Download PDF
ads:
UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ
MESTRADO PROFISSIONAL EM SAÚDE
DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
MARIA JAQUELINE BRAGA BEZERRA
A COMPREENSÃO FENOMENOLÓGICA
DO SER-ADOLESCENTE COM CÂNCER
NA DIMENSÃO DO CUIDAR
FORTALEZA - CEARÁ
2009
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
MARIA JAQUELINE BRAGA BEZERRA
A COMPREENSÃO FENOMENOLÓGICA
DO SER-ADOLESCENTE COM CÂNCER
NA DIMENSÃO DO CUIDAR
Dissertação apresentada ao Curso de
Mestrado Profissional em Saúde da
Criança e do Adolescente do Centro das
Ciências da Saúde da Universidade
Estadual do Ceará, como requisito parcial
para obtenção do título de mestre.
Área de concentração: Saúde da Criança
e do Adolescente.
Orientadora: Profa. Dra. Vera Lúcia
Mendes de Paula Pessoa
FORTALEZA - CEARÁ
2009
ads:
MARIA JAQUELINE BRAGA BEZERRA
A COMPREENSÃO FENOMENOLÓGICA
DO SER-ADOLESCENTE COM CÂNCER
NA DIMENSÃO DO CUIDAR
Dissertação apresentada ao Curso de
Mestrado Profissional em Saúde da
Criança e do Adolescente do Centro das
Ciências da Saúde da Universidade
Estadual do Ceará, como requisito parcial
para obtenção do título de mestre.
Área de concentração: Saúde da Criança
e do Adolescente.
Aprovada em: 16/04/09
BANCA EXAMINADORA
_________________________________________
Profa. Dra Vera Lúcia Mendes de Paula Pessoa
Universidade Estadual do Ceará
(Orientadora)
_________________________________________
Profa Dra Maria Veraci Oliveira Queiroz
Universidade Estadual do Ceará
___________________________________________
Profa Dra Maria Haydeé Augusto Brito
Secretaria de Saúde do Estado do Ceará
DEDICATÓRIA
À minha mãe, que com lições de amor me ensinou a compreender o verdadeiro
valor da vida. Seguindo seu exemplo, aprendi a amar.
Ao esposo Diniz, por seu amor e compreensão que nos momentos mais difíceis
esteve sempre presente manifestando seu companheirismo. Por ter acreditado em
meu potencial e me incentivado em buscar o mestrado. E estar comigo em todos os
momentos, transformando sonhos em realidade.
Aos filhos: Érika e Gabriel, que me possibilitam sempre vislumbrar um novo amanhã.
Aos meus pais (in memoriam), por sempre acreditarem e apoiarem
incondicionalmente em meus projetos de vida.
Aos meus irmãos Júnior, Lúcia, Kennedy e João Batista (in memoriam) por sempre
apoiarem em minhas decisões.
Às minhas tias Helena, Vaéssen, Veríssima que tanto me fortalecem em minha luta
profissional com a presença de suas orações.
Aos meus tios Clarice e Paulo por terem dado impulso inicial na minha vida
acadêmica.
À minha avó materna, Neuza, que sempre esteve presente em meu caminhar.
AGRADECIMENTOS
A Deus, pela proteção e sabedoria concedidas durante todo meu existir neste
mundo e por colocar pessoas tão especiais em meu caminho.
Aos adolescentes, por permitirem descortinar o que, para mim, ainda estava
encoberto.
À minha orientadora, profa. Dra. Vera Mendes de Paula Pessoa, por seu carinho,
confiança, respeito, disponibilidade e dedicação. Pela oportunidade de conhecê-la e
compartilhar comigo seus conhecimentos fenomenológicos. Suas sugestões foram
pertinentes e essenciais na construção deste estudo. A você minha gratidão e
admiração.
Aos professores do curso de Mestrado em Saúde da Criança e Adolescente, por
dividirem comigo o seu saber.
À profa Dra Maria Salete Bessa Jorge e profa Dra Maria Veraci Oliveira Queiroz
participantes de minha qualificação por suas valiosas sugestões.
À enfermeira Isabel Socorro, da enfermaria destinada pacientes portadores de
câncer do Hospital Infantil Albert Sabin, por facilitar o encontro com os adolescentes.
Á amiga Márcia Coelho que muito contribuiu e apoiou desde a minha seleção para o
Mestrado até a realização deste estudo.
À minha amiga e companheira de profissão Débora Arnaud, por seu
companheirismo, amizade, incentivo, disponibilidade, apoio, sua presença constante
em todos os momentos e compreensão durante toda a minha trajetória do mestrado.
À amiga Noeme por seu incentivo, oportunidades de avançar profissionalmente e
sempre acreditar em meu potencial.
SUMÁRIO
1 APROXIMAÇÃO COM O FENÔMENO ..............................................................8
1.1 Descrevendo a problemática ..............................................................................8
1.2 Adolescente com diagnóstico de câncer...........................................................12
1.3 O cuidar do Ser-adolescente com câncer.........................................................15
1.4 A fenomenologia e o cuidado humanizado.......................................................17
1.5 Fenomenologia existencial de M. Heidegger....................................................19
1.6 Resgatando o sentido do Cuidado humano......................................................20
2 PERSPECTIVA TEÓRICA................................................................................25
3 TRAJETÓRIA METODOLÓGICA.....................................................................31
3.1 O método qualitativo como fundamentação da natureza da pesquisa..............31
3.2 Campo e período de investigação ....................................................................31
3.3 Considerações éticas para o desenvolvimento do estudo................................32
3.4 Sujeitos participantes........................................................................................33
3.5 Técnica para obtenção dos discursos...............................................................33
3.6 Organização e análise de discursos .................................................................40
4 A REVELAÇÃO DO SER-ADOLESCENTE .....................................................46
4.1 O Ser-adolescente-com-câncer........................................................................46
4.2 O cuidado do Ser-adolescente-com-câncer......................................................54
5 A COMPREENSÃO FENOMENOLÓGICA DO SER-ADOLESCENTE-COM-
CÂNCER NA DIMENSÃO DO CUIDAR ...........................................................64
6 REFLEXÕES FINAIS........................................................................................68
REFERÊNCIAS.................................................................................................73
APÊNDICE A.....................................................................................................77
APÊNDICE B.....................................................................................................79
RESUMO
Este trabalho foi desenvolvido tendo por base a vivência da pesquisadora com a
complexidade e a realidade do câncer. O adoecimento é um fenômeno de diversos
significados dentro do contexto social. Tratando-se do adoecimento por câncer, que é
considerado uma patologia estigmatizada, cujo tratamento é deveras agressivo, a sua
ocorrência se torna ainda mais impactante, principalmente na adolescência, em virtude das
intensas transformações físicas, biológicas, psicológicas e sociais que acontecem nesta fase
da vida. Tendo por base esta realidade, desenvolveu-se este estudo, através da pesquisa
fenomenológica, na qual se utilizou referencial teórico-filosófico de Martin Heidegger em sua
obra Ser e tempo. O trabalho foi realizado em um hospital público pediátrico de referência
do Estado do Ceará, no período de julho a agosto/08, tendo como principal objetivo
compreender o Ser-adolescente com câncer na dimensão do cuidar. Para obtenção dos
discursos, foram realizadas entrevistas com sete adolescentes com câncer, com as
seguintes questões norteadoras: como tem sido para você estar doente? Qual o significado
dos cuidados recebidos por você neste hospital? As etapas foram organizadas e orientadas
pelas reduções hermenêuticas observando-se os pressupostos fenomenológicos propostos
por Martin Heidegger (2006): posição prévia, visão prévia e concepção prévia. Estas etapas
são constitutivas do processo de compreensão proposto por Heidegger, em que se integram
e se movimentam em torno da compreensão e interpretação. Através da análise dos
discursos, identificaram-se unidades de significados, categorias temáticas e conceitos,
sintetizados em idéias essenciais: Ser-adolescente-com-Câncer e Cuidado do Ser-
adolescente-com-Câncer, obtidas pela redução hermenêutica, com a finalidade de favorecer
a compreensão das falas, e abstrair a essência de cada Ser-adolescente-com-câncer. Como
resultado, o Ser-adolescente, no mundo da hospitalização, passa a lidar com um modo
inautêntico de ser, com expressões de múltiplos sentimentos e formas de enfrentamento,
configurando-se a religiosidade, a família e a co-presença do profissional de saúde como
importantes pontos de apoio na superação da doença. Diante dos resultados apreendidos,
observa-se que é fundamental perseguir o ideal de que as pessoas, principalmente
profissionais da saúde, procurem se conscientizar da importância de maior interação com os
pacientes, como forma de contribuir para a humanização do cuidar.
Palavras-chave: Adolescência – câncer, fenomenologia, humanização
.
ABSTRACT
This work was developed having for base the experience of the researcher with the
complexity and the reality of the cancer. Illness is a phenomenon that can provide different
meanings within a social context. In the case of an illness from cancer, which is considered a
stigmatized disease, whose treatment is very tough, its occurrence in adolescence is even
more impressive because of the intense physical, biological, psychological and social
changes that occur at this phase. Based on this reality, this study was developed with the
main objective of understanding the adolescent-being with cancer and the humanization of
care. For that, the theoretical and philosophical reference developed by Martin Heidegger in
his work “Being and time” was used. The work was carried through in a pediatric public
hospital of reference of the State of the Ceará, in the period of July-August/08, having as
main objective to understand the adolescent-beings-with-cancer in the dimension of taking
care of. To obtain the speeches, phenomenological interviews with seven adolescent-beings-
with-cancer in the process of hospitalization were made with the following guiding questions:
How has it been for you to be ill? What is the meaning of the care received by you in this
hospital? The stages had been organized and guided for the hermeneutic reductions
observing the fenomenológicos estimated ones considered by Martin Heidegger (2006),
previous position, previous vision and previous conception. These stages are constituent of
the process of understanding considered for Heidegger, where if they integrate and if they
put into motion around the understanding and interpretation. Through the analysis of the
speeches, some thematic categories were identified which were summarized in two basic
ideas, called adolescent-being-with-cancer and adolescent-being-with-cancer care. These
were obtained from an hermeneutic reduction which aimed at facilitating the understanding of
the speeches in order to identify the essence of each adolescent-being-with-cancer. As a
result, it was observed that the adolescent-being, when brought to be hospitalized, starts to
behave in an unauthentic way, presenting expressions of multiple feelings and confrontation,
being religion, family and the presence of the health professional important factors of support
to overcome the disease. It was concluded that it is essential to pursue the idea that all
people, particularly health professionals, seek awareness of the importance of greater
interaction with patients, as a contribution to the humanization of care.
Keywords: Adolescence – cancer, phenomenology, humanization.
1 APROXIMAÇÃO COM O FENÔMENO
1.1 Descrevendo a problemática
A problemática do adolescente com câncer exige envolvimento em
inúmeras dimensões. Somente assim é possível aos que a vivencia compreendê-la
em sua plenitude.
O adoecimento faz parte da vida e é permanentemente cercado de
dúvidas e incertezas. É um fenômeno de diversos significados no contexto social,
dependendo do tipo de patologia, de crenças, do conhecimento da enfermidade,
idade, experiência de cada um, enfim, da realidade de cada um, principalmente em
um ambiente hospitalar.
Pelos dados epidemiológicos apresentado pelo Instituto Nacional do
Câncer (INCA, 2007), o aumento dos índices de cura e de sobrevida da criança e
adolescente com câncer ocorre devido ao progresso científico de diagnóstico e
tratamento oncológico. Contudo garantir-lhes boa qualidade de vida, durante a
trajetória de tratamento, é preocupação cada vez maior dos serviços especializados
em oncologia pediátrica.
O câncer é uma patologia que estatisticamente apresenta índice de
mortalidade alto, e, muitas vezes, a cura é uma interrogação. Desta forma, requer
investimentos incisivos em diversas especialidades, objetivando o máximo de
recuperação do paciente, levando em consideração seus limites e enfermidades pré-
existentes. Assim, em virtude de grandes avanços no tratamento do câncer, de
novas cnicas de diagnóstico precoce, de novas modalidades cirúrgicas e inserção
de cuidados paliativos, os percentuais de óbito decrescem. Os avanços de
prognóstico têm possibilitado também o aumento de sobrevida e contribuído para
melhoria na qualidade de vida, mesmo no decurso da doença (INCA, 2007).
Com o câncer pediátrico, o tratamento “[...] é um dos maiores exemplos
de sucesso nas últimas décadas. Essa melhora tem sido atribuída aos avanços
A compreensão fenomenológica do Ser-adolescente com câncer na dimensão do cuidar
9
terapêuticos e aos métodos de diagnóstico precoce, principalmente os registrados
durante a década de 70.” (CAMARGO, 2007, p.27).
Na sociedade em geral, o câncer infantil causa um forte impacto. O seu
tratamento, por ser agressivo, torna esta doença estigmatizada. Além disto, devido a
sua gravidade e repercussões na vida do paciente, principalmente em casos de
crianças e adolescentes, que estão em fase de crescimento e desenvolvimento
psíquico-motor, o câncer torna-se um obstáculo à concretização dos sonhos juvenis.
O estigma da doença, grave e fatal, no passado, sinônimo de morte,
reduz-se à medida que o conhecimento de novas terapias e possibilidades de cura
existe, diante dos avanços científico e tecnológico da ciência.
No entanto, o momento da confirmação de diagnóstico de câncer traz
instabilidade emocional do paciente e família. Diante da informação, as reações são
primeiramente de negação e isolamento, posteriormente de raiva, barganha e
depressão e, finalmente, de aceitação (KUBLER-ROSS, 1996). Com paciente jovem,
principalmente, adolescente, em ambiente hospitalar, a situação requer maiores
investimentos, no que se refere ao desenvolvimento e suporte psicológico.
À medida que avança a assistência em oncologia pediátrica e diante de
novas técnicas cirúrgicas, drogas, inovações tecnológicas de alta complexidade,
surge a necessidade de implementação de protocolos específicos, embasados de
conhecimentos científicos de relevância, que contribuam, de forma benéfica, com
adolescentes portadores de câncer que enfrentam momentos extremamente difíceis,
frente a inúmeros procedimentos a que se submetem freqüentemente.
Conforme INCA (2007), câncer é nome dado a conjunto de mais de 100
doenças que têm em comum o crescimento desordenado (maligno) de células que
invadem tecidos e órgãos, podendo espalhar-se (metástase) para outras regiões do
corpo. Dividindo-se rapidamente, as células tendem à agressão, incontroláveis,
formando tumores (acúmulo de células cancerosas) ou neoplasias malignas.
A compreensão fenomenológica do Ser-adolescente com câncer na dimensão do cuidar
10
Por outro lado, tumor benigno significa simplesmente massa localizada de
células que se multiplicam vagarosamente e se assemelham ao tecido original,
raramente constituindo um risco de vida.
Frente aos avanços dê-se ênfase ao diagnóstico precoce. Vale ressaltar
que, atualmente, pacientes são encaminhados ao centro de tratamento com
doenças em estágio avançado, o que se deve a vários fatores: desinformação dos
pais, medo do diagnóstico, desinformação dos médicos, algumas vezes, relacionado
com as características de determinado tipo de tumor. (INCA, 2007).
Assim, entende-se que o tratamento do câncer começa com o diagnóstico
correto, em que necessidade da participação de laboratório confiável e estudo de
imagens. Pela complexidade, o tratamento faz-se em centro especializado, em três
modalidades principais: cirurgia, quimioterapia e radioterapia, de forma racional e
individualizada para cada tumor específico e de acordo com a extensão da doença.
Conforme trabalho coordenado de especialistas, também é fator
determinante do êxito do tratamento oncologistas pediatras, cirurgiões pediatras,
radioterapeutas, patologistas, radiologistas, assim como membros da equipe
médica, enfermeiros, assistentes sociais, psicólogos, nutricionistas, farmacêuticos.
(INCA, 2007).
Consoante INCA (2007), o tratamento do câncer em si é a atenção dada
aos aspectos sociais da doença, uma vez que a criança está inserida no contexto da
família. A cura não se baseia somente na recuperação biológica, mas também no
bem-estar e qualidade de vida do paciente. o lhe falte, pois, desde o início do
tratamento, o apoio psicossocial.
Conforme o INCA (2007), no que se refere à família é necessário que os
pais estejam alertas para o fato de que a criança não inventa sintomas e que, ao
sinal de alguma anormalidade, levem os filhos ao pediatra para avaliação. É
igualmente relevante saber que, na maioria das vezes, os sintomas relacionam-se a
doenças comuns na infância, o que não deve ser motivo de descarte da visita ao
médico.
A compreensão fenomenológica do Ser-adolescente com câncer na dimensão do cuidar
11
De acordo com dados da Organização Mundial da Saúde (2007), o câncer
é um dos maiores problemas de saúde, com largas variações geográficas em
incidência. Dados de estudos epidemiológicos indicam que, de um milhão de
crianças a14 anos, aproximadamente 130 desenvolvem câncer a cada ano. Nos
países desenvolvidos, o câncer é a principal causa de morte de crianças de 1 a 14
anos.
Segundo o INCA (2007), todo ano surgem entre 12 e 13 mil casos de
câncer em crianças no Brasil. É a terceira causa-morte entre 01 e 14 anos de idade,
por falta de tratamento e diagnóstico a tempo. Além disso, diagnóstico demorado
exige tratamentos mais traumáticos, capazes de deixar seqüelas ou ser preciso
amputação.
O ncer pediátrico representa de 0,5% a 3% dos tumores na maioria
das populações. Internacionalmente, os tumores pediátricos mais comuns são
leucemias, linfomas e tumores do Sistema Nervoso Central. Nos países
desenvolvidos, os linfomas constituem de 7% a 18% das neoplasias pediátricas,
ocupando o terceiro lugar. nos países em desenvolvimento, correspondem ao
segundo lugar, atrás apenas das leucemias. (OMS, 2007).
O câncer pediátrico é a segunda causa de óbito entre 0 e 14 anos, logo
após os acidentes, nos países desenvolvidos. Está se destacando como a mais
importante causa de óbito e isso, talvez, se deva às atuais políticas de prevenção
em outras doenças infantis nos países em desenvolvimento. (CAMARGO, 2007,
p.25).
Segundo dados do Ministério da Saúde (2007), o câncer representa a
quinta causa de óbito de pessoas de 1 a 19 anos no Brasil. Estuda-se
separadamente os cânceres de adultos, por apresentar diferenças importantes em
relação ao local primário acometido, à origem histológica e ao comportamento
clínico.
A compreensão fenomenológica do Ser-adolescente com câncer na dimensão do cuidar
12
Na assistência ao paciente oncológico, cabe ao profissional influenciar, de
forma positiva, benéfica e coordenada, na evolução terapêutica, contribuindo
efetivamente, de forma participativa e educativa, com o objetivo de amenizar o medo
do paciente pelo tratamento. É importante que pacientes com câncer e famílias
tenham a oportunidade de aprender o quanto desejam acerca da doença, tratamento
e controle de qualquer efeito colateral advindo das modalidades terapêuticas do
câncer.
1.2 Adolescente com diagnóstico de câncer.
A adolescência origina-se do latim “adolescere”, que significa idade que
cresce. Assim, pelos critérios da Organização Mundial de Saúde OMS, “a
adolescência está compreendida entre 10 e 19 anos [...]” (BARROS & COUTINHO,
2001, p.3).
As alterações físicas e os momentos de instabilidade emocional fazem
com que o adolescente passe a enfrentar um mundo para o qual não está
preparado. Nesse processo, as mudanças conduzem-no a abandonar a auto-
imagem de criança e a projetar-se na identificação da imagem de adulto.
(ABERASTURY, 2000).
Santos (2005, p. 34), refere “a adolescência como um período que
costuma ser ainda mais confuso para os jovens, pois eles sabem que não são mais
crianças e percebem que ainda não são adultos”.
A adolescência precisa ser compreendida como fenômeno psico-afetivo,
influenciado pelas características históricas, genéticas e pelo mundo familiar e social
que constituem a sua vida.
No adolescer, a puberdade se manifesta, o corpo e a imagem corporal se
modificam, fantasias passam a ser trabalhadas no universo do adolescente e
impulsos e possibilidades se impõem, afetando o comportamento. É também
A compreensão fenomenológica do Ser-adolescente com câncer na dimensão do cuidar
13
período em que as transformações físico-biológicas da puberdade associam-se às
de âmbito psicossociocultural, resultando na formação de novo ser.
A adolescência é um momento essencial do ser humano e, segundo
Ferreira (1998, p.30-33), “as transformações que ocorrem precisam ser analisadas
levando-se em conta o tempo vivido e as circunstâncias que cerceiam ou libertam
o homem para o seu devir”.
Na condição de ente social, o ser humano necessita conviver e interagir
com pessoas. Assim, é fundamental que a atenção e integração resultem ao ser
cuidado maior confiança e esperança no tratamento, dando sustentação ao
processo de cuidar de forma humanizada.
O sucesso da relação terapêutica com o adolescente depende da postura
do profissional, favorecendo ou não a colaboração interpessoal pelo interesse,
atenção e respeito, proporcionando maior confiança no enfrentamento dos desafios
da hospitalização.
Tem-se, porém, que a assistência de saúde ao adolescente,
principalmente na hospitalização, não percorreu o mesmo caminho da produção de
conhecimentos do processo de adolescer. Inclusive, a partir da cada de 80, a
literatura salienta que o conhecimento da adolescência, além de crescer, qualitativa
e quantitativamente, toma outra dimensão, numa visão mais holística e mais
globalizada.
A atividade da pesquisadora como fisioterapeuta, na área de oncologia,
iniciada em janeiro de 2000, tem sido constante desafio, despertando
questionamentos sobre difíceis momentos vivenciados pelas crianças e
adolescentes, desde a confirmação do diagnóstico, durante o tratamento/internação,
até o regresso ao ambiente domiciliar, principalmente no que se refere aos cuidados
paliativos.
O interesse da pesquisadora nesta área advém de experiência pela
assistência às crianças e adolescentes com patologia oncológica, em instituições de
A compreensão fenomenológica do Ser-adolescente com câncer na dimensão do cuidar
14
referência, nas quais atua na unidade de terapia intensiva pediátrica e enfermaria.
No ambiente de trabalho, vivencia a complexidade do câncer na infância e na
adolescência.
O sofrimento de pacientes desperta-lhe diferentes sentimentos que são
reflexos do silêncio que se estabelece entre o profissional e eles, aliados na
impotência ao alívio. A ausência de diálogo com as crianças e adolescentes é,
muitas vezes, o tom dominante de relação fragilizada pela separação da família, dos
amigos, além da interrupção das atividades escolares e do lazer.
Na convivência contínua com pacientes, na esperança de melhor
qualidade de vida, necessidade de reflexão sobre o significado da vida humana e
do cuidado que estimule a busca de respostas mais consistentes e profundas,
dentro do contexto de complexidade crescente em instituições hospitalares.
Diante da complexidade da ação de cuidar, faz-se necessário que o
profissional de saúde conheça suas potencialidades e limitações que precisam ser
superadas e, ao mesmo tempo, conscientize-se de que não é onipotente e infalível.
É primordial que, nas atividades hospitalares, saiba de sua missão: cuidar da vida de
seres humanos fragilizados pela doença.
Hoje, uma profunda crise de humanismo na área de saúde, em
decorrência da explosão da tecnologia, pelo que se deixa ao lado a valorização do
paciente como pessoa humana, ou seja, vulnerada na doença, não é considerado o
centro das atenções e instrumentalizada em função de determinado fim: lembrar que
o paciente tem dignidade e clama por respeito e atenção ao tão esquecido, por
vezes, cuidado
1
.
A humanização em saúde pressupõe considerar a essência do Ser,
respeito à individualidade e a necessidade da construção de espaço concreto nas
instituições de saúde que legitime o humano das pessoas envolvidas. Para tanto, o
cuidar humanizado implica compreensão do significado da vida, capacidade de
1
Cura ou cuidado significa um fenômeno ontológico-existencial básico que também em sua estrutura não é
simples. HEIDEGGER, 2004, p.261.
A compreensão fenomenológica do Ser-adolescente com câncer na dimensão do cuidar
15
percepção e compreensão de si mesmo e do outro, no mundo, sujeito da própria
história.
Segundo pesquisas do Ministério da Saúde (2007) em usuários do SUS -
Sistema Único de Saúde, o avanço científico, a utilização de sofisticados aparelhos
de diagnóstico, técnicas cirúrgicas avançadas e desenvolvimento de ações
preventivas não vêm sendo acompanhadas de atendimento humanizado. Por essa
razão, o Ministério da Saúde objetiva, por meio de programas, estabelecer
condições de melhoria de contato pessoal entre pacientes, no atendimento humano
e solidário.
Humanização compreende atenção integral no indivíduo, família e
equipes multidisciplinares, em unidades de saúde, domicílio e na própria
comunidade. É o propósito constante dos profissionais de saúde, principalmente, de
oncologia pediátrica. (GALLIAN, 2007).
Existem idéias preconcebidas e falsas sobre o câncer e como os
pacientes vivem e convivem com a doença, resultando em clima de medo da
doença, o que contribui com o temor do tratamento. Situações como esta,
comprometem o sucesso do tratamento. As falsas idéias também fazem parte do
imaginário de pessoas da equipe. Pelo visto, são fundamentais novos trabalhos e
estudos de compreensão do adolescente com câncer.
1.3 O cuidar do Ser-adolescente com câncer.
O cuidado do adolescente com câncer é resultante de particularidades
inerentes ao processo evolutivo da doença, de inúmeros procedimentos diagnósticos
invasivos e de alterações psicológicas que exigem do fisioterapeuta atendimento
diferenciado e protocolo flexível, condizente com situação e necessidades.
O fisioterapeuta prepara-se para assistir o paciente, que traz consigo
bagagem sociocultural, laços afetivos e vínculos familiares. Quando necessário
ajuda-o a conviver com a doença e a dor, além de proporcionar-lhe apoio emocional.
A compreensão fenomenológica do Ser-adolescente com câncer na dimensão do cuidar
16
Sobre o aspecto bioético da assistência ao paciente oncológico, em especial ao
adolescente com câncer, o fisioterapeuta reflete sobre sua conduta, principalmente
na de pacientes em longos processos, muitas vezes, associados às dores e
sofrimentos, que requerem cuidados paliativos.
Para compreender a doença, o profissional da saúde, primeiramente,
interessa-se pela totalidade de vida do paciente, inclusive, segundo Volich (2000,
p.238), “[...] inclinando-se para ouvi-lo e para examiná-lo", o que significa uma
reverência e respeito com o ser enfermo.
A fisioterapia não foge da tônica, pois a multicausalidade intrínseca, no
adoecimento, não permite, pelo menos teoricamente, visão apenas tecnicista ou
baseada em conceitos teóricos e biológicos. Diante disso, inspirado em Silva (2002),
diz-se que a comunicação é parte do tratamento do paciente, e a conversa, muitas
vezes, é o remédio.
Assim, a fisioterapia e o cuidar associam-se: o contato, atenção e
comunicação que são premissas básicas do processo de tratamento em fisioterapia.
É também sinônimo de cuidado. “Ao lidar com traumas e doenças incapacitantes, o
fisioterapeuta se posiciona como profissional clínico de linha de frente do esforço
reabilitador. O paciente geralmente leva mais tempo e está mais intimamente
envolvido com o terapeuta em particular do que com a maioria. dos outros
profissionais de saúde. Consequentemente, o terapeuta está mais apto a notar e a
efetuar mudanças nos problemas emocionais de um determinado paciente.
(SULLIVAN e SCHMITZ, 2004, p.34-35).
Tal responsabilidade despertou: interesse e motivação na pesquisadora
em aplicar conhecimentos de humanização e cuidados em oncologia pediátrica. No
dia-a-dia de trabalho, depara-se com determinados procedimentos de profissionais
que suscitam inquietações, inacessibilidade à terapêutica da dor e mecanicismos de
cuidados fisioterapêuticos com adolescentes com câncer. Nessa realidade,
apresenta-se proposta de estudo, que visa compreender o adolescente com câncer.
A compreensão fenomenológica do Ser-adolescente com câncer na dimensão do cuidar
17
De outra forma, considerando que o fisioterapeuta, no exercício das
atividades profissionais, mantém vínculo próximo com o paciente e, em particular,
com adolescentes com câncer, há necessidade de subsídios à organização de
assistência multiprofissional, para contribuir com assistência mais humanizada.
Nessa perspectiva, humanização de atendimento em saúde e de promoção de bem-
estar, o cuidado fisioterapêutico, a cada dia, conquista espaços de relevância e
reconhecimento social, proporcionando ao fisioterapeuta desempenhar importantes
funções no contexto.
O fisioterapeuta, profissional integrante de equipe multidisciplinar,
mantém, em sua prática, enfoque global do paciente com câncer, em busca de bem-
estar físico e emocional. O toque no atendimento, a escuta, o olhar atentivo
contribuem com benefício à resposta ao tratamento. A escuta atenta vai além das
palavras, do conteúdo, do tom de voz, de reticências, do silêncio, e envolve olhar,
movimento das mãos e postura.
Diante do que foi descrito e acerca dos adolescentes portadores de
câncer, em internação hospitalar, o estudo teve como objetivo compreender o Ser-
adolescente com câncer na dimensão do cuidar. A proposta tem como relevância
melhorar a qualidade do atendimento hospitalar aos adolescentes com diagnóstico,
à medida que contribui na possibilidade de melhorar o assistencial.
1.4 A fenomenologia e o cuidado humanizado
Na tentativa de compreender ou identificar características da pessoa
humana, faz-se necessário lançar mão de etapas além da observação somente da
aparência: é preciso buscar a essência, caracterizando os fenômenos que, direta ou
indiretamente, influenciam no comportamento do Ser ontológico. Desta forma, é
fundamental a criação de caminho para compreensão dos fenômenos, pois,
somente assim, é possível o alcance do sentido das coisas.
O filósofo Edmund Husserl (1859-1938) deixou importante contribuição à
ciência, com novo método, na tentativa de sobrepor os existentes, cuja característica
A compreensão fenomenológica do Ser-adolescente com câncer na dimensão do cuidar
18
precípua está na busca do significado fundamental do que se investiga ou se
interroga na essência: a fenomenologia.
O método fenomenológico enseja compreender a manifestação das
coisas, não se limitando à relação causa e efeito, isto é, trata-se de método que
procura ir às coisas mesmas. No desenvolvimento do método, os fenômenos
observam-se aproximados quantas vezes necessárias, em todos os sentidos,
andando em volta de
2
. Para tanto, a fenomenologia reflete, questiona, busca as
bases na orientação da compreensão do homem frente ao processo de
desenvolvimento.
Pokladek (2002), em Cuidar do humano, escreve que, para a
fenomenologia, o inacabado
3
não é compreendido como defeito, fracasso ou
caminho sem direção, ao contrário, é ponto de partida que voltas ao redor de si,
com rigor, e ao mesmo tempo, com flexibilidade, empenhando-se em conhecer “o
sentido do ser na sua existência”, sendo o “corpo vivido” considerado unidade de
“sentido que vai crescendo em espiral”, distinto da unidade considerada nas
Ciências Naturais como corpo-objeto-estruturado (p.35).
A autora supracitada considera que percepção interior tem reciprocidade
entre percepção exterior e, ao tentar apreender a essência do Ser, precisa um olhar
compreensivo, manifestado pelo envolvimento na própria historicidade, revelada na
composição do modo de ser com particularidades pela exposição corporal.
Considerando o significado do termo fenomenologia no sentido lato, faz-
se necessário definir fenomenologia existencial, conforme M. Heidegger, na sua
obra Ser e tempo, de 1927, porquanto o autor é a principal referência teórica deste
trabalho.
2
A expressão é utilizada por Martin Heidegger em sua obra Ser e tempo (2ª ed., 2006) que traz consigo a idéia
de que a percepção de algo como algo exige do observador uma aproximação e que não se restrinja apenas ao
aparente.
3
Inacabado por ser a observação na Fenomenologia uma ação dinâmica e não definitiva.
1.5 Fenomenologia existencial de M. Heidegger
A obra de Heidegger faz a análise existencial do homem, em que se
revelam modos de ser da pessoa humana, essência, sentido do ser e de sua
existência, caracterizando e conceituando o que o autor chama de presença, Ser-aí
ou Dasein. Pois tal como referido por Pokladek (2002, p.64) “A fenomenologia como
método recoloca o homem na condição existencial, buscando compreendê-lo na
facticidade aceitando, como modo constitutivo de ser-no-mundo, o caráter de
mutabilidade e relatividade, enfim, a fluidez do seu existir”.
As experiências vividas pela presença como Ser-no-mundo
compreendem-se no âmbito do ôntico e do ontológico. O ôntico volta-se para
diferentes modos do Ser, sua existência, identidade, ou seja, tudo o que se percebe
de imediato e evidente. O ontológico refere-se ao estudo do fundamento que orienta
o Ser, na maneira de agir e se comportar, caracterizado pela manifestação do Ser,
pela essência da presença, que significa o “eu” interpretado existencialmente. De
acordo com as concepções de Heidegger (2006, p.77):
“A fenomenologia é a ciência do ser dos entes é ontologia. Ao esclarecer
as tarefas da ontologia, surgiu a ontologia fundamental, isto é, o ente dotado
de um privilégio ôntico-ontológico e, que possui como tema a presença, que
é um ente privilegiado por ser considerado o único ser que se questiona e,
portanto, o único caracterizado pela capacidade de perguntar e responder
às perguntas”.
Heidegger (2006) enumera ainda uma série de características ontológicas
da existência do homem, ditas existenciais. Uma das características ontológicas
mais importantes da presença é a constituição enquanto ser-no-mundo (in-der-Welt-
sein), ou seja, o traço fundamental da sua existência é o fato de ser-no-mundo, ser-
com as demais co-presenças, além de ser-com os objetos simplesmente dados.
Na concepção de Heidegger (2006), a presença, designada ser-no-
mundo, relaciona-se com Ser na compreensão de estrutura essencial, possibilitando
a visão penetrante da espacialidade existencial. A co-presença refere o Ser em
direção aos outros. Nessa espacialidade, a co-presença se abre ontologicamente
A compreensão fenomenológica do Ser-adolescente com câncer na dimensão do cuidar
20
para a presença e para co-presentes, haja vista ser a condição de ser-com
caracterizada pelo sentido ontológico-existencial.
1.6 Resgatando o sentido do Cuidado humano
Etimologicamente, do latim, cuidado significa cura. Na sua forma mais
antiga, cura se escreve coera, utilizada em contexto de relação de amor e amizade,
expressando atitude de preocupação e de inquietação pela pessoa amada ou por
objeto de estimação (BOFF, 2004).
Sobre cuidado, considera-se que, na origem, a medicina ocidental é uma
ciência essencialmente humanística, referenciada na filosofia e na natureza, com
visão holística que reconhece o homem como ser dotado de corpo e alma. O
profissional médico era um humanista, sábio que, ao dar o diagnóstico, fazia a
análise do Ser como um todo, levando em consideração não somente os aspectos
da doença em si, mas também familiares, ambientais, psicossociais, até mesmo
espirituais. (GALLIAN, 2007).
Diante dos avanços do diagnóstico, da terapêutica medicamentosa e do
desenvolvimento tecnológico, a atuação dos profissionais de saúde, em geral,
transformou-se radicalmente. Neste sentido, a prática da arte de curar passa a ser
encarada como visão essencialmente biológica, deixando de lado o caráter
eminentemente humanístico. Assim, o Ser passou a ser visto como portador de
doenças, com sinais e sintomas, e não como unidade biopsicossocial e espiritual, ou
seja, passou a ser encarado de forma tecnicista.
Martin Heidegger, filósofo do cuidado, mostra em Ser e tempo, que
realidades tão fundamentais como o querer e desejar, enraizam-se no cuidado
essencial, exercendo, assim, estrutura do cuidado como dimensões ontológicas do
humano.
Ainda em Ser e tempo, Martin Heidegger menciona a famosa fábula do
filósofo romano Higino, que define exatamente o ser humano como Ser-de-cuidado,
A compreensão fenomenológica do Ser-adolescente com câncer na dimensão do cuidar
21
apresentando caráter ontológico do cuidado. A narrativa de Higino relaciona os
elementos que se integram e constituem a existência do Ser.
Certa vez, atravessando um rio Cuidado viu um pedaço de terra argilosa:
cogitando, tomou um pedaço e começou a lhe dar forma. Enquanto refletia
sobre o que criara, interveio Júpiter. O Cuidado pediu-lhe que desse espírito
à forma de argila, o que ele fez de bom grado. Como Cuidado quis então
dar seu nome ao que tinha dado forma, Júpiter o proibiu e exigiu que fosse
dado seu nome. Enquanto Cuidado e Júpiter disputavam sobre o nome,
surgiu também a terra (tellus) querendo dar o seu nome, uma vez que havia
fornecido um pedaço do seu corpo. Os disputantes tomaram Saturno como
árbitro. Saturno pronunciou a seguinte decisão, aparentemente eqüitativa:
‘Tu, Júpiter, por teres dado o espírito, deves receber na morte o espírito e
tu, terra, por teres dado o corpo, deves receber o corpo.’ Como, porém, foi o
Cuidado quem primeiro o formou, ele deve pertencer ao Cuidado enquanto
viver. Como, no entanto, sobre o nome disputa, ele deve se chamar
‘homo’, pois foi jeito de húmus (terra)”. (HEIDEGGER, 2006, parte 2, p. 263-4).
Heidegger (2006) tem compreensão própria de como os seres no mundo,
são cuidados. Em sua forma de pensar, Cuidado possui dimensão ontológica, pois
está na constituição do Ser do humano. Fundamenta-se, assim, nas relações que o
ser humano estabelece com outros Seres-no-mundo, projetando a existência em
decorrência de escolhas que faz para construir o projeto existencial.
Heidegger (2006) reforça a importância de Cuidado como, preocupação
que implica comprometimento do Ser com Ser-no-mundo. Refere-se também à
solicitude, à maneira envolvente do relacionamento com o outro. É essa solicitude e
pre-ocupação que, muitas vezes, estão ausentes na vida em geral, o que repercute
em práticas médicas e no modo de Ser-no-mundo dos profissionais de saúde.
Cuidado, na área de Saúde, e a necessidade de conferir humanização às práticas e
aos profissionais, devem-se à deficiência de atenção ao Ser-no-mundo..
Na visão ontológica, Heidegger faz menções, em Ser e tempo, a dois
modos básicos de Cuidado, caracterizados como essência relacional da existência
humana, intitulados de ocupação e pre-ocupação. Ao denominar ocupação, o
filósofo alemão refere-se à relação de presença com seres simplesmente dados, isto
é, cuidado relacionado com as coisas do mundo, que aparecem à presença no modo
de ser do instrumento à mão. A pre-ocupação fundamenta-se na constituição
A compreensão fenomenológica do Ser-adolescente com câncer na dimensão do cuidar
22
essencial de existência como Ser-com. Dá-se, então, relação de respeito, que leva
em consideração originalidade do outro manifestada no inter-relacionamento.
O vínculo de cuidar e a compreensão da pessoa, em sua peculiaridade
existencial e originalidade de ser caracterizam, a forma de humanizar o cuidado. A
qualidade da relação do profissional da saúde e paciente implica compreensão do
significado da vida, capacidade de percepção e compreensão de si mesmo e do
outro.
Cuidado humanizado renasce nas relações profissionais, não
fundamentadas apenas no tecnicismo exagerado, também na aplicação de cuidado
como pre-ocupação, na qual a relação entre profissional e paciente ultrapassa os
limites da causalidade em busca de olhar menos tecnicista. A fisioterapia como
ciência curativa, sustentada por paradigma mecanicista de mundo, desenvolve-se
como ciência cujo objetivo primordial é a reabilitação.
A prática do cuidar fisioterapêutico precisa ser repensada, no rompimento
do paradigma tecnicista dominante, presente atualmente em grande parte dos
atendimentos hospitalares. Para tanto, é preciso que haja conscientização dos
envolvidos na mudança, por ser processo extremamente complexo que necessita de
dedicação e atenção destinadas à natureza humana, de forma que se aplique
continuamente de forma abrangente o aprendizado referente a cuidados da saúde.
Isso exige quebra de paradigmas que orientam as relações interpessoais,
na atualidade, calcadas no individualismo e hedonismo: neste, por se tratar de
doutrina que tem o prazer individual e imediato como único bem possível, princípio e
fim da vida moral, ou seja, caracteriza-se como ética humanística; naquele, por ser,
com o materialismo moderno, forma atual de hedonismo. Nesse contexto, o
hedonismo considera que o certo é o que é agradável, e para a vida cheia de
sentido e significado, o indivíduo busca, acima de tudo, o que prazer ou
felicidade
4
.
4
Notas de aulas do seminário de leitura comentada sobre a obra “Ética” (Cortina, 2005), coordenado pelo Prof.
Rui Verlani.
A compreensão fenomenológica do Ser-adolescente com câncer na dimensão do cuidar
23
Assim, é de extrema importância compreensão acerca do significado de
Cuidado, pela descrição reflexiva do cuidar fisioterapêutico, sob ótica humanista e
crítica, desvinculada de restrições impostas pela valorização exacerbada da técnica.
Nas diversas especialidades da saúde, existem profissionais que mantêm
contato direto e prolongado com o Ser que necessita de cuidado, em cuja descrição
é prudente citar o fisioterapeuta que, no atendimento fisioterapêutico, desenvolve
relação de confiança e respeito mútuo com o paciente. E, pela proximidade, o
profissional é capaz de observar precocemente conquistas, complicações ou perdas
pelo adoecimento.
Com o atendimento, muitas vezes, de 30 minutos, desenvolve-se relação
de confiança. Devido ao contato, o fisioterapeuta observa precocemente as
conquistas, complicações ou perdas inerentes ao tratamento oncológico e/ou
patologia, ao se manifestarem. O cuidado da fisioterapia, em paciente com
patologias crônicas e incapacitantes, como oncologia, é fundamental para a
qualidade de vida de pacientes, com respeito às suas limitações.
Na maioria das vezes, no atendimento do fisioterapeuta ao paciente, faz-
se questionamentos acerca de angústias, insegurança. Nesse momento, é
imprescindível fisioterapeuta preparado, com postura ética, para com a equipe
multidisciplinar, oferecer uma estratégia de tratamento humanizado.
Por ser a fisioterapia especialidade que raramente aborda a necessidade
de assistência aos pacientes com câncer, na realidade, traz benefícios aos
pacientes submetidos a longo tratamento, necessitando, assim, de atenção e
cuidados especializados, na prevenção de complicações pulmonares, circulatórias,
linfáticas e ósteo-musculares. São imprescindíveis pesquisas relacionadas ao
desenvolvimento de cuidar fisioterapêutico em oncologia, beneficiando o paciente
em toda sua trajetória de tratamento, em virtude da deficiência e escassez de
publicações sobre cuidar fisioterapêutico em cancerologia.
Em referência a cuidado individualizado, é necessário considerar o Ser
em particular. Ser fisioterapeuta, não é somente dominar técnicas para melhorar
A compreensão fenomenológica do Ser-adolescente com câncer na dimensão do cuidar
24
patologias, mas é também, sobretudo, contribuir com soluções para os problemas
psicossociais. Desta forma, o fisioterapeuta deve ter sempre em mente que o
paciente é um fenômeno complexo, que precisa ser compreendido em plenitude e
não apenas o aspecto físico-funcional.
Na graduação, os acadêmicos de fisioterapia recebem orientações
biotecnológicas e normalmente demonstram interesse em técnicas que utilizam
aparelhos terapêuticos, em detrimento do toque como recurso fisioterapêutico.
Acredita-se, assim, ser o momento de a graduação estabelecer conexões que
contribuam para a formação de profissionais que promovam a saúde assegurando a
integralidade do atendimento aos pacientes, melhorando, em decorrência, a
qualidade pela humanização.
Conclui-se que a atuação de profissionais fisioterapeutas concentra-se,
em geral, em ação mecanicista, tecnicista e, muitas vezes, reduzida apenas à
patologia, sem vê o indivíduo na totalidade. Contudo o ideal é conhecer o paciente, o
que significa compreender o ser humano em toda a complexidade. O fisioterapeuta
que se concentra até hoje na visão tecnicista, e na lida direta com o paciente,
necessita de mudança de paradigma.
Com paciente, em fase de adoecimento, o fisioterapeuta toma
consciência de que, à aproximação do fenômeno Cuidado, evidencia o Ser em
determinado tempo e espaço existencial.
Nessa ótica, o cuidado se manifesta como possibilidade de pre-ocupação
do Ser. Ao aproximar-se do Ser adolescente com câncer, o cuidado envolve a
disposição e solicitude. Na percepção de Heidegger, o Ser-aí é o ser que
compreende o próprio ser e outro Ser-no-mundo na existencialidade.
Em suma, o cuidado de pacientes, em especial de adolescentes com
câncer, implica na postura mais atentiva e uma sensibilidade de olhar o paciente na
totalidade. Desta maneira, é imperativo que o profissional fisioterapeuta assuma o
cuidado com o olhar voltado para o ser pessoa.
2 PERSPECTIVA TEÓRICA
De acordo com Bargui e Leite (1997, p. 81), para haver conhecimento, é
imprescindível relação entre sujeito conhecedor e objeto a ser conhecido. Não se
concebe conhecimento sem relação entre o sujeito e o objeto. Nesse sentido, na
história da humanidade, as teorias do conhecimento têm dado importância a dois
pólos de forma alternada, subjetivas ou objetivas, de acordo com o aspecto
privilegiado. Para os autores, “essa busca de uma resposta mais completa para a
origem do conhecimento é que tem permitido ao homem aprofundar-se na
compreensão do mundo.”
Na evolução das ciências, demonstra-se aprendizado decorrente de
busca incessante do desconhecido, num aprofundamento racional e compreensivo
dos fenômenos e da produção de conhecimento. Nessa visão, define-se que o
método não é conclusivo, mas que se constrói constantemente, no desenvolvimento
do processo.
Nessa perspectiva, destaque-se Morin (2003, p.18), quando traz “método
como caminho, ensaio gerativo e estratégia para o pensamento”. todo como
atividade pensante do sujeito, não abstrato, Ser capaz de aprender, inventar e criar
em seu caminho. Essa perspectiva expressa concepção mais ampla do todo,
modo menos estático e mais estratégico, aberto às mudanças e atento aos
imprevistos intrínsecos à formulação epistemológica.
O século XIX caracterizou-se pela revolução epistemológica.
Aproximadamente na primeira metade, Augusto Comte (1851) formula o positivismo,
em que exalta a observação dos fatos e afirma que a realidade constitui o que
nossos sentidos percebem, ou seja, a explicação ou teoria acerca de um fenômeno
traduz-se de forma a ser observada e testada empiricamente, utilizando-se de lógica
e matemática. (RIBEIRO, 2003).
No final do século XIX, tem-se o positivismo, de um modo geral, como
único método válido de conhecimento do mundo, aplicado em todos os ramos da
A compreensão fenomenológica do Ser-adolescente com câncer na dimensão do cuidar
26
atividade humana. O positivismo, que na matéria (objeto) o princípio supremo,
defende a idéia de que todo conhecimento é obtido pela experiência factual, e este
se deve orientar pela certeza e exatidão. Do ponto de vista científico é o que podia
ser mensurado, experimentado (em laboratório). Desta forma, para o saber ser
considerado status científico, deve ser submetido a condições.
Dessa forma, o positivismo contribuiu muito para o conceito de ciência
ligado intrinsecamente à objetividade e neutralidade. A partir de então, define-se o
método quantitativo, em que a realidade é objetiva, independente do pesquisador,
utilizando-se a linguagem formal e matemática.
Neste contexto, Comte (1857), defende a unidade das ciências. Nesta
perspectiva, o objeto de estudo das ciências humanas encara-se da mesma forma
que o das ciências naturais, havendo assim, extensão do método positivista ao
campo de humanidades. E, de fato, isso ocorreu. As Ciências Humanas, em sua
transitoriedade, recorrem ao paradigma quantitativo para conseguir status de
ciência. Foi expoente dessa atitude Émile Durkheim (1885), sociólogo francês, que
adotou viés positivista em pesquisas sociológicas. (GIALDINO, 1993)
Entretanto, ainda no século XIX surgem as primeiras contestações à
objetividade e à neutralidade científica (dissociação completa do objeto e do sujeito
do conhecimento) e a aplicação do positivismo nas Ciências Humanas. Começaram
várias críticas acerca do modelo quantitativo, em certas pesquisas da área Social.
Como observar a consciência humana e estabelecer leis precisas e universais para
a mesma? Como tornar o ser humano objetivo, se é por natureza subjetivo? Como
quantificar as emoções e sentimentos humanos? Em função dos questionamentos,
não foram possíveis resultados satisfatórios em estudos de Ciências Sociais, pelo
modelo quantitativo.
Em 1883, o filósofo e historiador Wilhelm Dilthey publica um livro
fundamental para a pesquisa sobre a epistemologia das Ciências Humanas:
Introdução ao estudo das ciências do espírito: ensaio sobre o fundamento do estudo
da sociedade e da história. Dilthey concebe uma epistemologia autônoma, pela
necessidade de fundamentação exterior às ciências naturais, aproximada de
A compreensão fenomenológica do Ser-adolescente com câncer na dimensão do cuidar
27
questões do espírito. Dado o momento, as ciências começam a esboçar os
contornos de novo mundo intelectual. No percurso, evidencia-se o surgimento da
hermenêutica como método essencial das ciências humanas.
Para tanto, Dilthey tem a hermenêutica como método comum das
ciências humanas e como fundamento da teoria geral das disciplinas. Nesse
momento, fixa-se a idéia de centralizar os debates metodológicos nas ciências
humanas; ou seja, diferentemente do método das ciências naturais, eminentemente
explicativo, o das ciências humanas é compreensivo: a natureza explica-se e a vida
do espírito compreende-se.
Na primeira metade do século XX, surge a “Escola de Frankfurt” com a
teoria crítica em oposição ao positivismo. Segundo os intelectuais, a ciência
tradicional se afasta da realidade, por adotar simplesmente a filosofia cartesiana,
não levando em conta a gênese social dos problemas nem suas situações
concretas. Atacam a ilusão da isenção científica e da objetividade. Assim, o sujeito
da pesquisa está inserido na história e no contexto social, o que afetar o resultado
da pesquisa (GIALDINO, 1993). Na Europa, observa-se o movimento de evidente
reação ao positivismo em três países: Itália com o idealismo, na França com a
corrente do espiritualismo e na Alemanha com a fenomenologia.
O positivismo perde espaço no final da Segunda Guerra, no momento em
que a ciência começa a trabalhar com situações inobserváveis, como a estrutura do
átomo. O próprio conceito de ciência começa a ser revisto, assim como sua
infalibilidade. As idéias da “escola de Frankfurt” voltam à tona, na década de 60, quando
o filósofo Thomas Kuhn (1978) questiona a objetividade e a racionalidade da ciência.
Assim, as metodologias qualitativas se intensificam (usadas na psicologia e sociologia),
agora se fala de paradigma qualitativo que se oe ao quantitativo (GIALDINO, 1993).
No panorama de valorização dos aspectos qualitativos da experiência
humana, a fenomenologia firma-se como método que entende qual a origem mais
profunda de um fenômeno. Para chegar ao entendimento, é necessário o saber
histórico, presente na originária relação ontológica com o Ser, que caracteriza uma
A compreensão fenomenológica do Ser-adolescente com câncer na dimensão do cuidar
28
interpretação transcendental e é uma forma de conhecimento revelativo, ontológico,
histórico e pessoal. (PAREYSON, 2005).
Segundo Edmund Husserl, para compreender os fenômenos, traça-se o
caminho, com o significado de método, que grego, meta (para) + odos (estrada). A
necessidade de percorrer caminho constitui característica da história da filosofia
ocidental, isto é, caminho para chegar à compreensão do sentido das coisas, uma
possibilidade humana (BELLO, 2006).
A forma de trazer o acontecimento na consciência é a evidência, que o
fato não é somente visualizado, distante e inadequado, também próximo do Ser, de
tal maneira que quem julga tem dela consciência imanente. A esse respeito, Husserl
(2001, p.29-30) destaca que:
“Na evidência, no sentido mais amplo desse termo, temos a experiência de
um ser e de sua maneira de ser; é portanto nela que o olhar de nosso
espírito alcança a coisa em si. [...] A vida cotidiana, para seus fins variáveis
e relativos, pode contentar-se com evidências e verdades relativas. a
ciência quer verdades válidas de uma vez por todas e para todos,
definitivas, partindo de verificações novas e finais....A ciência não consegue
construir um sistema de verdades’absolutas’, se precisa o tempo todo
modificar as verdades adquiridas, ela obedece no entanto, à idéia de
verdade absoluta de verdade científica, e tende por ir para um horizonte
infinito de aproximações que convergem todas para essa idéia.”.
Na evidência, o Ser ou a determinação de coisa capta-se pelo espírito do
modo, “ela mesma”, com a certeza absoluta de que o Ser existe, certeza de que
evolui qualquer possibilidade de dúvida. No entanto, a evidência não exclui a
possibilidade de o objeto tornar-se, em seguida, objeto de dúvida; o Ser pode
revelar-se simples aparência. A experiência sensível fornece muitos exemplos.
Deve-se a Husserl o conceito de evidência que o passo decisivo na
história da filosofia, em direção às coisas mesmas, pois o filósofo estabelece o
princípio não dogmático de separação entre diferentes regiões ontológicas.
Para ir além de Husserl, o filósofo Martin Heidegger opõe-se à
fenomenologia eidética de Husserl e à distinção entre fato e essência, sobre que
repousa exigência paradoxal e propõe que se pense a fenomenologia como um
A compreensão fenomenológica do Ser-adolescente com câncer na dimensão do cuidar
29
instrumento e método de acesso às manifestações das coisas mesmas,
principalmente ao fenômeno que constitui sentido e manifestação dos entes.
Desta forma, a necessidade de percorrer o caminho para chegar à
compreensão do sentido das coisas. Neste contexto, Heidegger apresenta o que
vem a ser o método fenomenológico da investigação em Ser e tempo. O método
fenomenológico faz ver o que se esconde pelo fenômeno trazendo à luz o que está
na sombra, ou seja, o ser do ente. A fenomenologia é considerada por Heidegger
ontologia, pois possibilita o estudo do ser, como ele se mostra ao mesmo tempo, em
que estabelece a diferença entre ente e Ser. (HEIDEGGER, 2004, p. 65).
Nesse contexto, o método fenomenológico não se preocupa com
resultados objetivos, mas sim interpreta a subjetividade das respostas, mediante
possíveis significados existenciais. Propõe descrever fatos e não a realidade em si.
A hermenêutica complementa o processo de descrição da fenomenologia,
preocupando-se com a interpretação. Portanto “o questionamento de Heidegger é
oposto ao de Husserl, por empreender a interpretação do Ser, verdade e história
pela temporalidade absoluta. Para o filósofo o que o Ser significa terá de ser
determinado a partir do horizonte do tempo.” (GADAMER, 1997, p. 385).
De acordo com Pareyson (2005), o existe outra forma de conhecimento,
senão a interpretação. A originária relão ontológica é necessariamente hermenêutica
e de caráter ontológico. O princípio fundamental da hermenêutica é a interpretação que
manm a verdade como única e se multiplica em formulações.
Entretanto, em virtude da interpretação, a unicidade da verdade e a
multiplicidade de suas formulações o são apenas compatíveis, mas também co-
essenciais, em busca do verdadeiro significado. “O caráter da interpretação
hermenêutica é considerado um processo interminável que requer um contínuo e
incessante aprofundamento, por considerar ser um processo de alcance ontológico.”
(PAREYSON, 2005, p.84).
A hermenêutica fundamenta-se na compreensão guiada pela consciência
metódica objetiva. Não admite antecipações, mas, antes, empenha-se em torná-las
A compreensão fenomenológica do Ser-adolescente com câncer na dimensão do cuidar
30
conscientes para controlá-las e ganhar, assim, compreensão correta pelas próprias
coisas. Assegurar, segundo Heidegger, o científico na elaboração de posição
prévia, visão prévia e concepção prévia, a partir das coisas, elas mesmas
(GADAMER, 1997, p.406).
O método Fenomenológico - Hermenêutico é, em Ser e tempo, elemento
que favorece à analítica existencial caminho para que o interrogado mantenha-se
em vigor enquanto questionamento mais profundo na busca da resposta pelo
sentido do Ser. Ele permite a análise ontológica porque possibilita interpretação.
De acordo com a afirmativa de Heidegger (2006, p.211): “A interpretação
de algo funda-se, essencialmente, numa posição prévia, visão prévia e concepção
prévia. A interpretação nunca é a apreensão de um dado preliminar, isenta de
pressuposições.” Entende-se, assim, que, a compreensão subsiste a partir de uma
pré-compreensão, ou seja, ocorre que o Ser-aí possui pré-compreensão do que
vai interpretar. Para Heidegger, a compreensão opera no interior do conjunto de
relações, de certa maneira, interpretada, ela atua dentro em círculo hermenêutico,
inseparável da existência do Ser-aí.
Heidegger descreve o círculo hermenêutico de uma forma tal que a
compreensão do texto determina, continuamente, pelo movimento de concepção
prévia de pré-compreensão. O movimento circular de compreensão vai e vem pelos
textos e, quando a compreensão se completa, ele é suspenso. “O círculo, portanto
não é de natureza formal. Não é nem objetivo nem subjetivo, descreve, porém a
compreensão como a interpretação do movimento da tradição e do movimento do
intérprete.” (GADAMER, 1997, p.439).
A estrutura circular e ontológica que compreende, interpreta e
significado ao mundo, Heidegger a denominou de círculo hermenêutico. Estar no
círculo hermenêutico é colocar-se na compreensão do ser enquanto compreensão
instauradora de sentido. Desta forma, nota-se que o método Fenomenológico-
Hermenêutico propõe análise reflexiva acerca da fundamentação, validação e
finalidade das interrogações e respostas.
3 TRAJETÓRIA METODOLÓGICA
3.1 O método qualitativo como fundamentação da natureza da pesquisa
O estudo tem natureza qualitativa fundamentada no método
fenomenológico. Por ser estudo científico, caracterizado por experiências humanas
descritas através de significados de vivências, em ambiente hospitalar, por
adolescentes com câncer, esta pesquisa se adapta bem à utilização do método
Fenomenológico-Hermenêutico, e por interpretar a subjetividade das respostas
mediante dos possíveis significados existenciais. A hermenêutica complementa o
processo de descrição da fenomenologia, preocupando-se com a interpretação. E
por se tratar de estudo na área de saúde, necessita de compreensão e
sensibilidade, e, quando fenômenos complementares são objetos de estudo, o se
deve simplesmente qualificá-los, é preciso compreender o Ser-adolescente com
câncer na dimensão do cuidar.
3.2 Campo e período de investigação
O trabalho de campo foi desenvolvido no período de julho a agosto/08,
em instituição pública estadual, de nível terciário, atuante nos campos do ensino e
da pesquisa em Pediatria, que tem a missão de prestar assistência à criança e ao
adolescente em diferentes especialidades, de forma segura e humanizada. Nessa
unidade hospitalar, considerada de grande porte, têm-se inúmeros programas
voltados para diminuir a morbidade e mortalidade de pacientes, contribuindo, desta
forma, para melhoria de indicadores no Estado.
O hospital onde foi realizada a pesquisa é reconhecido e certificado pelos
Ministérios da Saúde e da Educação como hospital de ensino, pois dispõe de
programas de residência médica; recebe alunos de graduação com estágios
curriculares de diversas áreas da saúde e outros cursos afins. Neste contexto,
contribui para formação de recursos humanos e ao mesmo tempo integra diversas
atividades de educação permanente dos trabalhadores da saúde.
A compreensão fenomenológica do Ser-adolescente com câncer na dimensão do cuidar
32
O Serviço de Oncologia Pediátrica, campo de estudo, é referência para o
Ceará e outros estados vizinhos. Em função disso, crianças e adolescentes
encaminham-se para a entidade, constituída de enfermaria de onco-hematologia,
com vinte leitos; enfermaria de quimioterapia seqüencial, com quinze leitos; hospital
para quimioterapia-dia, com capacidade para cinqüenta atendimentos/dia; e
laboratório de citologia e imuno-histoquímica. Os exames complementares de rotina
são realizados em laboratórios comuns, a todo o hospital, porém o tratamento
radioterápico e os exames histopatológicos são destinados para outros serviços
especializados da cidade de Fortaleza.
3.3 Considerações éticas para o desenvolvimento do estudo
Para a execução desta pesquisa, o projeto foi encaminhado ao Comitê de
Ética em Pesquisa da instituição hospitalar onde foi realizado o trabalho, tendo sido
submetido às regras da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa
CONEP/Conselho Nacional de Saúde (resolução 196/96). Após a aprovação do
projeto de pesquisa e do recebimento do protocolo (N
o
. 005/08), expedido pelo
referido Comitê, deu-se início à etapa da coleta de dados.
Pais ou responsáveis foram esclarecidos com relação ao objetivo da
pesquisa e demais aspectos relacionados. Foi apresentado e explicado o Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (apêndice A) e em seguida solicitado a
assinatura do Termo de Consentimento s-esclarecimento (apêndice B),
respeitando os preceitos do Conselho Nacional de Saúde Ministério da Saúde,
referentes às normas de regulamentação de pesquisa em seres humanos,
configuradas nas referências da Bioética: autonomia, não maleficência, beneficência
e justiça.
A compreensão fenomenológica do Ser-adolescente com câncer na dimensão do cuidar
33
3.4 Sujeitos participantes
Fizeram parte da pesquisa adolescentes internados na instituição de
referência em Oncologia Pediátrica, na faixa etária entre 10 e 19 anos, intervalo
reconhecido pelo Ministério da Saúde como período de adolescência. A escolha dos
participantes foi orientada pelos seguintes critérios:
Critérios de inclusão: quadro clínico estável, conscientes, orientados,
que aceitaram, em consonância com pais ou responsáveis, a participarem do estudo
e não terem sido atendidos pela pesquisadora.
Critérios de exclusão: quadro clínico instável, encontrar-se em UTI
(Unidade de Terapia Intensiva), inconscientes, desorientados, comatosos, sedados,
terem sido atendidos pela pesquisadora ou não concordar em participar do estudo.
O número de adolescentes participantes, totalizado em sete, foi
determinado durante o processo de coleta e análise. Este processo, por sua vez, foi
realizado pelo critério de repetição dos discursos sobre recorte do tema estudado
processo de saturação teórica
5
.
A escolha segue a metodologia da pesquisa qualitativa uma vez que para
a mesma, o quantitativo não está relacionado com a representatividade numérica e
sim com a apreensão do fenômeno em sua essência (MARTINS E BICUDO, 1994).
3.5 Técnica para obtenção dos discursos
Na pesquisa qualitativa, a entrevista caracteriza-se como instrumento
fundamental da produção de conteúdos, obtidos através de discursos fornecidos
diretamente pelos sujeitos do processo investigativo. O entrevistador pretendeu, ao
adotar esta técnica de pesquisa, elucidar as questões levantadas neste estudo.
5
O processo de saturação teórica consiste na suspensão de inclusão de novos participantes quando os dados
obtidos passam a apresentar, na avaliação do pesquisador, certa redundância ou repetição, indicando ser
desnecessário persistir na coleta de dados. Em outras palavras, as informações fornecidas pelos novos
participantes da pesquisa pouco acrescentariam ao material obtido, não mais contribuindo significativamente
para o aperfeiçoamento da reflexão teórica fundamentada nos dados que estão sendo coletados (FONTANELLA,
B. J. B; RICAS, J.; TURATO, E. R., 2008, p. 1).
A compreensão fenomenológica do Ser-adolescente com câncer na dimensão do cuidar
34
Dessa forma, a entrevista como fonte de informações fornece dados
primários e secundários, estruturada de formas diversas e variadas, sondagem de
opinião com questionário fechado, entrevista semi-estruturada, entrevista aberta,
entrevista não diretiva, entrevista centrada (Minayo, 2002).
Ainda segundo Minayo (2002, p.109),
[...] o que torna a entrevista instrumento privilegiado de coleta de
informações é a possibilidade de a fala ser reveladora de condições
estruturais, de sistemas de valores, normas e símbolos (sendo ela mesma
um deles) e ao mesmo tempo ter a magia de transmitir, através de um
porta-voz, as representações de grupos determinados, em condições
históricas, sócio–econômicas e culturais específicas.
De acordo com Carvalho (1991), em entrevista fundamentada na
abordagem fenomenológica, o ser investigado tece o discurso com todos os gestos
necessários, acentos e tonalidades, silêncios e reticências, percebendo, sentido que
transcende as palavras, vocábulos e expressões culturais e idiomáticas, próprias da
cultura e da língua. Desta forma, compreender o pensamento do sujeito é penetrar o
seu mundo, e sua vida. Assim, a ação do pesquisador, em entrevista de inspiração
fenomenológica, é eminentemente de compreensão do comportamento observado,
evitando qualquer interferência nas respostas do participante.
Sendo o câncer fenômeno vivenciado por adolescentes hospitalizados, e
que, portanto, podem atribuir o verdadeiro sentido a essa experiência, optou-se pela
entrevista aberta dialógica, assumindo a pesquisadora postura de escuta e respeito.
Neste contexto, para compreender o sentido de prática ou situação de
pesquisa com seres humanos, o pesquisador lança mão da escuta sensível. Por
apresentar a técnica como características, não interpretações antecipadas e pré-
julgamentos, por exemplo, por “empatia” com determinada situação, é possível
saber sentir o universo afetivo, imaginário e cognitivo do outro para compreender
suas atitudes, comportamentos, idéias, valores e mitos. Desta forma, a escuta
sensível é sempre “multirreferencial”, ou seja, não se fixa na interpretação dos fatos.
(BARBIER, 1998).
A compreensão fenomenológica do Ser-adolescente com câncer na dimensão do cuidar
35
Segundo o autor supracitado, a escuta sensível aceita surpreender-se
pelo desconhecido que, incessantemente, anima a vida. Por isso, questiona as
ciências humanas e continua lúcida sobre as fronteiras e zonas de incertezas. Neste
caso, é mais arte que ciência, pois toda ciência procura circunscrever seu universo e
a impor modelos de referência, até que se prove o contrário. É como a arte de
escultor em pedra que, para fazer dar a forma, antes passa pelo trabalho do vazio e
retira o excesso para que a forma surja. “No domínio da expressão humana, o que
há a mais cai, quando ela se encontra diante do silêncio questionador. É de fato com
o silêncio, que nem por isso recusa os benefícios da reformulação, que a escuta
sensível contribui para que o sujeito se livre de seu entulho interior.” (BARBIER,
1998, p. 188).
Antes de situar a pessoa no seu lugar, começa-se por reconhecê-la no
Ser, na qualidade de pessoa complexa dotada de liberdade e de imaginação
criadora. Somente em segundo momento, estabelecida confiança do indivíduo, em
relação ao ouvinte sensível, as proposições interpretativas fazem-se com prudência.
Desta forma, a escuta sensível reconhece a aceitação incondicional de outrem e
também pressupõe inversão de atenção. Sendo assim, é fundamental que o ouvinte
sensível não julgue, não meça, não compare. Entretanto, deve compreender, sem
aderir ou se identificar, as opiniões dos outros, ou o que é dito ou feito.
Aplicando-se os sentidos: audição, tato, gustação, visão e olfato à escuta
sensível, alguém é caracterizado como pessoa pela existência do corpo, de
imaginação, de razão e de afetividade, ou seja, todos em interação permanente.
Deste modo, a postura da escuta sensível é abertura holística, por se tratar, na
verdade, de se entrar em relação de totalidade com o outro, tomado na existência
dinâmica.
Diante das afirmativas, a autora desta pesquisa fez a escolha dos
entrevistados, através da observação prévia dos adolescentes portadores de
doenças oncológicas, que se encontravam na enfermaria. Após identificadas as
condições dos entrevistados, mantinha um contato de cordialidade, procurando
ensejar confiança para melhor aproximação. Nesse momento, era possível observar
A compreensão fenomenológica do Ser-adolescente com câncer na dimensão do cuidar
36
que, mesmo com sintomas de náuseas, dores, tosses, dificuldade de articulação das
palavras e, em alguns casos, medo e baixa auto-estima, refletida em respostas
monossilábicas e em baixo tom de voz, manifestavam interesse em colaborar com o
estudo, externando os seus sentimentos de enfrentamento da doença nesta fase de
hospitalização. Durante o contato inicial, após sentir que o adolescente se mostrava
receptivo, eram dados esclarecimentos sobre a pesquisa, que estava sendo
realizada, requerendo ao adolescente e em concordância com os pais ou
responsáveis, a participação do mesmo. Dado o seu consentimento, marcava-se um
novo encontro para a entrevista.
Deste modo, segundo a abordagem fenomenológica, abstrai-se de todo e
qualquer pressuposto, deixando os adolescentes expressarem livremente, seus
sentimentos, em observação atenta de gestos, reticências, silêncios, falas,
posicionamento das mãos, levando em consideração o que Heidegger descreve em
Ser e tempo:
“O homem é o ser que fala mesmo quando não fala e cala, recolhendo-se
no silêncio do sentido, assim como é o ser que morre, mesmo quando não
morre e vive, recolhendo-se a temporalidade da existência. A fala remete
para além ou aquém das palavras, mas este remeter não é semântico nem
semático. É o silêncio do sentido”. (Heidegger, 2006, p.16)
Os encontros deram-se na enfermaria em que os adolescentes se
encontravam internados, Foi utilizada a entrevista como instrumento de coleta de
conteúdos, por captar a informação e possibilitar ao participante liberdade e
espontaneidade de expressão. Cada adolescente foi entrevistado individualmente,
em datas diferentes, procurando-se estabelecer um momento de interação entre
pesquisadora e adolescente com câncer.
As entrevistas, totalizadas em sete, foram gravadas com autorização
prévia dos participantes, mediante a assinatura de Termo de Consentimento lido
antes da entrevista. Foi respeitado o anonimato utilizando-se de codinomes. Para
tanto, optou-se por referenciá-los com nomes fictícios tomando por base virtudes e
características humanas de cada adolescente. Assim, a codificação dos nomes
verdadeiros seguiu critérios éticos de preservação de identidade dos participantes
A compreensão fenomenológica do Ser-adolescente com câncer na dimensão do cuidar
37
do estudo. Complementarmente, foram realizadas consultas aos prontuários para
obter informações pertinentes ao seu diagnóstico, evolução e prognóstico da
doença.
No decorrer das entrevistas a pesquisadora observou o sofrimento físico e
psicológico dos adolescentes, além da necessidade de expressão pelas falas: de
sentimentos, inquietações, angústias, dor, sonhos e projetos interrompidos. De
acordo com Heidegger: “Toda fala sobre alguma coisa comunica através daquilo
sobre que fala e sempre possui o caráter de pronunciar-se. Na fala, a presença se
pronuncia”. (2006, p.225).
Transcreveram-se as entrevistas,o mais fielmente possível, do momento
da obtenção dos discursos para não haver perda de qualquer aspecto. Em lacunas
de identificação, ou respostas que exigem melhores esclarecimentos, a
pesquisadora retornou ao entrevistado para dirimir quaisquer dúvidas.
Selecionados adolescentes, fez-se breve descrição das características e
das manifestações no momento da entrevista, como apresentados a seguir:
– Ser-Coragem
Adolescente, sexo feminino, 17 anos, portadora de LLA (Leucemia
Linfóide Aguda), acompanhada da mãe, enfrenta a doença há mais de sete anos;
descontraída, com sorriso entreaberto, demonstrou interesse e curiosidade pela
pesquisa. Na entrevista a adolescente teve postura espontânea, firme e segura.
Apesar da aparência frágil, descreveu com detalhes o início da doença até
hospitalização. Porém, por vezes, manifestava expressão de choro, tristeza ao falar
de suas limitações e restrições, em decorrência da doença e por não ter vida normal
como outras adolescentes. Externava sensações e emoções, anseios, pela fala e
expressão facial. No geral, apresentava-se cooperativa, apesar das limitações,
fragilidade e dificuldades, enfrentadas no dia-a-dia de internações hospitalares.
A compreensão fenomenológica do Ser-adolescente com câncer na dimensão do cuidar
38
– Ser-Fé
Adolescente, sexo masculino, 12 anos, portador de LLA (Leucemia
Linfóide Aguda), doente há mais ou menos dois meses, em tratamento hospitalar, na
entrevista, acompanhado da mãe. Apresentou-se receptivo, comunicativo, pela
própria iniciativa relatava ser conhecedor da doença e gravidade, mas acredita em
Deus e terá a cura. Manteve-se participativo. Apenas, mencionava o tempo todo,
saudades de casa e de sua família.
– Ser-Simplicidade
Adolescente, sexo masculino, 14 anos, portador de LLA (Leucemia
Linfóide Aguda), doente mais ou menos 02 meses, acompanhado na enfermaria
com irmã. Tem aparência séria, com intervalos de sorrisos, tímido, com dificuldade
de entendimento da pergunta de imediato, necessitando refazê-la. Olhava para a
pesquisadora, cabisbaixo e relatava como simplicidade a vontade de ir pra casa,
brincar com amigos, receber alta, distante, devido ao resultado dos exames não
satisfatórios.
- Ser-Esperança
Adolescente, sexo feminino, 12 anos, portadora de osteossarcoma (tumor
ósseo), mais ou menos quatro meses, em início de quimioterapia. Durante a
entrevista encontrava-se sozinha na enfermaria. Apresentava-se, no primeiro
encontro, temerosa, assustada, arredia. Pede para voltar em outro dia. E, somente
no segundo encontro, deu-se a entrevista, com assuntos de seu interesse,
brincadeiras, passeios e escola para manutenção do vínculo com a pesquisadora.
Por instantes, descontraída, em outros ficava em silêncio e chora ao mencionar a
doença, e, o tempo todo, o medo de perder a perna e, ao mesmo tempo, tem
esperança de cura pelos remédios.
A compreensão fenomenológica do Ser-adolescente com câncer na dimensão do cuidar
39
- Ser-Perseverança
Adolescente, sexo feminino, 15 anos, portadora de LMA (Leucemia
Mielóide Aguda), um ano, em companhia da irmã, encontrava-se participativa,
sorridente e bem-humorada. A aproximação deu-se em dois encontros: no primeiro,
a mesma encontrava-se indisposta, com náuseas, em decorrência da quimioterapia.
Porém, no segundo, participativa e atenta às perguntas, responde de forma natural,
inclusive com sorriso. Ao final da entrevista, sendo interrogada se havia algo a mais
a acrescentar, deixa mensagem: “Que as pessoas nunca desistam de seus sonhos”.
– Ser-Amizade
Adolescente, sexo feminino, 15 anos, portadora de osteossarcoma (tumor
ósseo), quase dois anos, em companhia da mãe. Com disposição, apesar da
aparência caracterizada pelos efeitos da quimioterapia. O tempo todo, a toca na
cabeça. Espirituosa, tranqüila, comunicativa, decidida, participativa e firme nas
colocações durante a entrevista. Abordou por diversas vezes suas limitações, mas
não se desespera como muitas adolescentes. Relata com muita tristeza o
afastamento das amigas depois de início do tratamento. Após alta hospitalar quer
conseguir de volta a metade das amigas e dobrar a perna com a fisioterapia. É
bastante confiante e otimista no tratamento da doença.
– Ser-Tolerância
Adolescente, sexo feminino, 17 anos portadora de LLA (Leucemia
Linfóide Aguda), há dois anos e seis meses. Tem facilidade em comunicar-se,
externando sentimentos e descreve o significado de estar vivenciando doença de tal
gravidade na adolescência, como ela menciona, na flor da idade. É atenciosa,
educada, reflexiva ao responder as perguntas. Fala com muita tristeza de suas
limitações, mas tem que tolerar e ser perseverante, para o que ocupa o tempo lendo
e escrevendo, como não pode estudar como outras adolescentes.
Este estudo utilizou a entrevista semi-estruturada, composta por questões
norteadoras: Como tem sido para você estar doente? Qual o significado dos
A compreensão fenomenológica do Ser-adolescente com câncer na dimensão do cuidar
40
cuidados recebidos por você neste hospital? Abre-se, então, o leque de
possibilidades orientadas pelo próprio discurso do adolescente em movimento
crescente de aprofundamento da realidade estudada.
3.6 Organização e análise de discursos
Martin Heidegger, em Ser e tempo (2004), mostra uma espécie de
estrutura de interpretação compreensiva, hermenêutico-existencial em que todo Ser-
aí sempre se encontra na abertura constitutiva da situação existencial.
Para Heidegger (2004, p. 204):
“Na compreensão, a pre-sença projeta seu ser para possibilidades. O
projetar da compreensão possui a possibilidade própria de se elaborar em
formas [...] Na interpretação, a compreensão se torna ela mesma e não
outra coisa. [...] Interpretar não é tomar conhecimento de que se
compreendeu, mas elaborar as possibilidades projetadas na compreensão.”
Nesta concepção, Heidegger (2004, p.206-207) afirma que "tudo que está
à mão sempre se compreende a partir da totalidade conjuntural.” Interpretada a
compreensão, ela se recolhe novamente numa compreensão implícita, ou seja,
sempre se funda em posição prévia. Porém a interpretação da totalidade conjuntural,
já compreendida, funde-se na visão prévia, baseada no que foi registrado na posição
anterior. Para tanto, o compreendido na posição e visão prévias caracteriza
determinada conceituação fundamentada em concepção prévia.
O filósofo Heidegger relata que a compreensão é condição constitutiva,
originária do humano. O homem é um ser-no-mundo que existe compreendendo. É
abertura ao ser, ou seja, a capacidade de falar e de interrogar sobre si e sobre o
mundo que lhe confere acesso ao implícito na manifestação dos entes (coisas). A
compreensão originária precede qualquer interpretação. Nas palavras do autor, “a
interpretação é que se funda existencialmente na compreensão, e não vice-versa.
Interpretar não é tomar conhecimento de que se compreendeu, mas elaborar as
possibilidades projetadas na compreensão.” (HEIDEGGER: 2004, p.204).
A compreensão fenomenológica do Ser-adolescente com câncer na dimensão do cuidar
41
Portanto, todas as etapas na organização orientam-se pelas reduções
hermenêuticas observando-se os pressupostos fenomenológicos propostos por
Martin Heidegger (2006), posição prévia, visão prévia e concepção prévia.
Estas etapas são constitutivas do processo de compreensão proposto por
Heidegger, em que se integram e se movimentam em torno da compreensão e
interpretação. (Diagrama I).
Diagrama I
Fonte: Elaboração própria.
Realizaram-se entrevistas com sete Seres-adolescentes-com-câncer,
hospitalizados, dois do sexo masculino e cinco do sexo feminino. Dos entrevistados,
quatro têm diagnóstico Leucemia Linfóide Aguda, um Leucemia Mielóide Aguda e
dois osteossarcoma com idade entre 12 a 17 anos, 2 de 12 anos, 1 de 14 anos, 2
de 15 anos, e 2 de 17 anos. As entrevistas denominaram-se E1 a E7 para melhor
disposição dos dados e identificação das respectivas fontes.
Ao identificar as categorias por meio da análise dos discursos,
enumeram-se as unidades de significados pelas falas dos Seres-adolescentes-com-
câncer. As unidades de significados auxiliam a pesquisadora a apreender as frases
mais expressivas, destacando recortes a serem organizados, reduzidos e analisados
em etapas subseqüentes, de acordo com o referencial teórico de Heidegger.
COMPREENSÃO/
INTERPRETAÇÃO
VISÃO
PRÉVIA
POSIÇÃO
PRÉVIA
CONCEPÇÃO
PRÉVIA
A compreensão fenomenológica do Ser-adolescente com câncer na dimensão do cuidar
42
Na trajetória da análise dos discursos dos adolescentes realizaram-se 03
momentos de reduções independentes, mantendo-se interligados em nexo
relacional. Cada discurso leu-se repetidas vezes, visando captar os significados
emergidos dos participantes. As unidades de significados (US) totalizam 112
(Quadro I). O movimento de ir e vir, em circularidade, instaura-se a convergência de
significados entre os discursos agrupados, em busca de idéias essenciais. Em
primeira redução, revelaram-se 15 categorias temáticas (Quadro II). Em segunda
organização e redução, obteve-se cinco conceitos (Quadro III) que, após novas
leituras, foram organizados e reduzidos em idéias essenciais: Ser-adolescente-
com-Câncer e o Cuidado do Ser-adolescente-com-Câncer (Quadro IV).
As idéias essenciais foram obtidas a partir de uma redução hermenêutica
com a finalidade de facilitar a compreensão das falas, visando identificar a essência
de cada Ser-adolescente-com-câncer.
Ultrapassada a etapa de organização dos discursos, iniciou-se o processo
de compreensão e interpretação, voltado ao alcance de idéias essenciais, subsídios
ao desvelamento do fenômeno de Ser-adolescente-com-câncer e o cuidado
humanizado. Para o estudo utilizou-se o referencial teórico-filosófico desenvolvido
por Martin Heidegger, justificando a opção pela reconhecida produção do filósofo, no
que se refere à compreensão da existência humana.
A compreensão fenomenológica do Ser-adolescente com câncer na dimensão do cuidar
43
No ENTREVISTADO UNIDADE DE SIGNIFICADOS
01 E1
É ruim. Porque não tem nenhuma pessoa que
goste de ficar doente. Porque a gente perde tudo.
Estando doente.
02 E2
Aqui é ruim, é bom ficar em casa, aproveitar a vida,
ir pra escola é melhor também, aqui eu não gosto
da comida.
03 E3
Deixar de estudar, de brincar com meus amigos,
ficar parado tomando remédios, ser furado pra
exame.
04 E4
Eu. Fiquei triste, porque eu achei que... assim,
pensei que, que ia tirar minha perna.
05 E5
Ah! Logo assim no início pra mim foi muito difícil,
porque muito nova.
06 E5
Tem a vida pela frente e minha família entrou em
desespero, todo pessoal entrou em desespero lá na
minha casa, porque muito nova, parei de estudar e
estou batalhando e tenho certeza se Deus quiser
vai dar tudo certo.
07 E5
É uma batalha muito difícil, realmente, muito difícil
mesmo!
08 E6 Ah! Eu senti assim, [...] um baque. Na minha vida.
09 E6
O fato que teve que mudar tudo, mas, continuei
normal, não fiz escândalo, porque tem muitas
adolescentes por que fazem escândalo quando
adoecem, mas eu não.
10 E7
Senti muita tristeza, mas logo no início, que eu
estava doente, porque eu não tinha noção o que
era o tratamento.
... ...
...
112 E7
Quero dizer que graças a Deus eu estou reagindo
bem e quero ainda esse ano ter minha alta.
QUADRO I – Unidades de Significados
Fonte: Elaboração própria.
A compreensão fenomenológica do Ser-adolescente com câncer na dimensão do cuidar
44
UNIDADES DE SIGNIFICADOS CATEGORIAS TEMÁTICAS
E1-01/ E1-06/ E1-08/ E1-20/ E3-58/
E3-62
1- Sentimento de perda
E1-02/ E1-03 /E1-4 /E1-9/ E1-11/ E1-
18/ E1-21/ E2-41/ E7-109
2- Possível e Impossível no âmbito da
doença
E1- 08/ E1-33/ E2-50/ E2-51/ E5-75
E7-103/ E7-112/ E7-99/ E7-106
3-Dimensão da fé
E2-4/1 E5-80/ E6-97/ E7- 102 /E3-59
E2-49/ E1-07/ E6-90
4-Sentimento de impotência
E2-47/ E2-48/ E3-57/ E4-71/ E1-15 5-experiência da Dor
E5-84/ E7-107 6-Sofrimento
E2-38/ E3-60/ E3-61/ E7-102 /E7-101/
E7-107 /E2-46/ E3-54
7- Aspectos do Tratamento
E2-45/ E2-46/ E4-66 8- Incertezas
E1-31/ E1-32/ E1-33/ E2-40/ E2-44 E2-
45/ E2-51/ E2-52/ E7-108 /E4-70
E7-112 /E6- 93/ E6-95
9-Planos Futuros
E1-23 /E1-26/ E5-81/ E6-96 /E1-37
10- Cuidado
E2-42/ E2-43 /E3-61
11- Família
E4-71/ E5-74/ E5-75/ E6-87/ E7-98/
E6-88
12-Impacto do diagnóstico
E5-79/ E5-82/ E5-83 /E3-64
13- Anseios e desejos
E6-91 /E6-89 14- Interrupção de projetos
E5-76/ E5-86 /E7-100 /E1-3/1 E1-34
15-Consciência da doença
QUADRO II – Redução I
Fonte: Elaboração própria
A compreensão fenomenológica do Ser-adolescente com câncer na dimensão do cuidar
45
CATEGORIAS TEMÁTICAS CONCEITOS
1 - Sentimento de Perda
4 - Sentimento de Impotência
5 - Experiência da Dor
6 - Sofrimento
8 - Incertezas
A - SENTIMENTO
2 - Possível e impossível no âmbito da doença
9 - Planos futuros
13 - Anseios e desejos
14 - Interrupção de projetos
B - POSSIBILIDADE
7- Aspectos do tratamento
10 - Cuidado
C – CUIDADO
12 - Impacto do Diagnóstico
15 - Consciência da doença
D - CONSCIÊNCIA
3- Dimensão da fé
11- Família
E – FAMÍLIA
QUADRO III – Redução II
Fonte: Elaboração própria
CONCEITOS IDÉIAS ESSENCIAIS
A - Sentimento
B - Possibilidade
D - Consciência
SER-ADOLESCENTE COM
CÂNCER
C - Cuidado
E - Família
O CUIDADO DO SER-
ADOLESCENTE COM CÂNCER
QUADRO IV – Redução III
Fonte: Elaboração própria.
A compreensão fenomenológica do Ser-adolescente com câncer na dimensão do cuidar
46
4 A REVELAÇÃO DO SER-ADOLESCENTE
4.1 O Ser-adolescente-com-câncer
O Ser-adolescente, ao ser lançado no mundo do adoecimento por
câncer, vivencia situações de transformações importantes na vida, porque o
momento provoca mudanças no estado habitual de saúde. A descontinuidade e
alterações que ocorrem em seu-mundo-do-adoecimento geram sentimentos
múltiplos, inseridos em um cotidiano estranho e desconhecido. Caracterizam-se pelo
modo ôntico, cuja raiz ontológica é o humor.
Neste modo inautêntico de lidar com o câncer, o Ser-adolescente se
manifesta no modo ôntico, através da multiplicidade de sentimentos. Entretanto, em
um processo de compreensão de experiência, o detrelar deste aspecto, através de
um olhar ontológico, se depara com o humor.
A multiplicidade de sentimentos que envolvem o Ser-adolescente-com-
câncer caminha pelo sentimento de perda e impotência, motivado pela dor física que
resulta em sofrimento que leva à incerteza de futuro possível. Neste campo de
incertezas, relacionadas às causas, ao prognóstico e ao próprio tratamento, o Ser-
adolescente-com-câncer, neste estudo, encontra-se inserido.
Para consolidar as afirmativas sobre os sentimentos manifestados no Ser-
adolescente, tem-se a definição do filósofo alemão Heidegger sobre Humor:
Designa o estado e a integração dos diversos modos de sentir-se,
relacionar-se e de todos os sentimentos, emoções e afetos bem como das
limitações e obstáculos que acompanham essa integração. A tradução por
‘humor’ empobrece essa riqueza conotativa. Não obstante, presta-se melhor
do que ‘estado de alma’, ‘estado de ânimo’.” (HEIDEGGER, 2006, p. 573).
De acordo com a afirmação, é fundamental compreender o adoecer com
câncer como experiência singular, o qual se desvela com base no discurso de quem
a vivencia e tem acesso aos sentimentos, valores e anseios. Sustentado nessa
A compreensão fenomenológica do Ser-adolescente com câncer na dimensão do cuidar
47
compreensão, o Ser que experiencia situação é capaz de transmitir o sentido do que
é vivenciado.
Para alguns adolescentes, o enfrentamento da situação de estar doente
tem-se ocorrido com muita perda, dor e sofrimento. Os recortes dos sentimentos
podem ser ilustrados nas seguintes frases:
Deixar de estudar, de brincar com meus amigos, ficar parado tomando
remédios, ser furado pra exame. (Ser-simplicidade)
(...) Mas foi o fooorte, que minha mãe disse, todo mundo diz, que eu sou
difícil de sentir uma dor, a dor tem que ser muito forte. (Ser-coragem)
Olha! Logo no início, a quimioterapia era uma em cima da outra, eu passava
um dia em casa e os outros aqui no hospital, era muito sofrido pra mim.
(Ser-perseverança)
O Ser-simplicidade, ao expressar interferência da doença nas atividades
do dia-a-dia, manifestou sentimento de perdas, pela ausência das atividades
escolares, dos momentos de alegria e convívio com os amigos e do distanciamento
de atividades recreativas. A perda se manifestou como fator que incomoda o
adolescente, impossibilitando-o de agir como deseja ou de fazer algo usual. Assim,
o Ser-adolescente, ao ser retirado do mundo-vida, onde experiencia o conhecido,
para ser lançado no mundo do adoecimento, decai na esfera do impessoal, invadido
pela perda de tudo o que é conhecido.
A dor física evidenciou-se na fala do Ser-coragem: “[...] mas foi o
fooorte”. Desta forma, é evidente a expressão de dor que ultrapassa o plano físico,
durante o tratamento hospitalar, do diagnóstico e da violência da doença.
Para ressaltar as descrições, recorre-se a Heidegger (2006, p.240), com o
conceito ontológico de decadência:
“Este termo não exprime qualquer avaliação negativa. Pretende apenas
indicar que, numa primeira aproximação e na maior parte das vezes, a
presença está junto e no “mundo” das ocupações. Este empenhar-se e
estar-junto a...possui, freqüentemente, o caráter de perder-se no caráter
público do impessoal. Por si mesma, eu seu próprio poder-ser si mesmo
mais autêntico, a presença sempre caiu de si mesma e decaiu no
“mundo”. Decair no “mundo” indica o empenho na convivência, na medida
em que esta é conduzida pela falação, curiosidade e
ambigüidade.“(HEIDEGGER, 2006, p.240).
A compreensão fenomenológica do Ser-adolescente com câncer na dimensão do cuidar
48
Diante adoecimento por câncer, o adolescente passa por rompimento
brusco que abala profundamente a vida, do ponto de vista psicológico. De fato, além
de ter que enfrentar mudanças, adaptações e restrições, é também afetado pelo
tratamento que infringe o reconhecimento do sentimento de Ser-doente. As
afirmativas estão nos depoimentos abaixo:
Aqui é muito ruim, porque eu fico só deitado na cama, tomando soro, aí, não
posso sair muito não, porque eu estou com soro, quando tirar meu soro,
eu posso dar uma volta dentro do bloco, mas sair pra fora eu não posso,
não. (Ser-fé)
Em casa a gente pode fazer o que quer, aqui é igual uma prisioneira,
deitada e sentada e nada mais. (Ser-perseverança)
Ah! É muita gente, apaga e acende luz, acorda cedo, muito exame, fica
deitada, Ave Maria! Me dá uma des-impaciência. (Ser-amizade)
O Ser-fé, referindo-se ao ambiente hospitalar através da expressão ôntica
“aqui é muito ruim”, encobre o conceito ontológico de estranheza por deparar a
condição de Ser-adolescente-com-câncer. Quando o Ser é retirado da vida cotidiana
e lançado na hospitalização, mostra-se perplexo, manifestando estranheza,
momento em que vivencia o reconhecimento da condição de Ser-doente.
Pelos relatos do Ser-perseverança, é certo que a hospitalização limita as
ações do Ser-adolescente internado, impedindo-o, muitas vezes, de manter
atividades. Além disso, a hospitalização requer do Ser adaptação às normas e à
rotina da instituição, em fase de mudanças incomuns. Manifesta-se, assim, realidade
não familiar ao seu cotidiano habitual.
Para conceituar ontologicamente o sentimento de estranheza das
afirmativas, é conveniente citação do filósofo alemão:
“A estranheza desvela-se propriamente na disposição fundamental da
angústia e, enquanto abertura mais elementar da presença lançada, coloca
o seu ser-no-mundo diante do nada do mundo com o qual ela se angustia
na angústia por seu poder-ser mais próprio [...] A estranheza é na verdade o
modo fundamental, mas encoberto, de ser-no-mundo” (HEIDEGGER, 2006,
p. 355-356)
Na análise, constatou-se através dos depoimentos que as limitações
impostas pela doença do Ser transformam totalmente a rotina, tornando-o impotente
A compreensão fenomenológica do Ser-adolescente com câncer na dimensão do cuidar
49
nas próprias decisões. Nesse contexto, por ser obrigado ao tratamento agressivo,
ele se adapta à nova situação, caracterizada por restrições do modo de vida.
Visando contribuir para a diminuição do sofrimento pelas restrições do
adoecimento do Ser-com-câncer, sem prejudicar o tratamento, é importante
repensar o cuidar na hospitalização, com formas diferenciadas de entretenimento.
Para os adolescentes, em particular, a ação, neste sentido, é mais desejável, em
virtude de estarem vivenciando momento peculiar de transformações inerentes ao
período de transição da infância para a vida adulta.
O afastamento do convívio familiar e dos amigos, a ausência da escola, o
enfrentamento de longos períodos de internação e de re-internação e o dia-a-dia do
tratamento são aspectos de mudanças expressivas, no cotidiano do Ser-
adolescente-com-câncer, afetando a qualidade de vida. Desta forma, o Ser-
adolescente, portador de doença crônica como o câncer, tem que lidar
simultaneamente com alterações na aparência, suportar dor física, conviver com
perdas afetivas, entre outros aspectos, que imprimem sofrimento demasiado.
Em situação indesejável de hospitalizado, o Ser-adolescente-com-câncer
demonstra não perder a esperança no futuro. Embora tenha projetos e anseios
interrompidos pelo tratamento, crê na superação desta fase de vida, cultivando a
de realizar os sonhos. Apesar de tantos momentos críticos e desafiantes, o Ser-
adolescente encontra-se frente a situações que encara e em que vivencia aspectos
ontológicos caracterizados por possibilidades.
Na exemplificação do conceito ontológico de possibilidade, é interessante
apresentar falas, referidas pelos adolescentes, diante do que vem a ser possível e
impossível como categoria temática neste estudo.
Como jogar bola, eu não posso jogar bola, não posso sair, se for pra sair,
não posso com minhas amigas, minha prima sai, ficam se divertindo. (Ser-
coragem)
Tem-se, pelos depoimentos do Ser-coragem que a doença para o
adolescente é como algo que interfere na possibilidade de ocupar-se, de estar em
A compreensão fenomenológica do Ser-adolescente com câncer na dimensão do cuidar
50
condições de executar atividades normais, sem restrições, controles e comandos. A
prática do esporte foi referida como uma limitação da doença. O adoecimento coloca o
Ser-adolescente frente a imeras restrições e possibilidades. A situão é evidenciada
pelo conceito ontológico de possibilidade, do filósofo Heidegger (2006, p.204):
“Não significa um poder-ser solto no ar, no sentido de uma ‘indiferença do
arbítrio’ (libertas indifferentiae). Sendo essencialmente disposta, a presença
caiu em determinadas possibilidades e, sendo o poder-ser que ela é, já
deixou passar tais possibilidades, doando constantemente a si mesma as
possibilidades de seu ser, assumindo-as ou mesmo recusando-as. Isso diz,
no entanto, que para si mesma é a presença é a possibilidade de ser que
está entregue à sua responsabilidade, é a possibilidade que lhe foi
inteiramente lançada. A presença é a possibilidade de ser livre para o
poder-ser mais próprio. A possibilidade de ser é, para ela mesma,
transparente em diversos graus e modos possíveis.”
Sobre o tema, Heidegger (2006) considera que o Ser-aí, em sua
transcedência, tem atitudes distintas para apropriar-se do mundo que o circunda. O
termo indica um estar existencial e pessoal. Nesse contexto, a presença, apesar de
estar-aí em fase de adoecimento, antecipa as possibilidades tentando agarrar-se da
sua situação como grande desafio de voltar a ser pessoa normal, enfatizando a
importância da família na luta.
Em ilustração da descrição, é relevante apresentar a fala da realidade,
expressa por um dos participantes da pesquisa:
Ser uma pessoa normal, poder ter minha casa, poder ter meus filhos, difícil?
Difícil isso? Mas nada impossível!(Ser-coragem)
Diante do depoimento do Ser-coragem, o Ser hospitalizado por câncer
expressa planos futuros, sem consciência sobre a temporalidade alterada com a
doença. A esse respeito, Heidegger (2006, p. 422), assim refere o porvir:
“Do ponto de vista ontológico, o porvir possibilita um ente que é de tal modo
que,compreendendo, existe em seu poder-ser. O projetar-se tem por base o
porvir e, conseqüentemente, não apreende, em primeiro lugar, a
possibilidade projetada como tema e uma opinião, mas se lança em
possibilidade”.
Os sentimentos das falas dos adolescentes-com-câncer evidenciaram
acreditarem na possibilidade de cura e possuem expectativas positivas em relação ao
porvir. Entre os recortes que ilustram o conceito ontológico de possibilidade, cita-se:
A compreensão fenomenológica do Ser-adolescente com câncer na dimensão do cuidar
51
Quero dizer que graças a Deus eu estou reagindo bem e quero ainda esse
ano ter minha alta. (Ser-tolerância)
Meu futuro... Com certeza me curar, porque Deus pode tudo, pra ele, pra
ele, nada é impossível. (Ser-coragem)
O Ser-tolerância e Ser-coragem manifestaram um projetar ao poder-ser
mais próximo, isto é, para frente de si mesmo e assumir o existir-no-mundo.
Analisada existencialmente na temporalidade, a compreensão funda-se no futuro, ou
seja, na facticidade. Como menciona Heidegger ( 2006, p.410-411).
“Vindo-a-si mesma num porvir, a decisão atualiza-se na situação.
[...]Chamamos de temporalidade este fenômeno unificador do porvir que
atualiza o vigor de ter sido. Somente determinada como temporalidade é
que a presença possibilita para si o poder-ser toda em sentido próprio da
decisão antecipadora. Temporalidade desvela-se como sentido da cura
propriamente dito”.
Também ficou evidente, nos depoimentos do Ser-adolescente, que as
manifestações de desejos e planos futuros foram expressivos em suas conotações
ônticas, demonstrando referências de possibilidades ontológicas do desejar:
Ah! Eu quero voltar a estudar, fazer faculdade, logo, logo no início eu tenho
vontade de ser voluntária daqui. (Ser-perseverança)
Ficar bom dessa doença. Ficar bom, sem doença, arrumar um emprego e
fazer um bocado de coisa. (Ser-simplicidade)
Na caracterização das colocações do Ser-adolescente, em relação aos
desejos, é pertinente a citação de Heidegger (2006, p.262-263), no que se refere o
conceito ontológico de desejar:
“O Ser para possibilidades mostra-se, pois, na maior parte das vezes, como
simples desejar. No desejo a presença projeta o seu Ser para possibilidades
as quais não somente não são captadas na ocupação como não se pensa
ou se espera, sequer uma vez a sua realização [...]. Desejar é uma
modificação existencial do projetar-se do compreender que, na decadência
do estar-lançado, ainda adere pura e simplesmente às possibilidades. Essa
adesão fecha as possibilidades; aquilo que está ‘por aí’ na adesão do
desejo torna-se ‘mundo real’. Ontologicamente, desejar pressupõe a cura”.
Voltar para modo de ser conhecido e esperado - o mundo das ocupações.
É o modo autêntico que representa o seguro, familiar e socialmente aceito. Contudo
a ruptura com a vida escolar, pelo tratamento, em decorrência das internações
prolongadas, constitui maior queixa dos adolescentes. A interrupção ocorre
A compreensão fenomenológica do Ser-adolescente com câncer na dimensão do cuidar
52
sobretudo durante o tratamento quimioterápico de alta dosagem, em que a baixa
imunidade predispõe os pacientes às infecções. Observam-se recortes que
demonstram como o adolescente relata a interrupção:
Os meus estudos, interrompie todinho os estudos, parei no começo do
tratamento, parei logo. (Ser-amizade)
Acho que foi na fase, mais assim, que eu estava bem, que eu trabalhava e
foi na minha [pausa], como se diz na flor da idade, 15 anos. (Ser-
tolerância)
Tem a vida pela frente e minha família entrou em desespero, todo pessoal
entrou em desespero lá na minha casa, porque muito nova, parei de estudar
e estou batalhando e tenho certeza se Deus quiser vai dar tudo certo. (Ser-
perseverança)
Diante das falas, os pressupostos básicos dos adolescentes sobre o
mundo-vida são quebrados pela interferência da notícia do diagnóstico de câncer.
Nesse contexto, deixam de viver em seu mundo e redirecionam nova perspectiva de
vida. Nesse momento, o Ser-adolescente tem consciência do que vem a ser o
processo de adoecimento na totalidade.
Com a revelação do diagnóstico, a vida do Ser-adolescente-com-câncer
toma novos rumos. O diagnóstico de câncer se torna mais impactante, em virtude de
o Ser-adolescente passar por intensas transformações físicas, biológicas,
psicológicas e sociais. O impacto do diagnóstico percebe-se nas seguintes falas:
Senti muita tristeza, mas logo no início, que eu estava doente, porque eu
não tinha noção o que era o tratamento. (Ser-tolerância)
O fato que teve que mudar tudo, mas, continuei normal, não fiz escândalo,
porque tem muitas adolescentes por que fazem escândalo quando
adoecem, mas eu não. (Ser-amizade)
minha mãe me trouxe ao médico e bateu Raio X e fiquei sabendo da
doença e do tratamento e fiquei triste. (Ser-esperança)
Através das revelações do Ser-tolerância, Ser-amizade e Ser-esperança,
o impacto do diagnóstico e do tratamento modificaram o comportamento do Ser-
adolescente, levando-o à consciência do adoecimento por câncer. Por ser o câncer
patologia que apresenta uma série de modificações inesperadas na vida do
adolescente e família, há necessidade de readaptações e de estratégias frente à
nova situação.
A compreensão fenomenológica do Ser-adolescente com câncer na dimensão do cuidar
53
Reforçando a descrição, tem-se o conceito ontológico de consciência, de
acordo com Heidegger (2006, p. 369):
“A consciência é o apelo da cura que, a partir da estranheza do ser-no-
mundo, faz apelo para a presença assumir o seu poder ser e estar em
dívida mais próprio. O querer-ter-consciência é o compreender que
corresponde ao apelar”.
Com respeito à consciência da doença e à compreensão do adolescente
participante do estudo, apresentam-se as falas reveladoras de adolescentes-com-
câncer:
É uma batalha muito difícil, realmente, muito difícil mesmo! (Ser-
perseverança)
Porque hoje sei o que é o tratamento, é uma fase muito difícil, mas eu já sei
como é, e também fazem 02 anos e 04 meses. (Ser-tolerância)
Porque você sabe, (silêncio) minha doença não tem cura. (Ser-coragem)
Conforme relatos, o Ser-perseverança e o Ser-tolerância, tomaram
conhecimento da doença, nas longas e complicadas fases do tratamento. Para o
Ser-coragem, em particular, pela impossibilidade de cura, ficou evidente a
decadência do Ser, que para o filósofo Heidegger (2006, p.241), nessa situação,
conceitua-se da seguinte forma:
“A decadência é uma determinação existencial da própria presença e o
se refere a ela como algo simplesmente dado, nem a relações
simplesmente dadas com o ente do qual ela ‘provém’, ou com o qual ela
posteriormente acaba entrando em um commercium.”
Com base em estudo do Ser-adolescente-com-câncer, não é cil, para
o Ser-adolescente, ultrapassar o período do adoecimento em ambiente hospitalar,
um mundo impessoal. Além disso, na hospitalização, o Ser cerca-se de mudanças
do estado habitual de saúde e de transformações, afetando a qualidade de vida.
Ante o exposto, constata-se a importância da aplicabilidade do cuidar em
saúde em sua forma originária, que se apresenta no cotidiano, sob formas derivadas
de Ser: ocupação e pre-ocupação. O tema, pela relevância para este estudo,
detalha-se na categoria – O cuidado do Ser-adolescente-com-câncer
.
A compreensão fenomenológica do Ser-adolescente com câncer na dimensão do cuidar
54
4.2 O cuidado do Ser-adolescente-com-câncer
O Ser-adolescente-com-câncer, em situação de adoecimento, rompe
abruptamente o modo de Ser-no-mundo. Nesse contexto, é lançado na situação do
adoecimento pelo câncer, circunstância em que o cuidado se torna necessidade
premente. Isso porque o cuidado é conceito ontológico. E por isso, pertence à
condição de Dasein, de presença. Assim, o conceito de cuidado, nesta pesquisa,
tem expressão ôntica manifestada na forma de tratamento, cuidado e família,
conforme discursos.
Cuidado, inerente à condição de Ser-no-mundo, assume relevância no
Ser-adolescente-com-câncer, desenvolvido pelos que atuam no tratamento da
doença, o sentido de preocupação, oferecendo ao Ser-doente subsídios para que
reconheça as limitações. De acordo com o pensamento de Heidegger (2006, p. 180),
“o ser com os outros pertence ao ser da presença que, sendo, põe em jogo seu
próprio ser. Enquanto ser-com, a presença ‘é’, essencialmente, em virtude dos
outros. Isso deve ser entendido, em sua essência, como um enunciado existencial”.
Neste estudo, a atenção dos profissionais de saúde referida pelo Ser-
adolescente-com-câncer, manifesta formas diferentes de enfrentamento das
dificuldades no adoecer, na adolescência. Importante ressaltar a ênfase dada pela
sensibilidade dos profissionais, ao prestarem cuidados, caracterizando-os como
orientadores, carinhosos, legais, cuidadosos. É o que se observa nos discursos
abaixo:
Ah! Não sei se é porque eu nunca estive andado em outro hospital, mas
aqui é bom, todo mundo trata bem, todos me tratam bem. (Ser-amizade)
Ninguém quer ficar doente, mas, o cuidado aqui é bom. (Ser-coragem)
Pelas falas, apesar de situações sem experiência de hospitalização
prévia, o Ser-adolescente encontrou parâmetros para qualificação do cuidado. Ele
percebe o cuidado nos modos de ocupação e preocupação. Considerando a ênfase
dos adolescentes à percepção da hospitalização como fonte de sofrimento, é de
suma importância que os profissionais da equipe de saúde em oncologia, continuem
A compreensão fenomenológica do Ser-adolescente com câncer na dimensão do cuidar
55
prestando cuidado a pacientes, da melhor forma, buscando caminhos para atenuar o
sofrimento, na internação hospitalar.
Ao se referir ao cuidado, Heidegger o apresenta sob fortes vertentes
derivadas de Ser: ocupação e preocupação. Para o filósofo, “O caráter ontológico da
ocupação não é próprio do ser-com, embora esse modo de ser seja um ser para os
entes que vêm ao encontro dentro do mundo como ocupação.” (HEIDEGGER, 2006,
p.177). Contudo a ocupação refere-se à relação de presença com seres
simplesmente dados, ou seja, refere-se ao cuidado com as coisas do mundo, as
quais aparecem à presença no modo de ser do instrumento à mão. A ocupação fica
evidente nas seguintes falas dos entrevistados:
Aqui no hospital é bom. É bom quando a gente sente uma dor e vem pra
os médicos são todos legais, sabem como tratar a gente, mas é bom está
em casa! (Ser-coragem)
São bons, mas é ruim, quando tem que procurar veia, porque está muito
difícil encontrar minha veia, aí eu sofro muito. (Ser-tolerância)
Muito bem, os doutores nos tratam bem, diz que tem que fazer exame pra
saber se eu estou bem. (Ser-simplicidade)
As referências do Ser-coragem, Ser-tolerância e Ser-simplicidade ao
modo de cuidar dos profissionais no mundo hospitalar manifestaram-se pela forma
de serem tratados como modo de ser do instrumento à mão.
De acordo com o filósofo Heidegger (2006, p.178):
“A ‘preocupaçãono sentido de instituição social fática, por exemplo, funda-
se na constituição de ser da presença enquanto ser-com [...] O ser por um
outro, contra um outro, sem os outros, o passar ao lado um do outro, o o
sentir-se tocado pelos outros são modos possíveis de preocupação.”
Desta forma, a preocupação refere-se ao cuidado com o Ser existente, ao
relacionamento com entes dotados do modo ser da presença. É o que se constata
nos discursos abaixo:
Aqui é bom, sim, as enfermeiras orientam muito os pacientes do tratamento,
é muito bom receber orientações. (Ser-perseverança)
Que eu tinha que ter cuidado especial e minha mãe me ajuda em tudo
porque eu só tenho ela. (Ser-coragem)
A compreensão fenomenológica do Ser-adolescente com câncer na dimensão do cuidar
56
Ao caracterizar as enfermeiras, como orientadoras, o Ser-perseverança
valorizou a importância do cuidado manifestado pelo profissional com os pacientes,
e a mãe que conscientizou o Ser-coragem de ter cuidado especial denota
preocupação com o Ser-filho no adoecimento.
No que se refere à preocupação, Heidegger (2006, p. 177-178) salienta que:
“Quando o ente, com o qual a presença se relaciona enquanto ser-com,
também não possui o modo de ser do instrumento à mão, pois ela mesma é
presença. Desse ente não se ocupa, com ele se preocupa. ‘Ocupar-se’ da
alimentação e vestuário, tratar do corpo doente é preocupação”.
Guiada pela consideração e tolerância, a preocupação é uma atitude de
respeito, em que se considera a originalidade do outro na relação. Contudo o Ser-
adolescente, lançado no mundo do adoecimento pelo câncer, encontra, em outras
co-presenças, o cuidado no modo da preocupação e assim se manifesta. É o que se
observa nos depoimentos a seguir:
O pessoal aqui é legal, mas que melhor é ficar em casa mesmo,
aproveitar. (Ser-fé)
Todo mundo é carinhoso aqui. (Ser-coragem)
Quando o Ser-fé manifesta ser o pessoal legal e o Ser-coragem, todo
mundo é carinhoso, inseridos no mundo-vida do adoecimento, convivem com outras
co-presenças, desta forma, encontram o cuidado no modo de preocupação.
Também vale referir que ficou bem explícito, mesmo sendo bem tratados, e nada
substitui a casa, considerada como o melhor ambiente de relacionamento.
Com relação aos modos, a preocupação tem extremos possíveis:
substituição e antecipação. O primeiro diz respeito a tomar conta do outro ou, no
sentido mais próximo da tradução alemã, “saltando para o seu lugar”, isto é, lançar o
outro fora de seu próprio lugar e assumir o encargo, do outro, de cuidar de si
mesmo.
“Este é deslocado de sua posição, retraindo-se, para posteriormente
assumir a ocupação como algo disponível e pronto, ou então dispensar-
se totalmente dela. Nessa preocupação, o outro pode tornar-se dependente
e dominado mesmo que esse domínio seja silencioso e permaneça
encoberto para o dominado. Essa preocupação substitutiva, que retira o
A compreensão fenomenológica do Ser-adolescente com câncer na dimensão do cuidar
57
outro o ‘cuidado’, determina a convivência recíproca em larga escala e, na
maior parte das vezes, diz respeito à ocupação do manual.” (HEIDEGGER,
2006, p.178).
Observou-se que, para os adolescentes, que a doença interfere na
possibilidade de tomada de determinadas decisões, ou seja, impede-os de agir
como desejaria ou de fazer algo que normalmente esperaria poder fazer. Isso se
constatou nos seguintes discursos:
Ah! Estudar. Estudar, pois eu tenho tanta vontade de estudar, mas minha
mãe não deixa. (Ser-tolerância)
Porque eu quero sair, aí eu choro, quando ela não me deixa sair, eu sei que
isso não é para o meu bem. (Ser-Coragem)
O modo de cuidar referido pelo Ser-tolerância é de natureza materna,
modo inautêntico de cuidar, que inclusive desapropria a personalidade do filho. Em
Ser-coragem, quando a mãe impõe proibição é pelo fato de querer cercar de
cuidados, nesse momento doloroso, configurando um fator de ajuda que, ao mesmo
tempo, interfere na autenticidade, na aceitação e no enfrentamento da doença.
Além do mais, as alterações das atividades do seu dia-a-dia, mudanças
de hábitos de vida e a necessidade de fazer o que prazer, ressaltam-se pelo Ser-
adolescente-com-câncer como dificuldades decorrentes do existir no mundo com
câncer. Isso demonstra outra dimensão do sofrimento vivenciado que transforma
totalmente a rotina dos adolescentes.
Na antecipação, por sua vez, “subsiste ainda a possibilidade de uma
preocupação que não tanto substitui o outro, mas que salta antecipando-se a ele em
sua possibilidade existenciária de ser, não para lhe retirar o ‘cuidado’ e sim para
devolvê-lo como tal.” (HEIDEGGER, 2006, p.178-179). Este é um modo de
preocupação que pertence ao autêntico cuidar e faz com que o outro volte para si
mesmo, autenticamente: ele salva o outro para torná-lo livre para si, ou seja, valoriza
a autonomia. A antecipação foi constatada nesta pesquisa nas seguintes falas:
Tenho muitos limites, não posso sair muito, tenho que ter mais cuidados,
apesar, de tudo eu levo minha vida. (Ser-tolerância)
Como minha mãe diz: eu tenho que manerar nas coisas, nem tudo que eu
posso, que eu quero fazer, eu não posso fazer. (Ser-coragem)
A compreensão fenomenológica do Ser-adolescente com câncer na dimensão do cuidar
58
A manifestação do Ser-tolerância mostra que os limites são impostos pelo
outro, no modo da preocupação antecipada, permitindo que o adolescente transite
pelo mundo-vida do adoecimento buscando sua própria identidade, o que sofre
prejuízo bem significativo porque o adoecimento se no momento de transição da
infância para a vida adulta. Quando a e solicita ao Ser-coragem diminuir suas
atividades, busca equilíbrio para não perder a condição de ser pessoa, Dasein,
conhecendo os limites, que surgem no momento notoriamente de rebeldia,
inconseqüência, revolta, intransigência inerentes à fase da adolescência.
Os adolescentes relataram com muita ênfase das limitações impostas
pela doença e restrições, dificuldades a serem enfrentadas no adoecimento por
câncer, modificando por completo o dia-a-dia. Contudo o Ser-adolescente, lançado
no mundo do adoecimento pelo câncer, encontra em outras co-presenças, o cuidado
no modo da preocupação e, assim, se manifesta. Nesse sentido apresentam-se as
seguintes falas:
As enfermeiras, as doutoras são muito legais, mas melhor é ficar em casa.
(Ser-fé)
Porque eu não queria vir pra cá, queria ficar em casa. (Ser-simplicidade)
O Ser-fé e Ser-simplicidade referiram que o bom ficar em casa, que
significa relações interpessoais em que o Ser encontra sua identidade, o sentir falta
que expressa considera-se pelos profissionais de saúde, porque o Ser-adolescente
é lançado no adoecimento em etapa da vida em que geralmente as pessoas não
adoecem, haja vista ser a adolescência compreendida como momento de
normalidade. A casa não é meramente espaço físico. Quando o Ser-adolescente
assim se manifesta, na verdade, verbaliza a perda de relacionamentos que lhe são
tirados com restrições de visitas e imposições de rotinas no âmbito hospitalar.
Segundo Heidegger, o Ser-aí como Ser-com remetem à compreensão,
não sendo possível o desvelamento daqueles com os quais mantêm relações no
mundo. O Ser-com é característica existencial do Ser-aí, pois não é possível ao
homem ser no mundo, não estabelecer relações com os outros. Os discursos, a
seguir, mostram a importância atribuída pelo Ser-adolescente-com-câncer à
presença de familiares e amigos:
A compreensão fenomenológica do Ser-adolescente com câncer na dimensão do cuidar
59
Uma vez, eu saí com meu tio e meus três primos e fomos passar o dia fora,
que pra ele eu sou importante demais. (Ser-coragem)
é bom, porque tem um ambiente amoroso, legal, tem minha família, que
é pouco alegre, pouco divertida, sempre vou pra igreja com meu pai, ele
me dar as coisas, quando pode, é muito bom sair com meu pai. (Ser-fé)
Quero ir pra casa, dar saudade e falta de casa, dos colegas, das amigas, a
gente sente muita saudade de casa. (Ser-perseverança).
O distanciamento da convivência familiar e dos amigos provoca
sentimentos de tristeza e desespero. A saudade e o desejo de voltar para casa, de
retorno às atividades rotineiras do Ser-fé, Ser-coragem e Ser-perseverança denotam
a importância da convivência com outras co-presenças. Apesar de vivenciar
momentos difíceis, o Ser-adolescente-com-câncer continua em seu mundo
cotidiano, em relações afetivas importantes com os seus. Deste modo, é importante
valorizar as relações interpessoais entre o Ser-doente e pessoas significativas que
compartilham seu existir.
Conforme ressalta M. Heidegger (2006, p.225), “toda fala sobre alguma
coisa comunica através daquilo sobre que fala e sempre possui o caráter de
pronunciar-se. Na fala, a presença se pronuncia”. É extremamente necessário que o
Ser do mundo circundante, pronuncie o desejo de conviver com os seus. Por
exemplo: O Ser-tolerância externou o sentimento pelo seu tio: “sou muito importante
pra ele”. O Ser-fé, ao dizer que é bom sair com o pai, sente-se valorizado pela
companhia de ente querido e faz parte de sua convivência. O desejo de voltar pra
casa, rever amigos, referido pelo Ser-perseverança, é caracterizado pela
fundamentação da presença dos que fazem parte do convívio.
Enfatizando as manifestações dos Seres-adolescentes, associam-se as
palavras de M. Heidegger (2006, p. 182): “A própria presença, bem como a co-
presença dos outros, vem ao encontro, numa primeira aproximação e na maior parte
das vezes, a partir do mundo compartilhado nas ocupações do mundo circundante.”
Em complemento ao pensamento do filósofo, o ser humano é essencialmente um
Ser-no-mundo e um Ser-com-os-outros.
“Esse estar também com os outros não possui o caráter ontológico de um
ser simplesmente dado ‘em conjunto’ dentro de um mundo. O ‘com’ é uma
determinação da presença. O ‘também significa a igualdade no ser
A compreensão fenomenológica do Ser-adolescente com câncer na dimensão do cuidar
60
enquanto ser-no-mundo que se ocupa dentro de uma circunvisão. ‘Come
‘tambémdevem ser entendidos existencialmente e não categoricamente. A
base desse ser-no-mundo determinado pelo com, o mundo é sempre o
mundo compartilhado com os outros. O mundo da presença é mundo
compartilhado. O Ser-em é ser com os outros. O Ser-em-si intra-mundano
desses outros é co-presença”. (HEIDEGGER, 2006, p.174-175).
Considerando que o Ser-adolescente-com-câncer, no dia-a-dia, passa por
inúmeras transformações, ele vivencia dificuldades, pois, além dos efeitos do
tratamento e da hospitalização, a rotina muda radicalmente. Nesse contexto, ele
convive com outros entes que não faziam parte do seu mundo, o que exige
adaptação, nem sempre fácil. O novo cotidiano passa a ser vivenciado de forma
estressante, fatigante, monótona, pois o dia-a-dia de hospitalização não apresenta
atividades que enriqueçam o viver. Os discursos abaixo são manifestações do Ser-
adolescente-com-câncer:
O ambiente é bom, mas a sensação de, ficar numa cama é muito ruim, aí eu
choro porque eu não quero ficar internada, mas quando eu estou bem, eu
logo sou liberada. (Ser-tolerância)
Aqui é ruim, é bom ficar em casa, aproveitar a vida, ir pra escola. (Ser- fé)
Os adolescentes, representados pelo Ser-tolerância e Ser-fé, no ambiente
hospitalar, expressaram sentimentos de impotência e saudades dos familiares
distantes e afirmaram, por diversas vezes, o desejo de estar em casa, retornar ao
seu mundo, ficar perto das pessoas do convívio familiar, ir pra escola e aproveitar a
vida.
Complemente-se esse entendimento pela descrição de Heidegger (2006,
p.182): “A co-presença se comprova como modo de ser próprio dos entes que vêm
ao encontro dentro do mundo. Porque a presença é, ela possui o modo de ser da
convivência. Esta não pode ser concebida como o resultado da soma de vários
‘sujeitos’.”
Neste sentido, é estranho para o profissional, que cerca o Ser-
adolescente-com-câncer, que o Ser-com o seja mera soma de sujeitos. Na
realidade, no estar-com tem que haver também, além da proximidade física, nível
maior de convivência, expressa pelo vínculo afetivo ou de afinidade com outras co-
A compreensão fenomenológica do Ser-adolescente com câncer na dimensão do cuidar
61
presenças. É por isso que ele se ressente de ser privado do jogo, da casa, da
escola.
O mundo do Ser-adolescente é construído inicialmente na família e,
posteriormente, na escola onde ele se socializa e se humaniza. A escola mostra-se
para o adolescente instituição social estável e fundamental. Ela complementa a
atuação da família no processo evolutivo do adolescente. Desta forma, qualquer
interrupção das atividades escolares, repercute profundamente na vida do
adolescente. Na facticidade de estar doente, os jovens se afastam do convívio
escolar e têm as atividades interrompidas, desestruturação ainda maior do seu
mundo.
Com a perda da convivência com pessoas e com as quais é Ser-com, ele
busca algo, configurando-se a religiosidade como ponto de apoio bastante
significativo no processo de enfrentamento da doença.
Para ressaltar a religiosidade do Ser-adolescente no adoecimento, vale a
pena citar Heidegger (2006, p.275):
“Fé na realidade ‘mundo exterior’, legítima ou ilegítima, provar essa
realidade, seja de modo suficiente ou insuficiente, pressupor essa realidade,
implícita ou explicitamente, todas estas tentativas, o possuindo
transparência a respeito desmundanizado ou inseguro acerca de seu
mundo que, antes de tudo, precisa assegurar-se de um mundo. Nesses
casos, o ser-no-mundo é, desde o início, colocado diante de um apreender,
de um presumir, de um assegurar-se e crer, de uma atitude que, em si
mesma, já é um modo derivado de ser-no-mundo.”
Neste estudo, a religiosidade configurou-se como ponto de apoio bastante
significativo, no enfrentamento da doença. Algumas falas expressam a confiança no
poder de Deus, que aparece como algo que supera todo e qualquer sofrimento ou
impossibilidade de cura. Os discursos abaixo mostram essa assertiva:
Teve um tempo que eu fui desenganada e o médico disse que eu não tinha
mais jeito pra mim, com muita força de vontade e em Deus, eu estou
aqui. (Ser-coragem)
Mas ao longo do tratamento eu reagi com medo, mas eu tenho muita fé e
que não deixei me abalar, às vezes eu,... mas, tem muitas coisas aqui, que
hoje que eu não tenho mais medo. (Ser-tolerância)
A compreensão fenomenológica do Ser-adolescente com câncer na dimensão do cuidar
62
Quando o Ser-coragem se diz desenganado, caracteriza-se a
proximidade com a finitude. O Ser-tolerância refere o medo, e se sente ameaçado,
ameaça que se configura como morte, no tratamento, passa a ser enfrentada e
conhecida. Para tanto vale substanciar através do pensamento de Heidegger:
“Isso significa: ao se aproximar na proximidade, o prejudicial traz consigo a
possibilidade desvelada de ausentar-se e passar ao largo, o que não
diminui nem resolve o medo, ao contrário, o constitui. O ter medo ele
mesmo libera a ameaça que assim caracterizada se deixa e faz tocar a si
mesma.” (HEIDEGGER, 2006, p.200).
Doença inesperada, os adolescentes apresentam-se assustados e
relatam o que terão de enfrentar. Por ser a doença de manifestação abrupta ou, na
maioria das vezes, insidiosa, é permeada de sofrimento, de dor e temor das
conseqüências do tratamento. O aparecimento brusco dos sintomas e a
necessidade de internação é experiência marcante no adoecimento na fase da
adolescência.
Lançado no mundo do adoecer com câncer, o Ser-adolescente se
preocupa com o existir no mundo, sentindo-se angustiado. Além disso, por estar em
transição entre infância e fase adulta, é natural que ele transfigure sua angústia, de
modo impróprio, no medo, expressa de uma forma paralisante. A angústia pertence
à condição ontológica do Ser, mas, na maioria das vezes, manisfesta-se em modos
ônticos caracterizando o caráter predominantemente inautêntico da presença. O
medo decorrente da situação não é ontológico e sim modo impróprio de
desvelamento do Ser-adolescente. A angústia é inquietação que faz com que o
Dasein rompa com o modo impróprio e se manifeste.
Então, no momento em que a presença, representada pelo Ser-
adolescente, apresenta-se angustiado no modo impróprio, configura-se o medo do
que seja o tratamento e do que possa vir acontecer. Por ser ente angustiado, o Ser-
adolescente-com-câncer busca recursos para romper com o modo impróprio, através
da religiosidade e fé como forma de enfrentamento do adoecimento. Nesse sentido
refere-se o pensamento de Heidegger (2006, p.252): “Como angústia sempre
determina, de forma latente, o ser-no-mundo, este, enquanto ser vem ao encontro
A compreensão fenomenológica do Ser-adolescente com câncer na dimensão do cuidar
63
na ocupação junto ao ‘mundo’, pode sentir medo. Medo é angústia imprópria,
entregue à decadência do ‘mundo’ e, como tal, angústia nela mesmo velada”.
O Ser-adolescente decai e vive no dia-a-dia em que tudo ao seu redor
traz medo e temor da doença, do tratamento, da dor, procedimentos médicos, do
sofrimento, das reações medicamentosas e da morte. Como enfrentar o medo e
manter ao largo a ameaça?
Em resposta ao questionamento, têm-se diferentes respostas referidas
pelos adolescentes nas entrevistas, nas quais se percebe realmente a valorização
da dimensão da fé como forma relevante de ultrapassar o modo impróprio, na busca
pela compreensão do Ser-adolescente-com-câncer, no processo de cuidados. É o
que mostram os discursos a seguir:
O que me deu mais força pra enfrentar o tratamento foi minha e minha
família. (Ser-tolerância)
Meu futuro... Com certeza me curar, porque Deus pode tudo, pra ele, pra
ele, nada é impossível. (Ser-coragem)
Tem a vida pela frente e minha família entrou em desespero, todo pessoal
entrou em desespero lá na minha casa, porque muito nova, parei de estudar
e estou batalhando e tenho certeza se Deus quiser vai dar tudo certo. (Ser-
perseverança)
Eu acreditava que Deus ia me curar e no outro dia eu ia ficar melhor pra eu
puder me divertir e ir pra igreja. (Ser-fé)
As falas do Ser-tolerância, Ser-coragem, Ser-perseverança e Ser-fé,
aludem à importância da fé no processo de tratamento, crença que os fortalece no
enfrentamento do adoecimento. A confiança em Ser superior demonstra
encorajamento e superação, que emergiram de maneira significativa em suas falas.
Nesta pesquisa, o dia-a-dia dos Seres-adolescentes-com-câncer configurou-se
como uma ruptura em seu desenvolvimento normal de Ser, o que exige olhar mais
atentivo para os diferentes modos utilizados pelo Ser-adolescente, no enfrentamento
do câncer.
A compreensão fenomenológica do Ser-adolescente com câncer na dimensão do cuidar
64
5 A COMPREENSÃO FENOMENOLÓGICA DO SER-ADOLESCENTE-COM-
CÂNCER NA DIMENSÃO DO CUIDAR
A compreensão e interpretação do Ser-adolescente que experiencia o
adoecimento por câncer, em ambiente hospitalar, pelos depoimentos, possibilitaram
pelo método fenomenológico, o desvelamento, ou seja, a aproximação com a
essência. Em outras palavras, pelo modo ôntico, chega-se ao ontológico.
Anteriormente, visão holística do Ser era dificultada pela prática profissional, repleta
de pre-concepções e por modos impessoais de atuação.
O início da trajetória deste estudo convergiu para a necessidade de
romper com os padrões comuns de atendimento, de forma a apreender, no Ser-
adolescente, modos de Ser-no-mundo. Visando compreender o Ser-adolescente
com câncer, em sua plenitude, a autora percebeu, através de sua experiência de
oito anos de assistência fisioterapêutica na área de oncologia pediátrica, ser
primordial a escuta sensível. Referindo-se à questão, Barbier (1998, p.189) salienta
que “a atitude requerida pela escuta sensível é a de uma abertura holística. Trata-se
de entrar numa relação com a totalidade do outro, considerado em sua existência
dinâmica”.
Assim, ao adentrar o mundo-vida do Ser-adolescente, mediante
manifestação ôntica, em falas, gestos e/ou silêncio, desvendou-se a sua essência,
em condição especial: Ser-adolescente com câncer. Para tanto, pela escuta
sensível, ouve-se o Ser em atitude atentiva, conduzindo a pesquisadora a olhar o
outro e ter percepção diferenciada.
A aproximação com o Ser-adolescente exigiu um despir-se de pré-
conceitos, aspectos e posicionamentos de interferência durante a entrevista, ou seja,
distanciamento de possíveis encobrimentos ofuscantes do conteúdo implícito na fala
desses sujeitos. Desta forma, a perspectiva fenomenológica possibilitou a
aproximação com o sentido de ser do adolescente com câncer, ou seja, chegar ao
desvelamento.
A compreensão fenomenológica do Ser-adolescente com câncer na dimensão do cuidar
65
Durante a pesquisa, observou-se que o Ser-adolescente, ao ser lançado
no mundo da hospitalização, lida com o modo inautêntico de ser, e expressa
sentimentos de perda, dor e sofrimento, manifestados no modo ôntico, desvelados
amiúde através de um olhar ontológico.
O adoecimento interfere sobremaneira no Ser-adolescente, com inúmeras
impossibilidades, causando sentimentos de estranheza frente à realidade, fatores
que o conduzem ao reconhecimento da condição de Ser doente.
Diante do adoecimento por câncer, de restrições e impossibilidades, o
Ser-adolescente demonstra não perder a esperança no futuro. Apesar de tantos
momentos críticos e desafiantes, enfrenta e vivencia aspectos ontológicos
caracterizados por possibilidades, como cura, e tem expectativas positivas em
relação ao porvir, mesmo sem consciência da temporalidade da doença.
No mundo-vida-do-adoecimento por câncer, o adolescente se angustia, e
quer voltar para o modo ôntico de ser, convivência das co-presenças: família,
amigos, escola. Outras co-presenças, representadas pelos profissionais de saúde,
não conseguem alcançá-lo, porque com ele elas se relacionam no modo da
ocupação.
Porém, ao sentir o Ser-adolescente que co-presença se preocupa, ele
confia, permitindo maior proximidade. Nesse momento, reforça a crença na cura, na
retirada do mundo-vida do adoecimento e no retorno às ocupações ônticas.
O estudo evidenciou que o adolescente, mesmo com conhecimento do
diagnóstico de câncer, manifesta esperança de cura e expectativa de retorno às
atividades cotidianas. Isso decorre, em grande parte, de o adolescente com câncer
desenvolver um forte sentimento de fé na cura da doença. Ao deparar com o
diagnóstico de câncer, pela necessidade de conviver com problema de saúde grave,
o Ser-adolescente busca, em muitos casos, formas de enfrentamento. A
religiosidade configura-se como ponto de apoio importante de enfrentamento da
doença. A confiança em Ser Supremo emerge de maneira significativa na fala do
Ser-adolescente-com-câncer, como possibilidade de fortalecimento e superação.
A compreensão fenomenológica do Ser-adolescente com câncer na dimensão do cuidar
66
A pesquisa permitiu observar que o Ser-adolescente, ao experienciar o
adoecimento por câncer, manifesta-se por diversos modos diante do que a ele se
apresenta. No início, não lhe é possível fugir do imutável. A presença convive com
facticidade, vinculada ao adoecimento por câncer. Posteriormente, na
hospitalização, vê-se imerso em ambiente desconhecido, permeado de estranheza,
no dia-a-dia repleto de normas e rotinas, circundado de outras co-presenças. A esse
respeito, Heidegger (2006, p.256) salienta que “o modo cotidiano em que a presença
compreende a estranheza é o desvio para a decadência, que esconde o não sentir-
se em casa”. O fato designa-se pelo filósofo como modo de manifestação do Dasein
(Ser-aí).
Ao adentrar no mundo do adoecimento por câncer, o Ser-adolescente
deixa para trás a família. O mundo diferente que o Ser-adolescente vivencia
corresponde ao modo do Ser-aí (Dasein) que, conforme Heidegger (2006, p.174-
175), define as várias maneiras que o existir humano tem de viver consigo mesmo e
com os outros, tal como na reflexão abaixo:
“Esse estar também com os outros não possui o caráter ontológico de um
ser simplesmente dado ‘em conjunto’ dentro de um mundo. O ‘com’ é uma
determinação da presença. O ‘também significa a igualdade no ser
enquanto ser-no-mundo que se ocupa dentro de uma circunvisão. A base
desse ser-no-mundo determinado pelo ‘com’, o mundo é sempre o mundo
compartilhado com os outros. O mundo da presença é mundo
compartilhado. O ser-em é ser-com-os outros. O ser-em-si intramundano
desses outros é co-presença”.
Ressalte-se que a relação de presença do profissional de saúde é de
importância ímpar pelo fato de o Ser-adolescente, em ambiente hospitalar, enfrentar
diariamente oscilações de sentimentos, perdas, impotência, tristeza e incertezas do
porvir, fatores que interferem significativamente nas possibilidades futuras de cura.
Ademais, a consciência da doença, ao longo do tratamento, faz com que o Ser-
adolescente busque forças para enfrentar o processo de adoecimento por câncer,
pela religiosidade e do Ser-com. Daí ser fundamental a presença do profissional de
saúde.
A compreensão fenomenológica do Ser-adolescente com câncer na dimensão do cuidar
67
Saliente-se que o Ser-adolescente, na vivência com o adoecimento,
apesar de constantemente arrastado para modos de ser que o leva a incerteza do
porvir, sempre encontra maneira de enfrentar o processo de adoecimento. A relação
de transcedência mostrou que o Ser-adolescente possui capacidade de enfrentar as
adversidades impostas pelo tratamento, conduzindo-o à esperança de cura, de
retorno ao ambiente familiar e às atividades corriqueiras, interrompidas.
É importante, para tornar o cuidado do Ser-adolescente com câncer mais
humanizado, conhecer seus sentimentos, suas vivências e vê-lo como Ser
individualizado. Agindo assim, espera-se que sejam traçados novos rumos do cuidar
humanizado para que o Ser mantenha a perspectiva de dias melhores.
6 REFLEXÕES FINAIS
Com a vivência profissional em oncologia pediátrica, a autora percebeu
que, de um modo geral, a assistência fisioterapêutica é realizada com tecnicismo.
Na sua percepção, a humanização no atendimento, numa perspectiva de
compreensão do Ser na dimensão ampla do cuidar, é uma realidade distante. Assim,
buscou-se nesse estudo compreender a essência do Ser-adolescente com câncer, a
fim de trazer reflexões e possíveis mudanças no modo de agir dos profissionais, na
intenção de que essa descoberta seja socializada entre os seres cuidadores.
Considerou-se a fenomenologia, o método adequado para adentrar o mundo do Ser
em processo de adoecimento.
Na pesquisa, recorreu-se ao referencial teórico da Fenomenologia
Hermenêutica, de Martin Heidegger, a qual possibilita romper com os preconceitos e
“ir às coisas mesmas”, ou seja, deixar que o fenômeno se manifeste tal como é em si
mesmo.
A realização deste estudo possibilitou maior aproximação com o mundo
vida do Ser-adolescente com câncer, permitindo perceber quão importante é a
humanização do cuidar de jovens, com alterações bruscas no cotidiano e em suas
perspectivas de vida. Percebe-se, assim, no atual contexto de crescente
tecnologização do cuidar que é fundamental o resgate da visão antropológica
holística, que compreenda a dor e o sofrimento humanos, nas diversas dimensões e
contextos.
Nesta pesquisa, a terminalidade não se manifestou de forma explícita, é
que o Ser-adolescente nutre ansiosamente o momento de estar livre da doença.
Desta forma, colaborava com o tratamento, confiante na cura da doença.
Entre os sentimentos dos adolescentes, destacaram-se, perda de
convivência com os amigos e a família, impotência de continuar as suas atividades
cotidianas, ausência da escola e incertezas do porvir. A internação distancia-os das
brincadeiras do dia-a-dia e da prática de esporte. A impotência impedia-lhes a
A compreensão fenomenológica do Ser-adolescente com câncer na dimensão do cuidar
69
manifestação do próprio modo de ser. A ruptura com a vida escolar representava
uma interrupção de seus planos futuros. A conscientização da doença, por sua vez,
provocava incertezas. Demonstra o Ser-adolescente com câncer sofrimento, apesar
de rodeado pela equipe de saúde, que, embora estando próxima, mantinha relações
impessoais.
As restrições da doença lançavam o Ser-adolescente com câncer ao
mundo desconhecido, caracterizado pelo possível e pelo impossível de realizar em
novo contexto de vida. Com efeito, o adoecimento por câncer coloca o Ser-
adolescente diante da possibilidade de não poder vir a -lo no modo conhecido e
familiar. Hospitalizado, o Ser-adolescente com câncer perde o controle sobre si
mesmo e torna-se paciente que precisa adequar-se às regras e rotinas. Neste
contexto, perde individualidade e sofre um processo de despersonalização.
A vida do Ser-adolescente com câncer segue novos rumos, pós-
diagnóstico. O impacto da notícia e a consciência da doença geram mudanças de
comportamento. Considerando intensas transformações físicas, biológicas,
psicológicas e sociais do Ser-adolescente, nessa fase, a confirmação do diagnóstico
representa impacto de dimensão mais elevada, em comparação a outras etapas da
existência do Ser.
Na hospitalização, o Ser-adolescente convive com o adoecimento, bem
como com as conseqüências advindas do tratamento do câncer. Entretanto olhar
mais atentivo e cuidadoso sobre as manifestações ônticas do Ser-adolescente
aponta para a possibilidade da presença, representada pelo profissional de saúde
em oncologia pediátrica, sair de seu mundo e ser tocado existencialmente pela
situação.
Quando a presença se relaciona com o Ser-adolescente, no modo de ser
da preocupação, para um cuidar diferenciado, percebe-se, pelas falas dos sujeitos
que, no sentido ontológico de ser da presença, dá-se uma relação de confiança e
humanização entre o profissional e o Ser-adolescente, refletindo significativamente
na recuperação do paciente.
A compreensão fenomenológica do Ser-adolescente com câncer na dimensão do cuidar
70
No processo de adoecimento, a família exerce importante papel no
enfretamento das adversidades do câncer no Ser-adolescente. A presença do ente
familiar transmite confiança e representa, por vezes, o sustentáculo no qual o Ser-
adolescente ancora-se para diminuir o seu sofrimento. A família, fonte de afeto e
segurança atua como mediadora e facilitadora de adaptação ao hospital. A relação
da família revela as dimensões existenciais do estar com o outro no mundo. A
presença da família é fundamental no processo de adoecimento, pois com o seu
apoio, o Ser-adolescente encontra forças para lutar contra o câncer.
Ente social, o ser humano convive e interage com pessoas. Assim, é
fundamental atenção em todo o processo do cuidar, com a realização dos
procedimentos técnicos. A integração resulta no cuidado efetivo, humanizado,
possibilitando ao Ser doente maior confiança e esperança no tratamento. Com base
na assertiva, depreende-se que o dia-a-dia do cuidar precisa de transformação
efetiva na prática. O profissional de saúde deve ampliar sua compreensão; perceber
elos entre as pessoas, captar seus desejos, vontades e sentimentos.
Humanizar o processo do cuidado compreende responsabilidade
profissional, bem com esforço de tratar pessoas respeitando-lhes as necessidades,
estimulando potencialidades e considerando autonomia de escolhas. Considera-se
que a humanização do cuidar não pode ser entendida somente como emprego de
técnica de tratamento, mas como ação abrangente que contemple outras
necessidades e carências do Ser-doente, a principal define-se nas relações
interpessoais, fenomenologicamente, o Ser-com, a presença...
Para o cuidar em saúde, é necessário ouvir o Ser de forma acolhedora,
minuciosa, de tal forma que se torne possível conhecer sua vida e pensar seus
problemas como Ser humano. Embora os pacientes tenham compreensão de si
mesmos e do que lhes causa sofrimento, nem sempre dispõem de alguém para
entendê-los na fase de tratamento. Assim, é fundamental que as pessoas,
principalmente os profissionais da saúde, conscientizem-se da importância de maior
interação com pacientes, como forma de humanização do cuidar.
A compreensão fenomenológica do Ser-adolescente com câncer na dimensão do cuidar
71
Com o intuito e objetivo precípuo de melhorar a qualidade do cuidar do
Ser-adolescente com câncer, a autora, diante dos resultados desta pesquisa, sugere
utilizar outras estratégias de entretenimento como a brinquedoteca
6
e a biblioterapia
como instrumento auxiliar no tratamento, técnica que consiste em utilizar a leitura
para auxiliar a recuperação dos pacientes.
Com o aprendizado e identificação com o universo pela leitura, os limites
da realidade se ultrapassam. O paciente se sentirá menos entediado manterá
relacionamento com outros adolescentes, o que certamente contribuirá
positivamente para o alcance de resultados positivos no tratamento. É de se esperar
que a leitura proporcionará melhoria do bem-estar dos adolescentes no período de
internação hospitalar, porquanto contribuirá, de forma humanizada, para minimizar
as horas ociosas nas enfermarias a que os adolescentes se prendem sem ter o que
fazer.
Desta forma, acredita-se que a biblioterapia, assim como outras
estratégias humanizadoras poderão desempenhar importante papel na minimização
dos sentimentos dos adolescentes, tais como perda, impotência, sofrimento,
angústia e isolamento, decorrentes da internação. Espera-se, assim, que os
resultados positivos se reflitam na autoestima do Ser-adolescente internado;
proporcione maior satisfação ao acompanhante e favoreça o trabalho da equipe de
saúde.
A idéia dessa discussão decorreu do fato de os adolescentes terem se
referido, nas falas, mesmo que, em alguns casos, de forma implícita, sobre o dio
do leito de enfermaria e a necessidade de se sentirem mais livres, que se
encontravam distantes do lar, da escola e dos amigos.
Sabendo-se que a situação pode acarretar um comportamento de tristeza,
medo, ansiedade, angústia e isolamento, presume-se que a leitura dirigida poderá
aliviar esses sentimentos, colaborando o tratamento do paciente, além de possibilitar
6
A brinquedoteca consiste em atividades lúdicas terapêuticas e recreativas direcionadas às crianças e aos
adolescentes hospitalizados. Sendo uma iniciativa para humanização do atendimento, foi adotada pela
Instituição na qual foi realizada a pesquisa.
A compreensão fenomenológica do Ser-adolescente com câncer na dimensão do cuidar
72
a ampliação de horizontes de conhecimentos. Além disso, a terapia contribuirá com
os adolescentes na promoção de bem estar, na compreensão e execução do
tratamento, na prevenção de males e minimização dos problemas pessoais. Essa
atividade colaborará também no autoconhecimento, no desenvolvimento emocional
e na mudança de comportamento, pela retomada do cuidado com o paciente, assim
como potencializará a dimensão do cuidar. Através da implementação deste projeto,
acredita-se melhorar a humanização do cuidar no atendimento de adolescentes com
câncer.
Como forma de divulgar os resultados e colaborar com incorporação no
serviço com ações e cuidados na perspectiva de humanização faz-se as seguintes
recomendações relativos à importância da humanização do cuidar: elaboração de
um manual, protocolo de atenção e cuidado com o adolescente com câncer.
Planeja-se apresentá-lo aos profissionais da oncologia pediátrica, por meio de
palestras, eventos de saúde, elaboração e publicação de artigos científicos. Vale
ressaltar que se compromisso a efetivação de esforços para desenvolver a
proposta supracitada, juntamente com a equipe interdisciplinar do ambiente de
cuidados de adolescentes com câncer na instituição, lócus da pesquisa.
Pretende-se, desta forma, contribuir para que, cada vez mais, os
profissionais envolvidos no tratamento do câncer infantil assumam postura
condizente com o cuidar da forma original, valorizando o Ser que, apesar do
processo de adoecimento por câncer, continua existindo no mundo vida com suas
restrições e limitações. Assim, os profissionais da área de oncologia pediátrica
estarão contribuindo efetivamente para a humanização da saúde.
A compreensão fenomenológica do Ser-adolescente com câncer na dimensão do cuidar
73
REFERÊNCIAS
ABERASTURY, A., KNOBEL, M. Adolescência normal. 10 ed. Porto Alegre: Artes
Médicas, 2000.
BARBIER, R. A escuta sensível na abordagem transversal. In:___.
Multirreferencialidade nas ciências e na educação. Editora da UFSCar, 1998, p.
169- 199.
BARGUIL, P. M; LEITE, R. C.M. Voltemos às Próprias Coisas: O Convite da
Fenomenologia. In:___. Imaginando erros. Fortaleza: Casa José de Alencar, 1997.
p. 77-111.
BARROS, R. R.; COUTINHO, M. F. G. A consulta do adolescente. In: ____.
Adolescência: uma abordagem prática. São Paulo: Atheneu, 2001. cap.1, p. 3-14.
BICUDO, M. A. V., ESPOSITO, V. H. C. Pesquisa qualitativa em educação; um
enfoque fenomenológico. São Paulo: UNIMEP, 1994.
BOFF, L. Saber Cuidar - Ética do Humano - Compaixão Pela Terra.
Petrópolis-RJ,
Vozes, 1ª, 2004.
BRASIL. Ministério da saúde. Instituto Nacional do Câncer INCA. O que é câncer.
Disponível em: http:/www.inca.gov.br/conteúdo.Acesso em: 08 set.2007.
BRASIL. Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Saúde. Resolução No 196/96.
Sobre pesquisa envolvendo seres humanos. Diário Oficial da República
Federativa do Brasil, Brasília, 10 out. 1996.
CAMARGO, B.de; KURASHIMA, A.Y. Cuidados Paliativos em Oncologia
Pediátrica. O cuidar além do Curar. São Paulo, 2007, LEMAR.
A compreensão fenomenológica do Ser-adolescente com câncer na dimensão do cuidar
74
CARVALHO, A. S. Metodologia da entrevista: uma abordagem fenomenológica.
Rio de Janeiro: Agir, 1991.
CORTINA, A; NAVARRO, M.E. Ética. São Paulo, Loyola, 2005.
DARTIGUES, A. O que é a fenomenologia? Tradução de Maria Jo J. G. de
Almeida. São Paulo: Centauro, 2002.
FERREIRA, M. R. S. O internamento na adolescência. Nursing: Ver. Téc.
Enfermagem, São Paulo, n.120, p.30-33, mar.1998.
FONTANELLA, B. J. B; RICAS, J.; TURATO, E. R., 2008, p. 1. Amostragem por
saturação em pesquisas qualitativa em saúde: contribuições teóricas. Caderno de
Saúde Pública, Rio de Janeiro, 24 (1): 17-27. jan.2008.
GADAMER, H.G. Verdade e método I: traços fundamentais de uma
hermenêutica filosófica. São Paulo: Vozes, 2004.
GALLIAN, C. M. Dante. A (Re)humanização da Medicina. Psiquiatria na prática
médica. Centro de Estudos - Departamento de Psiquiatria - UNIFESP/EPM. São
Paulo, v. 33, n. 2. 2007.
GIALDINO, I. - Metodos qualitativos: los problemas teorico metodologicos. Buenos
Aires: Centro Editor de America Latina, 1993.
HEIDEGGER, M. Ser e Tempo; Parte I. Tradução: rcia de Sá Cavalcante.
Petrópolis: Vozes, 2ª ed., 2006. (Original alemão).
HEIDEGGER, M. Ser e Tempo; Parte I. Tradução: rcia de Sá Cavalcante.
Petrópolis: Vozes, 2ª ed., 2004. (Original alemão).
HUSSERL, E. Meditações cartesianas Introdução à fenomenologia. Tradução
de Frank de Oliveira. São Paulo, Madras, 2001.
A compreensão fenomenológica do Ser-adolescente com câncer na dimensão do cuidar
75
LOPES, R. L. M., RODRIGUES, B. M. R. D., DAMASCENO, M. M. C.
Fenomenologia e a pesquisa em enfermagem. Rev.Enfermagem. UERJ, Rio de
Janeiro, v.3, n.1, p.49-52, maio, 1995.
MARTINS, J., BOEMER, M. R., FERRAZ, C. A. A fenomenologia como alternativa
metodológica para a pesquisa; algumas considerações. Rev. Esc. Enfermagem
USP, São Paulo, v.24, n.2, p.139-147, ago. 1990.
MINAYO, M. C. DE S. Pesquisa social: teoria, método e criatividade. Petrópolis-
RJ, Vozes, 2004.
MINAYO, M. C. DE S. O desafio do conhecimento - Pesquisa qualitativa em
saúde. 20ª ed. São Paulo: HUCITEC; Rio de Janeiro, ABRASCO, 2002.
MORIN, E. Educar na era planetária. O pensamento complexo como método de
aprendizagem pelo erro e incerteza humana. Brasília: Cortez/UNESCO, 2003.
MOTTA, M. G. C. O ser doente no tríplice mundo da criança, família e hospital:
Uma Descrição Fenomenológica das Mudanças Existenciais. Florianópolis, SC:
UFSC, Centro de Ciências da Saúde, 1997. 223 p.
PAREYSON. L. Verdade e interpretação. São Paulo, Ed. Martins Fontes, Ed.,
2005.
PESSINI, L., BERTACHINI, L. Humanização e cuidados paliativos. São Paulo,
Loyola, 3ª ed., 2006.
POKLADEK, D. DANUTA. A fenomenologia do cuidar: prática dos horizontes
vividos nas áreas da saúde, educacional e organizacional. São Paulo, Vetor,
2004.
POKLADEK, D. DANUTA. O cuidar do humano:
Experiências terapêuticas e
seus sentidos existenciais. São Paulo, Vetor, 2002.
A compreensão fenomenológica do Ser-adolescente com câncer na dimensão do cuidar
76
REMEN, R. Naomi. O paciente como ser humano. Summus editorial, 1993, São
Paulo-SP.
RIBEIRO, JOÃO - Augusto Comte e o Positivismo. 1ª edição. Brasil: Edicamp. 2003.
SANTOS, P. R. Adolescente, mas de passagem. 5ª ed. São Paulo, EME, 2005.
SILVA, M. J.P. Comunicação tem remédio. 2ª ed. São Paulo: Editora Loyola, 2002.
SULLIVAN, Susan B. O’, SCHMTZ, Tomas J. Fisioterapia Avaliação e Tratamento.
4ª ed. São Paulo: Editora Manole, 2004.
VOLICH, Rubens Marcelo. O Cuidar e o Sonhar. Revista: O Mundo da Saúde. São
Paulo, ano 24, V.24, n.4 jul/ago. 2000, p. 238.
A compreensão fenomenológica do Ser-adolescente com câncer na dimensão do cuidar
77
APÊNDICE A
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
Universidade Estadual do Ceará – UECE
Curso de Mestrado em Saúde da Criança e do Adolescente
Título: A COMPREENSÃO FENOMENOLÓGICA DO SER-ADOLESCENTE COM
CÂNCER NA DIMENSÃO DO CUIDAR
A pesquisa a ser realizada tem como objetivo compreender os
adolescentes com câncer em suas vivências durante o processo hospitalar. Será
realizada uma entrevista para uma melhor compreensão do adolescente em estudo.
A coleta dar-se-á através de entrevistas gravadas, com autorizações
prévias do entrevistado ou responsável. É fundamental esclarecer que a participação
no estudo não acarretará custos para o pesquisado e não sedisponível nenhuma
forma de compensação financeira ou de ajuda adicional.
O sujeito do estudo não será submetido a nenhum tipo de desconforto ou
risco durante o processo da pesquisa. As explicações com relação à entrevista
serão fornecidas antes da sua realização, ou se houver solicitação do entrevistado
durante e posteriormente o diálogo.
A pesquisa não trará prejuízo na qualidade e condição de vida e
tratamento dos participantes, assim como se assegurado, esclarecimento,
liberdade de recusa e sigilo das informações obtidas durante a entrevista. De acordo
com as normas da resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde.
Considerando todos os aspectos presentes neste termo assumo o
compromisso em cumpri-lo, respeitando as normas da resolução 196/96.
1. Dados do Pesquisador
Nome: Maria Jaqueline Braga Bezerra
Endereço: Rua Martinho Rodrigues, 1301, Bloco C, apto 902, Fátima.
CEP: 60.411-280, Fortaleza-Ce, (0xx85) 3257-5531.
A compreensão fenomenológica do Ser-adolescente com câncer na dimensão do cuidar
78
Consentimento pós-esclarecimento
Eu, _________________________________________________________, declaro
ter sido suficientemente informado e esclarecido a cerca do que li ou que foi lido
para mim, com relação ao objetivo da pesquisa e de todos os aspectos que a
envolvem, de maneira clara e detalhada e esclareci minhas dúvidas. Estou ciente,
também, das garantias de sigilo, informações permanentes e que minha participação
está isenta de qualquer despesa. Dessa forma, concordo voluntariamente em
participar deste estudo e também autorizo que minha entrevista seja gravada. Sei
que poderei retirar o meu consentimento a qualquer momento que desejar, sem
penalidades, prejuízo ou perda.
2. Sujeito da Pesquisa
Nome: ________________________________________________________
Endereço: ________________________________________________________
_____________________________ __________________________
Sujeito da Pesquisa Responsável pelo Adolescente
Fortaleza, _____/________/______
______________________________________________
Maria Jaqueline Braga Bezerra
A compreensão fenomenológica do Ser-adolescente com câncer na dimensão do cuidar
79
APÊNDICE B
ENTREVISTAS
ENTREVISTA 1 - SER-CORAGEM
Pesquisadora - Bom dia!
Ser-coragem - Bom dia!
Pesquisadora - Como tem sido para você estar doente?
Ser-coragem - É ruim. Porque não tem nenhuma pessoa que goste de ficar doente.
Porque agente perde tudo. Estando doente, porque eu gosto de jogar bola. Eu gosto
de sair. Como minha mãe diz: eu tenho que manerar nas coisas, nem tudo que eu
posso, que eu quero fazer, eu não posso fazer.
Pesquisadora - O que você não pode fazer?
Ser-coragem - Como Jogar bola, eu não posso jogar bola, não posso sair, se for pra
sair, não posso com minhas amigas, minha prima sai, ficam se divertindo.
Pesquisadora - Mas você não se diverte?
Ser-coragem - Até certo ponto, agente pode. Mais a vontade agente não pode.
Porque minha e diz: que eu sou muito danada, gosto muito de brincar, na
minha rua todo mundo gosta e mim. Porque eu falo com todo mundo, brinco, gosto
de jogar bola que minha mãe, minha diz pra mim, que pra eu ser.., eu quero ser
uma pessoa normal.
Pesquisadora - E o que é ser uma pessoa normal, você pode me falar?
Ser-coragem - Eu sei que todo mundo tem que vir pro medico, mas não que nem eu
que tenho que vir direto, perco muita coisa, o que eu não posso fazer, eu perco, que
nem hoje, minhas amigas foram todas jogar, e eu, estou aqui. Chorou...
Pesquisadora - Você joga que esporte? Chorou. Silencio...
Ser-coragem - Futsal.
Pesquisadora - Que posição você joga? Você é o quê?
Ser-coragem - Goleira.
Pesquisadora - Olha aí você gosta de defender e lutar, não é isso?
A compreensão fenomenológica do Ser-adolescente com câncer na dimensão do cuidar
80
Ser-coragem - É, mas como eu fiquei doente. Domingo, eu estava normal, normal.
Pesquisadora - Olha todo mundo fica doente
Ser-coragem - Eu sei todo mundo fica doente, mas eu fico direto, direto, direto, teve
um tempo que eu fui desenganada e o médico disse que eu não tinha mais jeito pra
mim. Aí com muita força de vontade e fé em Deus, estou eu aqui..
Pesquisadora - Então o normal que você fala é exatamente isso?
Ser-coragem - É. Ficar em casa, assim..., poder estudar normal, poder... ah! Têm
muitas coisas que eu não posso fazer. Uma vez, eu saí com meu tio e meus três
primos e fomos passar o dia fora, que pra ele eu sou importante demais. Pra onde
ele pode me levar ele me leva. eu passo mal. Não posso jogar bola, passear, me
divertir. E não posso. Mas tem uma coisa, quando eu posso, viu?
Pesquisadora - O que é esse passar mal?
Ser-coragem - Sinto muitas dores nos ossos, mesmo, é uma dor muito forte. Mas
isso, apesar da minha vida ser muito limitada, mas eu tento de vez em quando fazer
alguma coisa. Bola eu não posso. eu sofro. Eu tentei fazer outras coisas antes
como: eu fazia balé, não gostei. Fui para capoeira, não gostei,tentei hip-hope, não
gostei. Acabei indo pro futsal aí gostei.
Pesquisadora - Como foi ficar doente?
Ser-coragem - Começou com uma dor nas minhas costas. Mas foi tão fooorte, que a
minha mãe disse, todo mundo diz que eu sou difícil de sentir uma dor, a dor tem que
ser muito forte. Que eu agüento muita dor eu estava normal, aí de repente, veio a
dor nas minhas costas. Eu não estava conseguindo respirar. Uma dor nas costas.
De repente, falta de ar, sem conseguir falar. Eu durmo com meu irmão e ele chamou
minha e e ela chamou a ambulância pra mim. Vim para o hospital. Fui para
reanimação com falta de ar.
Pesquisadora - O que você quer dizer mais sobre esta doente?
Ser-coragem - É ruim ficar doente e não poder fazer as coisas. Quando eu estou
boa, eu faço tudo. Atrapalha meus estudos. era pra eu ter terminado, que eu
tenho 17 anos agora é que eu estou no ano, ainda. Eu estou perdendo aula e
minhas aulas começaram. Se eu for pra um canto e eu me esforçar muito, fico
logo passando mal, já não posso me divertir, já fazem mais de cinco anos que faço o
tratamento.
Pesquisadora - Pra você qual significado dos cuidados recebidos por você
neste hospital?
A compreensão fenomenológica do Ser-adolescente com câncer na dimensão do cuidar
81
Ser-coragem - Aqui é bom, porque todo mundo me conhece, aqui. Sabe quando eu
estou sentido uma dor, aí vem logo! Como ontem, eu estava sentindo dor, que eu
tinha tomado o remédio e a Isabel fez de tudo pra eu tomar de novo, porque ela
sabe como é a dor me deu de novo, é bom, em termos. Ninguém quer ficar
doente, mas o cuidado aqui é bom. Todo mundo é carinhoso aqui. Porque tem
canto, como eu fui pro frotinha, não entende nossa doença, pensa que é uma
coisa do outro mundo. Não, aqui não, todo mundo é legal!
Pesquisadora - Você sabe de sua doença?
Ser-coragem - Sei.
Pesquisadora - Foi importante você saber de sua doença
Ser-coragem - Foi porque minha mãe conversou comigo. Logo eu quando eu estava
entendendo ela disse que eu tinha isso, que eu tinha que ter cuidados especiais e
minha mãe me ajuda em tudo, porque eu só tenho ela.
Pesquisadora - E esse cuidado especial pra você que tipo é esse cuidado? Você
pode me dizer?
Ser-coragem - Que, como minha mãe chora muito, que diz que eu sou muito
danada, é porque eu quero sair, ai eu choro,quando ela não deixa eu sair, eu sei que
isso não é pro meu bem. minha mãe chora, diz que não é pra eu fazer isso, que
eu sei que só ela que... quando eu falei pra minha mãe, quando eu estou com raiva.
eu digo: que ela não gosta de mim, eu falo: a mãe não gosta de mim. Ela diz:
que é pro teu bem que eu não deixo, porque se eu deixar, tu vai ficar doente, e o
que? Quem sofre é eu e tu que sofre.
Pesquisadora - É uma preocupação que ela tem com você!
Ser-coragem - É. Porque ela não tem eu de filha, tem mais dois, ela se preocupa
lá e cá.
Pesquisadora - Vamos falar um pouco de futuro. Digamos que você recebesse alta
de tudo hoje, o que você pensaria para o futuro?
Ser-coragem - É... Ser uma pessoa normal, poder ter minha casa, poder ter meus
filhos, difícil. Difícil isso! Mas nada impossível. Poder ter uma vida normal como,
como você, por exemplo, como qualquer outra pessoa, poder sair, trabalhar,
passear, isso tudo, mas...
Pesquisadora - Fale mais desse futuro.
Ser-coragem - Meu futuro... Com certeza me curar, porque Deus pode tudo, pra
ele... pra ele, nada é impossível. Por que você sabe... minha doença não tem
A compreensão fenomenológica do Ser-adolescente com câncer na dimensão do cuidar
82
cura....quero passear, sair.... ah! Adoro sair, Um dia minha amiga disse, hoje tem um
jogo, mas se você quiser, eu vou pra ir, ficar contigo, tá? eu disse: não, vai
joga e ganha o jogo, por mim. Mesmo assim eu disse pra doutora: vai ... me
libera aí, só hoje. Vou só lá, assistir o jogo, nem vou jogar, só olhar, e volto pra cá às
6 horas. Vai doutora, me deixa eu ir ver o jogo, a doutora disse:mas você é
muito safada mesmo!
Pesquisadora - Que mais você queria dizer?
Ser-coragem - Aqui no hospital é bom. É bom quando a gente sente uma dor e vem
pra os médicos são todos legais, sabem como tratar a gente, mas é bom está em
casa!
Pesquisadora - É sim! Então, foi muito bom lhe conhecer, vamos nos ver outras
vezes, certo? Obrigada!
Ser-coragem - Nada, nada.
ENTREVISTA 2 - SER-FÉ
Pesquisadora - Como tem sido para você estar doente?
Ser-fé - Ruim.
Pesquisadora - Por quê? O que é esse ruim pra você?
Ser-fé - Aqui é ruim, é bom ficar em casa, aproveitar a vida, ir pra escola, é melhor
também, aqui eu não gosto da comida.
Pesquisadora - O que você pode me dizer, porque é bom ficar em casa?
Ser-fé - é bom, porque tem um ambiente amoroso, legal, tem a minha família,
que é pouco alegre, pouco divertida, sempre vou pra igreja com meu pai, ele me
dá as coisas, quando pode, é muito bom sair com meu pai.
Pesquisadora - Quando você fala aproveitar a vida, como é esse aproveitar?
Ser-fé - Aproveitar a vida, em um momento mais alegre, num ambiente mais
amoroso, mais atraente da vida que uma pessoa pode ter.
Pesquisadora - E o que é que você gosta?
Ser-fé - Comida, empanado, mortadela, carne, bife.
Pesquisadora - E isso que você gosta?
Ser-fé - É.
Pesquisadora - Vopode repetir. Assim, o que você realmente não gostou de ficar
doente.
A compreensão fenomenológica do Ser-adolescente com câncer na dimensão do cuidar
83
Ser-fé - Aqui é muito ruim, porque eu fico só deitado na cama, tomando soro, aí, não
posso sair muito não, porque eu estou com soro, quando tirar meu soro eu posso
dar uma volta aqui dentro do bloco, mais sair pra fora eu não posso não.
Pesquisadora - Então ser ruim pra você e tudo isso?
Ser-fé - É.
Pesquisadora - E qual o significado dos cuidados recebidos por você neste
hospital?
Ser-fé - Pessoal aqui é legal, mas que melhor é ficar em casa mesmo, aproveitar.
As enfermeiras as doutoras são tudo legal, mas melhor é ficar em casa.
Pesquisadora - O que você queria falar mais do que é melhor ficar em casa?
Ser-fé - Aproveitar a vida, ir pra escola, estudar.
Pesquisadora - Você gosta de estudar?
Ser-fé - Gosto.
Pesquisadora - Você faz que série?
Ser-fé - 7º ano.
Pesquisadora - Ô coisa boa, muito bem, você vai voltar a estudar, e fazer tudo
direitinho certo? Quer falar mais alguma coisa? Você pode me falar um pouco, o que
você pensa do amanhã?
Ser-fé - Amanhã pode ser um dia alegre, feliz como hoje, mais também pode trazer
muitas tristezas, muitas agonias.
Pesquisadora - O que é essa agonia?
Ser-fé - Agonia... pode ser alguma coisa triste, que pode acontecer na vida, algum
momento ruim que você pode ter.
Pesquisadora - Nesses últimos dias o que mais lhe trouxe agonia?
Ser-fé - Foram as dores que eu senti quando eu vim pra cá, quase eu não
agüentava. Quase eu não agüentava entrar no ônibus, tava doendo muito, quase
meu pai não consegue me trazer, mesmo ele me trazendo, doía muito minhas
costas, quase não agüentava. E a vontade que eu tinha mais era de ficar deitado.
Pesquisadora - O que você pensava de tudo isso, quando você estava nesse
momento difícil?
Ser-fé - Eu acreditava que Deus ia me curar e no outro dia eu ia ficar melhor pra me
puder se divertir e ir pra igreja.
Pesquisadora - Qual sua religião?
Ser-fé - Evangélica.
A compreensão fenomenológica do Ser-adolescente com câncer na dimensão do cuidar
84
Pesquisadora - Você participa mesmo da igreja?
Ser-fé - Participo. Sempre eu freqüento a escola dominical e o vou pra outros
cursos.
Pesquisadora - Quer dizer mais alguma coisa de seu amanhã, seu futuro, o que
você sonha? O que você programa?
Ser-fé - Eu programo ser, ser um professor, professor de educação física, e se Deus
quiser e se ele quiser, eu vou ser, quero ter uma família feliz igual a minha e poder
ter momentos muito mais alegres na minha vida, não como nessa infância , mas
sim quando eu estiver mais velho.
Pesquisadora - Por que você escolheu educação física?
Ser-fé - Porque eu gosto do meu professor, como ele trabalha, convive com os
alunos, ele é muito alegre e muito feliz.
Pesquisadora - Já disse tudo que tinha de dizer?
Ser-fé - Já.
Pesquisadora - Pois então, muito obrigada e tudo de bom pra você.
Ser-fé - Nada.
ENTREVISTA 3 - SER-SIMPLICIDADE
Pesquisadora - Como tem sido para você estar doente?
Ser-simplicidade - Muito ruim, por que eu me senti muito mal.
Pesquisadora - Como é esse muito mal?
Ser-simplicidade - Porque eu não queria vir pra cá, queria ficar em casa. Vir pra
atrapalha tudo. Não queria ser furado, porque dói demais.
Pesquisadora - O que é esse atrapalha tudo?
Ser-simplicidade - Deixar de estudar, de brincar com meus amigos, ficar parado
tomando remédios, ser furado pra exame.
Pesquisadora - O que mais dói em você?
Ser-simplicidade - Ficar em hospital, ser furado, ficar deitado.
Pesquisadora - Qual o significado dos cuidados recebidos por você neste
hospital?
Ser-simplicidade - Bom, pra ficar bom da doença, mas é ruim ter que usar máscara.
Aqui é ruim, em casa é melhor, pra brincar, ir pra quadra, brincar de bicicleta, jogar
bola.
A compreensão fenomenológica do Ser-adolescente com câncer na dimensão do cuidar
85
Pesquisadora - O que é bom ficar em casa?
Ser-simplicidade - Um bocado de coisa.
Pesquisadora - O que é esse bocado de coisa?
Ser-simplicidade - Minha bicicleta, meus estudos, minha mãe, meus sobrinhos,
minhas coisas.
Pesquisadora - Agora, qual o significado dos cuidados recebidos por você
neste hospital?
os cuidados recebidos aqui no hospital?
Ser-simplicidade - Muito bem, os doutores nos tratam bem, diz que tem que fazer
exame pra saber se eu estou bem.
Pesquisadora - E o que você pensa de está bem?
Ser-simplicidade - Ficar bom dessa doença.
Pesquisadora - E quando você ficar bom o que você pensa do seu futuro?
Ser-simplicidade - Ficar bom sem doença, arrumar um emprego e fazer um bocado
de coisa.
Pesquisadora - E o que você pensa e sonha de emprego?
Ser-simplicidade - Ser professor de esporte.
Pesquisadora - E o que mais do futuro?
Ser-simplicidade - Muita coisa.
Pesquisadora - E o que é muita coisa?
Ser-simplicidade - Ficar bom, brincar de bicicleta, jogar bola, trabalhar, ficar em
casa.
Pesquisadora - Quer falar mais alguma coisa do futuro?
Ser-simplicidade - Não.
Pesquisadora - Então obrigada e boa sorte!
Ser-simplicidade - Tá.
ENTREVISTA 4 - SER-ESPERANÇA
Pesquisadora - Como tem sido para você estar doente?
Ser-esperança - Muito triste, porque eu achei que...assim, pensei que.. que ia tirar
minha perna.
Pesquisadora - Por que você pensou que ia tirar sua perna?
Ser-esperança - Porque eu sabia, tinha muita dor e o RX.
A compreensão fenomenológica do Ser-adolescente com câncer na dimensão do cuidar
86
Pesquisadora - E você sabe do seu tratamento e da sua doença?
Ser-esperança - Sei, e a doença vai atrapalhar meu estudo.
Pesquisadora - E o que mais?
Ser-esperança -....chorou....é muito remédio.
Pesquisadora - E você o que sente quando toma esses remédios.
Ser-esperança - Fico, fico com vontade de provocar.
Pesquisadora - E o que mais?
Ser-esperança - Quero ficar curada.
Pesquisadora - Quando você começou a ficar doente?
Ser-esperança - Comecei senti muita dor na minha perna, é... senti dor. Minha
mãe trouxe pro médico e bateu Raio X e fiquei sabendo da doença e do tratamento
e fiquei triste.
Pesquisadora - Mas, me fale mais um pouco desse ficar triste.
Ser-esperança - Eu fico chorando e com medo, medo de tirar minha perna. E
chorou...
Pesquisadora - Agora me diga qual o significado dos cuidados recebidos por
você neste hospital?
Ser-esperança - Ah! São bons, tem muito remédio, e eu quero ficar curada.
Pesquisadora - E o que você planeja pro futuro?
Ser-esperança - Futuro? Estudar, passear...ficou em silêncio.
Pesquisadora - E o que mais?
Ser-esperança - Não tirar minha perna.
Pesquisadora - Olha, fique bem e acredite você vai ficar boa, está certo? Acredite! E
Muito obrigada!
Ser-esperança - Tá.
ENTREVISTA 5 – SER-PERSEVERANÇA
Pesquisadora - Como tem sido para você estar doente?
Ser-perseverança - Ah! Logo assim no início pra mim foi muito difícil, porque muito
nova, né? Tem a vida pela frente, e minha família entrou em desespero, todo
pessoal entrou em desespero lá na minha casa, porque muito nova, parei de estudar
e estou aqui batalhando e tenho certeza se Deus quiser vai dá tudo certo.
Pesquisadora - Essa batalha que você fala você pode dizer como é essa batalha?
A compreensão fenomenológica do Ser-adolescente com câncer na dimensão do cuidar
87
Ser-perseverança - É uma batalha muito difícil, realmente, muito difícil mesmo!
Porque a pessoa tem muitas reações.
Pesquisadora - Que reações?
Ser-perseverança - Reações fortes dos remédios.
Pesquisadora - E o que você tem a dizer do ambiente hospitalar, me diga com suas
palavras.
Ser-perseverança - Quero ir pra casa, dar saudade e falta de casa, dos colegas, das
amigas, agente sente muita saudade de casa. Em casa agente pode fazer o que
quer, aqui é igual uma prisioneira, só deitada e sentada e nada mais.
Pesquisadora - E qual o significado dos cuidados recebidos por você neste
hospital?
Ser-perseverança - Aqui os cuidados são bons, sim, as enfermeiras orientam muito
os pacientes do tratamento, é muito bom receber orientação.
Pesquisadora - Você me falou que parou os estudos. E quando você receber alta do
tratamento vai voltar a estudar? E o que você programa para futuro?
Ser-perseverança - Ah! Eu quero voltar a estudar, fazer faculdade, logo, logo no
início eu tenho vontade de ser voluntária daqui.
Pesquisadora - E o que mais?
Ser-perseverança - Ah! Vai ser diferente, quando a pessoa terminar tudo, a pessoa
dizer assim: agora estou curada. A pessoa tem toda uma vida pela frente, viajar,
porque viajar é bom demais!
Pesquisadora - Falando em cura, conte mais do seu tratamento.
Ser-perseverança - Agora, mês que vem faço um ano de tratamento, olha, logo no
início... a quimioterapia era uma em cima da outra, eu passava um dia em casa e
os outros aqui no hospital, era muito sofrido pra mim.
Pesquisadora - Atualmente como você ver todo esse tratamento na sua vida?
Ser-perseverança - Curada, é tanto que o pessoal me e tudo, eu converso com o
pessoal, e eles diz mulher! Não tem que diga que você está doente!
Pesquisadora - É mesmo, que bom! Quer dizer mais alguma coisa?
Ser-perseverança - tenho a dizer que o pessoal não desista de seus sonhos, lute
até conseguir.
Pesquisadora - Que lindo! Obrigada!
Ser-perseverança - De nada.
A compreensão fenomenológica do Ser-adolescente com câncer na dimensão do cuidar
88
ENTREVISTA 6 – SER-AMIZADE
Pesquisadora - Como tem sido para você estar doente?
Ser-amizade - Ah! Eu senti assim... um baque na minha vida, o fato que teve que
mudar tudo, mas, continuei normal, não fiz escândalo, porque tem umas
adolescentes por aí que fazem escândalo quando adoecem, mas eu não.
Pesquisadora - E esse baque, você pode me dizer com suas palavras?
Ser-amizade - Ah! Parei de estudar. Parei de fazer o que fazia.
Pesquisadora - Fazia muito o quê?
Ser-amizade - Passeava, mais passeava.
Pesquisadora - Você falou em baque e vida normal, e o que é normal pra você, em
que sentido?
Ser-amizade - Ah! Eu continuei tentando fazer o que eu fazia, mas muita gente não
me aceitava. Muitas das minhas amigas não queriam mais minha amizade.
Pesquisadora - Mais por quê?
Ser-amizade - Não sei.
Pesquisadora - Então não eram amigas!
Ser-amizade - É, eram falsas.
Pesquisadora - E o que mais?
Ser-amizade - Os meus estudos, interrompie todinho os estudo, parei no começo do
tratamento parei logo.
Pesquisadora - Porque não agüentava mesmo, o tratamento é forte!
Ser-amizade - Não, porque eu estudava na minha cidade, lá. E pra toda semana,
bem dizer, eu tinha que está aqui, no hospital, aí não dá!
Pesquisadora - E você quando receber alta, o que você planeja pro seu futuro?
Ser-amizade - Ah! Voltar a estudar. E voltar, e se consigo a metade dos meus
amigos.
Pesquisadora - Você vai consegui!
Ser-amizade - Se Deus quiser.
Pesquisadora - Além de estudar o que mais você planeja?
Ser-amizade - Vê se consigo ao menos minha fisioterapia e voltar a dobrar ao
menos a metade da minha perna.
Pesquisadora - Você vai conseguir! Você conseguiu com a cirurgia, preservar a
sua perna, não é mesmo?
A compreensão fenomenológica do Ser-adolescente com câncer na dimensão do cuidar
89
Ser-amizade - É.
Pesquisadora - E me diz uma coisa: Qual o significado dos cuidados recebidos
por você neste hospital?
Ser-amizade - Ah! Não sei se é porque eu nunca tive andado em outro hospital, mas
aqui é bom, todo mundo trata bem, todos me tratam bem!
Pesquisadora - E o que mais você pode dizer do ficar em hospital?
Ser-amizade - Ah! É muita gente, apaga e acende luz, acorda cedo, muito exame,
fica só deitada, Ave Maria, me dar uma des-impaciência.
Pesquisadora - É mesmo, concordo. Então, vamos parar por aqui está certo? foi
uma conversa muito boa, muito obrigada!
Ser-amizade - Tá bom!
ENTREVISTA 7 - SER-TOLERÂNCIA
Pesquisadora - Como tem sido para você estar doente?
Ser-tolerância - Ficar doente?
Pesquisadora - Sim.
Ser-tolerância - Senti muita tristeza, mas logo no inicio, que eu estava doente,
porque eu não tinha noção o que era o tratamento, por isso eu nem imaginava que
era, mas ao longo do tratamento eu reagi com medo, mas eu tenho muita e que
não deixei me abalar, às vezes eu...mas tem muitas coisas aqui, que hoje que eu
não tenho mais medo. Porque hoje sei o que é o tratamento, é uma fase muito difícil,
mas eu já sei como é, e também já faz 02 anos e 04 meses.
Pesquisadora - Como você enfrenta esses dias que tem que vir pro tratamento? E
chega o dia de vir pro hospital?
Ser-tolerância - Acho ruim, porque tenho que acordar cedo, pegar ônibus, mas
quando chego, tem trabalhos, projetos pra gente, aí eu me distraio.
Pesquisadora - E quando você precisa se internar o que você tem a dizer desse
ambiente hospitalar?
Ser-tolerância - Do ambiente é bom, mas a sensação de ficar presa numa cama é
muito ruim, aí eu choro porque eu não quero ficar internada, mas quando eu já estou
bem, eu logo sou liberada.
Pesquisadora - Você fica internada muitos dias?
Ser-tolerância - Graças a Deus dessas duas últimas vezes eu fiquei só 08 dias.
A compreensão fenomenológica do Ser-adolescente com câncer na dimensão do cuidar
90
Pesquisadora - Quando você ficou doente o que mais lhe atrapalhou?
Ser-tolerância - Ah! Estudar. Estudar, pois eu tenho tanta vontade de estudar, mas
minha mãe não deixa. Acho que foi na fase, mais assim, que eu tava bem, que eu
trabalhava, e foi na minha, ... como se diz na flor da idade, 15 anos.
Pesquisadora - O que lhe deu mais força pra enfrentar o tratamento?
Ser-tolerância - Minha fé e minha família.
Pesquisadora - Você trabalhava com que?
Ser-tolerância - Costura.
Pesquisadora - E Qual o significado dos cuidados recebidos por você neste
hospital?
Ser-tolerância - São bons, mas é ruim, quando tem que procurar veia, porque já está
muito difícil encontrar minha veia, aí eu sofro muito.
Pesquisadora - E o que você projeta para o futuro?
Ser-tolerância - Reagir bem ao tratamento. Terminar meus estudos, trabalhar e
ajudar minha mãe.
Pesquisadora - E em sua casa como é seu dia?
Ser-tolerância - Tenho muitos limites, não posso sair muito, tem que ter mais
cuidados, apesar, e tudo eu levo minha vida, mas...
Pesquisadora - Mas o que? Você tem a dizer mais alguma coisa?
Ser-tolerância - Que gosto de ler muito e escrever muitos pensamentos e eu até
estou lendo um livro.
Pesquisadora - Como é o nome desse livro?
Ser-tolerância - Meu coração perguntou: o significado das virtudes.
Pesquisadora - Em se falando de virtudes quais são as que combinam com você?
Ser-tolerância - Bom humor às vezes, simplicidade, deixa eu ver, coragem, amizade,
perseverança, também prudente e tolerante.
Pesquisadora - Quer dizer mais alguma coisa?
Ser-tolerância - Quero dizer que graças a Deus eu estou reagindo bem e quero
ainda esse ano ter minha alta.
Pesquisadora - Pois, valeu! Muito obrigada! E tudo de bom!
Ser-tolerância - Tá certo.
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo