135
Clamores como os dos israelitas no Egito (Ex 3,7), no exílio babilônico (Is 40,27),
como o dos pobres e oprimidos do tempo do Jesus histórico (cf. Mt 25,35s.; Lc 6,20-21;
13,10-17; 16,19-31) e como o de Jesus na cruz (Mt 27,46) continuam ressoando no mundo,
expressando a dor e o sofrimento de milhares de pessoas humanas, causados pela injustiça e
pela desigualdade social que fere e mata povos inteiros
422
.
Semelhante situação exige de todo cristão(ã) uma atitude evangélica de compromisso
e solidariedade no empenho em recuperar a fé e a esperança dos povos crucificados. Que o
cristão(ã) seja presença da ternura e da misericórdia de Deus, mantendo-se fiel ao longo da
história a exemplo da teologia da misericórdia dêutero-isaiana; do ensinamento, da vida e da
práxis de Jesus, apresentados no Evangelho e da teologia o princípio misericórdia de Sobrino.
Sem ingenuidade e sem fechar os olhos a essa dramática realidade, todo cristão(ã) é desafiado a
assumir uma atitude samaritana de misericórdia compassiva capaz de animar a fé e a esperança do
povo sofredor; a descobrir, a partir desse mundo de pobres, os sinais da presença de Deus e a
chama da esperança que não se deixa apagar. Segundo Sobrino, existe algo no bem que não
morre. Cita Ann Manganaro: “Vendo os rostos, ouvindo as histórias, meu coração não pôde
deixar de doer. Mas não estou triste. Estou aprendendo no meio desta gente o que sempre havia
esperado que fosse verdade: o amor é mais forte que a morte”
423
. O evangelho está enraizado na
história e a esperança no coração humano e não poderão ser desenraizados.
A esperança é força que anima o povo de Deus, ao longo de toda a história da
salvação. O Dt-Is, em sua missão, procura recuperar e re-animar a fé e a esperança de Israel que
sofre no exílio babilônico. O cristão(ã) de hoje é desafiado(a) a ser sinal de esperança e a dar
esperança ao povo sofredor. Segundo Sobrino, a esperança deve ser uma atitude central na práxis
cristã, assegurando aos pobres e oprimidos deste mundo a certeza de que é possível um outro
modo de viver. Ele cita também vários testemunhos: Roskefeller vê a esperança que faz o pobre
dizer: “pode-se viver de outra maneira”, como a maior ameaça da riqueza; Dom Romero que, em
meio à repressão e morte, dizia: “Eu, cheio de esperança, não só em Deus mas nos homens, digo:
‘Sim, há saída’”. Ignácio Ellacuría dizia que é preciso reverter a história, missão que deve ser
assumida junto com os pobres e oprimidos, utópica e esperançosamente
424
.
Para Boff, a realidade histórico-social dos “povos latino-americanos caracteriza-se
por imensas esperanças que emergem de um mar de opressões”
425
. Culturas oprimidas, raças
humilhadas, classes exploradas e periferias marginalizadas denotam o rasgão que atravessa todo o
tecido social. Junto dessa realidade, os oprimidos se mobilizam e organizam a resistência,
procurando avançar rumo à sua libertação. “Face a esta realidade, não resta ao cristão(ã) outra
opção evangélica mais pertinente que uma opção pelas culturas dos oprimidos e marginalizados
em vista de sua libertação”
426
. Todo cristão(ã) é desafiado(a) a comprometer-se com a
transformação social, colocando-se a serviço da vida dos pobres e oprimidos.
422
“A passagem do Êxodo: ‘Eu vi, eu vi a aflição do meu povo no Egito, ouvi o seu clamor por causa dos seus
opressores, tomei conhecimento das suas angústias. E eu desci para livrá-los das mãos dos egípcios e para fazê-
los subir desse país para uma terra boa e espaçosa’(Ex 3,7-8) continua sendo o paradigma transcendental da
resposta correta para a realidade dos pobres”.( SOBRINO, J. Espiritualidade da Libertação, op. cit., p. 45).
423
Cf. SOBRINO, J. “Um Jubileu total. Dar esperança aos pobres e deles recebê-la”. In: Concilium, Petrópolis,
n. 383. p. 151, 1999.
424
Cf. Idem, art. cit., p. 152.
425
BOFF, L. Nova Evangelização. Perspectiva dos oprimidos. Fortaleza: Vozes, 1990, p. 122.
426
Idem, op. cit., pp. 122-123. A propósito Gutiérrez insiste na necessidade de estar atento(a) aos sinais da atual
presença do Reino na história. Dar atenção ao juízo de Deus acerca da situação em que vivem as grandes
maiorias da América Latina. Estar atento(a) ao que assinala uma reação contra o que é contrário ao Reino da
vida, aos gestos de solidariedade entre os pobres, às suas expressões de respeito por todas as dimensões da