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Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Programa de Pós Graduação em Ciências Sociais
Alzilene Ferreira da Silva
Natal – 2009
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
MESTRADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO:
DINÂMICAS SOCIAIS, PRÁTICAS CULTURAIS E
REPRESENTAÇÕES
A MAGIA DO CINEMA NA PRAÇA:
apropriação do espaço e sociabilidade em Salvador-Ba
ALZILENE FERREIRA DA SILVA
NATAL/ RN
Março/ 2009
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ALZILENE FERREIRA DA SILVA
A MAGIA DO CINEMA NA PRAÇA:
apropriação do espaço e sociabilidade em Salvador-Ba
Dissertação para a obtenção do título de Mestre
apresentada a Pós-Graduação em Ciências sociais,
da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
Área de concentração Dinâmicas Sociais, Práticas
Culturais e Representações.
Orientadora: Professora Drª Lisabete Coradini
NATAL/ RN
MARÇO/ 2009
Catalogação da Publicação na Fonte.
Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes
(CCHLA).
Silva, Alzilene Ferreira da.
A magia do cinema na praça: apropriação do espaço e sociabilidade em
Salvador-BA / Alzilene Ferreira da Silva, 2009.
230 f.
Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) Universidade Federal do
Rio Grande do Norte. Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Programa
de Pós-graduação em Ciências Sociais, Natal, 2009.
Orientadora: Lisabete Coradini.
1. Espaços abertos - Dissertação. 2. Sociabilidade Dissertação. 3.
Cinema - Dissertação. 4. Praças Dissertação. I. Coradini, Lisabete. II.
Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título.
RN/BSE-CCHLA CDU 316.4
FOLHA EXAMINADORA
Dissertação apresentada como requisito parcial à obtenção do grau de Mestre, no
Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte – UFRN.
BANCA EXAMINADORA:
________________________________________________
Professora Doutora Lisabete Coradini
Departamento de Antropologia – UFRN
(Examinador)
________________________________________________
Professora Doutora Cornelia Eckert
Programa de Pós Graduação em Antropologia Social
Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS
(Examinadora)
________________________________________________
Professor Doutor
Université François Rabelaisà Tours (França)/
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN
Departamento Ciências Sociais – UFRN
(Examinador)
________________________________________________
Professor Doutor João Tadeu Weck
Departamento de Educação – UFRN
(Examinador / suplente)
A minha adorável avó, Maria Isabel da Silva Teles,
minha gratidão e afeto.
RESUMO
São nos espaços da cidade, moldados a partir dos usos e apropriações cotidianos
que a vida se efetiva, como produto das relações sociais, da acumulação histórica e
da tecedura realizada no presente. Nessa relação, o “velho” e o “novo” são
elementos que constituem esse cenário, resultante das construções das sucessivas
gerações. A praça é vista como exemplo dessa relação, pois consiste em um espaço
fértil de possibilidades de convivência urbana. No rastro dessas considerações,
surge o presente estudo sobre a apropriação e sociabilidade na Praça Tomé de
Sousa, localizada na cidade de Salvador-Ba, tendo como enfoque precípuo a
relação especial entre o cinema e a praça, no que diz respeito ao espaço das
práticas de exibição da arte cinematográfica. As exibições de filmes em praças
viabilizam um modo peculiar de apropriação que ocorre desde os primórdios do
cinema. Atualmente no Brasil pululam projetos dessa natureza, que visam a
apresentação da sétima arte à grande parcela da população que não tem acesso às
salas convencionais de projeção. Nesse particular o Projeto Cinema na Praça,
realizado em Salvador, torna-se a referência empírica desse trabalho. Esse
caminhar revela o fascínio que essa grande arte vem tecendo ao longo dos tempos,
atraindo e encantando multidões. O cinema toca de modo especial as pessoas,
despertando afetos e isso se reverbera em múltiplas práticas sociais. No tocante a
esse trabalho, destaca-se mormente as projeções em praças, iniciativas que tornam
possíveis assistir a filmes coletivamente. Para realização do trabalho levou-se em
consideração os relatos dos freqüentadores das sessões de cinema na Praça, das
pessoas envolvidas da equipe dos projetos de cinema e cineastas. Para a feitura do
trabalho, afora a revisão bibliográfica, realizou-se observações participantes na
Praça Tomé de Sousa, entrevistas semi-estruturadas com pessoas envolvidas com
projetos de exibição e freqüentadores das sessões de cinema na Praça. Também
investigação em jornais e revistas impressos e na Internet, além de fontes
documentais e iconográficas. O registro fotográfico apresenta-se como importante
contributo ao trabalho de campo. A pesquisa desenvolve-se, portanto, a partir da
compreensão de que são as práticas sociais, que tornam possíveis os usos e
apropriações dos espaços. Nessa perspectiva a praça surge como um locus
privilegiado onde afloram-se possibilidades de múltiplas manifestações que as
práticas sociais podem engendrar.
Palavras-Chaves: Espaço, Praça, Cinema, Sociabilidade.
ABSTRACT
It’s in the city spaces, molded from the uses and daily appropriations, that life is
woven, as a product of the social relationships from the accumulation of history along
with the present day fabric. Within this relationship, the “old” and the “new” are
elements which make up this tapestry, as a result of the contribution of successive
generations. The public square is seen as an example of this relationship, since it
consists of a fertile space for opportunities of urban life coexistence. It is within the
trace of these considerations that the present study emerges regarding the
appropriation and sociability of the Tomé de Sousa Square, located in the city of
Salvador, BA, having as its main focus the special relation between the cinema and
the public square, as it relates to the space of the exhibition of cinematographic art.
The showing of films in public squares makes possible a distinctive means of
appropriation which has occurred ever since the beginning of the cinema. Today in
Brazil, projects of this nature abound, which aim at presenting the seventh art to a
great portion of the population which doesn’t have access to conventional movie
theater projection rooms. This particular “Projeto Cinema na Praça” Cinema in the
Square Project carried out in Salvador, has become the empirical reference point
for such work. This journey reveals the fascination that this great art has woven
through time, attracting and charming multitudes. The cinema touches people in a
special way, stirring up affectionate feelings, which are reflected in multiple social
practices. Regarding this work, what stands out above all are the projections in the
squares, initiatives which make it possible for the films to be watched collectively.
What was taken into account in order to carry out this work were the reports of those
who came regularly to watch the cinema in the Square sessions, those involved with
the cinema projects team, and the film makers. To do the work, besides a
bibliographical revision, observations were made of participants in the Tomé de
Sousa Square, taken from semi-structured interviews with people involved with the
film projection projects and those who came regularly to the cinema in the Square
sessions. Also investigations were made in newspapers, printed magazines and the
internet, from document and iconographic sources. The photographic documentation
proved to be an important contribution to the field work. The research therefore
develops from the understanding that the social practices are what make possible the
uses of and the appropriation of the spaces. Within this perspective the public square
emerges as a privileged locus where possibilities flourish for multiple manifestations
that social practices can generate.
Key Words: Space, Square, Cinema, Sociability.
O Cinema dança, com a luz, com a lágrima,
com música, com o riso, com o ato.
O Cinema ensina, documenta, registra, revolve,
revisa, rebate, debate, discute, com a
cor, com o traço, com a letra.
O Cinema seduz, com doces (e amargos também),
sutis e grossos modos, com sustos,
com cismas, com medos.
O Cinema vende, rende, redime, compra [...]
O cinema muda qualquer coisa,
qualquer cara, fase, teatro, todas as vistas
visões, espectadores e mascarados,
analógicos e digitais.
O Cinema, enfim, mobiliza.
Naomar Filho (2005)
ÍNDICE DE FIGURAS
Figura 1 – Praça dos Estados da Candangolândia/ Distrito Federal-DF..................53
Figura 2 – Praça dos Estados da Candangolândia/ Distrito Federal-DF..................53
Figura 3 – Terreiro de São Francisco em Salvador-Ba.............................................77
Figura 4 – Praça de Mayo/ Buenos Aires-Ar.............................................................78
Figura 5 – Praça de República/ Buenos Aires-Ar.
.........................
..................................79
Figura 6 – Praça de República/ Buenos Aires-Ar......................................................79
Figura 7 – Estátua do Poeta Praça Castro Alves......................................................79
Figura 8 – Esculturas – Praça Paris/ Rio de Janeiro-RJ............................................80
Figura 9 – Estátua do Almirante Barroso – Praça Paris/ Rio de Janeiro-RJ..............80
Figura 10 – Praça da Piedade/ Salvador-Ba..............................................................81
Figura 11 – Praça Ramos de Azevedo/ São Paulo-SP..............................................82
Figura 12 –
Praça Marechal Floriano Peixoto (Cinelândia)/ Rio de Janeiro-RJ.........82
Figura 13 – Praça da Sé/ São Paulo-SP....................................................................84
Figura 14 – Praça da Sé/ São Paulo-SP-SP..............................................................84
Figura 15 – Terreiro de São Francisco/ Salvador-Ba.................................................85
Figura 16 – Terreiro de São Francisco/ Salvador-Ba.................................................85
Figura 17 – Praça Tomé de Sousa/ Salvador-Ba.......................................................85
Figura 18 – Plaza das Heras/ Buenos Aires-Ar..........................................................89
Figura 19– Praça Fausto Cardoso/ Aracaju-Se..........................................................89
Figura 20 – Praça Serzedelo Correia/ Rio de Janeiro-RJ...........................................89
Figura 21 – Praça Roosevelt/ São Paulo-SP..............................................................89
Figura 22 – Praça da República/ São Paulo-SP.........................................................91
Figura 23 – Praça da República/ São Paulo-SP.......................................................91
Figura 24 – Praça de Boa Viagem/ Recife-Pe..........................................................93
Figura 25 – Praça Olímpio Campos/ Aracaju-Se......................................................93
Figura 26 – Plaza Serrano/ Buenos Aires - Argentina..............................................93
Figura 27 – Praça José de Alencar/ Fortaleza-Ce....................................................95
Figura 28 – Praça José de Alencar/ Fortaleza-Ce....................................................95
Figura 29 – Praça Aristides Lôbo/ João Pessoa-Pb..................................................96
Figura 30 – Praça Marechal Deodoro/ Maceió-Al
..
....................................................96
Figura 31 – Praça da Piedade/ Salvador-Ba.............................................................96
Figura 32 – Praça da Sé/ Salvador-Ba......................................................................96
Figura 33 – Praça Tomé de Sousa/ Salvador-Ba......................................................96
Figura 34 – Praça da Sé/ São Paulo-SP
................................
.........................................127
Figura 35 – Praça da Sé/ São Paulo-SP
................................
.........................................127
Figura 36 – “Motim da Carne sem osso e farinha sem caroço
...
.............................152
Figura 37 – Paço dos Governos..............................................................................154
Figura 38 – Palácio dos Governos, antes do bombardeio......................................155
Figura 39 – Salvador vista do Mar..........................................................................214
Figura 40 – Prédios da Cidade Baixa
.....................................
......................................... 214
Figura 41 – Prédios da Cidade Baixa
.....................................
......................................... 214
Figura 42 – Prédio do Mercado Modelo
................................
.........................................214
Figura 43 – Vista lateral do Elevador Lacerda
...
......................................................215
Figura 44 – Prefeitura Municipal de Salvador.........................................................215
Figura 45 – Paço Municipal
..........................................................
.........................................215
Figura 46 – Palácio Rio Branco
...................................................
........................................215
Figura 47 – O banho da Tomé de Sousa..................................
...
............................216
Figura 48 – Os pombos na Praça...........................................................................216
Figura 49 – Chegada dos turistas...........................................................................216
Figura 50 – Passeio na Praça.................................................................................216
Figura 51 – O vendedor ambulante........
................................
.........................................216
Figura 52 – A “Ferinha de Artesanato.....
...............................
.........................................216
Figura 53 – O vendedor de cafezinho.....................................................................217
Figura 54 – “Bate papo” na Praça...........................................................................217
Figura 55 – Encontro com os amigos......................................................................217
Figura 56 – Protesto na Praça................................................................................217
Figura 57 – Manifestação dos trabalhadores
...........................................
..........................217
Figura 58 – A Sorveteria Cubana............
...............................
.........................................217
Figura 59 – Estátua Viva na Praça..........................................................................217
Figura 60 – Fotografar o Pôr-do-sol........................................................................217
Figura 61 – A expectativa da grande foto...............................................................218
Figura 62 – O belíssimo
espetáculo do pôr-do-sol.
.................................
........................218
Figura 62 – Chegou o dia do cinema......................................................................218
Figura 63 – A espera do outro espetáculo
.................................................
.........................218
Figura 64 – Quase o momento
.
............
...................................
.........................................219
Figura 65 – As imagens brilham na tela..................................................................218
Figura 66 – Gente que passa..................................................................................219
Figura 67 – Gente que pára. .................................................................................219
Figura 68 – Gente sentada no chão
.........................................
.........................................219
Figura 69 – Gente em pé..........
..................................................
........................................ 219
Figura 70 Gente deitada.......................................................
...
........................... 219
Figura 71 – Gente atenta........................................................................................219
Figura 72 – Gente sorrindo.....................................................................................219
Figura 73 – Gente que cansou e sentou-se............................................................219
Figura 74 – Mais gente sentada no chão
..............................
.........................................219
Figura 75 – Cenas Finais
...............................................................
.........................................219
Figura 76 – O cinema se despende..........................................
...
.............................219
Figura 77 – Quando chove não tem o Cinema na Praça
.
........................................219
14
SUMÁRIO
Introdução.............................................................................................................14
Capítulo I – CINEMA: algumas considerações......................................................28
1.1. O contexto atual no Brasil: exibições de cinema itinerantes em praças e
nas ruas das cidades......................................................................................46
1.2. O feérico cinema chega às praças.......................................................51
1.3. Da câmara escura ao cinematógrafo: projeções itinerantes................66
Capítulo II – “Nem só de bancos se faz uma praça”: usos e apropriações........76
2.1. O espaço: algumas abordagens conceituais..........................................98
2.2. A praça na cidade: mudanças e sociabilidades...................................103
2.3. Vamos passear na praça? Breve percurso da praça no Brasil...........129
Capítulo III – Prazer em conhecer: Salvador e a sua primeira Praça................143
3.1. A Praça Tomé de Sousa: apropriações e sociabilidades................... 160
3.2. Sob o céu de estrelas: exibições de filmes na Praça Tomé de
Sousa........................................................................................................... 166
3.3. O cinema em Salvador: breve considerações.....................................173
3.4. O “Projeto Cinema na Praça” em Salvador: origem e ações............180
IV. Considerações Finais...................................................................................197
V. Acervos e Fontes...........................................................................................203
VI. Referências Bibliográficas.......................................................................... 212
VII. Anexos..........................................................................................................220
14
Introdução
O cinematógrafo apossa-se da ciência, do
teatro, da arte, da religião, junta verdades
positivas e ilusões para criar o bem
maravilhoso de mentira, e fixa de novo a
multidão, fixa-a sugestionada, fixa-a pelo
espetáculo, fixa-a pela recordação, dá-lhe
qualidade de visão retrospectiva, fá-la ver e
crer, celestemente removida ao momento da
tortura ao lado do Deus-Homem, humano na
tela, mas ainda irreal
porque apenas uma luz do écran.
João do Rio
1
Em que consiste a cidade? Essa pergunta feita a algum citadino poderá
despertar uma série de sensações e sentimentos. Ao ouvir esse vocábulo, muitas
associações são suscitadas. Um conjunto de imagens daria significado. Esse
morador poderia pensar, talvez, em uma grande metrópole, com suas luzes, prédios
gigantescos, casas, parques, favelas, ruas, viadutos, semáforos, avenidas, praças,
teatros, cinemas. Pensaria na concentração e na circulação de pessoas, que dão
vida à cidade, nos veículos, na agitação, que lhe confere o sinônimo de movimento e
velocidade.
Um outro olhar diferenciado, possivelmente, elegeria outros elementos
constituintes desse cenário: as desigualdades econômicas e sociais, o desemprego,
a violência, a fome, o trânsito problemático, a poluição.
A mesma cidade que suscita uma associação com o tangível revela uma
pluralidade de relações, possível de ser percebida além da visão imediata. A cidade
do concreto é também o local que guarda lembranças, lutas, transformações,
indagações, sonhos, afetividade, beleza, perdas, encantamento, o novo e o velho.
Para um olhar mais perspicaz, um prédio erigido na cidade é mais do que
uma simples construção, nele está impresso não sua estrutura palpável, mas
também elementos outros que viabilizaram sua edificação. Um prédio diz além dos
1
Rio, apud LIMA, 2000, p. 235. (LIMA, Evelyn Frurquim Werneck. Arquitetura do Espetáculo:
teatro e cinemas na formação da Praça Tiradentes e da Cinelândia. Rio de Janeiro: Editora
UFRJ, 2000).
15
seus contornos, nele gravam-se trabalho, valores, divisão, estratificação, lucro,
exploração, mas também arte, criação, memória e afeto.
Abordar a temática referente à cidade remete a uma miríade de
significados; no entanto, algumas características materiais e imateriais são
facilmente identificadas como elementos forjadores desse espaço. A rua, os prédios,
as avenidas, os monumentos, as praças fazem parte do desenho urbano. Essas
formas que comparecem na cidade guardam em seu bojo elementos não tangíveis,
o conteúdo simbólico presente no processo de construção e mutação da cidade. Na
realidade, são os construtos socioculturais que regem os ritmos, as transformações
e fisionomia da urbe.
Os estudos sobre a cidade têm por finalidade desvendar suas funções,
finalidades formas e as distintas e imbricadas relações que a compõem sociais,
culturais, políticas, econômicas. Esse exercício de apreensão e definição do que
seria a cidade engendra uma constelação de aspectos complexos e abrangentes.
Adentrar-se nessa abordagem, torna-se pertinente observar, que a cidade é
delineada cotidianamente, a partir das relações sociais que constrói o espaço e lhe
atribui sentido e significado. Nesse tocante, cumpre salientar, que o espaço
observado se configura, igualmente, como agente modelador das relações sociais.
Ora, é essa relação recíproca entre o espaço e as relações sociais que modela a
imagem da cidade.
Pensar sobre a urbe, torna-se um desafio, pois o tema é rico, imbuído de
indagações acerca da construção do espaço, das suas organizações sociais, modos
de vida, significados simbólicos, apropriações, usos etc., que revelam sua essência
sócio-cultural.
Desde sua origem a cidade pode ser descrita como espaço provido para
acumular, transformar e aperfeiçoar os bens e as técnicas alicerçadas ao longo do
tempo. O legado social e cultural elaborado a partir da busca em aprimorar o
conquistado e sobrepujar as necessidades apresentadas revela que a compreensão
acerca da cidade extrapola o concreto e a sua dinâmica está vinculada ao próprio
fluxo da vida.
É de conhecimento comum que a imagem da cidade é tecida no decorrer
do tempo histórico, que descortina as relações e modos de vida. Assim, diferentes
sociedades imprimem nas cidades um perfil particular, materializam distintas
16
relações, valores, formas de pensar, agir, sentir, consumir, que são próprias de cada
época. Nessa articulação, o “novo” e o “velho” apresentam-se como elementos
constituintes desse cenário, em que a vida se tece e vai expondo novos desenhos e
configurações espaciais. Sendo assim, a cidade guarda a mesma volubilidade das
suas construções culturais e sociais, mas também preserva as diferentes
temporalidades que, cotidianamente, forjam a memória da cidade.
Comumente a cidade de origem, assim como uma profissão, constitui uma
referência para as pessoas ao se identificarem. Como observa Tuan (1993, p. 60), “a
cidade natal é um lugar íntimo. Pode ser simples, carecer de elegância arquitetônica
e de encanto histórico, no entanto, nos ofendemos se um estranho a crítica”.
Os afetos, sentimento de orgulho pela cidade, seu significado, valor e
lembranças são freqüentemente tomados como temas que inspiram poesias, filmes,
prosas, pinturas, fotografias e desenhos dos lugares, do cotidiano, dos símbolos e
dos personagens que a dão vida e sentido. Assim, a abordagem sobre a cidade é
pujante e apresenta uma constelação de possibilidades de registros imagéticos, que
podem evocar sentimentos, despertarem sensações, a contemplação e lembranças
dos lugares que o representativos, caminhos trilhados (a casa, a rua, a avenida, o
bairro, a praça, os locais de convivência etc.) que são, portanto, espaços de vida, de
sonhos e de afeto.
Diante do conjunto da cidade, atravancada por códigos que o usuário não domina mas que
deve assimilar para poder viver aí, em fase de uma configuração dos lugares impostos
pelo urbanismo, diante dos desníveis sociais internos ao espaço urbano, o usuário sempre
consegue criar para si algum lugar de aconchego, itinerário para o seu uso ou seu prazer
(Certeau, 41-42).
A relação que o usuário tem com a cidade faz com que perceba certos
lugares de modo diferenciado. Dessa maneira lugares que não são comuns,
adquirem valor particular; e isso depende da experiência pessoal, do significado e
vínculo emocional atribuído, que torna um determinado espaço especial. É nessa
perspectiva que para Lynch (1996, p. 11), “todo cidadão possui numerosas relações
com algumas partes da sua cidade e sua imagem está impregnada de memórias e
significações”. Nesse sentido, a praça é o palco propício para essas observações,
pois
17
surgem no cenário urbano com uma identidade própria, segundo o imaginário de cada
época. Essa identidade corresponde às imagens e representações que são construídas a
partir de diferentes discursos, usos, olhares, que imprimem, a cada praça de cada cidade
em diferentes épocas, diferentes significados” (CORADINI,1995, p.12).
Pode-se perceber, nesse particular, que “os acontecimentos simples podem
com o tempo se transformar em um sentimento profundo pelo lugar” (TUAN, 1983, p.
158). A praça, é percebida como elo fecundo dessa compreensão, devido a ser, “por
excelência, um centro, um ponto de convergência da população, que a ela acorre
para o ócio, para comerciar, para trocar idéias, para encontros românticos ou
políticos, enfim, para o desempenho da vida urbana ao ar livre”. (ROBBA; MACEDO,
2003, p. 10). Configura-se, desse modo, como o lugar do encontro e da
sociabilidade para onde converge a população que almeja desfrutar do lazer e do
convívio com outras pessoas.
Desse modo, existem locais que permanecem vivos na memória dos
moradores, como as praças, por fazerem parte da história da cidade e de vida dos
seus habitantes, por estarem vinculados a uma relação simbólica e de afetividade. A
praça é tomada, nessa pesquisa, como exemplo dessa relação, sobretudo, porque
“desde os tempos remotos, sempre foi o microcosmo da vida urbana, oferecendo à
população [...] possibilidade de lazer e de convivência [...] uma área de praça tem o
poder de converter-se num cenário de infinita riqueza urbana”. (LIMA, 2000, p. 98).
Riqueza urbana, como bem salienta Lima, que pode ser percebida através
dos muitos projetos que são desenvolvidos atualmente no país com o propósito
primordial de tornar acessível o cinema à população que não tem acesso às salas
convencionais de exibições. Nesse tocante as praças são escolhidas, como espaço
precípuo para essa prática. As exibições de filmes em praças viabilizam um modo
peculiar de apropriação que ocorre desde os primórdios do cinema, o que será
tratado no primeiro capítulo desse trabalho.
Assim como as praças, que comparecem como elemento urbano dotado de
valor simbólico, podendo despertar afeto e compor a memória daqueles que tecem
cotidianamente a vida na/da cidade através dos trajetos mantidos ou recriados,
dos usos e apropriações diversas, o cinema é percebido nesse trabalho com igual
contorno, por ser uma arte que mexe com os sentidos, sonhos, sentimentos,
sensibilidade e desejos. Ademais, envolve o espectador em uma áurea de fantasia e
18
magia. Seu encantamento reside ainda no vínculo com o ato de narrar histórias,
prática que remete os tempos mais remotos, e que, portanto, acompanha a trajetória
da humanidade. Além de outras características, o cinema apresenta-se como meio
que indubitavelmente influi nos hábitos cotidianos, altera costumes e
comportamentos humanos. Desde seu nascimento, as imagens em movimento vêm
seduzindo as pessoas, mentes e corações.
O cinema ao mesmo tempo que é mágico, é estético e, ao mesmo tempo que é estético é
afetivo. Cada um destes termos pressupõe o outro. Metamorfose mecânica do espetáculo
de sombra e luz, surge o cinema no decurso milenário de interiorização da velha magia
das origens. (MORIN, 1983, p. 171).
Mas qual o começo dessa magia? A história revela que a fascinação pela
imagem nasce concomitantemente com a inquietação humana em reproduzir por
meio de pinturas as cenas da vida. Algo que vem sendo semeado desde os
princípios dos tempos.
Na caverna escura, os raios do Sol ao penetrá-la, permite vislumbrar nas
saliências e formas amorfas dos tetos e das paredes, pinturas e desenhos gravados,
alguns traços simples outros mais sofisticados nas suas elaborações. O
delineamento sulcados nas rochas expõe os mistérios, as imagens da natureza,
grandes animais de caça, algumas figuras humanas, representações simbólicas de
aspectos que seriam essenciais da vida. Nas profundezas das cavidades, em
superfícies rochosas ao ar livre e nos locais protegidos, são retratados o que
significa mais que a evolução dos traços, prova da ocupação humana no período
pré-histórico ou ainda o intuito de conservação do mundo em que viviam. As pinturas
rupestres, considerados os primeiros registros visuais, apontam o desejo do homem
de reproduzir através da imagem os acontecimentos da vida. Em outras palavras,
esse ato milenar, traduz igualmente, o maravilhamento, a tentativa de capturar os
momentos fugitivos e de imitar a vida, suas ações em simulacros. Talante gestado
desde os tempos remotos, denuncia o fascínio que a imagem produz.
Mas, o desejo de revelar, descrever, contar as cenas do cotidiano em
registros imagéticos, movia-se além da representação estática (desenhos, pinturas,
esculturas) almejava-se alcançar o movimento. Nesse sentido, gerou-se uma
verdadeira caça ao tesouro, encorpou-se iniciativas, investimentos em pesquisas,
19
esforços de diversas gerações, que cruzaram os culos a desabrochar na
invenção do cinematográfico pelos irmãos Lumière, em 1894, na França. Para
Arlindo Machado (1997, p. 28),
A primeira sessão de cinema nos moldes que a conhecemos hoje, ou seja, numa sala
pública de projeções, aconteceu mais de dois mil anos, muito antes que Louis Lumière
mostrasse as paisagem animadas de La Ciotat no Grand Café de Paris. Ele teve lugar na
imaginação de Platão [...] e veio a ser conhecida posteriormente como a “alegoria da
caverna” [...]
A caverna de Platão, basicamente uma sala de projeção, situa-se nesse fronteriço, nessa
zona limítrofe que separa a aparência da essência, sensível do inteligível, a imagem da
idéia, o simulacro do modelo.
A genealogia do cinema desvela um feixe de práticas e invenções que
remontam a centenas de anos da cultura humana. A trajetória desse grande sonho,
de perenizar a realidade em imagens dinâmicas, faz voltar pelos menos seis
Séculos de história, até se concretizar no nascimento do cinematógrafo. Formou-se
elos, uma cadeia interdependente de conhecimentos e pesquisas que se efetivaram
durante sucessivas gerações. Cada descoberta técnica e científica serviam de
aportes para outros passos. Paulatinamente, a soma das investigações e estudos
faziam emergir novas invenções como a câmara escura, a lanterna mágica e a
fotografia.
As projeções luminosas tiveram origem no Século XVII, momento em que as
imagens eram preciosas e escassas, somente os nobres tinham acesso ao mundo
da escritura e das gravuras. As lanternas mágicas serviram tanto para diversão
como para fins educativos, difundir a cultura e a ciência, também foram usados
pelos charlatões e pela igreja para a proliferação de usos e costumes. Até o advento
do cinematógrafo, as lanternas luminosas fizeram grande sucesso, proliferaram-se
por todo globo graças a ação dos lanternistas ambulantes. Essa figura errante,
percorria os recantos, lugarejos e cidades exibindo o admirável invento em feiras,
praças e em residências. A lanterna encantava as multidões onde comparecia. As
projeções permaneceram até a chegada do cinematógrafo. Mas as ações itinerantes
em praças e espaços livres continuam com os projecionistas ambulantes do final do
Século XIX e início do Século XX. É desse modo que o cinema percorre o planeta,
chega às praças, feiras e circos. No início não existiam salas de exibição, as
projeções eram feitas em áreas livres, em galpões adaptados. Posteriormente, o
20
cinema é abrigado pelos teatros surgindo os famosos cine-teatros. Segundo
Canclini (1999, p. 201), a construção de salas permanentes para receber o cinema
começaram a partir de 1905.
A magia do cinema cativou rapidamente a população e “desde seu advento,
o cinematógrafo congregava todos os tipos de público”, pois se apresenta como
“uma maneira divina de contar a vida, permitindo espelhar um mundo semelhante ao
real, mas, ao mesmo tempo, criando mundos desconhecidos que levavam multidões
às salas de espetáculos” (LIMA, 2000, p. 253).
O cinema continua a encantar as multidões, mas da origem até os dias
atuais ocorreram muitas mudanças no modo de consumir a sétima arte. Não mais as
salas gigantescas com preços populares. O cinema migrou para o interior dos
Shopping Centers, das capitais e cidades de médio porte, tornando-se acessível a
um público específico, pois a localização e preços dos ingressos acabam por
selecionar os espectadores.
O glamour dos palácios majestosos durou até meados da década de 50, quando a sala de
cinema sentiu um pequeno afastamento do público, culminando com o fechamento de
algumas delas. [...] Estudiosos da época atribuíram a queda de público e fechamento de
algumas casas ao advento da televisão, no início de 50. Com a grande expansão do novo
veículo, em 57 a perda do público de cinema leva a uma forte crise do mercado.
E o cinema, como referência de lazer coletivo vai perdendo sua força, passando por um
processo de adaptação e desdobramento. Nas décadas seguintes, as salas tradicionais
foram se transformando em templos evangélicos, bancos, bingos. Algumas passaram a
exibir apenas filmes americanos.
2
A partir da cada de setenta o cinema vai perdendo, de modo mais
impactante, sua força como aglutinador das grandes multidões. As salas dos bairros
são progressivamente fechadas. E, atualmente, apenas 8% das cidades brasileiras
têm salas de exibição, o que representa um número representativo de pessoas que
nunca foram ao cinema. Mesmo nas grandes cidades essa realidade se faz notar,
sobretudo, por causa da conjuntura atual, que torna inviável o acesso da maioria da
população às salas convencionais.
O cinema ampliou sua ação comunicacional graças à televisão e ao vídeo. Mas esta
expansão transformou o processo produtivo e a maneira de se assistir aos filmes. Ao
2
DIAS, Simone. A Trajetória das Salas de Cinema. Mnemocine. [S.l], out. 1999. Disponível em:
http://www.mnemocine.com.br/cinema/historiatextos/salascine.htm. Acesso em: 6 de jun. de 2007.
21
contrário das idas às salas, onde se busca “a intimidade no meio da multidão”, como dizia
Carlos Monsiváis, nessa comunidade devota que se forma com o escuro silêncio em frente
à tela, a televisão e o vídeo fomentam uma sociabilidade restrita ao casal ou à família, com
uma fraca concentração no filme, o que permite as distrações e até a realização de outras
atividades enquanto o filme vai passando. (CANCLINI,op. cit. p. 202-203).
As mudanças nos modos de vida e o aparecimento de novos aparatos
tecnológicos, a exemplo da televisão, vídeo cassete, mais recentemente o DVD e o
computador são alguns dos motivos apontados como responsáveis pela captura dos
espectadores em suas residências (esses aspectos serão melhor tratados no
primeiro capítulo). Segundo Canclini, o cinema tradicional era uma motivação para
as pessoas saírem de suas casas e usar a cidade, mas a o vídeo tornou-se a
principal forma de se assistir aos filmes nas últimas décadas (e atualmente o DVD),
e mesmo aqueles que são cinéfilos e vão freqüentemente ao cinema, alugam filmes
e assistem em casa. (1999,
p. 202-203).
Essa nova realidade aliadas à preocupação em buscar-se espaços
alternativos para exibição e formação de blico para o cinema brasileiro, faz surgir
uma pluralidade de projetos de exibições de filmes em praças públicas nos diversos
Estados brasileiros. Muitos deles com a denominação “Cinema na Praça”, são
ilustrativas a esse respeito as cidades de Olinda-Pe, Quixadá-Ce, Vitória da
Conquista e São Féliz no interior da Bahia, Campinas, São Paulo e Santo André-SP
entre outros. Cumpre salientar que além das atividades locais, vários projetos
desenvolvem ações itinerantes de exibições, percorrendo os vários Estados, as
cidades e os lugarejos mais recônditos, levando a magia da sétima arte a tantos
brasileiros que nunca viram as imagens dinâmicas exibidas em uma tela gigante.
Projetos que têm emocionado e surpreendido idosos, crianças e adultos nos “quatro
cantos” do país.
Cumpre salientar, que iniciativas dessa natureza, tornam possíveis a prática
de assistir a filmes coletivamente, motiva as pessoas a saírem de suas residências e
comparecerem nas praças para assistirem o espetáculo das imagens brilhantes na
grande tela. Pode-se dizer, que esses projetos resultam da soma de alternativas
criativas com o amor pelo cinema.
É interessante notar que muitos desses projetos ampliam os horizontes e
sobrepujam suas intenções iniciais de exibições, porque existe o cuidado de
22
viabilizar a formação e gosto pelo cinema. Desse modo, vários desses projetos
criam oficinas gratuitas que permitem o acesso ao mundo da criação audiovisual às
pessoas que não teriam condições financeiras para custearem tais cursos. Essa
tessitura revela que não é apenas assistir aos filmes, também falar, pensar, sentir,
ouvir, congregar, partilhar conhecimentos, despertar gostos e sensibilidades.
Assim como os exibidores ambulantes de outrora, volta à cena nacional em
pleno século XXI, uma prática que se efetivava antes mesmo do aparecimento da
primeira projeção pública realizada pelos Lumière na França no final do Século XIX.
Seguindo os fios dessas observações apresenta-se a indagação: o que faz com que
esse exemplo de apropriação em praças persevere ao longo dos séculos, apesar
das mudanças sociais, culturais, econômicas e tecnologias. Imbuída dessa questão
inicial o trabalho abre o leque que deixa em evidência dois temas, a saber: praça e
cinema.
No rastro dessas considerações cumpre salientar, que o tema da pesquisa
surge primeiramente do gosto pessoal pelo cinema, pela cidade e, em especial, suas
praças. Gosto presente no ato de caminhar, observar e sentir esse ambiente
fecundo de possibilidades de relações, de criação, de beleza e de afeto que são as
cidades. Cada urbe revela-se de modo tão específico, porque não existe uma igual à
outra. Aí reside a riqueza presente não apenas na construção da sua traça e
prédios, sobretudo, no “modo de ser” dos seus moradores. Nesse particular, vale
lembrar que as pessoas guardam sempre consigo toda uma bagagem cultural,
memórias e práticas simbólicas que o suas referências seu próprio corpo
(características físicas podem de imediato identificar de que local a pessoa é
originária), seus hábitos (alimentação, vestimentas), sua língua ou pronúncia são
traços culturais marcantes, distintivos sociais profundos. Ao viver em uma cidade a
pessoa acaba por absorver sua atmosfera e isso se reverbera nas ações cotidianas.
Atentar para essas especificidades tornam às visitas às cidades um ato impregnado
de aprendizado e riqueza. Por isso, que em todas as cidades que viajei para
participar e apresentar trabalhos em eventos nas Universidades em 2007 e 2008
(Rio de Janeiro-RJ, Buenos Aires-Ar, Salvador-Ba, São Paulo-SP, Recife-Pe, Natal-
RN, Forlaleza-Ce, Olinda-Pe, Niterói-RJ, Maceió-Al, Aracaju-Se, Vitória da
Conquista-Ba) procurei caminhar, observar e registrar por meio de fotografias os
23
diversos usos e apropriações das praças dessas cidades. Nesse sentido, comparece
nesse trabalho as vivências dessas observações e seus registros imagéticos, por
entender que nas praças, também vem à luz a diversidade que marca notadamente
as cidades.
No que concerne à sétima arte o gosto foi gestado desde a infância com as
narrativas dos meus pais sobre suas idas ao cinema. Como a primeira cidade onde
residi era muito pequena, não possuía sala de exibição, sonhava com as descrições
e com o dia que pudesse entrar na sala escura. No desenrolar dos acontecimentos
esse gosto fez-me aproximar de ações que estavam ligadas à sétima arte. E quando
ingressei no Curso de Graduação, na Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia-
Uesb, estreitei os laços com atividades relacionadas ao cinema. Elos esses
efetivados a partir da participação da equipe de trabalho do Programa Janela
Indiscreta-Cine-Vídeo, projeto da Uesb que realiza exibição de filmes em diferentes
espaços sociais (universidade, escolas públicas e privadas da região, em praças
públicas) da cidade de Vitória da Conquista-Ba, realiza, ainda, ações itinerantes nas
cidades da região que não possuem cinemas. Além disso, promove cursos,
seminários e encontros que privilegiam a leitura e discussão acerca da arte
cinematográfica. Contato esse que possibilitou trabalhar em eventos como Mostras
de Cinema, que apresentam filmes nacionais recentes a população gratuitamente
em sessões realizadas inclusive em praças públicas. Ações que também levam o
cinema as praças de Vitória da Conquista, igualmente a cidades da região que não
têm salas de exibição. Essa experiência possibilitou observar e sentir a força
aglutinadora do cinema.
Assim, as teias que foram se tecendo durante o período de trabalho,
produzia encantamento como não se emocionar ao fitar o rosto de uma criança,
que no meio à multidão, se ilumina ao presenciar pela primeira vez as imagens em
movimento em uma tela gigantesca? E isso em plena praça pública. A mesma
emoção ao perceber a alegria e contentamento do idoso ou adulto que não tiveram
oportunidade de irem ao cinema. No compasso dessas elaborações pode-se citar
diversas situações que o ilustrativas. Aí reside a beleza, perceber que o cinema
toca de modo especial as pessoas, independente da faixa etária e grupo social. Por
isso, dizer sobre essa arte é também falar de afeto, pois o gosto pelo cinema tem
24
algo bastante peculiar, une pessoas para o mesmo fim, ganha força e faz brotar
idéias fulcradas em alternativas que viabilizam o acesso coletivo à sétima arte. É
importante salientar que o trabalho surge, também, a partir da participação fecundo
no grupo de pesquisa “Cultura, Memória e Desenvolvimento” do Programa de Pós-
Graduação em Ciências Sociais da Universidade de Brasília/ UNB.
Essas observações fazem florescer o presente trabalho, que parte da
compreensão de que são as práticas sociais/culturais
3
que tornam possíveis os usos
e apropriações dos espaços, e a praça é aqui compreenda como espaço, lugar
praticado, conforme analisa Michel de Certeau (2004).
Desse modo, segue-se nesse trabalho as trilhas abertas por Certeau
(2004), que compreende o espaço para além da sua dimensão física, sendo,
portanto, o espaço cultural, lugar que abriga práticas múltiplas. Para Certeau o lugar
remete algo estático e os objetos nele inseridos não possuem muitos significados.
Ao passo que o espaço seria o lugar praticado a partir das muitas ações efetivadas
pelas pessoas que significam, re-significam o lugar dando-lhes dinamismo e sentido.
Os objetos estáticos adquirem novas dimensões em função das práticas nele
estabelecidos. Assim, as praças ganham sentido através das práticas que nelas são
instituídas e, nesse particular, a exibição de cinema consiste em um exemplo dessa
articulação.
Nas trilhas dessas considerações surgiu o presente trabalho que consiste
em um estudo sobre a apropriação do espaço e sociabilidade na Praça Tomé de
Sousa, em Salvador, tendo como foco primordial a relação entre o cinema e a praça,
no que diz respeito ao espaço das práticas de exibição da arte cinematográfica. No
que se refere às abordagens sobre sociabilidade e apropriação, para compreensão
desse trabalho toma-se como referência o conceito apresentado por Coradini
4
(1995), “o termo sociabilidade nesse trabalho, se referirá ao conjunto das múltiplas
apropriações, usos, discursos, olhares e representações sobre a praça.”
Para sua realização foi tomado como exemplo a experiência de exibições
3
Para Certeau o “conceito de prática cultural “é a combinação mais ou menos coerente, mais ou
menos fluida, de elementos cotidianos concretos (menu gastronômico) ou ideológicos (religiosos,
políticos), ao mesmo tempo passados por uma tradição (de família, de um grupo social) e realizados
dia a dia através dos comportamentos que traduzem em uma visibilidade social fragmentos desse
dispositivo cultural, da mesma maneira que a enunciação traduz na palavra fragmentos de discursos.
4
CORADINI, Lisabete. Praça XV: espaços e sociabilidade. Florianópolis: Fundação Franklin
Cascaes; Letras Contemporâneas, 1995, p. 17.
25
de filmes do “Projeto Cinema na Praça”, que acontece no Centro Histórico da capital
baiana. O projeto foi escolhido como referência empírica do trabalho, porque
desenvolve ações de exibições de filmes semanalmente, desde a primeira metade
da década de 1990, sendo, portanto, um projeto consolidado e também por ter
fixado sua atividade em uma praça, o que torna propício a observação.
Para compreender as duas temáticas amplas e complexas aborda-se no
primeiro capítulo sobre o cinema, traçando um panorama sobre o contexto atual.
Explicitando exemplos que trazem à lume ações itinerantes de exibição de cinema
em praças. O segundo capítulo almejou-se entender o sentido e significado da praça
na cidade, suas funções, usos e apropriações que marcam notadamente o cenário
urbano, mas em uma perceptiva que compreende a praça como o espaço de
realizações das práticas e de desenrolar da vida. Para realização do referencial
teórico, buscou-se aporte nas ricas contribuições dos autores dedicados aos estudos
referentes à cidade e à praça, que apresentam também reflexões que visam elucidar
os sentidos das mudanças nas sociabilidades que se desenrolam nas cidades.
Desse modo considerou-se a relevância dos estudos elaborados por Arantes (2000),
Certeau (2004), Sennet (1988), Featherstone (1995, 2000a), Frúgoli (1995, 2007a),
Le Goff (1988), Lima (2000), Coradini (1992), Mumford (1998), Robba e Macedo
(2003), Simmel (1979), Velho (2000), entre outros.
No que concerne a elaboração da parte inicial do segundo capítulo foram
utilizadas fotografias para ilustrar as diversas formas de apropriação narradas,
quadro tecido, sobretudo, a partir dos trabalhos de observações e visitações
realizadas em diversas praças de Estados e cidades (Niterói-RJ, Rio de Janeiro-RJ,
Recife-Pe, Salvador-Ba, São Paulo-SP, Fortaleza-Ce, João Pessoa-PB, Natal-RN,
Olinda-Pe, Vitória da Conquista-Ba, Maceió-Al, Fortaleza-Ce, Aracaju-Se,) do Brasil,
também na capital da Argentina Buenos Aires. Nesse sentido, os registros
imagéticos constituíram em um importante contributo para a composição do painel
delineado.
O terceiro capítulo é dedicado a Praça Tomé de Sousa, sua importância
para a cidade de Salvador. Almejou-se, assim, traçar um panorama dos
acontecimentos registrados na Praça, uma tentativa de expor alguns dos usos e
personagens que marcam sua trajetória propondo-se, assim, a realização de uma
etnografia da praça. E na última parte apresenta-se o trabalho empírico, a
26
experiência de exibição de cinema na Praça Tomé de Sousa. Desenha-se, também,
de modo sucinto, o percurso do cinema em Salvador e o contexto que marca o
nascimento do Projeto Cinema na Praça.
Para elaboração da revisão bibliográfica realizou-se pesquisas em
Bibliotecas Centrais, nos Centros de Ciências Humanas e Centro de Artes, das
seguintes instituições: Universidade Federal da Bahia UFBa, Universidade de São
Paulo USP, Universidade do Rio Grande do Norte UFRN e Universidade Federal
de Pernambuco UFPe. Também nas bibliotecas centrais da Universidade Estadual
do Sudoeste da Bahia Uesb, Fundação Dragão do Mar-Ce, Fundação Joaquim
Nabuco-Pe. Na UFBa ainda foram realizadas pesquisas nas Bibliotecas da
Faculdade de Arquitetura, Instituto de Geociências e Faculdade de Filosofia e
Ciências Humanas.
Para a tessitura do capítulo referente à Praça Tode Sousa, além da
revisão bibliográfica apresentada no texto do terceiro capítulo, foram consultadas
fontes documentais no Arquivo Público da Bahia, Biblioteca Central dos Barris (nas
sessões de acervo de livros, jornais e fotografias), Biblioteca Central da
Universidade Federal da Bahia (Sessão de Estudos Baianos e Obras Raras),
Instituto Histórico e Geográfico da Bahia, Biblioteca da Fundação Pedro Calmon e
Biblioteca da Fundação Gregório de Matos em Salvador. Foram realizadas também
entrevistas semi-estruturadas, onde coletou-se depoimentos sobre as ações de
cinema na praça e informações sobre os projetos, o que contribuiu
significativamente para conhecer outras experiências de exibições em praças.
Realizou-se observações na Praça Tomé de Sousa antes, durante e depois da
sessão de cinema. Da mesma forma, efetuou-se observações em vários horários na
praça, nos dias em que não ocorrem exibição de filme. Além disso, realizou-se
pesquisas em jornais e revistas impressos e na Internet.
Dos registros realizados ao longo desses dois anos de caminhada pelas
praças de diferentes cidades e estados, teve-se como fruto alguns ensaios
fotográticos que participaram de exposições em eventos como Reunião Equatorial
de Antropologia X REA (2007), com o ensaio “Acontece na cidade: fruições em
praças e parques de Salvador, Rio de Janeiro e Recife”; II Seminário de Estudos
Antropológicos (2007) ensaio “As praças: usos e olhares”; Encontro de
Antropologia Visual e Alagoas/ 13º
Ciso (2007) – ensaio “Memória da Cidade: praças
27
em Salvador e Rio de Janeiro” e na ABA 26º
Reunião Brasileira de Antropologia
(2008) com “Roupas fora do varal: dormir, acordar... Morar na Praça” (sobre a Praça
da Sé, em São Paulo/SP).
O uso de fotografias comparece como elemento relevante no trabalho, não
apenas pelo registro das práticas de exibição de cinema, mas também como meio
de ilustrar os múltiplos usos e apropriação das praças. Isso por que as “Fotografias
apresentam o cenário no qual as atividades diárias, os atores sociais e o contexto
sociocultural são articulados e vividos. [...] Imagens fotográficas retratam a história
visual de uma sociedade, documentam situações, estilos de vida, gestos, atores
sociais e rituais, e aprofundam a compreensão da cultura material, sua iconografia e
suas transformações ao longo do tempo.” (BITTENCOURT, 1998, p. 199-200).
Nesse sentido, as fotografias guardam e revelam as cenas do cotidiano,
momentos fugidios que a câmara ao capturar as tornam perenizados. O ato de
congelar o instante único, permite ao serem revistos compondo a diversidade de
indivíduos e grupos, as diversas formas de apropriação e usos do espaço. O
universo da Praça é marcado pela presença ativa dos vendedores ambulantes, dos
idosos, das crianças, dos jovens, dos artistas, dos turistas, dos estudantes, das
prostitutas, dos transeuntes, da paisagem e dos espectadores do cinema. Acolhe,
portanto, diversos grupos sociais. Detendo-se em seu entorno, seus prédios
históricos, monumento e também seus personagens narram uma história do
passado e o enlance deste com o presente. Fios que a cada dia urdidos revelam que
a Praça possui dinamismo, mas é, ao mesmo, tempo guardiã e agente da vida no
ontem, do hoje e do amanhã.
28
I. Cinema: algumas considerações
Quando pensamentos pessimistas... me
atravessam o espírito, tranqüilizo-me
rememorando a última seqüência de um filme de
Ingmar Bergman...Luz de Inverno (grifo do
autor). No final ...vemos um padre que quase
perdeu a fé celebrando uma missa em sua igreja
completamente vazia... interpreto essa cena de
outra forma: 'Bergman quer nos dizer que os
espectadores do mundo inteiro estão se
desligando do cinema, mas acha que devemos
continuar mesmo assim a fazer filmes... ainda
que não haja ninguém no cinema.'
François Truffaut.
5
Desde seu nascedouro o cinema tem a marca inelutável da transformação,
tanto que pode-se dizer, que a sétima arte tornou-se um divisor de águas na história
da humanidade. As mudanças promovidas com a chegada das imagens em
movimento tornam possíveis delimitar o mundo antes e depois da sua chegada.
Ao comprar um ingresso e ir ao cinema ou simplesmente assistir aos filmes
em casa selecionando-os na programação apresentada pelos canais de televisão
(aberta ou paga), acessando-os pela Internet ou alugando fitas VHS (hoje em menos
uso) e DVD ou, ainda, participando de exibições que ocorrem em cinematecas,
festivais, cineclubes, mostras de cinema, escolas, universidades e praças públicas,
talvez o espectador não tenha em mente a complexa rede de relações que viabiliza
a realização desse ato que cotidianamente tornou-se tão simples.
O cinema, comumente, é visto apenas como uma história, que pode
agradar ou não. É patente que as imagens brilhantes na tela as cenas de ação,
brigas, envolvimentos amoroso e sexual etc. com seu enredo e emaranhado de
efeitos, podem suscitar uma série de sensações, sentimentos e emoções. Choros,
suspiros, risos, vaias, o alguns dos efeitos audíveis em meio à platéia envolvida
com o desencadear da história. Outras reações silenciosas imprimem nos corpos
respostas às cenas apresentadas. Altera-se a respiração (que pode ficar ofegante),
5
TRUFFAUT, citado por CALDAS, 2006, p. 6. (CALDAS, Ricardo Wahrendorff; MONTORO, Tânia. A
evolução do cinema brasileiro no Século XX. Brasília: Casa das Musas, 2006). Grifos do autor.
29
acelera-se ou tranqüiliza-se os batimentos cardíacos. Provoca-se modificações
corporais explícitas no olhar e nas mãos. Rostos descontraídos ou assustados,
serenos ou ansiosos, alegres ou deprimidos. Fisionomias que variam do entusiasmo
ao medo, da raiva ao enternecimento, do asco ao acolhimento. Faz brotar outras
tantas manifestações invisíveis como lembranças dos momentos fugidios, das
recordações e histórias de vida. Desperta, portanto, saudades, desejos, sonhos,
indignação, satisfação, afetos uma constelação de processos interiores que
desenrola na formação de significados e experiências que transcendem a trama
apresentada. Semelhante aos acontecimentos da vida ou da leitura de um livro,
existem cenas marcantes, diálogos notáveis, que podem tocar de modo singular,
fazendo ecoar na memória e acompanhar o espectador após a sessão, permitindo
pensar, germinar idéias e sentimentos, reelaborar conceitos e a visão sobre um
dado assunto. Outros, no entanto, não chegam a marcar desse modo especial, nem
fazem parte da lista dos filmes inesquecíveis, o simplesmente vistos e até
esquecidos. Não obstante, aqueles, que deixam o espectador em estado de
contemplação e precisam de tempo para serem compreendidos. Seja qual for o
caso, não é raro encontrar pessoas que facilmente expõem um filme/cena que
gostou ou que a tocou de modo particular.
Mas o cinema não se configura apenas como uma história. Ele se constitui,
também, a partir de uma complexa teia formada por distintos e imbricados aspectos,
que vai desde a gestação daquilo que se chama de gosto, que faz com que a
pessoa tenha preferência por este ou aquele filme, passando pelos ardilosos
processos da produção, distribuição e exibição. Processos estes que estão
amalgamados ao jogo de tensões das esferas da cultura, da economia e da política.
No bojo dessas elaborações, onde a mídia e a indústria cultural assumem
posição de destaque na sociedade, nos processos de significação das experiências
humanas, do imaginário social, nas crenças e valores, alargando o estímulo ao
consumo exagerado, o cinema comparece entre as modernas formas de lazer que
responde de modo significativo aos imperativos desse processo.
O deslinde desse quadro encontra seus nexos nas mudanças culturais,
econômicas, sociais e mentais que vêm sendo gestadas desde os Séculos XIX e
30
XX, onde comparece o entrecho da cultura urbana metropolitana, com a crescente
urbanização e industrialização, com a implementação do comércio, das inovações
tecnológicas, o avanço extraordinário dos meios de transporte e comunicação, o
crescimento do tráfego urbano, o surgimento de novas formas de entretenimento,
além da dilatação dos investimentos do capital.
Os modos de vida produzidos pela modernidade nos desvencilha de todos os tipos
tradicionais de ordem social, de uma maneira que não têm precedentes. [...] Sobre o plano
extensional, elas serviram para estabelecer formas de interconexão social que cobrem o
globo; em termos intensionais, elas vieram a alterar algumas das mais íntimas e pessoais,
características de nossa existência cotidiana. Existem, obviamente, continuidades entre o
tradicional e o moderno [...] Mas as mudanças ocorridas durante os últimos três ou quatro
séculos – um diminuto período de tempo histórico – foram tão dramáticas e tão abrangentes
em seu impacto que dispomos apenas de ajuda limitada de nosso conhecimento de
períodos precedentes de transição na tentativa de interpretá-las. (GIDDENS, 1991, p. 14).
Esse palco conforma novos estilos de vida, no qual comparece um fluxo
renovado de mercadorias, incitando novos desejos de consumo, que encontram
aportes na consolidação do mercado de produção em massa, no processo de
reelaboração dos signos, imagens e bens. Além disso, a separação entre tempo livre
e o produtivo, o incremento da cultura comercial, viabilizaram o desdobramento de
diversificados espaços de sociabilidades na cidade, implementados a partir do
desenvolvimento de inauditas formas de lazer, na qual se sobressai o cinema.
Nesse sentido, a sétima arte encontra ressonância no novo cenário de
entretenimento, por constituir-se como opção de lazer que influencia
significativamente no comportamento humano. Sua chegada tem marcado a
realidade de forma até então desconhecida, forjando experiências coletivas, que
oferecem novas possibilidades de interação à vida social. Inserindo as pessoas num
universo de fascínio por propiciar o afastamento do mundo real e seu contato com a
fantasia e a imaginação.
Ao longo dos mais de cem anos de história, o cinema vem exercendo
relevante papel como poderoso meio de comunicação, desempenha indubitável
contribuição na tessitura dos modos de significação da vida e de práticas cotidianas.
Nesse sentido, refletir sobre o cinema diz respeito ao feixe de alterações
que vem ocorrendo no modo de pensar, agir, sentir, trabalhar, imaginar e consumir
que caracterizam as relações sociais na contemporaneidade, fortemente marcadas
31
pelo crescimento vertiginoso dos meios de comunicação, em que “grande parte da
produção é voltada para o consumo, lazer e serviços na qual se verifica uma
relevância crescente da produção de bens simbólicos, imagem e informação.”
(FEATHERSTONE, 1995, p. 41).
O alargamento da produção e consumo de bens simbólicos, que redundam
em altíssimos lucros, vem dando à esfera da cultura uma ressonância até então
desconhecida na história. Como bem salienta Werthein, “a cultura é hoje um dos
setores de mais rápido crescimento nas economias pós-industriais.”
6
Sua
importância vem sendo amplamente reconhecida como parte constituinte na
formação de riqueza e geração direta e indireta de emprego e renda.
Assim, nesse contexto, a cultura passa ser vista como área estratégica de
investimento, como canal privilegiado de geração do desenvolvimento econômico,
tornando-se, por isso, cada vez mais forte, as transformações e debates em torno
das questões pertinentes às políticas culturais.
No cerne dessa tendência contemporânea, orquestrada por corporações
transnacionais de informação e entretenimento, comparece o cinema e o audiovisual
como ponto de discussão no cenário mundial.
7
Esse assunto vem sendo motivo de embate em foros diplomáticos internacionais desde as
décadas de 1980 e 1990, quando a mundialização de manifestações culturais regionais, a
mercantilização progressiva das cópias de livros, discos e vídeos e o predomínio do
cinema norte-americano chamaram a atenção de diversos países, tanto no âmbito da OMC
[Organização Mundial do Comércio] como nos diversos acordos regionais que contemplam
a liberalizacão das relações comerciais entre os países. Pois, argumentam seus
representantes que a abertura indiscriminada ao livre tráfego de bens culturais afeta a
capacidade dos Estados de implementar políticas de defesa das suas próprias
nacionalidades, inclusive de incentivar a participação de minorias na vida cultural de cada
país. Sem uma intervenção política, os países economicamente mais fortes ou os
conglomerados econômicos transnacionais têm facilidade para limitar o consumo dos bens
culturais, restringindo as escolhas e as possibilidades de expressão das diversidades
culturais. (GUSMÃO, 2008, p. 40).
6
Jorge Werthein escreveu a introdução do livro publicado pela Organização das Nações Unidas para
a Educação, a Ciência e a Cultura/ UNESCO. O livro reúne uma série de artigos de autores como
Néstor García Canclini entre outros estudiosos dedicados ao tema da cultura e seu elo com o
desenvolvimento, políticas culturais e cidade. Ver: POLÍTICAS Cultural para o desenvolvimento: uma
base de dados para a cultura. Brasília: Edições UNESCO Brasil, 2003, p.15.
7
No que concerne esse aspecto, que envolve cultura e desenvolvimento as elaborações aqui
apresentadas tem como base as considerações de Gusmão (2008). Também nas contribuições da
palestra proferida pelo professor Sérgio Leitão (2008) e em Canclini (1999).
32
A tensão alimentada pela assimetria na produção e distribuição, em que é
visível a preponderância norte-americana, explicita igualmente o debate sobre as
políticas culturais no processo de controle e proteção da produção nacional, dentro
do contexto das culturas locais e da globalização.
A esse respeito é ilustrativo as considerações acerca da reunião da GATT
(Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio), ocorrida em Bruxelas em dezembro de
1993, onde pela primeira vez em um debate econômico internacional, assunto
referente à política cultural ganha excelência. A reunião em que 117 países
aprovaram, até então, acordo de maior liberação econômica da história, o cinema e
a televisão foram excluídos da concordância. Isso se deu por dois motivos
primordiais no modo de conceber a cultura, a saber: para os Estados Unidos o
audiovisual deve ser tratado como negócio, pois consiste na segunda maior fonte de
rendimento do país, perdendo somente para a indústria aeroespacial. Ao passo que
os países europeus tiveram a iniciativa de proteger seus meios de comunicação, em
especial o cinema, faz isso e embala o debate da associação de trabalhadores do
cinema europeu que defendem seus empregos, mas também a compreensão do
cinema para além das relações comerciais. Nesse sentido, o cinema é visto como
elemento rico de registro e auto-afirmação da cultura e da língua. Esse episódio
explicita as contradições da ação dos Estados Unidos, que exigem a livre circulação
dos seus produtos audiovisuais em outros países, no entanto, cria barreiras aos
produtos culturais estrangeiros. Isso se faz notar, através da cláusula 301 da Lei de
Comércio, também por meio do discurso que desqualifica os produtos importados.
Além disso, cede espaço nas rádios e televisão, quase que exclusivamente ao que é
produzido nos Estados Unidos. Entretanto, na contrapartida desse processo, surgem
algumas medidas como a posição européia na negociação do GATT e a
implementação de normas internas de proteção da produção audiovisual. Apesar de
terem pouca envergadura, essas decisões permitem visualizar um mundo simbólico
engendrado não apenas pela regência das produções hollywoodianas e da CNN
(Cable News Network – rede de televisão norte-americana).
8
Do lado oposto, aos que consideram os bens culturais como possíveis de
serem negociados como quaisquer outros produtos, comparecem os que se
8
CANCLINI, Nestor Garcia. Cidadãos e consumidores: conflitos multiculturais da globalização.
Rio de Janeiro: UFRJ, 1999, p. 179-189.
33
debruçam sobre esse assunto compreendendo os produtos culturais como
detentores da capacidade de fortalecer identidades nacionais, constituindo-se como
meios privilegiados de transmissão de valores e significados, portando-se como
força niveladora dos códigos de comportamentos humanos (modos de pensar,
vestir, agir, falar, gostos etc.). Apresenta, ainda, importante contribuição para a
formação da cidadania e do imaginário, e por esses motivos fundamentais, devem
ser exceptuados dos acordos de comércios internacionais. Corroborando com essa
preocupação mundial, o Ex-Secretário do Audiovisual e cineasta Orlando Senna
9
, ao
escrever para a Revista de Cinema
10
no período em que ainda exercia o cargo junto
ao Ministério da Cultura, declara que o governo tem como orientação tornar sólido
um novo modelo de desenvolvimento, cujo pilar se apóia no aumento da
produtividade da economia nacional e na expansão dos mercados interno e externo
de consumo. A implementação dessa estratégia, aponta para a necessidade de se
engendrar novas bases para uma verdadeira articulação entre Estado e Sociedade.
Imbricado a esse objetivo, encontra-se os desafios do setor audiovisual no país.
Para Senna essa meta é primordial, primeiro porque a comunicação visual
é conteúdo/tecnologia/mídia de alcance e penetração de maior ressonância dos
nossos tempos. Tem extraordinário poder de influenciar e interferir nas matrizes
culturais (hábitos, crenças, imaginário) de todos os povos. Nesse sentido, é de
fundamental importância que a população tenha uma maior aproximação com as
diversas formas de produção audiovisual. No caso específico do cinema, na
conjuntura atual, torna-se imperativo ampliar a proporcionalidade da produção
brasileira aos dos estrangeiros no mercado consumidor, e seguindo no mesmo
compasso, viabilizar o crescimento do acesso da população em geral ao cinema
nacional (principalmente dos brasileiros que não podem pagar ingresso para
assistirem aos filmes nas salas convencionais). Em segundo lugar, o audiovisual
insere-se nas metas de desenvolvimento do Governo, porque é o pólo produtivo que
mais cresce no mundo globalizado. Cada vez mais, vem ganhando relevo a ponto de
9
O cineasta Orlando Senna atualmente é o Diretor Geral da Empresa Brasil de Comunicação (TV
Brasil). O novo Secretário do Audiovisual do Ministério da Cultura, o cineasta Sílvio Da-Rin assumiu o
cargo em 10 de jan. de 2008.
10
SENNA, Orlando. A semente e a floresta: o cinema e o desafio audiovisual do Brasil. Revista de
Cinema. Críticas & Idéias. Edição 40. Disponível em:
http://www2.uol.com.br/revistadecinema/edicao40/criticas/3.shtml. Acesso em: 30 de jul. de 2008.
34
encaminhar-se como a mais importante economia do Século XXI, tornando-se,
portanto, um espaço relevante para a geração de emprego e renda. Sendo assim, o
audiovisual assume papel estratégico na economia mundial, articula-se com outros
setores produtivos e desempenha indubitável valimento nos padrões de consumo,
no comportamento humano, na disseminação de valores morais e religiosos, bem
como na propagação de informações e fontes de lazer.
Seguindo essa trilha, o cineasta Orlando Senna, destaca ainda, que
concomitantemente a essas questões, numa economia que desdobra-se cada vez
mais em esfera planetária, a expressão e preponderância psicossocial do
audiovisual pode propiciar o aceleramento do processo de destruição de identidades
culturais e de uma compreensão plural do mundo. Riscos que estão expostos a
maioria dos países, diante da ocupação dos seus mercados consumidores pela
internacionalização e hegemonia do cinema norte-americano. A gravidade do quadro
amplia-se pela possibilidade de perda significativa de substância nacional e de poder
econômico. Na contramão dessa corrente, políticas públicas de curto e longo prazos
devem ser implementadas, para assegurar a participação mais enérgica dos
brasileiros à expressão do cinema, à diversidade cultural, à informação democrática
e aos bens imateriais, permitindo assim, articular a singularidade do país doravante
e no terreno da atual globalização. Essa compreensão acolhe ações institucionais,
que são preeminentes para a regulação do mercado audiovisual e o alargamento de
uma relação mais forte da população brasileira com sua expressão cinematográfica.
“Nessa operação focada no cinema insere-se a criação de uma rede de salas a
preços populares e exibições em escolas, universidades, associações comunitárias,
praças públicas, nas Bases de Apoio à Cultura projetadas pelo governo e em
centenas de espaços governamentais espalhados pelo país.”
11
No Brasil, a defesa da produção nacional cristalizou-se em torno do projeto de criação de
uma agência reguladora e fiscalizadora do cinema e do audiovisual. A criação da agência
foi postergada [...] E as pressões internacionais e dos grandes conglomerados contra a
regulamentação fortaleceram a consciência de que, ao lado de uma luta política, é preciso
fortalecer o setor de audiovisual enquanto atividade produtiva e é imprescindível estreitar
os laços entre cinema e a sociedade.
O momento especial que vive o cinema brasileiro o audiovisual brasileiro tem tudo a
11
SENNA, Orlando. A semente e a floresta: o cinema e o desafio audiovisual do Brasil. Revista de
Cinema. Críticas & Idéias. Edição 40. Disponível em:
http://www2.uol.com.br/revistadecinema/edicao40/criticas/3.shtml. Acesso em: 30 de jul. de 2008.
35
ver com esse quadro de mudanças e se caracteriza pela conseqüente criação de
alternativas (CALDAS; MONTORO, 2006, p. 21-22).
Nesse tocante é extremamente exemplar o conjunto de ações que dilatam-
se em todo o Brasil e abrem caminhos férteis de possibilidade de acesso ao número
gigantesco de brasileiros que estão desvinculados do conhecimento acerca do
cinema nacional e das salas de exibição. O que vem permitindo a conformação de
diversas práticas (retorno dos cineclubes, criação de pontos de cultura, aumento
relevante do número de festivais, crescimento das produções de filmes, seminários
de cinema, debates, projetos de exibição e formação do audiovisual em diferentes
espaços sociais como universidades, escolas, ruas e praças), resultantes tanto do
apoio de instituições como de estilos de vida envolvidos com a sétima arte, que
reverberam condutas associadas aos planos e compreensão acerca da vida.
Atinente a essas considerações vale a pena enfatizar que,
Nunca se filmou/gravou tanto neste país como agora. Nunca tivemos em nossa produção
igual diversidade de estilos, formatos, tamanhos, temáticas origens regionais. Nunca
tivemos tantos projetos-escolas, tantos cinemas na praça nas universidades, 'docs'
tevês. Cineclubes e festivais se multiplicaram, formaram público. Nunca houve tantos
projetos disputando editais de patrocínio e leis de incentivo que cada vez mais se abrem
para a diversidade regionais. Nunca houve, mesmo nas salas convencionais, tantos filmes
concorrendo com a bilheteria dos blockbusters norte-americanos, para os quais foram
criados os multiplexes. (CALDAS; MONTORO, 2006, p. 22, grifo nosso).
Desse modo, a seara da produção, distribuição e exibição cinematográfica
áreas distintas, mas interdependentes serve de lente de análise para a atual
conjuntura mundial, onde a tônica assenta-se na distribuição de produtos das
corporações transnacionais de entretenimento e informação. Essas urdiduras fazem
refletir que “a crise do cinema não pode ser vista como uma questão interna de
cada país, nem isolada da reorganização transnacional dos mercados simbólicos. É
parte integrante do debate sobre as tensões entre liberdade de mercado, qualidade
cultural e modos de vida específicos.”
12
No encalço desse feixe de transformações, o avanço tecnológico, em
especial, na indústria digital, comparece como alavanca poderosa, que também,
redefine os modos de consumo do cinema e os processos que vão desde a
12
CANCLINI, 1999, p. 183.
36
criação/produção, passando pelo modo inovador que vem sendo distribuídos e
exibidos. A disseminação do cinema através da rede mundial de computadores ou
pela televisão (a aberta ou paga) permite aos espectadores terem acesso ao acervo
cinematográfico em qualquer cidade do planeta onde a tecnologia comparece. Esses
meios, ao facilitarem a circulação do repertório de filmes, num grau de velocidade e
quantidade sem paralelo na história, viabilizam o acesso quase análogo do que é
visto nas distintas partes do globo. Em conseqüência, influenciam, igualmente na
homogeneização dos gostos, do consumo dos bens simbólicos e na propagação de
novos comportamentos, modos de agir e pensar.
Nesse contexto, é indubitável o poderio da produção, distribuição e exibição
da cinematografia americana, com ampla penetração nos países da Europa e
América Latina. As produtoras estadonidenses controlam substancialmente o
mercado do entretenimento ligado ao audiovisual além do cinema, são programas
televisivos, jogos, vídeos entre outros divertimentos.
No que concerne ao cinema, a estatística ultrapassa a portentosa casa de
um bilhão de espectadores/ano nas mais de 35.000 salas de exibição
13
. O Brasil
segue a trilha mundial e o comparativo com o número de brasileiros que assistem a
filmes nacionais é admirável, são 5.210.000 espectadores (de janeiro a julho de
2007), nas exíguas 2.095
14
salas existentes no país até o ano passado. O ano de
2007 termina com o público de 88,6 milhões, isso em comparação ao ano de 2006,
representa uma queda de 2,9%. A parcela de espectadores obtida com a exibição
de filmes brasileiros significa apenas 11,1% do mercado, com renda total de R$
707,3 milhões.
15
os filmes estrangeiros mantiveram os mesmos índices que são
verificados desde 2002, entre 80 a 85 milhões de espectadores, com exceção de
2004, que atingiu o patamar de 100 milhões. O sucesso de bilheteria em 2007 ficou
13
Dados disponíveis em: ALMEIDA, Fernanda. O Cinema americano e o mercado brasileiro. Cinema
Café Críticas. Sessão Notícias, 24 de jun. 2008. Disponível em:
cinemacafecriticas.com/home/index.php. Acesso em: 26 de mar. de 2008.
14
LAGE, Janaina. Era do Multiplex: Megacinemas respondem por metade das salas do país.
Jornal Folha de São Paulo. 25 de jun. de 2007. Disponível em:
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq2506200707.htm. Acesso em: 06 de jan. de 2008.
15
Os dados são do Sindicato das Empresas Distribuidoras Cinematográficas do Rio de Janeiro -
SEDCMRJ, (mantém o único banco de dados do mercado de cinema no Brasil, de modo contínuo
desde o ano de 1982) publicados em: ARANTES, Silvana. Público de cinema no Brasil diminui 2,9%
em 2007. Folha de São Paulo. São Paulo, 12 de Jan. de 08. Disponível em:
http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada. Acesso em: 06 de jul. 2008.
37
por conta do filme “Tropa de Elite”, do diretor José Padilha, lançado no segundo
semestre, o longa-metragem alcançou 2,4 milhões de espectadores.
16
Apesar do declínio de público, registrado em 2007, que prestigiaram aos
filmes nacionais, o conjunto dos últimos anos assinala um número crescente de
espectadores em comparação a décadas anteriores. Mas, é patente a assimetria
estrutural do mercado cinematográfico, o que é notável não apenas no Brasil,
comparece em escala mundial.
Em compasso com essas elaborações, cumpre então salientar, que do total
de cinemas, cerca de 600 salas são responsáveis por 70% do faturamento. Além
disso, 80% dos ingressos vendidos no país são advindos de quatro distribuidoras
estrangeiras (informação verbal).
17
Nessa esteira, os dados referentes às salas de exibição, corroboram com o
quadro descrito e imprimem contornos igualmente reveladores, as empresas Hoyts
General Cinema, a Cinemark, UCI entre outras, lideram grande parte da distribuição
dos filmes americanos pelo Brasil. A multinacional Cinemark, com sede nos Estados
Unidos, é a terceira maior empresa exibidora do mundo. Atualmente, está presente
em mais 12 países. No Brasil, destaca-se como a maior rede de cinema, operando
mais de 350 salas espalhadas em todas as regiões do país, são 13 Estados num
total de 26 cidades. Estima-se que a empresa sozinha abarca cerca de 40% dos
espectadores e faturamento das bilheterias. Com pouco mais de dez anos no
mercado brasileiro, a Cinemark vendeu, desde o início de sua operação, mais de
160 milhões de ingressos. em 2007 a empresa teve faturamento superior a 330
milhões de reais. A multinacional é ainda, especialista e precursora em complexos
multiplex no Brasil.
18
A chegada do multiplex no cenário brasileiro, como foi explicitado, tem o
selo dos grandes grupos de entretenimento estrangeiros. Sua proliferação
16
Os dados são do SEDCMRJ, publicados na reportagem: CINEMA está estagnado no Brasil.
Revista Speculum. 19 de dez. de 2007. Disponível em:
http://revistaspeculum.wordpress.com/2007/12/19/cinema-esta-estagnado-no-brasil. Acesso em 22 de
jan. 2008.
17
Dados apresentados pelo professor Sérgio Leitão na palestra Economia do Audiovisual no Brasil:
Diagnóstico, Avaliação e Perspectivas, Seminário Internacional de Economia da Cultura, Recife:
Fundação Joaquim Nabuco, jul. de 2007.
18
Dados disponíveis no site da Empresa Cinemark: www.cinemark.com.br. Acesso em 06 de jul.
2008.
38
testemunha o desaparecimento progressivo das salas independentes, em especial
na década de 1990, período de instalação do multiplex no país.
As práticas de exibição também seguiram a tendência com o multiplex, que permite aos
exibidores alcançar algo que se aproxima de seu antigo público de massa, acomodando os
espectadores em diferentes salas de projeção, cada uma passando um filme diferente.
(TURNER, 1997, p. 16).
Na década de 1970, período em que se inicia a diminuição violenta no
número de salas, o Brasil contava com uma população de pouco mais de 93 milhões
de habitantes e mais de 3.000 mil salas de exibições. O quadro torna-se cada vez
mais preocupante com o passar dos anos, e na década de 1990 existem pouco mais
de mil salas no país.
19
Fazendo um comparativo com períodos anteriores, a exemplo
dos anos de 1950 considerando que o número de habitantes é bem inferior aos
dados das décadas posteriores em que o cinema possuía o 'status' de principal
atividade de lazer, tempo ainda, das salas suntuosas e gigantescas, os dados são
surpreendentes. Em 1953, existiam aproximadamente 3.200 cinemas no país,
número superior aos da atualidade. O cenário adquire proporções mais graves ao se
levar em consideração o aumento significativo da população brasileira, que nos
últimos 36 anos dobrou, atingindo a casa dos 187,2 milhões de habitantes
20
.
Na Argentina, existe uma sala a cada 37,7 mil habitantes. Nos EUA, uma para cada 7,7
mil habitantes e, na França, uma para cada 11,4 mil. De 1975 a 2006, o número de salas
de cinema no Brasil caiu 36%. Em meados da década de 70, o país tinha mais de 3.000
salas. Em 2006, o total era de 2.095.
21
É factível reconhecer que outrora, os cinemas estavam localizados tanto
nas grandes como nas pequenas cidades. “No Brasil, assim como nos Estados
Unidos e Europa, nas primeiras cadas de exibição, o cinema era cada vez mais
presente na vida das pessoas, o pela arte, mas também pelo fácil acesso.”
(DIAS, 1999, não paginado). Ademais, as salas escuras, em sua maioria, tinham
19
Dados sobre as salas de exibição foram obtidos em: RIBEIRO, Felipe de Oliveira. Plano Nacional
de Cultura: estudo sobre a indústria cinematográfica brasileira. Brasília: Ministério da
Cultura/MinC, 2007. Disponível no site do Ministério da Cultura: http://www.cultura.gov.br/site/wp-
content/uploads/2007/11/cinema-site.pdf. Acesso em: 16 de abr. 2008.
20
Dados Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, realizada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística), em 2006. Disponível em: www.ibge.gov.br. Acesso em: 16 de jul. 2008.
21
LAGE, 2007, não paginado.
39
capacidade para atender a um número grande de espectadores, sendo comum
encontrar cinemas com mais de mil assentos. Nesse sentido, referindo-se aos
chamados anos de ouro do cinema, na cidade São Paulo, décadas de 1940 e 1950,
Simone Dias (op. cit., não paginado), salienta que o centro da cidade, apresentava
os cinemas mais glamorosos, verdadeiros palácios. O Cine República ostentava o
título de ter a tela maior do mundo, com 250 metros quadrados. Os bairros afastados
também tinham seus templos, o Brás, por exemplo, bairro na época mais populoso,
era o segundo maior em número de salas e bilheteria, "para se ter uma idéia, em 43,
os três maiores cinemas do bairro Universo, Piratininga e Babylônia ofereciam,
juntos, cerca de 12 mil assentos. Na época, os cinemas eram projetados para
receber de dois a cinco mil espectadores cada"
22
De modo geral, as salas de exibição estavam pulverizadas em vários
bairros, inclusive nos populares e concentrados nos centros das cidades, pois “o
evento era ir ao cinema, e não ir assistir a este filme em particular.”
23
Com preços
acessíveis, que variavam de acordo com a sofisticação das salas, o cinema atingia
aos diversos grupos sociais. Eram freqüentados com assiduidade, sendo
notadamente presente na vida das pessoas. Isso não quer dizer que no contexto
atual esteja presente em menor grau, na verdade “hoje se assiste a mais filmes do
que em qualquer época anterior. Mas se assiste em casa: na televisão e no vídeo”.
(CANCLINI, 1999, p. 200).
Nas últimas décadas, observa-se que o espectador vai mudando a
preferência, da tela grande dos cinemas passa-se às telas pequenas da televisão e
do computador, altera-se, assim, o modo de ver cinema. Várias explicações são
apontadas para esse processo de migração das salas para o convívio doméstico,
como a redução de poder de compra e aumento nos preços dos ingressos,
transformações nos modos de consumo, com a difusão dos Shopping Centers, as
chegadas da televisão, (a partir da década de 1950 e sua profusão ao longo dos
anos) do videocassete, do DVD e mais recentemente o aparecimento dos
espectadores multimídias. Estes possuem um leque de opções de entretenimento e
22
SIMÕES, Inimá. Salas de cinema em São Paulo. São Paulo: Secretaria Municipal de Cultura; PW
Editores; Secretaria de Estado da Cultura, 1990 Apud. DIAS, Simone. A Trajetória das Salas de
Cinema. Mnemocine. [S.I], out. 1999. Disponível em:
http://www.mnemocine.com.br/cinema/historiatextos/salascine.htm. Acesso em: 6 de jun. de 2007.
23
TURNER, 1997, p. 160, grifo do autor.
40
informações – proporcionados pelos acessos à Internet, à televisão a cabo e digital –
um granel de programas audiovisuais produzidos e distribuídos por poderosas
corporações transnacionais.
Essas novas formas de assistirem aos filmes atraem porque são avaliadas
como vantajosas, pois podem ser usadas por várias pessoas, que se sentem
satisfeitas em determinar o ritmo da exibição, congelando ou repetindo a imagem
quando necessário, voltando para reassistir alguma cena, ler ou ouvir com mais
tranqüilidade um diálogo, ou ainda pelo fato de não precisarem sair de casa,
evitando alguns incômodos como a insegurança urbana, transporte e as filas para
compra de bilhetes e entrada na sala.
Outro fato relevante, que comparece na cena contemporânea, diz respeito à
introdução, cada vez mais forte desses novos aparatos tecnológicos (videocassete,
DVD, câmaras digitais, filmadora, aparelho celular, microcomputador) na vida
cotidiana das pessoas. O uso doméstico desses aparelhos tornam-se proeminentes
graças ao lançamento de modelos acessíveis economicamente e de fácil uso. Essa
tendência vem promovendo mudanças significativas nas relações com o audiovisual,
pois as pessoas “começaram a filmar seus eventos, de férias a comemorações
familiares, assim produzindo as próprias imagens, além do álbum fotográfico. Apesar
de todos os limites dessa autoprodução de imagens, tal prática realmente modificou
o fluxo de mão única das imagens e reintegrou a experiência de vida e a tela.”
(CASTELLS, 2000, p. 363). Assim, as facilidades de acesso e uso dessas
tecnologias domésticas vem afetando significativamente a vida das pessoas, além
de tornarem mais habitual o registro dos acontecimentos, faculta ainda, produzir
seus próprios vídeos ou filmes, gravar e assistir programas exibidos na televisão,
dando uma nova reorientação ao mundo do audiovisual. Mudanças que implicam
nas escolhas por outras formas alternativas de terem acesso a imagem e assistirem
aos filmes, que são vistos em uma televisão tela grande, no monitor do computador
ou ainda no minúsculo visor do aparelho celular. A presença dessas novas
tecnologias são apontadas também como poderoso fator de alterações nos modos
de assistir aos filmes e conseqüente diminuição de público nas salas de cinema.
Abordando sobre as alterações referentes a freqüência as salas de
exibição, na pesquisa intitulada “Os novos espectadores: cinema, televisão e vídeo
41
no México”, stor García Canclini, traz importante contributo para o entendimento
desse processo da passagem das salas para a intimidade das residências. Apesar
da pesquisa ter como campo empírico quatro cidades mexicanas, é igualmente
ilustrativa para o contexto de outros países, pois “sabemos que o blico das salas
de projeção está caindo em todo o mundo.” (1999, p.181). O estudo destaca quatro
transformações que são preponderantes, quais sejam: 1) a nova relação
estabelecida entre o real e o imaginário; 2) nova distinção do fenômeno fílmico entre
o público (consumo cultural urbano) e o privado (a recepção de entretenimento no
lar); 3) reorientação do cinema em relação à cultura nacional e transnacional; 4)
finalmente o surgimento do espectador multimídia que estabelece relações diversas
com o cinema em salas, no deo, na televisão, e em revistas especializadas,
percebendo-o como parte de uma articulação diversificada de programas
audiovisuais.
24
Cada vez mais a sobrevivência do cinema depende menos da renda
advinda das exibições realizadas nas salas, que corresponde em média a 25% da
receita total. Como produto multimídia, a grande receita dos filmes, cerca de 75%, é
financiada pelo conjunto de alternativas de exibições dos mercados ancilares (grifos
do autor) vídeo, DVD, televisão aberta e a cabo, da utilização da Internet, do
homevídeo e laserdisc.
25
Na cena brasileira, dados publicados recentemente encontram-se em
cadência com essas mutações. Dos 5.564 municípios existentes no país, apenas
8,7% desse total têm salas de cinema. Ao passo que as videolocadoras atingem
82% das cidades. Entre os anos de 1999 e 2006 as lojas de DVDs tiveram um
crescimento de 73,8%. No mesmo período, cresceu em 178% o número de
municípios com acesso à Internet.
26
O quadro das questões apresentadas emoldura uma realidade que se faz
24
CANCLINI, op. cit., p. 200-201.
25
RIBEIRO, Felipe de Oliveira. Plano Nacional de Cultura: estudo sobre a indústria
cinematográfica brasileira. Brasília: Ministério da Cultura/MinC, agos. de 2007, p. 3. Disponível em:
http://www.cultura.gov.br/site/wp-content/uploads/2007/11/cinema-site.pdf. Acesso em: 16 de abr.
2008.
26
Pesquisa de Informações Básicas Municipais (Munic 2006), realizada pelo Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE) em parceria com o Ministério da Cultura/ MinC, com dados
comparativos entre os anos de 1999 e 2006. PERFIL dos Municípios Brasileiros. Ministério da
Cultura, [Brasília], set. 2007. Disponível em: http://www.cultura.gov.br/site/2007/09/18/perfil-dos-
municipios-brasileiros. Acesso em: 13 de jul. de 2008.
42
presente em vários países, a evasão do público provocou o fechamento das salas
de exibição. Dados mais recentes apontam que o Brasil possui em média um cinema
para cada 105 mil habitantes. As salas de exibição de modo geral, foram
transformados em lojas, templos evangélicos, bancos ou estacionamentos de
veículos. O retrato brasileiro é desolador, os cinemas tornaram-se quase que uma
exclusividade das cidades de médio e grande portes. Via de regra, encontram-se
concentradas em municípios com população superior a 400 mil habitantes.
27
Nesse contexto, as salas que comparecia tanto nos bairros periféricos como
em cidades pequenas, foram se extinguindo progressivamente. Os cinemas mudam
de endereço, das ruas passam a compor o cenário dos Shopping Centers das
capitais e de outras grandes cidades do país. Ora, não é por acaso que esses
grandes complexos são instalados preferencialmente nos Shopping Centers, pois “à
medida que as cidades se desindustrializam e se transformam em centros de
consumo, uma das tendências [...] tem sido a expansão dos Shopping Centers”, [no
qual o ato de comprar] “raramente é uma transação econômica racional” [...] mas
primordialmente uma atividade cultural de lazer, na qual as pessoas tornam-se
espectadores”. (FEATHERSTONE, 1995, p. 149).
Com relação a esse processo de desaparecimento das grandes salas de
exibição é interessante salientar as considerações de Gusmão (2007, p. 105), para a
autora, os palácios do cinema cada vez mais esvaziados, não cumpria os
propósitos de lazer, e seu desaparecimento encontra-se amalgamados ao processo
de sedimentação da industrialização, o incremento da tecnologia e as mudanças
estruturais experienciadas em sociedade, que passam a traçar um novo modo de
pensar e viver o espaço e o tempo. Esse feixe de transformações, entrecruzados
com o aumento da individualização vem promovendo o enfraquecimento dos locais
de encontro a exemplo das salas de cinema. Concomitantemente, a esse processo,
assiste-se o redimensionamento do desenho arquitetônico e econômicos dos
espaços de acesso à sétima arte, que passam a ocupar os Shopping Centers,
pulverizados em todo o mundo.
Assiste-se, nesse horizonte, a proliferação dos complexos multiplex,
pertencentes aos grandes grupos de entretenimento, a exemplo da multinacional
27
RIBEIRO, 2007, p. 4.
43
norte-americana Cinemark, maior rede exibidora do país. Primeira a abrir esse tipo
de empreendimento no Brasil, em 1997 na cidade de São José dos Campos, interior
paulista. Dez anos depois, inaugura na cidade de São Paulo, o Cinemark Eldorado,
onde apresenta a primeira sala da América Latina, equipada com projetor digital
cinematográfico com a capacidade de exibir filmes em 3D.
28
As salas da Cinemark e
da UCI possuem telas gigantes, isolamento acústico, sistema de som ultra-estéreo,
programadas para receber som digital.
Segundo dados do Sindicato das Empresas Distribuidoras Cinematográficas
do Rio de Janeiro (SEDCMRJ), apresentados no final do ano passado, ao início
de 2008 o Brasil ganharia mais 151 novas salas, descontando as 16 salas que
fecharam suas atividades, teria um crescimento de 6%.
29
Corrobora com essas
informações a reportagem sobre os 'megacinema', publicada no Jornal Folha de São
Paulo Paulo,
30
que destaca que o crescimento de salas na sua maioria é de
multiplex. O número vem aumentando desde 2004 em torno de 58% e, atualmente,
respondem por metade dos cinemas existentes no Brasil. Outro aspecto relevante
é que essas salas o destinadas em grande número aos espectadores das regiões
Sul e Sudeste, “os pedidos de financiamento para novas salas nas cidades de São
Paulo e Rio de Janeiro representam 70,5% do total, segundo o BNDES”
31
(Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico Social).
Conforto, segurança e alta tecnologia são os slogans dessas grandes
empresas, cuja localização, os Shopping Centers, acaba por selecionar e atender a
um novo espectador, bem distinto daqueles que comumente freqüentavam as salas
de bairro e dos centros das cidades. Com ingresso que variam entre 12 e 25 reais
32
28
Informações disponíveis no site da Cinemark: http://www.cinemark.com.br/brasil. Acesso em 07 de
jul. de 2008.
29
Os dados são do Sindicato das Empresas Distribuidoras Cinematográficas do Município do Rio de
Janeiro SEDCMRJ, publicados na reportagem: CINEMA está estagnado no Brasil. Revista
Speculum. [S.l]. 19 de dez. de 2007. Disponível em:
http://revistaspeculum.wordpress.com/2007/12/19/cinema-esta-estagnado-no-brasil. Acesso em 22 de
jan. 2008.
30
LAGE, Janaina. Era do Multiplex: Megacinemas respondem por metade das salas do país.
Jornal Folha de São Paulo. 25 de jun. de 2007. Disponível em:
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq2506200707.htm. Acesso em: 06 de jan. 2008.
31
LAGE, op. cit., não paginado.
32
A diferença de preços dos ingressos nas cidades brasileiras é muito grande. A localização e
instalações das salas são alguns dos fatores que podem determinar os valores dos ingressos. Os
preços mais baratos são comumente encontrados nas áreas mais populares. Os cinemas situados
nas cidades do interior dos Estados, de modo geral, apresentam preços menores que as salas dos
grandes centros urbanos.
44
amiúde ir ao cinema tornou-se um lazer inacessível à grande maioria da população,
especialmente se o espectador estiver acompanhado, somando-se as eventuais
despesas com transporte e alimentação (pipocas, refrigerantes, lanches etc.).
Onde mora não salas de exibição e Maria Auxiliadora disse que não consegue ir ao
cinema, porque o preço do ingresso custa em média R$ 16 nos fins de semana. Fora os R$
3 de passagem, por pessoa, até a rodoviária de Brasília. “As condições são poucas, por
que é caro. Prefiro comprar um DVD e ver em casa. Para ir com marido e com as crianças,
só a passagem já não dá.”
33
Desse modo, a cena cotidiana explicita uma realidade em que se alterou
significativamente a maneira de assistir aos filmes. As fitas de VHS e/ ou DVDs
tornaram-se mais sedutores e atinge a grande maioria das pessoas, seja porque,
estes equipamentos foram visivelmente popularizados e as videolocadoras são
facilmente encontradas nas grandes e pequenas cidades, como pela atração no
custo referente ao aluguel, inferior ao preço de um ingresso de cinema. Ademais, o
filme locado pode ser assistido por várias pessoas.
Assim, com a concentração nas regiões Sul e Sudeste, sobretudo, por
comparecer preferencialmente nos Shopping Centers, os cinemas no formato
multiplex, acabam desenhando um caminho excludente, pois não atendem à
população de baixa renda.
[...] a arquitetura da exclusão e da discriminação que caracteriza o espaço do lazer
reificado, esses templos de consumo os shopping centers não discriminam porque
oferecem o que os pobres não podem pagar para ter, mas, mais do que isso, porque sua
existência está, ela mesma, apoiada numa simbologia que exclui aqueles que não sabem
ou não podem decodificar seus sinais. (PADILHA, 2006, p. 16).
As teias que vão se tecendo revelam que o mercado exibidor vem passando
por profundas transformações com a chegada dos multiplex. Isso não apenas no
que diz respeito ao número de salas (em média com 8 a 14 cinemas), pelo público
que atende, também pela inovação tecnológica, com equipamentos de projeção de
última geração. Ademais, conforme é o propalado, essas redes tendem a
privilegiar a exibição das produções americanas, o que corresponde a 90% do
33
Depoimento concedido à: ALMEIDA, Danielle. Agência Brasil, 24 de maio de 2008. Disponível em:
http://www.agenciabrasil.gov.br/noticias/2008/05/24/materia.2008-05-24.3383410969/view. Acesso
em: 25 de jun. 2008.
45
mercado, restando apenas 10% aos circuitos alternativos, comumente chamados de
filmes de arte.
34
Sabe-se que a gestação desse processo, diminuição no mero de
espectadores e a conseqüente decadência dos chamados cinemas de rua tiveram
início em décadas anteriores, a partir dos anos de 1970. Nesse percurso, se
passaram mais de trinta anos, o que faculta aludir que existem gerações que não
tiveram acesso ao cinema, número grande de brasileiros que nunca se
deslumbraram diante das impactantes imagens em movimento na tela gigante.
Soma-se a esse conjunto, aqueles que têm anos sem irem ao cinema e, por isso,
perderam o hábito, pois se aprende “a ser espectador de cinema, a ir
periodicamente às salas escuras, escolher a distância adequada da tela, desfrutar
dos filmes em solidão ou acompanhado, passar da intimidade da projeção ao
intercâmbio de impressões e à celebração gregária dos astros” (CANCLINI, 1999, p.
201). Isso porque as salas em cidades pequenas foram fechadas ou ainda pelo
custo alto que se paga para assistir a projeção nos cinemas de Shopping Center.
O quadro de questões alinhadas acima é exposto com o intuito primordial
de desenhar um panorama, como o cinema se encontra no contexto atual. Tomando
para tanto, de modo suscito, alguns aspectos que comparece atualmente no país,
quais sejam: o número reduzido de salas de cinema, em que a produção nacional
não dispõe de um amplo espaço para ser exibida, a ausência quase que absoluta de
cinemas nos bairros e nas cidades de médio e pequeno portes, o que vem
inviabilizando o acesso da grande maioria da população brasileira às salas de
exibição e o conhecimento acerca do seu próprio cinema. A preponderância norte-
americana nos processos de produção e exibição de filmes. As mudanças nos
modos de consumo do cinema. São todos fatos constituintes de uma mesma moeda.
Ora, não trata-se efetivamente de um fenômeno que ocorre apenas no Brasil, faz
parte de uma complexa configuração como já foi sinteticamente tecidas.
Longe de abordar sobre indústria cinematográfica, o que extrapola as
discussões desse trabalho, a intenção é justamente, perceber como essas
circunstâncias apontam para o desmembramento de ações criativas de exibição de
cinema, as quais aborda-se a seguir.
34
RIBEIRO, 2007, p. 4.
46
1.1. O contexto atual no Brasil: exibições de cinema itinerantes em
praças e ruas das cidades
Que a relação do povo brasileiro com o cinema
brasileiro alcance um dia o quilate da paixão
que dedicamos à nossa música – este é o
objetivo ideal do governo, que tem como
assumida responsabilidade chegar o mais
perto possível de tal meta. Que os dois a três
milhões de brasileiros que estão ligados nos
nossos filmes sejam multiplicados pelo maior
número que permita nossa dedicação, nosso
esforço e nossa inteligência.
Orlando Senna
35
Como foi mencionado, o cinema não se conforma apenas como uma
história, ele também se configura, para além da produção industrial. As redes
urdidas ao longo dos tempos pavimentam o caminho em que é visível reconhecer,
que o cinema se constitui como um conjunto de ações interdependentes que
articulam produção, consumo e exibição, sendo igualmente tecidas por uma série de
experiências e conhecimentos, que redundam em uma constelação de práticas
sociais, como o ato de colecionar objetos referentes ao cinema, (fotos, revistas,
filmes, cartazes etc.), a realização de mostras, festivais, seminários e cursos.
Podendo-se, englobar, outrossim, a freqüência às salas de cinema, as atividades
ligadas às discussões sobre as produções cinematográficas reverberadas em
circuitos alternativos, a exemplo dos cineclubes e universidades, as ações de
exibições itinerantes e em diversos lugares como praças, parques, feiras e ruas etc.
Essas práticas comparecem, permanecem ou são re-significadas, com o intuito
essencial de levar o cinema e o conhecimento acerca dessa arte, ao número maior
de pessoas, reavivando assim, o sentido, a preocupação com a formação de novos
públicos e com o exercício de compreensão da vida através do olhar
cinematográfico.
Desse modo, ao longo dos tempos, engendram-se uma série de práticas
35
SENNA, Orlando. A semente e a floresta: o cinema e o desafio audiovisual do Brasil. Revista de
Cinema. Críticas & Idéias. Edição 40. Disponível em:
http://www2.uol.com.br/revistadecinema/edicao40/criticas/3.shtml. Acesso em: 30 de jul. de 2008.
47
que congregam pessoas que possuem um gosto especial em comum: o cinema.
[...] o cinema tanto se caracteriza como meio, linguagem e possibilidade expressiva,
como suporte material de memória que viabiliza processos de aprendizagem,
engendrando e re-significando práticas sociais de geração em geração. Produzir e
consumir essa arte, mágica, estética e afetiva, propicia expressividades e sociabilidades.
Não é por acaso que devemos levar em conta os afetos e emoções, quando discutimos o
consumo de bens culturais. Atividades como estas, mediadas simbolicamente, além de
emprestarem sabor específico às nossas memórias, possibilitam a estruturação da vida
social, estabelecendo laços de solidariedade entre as pessoas em seus mundos da vida.
(GUSMÃO, 2007, p. 54).
A tima arte, indubitavelmente, produz o que se pode chamar de
encantamento. As imagens em movimento, os feixes de luz brilhando na tela, o
ambiente escuro, uma atmosfera que remete ao aconchego, ao mágico. Desde os
tempos mais primitivos encontram-se registros da sede humana em representar e
imortalizar a vida, apreendendo-a em desenhos, pinturas, gravuras, esculturas entre
outras formas artísticas. “Mas ao quadro ou à fotografia falta o movimento,
fundamental para produzir a impressão de realidade” (BERNARDET, 1985, p. 13).
Dessa forma, muito mais que as imagens estáticas, almejou-se captar o movimento,
transcender a fugacidade do momento, em que o instante comparece como a
possibilidade do eterno. É conspícuo, que foi o cinema, que realizou o grande sonho
de manifestar os acontecimentos da vida em imagens dinâmicas, tornando possível
criar mais uma forma de guardar as experiências do presente e fixar o fluxo da vida.
Foi ao desenvolver a magia latente da imagem que o cinematógrafo se encheu de
participações, até vir a metamorfosear-se em cinema. O ponto de partida foi o
desdobramento fotográfico, animado e projetado na tela, a partir do qual imediatamente se
desencadeou o processo genético de excitação em cadeia. O encanto da imagem e a
imagem ao alcance da mão determinaram o espetáculo, o espetáculo excitou um
prodigioso desenvolvimento imaginário, imagem-espetáculo-imaginário excitaram a
formação de novas estruturas no interior do filme: o cinema é o produto desse processo.
(MORIN, 1983, p. 170).
Vinte e quatro fotogramas por segundo projetados nesse mesmo ritmo e o
milagre da reprodução das cenas da vida em movimento se concretizou. É,
justamente, a soma das imagens fixas (fotogramas) com o movimento, que seduz,
que impacta, gera a impressão do real,
48
um pouco como um sonho: o que a gente e faz num sonho não é real, mas isso
sabemos depois, quando acordamos. Enquanto dura o sonho, pensamos que é verdade.
Essa ilusão de verdade, que se chama impressão de realidade, foi provavelmente a base
do grande sucesso do cinema (BERNARDET, 1985, p. 12, grifo do autor).
Assim, “a grande arte da luz e da sombra”
36
não apenas capturou o
movimento, também almas e corações.
A primeira sessão pública de cinema, ocorrida no Grand Café, em Paris, em
28 de dezembro de 1895, teve a duração de 20 minutos e custava um franco por
espectador. O filme, L'Arrièe d'un Train em Gare de la Ciotat, “em especial
emocionou o público: a vista de um trem chegando na estação, filmada de tal forma
que a locomotiva vinha vindo de longe e enchia a tela, como se fosse se projetar
sobre a platéia”. (BERNARDET, op. cit., p.12). Narra-se, ainda, que as pessoas
presentes tomaram um susto diante de cenas tão reais. A resposta do público foi um
misto de surpresa e deslumbramento, marcas que se revelaram desde o nascimento
das sessões de exibição e permanecem até os dias atuais.
O centenário cinema mudou muito, adquiriu técnica cada vez mais
sofisticada, ganhou som, qualidade na imagem, efeitos especiais. Alterou-se o modo
de assistir aos filmes. O espetáculo virou poderosa indústria, uma das mais
lucrativas do planeta. Mas, por incrível que pareça, o prazer da identificação com os
acontecimentos da vida, o desejo, a euforia, a alegria, o encantamento, uma pletora
de emoções que capturou e captura espectadores no mundo inteiro, parece não
sofrer os efeitos do tempo.
Não é por acaso, que uma legião de apaixonados pelo cinema viceja em
toda parte do globo, pessoas que dedicam parte de suas vidas ao conhecimento que
se produz em torno dessa grande arte. Por meio do cinema constituem redes de
relacionamentos, se aproximam e estabelecem vínculos afetivos, troca de saberes,
informações sobre o cinema. Lêem livros especializados, revistas, jornais e críticas,
recorrem aos programas televisivos destinados à tima arte. Não se contentam
apenas em assistir a muitos filmes, se inquietam em saber informações referentes
aos diretores, à produção, aos atores, fotografia, música. Envolve-se em atividades
diversas como cineclubes, cursos, festivais. São assíduos freqüentadores de salas
de cinema, cinematecas. os que empreendem energia no sentido de produzirem
36
MANNONI, 2003, p. 10.
49
vídeos e filmes, o esforço em fazer os filmes serem exibidos, não obstante,
desenvolvem ações que tornem possíveis o acesso das pessoas ao cinema. Outros,
no entanto, aplicam bom tempo de vida a colecionar materiais sobre cinema. Enfim,
aproximam-se de tudo que esteja de algum modo ligado à arte das imagens em
movimento.
Chama-se, comumente, de cinéfilo esse amante informado “é fácil
reconhecê-lo a partir de condutas miméticas; [...] jamais se senta no fundo de uma
sala de cinema, desenvolve em qualquer circunstância um discurso apaixonado
sobre seus filmes prediletos.”
37
Segundo Jacques Aumont, (1995, p. 10) o termo
cinéfilo aparece pela primeira vez na primeira metade da década de vinte, nos
escritos de Ricciotto Canuto
38
. O autor salienta, ainda, que muitas gerações de
cinéfilos com suas predileções de autores, revistas e discursos calorosos de amor
pelo cinema.
Cabe, então, indagar: quem não se encantou e se surpreendeu quando pela
primeira vez assistiu a um filme na tela gigante? Não importa se for uma criança,
adulto ou idoso, se do sexo feminino ou masculino ou, ainda, a posição social, é fácil
encontrar respostas positivas a essa pergunta. Um olhar mais perspicaz é capaz de
perceber a beleza de um momento singular, ao fitar rostos surpresos e iluminados
de alegria das pessoas que pela primeira vez tem o contato com as imagens
animadas, projetadas na tela. São percepções dessa natureza aliados ao propósito
de viabilizar a formação de público, que alimentam pessoas dedicadas à sétima arte,
a desenvolverem projetos que tornem possíveis o encontro dos milhões de
brasileiros, que nunca tiveram a oportunidade de freqüentar ou conhecer uma sala
de cinema ou àqueles que tem anos, décadas que não assistem a um filme na
grande tela.
Os esforços desses amantes e profissionais do cinema, em abrir as portas
do universo da fantasia, da estética, da afetividade e do sonho, para as pessoas que
não têm aproximação com o cinema, tão pouco, a produção brasileira faz fervilhar
importantes ações de exibições e discussões acerca da arte cinematográfica em
distintos espaços sociais.
37
AUMONT, Jacques. A estética do filme. Campinas: Papirus, 1995, p. 10.
38
O italiano Ricciotto Canuto, cunhou em 1912 a expressão "sétima arte", utilizada para designar o
cinema.
50
O Cinema Novo que provocou a atenção do mundo é motivo de orgulho nacional é um
senhor de quarenta anos. E uma nova geração pede passagem. Para ela, o contato das
tecnologias digitais antecedeu à alfabetização. Para ela, exibir um vídeo num evento ou na
praça é o ou mais válido quanto lutar por espaços numa sala de shopping, um espaço
que parece inatingível pelo menos a curto prazo (CALDAS; MONTORO, 2006, p. 22).
É ilustrativo a esse aspecto o crescimento notável do número de festivais,
que atualmente vem ocorrendo em todas as regiões do país. Em 2000 foram
realizados 44, e em 2006, esse número triplica chegando a 132 festivais, um
aumento médio de 19,82% a cada ano. Os eventos reuniram em 2006 um público de
2.209.559 pessoas. Roraima e Acre são os únicos Estados brasileiros que não
realizam o evento. Nesse particular cumpre registrar o exemplo emblemático da
“Mostra de Cinema de Tiradentes”, em Minas Gerais, pois consiste em uma das
cidades brasileiras que não tem salas de exibição e no qual os moradores têm
acesso à produção cinematográfica através da realização anual do festival. Desse
modo à praça é transformada em sala de cinema, Cine-Praça no Largo das rras
com a instalação de tenda para abrigar os espectadores
39
. Considerado um dos
eventos mais importantes da agenda de festivais nacionais, dez anos a mostra
atrai para a cidade mineira, cineastas, atores, produtores, críticos de cinema e o
público oriundo das diversas regiões do Brasil, que invadem as ruas e praças da
histórica Tiradentes. Observa-se, aqui, mais um modo peculiar de apropriação da
praça a partir da relação com o cinema.
Além dos festivais pululam no país a realização de mostras de cinema, a
implementação de pontos de culturas, o retorno de circuitos alternativos como os
cineclubes e projetos de exibições itinerantes e em praças, parques e ruas. Para o
intuito desse trabalho, a seguir, salienta-se, mormente os projetos de exibições
itinerantes e em praças.
39
Os dados sobre festivais e informação sobre a Mostra de Cinema de Tiradentes foram obtidos em:
CARVALHO, Priscila. Pesquisa sobre cinema brasileiro. Ministério da Cultura. [Brasília], 22 de jan.
de 2008. Disponível em: http://www.cultura.gov.br/site/2008/01/22/festivais-levam-producoes-
brasileiras-a-22-milhoes-em-25-estados. Acesso em: 6 de jun. 2008.
51
1. 2. O feérico cinema chega às praças
O que me mobiliza, em primeiro lugar, é sempre
o amor ao cinema, a mais bela invenção do
homem moderno, esse momento único de
harmonia entre homem e máquina,
nunca mais repetido.
Cacá Diegues
40
Um projetor, um carro (para transportar a equipe de trabalho e os
equipamentos), cadeiras, caixas de som, uma tela branca tamanho grande, e dois
ingredientes essenciais: um filme e pessoas, crianças, idosos, jovens e adultos. No
horizonte o Sol se oculta, matizando-o de vermelho e laranja, é a beleza do pôr-do-
sol, anunciando a tímida chegada da noite. Debaixo do céu de estrelas e da lua
resplandecente, diversas pessoas acomodadas em cadeiras, até mesmo sentadas
ou deitadas no chão, com olhos curiosos, detidos, contemplam as imagens
animadas que faíscam na tela. Vez por outra o silêncio é rompido por ritmadas
risadas, alguns momentos isolados em outros em uníssono. O clarão das cenas, que
ao seu turno aparece na tela, resgata do meio escuro os rostos atentos, exultados,
angustiados, comovidos, apreensivos, com ar de satisfação, tudo depende da
sucessão da história. O cenário, uma praça, que pode ser na cidade de Vitória da
Conquista-Ba, Olinda-Pe, Salvador-Ba, Brasília-DF, Campinas-SP, Marechal
Cândido Rondon-PR, Maceió-Al, Ourinhos-SP entre outras.
Esse clima que guarda e revela a magia, vem ocorrendo em diversas e
distintas cidades, das regiões do país, onde pululam projetos que levam o cinema às
praças e ruas. Da mesma maneira tem-se tecido, ainda, ações itinerante, que
percorrem outros lugares da cidade, municípios vizinhos e a mesmo outros
Estados.
Para iniciar o passeio, que traz à cena alguns desses projetos, pega-se
carona no carro que leva até o coração do Brasil: o Distrito Federal. Há cerca de três
anos, o Projeto Cultural “Mostra de Cinema Brasil Candango”, do Instituto
40
Diegues, apud, WAHRENDORFF; MONTORO, 2006, p. 6. (WAHRENDORFF, Ricardo e
MONTORO, Tânia. A evolução do cinema Brasileiro no século XX. Brasília: Casa das Musas, 2006).
52
Latinoamerica,
41
com apoio do Ministério da Cultura/ MinC e com o patrocínio da
Petróleo Brasileiro S/A Petrobras, leva filmes brasileiros, nos finais de semana as
comunidades de baixa renda, das cidades do Distrito Federal e do seu entorno. “Se
é difícil o acesso do povo às salas de exibição, o cinema vai até onde o povo está”
42
,
são as palavras de Geraldo Moraes, cineasta e curador dos filmes do Projeto. Por
isso, em 2008, a Mostra, amplia seu raio de ação e insere no seu roteiro de
exibições cidades dos Estados de Goiás, Tocantins e Minas Gerais.
O fechamento dos cinemas de bairros e do interior e o confinamento das salas de exibição
nos centros comerciais das grandes cidades deixaram mais de 90% da população
brasileira sem acesso aos filmes, especialmente os nacionais. Hoje, o DVD e outras
formas de exibição abrem novas possibilidades de contato entre a sociedade e os filmes.
A Mostra Brasil Candango é uma importante iniciativa para a recuperação desse espaço
de cidadania, para que os brasileiros tenham o direito de ver os filmes que tratam da sua
vida, crenças e costumes.
43
Além do objetivo de levar o cinema às comunidades que o têm
oportunidade de assistirem a filmes em salas de exibição, o cinema itinerante tem
como foco primordial viabilizar o acesso ao cinema nacional, possibilitando
igualmente, que os cineastas tenham mais um espaço para mostrarem os seus
trabalhos. Segundo informações do coordenador do Projeto e presidente do Instituto
Latinoamerica, Atanagildo Brandolt, este ano, na mostra, há seis curta-metragens de
cineastas brasilienses. Para Brandolt, é importante exibir filmes reflexivos, que
permitam uma identificação do espectador com a obra, e que também, o leve a
repensar valores sociais.
Quando o caminhão da Mostra Brasil Candango Cinema Itinerante chega à estrutural, as
ruas de terra dão espaço à fantasia das crianças. Com os pés no chão desnivelado, elas
correm atrás do veículo felizes de saber que vão ter cinema por aqueles dias, numa das
regiões mais pobres do Distrito Federal. É tanta alegria deles em ver o filme. É uma
diversão para as crianças”, narrou Maria Auxiliadora do Nascimento, empregada
41
O Instituto Latinoamerica é uma entidade civil, sem fins lucrativos, com sede em Brasília, que tem
dentre seus objetivos: promover, coordenar e executar ões, desenvolver projetos e programas nas
áreas da educação, das artes, das ciências, da produção cultural, científica e tecnológica,
voltando suas ações para o desenvolvimento de programas de documentação e estudos, visando,
contribuir de maneira objetiva na preservação e promoção do patrimônio cultural; ampliando o
conhecimento através de programas que utilizam como base a pedagogia audiovisual para a
capacitação popular.” Informações disponíveis em: http://www.il.org.br/default.asp.
42
MORAES, Geraldo. Cinema Itinerante Opinião da Curadoria. Mostra Brasil. [Brasília], 2008.
Disponíveis no site em: http://www.mostrabrasil.org.br/. Acesso em: 5 de jun. 2008.
43
MORAES, 2008, sem paginação.
53
doméstica que mora na Estrutural. Ela levou os filhos [...] para assistir aos filmes
brasileiros O casamento de Louise e A Enciclopédia do Instituto. (grifos do autor).
44
Para exibição dos filmes existe uma taxa a ser paga aos produtores e
distribuidores, correspondente ao valor de 700 reais para média-metragem e 2 mil
reais para os de longa-metragem, isso no período de 60 dias. Mas a comunidade
assiste gratuitamente aos filmes.
Embora sessões de cinema ocorrem em sua maioria em praças, são
apresentadas também em escolas, ginásios e outros logradouros públicos (parques
e ruas).
____________________________________________________________________
Figuras 1 e 2: Praça dos Estados da Candangolândia/ Distrito Federal-DF. Fotos: MBC III (2008).
Em 2006, ano que marca a estréia do projeto, “mais de cem mil pessoas
receberam o cinema itinerante, sendo que para muitas delas esse foi o primeiro
contato com atima arte.”
45
Foram previstos para 2008, 67 exibições em 22
localidades. A expectativa é atingir a um público que ultrapasse a 50 mil pessoas. “A
Mostra Brasil Candango Ano III [foi] lançada na Praça dos Estados na
Candangolândia-DF, no dia 15 de Maio.” O anúncio do retorno das atividades
convida a comunidade a preparar “a pipoca, porque o cinema está de volta!
46
44
Depoimento concedido a: ALMEIDA, Danielle. Agência Brasil, 24 de maio de 2008. Disponível em:
http://www.agenciabrasil.gov.br/noticias/2008/05/24/materia.2008-05-24.3383410969/view. Acesso
em: 5 de jun. 2008.
45
A MOSTRA Brasil está de volta! Em Cena Informativo do Projeto de Cinema Mostra Brasil
Candango. Ano II. Brasília, jul. de 2007. Disponível em:
http://www.mostrabrasil.org.br/Em%20Cena%20JULHO.pdf. Acesso em: 6 de jun. de 2008.
46
MOSTRA Brasil Candango – Ano III. Mostra Brasil. Brasília Informações disponíveis no em:
http://www.agenciabrasil.gov.br/noticias. Acesso em: 6 de jun de 2008.
54
A Praça dos Estados da Candangolândia ficou lotada. O blico superou as expectativas,
as 800 cadeiras não foram suficientes e o jeito foi improvisar. Tinha gente sentada na
calçada, namorada no colo do namorado, até mesmo a bicicleta serviu de assento. No
primeiro dia de exibição da terceira temporada da Mostra Brasil Candango,
aproximadamente mil pessoas assistiram aos filmes “Tapete Vermelho” e Os filmes que
não fiz.” (grifos do autor).
47
Segundo o coordenador da Mostra, outra meta do Projeto é a realização de
oficinas de vídeo destinadas aos alunos da rede pública de ensino, que passam a ter
a oportunidade de produzirem seus próprios vídeos, especialmente sobre a
realidade local. Desse modo, as etapas das oficinas têm alguns objetivos, quais
sejam: que os alunos organizem idéias e pesquisas sobre sua comunidade,
possibilitar os conhecimentos sobre os processos de produção, edição de imagem e
elaboração de roteiro. Os vídeos produzidos serão exibidos na própria comunidade,
disponibilizados, também para exibição na rede pública de Televisão.
Seguindo pelas estradas do Brasil o cinema é abraçado nas praças da
cidade de Vitória, capital do Estado do Espírito Santo, é o “Projeto Passa na Praça
que a Tela te Abraça”. Com o título carinhoso, o que alude ao próprio sentido afetivo
que se remete comumente ao cinema, o projeto convida a população para participar
na praça do projeto e deixa-se envolver pela magia da sétima arte. Realizado pela
Prefeitura Municipal de Vitória, com os apoios da Universidade Estadual do Espírito
Santo, do Cineclube Metrópolis e da Fundação Ceciliano Abel de Almeida, o projeto
visa a promoção do acesso da população, “aos filmes de qualidade que ficaram
restritos aos cinemas de Shopping Center, cujo valor do ingresso inviabiliza à
comunidade de assisti-los”. Além disso, espera-se “formar público e ainda oferecer a
comunidade opção de lazer saudável, capaz de fazê-la refletir e se transformar.”
48
Com esses objetivos, o projeto entrou em cena nas praças da cidade, em
agosto de 2007, exibindo além de filmes nacionais e estrangeiros, curtas-metragens
capixabas de 35mm. Nota-se que esse projeto, não tem apenas o foco na exibição
de filmes nacionais, incluindo produções que foram premiadas e que ficaram
47
Informações disponíveis no site: http://www.agenciabrasil.gov.br/noticias. Acesso em: 6 de jun. de
2008.
48
Informações apresentadas no vídeo: PASSA na Praça que a Tela te Abraça. Produção de Satírica
Filmes. Vitória/ES: Prefeitura Municipal de Vitória, [2007 ou 2008]. On-line (2 min. e 47 seg.), son.,
color. Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=Wki42yMyoCQ. Acesso em: 16 de jun. de
2008.
55
restritas às salas de cinema dos Shopping Centers. Outra meta do projeto é tornar
acessível à comunidade a produção local, sobretudo, de curtas-metragens.
Nas praças da cidade de Campinas, interior do Estado de São Paulo,
desembarcou, em maio de 2001, o “Projeto Cinema na Praça. Levar arte, lazer e
cultura para a população campinense, divulgar a produção cinematográfica brasileira
e discutir o cotidiano das comunidades através dos filmes exibidos, são os objetivos
fundamentais do projeto. Além de apresentar filmes nas diversas praças do centro e
dos bairros mais distantes, o projeto mantém exibições quinzenais, sempre às 19
horas, na Praça Bento Quirino, localizada no Centro da cidade.
O “Cinema na Praça” tem um diferencial dos demais projetos que foram
pesquisados, que de modo geral estão vinculados a ações culturais ancoradas em
instituições como Prefeituras, (através das Secretarias da Cultura) Universidades,
Ministério da Cultura entre outros, em Campinas é o SETEC Serviços Técnicos
Gerais – “uma autarquia da Prefeitura Municipal de Campinas
responsável pela
autorização de uso do solo para fins de exercício do comércio em instalações
removíveis em geral nas vias e logradouros públicos”
49
a responsável pela
realização do cinema na praça. Isso talvez seja o motivo pelo qual é inserido de
modo explícito, entre os objetivos do projeto, a preocupação em desenvolver ações
que promovam a ocupação dos espaços públicos com outros eventos destinados ao
lazer e cultura, além do cinema. Assim, durante o dia, em que ocorre a apresentação
do filme, feiras de artes e artesanatos, ocupam a praça. Ao mesmo tempo em que
divulgam e vendem seus produtos os comerciantes convidam a comunidade para
comparecerem no evento à noite.
Trilhando os bairros da cidade do Natal, capital do Estado do Rio Grande do
Norte, o Projeto “Cinema na Rua” levou, durante oito anos (de 1996 a 2004), o
encanto da tima arte a milhares de pessoas. As sessões ocorriam uma vez por
mês em um bairro diferente. O Projeto era realizado pelo Núcleo de Arte e Cultura
da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, com o apoio da Federação das
Indústrias do Estado do Rio Grande do Norte (FIERN). É interessante salientar que
49
A SETEC consiste em “uma autarquia da Prefeitura Municipal de Campinas responsável pela
autorização de uso do solo para fins de exercício do comércio em instalações removíveis em geral
nas vias e logradouros públicos”. Informação disponível em: www.campinas.sp.gov.br/setec. Acesso
em: 18 de jul. 2008.
56
o Projeto ocorria também com a participação das Associações de Moradores dos
bairros visitados, que colaborava com a distribuição dos planfetos usados para
divulgação da sessão. Além disso, ocorria antes de cada exibição um comentário
sobre o filme exibido com a participação dos moradores.
O conúbio do cinema com a praça faz germinar iniciativas de exibições, em
algumas cidades o projeto ainda permanece em vigor e outras não. É interessante
registrar que mesmo ocorrendo em vários Estados do país essas ações apresentam
a mesma denominação: Cinema na Praça. Entre diversos exemplos pode-se citar: a
cidade de Quixadá, localizada no semi-árido cearense, o projeto é realizado pela
Companhia Energética do Ceará (Coelce) com o apoio da Fundação Cultural.
50
O
mesmo ocorre na capital do Maranhão, onde o SESC Serviço Social do Comércio
– desenvolve o Cinema na Praça com o intuito fundamental de promover uma
programação sócio-educativo, através dos filmes, aos habitantes de São Luiz.
No Estado do Rio de Janeiro, na cidade de Itaguaí, o Cinema na Praça é
realizado com a regência da Secretaria de Educação e Cultura. O projeto
compareceu, também, na cidade de arquitetura germânica, Marechal Cândido
Rondon, no Paraná, onde pela primeira vez a tela grande e as imagens brilhantes
em movimento iluminaram a Praça Willy Barth. O projeto ocorreu no ano passado,
foi uma iniciativa do Tetra Park
51
e do Ministério da Cultura em parceria com a
Prefeitura Municipal, através da Secretara de Cultura, Esporte e Lazer. na cidade
mineira de Sabará, o Cinema na Praça teve o propósito de levar entretenimento,
lazer e formação para crianças e adultos em situação de risco, que não têm
aproximação com esses bens culturais. Na praça Melo Viana, Centro Histórico da
cidade, foi instalada uma tenda com capacidade para 400 pessoas.
Cruzando o Brasil três caminhões percorrem os lugares mais recônditos
exibindo vídeos produzidos pela própria comunidade. É o Programa “Revelando os
Brasis”, realizado pelo Instituto Marlin Azul
52
e pela Secretaria do Audiovisual do
Ministério da Cultura, com patrocínio da Petrobras e parceria do Canal Futura. O
programa, com formato diferenciado, tem por objetivo promover a inclusão e
50
Informação disponível no site: www.quixada.ce.gov.br/noticias/noticia.asp?ID=953. Acesso em:
maio de 2008.
51
Tetra Park é uma empresa multinacional de origem sueca, que fabrica embalagens para alimentos.
52
O Instituto de Desenvolvimento Social e Gestão de Produção Cultural, Artística e Audiovisual Marlin
Azul é uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip).
57
formação audiovisual através da produção de vídeos digitais em pequenos
municípios.
O Revelando os Brasis foi lançado em agosto de 2004, na cidade de
Milagres, interior da Bahia, com a presença do Ministro da Cultura Gilberto Gil e do
secretário do Audiovisual Orlando Senna. Na ocasião, foi apresentado o
documentário de Nelson Pereira dos Santos “Cinema Milagres”, produzido
especialmente para a estréia do programa. Foram exibidos ainda três filmes: “Os
Fuzis” (1964) de Ruy Guerra; “Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro” (1969)
de Glauber Rocha e “Central do Brasil” (1998), do cineasta Walter Sales. Vale
lembrar que todos esses filmes tiveram Milagres como cenário. Com pouco mais de
13 mil habitantes, o município foi escolhido como Cidade-símbolo do programa, pois
foi palco para a filmagem de sete produções. Além das três produções citadas
incluem-se: “Entre o Amor e o Cangaço” (1965), de Aurélio Teixeira; “Os Deuses e
os Mortos” (1970), de Ruy Guerra, o curta A Mãe” (1998), de Fernando Belens e,
em um episódio do documentário de Nelson Pereira dos Santos, “Rio-Bahia” (1958).
Recebeu ainda a produção internacional "Trópicos" (1969), do italiano Gionni
Amico.
53
O projeto nasceu na Secretaria do Audiovisual do Ministério da Cultura, em 2004, e faz
parte de um conjunto de ações para democratizar o acesso aos meios de produção
audiovisual, permitindo aos moradores das pequenas cidades o contato com as novas
tecnologias e a possibilidade de contar as suas próprias histórias, promovendo a criação
de obras que retratem o seu universo simbólico.
54
Na primeira etapa do programa é realizado um concurso para seleção de
quarenta histórias, enviadas por pessoas que residem em municípios com até 20 mil
habitantes. Pode ser uma história real ou fictícia. No segundo momento, os autores
dos textos selecionados, participam na cidade do Rio de Janeiro, do Curso de
Formação e Realização Audiovisual, que oferece oficinas de introdução à linguagem
audiovisual, preparatórias de roteiro, direção, produção, pesquisa, fotografia, edição,
mobilização, som e direitos autorais etc. Na terceira etapa, os participantes
retornando às suas cidades para a realização dos vídeos com duração de até 15
53
REVELANDO OS BRASIS. O Projeto – O que o Revelando os Brasis quer? Disponível em:
http://www.revelandoosbrasis.com.br/revelando2/o_projeto.html. Acesso em: 5 de dez. 2007.
54
LANÇAMENTO. Revelando os Brasis. Notícias Ano I. [Brasília], 8 de ago. 2004. Disponível em:
http://www.revelandoosbrasis.com.br/revelando2/noticia.aspx. Acesso em: 25 de fev. 2008.
58
minutos. Colocando, assim, em prática o que aprenderam nas oficinas. A
comunidade participa da produção integrando-se à equipe de trabalho. Para
efetivação dessa fase os integrantes contam, ainda, com o apoio (equipamentos) de
uma produtora regional.
A Praça Malaquias Gomes Barbosa, em São José de Piranhas, na Paraíba, vai ser uma
alegria [...] quando o Circuito chegar à cidade. Às 19h30, haverá sessão de cinema,
com destaque para o vídeo “Manoel Inácio e a Música do Começo do Mundo”, de
Leonardo Alves. Antes, o público vai poder acompanhar algumas apresentações culturais.
Entre as atrações estão um grupo de flauta doce formado por crianças, o grupo de dança
do ProJovem, a dupla de repentistas Chico Xavier & Chico de Assis e a Banda Cabaçal
São Sebastião, autora da trilha sonora do vídeo.
55
Através do Circuito Nacional de Exibição, última etapa do Revelando os
Brasis, as obras são apresentadas em sessões realizadas em praças e ruas das
comunidades contempladas com o programa, também nas capitais dos Estados que
têm municípios participantes. Em 2007, primeira edição do Circuito, foram
percorridos 61 municípios e apresentadas as produções do primeiro ano do projeto.
Em média cada sessão reúne um público de 500 pessoas.
Atualmente, três caminhões realizam o Circuito de Exibição, percorrendo
as estradas, chegando às pequenas cidades e capitais dos Estados. Os caminhões
levam as comunidades tela de cinema, cadeiras e os equipamentos (projetores,
caixa de som etc), para as sessões realizadas em ruas e praças. Cada cidade tem
uma programação diferente, primeiro é apresentado o making of do Revelando os
Brasis (expõe os bastidores e gravações dos vídeos) e mais três produções, com
destaque para os trabalhos feitos no município e no Estado.
Para cumprir toda a programação do Circuito de Exibição até o dia 11 de setembro, data
prevista para o encerramento das sessões, os caminhões do projeto percorrerão rotas
diferentes simultaneamente. A primeira rota passará pela Paraíba, Pernambuco, Rio
Grande do Norte, Ceará, Piauí, Maranhão, Pará, Amapá e Mato Grosso. A segunda rota
inclui Rio de Janeiro, São Paulo, Mato Grosso do Sul, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande
do Sul e Acre. A terceira rota passará pelo Espírito Santo, Minas Gerais, Bahia, Sergipe e
Alagoas. (ARAÚJO, 2008, sem paginação).
55
PÍFANOS, animam sessão em São José de Piranhas na segunda (11/8). Blog Revelando os
Brasis. [Brasília], 9 de ago. de 2008. Disponível em:
http://revelandorotasdois.blogspot.com/2008/08/pfanos-animam-sesso-em-so-jos-de.html. Acesso em:
15 de ago. 2008.
59
É interessante salientar que após cada sessão de cinema são realizadas
pesquisas para avaliar a receptividade dos moradores e envolvimento da
comunidade com o projeto. O objetivo é obter dados que viabilizem a compreensão
sobre o programa e ampliação das condições de produção e difusão.
No que se refere a difusão e exibição outras alternativas são empreendidas
pelo projeto, entre elas a realização pelo Canal Futura e o Instituto Marlin Azul, do
Programa “Revelando os Brasis”, destinado especialmente a exibição dos vídeos e
comentários dos diretores sobre as obras. Outra forma relevante é a articulação
engendrada com a direção de festivais, cineclubes e outras instituições, que levam
as produções em mostras especiais no Brasil e no exterior. Ademais, as obras o
lançadas em DVD, que são distribuídos gratuitamente em universidades, secretarias
de Cultura e Educação, bibliotecas públicas, instituições de preservação da memória
audiovisual, cineclubes, organizações sociais e culturais etc.
Cumpre frisar que iniciativas como estas encabeçadas pelo Ministério da
Cultura, através da Secretaria do Audiovisual, bem como o apoio e financiamento de
uma pluralidade de ações no campo do audiovisual marcante na cena
contemporânea brasileira, coadunam-se com as medidas do governo de
consolidação de um plano novo de desenvolvimento, o qual se insere a cultura como
setor estratégico, em especial o audiovisual. O rastro dessas considerações remete-
se ao amplo debate, que ocorre em escala mundial, acerca das relações
transnacionais dos mercados de produção e consumo de bens simbólicos, em que o
cinema ganha especial destaque. Explicita-se, igualmente a compreensão do
cinema como meio privilegiado de difusão de valores e significados, como forma de
expressão, capaz de modelar a identidade cultural, sendo ainda, portador da
possibilidade de influenciar positivamente no processo de construção da cidadania.
As imagens em movimento definitivamente fazem parte de um imenso e crescente
complexo chamado de audiovisual.
Os interesses econômicos envolvidos nesse complexo acabariam por situá-lo como
assunto estratégico de governo e organismos internacionais, tema central dos debates em
torno da defesa da diversidade cultural. Por volta da virada do milênio, e passado o
deslumbramento liberalizante da primeira fase do chamado processo de globalização, os
países pobres e em desenvolvimento tornaram-se cada vez mais conscientes da
necessidade de defender suas próprias culturas. (CALDAS; MONTORO, 2006, p. 21).
É possível perceber, que os projetos aqui delineados são realizados a partir
60
de parcerias com Prefeituras (através das Secretarias de Cultura, Educação),
Universidades, Ministério da Cultura, Fundações Culturais, Empresas Privadas etc.
Essas práticas se mantêm e se tornam possíveis graças ao apoio institucional e
financeiro da iniciativa pública e/ ou privada. Em outras palavras, mesmo que exista
o gosto e formação sem o suporte financeiro e estrutural de instituições e empresas,
torna-se inviável que essas práticas sociais de cinema se efetivem. Outra
observação pertinente, é que à frente das instituições (a exemplo do cineasta e
Secretário do Audiovisual Orlando Senna) e dessas ações de exibição e formação
para o cinema, a presença de pessoas que de algum modo tiveram o gosto,
aprendizado, envolvimento em ambientes de sociabilidades e práticas sociais
forjadas a partir da dinâmica cinematográfica (cineclubes, festivais, revistas
especializadas, conversação sobre os filmes, cursos etc.), que torna possível o
estoque de saberes, mas também a circulação, pois o conhecimento é dinâmico e,
portanto, viabiliza o intercâmbio que pode assegurar permanências, re-significar ou
iluminam novas práticas.
No que concerne a esse respeito é ilustrativo o Projeto Cine Tela Brasil,
desenvolvido e idealizado pelos cineastas e roteiristas, Laís Bodanzky e Luiz
Bolognese. Com mais de uma década na estrada, o projeto ao longo desse tempo
tem levado o encanto da sétima arte aos bairros periféricos de várias cidades e
Estados do país.
Um caminhão com 225 cadeiras e ar condicionado, projetor 35mm, projetor
cinemascope, som estéreo surround, tela de 21m
2
e um ambiente protegido da
claridade, do vento e da chuva. O primeiro cinema brasileiro que anda, e que
carrega além de equipamentos o propósito de promover e apoiar o cinema nacional
e tornar acessível às pessoas que não podem assistir a filmes nas salas de exibição,
o ingresso no mundo dos sonhos. Por isso, o Cine Tela Brasil percorre os bairros
periféricos, onde é comum encontrar pessoas de várias idades que nunca foram ao
cinema.
A cineasta Laís Bodanzky afirma, que o projeto tem vários objetivos entre
eles, “formação de público, distribuição de bens culturais, espaço de exibição para o
cinema brasileiro, ocupação do espaço público, apoio às atividades escolares e
61
principalmente [...] diversão.”
56
De periferia a periferia, o cinema ambulante é montado em uma área livre
(praça, rua, parque) fica três dias em cada cidade, realiza sempre duas sessões
destinadas ao público infantil e duas sessões para adultos, somando-se quatro
apresentações por cidade. Depois disso, a sala é desmontada e segue para outra
localidade com o mesmo formato.
No ano de 2005 o Cine Tela Brasil atinge a marca de 100 mil espectadores,
é a sala do país com maior índice de ocupação, cerca de 88%, distribuídos em suas
504 sessões. No ano seguinte, o público contemplado com o projeto, dobra,
chegando à casa dos 200 mil. Cada ano que passa o cinema itinerante atrai mais
pessoas, que lotam as sessões para prestigiar o cinema brasileiro. Em 2007, o
número apresenta um significativo crescimento e ultrapassa 399 mil espectadores.
Em maio de 2008, foi inaugurada mais uma sala itinerante. Para
comemorar a nova conquista as duas unidades foram instaladas no mesmo local, no
Parque do Ibirapuera, em São Paulo.
A preocupação com a formação fez redundar em oficinas de produção
audiovisual, oferecida à população dos bairros visitados. Com o patrocínio da
Fundação Telefônica, a partir desse ano, o aspecto educativo do projeto recebe
mais recursos, gerando maiores possibilidade de troca e aprendizado através do
portal EducaRede.
57
“Agora com a Fundação Telefônica teremos números dobrados”, aposta a cineasta Laís
Bodanzky, idealizadora do projeto junto com o roteirista Luiz Bolognesi. E os números
atuais são bastante animadores. Apenas com a primeira sala, mais de 140 cidades
foram visitadas. Boa parte delas não possui uma única sala de cinema. Em cidades dos
estados de São Paulo, Paraná e Rio de Janeiro foram realizadas mais de 1.700
sessões, com exibição de 54 longas-metragens nacionais para um público que ultrapassa
330 mil espectadores.
58
Segundo a cineasta Laís Bodanzky com as duas salas itinerantes o número
56
BODANZKY, Laís. Bate-papo on-line. Educarede, 11 de ago. de 2008. Entrevista concedida a
Alzilene Ferreira. Disponível no site em: http://www.educarede.org.br/educa. Acesso em: 11 de ago.
2008.
57
Educarede é um portal educativo, destinado aos educadores e educandos dos Ensino Fundamental
e Ensino Médio da rede blica. O programa EducaRede é uma iniciativa da Fundação Telefônica na
Espanha e na América Latina.
58
BODANZKY, Laís. Educarede. Entrevista disponível no site da Educarede:
www.educarede.org.br/educa/index.cfm?pg=revista. Acesso em: 12 de ago. 2008.
62
de brasileiros contemplados com o projeto será bem maior. A programação até abril
de 2009 terá sessões em 64 cidades.
Diante de um quadro tão animador cumpre então perguntar: como começou
essa história? O que motivou desenvolver projeto itinerante e de exibições em
praças? É interessante para tentar compor essas respostas, saber de modo sucinto,
a trajetória de um dos seus idealizadores, delineada a partir do contato com a sétima
arte.
Laís Bodanzky é filha do diretor e fotógrafo Jorge Bodanzky, que nos anos
de 1970 dirigiu o longa-metragem “Iracema - Uma Transa Amazônica” (1975), seu
filme mais conhecido.
Bodanzky foi picado pelo vírus do cinema no início da década de 60, ao assistir ao
documentário “Aruanda”, produção de Linduarte Noronha sobre a miséria no sertão da
Paraíba. Ele resistiu um pouco ao primeiro ataque e se matriculou no curso de arquitetura
da Universidade de Brasília, mas a decisão durou pouco tempo. A efervescência político-
cultural daqueles anos e a pluralidade de idéias presentes nos corredores da universidade
criada pelo antropólogo Darcy Ribeiro, que oferecia aos sábados seminários sobre cinema
comandados pelo crítico Paulo Emílio Salles Gomes, fizeram Bodanzky se aproximar
definitivamente do universo de produção de imagens.
59
Desse modo, Laís Bodanzky teve proximidade muito forte com o cinema,
com a atmosfera dos sets de gravação, pois seu pai é cineasta e teve influencia do
rico ambiente universitário dos anos de 1960, dos espaços de sociabilidade forjado a
partir da fecunda participação nos seminários sobre cinema promovido pelo
antropólogo Darcy Ribeiro. Isso permite pensar que a cineasta teve acesso a uma
ambiência que viabiliza a circulação de bens simbólicos, que favorece o gosto e
escolhas estéticas, reveladora de processos de aprendizados que se constituem a
partir das sociabilidades engendradas. Nesse sentido é importante levar em
consideração o processo gerado a partir das interdependências entre saberes e
fazeres, que tem seus pilares na passagem do conhecimento entre as gerações.
Desta feita, a cineasta e roteirista, desde o colegial começou a se envolver
de modo mais dinâmico, fazendo cursos de vídeo até ingressar e concluir a
graduação em Cinema pela Fundação Armando Álvares Penteado – FAAP - em São
59
BODANZK, Jorge. A volta de Jorge Bodanzky. Revista Trópico. Entrevista concedida a Jornalista
Ana Paula Conde. Disponível em: http://trep.php.uol.com.br/tropico/html/textos/1688,1.shl. Acesso
em: 28 de julho de 2008.
63
Paulo. Estréia como diretora com a produção do curta-metragem “Cartão vermelho”
(1994), premiado no Brasil e no exterior. O primeiro trabalho é promissor. Sua
carreira ganha mais relevo e reconhecimento com o filme “Bicho de Sete Cabeças”
(2001). Longa-metragem que lhe rendeu sucesso de público e crítica, como também
os prêmios de melhor direção no “Grande Prêmio BR de Cinema”, no “Festival de
Cinema de Brasília” e no “Festival de Cinema de Recife”. Em 2008 lança um novo
filme “Chega de Saudade”. O longa-metragem recebeu três prêmios no “Festival de
Cinema de Brasília: melhor Direção, melhor Roteiro e melhor filme (júri popular).
Laís Bodanzky inicia sua carreira dirigindo curta-metragem. Esse período
coincide com o crescimento na produção cinematográfica no país chamado
Cinema da Retomada. Nessa fase os cineastas voltam à cena realizando filmes
nesse formato, por ser de custo mais baixo. Mas o espaço de exibição para curtas,
naquele momento, era menos acessível que atualmente. Sem possibilidades de
mostrar seu trabalho e dos demais produtores, somando-se à gritante realidade que
se configurou com o fechamento em massa dos cinemas de bairro e no interior do
país e a quase total falta de conhecimento acerca do cinema brasileiro, fizeram Laís
Bodanzky e Luiz Bolognesi montarem, em 1996, um projeto de exibição de filmes.
De posse de um projetor 16mm, uma tela montável, equipamento de som, filmes de
curtas-metragens brasileiro e um carro Saveiro, os cineastas começaram a realizar
sessões de cinema em praças dos bairros periféricos da cidade de São Paulo.
Nascia assim, o projeto “Cine Mambembe”. A cineasta conta em entrevista realizada
por Inimá Simões
60
, que a idéia não teve credibilidade, os amigos acreditavam que
não teriam espectadores, “imagine se vai ter gente que vai querer sair de casa ir pra
praça, deixar de assistir a novela para assistir filme brasileiro de curta-metragem”
61
.
Para mostrar aos amigos que de fato tinha público, que as pessoas saíam de casa,
levavam suas cadeiras ou banquinhos e enchiam as praças para prestigiarem os
curtas nacionais, a dupla de cineastas começou a registrar as sessões com uma
câmara de vídeo.
Em 1997, os cineastas acrescentaram aos equipamentos existentes um
60
BODANZKY, Laís. Programa Sintonia. Tv Câmara. Brasília, 3 de dez. de 2007. Entrevista
concedida a Inimá Simões.
61
Idem.
64
pequeno gerador elétrico e viajaram pelas cidades do interior das regiões Norte e
Nordeste do Brasil, exibindo curta-metragem em praças públicas, para a população
que em sua maioria nunca assistiu a filme no cinema e as comunidades que não
possuem luz elétrica. Um longo percurso foi realizado, entre os meses de janeiro e
agosto, cerca de 15 mil quilômetros, saindo de São Paulo, passando pelo Sul do
Estado da Bahia, Chapada Diamantina, pelo Rio São Francisco, sertão do Estado de
Alagoas, Pernambuco, Piauí, Maranhão, Tocantins e finalizando a excursão na
Amazônia em uma sessão, na fazenda Macaxeira.
O “Cinema Mambembe” chega, então, aos lugares mais recônditos, penetra
no interior do Brasil e revela uma realidade pouco conhecida e vista. Foram
contempladas pela visita do projeto, assentamento do Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem-Terra MST e aldeias indígenas como a dos Pataxós e dos Khraós. A
fertilidade dessa experiência tornou “aquilo que seria uma simples viagem em dupla
numa jornada de aprendizado, tanto para eles quanto para os que encontram.”
62
Essa bonita aventura foi registrada, a riqueza dos depoimentos de pessoas
que viam o cinema pela primeira vez ou estavam reedescobrindo o encantamento da
sétima arte depois de anos e década sem assistirem filmes no cinema, foram
registrados. As fortes imagens e entrevistas resultaram no aclamado e premiado
documentário “Cine Mambembe o cinema descobre o Brasil” (1998), dirigida pelo
casal Bodanzky e Bolognesi. O filme recebeu o prêmio da TV Cultura de Melhor
Documentário no Festival Internacional de documentários de São Paulo. Além disso,
ganha outros prêmios nacionais e internacionais e foi exibido em oito países da
América do Sul e Europa.
O alcance que o projeto conseguiu é realmente surpreendente. Causa emoção assistir
crianças que, pela primeira vez, presenciam uma exibição. A identificação rápida do
público com o cinema causa conclusões interessantes, que facilmente são expostas à
câmera.
63
Depois da fecunda experiência, nos anos seguintes, 1998 e 1999, o projeto
62
CAETANO, Daniel. Cine Mambembe o cinema descobre o Brasil. Contracampo: Revista de
Cinema. N
o
. 13 e 14. Disponível em: http://www.contracampo.com.br/13-14/cinemambembe.htm.
Acesso em 05 de abr. de 2008.
63
Idem.
65
continuou a desbravar outras cidades e apresentar filmes em praças nos Estados de
Alagoas, Sergipe, Pernambuco, Piauí e Maranhão, a convite do Programa
Universidade Solidária. Prosseguindo a jornada o cinema itinerante viaja do Rio
Grande do Sul até o Maranhão, apresentando clássicos do cinema brasileiro. Com o
lançamento do longa-metragem “Bicho de sete cabeças” (2000), o Cine Mambembe
realiza exibições do filme em praças das cidades do interior de São Paulo e Minas
Gerais.
O ano 2004 é um marco para a história do projeto, recebe patrocínio direito
da CCR
64
, isso tornou-se viável por causa da ajuda de leis e incentivo à cultura. Com
os recursos financeiros, pode-se investir em infra-estrutura e qualidade. Adquire um
caminhão, equipamentos novos e sofisticados, tornando-se o primeiro cinema
ambulante do país. É a partir dque o projeto muda de nome e passa a chamar-se
Tela Cine Brasil.
Esse trabalho itinerante em praças remete a experiências de outrora, traz
no fio da memória as passagens dos tempos da pré-história do cinema com as
apresentações, no Século XVIII dos lanternistas ambulantes que percorriam grandes
distâncias, levando nas costa a caixa de sonhos, que na época teve extraordinário
sucesso. “A popularidade da lanterna mágica, em muitos países da Europa, deu
lugar a um novo ofício Lanternista Ambulante tal como dois séculos depois
aconteceria com o cinema. Os lanternistas ambulantes realizavam espetáculos, com
acompanhamento musical, em praças e teatros das vilas.”
65
As projeções
mostravam visões de monstros que promovia forte espanto, especialmente para as
pessoas que não conheciam as apresentações, mas também descortinavam vistas
surpreendentes e maravilhosas. Desse modo, a mesma lembrança recorre aos
projecionistas ambulantes do final do século XIX e início do Século XX.
A ousadia dos cinematógrafos mambembes não existe só nas telas ou livros do início do
século. [...] o casal de cineastas Luiz Bolognese e Laís Bodanzky, de São Paulo,
64
A CCR (Companhia de Concessões Rodoviárias), comanda várias concessionárias brasileiras de
rodovias a exemplo da NovaDutra (que administra a Via Dutra, principal elo rodoviário entre São
Paulo e Rio de Janeiro) e AutoBan-Concessionária que administra Sistema Anhangüera-
Bandeirantes.
65
CERANTOLA, Conceição de Neva; PARREIRA, Teresa. Viagem às origens do cinema. Revista
Destacável Noesis. Lisboa. N
o.
73. Disponível em: http://sitio.dgidc.min-edu.pt/revista_noesis. Acesso
em: 16 de jun. 2008.
66
desapontados com a falta de espaços para a exibição de filmes brasileiros decidiu apostar
no modelo do passado: a ousadia das apresentações cinematográficas em espaços
públicos.
66
Para uma melhor visualização dessas atividades de exibições ambulantes,
que ocorrem em tempos distintos, traça-se a seguir um breve panorama das
invenções e surgimento dessas apresentações.
1. 3. Da Câmara Escura ao Cinematógrafo: projeções itinerantes
Entretenimento e arte, objeto de políticas
públicas e de iniciativas individuais, tecnologia
e meio de comunicação social, esse invento
que surgiu há pouco mais de um século como
simples curiosidade – e em cujo futuro nem
seus criadores acreditaram – transformou-se
num dado imprescindível para a compreensão
da cultura e da economia contemporâneas.
Geraldo Moraes
67
A primeira exibição pública de cinema, realizada pelos irmãos Luís e
Augusto Lumière, em 28 de dezembro de 1895, na cidade de Paris, é o resultado de
um longo caminho, engendrado desde a aurora dos tempos. Nasce com o desejo
humano de apreender a realidade, congelar os acontecimentos da vida em imagens
que possam perpetuar, sobrepujar o instante presente. Sonho que se anuncia, com
as inscrições rupestres, de capturar e criar imagens que imortalizem os momentos
fugazes. Seguidos igualmente, pelas tentativas de fazê-los nos trabalhos de fixação
de imagens nas pedras, no bronze e no mármore, na modelagem do barro, na
formação das esculturas, da arquitetura, nos relevos salientados nas cerâmicas,
madeiras e jóias, nos desenhos e pinturas.
É, justamente, o sonho de cristalizar as cenas da vida, que ensejou ao
homem a realizar estudos e pesquisas. Estes, por sua vez, redundaram nas criações
66
DIAS, Simone. A Trajetória das Salas de Cinema. Mnemocine. [S.I], out. 1999. Disponível em:
http://www.mnemocine.com.br/cinema/historiatextos/salascine.htm. Acesso em: 6 de jun. de 2007.
67
MORAES, Geraldo. Prefácio. In.: CALDAS, Ricardo Wahrendorff; MONTORO, Tânia. A evolução
do cinema brasileiro no Século XX. Brasília: Casa das Musas, 2006, p. 21.
67
do que seria o prelúdio do cinematógrapho, a saber: a lanterna mágica, caixa óptica
e câmara escura. Frutos do patrimônio conquistado, acumulado e transmitidos, cada
invenção se constitui como produto das somas dos aprendizados e dos avanços
científicos gerados ao longo dos séculos e passados de geração em geração.
Bebendo dessas conquistas e somando-as com as novas descobertas, cada época
conserva, aprimora ou transforma os conhecimentos adquiridos, construindo novos
sentidos, significações e percepções sobre o mundo da vida. Vão, assim, compondo
elos que viabilizam as continuidades entre as gerações, imprescindíveis aos
processos de criação e manutenção do acervo constituído pela humanidade. Nessa
cadeia de inte-relações, “Thomás Edison e os irmãos Lumière, festejados por
americanos e franceses como os heróis-inventores do cinema, foram apenas os
últimos elos de uma longa cadeia de pesquisadores.” (MANNONI, 2003, p. 11)
Uma grande vantagem do Cinematógrafo encomendado pelos Lumière em comparação ao
Cinetoscópio de Edison era o seu peso: apenas 4,5 quilos. A mesma caixa de madeira
leve e compacta era, ao mesmo tempo, filmadora, copiadora e projetor. Equipado com
lentes de filmar (distância focal de aproximadamente uma polegada, para dar a mesma
perspectiva do olho humano), o Cinematógrafo registrava as imagens em película virgem.
Dentro da própria caixa era possível tirar cópias dos filmes, o que transformava o invento
numa espécie de minilaboratório portátil. Mais ainda: trocando-se as lentes e colocando-se
um arco votáico em sua traseira, o Cinematógrafo transformava-se num projetor.
Comercialmente, tratava-se de um verdadeiro achado, pois permitia que uma única pessoa
filmasse, revelasse e projetasse os filmes, o que facilitou sua rápida difusão ao redor de
todo o planeta. (SABADIN, 2000, p. 48).
Um lapso de mais de cinco séculos reúne as pesquisas que desembocaram
na invenção da câmara escura até descortinar na primeira exibição pública
cinematográfica, ocorrida no Salão Indiano, subsolo do Grand Café”, Boulevard des
Capucines, centro de Paris.
Um longo e persistente percurso, do Século XIII até chegar ao Século XVIII,
que guarda e descortina o fascínio humano pela imagem. Um granel de aparelhos
engenhosos a exemplo dos diaramas, cosmoramas, pleoramas, panoramas,
fantascópios, megascópio, além de outros, revelam além da continuidade nos
estudos e o desenvolvimento técnico, o desejo de recriar a vida. Uma admirável
busca, marcada pela competição em ser o pioneiro das novas experiências e
descobertas, o que possibilitou uma verdadeira revolução, não somente na cnica,
sobretudo, no modo de percepção e comunicação da humanidade. Processo esse
68
igualmente marcado pela sede humana em ver os feixes de luz projetados.
O processo de tecnização, que antecede ao cinema, teve sua origem no
Século XIII, nos trabalhos de astrônomos e ópticos, que viabilizaram a criação da
câmara escura. Usada pelos cientistas da época com o objetivo de observar os
eclipses e os raios solares sem precisar fitá-los diretamente.
O princípio da câmara escura é bastante simples: um local externo banhado
de luz, um pequeno orifício feito na parede ou janela, que possibilite a passagem da
luz externa e uma sala despedida de claridade. Será projetado no interior da sala, na
parede em frente ao orifício, a paisagem circundante, as pessoas ou objetos
presentes no exterior. A imagem vista aparecerá sempre de modo invertido, ou seja,
de cabeça para baixo. Uma forma usada para obter mais qualidade na projeção
consistia em fixar uma tela branca no lado oposto ao orifício. Esse processo
permaneceu o mesmo até o começo do Século XVI. Somente entre os anos de 1521
e 1550, ocorre uma importante alteração, a introdução de lente biconvexa colocada
na abertura, possibilitou uma significativa melhora na qualidade da imagem. A partir
dessa mudança e graças à idéia do físico italiano Giovanni Della Porta, assiste-se a
uma novidade no que se refere ao uso da câmara escura, passa-se a organizar o
espetáculo óptico, em que eram projetados cenas de ruas, cenários fictícios,
histórias e visões fantasmagóricas.
68
Nesse sentido, a câmara escura ultrapassa o
âmbito da ciência e da astronomia, envereda pelo mundo do entretenimento, da
representação, da ilusão e do sonho, tornando-se um teatro óptico, que seria o
prelúdio das projeções de lanterna mágicas inseridas no Século XVII. Seguindo esse
caminho a novidade ganha a simpatia dos nobres e sábios, tornando-se a recreação
preferida, mas também passa a ser de livre uso dos charlatões, que conseguem
extorquir dinheiro graças à quase total ignorância dos espectadores que de modo
geral não tinham acesso aos livros, tão pouco às imagens. O que não é de se
estranhar para a sociedade da época, em que o papel e a pena eram de uso
exclusivo dos ricos e sábios, o contato com a imagem também se apresentava como
um distintivo. Com o passar do tempo o segredo é revelado e a ação dos charlatões
não tem mais sustentação. (MANNONI, 2003, p. 34-38).
68
Sobre essas abordagens ver: Mannoni (2003). Em sua obra A Grande Arte da Luz e da Sombra”,
relata sobre um texto do sico italiano Giovanni Della Porta, publicado em 1588, referindo-se ao uso
da câmara escura como espetáculo.
69
Esse conjunto de transformações fulcradas a partir das exibições, ganha
cada vez mais relevo, pois produzem o encantamento diante das imagens luminosas
projetadas. Com os avanços, tornou-se possível captar cenas externas, as pessoas,
a rua, a praça, os animais, a beleza das paisagens vistas em seus contornos,
formas, cores, e o mais surpreendente, é que eram percebidos seus movimentos.
Algo que o homem insistentemente buscou ao longo de tanto tempo e nem a pintura
e nem a escultura conseguiram expor.
Seguindo os rastros dessas elaborações, não é surpresa constatar que as
câmaras escuras destacam-se como uma das diversões mais requeridas do Século
XVII. No entanto, as projeções luminosas permanecem, ainda, primitivas. Mas, é a
partir da segunda metade desse Século, que encontra-se o esboço do
desenvolvimento técnico, que abre caminho para a materialização do tão almejado
cinematográfico.
Os fios que foram se tecendo, nessa longa jornada, agruparam sábios e
inventores de diversas partes do globo, na busca incansável pelo aperfeiçoamento e
por novas experiências. Os esforços empreendidos resultaram na criação de uma
nova técnica, que seria a mais utilizada na exibição de imagens fixas nos séculos
que antecederam a origem do cinema: a lanterna mágica. Seu nascimento é datado
na segunda metade do Século XVII e por cerca de trezentos anos exerceu papel
relevante nos espetáculos de projeção e diversão, sendo, ainda, utilizada como
instrumento pedagógico e científico. As exibições de sombras e imagens luzentes
foram acolhidas nos mais diversos países, tendo sucesso fenomenal.
Mas as diversões óticas retinham um poderoso efeito de mistério apesar de seus
processos de luz e visão racionalmente explicáveis. Isso pode explicar por que Christian
Huygens, que inventou a lanterna mágica (o primeiro instrumento de projeção que usava
luz artificial e uma lente, e, portanto, o primeiro ancestral direto do cinema) em 1659,
escolheu não mostrá-la publicamente e até evitou ser associado a ela, preferindo ser
conhecido por suas descobertas astronômicas através do telescópio ou sua perfeição em
relógios acurados. (GUNNING, 1996, p. 28).
Não é de se admirar que o encantamento proporcionado pelas exibições,
granjeasse mais admiradores. A lanterna mágica irradiou-se pelo mundo e mesmo
“com um modesto início no século XVII, [...] tornou-se uma forma de diversão pública
70
ou doméstica altamente comercializada no Século XIX.”
69
Desse modo, as projeções
deixam de ser apenas diversão dos nobres e sábios, passando a envolver também
os camponeses.
Nesse contexto, a popularidade das engenhocas ópticas proporcionou o
surgimento de um novo ofício: o lanternista ambulante. É possível compor a imagem
mental dessa figura errante, percorrendo os vilarejos levando em suas costas o
inusitado e fantástico instrumento. Sobretudo, porque, a sua passagem na história
foi imortalizada nas obras literárias, em gravuras e pinturas. E tão simbolicamente
comparece em cenas de filmes, apresentado sua engenhoca despertadora de
sonhos, rodeada por uma multidão de olhares inquietos e admirados. Não é de se
estranhar que foi assim, pois a imagem é conspícua desde a primeva da
humanidade. Outro aspecto admirável, é que esse feito era realizado a pé, de
lugarejo a lugarejo, do mais vicinal ao mais longínquo.
Na Europa, as projeções e os brinquedos óticos criaram no século XVII um novo ofício de
pouquíssimo ganho, o do lanternista ambulante, maltrapilho do entretenimento que ia de
vilarejo em vilarejo, com sua caixa amarrada às costas, mostrando imagens diversas, por
vezes acompanhado de um macaco ou de uma ‘marmota viva’. Erravam pelas ruas
gritando seus pregões, estimulando a curiosidade através de chamamentos criativos.
70
O número de lanternista aumenta consideravelmente, marcando
indubitavelmente o cenário europeu no Século XVIII. Com suas caixas de imagem
nas costas, os lanternistas visitavam os mais recônditos lugares da Europa e de
outros lugares no mundo, seduzindo tanto a elite como o povo, mergulhando-os no
mundo da ilusão.
Outro instrumento itinerante que juntamente com a lanterna ganhou grande
ressonância nesse período é a caixa óptica
71
, embora os registros literários e
iconográficos dos Séculos XVIII e XIX apresentem as duas invenções como a
mesma denominação de 'lanterna mágica', os aparelhos são bem distintos. Com a
69
GUNNING, op. cit., p. 27.
70
SARMIENTO, Guilherme. Esse mundo é Cosmorama. Revista Crítica & Companhia. Campinas/
São Paulo. Ano II, 5 de jan. de 2006. Disponível em: http://criticaecompanhia.com/guilherme.htm.
Acesso em: 6 de dez. de 2007.
71
O mais comum é uma caixa no formato de pirâmide truncada, em cima da qual uma outra caixa,
retangular, contendo o material óptico e o espelho. A gravura, iluminada e deitada no fundo da caixa,
é vista através de uma lente biconvexa e de um espelho com inclinação de 45 graus. (MANNONI:
2003, p. 105).
71
caixa óptica o espectador tinha apenas a visão individual das placas e podia chamar
a atenção de algumas dezenas de pessoas de cada vez, ao passo que a lanterna
mágica realizava projeções sobre uma tela branca, num ambiente enegrecido, de
imagens pintadas em placas de vidro, podendo produzir o deslumbramento de uma
platéia em número bem maior, chegando a centenas de pessoas. (MANONNI, 2003,
p. 104-105).
É possível apreender o impacto e sucesso desses espetáculos ambulantes,
sobretudo, em lugares em que a imagem ainda consistia em privilégio de poucos,
algo pertencente ao mundo dos letrados. A sua chegada apresenta-se com toda
pujança, atraindo grande ajuntamento de pessoas, deslumbradas com a novidade
que suscita emoção e sonho. “A lanterna mágica da Fantasmagoria, com suas
imagens poderosamente iluminadas que pareciam mover-se e flutuar no espaço,
descobriu na fissura entre ceticismo e cresça um novo reino de fascinação”.
(GUNNING, 1996, p. 29).
Os relatos literários e a iconografia da época trazem uma rica contribuição
acerca dos espetáculos itinerantes, representando o exibidor com sua caixa e
sempre uma multidão de curiosos em volta, ávidos pelo encantador efeito da luz. No
que concerne ao trabalho aqui proposto é frutífero destacar a descrição de Mannoni
(2003, p. 110), sobre apresentações ambulantes que ocorriam em espaços livre,
como uma praça. Expõe o autor, sobre o ambulante Jean, mais conhecido como
Dauphiné, que no ano de 1777, realizava apresentações na feira de Saint-Ovide, na
Place Louis XV, em Paris. O exibidor com uma caixa óptica, equipado com um
sistema mecânico que possibilitava expor em um cenário fixo de fundo, “toda a corte
e a caça real com arco, num camarote deslizante montado sobre quatro rodas”. As
feiras livres, que comumente eram realizadas em praças, consistiam em lugares
privilegiados dessas projeções.
A popularidade do lanternista ambulante vai ficando cada vez mais rara, a
partir do Século XIX, quando se assiste a industrialização das lanternas gicas.
“Contudo, o ofício nunca desapareceu realmente, pelo menos ao surgimento do
cinema. Até o final do Século XIX, muitos lanternistas ainda percorriam o interior
fazendo projeções de excelente qualidade.” (MANNONI, 2003, p. 119).
Apesar do ofício de lanternista torna-se cada vez mais raro, a lanterna
72
mágica continuou a encantar as pessoas, sendo o brinquedo mais requisitado da
época e, por isso, muito vendido.
No Brasil tem-se o registro dos Cosmoramas (do grego Kosmos e Orama
significa vista ou imagens do mundo). Tiveram grande sucesso no país desde o
amanhecer do Século XIX, considerado uma das maravilhas do século, foi um
divertimento muito apreciado pela população de modo geral. Seu desaparecimento
ocorre com a consolidação dos cinematógrafos.
Também marcaram o cenário em terras brasileiras as lanternas mágicas,
Benjamim Schalch é considerado o introdutor da engenhoca no país. Segundo
Vicente Araújo em seu livro, “A bela época do cinema brasileiro”, Schalch só usava a
lanterna em apresentações para a família, amigos e pessoas de sua relação
posteriormente foi vendida para o artista Curvelo de Ávila, que possivelmente fez
outros usos do aparelho. Araújo, afirma que a lanterna mágica era usada pelos
ilusionistas e mágicos da época em espetáculos realizados nos palcos e nas feiras
de diversão. As apresentações ocorriam também nos mais longínquos lugarejos,
vilas e fazendas. Foi possível, ainda, encontrar o emprego do aparelho no Brasil até
o início do Século XIX. (1976, p. 55).
Os divertimentos visuais tiveram sucesso estrondoso até que o grande
sonho da humanidade ocorresse, foi “como se um olho cujas pálpebras viessem se
abrindo lentamente, durante séculos, agora se arregalasse para o mundo. Um olho
dotado de superior acuidade, não apenas capaz de apreender a vida em seus
mínimos detalhes, [...] mas de projetá-la em uma tela” (MANNONI, op. cit., p. 405).
Esse olho que se abre em câmara lenta, sem vida carimba a história mundial e
promove conseqüências complexas e irreversíveis a vida.
O cinema encontra terra rtil, propagando-se velozmente pelo mundo,
sobretudo, porque seus “pais” tinham um posicionamento bem distinto dos outros
inventores do seu tempo. Para os irmãos Lumière “a possibilidade de projetar
imagens em movimento numa tela, para muitas pessoas era uma atividade
diretamente ligada com o ramo do entretenimento e da diversão, enquanto vários
outros pesquisadores estavam preocupados com a técnica”
72
. Aliado ao
extraordinário impacto e sucesso do invento à visão de empreendimento dos
72
.
SABADIN, Celso. Vocês ainda não ouviram nada: a barulhenta história do cinema mudo. São
Paulo: Lemos Editorial, 2000, p. 50.
73
Lumière, que trataram de enviar representantes às diversas partes do globo, o
cinema chega em poucos meses aos mais distantes países e continentes. Desde a
aurora, a invenção vem conquistando corações e tornou-se rapidamente uma
diversão popular. O cinematógrafo veio a ser a coqueluche que contaminou do
popular ao intelectual. Todo mundo ansiava em pousar os olhos sobre o novo
rebento.
A chegada do cinema em dois países chama a atenção, pois a sétima arte
veio à lume em exibições em praças. Em 2 de março de 1896, a população da
capital do Peru, Lima, encontrou-se com o jogo de luz e movimento ao assistir ao
“filme de Edison Vitascope mostrados na Plaza de Armas, considerada o coração do
Centro Histórico de Lima. Dois anos depois, em 1898, foi a vez dos gregos serem
apresentados ao cinematógrafo e aos filmes de Lumiére, em exposição que ocorreu
em Atenas, na Place Kolokotronis.
73
Não demorou e o cobiçado invento desembarcou no Brasil no ano de 1889,
na cidade do Rio de Janeiro, capital do país. Pouco mais de seis meses separou o
Brasil da primeira apresentação oficial realizada na França em 1895 sessão
considerada pela maioria dos pesquisadores e historiadores, como a data oficial do
nascimento do cinema.
No dia 8 de julho de 1896, às 14 horas, na famosa Rua do Ouvidor, N
o
57,
centro da vida urbana da Capital Federal, os brasileiros puderam assistir às imagens
projetadas pelo Omniógrapho. Jornais da época saudaram o esperado aparelho, que
foi a semente inicial do que viria a se tornar um grande jardim dos cinemas: a cidade
do Rio de Janeiro. Fervilharam de cinemas, a Cinelândia e a Praça Tiradentes.
74
O
fenômeno de propagação do espetáculo das imagens dinâmicas ocorreu do mesmo
modo contagiante em todo o país.
Diante dessa febre nacional não demorou a aparecer os ambulantes, eram
assim chamados os projecionistas que viajavam de lugarejo a lugarejo, de cidade
em cidade, realizando exibições das imagens em movimento. É importante salientar
que “os primeiros dez anos da atividade cinematográfica no mundo foram
73
SABADIN, 2000, p. 55.
74
Sobre esse aspecto ver: LIMA. Evelyn Furquim Werneck. Arquitetura do Espetáculo: teatro e
cinemas na formação da Praça Tiradentes e da Cinelândia. Rio de Janeiro Editora UFRJ, 2000.
74
essencialmente ambulantes”.
75
Nesse período, muitos foram os aventureiros que, ante o sucesso retumbante das
primeiras exibições, apostaram na universalização daquele entretenimento nascente e,
alugando ou comprando um cinematógrafo, ganhavam o mundo a rodar alguns metros
de fita em feiras, circos, praças, galpões, vaudevilles, teatros (grifo nosso) e onde
mais que pudessem pagar para ver trens chegando à estação, lutas de boxe, pessoas
andando na rua e acenando para a câmera, praças e monumentos das cidades
desenvolvidas, paradas militares, números de mágica, encenações diversas.
76
Desse modo, os projecionistas ambulantes surgiram com rapidez e sua
participação foi fundamental para a proliferação do cinema no interior do Brasil,
contribuindo substancialmente para o conhecimento acerca da nova arte. “Depois da
primeira sessão de cinema realizada no Brasil, [...] surgiram os 'ambulantes'”
75
Matos (2002, p. 40) comenta sobre as exíguas informações que se m
sobre os exibidores ambulantes, que desbravaram rios, mares e sertões mostrando
a novidade do espetáculo das imagens em movimento. Destaca, ainda, que a
dificuldade de se encontrar dados sobre os primórdios do cinema no Brasil, ocorre
devido às poucas pesquisas sobre esse período, somente algumas investigações
mais sistemáticas ocorreram no Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais e sobre
alguns círculos regionais.
Convém, então, ressaltar a proximidade que existe entre os ofícios dos
lanternistas ambulantes, que por Séculos cruzaram o mundo do Século XVII ao
XIX com os projecionistas do cinematógrafo do final do Século XIX e começo do
século XX. Ambos desenvolviam ações itinerantes, levando o espetáculo das
imagens animadas aos lugares mais desconhecidos, onde essa atividade não
comparecia, tornando possível a imagem ser popularizada. Em suas longas
caminhadas, foram os grandes responsáveis em difundir o espetáculo de sombra e
imagens luminosas pelo mundo. Embora realizados em momentos históricos, social
e cultural distintos, é possível perceber a existência de uma forte relação entre as
práticas de exibições itinerantes (que também faziam uso de praças, feiras, parques,
75
MATOS, Marcos Fábio Belo. Quando o cinema invadiu a Atenas. Usina de Letras. 28 de set. 2002.
Não paginado. Disponível em: http://www.usinadeletras.com.br/exibelotexto.php. Acesso em: 25 de
jul. de 2008.
76
Ibidem, não paginado.
75
NORONHA, 1987, apud MATOS, 2002, p. 40. (MATOS, Fábio Belo... E o cinema invadiu a
Athenas: a história do cinema ambulante em São Luís 1898 – 1909. São Luís: Fundação Municipal de
Cultura-FUNC, 2002).
75
ou seja, de espaços livres da cidade), que aconteceram ao longo dos Séculos, com
as exibições em praças e ruas que ocorrem no país na atualidade, a exemplo do
projeto Cine Mambembe. Em suas idas e vindas, o projeto ainda encontra “no Brasil
muitos jovens que nunca viram cinema. Além disso, há os mais velhos que só
assistiram o cinema projetado pelos caixeiros viajantes, que até os anos 1970
viajavam muito pelo país, principalmente pelas feiras do Nordeste”
76
É interessante
observar, que ainda é possível encontrar pessoas, que viveram as duas realidades,
tiveram contato com o cinema pela primeira vez através das mãos dos caixeiros
viajantes e o reencontro com a sétima arte, depois de décadas, ocorre por uma ação
também itinerante. Dois tempos distintos que se cruzam e descortinam uma mesma
situação.
Diante disso, esse quadro pode significar uma permanência de uma prática
que apesar de ser figurada com os elementos de sua época, guardam em seu cerne
a mesma essência. Outro aspecto relevante diz respeito à recepção das pessoas,
pois a curiosidade, o espanto, a admiração, o prazer em ver o inusitado, o fascínio
que a imagem exerce parece imutável. Onde a imagem em movimento se
apresenta, ao seu redor formam-se grupos de pessoas. “É como os antepassados
que se reuniam em volta do fogo em meio à escuridão para ouvir histórias. O cinema
é isso: a maneira moderna do ritual de ouvir história, contar história ao redor da
fogueira”,
77
talvez por isso, continua seduzindo e encantando.
O engate entre os espetáculos de imagem e o cinema com a praça consiste
algo que guarda uma singularidade. Percorre um longo período. Torna-se
significativo conhecer um pouco sobre esse lugar que congrega pessoas e
desempenha diversas e distintas funções, e entre elas vem acolhendo o cinema ao
longo dos tempos. Assim, dedica-se um capítulo sobre a praça, sua importância e
significado.
76
DIAS, Simone. A Trajetória das Salas de Cinema. Mnemocine. [S.l], out. 1999. Disponível em:
http://www.mnemocine.com.br/cinema/historiatextos/salascine.htm. Acesso em: 6 de jun. 2007.
77
BODANZKY, Laís. Programa Sintonia. Tv Câmara. Brasília, 3 de dez. de 2007. Entrevista
concedida a Inimá Simões.
76
2. “Nem só de bancos se faz uma praça”: usos e apropriações
Hoje eu acordei com saudades de você.
Beijei aquela foto que você me ofertou
Sentei naquele banco da pracinha só porque
foi lá que começou o nosso amor...
A mesma praça, o mesmo banco .
As mesmas flores, o mesmo
jardim, tudo é igual, mas estou triste porque
não tenho você perto de mim. [...]
Ainda tem balanço tem gangorra meu amor.
Crianças que não param de correr...
A mesma praça, o mesmo banco.
As mesmas flores, o mesmo jardim
Tudo é igual, mas estou triste.
Porque não tenho você perto de mim...
Aquele bom velhinho pipoqueiro foi quem viu
quando envergonhado de namoro eu lhe falei.
Ainda é o mesmo sorveteiro que
assistiu ao primeiro beijo que eu lhe dei...
A gente vai crescendo vai crescendo e o tempo
passa e nunca esquece a felicidade
Que encontrou sempre eu vou lembrar
Do nosso banco lá da praça.
Foi lá que começou o nosso amor...
Carlos Imperial
78
Ao visitar as praças das cidades o olhar pode se surpreender com a riqueza
de diversidade de indivíduos e grupos, com a constelação de apropriações que
imprimem no espaço significado e sentido. O quadro cotidiano emoldura um painel
propício de estudos pertinentes às Ciências Sociais. Mergulhar nesse ambiente
possibilitou perceber um mundo de pluralidade de práticas reverberadas nas praças
das cidades. Assim, seguindo a trilha das reflexões apresentadas por Michel de
Certeau, tenta-se elaborar uma etnografia das praças que investiguei, visitei e
observei em outras cidades. Depare-me nessa caminhada por diversas cidades de
Estados brasileiros, também em Buenos Aires, na Argentina, com um leque de
situações interessantes, curiosas das quais selecionei algumas que são importantes
para a pesquisa e figuram, através de fotografias por mim tiradas ou das descrições,
78
Música “A Praça”, composta por Carlos Imperial e gravada pelo cantor Ronnie Von. In.: RONNIE
VON. A Praça. Polydor, maio de 1967. Letra disponível em: http://vagalume.uol.com.br/ronnie-von/a-
praca.html. Acesso em: 6 out. de 2007.
77
essa parte do capítulo. Nesse sentido, o intuito é descrever os usos múltiplos e
apropriações das praças. Em outras palavras, descrever de que forma as pessoas
utilizam o espaço.
_________________________________________________________________
Figura 3 Exemplo de Praça Seca, Terreiro de São Francisco em Salvador-Ba. Fotos: Alzilene
Ferreira (2007).
O que é uma praça? Ao invocar a imagem referente a uma praça, pode-se
suscitar a construção mental de um local aberto, que pode ser amplo ou pequeno
rodeado de edificações, onde ocorre uma confluência de ruas ou avenidas. Não é
raro pensar na praça como local arborizado, com tratamento paisagístico plantas
ornamentais e flores. Algumas possuem lago artificial, chafariz, fonte luminosa,
pontes e espelho d'água, que em seu conjunto apresenta as marcas do
embelezamento. Pode-se lembrar daquelas que carecem de valor estético ou das
praças secas
79
. Existem, dessa maneira, praças simples em seu cuidado
arquitetônico e outras, no entanto, dotadas de valor histórico, beleza e singularidade,
que lhe confere o título de símbolo da cidade.
Desse modo, pelo mundo praças tão famosas quanto a cidade onde
estão situadas, a Praça da Paz Celestial na China, a Praça de Mayo na Argentina, a
79
No Brasil as praças secas, que na Europa morfologicamente assemelham-se às piazze e plazas,
são denominadas de largos, terreiros ou pátios. Segundo Robba e Macedo (2003, p. 16) são
exemplares nesse sentido, o Terreiro de São Francisco (ou Largo do Pelourinho) em Salvador-Ba, O
Pátio de São Pedro em Recife-Pe e o Pátio do Colégio em São Paulo-SP.
78
praça da em São Paulo, a praça Castro Alves em Salvador, a praça dos Três
Poderes em Brasília, a Praça São Pedro em Roma, entre tantas outras, que de
imediato, ao serem mencionadas faz referência a cidade. São praças visitadas,
fotografadas ou filmadas pelos visitantes (e mesmo pela própria população) que ao
comparecer na cidade, levam o registro desses lugares tão emblemáticos.
_________________________________________________________________
Figura 4 - Praça de Mayo/ Buenos Aires. Fotos: Alzilene Ferreira (2007).
Alimentando mais a imaginação, é possível descrever os monumentos que
marcam significativamente esses locais. Na cidade encontram-se perenizados os
personagens escolhidos, podem ser ilustres ou não os feitos históricos e
gloriosos, as vitórias, as lutas, os heróis, os religiosos, os escritores e os políticos.
Congelam-se homenagens, erguendo-se estátuas e monumentos em praças. A
própria escolha dos nomes desses espaços livres, encontra-se em consonância com
essas características. Desse maneira, conserva-se e transmite-se lembranças do
que compõe a história oficial, do olhar de quem a conta e, portanto, decide o que é
lembrado e o que é esquecido.
Na cidade de Salvador, a Praça Castro Alves acolhe a estátua do poeta e
tradicionalmente uma multidão nos dias de Carnaval. Na Praça Tomé de Souza,
encontra-se a estátua do primeiro Governador-Geral do Brasil e fundador da
primeira cidade e capital do país. No coração da Praça da República, em Buenos
79
Aires, encontra-se o imponente Obelisco, considerado maior símbolo arquitetônico
da cidade. Construído para comemorar o quarto centenário da primeira fundação da
capital da Argentina, o local é comumente escolhido para realização de
manifestações políticas, sociais e esportivas. Nesses cenários não é difícil visualizar
a presença de turistas e de pessoas da própria cidade que visitam e fazem registros
imagéticos dos monumentos.
____________________________________________________________
Da esquerda para direita: Figura 5 e 6 Obelisco Praça da República/ Buenos Aires. Fotos:
Alzilene Ferreira/ Horacio Orellano (2007); Figura 7Estátua do Poeta Praça Castro Alves/ Salvador
(2007).
Projetada como uma preciosidade da belle époque”, a Praça Paris, uma
das maiores praças do Rio de Janeiro, cristaliza o que é considerado o maior acervo
de esculturas ao ar livre do Brasil. O patrimônio é composto por estátuas em
mármore das estações do ano e diversos bustos. Do conjunto de bens, destaca-se a
estátua do Almirante Barroso considerado herói da Guerra do Paraguai. Assim,
passeando por essas praças e por tantas outras no Brasil e em distintas partes do
mundo, pode-se ter um panorama dos feitos significativos que ecoam através dos
tempos e compõe a memória das cidades e do próprio país.
80
Considerando que a construção de uma praça é em si uma obra de arte,
é igualmente fecundo deparar-se com a beleza de obras diversas, de artistas
anônimos ou reconhecidos como Aleijadinho e Michelangelo. Desse modo, visitar
praças, observar seus monumentos, seus símbolos consiste em experiência dotada
de admirável riqueza, em especial, quando se sabe sobre o que representa o
monumento ou o personagem imortalizado.
__________________________________________________________________________________________
Figuras 8 e 9 Esculturas e Estátua do Almirante Barroso Praça Paris/ Rio de Janeiro. Fotos:
Alzilene Ferreira (2007).
Outra possível lembrança refere-se à relação peculiar existente entre a
praça e algumas edificações, que são sedes do poder político, administrativo e
religioso. Assim, é comum encontrar-se localizadas em praças e instituições públicas
como: Prefeituras, Palácio do Governo, Câmara de Vereadores. A esse respeito, é
ilustrativa na cidade de João Pessoa, capital do Estado da Paraíba, a Praça João
Pessoa, mais comumente conhecida como a Praça dos Três Poderes, justamente
por concentrar as sedes do poder local e estadual.
Da mesma forma, importantes instituições financeiras têm como endereço
praças centrais. Em São Paulo, a Praça Antônio Prado, consiste em um exemplo
dessa relação, pois estão localizados a sede do Banespa e o prédio do Banco do
Brasil. a Praça XV, na capital fluminense, encontra-se o prédio onde funciona a
bolsa de Valores do Rio de Janeiro. E outras tantas cidades poderiam ser citadas
como exemplo desse elo.
81
A imagem que compõe esse retrato compele destacar, em especial, dois
elementos que marcam indubitavelmente a tecedura de muitas cidades, a saber: a
igreja e praça. São associações pertinentes, ainda mais, quando se reporta ao
contexto das cidades brasileiras onde a origem se efetiva a partir do enlace entre
esses fortes símbolos, a praça e a igreja.
80
__________________________________________________________________
Figuras 10 Praça da Piedade, em Salvador, ao fundo a Igreja de São Pedro. Fotos: Alzilene
Ferreira (2007).
Para um observador mais perspicaz, é notável, que as praças são focos
para instalação de prédios destinados à cultura oficial: Bibliotecas, Museus e
Centros Culturais. A Praça Marechal Floriano, no Rio de Janeiro, é insígnia nesse
sentido, pois congrega um conjunto de edifícios históricos, que compõe o cenário
cultural do país: o majestoso Theatro Municipal, um dos prédios mais bonitos da
capital (apreciada como a principal casa de espetáculo do Brasil e uma das mais
relevantes da América Latina), o Museu Nacional de Belas Artes e a Biblioteca
Nacional. Na freqüentada Praça do Campo Grande, em Salvador, encontra-se o
famoso Teatro Castro Alves, considerado o mais importante da cidade. Em São
Paulo, na Praça Ramos de Azevedo, situa-se o admirável prédio do Teatro
80
No que se refere à relação entre a praça e a igreja será tratado com mais profundidade na parte do
trabalho dedicado à abordagem sobre “A praça no Brasil”.
82
Municipal.
São igualmente ilustrativas, a esse respeito, as salas de cinema, que nos
anos dourados, foram efervescentes e no entorno de uma praça constituíam-se em
locais férteis, que viabilizavam alterações na fisionomia desse logradouro. Pois,
torna-se o espaço de encontro, do namoro e da conversa antes e após as sessões.
Atraindo pessoas das distintas camadas sociais, o cinema foi eleito pela população,
a principal atividade de lazer. Nesse tocante, convém salientar, o complexo de
cinemas, que formaram e dotaram de brilho e significado a Praça Floriano, a famosa
Cinelândia, no Rio de Janeiro. Sendo, ainda, palco não apenas de eventos culturais,
mas também para manifestações políticas.
__________________________________________________________________________________________
Figura 11 e 12 Praça Ramos de Azevedo/ São Paulo; Praça Marechal Floriano Peixoto
(Cinelândia) – Ao fundo Theatro Municipal/ Rio de Janeiro. Foto: A. Ferreira (2007).
Seguindo o rastro dessas considerações, é interessante salientar, que em
algumas cidades a relação entre a praça e as edificações é tão proeminente que o
nome oficial do logradouro é esquecido ou desconhecido pela população que toma o
prédio em destaque para identificar esse espaço livre. Bem assim, pode-se perceber
esse conúbio com as atividades desenvolvidas nas praças. Desse modo, é comum
expressões como: “praça da feira”, “praça da prefeitura”, “praça do teatro”, “praça
dos Correios, “praça do Fórum”, “praça da igreja”.
No percurso que invoca essas elaborações imagéticas, pode-se pensar na
sucessão de fatos históricos que aconteceram e/ ou acontecem em praças. Fios
tecidos, muitas vezes de modo dramático exterioridades cênicas, que possibilitam
83
a atuação da população nos cenários dos acontecimentos que compõem as páginas
dos fatos notáveis ocorridos em uma sociedade. São ilustrativas, nesse sentido, as
manifestações, os protestos, os comícios, as passeatas. A praça é depositária desse
acervo que constitui a cidade. É testemunha dos fatos e recordações que refletem
os valores, modos de vida e de pensar – que são urdiduras peculiares a cada época.
De acordo com essas angulações, são conspícuos alguns exemplos como
o movimento das mães em busca de seus filhos desaparecidos, detidos ou mortos
durante o período dramático da ditadura militar na Argentina. O movimento ocorre
desde abril de 1977, sempre às quintas-feiras, em frente à Casa Rosada, na Praça
de Maio, em Buenos Aires. Tradicionalmente vestidas com um lenço branco na
cabeça, as mães, durante trinta e um anos, ocupam a praça. O que a princípio era
considerado um procedimento isolado, ganhou corpo e novas reivindicações. Hoje, é
símbolo de luta pela vida, um ato social e político, sendo internacionalmente
conhecidas como as “Madres de Plaza de Mayo”. Além disso, a Praça é famosa, por
ser lugar destinado às diversas manifestações, sendo ocupada freqüentemente pela
população em seus momentos de reivindicações, protestos e lutas coletivas. É,
portanto, uma referência na história de Buenos Aires e do país. Essa e outras praças
são, também, pontos de encontros e de lazer, sendo visitadas por turistas que
viajam para a capital da Argentina. A conhecida praça abriga, ainda, belos
monumentos como Cabildo Histórico, a Casa Rosada (sede do Poder Executivo da
Argentina), a Catedral Metropolitana de Buenos Aires, o edifício do Governo da
cidade de Buenos Aires, o Banco Nación e a Casa Central do Banco da Argentina.
No contexto brasileiro, as manifestações em praças são recorrentes na
história do país. A esse respeito, é exemplar as mobilizações que ganharam às
praças e ruas de diversas cidades em prol da democratização e das eleições diretas
para Presidente da República. O comício, pelas “Diretas Já”, realizado na Praça da
Sé, em 25 de janeiro de 1984 é revelador dessa relação. O marco zero da cidade de
São Paulo foi cenário que abrigou a estimativa de 200.000 pessoas. O comício na
ganhou ressonância nos meios de comunicação e tornou-se símbolo significativo
na história do Brasil. Atualmente, a praça ainda é palco privilegiado onde afluem
diversas manifestações – religiosas, políticas e culturais.
Recentemente, no dia 7 de setembro de 2008, ocorreu na praça da
84
parte das atividades que marcam o “Grito dos Excluídos” – manifestações que
ganham as ruas e praças em todo país na semana de comemoração da
Independência do Brasil. Presente em praticamente todos os Estados brasileiros, o
movimento é composto por Pastorais, Sindicatos, Movimentos Sociais etc. Na sua
décima quarta edição, o evento deste ano teve como lema: “Vida em primeiro lugar,
direitos e participação popular”. A mobilização concentrou cerca de 10 mil pessoas
na Praça da Sé. Posteriormente, os manifestantes saíram em passeata, num
percurso de 5Km até chegar ao Monumento do Ipiranga.
_________________________________________________________________________________
Figuras 13 e 14 – Praça da Sé/ São Paulo. Foto: Alzilene Ferreira (2007)
As comemorações também se misturam nessa pletora de recordações
quando o logradouro é enfeitado para receber as pessoas. Bem marcante a esse
respeito são as procissões, na ocasião das festividades de comemoração da
padroeira. As praças são ornadas com barracas de sorteios, de jogos, de bebidas e
comidas típicas no tempo das quermesses. Ocasião essa em que o sino da Igreja
badala potente e junto com os fogos de artifício convidam a comunidade para mais
uma festividade: celebrar seu santo. A música se prolifera pelo ar e a praça se veste
de gente.
As festividades carnavalescas com toda sua irreverência e acontecimentos
cômicos são amiúde abraçados pelas praças, espaço aberto que recebe uma
multidão frenética que dança ao som das músicas do carnaval. Da Axé Music ao
Frevo pernambucano, passando pelas marchinhas, pagode e o samba, as praças da
85
Sé, do Campo Grande, Tomé de Sousa e Castro Alves e Terreiro de Jesus, Terreiro
de São
Francisco, na cidade de Salvador e a Praça do Marco Zero em Recife,
fervilham de pessoas, não somente da cidade, são foliões de todas as regiões do
país e também do exterior. O que tornam essas praças conhecidas mesmo por
aqueles que não compareceram nas cidades, pois a festa ganha amplitude nos
meios de comunicação locais e nacionais.
__________________________________________________________________
Figuras 15 e 16Terreiro de São Francisco; Figura 17 - Praça Tomé de Sousa/ Salvador-Ba. Fotos:
Alzilene Ferreira (2008).
Sob o brilho do luar, a noite um pouco fria convida o corpo para se
esquentar no balanço da música, na xícara de quentão
81
licor, ou ainda, a beira de
uma exuberante fogueira. A praça adornada de bandeirolas coloridas e balões,
barraquinhas com comidas típicas, fogos de artifício resplandecem no céu dando um
espetáculo visual, as pessoas reunidas ao som do forró, xote, reizado ou baião. A
alegria é alimentada, ainda com as apresentações de quadrilhas, bumba-meu-boi,
meninos e meninas vestidos de 'caipira', casamento do 'matuto'. Essa atmosfera
marca os festejos juninos ou santos populares, São João, São Pedro e Santo
Antônio que acontecem em diversas cidades e regiões do Brasil, notadamente no
Nordeste. As cidades do interior dos estados, a festa comparece com maior pujança,
por isso, recebem visitantes vindos da capital, das cidades próximas ou de outros
estados. O Estado da Bahia é ilustrativo, nesse sentido, os festejos ganham mais
força no interior. Em Jequié é erguida a “Vila Junina” na Praça da Bandeira. Em
Ibicuí a Praça gis Pacheco recebe uma multidão atraída pelas boas atrações da
festa e em Itapetinga o ritmo de forró aquece as noites frias de São João na Praça
81
Quentão é uma bebida produzida com frutas cítricas, cravo, canela e gengibre, que pode ter ou não
aguardente em sua composição. Comumente servida nas festividades juninas.
86
Marechal Deodoro. na região Sudeste ocorrem com mais tradição as
quermesses, organizadas por igrejas ou colégios. Faz parte da festa, as comidas
típicas e brincadeiras que divertem os participantes.
As luzes coloridas e faiscantes embelezam as praças das capitais e
cidades do interior do Brasil e de outras cidades no mundo. No mês de dezembro as
decorações com os símbolos peculiares ao Natal (como estrelas, bolas, desenhos
de Papai Noel), enfeitam as praças. Afora a iluminação especial, das belas e
gigantes árvores natalinas, a população também é contemplada com as
apresentações de reisados, cantatas, corais, concertos, encenações alusivas ao
natal, exposições de Presépios vivos ou de peças artesanais, a presença de “Papai
Noel”, shows e montagem de barracas que vendem comidas e bebidas típicas da
época.
É interessante salientar que o engate entre os festejos natalinos e a praça
torna-se tão proeminentes, que acaba por denominar os projetos realizados pelas
Prefeituras das cidades. Desse modo, comumente encontra-se projetos com o nome
“Natal na Praça.” São exemplares nesse tocante às cidades de Belo Horizonte, Ouro
Preto, São João Del Rei e Diamantina no Estado de Minas Gerais. As cidades de
Vitória da Conquista, Brumado e Euclides da Cunha no interior da Bahia. No Paraná,
a cidade de Céu Azul. No Estado de Goiás o “Natal na Praça” ocorre na capital
Goiânia. no Rio Grande do Sul, a cidade de Camaquã, realiza o projeto em
diversas praças das cidades. No quadro de comemorações é relevante ressaltar a
cidade de Natal. No dia 25 de dezembro a capital do Estado do Rio Grande do
Norte, também celebra o aniversário da cidade. Assim, os natalenses têm motivo a
mais para fazer do Natal uma festa marcante. Nesse sentido, são desenvolvidas
diversas atividades, em que se destaca o “Auto de Natal”, um grande espetáculo
realizado ao ar livre desde 1998
82
. Em 2006, a Praça Cívica do Campus da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte/UFRN, ficou enxameada de pessoas,
que prestigiaram o “Natal em Natal”. Além disso, a beleza da festa ganha força,
também com a montagem das gigantescas árvores de luzes e cores e com as
realizações de shows de cantores nacionais como Ney Matogrosso, Ramalho,
Elba Ramalho entre outros.
8
2.
Informação: Prefeitura do Natal.
87
Não sica, igualmente a oratória dos candidatos, políticos e comitiva
ganham eco no ambiente da praça. São os comícios nas épocas de eleições que
fazem desse logradouro palco de aproximação dos candidatos com a comunidade. A
receita junta alguns elementos básicos: bandeiras com os emblemas e cores dos
partidos, faixas com frases de apoio, balões e cartazes com fotos do aspirante ao
cargo eletivo, distribuição de “santinhos”, adesivos, com o rosto e número do
candidato, cabos eleitorais vestidos com a camisa e boné da campanha, o jingle,
aplausos e gritos de apoio ou repúdio, muitos fogos de artifícios e para completar o
frenesi do espetáculo, a praça estrelada de gente.
Não se pode esquecer que as diversas manifestações artísticas encontram
na praça seu lugar de aconchego. São espetáculos de dança, teatro, sica,
concertos, exposições de esculturas e fotografias. Na capital soteropolitana o
Festival Nacional de Teatro de Salvador é realizado nas praças da cidade. O pôr-do-
sol ganha mais brilho com o projeto “Arte na Hora do Rush”. São espetáculos de
teatro e dança promovidos gratuitamente pelo Serviço Social do Comércio SESC,
sempre nos finais da tarde em diversa praças de Salvador. A Praça Tomé de Sousa
é relevante nesse sentido, pois ocorrem com freqüência apresentações teatrais,
grupos de capoeira, shows, concertos e exposições ao ar livre.
Em São Paulo, atinente a isso é interessante trazer à luz a experiência com
encenação experimental da “Companhia dos Satyros”, que ao colocar em prática um
modo agregador de realizar teatro, ajudou na revitalização da praça Roosevelt, no
centro da capital. A praça que há algum tempo atrás tinha o ar de abandono, ganhou
novos ares. A companhia que tem sede nas cidades de Lisboa/ Portugal e Curitiba,
em 2000 abriu uma unidade na praça. Com isso, conseguiu alavancar o projeto que
nutriu de diversidade as encenações e deu novo impulso ao teatro experimental de
São Paulo. Ao dividir a programação na praça com outras companhias e
simultaneamente obteve outras fontes de renda, o grupo teatral conseguiu levar
novos espectadores para assistir as peças. Desse modo, a praça se transformou em
ponto de encontro de artistas, de pessoas que gostam e são ligadas ao teatro.
A idéia ganhou fôlego e os espaços dos grupos passaram a funcionar
diariamente, sete dias na semana, não sendo raras três apresentações na mesma
noite. Empolgados com o sucesso a companhia promoveu o agito cultural, que
88
ocorreu no mês de outubro de 2007, uma verdadeira maratona, 78 horas de
atividades ininterruptas, transformou a Praça Roosevelt em cenário para
diversificadas formas de arte. Trata-se das Satyrianas, evento que nasceu como
uma brincadeira em 2001 e se transformou em um dos mais relevantes
acontecimentos culturais do ano. Afora, as apresentações teatrais, o evento levou à
praça: mostra de filmes e exposição de fotografias. No ano de 2006 o evento
concentrou na praça e região central da cidade mais de 12 mil pessoas. Não é por
acaso que o título da reportagem na Revista Bravo sobre o evento destaca que “A
praça é de todos”
83
.
Outro exemplo notável é a realização da “Virada Cultural”, na cidade de
São Paulo, na sua quarta edição, o projeto promove 24 horas ininterruptas de
programação cultural. Em 2007 foram 350 atrações gratuitas, o que fez inundar de
gente as praças, largos, parques, calçadões, avenidas e ruas paulistanas. Os
shows, espetáculos de dança, teatro, circo, intervenções e exibições de cinema,
foram pulverizados por diversas regiões da capital, mas é a área central que
congrega a maior parte dos espetáculos da noite e madrugada. Entre as várias
praças do centro tomadas para a realização do evento pode-se citar alguns
exemplos como as Praças da Sé, Praça da República, Praça Roosevelt e a Praça
Ramos. Desde o primeiro ano do evento que a Praça Dom José Gaspar, tem a
programação voltada para os amantes do piano. O projeto possibilitou as
apresentações de grandes pianistas como Francis Hime e João Donato. O sucesso
das exibições originou no projeto permanente “Piano na Praça”, mantido pela
Secretaria Municipal de Cultura. Em 2008, a “Virada Cultural”, ganhou dimensões
gigantescas, a estimativa aponta que 4 milhões de pessoas prestigiaram os 5 mil
artistas em 800 atrações entre eles Gal Costa, Jorge Bem Jor, Ramalho, Jair
Rodrigues, Luís Melodia, Naná Vasconcelos, Egberto Gismonti entre outros. É
interessante destacar que a realização em praças ou até mesmo abrindo as portas
do Theatro Municipal para a realização do evento, torna possível pessoas dos
distintos seguimentos sociais terem acesso às diversas formas de expressões
artísticas.
84
83
MELLÃO, Gabriela. A praça é de todos. Bravo. São Paulo: Editora Abril, n
o.
122, Out. 2007, p. 102-
106.
84
VIRADA Cultural promete megaevento em SP neste fim de semana. Folha Online, o Paulo, 25
89
Florescendo mais o pensamento, pode-se recordar que no entorno de
determinadas praças, encontra-se, amiúde, o comércio mais dinâmico. Quanto mais
conhecida e freqüentada é uma praça, mais se verifica uma variedade de prédios
comerciais e de serviços, justamente por ser um lugar de fluxo de pessoas torna-se
almejado pelos comerciantes. Em outras palavras, de modo geral, essa relação
entre edificações e praças, tem uma recíproca, pois ao mesmo tempo em que a
praça por ser visitada pela população atrai casas comerciais, os prédios próximos a
uma praça podem influenciar na quantidade de pessoas que transitam ou
permanecem no logradouro.
Ao lado disso, uma praça que acolhe pontos (ou parada) de ônibus, xi ou
é local de entrada de estação do metrô, faz fervilhar de pessoas que desaguam dos
meios de transportes coletivos. A depender do local da cidade e, em especial, se
estiverem situados em áreas centrais, o fluxo de pessoas torna-se muito ativo.
Aliados a esses fatores, que congregam e faz cruzar pessoas que partem ou
chegam das mais diversas áreas da cidade, a presença das bancas de revistas, dos
vendedores ambulantes, dos quiosques que vendem lanches, cigarros e vale
transporte entre outros, são elementos constituintes dessa trama urbana.
As cenas que se somam, pode trazer à tona a lembrança das
apresentações das bandas no coreto, do namoro no banco da praça, das conversas
animadas com os amigos, das caminhadas, das brincadeiras, dos passeios de
bicicleta. Da leitura de livros, revistas ou jornais. Das partidas de baralho, dominó,
dama ou xadrez.
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Figuras 18, 19, 20 e 21 Plaza das Heras/ Buenos Aires-Ar; Praça Fausto Cardoso/ Aracaju-Se;
Praça Serzedelo Correia/ Rio de Janeiro-RJ e Praça Roosevelt/ São Paulo-SP.- Fotos:
Alzilene
Ferreira (2007).
de abr. 2008. Guia da Folha Online. Disponível em:
http://guia.folha.com.br/passeios/ult10050u388288.shtml. Acesso em: 16 de jun. de 2008.
90
O quadro das memórias traz agora a imagem da alvorada, um momento
que acontece até mesmo antes que os raios do Sol beijem o horizonte, na praça
se escuta um discreto murmurinho. No compasso da corrida das horas, os ruídos
que poderiam ser escutados discretamente ao longe, se intensificam. Parece
sincronizar e à medida que o tempo apressa-se, os raios solares discretos passam a
reinar com mais exuberância e dilata-se a intensidade do bulício. Não são mais
vozes de pessoas que conversam, ouvi-se gritos e uma explosão de barulhos. Mas a
profusão não se limita somente ao alvoroço, nesse enredo matinal mesclam-se
cheiros, texturas, cores e sabores diversos. O chão da praça pulula de gente, com
passos comedidos ou apressados, olhares inquietos ou curiosos, mãos mergulham
na abundância dos produtos e almejam selecionar o que tem de melhor. Uma
verdadeira multidão com o afã de comprar e vender. Em meio ao tumulto de vozes,
pode-se ouvir com mais precisão um ou outro grito mais potente, que tenta
conquistar o comprador oferecendo suas mercadorias. O mais entusiasmado,
simpático e criativo consegue assegurar melhores vendas. Barracas e produtos o
espalhados pelo chão da praça, rodeados de pessoas que se encontram ou se
reencontram em meio a algaravia da feira.
É nesse clima, que compra-se verduras, ervas, hortaliças e legumes
frescos, cereais, farinha de mandioca, biscoitos, queijos, ovos, manteiga, peixes,
frangos e carnes vermelhas. Encontra-se também animais vivos como aves e
suínos. Pode-se ficar atordoado com a variedade e cheiros das frutas, com as
formas e cores vibrantes das flores e plantas. É possível escolher panelas, cestos,
caqueiros, objetos de barro, cerâmicas e outros utensílios para casa, além de
roupas, calçados e bolsas. Nesse lugar esfuziante é muito comum as pessoas não
se contentarem com o preço ofertado, por isso, pechincham de barraca em barraca
e o feirante barateiro, consegue assegurar maiores saídas dos seus produtos. Na
feira pode-se fazer o desjejum, almoçar e lanchar. É fácil esbarrar-se com as
barraquinhas que vendem comidas e bebidas pra todos os gostos. Sob o sol
ardente, é provável encontrar, ainda, os vendedores de ungüentos e ervas
medicinais, que bradam oferecendo suas poções miraculosas. Para avolumar o
fragor da feira, a oratória dos candidatos, em época de campanha eleitoral, ganham
eco ao meio dos inumeráveis sons.
91
Assim, amiúde, distribui-se nas feiras, 'santinhos', jornais informativos sobre
os concorrentes ao pleito. Bandeiras tremulam ao querer dos braços e do vento.
Carros com som rodeiam as proximidades da praça tocando o jingle de candidatos.
Para completar o remoinho, como outrora, em que as feiras abrigavam artistas,
literatos, poetas, os lanternistas, projecionistas do cinematógrafo, espetáculos
musicais e os saltimbancos, não é raro deparar-se, especialmente nas feiras
nordestinas, com os repentistas, os sanfoneiros, bandas de pífanos, escutar ou ler
as poesias de cordel. No meio da praça mistura-se comércio, arte, festa e encontros.
Com o cair da tarde, os raios do sol vão se esmaecendo e junto com eles os
rumores nascentes com a aurora. Desmontam-se as barracas, guarda-se os
produtos sobrantes e quem sabe partir para exposição em outra praça da cidade. O
feirante se despede dos fregueses, não por muito tempo, porque na próxima
semana tem a vivacidade da feira no chão da praça.
___________________________________
_____________________________
Figuras 22 e 23 – Praça da República/ São Paulo. Fotos: Alzilene Ferreira (2007).
Engana-se quem imagina, que somente as feiras tradicionais invadem as
praças, esse espaço abraça também as 'feirinhas de artesanato ou de arte'. Assim,
as compras ao ar livre também são feitas por aqueles que desejam adquirir
bijuterias, quadros, roupas, calçados, utensílios para casa, objetos de decoração,
produtos feitos de croché, bordados, rendas entre outros. São vendidos igualmente
objetos personalizados como lembranças das cidades - canecas, blusas, chaveiros
etc. Um passeio pelas praças de diversas capitais revela que esse modo de
apropriar-se da praça é muito comum. Em São Paulo, na Praça da República, centro
da capital, o sábado é dia de feira. As barracas padronizadas se espalham pela
92
praça dando-lhe outros ares. A tradicional praça paulistana torna-se mais conhecida
por causa da sua Feira de Arte, considerada a maior e mais antiga da cidade. Na
feira comercializa-se artesanato de diversos estados, especialmente do Norte e
Nordeste. Afora dos países vizinhos como o Peru. As pessoas também aproveitam
para comerem as guloseimas vendidas nas barraquinhas, onde é possível encontrar
os quitutes vindos dos vários estados do Brasil. Com pouco mais de meio Século, a
Feira da República nasceu em 11 de novembro de 1956, com a fundação de uma
minifeira de selos, que paulatinamente, tornou-se ponto de encontro de
colecionadores de moedas. O movimento acaba atraindo hippies e posteriormente
os artistas. A Feira de Arte passa a ser uma grande galeria a céu aberto com as
exposições de telas das mais variadas escolas. Esse importante cenário passou a
ser referência para os artistas plásticos do circuito alternativo da cidade. Muitos
deles chegaram a deixar seus ateliers requintados e passaram a ocupar a praça, um
modo de aproximação com a comunidade e de levar a arte onde o povo está.
85
As capitais nordestinas como Aracaju, Maceió, Salvador, Recife as
“Feirinhas de Artesanatos” fazem parte da rota turística, ir a essas praças significa
também conhecer a arte, as comidas que são peculiares a cada cidade ou estado.
Comumente as pessoas (turista ou os habitantes da cidade), procuram as feiras
para levarem consigo uma lembrança ou presentear alguém com as novidades e
objetos da cidade visitada. Na Praça Cayru, onde situa-se o conhecido Mercado
Modelo de Salvador, funciona diariamente uma feirinha de artesanato. Vende-se,
sobretudo, artigos referentes a cultura baiana, berimbaus, pequenas esculturas da
figura da baiana e do capoeirista, fitinhas do Senhor do Bonfim entre outros
acessórios.
85
Informações sobre a Feira de Artesanato da Praça da República ver no site da Cidade de São
Paulo, disponível em: http://portal.prefeitura.sp.gov.br. Acesso em: Acesso em 05 set. de 2008.
93
___________________________________________________________________________________________
Figuras 24 e 25 Praça de Boa Viagem/ Recife; Praça Olímpio Campos (também chamada Parque
Teófilo Dantas) /Aracaju-Se. Fotos: Alzilene Ferreira (2007).
Os dias de bado, domingo e nos feriados, as barracas invadem as várias
praças da capital da Argentina. A relação da população com as praças guarda uma
proximidade muito singular. Por isso, não é de se admirar que as feiras de
artesanato compareçam de modo intenso. Vende-se uma pluralidade de produtos,
badulaques, antiguidade, roupas, livros, quadros etc. Muitos artistas plásticos fazem
das praças o espaço precípuo de exposição. Na Plaza Coronel Manuel Dorrego
ocorre a Feira de San Telmo, aos domingos. Com 34 anos, a feira é considerada a
mais lebre da cidade. São 260 antiquários que expõem seus produtos,
provocando admiração dos visitantes. Ademais, a praça é o lugar da diversão onde
acontecem apresentações de estátuas vivas, dançarinos de tango e shows musicais.
Outras praças acolhem as feiras de arte como a Plaza Serrano, Plaza Armenia,
Plaza Itália e também alguns parques da cidade.
__________________________________________________________________
Figura 26 – Plaza Serrano/ Buenos Aires - Argentina. Fotos: Alzilene Ferreira (2007).
94
O mundo das praças e seu nexo com as feiras fomenta uma riqueza de
possibilidades de relações. A Feira da é exemplar nesse sentido. Ao contrário
das feiras diurnas que, comumente, animam as praças nos dias de sexta-feira e
sábado, a feira da Praça da Sé, no centro de Fortaleza capital do Ceará, ocorre
todos os dias da semana, exceto no domingo. Os vendedores da feira vestem
diariamente o chão da praça, os galhos de árvores, orelhões e até mesmo a estátua
de Dom Pedro II com mercadorias diversas. São roupas e acessórios que de modo
geral são produzidos pelos próprios vendedores.
A feira tem uma singularidade muito interessante, começa a ser montada
no raiar do dia, às cinco horas da manhã, mas, seu tempo de vida diário é muito
fugaz, dura em média duas ou três horas. Antes das oito da manhã, os produtos são
velozmente retirados por causa do chamado 'rapa' ação policial que apreende as
mercadorias. Foi realizado um acordo com a Prefeitura da cidade, a feira é
desmontada antes que as lojas do arrabalde da praça passem a funcionar. Isso
ocorre porque os preços dos produtos da feira são significativamente mais baratos, o
que poderia prejudicar as vendas dos lojistas. Mas, não são apenas essas
características que tornam a feira cearense inusitada, ônibus de outros estados do
Norte e Nordeste como Paraíba, Rio Grande do Norte, Maranhão e Papovoam as
imediações da praça, que recebe milhares de pessoas. A segunda-feira é o dia da
semana mais frenético, a primeira praça da cidade enxameia de compradores. No
total são mais de mil feirantes, uma multidão e o singular barulho das feiras marcam
essa importante praça de Fortaleza, que é considerada um dos maiores pontos de
comércio de confecções do estado.
86
Outras praças são igualmente ocupadas com
essa finalidade, o comércio de confecções.
86
ROCHA, Pedro. A praça da não dorme. Overmundo. Fortaleza, 19 de jan. 2007. Disponível em:
http://www.overmundo.com.br/overblog/a-praca-da-se-nao-dorme. Acesso em 5 de dez. de 2007.
95
_________________________________________________________________________________________________________________________
Figuras 27 e 28 – Praça José de Alencar/ Fortaleza-Ce. Fotos: Alzilene Ferreira (2008).
Na montagem das lembranças é atinente constatar que a praça além de ser
o lugar do lazer, do convívio, das diversas manifestações religiosas, econômicas,
políticas e culturais reúne apropriações e usos diversos. Nesse sentido, o
logradouro é palco, também de um feixe de fenômenos, considerados indevidos
são apropriações que reverberam as ltiplas problemáticas sociais - como o
comércio de produtos roubados, a prostituição, a venda de drogas ilícitas.
Esse cenário é formado, também, por aqueles que são considerados
“indesejaveis”, são comuns em praças, em especial das cidades de médio e grande
portes, a presença de adultos, adolescentes, idosos e crianças em situação de risco,
que fazem das praças sua 'residência'. A preocupação com essa situação e com a
segurança ganha relevo, provocando debates que estão presentes nos noticiários
das redes de televisão, nos jornais e conversas cotidianas. O simples ato de andar
ou passear por determinadas praças podem provocar alguma desconfiança ou
desconforto.
Outras vistas, porém, perfilam esse quadro que compõe a vida cotidiana da
cidade. Quem não se lembra dos vendedores ambulantes que fazem ponto na
praça? o tantos os personagens que figuram essa paisagem: o engraxate, o
fotógrafo (lambe-lambe), o sapateiro, o baleiro, o sorveteiro, a baiana do acarajé, o
pipoqueiro, os vendedores de picolé, cafezinho, amendoim, balões, cartão
telefônico, cachorro quente.
96
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Figuras 29 e 30 Praça Aristides Lôbo/ João Pessoa-Pb; Praça Marechal Deodoro/ Maceió-Al.
Fotos: Alzilene Ferreira (2007).
Uma constelação de sujeitos e de múltiplas apropriações que permitem
invocar outras imagens como o do pregador que faz seus sermões nas praças das
cidades. Desse modo, as pregações sobrepujam as paredes das igrejas e ganham o
espaço da praça, e junto com as leituras bíblicas, os religiosos cantam suas
músicas, expõem e vendem livros, Cds, DVDs, distribuem revistas, jornais e
mensagens que possibilitam divulgar a sua religião.
Nesse conjunto de lembranças, vem à tona também a figura do artista de
rua pintores, sicos, performistas, o artesão, o dançarino, - que tem a praça
como seu palco primordial. Atraem olhares curiosos ou admirados, a atenção dos
usuários e daqueles que simplesmente passam pela praça.
____________________________________________________________
Figura 31, 32 e 33 Praça da Piedade; Praça da Sé; Praça Tomé de Sousa/ Salvador-Ba. Fotos:
Alzilene Ferreira (2007).
97
Assim, o universo da praça guarda a marca da diversidade, teias que são
costuradas pelas pessoas que ao longo dos tempos imprimem nesse logradouro
sentido e significado particular, pode ser o mundo da criança que corre e brinca
livremente, dos idosos que encontram os amigos para conversar ou para os jogos de
dama ou baralho, do namoro ou paquera, das conversas animadas com os amigos,
dos camelôs, dos políticos, do vendedor ambulante, dos colegiais, da prostituta, do
pregador, dos travestis, dos shows e das encenações ao ar livre, das festividades,
comemorações religiosas, do ato de pequenos furtos, do passatempo, do cinema, do
lazer etc.
Isso porque a praça não se configura apenas a partir dos seus elementos
tangíveis, como monumentos, bancos, igrejas, prédios, casas. Em seu redor existe
todo um mundo dinâmico, onde ocorrem manifestações culturais, fluxo de pessoas e
de veículos, encontros, em outras palavras, é cenário onde a vida também se efetiva
e ilumina as possibilidades de se tecer relações sociais.
É conspícuo que é esse lugar de múltiplas funções e usos é uma marca
fecunda a vida na/da cidade, muito mais que embelezar, sua presença traz à lume a
pluralidade e riqueza dos construtos sociais e culturais que a constitui e se vincula a
cada época. Algumas dessas funções rasgam os séculos, imiscui-se com as práticas
– usos e apropriações do presente. Outras, no entanto, com o desenrolar das
transformações culturais e sociais são esmaecidas ou apresentam-se de modo
diferenciado do original, com uma nova configuração.
No tocante a esse trabalho pode-se perceber, como foi exposto no primeiro
capítulo, que a prática de exibição de cinema ainda comparece nas praças e outros
espaços livres – o que significa uma permanência de uma prática e de uma forma de
apropriação. O encantamento das pessoas diante das imagens dinâmicas na grande
tela, igualmente, se apresenta como algo imutável, o que contribui para que essa
prática persevere.
98
2.1. O espaço: algumas abordagens conceituais
A discussão acerca do espaço revela sua amplitude no que tange às
múltiplas formas como é concebido. Consiste em objeto sobre o qual se debruçam
distintas áreas do conhecimento como a Antropologia, a Sociologia, o Urbanismo, a
Geografia, a História, sendo ainda, tema de estudo de biólogos, físicos e
matemáticos. Cada área promove importante contributo e reflexão de acordo com
seus enfoques teóricos.
O anoitecer do Século XIX e nascer do Século XX, desponta como período
crucial em que se fundam as bases teóricas das disciplinas que viriam a compor o
quadro denominado de ciências humanas. Na esteira desses acontecimentos,
comparece no cânone das abordagens o conceito de espaço delineado, em 1890,
por Émile Durkheim. Sua proposta emerge como inovadora e precursora do debate
sobre espaço na sociologia e na antropologia. Para Durkheim, a noção do espaço é
um substrato físico da vida social. Com o intuito de viabilizar tal investigação propõe
a elaboração da Morfologia Social. O sociólogo compreende que o espaço resulta de
experiências em indivíduos em sociedade. Desse modo, a noção de espaço é algo
que se adquire socialmente. Assinala, ainda, que o espaço não consiste em algo
vago, indeterminado e puramente homogêneo.
A representação espacial consiste essencialmente numa primeira coordenação introduzida
entre os dados da experiência sensível. Mas esta coordenação seria impossível se as
partes do espaço fossem qualitativamente equivalentes, se elas realmente fossem
substituíveis umas às outras. Para poder dispor espacialmente as coisas, é preciso poder
situá-las diferentemente: colocar umas à direita, outras à esquerda, estas no alto, aquelas
embaixo, no norte ou no sul, a leste ou a oeste, etc., da mesma maneira que, para dispor
temporalmente os estados de consciência, é preciso poder localizá-los em datas
determinadas. O que representa dizer que o espaço não poderia ser ele mesmo se, assim
como o tempo, ele não fosse dividido e diferenciado.
87
Coradini (1995, p. 16) ao referir-se sobre a temática propõe uma
classificação dos autores de acordo com a natureza do espaço, Lefebvre (1960),
Lipietz (1988), Castells (1983) comparecem em uma perspectiva marxista. Do ponto
de vista 'dos antropólogos' destaca-se Marcel Mauss (1972). Émile Durkheim (1983)
87
DURKHEIM, Émile. As formas elementares da vida religiosa. São Paulo: Abril Cultural, 1978, p.
213.
99
para referendar a abordagem que privilegia a noção de morfologia social tempo e
espaço. Sobre o significado simbólico e social do espaço cita-se Van Gennep
(1977). vi Strauss (1975) é lembrando no que concerne ao enfoque espaço e
ritual. Perspectiva genealógica remete-se a Michel Foucault (1986). Edmund Leach
(1978) para os estudos dos espaços como limítrofes e perigosos. Edward Hall
(1989) descreve o espaço pessoal de indivíduos em meio social (proxêmica).
Tratando sobre espaço e tempo, morfologia social, Pierre Bourdieu (1972), o espaço
interno (1989) e espaço da produção acadêmica. A autora salienta ainda as
contribuições dos sociólogos Lefebvre (1974), Manuel Castells (1983) e do geógrafo
Harvey (1980), que debatem a diferenciação e composição do espaço social urbano.
Além disso, destaca Mafessoli (1984) e Foucault (1986), autores que desenvolveram
estudos interdisciplinares sobre o espaço.
Diante do conjunto de abordagens teóricas sobre o espaço, torna-se
concernente perceber o caráter interdisciplinar do objeto, como bem salienta
Bettanini (1982) em sua obra, “Espaço e Ciências Humanas”. O autor aponta esse
caráter amplo e plural da noção de espaço, que comparece notadamente de modo
fragmentado nas análises. Ao juntar um material espesso sobre as formas como o
espaço é entendido pelos diversos campos do conhecimento, o autor pavimenta
uma leitura que engloba a riqueza de abordagens da espacialização. Para Bettanini,
“estudar o espaço vivido significa superar a dimensão do espaço-extensão para
buscar a noção de representação do espaço como espaço construído através do
olhar das pessoas que o vivem”.
88
Bettanini faz referência, ainda, à linha teórica denominada de “nova
sociologia” que adentra o território da comunicação interpessoal “é um aspecto da
espacialização ligado à linguagem articulada, à dimensão dos gestos (cinésica), ao
significado que as distâncias e a organização do próprio espaço assumem para nós”
(1982, p. 81). A linha teórica procede da compreensão de que o espaço se efetiva
em um “tecido de relações espaciais” (CORADINI, op. cit., p. 15).
O espaço também foi tema sobre o qual se inclinou Michel de Certau (2004),
que ao fazer referência ao estudo, traça uma distinção entre lugar e espaço. Para o
88
CORADINI, Lisabete. Rede de sociabilidade e apropriação do espaço em uma área central de
Florianópolis. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social). Universidade: Federal de Santa
Catarina-UFSC: Centro de Ciências Humanas, Florianópolis, 1992, p. 15.
100
autor, “um lugar é a ordem (seja qual for) segundo a qual se distribuem elementos
nas relações de coexistência [...] é, portanto, uma configuração instantânea de
posições. Implica uma indicação de estabilidade.”
89
Ao passo, que o espaço existe
sempre quando apresenta direção, quantidade de velocidade e a variável tempo.
Certeau assevera, que o espaço se constitui a partir do encontro de móveis. E é
justamente o movimento que se desenrola no espaço que o anima. Em outras
palavras, expressas de modo sucinto, “o espaço é o lugar praticado”
Espaço é o efeito produzido pelas operações que orientam, o circunstanciam, o
temperalizam e o levam a funcionar em unidade polivalente de programas conflituais ou de
proximidades constratuais. O espaço estaria para o lugar como a palavra quando falada,
isto é, quando é percebida na ambiguidade de uma efetuação, mudada em um termo que
depende de múltiplas convenções, colocada com o ato de um presente (ou de um tempo),
e modificado pelas transformações devidas a proximidade sucessivas. Diversamente do
lugar, não tem portanto nem a univocidade nem a estabilidade de um “próprio”. (CERTEAU,
2004, p. 202).
Na abordagem bourdiana os “atores sociais estão inseridos espacialmente
em determinados campos sociais, a posse de grandezas de certos capitais (cultural,
social, econômico, político, etc.) e o habitus
90
de cada ator social condiciona seu
posicionamento espacial, na luta social, identifica-se com sua classe social.”
91
Para
o pensador francês, o espaço social é entendido como uma realidade invisível que
organiza as práticas e as representações dos agentes. É constituído de maneira que
os agentes ou grupos são distribuídos em função de sua posição, de acordo com
dois princípios de diferenciação, que são mais eficientes em sociedades mais
desenvolvidas a saber: o capital econômico e capital cultural.
92
Nas palavras de
teórico (1996, p. 24),
89
CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: artes de fazer. 10 edição. Petrópolis: Editora
Vozes, 2004, p. 201.
90
Bourdieu (1983, p. 60-61) define o conceito de habitus como: “sistemas de disposições duráveis,
estruturas estruturadas predispostas a funcionar como estruturas estruturantes, isto é, como princípio
gerador e estruturador das práticas e das representações que podem ser objetivamente 'reguladas' e
'regulares', sem ser, o produto da obediência a regras, objetivamente adaptadas a seu fim sem supor
a intenção consciente dos fins e o domínio expresso das operações necessárias para atingi-los e
coletivamente orquestradas sem ser o produto da ação organizada de um regente.”
91
AZEVEDO, Mário Luiz Neves de. Espaço social, campo social, habitus e conceito de classe social
em Pierre Bourdieu. Revista Espaço Acadêmico. No. 24, Ano III, maio 2003. Disponível em:
http://www.espacoacademico.com.br/024/24cneves.htm. Acesso em: 26 de julho de 2008.
92
BOURDIEU, 1996, p. 18-19.
101
Às diferentes posições no espaço social correspondem estilos de vida, sistemas de
desvios diferentes que são a retradução simbólica de diferenças objetivamente inscritas
nas condições de existência. As práticas e as propriedades constituem uma expressão
sistemática das condições de existência (aquilo que chamamos estilo de vida) porque são
o produto do mesmo operador prático, o habitus. (BOURDIEU, 1983, p. 82).
Seguindo o leque de abordagens é conspícuo salientar as considerações
referentes ao contexto brasileiro desenvolvido por DaMatta (1991). Através do
estudo antropológico entre a casa e rua, o autor, refere-se à diferença entre o
público e o privado, considerando a partir dessa abordagem a espacialidade moral e
física. O espaço da casa, íntimo e privado, coaduna-se com a moral e os bons
costumes. Ao passo que no espaço da rua, o indivíduo depara-se com o discurso
impessoal, com o anonimato, onde comumente não se reproduz o mesmo
comportamento, atitudes, roupas assuntos do espaço familiar, podendo explicitar
atitudes inoportunas, restringindo a cordialidade ao ambiente da casa. Nesse
sentido, aponta, que no Brasil, a compreensão acerca da casa e da rua não se
restringe, apenas a noção de espaços geográficos, estão, sobretudo, relacionados à
esfera da ação social.
DaMatta, compara, “o espaço é como o ar que respiramos”. Sem o ar o
homem não pode viver. Embora não veja a atmosfera que o nutre vida, para sentir o
ar o ser humano precisa situar-se “meter-se numa certa perspectiva”. Igualmente,
para que o espaço possa ser visto ou sentido torna-se imprescindível situar-se.
Para elucidar esse argumento exemplifica com a ação dos antropólogos sociais, que
ao viajarem para realizar seus estudos sobre os distintos sistemas sociais, precisam
tomar consciência das diversas modalidades de ordenações espaciais, que
apresenta-se aos sentidos de modo insólito, o que proporciona rios problemas de
orientação. Assim, uma pessoa pode perder-se ao visitar uma cidade que possui
uma configuração espacial diferente do habitual, o que confunde os sentidos e,
conseqüentemente, o deslocamento.
93
[...] o espaço se confunde com a própria ordem social, de modo que, sem entender a
sociedade com suas redes de relações e valores, não se pode interpretar como o espaço é
concebido. Aliás, nesses sistemas, pode-se dizer que o espaço não existe como uma
dimensão social independente e individualizada, estando sempre misturado, interligado ou
“embebido” (DAMATTA, op. cit., p. 34).
93
DAMATTA, Roberto. A casa e a rua. Rio de Janeiro: Editora Guanabara Koogan S.A, 1991, p. 33-
34.
102
O autor acrescenta, ainda que, “tempo e espaço constroem e, ao mesmo
tempo, são construídos pela sociedade dos homens. [...] Por tudo isso, não
sistema social onde não exista uma noção de tempo e outra de espaço”. Os dois
conceitos encontram-se imbricados e operam em uma gradação complexa.
94
Para
DaMatta, um sistema de contraste é imprescindível para que tempo e espaço
possam ser concretizados e percebidos como “coisas”. Assim, segundo o
antropólogo, cada sociedade para poder existir, enquanto um todo articulado,
desenvolve sua gramática de espaço e temporalidade, “e isso depende
fundamentalmente de atividades que se ordenem também em oposições
diferenciadas, permitindo lembranças ou memórias diferentes em qualidades,
sensibilidade e forma de organização” (DAMATTA, op. cit., p. 41).
Outra consideração importante refere-se às distinções engendradas por
DaMatta no que diz respeito aos diversos tipos de espaços, quais sejam: espaços
eternos, espaços transitórios, espaços legais, espaços mágicos, espaços
individualizados e espaços coletivos. Nesse tocante assevera, o autor, que em
nossa sociedade, tudo que envolve o poder político é configurado como duradouro
ou eterno e marcado pelos palácios e pelos monumentos. O poder localiza-se,
assim, nos espaços de confluência de tempo e de unidades sociais contraditórias.
Nesse sentido, nas sociedades ocidentais, as praças e os adros, que são forjados
como espaços abertos e públicos, são pontos de interlocução entre o indivíduo, o
líder – o messias, o santo ou o governo e a coletividade. Nesses espaços, também
são erigidos os monumentos, que têm como função primordial estabelecer o elo
entre o líder e o povo, o intérprete e a massa, que em via de regra se
complementam e são ambos sujeitos aos imperativos que florescem do passado e
do sistema de valores que se efetivam pela falta de ação, inconscientemente.
Devido a isso, elucida o autor, que amiúde, são sinalizados espaços urbanos que
têm-se por intuito serem imortalizados, como igrejas, mercados, palácios, “ou seja
tudo aquilo que representa a possibilidade de emoldura à vida social num sistema
fixo de valores e de poder.”95 No que concerne, ainda, a reflexão sobre os espaços
eternos ou duradouros, as praças seriam um território peculiar, como bem afirma
DaMatta,
94
DA MATTA, op. cit., 37.
95
DAMATTA, op. cit., p. 49.
103
Nas cidades [...] ibéricas e brasileiras, a praça abre um território especial, uma região
teoricamente do “povo”. Uma espécie de sala de visitas coletiva, onde se situam em
nichos especiais o poder de Deus, cristalizado na Igreja matriz ou Igreja central,
freqüentemente a primeira a ser fundada naquele local e que deu origem à cidade, e o
poder do Estado, manifesto no palácio do governo. (op. cit., 49-50).
No entanto, os espaços nem sempre são tecidos pela marca da perenidade.
Existem, igualmente, os espaços transitórios que são concebidos e vivenciados de
modo bem distinto daqueles construídos com o intuito de serem perpetuados. São
espaços carimbados com o emblema da contradição e conflito, a exemplo das
regiões pobres e os meretrícios, notadamente localizados nas áreas periféricas da
cidade. Por isso, são escondidos, camuflados, nunca traçados como espaços
permanentes ou estruturados para rematar as áreas nobres da cidade.
Apesar disso, os espaços criados para serem eternos e as zonas de
transições, são partes integrantes “de uma estrutura social, que necessariamente
inclui espaços e temporalidades permanentes, a operar em todos os níveis da
sociedade.” (DAMATTA, op. cit., 51).
Nesse caudal de elaborações teóricas, a noção de espaço apresenta-se,
nos estudos antropológicos, sendo tema que envolve as descrições etnográficas.
Nesse sentido, vem desempenhando indubitável contribuição para o entendimento
acerca da cultura e representações simbólicas.
2.2. A praça na cidade: mudanças e sociabilidades
Quando nas praças s'eleva. Do Povo a sublime
voz... Um raio ilumina a treva. O Cristo
assombra o algoz [...] A praça! A praça é do
povo. Como o céu é do condor.
É o antro onde a liberdade.
Cria águias em seu calor!
96
Castro Alves
96
ALVES, Castro. O povo ao poder, Biblioteca Virtual de Literatura. Seção Castro Alves. Disponível
em: http://www.biblio.com.br. Acesso em: 26 de março de 2008. Poesia realizada em Recife em 1864.
104
Olhar para uma praça é observar as camadas de história que a compõe,
impressas sejam em seus monumentos, no traçado arquitetônico e nos usos que
dão vida e significado ao lugar. A cada momento, cada época, revela e guarda um
conúbio específico com esse logradouro. Compreender de modo mais claro o que
consiste uma praça torna-se importante uma busca mais profunda na tentativa de
exaurir os significados desenhados ao longo dos tempos. Então, para melhor
compreender desse caminho, torna-se imperioso olhar para o passado, tentar
clarificar as transformações ocorridas, seguindo as trilhas abertas por estudiosos
dedicados à temática pertinente ao objeto apresentado. No rastro dessas
elaborações, a seguir, aborda-se sobre as funções, usos e finalidades da praça na
cidade em uma perspectiva geral, observando na história essas especificidades,
alterações e diferenças ocorridas nas diversas sociedades. Uma tentativa de traçar
um breve perfil desde a origem e o sentido da praça em alguns contextos históricos
e sociais. Logo após, a escrita do trabalho, centra-se no papel da praça na cidade,
enfocando a realidade brasileira.
Buscando as origens e transformações das praças, Lewis Mumford, autor
que se destaca pelo profundo conhecimento e pela dedicação aos estudos
pertinentes à história da cidade, bem como a realidade urbana contemporânea,
revela que para seguir o caminho que leva a origem da praça, ágora faz-se
imperioso voltar aos tempos mais remotos, pois seu nascimento encontra-se antes
mesmo daquilo que se denomina cidade. Sua origem remente aos tempos da aldeia.
Dessa pequena povoação a cidade deve, à sua origem, às relações de
ordem, estabilidade e vizinhança. Além disso, a “casa, oratório, paço, via pública,
ágora o qual não era ainda um mercado especializado, tudo isso tomou forma
primeiro na aldeia.”
97
Mumford, descreve, que o àgora em seu estado mais primitivo
era em essência o lugar da palavra, pois eventualmente não existe, pelo menos em
tempos remotos, um mercado onde a troca de opiniões, conversas e notícias não
tenha representado um papel tão relevante quanto a permuta de mercadorias (1998,
p. 168).
Já na economia do Século V, o ágora resplandece como praça de mercado,
“sua função mais antiga e persistente foi a de ponto de encontro comunal”. O
97
MUMFORD, 1998, p. 26.
105
mercado acaba congregando pessoas que tinham motivos outros para se
encontrarem, além de fazerem negócios. “Como o ágora combinava tantas funções
urbanas importantes – direito, governo, comércio, religião, sociabilidade -, quase não
será de admirar [...] que continuasse a ganhar as expensas de acrópole, até que, no
fim, tornou-se o elemento mais vital e distintivo da cidade” (MUMFORD, op. cit., p.
135).
Concentrando atividades políticas, religiosas, econômicas, sociais e
culturais, o ágora na Grécia Antiga, ganha ressonância como o centro da vida na
cidade, local por excelência onde ocorriam as cerimônias, os debates e
assembléias. Atrai, desse modo, os prédios públicos, tornam-se o pólo de toda a
região circundante. “A sua função social e política adquire cada vez mais
importância e os edifícios públicos formam uma espécie de 'remate arquitectónico'
desta praça, com pórticos ornamentados com altares, fontes e estátuas.”
98
Nesse tocante Frúgoli (1995, p. 1f2), salienta o ágora como lugar onde a
dimensão pública da cidadania efetivamente ocorria, através de diversas atividades
de troca, as práticas das instituições religiosas. Ademais, a praça se sobressai como
o lugar em que as relações de encontro, manifestações artísticas e sociabilidade
ganhavam mais visibilidade.
As praças, nas cidades construídas em todos quadrantes e em todos os âmbitos culturais,
se ligam a finalidade mais “genéricas”: ligam-se ao espaço comum no sentido
“comunitário” do termo -, no âmbito político, à finalidade econômica , à dimensão religiosa
ou militar da vida social. Poderia lembrar as praças sagradas dos aztecas ou os terraços
votivos dos incas; a ágora grega, aqui-exemplar, e sua continuação e fórum romano
ambos misturam de mercado e local de encontros, inclusive para meetings políticos. A
óbvia extensão espacial da praça não é apenas extensão espacial: ela corresponde a um
significado social, correlato do próprio espírito da cidade onde se insere. (SALDANHA,
1993, p. 15).
Indubitavelmente a ágora destaca-se por apresentar um granel de funções
urbanas vitais. Centro econômico, onde o comércio torna-se mais dinâmico, lugar
onde comumente ocorrem as feiras, os mercados, quando o camponês vende suas
mercadorias. Além das funções sociais e econômicas, sublinhadas, é neste lugar
que ocorrem também as exibições militares, as festividades, as encenações e as
98
DELFANTE, Charles. A grande história da cidade: da mesopotâmia aos Estados Unidos.
Lisboa: Instituto Piaget, 2000, p. 61.
106
práticas esportivas. Tornando-se, portanto, o ponto irradiador de casas comerciais e,
conseqüentemente, o lugar propício aos encontros não formais.
Assim, nas antigas cidades gregas, a ágora, “propriamente chamado uma
praça de mercado”, era a parte mais ativa da cidade, “ponto de encontro comunal”,
com suas “formas amorfas e irregulares” (MUMFORD, 1998, p. 165-166). O mesmo
pode ser percebido na Idade Média, cuja cidade seria, de acordo com a descrição de
Le Goff, um espaço fechado circunscrito por uma muralha e com portas de acesso a
partir das quais “[...] se caminha por ruas infernais que, felizmente, desembocam em
praças paradisíacas” (1988, p. 71). Além de descrever a praça pública como o lugar
da beleza e da apreciação, o autor destaca ainda suas funções no que tange à
circulação de idéias. Era, por primazia, o lugar onde circulavam os contos, os
provérbios e as canções. Além disso, na praça ocorriam os comícios, onde o
exercício e aprendizagem dessa prática se efetivavam.
Paulo Santos, referindo-se a praça na Idade Média, ressalta, que a ela
cumpre os mesmos propósitos do Fórum na Roma Antiga, pois em “frente ao
Congresso, à catedral e outros edifícios públicos, abriram-se espaços ainda maiores,
formando praças de caráter expressivo, ainda que de forma irregular. Constituíam o
núcleo da cidade, onde se celebravam as assembléias e as cerimônias públicas.”
(2001, p. 19).
as cidades muçulmanas da Idade Média, tinham um perfil particular,
suas ruas serpentiadas, tornavam penoso o caminhar para aqueles que não
conheciam a cidade. A traça, que formavam lugares soturnos, respondia ao modo de
ser do muçulmano. Por um lado, era uma maneira segura de proteção, por outro,
porque “gostavam da penumbra, da quietude, do recolhimento. Viviam voltados para
dentro, em seus terraços, em seus pátios, desconfiados da rua, de que se
protegiam” (SANTOS, op. cit.,p. 26). Com todo esse cuidado e contrição, as praças
existiam, mesmo que em tamanho e quantidade reduzida, configurava-se como o
lugar do ajuntamento e do mercado, todavia o espaço de reunião principal eram as
mesquitas, amplas e numerosas.
Apesar de outras cidades medievais terem o desenho confuso e repleto de
ruas labirínticas e praças irregulares, que deixava atordoado qualquer forasteiro, a
relação dos moradores com a rua se distinguia do muçulmano. As praças tinham
107
funções e traçados diferentes. De acordo com as considerações de Delfante, nesse
período, encontram-se alguns tipos de praças, que são classificadas de acordo com
suas formas e funções, a exemplo das praças centrais, praças entre ruas paralelas,
praça triangular, mas a mais importante é a praça do mercado, por ser também a
praça cívica, lugar sinônimo de paz. (2000, p. 96).
O Paço Municipal ou Paço do Mercado era o centro da municipalidade,
erigido na praça, composto por dois pavimentos que abrigava duas salas, a superior
era ocupada pelos artigos delicados. Ocorriam nesse andar, as reuniões do prefeito
e do conselho, ainda, os banquetes e bebedeiras. Realizavam-se até mesmo as
celebrações dos casamentos com toda ostentação. Nesse lugar a elite medieval
organiza seus saraus no final da Idade Média. (MUMFORD, op cit, p. 298).
É de costume afirmar, que o mundo medieval tem características bem
peculiares, pois o seu centro é marcado pela presença da igreja, e as relações eram
impregnadas pelos valores cristãos, que assinavam as regras morais e condutas. As
procissões tiveram seu apogeu nesse período e consistia em um dos mais
grandiosos acontecimentos religioso e social. A hierarquia era perceptível nas
distinções realizadas nos modos de se comportar e se vestir. Isso se manifestava de
modo notável nas festas oficiais, que eram carimbadas pela desigualdade e pela
separação. Desse modo, a hierarquia marcava as relações com toda pujança, pois
os lugares eram reservados de acordo com os títulos e funções exercidas pelas
pessoas.
Costuma-se atribuir à Idade Média um ar sério, marcado pela religiosidade.
Mas, as festas populares faziam esse horizonte circunspecto ganhar novos
contornos com a manifestação do riso, eram as festas canarvalescas, os ritos, os
bufões, anões, cultos cômicos especiais, que trata Bakhtin.
99
Desse modo, os
festejos do carnaval com seus elementos burlescos apresentavam um perfil
diferenciado das cerimônias e cultos promovidos pela Igreja ou pelo Estado Feudal.
Era uma manifestação, uma vida que se construía paralela ao oficial, por isso,
conquista posição significativa na existência do homem da época. Afora as
comemorações do carnaval, “que eram acompanhados de atos e procissões
complicadas que enchiam as praças e ruas durante dias inteiros”, comemorava-se
99
BAKHTIN, Mikhail. A cultura popular na Idade média e no Renascimento. São Paulo: Editora da
Universidade de Brasília, 1997, p. 03 - 04.
108
igualmente, a festa de tolos, a festa do asno e o riso pascal, todos dotados de atos
cômicos e populares que eram consagrados pela tradição.
As festividades promoviam uma ruptura das fortes relações hierárquicas,
pois se engendrava uma forma mais livre de relação entre os indivíduos, comumente
afastados pelos muros erigidos pela condição familiar, pelo emprego e situação
financeira. Essa suspensão fugaz das hierárquicas formava na praça pública um tipo
especial de relação que desconsiderava as distâncias, as normas, as regras de
polidez, etiqueta e condutas que eram próprias dos palácios, das instituições, das
residências particulares e templos. Formava-se entre as pessoas, uma
comunicação, o emprego de um vocabulário singular e de gestos que eram próprios
da praça. Essa situação possibilitou o surgimento de uma linguagem típica do
carnaval, rica, dinâmica, dotadas de formas e símbolos que transmitia a percepção
do povo e da sua manifestação carnavalesca.
Dessa maneira, a liberdade da vida na praça estava vinculada ao não
oficial, fugia às regras morais, pois, permitiam-se as atitudes e linguagens
consideradas grosseiras, que não eram acolhidas em outros lugares. Na praça a voz
do povo ganhava destaque, embora por limitado tempo, enquanto durasse o festejo.
Nesse tocante, cumpre ressaltar que nos dias de festas concomitantemente
ocorriam às feiras nas praças, e isso duravam muito tempo, por exemplo,
a célebre feira de Lyon se realizava durante quinze dias quatro vezes ao ano, Lyon
conhecia a vida de feira e, conseqüentemente, em larga medida, a vida de carnaval. O
ambiente carnavalesco reinava sempre nessas ocasiões, qualquer que fosse o momento
do ano”. (BAKHTIN, 1997, p.133).
Sobre as feiras, Mumford, salienta que desde o antigo ágora eram
realizadas nesse espaço livre. A instalação de barracas com coberturas temporárias
no centro da praça anunciava que era dia de feira. Nessa ocasião, os camponeses
levavam frutas, verduras, azeite para serem comercializados na cidade.
Gastal destaca, no período da Idade Média, que as feiras nas praças, eram
responsáveis pelo processo de impregnação mútua que ocorria entre a cidade e o
campo, pois “os fluxos trazem à cidade – e, mais especificamente, à praça
alimentos, especiarias, e a cultura do camponês: suas crenças, sua medicina
natural, suas histórias, seu artesanato e sua música”. Nesse sentido, o modo de vida
109
do camponês sua cultura - “vinha com os produtos vendidos na praça, misturava-
se à cultura urbana que ele, na volta, carregava consigo”. (2006, p. 94-95).
Assim, a praça no fim da Idade Média e no Renascimento, como explicita
Bakhtin (1997), era o lugar da cultura popular oral, um ponto de convergência para o
não permitido, onde as pessoas debruçam-se sobre um mundo distinto do cotidiano
e bem específico, reverberados através das palavras e atitudes marcadas por uma
liberdade, uma familiaridade que se desprendiam do hierárquico e do mundo
consagrado pelo uso e costume oficiais.
Na Renascença, apresenta-se outras características como a preocupação
em elaborar a cidade ideal e, conseqüentemente, a praça era erigida com igual
concepção. Ocorria nesse período a proposta de construção das praças tendo em
vista seu valor artístico. “Novas maneiras de pensar e novas relações entre a cidade
e o homem, ou entre a cidade e o cosmos, agem sobre a forma das cidades e sobre
a forma das praças, cuja feitura está ligada aos artistas,”
100
a exemplo, da Praça São
Pedro, em Roma, que além de receber as contribuições das mãos de Miguel Ângelo,
teve ainda outros artistas como Carlo Maderno e Martino Ferrabosco. Mas,
independente das formas que eram desenhadas as cidades seu centro era
efetivamente uma praça.
Delfante (2000, p. 151), declara que a praça na Idade Média distingue-se
da Renascença, pois esta, era mais especializada (religiosa, civil e comercial) e
polivalente. Ademais, não era concebida unicamente como centro da vida urbana,
ponto vital da cidade, atribui-se à praça um novo critério de valor estético e
volumétrico. O que vai influenciar toda a área vicinal e descortinar uma nova
identidade e concepção, com a formação de uma série de praças que respeitam
uma germinal ligação com a beleza e o harmonioso.
As praças européias dos séculos 15 e 16 ostentavam esse desejo de unidade: um espaço
'fechado', formando com que um pátio palaciano ou um claustro, de proporções
estudadas, acentuado com uma continuidade de fachadas mediante a repetição de
elementos arquitetônicos básicos, com a área aberta ocupada com estátuas, fontes,
mastros.
As places royales francesas constituem um outro importante modelo de praça constituída
no século 17, cujos desdobramentos são notáveis na Europa e mesmo na América.
(SALDANHA, 1993, p. 36-37).
100
DELFANTE, Charles. A grande história da cidade: da mesopotâmia aos Estados Unidos. Lisboa:
Instituto Piaget, 2000, p. 149.
110
Observa-se, que em cada período, a praça vai ganhando novas funções que estão
ancorados nas concepções, nos modos de vida e valores engendrados, e ao tornar-
se mais proeminente, determina tanto as relações das pessoas com a praça, como a
sua configuração.
São muitos os freqüentadores que fazem da praça ponto de encontro,
diversão, comércio, palco para apresentações artísticas, religiosas e festivas. Uma
pluralidade de usos e apropriações que fazem da vida na praça, uma possibilidade
rica de expressão, onde o enredo citadino se desdobra de modo mais visível.
Quem freqüenta as ruas e praças públicas na Idade Média e Moderna? Ou foram a cultura
da Piazza? Segundo Burker: “Os profissionais de diversão” - cantadores de baladas,
bufões, charlatões, malabaristas, saltimbancos, curandeiros, dançarinos, equilibristas,
prestidigitadores, esgrimistas etc. Muitos desses profissionais já tinham seu lugar fixo,
alguns chegaram inclusive a formar dinastias, como é o caso dos circos, como poderemos
verificar hoje. Mas existem os “artistas itinerantes”, que se deslocavam de um lugar para o
outro, como era o caso dos flautistas, teatro de bonecos, pregadores católicos. Estes
pregadores conseguiam reunir numa praça quinze a vinte mil pessoas. Destacavam-se
também os “amadores”, que se dedicam parcialmente a estas atividades ligadas à diversão
e ao lazer da população.
101
Assim, seguindo, um pouco, o caminho que delineia a praça e suas funções
ao longo dos tempos, cumpre destacar que esse lugar de importância ímpar para a
vida na/da cidade deixa de desempenhar ou adquire novas funções de acordo com
os construtos sociais, econômicos, culturais pertencentes a cada sociedade. Nesse
sentido Mumford (1998, p. 428-429) aponta para o nascimento de um novo tipo de
praça, gestada no bojo do planejamento barroco. Segundo o autor a praça aberta no
Século XVII, começa a apresentar uma nova finalidade urbana ao congregar
residências de pessoas que pertencem a um mesmo ofício e posição social. Salienta
ainda:
Agora, porém, começando, ao que parece, com a fundação da Estalagem de Gray, em
Londres, em 1600, formava-se um novo tipo de praça: um espaço aberto rodeado
exclusivamente por moradias, sem lojas ou edificações públicas, exceto talvez uma igreja.
[...] As novas praças, na verdade, atendiam a uma nova necessidade da classe superior,
ou melhor, a toda uma série de necessidades. Eram originalmente construídas para
famílias de aristocratas ou de mercadores, com o mesmo padrão de vida, os mesmos
hábitos. (1998, p. 429).
101
CORADINI, Lisabete. Praça XV: espaços e sociabilidade. Florianópolis: Fundação Franklin
Cascaes; Letras Contemporâneas, 1995, p. 23.
111
Outro aspecto relevante destacado por Mumford diz respeito ao uso da
praça, que nessa ocasião se caracterizava como lugar de passagem, que servia de
estacionamento para carruagens e cavalos. Desse modo, o espaço aberto da
praça não se efetiva como lugar do passeio, do caminhar e relaxar. Esse estilo de
praça residencial encontra ressonância e se desenvolve até por mais dois Séculos.
Nesse espaço de tempo mudanças significativas o impressas, deixando a praça
com uma nova fisionomia. Além disso, o tratamento arquitetônico se diversifica e o
desenho da praça ganha novas formas e contornos – retangulares, quadrados,
ovais, círculos e semicírculos. (1998, p. 429-430).
No mesmo século das mudanças apontadas por Mumford, dois gigantescos
incêndios acometeram as cidades de Londres em 1666 e, posteriormente, Paris, em
1680. Esses acontecimentos redundaram em uma nova maneira de organizar a
cidade, pois o solo ardente não foi simplesmente ocupado pela população, ganhou
um novo princípio de configuração, tendo como pilar a praça. Todavia, apresentava
características “radicalmente distinta das praças das pequenas cidades medievais,
tanto na aparência quanto nas funções. [...] Mas essas duas revoltas opostas contra
o passado levaram à mesma finalidade social.” (SENNETT, 1988, p. 74). As cidades
de Londres e Paris, apesar das mudanças empreendidas, não seguem o mesmo
caminho, mas ambas rompem com o passado medieval. Também apresentam
algumas características em comum, pois ao promover um planejamento através de
praças para reestruturarem a densidade populacional, esmaecem a praça como
lugar central da vida da cidade, de usos diversificados e de reunião. Sennett (1988,
p. 78), salienta que a praça como antigo lugar de uso múltiplos é transformada em
Paris em monumento de si mesmo e, em Londres, em museu da natureza.
As grandes places urbanas não eram feitas para concentrar todo tipo de atividades das
ruas circundantes; a rua não deveria ser um pórtico para a vida da praça [...] em vez de um
foco, a praça deveria ser um monumento a si mesma, com atividades restritas
acontecendo em seu meio, atividades constituídas principalmente de passagem e de
transporte. Acima de tudo, essas praças não foram concebidas tendo em mente uma
multidão lenta que se congrega.
102
Nessa nova perspectiva os cafés passam a ser os vizinhos das praças,
então, são banidos do logradouro as formas de comércio, vendedores, barracas,
102
SENNETT, op. cit., p. 75.
112
acrobatas, floristas entre outros. O fruto dessas ações promoveu o desbotamento da
vida nas praças no sentido que era compreendida nos períodos medievais e
renascentistas. Perde o brilho o lugar que congregava praticamente todas as
atividades da cidade. Deixa de ser o ponto onde a multidão podia se formar,
alterando as formas que as pessoas tinham para se agrupar. Assim, “a reunião de
uma multidão se tornou mais uma atividade especializada; acontecia em três locais:
no café, no parque para pedestre e no teatro” (SENNETT, op. cit., p. 76).
No cerne das transformações urbanísticas é patente perceber que à
medida que a praça é transformada, significativas alterações são promovidas
também no modo como as pessoas se apropriam e usam o logradouro. Do mesmo
modo, as mudanças nos hábitos e modos de vida de uma sociedade promovem
significativas alterações no espaço. Em outras palavras, são as relações sociais que
modelam o espaço e sofre também influência deste, ocorre nesse processo uma
ligação de reciprocidade.
O crescimento das cidades suscitou outras preocupações e a questão
social estava em torno da nova realidade, qual seja: viver com estranhos. Os cafés
ganham relevo na vida urbana, tornando-se o lugar privilegiado onde circulavam as
informações, isso ocorreu tanto em Paris como em Londres. O café passa a ser o
lugar do discurso o que outrora ocorria nas praças.
A experiência de sociabilidade nos cafés era marcada pela discrição, as
pessoas freqüentavam o lugar, mas não tornavam visíveis sua vida pessoal, os
sentimentos e até mesmo o modo de se apresentar camuflava a posição social.
Meados do Século XVIII é o grande período da sociabilidade. Cria-se o jogo de
observar sem ser observado no ambiente estrelado de estranhos. Por isso, a
atividade de andar pelas ruas e praças, enquanto um ato social, passa a ter uma
relevância que não comparecia anteriormente.
À medida que as cidades cresciam e desenvolviam-se redes de sociabilidade
independentes do controle real direto, aumentaram os locais onde estranhos podiam
regularmente se encontrar. Foi a época da construção de enormes parques urbanos, das
primeiras tentativas de se abrir ruas adequadas à finalidade precípua de passeio de
pedestres, como uma forma de lazer. Foi a época dos cafés (coffeehouses) e mais tarde
bares (cafes) e estalagens para paradas de diligências tornaram-se centros sociais; época
em que o teatro e a ópera abriram para o grande público graças à venda de aberta de
entradas, no lugar do antigo distribuíam lugares. A difusão das comodidades urbanas
ultrapassou o pequeno círculo da elite e alcançou um espectro muito mais abrangente da
113
sociedade, de modo que até mesmo as classes laboriosas começaram a adotar alguns
hábitos de sociabilidade, como passeios em parques, antes terreno exclusivo da elite,
caminhando por seus jardins privativos ou “promovendo” uma noite no teatro.
103
Richard Sennett apresenta, um importante contributo sobre os vários
significados que o sentido público assumiu ao longo dos tempos. Salienta as
mudanças significativas ocorridas no culo XVIII, onde “sentido moderno de
público adquire seus primeiros contornos” (1988, p. 115). Público o se reporta
somente à vida engendrada no exterior do ambiente familiar, mas englobava os
estranhos e uma variedade de pessoas – a vida marcada pela experiência da
diversidade. No Século XIX descortina-se uma nova realidade, bem distinta do
período anterior, floresce a concepção que estranhos não possuíam o direito de
verbalizar. O silêncio, proteção invisível, foi eleito como o modo de se experimentar
a vida das ruas, sem sofrer nenhum dano. O estranho é visto como uma ameaça. O
par contrário, visibilidade e isolamento, que marca a vida moderna, começou a ser
desenhado nesse período.
A rápida urbanização gerou a preocupação em se demarcar a vida, por
causa das novas pessoas que chegavam desconhecidas e estranhas, forjou-se
meios de diferenciar o que era do âmbito da família e dos amigos. O vestuário e o
discurso foram um dos meios empregados para traçar essa linha divisória. Ao
mesmo tempo em que se desenhou um rio para separar vida pública da vida
privada, uma tentativa de estabelecer uma ordem social diante do quadro perfilado,
por condições sociais confusas e desordenadas, buscou-se uma vida de equilíbrio,
que congregasse as duas margens, pois os cidadãos se “recusavam preferir uma
em detrimento da outra” (SENNETT, op. cit., 1988, p. 33). Todavia, essa situação
conflituosa incitou os cidadãos a buscarem refúgio em um lugar no qual era possível
de se conhecer as pessoas, se resguardam, então, no âmbito mais privado, a saber:
a família. Como bem diz Certeau, “lugar onde a gente se encontra mais seguro [...].
lugar mais privado e mais caro. Aquele [...] para o qual é tão bom voltar, à noite,
depois do trabalho, depois das férias” (1996, p. 206).
Esse cenário marcado pelas profundas mudanças ocorridas como o
advento do capitalismo industrial, com o nascimento de uma nova forma de
103
SENNETT, op. cit., p. 32.
114
secularização e o crescimento vertiginoso das cidades, influenciou significativamente
na elaboração da percepção que as pessoas tinham acerca de domínio público e
privado. Todo esse feixe de transformações, segundo Sennett, contribuiu para o
esvaziamento da vida pública e, conseqüentemente, promoveu alterações
marcantes no meio urbano. (1988).
Frúgoli, discorrendo sobre as mudanças engendradas nesse período,
ressalta que a cidade torna-se estranha aos seus próprios moradores, ainda mais
com a chegada do número grandioso de camponeses desenraizados, que
perambulando pelas ruas passam a compor a nova dinâmica da cidade. Essa
situação ganha perfil mais impactante com as intervenções urbanísticas que
rasgaram o tecido urbano, abrindo-se novas avenidas e bulevares (no caso de
Paris), desmanchando-se os antigos bairros, alterando-se, portanto, os tipos de usos
tradicionais: “as novas praças [...] surgidas tanto em Londres como em Paris –
marcadas pela monumentalidade, por grandes espaços abertos ou jardins
negaram estrategicamente seu papel como espaço de uso múltiplo e popular,
enfraquecendo-se como ponto central da vida urbana.” (1995, p. 14). As
intervenções que notadamente marcaram esse período tiveram, além do intuito de
disciplinar os usos dos espaços, confinando os grupos em determinados locais,
visaram igualmente priorizar o fluxo, resultando na elaboração de experiências
urbanas novas, como o movimento das multidões inebriadas pelas ruas.
Aos poucos, portanto, as praças tradicionais, com uma sociabilidade circunscrita e
reconhecível, perderam força enquanto centros da vida urbana, passando a caracterizar
parte da memória da cidade pré-industrial, ao passo que as ruas foram marcadas de forma
indelével pelo novo fenômeno da Revolução Industrial: as multidões, dentro das quais o
estranhamento e a imprevisibilidade tornam-se predominantes.
104
Semelhante a uma viagem em que a pessoa se depara com o inesperado,
o desconhecido e o inaudito, correndo o risco de enfrentar situações perigosas,
atípicas ao cotidiano, talvez resida a pujante atração em ver e experimentar o
inusitado, os passeios pelas ruas e praças guardavam igual sentimento de aventura.
Compor essa cena, traz à tona a lembrança da figura do flâneur elaborada pelo
filósofo Walter Benjamim inspirado na poesia de Charles Baudelaire que
104
FRÚGOLI, Heitor Jr. São Paulo: espaços públicos e interação social. São Paulo: Marco Zero;
Serviço Social do Comércio/SESC, 1995, p. 15.
115
impregnado com a multidão cruzava as paisagens urbanas. “O Flâneur busca uma
imersão nas sensações da cidade, 'banhar-se na multidão' perder-se nas
sensações, sucumbir ao arrasto de desejos aleatórios” (FEATHERSTONE, 2000, p.
190). Frúgoli ressalta, que a atitude flâneur simboliza “uma referência ante a cidade
moderna, ligada à recusa de um refúgio privado defronte à cidade em
transformação” (1995, p. 15-16).
A figura do flâneur sofre forte declínio a partir das mudanças radicais
operadas no tecido urbano, promovidas com o advento do automóvel. Essa nova
realidade altera profundamente a dinâmica urbana, abriram-se avenidas e
diminuíram-se as calçadas com o intuito primordial de viabilizar o fluxo de carros. O
desaparecimento das calçadas, como bem aponta Featherstone, é o marco que
assinala a extinção do passeio livre e despreocupado pela cidade. Torna-se difícil
caminhar com tranqüilidade tendo que a todo instante observar o trânsito dos
veículos, pois era comum ao flâneur deixar as recordações fluírem e serem
estimuladas pelas impressões do momento. Ainda mais, que a cidade moderna
tende a alterar o olhar estético, que passa da contemplação à distração. Essa
mudança na mobilidade do olhar contribui para a elaboração de uma percepção da
paisagem fragmentária. (2000, p. 194-195).
Diante desse quadro, não precisa lançar um olhar com bastante acuidade
para perceber as expressivas transformações forjadas na cidade e a força como
essas mutações reverberaram nas relações entre as pessoas e estas com o
ambiente alterado. Todo esse cenário, conforma uma realidade inaudita, e, portanto,
traz à cena um leque de questões e desafios a serem refletidos. O frenético
crescimento das cidades, aliada às novas formas de organização e interação social
expõem ao homem da época, problemas que envolvem as singularidades do
fenômeno urbano. As duas revoluções que ocorrem no culo XVIII a Industrial e
a Francesa são preponderantes para a instalação da sociedade capitalista e seus
acontecimentos são marcos que viabilizaram a formação das Ciências Sociais.
Desse modo, as vicissitudes históricas do desenvolvimento
da vida social,
baseada na civilização urbana e industrial, apresentam ao homem da época nova
realidade. Essas profundas transformações ocorridas no ambiente urbano
configuram-se em problemas a serem pensados, investigados.
116
No rastro dessas transformações, cumpre salientar a importância do
surgimento da Escola de Chicago, que marca decisivamente a história das Ciências
Sociais e, especialmente, os estudos referentes ao urbano. A Escola é considerada
a “pioneira na prática etnográfica voltada ao contexto urbano (num âmbito
inicialmente sociológico) e a primeira, segundo Cuin & Gresle, a tomar a cidade
como laboratório de análise da mudança social e a formular uma “concepção”
'especializada' do social e, reciprocamente, socializada do espaço” (FRÚGOLI, 2007,
p. 17).
O empirismo marca proeminentemente os estudos desenvolvidos pela
Escola, almejam-se soluções concretas para as questões surgidas com o intenso
processo de urbanização e industrialização ocorridos na passagem do Século XIX
para o XX. Em vista disso, a cidade de Chicago torna-se palco excepcional de
análise, pois passa por um processo de crescimento desmesurado e veloz,
sobretudo, com a chegada grandiosa de migrantes europeus e americanos. Esse
conjunto de alterações, em poucas décadas explicita o desenho de uma grande
metrópole constituída a partir da diversificação em termos étnicos, culturais e
econômicos. O contexto delineado revela que a presença dos migrantes, com toda
diversificação lingüística, se constituem também na formação de guetos de
diferentes nacionalidades. O espaço da cidade apresenta-se dividido em bairros
étnicos, delimitando visivelmente barreiras internas, com indubitáveis características
segregativas. Essa problemática se configura como um dos principais pontos a ser
analisado pelos pesquisadores, tendo a cidade de Chicago como foco de estudo.
A dimensão da organização social do espaço será um dos temas fundamentais dos
estudos urbanos, bastante marcados pela experiência de Chicago. A noção de região
moral, desenvolvida por Park é exemplo significativo dessa tendência quando indivíduos
com determinadas características sócio-psicológicas, cujas origens podem ser
diversificadas, tendem a concentrar-se em áreas específicas da cidade. A preocupação
com a ecologia das populações, as relações com o meio-ambiente e a lógica de seus
deslocamentos são parte dessa visão significativamente orientada para a organização
social no espaço.
Uma das questões mais interessantes, a partir dessa vertente, é, portanto, compreender a
dinâmica social dessas populações, suas relações com a cidade como um todo e entre
elas próprias (VELHO, 2000, p. 15).
De acordo com essas nuanças, Robert Park, um dos fundadores da Escola,
apresenta discussão sobre a cidade, tendo em vista duas dimensões constitutivas,
117
quais sejam: organização física e moral. Outro aspecto interessante é que a ecologia
urbana possibilitou a formação das bases para a investigação de novos modos de
vida. Salienta-se, ainda, a contribuição das pesquisas referente ao crescimento
urbano e a conseqüente formação da concorrência pelos espaços das cidades que
motivou Park e Burgess elaborarem a 'teoria das zonas concêntricas'.
É interessante registrar a memorável contribuição das pesquisas da Escola
de Chicago ao empregar para as análises a observação participante, entrevistas,
histórias de vida, coletas de dados entre outros, sobretudo, por entrelaçar ao
trabalho de investigação a compreensão de que os indivíduos estão em constante
influência mútua por meio das relações sociais.
Velho, ao referir-se aos desdobramentos dos trabalhos da Escola de
Chicago ressalta a análise que expressa as impessoalidades nas relações sociais
nos diferentes pontos do contínuo. [...] O relacionamento pessoal, direto, “fase to
fase”, seria típico de pequenos grupos, [...] enquanto na cidade, especialmente na
metrópole, encontraríamos a distância, a impessoalidade e o anonimato.” (2000, p.
17). Ressalta, ainda, o autor, que existiriam um contraste entre a vida grupal, em
que comparecem os laços familiares e um individualismo que emergem na vida
metropolitana, desfacelando os laços de parentesco e de reciprocidade. O
individualismo viria à tona como resultado de uma cultura urbana, meandros de uma
sociedade marcada por avultantes mudanças, engendradas com o desenvolvimento
do comércio, da expansão marítima, pelas multiplicidades de atividades e
ocupações promovidas a partir desses acontecimentos, que vinham ocorrendo
desde o final da Idade Média e preparando os alicerces sobre os quais se
pavimentaram a cena urbana (2000, p. 17-18). No compasso dessas considerações
faz-se mister sublinhar a forte influência de Simmel, seja de modo implícito ou
explícito.
Um dos pontos básicos de Simmel é mostrar que o desenvolvimento dos valores
individualistas está associado à possibilidade do indivíduo poder transitar entre diferentes
grupos, não sendo englobado, diríamos nós, apenas por um deles. Essa experiência
estimula e reforça uma percepção de si mesmo como ser independente. (VELHO, 2000,
p.18).
A reflexão simmeliana encontra seus aportes nas preocupações sobre as
118
miríades transformações ocorridas nas cidades e, em especial, na metrópole.
Observa, além disso, as concatenações destas mudanças com as significativas
alterações no modo de pensar, viver e comportar-se nesse novo ambiente.
Galvanizado pelas contradições da cultura que lhe era contemporânea, abordou,
entre outros aspectos, sobre a influência da metrópole na personalidade e na vida
mental dos seus habitantes. Nesse sentido, salienta que os moradores da grande
cidade engendram uma vida psíquica distinta dos habitantes do campo, pois estes
têm uma existência marcada por costumes e um ritmo de vida mais lento. Afora, são
imbuídos de uma emotividade e sentimentos que se apresentam de modo constante,
ao passo que, os fios da vida tecidos na cidade, apresentam um movimento peculiar,
nervoso, uma frenética transformação. Desse modo, o cotidiano da cidade grande,
enreda nas suas manifestações simples, um ritmo que é também fragmentário e
fugidio. Simmel preocupou-se com estas manifestações que revelam sobre as
particularidades da vida que lhe era contemporânea. São as contradições da cultura
moderna, as relações antagônicas engendradas nas cidades, que fazem parte do
painel de interesse do grande pensador. Além disso, sua abordagem analítica trilha
pela compreensão das relações sociais e das formas de sociação
105
e de
sociabilidade na vida cotidiana.
[...] “sociedade” propriamente dita é o estar com um outro, para o outro, contra um outro
que, através do veículo dos impulsos ou dos propósitos, forma e desenvolve os conteúdos
e os interesses materiais ou individuais. As formas nas quais resulta esse processo
ganham vida própria. São liberadas de todos os laços com os conteúdos; existem por si
mesmas e pelo fascínio que difundem pela própria liberação destes laços. É isto
precisamente o fenômeno a que chamamos sociabilidade.
Interesses e necessidades específicas certamente fazem com que os homens se unam
em associações econômicas, irmandades de sangue, em sociedades religiosas, em
quadrilha de bandidos. Além de seus conteúdos específicos, todas estas sociações
também se caracterizam, precisamente, por um sentimento, entre seus membros, de
estarem sociados, pela satisfação derivada. (SIMMEL, 1983, p. 168).
A sociabilidade é considerada, ainda pelo teórico, “como a forma lúdica da
sociação” (SIMMEL, op cit.,p. 169). Assinala, ainda, que as condições e os
resultados desse processo são exclusivos às pessoas que se encontram em uma
105
Para Simmel “a sociação é a forma (realizada de incontáveis maneiras diferentes) pela qual os
indivíduos se agrupam em unidades que satisfazem seus interesses. Esses interesses, quer sejam
sensuais ou ideais, temporários ou duradouros, conscientes ou inconscientes causais ou teleológicos,
formam a base das sociedades humanas.” (1983, p. 166).
119
reunião social. O que viabiliza, pelas suas características, relaxar da atmosfera hostil
e da seriedade que marca o cotidiano da vida moderna.
Georg Simmel (1979a, p. 11-18), em seu texto “A metrópole e a vida
mental” explicita que o enredo metropolitano gera uma consciência elevada e uma
proeminência da intelectualidade, que comparecem como possibilidade de
preservação da vida subjetiva em meio à atmosfera caótica da grande cidade.
Ademais, a metrópole é dominada pela economia do dinheiro que ergue uma vida
orquestrada pelo cálculo. Desse modo, o dinheiro confere aos habitantes das
grandes cidades uma personalidade perfilada pelo intelecto, pela desconfiança e
indiferença. “Pontualidade, calculabilidade, exatidão, são introduzidas a força na vida
pela complexidade e extensão da existência metropolitana e não estão apenas muito
intimamente ligadas à sua economia do dinheiro e caráter intelectualístico.”
106
O
estilo de vida da cidade grande, regido pela agitação, acaba por forjar um homem
ansioso e repressivo aos seus instintos e necessidades.
Outras atitudes psíquicas se aliam a esse quadro moldado pela economia
do dinheiro, a metrópole extrai do homem uma alta impessoalidade, e ainda, em
decorrência de “uma vida em perseguição desregrada ao prazer torna-se uma
pessoa blasé.” A atitude blasé entre outras características fisiológicas produz o
esmaecimento da capacidade de discriminar, reagir a novas sensações. Via de
regra, o indivíduo blasé encontra-se imerso numa vida que exige dos seus nervos
reações diversas e imediatas, que com o passar do tempo tende a cessar. Além
disso, a atitude blasé apresenta uma reserva em relação ao outro, que pode
desencadear até mesmo a antipatia e esquivança mútuas.
Argumenta o teórico que a constelação de atitudes que figuram o estilo
metropolitano é em essência uma das formas elementares de sociação formas
pelas quais os indivíduos se reúnem em unidades para satisfação dos interesses,
constituindo, dessa forma, o esteio das sociedades humanas.
Desse modo, a metamorfose tecida nas estruturas sociais européias
reverbera um vertiginoso processo de racionalização das sociedades que se
urbanizaram e industrializaram, urdindo novos estilos de vida e de sociabilidade.
Aspirando essa nova atmosfera, construiu-se “um cenário irreversível marcado pelas
106
SIMMEL, Georg. A metrópole e a vida mental. In: Otávio Guilherme Velho (org). O fenômeno
urbano. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1979, p. 15.
120
multidões em movimento pelas ruas. [...] Pressentem-se vivências inéditas, ao
mesmo tempo em que crescem representações sobre a cidade moderna que
ressalta sua dimensão perigosa e ameaçadora.”
107
Nesse contexto é factível reconhecer que a era industrial solapou ou pelo
menos diminuiu, notadamente, a significação “de antigos centros de referência
(como as praças), impondo o princípio da circulação(FRÚGOLI, 1995, p. 17). No
mesmo galope assiste-se a formação de novos espaços de convivência, em
substituição à experiência das praças, que “propiciam novas aventuras urbanas,” a
exemplo dos cafés, livrarias, clubes, bares, teatro etc. Os parisienses e londrinos
também desfrutavam da convivência em grupo em clubes e parques. A sociabilidade
igualmente se dava nos agradáveis passeios a pé.
Outro lugar que ganha amplitude com trânsito intenso de pessoas, são as
lojas de departamentos e as galerias. A produção de lato variedade de produtos faz
florescer instalações apropriadas para a venda do comércio em massa, que passam
a ser um novo lugar do desfile. Seu sucesso, como bem aponta Sennett (1988, p.
43), ocorre em função da novidade e do fascínio de observar as mercadorias
expostas do que pela utilidade e preço barato dos produtos. A esse respeito é
interessante observar as considerações de Mike Featherstone que afirma:
A imensa fantamagoria das mercadorias em exposição, constantemente renovada em
virtude do impulso capitalista e modernista para a novidade, foi a fonte de imagens
oníricas que evocavam associações e ilusões parcialmente esquecidas.
Nesse mundo estetizado das mercadorias, as lojas de departamentos, galerias, bondes,
trens, ruas, a trama de edifícios e as mercadorias em exposição, além das pessoas que
perambulam por esses espaços, evocam sonhos parcialmente esquecidos à medida que a
curiosidade e memória do passante é alimentada pela paisagem em contante mutação,
onde os objetos aparecem divorciados do seu contexto e submetidos a associações
misteriosas, que lidas na superfície das coisas. A vida cotidiana das grandes cidades
torna-se estetizada (1995, p. 43-44).
Sobre esse aspecto, Padilha salienta, que os objetos são vistos não apenas
no tocante à sua funcionalidade, sendo adquiridos mais por um caráter pessoal, pois
são atribuídos novos significados e mistério que desfoca o comprador do seu sentido
original, que seria a obtenção pela utilidade do produto. Por isso, as “vitrines das
lojas e as fotografias publicitárias criavam ambientes fantasiosos e colocavam
107
FRÚGOLI, Heitor Jr. o Paulo: espaços públicos e interação social. São Paulo: Marco Zero;
Serviço Social do Comércio/SESC, 1995, p. 15.
121
figuras públicas importantes usando esta ou aquela mercadoria, ou criavam uma
associação entre os artigos das lojas e o status a eles incorporado” (2006, p. 52).
Outras observações de Sennett, a esse respeito, situam-se na nova
dimensão que os donos das lojas de departamento promovem, no final do Século
XIX, ao trabalhar o caráter do espetáculo de suas empresas de forma deliberada.
Para isso, revertia o andar térreo das lojas com vitrinas envidraçadas, os arranjos e
produtos colocados dentro delas eram feitos com que de mais incomum havia no
estabelecimento comercial. Até mesmo as decorações das vitrinas tornam-se mais
cuidadosas e fantásticas. (1998, p. 183).
A maior loja de departamento dos Estados Unidos, no Século XIX, na
cidade de Chicago, possuía uma excelente estrutura física com elevadores, ar-
condicionado, iluminação. Na trilha das inovações tecnológicas as lojas e galerias
seguiram no mesmo compasso e no final do culo XIX e aurora do Século XX
ergueram uma admirável estrutura com ferros, janelas substituídas por vidros
temperados, moderna iluminação que não permitia dissociar do tempo exterior. A
instalação de escadas rolantes e elevadores viabilizaram o crescimento vertical das
lojas. Outro aspecto que contribuiu para o crescimento desse tipo de
empreendimento foi a concorrência entre as lojas pequenas que passam a investir
no tratamento personalizado e na variedade de produtos e as lojas de
departamento. Estas para garantir ainda mais sua ascensão e conquistar o
consumidor, inovam ao instalar serviços especializados, a exemplo de salões,
restaurantes, agências de correios etc.
Com uma estratégia comercial ancorada na propaganda de “massa”, as
lojas de departamento seduziam uma multidão de pessoas, o que exigia dos
arquitetos a elaboração de espaços cada vez mais dilatados para proporcionar
melhor circulação dos compradores e a exposição e venda dos diversos artefatos.
Nesse contexto, o ato simples de ir às compras é abraçado de outra
maneira, passa-se a ter prazer em desfilar pelas lojas e galerias, encantar-se com a
variedade de produtos inusitados expostos e com o requinte das decorações. Além
disso, o crescente valor dado às aparências e à aquisição de determinados produtos
como distintivo social, contribuíram para que esses empreendimentos tivessem
grande êxito.
122
As incontáveis transformações prepararam os alicerces sobre os quais se
construiria o cenário do século vindouro. A interligação entre os processos de
industrialização e urbanização, foi alimentado por uma série de avanços
tecnológicos grandiosos. Estes, possíveis, graças aos processos sociais vivenciados
pela humanidade desde o culo XVIII, que favoreceram as invenções técnicas e o
desenvolvimento socioeconômico e culturais.
Esses acontecimentos tiveram seus desdobramentos engrandecidos com a
proximidade do nascer do culo XX. Assiste-se nesse contexto, a incorporação de
novos hábitos e práticas socioculturais em consonância com o modelo baseado nas
alterações científicas e tecnológicas. O impacto desse novo horizonte revela,
igualmente, mudanças ocorridas nas experiências subjetivas dos indivíduos, o que
conforma novas formas de sociabilidades e vivências coletivas.
O dinamismo das grandes metrópoles substanciadas pelos inovadores
aparatos como o telégrafo, o telefone, o trem, o avião, tornaram possíveis o
abreviamento da circulação tanto na forma de comunicação como no deslocamento
das pessoas, que passam a percorrer uma variedade de novos espaços de
sociabilidade viabilizando uma pluralidade de relações sociais. Soma-se a esse
quadro o revezamento entre o tempo livre e tempo de trabalho, o que tornou
oportuno a participação em atividades de lazer orquestradas pelas inovações
tecnológicas. Nesse caminhar, destaca-se o cinema, entre as novas formas de lazer,
que promove mudanças significativas nos comportamentos e atitudes humanas.
Nessa perspectiva a sétima arte pode ser compreendida como
conseqüência e elemento vital da cultura urbana, que se destina aos espectadores
que são tidos como membros de um público de massa coletivo e indiferenciáveis.
108
Em outras palavras, o cinema é, ao mesmo tempo, produto e parte constituinte das
“variáveis interconectadas da modernidade: tecnologia mediada por estimulação
visual e cognitiva; representação da realidade possibilitada pela tecnologia; e um
procedimento urbano, comercial produzido em massa e definido com a captura do
movimento contínuo.” (HARNEY; SCHWARTZ, 2004, p. 27).
108
Sobre esses aspectos ver CHARNEY, Leo; SCHWARTZ, Vanessa. O cinema e a invenção da
vida moderna. São Paulo: Cosac & Naify Edições, 2004.
123
Essa cultura não 'criou' o cinema em um sentido simples, nem tampouco o cinema
desenvolveu quaisquer formas, conceitos ou técnicas novas que não estivessem
disponíveis em outros caminhos. Ao fornecer um cadinho para elementos já evidentes em
outros aspectos da cultura moderna, o cinema acabou por se adiantar e essas outras
formas, e acabou sendo muito mais do que simplesmente uma nova invenção entre
outras. (CHARNEY; SCHWARTZ, op. cit., p. 27).
Por isso, o cinema deve ser pensando também a partir do acúmulo e do
fluxo de transformações interdependentes sociais, políticas, econômicas e
culturais da sociedade que o engendrou. Daí por que a história da tecnologia
torna-se insuficiente para explicar a origem do cinema.
Seu impacto na vida moderna é indubitável, especialmente, porque toca de
modo singular a vida, apresentando novo modo de apreensão e descrição da
realidade. O cinema torna favorável a ligação com o mundo gico e com o sonho,
talvez por isso, desde o início conquiste grandes platéias, tornando-se rapidamente
a principal opção de lazer dos distintos grupos sociais. Tanto no cenário
internacional quanto na cena brasileira o cinematógrafo a princípio ocupa os
espaços públicos, pois os filmes eram exibidos como curiosidade nos intervalos das
apresentações de números circenses, tais como engolidor de fogo e espadas,
mulher barbada, malabarismo, espetáculos de ilusionismo realizados em feiras,
circos, praças, carroças mambembes. Desse modo, a sétima arte se prolifera pelo
mundo e se configura inicialmente como uma diversão popular.
Posteriormente, nos grandes centros, as exibições de filmes passam a
ocorrer nas casas de espetáculos de variedades, conhecidas como music-halls na
Inglaterra, café-concerts na França e smoking concerts nos Estados Unidos. Nesses
locais podia-se beber, comer, jogar, ouvir piano, assistir a apresentações de
pequenas orquestras e do cinematográfico. O café-concerto era ponto de encontro
para se discutir sobre política, negócios ou simplesmente conversar, sendo
freqüentado na sua maioria por homens.
109
Todavia, essas casas não eram bem
vistas pelas platéias mais sofisticadas, por causa do público constituído por
operários e pelos espetáculos burlescos que eram encenados.
Em seguida são erigidos os primeiros prédios destinados a abrigar a sétima
arte. No entanto, as primeiras salas de cinema não tinham uma arquitetura
específica, eram prédios modestos, barracões improvisados e adaptações de
109
MACHADO, Arlindo. Pré-cinemas & Pós-cinemas. Campinas, SP: Papirus, 2002, p. 78.
124
galpões, que atraíam o público por causa do baixo preço cobrado pelo ingresso. Os
teatros também passam a agasalhar as atividades cinematográficas, sendo
chamados, por isso de cine-teatros.
O cinema penetra na vida da cidade, captura espectadores de diferentes
idades, sexo e grupo social. A profusão de pessoas corria para as salas de exibição,
anelante pela vivência de uma prática inédita e inebriante.
Nesse sentido, os novos aparatos tecnológicos da modernidade, em
especial o cinema, trazem à cena urbana um leque de possibilidades de lazer.
Novos espaços de sociabilidade são inseridos no cotidiano, nos hábitos de consumo
e comportamento. Observa-se nesse particular o crescimento dos locais que
viabilizam a vivência e o encontro entre pessoas desconhecidas. Amplifica-se a
participação social das pessoas ao tornar possível a integração à vida social, de
experimentar novas sociabilidades e locais recreativos e culturais
No Século XX surge outro grande local agregador de pessoas, a saber: os
Shopping Centers. As lojas de departamento e as galerias seriam o prelúdio do novo
centro comercial. Essa invenção norte-americana bebe das experiências forjadas em
Paris e Londres, sobretudo, no que diz respeito à arquitetura das lojas e galerias,
com seus corredores cobertos para os transeuntes. Amplifica as dimensões das
instalações e estreita os laços entre atividade comercial e lazer. Desse modo, ao
associar o momento do consumo com passeio e entretenimento os Shopping
Centers propagam também seu poder de fascínio.
É interessante observar que os Shopping Centers ganham ressonância na
cena urbana promovendo significativas alterações na configuração das cidades. Mas
seu papel sobrepuja a idéia de um centro comercial, pois busca recriar “na essência,
um centro urbano idealizado e atemporal: aquele que concentraria várias opções de
consumo, tornando-se um ponto de referência da cidade tradicional e consagrando-
se como um ponto de encontro, local de reunião” (SANTOS JR, 1992, p. 63).
Corroborando com essas considerações, Frúgoli destaca que,
surge no interior da cidade, uma outra 'cidade em miniatura' que 'dialoga' com signos e
características de outros espaços e instituições, recriando em seus interiores novas praças,
calçadões, bulevares, alamedas de serviço, agrupamentos de lojas etc., dentro de uma
nova escala e concepções. (1992, p. 77).
125
Afora, os grandes Shopping Centers, assiste-se, ainda, na cidade
contemporânea, a construção de uma variedade de lugares culturais e turísticos,
destinados ao lazer. São os novos centros restaurados, áreas de diversões, museus,
parques temáticos, exposições, que se multiplicam, tornando-se lugares escolhidos
para se andar na cidade.
110
Nos últimos anos, as pressões para o ajuste às normas do mercado global têm criado
programas de reestruturação urbana surpreendentemente similares. Os centros das cidades
fazem brotar arranha-céus em “distritos financeiros” e museus de arte emdistritos culturais”,
e os dois distritos normalmente se desenvolvem ao mesmo tempo. [...] Os espaços públicos
são “domesticados” por shopping centers e cafés. Enquanto isso, as crescentes populações
de migrantes e imigrantes tornaram as cidades mais diversificadas, transmitindo a cultura da
cidade oficial por meio de linguagens e lugares alternativos. (ZUKIN, 2000, p. 105).
O quadro das cenas cotidianas, na contemporaneidade, emoldura, portanto,
uma nova realidade, e o olhar que paira sobre esses novos acontecimentos pode
indagar-se admirado, e a praça? O que aconteceu com ela? Observa-se abordagens
diferenciadas que compõe a urdidura sobre essa temática. Segundo Gastal, onde
ocorrer reunião de pessoas lá está a praça simbolizada:
[...] ao procurar reconstituir espaços de festa e de encontro, das trocas de bens materiais e
de bens simbólicos com liberdade de acesso e informalidade de uso ou seja, a praça,
permanecerá ativo. Na alma dos Shopping Centers metropolitanos, halls e entrada de hotéis
de edifícios corporativos, nos bares da cidade ou na roda do cafezinho em escolas e
escritórios, lá estará a praça.
[...] A praça se manterá tanto como um fixo, em novos espaços públicos como as ruas
ocupadas por caminhantes de fim de semana, adolescentes em skates ou crianças em
bicicletas quanto, ainda, como praças criadas nos Shopping Centers com a finalidade de
incentivar o encontro. Mas, cada vez mais, a praça será fluxo que se onde quer que haja
o desejo de estar-juntos para confraternização, trocas de mercadorias ou trocas simbólicas.
A praça ainda será central nos projetos de revitalização das cidades, quando surgem as
demandas por ressignificação de fixos. (Gastal, op. cit., p. 94-105, grifos da autora).
111
Para Sennett, no contexto atual, o movimento imprime novas configurações
e as ruas têm função primordial de permitir a circulação, em vista disso “o espaço
público destina-se à passagem, não à permanência” (1988, p. 28).
Outros aspectos incidem sobre essa realidade, busca-se cada vez mais
110
Sobre esse aspecto ver FEATHERTONE, 2000.
111
A autora se refere aos elementos fixos: praças, monumentos, igrejas, casas, ruas entre outros. No
interior e no torno dos fixos, existem os fluxos, o mundo do movimento, onde circulam mercadorias,
pessoas, veículos, relações sociais, manifestações sociais. É da união dos fluxos com os fixos que se
forma a cidade.
126
segurança, em especial nas cidades de grande e médio portes, onde a população
muitas vezes elege o Shopping Center como opção de lazer, por ser um espaço
fechado, vigiado o tempo todo por câmaras de vídeo e seguranças, ao passo que a
praça pública é um palco que amiúde reúne “[...] os ‘indesejáveis’, junto com os
‘desejáveis’” (ROBBA; MACEDO, 2003, p. 9). Nesse tocante Arantes (2000, p. 106)
afirma:
Os habitantes da cidade deslocam-se e situam-se no espaço urbano. Nesse espaço
comum, que é cotidianamente trilhado, vão sendo construídas coletivamente as fronteiras
simbólicas que separam, aproximam, nivelam, hierarquizam ou, numa palavra, ordenam as
categorias e os grupos sociais em suas mútuas relações. Por esse processo ruas, praças e
monumentos transformam-se em suporte físicos de significações e lembranças
compartilhadas, que passam a fazer parte da experiência ao se transformarem em balizas
reconhecidas de identidades, fronteiras de diferenças cultural e marcos de “pertencimento”.
Os lugares sociais assim constituídos não estão simplesmente justapostos uns aos outros,
[...] eles se superpõem e, de modo complexo, formam zonas simbólicas de transição.
No que concerne a esse aspecto, Arantes destaca, ainda, que os cenários
urbanos, expõem fronteiras simbólicas bem demarcadas, e, nesse sentido,
apresenta o exemplo da Praça da Sé, em São Paulo, onde é intenso o contraste de
identidades, os conflitos e tensões sociais, que fazem com que esse espaço seja
constituído pelo medo, um lugar de vigilância ostensiva, onde “[...] policiais militares
vigiam. Crianças e adolescentes ali vivem sua condição urbana como se fizessem
parte dela e que, ao mesmo tempo, estão sob o foco das atenções como objetos de
ações caritativas, de políticas sociais ou de rotinas de vigilância policial.”
113
O esvaziamento da Praça da no que é atinente à esfera pública
burguesa, ganha novos contornos simbólicos quando se repolitiza ao abrigar palco
de tensões e conflitos sociais constituintes da cena paulistana atual. A Praça da
traz à lume a complexidade das problemáticas urbanas, como bem observa Arantes,
e isso se exacerba-se na falta de direito de uma parte significativa da população, o
que torna-se possível identificar na ocorrência de assaltos, consumo e comércio de
drogas ilícitas, no subemprego, na mendicância, na presença de grupos de pessoas
que fazem da praça sua 'morada', que se misturam a práticas diversas como a do
pregador religioso, das apresentações musicais em troca de qualquer pagamento
voluntário. Consiste, assim, em um lugar que aflora possibilidades de “múltiplas
113
ARANTES, op. cit., p. 115.
127
enunciações que as práticas sociais podem construir e efetivamente constroem
no espaço da cidade de São Paulo.” (2000, p. 129).
___________________________________________________________________
Figuras 34 a 35 – Praça da Sé/ São Paulo-SP. Fotos: Alzilene Ferreira (2007).
Justamente as práticas sociais com sua abundância de possibilidades que
comparece na contrapartida da corrente que assinala a praça como espaço “estéril”
e despido de usos, sendo lugar único de passagem, ou para fins como prostituição,
venda de drogas ilícitas ou ocupadas por pessoas que não têm onde residir,
configurando-se, desse modo, nas grandes e médias cidades, como lugar de perigo
e, portanto, desprezado, temido pela população. O que guarda uma realidade, mas
pode ser compreendida como o anverso de uma mesma moeda. Na corrente oposta
a esse rio de concepções, outro curso caudaloso de idéias fomenta a concepção da
praça, como um logradouro que possui um leque de funções, para onde aflui a
população, pois “sempre foi celebrada como um espaço de convivência e lazer dos
habitantes urbanos” (ROBBA; MACEDO, 2003, p. 15).
Nesse sentido, partindo da compreensão que os espaços são construídos a
partir das relações sociais e estas, por sua vez, são também moldadas pelos
espaços, nesse processo de imbricação abre-se a discussão sobre a constituição da
vida na cidade, pois “[...] concomitante às novas relações sociais, um novo espaço e
uma nova relação entre este e a sociedade, através das transformações nos modos
de apropriação do espaço passíveis de serem lidas nas mudanças dos usos e
sentidos dos lugares de realização da vida”, são engendrados (CARLOS, 2004, p.
50). O presente trabalho caminha no sentido das elucidações trazidas à luz por
Robba e Macedo (2003), que afirmam que o papel sociocultural das praças continua
128
intacto.
Atinente a essa questão, entende-se que a experiência de exibições de
cinema em praça consiste em um modo peculiar de apropriação desse espaço livre.
Pois, “historicamente sempre desempenhou um papel social relevante na cidade,
lugar do ‘poviléu’, do regozijo, da renúncia, da conquista, de embates políticos, de
perdas e ganhos, a Praça é o lugar onde tudo acontece.”
114
E justamente por
apresentar esse perfil singular, que a praça é o local onde se efetiva prática de
exibição de filmes para as pessoas que não têm acesso as salas convencionais de
cinema. Tornando possível o ato de assistir a filmes coletivamente prática essa
que comumente se efetiva na sala de projeção. Motivando, assim, as pessoas a
saírem de suas residências e comparecerem às praças.
Por isso, a praça é também considerada como um “local de reunião, um
urbano na legitimidade da cidade, é certamente uma forma urbana que marca o
imaginário da população como referencial físico e afetivo.”
115
Corroborando com
essas considerações Veríssimo (2001, p. 44) afirma que, “[...] percorrendo ruas e
vielas, artérias da urbe, os peregrinos chegam à sala de estar da cidade: a praça,
que está tão associada ao coração urbano. [Pois] uma cidade não vive sem uma
praça, fundamental para o imaginário do homem urbano.”
Na realidade, embora seja uma herança da antiga aldeia, uma marca úbere
na existência da cidade, a praça sofreu e vem sofrendo alterações nas suas formas,
funções, finalidade e significado, que respondem aos imperativos da vida urbana
vigente. Mas algo de essencial encontra-se imbricado nesse processo de
transformação, a capacidade humana de transmitir o que se torna representativo na
cultura e de alterar as marcas recebidas dando nova significação.
Assim, o intuito precípuo do trabalho reside na compreensão de que as
práticas sociais, no caso mais específico, a exibição de filmes em praças públicas,
possibilitam o uso e apropriação desse logradouro, conferindo-lhe ambiência e
significado. Essa ação comparece antes mesmo do nascimento do cinema com os
lanternistas ambulantes, posteriormente com os projecionistas do cinematógrafo e
continua ocorrendo na atualidade de modo intenso, conforme foi abordado no
114
CORADINI, 1995, p.143.
115
LIMA, 2000, p. 335.
129
primeiro capítulo. A Praça Tomé de Sousa, localizada no Centro Histórico da cidade
de Salvador, é exemplar nesse tocante, sendo desse modo locus da pesquisa aqui
delineada (o que será abordado no terceiro capítulo).
2.3. Vamos passear nas praças? Breve percurso da praça no Brasil
A Praça
A praça da Figueira de manhã, quando o dia é
de sol (como acontece Sempre em Lisboa),
nunca em mim esquece, embora seja uma
memória vã. [...] Há tanta coisa mais
interessante Que aquele lugar lógico e plebeu.
Mas amo aquilo, mesmo aqui... Sei eu por que o
amo?
Não importa. Adiante...
Fernando Pessoa
116
Detendo-se mais de perto sobre as funções da praça e suas transformações
no cenário urbano brasileiro, pode-se buscar suas origens na cidade colonial. As
informações referentes a esse contexto histórico e, em especial, ao processo de
formação das cidades, são possíveis graças aos relatos dos viajantes, documentos
e as pouquíssimas cronistas que esboçam as primeiras singularidades das
paisagens, das configurações, dos modos de morar e viver citadino.
Discorrendo a respeito da formação das praças no Brasil, Robba e Macedo
(2003, p. 18), explicitam que é essencial perscrutar o passado, estudar o nascimento
das primeiras vilas e povoados do Brasil, para se entender o significado da praça
nos dias atuais.
Dessa forma, torna-se importante lançar um breve olhar sobre a gênese das
cidades brasileiras, da qual a história revela “o cunho inequívoco da mãe-pátria, que
as características regionais não conseguem apagar; e podem, por isso, a justo título,
ser consideradas antes como cidades portuguesas do Brasil do que como cidades
brasileiras.” [Devido a isso, o traçado dessas cidades, exibem dupla marca em sua
116
PESSOA, Fernando. A Praça. Jornal de Poesia. Sessão Fernando Pessoa. Disponível em:
http://www.jornaldepoesia.jor.br/facam94.html. Acesso: em 15 de fev. 2007.
130
origem:] “a informal da Idade Média e a formalizada da Renascença” (SANTOS,
2001, p. 17, grifos do autor).
Debruçando-se sobre essas questões, Verissímo assevera, que o
nascimento da cidade brasileira “está indissoluvelmente ligada por laços culturais e
políticos ao modelo português, que, por sua vez, foi influenciado pela cultura latina,
oriundo dos romanos da Antiguidade Clássica.” (2001, p. 18).
Nesse tocante, pode-se dizer, que ao erigir uma cidade, os portugueses
aquiesciam a regência da natureza, pois os contornos, as formas do relevo eram
preservados. Esculpia-se, assim, ruas e praças sinuosas e estreitas, prédios
desordenados, resultando no conjunto, uma traça irregular, mas que no seu bojo
guarda uma busca inefável pela “coerência orgânica, uma correlação formal e uma
unidade de espírito que lhe dão genuinidade.” Por isso, não é de se admirar, como
bem salienta Santos, que as cidades portuguesas no Brasil a exemplo de Ouro
Preto, Parati, São João Del Rei, Salvador entre outras, são elevadas “à categoria de
monumentos nacionais” (SANTOS, 2001, p. 18). Feito que, segundo o autor, as
cidades retilíneas e regulares, como Belo Horizonte, não guindaram tamanho
patamar.
O quadro alinhado acima, permite perceber que as cidades coloniais
brasileiras nasceram desordenadamente. Eram as características físicas do terreno
que orientavam o crescimento da cidade. Dessa forma, ruas e praças foram
edificadas de modo espontâneo, conformando-se às irregularidades da superfície.
Elemento histórico e cultural urbano, a praça marca indubitavelmente a
gênese e desenvolvimento da maioria das cidades do Brasil. Nesse contexto é
mister sublinhar a forte relação que se estabelece entre a Igreja Católica e esse
logradouro desde o início da formação das primeiras vilas e povoados. “Segundo
Murillo Marx, as cidades coloniais brasileiras foram fundadas sempre a partir da
doação de uma área de sesmaria para determinado santo, com a conseqüente
construção de uma capela e instituição de uma paróquia em seu louvor.” (ROBBA;
MACEDO, 2002, p. 18).
No período Colonial era outorgada a igreja um pedaço de terra, comumente,
no centro da área era erigida a capela e seu adro. O espaço circunvizinho era
131
destinado o lugar onde surgiria o rossio.
Deste modo, as sementes das cidades do Brasil Colônia encontram-se em
volta das capelas, onde eram erguidas as edificações, que paulatinamente
formavam as vilas. A igreja torna-se o lugar do encontro, sobretudo, o espaço livre
ao seu redor denominado de adro. Assim, as primeiras praças brasileiras tiveram
seu nascedouro nos espaços livres em frete aos templos.
É nítido, que a igreja assume um papel preponderante na gênese das
praças, em seu entorno eram erigidas, as ruas, os prédios mais representativos
sede administrativa e política os melhores comércios e as casas dos mais
abastados.
A atual Praça Tomé de Sousa, localizada no Centro Histórico, da cidade de
Salvador, na Bahia, consiste em um valioso exemplo dos múltiplos usos e funções
da praça no Brasil Colônia. Participe deste tempo histórico, sua trajetória percorre
cerca de 460 anos. É interessante registrar que, de modo diferente do que ocorreu
nas cidades da América espanhola, nas quais a praça central representava,
sobretudo, o poder religioso, na primeira cidade portuguesa no Ocidente, a mais
importante praça foi construída em frente à Casa do Governador, simbolizando o
poder civil. O templo religioso mais significativo, a igreja da Sé, foi erguida em outra
praça, separada da principal. Foi a partir da Praça Tomé de Sousa, que o processo
de urbanização da primeira Capital da Colônia, ganhou corpo (SAMPAIO, 2005, p.
61). O capítulo seguinte trará outras considerações no que tange, mais
especificamente, aos usos e eventos que ocorreram nesse importante logradouro,
que marcam a história, não apenas da Bahia, mas também do Brasil.
A evocação sucinta dos liames existentes entre a morfologia das cidades
medievais européias e os núcleos urbanos do Brasil Colônia, ilustrados no trecho
abaixo, permite perceber as características de cidades geradas nesse período. Ao
realizar a leitura, na mente pode vi à tona as imagens tanto da cidade de Salvador,
Rio de Janeiro, como Mariana, Ouro Preto, Diamantina entre outras. Isso por que,
mesmo guardando suas especificidades, essas cidades possuem herança em
comum, que foram forjadas pelas mãos do colonizador.
132
O desenvolvimento dos cleos urbanos coloniais brasileiros assemelha-se ao da cidade
medieval européia, quando analisado do ponto de vista da estrutura morfológica. Ruas,
largos e praças iam se configurando a partir da construção de casario, resultando em ruas
estreitas e tortuosas, que convergiam para o centro do assentamento. Diferiam, porém,
quanto à função, ao uso e à apropriação do espaço livre (ROBBA; MACEDO, 2002, p. 20-
21).
A partir da análise da classificação morfológica das praças no núcleo urbano
da Idade Média, apresentada por Paul Zucker,
117
Robba e Macedo verificam que a
praça colonial brasileira, segue caminho contrário das praças medievais européias,
pois no mesmo logradouro aconteciam todas as funções, englobando ltiplas
atividades: sacras e profanas, militares e civis. (2002, p. 21-22).
Os autores salientam, ainda, que a interação dos diversos estratos da
sociedade em um mesmo local, representa outra característica peculiar da praça no
Brasil Colônia. Nesse “espaço polivalente” era possível perceber a pluralidade dos
costumes e hábitos que assinalaram a sociedade naquela época. Ora, “era ali que a
população da cidade colonial manifestava sua territorialidade, os fiéis demonstravam
sua fé, os poderosos, seu poder, e os pobres a sua pobreza.”
118
A praça, nesse momento histórico, torna-se, portanto, o principal espaço de
lazer da população, porque congregava diversas e distintas funções, era o local
por excelência, onde ocorriam os rituais religiosos, as festas profanas, as touradas,
as feiras, o comércio de modo geral, reunia também as cerimônias civis e militares.
Como ocorria na Europa, tratava-se de um público, aberto ao comércio, à circulação, às
reuniões, à sociabilidade colonial, sem os equipamentos que foram acrescentados a partir
do século XVII ou mesmo XVIII, tornando as praças similares aos modelos atuais. Enfim,
era um espaço público com linguagem própria, multiplicador de sinais e informes,
transformando-os em notícias comentadas e inseridas no contexto da cultura do seu
tempo.
119
Debruçando-se a respeito dos enlaces entre sociabilidade urbana e espaços
117
Paul Zucker em 1959 classifica as praças medievais em: praças de mercado (onde ocorriam as
atividades do comércio), praça no portal da cidade (áreas de passagem e distribuição de tráfego),
praças como centro da cidade (implantadas no centro do povoado, em comunidades novas), adros de
igrejas (situadas em frente as igrejas, onde ocorriam as atividades religiosas), praças agrupadas
(espaço de conexão entre a praça de mercado e o adro da igreja). Sobre esse aspecto ver ROBBA;
MACEDO, 2002, p. 21-22 e SEGAWA, 1996, p.32.
118
Idem.
119
VERISSÍMO, op. cit., p. 45.
133
públicos na “cidade escravista”, Marques Júnior (2006, p. 49-50), argumenta que a
elite se esquivava do espaço público. Para o autor, a ausência, sobretudo, das
mulheres, ocorria por alguns motivos principais, quais sejam: primeiro, poucos eram
aqueles que andavam a pé, as mulheres, especialmente, o fazia em ocasiões
especiais, como nas procissões religiosas ou para ir à missa. Outro aspecto
apontado refere-se a precariedade das ruas sobre as quais eram inoportuno
transitar. Mas para o autor, a escravidão seria o motivo capital que promovia o
distanciamento da elite de determinados espaços públicos. Nas palavras do autor, “a
necessidade de reproduzir no cotidiano a dominação senhorial materializava-se, no
meio urbano, na recusa do espaço público como 'locus' de sociabilidade possível
aos homens livres da elite dirigente.” (grifos do autor).
120
Frúgoli, reportando-se a cidade de São Paulo, destaca que a partir do final
do Século XIX, novos tipos humanos passam a compor a cena social da cidade:
mulheres, crianças, imigrantes estrangeiros, proprietários, negros e comerciantes. O
término da escravatura, a expansão industrial, que exigia grande mão-de-obra e o
capital acumulado com as exportações do café, são apontados pelo autor, como os
fatores preponderantes para o afloramento da presença popular na cidade. Salienta,
ainda, que a nova fase, se configurou de modo oposto do que aconteceu no período
da escravidão, com a explícita demarcação da esfera pública entre homens
escravos e livres. Mas essa nova fase, ao mesmo tempo, que fortaleceu a presença
das camadas populares no espaço público, também promoveu a segregação desses
grupos em espaço circunscritos. Isso ocorreu através de intervenções “saneadoras”,
empregadas pelo poder público, como o intuito de varrer os pobres das ruas e
praças. (1995, p. 22-23).
Salvador, também, sofre o ritmo contagiante das modificações urbanas,
becos são transformados em avenidas, praças o construídas. “Reformar a cidade,
incorporar modernas práticas de lazer, escolarizar as mulheres, repensar a família,
redefinir as formas de sociabilidade no espaço público, [...] constituíram aspectos
das transformações em curso no período republicano.”
121
Segundo Fonseca, essas
120
MARQUES JÚNIOR, op. cit., p. 50.
121
FONSECA, Raimundo Nonato da Silva. Fazendo fita”: cinematógrafo, cotidiano e imaginário
em Salvador, 1897-1930. Salvador: Editora da Universidade Federal da Bahia/ Centro de Estudos
Baianos, 2002, p. 25.
134
alterações estavam ligadas ao processo de desvalorização do caráter meramente
militar, comercial e administrativo do espaço urbano, que passa a ser, também, o
local da convivência. Para tanto, deveria apresentar novos ares, que o tornasse
aprazível e higiênico. Nesse sentido a rua, que era o espaço preferencialmente
ocupado por negros, prostitutas, vagabundos, boêmios, torna-se o lugar de desfrute
da elite, das famílias que desfilam pelas ruas as roupas da moda parisiense.
Essa nova concepção ocorre devido o aumento da circulação de pessoas
pelas ruas, que proporciona o encontro entre diferentes grupos sociais. Antes, no
entanto, as camadas abastadas andavam pouco pelos espaços públicos, limitavam-
se às missas dominicais, às procissões e o trabalho. Agora a nova realidade
impulsiona as saídas para realização de compras, olhar as vitrinas e a busca pelas
novas opções de lazer, como as regatas, passeios de automóvel e de bicicleta, os
cafés-concertos, as confeitarias, os clubes, os bailes e o cinema.
122
Desde a segunda metade do Século XIX, a influência européia, sobretudo,
da França e Inglaterra promoveu o surgimento de projetos de modernização. O olhar
voltado para esses países nortearam as reformas nas cidades embelezamento,
programas de saneamento básico foram implementados com o intuito de transformar
a cidade colonial em republicana. Nesse tocante, cumpre destacar que a reforma
operada no tecido urbano da cidade do Rio de Janeiro, sob a regência do
engenheiro Pereira Passos, tornou-se a mais radical. A febre de intervenções
buscava engendrar a imagem de cidade cosmopolita, com destaque não mais “aos
edifícios religiosos, porém a valorização de um teatro, de uma biblioteca, das lojas e
escritórios ao longo de amplos leitos carroçavéis e cuidados passeios públicos.”
123
Ademais, as mudanças não se efetivavam apenas no plano físico com as
grandes reformas, coqueluche que marcou várias cidades brasileiras, o apelo à
modernidade acaba por influenciar o comportamento das pessoas. O gosto burguês
dita as novas normas de convívio, que por conseqüência geram novos rumos e
mutações na cidade. Pode-se compreender mais uma vez, aqui, que as
transformações promovidas no espaço estão intrinsecamente relacionados à
dinâmica social, e que essa também é regida pelas mutações moldadas no espaço.
122
Ibidem, p. 30.
123
MARX, Murillo. Cidade no Brasil: terra de quem? São Paulo: EDUSP; Nobel, 1991, p. 124.
135
Diante do panorama de generalização do gosto burguês, Lima, assinala que
no alvorecer da República, a estrutura da sociedade da Capital Federal, a cidade do
Rio de Janeiro, ganha novos contornos tornando-se mais democrática. Período no
qual a cidade reconhece sua “vocação para o lazer, decorrente da ampliação da
esfera pública. Este fato permitiu a expansão da busca de divertimentos fora do lar”
(2000, p. 308). Nesse cenário fervente, a praça Marechal Floriano Peixoto, – a
Cinelândia – torna-se o espaço cultural e político mais relevante da época.
A vida mundana no início da República significou maior participação das mulheres nos
espaços públicos, implicando na ampliação da esfera pública e resultando na criação de um
novo pólo para a cultura e a política. A Praça Floriano transforma-se na nova centralidade
da Cidade. [...] Não no interior das casas de espetáculos brilhava uma sociedade ávida
de diversões. A Praça era também um palco.
124
Frente a esse panorama de intensas alterações, Veríssimo corrobora, que
as praças sofrem um novo arranjo, pois perdem sua função primordial de reunião e
de feira, são transformadas em locais de lazer ou em rótulas de trânsito. O novo
quadro que se delineou com a modernidade, não exclui nem mesmo as cidades
históricas, “em várias delas as praças receberam tratamento paisagístico que as
transformaram em área de lazer contemplativo ou eventuais feiras para turistas”.
(2001, p. 48).
Cumpre, então, dizer que a tendência de seguir os padrões de modernidade
urbana espalha-se por todo o país. Essas alterações foram regidas pelo Poder
Público, os novos projetos de praça estavam relacionados com as questões políticas
e econômicas. Evidencia-se, assim, que uma nova ordem rege o Brasil, buscou-se
criar uma imagem parecida às cidades européias. A cidade tinha que apresentar a
aparência de bela e higiênica. Nesse enredo surge um novo tipo de praça, a saber: a
praça ajardinada.
Na verdade a praça adquire novas funções e deixa de exercer outras que
foram marcantes na época colonial, como o espaço do mercado, das manifestações
militares, da igreja. Nesse sentido, não resta dúvida de que,
124
Idem.
136
a praça-jardim deixa de ser – como eram, no período colonial, o largo, o terreiro e o adro da
igreja o palco da vida mundana e religiosa, civil e militar da cidade. A praça agora é um
belo cenário ajardinado destinado às atividades de recreação e voltado para o lazer
contemplativo, a convivência da população e o passeio.
125
O surgimento da praça ajardinada significa um marco na paisagem urbana,
pois passa a receber planejamento paisagístico, torna-se o local de contemplação e
do passeio. Além disso, “essa tradição do jardim público, a praça ajardinada devia
ser freqüentada segundo algumas normas de conduta e de comportamento bastante
rígidas e hierarquizadas, não se assemelhando em nada ao polivalente largo
colonial” (Robba; Macedo, p. 29).
No Brasil, a lógica republicana promoveu igualmente o uso do desfile, pois
era premente copiar os padrões europeus. A elite freqüentava os espaços públicos
para ver e ser vista, para exibir seus trajes finos, jóias e luxuosos adereços e “a
praça é o locus onde os desconhecidos podem se encontrar e utilizar suas
'máscaras'. (LIMA, 2000, p. 308).
Com o crescimento dos núcleos urbano a partir do Século XX, uma nova
realidade foi posta, as cidades sofreram adaptações para atender à nova dinâmica
que a chegada da eletricidade e do automóvel exigia. As ruas tinham que ser
alargadas e arborizadas. E nessa nova perspectiva os espaços públicos vão tornar-
se a opção de lazer da cidade. É a ocasião em que os parques públicos ganham
destaque na paisagem urbana.
Nesse contexto a praça adquire novos significados, pois a circulação de
transeuntes e automóveis torna-se mais intenso e o espaço então recebe um
planejamento funcional, em vista disso, “as ruas da cidade adquirem então uma
função peculiar: permitir a movimentação.” (SENNETT, p. 28, 1988).
O planejamento funcional é visto como meio de equipar o espaço urbano
moderno com elementos que são relevantes para a época, quais sejam: habitação,
trabalho, circulação e lazer. O lazer figura como uma atividade de importância
essencial para os citadinos do Século XX. Sendo assim, o modelo das praças e dos
parques com seus usos voltados, especialmente para a contemplação, foram
revistos, porque não atendiam mais aos imperativos da nova dinâmica urbana.
125
ROBBA; MACEDO, 2002, p. 29.
137
A década de 1940, torna-se decisiva, no que se refere às mutações
empregadas nos usos dos parques e praças. Sob a batuta de arquitetos paisagistas
modernos, a exemplo de
Roberto Burle Marx, Thomas Church e Garret Eckbo, começaram a aparecer os primeiros
sinais de mudança na concepção dos espaços livres da cidade brasileira, com a alteração de
seu programa de uso. Parques e praças passaram a englobar, em seus programas, o lazer
ativo.” (ROBBA; MACEDO, 2002, p. 35).
Emoldura-se uma nova experiência, a praça moderna é projetada com o
intuito de viabilizar a permanência, não apenas o passeio dos transeuntes. O lazer
ativo ganha destaque, com a criação de áreas voltadas para recreação infantil e
atividades esportivas. Para tanto, são implantados, playgrounds, equipamentos para
prática de exercícios físicos, pistas para caminhada e quadras esportivas. Ademais,
o lazer cultural surge como inovação, com a instalação de museus e pavilhões de
exposição, todavia, o lazer destinado a contemplação não se extingui e as duas
tendências (eclética e moderna) convivem simultaneamente. (ROBBA; MACEDO,
2002, 36).
É interessante destacar que a praça moderna, ao apresentar equipamentos
que privilegia as atividades físicas, possibilita o acesso maior da população, uma vez
que, tais práticas, não requerem trajes finos, tão pouco regras e normas de
comportamento social.
Nos anos de 1970, assiste-se o adensamento das áreas centrais dos
grandes centros urbanos do país. Cidades como Rio de Janeiro e São Paulo
consolidam-se como metrópoles, abrigando um gigantesco contingente
populacional. As cidades de Belo Horizonte e Salvador atingem a casa de um milhão
de habitantes. A capital baiana mantém seu posto de principal cidade e centro
regional do Nordeste.
No ceio dessas frenéticas alterações, os parques se consagram como o
espaço precípuo de lazer, “e as praças, agora espalhadas por todos os bairros, são
elementos necessários para a vida na cidade, tornando-se objeto de interesse
público.”
126
Neste período, além dos equipamentos destinados a atividades
126
ROBBA e MACEDO, 2003, p. 37.
138
esportivas e recreativas, são implantados, em praças, palcos e anfiteatros ao ar
livre, assinalando-se novos usos, que acabam por atrair a população.
No anoitecer do Século XX, a cidade revela um ritmo ainda mais intenso,
grandes regiões metropolitanas (inchadas e superpopulosas) São Paulo, Rio de
Janeiro, Salvador, Belo Horizonte, Recife, Porto Alegre entre outras apresentam
problemas complexos e abrangentes: avoluma-se o tráfego de veículos e pedestres,
aumento surpreendente da violência, moradias precárias e insuficientes, degradação
ambiental, desemprego, são alguns exemplos das muitas questões preocupantes
que pesam sobre as grandes cidades. A diminuição do número de trabalhadores
com carteira de trabalho assinada fazem fervilhar os espaços públicos com a
presença de vendedores ambulantes. Neste caudal de acontecimentos as ruas e
praças voltam a serem ocupadas por atividades de comércio e serviços. Algo que
remete “a tradição do largo colonial, usada para o mercado ao ar livre, que as
políticas sanitaristas do final do Século XIX baniram da praça ajardinada.” [Diante
do quadro social gritante, é oficializada] “a apropriação informal do espaço público,
isto é, praças ocupadas por feiras livres ou camelôs.”
127
Assim, ao abrir-se as
cortinas, no amanhecer do Século XXI, a luz lançada no palco da praça permite
visualizar elementos que mesclam cenas do passado e do presente.
Não apenas, os usos vinculados a atividades comerciais retornam com vigor
a praça neste final de milênio. Algumas práticas que constituem elementos de
significação de um tempo, encontram neste logradouro seu local de abrigo. Nessa
esteira, são exemplares, as ações de exibições de cinema em praças, que foram
tratadas no primeiro capítulo. As práticas desnudam a riqueza de possibilidades, que
permanência e continuidades tecem ao longo do tempo.
Para retornar o fio que conduz as práticas de exibições de cinema em praça,
destaca-se, aqui um importante projeto que não foi apresentado anteriormente, a
saber: o Projeto Cinema na Praça em Olinda-Pe.
Seguindo pelas ladeiras e ruas sinuosas, passando em frente das igrejas,
dos monumentos, dos belos e históricos casarões, impregnados de memória, o olhar
ainda se deslumbra com a riqueza natural que abraça a cidade. Dos pontos altos,
127
Ibidem, p. 25.
139
mais uma vez, o observador atento é presenteado ao contemplar as águas azuis do
Atlântico. Saindo desse ambiente mágico e desaguando em outra vista menos
“nobres”, o carro com som ganha as ruas, anunciando a chegada de mais um
entardecer ornado de magia, não aquela proporcionada pela bonita paisagem, e sim,
pelo brilho encantador das imagens na grande tela.
As ondas de encantamentos são gestadas desde o momento que o carro
passa trazendo a boa notícia, que tecinema na praça do bairro. Crianças com os
pés descalços, correm tentando acompanhar o ritmo do veículo, não escondem a
alegria de saber que no final da tarde, o dia será bem diferente do habitual, pois o
sonho do cinema chegará bem pertinho e com ele todo seu poder de envolver e
fascinar. Foi nesse clima de sonho e festa que o Projeto Cinema na Praça em
Olinda, percorreu todos os bairros da cidade.
Foi também essa quimera que enlaçou o criador e coordenador do Projeto, o
cineasta Lula Gonzaga
128
. Saber um pouco sobre seu percurso de vida, faz
compreender as ações que vem desenvolvendo, ao longo dos anos, para que o
cinema nacional chegue às pessoas que não têm acesso às salas de exibição.
Seduzido pelas imagens em movimento desde a infância, o cineasta, conta
que a primeira vez que foi assistir a um filme na sala escura, sentiu-se tão
deslumbrado, que o tardou desejar fazer parte daquele mundo de sonhos, e aos
quinze anos de idade decidiu que trabalharia com cinema. Recorda-se quando
criança, que vendia seus gibis para poder comprar os ingressos do cinema. Para um
filho de barbeiro, o sonho de ingressar no universo da arte cinematográfica parecia
algo inatingível, mas com o passar do tempo essa centelha não se apagou, ao
contrário, ganhou mais vivacidade. Imbuído do propósito de trabalhar com a sétima
arte, aos dezoito anos de idade pegou uma carona e viajou da cidade do Recife para
o Rio de Janeiro. Trabalhou na produção de longas-metragens e curtas.
O desenrolar dos acontecimentos da vida o levou a especializar-se em
cinema de animação. Ao ser contemplando com uma bolsa de estudo do Governo
Federal, o cineasta passa um ano estudando cinema na Iuguslávia e República
Tcheca. Desde essa época manifesta o propósito de socializar o conhecimento
adquirido, de contribuir com a formação e profissionalização de jovens e
128
As informações apresentadas sobre a trajetória do cineasta Lula Gonzaga foram coletadas em
entrevista concedida à autora, na cidade de Olinda/Pe, em 14 jul. de 2008.
140
adolescentes pertencentes à famílias de baixa renda. O cinema de animação surge
como elemento galvanizante deste sonho. Condensa, então, esforços no sentido de
vicenjar seu ideal, para tanto, elabora projetos de oficinas e cursos de animação.
Sua trajetória marca uma vida voltada para a sétima arte, uma preocupação
em tornar o cinema brasileiro e, em especial, o de animação, acessível, sobretudo,
as camadas mais populares. De volta a capital pernambucana, na década de 1980,
o cineasta assiste o fechamento progressivo das salas de cinema nos bairros e nas
cidades do interior. Além disso, os espaços para exibições da produção nacional
tornam-se cada vez mais exíguos. Visualizando as sérias conseqüências dessa
realidade e com o intuito de levar o mundo mágico da grande tela à população dos
bairros periféricos, empreende em 1985 até 1990 o primeiro projeto, sobre sua
coordenação, de exibições de filmes em praças públicas.
Mais recentemente, em abril de 2001, quando assume a coordenação do
Audiovisual junto à Secretaria de Patrimônio, Ciência e Cultura na Prefeitura de
Olinda, retoma o Projeto Cinema na Praça
129
de modo continuo. As exibições
ocorrem sempre às sextas-feiras, no horário das 18:30 horas, cada semana em um
bairro diferente.
Um dos objetivos primordiais do Cinema na Praça é viabilizar o acesso
gratuito, a população excluída das salas convencionais de cinema. “Segundo Lula
Gonzaga, [...] pesquisa realizada por sua equipe nas comunidades constatou que
cerca de 90% de crianças e jovens dessas áreas nunca foram ao cinema.”
130
Outra preocupação gravita, em formar público para o cinema nacional. Além
disso, a carência de espaços para exibição da produção local e dos filmes de
animação, fez incorporar outro propósito, lançar filmes de longa e curta-metragens
pernambucanos e de animação (comumente exibidos quase que exclusivamente em
festivais e mostras de cinema).
Muitos dos filmes exibidos foram cedidos pelos próprios cineastas,
produtoras, por instituições como a Fundação Joaquim Nabuco, projetos parceiros,
como o “Cinema BR em Movimento”, também do acervo particular de amigos e do
129
As informações sobre o Projeto Cinema na Praça foram coletadas através de entrevista concedida
por Lula Gonzaga à autora em julho de 2008, também através do vídeo “Cinema na Praça” (2003), de
Tiago Delácio sobre o Projeto na cidade de Olinda.
130
Dados disponíveis em: PEREZ, Sônia. Cinema vai aonde o povo está. Cultura. Olinda, nov., 2002,
p. 4.
141
próprio cineasta.
Com uma média de 400 pessoas por sessão, entre os anos de 2001 a 2003,
o Cinema na Praça apresentou, 75 curtas-metragens de animação brasileiros; 44
curtas-metragens pernambucanos e 31 longas-metragens brasileiros. Por ano, mais
de 25 mil pessoas, tiveram a oportunidade de assistirem aos filmes projetados
através do projeto.
O Cinema na Praça realizou diversas sessões extras na cidade de Olinda e
em outras localidades, as quais se sobressaem às exibições destinadas aos
integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra MST, que
agrupavam em média um público entre 1.300 a 2.000 pessoas.
Ao sair da Prefeitura de Olinda, Lula Gonzaga, passa a realizar exibições
em praças com outro formato, voltado para o lançamento de filmes de animação.
Seguindo essa esteira, cria em 2004, o “Cine Anima”, projeto do Ponto de Cultura
“Cinema de Animação”, patrocinado pelo Ministério da Cultura MinC. O projeto
promove gratuitamente, cursos de animação destinados, exclusivamente, aos alunos
da rede pública de educação das cidades do Recife e de Olinda, que tenham
habilidade para o desenho e artesanato. No final do curso, os alunos produzem o
longa-metragem de animação.
O “Cine Anima Mostra Nordeste” consiste em outra ação desenvolvida por
Lula Gonzaga e equipe, com o apoio do Bando do Nordeste. Com o formato
itinerante e voltado para formação e divulgação do cinema de animação, o estúdio
móvel percorreu quase todos os estados das Regiões Norte e Nordeste do país.
Além de ser voltado para a formação profissionalizante, o Cine Anima, atua
igualmente, na produção e difusão do cinema de animação, participando de mostras
e festivais de cinema no Brasil e em outros países, recebendo inclusive premiações.
Hoje, o Cinema na Praça passou a ser uma ação ancorada neste projeto
maior, o Cine Anima. Após o término das oficinas itinerantes, os filmes produzidos
pelos alunos, são exibidos nas praças das cidades visitadas. Mas, isso não exceptua
a apresentação de filmes de longa e curta-metragens, que comumente marca a
trajetória de atividades do cineasta. Seu empenho fez atravessar duas décadas
dedicadas às exibições de filmes em praças. São mais de vinte anos de experiência,
abrindo caminho que permite levar o cinema onde o povo está.
142
Assim, debruçando-se, mais uma vez, a respeito do nexo entre o cinema e a
praça, o exemplo aqui delineado, descortina uma atividade que ocorre na praça e
mesclam elementos do passado e do presente. E como outrora, em que “o encanto
e promessa de um mundo mágico que se apresenta na tela atraíam espectadores de
todas as camadas da sociedade” (LIMA, 2000, p. 246), as imagens em movimento,
continuam a seduzir grandes platéias. O chamado para entrar no mundo dos sonhos
é sempre atendido pela população.
O cinema é ovacionado nas praças e diante da tela os espectadores se
deixam desligar do mundo real, o fascínio despertado pelo cinema os aproximam do
onírico, um envolvimento que incita alegria, contentamento, tristeza, medo,
enternecimento, gritos e silêncios. O cinema provoca transpiração e inspiração. Ora,
não é inopinado que esse caudal de sensações e sentimentos seduza crianças,
jovens, adultos e idosos que se aglomeram no espaço que é por excelência na
cidade destinado a reunião, a praça.
Desse modo, ganha nitidez que “cada praça ilumina como essencial o lugar
de encontro social” (ROBBA; MACEDO, 2002, p. 9). É neste espaço que mescla, ao
longo da história, funções e usos diversos, que o cinema é abraçado pela
população.
Muda-se os contornos, usos e as formas de apropriar-se desse espaço, pois
cada época tem uma ligação particular com esse logradouro - como foi exposto ao
longo desse capítulo. Da praça Colonial brasileira à atualidade um desfile de
transformações foi engendrando o cenário social que se visualiza atualmente.
Assim, a praça, testemunha da história do país, acolhe os elementos
arquitetônicos, culturais e sociais do ontem e do hoje. Exemplar, a respeito, sem
dúvida, é a Praça Tomé de Sousa, que guarda e revela as camadas impressas pelo
tempo. Da sua origem, no Brasil Colônia, até os dias atuais, são mais de
quatrocentos anos de vida. Conhecer seus fatos significativos é desvendar,
igualmente, os acontecimentos que marcam a história do país. De acordo com esse
horizonte, a seguir, traça-se um breve panorama dos feitos ocorridos nesta praça,
uma tentativa de exemplificar alguns dos usos que enredam sua trajetória. Neste
mesmo rastro, os fios que costuram a escrita, passam a tecer o quadro final do
trabalho, enfocando na prática de exibição de cinema na praça.
143
3. Prazer em conhecer: Salvador e a sua primeira Praça
Terra
Na sacada dos sobrados. Das cenas do Salvador
Há lembranças de donzelas. Do tempo do Imperador
Tudo, tudo na Bahia. Faz a gente querer bem
A Bahia tem um jeito... Terra! Terra!
Por mais distante, o errante navegante.
Quem jamais te esqueceria? Terra!
Caetano Veloso
131
Do mar de águas azuis, rodeada por uma constelação de ilhas, avista-se ao
longe morros vestidos por minúsculas edificações. O panorama causa
deslumbramento. E quanto mais se aproxima, ver-se o que antes, assemelhava-se a
uma maquete, agigantar-se e trazer à lume seus contornos com mais nitidez. Cidade
feita de contraste em relevo monumental. Foi no alto, mais perto das estrelas, como
quem querendo está próxima de Deus para ser protegida, que floresce a cidade
capital, cidade fortaleza, cidade “templo”: a cidade de Salvador.
Paisagem de admirável beleza, medra aconchegando-se ao solo rico em
contraste. Saindo do alto da colina, espraia-se pelos vales e praias. Quando vista do
mar, o olhar se surpreende ao pousar na singularidade da sua geometria, da sua
silhueta dicotômica: cidade alta e cidade baixa. É, portanto, “uma cidade de colinas,
uma cidade peninsular, uma cidade de praia, [...] cidade de dois andares”.
132
Afigurando-se a degraus de uma grande escada, compõem a tela pintada pela
natureza e pela mão humana. Escadas em abundância ornam a cidade, umas
esculpidas em sua superfície, outras presentes nas suas ricas igrejas. Riqueza,
igualmente, ostentada em suas ladeiras, ruas estreitas e becos, com seus casarões,
sobrados, fortificações coloniais e palácios.
Os relatos dos europeus que chegaram do além-mar, ao se aproximarem da
cidade de Salvador, “eram unânimes em descrevê-la como uma paisagem
131
Música “Terra”, composta e gravada por Caetano Veloso. In: VELOSO, Caetano. Disco Prenda
Minha, Gravadora Polygram, 1998. Letra disponível em: http://vagalume.uol.com.br/caetano-
veloso/terra.html. Acesso em: 16 de dez. de 2008.
132
SANTOS, 1959, p. 28.
144
deslumbrante, com o seu casario batido pelo sol no alto da montanha, na entrada de
uma das mais bonitas baías do mundo.” (NASCIMENTO, 1986, p. 23).
Não é somente a beleza natural que caracteriza esta cidade, sua construção
no ponto mais alto, não foi fortuito, pois a preocupação com a segurança herança
medieval norteou a escolha do tio. Rodeada por muralhas e portas, cortinas e
baluartes, a cidade fundada, por Tomé de Sousa, teve desde seu nascedouro o
caráter de fortaleza.
Em vista disso, precisava-se de um local estratégico, por “se tratar de uma
fortaleza-forte, ou praça-forte. [...] Para projetá-la, Tomé de Sousa trouxe consigo
Luís Dias, nomeado pela provisão de 14 de janeiro de 1549, mestre das obras da
fortaleza e da cidade do Salvador.”
133
Logo que aqui chegou, tratou Thomé de Sousa de levantar as Casas da Camara e do
Govêrno, no mêsmo local das de hôje: eram de taipa e barro, e pequenas. No mêsmo anno
registrou na Casa da Camara sua patente, e prestou o respectivo juramento, com toda a
solenidade, installando-se, então, officialmente, o govêrno da nôva cidade, à qual deu o
nôme de Cidade de Salvador.
A cidade era, então limitada: ao sul, pelas Portas de Santa Luzia (depois de S. Bento) na
altura dos fundos do Theatro S. João; e ao norte, pelas Pôrtas da Misericordia, no começo
da rua que ainda conserva o mêsmo nôme. Desenvolvendo-se a cidade, pouco e pouco,
por êsse lado norte, desappareceram essas Pôrtas, sendo substituídas pelas do Carmo,
nas proximidades da actual igreja do Rosario da Baixa dos Sapateiros, onde também, assim
como junto às que limitavam o lado sul, foi construído um baluarte, ou castello de defesa.
134
A fragilidade das edificações públicas e privadas, deste período, é
conhecida, segundo Senna (2002, p. 113) através dos relatos e iconografias. “A
colina serviu a Tomé de Sousa para edificar, em 12 meses, a sua cidadela de casas
de sopapo, cobertas de palha, que êle cercou de muros também de taipa. Fora das
muralhas foram dadas grandes concessões de terra às ordens religiosas”.
135
Senna,
assegura ainda, que a magnitude arquitetônica, português por excelência,
ganhou requinte após as sucessivas tentativas de invasão holandesa precisava-
se, assim, de construções mais resistentes também com a estabilidade e
133
SANTOS, 2001, p.88.
134
PELLICO, Sílvio. Bahia Histórica: remeniscencias do passado registro do presente. Bahia:
Governo Municipal da capital do Estado da Bahia, 1921, p. 2. (Grafia das palavras conforme o
original).
135
SANTOS, op. cit., p. 36. (Palavra grafada conforme original).
145
prosperidade política e econômica.
O forte apelo religioso que envolve a cidade desde sua criação, representa
outra peculiaridade da capital, que faz jus ao nome Salvador. Como quem recebe a
proteção divina, a capital “cresce no compasso” que aumenta o número das suas
igrejas. Nesse particular, as comemorações e eventos religiosos tornaram-se os
principais momentos de lazer da população.
Por mais de dois Séculos, ostentou o título de capital da Colônia e sua
fundação foi primordial para a presença portuguesa no continente. Neste período
destaca-se “como a mais famosa, e rica, e louvada das cidades do Reino de
Portugal”. (REBOUÇAS; FILHO, 1996, p. 17).
A razão da escolha da Bahia de Todos os Santos para a sede do Governo Geral do Brasil,
deve-se à circunstância de ser um ponto excelente, de acesso franco, de estar em posição
tal que se tornava fácil, relativamente, a navegação, tanto para o Reino como para as
colônias que Portugal tinha em África, assim como pela amenidade do clima, a posição
das terras altas sobre o mar, a fertilidade do solo e a abundância das águas. (GORDILHO,
1978, p. 3)
Seguindo essa trilha convém salientar que a cidade foi fundada com o
objetivo precípuo de ser a sede das decisões, militar, judiciário, administrativo e
fazendário atributos que vigoraram até 1763, quando a sede do Vice-Reino foi
transferida para o Rio de Janeiro. O governo, com isso, almejava centralizar a
administração criando o Governo Geral do Brasil. Tomé de Sousa foi o primeiro
Governador-Geral nomeado pelo rei. Essa medida foi empreendida, uma vez que, o
modelo de colonização descentralizada Capitanias Hereditárias não dera os
resultados esperados, tão pouco garantia a proteção do vastíssimo litoral da colônia,
que continuava vulnerável aos ataques de outros povos que a ambicionava
conquistar.
Salvador, entra, então, para a história como a cidade mais antiga do Brasil e
primeira capital da Colônia portuguesa. Nesse contexto, a Baía de Todos os Santos,
torna-se a principal porta de entrada de milhões de pessoas, escravos que eram
trazidos compulsoriamente do Continente Africano, para trabalharem, sobretudo, na
146
agricultura.
136
A cidade “transforma-se no maior porto do Atlântico Sul e na segunda
maior cidade do Império Português. Freguesias foram criadas e a cidade extrapolou
os limites da sua muralha, e conseqüentemente da sua mancha matriz.” (Senna,
2002, p. 114).
Foi a partir da “mancha matriz”, a primeira praça da cidade, que o processo
de urbanização de Salvador ganha impulso. Este caminho especial merece
melhores detalhes, para tanto, faz-se imperioso realizar-se uma viagem do passado
ao presente. Uma tentativa de compor o quadro geral sobre este tão relevante
logradouro, palco no qual pisaram e realizaram seus feitos importantes,
personagens conhecidos da história oficial do país e pessoas anônimas, que juntas
são responsáveis em modelar o sentido e significado da praça ao longo dos anos.
O ato de viajar denota uma ação, um deslocar para se chegar a um outro
lugar distante ou não. Pode ser, ainda, definido como a descrição de fatos ocorridos
na vida. De todo modo, refere-se a algo que se engendra-se no espaço e no tempo.
Foi, exatamente, através de uma viagem, a partir de decisões que ao serem
colocadas em prática, desencadeiam uma série de conseqüências estas, muitas
vezes, ocorrem para além do esperado, do previsível e abrem portas para novas
realizações. Numa sucessão de acontecimentos imbricados, que enlaçam gerações
e vão tecendo a história, em uma palavra, a própria vida que esse enredo
começou. Nesse sentido, a resolução do rei português, D. João III, de fundar
Salvador, teve ampla ressonância histórica e cultural no destino do Brasil. De modo
que, os ventos que trouxeram as embarcações para o outro lado do Atlântico,
sobraram igualmente os rumos do Brasil. Novo caminho lançado simbolicamente
com a partida de Lisboa da “Armada do Brasil”, em 1
o
de fevereiro de 1549, e sua
chegada à Capitania da Bahia. Graças aos “prósperos ventos”
137
, após 56 dias de
travessia, Tomé de Sousa, acompanhado “com cerca de 1000 pessoas”,
138
“aqui
136
Nesse sentido, Vianna (2002, p. 19,) destaca que a partir desse momento histórico ocorre o
nascimento do maior exemplo de integração, aceitações, repulsões, choques, preconceitos e
confluência de tudo quanto faz do universo de integração Europa-África, encontro cultural que foi e
ainda é a cidade de Salvador.
137
SILVA, 1949, p. 43.
138
GORDILHO, Walter Veloso. O sitio urbano seu desenvolvimento. In.: COMPANHIA ESTADUAL
DE DESENVOLVIMENTO URBANO. A Grande Salvador: posse e uso da terra. Salvador:
Companhia Estadual de Desenvolvimento Urbano, 1978, p. 3.
147
aportou a 29 de março de 1549, com uma frota de seis navios, bem equipados,
investido de poder absoluto, com jurisdição sobre todas as capitanias do Brasil, e de
encargo especial de lançar os fundamentos da cidade”
139
de Salvador.
Assim, de frente para o mar, braços e olhos abertos a contemplar a bela
Baía de Todos os Santos, nasce no cume da montanha, no ponto mais alto, de difícil
acesso, “topograficamente mais complicado, [...] a 70 metros do nível do mar”, [a
cidade de Salvador], “com a primeira praça da cidade, a praça cívica, local onde o
povo delibera e protesta, e que ficava onde hoje se encontra a praça Municipal.”
140
A jornada, então, segue no sentido de conhecer um pouco mais sobre a
semente primeira da cidade, sua Praça principal. Gabriel Soares de Sousa, no
Século XVI, em sua obra “Tratado Descriptivo do Brasil em 1587”, descreve a Praça:
Está ao meio désta cidade uma honesta praça, em que se correm touros quando convem,
em a qual estão da banda do sul umas nobres casas, em que se agasalham os
governadores, e da banda do norte tem as Casa de negócio da Fazenda, alfandega e
armazens; e da parte leste tem a casa da camara, cadêa e outras casas de moradores, com
que fica esta praça em quadro e o pelourinho no meio d'della a qual da banda do poente
está desabafada, com grande vista sobre o mar; onde estão assentadas algumas peças de
artilharia grossa, d'onde a terra vai muito a pique sobre o mar; (...) e d'esta mesma banda da
praça, dos cantos d'ella, descem dois caminhos em voltas para a praia, (...) o caminho que
está na parte do sul é serventia para Nossa Senhora da Conceição, aonde está o
desembacadouro geral das mercadorias (...) E retornando à praça, correndo d'della para o
norte vai uma formosa rua de mercadores até a sé, no cabo da qual, da banda do mar, está
situada a casa da Misericordia e hospital, cuja igreja não é grande, mas mui bem achada e
ornamentada; e se esta casa não tem grandes officinas e enfermarias, é por ser muito
pobre e não ter nehuma reda de S. Magestade.
141
A narração seminal realizada por Sousa, suscita a elaboração mental da
praça, com os seus prédios significativos, limites e caminhos que se ramificaram a
partir do núcleo gerador. Não somente os aspectos físicos são iluminados, pode-se
perceber que a Praça enfeixa símbolos de poder, as sedes administrativas, além do
pelourinho. “Grandes acontecimentos ela [a Praça], presenciou. [...] Também cenas
139
PELLICO, Sílvio. Bahia Histórica: remeniscencias do passado registro do presente. Bahia:
Governo Municipal da capital do Estado da Bahia, 1921. p. 1. Grafia das palavras conforme o original.
140
VIANNA, Marisa. Salvador: cidade da Bahia. Salvador: Bigraf, 2002, p.18.
141
SOUSA, Gabriel Soares. Tratado Descriptivo do Brasil em 1587. 3 edição. São Paulo; Rio de
Janeiro; Recife; Porto Alegre: Companhia Editora Nacional, 1939, p. 134-135. Palavras grafadas
conforme original.
148
degradantes, quando tinha o pelourinho da cidade”
142
removido da Praça principal
no ano de 1602.
143
Lança luz, igualmente, sobre as corridas de touro ou touradas, uma das
primeiras atividades de lazer de Salvador. “Quando praça de touros, corações
femininos se emocionavam, assistindo àquele esporte, tão do agrado de nossa
primeira sociedade colonial.”
144
Alberto Silva, corrobora que as touradas junto com
as cavalhadas, constituíram umas das diversões preferida da cidade até a metade
do Século XIX. “Multidões entusiásticas replenaram, vêzes sem conta, a Praça do
Palácio [atual Praça Tomé de Sousa] e o Terreiro de Jesus aplaudindo as tiradas
simbólicas de argolas argênteas ou as quedas mortais de touros bravios aos pés de
toureadores triunfantes”.
145
Mesmo esmaecida sua força como principal opção de
lazer, as touradas ainda foram encontradas em Salvador até o início do Século XX.
Desse modo, no Período Colonial as corridas de touros foram marcantes na
cidade e a principal praça foi o primeiro local onde essa atividade ganhou robustez,
“Desse uso e costume lhe veio o batismo posterior: “da Parada.”
146
Percorrendo as trilhas abertas por autores, que fizeram referência sobre o
nome da praça em seus estudos, essa o foi a única denominação que o
logradouro recebeu e para alguns, possivelmente não foi a mais antiga.
Exumar as múltiplas nomeações da Praça torna-se outra reveladora viagem.
Isso, por que, o logradouro adquiriu ao longo dos tempos novos batismos, conforme
as funções, uso, apropriações, que foram proeminentes em cada época. Também
foram atribuídos nomes para homenagear pessoas ou fazer referência a algum
prédio importante erigido na praça.
Seguindo a caminhada que leva a conhecer um pouco mais sobre este
142
BRANDÃO, Darwin & MOTTA E SILVA. Cidade do Salvador: caminho do encantamento. São
Paulo: Companhia Editora Nacional, 1958, p. 12.
143
GORDILHO, Walter Veloso. O sitio urbano seu desenvolvimento. In.: COMPANHIA ESTADUAL
DE DESENVOLVIMENTO URBANO. A Grande Salvador: posse e uso da terra. Salvador:
Companhia Estadual de Desenvolvimento Urbano, 1978, p. 5.
144
BRANDÃO & MOTTA E SILVA, 1958 p. 12.
145
SILVA, 1957, p. 19. - Palavras grafadas conforme o original.
146
DÓREA, Luiz Eduardo. Histórias de Salvador nos nomes das suas ruas. Salvador: Editora da
Universidade Federal da Bahia/EDUFa, 2006, p. 131. – A spas conforme o original.
149
“quadrado com 87 passos andantes,”
147
a praça matriz, chega-se a uma outro tipo
de apropriação: a feira, que por seu vigor, acabaria dando ao local o nome de Praça
da Feira.
Na Praça da Cidade, em fase da Camara e das casas do Governador, e em torno do
pelourinho, que começou ahi se assentou, fazia-se ao tempo outra feira. Alastravam o solo
as mercadorias trazidas pelos índios e pequenos lavradores da vizinhança da cidade. Aos
productos tão varios e esquisitos da ceramica indigena [...] para ali trazidos à cabeça das
mulheres índias a que acompanhavam os curumins nús, conduzindo cachos de côco de
varias sortes, rozarios de nicuris, pennas de côres vivas, [...] os rolos de cipós para cercar
e construcções de taipa, [...] as raízes medicinaes, [...] e os productos varios da
phamarcopéa indigena.
148
Abordando acerca das denominações que a praça adquiriu ao longo dos
tempos, Alberto Silva, afirma que, “Ao que parece, o seu primeiro nome foi o de
Praça da Feira, por ter sido um dos locais das primeiras feiras da Cidade que
surgiu.” (1949, p. 109). No entanto, parece ocorrer uma controvérsia no que
concerne ao nome primitivo da Praça. Dórea, em sua obra, “Os nomes das ruas
contam histórias”, assegura que a “praça não tinha nome, pois era a única existente
na cidade. A ladeira abria-se ao lado esquerdo [...]. Como o trecho da ladeira não
tinha nome, ficou sendo Ladeira da Praça.”
149
Assim, “naquele tempo apenas “a
Praça”, hoje “Municipal” (Tomé de Sousa por decreto, desde 1949).”
150
Sílvio Pellico, em sua obra “Bahia Histórica: reminiscencias do passado
registro do presente”, uma publicação de 1921, elucida ao apresentar em seqüencia
as diversas designações do logradouro,
Primitivamente se denominava Praça da Parada, e, ao depois, Praça do Palácio, o local
onde se construiu o Paço Municipal desta cidade; nôme que se conservou durante grande
período do regime colonial, e em todo o monarchico, passando, em 1889, quando foi
pelo advento da República, a denominar-se Praça da Constituição, e, têmpos após, Praça
do Conselho.
Pela Resolução no 338, de 24 de maio de 1912 do govêrno municipal, passou, ainda, a ter
a actual denominação de Praça Rio Branco.
151
147
BUENO, Eduardo. A coroa, a cruz e a espada: lei, ordem e corrupção no Brasil Colônia. Rio
de Janeiro: Objetiva, 2006, p. 109.
148
HISTÓRIA da fundação da Cidade do Salvador. Salvador: Tipografia Beneditina, 1949, p. 206-207.
- Grafia e grifos conforme o original.
149
DÓREA, Luiz Eduardo. Os nomes das ruas contam histórias. Salvador: Câmara Municipal de
Salvador, 1999, p. 51-52.
150
Ibidem, p. 58. - Grifos conforme o original.
151
PELLICO, Sílvio. Reminiscencias do passado registro do presente. Salvador: Governo
Municipal da Capital do Estado da Bahia, 1921, p. 73-74. - Grafia e grifos conforme o original.
150
No entanto, a praça que “domina o mar, offerecendo um dos mais
pinturescos panoramas”
152
, veste ainda outras designações, expostas dessa vez, em
1949, por Alberto Silva, “Essa Praça da Feira foi, então, sucessivamente chamada
de Praça da Cidade, Praça do Mercado, Praça da Parada, Praça da Constituição,
Praça do Conselho, Praça Rio Branco, Praça Municipal e atualmente Praça Tomé de
Sousa.” (1949, op. cit., p. 109).
Mas, a praça “aberta em meio à densa mata tropical,”
153
hospeda outros
nomes, além dos citados, como registra Dórea (1999, p. 72), no seguinte
panorama: por abrigar o Palácio onde moravam os senhores vice-reis, o logradouro
é batizado de Praça do Palácio. Em 1889, recebeu o nome de Praça da
Constituição, em seguida, Praça do Conselho “[ali se reuniam os representantes dos
diversos setores do governo municipal para tomar deliberações]. [Logo depois]
passou a chamar-se Praça Rio Branco.”
154
Outros nomes ainda são encontrados
como Praça da Aclamação, da Assembléia e Ramos Queiroz. Oficialmente, passa-
se chamar Tomé de Sousa – período de comemoração do quadricentenário da
cidade. “Atualmente, é endereço certo sob o batismo de Praça Municipal, de origem
eminentemente popular, e que indica a história presente ali dos principais setores do
Poder Executivo do Município”
155
Na aurora dos tempos, descreve José Antônio Caldas, que a praça teria
“26.244 pes quadrados” e se comunicava com toda a cidade por sete ruas.
156
Talvez
o habitante ou visitante que pouse os pés sobre o chão da praça não imagine “sua
existência através de quatro séculos. Grandes acontecimentos ela presenciou:”
157
de
bombardeios a comemorações, de discursos inflamados a conversas corriqueiras,
de discussões a calorosos namoros, de tranqüilos passeios a touradas, de revoltas a
152
Ibidem, p.74. – grafia conforme o original.
153
SILVA, Cecília Luz da. A cidade do Salvador nos seus 454 anos. Salvador: Editora da
Universidade Estadual da Bahia, 2005, p. 27.
154
REA, Luiz Eduardo. História de Salvador nos nomes das suas ruas. Salvador: Editora da
Universidade Federal da Bahia, 2006, p. 131.
155
Ibidem, p. 72.
156
CALDAS, José Antônio. Notícia geral de toda esta Capitania da Bahia desde o seu
descobrimento até o presente ano de 1759. Salvador: Tipografia Beneditina, 1931, p. 5. - Grafia
conforme o original.
157
BRANDÃO e MOTTA E SILVA, 1958, p. 12.
151
procissões foram diversas e distintas manifestações populares. Muitos
personagens pisaram em seu solo,
Contemplou-a e pisou-lhe as trilhas do chão vermelho os Tomé de Souza, os Duarte da
Costa, os Men de Sá, o Bispo Sardinha [...]. Também foi caminhada por graves
funcionários, militares, padres, frades, índios, reinóis, damas de vida coberta e de vida
descoberta [...]. Foi o Paço dos Governadores, em seu tempo, cenário de fatos históricos
memóraveis, residência e casa de despacho de Governadores, Vice-Reis do Brasil e
Presidentes da província, hospedando, em ocasiões diversas, reis e imperadores, como D.
Maria I, o Príncipe Regente D. João, D. Pedro I e D. Pedro II.
158
À luz destas considerações, Álvaro Carvalho Júnior (1999, p. 34), narra a
respeito da visita de D. Pedro I a Salvador, em 1826. Na ocasião o imperador foi
recebido com festividade no Palácio dos Governadores. “Às 9 horas da noite, no
final da festa, o imperador apareceu em uma das janelas do palácio, de onde falou
ao povo,”
159
que o saudou com alegria, da praça.
No decorrer de sua trajetória Salvador recebeu outras “visitas”, algumas não
desejadas, a exemplo da presença holandesa. Dois Séculos antes da estada de D.
Pedro I na cidade, foi a vez dos holandeses pisarem sobre a praça. Os navios da
Holanda invadem a Baía de Todos os Santos e a resistência mostrou-se ineficaz. No
dia 10 de maio de 1624, conquistaram Salvador, quando venceram, a “força que
guardava a porta do São Bento, os holandeses avançaram e atingiram a praça. (...)
Sobre o palácio hasteou-se por quase que um ano, a bandeira de nacionalidade
holandesa.”
160
Seguindo esses passos, outros conflitos de maior ou menor envergaduras
ocorridos na Praça, ocupam lugares nodais na composição do entrecho da Cidade.
A primeira metade do Século XIX abre as cortinas para uma série de revoltas e
levantes armados. Entre outras rebeliões que eclodiram durante a Regência,
destaca-se a Sabinada, que representou um forte movimento separatista. Sob a
batuta de Francisco Sabino Álvares da Rocha Vieira, os revoltosos, depuseram o
Governador Francisco de Souza Paraíso e proclamaram a “República Baiana”, no
158
REBOUÇAS, Diógenes e FILHO, Godofredo. Salvador da Bahia de Todos os Santos no Século
XIX. Salvador: Odebrecht, 1996, 50.
159
CARVALHO JÚNIOR, Álvaro Pinto Dantas de. Algumas notícias do Palácio Rio Branco e sua
Praça nos 450 anos da cidade do Salvador. Salvador: [s.n.], 1999. Digitado. p. 34.
160
Ibidem, p. 6.
152
dia 7 de novembro de 1837. “Houve grande reunião na Praça do Palácio, juntando
gente ao badalar do sino da Câmara, sendo convocados os vereadores.”
161
O
movimento foi sufocado, em maio de 1838, pelas forças regenciais.
Outra mobilização importante ocorre em 1858, a praça ver seu solo pulular
de manifestantes, que aos gritos protestaram contra o aumento demasiado dos
preços dos alimentos. Conta-se que, “reunidos na praça do palácio, o povo, em
atitude hostil, [...] clamando pela baixa do preço da farinha invadiu inopinadamente o
paço da Câmara.”
162
De volta à Praça a população apedreja o Palácio do Governo.
O custo de vida elevado e a escassez de gêneros alimentícios fomentaram o Motim
que ficou conhecido como “Carne sem osso e farinha sem caroço” frase que os
revoltosos fizeram ecoar no momento da manifestação.
Uma coluna da força policial, vinda pela Ladeira da Praça, ocupou-se baioneta calada,
todas as embocaduras das ruas, enquanto a cavalaria que fora postada no Terraço lançou-
se a galope para a Praça, que estava apinhada de povo, o qual abalou em fuga
desordenada pelas encostas [...]. Uns despencaram da Praça pela Montanha abaixo [...],
Encerra-se esse motim sem perda de vidas, mas com um elevado número de feridos, na
sua maioria atropelados pelos companheiros em fuga. Ao que dizem, naquela noite e na
manhã seguinte, a Praça e adjacência estavam coalhadas de chinelos [...] o que valeu aos
jornais da época glosarem a arruaça ironicamente, crismando-a de 'revolução dos chinelos'.
(RUY, 1996, p. 220).
________________________________________________________________
Figura 36 Gravura representando o “Motim da Carne sem osso e farinha sem caroço”, que se deu
na Praça Tomé de Sousa em 1
0
de Maio de 1858.
163
161
CARVALHO JÚNIOR, op. cit., p. 39.
162
RUY, Affonso. História da Câmara Municipal da Cidade do Salvador. 2 edição. Salvador:
Câmara Municipal de Salvador, 1996, p. 219.
163
Fonte: Câmara Municipal de Salvador. História do Paço Municipal. Salvador: Prefeitura Municipal
de Salvador, 2000, p. 48.
153
As eleições também fazem parte dos fios que urdem a vida da/na Praça.
Vários foram os comícios, discursos que atraíram multidões ao logradouro. Nesse
particular é ilustrativa a narrativa de Álvaro Carvalho Júnior, acerca da atmosfera da
política no ano de 1919.
Os ânimos foram se exaltando com a proximidade das eleições. Das agressões nos jornais,
passaram os oposicionistas aos meetings sediciosos nas praças públicas.
Em um deles, realizado na Praça do Palácio Rio Branco, deu-se um choque entre os
partidários das duas candidaturas. Houve troca de bengaladas e de tiros, que produziram
ferimentos leves. (1999, p. 67).
Além dos diversos acontecimentos que pela importância social, política,
econômica e cultural entraram para as páginas dos livros de História. Não se pode
esquecer, que em Salvador “[gravita] em torno de sua Praça Cidade, Praça
Municipal, [...] um conjunto cívico monumental”
164
, que igualmente é partícipe do
enredo da Cidade.
Construir, reconstruir e embelezar são verbos que marcam notadamente a
história da Praça Tomé de Sousa, ações estas engendradas no passado e no
presente. Muitas das construções que foram representativas para este espaço,
símbolos e testemunhas de uma época, foram demolidas ou substituídas. É de
conhecimento comum, que a retirada ou “construção de qualquer prédio é um fato
novo na história da cidade, pois modifica e altera a paisagem e a percepção do
indivíduo quanto ao espaço.” (LIMA, 2000, p. 21). Nesse sentido torna-se pertinente
atentar para algumas operações, que ao serem empreendidas transformaram
significativamente a fisionomia da Praça.
A construção do gradil de ferro delicadamente trabalhado e de bancos de mármore, que
facilitavam o acesso à bela vista panorâmica da baía e de construções da cidade baixa com
seus velhos telhados, eram parte do projeto de embelezamento. O comerciante Nicolau
Gavazza vendeu à Província uma coleção de estátuas de mármore fino, vindas da Itália,
para serem colocadas sobre as 16 pilastras do gradil. [...] Essas estátuas embelezaram a
praça do Palácio durante muito tempo, até desaparecerem ou serem estragadas por
vandalismo. Hoje, restam apenas alguns exemplares, preservados no museu de Arte da
Bahia. [...] Em grande moda na Europa e no Sul do País, os dois primeiros quiosques de
Salvador foram instalados em 1878, na Praça do Palácio e na Praça do Teatro São João.
(SAMPAIO, 2005, p. 70).
164
MARX, Murillo. Cidade no Brasil: terra de quem? São Paulo: EDUSP; Nobel, 1991, p. 94.
154
Com o objetivo de propiciar o alargamento do logradouro, a Casa da Moeda
uma construção de 1694 – foi demolida em 1874.
165
O logradouro assiste, ainda, a
derribada da Casa da Relação, onde hoje se encontra o Elevador Lacerda. No
Século XX, neste mesmo local, “ergueu-se a Imprensa Oficial do Estado (1915) e, ao
lado, a Biblioteca Pública (1919).” (SAMPAIO, op. cit., p. 69). Na década de 1970,
uma nova intervenção, nesta área, altera a imagem da Praça. Desta vez são
retirados três prédios, o da Imprensa Oficial, da Biblioteca Pública e da Delegacia de
Polícia. O motivo seria o mesmo da primeira cirurgia ocorrida na segunda metade do
Século XIX. Conforme reportagem publicada no Jornal Diário de Notícias em 1972,
o intuito de ampliar o espaço da Praça, desta vez, estava amalgamada aos planos
do Governo de alavancar o turismo local.
[A] ampliação da Praça Municipal, com a construção de um estacionamento subterrâneo e
restaurante, aproveitando o desnível existente, e a abertura de grande praça, com a
demolição dos prédios atuais [...] a Praça Municipal ficará com uma das mais bonitas vistas
da cidade, constituindo a iniciativa mais um passo que o Governo dá para ampliar as
condições turísticas da capital baiana. (1972, p. 05).
___________________________________________________________________
Figura 37 – “Paço dos Governos, fotografia atribuída a Mulock, por volta de 1860.”
166
Nesse tocante é, igualmente, exemplar, as demolições, construções e
165
SILVA, Alberto. A cidade de Tode Sousa (Aspectos quinhetistas). Rio de Janeiro: Irmãos
Pongetti Editores, 1949. p. 110.
166
Fonte: VIANNA, Marisa. “... Vou pra Bahia”: cidade do Salvador em cartões-postais (1898-
1930). Salvador: Bigraf, 2004, p. 137.
155
reformas operadas no atual Palácio Rio Branco. Sua origem remonta ao Período
Colonial, pois começou a ser erigido pelo primeiro Governador-Geral do Brasil, na
segunda metade do Século XVI. O prédio foi totalmente derrubado em 1890, e após
dez anos de construção a população assiste a inauguração do novo Palácio, que
passa a exibir o majestoso estilo neoclássico. Mas, outro acontecimento conflituoso
mancha a página de vida do Paço e da Praça. Em 10 de janeiro de 1912, a cidade
de Salvador foi bombardeada, a mando do Presidente da República, e o palácio foi
uma das edificações mais atingida, ficando praticamente em ruínas. No mesmo ano
começaram as obras de reconstrução do prédio, que foi reinaugurado em 1919,
mantendo-se até os dias atuais.
_______________________________________________________________________
Figura 38 – “Palácio dos Governos, antes do bombardeio que sofreu em 1912.”
167
Desde 1763, o Palácio deixou de abrigar o Governo Geral do Brasil –
quando ocorre a transferência para o Rio de Janeiro. O Governo da Bahia também
segue o rastro de mudança e, em 1979, passa a despachar no Centro Administrativo
da Bahia. Hoje, no prédio, que testemunhou tantos fatos relevantes do país e de
Salvador, funciona a Fundação Pedro Calmon, a Fundação Cultural do Estado da
Bahia e o Memorial dos Governadores.
167
Fonte: VIANNA, Marisa. “... Vou pra Bahia”: cidade do Salvador em cartões-postais (1898-
1930). Salvador: Bigraf, 2004, p. 137.
156
Cartão-Postal da Cidade de Salvador, o famoso Elevador Lacerda começou
a compor o cenário da Praça em 1873. Inicialmente, chamava-se Elevador
Hidráulico da Conceição da Praia, popularmente conhecido como Elevador do
Parafuso. Com 72 metros de altura, o meio de transporte foi erigido pelo engenheiro
Antônio Lacerda, para ligar os dois planos de Salvador: Cidade Alta e Cidade Baixa
no alto Praça Tomé de Sousa e na parte baixa Praça Cayru. Em 1890 é batizado
com o sobrenome do seu construtor, permanecendo até os dias atuais.
Ao lado das portas de entrada e saída do Elevador, localiza-se a Cubana,
uma das primeiras sorveterias da cidade. Fundada na década de 1930, a sorveteria
tornou-se um dos locais mais visitados pela população. Freqüentar a Cubana era
sinônimo de status social. Caminhar pela Rua Chile e Praça Municipal era o
momento que a elite soteropolitana desfilava com seus trajes bem arrumados e ricos
adereços. Na época, sair de casa e ir para a Praça sentar-se nas mesinhas da
sorveteria para apreciar o pôr-do-sol e a vista da Baía de Todos os Santos, era um
acontecimento cobiçado. Da década de 1940 ados anos de 1960, a Cubana viveu
seu momento mais esplendoroso. Hoje, a sorveteria, que tem mais de setenta anos,
tornou-se mais popular. Aglutina pessoas da cidade e dos mais diversos países do
mundo.
168
Assim, com esse conjunto de intervenções “a praça do Palácio representou,
ao final do século XIX, o paradigma da modernidade e o embelezamento urbano na
cidade do Salvador.” (SENNA, 2002, p. 116).
Outra obra que marca a história da Praça é o Palácio Tomé de Sousa, onde
funciona a Prefeitura Municipal de Salvador
.
O edifício, construído em 1986, se
destaca por apresentar um estilo arquitetônico que difere do seu entorno. Por isso,
existe muita polêmica com relação à sua arquitetura e localização. Feito com uma
estrutura totalmente desmontável, foi erguido para permanecer na Praça por apenas
seis meses e encontra-se no mesmo local a hoje. A Praça foi escolhida para
instalação do prédio, justamente, por sediar os demais poderes públicos locais.
Ademais, trata-se de uma área muito movimentada, principal porta de acesso para
quem precisa trafegar entre as duas partes da cidade.
168
PINHEIRO, Flávia. Tradição com mais de 70 anos. Soteropolitanos. 2007. Disponível em:
http://soteropolitanosdocentrohistorico.wordpress.com. Acesso em: 6 outubro de 2008.
157
Com o decorrer do tempo, Salvador vai ganhando novos contornos, os fatos,
tradições, memórias e esquecimentos somam-se e pintam a paisagem que pode ser
percebida atualmente. O olhar que observa o ontem encontra um tecido social que
apresenta suas singularidades, se antes as “famílias eram numerosas [...] e a vida
social giravam em torno das celebrações e compromissos religiosos. A cidade era
insalubre, com a maioria das ruas sem pavimentação [...], com a predominância dos
negros nas ruas, palco para punições e manifestações lúdicas.”
169
Hoje, “o quadro
antigo, herança do passado, não foi completamente substituído, enquanto, sobre um
sítio artificialmente criado, nascia uma cidade moderna.”
170
Sabe-se que a cidade é tecida cotidianamente a partir das relações sociais
que nela se estabelecem, e essas relações são engendradas de modo diferente em
cada momento, em cada contexto específico. Nessa urdidura, como já foi salientado,
o “novo” e o “velho” se imbricam forjando novos sentidos e relações.
Nesta perspectiva a primeira Praça da cidade apresenta-se como elemento
rico de significado, tornou-se ao longo dos tempos, um importante espaço para
grupos sociais distintos. Sua trajetória e significação acabam por torná-la uma
referência simbólica da cidade. Constituindo-se, portanto, em valioso espaço que
marca sucessivas gerações, testemunha e agente que é de épocas e de histórias de
vida.
Salvador que foi considerada a maior metrópole da América Latina, no
Período Colonial, é, atualmente, a terceira maior cidade brasileira, quanto a
população. Suas praças, que outrora conformava-se como o local dos jogos, das
touradas, das conversas, dos conflitos, mobilizações populares, dos eventos e
festejos religiosos celebrações que dilatavam-se para além do dia oficial no
presente, ainda, visualiza-se uma continuidade do quadro delineado no passado,
com outras configurações.
A natureza festiva da vida baiana nunca se deixou conter dentro dos limites das festas
oficiais patrocinadas pelo poder laico ou religioso. Na verdade, as festas oficiais é que
primaram sempre por uma espécie de transbordamento, com a massa da população
prolongando a celebração pública organizada pela elite dirigente em espaços de
169
Ibidem, p. 114-115.
170
SANTOS, 1953, p. 23.
158
comemoração em que podiam se entregar, sem maiores inibições, aos jogos do prazer.
Prazer de falar, de cantar, de dançar, de se embriagar, se abraçar, se tocar.
171
Dessa maneira, as praças da cidade de Salvador e, em especial, sua Praça
Matriz, são espaços onde ocorrem uma série de manifestações culturais, políticas e
religiosas. Encontra-se na Praça, de procissões a festejos carnavalescos, da
apresentação de teatro a feira de livros, de protesto por salários melhores a
mobilização em defesa do meio ambiente, do contador de história ao performista, de
turistas deslumbrados a crianças em situação de
risco,
da apresentação de capoeira
a comemoração do Natal, dos shows musicais a exposição de arte, da feira de
artesanato a vendedor ambulante, do casal de namorado a idosos aposentados, do
artesão a apresentação de recitais, do espetáculo de dança a cinema na praça. Uma
constelação de usos e apropriações pululam na praça “planta no alto da colina”.
Faz-se mister sublinhar, que alguns anos atrás essa realidade apresentava-
se de modo bem diferente. Isso por que, a Praça, “centro das deliberações da
cidade”
172
tornou-se por um determinado período um grande estacionamento de
veículos. Um mar de carros invadia a Praça e impedia que a população fruísse no
espaço, palco no qual foram amanhadas tantas lutas, reivindicações e conquistas.
Local onde igualmente vicejaram as festividades, os momentos de lazer e alegria. A
esse respeito mostra Daniel Paz
173
, uma certa indignação ao asseverar,
Mais grave que a sede da Prefeitura é a invasão dos carros na praça. Impossível apreender
o espaço e o entorno, e o cidadão fruir da praça matriz da cidade. Um rasgo
institucionalizado do pensamento rodoviarista assumindo como normal em uma cidade que
não reflete o destino que à sua praça fundacional [...] onde o agravo ainda se mantém
irredutível.
O papel da praça acaba por lhe caber, pelos recuos que constrói e o espaço térreo liberado,
e assim entendido e apropriado pelos usuários. O térreo se funde com os espaços abertos.
Os elementos típicos de uma praça estão: senhores de meia-idade, pombos, mendigos.
Apesar do desconforto provocado pela saída da climatização do ar, é usado inclusive para
pequenas exposições e feiras.
174
171
RISÉRIO, Antônio. Uma história da Cidade da Bahia. 2 edição. Rio de Janeiro: Versal, 2004, p.
172.
172
TEIXEIRA, Cid. Salvador: história visual. Salvador: Correio da Bahia, 2001, p. 7.
173
PAZ, Daniel Mellado. Notas sobre a polêmica da Prefeitura de Salvador. Vitruvius-Minha cidade,
Salvador, ano 5, vol. 3, 116, out. 2004. Não paginado. Disponível em:
http://www.vitruvius.com.br/minhacidade/mc116/mc116.asp. Acesso em: 6 de abr. de 2005.
174
O Palácio Tomé de Sousa é uma construção em o e vidro, instalado na Praça Municipal na
gestão do prefeito Mário Kértes. A administração daquela época pretendia trazer a prefeitura, que
antes funcionava no Bairro de Engenho Velho de Brotas, para um prédio histórico nas proximidades
das edificações que sediavam os demais poderes públicos. Enquanto realizava-se a procura, um
prédio provisório foi construído para abrigar a prefeitura na Praça Tomé de Sousa. A construção foi
159
Neste particular é interessante atentar, que mesmo sendo tirado da
população o direito de uso da praça, pois é obrigada a ziguezaguear entre os carros
que inundam o logradouro o único espaço que lhe resta, embaixo da Prefeitura, é
por ela de algum modo apropriado. Uma ilustração de que alguns elementos que
representam a praça, continuam acesa apesar da adversidade.
Diante dessa situação gritante, tornava-se imprescindível “devolver este
pedaço da cidade ao pedestre, tornando-a uma praça de fato.”
175
O quadro
desolador persiste até julho de 2005, quando a Prefeitura Municipal, finalmente,
resolve proibir o estacionamento de automóveis no logradouro. A “'entrega' da Praça
Thomé de Sousa [...] ao povo foi comemorada por grande parte da população.”
(CORREIO DA BAHIA, 2005, sem paginação). Na realidade, a medida empreendida
pela Prefeitura causou descontentamento àqueles que comumente usava a praça
para estacionar seus veículos, como bem ilustra a reportagem do Jornal Correio da
Bahia,
A intervenção do tráfego no Pelourinho e a proibição de automóveis na Praça Municipal,
iniciadas na última sexta-feira, alteraram a rotina de quem estava acostumado a utilizar as
áreas como estacionamento. Ontem motoristas desavisados sobre as modificações tiveram
dificuldades em encontrar locais onde fosse permitida a parada de veículos. [A] maior parte
das queixas é feita por funcionários de órgãos públicos que estavam acostumados a parar
seus automóveis na Praça Municipal, e tiveram de encontrar outra solução após a
proibição. (2005, p. sem paginação).
Não é por acaso que a população comemorou a “devolução” da Praça Tomé
de Sousa, depois da medida tomada pela administração municipal, a Praça ganhou
outra fisionomia, com as diversas formas de manifestações culturais. Através de
ações empreendidas, especialmente pela Prefeitura, uma agenda de eventos
autorizada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, desde que respeitasse
determinados critérios arquitetônicos e urbanos e permanecesse no logradouro por seis meses. Por
isso, a estrutura do prédio é toda desmontável, pois deveria atentar para a conservação do sítio e de
seus elementos urbanísticos
.
O Palácio foi, então, projetado com dois pavimentos, onde o primeiro
nível é composto por pilotis. Desse modo, a parte térrea, totalmente aberta, viabiliza aos pedestres
caminharem e admirarem a paisagem da Baía de Todos os Santos. É, justamente, embaixo da
Prefeitura que funciona a feira de artesanato e a presença de bancos também possibilita a
permanência dos usuários, apesar do desconforto térmico causado pela saída de ar. (HORSCHUTZ,
2006, p. 1-2).
175
Idem.
160
culturais compõe, hoje, o seu cenário
176
. No entanto, outros segmentos da
sociedade desenvolvem atividades no logradouro colégios, Bibliotecas Públicas,
Organizações Não-Governamentais etc.
Nesse contexto, ocorre a transferência das sessões do Projeto Cinema na
Praça para a Tomé de Sousa – antes as sessões ocorriam em frente a Praça Castro
Alves. A Fundação Gregório de Matos, escolhe a Praça para a realização das
exibições de cinema, justamente, quando ocorreu a retirada dos carros do
logradouro, – pois o espaço ficou livre para a realização de múltiplas práticas.
Agora a viagem segue com o escopo de conhecer um pouco da Praça
atualmente. Uma tentativa de exemplificar alguns dos seus usos. Após a escrita,
outro texto ilustra esses usos, são fotografias tiradas na Tomé de Sousa durante as
diversas visitas e observações realizadas, ao longo de dois anos para a
composição do trabalho.
3. 1. A Praça Tomé de Sousa: apropriações e sociabilidades
A cada canto um grande conselheiro, [...]
Em cada porta um freqüentado olheiro, Que a
vida do vizinho, e da vizinha Pesquisa, escuta,
espreita, e esquadrinha,
Para a levar à Praça, e ao Terreiro.
177
Gregório de Mattos
176
Assiste-se na contemporaneidade a transformação da cidade em “centros de consumo [...] a ponto
de qualquer coisa poder ser representada, tematizada e transformada em um objeto de interesse, de
'observação turística.'” (FEATHERSTONE, 1995, p. 143). Essas alterações abrem caminhos para os
estudos pertinentes aos processos de revitalização dos centros urbanos que, cada vez mais, vem
ganhando espaço para compreensão da dinâmica urbana. Cumpre dizer, que no bojo desse processo
a “cultura” é incorporada as experiências de revitalização. Assim, na esteira dessas modificações as
tradições locais e o patrimônio histórico são tidos como mercadoria de altíssimo valor. Nesse sentido,
os eventos promovidos na Praça podem responder a essa tendência de revitalização. No entanto, o
trabalho, aqui, proposto não pretende se debruçar sobre essas questões, o que poderá ser foco de
futuro estudo. Para uma abordagem crítica desse aspecto, ver LEITE, Rogério Proença. Contra-usos
da Cidade: lugares e espaço público na experiência urbana contemporânea. Campinas: Editora
da Universidade de Campinas/Edunicam, 2004.
177
MATTOS, Gregório de Matos. Soneto. Jornal de Poesia. Sessão Gregório de Matos. Disponível
em: http://br.geocities.com/poesiaeterna/poetas/brasil/gregoriodematos.htm. Acesso em: 25 de jul.
2008.
161
Logo que o sol abre suas pálpebras apagando as estrelas, assiste-se o
movimento das pessoas, que descem e sobem o Elevador Lacerda. À medida que
as horas avançam, agiganta-se a circulação de transeuntes. Chegam aqueles que
na Praça trabalham. O calor convida o passante a sentar-se no banco da Praça para
sentir o frescor que vem do mar. Ainda pela manhã, jatos de água potentes são
lançados no solo da Praça, como querendo acordá-la. É a Tomé de Sousa
recebendo seu banho diário. Grãos de milho misturam-se à areia e às gotículas de
água que tardam em evaporar, escorregam entre as pedras desniveladas que
formam o chão da Praça, no rastro do amarelo ouro em vôos bailados, uma revoada
de pombos assentam-se para sua refeição matinal.
O sol brilha com esplendor, em frente à praça começam a chegar os ônibus
que trazem grupos de turistas. Muitos ao descerem dos veículos já trazem nas mãos
suas câmaras fotográficas ou de vídeo. Observam rapidamente o seu entorno, como
quem quer se sintonizar. Depois do olhar panorâmico, passam a deter-se nos
detalhes, e logo animam-se na escolha dos melhores lugares, ângulos e poses para
serem fotografados. Em grupos, em pares ou sozinhos, quem chega à praça pela
primeira vez, o deixa de expressar a admiração. Sorrisos nos bios, todos se
alegram em tirar fotos ao lado do Elevador Lacerda, tendo como pano de fundo a
vista privilegiada da Baía de Todos os Santos, o Forte de São Marcelo, os prédios
da Cidade Baixa e o tradicional Mercado Modelo.
As sessões de fotos são tiradas em clima de festa, comentários são
verbalizados, é a satisfação expressa por estarem em um lugar bonito. Ao se
aproximar dessas pessoas, é possível ouvir a musicalidade de várias línguas:
italiano, francês, espanhol, inglês, alemão, japonês... Os sotaques também
denunciam os brasileiros advindos de outras cidades e Estados. Encontram-se
pessoas vindas dos mais longínquos lugares: do Norte ao Sul do Brasil.
Essa cena de contentamento, por vezes, é interrompida pelos vendedores
ambulantes que não tardam em se aproximar. Nas mãos colares, anéis, chapéus,
lembranças da Bahia. Para conquistar a simpatia do cliente, ofertam uma fitinha “do
Senhor do Bonfim”. Mas ao aceitar que o presente seja amarrado no pulso, o turista
desavisado, se ver muitas vezes, obrigado a comprar alguns dos produtos, pois o
162
assédio causa incômodo. Outros visitantes, já cientes, ao perceber a proximidade do
vendedor, levantam a mão e fazem o sinal negativo, quase sempre se faz
necessário repetir o gesto. Há, contudo, aqueles que se deixam seduzir, param
olham e acabam levando alguma peça.
Do outro lado da praça um casal é abordado pelo ambulante, a moça recebe
uma fitinha. O vendedor com o braço, cheio de colares, mostra os produtos. Poucos
centímetros de distância separam o casal de outra moça, que é igualmente parada
por outro ambulante. As moças escutam as propostas de venda e compram umas
correntinhas. Os rapazes continuam a “caça” e seguem, imediatamente, em direção
aos turistas que estão em frente à Câmara de Vereadores.
Um rapaz, vestido com a camisa do São Paulo Futebol Clube, passa de
mãos dadas com uma moça. Ela, segurando um berimbau, aponta para a estátua de
Tomé de Sousa. Ambos, então, se aproximam e lêem a placa fixada no pedestal.
Ele retira o celular do bolso, ela faz uma pose com o instrumento para ser
fotografada junto ao monumento em homenagem ao fundador da cidade. Depois,
corre para ver como ficou a fotografia. Nesse momento, se aproxima uma jovem
com cabelos muito despenteados; está com uma criança no colo e outra agarrada à
saia, ela estende a mão pedindo umas moedas.
Nesse mesmo tempo, o vendedor de cartão telefônico sai do prédio do
Elevador e passa pela praça gritando, oferecendo o seu produto. Uma senhora traz
nos ombros uma caixa de “isopor”, dentro água mineral e refrigerante em lata.
Coloca a caixa em frente ao Palácio Rio Branco e conversa com o vendedor de
cafezinho. O rapaz se despede, em seguida circula pela praça com seu carrinho
colorido e decorado. Um grupo de pessoas vestidas com roupa de praia se aproxima
da senhora e compra água mineral.
No banco próximo à Sorveteria Cubana, um senhor negro de barba grande
canta algumas músicas de reggae. O ritmo é marcado com uma bengala que ele
bate no chão, também com algumas moedas que o chocalhadas com a o
esquerda. No chão um pequeno chapéu aguarda o “pagamento” em moedas de
qualquer valor. A voz firme e afinada acaba atraindo a atenção de duas moças que
compravam sorvetes, elas saem em direção ao senhor e colocam algumas moedas
163
no chapéu. Um menino e uma menina com os pés descalços ao verem o gesto
batem no braço da moça pedindo também um trocado. A mesma jovem com as duas
crianças que estavam próximo à estátua, agora se acha junto às pessoas que estão
reunidas ouvindo o senhor. Ela se anima com a criança nos braços, canta e ensaia
uns passos de dança. A música, assim, acaba por retardar a passagem de algumas
pessoas que param para escutá-lo.
Em baixo do Palácio Tomé de Sousa, apesar da temperatura que se
intensifica por causa da saída de ar, alguns idosos sentados nos bancos conversam
animadamente. Mais à frente, várias barraquinhas padronizadas expõem produtos e
lembranças da Bahia: é a feirinha de artesanato.
Ao lado da Prefeitura grupos de jovens ou pessoas sozinhas encontram-se
sentadas nos bancos. Algumas estão conversando, lendo, outras namorando. Gente
tirando foto ou simplesmente contemplando a paisagem. Nesse espaço da Praça
avista-se, novamente o mesmo vendedor de cafezinho, que apesar do calor,
consegue vender um copinho a um rapaz que estava fumando. Ao passar o troco, o
ambulante sai apressado em direção à Praça da Sé.
Gente que sai, gente que fica, gente que chega... De repente escuta-se
ruídos de apitos e som do megafone. Homens com passos apressados chegam à
Praça e inundam a frente da Prefeitura. Sobem pela escada principal e no palanque
estenderam uma grande faixa. Rostos tensos, punhos serrados, bandeiras sendo
agitadas. Palavras de ordem são repetidas. Circulam a Prefeitura em uníssono
gritando: “Eiro, eiro, eiro, o Prefeito é caloteiro”. Trata-se da manifestação dos
vigilantes. A categoria entrou em greve por causa dos repetidos atrasos no
pagamento dos salários. No meio do bulício vêem-se os ambulantes que enxergam
na movimentação uma oportunidade a mais de venderem seus produtos. Envolvida
pelo novo acontecimento, parece que a Praça pára, todos olham curiosos, muitos
correm para mais perto querendo saber do que se trata. Os holofotes por algum
momento são lançados sobre os manifestantes. Depois que a curiosidade é saciada,
e presenciam o desenrolar da história, a cena parece incorporar-se ao ambiente da
Praça e as pessoas voltam à atenção para o que faziam anteriormente.
Passa-se as horas e o sol brilha imponente, anunciando que o outro período
164
do dia “caminha veloz”. Na lanchonete mais gente em comprando salgados e
sucos. Na entrada e saída do Elevador o volume de pessoas continua intenso. E
quanto mais gente, mais vendedor ambulante que grita, mais barulho.
Na parte lateral, próximo à feirinha escuta-se risadas e vozes em tom mais
alto, parecendo até uma discussão, era apenas, um grupo grande de adolescentes
que contavam sobre os acontecimentos de um show de pagode que tinham
assistido.
Nos bancos próximos aos orelhões, não é difícil encontrar pessoas
dormindo, descansando ou simplesmente deixando as horas passarem. O senhor
que mais cedo estava cantando reggae, à tarde encontrava-se em um desses
bancos deitado. Alguns encontram-se alcoolizados. Às vezes gritam e brigam entre
si pelo espaço ou por outros motivos não tão explícitos. São homens, mulheres e
crianças que vivem na rua ou fazem “ponto”, recebendo doações de qualquer valor
dos usuários da Praça. Este parece ser o local preferido dessas pessoas. Se alguma
situação nova ocorre na Tomé de Sousa, estão eles perscrutando, depois, tratam
de informar, a quem não pode ir verificar o acontecido.
A Praça segue seus acontecimentos cotidianos, o pipoqueiro vendendo
próximo ao Palácio Rio Branco, ao seu lado os vendedores de picolé e milho verde.
À tarde, a Cubana, fica ainda mais cheia, gente querendo se refrescar com os
deliciosos sorvetes e Milk Shake. A baiana vende acarajé e os quitutes da Bahia.
Nas cadeiras enfileiradas, bem em frente às águas azuis do mar, as
pessoas sentadas, aguardam a chegada do pedido feito na sorveteria. Outras, no
entanto, saboream seus sorvetes, como o casal de namorados paulistanos, com
os olhos atentos à Baía. O sol começa a se esconder. Próximo mais um casal, que
aproveita para fotografar o momento. Estão com uma criança, uma menina loirinha,
de olhos azuis, são franceses. Uma moça chega desacompanhada e senta-se, o
garçom vem em sua direção, ela informa que espera por alguém e fará o pedido
mais tarde. Logo se arrepende e pede água, mas o garçom não percebe,
caminhava para atender a outras pessoas. Passam-se alguns momentos e um
garoto de cabelos encaracolados se aproxima timidamente das mesas, abre a caixa
de “isopor” e mostra de longe uma garrafa de água mineral, a moça e faz um
165
gesto o chamando, o menino chega rapidamente e vende a água. Aproveita o ensejo
e oferece a outras pessoas. Uma senhora e um rapaz também aceitam. O menino
recebe o dinheiro e sai em direção ao Elevador.
Agora os olhos das pessoas voltam-se para um dos instantes mais especiais
que ocorre na Praça: quando o sol começa a fechar suas pálpebras, e em cada
piscada de olhos libera labaredas de fogo que pintam o horizonte de dourado e
laranja. O rastro de luz beija o mar, um momento de rara beleza. Uns se embriagam
por aquele instante fugidio, semblantes reflexivos. Uma platéia encontra-se sentada
nos bancos posicionados em frente para a Baía. Casais de namorados se abraçam.
Na parte frontal da praça o destaque fica para as mãos estendidas, as pessoas
disputam o espaço querendo encontrar o melhor ângulo. Aquele instante mágico
precisa ser capturado, levado como lembrança da terra visitada. Para o morador da
cidade também é um acontecimento singular. No banco ao lado, de costa para o
espetáculo, uma moça parece indiferente, sentada com uma pasta no colo,
tranqüilamente uns papéis. Máquinas fotográficas e celulares nas mãos para
registrar o momento. Novamente o Elevador torna-se o ponto mais cobiçado. O
fotógrafo profissional chega com antecedência, posiciona o tripé e a câmara,
aguarda com paciência o melhor momento para ser perenizado. Observa com mais
concentração, como quem degusta um prato delicioso.
As labaredas de fogo se dissipam no horizonte, o sol se recolhe e permite
que a noite apareça, o manto decorado com lua e estrela. Passando o efeito do
momento, mais uma vez, as pessoas se dispersam e lançam a atenção para outro
fato. Alguns, ainda permanecem ali de frente para o mar. A Praça agora ganha
outros ares, a noite chegou.
Como lampejos, várias situações são montadas e se dissolvem como bolhas
de sabão. Os sentidos não conseguem captar a totalidade, são fragmentos que
fazem parte de um todo, afigurando-se a uma peça de teatro, mas nesse caso, a
praça é simultaneamente palco e personagem dessa trama urbana.
Nesse tablado, que têm dias que paralelo à magia apresentada pela
natureza outro espetáculo de brilho e sombra é preparado na Tomé de Sousa. É o
dia do Cinema na Praça, mas isso é outro episódio, dentro dessa história... Que
será narrada a seguir.
166
3.2. Sob o céu de estrelas: exibições de filmes na Praça Tomé de Sousa.
O cinema na praça além da importância social,
ele tem uma importância poética mesmo. A
coisa do cinema de guerrilha. Eu, acho assim,
o cinema que vai para o povo. O Cinema na
Praça além de exibir filme nacional, ainda exibe
curta-metragem nacional. Onde você vê curta-
metragem na verdade?
Camilo Cavalcante – Cineasta.
178
Claro e escuro, luz e sombra, palavras contratantes empregadas tanto para
designar os períodos do dia e da noite, como para se referir à sétima arte. A
correspondência é tão imediata que ao ouvir a palavra cinema, não é raro, florescer
na mente a imagem de uma sala fechada despida de luminosidade. Mas, não é
apenas isso, pois a escuridão geralmente causa medo, estranheza. O que atrai
nessa sala fechada é o efeito luminoso projetado na tela. De modo parecido, o
fascínio que a lua, estrelas e o sol provocam, vem da luz que emanam. Ser humano
se encanta pelo que brilha e resplandece. Luz tem força simbólica... Luz divina...
Idéia brilhante... Luz da vida, emprega-se também para expressar o que está para
além do tangível. Afora o brilho, tem o movimento, que igualmente seduz. E para
arrebatar tem emoção com a reprodução das cenas da vida em imagens dinâmicas.
O ato de ouvir e contar história que acompanha e enleva a humanidade desde a
aurora dos tempos. Se Junta a esse conjunto, atores, diretores, efeitos especiais,
propagandas que acabam por motivar e atrair pessoas a entrarem na sala escura.
Final da tarde, na bilheteria do cinema, em uma fila grande, pessoas
esperam a vez para serem atendidas. Outro grupo numeroso, com os olhos atentos
no letreiro, observa os filmes que estão em cartaz e as sinopses. Alguns
adolescentes reunidos conversam alto e dão risadas, estão esperando o horário da
próxima sessão de um filme. Para comprar pipoca e refrigerante outras duas fileiras
se formam, uma para pagar e a outra para receber os produtos.
Um casal chega apressado segue em direção ao letreiro. O rapaz parece
178
Depoimento disponível no vídeo: “Cinema na Praça” (2003), de Tiago Delácio sobre o Projeto na
cidade de Olinda.
167
chateado, por poucos minutos, não chegaram no horário. O filme desejado, tinha
começado e a próxima sessãoàs 21 horas. Resolvem, então, substituir por outro,
olham como se estivessem escolhendo em um cardápio, precisava ser um longa-
metragem que agradasse e que não precisassem esperar muito. Encontraram um
filme que começaria em poucos minutos. Correm para a bilheteria. Passo a passo,
vão se aproximando, compram os ingressos e pagam com o cartão de crédito.
Olham as horas, não têm tempo para comprar as pipocas. Vão para a fila de acesso
ao cinema. Ao entrarem encontram as luzes da sala ainda acesas, examinam as
poltronas vazias. Ela aponta para umas cadeiras bem na frente, no centro, mas ele
parece prefere sentar-se mais no fundo da sala. Acabam, entrando no acordo, as
poltronas da sexta fileira são, enfim, ocupadas. Em volta observam que pessoas
conversam, umas sorriem. Ela avista um conhecido e acena com a mão. Logo
depois, veste uma blusa de manga comprida, sente um pouco de frio, por causa do
ar condicionado.
Chega o horário marcado para o início da sessão, as luzes se apagam. As
pessoas interrompem a conversa, acomodam-se melhor nas poltronas. O silêncio se
faz necessário. A atenção é direcionada agora para a grande tela. Um clarão rompe
a escuridão, como uma fogueira acesa à noite. Um desenho animado, exibido antes
do filme principal, informa sobre os equipamentos de segurança da sala, as saídas
de emergência em caso de incêndio. Alerta que o cinema é equipado com
geradores, em caso de falta de energia elétrica, a sessão continua normalmente.
Lembra, ainda, aos espectadores para desligarem seus telefones celulares. Encerra,
desejando a todos uma ótima sessão. Passa-se os trailers e o filme em seguida
começa.
Essas situações são ilustrativas do ritual comumente conhecido, que pode
ocorrer atualmente, em uma sala convencional – localizada em um Shopping Center.
Outro ritual, bem diferente do que ocorre nas salas escuras, acontece em outro
local, onde é a natureza que determina o horário, a interrupção ou suspensão da
sessão – uma praça pública.
No mesmo horário, final da tarde, na Praça Tomé de Sousa, chega o
veículo, Kombi que transporta alguns equipamentos e cadeiras plásticas
168
brancas. Estas são arrumadas em fileiras em frente ao Elevador Lacerda. Esse
movimento, no entanto, parece chamar pouco a atenção das pessoas que estão na
Praça, isso porque, neste momento, um exuberante espetáculo rouba a cena. As
pessoas se detêm sobre o brilho dourado do Sol sobre as águas da Baía de Todos
os Santos.
Ao esconder-se, o sol apaga o dia e saúda com beleza o aparecimento da
lua e das estrelas. Estas têm brilho sutil, não chega a pujança do sol que permite
que o mundo seja visto. Grandiosa luminosidade, que ofusca outros pontos de luz
menos intensos. Ao adormecer, o sol, permite generosamente que a luz da lua e das
estrelas possa ser notada. Assim, para perceberem-se os pontos de luz, precisa-se
da escuridão. Luz e sombra um existe em função do outro.
Semelhante o que ocorre com as estrelas e a lua, onde se torna necessário
a presença do grande tecido negro para serem vistas, acontece com o espetáculo
montado em frente ao Elevador. Ele também precisa da ausência de uma luz mais
intensa para que as imagens brilhantes sejam apreciadas na tela. É, justamente,
essa transição do dia para a noite que a equipe do Cinema na Praça aguarda para
começar a atividade.
Cadeiras arrumadas, banner com o nome do Projeto posicionado ao lado da
sorveteria, equipamentos instalados e a tela montada na parte coberta do Elevador.
Chega o horário da sessão, o sol ainda brilha exuberante. As cadeiras estão vazias.
Um vendedor ambulante é o primeiro a chegar. Acostumado assistir aos filmes na
Praça, em toda sua vida nunca fora ao cinema, o preço do ingresso está acima das
suas possibilidades financeiras. Aproxima-se acanhado e pergunta se terá cinema.
O coordenador do Projeto avisa que estão esperando anoitecer. Ele senta-se na
primeira fila, olha para a tela branca, fica por alguns minutos, levanta-se e avisa que
voltará mais tarde.
Dois senhores aposentados e um garoto também chegam e aguardam a
sessão, são costumados a assistir aos filmes do projeto. O garoto, nunca entrou em
uma sala de cinema, apesar de ver aos filmes na televisão, gosta da Praça, porque
tem a tela grande, a qual considera muito melhor. Os dois senhores, já aposentados,
têm décadas que entraram na sala escura.
169
Outra moça senta-se em uma cadeira, no centro das fileiras. Ela é
pedagoga, trabalha em um colégio. Sempre que tem tempo gosta de assistir aos
filmes exibidos na Praça, é uma amante da tima arte. Por isso, freqüenta outras
salas de exibição.
Em seguida, chega uma moça com duas crianças, o suas filhas. Elas
pedem pipoca. Ela nega e a criança menor chora. Promete, então, comprar na hora
do filme. o adianta, a menina chora com mais veemência. A mãe pega-a pela
mão e sai em direção ao pipoqueiro. Ela leva as crianças, porque o cinema é caro e
as meninas gostam, para elas é uma diversão. Chegam em casa contando os
acontecimentos que viveram na Praça.
Aos poucos os espectadores vão chegando... As pessoas saem do
elevador, observam a estrutura, às vezes perguntam do que se trata, quando ficam
sabendo que é cinema de graça, perguntam o nome do filme que será exibido.
Alguns demonstram alegria e procuram uma cadeira para sentar-se, outras seguem
seu caminho. Aparece gente também de outros pontos da Praça, olham o
movimento e se aproximam... Logo as cadeiras estão todas ocupadas e algumas
pessoas aguardam em a exibição do filme. O sol se despende sem pressa.
Enquanto isso, as pessoas conversam. A moça pedagoga encontrou outro de
cinema e enredam uma conversa. As meninas que queriam pipocas, agora estão
distraídas com outras crianças presentes. O vendedor ambulante, que foi o primeiro
a chegar, retornou e conversa sobre futebol com um senhor e com o rapaz que
vende bala. Aliás, futebol parece motivar as conversas, outro grupo também fala
sobre as expectativas do jogo do Bahia.
Quase meia hora de espera e com o céu um pouco claro, a primeira imagem
é projetada na tela. As pessoas voltam à atenção para o filme. As crianças que
estavam em são chamadas para sentar-se nas cadeiras ou no colo dos pais. O
filme é apresentado com legenda em inglês, pois a Praça é, também, freqüentada
por turistas de diversos países. A noite agora não demora a chegar, e com ela a
visibilidade fica melhor.
O vendedor de água mineral passa correndo, pára um instante e olha para
as imagens, muda de direção, coloca a caixa de “isopor” no chão e começa a assistir
170
ao filme. O mesmo ocorre com o engraxate, a vendedora de mingau, de picolé, o
senhor que vende cafezinho e cigarros, com uns universitários... Todos estavam de
passagem. Acontece igualmente com o casal de turistas mineiros, os namorados
argentinos, as três amigas que moram no Rio de Janeiro, o grupo vindo do Mato
Grosso do Sul, os dois senhores paraibanos, as duas moças alemães...
Olhos paralisados, com a atenção totalmente voltada para as cenas
brilhantes, o público “parece" não se dar conta do barulho e do que ocorre em seu
entorno. Neste instante parece que estão mergulhando em outra atmosfera. Bem
diferente da situação vivida em uma sala escura, onde o silêncio é uma regra,
quando não respeitado desperta o espectador da sua perfeita ligação ao mundo das
imagens.
E mais gente chega para o Cinema na Praça. Muitas pessoas em , de
braços cruzados, homens e mulheres acompanhados ou sozinhos, casais
abraçados, crianças. Com o passar do tempo à posição desconfortável cansa,
alguns se sentam no chão. Foi o que ocorreu com duas turistas, que vinham da
praia, resolveram comprar sorvetes, quando viram que tinha cinema, mudaram de
idéia, estenderam a canga no chão e sentaram. Próximo às moças várias crianças e
adolescentes “em situação de risco”, homens e mulheres que moram nas ruas,
sentados ou deitados no chão. Esses grupos o freqüentadores da Praça, e
também das sessões semanais de filmes. Ficam sempre na frente, bem pertinho da
tela.
De modo parecido com os outros acontecimentos que ocorrem na Praça,
têm pessoas também que chegam, assistem por um tempo e saem. A grande
maioria, no caso desse filme, permaneceu.
A noite segue aprazível com o vento refrescante que vem do mar.
Semblantes concentrados nas imagens. Alguns saboreando suas pipocas e acarajé.
O filme parece agradar a todos, vez por outras, sonoras risadas são ouvidas. As
crianças rolam no chão. Rostos alegres, sorrisos nos lábios. Algumas imagens
provocam enternecimento. O longa-metragem, filmado em Salvador, apresenta
cenas dos lugares que são bem peculiares àquelas pessoas, o Pelourinho e o
Elevador Lacerda aparecem nas cenas. Para o turista, o lugar também pode parecer
171
“familiar”, alguns se encontram hospedados no Centro Histórico, e quando, não,
certamente, já passou por alguma das ruas mostradas no filme.
Cerca de uma hora e meia de projeção, a história chega aos últimos
instantes. A sessão continuou cheia até o final. Aparecem os créditos do filme,
alguns ficam lendo, mas a maioria levanta-se das cadeiras ou do chão. Alguns,
ainda, segurando o saco com o resto de pipoca. Não foi difícil perceber a satisfação
exposta nos sorrisos das pessoas, principalmente das crianças, que estavam
deitadas no chão. Elas que nunca foram a uma sala de exibição, pulam contentes,
comentando, repetindo as frases do filme.
O feixe de luz se desvanece sob a tela, as pessoas se dispersam, vão para
sorveteria, sentam-se em algum banco ou vão olhar a paisagem. Muitos descem o
Elevador ou vão em direção à Praça da Sé ou Rua Chile.
Essa magia preenche a Praça sempre às quartas-feiras, apresentando a
arte do cinema para muitas pessoas que nunca foram a uma sala de exibição, e
mesmo para aqueles que conhecem, têm a oportunidade de vivenciar uma
experiência totalmente diferente. No caso desse filme, não foi difícil encontrar
pessoas que o tinha visto, no cinema ou em DVD no entanto, o fato de terem
gostado do longa-metragem, soma-se à situação especial das imagens projetadas
na tela gigante, que acabam por atrair as pessoas.
A Kombi do Projeto posiciona-se novamente no centro da Praça. Agora é
hora de recolher as cadeiras, os equipamentos, enrolar o banner e desmontar a
tela... Enquanto isso, um breve passeio pela Praça faz perceber, que o fluxo de
pessoas diminuiu, também na saída e entrada do Elevador. Alguns vendedores
ainda permanecem na Praça. A concentração de pessoas ocorre mais na sorveteria.
Nos bancos em frente para o mar, os casais aproveitam a tranqüilidade para
namorar. Outras pessoas ficam apreciando a vista. Turistas, crianças, adultos e
idosos que moram na rua, prostitutas, ambulantes, pessoas pedindo dinheiro,
transeuntes, formam o quadro noturno da Praça.
Cadeiras arrumadas na Kombi, os equipamentos guardados, os colegas de
trabalho se despedem. Uns garotos que permaneceram olhando a equipe desfazer o
cenário, com sorriso, acenam dizendo “até semana que vem!”. A resposta alegre é
172
imediata: “até a próxima semana!”. A equipe elabora uma programação mensal para
as exibições dos filmes, mas de modo geral, “quem” decide realmente o horário e se
terá sessão é a natureza o sol e a chuva.
179
Se não chover, certamente, o cinema
voltará a animar a Praça. Mas no decorrer da semana, é possível que a Kombi viaje
levando esse encantamento para outras praças dos bairros de Salvador. Isso,
porém, descortina outro capítulo dessa história, faz parte das demais atividades
desenvolvidas pelo Projeto. E “pegando” carona na Kombi que sai da Tomé de
Sousa, passa-se a conhecer o roteiro que acaba por revelar o início desse filme: a
origem do Cinema na Praça. Mas, antes, para o melhor entendimento da história
conhece-se a seguir um pouco da história do cinema em Salvador. Percurso que
revela que as ações itinerantes e, em praças, marcam a cidade desde que os
primeiros clarões foram projetados nas telas baianas. Também o entrecho que
marca o nascimento do Projeto.
179
Os cancelamentos das sessões do Cinema na Praça ocorrem, sobretudo, devido as intempéries.
Podendo acontecer, também, quando algum evento agendado ou inesperado ocupa a Praça como
comícios, passeatas – quando as pessoas concentram-se no logradouro protestos, alguns shows, o
carnaval e as comemorações natalinas.
173
3.3. O cinema em Salvador: breve considerações
A força que o cinema tem [...]. A capacidade
de um filme mudar a vida de alguém. Quantas
vezes você já ouviu? Tal filme mudou a minha
vida, minha visão de mundo. Então o filme é
uma janela. E o cinema ainda por cima, nessa
sala escura... É quase um sonho. O escurecer
lhe coloca em uma outra sintonia. [...]
Então, esse ritual, ele é sagrado.
180
Laís Bodanzky
Pouco menos de dois anos, foi o tempo que a sociedade soteropolitana
esperou para entrar no clima de êxtase proporcionado pelas imagens cintilantes
projetadas no écran. No dia 4 de dezembro de 1897, no Theatro Polytheama
Bahiano, ocorre a primeira sessão de cinema na cidade de Salvador, uma grandiosa
estréia para mil e novecentos espectadores.
181
Até o ano de 1909, as exibições na cidade eram itinerantes, lembrando as
apresentações circenses, a fase ficou conhecida como “cinematographos de lona”.
Semelhante ao que ocorreu em outras cidades e estados brasileiros, o cinema na
primeira década de vida em Salvador, ocorreu de modo itinerante. Os famosos
exibidores, que viajavam sobrepujando obstáculos, para realizarem as
apresentações das imagens em movimento nos locais mais distantes, também foram
personagens marcantes na história do cinema da Bahia. De modo geral, no Brasil,
as primeiras salas de exibição permanentes, só foram inauguradas no final da
década de 1910. Em Salvador, casarões residenciais mal adaptados utilizados para
exibições e os “cinemas-poeira”, proliferaram-se. Também os cafés-concertos
realizavam exibições do novo e aclamado divertimento. Outra novidade que chamou
a atenção na época, foi o ônibus com um cinematógrafo o auto tour. Para
entusiasmo dos soteropolitanos o ônibus apresentava imagens em movimento de
180
Laís Bodanzky em entrevista concedida a Inimá Simões. Programa Sintonia. Brasília: TV
Câmara, 03 de dez. de 2007.
181
FONSECA, Raimundo Nonato da Silva. Fazendo fita”: cinematógrafo, cotidiano e imaginário
em Salvador, 1897-1930. Salvador: Editora da Universidade Federal da Bahia/ Centro de Estudos
Baianos, 2002, p. 80.
174
Paris, a Cidade Luz, que fazia parte do imaginário de uma boa parte da
população.
182
Além disso, faz mister destacar, que nessa época existiam
cinematógrafos que realizavam projeções ao ar livre em jardins, praças, terrenos e
largos como destaca Fonseca,
Havia ainda, nesses anos, diversos cinematógrafos que funcionavam ao ar livre em
terrenos, largos e jardins da cidade. De 1903 a 1906, funcionou, no Jardim da Praça Castro
Alves, o Cassino Castro Alves, uma pequena construção de madeira ao ar livre, em forma
de teatrinho. Além de chanteuses de cafés-cantantes, eram exibidas vistas animadas e
fixas por aparelho cinematográfico.
183
Algumas exibições de filmes e anúncios luminosos eram gratuitas, como a
que pretendia instalar Manuel Custodio, em um dos jardins da Praça Castro Alves.
As apresentações ao ar livre eram destinadas ao desfrute daqueles que não tinham
condições financeiras para custearem as despesas com o ingresso das projeções,
ainda que se tratando de um lazer tão barato como o cinematógrafo. Assim, as
exibições ao ar livre e também os cinemas-circos, que realizava ações itinerantes na
cidade, percorrendo os distintos bairros, constituíam-se as opções preferidas dos
artesãos domésticos, lavadeiras, vendedores ambulantes etc. Para muitos, amiúde,
essas eram as únicas alternativas que possuíam de assistirem as imagens
faiscantes na tela. Devido, ainda, o ínfimo poder aquisitivo de muitos trabalhadores
sem renda regular, cresce também, o número de cinemas-poeiras, que
compravam preços muito mais baratos que os cinemas do centro da cidade –
localizados nos bairros, próximo às residências ou ao trabalho dessas pessoas. Era
um modo dos espectadores que recebiam baixa remuneração economizarem com o
dinheiro do transporte coletivo.
184
Percebe-se, nesse particular, que as práticas de exibições ao ar livre e
itinerantes, destinadas especialmente ao público que não pode pagar a entrada em
um cinema convencional, acompanha a história do cinema de Salvador, uma
experiência registrada igualmente alhures conforme foi abordado nos capítulos
iniciais. Trata-se, portanto, de uma prática que permanece, embora se apresentando
com roupagens que respondem às especificidades de cada época, o propósito e a
182
Ibidem., p. 84-89.
183
Ibidem., p. 88.
184
Ibid., 135-136.
175
atração exercidos pela sétima arte perseveram.
Seguindo a trilha que leva a conhecer um pouco mais sobre o percurso do
cinema na Capital baiana, cumpre então dizer que a cidade conhece, em 1909, sua
primeira sala destinada, exclusivamente, a exibições de filmes, o Cinema Bahia,
situado na Rua Chile. Após a inauguração do primogênito, outras salas de exibições
são abertas em Salvador. Florescem cinematógrafos no Centro e nos bairros os
mais luxuosos localizavam-se na área central da cidade. A vida da capital passa a
ser regida pelo novo entretenimento que fascina pessoas das diversas camadas
sociais. Fonseca salienta que as transformações trazidas pelo cinema coadunam-se
com o processo de modernização tão almejado no Período Republicano. Além das
reformas urbanas, a cidade encontrava-se de braços abertos para as modernas
práticas de lazer, das quais se destacava o cinema. Nesse sentido fazia-se
imperioso substituir manifestações lúdicas, em especial as de cunho afro-brasileiro,
por novas práticas e hábitos cosmopolitas. Um rastro de significativas e irreversíveis
mudanças, marcadas com a chegada da sétima arte em solo baiano. Como não é de
se admirar, o cinema incorpora-se rapidamente no cotidiano das pessoas, novos
hábitos são reverberados no vestir-se, comunicar-se, na interação entre os sexos,
em uma palavra, no modo de viver.
185
O cinema contribui indubitavelmente, “para
divulgar novas regras de sociabilidade, bem como para a aquisição de novos
padrões estéticos, de valores e de comportamento.”
186
Os anos subseqüentes às imagens em movimento mantêm-se no topo,
como a principal opção de lazer da primeira metade do Século XX. Cinemas com
número avantajado de poltronas ornam a cidade. Não é raro encontrar salas com
capacidade para mais de mil pessoas, a exemplo dos cinemas Tupi e Capri, ambos
inaugurados em 1956, possuíam a capacidade para 1.400 e 1.009 espectadores,
respectivamente.
187
Para freqüentar as salas escuras as pessoas vestiam-se com os
melhores trajes e adereços. Mulheres e homens, de diferentes faixas etárias e
camadas sociais participavam dessa atmosfera onírica.
Salvador cresce, ocupa os vales, avenidas são abertas. O centro da cidade
185
FONSECA, 2002, passim.
186
Ibidem., 198.
187
CARVALHO, 1999, p. 173.
176
torna-se moderno, marcado pelo frenesi das pessoas admirando as vitrinas, saindo
e entrando nas lojas – que exibiam seus sedutores produtos. Nos anos 1960, a “Rua
Chile ainda era o local onde tudo acontecia”.
188
Conhecida como a Rua das
multidões, dos encontros, passeios, conversas animadas, das lojas e cinemas
luxuosos. Tornou-se um ato cotidiano desfilar pela Rua Chile e Avenida Sete de
Setembro, após as sessões de cinema. Santos
189
observa que, nesse período, a
concentração do comércio varejista no Centro da Cidade Alta estava relacionado ao
número de salas de cinemas ali existentes, pois se tratava das ruas e avenidas mais
movimentadas da Capital. É interessante salientar que esse contexto é marcado
pela presença de diferentes camadas sociais, que passam a transitar pelo espaço
público, e isso de algum modo proporcionava, incômodo à elite local.
Segundo Carvalho, os anos de 1950 o cinema “era 'o único divertimento
realmente popular'”
190
de Salvador. No entanto, o mais requisitado divertimento da
cidade, era alvo de sucessivas críticas no que se refere à qualidade das instalações
e equipamentos. O número de salas de exibição, também eram consideradas
insuficientes. Nos finais de semana e feriados as sessões ficavam lotadas, não
ofereciam, portanto, confortos aos espectadores que se viam obrigados a
permanecerem muito tempo nas filas. Além disso, a autora aponta, nessa época,
reclamações quanto ao preço elevado dos ingressos.
[...] o que se verificava na Bahia era, na verdade, um “sacrifício”. Desde a chegada, com as
enormes filas, muitas vezes com “câmbio negro” para a compra dos ingressos, até as
brigas provocadas pela disputa de lugares no interior das salas. Além desses
inconvenientes, as instalações e os equipamentos da maioria dos cinemas eram precários,
a exemplo dos sanitários, bebedouros e dos quase sempre quebrados aparelhos de ar
condicionado.
191
A terra dá algumas voltas ao redor do sol, somando-se alguns anos e a
situação das salas de cinema vai aos poucos ganhando outra fisionomia. O
descontentamento provocado com o descuido nos serviços oferecidos, a elevação
dos preços dos ingressos, amalgamadas a outras circunstâncias de ordens mais
amplas, como foi abordado no capítulo inicial desse trabalho são apontados
188
Ibidem., p. 106.
189
SANTOS, 1959, p. 83.
190
CARVALHO, 1999, 171.
191
Ibidem., p. 172.
177
como alguns dos motivos que levaram a diminuição da freqüência aos cinemas.
Situação semelhante, como é de conhecimento comum, descortina-se em todo
Brasil e em outros países.
Algumas salas tradicionais foram transformadas em templos evangélicos, a
exemplo do Cine Plaza, primeira sala do gênero instalada no subúrbio, em 1959, no
bairro de Periperi. O Plaza foi um dos maiores cinemas de bairro de Salvador, em
1990 foi comprado por uma igreja. O São Brás, no bairro de Plataforma, foi
transformado em estacionamento de uma igreja evangélica. No bairro de São
Caetano, O Cine São Caetano, foi fechado na década de 1980, passou abrigar uma
loja de móveis e eletrodomésticos. Em 1982, o Cine Amparo, localizado em
Engenho Velho de Brotas, encerrou suas atividade. Em seu lugar instalou-se um
supermercado. Esses e outros casos são ilustrativos de uma situação que se
agravou ainda mais nos anos de 1980 e 1990.
192
Hoje, praticamente não existem salas de projeções nos bairros e os cinemas
localizados na área Central da Cidade seguem o mesmo compasso. Ilustrativo a
esse respeito é o fechamento do Cine Capri, que fez a alegria dos moradores do
Largo Dois de Julho. Com instalações luxuosas, o cinema era freqüentado por
pessoas da classe média alta. O Cine Popular, situado no Centro da Cidade, é
lembrado com saudade pelos antigos freqüentadores. Ao fechar as portas, uma
oficina de conserto de som instalou-se em seu lugar.
192
O assunto que foi alvo de
destaque na impressa local dez, vinte anos atrás, continua, ainda desfilando nas
páginas dos jornais.
Mais um tempo e Salvador vai, praticamente ficando sem as casas de projeção localizadas
no centro da cidade. A valorização dos imóveis ocupados pelos cinemas é cada vez maior
e seus proprietários estão preferindo ganhar dinheiro com a especulação imobiliária em
detrimento à manutenção dos cinemas, que não rendem tanto quanto uma boa soma
aplicada na poupança. Resultado: a cidade, aos poucos, está ficando sem os seus
tradicionais cinemas, e o público restrito às casas de projeção localizadas nos shoppings.
O próximo a ser vendido é o Cine Tupi, que já foi considerado o melhor da cidade.
(JORNAL DA BAHIA, 1988, p.31).
Descontentes com essa situação, algumas comunidades dos bairros
192
FONSECA, Adilson. Comunidades querem cinemas de volta. Jornal À Tarde. Salvador, 11 de
setembro de 2005, Caderno Local, p. 10.
192
UZEDA, Eduarda. Jornal da Bahia. Salvador, 20 de set. de 1988, Caderno Revista, p. 32.
178
periféricos, que possuem escassas opções de lazer, mobilizaram-se em defesa das
salas de exibições existentes. Reuniões e passeatas foram realizadas no sentido de
manterem vivos os cinemas que fazem parte da história do bairro, da cidade e de
vida dos seus freqüentadores.
Moradores da Cidade Baixa e estudantes dos colégios Luís Tarquínio, João Florêncio
Gomes e Abílio Cézar Borges, situados na península itapagipana, promoveram, ontem,
uma manifestação em defesa do Cine Teatro Roma, um dos mais antigos da cidade,
fechado há oito meses.
Conforme o presidente do Círculo Operário, o cinema fechou porque estava sem condições
de funcionar. “Muitas vezes, só assistiam aos filmes exibidos cerca de 12 pessoas.
193
Outro movimento importante ocorreu em socorro do Cine Brasil. Fundado
em 4 de julho de 1957, o cinema teve seus momentos de ouro como uma das mais
tradicionais salas de Salvador. Em 1979 começou a sofrer com o abandono e
deteriorização das suas instalações físicas, o que culminou com o seu fechamento.
No espaço funcionou um comitê político e a Danceteria Brasil. Mas, a população se
mobilizou diante da possibilidade de ser transformado em um supermercado. O Cine
Brasil, localizado em um bairro “carente de espaços de lazer, praças, cinema”
194
, foi
transformado, graças aos esforços empreendidos pela população, em um espaço
cultural de utilidade pública.
Os 400 mil habitantes da Liberdade, bairro mais populoso de Salvador e fonte cultural da
cidade, passaram da fase das lamentações e reclamações. Arregaçaram as mangas em
defesa do Cine Brasil, realizando reuniões, passeatas e manifestações com a intenção de
garantir um espaço cultural para a comunidade, uma vez que o Brasil está ameaçado de
virar um supermercado.
195
No final dos anos de 1950, Salvador possuía 22 salas de cinema, sendo 11
localizadas no centro da cidade e as demais situadas nos bairros.
196
André Setaro,
referindo-se sobre esse período e o processo de fechamento das salas de exibição,
na cidade de Salvador, esclarece que esse número de cinemas atendia a uma
193
MORADORES defendem cinema. Jornal da Bahia. Salvador, p. 69, 19 de juh. 1987.
194
REBOUÇAS, Daniele. Como dar cultura ao povo da Liberdade? Jornal À Tarde. Salvador, 26 de
ago. de 2008. Disponível em: http://www.atarde.com.br/politica/noticia.jsf?id=946524. Acesso em: 28
de dez. de 2008.
195
UZEDA, Eduarda. (sem título). Jornal da Bahia. Salvador, 20 de set. de 1988, Caderno Revista, p.
32.
196
CARVALHO, 1999, p. 171.
179
população estimada em quinhentos mil habitantes. Além disso, as quase duas
dúzias de salas possuíam capacidade grandiosa, entre 1.000 a 2.000 lugares.
Alerta, ainda, para o quadro gritante que se instalou, Salvador hoje possui uma
população com quase 3 milhões de habitantes, ou seja, em média cinco vezes mais
do que cinqüenta anos atrás. Desse quantitativo, “apenas perto de cem mil, têm
condições financeiras de ir aos complexos das salas, que o cinema virou sala de
Multiplex. Portanto, uma classe média alta tem condições de ir ao cinema” (2007,
p. 1).
Sem dúvida um quadro preocupante, são milhões de pessoas excluídas,
que não adquiriram o hábito de irem ao cinema. Para aumentar a fileira, “a estes se
agregam os que perderam o bito e não se animam a atravessar a grande
cidade para chegar até ao filme desejado. Por fim, multidões que nunca se
acostumaram a ir ao cinema”. (CANCLINI, 1999, p. 209). Situação que é antítese do
passado. Outrora, uma profusão de pessoas ganhava as ruas com o afã de
assistirem as películas. O cinema era um lazer barato e incluía também as camadas
populares. Diante dessa situação pergunta, Setaro (2007, op. cit, p. 1), “o que será
dessas dois milhões e setecentas mil pessoas que não podem ir hoje ao cinema, e
amanhã?”
Mesma indagação inquieta pessoas envolvidas com o cinema, que tiveram
suas experiências de vida marcada pelas imagens dinâmicas e, por isso, igualmente
percebem o significado de tal exclusão. É nesse caudal de acontecimentos e
alimentados pelo propósito de levar o cinema à população que se encontra
exceptuadas do circuito convencional de exibição, que surge o Projeto Cinema na
Praça em Salvador.
180
3.4. O “Projeto Cinema na Praça” em Salvador: origem e ações
A importância do cinema na Praça
a gente não vai poder analisar ela agora,
nem daqui a um ano, nem daqui a dois anos.
A importância é muito maior daqui a dez anos,
vai ter toda uma geração de pessoas,
que conheceram cinema,
que conheceram imagem em movimento,
através do cinema na praça.
197
Camilo Cavalcante – Cineasta.
As décadas de 1980 e 1990 abrem as janelas para um panorama, não tão
azul como as águas da Baía de Todos. No céu, também, o azul se esconde entre as
nuvens. É um contexto nada fácil para o cinema no Brasil. O quadro é de
conhecimento comum. Mas diante das dificuldades, o pensamento dirige as atitudes
no sentido de não se acomodar. A própria sétima arte é inspiradora. Cinema é
movimento. O ato de mover-se significa mudança de um lugar para o outro, uma
ação engendrada no espaço e no tempo. Uma evolução. É com esse impulso diário,
que se tece a vida, transforma-se e se ganha outras significações, propósitos... No
movimento, entrelaça-se a vida com de outras pessoas, e nessa interação ensina-se
e aprende-se. Esse movimento sucede gerações, e através dele, traça-se às
condições de sustentação e continuidade da existência. Transmitem-se, assim, os
saberes. Estes percorrem os tempos, somam-se as novas descobertas,
permanecem ou são re-significados de acordo com cada sociedade e o seu tempo.
Cinema também é luz. A luminosidade pode ser, igualmente, empregada
para simbolizar uma boa idéia. Uma idéia brilhante clareia o caminho possibilitando
a superação de dificuldades. Foi, justamente, de uma inspiração ancorada nas
experiências daqueles que primeiro realizaram exibições do espetáculo de sombra e
imagens luzentes – os lanternistas ambulantes e posteriormente os projecionistas do
cinematográfico, que veio a luz. Empregada agora, no sentido de nascimento, de
vida: o Cinema na Praça.
197
Depoimento disponível no vídeo: “Cinema na Praça” (2003), de Tiago Delácio sobre o Projeto na
cidade de Olinda.
181
Foi com luz e movimento, que denota também nascimento e ação, com os
elementos que compõem a sétima arte, que o Cinema na Praça deu os seus
primeiros passos, no ano de 1991, na cidade de Salvador. Uma alternativa
encontrada para que os encantos das imagens dinâmicas chegassem ao maior
número de pessoas. Surge, então, com o intuito de empreender ações, no sentido
de levar o cinema a quem não tem acesso às salas de projeção localizadas,
sobretudo, nos Shopping Centers.
Tem, igualmente, o escopo de exibir filmes de diretores que dificilmente
serão assistidos no chamado circuito convencional de cinemas, em que a
programação é predominantemente preenchida pelos longas-metragens
hollywoodianos. Existe, portanto, a preocupação não apenas de projetar filmes,
também com a formação de público e a criação de um espaço que privilegie as
produções nacionais, o que inclui longas e curtas-metragens realizados na Bahia.
Dessa maneira, os espectadores têm a oportunidade de assistirem a “filmes que não
foram nem para circuito comercial, nem para o alternativo, como é o caso do Alô? E
a minha comissão, da cineasta Mara Mourão, ou G. Constelação do céu da boca do
inferno, de Pola Ribeiro, sobre a obra de Gregório de Mattos.”
198
Com isso, não
exclui a possibilidade de apresentar filmes de outros países, algumas produções que
foram sucesso nos cinemas, são exibidos pelo Projeto.
Além disso, visa a proporcionar momentos de diversão às comunidades
localizadas na periferia da cidade bairros que apresentam pouquíssimas opções
de lazer. Por isso, desenvolve, exibições itinerantes, percorrendo os bairros e
algumas cidades vizinhas. Desenvolve, ainda, atividades educativas com a
divulgação de campanhas de educação sanitária, prevenção de doenças
sexualmente transmissíveis, preservação ambiental e patrimonial.
Nesse tocante, a preocupação gravita no propósito de reavivar o sentido do
cinema, essa arte que ao longo dos seus mais de cem anos de vida envolve e
enleva multidões.
E uma dessas pessoas seduzida pelas imagens dinâmicas foi o criador do
projeto, Bernardo Loureiro. O gosto pela sétima arte o levou não apenas a “ser olhos
198
GARCIA, Ivana. Artes para todos: Cinema na Praça e Quarta do Clip oferecem cultura e
entretenimento gratuitamente. Jornal Correio da Bahia. Salvador: 23 de maio de 2000. Comunidade.
Não paginado. (Grifos conforme original).
182
que assistem”, também “mãos que fazem e exibem”. Talvez, o espectador ao ver a
um filme, não tenha a dimensão da quantidade de saberes que o teceram. A grande
arte é urdida por tantas mãos: do que imagina e escreve uma grande história, do
diretor geral, engenheiro de som, elenco, diretor de arte e fotografia, entre outros.
Loureiro estudou fotografia, mas a trama da vida o levou à função de diretor. Nesse
sentido, produziu documentários e curtas-metragens.
Residiu em Brasília, por um período, onde teve contato muito intenso com
as produções cinematográficas. Conta que era freqüentador do Centro Cultural da
Caixa, que exibia bons filmes gratuitamente. Também as Embaixadas
do Japão, da
Espanha, da França etc. – que realizavam mostras sempre nos finais de semana. Um leque
de opções que proporcionava um ambiente rico e inspirador. Participou, também do
Centro
de Produção Cinematográfica – Ceprocine. Fez cursos na área de cinema.
Além disso, manteve ligação com os cineastas baianos, com quem em
parceria realizou algumas produções. Em Salvador, trabalhou em quatro edições da
Jornada Internacional de Cinema. Teve, desde o ano de 1984, uma relação forte
com o cinema. Desse modo, antes das exibições de filmes realizadas em praças,
Loureiro, já possuía um caminho trilhado no mundo da sétima arte.
Eu tinha [ligação com] cinema desde o início de minha vida de trabalho... Já trabalhei
com cinema, fiz fotografia de cinema e trabalhei com produção. Mas foi um caminho que
pela dificuldade da época, não se tinha tantas produções como se tem hoje. [...] Estive em
Brasília no Ceprocine [Centro de Produção de Cinema de Brasília], fiz alguns cursos e fiz
alguns trabalhos em Brasília também. Mas como não tinha campo para trabalhar eu vim
e comecei a trabalhar na instituição municipal aqui [em Salvador].
199
De volta a Salvador, em 1990, Bernardo Loureiro passa a fazer parte da
equipe de trabalho da Fundação Gregório de Mattos instituição vinculada à
Secretaria Municipal da Educação e Cultura, da Prefeitura Municipal de Salvador.
Narra, que ao ingressar na Fundação, sabia da existência no Pátio do Teatro
Gregório de Mattos, de uma torre de subestação, projetada pela arquiteta Lina Bo
Bardi, com o propósito de realizar exibições esporádicas de filmes. Devido sua
ligação com o cinema, o gosto em projetar filmes, somando-se a isso, o quadro
delineado na época, – fechamento das salas e dificuldades para a exibição da
199
Antonio Bernardo Castro Loureiro em entrevista concedida à autora, em 6 de julho de 2008, na
cidade de Salvador.
183
produção nacional, foram, sobretudo, os pontos deflagradores para a elaboração,
junto com a equipe de trabalho da instituição, do Projeto Cinema na Praça. O Projeto
foi desde o princípio, voltado para apresentações semanais de filmes.
Assim, de frente para uma paisagem bonita que descortina as águas do
mar, onde encontra-se o monumento que imortaliza o poeta, em atitude de
declamação, na famosa Praça Castro Alves, que o Cinema na Praça iniciou suas
apresentações. Mais precisamente no Pátio do Teatro Gregório de Mattos, Centro
da cidade. Toda quinta-feira, a partir da 19h, o projeto Cinema na Praça reúne
cerca de 80 espectadores
200
, [...] para assistir a filmes de produções nacionais ou
estrangeiras de todos os gêneros.”
201
O idealizador e ex-coordenador
202
do Projeto,
narra como tudo começou,
O cinema na praça nós começamos a efetivá-lo em 1991 no pátio do Teatro Gregório de
Matos, exibindo filmes de 16mm. Depois de algum tempo resolvemos realizá-lo em VHS,
facilitava por ter um acervo maior. Ele virou itinerante, pois levamos também para a
comunidade periférica de Salvador. [...] A projeção dos filmes 16mm eram realizados na
parede do Cinema Glauber Rocha. [...] No decorrer dessa história eu exibia muitos
documentários da Bahia em 16mm, mas esse acervo foi se esgotando, pois não tinha mais
o que exibir. Então, Oscar Santana, [...] que tinha escritório em São Paulo, ajudou o
Cinema na Praça bastante, eu tinha um contato com a Cinemateca e com o Museu da
Imagem e Som, eu solicitava daqui de Salvador alguns filmes e Oscar Santana gentilmente
trazia na mala direta dele os filmes, levava de volta e entregava. Na época de 1995, foi um
período que me afastei do cinema. O Cinema ficou um pouco parado, mas aconteceu.
Quando nós retornamos em 1998, com o projeto no MinC (Ministério da Cultura) que nos
deu uma Towner, equipamento de projeção e equipamento de sonorização, nos deu
mobilidade. Foi que começamos a abrir também para os bairros, nós formos ai para
vários bairros de Salvador.
203
Conforme o depoimento, o Cinema na Praça iniciou seu percurso passando
filmes em 16mm. Curiosamente utilizava-se a parede onde se encontrava a porta
de saída do “Cine Glauber Rocha
204
para serem exibidos os filmes. Os
200
Com a transferência do Projeto para a Praça Tomé de Sousa, o Cinema na Praça reúne uma
média de blico de 130 a 140 pessoas. Informação disponível em:
www.emtrusa.ba.gov.br/tempeate.asp. Acesso em: 26 de dez. de 2007.
201
GONZÁLEZ, Christianne. Salvador filmes de graça na Praça Castro Alves às quintas. Folha de
S. Paulo. São Paulo, 7 de set. de 1998. Folha Ilustrada, p. 6.
202
Bernardo Loureiro permaneceu na coordenação do Projeto Cinema na Praça até o segundo
semestre do ano de 2008. Até o mês de dezembro desse mesmo ano, a equipe de trabalho
aguardava a chegada de outra pessoa para ocupar o cargo vagado. O Projeto, entretanto, continuou
funcionando normalmente.
203
Depoimento de Bernardo Loureiro, coordenador do Projeto Cinema na Praça em Salvador,
concedido à autora em 06 de julho de 2008.
204
Fundado em 1919, em frente à Praça Castro Alves, Cine Guarany foi considerado por décadas o
principal cinema de Salvador. No ano de 1982, a sala foi reformada e reinaugurada com o nome de
Cine Glauber Rocha. Teve suas atividades encerradas em 1998. Após dez anos de abandono, o
184
espectadores, dentro da sala, compraram os ingressos e no exterior uma platéia
assistia gratuitamente. Loureiro, recorda que situações cômicas ocorriam, pois a
platéia desavisada, ao sair do cinema, tomava um susto, não entendia nada ao
perceber uma multidão do lado de fora olhando fixamente para a parede. Mas nem
tudo era engraçado, se de um lado tinha-se dificuldades para conseguir os filmes em
16mm para as projeções, por outro, a situação com os equipamentos não era nada
animadores.
Era complicado, porque a gente tinha um projetor de 16mm muito velho e a gente ficava
rezando para ele não quebrar, [...] era pesado e a gente tinha que subir para colocar esse
projetor em uma torre de subestação [...], subir em uma escada, que o era uma escada
normal, era uma escada de pedreiro. E a gente com todo esforço, a gente subia e carregava
esse piano.
205
Situação que começa a melhorar no ano de 1998
206
, quando o projeto
retorna à atividade semanal, depois de dois anos de interrupção, realizando
exibições ocasionais. Relançado no dia 1 de abril, com o filme de Glauber Rocha,
“Deus e o diabo na terra do sol”, o Projeto ganha uma nova roupagem com o apoio
do Ministério da Cultura. Com o financiamento, adquiriu-se um veículo utilitário,
Towner
207
equipamentos novos “vídeo, um projetor/canhão 5x5m, um aparelho de
amplificação sonora e uma mesa de som com quatro canais.”
208
Passou-se a utilizar
fitas em VHS e DVD, que eram alugados nas locadoras da cidade. A aquisição dos
equipamentos e do veículo facilitou sobremaneira a realização do Projeto, tanto que
ele passa a ser também itinerante, percorrendo os bairros periféricos de Salvador,
como Plataforma, Arenoso, Cajazeiras, Cabula, Sete de Abril, Valeria, Castelo
Branco, Periperi entre outros. As sessões itinerantes ocorriam, geralmente, nas
quartas-feiras.
prédio sofreu uma nova reforma e foi reaberto em dezembro de 2008. Atualmente, abriga o espaço
Unibanco de Cinema Glauber Rocha o Artplex (complexo de multiplex destinado à exibição de
filmes de arte), são quatro salas de cinema com 800 lugares.
205
Depoimento de Bernardo Loureiro, concedido à autora em 06 de julho de 2008.
206
Do mês de abril de 1998 a julho de 2002, 11.637 espectadores assistiram aos filmes exibidos pelo
Projeto Cinema na Praça, nas sessões realizadas na Praça Castro Alves. Com relação aos dados
atuais sobre o número de filmes e sessões a não foram disponibilizados.
207
Atualmente uma Kombi faz o transporte da equipe e dos equipamentos.
208
GARCIA, Ivana. Artes para todos: Cinema na Praça e Quarta do Clip oferecem cultura e
entretenimento gratuitamente. Jornal Correio da Bahia. Salvador: 23 de maio de 2000. Comunidade.
Não paginado.
185
O final de linha do Arenoso, bairro pobre da cidade, ficou animado na última quarta. Uma
alegria trazida por uma pequena Towner. (...) Apesar do local o ter muita iluminação, os
moradores do bairro saíram de casa para assistir ao filme Ninguém Segura este Bebê,
comédia bem leve para quem está acostumado a uma vida dura.
208
Em dezembro de 1998, o Cinema na Praça realiza o “Circuito Natalino”, são
cinco sessões especiais nos bairros de Arenoso, Saramandaia, Jardim Nova
Esperança, Cosme de Farias e Pirajá, apresentando filme com a temática do Natal.
As projeções reuniram um público em torno de 850 pessoas.
A volta do Projeto foi muito bem recebida pelos espectadores, e sua
repercussão rendeu reconhecimento público em materiais publicados em jornais
locais e inclusive uma folha inteira no jornal Folha de São Paulo, em setembro de
1998.
Afora as exibições itinerantes realizadas nos bairros, o Cinema na Praça
atende às solicitações das escolas, associações de moradores e Igrejas. Segundo
Bernardo Loureiro, “a solicitação de cada comunidade, para receber a projeção dos
filmes, passa por uma avaliação técnica das condições locais, a exemplo de
segurança, luminosidade, trânsito.”
209
Ver cinema hoje é uma coisa muito difícil, porque existe sala de cinema no Shopping o
cinema de bairro acabou. Então, para você ir ao cinema a entrada é doze reais, mais o
lanche, vai para vinte reais brincando. Então o cinema na praça é uma coisa boa, porque
leva isso para a população. (Cláudio Assis – Cineasta).
210
De modo geral, as sessões ocorrem em praças, com poucas exceções são
efetivadas em locais fechados. Ilustrativo a esse respeito o as exibições de filmes
para grupos da terceira idade. As projeções ocorriam toda penúltima sexta-feira do
mês, às 15 horas, na Sede do Instituto de Previdência do Servidor.
Todo mês elabora-se uma agenda “com dois ou três longas-metragens
nacionais, incluindo os de diretores baianos”.
212
Bernardo Loureiro ressalta que
208
BORGES, Kátia. Cinema na Praça. À Tarde. Salvador, 21 de set. 1998. Cultura, Caderno 2, p. 6.
209
Depoimento de Bernardo Loureiro concedido à autora em 06 de julho de 2008.
210
Depoimento disponível no vídeo: “Cinema na Praça” (2003), de Tiago Delácio.
212
GARCIA, Ivana. Artes para todos: Cinema na Praça e Quarta do Clip oferecem cultura e
entretenimento gratuitamente. Jornal Correio da Bahia. Salvador: 23 de maio de 2000. Comunidade.
Não paginado.
186
existe um cuidado na seleção dos filmes, pois o assistidos por muitas pessoas de
diversas faixas etárias, inclusive por crianças. Por isso, “a programação é escolhida
por uma comissão formada por um produtor de cinema, um pedagogo e diretores da
fundação”.
213
Acho que todo tipo de iniciativa que faz com que o público possa entrar realmente em
contato com o nosso cinema é extremamente bem vindo e é importantíssimo. Acho que
estar mais do que provado que o blico de qualquer classe social passou a ter uma outra
visão sobre o nosso cinema. (Matheus Nachtergaele, 2003).
214
A programação mensal do Projeto é divulgada, comumente, nos jornais de
grande circulação da cidade, no Site da Fundação Gregório de Mattos e
anteriormente no letreiro fixado na calçada do Teatro Gregório de Mattos.
É interessante assinalar que a programação do Cinema na Praça é variada,
inclui vários estilos de filmes: aventura, drama, comédia, ficção, romance, animação
e documentários. foram exibidas produções como Tendas dos Milagres (1977) de
Nelson Pereira dos Santos, Gabriela (1983) de Bruno Barreto, Tieta do Agreste
(1996) Carlos Diegues, A grande feira (1961) de Roberto Pires, Ação entre amigos
(1998) Beto Brant, Buena Vista Social Club (1999) de Wim Wenders, Central do
Brasil (1998) de Walter Sales, Matrix (1999) de Andy Wachowski e Larry Wachowski,
entre outros muitos filmes nacionais e estrangeiros que seduzem as pessoas por
onde passa.
Cumpre, então, perguntar, quem são os espectadores das sessões ao ar
livre? Trata-se de um público muito “diversificado e inclui estudantes, vendedores
ambulantes, engraxates, professores e profissionais liberais. [Além disso] (...), a
presença constante dos alunos de História do Centro Educacional Magalhães Neto,
que são levados pelo professor.”
215
213
GONZÁLEZ, Christianne. Salvador filmes de graça na Praça Castro Alves às quintas. Folha de
S. Paulo. São Paulo, 7 de set. de 1998. Folha Ilustrada, p. 6.
214
Depoimento do ator Matheus Nachtergaele, sobre os projetos de cinemas nas praças. Disponível
no vídeo: “Cinema na Praça” (2003), de Tiago Delácio.
215
GARCIA, Ivana. Artes para todos: Cinema na Praça e Quarta do Clip oferecem cultura e
entretenimento gratuitamente. Jornal Correio da Bahia. Salvador: 23 de maio de 2000. Comunidade.
Não paginado.
187
A atenção e interesse demonstrados pelos que se encontravam no pátio do Teatro Gregório
de Mattos, na Praça Castro Alves [...], para assistir mais uma edição do projeto Cinema na
Praça, demonstraram que a população carente o tem acesso às casas de espetáculos e
se ressente da falta de opções para o lazer cultural. O filme de ontem foi um [...] sucesso do
cinema brasileiro, “Guerra de Canudos”, do diretor Sérgio Rezende agradou plenamente à
platéia formada por estudantes, meninos vendedores e outros transeuntes que foram
atraídos pela movimentação do local.”
216
A recepção das pessoas que assistem a filmes através do Cinema na Praça
é sempre muito boa. Entusiasmo, contentamento, alegria... Emoções que se
reverberam nas falas ansiosas, perguntando quando será a próxima vez que o
cinema vai voltar. No tom saudoso “tem quase trinta anos que fui ao cinema”.
217
Na
empolgação verbalizada, “velho, foi muito massa!”
218
(João, vendedor ambulante
2008). Ou ainda, nos olhos brilhantes de quem diz, “sempre sonhei em conhecer.”
219
(Luciano, vendedor ambulante, 2007).
No ano de 2005, as imagens animadas deixam de brilhar na parede do
antigo Cinema Glauber Rocha. O encanto da sétima arte passa a enfeixar as
pessoas em outro local, a Praça Tomé de Sousa. No novo espaço as sessões
passam a acontecer às quartas-feiras, às 18 horas.
Cartão de visita de Salvador, a Praça é o principal elo entre as partes da
cidade. Nesse sentido o fluxo intenso de pessoas ocorre tanto em função do
Elevador Lacerda como dos prédios públicos localizados em seu entorno. Além
disso, não se pode esquecer que a Praça localiza-se no Centro Histórico, local
igualmente aglutinador de moradores da cidade e de turistas.
[...] o clima do lugar ajuda a compor um cenário de cultura. Quando me disseram que esta
praça era usada como estacionamento eu não o acreditei. Assistir a um grande filme como
este, ao ar livre, com uma vista tão espetacular e num lugar cheio de história como esta
praça uma experiência maravilhosa, disse a estudante, que está em Salvador participando
do 26º Encontro Nacional dos Estudantes de Educação Física. (Estudante do Curso de
Educação Física da Universidade Federal de Pernambuco).
220
216
CINEMA nacional na praça. Á tarde. Salvador, p. 5, 9 de abr. de 1988.
217
Depoimento do espectador do Cinema na Praça”, concedido à autora em 07 de novembro de
2007.
218
Depoimento de João, espectador do “Cinema na Praça”, concedido à autora em 07 de novembro
de 2007.
219
Depoimento concedido à autora em out. de 2007.
220
PRAÇA Municipal vira cinema a céu aberto. Salvador.ba. Salvador: Prefeitura Municipal de
Salvador, 11 de agos. 2005. Disponível em: http://www.salvador.ba.gov.br/index.php?option=com.
Acesso em: 26 de dezembro de 2006.
188
Vale dizer que esse conjunto de característica acaba por congregar no
mesmo local uma quantidade grande de pessoas diariamente, o que coaduna com o
escopo do Projeto Cinema na Praça, que é levar a arte do cinema ao maior número
de espectadores.
Assisto filmes toda quarta, tem mais de seis meses. [...] tem muito tempo que assisto
filmes aqui. Quando passo e vejo nem preciso [saber] a programação não, [...] às vezes
vejo na agenda cultural da biblioteca, quais o os filmes. Acho muito bom [exibição na
praça], nem todo mundo tem dinheiro para pagar cinema, tanta gente pelas ruas, que
não tem dinheiro pra pagar [...], melhor é assistir aqui de graça. (Estudante Universitário,
2008).
Ambiente diferente do pátio, localizado na Praça Castro Alves, que acolheu
o cinema anteriormente, a Praça que amiúde é o visitada e pela circulação intensa
de pessoas, possibilita o encontro de outros grupos com a sétima arte. Foi possível
encontrar assistindo aos filmes: estudantes universitários e dos níveis médio e
fundamental, pessoas que trabalham próximo à Praça, comerciários, vendedores
ambulantes, transeuntes que usam o Elevador, engenheiros, professores,
pedagogos, crianças, jovens e adultos que moram na rua, dançarino, ator,
aposentados, turistas brasileiros e estrangeiros, freqüentadores da Praça, entre
outros. Vale a pena salientar que o estilo do filme apresentado influencia no perfil
dos espectadores presentes, como, por exemplo, quando foram exibidos os
documentários “Paulinho da Viola meu tempo é hoje” (2003) e “Cartola música
para os olhos” (2006), o público era formado em sua grande maioria por pessoas
idosas e adultas, sendo em menor quantidade jovens e crianças.
Venho sempre, toda vez que passa um filme bom eu venho. Venho desde o ano passado.
Fico sabendo da programação pelos jornais e televisão. (Morador do bairro do Pau da
Lima).
É ilustrativo nesse particular, o depoimento de uma professora de dança. Ela
é brasileira, mas reside em Londres lnglaterra. Estava acompanhada de duas
amigas inglesas: uma desenvolve atividades em uma OnG em Serra Leoa (África), a
outra trabalha com joalheira na capital da Inglaterra. Foi a primeira vez que elas
189
viram uma exibição de cinema em uma praça. Disseram ter gostado muito da
experiência. Logo que chegaram na Praça, viram o filme passando, colocaram a
canga no chão, sentaram e assistiram ao filme até o final. As duas amigas acharam
maravilhoso ter legenda em inglês, assim puderam ficar. Gostaram, igualmente, da
oportunidade que tiveram de assistirem a um filme brasileiro. Ficaram tão
interessadas que fizeram algumas perguntas sobre o Projeto.
Gosto bastante de cinema. A gente acabou de chegar da praia, eu vi a primeira cena, como
tenho o DVD, eu falei Cara é o filme”, quando vi que tinha a legenda em inglês elas
ficaram na hora. Eu sou do Rio, venho [a Salvador] três anos seguidos, porque moro
em Londres e trabalho com dança, aí venho todo ano pra ter aula aqui. É a primeira vez que
assisto filme na praça, adorei! Coloquei minha canga no chão... Foi interessante ver, pra
mim, a reação dos meninos de rua, assistindo uma realidade deles. Uma oportunidade para
eles verem também. [O cinema na praça] é uma mistura total. Todo mundo sem saber ficou
preso na hora. [...] Para mim, o mais interessante foi ver os meninos de rua assistindo.
(Professora de Dança, 2008).
Assim, a platéia é bem diversificada, formada por pessoas, moradores da
cidade ou visitantes, que pela primeira vez tiveram contato com o projeto. Também
por espectadores que freqüentam as sessões de cinema na praça. Não sendo
raro encontrar pessoas que tiveram contato com as imagens dinâmicas através das
exibições do Projeto.
A primeira vez que venho. Estava passando ouvi, resolvi ficar. Achei o Cinema na Praça
bom, resgatando a cultura [...] a classe popular que não tem acesso a nada, está tendo essa
oportunidade, muitas vezes não tem nem em casa e na praça é de graça. Ah, outra coisa,
convidar os alunos para virem é uma boa, né? (Janete, Educadora, 2008).
As imagens projetadas no écran acabam por agrupar pessoas na Praça.
Revela, portanto, o poder de atração do cinema, que continua a enlaçar mentes e
corações. Uma continuidade também percebida no significado primordial da praça
como o espaço do encontro, destinado a reunião de pessoas. Situação que pode
corroborar, a compreensão das praças enquanto “espaços livres públicos urbanos
destinados ao lazer e ao convívio da população, acessíveis aos cidadãos e livres de
veículos” (ROBBA; MACEDO, 2003, p. 9).
Nesse tocante, retomando as palavras de Certeau (2002, p. 202), a praça
seria “o lugar praticado”, engendrado a partir dos atos das pessoas que significam,
re-significam o lugar. Este, por sua vez, estático, adquire uma dimensão nova
190
através das práticas nele desenvolvidas. A Praça, assim, deixa de ser lugar,
passando a ser um novo espaço, que envolve todo um enovelado de hábitos que se
insere no cotidiano. Reverberando-se, portanto, em um novo espaço de
sociabilidade, um lugar de práticas múltiplas.
191
V. Considerações Finais
Desde as primeiras sementes de idéias que foram lançadas e que
paulatinamente fizeram florescer o presente trabalho, a lembrança notável sobre a
paixão que o cinema é capaz de despertar, fazendo com que pessoas passem não
apenas a assistir muitos filmes, como também se interessar por tudo que diz
respeito às produções cinematográficas, sempre foi recorrente.
Através do cinema engendram-se uma constelação de práticas que
envolvem desde a freqüência às salas, as coleções de materiais relacionados à
sétima arte, realizações de eventos, cursos até as simples conversas empolgadas
sobre um filme. Forja-se, portanto, formas diferenciadas de sociabilidades que
viabilizam o aprendizado e circulação dos saberes acerca dessa arte. Algo tão
fecundo e pujante que faz com que pessoas passem a dedicar parte das suas vidas
ao cinema. Em muitas, o encontro com as imagens em movimento marcou de forma
tão especial, que determinaram suas escolhas profissionais, a ponto do cinema
emaranhar-se no cotidiano, não sendo possível desvincular os aprendizados da
grande arte com a trajetória de vida, como o exemplo apresentado neste trabalho,
do cineasta Lula Gonzaga.
Esse conjunto de idéias coaduna-se com outra forte recordação, as cenas
do filme Cinema Paradiso
221
(1999), do diretor Guiseppe Tonatore. O desenrolar da
história perfila desde o nascimento do amor pelo cinema, representado pela figura
do menino Totó (Salvatore) às freqüências à sala de exibição, até o fechamento do
cinema.
Cenas que não ocorreram apenas na ficção, o fascínio exercido pela sétima
arte tomou proporções admiráveis, enlaçou multidões. O filme é ilustrativo como o
cinema, em uma determinada época, tornou-se a prática social mais relevante da
cidade, e o modo profundo com que alterou gostos e bitos sociais. A história se
passa em uma pequena cidade do interior da Sicília. A paixão e euforia despertadas
221
CINEMA Paradiso. Direção: Giuseppe Tornatore. Produção: Mino Barbera, Franco Cristaldi e
Giovana Romagnoli. Roteiro: Giuseppe Tornatore. Estúdio: TF1 Film Productions; Les Films Ariane;
Cristaldifilm; RAI, 1988. 1 DVD (123 min.), son., color.
192
pelo cinema, mundialmente, fazem entender que poderia ser qualquer cidade aonde
o cinema chegasse. A cena, em particular, em que ocorre a projeção do filme na
parede de um prédio da praça, corrobora essa relação peculiar, da qual se traçou ao
longo do trabalho, que existe entre a praça e o cinema.
O filme expõe, outrora, um período desenhado pela euforia, o tempo das
luzes e glória, em que o cinema era o centro de convergência e lazer da cidade.
em suas últimas cenas, a demolição do “Cinema Paradiso” constitui o emblema de
um novo tempo que se descortina. Remove-se da paisagem mais que um prédio,
outrossim, o identificador da memória de um tempo fértil, guardiã da afetividade e
modo de viver de uma época.
Situação que se fez presente em outros países do mundo, no Brasil o
fechamento paulatino das salas e exibição pontua hoje uma nova realidade. Cerca
de 92% das cidades no país não têm salas de cinema. No feixe de fatores
complexos e abrangentes que contribuem para essa configuração, cumpre salientar
alguns pontos que encontram de modo mais direto relacionados às exibições de
cinema em praças públicas. A sétima arte desde sua origem à atualidade mudou
muito, o modo de produzir, distribuir e consumir. O cinema e as atividades ligadas ao
audiovisual tornou-se setor estratégico, como bem destaca Orlando Senna
222
, “Veja
que o tema saltou dos cadernos de cultura para os de economia. No mundo inteiro,
o audiovisual é foco de interpretações, análises e estudos. O crescimento da
indústria audiovisual não se dá apenas no Brasil, mas, sim em escala planetária.”
Medidas foram empreendidas pelo Governo Federal, através do Ministério
da Cultura, no sentido de regular o mercado audiovisual no país e dilatar a ligação
da população brasileira com a expressão cinematográfica exibições em
universidades, escolas, em praças públicas, criação de pontos de cultura,
cineclubes, mostras, fomento a produção, festivais etc. Através desse apoio
institucional assiste-se o crescimento no país do mero de projetos destinados a
exibição de filmes em praças públicas. O que explicita a importância desses
financiamentos, sem os quais torna-se inviáveis manter-se as exibições, sobretudo,
222
SENNA, Orlando. A civilização do audiovisual. Diário do Nordeste. Fortaleza, 7 de nov. 2006,
Caderno 3, não paginado. Entrevista concedida a José Anderson Sandes. Disponível em:
http://diariodonordeste.globo.com/materia. Acesso em: 16 de jul. de 2008.
193
as itinerantes. O Projeto Cinema na Praça em Salvador, é ilustrativo a esse respeito,
pois retornou suas atividades, com plena condição de funcionamento, inclusive
realizando ações itinerantes, devido ao apoio financeiro do Ministério da Cultura.
Outra questão refere-se ao poderio da produção, distribuição e exibição da
cinematografia estadosunidense. A multinacional americana, Cinemark, por
exemplo, é a maior líder de distribuição de filmes americanos no país, também a
pioneira em complexos multiplex. Concentrados nos Shopping Centers, os cinemas
apresentam preços inacessíveis à maioria população.
Enfeixa-se de modo sucinto alguns motivos que proporcionam o surgimento
de tantos projetos de exibição em praças. Vale ainda, salientar, o gosto que essa
arte desperta e que conseqüentemente faz com que pessoas se dediquem a
implantar e dar continuidade a tais projetos.
As apresentações de cinema na praça surgem, então, como a possibilidade
de democratizar o acesso da população à expressão do cinema nacional. Desse
modo, a praça torna-se o locus primordial para as apresentações das imagens
brilhantes, pois a referência do local que congrega pessoas para as mais diversas
práticas ecoa através dos tempos.
À luz destas considerações é interessante a experiência narrada pela
cineasta Laís Bodanzky
223
sobre a exibição de filme em uma área considerada
perigosa do Rio de Janeiro, a baixada Fluminense. A sessão de cinema aconteceu
logo após uma situação de violência que ganhou ressonância na imprensa em rede
nacional. A equipe do Projeto ficou receosa com os acontecimentos, chegando a
pensar que não teria público pois comumente a violência é tida como um dos
elementos responsáveis pelo afastamento da população das áreas blicas. Mesmo
assim a sessão não foi cancelada. Segundo a cineasta o cinema na praça foi muito
bem recebido e quando a estrutura para projeção foi montada as pessoas da
comunidade foram agradecer. “E o Cine Tela fez com que as pessoas saíssem de
casa com os amigos e freqüentassem uma praça que vivia vazia. De repente as
pessoas voltaram para a praça no momento de alegria e de descontração.
223
Laís Bodanzky em entrevista concedida a Inimá Simões. Programa Sintonia. Brasília: TV
Câmara, 03 de dez. de 2007.
194
O depoimento de uma moradora, narrado pela cineasta, explicita essa
satisfação, “Nossa, o cinema tem que continuar, porque ele trouxe pra gente, aqui,
um hábito social que não existia mais.”
224
Desse modo, as exibições de filmes na
praça assemelham-se ao cinema “tradicional [que era um] estímulo para se sair de
casa e usar a cidade” (CANCLINI, 1999, p. 202).
Além disso, a experiência apresentada por Laís Bodanzky, traz uma
importante reflexão, no que diz respeito a freqüência e usos das praças pela
população, especialmente, nas grandes cidades, em que o contexto da violência é
apontado como um dos fatores que promovem o esvaziamento das praças e ruas.
Como foi exposto ao longo do trabalho, os projetos de exibição de filmes em praças,
percorrem os bairros periféricos das cidades, inclusive áreas consideradas violentas,
e o cinema é sempre muito bem recebido. Torna-se, assim, uma motivação para as
pessoas saírem de casa e usarem as praças. Nesse sentido é interessante o
depoimento de Antônio Carlos, técnico de vídeo e áudio do Projeto Cinema na Praça
em Salvador, ao relatar sobre a experiência de exibição nos bairros de Salvador.
A recepção é muito boa, o povo recebe calorosamente. Embora alguns filmes as pessoas
conhecem, nada se compara se assistir ao filme na telona e no meio de muita gente.
Atingimos pessoas que nunca foram ao cinema, crianças [...] e mesmo adultos. O Projeto
poderia ser expandido para outras comunidades, porque ele é educativo. [...] Eu saio
gratificado, porque as pessoas perguntam quando será a próxima vez. (Antônio Carlos
Santos – Técnico de Áudio e Vídeo do Projeto Cinema na Praça).
225
No que se refere à Tomé de Sousa, que abriga semanalmente o cinema em
Salvador, como foi exposto, a Praça é “Redesenhada ao longo do tempo, através
dos usos e sentidos a ela conferidos, tornou-se uma espécie de guardiã no mito de
origem da cidade.”
226
Desde o princípio a Praça foi o ponto de convergência da
população. Reúne desde seu nascedouro uma constelação de usos, impressos
pelas sucessivas gerações em distintas épocas. Alguns usos ainda persistem, “em
Salvador, [...] sempre foi tradicional a ocupação intensa dos largos e praças por
224
Laís Bodanzky entrevista concedida a Inimá Simões, exibida no Programa Sintonia da TV Câmara,
dia 03 dez. de 2007.
225
Depoimento de Antônio Carlos Santos, técnico de vídeo e áudio do Projeto Cinema na Praça,
concedido à autora em 11 de dezembro de 2008.
226
LEITE, Ilka Boaventura. In.: CORADINI, Lisabete. Praça XV: espaços e sociabilidade.
Florianópolis: Fundação Franklin Cascaes; Letras Contemporâneas, 1995.
195
bancas de venda de alimentos” (ROBBA e MACEDO, 2003, p. 148). O comércio
ambulante até os dias atuais é muito marcante na cena urbana da cidade, e na
Praça Tomé de Sousa não é diferente. Muitos desses trabalhadores são os
freqüentadores das sessões do Cinema na Praça. Usos e apropriações novas se
misturam a velhas formas das pessoas utilizarem o espaço.
O próprio cinema na praça consiste em um modo de apropriação de tempos
passados. Nesse sentido a Praça Castro Alves, em Salvador, foi palco para
apresentações das imagens em movimento, nos tempos iniciais do cinema. Levados
pela mesma essência os exibidores de outrora, que também realizavam as
projeções para aqueles que não possuíam condições financeiras de freqüentarem as
salas escuras.
Atualmente, na Praça que “descortina o mais belo panorama da Bahia,
principalmente à tarde ou pela manhã”,
227
as pessoas apreciam a paisagem,
comem, bebem, transitam, festejam o Carnaval com o trio elétrico, o Natal com
as cantatas, jogam capoeira, protestam, dormem, se prostituem, riem, tiram fotos,
namoram, assistem aos shows de teatro, danças e cinema. Uns estão ali para
desfrutarem de um momento de lazer, outros buscam na Praça mormente um meio
de sobrevivência. E existe ainda os que se manifestam de diversas formas na Praça
– artisticamente ou através de protestos das lutas.
Nesse leque de freqüentadores ou passantes, chama-se a atenção as
exibições de cinema na Praça, onde é possível encontrar os usuários agrupados em
um mesmo local do logradouro, olhos fixos em um mesmo propósito: ver a história
que se desenrola na tela. Isso porque a “praça nasce do estar-juntos[...] Como o
lúdico é inerente ao ser humano, o estar-juntos traz simultaneamente o jogo, a
conversa, a música e outras trocas simbólicas.”
228
Assim, a Praça consiste em espaço prenhe de significados e sentidos. Por
isso, não é por acaso, que é escolhida para as exibições de cinema, isso porque, “as
práticas [...] desenvolvidas pelos indivíduos são as que verdadeiramente refletem a
227
QUATRO Séculos de História da Bahia. Revista Fiscal da Bahia. Edição Especial dedicada ao IV
Centenário da Fundação da Cidade do Salvador. Salvador: [s.n.], 1949, p. 230.
228
GASTAL, Susana. Alegorias urbanas: o passado como subterfúgio: tempo, espaço e visualidade
na pós-modernidade. Campinas: Papirus, 2006, p. 213-214.
196
apropriação do espaço pelo cidadão, pois são essas práticas que tecem a vida
social.”
229
O caminhar pelas praças das cidades e, em especial, pela história do ontem
e do hoje da Praça Tomé de Sousa, fez perceber que cada espaço dialoga com seu
tempo, sendo ao mesmo tempo testemunhas e agentes criadores da memória, que
se tece a partir dos usos e apropriações cotidianas, ações estas que urdem a própria
vida.
229
LIMA, 2000, p. 123.
197
V. Acervos e Fontes
- Artigos e/ ou matérias de Jornais e Revistas:
AMPLIAÇÃO da Praça Municipal começará logo que mandar. Diário de Notícias.
Salvador, p. 5, 6 de ago. 1972.
BORGES, Kátia. Cinema na Praça. À Tarde. Salvador, 21 de set. 1998. Cultura,
Caderno 2, p. 6.
CINEMA nacional na praça. Á tarde. Salvador, p. 5, 9 de abr. de 1988.
FONSECA, Adilson. Comunidades querem cinemas de volta. Jornal À Tarde.
Salvador, 11 de setembro de 2005, Caderno Local, p. 10.
GARCIA, Ivana. Artes para todos: Cinema na Praça e Quarta do Clip oferecem
cultura e entretenimento gratuitamente. Jornal Correio da Bahia. Salvador: 23 de
maio de 2000. Comunidade. Não paginado.
GONZÁLEZ, Christianne. Salvador vê filmes de graça na Praça Castro Alves às
quintas. Folha de S. Paulo. São Paulo, 7 de set. de 1998. Folha Ilustrada, p. 6.
JORNAL da Bahia. Salvador, 20 set. 1988. Revista, p. 31.
MELLÃO, Gabriela. A praça é de todos. In: Revista Bravo. No 122. São Paulo:
Editora Abril, out. 2007, p. 102-106.
MORADORES defendem cinema. Jornal da Bahia. Salvador, p. 69, 19 de jun.
1987.
PEREZ, Sônia. Cinema vai aonde o povo está. Cultura. Olinda, p. 4, nov., 2002.
Não paginado.
UZEDA, Eduarda. Jornal da Bahia. Salvador, 20 de set. de 1988, Caderno Revista,
p. 32.
198
- Jornais em meio eletrônico
ARANTES, Silvana. Público de cinema no Brasil diminui 2,9% em 2007. Folha de
São Paulo. São Paulo, 12 de Jan. de 2008. Disponível em:
http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada. Acesso: em 06 de jul. 2008.
LAGE, Janaina. Era do Multiplex: Megacinemas respondem por metade das salas
do país. Jornal Folha de São Paulo. 25 de jun. de 2007. Disponível em:
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq2506200707.htm. Acesso em: 06 de jan.
de 2008.
LEITE, Juliana. A arte vive e morre na Praça da República. Jornal da Praça. maio de
2008. Disponível em http://jornaldepoeta.wordpress.com/2008/05/19/a-arte-vive-e-
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NÃO há vagas: motoristas têm dificuldades para estacionar os veículos com a
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A Praça Tomé de Sousa
Da esquerda para
a direita: Fig. 39:
Salvador vista do
Mar, no alto Praça
Tomé de Sousa e o
Elevador Lacerda;
Figuras 40:
Prédios da Cidade
Baixa vista da
Praça; Fig. 41:
Prédio do Mercado
Modelo. Fotos:
Alzilene Ferreira
(2007).
15
Da esquerda para a
direita: Fig 42: Vista
lateral do Elevador
Lacerda; Fig. 43:
Prefeitura Municipal
de Salvador; Fig.
44: P
aço Municipal;
Fig. 45: Palácio Rio
Branco. Fotos:
Alzilene Ferreira
(2007).
16
O dia na Tomé de Sousa
Fig. 46: O banho da Tomé de Sousa. Fig. 47: Os pombos na Praça. Fig. 48: Chegada dos Turistas.
Fig. 49: Passeio na Praça. Fig. 50: O vendedor ambulante. Fig. 51: A “Ferinha de Artesanto”.
17
Fig. 52: O vendedor de cafezinho. Fig. 53: “Bate papo” na Praça. Fig. 54: Encontro com os amigos.
Fig. 55: Protesto na praça. Fig. 56: Manifestação dos trabalhadores Fig. 57: Sorvete na Cubana.
Fig. 58: Estátua Viva na Praça.
Fig. 59: Fotografar o Pôr-do-sol.
Fig. 60: A expectativa da grande foto.
18
A vez do Cinema na Praça
Fig. 61: O belíssimo espetáculo do pôr-do-sol. Fig. 62: Chegou o dia do cinema.
Fig. 63: A espera do outro espetáculo
Fig. 64: Quase o momento.
Fig. 65: As imagens brilham na tela.
Todas
as
fotos:
Alzilene
Ferreira
(2008)
19
Fig. 66: Gente que passa ... Fig. 67: Gente que pára. Fig. 68: Gente sentada no chão. Fig. 69: Gente em pé.
Fig. 70: Gente que se deita. Fig. 71: Gente atenta. Fig. 72: Gente sorrindo. Fig. 73: Gente que cansou e sentou-se.
Fig. 77: Só para lembrar, quando chove
não tem o Cinema na Praça.
Fig. 74: Mais gente sentada no chão.
Fig. 75: Cenas finais.
Fig. 65: O cinema se despede.
20
21
22
23
24
Todos as f
otos das
páginas 222 e 223:
Alzilene Ferreira (2007)
25
Fotos: Alzilene Ferreira (2008)
26
Fotos: Alzilene Ferreira (2008)
27
Fotos: Alzilene Ferreira (2008)
28
Praça de Maio
Buenos Aires/ Argentina.
Praça de Maio
Buen
os Aires/Ar
gentina
Praça Buenos Aires/ São Paulo
.
Praça Piedade/ Salvador/ Ba
Praça Ramos de Azevedo/ São Paulo.
Praça da Piedade/ Salvador
-
Ba.
29
Praça do Marco Zero/ Recife
Festival
Internacional de Bonecos.
Praça de Maio
-
Buenos Aires/ Ar.
Praça Aristides Lôbo
João Pessoa
-
Pb
Praça Marechal Deodoro
Maceió/
Al
Praça do Ferreira
Fortaleza/ Ce.
Inauguração da Praça do Conjunto
Piranji
Natal/ RN
.
30
Praça
da Sé
Salvador
/
Ba
.
Parque das Dunas – Natal/ RN, 2009.
Praça
Terreiro de Jesus
-
Salvador
/
Ba
.
Terreiro de Jesus
Salvador
/
Ba
.
Cinema na Praça em Lages/ RN.
Fonte: Arquivo de Lula Gonzaga.
Cinema na Praça em Lages/ RN.
Fonte: Arquivo de Lula Gonzaga.
Todas as
fotos das
páginas
228, 229 e
230:
Alzilene
Ferreira
(2007 e
2008).
31
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