A compreensão fenomenológica do Ser-adolescente com câncer na dimensão do cuidar
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apresentando caráter ontológico do cuidado. A narrativa de Higino relaciona os
elementos que se integram e constituem a existência do Ser.
“
Certa vez, atravessando um rio Cuidado viu um pedaço de terra argilosa:
cogitando, tomou um pedaço e começou a lhe dar forma. Enquanto refletia
sobre o que criara, interveio Júpiter. O Cuidado pediu-lhe que desse espírito
à forma de argila, o que ele fez de bom grado. Como Cuidado quis então
dar seu nome ao que tinha dado forma, Júpiter o proibiu e exigiu que fosse
dado seu nome. Enquanto Cuidado e Júpiter disputavam sobre o nome,
surgiu também a terra (tellus) querendo dar o seu nome, uma vez que havia
fornecido um pedaço do seu corpo. Os disputantes tomaram Saturno como
árbitro. Saturno pronunciou a seguinte decisão, aparentemente eqüitativa:
‘Tu, Júpiter, por teres dado o espírito, deves receber na morte o espírito e
tu, terra, por teres dado o corpo, deves receber o corpo.’ Como, porém, foi o
Cuidado quem primeiro o formou, ele deve pertencer ao Cuidado enquanto
viver. Como, no entanto, sobre o nome há disputa, ele deve se chamar
‘homo’, pois foi jeito de húmus (terra)”. (HEIDEGGER, 2006, parte 2, p. 263-4).
Heidegger (2006) tem compreensão própria de como os seres no mundo,
são cuidados. Em sua forma de pensar, Cuidado possui dimensão ontológica, pois
está na constituição do Ser do humano. Fundamenta-se, assim, nas relações que o
ser humano estabelece com outros Seres-no-mundo, projetando a existência em
decorrência de escolhas que faz para construir o projeto existencial.
Heidegger (2006) reforça a importância de Cuidado como, preocupação
que implica comprometimento do Ser com Ser-no-mundo. Refere-se também à
solicitude, à maneira envolvente do relacionamento com o outro. É essa solicitude e
pre-ocupação que, muitas vezes, estão ausentes na vida em geral, o que repercute
em práticas médicas e no modo de Ser-no-mundo dos profissionais de saúde.
Cuidado, na área de Saúde, e a necessidade de conferir humanização às práticas e
aos profissionais, devem-se à deficiência de atenção ao Ser-no-mundo..
Na visão ontológica, Heidegger faz menções, em Ser e tempo, a dois
modos básicos de Cuidado, caracterizados como essência relacional da existência
humana, intitulados de ocupação e pre-ocupação. Ao denominar ocupação, o
filósofo alemão refere-se à relação de presença com seres simplesmente dados, isto
é, cuidado relacionado com as coisas do mundo, que aparecem à presença no modo
de ser do instrumento à mão. A pre-ocupação fundamenta-se na constituição