarão a promover o apagamento da história e novos
impactos a este local, já transformado, mesmo que ainda não percebido em sua artificialidade.
CONCLUSÃO E SUGESTÕES.
O chamado turismo sustentável ou responsável é apontado pela academia como o
turismo que traz em sua proposta a capacidade dessa atividade gerar ganhos econômicos,
ganhos sociais e redução de custos ambientais. Isso implica na análise dos diversos tipos de
visitantes e seu comportamento, valorização cultural e envolvimento da comunidade e poder
local no planejamento turístico. Tendo em vista uma abordagem focada nas relações
existentes nas represas, valendo-se destas como território, paisagem e lugar, a pesquisa
buscou orientar possíveis estratégias de gestão e políticas, cuja finalidade seja o planejamento
sustentável ou responsável da atividade turística nestes locais.
Com um aparato teórico-referencial interdisciplinar, a primeira abordagem da pesquisa
constituiu em apresentar a represa como território, ou seja, como espaço apropriado, onde
estão envolvidos jogos de força. Analisando a superestrutura vigente, avaliando as forças de
poder envolvidas e valendo-se de conceitos político-sociológicos, buscou-se entender,
primeiramente, como se a apropriação e transformação de uma área para a construção de
uma represa. Posteriormente, como isso reflete na atual gestão do território, agora também
apropriada pelo turismo.
Deparando-se com uma realidade paradoxal, na qual se tem, por um lado,
abastecimento de água ou geração de energia e, por outro, impactos negativos para a área
atingida, a pesquisa alerta para as diversas faces da democracia e do poder local. O mesmo
sistema democrático que assegura direitos iguais muitas vezes acaba por segregar grupos,
como no caso, os moradores das áreas atingidas. Este mesmo sistema possui lacunas nas quais
estes grupos o encontram aparatos legais que assegurem seus direitos de compensação,
fazendo surgir então, movimentos como o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB).
Reivindicando o direito de praticar atividades econômicas rentáveis na área atingida
(transformada em reservatório), o movimento defende a pesca como uma destas atividades.
Cabe então sugerir, já que a pesquisa detectou também no turismo a possibilidade de
geração de empregos para a população atingida e de possibilidades de empreendedorismo, que
o planejamento turístico feito nas represas já esteja articulado com movimentos sociais como
o MAB posteriormente à criação destas. Assim, o poder público poderia em conjunto com os
movimentos sociais e a população local, atingir objetivos em comum, como gerar outras
possibilidades de renda para a população local e minimizar efeitos como o êxodo rural.
No caso da represa em estudo, com a atividade turística desenvolvida, o poder
local, entendido como os municípios atingidos pela represa, encontra nos Comitês de Bacias
Hidrográficas a possibilidade de ter sua voz ativa. A participação da população e o poder local
em mecanismos como os Comitês de Bacias é uma das premissas do turismo sustentável.
Sugere-se, então, que o turismo e suas implicações negativas e positivas seja tratado nas
pautas das reuniões dos Comitês de Bacias Hidrográficas, fato este que ainda não ocorre.
Tratar o turismo como tema nos comitês é uma das formas dos municípios retomarem a
gestão de um território, queo deve ficar exclusivamente sob a vigência da empresa
responsável pelo abastecimento ou geração de energia. Dividir as responsabilidades pelos
efeitos negativos e potencializar os efeitos benéficos da atividade turística é um primeiro
passo para que a relação entre população local, empreendedores e empresas gestoras do
abastecimento ou geração de energia possam encontrar objetivos em comum em suas
relações.
Especificamente o Comitê de Bacia Hidrográfica dos Rios Piracicaba, Jundiaí e
Jacareí, do qual a represa Jaguari-Jacareí faz parte, está captando recursos através da cobrança
pelo uso da água de empresas como a Sabesp e revertendo em verba para projetos de
melhorias na área. Essa iniciativa constitui uma possibilidade para que estudos como este
sejam aproveitados em projetos cujos objetivos sejam: a proteção ambiental e as melhorias
sociais através da atividade turística na represa.
Dentre os custos ambientais a serem minimizados pelo planejamento turístico, como
aponta a pesquisa, dois merecem total envolvimento dos poderes envolvidos na gestão do
território: a ocupação indevida das margens da represa feita pelas casas de veraneio (não
respeitando o recuo obrigatório ditado pela legislação) e a poluição causada, tanto pelo
montante de resíduos sólidos deixados às margens da represa, quanto a causada pelo uso de
equipamentos náuticos.
O entrave dessas questões começa com o jogo de interesses. Por um lado, os
municípios do entorno almejam ter nas casas de veraneio obtenção de renda, cobrando IPTU
ao transformar áreas rurais em urbanas. Por outro lado, a preocupação da empresa gestora,
pois essa transformação dá o direito às propriedades de estarem mais próximas da água, como
assegura a legislação. A sugestão de medidas, como os municípios se tornarem responsáveis
pela área de recuo concedida, devem ser analisadas para que, assim, mesmo com a legislação
assegurando o uso, a faixa correspondente não fique exposta a um uso indevido, como
ocorre mesmo com um recuo de 100 metros.
A pesquisa também indicou, com a bibliografia pertinente, o número supostamente
seguro de embarcações que poderiam utilizar a represa para esportes náuticos sem que
ofereçam índices preocupantes de poluição pelo derramamento de óleos e graxas, que seria de
aproximadamente 260 barcos. Pela dimensão da represa analisada, assim como ocorre em
outras represas do país, sugere-se que seja feita a delimitação de uma área específica para o
uso desses equipamentos. Isso asseguraria, além da segurança para outros banhistas, a
possibilidade de uma fiscalização maior quanto ao número e tipo de motor utilizado dessas
embarcações. Mais uma vez, essa delimitação e fiscalização deve ser feita em conjunto entre
empresa gestora e municípios do entorno. Outra medida sugerida é a substituição de
embarcações a motor por embarcações à vela, que proporcionam a prática de esportes
náuticos sem comprometer a qualidade das águas da represa.
Ainda analisando as diferentes escalas de gestão e apropriação da represa como
território a pesquisa, levantando a legislação pertinente, encontrou medidas que asseguram o
uso das represas para o turismo e lazer em 5% de seu território, direito este que deve ser
evocado pelo poder local. Isso reforça a sugestão de que a represa deve ser reordenada e
delimitada em áreas de tamanho e destinações de uso pré-definidas para as diversas atividades
e ocupações.
O poder local também se deve valer das propostas e incentivo dado pelo governo
federal no Caderno da Agência Nacional de Águas intitulado “Recursos Hídricos e sua
Interface com o Lazer e Turismo”. Perante o governo do estado, o desenvolvimento da
atividade turística na represa Jaguari-Jacareí encontra, no Plano Entre Serras e Águas, um
incentivo, já que o turismo é uma das novas propostas de uso da área de influência da
duplicação da Rodovia Fernão Dias.
Assim, abordando a represa como um território, a pesquisa conseguiu analisar as reais
possibilidades de ganhos econômicos, sociais e riscos ambientais. Com essa abordagem
também foi possível sugerir mudanças no tratamento desse espaço apropriado, cujas relações
ainda permanecem sob a sombra de um “deslocamento” de papéis e funções, frutos da própria
ideologia por trás das grandes barragens. Neste sentido, a pesquisa superou a abordagem do
turismo como um sub-sistema fechado, como sugerem modelos teórico-referenciais, para uma
atividade que deve ser entendida em sua interação com fatores de um sistema maior. Não
deixando lado, desta forma, questões como os outros usos da represa para a sociedade, além
do turismo (no caso o abastecimento), os mecanismos legais para o planejamento turístico que
envolvem diversas escalas de poder e as diversas (re)apropriações do território.
A represa como paisagem é fruto das diversas (re)apropriações do território que
envolvem topocídios, topofobias, topofilias e topo-reabilitações. Desde seu passado como
paisagem cujos elementos eram vales e rios, asua passagem para uma paisagem lacustre
artificial, ela carrega em si modificações, funções e dimensões que nem sempre se mostram
ou conseguem ser lidas pelos que a observam. Entendendo a represa como paisagem, a
pesquisa indicou caminhos para se atingir um dos objetivos almejados pelo planejamento
sustentável, que é o de entender os diversos tipos de visitantes e seu comportamento através
da obtenção do perfil dos visitantes daquela paisagem e de como estes entendem sua interação
com esta. Para isso, a pesquisa teve como suporte metodológico valer-se da percepção dessa
paisagem pelos usuários para entender assim, quais comportamentos, valores afetivos e
estéticos emergem das diversas percepções.
A primeira conclusão ao se traçar o perfil dos diversos visitantes, separados em
categorias, é a de que o turismo em represas, assim como em outras paisagens, mostrou-se
excludente e segregador. Os dados demonstram que a qualidade da infra-estrutura básica e
turística dos espaços na represa depende da categoria em que o visitante se encontra e assim,
do espaço que este terá acesso. Enquanto turistas e proprietários de casa de veraneio usufruem
de marinas, restaurantes, locais arborizados, com sanitários e lixeiras, excursionistas e
moradores locais não desfrutam sequer de uma infra-estrutura básica nos locais onde tem
acesso, as chamadas “prainhas” da represa.
Esta segregação espacial, que nasce da diferença de perfis sócio-econômicos entre
turistas/proprietários de casa de veraneio e moradores locais/excursionistas, influencia
também na percepção destes para com a paisagem, primeiramente em relação aos problemas
desta. A partir do momento em que a maioria dos moradores e excursionistas acreditam que
todos os itens devem ser melhorados (incluindo infra-estrutura básica, turística, sanitários,
latas de lixo, salva-vidas, eventos, acesso) e quase a totalidade destes acredita que a infra-
estrutura básica necessita de melhorias para que o turismo e lazer na represa sejam
melhorados, sugere-se que o poder local e empresa gestora sejam responsáveis por
proporcionar as melhorias necessárias para que a represa tenha condições de receber todas
as categorias de usuários. Concedendo a infra-estrutura almejada problemas seriam
minimizados, como o despejo de lixo às margens da represa, óbitos por afogamento, geração
de empregos de manutenção do local e de vendedores credenciados, além de fazer valer o
direito ao lazer dos que não podem pagar por altas diárias em pousadas.
Partindo-se para a percepção dos usuários em relação aos comportamentos que
prejudicam a paisagem, a pesquisa concluiu que os usuários percebem as atitudes negativas
para com o local. Isso devido ao fato de que, poucos entrevistados acreditam que os visitantes
não prejudicam de nenhuma forma a paisagem. A grande maioria apontou a atitude de jogar
lixo no local, que este constitui um problema facilmente visível e que por isso é o mais
percebido pelos usuários.
No entanto, o derramamento de óleos e graxas, erosão causada pelo uso indevido das
margens da represa, destruição da fauna e flora local, entre outras, já enumeradas pelo
referencial teórico, por serem menos visíveis ficam menos sujeitas à uma observação crítica e
assim dificilmente são detectadas como prejudiciais à paisagem. Sugere-se que é preciso
criar mecanismos para que outras atitudes sejam percebidas e entendidas como prejudiciais
à paisagem e não somente a atitude deixar lixo no local. Os mecanismos que preencheriam
essa lacuna perceptiva” poderiam ser constituídos em ações como: programas de educação
ambiental, presença de placas indicativas alertando para os danos causados por estes
comportamentos e fiscalização presente no local.
Os próprios usuários apontam a falta de educação/sensibilização como a justificativa
para atitudes como jogar o lixo às margens da represa. No entanto, este não é o único
problema que deve ser abordado nas diretrizes de um planejamento com objetivo de mudar as
atitudes dos usuários. Apenas tornando os usuários cientes de todos os danos que podem
causar à paisagem é que estes poderão partir para uma mudança de comportamento e também
se tornarem fiscalizadores do comportamento de outros usuários.
Além de alguns comportamentos prejudiciais não serem percebidos, a história, função
e dimensão da represa também não são percebidas pelos que a observam. A represa se mostra
ao observador, enquanto paisagem, como um grande lago, onde sob suas águas não se percebe
a história submersa, qual o destino de suas águas e que caminhos irão percorrer. Como ter
uma atitude pautada na premissa de que a água se destina ao abastecimento e que, para isso,
impactos ambientais e sociais foram gerados em quatro municípios, se não se percebe isto na
simples observação daquela paisagem?
Conclui-se que as represas são paisagens que necessitam de medidas com o objetivo de
informar aos usuários as características de sua história, função e dimensão, que não se
revelam facilmente. Sugere-se também a criação de locais como “museus” da represa,
contando não apenas a história da construção desta pelo lado de quem a construiu, mas da
memória de quem estava envolvida com o processo de mudança daquela paisagem.
Proporcionando a valorização da cultura local, através de informações dadas sobre a história
da paisagem e da memória de sua gente, mais uma vez o planejamento turístico poderia estar
dentro das propostas de sustentabilidade.
Por fim, abordando a represa como um lugar, ou seja, espaço dotado de função e valor,
a pesquisa concluiu que os usuários da represa valoram de forma positiva a paisagem que,
para estes, passa a ser significada como um lugar de descanso e lazer. Corroborando com a
falta de percepção de que esta detém outras funções e valores, esta significação gera valores
afetivos e estéticos próprios da visão de quem a tem apenas como um lugar de visitação. Por
um lado, a afetividade e a valoração da represa apenas como um lugar de lazer por turistas,
proprietários de casa de veraneio, moradores locais e excursionistas, pode acarretar em uma
atitude de despreocupação com a represa enquanto lugar importante para o abastecimento.
Mas por outro lado, essa (re)significação da represa através do turismo e lazer gera novas
formas de identificação, de experiências, de afetividades e memórias. O desafio consiste,
então, em fazer com que os usuários percebam as múltiplas valorizações e funções da represa,
como o abastecimento. Consiste também em fazer com que a empresa gestora perceba que a
represa também é um atrativo turístico, um lugar de lazer. Superando este desafio medidas
podem ser estabelecidas visando a sustentabilidade dos múltiplos usos e significações do
espaço.
Finalmente, cabe mencionar que a abordagem feita neste trabalho partiu do
pressuposto que a construção das grandes represas é atualmente questionada por suas
implicações ambientais e sociais. Não objetivou, assim, apresentar as represas apenas como
locais a serem comercializados pelo o turismo, mesmo que estas sendo, algumas vezes, o
principal atrativo para que pessoas se desloquem para os municípios atingidos.
Esta paisagem, que conduz às possibilidades de contemplação, prática de esportes
náuticos, pesca e nado, possui singularidades que não podem ser desapercebidas pelos
planejadores, pois com isso corre-se o risco do turismo reproduzir desigualdades e impactos já
iniciados por outras atividades sobre o local. Tais especificidades foram abordadas em um
tripé: a represa como território, paisagem e lugar. Com ele, espera-se que alguns caminhos
tenham sido abertos para um verdadeiro turismo sustentável, responsável ou social, nesta
paisagem híbrida, mistura entre o natural e o artificial, produto da relação dialética de
influências entre cultura e meio ambiente. Turismo este que é fato nestas paisagens tão
recorrentes no país e que, através do seu planejamento, pode promover novas apropriações,
significações e visões sobre as represas, que viriam a contribuir para a topo-reabilitação
destes locais.
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