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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE SOCIOLOGIA E CIÊNCIA POLÍTICA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA POLÍTICA
A INTERFERÊNCIA DO BANCO MUNDIAL NA GUINÉ-BISSAU:
A DIMENSÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA – 1980-2005
MAMADÚ DJALÓ
FLORIANÓPOLIS
2009
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MAMADÚ DJALÓ
A INTERFERÊNCIA DO BANCO MUNDIAL NA GUINÉ-BISSAU:
A DIMENSÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA – 1980-2005
Dissertação apresentada ao programa de pós-
graduação em Sociologia Política, Centro de
Filosofia e Ciências Humanas da Universidade
Federal de Santa Catarina, como requisito parcial
para obtenção do título de mestre em Sociologia
Política.
Orientadora: Profa. Dra. Elizabeth F. da Silva
FLORIANÓPOLIS
2009
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A INTERFERÊNCIA DO BANCO MUNDIAL NA GUINÉ-BISSAU:
A DIMENSÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA – 1980-2005.
MAMADÚ DJALÓ
Esta Dissertação foi julgada e aprovada em sua forma
final pela Orientadora e Membros da Banca
Examinadora, composta pelos professores:
--------------------------------------------------
Profª. Drª. Coordenadora da Pós-graduação Mestrado
BANCA EXAMINADORA
-----------------------------------------------------
Profª. Drª. Elizabeth F. da Silva Orientadora
------------------------------------------------------
Profª. Drª. Roselane Fátima Campos
--------------------------------------------------------
Profº. Drº. Ary Minella
-------------------------------------------------------
Profº. Drº. Fernando Sousa Ponte
FLORIANÓPOLIS, (SC), MARÇO DE 2009
Fone (48) 3721-9253 Fax:(48) 3721-9098 Internet://www.sociologia.ufsc.br/
O continente africano vive uma
tripla condição restrita:
prisioneira de um passado
inventado por outros,
amarrada a um presente
imposto pelo exterior e, ainda,
refém de metas que lhe foram
construídas por instituições
internacionais que comandam
a economia.
(Mia Couto escritor
moçambicano).
DEDICATÓRIA
Aos meus pais,
Aua Mako Baldé e Bobó Djaló
Aos meus irmãos,
Engº Serifo Djaló, Saico Djaló,
Aruna Djaló in memorian.
AGRADECIMENTOS
Agradecimentos com certeza são um dos momentos mais gratificantes de qualquer
trabalho, e no que diz respeito aos trabalhos acadêmicos é o momento de reconhecimento
por todos os apoios recebidos. Fazer pesquisa em Bissau acabou por ser uma experiência
que exigiu mais esforço físico e paciência do que predisposição para o esforço intelectual.
E o meu trabalho teria sido infinitamente mais complicado para o cumprimento do
cronograma se não fosse ajuda de algumas pessoas que se empenharam em tornar a minha
pesquisa viável. Não se tenha dúvida de que este trabalho foi facilitado pelas muitas
pessoas que encontrei pelo caminho. Foram inúmeras as contribuições que obtive durante a
elaboração dessa dissertação de mestrado; sua conclusão, de fato, deve-se à contribuição
dessas pessoas e instituições tanto nacionais como internacionais. Destaco, primeiramente,
as pessoas que foram importantes não só na realização desta dissertação de mestrado como
também pelo acompanhamento de toda a minha trajetória acadêmica e por terem me dado
uma educação acolhedora.
Aos meus pais Bobó Djaló e Aua Mako Baldé, pela força de vontade, a educação
que me deram, agradeço-lhes por, entre outras coisas, nunca terem cobrado a minha
ausência nos convívios familiares, apesar dos oito anos em que estivemos separados. Ao
meu irmão Engº Serifo Djaló a quem eu devo a maior parte de minha formação acadêmica.
Foi ele quem, nos momentos mais angustiantes deste trabalho, providenciou a minha ida à
Guiné-Bissau a fim de fazer a minha pesquisa de campo. Meu muito obrigado, mano.
No entanto, nos anos que passei no Brasil, durante a minha formação acadêmica
senti-me também em casa, mesmo estando fora dela, por isso aproveito aqui para destacar
meus sinceros agradecimentos para todos aqueles que de uma forma direta ou indireta me
ajudaram a encurtar a distância do lar desde a Graduação até a Pós-graduação. A minha
namorada, Estelle Pallier, seus pais, Gerard Pallier e Janine Pallier, sua irmã Lourance e sua
filha Eva, por toda atenção, carinho e ajuda que deram na tradução de alguns documentos
escritos em línguas estrangeiras para o processo de desenvolvimento deste trabalho.
Aos meus irmãos(as) Saico Djaló que sempre me deu apoio financeiro e moral para
prosseguir meus estudos, Adulai Djaló, Amadú Djaló, Cumba Djaló, Fatumata Binta
Djaló, Djenabu Djaló e Mariatu Djaló. As cunhadas Drª. Quinta Nunis Vieira Djaló,
Cadidjato Djaló, Leonide Sinira da Silva Oh. Sobrinhos(as) Bebe, Djaffar, Bobó, Aruna,
Badem, Kátia, Cadija Mako, Suraia Rubiato, Alima, Aua e Laidy.
À minha orientadora Profª Drª. Elizabeth F. da Silva que me orientou desde a
Graduação até o mestrado e durante todo esse tempo revelou-se uma verdadeira professora,
amiga, com brilhantíssimas idéias. Muito obrigado pelos seus ensinamentos, Beth (como eu
mesmo a chamo). Aproveito a agradecer também colegas de orientação, como a doutoranda
Silvana Bitencourt e a doutoranda Elyane Rangel pelos nossos encontros de estudos.
Ao Centro de Filosofia e Ciências Humanas - CFH, em especial a Departamento de
Pós-graduação em Sociologia Política da Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC,
por terem me aceito no Programa de Pós-graduação no âmbito de Mestrado, à Profª Drª
Cécile Hélène Jeanne Raud e
às secretarias Albertina e Fátima.
Aos e às minhas professoras e professores: Profª Drª Elizabeth F. da Silva, Profª Drª
Ilse Scherer-Warren, Profª Drª Janice T. de Sousa Ponte, Profª Drª Lígia Helena Hahn
Lüchmann, Profº Drº. Carlos Eduardo Sell, Profº Drº. Fernando Ponte de Sousa, Profº Drº.
Ricardo V. Silva, Profº Drº Yan de Sousa Carreirão, Profº Drº. Ary César Minella. Ao
Centro de Ciências da Educação: Profª Drª, Roselane Fátima Campos, Profª Drª. Olinda
Evangelista.
Aos meus colegas de mestrado: Henrique Porath, Rodrigo Nippes, Rafael da Silva e
Cassiane Zanatta. Meu muito obrigado. Com certeza, este convívio e experiência, guardarei
com carinho como das melhores experiências da minha vida.
Agradeço também a meu sobrinho Campus e seu colega Farba que facilitaram meu
contato com o escritório do Banco Mundial em Bissau.
Não quero ainda deixar de agradecer ao escritório do Banco Mundial em Bissau por
ter me dado condições necessárias ao levantamento de dados referentes à temática
abordada. Destaco os meus agradecimentos para os representantes do Banco Mundial em
Bissau, Enric Yves Dacosta, Julien Bandialey, Drª Carmem Pereira, Drº. Geraldo Martins e
Drª Adelvina Barreto pelos seus depoimentos esclarecedores sobre a atuação do Banco
Mundial na educação básica guineense. Funcionárias Deolinda Jose Facinto, Murida
Rodrigues e Umaro Guejo que foram muito simpáticos e prestativos em me aceder
informações viáveis.
Ao pessoal do Ministério da Educação da Guiné-Bissau, com os quais passei tempos
em diálogo, o que muito enriqueceu meu diário de campo. Em nome do Engº Saliu Djassi
responsável pelas estatísticas. Muito obrigado.
Ainda em Bissau agradeço meu mano contador Yoba Baldé, Demba Sal, Mamadú
Tcham (Vri), Idrissa Sal, Abdul Karimo Baldé, Amara Silla. Aos meus colegas de luta do
dia-a-dia, bem como a muitos outros guineenses em diferentes Universidades brasileiras,
que contribuíram de forma direta ou indireta, Abdulai Sombille Djaló, Fatumata Djarai
Djaló. Obrigado pelos apoios prestados. E em Cabo Verde agradeço casal Mario de
Gamboa, Cecília Fernandes Gamboa e filhos, Marcio e Marcelo, que me acolheram na
minha passagem por Cabo Verde.
Não posso deixar ainda de expressar meu muito obrigado à generosidade do casal
Mamadú Saliu Baldé e Maria Aramata Injai, e a seu filho Mohamed Alfa Baldé, que muitas
vezes me socorreram na utilização da energia elétrica, pelo quê proporcionaram-me um
ambiente familiar para trabalhar iluminado, ainda que numa Guiné-Bissau imersa em
escuridão.
SUMÁRIO
LISTA DE SIGLAS ............................................................................................................. 10
LISTA DE TABELAS ......................................................................................................... 12
LISTA DE GRÁFICOS ........................................................................................................ 13
RESUMO ............................................................................................................................. 14
ABSTRACT ......................................................................................................................... 15
1. INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 17
1.1 Tema e Justificativa .................................................................................................... 17
1.2 Pertinência e Delimitação da Pesquisa ....................................................................... 18
1.3 Problemas e Objetivos ................................................................................................ 19
1.4 Procedimento Metodológico ...................................................................................... 21
1.5 Estrutura de Pesquisa .................................................................................................. 23
1.6 Revisão da Literatura .................................................................................................. 24
2. ÁFRICA NO CONTEXTO SOCIOLÓGICO ............................................................. 32
2.1 Breve Apresentação do Continente Africano ............................................................. 32
2.2 África na Colonialidade do Saber ............................................................................... 34
2.3. A Emancipação Política e Ideários do PAN Africanismo na África ......................... 43
2.4. Resgate da Questão Colonial na África Portuguesa: Guiné-Bissau e Cabo Verde ... 47
3. GUINÉ-BISSAU: BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO ................................................ 51
3.1 Localização Geográfica, População e Economia ....................................................... 51
3.2 A Experiência Colonial e a Afirmação da Nação-Estado ........................................... 54
3.3 Primeiras Sociedades e a Questão da etnicidade ........................................................ 58
3.4 Guiné-Bissau: Conflitos de Perspectivas entre a ideologia e a ação .......................... 63
4. AS ETAPAS DA EVOLUÇÃO DO ENSINO E FORMAÇÃO NA GUINÉ-BISSAU
.............................................................................................................................................. 68
4.1 Ensino Colonial Português ......................................................................................... 68
4.2 Ensino das Zonas Libertadas pelo PAIGC ................................................................. 73
4.3 Ensino Pós - Colonial ................................................................................................. 79
4.4 Sistema Nacional de Educação ................................................................................... 83
5. POLITICA DE EDUCAÇÃO DO BM: O CASO DA GUINÉ-BISSAU ................... 90
5.1 A Origem e a Presença do BM na Guiné-Bissau ...................................................... 90
5.2. O Projeto Firkidja na Guiné-Bissau .......................................................................... 96
5.3 Mecanismo e Estrutura de Financiamento da Educação Durante Programa de Ajuste
Estrutural - PAE ............................................................................................................. 102
5.4 A Perspectiva da Educação como Um Direito Humano Universal .......................... 108
5.5 Compromissos Internacionais com a Educação após Jomtien nos anos 90 ............. 110
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................... 115
7. REFERÊNCIAS ............................................................................................................ 124
8. ANEXOS ........................................................................................................................ 129
LISTA DE SIGLAS
AFRICARE - Africare é a maior e mais antiga ONG afro-americana
ATRH - Atividade de Recursos Humanos
ASDI - Agência Sueca de Desenvolvimento Internacional
BAD – Banco Africano de Desenvolvimento
BM – Banco Mundial
CABM – Conselho Administração do Banco Mundial
CFA - Comunidade Financeira Africana
CLACSO - Centro Latino Americano de Ciências Sociais
CILSS/CEE - Comité Inter-Etats de Lutte Contre les effets de la sécheresse au Sahel
DSRH - Desenvolvimento de Recursos Humanos
EPSD – Emergência de Prestação de Serviços Públicos para Desenvolvimento
EFA/FTI -Education For All Fast Track Initiative
EPT – Educação para Todos
EUA – Estados Unidos da América
UE – União Européia
FMI – Fundo Monetário Internacional
FNUAP - Fundo das Nações Unidas para Ajuda Popular
IDAC – Instituto de Ação Cultural
INEP – Instituto Nacional de Estatística e Pesquisas
MEN – Ministério da Educação Nacional
MICS – Indicadores Múltiplos para as Células de Seguimento
PAEB - Programa de Ajuda a Ensino Básico
PAE – Programa de Ajuste Estrutural
PAIGC – Partido Africano da Independência da Guiné e de Cabo Verde
PAM/FAO - Programa de Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação
PASI -
Plano de Amparo Social Imediato
PNA – Plano Nacional de Ação
PNUD - Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
PRE – Programa de Reestruturação Econômica
PIB – Produto Interno Bruto
OIT – Organização Internacional de Trabalha
OMC – Organização Mundial de Comércio
UAC – Universidade Amílcar Cabral
UCB – Universidade Colinas de Boé
UEMOA – União Econômica Monetária Oeste Africano
UMOA – União Monetária Oeste Africano
UNDP – União Nacional para Democracia e Progresso
UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
UNES – União Nacional dos Estados
UNETPSA - Unidas para a formação e treinamento na África Austral
UNICEF – Fundo das Nações Unidas para a Infância
URSS – União de República Socialista Soviético
ONG´S – Organizações Não Governamentais
RDA – República Democrática de Alemanha
SOS - Organização de Desenvolvimento Social Independente
SNEF – Sistema Nacional de Educação e Formação
INDE – Instituto Nacional para o Desenvolvimento da Educação
INAFOR – Instituto Nacional de Formação Profissional
OGE – Orçamento Geral de Educação
MDG – Metas de Desenvolvimento Global
LISTA DE TABELAS
Tabela I - Distribuição de habitantes por regiões................................................................. 52
Tabela II - Índice de analfabetismo de ensino colonial português....................................... 68
Tabela III - Estrutura de ensino colonial – 1962/1973..........................................................70
Tabela IV - Ensino das zonas libertadas - 1965/1973...........................................................76
Tabela V - Estatística do ensino das zonas libertadas – 1471/1961 e não libertadas
1963/1973..............................................................................................................................77
Tabela VI - Ensino médio técnico: 1959-1973.....................................................................78
Tabela VII - Formados no ensino superior 1959-1973.........................................................78
Tabela VIII - Demonstrativo das despesas de Estado pós-colonial na três níveis de
educação: 1978 -1983...........................................................................................................82
Tabela IX - Taxa bruta de escolaridade no ensino médio ...................................................88
Tabela X - Orçamento geral no - Setor da Educação Básica aprovado pelo Projeto Firkidja
do Banco Mundial - 2001/2002.............................................................................................99
Tabela XI - Distribuição dos docentes por estatuto no ensino básico.................................101
Tabela XII - Global de investimento externo na educação.................................................104
Tabela XIII - Execução de Investimento Pública na Educação no período Pré-Ajustamento
e período de ajustamento entre 1983-1992 em milhões de dólares....................................105
Tabela XIV - Distribuição do total da despesa pública de financiamento com educação por
nível de ensino.....................................................................................................................106
Tabela XV - Investimento dos doadores na infra-estrutura no ensino básico, secundário e
profissional (1992-1996).....................................................................................................107
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico I - Crianças atendidas em nível de acesso pré-escola .............................................86
Gráfico II - Capacidade de atendimento da rede pública e privada .....................................88
RESUMO
Na Guiné-Bissau a questão da educação é muito preocupante. Preocupação esta que se
estende a partir da educação básica. Esta pesquisa analisou a interferência do Banco
Mundial na Guiné-Bissau na dimensão da educação básica no período de 1980 a 2005. A
questão principal que norteou a pesquisa relaciona-se com a atuação do Banco Mundial no
ensino básico guineense, através do seu projeto denominado firkidja. Uma das questões
cruciais seria: quais são seus os efeitos sobre a educação e especificamente sobre “o ensino
de base” na Guiné-Bissau, decorrente dos acordos internacionais? Ocorreram mudanças de
diretrizes na educação? Os acordos internacionais oferecem alternativas efetivas, em termos
de indicadores, para o “ensino de base”? Foram também analisadas questões relacionadas à
influência do Banco Mundial nas políticas educativas da Guiné-Bissau, que em muitos
casos embute condicionalidades aos Estados. Uma vez que a Guiné-Bissau depende
totalmente de “ajuda externa”, comprometendo a ação estatal com as políticas do Banco
Mundial, a soberania guineense sofre abalos e termina por submeter-se aos desenhos
tecnocráticos propostos pela instituição financeira, aqui, em particular, no que tange à
educação básica. Para abordar essa problemática, recorreu-se, como caminho
metodológico, à pesquisa bibliográfica como passo inicial para o levantamento de
referência bibliográfica. Cumprida essa etapa e de posse de uma listagem minimamente
suficiente de trabalhos relacionados ao tema, estabeleceram-se leituras que seriam de
interesse para aplicar-lhes a análise de discurso como meio viável. Para obter esse
resultado, fez-se necessário analisar os documentos do Banco Mundial, bem como os do
Estado da Guiné-Bissau. Três modelos de ensino foram aí elencados: ensino colonial
português, ensino das zonas libertadas e ensino pós-colonial. A pesquisa passou ainda em
revista o contexto sociológico do continente africano e a perspectiva da África na
colonialidade do saber. A ausência e o silêncio do Continente nos clássicos das Ciências
Sociais não passaram despercebidos. A abordagem dessa peculiaridade meandra o texto
como um todo; ao menos à pequena parte que coube a este esforço analítico, o silêncio foi
rompido.
Palavras Chave: Guiné-Bissau, Banco Mundial, Política, Estado, Educação.
ABSTRACT
In Guinea Bissau the question of education is alarming, a problem which extends from the
basic education. This research analysed the interference of the World Bank in Guinea
Bissau in the dimension of basic education in the period of 1980 to 2005. The principal
question which led to the research is related to the action of the World Bank on the Guinean
basic teaching, through its project called firkidja. One of the crucial questions would be:
what are the effects on education and especially on “basic education” in the Guinea-Bissau
as a consequence of international accords? Did changes occur in the educational policies?
Do the international accords offer effective alternatives, in terms of indicators, for the
“Basic Education”? Questions were also analysed in relation to the influence of the World
Bank in the educational policies of Guinea-Bissau, which in a lot of cases is embedded in
the conditionalities of the States. Since Guinea-Bissau depends entirely on “external help”,
compromising the state-owned action with the policies of the World Bank, the Guinean
sovereignty suffers concussions and ends in submission to technocratic plans proposed by
the financial institution, which in this case, sounds as basic education. To tackle this
problem in a methodological way, bibliographic research was resorted to as the initial step
for the survey of bibliographic reference. After accomplishing this stage and taking
possession of a minimum list of sufficient projects related to the topic, lections of interest
were established to apply them to the analysis of discourse as a viable way. To obtain this
result, it was necessary to analyse the documents of the World Bank as well as those of the
State of Guinea-Bissau. Three models of education were then enumerated: colonial
Portuguese education, liberated Zone Education and Post-colonial Education. The research
also underwent a review in the sociological context of the African continent and the
perspective of Africa in the coloniality of knowledge. The absence and silence of the
continent in the classics of social sciences did not go unperceived. The approach of this
peculiarity meander the text as a whole; at least with the small part which fits in this
analytic effort, the silence was broken.
Key words: Guinea-Bissau, World Bank, Policy, State, Education.
17
1. INTRODUÇÃO
1.1 Tema e Justificativa
A escolha do presente tema está intimamente ligada à minha vivência acadêmica.
Minha vida foi peculiarizada pelo fato de eu ter sido das primeiras gerações socializadas no
sistema escolar de após independência formal do país, de 1973/74. O ensino guineense
continua a padecer de uma longa e persistente crise de que são expressões notórias o fraco
desempenho e a incapacidade de insuflar força de trabalho qualificada à economia, à
administração e às outras esferas da sociedade. É significativa a falta de meios a serviço da
educação desta nova geração, tanto materiais quanto financeiros, o que acarreta num
ambiente de generalizado desalento; envolve o Ministério da Educação e imprime reflexos
bastante negativos no funcionamento destas instituições-chave.
As minhas observações durante a graduação em Ciências Sociais na Universidade
Federal de Santa Catarina ajudaram-me a desenvolver um outro olhar sobre a educação e,
particularmente, sobre a educação guineense. Minhas reflexões alimentadas pelas leituras
preliminares durante meu trabalho de conclusão do curso me conduziram a optar pelo tema
a fim de pesquisar as propostas e análises ligadas aos organismos multilaterais,
principalmente aqueles vinculados às políticas educacionais.
Outra motivação surgiu a partir do fato que, após cinco séculos de presença do
Ocidente na África, a maioria dos quais restringidos ao domínio das zonas costeiras, e
realizada descolonização desastrosa, o Ocidente fechava-se num silêncio incômodo em
tudo que diz respeito ao passado colonial.
Essa atitude em relação à África e aos africanos começa a mudar após a França e a
Inglaterra, nas décadas dos anos 60 do século XX, terem concedido a descolonização ao
continente africano. Desde aí, os anos foram marcadas pela formação de uma nova geração
18
de intelectuais africanos que aqui poderiam chamar-se gerações dos intelectuais pós-
coloniais
1
.
A curiosidade dessa geração pós-colonial em África levou-os a interessar-se por
compreender o passado colonial e o então silenciamento dos saberes africanos. Este véu,
que encobre de preconceito e mistifica o “atraso” do Continente, foi um dos estímulos para
que eu trabalhasse, num destes capítulos, com a busca por minha própria identidade de
guineense, africano, ex-colonizado.
1.2 Pertinência e Delimitação da Pesquisa
A escolha da Guiné-Bissau como locus de pesquisa relaciona-se ao fato de eu
mesmo ser guineense e entender que uma pesquisa sobre o meu país poderia trazer
significantes contribuições à compreensão da possível relação entre instituições
educacionais e acordos internacionais, em particular o nominado “Projeto Firkidja
2
”; além
de documentar aspectos do sistema das políticas educacionais na Guiné-Bissau, pós-
independência, e que podem servir de base para futuras pesquisas.
A indicação do período em referência sustenta-se pelo fato de ter sido nele que a
Guiné-Bissau viveu os momentos mais difíceis de sua história. Foi o período em que o
povo da Guiné-Bissau experimentava ser livre da dominação colonial, que duraram cinco
séculos. Sete anos após a independência, em 1980, aconteceu um golpe de Estado liderado
pelo João Bernardo Vieira
3
.
Posteriormente, na década de 90 eclodiu a guerra civil protagonizada entre o
Governo do PAIGC
4
e uma fração de militares descontentes, denominada Junta Militar.
1
TOMAS, Antonio. O fazedor de utopias: uma bibliografia de Amílcar Cabral. Ed. Tinta-da-China, Lda.
Lisboa :2007, pp.22.
2
Em dizer crioulo língua nacional da Guiné-Bissau significa alicerce. Nominado Projeto para Melhoramento
da Educação Básica na Guiné-Bissau.
3
Ex presidente da república da Guiné-Bissau.
4
Partido Africano da Independência da Guiné e de Cabo Verde.
19
Esta guerra destruiu o país durante doze meses. Iniciada em junho 1998, terminou no final
de 1999 com o acordo geral de paz assinado em Abuja (capital da Nigéria). A guerra como
era de se esperar, instalou crises generalizadas nos domínios político, militar, econômico e
social. Nesse período vários organismos multilaterais, entre eles o Banco Mundial, que,
para prestar o inelegível suporte que o país urgia, impõe e reforça um programa de atuação
para o Estado. São estas condicionalidades impingidas que formatam o tema do trabalho
aqui apresentado.
1.3 Problemas e Objetivos
Este trabalho tem como proposta procurar analisar a tríade Estado, Educação e
Políticas de Organismos Multilaterais procurando compreender o contexto Guiné-Bissau e
sua “educação de base” tendo por intermediário o Banco Mundial, organismo tido por dos
mais influentes no país. Fato esse que a pesquisa procurou analisar.
Durante os primeiros anos após a independência do país, o ensino básico da Guiné-
Bissau conheceu um período de grandes sucessos, chegou atingir 100 mil alunos em 1977.
Mas, em seguida, o sistema educativo já começa a sofrer graves problemas, restringindo
sua área de abrangência a cerca de 10 mil alunos entre 1981 e 1985. Disparidade que teve
origem numa parcela da classe dirigente, que postulava pela abertura do país, em acordo
com cartilha da liberalização econômica. Em conseqüência disso, verificou-se uma quebra
na taxa de escolaridade, passando de 45% a 37%
5
, gravam as simetrias regionais e sociais.
Parcelas da classe dirigente se sucediam no poder, passando por choques, conflitos e
rupturas de uma em uma. O argumento que então justificou a interferência externa foi que a
Guiné-Bissau não dispunha de meios e base para o desenvolvimento de sua economia.
Tanto que o Estado guineense muitas vezes viu-se obrigado a aceitar, sem críticas, as
propostas de programas de desenvolvimento feitas por organismos multilaterais.
5
Guiné-Bissau – vinte anos de independência. Desenvolvimento, democracia e perspectivas, actas do
colóquio internacional realizado em Bissau (orgs.) Carlos Cardoso e Johannes Augel: 23 a 26 de novembro de
1993. pp. 105-265.
20
Para se ter idéia, o sistema de ensino prevalecente na Guiné-Bissau apresenta todas
as características de uma instituição historicamente recente, no que diz respeito ao direito à
educação e acesso a um estabelecimento de ensino; como meta do milênio apontado pela
UNESCO (UNESCO, 2003, p.189).
A Guiné-Bissau teve um longo caminho percorrido desde sua fundação, no período
colonial, aos dias atuais, e que é composto por três grandes fases: a primeira vai de
“pacificação” definitiva do território ao início da luta armada de libertação nacional, nos
anos sessenta; a segunda cobre todo o período da luta até a independência, nos anos setenta;
e o terceiro período vai da independência aos dias atuais; este é o período marcado pela
entrada na cena nacional das intervenções do Banco Mundial e de outros organismos
multilaterais.
Nos meados dos anos oitenta, face aos problemas encontrados na organização e
gestão educacional e a conseqüente crise no crescimento da procura escolar, reconhecendo
a importância de engajamento de toda a sociedade no desenvolvimento da educação, o
governo de então consentiu com as perspectivas dos organismos multilaterais, isto é, Banco
Mundial, Fundo Monetário Internacional e outros. Na seqüência, o Banco Mundial aprovou
um empréstimo de 22 milhões de dólares, em 1989. De acordo com Joshua B Forrest
6
, no
mesmo ano o FMI decidiu alongar o seu programa de financiamento de três anos iniciado
em 1987. De lá para cá os empréstimos aumentam e a dívida externa também. Entretanto,
no início da década de noventa, a participação de entidades privadas na promoção do
ensino ganhou atenção na cena política do então governo, as idéias que fundamentavam a
esfera da educação como prioridades foram abaladas.
Pretende-se, neste sentido, delinear algumas perguntas que, sem pretender respostas
definitivas, que alimentam a reflexão sobre as propostas e políticas educacionais do Banco
Mundial voltadas ao “ensino de base” da Guiné-Bissau e que permitam conhecer e
compreender como são geradas estas políticas no BM.
6
Autonomia burocrática, política econômica e política num Estado “suave”: O caso da Guiné-Bissau pós-
colonial, p.81. In: Soronda, revista semestral do INEP. 1993.
21
Nisto, uma das questões cruciais seria: quais os efeitos sobre a educação e
especificamente sobre “o ensino de base” na Guiné-Bissau decorrente dos acordos
internacionais? Ocorreram mudanças nas diretrizes da educação? Os acordos internacionais
oferecem alternativas efetivas, nos termos de indicadores, para “o ensino de base”? O
caráter estratégico do Banco Mundial, bem como o alcance estrutural das suas políticas
educacionais em curso, deve ocupar nossas atenções e alimentar nossas preocupações? Esta
estratégia de políticas educacionais para atacar a pobreza explicaria por que o Banco
Mundial, que tradicionalmente direcionou sempre os seus investimentos para a infra-
estrutura e o crescimento econômico, aparece cada vez mais como agência propulsora de
investimento em setores sociais e na reforma do conjunto das políticas sociais?
As questões acima referidas são instigantes e constituíram elementos norteadores
para o presente trabalho. Tomando em consideração os questionamentos, a pesquisa
estudou o contexto em que foram implementadas as políticas do Banco Mundial para a
educação básica guineense a partir de dois modelos diametralmente opostos de educação:
educação colonial e a educação das zonas libertadas do Partido Africano da Independência
da Guiné e de Cabo Verde (PAIGC).
1.4 Procedimento Metodológico
Após, a descrição da trajetória do locus da pesquisa, ocasiona se explicitar os
critérios do procedimento metodológico. Na análise da Shiroma (2004) o fato fundamental
na pesquisa no campo da educação é que o estudo deste campo não se esgota com estudo
minucioso de apenas um documento. Muito pelo contrário, é preciso sondar ou saber se
existem documentos sobre a temática em estudo e providenciar condições de acesso a suas
fontes primárias, isto é, textos originais e, se possível, em várias versões; outro ponto
destacado pela autora na pesquisa no campo da educação refere-se a destacar claramente o
período que a pesquisa vai cobrir e justificá-lo, selecionando os textos que podem
contribuir a lapidar o período escolhido e explicitar os critérios da escolha. Para esta autora,
22
“a análise propriamente dita começa após o material ter sido selecionado, sem estar
totalmente ausente ao longo dessa seleção” (Shiroma, 2004, p.43).
Para investigar a interferência do Banco Mundial na Guiné-Bissau, no tocante à
dimensão da educação básica, entre 1980-2005, recorreu-se, como caminho metodológico,
à pesquisa bibliográfica. Esse era o passo inicialmente projetado para o levantamento de
obras de referência bibliográfica. Cumprida essa etapa, e de posse de uma listagem
minimamente diversa de trabalhos em levantamento bibliográfico, estabeleceram-se leituras
que seriam de interesse num primeiro momento. Em seguida optou-se pela análise de
discurso como meio viável de abordagem do material e, para isso, fez-se necessário
perscrutar os documentos do Banco Mundial, maiormente os referentes às políticas
implementadas pelo Estado da Guiné-Bissau.
Portanto, para entender a natureza do Banco Mundial no que tange às suas políticas
para a educação, em especial a educação básica guineense, recorreu-se à análise de discurso
como parte estratégica da metodologia da pesquisa. Para Orlandi (1999, p.34) a análise de
discurso quer problematizar as formas de ler, levando o leitor a se colocar sobre o que se
produz nas diferentes formas de manifestação de linguagem. Isso, de acordo com a autora,
coloca o leitor em estado de reflexão sem ter a ilusão de ser consciente de tudo, mas
desenvolvendo uma relação menos ingênua com a linguagem. Evidenciar a leitura dos
documentos como integrantes de um discurso permite “situar melhor o que é dito em um
discurso e o que é dito em outro discurso, o que é dito de um modo e o que é dito de outro,
procurando sacar o não dito, como uma presença de uma ausência necessária”. Na análise
de “forma discursiva” segundo Orlandi:
O sentido de sua existência não está nela mesmo; pelo contrario, ela é
determinada pelas posições ideológicas em jogo dentro do processo sócio-
histórico em que as palavras e os termos são produzidos. Nesta ótica, os termos
mudam de sentido em função da posição ocupada por aqueles que os empregam.
Trata-se, a partir de uma posição dada, dentro de uma conjuntura sócio-histórica
dada, determinando em última instância o que pode ser dito e, ousadia mesmo de
acrescentar, como deve ser dito. Por último, é importante frisar o papel de
algumas metáforas usadas pelo BM. Estas jamais podem ser entendidas como
mera retórica ou figura de linguagem, dentro de análise de discurso (ORLANDI,
1999,pp. 42-43).
23
Para a maioria dos assuntos analisados nesta dissertação sobre a Interferência do
Banco Mundial na Guiné-Bissau, com ênfase da Educação Básica adotou-se uma
perspectiva comparativa a partir de três modelos de ensino, são eles: ensino colonial
português, ensino das zonas libertadas e ensino pós-colonial; com isso, tentaram-se trazer
similitudes e diferenças com ambos os modelos para visualizar o desempenho de cada um
deles. Da mesma forma procurou-se destacar as perspectivas históricas e longitudinais no
exame dos indicadores da educação, mostrando como é que o parâmetro em análise evoluiu
ao longo de cada etapa.
A realização do presente estudo, como já era esperada, foi confrontada com enormes
dificuldades em aceder às informações estatísticas e bibliográficas relacionados com os
documentos e contratos do Banco Mundial na Guiné-Bissau, relacionados à educação
básica. A ausência de uma parcela enorme dos documentos e contratos do BM deve-se ao
fato de a guerra civil ocorrida no país em junho de 1998 ter destruído uma parcela
considerável dos documentos. Este fato levou a pesquisa a recorrer a dados secundários a
fim de analisar os mecanismos de financiamento da educação pelo BM e outros
Organismos Multilaterais. Existem poucas informações agregadas e atualizadas sobre o
fluxo financeiro no âmbito da educação, em especial à educação básica.
1.5 Estrutura de Pesquisa
A presente pesquisa estrutura-se em cinco capítulos. Após a introdução, o segundo
capítulo trata da África no seu contexto sociológico. A intenção é auxiliar na compreensão
do contexto sociológico do continente africano apresentando o continente africano, a
perspectiva da África na “colonialidade do saber”, a emancipação política e ideários do
movimento Pan africanista, e a questão colonial na África portuguesa, casos da Guiné-
Bissau e Cabo Verde.
O terceiro capítulo realiza uma breve contextualização da Guiné-Bissau, sua geografia,
população, diferentes momentos históricos, políticos, econômicos e sociais, bem como sua
experiência colonial e a afirmação da Nação-Estado, desde as primeiras sociedades que
24
habitaram o país até a questão de etnicidade e de conflitos e perspectivas entre ideologia e
ação.
Quarto capítulo; referencia-se nas três grandes fases da evolução de ensino
guineense desde o ensino colonial português, o ensino das zonas libertadas pelo Partido do
PAIGC e o ensino pós-colonial. Em seguida entram à baila a estrutura nos primeiros anos
de independência nacional, a apresentação do sistema nacional de educação e a natureza
das políticas públicas de educação no período de 1973 a 1985. Destaca-se, então, o
analfabetismo como das mais pesadas heranças do colonialismo português.
Já o quinto capítulo refere-se às políticas educativas do Banco Mundial, sua origem
e presença na Guiné-Bissau, atuação do seu projeto na educação básica guineense,
mecanismo da estrutura de financiamento da educação durante o programa de ajuste
estrutural e as perspectivas da educação como um direito humano universal. O capítulo
passa ainda em revista o grau de implementação dos compromissos internacionais para com
a educação básica depois da conferência de Jomtien nos anos 90, condição importante para
entender a presença do Banco Mundial na Guiné-Bissau e as bases que determinam as
atuais estruturas de ensino no país.
1.6 Revisão da Literatura
Estudar a educação no contexto das políticas educativas da realidade guineense, a
partir de um enfoque sociológico, exige um múltiplo espectro de referenciais teóricos que
envolvam sociologia, política, economia e educação. Não se pode fornecer uma revisão de
todas as posições teórica existentes, basta justificar a posição que a pesquisa adota para
recapitular os limites e as vantagens das teorias mais conhecidas.
Quanto à conceituação de educação e sua situação num contexto social, existem, em
quase todos os autores, concordância nos seguintes pontos: A educação sempre expressa
uma doutrina pedagógica, a qual, implícita ou explicitamente, baseia-se em uma filosofia
de vida, concepção de homem e sociedade. Numa realidade social concreta, o processo
educacional se dá através de instituições especificas (família, igreja, escola, comunidade)
25
que se tornam porta-vozes de uma determinada doutrina pedagógica. Esta posição foi
primeiramente sintetizada por Émile Durkheim
7
, que não especifica os conteúdos
educacionais, mas parte do conceito de homem egoísta, que precisa ser moldado para a vida
societária.
A Guiné-Bissau está mergulhada, desde sua independência, em problemas que são,
em parte, conseqüências da desestruturação socioeconômica do seu passado. As
dificuldades que vêm aumentando conduzem os dirigentes do país a buscarem alternativas
imediatas para a resolução dos seus problemas sociais e econômicos nos organismos
multilaterais. Segundo Henrique A. Oliveira
8
, após os processos de independência política,
a economia dos paises africanos passaram a ter duas características básicas, ambas ligadas à
sua história colonial. De um lado, o caráter de extraversão e, do outro, o de desarticulação
interna, derivados de sua formação econômica voltada para os interesses das antigas
colônias. Neste sentido, afirma Mia Couto no prefácio da obra de Leila Leite Hernandez
(2005, p.11) “África na sala de aula visita a história contemporânea”, o continente
africano vive uma tripla condição restrita: “prisioneira de um passado inventado por outros,
amarrada a um presente imposto pelo exterior e, ainda, refém de metas que lhe foram
propostas por instituições internacionais que comandam a economia”.
A década de 1990 consistiu em um período importante de reorientação do papel e
das políticas, tanto do Banco Mundial quanto dos organismos multilaterais de
financiamento como o FMI. A crise de endividamento dos países em desenvolvimento –
principalmente com credores privados, na qual os países africanos estiveram no centro –
propiciou o contexto político favorável para que o Banco Mundial assumisse um papel
central na renegociação e garantia dos pagamentos das dívidas externas, na reestruturação e
abertura das economias dos devedores, e na instituição de condicionalidades para a
obtenção de novos financiamentos.
7
DURKHEIM, Émile: Educação e Sociologia, Melhoramentos, 8ª ed.; São Paulo, 1972.
8
OLIVEIRA, Henrique Altermani de. Os Organismos de Integração econômica Regional na África, África:
Revista do Centro de Estudos Africanos, n. 9, São Paulo, FFCH/USP, 1986, p. 97.
26
É importante salientar o papel central das condicionalidades cruzadas como
ferramenta para a consecução de ajuste estrutural das economias mais endividadas dos
países em desenvolvimento. Elas entrecruzam exigências vinculadas aos projetos
específicos em negociação com o Banco Mundial a outras referentes aos programas de
ajuste estrutural, que podem atingir ou até mesmo atingem diretamente as políticas internas
destes países. Marcus Faro corrobora
9
:
O impacto do BM sobre as políticas públicas é imenso. É espantoso que a maior
parte da opinião pública não tenha clareza a esse respeito. O BM não somente
formula condicionalidades que são verdadeiros programas de reformas das
políticas públicas, como também implementa esses programas usando redes de
gerenciamento de projetos que funcionam de forma mais ou menos paralela à
administração pública do Estado. Trata-se da chamada “assistência técnica”.
(2005)
Após a independência política do país, uma parcela da classe dirigente sentiu
necessidade de cooperação econômica com os organismos multilaterais para fortalecer os
seus ideários de desenvolvimento. De acordo com as autoras Dalila Andrade Oliveira e
Marilia Fonseca (2001, p. 43), o Banco Mundial incorpora em seu discurso social uma
retórica humanitária, respaldada por princípios de sustentabilidade, justiça e igualdade
social, cuja finalidade primeira seria o combate à situação de pobreza, mediante a garantia
da equidade na distribuição na renda e nos benefícios sociais, entre os quais se destacam a
saúde e a educação.
As categorias Estado, educação e política educacional, observam-se na pesquisa em
questão, supõem fortes necessidades teóricas para que se compreenda suas especificidades
contextualizadas, algumas delas: a) a relação entre Estados nacionais e o processo de
globalização tanto econômica como cultural e política; b) a ação dos organismos
multilaterais nos Estados nacionais, em especial, no que se refere às políticas educacionais.
A compreensão destas relações tem dividido os estudiosos entre aqueles que defendem a
tese do enfraquecimento dos Estados nacionais, de sua minimização, e aqueles que falam
de uma configuração na organização destes Estados, por exemplo, o caso das reformas dos
9
Repúdio da rede Brasil sobre Instituições Financeiras multilaterais. A indicação de Wolfowitz para
presidir o BM Brasília 17 de março de 2005. Disponível – www.rbrasil.org.br
27
Estados, estabelecendo novas referências, novos dispositivos de regulação na definição das
relações público-privado.
Para acentuar a importância deste debate representativo do Século XXI, tomaremos
como ponto de partida a contribuição do sociólogo Zigmunt Bauman (1999, pp.73-74), que
aponta o enfraquecimento de Estado frente às mega-empresas. A suposição do autor é que
os Estados já não têm mais recursos suficientes nem liberdade de manobra para suportar a
pressão de grandes mega-empresas pela simples razão de que “alguns minutos bastam para
que empresas e até Estados entrem em colapso”. Segundo Bauman, nestas circunstâncias a
única tarefa econômica permitida ao Estado e que se espera que ele assuma é a de garantir
um “orçamento equilibrado”, policiando e controlando as pressões locais por intervenções
estatais mais vigorosas na direção dos negócios e em defesa da população face às
conseqüências mais sinistras da anarquia de mercado.
Porém, essas transformações engendram uma nova relação entre globalização e
sistemas educativos, o que, segundo Roger Dale (2004), deve ser compreendido não como
decorrência de políticas internacionais construídas por Estados Nações autônomos, mas
como implicando em “forças econômicas operando supra e transnacionalmente para
romper, ou ultrapassar, as fronteiras nacionais, ao mesmo tempo em que constroem as
relações entre as nações” (DALE, 2004, p. 425).
Ainda conforme Dale (2004), essa articulação deixa mais evidentes as ligações entre
as mudanças na política e prática educativas, e as ocorridas na economia mundial. Esta
abordagem, até certo ponto, contribui para a compreensão da educação como política
pública, organicamente vinculada à reforma dos Estados nacionais. O que equivale a
afirmar que compreender a educação como política pública significa compreendê-la como
um projeto de governo, sob responsabilidade do Estado e direito de todos.
Na Guiné-Bissau não podia ser diferente. O agravamento da situação econômica do
país culminou na liberalização e privatização do Estado em 1985. Já nessa altura o
ordenamento do orçamento geral do Estado não satisfazia necessidades econômicas e
28
sociais do país. No entanto, o sistema educativo guineense entra assim na sua crise de
dependência dos organismos multilaterais, dentre os quais o Banco Mundial. Após a
independência, isto é, na década de 70, a política inicial da primeira república, era criar
escolas em todos os cantos do país e havia uma palavra de ordem, que era: “escola para
todos e em todos os cantos da Guiné”.
A Guiné-Bissau, até a independência nacional, convivia com dois modelos de
ensino diametralmente opostos: um destinado para a população revolucionária denominado
de ensino das zonas libertadas, que abrangia
2
/
3
do território nacional; e outro, de
responsabilidade do Estado colonial, reservado para a população branca e uma minoria da
população negra considerada assimilada.
As zonas libertadas no contexto educacional foram os embriões do processo de
democratização da educação. Segundo Augusto Jone Luis (2005, p.40), isso mostra que a
luta de libertação nacional representou a forma mais alta de negação do colonialismo. Foi
durante este período que surgiu uma nova forma de conceber a educação. Os dirigentes do
PAIGC respondiam à palavra de ordem “quem sabe deve ensinar aquele que não sabe”.
Neste sentido, de acordo com Djaló (2006, p.48), a educação passa a ser encarada como
elemento preponderante no processo de transformação de consciências e mentalidades.
O sistema educativo da Guiné-Bissau está numa fase de reformas. O ensino básico
compreende as quatro primeiras classes. Na ótica de Maria G. Lopes e Alberto Injai (2004,
p.8), a reforma do ensino básico em curso consiste na unificação dos ciclos do ensino
básico elementar e complementar num ciclo único de seis anos de escolaridade obrigatória
para todos.
O contexto no qual se deu a ação Educação Para Todos (EPT), realizado em Dakar
em abril de 2000, registrou a participação de seis países de Sahel
10
considerados menos
10
Sahel - significa “costa” ou “fronteira” é a região da África situada entre o deserto de sahara e as terras
mais férteis ao sul. Normalmente incluem-se no sahel Guiné-Bissau, Senegal, Mauritânia, Mali, Burkina Faso
, Niger, Nigéria, Chade, Etiópia, Eritreia, Djibouti, e Somália.
29
escolarizados. Foi através dela que se delineou o parâmetro de estratégias eficazes e as
medidas necessárias para a realização de uma educação de base universal, fator de
desenvolvimento e estratégia fundamental na luta contra a pobreza.
Neste mesmo encontro recomendou-se um Plano Nacional de Ação de Educação
Para Todos (PNA/EPT). De acordo com o Ministério da Educação Nacional da Guiné-
Bissau (2003), o referido plano para ser credível deveria ter sido acompanhado de uma
política vigorosa de comunicação, de uma larga conservação para levar a mobilização de
toda a comunidade educativa em torno de reformas apoiadas por organismos multilaterais.
A Sociologia na perspectiva educacional é uma Ciência que se preocupa muito em
analisar e explicar os fatos sociais, as relações sociais ou as ações sociais, conforme as
perspectivas sociológicas em que está inserida, tais como a educação, o Estado e a política.
Pode-se afirmar que a Sociologia e a educação são dois campos congêneres, que
nasceram com as mesmas preocupações, pois foi com Émile Durkheim que apareceram as
primeiras preocupações em conferir um estatuto científico à Sociologia e,
concomitantemente, têm início as primeiras análises propriamente sociológicas do processo
educativo. Suas análises da questão educacional estão relacionadas à possibilidade de se
instituir uma educação de cunho laica e republicana, em contraposição à presença religiosa
e monarquista no sistema de ensino francês.
Segundo Tamazzi (1997), Durkheim preocupou-se tanto com a questão educacional
que essa foi uma constante em sua vida acadêmica, ele refletiu não só sobre a organização
educacional francesa, em termos de sua história, como também sobre os conteúdos que
estavam sendo ministrados. Como foi descrito por Djaló (2006) isso vale dizer que ao
longo do desenvolvimento da Sociologia
11
, o campo da educação tem sido alvo de inúmeras
análises, algumas visando a sua compreensão enquanto instituição isolada, outras sua
vinculação aos processos de manutenção ou transformação social. Neste sentido, Durkheim
11
Ibidem, p.54.
30
(1973, p.44) afirma que o homem é egoísta, que necessita ser preparado para sua vida na
sociedade e este processo sendo realizado pela família, mas também pela educação. Na
concepção do autor, o objeto da Sociologia é o fato social, e a educação é considerada um
fato social, a começar pela investigação de suas origens, as condições de que depende.
No decorrer deste trabalho usam-se os “termos” educação, política e Estado. Não
obstante, o uso do “termo” política
12
, na análise de Olinda Evangelista, Eneida Oto Shiroma
e Maria Célia Moraes tem uma multiplicidade de significados, presentes nas múltiplas fases
históricas do ocidente. Em sua acepção clássica, derivou de um objetivo originado de polis-
politikos
13
. Ao longo do desenvolvimento da humanidade a política vem sendo conectada
às outras áreas de conhecimento. De acordo com estas autoras, desde então, o conceito de
política encadeou-se ao poder do Estado ou sociedade política – significando atuar, proibir,
ordenar, planejar, legislar, intervir – com efeitos vinculadores a um grupo social definido e
ao exercício do domínio exclusivo sobre um determinado território e da defesa de suas
fronteiras.
O Estado, neste sentido, tem um papel fundamental a cumprir no que diz respeito
aos objetivos da educação. Partindo do pressuposto de que a educação possui uma função
social, o Estado deve-se ocupar dela, a bem do interesse público. Na análise destas autoras
(idem, p.8), o Estado é compreendido como produto da razão, ambiência social marcada
pela racionalidade, única na qual o ser humano encontrará a possibilidade de viver nos
termos da razão, ou seja, de acordo com sua natureza. Max Weber (2002. p.60), perfila-se à
mesma maneira, afirmando que o Estado é o agente que reivindica o monopólio legítimo
dos meios de coerção e do uso deles em seu território soberano.
A proposta deste trabalho é tratar de algumas das normatividades que fundamentam
as políticas educacionais. Faz-se necessária uma análise do conceito de educação básica,
pela diversidade de acepções que este termo possui e pelos seus usos diferenciados dentro
12
Ibidem, p.7.
13
Referiu-se a tudo que diz respeito à cidade e, por conseguinte, ao urbano, civil, público e social. A obra de
Aristóteles. “A política” considera o primeiro tratado sobre o tema introduz a discussão sobre a natureza,
funções e divisão do Estado e sobre as formas de governo. Política educacional, (2002, p.7).
31
do próprio Banco Mundial, em outros organismos multilaterais de cooperação e,
logicamente, também dentro do próprio país.
Segundo Rosa Maria Torres (2001, p.132), no primeiro estudo regional realizado
sobre o setor educativo elaborado pelo Banco Mundial, na educação na África sub-saariana,
em 1988, o termo educação básica era reservado para a educação informal de jovens e
adultos nos rudimentos da escrita e do cálculo. Posteriormente, educação básica passou a
ser equivalente a educação de primeiro grau.
Na concepção e nas formas de entendimento relativo à educação básica, o Banco
Mundial faz uma progressiva redefinição transformando-a no mínimo de reposição
educacional destinado a pessoas de baixa escolaridade. Segundo o Banco Mundial (1999),
esta é a escola que deve ser obrigatória, estendida ao conjunto da população. O BM entende
que ela deve ser composta pelo primário e pelo primeiro ciclo do secundário.
32
2. ÁFRICA NO CONTEXTO SOCIOLÓGICO
2.1 Breve Apresentação do Continente Africano
Como a proposta deste trabalho é estudar a interferência do BM com ênfase nos
efeitos na educação básica de um país localizado no continente africano, é pertinente, num
primeiro momento, contextualizar a África através do instrumental teórico-conceitual
oferecido pela sociologia.
Hoje, quando se fala em África, é importante situá-la em três fases: África pré-
colonial
14
, África colonial
15
e África pós-colonial
16
.
O termo África pré-colonial foi cunhado por uma historiografia colonialista
significando um tempo a-histórico ou de pouca temporalidade métrica. A chegada dos
europeus no litoral do continente, “dito pela Ciência [...] origem da humanidade”, a partir
do século XVI, passou a ser classificado como tempo do período colonial. Portanto, para a
historiografia colonial a história do continente africano começa com a chegada dos
europeus. A época de apropriação e de invasões do solo africano só acontecerá ao longo do
século XVI, mas já antes os portugueses na costa ocidental do continente exploravam o
fluxo de recursos naturais e pessoas da África concretizando-se até o final desse mesmo
período. Para efeitos de nomenclatura, então, o período anterior ao início do século XVI e
XVII consagrou-se África pré-colonial.
A África hodierna é o terceiro continente mais populoso do mundo e também o
terceiro mais extenso (atrás da Ásia e das Américas) com cerca de 30 milhões de km
2
,
14
África de grandes impérios tal como império de Gana que se formou no século IV e existiu até o século
XI, após a extinção surgiu o império de Mali no século XIII a XV.
15
África dominada pelas grandes potências ocidentais e saqueada em seus recursos naturais e humanos.
16
A África totalmente dependente do ocidente […].
33
cobrindo 20,3% da área total da terra firme do planeta e tem mais de 800 milhões de
habitantes em 54 países representando cerca de um sétimo da população mundial.
Desde fins do século XVIII e de forma crescente no século XIX, o que deu impulso
decisivo à exploração do continente africano foi à procura por grandes eixos de acesso ao
interior, de grande importância para a formação de rotas. Segundo Ki-Zerbo, foi a ânsia por
viabilizar a extração desses recursos naturais da África:
Que estimulou a procura pela nascente do rio Nilo e a descoberta dos cursos do
Niger com cerca de 4.200 quilômetros na África ocidental, do rio Zaire com
4.700 quilômetros, do leste angolano ao oceano atlântico e do rio Zambeze com
2.700 quilômetros, unindo Zaire e Angola ao oceano indico
17
(KI-
ZERBO,1982).
A invasão do continente africano deu início à conquista, processo por meio do qual
se acelerou a violência geográfica, com a exploração generalizada dos diversos espaços
geopolíticos do continente africano. Conforme Leila Hernandez Leite (2005, p. 91), a essa
fase inicial, que representou a perda da soberania dos africanos, sucedeu o período da
estruturação do sistema colonial. Hoje é consenso dentre a historiografia que o
colonialismo foi resultado da concorrência econômica e do expansionismo dos países
europeus.
Neste sentido vale a pena destacar a interpretação de Hannah Arendt. Em
“Imperialismo”, Arendt identifica três aspectos fundamentais do “imperialismo colonial”
europeu na sua fase de 1884 a 1914, apresentando-os como prefigurações dos fenômenos
totalitários do século XX, quais sejam: o nazismo e o stalinismo
18
.
A caracterização do fenômeno em Arendt está em afirmar que o “imperialismo
colonial” apresenta como traços fundamentais o expansionismo, a burocracia colonial e o
racismo. De acordo com Arendt a compreensão do expansionismo transcende a esfera
17
Consultar KI-ZERBO, Joseph. Cap. II: “A invasão do continente: a África arrancada aos africanos. In:
História da África negra 1982.
18
ARENDT, Hannah Imperialismo origens do totalitarismo: anti-semitismo, imperialismo,
totalitarismo. São Paulo: Companhia das letras, 1989, pp.146-338.
34
econômica por ser um “objetivo permanente e supremo da política”, no entanto, a idéia
central do imperialismo “contém uma esfera política traduzida por uma base limitada de
poder cujo suporte é a força política presente na vocação para a dominação global
19
”.
2.2 África na Colonialidade do Saber
Esta parte do trabalho quer refletir sobre a ausência e o silêncio da África nos
clássicos das Ciências Sociais, sob um viés da “colonialidade do saber”. Em meio aos
clássicos das Ciências Sociais, a África figura apenas num papel secundário, que passa
despercebida, muitas vezes mencionada como um apêndice misterioso e pouco interessante
de outras temáticas. Torna-se evidente que, quando o silêncio é desvendado ou quebrado, as
bibliografias limitadas, carregadas de eurocentrismo, criam significativos obstáculos para
uma leitura menos imprecisa e distorcida sobre a ausência e o silêncio da África nas obras
clássicas das Ciências Sociais.
O silêncio sobre a África nas sociedades ocidentais contemporâneas pode em parte
ser atribuído aos estereótipos, mito, idéias preconcebido sobre a região, cuja desconstrução
ainda é tarefa a ser levada a cabo. Portanto, a permanência do eurocentrismo
20
na maioria
das sociedades ocidentais, que continuam a reproduzir um olhar “negativo”, do continente
africano é considerável obstáculo a ser superado. Apesar de que todo o colonialismo é um
ato violento, foram vários os colonialismos e, conseqüentemente, também vários os pós-
colonialismos. As pesquisas e os estudos pós-coloniais têm revelado a marcante presença
dos valores ocidentais na África. Para um dos mais destacados sociólogos da atualidade, o
português Boaventura Santos de Souza
21
:
19
Ibidem, pp.146-187.
20
Que nos impede de compreender o mundo a partir do próprio mundo em que vivemos e das epistemes que
lhes são próprias. CARLOS, Walter P. Gonçalves: Apresentação da edição em português. LANDER. E. (org)
A colonial idade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Buenos Aires: Conselho Latino-amérino de
Ciências Sociais - CLACSO, 2205, pp. 9-15.
21
SANTOS, Boaventura de Souza. (2004a), Do pós-moderno ao pós-colonial” “E para além de um e
outro”. Conferência de abertura do VIII congresso luso-afro-brasileiro de Ciências Sociais (Coimbra, 16-18
de setembro).
35
Pós-colonialismo é um conjunto de correntes teóricas e analíticas, com forte
implementação nos Estudos culturais, mas hoje presente em todas as Ciências
Sociais, que tem em comum primazia teórica e política às relações desiguais
entre o norte e o sul na explicação ou na compreensão do mundo
contemporâneo. (...) para esta corrente, é problemático saber até que ponto vive-
se em sociedades pós-coloniais.
Para esta corrente, como assinala Hélia Santos
22
, a presença colonial na África foi
violenta física e epistemologicamente. Esse período resultou no apagamento da história dos
povos colonizados e numa tentativa de “branqueamento” das suas culturas e organizações
de vida e de pensamento.
O iluminismo ocidental, defensor de uma organização de pensamento racional,
considerando a única origem de conhecimento, terá auxiliado o projeto colonial, no sentido
de impor a organização política, econômica, social e cultural ocidental, de forma a dominar
outros territórios. Portanto, é grande o desafio de pensar a globalização do mundo, no fim
do século XIX, quando se anuncia o século XX, ainda mais com os dilemas que se
imiscuem através dos conflitos de concepções de mundo. Há processos e estruturas sociais,
econômicas, políticas, culturais e outros que apenas começam a serem estudados. Colocam-
se problemas novos e fundamentais com a emergência da sociedade global.
Salienta-se que esta observação abre as possibilidades para situar melhor a ausência
e o silêncio de África nos clássicos das Ciências Sociais. Segundo Hélia Santos, desde os
séculos XVIII e XIX, as Ciências Sociais, em termos de reconhecimento social e político,
têm ajudado o projeto colonial fornecendo justificação (principalmente através do discurso
antropológico) para o domínio ocidental sobre os territórios africanos, asiáticos e sul-
americanos. De acordo com a autora, o racionalismo ocidental recusava o que não
compreendia, classificando de obscurantista, incivilizado e ligado à natureza o
conhecimento que encontrou em África e na América do sul. Kant afirmava em um
discurso racista:
22
SANTOS, Hélia. A colonialidade do saber no ensino da história: uma perspectiva pós-colonial e
intercultural. Revista eletrônica dos programas de mestrado e doutorado de CES/FEUC/FLUC, N.1 2006, p.3
36
Os negros de África não têm por natureza nenhum sentimento que leve acima do
insignificante (...) entre as centenas ou milhares de negros que são transportados
dos seus países para outros lugares (...) ainda não tem nenhum que tenha
apresentado algo de grandioso na arte ou na Ciência (...) ( Hélia Santos, 2006, p.
3).
Os interesses ocidentais sobre o continente africano acentuavam a exploração
econômica de recursos naturais e humanos para alimentar o desenvolvimento capitalista da
metrópole. Boaventura Santos (2004, p. 16-17), assinala o fato de o desenvolvimento
moderno e capitalista ter imposto a forma que o conhecimento-regulação transformou o
colonialismo em “ordem”, acarretando em que “a zona colonial e a zona epistemológica,
ambas caracterizadas por desigualdades drásticas de poder, foram progressivamente
transformando-se uma contra outra num processo de fusão que contribuiu para que o
colonialismo como relação social sobrevivesse ao colonialismo como relação política”. Ou
seja, os projetos de modernidade e de capitalismo impuseram-se como única e total forma
de organização de conhecimento e de poder, e tomava por pressuposto que o colonialismo,
enquanto projeto intimamente ocidental, se impusesse com a mesma naturalidade nas
mentalidades e formas de vida dos colonizados, com ainda um longo caminho a trilhar
rumo à civilização moderna.
O fim do colonialismo enquanto relação político-jurídico declarada, não significou,
no entanto, o fim do colonialismo enquanto relação social. Vários são os autores sul-
americanos que têm se preocupado com a questão da colonialidade do saber, dentre eles
destaque-se Edgardo Lander.
Edgardo Lander
23
afirma que a expressão mais potente da eficácia do pensamento
científico moderno (em suas expressões tecnocráticas e neoliberais cotidianamente
hegemônicas) é o que pode ser literalmente descrito como a naturalização das relações
sociais, a noção de acordo com a qual as características da sociedade denominada moderna
são a expressões das tendências espontâneas e naturais do desenvolvimento histórico da
23
LANDER, Edgardo. Ciências Sociais: saberes coloniais e eurocêntricos. LANDER. E. (org). A
colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Buenos Aires: Conselho Latino-amérino de
Ciências Sociais - CLACSO, 2205, pp. 21-53.
37
sociedade. A sociedade liberal constitui não somente a ordem social desejável, mas também
a única possível.
Essa força hegenica do pensamento liberal, sua capacidade de apresentar sua
própria narrativa histórica como conhecimento objetivo, científico e universal; e sua visão
da sociedade moderna como a forma mais avançada – e a mais normal – da experiência
humana, está apoiada em condições histórico-culturais específicas. Para Lander, a eficácia
da hegemonia atual desta síntese sustenta-se nas tectônicas transformações nas relações de
poder ocorridas no mundo nas últimas décadas. A naturalização da sociedade liberal como
a forma mais avançada e normal da existência humana não é uma construção recente que
possa ser atribuída ao pensamento neoliberal, nem à atual conjuntura política; pelo
contrário, trata-se de uma idéia com uma longa história no pensamento social ocidental dos
últimos séculos.
Lander argumenta ainda que é possível identificar duas dimensões constitutivas (ou
seja, de origens históricas distintas) – pela via de sua estreita imbricação – dos saberes
modernos que contribuem para explicar sua eficácia neutralizadora: a 1ª refere-se às
sucessivas separações ou partições do mundo “real”; a 2ª é a forma como se articulam os
saberes modernos com a organização do poder, principalmente as relações colonial-
imperiais de poder constitutivo do mundo moderno. Essas duas dimensões servem de
sustento sólido a uma construção discursiva neutralizadora das ciências sociais e dos
saberes sociais modernos.
De acordo com Lander, na autoconsciência européia da modernidade, essas
sucessivas separações se articulam com aquelas que servem de fundamento ao contraste
essencial estabelecido a partir da conformação colonial do mundo entre Ocidental ou
europeu (concebido como o moderno, o avançado) e os “Outros”, o restante dos povos e
culturas do planeta.
A conquista ibérica do continente americano é o momento inaugural dos dois
processos que articuladamente conformam a história posterior: a modernidade e a
38
organização colonial do mundo. Com o início da colonização na América surge não apenas
a organização colonial do mundo, mas também a constituição colonial dos saberes, das
linguagens, da memória e do imaginário. Começa, então, nos séculos XVIII e XIX, pela
primeira vez, a organização da totalidade do espaço e do tempo abrangendo todas as
culturas, povos e territórios do planeta, presentes e passados, dentro de uma grande
narrativa universal.
A Europa é - ou sempre foi - conforme Lander simultaneamente, o centro
geográfico e a culminação do movimento temporal. Nesse período moderno
primevo/colonial dão-se os primeiros passos na “articulação das diferenças culturais em
hierarquias cronológicas” e do que Johannes Fabian chama de a negação da simultaneidade
(idem, p.21). Entretanto, com os cronistas espanhóis dá-se início à “massiva formação
discursiva” de construção da Europa - Ocidente e o outro, do europeu e o índio, do lugar
privilegiado e do lugar de enunciação associado ao poder. Essa construção tem como
pressuposição básica o caráter universal da experiência européia, sendo as obras de Locke e
Hegel, neste contexto, paradigmáticas. Pois, ao se construir a noção da universalidade a
partir da experiência particular da história européia e realizar a leitura da totalidade do
tempo e do espaço da experiência humana do ponto de vista dessa peculiaridade, instituem-
se uma universalidade radicalmente excludente.
Castro Gomes (2005) perfila-se à mesma idéia afirmando que uma das contribuições
mais importantes das teorias pós-coloniais à atual reestruturação das Ciências Sociais é
haver sinalizado que o surgimento dos Estados nacionais na Europa, na África e na
América durante os séculos XVII a XIX não é um processo autônomo, mas possui uma
contrapartida estrutural: a consolidação do colonialismo europeu no além-mar. A
persistente negação deste vínculo entre modernidade e colonialismo por parte das Ciências
Sociais tem sido um dos sinais mais claros de sua limitação conceitual.
De acordo com Castro Gomes, em razão da impregnação desde suas origens pelo
imaginário eurocêntrico, as Ciências Sociais projetaram a idéia de uma Europa ascética e
autogerada, formada historicamente sem contato algum com outras culturas. A
39
racionalização em sentido weberiano teria sido o resultado da ação de qualidades inerentes
às sociedades ocidentais, a “passagem” da tradição à modernidade, e não da interação
colonial da Europa com a América, a Ásia e a África a partir de 1492.
Partindo deste ponto de vista, a experiência do colonialismo resultaria
completamente irrelevante para entender o fenômeno da modernidade e o surgimento das
Ciências Sociais. Isto significa que para os africanos, asiáticos e latino-americanos, o
colonialismo não significou primariamente destruição e espoliação e sim, antes de tudo, o
começo do tortuoso, mas inevitável caminho em direção ao desenvolvimento e à
modernização. Este é o imaginário colonial que tem sido reproduzido pelas Ciências
Sociais.
As teorias pós-coloniais demonstraram que, qualquer narrativa da modernidade que
não leve em conta o impacto da experiência colonial na formação das relações
propriamente modernas de poder é não apenas incompleto, mas também ideológico. Foi
precisamente do colonialismo que se gerou esse tipo de poder disciplinar que, segundo
Foucault (1990, pp. 179-191) caracteriza as sociedades e as instituições modernas.
Portanto, a ocupação do “ocidente” sobre o resto do “mundo” inclui no seu projeto
uma imagem histórica. No caso da África, esse esvaziamento de sentido histórico agrava-
se; na concepção moderna, África é um continente sem história anterior à época em que foi
“descoberta”. Hegel afirmava que:
Historicamente, África não é parte do mundo; não tem movimento ou
desenvolvimento que possa apresentar. Os movimentos históricos que apresenta –
na região nortenha do continente - pertencem ao mundo europeu (Santos,
Meneses e Nunes, 2004, p.25).
Os movimentos históricos a que Hegel se referiu são igualmente arrolados por um
dos mais destacados filósofos africanos, o congolês Mudimbe (1994). O autor não divide o
espaço africano entre espaços africanos e europeus. De acordo com Mudimbe
24
, Hegel dizia
24
MUDIMBE, V. Y. The idea of Africa. London: James Currey publishers, 1994, p.54.
40
que a história do Egito, por exemplo, pertence ao continente europeu, isto é, fora daquele
em que este país está localizado. A suposição do autor é que, na concepção da modernidade
ocidental, qualquer produção de conhecimento no mundo tem de vir, obrigatoriamente, do
ocidente. Este autor defende que a idéia que se tem da África e da própria história africana,
reproduz tal invenção eurocentrista.
A idéia de uma história da civilização ocidental é equivocada no que diz respeito ao
continente africano e às suas culturas. Estes são apresentados ligados à construção de um
conhecimento, cuja gênese remonta ao século XVI, concomitante à consolidação do
racionalismo como método e valor máximo do pensamento ocidental, que se desenvolve
entre a segunda metade do século XVIII e a primeira metade do século XIX. O papel
secundário, pejorativo e depreciador da África integram a constituição de um “saber
moderno” que permeia a formulação de princípios políticos, éticos e morais fundamentando
os colonialismos ocorridos nos séculos passados. Suas tragédias prolongam-se até hoje,
deixando marcas nas Ciências Humanas e, em particular nas Ciências Sociais. Como
propõe Leila Leite Hernandez
25
:
As idéias desta “produção dos tempos modernos” revestem-se de uma
legitimidade cientifica que deriva do par dicotômico saber-poder que se instala e
se conserva fiel à regra de que “[...] não é qualquer um que pode dizer a qualquer
outro a qualquer coisa em qualquer lugar e em qualquer circunstância.” Em
outras palavras, a atividade do conhecer saber passa a ser conhecida como um
privilégio dos que são considerados mais capazes, mais bem-dotados, sendo-
lhes, por isso, conferida a tarefa de formular uma visão do mundo ocidental,
capaz de compreender, explicar e universalizar o conhecimento do saber
ocidental (HERNANDEZ, 2005, p.17).
Neste sentido, pode-se dizer que o saber ocidental construiu uma consciência
planetária constituída por visões de mundo, auto-imagens e estereótipos que compõem um
“olhar imperial” sobre o universo. Pois as teses coloniais levaram à interiorização do
“negro”, do “selvagem”, do “tribal”. As teorias modernas e liberais outorgaram à ciência o
papel central no pensamento europeu, o distanciamento entre África e a Europa era tido
25
HERNANDEZ, Leila M. Gonçalves Leite. A África na sala de aula: visita à história contemporânea.
São Paulo: selo Negro, 2005.
41
como a “verdade”. A cultura e a natureza, o civilizado e o selvagem, o tradicional e o
moderno. Nas interpretações de Santos Meneses e Nunes
26
:
Se o selvagem é, por excelência, o lugar da inferioridade; a natureza é, por
excelência, o lugar da exterioridade. Mas como o que é exterior não pertence e o
que não pertence não é conhecido como igual, o lugar de exterioridade é também
um lugar de inferioridade (ibidem, 2004, p.25).
Desta forma, Santos Meneses e Nunes, apontam a lógica dicotômica da
modernidade com base nas relações fortemente desiguais entre o colonizado e o
colonizador, e na criação da alteridade máxima da modernidade.
Olhando o “selvagem” como parte da natureza, e distanciando-se a si mesmo desse
mundo exterior, o homem ocidental procurou ignorar, relegar a uma posição de
inferioridade ou negar outros conhecimentos, outras formas de vida, outras narrativas que,
ao contrário do que a ideologia colonialista afirmava, existiam há milhares de anos, com
uma organização social e cultural própria. Santos Meneses e Nunes assinalam que:
A produção do Ocidente como forma de conhecimento hegemônico exigiu a
criação de um “outro”, construído como um ser intrinsecamente desqualificado,
num repositório de características. Inferiores em relação ao saber e poder
ocidentais e, por isso disponível para ser usado e apropriado (idem, 2004, p. 24).
Como propõem Santos Meneses e Nunes, essas formas alternativas de
conhecimento foram encaradas pelo conhecimento científico, e em particular pelas ciências
sociais, como inferiores e destruídas, deslegitimando o conhecimento das populações que
deles dependiam e impedindo a continuação de sua forma autônoma de desenvolvimento.
Para estes autores, a hegemonia do conhecimento ocidental não passa de “uma
forma de particularismo ocidental cuja especificidade consiste em ter poder para definir
como particulares locais contextuais e situacionais todos os conhecimentos com que elas
rivalizam” (Santos Meneses e Nunes, 2004, p. 25).
26
A morte de um conhecimento local perpetrada por uma ciência alienígena (Santos Meneses e Nunes,
2004, p.20).
42
Esta forma de pensamento ocidental, hoje se tem trabalhado muito isso por
autores pós-coloniais, tem sido vista como uma das violências mais douradoras perpetradas
pelo período colonial, fundada numa suposta superior racionalidade moderna ocidental.
Apesar de modificados, os conceitos ocidentais para descrever o atraso do continente
africano são similares usados há mais de cinco séculos atrás, embora agora dotados de um
significado diferente.
Chabal
27
(1997) observa que esta particularidade da necessidade da persistência
desta forma de olhar colonial sobre o continente africano serve para perpetuar o jogo de
espelhos que garante a persistência da África colonial. Pois, a compreensão do resto do
mundo, a partir da miopia européia, reflete o perpetuar de uma relação de poder traduzida
para o campo de saber.
Uma análise detalhada do campo de poder instituído pelas estruturas de produção de
conhecimento nas sociedades africanas contemporâneos poderá suscitar explicações. As
relações entre o poder, o discurso, as instituições políticas e suas práticas abrem as pistas
para uma compreensão mais ampla de como a desumanização do passado colonial e do
presente pós-colonial foram e continuam a ser construídas e mantidas, especialmente no
campo das Ciências Sociais.
A soberania ocidental em querer civilizar os não-europeus, as raças chamadas por
eles tidas como inferiores ou impuras que precisavam ser melhoradas. Esta forma de
procedimento que Walter Mignolo (2003) denominou estas formas de dominação de
subalternização
28
de saberes e conhecimentos, ainda hoje continuamente reforçadas
(MIGNOLO: 2003, p.37).
Desse modo identifica-se a colonialidade do saber como os lados não explicitados
da modernidade ocidental, como sua outra face. Coisa a que Boaventura de Souza Santos
27
CHABAL, P. Apocalypse now? a post- colonial journey into África. Inaugural lecture, delivered on 12
march 1997 in kingis college London.
28
MIGNOLO, Walter. Histórias locais projetos globais: colonialidade, saberes subalternos e pensamento
liminar. Belo Horizonte: Editora UFMG: 2003, p. 37.
43
(2004, p.16-18) denomina “epistemicídio”, que retirou de todos os outros, não-europeus-
ocidentais, a própria capacidade de pensar e não poucas vezes até o direito de ser. O
silenciamento da colonialidade do saber acabou por produzir uma tradição seletiva, que
possibilitou, ao longo do tempo, a cristalização daquilo que não passava, no início, de uma
seleção realizada dentre um universo muito mais amplo de possibilidades. Essa visão que se
impõe como única verdade acaba por excluir outros saberes que se inscrevem no tecido
social, caso especialmente sensível entre as Ciências Sociais.
2.3. A Emancipação Política e Ideários do PAN Africanismo na África
Como propõe o poeta antilhano Aimé Césaire, o “colonialismo e o nazismo
possuíam posições simétricas; o que o burguês cristão do século XX, não perdoa
a Hitler, não é o crime em si, não é a humilhação em si, é o crime contra o
homem branco (...) por ter aplicado à Europa métodos colonialistas que até então
somente os Árabes, os coolies da Índia e os negros da África recebiam” (Aimé
Césaire, citado por Marc Ferro, 2003, pp.9-10).
Embora existam cinqüenta e quatro nações no continente africano, apenas dezessete
conseguiram alcançar a independência formal na década de 60. Essa década marcou a
fronteira entre nacionalismo e liberdade, consolidando uma tendência que, com o decorrer
do tempo, tornar-se-ia irreversível.
Os acontecimentos ocorridos no continente africano, como o início da guerrilha na
Argélia, em 1952, ou a independência de Gana, em 1957, sem dúvida foram importantes
para o continente, marcado por quatrocentos anos de escravidão e séculos de dominação
colonial. Nos anos cinqüenta os povos africanos tomaram consciência de que podiam
reassumir a direção dos seus próprios destinos, sem deixar outros tomarem decisões por
eles.
Por resumo, deu-se que a revolta anti-colonial no continente era vital e, portanto,
um objetivo prioritário irrenunciável. A situação colonial havia deixado o africano ou
africana na escolha entre o animal e humano, pois não existia senão para satisfazer as
necessidades do colonizador. O que menos importava era o modelo de colonização, como
44
propõe Albert Memmi (1967) em sua obra o “Retrato do Colonizado”. Segundo este autor,
como pode alguém se atrever a comparar as vantagens e os inconvenientes da colonização?
Neste sentido, os aprendizes dos ideários dos lideres africanos, como Kwame
Nkrumah, Patrice Lumumba, Jomo Kenyatta, Tom Mboya, Julius Nyerere e o influente
pensador antilhano Franz Fanon observaram com clareza que a soberania não era um fim
em si mesmo, mas um meio. As independências das nações africanas foram concebidas e
reclamadas como um primeiro passo para atingir a liberdade e o desenvolvimento, uma vez
que os negros da África vinham sofrendo não só uma marginalização histórica como
contínuos vexames.
O período entre 1955-1961 foi um marco histórico no continente africano. Pode-se
considerá-lo fundamental na luta anti-colonial em África. Segundo Auguto Jone Luis
(2005, p.22), a difusão da filosofia pan-africanista
29
e anti-colonialista dos nacionalistas da
África Ocidental, de Kwame Nkrumah da Gana e de Nandi Azikini da Nigéria,
contribuíram para que os intelectuais de vários pontos do continente tivessem consciência
da natureza do colonialismo em África. O ano de 1957, por exemplo, foi marcado pela
criação de organizações políticas internas e externas, resultados da intensificação da
exploração colonial. De acordo com Jone:
Os anos de 1950 e 1960 podem ser considerados como décadas de
descolonização do continente Africano. Foi nesse período que muitas colônias
inglesas e francesas se tornaram independentes e muitas delas por via pacífica
(idem, p.22).
O pan-africanismo teve uma importância vital para a história da África, bem como
para a formação da Organização da Unidade Africana e de sua sucessora, a União Africana.
Esse movimento foi crucial na constituição da identidade negra, tendo sido um instrumento
de unidade de luta destes por reconhecimento, direitos humanos, igualdade racial e depois
como elemento agregador na luta pela independência, através de seus congressos e
29
O ideal Pan-Africanista foi um movimento que nasceu nas Antilhas nos princípios do século XX. Uma
manifestação de solidariedade entre negros das ilhas inglesas e negras do sul dos EUA. Movimento que
apostava para uma união de todos os africanos num só Estado (JONE, 2005, p.22).
45
posterior institucionalização dos interesses. O pan-africanismo enquanto movimento
político e ideológico organizado surge, na verdade, fora do continente africano e ganha
força através dos negros da diáspora, que se unem contra a discriminação e subjugação a
que estavam sujeitos nas colônias americanas, e isso ainda no século XIX.
Pode-se destacar também que o término da Segunda Guerra Mundial foi
fundamental na luta anti-colonial em África. Então, muitos africanos lutaram pela
liberdade, ironicamente, de suas metrópoles e a partir de então as idéias independentistas
foram se tornando cada vez mais concretas e contagiaram o ideário local. Durante esse
período de permanência dos negros africanos na Europa, perceberam-se que, além de ter
em comum o anseio pela independência européia, eles próprios eram vistos como uma
unidade, um povo africanista. Esse momento então representou uma maior aglutinação do
movimento pan-africano que até então era apenas um movimento de solidariedade racial,
fora do continente africano, contra a discriminação sofrida nas colônias americanas e
caribenhas. Em seguida, passa a ser um instrumento na luta anti-colonial e pela
emancipação política do continente.
Com alguma margem de subsídio da historiografia, pode-se dizer que os ideários
voltados a alcançar independência das colônias européias na África fortaleceram a idéia de
uma identidade africana, acarretando numa unidade do povo negro, que então lutava por
um objetivo comum, a descolonização. Esse aspecto fortaleceu no movimento pan-
africanista o espírito de unir forças para alcançar os objetivos.
Ocorrido em Manchester em 1945, o congresso pan-africano contou com a
participação de “políticos, sindicalistas e estudantes, representantes das colônias inglesas”,
destacando a presença de lideranças africanas como Kwame Nkrumah, Wallace Johnson,
da Serra Leoa, e Jomo Kenyatta da Kênia. Ali foi anunciada “a independência imediata das
colônias e incondicional [...] como a maior de todas as reivindicações”.
Este Congresso de Manchester deu novo impulso ao Pan-Africanismo, que a partir
de então passou a ter uma participação africana mais efetiva, e ocupou-se a ser um
46
instrumento significativo para os africanos, passando a utilizar a concepção de
solidariedade racial para promover a luta pela independência do continente africano.
Assim, na análise da Leila Leite Hernandez (2005, p.147), na maior parte das vezes,
essas idéias integram um exercício intelectual e político necessário para futuras ações
eficazes na busca da emancipação política. De acordo com Leila Leite Hernandez:
Para compreender o papel do pan-africanismo em África de colonização
francesa. As preocupações referem-se a um desafio. O primeiro o de constituir
uma identidade de destino de um conjunto de povos sobre os quais se abateram
as violências institucional e simbólica em diferentes graus de intensidade,
exercidas pela burocracia colonial. A essas características somam-se três
particularidades: a primeira refere-se ao fato de que, no caso das Áfricas de
colonização francesa, as idéias pan-africanas foram gestadas e desenvolvidas
mais tarde, isto é, entre as duas guerras mundiais; A segunda particularidade, por
sua vez, diz respeito ao fato de que essas idéias são expressão de forma muito
mais incisiva em Paris do que nas Áfricas Ocidental e Equatorial Francesas;
Enquanto à terceira particularidade, é que esse pan-africanismo restringiu-se a
um pequeno número de africanos das colônias francesas radicados em Paris, que
encontraram compreensão e acolhida nos meios intelectuais, artísticos e
políticos, ao contrário dos africanos das colônias inglesas, em Londres (Leila
Hernandez, idem, p.147).
O pan-africanismo na África de colonização francesa apresentava uma abordagem
diferenciada quanto àquela desenvolvida pelo pan-africanismo de vertente anglófona,
tinham essas duas principais preocupações: a construção de uma identidade que fizesse
frente às mazelas do colonialismo e a fundamentação intelectual e política que viabilizasse
futuramente a “emancipação política”.
Já o pan-africanismo da África francófona difere da colonização britânica em pelo
menos três aspectos, primeiramente o pan-africanismo nessa região foi elaborado mais
tardiamente em relação ao outro, sendo este no período entre guerras. Além de permanecer
mais contundentemente em Paris do que propriamente no continente africano, ficou mais
restrito a um seleto grupo de intelectuais, artistas e políticos africanos com formação
européia. Pode-se destacar desta vertente a participação fundamental da obra literária como
difusora das realidades da atuação colonial francesa em África, tornando-se assim um
instrumento de denúncia na Europa.
47
A maior expressão de um movimento pan-africano da África colonial francesa foi o
movimento denominado de negritude. Movimento literário que resgatou as tradições
culturais do continente africano. Teve como seus expoentes Leopold Séda Seghor
30
e Aimé
Césaire
31
. A principal idéia desse movimento foi a de que “todos os povos de ascendência
africana tinham um patrimônio cultural comum”, o que lhe conferia centralidade na noção
de raça.
Como houve diferenças no processo de colonização das colônias britânicas e das
colônias francesas, houve também uma diferença na forma que se desenvolveu o pan-
africanismo nessas duas vertentes: os dois blocos terão seus papéis definidos no período
antecedente a suas independências.
2.4. Resgate da Questão Colonial na África Portuguesa: Guiné-Bissau e
Cabo Verde
Após breve passagem pela história do pan-africanismo e anti-colonialismo em
África, cabe agora abordar o resgate da questão colonial na África portuguesa, em especial
Guiné-Bissau e Cabo Verde. A apresentação trará uma visão sucinta do processo histórico,
hipóteses sobre o que está na gênese do problema, oferecendo enquadramento
imprescindível para o tema aqui tratado.
O século XV foi marcado como o período das grandes expedições, que
possibilitaram à Europa entrar em contato com terras longínquas, reveladas com a
descoberta de novas rotas marítimas e que tiveram importantes conseqüências históricas, as
quais, ao menos à população africana, reverberam até hoje como tragédia.
30
Leopoldo Seda Seghor, político e escritos senegalês, nascido em Joal às redores de Dakar em 1906. Foi um
dos criadores do movimento da negritude e presidente do Senegal de 1960 até 1980 sendo eleito três vezes.
31
Escritor e político francês nascido na Martinica em 1913, que fez da poesia um motivo de retorno às fontes
da negritude e proclamou em seus ensaios e peças os seus desejos de se libertar das formas tradicionais da
cultura ocidental.
48
Foi assim que se deu o início do processo de “roedura” dos portugueses na costa
ocidental africana. Como assinala o cronista Gomes Eanes Zura (apud: Esteves, 1988,
p.24) em 1446, Nuno Tristão chegou ao Cabo Branco e a Arguim, pontos de partida para a
exploração dos rios da Guiné. Dez anos depois, Diogo Gomes e Cadamosto exploram o rio
Grande. Na segunda viagem de Cadamosto por aquelas paragens, chegou ele a Bijagós.
Esses lugares faziam parte de um amplo espaço territorial com fronteiras fluídas, a
Senegambia, caracterizada por movimentos migratórios em várias direções. Abrangia
diversas organizações políticas capazes de gerar complementaridade entre as diferentes
zonas ecológicas do Saara, da floresta e da savana.
Logo após a invasão, foram organizadas diversas expedições de caráter comercial
para a costa. Segundo Maria Luisa Esteves (1988, p. 25), foi em 1455 que, com fins
mercantis, realizou-se a primeira viagem do veneziano Cadamosto, mas que não
ultrapassou a Gâmbia. No ano seguinte, o mesmo navegador e hábil traficante chegou à
Geba
32
. Conforme esta autora, ainda em 1454 a expedição de Diogo Gomes que segundo
Maria Luisa Esteves, precedeu a de Cadamosto, esteve na Geba, que explorou, e no
Gâmbia, onde colheu informações de caráter comercial, tendo chegado à região de Cantôra,
importante mercado do ouro, que se iria transformar-se em um dos principais eixos do
tráfico aurífero. Na observação da Maria Luisa Esteves acontece que
33
:
O infante D. Henrique recebera o exclusivo da exploração comercial das partes
da Guiné Portuguesa após à sua morte foi o sobrinho, o infante D. Fernando, o
herdeiro deste monopólio. Para estimular a colonização das Ilhas de Cabo Verde,
conseguiu de D. Afonso V a carta de 12 de junho de 1466, concedendo aos
moradores da Ilha de Santiago diversos privilégios, dos quais sobressai o
encarregado de negociar nas terras da Guiné Portuguesa, excetuando Arguim,
com a promessa de se manterem estas concessões mesmo sendo arrendado o
resgate da costa ( idem, p. 26).
Daqui deriva o elo que ligou a Guiné ao Cabo Verde, da qual foi uma simples
dependência até 18 de março de 1879, data que marca a ruptura desta subordinação e
transforma a região em província autônoma.
32
Fica localizada a leste da Guiné-Bissau.
33
ESTEVES, Maria Luisa. IV centenário da fundação da cidade de Cacheu 1588-1988, Cacheu cidade
antiga: A questão do Casamansa e a delimitação das fronteiras da Guiné. Lisboa, 1988, pp. 25-26.
49
Em 1588, Portugal funda junto à costa, Cacheu
34
, criada como “local de estadia dos
portugueses”, que recebe os primeiros contingentes de colonizadores. Em 1630, com a
criação da capitania-mor de Cacheu, núcleo da Guiné Portuguesa, deu-se início à ocupação
administrativa. Na ótica de Leila Leite Hernandez
35
:
No que diz respeito ao povoamento, ainda que raras vezes os povos africanos
tenham sido descritos pelos administradores coloniais como indiferenciados e
culturalmente homogêneos, constituíam-se de quatro diferentes grandes grupos
etnoculturais no litoral e dois no interior. Os que habitavam o litoral eram os
grupos: dos diulas e balantas
36
o dos manjacos incluindo os papéis e os dos
banhus; os beafadas e nalus; e os dos bijagós cocolis e padjadincas que
habitavam o arquipélago de Bijagós. Esses povos no seu conjunto tinham a
família como sua unidade política e econômica caracterizando, assim, as
sociedades como horizontalizadas. Já no interior ficavam os maninkés
37
e os
fulas
38
(Leila, 2005).
Vale destacar que a Guiné-Bissau, até 1879, teve sua administração ligada à Cabo
Verde passando, em 1890, à categoria de província, tendo como seus principais municípios
Bolama, Cacheu e Bissau.
Quanto à conquista do território, como assinala Leila Hernadez (2005, p.538), a
conquista foi pontilhada de guerras de “pacificação” ou “domesticação”, sobretudo contra
os Papeis que não se identificavam com a presença colonial portuguesa no território, o que
inclusive foi decisivo para a Guiné-Bissau passar de província a distrito militar autônomo,
com poderes concentrados em mãos de governadores escolhidos pela metrópole. Essa
transformação levou a que Bissau, Cacheu, Geba e Buba tornaram-se “comandos
militares”, decisão justificada porque “(...) a civilização era apenas incipiente, e os hábitos,
pode-se dizer primitivos da grande massa da população indígena, requeria procedimentos
normais e simplificados
39
(...)”. Assim eram julgados pelo colonizador.
34
Uma cidade que fica localizada no norte da Guiné-Bissau que recebeu o primeiro povoamento português.
35
Ibidem, p. 537.
36
Etnia que detem maior número da população Guineense balantas.
37
Eram guerreiros e agricultores convertidos ao islamismo desde o século XII. Tinham uma organização
política centralizada e a estratificação social caracterizava sociedades verticais.
38
Foram os primeiros que disseminarem o colonialismo português na Guiné Portuguesa no atual território da
Guiné-Bissau fulas.
39
PELISSIER, René. História da Guiné: portuguesa e africanos na Senegambia (1841-1936). Lisboa:
Estampa, 1989, 2 v., p.33.
50
Paulo Freire (1978, p.20) observa que a ideologia colonialista procurava incutir nas
crianças e nos jovens a imagem que deles ela fazia: “de seres inferiores, incapazes, cuja
única salvação estaria em tornar-se” “branco” “ou pretos de alma branca”. Tomando a
ideologia européia por verdade, a história dos colonizados teria começado com a chegada
dos colonizadores, com sua “presença civilizatória”, corolário da forma bárbara de
compreender o mundo atribuído aos nativos, mas praticada pelos “civilizados”. Assim,
cultura, só a dos colonizadores; a música dos colonizados, seu ritmo, sua dança, seus bailes,
a ligeireza de movimentos de seu corpo, sua criatividade em geral, nada disto tinha valor.
Tudo isto, quase sempre, tinha de ser reprimido e imposto o gosto da metrópole, no fundo,
o gosto das classes dominantes metropolitanas.
Por outro lado, não há de se esquecer que também as rivalidades existentes entre as
diversas etnias sempre foram obstáculo à formação de uma unidade contra a dominação.
Rivalidades estas sempre encorajas e reforçadas pelo poder dominante. Coisa que se
realizava pela oferta de privilégios a determinada etnia que se aliasse às forças alienígenas,
como foi o caso dos fulas. O emprego da violência, não é preciso dizer, era prática
corriqueira, e a fragmentação étnica garantia árido terreno para a concatenação de qualquer
defesa dos interesses aborígines, facilitando a efetividade do sistema de exploração
colonialista.
51
3. GUINÉ-BISSAU: BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO
3.1 Localização Geográfica, População e Economia
A Guiné-Bissau é um pequeno país africano com 36.125 km
2
situado na costa
ocidental do continente africano, entre o território do Senegal, que lhe serve de fronteira ao
norte, a república da Guiné-Conakri delimitando leste e sul, e com o Oceano Atlântico a
oeste. Sua independência é bastante recente. O país ainda sofre as conseqüências da
dominação colonial. Foram exatamente cinco séculos de dominação. Tornou-se
independente de Portugal, antiga potência colonizadora, a 24 de setembro de 1973 depois
de onze anos de uma dura luta armada pela sua libertação, que terminaria com o
reconhecimento da sua soberania pela antiga metrópole portuguesa após a queda do regime
fascista salazarista, em 25 de abril de 1974. Entre 1974 a 1991, o país viveu sob uma
adaptação do regime marxista-leninista, inspirado e apoiado na União Soviética.
A transição política foi iniciada em 1991 com uma revisão da constituição. As
primeiras eleições democratas foram realizadas em junho e agosto de 1994. O que não
impediu que o período de 1994 a 1997 fosse marcado por grande conflituosidade devido às
lutas internas do partido no poder, uma situação cujo agravamento levou ao conflito
político-militar, de 7 de junho de 1998.
Geograficamente, o país é formado por uma planície com fracas altitudes, exceto as
colinas de Boé que constituiem extensão das grandes colinas do Futa Djalon. Possui zona
costeira de 200km de comprimento e zona econômica exclusiva de 70.000Km2, o duplo da
superfície ocidental. Numerosos rios, dos quais o Cacheu, o Mansoa e Geba são os mais
importantes, percorrem o território e são as melhores vias de acesso ao interior. A rede
fluvial, portanto, é muito densa e na zona costeira registra-se um grande desembocar de
rios, nas margens dos quais predominam um ecossistema de mangues, propício à
orizicultura. A pluviometria varia de 1000mm/ano no nordeste a 2250mm/ano no sudoeste.
52
Além do território continental, pertencem ao país cerca de 40 ilhas, que formam os
arquipélagos dos Bijagos. Em virtude da sua situação geográfica, a vegetação da Guiné-
Bissau é do tipo savana e floresta tropical e o clima é tropical úmido. Há duas estações
climáticas durante o ano: a seca, que se estende de novembro a abril, e a chuva, que vai de
maio a outubro
40
.
Hoje sua população está estimada em pouco mais de 1,5 milhões de habitantes. A
sua densidade populacional é de 29,4 hab/ km
2
e a taxa de crescimento demográfico anual é
de 2,12%. Não obstante a exigüidade territorial ser diminuta em termos populacionais, sua
configuração física, aliada à história da sua formação de nação enquanto entidade política
conferiu-lhe notável diversidade cultural e étnica, com cerca de trinta etnias, cada uma com
sua língua e matrizes culturais próprias. Há os Balantas, Fulas, Mandingas, Manjacos e
Papeis que são os mais destacados do ponto de vista demográfico, ao lado de minorias
culturais como os Beafadas, Mancanhas, Bijagós, Felupes, Baiotes, Cassangas, Djacancas,
Nalus, Sossos, Tandas, Padjadincas, Saracolés e Landumas.
O país esta dividido em nove regiões
41
administrativas, incluindo o setor autônomo
de Bissau, a capital, e 36 setores. A aproximação dos dados demográficos à divisão política
e administrativa do território faz transparecer duas características importantes deste país.
Em primeiro lugar, a maioria dos habitantes continua a viver no mundo rural. Em segundo,
observa-se uma forte atração por Bissau e seus arredores, que albergam mais de um quarto
de toda a população do país. Ver tabela I a distribuição de número de habitantes em
regiões:
Tabela I - distribuição de habitantes por regiões
Regiões e Números de Habitantes em
2002
População residente
Bissau – capital 359048
40
DJALÓ, Mamadú. Educação e domínio colonial no século XX: uma pesquisa documental sobre a
Guiné no período de 1960 a 1974. 2006, p.20.
41
Regiões, no contexto da divisão administrativa do Brasil, equivalem a Estados.
53
Oio 179125
Bafatá 158000
Cacheu 100316
Gabú 182653
Tombali 63812
Biombo 61550
Quínara 57814
Bolama
Bijagôs
8481
22699
Guiné-Bissau – Total 1.245.919
Fonte: www.ces.uc.pt/lab2004/inscricão/pdfs/painel10/marilenedalva.pdf – acesso 7 de junho de 2008.
As políticas econômicas, levadas a cabo durante os 30 anos de existência do país,
principalmente no período de 1973-86, foram marcadas por uma gestão centralizada,
orientada para o mercado interno, privilegiando o intervencionismo econômico do Estado
em detrimento da promoção de iniciativas privadas. O incentivo ao desenvolvimento
industrial, buscado através de uma política de substituição de importações, desde o período
de 1986 a datas presentes, caracterizando os incipientes setores comercial, financeiro, não
foram aptas a impulsionar o crescimento econômico.
A Guiné-Bissau depende, sobretudo, da pesca e da agricultura. É um país
eminentemente agrícola. A agricultura emprega cerca de 80% da força de trabalho e tem
como principais produtos de exportação a castanha de caju, madeira e peixe. Concernente
aos recursos naturais há ainda a exploração de reservas de bauxita, fosfato e petróleo.
Entre seus principais parceiros internacionais estão o Banco Mundial (BM), Fundo
Monetário Internacional (FMI), União Européia (UE), UNESCO, UNICEF, Organização
Mundial do Comércio (OMC), Organização Internacional do Trabalho (OIT), União
Econômica Monetária Oeste Africana (UEMOA), e União Monetária Oeste Africana
(UMOA).
54
Após um declínio nas tendências de desenvolvimento devido a um conflito político-
militar, em junho de 1999, embora sem ajuda financeira exterior, o país conseguiu retomar
a dinâmica antecedente. Em decorrência da recuperação econômica, o então governo eleito
beneficiou-se do apoio financeiro das instituições de BRETTON WOODS
42
, sob condição
de observar escrupulosamente uma gestão macroeconômica rigorosa, de forma a acelerar o
crescimento e reduzir o nível generalizado de pobreza. Conforme Djaló:
O Banco Mundial em sua carta “política de desenvolvimento do setor privado”,
recomendou ao então governo a adoção de uma estratégia que deveria estar assente
nas políticas orçamentais e financeiras destinadas a eliminar o déficit orçamentário,
restaurar o excedente primário e reduzir a taxa de inflação para menos de 4% como
forma de alcançar um desenvolvimento acelerado e durável. O que significou,
portanto, poucos investimentos nos setores sociais
43
.
3.2 A Experiência Colonial e a Afirmação da Nação-Estado
Após a Segunda Guerra Mundial, muitos movimentos de independência surgiram
em toda a África. Em 1956, os líderes nacionalistas africanos da Guiné Portuguesa
fundaram o Partido Africano pela Independência da Guiné e de Cabo Verde (PAIGC).
Amílcar Cabral chefiou o partido de 1956 a 1973, quando foi assassinado. O PAIGC,
durante a década de 1960, tinha por prática recrutar seus quadros dentre o campesinato e
dedicar-lhes treinamento em táticas de guerrilha. A experiência do Partido Africano da
Independência da Guiné e do Cabo Verde (PAIGC) na luta armada contra o colonialismo
português foi decisiva para a afirmação de Nação-Estado na Guiné-Bissau.
Elane Tomic(1995) é das autoras que discute o processo de dominação. Ela afirma
neste processo, para além da dominação concreta, violenta e tirânica, que diretamente
implica a esfera política em seus desígnios, a dominação ia além, abrangendo a dominação
cultural que, sobrepondo seu próprio sistema de crenças ao nativo, destruía também o
42
Fica localizado no nordeste dos Estados Unidos. Onde em 1944, foi criado, o Fundo Monetário
Internacional, tinha uma missão: atuar como uma agência supranacional de caráter permanente, para
regular e fiscalizar o sistema financeiro internacional (KENEN, 1994).
43
Ibidem, p.21-22.
55
mundo simbólico do dominado. O que significa quase sempre a destruição das instituições
sociais e como culminância deste processo perverso, o esmagamento da língua materna; o
que quer dizer, o esmagamento profundo de qualquer identidade cultural (apud: DJALÓ,
2006, p.38).
Neste sentido, segundo Djaló (idem, p.38) a ideologia da dominação tem
necessidade de criar estereótipos que estigmatizam o dominado, o que Walter
Lipman(1971) definiu como “imagens em nossas cabeças” (apud: Hélio Inforzato 1971, p.
53).
Portanto, esses estereótipos fabricados pela sociedade dominante, o dominado tende
a interiorizar como se fosse inerente a sua própria “natureza”. Negar a negação gerada pela
ideologia dominante, é o primeiro passo para afirmar-se positivamente, e então se inicia o
processo de construção de uma consciência crítica. A negação da sua negação, neste
movimento dialético, significa, a um só tempo, a afirmação da sua identidade e a negação
da identidade do dominador.
Gabriel Fernandes (2005) em sua obra “Em Busca da Nação: notas para uma
reinterpretação do Cabo Verde crioulo”, afirma que a emancipação do colonizado começa
pelo seu calculado aprisionamento à nação, que supõe rompimento de laços de dependência
para com os tradicionais representantes da mesma, com os quais passa a interagir e, por
vezes, a competir. Segundo ele:
Uma vez que o colonialismo se nutre da exacerbação da diferença (para a qual
contribuem de forma decisiva não só os traços da cultura, mas também, e,
sobretudo, da raça), seus agentes demonstram grande relutância em permitir que
o discurso proselitista da nação altere esse traço do sistema de dominação
colonial. Nesta base, qualquer convergência nacional de que constitutivamente
contraditória. Na verdade, existe uma tensão teoricamente intransponível entre,
de um lado, o colonizador, para quem a sua identidade nacional constitui um dos
principais recursos simbólicos de legitimação do mando, e, do outro, o
colonizado, para quem a aquisição dessa identidade nacional supostamente
alheia representa um importante recurso de emancipatório. Ou seja, se para o
colonizador sua pertença e lealdade nacionais funcionam como um ponto de
partida para a dominação dos outros, para o dominado elas são a meta de cuja
tangibilidade depende sua constituição como sujeito e, portanto, a sua libertação.
Por isso, no quesito nacional, colonizador e colonizado estão definitivamente
56
embrenhados num jogo de soma nula, em que se um ganha o outro tem de perder
(FERNANDES: 2005, p.35).
Pode-se afirmar que, hoje, a consciência de nacionalidade na Guiné-Bissau é uma
realidade incontestável; claramente evidenciada na constante rejeição do colonialismo. A
vontade de libertar-se do “jugo” colonial e o suporte que disso resulta foi fundamental para
o processo de afirmação da Nação-Estado. Insuficiente em si, é preciso que a consciência
nacionalista subsista e se consolide na Nação-Estado através das populações sentindo e
compartilhando um mesmo espectro de valores e anseios, fundamentos imperativos para
acarretar no desenvolvimento econômico e social, consolidando numa instituição nacional.
Para Gabriel Fernandes, o caráter natural da nação aparece como um dos
pressupostos mais consubstanciados da abordagem primordialista
44
. No geral ela tende a
focalizar a origem remota e a história contínua da nação, assegurando que esta tem suas
raízes mergulhadas numa comunidade etnolinguística, constituindo um desdobramento
natural de uma identidade coletiva, não sendo produto de nenhuma ação particular de
grupos políticos e possuindo características prévias à formação dos Estados modernos
(ibidem, 2005, p.25).
Nesse sentido, a nação existiria não tanto pautada em mudanças profundas das
estruturas sociais e políticas. Mas, antes, apoiada no natural sentimento de que “pessoas que
compartilham certas características comuns sintam-se afins e se percebam como membros
de um único grupo que é idêntico ou pelo menos semelhantes a uma nação”, o que
acarretaria em seu aglutinamento de torno de um mesmo sentimento de pertencer,
formando o sustentáculo da instituição nacional.
Adrian Hastings
45
é um dos defensores da origem étnica das nações. Postula a
existência de nação como realidade concreta, e não como mera construção, assegura que
44
Partindo da afirmação de Chizrzmonte, observado em Hasting, nação aparece como uma realidade que
está para além da etnia e aquém do Estado, o que, segundo ele, demonstra que esse autor parte de uma noção
determinada de uma vez por todas e não de conceitos que formam empregos sem excessivo rigor e aplicado a
realidades diferentes (FERNANDES: 2005, p.26).
45
idem, p. 125.
57
cada etnicidade é portadora de uma Nação-Estado em potencial, cuja efetivação depende da
presença de alguns requisitos. Partindo da mesma linha investigativa de Liah Greenfeld
46
,
segundo a qual existiria um caso de nação na Idade Média, erigido sobre fundamentos
bíblicos e que adquiriu qualidade de Nação-Estado, ele procura mostrar o quanto a língua
vernácula ou, mais precisamente, a tradução da Bíblia para as línguas românticas funcionou
como fator decisivo na passagem da etnia à nação.
Anthony Smith
47
também se perfila à idéia de um fundo étnico para a nação,
sustentando que “há mais coisas na nação do que uma fabricação nacionalista
48
”. Neste
sentido, ele afirma ser “necessário examinar os modelos culturais da comunidade pré-
moderna”, para “entender por que tantas pessoas sentem-se atraídas pela nação como seu
foco de lealdade e solidariedade no mundo moderno”.
Sem dúvida, seria inadequado imaginar a Nação-Estado na Guiné-Bissau sem
associá-la, ao grande repositório cultural sobre o qual assenta, ou sem reportá-la, entre
outros, às lutas de libertação desencadeadas na Guiné-Bissau, que constituíram o seu
principal alicerce político. Tendo em conta que, em sua totalidade, as tais bases culturais e
político-militares da Nação-Estado foram empreendimento exclusivo dos grupos étnicos
nativos.
Para Connor, o fator-chave da existência das nações é exatamente a consciência de
si do grupo, que o separa de todos os outros. Esta afirmação, no entanto, é vinculada a uma
definição prévia do tipo de grupo em questão: a nação
49
é o grupo mais amplo aos quais as
pessoas crêem estar ligadas por uma ancestral (apud: Fredrik Barth, Philippe Poutignat,
Jocelyne Streiff-Fenart, 1998, p.45).
46
ibidem, p. 143.
47
Idem, p.35.
48
Ibidem, p.26.
49
Definiu previamente a essência da nação – a convicção que têm seus membros de formar um mesmo povo,
tendo uma origem comum e um “mesmo sangue” -, segundo a qual ele pode avaliar “nações autênticas”. Se
afirmação de Hobsbawm visa definições subjetivas vai contra a argumentação primordialista principalmente
de Cannor em sua coerência interna, uma vez que ela subtrai a natureza do liame nacional à história ( ibidem,
p. 45).
58
Hobsbawm (1992ª), por sua vez, afirma que a “característica fundamental da nação
moderna e de tudo que a ela se liga é justamente sua modernidade”. Entende que as
tentativas de definir a nação por meio de critérios objetivos estão destinadas ao fracasso,
em primeiro lugar.
Qualquer que seja o critério ou a combinação de critérios (língua, etnia, cultura,
história, território, religião etc.) estes são tão fluentes quanto ao que procuram
definir. Em segundo lugar, porque é sempre possível encontrar exceções: ou
porque os candidatos eleitos pela definição não manifestem aspirações
nacionais, ou porque “nações” efetivas não correspondem aos critérios: como
poderia ser diferente, na medida em que tentamos fazer entrar em um quadro
permanentes e universais entidades historicamente novas, que estão apenas
emergindo, que mudam (...) (idem, pp.15-25).
A definição teórica e os critérios da nação-Estado tornaram-se pontos relevantes e
crescentemente interpretados em termos “etnoculturais”, com predileção pelo critério
lingüístico. No entanto, pautando-se pelos estudos de Hobsbawm, o conceito nação deve
necessariamente prever sua evolução e transformação, principalmente por tratar-se de
fenômeno “historicamente muito jovem”. O que o torna ainda mais grave é o fato de tratar-
se de fenômeno de amplas conseqüências políticas, cuja interpretação acarreta, entre outras,
em medidas de política pública, legitimidade de ambições nacionalistas no direito
internacional, incentivo a tal ou qual comportamento social, e resolvendo conflituosidades
entre Estado, nação e povo (ibidem, pp.31-35).
3.3 Primeiras Sociedades e a Questão da etnicidade
Para compreender a dinâmica das primeiras sociedades que habitaram a Guiné-
Bissau e a questão da etnicidade que lhes é pertinente, é importante uma apresentação das
estruturas políticas e sociais destas primeiras sociedades que viveram (e vivem ainda muitas
delas) no que é o atual território da Guiné-Bissau.
Antes de tudo, esqueça-se a idéia de que a história dos territórios africanos começa
com a dominação dos nativos. Muitos grupos étnicos viviam no que é hoje Guiné-Bissau
59
antes da chegada dos exploradores portugueses, em 1446. Do séc. XVII ao XIX, os
portugueses usaram o lugar como base para o comércio de escravos. A região tornou-se
colônia lusitana, chamada Guiné Portuguesa, em 1879. Em 1951, foi transformada em
província ultramarina de Portugal.
Na observação do autor francês Chesneaux (1995), que em sua obra pergunta se
devemos fazer ” tabula rasa” do passado?”, defende que a ocultação do passado sempre
foi ponto estratégico, instrumentalizado pelo poder vigente. O controle do passado pelo
poder é um fenômeno comum a todas as sociedades de classe, mas efetiva-se segundo as
especificidades dos interesses de cada modo de produção dominante (CHESNEAUX, 1995,
p.35). Esta deveria ser a verdadeira função da história ou “história da história”: resgatar em
cada etapa do passado, a relação peculiar existente em cada saber histórico e o respectivo
modo de operar da classe dominante.
Segundo Djaló (2006, ibidem, p.14), as sociedades que habitaram Guiné-Bissau,
dividiram-se em “sociedades do interior” e “sociedades do litoral” antes do século XV, e
teriam ocupado regiões situadas mais no interior. Posteriormente, em conseqüência de
guerras internas na disputa por terras e liderança regional, teriam sido empurradas para o
litoral. O fato fundamental dessas sociedades da Guiné-Bissau e até mesmo da África em
geral, é que a grande família funciona como elemento “místico-espiritual, social e
solidário”. Em todas as etnias de religião tradicionalmente africana, as linhagens
patrilineares congregam todos quanto se identificam por integrarem a cadeia unilinear de
parentesco
50
.
Partindo da mesma asserção, Claude Lepine (1999, pp.8-11) assinala que as
sociedades rurais africanas organizavam-se em clãs e em linhagens patrilineares, o que
configurava o chamado modo de produção de linhagens. No século XVIII, eram conjuntos
50
O parentesco de que se fala aqui não é de laços de sangue, mas um parentesco simbólico, convencional,
que se estabelece às vezes entre duas famílias e que dava a cada uma delas o direito de proceder de uma à
outra, “à-vontade”, com toda a “familiaridade” (idem, 2006, p.25).
60
de indivíduos que acreditavam ser descendentes de um antepassado místico espiritual
comum, o que lhes articulava em unidades de gestão e unidades políticas.
A estrutura política e social destas sociedades possuía um caráter intensamente
comunitário. Desempenhava o indivíduo funções de importância coletiva, estando o seu
interesse subordinado ao geral. Com a colonização, essas sociedades que se encontravam
em regime tribal sofreram intensa influência cultural, o que determinou em parte a sua
desagregação contribuindo para uma gradativa assimilação da cultura européia.
De acordo com Djaló, “os africanos
51
”, de modo geral, pensavam que os mais
velhos possuíam grande sabedoria acumulada por uma longa experiência de vida. O que
lhes atribuía responsabilidades pelo culto de antepassados, e pela reprodução de costumes e
tradições; sendo sua obrigação a observação das normas estabelecidas pelos antepassados,
assegurando continuidade e prosperidade às linhagens.
A economia destas sociedades era essencialmente ligada à agricultura, ao pastoreio,
à caça e à pesca. A combinação destas diferentes atividades econômicas possibilitou a
sedentarização dos grupos e, ao mesmo tempo, permitiu a expansão demográfica.
Lourenço Ocuni Cá (2000) chegou à mesma conclusão, indicando ainda que estas
sociedades exploravam a terra apenas uma vez por ano, o que minorava o desgaste do solo
e auxiliava o fixar das populações. Algumas etnias que compõem essa sociedade tradicional
ainda existem em algumas regiões até hoje, como por exemplo, os “Bijagós” na região de
Bolama, no sul do atual território da Guiné-Bissau, sobrevivendo ao tráfico de escravos, à
dominação colonial e aos projetos de modernidade (CÁ: 2000, p.4).
Na Guiné-Bissau os casos mais típicos de organização social e também os mais
claramente diferentes são os dos Fulas e os dos Balantas. Amílcar Cabral, no célebre
seminário de quadros em 1969” partia destas peculiaridades para explicar aos militantes
51
Idem, p.25.
61
do Partido do PAIGC as características da sociedade guineense. Segundo Amílcar Cabral
(1976), a sociedade tradicional Balanta estaria numa fase de “desagregação do comunismo
primitivo
52
”, uma sociedade sem classes e sem Estado
53
, onde a terra, que é base da vida,
pertence a todos os indivíduos que nele habitam; uma família Balanta cultiva a sua
bolanha
54
, mas não a pode vender; sua bolanha pertence, como todas as demais, à
tabamca
55
ou conjunto de tabamcas.
A produção também é essencialmente coletiva, pois todas as operações agrícolas,
desde a preparação dos terrenos até a colheita, são combinadas pelo conjunto dos chefes de
família. Neste sistema, o trabalho produtivo, sem perder a dimensão familiar, tem sempre
características comunitárias, o mesmo acontecendo com o usufruto dos bens produzidos,
administrados coletivamente
56
.
Em contraste com este modelo econômico-social dos Balantas, há outra sociedade
tradicional representativa na Guiné-Bissau os Fulas. Situam-se no pólo oposto e suas
sociedades são fortemente hierarquizadas, com estratificação de classes, com Estado, enfim
suas sociedades se encontram organizadas em pirâmide, no topo da qual se encontra o
regulo
57
, ligado a uma espécie de corte de sacerdotes e nobres; em seguida encontram-se as
52
Na linguagem espontânea própria do “seminário de quadros”, Amílcar Cabral desenvolvia assim este tema:
“a sociedade Balanta é uma sociedade que talvez esteja na fase de desagregação do comunismo primitivo,
mas já muito longe do comunismo primitivo, tão longe que não tem nada de parecido [...] é a desagregação já
na última fase talvez, mas influenciada grandemente, nos últimos 60 a 80 anos, pela dominação colonial.
Porque a sociedade Balanta, por exemplo, e qualquer outra sociedade da Guiné, não tinha dinheiro, mas o
colonialismo trouxe o dinheiro, o ciclo da moeda que muda logo todas as relações da sociedade”. As citações
seguintes são do “seminário de quadros em 1969”.
53
A sociedade Balanta é uma sociedade sem classes, em que todos os indivíduos estão no mesmo nível. [...]
“chama-se do tipo horizontal ou sociedade sem Estado”, é uma sociedade, portanto, que não tem meios para
reprimir as pessoas, como um órgão constituído, como um órgão de repressão, a não ser leis e costumes
próprios, que transmitem oralmente de geração em geração, a o que as pessoas procuram respeitar.
54
Bolanha é o termo local que designa o campo cultivado de arroz.
55
Tabamca é o termo local para designar as aldeias habitadas por estes.
56
Quando se apura, cada colheita dos Balantas é repartida da seguinte forma: uma parta da colheita é
reservada para o consumo durante o ano inteiro, uma outra parte é guardada para semente, outra ainda é
vendida e finalmente uma última parte é reservada para as freqüentes “festas” – casamentos, funerais etc.,
onde os excedentes são gastos com grande opulência (a grandeza da festa exprime o poderio econômico de
quem a oferece).
57
Chefes tradicionais, que são representantes máximos do Estado Fula, têm seus elementos de informação,
sua guarda, seus administradores, porque pode ter vários sítios onde ele tenha que representar-se, conta ainda
com estruturado sistema de segurança para defender aquele domínio de classe. Ele é ligado a altos sacerdotes,
62
classes médias compostas por artesãos e comerciantes, e finalmente os camponeses com um
estatuto análogo ao de servos.
Neste modo de produção da sociedade fula encontram-se características do
feudalismo. Neste sentido, segundo Amílcar Cabral
58
, muitos estudiosos dos assuntos
africanos implicaram este como se fosse feudalismo, mas não é. No feudalismo, conforme
Cabral, os senhores são donos da terra, há propriedade privada da terra, enquanto na
sociedade tradicional fula não há propriedade privada da terra. A terra pertence à população
inteira e, quando muito, à aldeia ou tabamcas. O chefe é o encarregado por Deus de gerir a
terra, que pertence a toda a gente. Destes aspectos das sociedades tradicionais guineenses
depreende-se de que se trata de uma realidade incontestavelmente diversificada, o que nos
leva à abordagem do conceito de etnicidade.
Este termo tem tido uma utilização completamente nova na literatura científica
francófona, tendo sido empregado para designar a consciência de presença de um grupo
étnico. Embora ele tenha sido introduzido no meio acadêmico francês já no início da
década de 1980 durante uma mesa-redonda organizada por Françoise Morim no âmbito da
Associação Francesa de Antropologia, permaneceu inevidente até hoje no vocabulário
sociológico daquele país e só agora começa a ser explorado nos estudos sobre imigração,
racismo, nacionalismo ou violência urbana. Philippe Poutignat e Jocelyne Streiff-Fenart
(1998, pp. 23-24) utilizam o termo etnicidade para designar não o étnico, mas os
sentimentos que lhe estão correlatos: o sentimento de formar um mesmo povo, partilhado
pelos membros de subgrupos no interior das fronteiras nacionais, ou o sentimento de
lealdade manifestado em relação aos novos grupos étnicos urbanos pelos africanos
destribalizados. Conforme Barth:
O termo etnicidade só irá realmente impor-se nas Ciências Sociais americanas a
partir da década de 1970, e irá conhecer desde então o sucesso crescente,
comprovada pela criação de uma revista especializada (ethnicity, criada em
1974) e por um número impressionante de obras, a maioria das vezes coletivas,
nobres, gente de casta superior, que, em geral, não precisam trabalhar e dedicam sua vida às rezas, e a
supervisionar a engrenagem social.
58
No “seminário de quadros em 1969”.
63
que o fazem surgir em sua titulação. No decorrer da década, os colóquios, as
conferências, os programas de pesquisa organizados sobre o tema irão
multiplicar-se, a tal ponto que se pode caracterizar esse período como o da
emergência da “indústria acadêmica da etnicidade (idem, p.24)”.
A partir do trecho citado, talvez se possa afirmar que a imposição do conceito, no
decorrer desse período, tocou precisamente à necessidade de abranger o que têm em
comum todos esses fenômenos de competição e de conflito nos quais os grupos se opõem
em nome de sua pertença étnica. Trata-se da necessidade de investigação do que fez,
repentinamente, a pertença étnica uma realidade onipresente do mundo contemporâneo.
De acordo com alguns pesquisadores, como por exemplo, Barth
59
, a questão da
etnicidade é um fenômeno universalmente presente na época moderna, especialmente por
tratar-se de um produto do desenvolvimento econômico, da expansão industrial capitalista e
da formação e do desenvolvimento dos Estados-Nação.
Abordando-lhe como categoria fundante da ação social e a crescente tendência de
fazer derivar-lhe lealdades e direitos coletivos. Trata-se de universo de questões que, sem
dúvida, sustenta a pertinência da questão étnica, como categoria imprescindível à
investigação do mundo contemporâneo.
3.4 Guiné-Bissau: Conflitos de Perspectivas entre a ideologia e a ação
Guiné-Bissau vivenciou nos últimos trinta anos um sucessivo processo de rupturas
político-sociais de desigual intensidade, mas que se constituíram em outros tantos desafios
quanto à capacidade criativa e à busca de soluções para os complexos problemas que
emergiram após cada uma delas.
De forma sintética, retoma-se o que ocorreu nesse passado recente. Aqui, o ponto de
partida é o ano de 1956, ano da criação do PAIGC, primeira ruptura, que desencadeou uma
luta armada de libertação nacional contra o colonialismo português até a atingir
59
Ibidem, p.27.
64
independência do país, em 1974, uma segunda ruptura. Na primeira década de
independência, o país encetou um projeto de construção de caráter socialista, alimentado
pelo Amílcar Cabral ainda no decorrer da luta armada, após o assassinato de Cabral e, com
o posterior sucesso de um golpe de Estado, em novembro de 1980, e a deterioração da
economia, acabou sendo sufocado. Aderindo em 1985 ao FMI e ao Banco mundial, a
gravidade da situação levou o país a adotar o ideário neoliberal como precondição para
angariar recursos junto às entidades e tentar combater a deterioração econômica, terceira
ruptura. A abertura ao multipartidarismo, que culminou com as primeiras eleições gerais
multipartidárias da Guiné-Bissau em 1994, e um conflito político-militar em 1998, marcou
a quarta ruptura. Um novo quadro de pós-guerra se desenha, no qual o aprofundamento da
cidadania e o aprendizado democrático constituem desafios para a classe política guineense.
A crise econômica que a Guiné-Bissau vem atravessando, resultado de equívocos na
concepção e direção da estratégia econômica, da guerra de desestabilização e da conjuntura
econômica internacional desfavorável, tem aprofundado a dependência. Hoje o país
depende de ajuda e empréstimos estrangeiros para financiar importações essenciais e até
para o próprio orçamento e funcionamento da máquina burocrática estatal. Nessa situação
não é fácil salvaguardar a soberania nacional, tão necessária à tomada de decisões sobre as
mudanças ou os reajustamentos econômicos e políticos em curso. Corre-se, assim, o grande
risco de se perder, através da adoção de políticas econômicas vinculadas aos organismos
internacionais, o que tantas vidas custaram na luta pela independência nacional. Com a paz
alcançada em 1999-2000, o país passou a trilhar o caminho de um sistema socioeconômico
e político baseados no multipartidarismo e no mercado.
Frente a tantos problemas após a independência nacional, a classe política sentia-se
comprometida com toda a sociedade guineense. Tinha consciência que organizar a luta
armada por libertação nacional significava criar ao povo, o mais rápido possível, condições
para uma vida livre e de bem estar social. O que, já naquela época, parcelas da classe
dirigente julgavam impossíveis de alcançar num sistema de caráter econômico liberal e de
livre concorrência.
65
Isso constituiu preocupação fundamental. Embora existisse no seio dos que
aderiram à luta um objetivo comum, a conquista da independência nacional, a partir do
momento em que o PAIGC foi obrigado a responsabilizar-se pela administração da Guiné-
Bissau, surgiram diferentes opiniões sobre a política econômica e tipo de sociedade a
construir. Segundo um ex-combatente da pátria
60
:
Revelaram-se abertamente nas nossas fileiras elementos com vocação capitalista,
o que desencadeou uma serrada, ideológica e política na nossa organização. Esta
surgiu, numa primeira fase, sob a forma de divergência de opinião. Divergências
que, na realidade, mascaravam a contradição fundamental no nosso seio, o
antagonismo de classe.
Portanto, após a independência, estiveram presentes no seio do PAIGC “duas
concepções de pensamentos diferentes”. Concepção que era da “ideologia revolucionária
com base no marxismo leninismo” e a da “ideologia moderada”. As classes políticas do
PAIGC acreditavam que as experiências da guerra de libertação, particularmente aquelas
ligadas à organização da economia nas zonas libertadas pelo partido, serviriam de ponto de
partida para inspirar a estrutura produtiva pós-independência. O plano serviria também para
resolver as graves distorções econômicas e sociais, resultados de longo período de
dominação, opressão e exploração coloniais. Os setores sociais (com destaque para
educação e saúde) foram eleitos como ponto estratégico para o desenvolvimento do país e
para transferir experiências coletivas da luta de libertação para todo o país recém
independente.
Segundo Aquino Antonio Duarte (1993, p.263), é nessa base que nos primeiros anos
da independência tentou-se ensaiar um modelo do desenvolvimento econômico com
algumas características de gestão e administração centralizadas. Naquela altura entendia-se
que era possível que a Guiné-Bissau transitasse de uma economia de auto-subsistência para
uma economia de complexa divisão de trabalho.
60
Entrevista concedida ao próprio autor em 20 de agosto de 2008.
66
Não obstante o caráter um tanto utópico desse pensamento houve certo realismo na
definição dos elementos que deveriam compor a estratégia do desenvolvimento do país.
Como assinala Dowbor (1980, pp. 111-113), alguns pontos logo após a independência,
foram ganhando peso:
a) Reconheceu-se que o país era pequeno e pobre, e por tal motivo deveria
racionalizar a utilização de seus recursos; os autores da estratégia defendiam
ainda a necessidade de mobilizar todas as camadas sociais, utilizar cada
metro quadrado cultivável, exigir o máximo de cada quadro e integrar todo o
país num vasto esforço pela reconstrução nacional. A estratégia visava à
racionalização administrativa condizente com as dimensões reduzidas do
país, transformando fraqueza em força, para coordenar o desenvolvimento
econômico e social através da integração das iniciativas dos diversos setores;
b) O país tinha que construir e defender a sua independência dia após dia, em
cada projeto que executava e em cada investimento que realizava;
c) Prioridade ao setor agrário, reconhecido como o maior setor e a base da
economia, contribuía com mais da metade do PIB e absorvia mais de 80%
da população ativa;
d) Ao setor industrial foi atribuído o papel de dinamizador da economia, pelo
que se devia desenvolvê-lo em estreita ligação com o setor agrário.
Foram essas as convicções e estratégias elencadas como principais para o
desenvolvimento. Uma questão concreta que se tornou decisiva era a maneira como deveria
ser administrado o excedente da produção agrícola e regulado o acesso aos bens de
consumo. Segundo Abrahamsson e Nilsson:
Os revolucionários argumentavam que a produção dos bens alimentares, para
além do que os camponeses necessitavam para a sua própria sobrevivência,
devia ser coletiva. Este excedente de produção deveria financiar as necessidades
de guerra e ser dividido após decisão tomada coletivamente. As classes da
concepção do pensamento moderado eram de opinião que devia haver um
sistema comercial privado, que comprasse os excedentes dos camponeses em
troca de bens de consumo. Quando alguns membros do Partido começaram a
organizar uma rede comercial, verificou-se uma cisão que pôs os revolucionários
e nacionalistas uns contra os outros (1994, p.33).
67
A concepção do pensamento revolucionário saiu vencedora nas lutas internas sobre
esta questão política decisiva. Não obstante, posteriormente, foi um dos motivos que levou
ao golpe de Estado de 14 de novembro de 1980, liderado pelo Ex-presidente da Guiné-
Bissau João Bernardo Vieira.
68
4. AS ETAPAS DA EVOLUÇÃO DO ENSINO E FORMAÇÃO
NA GUINÉ-BISSAU
4.1 Ensino Colonial Português
Ao abordar a questão da educação no país, necessariamente vem à tona o evidente
legado do ensino colonial português na Guiné-Bissau, que deixou, após a independência de
1974, uma taxa acima de 98% de analfabetismo (ibidem, p.26). Ilustrativamente, na Guiné-
Bissau em 1960 existiam 21 escolas da responsabilidade do governo colonial, e 135 escolas
de responsabilidade das missões católicas. A tabela abaixo especifica:
Tabela II - Índice de analfabetismo de ensino colonial.
População Total Número de analfabetos
Porcentagem de
analfabetismo
510.777 504.928 98,85
Fontes: Anuário Estatístico do Ultramar e Instituto Nacional de Estatística, Lisboa, 1958,
(CÁ, 2000, p. 7).
Segundo Djaló
61
as escolas a cargo do Estado colonial tinham ao seu serviço 45
professores e as escolas missionárias 185 professores. O grau de ensino compreendia até o
3º ciclo (7º ano). As escolas estavam localizadas, respectivamente, em Bissau
62
e resto das
regiões como Bolama, Bafatá, Bambadinca, Bissorã, Bubaque, Catió, Farim, Nova
Lamengo (atual Gabu), Mansoa, Texeira Pinto (atual Bula), Sonaco, Bajocunda,
Cancalefa, Buruntuma e Cacini. Conforme Djaló:
O ensino colonial caracterizava-se exclusivamente pela escola e organizava-se
em compartimentos estanques. O primeiro compartimento era chamado de
ensino primário servia apenas para preparar os alunos para o ingresso na etapa
seguinte chamado de ensino secundário, que por sua vez conduzia a ensino
superior (2006, p.33)
.
61
Ibidem p.35.
62
Atual capital da Guiné-Bissau.
69
Na análise de Lourenço Ocuni Cá (2000, p.9) na Guiné-Bissau, como em quase
todos os países africanos, principalmente da colônia portuguesa, que seguiram o modelo
educativo do colonialismo português de regime salazarista, somente uma pequena
minoria
63
, em torno de 10% a 15% dos alunos que começavam a escola primária
conseguiam chegar ao secundário.
Desta forma, afirma Davidson (1975), cerca de 60% dos alunos que estudavam
nessas escolas eram europeus (filhos de comerciantes e oficiais que serviam o exército
português). Na Guiné-Bissau não existia qualquer tipo de educação superior. De 1446 até
os anos 60 do século XX, apenas onze guineenses haviam atingido uma licenciatura
universitária, e todos eles eram como “portugueses assimilados” (DAVIDSON, 1975,
p.26).
Alfredo Bosi (1992, p.11), em sua obra Dialética da Colonização, investiga a
origem da palavra colônia e chega à conclusão de que a palavra deriva do verbo latino
“colo” significando na língua de Roma, “eu moro”, “eu ocupo a terra”. Tomar conta, neste
sentido básico de “colo”, importa não só em mandar mais também em cuidar. Porém, em se
tratando do sistema colonial, antes da independência, o que era facilmente verificado era
que a colônia era tão-somente espaço da exploração econômica, da produção e da sujeição
dos nativos obliterados da sua cultura aos colonizadores.
O Estado colonial do regime fascista salazarista não se preocupava com a educação
e organização da sociedade guineense, as escolas que funcionavam na Guiné-portuguesa
como era chamado pelo Estado colonial português não continham o modelo europeu de
ensino, eram instituições fechadas em si. De acordo com Davidson (ibidem, 2006, p.32), a
estrutura educacional montada pelos portugueses em Portugal não foi mesmo criada para os
guineenses terem acesso. Quando muito, 1% de toda a população podia ter acesso ao
63
A conseqüência deste mecanismo, que privilegia uma minoria e exclui a maioria, só pode conduzir à
reprodução daquela estrutura de classe. (ibidem, 2000, p.9).
70
sistema escolar, ainda que só 0,3% tenham chegado à condição de assimilação
64
. A tabela a
seguir mostra a estrutura da educação colonial
65
de 1962 a 1973.
Tabela III - Estrutura do ensino colonial – 1962/1973
Anos
Ensino primário:
alunos
Pessoal docente
Ensino
secundário:
alunos
Pessoal
docente
1962/1963 11827 162 987 46
1963/1964 11877 164 874 44
1964/1965 12210 163 1095 45
1965/1966 22489 192 1293 42
1966/1967 22489 204 1039 43
1967/1968 24603 244 1152 40
1968/1969 25213 315 1773 111
19691970 25854 363 1919 147
1970/1971 32051 601 2765 110
1971/1972 40843 803 3188 158
1972/1973 47626 974 4033 171
Fonte: Repartição provincial dos serviços da educação, província da Guiné, 1973.
(CÁ: 2000, p. 8).
Os fracos resultados da educação colonial portuguesa, particularmente aos
alarmantes números de analfabetismo, têm principal causa na base de educação colonial.
Desde o início da ação colonial, Portugal encarava a assimilação dos nativos como
princípio e objetivo da sua presença ultramarina. Em 1926 instituiu categorias distintas de
colonizados, os indígenas e os assimilados ou civilizados, e com esta perspectiva criou as
bases de um sistema educacional apoiado numa escola seletiva, fortemente discriminatória,
64
Nativos que sabiam ler, escrever e que se comportavam como portugueses com total incorporação da
cultura portuguesa esses sim eram assimilados.
65
A educação colonial tanto a sua estrutura como o seu conteúdo, refletia a filosofia colonial
consequentemente era laboratório de desafricanização e sujeição segundo Toure (Lourenço Cá, 200, p.5).
71
cujas estruturas rigidamente hierarquizadas e pouco recompensadoras eram o ensino
rudimentar e, mais tarde, o ensino de adaptação, destinados aos indígenas; e o Ensino
primário, reservado aos civilizados.
Segundo Fafali Koudawo (1993, p.70), a seletividade e a discriminação não se
justificavam pela simples distinção entre indígena e civilizado. Estavam estreitamente
ligadas aos objetivos da educação indígena, que se limitava a um contato com a língua
portuguesa e ao conhecimento de rudimentos de cálculo. Neste sentido, vale afirmar que
estes objetivos modestos fundamentavam outras características da educação colonial
portuguesa tais como:
a) A ruralização do ensino;
b) A limitação do ciclo de ensino rudimentar a quatro anos, equivalentes a três
anos de ensino primário para civilizados;
c) A estratégia vigente até ao advento da política “Guiné melhor”;
d) O fraco engajamento da administração colonial e a mocidade crônica dos meios
à disposição da formação;
e) O papel preponderante dos missionários, mais inclinados a evangelizar do que a
escolarizar.
A seletividade e a discriminação estavam também em vigor no Senegal e na Gâmbia
que formam a Senegâmbia próximas à Guiné-Bissau. Em suas linhas gerais, as opções da
educação colonial portuguesa não eram radicalmente diferentes das políticas britânica e
francesa, implementadas na Senegâmbia, mas a concretização das escolhas, a cronologia
das transformações e das revisões de políticas, os meios postos ao serviço das políticas e os
resultados obtidos diferenciavam profundamente.
As políticas de educação colonial implementadas nos países vizinhos, na Gâmbia
sob domínio inglês e no Senegal sob domínio francês, explicaria a má-vontade da
administração colonial portuguesa para com a educação na Guiné-Bissau. Esta abordagem
comparativa é indispensável para se entender a educação colonial, pois em menos de um
72
século, três políticas da educação colonial foram aplicadas dentro de um espaço de
244.000km², que constitui a Senegâmbia
66
. Alteraram seculares laços regionais, criando
três situações radicalmente distintas nos domínios dos recursos humanos, o que abriu um
fosso entre Senegal, provido desde o início do século XIX de uma numerosa elite
intelectual, e a Conforme Fafali Koudawo (1993, p.72) Guiné-Bissau, iniciou após duas
décadas o seu esforço de formação de quadros nacionais. A política de educação colonial
portuguesa tinha no seu seio duas principais contradições geradoras de fracassos, como
assinala Fafali Koudawo:
A primeira contradição residia no fato que a administração colonial afirmava a
primazia da língua portuguesa no sistema escolar e simultaneamente confiava a
responsabilidade das escolas às missões católicas. Ora, a missão inclinava-se a
promover o uso de língua franca local como suporte eficiente da obra de
evangelização. Os dois pilares do ensino indígena que, segundo o governador
Ricardo
67
Vaz Monteiro “eram ensinar o indígena a falar português e rezar como
os portugueses” isso gerava conflitos e se neutralizavam mutuamente. Segunda
contradição opunha a política de assimilação e a lógica do ensino indígena, cujo
curso de quatro anos conduzia a um beco sem saída. A não existência de pontes
entre o sistema educativo dos indígenas e os dos civilizados colocava a política
portuguesa de formação na impossibilidade de criar as condições necessárias
para a lusitanização e a assimilação. Esta situação fortalecia as condições
objetivas para a emergência de uma reação nacionalista radical violenta (Fafali
Koudawo, 1993, p.73-74).
O sistema educacional do regime colonial, segundo explicações de Lourenço Ocuni
Cá, (2000) estaria atribuído à igreja católica no seu “dever colonizador”, sendo sua a
responsabilidade de dar educação às populações em processo de colonização dentro dos
moldes da cultura portuguesa. Era necessário, então, um mínimo de europeização para
impor uma ordem social que facilitasse a exploração econômica. Caso os africanos
assimilassem a cultura e as técnicas européias com demasiado sucesso poderiam constituir
uma ameaça à dominação colonial (Ocuni, 2000, p. 5).
A igreja católica desempenhou um papel negativo ao longo da história da
colonização portuguesa, mesmo até o início de 1980. Para muitos intelectuais nativos na
fase ativa da ocupação colonial, os missionários foram os braços espirituais dos
66
Senegal, Gâmbia e Guiné-Bissau.
67
Ibidem, p,75.
73
governadores, dos administradores, dos Chefes de Postos etc. Eles impuseram o
cristianismo, uma religião cujos esquemas são muito diferentes das premissas religiosas
tradicionais.
Durante a colonização portuguesa, a educação dos guineenses tinha dois objetivos
fundamentais, arrancá-los da comunidade a que pertenciam e formar elementos submissos
aos dominadores, que pudessem servir como intermediários entre o Estado colonial e as
massas camponesas. As escolas destinavam-se ainda a formar aqueles quadros nacionais
absolutamente indispensáveis ao bom funcionamento da administração colonial e a garantir
os vínculos com a metrópole, ao mesmo tempo em que respaldavam a boa-vontade
“civilizatória” de tirar os infiéis da escuridão. Tudo isso era claríssimo na Guiné portuguesa
onde, segundo CIDA-C (1976), antes do início da luta armada, apenas freqüentava as
escolas pouco mais de 1000 alunos, lecionados por 30 professores.
4.2 Ensino das Zonas Libertadas pelo PAIGC
A descrição das transformações realizadas na organização e estrutura do ensino
colonial português, no tocante aos seus objetivos, conteúdos e sua filosofia fazem-se
necessárias para apresentar as experiências de ensino das zonas libertadas pelo PAIGC
durante a luta armada pela libertação. Nesses locais, uma vez sob o controle do movimento
de guerrilha, não se fazia sentir mais a presença física e administrativa das forças
colonialistas. A partir de 1964-1965 após o congresso de Cassacá, o PAIGC começou a
organizar seu sistema de ensino com as escolas de tabamcas, os internatos, a escola piloto e
o instituto amizade. Este sistema concebido pelo PAIGC tinha cinco principais funções:
1) Criar uma alternativa face à educação colonial;
2) Descolonizar os espíritos submetidos à propaganda colonial e à conseqüente
alienação;
3) Promover a mobilização contra a opressão colonial;
4) Emancipar os espíritos face às forças obscurantistas locais;
74
5) Criar as condições para o afastamento da Guiné-Bissau dos modelos
estrangeiros e de um desenvolvimento alienador.
Esta função do sistema educativo do PAIGC tinha duas características então
entendidas como complementares, a primeira é que se tratava de uma escola popular,
dedicada à democratização do acesso ao saber; e a segunda característica é que se tratava de
uma escola revolucionária.
Foi durante este período que surgiu uma nova forma de conceber a educação escolar
na Guiné-Bissau. Os dirigentes do PAIGC bradavam a palavra de ordem “quem sabe deve
ensinar aquele que não sabe”. Assim, a educação passou a ser encarada como instrumento
fundamental no processo de transformação de consciência. Pensando nisso que o PAIGC
institucionalizou o que vinha sendo praticado nas áreas libertadas em matéria de educação
durante a luta armada de libertação.
Assim, o PAIGC começou a criar escolas em todas as regiões libertadas e destacou
a educação dentre os aspectos prioritários no combate ao colonialismo e à ignorância. De
acordo com Lourenço Ocuni Cá (idem, p.39), o PAIGC, como não tinha recursos
financeiros suficientes utilizou como livros didáticos tudo o que dispunha como, por
exemplo, cartões de embalagens de sabão ou material bélico, e como professor todo aquele
que soubesse ler e escrever.
É a partir destas constatações que se pode afirmar que foi o PAIGC quem deu
melhor atenção às tarefas educacionais logo que começou a ser libertada a primeira região
da Guiné-Bissau. A educação estava estreitamente integrada a todas as demais atividades e
era sentida como um aspecto da luta global, conforme depoimentos de ex-alto dirigente do
PAIGC:
Nos momentos da luta, um professor que conseguisse fazer uma escola ficava
muito contente porque a escola era um aspecto da luta. O professor era um
combatente como qualquer outro combatente das forças armadas. Dantes um
professor era avisado que tinha de abrir uma escola em Mores, no sul do país, por
exemplo, ou em Cachungo, no norte. Ele imediatamente carregava a sua mochila,
chegava à região matriculava os alunos e deslocava uma missão para as fronteiras
75
a fim de ir buscar os livros e outros materiais escolares. Dessa missão faziam parte
crianças e adultos. Eram construídas as escolas em barracas, as carteiras eram de
tara (uma espécie de árvore local) ou palmeiras. Assim ficavam prontas as escolas
sem problemas. O professor passava a comer com os combatentes e fazia o seu
trabalho com toda a dedicação (DJALÓ, 2006, p.49).
Era o que poderia chamar-se de uma educação militante, uma educação que fazia
parte integrante do combate libertador. Como bem sintetizou Amílcar Cabral: “a luta de
libertação na Guiné-Bissau é, acima de tudo, um ato de cultura”. Para Cabral só um povo
que preserva a sua cultura é capaz de se mobilizar para a luta e esta, por sua vez, torna-se
um fator de cultura a partir do novo dinamismo social que desencadeia.
O sistema educativo montado pelo PAIGC nas zonas libertadas procurava retomar o
que havia de relevância na experiência das sociedades tradicionais guineenses. As
informalidades educativas e sua espontaneidade tradicional foram revalorizadas, e tamm
se procurava depreender lições da prática cotidiana. Considerando a grande dificuldade
com que se deparava face aos recursos materiais, tentava-se, à medida do possível, associar
a aprendizagem à produção e às tarefas das comunidades. Sobretudo nos internatos o estudo
estava ligado ao trabalho produtivo e os alunos participavam na gestão da escola e da sua
preservação material. Com essas experiências práticas de integrar a educação ao trabalho e
à participação política, tentava-se desenvolver nos alunos uma nova mentalidade.
O funcionamento das aulas em cada escola variava com as condições locais, mas
existiam características comuns. Assim, de um modo geral, havia aulas todos os dias úteis
da semana, variando o período entre quatro e dez horas. A freqüência dos alunos era
organizada por grupos, de modo que se podia efetuar convenientemente o trabalho de
lavoura e cultivo dos campos. As raparigas (meninas) ocupavam-se ainda do trabalho de
caráter doméstico (ibidem, p.196).
Depois do resultado êxitoso de criação de internatos, dois no leste e dois no sul do
país, criam-se também semi-internatos, que abrigavam alunos da 2° e 3° classe que viviam
nas tabamcas dispersas e que não podiam freqüentar os internatos por falta de lugares.
Segundo Lourenço (2002, p. 40), o partido tinha necessidade de reunir esses alunos. Devido
76
à impossibilidade de criar escolas em cada aldeia. Era também uma forma de reduzir os
custos de escolaridade e garantir uma melhor qualidade de ensino (idem, p. 40). Para os
alunos de semi-internatos e outros que terminavam a 4° ou 6° classes e não podiam
continuar os seus estudos, foram criados Centros de Educação Popular Integrada, juntando-
os com alguns alunos vindos das zonas rurais, com fins de integrá-los no trabalho
comunitário (idem, p. 40).
Por este engajamento, a educação nas zonas libertadas obteve resultados
importantes. O PAIGC escolarizou grande número de crianças a partir dos 10 anos, dadas
as condições de guerra. Segundo Pereira, citado por Lourenço (2002, p. 16), os melhores
alunos eram selecionados para freqüentarem os internatos do partido, instalados nos países
limítrofes, depois eram contemplados com bolsas de estudos no exterior. Além disso, o
PAIGC, tendo em conta a exigência da reconstrução nacional e não obstante as condições
da luta armada que obrigava direcionar muitos jovens à preparação militar, cuidou
particularmente para que se formassem futuros quadros em nível médio e superior. Para
isso contou com o apoio de países “amigos”, tais como “Cuba, Ex-URSS, China e Suécia”.
Em função disso, durante este período um número relativamente grande de guineenses
atingiu os cursos superiores quando comparados com o período de ocupação colonial
(idem, p.16). Ver tabela IV - Esforço de escolarização do PAIGC Educação nas zonas
libertadas: 1965 a 1973.
Tabela IV - Ensino das zonas libertadas - 1965/1973
Ano Escolas Professores Alunos
1965/1966 127 191 13.361
1966/1967 159 220 14.386
1967/1968 158 284 9.384
1968/1969 134 243 8.130
1969/1970 149 248 8.559
1970/1971 157 251 8.574
1971/1972 164 258 14.531
77
1972/1973 156 251 15.000
Fonte: Documento do Comissariado de Estado da Educação Nacional e Cultura da Guiné-Bissau, junho de
1976. (CÁ, 2000, p.17).
A diminuição de alunos entre os anos 1967, 1968 e 1969, está vinculada ao envio de
candidatos para as formações em diversas áreas, Forças Armadas, Marinha,
telecomunicações, organização política, segurança, milícia, saúde, ensino, produção. A
diminuição também se deu devido ao encerramento de 25 escolas que se tornaram inviáveis
devido à guerra, conforme as estatísticas apresentadas acima (documento do Comissariado
de Estado da Educação Nacional e Cultura da Guiné-Bissau, junho de 1976).
Segundo argumentos de Pereira, referido por Lourenço (2000), em 10 anos, o
PAIGC formou muito mais quadros que o colonialismo português em cinco séculos. Em 10
anos, de 1963 a 1973, foram formados: 36 em curso superior, 46 em curso técnico médio,
241 em cursos profissionalizantes e de especialização e 174 quadros políticos e sindicais.
Em contrapartida, desde 1471 até 1961, apenas se formaram 14 guineenses com curso
superior e 11 ao nível do ensino técnico (idem, p. 18). Ver as estatísticas do quadro V -
comparativo da formação no período colonial entre zonas não libertadas e libertadas,
segundo o nível do ensino.
Tabela V- Estatísticas das zonas libertadas – 1471/1961 e zonas não libertadas -
1963/1973
Nível
Período
colonial
Superior Médio técnico
Profissionalização e
especialização
Formação de
quadros políticos
Zonas não
libertadas
1471-1961
14 11 _ _
Zonas
libertadas
1963-1973
36 46 241 174
Fonte: Pereira, referenciado por CÁ, 2000, p. 18.
Segundo Cabral “se tivéssemos dinheiro, faríamos uma luta com escolas e não com
armas” para ele a educação é um dos alicerces para a emancipação.
78
Em acordo com os modelos de ensino anteriores, as décadas de 50 e 60 estavam
organizadas de maneira a assegurar a bipartição imposta pelo regime colonial. Existia o
ensino rudimentar, também conhecido por ensino de adaptação ou missionário. Este tipo de
ensino destinava-se aos negros. Quadros abaixo mostram o engajamento de formação dos
quadros do PAIGC no âmbito de ensino técnico médio e ensino superior, ver tabelas VI e
VII abaixo.
Tabela VI - Ensino médio técnico: 1959-1973
Quadros formados pelo PAIGC 1959-1973
Cursos Ensino técnico médio
Medicina e formações análogas
Ciências Político-Sociais
Engenharia
Agronomia
Economia
11
1
20
13
1
Total 46
Fonte: Jean-Claude Andréini et Marie-Claude Lamber. La Guinée-Bissau. D´Amilcar Cabral à la
reconstruction nacionale. Paris: L´Hamattan, 1978, p.13
Tabela VII - Formados no ensino superior 1959-1973
Quadros formados pelo PAIGC 1959-1973
Cursos Ensino superior
Medicina e formações análogas
Direito e Ciências Político-Sociais
Engenharia
Agronomia
10
7
7
6
79
Economia
Belas Artes
4
2
Total 36
Fonte: Jean-Claude Andréini et Marie-Claude Lambert. La Guinée-Bissau. D´Amilcar Cabral à la
reconstruction nacionale. Paris: L´Hamattan, 1978, p.137.
As experiências da educação nas zonas libertadas por melhores condições que
oferecessem, obviamente, não podiam garantir a independência de Guiné-Bissau. Tornou-
se, contudo, importante referência para organização de um sistema de educação que
servisse efetivamente ao povo da Guiné-Bissau.
4.3 Ensino Pós - Colonial
A educação ao longo da história tem sido usada como fator de transformação e de
manutenção de valores que determinam a dinâmica social. Durante décadas, sobretudo no
final do século XX, foi dado maior realce à educação voltada para a formação profissional
do que a educação calcada em valores éticos e morais, excludentes. Dada a importância que
o conhecimento – aquisição de habilidades profissionais para transformar e gerar produtos
– assume na sociedade capitalista, para acelerar a industrialização, para capacitar e treinar
profissionais, o debate no cenário internacional toma novo fôlego diante das metas
desenvolvimentistas. A partir de então, segundo Lampert (1995), o investimento na
educação passou a ser calculado em termos de retorno econômico e financeiro, e não pelo
interesse de formar cidadãos capazes de serem agentes multiplicadores da dinâmica social e
de mudanças de paradigmas. Orientada pelos princípios que ditam a lógica do mercado
(mais-valia), a política educacional passa a ser moldada em acordo com um modelo político
concentrador e cada vez mais excludente.
Toda a política do investimento na educação passa a apresentar um viés
mercadológico, útil e rentável, e por sua vez desprovido de ética, moralidade e
solidariedade. Mesmo com as limitações impostas pela falta de recursos do Estado pós-
80
colonial o PAIGC ainda foi capaz de sustentar os princípios do ensino ligado ao trabalho
produtivo, à educação integrada à vida comunitária, a gestão democrática das escolas com a
participação de professores e alunos em atividades políticas como fomento ao
desenvolvimento humano. Para a implantação deste sistema de ensino, o Comissariado de
Educação convidou Paulo Freire e a equipe do Instituto de Ação Cultural (IDAC), que
trabalhava com este educador em Genebra, para prestarem consultoria durante a
implantação de uma Campanha Nacional de Alfabetização de Adultos.
Com a alfabetização de adultos, Paulo Freire propôs que se repensasse a história
coletiva, há pouco marcada pela libertação do colonialismo. Para tanto, com o auxílio do
Estado da Guiné-Bissau, procurou reforçar a criação de uma identidade nacional. O intuito
era a formação de um novo homem e uma nova mulher que, através da alfabetização,
engajassem-se na luta pela reconstrução nacional. O educador visava reinventar a educação
para a construção de uma cultura nacional popular. Freire defendia que a intromissão de
valores da cultura dominante na Guiné-Bissau era um fenômeno social e cultural, e que sua
extrojeção demandava uma transformação através de uma ação cultural (FREIRE, 1981,
p.44). Para tanto, Freire defendia que o povo guineense deveria conquistar sua palavra.
Logo após a independência, o país adotou o regime marxista leninista, baseado no suporte
de Moscou, o que foi decisivo na definição dos apoios dos países socialistas. Esse
posicionamento em face à Guerra Fria facilitou apoio no âmbito da educação. Em 1976,
após dois anos de independência, já se falava em atingir meta de 10% da taxa de
escolaridade, maior que a de toda a África Ocidental acima do Equador. Entretanto, a taxa
de analfabetismo ainda não havia saído do umbral dos 95%.
Grandes investimentos foram realizados no setor da educação. O país chegara a
concentrar o maior número de especialistas internacionais na área. Técnicos de altos
gabaritos vieram de todos os cantos do mundo: de Cuba, da então República Democrática
da Alemanha (RDA), da então União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), das
ONGs, (uma das quais dirigidas por Paulo Freire), além da presença de um número
substancial de professores brasileiros, portugueses e russos. Enfim, uma gama de valiosas
81
contribuições foi deixada na Guiné-Bissau, mas poucas puderam ser aproveitadas para que
hoje pudéssemos dizer que frutos foram colhidos das sementes ontem lançadas.
Vale também lembrar que o país, ao conquistar a sua independência, dispunha
somente de 14 pessoas com formação superior. Igualmente, importa lembrar que os índices
de base publicados pelo Estado guineense para o ano de 1976-1977, segundo Harriet C.
Mcguire (1993, p.76), indicavam um total de 2.785 alunos em todos os níveis de ensino,
desde a pré-primaria até a secundária.
Nos dados levantados a partir do Ministério da Educação da Guiné-Bissau,
encontram-se as agências das Nações Unidas que iniciaram a concessão de bolsas de
estudos aos guineenses muito mais cedo do que os doadores bilaterais, que não tinham
programas junto ao PAIGC antes da independência. Em razão do fato de o programa das
Nações Unidas para a formação e treinamento na África Austral (United Nations Education
and ataraining Program for Southern África – UNETPSA) ter concedido dez bolsas de
estudos ainda em 1973, torna necessário pesquisar se tal programa já mantinha qualquer
atividade junto ao movimento independentista antes de sua vitória, infelizmente não foi
possível localizar arquivos que o dissessem.
As transformações educacionais efetuadas logo após a independência do país devem
ser compreendidas como fruto da preocupação dos governantes guineenses, antigos líderes
no movimento de independência, em introduzir radicais mudanças no sistema de ensino
colonial, ainda prevalecente. Foram tais reformas que possibilitaram o início do processo de
democratização da educação, fazendo que maior número de guineenses, independentemente
de origem social, pudesse freqüentar a escola contribuindo para a progressiva eliminação da
segregação e estratificação social.
Na definição da política educacional após a ascensão da independência, um lugar
privilegiado é atribuído à luta contra o analfabetismo e à adaptação dos programas de
ensino. Esse buscava entender as necessidades das específicas realidades sócio-culturais
82
nacionais e africanas para prover-lhes preparo para enfrentar suas maiores carências, dentre
as quais o ensino tecnológico, para o desenvolvimento econômico, foi marcante.
Tornava-se evidente que a nova etapa da política educacional consistia em resolver
as contradições entre o sistema escolar herdado do Estado colonial e a experiência oriunda
da luta de libertação nacional nas áreas libertadas. Por essa razão, pode-se afirmar que o
sistema educativo implementado na pós-independência, cuja articulação continua a ser
objeto de estudo e experiências diversas, ainda se debatem contra as mazelas herdadas do
sistema de ensino colonial principalmente através do sistema de escolarização nascido
durante a luta de libertação nas zonas libertadas do PAIGC.
Desde a independência, Guiné-Bissau anda a procura de um modelo institucional
para melhorar o seu sistema educativo. Abaixo, o orçamento de Estado na área da educação
proporciona uma visualização da alocação de recursos na educação.
Tabela VIII - Despesas de Estado pós-colonial nos três níveis de ensino: 1978-
1983
Ano Ensino básico Secundário Profissional Orçamento no
setor da Educação
1978 61.3 % 10.6 % 1.6 % 73.5 %(1978)
1981 56.3 % 8.8 % 2.8 % 67.9 % (1980)
1983 54.0 % 9.5 % 2.9 % 66.4 %(1982)
Fonte: JOÃO, José Huco Monteiro e Fernando Delfim da Silva, Exame longitudinal do comportamento dos
indicadores do sistema educativo durante o Programa de Ajustamento Estrutural, in : FAUSTINO, Imbali
(coord.), Os efeitos socioeconômicos do Programa de Ajustamento Estrutural na Guiné-Bissau, Bissau:
INEP, 1993, p.209.
Segundo os autores Huco Monteiro e Geraldo Martins (1996, p.147), esta procura
desembocou na elaboração de disposições que visavam consolidar a institucionalização do
Ministério. Por um lado dotando-lhe de instrumentos de política macro-educativa (Sistema
Nacional de Educação e Formação - SNEF, Estratégia do Desenvolvimento do Setor da
Educação, Regulamento da carreira docente, Estatuto base das escolas privados, Plano de
médio prazo). Por outro, de estruturas mais operacionais para a concepção, planificação,
83
administração e gestão do ensino (nomeadamente o Instituto Nacional para o
Desenvolvimento da Educação - INDE, o Instituto Nacional de Formação profissional -
INAFOR e a Direção Geral de Planificação e Projetos). Foi também durante este período
que a Guiné-Bissau adquiriu o mais importante instrumento de investigação e consulta o
INEP.
4.4 Sistema Nacional de Educação
A experiência guineense de promoção da educação é marcada pelo ataque às
perniciosas conseqüências da prática educacional portuguesa, golpes desferidos pelo
movimento independentista, que encarou a educação como um dos pilares do processo
emancipatório. O ensino colonial ignorou totalmente as diferentes realidades do país,
contrariando e atacando-as à medida que ameaçassem interesses exploratórios da
metrópole. O desenvolvimento do sistema escolar foi lento durante os anos 50 e 60 do
século XX.
O caráter elitista, seletivo e discriminatório do ensino colonial teve um efeito
perverso e deplorável no nível de alfabetização do povo guineense: taxa de analfabetismo
na ordem de 90%, após a independência; rede escolar absolutamente insuficiente, centrada
nos áreas urbanas; poucos professores e alguns deslocados da nova realidade sócio-cultural
e política; gritante falta de materiais didáticos; conteúdos programáticos que nada têm a ver
com a realidade guineense; a língua de ensino era falada e escrita por em torno de 10% da
população. Enfim, havia um manancial de indicadores que comprometeram e
condicionaram toda e qualquer pretensão progressista do novo país, recém formado como
Estado independente.
O Partido Africano para a Independência da Guiné e das Ilhas de Cabo Verde
assumiu a responsabilidade de lutar contra estes males. Nas zonas libertadas criaram-se
escolas primárias para crianças e adultos.
84
Entre as diversas medidas tomadas após a conquista da independência no quadro da
reforma do ensino destacam-se: a manutenção do português como língua de ensino; a
substituição dos livros coloniais pelos livros produzidos para o ensino nas zonas libertadas
para todas as escolas do país; modificação dos conteúdos dos programas de ensino em
algumas disciplinas “sensíveis”, como história, geografia e línguas; estruturação do sistema
de ensino a fim de desembaraçar-se da retórica colonial, fortalecer o espírito nacional e,
gradativamente, adaptar o conteúdo à realidade guineense.
A aposta no desenvolvimento do ensino decretada após a independência não foi
fundamentada num crescimento econômico do país estimulado pela educação. O equilíbrio
orçamentário fez-se dependente do apoio externo desde o início. No período 1978-1988, o
setor da educação recebeu do Orçamento Geral do Estado algo em torno de 14,17%,
diminuído até aproximadamente 10%, em 1995. A percentagem do PIB destinado ao setor
era de 2,4%, em 1986 já em 1993 foi diminuindo para 0,9% (MEN, 2000). As
transformações sócio-econômicas causadas pelo Programa de Ajuste Estrutural do Banco
Mundial entre 1985-1986 afetaram a estabilidade social, a vontade e a capacidade dos
indivíduos de investir na e integrar a escola como uma instituição de mudança positiva para
a família e a comunidade.
Pela natureza do tipo de sociedade a ser construída, era fundamental apoiar-se na
elaboração do sistema nacional de educação para sua concepção, elaboração e
implementação. Esse projeto foi antecedido de grandes debates públicos, envolvendo
diferentes setores da sociedade guineense. Com isso, o Estado guineense criou
oportunidades, eliminou discriminações coloniais e permitiu, conseqüentemente, o acesso
de muitos estudantes aos níveis mais altos da formação acadêmica. O governo guineense,
através do seu órgão representativo, o Ministério da Educação Nacional (MEN) via a
educação como um objetivo de direito universal:
A educação é direito inalienável de todos os seres humanos, promove o
protagonismo, valoriza a diferença ao promover o diálogo entre as culturas;
contribui para a construção de um mundo melhor e sem discriminação, onde
todos possam viver com dignidade; e promovem a solidariedade e o
fortalecimento dos espaços coletivos e públicos.
85
A educação é compreendida, portanto, como um dos elementos importantes no
processo da humanização das pessoas e de eliminação da pobreza. Humanizar é
o processo pelo qual passa todo ser humano para se apropriar das formas
humanas de comunicação, adquirir e desenvolver os sistemas simbólicos,
aprender a utilizar os instrumentos culturais necessários às práticas mais comuns
da vida quotidiana até para a invenção de novos instrumentos, para se apropriar
do conhecimento histórico constituído e das técnicas da criação nas artes e das
ciências. O processo de humanização implica, igualmente, em desenvolver os
movimentos do corpo para a realização das ações complexas como as
necessárias a preservação da saúde, às práticas culturais e para realizar os vários
sistemas de registro, como o desenho e a escrita. (MEC: 2006).
O sistema educativo da Guiné-Bissau está estruturado em quatro níveis: o pré-
escolar destinado às crianças dos três aos seis anos; o ensino básico às crianças dos sete aos
12 anos; o ensino secundário com uma duração de cinco anos; e o ensino superior
contemplado pela Universidade Colinas de Boé (UCB), pela Universidade Amílcar Cabral
(UAC) ambas inauguradas em 2003 e com a Faculdade de Direito, a mais antiga instituição
superior do país.
O ensino básico é gratuito, obrigatório e tem uma duração de seis anos. As aulas são
ministradas em língua portuguesa. Embora o crioulo seja permanentemente usado nas
aulas, é tido oficiosamente como a língua de iniciação ao processo da escolarização. No
entanto, o ensino informal abarca a alfabetização e as escolas madrassa
68
.
O ensino técnico está ligado à direção do ensino técnico-profissional, encontrando-
se diretamente vinculado ao Ministério da Educação. Funcionam no país, ainda, as escolas
e centros de formação de professores, de pessoal administrativo e de pessoal da saúde,
sendo os dois primeiros ligados ao Ministério da Educação.
Dados do MICS (2000) apontam para o ensino pré-escolar uma taxa de cobertura de
6,5% das crianças com idade compreendida entre os 36 e 59 meses de idade. O atendimento
é dispensado em jardins ou espaços criados nas comunidades sem grandes meios, não
havendo diferença entre os sexos na freqüência. Dados do Ministério da Educação
referentes ao ano 2000 apontam para a existência de 15 jardins de infância. Grande parte
68
Escolas algorânicas do islamismo.
86
dos estabelecimentos pré-escolares funciona no meio urbano, com gestão privada, cabendo
ao setor público uma parcela mínima deste atendimento, calculado em 1573 crianças, com
um total de 89 professores, sendo 71 considerados efetivos. Destes professores, 60 não têm
formação pedagógica. Ainda segundo dados de Ministério da Educação Nacional (2000),
no meio rural é significativa a intervenção das confissões religiosas. Apesar de existir uma
estrutura no Ministério que concede autorização para o funcionamento de instituições pré-
escolares, não existe, contudo, um acompanhamento e uma coordenação ou supervisão
mais efetiva desta área, nomeadamente da parte curricular, pedagógica, física e dos
recursos humanos. O gráfico I a seguir ilustra a disparidade:
Gráfico I - Crianças atendidas em nível de acesso pré-escolar
Fonte: MIC, Bissau 2000.
Assim, não se dispõe de informações suficientes que permitam melhor
caracterização do atendimento dispensado às crianças nesta área, principalmente do
contingente atendido por setores privados e confissões religiosas, em número bastante
superior. De uma maneira geral, constata-se limitada taxa de cobertura, com violentas
disparidades entre o meio urbano e o rural. Inexiste plano de formação, estatuto ou plano de
carreira docente. Não foi definida ainda a ligação curricular entre o pré-escolar e o ensino
básico. Sobra ao Ministério de Educação a função meramente administrativa de concessão
de autorização para o funcionamento. As famílias participam no funcionamento destas
unidades educativas, principalmente nos jardins privados localizados nos centros urbanos.
87
Pouco se sabe dos programas e do conteúdo pedagógicos ministrados para o nível do pré-
escolar, particularmente na rede privada.
O ensino básico subdivide-se em dois ciclos: o ensino básico elementar, destinado
às crianças dos 7 aos 10 anos; e ensino básico complementar, dos 11 aos 12 anos. Essas
idades devem ser tomadas apenas como referência na medida em que, com a baixa taxa de
registro de nascimento, não se consegue afirmar com exatidão a idade dos alunos que
freqüentam este ciclo. O Projeto Firkidja do Banco Mundial estima que uma percentagem
de cerca de 30% de alunos com idade compreendida entre os 13 e os 17 anos encontra-se
inscrita no Ensino Básico. Embora grande parte das instituições escolares seja de
responsabilidade do setor público, não se deve, contudo, menosprezar a participação do
setor privado e das confissões religiosas. Dados do Ministério da Educação referentes ao
ano 1999/2000 apontam para um total de 121.658 alunos inscritos, sendo 6.152 alunos nas
escolasmadrassa”, 21.363 nas escolas privadas e confissões religiosas e 121.898 na rede
pertencente ao governo, conforme o gráfico II. Nas zonas rurais atuam escolas comunitárias
apoiadas por ONGS, cujos custos são quase totalmente arcados pela comunidade, alargando
assim a cobertura da rede de ensino. O currículo destas escolas é, muitas vezes, rico em
matéria de educação ambiental e de educação para a vida familiar.
Dentre as escolas privadas, destacam-se as "escolas paralelas", que proliferam pelos
bairros da capital, de acordo com o Relatório de Atividades do MEN (1995/1996). Tais
escolas foram organizadas por jovens em situação de desemprego, constituindo esta
iniciativa uma resposta à baixa capacidade de oferta por parte da rede pública e uma forma
de auto-emprego. Os níveis de escolaridade variam do pré-escolar até a 4
a
classe, havendo
casos de extensão ao curso geral dos liceus, com filosofia, currículo e forma de
funcionamento específico. Essas escolas funcionam normalmente ao ar livre, à sombra de
uma mangueira, ou em espaços vedados sem cobertura, ou na varanda, ou no quintal do
professor, ou numa construção, quase todas sem as mínimas condições, obrigando, muitas
vezes, as crianças a transportarem para a escola os seus assentos. Estas escolas costumam
também integrar cursos práticos. Devido à informalidade e à relação de confiança que se
estabelece entre pais e professores, elas gozam de muito prestígio. Atualmente não se sabe
88
dizer ao certo quantas escolas deste tipo existem. Ver gráfico II – Capacidade de
Atendimento da Rede Pública e Privada.
Gráfico II - Capacidade de Atendimento da Rede Pública e Privada.
Fonte : GEP, Ministério da Educação, 1999/2000
Apesar dos esforços declarados em discursos, nos últimos vinte e cinco anos, a
educação na Guiné-Bissau continua a atravessar profunda crise, cujos sinais mais evidentes
são o fraco desempenho. Ver a tabela - IX a seguir a taxa de escolaridade e freqüência dos
ambos gêneros:
Tabela IX - Taxa bruta de escolaridade em %
Ano Homens Mulheres
1997/1998 75% 46%
1999/2000 85% 54 %
2001/2002 - -
Fonte: Ministério da educação Nacional, junho de 2003.
89
A escassez de recursos humanos qualificados é sentida em todos os setores da
sociedade. Tanto a Administração Pública como a iniciativa privada sofre dramaticamente e
cada vez mais as conseqüências de um ensino pouco eficaz. A educação na Guiné-Bissau
enfrenta grandes desafios. Apesar de uma expansão moderada no discurso da última
década, o acesso à Educação Básica (1 a 6 anos) continua sendo limitado, em particular
para o sexo feminino.
Depois de 35 anos de independência nacional, a Guiné-Bissau continua com um
sistema inadequado à sua realidade. Durante estes últimos 25 anos, a situação do sistema
educacional manteve-se estacionária quanto a sua estrutura, registrando, porém, fortes
tendências para a degradação dos seus subsistemas, em grande medida devido a
intervenções isoladas sobre algumas das suas componentes, principalmente no nível básico.
No seu conjunto, revela uma acentuada diminuição da sua eficácia, tanto interna como
externamente, e uma relevância quase nula para as impreteríveis medidas de reestruturação
do país. Veja-se a planilha de sistema nacional de ensino e formação na Guiné-Bissau a
seguir:
90
5. POLITICA DE EDUCAÇÃO DO BM: O CASO DA GUINÉ-
BISSAU
5.1 A Origem e a Presença do BM na Guiné-Bissau
Dada a influência do Banco Mundial em nível global e também na Guiné-Bissau
para a gestão de financiamentos governamentais, cabe analisar sua trajetória ao longo de
seus sessenta e três anos de existência e apontar o sentido de suas transformações.
Segundo Soares
69
, o Banco Mundial exerce profunda influência nos rumos do
desenvolvimento mundial. Sua importância hoje se deve não apenas ao volume de seus
empréstimos e à abrangência de suas áreas de atuação, mas também ao caráter estratégico
desempenhado nos processos de reestruturação de cunho neoliberal dos países em
desenvolvimento, por meio das políticas de ajuste estrutural. O papel das agências,
nomeadamente o Banco Mundial e o FMI, têm sido crescente na definição da política
econômica dos Estados africanos ao longo das últimas décadas, a Guiné-Bissau tem feito
parte dessa tendência.
O Banco Mundial tem hoje muito pouco em comum com a organização, que foi
criada em 1944 na conferência de Bretton Woods. Esta teve sua fundação vinculada à do
FMI, ambas as instituições resultaram da preocupão dos países centrais com o
estabelecimento de uma nova ordem internacional no pós-guerra. Alguns anos depois do
acordo de Bretton Woods, a emergência da Guerra Fria trouxe para o centro das atenções a
assistência econômica, política e militar aos países ditos de “terceiro mundo”, em face da
necessidade de rapidamente arregimentar esses blocos de países independentes ao mundo
ocidental para fortalecer a aliança anticomunista. À medida que os países europeus
estabeleceram-se e os do sul foram sendo descolonizados, a meta era a superação dos
69
LIVIA, Tammasi, Miriam J. Warde e Sergio Haddag. Banco Mundial e as políticas educacionais. 5ªed.
São Paulo. 2007, p. 15.
91
fatores de empobrecimento e com esse fim o BM passou a orientar seus empréstimos para
os países ditos de terceiro mundo.
Como postula Soares (idem, p.18), foi a partir dos anos 50 que o Banco Mundial foi
adquirindo o perfil de um banco voltado para o financiamento dos “países em
desenvolvimento”, tal como é hoje. Até 1956, 65% das operações do Banco Mundial
concentraram-se nos países europeus. Desde então a participação dos ”países em
desenvolvimento” elevou-se progressivamente. De 1956 a 1968, os recursos do Banco
Mundial voltaram-se principalmente para o financiamento da infra-estrutura necessária para
alavancar o processo de industrialização a que se lançavam diversos países do Sul. Nesse
período, cerca de 70% dos empréstimos destinaram-se aos setores de energia,
telecomunicações e transportes.
Segundo as autoras Eneida Oto Shiroma, Maria Célia M. de Moraes e Olinda
Evangelista
70
, o Banco mundial é um organismo multilateral de financiamento que conta
com 184 países-membros
71
. Entretanto, são cinco os países que definem suas políticas:
EUA, Japão, Alemanha, França e Reino Unido. Conforme estas autoras, esses países
participam com 38,2% dos recursos do Banco. Entre eles, os EUA detêm em torno de 20%
dos recursos gerais. A liderança norte-americana se concretiza também com a ocupação da
presidência e pelo poder de veto que possui. Por este motivo, o Banco mundial tem se
empenhado em auxiliar a política externa americana. O diagnóstico da existência de um
bilhão de pobres no mundo, ainda com as autoras:
Levou o Banco Mundial a buscar na educação a sustentação para sua política de
contenção da pobreza, um “ajuste com caridade”, descreveu Marília Fonseca. No
discurso de anos de 1990, o Banco Mundial adotou as conclusões da
Conferência Internacional de Educação para Todos - da qual foi co-patrocinador
– e a partir delas elaborou suas diretrizes políticas para décadas subseqüentes
publicando, em 1995, o documento “prioridades y estratégias para La
educacion”, primeiro análise global sobre o setor que realizou desde 1980
(ibidem, 2002, p.73).
70
Idem, p.72.
71
Segundo Banco Mundial. WWW.worldbank.org. Acesso em 8 de julho de 2008.
92
Os anos de transformação do Banco Mundial foram caracterizados por profundas
mudanças no que tange à sua política de intervenção, prioridades na alocação de recursos e
países. O Banco Mundial hoje é o maior captador internacional e principal financiador de
projetos, tendo acumulado, até 1994, 250 bilhões de dólares de empréstimos envolvendo
3.660 projetos
72
.
Para compreender as principais transformações ocorridas dentro do Banco Mundial
é preciso destacar a análise de Soares
73
, de que as transformações ocorridas no cenário
internacional contribuíram para a modificação do seu papel, bem como de suas políticas.
Exemplo evidente é o que Guerra Fria trouxe, exigindo uma postura diferente em relação
aos países, do dito, do terceiro mundo; o ocidente passou a promover a assistência
econômica, política e militar, procurando “combater o comunismo” e, conseqüentemente,
proteger os interesses do livre mercado que representavam. Entretanto, o marco histórico do
Banco Mundial e sua gestão iniciam com McNamara, segundo Leher
74
:
Em 1968, Robert S. McNamara assumiu a presidência do Banco. Diferentemente
daqueles que precederam McNamara não tinha mentalidade de um banqueiro,
mas de um estrategista internacional que pretendia conseguir com a “persuasão”
o que não conseguira com guerra: manejar reivindicação dos países em
desenvolvimento para controlá-los, em um período de crise mundial do
capitalismo e de hegemonia dos EUA (LEHER, 1988, p. 116).
A década de 1980 foi marcada pela crise generalizada da dívida nos “países em
desenvolvimento”, por isso o Banco Mundial se vê fortalecido pela importância estratégica
que repentinamente ganha para a reconstrução econômica dos países ditos em
desenvolvimento. As injeções de capital, entretanto estavam condicionadas a “programas
de ajuste estrutural
75
". A partir de então, o Banco Mundial muda a sua filosofia de
investimentos, passando a assumir outra postura: o de “porta-voz” dos interesses dos
72
idem, p. 52.
73
SOARES, Maria Clara Couto. Banco Mudial: políticas e reformas. O Banco Mundial e as Políticas
Educacionais. 4 ed. São Paulo: Cortez, 2003, pp.18.
74
LEHER, Roberto. Da Idelogia do Desenvolvimento à Ideologia da Globalização: A educação como
estratégia do Banco Mundial para “alivio” da pobreza, 1988. tese (doutorado em Educação) USP.
75
Ibidem, p.54.
93
grandes credores internacionais. Passa, então, a ser responsável por assegurar o pagamento
da dívida externa aos países devedores. Conforme Jone Luis(2005):
O Banco Mundial participa na restauração, abrindo as economias dos países em
desenvolvimento, adequando-as às exigências da globalização. Impõe uma série
de condições para concessão de empréstimos, interferindo deste modo
diretamente na formulação de políticas internas e legislação em geral dos países
chamados periféricos (idem, p.54).
Neste contexto, quase todos os países africanos no decorrer dos anos 1980, tiveram
que se submeter aos Programas de Ajustamento Estrutural criados pelo BM e FMI. Foi
neste ambiente que se iniciou a relação entre o BM e a Guiné-Bissau. A presença do Banco
Mundial na Guiné-Bissau data de 1985 quando o país aderiu formalmente a este organismo
e ao FMI. Portanto, desde 1986 o Banco Mundial tem procurado “ajudar ativamente” os
esforços do então governo na recuperação econômica destruída pela colonização.
Para James Petras (2007, p.81), “ajuda externa” é um conceito enganador por
muitos motivos: por se tratar principalmente de empréstimos que devem ser reembolsados
com juros e porque as condições desses empréstimos permitem retirar renda excedente,
conforme ele, esta lógica
76
:
Obriga a desregulamentação dos mercados financeiros que é uma condição para
ajuda externo que por sua vez permite os políticos corruptos, os homens de
negócios, os banqueiros, narcotraficantes, traficantes de armas e os exploradores
sexuais enviem milhares de milhões de dólares de dinheiro sujo aos bancos no
exterior; em segundo lugar, a desregulamentação permite que os bancos
multinacionais transfiram milhares de milhões de benefícios, juros e direitos
autorais para suas sedes centrais, fora do país. Esta é a lógica da estratégia de
ajuda externa (idem, p.81)
Sem dúvida os empréstimos do BM à Guiné-Bissau ocorreram nesses parâmetros e
se efetivaram através daquilo que se poderia chamar de “combinação criteriosa” entre o
ajustamento e o investimento. Segundo Jone Luis
77
, isso equivale a dizer que o
investimento deveria estar ligado ao Ajuste Estrutural. Todavia, o problema não residia
76
PETRAS, James. Imperialismo e luta de classe no mundo contemporâneo. Florianópolis: Ed. UFSC,
2007, p.81.
77
Ibidem, p.55.
94
apenas na questão de cooperar ou não com o BM, mas também no grau de despreparo em
que o país se encontrava para negociar o seu futuro com o BM. A especificidade histórico-
cultural da população guineense, a primeira década de independência, e os desafios
impostos pela construção nacional da Guiné-Bissau pós-colonial aos novos dirigentes
políticos representavam obstáculos de extraordinário esforço para o lento processo o
amadurecimento político. A maioria das pessoas colocadas à frente dos ministérios do
Estado pós-colonial tinha passado a maior parte da sua vida na guerra de luta armada pela
libertação do país. Sua experiência limitava-se às áreas da diplomacia. Entre 1962 a 1974,
estas pessoas concentraram-se nos aparelhos de Estado, mas faltava-lhes capacidade técnica
para cumprir a tarefa com vantagens à população local.
Para a materialização dos objetivos de ajuste estrutural, o Banco Mundial chamou
para si a tarefa de realizar reformas estruturais nos países endividados, sempre com um
enfoque neoliberal e privatista, de abertura ao comércio internacional. Estas políticas foram
batizadas no final dos anos 80 de “Consenso de Washington”, cujos principais eixos
assentam:
No equilíbrio orçamentário, sobretudo mediante a redução de gastos públicos;
abertura comercial, pela redução das tarifas de importação e eliminação das
barreiras não-tarifárias; liberalização financeira, por meio de formulação das
normas que restringem o ingresso de capital estrangeiro; desregulamentação dos
mercados domésticos pela eliminação de instrumentos de intervenção do Estado,
como controle de preços, incentivos, etc.; privatização das empresas e dos
serviços públicos (SOARES, 2003, p.23).
Carlos Cardoso
78
perfila-se à mesma idéia, afirmando que no final dos anos 80 a
liberalização econômica entra num período de certa sobreposição à libertação política,
social e econômica. Nesta fase assiste-se a um processo de transformação e de transferência
progressiva das bases de acumulação do Estado para o setor privado, reforçado pelas
imposições do Banco Mundial e do FMI, que exigiam como critérios para a liberação de
crédito a privatização das principais unidades econômicas. Estas condicionalidades
marcaram a crise de endividamento, abrindo espaço para uma ampla transformação.
78
Formação e recomposição da elite política na Guiné-Bissau: continuidades e rupturas (1919-1999). VIII
congresso luso brasileiro de Ciências Sociais: Coimbra 16, 17, 18 de setembro de 2004.
95
No documento publicado pelo BM em 1987, intitulado “Da crise até o
desenvolvimento sustentável”, segundo Bert Van Maanen (1996, p.44), o BM projetava a
sua visão sobre os investimentos no quadro de Ajustamento Estrutural de seguinte forma:
“a evolução dos Programas de Ajuste Estrutural deve continuar para atingir a meta de
crescimento da produção de 5% ao ano, a África subsaariana teria que investir mais,
passando dos atuais 15% para 25% do PIB; a despesa total para o desenvolvimento dos
recursos humanos deve ser expandida até um nível próximo de 8% a 10% do PIB; os gastos
em infraestruturas devem evoluir para aproximadamente 6% do PIB; contrariamente a o
que vinha ocorrendo no passado, a maior parte do investimento nos setores da produção
(calculado em 4% do PIB para agricultura e 3% para industria) devia provir de investidores
privados”.
A rigorosa avaliação de todos os investimentos públicos é essencial para melhorar
sua eficiência, afirma o BM no seu documento (1987). O BM, portanto, focalizava sua
estratégia em quatro aspectos fundamentais:
- Aumentar o investimento entre 15 e 25% do PIB;
- Aumentar os gastos em infra-estruturas em 6% do PIB;
- Desenvolver os recursos humanos, isto é, apostar em educação;
- Avaliar e melhorar a eficiência dos investimentos.
Como observa Soares, estas condicionalidades passaram a figurar como agente
central no gerenciamento da desigual relação de gerenciamento dos créditos internacionais.
Assim, por meio dos programas de ajuste estrutural o Banco Mundial ganhou importância
na reestruturação econômica dos “países em desenvolvimento
79
”.
79
O objetivo do programa de ajuste estrutural é assegurar o pagamento da dívida e transformar a estrutura
econômica dos países de forma a fazer desaparecer características julgáveis indesejáveis e inconvenientes ao
novo padrão de desenvolvimento (neoliberal): protecionismo, excesso de regulamentação, intervencionismo,
elevada grau de intervenção entre outros. A idéia central que passou a vigorar é que a maior parte das
dificuldades desses países se encontra neles próprios, na rigidez de suas economias. Consequentemente,
reformas profundas em suas instituições e políticas de alívio da dívida (SOARES, 2007, p.23).
96
Ilustrativamente, como propõem Olinda Evangelista, Eneida Oto Shiroma e Maria
Célia Moraes, cada dólar emprestado do Banco Mundial significava três dólares de
retorno
80
. Com tal margem de lucro, há especial interesse pela venda de projetos para os
países bem como pelo financiamento de projetos por eles apresentados, respeitadas, é claro,
suas “condicionalidades”. Assim, paulatinamente, o Banco Mundial transformou-se no
maior captador mundial não-soberano de recursos, movimentando em torno de 20 bilhões
de dólares ao ano e tendo posto em circulação entre 1985 e 1990, 20 trilhões de dólares.
5.2 O Projeto Firkidja na Guiné-Bissau
Antes de abordar os efeitos do “projeto firkidja” para a educação, é importante
apresentar um recorte histórico da sua fundação. É sabido que a taxa de analfabetismo em
Guiné-Bissau ainda é muito alta. O ensino básico guineense continua sendo frágil, faltam
recursos para as escolas, como materiais e infraestruturas. Nesta ótica, deve-se pensar o
ensino não como um privilégio, mas sim como um direito de cada cidadão. Para contornar
este quadro negativo, o governo da Guiné-Bissau e alguns intelectuais guineense
projetaram um estudo sobre o desenvolvimento econômico e social, na década dos anos 90
denominado “Djitu ten cu ten
81
”. O referido estudo, levantou as necessidades do país e
apontou algumas metas a ser seguida pelas diferentes instituições estatais com vista a
melhorar a situação social.
No âmbito de educação, o estudo deu ênfase ao ensino básico, apontando a
necessidade de criação de um projeto especifico nesta área para o melhoramento do ensino
e combate ao analfabetismo. Assim, foi criado em 1997 a “Firkidja”, projeto responsável
pela melhoria de qualidade de ensino básico na Guiné-Bissau. O horizonte temporal do
referido projeto seria de 4 anos, acordado para funcionar entre 1997 e 2001, com
perspectivas de renovação. O que não foi cumprido devido à paralisação das atividades do
projeto provocado pelo conflito político-militar de 1998. A retomada só ocorreu no ano
2000, tendo por isso sido alargado até março de 2003, até data presente o projeto continua
80
Ver: SHIROMA, MORAES e EVANGELISTA.. In: Política Educacional. Rio de Janeiro: DP&A, 2002,
p. 72-73. Ed. 2.
81
Djitu ten cu ten” - em dizer crioula língua falada na Guiné-Bissau, significa tem que haver jeito.
97
sem atividade. A estrutura organizativa do projeto está dividido em componentes e sub-
componentes:
Componente 1. Ampliação gradual da cobertura do ensino básico, removendo os
obstáculos ao acesso à educação e ao sucesso dos alunos;
o Sub-componente 1.1. Infra-estrutura e mobiliário escolar;
o Sub-componente 1.2. Reforço do sistema de planejamento e gestão;
Componente 2. Qualidade e melhoramento dos recursos do sistema educativo bem
como das condições de salas de aulas;
o Sub-componente 2.1. Manuais escolares (livros didáticos);
o Sub-componente 2.2. Serviços e capacitação de professores;
Componente 3. Melhoria da gestão dos recursos humanos, financeiros e
administrativos da educação básica;
o Sub-componente 3.1. Estudos preparatórios em perspectivas;
o Sub-componente 3.2. Coordenação do projeto.
Esta é a forma como o projeto se estrutura. Para ele, o ensino básico guineense
desempenha um papel muito importante no sistema educativo, não só por ter mais da
metade dos atores (um total de 3.681, incluindo o pessoal administrativo, pessoal docente,
numa população de 5.991 pessoas corresponde a 61,442%), mas também por representar a
base da formação humana. O que já seria razão mais do que suficiente para merecer a
atenção especial tanto dos Estados nacionais como dos organismos multilaterais.
O ensino básico na Guiné-Bissau corresponde ao ensino lecionado entre a primeira
e sexta série. Segundo projeto Firkidja, do BM (2003, p.19), o pessoal docente no ensino
básico guineense corresponde a algo em torno de 1.861 e 3.269 e não tem formação
pedagógica, o que representa 56,92%, isto é, metade da população docente neste nível de
ensino.
Uma das propostas de análise sobre o desenvolvimento social da Guiné-Bissau
mostra, segundo o projeto Firkidja (2002, p.1), que a pobreza está inversamente
98
correlacionada com a educação. É por essa suposição que o projeto apóia a educação básica
e centraliza a sua promoção em um ensino básico de qualidade, com vistas à redução da
pobreza e à constituição de uma base sobre a qual seja possível erguer melhorias
econômicas e sociais futuras.
Os objetivos do projeto, de acordo com seu relatório semestral de atividades (idem,
p.1) está direcionado ao contexto de melhoramento de ensino básico. Após duas missões de
avaliação de meio de percurso, no ano 2002, efetuadas pela equipe do BM responsável pelo
projeto e em conformidade com a análise da situação sócio-econômica do país, foram feitas
novas recomendações
82
. Elas constam em dois documentos de ajuda assinados pelo
governo guineense e pelo BM sobre a forma como deverá ser orientado o projeto e as
respectivas ações, que incidirá sobre o projeto através da implementação das seguintes
recomendações:
- reprogramação financeira;
- revisão da adenda do acordo de crédito;
- criação do comitê gestor do projeto;
- manual de parceria;
- plano de aquisição de bens e serviços.
Os objetivos do projeto têm sido implementados com enormes dificuldades,
vinculadas tanto às fragilidades institucionais do BM como do Estado guineense. Para
suplantá-las, algumas medidas de política educativa foram adotadas pelo Ministério da
Educação, cumprindo compromisso assumido junto ao BM em aumentar a taxa de
escolarização da população no ensino básico, com o intuito de promover o ensino básico
gratuito e obrigatório em todas as escolas do país. Esta medida, conforme o relatório
semestral do projeto firkidja (ibidem, p.2), foi responsável pela explosão das taxas de
matrícula do ano letivo 2001-2002, alcançando índice de 87% dos alunos matriculados.
82
Sobre este assunto ver os arquivos da ajuda memória do governo guineense.
99
Neste sentido, o projeto firkidja, após duas missões de avaliação, que se realizaram
no primeiro semestre do ano 2000, reprogramou suas atividades em função das
necessidades surgidas em conseqüência desta nova conjuntura. Tendo efeito para o
delineamento de uma estratégia de implementação que comporte a atribuição de pacotes
integrados a entidades e ONGs, associações de base, missões religiosas, agências das
Nações Unidas. Com experiência comprovada na prestação de serviços educativos à
comunidade. Como foi elucidado no relatório semestral de firkidja:
Para tal foi institucionalizado o comitê de gestão do projeto, cuja missão será a
apreciação das propostas apresentadas pelas entidades acima referidas mediante
critérios lógicos e transparentes
83
e do qual fazem parte algumas estruturas centrais
do MEN, três agências das Nações Unidas (FNUAP, PAM, UNICEF) o instituto
da mulher e da criança e duas ONGs uma nacional outra estrangeira (ibidem, p.2).
Verificou-se ainda que as escolas do país encontram-se asfixiadas por falta de
recursos, pois, estando impedidas de cobrar propinas e sem financiamento proveniente de
estrutura central MEN ou de outras atividades geradoras de recursos como a venda de livros
e manuais didáticos, as escolas não têm capacidade de prosseguir suas atividades normais,
o que acarreta num funcionamento deficitário. O impacto positivo da política de gratuidade
do ensino básico revelou-se insustentável, em função da ausência de outros mecanismos de
compensação por parte do orçamento geral do Estado e dos organismos multilaterais,
nomeadamente o Banco Mundial. Tabela - X abaixo corrobora a firmação.
Tabela X - Orçamento geral no setor da educaçãosica aprovado pelo Projeto
firkidja do Banco Mundial - 2001/2002
Orçamento
aprovado
2001/2002
Orçamento
executado
2001/2002
Despesas com os
funcionários
2001/2002
Despesa com
aquisição de bens e
serviços
2001/2002
Observações: «o
financiamento
para setor da
educação
representou» 3,1%
do PIB
4.848 milhões
de FCFA
2.289 milhões de
FCFA
corresponde
1.184 milhões de
FCFA
114 milhões de
FCFA
Despesa em bens
e serviços
resumiu-se a
83
Ver regulamento de comitê de gestão.
100
57,53% do
orçamento
despesas de
representações e
viagens
Fonte: relatório de atividades do projeto de apoio á educação básica firkidja junho 2002 a março 2003, p.3.
Como se observou no quadro acima, houve modificação na estratégia de
implementação do projeto. Segundo Banco Mundial (2002, p.2), a partir desta ótica, foi
solicitada a alteração do acordo de crédito, que regia até então a modalidade das atividades
do projeto firkidja no que tange a forma de financiamento da educação básica guineense,
tendo em sua categoria seis sub-projetos adquirido maior relevância ao nível financeiro
como em nível das atividades.
Porém, em termos de comparação com os desembolsos no quadro de financiamento
por parte do BM representava 54%, isso se traduz em funções dos extratos mensais do BM
relativos aos pagamentos processados e pagos. Por outro lado, permitiu também detectar os
diferentes momentos ocorridos entre os valores enjeitados pelo BM e valores reembolsado
pelo Estado guineense, esses se traduzem em 5% do fundo de contrapartida nacional. No
entanto, no ano 2002 o BM efetuou 16 transferências bancárias em prol do projeto Firkidja
na importância 1.945.663,89 dólares que representava em torno de 65% dos fundos
financiados desde o inicio do projeto ver anexos 1 e 2. Os montantes financiados pelo BM
nos últimos 8 anos representaram 4.940.440,07 dólares corresponde uma diferença 223,34
dólares em comparação com os financiamentos acumulados da ficha de controle e
acompanhamento dos serviços das finanças do Projeto Firkidja em torno de 4.940.216,73
ver anexos 3 e 4 como que esta diferença carece e se traduz em regularizações posteriores,
conciliação das contas:
101
Durante o ano letivo 2001/2002, tem havido grandes dificuldades em controlar os
números do pessoal docente, devido à política da gratuidade do ensino básico. Soube-se,
através dos diálogos feitos com funcionários técnicos do Ministério da educação guineense
também do Banco Mundial, que houve um crescimento significativo de números de alunos,
o que obrigou o BM a tomar providências de recrutamento emergencial dos professores
contratados para fazer face às necessidades. Devido a este fato, o Ministério da Educação
deu orientações aos diretores regionais para celebrarem contratações de professores em
função das necessidades verificadas em cada região, assim evitando a centralização do ato
de contratação na DSRH como forma de responder à demanda de professores com mais
prontidão. Infelizmente este ato arrasta-se até momentos atuais e continua a haver
professores que ainda entram no sistema por ele, impossibilitando o eficaz controle dos
mesmos. No entanto, o resultado foi que no próprio Ministério da Educação ninguém
soube explicar quantos professores foram contratados no decorrer deste processo.
Neste momento, como consta no relatório de atividade do assistente técnico em
recursos humanos
84
, depois de várias atualizações realizadas junto às direções regionais,
tentou-se esquematizar o suposto número de docentes do MEN, é de 5991 com uma
distribuição de 1597 mulheres e 4394 homens. O pessoal contratado representa 797
professores o que corresponde 13,30%, já professores efetivos estão em torno de 4926
corresponde 82,22%, os professores que terminaram as suas formações nas escolas de
formação pedagógica representam 268 (4,47%). Ver tabela - XI abaixo.
Tabela XI - Distribuição dos docentes por estatuto no ensino básico
ESTATUTO SEXO TOTAL
Perfil de contratado M
F
500
297
Total de professores Contratados 799
Efetivos M
F
3699
1227
84
ATRH-DSRH/PAEB-Firkidja (2003, p.16).
102
Total de professores Efetivos 4926
Novo ingresso de
professores
formados
M
F
195
73
Total Professores 268
Total Global 5,995
Fonte: ATRH - DSRH/PAEB - Firkidja, relatório de atividades de assistência técnica em recursos humanos
(2003, p.16).
Como se observou, o quadro acima traduz diversos constrangimentos de ordem
estrutural, como carências para a organização de levantamentos de dados por parte das
estruturas responsáveis, pouco engajamento de diferentes instituições tanto nacionais como
multilaterais, em fornecer em tempo útil os fundamentos da educação básica para a nova
geração. Cabe destacar que o Projeto Firkidja, apesar de algo feito, ainda está longe de
conseguir alcançar os objetivos traçados no plano de atividades, por diversas razões que se
prendem à conjuntura da política educativa guineense.
No que diz respeito às transferências bancárias feitas pelo Banco Mundial em prol
do Projeto Firkidja, pode-se dizer que aumentaram significativamente, o que fez com que a
capacidade de absorção de fundos do projeto atingisse 35,14%. O ano de 2003 foi apontado
pelos consultores como o ano em que houve o maior número de desembolsos desde o ínicio
do projeto, em torno de 55%, os dados e anexos seguintes corroboram esta afirmação.
5.3 Mecanismo e Estrutura de Financiamento da Educação Durante
Programa de Ajuste Estrutural - PAE
O Programa de Ajustamento Estrutural (PAE) foi realizado com o apoio técnico-
financeiro do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional (FMI). A fim de facilitar
a compreensão das análises a ser desenvolvida ao longo deste estudo e elucidar melhor a
vertente educacional do PAE, entende-se ser importante abordar nesta parte introdutória a
política de ajustamento na educação, tal qual recomendada pelo Banco Mundial. Um estudo
feito pelo Banco Mundial em 1988 sob o “titulo educação na África subsaariana” apontava
para uma estratégia de ajustamento, revitalização e expansão. Ao longo do tempo, foram se
103
afirmando algumas teses, sob a ótica do Banco Mundial, sobre o ajustamento necessário no
âmbito da educação.
Segundo Huco Monteiro (1996, p.121), o Banco Mundial recomenda três pilares de
política macro-educativa aos governantes africanos, com vista a sanear a crise de qualidade
e de quantidade dos seus sistemas educativos:
- ajustamento das necessidades educativas às realidades demográficas e financeiras;
- revitalização da educação;
- expansão seletiva.
Para o Banco Mundial, conforme elucida Monteiro
85
:
A crise da escola e as ameaças que pairaram hoje a educação são provocadas por
fatores exteriores ao próprio sistema educativo. Este vive sob uma pressão
demográfica resultado do rápido ritmo de crescimento da população em geral e
da população escolarizado em particular. Estima-se que a população em idade
escolar poderá crescer já nos próximos anos a um ritmo de 3,3% ao ano, o que
exigiria um aumento anual de investimentos na educação da ordem de 3%. Para
isso, o Banco Mundial recomendou o ajustamento através de medidas
diversificadas das fontes de financiamento, nomeadamente encorajando as
escolas privadas como forma de aliviar a pressão sobre o ensino público,
incentivando a participação dos beneficiários nos custos do ensino público – a
recuperação de custos – e reduzindo ou eliminando totalmente eventuais ajudas
ou subsídios aos estudantes
86
sobretudo no nível de ensino básico. O Banco
Mundial sugere ainda medidas de contenção dos custos unitários através de uma
melhor utilização dos professores e dos tempos letivos da redução das taxas de
abandono e de repetência (1996).
A estrutura de financiamento do sistema educativo guineense supõe a hipótese de
que o mesmo está altamente dependente do apoio externo, tabela - XII abaixo demonstra o
financiamento no âmbito da educação de diferentes organismos multilaterais.
85
Monteiro Huco. Op.cit.,pp.121-122.
86
Merenda escolar.
104
Tabela XII - Global de investimento externo na educação
Financiador Período Coberto
Montante
Milhões de USD
Percentagem
BANCO
MUNDIAL
1989-1993 4,7 8,8
BAD 1991-1995 15,2 28,8
ASDI 1992-1996 11,6 21,8
PAM/FAO 1992-1996 9,7 18,2
PASI 1992-1996 3,8 7,1
AFRICARE 1990-1992 1,2 2,8
PNUD/UNES
CO
1989-1993 1,2 2,2
CILSS/CEE 1986-1992 0,9 1,7
SOS 1990-1993 2,0 3,8
OUTROS 1991-1992 2,7 5,1
TOTAL 1990-1994 53 100,3%
Fonte: Gabinete de Coordenação dos projetos da Educação, Plano-Quadro da Educação (Ministério da
educação da Guiné-Bissau 1996).
Os mecanismos de financiamento da educação durante o PAE estão relacionados à
presença do Banco Mundial na Guiné-Bissau desde 1985. A estratégia do Programa de
ajuste Estrutural desta instituição realizou-se por meio do chamado “Programa de
Reabilitação Econômica” (PRE). Para se entender o contexto em que foi realizado o
mecanismo de financiamento do PAE na educação guineense é necessário apresentar o
quadro de execução do programa de investimento público na educação (1983-1992). Ver
tabela – XIII.
105
Tabela XIII - Execução de investimento pública na educação no período pré-
ajustamento e período de ajustamento entre 1983-1992 em milhões de dólares
PERIODO PRÉ-AJUSTAMENTO PERIODO DE AJUSTAMENTO
ANO MONTANTE ANO MONTANTE
1983 2.872,7 1988 2.393,7
1984 5.156,2 1989 3.066,2
1985 6.952,6 1990 11.381,1
1986 3.717,5 1991 3.966,7
1987 2.200 1992 3.947,7
Média anual 3.740,24 Média anual 4.951,12
Fonte: L´éducation em Afrique sub-saharienne, étude de politique geral de La Banque Mondialle,
Washington, D.C. 1988
.
Observa-se que a média anual de investimento na educação, no período de aplicação
do PAE é de 4.951.800 dólares, com um número pouco elevado no ano de 1990, em que a
educação beneficiou-se de um investimento da ordem dos onze milhões de dólares. No
período precedente ao início do programa de ajuste estrutural a média dos investimentos
anuais foi de 4.179.800 dólares. Isso deve ao fato de que, durante o PAE, houve o que
podemos chamar de “desengajamento social dos poderes públicos” a transferência de certos
custos escolares para as famílias.
Antes da apreciação dos efeitos do PAE julga-se interessante detalhar o projeto
financiado pelo Banco Mundial na educação, tendo em conta que ele é um dos principais
protagonistas das políticas e estratégias do ajustamento estrutural. Assim, segundo Huco
Monteiro (1996, p.151), objetiva-se apreciar os contornos do projeto do Banco Mundial à
luz das recomendações estratégicas deste organismo expostas no documento África
Subsaariana (1989). Então, tendo parâmetros comparativos à mão, avaliar se o nível de
adequação entre as políticas explicitamente declaradas e a aplicação prática dessas políticas
na Guiné-Bissau é satisfatório. São três os valores de política educativa recomendados pelo
Banco Mundial: ajustamento; revitalização e expansão seletiva.
106
Restrição e redução das despesas públicas pelo PAE. Conforme Monteiro
87
, a partir
de 1986 o orçamento geral da educação do Estado guineense foi diminuído paulatinamente
até 1989. Ver as despesas de funcionamento do sistema educativo tabela - XIV a seguir.
Tabela XIV - Distribuição do total da despesa pública de financiamento com educação
por nível de ensino
ANO ENS. BÁSICO
ENSINO
SECUNDARIO
ENS.TECN.
PROFISS.
ENS. SUP.
1980 76,0% 15,0% - 1,0
1983 67,0% 15,0% - 2,0
1988 48,9% 10,0% 3,1% 1,9%
1989 54,3% 11,4% 3,8% 1,7%
Experiências alternativas no ensino básico, UNICEF/MEN, Bissau, 1993.
O Conselho de Administração do Banco Mundial (CABM) aprovou uma “doação”
de 10 milhões de dólares feita pela Associação Internacional de Desenvolvimento para um
Projeto de Emergência de Prestação de Serviços Públicos (EPSD) na Guiné-Bissau, que se
destina principalmente a financiar os salários de professores da instrução primária
(funcionários públicos e contratados). Esta doação, segundo BM, garantiria a continuidade
da prestação de serviços essenciais da educação básica durante 2008, especialmente
destinada aos pobres, e com perspectiva de auxiliar o governo a administrar sua difícil
situação fiscal e de falta de recursos para o setor da educação.
Pode-se afirmar que a educação não faz parte das grandes prioridades de
investimento do governo após os acordos com o Banco Mundial, no que se refere o
programa de ajuste estrutural. Segundo MEN/ASDI
88
(1994), o Estado guineense consagra
14,0% do seu orçamento à educação, valor muito aquém da média africana de 20%, e por
isso insuficiente para a persecução do objetivo de democratizar a educação.
87
Ibidem, p.135.
88
Avaliação conjunta MEN/ASDI do apoio da ASDI ao setor da educação, março de 1994.
107
O BM afirma também que abrirá caminho para um suporte mais amplo, depois de
2008, através do seu programa de parceiros doadores no âmbito da Educação para Todos.
Analisando os aspetos desta doação, Iradj Alikhani
89
, líder da equipe de trabalho do Banco
Mundial para o projeto, afirma que apesar das difíceis circunstâncias e dos muitos
desafios que o setor tem de enfrentar, a evolução positiva do setor da educação é
encorajadora, conforme revelam a análise do setor social elaborada pelo Banco Mundial em
colaboração com o UNDP, UNICEF e o BAD”. A tabela - XV a seguir mostra os
investimentos dos principais doadores no setor das infra-estruturas no ensino básico,
secundário e profissional (valores em dólares).
Tabela XV -
Investimento dos doadores na infra-estrutura no ensino básico, secundário e
profissional (1992-1996)
DOADOR ENS. BÁSICO ENS.
SECUNDÃRIO
ENS. TEC
PROSSIONAL
TOTAL Percentagem
total
BAD 2.750.250 - 3.585.813 6.336.063 47,5%
BM 3.644.172 1.200.00 - 3.645.372 36,3%
ASDI - - - - 0%
SOS 1.730.000 - - 1.730.000 12%
Outros 53.225 25.000 349.254 402.504 3,3%
Total 6.449.377 1.225 3.935.067 10.385,669 100%
Fonte: www.worldbank.org.guineabissau – acesso em 8 junho de 2008.
Acrescentou ainda Alikhani queo progresso mais visível na educação, é o grande
aumento de cobertura verificada em anos recentes, isto é, em 2003, como resultados de um
esforço sem precedentes por parte das entidades públicas, privadas e das próprias
comunidades, no sentido de construir novas escolas e estimular a procura.
A Guiné-Bissau está longe de conseguir alcançar as Metas de Desenvolvimento do Milênio
(MDG), mas, ainda assim, através do apoio de uma iniciativa acelerada no âmbito da
Educação para Todos, que estará disponível apenas em 2009, Alikhani afirmou que “esta
89
http://web.worldbank.org/WBSITE/EXTERNAL/NEWS - acesso em 9 de junho 2008.
108
verba de 10 milhões de dólares constitui uma ponte essencial para o programa EFA-FTI,
contribuindo para que seja completado com sucesso o ano escolar 2007-2008 e ajudando a
garantir que o próximo ano escolar reabra em devido tempo. Recordou ainda que os
pagamentos atrasados no setor da educação da Guiné-Bissau têm dado origem a greves de
professores no início dos anos escolares.
Pode-se dizer que o problema de financiamento da educação não se restringe
apenas ao volume do fluxo financeiro e à natureza do investimento a realizar. Depende
sobretudo da gestão correta e adequada dos projetos, a qual depende, por seu turno, da
eficácia desse investimento e de sua viabilidade. Esta questão é de grande importância,
pois pode ter como conseqüência a continuidade das crises na educação que a Guiné-Bissau
já têm vivenciado nos últimos 25 anos.
5.4 A Perspectiva da Educação como Um Direito Humano Universal
Levar todas as crianças a um estabelecimento escolar pode ser um objetivo
facilmente realizável. Mas fazer com que essas crianças permaneçam na escola, progridam
e aprendam com sucesso já é um objetivo que só pode ser alcançado com uma forte vontade
política, um envolvimento efetivo dos Estados nacionais e dos organismos multilaterais,
que possa traduzir-se numa política macro educativa coerente, que mobilize e disponibilize
os recursos humanos e financeiros necessários.
A universalização do acesso à educação como um direito humano em condições de
eqüidade é uma das metas fixadas pela conferência mundial de Educação para Todos,
realizada em Jomtien em 1990. Após este encontro a Guiné-Bissau subscreveu essa
declaração e a convenção sobre os direitos da criança, que ratificou pela resolução 6/90, do
Conselho de Estado de 18 de abril de 1990 e procedeu à revisão da sua constituição
estabelecendo em seu artigo 49 o direito e o dever da educação para todos os cidadãos
90
,
atribuindo ao Estado a responsabilidade de promover gradualmente a gratuidade e a
90
Ver a constituição da república da Guiné-Bissau (1996, p.22).
109
possibilidade de todos terem acesso aos diversos graus de ensino. Segundo Plano Nacional
de Ação Educação para Todos
91
:
No âmbito da África ao sul do Saara, para além do espírito ainda vivo da
conferência de África do Sul sobre a educação para todos, realizada em
Johannesburg, de 6 a 10 de dezembro de 1999, sob o tema, a educação para
renascença no contexto da globalização da economia, da comunicação e da
cultura; da nova visão nela lançada visando o desenvolvimento de uma educação
de base e de qualidade para todos os africanos e a resolução dos problemas
crônicos da pobreza, da doença, da fome, do conflito da instabilidade política, da
má governação, e da corrupção, a partir dos valores próprios, do continente,
conjugando com os métodos modernos de gestão e da tecnologia (20003).
Não obstante, o caso da Guiné-Bissau está muito longe ainda de oferecer educação
como um direito universal, considerando que o ensino básico, apesar de prioritário,
contempla em torno de 38,5% do orçamento total do setor educacional. Isso coloca a
Guiné-Bissau entre os países em que são apontadas as mais baixas prioridades para o
ensino. Este baixo nível de recursos destinados aos âmbitos básicos e aliados à baixa
percentagem do orçamento geral do Estado atribuído ao setor educativo, situa a Guiné-
Bissau a menos de metade da média do continente africano voltado para o setor. De acordo
com depoimento de um dos técnicos do Ministério da Educação
92
:
Para atingir a escolarização primária universal é necessário uma despesa média
de cerca de 20% do orçamento geral de Estado para o setor da educação e a
atribuição de pelo menos 50% desse montante para o ensino básico. Para se
pensar a educação como um direito universal no caso da Guiné-Bissau terá que
desenvolver grandes esforços para aumentar de forma significativa o nível de
investimento no setor da educação e moderar também as políticas educacionais
dos organismos multilaterais (2008-08-27).
Apesar de a gratuidade do ensino básico estar consignado na Lei Fundamental da
Guiné-Bissau como um direito de todos os cidadãos, a educação guineense está ainda longe
de acolher uma boa parte das crianças. A política educativa da Guiné-Bissau é, por um
lado, inspirada nas conclusões e recomendações das conferências internacionais Jomtien
nos anos 90 e Dakar no ano 2000 e, por outro lado, nas conferências regionais pan africanas
sobre a educação das meninas.
91
Plano nacional de ação educação para toda versão reestruturada 2003, p.4, Bissau.
92
Entrevista concedida ao próprio autor em 27 de agosto de ano 2008.
110
O sistema educativo está se deparando com uma série de problemas de infra-
estrutura que comprometem grandemente o acesso, a qualidade da oferta, eqüidade em
vários níveis e gestão da educação. Tomando por exemplo os dados de GEP
93
em
1999/2000, constatou-se que das 42.578 crianças em idade escolar, apenas 33.110 são
admitidas na primeira série, o que representa uma taxa de 77,8% destas crianças (92,2% são
meninos e 65,6% meninas - dados do GEP - 1999/2000). O conjunto destas dificuldades
influi na taxa de freqüência, segundo MEN em 2002, estima-se que o número de freqüência
estava em torno de 75,1%. A eficácia interna é fraca, com taxas de repetência situadas em
23,5% e de abandono escolar em 18%.
A universalização da educação, no entanto, como um direito humano que obriga o
Estado a uma democratização do sistema supõe a garantia de uma educação de qualidade
para todos através de medidas que devem promover a igualdade e a eqüidade para isso.
Implica também a adoção de critérios justos e coerentes na efetivação de todos os recursos
necessários à realização de uma aprendizagem de qualidade, tendo em atenção às
especificidades inerentes ao gênero, deficiência de qualquer natureza, assim como a
necessidade de diversificação dos currículos em função das necessidades e possibilidades
dos recursos humanos. Apenas desta forma pode-se pensar a educação como um direito
humano universal.
5.5 Compromissos Internacionais com a Educação após Jomtien nos anos
90
Há mais de sessenta anos, as nações do mundo afirmaram na Declaração Universal
dos Direitos Humanos que "toda pessoa tem direito à educação". Apesar dos esforços
realizados por países do mundo inteiro para assegurar o direito à educação, persistem as
seguintes realidades: mais de 100 milhões de crianças, das quais pelo menos 60 milhões são
meninas, não têm acesso ao ensino primário; mais de 960 milhões de adultos - dois terços
93
Plano nacional de ação educação para todos 2002, p. 20. Bissau.
111
dos quais, mulheres - são analfabetos, o analfabetismo funcional é um problema
significativo em todos os países industrializados ou “em desenvolvimento”; - mais de um
terço dos adultos do mundo não têm acesso ao conhecimento impresso, às novas
habilidades e tecnologias, que poderiam melhorar a qualidade de vida e ajudá-los a
perceber e a adaptar-se às mudanças sociais e culturais; mais de 100 milhões de crianças e
incontáveis adultos não conseguem concluir o ciclo básico, e outros milhões, apesar de
concluí-lo, não conseguem adquirir conhecimentos e habilidades essenciais
94
.
Ao mesmo tempo, a sociedade internacional enfrenta um quadro sombrio de
problemas, entre os quais: o aumento da dívida de muitos países, com ameaça de
estagnação e decadência econômicas aqueles ditos “em desenvolvimento”; rápido aumento
da população; crescentes diferenças econômicas entre as nações e dentro delas; guerras;
ocupações armadas; lutas civis; violência; morte de milhões de crianças; e a degradação
generalizada do meio-ambiente. Esses problemas atropelam os esforços dos países
endividados em satisfazer as necessidades básicas de aprendizagem, enquanto a falta de
educação básica para significativas parcelas da população impede que a sociedade enfrente
esses problemas com vigor e determinação.
Durante a década de 80, esses problemas dificultaram os avanços da educação
básica em muitos países menos desenvolvidos. Em outros, o crescimento econômico
permitiu financiar a expansão da educação, mas, mesmo assim, milhões de seres humanos
continuam na pobreza, privados de escolaridade ou analfabetos. Em alguns países
industrializados, cortes nos gastos públicos ao longo dos anos 80 contribuíram para a
deterioração da educação. Relembrando que a educação nestas circunstâncias é tida como
um direito fundamental de todos, mulheres e homens, de todas as idades, no mundo inteiro.
Entendendo que a educação pode contribuir para conquistar um mundo mais seguro,
mais sadio, mais próspero e ambientalmente mais puro, e que, ao mesmo tempo, favoreça
os progressos sociais, econômicos e culturais, a tolerância e a cooperação internacional;
94
http://www.portaldeacessibilidade.rs.gov.br/uploads/1192468471Declaracao_de_Jomtien.doc
112
sabendo que a educação, embora não seja condição suficiente, é de importância
fundamental para o progresso pessoal e social; reconhecendo que o conhecimento
tradicional e o patrimônio cultural têm utilidade e valor próprios, assim como a capacidade
de definir e promover o desenvolvimento; admitindo que, em termos gerais, a educação que
hoje é ministrada apresenta graves deficiências, que se faz necessário torná-la mais
relevante e melhorar sua qualidade, e que ela deve estar universalmente disponível;
reconhecendo que uma educação básica adequada é fundamental para fortalecer os níveis
superiores de educação e de ensino, a formação científica e tecnológica e, por conseguinte,
para alcançar um desenvolvimento autônomo; e reconhecendo a necessidade de
proporcionar às gerações presentes e futuras uma visão abrangente de educação básica e um
renovado compromisso a favor dela, para enfrentar a amplitude e a complexidade do
desafio do mundo, proclamando assim a declaração ”Mundial sobre Educação para Todos”
e satisfação das necessidades básicas de aprendizagem.
Após encontro mundial de educação realizado em Dakar em abril de ano 2000, em
setembro de 2003 o Banco Mundial reuniu-se em Dubai, com a presença de 184 países
membros. Na abertura deste encontro o seu presidente afirmou que:
Há três anos, os líderes mundiais reuniram-se na Cúpula do Milênio para avaliar
o futuro. Estes se comprometeram a reduzir a pobreza pela metade até 2015.
concordaram nas Metas de Desenvolvimento do Milênio - para educação, saúde
e oportunidade igual para as mulheres (...). são metas notáveis. Muitos líderes a
eles se referiam como moralmente certas nossa responsabilidade humana, mas
também nosso interesse global (Banco Mundial, 2003, p.6).
Este encontro visava acompanhar e avaliar os compromissos assumidos pelos
organismos internacionais para com a educação. Segundo relatório de UNESCO (2002,
p.15), dentre vários aspetos analisados consta que quase um terço da população mundial
encontra-se em países que de antemão se sabe que os compromissos assumidos pelos
organismos internacionais e demais países desenvolvidos não serão efetivamente
cumpridos. A África Subsaariana, da qual a Guiné-Bissau faz parte, encontra-se no topo
desta análise.
113
Augusto Jone Luis (ibidem, p.98), perfila-se à mesma análise afirmando que, com
base nos dados do Relatório de Monitoramento Global de EPT – de 1999, efetivamente
existem aproximadamente 115.4 milhões de crianças no mundo fora da escola e destas 56%
são meninas. Portanto isso fale dizer de acordo com Augusto Jone Luis que a situação
piorou em relação aos dados de 1998 que apresentava 113 milhões de crianças e 94%
destas se encontravam nos países em desenvolvimento e um pouco mais de um terço na
África Subsariana. A UNESCO em análise do balanço global dos compromissos
internacionais assumidos pelas diferentes instituições internacionais, afirma: “ainda está um
pouco longe a transformação de compromissos em recursos reais” (UNESCO, 2003, p.
189).
Segundo Shiroma, Moraes e Evangelista, (2002, pp.56-57) depois de Conferência
Mundial de educação para todos realizada em Jomtien, na Tailândia, em 1990, financiada
pela UNESCO, UNICEF, PNUD e BM, a questão da educação ganhou centralidade. No
entanto, isso vale destacar que a educação básica passou a constituir grande prioridade nas
políticas educacionais dos governos que se inscreveram no tecido a “Declaração de
Jomtien”. O papel da Conferência Mundial de educação para todos é enfatizado quando se
afirma dela conforme autoras Shiroma, Moraes e Evangelista:
Participaram governos, agências internacionais, organismos não-governamentais,
associações profissionais e personalidades destacadas no plano educacional em
todo o mundo. As 155 nações que se inscreveram a declaração aprovada
comprometeram-se a assegurar uma educação básica de qualidade a crianças,
jovens e adultos (ibidem, 2002, p.57).
As conseqüências negativas destes compromissos refletem na educação em geral e
particularmente na educação básica dos países em desenvolvimento, aqui estando em foco
o caso especial da Guiné-Bissau. É uma realidade incontestável hoje na Guiné-Bissau que
durante o período de matrículas, pais e alunos vivem momentos de angústia e total
desespero. As escolas têm tido poucas vagas face às demandas, principalmente nas classes
inicias, onde acontecem os novos ingressos. Nestas circunstâncias adversas até quando que
se continuará a sonhar com uma educação básica para todos na Guiné-Bissau? O Estado
114
guineense deve avocar a responsabilidade sobre a tarefa árdua de fornecer a educação em
geral para a sociedade guineense.
115
6.CONSIDERAÇÕES FINAIS
A interferência do Banco Mundial na dimensão da educação básica guineense,
objeto deste trabalho, analisou a atuação de BM a partir do seu projeto intitulado Firkidja.
Três modelos de ensino foram apresentados: ensino colonial, ensino das zonas libertadas e
ensino pós-colonial. Este último é que carrega a marca da cooperação com os organismos
multilaterais, nomeadamente o Banco Mundial. A Guiné-Bissau figura entre os países da
África Sub-saariana que terá as maiores dificuldades para a universalização da educação
primária até 2015. Dados disponibilizados através do relatório nacional sobre o
desenvolvimento humano na Guiné Bissau, produzido pelo PNUD em 2006, indicam que a
taxa líquida da escolarização primária na Guiné-Bissau em 2003-2004, estava
compreendida entre 54% e 56,9%, deixando um grande número de crianças fora da escola
ou atrasados em sua escolarização (47,7% para as meninas e 44,3% para os meninos).
No entanto, durante a missão de avaliação do Banco Mundial, em 2002, tendo em
conta o nível de execuções do projeto e o seu ano de atuação, logo surgiu a necessidade de
delinear novas propostas para as políticas educativas. Nesta perspectiva o projeto procurou
(re) programar as novas atividades e, para isso, mudou-se a filosofia da intervenção
constante no projeto, tornando-se necessário o desenvolvimento de parcerias. O objetivo foi
o de descentralizar algumas atividades do projeto, delegando-as a parceiros com
experiência no domínio do setor educativo. Esta parceria desenvolveu-se através da
aquisição de “pacotes integrados de serviços
95
”.
Os procedimentos destes deveriam ser objeto de atenção tanto do Banco Mundial
como para o Estado guineense. Isso, de fato, tem instigado a cooperação com o Banco
Mundial. Portanto, pode-se afirmar que o fracasso do projeto firkidja se deu mais em
95
Construções de escolas, reabilitação e manutenção, distribuição de materiais pedagógicos e apoio à
formação em serviço de professores, iniciativa para o aumento de escolarização das meninas, com parceiros
internacionais com bastante experiência na educação básica.
116
função da falta de vontade política voltada para o sistema educativo do que pela escassez de
recursos destinados à educação. O que, por sua vez, explica as crises que afetam o sistema
educativo guineense nos últimos 25 anos. Com isso, uma política consciente deveria
orientar tanto a política educativa do Banco Mundial como a do Estado da Guiné-Bissau
para a urgência das medidas necessárias para colocar as políticas educacionais de volta aos
trilhos. Este fato explica até certo ponto porque o Banco Mundial, que tradicionalmente
atua nos financiamentos de infra-estrutura e crescimento econômico, aparece cada vez mais
como a agência propulsora de investimento em setores sociais e na reforma do conjunto das
políticas sociais.
Segundo Zygmunt Bauman (1999, p.64) num mundo em que o capital não tem
domicílio fixo e os fluxos financeiros estão bem além do controle dos Estados nacionais,
muitos das alavancas da política econômica não mais funciona. Neste sentido, Alberto
Melucci citado por Bauman (idem, p.64) alega que a influência crescente das organizações
supranacionais “planetárias” “teve por efeito acelerar a exclusão das áreas fracas e criar
novos canais para a alocação de recursos, retirados, pelo menos em parte, ao controle dos
vários Estados nacionais”.
Como resultado, percebe-se que a relação entre Estados nacionais e as políticas dos
organismos multilaterais precisa ser melhorada, ou, dito de outro modo, percebe-se como a
política educativa acertada poderia salvar muitas crianças. Mas para que esta relação de
Estados nacionais e políticas educativas dos organismos multilaterais prevaleçam e tenham
efetividade, não se pode deixar de reiterar a educação como um direito humano universal.
Foi em parte com essa discussão que o PAIGC formou as suas primeiras idéias durante a
luta armada de libertação nacional nas zonas que controlava e ainda incipiente sobre a
educação dos guineenses.
Como foi dito, a Guiné-Bissau, até a altura da sua independência nacional, conviveu
com dois modelos de ensino diametralmente opostos. Um destinado à população
revolucionária, controlado pelo PAIGC, que abrangia dois terços do território nacional; e
117
outro, da responsabilidade do Estado colonial português, reservado para a população branca
e uma minoria da população negra elitista
96
.
A Guiné-Bissau vivenciou, nos últimos trinta anos, um sucessivo processo de
rupturas político-sociais de desigual intensidade, fato que tenham acarretado em outros
problemas emergidos após cada ruptura. A crise econômica que o país vem atravessando,
resultado dos erros de concepção e direção de estratégias econômicas desfavoráveis, tem
aprofundado a dependência do país aos ditos parceiros internacionais ou “doadores
internacionais”. O país depende hoje de ajuda e empréstimos estrangeiros. Estes, de fato,
abriram caminho para que organismos multilaterais como o Banco Mundial atuasse com
peso numa economia vulnerável como a Guiné-Bissau.
Foi nisto que os anos 90 consistiram. Um período importante na reorientação do
papel e das políticas tanto do Banco Mundial quanto dos organismos multilaterais de
financiamento. A crise de endividamento dos países em desenvolvimento, principalmente
com credores privados, na qual os países africanos estiveram no centro, propiciou o
contexto político favorável para que o Banco Mundial assumisse um papel central na
renegociação e garantia dos pagamentos das dívidas externas, na reestruturação e abertura
das economias dos devedores, e na instituição de condicionalidades para obtenção de novos
financiamentos.
Segundo Marcus Faro (2005) o impacto do Banco Mundial sobre políticas públicas,
é imenso. É espantoso que a maior parte da opinião pública não tenha clareza a esse
respeito. O Banco Mundial não somente formula condicionalidades que são verdadeiros
programas, como também implementa esses programas usando redes de gerenciamento de
projetos que funcionam de forma mais ou menos paralela à Administração Pública. Trata-se
da chamada “assistência técnica”.
96
Amílcar Cabral chamaria pequena burguesia.
118
As autoras Dália A. Oliveira e Marilia Fonseca (2001, p.43) perfilam-se à mesma
maneira. Afirmam que o Banco Mundial incorpora em seu discurso social uma retórica
humanística, respaldada por princípios de sustentabilidade, justiça e igualdade social, cuja
finalidade primeira seria o combate à situação de pobreza mediante a garantia da eqüidade
na distribuição na renda e nos benefícios sociais, destacados a saúde e a educação. No
entanto, este é mais um forte motivo para que o Estado guineense avoque a
responsabilidade e assuma como sua a árdua tarefa de fornecer educação universal para a
sociedade guineense.
O regime pós 85 que eu chamaria aqui da 3ª fase do ensino introduziu uma
dimensão mais tecnocrática e a exigência de uma eficácia mais radical no sistema educativo
guineense, permitindo assim que se desse continuidade a uma tendência já anteriormente
delineada: a inserção da Guiné-Bissau no sistema neoliberal, redefinindo em outro nível
seus laços de dependência.
A desvalorização da educação pós-independência reflete pois, o fato de que o modo
neoliberal se encontra imbuído dentro do modelo econômico guineense, frente a tantos
problemas de pós-independência, a classe política sentia-se comprometida com toda a
sociedade guineense. Tinha consciência que organizar a luta armada por libertação nacional
significava criar ao povo, o mais rápido possível, condições para uma vida livre e de bem
estar social. O que, já naquela época, parcelas da classe dirigente julgavam impossíveis de
alcançar num sistema de caráter econômico liberal e de livre concorrência.
Fato esse, que havia dividido e provocado conflitos dentro do grupo revolucionário
que lutou pela independência do país. Porém, esses, são aa mudanças e estruturas que se
tornaram necessárias, em decorrência deste fato, foram implementadas e consolidadas com
o auxilio do BM para que o país aderisse o modelo econômico neoliberal, a fim de garantir
a durabilidade do sistema. A importância atribuída à educação exigia que uma política
educacional consciente facilitasse o seu funcionamento pleno em todas as instâncias da
sociedade. Isso explica a concepção da educação como investimento na luta contra pobreza
119
proposta do BM, este fato traduzia uma nova forma de colonialidade e de especificidade do
saber e do silêncio nos textos e discursos.
Segundo Orlandi (1999, p.17-94) na análise de discurso a questão que deve ser
respondida não é “o quê”, mas o “como”. Ela não trabalha com os textos como apenas
elementos ilustrativos ou documento de algo que já se sabe; pelo contrário, procura
produzir um conhecimento a partir do próprio texto, porque o vê como tendo uma
“materialidade simbólica significativa”.
Problematizando um pouco mais o significado do silêncio, verificamos que um dos
sinônimos dados à indiferença é apatia, o que significa “ausência”. Dessa forma, no
conceito de indiferença há uma estreita relação entre o discurso e a ação, resultando, como
amálgama, a indiferença: aquela insensibilidade frente a algo que nos deixa parados, em
estado de não-dor, de não-sentir. Somos, assim, remetidos a um apagamento de nossa
sensibilidade, o que nos remete a um estado de silenciamento. Enquanto estado de silêncio,
defrontamo-nos com um silenciamento que faz parte de relações sociais, ou seja, inscreve-
se naquilo que Orlandi coloca como uma “política do silêncio”, com ou sem palavras, este
“silêncio rege os processos de significação” (Orlandi 1995, p.75).
Para Orlandi uma política do silêncio onde as significações e os sentidos do discurso
instalam-se a partir de deslocamentos de silêncio impostos ou não às formações discursivas
constitutivas dos sujeitos e por eles mesmos constituídas. Dito de outra forma, as políticas
do silêncio, são políticas de sentido dos sujeitos e de seus discursos, constituindo-se em
formações discursivas onde o sujeito auto-significa, significado (ibidem, p.63).
Isso vale dizer que a indiferença é como uma forma de silêncio, que se apresenta
pelo não-dito e pelo não-feito, ou seja, pelo expresso através do não-manifesto, a
indiferença também se insere numa política do silêncio. Enquanto relações sociais presentes
ao dito/não-dito, instala um “por-dizer”, entremeio que marca uma presença-ausente ou
uma ausência-presente de discursividade, enquanto linguagem e relações sócio-políticas,
que dá o tom e o sabor do que possa vir a ter significado, delineando uma “política do
120
silêncio”. Essa se define, como afirma Orlandi (ibidem, p.75) “pelo fato de que ao dizer
algo apagamos necessariamente outros sentidos possíveis, mas indesejáveis, em uma
situação discursiva dada”.
Nesse jogo, entre expressividade e relações sociais, manifestam-se formas
recorrentes de ser e estar no mundo, num processo contínuo e muitas vezes conflitante de
construção de linguagens, constituídas também pelo silêncio. Os silêncios contextualizados
têm significados e na qualidade de pesquisador deve explicitar estes silêncios. De acordo
com Orlandi (1995, p.72), “a linguagem é passagem incessante das palavras ao silêncio e
do silêncio às palavras”, gerando um movimento permanente de significações e pluralidade
de sentidos, numa contínua busca de expressividade que se apresenta, muitas vezes, num
claro-escuro, de maneira extremamente cambiante.” (ORLANDI, 1995, pp.63-75).
A feitura do ato colonial, sem dúvida deixa ainda marcas visíveis na sociedade
contemporânea africana. Sua ideologia estava alicerçada no darwinismo social. Para a
dominação ocidental, a humanidade era divisível em categorias hierárquicas, no topo das
quais se encontrava o homem branco ocidental
97
. Subjugadas a este pensamento, grande
parte das sociedades negras por toda África permaneciam imóveis, amoldadas à velha
organização ocidental. Na ligeireza de sua auto-justificação, o homem ocidental, impondo
seu modo de pensar e, amiúde, salvaguardando seus interesses, concebia a civilização
(ARQUIVO PIDE-DGS, 1415, p.25). Este era como uma longa ladeira, ao topo da qual só
as sociedades mais aptas poderiam chegar, acrescentando-se triunfantemente: hão de
desaparecer da face da terra as “sociedades negras que não puderam escalar as ásperas
sendas da civilização”. A salvação estava, pois, reservada àquelas que fossem capazes de
“compreender a beleza e a disciplina e de a ela se sujeitarem”. Em séculos da espoliação do
continente africano estas foram máximas que guiaram o colonialismo ali implantado.
A Europa é - ou sempre foi, conforme Lander (idem, pp.21-53) simultaneamente o
centro geográfico e a culminação do movimento temporal. Nesse período moderno
97
ANT, Arquivo PIDE-DGS, 1415, p.34.
121
primevo/colonial dão-se os primeiros passos na “articulação das diferenças culturais em
hierarquias cronológicas” e do que Johannes Fabian chama de ”a negação da
simultaneidade”. A idéia de uma história da civilização ocidental equivoca a forma de
tratamento relacionada ao continente africano e às suas culturas. Esses se apresentam
ligadas à construção de um conhecimento, cuja gênese remonta ao século XVI quando
surge o racionalismo como método que se consolida mais tarde, entre a segunda metade do
século XVIII e a primeira metade do século XIX, passando a exportar o pensamento
ocidental ao resto do mundo. Integra a constituição de um “saber moderno”, que permeia a
formulação de princípios políticos, éticos e morais, fundamentando os colonialismos
ocorridos nos séculos passados. Suas tragédias prolongam-se até hoje, deixando marcas nas
Ciências Humanas e, em particular, nas Ciências Sociais.
A superioridade ocidental, que desemboca na pretensão de civilizar aos não-
europeus, o que chamavam a raças inferiores ou impuras. Pressupunha-se a necessidade de
que precisavam ser melhoradas; selvagens, ignorantes, primitivos tinham que ser
civilizados através do pensamento ocidental; estes princípios sempre orientaram a
dominação ocidental ao resto do mundo. Walter Mignolo (2003) denominou estas formas
de dominação “subalternização de saberes e conhecimentos” que a modernidade ocidental
continua a reproduzir. Desse modo, é explicitada a ”colonialidade do saber” como um dos
lados não expressos da modernidade ocidental, ou como sua outra face, o que Boaventura
de Souza Santos (2004, pp.16-18) a denomina “epistemicídio”, o que culmina com a
inabilitação de todos os outros não-europeu-ocidentais da capacidade de pensar e, não
poucas vezes, até do direito de ser. O silenciamento da “colonialidade do saber” acabou por
produzir uma tradição seletiva que possibilitou, ao longo do tempo, sua cristalização como
alternativa única àquilo que não passava, inicialmente, de uma seleção de um universo
muito mais amplo de possibilidades. Essa visão, ocidental, que se impõe como verdade
única e inquestionável, termina por excluir outros saberes inscritos tradicionalmente no
tecido social, casa particularmente marcante das Ciências Sociais.
Para finalizar, conforme já apontado antes neste trabalho, a pesquisa relaciona-se ao
fato de eu mesmo ser guineense e entender que uma pesquisa sobre o meu país poderá
122
contribuir para a compreensão de uma possível relação entre os sistemas educacionais
aplicados e os acordos internacionais, nomeadamente o “Projeto Firkidja”. Documentar
aspectos do sistema das políticas educacionais na Guiné-Bissau, pós-independência,
transcende os estreitos limites deste trabalho, forma acervo para futuras pesquisas e
orientações para as políticas públicas. A sociedade está sempre a querer que a educação
mude. Raramente isso foi tão verdadeiro tanto pela parte dos Estados locais, como dos
organismos multilaterais, posição fomentada pelo momento de crise econômica. Os atuais
tempos de competitividade global originam um imenso pânico sobre a maneira como estão
a preparar-se as futuras gerações dos países em desenvolvimento, tendência da qual a
Guiné-Bissau não escapa.
Entretanto, em momentos como esse, julga-se que a educação em geral e
particularmente a educação básica, torna-se aquilo a que Halsey, Heath e Ridge (1980)
chamaram “o cesto de papeis da sociedade”; receptáculo de políticas no qual são
depositados, sem cerimônia, os problemas não resolvidos e insolúveis da sociedade.
No início deste estudo despertou-me a curiosidade o fato de que a educação vinha
passando por um processo de valorização constante, desde a luta armada de PAIGC pela
independência do país, sendo considerado fundamento preponderante para a emancipação
política e também fator estratégico para o desenvolvimento e o fortalecimento da estrutura
econômica e política existente no país.
Já na revisão teórica feita para obter o quadro de referência adequado para análise
histórica da educação contemporânea guineense, os textos demonstraram que, também no
campo conceitual, a educação gradualmente adquire status destacado de importância para a
explicação da dinâmica da produção e reprodução das relações sociais.
A retrospectiva histórica apresentando os três modelos de educação, a que o
trabalho recorreu para indicar os diferentes enfoques dos sistemas educacionais já
implementados, serviu para destacar a evolução do sistema educativo guineense em seus
trinta e cinco anos de história independente. Aponta ainda às mudanças no âmbito da
123
educação, que, ainda que não tenham solucionado o problema no país, foram marcadas por
uma atitude politicamente responsável pelo PAIGC, que se engajou com otimismo ao
enfrentamento do problema.
Após a entrada do BM em cena, essa ideologia trazida do PAIGC, reivindicando
papel primário à educação como suporte para o desenvolvimento do país, fracassou. Agora,
novamente, recorre-se à educação como investimento na luta contra pobreza. Como era
apontado na problemática, não cabia a este trabalho oferecer respostas definitivas às suas
perguntas-guia. Tratava-se, mais, de levantar os problemas, indicando a futuros
pesquisadores ou administradores, que se debrucem sobre o tema, como sendas pelas quais
possam trilhar.
Algumas medidas, entretanto, podem ser apontadas com relação ao tema e cabe aqui
salientá-las: é latente a falta de um trabalho aprofundado sobre o Estado guineense, e sobre
a atuação dos organismos multilaterais, nomeadamente o BM, no país; vontade política e
maior responsabilidade dos governantes no que tange à educação em geral e
particularmente educação básica; moderação das condicionalidades imposta pelos
organismos multilaterais aos países de economias mais vulneráveis, o que implica respeito
à sua soberania, permitindo que aprendam a pescar ao invés de vender-lhes o peixe.
Mais uma vez, realço a grande importância que percebi na realização deste
trabalho. Instigou-me a compreender como realmente atuam os organismos multilaterais,
especificamente o Banco Mundial em suas condicionalidades aplicadas às políticas
educacionais para obtenção dos indispensáveis empréstimos aos países de orçamento em
desequilíbrio. Por corolário, pode-se perceber como as políticas não acertadas dos
organismos multilaterais combinadas com fragilizados Estados nacionais, em especial dos
”países em desenvolvimento”, afetam as economias desses, vista curta esta, causa de
muitos dos problemas sensíveis na educação escolar destes países.
124
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129
8. ANEXOS
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Anexo - II mapa da África
131
Anexo - III mapa da Guiné-Bissau
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