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DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
Sociedade Civil e Estado:
a autonomia revisitada
Universidade Federal de Santa Catarina
Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política
Domitila Costa Cayres
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação
em Sociologia Política, do Centro de Filosofia e Ciências
Humanas, da Universidade Federal de Santa Catarina,
como requisito parcial para obtenção do título de Mestre
em Sociologia Política.
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Lígia Helena Hans Lüchmann.
Florianópolis, 2009
Universidade Federal
de Santa Catarina
Programa de Pós-
Graduação em
Sociologia Política
www.sociologia.ufsc.br
Campus Universitário
Trindade
Florianópolis – SC
Sociedade Civil e Estado: a autonomia revisitada
Domitila Costa Cayres
Esta dissertação tem
como tema o estudo das
r e l a ç õ e s q u e s e
e s t a b e l e c e m e n t r e
sociedade civil e o Estado,
pretendendo analisar
como a dimensão da
autonomia é expressa e
percebida pelos atores
que atuam no interior dos
espaços participativos,
especificamente, junto
aos conselhos gestores de
políticas públicas. O
trabalho parte, portanto,
da discussão e do esforço
de revisitar e ampliar o
conhecimento sobre o
caráter da autonomia da
sociedade civil brasileira
na contemporaneidade
f a c e à s m u d a n ç a s
ocorridas na relação entre
esta e o Estado nas
últimas décadas, tendo
como pressuposto que
autonomia não implica
uma radical distinção
entre estes dois campos. A
interpretação reside na
concepção de que a
autonomia é um conceito
relacional, processual e
interativo que informa
sobre a qualidade e a
natureza dos vínculos que
os atores são capazes de
estabelecer em um dado
contexto histórico.
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA POLÍTICA
SOCIEDADE CIVIL E ESTADO:
A AUTONOMIA REVISITADA
DOMITILA COSTA CAYRES
Dissertação apresentada à Banca Examinadora
como requisito parcial para obtenção do título
de Mestre junto ao programa de Pós-
Graduação em Sociologia Política da
Universidade Federal de Santa Catarina, sob
orientação da Prof.ª Dr.ª Lígia Helena Hans
Lüchmann.
FLORIANÓPOLIS
2009
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Catalogação na fonte pela Biblioteca Universitária da
Universidade Federal de Santa Catarina
.
FOLHA DE APROVAÇÃO
DOMITILA COSTA CAYRES
C385 Cayres, Domitila Costa
Sociedade civil e estado [dissertação]: a autonomia revisitada /
Domitila Costa Cayres ; orientadora, Lígia Helena Hahn Lüchmann.
- Florianópolis, SC, 2009.
214 f. : il., grafs.
Dissertação (mestrado) - Universidade Federal de Santa Catarina,
Centro de Filosofia e Ciências Humanas. Programa de Pós-Graduação
em Sociologia Política.
Inclui bibliografia
1. Sociologia política. 2. Autonomia. 3. Sociedade civil.
4. Estado. 5. Participação política. 6. Democracia. I. Lüchmann,
Ligia Helena Hahn. II. Universidade Federal de Santa Catarina.
Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política. III. Título.
CDU 316
Para papai por abrir as portas;
Para mamãe por acender as luzes.
AGRADECIMENTOS
Muitas contribuições foram fundamentais e necessárias para a
efetivação desta dissertação. Ao longo de dois anos em Florianópolis
contei com o apoio, amizade e carinho de diversas pessoas. E é com
muita alegria que, ao chegar ao fim desta empreitada, agradeço àqueles
que, de diferentes momentos e modos, contribuíram para a sua
concretização.
Agradeço primeiramente a gia Lüchmann, orientadora atenta,
cuidadosa e perspicaz. Nela encontrei uma companheira intelectual
admirável que desde o início mostrou interesse em orientar esta
dissertação. Seu entusiasmo e apoio intelectual sempre me estimularam
e me instigaram a fazer análises mais consistentes e críticas o que foi
decisivo para o amadurecimento deste trabalho. Também sou grata pela
dedicação, claramente expressa pelo conjunto de observações
criteriosamente tecidas, além da amizade, amparo e incentivo que me
deixou segura da sua confiança em mim. A ela, e ao professor Julian
Borba, agradeço ainda o financiamento concedido, através dos recursos
das pesquisas sob coordenação dos mesmos, para o trabalho de campo.
Ao Julian Borba e a Ilse Scherer-Warren agradeço os comentários
ordenados como membros da banca de qualificação. Os dois, juntamente
com o professor Carlos Sell, apresentaram contribuições teóricas
importantes durante as reuniões do grupo de discussão do Núcleo de
Pesquisa em Movimentos Sociais (NPMS). Quero ainda agradecer a Ilse
pela oportunidade de realização de estágio de docência, oportunidade
esta que se apresentou como um momento fecundo para o cumprimento
de minhas habilidades intelectuais e de estreitamento dos laços de
amizade.
Em Concórdia gostaria de agradecer a disponibilidade e prontidão
dos funcionários da Prefeitura e dos Membros dos Conselhos. As
informações colhidas durante o trabalho de campo, e os encontros com
os interlocutores, representaram um momento de trocas de experiências
ímpar que serviram como fonte de estímulo para o aprimoramento da
pesquisa. Na impossibilidade de nomear todos, dedico especial
agradecimento a Alziro Corassa, Edson Gonçalves, Igomar Nespolo,
Maria Luiza Marcon, Maurício Engler, Neusa Colombo, Neuza Dahmer,
Ruimar Scortegagna e Silvana Casagrande.
Agradeço ainda a Tatiana Kawata e Raphaela Rezende pela
contribuição em parte do processo de sistematização dos dados
quantitativos, e a Felipe Mattos pelo empenho no esclarecimento das
dúvidas metodológicas. A Geraldo Magela Vieira, meu tio e juiz
aposentado, sou grata pelas explicações dos termos jurídicos. A André
Dias e Manoel Pacheco, da imprensa universitária da UFSC, agradeço a
colaboração na formatação e confecção da capa.
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino
Superior (CAPES), agradeço à concessão da bolsa que permitiu cursar o
segundo ano do mestrado de forma mais acurada.
Há ainda que se reconhecer àqueles que dão o indispensável
apoio emocional e afetivo. Em Florianópolis agradeço aos amigos
Cristina Dallanora, Gislene dos Santos, Guilherme Mondardo, Jaime
Silva e Matheus Grandi pelos bons momentos de alegria, de ajuda
mútua e de compartilhamento de reflexões, de descobertas, de angústias
e de incertezas próprias do trabalho intelectual. Agradeço,
especialmente, a Guilherme Mondardo pela gentil revisão ortográfica do
texto. Existem ainda aqueles amigos que, nem sempre tão pertos,
alimentam o acautelado prazer de saber que se têm com quem contar.
São eles Rafael Dias e Wesley de Paula.
as idas à Vitória/ES são sempre embaladas por muita
satisfação e entusiasmo. Representam o reencontro com a família, com
os amigos, com os ex-professores, o reaquecimento do coração, o
“recarregar” das energias. Aos de lá sou grata, aos ex-professores e
amigos, Marta Zorzal e Silva, Thimoteo Camacho e a Luiza Camacho
não pelo incentivo intelectual, mas fundamentalmente pela torcida
acompanhada da postura sempre terna e fraternal. Aos queridos e
sempre bons amigos Breno Silva, Carla Rosa, Charlany Guarnier, Maria
Fernanda Brito, Marianne Malini e Vitor Hugo Simon, sou imensamente
grata pelo carinho e apoio contínuo. Agradecimento especial a Carla
pela redação do abstract.
Também se encontram meus pais e irmãos. Guilherme,
Ludmila e Filipe são os meus grandes e inseparáveis irmãos-
companheiros. Rita de Cássia e Gabriel Borem são pessoas que a vida
deu-me o prazer da convivência. José Renato e Maria Aparecida são
meus pais, fiéis amigos e provedores, a quem dedico este trabalho em
vista do amor incondicional que nos fortalece.
SUMÁRIO
LISTA DE GRÁFICOS___________________________________
LISTA DE QUADROS___________________________________
LISTA DE TABELAS____________________________________
RESUMO_______________________________________________
ABSTRACT_____________________________________________
INTRODUÇÃO__________________________________________
CAPÍTULO 1 SOCIEDADE CIVIL, PARTICIPAÇÃO
INSTITUCIONAL E A AUTONOMIA REVISITADA_________
1.1 Trajetória dos estudos sobre os movimentos sociais e a
sociedade civil no Brasil e sua (ausência de?) relação com o
Estado__________________________________________________
1.1.1 Movimentos Sociais das Décadas de 1970 e 1980___________
a) O paradigma da autonomia dos movimentos__________________
b) O paradigma da institucionalidade política___________________
c) Os paradigmas em perspectiva_____________________________
d) Reconciliando as perspectivas, repensando a autonomia_________
1.1.2 O Ressurgimento da Sociedade Civil nos anos 1990:
repensando categorias______________________________________
a) A perspectiva da polis____________________________________
b) A perspectiva institucional________________________________
c) A perspectiva dos projetos políticos_________________________
d) A perspectiva das redes sociais____________________________
e) Repensando categorias, reconciliando as expectativas___________
1.2 Autonomia Revisitada: sociedade civil e Estado em relação e
os desafios da articulação institucional_______________________
CAPÍTULO 2 OS CONSELHOS GESTORES NO
MUNICÍPIO DE CONCÓRDIA____________________________
2.1 Histórico de Ocupação e Organização Social: o município de
Concórdia/SC___________________________________________
a) Histórico de ocupação e de desenvolvimento econômico e político
do município de Concórdia__________________________________
b) Histórico de construção da participação associativa do município
de Concórdia_____________________________________________
2.2 Metodologia 1________________________________________
2.2.1 Levantamento, análise e sistematização de documentos_______
2.2.2 Pesquisa de campo____________________________________
2.3 Perfil dos Conselhos Gestores de Concórdia_______________
2.3.1 Os Conselhos Gestores: estrutura e funcionamento______
a) Natureza e atribuição____________________________________
99
b) Composição___________________________________________
100
c) Estrutura e dinâmica de funcionamento______________________
105
2.3.2 Perfil Sócio-Econômico e Político dos Conselheiros_________
109
2.3.3 Perfil das Organizações Representativas da Sociedade Civil___
116
CAPÍTULO 3 PARTICIPAÇÃO INSTITUCIONAL,
TRAJETÓRIA POLÍTICA E A AUTONOMIA REVISITADA:
ARTICULAÇÕES ENTRE SOCIEDADE CIVIL E ESTADO___
124
3.1 Metodologia 2________________________________________
124
3.1.1 Levantamento, análise e sistematização de informações
contidas nas atas das reuniões plenárias do conselho______________
125
3.1.2 Realização de entrevistas_______________________________
126
3.1.3 Observação Participante_______________________________
127
3.2 Autonomia e processo decisório no interior dos conselhos:
temas e atores dominantes_________________________________
127
3.3 Trajetória Política e Participação Institucional_____________
141
3.4 Autonomia e a participação conselhista: os atores em cena___
145
a) O CMAS e o poder de colaboração_________________________
145
b) O CMDCA e o poder de negociação________________________
152
c) O CMS e a questão do conflito_____________________________
158
d) Síntese: autonomia e participação conselhista_________________
166
3.5 Indicadores de autonomia ______________________________
172
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS_____________________________
179
5. REFERÊNCIAS_______________________________________
182
APÊNDICES____________________________________________
194
APÊNDICE A QUESTIONÁRIO DA PESQUISA_____________
194
APÊNDICE B ROTEIRO DE ENTREVISTA DA PESQUISA___
196
APÊNDICE C TABELA TEMAS TRATADOS NOS
CONSELHOS____________________________________________
198
APÊNDICE D CARACTERIZAÇÃO DOS ENTREVISTADOS_
200
LISTA DE GRÁFICOS
GRÁFICO
1:
Motivos para a participação no conselho, por
segmento________________________________
104
GRÁFICO
2:
Funcionamento do conselho_________________
106
GRÁFICO
3:
Conselho x Índice de capacitação x Autonomia_
109
GRÁFICO
4:
Filiação partidária entre os conselheiros, por
segmento________________________________
112
GRÁFICO
5:
Tipos de associações que participam, por
segmento________________________________
114
GRÁFICO
6:
Manifestações nas reuniões do conselho, por
segmento______________________________
115
GRÁFICO
7:
Autonomia para propor e discordar no conselho,
por segmento____________________________
116
GRÁFICO
8:
Relações da entidade representativa da sociedade
civil ___________________________________
120
GRÁFICO
9:
Segmento que inicia o debate, por intervalo de
tempo e conselho_______________________
129
GRÁFICO
10:
Segmento que seqüência ao debate, por
intervalo de tempo e conselho_______________
131
GRÁFICO
11:
Tipos de decisão, por ano e conselho__________
134
LISTA DE QUADROS
QUADRO
1:
Indicadores de autonomia______________________
73
QUADRO
2:
Quadro associativo do município de Concórdia_____
92
QUADRO
3:
Lei de Criação e Regimento Interno dos conselhos___
98
QUADRO
4:
Relação entre marcos políticos nacionais e municipais
e trajetórias individuais________________________
143
QUADRO
5:
Síntese da avaliação dos representantes da sociedade
civil sobre a autonomia e a atuação do conselho_____
171
QUADRO
6:
Síntese dos indicadores de autonomia____________
178
LISTA DE TABELAS
TABELA
1:
Densidade demográfica do município de Concórdia,
por ano_____________________________________
80
TABELA
2:
Segmento representativo no conselho_____________
96
TABELA
3:
Composição do conselho, por segmento___________
102
TABELA
4:
Capacidade para discutir questões técnicas_________
108
TABELA
5:
Entidade representativa dos conselheiros da
sociedade civil, por campo de atuação____________
110
TABELA
6:
Escolaridade entre os conselheiros, por conselho____
110
TABELA
7:
Renda entre os conselheiros, por conselho_________
111
TABELA
8:
Existência de convênio________________________
119
TABELA
9:
Instituições que firmaram convênio______________
119
TABELA
10:
Mecanismos de prestação de contas______________
122
TABELA
11:
Número de temas tratados por ano, por conselho____
126
RESUMO
Esta dissertação tem como tema o estudo das relações que se
estabelecem entre sociedade civil e o Estado, pretendendo analisar como
a dimensão da autonomia é expressa e percebida pelos atores que atuam
no interior dos espaços participativos, especificamente, junto aos
conselhos gestores de políticas públicas. O trabalho parte, portanto, da
discussão e do esforço de revisitar e ampliar o conhecimento sobre o
caráter da autonomia da sociedade civil brasileira na contemporaneidade
face às mudanças ocorridas na relação entre esta e o Estado nas últimas
décadas, tendo como pressuposto que autonomia não implica uma
radical distinção entre estes dois campos. A interpretação reside na
concepção de que a autonomia é um conceito relacional, processual e
interativo que informa sobre a qualidade e a natureza dos vínculos que
os atores são capazes de estabelecer em um dado contexto histórico.
Para isso, o trabalho se propõe a explorar, a partir de pesquisa empírica
junto aos conselhos gestores da Assistência Social, da Criança e do
Adolescente e da Saúde, do município de Concórdia (SC), temas e
problemas relacionados às práticas da sociedade civil no interior destes
espaços participativos e, por meio destes, as possibilidades e os limites
do desenvolvimento de uma atuação que respeite aos princípios da
autonomia. A metodologia é composta por procedimentos quantitativos
(aplicação de questionários) e qualitativos (análise documental,
entrevistas e observação participante), que se relacionam e se
complementam. As informações extraídas do trabalho de campo
sugerem diversas modalidades e graus de autonomia que sofrem fluxos
e refluxos em vista de uma diversidade de condições e de uma
multiplicidade de fatores. Este trabalho identificou pelo menos quatro
tipos de autonomia, quais sejam: a) autonomia colaborativa, b)
autonomia pactuada, c) autonomia identitária, e d) autonomia crítica o
que autoriza a se falar em diferentes configurações de autonomia que,
sujeitas a movimentos distintos decorrentes do entrecruzamento de
variáveis complexas, podem aumentar ou restringir à propensão a
efetivação da capacidade autônoma nos espaços institucionais de
participação.
Palavras-chave: autonomia; sociedade civil; Estado; participação
política; democracia.
ABSTRACT
This dissertation examines the relations established between civil
society and the State, focusing on how the autonomy dimension is
expressed and perceived by actors who act within the spaces involved,
specifically, with the public policy management councils. Therefore,
this work is based on the discussion and effort to revisit and to expand
knowledge about the nature of autonomy in contemporary Brazilian
civil society face to the changes in the relationship between civil society
and the State in recent decades, with the assumption that autonomy does
not imply a radical distinction between these two fields. The
interpretation is the idea that autonomy is a relational, procedural and
interactive concept that informs about the quality and nature of ties that
actors are able to establish in a given historical context. For this, the
dissertation considers to explore through empirical research with
Social Assistance, Health, and Child and Adolescent management
councils from the city of Concórdia (SC) issues and problems related
to civil society’s practices within these participatory spaces, and through
them to explore possibilities and limits of an performance that respects
the autonomy principles. The methodology consists of quantitative
(questionnaires application) and qualitative (document analysis,
interviews and participant observation) procedures, which are related
and complementary. The information extracted from the fieldwork
suggest various arrangements and degrees of autonomy that suffer flows
and refluxes because of a variety and multiplicity of conditions and
factors. This work identified at least four types of autonomy, which are:
a) collaborative autonomy, b) agreed autonomy, c) self-identity
autonomy, e d) critical autonomy which allows to speak about
different autonomy settings that, subject to different movements
resulting from the interweaving of complex variables, may increase or
restrict the propensity of autonomous capacity realization in institutional
spaces for participation.
Keywords: autonomy; civil society; State; political participation;
democracy.
INTRODUÇÃO
As ações do campo movimentalista, no Brasil, começaram a
ganhar relevo ainda no início da década de 1970
1
, depois que grupos
clandestinos deram início a movimentos de resistência a ditadura militar
e contra o autoritarismo estatal. Estas iniciativas, que foram ganhando
grande expressão e se estenderam até a primeira década de 1980,
manifestaram-se sobre a rubrica de diversos movimentos sociais nas
cidades e no campo. Entre eles destacam-se o movimento estudantil, o
movimento metalúrgico do “novo sindicalismo”, o movimento pela
anistia de presos políticos, os movimentos de bairro, de alfabetização e
educação popular. Igualmente, os trabalhos da Teologia da Libertação
junto as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) e as Pastorais, o
Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra (MST), Movimento dos
Atingidos por Barragens (MAB) e Movimento das Mulheres
Agricultoras (MMA) marcam a ação movimentalista no campo. Este
cenário também marca o nascimento do Partido dos Trabalhadores em
1980 (PT), da fundação da Central Única dos Trabalhadores em 1983
(CUT) e da pluralização das associações de bairro, comunitárias e dos
moradores da periferia.
As mobilizações sociais e protestos pelo fim do regime ditatorial
e pela redemocratização do país embalaram a participação dos
movimentos sociais e da sociedade civil por direitos políticos e sociais
que, em conjunto, atuaram na luta nacional no Movimento pelas Diretas
(1984) e no encaminhamento de propostas que em parte se
materializaram na promulgação da Constituição Brasileira de 1988.
Caracterizados por ações coletivas que se desenvolviam no
terreno da sociedade civil, os movimentos sociais das décadas de 1970 e
1980 se consolidaram a partir da crítica ao padrão de controle e
repressão exercido pelo Estado, e “por isso nesses movimentos uma das
diretrizes mais importantes era a autonomia política e organizacional em
relação às estruturas estatais e governamentais” (SCHERER-WARREN,
2007, p. 3).
A partir da Constituição de 1988, o país passa por um processo de
redemocratização das estruturas políticas. A reabertura dos canais de
participação, o estabelecimento do pluripartidarismo, das eleições
diretas e a chegada do PT ao executivo municipal de algumas cidades do
Brasil reconfiguram o cenário político e sinalizam a “aposta na
1
Trajetória baseada em Feltran, 2006 e Scherer-Warren, 2007b.
19
possibilidade de migração das demandas e anseios dos movimentos
sociais, que apareciam no final da década de 1970, para canais de
participação ativa da sociedade civil na gestão e na definição do
funcionamento do Estado” (FELTRAN, op. cit., p. 373).
Os anos de 1990 foram marcados por um amplo processo de
ampliação de participação, em que as formas reivindicativas de oposição
até então existentes foram ganhando contornos institucionais associados
ao fortalecimento de espaços de controle, de diálogo, de deliberação e
de co-gestão dos assuntos públicos estimulados pelo processo de
descentralização administrativa e pela criação de canais de participação
institucional ordenados pela Constituição. Neste contexto de
fortalecimento da democracia, os conselhos gestores de políticas
públicas surgem como parte desta estratégia de descentralização da
gestão pública, pluralizando as vias de participação junto à
institucionalidade política estatal.
A ativação de ambientes de interface e interlocução entre a
sociedade civil e o Estado implica em diversificação, complexificação e
oxigenação dos espaços de formulação e monitoramente das políticas
públicas, e alude a um processo de imbricação social e de relações
recíprocas que exigem a renovação das práticas e dos discursos sobre a
democracia, a participação e a autonomia.
É nesta perspectiva que este trabalho se insere. Tomando como
tema o estudo das relações que se estabelecem entre sociedade civil e o
Estado, pretende-se investigar os efeitos que as práticas institucionais
participativas produzem sobre a autonomia das organizações da
sociedade civil nas suas relações com a institucionalidade político-
governamental. Mais precisamente, pretende analisar como essas
dimensões são expressas e percebidas pelos atores que atuam no interior
dos espaços participativos, especificamente junto aos conselhos gestores
de políticas públicas.
A institucionalização destes conselhos, nas diferentes esferas de
governo e nas diversas áreas de políticas públicas, é resultante das
profundas mudanças ocorridas no ambiente institucional e atestam para
as mutações significativas nas estratégias e ações dos atores da
sociedade civil, entre estas, a luta tendo em vista garantir uma maior
atuação dos cidadãos na vida política do país, e a própria dinâmica de
atuação dos movimentos sociais que mudou substancialmente em razão
mesmo das transformações do mundo contemporâneo. Na configuração
social atual é muito mais condizente falar-se de atuação em redes, que
requer e possibilita uma ação propositiva e participativa da sociedade
civil (MELUCCI, 1999; SCHERER-WARREN, 1993, 2007a, 2007b).
20
Uma dimensão central, neste novo contexto, diz respeito,
portanto, ao resgate do princípio democrático da autonomia, porém, sob
novas bases, na medida em que a autonomia dos movimentos sociais,
que foi tão propalada na literatura dos anos 1970 e 1980 e que
praticamente saiu de cena nos anos 1990 e neste início de século
parece não corresponder às transformações que modificaram os termos
das relações pretéritas, tornando caducas as explicações fundadas em
pressupostos teóricos que tomavam a sociedade civil e o Estado como
campos distantes.
Assim, se no campo do debate o tema da autonomia entrou em
relativo “recesso”, nos anos 1990, o mesmo não pode ser dito do ponto
de vista das ações e da dinâmica da sociedade civil, especialmente no
que diz respeito às reivindicações e ocupações dos espaços de
participação institucional.
Tais mudanças impõem a necessidade de repensar os termos da
relação. Exige que o tema da autonomia seja novamente guindado ao
centro da reflexão e incorporado à agenda das pesquisas
contemporâneas. Nesse sentido, implica em considerar questões do tipo:
como pensar a autonomia da sociedade civil em um contexto, no qual,
os atores sociais oriundos desses espaços jogam um forte papel, seja no
âmbito institucional das políticas públicas, seja no âmbito das relações
com o sistema partidário? Trata-se, de acordo com Teixeira e Tatagiba
(2006a), de pensar as mudanças nas formas de atuação dos movimentos
que, um por lado, “passam a incluir centralmente nas suas estratégias de
luta o diálogo e a negociação com os governos, em uma infinidade de
novos canais institucionais de participação” (TEIXEIRA; TATAGIBA,
2006a, p. 1), e pelos desafios resultantes “da tripla inserção, como
movimento, partido e governo, numa conjuntura específica marcada
pelo significativo trânsito das lideranças dos movimentos de base para
dentro dos governos e das estruturas partidárias Feltran (apud
TEIXEIRA, TATAGIBA, op. cit., p. 2).
Deste modo, o presente trabalho se inscreve no debate que propõe
explorar, a partir de pesquisa empírica junto a três conselhos gestores de
políticas públicas do município de Concórdia (SC), temas e problemas
relacionados às práticas da sociedade civil no interior destes espaços
participativos
2
e, por meio destes, as possibilidades e os limites do
2
Este trabalho está inserido e foi financiado com os recursos dos projetos Participação e
Exclusão nos Conselhos Gestores e Orçamentos Participativos/SC (CNPq/Funpesquisa) sob
coordenação da Prof.ª Dr.ª Lígia H. H. Lüchmann e do Prof. Dr. Julian Borba; e Participação e
Representação nos Conselhos Gestores e Orçamentos Participativos (PIBIC) coordenado por
Lígia H. H. Lüchmann.
21
desenvolvimento de uma atuação que respeite aos princípios da
autonomia, tão caros à democracia.
Os conselhos foram escolhidos como objeto empírico por
possuírem, diferentemente de espaços como o do Orçamento
Participativo (que depende de iniciativa governamental) uma legislação
própria, inserindo-se neste paradigma de participação institucional
através de uma regulamentação legal, imprimindo, portanto, um caráter
de obrigatoriedade à participação da sociedade civil, independente da
configuração política da administração municipal (LÜCHMANN,
2007). O município de Concórdia foi escolhido como cenário da
pesquisa por apresentar histórico de grande mobilização social e ativa
participação associativa.
O trabalho está dividido em três capítulos. No primeiro capítulo
pretende-se apresentar uma breve historiografia dos estudos sobre
movimentos sociais no Brasil nas décadas de 1970, 1980 e 1990,
mostrando que, na relação entre os movimentos sociais e o meio
político-institucional, a noção de autonomia apresentou-se como
conceito-motriz para explicar tanto as potencialidades quanto os limites
da ação movimentalista. Buscar-se apontar como as diferentes
interpretações da questão refletiram no debate contemporâneo que
estrutura a relação entre sociedade civil e Estado, indicando os limites
das abordagens que privilegiavam os pólos opostos desta relação. Este
capítulo traz como objetivo central revisitar, a partir da mobilização de
uma literatura internacional, a noção de autonomia frente aos desafios
postos pelo contexto político de participação marcada pela
institucionalização através, entre outros, dos conselhos gestores das
novas relações entre sociedade civil e Estado. Para isso, um quadro de
indicadores foi elaborado com o intuito de capturar as diferentes
dimensões de autonomia, a partir da observância de diferentes variáveis,
procedimentos metodológicos e matrizes interpretativas.
O segundo capítulo traça a trajetória de ocupação e de
desenvolvimento do associativismo civil de Concórdia, a partir da
reconstituição dos argumentos encontrados na literatura que trata do
processo de formação social, econômica e política do oeste de Santa
Catarina. Busca-se mostrar que esta região passou por um vigoroso
processo de industrialização, o qual deixou marcas no seu posterior
processo de desenvolvimento econômico. A reconstituição desse
contexto tem o intuito de situar o leitor na realidade empírica a ser
estudada, mostrando que o incremento da industrialização e o seu
conseqüente processo de precarização das condições de vida no meio
rural e urbano possibilitou o desenvolvimento do associativismo civil
22
impulsionado, fundamentalmente, pelo envolvimento da Igreja Católica,
através da Pastoral da Juventude.
Tendo como pano de fundo o processo de constituição do
associativismo no município, pretende-se explorar, ainda, a estrutura e a
dinâmica de funcionamento do Conselho Municipal de Assistência
Social (CMAS), do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do
Adolescente (CMDCA) e do Conselho Municipal de Saúde (CMS) de
Concórdia, seguidos de uma caracterização do perfil sócio-econômico e
político dos conselheiros e do perfil de atuação das organizações
representativas da sociedade civil com assento nestes espaços.
Uma análise sobre os diferentes tipos de autonomia identificados
pela pesquisa será apresentada no terceiro capítulo e procura mostrar ao
leitor outro conjunto de elementos que são constitutivos dos indicadores
de autonomia tais como: o processo de discussão interna e de
deliberação dos três conselhos sob exame; uma breve análise da
trajetória individual de participação política dos representantes da
sociedade civil, relacionando os momentos da vivência sócio-política
desses sujeitos com os marcos históricos e conjunturais verificados no
plano nacional e municipal; uma análise dos diferentes julgamentos
feitos por estes conselheiros sobre a dinâmica de funcionamento destas
instâncias de participação institucional e sobre as percepções acerca da
autonomia.
Por fim, o capítulo recupera o quadro de indicadores e os
principais pressupostos desenvolvidos no primeiro capítulo e, a luz das
evidências empíricas apontadas, revisita a noção de autonomia. Convém
ressaltar que a apresentação da metodologia no decorrer dos capítulos
foi uma escolha que buscou, da melhor forma possível, facilitar a leitura
e a compreensão das etapas e dos instrumentos metodológicos
utilizados.
23
CAPÍTULO 1
SOCIEDADE CIVIL, PARTICIPAÇÃO INSTITUCIONAL E A
AUTONOMIA REVISITADA
No debate acerca da redemocratização do Estado brasileiro e dos
possíveis caminhos que surgiram na tentativa de enfrentamento da
“concepção hegemônica de democracia”
3
(SANTOS; AVRITZER,
2002), observa-se que, embora as diferentes perspectivas teóricas, os
princípios da inclusão, da igualdade participativa e da autonomia
formam o núcleo central dos modelos alternativos de democracia. A
participação política, vetor central da inclusão, veio se apresentando
como um elemento central e decisivo na reconfiguração das relações
entre o Estado e a sociedade e como meio de garantir uma maior atuação
dos cidadãos na vida política do país.
O tema das potencialidades e dos condicionantes das democracias
na contemporaneidade configura um denso e complexo debate em que
se entrecruzam diversas correntes de pensamento que estão “atravesados
por la consideración de aspectos sustantivos asociados [...] a la
participación política(SERMEÑO, 2006, p. 10), participação esta que
incorpora a dimensão da positividade da autonomia da sociedade civil
como essencial para o cumprimento do ideal democrático.
A discussão sobre o exercício da participação política coletiva,
sob a marca da sua virtualidade democrática e politizadora, é qualificada
e particularizada por um princípio de autonomia que compõe o terreno
sob qual se alicerça os enfoques alternativos de democracia, que se
3
Trata-se, em linhas gerais, de uma concepção fundada nos pressupostos da positividade da
apatia política e da mínima participação e mobilização popular dos cidadãos para os processos
de tomada de decisão e para a manutenção da estabilidade do sistema. A política seria um
campo que remete à disputa entre as elites, que através dos seus partidos, colocam os
mecanismos de representação com o meio de organizar e incorporar a pluralidade social e de
resolver os problemas de autorização de poder em sociedades complexas. Nesta concepção, a
democracia e a participação popular estariam reduzidas ao procedimento de escolha do
governo representativo através do voto eleitoral, não podendo a soberania popular ser exercida
de forma direta. Os maiores expoentes das teses do elitismo democrático são Schumpeter, 1984
e Downs, 1999. Ver discussão detalhada em Santos; Avritzer, 2002, p. 43-50. Também Carole
Paterman, na década de 1970, tecia críticas a este modelo restritivo de participação
democrática e comenta que este ideal de democracia e de participação foi “tão amplamente
aceito que se poderia chamá-la de doutrina ortodoxa” (PATEMAN, 1992, p. 9). Uma discussão
sucinta também pode ser encontrada em Sermeño, 2006. Para um debate que remonta as
origens e fundamentos elitistas da democracia liberal presentes nas teorizações desde o século
XVIII, ver Baños, 2006.
24
apresentam como contribuições teóricas das formas possíveis para a
ampliação e o exercício da deliberação pública para além do âmbito da
participação eleitoral.
Trata-se, portanto de uma alternativa os pressupostos
“hegemônicos” de democracia e de argumentos que colocam no centro
do debate os conceitos de sociedade civil, de espaço público, de
participação propositiva, de mobilização autônoma e de cidadania com
vistas à superação dos difíceis processos de consolidação democrática
no Brasil e na América Latina.
Diferentes modelos apresentam explicações sobre os tipos, as
motivações, as variações e os condicionantes à participação dos
indivíduos, sejam nos mecanismos convencionais ou nos não-
convencionais de participação
4
.
Um destes modelos é o modelo da centralidade
5
afirma que
quanto mais central é a posição ocupada pelo indivíduo na estrutura
social, maior a sua propensão ao envolvimento com a política. Sob este
prisma, as variáveis renda (recursos materiais) e escolaridade (recursos
culturais e simbólicos), influenciariam positivamente no interesse, na
inserção e na forma de atuação nas arenas participativas para os
indivíduos que detém, em maior nível, estes recursos.
Um segundo enfoque é o modelo de consciência de classe que
compreende que, quanto mais o indivíduo participa, maior é a
consciência das determinações do mundo do trabalho as quais está
sujeito. A compreensão de que os cidadãos são indivíduos-produtores
coloca a atuação dos partidos, sindicatos e movimentos sociais como os
agentes que promovem ações educacionais para a tomada da consciência
de classe e superação de suas condições de vida.
o modelo da escolha racional alega que a participação dos
indivíduos é orientada racionalmente a partir dos cálculos dos custos e
dos benefícios envolvidos na participação, sendo que “a não
participação é racional, principalmente quando se trata da distribuição
de bens públicos” (LÜCHMANN; BORBA, 2008, p. 60) que poderão
ser obtidos independentemente da participação deste mesmo indivíduo.
Portanto, neste caso, o mais coerente e natural é que não haja
participação e sim que prevaleça a lógica do “carona”. Esta análise
pressupõe que o comportamento dos sujeitos é sempre estratégico,
4
A distinção entre os dois tipos de canais de participação pode ser encontrada em Baquero;
Borba, 2005.
5
Os parágrafos seguintes, sobre as diferentes explicações sobre o tema da participação,
reproduzem os argumentos contidos em Avelar, 2004 e Lüchmann; Borba, 2008.
25
visando acionar mecanismos para atingir a busca da satisfação
individual e seus ganhos materiais para a manutenção dos seus
privilégios e interesses.
A quarta vertente analítica é o modelo da identidade que recorre
às noções “redes de solidariedade e reconhecimento recíproco” (cf.
AVELAR, 2004, p. 230) para afirmar que a construção de identidades
em torno de princípios comuns compartilhados possibilita a criação de
vínculos que dariam o sentido e o tom da participação. Lüchmann e
Borba (op. cit.: 60) afirmam que "os argumentos das redes e das
identidades ganhou força principalmente com os estudos sobre os
„novos movimentos sociais‟”, fundamentalmente os realizados por
Touraine (1994), além das teorias da sociedade civil (Cohen; Arato,
1994) e das teses do capital social de Putnam (2006). E destacam que
Mesmo reconhecendo-se as diferenças epistemológicas e
normativas dessas diferentes teorias, é possível encontrar um
núcleo comum implícito que as unifica, localizado no argumento
de que as redes de interação social que o indivíduo desenvolve ao
longo de sua vida são constituintes de diferentes identidades que
podem ser promotoras de uma maior propensão à participação
política do cidadão (LÜCHMANN; BORBA, op. cit.).
Daí deriva-se que o alcance, a densidade e a intensidade do grau
de articulação das redes estão intimamente ligados com a tradição
associativa compartilhada que conforma certo tipo de participação
política.
Estes mesmos autores destacam ainda outro modelo analítico não
privilegiado por Avelar, a saber: o modelo de análise institucionalista.
Tal vertente, não obstante suas especificidades
6
, parte da premissa que
“embora os indivíduos construam as regras, as normas e as condutas,
eles são limitados e condicionados por escolhas passadas” Scott, 1995
(apud LÜCHMANN, 2002a, p. 47-48). Sob este ponto de vista, os
complexos institucionais que amparam a vida social influenciam,
limitam, modelam e constrangem de alguma forma os interesses e
preferências dos indivíduos. Portanto, as estruturas de oportunidades
políticas disponíveis aos sujeitos podem favorecer ou não a participação
e a mobilização autônoma.
6
As diferenças presentes dizem respeito aos múltiplos campos de conhecimento, aos diversos
conceitos de instituição e aos distintos recortes analíticos. Ver discussão em Lüchmann, 2002a,
especialmente entre as páginas 47 a 52. Um debate mais sucinto também pode ser encontrado
em Lüchmann, 2002b.
26
O papel dos indivíduos e seu envolvimento com as questões
políticas e públicas são também problematizados pelos teóricos da
cultura política que buscam compreender a relação entre atitudes e
comportamentos políticos dos cidadãos e instituições políticas de
mediação. Segundo Baquero e Prá (2007, p. 18), os postulados dos
estudos sobre cultura política foram estabelecidos principalmente por
Gabriel Almond e Sidney Verba para designar “o processo pelo qual as
atitudes e a orientações dos cidadãos são estruturadas em relação ao
sistema político e às instituições de maneira geral”. Nesta orientação, a
importância das normas e dos valores compartilhados entre os cidadãos,
ou seja, a cultura cívica, são fatores constitutivos da estabilidade
democrática
7
.
Para além do desenvolvimento da consciência coletiva, a
participação também gera impactos no aprendizado individual. A
participação política pode se traduzir em um processo pedagógico de
educação cívica à medida que se toma conhecimento dos problemas
sociais e se aprende a resolvê-los em termos de deliberações públicas. A
participação permite ainda o desenvolvimento do sentimento e da
capacidade de competência política, ao mesmo tempo em que pode
conseguir provocar mudanças na desigualdade social a partir do
incremento de uma cultura democrática participativa que considere de
forma equitativa os diferentes interesses presentes no seio da sociedade
(MACPHERSON, 1978; PATEMAN, 1992).
Na esteira dos pressupostos democrático-participativos, as
abordagens deliberativas da democracia ganham destaque,
fundamentalmente pela ênfase no desenvolvimento de espaços de
diálogos públicos de explicitação das vontades, que compõem o quadro
de referências que tem a participação como elemento pedagógico e de
contestação dos pressupostos da legitimidade da democracia liberal.
Resgatando os conceitos de esfera pública, opinião pública e de
sociedade civil, os aportes da democracia deliberativa vêm sendo
utilizados como uma frente analítica importante para a compreensão das
realidades latino-americanas e brasileiras, em especial, por ser capaz de
expressar as potencialidades da sociedade civil para o aprofundamento
7
Baquero e Prá (2007) procurando entender o processo de constituição da democracia no
Brasil e suas influências na estruturação das regras no campo político, buscam encontrar um
caminho entre a abordagem clássica de Almond; Verba e as perspectivas contemporâneas que
incorporam a dimensão racionalista do cidadão. Assim, reformulam o conceito de cultura
política entendido como conjunto de crenças e valores que os indivíduos incorporam ao longo
do tempo e a capacidade de se adaptar e de acionar estes valores a partir de uma perspectiva
racional visando sobreviver em situações políticas hostis.
27
da democracia (COSTA 1997a, 1997b, 2002; AVRITZER, 1994, 1996;
LÜCHMANN, op. cit.).
A revivificação do tema da participação social, da sociedade
civil, da esfera pública e da relação com o Estado veio na esteira dos
acontecimentos históricos pós-Segunda Guerra Mundial. O debate
político internacional em torno da discussão da consolidação da
democracia liberal marcou a produção dos países do Leste da Europa e
da América do Norte. Na América Latina, na década de 1960 e, mais
tardiamente no Brasil no final da década de 1970, a contestação se
configurou em uma resistência contra os regimes militares
8
.
Foi decisivamente com o fim da Guerra Fria e com o
aprofundamento do processo de globalização, que a forma clássica de
democracia liberal representativa foi colocada em xeque, que a sua
extensão e expansão traziam, ao mesmo tempo, um enorme desgaste das
práticas democráticas (SANTOS; AVRITZER, op. cit., p. 42). No bojo
da contestação dos pressupostos e das práticas democrata-liberais, a
democracia participativa e a democracia deliberativa têm sido, no Brasil,
os principais instrumentos teórico-analíticos empregados, na medida em
que, embora com trajetórias diferenciadas, compartilham um conjunto
de críticas ao modelo da democracia representativa (FUNG; COHEN, p.
2007).
Alguns autores, no entanto têm alertado que a incorporação
destes referenciais teóricos tem se mostrado limitada para o
entendimento das experiências participativas brasileiras
9
. A mobilização
de novas perspectivas teóricas e metodológicas busca expandir o leque
de interpretação, ao problematizar questões que esses modelos teóricos
têm mantido camuflados. Entre as lacunas teóricas presentes na
literatura estão o debate em torno da dimensão da autonomia no
contexto das novas relações entre sociedade civil e Estado mote desta
dissertação.
Sugere-se aqui pelo menos dois fatores que parecem
determinantes para a conformação deste quadro
10
. O primeiro diz
8
De acordo com Costa (1997a, 2002), no Leste Europeu, este reflorescimento refletiu o
questionamento acerca da presença do estado socialista. Nos EUA foi questionada a não
geração do mínimo de espírito público necessário ao funcionamento e efetivação da ordem
liberal. Nas sociedades européias, representou a perda da atratividade e a insatisfação contra a
tutela política do estado de bem-estar social.
9
Ver entre outros: Dagnino; Olvera; Panfichi, 2006; Lavalle, 2003; Houtzager; Lavalle;
Acharya, 2004.
10
Certamente, existem outros fatores que colaboraram para a configuração deste espectro
analítico, mas os elementos aqui abordados me parecerem mais evidentes e influentes no
Brasil.
28
respeito à forma como a literatura brasileira, nos anos de 1970 e 1980,
tratou a (não) relação entre movimentos sociais e Estado
11
. Os estudos
sobre movimentos sociais urbanos caracterizam-se por apontar
argumentos polêmicos em torno do exato papel desempenhado pelos
mesmos na sociedade brasileira, alternando entre a ênfase no seu caráter
político enquanto sujeitos da transformação e a explicitação de suas
limitações políticas na conjuntura da transição democrática. Neste
debate, verifica-se uma polarização analítica em torno de duas
abordagens principais que denominarei de paradigma da autonomia dos
movimentos sociais e de paradigma da institucionalidade política.
O segundo fator, na década de 1990, que também limitou o
avanço da discussão, diz respeito à utilização no Brasil, dos
pressupostos da teoria da sociedade civil de matriz habermasiana. Tais
premissas estão fundadas na radical separação entre o campo da
sociedade civil e do Estado, em que a aproximação representaria uma
possibilidade de contaminação da sociedade civil pela lógica
instrumental do Estado. Esta visão dicotômica das relações
Estado/sociedade tem levado a uma compreensão refratária e polarizada,
em que o Estado aparece como um pólo de perversidades e a sociedade
civil como um pólo de virtudes (DAGNINO, 2002; DAGNINO;
OLVERA; PANFICHI, 2006; LAVALLE, 2003).
Com a constatação dessas lacunas teóricas, refloresce a discussão
em torno da necessária reconfiguração das relações entre Estado e
sociedade civil, no sentido de possibilitar um novo tipo de relação não
mais fundada em uma separação radical, mas sim em um processo de
influência mútua. O avanço na discussão sobre a agenda da
consolidação democrática, impulsionado pelos acontecimentos político-
institucionais contemporâneos, sobretudo a partir da Constituição de
1988, refletiu sobre o tom do debate que estava sendo, até então, travado
sobre a questão da autonomia da sociedade civil. O otimismo que
marcou a literatura sobre os movimentos sociais dos anos 1970 e 1980
foi sendo atenuado com a implementação de canais institucionais de
participação. Esta inflexão teórica contribuiu para repensar as diversas
polaridades interpretativas da ação movimentalista que permeavam o
debate no Brasil (DOIMO, 1995), como também foi decisiva para re-
introduzir a questão da autonomia da sociedade civil nas agendas de
pesquisa das Ciências Sociais. Assim, ampliar o conhecimento sobre a
questão da autonomia dos atores coletivos neste novo contexto de
11
Ver discussão semelhante em Tatagiba, 2008.
29
interfaces com o Estado é fundamental para compreendermos a natureza
dos vínculos estabelecidos, as tensões e os dilemas postos.
Dessa perspectiva pretendo problematizar a efetividade das ações
da sociedade civil, a partir do estudo de como a dimensão da autonomia
dos representantes das organizações sociais se expressa no interior dos
conselhos gestores de políticas públicas, e como o impacto institucional
desta ação se manifesta, tanto na dinâmica associativa, como no
processo de gestão das políticas setoriais. Considerando que a sociedade
civil, atualmente, estabelece imbricadas e estreitas relações com o meio
político institucional, questiona-se o que significa falar em autonomia
das organizações civis em relação ao meio político-institucional através
da mediação da participação em espaços institucionalizados.
A vazante deste debate teve como marco a inflexão que a
promulgação da Constituição de 1988 promoveu ao criar espaços de
participação e de diálogo entre sociedade civil e Estado na discussão,
definição e gestão das políticas públicas. Entre estes, se destacam a
implementação dos conselhos gestores nos vários níveis da federação
(nacional, estadual e municipal) e em diversas áreas temáticas
(assistência social, criança e adolescente, saúde, entre outros) com o
claro objetivo de democratizar os espaços de decisão pública e de
garantir uma maior atuação da sociedade nos processos de elaboração de
políticas
12
. Cabe aqui um breve comentário sobre o processo de
institucionalização destes espaços.
Os conselhos gestores de políticas públicas
13
são órgãos de
deliberação pública e coletiva, vinculados, através das suas unidades
nacionais, a Administração Pública Federal responsável pela
coordenação das políticas nacionais, sendo nos casos aqui analisados
referentes às políticas de assistência social, dos direitos da criança e do
adolescente e da saúde. Os conselhos existem nos vinte e sete estados da
federação sendo regulamentados por lei e a sua existência independente,
por tanto, do governo em questão.
A instituição destes espaços é uma conquista da própria
sociedade civil que, durante a década de 1980 e, especialmente, no
período da Constituinte, demandou, por meio de mobilizações sociais de
segmentos organizados, a participação social e o exercício da cidadania
12
A Carta Constitucional também definiu a utilização dos referendos e dos plebiscitos como
formas de participação popular nas decisões de caráter público (RAICHELIS, 1998).
13
Resgate feito a partir de Raichelis, 1998. Também neste texto pode-se encontrar uma
descrição do cenário político que possibilitou a criação dos conselhos. Neste caso, ver
especialmente o capítulo 1. Para uma análise da efervescência mobilizatória dos anos 1970 e
1980 que desembocou na constituinte, ver principalmente Emir Sader, 1988.
30
nos processos de definição, avaliação e fiscalização de programas e
projetos governamentais. Deste modo, os conselhos são órgãos de
controle social das políticas públicas que dependem em grande medida
da associação de formas e forças políticas contidas no associativismo
civil.
A constituição de inúmeros conselhos permitiu e propiciou que as
ligações entre sociedade civil e Estado fossem cada vez mais estreitas
redimensionando o cenário de atuação e recolocando a questão da
democracia, da participação política e da autonomia sob novos termos.
O reexame de paradigmas sacramentados por parte dos analistas e a
revisão das práticas por parte dos movimentos sociais e da sociedade
civil permitiu a problematização de uma série de temas e abertura de
uma agenda nova e profícua de pesquisa. No entanto, esta fértil agenda
não encontrou terreno no campo do debate sobre a autonomia, temática
que entrou em relativo “recesso” nos anos 1990.
Todavia, o mesmo não pode ser dito do ponto de vista das ações e
da dinâmica da sociedade civil. É preciso considerar que a própria
natureza dos movimentos sociais foi modificada, e que o padrão
organizacional atual é muito mais condizente com a estrutura de redes,
em que diversos grupos compartilham uma cultura de movimento e uma
identidade coletiva (SCHERER-WARREN, 1993; 2006).
O processo de globalização e complexidade do mundo
contemporâneo exige uma reorganização das agendas e uma
reordenação nas formas de atuação dos movimentos sociais que,
antenados com as mudanças sócio-históricas e políticas, dirigem seus
esforços para uma ação conjunta com uma multiplicidade de atores que
se conectam e se intercomunicam por meio de redes de movimentos
sociais e da sociedade civil que potencializam e alimentam as
possibilidades de atuação política e pública.
Os atores atrelados às redes o os mais diversos e a sua
capilaridade, mobilidade e conectividade permitem que certos temas
circulem transversalmente, tendo em vista a resolução de problemas
e/ou à promoção de uma opinião pública concretizada a partir da
participação política nos processo de discussão e de decisão. Neste
sentido, as redes, por meio da sua permeabilidade e abertura aos
vínculos e articulações entre a sociedade civil em uma sociedade
participativa, se apresentam como forma de aprofundamento da
democracia em realidades complexas (SCHERER-WARREN, 2007b).
Por conseguinte, por meio das redes, é possível construir pactos,
alianças e parcerias, efêmeras ou não, que podem, dependendo da sua
31
intensidade, pluralidade, dinamismo e grau de mobilização, afetar as
decisões institucionais.
O resgate desta discussão, ao colocar em pauta aspectos que
foram negligenciados pela literatura recente, pode auxiliar a lançar luz
sobre os padrões de relações entre sociedade civil e Estado. Em especial,
pode contribuir para a análise da autonomia como um valor que
qualifica as interações dos atores nas redes da sociedade civil com o
poder político institucional.
É, exatamente, neste contexto histórico e centrado neste marco
analítico que esta dissertação se inscreve como um estudo que tem como
foco as relações estabelecidas entre sociedade civil e Estado no contexto
de participação institucional. Tendo como referente empírico os
conselhos gestores do município de Concórdia (SC), busca-se revisitar a
noção de autonomia, sugerindo que o entendimento das transformações
do mundo contemporâneo requer manter e reforçar a autonomia como
um valor (substantivo e que deve ser assegurado), incorporando-a
novamente as agendas de pesquisa. Porém, as novas relações e
configurações da sociedade civil, e entre esta e o Estado, desafiam uma
(re)significação da noção de autonomia, tomando-a não como ausência
de relação
14
, mas fundada na natureza dos vínculos que a sociedade civil
é capaz de estabelecer com os demais atores, em determinado contexto
histórico. Portanto, ampliar o conhecimento sobre a questão da
autonomia frente às interfaces com o Estado é fundamental para
compreendermos a natureza e os impactos dos novos formatos de
participação institucional.
As páginas que seguem estão divididas em duas grandes seções,
sendo que a primeira, subdivida em dois subitens (1.1 e 1.2), disserta,
brevemente, sobre a historiografia dos estudos sobre movimentos sociais
no Brasil, primeiramente nas décadas de 1970 e 1980 e, posteriormente,
na década de 1990, apontando as diferentes abordagens e interpretações
acerca da temática da participação coletiva e da autonomia, para colocá-
las em perspectiva comparativa. A segunda seção tem como objetivo
central revisitar a noção de autonomia frente aos desafios de um novo
contexto político caracterizado por relações institucionalizadas entre
sociedade civil e Estado, a exemplo dos conselhos gestores de políticas
públicas no Brasil contemporâneo.
Portanto, a clássica tarefa da revisão da literatura, que aqui será
realizada, não terá por objetivo recompor em detalhes, minúcias e
14
Remeto, novamente, a Tatagiba, 2008 e Teixeira; Tatagiba, 2006a e 2006b para uma
formulação como a adotada aqui.
32
nuanças os modelos teóricos de referência analítica. Ao invés disso,
buscará resgatar os diferentes enfoques e apontar alguns de seus limites
e potencialidades para se pensar e atualizar a dimensão da
autonomia, princípio que continua central para o entendimento e
fortalecimento da democracia.
1.1 Trajetória dos estudos sobre os movimentos sociais e a
sociedade civil no Brasil e sua (ausência de?) relação com o
Estado
1.1.1 Movimentos Sociais das Décadas de 1970 e 1980
15
Até o início do ano de 1970 as análises sobre os movimentos
sociais no Brasil concentraram-se em torno do paradigma clássico
marxista da luta de classes (ou histórico-estrutural). Tomando a classe
operária como sujeito histórico por excelência da transformação social,
as abordagens, centradas em estudos de caso, privilegiaram, sobretudo
as ações coletivas do movimento operário e do “novo sindicalismo”
(SADER, 1988). Sendo os processos sociais analisados, enquanto
processos de contradição e de exploração na produção da vida social e a
mudança concebida como diacrônica e macroestrutural, enfatizavam
explicações dos condicionamentos da infra-estrutura sobre a ação dos
movimentos. Nesta perspectiva, os movimentos sociais expressavam a
contradição fundamental do modo de produção e o “desejo de sua
superação em um projeto político de uma sociedade sem classe. Sua
utopia mais completa foi desenvolvida pelo marxismo-leninismo”
(SCHERER-WARREN, 1987, p. 36).
Da segunda metade da década de 1970 ao início dos anos 1980, o
referencial teórico predominante continuava a ser o marxista, embora
um processo de crítica a esta corrente já estivesse sendo delineado.
Novas considerações paradigmáticas procuravam ampliar a perspectiva
para além daquela centrada nos conflitos econômicos, provenientes da
produção material da existência, enfatizando o virtual papel de
transformação a partir da inclusão dos sujeitos no domínio da
reprodução social.
15
O raciocínio e a periodização que se segue são baseados fundamentalmente em Scherer-
Warren, 1993 e nos aportes de Doimo, 1995, Gohn, 2000 e Scherer-Warren, 1987.
33
A identidade dos novos movimentos sociais será construída a
partir de dois fatores. Um primeiro, de caráter estrutural, diz respeito à
perda da centralidade do movimento operário advindo das
transformações das relações capital x trabalho e suas novas formas de
opressão que suplantavam os antagonismos que ocorrem no mundo das
relações de produção. O segundo fator, de caráter cultural, relaciona-se
com o desenvolvimento de um pensamento crítico erigido “a partir da
insatisfação quanto às formas de opressão e autoritarismo, tanto do
capitalismo quanto das tentativas para a sua superação o socialismo
real” (SCHERER-WARREN, op. cit., p.40). Princípios que remontam
ao movimento cultural anarquista, tais como autonomia, projetos de
democracia de base e ação direta, livre organização, direito à
diversidade, respeito à individualidade, aquisições de identidade local e
regional; passam a dar os contornos às formas de organização e de luta
dos novos movimentos sociais (Ibidem, p. 40). Os assim denominados
novos movimentos sociais passam a abarcar uma pluralidade de atores e
uma diversidade de temáticas e de formas organizativas que
diversificam e complexificam o tecido social ao tematizar um conjunto
de problemas (de gênero, de discriminação racial, ecológico) que
perpassam e extrapolam a dimensão das relações de produção. Para
Laclau (1986) a especificidade dos novos movimentos sociais reside na
posição dos agentes: esta se tornou autônoma do modo de produção, não
sendo possível relacionar a posição individual do sujeito com uma
sucessão racional e necessária de estágios da ação social. Portanto, os
diferentes tipos de ação coletiva não se conectam por possuírem a
mesma natureza ou as mesmas lógicas, mas sim porque permitem o
estabelecimento de conexões de sentido político em uma mesma
sociedade (PAOLI, 1995).
Tais redefinições demandaram dos críticos uma revisão dos
pressupostos analítico-conceituais, privilegiando re-significar a
identidade e a posição do ator social no contexto dos conflitos
contemporâneos. Vai ganhando fôlego a matriz estrutural-autonomista
16
e gradualmente verifica-se um deslocamento de perspectiva: a
substituição das condições objetivas de classe pelo estudo das
multiplicidades das ações dos sujeitos; da centralidade da luta de classe
para a centralidade dos atores sociais plurais; da ênfase na sociedade
política para a sociedade civil; da concepção do real como totalidade
16
Doimo (op. cit.) identifica três matrizes interpretativas dos movimentos sociais no Brasil que
aqui também serão utilizadas: a estrutural-autonomista, cultural-autonomista e o “enfoque
institucional”.
34
inteligível e macroestrutural para o microestrutural e particular; da
mudança social entendida como alteração do modo de produção para
mudança compreendida como criação de uma vontade coletiva nacional-
popular em termos de lutas históricas (SCHERER-WARREN, op. cit.;
SCHERER-WARREN, 1993, p. 14-16).
Os anos 1980 marcaram uma inflexão no debate e na análise
sobre os movimentos sociais, quando começa a ganhar força a matriz
cultural-autonomista (DOIMO, op. cit.). Mudanças na conjuntura
política brasileira, como a perda de pulso de algumas lutas e o
surgimento de tantas outras, foram decisivas para mudar o tom do
debate até então travado. O reconhecimento da pluralidade de sujeitos
portadores de múltiplas identidades, somado a busca de referenciais
alternativos, sobretudo dos filósofos e estudiosos europeus
17
,
possibilitaram o alargamento da base analítica ao enfatizar os elementos
que conferem identidade aos movimentos. Capturar os processos de
constituição da identidade dos grupos, examinar as suas falas e seus
discursos, apreender suas práticas cotidianas e as suas formas de
nomeação das desigualdades, “foram se tornando os objetivos centrais
nas preocupações dos analistas e não mais o estudo das determinações
estruturais da economia sobre as ações coletivas em andamento”
(GOHN, 2000, p. 279)
18
.
Estas interpretações tomam o movimento social como categoria
central. Substituem-se as análises em termos de processos históricos
globais por estudos de grupos específicos organizados. Buscam-se
elementos inovadores, tanto nas formas de organização, como no modo
de fazer política, sugerindo-se que uma nova cultura política popular e
de base estaria sendo gestada (SCHERER-WARREN, 1993, p. 17). O
real é entendido como o específico, as identidades dos movimentos. Os
sujeitos sociais são os mais diversos (Movimentos Urbanos,
Comunidades Eclesiais de Base, Associações de Moradores, Lutas pela
Terra e Moradia, Movimento Feminista, Movimento Ecológico, do
Transporte, Sindical, os Movimentos de Defesa dos Direitos Humanos,
Movimento pela Saúde, e etc.), sendo a mudança social vista como
transformação cultural e política a partir do cotidiano vivido dos atores
em cena.
Neste contexto, para parte dos analistas, os movimentos sociais
das décadas de 1970 e 1980 traziam em seu bojo a inauguração de novas
17
Segundo Gohn (2000): Castoriadis, Deleuze, Evers, Foucault, Guattari, Helles, Laclau,
Mouffe, Offe, Thompson, Thoreau.
18
Ver, entre outros: Doimo, op. cit.; Gohn, 1982; Sader, op. cit.
35
formas de conflitos e sociabilidades. Sua novidade era pensada em
termos da definição destes como a contra-face (EVERS, 1984) do lado
autoritário do Estado brasileiro, por não se pautarem diretamente nas
estruturas institucionais e na representação política clássica. Seus novos
discursos, suas novas dinâmicas políticas, seus novos significados,
foram tomados como um novo tipo, radicalmente diferente, de ideário
político capaz de se contrapor à crise política e social vivenciada no
país.
Paralelamente, o enfoque nos aportes político-institucionais, ou
matriz reconhecida como “enfoque institucional”, também vai ganhando
corpo nas explicações dos difíceis e frágeis processos de
institucionalização democrática, em contraposição às explicações que
exaltavam o espontaneísmo e a virtualidade da sociedade civil
desconsiderando a relevância da institucionalidade política e do Estado
neste processo. Tal abordagem privilegia os impactos, sobre os
movimentos sociais, do reordenamento institucional que tramitava com
o processo de democratização (e não o contrário), destacando o papel
desempenhado pelos mediadores. Estas análises começaram, ainda que
timidamente, a ilustrar as relações entre sociedade e Estado.
Nos anos de 1990, a emergência de novos temas e de novos
enfoques analíticos altera substancialmente o cenário das análises sobre
os movimentos sociais no Brasil. Um conjunto de transformações
impacta a forma de atuação dos movimentos sociais. Os pesquisadores
passaram a se preocupar em entender as novas práticas da sociedade
civil e as redes de relações criadas por estas ações, os problemas de
violência e da exclusão social. As redes de ONGs ocupam lugar de
destaque na maioria dos estudos, bem como, as análises dos
mecanismos institucionais da democracia participativa.
Para os objetivos aqui pretendidos, interessa-me, inicialmente
colocar as abordagens acima delineadas em perspectiva: as matrizes
estrututal-autonomista e cultural-autonomista, ou o que denominarei de
paradigma da autonomia dos movimentos sociais, que enfatizou as
potencialidades e virtualidades inscritas nas reivindicações populares; e
a matriz do enfoque institucional ou o paradigma da institucionalidade
política, que argumentava na linha da valorização das instituições
estatais e políticas e o impacto desta institucionalidade sob os
movimentos sociais.
36
a) O paradigma da autonomia dos movimentos sociais
19
Segundo Telles (1987), o registro e a qualificação daquilo que foi
tido como novidade se deu através de alguns temas que delimitavam um
campo de referência comum quando se perguntava quem são e como
qualificar o significado político dos novos movimentos sociais: 1) o
tema da autonomia dos movimentos sociais; 2) o tema das novas formas
de participação articuladas no cotidiano vivido da moradia; 3) o tema do
“urbano” como espaço de onde surgem novas contradições e novos tipos
de conflito (TELLES, 1987, p. 55-56).
Fortes expectativas foram geradas a partir da influência que os
movimentos poderiam desempenhar no cenário político daquela época.
Estes foram saudados como “novos movimentos sociais”, sendo que a
novidade fundamental alicerçava-se na recusa a institucionalidade e na
exaltação da organização espontânea, horizontal, independente e
autônoma frente ao Estado. Sendo considerados os sujeitos
fundamentais da luta política para instaurar a cidadania como linguagem
comum, os diferentes atores sociais, com as suas singularidades sociais
e os seus novos significados coexistiam no espaço das ações coletivas,
observando neles um sentido inovador que se dirigia a construir
referências novas para a sociedade (PAOLI, op. cit.; SADER, op. cit.;
TELLES, op. cit.)
Sob este prisma, parte da literatura consagrava os movimentos
sociais enquanto ação coletiva que se movia politicamente a partir de
outras bases: as lutas não eram limitadas aos modos tradicionais
populistas de fazer política, brotavam em espaços novos e diferenciados,
com novas lógicas, livre de constrangimentos e engendrando novos
significados e novas concepções de direitos e de participação.
Acreditava-se que os movimentos estavam criando espaços extra-
institucionais da política, numa forma de ser movimento em oposição à
tutela, dependência e controle do Estado. Tinham como norte escapar da
19
Cabe ressaltar que a aglutinação de duas matrizes em um único paradigma e, dentro deste
paradigma, a agregação de diversos autores, cumpre aqui a fins exclusivamente hermenêuticos,
no sentido de buscar explicitar o sentido geral que a noção de autonomia adquiriu. É evidente
que uma leitura particularizada e minuciosa de cada intérprete revelará diferentes ênfases, o
que não resulta em um obstáculo para a análise realizada. Também é importante frisar que o
argumento posto nesta seção, e no texto como um todo, em forma periodizada, não significa a
adoção de nenhum tipo de visão evolucionista, supondo uma passagem linear e pacífica entre
as diferentes matrizes interpretativas. Ao contrário, o debate posto reconhece que o movimento
operário, os movimentos sociais, as ONGs e outras formas organizativas coexistem e operam
em diferentes níveis de tensão e conflito, seja como um dado da realidade empírica, seja no
debate acadêmico.
37
institucionalidade estatal tutelar, autoritária e burocrática, romper com o
clientelismo partidário e questionar a gestão governamental
centralizadora, excludente e privatizada, colocando a questão da
cidadania como pedra angular na qual se referenciavam (PAOLI, op.
cit.; RIBEIRO, 1991; SADER, op. cit.; SCHERER-WARREN, 1987;
TELLES, op. cit.; TELLES, 1988).
Nesta direção, a autonomia dos movimentos sociais foi
apreendida sob marca da completa ausência de relação destes com a
institucionalidade política e estatal. A rubrica da não-relação, ou seja, da
autonomia frente ao Estado foi não somente a característica distintiva,
como também, o predicado que qualificou estes movimentos sociais
como atores sociais virtuosos e genuinamente democráticos.
b) O paradigma da institucionalidade política
De outro ponto de vista, uma ala composta em sua maioria por
cientistas políticos fazia críticas ao entusiasmo da literatura sobre os
movimentos sociais dos anos 1970 e 1980
20
. Questionava os argumentos
que, sob o signo da novidade que estas práticas reivindicativas pareciam
introduzir, caracterizavam esta participação dos movimentos como anti-
Estado, anti-partido, anti-sistema político, sendo o Estado visto como
um inimigo (CARDOSO, 1994). Por outro lado, a sociedade era vista
como incorruptível, portadora de uma identidade particular e de uma
capacidade renovadora que implicava na definição dos novos contornos
no plano da cultura política. A participação se daria no pólo não-
institucional, em contraposição ao sistema institucional (JACOBI,
1987a).
A premissa de que a idéia da possibilidade da relação autônoma
se verificaria se a distância fosse preservada, posto que a
aproximação da sociedade civil com o sistema político era vista como
possibilidade de cooptação e manipulação, foi por eles questionada
(CARDOSO, op. cit.; JACOBI, 1997b). Privilegiavam a atuação
daqueles que chamaram de instâncias ou agentes externos Igreja,
partidos, sindicatos e o próprio Estado principalmente o seu papel no
processo de mobilização. Salientavam que a presença de um elemento
exterior atuava como dinamizador e projetor das demandas e
reivindicações dos movimentos sociais. Ou seja, “o agente externo
20
Dou destaque a: Boschi; Valladares, 1982; Cardoso, 1983, 1988, 1994; Jacobi, 1982, 1987a,
1987b.
38
fundamental que é como fato de mobilização pode tanto potencializar
uma situação existente de forma latente, quanto, na sua inexistência,
abrir frentes para a manifestação de um interesse comum” (BOSCHI;
VALLADARES, 1982, p. 136).
Para além da questão do urbano, da autonomia e da formas de
participação dos movimentos sociais, também eram centrais a qualidade
da resposta dada pelo Estado e sua relação com sociedade civil no
contexto da transição democrática. Tais analistas preocupavam-se com a
forma como os movimentos negociavam com o Estado, estabeleciam
alianças com partidos políticos, evidenciando que os movimentos
sociais haviam nascido a partir de um espaço aberto pelo próprio
Estado, além de refletirem as transformações ideológicas de instituições
como a Igreja (BOSCHI; VALLADARES, op. cit.; CARDOSO, 1983;
CASTRO, 1982; JACOBI, 1982).
Para Cardoso, os novos movimentos sociais devem ser
entendidos dentro do contexto de uma reordenação destes e da sociedade
política. No plano da sociedade civil, significa uma reorientação da
atitude dos movimentos sociais, consolidando uma base que articula a
proposição e a reivindicação. No plano do Estado, a mudança significou
a possibilidade da partilha do poder, transparências das ações,
pluripartidarismo e uma nova proposta de encaminhamento da gestão
pública. “Um modo mais moderno, mais adequado e que começou a ser
implementado aqui pela pressão dos movimentos e tamm pela
necessidade de mudança dessa forma de gerenciamento” (CARDOSO,
op. cit., p. 87). Em suma, a ênfase era posta no contexto político em que
os movimentos surgiam, e estes nasciam como produto de projetos e
racionalidades diversas de instituições também em movimento (PAOLI,
op. cit.).
c) Os paradigmas em perspectiva
As diferentes ênfases sobre os movimentos sociais urbanos e seus
significados acabaram colocando as duas abordagens em confronto e,
não por acaso, o ponto de desacordo foi a noção de participação e
mobilização autônoma (PAOLI, op. cit.). Os adeptos do paradigma da
autonomia procuravam entender os movimentos sociais urbanos e suas
mobilizações como resposta da sociedade civil ao Estado, oponente
autoritário contra o qual deveriam se mover. A sociedade civil foi
39
descrita como plural, combativa, dinâmica, espontânea, autônoma e
portadora de outra forma de fazer política
21
. O conceito de identidade
ganhava notoriedade nas investigações. Sendo as diferenças associadas à
dominação, o estudo das identidades fornecia elementos para a
compreensão da auto-imagem que os movimentos sociais construíam
sobre si mesmos (EVERS, op. cit.) e permitia a constituição de uma
unidade política entre os diferentes grupos em torno de práticas
autônomas. Firmando sua identidade frente à presença do Estado
inimigo e opositor, o substrato desse novo sujeito era a natureza
espontânea da participação popular e seu “senso de direito e justiça, que
garantiam, ao mesmo tempo, sua independência das elites e dos partidos
e a justeza de suas demandas supostamente decididas entre iguais”
(CARDOSO, 1988, p. 224). A visibilidade dos movimentos da
sociedade civil, à margem do Estado, aparece como fruto da
autenticidade das classes populares. Por apresentar estas qualidades, a
noção de autonomia tão propalada procurava mostrar que se estava
diante de acontecimentos novos, sendo esta noção a chave de acesso à
dimensão política pela via dos direitos da nova cidadania.
No entanto Paoli (op. cit.) ratificando o que Telles havia
observado salienta que a construção de identidades coletivas firmadas
nas noções de direito, cidadania e dignidade precisou desenvolver-se em
um lugar, em um campo de ação e representação onde a diversidade
pudesse ganhar forma política. Esse espaço foi encontrado fora do
Estado (e da sociedade política) e contra o Estado num discurso de
antagonismo radical que permitiu o (re)aparecimento e a (re)descoberta
da sociedade como local da política. O deslocamento da ênfase
tradicional do Estado para a sociedade civil permitiu que os sujeitos
políticos pensassem e se reconhecessem de modo autônomo, “contra o
Estado”. O que se quer dizer é que, nas condições de opressão vividas
naquela época, a autonomia dos movimentos sociais representava mais
uma questão simbólica e crucial na gestação das novas representações
do poder e do conflito, do que uma questão de viabilidade política
(PAOLI, op. cit.; SCHERER-WARREN, 1987). Na ênfase na
autonomia e na independência estava em jogo a qualificação destes
21
Os pressupostos que estão por trás de abordagem são conhecidos. As premissas que
nortearam a interpretação das novas formas de participação tinham suas raízes na experiência
passada do populismo e no desamparo teórico vivido pela derrota dos trabalhadores em 1968,
assinalando o desapontamento com a estreiteza das análises marxistas das classes sociais.
Explicar a pluralidade de conflitos e de atores que surgiam na sociedade e no interior mesmo
dos movimentos sociais urbanos tornou-se fundamental para se avançar na compreensão da
derrota e dos impasses postos à construção democrática no país (CARDOSO, 1994).
40
sujeitos que estavam de algum modo afirmando as diferenças e os seus
direitos em uma sociedade historicamente marcada por profundas redes
de discriminação, opressão e exclusão (PAOLI, op. cit.; TELLES,
1994a, 1997).
Portanto, acreditava-se que o sentido da ação dos movimentos era
de uma luta contra a tutela estatal em busca de maior autonomia frente
ao Estado, objetivando reverter as difíceis condições de vida e de
moradia nas cidades, considerando a cidadania um direito. E a defesa da
autonomia não significa que não utilizassem dos canais clássicos de
representação para encaminhamento das reivindicações.
E é este fato cultural, esta nova organização e esta nova práxis,
que os movimentos sociais o caráter novo, de novidade. Essa
nova prática, contudo, não se encontra isenta de ambigüidades,
na medida em que freqüentemente o líder do novo movimento
social é igualmente um líder partidário (SCHERER-WARREN,
op. cit., p. 42).
Por terem as suas diretrizes distintas daquelas adotadas pelas
agências estatais, a autonomia política e organizacional apresentava-se
como idéia-força e princípio de diferenciação em relação ao Estado e a
sociedade política
22
.
Todavia, é importante ressaltar que a autonomia como categoria
distintiva apresenta duas ordens de problemas sobrepostas: a primeira é
que o tema da autonomia surge como o inverso ao da cooptação e da
manipulação; e em segundo, a desconsideração, em quase a sua
totalidade, das atribuições do Estado, este comparecendo como um
personagem opaco, esboçado apenas em seus contornos mais gerais.
Voltando ao raciocínio de Paoli, acredito que tenha sido a
perspectiva de mobilizações populares tomadas por um imaginário anti-
estatal que permitiu a crítica dos intérpretes e que levou a uma
condenação enérgica dessa noção de autonomia pelos analistas situados
no paradigma da institucionalidade política. No âmago central deste
paradigma, as análises localizam no Estado o caráter novo das
reivindicações urbanas, e os intérpretes sinalizam como os aportes
institucionais foram negligenciados, em detrimento da valorização do
espontaneísmo e do entusiasmo que os movimentos sociais
22
Não podemos esquecer que o padrão para explicação do que se observava tinha como
referência a recente experiência passada do populismo. Foi observando o quadro político e
societal anterior que a participação das classes populares ganhou visibilidade e forneceu os
elementos e o ponto de partida para novas interpretações (CARDOSO, 1983).
41
representariam. Nos termos de Jacobi (1987a), privilegiavam-se mais o
que o Estado cede do que o que efetivamente controla e organiza. Não
obstante, parece que a crítica não considerou adequadamente que
Muito mais que a busca de uma separação nítida em relação à
sociedade política, rejeitava-se o regime opressor e restritivo à
participação popular em sua totalidade. Até porque, os
movimentos sociais no Brasil e na América Latina em geral
sempre tiveram o Estado como uma referência importante, seja
para contestar, seja para negociar (SCHERER-WARREN, 2007a,
p. 148).
Estes autores estavam empenhados em demonstrar que, “embora
os movimentos populares fossem bem-vindos para flexibilizar o regime
democrático formal, jamais poderiam substituir partidos políticos e
sindicatos podendo no máximo vir a ter um papel mediador entre
sociedade e Estado” (PAOLI, op. cit., p. 36). Argumentavam que as
demandas e ações dos movimentos sociais eram muito pontuais, parciais
e localizadas, não possuindo um projeto político mais abrangente de
transformação social. Devido ao seu caráter efêmero, tendiam a
desmobilização assim que suas metas mais próximas fossem realizadas.
Toda a sua existência devia-se ao modo de funcionamento do Estado, os
quais lhe davam contornos, ambigüidades e limites em suas práticas
(CARDOSO, 1983, 1994; JACOBI, 1987a). A condição autônoma e o
discurso crítico também não se sustentariam já que
[...] como é sabido, altos níveis de participação não se sustentam
ao longo do tempo. Com o desenrolar das atividades mais
rotineiras, torna-se progressivamente mais difícil a manutenção
de níveis significativos de participação, passando a operar o
mecanismo, apontado por Olson, dos incentivos seletivos à
participação. Ou seja, o envolvimento individual passa a se
pautar pela percepção de que é possível tirar partido de algo além
do que se consegue coletivamente (BOSCHI; VALLADARES,
op. cit., p. 137).
Na verdade, o que estava em jogo nesta discussão eram projetos
políticos distintos em relação ao papel que esses movimentos sociais
poderiam desempenhar nas perspectivas de democratização que se
delineavam (PAOLI, op. cit.). De um lado, os analistas que cortejavam
os “novos movimentos sociais” acreditavam nestes como novos sujeitos
de uma luta política para a constituição de um novo regime despido de
42
desigualdades, quebrando as relações clientelistas e instaurando a
cidadania. Traziam para a reflexão a questão da autonomia, do
alargamento do âmbito da política e do aprofundamento da democracia
que transcenderia os limites tanto das instituições políticas tradicionais,
como do modelo das democracias realmente existentes, ao incluir nas
práticas políticas a dimensão cultural onde estão encarnadas as relações
sociais de exclusão e desigualdade (ALVAREZ; DAGNINO;
ESCOBAR, 2000). O entrelaçamento da noção de cidadania com a de
organização e mobilização autônoma reconheceria o estatuto legítimo
dos conflitos na esfera política, algo que a cultura política autoritária
brasileira sempre foi avessa (CHAUÍ, 1986). Com a ampliação da
participação popular organizada passa-se a questionar a ação do Estado,
a precariedade dos serviços públicos, indicando uma alteração
qualitativa dos padrões de atuação, à medida que população participa da
gestão dos assuntos públicos, abrindo caminho para a democratização
do regime político e da própria sociedade.
Por outro ângulo, os autores que elaboravam a questão das
contribuições que a institucionalidade política poderia desenvolver sobre
a ação dos movimentos, teciam críticas ao verdadeiro caráter
democratizante que os movimentos sociais traziam em seu bojo. A
democracia desejada se limitaria à política formal do regime
democrático e acreditavam que por mais autônomos e autênticos que
fossem, os movimentos atuariam no sentido de contribuir na construção
democrática em curso somente como mediadores entre sociedade e
Estado. Não possuiriam envergadura suficiente para interferir nas
mudanças substantivas que ocorriam no âmbito político. “As decisões e
as prioridades eram definidas fora da sua arena de luta” (CARDOSO,
1988, p. 228). O esforço analítico desloca-se do campo da participação e
das práticas dos movimentos sociais para o campo da compreensão das
transformações e ações do Estado. Aqui, o limite desta abordagem
parece residir exatamente na lógica inversa: em valorizar a exterioridade
do Estado em detrimento da sociedade civil, por considerar a
institucionalidade política como o reverso da autonomia e por não
acolher adequadamente o conflito como via por excelência de expressão
legítima da democracia. Além disso, esta leitura parece definir o
autoritarismo apenas como um regime político, encobrindo o fato de que
a sociedade brasileira é autoritária nas formas de relações sociais
cotidianas, minimizando as práticas de contestação e de resistência
social face às ações do Estado (CHAUÍ, op. cit.).
43
d) Reconciliando as perspectivas, repensando a autonomia
Como visto, cada uma das matrizes veio tentando dar conta de
problematizar algumas lacunas, ampliando a sua base analítica e
incluindo dimensões que ficaram obscurecidas.
O paradigma estrutural-autonomista, por exemplo, mostrou-se
mais amplo analiticamente visto a transferência gradual da noção de
classe para o conceito de movimentos sociais, abarcando, na sua
interpretação, a atuação dos diferentes grupos na sua dupla inclusão
(produção e reprodução). A dimensão histórica é obliterada em nome da
autonomia (histórico-estrutural estrutural-autonomista). No entanto,
apresentou limites para a leitura precisa das especificidades dos sujeitos.
O paradigma cultural-autonomista, por sua vez, consagra
efetivamente o conceito de movimentos sociais, sendo que, os processos
não são entendidos mais a partir das determinações estruturais e sim
através dos seus mecanismos culturais autonomamente produzidos
(estrutural-autonomista cultural-autonomista). Esse modelo procura
sanar os limites da abordagem anterior no que tangencia a determinação
dos elementos que conferiam identidade ao sujeito, mas apresentou
limites no enquadramento destas especificidades, na medida em que
tomou a novidade destes movimentos como elemento unificador,
diluindo as diferenças que também se apresentavam.
A vertente do enfoque institucional tenta superar os déficits
analíticos advindos do euforismo do paradigma autonomista, armando
seu alicerce explicativo nos condicionantes da conjuntura política e das
instituições. Embora reconheçam os possíveis contatos entre sociedade
civil e Estado, este reconhecimento foi feito à custa da supressão da
autonomia (cultural-autonomista enfoque institucional). Malgrado as
contribuições de ambos, o resultado foi que, conquanto as duas últimas
vertentes sejam frutos da reflexão decorrente do momento histórico da
redemocratização, a fértil e intensa produção acadêmica segmentou-se
em paradigmas próprios por terem como base diferentes referências
quanto à questão da autonomia.
Conseqüentemente, uma abordagem trata dos potenciais de
transformação e a outra trata dos seus limites. Uma minimiza o papel do
Estado e dos agentes externos que exercem influências sobre a dinâmica
dos movimentos. A outra supervaloriza o papel do Estado em
detrimento das ações coletivas da sociedade civil.
A despeito das mudanças ocorridas no cenário político do Brasil
na década subseqüente, a polarização destas duas interpretações
44
continuou dando lugar a interpretações divergentes, como será visto
adiante. Para os estudiosos do paradigma da autonomia, um primeiro
momento foi marcado pela perspectiva do movimento como anti-estatal.
A leva de otimismo testemunhado nas primeiras abordagens da década
de 1970 e 1980 e a possibilidade de ampliar o nível de participação dos
setores mais deserdados da população no contexto dos governos de
oposição iniciados em 1983 sucedem-se. Já o segundo momento foi
marcado pela tensão entre o caráter original de resistência social e
política e a gradativa institucionalização (JACOBI, 1987b). Para os
representantes do paradigma da institucionalidade, os movimentos
sociais tinham como ponto de tendência a contestação da legitimidade
do poder na luta pelas suas necessidades básicas. Com a ascensão dos
governos democráticos de 1988, uma das conseqüências lógicas foi o
refluxo dos movimentos sociais, já que se reabrem os canais clássicos de
representação política: os partidos políticos e os sindicatos relativamente
livres.
Qualquer tendência analítica que se caracteriza por um tratamento
que separa radicalmente estas abordagens apresenta, em minha opinião,
alcance limitado para entender os desdobramentos das ações coletivas
na década de 1990 e seguintes. Em primeiro lugar, a tendência à
valorização do caráter espontâneo e autônomo dos movimentos ofuscou
o entendimento das relações destes com o Estado e as transformações
ocorridas no seio da sociedade política. Por seu turno, a ênfase no
caráter institucional obscureceu as especificidades dos movimentos,
sendo estes vistos como expressões marginais que em nada alteravam as
relações Estado/sociedade. Logo, se o primeiro argumento tende a
superestimar o alcance dos movimentos, o último tende a subestimá-los
(JACOBI, op. cit.).
Deste modo, ao colocar em linhas muito gerais os contornos das
diferentes abordagens dos movimentos sociais, procurei traçar uma base
analítica tendo em vista ampliar a perspectiva e ver as possíveis
interfaces entre estas duas linhas argumentativas. Acredito que, tentar
quebrar a exterioridade mútua de cada uma das apreensões é pensar no
diálogo entre as duas perspectivas que possam contribuir para o avanço
no entendimento das tensões postas entre inovação e institucionalização.
É pensar também que, embora tenham sido constituídas como
antagônicas, elas podem ser na verdade lidas como complementares nas
tentativas de explicações das profundas mudanças ocorridas no ambiente
institucional no período de redemocratização.
As transformações no contexto político promoveram
significativas mudanças nas estratégias e ações dos movimentos e do
45
Estado, trazendo o imperativo de se refletir sobre as relações entre
Estado e sociedade civil, não mais edificada na dicotomia e na
bipartição. Entre estas modificações, cabe ressaltar que a luta pela
participação pelas vias institucionais se constituíram em forma
prioritária de atuação no sentido de garantir uma maior atuação dos
cidadãos na vida política do país por meio da criação de mecanismos de
participação social na gestão das políticas públicas. Tais mudanças
impõem à necessidade de repensar os termos da relação. Exige,
especialmente, que o tema da autonomia seja novamente guindado ao
centro da reflexão e seja incorporado à agenda das pesquisas
contemporâneas. Portanto, se no debate anterior as inter-relações entre
estes campos eram desconsideradas, agora elas passam a ser centrais nas
análises preocupadas com a democracia.
1.1.2 O Ressurgimento da Sociedade Civil nos anos 1990:
repensando categorias
Os anos 1990 são marcados por transformações internas
(democratização política, reformas institucionais, crise econômica,
alterações das políticas públicas, crises internas dos movimentos) e
externas (queda do muro, transformações no socialismo real, processo
de globalização, uso de tecnologias) que impactam a configuração dos
movimentos sociais. As mudanças na conjuntura política, economia e
social foram acompanhadas de um repensar teórico sobre os enfoques
conceituais.
A realização da Eco-92, a Conferência das Nações Unidas para o
Meio Ambiente e Desenvolvimento, possibilitou não somente a
articulação dos movimentos sociais em diversos fóruns (locais e
nacionais) como parece ter tornado visível, também no Brasil, uma
forma nova de associativismo civil: as Organizações Não-
Governamentais (ONGs)
23
. A entrada das ONGs e de novas formas
associativas (desde as parcerias público-privado até os fóruns da
sociedade civil), muitas delas articuladas internacionalmente, delineou
um campo de análise onde a abordagem das redes sociais ganhou
destaque (SCHERER-WARREN; LÜCHMANN, 2004).
Além disso, a criação de espaços de diálogo entre sociedade e
Estado instituídos pela Constituição de 1988 exigiu um novo olhar sobre
23
Gohn afirma o termo ONG foi cunhado e utilizado pela ONU desde os anos 1940 Gohn
(apud TEIXEIRA, 2003).
46
estas experiências de atuação conjunta e a mobilização de outros
repertórios teóricos e analíticos que problematizassem as
potencialidades e os alcances da participação. Neste contexto, a
incorporação dos modelos teóricos da democracia participativa e da
democracia deliberativa e da noção de sociedade civil e esfera pública
foram fundamentais para o debate. Verifica-se também a recorrência
freqüente dos pressupostos da teoria do capital social e da cultura
política.
Embora com importantes diferenças, as abordagens que estavam
se delineando nos anos 1990 coincidem em um discurso pró-
fortalecimento da democracia e da participação associativa. A vigorosa
produção sobre os movimentos sociais no Brasil nas décadas de 1970 e
1980 chegou à década seguinte sob o signo da sociedade civil. Diversas
explicações foram apontadas para tal deslocamento.
De acordo com Sorj,
A importância dos movimentos sociais […] ofuscou a
importância continuada de outras formas de associação e
instituições de solidariedade [...] [e] depois de um século de
latência, a sociedade civil se tornou um conceito da moda [...].
Neste contexto, ela representava o universo de atores extremante
heterogêneos que compartilhavam o objetivo de lutar para
democratizar os regimes políticos (SORJ, 2005, p. 7-9)
24
.
Para Teixeira, o processo da Constituinte evidenciou que existiam
diversos posicionamentos no interior da sociedade civil em torno dos
diferentes projetos de democracia seu novo formato, sua forma de
desenvolvimento e sua relação com a sociedade mas que estiveram
disfarçados pelo posicionamento geral dos movimentos sociais contra o
Estado autoritário (TEIXEIRA, 2003, p. 42).
Parece que a noção de movimento social que no período de
transição do paradigma histórico-estrutural para o estrutural autonomista
veio para substituir a noção totalizante de classes sociais não dava
mais conta de explicitar tanto as expectativas não correspondidas feita
pelos analistas dos anos anteriores, como as diferenças existentes no
24
No caso da passagem citada, Sorj estava referindo-se ao papel central que a sociedade civil
iria desempenhar em sociedades capitalistas avançadas, especialmente EUA e Inglaterra.
Mesmo sabendo que no Brasil houve a preponderância, até recentemente, do conceito de
movimentos sociais e que a noção de sociedade civil foi incorporada mais tardiamente, opto
pela apropriação deste argumento para elucidar os novos contornos que a sociedade civil
ganhou por aqui.
47
interior do campo movimentalista. Portanto, “o conceito de sociedade
civil atendia as demandas por um conceito mais maleável(SORJ, op.
cit., p. 10) que atendia as frustrações e críticas tanto da direita (e o
Estado de Bem-Estar Social) quanto da esquerda (e da utopia socialista).
Para Lavalle (2003) não se trataria
[...] apenas de um aggiornamento lingüístico graças ao qual a
semântica gasta dos movimentos sociais teria desaparecido do
vocabulário das ciências sociais durante uma década para ser
substituída por novas palavras [...]. Na verdade, não parece claro
que os atributos do conceito da nova sociedade civil fossem
plenamente harmônicos com os dos movimentos sociais, por
vezes dotados de sólidas estruturas organizacionais e cujo
funcionamento e efetividade não raro impõem custos no terreno
da espontaneidade [...] (LAVALLE, 2003, p. 99).
Logo, a retração do uso do conceito de movimentos sociais não
teria sido fruto somente da tensão posta entre inovação e
institucionalização, pela reabertura política e reconstituição dos canais
tradicionais de representação e pelos mecanismos de cooptação, mas
também pela utilização de novas lentes analíticas que, ao iluminar novos
atores, acabaram ocultando os movimentos sociais da discussão
(LAVALLE; CASTELLO; BICHIR: 2004).
A renovação do arcabouço conceitual é resultado da incorporação
de categorias analíticas derivadas da articulação entre as contribuições
da teoria habermasiana da esfera pública e do debate sobre a sociedade
civil.
Tais aportes teóricos foram amplamente divulgados por Jean
Cohen e Andrew Arato (1994, 2000) que desenvolvem o conceito de
sociedade civil a partir de uma perspectiva tripartite de sociedade,
fundamentada na apropriação do modelo dual sistema/mundo da vida
desenvolvido por Jürgen Habermas.
De acordo com Cohen e Arato, Habermas tem como categoria
central de análise a noção de esfera pública, tendo como caso-modelo o
desenvolvimento político inglês. No entanto, sua distinção fundamental
entre lógica do mundo da vida e lógica sistêmica, permitiu aos seus
críticos identificar o Estado e o mercado como dois sub-sistemas, sendo
que “a sociedade civil constitui uma dimensão do mundo da vida
assegurada institucionalmente por um conjunto e direitos que a
pressupõem, ao mesmo tempo em que a diferencia das esferas da
economia e do Estado” (COHEN; ARATO, 1994, p. 156).
48
A esfera pública, por ser ancorada no mundo da vida, é marcada
por interações cotidianas comunicativas que são regidas, asseguradas e
reproduzidas por mecanismos e processos comunicativos que, em
princípio, não se prestam a fins estadistas da lógica estratégica do poder,
nem aos fins mercantilistas da lógica estratégica do dinheiro.
Na esfera pública, o agir é orientado para o entendimento mútuo
que é alcançado de modo comunicativo por meio da explicitação das
opiniões. A autoridade deste espaço não reside, deste modo, na sua
capacidade de agregar vontades individuais e sim no debate plural e na
troca de argumentos visando à alteração das preferências
(LÜCHMANN, 2002a). Conseqüentemente, para Habermas os
resultados da esfera pública somente serão legítimos quando este espaço
for balizado por procedimentos e direitos que garantam a expressão da
pluralidade através do diálogo público racional
25
e pela separação do
Estado e da economia do mundo da vida, separação esta que, se não for
preservada, permite que a lógica dos sub-sistemas estatais e mercantis
penetre e distorça a reprodução das instituições societárias, culturais e
socializadoras. A este fenômeno de aproximação nefasta e de
substituição da ação comunicativa pela lógica estratégica, Habermas
denominou de colonização ou reificação do mundo da vida. Assim, para
uma abordagem habermasiana, embora o Estado seja a instância
responsável pela legalização dos direitos, ele não é a base nem a fonte
da validade destes que “surgem enquanto reivindicação de grupos ou
indivíduos nos espaços públicos de uma sociedade civil emergente”
(COHEN; ARATO, op. cit., p. 155). Portanto, cabe ao campo sistêmico
incorporar, através da validação do Direito Constitucional, as normas
constituídas na esfera pública
26
.
É da crítica e da atualização das análises habermasianas da
dualidade da sociedade, da teses da colonização e da negatividade que
incide sob o mundo da vida, sua autonomia e qualidade das suas
relações interpessoais que Cohen e Arato fornecem um modelo tripartite
25
Para Joshua Cohen (2007) a substância da legitimidade democrática depende do conteúdo
dos resultados da argumentação pública livre e entre iguais e não simplesmente dos processos
por meio dos quais estes resultados serão alcançados.
26
Habermas foi bastante cético quLanto ao processo de diferenciação do mundo da vida,
afirmando que no Ocidente a modernização ocorreu a partir de um padrão seletivo que
comprometeu a potencialidade da sociedade civil. No caso, verificou-se que o desenvolvimento
do capitalismo e a burocratização das relações de poder tiveram efeitos perversos sobre a
sociedade civil. Para Habermas, a experiência das políticas do Estado do Bem Estar Social
mostrou que a reificação das relações sociais promoveu a dependência, a desintegração das
solidariedades e déficits na resolução comunicativa dos problemas do mundo da vida. Ver
discussão em Cohen e Arato (1994), especialmente as páginas 158 a 166.
49
da realidade fundamentado na (re)construção e precisão teórica do
conceito de sociedade civil, imprimindo-lhe feições democratizantes
(COHEN; ARATO, op. cit.)
27
.
A especificidade da sociedade civil, nesta perspectiva, diz
respeito à diferente racionalidade que coordena ou mediatiza as
ações e relações sociais. Trata-se, nesta vertente teórica, de um
conjunto de atores e instituições que se diferenciam dos partidos
e outras instituições políticas (uma vez que não estão
organizados tendo em vista a conquista do poder), bem como dos
agentes e instituições econômicas (não estão diretamente
associados à competição no mercado). Pluralismo, autonomia,
solidariedade e influências/impactos na esfera pública
completam, portanto, o quadro de características desta concepção
de sociedade civil moderna, que, identificando-se como modelo
utópico auto-limitado, procura compatibilizar o núcleo normativo
da teoria da democracia com as complexas e diferenciadas
estruturas da modernidade. (LÜCHMANN, op. cit., p. 32-33).
No Brasil, este debate chega com contornos altamente normativos
gravados na análise da unicidade das virtualidades das práticas dos
sujeitos da sociedade civil e na diferenciação rígida entre as dinâmicas
do Estado, do mercado e da sociedade civil
28
. Logo, a despeito das
dificuldades para enquadrar os movimentos sociais no conceito de
sociedade civil, cunhado nos anos 1990, as teorias utilizadas, de alguma
forma, continuavam partilhando dos ideais de espontaneidade e de
autonomia consagrados nas décadas de 1970 e 1980, preenchendo “o
vazio deixado pelo declínio das teorias dos movimentos sociais”
(LAVALLE, op. cit., p. 106)
Atentos às conseqüências e aos ônus analíticos de se investigar os
processos democráticos no Brasil e na América Latina sob este prisma,
alguns analistas vêm buscando combinar novos instrumentos teóricos e
metodológicos que possam de fato contribuir e esclarecer o
entendimento do processo de construção da democracia. Todavia, a
busca de novas frentes de trabalho, embora coincida na identificação das
lacunas, propõe caminhos diferenciados, ancorados na apropriação de
27
As críticas de Cohen e Arato foram mais tarde incorporadas por Habermas, especialmente na
obra Direito e Democracia, 1997.
28
De acordo com Lavalle (2003) este debate foi propalado, sobretudo, por Sérgio Costa e
Leonardo Avritzer. Uma crítica contundente sobre o caráter excessivamente normativo do
debate sobre a sociedade civil pode ser encontrada neste mesmo texto.
50
referências teóricas e metodológicas bastante distintas, sem contudo
qualificar adequadamente a dimensão da autonomia.
Quatro perspectivas analíticas
29
são aqui recuperadas com o
intuito de mostrar como as articulações entre Estado e sociedade civil
podem ser decodificadas a partir da consideração de diversas lentes
interpretativas, que ao darem destaque a diferentes elementos o papel e
o atributo das organizações da sociedade civil, o desenho institucional
das instituições participativas, as identidades construídas em torno da
noção de projeto políticos e a densidade das relações de solidariedade
articuladas a partir de redes sociais iluminam e esclarecem o debate
sobre a autonomia.
a) A perspectiva da polis
Houtzager, Lavalle e Acharya (2004) apontam os diferentes
debates em torno da sociedade civil
30
que conformam as lentes
interpretativas que sedimentaram a convicção de que esta possuiria uma
eficácia democratizadora por operar numa lógica deliberativa,
descentralizada, arraigada na vida societal e autônoma em relação à
sociedade política, possibilitando a inclusão política dos segmentos
sociais mais vulneráveis que são tradicionalmente excluídos do processo
de tomada de decisão (HOUTZAGER; LAVALLE; ACHARYA, 2004,
p. 265-266).
Para os autores, esta chave interpretativa (denominada
perspectiva da sociedade civil) não faz as devidas distinções analíticas
das díspares capacidades, dinâmicas, lógicas e motivações que moldam
as diferenças existentes entre a participação de indivíduos e a
participação das organizações da sociedade civil e as especificidades
também existentes entre estas organizações. De fato, esta interpretação
chama a atenção para problemas que existem no interior dos estudos,
dentre os quais estão as pesquisas sobre a participação em espaços
institucionais.
29
As abordagens aqui selecionadas não são únicas, mas certamente são sugestivas para pensar
a autonomia como nos termos deste trabalho. Uma leitura autonomista do processo de
democratização ancorada nos fundamentos político-filosóficos de Castoriadis pode ser
encontrada em Souza, 2000, 2006a, 2006b.
30
Segundo os autores, apesar das suas diferentes matrizes teóricas e normativas, estes debates
são informados por pressupostos contidos nas obras dos autores que se centram na categoria de
sociedade civil, na vertente da democracia deliberativa e nos trabalhos da empowered
participation (HOUTZAGER; LAVALLE; ACHARYA: op. cit., p. 265).
51
Um primeiro problema diz respeito à insistência em tratar a
participação nos inovadores espaços de diálogo sociedade-Estado como
uma participação direta dos indivíduos nos diferentes espaços
institucionais criados no Brasil nas últimas décadas
31
. A ênfase na
participação direta e no seu potencial democratizante parece não ter
permitido aos analistas perceberem a importância dos mecanismos de
representação mobilizados no interior dos espaços de participação. A
valorização da representação, ancorada na idéia de que as decisões
políticas são derivadas das instâncias formadas por representantes
escolhidos por sufrágio universal, tendeu a desconsiderar a participação
como elemento essencial para a consolidação da democracia e como
meio de possibilitar a atuação dos cidadãos na vida política do país,
remodelando as relações entre o Estado e a sociedade. Por outro lado, a
ênfase na participação, assentada na idéia de que compete aos cidadãos,
no seu conjunto, a definição e autorização das decisões políticas, não
permitiu o entendimento das estruturas de representação articuladas
junto ao campo institucional (LÜCHMANN, 2007). Da compreensão
desta lacuna teórica e analítica, alguns estudos têm questionado
efetivamente como se estruturam, quais os tipos e quais são os
pressupostos que conferem legitimidade a esta representação
32
.
A segunda ordem de problemas, diz respeito às (possíveis)
interfaces existentes entre Estado e sociedade civil. Parte dos analistas
que defende os potenciais democratizantes existentes no interior da
sociedade civil partem de uma leitura dicotômica e até estilizada da
relação entre Estado e sociedade. Para estes, a autonomia da sociedade
civil poderia ser preservada se a distância entre estas duas esferas
fosse preservada.
A “perspectiva da polis (politiy perspective)” busca superar os
limites e impasses postos pela perspectiva da sociedade civil acima
descritos, preenchendo as lacunas teóricas e (re)colocando em pauta os
temas que ficaram até então sobrepujados. Tal perspectiva sugere que o
foco das análises se centre nas organizações da sociedade civil e não na
participação individual, sugerindo que “a capacidade de participar está
condicionada pela história da construção dos atores, pelas suas relações
com outros atores (do Estado ou do universo das organizações civis) e
pelo âmbito das instituições políticas no qual estas relações são
31
Seja nos processos orçamentários no caso os orçamentos participativos , ou na definição e
elaboração de políticas públicas em áreas específicas como ocorre nos conselhos gestores.
32
Destaco aqui as pesquisas de Lüchmann, 2007, Lavalle; Houtzager; Castello, 2006a e 2006b,
Lüchmann; Borba 2007 e Avritzer, 2007.
52
negociadas”
33
(HOUTZAGER; LAVALLE; ACHARYA, op. cit., p.
260). Logo, a forma de atuação e a capacidade das organizações civis
são conformadas e constrangidas pelos vínculos que os atores são
capazes de construir, sendo que os atores institucionalmente inseridos
são aqueles “que têm a capacidade de alcançar e se engajar nas novas
instituições de participação cidadã” (Ibidem, p. 267).
Colocando em suspensão os pressupostos da autonomia contidos
no âmago das teorizações da perspectiva da sociedade civil, os autores
acertam ao levantarem questões que de fato precisam ser
problematizadas com mais atenção. Dou particular mérito ao resgate e
ao relevo que esta perspectiva dá a contextualização social e histórica de
construção dos sujeitos coletivos. No entanto, acredito que a sustentação
da ênfase nas organizações da sociedade civil, embora destaque
corretamente as diferenças analíticas entre participação individual vs.
participação coletiva, perde de vista a questão dos sujeitos e da captação
das dinâmicas que orientam, influenciam e determinam a participação
destes nas organizações. Parece-me que, ainda que a mudança de foco
seja correta e profícua para entender certos impasses, a perspectiva da
polis também apresenta limites ao apostar e justificar os seus
pressupostos na participação das organizações como variável
dependente, que se de fato ganha em generalidade, também é certo que
perde em especificidade. Talvez fosse cautelar a ponderação da
existência de uma relação de interdependência entre os dois tipos de
participação. Ademais, a valorização dos efeitos institucionais sob as
formas de organização das entidades é substancial, verídica e inegável,
mas a argumentação parece não lembrar que atores também constroem e
moldam instituições participativas. Esta capacidade deve ser recuperada,
inclusive para se pensar adequadamente a questão da autonomia, que
envolve igualmente a capacidade dos atores de pautarem o Estado e suas
instituições. Assim, se de fato “as propensões a participar não são
abstratas”, elas “se situam num contexto institucional [e associativo]
específico que estimula ou restringe as oportunidades das organizações
civis para a participação” (Ibidem, p. 315). Logo, se a abordagem, até
onde fora desenvolvida, contrapõem-se a idéia de autonomia anunciada
pela perspectiva da sociedade civil parecendo indicar corretamente que
“atores institucionalmente imbuídos podem cultivar diversas
33
Os autores se atêm em identificar e explicar quais as organizações civis da cidade de São
Paulo participam e quais seriam os fatores que predispõem essa participação. A questão da
autonomia não está entre as preocupações centrais e é secundária na argumentação, como
veremos adiante.
53
modalidades ou dimensões de sua autonomia” (Ibidem, p. 315), ela não
desenvolve e qualifica adequadamente a autonomia no contexto de
participação institucional.
b) A perspectiva institucional
34
No Brasil, as relações entre sociedade civil e Estado foram alvo
de abordagens que não estavam voltadas para a análise das possíveis
determinações que a institucionalidade política poderia exercer no
campo associativo, e vice e versa. O tratamento dos impactos mútuos
não foi alvo de reflexões, por grande parte dos analistas, sendo que
questões importantes que emergem deste encontro continuam ainda
obscuros, como por exemplo, as diferentes estratégias mobilizadas pelos
atores sociais para acessar bens públicos em face da institucionalidade
política e estatal. Neste sentido, a construção da sociedade civil e do
Estado é fruto de interações tuas determinadas em grande parte por
contextos e relações sócio-históricos produzidas por meios de pactos
ainda desconhecidos. Os novos ambientes criados por dentro da
institucionalidade política, como os conselhos gestores, colocam o
necessário reordenamento da discussão.
, nesta linha de raciocínio, em conformidade com a perspectiva
da polis, registros conceituais que buscam, de alguma forma, conectar os
processos de determinação existentes entre sociedade civil e Estado.
Nesta frente analítica destacam-se os estudos da vertente neo-
institucionalista que enfatizam o papel central desempenhado pelas
instituições na conformação do comportamento individual e coletivo. A
despeito das diferentes clivagens analíticas, o pressuposto que subjaz a
idéia de instituição nesta corrente interpretativa reside no entendimento
de que estas são:
[...] estruturas cognitivas, normativas e regulativas que garantem
estabilidade e significado ao comportamento social. Em uma
perspectiva mais abrangente, as instituições envolvem, portanto,
regras formais e informais, códigos de comportamento, normas e
papéis sociais que estruturam e/ou constrangem o
comportamento de indivíduos e grupos sociais. Goodin; Marques
(apud LÜCHMANN, 2002a, p. 49).
34
Este item recupera as análises tratadas e desenvolvidas por Lüchmann, 2002a.
54
As distintas escolas sociológicas e políticas, agrupadas sob a
rubrica do neo-institucionalismo, têm oferecido diferentes contribuições
para o debate das inter-relações que marcam o liame entre instituições e
sociedade que, longe de serem excludentes, conformam um quadro
profícuo para pensar os impactos recíprocos.
A primeira destas formulações, o neo-institucionalismo histórico,
fortemente associado à Ciência Política, focaliza o papel do aparato, das
instituições e dos atores estatais e políticos na configuração das feições
da sociedade civil e dos agentes sociais.
Sem negar a importância dos motivos individuais dos atores,
bem como do contexto social, esta corrente apresenta uma
perspectiva mais autônoma das instituições políticas [...] [que]
apesar de o Estado não ser tudo, é mais do que mera arena onde
grupos levam as suas demandas ou classes organizam e
defendem seus interesses (Ibidem, p. 50).
Uma segunda distinção, dentro deste campo analítico, vem do
neo-institucionalismo da escolha racional, abordagem esta que prima
pela valorização das instituições como mecanismos que restringem o
processo de busca estratégica e egoísta de recursos organizacionais,
humanos, materiais e simbólicos mobilizados pelos atores sociais com
vista à maximização dos seus interesses
35
.
o neo-institucionalismo sociológico completa o quadro de
análise, e em seu arcabouço teórico comporta a relevância dos
elementos culturais associados às normas e valores sociais construídos
como componentes da institucionalidade que determinam e modelam os
comportamentos, as regras e os códigos que balizam a vida em
sociedade. De acordo com Lüchmann (2002a, p. 50) regras, poder,
normas, abrangência, estabilidade e funcionalidade são, portanto,
algumas das características das instituições que, no caso mais específico
dos processos políticos, tendem a apresentar importantes impactos e/ou
influências na dinâmica societal”.
35
Das abordagens que compõem o campo neo-institucional a tradição da escolha racional
parece-me a mais limitada para compreender a dimensão da autonomia da sociedade civil nos
processos de mútua conformação de identidade entre esta e o Estado, visto que nesta
perspectiva, as mobilizações da sociedade civil buscariam apenas acessar a institucionalidade
política e pública em busca de interesses, nem sempre de cunho coletivo, que são constrangidos
pelo não-acesso a tais bens. Neste caso, a potencialidade e o limite da autonomia residem
exclusivamente na busca de recursos de diversas ordens, sem promover eco em dimensões
mais substantivas.
55
Esse conjunto de contribuições, que recupera o papel das
instituições nos processos mútuos de formação e configuração da
sociedade civil e do Estado, é relevante para o exame da questão da
autonomia pensada a partir das interfaces estabelecidas entre estas duas
esferas. É particularmente importante para a reflexão sobre a
conformação e os procedimentos que balizam o desenho institucional de
espaços de participação, como os conselhos gestores.
Por outros termos, o resgate desta linha interpretativa é
fundamental para compreender como a dinâmica institucional resultante
das articulações conjuntas entre Estado e sociedade opera no sentido de
efetivação das normas e das regras que, criadas conjuntamente,
estabelecem os princípios de funcionamento “pautados em mecanismos
democráticos de garantia dos princípios da igualdade, pluralismo e
liberdade” (LÜCHMANN, 2002b, p. 9). Implica, portanto, em pensar
quais as decorrências do desenho institucional dos novos espaços de
participação sob as organizações sociais e como as transformações no
Estado modelam a ação da sociedade civil, assim como variações na
sociedade civil interpelam a ação estatal, atentando para a clara
aderência entre estas duas esferas e para os tensionamentos postos a
autonomia.
c) A perspectiva dos projetos políticos
Recorrendo a outras fontes conceituais, mas coincidindo no
diagnóstico, Dagnino, Olvera e Panfichi (2006) ancoram as suas
insatisfações e críticas
Na insistência em tratar a sociedade civil como um ator
unificado, sem reconhecer sua heterogeneidade intrínseca [...], na
tendência analítica que isola a sociedade civil da sociedade
política, estabelecendo uma dicotomia entre elas e ignorando
suas relações [...] e na concepção simplista do processo de
construção democrática que tem, em sua base, a visão
apologética da sociedade civil (DAGNINO; OLVERA;
PANFICHI, 2006, p. 15-16).
A constatação destas brechas procura ser resolvida, pelos autores,
através da utilização de três instrumentos analíticos: a heterogeneidade
da sociedade civil e do Estado, a noção de projetos políticos e de
trajetórias sociedade civil-sociedade política (Ibidem).
56
Trata-se de reconhecer a existência de diferentes atores,
interesses e práticas políticas, sociais e culturais que convivem e
conflitam no interior da sociedade civil. A pluralidade da sociedade civil
é expressa pelos diferentes projetos políticos que produzem tensões e
contradições internas que conformam diferentes tipos de ação, posição e
articulação com a sociedade política.
Seguindo a análise dos autores, também o Estado é marcado pela
sua heterogeneidade, seja no plano da estrutura vertical (os diversos
níveis de governo: federal, estadual e municipal) ou no plano da
estrutura horizontal (a divisão do poder em três poderes: Executivo,
Legislativo e Judiciário) e pela necessidade da criação de governos de
coalização em um sistema multipartidário que, permeado pela crise e/ou
reconfiguração da representação, não consegue criar maiorias
parlamentares levando a absorção de díspares vertentes políticas nas
instâncias estatais que estabelecem relações de colaboração ou de
confronto com a sociedade civil.
Logo, o complexo campo em que se situa a sociedade civil e a
sociedade política é marcado por um “conjunto de crenças, interesses,
concepções de mundo, representações do que deve ser a vida em
sociedade, que orientam a ação política dos diferentes sujeitos” (Ibidem,
p. 38). A noção de projeto político assim entendida implica em: a)
enfatizar a intencionalidade da ação política colocando o sujeito em
destaque; b) reafirmar o vínculo indissolúvel entre ação e representação
que alude para a conexão necessária entre cultura e política que esta
vinculação expressa; c) considerar que os diversos formatos de ação
política expressam a multiplicidade dos projetos políticos existentes; d)
compreender que embora os projetos políticos sejam frutos de uma
dimensão societária, eles também são resultados da combinação de
outras dimensões (individual, de classe, institucional e estatal) (Ibidem,
p. 38-43).
Por fim, a análise das trajetórias individuais é a aposta
metodológica que integra este programa de pesquisa. O estudo das
trajetórias consiste na identificação e na compreensão da história de vida
de atores politicamente envolvidos que evidencia diferentes
modalidades de vínculos e articulações que separam ou aproximam a
sociedade civil e a sociedade política. A análise das trajetórias auxiliaria
a revelar que as relações e os vínculos estabelecidos podem redefinir e
desarticular os projetos políticos quando do trânsito da sociedade civil e
do partido para o Estado ou para o mercado (Ibidem, p. 69-82).
A partir deste arcabouço analítico, os autores identificam os três
grandes projetos políticos que disputam a construção democrática na
57
América Latina, a saber: o projeto autoritário, o projeto democrático-
participativo e o projeto neoliberal. A identificação desses projetos e a
assimilação de quais o os seus conteúdos permite aos analistas
discernir que, embora façam uso do mesmo vocabulário discursivo,
estes na verdade expressam a coexistência de diferentes projetos que não
são apenas opostos, mas excludentes e inconciliáveis. Esta “crise
discursiva” que perpassa a construção democrática no Brasil e na
América Latina resulta em uma “confluência perversa” entre projetos
políticos antagônicos que, empregando o léxico da democracia, da
cidadania, da participação e da sociedade civil, apontam para
significados e direções opostas (DAGNINO, 2004).
A potencialidade explicativa deste conjunto de informações pode
ser atestada pela produção desenvolvida subsidiada por esta
perspectiva
36
. De fato, a noção de projeto político emerge da
compreensão da pluralidade social, política e cultural que compõe a
sociedade, ao mesmo tempo em que realça o conflito como componente
intrínseco da constituição da democracia. Ao conectar a ação política
com os elementos de uma dada cultura política, a noção de projetos
políticos alude à reflexão de como as regras culturais podem implicar na
produção de valores e costumes avessos a democracia. Acena, também
para o fato de que, a cultura ocupa o núcleo de preleções e práticas de
uma série de grupos que compõem a sociedade civil.
Além disso, esta noção tenciona a leitura estruturada em torno da
dicotomia sociedade civil-Estado, exatamente por considerar a
existência de nculos e trânsitos cumpridos pelos sujeitos em sua
trajetória pessoal. O estudo das trajetórias, por sua vez, capta de forma
qualitativa como as vivências familiares, as privações materiais, as redes
de contato, as crenças e os valores impulsionaram a participação e o
envolvimento com as questões públicas.
Porém, sem negar a importância teórica desta concepção, acredito
que seria necessário pensar em que medida a tentativa de estabelecer
uma noção de projeto político enraizado no seio da sociedade civil não
cristaliza os sujeitos dentro de uma estrutura teórica e conceitual muito
rígida. O que quero dizer é que partilho da concepção de que a
democracia deva ser qualificada a partir do reconhecimento da
existência da complexidade e da multiplicidade de contextos e de
relações, em que o processo de construção democrática não é linear nem
homogêneo, mas contraditório, descontínuo e desigual (DAGNINO,
36
Parte desta produção pode ser vista na reunião de trabalhos que compõe o volumoso livro de
Dagnino, Olvera; Panfichi (op. cit.).
58
2002). No entanto, a flexibilidade e a pluralidade (reconhecida pelos
próprios autores) da realidade empírica aparecem enrijecidas num
conceito analítico que codifica os campos em disputa que, por sua vez,
se desdobra em confluências que podem não ser obrigatoriamente
perversas. A heterogeneidade constitutiva da sociedade civil e do Estado
aparece assim diluída sob a conformidade do aspecto de homogeneidade
que a noção de projeto político assume. A originalidade do argumento
se perde na insistência de trabalhar com categorias muito “laqueadas” e
um contexto muito novo, ainda em teste. Trata-se, portanto, de avaliar
onde estaria a autonomia dos sujeitos nas experiências vividas e no
contexto de relação com o Estado e com os outros sujeitos. Se a
sociedade civil está alinhada em um projeto político democrático-
participativo em moldes bem delimitados, de questionar por que ela
se mostra tão porosa diante das concepções neoliberais. Esses atores
seriam sujeitos passivos ou ativos nestes contatos? Em que medida a
noção de projetos políticos interpela e ajuda a pensar a questão da
autonomia da sociedade civil?
37
d) A perspectiva das redes sociais
Malgrado as inflexões teóricas ocorridas no campo da Ciência
Política que produziram o “ocultamento” dos movimentos sociais –
recorrendo novamente à Lavalle o mesmo não se pode dizer de parte
da produção no campo da Sociologia. Nesta disciplina, os movimentos
sociais permanecem vivos e também se encontram frente aos desafios
postos pela conjuntura dos anos 1990.
Como mencionado anteriormente, o processo de
redemocratização e de globalização e a conseqüente proliferação dos
meios de comunicação virtual colocaram desafios aos movimentos
sociais que tinham a sua atuação e ação pautada fundamentalmente no
37
Um entendimento de autonomia, que poderia ser útil para pensar em conexão com a noção
de projetos políticos, refere-se à elaboração de Howard Lentner que trabalha com o conceito de
hegemonia em articulação com de autonomia (autonomy within hegemony). O fio condutor da
argumentação é de que a hegemonia “is not distinguished by ideology but rather by autonomy”
(LENTNER, 2005, p. 736) e esta envolveria liderança, alianças, conflito, consentimento e
autonomia ao invés de dominação pela coerção, força e heteronomia. Ainda que a hegemonia
não possa ser separada do poder político, porque esta sempre envolve disputa de poder,
considera que a dominação, exercida exclusivamente pelo poder e pela violência, não se
qualifica como hegemonia. A noção de um sistema de dominação hegemônico, em que a
ideologia é utilizada como um meio de convencer aliados implica na noção de autonomia e de
sociedade autônoma.
59
âmbito local. A complexidade própria do mundo contemporâneo
impactou a configuração dos movimentos sociais que foram
paulatinamente redimensionando suas estruturas organizativas, seus
objetivos e suas agendas frente aos desafios postos para o novo milênio.
Entre os desafios, destaca-se:
A passagem de um tipo de organização identitária, como ocorria
com os novos movimentos sociais, às redes multi-identitárias,
como ocorre nos fóruns, isto é, a passagem de organizações em
torno de temáticas específicas (p. ex.: gênero, etnia etc.), para
ações de coletivos que contemplam a inclusão de uma ampla
diversidade de sujeitos. Face a esse contexto de mudança do
perfil na atuação de grande parte dos atores coletivos, o debate
acadêmico também vem mudando seus enfoques: as polêmicas
entre o caráter dos novos movimentos sociais versus movimentos
sociais tradicionais vem sendo substituídas pelas análises da
natureza e dos significados políticos e culturais das relações entre
atores coletivos diversificados. Portanto, em lugar de pensar-se o
movimento especialmente como organização identitária
autônoma, é necessário buscar a relação interorganizacional, as
ambigüidades e os desafios que redes plurais apresentam e,
ainda, o que essa forma de ser movimento traz para o
„empoderamento‟ da sociedade civil, contribuindo ou não para a
mudança social (SCHERER-WARREN, 2007c, p. 20).
Portanto, verifica-se que houve mudanças significativas no
caráter e no padrão organizacional dos movimentos sociais, por meio do
aprofundamento e da ampliação de práticas interativas e compartilhadas
entre diferentes sujeitos coletivos que, de alguma forma, se identificam
frente à busca de resolução dos problemas da sociedade.
As redes sociais de relacionamento interpessoal e inter-
organizacionais são práticas mobilizadas não somente por
“comunidades locais na resolução dos seus problemas, mas também
por diversos atores que buscam expandir suas demandas (muitas vezes
demandas de caráter cultural) para além das fronteiras nacionais,
buscando impactos muito mais amplos, visibilidade e adeptos. Os atores
coletivos, por meio dos vínculos que estabelecem, produzem diversas
redes sociais que se conectam a partir dos fluxos e refluxos derivados da
sua própria ação.
Além de maleabilidade e movimento, o conceito de redes sociais
implica na idéia de multiplicidade e de diálogo e respeito à diferença,
60
expresso nas muitas redes de relações criadas em torno das questões de
raça, gênero, cultura e outros
38
.
Nesse sentido, segundo Melucci (1999), não é mais possível
definir os movimentos sociais como sistemas fechados. Argumenta que
os movimentos sociais constituem,
Redes [que] são formadas por pequenos grupos imersos na vida
cotidiana com fins específicos e caracterizam-se pela associação
múltipla, pela militância parcial e efêmera, e pelo
desenvolvimento pessoal e solidariedade afetiva como condições
para participação. As redes apresentam dois aspectos
importantes: a latência, que permite experiências com novos
modelos culturais, criando novos códigos; e a visibilidade,
estratégia de enfrentamento de uma autoridade específica contra
uma gica de tomada de decisão. A latência alimenta a
visibilidade e esta reforça as redes submersas, fornecendo-lhes
energia para renovar a solidariedade e atrair novos militantes
(MELUCCI, 1999, p. 74-75).
Sob este ponto de vista, tratar o tema da autonomia e identidade
dos movimentos sociais implica em considerar que, como tais, eles não
se restringem à luta de um sujeito privilegiado, mas que passam a existir
como atores que, em determinados contextos de interesses e
oportunidades, estão conectados (SCHERER-WARREN, 1993, 2006,
2007a, 2007b, 2007c). Se por um lado, isto implica dificuldades
adicionais para circunscrever o raio de ação dos atores sociais, por
outro, obriga a identificar como se formam os movimentos sociais nos
conectores das redes em que se constituem as ações coletivas. Ademais,
é bom salientar que a capilaridade própria da rede permite que diversos
atores coletivos e instituições se entrecruzem, incluindo-se os partidos,
os sindicatos, as universidades e as próprias instâncias governamentais.
Portanto, ao pensar em redes sociais é necessário notar que os múltiplos
conectores e conectivos da rede são impactados em maior ou menor
escala pelas diferentes práticas e discursos que perpassam e circulam
nesta trama, sendo que muitas vezes esta rede atravessa ou é composta
por sujeitos ou arenas institucionais.
38
Ver os desdobramentos sobre a noção de redes transversais de movimentos sociais em
Scherer-Warren 1993, 1999, 2000, 2006. Nestes trabalhos, é possível encontrar uma análise da
abordagem das redes como ferramenta teórica e conceitual. Em Lavalle; Castello; Bichir, 2004,
a noção de redes é encontrada como ferramenta metodológica de estudo empírico.
61
Para Scherer-Warren (2006), uma sociedade articulada em redes
é aquela em que os diversos níveis da sociedade civil
39
Percebem cada vez mais a necessidade de se articularem como
outros grupos como a mesma identidade social ou política, afim
de ganhar visibilidade, produzir impacto na esfera pública e obter
conquistas para a cidadania, atribuindo, portanto, legitimidade às
esferas de mediação entre os movimentos de base (os fóruns e
redes) e o Estado, por um lado, e buscando construir redes de
movimento com relativa autonomia, por outro (SCHERER-
WARREN, 2006, p. 113-114).
No trilho desta compreensão, o conceito de redes sociais é central
por explicitar como se dão os vínculos entre os diversos atores da
sociedade civil na busca pela democratização societal. Procura-se
compreender como e por que os grupos se conectam, identificando os
pontos nodais por onde a luta política passa.
A multiplicação de estudos ancorados na noção de redes sociais,
associada à pluralização dos enfoques e campos de conhecimento em
torno do conceito de rede, demonstra o quanto ele tem sido útil para
compreender as dinâmicas específicas do mundo globalizado.
Rivoir [s/d] alerta que este conceito tem sido utilizado em
diversos âmbitos e que sua banalização, através do uso metafórico para
expressar certo tipo de relação sem pretensões teóricas, tem tornado o
conceito de rede uma categoria sem conteúdo. Nestes termos, ela propõe
uma distinção entre o conceito de redes e o de redes sociais. O primeiro
trata de uma concepção ampla usada em diversos contextos. Mas, teria
pertinência sociológica somente quando utilizada para se referir as redes
organizacionais que fizessem referência às relações de caráter flexível e
horizontal, que envolvem múltiplos atores e que apresentassem pouca
ou nenhuma institucionalização. Já as redes sociais são modalidades
organizativas da sociedade civil caracterizada pelo estudo (teórico e
metodológico) dos tipos e densidade dos vínculos estabelecidos entre os
39
Para Scherer-Warren (2006) os diversos níveis da sociedade civil são: a) as bases sociais; b)
as formas de articulação inter-organizacionais; c) mobilizações na esfera pública; d) redes de
movimentos sociais. As bases sociais contemplariam desde o associativismo localizado (ONGs
comunitárias e associações locais) a setorizados (ONGs feministas, ecologistas, étnicas, e
outras) até os movimentos sociais de base locais (de moradores, sem teto, sem terra). As
articulações inter-organizacionais representam as conexões realizadas no interior da base social
para favorecer o empoderamento da sociedade civil. as mobilizações são frutos das
articulações que buscam transcender as bases sociais buscando visibilidade de suas causas. Por
fim, a rede de movimento social é resultado de todo esse processo de articulação.
62
indivíduos e organizações no interior de uma dada sociedade. Devido a
heterogeneidade dos marcos teóricos e das opções metodológicas
40
, a
autora diz não ser possível falar de uma única Teoria das Redes Sociais,
mas lhe parece útil avançar no conceito de rede social como uma
categoria de análise sociológica.
Scherer-Warren (2007d) também comenta que é possível atribuir
diversos sentidos e significados à noção de redes, a saber: redes sociais,
coletivos em redes e movimentos sociais.
Nas palavras da autora,
Redes sociais, no sentido amplo, referem-se a uma comunidade
de sentido, isto é, com relações mais ou menos continuadas,
como afinidades/identificações entre os membros ou objetivos
em comum em torno de uma causa, no interior de um grupo
circunscrito ou de uma comunidade [...]; Coletivos em redes
referem-se a conexões entre organizações empiricamente
localizáveis. Esses coletivos podem vir a ser segmentos [nós] de
uma rede mais ampla de movimentos sociais, que por sua vez, é
uma rede de redes [...]; Movimentos sociais são, portanto, redes
complexas, que transcendem organizações empiricamente
delimitadas e que conectam de forma simbólica, solidarística e
estratégica, sujeitos individuais e atores coletivos, em torno de
uma identidade ou identificações comuns, definições de seus
adversários e de um projeto de transformação social (SCHERER-
WARREN, 2007d, p. 325, grifos da autora).
Portanto, o conceito de redes sociais desafia a noção de
autonomia fundada na premissa da independência e da não-relação, visto
que se a sociedade civil, em um contexto complexo e multifacetado,
deseja uma ação mais eficaz, certamente terá que se vincular com outros
atores coletivos para realização de seus objetivos. Neste contexto, a
idéia de autonomia é central e mantém a sua importância, mas deve ser
pensada sob o ponto de vista do tipo de relação que mantém nesta trama.
Deste modo, a noção conceitual de redes sociais me parece proveitosa
para pensar as articulações desenvolvidas e existentes no interior do
40
A autora faz uma breve história do conceito de redes sociais, primeiro marcando a sua
apropriação dentro do campo das Ciências Sociais (Antropologia e Sociologia), mostrando que,
no caso da Sociologia em particular, a ênfase incidiu: a) no uso normativo, ético e valorativo
do termo; b) nos aspectos metodológicos, técnicos, estatísticos e matemáticos no caso das
análises estruturais feitas pela Sociologia Americana; c) na construção teórica e nos aportes
científicos e da utilização de técnicas quantitativas e qualitativa no caso da Sociologia
Européia.
63
campo associativo e entre este e o Estado, especialmente em se tratando
de espaços institucionais participativos.
e) Repensando categorias, reconciliando as expectativas
O que se percebe é que, a despeito das mudanças ocorridas no
cenário político do Brasil na década de 1990, os diversos entendimentos
apresentados pelos intérpretes nos decênios anteriores refletiram de
alguma forma nas produções dos anos subseqüentes. Embora, o tom do
debate e os instrumentos teóricos sejam outros, as polarizações
interpretativas delineadas anteriormente promoveram rebatimentos
sobre as explicações da complexidade das ações coletivas nas
sociedades contemporâneas.
No entanto, o contexto de participação institucional, em que a
sociedade civil é chamada a dialogar e negociar de forma mais estreita
com o Estado, tenciona e desafia o conceito de autonomia e o próprio
conceito de movimentos sociais e sociedade civil, em função da íntima
articulação com o Estado.
O novo formato de relações entre estas duas esferas via instâncias
participativas, como os conselhos gestores, exige uma re-significação da
autonomia, na medida em que sociedade civil passa a assumir uma
postura mais propositiva, participativa e institucionalizada.
Assim, a recomposição de parte do argumento da perspectiva da
polis, institucionalista, dos projetos políticos e da abordagem das redes
tem aqui a tarefa de apontar que existe, no Brasil, diversas e importantes
contribuições teóricas e metodológicas para se pensar a democracia em
nosso país. Este trabalho é, portanto, resultado e prolongamento dos
temas postos por estas perspectivas.
O que se pretende, daqui em diante, é um diálogo transversal e
crítico com esta literatura, incorporando parte das contribuições que
julgo relevantes para revisitar a noção de autonomia. A finalidade de ser
fazer uma análise aérea reside, fundamentalmente, nas dificuldades de
operacionalização de um conceito o de autonomia eminentemente
ambíguo, pois que diz respeito, de forma concomitante, a um
movimento (complexo) de separação e articulação.
64
1.2 Autonomia Revisitada: sociedade civil e Estado em
relação e os desafios da articulação institucional
A questão da autonomia tem articulado um importante e
complexo debate internacional que, entrecruzando diferentes
perspectivas teóricas, está ancorado na crítica a acepção liberal de
indivíduo como unidade básica da política, auto-determinado e livre,
que negligencia o papel que a socialização e as relações sociais podem
cumprir no pensamento e na ação autônoma (BARVOSA-CARTER,
2007). Os críticos questionam a concepção a-social e atomista que
sedimenta o paradigma liberal, que tem como central a idéia de direito a
propriedade como núcleo conceitual dos direitos que protegem a
autonomia individual.
Nesta concepção, a autonomia presume um indivíduo
radicalmente independente, neutro e imparcial diante dos valores,
hábitos e convenções sociais, e que pode e deve decidir isoladamente
sobre sua vida, emoções e estados mentais (GOVIER, 1993;
BARVOSA-CARTER, op. cit.). Uma perspectiva que não compreende a
natureza social humana, posto que é centrada no “hiper-individualismo”.
De acordo com Christman:
The model of the autonomous agent upon which liberal
principles are built assumes a conception of human identity,
value, and commitment which is blind to the embeddedness of
our self-conceptions, the fundamentally relational nature of our
motivations, and the overall social character of our being
(CHRISTMAN, 2004, p. 143).
Esta compreensão tem recebido muitas críticas, especialmente
das teóricas do feminismo que defendem que a concepção de autonomia
do liberalismo deve ser reconfigurada de modo a ser more sensitive to
relations of care, interdependence, and mutual support that define our
lives and which have traditionally markedt he realm of the feminine”
(Ibidem).
Entre este amplo leque de críticas existentes dentro do próprio
campo da teoria feminista, destaco particularmente as contribuições de
Nedelsky (1989), por representar os aportes centrais da noção de
autonomia defendida nos termos desta dissertação. Segundo a autora,
“people are not self-made. We come into being in a social context that is
literally constitutive of us” (NEDELSKY, 1989, p. 8) sendo que os
dispositivos de linguagem, assim como o nosso sistema conceitual de
65
pensamento não são fabricados por nenhum de nós isoladamente, mas
nos são dados (ou desenvolvidos por nós) através das nossas interações
com os outros.
A partir desta crítica, a autora propõe, em contrapartida, um
conceito de autonomia enquanto resultante dos contextos e das relações
sociais, contextos e relações estes que engendram a própria existência
humana. A idéia central, aqui, é a de autonomia relacional
41
que,
diferente da autonomia individual conectada com a acepção liberal de
indivíduo livre e racional, está centrada no princípio de
autodeterminação proveniente da rede de relações que os indivíduos são
capazes de construir no e pelo processo de socialização. A autonomia
significa, certamente, a ação e a capacidade de governar a si próprio,
sendo que esta capacidade não é dada a priori, mas construída pelo
conjunto de relações estabelecidas e pelo contexto social e histórico em
que se vive. O núcleo central da idéia de autonomia não é de autonomia
individual; fazer-se autônomo não se funda no lema liberal de
“governar-se somente pelas suas próprias leis”. Mas sedimenta-se na
crença de que “a lei para si próprio” não é produzida pelo indivíduo
isolado, mas é construída pelo indivíduo em conexão os com os outros e
é compreensível em referência as normas, valores e sentimentos que
são compartilhados. Portanto, são os relacionamentos e as práticas
sociais que fomentam o desenvolvimento desta capacidade para
descobrir as próprias leis. O valor básico da autonomia é definido em
termos de inter-relações pessoais e de mútua dependência impressas no
enraizamento social.
Logo,
The necessary social dimension of the vision I am sketching
comes from the insistence, fisrt, that the capacity to find one‟s
own law can develop only in the context of relations with others
(both intimate and more broadly social) that nurture this
capacity, and, second, that the “content” of one‟s law is
comprehensible only with reference to shared social norms,
values, and concepts” (NEDELSKY, 1989, p. 11).
Para Nedelsky, a autodeterminação, a compreensão, a confiança,
a dignidade, a eficácia e o respeito (pensados relacionalmente) são
41
Segundo Christman "autonomia relacional" não se refere a uma única concepção, mas a
diversos pontos de vistas sobre a autonomia que partilham da premissa de que os indivíduos
autônomos são formados e modelados dentro de contextos de relações sociais. Assim, a
autonomia relacional seria um "termo guarda-chuva".
66
alguns dos componentes da autonomia
42
. A autonomia, como um valor,
emerge do processo de rearticulação e reconceitualização destes
componentes. E uma das formas de se rearticular é dissolvendo a
dicotomia existente entre autonomia individual e coletividade. A
máxima de que “a mais perfeita autonomia dos homens é o máximo de
seu isolamento” é a patologia que afeta profundamente as sociedades
deste século (Ibidem, p. 12, tradução minha). O que agencia a
autonomia, portanto, não é o isolamento, mas o relacionamento que
promove o sustentáculo e a direção necessária para o desenvolvimento
da experiência da autonomia.
A questão que se coloca é como combinar a constituição de
relações sociais com o valor da autodeterminação. O desafio reside
então em estudar “quais as formas sociais, relações e práticas que
desenvolvem esta capacidade” de autonomia (Ibidem, p. 9, tradução
minha).
A autora destaca para a importância de se refletir sobre as atuais
práticas de organização coletiva que podem revelar a possibilidade de
um novo entendimento de autonomia e que ajude a apreender a natureza
e as fontes da limitação que prevalecem nesta concepção. Por exemplo,
compreender a natureza da interação com o governo (o Estado) é
fundamental para definir se os indivíduos são autônomos ou
dependentes do controle coletivo, o que é radicalmente distinto de
proteger o indivíduo do poder coletivo como posto pela tradição da
concepção política liberal americana. “O coletivo não é simplesmente
um potencial de ameaça para os indivíduos, mas é constitutivo dele e é,
analogamente, a fonte de sua autonomia” (Ibidem, p. 21, tradução
minha). Portanto, em articulação com o Estado, a autonomia não
significa independência e ausência de relação, mas tensionamento da
dicotomia individual x coletivo através de políticas que podem
reconhecer esta tensão.
Além disso, a autora estabelece a diferença entre sentimento e
capacidade autônoma. Para ela, a autonomia seria a capacidade de
autodeterminação que é diferente do sentimento de autonomia. O
sentimento, o senso do próprio poder (não sobre os outros) é condição
sine qua non da capacidade de autonomia, mas não é suficiente. Ou seja,
a autonomia, enquanto capacidade, não pode ser desenvolvida sem a
dimensão do sentimento. Portanto, embora não representem a mesma
42
A ênfase de Nedelsky é na autonomia individual, mas penso que também seja possível para
pensar em termos de autonomia coletiva como, por exemplo, auto-organização, auto-
determinação, o respeito, a capacidade crítica e etc.
67
coisa, são mutuamente dependentes, uma vez que, o sentimento de
autonomia é a chave de orientação para se entender as estruturas das
relações que tornam a autonomia possível. Deste modo, (a) a capacidade
não existe sem sentimento; (b) o sentimento é o melhor guia para
entender a estrutura das relações que torna a autonomia possível; (c) o
sentimento define o quanto é autorizada a voz dos que reclamam por
autonomia (Ibidem, p. 22-24).
Este entendimento de autonomia relacional também tenciona a
concepção de autonomia individual liberal num aspecto fundamental nas
sociedades democráticas, a saber, o modelo de cidadão separado da
esfera da política institucional. A idéia de autonomia relacional opera na
diminuição da distância e re-conecta a esfera privada e a esfera pública,
o indivíduo e a coletividade, a democracia e a autonomia. A chave desta
operação está na participação. Se “o relacionamento social não é a
antítese da autonomia, mas a sua precondição” (Ibidem, p. 12, tradução
minha) a autonomia exige, portanto relação com as instituições políticas
e sociais porque estas são moldadas e moldam os padrões e os valores
sociais. Em sociedades democráticas, a autonomia poderia ser
garantida através da participação social e política dos indivíduos nos
processos que tornam a democracia justificada e legítima. Entretanto,
ainda que a participação seja o caminho para a autonomia, ela não é o
seu conteúdo substantivo: “what is required is an understanding of the
substance of autonomy and of the practices that foster it so that citizens
can ask whether the actions or institutions proposed in their collective
decision-making are consistent with the autonomy of all (Ibidem, p.
34).
Logo, a autonomia pressupõe relação com os processos
democráticos, assim como a democracia pressupõe autonomia relacional
que poderá ser efetivada a partir da participação autônoma dos
indivíduos em contextos concretos. Em articulação com as instituições
estatais e com a burocracia, autonomia não significa independência, mas
transformação nas relações de dependência. Portando, a autonomia é um
valor e deve ser assegurado (Ibidem: 34-35).
No entanto, a autonomia entendida relacionalmente não é isenta
de ambigüidades na medida em que a capacidade autônoma é
determinada pelas complexas e diversas relações que formam “o leque
de identificações e relações sociais que um determinado agente tem e às
interconexões e os conflitos potencialmente existentes entre elas”
(BARVOSA-CARTER, op. cit., p. 2, tradução minha). De acordo com
esta autora, a primeira formulação nesta direção foi elaborada por Gloria
Anzaldúa que discutiu e elaborou a idéia de mestiza consciousness como
68
uma concepção útil para se problematizar a forma como a subjetividade
é moldada pelas múltiplas formas de socialização transversais que
incluem as relações de conflito e de subordinação social. De acordo com
Barvosa-Carter, Anzaldúa define a mestiza consciousness como:
[…] as a subjectivity that contains an array of diverse and
sometimes contradictory identities that were formed in and
through various and often intersecting social dynamics. Those
formative social dynamics may be part of different lifeworlds
and cultural milieu, or aspects of different social groups or
interpersonal relationships. They may include, for example,
specific relations of class, ethnicity, race, gender, sexuality,
nationality, religion, region, language community and subculture.
Anzaldúa (apud BARVOSA-CARTER, Ibidem, 8).
Nesta direção, o indivíduo sujeito a ambivalências de pensamento
e ação pode melhorar a sua capacidade de raciocínio crítico por estar
exposto a diferentes situações no conjunto de suas relações sociais que
exigem o exercício de discernimento e análise crítica. Considerando a
relevância desta teorização para a autonomia relacional e, avançando no
debate, Barvosa-Carter formula o conceito de mestiza autonomy. “In
mestiza autonomy, autonomous agents act in keeping with syncretic
endorsements that they formulate through their critical reflection on the
array of values and norms that are given to them socially as part of their
different social and personal identities (Ibidem, p. 2).
O argumento é o de que atores que se envolvem e estão expostos
a relações sociais permeadas pelo conflito de posições, podem moldar a
sua prática cotidiana de forma a tornar a ambivalência e ambigüidade
como facilitadoras e potencialmente úteis para se alcançar a autonomia.
Ou seja, as pessoas são socializadas em contextos complexos e
multifacetados, desenvolvendo diversas identidades sociais ou uma
identidade sincrética sendo que a socialização no âmbito de relações
de subordinação social pode levar os indivíduos a encontrar, na
ambivalência, um trunfo para alcançar a autonomia. Logo, a autonomia
é compatível com a ambivalência (Ibidem, p. 5).
Muito embora a discussão da autora remeta a complexidade das
identidades e da autonomia no mundo contemporâneo, acredito que esta
noção de autonomia, não isenta de ambigüidades, pode ser incorporada
na análise aqui proposta, que também se trata, guardada as devidas
proporções de contexto, de um campo complexo, envolvendo diversos
atores, diferentes conjunturas e relações sociais.
69
Isto posto, pode-se agora definir qual a noção de autonomia que
irá permear este trabalho.
A autonomia é um conceito relacional, processual e interativo que
nos informa sobre a qualidade e a natureza dos vínculos estabelecidos
em um dado contexto histórico. Não deve ser entendida como um
conceito abstrato e absoluto, visto que é decorrência de um processo
dinâmico de interação que só pode ser definido em referência a outras
pessoas, grupos e instituições. A autonomia seria assim uma variável
relacional que se flexibiliza na presença de outros elementos, tais como
as circunstâncias políticas vivenciadas, a dinâmica associativa e a
consolidação de espaços institucionais. A conjuntura do sistema
político, a trajetória política dos conselheiros, o modus operandi das
associações e a imbricação social com as suas bases, assim como a
estrutura dos espaços institucionais são dados interdependentes que
complexificam a noção de autonomia. Parto, portanto, do pressuposto de
que autonomia significa a capacidade de pensar e agir de forma própria,
o estabelecimento de relações pautadas pela independência de avaliação
e proposição de posições, pela capacidade de contraposição, pela
garantia e exercício de constituição de espaços coletivos próprios do
associativismo civil. Portanto, fincada em contextos sociais concretos, a
adoção desta perspectiva possibilita ampliar os horizontes
interpretativos sobre a questão da autonomia, buscando compreendê-la
não nas ausências, mas nas presenças, ou seja, nas características das
interfaces entre sociedade civil e instituições sociais e políticas.
Logo, a presença ou não de autonomia depende de uma série de
variáveis que são determinadas por uma série de elementos que não são
imutáveis. Visto seu caráter cambiante e flexível, que varia de acordo
com cada contexto, afirmo que não é possível pensar a autonomia como
uma noção monolítica; mas posso afirmar que o elemento generalizável
desta noção é exatamente a relação, a interação, a mutabilidade.
Tendo em vista, portanto, que estou lidando com um conceito de
difícil mensuração, pretendo, nesta dissertação, desenvolver uma
abordagem tentativa de instrumentalização deste conceito de autonomia
para uma análise dos conselhos gestores de políticas públicas da
Assistência Social, dos Direitos da Criança e do Adolescente e da Saúde
do município de Concórdia, oeste do estado de Santa Catarina. É
importante frisar, portanto que esta pesquisa não tem nenhuma intenção
de oferecer uma resposta ou um enquadramento teórico e conceitual
rígido, mas sim fornecer elementos e reflexões para se pensar as
relações entre autonomia, participação e democracia. O objetivo aqui é
avaliar, a partir de pesquisa realizada junto aos conselheiros, o quanto as
70
mediações estabelecidas entre as entidades representativas da sociedade
civil e o Estado alteram (ou não) ambas as partes, em especial, no que
concerne a preservação da autonomia da sociedade civil. Busca-se ainda
investigar como se as interações e o grau de articulação da sociedade
civil e como esta interação impacta a capacidade de proposição e
efetivação de políticas públicas participativas.
Como explicado, a variável autonomia não deve ser
compreendida dentro de uma realidade estanque. Ao contrário:
constitui-se em um processo social dinâmico, uma relação recíproca,
dialética e construída socialmente, a partir da articulação de duas esferas
complexas que, embora permeadas por conflitos, relações e
ambigüidades, apresentam configurações ou uma natureza (lógica)
própria. Para o interesse da pesquisa, entendi que a construção de
indicadores de autonomia é uma ferramenta analítica que permitirá
contemplar a dinâmica do processo de participação e interação social
como elementos inter-relacionados. Também possibilitará captar a
complexidade intrínseca a esta variável, autorizando uma visão da
realidade que evite uma oposição polar, ou de dois extremos, e se
aproxime de uma perspectiva que contribua, de alguma forma, para a
captura dos processos de interação social, de determinação mútua que
são estabelecidos entre sociedade civil e instituições políticas e públicas
e que constituem e são constituídos de autonomia.
A proposta de elaboração de indicadores requer pensar sobre
quais são os "eixos temáticos", ou aquelas temáticas que possam
aglutinar variáveis em torno da problemática da autonomia. A seguir,
apresento os indicadores criados e a idéia norteadora para uma melhor
aproximação desta noção de autonomia.
Tais indicadores de trabalho foram pensados e construídos a
partir de um conjunto de pressupostos analíticos extraídos das diferentes
perspectivas teóricas delineadas, e que buscam compreender as
potencialidades e os limites da participação em ambientes institucionais.
O primeiro destes indicadores, busca analisar em que medida as
estruturas de oportunidades políticas disponíveis aos atores sociais de
fato contribuem ou não para o engajamento destes em instituições
participativas. O desenho institucional dos conselhos também foi
contemplado, enquanto variável relevante para se compreender como as
regras e as normas que balizam o funcionamento destas instâncias
representam constrangimentos para uma atuação mais propositiva e
autônoma da sociedade civil.
Também é interesse avaliar, a partir de um indicador de perfil
sócio-econômico, quais os efeitos, sobretudo das variáveis renda e
71
escolaridade nas predisposições à participação e, como o perfil político,
traduzido na vinculação partidária e associativa, pode ser um indicador
de incremento do sentimento e da capacidade de autonomia.
Um outro indicador busca aferir como o perfil de formatação das
organizações representativas da sociedade civil abarcam elementos que
podem potencializar ou não a participação destas nos arranjos
institucionais disponíveis. Para além da constituição propriamente dita
dessas organizações, importa analisar também em que medida a
conformação de uma rede associativa opera no sentido de qualificar e
intensificar a autonomia das organizações civis.
As percepções dos conselheiros a respeito do sentimento de
autonomia acerca de sua atuação nos conselhos correspondem ao
indicador que busca aferir os diferentes tipos de autonomia existentes e
determinados pela participação institucional. o comportamento
autônomo ou não destes conselheiros serão avaliados a partir da análise
das atas dos conselhos que registram a dinâmica do processo decisório
no interior destes espaços.
Por fim, investiga-se em que medida a trajetória de participação
dos conselheiros junto ao campo associativo é um elemento que
impulsiona a participação institucional, e como esta vivência qualifica o
sentimento e o comportamento autônomo.
Estes indicadores, expostos e apresentados brevemente acima,
correspondem a diferentes ferramentas metodológicas que foram
mobilizadas com o intuito de capturar as diferentes dimensões de
autonomia conforme sistematização no Quadro 1, a seguir.
72
QUADRO 1 ± INDICADORES DE AUTONOMIA
Indicadores
Dimensões da
Autonomia
Variáveis Ferramentas Metodológicas
Idéia-Norteadora
Indicadores de
Circunstâncias
Políticas Vivenciadas
Trajetória Sociopolítica
do município
Histórico do município de Concórdia explicitando a
relação entre desenvolvimento econômico, político e
social.
Resgate da literatura sobre a
formação histórico, social,
econômica, política e associativa
do município.
As estruturas de oportunidade política são
fatores que afetam a participação e a capacidade
de mobilização dos grupos sociais.
Indicadores do
Grau de
Institucionalização dos
Conselhos
Estrutura e
funcionamento dos
conselhos
Desenho institucional dos conselhos (natureza e
atribuição, composição, dinâmica de funcionamento).
Leitura de documentos como: Lei
de Criação e Regimento Interno
dos conselhos.
O desenho institucional destes espaços pode
gerar oportunidades ou restrições para uma
participação mais autônoma e propositiva.
Indicadores de
Perfil Sócio-econômico
Perfil sócio-econômico
dos conselheiros
a) Escolaridade e renda.
Questionário e sistematização dos
dados através do software SPSS.
Os conselheiros com maior capacidade e
competência para atuação no conselho são os
com maiores níveis de renda e escolaridade.
Indicadores de
Perfil Político
Perfil político dos
conselheiros
a) Vinculação partidária e associativa e tipo de
organização.
Questionário e sistematização dos
dados através do software SPSS.
Indivíduos engajados em partidos e associações
possuem maior capacidade crítica.
Indicadores de
Associativismo Civil
Organização e trajetória
associativa das
entidades associativas
Formato organizacional considerando, sobretudo as
fontes de recursos.
Questionário e sistematização dos
dados através do software SPSS.
Os recursos organizacionais e orçamentários
mobilizados pelas entidades informam sobre a
sua atuação, bem como das condições que
asseguram a manutenção autônoma.
Indicador da
Rede Associativa
Vínculos entre
sociedade civil
Envolvimento da organização com associações da
sociedade civil, instituições sociais (igreja), instância
públicas (conselhos), fóruns, etc.
Questionário e sistematização dos
dados através do software SPSS e
entrevista.
Quanto maior a rede de vínculos associativos
estabelecidos entre a sociedade civil mais
qualificada e autônoma é a participação.
Indicadores de
Trajetória Política
Trajetória política dos
conselheiros
a) Envolvimento com questões públicas (associações,
partidos, sindicatos, conselhos, OPs...).
b) Influências na trajetória de participação.
Entrevistas.
O conjunto de relações e a trajetória dos
conselheiros são fatores que impulsionam a
participação e o envolvimento com questões
políticas e públicas.
Indicador de
Comportamento
Autônomo
Atuação no conselho
Identificar os atores dominantes (quem e como se
debate, contesta e delibera) e temas predominantes (o
que, quais os assuntos tratados, discutidos,
contestados, deliberados e a natureza deles)
43
.
Leitura das atas de reuniões dos
conselhos.
A atuação destes atores no interior dos
conselhos é fator determinante para a análise da
autonomia.
Indicador de
Atitude Autônoma
Concepção sobre
autonomia
Percepção dos representantes da sociedade civil sobre
a sua autonomia e da sua entidade no interior do
conselho.
Entrevista.
Os sentimentos de autonomia são precondições
para um comportamento autônomo.
Fonte: Elaborado pela autora.
43
Neste caso recorro à metodologia proposta e utilizada por Fuks; Perissinotto; Souza, 2004.
73
CAPÍTULO 2
OS CONSELHOS GESTORES NO MUNICÍPIO DE
CONCÓRDIA
Este capítulo procura delinear, em linhas gerais, o panorama de
constituição histórico, social, econômico, político e associativo do
município de Concórdia. Tem por objetivo apresentar uma breve
contextualização da realidade social do município, explicitando a
relação entre desenvolvimento econômico, político e o associativismo
civil, para, posteriormente, apresentar uma descrição da estrutura e da
dinâmica de funcionamento do espaço institucional do Conselho
Municipal de Assistência Social, da Criança e do Adolescente e da
Saúde, analisando o perfil dos conselheiros e das entidades
organizativas da sociedade civil que participam destes conselhos. Como
foi ressaltado, o município de Concórdia foi escolhido como cenário
da pesquisa por apresentar histórico de grande mobilização social, sendo
que os conselhos gestores foram nomeados como objeto empírico da
pesquisa por se configurarem em espaços institucionais de participação
e de diálogo entre sociedade civil e Estado na gestão das políticas
públicas.
A reconstituição do panorama histórico, econômico e político
ocuparão toda a primeira seção deste capítulo e visa explicitar sob qual
pano de fundo se tecem as relações de sociais de participação social e
política na cidade, para circunscrever, dentro deste processo, o
surgimento das lideranças, dos movimentos sociais e das associações
civis. A seção seguinte esclarece o procedimento metodológico
empregado, tendo em vista a caracterização dos conselhos e do
associativismo civil. A terceira seção descreve e avalia o desenho
institucional dos conselhos gestores em análise e a quarta parte pretende
apresentar e discutir, a partir dos dados coletados nos questionários,
duas questões principais: o perfil sócio-econômico e político dos
participantes dos conselhos; e o desenho institucional das entidades
representativas da sociedade civil, destacando um quadro de
características que se constituem, neste estudo, como indicadores de
autonomia.
74
2.1 Histórico de Ocupação e Organização Social: o município
de Concórdia/SC
a) Histórico de ocupação e de desenvolvimento econômico e
político do município de Concórdia
Até a primeira metade do século XIX, o oeste catarinense, assim
como as demais cidades que compõem o estado de Santa Catarina, era
habitado por grupos nativos “subdivididos em Kaingang, Xokleng e
Carijó (COMASSETTO et al., 2006, p. 152) que viviam
fundamentalmente da caça, da pesca e de pequenas hortas cultivadas no
entorno de suas tribos. A chegada do colonizador europeu e o
conseqüente processo de ocupação promoveram o etnocídio e genocídio
dos grupos nativos, tanto pelo confronto violento quanto pela
transmissão de doenças trazidas pelos colonizadores. A estratégia
utilizada para avançar pelo território contou com a captura e a servidão
de alguns nativos que, após meses de cativeiro, receberam títulos
militares e a incumbência de assistência aos colonizadores no
desbravamento do território. O conhecimento nativo da mata e as trilhas
abertas para o acesso aos seus bens de sobrevivência “permitiram o
desenvolvimento de mecanismos para o reconhecimento da região, [...]
posteriormente apropriado pelos invasores e pelo exército que abriram
as vias de ligação do Sul com o centro do país” (Ibidem, p. 159).
Os caminhos abertos pelos nativos serviram aos tropeiros que
seguiam do Rio Grande do Sul para a cidade de Sorocaba, na província
de São Paulo, lugar em que ocorria, anualmente, a feira de gados em que
eram comercializados couro e mulas, estas servindo ao trabalho
extrativista nas minas de ouro na comarca de Minas Gerais. A utilização
das mulas na extração exigia o permanente deslocamento para
abastecimento do mercado no sentido sul-sudeste, sendo que a partir de
1820 novos caminhos foram abertos entre o oeste dos estados de Santa
Catarina e Paraná, para evitar a cobrança de mais tributos no trajeto da
Estrada Real. Este movimento permitiu que, através dos diversos lugares
de repouso, se formassem pequenos povoados que mais tarde se
tornaram cidades
44
. Portanto, depois do extermínio dos indígenas o
processo de ocupação desta região teve prosseguimento com o
44
Amador (2006, p. 175) afirma que “o processo de ocupação não vem do litoral e nem do Sul
e sim de São Paulo” sendo que os “bandeirantes vinham para o sul do país para adquirirem
mulas para o transporte, gados e índios.”
75
tropeirismo, sendo o caboclo
45
o habitante característico de grande parte
do oeste de Santa Catarina (AMADOR, 2006, p. 177).
Com a conclusão da construção da Estrada de Ferro São Paulo
Rio Grande em 1910, a prática do tropeirismo declinou frente a novas
formas de transporte, sendo que as populações que trabalhavam com o
gado no Rio Grande do Sul migraram para o oeste catarinense para
trabalharem na extração de madeira e erva-mate e em pequenas
plantações, formando pequenos povoados. As populações caboclas, por
terem a base de sua economia ancorada nas atividades de subsistência,
“não visavam, através de seu trabalho enriquecer, mas ter uma vida
simples. Devido a sua condição social e econômica, utilizava a erva-
mate como mercadoria de troca” (COMASSETTO et al., op. cit., p.
162).
A construção da estrada de ferro, além da mudança no perfil
sócio-econômico implicou também em modificações no aspecto étnico e
cultural que desencadeou, alguns anos mais tarde, a Guerra do
Contestado (1912-1916). Este conflito marcou a luta pela posse da terra
pelos caboclos que ali viviam e que foram expulsos por causa de sua
edificação e posterior doação do governo (das terras em que habitavam)
à companhia construtora como parte do pagamento pelas obras. A
estrada de ferro, bem como a concessão de lotes, faziam parte dos
esforços adotados pelo governo imperial para modernizar o país,
introduzindo “na região novas forças econômicas ligadas ao modelo
monopolista que se instalava na República” (AMADOR, op. cit., p.
178).
Proclamada a República, o governo firma contratos com
companhias colonizadoras e faz investimentos de divulgação na Europa
das possibilidades de aquisição de terras e de oportunidades de trabalho
existentes no Brasil, abrindo caminho para a imigração, sobretudo
italiana e alemã. “Os imigrantes eram vistos como uma força de trabalho
potencial para o modelo agroexportador dependente, que devia substituir
a mão-de-obra escrava” (COMASSETTO et al., op. cit., p. 166).
Portanto, os brancos europeus que aqui chegaram vieram para substituir
a população cabocla que não se inseria social, cultural e
economicamente nos moldes de produção exigidos pelo modelo de
desenvolvimento adotado no Brasil. Sua produção, fundada sobretudo
45
Para Amador (2006) o caboclo é fruto da miscigenação de portugueses, índios e negros. Para
Poli (apud COMASSETTO et al., 2006) o caboclo era fruto do cruzamento de indivíduos
miscigenados e sua conceitualização é de cunho mais social e econômico do que racial. Para
Renk (apud COMASSETTO et al., Ibidem), caboclo foi o termo utilizado pelos europeus para
designar a população mestiça.
76
na economia de subsistência, não atendia aos padrões de produção,
acumulação e lucro desejados para o país.
Assim é que, a partir de 1920, a região que atualmente forma o
município de Concórdia começa a receber os primeiros migrantes, filhos
de imigrantes italianos que habitavam o Rio Grande do Sul. As
companhias colonizadoras ofereciam as terras da região do oeste de
Santa Catarina como alternativa às famílias que viram as suas terras
serem inviabilizadas produtivamente devido ao aproveitamento
inadequado do solo que gerou o seu depauperamento
46
.
O migrante europeu, tendo posse legal da terra, procedeu à
expulsão do caboclo, este considerado um intruso (Ibidem, p. 165). Este
contexto, forçosamente gerou o confronto entre europeus e caboclos, os
quais divergiam em suas concepções de vida. Os migrantes que vieram
para o Brasil com o intuito de enriquecer e de produzir para gerar
excedentes para a comercialização,
Julgam-se superiores pelo fato que seu trabalho produz, em
mercadorias, uma escala maior do que os caboclos [...] que não
via o trabalho como uma forma de enriquecer materialmente,
mas como instrumento com o qual produz e reproduz a sua
sobrevivência. Assim, não havia partilha nem tampouco disputa
pelas terras ocupadas por caboclos (Ibidem, p. 169-170).
O que se percebe é que Concórdia não se constituía em “um vazio
demográfico no início da atuação das companhias colonizadoras
(Ibidem, p. 169), mas era habitada, até o século XIX, por uma população
indígena que foi dizimada. Posteriormente, o território foi sendo
ocupado pelos caboclos
47
que viviam da economia de subsistência e
recebendo, após a Guerra do Contestado, grande contingente de
descendentes imigrantes italianos e alemães que culturalmente se
46
A literatura cita principalmente as companhias Sociedade Territorial Mosele, Eberle, Ahrons
& Cia., Empresa Colonizadora e Pastoril Teodoro Capelle e Irmão, Colonizadora Brum e
Luce & Rosa Companhia Ltda. As terras adquiridas por estas companhias (cerca de 6 milhões
de acres) foram dadas a empresa Brazil Development & Colonization Company como parte do
pagamento pela construção da estrada de ferro (COMASSETTO et al., op. cit., p.167).
47
Em julho de 2007 a Prefeitura Municipal de Concórdia, através da Assessoria de
Comunicação Social, organizou e publicou o livro Retratos da População de Concórdia: os
afrodescendentes, livro composto de retratos e de pequenos relatos de afrodescendentes
moradores do município. A compilação é fruto dos trabalhos realizados na Semana da
Consciência Afro-Brasileira realizada na cidade em 2005 e 2006 e tem o claro intuito de
evidenciar que a história e a cultura do município de Concórdia não são compostas
exclusivamente pelos descendentes de brancos europeus.
77
inserem na lógica mercantil. É a partir deste modelo de desenvolvimento
que, em 29 de julho de 1934, a colônia de Concórdia se emancipa do
município de Cruzeiro
48
.
Até a década de 1940, a produção dos migrantes estava voltada
para o trabalho familiar de extração de madeira e de erva-mate. Na
pequena propriedade, núcleo da produção econômica, também se
cultivava mandioca, batata doce, arroz, feijão, milho e trigo e se criava
animais, principalmente aves, suínos e bovinos que, com o aumento da
produção e geração de excedentes, começaram paulatinamente a serem
comercializados. O milho produzido servia de ração e a
comercialização, notadamente de suínos, começou a ganhar espaços nos
mercados paulistas e fluminenses, produção esta transportada pela
ferrovia (POLI, 1999, p. 64). Deste modo, o desenvolvimento da
agroindústria alimentícia em Concórdia, especialmente da empresa
Sadia S.A. fundada em 1944, teve sua gênese na produção primária
realizada na pequena propriedade rural do migrante europeu
(AMADOR, op. cit., p. 185).
A partir de 1950, com a implantação da Sadia, a produção de
Concórdia começa a ganhar projeção nacional. A produção agrícola
ganha contornos mais modernos e a cidade começa a se urbanizar. Nos
anos de 1960, o parque industrial da cidade é composto por 132
estabelecimentos, sendo o período em que teve início o fenômeno do
êxodo rural, intensificado nas décadas seguintes
49
(BILIBIO et al., 2006,
p. 191).
A partir das décadas de 1970 e 1980 ocorrem novas
transformações econômicas, sociais e políticas advindas do avanço do
processo de industrialização baseado na agroindústria. A modernização
agrícola gerou uma crise na economia camponesa local, especialmente
no setor da suinocultura.
A introdução do sistema de parceria/integração modifica a
relação do pequeno produtor com a agroindústria. Segundo Rossari
(2006) o sistema de integração
É a forma pela qual as agroindústrias planejam suas atividades
para garantir matéria-prima (aves e suínos) em quantidade,
48
Concórdia até 1934 fazia parte do município de Cruzeiro (atual município de Joaçaba), sendo
criada no dia 12/07/1934 pelo Decreto nº 635 e emancipada no dia 29/07/1934. Disponível em:
<www.concordia.sc.gov.br>. Acesso em: 13 de março de 2008.
49
De acordo com Bilibio et al. (2006), na década de 1950 a cidade de Concórdia ocupava o 11º
lugar em desenvolvimento no estado de Santa Catarina e no fim da primeira metade da década
de 1960 o município é o 7º em arrecadação.
78
qualidade e segurança de disponibilidade. Nesse sistema, o
produtor entra como a propriedade agrícola, instalações físicas,
equipamentos e mão-de-obra e as empresas monitoram a
produção, fornecem assistência técnica, medicamentos e
compram a produção. No caso da avicultura fornecem as aves
recém nascidas (ROSSARI, 2006, p. 102)
Visando atender as exigências do sistema de parceria e da
qualidade da produção para exportação, os pequenos produtores tiveram
que dinamizar e melhorar a sua produção, adquirir novos equipamentos,
melhorar as instalações físicas, utilizar novas técnicas e sementes
selecionadas. A adesão de máquinas e insumos industrializados na
produção foi facilitada pela abertura de linhas de crédito bancário aos
pequenos produtores que não foram compensados pelos ganhos em
produtividade, que “parte das unidades camponesas de produção
passaram a ter dificuldades de competir nesse mercado. Mesmo tendo
feito alguns investimentos para modernizar sua produção, muitos
camponeses não conseguiam atingir níveis competitivos de produção e
produtividade” (POLI, 1999, p. 66).
A situação foi agravada pela queda e oscilações dos preços e do
consumo da carne suína, que associada ao pagamento dos
financiamentos a juros altos, levou grande parte dos proprietários à
bancarrota e a conseqüente venda dos seus bens para arcarem com as
dívidas (Ibidem). Tal situação foi ainda agravada pelo episódio da Peste
Suína Africana
50
que levou ao extermínio vários rebanhos de suínos
suspeitos de contaminação pela doença.
O episódio da peste suína teve fim, mas a crise continuou e a
resultante foi que a produção independente praticamente desapareceu e
parte significativa das unidades camponesas de produção foi
desintegrada, gerando o deslocamento de grande contingente
populacional para a zona urbana das cidades-pólos da região oeste. Os
números apresentados Tabela 1, página seguinte, são indicativos das
transformações demográficas do município.
50
O acontecimento da Peste Suína Africana é controverso, mas de acordo com Poli (1999, p.
69) a suspeita é que “a suposta peste foi uma estratégia para a eliminação definitiva da
produção autônoma de suínos na região”.
79
TABELA 1 DENSIDADE DEMOGRÁFICA DO
MUNICÍPIO DE CONCÓRDIA, POR ANO
Censo
Urbana
Rural
Total
1970
10.768
34.619
45.387
1980
19.834
38.472
58.306
1991
29.473
29.741
59.214
1996
36.724
21.778
58.502
2000
45.254
17.804
63.058
2006
48.041
18.900
66.941
Fonte: IBGE/PMC.
Nos dias atuais, a agroindústria é a base econômica do município
de Concórdia, movimentado cerca de 60,0% a 70,0% do capital da
cidade. Na zona rural ainda predomina a pequena propriedade familiar
baseada na agroindústria e no sistema de desenvolvimento de
integração. Segundo informações contidas no site da prefeitura,
“Concórdia centraliza o recebimento de praticamente toda a produção
agrícola regional através de Cooperativas de Produção e Consumo. É
líder nacional na produção de suínos e aves e possui a maior bacia
leiteira do estado” (PREFEITURA MUNICIPAL DE CONCÓRDIA,
2009).
A agroindústria impulsiona o desenvolvimento da cidade e a
expansão de outros ramos da economia. Na zona urbana, o predomínio é
do comércio e do setor de serviços, sendo que em 2001 o município de
Concórdia contava com um total de 1.610 estabelecimentos de atividade
econômica, sendo 176 indústrias, 95 empresas no ramo da construção
civil, 561 estabelecimentos comerciais, 695 estabelecimentos na área de
prestação de serviços e 83 no ramo da agropecuária
51
. A meta, segundo
a Prefeitura Municipal de Concórdia “é diversificar a base econômica,
fomentando outras atividades potenciais dentro da vocação de
Concórdia: tecnológico na área de informática, os setores moveleiro,
metal-mecânica, têxtil e construção civil, sem, no entanto, descuidar-nos
da nossa grande vocação, o Agro Negócio” (Ibidem).
Com estas características, Concórdia situa-se em 11ª lugar no
ranking econômico entre as cidades do estado de Santa Catarina, com
uma taxa de crescimento anual de 2,91% (IBGE 2004) e com o Produto
Interno Bruto (PIB) em torno de R$ 19.335 per capita/ ano. Dentre os
5.507 municípios brasileiros, ocupa a 32ª posição no Índice de
51
Dados disponíveis no relatório de estudo desenvolvido pela Secretária de Estado de
Planejamento, Orçamento e Gestão realizado em maio de 2003.
80
Desenvolvimento Humano IDH (PNUD 2003) e a 13ª posição no
Índice de Desenvolvimento Social IDS (Secretaria de Estado do
Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente, 2001) entre os 293
municípios de Catarinenses
52
.
No que diz respeito ao perfil político-partidário, Concórdia
seguiu, em linhas gerais, os mesmos caminhos traçados pelo Estado de
Santa Catarina, este que de alguma forma deu continuidade aos
alinhamentos e às mudanças que se encaminhavam no processo de
estruturação partidária no plano nacional. A partir de 1964 com o Golpe
Militar, os partidos políticos, assim como outras instâncias de atuação
política, foram suprimidos e a formação de uma oposição política era
inibida pela repressão que exilou boa parte dos opositores do regime
fora do país. Além disso, com a instituição do Ato Institucional 2,
dissolveu-se boa parte dos partidos existentes e “a obrigação de
aglutinar quase um terço dos representantes do Congresso, para a
formação de novos partidos, [permitiu] na prática [...] o bipartidarismo”
(CARREIRÃO, 1990, p. 96). Na época, o Movimento Democrático
Brasileiro (MDB) era o partido que canalizava as vozes da oposição,
mas possuía pouca credibilidade política e espaço para atuação. Por seu
turno a Aliança Renovadora Nacional (ARENA) era o partido que
continuava a exercer o domínio.
Em Santa Catarina, a disputa político-partidária não era diferente
e dava-se em torno do MDB e da ARENA, esta última constituída a
partir da aglutinação de dois grandes partidos com reconhecidas práticas
oligárquico-conservadoras: o Partido Social Democrático (PSD) e a
União Democrática Nacional (UDN). A ARENA era um partido
estruturado fortemente sob bases mais sólidas, ao contrário do MDB
que, formado por lideranças oriundas do Partido Trabalhista Brasileiro
(PTB), apresentava franca desvantagem na correlação de forças até por
volta dos anos 1975.
No caso de Concórdia, assim como do estado de Santa Catarina
como um todo, “a manutenção de um poder econômico ainda forte e o
posicionamento de suas lideranças [da ARENA] em postos-chaves do
aparelho de Estado, aliados a uma grande capacidade de articulação
política” (Ibidem, p. 96) permitiu que a tradicional família ligada ao
grupo Sadia dominasse os rumos da política concordiense por muitos
anos. Esta vinculação dos grupos econômicos ligados a Sadia ao partido
governista promovia “o domínio político quase completo da ARENA
52
Disponível em: <www.concordia.sc.gov.br>. Acesso em: 02 de fevereiro de 2009.
81
nas áreas de influência mais próximas da sede dos grupos” sendo que a
“Sadia praticamente se confunde com o centro urbano de Concórdia”
(Ibidem, p.133)
53
.
Mas, a partir de 1974, verifica-se um acentuado crescimento do
MDB no estado, inclusive na região oeste, crescimento este que
acompanha as tendências nacionais. As eleições ocorridas neste ano
possibilitaram, pela primeira vez desde 1930, que em Santa Catarina um
partido de oposição às oligarquias elegesse um representante para o
cargo de senador, que representava o posto mais alto em jogo (Ibidem,
p. 119). Logo, “se houve, durante o bipartidarismo, um claro predomínio
eleitoral arenista no estado [...] esta situação tendia a se esboroar na
medida em que o crescimento emedebista era intenso e distribuído por
quase todos os municípios do estado (Ibidem, p. 120). Este crescimento
do MDB pode estar associado a diversos fatores, mas Carreirão sugere
que este aumento é proveniente tanto do desgaste do regime militar,
quanto pelo processo de urbanização que, com o êxodo rural, ruiu com
as bases do arenismo. Além disso, é bom lembrar que a relação de
dependência dos produtores rurais aos grupos ligados a Sadia e a
ARENA foi o que promoveu o já mencionado sistema de integração.
Com o processo de redemocratização e o restabelecimento do
pluripartidarismo, o PMDB (Partido do Movimento Democrático
Brasileiro) é o partido que com maior força assume a frente dos rumos
políticos do município. No entanto, desde o final da década de 1980
estava sendo gestada no interior dos movimentos sociais uma oposição
político-partidária viabilizada com a fundação do Partido dos
Trabalhadores (PT) em Concórdia em 1989 e concretizada com a
chegada deste a prefeitura em 2001, e sua conseqüente reeleição em
2004 e 2008.
b) Histórico de construção da participação associativa do
município de Concórdia
Como visto, até a década de 1940 o município de Concórdia se
caracteriza economicamente por uma produção baseada na pequena
propriedade rural familiar. Com o processo de industrialização que
53
Desde a fundação de Concórdia em 1934 até 1950 todos os prefeitos foram nomeados por
coronéis da região, sendo que apenas um era ligado a bancada do MDB. A partir de 1951 até o
início da década de 1980, mesmo havendo eleições, os prefeitos que foram eleitos ainda faziam
parte deste grupo. Disponível em: <www.concordia.sc.gov.br>. Acesso em: 13 de março de
2008.
82
começa a se desenvolver a partir de 1950 e acelera-se a partir dos anos
1970, o sistema de integração ganhou impulso, modificando a relação
entre o produtor camponês e a agroindústria alimentícia. As crises que
ocorreram no fim da década de 1970 e início de 1980 geraram o
deslocamento de grande contingente populacional da área rural para a
zona urbana, trabalhando como mão-de-obra assalariada, principalmente
no ramo do comércio e de prestação de serviços. É nesta conjuntura de
crise e de expansão da atividade econômica capitaneada pela
agroindústria que se desenvolveram as primeiras mobilizações no
campo e na cidade.
No oeste de Santa Catarina, a primeira grande mobilização social
pode ser identificada a partir do episódio da Peste Suína Africana
(STRAPAZZON, 1996; POLI, 1999). Tal evento contou com o
envolvimento da diocese de Chapecó, que tanto acompanhou a
verificação dos focos de contaminação junto com os oficiais do exército,
quanto desenvolveu trabalhos de orientação e assessoria aos produtores,
estimulando o protesto e a resistência contra a matança dos porcos. Os
protestos foram surgindo e, em outubro de 1979, tomou corpo uma
grande manifestação de protesto contra o que chamaram de a “Farsa da
Peste Suína Africana”.
Essa manifestação, coordenada pela FETAESC [Federação dos
Trabalhadores na Agricultura do Estado de Santa Catarina] e por
alguns sindicatos de trabalhadores rurais da região, com o apoio
da igreja, reuniu mais de vinte mil camponeses num estádio de
futebol e foi seguida por uma grande passeata pelas ruas da
cidade. Foi a primeira grande manifestação de protesto ocorrida
na região no final da década de 1970, ainda na vigência do
regime militar (POLI, 1999, p. 70).
É neste contexto de mobilização que surgem, e criam
consistência, no início dos anos 1980, os primeiros movimentos sociais
do campo, alguns inclusive com projeção nacional
54
. O Movimento dos
Sem Terra (MST), das Mulheres Agricultoras (MMA) e dos Atingidos
por Barragem (MAB), apesar de possuírem uma bandeira específica de
luta, partilhavam da identidade de serem do campo e de serem
camponeses(as). Já o Movimento de Oposições Sindicais possui duas
53
Sobre os movimentos sociais do campo no oeste catarinense ver, entre outros: Lisboa, 1987;
Poli, 1999; Scherer-Warren, 1989; Scherer-Warren; Reis, 1985; Strapazzon, 1996; Weber,
1990.
83
frentes de ação: a área rural e a urbana
55
. Em que pesem as suas
diferenças, para Poli (1999, p. 158-163) todos eles possuem uma série
de características que os aproximam, tais como: (a) a democracia de
base, a auto-representação e a participação dos seus membros nas
decisões dos rumos do movimento; (b) a importância e a valorização dos
processos internos de comunicação, informação e formação política,
cultural e humana; (c) a constituição de um projeto político de uma nova
sociedade; (d) a presença marcante do exercício da fé, da mística e da
simbologia religiosa como amparo para a luta; (e) a desvalorização do
Estado, de suas ações e de seus canais de representação, não o
reconhecendo como um interlocutor legítimo; (f) a presença do discurso
de autonomia e de liberdade dos indivíduos e dos movimentos na
definição de suas relações com outras instâncias; (g) a valorização da
participação feminina.
Dos quatros movimentos que tiveram sua gênese na região do
oeste de Santa Catarina, certamente o movimento sindical foi o que
ganhou mais densidade e consistência em Concórdia. De acordo com
Poli (1999, p. 80), no estado de Santa Catarina “o sindicalismo rural foi
todo implantado segundo a orientação oficial vigente durante o governo
militar” a partir de cursos de formação de lideranças oferecidos por
entidades sob influência das diretrizes governamentais, formando-se os
Sindicatos dos Trabalhadores Rurais do oeste catarinense. A prestação
de serviços de assistência médica e odontológica
56
foi a principal forma
de atuação deste sindicato até o fim dos anos 1970. A partir da década
de 1980 começa a criar densidade uma oposição sindical na região.
Os relatos colhidos por este autor junto aos camponeses indicam
que as reflexões feitas nos encontros da Comissão Pastoral da Terra
foram fundamentais para que estes tomassem “contato com
interpretações críticas a respeito da ação dos sindicatos e a capacitar-se a
superá-la” (Ibidem, p. 81). A atuação da Diocese da Chapecó, através da
Pastoral da Terra e da Juventude, das Comunidades Eclesiais de Base
(CEBs) e dos Grupos de Base nos primeiros anos da década de 1980,
associada às precárias condições de vida destas populações, ajudou a
55
O destaque aqui será para o movimento sindical que certamente é aquele que apresentou e
apresenta a maior influência na trajetória de constituição do associativismo em Concórdia.
56
No período da ditadura militar, o governo federal, através da Lei de Valorização da Ação
Sindical de 1970 e do Programa de Assistência ao Trabalhador Rural de 1971, estimulou o
desenvolvimento de sindicatos assistencialistas e de caráter burocrático atrelados ao Estado. No
âmbito rural, mesmo as entidades que faziam a oposição, como a CONTAG (Confederação
Nacional dos Trabalhadores na Agricultura) a partir de 1967, pautavam sua atuação pela
linguagem dos direitos dentro dos parâmetros jurídico-legais vigentes (VERÍSSIMO, 1989).
84
impulsionar a formação dos sindicatos de oposição e de lideranças
críticas (Ibidem, p. 81-83). A postura e a direção das entidades
privilegiaram:
[...] a organização de base e a luta em torno dos problemas e
interesses dos agricultores [...]. As primeiras preocupações
foram, em geral, a sindicalização da mulher agricultora, a criação
de delegacias sindicais nas comunidades, o estímulo à
organização e o investimento na formação de lideranças e no
processo de informação dos associados (Ibidem, p. 88).
Não só a atitude dos seus membros mudou, como também o
caráter da relação e da articulação com os movimentos sociais que
igualmente estavam criando força naquele momento, como o MST, o
MMA e o MAB, estimulando e organizando a luta através de
intercâmbio de idéias, apoio técnico, financeiro e de infra-estrutura.
Além disso, os sindicatos promoveram diversas manifestações e atos
públicos com ações como o fechamento de rodovias a agências
bancárias. Nestas ações, contaram com a ajuda e o vínculo com a
Central Única dos Trabalhadores (CUT)
57
, com órgãos de assessoria da
Igreja e com sindicatos de outras regiões de Santa Catarina, do Paraná e
do Rio Grande do Sul (Ibidem, p. 89-92).
a oposição sindical na cidade percorreu caminhos semelhantes
aos sindicatos rurais. O Sindicato dos Comerciários de Concórdia
(SINDICOM), fundado em 1960 e o Sindicato dos Trabalhadores das
Indústrias da Alimentação de Concórdia (SINTRIAL), criado em 1978,
também, em sua gênese, adotaram práticas assistencialistas, burocráticas
e de colaboração de classe
58
, que serão modificadas a partir dos anos
1980 com o reflexo da atuação do movimento sindical brasileiro erigido
sob a base das premissas do “novo sindicalismo”. A renovação das
práticas e das lideranças no SINDICOM aparece ainda timidamente em
1978 e a filiação a CUT ocorre somente em 1986. No SINTRIAL, a
oposição toma posse em 1990 após organizar uma greve junto aos
57
No setor urbano a oposição sindical ganha expressão com as mobilizações dos trabalhadores
do ABC paulista que, situando sua ação na luta contra a tutela do Estado sob as ações sindicais,
fundam a (CUT) em 1983 e mobilizam grandes greves sob liderança de Luís Inácio Lula da
Silva. Estas orientações do chamado “novo sindicalismo” foram adotadas também no campo,
mas somente no final da década de 1970 e início dos anos 1980, quando os sindicatos
priorizam as manifestações e atos públicos ao invés de audiências com autoridades
governamentais (POLI, 1999).
58
Um histórico detalhado da constituição dos dois sindicatos pode ser encontrado em Pegoraro;
Baldasso; Santhier, 2006.
85
funcionários da empresa Sadia S.A. em 1986 (AMADOR, 2006, p. 109-
112).
Tal paralisação foi organizada pelos próprios trabalhadores da
empresa que estavam insatisfeitos com a postura “pelega” até então
adotada pela diretoria do sindicato. Na época, o então presidente do
SINTRIAL alegou que a greve estava sendo organizada por indivíduos
que não pertenciam ao quadro de funcionários da corporação, apontando
o envolvimento de pessoas ligadas ao Partido dos Trabalhadores, da
Pastoral da Terra e da CUT (PEGORARO; BALDASSO; SANTHIER,
2006, p. 137-138). De fato,
Nasce na segunda metade da década de 1980, uma organização
paralela que, de início, tem fortes relações com o Sindicato dos
Comerciários. Esta relação pode ser vista como um fator
determinante no processo, tendo em vista que os „comerciários‟
tinham uma longa história de lutas e articulações. Esta
experiência foi fundamental no processo de organização da
oposição do SINTRIAL (PEGORARO et al., op. cit., p. 140).
É partir deste envolvimento e da insatisfação de um grupo de
trabalhadores, que se organiza a paralisação e prepara-se uma chapa de
oposição que, nos anos de 1990, ganhou as eleições e assumiu a
diretoria da entidade. Em 1993, o SINTRIAL filiou-se a CUT, e, em
1996 uma nova greve na Sadia foi deflagrada. Desde então, a direção
cutista se consolida na direção das duas entidades. A influência destes
dois sindicatos permitiu que outros sindicatos (Sindicato dos Bancários
em 1989 e Sindicato da Construção Civil em 1993) surgissem, em
Concórdia, com uma concepção e prática de trabalho vinculada a CUT
(AMADOR, 2006, p. 105).
O sindicalismo ligado à CUT, hegemônico em Concórdia, vai
vincular-se a tendência majoritária da central, denominada
Articulação Sindical. Esta, nova nos anos 1990 em diante,
modera seu discurso e acentua seu vínculo com a social
democracia européia. A luta econômica, associada à disputa de
projetos eleitorais, é o centro da atuação político-sindical desse
segmento do sindicalismo (Ibidem, p. 116).
A articulação e o vínculo dos sindicatos do município com a CUT
contribuem para o envolvimento cada vez maior de suas lideranças com
a política partidária. É neste contexto que, em 1989, foi fundado o
Partido dos Trabalhadores em Concórdia com o apoio dos sindicatos e o
86
envolvimento direto de suas lideranças, elegendo seu primeiro
representante para cargo no legislativo municipal. Nos anos de 2000,
2004 e 2008 o partido sai vitorioso nas eleições para o executivo
municipal. Portanto, “na vida do partido, sempre estiveram presentes
lideranças dos movimentos sindicais. Assim, identificamos o
movimento sindical concordiense com os demais movimentos sociais
locais e a estrutura político-partidária do PT” (PEGORARO et al., op.
cit., p. 145).
Entretanto, a articulação dos movimentos sociais, dos sindicatos e
do PT foi engendrada não apenas pelos elementos estruturais que
perpassam a história do município. É preciso perceber que nas origens
desses movimentos estão presentes os trabalhos das pastorais da Igreja
Católica da Diocese de Chapecó
59
, que a partir do Concílio Ecumênico
Vaticano II (1960) e das Conferências de Medellín (1968) e Puebla
(1979), inauguraram novas diretrizes para a atuação da igreja junto à
população. “A opção preferencial pelos pobres e oprimidos”
materializada pela criação das CEBs deu novos contornos a sua atuação,
naquele momento voltado para o estímulo da organização e da
participação das classes populares em torno dos princípios de igualdade
e de justiça social.
Além dos movimentos sociais é bom lembrar que a Igreja
também atuou como agente mobilizador, por meio das CEBs e das
Pastorais, na propagação e dinamização de inúmeras associações
comunitárias e de bairro de cunho reinvidicatório, tanto na cidade como
no campo. Lideranças oriundas da igreja criaram espaços de discussão
em que novas propostas de organização popular começaram a ser
gestadas. Neste sentido, as associações do campo comunitário
(associações de moradores, clubes de mães, grupos de idosos e etc.)
também serviram como ambientes disponíveis para a participação e
promoção de debates tendo como foco o trabalho voluntário no âmbito
da comunidade
60
. O trabalho desenvolvido pela igreja foi portanto,
fundamental, tanto para os novos movimentos sociais quanto para as
organizações comunitários do campo do associativismo civil no que
pese a formação de lideranças, a educação popular e a politização dos
atores sociais.
59
A paróquia de Concórdia faz parte da Diocese de Chapecó. Um breve relato sobre a sua
constituição pode ser encontrado em Della Flora, 2007 especialmente das páginas 37 a 43.
60
A atuação da igreja na dinamização das associações comunitárias ocorreu em conformidade
com o que se verificou no resto do país. Ver neste caso Doimo, op. cit. e Sader, op. cit.
87
A entrada da Teologia da Libertação na região oeste de Santa
Catarina nas décadas de 1970 e 1980 foi marcada pela atuação do Bispo
D. José Gomes da Diocese de Chapecó, que informado das novas
diretrizes da Igreja, incentivou a criação de Grupos de Reflexão, das
CEBs, dos Grupos de Jovens e das Pastorais da Terra e da Juventude,
permitindo que uma geração de jovens rurais iniciasse sua militância
política através do envolvimento com as atividades religiosas
61
.
Para Della Flora (2007, p. 83), a aposta da igreja nos jovens
significava, no plano simbólico, “rejuvenescer a si própria construindo
[...] uma identidade juvenil através do recrutamento e socialização de
indivíduos jovens, obtendo assim a qualidade de ter jovens dentro de
uma igreja jovem”. Significava também que estes contribuiriam na
concretização efetiva de suas novas diretrizes, a medida que
assimilavam com maior facilidade as orientações e realizavam trabalhos
na e para a comunidade”. Ao mesmo tempo em que divulgavam as
diretrizes religiosas, os preparavam para a socialização no mundo adulto
(Ibidem, p. 94, grifos da autora). A proposta de valorização do segmento
jovem visava à preparação de uma militante “consciente no embate na
sociedade capitalista”, e “a inserção nos diferentes espaços de atuação
juvenil [a escola, a comunidade, o meio rural], no sentido de uma
iniciação à prática militante, exigia uma mudança de mentalidade dos
jovens rurais que, implicitamente, trazia a idéia de renovação da igreja e
da sociedade” (Ibidem, p. 98). Logo “a juventude rural viabiliza a
divulgação do grande projeto da Teologia da Libertação e em troca
receberia o passaporte para a vida pública” (Ibidem, p. 90).
O estudo desta autora sobre a juventude e o processo de formação
dessa geração no projeto da Teologia da Libertação, indica que a
proposta da igreja de vincular religião e política num único espaço
permitiu a “formação de uma identidade coletiva e de pertencimento a
um grupo”, mas também gerou conflitos no interior da instituição. Os
jovens se deparam com os limites relativos à estrutura organizativa
hierárquica da igreja, representada e composta por adultos e, com “a
experiência adquirida com a militância nas Pastorais da Juventude, os
atores percebem que esta se torna pequena para seus anseios mais
amplos” (Ibidem, p. 147). A base territorial fundada na comunidade não
permitia “ampliar e aprofundar as discussões, os valores, o
61
Segundo os princípios da Teologia da Libertação, as pastorais eram subdividas em várias
áreas temáticas, que juntamente com os grupos de reflexão, constituíam-se em formas
específicas encontrada para se disseminar os conhecimentos teológicos e políticos visando
capacitar lideranças para a atuação nas CEBs (DELLA FLORA, 2007).
88
entendimento de mundo, o número e qualidade de pessoas e o seu
campo de atuação para além das fronteiras religiosas” (Ibidem, p. 114).
As pretensões e os esforços de transformação social serão assim
canalizados para outras instâncias institucionais também comprometidas
com a mudança social. Entre estas estão os partidos, especialmente o
Partido dos Trabalhadores.
Para Weber (1990), a pastoral representava um espaço de
articulação entre Igreja progressista e movimentos sociais, de
aprendizagem sócio-política e de criação e de preparação de lideranças
para atuarem nos movimentos sociais, sindicatos e partidos que iam
ganhando corpo. No oeste catarinense, o envolvimento dos jovens foi
fundamental para criação e direção das CEBs e para imprimir
dinamismo aos movimentos sociais que estavam ali surgindo. Os
debates e as reflexões feitas nos Grupos de Jovens e na Pastoral da
Juventude permitiram a ampliação e o desenvolvimento de “consciência
crítica sobre a realidade econômica, social e política. Tem, no dizer de
Gramsci, de desenvolver uma nova concepção de mundo, capaz de
tornar-se hegemônica” (WEBER, 1990, p. 55). Deste modo, os
encontros e a participação na Pastoral da Juventude foram fundamentais
para uma análise crítica e consciente da sociedade em que se vivia e de
seus valores, fornecendo “a esses jovens um novo referencial de
reflexão, a partir da ótica da injustiça, da opressão, da pobreza, que torna
o jovem indignado com o que se passa” (Ibidem, p. 56).
Todavia, os limites colocados à juventude dentro da instituição
não eram somente os relativos ao conservadorismo e ao autoritarismo de
uma ala do clero, mas, sobretudo o limite imposto pela falta de clareza
ou de existência de um projeto político que contemplasse
adequadamente qual é o ponto de chegada da ação. Ou seja, faltava um
consenso mínimo, dentro da própria hierarquia da Igreja, a respeito da
nova sociedade que se desejava. Em verdade, segundo Weber, entre os
militantes da Pastoral da Juventude havia somente o consenso de que se
deveria alcançar esta nova sociedade mais justa e igualitária, mas não
existia concordância quanto ao conteúdo deste projeto de sociedade.
“Esse projeto, a nova sociedade, não é claro, está muito distante, parece
inatingível, mas a garante que ele é viável (Ibidem, p. 70). Tais
considerações o levam a comentar que talvez a importância da Pastoral
da Juventude não resida no projeto político que possui, mas sim na
reflexão crítica da sociedade em que se vive, fomentando, entre os
jovens participantes, a consciência que se deve lutar e se mobilizar para
modificar e melhorar as condições de vida em seu cotidiano.
89
Se a Pastoral da Juventude não é capaz de conduzir a vanguarda
do processo de transformação pela carência de lucidez sobre um projeto
político que explicite os caminhos da ação e que dê conta das aspirações
destes jovens conscientes, a opção pela militância nos sindicatos, e
posteriormente nos partidos, inseriu-se exatamente no vácuo deixado
pela Igreja.
A militância na Pastoral da Juventude se resume a uma ajuda na
„questão intelectual‟. [...] Ela não possui um projeto político
claramente definido, mais muito difuso e distante. E é esta uma
das razões porque a Pastoral da Juventude é muito mais um
estágio transitório, de formação de quadros para um projeto
muito mais abrangente [...]. É um estágio onde se descobre e se
pensa o projeto. Onde se toma consciência de sua necessidade e
de sua possibilidade. Mas onde se percebe também que ele terá
mais possibilidade de ser atingido militando em outras instâncias.
O projeto não é da Pastoral da Juventude. É do conjunto dos
movimentos sociais e pastorais ao nível do desejo, e que nesse
sentido, incita para a ação. Este, no entanto, de modo mais
concreto e palpável vai se dar fora da Pastoral da Juventude, em
outros organismos da sociedade mas, em grande parte liderada e
dirigida por elementos iniciados na Pastoral da Juventude. [...] A
Pastoral da Juventude reproduz a utopia ao nível de criação de
uma vontade política de mudança [...]. Ela ajuda a produzir e
reproduzir um projeto que vai tomar formas de ação em outros
espaços sociais, em outros movimentos, em outros intermediários
entre a sociedade e o Estado (Ibidem, p. 83-86).
A percepção destes entraves parece elemento central para a
inserção nos sindicatos e partidos políticos. E naquele momento, o
partido que era capaz de representar a pretensão de igualdade e de
transformação social era o Partido dos Trabalhadores
62
.
Nos trabalhos de Della Flora (2007) e de Weber (1990) ficam
manifestos que o primeiro contato destes jovens com questões sociais,
62
A pesquisa de Weber mostra que a Igreja, por não possuir um projeto político fundamentado
em uma proposta fechada e acabada de sociedade, permitiu que a Pastoral da Juventude
aglutinasse tendências políticas distintas e até opostas. Esta informação se confirma pelo
quadro de candidatos a vereadores nas eleições de 1988 que foram vinculados a pastoral em
sete dioceses do estado (Tubarão, Joinville, Rio do Sul, Lages, Caçador, Joaçaba e Chapecó).
No total, foram 89 candidatos, divididos entre o PDS, PDC, PMDB, PT e PFL. É interessante
notar, no entanto, que da Diocese de Chapecó, a qual Concórdia é integrante, dos 28
candidatos, todos eram filiados ao PT, sendo que 8 foram eleitos. Embora nas entrevistas
colhidas pelo pesquisador fique claro que a Igreja não assumia a proposta de nenhum partido, é
evidente a existência de identificação entre a posição do PT e da pastoral.
90
políticas e públicas se deu através da igreja, e de que os elementos que
orientaram os trânsitos e as trajetórias individuais a migração da zona
rural para a zona urbana, a Teologia da Libertação, o processo de
consolidação e vinculação ao PT e a chegada a cargos públicos
permitiram a eles a inserção na política como profissão.
Essa trajetória de lideranças dos movimentos sociais para os
sindicatos e partidos políticos e, posteriormente, para cargos no
executivo municipal é comum a vários municípios da região do oeste de
Santa Catarina e a identificação de que o mesmo fluxo ocorreu em
Concórdia chamou a atenção e tornou-se elemento decisivo para a
escolha deste como campo para a pesquisa. Além disso, o município e a
própria região oeste de Santa Catarina possui um histórico de tradição
associativa que data do momento da entrada da Teologia da Libertação
no campo e que gera espaços e oportunidades políticas para a
participação dos grupos sociais.
Atualmente, Concórdia apresenta um universo de associações
civis plurais que inclui diversas modalidades de campos de ação, como
mostra o Quadro 2, na página seguinte.
91
QUADRO 2 QUADRO ASSOCIATIVO DO MUNICÍPIO DE CONCÓRDIA
63
Campo de
Atuação
64
Tipo de Associação
N
Total
N
%
Campo
Comunitário
Associações Comunitárias (zona
urbana)
33
283
78,0
Associações Comunitárias (zona rural)
80
Clube de Mães (zona urbana)
39
Clube dos Idosos (zona urbana)
28
Clube de Mães (zona rural)
68
Clube dos Idosos (zona rural)
35
Campo Religioso e
Assistencial
Associações de Mútua-ajuda e
Filantropia
4
8
2,1
Associações Religiosas
4
Campo Social
Associações de Saúde Comunitária
7
16
4,3
Associações Ligadas a Atividades
Educativas
9
Campo do
Trabalho
Sindicato de Trabalhadores
21
41
11,2
Sindicatos Patronais
5
Associações Profissionais
9
Cooperativas
6
Campo Recreativo
e Desportivo
Associações recreativas e desportivas
12
12
3,2
ONG
Associação Beneficente Ágape de
Concórdia (ABAC)
Centro de Integração Empresa Escola
(CIEE)
Voluntários da Solidariedade
Associação de Cidadania Frey Lency
4
4
1,0
Federação
União Municipal das Associações de
Moradores de Concórdia (UMAMC)
1
1
0,2
TOTAL
365
365
100,0
Fonte: Compilação da autora.
63
Como será descrito a frente no item 2.2, p. 94, o mapeamento do associativismo civil de
Concórdia foi feito a partir de listagens cedidas pelo quadro técnico da prefeitura e por algumas
entidades da sociedade civil. Este quadro apresenta limites analíticos, principalmente por ele
ter sido elaborado a partir de indicação de nomes e de listagens e não a partir de uma pesquisa
exaustiva de todas as associações do município. Assim, certamente, outras entidades que
não foram contabilizadas.
64
Campo faz alusão ao quadro conceitual de Pierre Bourdieu, entendido em termos de campo
de poder, ou seja, relações de forças entre as posições sociais que garantem aos seus ocupantes
um quantum suficiente de força social, ou de capital, de modo que eles tenham a
possibilidade de entrar nas lutas pela disputa do poder. Portanto, o limite de um campo é o
limite dos seus efeitos e um agente ou uma instituição faz parte de um campo na medida em
que nele sofre efeitos ou que nele os produz. Ver discussão em Bourdieu 1998, capítulo 1, e
2007.
92
A influência da Teologia da Libertação, com seu trabalho de base
voltado à comunidade, fica evidente na clara predominância das
associações com perfil de atuação voltado para o campo comunitário. A
vinculação da igreja às organizações do campo do trabalho,
especialmente aos sindicatos, reafirma a importância destes no processo
de constituição do associativismo civil, como descrito anteriormente. A
rede de relações constituída a partir da atuação da Igreja Católica na
comunidade e as experiências coletivas de ação social parecem ter
determinado os tipos de associações e de participação desenvolvidas no
município.
Além das diversas formas e ambientes próprios ao associativismo
civil, o município possui diversos espaços de participação social e de
deliberação pública, como o Orçamento Participativo, as comissões e os
conselhos municipais. Existe em Concórdia, atualmente, cerca de sete
comissões relacionadas a temáticas diversas e específicas, estruturadas
como órgãos colegiados de apoio ao prefeito, e mais de 30 conselhos
65
subdivididos entre conselhos de políticas públicas criados por
determinação constitucional, conselhos de programa implementados
para dar suporte a programas específicos desenvolvidos pela
administração pública municipal, conselhos temáticos, e conselhos de
unidades e de autarquia criados para conduzir e regulamentar órgãos
colegiados de infra-estruturas públicas
66
.
Estes espaços, além de exigir e permitir a interface e o diálogo
entre sociedade civil e Estado, tamm ampliam e complexificam o rol
de atuação e de relações do associativismo, colocando tensionamentos à
sua autonomia.
Como exposto no capítulo anterior, nas décadas de 1970 e
1980 o discurso dos movimentos estava fundado na premissa da não-
relação entre estes e o Estado. No entanto, em um cenário marcado pelas
mudanças advindas tanto do processo de democratização, quanto das
formas de atuação da sociedade civil, a questão da autonomia deve ser
(re)colocada. Principalmente pelo fato de que, também em Concórdia,
grande parte destes atores da sociedade civil não apenas tenham
contribuído para a constituição de novas instituições participativas, a
exemplo de conselhos gestores e do Orçamento Participativo, como
fundamentalmente por estarem inseridos no interior destes espaços,
além de vários fazerem parte do executivo a partir da vitória do PT na
administração municipal a partir de 2001. Assim, neste município,
65
Informações disponibilizadas no site da Prefeitura Municipal de Concórdia.
66
Tal tipologia foi importada de Houtzager et al., op. cit.
93
também se verifica o trânsito de antigos aliados do campo
movimentalista à cargos no executivo, colocando para os movimentos
sociais os desafios da inserção como partido, como sindicato e como
governo Feltran (apud TEIXEIRA; TATAGIBA, 2006a).
Desta forma, independente de serem atores mais ou menos
vinculados ao partido do governo, o fato é que as organizações da
sociedade civil estão ocupando espaços de representação política nas
instituições participativas, a exemplo dos conselhos gestores
(LÜCHMANN; BORBA, 2008). Sob este cenário perguntamos: o que
significa falar em autonomia da sociedade civil numa realidade de
abertura e interlocução? Quais os tensionamentos e dilemas presentes
nesta relação? Quais as influências recíprocas entre estas duas esferas?
Autonomia em relação a que e a quem? Qual o sentido de autonomia
neste contexto? Para responder a estas perguntas, o procedimento
metodológico adotado conjugou diversos instrumentos de coleta de
dados, que serão apresentados a seguir.
2.2 Metodologia 1
A primeira parte da coleta de dados foi realizada em abril e maio
de 2008 nos Conselhos Municipais de Assistência Social (CMAS), dos
Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA) e Saúde (CMS) do
município de Concórdia e foram utilizados dois diferentes instrumentos
de coleta de dados: a análise documental e a aplicação de questionários.
2.2.1 Levantamento, análise e sistematização de documentos
I) Regulamentos, regimento interno, ata de reuniões, leis,
decretos e portarias pertinentes a esses órgãos colegiados no que tange a
sua criação/implementação, regulamentação e modificações. Com esta
documentação foi feito: a) histórico de criação dos conselhos; b)
descrição de suas atribuições; c) descrições de sua composição,
identificando quantos são e quais são os representantes governamentais
e da sociedade civil.
Foram colhidos, no total, mais de 50 documentos, sendo em
média 15 do CMAS, 15 do CMDCA e mais de 25 no CMS.
94
Estas informações compõem a análise do desenho institucional
dos conselhos.
II) Listagens das associações comunitárias, de amigos, de
moradores, centros comunitários, comissões, comitês, cooperativas,
sindicatos, clube de mães, ONGs a partir das quais foi feito o
mapeamento do associativismo existente no município.
Foram analisadas 15 listagens com informações cadastrais
diferentes e incompatíveis das entidades associativas de
Concórdia. As relações dos Clubes de Mães e dos Clubes de
Idosos da zona urbana e rural foram disponibilizadas pela
Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social, Cidadania e
Habitação (SEDES), relação esta que foi atualizada em
fevereiro de 2008. A listagem das associações comunitárias da
zona urbana foi cedida pela UMAMC (União Municipal das
Associações de Moradores de Concórdia) e, da zona rural, pela
Secretaria Municipal de Agricultura e Desenvolvimento Rural
(SEMADRA). O CMAS e o CMDCA forneceram o cadastro
das entidades que desenvolvem atendimentos na área de
atuação destes conselhos. O Coletivo Sindical forneceu as
informações relativas aos sindicatos dos trabalhadores e
patronais. A Assessoria de Planejamento (ASPLAN) informou
sobre as ONGs e cooperativas. Através do Decreto de
Nomeação dos três conselhos foram levantadas as demais
representações do campo associativo. Em decorrência dos
limites de tempo para a realização da pesquisa e da escassez de
fontes, não foi possível elaborar um quadro histórico-temporal
do desenvolvimento do associativismo no município.
2.2.2 Pesquisa de campo
I) Aplicação de questionário com os conselheiros representantes
das entidades da sociedade civil e dos atores governamentais com o
objetivo de se obter dados sobre: a) perfil sócio-econômico e político
dos conselheiros; b) o desenho institucional das entidades civis; c)
formato e funcionamento dos conselhos.
95
Foram aplicados 51 questionários com conselheiros da atual
gestão, em abril de 2008, sendo 21 no CMAS (41,2%), 14 no
CMDCA (27,4%) e 16 no CMS (31,4%). Os suplentes só
responderam o questionário quando houve indicação de que
estes eram atuantes e que freqüentavam regularmente as
reuniões. A Tabela 2, apresenta a distribuição de freqüência por
segmento representativo. A sistematização e as tabelas
processadas foram feitas com a utilização do software SPSS
12.0. Os gráficos foram produzidos no programa Microsoft
Excel 2007
67
. No Apêndice A, p. 194, pode ser encontrado o
questionário da pesquisa.
TABELA 2 SEGMENTO REPRESENTATIVO NO CONSELHO
Governamental
Não
governamental
Prestador
de serviço
Usuário
ONG
N
%
N
%
N
%
N
%
N
%
CMAS
11
57,9
10
58,8
0
0,0
0
0,0
0
0,0
CMDCA
5
26,3
7
41,2
0
0,0
0
0,0
2
100,0
CMS
3
15,8
0
0,0
3
100,0
10
100,0
0
0,0
TOTAL
19
100,0
17
100,0
3
100,0
10
100,0
2
100,0
Fonte: Pesquisa realizada pela autora.
Considerando que nas tabelas e nos gráficos a variável a ser
explicada é o conselho, optei por seguir a convenção estatística
apresentando a variável dependente na linha e a variável
independente na coluna das tabelas. De acordo Baquero e P
(2006, p. 65) “a variável dependente é a variável reposta ou a
conseqüência. É o aspecto de comportamento a ser observado
de um fenômeno que foi estimulado”, ou seja, “a variável
dependente é o fator que é observado e medido para medir o
efeito da variável independente”. Desta forma, os percentuais
foram produzidos no SPSS a partir do cruzamento de
freqüência apresentados nas colunas, ou seja, as percentagens
foram geradas de forma a permitir a análise comparativa entre
os conselhos. Se fosse feito o contrário, as percentagens
produzidas a partir da freqüência das linhas produziriam dados
67
Para as tabelas e gráficos constantes neste capítulo contei com a gentil colaboração de Felipe
Mattos, a quem agradeço os esclarecimentos estatísticos e metodológicos e o empenho na
elaboração dos índices.
96
que permitiriam somente uma análise no interior de cada um
dos conselhos. Em alguns casos, este dado é relevante e no
texto estas informações foram nomeadas como porcentagens
intra-conselhos. Nos demais casos, a explanação é pautada por
uma análise entre conselhos.
As seções seguintes tratam das informações extraídas destes
diferentes procedimentos, fazendo as devidas referências nos momentos
pertinentes.
2.3. O Perfil dos Conselhos Gestores de Concórdia
Esta seção encaminha uma análise comparativa entre os
conselhos gestores de Assistência Social, dos Direitos da Criança e do
Adolescente e da Saúde de Concórdia sob três pontos de vista que se
complementam e se relacionam, a saber: a) exame do arcabouço
institucional dos conselhos, entendido “enquanto conjunto de regras,
princípios e critérios que dão sustentação à dinâmica participativa”
(LÜCHMANN, 2002a, p. 16), e da promoção da atuação autônoma
destes espaços em conexão com o campo da sociedade civil; b) análise
do perfil sócio-econômico e político dos conselheiros da gestão de
2007-2009 a partir de dados coletados em 2008, evidenciando os
recursos individuais disponíveis a participação; c) apreciação do
desenho institucional de parte das organizações representativas da
sociedade civil com assento nos conselhos, apontando a natureza
organizacional e inter-organizacional (redes) de sua atuação no campo
do associativismo civil.
Embora assuma uma forma basicamente descritiva, o texto se
pretende qualificado pelo esforço de destacar as conexões explicativas
entre o conteúdo subtraído da análise de documentos legais e as
informações obtidas através dos questionários. Neste sentido, a intenção
é discorrer sobre os dados, aludindo para questões que interpelam a
questão da autonomia da sociedade civil no estudo dos conselhos
gestores de políticas públicas.
97
2.3.1 Os Conselhos Gestores: estrutura e funcionamento
Os Conselhos Municipais da Assistência Social, Criança e
Adolescente e Saúde de Concórdia foram criados no início da década de
1990 por força de Lei Municipal, passando por algumas modificações
nos anos 2000, como evidencia o Quadro 3
68
, abaixo.
QUADRO 3 LEI DE CRIAÇÃO E REGIMENTO INTERNO DOS
CONSELHOS
Lei de Criação
Alterações
Regimento Interno
CMAS
Lei 2.940, de 09
de setembro de
1996.
Lei 3.666, de 14
de setembro de
2005.
Decreto nº 3.965, de
05 de maio de 1998.
CMDCA
Lei Complementar
nº 49, de 25 de maio
de 1992.
Lei Complementar
194, de 20 de
junho de 2001
69
.
Decreto nº 4.327, de
13 de agosto de
2001.
CMS
Lei 674.139, de
20 de outubro de
1992.
Lei Complementar
279, de 04 de
junho de 2003.
Decreto nº 5.227, de
14 de agosto de
2007.
Fonte: Leis de Criação e Regimentos Internos (Dados organizados pela autora).
Não nenhum registro documental e oral dos conselheiros que
estavam nomeados no momento da pesquisa de que os conselhos em
Concórdia foram instituídos a partir de um processo de mobilização
social local, sendo sua implementação conformada pela obrigatoriedade
legal e regulamentação administrativa de repasse de recursos financeiros
da federação para a municipalidade. Portanto, a criação destes espaços
não ocorreu, a princípio, em função da participação social, e sim ao
cumprimento do processo de descentralização e municipalização das
competências de gestão das políticas setoriais, o que explicaria o fato
68
Não foi possível resgatar entre os conselheiros, ao menos em um primeiro momento, a
memória histórica de criação dos conselhos e o impacto desempenhado pelo associativismo
local na implementação destes.
69
Em 2001, o conselho propôs uma nova redação da lei que não saiu do gabinete do prefeito.
Entre as mudanças propostas e não aprovadas estavam: a) conhecer a realidade do município e
elaborar o plano de ação; b) gerir o Fundo Municipal da Infância e Adolescência FIA; c)
incluir a Assessoria de Planejamento entre os membros titulares governamentais; d)
regulamentar, organizar e coordenar o processo de escolha dos conselheiros tutelares; e) que a
escolha dos conselheiros o-governamentais fosse feita em fórum próprio, convocado
bienalmente através de edital expedido pelo CMDCA; e (talvez a modificação mais
importante), f) que o gestor do FIA fosse indicado pelo CMDCA.
98
dos conselhos, em Concórdia, terem sidos criados “no período
imediatamente posterior a normatização legal ou administrativa que
vincula a constituição do conselho à execução de novas funções e
transferência de recursos financeiros” (CÔRTES, 2007, p. 14).
Após a vigência da lei, coube aos representantes da primeira
composição do conselho elaborar o regimento interno num prazo de 30
dias, e que deveria posteriormente ser homologado pelo Prefeito
Municipal. Contudo, os regimentos foram elaborados alguns anos mais
tarde, notadamente no caso da saúde, que teve seu regimento elaborado
e aprovado somente quinze anos depois da implementação do
conselho
70
. Se as informações sobre as alterações nas leis de criação
parecem expressar certo dinamismo que estes espaços comportam, os
dados sobre os regimentos internos, por outro lado, demonstram que a
atuação destes foi regulamentada tardiamente.
a) Natureza e atribuição
Os conselhos gestores de políticas públicas, como parte da
estratégia de descentralização da administração pública, têm o papel de
definir, estabelecer, bem como responder pelo acompanhamento da
execução da política social sob a jurisdição da área de atuação do
conselho. Logo, podem possuir natureza deliberativa, consultiva,
normativa ou fiscalizatória ou ainda ter suas atribuições definidas na
interface destas funções (TATAGIBA, 2004).
Os Conselhos de Assistência Social, Criança e Adolescente e
Saúde de Concórdia têm caráter deliberativo, expressos na competência
de definir as prioridades da política municipal de atendimento, e
fiscalizador, referente ao monitoramento, avaliação e controle dos
serviços municipais e privados prestados a população. A execução do
Fundo Municipal é de responsabilidade do Poder Executivo Municipal,
que deve aplicar os recursos segundo as deliberações do conselho. A Lei
de Criação do CMS e o regimento interno do CMAS expressam com
clareza que estes devem propor e definir critérios tanto para a execução
financeira do fundo, quanto para a celebração de contratos e convênios
entre setor público e privado para a prestação de serviços. Embora a lei
reserve o direito de indicar critérios e normas para o planejamento local
da política e execuções financeiras, tem competido, de fato, a estes
70
Até então, o regimento ainda não havia sido elaborado porque os conselheiros entendiam que
a lei era auto-explicativa.
99
órgãos colegiados, fiscalizar a administração dos recursos, através da
prestação de contas nas reuniões ordinárias e aprovar a política
municipal de ação da área correlata. Acrescenta-se, que muito embora a
prática fiscalizatória seja relevante para o controle social sob o Estado,
na prática pode carecer de efetivação por não dispor de mecanismos
legais e jurídicos de controle que assegurem aos conselhos a execução
de sansões (SCHEVISBISKI; SALES; FUNK, 2004). Na ausência de
instrumentos legais que impeçam a transgressão estatal, o exercício de
controle deve ser concretizado por outros caminhos, talvez aqueles que
passem pela capacidade de articulação, mobilização e pressão da
sociedade civil autonomamente organizada.
Cabe ainda ao CMAS e ao CMDCA registrar, fiscalizar e manter
cadastro atualizado dos programas, ações, pesquisas e entidades
governamentais e não-governamentais que prestam serviços referentes
aos objetivos e competência do conselho. Ao CMDCA é incumbida a
supervisão do processo eleitoral e das funções e atividades do Conselho
Tutelar, órgão permanente, autônomo e não jurisdicional responsável
pela execução dos direitos da criança e do adolescente.
Além das atribuições de controle e deliberação, os conselhos em
análise possuem um papel articulador (TATAGIBA, op. cit.)
evidenciado pelo forte estímulo dado a função de comunicação e
intercâmbio com Conselhos Municipais congêneres, estaduais e
nacionais, e com outras instâncias (privadas e públicas) que tenham
atuação na mesma área da política setorial conselhista. A única exceção
aqui é o CMAS que não faz qualquer menção a esta função. Destaca-se
também que os conselhos possuem pertinência relacionada ao apoio e
promoção de eventos, estudos e pesquisa sobre assuntos e temas
relacionados à sua circunscrição. Tal tarefa daria ao conselho, além das
pertinências mencionadas, uma atribuição instrutiva de fomentar e
atualizar o conhecimento. Ressalva se faz novamente à assistência social
que não referencia nada a respeito.
b) Composição
Os conselhos em análise são compostos por representantes
governamentais e não governamentais distribuídos de forma paritária,
sendo a exceção o CMS que possui super-representação societária,
seguindo a regras da Legislação Federal. Durante o período analisado, o
CMAS e o CMS contavam com 32 membros e o CMDCA com 24,
100
sendo metade destes titulares e os demais suplentes para ambos os
conselhos
71
.
No conjunto de representantes governamentais verificou-se que,
nos três conselhos, representação de titulares ou suplentes membros
das Secretarias de Saúde (SEMUS), de Desenvolvimento Social,
Cidadania e Habitação (SEDES), de Educação (SEMED), de
Agricultura, Desenvolvimento Rural e Meio Ambiente (SEMADRA) e
da Fundação Municipal de Esportes. A Fundação Municipal de Cultura
possui acento tanto no CMAS quanto no CMDCA. a Assessoria de
Planejamento (ASPLAN) e a Secretaria Municipal de Administração
(SEMAD) possuem representação somente no CMAS. Respeitando o
princípio de separação entre os poderes, não houve observância de
representação formal dos Poderes Legislativo e Judiciário e de nenhuma
instituição estadual ou federal. A presença de representantes das mesmas
secretarias nos diferentes conselhos pode ser vista como um dado
positivo à medida que a sua atuação ofereça rebatimentos no
acompanhamento dos trabalhos dos conselhos e na capacidade de
articulação política presente no interior da administração municipal
(TATAGIBA, op. cit.). Entretanto, “há de se investigar a natureza
desses encontros, e de interrogar até que ponto, e em que medida, eles
têm favorecido a construção de agendas comuns de trabalhos entre as
diversas secretarias” (Ibidem, p. 352).
Entre os representantes não-governamentais, verificou-se haver
uma presença constante, nos três conselhos, da União Municipal das
Associações de Moradores de Concórdia (UMAMC) e da Beneficência
Camiliana do Sul Hospital São Francisco (HSF). Das associações que
compõem a representação do campo religioso e assistencial, a
Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE), a Associação
dos Aposentados, Pensionistas e Idosos de Concórdia (ASAPREV), a
Sociedade Concordiense de Auxílio Fraterno (SCAF) e a Associação de
71
O CMS, até junho de 2003, não respeitava as exigências definidas pelas Leis Federais
8.080/90 e 8.142/90, a respeito da composição paritária e de distribuição da
representatividade em que o mero de representantes dos usuários fosse igual ao número de
representantes do governo, dos prestadores de serviço e profissionais de saúde. A Lei
Complementar 56/92 que instituiu este conselho definia a representatividade da seguinte
forma: 4 representantes do governo, 5 dos profissionais da saúde e 7 dos usuários, ficando
assim a composição desproporcional (9 x 7). A solicitação de alteração da lei foi definida
através de deliberação plenária da IV Conferência Municipal de Saúde ocorrida em novembro
de 2002, onde os participantes não demandaram enquadramento aos dispositivos das Leis
Federais quanto à paridade, como também deliberaram que as entidades fossem nomeadas
mediante eleição efetuada através da Conferência e não mais através de indicação das
entidades indicadas na própria lei como ocorria até então.
101
Cidadania Frei Lency têm acento em dois conselhos. A pastoral tem
duas representações no CMDCA (Pastoral da Criança e Familiar), sem,
no entanto, ter cadeira no Conselho Municipal de Saúde. Na categoria
campo do trabalho, os sindicatos e coletivos sindicais são as entidades
que têm presença em todos os conselhos. Além destes, a Associação de
Profissionais de Serviço Social do Alto Uruguai Catarinense
(APROSSAUC) e a Associação dos Comerciantes e Industriários de
Concórdia (ACIC) também tem presença em dois conselhos. A Tabela
3, abaixo, apresenta a distribuição da freqüência dos campos de atuação
das entidades representativas nomeadas para a gestão que se iniciou em
2007 e que permanecerá até o fim do primeiro semestre de 2009.
TABELA 3 COMPOSIÇÃO DO CONSELHO, POR SEGMENTO
Campo
Adminis.
Pública
Campo
Comunit.
Campo do Trabalho
Campo
Relig. e
Assist.
Campo
Social
ONG
Total
Sind.
Profiss.
N
%
N
%
N
%
N
%
N
%
N
%
N
%
N
%
CMAS
16
44,5
1
33,3
4
36,4
5
29,4
4
50,0
1
11,1
1
25,0
32
36,3
CMDCA
12
33,3
1
33,3
1
9,1
3
17,6
3
37,5
1
11,1
3
75,0
24
27,4
CMS
8
22,2
1
33,3
6
54,5
9
53,0
1
12,5
7
77,8
0
0,0
32
36,3
TOTAL
36
100
3
100
11
100
17
100
8
100
9
100
4
100
88
100
Fonte: Documentos dos conselhos (Dados organizados pela autora).
Verifica-se uma correspondência entre os segmentos que
compõem os conselhos e aqueles identificados no quadro do
associativismo civil do município. O campo comunitário, em todos os
conselhos, é representado pela entidade articuladora deste segmento. No
caso do campo do trabalho, constata-se a presença tanto dos
trabalhadores e das cooperativas, aglutinadas na Tabela 3, acima, sob a
marca “Sindicato” e dos profissionais e patronais na rubrica
“Profissional”. O campo religioso e assistencial e o campo social
também possuem as suas representações. Somente as ONGs não
possuem representação no CMS. É evidente que a representação
conselhista não abrange, em peso e proporção, os segmentos mapeados,
sendo as diferenças associadas a própria área de atuação do conselho. O
importante é frisar que todos os campos de atuação em disputa no
interior da sociedade civil se fizeram, de alguma forma, representar
nestes espaços institucionais de participação.
A forma de escolha dos representantes prevista em legislação,
enquanto elemento do desenho institucional, pode nos dar indícios dos
impactos da institucionalidade política sob a autonomia organizacional
102
da sociedade civil. Os registros legais rezam que somente os
representantes governamentais e seus respectivos suplentes serão
nomeados mediante indicação do prefeito municipal. Os representantes
da sociedade civil serão eleitos quando da realização da Conferência
Municipal, tanto no CMAS quanto no CMS. A legislação do CMDCA
prevê que as entidades sejam eleitas em fóruns próprios por meio da
publicação de edital público de inscrição e eleição. Tal conjunto de
respostas amparadas nos documentos processuais aponta, a princípio,
que não ingerência do executivo em relação ao conselho no que diz
respeito à escolha das entidades.
Através do questionário, buscou-se saber como os representantes
da sociedade civil foram autorizados à representação por suas entidades
e quanto tempo exercem representação nos conselhos. As repostas
fornecidas pelos questionários informam que 87,0% dos representantes
foram indicados por membros da entidade que representam e somente
em 6,0% dos casos houve eleição para escolha da representação no
conselho. As demais repostas encontram-se dispersas.
O tempo de participação dos conselheiros e das organizações nos
conselhos é variado. No setor governamental, é expressiva a informação
de que 68,4% dos conselheiros participam de duas a quatro gestões nos
conselhos da Assistência Social e da Criança e do Adolescente e que
66,7% participam somente a seis meses do CMS. Dentre os conselheiros
da sociedade civil, nota-se uma polarização do tempo de participação no
CMAS: 50,0% participam por até um ano e 50,0% participam a mais de
quatro anos, indicando que metade dos representantes sofreu variações e
que a outra metade dos conselheiros permaneceu e permanece por longo
tempo no conselho. Mas, esta alteração não implica em uma renovação
da representação das entidades da sociedade civil. No CMDCA, 50,0%
dos conselheiros representam suas associações por duas gestões e 12,5%
a mais de cinco gestões. Por sua vez, os dados do CMS indicam que
neste conselho também permanência de algumas pessoas e
organizações por período significativo, que 50,0% delas participam a
pelo menos quatro anos.
As informações sobre o tempo de participação apontam a
prevalência de algumas organizações sobre outras, indicando que um
conjunto de entidades se mantém e se perpetua na representação dos
conselhos. A literatura vem apontando, e os dados aqui confirmam,
que um dos possíveis impactos da participação institucional é a
formação de uma elite especializada do associativismo civil na atuação
dos conselhos (LÜCHMANN, 2002a; TATAGIBA, op. cit.). A pouca
103
ou nenhuma rotatividade verificada no interior dos conselhos é ainda
corroborada com os significativos percentuais daqueles conselheiros que
informaram que participam atualmente ou que participaram em tempos
passados de algum conselho
72
.
Constata-se, assim, o envolvimento dos mesmos indivíduos e das
mesmas associações em diferentes espaços de participação conselhista.
Da participação das entidades e dos conselheiros emerge a discussão do
acúmulo de mandatos e da escassez de recursos para a participação
institucional. Por outro lado, a escolha ou a indicação de representantes
demonstram que a participação nos conselhos é uma atividade vista
como importante e valorizada, em que se fazem investimentos com
custos e retornos que precisam ser avaliados. A inserção das lideranças
em diferentes espaços e em funções efetivas levanta a hipótese de que
estas podem estar sendo absorvidas pela participação institucional, o que
explicaria, em partes, as mudanças na constituição e atuação dos
movimentos sociais (LÜCHMANN, op. cit.).
GRÁFICO 1 MOTIVOS PARA A PARTICIPAÇÃO NO
CONSELHO, POR SEGMENTO
Fonte: Pesquisa realizada pela autora.
72
Dos que disseram participar atualmente de outros conselhos, o CMAS destaca-se com 56,3%
de respostas positivas, contra 31,3% no CMDCA e 12,5% no CMS. a participação em
momento anterior é mais expressiva no CMS com 40,7% das repostas, seguido do CMAS com
33,3% e do CMDCA com 25,9%.
0
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
CMAS
CMDCA
CMS
CMAS
CMDCA
CMS
Governo
Sociedade Civil
Iniciativa própria
Benefícios p/ a entidade
Falta de disponibilidade
de outro conselheiro
Melhorar a política
pública
Conhecer as pessoas
Exercer a cidadania
Preencher o tempo
104
Os motivos que animam a participação no conselho são os mais
variados, desde os mais amplos, como participar para melhorar a política
pública correspondente a área de atuação do conselho e exercer a
cidadania, à participação motivada pela ausência de outra pessoa para
ser conselheiro.
Numa escala de números absolutos, o Conselho de Saúde é
aquele que encerra, por parte da sociedade civil, ao mesmo tempo as
respostas mais específicas, como angariar benefícios para a entidade que
representa, e as mais públicas, que remetem a motivações generalizáveis
para um espectro extenso da sociedade. No Conselho da Assistência
Social e no da Criança e do Adolescente verificam-se também
preocupações que tangenciam o avanço da política pública debatida no
conselho e o exercício dos direitos de cidadania.
Diferentemente do que se poderia imaginar, os conselheiros
governamentais não parecem participar por terem sido compelidos pela
administração municipal a exercerem tal função. Ao contrário, as
respostas indicam um comprometimento deste segmento com a
efetivação das políticas sociais, especialmente no CMAS, onde os
representantes parecem partilhar de uma visão mais apurada da sua
atuação. Os dados sugerem, portanto, que tanto o governo quanto a
sociedade civil parecem partilhar de um tipo de participação
sincronizada e comprometida com o campo das políticas públicas.
c) Estrutura e dinâmica de funcionamento
As informações contidas nos regimentos internos dizem algo a
respeito do nível de institucionalidade e de complexidade na atuação:
são conselhos que contam, na sua estrutura, cargos (presidente, vice-
presidente e e secretário) e órgãos (plenário, diretoria, comissões e
secretaria executiva). A deliberação máxima deve vir do plenário e a
constituição de comissões pode ser provisória ou permanente e contar
com a colaboração e assessoria de pessoas de reconhecida competência
no tema em questão. Os membros da diretoria devem ser eleitos entre e
pelos conselheiros em reunião plenária. A exceção é o CMS que
determina apenas a existência de um presidente, que por lei é o
Secretário Municipal de Saúde membro nato do conselho. O tempo de
mandato é de dois anos, podendo haver recondução em todos os casos.
O CMS, atendendo recomendação da Lei Federal 8.142/90, determina
105
que o mandato dos conselheiros não deva coincidir com o mandato dos
Governos Federal, Estadual e Municipal.
A pauta de discussão das reuniões no CMAS e no CMDCA deve
ser elaborada pelo secretário do conselho e, posteriormente, submetida à
diretoria e as reuniões devem ser presididas pelo presidente. O CMS não
faz nenhuma menção em relação à definição da pauta, nem tão pouco
quanto à estruturação das reuniões.
Quanto aos mecanismos que regulamentam as decisões do
conselho, a assistência social determina que as deliberações plenárias
sejam tomadas por maioria absoluta dos seus membros, cabendo ao
presidente tomar decisões ad referendum do conselho. No conselho da
criança e adolescente, a deliberação se dará por maioria absoluta
somente nos casos em que houver necessidade de votação. O CMS
determina que as decisões sejam adotadas mediante quorum mínimo de
metade mais um de seus integrantes, sendo que o presidente terá, além
do voto comum, o de qualidade, bem como a prerrogativa de deliberar
ad referendum no plenário.
No esforço de compreender o funcionamento desses espaços na
realidade concreta, os conselheiros foram questionados sobre um
conjunto de questões a respeito do funcionamento dos conselhos, como
demonstram o Gráfico 2, abaixo
73
.
GRÁFICO 2 FUNCIONAMENTO DO CONSELHO
Fonte: Pesquisa realizada pela autora.
73
Nas perguntas sobre o funcionamento dos conselhos foram dadas as seguintes opções de
repostas: sempre, as vezes e nunca. O Gráfico 2 traz somente as repostas mais otimistas
comparadas por conselho, ou seja, considerou somente as repostas “sempree foram excluídas
as demais opções dadas aos respondentes.
0
10
20
30
40
50
60
70
80
90
100
CMAS
CMDCA
CMS
O conselho contribui p/ a melhoria
dos serviços públicos?
O conselho tem poder de decisão na
área de sua competência?
Os representantes da SC
influenciam as decisões do
governo?
O gestor adota as decisões do
conselho?
Há conflitos entre os conselheiros?
106
Os dados nos informam que a grande parte dos conselheiros
partilha da percepção de que o funcionamento do conselho contribui
para a melhoria das ações e dos serviços públicos, muito embora
pareçam ser mais céticos quanto ao real poder de decisão que estes
espaços detêm para a definição da política pública. Os conselheiros
acreditam que os gestores adotam as decisões tomadas no conselho, mas
avaliam como pouco significativa a capacidade dos representantes da
sociedade civil de influenciarem as decisões. Constata-se que a
avaliação dos conselheiros da saúde é a menos otimista quanto à
capacidade e poder das associações no interior desses espaços.
Igualmente, é neste conselho que o reconhecimento do conflito é mais
expressivo, o que pode significar maior capacidade crítica e autônoma.
A presença do conflito é entendida aqui como um dado positivo, pois se
espera que nos processos de negociação e de decisão das políticas, as
tensões e divergências existam como parte de uma dinâmica de
interação entre diferentes princípios ético-políticos (DOIMO, 1995) que
se confrontam no encaminhamento das soluções políticas. A ausência de
reconhecimento do contraste e do contrário nos remete a certa
mistificação da personalidade social brasileira presente no imaginário
nacional.
se disse, numa expressão feliz, que a contribuição brasileira
para a civilização será a cordialidade daremos ao mundo o
„homem cordial‟. [...] Seria engano supor que estas virtudes
possam significar „boas maneiras‟, civilidade, são antes de tudo
expressões legítimas de um fundo emotivo extremamente rico e
trasbordante. [...] O desconhecimento de qualquer forma de
convívio que não seja ditada por uma ética de fundo emotivo
representa um aspecto da via brasileira [...] (HOLANDA, 2003,
p. 146-147).
A análise sociológica empreendida por Holanda (2003) das
interações na estrutura social e política do Brasil nos informa que a
“mentalidade cordial”, ao contrário do que seria a bondade, assenta-se
sob feições afetivas que limitam a percepção do conflito como expressão
legítima e via democrática por excelência.
Os conselheiros foram ainda indagados sobre a participação em
processos de capacitação para atuar no conselho, com o intuito de
verificar em que medida a participação institucional é acompanhada de
107
adequada formação técnica e política que possibilite a formulação de
propostas relacionadas às políticas públicas.
Verifica-se o predomínio de repostas negativas em todos os
conselhos. No CMAS, somente 23,0% responderam afirmativamente
quanto ao envolvimento como algum tipo de capacitação, e no CMDCA
as taxas de participação ficam em torno de 30,8%. O CMS apresentou o
maior número de conselheiros que informaram ter participado de
capacitações, sendo o percentual de 46,2%. E é entre os conselheiros da
saúde que se verifica o maior sentimento de competência para discutir
questões técnicas no conselho, diferente do CMAS, espaço em que não
se constata efetivamente a mesma confiabilidade. No CMDCA, a pouca
capacitação oferecida é compensada através da oferta de assessorias
técnicas aos conselheiros. A Tabela 4, abaixo, apresenta as
percentagens, por conselhos, e o Gráfico 3, página seguinte, mostra o
cruzamento de distintas informações a respeito do índice da intensidade
de capacitação por conselho cruzado com as respostas sobre a
autonomia para propor e discordar nas reuniões plenárias
74
.
TABELA 4 CAPACIDADE PARA DISCUTIR QUESTÕES TÉCNICAS
Você se sente preparado
para discutir questões
técnicas?
Os conselheiros recebem assessoria
técnica?
Sempre
Às
vezes
Nunca
Sempre
Às
vezes
Nunca
Não
respondeu
%
%
%
%
%
%
%
CMAS
40,0
33,3
53,3
14,3
28,6
60,0
66,7
CMDCA
13,3
47,6
13,3
85,7
28,6
5,0
33,3
CMS
46,7
19,0
33,3
0,0
42,9
35,0
0,0
TOTAL
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
Fonte: Pesquisa realizada pela autora.
O Gráfico 3, seguinte, informa que o sentimento de autonomia
para propor e discordar do conselho existe, mas este sentimento não é
acompanhado e ancorado em índices apropriados de capacitação e
informação que qualificam adequadamente as discussões no conselho.
Portanto, mesmo havendo algumas iniciativas de promoção e de
participação dos membros em capacitação, ela demonstra-se
74
O Gráfico 3 apresenta o cruzamento do índice de capacitação para os conselheiros obtidos
através da aglutinação das porcentagens referentes à Tabela 4. Posteriormente, estes dados
foram cruzados com as repostas a seguinte pergunta: você acha que você tem autonomia para
propor e discordar do conselho? As respostas a estas perguntas podem ser visualizadas mais à
frente, no Gráfico 7, p. 116.
108
insuficiente. Uma limitação que impacta negativamente não somente a
qualidade das políticas públicas discutidas no conselho, mas também a
participação igualitária e autônoma da sociedade civil.
GRÁFICO 3
CONSELHO X ÍNDICE DE CAPACITAÇÃO X AUTONOMIA
Fonte: Pesquisa realizada pela autora.
2.3.2 Perfil Sócio-Econômico e Político dos Conselheiros
Buscando analisar a relação entre perfil sócio-econômico e de
atividade política com a capacidade e competência para atuação no
conselho, um conjunto de dados acerca do perfil dos conselheiros foi
levantado através de aplicação de questionários (cf. metodologia
descrita no item 2.2.), sendo 66,7% destes titulares assim distribuídos
entre os três conselhos: 13 no CMAS (61,9%), 11 no CMDCA (78,6%)
e 10 no CMS (62,5%). Os suplentes foram entrevistados quando
houve indicação de que estes eram atuantes e que freqüentavam
regularmente as reuniões. A Tabela 5, página seguinte, demonstra a
freqüência e a porcentagem pelos diferentes campos de atuação.
0
2
4
6
8
CMAS
CMDCA
CMS
CMAS
CMDCA
CMS
CMAS
CMDCA
CMS
Sempre
Às vezes
Nunca
Autonomia
Alta Capacitação
Média Capacitação
Baixa Capacitação
109
TABELA 5 ENTIDADE REPRESENTATIVA DOS CONSELHEIROS DA
SOCIEDADE CIVIL, POR CAMPO DE ATUAÇÃO
Campo da
Administração
Pública
Campo
Comunitário
Campo do
Trabalho
Campo
Religioso e
Assistencial
Campo
Social
N
%
N
%
N
%
N
%
N
%
CMAS
11
57,9
0
0,0
4
40,0
5
45,4
1
10,0
CMDCA
5
26,3
1
100,0
1
10,0
4
36,4
3
30,0
CMS
3
15,8
0
0,0
5
50,0
2
18,2
6
60,0
TOTAL
19
100,0
1
100,0
10
100,0
11
100,0
10
100,0
Fonte: Pesquisa realizada pela autora.
A análise das informações extraídas permite observar que, entre
os conselheiros, configura-se um perfil predominantemente feminino
(58,8%), de pessoas casadas (66,7%) e com idade localizada entre 30 e
49 anos (68,8%). Verifica-se ainda uma predominância quase absoluta
de brancos (80,4%) e de pessoas que se revelaram católicas (80,4%). No
quesito escolaridade e renda verifica-se um perfil notadamente marcado
pelo alto nível de formação escolar, de rendimentos e de pessoas que se
inserem no mercado formal (74,5%), assinalando condições financeiras
favoráveis, acima da média do país. A Tabela 6, a seguir, aponta que a
soma dos que tem somente nível superior completo com aqueles que
possuem algum tipo de pós-graduação totaliza 80,5% dos conselheiros
entrevistados, sendo que 62,5% concluíram pelo menos uma pós-
graduação latu sensu. Houve ainda 4 conselheiros no CMAS que
concluíram mais de 2 pós-graduações, 1 conselheiro no CMDCA que
finalizou 2 especializações e 3 conselheiros no CMS que fizeram até 2
cursos de pós-graduação. Os dados referentes à renda indicam que a
maior concentração de rendimentos, entre os conselheiros, situa-se na
faixa entre 5 e 10 salários mínimos, com um total de 37,3%. Nota-se que
o somatório destes com os que afirmaram possuir renda acima de 10
salários mínimos perfaz um percentual de 51,0%.
TABELA 6 ESCOLARIDADE ENTRE OS CONSELHEIROS, POR CONSELHO
Até 1º
grau
Completo
Até 2º
grau
Completo
Até 3º grau
Completo
Pós-
Graduação
(latu sensu)
Pós-
Graduação
(strictu sensu)
Total
N
%
N
%
N
%
N
%
N
%
N
%
CMAS
1
50,0
1
12,5
7
53,8
11
42,3
1
50,0
21
41,2
CMDCA
0
0,0
5
75,0
4
30,8
5
19,2
0
0,0
14
27,4
CMS
1
50,0
2
25
2
15,4
10
38,5
1
50,0
16
31,4
TOTAL
2
100,0
8
100,0
13
100,0
26
100,0
2
100,0
51
100,0
Fonte: Pesquisa realizada pela autora.
110
TABELA 7 RENDA ENTRE OS CONSELHEIROS, POR CONSELHO
1 a 3 salários
mínimos
3 a 5
salários
mínimos
5 a 10
salários
mínimos
Mais de 10
salários
mínimos
Total
N
%
N
%
N
%
N
%
N
%
CMAS
5
45,4
5
35,7
9
47,4
2
28,6
21
41,2
CMDCA
3
27,3
7
50,0
3
15,8
1
14,3
14
27,4
CMS
3
27,3
2
14,3
7
36,8
4
57,1
16
31,4
TOTAL
11
100,0
14
100,0
19
100,0
7
100,0
51
100,0
Fonte: Pesquisa realizada pela autora.
O perfil sócio-econômico dos conselheiros de Concórdia não
difere muito do universo encontrado em outros conselhos, conformando
certo tipo de elite participativa formada por pessoas com alta
escolaridade e com rendimentos superiores a 5 salários mínimos,
apontando para uma média bem acima da verificada para amplos
espectros da população (LÜCHMANN; BORBA, 2008; FUKS;
PERISSINOTTO; RIBEIRO, 2003; TONELLA, 2004). Como
contraponto, pode-se comparar as informações referentes ao perfil dos
participantes de espaços como o Orçamento Participativo, que parece
concretizar com mais efetividade a participação dos segmentos sociais
mais empobrecidos e historicamente excluídos dos processos de decisão
política
75
.
Todavia, considerando o recorte pela variável gênero, percebe-se
uma super-representação das mulheres se consideramos o universo
analisado, sugerindo que, nestes espaços, a representação feminina
inverte os padrões e parâmetros dominantes verificados em outras
instâncias de representação formal, como no Poder Legislativo
(LÜCHMANN; BORBA, op. cit.). Contudo a prevalência feminina é
verificada no CMDCA (71,4%) e no CMAS (61,9%). No CMS, a
participação masculina se sobrepõe, estando as mulheres, neste
conselho, com 43,7% das representações. Estas informações corroboram
uma avaliação que aponta forte correlação entre setor temático e gênero,
na medida em que determinadas áreas de políticas públicas mobilizam
as mulheres para o exercício da participação e representação, em
detrimento de outras, que parecem ainda serem considerados como
campo de domínio e de competência masculina.
Considerando ainda que, para a literatura especializada, a
atividade partidária é a expressão clássica da participação política, os
75
Refiro-me aqui novamente a Lüchmann; Borba, 2008.
111
conselheiros foram indagados a respeito da filiação em partidos
políticos. No universo conselhista analisado os dados mostram que
45,1% são filiados, mas desagregando as porcentagens por conselho,
percebemos que o CMDCA e o CMS possuem taxas de vinculação
significativamente inferiores (35,7% em cada) ao CMAS (57,1%).
Desmembrando os dados das preferências partidárias entre os
representantes do governo e da sociedade civil, um dado chama atenção:
no CMAS, que apresenta os maiores índices de filiação, somente 33,3%
dos representantes da sociedade civil se dizem filiados ao PT, enquanto
este número salta para 66,7% entre os conselheiros governamentais. No
CMDCA todos os conselheiros dos dois segmentos são filiados ao PT.
Somente no caso do CMS o número de representantes da sociedade civil
filiados ao PT é superior, se comparado ao setor governamental. A
distribuição das freqüências encontra-se, abaixo, no Gráfico 4.
GRÁFICO 4 FILIAÇÃO PARTIDÁRIA ENTRE OS
CONSELHEIROS, POR SEGMENTO
Fonte: Pesquisa realizada pela autora.
A preponderância do segmento governamental filiado ao PT
explica-se e se justifica pelo fato de que somente três dos conselheiros
entrevistados são concursados, estando os demais na condição de cargos
comissionados que seguramente compõem a equipe da administração
municipal por partilharem do projeto político petista de governo. Diante
deste quadro, a preferência partidária exposta pela sociedade civil pode
ser lida como uma vinculação mais autônoma e possivelmente livre de
constrangimentos se comparada como o segmento governamental.
0
1
2
3
4
5
6
CMAS
CMDCA
CMS
CMAS
CMDCA
CMS
Governamental
Sociedade Civil
PT
PSDB
PDT
PTB
PPS
DEM
112
Entre os não filiados que se disseram simpatizantes de algum
partido verificou-se que, em 100,0% dos casos no Conselho dos Direitos
da Criança e do Adolescente e no Conselho da Saúde, a preferência é
pelo Partido dos Trabalhadores, sendo que no Conselho da Assistência
Social a preferência por este mesmo partido é de 66,7%. Entendo que, o
engajamento partidário dos membros dos conselhos, traduzido no
pertencimento formal a partidos políticos, é expressivo. As atividades
político-partidárias que dependem de iniciativa pessoal, como a
participação em campanhas eleitorais, é também consistente,
especialmente no CMAS onde o ativismo político ultrapassa o
pertencimento formal a partidos e se revela no percentual de 42,9% de
engajamento em atividades voluntárias, sendo o índice de 43,8% no
CMS e apenas de 28,6% no CMDCA. Deste modo, os representantes
com assento nos conselhos em análise apresentam vínculos com a vida
política partidária formal e informal, especialmente com o PT.
Os conselheiros também foram indagados se participam de mais
alguma entidade e/ou associação da sociedade civil além daquela
representada no conselho e verificou-se, no geral, o predomínio de
respostas positivas (54,9%). Separando os dados por segmento de
representação, observa-se que somente no CMDCA de fato
predominância de respostas afirmativas entre o segmento governo
(80,0%) e que apenas no CMS superioridade da mesma afirmação
entre o segmento não-governo (69,8%). O maior engajamento do
segmento sociedade civil em relação ao segmento governo pode ser em
parte explicado pelo fato de que, dos representantes governamentais,
não é exigida qualquer vinculação com o associativismo civil para
exercerem representação no conselho.
Entre o segmento governamental, verifica-se que no CMAS o
vínculo dá-se com o campo do trabalho e com associações ligadas a
atividades profissionais. Envolvimentos com associações ligadas ao
campo comunitário estão presentes apenas no CMDCA, e com o campo
religioso e assistencial são expressivos somente no CMAS. No CMS foi
aferido um vínculo com o campo recreativo e desportivo.
entre a sociedade civil há preponderância, no caso do CMS, de
vínculos com o campo comunitário e do trabalho, seguido com o campo
religioso e assistencial em detrimento do campo social. No CMAS a
vinculação é majoritariamente com o campo religioso e assistencial, e
no CMDCA com o campo comunitário e do trabalho. É importante
salientar que, destes representantes, um conselheiro do CMDCA
113
afirmou ter vínculos com mais de uma entidade e cinco conselheiros do
CMS afirmaram ter vínculos com duas ou mais entidades.
GRÁFICO 5
TIPOS DE ASSOCIAÇÕES QUE PARTICIPAM, POR SEGMENTO
Fonte: Pesquisa realizada pela autora.
No conjunto, estes dados sugerem três observações. A primeira
deve ser conjugada com os dados do perfil sócio-econômico que
apontam altos índices de escolaridade e de rendimentos. O “perfil de
elite dos conselheiros” (FUKS, 2002, 2004; RIBEIRO, 1997) reflete
também no tipo de vínculos associativos. Há, por exemplo, no CMAS
ascendência do grau completo e pós-graduação e do envolvimento
com associações profissionais pertencentes ao campo do trabalho,
especialmente entre o segmento governamental.
A segunda observação diz respeito à trajetória de vida destes
representantes. Embora esta conexão seja alvo de debate no Capítulo 3,
vale aqui apenas comentar que, no caso do CMS, a alta vinculação dos
representantes da sociedade civil ao campo comunitário e do trabalho,
além do religioso e assistencial, está relacionada diretamente com a
trajetória de participação associativa destes conselheiros iniciada em
grande parte na década de 1980, com o envolvimento de alguns com as
Pastorais.
A terceira observação aponta para uma possível relação entre
conexões e/ou redes associativas com a questão da competência
individual para atuação no conselho. O cruzamento de um conjunto de
perguntas ligadas a capacidade subjetiva que cada ator julga deter para
0
1
2
3
4
5
CMAS
CMDCA
CMS
CMAS
CMDCA
CMS
Governamental
Sociedade Civil
Campo comunitário
Campo do trabalho
Campo social
Campo religioso e
assistencial
Campo recreativo e
desportivo
114
atuar no conselho corrobora esta afirmação. Assim, se entre os
conselheiros da sociedade civil do CMS observa-se o maior índice total
de vinculação associativa, é também entre estes que se verificam os
melhores números referentes ao hábito de se manifestarem muito nas
reuniões do conselho (61,5%). Na mesma lógica, mas em sentido
inverso, se é no CMDCA que se apresentam os menores índices de
vinculação partidária e de engajamento em atividades políticas, é
também neste conselho que se verifica o menor grau de associativo do
segmento não-governo e o maior número de repostas apontando para o
pouco costume de se manifestar nas reuniões (66,7%). É ainda no
CMDCA que os conselheiros afirmaram, em maior número, baixíssimo
grau de autonomia para propor e discordar do conselho. Os gráficos
abaixo, (Gráfico 6 e 7) demonstram esta análise a partir da utilização da
freqüência das repostas em números absolutos.
GRÁFICO 6 MANIFESTAÇÕES NAS REUNIÕES DO
CONSELHO, POR SEGMENTO
Fonte: Pesquisa realizada pela autora.
0
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
CMAS
CMDCA
CMS
CMAS
CMDCA
CMS
Governamental
Sociedade Civil
Muito
Pouco
Não costuma participar
115
GRÁFICO 7 AUTONOMIA PARA PROPOR E DISCORDAR NO
CONSELHO, POR SEGMENTO
Fonte: Pesquisa realizada pela autora.
O cruzamento das informações sobre perfil político, expresso na
vinculação partidária e associativa dos indivíduos em movimentos
associativos, e o perfil sócio-econômico dos participantes parece
confirmar a tese da existência de uma congruência entre condições
materiais favoráveis e capacidade subjetiva para atuação como atores
políticos. Portanto, as características sócio-econômicas, sobretudo renda
e escolaridade, parecem influenciar os atributos de competência política
subjetiva a ser praticado no interior dos conselhos, que parecem ser
potencializados na presença e no engajamento a uma rede associativa e
de ativismo político que mantém e dá sustentação ao sentimento de
autonomia, sentimento indispensável para a efetivação da participação
nestes espaços.
2.3.3 Perfil das Organizações Representativas da Sociedade Civil
Na análise da atuação dos conselhos é imprescindível traçar o
perfil das entidades, visto que a participação nestes órgãos colegiados se
por meio da representação coletiva das entidades do associativismo
civil e não pela via da participação individual. Para isto, optei por
destacar um quadro de características que permitisse considerar alguns
0
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
CMAS
CMDCA
CMS
CMAS
CMDCA
CMS
Governamental
Sociedade Civil
Sempre
Às Vezes
Nunca
116
elementos que dizem respeito ao formato organizacional das associações
suas práticas e hábitos associativos
76
.
Um panorama geral das organizações da sociedade civil nos
permite identificar, a partir do ano de fundação, um associativismo
longínquo em Concórdia, especialmente através das associações com
presença no CMAS. Tal conselho absorve o percentual das entidades
mais antigas (30,0%) com cerca de 40 anos de existência, sendo que
todas tiveram sua fundação anterior à década de 1990. No caso do
CMDCA, os dados indicam que foi a partir desta década que se iniciou
um processo maior de vinculação associativa (44,4%). O CMS apresenta
índices expressivos em duas grandes décadas: no período de 1970 a
1980
77
com 23,1% das respostas, e dos anos 1991 em diante, com taxas
acumuladas em torno de 38,5%. Acreditamos que as razões para o maior
envolvimento do CMDCA e CMS pós-1990 podem estar relacionadas a
dois fatores principais: a) ao processo de descentralização e
democratização do Brasil, em que as prefeituras municipais começaram
a incorporar a participação social na elaboração e execução das políticas
públicas; e b) decorrência do fato de que nos anos 1990 a sociedade civil
continuou demandando permeabilidade e controle social das políticas
públicas, fato este que gerou impactos substantivos na ampliação do
associativismo civil. Na pesquisa, ao contrário do que foi anunciado por
alguns autores, não se verifica um processo de refluxo na dinâmica
organizativa da cidade (SILVA; CARLOS, 2006).
No geral, observa-se formalização nos trabalhos das entidades
civis a partir da afirmação da existência de sede, de estatuto, de
regimento interno e registro das atividades em ata. Os registros de
interrupções nas tarefas das associações, durante o seu período de
existência, ocorreram no CMAS e o CMS. Em comparação com os
demais conselhos, o CMS possui o maior número de associados e a
maior freqüência de respostas de que estes pagam mensalidade ou
anuidade.
A forma de escolha da diretoria, em uma análise agregada dos
conselhos, geralmente ocorre por meio de eleição (73,3%) ou indicação
(23,3%) e o mandato tem sido de dois anos (em 59,1% das respostas) e
de três anos (em 22,7% dos casos em que se realizam eleições). O
76
É bom lembrar que somente o segmento sociedade civil respondeu o bloco do questionário
referente ao formato organizacional das entidades representativas. Por isso, os dados desta
seção dizem respeito somente aos 32 respondentes deste segmento.
77
A literatura pertinente considera as décadas de 1970 e 1980 como a época áurea em que os
movimentos sociais ganharam sua maior expressão, densidade e consistência. Ver, entre
outros: Boschi, 1987; Doimo, 1995; Sader, 1988.
117
número de entidades que apresentam mandatos curtos, de até um ano, é
pequeno, não perfazendo mais que 9,0% das respostas. As eleições
mobilizam em torno de 100 pessoas (em 45,5% das respostas) e de 100
e 350 eleitores (em 22,7% dos casos). Em 86,4% das associações o
houve ocorrência de chapas concorrentes. A tendência de realização de
eleições em um período de tempo médio a longo, com pouca ou
nenhuma concorrência e com parca mobilização eleitoral dos
associados, pode ser um indicativo de pouca renovação dos membros da
diretoria. Tal hipótese pode ser autenticada e qualificada com as
informações relativas ao número de vezes que os respondentes
afirmaram ter exercido cargos de direção em suas entidades. O cargo de
presidente foi preenchido durante o período de dois ou três mandatos em
25,0% dos casos nas duas opções de resposta. Se adicionarmos a estes
números as informações daqueles que foram presidentes por quatro
mandatos, chega-se a um total de 62,5% de respostas de pessoas que
exerceram cargo máximo em suas respectivas entidades num intervalo
de dois a quatro mandatos.
Quanto a referência a existência de fonte de renda observa-se que
o CMDCA aparece na frente com 75,0% afirmando positivamente para
fonte de recursos, seguido do CMS (63,6%) e CMAS (60,0%). Somente
no CMDCA, verifica-se uma preponderância da realização de festas e
rifas como meio de arrecadação de recursos (44,4%), formas utilizadas
em entidades com atuação no campo comunitário e religioso, com
presença expressiva neste conselho. Os dados sobre outras fontes de
recursos se encontram fragmentados nos demais conselhos. os
convênios para a prestação de serviços de interesse público existem em
maior número no CMAS e no CMS, sendo que no CMAS a maior
vinculação é com a Prefeitura Municipal de Concórdia, perfazendo um
total de 41,7% das respostas. Já no CMS, 50,0% dos respondentes
informaram que firmam convênios com órgãos públicos. Pactos
financeiros com o setor privado são identificados com maior freqüência
no CMDCA. As Tabelas, da próxima página, (Tabelas 8 e 9) apresentam
a distribuição das percentagens.
118
TABELA 8 EXISTÊNCIA DE CONVÊNIO
Sim
Não
Total
N
%
N
%
N
%
CMAS
8
34,8
2
22,2
10
31,3
CMDCA
7
30,4
2
22,2
9
28,1
CMS
8
34,8
5
55,6
13
40,6
TOTAL
23
100,0
9
100,0
32
100,0
Fonte: Pesquisa realizada pela autora.
TABELA 9 INSTITUIÇÕES QUE FIRMARAM CONVÊNIO
Prefeitura
Municipal
Órgãos
Públicos
Empresas
Privadas
Não
Respondeu
Total
N
%
N
%
N
%
N
%
N
%
CMAS
5
41,7
3
37,5
3
30,0
0
0,0
11
35,5
CMDCA
3
25,0
1
12,5
4
40,0
1
100,0
9
29,0
CMS
4
33,3
4
50,0
3
30,0
0
0,0
11
35,5
TOTAL
12
100,0
8
100,0
10
100,0
1
100,0
31
100,0
Fonte: Pesquisa realizada pela autora.
Aqui se faz necessário uma ressalva. A indagação sobre a
existência ou não de convênios veio, no questionário, atrelada a outra
questão: se as entidades desenvolviam serviços de interesse público e se
possuíam convênios para a realização destas atividades. Mesmo quando
a associação não desenvolvia nenhum tipo de serviço, perguntava-se
sobre a existência de algum tipo de convênio. Logo, acredito que estes
dados podem apresentar certa distorção, na medida em que os
respondentes tiveram duas possibilidades de interpretação: por um lado,
podem ter informado a existência de convênios somente para a
realização de serviços, ou convênios de qualquer espécie e gênero sem,
no entanto, desenvolver serviços de interesse para a sociedade. Para os
fins almejados, considerou-se que a existência de convênios significa
repasse de verba de outras instituições que, de alguma forma, colaboram
na manutenção das atividades das entidades. Indica também a
dependência, em muitos casos, do Estado não somente como promotor
das políticas demandadas por estas entidades, mas tamm atrelamento
à prefeitura para o seu funcionamento, especialmente no caso das
associações do CMAS. Este tipo de vinculação informa sobre a
existência de possíveis constrangimentos postos a estas entidades a uma
atuação mais autônoma e propositiva diante do executivo municipal.
Entretanto, a questão sobre qual o tipo de convênio e de como e com
quais objetivos foram firmados é tema para outra investigação.
119
Buscando conhecer as redes de articulação entre a sociedade
civil, os entrevistados foram indagados sobre o envolvimento com
outras entidades. Verificam-se altos índices de relacionamento com
agremiações da sociedade civil, especialmente no caso da saúde, em que
76,9% afirmaram estabelecer vínculos com outras entidades. São
associações predominantemente do campo social, assistencial e do
trabalho, cada uma com 26,6% das respostas. No CMDCA, o
envolvimento é com entidades que pertencem ao campo social (42,8%)
e no CMAS com o campo comunitário (42,8%). Os dados especificados
no gráfico abaixo, (Gráfico 8) mostram o exame das informações
comparadas entre os conselhos.
GRÁFICO 8 RELAÇÕES DA ENTIDADE REPRESENTATIVA
DA SOCIEDADE CIVIL
Fonte: Pesquisa realizada pela autora.
Por sua vez, o CMAS apresentou os maiores índices de
vinculação com órgãos públicos e políticos, sendo que 40,0% afirmaram
manter articulações com a Câmara de Vereadores e com o Orçamento
Participativo. O envolvimento com a igreja também é mais significativo
na Assistência Social, seguido de 37,5% no Criança e Adolescente e
12,5% na Saúde, sendo a primazia da Igreja Católica. Impressiona as
informações do envolvimento com outros conselhos: 80,0% das
entidades do CMAS mantêm relações com outros conselhos do
município, contra 55,6% do CMDCA e 53,8% do CMS. Estes índices,
0
10
20
30
40
50
60
70
80
90
100
CMAS
CMDCA
CMS
Partidos
Assembl.
Legislativa
Câmara
Outras entidades
OP
Outros conselhos
Igrejas
120
significativos, informam que a participação e a articulação nestes
espaços é reconhecida e privilegiada entre as organizações civis de
Concórdia. Fica claro ainda que, as entidades do Conselho da Saúde são
as mais eficientes na busca de composição de uma rede de apoio mútuo
no campo do associativismo civil, e de que as do CMAS são as que mais
recorrem e se conectam com instituições políticas e institucionais
pertencentes ao aparelho estatal. Por outras palavras, a aposta de atuação
conjunta das associações do CMAS é com a institucionalidade política e
estatal e reafirmação com a articulação com a Igreja vínculo este
conhecido e propalado pela literatura, manifesto na conexão entre o
campo religioso e o campo assistencial. a aposta de articulação das
entidades representativas do CMS é com o campo do associativismo
civil, embora também demonstrem, em escalas menores, vínculos com
instituições políticas.
A participação da entidade em fóruns institucionais opera na
mesma lógica de conformação de uma teia associativa, na qual estas
associações se inserem. Verificou-se que, no geral, 44,4% das entidades
afirmaram participar destes espaços de discussão e debate, sendo
destaque o CMDCA com 85,7% de envolvimento com estas instâncias.
Em 80,0% dos casos, os tipos de fóruns institucionais são aqueles
ligados às conferências temáticas, muitas vezes conferências
promovidas por outros conselhos gestores
78
.
No que tange os mecanismos de prestação de contas, verifica-se
que os conselheiros da sociedade civil não têm o hábito de discutir com
a sua entidade assuntos que estão em pauta no conselho, nem tão pouco
de consultá-la antes de tomar qualquer posicionamento nas reuniões. No
entanto, a ausência de consulta de debate prévio pode ser
contrabalançada com a informação de que, em quase 100,0% dos casos,
em todos os conselhos, os representantes dizem sempre se envolverem e
participarem das atividades e reuniões da organização. Acreditamos que
nestes momentos de socialização os membros das entidades
compartilham temas, problemas e angústias que certamente orientam
indiretamente a atuação destes. Aporque a grande maioria também
assinalou positivamente para a prática de manter a entidade informada
78
Os dados não permitem nenhuma afirmação, mas pode-se inferir que o engajamento e as
redes de articulação mobilizadas pelas entidades representativas da sociedade civil sugerem a
opção de atuação e de processamento de demandas. As associações do CMAS talvez optem por
se conectar diretamente as instituições políticas para a solução de seus problemas, enquanto as
do CMS prefiram uma articulação com outras entidades como forma de projetar as suas
demandas. A intensidade desta vinculação e os objetivos que a impulsiona não são possíveis de
serem aferidos com os dados disponíveis.
121
dos assuntos e atividades desenvolvidas pelo conselho. Acrescenta-se
ainda que os respondentes relataram que a falta de discussão prévia
muitas vezes é ocasionada pela falta de informações sobre a pauta antes
das reuniões.
TABELA 10 MECANISMOS DE PRESTAÇÃO DE CONTAS
Discute com a
entidade os assuntos
em pauta no
conselho?
Consulta a entidade
antes de tomar
posição nas discussões
do conselho?
Participa
das
reuniões da
entidade?
Mantém a entidade
informada sobre as
atividades
desenvolvidas do
conselho?
S*
V**
N***
S*
V**
N***
S*
V**
S*
V**
N***
N
N
N
N
N
N
N
N
N
N
N
CMAS
6
7
8
8
5
8
19
2
11
7
3
CMDCA
3
5
6
2
5
7
14
0
8
5
1
CMS
4
5
7
6
4
5
16
0
8
6
2
TOTAL
13
17
21
16
14
20
49
2
27
18
6
Fonte: Pesquisa realizada pela autora.
*Sempre; **As vezes;** Nunca.
A partir do exposto, os dados das entidades civis dos Conselhos
de Assistência Social, Criança e Adolescente e Saúde nos informam que
há um mix entre associações com porte, atuação e vivência diferenciadas
e marcadas pelo pleno funcionamento de suas atividades. A ocorrência
de registro formal das regras indica que a participação é regulada por
princípios que foram previamente estabelecidos pelos seus membros. O
fato de possuírem sede própria e associados é, a meu ver, um dado
favorável, visto que a existência de uma sede contribui na consolidação
e visualização de um espaço receptor das demandas, no qual os
associados podem recorrer quando necessário.
Além disso, a vinculação formal e a contribuição financeira dos
membros possibilitam uma relação mais formalizada e contínua entre
representantes e representados. Também as informações sobre fonte de
recursos, enquanto componentes de competência autônoma de auto-
organização, indicam que a capacidade de garantir o funcionamento da
entidade de forma independente não é prerrogativa de todas as
associações.
A verificação de vínculos com as entidades da sociedade civil
apontam intensas articulações no campo associativo que parecem
exercer rebatimentos na atuação nos conselhos. Como exemplo, toma-se
os dados comparados entre a CMAS e o CMS.
O CMS é aquele que apresenta os melhores indicadores relativos
ao envolvimento dos conselheiros e das entidades com outras
122
organizações da sociedade civil; as maiores percentagens entre aqueles
que dizem terem participado de conselheiros gestores em outro
período; e ainda o menor envolvimento das entidades representativas
com partidos políticos e instituições políticas. Possui também número
expressivo de conselheiros que dizem participar muito das reuniões e
acreditam que a entidade tem autonomia de fala nas plenárias. Além
disso, parecem mais críticos quanto ao funcionamento e atuação do
conselho, destacando-se nos mecanismos de prestação de contas.
Compatíveis com as análises do funcionamento e da accountability são
as informações sobre os motivos da participação: melhorar a política
pública da área de atuação do conselho e benefícios para a entidade. Os
motivos para participar parecem estar vinculados tanto a crítica ao
desempenho do conselho e a necessidade de aprimorar as políticas
sociais, como também por trazer benefícios para os segmentos que lhes
escolheram e perante os quais são responsáveis. Além disso, o ano de
fundação das entidades indica que o CMS é o conselho que abriga as
associações com idade e atuação mais diversificadas, datado algumas
das décadas de 1970 e 1980 e outras dos anos 1990.
Os conselheiros do CMAS, por sua vez, apresentam pouco
envolvimento com outras entidades da sociedade civil e com outros
conselhos, e taxas significativas de envolvimento das entidades com o
partido político do governo e com a Câmara de Vereadores. Acrescenta-
se, que nos dados intra-conselho, são os que menos discutem, consultam
e participam das reuniões de suas entidades, ou seja, não prestam contas
freqüentemente as suas entidades, ao mesmo tempo em que fazem os
balanços mais otimistas sobre o funcionamento interno dos conselhos.
Quanto ao período de criação, as associações mais antigas estão
igualmente no CMAS, algumas datando sua fundação no período da
ditadura, caracterizado por uma atuação eminentemente assistencialista
e dependente dos ditames governamentais. Acrescenta-se que todos os
representantes informaram que suas associações foram criadas antes dos
anos de 1990, indicando que, pelo menos na gestão analisada, este
conselho parece não acolher grupos associativos mais jovens que têm
em suas agendas a tematizações de assuntos e interesses específicos que
surgem com maior vigor na cena pública no período pós-
redemocratização, ou seja, de 1990 em diante. Portanto, para o caso de
Concórdia, e para os dados referentes ao CMAS, conclui-se que o tempo
de atuação das entidades não se configura com um indicador de
autonomia.
123
CAPÍTULO 3
PARTICIPAÇÃO INSTITUCIONAL, TRAJETÓRIA POLÍTICA
E A AUTONOMIA REVISITADA: ARTICULAÇÕES ENTRE
SOCIEDADE CIVIL E ESTADO
Este capítulo objetiva apresentar os diferentes tipos de autonomia
identificados a partir da análise do processo decisório no interior dos
conselhos e da avaliação dos conselheiros sobre o funcionamento destes
espaços. Para isso, procura, na primeira seção, explicar quais os
procedimentos metodológicos empregados na análise dos dados ao
longo deste capítulo. A seção seguinte visa, por meio da leitura das atas
dos conselhos, compreender como se dá o processo de discussão interna
e de deliberação dos três conselhos sob exame, identificando os atores
dominantes e temas predominantes. O terceiro item traz, de forma
sucinta, uma análise da trajetória individual de participação política dos
representantes da sociedade civil, relacionando os momentos da
vivência sócio-política desses sujeitos com os marcos históricos e
conjunturais verificados no plano nacional e municipal. O item 3.4, p.
145, tem por finalidade analisar os julgamentos, a partir das entrevistas,
sobre a dinâmica de funcionamento destas instâncias de participação
institucional e percepções acerca da autonomia. Munida por estas
informações, procurarei, na alínea posterior, recuperar o quadro de
indicadores desenvolvido no capítulo teórico (Quadro 1, p. 73)
articulando-o com as informações empíricas dissertadas neste capítulo e
no capítulo 2. Por fim, a última seção se propõe a revisitar a noção de
autonomia a luz das evidências empíricas apontadas e do instrumental
analítico desenvolvido no capítulo 1.
3.1 Metodologia 2
A segunda etapa da coleta de dados, que corresponde às
informações contidas neste capítulo, foi realizada entre abril e julho de
2008, no município de Concórdia, e está assentada em três
procedimentos principais que se relacionam e se complementam, a
saber: análise de atas, realização de entrevistas e observação
participante.
124
3.1.1 Levantamento, análise e sistematização de informações
contidas nas atas das reuniões plenárias do conselho
I) Leitura e sistematização das atas das reuniões dos três
conselhos com o intuito de identificar e avaliar: a) os principais atores
dominantes (quem e como se debate, contesta e delibera); b) os temas
predominantes (o que, quais os assuntos tratados, discutidos,
contestados, deliberados e a natureza deles); c) a dinâmica de
funcionamento; d) a atuação e autonomia dos conselheiros no interior
dos diferentes conselhos, a partir das decisões e dos conflitos presentes.
As atas analisadas correspondem ao período que
compreende janeiro de 1998 a dezembro de 2002. Este recorte
temporal foi escolhido com a finalidade de se avaliar se a
chegada do PT ao executivo municipal, a partir de janeiro de
2001, provocou alguma mudança na atuação do conselho.
Foram avaliados 15 anos de atas (5 anos para cada conselho)
totalizando 158 atas, assim distribuídas: 50 atas no CMAS, 72
no CMDCA e 36 no CMS. Neste caso, a opção foi pela
metodologia proposta e utilizada por Fuks, Perissinotto e Souza,
2004. O procedimento adotado se constituiu em identificar, para
cada ponto de pauta de cada reunião, qual o segmento que
iniciou o debate, qual o segmento que deu seqüência ao debate,
qual o segmento que contestou, qual o segmento que apresentou
propostas e qual foi o tipo de deliberação. Com a ajuda do
programa Microsoft Excel 2007, foram listadas em planilhas,
entre agosto e setembro de 2008, todas as intervenções para
cada um dos temas tratados, totalizando 484 temas debatidos e
distribuídos segundo a freqüência apresentada na tabela da
página seguinte. Posteriormente, em novembro, os temas e
atores foram agrupados em categorias que atendiam aos
objetivos desta pesquisa, codificados e convertidos para o
programa SPSS 12.0, a partir do qual as tabelas foram
produzidas para a análise. Os gráficos foram feitos através do
Excel, em dezembro de 2008. Para análise das resoluções dos
conselhos foram considerados 39 documentos do CMAS e 24
do CMDCA.
125
TABELA 11 NÚMERO DE TEMAS TRATADOS POR ANO, POR
CONSELHO
1998
1999
2000
2001
2002
Total
CMAS
7
21
22
44
37
131
CMDCA
50
45
23
43
59
220
CMS
11
17
12
41
52
133
TOTAL
68
83
57
128
148
484
Fonte: Pesquisa realizada pela autora.
3.1.2 Realização de entrevistas
I) Entrevistas semi-estruturadas com os principais atores
relevantes a partir de um roteiro que permitiu o ajuste necessário a cada
momento. A finalidade foi investigar a trajetória desses participantes e
sua percepção acerca da autonomia, da dinâmica de funcionamento do
conselho, os impactos da participação e os mecanismos de prestação de
contas entre conselheiro e entidade representativa. O registro foi feito
através da gravação das falas dos entrevistados, que posteriormente se
transformaram em transcrições, estas realizadas entre agosto e outubro
de 2008.
Foram realizadas 19 entrevistas com conselheiros escolhidos
após a aplicação dos questionários, sendo 8 no CMAS, 5 no
CMDCA e 6 no CMS. Destes 19 encontros, 17 ocorreram em
julho de 2008 e 2 aconteceram em outubro de 2008.
As entrevistas contaram com diversas perguntas que foram
divididas em quatro grandes blocos temáticos, quais sejam:
identificação do entrevistado e do conselho; trajetórias de vida;
avaliação da representação e do aprendizado e; por fim,
percepções sobre a autonomia. A seção com perguntas sobre
trajetórias tinha por objetivo conhecer como o informante havia
se envolvido com questões políticas e públicas e as suas
principais influências no processo de participação. O Apêndice
B, p. 196, apresenta o roteiro de entrevistas.
Os nomes de todos os entrevistados foram substituídos, aqui,
por nomes fictícios, respeitando o anonimato para o não
126
comprometimento dos mesmos. Foram também omitidas
informações, nomes das entidades associativas e qualquer outro
tipo de dado que permitisse a identificação do informante. A
caracterização dos entrevistados encontra-se no Apêndice D, p.
200.
3.1.3 Observação Participante
I) Participação nas reuniões do conselho, observando a dinâmica
de interação entre os diversos segmentos representados.
Considerando as dificuldades de deslocamento e de
compatibilidade do calendário de reuniões, foram observadas
três reuniões no CMAS, uma no CMDCA e duas no CMS,
todas entre abril e julho de 2008.
3.2 Autonomia e processo decisório no interior dos conselhos:
temas e atores dominantes
Nesta seção, buscar-se-á identificar os meandros do processo
decisório ocorrido no interior dos conselhos municipais a partir das
informações contidas nos registros das atas das reuniões plenárias.
Reconhecendo as dificuldades de trabalhar com uma fonte desta
natureza, as análises que serão tracejadas não me permitem qualquer
conclusão definitiva sobre o processo decisório no interior destes órgãos
colegiados. Primeiro, porque a redação adequada da ata nem sempre é
alvo de grandes preocupações por parte de quem a lavra. É patente este
descuido, visto os altos percentuais de casos em que não foi possível
identificar o interlocutor. Em segundo lugar, as atas disponibilizam
informações quantitativas e descritivas do debate que não podem ser
traduzidas automaticamente em subsídios de cunho qualitativo. Mais
adiante, na seção 3.4, p. 145, as informações extraídas serão
contrabalanceadas com as avaliações qualitativas feitas pelos próprios
representantes.
Feitos estes esclarecimentos, a primeira informação que os
registros formais das atas mostram é a de que o somatório do número de
pontos de pautas discutidos entre 1998 e 2000 é menor que o número de
temas debatidos entre 2001 e 2002 (cf. Tabela 11, p. 126). Isso significa
127
que o conselho debateu mais assuntos em dois anos analisados depois da
chegada do PT ao poder do que nos outros três anos anteriores de
governo do PMDB.
A análise geral das atas dos conselhos nos permite afirmar que,
como esperado, na grande maioria dos casos, a abertura do debate é feita
pelo presidente do conselho, com uma média entre os conselhos de
78,0% das primeiras intervenções
79
. Se somadas a estas as intervenções
feitas por membros que compõem o quadro da administração municipal,
incluído o elemento externo do governo
80
, chegamos a um total de quase
90,0% de falas iniciadas pelo segmento governamental em cada um dos
conselhos
81
. Entre o segmento sociedade civil, no caso do CMAS, o
campo do trabalho foi o que se destacou na apresentação das primeiras
falas, seguido do campo comunitário e do campo religioso e assistencial.
No CMDCA, percebeu-se que foram o campo religioso e assistencial e o
Conselho Tutelar, respectivamente, que iniciaram as intervenções. No
CMS, o campo do trabalho é o único segmento da sociedade civil que
tem evidência entre aqueles que iniciam o debate
82
.
No entanto, desagregando as informações por ano verificamos
que (excluindo o presidente que, independente da gestão, continua tendo
primazia na primeira fala), as intervenções do campo da administração
municipal decrescem a partir de 2001, ganhando relevo, no CMAS e
CMS, os atores da sociedade civil, em especial o campo do trabalho. No
CMDCA, se no período entre 1998 e 2000 o campo religioso e
assistencial e o Conselho Tutelar de fato participam mais ativamente da
proposição do primeiro tema, no intervalo de tempo seguinte, diferentes
atores começam a participar e a disputar as falas, incluindo, entre eles, o
ator externo da sociedade civil. Portanto, nota-se que houve uma
79
Foram agrupados à categoria presidente os casos em que não foi possível identificar quem
enunciava a primeira fala e quando não foi mencionado quem fez as intervenções, que,
seguindo as regras do RI dos conselhos, a primeira palavra sempre deve ser do presidente. No
entanto, para as atas aqui analisadas não foram consideradas como primeira fala as
intervenções de boas-vindas e de abertura formal dos trabalhos do conselho. A primeira fala
diz respeito àquele indivíduo que primeiro enunciou um determinado assunto a ser debatido.
80
Seguindo o procedimento adotado por Fuks, Perissinotto e Souza (2004) o elemento externo
seria aquele ator que não pertence ao conselho, mas que eestá presente na reunião para discutir
algum ponto de pauta específico.
81
O total de falas (466) não coincide com total de atas analisadas (484), visto que nem todas as
reuniões tiveram quorum e também porque nas atas foram registrados eventos como as
conferências, as eleições para conselho tutelar e demais fatos não contabilizados nestas
análises. Além disso, não foram analisados os mesmo números de atas para cada conselho, por
isso a diferença em termos absolutos verificada.
82
Os usuários representantes do CMS foram agrupados a partir do seu campo de atuação
(comunitário, social, do trabalho e religioso e assistencial). O mesmo foi feito para os gráficos
que se seguem.
128
diversificação dos atores que entram em cena no conselho,
possibilitando uma pluralização das falas. O Gráfico 9, abaixo, apresenta
o número absoluto de falas por ano, excluindo-se dele as intervenções
do presidente.
GRÁFICO 9 SEGMENTO QUE INICIA O DEBATE, POR
INTERVALO DE TEMPO E CONSELHO
Fonte: Pesquisa realizada pela autora.
Iniciada a discussão e identificado o ator que inicialmente faz o
uso da palavra, buscou-se identificar qual o segmento que seqüência
ao debate
83
. Os dados intra-conselho agregados informam que mais da
metade dos assuntos colocados em pauta no interior de cada um dos
conselhos não suscitaram debate (74,3% no CMAS, 58,2% no CMDCA
e 69,3% no CMS). Mas, quando houve diálogo, os protagonistas foram
especialmente o do campo religioso e assistencial, no CMAS e
CMDCA, e do campo da administração pública no CMS, seguido dos
83
Para estas informações foram consideradas e registradas as segundas e terceiras falas que
deram seqüência ao debate. Somente em 34 pontos de pautas, ou seja, 7,2% dos temas tratados
nos conselhos, foram passíveis de interferência de uma terceira intervenção.
0
2
4
6
8
10
12
14
CMAS
CMDCA
CMS
CMAS
CMDCA
CMS
1998 / 2000
2001 / 2002
Campo da Administração
Municipal
Campo Comunitário
Campo do Trabalho
Campo Religioso e
Assistencial
Prestador
Elemento Externo
Governo
Conselho Tutelar
Elemento Externo
Sociedade Civil
Campo Social
129
usuários do campo do trabalho
84
. Além disso, registra-se que,
considerando todos os temas tratados para cada um dos conselhos, mais
de 10,0% das falas de seguimento dos temas abordados não foram
passíveis de identificação.
Os dados comparados por conselho e por intervalo de tempo de
gestão indicam que, no Conselho de Assistência Social, a disputa pelo
prosseguimento do debate nos dois períodos se deu entre o campo da
administração municipal e o campo religioso e assistencial, sendo que
entre 2001 e 2002 a sociedade civil representada por este campo tem
proeminência na discussão. É ainda neste mesmo intervalo que se
verifica a entrada de outros atores no debate. Já, no Conselho da Criança
e do Adolescente, de 1998 a 2000 o campo da administração municipal
perde espaço para o campo religioso e assistencial e no intervalo
seguinte para o campo do trabalho. Somente no Conselho de Saúde, se
verifica que o poder público continua protagonizando a discussão, sendo
que, até 2000, através da figura do presidente e posteriormente, de 2001
até 2002, pelos atores da administração municipal. O gráfico seguinte
(Gráfico 10) apresenta, em números absolutos, as informações
comparadas entre os conselhos, para as falas de prosseguimento de
debate, omitindo-se as ocorrências não identificadas e de ausência de
debate.
84
Vale lembrar, como mencionado na nota 71, que durante o período analisado as regras de
paridade no CMS não eram seguidas conforme determinação legal, não havendo, portanto
super-representação dos usuários sobre os demais segmentos.
130
GRÁFICO 10 SEGMENTO QUE DÁ SEQÜÊNCIA AO DEBATE,
POR INTERVALO DE TEMPO E CONSELHO
Fonte: Pesquisa realizada pela autora.
Os dados coletados confirmam ainda que a contestação,
classificada como a intervenção do segundo ou do terceiro ator que se
opôs explicitamente a fala do primeiro enunciador, é praticamente
inexistente, independente do intervalo de tempo. No total, dos 466 temas
enunciados, somente dez foram contestados, sendo cinco em cada
intervalo de tempo. Os poucos registros foram protagonizados no
CMDCA e no CMS pelo segmento sociedade civil do campo religioso e
assistencial (3 em 5) e do campo do trabalho (3 em 5) no período entre
1998 e 2000. No intervalo subseqüente, a contestação é realizada e
elaborada, no CMDCA, pelo campo do trabalho (2 em 5) e pelo
elemento externo da sociedade civil e o Conselho Tutelar (2 em 5). No
CMS, verifica-se apenas uma contestação (1 em 5) enunciada pelo
segmento campo do trabalho. Os representantes do campo comunitário e
social e dos prestadores de serviço não articularam qualquer contestação
em cinco anos de atas analisadas. Impressiona também o fato de que
100,0% dos temas tratados no CMAS não foram rebatidos, ou seja,
verifica-se, nas atas, uma completa ausência de contestação dentro deste
conselho durante o período analisado.
Entretanto, concordando com Fuks (2004, p. 33), a ausência de
prosseguimento e de contestação em grande parte dos temas versados
0
2
4
6
8
10
12
14
16
18
CMAS
CMDCA
CMS
CMAS
CMDCA
CMS
1998 / 2000
2001 / 2002
Presidente
Campo da
Administração Municipal
Campo Comunitário
Campo do Trabalho
Campo Social
Campo Religioso e
Assistencial
Prestador
Conselho Tutelar
Elemento Externo
Governo
Elemento Externo SC
131
nos conselhos não implica obrigatoriamente na desqualificação desta
instância, enquanto um espaço de diálogo, de contestação e de
experiência participativa, dado que parte dos assuntos tratados não
incitam a discussão, como, por exemplo, informes de natureza diversa,
sendo que outros passam direto para a votação sem debate prévio, tais
como a escolha de conselheiro para participar de algum evento.
A ocorrência de elaboração de propostas sobre os temas
debatidos ocorreu em maior número a partir de 2001, mas em uma
análise agregada dos conselhos e dos dois períodos analisados, verifica-
se que 58,0% dos temas abordados (272 em 469) não foram passíveis de
propostas e que para 14,5% (68 em 469) dos temas não foi possível
identificar quem as articulou. Portanto, somente 27,5% (129 em 469) de
todos os temas tratados foram alvos de propostas. Depois de elaboradas
as propostas, estas são encaminhadas para votação. Do total de
propostas, 88,4% foram encaminhadas para a votação (114 em 129).
Desagregando estas informações por segmento representativo,
verifica-se que o maior número de propostas foi proferido pelo campo
da administração municipal que, em cinco anos, apresentou 80,0% (103
das 129) das propostas identificadas. Deste total de propostas sugeridas
pelo segmento governamental, 59,0% (76 em 129) foram proferidas no
período de 2001 a 2002.
A força da administração é notória não somente na elaboração de
propostas, como também no encaminhamento destas para a votação. Do
total de 103 propostas elaboradas, a prefeitura conseguiu encaminhar 97
para a votação, ou seja, 94,1% das sugestões propostas foram alvos de
voto. Esta presença é vista como maior nitidez no CMS, sendo que nos
dois períodos analisados o segmento governamental não elaborou o
maior número de indicações para a votação (67 no total), bem como
conseguiu com que todas as propostas sugeridas fossem votadas. O
segmento sociedade civil do CMS, entre 1998 e 2000, conseguiu
direcionar uma proposta através dos prestadores. No intervalo seguinte,
o campo do trabalho indicou quatro propostas, seguido pelo ator externo
prestador (duas), sendo que quatro, destas seis propostas, foram votadas.
a proposição por parte da sociedade civil no CMAS incide somente
no segundo período (2001/2002), sendo o campo comunitário foi o
único segmento que elaborou apenas uma sugestão que foi votada (em
cinco anos). No CMDCA entre 1998 e 2000 o campo religioso e
assistencial desenvolveu dez propostas, mas teve força para
encaminhar seis para votação. O Conselho Tutelar ordenou duas
sugestões, e o campo social uma, sendo as três votadas. Nos anos
subseqüentes, o campo do trabalho indica uma proposta (não votada), o
132
campo religioso e assistencial três (duas foram para votação), e, por fim,
o elemento externo da sociedade civil sugeriu uma proposta passível de
encaminhamento para votação. Portanto, considerando o número de
propostas enunciadas e encaminhadas para votação, fica evidente que o
segmento governamental é o que detém o maior poder de proposição
dentro dos conselhos. Ressalta-se novamente que, em média, quase 15%
das propostas apresentadas não foram passíveis de identificação.
As poucas propostas encaminhadas para votação foram
analisadas em termos de qualificação jurídica dos tipos predominantes
de decisões, a saber: o encaminhamento, a moção, a aprovação, a
resolução e a prestação de contas
85
. Cabe aqui uma breve exposição de
cada uma destas modalidades.
O encaminhamento é a faculdade atribuída, a quem participa da
discussão e exame da matéria, fazendo uso da palavra para orientar a
votação sobre o que se deve fazer ou determinando sobre qualquer
assunto. A moção diz respeito à proposta feita em uma assembléia, a
respeito de uma questão ali em debate, que se queira aplaudir ou
reprovar. Desse modo, a moção pode ser de aprovação ou de
reprovação. A aprovação tem o sentido de consentimento ou anuência à
prática de um ato realizado ou que irá se realizar. A resolução é a
determinação baixada para ser obrigatoriamente cumprida ou
geralmente acatada. As resoluções são sempre atos de autoridade, e, em
regra, dizem respeito às questões de ordem regulamentar. A prestação de
contas é a demonstração de gastos, feita pelo responsável, da utilização
de quantia que estava sob administração, gerência ou gestão. A
demonstração se faz por meio de Balanço (demonstração de contas e
resultados).
Dito isso, pode-se avaliar, a partir dos dados, que 48,0% dos
temas versados no conselho não são alvos de qualquer tipo de decisão.
Uma análise intra-conselho agregada evidencia que o tema alvo de
maior aprovação, no CMAS e CMDCA, diz respeito à concordância
relativa a assuntos internos dos conselhos. Já, no CMS, as aprovações
são relativas a planos, projetos e convênios apresentados pelo segmento
governo. Observou-se que o CMDCA tem mantido controle e gerência
dos assuntos relativos ao Conselho Tutelar e que o CMAS tem, pelo
85
Aqui continuei seguindo o padrão e a terminologia de análise adotada pela metodologia
utilizada por Fuks et al., op. cit., mas a qualificação de cada um dos tipos de decisões que se
seguem me foi concedida gentilmente por Geraldo Magela, a quem agradeço o empenho e
cuidado na consulta dos termos.
133
menos no período analisado, realizado com mais força os trâmites de
controle das entidades prestadoras de serviço.
Na análise comparativa entre os conselhos por ano, apresentada
no Gráfico 11, abaixo, fica evidente que o CMS é o conselho que mais
aprova propostas relativas aos programas e projetos de iniciativa
governamental, especialmente a partir de 2001, e que se ocupa com
admissões em torno das questões ligadas a recursos. Verifica-se também
que o CMAS e o CMDCA, no período entre 2001 e 2002, tiveram suas
decisões instituídas como resoluções, sendo que a ênfase é para o
CMDCA, com nove resoluções durante o período analisado.
GRÁFICO 11 TIPOS DE DECISÃO, POR ANO E CONSELHO
Fonte: Pesquisa realizada pela autora.
Mas, quais os assuntos que estão presentes na agenda dos
conselhos e que são alvos de discussões e deliberações? Haveria uma
correlação entre deliberações e temas dominantes?
0
10
20
30
40
50
60
CMAS
CMDCA
CMS
CMAS
CMDCA
CMS
1998 / 2000
2001 / 2002
Moção
Encaminhamento
Aprovação Assuntos Internos
Aprovação Serviços (entidades)
Aprovação Prestação de contas
Aprovação Orçamento / Recursos / Compras
Aprovação Planos, projetos e convênios governamentais
Aprovação Conselho Tutelar
Aprovação Questões Locais
Aprovção (outros)
Resolução
Não houve deliberação
134
A partir dos temas tratados nos conselhos pode-se classificá-los
em dois grandes conjuntos: os assuntos internos e os assuntos públicos,
com clara predominância deste último
86
. Os assuntos internos são os
temas mais recorrentes no CMAS (32,1%) e no CMDCA (26,3%) e
dizem respeito à estrutura de funcionamento desta instância, debates
sobre a Lei de Criação e Regimento Interno do conselho e capacitação
para conselheiros. Tais assuntos foram mais freqüentes, no CMDCA, até
o ano 2000, e no CMAS a partir de 2001. O CMS pautou este tema
somente algumas vezes (3,0%), especificamente nas subcategorias
formação de comissões e capacitação para conselheiros.
Entre as questões blicas, a predominância, no interior do
CMAS, é das questões relativas: ao atendimento e prestação de serviços
pelas entidades (24,5%), aos planos, projetos, programas, campanhas
governamentais e planos municipais (21,4%), a participação e a
realização de conferências (9,9%), compras, orçamentos e recursos
(3,1%), participação em eventos (2,3%) e intercâmbio de informação
com outras instâncias (2,3%). Mas, a temática sobre as conferências,
sobre a troca de experiência e estímulo a comunicação e informação
efetivamente entraram em pauta a partir de 2001.
O CMDCA se dedicou a tematizar assuntos relacionados aos
projetos, programas, campanhas governamentais e planos municipais
(19,6%), a atuação do Conselho Tutelar (19,1%), pontos relativos à
participação do conselho e dos conselheiros em eventos (5,5%),
estímulo a comunicação (5,0%), fiscalização da prestação de serviços
das entidades (4,5%), ações de captação de recursos para o Fundo
Municipal (3,2%), participação e realização de conferências (3,2%) e
planos e projetos da sociedade civil (2,3%). De 1998 a 2000, as
problematizações sobre o Conselho Tutelar e a participação em eventos
e fóruns eram mais assíduas, sendo que a partir de 2001 percebeu-se a
recorrência dos debates sobre os programas governamentais, a
realização e participação em conferências e os projetos da sociedade
civil. Nos dois intervalos temporais, a discussão sobre o credenciamento
de entidades é praticamente a mesma, em números absolutos, e o tema
pertinente as ações para angariar recursos para o Fundo Municipal foi
inédito até de 2001. A busca de interação e o incentivo a comunicação
86
Para a análise dos temas tratados, considerei a porcentagem calculada para as freqüências em
que os temas eram mencionados no conselho, sem distinção por intervalo de gestão, visto que a
desagregação das informações por período pulverizaria muito os dados. Optei, portanto em
citar diretamente no texto, sem fazer menção às percentagens, os casos mais significantes. A
tabela correspondente aos temas tratados encontra-se no Apêndice C, p. 198. O agrupamento
dos temas tratados foi inspirado em Côrtes, 2007 e Fuks, 2004.
135
entre os diversos conselhos das áreas congêneres não foi verificada
depois do ano 2000.
O CMS debate prioritariamente temas relacionados à área
financeira, como prestação de contas, compras, orçamentos e convênios
(42,8%), questões referentes à saúde pública, a rede hospitalar (21,0%) e
sobre os planos e projetos governamentais e planos plurianuais (15,1%).
Estas discussões ganharam corpo a partir de 2001, especialmente os
temas sobre recursos e orçamentos, os planos plurianuais e a temática da
saúde pública. Debates sobre o Fundo Municipal de Saúde, os projetos e
programas da sociedade civil (3,0%), realização de conferências (2,3%)
e convênios apenas entraram na agenda do conselho em 2001.
Comparativamente, o CMAS é o conselho mais preocupado com
os seus procedimentos internos de funcionamento, em contraste com o
CMS que se preocupou somente em pequena proporção com este tema
no período analisado. Verifica-se, pela leitura das atas, que com a
chegada da nova administração ao executivo municipal, o CMAS
passou por um processo de discussão e de estruturação interna, o que
explica a freqüência dos assuntos internos. É também neste conselho
que se discutiu intensamente os programas, planos e projetos
governamentais, sendo que em contrapartida, não debateu nenhum
programa, plano e/ou projeto de iniciativa da sociedade civil.
Igualmente, a atribuição de registro e o acompanhamento das entidades
prestadoras de atendimentos fazem parte das funções previstas em Lei,
tanto no CMAS quanto no CMDCA, mas o CMAS é o conselho que
mais tem efetuado esta função. No que diz respeito às finanças (Fundo
Municipal, recursos e convênios), nota-se que o CMS é o conselho que
mais versa sobre este tema, diferente do CMAS. Já o CMDCA é o
conselho que mais tem se voltado para discutir questões que tangenciam
o papel instrutivo e articulador do conselho e que tem efetivamente
mantido vínculo, controle e colaboração junto ao Conselho Tutelar.
Correlacionando as informações sobre os temas tratados e o tipo
de decisões, verifica-se uma coerência interna nos conselhos, ou seja, os
assuntos mais abordados são aqueles alvos de maior decisão. No
CMAS, as decisões dizem respeito às aprovações de assuntos internos
do conselho, seguido de planos e projetos apresentados pelo segmento
governo e encaminhamentos e aprovação de serviços prestados pelas
entidades. No CMDCA, também os assuntos relativos ao próprio
funcionamento do conselho tiveram destaque, seguido dos
encaminhamentos, moções e resoluções sobre o Conselho Tutelar. No
CMS, as aprovações sobre planos, projetos e convênios indicados pelo
136
segmento governo e concordâncias sobre os orçamentos, recursos e
compras são os temas mais pautados e os mais acatados.
Fuks et al. (2004, p. 35) consideraram os encaminhamentos e
moções como modalidades “fracas” de decisão, a aprovação como
modalidade intermediária, e a resolução e a prestação de contas como
modalidades “fortes”. Não trabalharei na pesquisa com a distinção entre
as diferentes intensidades de decisão, que, a partir do exame das atas,
pareceu-me que as “aprovações” não poderiam ser obrigatoriamente
qualificadas como modalidades intermediárias de determinação, ao
mesmo tempo em que a prestação de contas nem sempre se apresenta
como um tipo de modalidade forte, por exemplo. No caso da prestação
de contas, observei, pela análise das atas e pela participação nas
reuniões, que estas eram apresentadas em forma contábil e simplificada,
cabendo aos conselhos simplesmente aprovar gastos realizados. Não
existiu, no período analisado, qualquer discussão mais ampla sobre a
demonstração dos gastos e a utilização dos recursos, e sim uma
apresentação de caráter meramente burocrática e formal das despesas
dos convênios e dos fundos municipais de cada conselho
87
. Por outro
lado, concordando com Pinto (2004, p. 113), a aprovação de serviços
prestados pelas entidades e a concessão de certificados, “exigem a
transferência de poder do Estado para um órgão colegiado” sugerindo e
demandando uma atuação mais vigorosa dos conselhos, não podendo
esta forma de decisão ser, no meu entendimento, considerada como
intermediária. Portanto, não consideramos aqui a aprovação “como uma
vala comum para as deliberações com essa qualidade intermediária”
(FUKS et al., op. cit., p. 35). As aprovações são entendidas, aqui, no
sentido do assentimento a uma proposta de maior ou menor
envergadura, a exemplo do debate de assuntos localizados e particulares,
até a aprovação de expedição de certificado de filantropia a entidades
assistenciais, à assuntos internos do funcionamento do conselho que
podem sugerir a preocupação com o processo de institucionalização
destes espaços.
Assim sendo, das atribuições definidas na legislação dos
conselhos, podemos afirmar, a partir das análises das atas nas gestões de
1998 a 2002 que: a) a atribuição de fiscalizar os programas e projetos do
governo é exercida com mais afinco pelo CMDCA, que é o conselho
que mais debate sobre este tópico; b) a fiscalização e o registro dos
serviços prestados pelas entidades públicas e privadas são atribuições do
87
Na Seção 3.4, p. 145, será possível perceber, através das entrevistas, que esta também é a
leitura partilhada pelos conselheiros.
137
CMAS e do CMDCA, sendo que o CMAS se destaca nesta função; c)
embora todos os conselhos possuam Fundo Municipal para realização de
ações, o CMS se destaca na tematização e fiscalização dos assuntos
financeiros, principalmente se comparado com o CMAS; d) o CMDCA
foi o único conselho que, por iniciativa própria, desenvolveu ações para
angariar recursos para o Fundo Municipal; e) o papel articulador de
comunicação e intercâmbio é efetuado com maior agilidade pelo
CMDCA; f) a atribuição instrutiva de fomentar e atualizar o
conhecimento através da participação em congressos e eventos é
realizada com mais afinco também pelo CMDCA; g) a realização de
conferência como mecanismo de participação da sociedade civil é
tratado de forma mais sistemática no CMAS.
Logo, o CMAS é o conselho que mais tem exercido os processos
de fiscalização das entidades, como previsto em lei, e que tem se
ocupado em pautar aspectos relacionados ao seu funcionamento interno.
o CMDCA tem consolidado a sua relação com o Conselho Tutelar,
especialmente conduzindo o processo de eleição dos conselheiros
tutelares, baixando normas sobre o seu funcionamento e atendendo as
suas solicitações. Ou seja, tem exercido fiscalização e controle sobre as
ações de amparo e proteção a criança e ao adolescente. Além disso,
comparado com os demais conselhos, foi aquele que mais recebeu
discussões de projetos encaminhados pela sociedade civil, e parece ser o
conselho mais dinâmico do ponto de vista da discussão do seu processo
de institucionalização, traduzido no debate sobre a sua Lei de Criação e
seu Regimento Interno. Talvez, por isso, tenha tentado, de alguma
forma, abarcar todas as atribuições estabelecidas na legislação. O CMS é
o conselho em que a presença da discussão e fiscalização sobre o Fundo
Municipal, os convênios e a aplicação de recursos e orçamentos é mais
marcante. São recorrentes ainda os temas ligados à fiscalização da
gestão da qualidade da saúde pública municipal e a qualidade dos
atendimentos e serviços da rede hospitalar.
Embora todas as dificuldades de se fazer inferências a partir da
leitura das atas, é possível fazer uma avaliação geral sobre a postura dos
conselhos a partir de 2001. Nota-se um maior dinamismo na atuação dos
mesmos. Além da freqüência das reuniões, as plenárias eram
direcionadas a partir de uma agenda mais ampla e consistente, que pode
ser reconhecida não somente pela quantidade de temas tratados, mas
também pela qualidade da discussão, pela continuidade dos temas
debatidos entre uma reunião e outra, e pela própria redação deste
documento. Os casos do CMDCA e do CMS são emblemáticos.
138
No caso do CMDCA, este dinamismo se traduziu na realização
da I Conferência Municipal, na elaboração de seu regimento interno e na
tramitação da alteração na Lei de Criação do Conselho. Percebeu-se
também uma maior atuação e participação dos representantes
governamentais, sejam eles conselheiros ou não, sendo que algumas
reuniões contaram com a presença do secretário da pasta e de vereadores
que foram prestar esclarecimentos aos conselheiros. O CMDCA foi o
conselho que mais versou sobre a apresentação dos programas e projetos
do governo, notando-se claramente um empenho, por parte do segmento
governo, em demonstrar eficiência e colaboração com o conselho. O
diálogo entre governo e sociedade civil, no interior este espaço, parece
ter sido afinado em torno das parcerias com as entidades privadas do
município na busca de recurso para o Fundo Municipal e dos programas
e campanhas desenvolvidas pelo executivo municipal. A campanha
“Não esmolas, cidadania” esteve presente em praticamente todas
as reuniões do CMDCA em 2001. Pareceu-me, portanto, que os
conselheiros governamentais que assumiram o conselho a partir de 2001
são mais comprometidos com o funcionamento do conselho e com o
segmento que representam.
No CMS, as mudanças são semelhantes, principalmente quanto
ao número de reuniões realizadas e o objetivo destas, uma vez que,
anteriormente, não transcendiam a mera aprovação de cunho formal e
burocrático de documentação demandada pela Secretaria de Saúde
(foram realizadas somente cinco reuniões em 1998, sendo três
extraordinárias para aprovação de documentação). Nestas reuniões,
ficou evidente que o repasse de informações pelo gestor sobre projetos e
programas tinha a finalidade de cientificar ao conselho sobre o bom
funcionando da Secretaria e de seus serviços, sem que o conselho
participasse efetivamente de qualquer processo mais amplo de
discussão. Logo, o conselho se tornou um mero espaço de repasse de
informes e de aprovação de projetos e programas que implicavam na
transferência de recursos para a municipalidade, sem contar com um
envolvimento efetivo dos conselheiros. Em 2001, observa-se uma
mudança na dinâmica do conselho, que passou a ter reuniões mensais.
Nota-se que o próprio local de reunião do conselho mudou: do gabinete
do Secretário de Saúde para a sala de reuniões da Secretaria de Saúde,
indicando mudança na postura e atuação perante o conselho. É
significativa a diminuição dos informes tratados nas reuniões, sendo as
pautas mais extensas e densas, muito embora permaneça o grande
número de aprovações de prestação de contas de forma contábil e
139
sintetizada, sem um debate prévio, bem como de projetos e programas
que deveriam ser avaliados com mais cautela.
Apesar da percepção de alguma mudança na atuação do conselho
a partir da chegada de um partido da frente popular à prefeitura de
Concórdia, o segmento governo continuou a ter preponderância
absoluta, em todos os conselhos, na iniciativa das falas, na seqüência de
discussão e na apresentação de propostas, especialmente no caso do
CMS. Como a contestação é praticamente inexistente, pode-se afirmar
que a grande parte dos temas tratados nos conselhos são pautados pelo
governo, que além de arrolar os assuntos, também prossegue no tema e
sugere as propostas a serem votadas. Portanto, durante as gestões
analisadas, o segmento governamental foi aquele que deu o tom das
discussões dos conselhos. Mas, apesar da modesta atuação da sociedade
civil no espaço público dos conselhos, percebe-se que os segmentos que
promovem algum debate e reação são, no CMS, os do campo do
trabalho e, no CMDCA, os do campo religioso e assistencial (até 2000),
ganhando força, na gestão seguinte, o campo do trabalho. No caso do
CMDCA, isso implica que as deliberações do conselho foram
precedidas de alguma disputa. No caso do CMS, apesar de certa
interlocução, percebe-se que a quase totalidade das decisões do conselho
foi conduzida pelo segmento governo. O CMAS foi o conselho que
apresentou a atuação mais consensual e “harmônica”, tanto na
capacidade de dialogar, quanto nas capacidades de contestar e de propor.
Isso indica que as decisões do conselho são tomadas sem um debate
prévio consistente e contestatório.
Podemos concluir então que, a partir dos temas tratados e da
forma como se estabelece o processo decisório nos conselhos, estes
espaços pouco têm se materializado enquanto ambientes efetivos de
definição de políticas públicas. A ausência de um debate ativo e
autônomo com capacidade propositiva da sociedade civil, associada à
tematização de assuntos que não se traduzem em políticas mais amplas,
comprometem a instância do conselho como arena pública de definição
de parâmetros mais amplos e eficazes para uma construção participativa
das políticas sociais. Vale lembrar que, não foi verificada qualquer
discussão ampla no conselho sobre os Planos Municipais e Planos
Plurianuais. Estes documentos, centrais para as definições das políticas,
estiveram em pauta somente para seguir os ditames do protocolo formal-
legal. Além disso, a discussão sobre recursos caminha na mesma
direção, não se traduzindo efetivamente em discussões e definições de
onde e como aplicá-los. Portanto, o conselho participa das decisões, das
140
aprovações e da fiscalização, mas não participa concretamente da
elaboração das políticas e do modo como os recursos serão empregados.
Assim, apesar de algumas tentativas de reação, a sociedade civil
não conseguiu efetivamente conferir, nos conselhos, uma atuação
autônoma e crítica diante do segmento governamental que, certamente,
exerceu o controle sobre estes espaços durante o período de 1998 a
2002.
3.3. Trajetória Política e Participação Institucional
A análise da trajetória de vida dos entrevistados permite a
identificação de dois grandes grupos: aqueles que se envolveram com as
questões públicas antes da década de 1990 e aqueles que começarem
a participar em período posterior
88
, doravante G1 e G2 respectivamente.
O G1, composto por nove dos dezenove entrevistados, tem a sua
trajetória de participação política e pública marcada pela militância
política em movimentos sociais, movimentos estudantis e movimentos
sindicais que datam de período anterior a década de 1990. Somente três
destes não tiveram envolvimento com a formação fornecida pela
Teologia da Libertação através do envolvimento com as Pastorais,
sobretudo com a Pastoral da Juventude. As premissas adotadas pela
Igreja Católica e traduzidas na concepção da Pastoral da Juventude não
determinaram um marco inicial de participação política, como
engendraram o trânsito da militância dos movimentos sociais e dos
movimentos sindicais para o partido e, posteriormente, para cargos no
executivo municipal em três destes atores. Para alguns, o trânsito se deu
da igreja para o partido; para outros, da igreja para outros movimentos
sociais. A “fase de transiçãonão ocorreu de forma linear e homogênea
para todos, mas é fato que o envolvimento primeiro com a igreja
imprimiu feições nos valores absorvidos e nas práticas e concepções
políticas e de transformação social partilhadas por este grupo.
O G2, formado por dez entrevistados, majoritariamente iniciou a
sua atividade política na segunda metade da década de 1990, motivados
à participação por razões diversas, entre elas, a formação adquirida
durante o período de estudos na universidade. São pessoas que, em sua
maioria, não tiveram experiências de participação política e social em
movimentos sociais ou em associações da sociedade civil, sendo que o
88
Ver caracterização dos entrevistados no Apêndice D, p. 200.
141
contato com as questões políticas e públicas vieram efetivamente a partir
dos anos 2000, já no espaço institucional dos conselhos.
Portanto, o G1 é composto por cidadãos que tiveram a sua
inicialização política gerada durante o período ditatorial e que, de
alguma forma, estavam lutando pela democratização do espaço público
local, enquanto o G2 é composto por cidadãos que têm a sua prática
política autorizada e estimulada exatamente a partir dos espaços
institucionais, como os conselhos gestores.
No CMAS, entre o segmento sociedade civil, apenas um dos oito
conselheiros entrevistados possui trajetória de participação como
delineada no G1 e, entre a ala governamental, somente um conselheiro
partilha desta mesma trajetória. No CMDCA, dos cinco atores ouvidos,
três pertencem ao G1, sendo somente um deles representante do
segmento governo. No CMS, quatro, dentre cinco entrevistados,
inserem-se no G1.
Para a análise das próximas seções serão considerados os
argumentos e as justificativas citadas por este universo de entrevistados,
fazendo as devidas distinções ao grupo pertencente, quando necessário
(G1 ou G2)
89
. O Quadro 4, p. 143, apresenta a relação entre os marcos
político-sociais nacionais e municipais e as trajetórias de militâncias dos
sujeitos entrevistados.
89
Para a análise do funcionamento dos conselhos serão consideradas as avaliações dos
conselheiros governamentais e não-governamentais, com destaque à sociedade civil. Em alguns
casos estas avaliações serão replicadas com as informações extraídas das atas. Neste ponto, é
bom lembrar que, para a análise das atas, considerei o período de 1998 a 2002. Já as entrevistas
foram concedidas por conselheiros da gestão iniciada em 2007. É óbvio que esta diferença de
interregno pode apresentar limites e desvios indesejados, mas considero que, a despeito desta
fragilidade metodológica, a comparação pode fornecer informações relevantes para a
compreensão da autonomia, principalmente, se considerarmos que as análises aqui desenhadas
não têm nenhuma pretensão de generalização e que os recortes temporais se deram em função
mesmo do atendimento de parte dos objetivos desta pesquisa. para a avaliação sobre as
diferentes percepções de autonomia considerarei apenas as falas, e as mais significativas, dos
representantes da sociedade civil, buscando compreender como estes percebem e encaminham
a relação com o Estado no espaço institucional dos conselhos.
142
QUADRO 4 ± RELAÇÃO ENTRE MARCOS POLÍTICOS NACIONAIS E MUNICIPAIS E TRAJETÓRIAS INDIVIDUAIS*
Trajetórias
Nasc.
1971-1975 1976-1980 1981-1985 1986-1990
1991-1995
1996-2000
2001-2008
Marcos
Conjunturais
Nacionais
- Ditadura Militar
- Mov. Clandestino
de Resistência
- Início da
Rearticulação dos
Mov. Populares
Urbanos
- Ditadura Militar
- Emergência Pública
dos MS Urbanos
- Mov. Anistia
- Greves ABC
- Teol. da Libertação
- Reforma Partidária
- Fundação do PT
- Abertura do Regime
- 1º Eleição Municipal
Pluripartidária
- Fundação da CUT
- ³'LUHWDV-i´
- 1º Gov. Civil
- Constituinte
- Constituição Federal
- 1º Eleição
Presidencial Direta
- 1º Capitais
Administradas PT
- Criação dos CNS e
CNDCA
- Inserção
Institucional dos MS
- Impeachment de
Collor
- Crescimento do PT
nos Municípios
- Eleição FHC
-Criação do CNAS
- Reeleição FHC
- 3º derrota do Lula
- Crescimento do PT
nos municípios e nos
estados
- Grande Marcha do
MST à Brasília
- Crescimento da
Desigualdade,
Desemprego e
Violência
- Ampliação das
alianças do PT
- Eleição de Lula
- Reeleição de Lula
Marcos
Conjunturais
Municipais
- Sistema de
Parceira/Integração
na Agroindústria
- Crise Econômica
- Peste Suína Africana
- Teologia da
Libertação
- Renovação das
Lideranças do
SINDICOM
- Fundação do MAB
- 1º Mobilizações no
Oeste Catarinense
- Fundação do MMA
e do MST
- Início do Êxodo
Rural
- 1º Greve dos
Trabalhadores da
Sadia
- Filiação do
SINDICOM a CUT
- Fundação do PT
(89)
- Eleito o 1º vereador
pelo PT
- Intensificação do
Êxodo Rural
- Renovação das
Lideranças do
SINTRIAL
- Filiação do
SINTRIAL a CUT
- Criação do CMAS e
CMS
- Nova Greve dos
Trabalhadores da
Sadia
- Criação do
CMDCA
- Chegada do PT ao
Executivo Municipal
- Criação do OP
(2001)
- 1º Reeleição do PT
(2004)
- 2º Reeleição do PT
(2008)
Márcia
(CMS)
1952
- Grupo de Jovens e
catequese
- AJA
- Grupo de Jovens
- Militância Estudantil
- Militância Estudantil
- Grupo de Jovens
- Associações Civis
- Associações Civis
- Associações Civis
- Associações Civis
- Conselhos
Fátima
(CMS)
1961
___ - Militância Estudantil - Militância Estudantil
- Militância Estudantil
- Mov. Sindical
- Comitê da
Cidadania
- Mov. Sindical
- Comitê da Cidadania
- Mov. Sindical
- Comitê da
Cidadania
- Mov. Sindical
- Comitê da
Cidadania
- Conselhos
Cláudia
(CMAS)
1966
___ - Grupo de Jovens
- Pastoral Catequética
- PJ
- Pastoral Catequética
- PJ
- MAB
- PT e Mov. Sindical
- Pastoral da Criança
- PT e Mov. Sindical
- MAM
- PT e Movimento
Sindical
- Conselho
- Coordenação do
OP PMC, CC**
- Conselhos
- Mov. Popular e
Associações Civis
Rose
(CMDCA)
1967
___ - Grupo de Jovens
- Grupo de Jovens
- PJ
- PJ e Pastoral
Catequética
- MST
- Pastoral Catequética
- Pastoral
Catequética
- Pastoral Familiar
- Conselhos
Marcos
(CMDCA)
1967
___ - Grupo de Jovens
- Estudante de
internato
- PJ
- PT e Mov. Sindical
- MAB
- PT e Mov. Sindical
- PT e Mov. Sindical
- PT e Mov. Sindical
- PMC, CC
- Mov. Popular
- Conselhos
Ana
(CMS)
1967
____ ___ - Militância Estudantil - Militância Estudantil
- Associações Civis
- Militância Estudantil
- Associações. Civis
- Associações Civis
- Conselho
* Quadro e marcos conjunturais nacionais elaborados a partir de Feltran, 2006, p. 383, apresentando apenas algumas modificações.
** A sigla PMC, CC significa Prefeitura Municipal de Concórdia, Cargo Comissionado
143
Trajetórias
Nasc.
1971-1975 1976-1980 1981-1985 1986-1990
1991-1995
1996-2000
2001-2008
Paulo
(CMAS)
1970
___ ___
- Grupo de Jovens e
catequese
- Grupo de Jovens
- Coord. PJ
- PJ
- PT
- Jovem liberado PJ
- PT e Mov. Sindical
- PT e Mov. Sindical
- PMC CC (2003)
- Secretário PMC,
CC (2008)
- Conselhos
- Associações Civis
Roberto
(CMS)
1977
___ ___ ___
- Grupo de Jovens,
catequese, clube de
esportes
- Funcionário de
empresa privada
- Seminário
- Grupo de Jovens
- MAB
- PT e Mov. Sindical
- Conselhos
Mateus
(CMDCA)
1961
___ ___ ___ - Mov. Sindical
- PT e Mov. Sindical
- PT e Mov. Sindical
- Mov. Popular
- PT e Mov. Sindical
- Mov. Popular e
Associações Civis
- Participação OP
- Conselhos
Vera
(CMS)
1952
___ ___ - Cooperativa ___
___
___
- PMC CC (2001)
- PMC Concursada
- Secretária PMC,
CC (2004)
- Filiação PT (2007)
Jorge
(CMAS)
1955
___ ___ ___ ___
___
___
- Conselhos
- Assoc. Civis
Marta
(CMS)
1961
___ ___ ___ ___
- Entidade do campo
social
- PMC concursada
- Conselho
Célia
(CMAS)
1962
___ ___ ___ ___
- Estágio com
Associações Civis
- PMC, CC
- Conselho
- Associações Civis
Aparecida
(CMAS)
1964
___ ___ ___ ___
- Mov. Sindical
- Conselhos
- Mov. Sindical
- Conselhos
- Mov. Sindical
Ester
(CMAS)
1968
___ ___ ___ ___
___
- Prefeitura, CC
- PMC concursada
- Conselho
- Associações Civis
Edna
(CMAS)
1969
___ ___ ___ ___
___
- Funcionária
entidade privada
- Conselhos
- Associações Civis
Lourdes
(CMDCA)
1975
___ ___ ___ ___
___
___
- ONG
- Conselho
Rita
(CMDCA)
1977
___ ___ ___ ___
___
___
- PMC concursada
- Conselho
Carlos
(CMAS)
1979
___ ___ ___ ___
- Militância Estudantil
- Militância
Estudantil
- Filiação PSDB
- Conselhos
Fonte: Elaborado pela autora.
144
3.4. Autonomia e a participação conselhista: os atores em
cena
Como já posto na seção 3.2, p. 127, os conselhos foram avaliados
em seu processo decisório interno a partir da análise das atas. Cabe
agora, expor os julgamentos sobre a atuação do conselho feito pelos
próprios conselheiros. As informações das entrevistas são sugestivas e
reveladoras do entendimento de parte do processo de decisão, na medida
em que se verifica, apesar das diferenças entre os segmentos, uma
avaliação relativamente coerente das questões relacionadas a atuação do
conselho.
a) O CMAS e o poder de colaboração
Detecta-se, entre os representantes do CMAS, uma percepção de
que o conselho tem uma vida ativa e de que executa parte das
atribuições estabelecidas em Lei. Em coerência com os principais temas
tratados e as principais decisões identificadas nas atas do CMAS,
também os conselheiros da atual gestão nomeiam a fiscalização das
entidades como a competência efetivamente realizada pelo conselho.
Percebem, no entanto, que o conselho não tem fiscalizado como deveria
o emprego e utilização dos recursos aprovados, e que não tem
participado concretamente das deliberações sobre os processos de
elaboração, avaliação e monitoramento das políticas públicas.
Observemos uma das falas:
Eu acho que pouca coisa que é exercida é o poder de fiscalização
do conselho. Se for falar da prestação de contas, a gente a
aprova de forma contábil, é números. Veio X, foi gasto X. Agora
se esse X foi destinado para o fim específico a gente não sabe. A
gente fiscaliza as entidades, as creches do município, o centro de
idosos, que é patrocinado também pelo município. [...] A gente
não fiscaliza tipo um programa que vem pra prestar contas. Isso
não foi fiscalizado. [...] O conselho delibera sobre as entidades
que fazem o cadastro. A prestação de contas que é pouco
deliberado. [...] A gente não reivindicou fazer esse projeto. Isso
nunca partiu de nós. Acho que por falta de conhecimento, pra eu
saber se isso eu posso fazer ou não. (Carlos, Representante da
sociedade civil CMAS).
145
Considerando a dinâmica interna de debate e de discussão, os
conselheiros identificam, embora não de forma imediata, a existência de
conflitos entre os conselheiros, sendo o embate entendido enquanto
divergências de idéias que é sempre acompanhado de aprovação de
propostas por consenso e unanimidade. A avaliação deste conflito foi
sempre positiva e não foram mencionados constrangimentos em propor
e discordar do tema em pauta.
Conflitos existem, mas um conflito saudável. A discussão de
idéias, mas nenhum conflito político, partidário e ideológico.
Todo o projeto que vem, todo o pedido que vem de entidade, de
parecer, sempre é discutido. Tudo é discutido. Não é aquela coisa
imposta. Então, até hoje todas as decisões foram por
unanimidade, mas sempre ocorre uma grande discussão. (Carlos,
Representante da sociedade civil CMAS).
No entanto, alguns relatos foram mais apurados quanto à questão
do conflito no CMAS. Dois dos entrevistados identificaram confrontos
não reconhecidos pelos demais. Seguem duas falas, a de uma
representante da sociedade civil e outra do governo:
A sociedade civil organizada, que participa do conselho e que é
atuante, muitas vezes não consegue entender toda uma dinâmica
administrativa. E os conflitos se dão nesse sentido. Porque às
vezes tem ações que são importantes implementar, mas
administrativamente fica difícil. Porque a sociedade civil
organizada compreende a lógica do mercado: eu quero, logo eu
executo. Mas nada que o diálogo e a conversa não resolvam.
(Cláudia, Representante da sociedade civil CMAS).
conflitos de idéias sim. Eu diria que no nosso conselho, em
especial, conflitos de concepções políticas muito fortes, eu
percebo isso que pra mim é salutar. Eu ficaria muito triste se nós
num conselho com muitas pessoas, tudo que se fazia pra
aprovar ou se discutir, seria ok. Teria alguma coisa errada nesse
processo. uma disputa, [...] inclusive isso faz o espaço
público crescer e refletir. (Paulo, Representante do campo da
administração pública CMAS).
Esta ciência do embate torna-se curiosa, e em parte se explica
quando conectamos com a história de vida de quem a mencionou: são
pessoas que tiveram a sua trajetória marcada por longo histórico de
participação e de pessoas que transitaram do campo movimentalista para
146
o campo da administração pública (G1)
90
. Conseqüentemente, ao menos
neste caso, a trajetória parece ter permitido não somente uma visão mais
refinada e acurada do conflito, como igualmente permitiu o
conhecimento dos tramites burocráticos exigidos por dentro do aparato
estatal para a efetivação das políticas. É bom lembrar que, segundo as
atas, o CMAS foi o único conselho que não apresentou contestação em
cinco anos e que expressou baixos índices de prolongamento de debate,
onde 74,1% dos seus assuntos pautados não foram alvo de qualquer
discussão. Ademais, as próprias respostas dos conselheiros aos
questionários indicaram que, para a gestão atual, o grau de
conflituosidade é baixo.
A ausência de conflito poderia remeter a falta de ambiente
favorável à proposição e a discordância autônoma, mas os depoimentos
indicam que o sentimento de autonomia existe entre os conselheiros, e
diz respeito, sobretudo, à liberdade de opinião e de expressão livre de
qualquer constrangimento.
Eu acho que todas as entidades civis ali são autônomas. Não tem
nenhuma que está atrelada à administração. Tanto que nenhuma
tem receio de colocar sua opinião ali. [...] O conselho é
autônomo nas suas decisões. As decisões deles são dos próprios
conselheiros. Nada é imposto para a administração, não é aquele
conselho que vem a ata vai falando o que é e assina. Então a
dependência é somente na estrutura física, agora a autonomia de
discussões é total. Não interferência. (Carlos, Representante
da sociedade civil CMAS).
Não fala quem não quer falar, mas não que não tenha esta
possibilidade e que não seja dada esta abertura. Eu vejo assim
que deixa bem à vontade. A gente tem autonomia para propor.
(Aparecida, Representante da sociedade civil CMAS).
Mas, a gente tem condições de dizer não, de pedir mais detalhes
quando não se entende. A gente tem o dom da palavra pra
discordar, a gente tem liberdade e sem constrangimento nenhum.
Porque todos são postos a falar. É claro que tem alguns que
concordam, mas eu sou um que se não entendi eu falo. (Jorge,
Representante da sociedade civil, CMAS).
90
No caso da primeira fala a representante é da sociedade civil, mas também ocupa cargo na
prefeitura.
147
A autonomia de argumentação parece ser experimentada apenas
pelos representantes da sociedade civil. Estes comentam a respeito da
percepção de que os conselheiros do segmento governamental não
compartilhar da mesma autonomia de fala. A constatação deste fato
implicou na recorrente menção dos entrevistados a necessidade de
estruturação de uma secretaria executiva do conselho independente da
Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social e Habitação (SEDES)
que forneça subsídios para que o conselho funcione de forma autônoma.
Eu acho que os representantes da área governamental, eles têm
certo receio. Eles não chegam a demonstrar, mas em alguns
assuntos, quando têm a ver com a administração, eles preferem
que nós comentemos e eles nos seguem. Mas é certo que eles
ficam um pouco recuados a falar contra quem lhes paga. [...] O
presidente da área civil tem essa liberdade maior e algo que
precisa, que até foi colocado no plano de metas da conferência,
que é a estruturação independente do conselho. De você ter a sua
sala, sua sede, a sua secretária, que isso tem que priorizar. Eu
acho que tornaria mais independente ainda. (Carlos,
Representante da sociedade civil CMAS).
A sujeição conferida à parte dos conselheiros governamentais
também é sentida e observada por estes que relatam ter cuidados nas
posturas adotadas no conselho. Mas, esta sujeição não abrange toda a ala
governamental. Alguns se sentem autônomos, e aqui, a menção a
trajetória torna-se novamente esclarecedora. Os representantes do
governo que expressam maior sentimento de autonomia são aqueles que
compartilham parte das trajetórias de vida do G1 e que partilham do
mesmo projeto político da administração. Esta aproximação confere a
estes uma autonomia mais ampla, definida e autorizada pelos subsídios
de identidade política. Embora o alvo não seja a autonomia dos
conselheiros governamentais, a verificação desta diferença torna-se
relevante na medida em que, nos conselhos analisados, existem pessoas
alocadas na gestão e nos movimentos sociais e que nos diferentes
espaços conselhistas exercem diferentes tipos de representação que
certamente são afetados por esta percepção. Dito de outra forma, alguns
atores representam, em certos espaços, a sociedade civil e em outros, o
governo. No caso do CMAS, na atual gestão, uma conselheira
representa a sociedade civil, mas no período anterior representou o
governo. Estas diferentes inserções são interessantes para se pensar a
questão da autonomia e dos desafios postos a participação institucional.
148
Apesar do elevado sentimento de autonomia, parece que este não
se efetiva em uma capacidade verdadeiramente autônoma de proposição
de políticas públicas.
Claro que o conselheiro municipal não tem toda aquela
autonomia de decisão que tem o governo atual. Os conselheiros
estão aqui para concordar, discordar e até certo ponto discutir
algumas coisas. Mas não pra definir tudo ou pra decidir tudo. Eu
acho que quem está no governo é que tem um maior poder de
decisão. Os que trazem os assuntos praticamente
encaminhados. É mais ou menos assim que eu entendo que
funciona. Nós não começamos a iniciar o problema, a gente já
recebe o problema já trabalhado pra uma aprovação ou não.
(Jorge, Representante da sociedade civil CMAS).
Eu não vejo uma alavancagem muito grande de políticas
públicas, são coisas bem pontuais. A política pública em si eu
vejo mais direcionada da área governamental. [...] Por exemplo,
a política de assistência ao idoso é direcionada. A própria
secretária elabora uma proposta e apresenta. Pode até apresentar
para a população de idosos como um todo. Estes idosos aprovam
e se aprova no conselho como tendo uma participação legítima
da comunidade. Mas a comunidade em si não consegue fazer
estas propostas. Ela consegue aprovar uma coisa que vem já
pronta. (Célia, Representante da sociedade civil CMAS).
Parte destas informações pode ser corroborada pelo tipo de
decisão predominante neste conselho aferido pelas atas, em que as
aprovações sobre programas e projetos governamentais e prestação de
contas do Fundo Municipal de Assistência Social aparecem em posições
subalternas.
A dificuldade de engendrar uma participação autônoma e efetiva
em definições mais amplas parece estar associada a diversos fatores,
entre estes, a questão do conhecimento técnico e político. As análises de
duas conselheiras revelam esta faceta:
Eu discordo pouco. Eu estou mais observando agora, porque não
tenho conhecimento técnico-científico pra isso. [...] Mas eu
penso assim, você vai capacitar pessoas pra dois anos, é um
tempo muito curto. Aí quando você está preparado tem nova
eleição e você está fora. Por outro lado, você vai estabelecer um
tempo maior de permanência no conselho e tem pessoas que se
149
apropriam do conselho e a coisas ficam estagnadas. (Edna,
Representante da sociedade civil CMAS).
Outra questão que a gente discutiu e que conseguimos crescer
um pouquinho que muitas pessoas eram convocadas para ir para
a reunião e iam com o tempo muito delimitado. Muito pró-forma,
sem esse envolvimento maior. Tem muita coisa sacramentada:
ah é a pessoa daquela entidade conhecida, então ok, está
aprovado. Ninguém contrapunha, ninguém argumentava. (Célia,
Representante da sociedade civil CMAS).
Eu percebo que na maioria das vezes vem assim: tem que
aprovar este para vir outro recurso. Eu penso que não é falta de
abertura, mas é falta de conhecimento de quem está para fazer
uma contraposição. Está tudo ok? Quem está assinando? Nós não
temos elementos para dizer não. (Célia, Representante da
sociedade civil CMAS).
A deficiência de procedimentos de capacitação já havia sido
aferida como um possível problema para a autonomia. A Tabela 4 (Cf.
Capítulo 2, p. 108) explicita que o CMAS é o conselho em que os
representantes pouco receberam capacitação e, coerentemente são os
que menos se sentem capazes para discutir questões técnicas. Por sua
vez, também não recebem nenhum tipo de assessoria que poderia
eventualmente reverter esta dificuldade. O Gráfico 3 (Cf. Capítulo 2, p.
109) mostra que o sentimento de autonomia para propor e discordar está
relacionado, entre outras questões, ao conhecimento disponível e
mobilizado nos processos de decisão.
O entendimento mútuo que permeia as falas é o de que o núcleo
básico da idéia de autonomia parece residir na colaboração, e não
propriamente no embate, o que ratificaria a percepção quase que
generalizada da ausência de conflito.
Eu vou dar a minha idéia e a gente vai discutir e pode ser que a
idéia do outro seja melhor que a minha e eu abra mão da minha.
Mas pode ser que a minha idéia possa ser fomentada e dali se tire
uma coisa melhor. (Aparecida, Representante da sociedade civil
CMAS).
Apesar dos problemas identificados, os conselheiros fazem
avaliações positivas sobre o funcionamento do conselho.
150
Eu acho que está caminhando pra frente. [...] Eu acho que no
geral o que tem que despertar em todos os conselheiros e que eu
me incluo nisso, a gente participar de forma a ter a consciência
de que estou para definir políticas públicas. Essa consciência
ainda falta. (Edna, Representante da sociedade civil CMAS).
Positivas também são as avaliações dos impactos pessoais da
participação, sendo que foram poucos os conselheiros que acreditam ter
algum tipo de perda através do seu envolvimento.
Eu acho que ganhos eu tenho em relação ao envolvimento social.
Porque a gente fica conhecendo uma área que a gente não
conhece que são na verdade as várias entidades que existem em
Concórdia. O ganho também é de você ter certo controle, de você
saber o que o município vem investindo ou não na área social,
então ganhos eu acredito que seja tudo isso. (Carlos,
Representante da sociedade civil CMAS).
Não vejo nada que eu tenha perdido e sim que eu tenha ganhado
com isso. Porque eu conheci o lado social e carente que eu não
conhecia. Depois que eu me envolvi com a minha entidade
social, que eu senti que precisava olhar pra esse outro lado,
mais carente da sociedade. Eu nem sabia que existia conselho
municipal. Eu não tinha idéia da abrangência do conselho
municipal. Eu sabia que existia uma espécie de ajuda para as
pessoas carentes, mas não que era assim. (Jorge, Representante
da sociedade civil CMAS).
Se você não participa você fica muito limitado. [...] Por exemplo,
eu me dei conta de que a minha noção sobre a rede de assistência
social de Concórdia era pequenininha e ela é maior do que isso.
Então, você se conta que você não sabe direito nem o que seu
município tem ou disponibiliza para a comunidade. (Edna,
Representante da sociedade civil CMAS).
Eu hoje só vejo elementos positivos na participação. A gente se
desenvolve primeiro enquanto pessoa e a gente consegue ver as
pessoas também se desenvolvendo. E isso tem um valor e um
significado muito grande. [...] E eu vejo que muito do que eu sou
se deve a isso. Não faz parte de mim essa questão de se impor, de
lutar, mas a partir do momento que eu participo eu aprendi muito
a questão de respeitar o outro. (Célia, Representante da sociedade
civil CMAS).
151
Portanto, o CMAS é um conselho que parece ter uma atuação
pautada para uma ação consensuada fundada no princípio “colaborativo-
harmônico”. Os representantes, embora questionem a capacidade
deliberativa do conselho, não identificam, em sua maioria, nenhuma
desigualdade e desequilíbrio de força no interior do processo decisório.
Sua lógica de funcionamento, fundada no princípio do consenso, sem
explicitação do dissenso, remete a um tipo de autonomia menos crítica e
mais colaborativa.
b) O CMDCA e o poder de negociação
As avaliações dos conselheiros do CMDCA não são tão otimistas
se comparadas com o CMAS. Neste conselho, percebe-se que os
representantes possuem maior clareza sobre a real atuação deste espaço
na definição das políticas públicas, como também é patente as
percepções do conflito e da carência de autonomia. Quanto à capacidade
deliberativa, os conselheiros comentam que:
O conselho exerce, entre aspas, a capacidade deliberativa. A
capacidade é para a aprovação. Ele tem autonomia para aprovar.
[...] Porque vem tudo prontinho, principalmente na prestação
de contas. [...] O conselho anda conforme a música. Vive em
torno de definições que não são deles. Ele fica respondendo,
está apagando incêndio. Ele é pouco propositivo. (Lourdes,
Representante da sociedade civil CMDCA).
Nesta leitura, o conselho deteria competência para consentir ou
não com as práticas realizadas pelo executivo municipal, mas não teria
autoridade para regulamentar as definições sobre programas e recursos
do Fundo Municipal. Este espectro limitado de ação pode explicar, em
parte, os tipos de decisões predominantes verificados nas atas: os
encaminhamentos, as moções e as aprovações. As aprovações sobre os
programas e planos de ação e sobre as prestações de contas só aparecem
a partir de 2001, sugerindo, em conexão com a avaliação da conselheira,
que em um período anterior a atuação do conselho era ainda mais
restrita. Além disso, lembrando as informações extraídas por
questionário, a maioria das respostas aponta que somente às vezes (ou
até nunca) a sociedade civil tem conseguido influenciar as decisões do
gestor governamental (Cf. Gráfico 2, p. 106). Em contrapartida, nas atas
estudadas, o CMDCA foi o conselho que mais emitiu resoluções, mas
152
parece que os conselheiros não estão de fato suficientemente satisfeitos
com o desempenho do conselho.
Este julgamento de que o conselho não exerce, como deveria, a
sua atribuição deliberativa, também é reconhecido pelos representantes
governamentais, que percebem que o conselho não imprime qualquer
definição nos rumos das políticas de atendimento à criança e ao
adolescente no município.
E uma das atribuições do conselho é participar do
planejamento, das discussões da lei de diretrizes orçamentárias, o
plano plurianual e o conselho nunca foi convidado a participar
dessas discussões. A gente até sabe qual é o período que são
feitas essas discussões, mas nunca fomos convidados. O
conselho também nunca decidiu se impor. Talvez, pela falta de
conhecimento ou pelo fato de não querer brigar acaba não
participando. Em relação ao plano e ao fundo, o conselho não
tem deliberado nada. (Rita, Representante do campo da
administração pública CMDCA).
A percepção da não-participação do conselho nestas definições
significa que os representantes da sociedade civil e do governo
reconhecem prontamente a ausência de autonomia para questões macro-
sociais. Entretanto, isso não significa que, em outras ocasiões, ele não
possua algum tipo de autonomia. Vejamos uma preleção:
Em algumas questões autonomia, se o conselho disser não é
não. E eles acatam. Algumas questões não, porque eles sempre
têm aquele jogo de cintura, da coisa da lei, de fugir daqui e ali. E
ele tem como não acatar o conselho. Mas a maioria das decisões
assim, até hoje, foram e são acatadas pelo governo. [...] Algumas
questões eles até questionam, dizendo o, não é assim‟ e nós
dizemos não, não funciona corretamente. (Rose, Representante
da sociedade civil CMDCA).
Este poder de veto, embora limitado do ponto de vista da
autonomia, não é desprezível, principalmente quando acompanhado de
debate e discussão no interior do conselho. Neste sentido, o CMDCA é
um conselho que permite e perfilha o conflito de idéias, se comparado
ao CMAS. As informações das atas informam que este conselho foi o
que apresentou os maiores índices de prosseguimento do debate depois
da primeira intervenção (41,8%) e foi o único conselho em que
segmentos da sociedade civil tiveram preponderância na seqüência da
153
discussão, ao invés do campo da administração pública. Os
representantes da criança e do adolescente lançam assim, mão do
confronto de juízos como alternativa de demarcação das posições ali
existentes.
Mas assim, „por que não está funcionando?‟ ou „por que tal
entidade não funciona?‟, igual na prestação de contas „mas como
tem que pagar isso?‟. Então têm assim, eles questionam o
governo. [...] Eu acho interessante existir esse questionamento e
às vezes a gente mesmo está envolvido e passa despercebido. Eu
acho que esse questionamento faz a gente pensar „será que é
isso?‟. (Mateus, Representante da sociedade civil CMDCA).
Tem gente que é totalmente radical. Tem uma série de trâmites
que alguns processos têm que ter e eles não concordam. Não,
porque isso tem que funcionar assim, tem que ser diferente‟, mas
não entendem. Então, daí acontece às vezes divergências sim,
mais nesse sentido. Mas nada assim que outro não convença.
(Lourdes, Representante da sociedade civil CMDCA).
Mas, se este conselho apresenta conselheiros dispostos a uma
discussão mais ativa, para além de uma cooperação irrestrita, o que
impediria uma postura mais propositiva? Quais os limites postos a uma
atuação autônoma desta instância? Por parte da sociedade civil, foram
elencadas quatro razões: as determinações legais que balizam o raio de
ação do próprio conselho, a falta de conhecimento da sociedade para
pressionar junto com o conselho ações mais efetivas do governo, a
dependência de alguns dos recursos do poder público, e a sobreposição
de outras instituições sobre o conselho.
As leis dizem: você pode ir até aqui e daqui você não pode
mais‟. (Rose, Representante da sociedade civil CMDCA).
Embora a gente tenha bastante divulgação, o povo não sabe
como funciona, não sabe que existe, não sabe o que faz o
conselho. Até esses dias alguém falouesse conselho não resolve
nada, isso é bobagem‟. Então eles não têm noção do que um
conselho tem e pode fazer. (Mateus, Representante da sociedade
civil CMDCA).
A maioria trabalha, alguns trabalham pro governo. um pouco
ficam com medo de pressionar muito e queria ou não queria
acaba tendo repressão. [...] A gente até tava questionando um
154
tempo atrás com a promotora a questão das crianças e
adolescentes ficarem bebendo com o pai. E s marcamos uma
reunião. E ela disse que não tinha nada que fazer. Então, assim,
questões assim, às vezes a promotoria se julga com mais
autonomia do que nós e não acata o que a gente fala. E às vezes o
pessoal fica inibido. Todos ali, não do governo. (Rose,
Representante da sociedade civil CMDCA).
As observações dos representantes governamentais coincidem em
parte com esta avaliação, e também emergem, como no CMAS, as
limitações postas àqueles da ala governamental que não partilham da
trajetória dos membros que compõem a equipe da administração atual.
Para estes, a autonomia também é limitada. E mesmo para aqueles que
possuem grandes afinidades e laços estreitos com os valores do projeto
político da administração, a autonomia sofre constrangimentos postos
pelo sentimento de responsabilidade por quem representam e pelo
próprio âmbito das restrições da legalidade jurídica.
Por mais que a gente seja indicada, tenha autonomia, possa ir lá e
decidir, o governamental, ele não tem autonomia 100,0% pra ir lá
e decidir o que é melhor. Porque ele tem que pensar também que
quem o indicou foi o secretário, o prefeito, que o nomeou e ele
tem que defender também os interesses da administração. Pode
até concordar que está faltando um programa X, mas tem que
também ver o outro lado. Tem que apaziguar, de ver o que está
faltando, o que está sendo discutido, sendo visto o que pode ser
feito. (Rita, Representante do campo da administração pública
CMDCA).
A diferença de saber o que pode o e o que não pode. Essa
questão de estar dentro do governo e estar ao lado do governo.
Porque, muitas vezes, quem está fora do governo tem uma visão.
Quer determinar alguma atividade. Quem está dentro do
governo: bom, se a atividade é legal, sem problema nenhum. Não
tem essa história de o prefeito dizer: não, tem que ser assim e á
assim. Mas, tem algumas coisas que nós temos, como
representante do Poder Público, que defender. (Marcos,
Representante do campo da administração pública CMDCA).
A menção à dependência dos recursos públicos para o
funcionamento das associações da sociedade civil já havia sido aferida e
exposta na Tabela 8 e 9 (Cf. Capítulo 2, p. 119). O interessante de se
observar é que o CMDCA é o conselho que possui o menor número de
155
convênios firmados e o que apontou os limites deste tipo de prática para
a autonomia. Já o CMAS possui convênios em maior quantidade, mas
esta questão sequer foi mencionada entre os representantes da
assistência social, sugerindo que os representantes do CMDCA possuem
uma visão mais apurada da realidade e dos limites do conselho.
Nota-se, portanto, que no CMDCA, o sentimento de autonomia
existe, mas a capacidade efetiva ainda está latente. Os representantes,
não têm ciência da importância desta autonomia para a concretização
da participação conselhista, como também identificam os entraves
postos a esta participação e as formas de superá-los, como sugerido na
seguinte fala:
O conselho pode trabalhar sim as propostas e levar para a
administração e acredito que ele tem força de fazer com que
sejam implantados os programas. Eu acho assim, que a gente
pode até acionar o Ministério Público, para fazer com que esse
projeto, esse pedido do conselho seja implantado. [...] No outro
dia que a promotora e a juíza chamou a gente para trocar
informação a gente entendeu assim, que se a gente tiver essa
parceria com o Judiciário, com a Promotoria, a gente tem como
pressionar eles pra fazer funcionar a coisa como precisa. A
então eu não tinha essa visão, mas a partir do momento que ele
foi conversar e pelo que ela falou, o conselho tem o poder de
fazer e se não for acatado o pedido tem como acionar a
Promotoria. (Mateus, Representante da sociedade civil
CMDCA).
Evidencia-se assim que, a negociação nos processos decisórios
com outras instâncias é uma via encontrada, mas ainda não consagrada,
de acesso do conselho a uma autonomia ampla e ativa. Tentativas de
estabelecimento de parcerias haviam sido detectadas nas atas, em que
o conselho busca junto a empresas privadas recursos para o Fundo
Municipal. Também a sociedade como um todo poderia, se detivesse
maior conhecimento, ser uma aliada forte nos processos de negociação e
de proposição, de acordo com a avaliação dos conselheiros. Logo, a
capacidade de negociação desenvolvida pelo e no conselho é, na leitura
dos representantes, uma habilidade que deve ser desenvolvida com
vistas à superação dos obstáculos postos a concretização da autonomia.
Porque ele vai propor e vai ter um diálogo. Tem que ter uma
negociação. Porque se ele desistir, não tem por que. Eu acho que
muito radical também não vai chegar a lugar nenhum. Ele tem
156
que ter a opinião dele, mas tem que negociar e ver de que
forma pode ser melhorado. (Mateus, Representante da sociedade
civil CMDCA).
Eu digo que para deliberar, para que o conselho delibere, tem que
ter essa negociação, tem que ter esse conhecimento, porque daqui
a pouco eu tenho uma idéia e eu quero que aquilo ou o conselho
em sua reunião decidam que aquilo é o melhor e vamos bater o
pé. E eu vejo que não. Eu acho que a gente tem que ter a
negociação, ter a conversa e se não der, pela via da negociação,
o conselho pode exercer o poder que tem. De deliberar e que
seja cumprido. Autonomia via negociação e depois... [...] (Rita,
Representante do campo da administração pública CMDCA).
Os representantes da sociedade civil, também no CMDCA,
julgam que a sua atuação tem rebatimentos positivos, tanto para o
conjunto da sociedade, quanto para as experiências de aprendizado
individual e para os ganhos de conhecimento sobre os meandros das
políticas públicas.
Eu acho assim, tudo que você luta em prol do próximo, mesmo
que seja um pouquinho para o bem do próximo, eu acho que
isso é muito gratificante pra qualquer pessoa. E por pouco que a
gente faz e às vezes eu penso que a gente deveria fazer mais, eu
acho que a gente está mudando algo. Essa questão da lei da
criança e do adolescente. Eu não conhecia nada, mas depois que
tu conheces a fundo a lei da criança e do adolescente... [...]
Nossa, eu aprendi muito. Até do sistema sócio-educativo
implantado no país, como funciona. (Rose, Representante da
sociedade civil CMDCA).
Eu acho que de a gente conseguir fazer alguma coisa, de ter o
prazer de conseguir fazer com que aconteçam as coisas. Eu
aprendi porque a gente não sabe o que acontece, o que é o
conselho. E com a participação a gente vai conhecendo e acho
que é de grande importância o que a gente aprende. Porque a
gente toma conhecimento das coisas que podem ser feitas através
do conselho, que podem ser reivindicadas, eu acho que é muito
importante. (Mateus, Representante da sociedade civil CMDCA).
Conhece a realidade do município. Eu sabia dos casos, mas
não sabia em profundidade e o que precisaria ser feito algo.
Também se aprende como funciona um conselho... [...] (Lourdes,
Representante da sociedade civil CMDCA).
157
Desta forma, o CMDCA é um conselho que tem a sua atuação
definida pelos contornos da negociação caracterizada pela manifestação
de algum confronto de posição. Embora, a capacidade deliberativa ainda
seja limitada (a crença que perpassa é de que o conselho avança pouco
nos procedimentos de definição das políticas de atendimento à criança e
ao adolescente), a ciência dos mecanismos que restringem a autonomia
pode permitir a criação de caminhos alternativos para trabalhar com
estas limitações
c) O CMS e a questão do conflito
No Conselho Municipal de Saúde, a característica distintiva em
relação aos demais conselhos em análise é a existência de altas
divergências internas. Este traço marcante os contornos que
delineiam a fisionomia de sua atuação e a avaliação geral realizada pelos
entrevistados.
O Gráfico 2 (Cf. Capítulo 2, p. 106) mostra que, nos
questionários, esta faceta conflitiva já havia sido aludida, uma vez que o
CMS apresenta uma porcentagem que é quase o dobro das
manifestações do CMAS quanto a existência permanente de conflito
(64,7% dos representantes do CMS revelaram sempre haver conflitos
entre os conselheiros).
Os motivos do confronto são de natureza diversa, mas a razão
habitual da disputa diz respeito à presença constante de interesses
pessoais e particularistas no interior do conselho. Entre os entrevistados,
esta questão foi recorrente, conforme algumas falas:
Tem de ordem pessoal, tem gente que tem as suas ideologias.
Porque ele tem que ser conflituoso um pouco. tem os
profissionais que querem puxar o negócio pro lado deles. O
corpo clínico é fechado... [...] Tem pessoas que a gente percebe
que dentro do conselho sempre está dando pitaco, mas fora das
idéias. Não respeita a coletividade. Corta a conversa. O conselho
nosso vai ter que dar uma chacoalhada. „Escuta aqui, vamos
respeitar o resto das falas‟, porque vira um festival. Então nós
vamos ter que criar uma paridade nas discussões. Tem grupo que
monopoliza a fala. Mas existe também o lado bom. Quando você
mete o dedo na ferida do corpo clínico, eles têm de tomar
posição, eles têm que se defender. E vai forçar um pouco
entender o lado deles, porque deve ter o lado bom do lado deles
158
também. Tem que discutir um pouco, todo mundo vai ter que
ceder um pouquinho. Você às vezes vai ouvir uma crítica do seu
trabalho. (Roberto, Representante de usuário CMS).
Não existe um conflito entre os conselheiros. Existe jogo de
interesses. São os interesses comerciais mesmo. Dentro das
categorias. O que mais acontece, que a área médica vai e quer
que passe determinada ação e se você se posicione contra, aí
você fica mal visto. (Ana, Representante de prestador de serviço
CMS).
Pra mim é de ordem pessoal, particulares e alguns conflitos em
nível profissional e algumas coisas de partidos políticos. [...] O
que eu tenho percebido é que esses conflitos existem porque
existem pessoas que ainda vão pro conselho para defender „a
parte que me toca‟. E fecham o olho para todas as outras coisas.
Eu tenho a impressão que no conselho ainda se particulariza
problemas. Eu vejo profissionais dentro defendendo os seus
ideais e não os ideais da saúde do município. [...] Se você ouvir a
voz do gravador, nós vamos ouvir sempre a voz das mesmas
pessoas. Porque aquela pessoa humilde, simples, que tem outra
situação, que vem de outra realidade, ela não consegue discutir o
assunto. (Márcia, Representante de usuário CMS).
Pelas falas dos representantes, a formação de grupos de interesses
no interior do conselho toma dimensões indesejadas, na medida em que
institui uma disputa que não tem em vista a superação de problemas
coletivos ligados a área da saúde, mas sim a interesses correspondentes a
cada campo de atuação. As informações das entrevistas, cruzadas com
os dados do Gráfico 1 (Cf. Capítulo 2, p. 104), ajudam a entender essa
freqüente menção (dos representantes do CMS) ao ensejo de
participação para angariar benefícios para a associação que participam.
Ademais, as disputas não somente bloqueiam a dinâmica de
funcionamento do conselho, como impactam na paridade argumentativa
e no próprio processo de elaboração de políticas públicas. Embora um
dos representantes vislumbre um dado positivo neste conflito, os demais
mostram descontentamentos com esta realidade.
Além do conflito de concepções e interesses, também se
identifica outro tipo de confronto, direcionado às propostas ordenadas
pelo campo da administração pública. A confrontação, neste caso, diz
respeito às propostas feitas pelo segmento governo que muitas vezes não
correspondem aos anseios compartilhados pelos demais segmentos.
159
Tem algumas coisas que a gente sabe que chegam até a gente,
mas que estão decididas. Então, esse é o conselho que a gente
ouve falar é totalmente diferente dos que eram. A gente não
aceita as coisas. Não tem assim olha, vai sair tal coisa e a gente
trouxe pra vocês assinarem‟. Não. A gente quer saber que tal
coisa que vai sair. [...] Eu acho que a gente tem que ter a voz.
(Marta, Representante de usuário CMS).
A forte presença do poder público também foi identificada nas
atas, como mencionado na seção 3.2, p. 127. O campo da
administração municipal deteve as prerrogativas de fala e de propostas
ao longo de todo o processo decisório nos cinco anos analisados.
Também nas respostas aferidas pelo questionário, o Conselho de Saúde
apresenta altos índices de conflito e de avaliação de deficiências no seu
funcionamento, se comparado com os demais conselhos, especialmente
na capacidade da sociedade civil de influenciar as decisões do gestor
governamental (Cf. Gráfico 2, p. 106).
Os conflitos que emergem do interior do CMS criam situações
embaraçosas e apresentam ressonâncias no sentimento de autonomia
partilhado pelos representantes. Na avaliação dos conselheiros, a
autonomia é restrita face ao Estado no processo de definição das
políticas. Ilustro algumas falas:
A autonomia é muito limitada. Se você vem com uma proposta e
se não querem que a sua proposta passe, te podam e te colocam
de um jeito que as pessoas fiquem contra. Existe o fato de que as
pessoas ficam constrangidas em discordar. [...] E você pode até
discordar, mas o teu voto vai ficar diluído. eu comecei a não
assinar a ata se eu não concordasse com algumas coisas. Como
se fosse o único jeito de eu contestar. [...] Então, aqui na verdade,
a gente funciona pra deliberar coisas que já estão prontas. (Ana,
Representante de Prestadores de Serviço CMS).
Na última reunião eu me dei conta de uma coisa, que eu teria tido
vontade de dizer uma coisa que eu não disse. E eu me calei, e
calar não fica bem pra mim. Eu não fico bem comigo mesma.
[...] Porque eles colocaram pra nós que as equipes estavam todas
formadas [do PSF] que tinham médicos suficientes. E agora na
última reunião disseram: agora é mais difícil conseguir médico.
Então, porque não disse na outra vez pra nós? Porque então se a
coisa mais difícil é contratar médico, por que na hora de montar
PSF tudo é fácil? Então, eu queria ter cobrado. Mas, eu pensei,
160
porque eu já estava achando que estava um pouco conflituoso.
(Márcia, Representante de usuário CMS).
Nota-se que o processo de expressão das diferenças, ao invés de
fortalecer a ação conselhista, torna-se artifício de esvaziamento deste
espaço. A falta de ambiente para a expressão das opiniões livre de
constrangimentos é um dos elementos que parece de fato não permitir a
sociedade civil um sentimento de autonomia que se traduza na
possibilidade de diálogo e instituição de políticas públicas estabelecidas
a partir de uma elaboração coletiva. O sentimento de autonomia não se
materializa na prática conselhista, e esta constatação é percebida como
resistência pelos conselheiros que tentam, de alguma forma, modificar o
quadro estabelecido. A verticalização do processo de definição e decisão
dos temas é percebida por todos e, com muita dificuldade, os
representantes tentam fixar, se não o seu ponto de vista, ao menos o seu
descontentamento com as práticas adotadas e a discordância com os
encaminhamentos dos assuntos abordados. Portanto, é no CMS que os
conselheiros mais explicitam como a ausência de autonomia engessa
toda uma dinâmica deliberativa. Segue mais duas preleções.
veio bastante coisa meio pronta. O décimo PSF veio pronto e
nós dissemos sim. Eu busquei algumas rejeições, mas a maioria
aprovou. Mas eu acho que se a gente conseguir estruturar bem
esse PSF, eu acredito nesse PSF. [...] E eu inclusive já cheguei a
perguntar, vocês estão dizendo isso pra nós, mas tem que aprovar
isso aí? Em outros casos: vocês estão aqui pra mostrar ou pra
pedir que a gente aprove? A gente trouxe aqui para mostrar
pra vocês‟. Então não precisa mostrar. O nosso papel aqui é para
aprovar ou não aprovar. Isso aconteceu nas nossas reuniões. E
houve uns desentendimentos nesse sentido, mas se deixa bem
claro que nós não somos „banquinha de aprovar dentro.
(Márcia, Representante de usuário CMS).
[...] Porque eu acho que algumas coisas eram passadas pra gente
assim “passa pra assinar, passa pra assinar”, durante a reunião e a
gente não sabia nem o que era. E isso foi uma solicitação do
conselho que passasse pra gente uma planilha [de avaliação dos
gastos]. E que todo mundo olhasse. A gente assinava... [...] E
a gente ia falando e ia assinando. a gente foi assinando e um
dia falou „Pára! O que eu tô assinando?‟ Então nós pedimos para
eles fazerem um sucinto, mas agora a gente já pediu que fosse
um sucinto mais detalhado. (Marta, Representante de usuário
CMS).
161
Foram duas as sugestões colocadas pelos conselheiros como meio
de reverter este quadro: a primeira e principal significaria uma
mudança no arcabouço legal do conselho, e a segunda, uma maior
consciência dos conselheiros dos seus atributos.
Tirar a secretária como presidente. [...] Eu acho que isso tem que
ser votado entre os conselheiros, um líder que seja atuante. Eu
acho que até as reuniões não deveriam ser dentro da secretaria.
Eu acho que o conselho deveria ter um espaço próprio. Porque
a gente tem a impressão que tu ficas à mercê dos horários, dos
interesses, das coisas da secretaria. (Ana, Representante de
Prestadores de Serviço CMS).
O conselho é poderoso. que as pessoas que estão no conselho
não sabem de 10,0% dos poderes do conselho. [...] Eu acho que
existe uma influência muito grande do gestor. [...] O conselho faz
suas sugestões, mas às vezes existe uma resistência. Então, como
a presidente do conselho é a secretaria da saúde, claro que a
palavra final sempre é da secretaria. Por isso que a gente tem
tentado alternar a presidência pra não ter essa influência.
(Fátima, Representante de usuário CMS).
Eu tenho uma coisa que pra mim está muito clara que está
faltando nas pessoas: uma consciência clara do que é o conselho.
Qual é o nosso papel. A partir do momento que o pessoal tirar
aquelas particularidades, os interesses pessoais [...] Defender a
quem representam, mas ao mesmo tempo ter uma consciência de
que é um cidadão e exercer a sua cidadania pensando no todo e
não particularizar coisas. (Márcia, Representante de usuário
CMS).
A despeito de o conflito estar presente e produzir ecos no
funcionamento do conselho, alguns representantes repartem o
sentimento de que a melhor forma de encaminhar o processo decisório,
de forma autônoma e propositiva, é tendo na negociação quanto na
contestação o sentido e a orientação básica de ação.
Tem situações que você vai ter que entender, vai ter que
negociar. Agora, tem situações que, inclusive, dentro do
conselho, tem que se posicionar e bater o pé. Tem que ter
capacidade para negociar, tem que ter capacidade de aprender,
tem que ser dinâmico e ter autonomia e habilidade. Porque se
você fica batendo, você é intransigente. Daqui a pouco
ninguém mais te bola. E se você negocia o pessoal vem
162
com proposta. Ele não quer ouvir a sua proposta, quer é negociar
a proposta dele. Você tem que ter também capacidade de propor,
de negociar a sua proposta e em determinado momento, quando a
coisa é estrategicamente importante, ter a capacidade de propor e
negociar. (Roberto, Representante de usuário CMS).
Porque eu posso pensar que eu estou certa e defender. Mas nós
temos que ver o que é melhor pra todos. [...] Saber fazer as coisas
com negociação não mudando de opinião, mas cedendo em
algumas situações e analisando como um todo. (Márcia,
Representante de usuário CMS).
Quando as pessoas têm boas habilidades de negociação o
desempenho é melhor. Por exemplo, você com um bom diálogo
consegue se sair melhor. Às vezes você tem que ser mais flexível
para avançar. Tem que ter habilidade e flexibilidade. (Fátima,
Representante de usuário CMS).
Apesar dos problemas constatados, os representantes avaliam
com positividade e otimismo os avanços que o conselho tem feito.
Eu acho que o conselho está aprendendo a ser conselho, todo ele
ainda. Ele está muito melhor do que estava e vai melhorar
muito mais. Mas eu vejo que cada vez mais essa administração
está se abrindo. [...] A partir do conhecimento que cada
conselheiro vai tendo. Cada vez mais se interando de quem ele é
e quanto mais ele assumir isso, de que é um agente deliberativo,
mais ele vai deliberar. (Roberto, Representante de usuário CMS).
Agora, eu acho que está melhor, porque entraram uns
conselheiros bem interessantes. Nas últimas reuniões que eu
participei estava muito melhor. Melhorou muito o nível, pessoas
que entraram com a idéia de um conselho verdadeiro. Então, tem
essa visão de fiscalizar, deliberar e tudo. Eu acho que isso está
acontecendo agora. (Ana, Representante de prestador de serviço
CMS).
Está num processo de maturação, está no caminho certo. Sob o
meu ponto de vista nós avançamos, s crescemos. (Márcia,
Representante de usuário CMS).
Para alguns, é com entusiasmo que se avalia os ganhos advindos
desta participação que se traduzem em rendimentos associados ao
163
conhecimento da área de atuação do conselho e dos trabalhos de outros
atores. Para outros, a participação gerou certos desconfortos que
extrapolam o espaço do conselho.
E é sempre muito positivo porque sempre é o lugar que você está
interagindo um pouco mais, que a gente está pensando, pra ver o
que está ou não acontecendo, pra gente entender melhor e
entendendo melhor poder também falar pras pessoas. [...] Um
reconhecimento de como funcionam as coisas a nível desse
Conselho de Saúde e das outras instituições que participam desse
conselho. (Roberto, Representante de usuário CMS).
Conhecer o pessoal de várias áreas, mas como eu dei mais a cara
a tapa de questionar coisas que estavam acontecendo criou-se
situaçõezinhas que vão virando uma bola de neve. (Ana,
Representante de prestador de serviço CMS).
Meus ganhos são de conhecimento. Você se obriga a ler mais e
agora eu estou com um novo olhar. E estar no conselho está me
fortalecendo. A participação nas câmaras técnicas, como
profissional, como pessoa. A oportunidade que a gente tem é
muito grande. (Márcia, Representante de Usuário CMS).
Eu acho que o impacto positivo é o conhecimento, porque você
acaba conhecendo e se envolvendo e querendo melhorar sempre.
Então, algumas coisas você consegue, pela sua sugestão e
participação, melhorar a sociedade. [...] Impactos negativos, é
que quando você entra em conflito com alguma coisa, você acaba
sendo um espelho e sendo visto como uma pessoa mal vista. [...]
Fica aquele rótulo e se eu for tentar ir a algum lugar vão apontar,
aquela é a questionadora do conselho‟. (Fátima,
Representante de usuário CMS).
Eu não tinha participado de muitas coisas e vendo um quebra pau
e gente persistente e eu gosto desse tipo de pessoa. [...] Porque
agora eu tenho conhecimento de que algumas coisas estão sendo
feitas corretamente, que a gente tem uma margem legal pra
trabalhar e como instituição a gente também tem uma abertura
muito boa, bem importante, porque a gente leva nome, tem um
reconhecimento maior [...] (Marta, Representante de usuário
CMS).
164
Os argumentos elencados nas falas dos entrevistados expressam
que, entre os conselheiros do CMS, o sentimento de autonomia existe
com bastante vigor, mas este não consegue se efetivar, em grande parte,
pela estrutura do conselho e deste setor da política pública.
Côrtes (2002), em estudo comparado entre os Conselhos da
Saúde e da Assistência Social (em Porto Alegre), identifica um conjunto
de características que afetam e diferenciam a dinâmica de
funcionamento destes dois conselhos. No caso da saúde, o desenho
institucional do conselho, no que diz respeito à composição (com super-
representação dos usuários) e ao tipo de tarefa desempenhada (discussão
sobre grandes montantes de recursos) imprime a este espaço um grande
envolvimento dos usuários em definições significativas, se comparada
com a assistência social em que a “predominância de atividades de
credenciamento de entidades e a discussão de critérios para a
distribuição de recursos confere ao fórum um caráter quase cartorial
(CÔRTES, 2002, p. 200). Além disso, na saúde verificam-se
expressivos conflitos entre os diferentes segmentos, especialmente entre
os profissionais de saúde e os prestadores de serviços com os usuários já
que os primeiros, “dependentes de financiamento público, têm
manifestado oposição ao processo de reforma do sistema de saúde no
Brasil [...] e continuam exercendo influência sobre os gestores, mas
através de canais informais de acesso às decisões” (Ibidem). Ademais, a
complexidade da estrutura administrativa e da política de saúde, o
volume de recursos, a quantidade dos serviços prestados e o
envolvimento de grupos de interesse dão o tom do funcionamento do
conselho de saúde. Assim, a própria “natureza da população coberta
pelos serviços e os benefícios oferecidos afetam negativamente a
importância relativa da assistência social em comparação com a saúde”
(Ibidem, p. 201). Portanto, a complexidade e a importância da área da
saúde, associada aos interesses empresariais e corporativos de
segmentos que ocupam o conselho, imprimem alto grau de
conflituosidade a este espaço.
O conflito, no caso da saúde, ao invés de fortalecer a atuação do
conselho, gerou desavenças e suspeição entre a própria sociedade civil e
entre esta e o governo. A interface de negociação fundada no confronto
de interesses segmentados, e não no diálogo franco e aberto, tem feito
do conselho um ambiente de profunda desconfiança, paralisando este
órgão como instância deliberativa. Exemplar, neste caso, é o fato de que,
em 16 anos de existência, o CMS nunca tenha expedido uma resolução,
ou seja, não recorreu à ferramenta legal disponível ao conselho para
165
concretizar as suas decisões. A falta de mobilidade nas atividades do
conselho é, de alguma forma, contrabalanceada pelo empenho da
sociedade civil em reconhecer e reverter este quadro de subordinação. E
este esforço e os argumentos mobilizados pelos representantes da saúde
indicam que a força que este conselho demonstra, apesar de todos os
obstáculos, está de alguma forma, conectada a trajetória de participação
associativa de seus membros, que conferiu a eles não somente um olhar
crítico sobre a atuação do conselho, como também soluções de cunho
propositivo para as suas debilidades.
d) Síntese: autonomia e participação conselhista
É notório que todos os conselheiros reconhecem, em diferentes
graus, os limites postos a uma atuação mais efetiva e autônoma dos
conselhos, tanto no que diz respeito aos constrangimentos e a efetivação
do arcabouço legal e institucional desta instância, quando a postura
adotada pelo governo e pela própria sociedade civil no enfrentamento da
diversidade e da construção democrática. Os argumentos que justificam
a presença ou a ausência de autonomia, conjugados com as avaliações
da atuação do conselho realizadas pelos entrevistados, nos permitem
identificar padrões gerais de comportamento e apontam para o seguinte
entendimento sobre a autonomia:
1) O sentimento básico que reside no núcleo da concepção de
autonomia é definido e qualificado pelo tipo de interação comunicativa
estabelecida pelos representantes no interior destes espaços. O atributo
da autonomia está diretamente articulado com o sentimento de livre
expressão de opiniões. Logo, quanto mais amplo é o poder de fala,
maior o sentimento de autonomia.
2) Um obstáculo à consumação do sentimento de autonomia é o
desconforto no embate de idéias e o não reconhecimento do outro como
interlocutor legítimo que deve tomar parte no processo decisório.
3) A capacidade autônoma e o potencial deliberativo do conselho
incorporam prerrogativas de disposição a negociação. O sentimento de
autonomia, embora necessário, não é suficiente para materializar esta
capacidade que deve vir acoplada a artifícios para o desenvolvimento
desta habilidade de relacionar-se de forma estratégica.
4) O pouco confronto de idéias e altos índices de conflito
sugerem dificuldades e enfraquecimento da capacidade autônoma do
conselho. Pouco embate pode suscitar baixa vinculação para
166
operacionalização de decisões e embate em abundância pode se traduzir
em polaridades representativas. De qualquer forma, as divergências
internas, independente da intensidade, quando encaminhadas de forma
madura e responsável, podem render bons frutos para o conselho.
5) A potencialidade da capacidade autônoma está ancorada e é
acionada pela detenção de conhecimento técnico de questões específicas
da área de atuação de cada órgão colegiado. A assimilação deste
bloqueio e os caminhos para a sua superação traz a tona a discussão
sobre os problemas de capacitação. A qualificação técnica e política
impõe um saber diferenciado “que diz respeito ao conhecimento sob o
funcionamento do Estado, da máquina administrativa e dos
procedimentos envolvidos”, competência esta não disponível na
educação formal (DAGNINO, 2002, p. 284).
6) O refinamento dos exames feitos pelos representantes sobre a
autonomia e o procedimento deliberativo parece ser impactado
diretamente pelas experiências associativas vividas que conferem a
alguns atores maior capacidade crítica.
7) O compartilhamento dos mesmos valores e de trajetórias
semelhantes por parte dos representantes da sociedade civil e dos
representantes do poder público confere a estes um sentimento de
autonomia animado pelas afinidades identitárias. Frente aos demais
conselheiros, estes representantes protagonizam maior comodidade por
possuírem uma coincidência de projetos políticos que influenciam
sensivelmente em seus sentimentos de autonomia e de proposição.
8) É necessário se pensar em formas institucionais de resoluções
dos problemas identificados. Alterações no desenho institucional dos
conselhos podem significar ampliação da prática propositiva e
autônoma, na medida em que, representem soluções construídas
coletivamente através da representação da sociedade civil. A
institucionalização de soluções encontradas representa o aprimoramento
das legislações que garantem os procedimentos de funcionamento
adequado destes espaços.
9) Malgrado todas as dificuldades listadas pelos conselheiros,
estes fazem avaliações positivas quanto a importância e o fortalecimento
destes espaços, sendo o saldo também positivo para os impactos da
participação no aprendizado político.
Os apontamentos acima delineados parecem relevantes para se
pensar em uma tipologia da autonomia que ajude na compreensão dos
desafios à participação institucional. Os argumentos listados sugerem
167
que não existe uma autonomia, mas diversas modalidades e graus de
autonomia que sofrem fluxos e refluxos em vista de uma diversidade de
condições e de uma multiplicidade de fatores. O exercício da autonomia
inclui distintas percepções sobre a sua existência, sobre o núcleo básico
da sua composição, a interface e a relação com os outros atores, e a
leitura dos códigos de condutas que regem este ambiente, indicando a
impossibilidade de aglutinar estas diferentes perspectivas em um
modelo único de comportamento.
Assim sendo, a conjugação das informações extraídas das atas e
da trajetória política com as ponderações dos representantes do CMAS
permite afirmar que, neste conselho, verifica-se uma autonomia
manifesta na liberdade de expressão das falas, mas que não se patenteia
nos processos de deliberação das políticas de assistência social oferecida
aos munícipes. A limitada expressão dos conflitos confere a este
conselho uma atuação consensuada do tipo colaborativa, na medida em
que não se observa, nos argumentos, qualquer intenção explícita de se
estabelecer um confronto com o poder público no sentido de fixar
diretrizes. Embora reconheçam que a efetivação da autonomia passa
pela capacidade de negociação autônoma, o CMAS não tem feito uso
desta ferramenta como meio de pautar as definições do Estado. Não
obstante, está procurando, de alguma forma, imprimir uma postura mais
autônoma, especialmente quando sinaliza a necessidade de uma
estruturação independente, assim como a necessidade de capacitação
tendo em vista uma intervenção mais qualificada. A negociação com
vistas à colaboração, neste contexto, pode ser sinônimo de baixa
articulação e mobilização social autônoma (CMAS), conformando um
perfil pouco crítico e propositivo, o que caracterizaria um quadro
denominado, para efeitos deste trabalho, de autonomia colaborativa.
Por outro lado, a negociação com vistas à conciliação e
formação de alianças não é, necessariamente, sinônimo de pouca
capacidade autônoma, como no caso do CMDCA. Neste conselho, a
existência e a percepção de um ambiente de maior conflituosidade,
associadas a um envolvimento (dos entrevistados) no campo do
associativismo civil, permite a estes a leitura de que, embora o conselho
possua autonomia em algumas dimensões, esta autonomia não tem sido
suficientemente forte para imprimir avanços significativos na atuação do
conselho. A dependência de recursos do poder público, a falta de
envolvimento da sociedade, e o vago conhecimento dos trâmites
jurídicos e burocráticos são elementos que limitam o funcionamento
efetivo e autônomo do conselho. O reconhecimento das deficiências
para uma prática autônoma, conjugada com a listagem das possíveis
168
resoluções desta carência, sugerem a caracterização de um outro tipo de
autonomia, que estou chamando de autonomia pactuada, na medida em
que este conselho está orientado para as práticas da negociação e de
estabelecimento de “parcerias” – com a Promotoria, por exemplo
como caminho disponível para superação dos obstáculos a sua
autonomia. Ademais, os ganhos associados à participação conselhista
sugerem que noções sobre políticas públicas são fundamentais para o
aprendizado sobre o conselho.
no caso do CMS, como vimos, as associações da saúde
reconhecem o conflito e sugerem, em algumas falas, uma maior
capacidade crítica e autônoma, capacidade esta que parece estar
associada à trajetória dos conselheiros. A esta percepção, estou
denominando de autonomia crítica. Neste caso, os diferentes
comportamentos, as diversas repostas ao conflito e a escassa capacidade
propositiva no conselho são produtos das diferenças advindas dos
campos de atuação e dos perfis identificados. A diferença se estabelece,
em grande medida, pela trajetória de atuação e constituição política de
seus membros que, sem dúvida, imprimem ao conselho um desempenho
mais enérgico e protagônico, pautado pela busca de uma autonomia
mais complexa e rigorosa.
Verifica-se também, neste conselho, um outro tipo de autonomia,
aqui classificada como autonomia identitária. Tal concepção está
ancorada na idéia de compartilhamento do mesmo projeto político entre
setores da sociedade civil e do governo. Neste caso, a vinculação ao
mesmo partido do governo é um elemento importante para se pensar a
questão da autonomia, que recebe um outro estatuto, na medida em que,
diferente de separação, está ancorada na idéia de conformação de um
campo comum remetendo, em alguma medida, à noção de hegemonia. A
coordenação de um projeto político, ancorado em um princípio de
hegemonia, “não se sustenta fora do campo do Estado e muito menos
em oposição dicotômica ao Estado” (NOGUEIRA, 2003, p. 192).
Inversamente, o compartilhamento de um projeto político conecta e
associa sociedade civil e Estado. A busca de efetivação de uma nova
hegemonia passa pela conquista de governos (SADER, 2008), sendo que
a “luta social e luta institucional caminham juntas, articulando-se a
partir de uma estratégia de poder e hegemonia” (NOGUEIRA, op. cit.,
p. 191). Assim, a autonomia identitária corresponde ao ajustamento de
uma interface entre sociedade civil e Estado, por meio de um projeto
político compartilhado.
169
O Quadro 5, na página seguinte, apresenta uma tentativa de
classificação dos padrões de conduta apresentados e extraídos das
entrevistas. Como se trata de um processo dinâmico e multifacetado, a
síntese abaixo não corresponde a polarizações absolutas dos tipos e dos
comportamentos verificados. Ao contrário, a leitura deve ser feita de
forma transversal e a tipologia sintetiza um esforço de ordenar os
argumentos de forma inteligível para reflexões sobre a autonomia da
sociedade civil nos ambientes de participação institucional.
170
QUADRO 5 ± SÍNTESE DA AVALIAÇÃO DOS REPRESENTANTES DA SOCIEDADE CIVIL SOBRE A AUTONOMIA E A
ATUAÇÃO DO CONSELHO
Autonomia Colaborativa Autonomia Pactuada Autonomia Identitária Autonomia Crítica
Quem
Carlos (Sociedade civil, CMAS)
Aparecida (Sociedade civil,
CMAS)
Jorge (Sociedade civil, CMAS)
Célia (Sociedade civil, CMAS)
Edna (Sociedade civil, CMAS)
Mateus (Sociedade civil,
CMDCA)
Rose (Sociedade civil,
CMDCA)
Lourdes (Sociedade civil,
CMDCA)
Cláudia (Sociedade civil,
CMAS)*
Márcia (Usuário, CMS)
Fátima (Usuário, CMS)
Marta (Usuário, CMS)
Ana (Prestadores de Serviço,
CMS)
Roberto (Usuário, CMS)
Trajetória
G2 G1 (2 em 3) G1 G1 (4 em 5)
Existência de Conflito
Pouco Médio Médio Muito
Sentimento básico da
autonomia
Ausência de qualquer
constrangimento
Existência de baixos níveis de
constrangimento
Ausência de qualquer
constrangimento
Existência de altos níveis de
constrangimento
Concepção básica de
autonomia
Capacidade de colaboração
Capacidade de negociação e
colaboração
Capacidade de colaboração
Capacidade de negociação e de
proposição
Impactos positivos da
participação
a) Envolvimento Social
b) Aprendizado pessoal e social
c) Conhecimento sobre a
realidade local
a) Aprendizado pessoal e social
b) Conhecimento sobre as
políticas públicas
a) Aprendizado pessoal e social
b) Interação e conformação de
uma rede de contatos
a) Aprendizado pessoal e social
b) Conhecimento sobre as
políticas públicas
c) Interação e conformação de
uma rede de contatos
Impactos negativos da
participação
___ ___
a) Renúncia de momentos
pessoais
a) Constrangimentos pessoais
Sentido da participação
Colaboração Negociação Colaboração Negociação e influência
Avaliação do conselho
Positiva, mas com debilidades
Positiva, mas com poucos
avanços
Positiva, mas com debilidades Positiva, mas com críticas
Elementos / Condições
necessárias à efetivação da
autonomia
a) Estruturação independente
b) Conhecimento sobre o papel
e a atribuição do conselheiro
c) Capacitação técnica e política
a) Conhecimento da sociedade
sobre o conselho
b) Conhecimento da lei
c) Maior poder de negociação
d) Independência financeira das
entidades
e) Capacidade propositiva para
políticas públicas
a) Conhecimento sobre o papel e
a atribuição do conselheiro
b) Conhecimento sobre o
conselho
a) Estruturação independente
b) Remoção dos interesses
particularistas
c) Conhecimento sobre o papel e
a atribuição do conselheiro
d) Capacidade propositiva para
políticas públicas
Fonte: Elaborado pela autora. * Ainda que para o caso da autonomia identitária tenha sido entrevistada somente uma representante da sociedade civil, a análise sobre este tipo
de autonomia está endossada pelas falas de outros entrevistados que, para o caso dos conselhos examinados, representam o campo da administração municipal. O fato de
representarem o segmento governamental não significa que em outros ambientes institucionais eles não representem a sociedade civil, e também não implica um
distanciamento do envolvimento com o campo do associativismo civil. Ao contrário, os argumentos dos conselheiros que conformam os contornos da autonomia identitária
são os que possuem intensos vínculos com as associações civis.
171
3.5. Indicadores de autonomia
Como visto, as demandas por participação e “partilha” de poder
decisório encampadas pelos movimentos sociais e as organizações da
sociedade civil nos anos 1990 marcaram uma inflexão na atuação destes,
que passam a aceitar e a reivindicar a institucionalidade (“ao lado do
Estado”). Neste contexto, o discurso de autonomia se reconfigura, e o
reconhecimento das especificidades deste novo momento histórico
indica uma necessária revisão dos paradigmas analíticos disponíveis e
sacramentados. Assim, diferente de separação e/ou contraposição,
autonomia implica em relação, ou em tipos de relações. Este trabalho
identificou, a partir dos dados levantados, e seguindo as percepções dos
representantes conselheiros, pelo menos quatro tipos de autonomia,
quais sejam: a) colaborativa, b) pactuada, c) identitária, e d) crítica.
Embora com ocorrências transversais nos três conselhos analisados, é
possível relacionar os tipos predominantes no interior de cada um, como
mostrado. Importa, neste momento, compreender estas diferenças a
luz dos indicadores apresentados (Quadro 1, p. 73) e sistematizados a
partir da literatura utilizada. Retomemos, portanto, o quadro de
indicadores, tendo em vista o resgate dos seus principais pressupostos,
mas com os aportes do trabalho empírico.
Em primeiro lugar, os dados parecem confirmar a tese de que as
estruturas de oportunidades políticas são fatores que afetam a
participação e a capacidade de mobilização dos grupos sociais. Como se
pode perceber, o histórico de participação e de mobilização social
vivenciados no município de Concórdia favoreceu a inserção e o
envolvimento de grande número de jovens em questões políticas e
públicas, envolvimento este capitaneado pela entrada da Teologia da
Libertação no campo. A criação de inúmeras pastorais, especialmente da
Pastoral da Juventude, representou estímulo à participação que, via
mobilização dos atores sociais, possibilitou a formação de lideranças e a
tematização de inúmeras questões que afetam a vida das pessoas na sua
localidade. O formato de atuação das CEBs, centrado nos limites da
comunidade, conformou um tipo de ação coletiva de cunho popular e de
base territorial (DOIMO, 1995). Deste modo, a existência de
oportunidades à participação política, juntamente com o
desenvolvimento de identidades coletivas em torno de questões sociais,
materializaram-se não somente por meio dos “grandes” movimentos
sociais (MST, MMA, MAB e Movimento Sindical), mas também pela
proliferação de inúmeras associações e entidades ligadas ao campo
comunitário e assistencial. Neste sentido, as associações dos mais
172
diversos campos de atuação do associativismo civil (comunitário,
recreativo e desportivo, religioso e assistência, etc.) também
representam ambientes disponíveis para a participação política.
Igualmente, as mudanças na gestão municipal impactaram a
configuração dos espaços institucionais. Como vimos, a entrada do PT
imprimiu maior dinamismo a estes espaços no que concerne aos
processos decisórios, especialmente no CMDCA e no CMS. A eleição
de um representante de frente popular para o mais alto cargo político do
município, ligado a um partido de reconhecida ligação com o
movimento popular, representou mudanças tanto nos rumos políticos da
cidade, quanto na postura diante de espaços de participação política
como os conselhos gestores. A valorização das instituições
participativas já existentes e a constituição de outras, como o Orçamento
Participativo, guardam relação com o potencial que as estruturas
disponibilizadas à participação política podem desempenhar sobre as
motivações e a adesão a esta prática política.
No que diz respeito ao desenho institucional, percebeu-se que, de
fato, o arcabouço legal que sustentação ao funcionamento do
conselho pode imprimir oportunidades ou restrições a participação
autônoma. A composição dos conselhos que mantém equivalência com
o quadro do associativismo civil e o princípio de paridade,
especialmente no caso do CMS, opera como um dado favorável a
concretização da participação política. A existência de capacitação para
os conselheiros, igualmente, faz referência às potencialidades que os
espaços de participação podem desempenhar sob uma participação
substantiva e crítica, com destaque para o CMDCA e CMS. A atribuição
destes órgãos colegiados de controle social sob as políticas públicas
gestadas pelo Estado e pela transferência de importantes papéis de
fiscalização para o conselho, como verificado no CMAS, caracteriza um
processo de reconhecimento destes espaços e das organizações como
legítimos interlocutores na definição dos rumos das políticas oferecidas
aos munícipes. Por outro lado, a aspiração pela efetivação de uma
secretaria executiva do conselho, no caso da CMAS, e a pretensão de
determinação dos destinos do recurso do Fundo Municipal, no caso do
CMDCA, são indicativos de como as regras institucionalizadas podem
impactar o desempenho dos conselhos. O caso da saúde é o mais
significativo desta constatação, uma vez que o exercício da presidência
do conselho pelo secretário de saúde, membro nato, produz
constrangimentos aos demais representantes. Ademais, a própria área de
atuação do conselho e os requisitos institucionais que os diferentes
173
setores temáticos demandam para o seu funcionamento conformam
diferentes complexos institucionais, os quais apontam para os limites e
as potencialidades de efetivação da autonomia e da participação política
em cada uma destas estruturas. Ressalto novamente o citado
esclarecimento de Côrtes (2002) quanto às diferenças verificadas entre a
importância da área da saúde frente a da assistência social em relação
aos recursos mobilizados e à posição de cada uma no contexto da
administração municipal. Para Lüchmann,
Outra dimensão relacionada com o aspecto legal diz respeito à
tendência de uma institucionalização mais rígida, ou menos
dinâmica, no tocante ao estabelecimento de regras e mecanismos
institucionais, haja vista sua dependência da aprovação num
plano legal. Nesta perspectiva, as regras tendem a se tornar
rapidamente obsoletas frente ao acentuado grau de mudanças, ou
ao dinamismo das relações sociais (LÜCHMANN, 2002b, p. 70).
Em terceiro lugar, percebe-se uma correlação positiva entre o
sentimento de autonomia e o perfil sócio-econômico dos conselheiros
que apontam congruência entre os altos níveis de renda e escolaridade e
as maiores inclinações para atuação no conselho. O acesso a recursos
materiais e subjetivos sugere rebatimentos sobre o “poder mobilizatório
para aquelas parcelas da população diretamente relacionadas as políticas
públicas em questão” Wendhausen; Souza (apud LÜCHMANN;
BORBA, 2008, p. 65). Porém, como a bibliografia sobre a participação
política vem apontando, a dimensão da centralidade é limitada para se
entender o fenômeno da participação e da autonomia, especialmente
considerando-se que o conselho acaba por formar uma elite
especializada que se estabelece e domina os processos decisórios no
conselho, em detrimento de um processo mais amplo de democratização
da gestão local (FUKS, 2004; PERISSINOTTO, 2004.).
No que diz respeito ao perfil político-partidário, percebe-se que
indivíduos vinculados a partidos e associações parecem possuir maior
capacidade para atuação no conselho (neste caso, destacam-se o CMAS
e o CMS). O ativismo político e o engajamento a uma rede associativa
parecem fornecer elementos que dão sustentação ao sentimento de
autonomia. No entanto, as altas vinculações com o associativismo civil e
com as atividades políticas se manifestam em três dos quatro tipos de
autonomia identificados: a colaborativa, a identitária e a crítica. Embora,
possuam, em termos gerais, perfis políticos semelhantes, existem
algumas especificidades que assinalam as diferenças entre elas. Na
174
autonomia colaborativa, a vinculação da sociedade civil ocorre
principalmente com associações do campo religioso e assistencial e com
partidos mais alinhados com o pensamento liberal (PSDB e DEM); no
caso da autonomia crítica, a articulação dá-se com o campo comunitário
e com PT. No caso da autonomia identitária, a vinculação é igualmente
com campo comunitário e de envolvimento com o PT, envolvimento
este que se traduz, ao contrário da autonomia crítica, em cargos
comissionados na administração pública.
Logo, os que participam nos espaços dos conselhos gestores são
aqueles que possuem mais recursos associativos, políticos, econômicos
e culturais. A predisposição à participação estaria ligada não somente a
existência de uma estrutura de oportunidades políticas, mas também
estaria associada à configuração de uma rede associativa, em que a
conexão com o campo de atuação parece ser central. Assim, outros dois
indicadores importantes dizem respeito ao perfil do associativismo civil
no município e à densidade da rede associativa criada no interior da
sociedade civil. Como vimos, os conselhos incorporam entidades com
diferentes perfis de atuação. A maioria das associações é dependente,
de alguma forma, dos recursos oriundos de outras instituições para o seu
funcionamento. O repasse de verbas se dá por meio de convênios, sendo
que as associações lançam mão de “parcerias”, que quando estipuladas
com instâncias estatais, especialmente com a prefeitura, podem
apresentar rebatimento na capacidade autônoma de auto-organização e
de auto-determinação das organizações. A vinculação com este tipo de
agência alerta sobre a existência de possíveis constrangimentos postos a
estas entidades ao desenvolvimento de uma autonomia crítica e
propositiva face ao executivo municipal. Neste caso, as associações
representativas do CMAS ilustram bem como a dependência de recursos
da prefeitura pode conformar uma autonomia do tipo colaborativa.
No que diz respeito às redes de articulação no interior da
sociedade civil, o estudo indicou que as associações representativas
mantêm vínculos com os mais variados atores sociais e estatais.
Relações com o campo do associativismo civil são mais claras no CMS,
e conexões com a institucionalidade política e estatal são verificadas em
maior intensidade no CMAS. O que se percebeu é que as organizações
da sociedade civil apostam em atuações conjuntas com os mais diversos
agentes como parte de uma estratégia com vistas a resolução de
problemas e a materialização dos seus objetivos. Por mais que, as
entidades façam investimentos conjuntos, elas os fazem de formas
diferenciadas. Os casos da assistência social e da saúde evidenciam,
175
claramente, diferentes apostas para a conformação de redes de apoio
mútuo, apostas que sugerem ajustamentos também diferenciados em
relação à autonomia. O que se pode deduzir é que a noção de redes
sociais é central, na medida em que aponta uma correlação positiva entre
o grau de articulação com o campo do associativismo civil, capacidade
de participação propositiva e autonomia do tipo crítica.
Um indicador igualmente relevante para se pensar a questão da
autonomia, relaciona-se com a trajetória de envolvimento político dos
conselheiros. As informações levantadas indicam que a trajetória de
vivências e de engajamento com questões políticas e públicas impactam
positivamente a capacidade crítica dos conselheiros. Representantes com
envolvimento político anterior aos anos 1990 apresentaram leituras mais
refinadas em relação a atuação do conselho. Portanto, para o caso de
Concórdia, o conjunto de relações e a trajetória política de participação
social dos conselheiros são fatores que impulsionam o envolvimento
com questões políticas e públicas e fortalecem a envergadura da
participação no espaço dos conselhos.
Por fim, os dois últimos indicadores, confirmam que o sentimento
de autonomia existe, em diferentes graus, entre os conselheiros e a
efetivação da capacidade autônoma é determinada por um conjunto de
fatores, com destaque para aqueles que conformam o quadro dos
indicadores.
Assim, fica entendido, que o posicionamento dos atores na
estrutura social, bem como as estruturas de oportunidades políticas
disponíveis aos sujeitos podem favorecer ou o a autonomia.
Igualmente, constatou-se que os complexos institucionais, que amparam
o funcionamento dos conselhos, modelam o comportamento individual e
coletivo nestes espaços. Por outro lado, a rede associativa criada no
interior da sociedade civil apresenta rebatimentos positivos no
sentimento e na capacidade de concretização da autonomia, indicando
que quanto maior a rede, mais a participação política se aproxima da
autonomia do tipo crítica. De forma correlata, o sentimento de
capacidade de atuação política é reforçado pelo engajamento em
atividades associativas e políticas, e o estudo das trajetórias evidencia
que diferentes modalidades de vínculos e articulações podem separar ou
aproximar a sociedade civil do Estado.
Deste modo, o relato dos representantes sobre o sentimento de
autonomia, associado aos indicadores e ao exame do processo decisório
do conselho indicam que, embora o sentimento de autonomia seja
precondição para um comportamento autônomo, ele não se confunde
com a capacidade de efetivação da autonomia. Além disso, os dados
176
autorizam a falar em diferentes tipos de autonomias que, sujeitas a
movimentos distintos de uma série de variáveis complexas que se
entrecruzam e se complementam, podem aumentar ou restringir à
propensão a efetivação da capacidade autônoma nos espaços
institucionais de participação. A seguir, no Quadro 6, apresentarei a
síntese desta análise.
177
QUADRO 6 ± SÍNTESE DOS INDICADORES DE AUTONOMIA
Autonomia Colaborativa Autonomia Pactuada Autonomia Identitária Autonomia Crítica
Indicadores de
Circunstâncias
Políticas Vivenciadas
a) Município com histórico de
participação e mobilização social;
b) Chegada do PT a prefeitura.
a) Município com histórico de
participação e mobilização social;
b) Chegada do PT a prefeitura.
a) Município com histórico de
participação e mobilização social;
b) Chegada do PT a prefeitura.
a) Município com histórico de
participação e mobilização social;
b) Chegada do PT a prefeitura.
Indicadores do
Grau de
Institucionalização
dos Conselhos
a) Exercício da fiscalização;
b) Ausência de uma secretária
executiva;
c) Falta de capacitação técnica e
política.
a) Conhecimento sobre as políticas
públicas;
b) Existência de capacitação;
c) Falta conhecimento de lei;
d) Impossibilidade de Gestão do
Fundo Municipal.
a) Conhecimento sobre as políticas
públicas;
b) Falta de capacitação técnica e
política.
a) Existência de capacitação;
b) Conhecimento sobre as políticas
públicas;
c) Sobre-representação da SC;
d) Estruturação independente;
e) Presidência nata do secretário.
Indicadores de
Perfil Sócio-
econômico
a) Alto nível de escolaridade;
b) Alto nível de renda.
a) Nível médio de escolaridade;
b) Alto nível de renda.
a) Alto nível de escolaridade;
b) Alto nível de renda.
a) Alto nível de escolaridade;
b) Alto nível de renda.
Indicadores de
Perfil Político
a) Alto engajamento com entidades;
da sociedade civil;
b) Alta filiação partidária;
c) Alto engajamento em
campanhas.
a) Baixo engajamento com
entidades da sociedade civil;
b) Média filiação partidária;
c) Baixo engajamento em
campanhas.
a) Alto engajamento com entidades
da sociedade civil;
b) Alta filiação partidária;
c) Alto engajamento em
campanhas.
a) Alto engajamento com entidades
da sociedade civil;
b) Média filiação partidária;
c) Alto engajamento em
campanhas.
Indicadores de
Associativismo Civil
a) Dependência orçamentária do
poder público para o seu
funcionamento.
a) Dependência orçamentária do
poder público para o seu
funcionamento.
a) Dependência orçamentária do
poder público para o seu
funcionamento.
a) Dependência orçamentária do
poder público para o seu
funcionamento.
Indicador da
Rede Associativa
Baixas vinculações com o campo
associativo.
Baixas vinculações com o campo
associativo.
Altas vinculações com o campo
associativo.
Altas vinculações com o campo
associativo.
Indicadores de
Trajetória Política
a) Envolvimento com questões
públicas após 1990 (G2);
b) Participação impulsionada pela
formação escolar.
a) Envolvimento com questões
públicas anterior a 1990 (G1);
b) Participação impulsionada pela
trajetória.
a) Envolvimento com questões
públicas anterior a 1990 (G1);
b) Participação impulsionada pela
trajetória.
a) Envolvimento com questões
públicas anterior a 1990 (G1);
b) Participação impulsionada pela
trajetória e pela formação escolar.
Indicador de
Comportamento
Autônomo
Presença do sentimento de
autonomia.
Presença do sentimento de
autonomia.
Presença do sentimento de
autonomia.
Presença do sentimento de
autonomia.
Indicador de
Atitude Autônoma
Baixa expectativa de
comportamento autônomo.
Média expectativa de
comportamento autônomo.
Média expectativa de
comportamento autônomo.
Alta expectativa de comportamento
autônomo.
Fonte: Elaborado pela autora.
178
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho objetivou revisitar e ampliar o conhecimento sobre
o caráter da autonomia da sociedade civil na contemporaneidade face às
mudanças ocorridas na relação entre Estado e sociedade civil brasileira
nas últimas décadas. Tendo como referente empírico três conselhos
gestores de políticas públicas do município de Concórdia/SC, o foco
esteve voltado para a investigação dos efeitos que as práticas
participativas, incorporadas a partir da Constituição de 1988,
produziram sobre a autonomia das organizações da sociedade civil em
relação ao Estado. Mais precisamente, como essas dimensões são
expressas e percebidas pelos atores relevantes que atuam no interior dos
espaços participativos. Em termos gerais, a intenção foi averiguar se, e
em que medida, a relação estabelecida entre sociedade civil e Estado,
frente ao contexto de participação social em espaços institucionalizados,
aqui notadamente os conselhos gestores tem contribuído para
ampliação da democracia na sociedade brasileira.
Os conselhos gestores foram escolhidos como objetos empíricos
por possuírem uma legislação própria e uma regulamentação legal que
define a participação da sociedade civil como obrigatória, independente
da configuração política da administração municipal. o município de
Concórdia foi escolhido como cenário da pesquisa por apresentar
histórico de grande mobilização social e ativa participação associativa.
A partir das análises desenvolvidas ao longo deste texto, pôde-se
resgatar e confirmar a tese de que a autonomia é um conceito relacional,
processual e interativo, e conformado pela natureza dos nculos
estabelecidos no interior da sociedade civil e desta com o Estado em um
dado contexto histórico. O exame dos processos estabelecidos no
interior dos conselhos, juntamente com as análises do perfil dos
conselheiros e das entidades representativas da sociedade civil, ratificam
que a autonomia pode ser devidamente compreendida quando
investigada sob o prisma das interações estabelecidas entre as pessoas,
os grupos e as instituições.
Assim, por ser um conceito de caráter eminentemente relacional,
o exercício da autonomia é impactado por uma série de fatores de ordem
pessoal, social e institucional, fatores inscritos em contextos
conjunturais e estruturais. Para efeito da pesquisa, alguns fatores foram
priorizados, a exemplo da conjuntura social, econômica e política do
município de Concórdia, do desenho institucional dos conselhos, do
perfil sócio-econômico e da trajetória política dos conselheiros, do perfil
179
das associações e de sua capacidade de articulação em redes. A
interconexão entre estes fatores permite dizer, seguindo análise de
chmann (2002a) referente aos diferentes desenhos institucionais das
novas experiências participativas que, embora seja possível estabelecer
uma escala, na qual, o aumento da combinação entre as variáveis
corresponda a um aumento nas chances de sucesso do exercício da
autonomia no interior das experiências participativas, isso não significa
que haja barreiras intransponíveis para práticas autônomas em realidades
com outras configurações. Independente disso, o que se observa é que a
autonomia é um conceito relacional e contextual.
Dito isto, podemos concluir que a autonomia, compreendida na
sua fluidez e mutabilidade, interpela os modelos analíticos rígidos e
absolutos. Os achados desta dissertação, embora ainda preliminares
diante da necessidade de sofisticação teórica e metodológica, sugerem
que a autonomia deva ser apreendida na sua transversalidade,
pressupondo diferentes veis ou graus na capacidade de relação e de
proposição, em detrimento de abordagens que prevêem ausência de
relação, como as perspectivas de autonomia entendidas a partir da
antítese ou de uma radical distinção entre sociedade civil e Estado que,
determinaram como ilegítimas as relações entre estas duas esferas para o
processo de construção da democracia forjado durante pelo menos duas
décadas no Brasil. Como vimos, o debate dos anos de 1970 e 1980
tinha, na autonomia, a categoria central de distinção da sociedade civil
que, ajustado ao terreno da espontaneidade e do voluntarismo, trazia a
contribuição dos movimentos sociais para o centro das reflexões.
Embora seja relevante e inegável o papel dos movimentos sociais
para a democracia, o questionamento trazido neste trabalho repousa sob
os moldes que a discussão tomou na medida em que, ao se defrontar
com outro manequim, o figurino da autonomia praticamente saiu de
cena. As mudanças no cenário brasileiro no período de
redemocratização marcaram quase que o abandono completo da
referência a autonomia. O enviesado da discussão foi tão profundo, que
se julgou mais conveniente obliterar o debate acerca da autonomia, na
medida em que estava marcado por um entendimento refratário aos
olhares mais predispostos ao diálogo e ao reconhecimento das
possibilidades e dos limites das diferentes perspectivas teóricas acerca
das configurações e dos papéis da sociedade civil e do Estado.
Deste modo, as informações mapeadas e analisadas nesta
dissertação desafiam e interpelam abordagens teóricas centradas,
exclusivamente, em uma variável explicativa, instigando a busca de
novas frentes teóricas e analíticas, bem como a superação de abordagens
180
dicotomizadas que restringem a compreensão acerca da democracia, da
participação e da autonomia em contextos institucionais.
O formato cambiante e flexível exige, não somente, a
mobilização de uma série de variáveis analítica e procedimentos
metodológicos, como também um olhar transversal sobre estes. Parte
deste esforço foi realizado neste trabalho e pode-se afirmar a partir do
caso de Concórdia que não existe uma autonomia, mas sim autonomias,
sendo a relação, a interação, a mutabilidade os elementos generalizáveis
desta noção. Portanto, os tipos de autonomia aferidos indicam diferentes
tipos de relações, conformando uma noção sócio-histórica que se
transforma no tempo e no espaço.
181
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193
APÊNDICE A ± QUESTIONÁRIO
DA PESQUISA
91
I - IDENTIFICAÇÃO
1. Conselho Municipal de ________________________
2. ( 1 ) Titular ( 2 ) Suplente
3. Idade: ______________________________________
4. Sexo: ( 1 ) Feminino ( 2 ) Masculino
5. Local de Nascimento: _________________________
6. Estado Civil:
( 1 ) Casado(a) ( 2 ) União Estável ( 3 ) Solteiro(a)
( 4 ) Divorciado(a) ( 5 ) Viúvo(a) ( ) Outros:__________
7. Filhos: ______________________________________
8. Religião: ( 1 ) Católica ( 2 ) Evangélica ( 3 ) Espírita
( ) Outra:______________________________________
9. Cor: ________________________________________
10. Escolaridade:
( 1 ) Analfabeto
( 2 ) 1º grau incompleto
( 3 ) 1º grau completo
( 4 ) 2º grau incompleto
( 5 ) 2º grau completo
( 6 ) 3º grau incompleto.
( 7 ) 3º grau completo
Especifique qual curso e nível de formação: ___________
11. Profissão/Ocupação:__________________________
12. Situação no mercado de trabalho:
( 1 ) Empregado ( 2 ) Desempregado ( 3 ) Autônomo
( 4 ) Aposentado/Pensionista ( 5 ) Outro: ____________
13. Local de Trabalho: __________________________
14. Faixa de rendimento (salário):
( 1 ) Menos de 1 Salário Mínimo
( 2 ) De 1 a 3 Salários Mínimos
( 3 ) De 3 a 5 Salários Mínimos
( 4 ) De 5 a 10 Salários Mínimos
( 5 ) Mais de 10 Salários Mínimos
II ± ATIVIDADE POLÍTICA
15. É filiado a algum partido? ( 1 ) Sim ( 2 ) Não
16. Se sim, qual? _______________________________
17. É simpatiza-se de algum partido? ( 1 ) Sim (2 ) Não
18. Se sim, qual? _______________________________
19. Você participa de campanhas eleitorais?
( 1 ) Sim ( 2 ) Não
III ± SOBRE A PARTICIPAÇÃO NO CONSELHO
20. Que segmento você representa neste conselho?
( 1 ) Governo ( 2 ) ONG ( 3 ) Prestador de
serviço ( 4 ) Profissional ( 5 ) Usuário
21. Que entidade representa?_____________________
22. Você participa de outras associações ou
organizações da sc? ( 1 ) Sim ( 2 ) Não
23. Se sim, qual?________________________________
24. Você ocupa cargo na entidade que participa?
( 1 ) Sim ( 2 ) Não
91
QuestionáULR GD SHVTXLVD ³Conselhos gestores e
HPSRGHUDPHQWR´  FRRUGHQDGD SHODV SURIV $JXHGD
Lenita Wendhausen (Univali) e Maria Elizabeth Kleba
(Unochapecó), financiada pelo CNPq e FAPESC, apresentando
modificações. Algumas questões foram importadas de Silva,
2007 e Silva; Carlos, 2006.
25. Qual cargo que ocupa?__________________________
26. Você participa de outros conselhos? (1) Sim (2) Não
27. Qual?_________________________________________
28. Qual cargo você ocupa no conselho? ( 1 ) Presidente
( 2 ) Titular ( 3 ) Suplente ( 4 ) Assessor ( 5 ) Secretário
29. Há quanto tempo?______________________________
30. Como foi escolhido?
( 1 ) Indicado por dirigentes da entidade que representa
( 2 ) Eleito pelos membros da entidade que representa
( 3 ) Indicado pelo governo municipal (secretaria)
( 4 ) Indicado por político(s) local(ais)
( ) Outro ________________________________________
31. Você já foi conselheiro em outro período?
( 1 ) Sim ( 2 ) Não
32. Se sim, de qual conselho?________________________
33. Em que posição
( 1 ) Titular ( 2 ) Suplente ( ) NR/NA
34. Em que período? _______________________________
35. Você participa de comissões técnicas no conselho?
( 1 ) Sim ( 2 ) Não ( 3 ) Não existem
36. Se sim, qual? __________________________________
37. Você costuma se manifestar nas reuniões do conselho?
( 1 ) Muito ( 2 ) Não costumo participar ( 3 ) Pouco
38. Na sua opinião, quem são as pessoas que mais
participam/falam no conselho________________________
39. Quando ocorrem conferências relacionadas a sua
atuação como conselheiro, com que freqüência você
costuma participar?
( 1 ) Sempre ( 2 ) Às vezes ( 3 ) Nunca ( ) NS / NR
40. Por que? ______________________________________
41. Fez algum tipo de capacitação para atuar neste ou em
outros Conselhos? ( 1 ) Sim ( 2 ) Não ( ) NS/NR
42. Se sim, qual?___________________________________
43. Em que ano? __________________________________
44. Como obtém as informações necessárias para atuar no
conselho? (1) Conversas com amigos, vizinhos (2) TV (3)
Jornais diversos (4) Jornal do Conselho (5) Internet (6)
Revistas (7) Correspondência (8) Informações obtidas na
Secretaria correspondente (9) Associação de moradores (10)
Cursos (11) Eventos ( ) Outros Quais: __________________
45. Há meios de comunicações disponíveis aos
conselheiros na estrutura do conselho?
( 1 ) Sempre ( 2 ) Às vezes ( 3 ) Nunca ( ) NS / NR
46. Se sim, quais? __________________________________
47. Que importância você atribui a sua participação no
conselho? ( 1 ) Sem importância ( 2 ) Pouco importante
( 3 ) Muito Importante ( ) NR/NSA
48. Você acha que o Conselho tem poder decisório na área
da política de sua competência?
( 1 ) Sempre ( 2 ) Às vezes ( 3 ) Nunca ( ) NR/NSA
49. Quem você acha que decide as resoluções do conselho?
( 1 ) Os conselheiros governamentais
( 2 ) Os conselheiros não governamentais
( 3 ) Os conselheiros, de forma conjunta.
( ) Outra: ________________________________________
( ) NS/NR
50. Qual o principal motivo de sua participação no
conselho? ( 1 ) Iniciativa própria/interesse pessoal
( 2 ) Benefícios para minha entidade ( 3 ) Falta de
disponibilidade de outro para ser conselheiro ( 4 ) Melhorar a
política pública da área do Conselho ( 5 ) Preencher o tempo
( 6 ) Conhecer pessoas ( 7 ) Exercer a cidadania
194
Sobre a relação com a entidade e/ou o segmento que
você representa:
51. Você mantém a entidade que representa
informada sobre as atividades desenvolvidas no
conselho? ( 1 ) Sempre ( 2 ) Às vezes ( 3 ) Nunca ( )
NS/NR
52. Você discute com a sua entidade os assuntos que
estão em pauta no conselho?
( 1 ) Sempre ( 2 ) Às vezes ( 3 ) Nunca ( ) NS / NR
53. Você participa das reuniões e atividades
promovidas pela sua entidade?
( 1 ) Sempre ( 2 ) Às vezes ( 3 ) Nunca ( ) NS / NR
54. Você consulta a entidade antes de tomar posição
nas discussões no conselho?
( 1 ) Sempre ( 2 ) Às vezes ( 3 ) Nunca ( ) NS / NR
Sobre o funcionamento do conselho:
55. O funcionamento do conselho contribui para a
melhoria das ações de serviços públicos?
( 1 ) Sempre ( 2 ) Às vezes ( 3 ) Nunca ( ) NS / NR
56. Os representantes não governamentais influenciam
as decisões do gestor governamental?
( 1 ) Sempre ( 2 ) Às vezes ( 3 ) Nunca ( ) NS / NR
57. Os gestores adotam as decisões dos conselhos?
( 1 ) Sempre ( 2 ) Às vezes ( 3 ) Nunca ( ) NS / NR
58. Há conflitos entre os conselheiros?
( 1 ) Sempre ( 2 ) Às vezes ( 3 ) Nunca ( ) NS / NR
59. Você se sente preparado para discutir questões
técnicas?
( 1 ) Sempre ( 2 ) Às vezes ( 3 ) Nunca ( ) NS/NR
60. Os conselheiros recebem assessoria técnica?
( 1 ) Sempre ( 2 ) Às vezes ( 3 ) Nunca ( ) NS / NR
61. A entidade tem autonomia para propor e discordar
no conselho?
( 1 ) Sempre ( 2 ) Às vezes ( 3 ) Nunca ( ) NS / NR
62. Na sua opinião, quais são as entidades mais
atuantes no conselho?____________________________
IV ± FORMATO E FUNCIONAMENTO DA ENTIDADE
63. Entidade e/ou Segmento: _____________________
64. Líder: ____________________________________
65. Ano de fundação: __________________________
66. A Entidade tem sede? ( 1 ) Sim ( 2 ) Não ( ) NS/NR
67. Se sim, qual a condição da sede?
( 1 ) Própria ( 2 ) Cedida ( 3 ) Alugada ( ) NS/NR
68. A entidade possui estatuto? ( 1 ) Sim ( 2 ) Não
69. E regimento interno? ( 1 ) Sim ( 2 ) Não
70. Registra reunião em ata? ( 1 ) Sim ( 2 ) Não
71. Possui associados? ( 1 ) Sim ( 2 ) Não
72. Aproximadamente quantos?___________________
73. Os associados pagam mensalidade?
(1) Sim ( 2 ) Não
74. A entidade possui fonte de renda?
( 1 ) Sim ( 2 ) Não ( ) NS/NR
75. Se sim, por quais meios?______________________
76. A sua entidade desenvolve serviços de interesse
público? ( 1 ) Sim ( 2 ) Não ( ) NS /NR
77. Se sim, quais? _______________________________
78. Há quanto tempo? ___________________________
79. A entidade possui algum convênio para a
realização destes serviços?( 1 ) Sim ( 2 ) Não ( )NS/NR
80. Se sim, com quais instituições? ( 1 ) Prefeitura
Municipal ( 2 ) Órgãos públicos ( 3 ) Empresas privadas
( 4 ) Entidades religiosas ( ) NR/NS
A entidade mantém relações com:
81. Partidos? ( 1 ) Sim ( 2 ) Não ( ) NS /NR
82. Quais? ________________________________________
83. Assembléia Legislativa? ( 1 ) Sim ( 2 ) Não ( ) NS /NR
84. Câmara? ( 1 ) Sim ( 2 ) Não ( ) NS /NR
85. Outras entidades? ( 1 ) Sim ( 2 ) Não ( ) NS /NR
86. Quais?________________________________________
87. OP? ( 1 ) Sim ( 2 ) Não ( ) NS /NR
88. Outros conselhos? ( 1 ) Sim ( 2 ) Não ( ) NS /NR
89. Quais?________________________________________
90. Igreja? ( 1 ) Sim ( 2 ) Não ( ) NS /NR
91. Quais?________________________________________
92. Já houve a ocorrência de paralisação nas atividades
da entidade? ( 1 ) Sim ( 2 ) Não ( ) NS/NR
93. O mandato da diretoria é de quantos anos?_________
94. A entidade realiza eleições? ( 1 ) Sim ( 2 ) Não ( ) NS
95. Com que periodicidade?_________________________
96. Existem chapas concorrentes?( 1 ) Sim ( 2 ) Não ( ) NS
97. Se sim, quantas?________________________________
98. Número de votantes na última eleição? _____________
99. Quantas vezes você exerceu mandato de:
( 1 ) Presidente ( 2 ) Vice-presidente
( 3 ) Secretário/Tesoureiro ( 4 ) Membro da diretoria
100. Quantas pessoas participam da diretoria da sua
entidade?_________________________________________
101. Quantas pessoas estão envolvidas no dia a dia no
trabalho da entidade? ______________________________
102. A entidade realiza reuniões da diretoria?
( 1 ) Sim ( 2 ) Não
103. Se sim, com que freqüência? ( 1 ) Mensal
( 2 ) Trimestral ( 3 ) Semestral ( 4 ) Anual ( ) NS/NR
104. Qual o número de participantes? ________________
105. A entidade realiza assembléias gerais ou reuniões
com os seus membros? ( 1 ) Sim ( 2 ) Não
106. Se sim, com que freqüência? ( 1 ) Mensal
( 2 ) Trimestral ( 3 ) Semestral ( 4 ) Anual ( ) NS/NR
107. Qual o número de participantes? ________________
108. Quem define a pauta de reunião da entidade?
_________________________________________________
109. Na maioria das vezes, quem toma decisões na
entidade?__________________________________
110. A entidade torna pública as decisões tomadas?
( 1 ) Sim ( 2 ) Não ( ) NS/NR
111. Se sim, por quais os meios? _____________________
112. Que meios a entidade utiliza para encaminhar suas
reivindicações?
( 1 ) Audiências/reuniões com secretarias
( 2 ) Audiências/reuniões c/ o prefeito e vice-prefeito
( 3 )Audiências/reuniões com vereadores e deputados
( 4 ) Ofícios aos órgãos públicos
( 5 ) Abaixo-assinado
( 6 ) Passeatas, manifestações e protesto
( 7 ) Denúncias para a imprensa
113. Quais políticos intermediam as demandas de sua
entidade/segmento? ________________________________
114. Você tem conhecidos em diretorias de outras
entidades? ( 1 ) Sim ( 2 ) Não ( ) NS /NR
115. A entidade participa de fóruns institucionais?
( 1 ) Sim ( 2 ) Não ( ) NS/NR
116. Se sim, quais? _________________________________
Nome:____________________________________________
Contato:__________________________________________
195
APÊNDICE B ROTEIRO DE ENTREVISTA DA PESQUISA
92
1. IDENTIFICAÇÃO
1. Dados sobre o Conselho: área e município
2. Nome / Contato
3. Idade
4. Sexo: ( 1 ) Feminino ( 2 ) Masculino
5. Local de Nascimento
6. Estado Civil
( 1 ) Casado(a) ( 2 ) União Estável ( 3 ) Solteiro(a) ( 4 ) Divorciado(a)
( 5 ) Viúvo(a) ( ) Outros:
7. Filhos
8. Religião
( 1 ) Católica ( 2 ) Evangélica ( 3 ) Espírita ( ) Outra
9. Cor
10. Escolaridade
( 1 ) Analfabeto
( 2 ) 1º grau incompleto
( 3 ) 1º grau completo
( 4 ) 2º grau incompleto
( 5 ) 2º grau completo
( 6 ) 3º grau incompleto.
( 7 ) 3º grau completo
Especifique qual curso e nível de formação
10.1. Curso
10.2. Nível de Formação
( 1 ) Graduação ( 2 ) Especialização ( 3 ) Pós-graduação ( 4 ) Mestrado
( 5 ) Doutorado
11. Profissão
12. Situação no mercado de trabalho
( 1 ) Empregado ( 2 ) Desempregado ( 3 ) Autônomo
( 4 ) Aposentado/Pensionista ( 5 ) Outro
13. Local de Trabalho
14. Faixa de rendimento (salário)
( 1 ) Menos de 1 Salário Mínimo
( 2 ) De 1 a 3 Salários Mínimos
( 3 ) De 3 a 5 Salários Mínimos
( 4 ) De 5 a 10 Salários Mínimos
( 5 ) Mais de 10 Salários Mínimos
92
Roteiro elaborado pelos participantes das pesquisas Participação e Exclusão nos Conselhos
Gestores e Orçamentos Participativos/SC (CNPq/Funpesquisa) sob coordenação da Prof.ª Dr.ª
Lígia Lüchmann e do Prof. Dr. Julian Borba; e Participação e Representação nos Conselhos
Gestores e Orçamentos Participativos (PIBIC) coordenado pela Prof.ª Dr.ª Lígia Lüchmann.
196
15. Que segmento você representa no conselho?
( 1 ) Governamental ( 2 ) Não-governamental ( 3 ) Prestador de serviço
( 4 ) profissional ( 5 ) usuário ( 6 ) ONG
16. Que entidade representa?
17. Participa de outras associações ou organizações?
( 1 ) Sim ( 2 ) Não
18. Se sim, qual (is)?
19. Você participa ou participou de outros Conselhos?
( 1 ) Sim ( 2 )Não
20. Quais?
21. Você já participou do OP? ( 1 ) Sim ( 2 )Não
22. Na sua opinião a decisão de se implementar o conselho ocorreu
( 1 ) Por iniciativa do governo municipal (prefeito ou secretário)
( 2 ) Por iniciativa da sociedade civil
( 3 ) Por força da lei
23. Como a sua entidade foi escolhida?
( 1 ) Indicado pelo governo municipal (secretário ou prefeito)
( 2 ) Indicado por político(s) local(ais)
( 3 ) Indicado por dirigentes da entidade que representa
( 4 ) Indicado por dirigentes da entidade que representa e eleito em conferência
municipal ( ) Outro
24. Há conflito entre os conselheiros? Como você avalia este conflito?
2. PERGUNTAS SOBRE A TRAJETÓRIA E AVALIAÇÃO DA
REPRESENTAÇÃO/APRENDIZADO
1. Desde quando e como tem sido o envolvimento com questões públicas
(associações, partidos, sindicatos, conselhos, OPs, etc.)
2. Principais influências na sua trajetória de participação;
3. Se é a primeira vez que é conselheiro;
4. Como foi escolhido;
5. Porque acha que foi escolhido;
6. O que conhecia do Conselho antes de ser representante;
7. Impactos (positivos e negativos perdas e ganhos) da participação;
8. O que significa ser conselheiro qual o sentido da representação;
9. Se mantém, e como mantém, o vínculo com as pessoas/entidade que o
escolheu (se consulta, se presta contas de alguma forma de sua representação);
10. Se tem autonomia para decidir;
11. Se avalia que tem havido aprendizado pessoal através da participação: quais,
de que tipo, em que medida, etc.
12. Se a sua entidade tem autonomia no conselho;
13. Autonomia é capacidade de confronto com o governo ou capacidade de
negociação e diálogo?
14. Atuação de sua entidade: criação, tempo de envolvimento com ela;
objetivos, atividades, organização, ações e vínculos institucionais.
Nome do entrevistador Data
197
APÊNDICE C ± TABELA TEMAS TRATADOS NOS CONSELHOS
TEMAS TRATADOS NAS REUNIÕES, POR CONSELHO
Assuntos Internos
CMAS
CMDCA
CMS
Total
Estrutura e formação de
comissão
F 5
10
2
17
% dentro deste tema
tratado
29,4
58,8
11,8
100,0
% dentro do Conselho 3,8
4,5
1,5
3,5
RI / Lei de Criação
F 3
13
0
16
% dentro deste tema
tratado
18,8
81,3
0,0
100,0
% dentro do Conselho 2,3
5,9
0,0
3,3
Estrutura de
funcionamento
F 22
22
0
44
% dentro deste tema
tratado
50,0
50,0
0,0
100,0
% dentro do Conselho 16,8
10,0
0,0
9,1
Capacitação para
conselheiros
F 12
13
2
27
% dentro deste tema
tratado
44,4
48,1
7,4
100,0
% dentro do Conselho 9,2
5,9
1,5
5,6
ASSUNTOS PÚBLICOS
Atendimentos e
prestação de serviços
pelas entidades
Visitas
F 15
2
0
17
% dentro deste tema
tratado
88,2
11,8
0,0
100,0
% dentro do Conselho 11,5
0,9
0,0
3,5
Inscrição, Registro e
Documentação
F 17
8
0
25
% dentro deste tema
tratado
68,0
32,0
0,0
100,0
% dentro do Conselho 13,0
3,6
0,0
5,2
Programas, Planos,
Projetos e Campanhas
Governamentais
F 20
40
15
75
% dentro deste tema
tratado
26,7
53,3
20,0
100,0
% dentro do Conselho 15,3
18,2
11,3
15,5
Programas, planos e
projetos da sociedade
civil
F 0
5
4
9
% dentro deste tema
tratado
0,0
55,6
44,4
100,0
% dentro do Conselho 0,0
2,3
3,0
1,9
Plano Municipal / Plano
Plurianual
F 8
3
5
16
% dentro deste tema
tratado
50,0
18,8
31,3
100,0
% dentro do Conselho 6,1
1,4
3,8
3,3
Fundo Municipal /
Prestação de contas
F 0
7
22
29
% dentro deste tema
tratado
0,0
24,1
75,9
100,0
% dentro do Conselho 0,0
3,2
16,5
6,0
Orçamento / Recursos /
Compras
F 4
10
21
35
% dentro deste tema
tratado
11,4
28,6
60,0
100,0
% dentro do Conselho 3,1
4,5
15,8
7,2
198
Convênio
F 0
4
14 18
% dentro deste tema
tratado
0,0
22,2
77,8 100,0
% dentro do Conselho 0,0
1,8
10,5 3,7
Ações de captação de
recursos para o Fundo
Municipal
F 0
7
0 7
% dentro deste tema
tratado
0,0
100,0
0,0 100,0
% dentro do Conselho 0,0
3,2
0,0 1,4
Conferências (Nacionais,
Estaduais e Municipais)
F 13
7
3 23
% dentro deste tema
tratado
56,5
30,4
13,0 100,0
% dentro do Conselho 9,9
3,2
2,3 4,8
Conselho Tutelar
(Eleições,
Funcionamento,
Solicitações)
F 0
42
0 42
% dentro deste tema
tratado
0,0
100,0
0,0 100,0
% dentro do Conselho 0,0
19,1
0,0 8,7
Credenciamento / Rede
Hospitalar
F 0
0
22 22
% dentro deste tema
tratado
0,0
0,0
100,0 100,0
% dentro do Conselho 0,0
0,0
16,5 4,5
Saúde Pública
F 0
0
6 6
% dentro deste tema
tratado
0,0
0,0
100,0 100,0
% dentro do Conselho 0,0
0,0
4,5 1,2
Participação em Fóruns,
Eventos, Congressos
F 3
12
0 15
% dentro deste tema
tratado
20,0
80,0
0,0 100,0
% dentro do Conselho 2,3
5,5
0,0 3,1
Comunicação e
Intercâmbio
F 3
11
1 15
% dentro deste tema
tratado
20,0
73,3
6,7 100,0
% dentro do Conselho 2,3
5,0
0,8 3,1
OUTROS ASSUNTOS
Questões locais /
Particulares
F 6
3
11 20
% dentro deste tema
tratado
30,0
15,0
55,0 100,0
% dentro do Conselho 4,6
1,4
8,3 4,1
Denúncias
F 0
0
2 2
% dentro deste tema
tratado
0,0
0,0
100,0 100,0
% dentro do Conselho 0,0
0,0
1,5 0,4
Não houve quorum
F 0
1
3 4
% dentro deste tema
tratado
0,0
25,0
75,0 100,0
% dentro do Conselho 0,0
0,5
2,3 0,8
TOTAL
F 131
220
133 484
% dentro deste tema
tratado
27,1
45,5
27,5 100,0
% dentro do Conselho 100,0
100,0
100,0 100,0
Fonte: Pesquisa realizada pela autora.
199
APÊNDICE D CARACTERIZAÇÃO DOS
ENTREVISTADOS
93
a) CMAS
Entrevista 1 Cláudia tem 42 e foi morar em Concórdia quando
ainda era bebê. Católica, é formada em Teologia e Movimento Popular e
Pedagogia com pós-graduação em Administração Pública. A família de
Cláudia mudou-se para Concórdia a trabalho e foi morar em uma
comunidade da zona rural do município. Com 3 anos de idade, os pais
vieram morar na zona urbana e com 14 anos começou a trabalhar na
Sadia ficando por 4 anos, tempo suficiente para trabalhar e pagar a
escola para concluir o segundo grau. Durante este período ministrava
aulas de catequese e após finalizar os estudos foi convidada para
trabalhar como secretaria na Paróquia Nossa Senhora do Rosário, onde
ficou por 8 anos período em que realizou seu curso de graduação e se
envolveu com a Pastoral Catequética, da qual recebia remuneração, e
com a Pastoral da Juventude onde tinha uma atuação como voluntária.
Por volta dos anos 1985, começou a realizar trabalhos junto aos jovens e
em virtude da construção da barragem no município de Itá, que atingiria
parte do município de Concórdia, participou do processo de organização
da juventude, juntamente com os sindicatos e as pastorais. Nós
sentíamos que aqui em Concórdia nós estávamos sendo ameaçados
porque se falava em construção de barragens. Sindicatos, igrejas, as
pastorais, as comunidades eclesiais de base, jovens, ministros,
catequistas, todo mundo nós chamávamos para discutir o que ia ser
desse município, o que ia ser daquelas comunidades se viesse as
barragens. Então, até 1990 nós trabalhamos muito nisso. Ao que fomos
vencidos. Foram feitas as barragens, mas foi um momento de maior
consciência, de maior luta, de maior envolvimento social”. É nesse
contexto, entre 1987 e 1988 que marca o início do envolvimento com a
fundação do Partido dos Trabalhadores em Concórdia que
percebemos que o nosso objetivo tinha que entrar sim na política.
Construir um partido diferente, porque aquele que tava nos via como
subversivos, baderneiros. E nós tínhamos que construir um partido
diferente”. Neste mesmo período, começou a ministrar aulas de Ensino
Religioso nas escolas e se filiou ao Sindicato dos Professores, pois
93
Os nomes de todos os entrevistados foram substituídos por nomes fictícios para garantir o
anonimato dos mesmos.
200
embora tivesse uma ação na comunidade, eu não posso ficar nesse
espaço da comunidade. Eu tenho que querer mais. Então eu tenho que
estar inserida onde? Num movimento maior, num sindicato”. Em 1991
foi convidada pelo bispo de Chapecó Dom José Gomes para atuar na
Pastoral da Criança em Chapecó, que outra corrente da Igreja, mais
conservadora, assumiu a paróquia de Concórdia e “eu recém-formada na
teologia, querendo fazer um trabalho diferente, continuar um trabalho
diferente vi que não tinha mais campo pra eu atuar”. Retornou em 1993
para Concórdia para trabalhar como professora nas escolas e para a
militância junto ao Sindicato dos Professores como coordenadora,
atuando nos seis municípios da região da AMAUC e ao Coletivo
Sindical onde foi chamada para assessorar o Movimento das Mulheres
Agricultoras. A partir de 2001, com a vitória do PT para o Executivo
Municipal, Cláudia assume o cargo de diretora do Orçamento
Participativo. Nos conselhos, já foi membro do CMS e é participante do
CMAS dez anos e é atualmente a secretária representando o
segmento sociedade civil. Nesse período, somente durante uma gestão
representou o executivo municipal. Acredita que foi escolhida pela sua
entidade representativa pela identificação que tem com a área social.
Participa ainda da associação de moradores do bairro em que mora
atuando como vice-presidente. Além da participação no CMAS também
atua como presidente do Conselho dos Direitos do Consumidor,
representando o segmento governo.
Entrevista 2 Paulo tem 38, nasceu em Concórdia, é católico e
está cursando Ensino Superior. Sua trajetória de participação inicia-se
aos 14 anos com o Grupo de Jovens, a catequese, as equipes de liturgia e
com os trabalhos da Pastoral da Juventude. A família de Paulo tem um
histórico de envolvimento na comunidade em que moravam na zona
rural. Seu pai foi liderança comunitária, presidente da igreja e da direção
do Clube de Esportes. A mãe compunha a equipe de culto e de liturgia.
Das diversas ações que realizava junto a Pastoral da Juventude
identifica-se com a metodologia de formação da juventude da igreja
feita através do teatro e da música. Por meio do envolvimento, o Grupo
de Jovens foi convidado, no ano 1990, a participar da coordenação da
Pastoral da Juventude. Já em 1996 recebeu o convite para ser um jovem
liberado da Pastoral da Juventude. Este jovem era aquele que
coordenava todos os Grupos de Jovens do município. Na época eu
cheguei a trabalhar com 32 grupos”. Junto à juventude rural
desenvolveu um trabalho com os Grupos de Jovens dos doze municípios
que compunha a sua diocese e participou da coordenação estadual e
201
nacional da Pastoral da Juventude Rural representando o estado de Santa
Catarina. De 1996 a 2000 atuou como jovem liberado, e em 1998 viajou
para a Bolívia como membro da Coordenação Nacional Latino-
Americana. Em 1999 juntamente com mais 42 brasileiros e 6 paraguaios
viajou para conhecer a realidade rural da Europa ocasião em que
conheceu a Suíça e a Alemanha. Ainda em 1998 iniciou a militância no
movimento sindical onde começou em uma coordenação municipal e
logo estava representando os dezesseis municípios que compõem a
região do Auto Uruguai Catarinense no processo de fundação da
Federação dos Trabalhadores da Agricultura Familiar da Região Sul.
Entre 1999 e 2000 consegue conciliar os trabalhos na pastoral e no
sindicato, mas a partir de 2000 distancia-se da Pastoral da Juventude e
assume a coordenação do setor de organização da produção da
federação. Esse setor tinha como principal objetivo estar discutindo
políticas públicas e formas alternativas de renda para os agricultores
familiares”. De 2001 a 2003 através de uma entidade holandesa,
trabalha no projeto “Campesino a Campesino” que objetivava a troca de
experiências entre agricultores do Brasil e América. Latina Neste
período, também viaja para a Nicarágua para conhecer a experiência de
organização desse país. A escolha pelo sindicato veio do entendimento
de que a pastoral da juventude é um espaço que é uma grande
formadora de liderança. E é um espaço, eu diria assim, rápido de
passar. Então, chegou um momento em que eu tive que dizer não, a
minha contribuição na Pastoral da Juventude foi interessante e eu tenho
que perceber que tem outras lideranças que podem também contribuir.
Então, qual foi o meu papel na época? De estar indo buscar outras
lideranças, pra trabalhar dentro da Pastoral da Juventude”. Além
disso, Paulo assim como outros entrevistados envolvidos com a Pastoral
da Juventude percebeu que a Igreja “até certo espaço, quer dizer, ela
te dá um limite e o que você pode é andar nesse limite. E se você
começar a fugir desse limite, não é que você esteja fugindo de uma
ideologia da igreja, mas você em alguns momentos é podado. Uma vez
nós ensaiávamos num espaço da igreja. E ele [o padre] veio querer me
cobrar R$50 de aluguel pra nós ensaiarmos. E eu disse que ia cobrar
R$30 por missa pra gente tocar. [...] Se tu estudares a história da
igreja, a história sempre foi da direita no país. Sempre. É mentira que a
igreja esteve ao lado dos pobres. Isso é uma mentira, uma ilusão. E eu
sou católico. Eu não acredito que nós temos um céu num lugarzinho.
Pra mim o céu e o inferno nós vivemos. Esta é a minha concepção, eu
acredito em Deus. Nesse eu acredito”. Ainda em 2001 foi preso pela
Polícia Federal perto da divisa com o Rio Grande do Sul por participar
202
de um Movimento da Agricultura Familiar a favor de uma estiagem. A
filiação aos Partidos dos Trabalhadores havia ocorrido em 1992
que quem participava dos grupos de jovens, participou da pastoral,
passaram pelos movimentos sociais, filiaram-se ao partido que era uma
coisa meio que automática. Não que esse espaço lapidava você a fazer
isso, mas quando você trabalha em movimentos sociais você percebe as
diferenças”. Em maio de 2003, por questões burocráticas, o projeto com
a entidade holandesa se desfez e Paulo, ao se frustrar com o movimento
sindical, decidiu se dedicar exclusivamente aos trabalhos na sua pequena
propriedade. No entanto, no mesmo ano foi chamado pela administração
petista para assumir a organização do processo de ida do presidente Lula
à Concórdia e com resistência aceitou a solicitação. Concluído este
processo foi solicitado no mês de agosto para trabalhar no Orçamento
Participativo. Decidiu que se não fosse transferido para a Secretaria de
Agricultura “até o final do ano, que é o meu campo, eu vou embora”. E
em novembro foi realocado para esta secretaria e assume o cargo de
confiança 6, e em março de 2008, assume o nível 1 como secretário da
pasta da agricultura. Mesmo estando no nível 6 como no nível 1 eu
defendo igual esse governo. E não mudo também a minha ideologia.
Não é pelo salário muito menos pelo cargo que eu estou, porque eu
acredito nessa formação se não eu não estaria aqui”. Atualmente,
participa do conselho comunitário da Igreja Católica, na qual é
tesoureiro, da associação de moradores da sua comunidade como sócio e
do Sindicato de Trabalhadores da Agricultura Familiar, do qual já foi da
direção. É sócio de uma cooperativa de agricultores familiares e de
produtores hortifrutigranjeiros. Além da participação no CMAS há cinco
anos é presidente do Conselho Municipal de Desenvolvimento
Agropecuário, representando o governo.
Entrevista 3 Carlos tem 29 anos, é católico, é formado e pós-
graduado na área de direito, é filiado ao PSDB e sua família sempre foi
envolvida com as questões políticas. O pai participava de campanhas
eleitorais e teve um cargo comissionado na prefeitura durante a gestão
de Odacir Zonta PDS (1989 a 1992). O primo foi assessor jurídico na
mesma época, vereador por outros três mandados na Câmara de
Vereadores de Concórdia e, atualmente, é Deputado Federal pela
segunda vez. Carlos sempre teve papel de liderança na vida estudantil
envolvendo-se com o grêmio de estudantes na época que ainda era
secundarista e como líder de turma e da comissão de formatura durante
o período da universidade. A minha vida inteira, desde o início, desde
a época de colégio, fui presidente de sala, do grêmio estudantil. Acho
203
que a gente nasce com essa vontade de querer participar, de não ficar
assistindo”. Depois de formado se candidatou ao Conselho Estadual
da instituição a qual é vinculado. A convite foi compor o Conselho da
Comunidade em que participou da redação do seu estatuto. Por
recomendação do presidente foi indicado como representante da
entidade para compor o CMAS. Para as eleições de 2008, Carlos
colocou-se à disposição do partido para concorrer ao legislativo
municipal e seu nome foi cogitado para compor a chapa de oposição
como vice-prefeito. No entanto, desistiu de concorrer pelo acúmulo de
atividades. É membro e participante de uma associação do campo
recreativo e desportivo a muitos anos, estando a quatro anos na diretoria
da entidade. É conselheiro do CMAS a seis anos, dos quais dois foi
presidente representando o segmento não-governamental.
Entrevista 4 Aparecida tem 44 anos, é católica, nasceu no
estado do Rio Grande do Sul e é pós-graduada em Recursos Humanos.
O interesse pelas questões públicas foi despertado durante o período que
estava na faculdade cursando Serviço Social. Não é filiada a nenhum
partido, mas é sindicalizada. Nunca tive cargo de diretoria, mas
sempre fui envolvidacom o sindicato que representa a sua categoria.
Além do CMAS, participou do CMDCA, do COMEM, do CMS e do
Conselho de Habitação. Atualmente, participa da associação de
moradores do seu bairro sem, contudo exercer cargo. Na entidade
representativa ocupa o cargo de suplente do conselho fiscal.
Entrevista 5 Célia tem 46 anos, é católica, nasceu em Lages e é
graduada em Serviço Social e pós-graduada Administração em Recursos
Humanos. Não é filiada a partido e nem é sindicalizada. Eu nunca me
envolvi com questões públicas. Eu sempre fui muito passiva. Quando
tinha greve nas universidades eu era uma das que recuava o tempo
todo. Nunca fui militante de nada. Eu comecei a participar depois que
eu estava aqui em Concórdia”. O acordar para o envolvimento
associativo veio depois de realizar o estágio da faculdade junto aos
Grupos de Mães da cidade onde morava. Veio para Concórdia para
trabalhar como cargo comissionado da prefeitura atuando na criação das
primeiras creches do município, na formação das primeiras associações
de moradores, Clubes dos Idosos e Clubes de Mães. Foi nesse período
que eu fui criando, desenvolvendo esse envolvimento”. participou do
CMDCA e participa de um Conselho de Autarquia. Além da entidade
que representa no CMAS, também participa de mais duas associações,
204
uma ligada à área profissional do campo do trabalho e outra ao campo
filantrópico e assistencial, tendo cargo de diretoria em todas as duas.
Entrevista 6 Ester tem 40 anos, é católica, nasceu em Seara,
oeste catarinense, é pós-graduada em Políticas Públicas e não pertence a
nenhum partido e sindicato. Participou por pouco tempo Grupo de
Jovens, pois achava aquilo muito parado, não se discutiam assuntos
interessantes da comunidade, daí eu meio que me isolava, não
participava muito não”. O envolvimento com questões políticas e
públicas começou depois da formação recebida no curso de graduação
em Serviço Social sendo que, atualmente, participa de uma associação
profissional ligada ao campo do trabalho onde é tesoureira dois anos
e da APP (Associação de Pais e Professores) como suplente da diretoria.
foi presidente do CMDCA quando ainda trabalhava na Prefeitura
Municipal de Seara representando o segmento o governo. Mudou-se
para Concórdia e em 2001 foi nomeada para ser conselheira do CMAS e
em 2002 fez concurso para a prefeitura de Concórdia. Em 2007 foi
nomeada como suplente governamental no Conselho dos Direitos da
Mulher.
Entrevista 7 Jorge tem 53 anos, é católico, nasceu em
Concórdia, é pós-graduado em Letras Português-Inglês e por dois anos
participou do Grupo de Jovens da cidade da AJA, mas não quis dar
continuidade por acreditar que era uma coisa que fazia a cabeça da
gente, que era uma coisa pra formar padres e eu discordo disso”. Não é
filiado a nenhum partido político e trabalhou durante anos na empresa
Sadia até se aposentar, sendo sindicalizado no SINTRIAL. A gente que
trabalhava não tem ligação com o público. Quem trabalha na rede
privada oito horas e às vezes estuda à noite não tem conhecimento de
muitas coisas que tinham na cidade. depois que eu me aposentei
comecei a conhecer Concórdia”. Somente em 2000, começou a
participar de uma entidade ligada ao campo recreativo e desportivo em
que seu filho é atleta. Interessou-se pelos trabalhos desenvolvidos e foi
convidado para compor a chapa que concorreria à diretoria. Desde
então, faz parte da direção da associação sendo o atual presidente. A
entidade representativa tem cadeira no CMAS a quatro anos, mas Jorge
está envolvido com o conselho somente a nove meses como conselheiro
suplente, sendo que se ofereceu para fazer parte do CMAS por ser
aposentando e ter mais tempo para participar.
205
Entrevista 8 Edna nasceu em Concórdia, é católica, tem 39
anos e possui pós-graduação em Administração Hospitalar. Já participou
do Grupo de Jovens do seu bairro na zona urbana de Concórdia e
participou alguns anos da diretoria da capela, em que era tesoureira. Não
se envolveu com a militância estudantil durante a graduação. É sócio-
fundadora de uma entidade do campo filantrópico e assistencial, mas
atualmente não participa ativamente. Não é filiada a partido e não é
sindicalizada. foi conselheira do CMS por dois anos e é conselheira
da assistência social um ano representando o segmento sociedade
civil. Foi escolhida para participar do conselho por indicação da direção
da entidade que representa.
b) CMDCA
Entrevista 9 Rose tem 41 anos, é católica, nasceu em Ipumirim
e possui ensino médio completo. Não é filiada a nenhum partido político
e também não participa de nenhuma associação da sociedade civil além
daquele que representa no conselho. Sua família teve envolvimento com
a política. Seu tio materno foi vereador e prefeito pela ARENA. Seu tio
paterno foi candidato a vereador pelo PT. A mãe participava da
divulgação “boca a boca” de votos e com as questões relacionadas ao
ambiente escolar, da igreja e da Pastoral da Saúde. O pai preferia o
envolvimento com os esportes. Na igreja, Rose começou a freqüentar a
catequese e, posteriormente, o Grupo de Crisma. Participou da diretoria
do Grupo dos 4S e no dia da sua crisma discutiu com o bispo D. José
Gomes, pois quando começou a se formar a Pastoral da Juventude a
igreja queria que terminasse esse Grupo dos 4S, que não queria que o
grupo trabalhasse com isso porque isso era uma coisa do governo. Ele
queria que fosse uma pastoral da juventude e eu disse não. Não importa
o grupo, seja 4S ou PJ, o importante é que trabalhe pro jovem”. Apesar
do atrito, Rose permaneceu vinculada aos trabalhos da Pastoral da
Juventude, da catequese, do Movimento Sem-Terra e dos Grupos 4S,
estes que gradativamente foram se diluindo. Os conflitos também
apareceram no ambiente familiar que seu pai era bastante contra o
MST. Ele não concordava muito com isso. Daí acabava criando conflito
em casa por causa dessa questão. Daí a gente participava, mas não de
uma forma atuante. Quando tinham os movimentos, os encontros, a
gente ia, mas não atuante”. Os trabalhos na pastoral começaram em
1982 e se entenderam até 1990. Em 1989, veio para Concórdia para
estudar, mas depois de um ano retornou para a zona rural de Ipumirim
206
por causa dos problemas de saúde do pai. Em 1991 retorna para
Concórdia para terminar os estudos e lá se fixou. Já na cidade, desligou-
se das questões religiosas até 1994 quando novamente retorna para a
catequese trabalhando na Pastoral Catequética de 1999 a 2001. Em
razão de sua gravidez e da mudança de bairro desliga-se da Pastoral
Catequética e, em 2004 assume o trabalho na Pastoral Familiar.
Atualmente participa do Conselho dos Direitos da Mulher há quatro
meses como suplente e do CMDCA há dois anos. Acredita que foi
escolhida por possuir maior disponibilidade de tempo.
Entrevista 10 Mateus tem 47 anos, nasceu em Água Doce, é
católico e possui o ensino superior incompleto. Na sua infância passou
muitas dificuldades zona rural em que morava na, sendo que na época
existiam dois partidos a ARENA e o MDB. E a gente via o meu avô, o
meu pai, assim, brigando, discordando. E a ARENA era o partido que
estava sempre no governo e os meus familiares eram do MDB. E assim
eles questionavam essa questão, que o partido que estava no governo
que era o culpado, que tinha que mudar. E é isso. Eu acho que meu pai
e meu avô paterno foram as minhas principais influências. E eu gostei
sempre de estar a par de informações, mesmo no rádio, sempre
buscando informação, me atualizar”. O avô era fazendeiro, mas não
tinha condições de sustentar os onze filhos que aos poucos foram se
casando e mudando. O seu pai foi então trabalhar em uma madeireira,
onde desde os oito anos Mateus o ajudava para aumentar a renda da
família. Como morava na zona rural Mateus conseguiu em sua
comunidade cursar apenas até a quarta série. Mas fiquei mais três anos
na quarta série, porque eu não queria parar. Foi aí que eles arrumaram
para eu ir trabalhar na cidade num restaurante para estudar”. No
entanto, o dono desse restaurante mudou-se para Concórdia para abrir
outro estabelecimento e Mateus com 19 anos foi junto para garantir o
trabalho e a comida. Eu vim para na promessa de ele me pagar um
salário. eu vim e ele não me pagava. Por isso eu digo que a gente
precisava de alguém para informar”. Finalmente, Mateus arrumou
emprego no restaurante da empresa Sadia onde permaneceu trabalhando
por alguns anos. A participação começou em 1988 quando se
sensibilizou com as demandas dos funcionários de um hotel que
pertencia a Sadia que “estavam descontentes e queriam que o presidente
do sindicato, que era de Chapecó, viesse ali pra resolver os problemas.
Mas, o cara do sindicato pra vir pra queria cobrar. o pessoal
disse „então, se é pra você cobrar pra vir pra nós vamos fundar o
sindicato aqui‟”. Mateus ajudou a fundar o sindicato e fez parte da
207
primeira diretoria. No entanto, logo as pessoas perceberam que não era
fácil de funcionar um sindicato, começaram a desistir e eu fiquei e
comecei a assumir. Desde 1993 que eu estou como presidente do
sindicato. Ninguém quer assumir”. O envolvimento com a associação de
moradores e com a APP começou por volta do ano 1997. Logo foi
convidado para fazer parte da diretoria das suas associações e no
terceiro mandato na entidade de seu bairro foi eleito presidente porque
a gente está sempre envolvido e participa. E sempre em algum evento,
alguma coisa a gente está junto”. Filiou-se ao PT em 1995 a convite de
um vereador. Em 2001, com a chegada do PT ao Executivo Municipal,
começa a freqüentar as reuniões do Orçamento Participativo na sua
região onde foi eleito delegado por quatro vezes e conselheiros do
conselho do OP por dois anos. Atualmente continua trabalhando como
sindicalista e participando da associação de moradores do seu bairro. É
suplente no conselho da diretoria de uma cooperativa de crédito da
cidade. participou do CMS como titular e atualmente, além da
participação no CMDCA a dois anos, também atua no COMEN, onde é
titular.
Entrevista 11 Marcos nasceu em Concórdia, tem 41 anos, é
católico e possui segundo grau completo. Sua família tem tradição de
envolvimento com as questões políticas. O seu era pai o “intendente” da
comunidade, ou seja, quando tinha algum problema da comunidade,
que tinha que resolver com a prefeitura, era com o meu pai. Eles iam lá
reclamar com o meu pai e o meu pai falava com o prefeito. Ele era o
mediador, mas ele nunca ganhou nada com isso não”. Embora não fosse
filiado a nenhum partido, seu pai era simpatizante da ARENA e não
aceitava que o filho fosse favorável as idéias de outro partido, o que
gerou conflitos na família. Seus irmãos operavam como cabos eleitorais
e seu primo foi o primeiro presidente do PT de Concórdia. Desde o
início dos anos 1980, Marcos já atuava na comunidade da zona rural em
que vivia como líder do time de futebol e da liturgia e participava do
Grupo de Jovens. Em 1981 foi estudar na Escola Técnica Federal em
regime de internato e depois do seu retorno em 1985 começou a
participar da direção da Pastoral da Juventude e do Sindicato dos
Trabalhadores Rurais. Junto às estas entidades e ao Movimento de
Atingidos pelas Barragens do Rio Uruguai participou do processo de
discussão de construção dos açudes e da formação do lago de Itá. Eu
era membro atuante também da direção da pastoral da juventude em
nível de município e a partir de 1987 eu me filiei a um partido político
[PT] e comecei a atuar na área de política também e no envolvimento
208
com a comunidade em todos os setores de esporte, religião, associação
[...]”. O envolvimento com o partido não foi uma decisão só da
pastoral, mas dos movimentos sindicais também, que se juntaram a nós
nesse movimento. Até porque pra você conseguir mudar algumas coisas
você tem que ter peso coletivo. Se você não estiver aliado a um
determinado partido porque tudo depende da política então, você
tem que ter um partido para se firmar para ir buscar essas mudanças
que você quer fazer. E na época era o PT o partido que mais se
identificava com a massa popular, por isso que nós nos juntamos aí,
fizemos uma força”. Em 1991 desliga-se da Pastoral da Juventude em
razão do envolvimento com outras atividades em sua comunidade e do
casamento e do nascimento do primeiro filho. Atualmente ocupa cargo
comissionado na Secretária de Agricultura. Participa das atividades da
Igreja como Ministro da Eucaristia e da associação de moradores da
comunidade onde mora no setor rural, na qual é presidente. Já compôs a
direção do SINTRAF e é sócio da cooperativa dos agricultores. Já foi
presidente do CONDEAGRO representando o governo no qual ficou
quatro anos. No CMDCA participa a quatro anos e a dois anos faz parte
do Conselho do Idoso como suplente, ambos os casos representando o
governo.
Entrevista 12 Rita tem 31 anos, é católica, nasceu em Ipumirim
e é graduada em Pedagogia e pós-graduada em Administração Pública.
Não participa de nenhuma organização da sociedade civil. Foi para
Concórdia com 21 anos para trabalhar, é funcionária concursada da
PMC e, em 2004 foi nomeada para representar o segmento governo no
CMDCA, sendo que por uma gestão foi presidente do conselho e
atualmente é secretária. Não é filiada a partido político e também não é
sindicalizada.
Entrevista 13 Lourdes tem 33 anos, nasceu em Concórdia, é
católica e possui terceiro grau completo em Psicologia. Não é filiada a
partido político, não é sindicalizada e não possui vinculação associativa
com nenhuma outra entidade da sociedade civil. Na ONG que representa
no conselho possui vínculo empregatício e o envolvimento com
questões públicas iniciou-se um ano com a indicação da diretoria da
entidade para compor o CMDCA.
209
c) CMS
Entrevista 14 Roberto tem 31 anos, nasceu e mora na zona
rural de Concórdia e possui ensino superior incompleto. Por ter uma
família católica praticante participava freqüentemente das atividades da
igreja, sendo que o pai é ministro de culto há 30 anos, o irmão foi eleito
presidente da igreja, mas não assumiu por ser muito novo e o outro
irmão é presidente do Clube de Esporte. Na minha comunidade tinha
Clube Esportivo, tem a APP da escola, tem a sociedade da igreja, tem
Clube de Mães, hoje tem Grupo de Idosos, associação de moradores.
Então, eu cresci nesse ambiente de participação social. Eu tive inserção
aos poucos nisso”. Como dezoito anos se deslocou para a zona urbana
para estudar onde permaneceu por dois anos, período este em que
trabalhou na Sadia. No fim da década de 1990 saiu de Concórdia para
estudar e ser seminarista. Depois de três anos, no final de 2001, retornou
para Concórdia e com o incentivo do pai começou a formar um Grupo
de Jovens mais crítico e questionador ao que existia em sua
comunidade. “Então eu voltei, tentei organizar novamente a Pastoral da
Juventude que estava em decadência, os grupos de liturgia, ajudei a
criar a Associação de Turismo Rural, ajudei a discutir na sociedade
novas possibilidades de desenvolvimento, participei de Movimentos de
Barragens por um período. E inclusive eu tive muitos problemas
judiciais, porque a gente foi muitas vezes questionar algumas coisas
com o presidente da igreja porque ele usava o dinheiro para fazer clube
de bocha porque ele gostava de jogar. começaram as perseguições.
[...] Comecei a celebrar o natal fazendo teatro, um natal mais
questionativo. E começou a ficar mais complicado”. Em 2003
sindicaliza-se junto ao Sindicado dos Trabalhadores da Agricultura
Familiar, filia-se ao PT e em 2004 desvincula-se da Pastoral da
Juventude quando assume um cargo no sindicato. A opção pelo
sindicato deu-se porque eu verifiquei que o trabalho que o sindicato
faz estava mais de acordo com aquilo que eu pensava em fazer. E o
movimento sindical foi pra mim uma das melhores formas de
organização que abrange toda essa discussão. Principalmente esse
movimento sindical que nós temos agora que é um sindicato que
promove um desenvolvimento sustentável, que prevê a qualidade de
vida do agricultor familiar e da pessoa que mora na cidade. Uma
sociedade melhor para se viver. A Pastoral da Juventude queria uma
sociedade melhor, uma nova sociedade. A discussão era essa. E nós
todos fomos formados por essa dinâmica. Então foi nesse contexto que
eu acabei entrando no sindicato”. Atualmente, continua participando da
210
diretoria do SINTRAF e no segmento cooperativista participa em duas
cooperativas, uma cooperativa de crédito na qual é secretário e a outra
de produção e industrialização. Participa também da associação de
moradores do bairro e das reuniões do Orçamento Participativo em sua
região. Não participa de nenhum outro conselho além do CMS, no qual
está um ano e meio como conselheiro titular representando o
segmento usuário. participou em 2003 do CONDEAGRO, no qual
ficou durante dois mandatos como secretário, representando a Juventude
Rural.
Entrevista 15 Márcia tem 56 anos, nasceu em Concórdia, é
católica e possui doutorado na área de Enfermagem. A mãe era espírita,
e além de exercer liderança, era professora e parteira da comunidade em
que viviam na zona rural em Concórdia. O pai que era católico puxava
saco de padree sempre gostou de se envolver com campanhas, sendo
que ambos eram filiados a ARENA. Márcia por opção escolheu ser
católica. Eu trabalhava com movimento de jovens. Eu era uma das
líderes do grupo de jovens que nós tínhamos aqui na igreja e era
catequista”. Como 21 anos mudou-se para a zona urbana para estudar e
ajudou a formar a Associação de Jovens Amigos de Concórdia AJA
que era um grupo muito forte que nós fazíamos coisas fantásticas, a
gente vivia dentro da igreja e a minha liderança começou dentro da
igreja no interior e depois veio pra cidade e daí a coisa cresceu”. Na
faculdade se envolveu com as atividades do Centro Acadêmico e do
Diretório Central dos Estudantes e ainda participava do Grupo de
Jovens. O rompimento com a Igreja ocorreu quando eu, um amigo e
outro amigo nós cantávamos em todas as missas e nós dávamos uma
assessoria muito grande. E no primeiro dia do ano o tinha
ninguém pra ajudar, nós chegamos à sacristia e o padre disse assim:
vocês vieram dar show? A pessoa mais importante dessa missa sou eu,
não são vocês. Nós fomos pra fazer a liturgia e também pra cantar e a
comunidade gostava muito de nós. E eu fui me afastando, fui
percebendo esse jogo de poder que a igreja tem, porque você está
ocupando espaço, porque você está competindo e isso eu não suporto”.
Em 1982 finaliza a graduação e em 1983 começa a trabalhar na área de
Saúde Mental. Atualmente, tem atuado na coordenação da Associação
dos Narcóticos Anônimos e participa dos Alcoólicos Anônimos e da
Associação de Recuperação de Alcoolistas em Concórdia. Não é filiada
a partido e a sindicato. participou do Conselho Municipal de
Entorpecentes durante quatro anos, do CMDCA por uma gestão e
participa do CMS a um ano.
211
Entrevista 16 Fátima tem 47 anos, é espírita e possui pós-
graduação em Recursos Humanos. Sua família é do estado do Rio
Grande do Sul e quando pequena passaram muita dificuldade financeira.
A mãe é costureira e o pai era filiado a ARENA, foi músico e
compositor e por um período foi delegado da cidade em que moravam
por indicação de políticos locais. Quando tinha 10 anos à família de
Fátima muda-se para Concórdia em razão do emprego do pai que na
época trabalhava como motorista. Quando começou a freqüentar a
escola desde pequena eu fui representante da classe, eu era presidente
da classe, eu era a que sempre ia às apresentações, se tinha alguma
coisa na escola era sempre eu que estava lá na frente. E aí, na época da
representação estudantil, eu entrava nas representações estudantis,
nos grêmios”. Na universidade, em 1984, participou do Diretório
Acadêmico “defendendo os estudantes da universidade na época da
ditadura militar em que a gente fazia os protestos contra o governo e eu
que liderava os protestos”. O envolvimento no movimento estudantil
contrariava as opções políticas do pai que era da direita e do meu
irmão que era do exército. Então eu era a que fazia os movimentos do
contra. Contra o governo, contra a ditadura”. Durante o período de
militância estudantil era professora de música e apreciava os cantores
que faziam aquelas músicas proibidas na época da ditadura. Eu
admirava as pessoas que tratavam da ditadura nesses movimentos que
era mais o pessoal, os artistas que cantavam as músicas proibidas. E eu
achava certo, achava que tinha que denunciar mesmo”. Ao finalizar o
curso de Ciências Contábeis em 1988 trabalhava e era filiada ao
sindicato da sua categoria. Data de mesma época o envolvimento com
uma associação com atuação na área da saúde do trabalhador. Neste
mesmo ano, participou ativamente das atividades do Comitê da
Cidadania Contra a Fome e a Miséria até o ano de 2004, sendo que ficou
na diretoria do Comitê durante de seis anos. Participou de campanhas
para pessoas carentes organizadas por uma entidade do município. Eu
acho que essa coisa de você participar de um sindicato, de um
voluntariado, essas coisas vem da gente mesmo, da pessoa. [...] Eu não
deixava de participar de coisas que aconteciam na cidade, de ir volta e
meia na Câmara de Vereadores assistir a uma sessão. Então eu acho
que vem da pessoa isso. E acaba que você vai chegando e as pessoas
vão te chamando também, porque é difícil ter as pessoas que sejam
voluntárias”. Atualmente é presidente de uma associação sendo dois
mandatos como vice-presidente e dois como presidentes. Participou
também do CMDCA e do CMAS e hoje é conselheira do CMS
representando o segmento dos usuários.
212
Entrevista 17 Ana tem 41 anos, nasceu no estado do Rio
Grande do Sul, possui pós-graduação em Acupuntura e Terapia Manual.
No período em que ainda cursava o ensino médio começou a
participar do grêmio estudantil e durante o ensino superior não
chegava a ser direto, mas indiretamente eu participei de todas as
passeatas de faculdade, participava das Diretas eu estava os
comícios todos do PT eu participei de todos, desde o início”. Os pais
sempre demonstraram interesse por política e eram simpatizantes do
MDB, sendo posteriormente vinculados ao PT. Foi filiada ao PT, mas
não o é mais. Não é sindicalizada. Na cidade em que morava antes de
mudar-se para Concórdia participou ativamente da consolidação de uma
rádio comunitária e de uma série de “entidades pequenas” e acredita que
este envolvimento acabou gerando um tipo uma perseguição. A gente
sempre acaba sendo muito visado. Então, se você tem uma presença
atuante isso incomoda. eu decidi que era melhor me recolher mais.
Eu sinto menos isso aqui em Concórdia”. Atualmente, participa de um
Clube de Mães e de uma associação do campo filantrópico e
assistencial. Apesar do envolvimento ativo participou apenas do CMS
onde está a mais de cinco anos como representante de uma associação
profissional do campo do trabalho.
Entrevista 18 Marta tem 47 anos, nasceu no estado do Rio
Grande do Sul, é católica e é formada em Enfermagem com pós-
graduação em Metodologia de Ensino e Enfermagem do Trabalho e
Didática atuando como enfermeira concursada pela Prefeitura Municipal
de Concórdia. Na entidade representativa que participa não possui cargo
de diretoria e sim vínculo empregatício onde atua na área de formação,
sendo que por meio desta envolve-se com escolas, Clube de Mães,
Grupos de Idosos e com associações ligadas a saúde comunitária.
Participa do Clube de Mães realizando orientações, palestras,
treinamentos devido ao seu trabalho na área da saúde coletiva. Não é
filiada a partido político e não é sindicalizada. O trabalho em um órgão
da prefeitura ligado a saúde e o envolvimento com a entidade onde é
professora propiciaram conhecimentos na área da saúde que
impulsionou a indicação de seu nome e a participação no CMS.
Entrevista 19 Vera tem 56 anos, nasceu em Concórdia, é
católica e pós-graduada em Medicina do Trabalho. A mãe possui
segundo grau completo e o pai possui terceiro grau completo, era líder
partidário e foi vereador em Concórdia. A minha família sempre foi do
213
PDS, do PSD, então vem das origens do PSD de Juscelino, daquele
segmento. Não tínhamos um envolvimento político. O meu pai foi líder
político durante muitos anos e era da ARENA”. Naquela época as
pessoas envolvidas com a política do município eram pessoas que
prestavam um trabalho gratuito para a população que eram famílias
de pessoas todas ligadas ao segmento [da Sadia, dos madeireiros],
porque a política tinha isso, você usava de pessoas que tinham o
conhecimento pra ensinar as pessoas que não tinham como produzir
mais, como trabalhar e como ter uma renda melhor, porque o
crescimento da comunidade dependia do todo. E eles sabiam disso”.
Depois de finalizar o curso de Medicina no estado do Rio Grande do Sul
no início da década de 1980, Vera retorna para Concórdia para trabalhar
em seu consultório particular ao mesmo tempo em que prestava
assessoria para a Unidade de Terapia Intensiva do hospital da cidade.
Em 1983 em conjunto com um grupo de colegas funda uma cooperativa
ligada à área da saúde comunitária. “Eu sempre acreditei muito no
cooperativismo porque desde a primeira vez que eu viajei pro exterior
eu via desde os camponeses de como era um regime bastante solidário e
ao mesmo tempo era produtivo, era interessante”. Apesar da
participação política do pai nunca havia se envolvido com questões
políticas e públicas até que em 2001, assumiu um cargo comissionado
na prefeitura de Concórdia e em 2002 prestou concurso para assumir a
vaga como efetiva junto a Secretaria de Saúde. Em 2004 assume o cargo
de Diretoria de Saúde e posteriormente é nomeada Secretária de Saúde.
Filia-se ao PT em 2007, é sindicalizada no Sindicato dos Servidores
Municipais e participa como membro de uma associação profissional do
campo do trabalho.
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