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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CENTRO TECNOLÓGICO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM URBANISMO, HISTÓRIA E
ARQUITETURA DA CIDADE
Rodrigo Fabrício Kerber
SANTO ÂNGELO: A FIRMA - AÇÃO DA MODERNIDADE
NA ARQUITETURA DA CIDADE, 1930-1945
Florianópolis
2008
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2
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CENTRO TECNOLÓGICO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM URBANISMO, HISTÓRIA E
ARQUITETURA DA CIDADE
Rodrigo Fabrício Kerber
SANTO ÂNGELO: A FIRMA - AÇÃO DA MODERNIDADE
NA ARQUITETURA DA CIDADE, 1930-1945
Dissertação submetida ao Programa de Pós-
Graduação em Urbanismo, História e Arquitetura da
Cidade, PGAU-CIDADE da UFSC, como requisito
parcial para a obtenção do título de Mestre em
Urbanismo, História e Arquitetura da Cidade, Área de
Concentração em Urbanismo, História e Arquitetura da
Cidade. Linha de Pesquisa em Arquitetura da Cidade.
Orientadora: Profa. Dra. Lisete Assen de Oliveira.
Florianópolis
2008
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3
A dissertação intitulada Santo Ângelo: A Firma – Ação da Modernidade na
Arquitetura da Cidade, 1930 – 1945, de autoria de Rodrigo Fabrício Kerber, foi
submetida ao processo de avaliação conduzido pela Banca Examinadora instituída
pela Portaria __________________, para obtenção do título de Mestre em
Urbanismo, História e Arquitetura da Cidade, tendo sido aprovada sua versão final
em ____ de __________de_________, em cumprimento às normas da Universidade
Federal de Santa Catarina e do Programa de Pós-Graduação em Urbanismo,
História e Arquitetura da Cidade, PGAU-CIDADE.
Presidente: ________________________________________
Profa. Dra. Lisete Assen de Oliveira - UFSC
Membro Externo: ___________________________________
Prof. Dr. Günter Weimer – PUCRS / UFRGS
Membro: __________________________________________
Profa. Dra. Gilcéia Pesce do Amaral e Silva - UFSC
Membro: __________________________________________
Prof. Dr. Gilberto Sarkis Yunes - UFSC
Membro: __________________________________________
Prof. Ms. Luiz Eduardo Fontoura Teixeira - UFSC
__________________________________________________
Coord. do Programa de Pós-Graduação em Urbanismo, História e Arquitetura da Cidade
PGAU-Cidade/ARQ/CTC/UFSC
Florianópolis, 01 de Julho de 2008.
4
Pela força, pelo apoio, pela parceria incondicional dedico este trabalho à
companheira e noiva Carolina Sarate Sansone.
5
AGRADECIMENTOS
À professora Lisete Assen de Oliveira pelo encorajamento, pelo
acompanhamento, pelo crédito, pelas críticas elucidativas, pelas indicações, pelas
referências exatas e pelas ponderações na criação do objeto de estudo capaz de vir-
a-ser a presente dissertação.
Às disciplinas do PGAU-CIDADE que direta ou indiretamente contribuíram na
formação de uma base conceitual importante para o presente estudo, especialmente
a disciplina de Leitura Dirigida em que se pode aprofundar assuntos pertinentes à
arquitetura da cidade e à modernidade.
Ao Programa de Pós-graduação em Urbanismo, História e Arquitetura da
Cidade da na Universidade Federal de Santa Catarina, pela criação desta área tão
especial: o estudo do espaço em que vivemos.
Aos professores Gilcéia Pesce do Amaral e Silva, Gilberto Sarkis Yunes e
Luiz Eduardo Fontoura Teixeira pelas orientações no exame de qualificação.
Aos senhores Edgard Helmuth Geiss, Sérgio Fortes, Newton Furtado
Fabrício, Rudá Rockenbach, Pedro Osório do Nascimento, Bertholdo Bruno Benno
Schmidt, Germano Wüst, João da Jornada Fortes Filho e Jair Severo pelas suas
experiências e contribuições diretas na realização deste trabalho.
À família Medaglia, nas pessoas de José Carlos Medaglia Filho, Cláudia
Medaglia e Fernando Medaglia, pelo empréstimo de importante material.
À família Costa nas pessoas de Ingrid Costa Hauschild, Kristin Costa Weinert
e Hervigo Costa pelo apoio a este trabalho.
À Eunisia Killian do Arquivo Histórico Municipal Augusto César Pereira dos
Santos de Santo Ângelo, pela sua disponibilidade e atenção.
Ao Iramir de Almeida Moraes e Ivana Araújo, do Ofício do Registro de
Imóveis de Santo Ângelo, pela colaboração prestada a este estudo.
À Márcia Cezaro Maiocchi, assistente do Arquivo Público Municipal de Porto
Alegre pela contribuição prestada.
Ao economista Celso Pudwell pelos dados calculados e atualizados.
Aos professores Glenda Pereira da Cruz, Luiz Antônio Bolcato Custódio e
Günter Weimer, pela confiança.
À minha querida família que não tem poupado esforços em facilitar a
conquista deste objetivo há muito perseguido. Especialmente nas pessoas de minha
mãe Lídia, Ricardo, de meu pai Gilberto, Ângela, e irmãos Renata, Álvaro, Fernanda
e Luiza.
6
KERBER, Rodrigo Fabrício. Santo Ângelo: A Firma – Ação da Modernidade na
Arquitetura da Cidade, 1930-1945. 2008. Dissertação (Mestrado em Urbanismo,
História e Arquitetura da Cidade) – PGAU-Cidade, Universidade Federal de Santa
Catarina. Florianópolis. Orientadora: Lisete Assen de Oliveira.
Linha de Pesquisa: Arquitetura da Cidade.
RESUMO
Em um país de proporções continentais, o processo de desenvolvimento
urbano é percebido mais facilmente nos grandes centros localizados especialmente
na parte litorânea brasileira. Essa dinâmica pode ser também evidenciada na cidade
de Santo Ângelo, localizada no interior, ao noroeste do Estado do Rio Grande do Sul
e fundada enquanto redução Jesuítica em 1707.
Nesta dissertação o fenômeno urbano observado em Santo Ângelo, entre
1930 e 1945, revela especificidades locais como o resgate de uma memória
missioneira, e condicionantes regionais como a interligação à malha ferroviária
Estadual no inicio da década de vinte. Este desenvolvimento é notado pela atuação
de uma sociedade étnica e culturalmente diversificada, formada e influenciada por
um intenso trânsito e permanência de um contingente imigrantista, por um poder
político centralizado em um contexto nacionalista e pela ação de uma empresa
construtora, a Santo Angelense Ltda, que viabiliza através da sua produção a
instauração da Capital das Missões. É quando se distingue um setor de Santo
Ângelo mais ligado ao passado e outro mais ligado ao futuro, reflexo de um sítio
físico ocupado em diferentes períodos, por uma sociedade urbana em estruturação,
direcionada por um novo planejamento e perceptível no seu tecido urbano. É neste
período de uma década e meia que ocorre a instituição de novos paradigmas
arquitetônicos e a consolidação hierárquica deste tecido urbano determinantes de
uma nova forma urbana composta pela formação de um bairro residencial e de um
centro de atividades diversas.
A modernidade e a tradição são aspectos presentes neste processo de
desenvolvimento urbano de Santo Ângelo, na construção do ser cidade durante a
Era Vargas, quando repercutem nas paisagens construídas obras inovadoras,
capazes de representar o significado e o estabelecimento de uma nova configuração
urbana. Podem ser destacadas obras de maior magnitude como a construção do
Cine-Teatro Municipal e da nova Igreja da Matriz, as quais refletem diretamente na
arquitetura da cidade e na consolidação de suas partes distintas.
Palavras-chave: Santo Ângelo-RS, modernidade, imigração no Rio Grande do Sul,
arquitetura, morfologia urbana.
7
KERBER, Rodrigo Fabrício. Santo Ângelo: The Firm – The Action of Modernity
on the Architecture of the city, 1930-1945. 2008. Dissertation (Master degree in
Urbanism, History and Architecture of the City) – PGAU-Cidade, Universidade
Federal de Santa Catarina. Florianópolis. Supervisor: Lisete Assen de Oliveira.
Line of Research: Architecture of the City
ABSTRACT
In a continental sized country, the process of urbanization is more easily
detected in big centers. These dynamics can also be seen in Santo Ângelo, a city in
the north-west of the State of Rio Grande do Sul that was founded by the Jesuits in
1707.
In this dissertation, the urban phenomenon observed in Santo Ângelo,
between 1930 and 1945, shows local specificity as the rescue of a missionary
memory, and regional factors as the connection to the State railway line. This
development is perceived by the action of a culturally and ethnically diverse society,
formed and influenced by an intense traffic and permanence of an immigrant
contingent, conducted by a public power centralized in a nationalist context and by
the action of a construction company, the Santo Angelense Ltda, that makes
possible, through its production, the establishment of the Capital of the Missions.
This is when an area from Santo Ângelo more connected to the past and another
more connected to the future can be distinguished. This is the reflex of a physical
space settled in different periods, by a growing urban society, directed by a new
planning and perceived in its urban area. It is in this period of a decade and a half
that occur the institution of new architectonic paradigms and the hierarchical
consolidation of this urban area determining a new urban focus, composed by the
formation of a residential area and an area of various interests.
Modernity and tradition are present aspects in the process of urban
development of Santo Ângelo, in the construction of the city being during the Vargas
Era, when innovative buildings appear on the constructed landscapes, able to the
meaning and the establishment of a new urban configuration. Buildings of great
magnitude can be perceived as the construction of the Cine-teatro Municipal and of
the new Igreja Matriz, which reflect directly in the architecture of the city and in the
consolidation of its distinct parts.
Key words: Santo Ângelo-RS, modernity, immigration in Rio Grande do Sul,
architecture, urban morphology.
8
Já temos com que preparar uma sinfonia: lei do sol, lugar, topografia, escala dos
projetos;(...); infinitos recursos das invenções técnicas atuando, eventualmente, de acordo com os
meios tradicionais; finalmente, a introdução de novos materiais e preservação de materiais eternos...
Pode ser uma casa de fim de semana ou um imenso palácio, uma barragem hidráulica ou
uma fábrica, o apelo à imaginação permanece constante. Não há em todo país uma única obra que
tenhamos o direito de qualificar como indiferente: tudo tem sua importância, desempenha um papel,
carrega a responsabilidade de tornar a região bela ou infame.
Cada coisa é um todo e, entretanto, não deixa de ser um fragmento. A pátria é feita desse
pacto que liga a natureza ao meio construído. De um passo ao seguinte, de uma rua à outra, de uma
vila à outra, por que haveria de se romper o encantamento se é tanto o fervor consagrado à
construção de cada objeto?
1
Le Corbusier, 1943.
1
LE CORBUSIER. Mensagem aos estudantes de arquitetura. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 47-
48.
9
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 01 – Localização de Santo Ângelo no Rio Grande do Sul......................................................... 14
Figura 02 – Vista contemporânea de um conjunto da década de 1930 ............................................... 16
Figura 03 – Quanto a abrangência da pesquisa................................................................................... 21
Figura 04 – Projeto para canalização do Riacho ..................................................................................44
Figura 05 – Igreja Martin Luther............................................................................................................ 44
Figura 06 – Área de estudo com relação ao traçado contemporâneo de Santo Ângelo...................... 45
Figura 07 – Sítio físico predominante na área de estudo ..................................................................... 46
Figura 08 – Localização dos Sete Povos das Missões......................................................................... 49
Figura 09 – Município de Santo Ângelo no Rio Grande do Sul, 1913 .................................................. 56
Figura 10 – Exposição do Centenário Farroupilha. Vista do Eixo Monumental, .................................. 60
Figura 11 – Exposição do Centenário Farroupilha. Vista do Pavilhão da Indústria.............................. 63
Figura 12 – Propaganda Casa Jota. Santo Ângelo, 1943 .................................................................... 66
Figura 13 – Propaganda Casa Miriam. Santo Ângelo, 1950 ................................................................ 66
Figura 14 – Cartaz Festa Nacional do Milho. Santo Ângelo, 1954....................................................... 68
Figura 15 – Número de projetos ao ano feitos pela construtora Santo Angelense Ltda ...................... 75
Figura 16 – Esquema da ocupação anterior à 1930............................................................................. 81
Figura 17 – Sobreposição dos tecidos do século XVIII e XX................................................................ 84
Figura 18 – Localização das primeiras ocupações da área.................................................................. 84
Figura 19 – Antiga residência de Ulysses Rodrigues. .......................................................................... 85
Figura 20 – Vista da Praça Pinheiro Machado, 1900 ........................................................................... 86
Figura 21 – Vista do espaço da Praça Pinheiro Machado. Início século XX........................................ 86
Figura 22 – Sede da Intendência e a Igreja da Matriz. Início da década de 1920 ............................... 86
Figura 23 – Ocupação de Santo Ângelo, 1898..................................................................................... 87
Figura 24 – Malha ferroviária parcial do Rio Grande do Sul................................................................. 88
Figura 25 – Possível malha urbana de Santo Ângelo no início da década de 1920 ............................ 89
Figura 26 – Esquema dos limites e barreiras de crescimento.............................................................. 90
Figura 27 – Cruzamento da Rua Marquês do Herval com a Rua 14 de Julho. .................................... 90
Figura 28 – Avenida Brasil. Vista Leste, década de 1920. ................................................................... 91
Figura 29 – Palacete Municipal, inaugurado em 1929.......................................................................... 96
Figura 30 – Praça estruturadora, 1898 ............................................................................................... 100
Figura 31 – Esquema do parcelamento das quadras, 1898............................................................... 101
Figura 32 – Multiplicação unidirecional de um padrão, 1924.............................................................. 102
Figura 33 – Planta de Santo Ângelo, 1924. ........................................................................................ 104
Figura 34 – Esquema do parcelamento das quadras, 1924............................................................... 104
Figura 35 – Planta de Santo Ângelo, 1940 ......................................................................................... 106
Figura 36 – Ordenação urbana, 1935 a 1945..................................................................................... 115
Figura 37 – Sociedade Literatura e Beneficência. .............................................................................. 116
Figura 38 – Grupo Ginásio Municipal de Santo Ângelo...................................................................... 116
Figura 39 – Colégio Elementar de Santo Ângelo................................................................................ 117
Figura 40 - Associação de Assistência aos tuberculosos Sanatório. ................................................. 117
Figura 41 – Banco da Província.......................................................................................................... 119
Figura 42 – Banco Nacional do Comércio. ......................................................................................... 119
Figura 43 – Banco do Brasil................................................................................................................ 119
Figura 44 – Criação dos eixos da cidade, 1930 a 1945...................................................................... 122
Figura 45 – Praça Pinheiro Machado. Vista aérea, direção sul.......................................................... 123
Figura 46 – Praça Rio Branco. Vista aérea, direção leste. ................................................................. 123
Figura 47 – Rua Sete de Setembro. Vista Oeste, por volta de 1940.................................................. 123
Figura 48 – Esquema da ocupação urbana: elementos ordenadores................................................ 126
Figura 49 – Esquema da ocupação urbana: elementos condicionados ............................................. 127
Figura 50 – Esquema da ocupação urbana: elementos condicionados ............................................. 127
Figura 51 – Localização das edificações de atividades unifamiliares em função da época............... 130
Figura 52 – Localização das edificações de atividades diversas em função da época...................... 131
Figura 53 – Rua Antunes Ribas. Vista Sul, proximidades da Prefeitura. ........................................... 132
Figura 54 – Rua Antunes Ribas. Vista Norte, proximidades da Prefeitura, década de 1950............. 133
Figura 55 – Rua Antunes Ribas. Vista Sul, proximidades da Av. Brasil, década de 1950................. 133
Figura 56 – Matriz formal de bairro residencial................................................................................... 134
Figura 57 – Conjunto na Rua Três de Outubro................................................................................... 134
Figura 58 – Elevações das casas construídas na Rua Três de Outubro. .......................................... 135
10
Figura 59 – Relação das arquiteturas de bairro residencial e o espaço urbano ................................ 135
Figura 60 – Localização das quadras mais densificadas na malha urbana ....................................... 137
Figura 61 – Avenida Brasil. Vista Nordeste, década de 1940. ........................................................... 137
Figura 62 – Rua Marquês do Herval. Vista Norte, década de 1950. .................................................. 138
Figura 63 – Matriz formal de bairro centro.......................................................................................... 139
Figura 64 – Densificação Quadra Nova.............................................................................................. 140
Figura 65 – Rua 14 de Julho. Vista Oeste, década de 1940. ............................................................. 141
Figura 66 – Rua Marechal Floriano. Vista Norte, década de 1940..................................................... 141
Figura 67 – Rua Nova. Vista Oeste, 1953. ......................................................................................... 141
Figura 68 – Relação das arquiteturas de bairro centro e o espaço urbano........................................ 142
Figura 69 – Sobrado de Jacob Sprinz. Construtora Santo Angelense. .............................................. 143
Figura 70 – Esquema das edificações da quadra nova...................................................................... 143
Figura 71 – Situação. Ocupação pela Rua Antunes Ribas................................................................. 147
Figura 72 – Casa Medaglia. Situação e vista...................................................................................... 148
Figura 73 – Casa Oliveira. Situação e vista ........................................................................................ 149
Figura 74 – Casa Rodrigues Sobrinho. Situação e vista .................................................................... 150
Figura 75 – Batalhão ferroviário em desativação................................................................................ 154
Figura 76 – Batalhão ferroviário e cinema: dois equipamentos ligados ao movimento...................... 156
Figura 77 – Esquema da edificação do cinema x sítio ...................................................................... 156
Figura 78 – Entroncamento das Ruas Marquês do Herval com a 14 de Julho. ................................. 158
Figura 79 – Sobreposição das Igrejas ................................................................................................ 160
Figura 80 – Fachada das ruínas da Igreja de Santo Ângelo Custódio. .............................................. 161
Figura 81 – Segunda Igreja de Santo Ângelo, década de 1920......................................................... 164
Figura 82 – Início da Construção da terceira arquitetura religiosa, 1929-30...................................... 165
Figura 83 – Perspectiva da Igreja da Matriz, 1929. ............................................................................ 168
Figura 84 – Fase de execução da nova fachada adaptada à Igreja da Matriz................................... 169
Figura 85 – Da Igreja da Matriz à Catedral Angelopolitana................................................................ 171
Figura 86 – Antiga residência de Amantino Licht................................................................................ 186
Figura 87 – Antiga residência de Ruy Monteiro.................................................................................. 186
Figura 88 – Antiga residência de Celso Moraes ................................................................................. 186
Figura 89 – Antiga residência de Florimundo Fernandes dos Santos................................................ 187
Figura 90 – Antiga casa de Zeferino Boranga .................................................................................... 187
Figura 91 – Antiga residência de Júlio Uflacker Beck......................................................................... 187
Figura 92 – Antiga residência de Próspero Pippi................................................................................ 188
Figura 93 – Antiga casa de Palmenia Oliveira Perna ......................................................................... 188
Figura 94 – Antiga residência de Maria Thereza Paiva de Souza...................................................... 188
Figura 95 – Antiga residência de Oswaldo dos Santos ...................................................................... 189
Figura 96 – Antiga residência de Pery Von Hoonholtz ....................................................................... 189
Figura 97 – Antiga casa de Waldomiro Ferraz.................................................................................... 189
Figura 98 – Antiga residência de Oswaldo dos Santos ...................................................................... 190
Figura 99 – Antiga casa de João Cerrati............................................................................................. 190
Figura 100 – Antiga casa de Euclides Português ............................................................................... 190
Figura 101 – Antigo Sobrado de João Pippi ....................................................................................... 191
Figura 102 – Antigo sobrado de José Carlos Kist............................................................................... 191
Figura 103 – Antiga edificação de Laurindo Piccoli ............................................................................ 191
Figura 104 – Antigo sobrado de Acácio Machado .............................................................................. 192
Figura 105 – Antigo sobrado de Emílio Doberstein ............................................................................ 192
Figura 106 – Antiga edificação de Elias Demétrio .............................................................................. 192
Figura 107 – Antigo sobrado de Gilberto Von Hoonltz ....................................................................... 193
Figura 108 – Antiga edificação de Darwin Pereira.............................................................................. 193
Figura 109 – Antigo sobrado para família Hocchein........................................................................... 193
Figura 110 – Edifício Santo Antônio.................................................................................................... 194
Figura 111 – Antigo sobrado Jorge Menezes ..................................................................................... 194
Figura 112 – Antigo sobrado de Ariberto Kurz.................................................................................... 194
Figura 113 – Edifício Feldmann .......................................................................................................... 195
Figura 114 – Sobrado para Edmundo Helfer ...................................................................................... 195
Figura 115 – Antigo Edifício Kehl para Adolfo Kehl ............................................................................ 195
Figura 116 – Antiga Casa Miriam........................................................................................................ 196
11
LISTA DE TABELAS
Tabela 01 – População de Santo Ângelo.............................................................................................. 93
Tabela 02 – Número de edificações em Santo Ângelo......................................................................... 95
12
LISTA DE ABREVIATURAS
PMSA – Prefeitura Municipal de Santo Ângelo
AHMACPS – Arquivo Histórico Municipal Augusto César Pereira dos Santos – Santo
Ângelo
MADP – Museu Antropológico Diretor Pestana – Ijuí-RS
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
13
SUMÁRIO
LISTA DE ILUSTRAÇÕES ........................................................................................................... 9
INTRODUÇÃO ............................................................................................................................ 14
1. A MODERNIDADE EM SANTO ÂNGELO: ENTRE OS FATOS OFICIAIS E
ESPONTÂNEOS (Referencial teórico)..................................................................................... 25
1.1. Modernidade ou modernização? .................................................................................. 34
2. SANTO ÃNGELO EM CONSTRUÇÃO DA MODERNIDADE: PROJETO DE CIDADE NO
PLANO DE NAÇÃO.................................................................................................................... 45
2.1. As Missões e a formação da fronteira no Sul do Brasil................................................. 49
2.1.1. Santo Ângelo: ocupação oficial e espontânea ............................................................ 52
2.2. Oficialização da arquitetura da cidade............................................................................. 58
2.2.1. Exposição da Capital das Missões................................................................................ 64
2.3. O escritório da cidade........................................................................................................ 69
3. SANTO ÂNGELO EM FORMAÇÃO....................................................................................... 79
3.1. Bipolarização ...................................................................................................................... 81
3.1.1. Remanescentes jesuíticos: domínio e centralização.................................................. 82
3.1.2. Linha férrea: conexão e transversalidade .................................................................... 88
3.1.3. Formação do desenvolvimento urbano........................................................................ 92
3.2. Forma e ação ...................................................................................................................... 98
3.2.1. A praça como geratriz da estrutura urbana, 1898 ...................................................... 98
3.2.2. Multiplicação unidirecional de um padrão, 1924 ....................................................... 102
3.2.3. Remodelação, ideal pós – 1930 ................................................................................... 105
3.3. A construção da cidade pela arquitetura....................................................................... 114
3.3.1 Ordenação da estrutura urbana.................................................................................... 114
3.3.2. Linhas de construção da cidade ................................................................................. 121
3.3.3. Criação das partes urbanas ......................................................................................... 125
3.3.3.1. Do espaço-residência ................................................................................................ 128
A. Da rua................................................................................................................................... 132
A1.Rua Três de Outubro......................................................................................................... 134
B. Da quadra ............................................................................................................................ 137
B1. Rua Nova ou quadra nova? ............................................................................................. 139
4. SANTO ÂNGELO NA BUSCA POR REFERENCIAIS URBANOS ..................................... 144
4.1. Uma via para arquitetura da cidade ............................................................................... 146
4.1.1. Casa Medaglia ............................................................................................................... 147
3.1.2. Casa Oliveira.................................................................................................................. 148
4.1.3. Casa Rodrigues Sobrinho ............................................................................................ 149
4.2. Pelos monumentos .......................................................................................................... 151
4.2.1. Cine-Teatro Municipal................................................................................................... 153
4.2.2. A igreja da metrópole.................................................................................................... 159
CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................................................... 172
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS......................................................................................... 179
ANEXOS ................................................................................................................................... 186
Anexo 01 – Levantamento fotográfico que exemplifica o chamado nesta dissertação de
edificações de bairro residencial .......................................................................................... 186
Anexo 02 – Levantamento fotográfico que exemplifica o chamado nesta dissertação de
edificações de centro urbano ................................................................................................ 191
14
INTRODUÇÃO
A idéia de estudar Santo Ângelo, cidade localizada no noroeste do Rio
Grande do Sul, nasceu de sua arquitetura, e a vontade de analisar sua forma urbana
foi proveniente de sua própria história. (Fig.01)
Figura 01 – Localização de Santo Ângelo no Rio Grande do Sul
Fonte: FERRAZ DE SOUZA, 2000. Elaborado do original pelo autor, 2008
A história de Santo Ângelo pode ser dividida em dois períodos de ocupação
do território: 1. Jesuítico: da fundação da redução naquele sítio físico (em 1707), o
seu apogeu, que coincide com o Tratado de Madri
2
, até a completa expulsão dos
missioneiros da Companhia de Jesus dos Sete Povos
3
em 1768. 2. Pós-jesuítico:
que pode ser subdividido em imperial, momento da re-ocupação do território deixado
pelos jesuítas que se inicia a partir de 1859, e o republicando a partir de 1889. É
durante as últimas décadas do século XIX quando se constrói uma outra sociedade
e um novo aglomerado urbano.
2
Tratado firmado entre as monarquias ibéricas em 1750, que estabelecia que Portugal entregaria
Colônia do Sacramento à Espanha. Em troca das Missões, que passaram para o domínio luso.
Acordo que deflagrou o conflito entre as cortes portuguesa e espanhola contra a reação dos
missioneiros, provocando a Guerra Guaranítica (1754-1756), cujo destaque entre as lideranças dos
índios foi Sepé Tiaraju.Ver: PESAVENTO, Sandra Jatahy. História do Rio Grande do Sul. 9. ed. Porto
Alegre, Mercado Aberto, 2002, p. 21.
3
Denominação utilizada para os povoados localizados na Banda Oriental do Rio Uruguai, os Sete
Povos insurretos. Ver: CUSTÓDIO, Luiz A. B. A Redução de São Miguel Arcanjo: contribuição ao
Estudo da Tipologia Urbana Missioneira.Porto Alegre:UFRGS/ PROPUR, 2002, p. 51.
15
Atualmente, percebe-se no tecido urbano de Santo Ângelo permanências de
arquiteturas que se pode dizer, constituem um conjunto urbano e refletem uma
identidade própria e atual ainda que produzido em outra época. Possível patrimônio
de relevância, estes conjuntos arquitetônicos merecem ser estudados e melhor
conhecidos quanto às suas características particulares e específicas.
A iniciativa de analisar Santo Ângelo pela arquitetura e forma urbana -
complementares entre si - derivou de uma incessante procura por dados efetivos,
mas nem sempre facilmente disponíveis. O sentimento de inconformidade frente à
carência de informações nutriu a motivação de poder contribuir para uma
compreensão mais clara do que ocorrera com Santo Ângelo, particularmente no
período da chamada Era Vargas.
Foi a partir da impressão que se tinha da arquitetura existente, pelas
manifestações dessas edificações na paisagem Santo-angelense e, especialmente,
da análise do acervo de uma antiga firma local, a construtora Santo Angelense Ltda
a partir de meados de 2004 e 2005
4
, que se conseguiu ter uma percepção
esclarecedora da história urbanística da cidade. Também foi através do contato com
outras fontes primárias que se conseguiu compreender na totalidade a importância
desse período de 1930 a 1945 e sua influência na Santo Ângelo do presente, bem
como ligação com a localidade do período pré-República.
Assim, se atualmente as arquiteturas ainda presentes, e de fácil legibilidade
na cidade contemporânea, tornaram-se exemplares para o atual estudo, podem ser
consideradas não menos diferenciadas aquelas arquiteturas existentes apenas nas
fotografias, mas reais enquanto testemunhas de uma outra Santo Ângelo. São
ocorrências arquitetônicas de importância urbana, pois relatam o desenvolvimento
da localidade da qual fizeram e ainda fazem parte, seja pela presença material ou
memorial, ainda marcam o centro da cidade contemporânea. (Fig. 02)
4
A apreensão do trabalho proveniente desta firma construtora Santo Angelense Ltda em seu acervo,
tornou-se por vezes difícil separar a produção da cidade com o trabalho da própria firma, dificuldade
devida à grande quantidade de edificações projetadas e construídas por esta construtora com relação
à escala de Santo Ângelo em meados do século XX. A hegemonia desta empresa da construção
pode ser verificada in loco em seus arquivos, confirmando-se o que se ouviu a partir de diversas
pessoas em diferentes entrevistas, de que a referida firma “construiu a cidade de Santo Ângelo”.
16
Figura 02 – Vista contemporânea de um conjunto da década de 1930
Foto: Rodrigo Fabrício Kerber, 2007
Até o presente momento, diversos estudos têm sido feitos na divulgação do
conhecimento referente à Santo Ângelo Custódio, ou seja, pesquisas relacionadas e
destinadas ao sétimo povo da Companhia de Jesus fundada pelos jesuítas no início
do século XVIII, e extinta enquanto sociedade no final do mesmo.
Eventos mais recentes, tão importantes quanto o período jesuítico, ainda
não aprofundados, ficam quase sempre à sombra da história jesuítica e, portanto
aquém das suas possibilidades. No entanto, entre os jesuítas e a cidade de Santo
Ângelo de meados do século XX, identificam-se aspectos de duas sociedades de
tempos diversos, mas em um mesmo território. Poder-se-ia dizer que o espaço,
enquanto território e o tempo, enquanto história, são protagonistas importantes na
constituição do tecido urbano ao longo das décadas. Esse aspecto é visualizado a
partir de 1930, momento de mudança de atitude do poder público frente à cidade
requerida, quando se pode instituir um antes e um depois em Santo Ângelo.
A presente dissertação aborda Santo Ângelo, no período de 1930 a 1945,
momento no qual a mesma se efetiva enquanto capacidade de ser cidade
5
.
Aspectos anteriores também são analisados, especialmente a partir da década de
1920.
O contexto histórico da Era Vargas e suas respectivas peculiaridades são
identificáveis na realidade de Santo Ângelo, pois interferem e fazem parte do
5
Ao longo da história brasileira, o título de cidade foi sempre concedido a uma sede de município por
um ato governamental. (Resolução Régia, Alvará, Decreto do presidente da província, Ato ou Lei).
Ver: BARROSO, Vera Lúcia Maciel. Povoamento e Urbanização do Rio Grande do Sul: a fronteira
como trajetória. IN: Urbanismo no Rio Grande do Sul. Org. WEIMER. Günter. Porto Alegre: Editora da
Universidade. UFRGS – Prefeitura Municipal de Porto Alegre. 1992. p. 50.
17
desenvolvimento de cidade. Os eventos urbanos e urbanísticos configuram a
localidade, principalmente entre 1930 a 1945, momento de convergência das ações
da sociedade e ponto de inflexão entre passado e futuro.
Nesse sentido, o desenvolvimento urbano de Santo Ângelo neste período
pode ser percebido de maneira específica, mas deve ser observado como um evento
mais amplo, tanto no tempo quanto no espaço. A evolução da freguesia à cidade de
fins do século XIX a meados da década de quarenta, ocorre concomitantemente à
própria constituição da sociedade em constante estruturação, no qual os poderes
políticos foram sendo instituídos conforme suas conveniências e interesses.
A partir da conexão ao Estado pela linha férrea que esta sociedade é
influenciada pelo constante trânsito de um contingente imigrantista intenso. A vida
econômica local se estrutura na medida em que um ciclo econômico mais rico
também é iniciado. É através deste estágio econômico da vila que se revela o
começo do desenvolvimento urbano, porém é com o tempo que adquire níveis de
maior importância e autonomia. Institui-se em Santo Ângelo fundamentos de um
projeto de cidade
6
associado a outros padrões urbanos, os quais, são intrínsecos a
uma sociedade cuja vida cultural ficava mais complexa, composta por classes mais
estratificadas e consumistas, demandaram outras necessidades para os novos
desejos urbanos.
Acredita-se que foi a partir da ocupação, depois de trinta a meados da
década de quarenta, que houve uma distinção da configuração urbana Santo-
angelense: inicialmente, com a transformação da volumetria edificatória com relação
ao lote ocupado e, em seguida, concomitantemente àquele, mas mais evidente pela
força do conjunto arquitetônico e sua escala, o qual proporcionou uma diferenciação
na localidade.
A busca por novos referenciais urbanos que refletissem a conjuntura cultural
e social dos novos cidadãos são aspectos percebidos em Santo Ângelo, em sua
forma urbana, mas também relacionáveis a um contexto comum mais amplo, no qual
o projeto de cidade é constituinte do plano de nação. Esta perspectiva advém do
6
Para Aymonino, a cidade tem um caráter sociológico e outro estético, não necessariamente
integráveis. Assim, afirma através de Le Corbusier e Lewis Munford, respectivamente: ‘as grandes
cidades são na realidade postos de comando’ e ‘a cidade favorece a arte, é ela mesma arte’. Ver:
AYMONINO, Carlo. O significado das cidades. Editorial Presença, 1984, p.10.
18
nascimento de uma modernidade urbana simultaneamente ao reconhecimento de
uma tradição missioneira.
Em Santo Ângelo, o desenvolvimento de uma fisionomia mais urbana
iniciou-se pelas edificações do ecletismo, mas constituiu-se nas arquiteturas de
formas mais básicas de uma nova época.
O projeto de cidade também passa por obras de maior magnitude, como o
traçado, o parcelamento e a arquitetura.
Quanto à malha urbana, há um planejamento com o qual a vila tem seu
crescimento determinado em uma direção. Contudo, é a partir da década de trinta
que se remodela a maneira de produção urbana na localidade, sua estrutura
fundiária e a arquitetura nela desenvolvida. Além das edificações, há
particularidades de ocupação, da formação urbana e de suas paisagens construídas.
A construção do tecido urbano-social, conforme a época e o incentivo do poder
público e privado também é demonstrado.
Aborda-se a produção e configuração da cidade na modernidade através de
alguns exemplos arquitetônicos, cuja capacidade de modificação das paisagens é
determinante na formação de uma nova Santo Ângelo. Pode-se destacar algumas
casas, a principal arquitetura religiosa e o primeiro cinema
7
. São obras de destaque
pelas suas escalas não apenas físicas, mas inclusive por seus posicionamentos
urbanos, bem como por seus usos e formas.
Ao se encadearem às primeiras idéias gerais da pesquisa sobre a
arquitetura da cidade de Santo Ângelo, pôde-se verificar que houve impactos
diferenciados na formação do tecido urbano.
Esse processo de desenvolvimento do tecido urbano foi se delineando a
partir da década de vinte mais intensamente, fazendo com que as décadas de trinta
e quarenta fossem decisivas na consolidação da cidade moderna. Houve
diferenciação de dois setores em Santo Ângelo: um velho e ultrapassado, outro novo
e moderno, sendo àquele conectado à memória dos destroços jesuíticos de um
passado missioneiro, este vinculado ao futuro.
7
Sabe-se que existiu o cinema Apollo, e casas não especializadas que passavam filmes sem áudio.
Contudo, considerou-se primeiro cinema uma arquitetura que efetivamente representasse esta
necessidade social de diversão e cultura, diferenciadamente.
19
Nesse sentido, na construção da urbe foram determinantes o tecido urbano
e a sociedade que ali se assentou, com os aspectos conectados à história do lugar,
na qual a memória mais enraizada ou mais depreendida ao sítio se fez presente.
É com um olhar contestador, que se a antiga redução estava para os
jesuítas – e atualmente sabe-se tal valor. Em igual importância a expansão e a
configuração da cidade de Santo Ângelo da Era Vargas está para seus habitantes
pós-Segunda Grande Guerra. Com suas respectivas particularidades e objetivos
contemporâneos: economia, política e sociedade. Como nas suas representações
na cidade através de diferentes padrões arquitetônicos, com novas necessidades e
com novas possibilidades de uma outra época. Não mais de conjuntos indígenas
alpendrados, porém com o tempo das marquises e recuos ajardinados que
transformaram o passeio do transeunte em um novo cotidiano urbano.
O reflexo desse fenômeno (modernidade), comum em âmbito nacional mas
específico enquanto época, lugar (território), obra (quantidade construída), e
protagonistas, revela-se em Santo Ângelo de maneira mais particular,
excepcionalmente, no modo como a modernidade se instaurou na localidade.
Portanto, esta característica possibilitou ser estudada como uma ação extraordinária
na transformação da forma da cidade e passível de ser recortada enquanto objeto
(arquitetura da cidade) e agentes, em especial, enquanto determinação de uma nova
realidade para a cidade a partir da produção de apenas uma firma construtora e da
atuação de seus principais profissionais: o Engenheiro Civil José Carlos Medaglia e
o Arquiteto Siegfried Bertholdo Costa.
Essa dissertação trata sobre a arquitetura enquanto desígnio da
modernidade, e seus agentes, abordando as relações daquela com a produção da
cidade de Santo Ângelo bem como as modificações das suas paisagens no período
de 1930 a 1945.
O processo de desenvolvimento urbano neste período, suas variações e
suas características histórico-morfológicas possibilitam melhor compreender como a
vila da década de vinte, tornou-se a Capital das Missões
8
no imediato pós-Segunda
Grande Guerra.
8
Sabe-se que durante o período jesuítico a redução de Santo Ângelo Custódio era uma das maiores
dos Sete Povos das Missões. Em um determinado período, ficou atrás apenas da redução de São
Miguel. Segundo Nagel (1994), não existiu de fato uma “capital das missões” e esta denominação
surgiu para divulgar o patrimônio histórico de São Miguel na época. Alguns autores (Furlog e Brabo)
20
Em vista disso, os objetivos da dissertação são, demonstrar como a
arquitetura feita no espaço urbano de Santo Ângelo no período de 1930 até 1945
desempenhou um papel decisivo na configuração da cidade na modernidade;
analisar a relevância das edificações na expansão e consolidação do tecido urbano
santo-angelense, verificando a possível influência urbana das mesmas na definição
de uma hierarquia de espaços urbanos, através da distinta ocupação das principais
vias e quadras, por edificações que partilhavam com o espírito da época; e delimitar
o contexto político e social, bem como revelar a contribuição de agentes políticos e
sociais, em especial do poder público e dos profissionais da firma construtora no
desenvolvimento de uma cidade.
Portanto, parte-se da premissa que a implantação da modernidade na
cidade pode ser verificada a partir da sua forma urbana, da qual a arquitetura faz
parte, com diferentes graus e maneiras de consolidação do tecido urbano, passíveis
de serem observadas de acordo com a importância das especificidades locais e das
complexidades da contemporaneidade da qual a sociedade faz parte.
Nesse sentido, essas ocorrências da modernidade na produção da cidade
de Santo Ângelo ainda não estudadas, e comumente perceptíveis nos grandes
centros, podem começar a ser apreendidas enquanto pesquisa científica.
Em relação à metodologia, esta dissertação contou com as seguintes
modalidades de análise e coleta de dados:
O presente trabalho originou-se da análise de diversos documentos. Entre
os quais, o acervo de projetos da antiga firma Santo Angelense Ltda, que foi capaz
de fornecer informações a respeito do desenvolvimento urbano de Santo Ângelo e
que constituíram o chamado nesta dissertação de bairro residencial e centro.
“referem-se à Candelária como capital das Missões, certamente pelo fato de ser a sede onde residia
o Superior das Missões e o local onde sempre teve um número maior de sacerdotes e irmãos
coadjutores”. NAGEL, Liane M. A História de San Angel Custódio: redução de fronteira – No contexto
dos trinta
Povos GuaraniJesuíticos da Região Platina, 1994, p.285. Quando por Santo Ângelo
esteve o arquiteto Lúcio Costa em fins de 1937 a Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional,
(SPHAN) dentre suas medidas adotadas, uma foi a de reunir em um único local todas as peças
jesuíticas, também denominando São Miguel como Capital dos Sete Povos. Ver: PIPPI, Gládis.
História Cultural das Missões: Memória e Patrimônio. Porto Alegre: Martins Livreiro, 2005, p.63,
corroborando para o uso de tal denominação fosse utilizada por Santo Ângelo, (uma vez que São
Miguel e seus remanescentes pertenciam ao Município de Santo Ângelo na época), fazendo com que
este território ficasse vinculado definitivamente com a idéia de uma capital missioneira. No entanto, a
representatividade de capital e seu desenvolvimento enquanto pólo regional deve-se, principalmente,
ao intenso desenvolvimento urbano ocorrido em Santo Ângelo coligado ao grande salto econômico,
ocorrido entre 1920 e 1950.
21
Este trabalho foi complementado através de levantamento fotográfico, pelas
buscas in loco das obras ainda existentes, pela confirmação de outras já demolidas
ou muito modificadas. Após mapeá-las no tecido urbano, instaurando-se, assim, um
ponto de partida para a compreensão do desenvolvimento da cidade, sua forma e as
mudanças no período.
No que diz respeito à produção dessa empresa da construção em Santo
Ângelo entre o período de sua fundação, em 1932, até 1945, levantou-se uma boa
amostragem, ou seja, quase 90% do que foi feito nessa cidade por aquela
construtora no período. Encontrou-se projetos de reformas, ampliações, infra-
estrutura urbana e principalmente projetos de novas edificações de diversos
programas e escalas.
De um total de 310 obras, foram encontradas 272 (87,74%), dentre essas,
213 (78,30%) eram obras de edificações novas e, o restante, 59 obras (21,70%),
foram ampliações e reformas sanitárias ou modernizações de fachada. (Fig. 03)
Figura 03 – Quanto a abrangência da pesquisa
Determinou-se a relação entre a arquitetura e a cidade como critério para o
estudo da forma urbana, ou seja, o posicionamento da edificação com relação ao
lote e o espaço público. Verificou-se uma tendência de ocupação do tecido urbano
pelas semelhanças e pelas diferenças dos conjuntos urbanos resultantes.
Partiu-se, então, para a escolha de uma área de estudo e de setores dentro
dessa estrutura urbana visualizada, que pudessem contribuir para uma análise mais
aprofundada da produção do espaço urbano. Assim, estabeleceu-se um recorte na
determinação de formas urbanas que pudessem facilitar a análise da estrutura
evidenciada, bem como da configuração da paisagem construída. Além dos setores
22
urbanos identificados, elegeu-se arquiteturas passíveis de demonstrar as
características urbanas requeridas, tanto na forma quanto no significado na
construção da cidade.
Para uma visão mais completa do desenvolvimento de Santo Ângelo foram
buscados dados para a compreensão da formação da cidade anterior ao recorte do
estudo e que pudessem contribuir para a presente dissertação: 1. No Arquivo
Histórico Municipal Augusto César Pereira dos Santos de Santo Ângelo, verificou-se
a existência de relatórios das intendências, das Prefeituras, mapas e planos da
localidade de 1898, 1924 e 1940
9
, livros de registros das construções. 2. No arquivo
da Paróquia da Catedral Angelopolitana de Santo Ângelo em seus Livros Tombo,
números 01 e 02. 3. No Arquivo Público Municipal de Porto Alegre, e na Unidade
Estadual do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística foram encontrados
documentos 4. No Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul buscou-se documentos
que pudessem complementar informações referentes à Igreja construída no século
XIX: Nesse sentido destacam-se, CARTA de Domingos Francisco dos Santos ao
Presidente da Província, em 1873; e informações obtidas nos livros de Obras
Públicas e Comissões da Igreja de Santo Ângelo. Números 94 (1861 a 1877) e 95
(1864 a 1891). 5. No laboratório de Teoria e História da Faculdade de Arquitetura do
Centro Universitário Ritter dos Reis, a consulta foi feita no acervo de projetos e
fotografias, para a verificação da existência de obras feitas pela Seção de Obras do
Estado ou por firmas da Capital durante o período em estudo em Santo Ângelo.
A revisão bibliográfica incluiu publicações que fazem referência direta aos
fenômenos ocorridos em Santo Ângelo e, a sua construção durante a primeira
metade do século XX.
Alguns projetos de edificações feitos na cidade de Santo Ângelo, não
encontrados, puderam ser confirmados, através do Livro de Registro de
Construções, de 1933 até 1943, paralelamente às informações conseguidas junto ao
Ofício do Registro de Imóveis do Município de Santo Ângelo.
A produção do texto foi sendo feita na medida em que se cruzavam as
informações resultantes da análise da documentação encontrada, dos mapas de
9
Do período em estudo, não puderam ser encontrados os Relatórios da Prefeitura referentes aos
períodos: de 1937 até 1942 e 1944 e 1945.
23
1898, 1924 e 1940 e da vinculação destes aos marcos teóricos do estudo, à história
de Santo Ângelo e os reflexos na sua forma urbana.
Para complementar os relatos encontrados nas referidas pesquisas sobre
Santo Ângelo, decidiu-se recorrer à memória oral de algumas pessoas que
pudessem contribuir para com uma melhor percepção de Santo Ângelo de meados
do século XX. Como o depoimento de um dos fotógrafos da época que decidiu suprir
uma demanda na cidade de Santo Ângelo de meados do século XX. É nesse
momento que se consolida a necessidade de se ter imagens da cidade, esse
aspecto percebido no período anterior, mais no registro de fotografias de eventos
familiares, casamento, aniversários, entre outros. Assim, sobre o criterioso ângulo
das lentes de sua máquina, Bruno Schmidt
10
resolveu fotografar as paisagens
construídas das principais ruas da cidade, a fim de poder aumentar seus
rendimentos, objetivando servir de lembrança, diminuir a saudade para os que nela
passaram ou estiveram, mas, sobretudo divulgar a sua nova configuração e o
progresso que a mesma vivenciava, portanto capaz de atualizar, vender e promover
a nova realidade urbana de Santo Ângelo.
Para efeito de organização, o trabalho está dividido da seguinte forma:
No primeiro e segundo capítulos, aborda-se através das referências
utilizadas a relevância de Santo Ângelo em um contexto comum mais amplo. Este
pode ser caracterizado pelo papel das Missões na definição das fronteiras do
território estadual; e a partir de um evento nacional, a oficialização da arquitetura da
cidade pela Exposição do Centenário Farroupilha de 1935. Demonstra-se o intenso
contingente imigrantista ocorrido na região, a formação de uma sociedade urbana
estabilizada e o principal meio viabilizador neste processo de desenvolvimento
urbano na transformação do ser cidade.
No terceiro capítulo aborda-se os principais elementos estruturadores da
forma urbana de Santo Ângelo como os destroços jesuíticos e a linha férrea.
Analisa-se a relação destes com a forma urbana proveniente da intensa ocupação
durante a Era Vargas. Verifica-se o papel da arquitetura no desenvolvimento da
10
Bertholdo Bruno Benno Schmidt, fotógrafo, criou “foto Bruno”. Nascido em Porto União, Santa
Catarina, em 15 de maio de 1920. Filho de Albino Schmidt e Verônica Schmidt. Iniciou seus trabalhos
como aprendiz da fotografia com aproximadamente 18 anos, enquanto empregado de um fotógrafo
mais experiente, Miguel Novakowski, em União da Vitória, Paraná. Bruno chegou a Santo Ângelo em
maio de 1948, conforme entrevista ao autor na sua residência, em Ijuí-RS a 2 de Agosto de 2007.
Vale salientar que esta temática de fotografar as paisagens construídas também foi feita por Colombo.
Boa parte das fotografias que fazem parte deste trabalho é de autoria dos mesmos.
24
forma urbana de Santo Ângelo a partir de algumas de suas principais características
na formação de uma nova paisagem construída.
O quarto e último capítulo demonstra a partir da escala da arquitetura a
importância destas na construção da localidade e sua representatividade enquanto
ponto de partida na adoção do inovador na instauração dos novos paradigmas para
a construção da cidade pós-1930, além de também apresentar a relevância do sitio
físico na instituição e constituição dos novos significados urbanos.
25
1. A MODERNIDADE EM SANTO ÂNGELO: ENTRE OS FATOS
OFICIAIS E ESPONTÂNEOS (Referencial teórico)
A busca por aprofundar a compreensão sobre a cidade de Santo Ângelo, em
especial do processo ocorrido no período de 1930 a 1945, envolve recorrer a
referências, nas escalas supra-urbanas e intra-urbanas, tendo como base de
reflexão a história e o território em que o município de Santo Ângelo está inserido,
conforme autores que enfatizam as variáveis da configuração das diferentes escalas
e em suas diferentes durações.
Nesse sentido, pode-se observar que a construção da cidade ocorre pelos
fatos (Rossi, 2002), por seu significado (Aymonino, 1984), sendo que ambos estão
diretamente relacionados com a sua formação oficial e espontânea de se conformar
em uma época de intenso desenvolvimento urbano, em um contexto centralizado e
nacionalista de poder.
Conforme Aymonino (1984), em O significado das cidades (1984), os
parâmetros que condicionam o valor da cidade são o temporal (a cidade em relação
a sua própria história) e o dimensional (a cidade em relação à sua própria
extensão).
11
O autor ainda comenta que a estrutura física que possibilita identificar a
característica urbana do significado de ser cidade é composta: por meios de
existência e por meios de representação. Em meio a essas duas variáveis, está um
condicionante, a passagem da necessidade à possibilidade de alcance deste
objetivo urbano em um processo de desenvolvimento. Percebe-se que os meios de
existência são incentivos provenientes “de cima” em desenvolver determinada
localidade importante politicamente, pois ‘as cidades são postos de comando’
12
.
Assim, conforme Panerai et alli (1986), “no podemos ignorar u ocultar que la
arquitectura y la forma urbana dependen de la sociedad que las produce [...]”
13
.
No âmbito nacional, destaca-se o livro Cidade Brasileira, de Murillo Marx
(1980), o qual relata o fenômeno urbano enquanto impressionante processo de
urbanização do Brasil, e apresenta o desequilíbrio frente às criações de
aglomerações urbanas ao longo da costa litorânea do território brasileiro a partir da
11
AYMONINO, Carlo. Op.Cit., p.15.
12
Segundo Le Corbusier. Ver: AYMONINO, Carlo.Op.Cit., p.10.
13
PANERAI, Philippe R. CASTEX, Jean. DEPAULE,Jean-Charles. Formas Urbanas: de la manzana al
bloque. Barcelona:Editorial Gustavo Gilli, S.A.,1986, p.14.
26
criação de uma rede urbana inicial durante os séculos XVII e XVIII. Destaca, ainda,
que essas regiões tornaram-se as principais capitais na atualidade. O autor aponta
também que a rede de urbanização foi se expandindo para a parte vazia interna do
território brasileiro e expõe que, conforme a autoria e o propósito existem situações
de excepcionalidade na recorrência de formação da cidade no Brasil. Como o caso
dos jesuítas e os Sete Povos das Missões, que na atualidade são monumentos
grandiosos como São Miguel das Missões ou cidades gaúchas como São Borja e
Santo Ângelo, podem ser consideradas exceções na maneira de formarem-se, na
qual a regularidade a partir de traçados pré-concebidos denota um padrão de
ocupação bem definido.
Os esforços oficiais no Brasil instauraram pólos dinâmicos na rede urbana;
segundo Marx:
[...] muitos núcleos urbanos testemunham um esforço lento e diversificado
de interiorização ou, quando menos de ocupação. Ora foram resultado de
ações conscientes oficiais, no sentido de alargar nossas fronteiras ou de as
garantir. Ora foram expressão de alguma atividade econômica importante
para o atendimento de outras regiões. A vastidão do território, as suas
variadas condições geográficas e as distintas necessidades históricas
regionais conferiam muitas características diferentes às cidades que vieram
a surgir no imenso interior.
14
No âmbito estadual gaúcho, têm-se dois estudos que proporcionaram uma
contextualização da ocupação do território do Rio Grande do Sul, e mais
especificamente de Santo Ângelo, nos aspectos econômicos e políticos, de
formação da sociedade e do espaço urbano pré-República Nova. Tem-se como
referência o livro de Jean Roche, A Colonização Alemã no Rio Grande do Sul
(1969), cujo estudo direcionado às colônias alemãs oficiais, embora não trate
diretamente da zona urbana de Santo Ângelo, aborda as colônias oficiais que na
época pertenciam ao município de Santo Ângelo.
O estudo de Vera Lúcia Maciel Barroso, Povoamento e Urbanização do Rio
Grande do Sul: a fronteira como trajetória. (1992), revela dados sobre a ocupação do
território do Rio Grande do Sul e a importância das Missões nesse processo. Esse
estudo demonstra a formação do território político-administrativo e o controle da
divisão territorial no Rio Grande do Sul na definição de seus limites.
14
MARX, Murillo. Cidade Brasileira. São Paulo: Ed. USP, 1980, p 16.
27
Ambos os autores acima referidos analisam questões presentes nesta
dissertação como a imigração e a implantação da linha férrea na região de Santo
Ângelo durante as primeiras décadas do século XX. Esses estudos possibilitaram
perceber o processo de formação da região de Santo Ângelo e observar alguns
condicionantes externos na constituição da urbe e suas conseqüências enquanto
materialização da arquitetura da cidade.
Quanto à forma urbana, tem-se o estudo de Gilberto Sarkis Yunes, Cidades
Reticuladas: a persistência do modelo na formação da rede urbana do Rio Grande
do Sul (1995). Através da análise das origens do traçado comuns às cidades
gaúchas, o referido autor aborda a adoção do traçado reticular em Santo Ângelo,
inicialmente calcado no modelo espanhol dos jesuítas que caracteriza a ordenação
da redução de Santo Ângelo Custódio a partir de 1707 e, posteriormente, na
determinação dos limites entre as coroas ibéricas em fins do século XVIII, a partir do
Tratado de Santo Ildefonso de 1777, em um período de re-ocupação portuguesa
15
.
Yunes analisa a forma do tecido urbano de Santo Ângelo e o papel das
preexistências jesuítico-guaranis na ocupação da localidade em fins do século XIX.
Além disso, evidencia os Intendentes e os técnicos como agentes da implementação
do espaço urbano, destacando, o surgimento inicial de Escritórios de Engenharia e
do engenheiro como empresário, incumbido da concepção técnica dos planos
urbanos.
Importante referência para esta dissertação é o livro de Günter Weimer,
Arquitetura erudita da imigração alemã no Rio Grande do Sul (2004), o qual foi o
pioneiro no que diz respeito aos agentes da arquitetura gaúcha, às obras, às origens
e ao desenvolvimento da mesma no Estado. Em uma análise mais ampla, esse autor
apresenta a modernização do Estado, iniciada especialmente com a República. Com
o estabelecimento de um governo ditatorial e de uma política ligada à filosofia
positivista, instaurou-se um sistema de ensino pioneiro no Brasil
16
que impulsionou
as localidades Sul-rio-grandenses através de um corpo técnico especializado e
15
Segundo Yunes duas orientações, em distintos momentos, foram responsáveis pela adoção do
traçado reticular usado em Santo Ângelo: uma de Espanha, que provém das “Ordenanzas de
Descrubimiento y Población”, de 1573, que formaram as “Leyes de Los Reynos de Las Indias’ em
1680. Outra de Portugal, oriunda da Provisão Real de 1747. Ver YUNES, Gilberto. Op. Cit., p. 39.
16
A precocidade do Rio Grande do Sul no investimento em um sistema educacional básico e superior
é salientado por Weimer, ao contrário do que ocorreu no país na virada do século XIX para o XX. O
autor destaca também o papel de diversos institutos nos quais o estudo era “sintonizado com as
necessidades sociais”. Ver: WEIMER, Günter. A arquitetura do positivismo gaúcho. 1985. s/p.
28
diretamente vinculado às intendências municipais. Dentre estas, a de Santo Ângelo,
pois alguns fatos comuns à República Velha se faziam presentes no contexto santo-
angelense pós-1930, como a relação entre as administrações das vilas e os
profissionais formados nos institutos de ensino superior de Porto Alegre.
Ao delinear um panorama da arquitetura gaúcha, relacionando-a aos
aspectos da sociedade, cultura e política da época, o referido autor explicita a
grande influência dos arquitetos estrangeiros, principalmente de origem germânica
17
na produção edificatória do Rio Grande do Sul desde o Império até o fim da
Segunda Grande Guerra
18
. Em relação ao balizamento teórico da arquitetura
moderna do Rio Grande do Sul anterior ao fim da Segunda Grande Guerra, tem-se
como referência o livro de mesmo autor, Arquitetura Modernista em Porto Alegre:
1930-1945 (1998). Neste livro, é destacada a virada da década de vinte para trinta e
principalmente o início desta pela importância de obras precursoras das mudanças
de paradigmas na arquitetura em Porto Alegre. Pode-se identificar através dessa
referência à modernidade nas edificações da Capital do Rio Grande do Sul, dentro
de um panorama comparável ao executado em Santo Ângelo a partir de 1930.
A Exposição Comemorativa do Centenário Farroupilha de 1935, tema
estudado direta ou indiretamente por diversos autores
19
representou um momento
marcante da atuação do Estado na busca de uma transformação mais ampla, na
promoção de um governo de cunho centralizador e progressista através da
17
Segundo Weimer “quando o processo imigrantista foi desencadeado, o país Alemanha não se havia
formado. Portanto não havia cidadãos com essa cidadania. O termo ”alemão”, no entanto, já era
corrente e por ele era entendido todo o indivíduo portador de cultura germânica. [...] Devido a
problemas de dominação territorial, embora fossem de origem étnica diversa, entraram no país com
passaportes de países germânicos, como também aconteceu com muitos poloneses. Alguns dos
países de origens desses imigrantes nunca viriam a se integrar na Alemanha como os holandeses, os
nórdicos ou os suíços. [...] Essa situação era oficialmente reconhecida pelo Brasil onde todos eram
qualificados como sendo ‘alemães’”. WEIMER, Günter. Arquitetura erudita da imigração alemã no Rio
Grande do Sul. Porto Alegre: EST, 2004. Ver: WEIMER, Günter (Org.) arquitetura: história, teoria e
cultura. São Leopoldo: Editora Unisinos, 2000, p. 81.
18
Outras importantes referências, que originalmente compunham a tese de Weimer, as quais foram
posteriormente publicadas, são: WEIMER, Günter. Vida Cultural e Arquitetura na República Velha
Rio-Grandense 1889-1945. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2003; Arquitetura erudita da imigração alemã
no Rio Grande do Sul, 2004 e WEIMER, Günter. Arquitetos e Construtores no Rio Grande do Sul,
1892-1945. Santa Maria: Editora UFSM, 2004.
19
Dentre estes estudos, pode-se destacar: o de EQUINAZI, Davit. Arquitetura e Tipologia na
Exposição Comemorativa do Centenário Farroupilha, 1935, (1995); CANEZ, Anna Paula. Fernando
Corona e os caminhos da arquitetura moderna em Porto Alegre. (1997); MACHADO, Nara Helena
Naumann. A exposição do Centenário Farroupilha: ideologia e arquitetura. (1990); MACHADO, Nara
Helena Naumann. Modernidade, Arquitetura e Urbanismo: O Centro de Porto Alegre, 1928-1945.
(1998); CALLEGARO, Adriana. Uma outra modernidade em Porto Alegre: Um estudo sobre a
evolução de Padrões Tipológicos a partir da Arquitetura da Exposição Farroupilha. (2002) e LUZ,
Maturino. Ide todos a José - A arquitetura de Josef Franz Seraph Lutzenberger, 1920-1951. (2004).
29
disseminação de uma nova arquitetura disposta nos campos da Redenção. Esse
evento determinou uma nova maneira de se fazer arquitetura da cidade,
evidenciando o papel das organizações privadas no desenvolvimento de localidades
mais urbanas, em cidades.
Acredita-se que a Exposição de 1935 foi produto de um contexto comum
mais amplo e ponto de inflexão das transformações na maneira de se lidar com as
questões da arquitetura da cidade, em cuja realidade, Santo Ângelo também estava
inserida. Nessa época de nacionalismo vigente, buscou-se uma data importante para
que os gaúchos associassem aquele acontecimento histórico a um evento incrível.
Se na Capital do Rio Grande do Sul esse evento ficou vinculado à comemoração do
centenário da Revolução Farroupilha, no caso de Santo Ângelo foi a valorização de
um passado, o missioneiro. Ultrapassou, também, as questões formais e consolidou
outra maneira de implementação da construção da localidade no projeto de cidade
peculiar a uma época de revivalismos
20
em vistas da construção da nação do futuro,
mais nacional. Nesse período da chamada Era Vargas, percebe-se, a partir do golpe
do Estado Novo, a adoção de diferente planejamento para a formação da cidade de
Santo Ângelo: a hierarquização urbana.
Em A Permanência do Transitório (2000), José Artur D’ Aló Frota analisa a
importância na escala nacional da “Exposição de 1935”, e aborda sua influência na
produção arquitetônica subseqüente no interior do Rio Grande do Sul. Frota
estabelece esse evento enquanto fato arquitetônico, passível de ser recortado por
ser identificável a um tempo, lugar e portanto historicamente importante. Ao
estabelecer duas leituras para o mesmo, destaca os objetivos econômicos do Rio
Grande do Sul, quanto a Exposição:
[...]a primeira uma homenagem aos valores subjacentes ao fato histórico –
os 100 anos do levantamento armado dos ‘farrapos’, que protestavam
contra as arbitrariedades do poder central; a segunda leitura sinalizava o
esforço da sociedade agrícola e industrial gaúcha no sentido de buscar um
20
Busca de parâmetros arquitetônicos do passado em uma nova arquitetura. A história da arquitetura
é uma sucessão de revivalismos, contudo pode-se destacar o período de 1750 até fins do século XIX,
que “coincide con la consolidación del poder burguês, el desarollo de la civilización industrial, la unión
de la cultura romántica con los ideales nacionales y de independência, los problemas de la
producción masificada y la constatación de um nuevo tipo de arquitecto: el profisional”.Ver:
PATETTA, Luciano. Los revivals en arquitectura. In: ARGAN,Giulio Carlo. El revival em las artes
plásticas, la arquitectura, el cine y el teatro. Barcelona: Gustavo Gilli, Colección Comunicación Visual,
1977, p.129.
30
modelo de modernização que atuasse como impulsor das especificidades
da produção local.
21
O referido autor também identifica três níveis de representação presentes
nas arquiteturas daquele evento: “[...] A Plástica, a Política e a Comercial”
22
. A
capacidade do transitório que permanece nas estruturas dos pavilhões, cujas formas
tornaram-se um novo meio de apresentação, tinham a função de ao mesmo tempo
de expor e de expor-se. Portanto, a arquitetura adquiriu um caráter de comunicação,
cujo aspecto também é percebido em Santo Ângelo.
Como referencial específico de Santo Ângelo, adotou-se o de Beatriz Mânica
da Cruz, Santo Ângelo: Um Município em Construção – Das Missões até 1930
(1986), no qual a autora aborda a formação da cidade a partir dos aspectos da
história, da sociedade e da política pré-República Nova. Esse estudo fornece
informações quanto ao início da aglomeração urbana em um momento de
consolidação de uma zona urbana. Expõe as relações de poder entre os diferentes
membros que compõem uma sociedade e suas diversidades culturais e étnicas.
O estudo de Liane M. Nagel, A História de San Angel Custódio: Redução de
Fronteira – No contexto dos trinta Povos Guarani – Jesuíticos da Região Platina
(1994), aprofunda o estudo da redução de Santo Ângelo. Para a presente
dissertação, utilizou-se especialmente o capítulo Das pedras da redução ao moderno
município de Santo Ângelo.
Ambas autoras citadas trazem importantes dados com relação à sociedade
de Santo Ângelo, que viveram a consolidação em cidade na época.
Para uma compreensão mais completa, utilizaram-se também os livros de
Arlindo Lied, Minhas Reminiscências de Santo Ângelo (1973) e de José Olavo
Machado, História de Santo Ângelo (das Missões até os nossos dias) (1981). Pode-
se observar a maneira que a sociedade percebia Santo Ângelo em meados do
século XX, pois ambos referem-se à cidade de Santo Ângelo como constituída por
partes diversas, denominando-as Brasil e Alemanha. Estes autores viveram no
21
FROTA, José Artur D’Aló. A Permanência do Transitório. In: Arqtexto: Revista do Departamento de
Arquitetura e do PROPAR. UFRGS. V. 1, n. zero, 2000. p. 13-21. Porto Alegre: Faculdade de
Arquitetura, UFRGS, 2000, p. 15.
22
FROTA, José Artur D’Aló. op. cit., p. 16.
31
período em estudo e, por isso, seus escritos permitem traçar relações com a
configuração urbana ocorrida em Santo Ângelo em meados do século XX
23
.
Sobre a possível divisão da sociedade de Santo Ângelo
24
à época, Nagel
(1994) apresenta depoimentos importantes como:
O que ficava ao sul da 14 de julho era o Brasil, e o que ficava ao norte era a
Alemanha. Nas minhas fontes históricas, eu tenho um jornal onde um
cidadão anunciava que morava no Brasil, mas que estava comprando uma
casa na Alemanha e pedia que os cidadãos o visitassem também na
Alemanha, que era o lado de cá [...]
25
Para se aprofundar no estudo da forma urbana, partiu-se de Carlo
Aymonino, O significado das cidades (1984) e de Aldo Rossi em A arquitetura da
cidade (2001). Aldo Rossi mostra como a construção da cidade ocorre por inúmeras
ocorrências correlacionadas entre si nos mais diversos níveis de influências e áreas
da atividade humana da sociedade. Nesse sentido, a arquitetura da cidade é produto
da coletividade e representação de uma realidade mais complexa. O autor, ainda,
ressalta a história da estrutura urbana originária do lugar, condicionada no processo
de construção da própria cidade, e fundamentalmente pelo que ele chama de fatos
urbanos. Estes, correlacionados à economia, à política e à cultura, configuram a
cidade distintamente em diferentes contextos, sendo que os fatos urbanos são
identificáveis por um padrão arquitetônico contemporâneo, que detém um significado
particular, são associáveis ao espírito do tempo
26
.
23
Este dado acima referido foi comentado por pessoas que viveram na época e publicaram suas
percepções sobre Santo Ângelo. Trata-se de Arlindo Lied, nascido em Santo Ângelo em 12 de
Novembro de 1886; e de José Olavo Machado, advogado e jornalista, nascido em São Gabriel a 29
de Julho de 1897.
24
Não se quer aqui ressaltar as diferenças e uma possível segregação entre as etnias que
compunham a sociedade de Santo Ângelo na época, apenas trazer à tona a consolidação urbana de
Santo Ângelo em seus aspectos morfológicos. Conforme pode ser observado, durante as primeiras
ocupações em fins do século XIX em Santo Ângelo, o caráter de diferenciação social foi originária
anteriormente ao presente estudo (CRUZ, p. 172. 1986) e, certamente, se houve diferenças, estas
eram expostas radical e oportunamente em períodos, cujos contextos de instabilidade eram
diretamente influenciados pelo posicionamento oficial do Brasil frente aos conflitos bélicos. Tem de se
destacar que em uma localidade do tamanho de Santo Ângelo em meados do século XX era comum
o casamento entre as famílias de etnias diferentes. Por outro lado, há relatos a serem mais bem
estudados, de que se ouviam gritos e pedidos de socorro, estes provenientes da delegacia local em
início da década de quarenta. São aspectos que merecem uma pesquisa específica e que não fazem
parte da presente dissertação.
25
De acordo com depoimento do Sr. Guido Emmel em 1990, em entrevista. Ver: NAGEL, Liane M. A
História de San Angel Custódio: Redução de Fronteira – No contexto dos trinta Povos Guarani –
Jesuíticos da Região Platina. Dissertação de Mestrado em História Ibero-Americana. PUCRS. 1994,
p. 260.
26
ROSSI, Aldo. Arquitetura da cidade. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
32
Além disso, Rossi diz que os fatos urbanos podem ser diferenciados em:
elementos primários e monumentos. 1. Elementos primários: “são elementos
capazes de acelerar o processo de urbanização”
27
e tem sua relevância associada
ao desenvolvimento da forma da cidade. 2. Os monumentos: diferentemente dos
elementos primários, têm maior capacidade de permanência através dos tempos,
possuem um valor de abrangência cuja dimensão ultrapassa a escala física, pois
adquirem significado próprio.
Esses conceitos serviram de referência para compreender objetivamente o
grau de importância e a contextualização dos fatos urbanos relevantes no
desenvolvimento da cidade de Santo Ângelo no decorrer da sua história, revelados
na sua forma urbana distintamente.
No que se refere à morfologia urbana diferenciadas em zonas étnicas, Rossi
aponta como sendo todas aquelas áreas urbanas definidas por características
homogêneas tanto físicas, quanto sociais, e assim define em:
[...] áreas que apresentam uma constância dos modos e dos tipos de vida
que se concretiza em edifícios semelhantes. Neste sentido, a
homogeneidade dos bairros, das siedlungen, etc [...] que analisa as
atividades dos grupos sociais enquanto se manifestam duradouramente
através de determinadas características territoriais
28
.
Para complementar os conceitos acima referidos quanto à arquitetura e sua
relação com a cidade, tem-se como referência o estudo de Alfonso Corona Martínez,
Ensaio sobre o projeto (2000). Neste, o autor demonstra a maneira de se abordar a
configuração de um conjunto urbano semelhante ou distinto entre si. Segundo o
autor, a relação entre arquitetura e cidade ocorre através da ocupação diferenciada
por arquiteturas diferentemente projetadas
29
.
Nesse sentido:
[...] para que os edifícios pertençam a tipos é que não apenas têm utilidades
parecidas, por famílias de uso – as casas se parecem a outras casas e as
igrejas a outras igrejas -, como também pertencem a cidades, nas quais as
localizações de edifícios de cada tipo serão similares, ocuparão lotes
parecidos, posições análogas em quarteirões edificados.
30
27
ROSSI, Aldo. Op. Cit, p.116.
28
ROSSI, Aldo. Op. Cit, p.67.
29
Segundo Martinez, arquiteturas projetadas a partir de uma composição aditiva e composição
subtrativa conforme as dimensões do lote, maiores para àquelas e mais restritivos para estas. Ver:
MARTÍNEZ, Alfonso Corona. Ensaio sobre o projeto. Brasília: Editoda da Universidade de Brasília,
2000, p.106
30
MARTÍNEZ, Alfonso Corona. Op. Cit. p. 106
33
No livro de Philippe Panerai et al em Elementos de Analisis Urbano (1983),
pode-se perceber a maneira de se analisar a forma urbana a partir de variáveis
como os modos de crescimento e as arquiteturas enquanto elementos unitários
constituintes dos conjuntos urbanos, segundo a relação associativa existente entre
as edificações. Segundo este autor,[...] la tipologia de los edifícios, o mejor, del
marco construído, el conjunto de los tipos que, em uma ciudad o em um barrio
determinado, permiten caracterizar el tejido construído; forma urbana, la forma
urbana
31
O texto do periódico L’architecture d’aujourd’hui, n°. 153 de Jean Cartex e
Jean Philippe Panerai, Notas sobre a estrutura do espaço urbano (1971), possibilitou
analisar o espaço urbano através de algumas variáveis como as relações entre as
arquiteturas e o espaço público; suas articulações através dos elementos
constituintes da cidade, como as praças, as ruas e as edificações. Esta referência
forneceu critérios de estudo da forma urbana, como crescimento, análise das vias e
a hierarquização dos conjuntos urbanos a partir das relações de associação entre os
elementos urbanos, estes verificáveis no desenvolvimento urbano de Santo Ângelo
entre 1930 a 1945.
31
PANERAI, Philippe. et al. Elementos de Analisis urbano. Madri: Instituto de Estúdios de
Administración Local, 1983, p. 132.
34
1.1. Modernidade ou modernização?
Segundo Giulio Carlo Argan, o caráter técnico dos profissionais está
diretamente ligado ao político e:
[...] não apenas se admite que a qualificação técnica é, por si mesma, título
para o exercício de uma função diretiva e portanto política, mas se
reconhece explicitamente que acnica, sendo desenvolvimento e
progresso, não poderá não conduzir a transformações profundas na
estrutura da sociedade e do Estado.
32
O gradual uso do pensamento científico, enquanto facilitador da vida e
estabelecimento definitivo da razão como meio de progresso e solução aos
problemas humanos, influenciou as artes e a arquitetura. Além da influência do
iluminismo na arquitetura e do amplo debate teórico do século XVIII, De Fusco
33
salienta o papel de importantes fenômenos para o desenvolvimento da arquitetura e
urbanismo modernos: o liberalismo, o positivismo, o socialismo utópico, o marxismo,
a industrialização e a revolução tecnológica.
A modernidade não teve uma linha única e instantânea, foi sendo
desenvolvida ao longo de décadas, representada de diferentes formas em diversos
países de maneira própria aos lugares em que surgiam de acordo com o respectivo
contexto. Esses aspectos da arquitetura e do urbanismo ocorreram
concomitantemente ao desenvolvimento tecnológico, industrial e cultural dos
respectivos locais, bem como a partir da capacidade destes, em assimilar as
tendências arquitetônicas e influências externas em um mundo cada vez mais
internacionalizado. Para a presente dissertação entende-se modernidade como o
mesmo que contemporaneidade.
No contexto brasileiro, a modernidade e a modernização é por Pesavento
exposta:
[...] o conceito de modernidade ultrapassa de muito aquele de
modernização, entendida como o conjunto das transformações econômico-
sociais que acompanham o desenvolvimento do capitalismo. A modernidade
[...] seria a sensação de ver-se um mundo em mudança, arrebatado por um
turbilhão de transformações. Experiência histórica individual e coletiva, a
modernidade se caracterizaria pela atitude de celebração e combate, de
atração e repúdio face à perda de um universo de valores e certezas, ante a
inquietude e a sedução do novo.
32
ARGAN, Giulio Carlo. Arquitetura e ideologia. In: Projeto e destino. São Paulo: Ática, 2001. p. 74.
33
DE FUSCO, Renato. História de la arquitectura contemporânea. Madrid: Hermann Blume, 1981, p.
14.
35
O binômio modernização-modernidade é eminentemente urbano, tendo na
cidade o seu espaço preferencial de realização.
34
A arquitetura no contexto de meados do século XX é reconhecida por obras
já muito estudadas, importantes e consagradas em preceitos dogmáticos
promovidos a partir de um único arquiteto
35
. Nas principais cidades e grandes
centros brasileiros existem estudos que apresentam uma modernidade mais ampla
do que a referenciada por Yves Bruand
36
. Nesse sentido, a lacuna existente na
história da arquitetura brasileira do barroco às arquiteturas revolucionárias de Oscar
Niemeyer e Lúcio Costa, bem como a modernidade na arquitetura da cidade,
começa a ser preenchida.
Não foi apenas nos grandes centros que a modernidade esteve presente
nem esta se apresentou apenas em arquiteturas, manifestou-se nas cidades
enquanto partes do processo de desenvolvimento urbano, especialmente nas
capitais e nos grandes centros, transformou suas paisagens e espaços urbanos. As
possibilidades que essa política desenvolvimentista da Era Vargas trouxe para a
transformação do país como um todo, inclusive no interior, pode ser ainda mais
desconhecida, como é o caso de Santo Ângelo.
No contexto internacional, considerando-se as devidas proporções dos
diferentes contextos culturais, a capacidade do alcance mais abrangente da
modernidade pode ser vista em determinados países. Autores demonstram que o
clima de “agitação cultural e intelectual” na Alemanha de fins do século XIX se
estendia para o interior, não ficando apenas em Berlim, é destacada a importância
de Munique e Darmstadt, naquele contexto.
37
Enquanto fenômeno comum a um espaço e a um contexto, a modernidade é
por Segawa comentada:
34
PESAVENTO, Sandra Jatahy. De como os alemães se tornaram gaúchos pelos caminhos da
modernização. 199-204 In: MAUCH, Cláudia; VASCONCELLOS, Naira.(Orgs.) Os Alemães no Sul do
Brasil: cultura, etnicidade, história. Canoas: Editora da Ulbra, 1994, p. 199-200.
35
A não divulgação da influência de outros arquitetos do exterior na arquitetura moderna brasileira em
meados da década de trinta, é salientado por Reis: “Nessa época os principais arquitetos alemães,
até então líderes mundiais da Arquitetura Moderna, já haviam sido perseguidos pelos nazistas e a
liderança concentrava-se em Le Corbusier”. REIS, Nestor Goulart. Notas sobre História da Arquitetura
e aparência das vilas e cidades. São Paulo: USP. Revista de Estudos sobre Urbanismo, Arquitetura e
Preservação, n°. 20, jul-Ago, 1997.
36
Arquitetura Contemporânea no Brasil. São Paulo: Perspectiva, 1981.
37
BRADBURY, Malcolm; McFARLANE, James (Orgs.). Modernismo: Guia geral, 1890-1930. São
Paulo: Schwarcz, 1989, p. 27.
36
As diferentes modalidades de modernismo – a catalã, a latino-americana, a
paulistana – mostram também distintas possibilidades de compreensão do
fenômeno moderno no século vinte e suas articulações de natureza
regional. Se radicalizarmos, poder-se-ia afirmar que a formulação ortodoxa
da definição do movimento moderno na arquitetura – associada ao
desenvolvimento industrial, ao surgimento de novas técnicas construtivas,
ao rápido crescimento urbano, à sociedade de massas e à demanda de
habitação no período entre-guerras, dentro de um convulsivo quadro
político-ideológico – é um fenômeno regional centro-europeu.
38
O estudo da modernidade na arquitetura no Brasil é retratado no texto de
Luiz Paulo Conde
39
, Protomodernismo em Copacabana (1988), na cidade do Rio de
Janeiro. Esse autor analisa uma arquitetura até então pouco estudada, as qualifica
de arquiteturas protomodernistas e sugere um recorte temporal entre fins do século
XIX até a década de 1940. Além disso, traz à tona a modernidade na arquitetura e
no urbanismo e suas influências ao estudar alguns edifícios como elementos
definidores do espaço urbano
40
.
A partir do caminho aberto por Conde, Paulo Raposo Andrade
41
faz uma
nova leitura em Uma Outra Cultura da Modernidade (1994) em que aborda um
ângulo diferente daquele autor ao defender a idéia de que, no Brasil, essa
modernidade se desenvolveu em diversas cidades como Recife, entre 1930 e 1955
e na qual revela uma outra cultura da modernidade
42
; contudo, as diferencia das
arquiteturas do “ecletismo historicista” do início do século. Para Andrade, a
classificação dessas arquiteturas como Protomodernistas, ou Proto-Racionalistas,
termo que o mesmo indica estar associado ao Proto-Racionalismo europeu,
caracterizaria uma ordem cronológica, uma idéia de transição existente no cenário
Europeu
43
. Conforme Andrade, a “relação de precedência histórica”
44
de uma
38
SEGAWA, Hugo. Um mapeamento necessário. In: WEIMER, Günter Weimer. Arquitetura
modernista em Porto Alegre entre 1930 e 1945. Porto Alegre: Prefeitura Municipal de Porto Alegre /
Secretaria Municipal da Cultura / Unidade Editorial, 1998, p.8.
39
CONDE, Luiz Paulo. Protomodernismo em Copacabana. AU Arquitetura e Urbanismo.São Paulo:
Pini, ano 4, n.16, p.68-75, fev-mar 1988.
40
Idem, p.70.
41
ANDRADE, Paulo Raposo. Uma Outra Cultura da Modernidade. AU Arquitetura e Urbanismo. São
Paulo: Pini, ano 9, n.51, Dez.1993 – Jan.1994.
42
Concorda-se com esse termo, na medida em que a modernidade é tratada enquanto fenômeno
único e independentemente das arquiteturas. Nesse sentido, a adoção do termo outra modernidade
nesta dissertação, vincula-se a necessidade de um recorte do estudo e torna-se um artifício de
diferenciação àquela modernidade proveniente da arquitetura de Le Corbusier, já intensamente
reconhecida e consagrada no meio acadêmico nacional.
43
Conforme De Fusco, seria uma arquitetura intermediária, na qual as vanguardas artísticas não
teriam tido influências e as situa entre a Secessão Vienense e a arquitetura Racionalista, período de
1905 a 1914. Dentre estas vanguardas artísticas estão: o cubismo, o purismo, o dadaísmo, o
expressionismo, o futurismo, o neoplasticismo.
37
possível gênese evolutiva da arquitetura, entre o ecletismo e o modernismo da
vanguarda carioca, inexiste no Brasil uma vez que a vertente carioca e essa outra
modernidade ocorrem em paralelo no território nacional, praticamente simultâneas
às vanguardas do exterior. A partir disso, Andrade indica que o Proto-modernismo
brasileiro, em oposição a uma tradição de ruptura, está muito mais ligado a uma
idéia de continuidade, “seria mais uma arquitetura de conciliação do que uma
arquitetura de transição”
45
, além de ter uma postura que não procurava um
dogmatismo baseado em uma causa, muito comum no cenário europeu.
O livro de Hugo Segawa, Arquiteturas no Brasil, 1900-1990 (2002),
diferencia as arquiteturas conforme suas ocorrências no território nacional, partindo
de um contexto histórico comum no qual a modernidade na arquitetura foi expressa
distintamente. Segundo este autor, o desenvolvimento urbano do país ocorreu em
uma dinâmica anterior à própria década de trinta, entretanto é nessa década que se
revela como um momento único na História da arquitetura brasileira, especialmente
no desenvolvimento e na consolidação dos centros urbanos e em contextos sociais
instáveis e politicamente cada vez mais centralizados.
O sentido de modernização para São Paulo no período da passagem da
República Velha para Nova, segundo Segawa:
[...] fundamentava-se na transformação das estruturas da oligarquia cafeeira
numa administração centralizada e intervencionista, de discurso
nacionalista. As principais medidas políticas e econômicas tornar-se-iam
decisões orientadas por políticas nacionais de Estado, em detrimento das
políticas regionalistas de interesses localizados; critérios ‘jurídicos’ e
‘políticos’ eram substituídos por razões ‘técnicas’, ‘econômicas’ e
‘administrativas’, vinculadas a mecanismos de mercado. [...] A reformulação
do aparelho estatal, com a criação de novos ministérios (da Educação,
Saúde, do Trabalho) e órgãos públicos operacionalizavam as mudanças,
articulando os setores público e privado.
46
Neste sentido o contexto de transformação urbana de Santo Ângelo e a
relação entre os setores públicos e privados deve ser considerada a formação e o
desenvolvimento da construtora Santo Angelense Ltda, uma empresa da construção
que respondeu às demandas crescentes de uma sociedade em urbanização.
Nessas referências, viu-se o desenvolvimento de arquiteturas ocorridas
nacionalmente, porém diferenciadas por regiões através de particularidades locais
44
ANDRADE, Paulo Raposo. Op.Cit., p.73.
45
ANDRADE, Paulo Raposo. Op Cit, p.74.
46
SEGAWA, Hugo. Arquiteturas no Brasil 1900-1990. São Paulo: Edusp. 2002, p. 24.
38
de cada realidade. O contexto nacional de desenvolvimento dos grandes centros,
especificamente a partir da ocorrência em grande escala de uma arquitetura mais
desprovida de elementos figurativos, também é partilhado e corroborado por
diversos profissionais em distintos lugares do país estes e também identificados em
Santo Ângelo
47
Para situar-se a modernização ao nível do Rio Grande do Sul, é preciso ter
uma visão mais ampla das mudanças da sociedade desse período, entre o século
XIX e as primeiras décadas do XX. Essa dinâmica da modernidade foi vinculada a
um crescimento econômico, na industrialização e na implementação da educação
em diversos níveis para viabilizar o desenvolvimento calcado nos conceitos do
positivismo
48
e as idéias urbanas nutridas pela sociedade Republicana. Assim, a
partir do final do século XIX, organizaram-se escolas pioneiras e cursos vinculados à
engenharia e à arquitetura diretamente financiados por um Estado autoritário. Assim,
dessas escolas, sairiam profissionais técnicos aptos, formadores de opinião e
capazes de manter uma base política e manutenção desse sistema de poder.
Para Weimer,
[...] na medida em que as lideranças positivistas perceberam que através
dos cursos superiores poderiam obter um retorno favorável em termos de
sustentação política. Como egressos, efetivamente haveriam de se
constituir, dentro das condições de uma elite esclarecida, cumpria que a
cooptação pelo positivismo fosse abrangente [...]
49
Esse sistema educacional vinculado ao poder político e à economia garantiu
uma estrutura destinada ao desenvolvimento do Rio Grande do Sul nas primeiras
décadas do século XX.
47
Para exemplificar, dentre outros, tem-se Goiânia, Raffaelo Berti (Belo Horizonte), Flávio de Carvalho
(São Paulo), Elisário Bahiana (São Paulo e Rio de Janeiro), Christiano de La Paix Gelbert e Arnaldo
Gladosch (Porto Alegre). Ver: UNES, Wolney. Identidade Art Déco de Goiânia. São Paulo: Atleliê
Editorial; Goiânia: UFG, 2001; BERTI, Mário. Raffaelo Berti: arquiteto. Projeto Memória. Belo
Horizonte: APCultural.; DAHER, Luís Carlos. Flávio de Carvalho: Arquitetura e Expressionismo. São
Paulo: Projeto. 1982.; SEGAWA, Hugo. Elisário Bahiana e a arquitetura “art déco”. Projeto. São
Paulo, n°. 67, p. 14-22,1985.
48
Essa dinâmica, caracterizada pela tecnocracia e pela parceria do poder público e de um corpo
técnico, engenheiros, agrimensores, entre outros, provém da estreita ligação da política estadual do
Rio Grande do Sul às doutrinas do positivismo desde o início da República, na qual o projeto de
modernização se estabelece e se consolida a partir da difusão de um conhecimento técnico-científico
e revela-se de uma maneira autoritária com relação aos profissionais que se formavam nessas
escolas. Essa estrutura estava atrelada à máquina estatal, pois quem possivelmente não apoiasse as
lideranças políticas “não obteria o emprego no governo depois da formatura”. Deve-se destacar que a
demanda por mão-de-obra especializada nessa época era grande e as intendências uma “reserva de
mercado”, pois até 1930 formavam-se aproximadamente sete profissionais ao ano. Ver: WEIMER,
Günter. A arquitetura do positivismo gaúcho, 1985 s/p.
49
WEIMER, Günter. Op. Cit. 1985, s/p.
39
Em um país de proporções continentais, nas primeiras décadas do século
XX, pode-se afirmar que essas manifestações da arquitetura do Brasil, cuja
diversidade cultural e étnica era ainda mais relevante, foram representadas
distintamente de região para região, “enquanto em São Paulo se divulgava a
arquitetura italiana, e no Rio de Janeiro a francesa, Porto Alegre seguia os
postulados da arquitetura germânica”
50
. Portanto, uma cidade de “feição
germânica”
51
e com a atividade profissional da arquitetura diretamente vinculada aos
profissionais alemães
52
.
Ao abordar a fase de transição entre as Repúblicas no contexto de
modernização no Estado, Weimer salienta que, “durante o período da República
Velha houve uma profunda mudança estrutural em que o Rio Grande pecuarista e
rural se transformaria em industrial e urbano”
53
. Essa mudança da estrutura
econômica diz respeito à decadência da produção pecuarista e, em seu lugar, a
afirmação da agricultura, quando o Estado gaúcho passou a ser o “celeiro do país”.
Como conseqüência dessa transformação, vivenciou-se um desenvolvimento urbano
jamais visto no Estado
54
. Esse desenvolvimento urbano deveu-se à interligação de
uma malha ferroviária capaz de escoar a produção do campo o que incrementou o
desenvolvimento dos setores secundários e terciário nas localidades em
estruturação.
Essa mudança é visualizada abruptamente na arquitetura no Brasil, quando
esta é profundamente modificada a partir de 1930, que, segundo Weimer, foi
conseqüência de dois motivos: um político e outro econômico. O político em uma
dimensão internacional coincide com a chegada de Hitler ao poder, e nacionalmente
com a de Getúlio Vargas ao governo central. O econômico provém da grande crise
50
WEIMER, Günter. A Arquitetura dos anos trinta. Ponto & Vírgula, Porto Alegre, n°. 22, p. 30-31,
1995, s/p.
51
LUZ, Maturino da “Ide todos a José” - A arquitetura de Josef Franz Seraph Lutzenberguer, 1920-
1951, 2004, p. 132.
52
De acordo com depoimento do Professor arquiteto Demétrio Ribeiro, sua mãe, que era francesa, via
na capital gaúcha uma “cidade alemã”, na qual a arquitetura era vista como ‘coisa de alemão’.
Portanto, em fins da década de trinta era mais valorizada no Uruguai onde Demétrio Ribeiro decidiu
fazer seu curso. Ver: Entrevista: Demétrio Ribeiro – Na aventura pessoal, a história coletiva. Zero
Hora, 28.06.2003, p. 4-5.
53
WEIMER, Günter. A fundação do CREA e os arquitetos. Projeto, São Paulo, no. 67, p. 115-116,
setembro de 1984, p. 115.
54
WEIMER, Günter.Vida Cultural e Arquitetura na República Velha Rio-Grandense 1889-1945. Porto
Alegre: EDIPUCRS, 2003, p.124.
40
que varreu o mundo na virada das décadas de vinte para trinta
55
. É quando a busca
por formas mais despojadas de decorações figurativistas começam a fazer parte do
cotidiano urbano.
O referido autor proporciona um paralelo bem claro entre a modernidade
ocorrida na Europa e no Brasil:
Os paralelos entre o desenvolvimento europeu do após guerra (década de
1920) e do período pós revolucionário gaúcho (década de 1930) são
flagrantes. Uma crise econômica, uma indefinição política, uma intensa
disputa partidária, uma desorganização social à procura de um modelo
integrados eram aspectos comuns. Mas há uma diferença básica. Enquanto
a saída européia tendia à democracia, aqui se tendia ao autoritarismo
centralizante. Enquanto a Alemanha evoluía do Império para a República.,
aqui nos encaminhávamos da independência regional para as amarras do
Estado Novo.
56
O contexto progressista durante a década de trinta torna-se evidente nas
políticas sociais de industrialização, regulamentação de serviços, predisposições
legais e órgãos oficiais foram criados
57
. A união incondicional dos Estados em vistas
da constituição de uma nação federativa única, ainda que politicamente impostas por
um governo totalitário e nacionalista, tentava, por outro lado, consolidar um Estado
de Direito, um país, uma Nação.
Para que o objetivo geral de modernização e implementação de outra ordem
nacional lograsse êxito, necessitava-se de amplo apoio e aceitação das localidades
mais importantes, bem como de suas sociedades, como é percebido no contexto de
Santo Ângelo a partir da República. Este contexto de modernização fez com que
55
WEIMER, Günter. A Arquitetura Erudita da Imigração Alemã no Rio Grande do Sul. Porto Alegre:
Edições EST, 2004. p.171.
56
WEIMER, Günter. Estruturas sociais gaúchas e arquitetura. In: BERTUSSI, Paulo Iroquez et alli. A
Arquitetura no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1983, p. 186.
57
Desse projeto de modernização e racionalização da estrutura administrativa nacional, fez parte a
regulamentação das profissões. No caso da arquitetura, a criação do sistema CREA-CONFEA.
Segundo Weimer “[...] em troca de apoio político, Vargas punha nas mãos de profissionais locais, isto
é, formados na Escola de Engenharia, o direito exclusivo de regulamentarem, e fiscalizarem, o
exercício profissional. Como a maioria dos arquitetos era de formação estrangeira, foi-lhes cerceado o
exercício da profissão, na medida em que foram enquadrados numa categoria inferior de
‘construtores licenciados’, o que virtualmente colocou-os fora do mercado de trabalho. [...] Quem na
realidade lucrou com este processo foram as grandes firmas construtoras [...]”. A instituição, que tinha
por objetivo a fiscalização do trabalho dos falsos profissionais da construção, transformou-se em um
meio cerceador e xenófobo [...] especialmente a partir do apoio oficial do Brasil aos países aliados,
durante a Segunda Grande Guerra, pois a maioria dos profissionais atuantes em Porto Alegre era
natural ou de origem germânica, formados no exterior. Além disso, devido a sua competência,
dominavam o mercado. Assim, a maioria desses arquitetos mudou de atividade, outros como Theo
Wiederspahn, tiveram de migrar para o interior “onde as perseguições não eram tão intensas”. Ver:
WEIMER, Günter.A fundação do CREA e os arquitetos. Projeto, São Paulo, no. 67, p. 115-116,
setembro de 1984, WEIMER, Günter.A arquitetura. Porto Alegre: Ed. UFRGS, Coleção Síntese Rio-
grandense 12-13, 1999, p.128.
41
houvesse certa corrida das vilas à urbanização para uma maior representatividade
junto aos grandes centros, facilitando, assim, a efetivação dessas novas políticas,
encabeçadas por um corpo técnico capaz de dar suporte a tais iniciativas urbanas,
sanitaristas, da edificação ou da criação de cidades. No que diz respeito às
administrações estaduais e municipais, esse plano de ação cabia aos seus gestores,
diretamente subordinados ao poder federal a partir de 1930.
É através de obras públicas e da iniciativa privada que a implementação de
equipamentos urbanos contribuiu para o desenvolvimento do país, cada vez mais
urbano, em resposta a problemas de ordem social, como: analfabetismo,
crescimento demográfico e por situações de insalubridade com conseqüências
epidêmicas. Assim, pode-se destacar a construção dos grandes programas de uso
coletivo, como a construção de escolas, hospitais, bancos e cinemas.
Com relação a arquiteturas de programas inovadores, outros aspectos
também referentes à instauração da modernidade são analisados por Renato Anelli
em Arquitetura de cinema em São Paulo: o cinema e a construção do moderno
(1992). Segundo o mesmo, esse novo programa contribuiu para uma “referência de
urbanidade para grandes contingentes de espectadores”, com a construção de
arquiteturas com usos e formas diferenciadas e a relação dessas edificações na
construção da imagem da modernidade na cidade.
É neste contexto da Era Vargas, que a partir da disseminação de uma nova
arquitetura, mais direta, cujas formas eram associadas à rapidez e ao rendimento,
implementou-se a urbanização pela arquitetura, as quais eram executadas em novos
programas, mais utilitários e tecnicamente sofisticados como se percebe em Santo
Ângelo.
O contexto da modernidade e a modernização arquitetônica anterior ao início
da Segunda Grande Guerra é tão ambíguo quanto o próprio posicionamento político
do governo brasileiro frente às questões externas em meados da década de trinta.
Embora o governo Vargas estivesse em fase de centralização e preparando-se para
o golpe do Estado Novo, caracterizava-se por uma postura oficial neutra frente ao
nazi-fascismo da Alemanha e da Itália, bem como com relação os Estados Unidos
da América. Esse posicionamento é também verificado nas contratações dos
42
serviços profissionais com arquiteto do exterior não tão propagandista quanto Le
Corbusier e, com expressões arquitetônicas mais conservadoras
58
.
Para contextualizar regionalmente a modernidade, é necessário definir a
importância das suas origens no Rio Grande do Sul, onde a corrente Corbusiana só
se efetivou a partir de 1945, e principalmente na década de cinqüenta, quando os
profissionais, egressos dos novos cursos de arquitetura de Porto Alegre, iniciam
seus trabalhos vinculados ao que era produzido no centro do país
59
. Em Santo
Ângelo, essa corrente com outros padrões formais, teve certa influência na primeira
metade da década de cinqüenta. Na presente dissertação, tem o recorte temporal de
1930 a 1945, a modernidade se reflete distintamente na maneira de se produzir a
cidade, quando se inicia um processo de reforma no traçado urbano associado à
mudança de paradigmas arquitetônicos.
Esse contexto urbano materializado nas cidades por uma arquitetura distinta,
a partir da disposição de novos meios tecnológicos e técnicos, é identificável no
espaço urbano e associável ao espírito do tempo.
Essa modernidade na arquitetura brasileira é caracterizada segundo Segawa
por:
[...] uma modernidade difusa, sem programa definido, mas que se alimentou
de uma vontade de exprimir idéias novas, de tentar ser moderno mesmo
sem que houvesse clareza de qual modernidade, mas a busca de qualquer
modernidade
60
.
“Uma modernidade nem à Le Corbusier, nem à Bauhaus, nem aos
funcionalistas / racionalistas europeus. Talvez um pouco disso tudo [...]”.
61
Uma
modernidade que é insinuada pelo próprio Segawa como possivelmente mais
58
Segundo Weimer, “Estudos recentes demonstram que, na época, a arquitetura italiana gozava de
todas as simpatias do Ministério da Cultura. Tanto isso é verdade que Capanema só concordou em
trazer Le Corbusier depois que os entendimentos com Marcello Piacentini, um dos mais diretos
colaboradores de Mussolini, fracassaram por simples falta de interesse por parte deste. [...]”. Ver:
WEIMER, Günter. Op.Cit, p. 190.
59
Trata-se dos cursos de arquitetura do Instituto de Belas Artes e da Escola de Engenharia,
posteriormente unidos em apenas um, originando a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Ver: FIORI: Renato Holmer. Arquitetura Moderna e
Ensino de Arquitetura: Os cursos em Porto Alegre de 1945 a 1951. Porto Alegre: PUC, 1992.
60
SEGAWA, Hugo. Um mapeamento necessário. Op. Cit, p. 9.
61
SEGAWA, Hugo. Arquiteturas no Brasil 1900-1990. São Paulo: Edusp. 2002, p. 59.
43
coligada às experiências e referências dos próprios profissionais nos seus
respectivos contextos.
62
Acredita-se que os meios de propagação de uma nova estética possam ser
veiculados e, assim, assimilados pela sociedade em geral. Contudo, são os
profissionais da construção aqueles capazes de idealizar e de contribuir para a
solução dessa necessidade social através de uma forma arquitetônica mais
tradicional ou inovadora. Nesse sentido, o acesso ao conhecimento, a massificação
das informações e as inter-relações entre os mesmos também são relevantes na
medida em que divulgam novidades. Portanto, os profissionais e seus
conhecimentos adquiridos, poderão ser influenciados de duas maneiras:
diretamente, através de contatos, feiras e viagens, ou indiretamente por referências
bibliográficas divulgadas na época.
63
Durante a Era Vargas, época de profundas mudanças sociais, Santo Ângelo
contou com as atuações de importantes profissionais
64
: do engenheiro civil José
Carlos Medaglia e do arquiteto Siegfried Berthold Costa. Com relação ao primeiro,
sabe-se que teve também grande relevância pela sua contribuição nos planos de
urbanização para uma Porto Alegre em vias de desenvolvimento, no que diz respeito
ao saneamento público e à canalização do riacho, atualmente conhecido como
Ipiranga
65
(Fig. 4). Conforme Paiva e Faria (1937), “Este projecto, apresentado como
tese por seu autor (Medaglia) na Escola de Engenharia, é o mais completo e notável
até hoje existente”
66
.
62
Segundo Segawa, ao se referir a experiência pessoal do arquiteto Elisário Bahiana, modernidade “à
Auguste Perret”. SEGAWA, Hugo. Op.Cit, p. 59.
63
PANERAI, Philippe R. CASTEX, Jean. DEPAULE,Jean-Charles. Formas Urbanas: de la manzana al
bloque. Barcelona: Editorial Gustavo Gilli, S.A.,1986, p.152.
64
Tanto José Carlos Medaglia quanto Siegfried Bertholdo Costa merecem estudos particulares e
aprofundados sobre seus feitos, aprendizados, preferências e influências.
65
Há referência a José Carlos Medaglia em PAIVA, Edvaldo Pereira; FARIA, Ubatuba de.
Contribuição ao Estudo da Urbanização de Porto Alegre, 1937. E em SILVA, J. Loureiro da. Um Plano
de Urbanização. Porto Alegre: Prefeitura de Porto Alegre,1943.
66
PAIVA, Edvaldo Pereira.; FARIA, Ubatuba de. Contribuição ao Estudo da Urbanização de Porto
Alegre, 1937, p. 164.
44
Figura 04 – Projeto para canalização do Riacho
Engenheiro Civil José Carlos Medaglia. Porto Alegre, 1930
Fonte: PAIVA, Eduardo Pereira; FARIA, Ubatuba de. Contribuição ao Estudo
de Urbanização de Porto Alegre, 1937.
O segundo é destacado por seus ideais inovadores e como um dos
primeiros arquitetos a realizar uma mudança de paradigmas, especialmente no que
diz respeito a um programa arquitetônico originalmente tradicional, como eram as
propostas das igrejas na época
67
. Segundo Weimer, ao comentar sobre a Igreja,
Martin Luther diz que “a opção formal se estendeu a uma geometria pura, de
marcada influência cubista, em que toda decoração da massa arquitetônica era
decorrência do emprego do material de construção”.
68
(Fig. 5)
Figura 05 – Igreja Martin Luther.
Arquiteto Siegfried Bertholdo Costa, 1934-36
Foto: Rodrigo Fabrício Kerber, 2005.
É nesse contexto nacionalista de desenvolvimento, concomitantemente à
proteção, à catalogação e ao resgate de um passado pela busca de uma tradição,
que se instaurou a modernidade na arquitetura da cidade de Santo Ângelo.
67
Ver: WEIMER, Günter. Siegfried Bertholdo Costa, um precursor do modernismo. Projeto, São Paulo,
no. 87, p. 76- 78, maio 1986, e WEIMER, Günter. Op. Cit., 2004.
68
WEIMER, Günter. Op.Cit., 2004, p. 206-207.
45
2. SANTO ÃNGELO EM CONSTRUÇÃO DA MODERNIDADE:
PROJETO DE CIDADE NO PLANO DE NAÇÃO
A área urbana de Santo Ângelo contemporânea está muito distante do que
era na década de 1940, no que diz respeito a sua extensão. Atualmente ainda
guarda o que ocorrera naquela época na configuração de seu centro urbano e na
manutenção de um centro histórico. (Fig.06)
Figura 06 – Área de estudo com relação ao traçado contemporâneo de Santo Ângelo
Fonte: Prefeitura Municipal de Santo Ângelo, interpretado do original pelo autor, 2008.
O sítio físico em que a mesma se encontra é composto principalmente, por
várias colinas e baixadas, em especial o declive que se constituiu posteriormente na
Rua 14 de Julho. (Fig. 07)
46
Figura 07 – Sítio físico predominante na área de estudo
Fonte: Prefeitura Municipal de Santo Ângelo,
interpretado do original pelo autor, 2008.
Este capítulo trata da construção da modernidade durante a re-ocupação
69
de Santo Ângelo nos âmbitos de duas escalas: a macro e a intra-urbana, tendo
como ponto de partida o fato de que esta localidade possui uma estrutura espacial
interna
70
, inserida em um sistema de urbanização mais amplo, cujas variáveis
território, arquitetura e organização espacial estão diretamente vinculadas às
69
Nesta pesquisa, parte-se da re-ocupação de Santo Ângelo, momento em que se inicia uma nova
sociedade, pois, conforme Curtis, “o espólio da arquitetura missioneira em nosso Estado, foi havido
pelo Brasil através de conquista territorial e não por herança cultural. Por isso que a história dos Sete
Povos não se origina, não se finaliza e em nenhum momento se integra na cultura produzida pelo Rio
Grande do Sul. Formam, entretanto, aqueles bens culturais [...] o legado mais rico que incorporamos
ao nosso patrimônio no momento da fixação do território rio-grandense.” DE CURTIS, J. N. B. O
Espaço Urbano e a Arquitetura produzidos pelos Sete Povos das Missões. In: WEIMER, G. A
Arquitetura no Rio Grande do Sul. Porto Alegre, Mercado Aberto, 1993, p.28.
70
Conforme Yujnovsky, estrutura espacial interna se define como [...] el conjunto de actividades
componentes de la ciudad y las relaciones que mantienen entre si, desde el punto de vista de la
disposición de dichas actividades en el espacio urbano y la dimensión espacial de esas relaciones.
YUJNOVSKY, Oscar. La estructura interna de la ciudad. El caso latinoamericano. Buenos Aieres:
SIAP,1971, p.19.
47
intenções políticas e ao desenvolvimento da sociedade urbana, conforme os
objetivos da época.
A formação do território do Rio Grande do Sul, caracterizada pela sua
subdivisão em municípios-sedes e, posterior interconexão dos mesmos pela linha
férrea, formaram, assim, uma rede de regulação administrativa, de acessibilidade, de
locomoção e de escoamento no Estado. Nessa época, define-se o início de maior
desenvolvimento econômico, além de garantir o domínio da terra enquanto
propriedade, tornando-se também meio de produção da riqueza. Pode-se afirmar
que Santo Ângelo transformou-se realmente durante a República, quando teve
grande relevância com a consolidação de um povoado na delimitação do território do
Rio Grande do Sul durante o último quartel do século XIX, e, pela posição de
destaque que desempenhou na formação de uma rede de colônias ao conectá-las
através da linha férrea às principais localidades do Estado.
Em Santo Ângelo percebe-se a manutenção enquanto ponto estratégico e
localidade de referência no Estado, tornando-se, sobretudo, importante pólo na
região em que está inserida, através de alguns fatores:
1. Pela ligação histórica herdada do passado, enquanto Município-sede,
localidade mais antiga na região, ex-redução jesuítica, mas, principalmente, pela
possibilidade de ter sob seus domínios municipais um sítio arqueológico
71
em
reconhecimento na época.
2. Por tornar-se fim de linha na região, em um período convulsivo no Estado,
de intenso trânsito imigratório pela localidade e de produção de um excedente
agrícola capaz de ser escoado para grandes centros a partir de 1921.
O encurtamento das distâncias com centros maiores tornou-se meio
promotor no processo de estabelecimento da vila de Santo Ângelo. É quando o
poder de gestão de Santo Ângelo se faz presente, a partir da distribuição do
contingente imigrantista, da produção do trabalho e conseqüente acumulação da
riqueza, na vila da década de 1920.
71
O município de Santo Ângelo tornou-se curador das ruínas de São Miguel, cujo território pertenceu
àquela até 1988, quando foi criado o município de São Miguel das Missões.
48
Como conseqüência desse desenvolvimento da interatividade cultural na
localidade com relação às novas colônias oficiais compostas por imigrantes e
distritos étnicos adjacentes, formou-se uma nova estrutura social e, como
conseqüência, uma zona urbana diferenciada na região.
Pode-se observar que, em um contexto mais amplo, duas ocorrências
semelhantes, mas com abrangências e influências distintas fizeram parte do projeto
de cidade de Santo Ângelo, e conforme a intenção e a época, refletem-se
diretamente na maneira da instauração da produção urbana da localidade a partir da
criação de Leis: 1. a apropriação do sítio jesuítico pré-existente, através da criação
da freguesia em fins do Império, para a instauração e demarcação dos limites do
Estado e, em seguida, com o entrelaçamento deste com a criação da malha
ferroviária (meios de existência) e, 2. a apoderação de uma arquitetura na Exposição
do Centenário Farroupilha de 1935 (meios de representação), objetivando a
instituição de uma nova ordem: a de configuração de cidade em contribuição ao
plano de consolidação da nação, corroborada pela disseminação dos meios de
comunicação.
49
2.1. As Missões e a formação da fronteira no Sul do Brasil
A partir da incorporação das Missões à Coroa portuguesa em agosto de
1801, é que se iniciou o processo de ocupação estratégica do território ”para fins de
expansão econômica e domínio político ao oeste do extremo-sul brasileiro”.
72
Barroso ressalta que, além do processo de subdivisão territorial
73
, embora as
iniciativas militares do poder luso provinham do século XVIII, foi a partir da conquista
dos Sete Povos que se tornou viável esse processo e projeto estratégico, sendo
que, no início do século XIX “acentuaram-se os trâmites da organização político-
administrativa, especialmente com a criação da primeira rede de vilas [...]”
74
ao longo
do século. Esta autora comenta ainda que o processo de definição dos limites no Rio
Grande do Sul ocorreu na primeira metade do século XIX. Isso ocorreu devido a
busca por “resguardar a posse do oeste conquistado”, visando um aumento das
possibilidades de acumulação de capital. (Fig. 08)
Figura 08 – Localização dos Sete Povos das Missões
Fonte: PESAVENTO, 2002. Interpretação do original pelo autor, 2008.
72
Pode-se afirmar que, além do fator de ocupação, processo caracterizado pela autora como
“ocidentalização do povoamento”, no que diz respeito a Santo Ângelo, resultou no estabelecimento
das fronteiras do Estado pelos grandes proprietários de terras, e compreende: a. na “concessão de
sesmarias”, que segundo a autora, foi “a bem-sucedida política portuguesa de legalização das terras
desocupadas na direção do oeste” e b. a “militarização”, que foi “a garantia estratégica de ocupação
através de fortes, presídios, guardas e acampamentos militares, núcleos iniciais de muitos povoados”.
BARROSO, Vera Lúcia Maciel. Povoamento e Urbanização do Rio Grande do Sul: a fronteira como
trajetória. In: Urbanismo no Rio Grande do Sul. Org. WEIMER. Gûnter. Porto Alegre: Editora da
Universidade. UFRGS – Prefeitura Municipal de Porto Alegre. 1992, p.36.
73
O início do século XIX foi um período importante no âmbito da organização e da resolução dos
problemas das finanças, da justiça, da
instrução, e que a administração foi balizada na estruturação
política do Rio Grande do Sul, a partir da divisão do território em quatro municípios: Porto Alegre, Rio
Grande, Rio Pardo e Santo Antônio da Patrulha. A área de Santo Ângelo, proveniente do território
primitivo de Rio Pardo até 1822, passou a pertencer ao território de Cachoeira do Sul. Com a criação
do município de Cruz Alta, em 1857, “Santo Ângelo além de fazer parte daquele município, foi
elevado à categoria de freguesia e paróquia...” Ver: CRUZ, Beatriz Mânica da. Op. cit. p.96;
BARROSO, Op. cit. p. 39-40.
74
Ibid.
50
Nesse feito, a colonização proveniente dos imigrantes teve um impacto
importante, pois desde o
[...] início da colonização, nas primeiras décadas do século XIX, o incentivo
à vinda de imigrantes partiu ou do governo imperial ou do governo
provincial; na segunda metade deste século, o incentivo adveio de
interesses capitalistas
75
.
No plano de urbanização regional, destacam-se algumas ocorrências
comentadas por Cruz (1986) como a criação da Lei das Terras em 1850, que
autorizou a venda de terras públicas a particulares ou à sociedade com o objetivo de
colonizá-las. A referida autora afirma que o latifundiário santo-angelense tirou
proveito da mencionada lei. Além disso, o decreto número 528, de 1891 permitia a
livre entrada de estrangeiros no Brasil
76
. Durante esse processo de venda das
terras, os meios de acesso à terra dos imigrantes tiveram de ser providenciados. É
quando grandes investimentos são feitos na tentativa de interligar o território a fim de
reforçar seu entrelaçamento, facilitar o acesso dos imigrantes na obtenção de novas
áreas para a colonização e posterior trabalho dos colonos nessas áreas livres, já
oficialmente apropriadas.
Contudo, para que o projeto de modernização tivesse êxito na sua
totalidade, necessitava-se de profissionais que proporcionassem um suporte a essa
demanda urbana. Foi através do artigo 71, parágrafos 5° e 6°, da Constituição
Estadual de 14 de Julho e 1891, a qual permitiu a livre entrada no território de
qualquer profissional sem que o mesmo tivesse de comprovar sua formação.
Este
dispositivo visava atrair profissionais estrangeiros, que efetivamente acorreram em
grande numero”
77
.
A idéia de uma ocupação urbana iniciada com a República no final do
século XIX, consolidou-se durante a primeira metade do século XX, especialmente
na metade norte do Estado do Rio Grande do Sul
78
. Esse período denominado,
75
CRUZ, Beatriz Mânica da.Op. cit. p.163.
76
Cabe ressaltar que a importância do contingente imigratório para o Rio Grande do Sul,
especificamente, vai além do trabalho especializado na agropecuária e na manufatura destes
produtos. Ver: CRUZ, Beatriz Mânica da. Op. cit. p.168-169.
77
WEIMER, Günter. A fundação do CREA e os arquitetos. Projeto, São Paulo, no. 67 p. 115-116,
setembro de 1984.
78
A diferença na divisão territorial no Rio Grande do Sul é abordada por Souza, para a qual poder-se-
ia dividir o Estado em duas partes. SOUZA, Célia Ferraz de. Contrastes Regionais e formações
urbanas. Porto Alegre: Ed. UFRGS, Coleção Síntese Rio-grandense 14, 2000.
51
segundo Barroso
79
, de Fase da Expansão, é quando descendentes de imigrantes
das ‘colônias velhas’, deslocaram-se para as denominadas ‘colônias novas’ em
direção ao noroeste do Rio Grande do Sul.
Segundo Barroso (1992), houve dois momentos distintos da ocupação e
urbanização do Rio Grande do Sul, quando houve uma reorientação da economia do
Estado, momento caracterizado pela queda das charqueadas concomitantemente ao
avanço da agricultura colonial e da indústria regional. O deslocamento de muitas
levas de agricultores imigrantes rumo ao noroeste estava relacionada à dilatação
das colônias e à redução da unidade de produção, conforme afirma a referida
autora. Além disso, o monopólio exercido pelos grandes comerciantes empobreceu o
pequeno produtor, o que teve por conseqüência, a imigração intensiva para novas
terras, pertencentes a núcleos urbanos mais estáveis, como Santo Ângelo em fins
do século XIX.
Segundo a autora,
Nestas áreas, a dinâmica multiplicadora repetiu-se a partir de novos pólos
urbanos que polarizaram um crescente número de núcleos menores. E são
visíveis duas linhas de penetração: uma partiu de Montenegro e seguiu por
Estrela, Lageado, Soledade, Cruz Alta, Ijuí, Santo Ângelo até Santa Rosa; e
outra partiu de Caxias, indo a Vacaria, Lagoa Vermelha, Passo Fundo,
Palmeira das Missões até Três Passos. A pulverização nesses rumos foi tão
crescente que a ‘teia urbana’ encheu os espaços, denunciando o
esgotamento da fronteira agrícola no território do Rio Grande do Sul.
80
Após a ocupação das áreas livres, a transformação em grandes territórios
municipais teve por conseqüência a estabilização dos limites da fronteira oeste do
Rio Grande do Sul. O poder público instaurou a valorização política dos povoados,
através da elevação de suas categorias. Inicialmente, com as criações das
paróquias, em seguida elevando-as a freguesias e depois a vilas, cujas atribuições
proporcionaram maior autonomia às mesmas ao consolidar seus próprios poderes
judiciários o que determinou seus domínios administrativos.
Na passagem do Império para a República, com o desenvolvimento da
propriedade privada, as terras recém apropriadas foram gradualmente
transformando-se em mercadoria vantajosa, especialmente com a crescente
demanda causada pela intensa imigração e a facilitação dos meios de acesso a
79
BARROSO, Vera Lúcia Maciel. Op.Cit., p. 50.
80
BARROSO, Vera Lúcia Maciel. Op.Cit., p. 51.
52
estas com a implantação da linha férrea. O desenvolvimento urbano ocorreu através
da crescente divisão territorial, a partir da criação de novos municípios, pelos
constantes desmembramentos dos distritos, esses originários dos municípios-sedes,
os quais contribuíram para a intensificação das inter-relações dos municípios na
formação de uma rede macro-urbana regional em uma verdadeira cadeia
econômico-administrativa.
Esse contexto geopolítico Sul-rio-grandense foi complementado, por um
processo de contínuo entrelaçamento urbano estadual que foi favorecido pela
conexão da linha férrea, a qual se tornou a ligação entre as principais localidades
como Santo Ângelo no início da década de 1920. Essa acessibilidade também foi
favorecida pela malha rodoviária, mas de maior importância interna aos recém
criados municípios e ligação das sedes municipais às colônias.
2.1.1. Santo Ângelo: ocupação oficial e espontânea
O embrião de vila de Santo Ângelo de fins do século XIX apresenta uma
dinamização da sociedade que se caracterizava pelo surgimento de pequenos
estabelecimentos de comércio e serviço, diretamente relacionados com uma
economia tipicamente pecuarista. Essas relações sociais se estabeleceram
especialmente por luso-brasileiros e por descendentes de alemães
81
.
A re-ocupação de Santo Ângelo, instalada após 1860, foi feita por uma
população pioneira compostas por luso-brasileiros que era oriunda de São Paulo e
de outras localidades do Rio Grande do Sul como Cruz Alta. Já, os de origem
germânica, chegados em fins do século XIX, tanto eram imigrantes de colônias mais
antigas (enxamagem), como também eram provenientes da imigração.
82
81
Lied elenca inúmeras famílias de ambas as origens existentes entre 1892 a 1897. Dentre os luso-
brasileiros: Mercau, Veríssimo, Pacífico, dos Santos, Cortes Taborda, Rodrigues, Pereira Gomes, etc.
Dentre os alemães: Kassel, Beck, Albrecht, Licht, Grass, Fuhr, Timm, Ritter, etc. população que
influenciou Santo Ângelo nos períodos seguintes. LIED, Arlindo. Minhas Reminiscências de Santo
Ângelo. Ijuí: Michaelse Hass e Cia Ltda, 1973, p. 8
82
ROCHE, Jean. A Colonização Alemã no Rio Grande do Sul. Porto Alegre, Globo, v.01, 1969, p. 126-
127.
53
Segundo Roche
83
, houve dois tipos de colonização alemã no Rio Grande do
Sul: a oficial, que foi planejada e incentivada pelo governo, e a espontânea.
No caso de Santo Ângelo, o incentivo oficial do governo imperial para a re-
ocupação ocorreu em 14 de janeiro de 1857, quando fora criada a freguesia no
distrito de Santo Ângelo, por Lei Provincial, a qual era pertencente ao município de
Cruz Alta. Mas ”[...] sem que, em parte alguma, houvesse uma igreja ou começo de
povoação”.
84
Em 1859, os fundadores
85
da localidade decidiram desbravar o antigo
povoado missioneiro, e “aproveitar o local da antiga redução para sede da paróquia”,
a fim de criar o povoado de Santo Ângelo, pós-jesuíta sobre uma estrutura pré-
existente
86
, mesmo tendo grandes dificuldades nesse objetivo
87
.
A ausência de casas ou aglomerado urbano não foi fator impeditivo para a
criação dos meios legais para a instituição dos poderes administrativos imperiais no
antigo território da redução de Santo Ângelo Custódio. A adaptação da paróquia na
casa de um dos fundadores do povoado refletiu a necessidade imediatista, o desejo
e, especialmente, as intenções com relação ao povoado que nascia na época: a de
ser freguesia e assim consolidar seus domínios políticos.
88
83
ROCHE, Jean. Op. Cit.,1969.
84
SILVEIRA. Hermetério José Velloso da. Op. Cit, p.170.
85
Antônio Manoel de Oliveira e o vereador de Cruz Alta, Doutor Antônio Gomes Pinheiro Machado.
Silveira nos fala do “Doutor José Gomes Pinheiro Machado e seus irmãos fazendeiros de São Luís
Gonzaga” [p.121]. Imagina-se ser este da mesma família do pioneiro de Santo Ângelo. Em outra
ocasião, este autor ressalta os feitos em prol de São Luís Gonzaga, do então intendente General
Salvador Pinheiro Machado, seu irmão, do Senador José Gomes Pinheiro Machado além de seu pai
como um “restaurador desse abatido território” [p.218].
CRUZ apresenta outro nome dentre os pioneiros na instalação definitiva do povoamento de Santo
Ângelo. Além de Antônio Manoel de Oliveira (proveniente de Itapetininga-SP), Alfredo Pinheiro
Machado. Ver: CRUZ, Op. cit. p.160.
86
Sabe-se que a população na redução de Santo Ângelo, no período de 1732 a 1753, chegou a 5.417
pessoas, quando alcança o seu ponto máximo. Portanto, a exigência de moradias e logicamente a
área para as mesmas, não se restringia apenas ao perímetro imediato à área social da redução, mas
a uma área mais ampla. Ver: NAGEL, Liane M. A História de San Angel Custódio: Redução de
Fronteira – No contexto dos trinta Povos Guarani – Jesuíticos da Região Platina. Dissertação de
Mestrado em História Ibero-Americana. PUCRS. 1994. p. 71.
87
Silveira também fala que o mato era tão denso de que era possível avistar de longe apenas a parte
superior do frontispício do antigo templo. Depois de meses de trabalho, Antônio Manoel e alguns
amigos “abriram um largo caminho” e descobriram todas as ruínas. SILVEIRA, Op cit. p.171.
88
Segundo Silveira, “[...] quando foram providas as freguesias restauradas de São Luís Gonzaga e
Santo Ângelo, tendo-se mais em vista satisfazer exigências da politicagem, que não o bem espiritual
dos paroquianos. Neste ano [1860], foram também providas as novas paróquias de Santo Antônio da
Palmeira e de Soledade (desmembradas de Cruz Alta) e São Francisco de Assis, quase todas sem
igreja ou capela”. O autor colabora em um questionamento referente à atividade das capelas e aponta
que os reais interesses na instalação das paróquias era ser um meio meramente arrecadatório.
54
As dezenas de construções de residências feitas com os destroços jesuíticos
na época materializaram a freguesia. Justificou-se o ato regulador e político do
papel, decretado três anos antes, pela lei que viabilizou a re-ocupação da antiga
estrutura da redução de Santo Ângelo Custódio.
Como comenta Silveira:
Na praça, ao lado leste, foi construída a casa, que deveria ser a residência
do pároco, com uma sala e altar destinados a celebração da missa e atos
paroquiais. Essa casa era propriedade do mencionado Antônio Manoel. A
seu exemplo outros foram apossando-se dos terrenos e construindo casas
para si.
Não passavam de seis ou oito as habitações, ligeiramente construídas,
quando foi conseguida a nomeação do padre Manoel da Silva Guimarães
Araxá, um poeta satírico e mordaz. No começo do ano de 1860, ele fez sua
entrada solene instalou a paróquia e celebrou a primeira missa.
89
Simultaneamente são definidos os poderes políticos locais, segundo as
recomendações do poder central do Império. Com a eleição para vereadores e
juízes de paz em setembro de 1860, concretiza-se o decreto de 1857.
90
Ao desejo de muitos de se apropriarem de um solo, somou-se o objetivo
estratégico do poder imperial, ou seja, garantir a posse do território meio-oeste do
Rio Grande do Sul, povoando-o, através de sesmarias e, em seguida, com a
formação de municípios, vilas e loteamentos, dentre esses os de Santo Ângelo.
Enquanto ponto estratégico e pré-existência, a antiga redução de Santo
Ângelo Custódio foi referência importante para seus fundadores, pois proporcionou
aos mesmos algumas facilidades, como matéria-prima disponível e já manufaturada,
agilizando a constituição física da freguesia em fins do império. Aspecto este que
posteriormente seria revertido em benefícios e em vantajosas posições político-
administrativas, em um novo contexto de um estado republicano
91
.
89
Ibid. p.171.
90
Idem.
91
Neste contexto deve-se salientar que associadas às determinações gerais durante o Império,
advieram intenções locais em criar nestes povoados - como São Luiz Gonzaga e Santo Ângelo, entre
outros - a possibilidade de iniciação de uma base de correligionários republicanos em busca por uma
maior representação que se articulava para o poder. Assim destacaram-se no contexto local, figuras
como José Gomes Pinheiro Machado e Venâncio de Oliveira Aires, um dos fundadores do Partido
Republicano Rio-grandense. Esses dados tinham uma grande importância no contexto de formação
social local de Santo Ângelo, pois contribuiriam para a formação da sustentação política durante a
implantação da República e o desenvolvimento urbano posterior.
55
Esse aspecto é refletido no povoado em 22 de março de 1873, quando
Santo Ângelo é elevada à vila e adquire independência político-administrativa,
tornando-se município autônomo. Nessa época, as principais construções públicas
da cidade foram construídas e finalizadas: a sede do Governo e a Igreja da Matriz.
Segundo Cruz
92
, “tanto a economia como a vida social santo-angelense
sofreu modificações substanciais, quando a partir de 1891, chegaram imigrantes
europeus em número considerável”. Como os pioneiros, eram donos das maiores e
melhores propriedades de terra e estavam vinculados aos cargos do poder local, aos
imigrantes restavam minifúndios mais afastados da área da vila, formando-se “uma
zona da colônia de Santo Ângelo”,
cuja predominância no interior do Município era o
elemento de origem européia especialmente de origem étnica alemã e italiana
93
.
Roche demonstra o intenso contingente imigratório cujo ponto de
convergência na região era Santo Ângelo:
Guarani [colônia de – grifo meu], estabelecida em 1891, pouco se
desenvolvera até 1908 (1.210 em 1897, 3.500 em 1900, 4.800 em 1904,
6.889 em 1908), por falta de meios de comunicação; mas no momento em
que a via férrea foi prolongada em direção a Santo Ângelo, começou a
receber cerca de 2.500 imigrantes por ano, progredindo rapidamente:
13.000 habitantes em 1910, 24.500 em 1914 (sendo 6.000 russos, 3.000
poloneses, 4.200 alemães, 300 italianos, etc). Paralelamente aos
imigrantes, Guarani recebia, também, numerosos descendentes de colonos
que vinham da borda da Serra Geral.
94
Ao abordar a colonização alemã em Santo Ângelo caracterizando-a como
espontânea, Cruz ressalta que esse fato não ocorreu em todo território municipal, e
exemplifica o caso de solicitação ao governo provincial para a ocupação de Ijuí, uma
colônia oficial, na época (1890) pertencente a Santo Ângelo
95
.
Segundo Roche:
O princípio da espontaneidade da colonização, que o Governo rio-
grandense há muito tempo quisera aplicar, não teve êxito senão às
vésperas da guerra de 1914-1918.[...]
96
92
CRUZ, Beatriz A. M. Pereira da.Op. Cit., p. 163.
93
Cruz cita estas colônias, como: Buriti, Atafona, Colônia Municipal. CRUZ, Beatriz A. M. Pereira
da.Op. Cit., p. 174
94
ROCHE, Jean. Op.Cit., p. 126-127.
95
CRUZ, Op. cit. p.169.
96
ROCHE, Jean. Op.Cit., p. 124.
56
Para se identificar a importância de Santo Ângelo no contexto das colônias
oficiais alemãs em âmbito da microrregião, é preciso, além de ter referenciado o
papel de Ijuí, ressaltar especialmente a contribuição de Santa Rosa, pois naquela
época, ambas pertenciam ao Município de Santo Ângelo
97
. Pode-se visualizar a
relevância do território que compreendia o Município de Santo Ângelo em relação ao
Estado em 1913, quando Ijuí já havia sido criada. (Fig.9)
Figura 09 – Município de Santo Ângelo no Rio Grande do Sul, 1913
Fonte: FERRAZ DE SOUZA, 2000. Elaborado do original pelo autor, 2008
Na medida em que o governo definia a colonização das terras, Santo Ângelo
teve papel importante enquanto localidade mais antiga, já estruturada e vila
constituída político e administrativamente. Portanto, capaz de ser ponto de
convergência na região, principalmente quando conquistou destaque pela presença
da única estação ferroviária da região, após finalização da linha férrea, tornando-se,
então, pólo gestora e de acesso a mesma, em momento de constante influência no
cotidiano urbano de Santo Ângelo
98
.
Devido a essa posição vantajosa (de fim da linha férrea) com relação às
outras colônias (Guarani, Giruá e a já referida Santa Rosa), coube a Santo Ângelo o
papel de integração daquelas ao restante do Estado. O maior fluxo de pessoas e
97
Cabe salientar o período em que Ijuí e principalmente Santa Rosa estiveram administrativamente
vinculadas ao Município de Santo Ângelo. No que se refere ao ano de criação e de
desmembramento, tem-se: Ijuí, criada em 1896 e separada em 1912; e Santa Rosa criada em 1915 e
desmembrada em 1931, mas conectada ao restante do Rio Grande do Sul através de Santo Ângelo
até meados da década de trinta.
98
Giruá teve a linha férrea inaugurada entre 1934 e 1936 e em Santa Rosa, a mesma chegou em
1940.
57
mantimentos potencializou importante desenvolvimento nos setores primário,
secundário e terciário nas primeiras décadas do século XX.
Ressalta-se ainda que, Santo Ângelo, de ocupação mais antiga, a sua área
rural estava consolidada nas mãos de seus pioneiros e primeiros imigrantes de fim
do século XIX, não restando áreas “livres”, mas apenas algumas zonas específicas
para a criação de comunidades étnicas privadas, conforme Cruz, privatkolonien.
99
Esse contingente imigrantista transformou a economia de Santo Ângelo pela
capacidade profissional do imigrante, baseado em um padrão cultural mais variado,
e fomentou o mercado local com a adição de novas técnicas na agricultura.
100
Neste contexto de um incrível contingente imigratório que densificava as
principais localidades em urbanização no Rio Grande do Sul, como é o caso de
Santo Ângelo; a partir do início da década de trinta, a resposta a esta demanda
urbana passou a ser responsabilidade das empresas da construção como será visto
adiante.
99
“As colônias particulares de povoamento essencialmente germânico penetram no Planalto subindo
o Alto Jacuí ou acompanhando a via férrea. São assim fundados [...], no de Santo Ângelo”: Ijuí
Grande (1892) – Fundadores: Carvalho, Bastos e Azevedo); Vitória (1900) – Kruel & Cia; Buriti (1908)
– Frode Johansenn; Timbaúva e Boa Vista (1912) – a primeira: Vargas e a segunda: Federação dos
Lavradores do Rio Grande do Sul e Steglich (1914) – Steglich. Ver: ROCHE, Jean. Op. Cit., p. 130.
100
CRUZ, Beatriz A. M. Pereira da.Op. Cit, p. 172.
58
2.2. Oficialização da arquitetura da cidade
As arquiteturas provenientes de uma nova época foram disseminadas
enquanto símbolo dos novos tempos na Exposição do Centenário Farroupilha de
1935. Foi um evento máximo em que a exaltação otimista de um renovado contexto
histórico e político, que revelou uma nova ordem para o projeto de cidade: a
oficialização das empresas da construção na instauração da iniciativa privada neste
processo de desenvolvimento das cidades
101
. O caráter urbano ganhou maior
importância através das arquiteturas alinhadas urbanisticamente a uma centralidade,
associadas aos parâmetros monumentais dos Estados totalitaristas em vigência na
época e de grande poder de persuasão
102
. Constitui-se em uma nova maneira de se
construir a arquitetura da cidade, a partir de parâmetros da monumentalidade no
intuito de configurar uma nação, correlacionada ao contexto nacional de
autoritarismo da época, cuja busca pela notabilidade, através da construção de
edifícios em altura e pela formação de eixos, está associada a um Estado
propagandista
103
.
Esse momento de otimismo, vivenciado no Rio Grande do Sul na época
após a vitória na Revolução de 1930, quando Getúlio Vargas assumiu o poder
nacional, é apontado por Pesavento:
Uma coisa, contudo, era o processo real que ocorria na sociedade
econômica e política na década de 1930; outra era a representação mental
que os agentes sociais faziam desta realidade. No plano das consciências,
o Rio Grande do Sul era o vencedor de 30, um gaúcho, Getúlio Vargas
governava o país, e o interventor local, Flores da Cunha, empenhava-se em
uma política de desenvolvimento da economia gaúcha. Em suma, enquanto
se acentuava a perda relativa da posição do Rio Grande na economia
nacional, vigorava no Estado um clima de euforia e crença nas
possibilidades regionais.
104
101
É a partir do evento da Exposição Farroupilha de 1935, que está diretamente ligado a
regulamentação profissional de Dezembro de 1933, que se institui oficialmente às empresas
construtoras o papel da arquitetura da cidade.
102
No contexto urbano de Porto Alegre, essa força do conjunto é característica originária de uma “[...]
nítida inspiração totalitária, perceptível na composição monumental dos espaços abertos [...]” que se
tornaria modelo recorrente durante o período do Estado Novo, quando começam a abrir as avenidas
Ipiranga e a Farrapos e a se implantar edificações de maior escala. WEIMER, Günter. A arquitetura.
Porto Alegre: Ed. UFRGS, Coleção Síntese Rio-grandense, 1992, p. 131.
103
Essa característica no Brasil é também visível em ocorrências, cujas origens arquitetônicas,
provinham da França. Assim percebe Segawa,“[...] o Ministério da Educação e Saúde (1936-1945),
projetado por Lúcio Costa e equipe, um prisma sobre pilotis, virtualmente liberando o nível térreo para
circulação e jardins: um edifício que impunha uma monumentalidade não pela imposição física de sua
presença, mas exatamente pelo contrário.” Ver: SEGAWA, Hugo. Op. Cit.p. 76.
104
PESAVENTO, Sandra Jatahy. A Revolução Farroupilha e o Rio Grande do Sul. Rio de Janeiro,
1983. Apud: EQUINAZI, 1995, p. 54.
59
Neste contexto, foi objetivando comemorar a data do centenário farroupilha,
importante marco da história estadual,
[...] que o Governo do interventor Flores da Cunha decidiu realizar, em Porto
Alegre, uma grande exposição que deveria homenagear os valores míticos
e ideológicos inerentes à Revolução Farroupilha e, ao mesmo tempo
celebrar o ingresso do Estado em uma nova era de modernização,
desenvolvimento e afirmação perante a Nação.
105
Esse grande evento foi capaz de disseminar uma modernidade materializada
em arquiteturas efêmeras e contou com a participação de vários Estados da nação
com seus respectivos pavilhões, além da inauguração com a presença do próprio
presidente da República na época.
A Exposição de 1935 também nutriu a busca por representatividade de um
governo cada vez mais hegemônico, foi capaz de difundir idéias arquitetônicas
associadas aos ideais de uma política progressista vigente em um contexto cada vez
mais centralizado de poder. Transformou-se em uma nova maneira de se fazer a
arquitetura da cidade, onde as empresas construtoras tornaram-se instrumentos
privados de uma política pública de modernização nacional na construção da
cidade.
106
Conforme Weimer
107
, esse evento possivelmente foi o maior acontecimento
arquitetônico na década de trinta ao nível nacional, cuja representação da
modernidade dos pavilhões foi ordenada ao longo de um eixo, no plano urbanístico o
que “[...] sustentava a unidade formal do conjunto [...]”
108
.
Os pavilhões da Exposição, os quais eram distanciados entre si ao longo de
um eixo, individualmente demonstraram uma “diversidade controlada”
109
, uma
104
CALLEGARO, Adriana. Uma outra Modernidade em Porto Alegre: Um estudo sobre a evolução de
Padrões Tipológicos a partir da Arquitetura da Exposição Farroupilha, dissertação de mestrado em
Teoria, História e Crítica da Arquitetura pelo PROPAR/UFGRS, 2002, p. 9.
105
EQUINAZI, Davit. Arquitetura e Tipologia na Exposição Comemorativa do Centenário Farroupilha,
1935. Porto Alegre: UFRGS Faculdade de Arquitetura. PROPAR, 1995. p. 54.
106
Este dado pode ser identificado na pesquisa de Callegaro, quando a autora analisa a influência da
Exposição de 1935 enquanto arquétipos, determinantes na produção subseqüente de Porto Alegre.
Constituindo-se assim um novo meio de produção da cidade caracterizada por uma nova relação de
trabalho entre os profissionais da construção: os engenheiros empresários e os arquitetos
empregados, denominados segundo a autora de “atores principais” e “atores coadjuvantes”,
respectivamente. Ver: CALLEGARO, Adriana. Op. Cit., 2002.
107
WEIMER, Günter. A arquitetura. Porto Alegre: Ed. UFRGS, Coleção Síntese Rio-grandense, 1992,
p. 129
108
WEIMER, Günter. Op. Cit., p. 130.
109
FROTA, José Artur D’Aló. Op.Cit., p. 18.
60
“indefinição de uma linguagem comum [que] revela a verdadeira dimensão da crise
em que a arquitetura havia se metido, ao mesmo tempo em que demonstra uma
séria e inconsciente procura por uma saída para o impasse”
110
. (Fig. 10)
Figura 10 – Exposição do Centenário Farroupilha. Vista do Eixo Monumental,
Porto Alegre, 1935
FONTE: ESQUINAZI; FROTA, 1999
Nesse contexto político pós-1930, a promoção de uma nova realidade cujas
idéias deveriam ser baseadas em novos parâmetros arquitetônicos vigentes, foram
materializadas em pavilhões com diversificadas formas plásticas.
Segundo Weimer:
O Instituto de Educação (aproveitado como pavilhão cultural), de autoria de
Fernando Corona, era em estilo neoclássico; o monumental pórtico de
entrada, de Franz Filsinger, denotava nítida influência da arquitetura
fascista; o cassino de Gelbert, era a imitação da parte superior de um navio;
o pavilhão de Pernambuco, de Luiz Nunes, apresentava influências de Le
Corbusier; o pavilhão de São Paulo, de Prestes Maia, era ‘clássico
moderno’; o pavilhão do Distrito Federal tinha influência do expressionismo
alemão; o do Pará era em estilo marajoara; o da indústria estrangeira, do
cubismo; o do Instituto do Café tinha a forma de uma descomunal tocha e
assim por diante”
111
Nesses pavilhões, estavam expostos produtos vinculados aos serviços, à
indústria e à agricultura, com os quais procurava-se demonstrar para os demais
110
WEIMER, Günter. Op. Cit, 1992, p. 130.
111
WEIMER, Günter. Op. Cit , 1992, p. 130.
61
Estados participantes
112
, um Rio Grande do Sul moderno. Assim o evento foi ponto
culminante de um Rio Grande do Sul com relação às suas pretensões econômicas
em âmbito nacional, que, com o passar do tempo, tornaram-se tão volúveis quanto a
própria transitoriedade da Exposição e de seus pavilhões
113
.
Na exposição de 1935, participaram grande parte dos municípios gaúchos,
dentre eles, Santo Ângelo, não apenas através de seus políticos, mas, inclusive, da
sociedade que possuía condições de ir até a capital vivenciar este incrível
acontecimento.
114
Conforme relato de Rockenbach
115
:
Achei monumental. Achei uma maravilha! Uma coisa inédita! Uma coisa de
antes de indústria e comércio. E foi tudo exposto ali! Eu fiquei encantado
que eu nunca tinha visto. Em 35 nós morávamos em Lajeado ainda. Uns,
dois, três meses depois nós nos mudamos pra Porto Alegre. Ficamos lá seis
anos e meio, quase sete anos! Eu achei muito lindo aquilo lá! Nunca tinha
visto! Tinha visto em jornais e revistas, mas a pessoa presente, assim. Eu
achei fantástico! Indústria e comércio, tudo que tinha no Rio Grande do Sul
foi exposto ali. Era tudo muito bonito. Eu morava em Lajeado, nem luz tinha
lá [Quanto à iluminação] Feéricamente iluminado!! Em Lajeado não tinha
nem água, nem luz!!! Só tinha luz de noite!
A busca por maior representatividade gaúcha no âmbito nacional pode ser
visualizada a partir do destaque do Estado na sua maciça participação na Exposição
de 1935. Este dado pode ser verificado a partir do número de expositores “[...] atinge
3.122, dos quais 2.290 são oriundos do Rio Grande do Sul e 832 dos demais
Estados e do pavilhão das Indústrias Estrangeiras.”
116
112
Na inauguração da Exposição, na manhã do dia 20 de setembro de 1935, no “hall” do pavilhão das
Indústrias Rio-Grandenses, contaram com presenças ilustres do contexto político na época; além do
Presidente da República, do Governador do Rio Grande do Sul, e do Governador da Bahia,
Secretários da Agricultura de São Paulo, Minas Gerais e Santa Catarina, senadores, deputados
federais e estaduais, e dos prefeitos da quase totalidade dos
municípios gaúchos, industriais,
criadores entre outros, participaram autoridades do Uruguai, Argentina e Paraguai. ESQUINAZI,
Davit; FROTA, José Artur D’Aló. Arquitetura comemorativa da Exposição do Centenário Farroupilha,
1935. Catálogo. Porto Alegre: Corag, 1999, p.14.
113
EQUINAZI, Davit. Op. Cit.,1995, p. 55.
114
Segundo publicação a partir do relatório da Exposição, a iluminação normal de Porto Alegre era
composta por 4.482 lâmpadas com 997.319 velas, enquanto na Exposição foram empregadas 28.289
lâmpadas com 2.143.325 velas. Ver: ESQUINAZI, Davit; FROTA, José Artur D’Aló. Op.Cit., 1999,
p.27.
115
Conforme depoimento do Sr. Rudá Rockenbach, ex-desenhista, ao falar da época da Exposição.
Rockenbach nasceu em 11
de Setembro de 1921 em Lajeado. Por volta de 1941 mudou-se para
Santo Ângelo. Entrevista ao autor em Santo Ângelo em 28 de Julho de 2005.
116
MACHADO, Nara Helena Naumann.Op. Cit., p. 261.
62
Além disso, a aceitação do público frente a essa novidade foi intensa, pois
mais de um milhão de pessoas freqüentou os espaços da exposição em uma época
em que Porto Alegre se aproximava dos 300.000 habitantes.
117
O município de Santo Ângelo em fins da década de vinte, portanto poucos
anos antes do início do evento, ocupava destacada posição no Rio Grande do Sul,
no que diz respeito aos valores das terras agrícola, ficando atrás no Estado, apenas
dos municípios de Livramento, Bagé e Dom Pedrito.
118
Além da relevância econômica percebe-se a importância política de Santo
Ângelo na articulação regional no levante de outubro de 1930.
119
O contexto de
inauguração de uma nova República, cuja participação das lideranças Santo-
angelenses em conferências em Porto Alegre com os líderes ao nível estadual como
Oswaldo Aranha, Flores da Cunha, entre outros, definiram previamente os rumos a
serem seguidos na região durante o levante.
Conforme a Revista do Globo, intitulada Revolução de Outubro: O
Movimento Revolucionário em Santo Ângelo, de 1931, pode-se verificar a
importância de Santo Ângelo no contexto político estadual na época:
Também neste grande município missioneiro, guarda fiel de gloriosas
tradições, onde a campanha da Aliiança Liberal deixou gravado o signal
indellevel de seu incontestável civismo, conquistando no memorável pleito
de 1° de Março o quarto logar em votação entre os municípios do Estado,
os ideaes de regeneração nacional tinham lançado profundas raízes no
espírito popular, de tal sorte que annunciado o movimento, desde logo se
previa o enthusiasmo que elle provocaria no seio da população laboriosa,
que não trepidou em largar os instrumentos de trabalho para acorrer às
fileiras do Exército Libertador.
120
117
Idem.
118
Referente aos dados do Relatório da Secretaria da Fazenda, em 1929, p. 41. Possivelmente Santo
Ângelo tenha participado da Exposição Agrícola, Pastoril e Industrial do Estado do Rio Grande do Sul,
inaugurada em novembro de 1931, no parque Menino Deus, em Porto Alegre. Com prêmios e
menções honrosas. Dado que está para ser mais bem aprofundado. Ver: Relatório de Santo Ângelo
de 1932, p. 33.
119
As ligações entre Getúlio Vargas e as lideranças locais podem ser visualizadas antes mesmo do
movimento revolucionário de 1930. Quando por Santo Ângelo esteve enquanto candidato à
presidência do Rio Grande do Sul acompanhado de Oswaldo Aranha, em agosto de 1927. Ver:
BINDÉ, Wilmar Campos. Santo Ângelo: Terra de muitas Histórias. Ijuí: Impressão Multicor, 2006,
p.379.
120
REVISTA DO GLOBO. Revolução de Outubro: O Movimento Revolucionário em Santo Ângelo.
Número especial, 1931, p.78.
63
Até o momento conseguiu-se verificar que a Exposição do Centenário
Farroupilha de 1935, contou com a presença de Santo Ângelo, conforme Catálogo
Geral (oficial) da Exposição.
121
Foi no Pavilhão da Indústria Riograndese (Fig.11) que Santo Ângelo
participou, com os seguintes produtos e seus respectivos expositores: sabão (Carlos
Steiglish e Max Kegler), café (Schmidt & Ruling e Max Kegler), bolas de madeira
para jogos (Oswaldo Stangler), trigo e farinha (Walter Sacks e Gustavo Burchardt),
bebidas (Oscar Kaercher e Frederico Koerner), banha e conservas (Sociedade da
Banha), Obras de cimento e postes de madeira para luz (Prefeitura Municipal) e
malte (Frederico Koerner)
122
.
Figura 11 – Exposição do Centenário Farroupilha. Vista do Pavilhão da Indústria
Rio Grandense. Porto Alegre, 1935
FONTE: ESQUINAZI; FROTA, 1999.
Esse desejo de afirmação regional em âmbito nacional, nutrido com a
Exposição Farroupilha de 1935, não ocorrera como as elites gaúchas sonhavam e
“se volatilizou logo após o seu término”
123
. Este contexto de expectativas
econômicas regionais é referido por Weimer ao relatar os benefícios conquistados
pelo Rio Grande do Sul através da Revolução de 1930:
Esta estrondosa vitória militar foi a mais redundante derrota econômica do
Estado. Na medida em que Vargas transferiu para o governo central o
modelo autoritário do positivismo gaúcho, passou a receber forte oposição
121
Catalogo Geral (oficial) e Guia do Touriste. Exposição do Centenário Farroupilha, 1835-1935. Porto
Alegre: Oficinas Gráficas da Livraria do Globo, 1935.
122
Catalogo Geral (oficial) e Guia do Touriste. Op. Cit., p.199.
123
EQUINAZI, Op. Cit.,1995, p. 55.
64
das lideranças locais, ciosas de manter o seu poder. A abolição das
barreiras alfandegárias interestaduais representou um forte golpe contra a
nascente indústria local, que encontrou sérias dificuldades para enfrentar a
indústria paulista, bem mais capitalizada devido à política do café.
124
O mesmo não ocorreu no setor primário quanto à conquista de mercados,
nos quais havia demanda para produtos agrícolas provenientes do celeiro do país
como era chamado o Rio Grande do Sul, o que incrementou a economia das
localidades agrícolas, entre essas Santo Ângelo que já tinha lugar destacado.
2.2.1. Exposição da Capital das Missões
A língua alemã chama com a mesma palavra a arte de edificar e a arte de
cultivar; o nome agricultura (Ackerbau) não soa como cultivo, mas como
construção; o lavrador é um edificador (Bauer) [...] um povo deve edificar
seus campos, como suas cidades.
125
Os reflexos de uma nova sociedade culturalmente estruturada, devidamente
estabilizada, pode ser identificado na sua arquitetura, capaz de produzir uma
imagem espacial identificável com o espírito do tempo, concomitantemente com o
espírito do lugar, moderno e tradicional, ambos diretamente influenciadas pelo
território pertencente ao Município ao longo de sua história e pelo intenso
contingente imigrantista, base da sociedade, cujo papel foi fundamental na
constituição urbana de Santo Ângelo.
Segundo Machado ao comentar sobre o desenvolvimento urbano afirma
que:
Durante algum tempo, quando a cidade começou a se expandir para o norte
da atual Rua 25 de Julho, antiga 14 de Julho, esse setor da urbe era
conhecido pela denominação de ‘Alemanha’, pois predominava uma
população formada, em sua maioria, de teuto-brasileiros. Essa
predominância se revelava no comércio, na indústria e demais ramos da
atividade, refletindo-se, naturalmente, no aspecto social.
126
Esta impressão acima citada, certamente refletiu-se na arquitetura e foi
influenciada pela implantação edificatória de fins da década de trinta a meados da
década de quarenta, quando surgiu uma Santo Ângelo mais densificada,
124
WEIMER, Günter. Op. Cit.,1999, p. 127.
125
CATTANEO, Carlo. Apud. ROSSI, Aldo. Op. Cit., 2001, p. 259.
126
MACHADO, José Olavo. Op.Cit., p. 45.
65
caracterizada pela representação arquitetônica das novas atividades, vinculadas às
diversificadas especialidades do comércio, da indústria e da prestação de serviços
de uma sociedade já estabelecida.
127
É nesse período que se configuram atividades urbanas características de
uma sociedade de consumo eminentemente de uso coletivo público como os cafés,
as lojas, as joalherias, entre outros. São aspectos de uma vida levada fora das
residências, ocorrência já iniciada durante a segunda metade da década de vinte,
mas que ainda desarticuladas enquanto representação efetiva das atividades da
qual a sociedade em urbanização e em sofisticação demandava.
Portanto, é nesse novo núcleo da cidade que uma simples passagem
tornou-se um passeio público, no qual o transeunte protegido pelas marquises de
concreto usufruia das novas paisagens urbanas de um novo tempo diferente da
anterior. As marquises adquiriram papel fundamental na determinação de uma área
de transição entre o público e o privado, além de uma delimitação de área de
encontro e, ao mesmo tempo, de passagem caracterizada por um percurso
protegido das intempéries. Estas paisagens construídas eram caracterizadas por
arquiteturas de estabelecimentos comerciais e na prestação de serviços. Novas
perspectivas foram expressadas pela composição mais uniforme das ruas onde
maiores planos de vidros ao nível do observador definiam estrategicamente as
vitrines que induziam a atenção de quem desfrutava aquele novo contexto, até bem
pouco tempo inexistente em Santo Ângelo. O caráter urbano da cidade tornou-se
símbolo de modernidade na qual o centro teve destaque, como meio promotor de
consumo, não apenas dos próprios cidadãos locais mas daqueles que vinham pela
curiosidade às missões e podiam se hospedar em um hotel de referência na região,
mas também, em um local onde freqüentemente ocorriam festividades sociais
128
. A
cidade tornou-se um espaço capaz de absorver diversas atividades, representadas
por edificações de uso coletivo, públicas e privadas. A arquitetura ganha status de
127
Destacam-se a Companhia Brasileira de Fumo em Folha, a Refinaria de Banhas, o Beneficiamento
de Algodão, Bopp, Sassen, Ritter e Cia Ltda, Streppel & Rheinheimer, a Estofaria Stocker, as
Indústrias Marchionatti, Leopoldo Hepp & Cia, a loja Feldmann, a casa Pfaff, a joalheria Dumke, H.
Scarpellini & Filhos, Sociedade Comercial Ortmann, Indústrias Reunidas Kegler & Treter, entre outros
estabelecimentos.
128
No Hotel Maerkli, de Eduardo Maerkli, havia um biergarten, um chafariz e conjunto de música que
tocava em um quiosque, que ficava na parte interna do lote e servia de ambiência para os encontros
sociais que ocorriam no salão principal deste recinto, e referência no interior do Rio Grande do Sul.
66
produto capaz de expor e de expor-se, como nas propagandas da época das Casa
Jota (Fig. 12) e da Casa Miriam (Fig. 13).
Figura 12 – Propaganda Casa Jota. Santo Ângelo, 1943
FONTE: Jornal Diário da Manhã, 1943
Figura 13 – Propaganda Casa Miriam. Santo Ângelo, 1950
FONTE: Jornal O Debate, 1950
Pelo novo modo de vida de seus habitantes, influenciado pelos grandes
centros, pelo cinema, pelo café expresso, a cidade tem no movimento contínuo a
característica de transformação em um lugar cada vez mais urbano. Tudo começa a
fazer parte do espaço coletivo da rua, que ganha passagem na cidade da década de
trinta e quarenta. Portanto, um benefício de uma vida mais fora das residências no
espaço urbano da rua e dos passeios ligado a um circuito comercial e de serviços.
As transformações urbanas de Santo Ângelo, calcadas nas origens de uma
colonização de caráter espontâneo, e que gradativamente influenciavam os setores
da economia local, pode ser atribuída ao trabalho do colono e à diversidade cultural
67
do imigrante
129
. A identidade étnica proveniente dessa sociedade, inicialmente rural
e posteriormente urbana, definiu uma situação urbana diferenciada a partir da
construção rápida, homogênea e específica de um lugar da cidade de fácil
legibilidade e identificável pela maior densificação de edificações.
O caráter urbano serviu externamente na busca de expansão por outros
horizontes em nível nacional, além do consumo interno, pelo interesse na criação e
captação de novas possibilidades políticas e econômicas. Instituiu-se um evento
para propagar seus principais produtos, provenientes da sua grande extensão
territorial: a agricultura e a valorização de um sítio arqueológico. Assim, a promoção
e venda da urbe e de suas potencialidades, oriundas do trabalho no solo ou das
ruínas jesuíticas, ficaram representadas em Santo Ângelo a partir da terceira edição
da Festa Nacional do Milho, de 1954, um marco festivo da dinâmica que a cidade
vivenciara nos anos anteriores na região.
130
Essa nova configuração urbana construída, serviu de “rótulo” para o produto
que a cidade se tornou. Conquistou assim o designativo de capital. Às raízes mais
profundas do território, atribuiu-se a ligação com as missões; efetivava-se, assim,
uma nova categoria na escala de abrangências e importâncias das localidades na
região, mas agora em âmbito nacional, não mais freguesia, não mais vila, nem
cidade, mas a da autopromoção, nascia, assim, a Capital das Missões (Fig. 14).
129
Característica do papel da imigração no Brasil, especialmente após o fim do sistema de mão-de-
obra escrava no sentido de geração de riqueza através de um trabalho especializado, seja nas áreas
rurais ou urbanas, foram capazes de impulsionar um sistema econômico capitalista.
130
A Festa Nacional do Milho, de 1954 ocorreu em Santo Ângelo na sua terceira edição.
Anteriormente havia ocorrido em Ijuí (1952) e Santa Rosa (1953) e tinha por finalidade promover a
cidade sede. Foi criada através da Lei n°5, de 16 de fevereiro de 1954, ironicamente também
efêmera, mesmo que isoladamente, demonstrou a organização da cidade em se autopromover em
um momento de redemocratização nacional. Inicialmente planejada para começar no dia 25 de Julho
em homenagem às comemorações ao Dia do Colono, acabou sendo transferida para o período de 14
de agosto a 7 de setembro de 1954. Este evento que teve uma programação variada, com desfiles de
carros alegóricos, máquinas agrícolas pelas principais ruas da cidade, desfiles de moda, bailes e
concurso de vitrines. Contudo, este evento só voltaria a ocorrer novamente em 1986, a partir de
quando, ocorreria sistematicamente em Santo Ângelo. Ver: FINOKIET, Bedati. Arca da Memória:
artigos sobre a história de Santo Ângelo. Santo Ângelo: Gráfica Jornal das Missões, 2003, 151-152.
68
Figura 14 – Cartaz Festa Nacional do Milho. Santo Ângelo, 1954
FONTE: Acervo particular Jair Severo
Segundo depoimento de fotógrafo atuante em Santo Ângelo em meados do
século XX, a situação urbana vivenciada pela cidade, evidenciava a valorização das
arquiteturas e das paisagens construídas em uma nova feição urbana.
[...] Aqueles prédios eu tirei retrato pra fazer postais, pra poder mostrar que
a cidade tinha evolução. Porque a pessoa mandava aquilo pra recordações
de pessoas, pra divulgar a cidade em que ele estava morando. Que ele não
estava morando em uma colônia. Estava morando em uma cidade que tinha
sempre progresso.
131
A análise da forma urbana dessa transformação, sua representação na
arquitetura da cidade serão adiante demonstradas. Antes cabe abordar um dos
principais agentes nesta transformação urbana: a construtora Santo Angelense Ltda.
131
Segundo depoimento de Bertholdo Bruno Benno Schmidt. Fotógrafo. Conforme entrevista ao autor
na sua residência, em Ijuí-RS a 2 de Agosto de 2007.
69
2.3. O escritório da cidade
A partir de 1935, quando o governo federal inicia um processo cada vez
mais centralizado, apresenta-se um novo contexto na construção civil e na maneira
de se constituir a cidade. Assim, no contexto de Porto Alegre de :
[...] fim da década de 30 e início de 40, observou-se, em Porto Alegre, um
surto de vitalidade econômica na esfera imobiliária e urbana. Surto modesto
na escala brasileira, mas considerável na escala provinciana. Algumas
vielas mal afamadas do centro foram transformadas em avenidas [...]
Surgiram alguns edifícios orgulhosamente chamados de arranha-céus. Os
projetos correspondentes eram produzidos nas firmas construtoras sob a
chancela legal dos engenheiros civis titulares das empresas.
132
Os proprietários das firmas, na sua maioria egressos da Escola de
Engenharia de Porto Alegre, iniciaram e desenvolveram seus trabalhos na década
de vinte na capital a partir da dominação do mercado imobiliário
133
. Nas cidades,
algumas conseqüências desse processo são por Weimer apontadas, isto é, quando
se abriu “um vasto mercado para as firmas construtoras de engenharia que, à
semelhança do sistema político, passaram a centralizar os empreendimentos
imobiliários”, sendo que os projetos passaram a ser executados nos escritórios das
empresas
134
. Essa dinâmica da constituição de empresas de construção é anterior à
própria década de trinta [...] uma maneira diferente de se edificar foi efetivada, para
o mercado e não mais sob encomenda, característica de uma “(...) reorganização da
construção com ênfase em moldes empresariais”
135
.
Em Porto Alegre, dentre essas empresas, destacam-se seus titulares, seus
respectivos anos de formação, os principais arquitetos atuantes e o período de
atuação dos mesmos, dentre outras de menor porte
136
.
132
RIBEIRO, Demétrio. IN: XAVIER, Alberto & MIZOGUCHI, Ivan. Arquitetura moderna em Porto
Alegre. São Paulo: Pini, 1987, p. 26.
133
WEIMER, Günter. Arquitetura Modernista em Porto Alegre entre 1930 a 1945. Porto Alegre:
Unidade Editorial. Porto Alegre, 1998.
134
WEIMER, Günter. A fase historicista da arquitetura no Rio Grande do Sul. IN: FABRIS, A.T. (org.).
Ecletismo na arquitetura brasileira. São Paulo: Nobel/Ed. Da USP, 1987. p. 277.
135
MACHADO, Nara Helena Naumann. Modernidade, Arquitetura e Urbanismo: O Centro de Porto
Alegre [1928-1945]. Porto Alegre: PUC/RS, 1998. Tese [Doutorado em História do Brasil] – Instituto
de Filosofia e Ciências Humanas da PUCRS, 1990, p. 177.
136
Azevedo Moura & Gertum (1924) de Fernando Azevedo Moura e Oscar Gertum (formados em
1920 e 1922), cujos arquitetos foram Egon Weindörfer (fins de 1928 a 1956), Fernando Corona (a
partir de 1926), Agnello de Luca (de 1928 a 1930) João Antônio Monteiro Neto (de 1936 a 1940),
Arnaldo Gladosch e Guido Trein; A. D. Aydos & Cia Ltda (1927) de Adalberto Dubois Aydos
(diplomado em 1924), os arquitetos eram Franz Filsinger (1928 a 1934), Adolf Siegert, Vitorino Zani (a
partir de 1930), além do já citado Corona; Dahne, Conceição & Cia. (1928) de João de Abreu Dahne
e Laury Antunes Conceição, (formados em 1907 e 1920), cujos arquitetos eram Erich Wilhem Erwin
70
A existência de um vasto campo de trabalho encontrado no interior e nas
intendências e, posteriormente, nas prefeituras do interior gaúcho foi fator
importante para o deslocamento de vários profissionais ligados aos melhoramentos
necessários às localidades em desenvolvimento urbano. Corroborando para essa
contextualização, cabe assinalar “que a partir de 1900 começaram a ser formados
profissionais capacitados a equacionar os problemas propostos e que haveriam de
encontrar amplo apoio na Secretaria de Obras Públicas e nas intendências
municipais
137
.
A origem dessa reciprocidade entre o poder público santo-angelense e as
escolas superiores da capital remonta à virada do século XIX para o XX, quando a
intendência de Santo Ângelo chegou a receber pedido de ajuda de custo para a
construção do prédio para a Escola de Engenharia de Porto Alegre. Pedido que fora
recusado devido aos recursos que eram escassos
138
.
A parceria entre o poder público e as empresas de construção era comum
nessa época durante a República Velha quando a demanda de trabalho era grande
em todos os setores. Além da intensa participação dos profissionais nas
intendências durante o período pré-1930, após a regulamentação das profissões,
esses profissionais passariam a dominar a esfera da iniciativa privada através da
criação de suas empresas construtoras, a partir do credenciamento, pagamentos
das taxas e cumprimentos das exigências do recém criado sistema Confea – CREA.
Brandt (de 1927 a 1946) e Gottfried Otto Paul Krueger; e Haessler & Woebcke (1928) de M.L. Alfred
Haessler e Ernesto woebcke, (o primeiro se formou na Escola de Engenharia de Munique, o segundo
graduou-se em 1920) na qual trabalhou o já citado arquiteto Franz Filsinger (de 1933 a 1939). Ver:
MACHADO, Nara Helena Naumann. Op. Cit. p.177 e 226; HASSEN, Maria de Nazareth Agra. Escola
de engenharia /UFRGS: um século. Porto Alegre: Tomo Editorial, 1996, p.3-10; WEIMER, Günter.
Arquitetos e Construtores no Rio Grande do Sul, 1892-1945. Santa Maria: Editora UFSM, 2004; e
WEIMER, Günter. A fundação do CREA e os arquitetos. Projeto, São Paulo, no. 67, setembro de
1984, p. 115-116.
137
WEIMER, Günter. (Org.). Urbanismo no Rio Grande do Sul. Porto Alegre, EDUFRGS,1992, p. 98.
138
Na 8
a
.Sessão Ordinária de 05 de agosto de 1898. Referentes aos dois ofícios de auxílio: um para
o término da Igreja da Matriz e outra para a obra da construção do edifício destinado a Escola de
Engenharia, fundada na capital do Estado. O primeiro pedido contou com 500 mil réis. Com relação
ao segundo declarou-se que o município não poderia fornecer o devido auxílio. Registro de Atas do
Conselho, 1898 – 1915, folha 6.
71
O mercado de Santo Ângelo era promissor, pois em 1929 de acordo com
Relatórios, em todo território santo-angelense havia seis engenheiros, destes,
apenas um na sede do município
139
.
A partir da década de vinte, é que se percebe uma contribuição maior por
parte de especialistas devido a maiores demandas da localidade, assim formou-se o
Escriptorio de Engenharia, cujo responsável era Alexandre Martins da Rosa
140
. No
entanto, seus trabalhos em Santo Ângelo só não foram adiante devido a problemas
de ordem pessoal.
141
A exigência de um corpo técnico capaz de suprir as novas necessidades de
uma vila de Santo Ângelo em intenso crescimento e deficitária de serviços de
urbanização não era pouca, especialmente no quesito de saneamento e infra-
estrutura urbana.
Para o lugar de Martins da Rosa, assumiu José Carlos Medaglia
142
que foi
convidado pelo Prefeito na época a participar da administração municipal, ao
139
Referente ao grupo atuante no município de Santo Ângelo, até o momento sabe-se de: Alexandre
Martins da Rosa, José Carlos Medaglia e João de Abreu Dahne, este chefe da Comissão de Terras
de Santa Rosa ao substituir o engenheiro Octavio de Campos Monteiro.
140
Engenheiro civil, formado pela Escola de Engenharia de Porto Alegre, em 1916.
141
Engenheiro a trabalho pela Intendência, só não continuou os trabalhos na villa devido a um
problema pessoal com seu ex-sócio de escritório. “Em fins de 1925, Carlos Weck teria feito
comentário (s) desabonatário (s) à conduta e honra do Engenheiro Alexandre, seu ex-sócio. O fato
teria chegado, através de terceiros, ao conhecimento do Dr. Martins da Rosa, que se sentiu ofendido,
injuriado. Daí em diante surgira séria desavença entre ambos”. Fato que por fim culminaria no
homicídio de Weck, através de disparo por parte de Rosa em início de 1926. Ver: BINDÉ, Wilmar
campos. Santo Ângelo: Terras de muitas Histórias. Santo Ângelo: Impressão Multicor, Ijuí, 2006,
p.300-301.
142
José Carlos Medaglia nasceu em 19 de março de 1907 em Porto Alegre. Filho de Rocco Medaglia
e Magdalena Medaglia. Em torno de 1895, recém casados, deixaram o sul da Itália, onde moravam,
na província de Cosenza, na pequena cidade de Morano Calabro. Na capital gaúcha o Sr. Rocco
Medaglia possuía uma loja de calçados finos a "CASA MEDAGLIA", na Rua dos Andradas; sua
esposa sempre foi dona de casa. Tiveram os filhos: Thereza, Corintha, Marieta, Francisco e José
Carlos. Magdalena faleceu em 1910. Rocco foi casado em segundas núpcias com Aurora Medaglia e
faleceu em 1918. José Carlos Medaglia fez seus estudos no Ginásio Anchieta e Colégio Alemão
(atual Júlio de Castilhos), concluindo este último em 1922. Em seguida exerceu atividades no
comércio, por ter de aguardar vaga que lhe concedera o Governo do Estado para o Curso de
Engenharia. Em 1924 entrou na Escola de Engenharia, e formou-se em 1929. No ano seguinte
defendeu a “tese” de diplomação com trabalho sobre a canalização do Riacho Ipiranga, trabalho que
recebeu nota máxima. Durante o curso, em 1926-1927, como estudante, organizou a Empresa de
Viação Rápida Porto Alegrense, passando em fins de 1928, após a encampação dos ônibus pela
Companhia Carris, a exercer atividade na Companhia Telefônica Rio Grandense. Ainda como
estudante, trabalhou na Prefeitura de Porto Alegre, onde, como auxiliar de engenheiros como Abreu
Lima, Pereira Neto, Fernando Pereira e Clóvis Pestana ajudou nas obras da Av. Borges de Medeiros,
na construção da estrada Porto Alegre - Belém Novo, contribuiu na construção das chapas de
concreto das radiais da Capital e outras. Sabe-se que Medaglia participou de uma concorrência
aberta pelo Governo do Estado em 1929 para a elaboração de projetos de prédios escolares.
Segundo seu depoimento ao jornal de Santo Ângelo, o projeto foi classificado em segundo lugar.
72
tornar-se Diretor da Seção de Obras da Prefeitura de Santo Ângelo, setor que
ajudou a criar. Trabalhou na iniciativa pública de 16 de julho de 1930 a 27 de
janeiro de 1938, período que conferiu ares de transformações à vila de Santo
Ângelo
143
Assim, Santo Ângelo passou a contar, inicialmente com um engenheiro
municipal capaz de solucionar os problemas de urbanização da vila. Em seguida,
também passou a contar com o empresário da construção, a partir da criação e
constituição da empresa em sociedade com outras pessoas ligadas a esse meio.
Em 30 de junho de 1932, fundava-se a Construtora Santo Angelense Ltda
144
. O
intenso trabalho como engenheiro municipal, passou a ser dividido com a conquista
das obras de edificações das quais Medaglia se tornou o responsável técnico pelos
projetos e execução. No que diz respeito ao setor privado, pode-se afirmar que a
atuação da firma Santo Angelense Ltda, contribuiu de maneira importante na
transformação da vila em um espaço mais urbano.
145
Abaixo, transcreveu-se trechos, como estavam escritos no folheto
promocional desta empresa da construção.
Nota-se por essa propaganda da firma de fevereiro de 1934, que a
promoção e o beneficiamento da mesma em decorrência da regulamentação na
área da construção civil e a facilitação ao acesso a uma moradia melhor através do
financiamento habitacional, não podem ser descartados.
Também concorreram a Companhia Constructora Sul Brasil; o engenheiro arquiteto Ernani Corrêa;
Dahne, Conceição e Cia, engenheiros construtores e Azevedo Moura e Gertum, Engenheiros
Construtores. Ver: DIÁRIO DE NOTÍCIAS, Porto Alegre, de 02.05.1929. CONHEÇA ESTE NOVO
SANTO-ANGELENSE, Jornal: A Tribuna, Edição Especial, Santo Ângelo de 25.07.1973, s/p. 50
ANOS DE FORMATURA DO ENGENHEIRO MEDAGLIA, Jornal A Tribuna Regional, Santo
Ângelo,15.12.1979. Seu registro no CREA-RS é 426, e sua carteira 194-D
143
Essas mudanças revelam um profissional preocupado principalmente com as questões de
insalubridade e de conforto. Em conversa com a engenheira civil, filha do Sr. Medaglia, a Sra. Cláudia
Medaglia, comentou um fato vivido por seu pai durante seu trabalho em Santo Ângelo décadas atrás.
De que ele após ter chegado a Santo Ângelo, verificou que as pessoas não sabiam o que era ter
banheiro dentro de casa. Depoimento ao autor em 24 de julho de 2006, em Porto Alegre-RS.
144
O contrato social foi arquivado na Junta Comercial do Estado em 4 de Agosto de 1932, sob
número 23.490.
145
Pode-se afirmar que esteticamente houve uma arquitetura vinculada ao trabalho da firma na
cidade de Santo Ângelo. É evidente a transformação plástica proporcionada pela mesma nos seus
mais diversos graus de inovação e particularidades de projeto. Esta nova estética determinada pelo
pioneirismo da firma vai até o momento em que a mesma começou a dividir espaço com outras
organizações que iniciavam seus trabalhos em Santo Ângelo, na década de 1950.
73
Na introdução:
Dispense-nos, 5 minutos, de seu precioso tempo; não será perdido, pois,
LENDO COM ATTENÇÃO ficará sabendo que, SOMENTE, a Constructora
Santo Angelense Ltda. está habilitada a construir, a sua casa, em
condições REALMENTE VANTAJOSAS para v. s..
Nesta propaganda da firma, pode-se perceber uma das maneiras de captar
o trabalho:
Em nosso escriptório, à Rua Antunes Ribas, n° 34 encontrará V.S. quem
lhe prestará maiores esclarecimentos, bem como executará
GRATUITAMENTE, sem compromisso algum o projecto e orçamento de
sua casa”.
A quantia de obras feitas até aquele momento era também utilizada para
divulgar os serviços da recém-criada firma
146
. E, percebe-se claramente a intenção
de divulgar uma novidade em prol da transformação da localidade:
As construções que executamos, em ESTILO MODERNO, obedecem aos
últimos requisitos da technica constructiva, concorrendo de fórma
insuperada, para o progresso dessa localidade.
Essa construção e inovação urbana pela edificação, vinculando-a ao
desenvolvimento mais amplo, indicam a intenção de transformação que havia na
época, apoiada pelo poder público, ao regulamentar leis a favor desse projeto de
cidade, assimilado pela sociedade que poderia aderir ao mesmo.
Nesse sentido, na facilitação do pagamento da casa própria, nota-se que:
Nosso systema de financiamento, NÃO TEM SIMILAR, no Rio Grande do
Sul. Pois, construímos, IMMEDIATAMENTE a sua casa, apenas com o
pagamento da TERÇA PARTE do seu valor. O restante poderá pagar em 72
PRESTAÇÕES mensaes (6 annos), de valor egual ao respectivo ALUGUEL.
O folheto, além de trazer outros aspectos, ressalta as vantagens da nova
habitação:
Ilmo. Chefe de Família.
A sua maior aspiração é, naturalmente, possuir uma CASA
PRÓPRIA, que proporcione aos seus, CONFORTO, HYGIENE E BEM
ESTAR.
Pois bem, a CONSTRUCTORA SANTO ANGELENSE LTDA,
oferece essa oportunidade.
NÃO PERCA – Temos projectos para todos os preços e gostos.
146
62 prédios. Número que possivelmente deve ter sido acrescido por algumas obras feitas através
da Prefeitura ou anteriores à fundação da mesma, já que pela listagem da firma, este número em
início de 1934 chega a um quarto do divulgado.
74
Em Santo Ângelo, o mercado da construção civil não era unicamente da
firma, mas era dividido com outros construtores locais.
No Livro de Registro de Construções da Prefeitura Municipal de Santo
Ângelo (1933-1943) pode-se visualizar que no mercado local da construção existiam
por volta de quarenta profissionais
147
. Nesse período, a imensa maioria dos
trabalhos feitos em Santo Ângelo teve a presença da Construtora Santo Angelense
Ltda.
A hegemonia dessa empresa é bem mais ampla e se estende às
edificações de maior porte. Apenas essa firma construiu edificações com mais de
um pavimento em um período de dez anos. Aspecto que demonstra o domínio do
mercado por parte da mesma era absoluto e, para a qual ficava a fatia das principais
edificações da localidade.
Muitos dos construtores inclusive viriam a trabalhar para esta construtora
como empreiteiros e, dentre estes existiam vários imigrantes, italianos, poloneses,
alemães, espanhóis, tchecos e russos.
148
Quanto à produção da construtora Santo Angelense Ltda, pode-se afirmar
que no ano de 1933, verificou-se mais de um projeto por mês; no ano seguinte,
houve um decréscimo, embora ainda mantivesse uma boa média mensal. Contudo,
nos três anos seguintes essa tendência de decréscimo, vista também em 1935,
inverteu-se. Nesse segundo triênio, 1936, 1937 e 1938, foram feitas mais da metade
das obras no período. O ponto de inflexão em todo o período de estudo é o ano de
1939, quando se construiu mais que o dobro do ano anterior. Nos anos seguintes, a
produção edificatória oscilou entre decréscimo e crescimento do número de
147
Neste sentido, lista-se instaladores, pedreiros, marceneiros, etc. Cabe ressaltar a atuação do
construtor Guilherme Obermeyer, carteira no CREA número 419, com aproximadamente 127
trabalhos como destaque, atrás apenas da Construtora Santo Ângelense Ltda, no período. Esta com
396 trabalhos. Deve-se mencionar de que esta lista não estava completa e de que foi considerado
como obras inclusive “instalação sanitária” e “aumento” dispostas na listagem da Prefeitura como
trabalhos independentes, estes por vezes ocorridos na mesma edificação, mas em períodos
diferentes.
148
Ao nível de registro, segue alguns dos representantes dos executores das obras da Construtora
Santo Angelense Ltda na época em estudo, os quais devem ter sido diversas centenas. Cada
empreiteira tinha aproximadamente de cinco a sete empregados. Alguns empreiteiros eram: Pedro
Teixeira da Rosa, Hector Mac Onell, Manoel Antão Penedo, Riodante Cogo, José Quirino dos
Santos, Augusto Erns, Fernando de Simon, Julio Ludwig, Guilherme Obermeyer, José Bombassaro,
Luiz Zerial, João Martins Corrêa, Adolfo Rosenbaum, José Giacometti, Alcindo Fontoura Pereira,
Gino Menegon, José Ludwig Mueller, Germano Neumann, Humberto Marenzi e Max Gottardt
Schindler.
75
construções, mas com a considerável média de aproximadamente duas edificações
ao mês. Destaca-se os anos de 1941 e 1942 como período intenso de construção e
1943 o ano em que menos se edificou. (Fig.15)
Figura 15 – Número de projetos ao ano feitos pela construtora Santo Angelense Ltda
Às vésperas da Segunda Grande Guerra, houve uma mudança significativa
na maneira de funcionamento da firma, concomitantemente à intensa demanda por
novas habitações. Iniciou-se um processo de intenso aquecimento da construção
civil em Santo Ângelo, o que exigiu uma nova organização da Construtora Santo
Angelense Ltda.
Assim, profissionais foram contratados, surgindo outras atividades e novas
áreas dentro da firma enquanto organização empresarial, proporcionando à mesma
uma maior produtividade frente às novas demandas. Essa distinção de funções
acarretou, conseqüentemente, uma resposta efetiva e qualificada ao crescente
volume de trabalho que aparecia para a mesma. Neste novo formato empresarial,
diversificada em setores, deve-se destacar a área de projetos, na qual o ingresso à
convite de Medaglia
149
, do arquiteto Siegfried Bertholdo Costa
150
foi decisivo para o
149
Segundo depoimento de Siegfried Bertholdo Costa ao Professor arquiteto Günter Weimer em 16
junho de 1984. Entrevista cedida gentilmente pelo Professor Weimer ao autor do presente estudo.
150
Siegfried Bertholdo Costa “nasceu a 13 de maio de 1911, em Estrela, como filho do fabricante de
sabão austríaco Josef Hermann Theodor Costa e de Mina Auguste Wegel Gastel, de Nova
Petrópolis. Em 1926, terminou o secundário na Hilfsvereinschule de Porto Alegre (atual colégio
Farroupilha), passando então a preparar-se para ingressar em curso superior na Alemanha. Fez um
estágio com Theo Wiederspahn que consistiu em trabalhar como servente, pedreiro e carpinteiro
durante um ano, na obra do Hotel Majestic e, depois, praticar mais um ano como desenhista, no
escritório, sob severa orientação de Franz Filsinger. Em 1929, ingressou na Hoehere
Landesbauschule (Escola Superior Estadual de Construção), em Darmstadt, Alemanha. [...] A
excelência das notas obtidas por Costa deve ter despertado a simpatia do Prof. Jean Hubert Pinand,
que o levou para Mainz, após a conclusão do curso, a fim de fazer uma pós-graduação [...]”
76
desenvolvimento da mesma.
151
A conquista de novos mercados em outras cidades
do noroeste do Rio Grande do Sul igualmente em expansão, era uma questão de
tempo. É nessa época que entrou para agregar à construtora em expansão, Rudá
Rockenbach
152
, inicialmente no setor de escritório e depois como desenhista,
quando a demanda por projetos crescera.
Deve-se também ressaltar a participação de diversos engenheiros formados
na Escola de Engenharia de Porto Alegre, que, com o tempo, passariam a ser os
responsáveis técnicos pelas filiais da construtora em outras localidades.
Na imprensa estadual da época pode-se verificar a grande amplitude da
atuação da firma em diversas reportagens. Dentre estas, pode-se citar a do jornal
Diário de Notícias, de 10 de Novembro de 1940, cuja manchete era: “O Progresso
de Santo Ângelo Atestado na Imponência de seus edifícios”.
Além de várias fotografias das edificações feitas pela Construtora Santo
Angelense Ltda até aquela época, esta reportagem trás que a empresa, enquanto
organização em crescimento, produzia as edificações com 70% de material próprio,
através da sociedade com pessoas diretamente vinculadas às áreas da construção.
A reportagem comenta a importância dessa firma para a cidade de Santo
Ângelo e a referência da atuação da mesma enquanto sinônimo de
desenvolvimento:
Organizada por esta inteligente forma a Construtora foi,
indubitavelmente, o fator máximo na obra de transformação de Santo
Ângelo que, de pequena vila alcançou rápido a posição de grande cidade,
porquanto, por seu facílimo sistema, já construiu, 148 modernos prédios, e
tem em projetos e estudos cerca de outros 100.
O surto renovador proporcionado pela Construtora em Santo
Ângelo serviu para entusiasmar elementos de projeção no comércio e
especialização em urbanismo e edificações governamentais, na Kunst und Gewerbeschule (Escola
de Artes e Ofícios), na qual obteve a nota máxima. Em 1933, voltou a Porto Alegre [...] onde
trabalhou com o arquiteto Franz Filsinger e com o engenheiro Karl Hartmann. Seu registro no CREA-
RS é 6095. Ver: WEIMER, Günter. Arquitetos e Construtores no Rio Grande do Sul, 1892-1945.
Santa Maria: Editora UFSM, 2004, p.48. WEIMER, Günter.Op. Cit., 1986.
151
Siegfried Bertholdo Costa realizou seu primeiro trabalho pela Construtora Santo Angelense Ltda
em 28 de junho de 1938, com data de Santo Ângelo. Trata-se de um projeto residencial em São Luiz
Gonzaga para o Henrique Thimóteo da Rosa, possivelmente antes de formalizar seu trabalho na
firma.
152
Rudá Rockenbach, foi desenhista da Construtora Santo Angelense Ltda. Filho de Pedro Alberto
Rockenbach e Elvira Fleck Rockenbach. Nasceu em Lajeado a 11 de setembro de 1921. Entrou na
construtora como office boy em maio 1941. No período deste estudo, verificou-se que sua
contribuição na área de projetos ocorreu especialmente na graficação de desenhos de projetos
estruturais a partir de meados de 1942.
77
indústrias, as vizinhas cidades de Ijuí, São Luiz e Cruz Alta, que
convidaram o Dr. José Carlos Medaglia, e com este e sob sua direção
organizaram idênticas sociedades.
Foram assim fundadas em 1937 a Construtora Ijuiense, em 1938
a Construtora Cruz Altense e no corrente ano a Construtora São Luizense.
Estas quatro sociedades estão construindo uma média de
UM PRÉDIO PARA CADA DOIS DIAS
O benefício que tais organizações tem trazido às cidades de suas
atividades não se limitam em facilitar a construção do LAR PRÓPRIO, mas
também tem tornado possível a execução de várias obras de assistência
social [...]
Quanto ao escritório, é comentado na reportagem sobre o trabalho feito na
matriz, cuja sede ficava em Santo Ângelo:
Os escritórios centrais das quatro empresas, dirigidas pelo Dr.
José Carlos Medaglia estão localizados em Santo Ângelo e contam com o
concurso de competente profissional arquiteto.
Na visita que ali fizemos verificamos quanto é intenso o trabalho,
pois é elaborado cerca de um projeto por dia, com todos os detalhes,
plantas, cálculos de resistência, orçamentos e especificações.
Em 02 de janeiro de 1945, a Construtora Santo Angelense Ltda, tornou-se
Construtora Medaglia Ltda e, posteriormente, Construtora Medaglia S.A. em 1947,
sendo que, alguns profissionais da mesma, dentre outros, tornam-se acionistas da
empresa.
153
No que diz respeito ao material de construção das edificações utilizado pela
firma Santo Angelense Ltda, deve-se relevar a utilização do concreto armado,
material de uso recorrente nos dias atuais, mas que representou na época uma
inovação, apresentada nas formas diferenciadas das edificações. Os materiais,
quando não eram produzidos em Santo Ângelo, provinham de diversos locais.
154
Esses dados evidenciam a intensa mudança local em uma época que o
tecido urbano Santo-angelense ocupado, era resumido a algumas quadras e
edificações em geral térreas. Portanto, a densificação e transformação da vila em
um verdadeiro canteiro de obras
155
era real através do aumento da construção e
concentração destas edificações com dois pavimentos. A totalidade destas
153
Na Relação dos Acionistas da Construtora Medaglia S.A. de 19 de agosto de 1948. Nessa época
havia 82 acionistas com um total de 4.500 ações. O acionista majoritário era o Sr. José Carlos
Medaglia com 2.150 ações. Dentre os dez maiores acionistas e o número de ações, tem-se: Além de
Medaglia, Humberto Marenzi (400), Natalino Anzanello (200), Gilfredo Oto de Camillis (30), Hélio
Costa Meira (150), Dante de Vit (150), Siegfried Bertholdo Costa (100), Ângelo Botton (100),
Próspero Gabriel David Pippi (100) e Vitório Dalmas (100).
154
Tijolos, madeiras, areia e cal eram provenientes do local; cimento e ferros vinham de São Paulo e
Porto Alegre, respectivamente.
155
É recorrente a reclamação por parte da fiscalização do CREA, pela falta de placas nas obras.
78
construções foi feita em tijolos e concreto definindo novas paisagens para Santo
Ângelo da Era Vargas.
O desenvolvimento de Santo Ângelo confunde-se com a consolidação da
própria construtora. Se inicialmente era uma organização constituída em um grupo,
praticamente familiar, e que respondia às necessidades da vila, em um momento
seguinte, em fins da década de 1930, quando a vila é elevada à categoria de
cidade
156
é que se percebe a iniciativa concomitante e a busca por mudanças de
objetivos em vistas ao mercado que se aquecia. É quando se organiza a divisão do
trabalho enquanto empreendimento empresarial mais especializado e estruturado em
áreas distintas. Essa máquina de construir pode ser visualizada no montante
financeiro
157
que gerou à época e quando foi capaz de suprir a intensa demanda
urbana e social cada vez mais sofisticada.
Foi através do desenvolvimento econômico da localidade e de sua
sociedade, que se tornou possível a atuação da referida firma construtora, enquanto
meio supridor e viabilizador das novas necessidades e desejos de um novo tempo,
cujo destaque foi a densificação urbana durante o Estado Novo.
156
Pelo decreto de 31 de março de 1938, Santo Ângelo recebe a denominação de cidade.
157
A importância da construtora Santo Angelense Ltda, ao nível municipal pode ser visualizada pela
riqueza movimentada através dos trabalhos prestados na localidade e a relevância da mesma na
economia de Santo Ângelo frente a grande demanda existente na época. Valendo-se de um folder
comemorativo aos 45 anos da firma, em 1977, o qual contém gráfico quantitativo das obras e a
movimentação financeira referente ao período, pode-se atualizar os dados, tendo-se por base o
índice de correção de inflação da Folha de São Paulo até 1942. Após, usado o índice Fipe, para a
Cidade de São Paulo, de acordo com a calculadora do Banco Central para atualização destes
valores, tem-se no período de 1932 até 1945: Cr$ 61.230.769,22. Quantia que correspondente na
atualidade a R$ 55.023.486,39, dado referente a maio de 2008 e calculado pelo economista Celso
Pudwell.
79
3. SANTO ÂNGELO EM FORMAÇÃO
Nesse capítulo, é analisada a forma urbana de Santo Ângelo a partir do
traçado de e sua estrutura fundiária em diferentes momentos: inicialmente em 1898,
em 1924 e em 1940.
Pode-se identificar duas situações integradas no desenvolvimento de Santo
Ângelo durante a primeira metade do século XX: uma bipolarização urbana e uma
conformação arquitetônica. Estas se relacionam com as pré-existências, pois “a
estrutura dos fatos urbanos faz com que as cidades sejam distintas no tempo e no
espaço”.
158
A questão da história da localidade pode ser transposta para o plano do
espaço urbano que foi produzido em Santo Ângelo durante a primeira metade do
século XX, mas, especialmente entre 1930 e 1945. Nesse sentido, o grande
contingente imigratório para Santo Ângelo, bem como a diversidade étnica, podem
ter influenciado na criação e configuração de espaços urbanos distintos a ponto de
um ser identificado como ‘Brasil’ e outro identificado como ‘Alemanha’.
Segundo Lied destaca:
Embora a população antiga de Santo Ângelo fosse construída quase só de
descendentes germânicos, há muito não se ouvia falar mais o idioma
alemão porque as novas gerações só se utilizavam da língua nacional. Isso
foi parcialmente modificado após a linha férrea: pelo trem começaram a
chegar os novos descendentes de alemães [...] todos se estabelecendo
para ‘os lados da estação’ onde se começou a formar um novo núcleo
comercial no qual a língua alemã era comumente utilizada. Esse núcleo –
cognominado ‘Alemanha’ – se expandia até a rua 25 de julho; ao sul desta
rua a velha Santo Ângelo era chamada de ‘Brasil.
159
O que se entende por arquitetura da cidade é o desenvolvimento e a
construção da cidade como uma arquitetura, portanto ligada à história, à geografia, à
estética urbana de um tempo. Logicamente, como em toda arquitetura há um sítio,
com suas confrontações e condicionantes naturais e legais.
160
158
ROSSI, Aldo. Op. Cit., p.63.
159
LIED, Arlindo. Minhas Reminiscências de Santo Ângelo. Ijuí: Michaelse Hass e Cia Ltda, 1973, p.
15.
160
Conforme o caminho seguido por Yunes na sua tese de doutorado, quando este teve acesso
apenas ao Decreto de agosto de 1897, que definia os limites e o “quadro da vila” de Santo Ângelo em
fins do século XIX. Portanto, o referido autor não teve a possibilidade de analisar o Mapa de 1898,
tendo assim de interpretar graficamente a legislação a partir da Planta da Villa de Santo Ângelo de
1924. O referido autor demonstra a importância das leis e atos dos intendentes e prefeitos na
determinação do espaço urbano.
80
O traçado urbano durante a República Velha foi o carro-chefe das
administrações com relação à urbanização da vila, pois foi com a determinação de
uma zona urbana, que se planejou um traçado, com a demarcação do sistema viário,
do parcelamento da terra e dos respectivos alinhamentos.
81
3.1. Bipolarização
Nesse processo histórico-evolutivo, identificam-se dois fatores decisivos e
fundamentais por sua capacidade de serem fatos contínuos e ininterruptos através
do tempo. Duas estruturas incidem suas influências no desenvolvimento urbano de
Santo Ângelo, durante o desenvolvimento da mesma em diversas escalas: a. os
restos jesuíticos (durante o último quarto do século XIX – um momento de expansão
radial) e; b. a linha férrea (com a chegada da linha férrea ocorre um momento de
expansão linear), ou seja, dois importantes fatos no desenvolvimento de Santo
Ângelo anteriores a 1930. (Fig. 16)
Figura 16 – Esquema da ocupação anterior à 1930
Como fatos urbanos têm-se nos vestígios jesuíticos e na implantação da
linha férrea a repercussão na forma da cidade, setorizadamente, e de grande
impacto em dois períodos distintos, cujas ocorrências, com relação ao
82
desenvolvimento de Santo Ângelo, proporcionam “uma leitura contínua da cidade e
da arquitetura, subentendendo uma teoria geral dos fatos urbanos”.
161
Aquelas estruturas, mais antigas ou mais recentes, são fatos urbanos, têm a
capacidade de serem “geratrizes” de caráter mental e material da cidade em
diferentes períodos, ligadas a significados e dimensões urbanas, além de permitirem
uma “leitura contínua da cidade e da arquitetura [...]” que tem nas suas
permanências através dos tempos a constituição da cidade em suas diversas
realidades formais.
3.1.1. Remanescentes jesuíticos: domínio e centralização
[...] a praça tem mais ou menos 180 passos em quadro e, além disso, ainda
existem algumas ruas.
162
[1821]
Sobre esses escombros começou a nova povoação aproveitando a planta
da antiga reducção
163
. [1860]
[...] várias casas do povoado do povoado foram inteiramente construídas
com o material da velha igreja. A praça que se estende diante dessas
ruínas, está cercada por elegantes construções [...]
164
[1877]
Sobre as linhas do traçado original jesuítico foi ordenada a re-ocupação do
povoado, que regeu a implantação edificatória na criação do novo tecido urbano
Santo-angelense durante a segunda metade do século XIX e início do XX.
A importância da ocupação da localidade compreende a localização do
conjunto de edificações, a definição de um espaço público e a elaboração de uma
identidade hierárquica entre os mesmos, enquanto embrião de um lugar e de uma
sociedade civil. Assim:
[...] o papel da forma física [...] não é supérfluo, mas fundamental, porque é
por meio dela que se concretiza o desempenho do espaço quanto a
expectativa colocada pelos que o freqüentam.
165
161
ROSSI, Aldo. Op. Cit., p. 33.
162
SAINT-HILAIRE, Auguste de. Viagem ao Rio Grande do Sul. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia, 1974, p.
156.
163
SILVEIRA, Op. Cit.p.224, ao referir-se à re-povoação de Santo Ângelo.
164
BESCHOREN, Maximiliano. In: TEIXEIRA, Júlia Schütz (org.) Impressões de viagem na Província
do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Martins Livreiro, 1889, 72.
165
KOHLSDORF, Maria Elaine. A apreensão da forma da cidade. Brasilia: Editora da UnB, 1996, p.22.
83
Na atualidade, o único registro urbano da redução de Santo Ângelo Custódio
é o plano feito por José Maria Cabrer
166
em fins do século XVIII, o qual não
corresponde na totalidade o que era a redução, embora mostre semelhança na
estruturação com outras reduções. Tratava-se de demarcação e tinha o intuito de
“indicar locais para os quartéis das tropas espanholas e portuguesas que faziam
parte da comissão demarcadora”.
167
Por outro lado, esse registro iconográfico demonstra o uso de uma idéia
padrão, ou seja, a adoção de uma “planta tipo” por parte dos jesuítas conformadas
nas formas urbanas das reduções
168
, inclusive na relação do desenvolvimento de
uma “ocorrência do modelo reticulado”
169
, na formação posterior do desenvolvimento
de Santo Ângelo, que:
[...] no seu núcleo original, atesta[m] um desenho urbano impecável de ruas
ortogonais e praça quadrangular, exatamente delineadas
que refletem em
volumes e espaços a idéia de sociedade.
170
As evidências dos vestígios e destroços deixados pelos jesuítas no sítio de
Santo Ângelo no século XVIII e a sua possível relação com a estrutura urbana
contemporânea foi, pela primeira vez, analisada cientificamente no início da década
de noventa, quando se procurou indicar as relações a partir da sobreposição do
levantamento de Cabrer e o tecido atual
171
(Fig. 16).
166
José Maria Cabrer, engenheiro, geógrafo e cartógrafo espanhol, “integrante da segunda comissão
mista encarregada de demarcar a linha de limites e as possessões espanholas [...] Esteve na região
entre 1784 e 1789, e deixou importantes registros iconográficos, dentre os quais seis planos de
reduções missioneiras, mapas e fortificações existentes na área”. Ver: CUSTÓDIO, Luiz A. B. A
Redução de São Miguel Arcanjo: Contribuição ao Estudo da Tipologia Urbana Missioneira.Porto
Alegre:UFRGS/ PROPUR, 2002, p. 113.
167
Segundo Nagel, o caráter fidedigno deste levantamento deve ser desconsiderado por se tratar de
uma “demarcação” dos limites feitos na época do Tratado de Santo Ildenfonso, em 1777.
NAGEL,
Liane. M. Op. Cit. p.75.
168
Conforme Custódio uma tipologia urbana missioneira, onde o autor analisa a repetição de um
padrão na ordenação da redução, de sua estrutura urbana compostas pelas edificações. CUSTÓDIO,
Op. Cit. p. 101.
169
Conforme Yunes, tipologia dos traçados reticulados. YUNES, Gilberto. Op. Cit., p.80 e 144.
170
MARX, Murillo. Op. Cit.p.34. Apud. SEPP, Antônio, Pater. Viagem às Missões jesuíticas e
trabalhos apostólicos.
171
Trabalho que fez parte do projeto “Pesquisas arqueológicas em assentamentos pré-históricos e
históricos na região (reduções jesuíticas) do médio curso dos rios Ijuí e Piratini”. Este realizado nos
Pátios do atual Museu Municipal, revelou a existência de uma estrutura de pedras irregulares, rente a
uma parede da edificação do Museu, parecida com as utilizada nos alicerces de paredes de casas
indígenas da Redução de Trinidad no Paraguai o trabalho de prospecção de algumas paredes
revelaram serem compostas de pedras itacuru, portanto material da antiga redução de Santo Ângelo
Custódio. Trabalho realizado pelo Núcleo de Arqueologia da Universidade Regional Integrada em
parceria com a Prefeitura Municipal de Santo Ângelo - Museu Municipal – sob a coordenação do
arqueólogo Giovani Scaramella e equipe, em 1993. Ver: PIPPI, Gladis. História Cultural das Missões
Memória e Patrimônio Porto Alegre: Martins Livreiro, 2005, p. 87-90
84
Figura 17 – Sobreposição dos tecidos do século XVIII e XX
FONTE: YUNES, 1995.
Ao aproveitar a estrutura urbana existente, o traçado da nova vila manteve a
dimensão aproximada da praça da redução que servia como diretriz para o desenho
das ruas e para a repovoação aos arredores da mesma, onde se estabeleceram os
pioneiros da freguesia com a construção das primeiras casas nos primeiros
momentos de ocupação da área em uma situação aproximada, conforme demonstra
Yunes
172
(Fig.18).
Figura 18 – Localização das primeiras ocupações da área
FONTE: YUNES, 1995.
172
YUNES, Gilberto. Op. Cit., p.132-135.
85
Pode-se destacar o atual Museu Municipal de Santo Ângelo, antiga
residência de Bernardo José Rodrigues, depois pertencente ao seu filho Ulysses
Rodrigues, construída, entre 1870 e 1880
173
na qual se constata, atualmente, a
utilização das pedras da antiga redução jesuítica no auxílio da materialização da
freguesia na época (Fig. 19).
Figura 19 – Antiga residência de Ulysses Rodrigues.
Atual Museu de Santo Ângelo
FONTE: AHMACPS
Em trabalho recente, ratificou-se essas sobreposições dos diferentes tecidos
urbanos de maneira específica nos arredores da catedral, e que trouxe à tona
diversos remanescentes, dentre os quais as fundações leste e oeste da antiga igreja
jesuítica
174
. Estes serão abordados adiante.
A organização territorial jesuítica influenciou na determinação da estrutura
de Santo Ângelo em seus aspectos urbanos. O padrão urbano jesuítico serviu de
base, não apenas na ocupação do traçado, mas na idéia de espacialização das
principais edificações, da conformação do tecido urbano de Santo Ângelo em
diferentes épocas.
É perceptível a reprodução do espaço urbano influenciado pelo anterior e
suas sucessivas sobreposições. Na determinação da localização das sedes dos
poderes: religioso, político-administrativo, contíguos entre si. Estes ocupavam um
lado da antiga praça jesuítica, ficando as demais edificações destinadas às
habitações localizadas no perímetro da praça, espaço público e elemento principal
173
Ver: PIPPI, Gladis. História Cultural das Missões Memória e Patrimônio Porto Alegre: Martins
Livreiro, 2005, p. 87-90.
174
Foi feito trabalho de prospecção e escavação arqueológica especialmente no entorno da Catedral
Angelopolitana. Ver: Programa de Acompanhamento e Monitoramento Arqueológico das Obras de
Modificação na Praça Pinheiro Machado e Catedral Angelopolitana, em Santo Ângelo-RS:
redescobrindo as ruínas arqueológicas da redução de Santo Ângelo, 2007. Trabalho orientado pela
arqueóloga Raquel M. Rech, em conjunto com o Núcleo de Arqueologia da Universidade Regional
Integrada.
86
na ordenação do conjunto. A localização da sede da intendência, depois da
prefeitura, e das sucessivas igrejas, tem uma importância representativa pelo seu
posicionamento, pela imponência física e pelas atividades diferenciadas, das demais
habitações (Fig. 20, 21 e 22).
Figura 20 – Vista da Praça Pinheiro Machado, 1900
FONTE: AHMACPS
Figura 21 – Vista do espaço da Praça Pinheiro Machado. Início século XX
FONTE: AHMACPS
Figura 22 – Sede da Intendência e a Igreja da Matriz. Início da década de 1920
FONTE: AHMACPS
87
A estrutura urbana proveniente das pré-existências jesuíticas determinou
uma identidade nessa parte da localidade diferenciada da restante. Um espaço de
significado e, ao mesmo tempo, símbolo do poder instaurado em novos moldes, de
uma freguesia. Não mais à maneira da Companhia de Jesus, mas originário de uma
nova sociedade que procurou plasmar e se auto-produzir em novas construções a
partir das pré-existências materiais.
Assim, os domínios representados pelas arquiteturas da freguesia, divergiam
a partir daquele centro histórico e núcleo regente de uma Santo Ângelo concêntrica.
Aspecto este refletido no desenvolvimento da forma urbana até o início da década
de vinte quando chega a linha férrea na localidade (Fig. 23).
Figura 23 – Ocupação de Santo Ângelo, 1898
FONTE: AHMACPS. Mappa da Villa de Santo
Ângelo, 1898. Interpretado do original por
KERBER, 2008
88
3.1.2. Linha férrea: conexão e transversalidade
Até a inauguração da linha férrea em Santo Ângelo, em 16 de outubro de
1921, a localidade possuía uma trama urbana vinculada às proporções do início do
século. A vida na vila baseava-se no perímetro imediato ao da antiga praça
jesuítica e arredores na metade sul. A partir dessa ligação e inserção na estrutura
ferroviária regional do estado do Rio Grande do Sul, a localidade se expandiu.
Houve a criação de um novo pólo urbano na vila (Fig. 24).
Figura 24 – Malha ferroviária parcial do Rio Grande do Sul
FONTE: CARDOSO; ZAMIN, 2002. Elaborado do original pelo autor, 2008.
A chegada do trem representava:
[...] o progresso, vinha os amigos, os parentes, os jornais, as
correspondências, as pessoas podiam viajar, era a ligação com a civilização
[...]
175
Destaca-se o encurtamento das distâncias conseguidas pela inserção do
trem pois,
“no rastro das ferrovias vinha uma série de melhoramentos urbanos como
iluminação, telégrafos, escolas, jornais, revistas, atividades políticas e
culturais, novas sociabilidades. As ferrovias, tornaram-se nessa fase
sinônimo de progresso e modernidade”.
176
175
De acordo com depoimento do Sr. Guido Emmel em 1990. Ver: Nagel Op. Cit., p.259.
176
CARDOSO,Alice; ZAMIM, Frinéia. Patrimônio Ferroviário no Rio Grande do Sul: Inventário das
Estações, 1874-1959. IPHAE: Secretaria da Cultura do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Pallotti,
2002, p.18. Ao nível de registro o telégrafo chegou a Santo Ângelo em 7 de janeiro de 1904,
conforme FINOKIET, Bedati. Arca da Memória: artigos sobre a história de Santo Ângelo. Santo
Ângelo: Gráfica Jornal das Missões, 2003, p.15.
89
Quando a linha férrea foi terminada, a trajetória da mesma seguia até as
proximidades do que seria posteriormente a via de ligação sul-norte. “A estação
ferroviária tornou-se então foco de convergência para a expansão da cidade em
nova direção: a direção norte”
177
(Fig. 25).
Figura 25 – Possível malha urbana de Santo Ângelo no início da década de 1920
FONTE: AHMACPS. Planta da Villa de Santo Ângelo., 1924. Interpretação do autor, 2008.
O trajeto da linha férrea foi feito pela Rua 14 de Julho, parte mais baixa, até
a Rua Marquês do Herval, que, pelas condições naturais e pelas proximidades do
centro administrativo, tornou-se local mais viável. Posteriormente foram instaladas
as dependências do Batalhão Ferroviário, destinadas à manutenção dos vagões,
na esquina das referidas ruas.
O que antes era um limite natural da vila, uma baixada, tornou-se com a
construção da linha férrea que percorria a Rua 14 de Julho, uma delimitação real. A
Rua 14 de Julho se diferenciou do restante da localidade a partir da década de
vinte, pois se tornou caminho paralelo à linha férrea e ligação direta à estação para
quem viesse do antigo centro. Evidenciou-se na forma urbana da localidade por ser
a única via diagonal da vila em um traçado tipicamente ortogonal e tornou-se limite
177
LIED, Arlindo. Op. Cit, p. 15.
90
de uma expansão contínua sul-norte da vila durante ao menos uma década (Fig.
26).
Figura 26 – Esquema dos limites e barreiras de crescimento
No entanto, concomitantemente, a localização da gare mais a nordeste do
batalhão ferroviário fez com que a vila tivesse, a partir do início da década de vinte,
um novo pólo, e daí tenha nascido uma expansão linear, cuja transposição do limite
dos trilhos teve de ser feita pela Rua Marquês do Herval, tornando-a a principal via
de ligação sul-norte. Além desta, destaca-se a Avenida Brasil, ambas relevantes na
densificação deste setor mais recente da via, a metade norte (Fig. 27 e 28).
Figura 27 – Cruzamento da Rua Marquês do Herval com a Rua 14 de Julho.
Vista Norte.
FONTE: AHMACP
91
Figura 28 – Avenida Brasil. Vista Leste, década de 1920.
Ao fundo á direita a estação do trem.
FONTE: AHMACPS
Pode-se destacar dois tipos de influência na ligação da linha férrea de
Santo Ângelo ao restante do estado: um a partir de 1915, e outro de influência
urbana a partir de 1921 com a inauguração da estação em área mais próxima do
cotidiano da vila.
Segundo Lied:
[...] o progresso de Santo Ângelo começou de fato somente depois de
1910, quando da chegada do primeiro trem. O local escolhido para a
estação ferroviária [...] não foi aprovado pela população por se situar muito
distante da vila.
178
Roche proporciona uma noção mais ampla deste processo:
[...] para que o Planalto começasse a ser realmente integrado no resto do
Rio Grande do Sul, foi preciso esperar a construção de uma via férrea
ligada à linha-tronco Porto Alegre –Uruguaiana. A grande linha de estrada
de ferro partiu de Santa Maria, tocando Cruz Alta em 1894, Passo Fundo
em 1900, Marcelino Ramos em 1910. Um ramal uniu Cruz Alta a Ijuí em
1911, a Santo Ângelo em 1915 e a Santa Rosa em 1940.
179
É nesse momento, no início da década de vinte, que se inicia mais
intensamente a transformação urbana em Santo Ângelo, caracterizada por maior
crescimento econômico, maior importância geopolítica e o desenvolvimento de uma
sociedade mais urbana. Esta será abordada a seguir.
178
Idem.
179
ROCHE, Jean. A Colonização Alemã no Rio Grande do Sul.
Porto Alegre, Globo, v.01, 1969, p. 63.
92
3.1.3. Formação do desenvolvimento urbano
A aproximação da linha férrea gerou um desenvolvimento demográfico e
econômico para Santo Ângelo, cuja riqueza foi proveniente do trabalho do imigrante,
da valorização venal das terras e da capacidade de escoação de uma produção
excedente do campo
180
.
Houve um crescimento demográfico da região em que Santo Ângelo estava
inserida. Segundo Roche:
Se considerarmos o conjunto da orla setentrional do Estado do Rio Grande
do Sul, última zona conquistada pela agricultura, veremos que, no que diz
respeito aos Municípios de Santo Ângelo, São Luiz Gonzaga, Santa Rosa,
Três Passos, Palmeira, Irai, Sarandi, Erechim, Getúlio Vargas e Marcelino
Ramos, a população passou de 175.312, em 1920, para 722.765, em 1950:
em 13% de sua superfície estão aglomerados 17% da população do Estado.
É um crescimento anormalmente rápido, visto que em trinta anos, a
população quadruplicou
181
.
Conforme Relatório da Intendência de Santo Ângelo
182
, quanto à população
do município, pode-se dizer que em 1890 era de 15.377 habitantes, em 1900 passou
a ser de 20.925; em 1920 a população dobrou para 42.142; em 1927 o número de
habitantes municipais cresceu para 62.211, e em 1930 atingiu aproximadamente
70.812 pessoas. Em 1940 havia no município 68.829, e em 1950 a população
municipal chegou a 89.601 habitantes
183
.
Com relação à zona urbana, que compreendia a vila, pode-se afirmar que
houve um aumento populacional a partir de fins do século XIX, um crescimento mais
acentuado a partir de 1915 e um salto demográfico a partir de 1920. A partir do final
dessa década de 1920 até 1940, a população de Santo Ângelo praticamente
dobrou.
184
(Tabela 01).
180
Segundo Roche: “Em Ijuí, o valor das terras dobrou no ano que se seguiu à inauguração da
ferrovia. Ainda bem recentemente, em Santa Rosa as vendas de terras acompanhavam o progresso
da construção da estrada de Ferro Santo Ângelo-Giruá: entre 1934 e 1936, passaram de 87.292 para
543.934 mil-réis, alcançaram mais do sêxtuplo em três anos. Embora Santa Rosa houvesse
permanecido pioneira, até 1940, para além da terminal da estrada de ferro, a colônia se desenvolveu
porque suas estradas de rodagem iam até a via férrea”. ROCHE, Jean. A Colonização Alemã no Rio
Grande do Sul. Porto Alegre, Globo, v.01, 1969, p. 63-64.
181
ROCHE, Jean. A Colonização Alemã no Rio Grande do Sul. Porto Alegre, Globo, v.01, 1969, p.
339.
182
Relatório Intendência 1929, p.19, 45-46.
183
Mesmo havendo uma queda no período de 1930 para 1940, não se pode esquecer o crescente
desmembramento do território municipal de Santo Ângelo, como o território de Santa Rosa. Portanto,
houve um aumento da população com relação ao território ocupado, este cada vez menor.
184
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censos Demográficos de 1940 a 2000, p. 19.
93
Tabela 01 – População de Santo Ângelo
FONTE: Dados compilados pelo autor 2006 a partir de Relatório
da Intendência de 1929 e censo demográfico do IBGE, 2000.
Esse crescimento demográfico do município de Santo Ângelo nas primeiras
décadas do século XX pode ser atribuído ao já referido fenômeno da enxamagem,
mas certamente também aos reflexos dos conflitos bélicos da Primeira e Segunda
Grande Guerra.
185
A capacidade econômica da região segundo Roche determinou que:
As colônias novas do Alto Jacuí, de Erechim, de Santo Ângelo, de Santa
Rosa conseguiram assim compensar seu afastamento de Porto Alegre e,
apesar da falta crônica de vagões e da elevação das tarifas, chegaram a
exportar mais, e a menor preço, que certas colônias da encosta da serra
186
.
Em Santo Ângelo, o desenvolvimento econômico da vila parte de um novo
contingente imigratório a partir de 1915
187
, mas principalmente a partir de 1921
quando o trem chega à área urbana da vila. A localidade estrutura-se social e
culturalmente com a especialização do trabalho e a introdução de costumes
diversificados, proporcionando um desenvolvimento urbano à mesma. Além dos
impostos e venda de terrenos, os rendimentos municipais estavam relacionados ao
185
Weimer demonstra a dificuldade dos teutos em manter seus estabelecimentos, os quais foram
invadidos e depredados na época (abril de 1917), sendo que “qualquer alemão corria o risco de ser
linchado na rua, fazendo com houvesse uma debandada para o interior”. WEIMER, Günter. A
Arquitetura Erudita da Imigração Alemã no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Edições EST, 2004.
p.112.
186
ROCHE, Jean. Op. Cit., p.64.
187
Em 1915 ocorre um aumento populacional não tão intenso, pois a linha havia chegado a território
Santo-angelense, na época povoado de Rio Branco, atualmente município de Catuípe,
aproximadamente a 30 km da área urbana de Santo Ângelo. Ver BINDÉ, Wilmar campos. Op. Cit.,
2006, p. 216.
94
grande crescimento da produção no campo. Em 1929, o excedente da produção
agrícola, pecuária e extrativa (madeiras e ervas), representou um montante duas
vezes maior que o rendimento dos quatro anos anteriores. O excedente que era
exportado tinha como produto mais significativo o da agricultura, pois ultrapassava
na maioria das vezes a soma dos rendimentos da pecuária e da extração.
188
No âmbito municipal, outros dados ajudam a se ter uma leitura mais
completa do perfil de Santo Ângelo, como o aspecto edificatório na totalidade,
composta por seus distritos, povoados e pela zona urbana. No município, pode-se
afirmar que perto de 80% das edificações eram construídas em madeira.
189
Quando se analisa somente a área urbana da vila, pode-se verificar que no
período de 1894 até 1915, construiu-se mais que 90% das edificações em tijolo na
vila. Após este período até 1929, o número de edificações construídas em tijolo caiu
para 57,63% .
190
Pontualmente, pode-se destacar três períodos no desenvolvimento
edificatório da Santo Ângelo: em fins do século XIX, a partir de 1915 e, em especial,
em 1924, quando houve a construção de 101 edificações na vila
191
. Portanto, se na
década de vinte houve uma densificação significativa, é fato que também começou a
proporcionar outra fisionomia à localidade, com a configuração da vila em acelerada
urbanização, equilibrou-se com uma maior presença de edificações construídas em
madeira.
192
(Tabela 02)
188
Relatório da Intendência 1929, p.65.
189
Relatório Intendência 1929, p.19
190
Ver: Relatório da Intendência 1929, p.19,
191
Relatório da Intendência, 1929. p. 19, 30.
192
Este fato pode estar atrelado ao intenso inchaço populacional em tão pouco tempo, gerando
portanto necessidade por habitações que requeriam uma tecnologia de maior rapidez de execução e
possivelmente de caráter provisório. Pode-se observar, em fotografias da época, que se construía
edificações, cujas fachadas eram feitas de material e o volume restante da casa em madeira.
95
Tabela 02 – Número de edificações em Santo Ângelo
FONTE: Relatório da Intendência, 1929.
Também a partir de 1915 começam a aparecer atividades urbanas com
serviços mais especializados, comércio e indústria na vila (alfaiatarias, açougues,
padarias, barbearias, sapatarias, selarias, entre outros). Houve um aumento destas
e do número de outras atividades, sendo que a partir de 1920, dentre aquelas já
citadas, cresceu o número de bazares, ferrarias, hotéis, farmácias e curtumes. No
segundo qüinqüênio da década de vinte, aparecem os cinemas, casas de saúde,
lojas de calçados, restaurantes, livrarias, casas de jóias, casas de bebidas, cafés e
confeitarias. A indústria tinha por base a produção familiar diretamente ligada ao
beneficiamento dos próprios produtos. O aprimoramento das manufaturas ocorre em
1928 com a indústria de fumo e a refinaria de banha. Havia outras como as fábricas
de cerveja, de caramelo, de massas alimentícias, de móveis, de “gazosas”, de café e
os engenhos de aguardente.
193
Portanto, a sociedade urbana como um todo se formava, surgindo órgãos
como a imprensa, as agremiações esportivas, os clubes sociais e os bancos.
O período de organização do Poder Público e de desenvolvimento
econômico era acompanhado pelo estabelecimento de instituições financeiras que
começaram gradualmente a fundar suas agências na cidade, tais como o Banco
Pelotense, em 1918, o Banco Nacional do Comércio, em 1920, o Banco da Província
em 1922, o Banco Popular em 1926 e o Banco Rural do Rio Grande do Sul, em
1929. O embrião urbano, com equipamentos e atividades voltadas ao uso coletivo,
começa a aparecer, como o cinema Apollo, a Livraria d’Missioneiro, o Deutscher
193
Relatório da Intendência, 1929. p.61.
96
Klub (Clube Alemão), a gare e os quartéis, entre outros. São edificações de
importância social, pois representavam entidades, estabelecimentos de significado
coletivo na vila. É quando surgem na localidade algumas arquiteturas ecléticas de
maior porte como o Clube Gaúcho, a Pharmacia Licht, o Hotel Avenida e o Palacete
Municipal (Fig. 29) no mesmo lugar do antigo prédio da Intendência de fins do século
XIX. Portanto, edificações com significativa representatividade de um projeto de
cidade, seja pelo programa urbano ou pelas escalas.
194
Figura 29 – Palacete Municipal, inaugurado em 1929.
FOTO: Rodrigo Fabrício Kerber, 2003.
Além das edificações citadas anteriormente, pode-se acrescentar, a
colocação da pedra inaugural da nova igreja da matriz, em setembro de 1929
195
.
Assim, a força representativa do núcleo fundador da localidade, na metade
sul, fazia-se presente em fins de 1929. Conforme os caminhos da vila e suas
peculiaridades:
As ruas principais e de maior transito [sic] são: Márquez do Herval,
Antunes Ribas e Marechal Floriano, no sentido Norte-Sul, que teem [sic] em
extensão no perímetro povoado, 1.584 metros, sendo cortadas n’esse [sic]
perímetro pelas tranversaes [sic] Barão de Santo Ângelo, Bento Gonçalves,
Antônio Manoel, 7 de Setembro, 14 de Julho, Missões, Avenida Brasil,
Andradas, Duque de Caxias, Tiradentes, Márquez de Tamandaré e Conde
de Porto Alegre.
194
Salvo maiores aprofundamentos, a configuração espacial urbana da vila Santo Ângelo durante a
República Velha, e especialmente durante a década de vinte, apresentava edificações habitacionais
cuja volumetria se restringia a edificações de um pavimento e caracterizava-se por uma
homogeneidade. São edificações com proporções coloniais, classicistas com o uso freqüente de
platibandas compostas por cimalhas (classicizantes) e elementos decorativos. Há exemplares mais
rebuscados de um ecletismo, possivelmente de origem germânica e francesa originários dessas
influências, mas que ainda necessitam maiores investigações. Em âmbito geral são edificações que
denotam as características das influências da ocupação do território santo-angelense, mas que no
todo são absorvidas por uma vila tipicamente constituída por habitações simples de um pavimento.
195
Idem. p.20. Pode-se destacar que a maior parte destas edificações, localizava-se nas proximidades
do centro histórico da vila.
97
Tem 5 praças – Pinheiro Machado, a mais central e ajardinada,
Rio Branco, Júlio de Castilhos, Coronel Bráulio e 20 de Setembro.
196
Percebe-se que o centro administrativo e político era de grande importância
para o local enquanto núcleo gerador e fundador da vila.
Esse conjunto de acontecimentos direcionados decisivamente na década de
1920 para o norte, temporalmente representou o nascedouro de uma bi-polarização
urbana. Um processo contínuo a partir do estabelecimento de um novo setor da vila,
mais próximo da estação da linha férrea e arredores foi determinante na
transformação da vila na cidade de Santo Ângelo no período subseqüente. Essa
tendência de adensamento de determinadas vias da localidade em detrimento de
outras, estava atrelada a uma série de fatores, inclusive a implantação rede de
iluminação pública
197
.
196
Relatório da Intendência, 1929. p.20.
197
Ao verificar-se a estatística da iluminação pública de 1929, (Relatório da Intendência, 1929). viu-se
de que as ruas com maior distribuição de lâmpadas foram as que, em boa parte, receberam um maior
número de edificações no período seguinte. Esse aspecto parece óbvio, se não fosse levado em
conta os diferentes sistemas de iluminação pública da época. Em geral, a iluminação das ruas da vila
de Santo Ângelo era feita através de lâmpadas situadas em postes. Das cinco ruas que receberam a
maior parte das edificações construídas até 1939, quatro já contavam em 1929 com iluminação em
pendentes centrais, além da iluminação em postes, ou seja, é visível a providência do Poder Público
no sentido de hierarquizar a importância das ruas através de melhoramentos da infra-estrutura, ou por
serviços excedentes. No caso santo-angelense, também influenciou diretamente na ordem de
ocupação das vias, determinando setores da vila com maior importância e interesse de densificação.
98
3.2. Forma e ação
A construção da cidade ocorre pela forma urbana e pelas ações do Poder
Público em diferentes tempos e, constituem parte da legitimação de um ato capaz de
influenciar o desenvolvimento urbano em diversas escalas e intensidades, esta
calcada em um conhecimento técnico.
3.2.1. A praça como geratriz da estrutura urbana, 1898
Os primeiros limites da vila estão contidos no Decreto número 6, de 11 de
agosto de 1897, no qual o Conselho Municipal definiu as principais ruas delimitando
o “quadro da villa”
, a área urbana da mesma. Trata-se do Mappa da Villa de Santo
Ângelo, confeccionado por um agrimensor, João Batista Timm, em 1°de janeiro de
1898, no qual são demonstrados os limites da vila: ao norte, pela 14 de Julho (atual
Rua 25 de Julho); ao sul, pela Tira-dentes (atual Gaspar Martins); a leste, pela
Marechal Floriano (antiga São Luis) e a oeste, pela Ernesto Kruel (atual Rua
Osvaldo Cruz). (Ver: Fig. 23)
Essa delimitação seria regular, não fosse pela extensão da malha urbana
com de seis quadras ao sudoeste, possivelmente veio a ser a entrada da vila. Assim,
os limites físicos da vila se definiam: ao sul, pela Rua 24 de Maio (atual Avenida Rio
Grande do Sul) e ao oeste, pela Rua Firmino de Paula (atual Avenida Getúlio
Vargas).
Nessa época, já estão reservados os espaços, ainda sem demarcação,
para algumas praças já denominadas, como a Praça da República, a Praça
Venâncio Ayres, mas especialmente a Praça Pinheiro Machado, esta a única
delimitada fisicamente, cujo espaço é coincidente com a antiga praça dos jesuítas
198
.
Pode-se perceber uma organização efetiva da vila na ação do Poder Público
em registrar o existente e preparar uma densificação inicial, através da lei e do
desenho de Timm que demonstrava o contexto da época. Esse levantamento restrito
aos arredores imediatos da antiga praça jesuítica demonstra que a vida desse
povoado ficava nas imediações da área da principal praça, a Praça Pinheiro
198
O contraste do espaço da praça é muito evidente entre os praticado nas Américas pelos espanhóis
e o urbanismo tradicional no Brasil (português). No caso espanhol, “o núcleo preponderante e
inquestionável de uma aglomeração castelhana colonial era a Plaza Mayor ou a Plaza de Armas. Ver:
MARX, Murillo. Cidade Brasileira. São Paulo: Ed. USP, 1980 ,p. 50
99
Machado
199
. A rua limítrofe da localidade ao norte, a 14 de Julho, foi demarcada de
maneira retilínea
200
.
O Mapa de 1898 demonstra que houve um cuidado em manter a proporção
da praça central, que serviu de parâmetro para dimensionar as quadras da vila,
dispostas ortogonalmente no sentido norte-sul, leste-oeste, determinando, nessa
parte, o traçado diferenciado, em forma de cruz, que regia toda a distribuição da
retícula. Esse conjunto de quadras de geometria semelhante determinou a forma de
uma “cruz” no traçado urbano, a qual é conformada pela disposição das quadras
semi-quadrangulares. Contudo, na parte sul daquela, salientam-se quadras
retangulares, as quais se destacam pela sua geometria diferenciada e pelo
posicionamento no traçado urbano, pois configuram um eixo
201
, representado pela
Rua 13 de Maio, antiga Rua São Nicolau. Esta talvez seja a rua que atualmente
mais coincida com o antigo traçado jesuítico, conforme demonstra o arqueólogo
Giovanni Scaramella. As demais quadras, de forma quadrangular, são as que
configuraram a maior parte do traçado e forma urbana da vila (Fig. 30).
199
Nome dado em homenagem a um dos fundadores, durante a re-ocupação de Santo Ângelo.
200
Apesar de ter sido demonstrado graficamente neste mapa um córrego proveniente do Rio que
margeia a localidade ao leste e adentra na referida rua, não foi levado em consideração a existência
de um declive natural do sítio, o que comprova a não intenção de ocupar aquela região durante um
período em que havia espaço excedente nos arredores da praça.
201
A tendência das quadras semi-quadrangulares era ter de 18 a 20 lotes, enquanto que as quadras
quadrangulares tinham 22 lotes. A mudança mais recorrente no traçado urbano é a exclusão de
quatro lotes estreitos da parte interna da quadra, de maneira que a dimensão dessa quadra ficasse
com a proporção da praça.
100
Figura 30 – Praça estruturadora, 1898
FONTE: AHMACPS. Mappa da Villa de Santo
Ângelo, 1898. Interpretado do original por
KERBER, 2008.
Quanto ao padrão de parcelamento dos lotes nas quadras, diferenciam-se
em heterogêneo e homogêneo.
As quadras retangulares
202
diferenciam-se das demais pela geometria, no
entanto têm um padrão de parcelamento homogêneo com lotes quadrados. Estas
quadras são elementos de maior excepcionalidade da forma urbana de Santo
Ângelo.
As quadras semi-quadriculares e quadrangulares, têm um padrão de
parcelamento heterogêneo, que se repete ao longo da malha urbana. Estas são em
geral compostas por lotes estreitos e compridos na parte central, frente leste-oeste;
e por lotes quadrados na face norte-sul. Este padrão variava de acordo com o
número de lotes contidos na quadra, influenciado diretamente pelo posicionamento
desta no traçado urbano, ou seja, se as quadras faziam ou não parte da “cruz”, o
que determinaria um número menor de lotes de meio, proveniente do modelo
dimensional da praça, geratriz do padrão da malha urbana em Santo Ângelo (Fig.
31).
202
Essas quadras possuíam de 8 a 10 lotes.
101
Figura 31 – Esquema do parcelamento das quadras, 1898.
FONTE: AHMACPS. Mappa da Villa de Santo Ângelo, 1898.
Interpretado do original por KERBER, 2008.
102
3.2.2. Multiplicação unidirecional de um padrão, 1924
O desenho do povoado de Santo Ângelo de fins do século XIX, na expansão
ocorrida na década de 1920, foi feito com quadras ortogonalmente dispostas sendo
seu padrão recorrente.
Segundo Yunes:
A partir de meados do século XIX, o reticulado urbano passa a contrapor-se
à de cidade colonial brasileira. Assimilando os conceitos de modernização
urbana provenientes da Europa, os planos reticulados representam a
oposição aos modelos orgânicos das antigas povoações coloniais. Aspectos
da estrutura urbana como o abastecimento de águas, saneamento, higiene,
iluminação e alinhamentos e regularizações de lotes passam a ser
incorporados à administração do espaço público, sob o suporte viário
fornecido pela retícula.
203
Torna-se importante a conclusão do Plano da Villa de Santo Ângelo, feito
pelo escritório do engenheiro civil Alexandre Martins da Rosa,
em 1924. Essa
iniciativa direcionou a expansão da vila para o norte e, determinou o novo perímetro
urbano, projetando um futuro de consolidação da vila para àquela direção, sendo
utilizado para isso o mesmo padrão de quadra de 1898, cujo destaque percebe-se
pela utilização da mesma geometria da antiga praça jesuítica (Fig.32).
Figura 32 – Multiplicação unidirecional de um padrão, 1924.
FONTE: AHMACPS. Planta da Villa de Santo Ângelo, 1924.
Interpretado do original pelo autor, 2008.
203
YUNES, Gilberto. Op. Cit., p. 40.
103
O traçado urbano foi expandido e praticamente reproduzido rumo ao norte, e
para onde as ruas foram prolongadas. A forma urbana teve uma diferenciação no
seu traçado urbano proveniente da diferença topográfica. Assim, as quadras
adjacentes à Rua 14 de Julho
204
, que, para continuarem o traçado ortogonal, tiveram
uma geometria diferenciada do padrão adotado devido ao condicionante natural do
sítio físico.
Entretanto, é perceptível no Plano de 1924
205
, que a partir da Rua 14 de
Julho ao norte, o dimensionamento dos lotes de meio de quadra foi feito com
maiores frentes. Esse aspecto é ainda mais evidente em um setor do traçado
também a partir da Rua 14 de Julho até a Rua Duque de Caxias, cujas quadras são
compostas por lotes de meio ainda maiores que o restante do traçado urbano Santo-
angelense, portanto foram parceladas diferentemente do verificado na metade sul a
partir do Mappa de 1898. Estes lotes se destinavam a uma ocupação diferenciada,
possivelmente residencial unifamiliar no planejamento da vila dos anos vinte.(Fig. 33
e 34)
As praças foram eliminadas da proposta anterior (de 1898), como a Praça
Venâncio Ayres, ou foram deslocadas para as proximidades, como a Praça da
República, extinta e recriada ao lado com o nome de Praça Riachuelo. Além desta
criou-se, mais a leste, a Praça Coronel Bráulio. Na metade nova do traçado (da Rua
14 de Julho ao norte) criou-se três praças: a Praça Barão do Rio Branco, a Praça da
Liberdade e a Praça Marechal Deodoro. A primeira tornou-se mais importante pela
proximidade com a estação da ferrovia.
204
No que diz respeito à Rua 14 de Julho e atual Rua 25 de Julho, via limítrofe ao norte da antiga vila
de fins do século XIX e início do XX e parte mais baixa de duas colinas, conforme referenciado
anteriormente.
205
Excluindo-se o desnível natural do terreno nas proximidades da Rua 14 de Julho, é perceptível
quadras com quantidade menor de terrenos de meio e por consequência, lotes com frentes maiores a
partir da Rua 14 de Julho até a Rua Duque de Caxias: 12 lotes, a partir desta, até ao norte da área
urbana existente na época, 16 lotes.
104
Figura 33 – Planta de Santo Ângelo, 1924.
FONTE: AHMACPS. Planta da Villa de Santo Ângelo, 1924.
Interpretado do original pelo autor, 2008.
Figura 34 – Esquema do parcelamento das quadras, 1924.
FONTE: AHMACPS. Planta da Villa de Santo Ângelo, 1924.
Interpretação do original pelo autor, 2008.
105
3.2.3. Remodelação, ideal pós – 1930
A década de 1930 apresenta-se de maneira decisiva na transformação da
forma urbana de Santo Ângelo, pela mudança de objetivos do Poder Público e pelas
mudanças que se verificaram em relação à situação anterior da vila.
No Brasil, segundo Segawa:
O planejamento das cidades, a funcionalização dos espaços, a organização
de uma hierarquia viária eficiente e a definição de políticas de construção
mediante códigos edificatórios vinculados a padrões urbanos foram
aspectos que, a partir de 1930, caracterizaram uma faceta da modernização
dos grandes centros urbanos do país.
206
Foi no início da década de trinta que apareceu, pela primeira vez, em Santo
Ângelo a ação sobre o existente, pois o traçado urbano tornou-se tecido e é assim
tratado enquanto problema em uma vila que já se densificara, a partir de meados da
década de 1920 quando a vila se expande. Os problemas advindos desse
crescimento e inchaço populacional não deveriam ser poucos, especialmente, os da
ordem de saúde pública, com a falta de saneamento básico, água potável e rede de
esgoto.
A partir de 1930 houve uma atuação do Poder Publico enquanto
problematização da vila na sua totalidade, pois foi feito um diagnóstico do existente
e as possíveis soluções, foram apresentadas pelo engenheiro municipal. Vale
salientar ainda que, em 1931, havia na zona urbana de Santo Ângelo por volta de
152 veículos, dentre estes automóveis e caminhões
.
207
No relatório da Prefeitura,
consta a aprovação da Lei orçamentária para o ano de 1931, na qual o prefeito
julgou necessário saber a opinião de alguns representantes da sociedade na época.
Assim comentou:
[...] no projeto, ora submetido à nossa apreciação, não faço alterações
sensíveis, a não ser nos impostos que recaem sobre terrenos, em
determinada zona, o que se justifica pela imperiosa necessidade de
concentrar as edificações.
Estende-se a vila numa área de 150 hects., com 930 prédios, existindo 115
terrenos concedidos e não edificados, dentro da zona comprehendida pelas
ruas Barão de Santo Ângelo, 15 de Novembro, Tiradentes, até Márquez do
Herval, Avenida Brasil e Venâncio Aires, exactamente o perímetro mais
procurado, e os terrenos edificados com grandes sobras.
Ora, os proprietários desses terrenos não os edificam nem os querem
vender, senão por preço elevado, o que dá logar a que aquelles que
desejam construir pretendam terrenos noutros logares, concessões que a
serem dadas, virão extender muito o perímetro da villa com edificações
206
SEGAWA, Hugo. Arquiteturas no Brasil 1900-1990. São Paulo: Edusp. 2002, p. 27.
207
ANNEXOS. Relatório Prefeitura Municipal de Santo Ângelo, 1931 s/p.
106
espalhadas, difficultando assim, e encarecendo a administração com o
policiamento, illuminação, abertura de ruas e outros serviços
208
.
Pode-se visualizar a referida área acima citada em mapa feito pelo auxiliar
da Seção de Obras de Santo Ângelo, Naurerin Cardoso, em 1940 (Fig. 35).
Figura 35 – Planta de Santo Ângelo, 1940
FONTE: AHMACPS. Planta da Cidade de Santo Ângelo, 1940.
Interpretação do original pelo autor, 2008.
A proposta orçamentária apresentada pelo Prefeito contém a idéia de um
Plano de Remodelação da Vila
209
, proposto por Medaglia, como se identifica no
Relatório de 1930.
208
Relatório da Prefeitura Municipal de Santo Ângelo, 1930, p. 17.
209
Lamentavelmente não se encontrou tal plano, contudo parte deste se encontra no Relatório da
Prefeitura Municipal de Santo Ângelo, 1930, p. 105.
107
Segundo consta nesse plano, parcialmente transcrito no referido Relatório,
evidenciava-se a necessidade de melhor ocupação dos lotes para maior
agrupamento das edificações, possibilitando criar um lugar mais densificado:
210
É de grande necessidade de evitar o augmento da área da villa, que ocupa
actualmente cerca de 150 hectares, com 950 prédios, podendo por
conseqüência esta área conter desafogadamente o triplo da população
existente.
Somente na parte central da villa, existem 115 lotes de terrenos devolutos,
sendo que os outros lotes edificados de 18,00 de 26,40 e 30,00 metros de
frente, comportam perfeitamente mais de uma edificação.
Para esta Prefeitura, este é um ponto de capital importância, pois qualquer
melhoramento que pretenda fazer, água e esgotto, calçamento, iluminação,
etc., nunca será o capital invertido, compensados pelos que na sua maioria,
ainda que indirectamente, incidem sobre as edificações sendo estas muito
espalhadas
A maior parte dos terrenos são de 33,0 x 30,0, os de esquina, e de 18,0 x
66,0, os de centro podendo, portanto comportar dois prédios cada um.
Justo é, por conseguinte, a elevação do imposto sobre terrenos baldios e a
creação do que se refere a um determinado número de metros sobre as
sobras dos edificados
211
.
Há referências no Relatório de 1930 das possibilidades de terrenos serem
redimensionados e desmembrados em outros. Devido à grande dimensão de suas
frentes, notou-se a preocupação de alguns lotes subutilizados por casas de
pequenas dimensões. Há também incidência de um início de especulação imobiliária
da iniciativa privada, a partir da não edificação em terrenos mais bem situados na
vila. Esses problemas entre público e privado foram corrigidos com leis reguladoras
e a instituição de novos impostos e medidas que obrigavam o proprietário, após a
compra de um terreno, de construir em um determinado período
212
. Há o aumento
de alguns impostos, dentre os quais se pode destacar um item das disposições da
Lei Orçamentária: “acrescentou-se um valor sobre imposto, referentes a colocação
de placas, de médico, advogado, ou qualquer outra profissão. Idem para colocar
taboletas, de fábricas, officinas, ou outros negócios”. A fachada da edificação é
tratada como bem público e atributo da paisagem.
Embora a vila ainda possuísse o mesmo traçado de meados da década de
vinte, essas mudanças visavam resolver questões causadas pelo crescimento
210
Há referências no Relatório de 1930 das possibilidades de terrenos serem redimensionados e
desmembrados em outros. Devido à grande dimensão de suas frentes, notou-se a preocupação de
alguns lotesVer: Relatório da Prefeitura Municipal de Santo Ângelo, 1930, p. 19 e 110.
211
Relatório da Prefeitura Municipal de Santo Ângelo, 1930, p. 110.
212
Segundo Sr. Bertholdo Bruno Benno Schmidt, que não comprou lote devido a impossibilidade
financeira, conforme depoimento do mesmo se comprasse terreno loteado pela prefeitura, o
proprietário teria de construir no mesmo no prazo máximo de um ano. Entrevista ao autor em Ijuí-RS
a 02 de Agosto de 2007.
108
populacional abrupto, em que se destacavam os problemas de falta de infra-
estrutura como a canalização de esgoto e de água potável, associados ainda ao
surgimento do trânsito urbano de automóveis e a falta de calçamento das ruas, sem
qualquer tipo de pavimentação
213
.
Verifica-se outras diretrizes desse projeto urbano:
O plano de remodelação da villa em organisação [sic] pela Seção de Obras,
procurará modelar-se nas modernas concepções de urbanismo,
satisfazendo por conseqüência as exigências da esthetica, da higiene, da
comodidade do tráfego e bem estar da população
214
Segundo consta no relatório de 1930:
O projeto de remodelação e expansão dessa villa abrangerá a zona limitada
a leste e ao sul pelo Itaquarenchim e ao oeste e norte até os limites das
terras de propriedades dessa prefeitura.
215
O plano urbano proposto para Santo Ângelo a partir da década de vinte e
continuado durante a década de trinta era um modelo calcado na racionalidade do
parcelamento do solo e refletia o pensamento do urbanismo na época, baseado no
traçado de ruas que deveriam submeter-se às ‘exigências sanitárias, de conforto e
estética da população’ além de contribuir à boa circulação, aeração e insolação das
moradias
216
.
Esses melhoramentos urbanos se destinavam à realização de uma infra-
estrutura não existente, bem como à manutenção, e à remodelação, como a
construção de pavimentação nas ruas
217
, calçamento dos passeios, e arborização
da vila:
213
É salientado neste Relatório, de que antes de fazer qualquer pavimentação, seria conveniente
fazer a infra-estrutura, a fim de evitar futuras aberturas das vias. Optou-se pelas pedras irregulares
inicialmente, por serem mais economicamente viáveis.
214
Relatório da Prefeitura Municipal de Santo Ângelo, 1930, p. 105.
215
Idem.
216
Segundo Weimer, o urbanismo sanitarista foi amplamente instaurado no Rio Grande do Sul como
política dos positivistas. em que pode-se destacar o engenheiro civil Francisco Saturnino de Brito, no
contexto do Rio Grande do Sul. Além deste, o referido autor cita Adolph Alfred Stern e Benno
Hoffmann, profissionais locais que foram estudar especializar-se na Europa. Ver:WEIMER, Günter.
(Org.). A Política Sanitarista como Diretriz de Planejamento na República velha Gaúcha. IN:
Urbanismo no Rio Grande do Sul. Porto Alegre, EDUFRGS,1992, p. 98.
217
Segundo informações prestadas por Medaglia ao jornal de Santo Ângelo. Essa localidade foi uma
das pioneiras em âmbito estadual em alguns aspectos urbanos: teria sido a primeira a receber
pavimentação asfáltica na via limítrofe ao norte da Praça Pinheiro Machado em 1934. Em caráter
experimental, inicialmente, tendo sido consultado técnico da Stand Oil, o engenheiro José Batista
Pereira, do qual recebeu a assistência técnica na execução. Para a pavimentação concorreram duas
empresas: a Lorêa, Moreira & Cia Ltda de Rio Grande e Paschoal Gallo de Bagé, tendo sido a
primeira a vencer, por ser mais vantajosa pelo “aspecto técnico e financeiro”. Ver: Relatório da
109
Continuamos o plantio da arborização urbana, para o que foram plantadas
960 árvores novas. Cinamomos gigantes e Guarda-sol e uva do Japão [...]
As arborizadas foram “a Antônio Manoel, 3 de Outubro, completada a
Marques do Herval e feito o replantio das inutilisadas das outras ruas.
Relatório da Prefeitura Municipal de Santo Ângelo.
218
Foi através do plantio destas árvores na vila “abrigando as ruas não só dos
ventos fortes que sopravam, como também do calor durante o verão”
219
, objetivando
a eficiência no uso urbano relacionado à produção da cidade. Propunha também o
remodelamento das praças com a colocação de mobiliário urbano, o ajardinamento,
a criação de canteiros, e o saneamento do esgoto pluvial através da construção de
bueiros, tubulação de concreto e suprimento de água tratada em determinadas
áreas da localidade. Um planejamento baseado no desenvolvimento e na
salubridade de seus espaços públicos, não só referente à higiene, “como também na
esthética da villa e conforto da população”
220
, pontos importantes a serem tratados
em toda área urbana e terras adjacentes pertencentes ao município.
221
Os espaços públicos como as praças e os lugares de grande potencial de
aprimoramento urbano foram transformados. Quanto a praça Pinheiro Machado, “a
remodelação desta, se impõe como uma das principaes do embellezamento da
vila”
222
. Segundo o engenheiro Medaglia no que se refere à praça Rio Branco:
A elaboração desta praça, mereceu-me especial dedicação, pois não só
pela topografia excellente do terreno que me permittiu lhe dar um cunho de
grandiosidade da qual é digna, como também por ficar fronteira da Estação
da Viação Férrea e ser por conseqüência a primeira e a última impressão
gravada na imaginação dos forasteiros com respeito a esta villa, e ainda
mais, será o logradouro de que servirá uma grande parte da população.
223
Nesse mesmo relatório, deve-se ressaltar parte destinada ao “regulamento
das construções”, no qual é salientado que:
É de urgente necessidade a creação de uma nova regulamentação sobre
construcções e abertura de vias de communicação, visto a existente não
satisfaser mais as condições actuas e aos progressos da arte constructiva.
Prefeitura Municipal de Santo Ângelo, 1931, p. 94 e jornal A TRIBUNA. Vivi intensamente no trabalho
a maior parte da minha vida nesta terra. Edição Especial. 25 de Setembro de 1973.
218
Relatório da Prefeitura, 1936, p. 112.
219
Relatório da Prefeitura Municipal de Santo Ângelo, 1931, p. 95
220
Idem.
221
“Paradoxalmente, as maiores intervenções do homem na natureza para beneficiar a sua vida na
cidade não se denunciam claramente. Em função do próprio efeito sobre o meio, grandes obras com
alterações profundas e radicais e esquecer as condições anteriores”. MARX, Murillo. Cidade
Brasileira. São Paulo: Ed. USP, 1980, p. 119-120.
222
Relatório da Prefeitura Municipal de Santo Ângelo, 1930, p. 109.
223
Idem
110
De maior precisão, no momento, é a regulamentação do typo de
construcções para a zona central da villa, da abertura de poços de água
potável e da construcção das privadas.
224
Outras diretrizes para o bom funcionamento urbano também se faziam
presentes na realidade de Santo Ângelo; segundo uma parte referente à “remoção
do lixo” existente no mesmo relatório, percebe-se que o grau de inovação era de
grande abrangência:
A instituição de remoção de lixo, seria de grande alcance hygienico para
esta villa, pois evitaria depósito de imundices que existem em grande
número de quintaes. Provisoriamente o lixo, depois de recolhido poderia ser
depositado em algum ponto afastado da villa e mais tarde quando fosse
possível, adoptar-se-ia o tratamento da fermentação cujo adubo dali
resultante em grande valor agrícola.
225
No plano para a vila santo-angelense, outras diretrizes de projeto se faziam
presentes:
[...] seria justo que a iniciativa particular concorresse também para
que fosse mais completa essa obra de urbanismo. A esthetica nas
construções, é um dos elementos de maior peso no embellesamento de um
centro populoso. Dependendo quase que unicamente da iniciativa particular.
Para isso não é necessário o dispêndio de maiores sommas nas
edificações, as quaes ainda que simples e modestas de accordo com as
possibilidades de cada um, basta que não constituam aberração aos mais
comesinhos princípios da arte constructiva, para agradarem no seu
conjuncto. A conservação das construções sob os pontos de vista material e
higiênico, e o ajardinamento dos terrenos que são serventia das moradias
com a construcção de muros com grades artísticas, são outros elementos
de que dispõe a população em geral para prestar o seu indispensável
concurso.
226
O alcance desse plano para a vila contemplava a sociedade como um todo,
pois:
Seria de grande alcance social a demarcação, em 2 ou 3 quadras não muito
afastado da villa, de lotes de pequenas dimensões, para concede-las as
pessoas menos abastadas, por um preço não superior a 100$000 pagável
em um praso razoável. Poderiam assim, sem grande sacrifício, esses de
poucos recursos possuírem as suas moradias em boas condições,
hygienicas e de commodidade, livrando-se ao mesmo tempo dos onerosos
aluguéis que pagam para viverem na maioreia das vezes em casebres e
pardieros immundos.
227
Para que a iniciativa privada aderisse de maneira geral ao novo projeto de
cidade, houve a necessidade de se aprovar uma legislação voltada aos novos
padrões requeridos.
224
Relatório, Op.Cit.,1930, p. 106.
225
Idem
226
Idem.
227
Relatório da Prefeitura Municipal de Santo Ângelo, 1930, p. 110.
111
A valorização de uma área específica começava a ser visada na localidade,
e após ser sancionado o Acto número 12, de 4 de fevereiro de 1931, que regulava
o typo de construção da parte central da vila, este setor passa a ser destacado e
diferenciado do restante da localidade, torna-se um plano de centro.
Esse Acto determina o padrão de construções na parte central da Vila, como
a valorização das esquinas. Essa área ficava compreendida:
[...] pelas Ruas Barão de Santo Ângelo, Rua 15 de Novembro, Tiradentes,
Antunes Ribas, Conde de Porto Alegre, David Canabarro, Florêncio de
Abreu, Avenida Brasil e Avenida Venâncio Aires e ainda nos terrenos de
esquina fora desta zona [...].
Cabe ressaltar ainda a relevância da estação ferroviária para a vila, na
época:
[...] o calçamento de maior necessidade, utilizada na ligação da estação da
Viação Férrea com a zona comercial e repartições públicas: Rua Antunes
Ribas, entre Antônio Manoel e Andradas; Rua Marquês do Herval, entre
Antônio Manoel e Avenida Brasil; Rua Marechal Floriano, entre 7 de
Setembro e Avenida Brasil; Rua 14 de Julho, entre Antunes Ribas e
Marechal Floriano e Av. Brasil, entre Antunes Ribas e Estação.
228
Nesse Acto, fica nítida a intenção de substituição das casas de madeira
existentes nesta zona, por edificações novas, pois:
As construções ou partes de construções feita de madeiras existentes
dentro da zona de que trata o artigo precedente, não poderão sofrer
modificações ou concerto de qualquer natureza, mas tão somente obras de
construções.
Certamente, essa determinação restringia as construções e as ampliações
sem critério. Não ficava restrita apenas a construções novas de tijolo, o que também
era um dos objetivos, mas que poderiam ser construídas em madeira, desde que
fossem feitas com paredes duplas. Trata-se de uma normatização de um padrão
para aquela zona da vila.
O Ato do Prefeito de 1931 aprovava o funcionamento da Seção de Obras da
Prefeitura, a fim de regularizar, fiscalizar e orientar na aprovação dos projetos, das
obras, das edificações e na construção de poços para privadas em vista da melhoria
das questões de higiene e salubridade, ainda inexistente na vila. Criou-se, através
do Acto número 90 de 16 de Dezembro de 1930, o Almoxarifado, enquanto
dependência da Seção de Obras
229
.
228
Relatório da Prefeitura Municipal de Santo Ângelo, 1930, p. 89.
229
Relatório da Prefeitura Municipal de Santo Ângelo, 1930, p. 19.
112
Essa busca pela construção de uma cidade teria de restringir o que estava
ocorrendo no início da década de trinta, quando havia:
[...] aumento de números da edificação na zona urbana da vila;
considerando que é de necessidade regulamentar o tipo de construções na
parte central da vila, evitando a construção de chalets e casebres toscas;
Considerando que a Administração Municipal tem o dever de melhorar a
legislação vigente, atendendo assim com a maior solicitude os interesses
superiores da higiene, saúde pública e embelezamento da vila, já não
satisfazendo algumas disposições do Código de Posturas.
Após aprovada a lei, ela não foi tão facilmente aplicada, conforme relato do
engenheiro municipal:
Tornam-se necessárias medidas rigorosas como a applicação de multas
com cobrança judicial immediata aos infratores do Código de Construcções,
pois grande número de proprietários, não comprehendendo o alcance
colletivo dessa regulamentação, procuram por todos os meios ludibriar a
vigilância desta Directoria, levantando ranchos, pardieiros, meias águas e
toda a espécie de monstrengos anti-eshéticos e insalubres em pleno
coração da villa
230
.
Este ato legal de 1931 estava atrelado a uma série de ocorrências
perceptíveis no traçado urbano de 1940
231
.
Em 1933 já consta a criação de uma rua nova no “coração” da vila, mas esta
se consolida com a gradual desativação da oficina da ferrovia. Em meados da
década de trinta, transferiu-se o cemitério para o norte da área urbana de Santo
Ângelo.
Alguns espaços, antes destinados a praças, tornaram-se pontos escolhidos
para a implantação de equipamentos de uso público de grande influência no entorno
urbano imediato, capazes de estruturar a vila em áreas pouco ocupadas. Assim,
incentivava-se o incremento edificatório em novas direções ampliando a área
efetivamente utilizada na vila, através da construção de escolas, hospitais, entre
outros. Retirou-se as atenções da zona central em vias de valorização, mas,
sobretudo, consolidava-se um novo setor específico e importante no funcionamento
da localidade: uma nova centralidade.
230
Prefeitura Municipal de Santo Ângelo, Relatório 1932-1933, p. 17.
231
Conforme “antigo desejo”, a retirada total da linha férrea, de maneira que não interrompesse
nenhuma via importante da cidade de Santo Ângelo, ocorreu em fins de 1947. Conforme referência,
em meados de 1947 a linha férrea ainda cortava a Av. Venâncio Aires, na parte da Rua 14 de Junho,
fato que levou o prefeito da época a pedir que Medaglia intercedesse junto à Direção da Estrada de
Ferro, em uma das idas deste engenheiro à capital do Estado. Ver jornal: O MINUANO: Folha
Independente. Linha férrea. 6 de Julho de 1947.
113
Essas mudanças potencializam, pela primeira vez, a expansão da malha
urbana em outras direções além da norte, especialmente rumo a oeste
232
, fato
corroborado pela existência do arroio enquanto limite natural ao leste e sul da vila.
O principal objetivo para esse controle e direcionamento do desenvolvimento
da vila estava na necessidade de urbanização da mesma a um menor custo
possível, inclusive em longo prazo para o desenvolvimento futuro da localidade, a
qual, se não fosse feita, exigiria “sacrifícios onerosos”
233
por parte da Prefeitura. A
resposta principal a esse problema foi determinar uma área de expansão e de
descentralização, mas também de criar um núcleo com potencialidade de ser
densificado enquanto novo centro urbano, tornando-se assim mais econômico
qualquer tipo de infra-estrutura feita durante o desenvolvimento da localidade.
Em detrimento de uma vila cada vez mais extensa, optou-se pelo controle
urbano, cuja criação de um novo centro, era o foco das atenções.
Nesse período pós-1930 pode-se perceber uma série de procedimentos que
influenciaram na forma da localidade e na sua constituição em partes diferenciadas,
e cujas transformações estavam ligadas a uma abordagem da localidade diferente
do que tinha sido feito até então e do que se pretendia para Santo Ângelo no futuro.
Se em 1898 fez-se um levantamento, em 1924 traçou-se uma malha urbana
expansionista, a partir de 1930 se redirecionou estes empreendimentos urbanos
com a modificação sobre o existente. Passou-se de um planejamento extensivo para
um planejamento intensivo, composto pelo conjunto de ações que visavam criar um
núcleo em sustituição às antigas construções, além de delimitar com os
equipamentos de uso público, uma área de expansão para construir uma cidade
mais concentrada.
232
Pode-se perceber a expansão além da direção sul-norte a partir de fins da década de trinta, pela
primeira vez nos sentido leste-oeste devido ao deslocamento de limites, como no caso o cemitério da
vila, deslocado no início da década de trinta para o norte da vila. A expansão do tecido urbano, não
ortogonal, nas demais direções, iniciou-se a partir de fins da década de cinqüenta em Santo Ângelo.
233
Relatório da Prefeitura Municipal de Santo Ângelo, 1930, p. 105.
114
3.3. A construção da cidade pela arquitetura
Santo Ângelo durante o período pré-1930, caracteriza-se por uma
“[...]construcção [sic] urbana [que] obedece rigorosamente as prescripções [sic] de
hygiene [sic], sem que, no entanto seja observada ordem alguma architetonica
[sic]”.
234
A análise dos fatos urbanos pode demonstrar a capacidade destes em
constituir a cidade em partes diferenciáveis entre si. Como elementos primários,
entende-se aquelas arquiteturas de uso coletivo que tem o poder de modificar o
entorno imediato do tecido pela sua importância individual.
Estes elementos primários são capazes de interferirem no desenvolvimento
da forma urbana através das arquiteturas individualmente, mas que, sobretudo pelo
seu conjunto, instauram o direcionamento do crescimento e a forma urbana da
localidade
235
.
Estas arquiteturas influenciam na forma urbana também pela implantação do
seu conjunto, além de condicionarem a criação dos espaços habitacionais na
estruturação da escala urbana.
Segundo Lynch existem cinco elementos relevantes no processo de
construção de estruturas urbanas: as vias, os limites, elementos marcantes, os
cruzamentos e regiões.
236
3.3.1 Ordenação da estrutura urbana
Em Santo Ângelo, a implementação da vila pode ser destacada a partir de
diversas propostas de implantação de equipamentos urbanos que tiveram grande
influência no desenvolvimento da localidade.
A setorização destas obras foram estruturadoras do tecido urbano local, por
sua disposição na malha santo-angelense e por seu significado de atividades
diversificadas e ligadas ao uso coletivo. Tem-se na instauração destas arquiteturas a
partir das iniciativas privada e pública o começo de uma idéia mais urbana (Fig. 36).
234
Relatório da Intendência, 1929. p. 29 e 30.
235
ROSSI, Aldo. Op. Cit., p.142.
236
LYNCH, Kevin. A imagem da cidade. São Paulo: Martins Fontes, 1980, p. 107.
115
Figura 36 – Ordenação urbana, 1935 a 1945
FONTE: AHMACPS. Planta da Cidade de Santo Ângelo, 1940
Interpretação do original pelo autor, 2008
Escolas e Hospitais
Os problemas de analfabetismo na educação e as epidemias na área da
saúde foram amplamente combatidos no governo de Vargas. Pode-se afirmar que a
construção dessas edificações, tanto pela sua escala, quanto pelo seu programa e
envolvimento com o entorno urbano, contribuiu para o adensamento da cidade em
novas áreas contíguas às existentes já consolidadas.
Tem-se como destaque a construção e as ampliações subseqüentes da
Sociedade de Literatura e Beneficência (Fig. 37), da escola federal, construída em
meados da década de trinta no local onde era o cemitério, este deslocado para o
norte. Essa escola constituiu-se em um marco limítrofe da cidade no lado oeste.
116
Figura 37 – Sociedade Literatura e Beneficência.
Construtora Santo Angelense Ltda
FONTE: Acervo do autor
Mais para o final da década de trinta, também ao norte da vila foi implantado
o Hospital Militar.
Da mesma maneira que aquela escola federal, apenas do lado oposto da
vila, no lado leste, foi construído o Grupo Ginásio Municipal de Santo Ângelo em fins
da década de trinta em local onde, na década de vinte, era planejada ser a Praça
Coronel Bráulio (Fig.38).
Figura 38 – Grupo Ginásio Municipal de Santo Ângelo.
Construtora Santo Angelense Ltda
FONTE: FINOKIET, 2003
Em área da formação inicial da vila, construiu-se a Casa de Saúde Santa
Therezinha que, em sucessivas ampliações, tornou-se a Associação Hospital Santo
Ângelo e o Colégio Elementar de Santo Ângelo (Fig.39), adotando projeto-tipo de
escola estadual disseminado pelo Rio Grande do Sul nessa época.
117
Figura 39 – Colégio Elementar de Santo Ângelo.
Secretaria de Obras Públicas do Estado do Rio Grande do Sul, 1934-36.
FONTE: AHMACPS
No extremo sul, em meados da década de quarenta edificou-se a
Associação de Assistência aos Tuberculosos Sanatório (Fig. 40), foi construída
isolada em parte da cidade ainda sem ocupação devido à natureza epidêmica da
enfermidade que ali era tratada na época.
Figura 40 - Associação de Assistência aos tuberculosos Sanatório.
Construtora Santo Angelense Ltda
FOTO: Rodrigo Fabrício Kerber, 2007.
Nessa época, ainda construiu-se o Guarda Campo e Estação de
Passageiros para o transporte aéreo fora da área urbana da cidade, sem
importância na consolidação urbana imediata.
Bancos
Embora a inauguração da rede de bancos em Santo Ângelo, possivelmente
ocorreu em locais diversificados, portanto arquitetônica e urbanisticamente a maioria
118
dessas edificações existentes na vila não eram condizentes ao programa que as
constituíam. Em Santo Ângelo, “as transações bancárias tiveram início em 1911 com
a abertura de uma agência do Banco Nacional do Comércio [...]. Em 1916, o Banco
Pelotense também se estabeleceu [...]”
237
. Porém, a localidade começou a ter
edificações de maior importância quanto à expressão de suas atividades financeiras,
em fins da década de trinta. Um bom panorama desses fatos é tratado por Weimer:
Até a primeira Guerra Mundial a atividade econômica era sustentada pelo
comércio. A autonomia das unidades federativas favorecia as relações
internacionais que se alimentavam da troca de produtos agrícolas por
industrializados. A acumulação de capitais foi rápida. As pequenas vendas
puderam ser transformadas em grandes empórios. Em decorrência,
estruturou-se uma forte rede bancária autóctone, que se constituiu num
caso único no País e que se estendeu para o interior do Estado.
238
A importância dessas construções na formação de uma centralidade
reconhecidamente de caráter diferenciado na cidade de Santo Ângelo pelo uso
comercial e de serviços, foi influenciada pela consolidação de dois equipamentos
importantes em uma mesma via, separados por apenas uma quadra. A construção
destes dois bancos, em esquinas estratégicas, definiu, na paisagem, a determinação
de um setor central da cidade vinculado às finanças.
No fim da década de trinta construiu-se o Banco da Província (Fig. 41); no
início da década de quarenta, o Banco Nacional do Comércio (Fig. 42). Em seguida
construiu-se o Banco do Brasil (Fig. 43). Foram referências marcantes na formação
de uma via financeira na cidade
239
, caracterizando-a definitivamente como uma via
de grande fluxo. Outras edificações com outros programas também contribuíram
para essa consolidação de uma centralidade.
237
LIED, Arlindo. Minhas Reminiscências de Santo Ângelo. Ijuí: Michaelse Hass e Cia Ltda, 1973, p9.
238
WEIMER, Günter. Op. Cit., 1992, p. 103.
239
Mais tarde, em fins da década de quarenta inaugura-se o prédio do Fórum. E em inicio da década
de cinqüenta, na esquina frontal ao Banco do Comércio, construiu-se o Banco Agrícola Mercantil.
119
Figura 41 – Banco da Província.
Construtora Azevedo, Moura & Gertum, 1936-38.
FONTE: AHMACPS
Figura 42 – Banco Nacional do Comércio.
Possivelmente Construtora Azevedo, Moura e Gertum.
FONTE: AHMACPS
Figura 43 – Banco do Brasil.
Construtora Santo Angelense Ltda.
FONTE: Acervo particular do autor
120
Outros equipamentos
O aprimoramento de bens e serviços para uma melhor estrutura urbana
completou-se com o Reservatório de Santo Ângelo no início de 1936, implantado
onde em meados da década de vinte fora prevista a Praça da Liberdade.
O crescimento urbano necessitaria ainda da construção de outros
equipamentos principalmente para manutenção da ordem social e para a orientação
da saúde pública e lazer, com a introdução de prédios privados, mas de uso público.
No início da década de quarenta, foram implantadas as edificações do
Presídio Municipal, da Delegacia e do Posto de Higiene, local onde eram
proporcionados desde serviços odontológicos até a aprovação de projetos mediante
aval sanitário.
No início a década de quarenta, são implantados na cidade outras
edificações requeridas para uma sociedade mais urbana, com novas necessidades.
São as construções do Cine-Teatro Municipal, do Hotel Maerkli, do Cinema Avenida
e da Agência da Ford.
Essas ações edificatórias específicas no tecido urbano, acima referidas,
contribuíram para uma ampliação do perímetro de uso da vila, ao mesmo tempo em
que delinearam uma densificação urbana. Foram investimentos dos setores público
e privado destinados a várias áreas do uso coletivo em sociedade. A construção de
equipamentos urbanos, destinados ao ensino, às finanças, aos serviços de
manutenção e à diversão pública, proporcionou uma outra dinâmica construtiva na
localidade. Ao serem implantados, modificaram o seu entorno não apenas por suas
escalas, proporções e estéticas, mas por edificações cujos usos transformaram o
espaço urbano imediato em uma dimensão maior, por sua capacidade de
ordenação, na determinação de um novo perímetro e foco urbano para a cidade.
121
3.3.2. Linhas de construção da cidade
A formação do tecido urbano santo-angelense no período da Era Vargas
apresentou características de continuidade e de mudanças com relação ao que foi
feito no período anterior
240
.
Pode-se perceber o grau de densificação do tecido urbano no setor da
localidade e deve-se destacar as vias que foram determinantes nesse processo: a
Rua Marechal Floriano, a Rua Antunes Ribas, a Av. Brasil, a Av. Venâncio Aires e a
Rua Marquês do Herval. De um total de 15 vias ocupadas pelas edificações novas
entre 1932 e 1948, um terço desta (5 ruas) comportou mais da metade (51,3%) das
edificações novas construídas, enquanto as demais (10 vias), abarcaram os
restantes 48,7%. (Fig. 44)
Pode-se verificar então uma mudança urbana a partir da década de trinta até
meados de quarenta. Além disso, percebeu-se que determinados setores do tecido
contribuíram para a configuração de uma nova paisagem urbana, refletida nas suas
principais vias distinta e diretamente ligadas ao cotidiano urbano requerido.
São vias formadoras e estruturadoras do tecido urbano de Santo Ângelo
pós-1930, provenientes de preceitos higienistas e de uma cidade concentrada. O
desenvolvimento do tecido urbano de Santo Ângelo tem na formação de eixos uma
característica importante da sua estruturação urbana. É através de uma dinâmica de
ocupação de características próprias, que se definiu a formação de ruas e quadras
de uma nova Santo Ângelo.
240
O desenvolvimento urbano de Santo Ângelo entre 1930 e 1945 ocorre em áreas ainda não muito
ocupadas, especialmente na metade oeste da vila, a partir da Marquês do Herval e ao norte da Rua
14 de Julho. Este processo foi complementar, ao ocorrido durante a década de 1920 na ocupação da
metade leste, com a maior proximidade à ferrovia. Em determinadas áreas, era comum haver poucas
casas em meio às recentes demarcações das quadras e lotes, principalmente ao norte da Av. Brasil
Essas ocupações singulares na demarcação urbana, tornavam-se formações pontuais do tecido
urbano santo-angelense recentemente parcelado. A partir de fins da década de trinta e início da
seguinte que se inicia um processo de substituição de construções mais antigas e a formação de uma
centralidade mais densificada em Santo Ângelo.
122
Figura 44Criação dos eixos da cidade, 1930 a 1945
Para um espaço urbano mais pitoresco e embelezador pode ser verificado a
partir da criação de eixos arborizados destinados a setores mais residenciais. Esta
característica pode ser verificada pela criação de canteiros centrais especialmente
nas vias provenientes das praças Pinheiro Machado (Fig. 45) e Rio Branco (Fig. 46),
e identificado na formação de ruas como a Antunes Ribas, Três de Outubro e
Avenida Brasil. Esta característica pode ser também notada em vias não limítrofes
às praças, como na Rua Sete de Setembro por exemplo (Fig. 47). É nesta época
que Santo Ângelo também ficou conhecida como a cidade dos cinamomos.
123
Figura 45 – Praça Pinheiro Machado. Vista aérea, direção sul.
Década de 1950.
FONTE: AHMACPS
Figura 46 – Praça Rio Branco. Vista aérea, direção leste.
Década de 1950.
FONTE: MADP
Figura 47 – Rua Sete de Setembro. Vista Oeste, por volta de 1940.
FONTE: AHMACPS
Em setor mais densificado, a existência de árvores fica destinada a um
segundo plano e os eixos são determinados especialmente pelas construções.
Pode-se verificar este aspecto em setor delimitado ao norte, pela Avenida Brasil, ao
124
sul, pela rua 14 de Julho (atual 25 de julho), ao leste, pela rua Marechal Floriano e à
oeste, pela rua Marquês do Herval. As edificações foram construídas principalmente
na Rua Marquês do Herval, na Avenida Brasil e na Rua 14 de Julho, nas quais
observa-se um maior aglomerado de edificações em apenas quatro quadras, com
destaque para uma quadra de padrão retangular especialmente planejada a partir da
criação de uma nova rua no centro de Santo Ângelo.
Estas graduações do tecido urbano, construído distintamente, serão adiante
aprofundadas na análise das partes constituintes destes eixos.
125
3.3.3. Criação das partes urbanas
A introdução de uma relação diferenciada entre as edificações, bem como,
destas com relação ao lote e espaço público, ou seja, a implantação das arquiteturas
pode ser considerada determinante em Santo Ângelo enquanto uma tendência, um
padrão gerador da forma urbana, estas semelhanças e distinções podem ser
percebidas pelas posições análogas das arquiteturas no traçado urbano. Assim, no
espaço urbano, a distinção e as articulações entre suas partes podem ser
analisadas pela possibilidade de existência de uma regra a priori, uma vez que
“analisar as estruturas urbanas é também projectar (compreender como se projetou)
novas estruturas é analisar as presentes”.
241
O fenômeno de diferenciação urbana pós-1930, enquanto marco urbano no
desenvolvimento da forma da cidade, pode ser analisado no espaço urbano em
Santo Ângelo a partir de dois critérios: pelas atividades e pelas formas dos conjuntos
construídos.
Pelas atividades das edificações, pode-se caracterizar inicialmente um
padrão de ocupação urbano pelas arquiteturas unifamiliares e de usos diversos.
Verificou-se existência de dois conjuntos distintos na estrutura urbana contíguos
entre si. Um lugar destinado a um espaço residencial e à criação de um núcleo
urbano destinado às atividades mistas (de comércio, serviços e plurifamiliar), em
períodos bem definidos.
Se, no decorrer da década de trinta, uma parte da localidade relacionada ao
caráter unifamiliar apresentou-se com uma maior multiplicidade estética,
paradoxalmente, entre 1938 e 1945 a unidade formal regeu a paisagem construída
em formas semelhantes que continham uma diversidade de usos e atividades de um
centro em consolidação. Se nas casas a percepção de amplitude visual estava mais
presente na rua, onde as árvores eram determinantes de um espaço tipicamente
residencial, em fins da década de 1930 a quadra construída adquiriu esta
relevância na diferenciação do tecido urbano da cidade pela presença maior das
edificações na determinação de uma centralidade.
Pela análise das formas arquitetônicas e de suas relações com o lote e com
a rua, identificou-se duas categorias: edificações soltas, com recuos, e edificações
241
AYMONINO,Carlo. Op. Cit. 1984 ,p. 8.
126
construídas entre-divisas até o alinhamento; este critério foi capaz de fornecer
importantes informações sobre a forma das partes na composição da estrutura
urbana da cidade como um todo, que será adiante pormenorizada.
242
Assim na análise da dinâmica de ocupação pelas arquiteturas na formação
do tecido urbano, verificou-se a existência de duas partes bem definidas na cidade:
um conjunto espalhado e um conjunto centralizado. Podem ser caracterizadas por
elementos ordenadores ou elementos condicionados no processo de formação
urbana durante o período da Era Vargas em Santo Ângelo. (Fig. 48, 49 e 50)
Figura 48 – Esquema da ocupação urbana: elementos ordenadores
242
Optou-se por duas características opostas embora, houvessem edificações com ocupação cujas
características ficavam entre estes dois extremos. Algumas ocorrências também não devem ser
atreladas apenas ao período, pois são perceptíveis em todo o intervalo do presente estudo (1930-
1945). Nesse sentido, as edificações soltas no lote continuam a ocorrer durante o período de 1938 a
1945, e devem ser evidenciadas enquanto ponto de partida de uma nova dinâmica no processo de
desenvolvimento urbano.
127
Figura 49 – Esquema da ocupação urbana: elementos condicionados
Figura 50 – Esquema da ocupação urbana: elementos condicionados
128
Um dos principais impactos dessa nova arquitetura no tecido urbano e que
transformou a paisagem construída entre 1930 e 1945 será pormenorizadamente
analisado a seguir na análise desses dois conjuntos da forma urbano-arquitetônica.
3.3.3.1. Do espaço-residência
As edificações residenciais são elementos primários, portanto são também
fatos urbanos
243
. Tanto Rossi (2001) quanto Aymonino (1984), abordaram a
importância das edificações residenciais na construção das cidades; seus estudos
evidenciam a habitação como fator determinante e como tendo papel relevante na
forma da cidade
244
. Assim, o caráter dessa edificação e seus aspectos formais “está
intimamente ligado à forma urbana”. A relação entre a residência e a sua localização
se torna distinto e dependente de uma série de fatores econômicos, geográficos,
históricos e morfológicos.
245
Entende-se por espaço-residência, as áreas nas quais as edificações
possuem a atividade de moradia. Entretanto, esse espaço pode ser dividido, em uma
área de predominância unifamiliar, e em outra de características diversas, com
atividades principalmente mistas em períodos bem definidos durante a Era Vargas.
(Fig. 51 e 52)
Na relação do traçado urbano com as arquiteturas, identificou-se dois
lugares morfologicamente distintos em Santo Ângelo, que poderiam ser
denominados bairros pelas características peculiares das suas arquiteturas e pelas
atividades comuns.
243
Segundo Aymonino (1984) “para avaliar a arquitetura como fenômeno urbano não basta analisar a
‘residência-fatos primários’ [...] cabe considerar a possibilidade [...] a residência vir ou poder coincidir
com um dos fatos primários”. Ver: AYMONINO, Carlo. Op. Cit., p.124.
244
Tanto Rossi quanto Aymonino analisaram que uma das grandes contribuições do Movimento
Moderno em arquitetura foi a mudança de atitude frente à habitação e à sua relação com a forma da
cidade, antes desconsideradas. Deve-se ressaltar que o Movimento Moderno pregava uma cidade em
quatro funções da urbanística baseadas em exigências objetivas: habitar, trabalhar, lazer e educar.
Esta criticada por Rossi e amplamente divulgada pela Carta de Atenas, proveniente do Congresso
Internacional de Arquitetura Moderna, de 1933. Este congresso conforme De Fusco foi “un verdadero
código de la orientación arquitectônica y urbanística [...]” Ver: DE FUSCO, Renato. História de la
arquitectura contemporânea. Madrid: Hermann Blume, 1981, p. 310.
245
ROSSI, Aldo. Op. Cit., 2001, p.81.
129
Segundo Lynch:
Um bairro urbano, na sua definição mais simples, é uma área de caráter
homogêneo, reconhecida por indicações que são contínuas dentro desta
área e descontínuas num outro local. A homogeneidade pode traduzir-se
em características espaciais [...] pode verificar-se no tipo de edifícios [...]
pode ainda ser notada no estilo ou na topografia.
246
O tecido urbano da cidade foi formado para um padrão residencial a partir da
escala da rua e por um outro, ordenado para um padrão de núcleo central a partir da
escala da quadra. Assim, pode-se considerar que ambos são constituintes do
espaço urbano e verificáveis pela capacidade de associação entre as arquiteturas e
destas com relação ao espaço público adjacente
247
. Enquanto unidade básica da
forma urbana, verificou-se na cidade a existência de dois padrões arquitetônicos
gerais, relacionados às formas urbanas a que pertenciam, e que podem ser
considerados como atuantes no espaço como matrizes formais
248
.
A partir da propriedade de associação entre os elementos constituintes da
forma urbana, foi possível analisar a formação de suas partes na arquitetura da
cidade de Santo Ângelo, a partir das ruas e das quadras.
246
LYNCH, Kevin. Op. Cit.,, 1980, p. 116.
247
Ver: PANERAI, Philippe et al. 1983, op. Cit. e CASTEX, Jean e PANERAI, Philippe. Notas sobre a
estrutura do espaço urbano. L’architecture d’aujourd’hui n° 153, jan. 1971. Tradução Décio Rigatti,
1988.
248
DIEZ, Fernando E. Buenos Aires y algunas constantes em lãs transformaciones urbanas. Buenos
Aires: Fundação Editorial Belgrano, 1996, p. 88.
130
Figura 51 – Localização das edificações de atividades unifamiliares em função da época
131
Figura 52 – Localização das edificações de atividades diversas em função da época
132
A. Da rua
Entre 1932 e 1937 as atividades se restringiam mais às residências
unifamiliares, caracterizando-se por um período de variabilidade arquitetônica
249
,
cuja volumetria das edificações, em grande parte térreas, ou seja, aproximadamente
25% das edificações feitas até fins de 1937 era de dois pavimentos, e,
aproximadamente, 36% do que foi feito neste período eram isoladas no lote. (Anexo
01)
Esse espaço livre que contornava as edificações, além de proporcionar
maior amplitude visual, era lugar destinado para ser ajardinado, com objetivo de
obter melhor incidência solar e maior possibilidade de aeração. Percebe-se a
limitação desse tipo de arquitetura unifamiliar solta no terreno, quando este não
possuía uma frente relativamente larga. O alinhamento era composto por muros
frontais com uma altura padronizada, formas e elementos semelhantes às casas.
Essas características embelezadoras e higienistas determinaram novos ares à
localidade santo-angelense, onde as casas que iam se agrupando ao longo de ruas
faziam surgir zonas tipicamente residenciais.
A ocupação residencial unifamiliar entre 1932 e 1937 se caracterizava
principalmente nas proximidades da Praça Pinheiro Machado, centro administrativo
e religioso. Quanto à expansão do tecido urbano, na direção sul-norte, destaca-se
principalmente as Ruas Antunes Ribas (Fig. 53, 54 e 55), e a Quinze de Novembro.
Na expansão na direção leste-oeste, foram relevantes: a Avenida Brasil, a Rua Três
de Outubro e a Rua Sete de Setembro.
Figura 53 – Rua Antunes Ribas. Vista Sul, proximidades da Prefeitura.
Década de 1950.
FONTE: Acervo particular Jair Severo
249
Verifica-se que há uma diversidade de linguagens arquitetônicas, passíveis de serem separadas
em grupos, ou famílias tipológicas segundo suas semelhanças a partir de um estudo específico dos
tipos.
133
Figura 54 – Rua Antunes Ribas. Vista Norte, proximidades da Prefeitura, década de 1950.
Destaque à esquerda para o conjunto de edificações construídas
pela construtora Santo Angelense Ltda
FONTE: AHMACPS
Figura 55 – Rua Antunes Ribas. Vista Sul, proximidades da Av. Brasil, década de 1950.
FONTE: Acervo particular Jair Severo
Esse padrão de ocupação prosseguiu no período seguinte consolidando as
referidas vias. Essas arquiteturas contribuíram para a configuração de uma
paisagem construída diferenciada, tipicamente unifamiliar, quando também se inicia
o processo de consolidação de um novo núcleo urbano em fins da década de trinta.
Para a formação desta área residencial de Santo Ângelo especialmente durante a
década de trinta, pôde-se perceber a existência de uma matriz formal de bairro (Fig.
56).
Conforme o cruzamento de informações conseguiu-se verificar que as
referidas ruas ainda guardam partes desses aspectos residenciais no seu tecido
urbano atual.
134
Figura 56 – Matriz formal de bairro residencial
A1.Rua Três de Outubro
Para melhor visualização, decidiu-se por um exemplo que estabelecesse a
percepção do novo conjunto residencial em Santo Ângelo.
No caso da Rua Três de Outubro, a disposição contígua de edificações,
proporcionou uma percepção de conjunto no geral homogêneo e peculiar àquele
local. Trata-se das Casas: Paiva Souza, de 1937; Pacheco de Abreu, de 1939 e
Turkiewicz, de 1940 construídas frontalmente às residências: Fanfa Cardoso, de
1942 e Português, de 1944. Esta última ainda guarda as feições originais da época
(Fig. 57 e 58).
Figura 57 – Conjunto na Rua Três de Outubro
135
Figura 58 – Elevações das casas construídas na Rua Três de Outubro.
Construtora Santo Angelense Ltda
A composição da paisagem da rua ocorre por uma característica de
associação indireta
250
entre as arquiteturas e o espaço urbano, tendo por elemento
de união recorrente o espaço livre do jardim entre as arquiteturas residenciais, e por
vezes entre estas e o passeio. (Fig. 59)
Figura 59 – Relação das arquiteturas de bairro residencial e o espaço urbano
A característica desse lugar composto por edificações unifamiliares pode ser
percebida em outros setores de Santo Ângelo. Essa força coletiva de um tipo
semelhante de ocupação de residências compostas por um corpo com volumes em
geral recortados com coberturas de telhas de cerâmica composta por várias águas e
beirais sobressalentes, também permitia feições distintas e paisagens pitorescas a
250
Ver:CASTEX, Jean e PANERAI, Philippe. Notas sobre a estrutura do espaço urbano.
L’architecture d’aujourd’hui n° 153, jan. 1971. Tradução Décio Rigatti, 1988.
136
algumas ruas da localidade. Diferenciação urbana ainda inexistente até aquele
momento na vila, que faz com que a rua torne-se a geratriz do bairro residencial na
construção da cidade.
137
B. Da quadra
A metade norte teve uma ocupação urbana com algumas tendências e
características próprias não ocorridas em nenhuma outra parte da urbe (Fig. 60),
caracterizando-se por arquiteturas de formas homogêneas, edificadas em fita e sem
recuo frontal (Anexo 02). Algumas arquiteturas deste lugar definiram um caráter
urbano diferenciado em Santo Ângelo, em um momento de densificação. As vias que
concentravam estes conjuntos podem ser destacadas: Av. Brasil (Fig. 61) Av.
Venâncio Aires, Rua 14 de Julho e a Rua Marquês do Herval (Fig. 62).
Figura 60 – Localização das quadras mais densificadas na malha urbana
Figura 61 – Avenida Brasil. Vista Nordeste, década de 1940.
Destaque para o conjunto de edificações no meio da quadra feitas pela
construtora Santo Angelense Ltda, nas décadas de 1930 e 1940.
FONTE: Acervo particular Tiago Van Helden
138
Figura 62 – Rua Marquês do Herval. Vista Norte, década de 1950.
Conjunto de edificações construídas principalmente nas décadas de
1930 e 1940 pela Construtora Santo Angelense Ltda.
FONTE: AHMACPS
Especialmente entre 1938 a 1945, as edificações dessa parte nucleada da
cidade na quase totalidade eram de dois pavimentos, raramente três. Essa
arquitetura diferenciava-se pela capacidade de agrupamento e justaposição entre as
as mesmas, reforçada pela sua construção no alinhamento, com as próprias
edificações delimitando o que é publico do que é privado, em uma relação direta.
A agregação entre as arquiteturas foi possível graças à adoção de um
sistema tipológico específico, cuja ocupação de toda testada do terreno e a intenção
de formar uma massa edificada no alinhamento configurou áreas livres na parte
interna do lote, independentemente da dimensão de sua testada. Assim, a opção por
esse tipo determinava um grande vazio interno nas quadras, com as edificações se
acoplando lado-a-lado. Essa maneira de ocupação fazia com que as aberturas
fossem feitas para a rua e para a parte interna do lote, quando não houvesse um
poço de luz ou um recuo lateral.
A intenção de ocupação máxima do lote, especialmente da testada é
perceptível pela escolha de uma arquitetura projetada com o objetivo de ser
justaposta, ou aproximada entre si. A força do conjunto é visualizada pela
densificação de um centro a partir do pressuposto de um continuum edificatório, e,
independentemente da frente do terreno, idealizava-se a testada da rua.
139
Assim, formaram-se locais de maior densificação caracterizados por um
maior agrupamento das arquiteturas, o que configurou uma tendência à rua-
corredor
251
calcadas em uma matriz formal de centro (Fig. 63).
Figura 63 – Matriz formal de bairro centro
Algumas vias receberam um número maior de edificações nesse setor
diferenciado da cidade e por suas disposições ao longo de um mesmo logradouro e
seus usos diversificados tornaram-se eixos urbanos. Estas axialidades foram
reforçadas pelo agrupamento de edificações em determinadas partes das ruas que,
pelas dimensões da caixa da via, detinham uma capacidade maior ou menor de
proporcionar a sensação de enclausuramento urbano (Ver Fig. 44).
B1. Rua Nova ou quadra nova?
O Plano de remodelação de 1930, e a Lei proveniente deste determinaram a
desativação da linha férrea durante a década trinta, a qual se revelou um lugar
especial para se instaurar uma nova rua: a Rua Nova que, em seguida, foi
denominada de Travessa Mauá. Este fato determinou outras possibilidades: a
251
Característica interrompida por alguns vazios entre as edificações, do período anterior, inclusive
pela única edificação unifamiliar edificada na principal via financeira da cidade. Trata-se da residência
feita na época para o Sr. Carlos Naumann, recentemente demolida, que era a única arquitetura
residencial unifamiliar em meio às edificações mistas e plurifamiliares no período. Construída na
principal via de ligação entre norte e sul, devido a sua situação, em um local mais elevado e sua
forma cúbica, não gerava uma interrupção do contexto urbano, portanto permitindo uma visual
contínua da paisagem construída.
140
criação de uma nova quadra com possibilidades de se edificar na sua totalidade,
facilitada pela dimensão reduzida e posição paralela a rua mais heterogênea de uma
malha urbana tipicamente ortogonal, conforme referido anteriormente.
A conformação e a construção dessa quadra após a abertura da Rua
Nova intensificou a transformação do tecido urbano de Santo Ângelo em meia
década. Revelou-se na configuração de praticamente um edifício-quarteirão com
características morfológicas e importância própria, uma massa edificada no
alinhamento, contínua e periférica, com uma área livre no interior dos lotes. Cabe
salientar que a metade desse empreendimento de um núcleo inserido no centro da
cidade era de um único proprietário
252
(Fig. 64).
Figura 64 – Densificação Quadra Nova
A formação de um continuum edificado conseguiu maior êxito em partes da
Rua Marquês do Herval (ver fig.62), da Rua 14 de Julho (Fig. 65), da Rua Marechal
Floriano (Fig. 66) e da Rua Nova (Fig. 67), cujas dimensões da caixa de rua eram
menores e proporcionais à escala das edificações, em geral de dois pavimentos.
252
Henrique Möller Filho, comerciante e exportador de produtos coloniais. Natural de Santa Cruz,
nascido em 19 de Junho de 1898. Filho de Henrique Möller e Balbina Möller Para efeitos desta
dissertação, pode-se afirmar que, na iniciativa privada, foi a pessoa que mais contribuiu no
desenvolvimento urbano de Santo Ângelo com diversas obras na época.
141
Assim, contribuiu para o intento de favorecer uma sensação de
monumentalidade, enquanto símbolo de modernidade
253
.
Figura 65 – Rua 14 de Julho. Vista Oeste, década de 1940.
Conjunto de edificações construídas pela construtora Santo Angelense Ltda
FONTE: AHMACPS
Figura 66 – Rua Marechal Floriano. Vista Norte, década de 1940.
Conjunto de edificações feitas pela construtora Santo Angelense Ltda.
FONTE: AHMACPS
Figura 67 – Rua Nova. Vista Oeste, 1953.
Conjunto de edificações feitas pela construtora Santo Angelense Ltda
FONTE: AHMACPS
253
Esta recorrência urbano-arquitetônica forma-se em fins da década de trinta e consolida-se. Durante
a segunda metade de quarenta até meados da década seguinte pode-se visualizar que as edificações
vão sendo implantadas e os últimos espaços vazios do centro sendo preenchidos a partir da mesma
tendência de ocupação através de uma forma compatível com a escala da rua e de suas
possibilidades de justaposição e composição de uma paisagem uniforme e contínua.
142
Essas arquiteturas construídas foram capazes de consolidar uma
configuração distinta para esse setor da cidade em densificação. Assim, o conjunto
de edificações alinhadas umas às outras, predominante na quase totalidade da
quadra, definiu um núcleo uniforme com uma paisagem não fragmentada. Tornou-se
um núcleo edificatório coletivo e edificado cuja característica era a maior
continuidade na paisagem construída, através de arquiteturas de uma mesma altura
construídas no alinhamento dos lotes e que proporcionavam uma perspectiva
caracterizada pela horizontalidade.
Essa unidade da paisagem da rua foi marcada por uma característica de
associação direta entre as arquiteturas e o espaço urbano, podendo distinguir-se em
uma associação linear ou multidirecional, cujas relações estavam presentes nesta
quadra como um todo (Fig. 68).
Figura 68 – Relação das arquiteturas de bairro centro e o espaço urbano
Em fins de 1938, é que se percebe a intenção de se construir uma solução
diferenciada nas edificações de esquinas e no encontro entre das respectivas
fachadas, diferentemente do chanfro. Este aspecto é visualizado pioneiramente em
uma esquina da quadra nova, quando edifica-se para Jacob Sprinz, uma arquitetura
com característica plástica de uma esquina curva (Fig.69).
143
Figura 69 – Sobrado de Jacob Sprinz. Construtora Santo Angelense.
Primeira arquitetura a conformar uma esquina curva no alinhamento
FONTE: Acervo particular do autor
A criação da Rua Nova e a rápida construção de uma quadra inteira ajudou
a configurar uma nova quadra, diferenciando-se do restante da localidade e
constituindo-se em uma massa construída uniforme. Estas arquiteturas que
compunham essa quadra contribuíram, especialmente na construção de uma nova
cidade e na determinação de um tecido urbano hierarquizado, cujo papel das
edificações pode ser considerado recorrente ou excepcional
254
. Nesse sentido, a
contribuição de uma arquitetura na formação de um tecido urbano distinto era por
demais evidente: trata-se do Cine-Teatro Municipal, que será adiante estudado
(Fig.68).
Figura 70 – Esquema das edificações da quadra nova.
Destaque para o elemento excepcional.
254
CARTEX, Jean e PANERAI, Philippe. Op. Cit., p.11-12.
144
4. SANTO ÂNGELO NA BUSCA POR REFERENCIAIS URBANOS
A República Nova instaurou um momento de novas perspectivas políticas,
econômicas, sociais e arquitetônicas. Durante as décadas de trinta e quarenta, fez-
se presente em Santo Ângelo uma nova realidade através de edificações que podem
ser consideradas como fatos e significados na arquitetura da cidade:
1. Primeiramente, por estarem associadas à inauguração de uma nova
maneira de construir a localidade, tanto pela escala física quanto pela
representatividade da inovação de sua estética. Diretamente vinculada ao poder das
formas na transformação da cidade e seu significado. Foram capazes de instaurar,
por outro lado, uma nova ordem quando estas formas inovadoras partem de lugar
específico do tecido urbano Santo-angelense e diretamente vinculadas ao poder
público.
Assim, essas arquiteturas ficavam simbolicamente em posição de destaque,
seja por estarem próximas do centro das decisões municipais, por ficarem
vinculadas a um espaço com memória, em sua conexão ao antigo centro jesuítico,
centro político, administrativo e religioso da vila, ou por se encontrarem em novo
setor da localidade, em um lugar “sem passado”, desenraizado e de grande
relevância para a vida urbana do início dos anos quarenta.
2. A transformação do significado da cidade de Santo Ângelo, ao longo do
período em análise, vai além das ações coletivas. Observa-se, especificamente, que
algumas residências unifamiliares se sobressaem pelo seu caráter de ponto de
partida de uma nova arquitetura, de instauração de uma permanência. Além dessas
ações pontuais, outras de maior escala possuem um grande alcance; são obras que
ultrapassam suas próprias dimensões físicas e invadem a dimensão plástica urbana
que são capazes de conter e de representar.
Essas arquiteturas e seus posicionamentos no tecido buscavam uma
representatividade urbana conduzida pelos laços provenientes da história do
território, mais enraizadas ao lugar ou não. Assim, tornaram-se referenciais urbanos
para a configuração da modernidade na cidade de maneira distinta.
145
A constituição de algumas arquiteturas inovadoras em lotes próximos aos
símbolos do poder público instituiu uma forma arquitetônica e uma maneira de se
construir na vila. Materializou-se uma nova capacidade de representação que estava
ligada às possibilidades financeiras, ao gosto da comunidade e às ofertas dos
projetos da firma construtora Santo Angelense Ltda
255
.
Nesse sentido, podem ser destacados aspectos precursores da arquitetura,
principalmente por transformarem a arquitetura da cidade quer pela vontade própria
da sociedade na época que aderiu ao novo tempo e viu a necessidade de fazer
parte, quer pelo poder público que buscou implantar o moderno ao mostrar
arquiteturas inovadoras e assim, transformar a cidade aos seus novos moldes.
Os fatos urbanos podem ser materializados arquitetonicamente segundo
uma intencionalidade estética que parte da dinâmica da história contemporânea a
qual pertencem, e caracterizam, de maneira própria, a instauração de valores
urbanos desejados para a cidade. Além disso, possuem a capacidade de
constituição de uma nova via para a arquitetura da cidade, seja pelo caráter inédito e
de excepcionalidade de seus programas, seja pelas suas formas impactantes.
Assim, escolheram-se três residências ainda existentes (alteradas ou não) que,
conforme seu posicionamento no tecido urbano, podem ser consideradas
referenciais na construção de uma nova cidade.
Além dessas, têm-se a Igreja da Matriz e o Cine-Teatro Municipal, como
monumentos, pois são capazes, individualmente, de proporcionar um caráter urbano
imediato na arquitetura da cidade, seja pelo uso religioso, seja pelo lazer profano.
255
As diversas linguagens das edificações implantadas em Santo Ângelo entre 1930 e 1945 designam
uma modernidade sem uma linha única de projeto.
146
4.1. Uma via para arquitetura da cidade
Na arquitetura residencial do Rio Grande do Sul, pode-se destacar diversas
arquiteturas que retratam o processo de transformação dos paradigmas construtivos
e a a possibilidade de instaurar novidades na arquitetura
residencial anteriores a
Exposição de 1935.
256
Assim, além da possível sedução pelas formas inusitadas, essas
arquiteturas tinham também o papel de divulgar uma nova ordem arquitetônica,
cujas edificações inovadoras também estavam correlacionadas a uma empresa da
construção em formação.
257
Essa transformação radical buscada na mudança de padrões urbanos foi
facilitada pelo caráter do programa residencial unifamiliar devido à sua escala,
dependente das possibilidades, vontades do proprietário e atitudes do projetista,
mas balizadas pelas normas legais
258
.
Estes aspectos acima referidos podem ser verificados simultaneamente em
Santo Ângelo, especialmente na arquitetura de duas casas de formas exponenciais,
e outra mais conservadora na e emissão de novas idéias
259
. Não há dúvida de que
essas casas representam um ponto de mudança, senão de partida, no que diz
256
Na arquitetura as mudanças pós-trinta foram também importantes no contexto do Rio Grande do
Sul. O surgimento em Porto Alegre de um novo modo de conceber a edificação unifamiliar remonta ao
ano de 1929, na “primeira obra modernista”, de autoria do arquiteto Egon Weindoerfer. Pode-se
destacar alguns profissionais que contribuíram na formação dessa linguagem modernista em Porto
Alegre no início da década de trinta: Antônio Monteiro Neto, Karl Adolf Siegert e em especial Franz
Filsinger. Pode-se acrescentar a esse grupo, Robert Wihan, Gerhard Krause e o já refererido
Weindoerfer. No que diz respeito a edificações de maior porte, Julius Lohweg e Johann Schmidt.
Pode-se citar as residências de Adalberto Dubois Aydos, de 1931, e de João Kluwe Jr., de 1932,
ambas projetadas por Filsinger. Com relação aos prédios, destaca-se o Edifício Rio Branco, de 1933,
e o Edifício Agostinho Piccardo, de 1935, projetados por Lohweg. Ver: WEIMER, Günter.Op. Cit.,
2004, p.187; WEIMER, Günter. A arquitetura. Porto Alegre: Ed. UFRGS, Coleção Síntese Rio-
grandense 12-13, 1992, p. 129. WEIMER, Günter. Op.Cit., 2004, p. 187. WEIMER, Günter. A fase
historicista da arquitetura no Rio Grande do Sul. IN: FABRIS, A.T. (org.). Ecletismo na arquitetura
brasileira. São Paulo: Nobel/Ed. Da USP, 1987. p. 275.
257
Essa estratégia de promoção de uma empresa da construção pela inovação arquitetônica
residencial não é fato isolado na realidade de Santo Ângelo. Essa atitude já havia sido feita em Porto
Alegre em 1931, quando fora construída a casa para o engenheiro civil Adalberto Dubois Aydos, “um
dos maiores empresários do setor imobiliário” da capital, conforme WEIMER, Günter. Arquitetura
modernista em Porto Alegre entre 1930 e 1945. Porto Alegre: Prefeitura Municipal de Porto Alegre /
Secretaria Municipal da Cultura / Unidade Editorial, 1998, p. 51.
258
Esse desprendimento caracterizado por uma atitude de renovação urbana endossada pelo Poder
Público deve ser ressaltada em Santo Ângelo, pois apenas alguns anos antes, no maior centro do
país o arquiteto russo Gregori Warchavchik teve de fazer uma casa de “estilo” para obter a permissão
municipal e executar outro de acordo com sua vontade em São Paulo, de fins da década de vinte.
Ver: BRUAND, Yves. Arquitetura contemporânea no Brasil. São Paulo: Editora Perspectiva, 1981.
259
A utilização de edificações residenciais para instaurar novos paradigmas, novas formas, novas
técnicas e uma nova maneira de morar foi muito divulgada pelo Movimento Moderno na arquitetura na
década de vinte na Europa.
147
respeito a arquitetura residencial unifamiliar em Santo Ângelo, especialmente pela
sua capacidade de inovação e pela possibilidade de adesão da sociedade como um
todo a essa nova idéia arquitetônica, especialmente se esta estética estivesse
correlacionada a um antigo setor do poder em Santo Ângelo (Fig. 71).
Figura 71 – Situação. Ocupação pela Rua Antunes Ribas
4.1.1. Casa Medaglia
No ano de 1934, faz-se pela primeira vez uma residência unifamiliar (Fig. 72)
com recuos, frontais e laterais, em Santo Ângelo em um lote de meio de quadra.
Essa casa pertencia ao engenheiro civil José Carlos Medaglia e fica localizada na
Rua Antunes Ribas, mas atualmente encontra-se muito diferente de seu aspecto
original.
Além de isolada no lote, destacava-se pela sua relação com o espaço
público através do amplo terraço que avançava até o alinhamento do terreno. O
terraço servia ainda de elemento de transição entre público e privado ao mesmo
tempo parecia fazer parte do próprio espaço do passeio. Tinha uma forma
assimétrica composta pela adição de volumes geométricos retos e curvos, mas
especialmente pelo destaque dos planos horizontais reforçados pelo próprio
terraço
260
. Essa arquitetura situava-se em um ponto focal da antiga Rua 13 de Maio,
260
Esta arquitetura que possui algumas semelhanças com a de Frank Lloyd Wright nos EUA e Robert
Vant’ Hoff, na Holanda. Há elementos análogos em antiga residência para Euclides Schmidt de 1934,
localizada à Rua Oscar Bitencourt em Porto Alegre. Ver: Projeto arquitetônico de Dahne, Conceição &
148
atual Travessa Augusto Nascimento e Silva, que chegava até a casa
transversalmente, permitindo uma perspectiva da residência de um ponto mais
distante.
Pelo Plano de 1924, a estrutura fundiária da quadra em que se localizava a
casa Medaglia não permitiria esse artifício de implantação e criação de um eixo
visual. Essa modificação do posicionamento dos lotes internos da quadra fez com
que a testada do terreno ficasse de frente para a via, o que valorizou o visual da
casa.
Figura 72 – Casa Medaglia. Situação e vista.
FONTE: Acervo particular do autor
3.1.2. Casa Oliveira
No início de 1937, fazia-se a vistoria na Casa Oliveira
261
(Fig. 73) de Raul
Oliveira, Prefeito Municipal (1935-1938). Essa casa está localizada na esquina das
Ruas Antunes Ribas com a Antônio Manoel, sendo a primeira a tirar partido do
terreno de esquina da qual faz parte. Entretanto, se o diálogo da residência do
engenheiro anteriormente citada era com o ponto focal de uma rua, a casa Oliveira
apresenta-se mais para a Praça Pinheiro Machado, a qual parece ter contribuído na
idealização dessa casa. A praça torna-se quase um jardim público da própria casa,
da qual se tem fácil acesso visual através de uma sacada. Pode-se imaginar um eixo
Cia. Processo: 7841/1934, Arquivo Público Municipal de Porto Alegre-RS. Cabe também ressaltar a
semelhança com outra residência, esta vinculada ao concurso do Diário de Notícias, referente ao
“Primeiro prêmio do ‘Concurso popular de bonificação’. Sorteio realizado em 29 de Setembro de
1934, com fiscalização do Governo Federal. Ver: CATALOGO GERAL (official) e Guia do Touriste.
Exposição do Centenário Farroupilha, 1835-1935. Porto Alegre: Oficinas Gráficas da Livraria do
Globo, 1935, p. 55.
261
Deve-se ressaltar a semelhança do princípio compositivo dessa residência com a feita para Antônio
Fischer em 1934, localizada na Rua José de Alencar em Porto Alegre e realizada pela firma Dahne,
Conceição & Cia. Ver: Processo: 12.520/1934, Arquivo Público Municipal de Porto Alegre-RS.
149
a 45 graus que percorre, através do caminho diagonal da praça, e divide a casa
simetricamente nas duas principais geometrias.
É na distribuição dos volumes cilíndricos e na interseção destes que fica o
acesso, conectados por uma marquise e pela referida sacada que também serve de
elemento de proteção à entrada da casa. Tudo disposto, através da curva, e
amparado na parte interna do lote por um volume retangular que continha terraço e
compõe o conjunto como um todo.
Figura 73 – Casa Oliveira. Situação e vista
FOTO: Rodrigo Fabrício Kerber, 2005
4.1.3. Casa Rodrigues Sobrinho
Em fins de 1937, fez-se a vistoria da residência de Lucídio Rodrigues
Sobrinho. (Fig. 74) Essa edificação de implantação isolada no lote marca a relação
com a Rua Antunes Ribas pelo recuo frontal ao alinhamento. Os parâmetros formais
dessa edificação são marcados por um eixo e pela existência de uma frontalidade
que rompe com a continuidade do beiral e caracteriza um grau de imponência à
edificação. O uso do telhado aparente, com beirais mais sobressalentes ao volume
regular do sobrado, denota uma modernidade mais conservadora. Esta arquitetura
caracteriza-se pelo uso de formas mais tradicionais e contidas em um jogo de
volumes simétricos. A adoção de um volume central principal cuja parte superior
revela uma iniciativa decorativa e menção a um coroamento geométrico através de
uma ornamentação aditiva e subtrativa
262
.
262
Edificação com coroamento parecido existente em Porto Alegre, trata-se da casa Morganti, de
1933, localizada na Rua Oscar Bittencourt, número antigo: 71, número atual: 297. Engenheiro
150
Figura 74 – Casa Rodrigues Sobrinho. Situação e vista
FOTO: Rodrigo Fabrício Kerber, 2005.
As casas acima referidas podem ser consideradas fatos urbanos, não só
pela maneira singular de formação do tecido urbano, pelas suas implantações, pelas
suas formas e seus elementos constituintes e criação de uma paisagem
diferenciada, mas principalmente porque foram capazes de difundir idéias até então
jamais feitas em Santo Ângelo. São formas incomuns e arrojadas e, certamente
revolucionaram a maneira de ver e de viver a habitação na vila, de maneira mais
tradicional ou subversiva. Suas formas foram representativas do contexto da época
por sua analogia à máquina, à aerodinâmica, a um maior rendimento e à importância
da técnica no fazer um cotidiano urbano. Além disso, refletiam uma possível
metáfora ao uso das formas náuticas, seja pela janela-escotilha, pela janela em
curva, pelo parapeito composto por tubos metálicos e pela maior dinâmica das
formas, permitidas pelo uso do concreto armado, seja por maiores vãos ou maiores
balanços. São formas harmoniosamente dispostas que instituíram uma nova
maneira de fazer, de morar e de enxergar a residência em Santo Ângelo
263
.
As casas construídas durante a década de trinta na Rua Antunes Ribas
representaram uma dupla relevância: a de constituição de uma nova via para o
desenvolvimento morfológico do tecido urbano em expansão (metade oeste) e de
um novo caminho através da instauração da modernidade na arquitetura da cidade
através da introdução de novas formas e linguagens.
Construtor: Antônio Mascarello - Proprietário: Francisco José Morganti, Ver: projeto arquitetônico:
Filme 54 / 35mm - Processo: 4192/33, Arquivo Público Municipal de Porto Alegre-RS.
263
O avanço e disseminação de uma estética da máquina e o avanço da tecnologia foram
amplamente divulgados na época. Estas correlacionadas aos aviões, aos navios, aos trens e aos
carros. Ver: DE FUSCO, Renato. História de la arquitectura contemporânea. Madrid: Hermann Blume,
1981, p 298.
151
4.2. Pelos monumentos
Existem setores específicos da localidade que podem ser identificados como
pontos singulares, locus, que trazem em si uma capacidade histórica e uma relação
singular, mas ao mesmo tempo universal; existe uma situação peculiar em que as
construções que se encontram em um determinado lugar são predestinadas à
história do próprio território, são signos concretos do espaço.
Contudo:
A obra de arte determina um espaço urbano: O que a produz é a
necessidade, para quem vive e opera no espaço, de representar para si de
uma forma autêntica ou distorcida a situação espacial em que opera.
264
Assim segundo Rossi:
[...] a construção, o monumento e a cidade tornam-se coisa humana por
excelência; mas enquanto tais, estão profundamente ligados ao
acontecimento original [...] ao arbitrário e a tradição
265
.
A individualidade dos monumentos, da cidade, das construções é:
[...] determinado pelo espaço e pelo tempo, por uma dimensão topográfica e
por sua forma, por ser sede de acontecimentos antigos e novos, por sua
memória.
266
A presença específica de determinadas arquiteturas carregam em si um
“testemunho”
267
, e, segundo Rossi, os monumentos são como datas: sem elas, sem
um antes e um depois, não se poderia compreender a história
268
e, por
conseqüência, os fatos, sejam eles oficiais ou espontâneos. Assim.
[...] algumas grandes construções integradas na paisagem [...] são
elementos urbanos porque têm a validade da sua representação pela
experiência das cidades, não só no plano técnico e figurativo, mas também
no da organização interna, na variedade das relações hierárquicas
interdependentes altamente selecionadas. São localizações num ambiente
natural de elementos artificiais complexos, tornados explícitos exatamente
pela sua forma arquitetônica [...]
269
.
264
ARGAN, Giulio Carlo. História da arte como História da Cidade. São Paulo: Martins Fontes, 2005,
p.2.
265
ROSSI, Aldo. Op. Cit., p.149.
266
ROSSI, Aldo. Op. Cit. p. 152.
267
AYMONINO, Carlo. Op. Cit. p. 12
268
ROSSI, Aldo. Op. Cit. p.192.
269
AYMONINO, Carlo. Op. Cit., p. 12
152
“O monumento tem, todavia, necessidade de uma dimensão particular, que
como tal é excepcional”
270
, seja através de uma solução particular, por ser a
primeira, ou pela repetição de uma solução já amplamente aceita. Assim:
O aspecto físico da representação muda, num ou noutro caso, de cidade
para cidade, ou ainda na mesma cidade em tempos diferentes;
diferenciando, enriquecendo ou deturpando-lhe o significado. A repetição ou
a sobreposição de tipologias específicas [...] perdem ou não significado
segundo as cidades particulares, nas sucessivas reelaborações que esses
fenômenos sofreram relativamente a uma determinada representação (na
sua relação com a forma urbana).
271
A importância do caráter de monumentalidade de determinadas arquiteturas,
ao transformarem-se em referência na cidade é grande, são capazes de definirem
um grau de hierarquia urbana pela ordenação do espaço circundante, seja ele formal
ou representativo que, segundo Ricaldoni:
Lo monumental es la sensacion de superioridad material y espiritual que
provoca uma obra, por la perfeccion de su forma y elevacion de la idea
expressada
272
.
Nessa mesma análise da importância de determinadas arquiteturas com
relação ao tecido urbano em que ocupam, segundo Rossi:
O monumento está no centro, é circundado por edifícios, ou se torna lugar
de atração [...] é entendido como um elemento primário de tipo particular.
Ele é um fato urbano típico na medida que resume todas as questões
colocadas pela cidade [...]
273
.
Assim, análise do monumento em Santo Ângelo refere-se a dois lotes
ligados aos seus respectivos contextos e setores da cidade. A Igreja da Matriz que é
uma obra institucional, tem a capacidade de demonstrar-se mais dependente do
núcleo fundador da vila, por ser lugar do centro cívico e histórico da cidade. Além
disso, teve seu crescimento ligado à malha da localidade, ao poder. O Cine-Teatro
Municipal, era uma edificação particular, tornou-se gradativamente importante no
contexto local por ser ponto de referência de um centro comercial e de prestação de
serviços. Desenvolveu-se mais conectado à malha do Estado a partir de uma
autonomia própria, a da livre iniciativa.
270
Idem.
271
Ibid.
272
RICALDONI, Américo M. El concepto de lo Monumental em Arquitectura. Arquitetura e Urbanismo,
N° 2. IAB. Março e Abril, 1938, p.61.
273
ROSSI, Aldo. Op. Cit., p.120.
153
Essas construções estavam em dois setores diferenciados da cidade nos
quais essas arquiteturas podem ser destacadas individualmente por seu papel na
forma e na transformação urbana de Santo Ângelo.
Além disso, lotes em um mesmo sítio urbano podem possuir memórias
distintas entre si, pois carregam:
Uma espécie de herança, de permanência, destinada a testemunhar
aspirações e as ambições, pessoais ou coletivas, através de instrumentos
duráveis: os monumentos [...] E a beleza de uma cidade, o seu poder ser
‘arte’, deriva exatamente da contradição existente entre o propósito inicial (o
motivo porque se ergue o monumento) e a realidade mutável do uso dessa
herança (como de todas as heranças)
274
.
A palavra monumento etimologicamente é de origem latina e provém do
verbo monere, que significa lembrar
275
. Essa questão específica referente a essas
arquiteturas pode ser transposta para o plano físico do espaço urbano que foi
produzido em Santo Ângelo, constituído através dos fatos, instaurada entre 1930 e
1945, e determinantes no significado desejado para uma localidade que teve o
espírito do tempo contíguo ao espírito do lugar.
4.2.1. Cine-Teatro Municipal
As transformações na virada da década de trinta para a de quarenta
acarretaram intensas mudanças e uma nova impressão urbana no contexto local de
Santo Ângelo. Setores distintos estavam se configurando rapidamente neste
período, sendo que a metade sul (mais antiga e ligada ao passado) e a metade norte
(mais recente e ligada ao futuro) destoavam em um distinto processo de
desenvolvimento urbano.
Nesse processo, a geologia natural do sítio físico de Santo Ângelo contribuiu
para que na Rua 14 de Julho fosse instalada uma limitação física da urbanização
com a instalação da linha férrea, conforme referido no capítulo anterior.
274
AYMONINO, Carlo. Op. Cit., p.11.
275
“Pode-se afirmar que o monumento está presente em todas as sociedades [...] e é criado
deliberadamente para relacionar a memória e o presente dos indivíduos, diferenciando-se do
monumento histórico que é criado posteriormente [...].” O termo ‘Monumento’ é apreendido por Le
Goff em seu duplo significado: de ‘elevação moral e de construção de um edifício’. PIPPI, Gládis. Op.
Cit. p. 30. Apud: LE GOFF, Jacques. Documento/monumento. Enciclopédia Einaldi. Memória e
História. Imprensa Nacional/Casa da Moeda, Porto. 1984.
154
No entroncamento da principal via de ligação e acesso sul-norte na vila,
construiu-se uma edificação destinada às oficinas do Batalhão Ferroviário e a linha
férrea. Ambas determinaram que esse lugar ficasse vinculado durante a década de
vinte aos equipamento ferroviários recentemente instalados na vila. As atividades de
consertos da oficina foram aumentando na medida em que começou a crescer a
disponibilidade de vagões na localidade e essa esquina ficou destinada a um lugar
de reparos e manutenções, bem como à área burocrática.
276
A importância dessa esquina enquanto lugar diferenciado, ponto de
encontro entre o antigo e o novo e caracterizado pelo fluxo que se consolidava na
vila, determinou uma atividade própria àquele cruzamento.
Se durante a década de vinte a oficina do Batalhão Ferroviário (Fig. 73) não
tinha uma importância para o uso direto da sociedade, com o passar dos anos essa
edificação tornou-se inviável no tecido urbano por se tratar de uma oficina em meio à
consolidação de uma centralidade.
Figura 75 – Batalhão ferroviário em desativação
FONTE: AHMACPS
A transformação dessa parte da localidade a partir da retirada da linha
férrea, conformando uma quadra nova, diferenciada do restante da urbe pela relação
das atividades ali existentes e pelas edificações ali construídas. Aspectos das
formas das edificações àquele setor singular da cidade, definiram uma hierarquia
276
Os responsáveis pela construção da linha férrea eram os oficiais da engenharia do Exército
Nacional, sendo que o mais conhecido foi o oficial Luiz Carlos Prestes, que em outubro de 1924
interrompeu esses serviços no reconhecido “Levante de Prestes”. Há indícios de que Prestes
trabalhava em um escritório nessa oficina Ver: FREITAS, Délcio José Possebon; VELOZO, Helena
Stochero; DONADEL, Marinei.. Um olhar sobre os aspectos históricos e geográficos de Santo Ângelo.
Santo Ângelo: EdiURI, 2005, p.53. BINDÉ, Wilmar campos. Op.Cit., 2006, p. 217-218.
155
urbana, e uma massa construída distinta a partir da Rua 14 de Julho, conforme já
referido anteriormente.
O destaque dessa esquina enquanto local destinado a outro
empreendimento não tardou e em fins da década de trinta e início de quarenta, a
edificação, antes destinada à manutenção dos vagões, começou a ser
desmontada
277
. Partes desse antigo prédio serviram de base para a nova edificação
que se pretendia construir
278
, um cinema. Foram destinados três lotes à nova
edificação
279
e a licença para a construção da mesma foi fornecida em 17 de
Novembro de 1941 à Construtora Santo Angelense Ltda.
Assim, a construção do primeiro cinema da cidade, o Cine-Teatro Municipal,
de propriedade de Henrique Möller Filho, constituiu-se em uma arquitetura que
intensificou a paisagem em densificação de Santo Ângelo.
Foi pela inserção dessa arquitetura, pela sua capacidade de conformar boa
parte da quadra da qual fazia parte através de uma implantação em “L”, que o
cinema solidarizou-se com o tecido urbano existente e comandou a paisagem
construída pela imponência de suas formas. Percebe-se uma contextualização às
edificações precedentes dispostas ao longo da Rua 14 de Julho que foram
construídas alguns anos antes. (Ver: Fig. 70 )
A capacidade de se distinguir do contexto urbano, não apenas pela sua
atividade profana de lazer, mas pela forma como um todo, estava presente na
concepção arquitetônica do Cine-Teatro Municipal. Pela maneira intensa de
implantação de uma massa arquitetônica única edificada apresentada em uma
horizontalidade predominante, mas, sobretudo pela interrupção dessa constância
277
De acordo com o Registro de Imóveis, essa esquina em 18.08.1916 pertencia a Comissão
Constructora de Estrada de Ferro de Cruz Alta à Barra do Ijuí, conforme Transcrição n°2.359. Em
06.10.1932 a Prefeitura Municipal comprou a referida esquina, conforme Transcrição n° 5.515.
278
Através de depoimento de Jérson Fontana, ator e participante do grupo de Teatro Universitário de
Santo Ângelo, no início da década de 1980. Segundo relato deste, durante os ensaios, quando chovia
era possível ver em partes das paredes as antigas aberturas do Ferroviário que serviram de base
para a construção do Cine Municipal. Cabe ressaltar que esse grupo teve grande importância na
tentativa de preservação dessa edificação pela criação de um movimento em prol da manutenção do
símbolo da cultura e patrimônio que o prédio representava para a cidade na época. Participaram
deste movimento: Paulo Menezes, Dalmir Ledur, Carlos Edmílson Guterres, Antônio Kalb, Luísa Kalb,
Telismar Lemos, Vanda Prado, além do próprio Jérson Fontana. Entretanto, a demolição começou
em uma madrugada de 1984, pela base de trabalho dos atores: o palco e as cadeiras. Entrevista
concedida ao autor em 26.09.07, em Santo Ângelo.
279
Conforme Livro de Registro de Construções da Prefeitura Municipal de Santo Ângelo, de 1933 a
1943. Os três lotes que faziam parte do terreno do Cine-Teatro Municipal, cuja numeração foi feita
pela Rua Marquês do Herval, pelos números: 1.401,1.413 e 1.423.
156
através da surpresa do elemento vertical cilíndrico que se sobressaia na paisagem
urbana.
Percebia-se a conformação do espaço urbano pela ocupação de lote em
desnível, contextualizando o terreno, tanto na planimetria, quanto na altimetria. A
colocação da torre em destaque na parte mais baixa da esquina e o restante da
edificação adaptando-se ao declive natural do terreno revelava uma implantação
originária da forma do lugar, além de ter conformado boa parte da quadra a que
pertencia e que configurava. (Fig. 76 e 77)
Figura 76 – Batalhão ferroviário e cinema: dois equipamentos ligados ao movimento
Figura 77 – Esquema da edificação do cinema x sítio
É com essa edificação que se consolidava o cruzamento das ruas a partir de
uma torre, cuja cobertura, em um plano circular de concreto deslocado do corpo da
mesma, intermediava a relação entre cheios e vazios da edificação; além de a torrre
fazer a inflexão entre as duas vias, passou a ser um marco urbano entre a cidade
nova e a antiga. Também consolidou uma demarcação pela presença edificatória
encaixada na paisagem construída, aspecto que equilibrava a perspectiva do
transeunte, tornando-se uma presença constante no alinhamento, seja pela Rua 14
de Julho ou pela Rua Marques do Herval, pois a edificação apresentava-se com uma
relação diferenciada com o passeio. Tornou-se importante marco na cidade dos
anos quarenta.
157
Conforme reportagem da época, pode-se perceber a importância social de
um local destinado à cultura, mas que também era arquitetonicamente
representativo das atividades nele contidas.
Assim o cinema:
[...] é um centro de diversões que honra de maneira invejável a culta
sociedade Santoangelense.
Instalado num edifício especialmente construído para um cinema, a
empreza do Sr. Ernesto Formigheri desfruta de sólido prestígio no seio da
coletividade de Santo Ângelo, servindo de motivo para justo orgulho de todo
o santoangelense que presa sua terra natal.
Pela fotografia que estampamos nesta página, ao lado deste comentário, se
evidencia de maneira precisa, a importância que representa, no seio da
coletividade desta cidade, o magestoso e moderno Cine-Teatro Municipal,
cuja aparelhagem técnica e conforto atendem perfeitamente as exigências
de seus habitues.
A gerência do Cine-Teatro Municipal está confiada ao espírito
empreendedor e inteligente do Sr. René Stumpf, que vem desenvolvendo
ingentes esforços no sentido de corresponder a expectativa da culta platéia
da luxuosa casa de diversões [...]
280
A edificação destinada ao lazer de uma sociedade mais complexa
transformou aquela esquina de grande movimento durante a década de vinte. O
funcionamento das máquinas e vagões refletiu-se nas formas arredondadas e
aerodinâmicas; uma possível metáfora ao deslocamento intrínseco àquele lugar na
localidade compôs a esquina enquanto referência às novas atividades ali contidas.
A redução das distâncias e o ganho de tempo transformaram-se em
expressão do deslocamento; inicialmente dos vagões que iam e vinham, pela
importância das máquinas e das ferramentas este movimento passou para o projetor
quadro-a-quadro. Da combustão à energia elétrica, a experiência com outras
realidades, antes pelas viagens, transpôs-se para as telas. O contato com outros
lugares, antes feito pelo deslocamento ritmado e compassado pelo barulho dos
trilhos, tornou-se instantâneo através dos filmes.
Este novo tempo, segundo Anelli é:
A vontade de ser moderno, entendido como uma diferenciação do que é
arcaico, passa por uma valorização estética das manifestações da técnica e
da urbanidade, de maneira semelhante ao Futurismo, que glorifica a
velocidade e a destruição daquilo que é velho. Neste processo tudo que é
novo torna-se igualmente moderno. Todos os cinemas foram saudados pela
imprensa nas suas inaugurações como modernos
281
280
DIÁRIO DA MANHÃ. CINE-TEATRO MUNICIPAL: o moderníssimo estabelecimento de diversões
de Santo Ângelo. Edição especial de Santo Ângelo, 1943 s/p.
281
ANELLI, Renato. Op. Cit., p. 35.
158
A modernidade traduzida nessa arquitetura expressou estas questões; foi
construída inovadoramente, em uma relação diferenciada entre edificação e tecido
urbano, que ultrapassou a forma e adquiriu uma representatividade pela curva em
analogia à expressão de dinamismo. Além disso, revelou-se de maneira própria ao
lugar, mas certamente ultrapassou as fronteiras da própria cidade, como os trilhos
que ligavam a outros centros
282
. Talvez essa edificação esteja conectada às
lembranças de uma sociedade mais recentemente instalada, cujas formas
arquitetônicas podiam ficar mais à parte da tradição em prol de uma arquitetura
independente, autônoma e identificada a um novo setor importante da cidade.
Esse “edifício não é um espectador indiferente ao zumbido dos carros, nem
ao fluxo e refluxo do tráfego, mas a um elemento que havia se transformado em
receptor e participante do movimento que o rodeava”
283
. E por estar em local mais
baixo, tornou-se um entroncamento marcadamente diferenciado na forma urbana do
centro de Santo Ângelo, inclusive por tornar-se se um ponto de convergência de
efeitos
284
(Fig. 78).
Figura 78 – Entroncamento das Ruas Marquês do Herval com a 14 de Julho.
Vista Norte
FONTE: AHMACPS
282
As formas do Cine-Teatro Municipal são por demais semelhantes com as projetadas pelo arquiteto
Erich Mendelsohn para a loja Schocken, em Stuttgart, Alemanha, em 1926-1928. Esta analogia
provém do uso do elemento curvo mais alto, das formas horizontais reforçadas pelas linhas da
fachada e pela implantação em desnível e de esquina. Aspectos também passíveis de serem vistos
tanto na arquitetura do expressionismo alemão quanto na edificação Santo-angelense. A curva como
“potencial semântico” estava ocorrendo na América Latina como um todo na época: “Si Le Corbusier
fuera considerado el padre de los jóvenes modernistas locales, Mendelsohn sería algo así como el ‘tio
predilecto’”. BROWNE, Enrique. Outra arquitectura en América Latina. México: Gustavo Gilli, 1982,
p.33
283
PEHNT, Wolfgang. La arquitectura expressionista. Barcelona: G. Gilli, 1975, p. 124.
284
RICALDONI, Américo M. El concepto de lo Monumental em Arquitectura. Arquitetura e Urbanismo,
N° 2. IAB. Março e Abril, 1938, p.119.
159
4.2.2. A igreja da metrópole
[...] os jesuítas parecem ter querido demonstrar, de modo simbólico, a sua
intenção de não ir mais longe, pois sendo as igrejas de todas aldeias
voltadas para o norte, a de Santo Ângelo olha para o sul [...]
285
[1822]
Das construções jesuíticas, restou somente a fachada pontiaguda da igreja,
adornada com magníficos trabalhos esculpidos em pedra [...]
286
[1877]
Em nossa vizita em 1886 começavam a demolir parte do frontispício para
aproveitar os materiais da capella, que pretendiam construir.
287
O sítio físico da metade sul, mais antiga, foi caracterizado pelas
permanências, no qual a existência, a continuidade das relações político-sociais, as
memórias aos restos jesuíticos mais enraizadas, determinaram que essa parte das
proximidades da Praça Pinheiro Machado ficasse ligada a um centro histórico.
Assim:
O aspecto físico da representação muda [...] de cidade para cidade, ou
ainda na mesma cidade em tempos diferentes; diferenciando, enriquecendo
ou deturpando-lhe o significado
288
.
As arquiteturas religiosas contribuíram para o desenvolvimento do projeto de
cidade de Santo Ângelo ao longo de sua história, além de terem importância por
diversos aspectos: por ocuparem hierarquicamente uma posição de destaque no
tecido urbano e por determinarem uma imagem ligada a uma atividade sagrada,
capaz de diferenciar-se pelas suas formas e escala, além da sua representatividade
contida no uso místico e coletivo das mesmas. Além disso, onde o poder de
importância presencial é determinado na paisagem construída e na imagem da
localidade como um todo, pois está situada no alto de uma coxilha visível a partir de
todas as partes da vila, portanto capaz de tornar-se se um ponto de divergência de
efeitos
289
.
Em Santo Ângelo, houve três igrejas sobrepostas ao longo da história em
um lote reconhecidamente importante. Foi a sétima redução jesuítica a ser fundada
no território das Missões em 1707. Teve seu tecido urbano sobreposto nas
285
SAINT-HILAIRE, Auguste de. Viagem ao Rio Grande do Sul. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia, 1974,
p.155. Sanit-Hilaire quando este passou por Santo Ângelo em março de 1822.
286
BESCHOREN, Maximiliano. In: TEIXEIRA, Júlia Schütz (org.)
Impressões de viagem na Província do Rio Grande do Sul. Porto
Alegre: Martins Livreiro, 1989, p.72.
287
SILVEIRA, Hemetério José Velloso da. Op. Cit. p.225.
288
AYMONINO, Carlo. Op. Cit., p. 12.
289
RICALDONI, Américo M. Op. Cit., p.119.
160
proximidades da Praça Pinheiro Machado ao longo de fins do século XIX e início do
XX. Dessa forma, o antigo centro reducional tornou-se um local de referência urbana
para a formação e contituição de Santo Ângelo, a partir da sobreposição dos tecidos
urbanos ao pré-existente como visto anteriormente. Especialmente as igrejas,
construídas no mesmo local das anteriores representaram arquitetonicamente uma
categoria urbana vivenciada ou requerida, pois na medida em que a povoação se
desenvolvia, tornava-se freguesia, passando a capela para igreja matriz
290
Com relação às três igrejas sobrepostas, pode-se listá-las: nos
remanescentes do templo jesuítico construído no século XVIII, na igreja construída
pelos re-povoadores em fins do Império e a igreja do século XX em fins da República
Velha (Fig. 79).
Figura 79 – Sobreposição das Igrejas
FONTE: Núcleo de processamento NUGEO, 2007
A partir de trabalho da arqueóloga Raquel M. Rech.
Elaborado do original pelo autor, 2008
Quanto à igreja dos jesuítas, não existem muitas informações, mas sabe-se
que seus remanescentes existiram até fins do Império, quando ainda se fazia
presente em Santo Ângelo o frontispício do antigo templo do século XVIII (Fig.80).
290
MACEDO, Francisco Riopardense. História das profissões da área tecnológica no Rio Grande do
Sul. Porto Alegre: CREA-RS, 1993, p.88.
161
Figura 80 – Fachada das ruínas da Igreja de Santo Ângelo Custódio.
Desenho de Carlos Pettermann, 1860-61.
FONTE: SILVEIRA, Hemetério José Velloso da, 1910.
Existem referências sobre a arquitetura religiosa de Santo Ângelo a partir do
ano em que se constitui fisicamente o povoado. Sobre a “Igreja da Freguezia de
Santo Ângelo”
291
em 1860, o major engenheiro militar, José Maria Pereira de
Campos
292
, examinou o frontispício do antigo templo, mas o considerou ‘muito
arruinado’. Parte do relatório transcrito por Macedo esclarece a intenção do referido
profissional com relação à nova igreja, na qual se pretendeu “decorar a fachada do
seu frontispício e o interior da capela-mor com algumas dessas peças de arquitetura,
que existam perfeitas, perpetuando-se assim a memória daquele antigo povo [...].”
293
.
Conforme documentos encontrados no Arquivo Histórico do Rio Grande do
Sul, no início de 1871 já existia uma comissão para a “Igreja Matriz da Freguesia de
Santo Ângelo (nova)”
294
, cujo presidente era o Doutor Antônio Gomes Pinheiro
Machado, nomeado em 4 de março de 1871. E, dois anos mais tarde, em fins de
maio de 1873, foi enviada carta ao Presidente da Província, na qual se demonstrava
a preocupação com a integridade das “reminiscências” do antigo povo santo-
angelense, estas, cada vez mais “remotas”. Nesse documento, fala-se da
necessidade de um engenheiro ir até Santo Ângelo para realizar os “necessários
exames” no frontispício do antigo templo, inclusive de que na obra fosse feita
291
MACEDO, Francisco Riopardense. Op. Cit., p.91.
292
Uma das figuras de maior serviço prestado na Secretaria de Obras Públicas no período de 1848 a
1867. Ver: WEIMER, Günter. Arquitetos e Construtores Rio-Grandenses na Colônia e no Império.
Santa Maria: Editora UFSM, 2006, p. 53.
293
Macedo ressalta este fato. Nas palavras do próprio autor: “Este talvez seja o primeiro registro de
um levantamento cadastral de um bem do patrimônio arquitetônico existente e de preocupação de
preservação de elementos da produção cultural de uma comunidade, através de sua reutilização”.
Idem.
294
Livros números 94 (1861-1877), referente às Obras Públicas das comissões da Igreja de Santo
Ângelo, folha 21.
162
inicialmente apenas a capela-mor, deixando a “grande fachada” protegida das
intempéries para que posteriormente “fosse ela aproveitada na construção de um
corpo principal condigno, não só de suas grande dimensões, como do progresso
sempre crescente da população em que está situada.”
295
Em fins do Império, existiam duas linhas de pensamento diferentes sobre a
materialização do poder religioso na freguesia de Santo Ângelo, com intuitos
parecidos, mas percepções bem distintas. Uns viam no frontispício da antiga igreja
jesuítica uma verdadeira ruína, em que poderia se preservar alguns elementos
jesuítico-guaranis, a partir da re-utilização dos seus artefatos, utilizando-os em uma
nova igreja. E, outros que consideravam aquela ruína como um patrimônio e
percebiam a importância do frontispício do antigo templo na sua totalidade, mesmo
que degradado, planejava-se a preservação total do mesmo. Com relação ao
frontispício do templo jesuítico existente em santo Ângelo em 1873 e que pretendia
preservar “para realçar o seu mérito [...] com a evocação das reminiscências [...]
daquela antiga redução”,
296
conforme relato de Domingos Francisco do Santos
297
.
Assim, se por um lado a idéia era constituir uma nova localidade através da
casas dos pioneiros, facilitada pelos restos das habitações indígenas, tanto na
construção, quanto na delineação da ocupação urbana, por outro, essa expressão
física do desejo de um início urbano e efetivação de um lugar com uma sociedade e
seus poderes, não aconteceu de maneira imediata na construção da igreja da
freguesia. Ao que tudo indica, esse atraso na construção do símbolo do poder
religioso ocorreu pela tentativa de proteção ao patrimônio jesuítico existente, algo
não unânime, mas pioneiro na época
298
. O que não aconteceu, sobretudo pela
crescente dificuldade financeira que a província vivenciava com a escassez de
295
CARTA de Domingos Francisco dos Santos ao Presidente da Província, em 1873. Nesta, ele cita
não haver encontrado a planta da fachada da antiga igreja jesuítica de Santo Ângelo. Arquivo
Histórico do Rio Grande do Sul.
296
CARTA de Domingos Francisco dos Santos ao Presidente da Província, em 1873.
297
Foi encarregado da construção do Palácio Provisório em Porto Alegre, “que se constitui numa das
obras mais importantes do governo estadual da última fase do Império. Em 1868, envolveu-se com a
conservação de obras de quartéis, o que indica sua condição de militar”. Ver: WEIMER, Günter. Op.
Cit., 2006, p.182.
298
Certamente esse plano de preservação foi impossibilitado pela dificuldade de se levar tal
planejamento adiante, o que pode ser atribuído à dificuldades de lidar com esse tipo de trabalho, algo
que necessitava de um corpo de técnicos especializados.
163
recursos causada pela “separação” entre Estado e Igreja na proximidade da
República conforme é por Weimer
299
analisado:
[...] se compararmos a evolução do fluxo destes investimentos, vemos que
houve um aumento descontínuo, mas constante até meados da 1870
quando, subitamente caíram para valores insignificantes. Isto foi devido à
chamada ‘Questão Religiosa’
Em maio de 1887 nomeou-se o Padre Francisco Rascitte de Morano como
presidente da comissão da construção da “Matriz de Santo Ângelo
300
.
Assim, Silveira comenta que “não se completou o pensamento do
restaurador dessa redução, que era aproveitar todo o frontispício e construir o corpo
da igreja, menor que o antigo”
301
. De acordo com este, “em 1886 começavam a
demolir parte do frontispício para aproveitar os materiais da capela que pretendiam
construir”
302
.
Dois anos mais tarde, em novembro de 1888, fora inaugurada a construção
da nova Igreja da Matriz, recente instalação para o, agora, recém-criado município
de Santo Ângelo, desde a Lei Provincial, número 835 de 22 de março de 1873. A
paróquia improvisada em uma casa fora suficiente para a freguesia durante os anos
no Império, mas para a vila se constituir em todos os setores administrativos durante
a República, a construção da matriz como símbolo de poder religioso falou mais alto.
Uma dinâmica econômica que os representantes do poder local santo-angelense
não souberam considerar. O imediatismo da construção local, através do uso das
pedras da antiga redução
303
e da antiga igreja, foi a solução daquele momento para
a falta de recursos, a fim de resolver o “problema principal”: a ocupação física e
contemporânea de todos os poderes, não mais à maneira pretérita da Companhia de
Jesus.
Assim, a arquitetura da segunda igreja de Santo Ângelo foi erguida com as
pedras do antigo templo jesuítico em fins do século XIX. E, aos moldes das matrizes
que foram feitas nas vilas e freguesias pioneiras na metade leste do Rio Grande do
299
WEIMER, Günter. Estruturas sociais gaúchas e arquitetura. In: BERTUSSI, Paulo Iroquez et alli. A
Arquitetura no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1983, p. 155-189, p. 172
300
Livros número 95 (1864 a 1891) referentes às Obras Públicas das comissões da Igreja de Santo
Ângelo, folha 14.
301
SILVEIRA, Hemetério José Velloso da. Op. Cit. p. 225.
302
Idem.
303
Esse imediatismo, ligado à falta de recursos, confirma-se no período subseqüente e estão
registrados nos “Livros de Actos do Intendente – período de 1897 a 1918”, relativos a venda das
pedras dos povoados jesuíticos. IN: NAGEL, Liane Maria...p. 258.
164
Sul durante o decorrer do século XVIII, construiu-se uma igreja semelhante em um
território onde as características das edificações refletiam o domínio do território
português
304
. Na medida em que as Missões foram incorporadas à Coroa
portuguesa, decidiu-se edificar uma Igreja de acordo com a nova sociedade ali
instalada, uma arquitetura representativa da nova ocupação local estabelecida há
quase três décadas. (Fig. 81)
Figura 81 – Segunda Igreja de Santo Ângelo, década de 1920.
FONTE: AHMACPS
Entretanto, ao depender de constantes manutenções
305
e pelo tamanho já
defasado para a localidade que crescia, a existência da matriz construída no início
da República tornou-se inviável precocemente na década de vinte. Resolveu-se,
então, pela demolição progressiva da mesma.
306
A segunda igreja deu lugar à nova sede religiosa, a terceira arquitetura de
Santo Ângelo construída naquele mesmo local. O começo das obras desta remonta
a fins de 1929 (Fig. 82). Porém, a dificuldade imposta pelas questões políticas
nacionais, altamente instáveis do ano seguinte, certamente interferiram na
continuação dos trabalhos da nova igreja, cujos esforços foram reiniciados somente
em 1934 depois de aproximadamente três anos de obras paradas, perdurando até
fins da década de trinta.
304
Pode-se citar as Igreja Matriz de São Pedro em Rio Grande, a Igreja Matriz de Nossa Senhora da
Conceição de Viamão e a Igreja Matriz de Santo Amaro. Todas construídas no século XVIII.
305
Conforme relatório, a segunda igreja comportava 500 pessoas e era composta por três altares.
Relatório da Intendência de 1929, p 106.
306
A demolição completa ocorreu possivelmente em fins de 1944, quando fora relatado no Livro
Tombo da Igreja, ter sido encontrado documento nos alicerces da mesma. Este documento referente
à colocação da pedra fundamental de sua construção foi no ano de 1888.
165
Figura 82 – Início da Construção da terceira arquitetura religiosa, 1929-30
FONTE: AHMACPS
Pelo decreto em início de 1938, Santo Ângelo recebe a denominação de
cidade. Aspecto igualmente relevante é a crescente curiosidade pelas ruínas da
Igreja de São Miguel das Missões e aumento do interesse por esta área enquanto
sítio histórico
307
. Outro fato que deve ser também considerado é a atenção dada
pelo poder público através de envio de profissionais de renome para inventariar os
remanescentes jesuíticos. Assim, em fins da década de trinta, os arquitetos Lucas
Mayhoeffer e Lúcio Costa a trabalho pelo recém criado Serviço Histórico do
Patrimônio Nacional começaram a catalogar os artefatos das missões jesuíticas. Em
Santo Ângelo, o trabalho de Lúcio Costa resultou em relatório expedido para aquele
órgão federal, no qual relata que se tratava apenas de elementos da antiga
povoação jesuítica
308
.
Esse contexto de crescente focalização das atenções às ruínas da igreja de
São Miguel, fez com que, na época, autoridades como o próprio cônsul dos Estados
Unidos no Rio Grande do Sul fossem admirar as belezas daquela antiga edificação
307
Para melhor entendimento, o município de São Miguel das Missões, pertence ao município de
Santo Ângelo até 1988.
308
Possivelmente os mesmos utilizados, de acordo com as intenções do engenheiro militar referido,
José Maria Pereira de Campos, quando afirmou em usar as “peças de arquitetura” como decoração
da fachada em 1860.
Neste relatório Lúcio Costa fala de que em Santo Ângelo existia “apenas
algumas bases de pilastras, cinco pedras com esculturas, incorporadas à fachada da igreja da época
[...] colunas do antigo pórtico, e uma pia de batismo de grês, além de nove imagens sendo uma do
Senhor Morto [...] Vestígios de muros, bases de pilares e colunas, bem como pedras soltas em alguns
quintais, dando destaque à cruz monolítica que existia no cemitério local.” IN: NAGEL, Liane
Maria...p. 262. Em nível de registro, há referência de que o referido arquiteto hospedou-se no Hotel
Brasil em Santo Ângelo. Informação prestada pelo Sr. Léo Fett em encontro sobre alguns prédios
antigos na Universidade Regional Integrada em fins de 2007.Ver: MACEDO, Francisco Riopardense.
Op. Cit. p. 91.
166
jesuítica. Todos esses acontecimentos fizeram com que as autoridades locais santo-
angelenses, começassem a perceber a importância daquela área e futuro sítio
arqueológico.
Essa posição destacada no âmbito regional e Estadual foi disseminada por
reportagens de jornais na época, nos quais demonstravam o lazer de políticos santo-
angelenses e de suas famílias ao visitarem aquele sítio. Esse aparente modismo de
um simples passeio revelava um certo cerimonial com um interesse específico: a
promoção local.
Para se contextualizar, São Miguel era pertencente ao município de Santo
Ângelo e muito distante da área urbana deste
309
, e esta distância se tornou um
problema para as intenções de promoção do município sede e efetivação de uma
cidade-monumental.
Notoriedade comum a um Estado Novo propagandista à parte, não tardou a
idéia de se trazer a fachada daquela edificação jesuítica para Santo Ângelo.
Certamente, essa idéia tenha sido exposta pela primeira vez em fins da
década de trinta
310
. Posteriormente, foi se sedimentando através do apoio da própria
comissão de construção da igreja e se oficializou com a concordância do poder
público, inicialmente, municipal, em seguida estadual e nacional
311
.
Segundo reportagem de jornal:
A população não tem faltado, como de costume, com o seu sempre pronto
concurso para tudo quanto é pelo engrandecimento de nossa terra. E é por
isso, de ver-se com satisfação, não só católicos, como de outros credos
religiosos e até os sem religião, pressurosamente concorrerem para a
309
Aproximadamente 80 km. Deve-se ressaltar que a aparência das ruínas da igreja de São Miguel
das Missões estava em modificação. Entre 1925 e 1928 foram feitos os desmatamentos e limpezas
das vegetações para inserção de trilhos de trem o que proporcionou uma primeira estabilização,
trabalho feito pelo engenheiro João Dahne. E entre 1938 a 1940 com orientação de Lúcio Costa e sob
responsabilidade do arquiteto Lucas Mayhoffer realizaram-se trabalhos de estabilização e reaprumos
das fundações. Ver: DE CURTIS, J. N. B. O Espaço Urbano e a Arquitetura produzidos pelos Sete
Povos das Missões. In: WEIMER, Gunter. Op. Cit., 1993, p.47-48.
310
Em jornal “A Tribuna Regional”. Fatos do Passado, reportagem de 01.05.1977, o engenheiro civil
José Carlos Medaglia auto atribui-se a idéia deste empreendimento fachadista. Nesta mesma
reportagem, fala da intenção de colocar a Cruz de Lorena, original no frontispício da Igreja em
construção, algo que o Departamento do Patrimônio Histórico e Artístico Federal não permitiu.
Através de outra referência, sabe-se que esta cruz permaneceu em Santo Ângelo até 1939, quando
foi compor o sítio arqueológico de São Miguel, onde permanece até hoje. Por esses motivos, o fim da
década de trinta, apresenta-se como indício forte do surgimento da idéia de tal projeto para a nova
fachada da igreja da cidade de Santo Ângelo em construção na época.
311
Curiosamente justamente nesse período de 1939 a 1944, o Livro Tombo da Igreja nada referencia
sobre as obras da nova matriz. Nem re-início das mesmas, como em outros momentos da construção
da mesma.
167
ereção desse monumento arquitetônico que reproduzirá a fachada da obra
gigantesca do jesuíta pioneiro da nossa civilisação.
Por sua vez, os governos federal, estadual e municipal acolheram com
simpatia a feliz idéia de refazer-se no nosso templo de Santo Ângelo a
majestosa frente da Catedral de São Miguel, por isso que as ruínas desta
constituem hoje monumento nacional e reproduzi-las é recordar aquele
passado de que tanto nos orgulhamos e reviver a arte missioneira, de tanta
beleza.
312
Em fins de 1944, no livro tombo da igreja, consta: “encerrou-se o ano com
preparativos para as obras da nova matriz. Antes ela passará por uma reforma no
interior para depois completar a obra”.
Para se entender como ocorreu o processo da construção da terceira igreja
naquele mesmo lugar, tem-se no livro tombo que as obras foram iniciadas em 18 de
setembro de 1929 e que, depois de aprovadas as plantas do projeto feitas pelo
engenheiro-arquiteto Josef Franz Seraph Lutzenberger
313
, foi criada a comissão da
construção da nova matriz.
A construção da nova igreja foi iniciada pela parte posterior, devido à
necessidade de não interrupção dos cultos que ainda eram feitos na antiga igreja
prestes a ser demolida e que ficara dentro da construção da nova igreja.
Para a terceira igreja de Santo Ângelo, percebeu-se um fato relevante na
arquitetura da cidade. Constatou-se isso a partir da perspectiva de postal destinado
à campanha de arrecadação de fundos para a realização da nova matriz. (Fig.83)
312
A Catedral de Santo Ângelo – Auxílio dos Poderes Públicos. Folha Independente. Santo Ângelo, 06
de Julho de 1947.
313
“Nasceu em 13 de janeiro de 1882, em Altoetting, na Baviera, e fez o curso acadêmico de
arquitetura na Koenigliche Technische Hochschule da Baviera, onde se formou em 8 de agosto de
1906 [...] imigrou para o Rio Grande do Sul em 1920”. Ver: WEIMER, Gunter. Arquitetos e
Construtores no Rio Grande do Sul, 1892-1945. Santa Maria:EditoraUFSM, 2004, p. 108-109.
168
Figura 83 – Perspectiva da Igreja da Matriz, 1929.
Engenheiro-arquiteto Josef Lutzenberger
FONTE: LUZ, Maturino da, 2004
A conclusão da terceira igreja de Santo Ângelo constituiu-se em uma
adequação ao pré-existente que vinha sendo edificado durante a década de trinta e
início de quarenta e encontrava-se em adiantada fase de execução, no início desta.
Ao se visualizar a igreja na atualidade, é possível avistar, claramente, as
alas laterais ao fundo, estas também existentes na perspectiva do engenheiro-
arquiteto acima citado. A confirmação in loco, de detalhes da igreja, falam por si só.
Os mais evidentes estão na diferença construtiva entre corpo e fachada, aquele
mais simplificado, esta mais decorada. O primeiro ornamentado com elementos
geometrizados, especialmente frisos
314
; na segunda, o trabalho vincula-se a um
maior decorativismo. Constata-se também a partir da perspectiva de Lutzenberger,
que fora parcialmente executada a base da única torre, quadrangular. Na frente
dessa torre inacabada, revela-se quase uma máscara, que fora adicionada. (Fig.
84) A diferença entre o frontispício e o contorno da torre tanto na forma quanto no
tratamento das superfícies das mesmas atestam esse fato. Outros aspectos mais
específicos do projeto de Lutzenberger estão no pórtico, que contém nicho de uma
314
No livro tombo está registrado a denominação da época para a linguagem adotada por
Lutzenberger, no projeto da igreja de Santo Ângelo, o “estylo romano moderno”. Algo coerente com a
época de simplificação da ornamentação, reflexo da contenção de recursos e mudanças de
paradigmas de fins da década de vinte. Este dado revela-se mais importante na medida em que
pode atribuir esse projeto a uma fase nova do arquiteto que conforme Luz, em fins da década de
vinte, a obra de Lutzenberger “paulatinamente deixa de ser figurativa”. LUZ, Maturino Salvador
Santos da. Op. Cit., p.194.
169
escultura, possivelmente do anjo Custódio símbolo do nome da redução, colocado
em destaque no eixo central da torre singular.
Figura 84 – Fase de execução da nova fachada adaptada à Igreja da Matriz
FONTE: AHMACPS
Quanto às ruínas da Igreja de São Miguel, tiveram e têm um papel
importante pelo significado de sua existência, a qual é composta fisicamente pelos
restos edificatórios de um povo, divulgado enquanto patrimônio na época. Portanto,
detinham uma imagem própria, reconhecidamente importante, culturalmente
consolidada na vida regional, algo conquistado gradualmente ao longo do tempo. A
nova matriz de Santo Ângelo provém desse resgate, mas a partir de um símbolo
regional, de uma obra grandiosa, e tenta no seu término adquirir a
representatividade e imanência de um monumento.
Todo o trabalho da parte frontal da igreja, desde o planejamento até a
execução final, foi delineado por uma obra existente. O projeto final da parte frontal
da Igreja foi concluído em primeiro de maio de 1945
315
, concebido a partir das
formas e elementos arquitetônicos de uma ruína jesuítica. Um conjunto pensado em
um vocabulário próprio, composto por “partes” semelhantes, mas de significados
diferentes, logo com discurso único: o de marcar a recém formada cidade enquanto
315
Segundo Rockenbach, ex-desenhista da firma, nesse trabalho para a parte frontal da igreja de
Santo Ângelo, ajudou ao fazer o levantamento das ruínas de São Miguel, fez desenhos dos detalhes,
pesquisa dos santos e das suas respectivas indumentárias. Rockenbach destaca a atuação do
arquiteto Siegfried Bertholdo Costa, sem o qual esse empreendimento não teria sido possível.
Entrevista do Sr.Rudá Rockenbach ao autor em 04.05.2006. Para uma avaliação mais aprofundada
do projeto, pode ser encontrado em trabalho específico do autor: Ver: As igrejas no projeto da Capital
das Missões: do patrimônio ao monumento (texto digitado).
170
pólo regional. Esse objetivo refletiu-se no próprio pórtico da igreja pela disposição
centralizada do anjo Custódio, rodeado pelas esculturas dos santos padroeiros das
outras reduções.
Se por um lado a localidade se desenvolvia intensamente e tinha este
progresso percebido nas novas linhas de suas edificações, por outro, a importância
de ter em seu território uma pérola histórica que a diferenciava de todas as outras
cidades também acrescentava um grau de distinção à Santo Ângelo. Isso associado
aos interesses econômicos, políticos, e promocionais, revelou-se no que se queria
para a localidade à imagem e semelhança do que começava a ocorrer em São
Miguel, cada vez mais valorizada pelos constantes reparos, em contrapartida a uma
Santo Ângelo que via seu território e sua relevância regional cada vez mais
reduzidos.
Referências simultâneas a um patrimônio e a uma modernidade
representada no contexto urbano na época, criaram uma idéia dicotômica do que se
pretendia definir enquanto identidade de cidade. A cidade já urbanisticamente
configurada esperava pela representação arquitetônica religiosa. A unidade na
configuração urbana construída ao longo das décadas de trinta e início de quarenta,
não se fez presente na parte mais antiga da localidade com o término da nova
Matriz, condizente com a contemporaneidade. A força do território local e o
significado edificatório religioso buscado para a Igreja mais representativa da cidade
foi a adoção de um revivalismo arquitetônico a partir do resgate nacionalista de uma
tradição missioneira em detrimento ao gosto neogótico de traços mais simplificados.
Possivelmente essa obra concebida em fins da década de vinte já não fosse
capaz de satisfazer os novos objetivos e necessidades de abrangência santo-
angelense em um contexto de meados da década de quarenta, prestes à
redemocratização. Talvez da mesma maneira que, em fins do século XIX, quando foi
negada a existência do frontispício jesuítico original, ironicamente foi a partir da
adaptação de uma obra fachadista maquiada com pedra grês que surgiu a tradição
missioneira para uma cidade de traços mais básicos. À essa condição urbana
plasmada através dos anos trinta e quarenta, associou-se a busca por um símbolo
171
que reavivasse a importância de Santo Ângelo na região em outro momento político
e econômico
316
.
Assim, criou-se uma nova categoria, não mais a da freguesia, nem a da
cidade, mas a da autopromoção: nascia a Capital das Missões. No setor da gênese
urbana Santo-angelense, a Nova Matriz de 1929, transformou-se em Catedral
Angelopolitana
317
, a nova sede religiosa dos Sete Povos das Missões
318
(Fig.85).
Figura 85 – Da Igreja da Matriz à Catedral Angelopolitana
FOTO: Rodrigo Fabrício Kerber, 2007
316
A iniciativa de ter na cidade de Santo Ângelo um revivalismo das ruínas de São Miguel ocorreu
certamente em virtude das novas necessidades econômicas e políticas devido a perda econômica
proveniente do desmembramento e criação do município de Santa Rosa em 1931. Além desta, a
perda do posto vantajoso de ponto de fim de linha férrea em 1940, também para Santa Rosa,
determinaram que esse período repercutisse na modificação do planejamento do que se desejava
para a cidade de Santo Ângelo. Estes fatos refletiram-se na mudança do projeto original da igreja
mais representativa da cidade na época através da construção de uma nova fachada.
317
Possivelmente a denominação da igreja com nova fachada esteja atrelada ao desenvolvimento
local, uma homenagem à tradição e à modernidade plasmada no incremento urbano configurado
durante as décadas de trinta e quarenta, tornando-se referência regional, mas em um outro
momento, de redemocratização, quando a Igreja da Matriz foi batizada de Catedral da Metrópole de
Santo Ângelo.
318
As constantes paralisações da obra da igreja em um período de grande instabilidade associado a
crescente demanda de trabalho por parte de Lutzenberger em Porto Alegre, certamente contribuíram
para o desinteresse deste com relação a execução do projeto de sua autoria durante a primeira
metade da década de quarenta e que se arrastava por mais de uma década. Alia-se a isso, a
atividade acadêmica como professor, a qual deve ter influenciado para o completo desligamento
deste arquiteto da obra da nova matriz de Santo Ângelo. Segundo Weimer o contexto da época, o
projeto não era visto como parte separada da construção e portanto não era valorizado como uma
atvidade independemte. Era normalmente vinculado à execução da obra enquanto prestação de um
serviço único.
172
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Percebeu-se ao abordar o processo de desenvolvimento urbano de Santo
Ângelo e sua densificação urbana, que a mesma estava inserida em um contexto
mais amplo. Assim, a partir da República, a idéia de se produzir uma cidade fazia
parte de um projeto estadual e nacional de consolidação de uma nação, e do qual a
construção de Santo Ângelo tornou-se parte integrante especialmente durante a Era
Vargas.
Se para a construção da freguesia em um povoado durante a re-ocupação
da antiga redução de Santo Ângelo Custódio, a apropriação dos remanescentes
jesuíticos foram suficientes na delineação dos limites do Rio Grande do Sul; para a
configuração da nação instaurou-se a arquitetura da cidade foi marcada por um
evento nacional: a Exposição do Centenário Farroupilha, de 1935, capaz de
disseminar a representação urbana de um novo momento, mas também de
oficializar a construção da cidade na promoção de empresas construtoras. Estas,
tornando-se instrumentos privados de uma iniciativa pública, tiveram relevante papel
na construção de um país mais moderno e foram bases de uma política totalitária.
Estes fatos podem ser observados no contexto de Santo Ângelo nas décadas de
trinta e quarenta.
A modernidade na arquitetura da cidade de Santo Ângelo transita entre a
ação de um poder público centralizado, mas baseia-se, sobretudo na força da
imigração no trabalho do campo e na sua contribuição no desenvolvimento de uma
sociedade estruturada e urbana. Onde os desejos de inovação foram calcados em
novos paradigmas arquitetônicos, mais tradicionais ou revolucionários, intrínsecos e
culturalmente originários a partir das possibilidades de produção do lugar,
financiados pelo excedente acumulado proveniente de um ciclo de riqueza
essencialmente agrícola.
Este cenário de urbanização caracterizou-se pela instabilidade social
durante as duas Grandes Gerras e pela maior capacidade de autonomia de Santo
Ângelo na região a partir da conexão da mesma à malha ferroviária do Rio Grande
do Sul, quando se inicia o processo mais acelerado de transformação urbana.
Assim, a implementação de um povoado, mostrou-se com o início da chegada
imigrantista e ocorreu mais intensamente após a vinda substancial de novos
habitantes, fato que se reflete na formação do tecido urbano em dois setores
173
polarizados até a integração entre a metade sul mais antiga, com a metade norte
mais recentemente ocupada.
O desenvolvimento urbano acentuou-se a partir de meados da década de
1920 e por decorrência, os problemas de insalubridade e falta de infra-estrutura de
uma vila em densificação surgiram. Estas necessidades trouxeram novas
possibilidades, o de vir a ser cidade na sua totalidade, tanto em aspectos do
saneamento, quanto da edificação. É a partir da década de trinta que a iniciativa
privada contribui mais efetivamente em um desenvolvimento urbano-social. Neste
sentido, destaca-se a criação e consolidação da construtora Santo Angelense Ltda,
que viabiliza os novos desejos e que responde aos anseios urbanos de uma
sociedade cada vez mais sofisticada.
As arquiteturas pós-1930 foram a solução à crescente demanda urbana
caracterizada pela contenção de recursos, cujos aspectos favoreceram a cooptação
mais ampla por um projeto de modernização nacional, através de um meio
racionalizado, portanto rápido e economicamente mais viável, no qual Santo Ângelo
fez parte. Percebe-se esta mudança de paradigmas voltados para uma capacidade
de produção urbana mais econômica, portanto, financeiramente mais viável na sua
feitura. Seja pelo maior despojamento das superfícies das edificações ou pela
criação de uma nova centralidade na estrutura urbana, a iniciativa de construção de
uma cidade mais concentrada, tornou-se um dos principais objetivos na renovação
de Santo Ângelo da Era Vargas.
Pode-se verificar na análise do traçado urbano que Santo Ângelo tivera
diferentes maneiras de ser feita. A partir de 1930, adotou-se um planejamento
intensivo em substituição ao extensivo, executado na década anterior. Fez-se um
levantamento da localidade e tratou-se o tecido urbano existente enquanto
problema. O planejamento pós-1930 foi determinante na organização e
espacialização da nova forma urbana de Santo Ângelo pela reforma que foi capaz
de proporcionar, inclusive na adoção de parâmetros higienistas, de conforto, do
embelezamento, do melhor aproveitamento, da economia de recursos e do maior
rendimento, cujo destaque está na subdivisão dos lotes urbanos e na possibilidade
de maior densificação da localidade.
A produção de espaços distintos revela o fato de que se pretendia instaurar
uma estrutura urbana diferenciada da produzida até então. Esta pode ser verificada
174
no Plano de Remodelação da Vila de 1930, contido parcialmente no Relatório de
Santo Ângelo do mesmo ano. A produção de uma cidade diferenciada em suas
partes é um aspecto inovador na época, principalmente se for observado que a
disseminação da idéia de uma cidade organizada em zonas definidas pelos seus
usos ocorre mais intensamente a partir da Carta de Atenas, em 1933; em Santo
Ângelo o tecido urbano tratado em dois conjuntos distintos também pode ser
percebido na construção do bairro residencial, principalmente a partir de 1933 e do
centro urbano de atividades mistas a partir do Estado Novo.
Neste sentido, destaca-se em Santo Ângelo o importante papel urbano de
sua arquitetura. A construção de edificações semelhantes, estas determinantes na
constituição de conjuntos arquitetônicos típicos de bairro e de centro, formaram
setores homogêneos entre si, capazes de instaurar outras paisagens na produção
de uma nova cidade e na consolidação de seus espaços urbanos distintos. Neste
sentido, a força de um núcleo de maior escala adquiriu uma relevância significativa
para a cidade de meados do século XX.
Com relação à forma urbana, percebeu-se que as ocupações definiram a
cidade em zonas distintas. Verificou-se a relevância urbana das ruas para a
formação do bairro e das quadras para a formação do centro. Este aspecto pode ser
identificado a partir dos conjuntos arquitetônicos, pelas relações provenientes entre
estas edificações e o espaço urbano as quais pertenciam e que foram capazes de
estruturar.
A ocupação urbana em Santo Ângelo durante a década de 1920, não
caracterizou-se pela heterogeneidade urbana. Esta se concretiza durante a
consolidação de um lugar mais densificado na localidade, que ocorre a partir de fins
da década de 1930. Assim, o que antes era uma limitação natural do sítio, a partir da
década de quarenta, consolida-se enquanto massa edificada e delimitação física
pela construção de uma quadra nova que se destacou no núcleo urbano em
construção. É ao Norte da Rua 14 de Julho que a sociedade mais recentemente
instalada construiu um espaço urbano distinto da restante. Além da predominância
de edificações feitas no alinhamento, com dois pavimentos em uma cidade em geral
térrea, definiu uma cidade hierarquizada pela criação e configuração de um centro
de atividades mistas. Neste, as edificações agrupadas de proporções equivalentes e
pelacoloração escura de seus rebocos, caracterizaram um lugar identificado à
175
sociedade que o produziu. A representação dos desejos e gostos dos clientes foram
condicionados pelo planejamento, pelas legislações da época e pelo tom do
projetista, conferiu àquela parte da cidade, um lugar distinto da urbe e relacionado
às feições germânicas. Contexto comum ao de Porto Alegre na mesma época.
O projeto de cidade de Santo Ângelo esteve atrelado às necessidades
políticas e econômicas, tanto em fins do século XIX, quanto em 1930. Estes fatos se
refletiram nas construções das Igrejas, arquiteturas típicas do estado urbano
vivenciado ou requerido, tornando-se símbolos da cidade e de sua sociedade. Foi
em 1945 que se concluíram e instauraram os novos objetivos para minimizar os
danos causados à economia Santo-angelense, devido à perda de território para a
criação do Município de Santa Rosa. A busca por revalidar a importância de Santo
Ângelo e a fim de promovê-la enquanto representante da região, foi associada a
construção de uma outra fachada na conclusão da obra da nova Matriz. Criação de
uma imagem da urbe que se queria repercutir e marcar definitivamente. O preço
pago ao adotar-se esse empreendimento fachadista foi a caracterização urbana de
uma cidade identificada na sua totalidade com a contemporaneidade de sua
arquitetura de traços simplificados e portanto mais econômica.
O significado da cidade, em meados do século XX, originou-se da união
entre a ação oficial de um poder centralizado calcado na atitude espontânea de uma
sociedade imigrantista. A modernidade e a tradição tornaram-se símbolos da cidade
na Exposição Nacional do Milho, mas em um outro contexto, de um Brasil da
redemocratização, quando se desenvolveu uma nova categoria: não mais freguesia,
nem de vila, mas a da autopromoção.
As características da arquitetura da cidade, determinantes na transformação
de paradigmas para a construção de Santo Ângelo podem ser associadas a situação
econômica e social vivida no país em um contexto totalitário na época. Em um
primeiro momento, de pujança e esbanjamento de uma belle èpoque durante a
década de 1920, e, outro momento, de racionamento e racionalização no emprego
de recursos, os quais foram caracterizados na arquitetura despojada desse período
pós-1930 e verificada na construção e consolidação do ser cidade enquanto lugar
mais urbano.
A arquitetura da cidade feita em Santo Ângelo em meados do século XX é
um legado e poderia indicar um outro caminho no fazer a cidade contemporânea,
176
pois a iniciativa de se fazer um bem coletivo deve ser retomada pelo Poder Público,
pela sociedade e pensada coletivamente. Este conhecimento e riqueza poderá
certamente alimentar as compreensões presentes e futuras sobre Santo Ângelo
capazes de potencializar o auto-desígnio de capital da região, onde o legado
urbanístico-arquitetônico, possivelmente pioneiro no interior do Rio Grande do Sul,
foi decisivo e fundamental.
No presente estudo, deve-se ressaltar a presença de profissionais da
engenharia e arquitetura, os quais eram provenientes de diversos lugares. Deve-se
levar em conta, inclusive, aqueles que foram estudar fora do Brasil a fim de se
aperfeiçoarem e, que, ao retornarem, tornaram-se professores dos cursos locais e
profissionais. Acredita-se que esse contingente de formação no estrangeiro, ocorrido
entre o início do século XX até fins da Segunda Grande Guerra, tenha influenciado
diretamente na constituição do conhecimento e na formação de outros profissionais.
Estes na medida em que iam aplicando suas técnicas, deixaram suas marcas no
desenvolvimento das cidades gaúchas, tanto na urbanização como na arquitetura,
como é o caso de Santo Ângelo.
Esta dissertação abordou uma visão mais democrática das origens da
modernidade na arquitetura da cidade, oriunda das mais diversas correntes e
épocas. Contudo, se essa modernidade for entendida enquanto modernização,
denota certa reincidência nacional e sinônimo de atualização de um estilo ou
referência implantada “de cima para baixo”, cujas questões foram vinculadas às
condições econômicas e técnicas de seu tempo, em um território de proporções
continentais composto por Estados, politicamente centralizados sob um comando
Federal nacionalista, em vias de desenvolvimento cultural e socialmente ainda sem
uma identidade nacional brasileira.
Possivelmente, essa modernidade esteja especialmente coligada à biografia
desses profissionais, pelas suas vivências pessoais e suas atuações nas cidades,
onde suas idéias e meios de inovação foram instaurados através de suas obras
vinculadas às suas origens e influências na época, uma vez que esse cenário de
renovação de centros mais urbanos torna-se mais uma atualização, um modismo, do
que uma inovação urbano-arquitetônica. A obra em si desaparece, dando lugar à
política de modernização nacional como já havia ocorrido na transição do Império
177
para a República quando as casas coloniais foram substituídas pelas arquiteturas
neoclássicas e ecléticas.
A parceria entre poder político e um grupo técnico competente está
intimamente ligado à implementação da modernidade na arquitetura brasileira,
especialmente pela capacidade e intenção de um governo ser associado ao
desenvolvimento do Estado pelas obras feitas enquanto símbolos de progresso.
Esta busca por adesão e aceitação social mais amplas, requeria uma resposta
condizente às questões referentes à arquitetura, à engenharia, à urbanização e que
pudesse representar uma mudança efetiva e eficaz de um novo tempo. Na Santo
Ângelo das décadas de trinta e quarenta, de intenso desenvolvimento na produção
da cidade, as atuações de profissionais como o Engenheiro Civil José Carlos
Medaglia e o Arquiteto Siegfried Bertholdo Costa devem ser ressaltadas enquanto
principais canais neste processo de construção de um lugar mais urbano. Através de
sua mão-de-obra especializada, o trabalho de construtores e empreiteiros, dentre
estes muitos imigrantes, também devem ser ressaltados enquanto contribuintes
nesta transformação urbana.
Sendo assim, essa modernidade não pode ser medida pela realização de
um determinado número de arquiteturas revolucionárias, ocorridas no centro de um
país de proporções continentais, nem a partir da incrível construção de uma cidade
dentro de preceitos pré-estabelecidos, como Brasília. A modernidade na arquitetura
da cidade e a busca por representatividade política na construção de uma nação
fizeram parte de uma mesma realidade, seja com Vargas, entre 1930 a 1945, seja
com Kubitschek na década seguinte, contexto que Santo Ângelo também contribuiu
e partilhou. Afinal, guardando as devidas proporções, a modernidade de Brasília não
está relacionada à forma dos conjuntos arquitetônicos determinantes do espaço
urbano, a eixos monumentais e à notabilidade?
Assim, a idéia geral da inovação e busca pelo contemporâneo em vistas de
um futuro país, consolidou-se um momento único de iniciativas públicas e privadas,
onde a arquitetura foi decisiva na representação de uma identidade nacional a partir
da adoção de diversos caminhos e estéticas.
O papel de uma nova arquitetura deveria expressar essa nova realidade,
seja através do neocolonial, das revolucionárias obras dos seguidores de Le
Corbusier, ou ainda a partir da disseminação mais ampla nestes contextos urbanos
178
nacionais através da diluição natural de um estilo moderno, como se verificou em
Santo Ângelo entre 1930 a 1945.
179
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ARQUIVOS CONSULTADOS
Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul;
Arquivo Público Municipal de Porto Alegre;
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – Unidade do rio Grande do Sul;
Laboratório de Teoria e História da Faculdade de Arquitetura do UniRitter;
Arquivos da antiga construtora Medaglia S.A.;
Arquivo Histórico Municipal Augusto César Pereira dos Santos de Santo
Ângelo;
Arquivo da Paróquia da Catedral de Santo Ângelo;
Ofício do Registro de Imóveis de Santo Ângelo e
Arquivo do Museu Antropológico Diretor Pestana – Ijuí.
ENTREVISTAS
Edgard Helmuth Geiss, 2004;
Newton Furtado Fabrício, 2004;
Rudá Rockenbach, 2005 e 2006;
Cláudia Medaglia, 2006;
Pedro Osório do Nascimento, 2007;
Bertholdo Bruno Benno Schmidt, 2007 e
Jérson Fontana, 2007.
186
ANEXOS
Anexo 01 – Levantamento fotográfico que exemplifica o chamado nesta
dissertação de edificações de bairro residencial
Figura 86 – Antiga residência de Amantino Licht
Rua Antônio Manoel possivelmente, 1933
Construtora Santo Angelense Ltda
FOTO: Rodrigo Fabrício Kerber, 2007.
Figura 87 – Antiga residência de Ruy Monteiro
Rua Antunes Ribas. 1933
Construtora Santo Angelense Ltda
FOTO: Rodrigo Fabrício Kerber, 2005.
Figura 88 – Antiga residência de Celso Moraes
Rua Antunes Ribas. 1934
Construtora Santo Angelense Ltda
Recentemente demolida.
FOTO: Rodrigo Fabrício Kerber, 2007.
187
Figura 89 – Antiga residência de Florimundo Fernandes dos Santos
Bento Gonçalves. 1934
Construtora Santo Angelense Ltda
FOTO: Rodrigo Fabrício Kerber, 2007.
Figura 90 – Antiga casa de Zeferino Boranga
Rua Bento Gonçalves, 1934
Construtora Santo Angelense Ltda
FOTO: Rodrigo Fabrício Kerber, 2007.
Figura 91 – Antiga residência de Júlio Uflacker Beck
Rua Antunes Ribas. 1935
Construtora Santo Angelense Ltda
FOTO: Rodrigo Fabrício Kerber, 2005.
188
Figura 92 – Antiga residência de Próspero Pippi
Avenida Venâncio Aires. 1936
Construtora Santo Angelense Ltda
FOTO: Rodrigo Fabrício Kerber, 2007.
Figura 93 – Antiga casa de Palmenia Oliveira Perna
Rua Marechal Floriano.1936
Construtora Santo Angelense Ltda
FOTO: Rodrigo Fabrício Kerber, 2007.
Figura 94 – Antiga residência de Maria Thereza Paiva de Souza
Rua Três de Outubro.1937
Construtora Santo Angelense Ltda
FOTO: Rodrigo Fabrício Kerber, 2005.
189
Figura 95 – Antiga residência de Oswaldo dos Santos
Avenida Brasil. 1938
Construtora Santo Angelense Ltda
FOTO: Rodrigo Fabrício Kerber, 2007.
Figura 96 – Antiga residência de Pery Von Hoonholtz
Rua Sete de Setembro.1939
Construtora Santo Angelense Ltda
FOTO: Rodrigo Fabrício Kerber, 2007.
Figura 97 – Antiga casa de Waldomiro Ferraz
Rua Marechal Floriano.1940
Construtora Santo Angelense Ltda
Recentemente demolida
FOTO: Rodrigo Fabrício Kerber, 2003
190
Figura 98 – Antiga residência de Oswaldo dos Santos
Avenida Brasil. 1941
Construtora Santo Angelense Ltda
FOTO: Rodrigo Fabrício Kerber, 2007.
Figura 99 – Antiga casa de João Cerrati
Rua Tiradentes. 1942
Construtora Santo Angelense Ltda
FOTO: Rodrigo Fabrício Kerber, 2007.
Figura 100 – Antiga casa de Euclides Português
Rua Três de Outubro. 1944
Construtora Santo Angelense Ltda
FOTO: Rodrigo Fabrício Kerber, 2005
191
Anexo 02 – Levantamento fotográfico que exemplifica o chamado nesta
dissertação de edificações de centro urbano
Figura 101 – Antigo Sobrado de João Pippi
Rua Marechal Floriano. 1935
Construtora Santo Angelense Ltda
FOTO: Rodrigo Fabrício Kerber, 2007.
Figura 102 – Antigo sobrado de José Carlos Kist
Avenida Brasil. 1936
Construtora Santo Angelense Ltda
FOTO: Rodrigo Fabrício Kerber, 2007.
Figura 103 – Antiga edificação de Laurindo Piccoli
Rua Marechal Floriano. 1937
Construtora Santo Angelense Ltda
FOTO: Rodrigo Fabrício Kerber, 2007.
192
Figura 104 – Antigo sobrado de Acácio Machado
Rua Marechal Floriano esquina com a Travessa Mauá (antiga Rua Nova). 1938
Construtora Santo Angelense Ltda
FOTO: Rodrigo Fabrício Kerber, 2007.
Figura 105 – Antigo sobrado de Emílio Doberstein
Rua Marechal Floriano. 1938
Construtora Santo Angelense Ltda
FOTO: Rodrigo Fabrício Kerber, 2007.
Figura 106 – Antiga edificação de Elias Demétrio
Rua Marechal Floriano. 1938-39
Construtora Santo Angelense Ltda
FOTO: Rodrigo Fabrício Kerber, 2007.
193
Figura 107 – Antigo sobrado de Gilberto Von Hoonltz
Rua Marquês do Herval. 1938
Construtora Santo Angelense Ltda
FOTO: Rodrigo Fabrício Kerber, 2004.
Figura 108 – Antiga edificação de Darwin Pereira
Travessa Mauá. 1939
Construtora Santo Angelense Ltda
FOTO: Rodrigo Fabrício Kerber, 2007.
Figura 109 – Antigo sobrado para família Hocchein
Rua Marechal Floriano.1941.
Construtora Santo Angelense Ltda
FOTO: Rodrigo Fabrício Kerber, 2007.
194
Figura 110 – Edifício Santo Antônio
Travessa Mauá. 1942
Construtora Santo Angelense Ltda
FOTO: Rodrigo Fabrício Kerber, 2007
Figura 111 – Antigo sobrado Jorge Menezes
Rua Marquês do Herval, 1942
Construtora Santo Angelense Ltda
FOTO: Rodrigo Fabrício Kerber, 2007.
Figura 112 – Antigo sobrado de Ariberto Kurz
Avenida Brasil. 1944
Construtora Santo Angelense Ltda
FOTO: Rodrigo Fabrício Kerber, 2007.
195
Figura 113 – Edifício Feldmann
Avenida Brasil. 1944
Construtora Santo Angelense Ltda
FOTO: Rodrigo Fabrício Kerber, 2007.
Figura 114 – Sobrado para Edmundo Helfer
Rua Antunes Ribas. 1945
Construtora Santo Angelense Ltda
Recentemente demolida
FOTO: Rodrigo Fabrício Kerber, 2007.
Figura 115 – Antigo Edifício Kehl para Adolfo Kehl
Avenida Brasil. 1945
Construtora Santo Angelense Ltda
FOTO: Rodrigo Fabrício Kerber, 2004.
196
Figura 116 – Antiga Casa Miriam
Rua Marquês do Herval. 1945
Construtora Santo Angelense Ltda
FOTO: Rodrigo Fabrício Kerber, 2007.
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