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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE ARQUITETURA
DESENHANDO SATOLEP:
A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE VISUAL DE PELOTAS
NO INÍCIO DO SÉCULO XXI
HENRIQUE MACEDO LUZZARDI
Dissertação de Mestrado apresentada como requisito parcial para a obtenção
do título de Mestre em Planejamento Urbano e Regional
Orientador: Sandra Jatahy Pesavento
PORTO ALEGRE, 2007
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Para minha mãe.
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AGRADECIMENTOS
À professora Sandra Jatahy Pesavento, minha orientado-
ra e incentivadora. Aos professores Francisca Michelon,
Lara Espinosa, Célia Ferraz de Souza e Luiz Antônio Vi-
dal de Negreiros Gomes, pela disponibilidade em analisar
este trabalho.
A todos os entrevistados, em especial a Nélson Nobre
Magalhães (in memorian), pelo seu trabalho em prol da
memória de Pelotas.
Ao Sandro, pelo apoio.
A Italo Calvino, Heloísa Crocco e Vitor Ramil, pela inspi-
ração.
SUMÁRIO
SUMÁRIO ...................................................................................................................4
LISTA DE FIGURAS...................................................................................................3
RESUMO.....................................................................................................................5
ABSTRACT.................................................................................................................7
INTRODUÇÃO............................................................................................................9
1 A IMAGEM..........................................................................................................15
1.1 Leituras da Imagem.......................................................................................21
1.2 Imagem e História .........................................................................................26
1.3 Imagem e Cidade..........................................................................................31
1.4 Imagem e Branding.......................................................................................37
1.5 O Contexto Local...........................................................................................39
2 PRINCESA DO SUL ...........................................................................................45
2
2.1 A Flor do Sal..................................................................................................51
2.2 Atenas do Rio Grande...................................................................................60
2.3 Cidade do Doce.............................................................................................70
2.4 Satolep..........................................................................................................75
3 ANÁLISE DOS DADOS......................................................................................81
CONCLUSÕES.......................................................................................................102
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.......................................................................105
3
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – Símbolo (não oficial) da cidade de Nova Iorque e marcas das cidades de
Madrid, Johannesburgo, Criciúma, Rio Grande e Curitiba........................................37
Figura 2 – Foto da Charqueada Mazza. Fonte: As Marcas do Rio Grande...............55
Figura 3 – Cartão postal (Charqueada São João) e imagens da Charqueada Santa
Rita e Estância do Laranjal. Fonte: http://www.roteirodecharme.org.........................55
Figura 4 – Capa de agenda.......................................................................................56
Figura 5 – Cartão Postal ...........................................................................................56
Figura 6 – Cartões virtuais. Fontes: http://www.pelotas.rs.gov.br e
http://www.guiadepelotas.com.br ..............................................................................57
Figura 7 – Marca, website e fotos da Charqueada São João. Fonte:
http://www.charqueadasaojoao.com.br e As Marcas do Rio Grande. .......................58
Figura 8 – Marca, website e fotos da Charqueada Santa Rita.
Fonte:http://www.charqueadasantarita.com.br e http://www.roteirodecharme.org....58
Figura 9 – Folder do Roteiro de Chame....................................................................59
Figura 10 – Marca e folder da Estância do Laranjal..................................................59
4
Figura 11 – Imagens da Estância do Laranjal. Fonte: http://www.roteirodecharme.org
..................................................................................................................................60
Figura 12 – Cartões Postais......................................................................................64
Figura 13 – Cartões virtuais. Fontes: http://www.pelotas.rs.gov.br e
http://www.guiadepelotas.com.br ..............................................................................65
Figura 14 – Cartões Postais do Grande Hotel, Mercado Público e Chafariz das Três
Meninas.....................................................................................................................65
Figura 15 – Cartões Postais......................................................................................66
Figura 16 – Websites do Pelotas Convention & Visitors Bureau e da Prefeitura
Municipal...................................................................................................................67
Figura 17 – Folder Turístico ......................................................................................67
Figura 18 – Folder da Secretaria de Cultura .............................................................68
Figura 19 – Fascículo, website e postais do projeto Pelotas Memória......................69
Figura 20 – Capa do livro “A Doçaria Tradicional de Pelotas”...................................72
Figura 21 – Cartões Postais......................................................................................72
Figura 22 – Website da Fenadoce ............................................................................73
Figura 23 – Website da Secretaria Estadual do Turismo..........................................73
Figura 24 – Folder da Secretaria Municipal de Turismo, Esporte e Lazer.................74
Figura 25 – Folder da Secretaria Estadual do Turismo.............................................74
Figura 26 – Folder da Secretaria Estadual do Turismo.............................................75
Figura 27 – Capa do caderno “Pelotas 194 anos” – jornal Diário Popular ................78
Figura 28 – Folder da Secretaria Municipal de Turismo, Esporte e Lazer.................79
Figura 29 – Foto aérea da cidade. Fonte: As Marcas do Rio Grande .......................80
Figura 30 – A Pelotas do imaginário (montagem do autor sobre planta de 1922).....86
5
RESUMO
A transição entre a modernidade e a pós-modernidade tem se caracte-
rizado por um uso cada vez mais intensivo da imagem como meio de transmissão de
mensagens. Povoadas por imagens, as cidades também representam a si mesmas
de forma visual, comportando-se, de forma análoga ao mundo corporativo, como en-
tidades em busca de crescimento econômico e atração de investimentos. O objetivo
desse estudo é investigar quais são os referentes visuais de Pelotas, Rio Grande do
Sul, através da análise das representações construídas sobre a cidade, que ficaram
registradas através de imagens. Foi realizada uma pesquisa qualitativa que abran-
geu livros, cartões postais, websites, folders, símbolos e logotipos produzidos entre
os anos de 2000 e 2006, que constituem um “cartão de visitas” da cidade dos dias
atuais. Também realizamos, entre os meses de abril e junho de 2007, entrevistas
com 20 indivíduos residentes em Pelotas, onde se procurou identificar quais as ima-
gens mais presentes no imaginário local. Foi observada, no relato dos entrevistados,
a existência de uma “cidade do imaginário” cujos limites diferem da cidade real e cu-
ja centralidade é representada pela Praça Coronel Pedro Osório e o seu entorno; o
predomínio de um universo visual identificado com o período do apogeu econômico
do município e de seus efeitos (entre 1860 e 1920) como representação principal da
cidade para os seus habitantes; e o amadurecimento de uma cultura de preservação
6
do patrimônio histórico e arquitetônico, cujo impulso decisivo foi a instalação do Pro-
grama Monumenta do Governo Federal, em 2002, e a lei que permite a isenção do
IPTU dos imóveis inventariados, em 2005.
7
ABSTRACT
The transition between modernity and post modernity has been
characterized by a more and more intensive use of the image as a way of
transmitting messages. Full of images, the cities also represent themselves through a
visual way; they behave in an analogous way to the corporative world, as entities
searching for the economic growth and for attraction of investments. The goal of this
study is to investigate which are the visual references in Pelotas, Rio Grande do Sul,
through the analyses of the representations constructed in the city, which got
registered through the images. Our source included books, post cards, websites,
folders, symbols and logotypes produced between 2000 and 2006, which consist in a
"visit card" of the city nowadays. We also conducted interviews with 20 Pelotas
citizens between April and June of 2007, in which we tried to identify the most
present images in the local imaginarium. It was observed through the statements
from the interviewers the existence of a “city of the imaginarium” whose limits are
different from the real city and the centrality is represented by Coronel Pedro Osório
Square and its proximities; the strong presence of a visual universe identified to the
period of economical peak of the city and of its effects between 1860 and 1920, as
the main representation of the city to its inhabitants; and the evolution of a
preservation culture of the historical and architectonical heritage, where the decisive
8
impulse was the installation of the Monumenta Program from Federal Government, in
2002, and the law of 2005 that permits the exoneration of property taxes of all
buildings inventoried.
9
INTRODUÇÃO
A transição entre a modernidade e a pós-modernidade tem se caracte-
rizado por um uso cada vez mais intensivo da imagem como meio de transmissão de
mensagens. Contudo, a gama de canais que o homem pós-moderno utiliza para se
comunicar e para registrar suas mensagens é muito mais complexa e abrangente do
que em qualquer outro momento da história. Se a imprensa, invenção de cinco sécu-
los, foi a grande revolução que possibilitou o iluminismo e o surgimento do homem
moderno, a fotografia do século XIX congelou para sempre os momentos do cotidia-
no e provocou mudanças fundamentais na vida e na arte, que se desvinculou da ta-
refa de reproduzir a realidade. Logo surgiu a fotografia em movimento, denominada
cinema; depois a televisão; hoje, vivemos a explosão da internet. Todos estes, meios
de comunicação calcados na imagem e que, por esse motivo, possibilitam a apreen-
são quase imediata de uma enorme quantidade de informação.
Mas enquanto é consenso que a linguagem verbal necessita de um a-
prendizado sistemático para sua decodificação, para que se possa dominar a habili-
dade de interpretar e produzir textos, a linguagem visual (que, como linguagem,
também permite a leitura e a interpretação) produz dois tipos de atitudes: ora parece
inacessível e restrita ao domínio de uns poucos “iluminados” possuidores de “dons
especiais” (por exemplo, quando ouvimos alguém lamentar que “não consegue de-
10
senhar nem uma linha reta”); ora, é tratada com descaso ou ingenuidade. Com a
chegada da microinformática, o que antes era encarado como um trabalho especiali-
zado passou a ser executado, muitas vezes, por amadores com desenvoltura em
softwares gráficos: logotipos, cartazes, sinalização, apresentações, manipulação de
fotos, nada mais é mistério para quem possui uma idéia na cabeça e muitos gigaby-
tes livres no disco rígido. Acabamos, pois, cercados de imagens de baixa qualidade
formal, simbolicamente desgastadas (com o uso repetido das mesmas metáforas) e
pouco eficientes do ponto de vista informacional.
Paralela à banalização, a mercantilizão da imagem é um dos efeitos
mais notáveis das últimas décadas, invadindo o mundo com uma cascata de repro-
duções e de reproduções das reproduções (como uma estampa de camiseta basea-
da em uma foto de um livro que, por sua vez, reproduz uma obra de arte famosa).
Vivemos, portanto, em uma era em que a cópia pode ter mais valor que o original, ou
melhor, onde muitas vezes não se sabe mais o que é original e o que é cópia: a era
do simulacro (COELHO, 1998).
Nesse contexto, a imagem de um produto ou serviço pode ser tão ou
mais importante que a sua qualidade ou os benefícios que ele possa vir a proporcio-
nar aos seus consumidores. Na verdade, esses benefícios podem estar menos rela-
cionados às características intrínsecas do produto/serviço e mais com uma identida-
de, construída estrategicamente, e que busca evocar conceitos positivos tais como
liberdade, elegância, irreverência, natureza, precisão ou tecnologia. Na era do bran-
ding emocional (GOBÉ, 2007), caracterizado por excesso de produção, acirramento
da concorrência e redução das margens de lucro, não somente bens de consumo
como geladeiras, televisores ou automóveis, como também restaurantes, companhi-
as aéreas, operadoras de telefonia, veículos de comunicação e de entretenimento
11
buscam aliar suas marcas a um conjunto de atributos positivos, buscando “... dife-
renciar uma oferta com promessas de recompensa emocional que se ligarão à vida
do público por meio de experiências ímpares” (p. 13).
O exemplo mais radical dessa tendência tem sido as grandes marcas
globais, que mais do que exprimir conceitos positivos através de boas campanhas
publicitárias, patrocínios a eventos esportivos ou desenvolvimento de produtos ino-
vadores, pretendem se tornar, elas mesmas, cultura (KLEIN, 2004). Ao invés de pa-
trocinar um evento, estes gigantes corporativos criam o seu próprio espetáculo e de-
cidem quantas e quais atrações devem participar. Ou vão além da invasão dos es-
paços públicos com imensos outdoors e decidem criar a sua própria cidade, como
fez a Disney em Celebration, Flórida. Ou ainda, criam seu próprio mundo virtual na
Internet e tornam-se provedores de informação e entretenimento.
Com o crescimento da indústria do turismo e a competição cada vez
mais ferrenha entre cidades, estados e países por investimentos internos e externos,
os locais passam a também ser encarados como possuidores de uma imagem insti-
tucional, de uma identidade visual, que de forma análoga à iniciativa privada, precisa
comunicar atributos positivos e se diferenciar da concorrência para alcançar seus
objetivos. Porém, lugares são de uso coletivo, sem uma propriedade definida, palco
de uma série de manifestações culturais e de representações simbólicas. Como utili-
zar as mesmas estratégias adotadas na definição da imagem de marca de um pro-
duto ou serviço para definir a imagem de uma cidade? Como sintetizar a multiplici-
dade de estímulos visuais que nos atraem quando pensamos em um centro urbano?
E não menos importante, quem define essas imagens?
12
Este trabalho investiga como é construída a identidade visual da cidade
de Pelotas, Estado do Rio Grande do Sul. Escolhemos nosso objeto de estudo por
acreditarmos que a cidade, que após ter se tornado uma das mais ricas do Estado e
viver praticamente um século de estagnação econômica, passa atualmente por um
momento de transformação, com a crescente valorização do seu patrimônio arquite-
tônico, especialmente a partir da chegada do programa Monumenta do Governo Fe-
deral. O programa, que vem recuperando diversos exemplares do casario histórico
da cidade, financiando obras particulares e ações de fomento cultural, tem ajudado a
modificar a consciência dos cidadãos locais sobre o seu patrimônio, além de prepa-
rar a cidade para se tornar um pólo turístico regional, o que poderá trazer um incre-
mento significativo na atividade econômica e, conseqüentemente, na qualidade de
vida da população.
Por isso, escolhemos como título desse estudo Desenhando Satolep: a
Construção da Identidade Visual de Pelotas no início do Século XXI. Desenhando
Satolep é uma forma irônica de fazer referência aos guias de viagem como Traçando
Porto Alegre. Ao mesmo tempo, utilizamos a palavra desenho tanto na sua acepção
mais comum (de representação gráfica) quanto no sentido de projeto, já que procu-
ramos pensar como se representa e como se projeta a cidade de Pelotas (também
conhecida pelo anagrama Satolep) nos primeiros anos do século XXI. Já o conceito
de identidade visual é utilizado conforme Strunck (2003, p. 57): “... conjunto de ele-
mentos gráficos que irão formalizar a personalidade visual de uma empresa, idéia,
produto ou serviço”. Sendo que, neste caso, estamos aplicando este conceito às ci-
dades.
Nosso objetivo geral foi, portanto, definir quais são as imagens referen-
ciais da cidade de Pelotas, e se desdobrou nos seguintes objetivos específicos:
13
1. Identificar que elementos visuais da cidade de Pelotas têm sido utili-
zados para representá-la, especialmente a partir da chegada do Monumenta (2002);
2. Identificar as razões pelas quais essas escolhas foram feitas;
3. Comparar a percepção do pesquisador com a percepção do grupo
investigado (pessoas envolvidas com a memória e a cultura da cidade e profissionais
da área turística, de serviços e da cena política do município).
Acreditamos que as conclusões deste estudo possam colaborar para
um entendimento mais profundo de como se dá o processo de identificação da po-
pulação com determinadas imagens que remetem à sua própria cultura, seus símbo-
los, seu modo de atuar no mundo. Desta forma, pode-se produzir uma apropriação
mais consciente dessas imagens, procurando utilizá-las não só como uma forma de
propaganda ou de atração de capital externo, mas como uma forma de despertar a
consciência da própria comunidade para a valorização do seu entorno, daquilo que
lhe torna única, e que o cotidiano torna invisível ou simplesmente banaliza.
Para construir o referencial teórico necessário à compreensão das
questões propostas, estudamos o fenômeno imagem, buscando investigar suas ori-
gens, seu modo de operação e as formas pelas quais os seus significados podem
ser apreendidos. Ainda, buscamos relacionar a imagem com outros três campos de
conhecimento, fundamentais para os objetivos desse estudo: a história, a cidade e o
branding.
Após, apresentamos uma retrospectiva visual da história de Pelotas,
buscando identificar as representações que foram construídas sobre a cidade com o
passar dos anos, e que foram (ou não) registradas em imagens. Por esse motivo, as
14
divisões do capítulo Princesa do Sul serão nomeadas com os diversos “títulos” rece-
bidos pela cidade (eles próprios, denotativos de uma visão particular da urbe): A Flor
do Sal, Atenas do Rio Grande, Cidade do Doce e Satolep.
A seguir, utilizando a técnica de entrevistas semi-estruturadas, busca-
mos recolher impressões sobre esse momento da história de Pelotas e comparar as
percepções dos cidadãos acerca da identidade visual da cidade com as impressões
coletadas anteriormente pelo pesquisador, a partir da pesquisa de imagens.
Por fim, fizemos uma análise dos resultados, buscando responder às
questões formuladas, e concluímos com as considerações finais do trabalho e pro-
postas de futuras pesquisas.
15
1 A IMAGEM
A imagem nasceu vinculada ao sagrado, como mediadora entre o visí-
vel e o invisível (DEBRAY, 1993). A tentativa de imortalizar o que é mortal está no
cerne da produção das primeiras imagens, e é o berço daquilo que hoje denomina-
mos arte. A imagem funcionou, e ainda funciona, como uma forma de contraposição
da morte ou, pelo menos, de prorrogação da vida:
Com efeito, somente aquele que passa, e sabe disso, quer
permanecer. A maioria das fotos e filmes têm como objeto aquilo que
se sabe estar ameaçado de desaparecer: fauna, flora, aldeias, velhos
quarteirões, fundos submarinos (p. 28)
A imagem pode ser também uma forma de defesa, um intermediário no
processo de cura, em outras palavras, um “meio de sobrevivência” (p.33). Esse sta-
tus atribuído às imagens tem se modificado à medida que o homem adquire maior
poder sobre a natureza e, conseqüentemente, maiores condições de enfrentar as
doenças e os desastres – em outras palavras, quando adquire a capacidade de pos-
tergar a morte. Quando isso acontece, como na civilização ocidental desenvolvida,
diminui a necessidade das imagens como intercessores entre a vida e o sobrenatu-
ral, e o estatuto da imagem é alterado.
16
Debray apresenta os três momentos da imagem, as “três idades do o-
lhar” (p.203): a logosfera, correspondente à era dos ídolos, situada entre a invenção
da escrita e da imprensa; a grafosfera ou era da arte, que se estende até a chegada
da TV a cores; e a videosfera, a época atual. Estes períodos se distinguem em ter-
mos de mobilidade (a logosfera é imóvel, a grafosfera lenta, a videosfera frenética),
espaço (o ídolo é autóctone, a arte ocidental, o visual mundial) e mentalidade (do
mágico para o religioso, do religioso para o histórico e do histórico para o técnico).
São etapas que, contudo, não se anulam; ao contrário, a Igreja, o Museu e a Televi-
são continuam a conviver e a se influenciar mutuamente.
Para o autor, não existe “linguagem visual”, pois o caráter definidor da
linguagem é ser passível de tradução (p. 57); se assim fosse, imagens poderiam ser
traduzidas em palavras, e essas, por sua vez, em novas imagens. Por isso, o uso de
termos da lingüística para explicar o fenômeno das imagens (tais como linguagem,
vocabulário e alfabeto) deve ser colocado entre parênteses, já que têm sido os mes-
tres da palavra, e não os mestres da imagem, que vêm tentando explicá-la.
Para John Berger, a forma como vemos as coisas depende daquilo que
sabemos ou acreditamos (1999, p.10). O surgimento da fotografia provocou mudan-
ças fundamentais na forma como recebemos as imagens; primeiro, a atemporalida-
de da imagem, característica da pintura, se perdeu: o que se vê passa a ser uma
decorrência de onde se está, e quando (p.20). Segundo, a reprodutibilidade dos
meios fotográficos (e dos métodos que o seguiram) tornou as imagens da arte “efê-
meras, ubíquas, insubstanciais, disponíveis, sem valor, livres” (p.34), pois ao serem
manipuladas livremente e inseridas em meio a outros textos e imagens (pela publici-
dade e pela própria arte contemporânea) passam a servir a propósitos diferentes
daqueles para os quais foram criadas.
17
Berger afirma que a publicidade, que está no cerne do capitalismo, se
utiliza das imagens da arte para produzir o glamour e, com isso, alimentar falsas ne-
cessidades. A veracidade da propaganda não está em julgamento, pois o que impor-
ta não é o cumprimento da promessa, mas o quanto ela se ajusta na fantasia do
consumidor. Segundo o autor,
...o abismo entre o que a publicidade realmente oferece e o
futuro que promete corresponde ao abismo entre o que o espectador-
comprador sente que é, e aquilo que ele gostaria de ser (p.148)
Dois autores da área do design buscam construir uma taxonomia das
representações gráficas e investigar as relações entre texto e imagem. Na obra A
Sintaxe da Imagem (1997), Donis A. Dondis defende a posição de igualdade entre
imagem e texto. Para a autora há três níveis de linguagem visual, que “se super-
põem, atuam uns sobre os outros e reforçam mutuamente suas qualidades específi-
cas” (p.98): o nível representacional, que busca fidelidade às características visuais
do objeto representado; o nível abstrato, que se ocupa dos elementos constitutivos
da imagem, as “forças estruturais subjacentes da composição” (p.99) e as relações
entre elas; e o nível simbólico, que permeia os outros dois níveis, atribuindo signifi-
cados à mensagem visual através da comparação entre as características formais
da imagem e o universo de símbolos codificados que o homem tem criado arbitrari-
amente.
Por isso, a imagem altamente representacional é, segundo a autora,
pouco complexa em termos de comunicação. No entanto, em toda imagem altamen-
te representacional, coexiste uma informação abstrata que expõe as forças visuais
elementares da imagem (a composição) e que, por sua vez, carrega uma informação
18
simbólica oculta, com uma enorme influência sobre a interpretação da mensagem
visual.
Em termos de estilo, Dondis apresenta cinco categorias, que possuem
maior ou menor importância de acordo com a cultura ou o período histórico aborda-
do, mas que nunca desaparecem completamente. São elas o Primitivo, o Expressio-
nismo, o Classicismo, o Embelezamento e o Funcionalismo.
Colorido, plano, puro, simples e sintético, o Primitivo relaciona-se com
uma intenção sincera de produzir um efeito de realidade, que, no entanto, não se
concretiza, em função da técnica pouco apurada. Como exemplos do Primitivo, te-
mos a pintura rupestre e o desenho infantil.
O Expressionismo busca uma “resposta emotiva máxima do especta-
dor” (p.159), através de atributos como espontaneidade, exagero, complexidade, dis-
torção, irregularidade e experimentalismo. A própria pintura expressionista é uma
forma deste estilo, que sempre privilegia o emocional buscando “uma visão interior
da realidade, carregada de paixão e de intensos sentimentos” (p.158).
Já o Classicismo busca sempre a harmonia e a pureza das linhas, ten-
do seu expoente máximo na arte e arquitetura gregas. Através dos atributos de si-
metria, convenção, organização, coerência e unidade, tende mais à razão que à
emoção no ato de projetar.
À harmonia do Classicismo se contrapõe o exagero do Embelezamen-
to, que aparece na história da humanidade sob diferentes rótulos como Barroco, Ro-
cocó, Arte Vitoriana e Art Nouveau. A autora define a categoria com a frase “a união
mais desejável entre dois pontos é uma curva” (p.162), com a qual sintetiza as ca-
19
racterísticas marcantes desse estilo: tendência ao redondo, complexidade, profusão,
detalhismo, variedade e diversidade.
Por fim, o Funcionalismo busca a construção formal através de consi-
derações econômicas e de utilidade (propriedades funcionais do objeto), caracteri-
zando-se pela coerência, simplicidade, simetria, organização, sutileza, regularidade
e monocromia. Nesse estilo, a beleza das formas deriva de seu sucesso construtivo,
ou seja, “das qualidades temáticas e expressivas da estrutura subjacente que há em
qualquer obra visual” (p.163). O Modernismo é o movimento mais recente a se ba-
sear na estética funcionalista.
Gomes (1998) também reclama pela autoridade das imagens. O autor
traça um panorama de todas as representações gráficas produzidas pelo homem na
obra Desenhando. Essas representações gráficas, chamadas de ideografias, são
divididas em dois grandes grupos: as fonografias (numerografia, silabigrafia, alfabe-
tigrafia e musicografia), e as iconografias (aborigenografia, pictografia, logografia e
morfegrafia).
O que distingue esses dois grupos é o fato das iconografias serem re-
presentações visuais compreensíveis ao receptor sem a necessidade de um auxílio
verbal, ao passo que as fonografias necessitam da formação de imagens visuais so-
noras, sem as quais não é possível compreender a mensagem. Por esse motivo,
considera-se a fonografia mais sofisticada que a iconografia, muito embora os siste-
mas fonográficos não passem de uma evolução dos pictogramas às escritas cunei-
forme, hieroglífica e, finalmente, ao sistema alfabético, que ocorreu devido a altera-
ções de ordem produtiva, econômica e social.
20
No entanto, em muitas situações, os iconogramas constituem meios de
comunicação muito mais rápidos, em função de sua rapidez de decodificação, além
de não necessitarem uma educação sistemática para serem compreendidos. Por
exemplo, enquanto as fonografias variam de acordo com cada cultura (pois seu su-
porte é a linguagem falada), a sinalização dos aeroportos mantém-se basicamente a
mesma em diferentes países, por causa da universalidade dos sinais gráficos adota-
dos. Contudo, os signos iconográficos tendem a se prender com mais facilidade ao
seu significante, tornando mais complexa a tarefa de lhes atribuir outros significados.
A maior complexidade da fonografia frente à iconografia pode ser con-
fundida com uma indicação de maior valor ou importância. Para o autor, o equívoco
em privilegiar o ensino da linguagem escrita em detrimento da linguagem visual tem
causado prejuízos no potencial de expressão gráfica do homem ocidental, razão da
superficialidade com que é tratada a maioria das decisões relativas à cultura material
(da construção de pontes à preservação do artesanato). De fato, na maioria das so-
ciedades desenvolvidas,
...a representação gráfica tornou-se especializada para fun-
cionar como meio de representação visual da palavra, submetendo a
representação visual de imagens a sociedades, supostamente, de
cultura inferior, primitivas ou aborígenes (p.28)
No entanto, o contrário também pode ser dito: em muitas situações, a
escrita também serve como uma forma de representação textual da imagem ou ico-
notexto. Há muitos séculos, o homem produz estátuas e moedas nas quais grava
pequenos textos que informam detalhes sobre a cena representada. Os Arcos do
Triunfo romanos são, por si mesmos, imagens contundentes e símbolos de poder e
autoridade. Contudo, não podem prescindir de textos informativos sobre as batalhas
vencidas ou sobre os imperadores que os mandaram construir. Na atualidade, os
21
cartazes de cinema, bem como certos símbolos gráficos de empresas multinacionais
(cuja popularidade pode, eventualmente, dispensar o uso dos logotipos, ou seja, da
escrita personalizada do nome) são exemplos de que textos também podem ser co-
adjuvantes da linguagem visual na tarefa de transmitir mensagens.
1.1 Leituras da Imagem
Para trabalhar com imagens é necessário, em primeiro lugar, entender
o que essas imagens têm a nos dizer. Mas qual é o processo para apreender o signi-
ficado de uma imagem?
Para os iconografistas, as imagens são feitas para serem lidas. De fa-
to, a teoria de Erwin Panofsky e seus colegas, desenvolvida no início do século pas-
sado, tem a sua raiz no pensamento de Aby Warburg, o fundador da “ciência sem
nome” que se propunha a realizar a um mapeamento das “fórmulas expressivas”, as
pathosformel (BURUCÚA, 2006, p.11). Warburg legou a seus sucessores uma me-
todologia de leitura de imagens, as quais entendia como um traço das tensões espi-
rituais de cada cultura.
Panofsky (apud BURKE, p.45) define três níveis de interpretação de
uma imagem, correspondentes a três níveis de significado: o nível pré-iconográfico,
voltado para a descrição formal da imagem e de seus elementos constitutivos (ca-
sas, pessoas, vegetação etc.); o nível iconográfico, que busca identificar o evento
que está sendo retratado, o “significado convencional” da obra; e o nível iconológico,
que se ocupa do “significado intrínseco” da imagem, ou seja, com o que ela nos re-
vela sobre as mentalidades da época e do lugar que a produziu.
22
O método iconográfico vem sendo criticado por muitas razões. A identi-
ficação dos elementos individuais de uma imagem pode nos dizer muito pouco sobre
a percepção do conjunto. A característica do método torna-o muito subjetivo, como
ilustram as diferentes interpretações da mesma imagem feitas por autores distintos.
Ainda, a iconografia privilegia um significado único para a imagem, sem levar em
consideração as diferentes interpretações que podem ser feitas por pessoas distin-
tas, ou seja, sem considerar a bagagem cultural do espectador. Pressupõe, ainda,
que toda a imagem possui um significado oculto, desprezando a pintura abstracionis-
ta e os pintores de paisagens, mais interessados em despertar sensações, e para
quem a própria forma é o conteúdo da obra.
O método iconológico é ainda mais abstrato, pois pode cair em genera-
lizações, identificando um “espírito da época” em uma determinada pintura e dessa
forma homogeneizando toda a produção cultural de um período. Igualmente, tanto a
iconografia quanto a iconologia subestimam a enorme variedade de imagens dispo-
níveis. No entanto, a preocupação com os detalhes da imagem, a leitura conjunta de
obras às vezes distanciadas geograficamente e a recuperação das sensibilidades do
passado têm sido de bastante utilidade aos leitores de imagens.
Outras correntes oferecem caminhos para a decodificação das ima-
gens, como a Psicanálise, a História Social da Arte, a Semiótica e a Gestalt. Apoiado
no significado inconsciente das imagens, o enfoque psicanalítico parte da obra fun-
dadora de Sigmund Freud, A Interpretação dos Sonhos, e busca analisar a relação
entre os objetos representados na imagem e os conteúdos subliminares expressos
por esses objetos, bem como pela relação entre eles. É de fato um caminho instigan-
te, se pensarmos que as imagens podem ser, especialmente nos sonhos, projeções
de fantasias e desejos reprimidos. No entanto, o método psicanalítico é questionado
23
por ser demasiadamente especulativo, por não considerar a natureza da cultura que
gerou a imagem, e por não poder acessar os produtores da imagem (já não é possí-
vel colocar no divã os autores das imagens analisadas pelos historiadores).
Os pesquisadores agrupados no amplo espectro da História Social da
Arte, como Arnold Hauser, Francis Haskell e David Freedberg entre outros, preocu-
pam-se com o contexto social da imagem, quer dizer, com as condições sociais em
que esta imagem foi encomendada, produzida e exibida. O espectro de interesses
desses estudiosos vai desde as relações de gênero, como no caso da teoria feminis-
ta, até as relações entre emissão e recepção das imagens (teoria da recepção). His-
tórias de “más interpretações” e de iconoclasmos nos dizem muito sobre mudanças
na forma de perceber imagens, e conseqüentemente, sobre mudanças ocorridas na
mentalidade de uma época. Para os historiadores, o ocultamento de uma imagem é,
às vezes, mais importante que a sua presença.
Já a Semiótica ou Semiologia (termos freqüentemente, mas nem sem-
pre, encarados como sinônimos) é uma área do conhecimento que se dedica aos
modos como se constituem os processos de produção de significação e de sentido.
Para Oliveira (2005) existem muitas definições para a semiótica, tantas quanto as
suas ramificações. De uma forma bastante simplificada, podemos dividir a semiótica
em três correntes principais:
- a Semiótica Peirceana, cujo fundador foi o teórico norte-americano
Charles Saunders Peirce. Ele criou um sistema que abarca todos os tipos de signos
utilizando apenas três classificações: primeiridade (firstness), o ato de apenas ver os
fenômenos; secundidade (secondness), a capacidade de distinguir e discriminar os
eventos, e terceiridade (thirdness), a propriedade de estabelecer generalizações e
24
categorizações, com a qual é possível o acúmulo de conhecimento. É de Peirce
também a idéia de signo (mediador entre o espectador presente e algo ausente, o
qual representa), bem como de ícone, índice e símbolo, três formas de representa-
ção (o ícone por semelhança, o índice pelas marcas do representado e o símbolo
por uma convenção pré-estabelecida);
- a Semiótica Sausurreana, Semiologia ou Estruturalismo, baseada nas
idéias de Ferdinand de Sausurre e na Lingüística, cujos teóricos posteriores incluem
Barthes, Greimas e Landowski. Para os semiologistas, uma imagem pode ser vista
como um sistema de signos, que por sua vez estaria vinculada a um sistema maior,
a linguagem. O enfoque estruturalista privilegia as associações entre os diversos
signos presentes no sistema, bem como as oposições, inversões e ausências que
podem ser retiradas da combinatória de signos.
- e a Semiótica da Cultura, que é o prosseguimento de uma tradição de
origem russa. A Semiótica da Cultura investiga o fenômeno da produção de sentido
relacionado com o contexto cultural, definindo as imagens como “textos culturais”.
A maior crítica dirigida à semiótica, para além do fato de os próprios es-
tudiosos dessa área não se entenderem quanto a uma definição precisa sobre o seu
objeto de estudo, está no fato de os semiotas procurarem com freqüência “o” signifi-
cado da imagem, enquanto que os pós-estruturalistas, corrente mais recente, admi-
tem tantos significados quantos forem os leitores da imagem. Ora, sabemos que i-
magens permitem diversas interpretações, mas é fato que existe, em quase toda i-
magem, uma tentativa ao menos inconsciente de se dizer alguma coisa. Ou seja, o
meio termo entre os dois limites da semiótica parece um caminho mais interessante
para os leitores de imagens.
25
Ao contrário do valor simbólico, os gestaltistas preocuparam-se com o
valor formal, mais precisamente com as leis que regem a organização da forma. Pa-
ra isso, usaram a fisiologia do sistema nervoso na tentativa de explicar a preferência
por certos tipos de formas ou arranjos visuais em detrimento de outros (GOMES FI-
LHO, 2000). Os estudiosos dessa escola alemã do inicio do século XX, cuja teoria
influenciou o movimento moderno especialmente na arquitetura e no design, formu-
laram um pressuposto de que as “forças externas” que agem sobre o mecanismo da
visão provocam a ação de “forças internas” que tendem à organização da forma se-
gundo determinados princípios, como contraste, fechamento, boa continuação, pro-
ximidade, semelhança e pregnância, sempre buscando o arranjo mais simples. Se-
gundo essa teoria, não percebemos elementos isolados, mas sim relações entre e-
lementos. Ou seja, somente podemos perceber um elemento pela sua oposição com
relação a um fundo (contraste), pela semelhança com outros objetos, etc.
Para a Gestalt, o modo como percebemos as formas à nossa volta in-
depende da nossa vontade e do nosso aprendizado (FRACCAROLI apud GOMES
FILHO, op. cit.). Ora, a crítica que pode ser dirigida à Escola Gestalt é oposta àquela
enfrentada pelos iconografistas e semiotas: enquanto estes procuram enxergar nas
entrelinhas da imagem um “significado oculto” que quase nunca é partilhado pela
totalidade dos observadores (e muitas vezes nem pelo produtor da imagem), os ges-
taltistas desprezam totalmente a influência da cultura na percepção das formas, co-
locando todo o fenômeno da recepção das imagens em um sentido puramente fisio-
lógico, como se, além de um ser natural, o homem não fosse um ser cultural.
Nosso ponto de vista, com o qual vamos desenvolver esse estudo, é o
de aceitar as contribuições de cada um desses campos, que sem dúvida foram deci-
sivas para o avanço das pesquisas sobre imagens. Acreditamos inclusive que as vi-
26
sões propostas por cada uma dessas correntes, por se basearem em áreas do co-
nhecimento tão distintas como a Psicanálise, a História e a Fisiologia, podem ser uti-
lizadas de forma complementar em muitas situações. Dessa forma, e tomando as
devidas precauções, aceitaremos esse legado.
1.2 Imagem e História
Nas palavras de Walter Benjamin, a cidade é um “livro de pedra” (apud
Pesavento, 2004), e suas imagens, inscritas na materialidade da urbe – casas, ruas,
praças, pontes – registram modos de pensar, avanços técnicos e mudanças de men-
talidades. Para Pesavento (2002),
...as imagens urbanas trazidas pela arquitetura – ou pelo tra-
çado da cidade, ou pela publicidade, pela fotografia, pelo cartaz, pelo
selo, pela pintura, pelo desenho e pela caricatura – têm, pois, o po-
tencial de remeter também, tal como a literatura, a um outro tempo.
(...) O espaço urbano, na sua materialidade imagética, torna-se, as-
sim, um dos suportes da memória social da cidade. (p.16)
Nas últimas décadas, a imagem teve seu status revisto pelos historia-
dores, de mera ilustração que acompanhava o texto escrito, a fonte documental de
primeira linha. Além da História Social da Arte, já mencionada, ocorreu a entrada em
cena da História Cultural ou Nova História Cultural, cujos antecedentes remontam ao
século XIX (PESAVENTO, 2004). Esta nova modalidade da história passou a enca-
rar a cultura como “um conjunto de significados partilhados e construídos pelos ho-
mens para explicar o mundo” (p.15) e, a partir desta ótica, admitiu o valor simbólico
das práticas e experiências humanas, bem como das suas representações e visões
de sociedade.
27
Com isso, a história deixou de ser um relato definitivo do acontecido
para converter-se em uma “ilusão controlada”, cuja construção produz um “efeito de
verdade” e mesmo toma o lugar do passado. Com essa mudança, tem buscado
...decifrar a realidade do passado por meio das suas repre-
sentações, tentando chegar àquelas formas, discursivas e imagéti-
cas, pelas quais os homens expressaram a si próprios e o mundo (p.
42)
O acesso aos códigos de outras épocas se torna, portanto, o grande
desafio da História Cultural, na busca pela interpretação dos vestígios históricos de
acordo com o olhar do tempo em que foram produzidos. Nesse contexto, além de
fontes da maior importância, as imagens passaram a constituir um campo de pes-
quisa autônomo dentro da História contemporânea. As imagens, como as palavras,
são “formas de representação do mundo que constituem o imaginário” (p.86), e co-
mo tais, têm muito a dizer sobre épocas, costumes e mentalidades, desde que o his-
toriador saiba utilizá-las como representações do passado, e não como sua mímesis.
Nessa ótica,
…o que importa é ver como os homens se representavam, a
si próprios e ao mundo, e quais os valores e conceitos que experi-
mentavam e que queriam passar, de maneira direta ou subliminar,
com o que se atinge a dimensão simbólica da representação. (p.88)
O uso de imagens como “testemunhas do passado” deve levar em
consideração, portanto, as características culturais desse passado da qual foram
testemunhas. Burke (op. cit.) comenta a possibilidade do uso das imagens como fon-
tes históricas, pois
...como objetos de devoção ou meios de persuasão, de
transmitir informação ou de oferecer prazer [demonstram] antigas
formas de religião, de conhecimento, crença, deleite, etc. (p.17)
28
Porém, alerta para os perigos em lidar com a imagem como se fosse
um espelho do que é representado. Toda representação possui distorções, não so-
mente aquelas provocadas pelas limitações da técnica, mas principalmente as de-
correntes das normas de representação vigentes, dos objetivos dos produtores da
imagem e das ideologias dominantes no momento de sua produção. Esses aspectos
modificam a cena representada, incluindo ou omitindo informações de acordo com a
vontade do executor ou de seus patrocinadores.
No entanto, ao mesmo tempo em que podem distorcer a realidade, i-
magens oferecem um registro das mentalidades da época, sendo assim muito úteis
ao pesquisador, pois
... o processo de distorção é, ele próprio, evidência de fenô-
menos que muitos historiadores desejam estudar, tais como mentali-
dades, ideologias e identidades. A imagem material ou literal é uma
boa evidência da “imagem” mental ou metafórica do eu ou dos ou-
tros. (p.37)
Por exemplo, imagens que reproduzem acontecimentos históricos ou
feitos grandiosos de uma nação freqüentemente abusam de artifícios para dar um
caráter grandioso à cena representada. Por outro lado, imagens que pretendem
descrever uma terra estrangeira podem fazer uma interpretação simplista ou precon-
ceituosa da cultura retratada, analisando-a como similar à sua ou, pelo contrário, co-
locando-a deliberadamente em oposição.
Como um registro fidedigno do acontecido, ou como uma “testemunha
ocular” da realidade, imagens são bastante discutíveis. Mesmo a fotografia, conside-
rada por muitos uma forma fiel de apreensão da realidade, pode ser uma armadilha,
em virtude das manipulações pré e pós-fotográficas (como a montagem da cena re-
presentada ou a alteração no tempo de exposição, por exemplo) ou as inúmeras al-
29
terações que a tecnologia dos softwares gráficos possibilita na atualidade. De fato,
as fotografias sempre puderam ser alteradas, manipuladas, retocadas, mesmo que a
interferência se restringisse à escolha do enquadramento (o que, por si só, implica
em uma escolha por parte do fotógrafo, e, portanto, em um recorte específico da rea-
lidade). Assim,
...as imagens não são nem um reflexo da realidade social
nem um sistema de signos sem relação com a realidade social, mas
ocupam uma variedade de posições entre estes extremos. Elas são
testemunhas dos estereótipos, mas também das mudanças graduais,
pelos quais indivíduos ou grupos vêem o mundo social, incluindo o
mundo de sua imaginação (p.232)
Recentemente, novas áreas do conhecimento vêm estudando os me-
canismos de preservação e promoção do patrimônio das cidades, com reflexos dire-
tos na apropriação e produção de imagens que representam essas cidades. A Inter-
pretação do Patrimônio é uma dessas novas disciplinas, e remonta ao trabalho de
Freeman Tilden Interpretating Our Heritage, de 1967 (MURTA & GOODEY, 1995,
p.19). A Interpretação pode ser definida como
...um processo de adicionar valor à experiência de um lugar,
por meio da provisão de informações e representações que realcem
sua história e suas características culturais e ambientais (p.19)
A Interpretação do Patrimônio tem como objetivo principal aumentar o
conhecimento e a compreensão do público sobre o objeto de intervenção, seja ele
um sítio histórico, um parque ou reserva florestal, uma área específica de uma cida-
de ou mesmo a sua totalidade. Dessa forma, busca criar relações de respeito e pro-
teção que irão viabilizar a sustentabilidade e a preservação do patrimônio. Na Grã-
Bretanha, os conceitos de interpretação começaram a ser aplicados já nos anos
30
sessenta em parques e reservas naturais, tendo evoluído para áreas históricas, vilas
e cidades, tornando-se o principal produto da indústria turística (p.21).
Dentre os princípios da interpretação (p. 23) encontram-se:
- estimular os sentidos do visitante;
- utilizar diferentes mídias para atrair interesse;
- estimular a curiosidade e o aprofundamento no tema observado;
- mostrar a totalidade do fato ou evento histórico;
- possibilitar a acessibilidade, prevendo necessidades especiais;
- envolver a comunidade;
- apresentar o tema em seus diferentes aspectos (socioeconômico, e-
cológico, arquitetônico), bem como suas implicações no passado, presente e futuro
(dimensão histórica);
- expor o tema no contexto cultural local, estimulando a aceitação de
hábitos e atitudes diversas;
- criar serviços de conveniência e atendimento ao cliente.
As etapas para a elaboração de um plano interpretativo (p.26) são as
seguintes: o Registro, onde é feito um levantamento dos recursos culturais, técnicos
e financeiros necessários, a definição dos setores da comunidade envolvidos, das
características e temas do lugar a serem explorados e dos mercados potenciais; o
31
Desenho e Montagem, que a partir da etapa anterior, estabelece quais os suportes
físicos e recursos audiovisuais serão utilizados para interpretar o tema, tais como
folders, sinalização, painéis fotográficos, shows e performances ao vivo, apresenta-
ções multimídia (som, vídeo, animações), reconstrução de ambientes de época etc.;
e a Publicidade e Gestão, que se ocupa em divulgar a atração nos canais de comu-
nicação e prover a sua continuidade e sustentabilidade através de monitoramento
contínuo e do fomento a promoções e parcerias com entidades locais.
A avaliação do plano interpretativo, segundo Carter (1997), é funda-
mental para medir o sucesso do projeto e apontar as mudanças necessárias. A ava-
liação pode ser feita no plano econômico ou de gestão (por exemplo, para medir o
aumento de visitantes em um lugar) ou comunicacional (para medir a qualidade da
informação recebida por esse público), e pode ser desenvolvida utilizando meios in-
diretos (observação) ou diretos (questionários), quantitativos (número de visitantes,
tempo despendido na visitação) e qualitativos (opiniões, percepções e sentimentos
acerca da experiência) (p.35).
O autor ressalta, contudo, que a Interpretação é útil e necessária, po-
rém um bom plano interpretativo deve levar em consideração, inclusive, áreas onde
recursos visuais e de apoio não devem ser utilizados. Locais onde a experiência do
“selvagem” ou “intocado” é importante devem permanecer dessa forma, sob pena de
frustrar a experiência do usuário (p.23).
1.3 Imagem e Cidade
No momento em que a população urbana supera a população rural pe-
la primeira vez na história, as cidades se tornam mais do que nunca protagonistas
dos avanços e conflitos que caracterizam a trajetória humana. Assim sendo, cresce
32
a importância de pesquisar os mecanismos que regulam o seu funcionamento, para
que se entenda por que certas localidades se desenvolvem enquanto outras perma-
necem estagnadas, ou ainda, por que comunidades de porte semelhante possuem
características econômicas e sociais tão distintas. No entanto, para efeito desse es-
tudo, nos concentramos no papel que a imagem da cidade pode possuir para pro-
mover ou prejudicar o seu desenvolvimento.
Um dos trabalhos pioneiros na área de percepção, A Imagem da Cida-
de examinou a qualidade visual de três cidades norte-americanas, analisando a legi-
bilidade desses centros urbanos. Uma cidade legível foi entendida como “... aquela
cujos bairros, marcos ou vias fossem facilmente reconhecíveis e agrupados num
modelo geral” (LYNCH, 1997, p.3).
Embora insista na importância do ordenamento visual para a sensação
de segurança emocional do cidadão com o seu entorno (p.5), o autor ressalta que
uma “ordem aberta”, passível de ser alterada, é mais apropriada que uma “ordem
fechada”, imutável, que pode inibir novas atividades (p. 7). O papel do urbanista na
criação de espaços seria buscar, dentre as inúmeras imagens mentais de cada habi-
tante da urbe, as “imagens de grupo” (p.8) que possuam um forte significado para a
maior parte de seus habitantes, e que possam servir como pontos de orientação.
A análise das três cidades (Boston, Los Angeles e Jersey City), com
características bem distintas, revelou similaridades (p.50): a adaptação da população
aos marcos disponíveis, ainda que com diferentes níveis de orientação e satisfação;
o prazer emocional provocado por espaços abertos, vistas amplas e pelo aspecto
paisagístico das cidades (vegetação, águas etc.); e a importância dos contrastes ur-
banos, especialmente de idade (o novo prédio ao lado da velha igreja), sem os quais
33
o sentido de orientação é prejudicado. Em que pese a preocupação, expressa no
livro, em priorizar os aspectos funcionais, fica implícita a relevância do valor simbóli-
co dos elementos físicos da cidade.
Jacobs (2000) considera necessário que as ruas e distritos se prestem
a uma diversidade de usos para fomentar o seu desenvolvimento. Contrária à idéia
de zoneamento, tão em voga no modernismo, a autora defende quatro condições
indispensáveis para criar diversidade nas cidades (p.165):
- Combinação de usos diferentes para um mesmo distrito (incluindo o
uso residencial), que permitam o uso da infra-estrutura e a circulação de pessoas em
horários diferentes; para a autora, o uso das calçadas permite o contato informal en-
tre as pessoas, o fortalecimento da comunidade e o incremento da segurança, atra-
vés da vigilância dos próprios cidadãos;
- Existência de quadras curtas, possibilitando mais ruas e esquinas;
- Combinação de prédios novos e antigos, para permitir rendimentos
econômicos variados;
- Densidade suficientemente alta de pessoas.
A uniformidade de usos seria, assim, prejudicial ao desenvolvimento
dos bairros, além de esteticamente monótona. Embora exista uma aparente ordem
em uma seqüência longa de prédios do mesmo tipo, o resultado final será desorga-
nizado, pois a noção de direção será perdida. No seu lugar, devem existir áreas de
grande diversidade que possuam “marcos de referência e atração visual” com carac-
34
terísticas “radicalmente diferentes” e possibilitem o incremento na orientação visual
(p.252).
Rykwert (2004) compara o crescimento das cidades com o processo de
interação entre consciente e inconsciente que permite o sonho (p.5), negando a i-
déia de crescimento “espontâneo” da cidade. Para o autor, a cidade é fruto dos de-
sejos e ambições humanas, e a sua natureza fragmentária, ao mesmo tempo fonte
de conflitos, é a razão da sua natureza aberta e o motivo pelo qual o seu poder de
atração é tão forte. Nessas circunstâncias, “a falta de uma imagem coerente e explí-
cita pode ser uma virtude positiva, nunca um defeito ou mesmo um problema (p.8)”.
Em outras palavras, é necessária uma imagem positiva, porém não uma imagem
homogênea.
Rikwert ressalta o papel de cada cidadão na formação da imagem da
sua cidade, seja pela forma como constrói a sua moradia ou pela participação políti-
ca que possui. No entanto, as preocupações quanto à forma das cidades são nor-
malmente ignoradas pelas autoridades municipais, sobre a alegação de frivolidade.
Na “cidade de abrigos” do século XX, onde os espaços públicos foram drasticamente
reduzidos e a proliferação de franquias de refeições rápidas isolou a forma do local
da sua localização, reduziram-se os pontos de referência e de encontro, necessários
para a orientação visual. Para o autor,
...as pessoas tendem a selecionar como marco algo que so-
bressaia, algo que tenha desempenhado um papel na vida de sua ci-
dade: uma prefeitura, um mercado, fontes, monumentos, teatros, pór-
ticos de igrejas e assim por diante. (p.185)
A reafirmação da identidade local, expressa globalmente na forma do
acirramento das tensões raciais e do retorno de línguas antes sufocadas pelas cultu-
35
ras dominantes, tem provocado os seus efeitos sobre as cidades, particularmente na
renovação e valorização do patrimônio histórico (p.335). É cada vez mais forte a
consciência de que se devem preservar aquelas construções que caracterizam e a-
judam a compor a história da urbe. Mais que um aglomerado de construções e vias,
a cidade
...só pode ser entendida no contexto da sua paisagem, como
parte inalienável da sua região e como uma entidade com um ou
mais centros, com limites definidos – mesmo que somente no mapa.
(p.347)
Por fim, o autor defende que a forma da cidade, que está em constante
mutação, é determinante para a vida de seus cidadãos, pois mais do que uma ques-
tão estética, influi inclusive na sua vitalidade econômica. A discussão sobre a forma
da cidade deve ser ampliada de forma a atingir a maioria dos cidadãos, até porque a
qualidade do design de uma rua ou de um prédio nunca será um consenso. De
qualquer forma, o que importa é admitir “a potência metafórica da cidade como re-
presentação social” (p.374) e o fato de que uma construção comporta, mais que tijo-
los e aberturas, um comentário sobre os costumes da cidade.
É inegável a importância de marcos referenciais para incrementar a
sensação de segurança e ordenamento visual do habitante da cidade. Uma cidade
será tão menos confusa quanto melhor for a sua capacidade de distribuir o fluxo de
pedestres e veículos em torno de marcos e vias cuidadosamente planejados. Talvez
o maior desafio para os urbanistas contemporâneos, no entanto, seja uma certa ten-
dência “individualista” espalhada pelas cidades contemporâneas, que faz com que
sejam feitas construções sem nenhuma preocupação com o entorno, muitas com a
ambição de se tornarem “marcos” (como os grandes edifícios de escritórios). Fre-
36
qüentemente, o resultado dessa “colagem urbana” é mais o de confusão visual do
que diversidade.
Além disso, em que pese a importância da diversidade de usos, o con-
traste radical entre duas construções de épocas e tipologias diferentes, se não pla-
nejado, pode ocasionar um efeito visual desagradável. A forma das novas constru-
ções deve estar subjugada às características locais e em harmonia com as pré-
existências. Só assim será possível “reconhecer” a cidade, mesmo em meio à proli-
feração das franquias de lanches rápidos e dos onipresentes shopping centers.
Por fim, a participação popular na construção das decisões relativas à
cidade, como proposta por Rikwert, permite democratizar as decisões inerentes ao
seu planejamento. No entanto, para que a discussão sobre a forma da cidade atinja
todas as camadas da população, é fundamental o investimento na educação visual
dos cidadãos e no estudo da história local, sem os quais se pode cair facilmente na
superficialidade e no gosto pessoal.
No âmbito local, trabalhos de AZEVEDO (2000) e PORTELLA (2003)
investigaram aspectos visuais da cidade de Pelotas. Adriana Portella investigou a
qualidade formal do centro de comércio local em relação ao aparato publicitário ali
existente, partindo do pressuposto de que o aspecto visual das ruas vem sendo pre-
judicado pela ampliação dos anúncios publicitários, principalmente a partir da déca-
da de 40. A autora conclui que a fixação de anúncios publicitários sem levar em con-
sideração as características do entorno prejudica não só a agradabilidade (p.35),
como também a legibilidade dos próprios anúncios, propondo a criação de padrões
para a regulação do aparato publicitário. Já o trabalho de Laura Novo de Azevedo
analisou a importância dos prédios históricos para a estética urbana, concluindo que
37
conjuntos que possuem uma grande incidência de prédios antigos tendem a ser pre-
feridos em relação àqueles constituídos por edifícios predominantemente modernos.
1.4 Imagem e Branding
O branding, entendido como “conjunto de ações destinadas à consoli-
dação de uma marca no mercado” (ABC DA ADG, 1998), é um fenômeno que vem
ganhando cada vez mais importância para os administradores de cidades, estados e
países. Povoadas por imagens, as cidades também utilizam imagens como formas
de representação, porém não somente na forma tradicional de bandeiras e brasões
municipais, mas com o desenvolvimento de identidades visuais análogas às de pro-
dutos e empresas. A razão para esse fenômeno é que as próprias cidades entraram
na roda viva da economia globalizada, e comportam-se hoje como entidades em
busca de crescimento econômico e atração de investimentos. Para isso, desenvol-
vem ações que visam projetar atributos positivos na mente de potenciais investido-
res e turistas, tornando-se grifes que vendem sua cultura, sua paisagem e seu mo-
dus vivendi ao oferecer um verdadeiro comércio de experiências.
Figura 1 – Símbolo (não oficial) da cidade de Nova Iorque e marcas das cidades de Madrid, Johan-
nesburgo, Criciúma, Rio Grande e Curitiba.
38
Além disso, em um mundo carente de tempo e qualidade de vida, cres-
ce a procura por serviços que proporcionem experiências agradáveis e recompensa-
doras (GOBÉ, 2007, op. cit.). A indústria do turismo é uma das que mais cresce em
todo mundo, e conseqüentemente, a concorrência entre os diversos destinos turísti-
cos torna-se cada vez mais acirrada.
Uma nova área dentro do Marketing de Localidades, o Destination
Branding parte do pressuposto de que cidades, estados ou países podem ser consi-
derados marcas. Dessa forma, assim como empresas e produtos, podem ter a sua
imagem trabalhada de forma a evidenciar suas qualidades, atraindo turistas e inves-
tidores (MORGAN et al., 2004).
Na ótica do Destination Branding, a imagem pública do lugar deve ser
trabalhada através de estratégias de marketing que incluem pesquisas de mercado,
análise da concorrência, formação do conceito e ações de publicidade e relações
públicas. O profissional busca fazer um levantamento dos pontos fortes e fracos do
lugar, atendo-se especialmente às imagens que são formuladas pelo visitante. Nes-
sa ótica, mesmo uma visão estereotipada pode ter as suas vantagens, desde que os
atributos expressos por ela sejam positivos.
Novos destinos tais como Nova Zelândia, Cingapura e Costa Rica se
utilizam dessa nova disciplina para criar uma “personalidade de marca” que têm lhes
permitido alcançar uma posição distintiva na mente dos consumidores, não só como
destinos turísticos, mas também para a aquisição de produtos e serviços, visto que a
imagem de um lugar é determinante para definir o tipo de produto que o consumidor
ali espera encontrar. Países como Itália, França e Japão construíram uma reputação
39
que lhes permite ser, respectivamente, a escolha natural em segmentos como auto-
móveis esportivos, perfumes e eletroeletrônicos. Muito além da qualidade dos produ-
tos, o que está em jogo são atributos como sensualidade e estilo (Itália), elegância e
refinamento (França), precisão e alta tecnologia (Japão).
Comparar lugares a produtos pode provocar, segundo Olins (2004), re-
ações negativas. No entanto, o autor sustenta que todas as revoluções e alternân-
cias de poder das nações sempre foram acompanhadas de políticas de imagem que
procuraram “reinventar” a nação, adequando a sua imagem à nova realidade, assim
como acontece com as “fusões” e “reposicionamentos” da iniciativa privada dos nos-
sos dias.
1.5 O Contexto Local
No Brasil, ainda é comum a busca por referências externas, particular-
mente nos países do primeiro mundo, onde a elevada produção industrial e a pes-
quisa de novas soluções criam a maior parte das inovações na cultura material. No
entanto, ações no sentido de valorizar a cultura e o “saber fazer” de cada comunida-
de começam a ser desenvolvidas, buscando preservar o patrimônio histórico e arqui-
tetônico e valorizar as manifestações culturais populares (música, artesanato, gas-
tronomia etc.). Para Anholt, há uma reação a um estilo “globalizado” ou monocultural
que esteve em moda até pouco tempo atrás, sendo substituído por um interesse ca-
da vez maior pelo exótico, pelo autêntico e pelo diferente, ou seja, pelas característi-
cas peculiares de cada cultura (2004, p. 33).
Muitas dessas ações vêm sendo promovidas pelo Serviço de Apoio às
Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE), como a de valorização do artesanato em
capim dourado no Tocantins e do “fuxico” em Brasília, ambas coordenadas pelo de-
40
signer Renato Imbroisi; dos móveis em madeira de Luciano Deviá no Amazonas; do
trabalho do estilista Walter Rodrigues com as rendeiras do Piauí, que rendeu uma
coleção internacional; ou da coleção Marajó, trabalho do Laboratório Piracema de
Design com os artesãos locais (ESTRADA, 2002 e 2006).
Em todos esses trabalhos, a mesma metodologia é empregada: a partir
de um levantamento iconográfico, dos materiais disponíveis e dos “modos de fazer”
dos artesãos locais, os consultores propõem aos artesãos um repertório de referên-
cias visuais vinculado ao seu entorno, orientam melhorias na qualidade da produção,
ensinam como formular preços e auxiliam na abertura de novos mercados consumi-
dores. Há um processo de reeducação do olhar destas pessoas, que passam a pro-
duzir artefatos relacionados com o seu entorno, agregando valor simbólico e econô-
mico aos produtos, o que, além do beneficio imensurável de desenvolver a auto-
estima da comunidade, proporciona um incremento na renda.
Na cidade de Pelotas, depois de algumas décadas de ações isoladas,
um movimento começa a tomar corpo, com o objetivo de promover a restauração e
conservação sustentável do patrimônio cultural e arquitetônico da cidade. Em 2002,
o município foi uma das 26 cidades no país contempladas pelo Monumenta, progra-
ma do Governo Federal que usa recursos do Banco Interamericano de Desenvolvi-
mento e parceria técnica da Unesco, e que
...visa estabelecer um processo de revitalização dos sítios
urbanos que dê sustentabilidade ao patrimônio e contribua para ele-
vação da qualidade de vida das comunidades envolvidas (IPHAN,
2004).
A primeira obra do programa foi a recuperação da Fonte das Nereidas,
na Praça Coronel Pedro Osório, que atualmente está sob reformas. Desde então já
41
foram executadas obras de restauração da fachada e cobertura do Grande Hotel, do
Casarão Dois e do Paço Municipal (Prefeitura), todos no entorno da praça, além do
Mercado Central. Ainda estão previstas intervenções em monumentos como a Biblio-
teca Pública, o Teatro Sete de Abril e a Secretaria de Finanças e em imóveis priva-
dos como os casarões Seis e Oito. Imóveis particulares de interesse histórico tam-
bém receberão incentivos para restauração, através de editais públicos.
O programa ainda contempla ações de fortalecimento institucional, fo-
mento econômico, capacitação de agentes de cultura e turismo e projetos educativos
(Monumenta, 2006). Foram aprovados, em 2005, os projetos “Música, Patrimônio
Vivo” da Sociedade Música pela Música, que pretende criar, a partir de uma escoli-
nha de música, o suporte necessário ao surgimento da Orquestra Filarmônica do
Sul; “Inventário de Referência Cultural: Produção de Doces Tradicionais Pelotenses”,
que busca catalogar a produção doceira da cidade, definir critérios de produção e
estabelecer uma identificação geográfica (à semelhança de outros projetos como o
Vale dos Vinhedos, na serra gaúcha, e o Café do Cerrado, em Minas Gerais); além
de um curso de qualificação na área de restauro, voltado para trabalhadores da
construção civil e técnicos de nível médio, promovido em parceria com a Secretaria
Municipal de Cultura, Centro Federal de Ensino Tecnológico (CEFET) e Sindicato da
Indústria da Construção Civil (Sinduscon).
Na área de ensino, o município possui duas faculdades de turismo re-
cém implementadas, cursos de pós-graduação em Preservação do Patrimônio Arqui-
tetônico e Urbano, Memória, Identidade e Cultura Material e Patrimônio Cultural:
conservação de artefatos, promovidos pela Universidade Federal de Pelotas, além
de uma especialização na área de História e Memória promovida pela Universidade
Católica; além disso, foi aprovado pela CAPES em julho de 2006 o projeto de um
42
Mestrado Acadêmico Multidisciplinar em Memória Social e Patrimônio Cultural, sedi-
ado no Instituto de Ciências Humanas da Universidade Federal de Pelotas.
As últimas administrações municipais também têm contribuído para a
valorização do patrimônio arquitetônico. A lei n° 4.568, de 07 de julho de 2000, defi-
niu quatro áreas de preservação, denominadas Zonas de Preservação do Patrimônio
Cultural de Pelotas. Previu ainda a manutenção da volumetria e fachada dos imóveis
constantes no Inventário do Patrimônio Histórico e Cultural de Pelotas, atualmente
com mais de 2000 edificações inventariadas. Na seqüência, as quatro zonas foram
declaradas Patrimônio Cultural do Estado pela lei 11.499.
Já a lei 5146, de 2005, instituiu a isenção do Imposto Predial Territorial
Urbano (IPTU) dos imóveis tombados, inventariados ou definidos como patrimônio
cultural do município, se devidamente conservados ou restaurados. O valor pago em
forma de imposto seria revertido à manutenção e preservação do imóvel, cuja fiscali-
zação é de responsabilidade da Secretaria Municipal de Cultura.
O resultado imediato dessas ações do poder municipal (em especial da
lei 5146) foi o interesse dos proprietários pela conservação das características origi-
nais de seus imóveis, resultando em uma melhoria visível na qualidade geral das e-
dificações inventariadas. Além disso, a especulação imobiliária, outrora predatória
aos imóveis “antigos”, encontrou um novo nicho. Muitos imóveis tradicionais da cida-
de vêm sendo restaurados para abrigar novas lojas e escritórios, e vêm se somar à
recuperação de prédios residenciais e públicos (como os da Universidade Federal de
Pelotas) que mantém ou ampliam as atividades já existentes. Outros mantêm as ca-
racterísticas originais de volumetria e fachada e têm o interior adaptado a novas fun-
ções, num processo conhecido como reciclagem (DIÁRIO POPULAR, 2006)
43
O 3° Plano Diretor, em fase final de elaboração, também mostra uma
mudança de mentalidade frente aos planos anteriores. Uma das diretrizes do plano é
o manejo do patrimônio urbano (onde se inclui o patrimônio arquitetônico), enten-
dendo a preservação como parceira e não como entrave ao desenvolvimento. Além
de incentivar o desenvolvimento da região do porto e da zona norte da cidade (dimi-
nuindo a pressão sobre o centro histórico), o projeto incentiva a busca de soluções
locais, flexibilizando a legislação existente e abrindo caminho para um tratamento
diferenciado do patrimônio edificado (DIÁRIO POPULAR, 2005).
Esse conjunto de ações vem, aos poucos, estimulando o turismo cultu-
ral na cidade. Atualmente, agências de turismo já disponibilizam roteiros que incluem
os prédios e locais de interesse histórico (como as charqueadas), além de antiquá-
rios, docerias e demais opções de compras e gastronomia. Além das opções de
hospedagem tradicionais, o turista pode optar pela Charqueada Santa Rita, constru-
ção de 1826 transformada em hotel e que conta com um pequeno museu do char-
que.
Outras iniciativas importantes são a Casa do Artesão, projeto do Go-
verno do Estado em parceria com a prefeitura, instalada em março de 2006; o Me-
morial do Sete de Abril, espaço que conta a história do teatro mais antigo do país em
funcionamento, e que ganhou localização definitiva em 2003; e a Casa de João Si-
mões Lopes Neto, espaço dedicado a um dos maiores escritores regionalistas do
país.
Esboça-se, portanto, um momento de grande efervescência cultural na
cidade, que de patrimônio cultural do Estado, passa a ganhar status de patrimônio
nacional. Portanto, o estudo e o resgate dos conteúdos simbólicos presentes não só
44
na arquitetura, mas principalmente no imaginário dos pelotenses, pode contribuir pa-
ra qualificar a cultura material da cidade, aumentando a consciência dos cidadãos
sobre o seu patrimônio. Dessa forma, será possível utilizar referências da própria
comunidade na produção de produtos e mensagens visuais, servindo como fonte de
renda e afirmação da identidade cultural.
45
2 PRINCESA DO SUL
... ó sílfide aérea, Indiana das várzeas,
Que dos pampas adoram vestida de azul,
A Pátria orgulhosa de tantos primores,
Te aclama Princesa nos campos do Sul.
Pelotas – Antonio Soares da Silva (1863)
Este capítulo pretende fazer o resgate de alguns aspectos que conside-
ramos essenciais para entender o nosso objeto de estudo, a cidade de Pelotas. Não
temos a pretensão de recontar a história da cidade, tarefa muito bem empreendida
por autores como Mário Osório Magalhães, Heloisa Assumpção Nascimento, Fer-
nando Osório e João Simões Lopes Neto, entre muitos outros. A nós interessam es-
pecialmente aqueles aspectos que ficaram registrados, tanto materialmente, quanto
no imaginário de seus habitantes, e que permitiram com que a sociedade local cons-
truísse representações sobre si mesma através de imagens, as quais se constituem
no insumo básico com o qual vamos desenvolver esse trabalho.
Mas para entender as representações que são construídas sobre a ci-
dade, é necessário em primeiro lugar entender a forma de pensar de seu povo, atra-
46
vés dos traços que o identificam e distinguem. Ou seja, é preciso entender a identi-
dade cultural do pelotense (no sentido dos aspectos da identidade do pelotense que
surgem do pertencimento a esta comunidade) para entender a sua identidade visual.
Para Hall (1999), o sujeito pós-moderno possui várias identidades, pois
recebe estímulos de diversos canais, cuja origem, muitas vezes, encontra-se a mi-
lhares de quilômetros de distância. Portanto, o fato de pertencer a uma comunidade
(cidade, estado, nação, tribo etc.) é um indicador, mas não o único, de uma identi-
dade (já que as próprias identidades locais, a exemplo dos sujeitos e através deles,
vêm se modificando com maior velocidade no contato com outras identidades).
Ao mesmo tempo, a idéia de identidade nacional ou local como um to-
do coeso e hegemônico é na verdade uma representação, construída na tentativa de
unificar uma série de outras identidades (raciais, sexuais e de classe). Os “inícios
violentos” (p.60) precisam ser esquecidos, para que se crie uma “cultura” que é, na
verdade, a cultura da parcela hegemônica (como se pode verificar em Pelotas, cida-
de “portuguesa” com uma parcela expressiva de afro-brasileiros, entre outras etnias).
As identidades pós-modernas gravitam, segundo o autor, entre dois pó-
los: o da Tradição (simbolizado pelo ressurgimento dos nacionalismos e fundamen-
talismos e o retorno das etnias) e o da Tradução (com a diversidade e o hibridismo
provocados pelas migrações e pela interferência de outras identidades através dos
meios de comunicação). No entanto, mesmo os movimentos que buscam reforçar as
identidades locais podem estar, com isso, destacando-se das demais identidades
concorrentes e construindo o seu próprio “nicho” no “mercado global” das identida-
des. Dessa forma, o desejo pelo particular e pelo étnico faz com que, em um mundo
47
que parecia tender à homogeneização, as identidades locais, mesmo enfraquecidas
ou “hibridizadas”, se mantenham.
Em um ensaio sobre a identidade cultural rio-grandense, o compositor
e escritor pelotense Vitor Ramil identificou uma sensação de estranhamento do gaú-
cho com relação aos demais brasileiros. O próprio “gaúcho”, aliás, é um símbolo que
nos identifica com os vizinhos Argentina e Uruguai, muito mais do que com o restan-
te do país (2004, p. 12), e é utilizado sempre que se deseja reafirmar a cultura local.
O tradicionalismo, movimento criado com o objetivo de identificar e difundir a “cultura
do gaúcho”, levou à larga aceitação desse imaginário como a nossa verdadeira he-
rança, muitas vezes de uma forma estereotipada. Ao mesmo tempo, o patrulhamen-
to existente com relação aos nossos símbolos fez com que a espontaneidade ne-
cessária ao desenvolvimento de uma expressão cultural genuína fosse tolhida, pois
... a relação normatizada, esquemática, ideológica que man-
tínhamos com o nosso imaginário levava à expressão caricata, à
substituição do autor pelo personagem (p.16).
O autor identifica no frio o elemento-chave que distingue o riogranden-
se do restante do país, pois influi em todos os aspectos da sua vida: na paisagem,
na economia, nos hábitos e costumes. Assim, o autor estabelece as bases para uma
estética do frio, cuja imagem-símbolo seria
... o céu claro sobre uma extensa e verde planície sulista,
onde um gaúcho solitário, abrigado por um poncho de lã, tomava seu
chimarrão, pensativo, os olhos postos no horizonte (p.19).
O autor adota a milonga, comum ao Rio Grande do Sul, Argentina e
Uruguai e inexistente no resto do país, como um ritmo capaz de ser o canal de ex-
pressão dessa estética, e sete valores estéticos (rigor, profundidade, clareza, conci-
48
são, pureza, leveza e melancolia). Sem a pretensão de impor normas, apenas um
raciocínio necessário ao seu próprio desenvolvimento musical, o músico afirma que
o encontro de frialdade e tropicalidade produz uma cultura que “não está à margem
de um centro, mas no centro de uma outra história” (p. 28).
Trabalhando com a identidade local, Brittos (2001) realizou, através de
pesquisas e entrevistas, um levantamento dos traços representativos do pelotense.
O autor definiu onze principais referentes da identidade cultural da cidade, que são o
apego à cultura erudita, a educação, a socialidade, o requinte, a filantropia, a valori-
zação da família, a ligação com a tradição, o conservadorismo, o bairrismo, o esno-
bismo e o saudosismo.
O autor atribui o primeiro referente ao momento de apogeu econômico
da cidade, normalmente definido entre os anos de 1860 e 1890. O apego à cultura
erudita floresceu em um período simbolizado pelos saraus, pela produção de livros e
jornais, pela proliferação de casas de espetáculos e pelo ensino de música. Mesmo
que na atualidade essas atividades já não se realizem com a mesma intensidade,
restam vestígios dessa prática não só no imaginário dos pelotenses, mas também
em algumas instituições centenárias como o Teatro Sete de Abril, a Biblioteca Públi-
ca e o jornal Diário Popular, além do Conservatório de Música e das duas universi-
dades. O acesso a muitas dessas instituições é atualmente restrito, em função do
empobrecimento da maior parte da população; porém, no imaginário local, a referên-
cia persiste.
Educação, socialidade e requinte também são frutos da mesma época.
A riqueza produzida pelo charque possibilitou um contato freqüente com o centro do
país e a Europa, de onde se importavam produtos, modas e costumes, e para onde
49
muitos filhos de pelotenses ilustres iam estudar. Ao mesmo tempo, a natureza da
atividade saladeiril estimulou que nos períodos de ociosidade se desenvolvesse um
gosto pelo convívio social, pelos bailes e reuniões, de onde surgiu a tradição doceira
da cidade (onde, até hoje, é hábito oferecer um doce à visita). Nota-se também que
a cidade foi uma das primeiras do país a possuir o ensino superior, com a fundação
das escolas de Agronomia (1898) e Direito (1912).
Permeando esses três referentes, a tradição é explicável em um lugar
onde os principais valores, tanto econômicos quanto culturais, são buscados no
passado. A cidade, que foi morada de treze barões, dois viscondes e um conde
(MAGALHÃES, 1993, p.118), ainda hoje procura vestígios desse período de grande-
za. Seus sucessores, mesmo não detendo o poder econômico, ainda detêm o poder
(simbólico) da tradição. Isso explica, em boa parte, a valorização da família, outra
característica local, que se expressa não só na forma de uma valorização artificial
das “famílias tradicionais”, como também pela importância do núcleo familiar para o
pelotense comum, que se expressa através do hábito de visitar os parentes ou de
reunir os filhos adultos na casa dos pais.
Iniciada com uma disputa informal entre os nobres do século XIX, a fi-
lantropia é outro traço marcante do pelotense. Nessa época, beneméritos construí-
ram várias instituições fundamentais para a cidade e que perduram até hoje, tais
como a Santa Casa, a Biblioteca Pública, o Asilo de Mendigos e o hospital Benefi-
cência Portuguesa. Essa tradição filantrópica ainda perdura, porém a dimensão das
ações dos filantropos de hoje é bem mais reduzida, restringindo-se a obras assisten-
ciais realizadas, em sua maioria, por senhoras sem outra atividade, cujo objetivo é
também o de socialização.
50
O referente conservadorismo também é um eco de comportamentos e
de orgulhos do passado. A sociedade local, formada em torno de poucas famílias e
centralizada na figura do charqueador, homem severo e autoritário, modelou a forma
de pensar do pelotense, muitas vezes refratária a mudanças. O saudosismo é uma
reação ao atual período de estagnação econômica do município, que provocou de-
cadência não só no meio empresarial, mas também em outros motivos de orgulho
para o pelotense, como o futebol e o carnaval. Referências ao período em que o
carnaval de Pelotas era o “terceiro melhor do país” ou às glórias passadas dos clu-
bes Brasil e Pelotas compõem um cenário, por vezes melancólico, de rememoração
do passado.
Dessa forma é que, resgatando o passado glorioso da urbe e de seus
habitantes, aparecem as características de bairrismo e esnobismo. A idéia de que
Pelotas é ou foi mais culta, nobre ou cosmopolita que outras cidades, especialmente
as suas vizinhas da região da campanha, fez com que despertasse no pelotense
certa noção de superioridade, ou ao menos que essa impressão se formasse entre
os habitantes das cidades vizinhas. Daí a expressão “seboso”, em referência ao pe-
lotense (que também faz referência ao universo da charqueada); daí também, em
parte, a fama de homossexual, essa dirigida aos representantes do sexo masculino.
Esses referentes culturais, construídos de forma consciente ou incons-
ciente ao longo dos anos, forjaram o modo como os cidadãos da cidade enxergam a
si mesmos e à sua história. Portanto, é natural que as imagens da cidade (sejam i-
lustrações, fotografias, postais, propagandas, símbolos ou logotipos) traduzissem
esse legado, e inclusive fortalecessem, com o testemunho do visível, uma percepção
particular da urbe. Pela quantidade de exposição ou pela repetição dos temas em-
pregados, essas imagens interferem na própria realidade, ajudando a construir “o
51
mundo paralelo de sinais no qual as pessoas vivem” (PESAVENTO, op. cit., p.41), e
que pretendemos apresentar neste capítulo.
Para melhor organizar a nossa análise, escolhemos uma classificação
de acordo com o que consideramos os principais aspectos que constituem o imagi-
nário visual da cidade, e que posteriormente serão verificados na pesquisa de cam-
po. Cada um desses referentes deu origem a uma alcunha da cidade, originada de
um poema ou canção, e que ao se tornar uma forma de distinção, também passou a
habitar o imaginário coletivo: as charqueadas (A Flor do Sal), a cultura material do
período 1860-1920 (Atenas do Rio Grande), o doce (Cidade do Doce) e a cidade a-
tual (Satolep).
Quanto às imagens, nosso recorte abrange livros, cartões postais,
websites, folders, símbolos e logotipos produzidos a partir do ano 2000, ou anterio-
res a essa data e ainda em circulação, que constituem um “cartão de visitas” da ci-
dade dos dias atuais. Assumimos, no entanto, o risco de não abranger a totalidade
das representações imagéticas que são feitas da cidade. Ao contrário, preferimos
seguir as pegadas de um visitante, que ao caminhar pelas ruas, adquirir livros e jor-
nais ou navegar pela Internet, recebe estímulos visuais que lhe ajudam a compor
uma primeira impressão do que pode ser a cidade de Pelotas.
2.1 A Flor do Sal
... um dia um banco faliu.
Derrubou-se um casario.
A crise. O mundo atual...
Pela corrente do rio
Escorre o ouro animal...
52
Mas não leva a tradição.
Ainda brota do chão,
Crescendo no coração,
Pelotas, a flor do sal!
A Flor do Sal – Mário Osório Magalhães (1979)
O povoamento da região onde futuramente se constituiria o município
de Pelotas, iniciado em meados do século XVIII, foi fruto da localização estratégica
das primeiras sesmarias, cuja proximidade com a Lagoa dos Patos e o Sangradouro
da Mirim (canal São Gonçalo) possibilitou o fácil acesso às vilas de Rio Grande e
Porto Alegre. Além disso, um grande número de refugiados das vilas de Colônia do
Sacramento e Rio Grande vieram se somar aos primeiros moradores, fugindo da
dominação espanhola, que ameaçou as cercanias da futura cidade até 1776.
No entanto, o verdadeiro impulso ao desenvolvimento ocorreu com a
chegada do português José Pinto Martins, entre 1779 e 1780. Fugindo da seca no
Ceará, construiu uma charqueada nas terras de Dona Isabel Francisca da Silveira,
às margens do arroio Pelotas. A proximidade das estâncias de gado e a facilidade
de escoamento da produção fizeram com que o negócio prosperasse, estimulando a
criação de novas charqueadas. O escritor regionalista João Simões Lopes Neto, em
seu livro História de Pelotas (1994), aponta que mais de 30 charqueadas operaram
simultaneamente na cidade no século XIX, tornando-se a base da economia local e
a razão da opulência de Pelotas nesse período.
Arriada (1994) escreve sobre a passagem de August Saint-Hilaire por
Pelotas em 1820, onde comenta que a então freguesia de São Francisco de Paula
era a aldeia com maior número de charqueadas no estado. Registra também “um
53
cheiro bastante forte de matadouro” (p.61) embora não fosse o período de abatimen-
to dos animais.
O advento das charqueadas, que além da riqueza produzida exigia
grande contingente de mão de obra escrava, foi decisivo para o adensamento popu-
lacional que provocou a transformação da freguesia em vila e desta a cidade. Em
menos de vinte anos (de 1814 a 1833) a população saltou de 2.275 para 10.873 ha-
bitantes, sendo que 5.629 escravos (p.73). Dois anos depois, a criação da cidade de
Pelotas vai coroar os esforços de uma elite cuja riqueza foi construída sobre o san-
gue animal e o suor escravo.
As charqueadas de Pelotas já estão desativadas há mais de meio sé-
culo. Na sua grande maioria foram demolidas, e das que restaram, algumas estão
em péssimo estado de conservação. No entanto, restam exemplares que mantém
viva essa história, como a Santa Rita (1826) e a São João (1810). A Charqueada
Santa Rita integra o Roteiro de Charme, iniciativa de empresários locais, que oferece
um roteiro de hospedagem, passeios, gastronomia e compras incluindo pontos histó-
ricos, antiquários, docerias e restaurantes. Também é sede do Museu do Charque,
fundado em 1995 e instalado na casa em 2004. A Charqueada São João obteve re-
centemente grande visibilidade ao ter sido cenário, em 2002, da minissérie A Casa
das Sete Mulheres, exibida pela Rede Globo. Desde 2000 converteu-se em ponto
turístico, oferecendo um tour guiado pela área interna e externa da casa, além de
um passeio de barco pelo Arroio Pelotas, intitulado “Rota das Charqueadas”.
Podemos incluir nesse grupo de imagens da cidade a Casa Museu do
Laranjal. A velha fazenda de 1779 nunca foi charqueada, porém a divisão de seu ter-
54
ritório deu origem a alguns dos mais importantes saladeiros do município. Assim
como a Charqueada Santa Rita, está incluída no Roteiro de Charme.
Também presente no roteiro, bem como no imaginário dos pelotenses,
está o Parque da Baronesa. A chácara do século XIX, oferecida por Aníbal Antunes
Maciel a seu filho como presente de casamento, foi doada ao município em 1978 e
desde 1982 abriga o Museu Municipal.
Imagens das charqueadas pelotenses são tema freqüente em livros e
sites sobre a história da cidade, bem como em cartões postais e folders. A forma
mais comum de representação é em um grande plano, onde a propriedade é repre-
sentada pela casa principal, ou através de ângulos que destacam os detalhes da
construção. Imagens internas, em menor número, ajudam a transportar o observador
para o passado, através do registro do mobiliário da época. Nota-se a ausência de
pessoas nas fotos, como se as construções estivessem a posar para o fotógrafo.
De uma forma geral, podemos dizer que apenas o conhecimento prévio
permite saber que a propriedade tratava-se originalmente de uma charqueada. Em
apenas uma imagem (figura 2), a função original da propriedade se apresenta, atra-
vés de um extenso varal onde o charque se encontra pendurado, o que dá um senti-
do documental à imagem. No mais das vezes, a combinação de construção antiga
com ausência de pessoas dá a essas imagens uma nítida impressão de passado,
revelando a sua verdadeira face atual: a de casas-museu. Esta preocupação é fla-
grante nas imagens das charqueadas Santa Rita e São João e na Estância do La-
ranjal, transformadas em pontos turísticos (figura 3).
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Figura 2 – Foto da Charqueada Mazza. Fonte: As Marcas do Rio Grande
Figura 3 – Cartão postal (Charqueada São João) e imagens da Charqueada Santa Rita e Estância do
Laranjal. Fonte: http://www.roteirodecharme.org
Por outro lado, nota-se a presença da Charqueada Barão de Butuí, a-
bandonada e alvo de vandalismo, em uma capa de agenda onde se lê a inscrição
“Cidade de Pelotas - Agenda 2000” (figura 4). O uso dessa imagem, cuja represen-
tação é reforçada pelo texto, parece ser uma metáfora de como a cidade enxerga a
si mesma: como uma velha casa, outrora imponente, hoje deixada à margem.
56
Figura 4 – Capa de agenda
Curiosamente, uma fotografia (figura 5), encontrada em um cartão pos-
tal anterior a 2000 e ainda em circulação, se distingue das demais: trata-se de uma
cena em que uma prenda oferece chimarrão a um gaúcho “pilchado”. A cena acon-
tece em frente a uma cerca, onde ao lado se encontra um cavalo (provavelmente da
personagem masculina) e, ao fundo, o galpão de uma propriedade rural. A aparição
insólita desta cena, claramente produzida, permite deduzir que se trata de uma ten-
tativa de aproximar Pelotas do universo da campanha rio-grandense; talvez, o ar de
discreta sedução entre o gaúcho e a prenda pretenda reafirmar aos de fora a virili-
dade do homem pelotense...
Figura 5 – Cartão Postal
57
Figura 6 – Cartões virtuais. Fontes: http://www.pelotas.rs.gov.br e http://www.guiadepelotas.com.br
58
Figura 7 – Marca, website e fotos da Charqueada São João. Fonte:
http://www.charqueadasaojoao.com.br e As Marcas do Rio Grande.
Figura 8 – Marca, website e fotos da Charqueada Santa Rita. Fon-
te:http://www.charqueadasantarita.com.br e http://www.roteirodecharme.org
59
Figura 9 – Folder do Roteiro de Chame
Figura 10 – Marca e folder da Estância do Laranjal
60
Figura 11 – Imagens da Estância do Laranjal. Fonte: http://www.roteirodecharme.org
2.2 Atenas do Rio Grande
Pelotas foi a cidade que mais enriqueceu a cultura rio-
grandense de valores intelectuais. Tanto que recebeu, no passado, o
cognome de “Atenas do Rio Grande”. Livrarias, teatros, jornais, bi-
bliotecas, associações artísticas e instituições de ensino superior fo-
ram se multiplicando na paisagem local, como confirmação do mere-
cimento e garantia de permanência do título tão orgulhosamente os-
tentado. (História e Tradições da Cidade de Pelotas – Mário Osório
Magalhães)
O primeiro loteamento da futura cidade de Pelotas foi impulsionado pe-
la criação da freguesia, em 1812, tendo sido projetado apenas em 1815. Foi situado
no terreno de Antonio Augusto dos Anjos, entre o arroio Santa Bárbara e o canal
São Gonçalo. Magalhães (2005) define o primitivo loteamento pelo quadrilátero for-
mado pelas atuais ruas General Neto e Avenida Bento Gonçalves, no sentido norte-
sul, e Marcílio Dias e General Barroso, no sentido oeste-leste. O segundo loteamen-
to foi construído a partir de 1827, em terrenos de Mariana Eufrásia da Silveira, viúva
61
do terceiro proprietário da sesmaria do Monte Bonito. Esse segundo loteamento,
construído na direção do canal São Gonçalo, ao sul do núcleo inicial, atendeu a ne-
cessidade de expansão da localidade e de separação entre a área urbana e a área
de produção do charque.
O traçado urbano de Pelotas foi fruto de um modelo de cidade que sur-
giu com o parcelamento de terreno em áreas de sesmarias (YUNES apud SANTOS,
1997), onde, a partir da doação de uma área para a construção de uma capela, ini-
cia-se ao redor um loteamento. O doador das terras previa
...o plano da futura povoação, a localização e dimensão da
praça central, a distribuição de lotes, e reservava para si e para os
seus as melhores áreas (p.20).
Weimer (2004) indica que o traçado regular, instituído no primeiro lote-
amento e prolongado no segundo, é característico da nova orientação urbanística do
período, inaugurada no Rio Grande do Sul por José Custódio de Sá e Faria no proje-
to da Vila de São José do Taquari, em 1767 (2004, p.110). Pelotas, como a maior
parte das vilas surgidas no mesmo período, abandonou o modelo irregular do século
XVIII em favor de uma retícula quadriculada, onde de quando em quando surgem
praças que ocupam um, dois ou até quatro quarteirões. O traçado rigoroso e geomé-
trico, inserido em uma superfície basicamente plana, é assolado nos meses de in-
verno pelo vento minuano e pela umidade, característicos do município. Esses refe-
rentes são utilizados pelo músico Vitor Ramil na canção Satolep (1984): “Só, cami-
nho pelas ruas / Como quem repete um mantra / O vento encharca os olhos / O frio
me traz alegria...”.
Quanto às tipologias arquitetônicas, o período de 1812 a 1850 assinala
a presença do estilo colonial, metamorfoseado na segunda metade do século XIX,
62
especialmente nas fachadas, com a incorporação de elementos clássicos, renascen-
tistas e barrocos, característicos da arquitetura eclética.
A elite charqueadora, enriquecida com a atividade e ociosa durante os
meses de inverno, concorreu para o desenvolvimento urbano de Pelotas. Construiu
palacetes para moradia, clubes e associações para discussão política e para as so-
cialidades, além de benfeitorias com o uso da mão de obra escrava. Muitos também
contribuíram com escravos, peões e cavalos para a Revolução Farroupilha e a Guer-
ra do Paraguai, recebendo em troca títulos nobiliárquicos que deram à elite local a
alcunha de “aristocracia do charque” ou “barões da carne-seca” (SANTOS, Op. Cit.).
Nas últimas décadas do século XIX, Pelotas conheceu condições de
desenvolvimento econômico e social similares às de Porto Alegre e São Paulo no
mesmo período. Foi o principal centro da indústria do charque e do couro, que che-
gou a responder por mais de 70% das exportações gaúchas. A partir do início do sé-
culo XX, a cidade permaneceu sob o efeito do período anterior, porém perdendo a
posição de destaque econômico e cultural:
... sobreviverá em Pelotas o que se poderia chamar de mira-
gem no declínio: uma espécie de mito, uma utopia, um auto-
convencimento de que ainda se mantém a liderança intelectual,
mesmo que dividida. Esta, no entanto, já é de todo impossível, por-
que vem sendo canalizada na outra direção: na direção onde se en-
contra a liderança econômica (p.297)
O apogeu de Pelotas está refletido na praça central da cidade, constru-
ída no segundo loteamento, e em cujo entorno construíram-se os principais prédios
públicos e importantes prédios residenciais: a Prefeitura (1881), a Biblioteca Pública
(1881-1888), o Mercado Público (1849), o Teatro Sete de Abril (1833, reformado em
1916 e tombado pelo Patrimônio Histórico Nacional em 1979), o Grande Hotel (1924-
63
1928), o Banco do Brasil (1926-1928, atual Secretaria Municipal de Finanças), o
Banco da Província (1926, atual Banco Itaú), o Clube Caixeral (1902) e o quarteirão
formado por três casarões tombados pelo IPHAN e em processo de restauração: os
palacetes do Barão de São Luís (1879), de Francisco Antunes Maciel (1878) e de
José Vieira Viana (anterior a 1830 e reformado em 1880, atual Secretaria de Cultu-
ra). No entanto, a Catedral, cuja pedra fundamental foi inaugurada pelo imperador
ao lado da futura biblioteca, jamais foi construída, permanecendo na Praça José Bo-
nifácio, no primeiro loteamento.
Encontramos diversas referências a esses monumentos em cartões
postais, tanto os postais vendidos em livrarias quanto postais virtuais, disponíveis na
internet nos sítios http://www.pelotas.rs.gov.br, http://pelotas.ufpel.edu.br e
http://www.guiadepelotas.com.br. Imagens do casario eclético também aparecem em
folders, websites, marcas, capas de agenda e outros suportes.
Uma série de postais produzidos pela empresa Brascard (figura 12),
procura apresentar a cidade através de uma colagem de fotografias de prédios da
área central (recurso também é utilizado no cabeçalho do website municipal – figura
18). Apesar de enfocar construções em estilo eclético, também apresenta edifica-
ções posteriores (como a Universidade Católica) e anteriores (Charqueada São Jo-
ão), além da estátua do Coronel Pedro Osório e o Chafariz das Três Meninas.
64
Figura 12 – Cartões Postais
Em três postais da série, encontra-se a inscrição “Pelotas-RS” sobre-
posta às imagens; nestes, as imagens se encostam e vão até a borda do papel. Nos
demais postais, as fotos são emolduradas por linhas de diferentes cores, e a mar-
gem que as separa exibe um fundo colorido ou uma versão ampliada, em marca
d’água, de uma das fotografias. As imagens mais utilizadas são o Mercado Público,
a Catedral e os prédios da Biblioteca e Prefeitura, que aparecem tanto juntos quanto
separadamente. A Escola Eliseu Maciel, a Catedral Anglicana do Redentor e o
Grande Hotel também são temas recorrentes.
Na ânsia em mostrar diferentes aspectos da cidade, o conjunto de car-
tões perde nitidez, sendo difícil, em muitos casos, identificar corretamente os pré-
dios. Tendo em vista que as fotos são anteriores às reformas do Monumenta (em
apenas um postal há uma foto recente do Grande Hotel), conclui-se que a cidade
representada é um “lugar de casas antigas”, cujo estado de conservação não reco-
menda a visualização a curta distância. O recurso da montagem fotográfica permite,
65
ao mesmo tempo, mostrar diversos aspectos da cidade simultaneamente, e por ou-
tro lado, mascarar a má conservação dos prédios.
Por outro lado, imagens mais recentes têm buscado destacar com mais
clareza o motivo representado, como no caso dos cartões virtuais (figura 13). A série
produzida pelo fotógrafo Laureano Bittencourt (figura 14), por exemplo, trabalha com
um só tema por postal, cuja fotografia preenche toda a sua extensão e é sobreposta
por imagens menores que mostram o mesmo tema de diferentes ângulos.
Figura 13 – Cartões virtuais. Fontes: http://www.pelotas.rs.gov.br e http://www.guiadepelotas.com.br
Figura 14 – Cartões Postais do Grande Hotel, Mercado Público e Chafariz das Três Meninas
66
Em outros modelos (figura 15), o fotógrafo abandona o plano geral e
vai até o detalhe: em um dos postais, uma tarja centralizada sobre um fundo branco
apresenta quatro pequenas fotos, que se complementam na apresentação do tema
(Fonte das Nereidas). Abaixo, a inscrição “Pelotas” é ladeada por dois motivos deco-
rativos que remetem à arquitetura eclética. Ao lado, um postal apresenta oito diferen-
tes imagens, como detalhes do Grande Hotel e da Fonte das Nereidas após a res-
tauração, além do calçamento de pedra regular típico da cidade.
Figura 15 – Cartões Postais
Essa série recorre ao mesmo recurso gráfico dos postais da Brascard,
mas com um objetivo inverso: ao invés de apresentar uma seqüência de “casas anti-
gas” cuja própria complexidade prejudicaria a visualização em conjunto, oferece um
conjunto de fragmentos característicos de uma determinada época; ao fazer isto,
vende ao espectador não a foto de um lugar, mas uma síntese visual que carrega
uma mensagem sobre a cidade: é isso que eu sou, é isso que me torna única.
O recurso ao detalhe também é utilizado pelo website do Pelotas Con-
vention & Visitors Bureau (figura 16), cujo cabeçalho randômico apresenta uma nova
imagem em cada acesso; no folder de uma operadora turística (figura 17); e no fol-
der da Secretaria da Cultura (figura 18); e. Cabe destacar, também, os postais e fas-
67
cículos do Pelotas Memória (figura 19), onde texto e imagem se complementam para
oferecer um panorama da cidade do passado.
Figura 16 – Websites do Pelotas Convention & Visitors Bureau e da Prefeitura Municipal
Figura 17 – Folder Turístico
68
Figura 18 – Folder da Secretaria de Cultura
69
Figura 19 – Fascículo, website e postais do projeto Pelotas Memória.
70
2.3 Cidade do Doce
Na cidade de Pelotas
As moças vivem fechadas:
De dia fazem biscoitos;
De noite bailam caladas.
Quadrinha popular
Desde a sua fundação, Pelotas possui uma relação estreita com a pro-
dução de alimentos, podendo-se dizer que foi essa a razão do seu surgimento. No
início, esse alimento foi o charque, destinado à mais baixa classe social, os escra-
vos, e exportado para todo o Brasil e para outros países onde imperava o regime es-
cravista, como Cuba.
Os navios, que saíam repletos de charque, traziam na volta, além do
luxo e conforto dos grandes centros, o açúcar produzido nos engenhos do Nordeste.
Que, transformado nas mãos das mucamas e sinhás através de receitas de origem
portuguesa, criou a fama do doce pelotense, consumido nos saraus e banquetes da
aristocracia do charque, como retrata Magalhães (2003):
Era uma civilização do sal, mas que procurava atenuar seus
rituais de castigo e de brutalidade adocicando-se em cortesias, ama-
bilidades, versos rimados, saudações solenes, dedicatórias rebusca-
das e, veladamente, sensuais (...) que se deliciava com quindins, ba-
bas-de-moça, fatias de Braga, camafeus, trouxas de amêndoas, pas-
téis de Santa Clara... (p.26)
Com o fim da escravidão no Brasil e nos demais países e o surgimento
da carne frigorificada, o charque entra em forte declínio. Imigrantes italianos, france-
ses e alemães iniciam a produzir frutas de clima temperado, como pêssego, moran-
go, laranja, figo e goiaba, que logo se transformam em doces cristalizados, compo-
tas, geléias e outras iguarias. Espalham-se confeitarias pela cidade: Dalila, Brasil,
71
Otto, Berola e outras. Várias fábricas de conservas instalam-se no município, dentre
as quais a Agapê, a Cicasul e a Vega. A cidade do sal vai convertendo-se, lenta-
mente, em cidade do doce.
Atualmente, além das dezenas de confeitarias espalhadas pela cidade,
Pelotas é palco da Feira Nacional do Doce (Fenadoce). Em sua 14ª edição, vem di-
vulgando a fama do doce pelotense para todo o estado, e até nacionalmente. Essa
fama está registrada na capa de um folder produzido pela Secretaria de Turismo,
Esportes e Lazer do município em parceria com a empresa Ecosul, que exibe um
Ninho, doce de ovos que é uma das iguarias das doceiras de Pelotas.
As imagens que exploram a tradição do doce pelotense o fazem, via de
regra, de forma a reafirmar a doçaria como a expressão de uma determinada cultura
e sociedade. De fato, não há como separar o doce da civilização que o fez emergir.
Essa relação fica bastante clara na capa do livro “A Doçaria Tradicional de Pelotas”
(figura 19), em que as iguarias são servidas em uma mesa onde a melhor louça está
sendo utilizada, caracterizando se tratar de um banquete ou, ao menos, de um chá
requintado. Com isso, a imagem procura remeter ao período de ouro dos banquetes
e saraus promovidos pelos “barões da carne-seca”, ao mesmo tempo em que oculta
a sua face cruel: a brutalidade no trato com o escravo, o abate do gado, o sangue a
escorrer pelo arroio.
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Figura 20 – Capa do livro “A Doçaria Tradicional de Pelotas”
Em certas imagens, como nos postais de Laureano Bittencourt (figura
21), no cabeçalho do website da Fenadoce (figura 22) e, especialmente, na capa do
folder da Secretaria do Turismo (figura 23), o dourado dos quindins e ninhos mistura-
se com o amarelo-ouro do fundo e, juntamente com a decoração dos doces, remete
a uma atmosfera de fartura, luxo, sofisticação e nobreza. No folder, o poema A Flor
do Sal, de Mário Osório Magalhães, é emoldurado por um ninho, doce de ovos que é
uma das iguarias da doçaria local. Juntamente com a fonte altamente rebuscada do
texto “Pelotas”, o conjunto transmite a sofisticação de uma época em que a civiliza-
ção do sal produziu as delícias do açúcar.
Figura 21 – Cartões Postais
73
Figura 22 – Website da Fenadoce
Figura 23 – Website da Secretaria Estadual do Turismo
74
Figura 24 – Folder da Secretaria Municipal de Turismo, Esporte e Lazer
Figura 25 – Folder da Secretaria Estadual do Turismo
75
Figura 26 – Folder da Secretaria Estadual do Turismo
2.4 Satolep
Depois as fachadas
Dos velhos sobrados
No Cristal do dia
O dia de Satolep...
A Paixão de V Segundo Ele Próprio –
Vitor Ramil (1984)
Vários motivos concorreram para que Pelotas perdesse, a partir do final do
século XIX, a posição de destaque no cenário estadual, cumprindo apenas um papel
de centro de comércio e serviços regional. Moura (1998) aponta a decadência da in-
76
dústria charqueadora (em decorrência da abolição da escravatura e, posteriormente,
dos frigoríficos); o fechamento do Banco Pelotense em 1931; o decreto nº. 1968, de
1940, que dificultou a implantação de indústrias na faixa de fronteira (incluindo Pelo-
tas); e a substituição do transporte fluvial pelo ferroviário e, após, rodoviário, que tor-
nou a região “... muito distante do centro do país e até mesmo do centro distribuidor
do Estado, Porto Alegre” (p.47).
A partir da década de 40, a arquitetura da cidade começou a se transformar,
influenciada pelos novos ares do modernismo (que instituiu o edifício em altura, sím-
bolo de progresso) e, por outro lado, pela nova realidade econômica da cidade, que
se refletiu na austeridade das plantas e simplicidade dos ornamentos. Muitos dos
antigos casarões foram demolidos para dar lugar a novas construções “modernas”,
que alteraram o perfil da urbe. A cidade, almejando o progresso dos grandes cen-
tros, dava as costas para os testemunhos do seu passado grandioso.
Concluído em 1967, o 1º Plano Diretor de Pelotas incentivou a renovação por
substituição dos imóveis antigos. Para os idealizadores do plano, a cidade era “fraca
tipologicamente”, em razão da ocorrência repetida da “rua corredor”, onde os imó-
veis são construídos nos limites do lote e a parede frontal é a única face visível, ra-
zão da “monotonia” da paisagem urbana. No seu lugar, indicam a valorização da “lei-
tura dos valores formais sempre nas três dimensões” (p.109), através do afastamen-
to das construções em altura das laterais do lote.
O plano, que além de outras recomendações, condena à demolição o Merca-
do Público, apontando-o como foco de “deterioração social” (p.105), é um reflexo do
pensamento dominante na época, cujos reflexos se fazem sentir até hoje. Assim, as
imagens que buscam mostrar a Pelotas “desenvolvida”, “moderna” e “movimentada”
77
recorrem a imagens aéreas ou de grandes planos, onde o ornamento do casario e-
clético é substituído (ou minimizado) pela grande massa de edifícios construídos a
partir dos anos cinqüenta.
Outro recurso bastante utilizado é o da montagem fotográfica. Na figura 26,
sob o título A Cidade Prepara-se para o Futuro, a capa de um caderno especial do
jornal Diário Popular que comemora o aniversário da cidade utiliza quatro imagens:
em primeiro plano, um homem utilizando um notebook, um soldador e uma grande
engrenagem (em destaque na base da composição) sobrepõem uma fotografia aé-
rea de Pelotas. Os elementos, que separadamente remetem a tecnologia, moderni-
dade, indústria e movimento, além de situar o leitor no espaço onde essas atividades
acontecem (a cidade), remetem, incontestavelmente, à idéia de progresso. Porém,
se pensarmos que Pelotas é uma cidade cuja economia é fortemente alicerçada no
setor de serviços e na agropecuária, não deixa de ser uma visão estereotipada, vin-
culada a uma idéia pré-concebida de que a industrialização é o “motor” do desenvol-
vimento (o que não corresponde, necessariamente, à realidade).
78
Figura 27 – Capa do caderno “Pelotas 194 anos” – jornal Diário Popular
A importância do setor de serviços na economia da cidade também se faz
sentir na seleção das imagens que a representam. A urbanização da Praia do Laran-
jal, na década de cinqüenta, fez com que a Lagoa dos Patos se tornasse um dos lo-
cais de convívio preferidos da cidade, trazendo veranistas, moradores e atrações
gastronômicas e culturais. A característica de cidade universitária, habitada por jo-
vens de todo o Estado, uniu-se ao referente local de socialidade, incentivando a a-
bertura de bares, boates e restaurantes que divulgam a fama da “noite pelotense”. E
a abertura e asfaltamento das rodovias BR 392, BR 293 e BR 116 incentivou o hábi-
to local de “ir para a colônia” aos domingos, o que motivou a manutenção de uma
modesta, mas variada, rede opções de lazer no interior do município.
79
No folder da Secretaria Municipal de Turismo, Esporte e Lazer (figura 27), a
utilização simultânea de imagens das belezas naturais do município, de prédios his-
tóricos, dos bares e restaurantes, das festas e eventos culturais em geral traduz a
intenção de mostrar uma cidade com inúmeras opções de lazer. Nota-se o uso repe-
tido de imagens de “multidão” (na festa, no “calçadão”, na praia), imagens que captu-
ram o movimento (do garçom, do artista, da cachoeira), além de imagens noturnas,
inclusive a foto da cidade na contracapa. Com isso, tenta-se transmitir a imagem de
uma cidade jovem, dinâmica e cosmopolita, idéia reforçada pela frase tem festas pa-
ra todas as tribos.
Figura 28 – Folder da Secretaria Municipal de Turismo, Esporte e Lazer
80
Figura 29 – Foto aérea da cidade. Fonte: As Marcas do Rio Grande
81
3 ANÁLISE DOS DADOS
Para a etapa de entrevistas semi-estruturadas foram selecionadas vinte
pessoas. A ênfase das entrevistas, realizadas entre 02 de abril e 17 de junho de
2007, recaiu sobre personagens da cena cultural e política do município, envolvidas
direta ou indiretamente na construção da imagem da cidade atual. No entanto, bus-
camos também um contraponto, ouvindo as impressões de cidadãos comuns que
circulam, trabalham ou relacionam-se de alguma forma com o cotidiano da cidade.
Da mesma forma, a seleção de entrevistados também contemplou mo-
radores que vivem há pelo menos cinco anos na cidade. Assim, buscou comparar as
opiniões dos pelotenses natos com aqueles que escolheram Pelotas para viver e
trabalhar.
Os entrevistados (onze homens e nove mulheres com idades entre 27
e 78 anos) foram os seguintes:
- Joseane Almeida, arquiteta urbanista, coordenadora de planejamen-
to urbano da Secretaria Municipal de Urbanismo e professora de Planejamento Ur-
82
bano na Universidade Católica de Pelotas; trabalhou na coordenação técnica do 3°
Plano Diretor de Pelotas (em vias de aprovação);
- Aldo Dutra de Melo, advogado, assessor jurídico da Secretaria Mu-
nicipal de Urbanismo até fevereiro de 2006, onde trabalhou no Plano Diretor e, mais
especificamente, na proposta de regulação do aparato publicitário; atualmente traba-
lha na Secretaria Municipal de Turismo, Esporte e Lazer;
- Gilcéia Vasques Bender, graduada em Artes Plásticas, presidente
do Pelotas Convention & Visitors Bureau, entidade de apoio e captação de eventos e
turismo;
- Rosa Maria Garcia Rolim de Moura, arquiteta, doutora em História,
professora de Projeto de Arquitetura e Urbanismo e Teoria e História da Arquitetura
na Universidade Federal de Pelotas (UFPEL); junto com colaboradores, elaborou o
livro “Cem Imagens da Arquitetura Pelotense”;
- Annie Rodriguez Fernandes, arquiteta urbanista, diretora do Teatro
Sete de Abril e ex-presidente do CONPLAD (Conselho do Plano Diretor);
- Igor Moraes Simões, graduado em Artes Visuais e mestrando em
Educação, professor substituto do Departamento de Artes Visuais da UFPEL e Dire-
tor de Artes Visuais da Secretaria Municipal de Cultura;
- Clayr Lobo Rochefort, jornalista, diretor-geral do Jornal Diário Popu-
lar e ex-vereador;
83
- Marcelo Mazza Terra, administrador de empresas, Secretário Muni-
cipal de Turismo, Esporte e Lazer; administrador da Charqueada São João, de pro-
priedade da família;
- Carmem Vera Roig, arquiteta urbanista, especialista em Patrimônio
Cultural e Conservação de Artefatos; funcionária da Secretaria Municipal de Cultura,
onde é coordenadora da Unidade de Execução do Projeto Monumenta;
- Laureano Bittencourt, fotógrafo; desenvolveu duas séries de cartões
postais com temas de Pelotas;
- Michele Gonçalves de Lima, jornalista, especialista em Comunica-
ção Organizacional e de Mercados e gerente executiva da FENADOCE;
- Mário Osório Magalhães, graduado em Direito e mestre em História,
chefe do Departamento de História e Antropologia e Coordenador do Curso de Pós-
graduação em História do Brasil da UFPEL;
- Sérgio Passos de Oliveira, arquiteto, Diretor de Urbanismo e Habi-
tação do Sindicato da Construção Civil (SINDUSCON) e dono da SPO Construtora;
- Francisca Ferreira Michelon, graduada em Artes Visuais e doutora
em História, professora do Departamento de Artes Visuais e coordenadora do Mes-
trado em Memória Social e Patrimônio Cultural da UFPEL;
- Fábio Vergara Serqueira, historiador, Doutor em Antropologia Social
e professor da UFPEL; pertence à equipe que está produzindo o Inventário do Doce;
84
- Nélson Nobre Magalhães, funcionário público municipal; como histo-
riador autodidata, criou o projeto Pelotas Memória, que possui um quiosque na Rua
Quinze de Novembro, umas das mais movimentadas da cidade;
- Carlos Alberto Ávila Santos, graduado em Artes Visuais e professor
de História da Arte e Patrimônio, Cultura e Arte na UFPEL; Doutor em Arquitetura e
Urbanismo, desenvolveu uma tese sobre a arquitetura eclética nas cidades de fron-
teira;
- Maria Angélica Oliveira Nogueira, licenciada em Geografia, profes-
sora de 1° e 2° graus da rede pública municipal e estadual;
- Vitor Hugo Alves Ramil (Vitor Ramil), músico, compositor e escritor,
autor do ensaio A Estética do Frio;
- Zênia de Leon Soares, escritora e pesquisadora da história de Pelo-
tas; autora de cerca de 20 livros entre ficção e não-ficção e presidente da Academia
Pelotense de Letras.
O questionário (anexo A) compunha-se de doze perguntas básicas, às
quais foram incluídos novos questionamentos, de acordo com cada interlocutor.
Dessa forma, foi possível uma aproximação ao universo dos respondentes e a cap-
tação de um número maior de informações do que a simples entrevista estruturada
proporcionaria.
Para inserir os entrevistados no universo da pesquisa, questionamos
qual a sua lembrança mais remota vinculada à cidade. Por se tratar de uma reme-
moração muito particular da própria história, houve uma razoável variedade nas res-
85
postas. Mesmo assim foi possível, desde então, identificar traços comuns nas falas
do grupo pesquisado.
A primeira constatação, surgida através da memória dos moradores de
Pelotas e confirmada no decorrer das entrevistas, foi a noção de uma “cidade” me-
nor, na realidade, do que os limites da aglomeração urbana poderiam supor. Para os
entrevistados, a “cidade” imaginada é, na verdade, a zona central da cidade. Igor
Simões exemplifica bem este fato, pois apesar de mencionar a lembrança da Praça
Coronel Pedro Osório, afirma que é uma recordação “daquilo que se entende como
cidade de Pelotas”, admitindo a existência de memórias do bairro em que nasceu (e
que, portanto, se encontra fora dos limites da “cidade” do imaginário).
Mesmo sem mencionar uma rua ou construção específica, referências
às “construções antigas” ou ao “conjunto arquitetônico” não deixam dúvidas de que a
cidade referida é o quadrilátero composto pelo primeiro e segundo loteamentos, a-
crescido da região do porto. As poucas referências que se estendem além desse pe-
rímetro incluem a região da “baixada” ou “várzea” (entre a área central e o porto), a
Avenida Duque de Caxias (eixo principal do bairro Fragata) e o antigo Bairro da Luz
(entre as avenidas Bento Gonçalves e Dom Joaquim, hoje incorporado à área cen-
tral). As observações do autor, nascido em Pelotas, permitem acrescentar mais dois
eixos à cidade do imaginário (figura 30): as avenidas Domingos de Almeida, no bair-
ro Areal, e Fernando Osório, no bairro Três Vendas.
86
Figura 30 – A Pelotas do imaginário (montagem do autor sobre planta de 1922)
87
Já as charqueadas, apontadas como os elementos que possibilitaram o
“desenvolvimento da cidade”, não pertencem aos limites da cidade do imaginário,
ainda que, atualmente, a aglomeração urbana bata às suas portas. No entanto, se-
gundo Marcelo Terra, 95% dos visitantes da charqueada Santa Rita são turistas. A
Flor do Sal, portanto, em que pese a sua relevância histórica e turística, é para os
habitantes de Pelotas uma referência externa, uma imagem do ambiente rural que
precedeu a cidade.
A presença dos cursos d’água é uma amostra da importância que es-
ses elementos tiveram para o imaginário dos pelotenses com mais de quarenta a-
nos. Joseane Almeida relembra o “chuveiro”, espécie de chafariz permanente que
existia na Praça Cipriano Barcellos, sobre o leito morto do arroio Santa Bárbara. Pa-
ra a arquiteta, “... essa história de que ali passava o Santa Bárbara ninguém sabe
mais...”. Sérgio Oliveira recorda o hábito de nadar no canal São Gonçalo com os a-
migos de infância, atestando que “... a cidade deu as costas para o canal...”. Já Mar-
celo Terra recorda o arroio Pelotas, cenário da infância na charqueada da família.
Outro ponto comum nos depoimentos é a recorrência de imagens da
“chegada” nas falas daqueles que escolheram a cidade para viver. Clayr Rochefort
menciona a imagem do final da linha dos bondes, no bairro Fragata, quando chegou
à cidade vindo de Piratini, na década de quarenta; Rosa Rolim de Moura busca na
memória a imagem da antiga rodoviária, no centro da cidade; já Michele Lima relem-
bra a ponte de ferro do canal São Gonçalo, cenário que visualizava ao voltar da casa
dos pais, em Rio Grande.
Também forasteiros, Annie Fernandes e Aldo Melo trouxeram impres-
sões mais subjetivas: “paixão à primeira vista” foi a resposta de Annie, que ressalta a
88
transformação do sentimento em “amor” com o passar dos anos; para Aldo, ficou a
memória de uma cidade “interessante, de porte médio com ares de cidade pequena,
e suja”, remetendo a um aspecto bastante citado: o descaso com o espaço público.
Se as imagens dos pontos de entrada são referências dos filhos adoti-
vos de Pelotas, a referência à Praça Coronel Pedro Osório e o seu entorno é, na
memória dos locais, a citação mais freqüente. Gilcéia Bender lembra de brincar na
praça quando criança, onde “... todo mundo se encontrava...” e de observar que “...
quem estava usando (o casario histórico) estava estragando”; Laureano Bittencourt
relembra que “... passava todo dia (pela praça) para ir ao colégio...”; e Carmem Roig
resgata a sensação de grandeza que o chafariz lhe proporcionava. Já a porto ale-
grense Rosa Rolim de Moura recorda a impressão causada pelo Casarão 8, no qual
trabalhou em sua chegada a Pelotas: “...uma coisa que não sei nem te explicar, uma
coisa de escala, ter achado ele muito maior...”
O clima também comparece como personagem que caracteriza e dis-
tingue a urbe. Francisca Michelon relembra a impressão deixada pelas capas de
chuva dos passantes, necessárias para enfrentar os dias de “chuva fina e sem dire-
ção específica, que tornavam ineficaz o guarda-chuva”; enquanto Marcelo Terra as-
socia os prédios da cidade à neblina e ao frio: “... o frio, os prédios, quando eu falo
dessa neblina, estou associando ela aos prédios...” . Ressalta que, ao contrário da
opinião geral de seus conterrâneos, esses elementos são “pontos fortes”, pois fazem
parte de um “clima de filme” no qual as luminárias amarelas do centro ajudam a
compor o cenário.
Por fim, as lembranças servem também para recuperar eventos e fatos
já esquecidos. Maria Angélica Nogueira recorda a procissão que partia da Catedral
89
rumo ao porto, onde ia buscar a sua mãe, e da impressão de grandeza que o casa-
rio da zona portuária lhe proporcionava; Zênia de Leon relembra do incêndio na fá-
brica de sabão e velas Lang, em 1937, da chegada do Papai Noel no centro da ci-
dade e dos passeios na Praça Júlio de Castilhos, “com seus bancos de ferro em ti-
ras, alguns redondos com tufos de flores azuis ao centro”.
Quando questionados sobre quais seriam os aspectos negativos da ci-
dade, os entrevistados apontaram três pontos principais, que se à primeira vista pa-
recem distintos, revelam, em uma análise mais cuidadosa, uma relação muito pro-
funda.
O primeiro aspecto diz respeito ao descaso com o espaço público. As
entrevistas sugerem que Pelotas é uma cidade mal cuidada, que sofre com a falta de
continuidade no planejamento urbano e a carência de investimentos em infra-
estrutura, inclusive com a perda de qualidade daquilo que já existe. No entanto, os
próprios cidadãos são relapsos quanto ao espaço público, permitindo a ocupação
indevida do bem comum e não assumindo a sua parcela de responsabilidade pela
manutenção da cidade.
Para Joseane Almeida, os aspectos negativos são “coisas momentâ-
neas” que “não são inerentes à cidade”: o abandono, a poluição e o lixo seriam culpa
dos seus administradores. Embora culpe o poder público pelo descaso com a cida-
de, reclama que os cidadãos “... não tem a compreensão de que o espaço público é
nosso e não pode ser privado ou privatizado como está sendo...”, citando exemplos
como os camelôs e trailers de lanches na zona central ou a ocupação dos canteiros
e praças por revendas de automóveis.
90
Para Rosa Rolim de Moura, falta continuidade no planejamento da ci-
dade, que se expressa no pouco rigor em seguir os regramentos que são adotados e
na perda de qualidade formal e construtiva dos prédios. Além disso, observa que,
“no detalhe”, a cidade também vai perdendo qualidade, citando as bocas de lobo e
as pedras de calçamento, construídas em concordância com a esquina e que, ao se-
rem substituídas, perdem essa característica. Nélson Nobre reclama da tendência ao
asfaltamento das ruas, que descaracteriza um dos aspectos mais marcantes da ci-
dade: a pavimentação em pedra regular. Já Gilcéia Bender menciona a limpeza ur-
bana e a iluminação como entraves na captação de turistas, atribuindo à “lentidão”
da prefeitura um dos entraves para o desenvolvimento do turismo.
Para Annie Fernandes, a arquitetura da cidade está “pobre de espírito”.
Além disso, falta manutenção e paisagismo nas ruas e praças. Esta é uma condição
geral da cidade, mas que se agrava nos bairros, em função da falta de pavimenta-
ção, calçadas e, nos casos mais graves, do esgoto a céu aberto. No entanto, aponta
que “o descaso é uma característica do cidadão pelotense” que “deixa que a grama
cresça (...) e se queixam que a prefeitura tem que fazer.” Segundo a arquiteta, “o ci-
dadão pelotense não se apropria”, pois mesmo que tenha condições econômicas
para fazer a sua parte, não o faz por questões culturais.
Já Zênia de Leon é enfática ao afirmar que o problema de Pelotas é
“este povo mal educado” que não sabe cuidar da cidade. Porém, quem é “este po-
vo”? Para a escritora, são os “forasteiros” sem “amor pela cidade” que “sujam porque
tem quem limpe”. Por sua vez, Sérgio Oliveira pondera que o êxodo das cidades vi-
zinhas “influi nos costumes locais”. Esta atitude, que também se expressa na preo-
cupação com o retorno dos camelôs para o centro ou com a “influência externa” nos
“assuntos locais” através do Monumenta, demonstra uma atitude bairrista e conser-
91
vadora, cujo objetivo parece ser o de atribuir os problemas da cidade às influências
do ambiente externo e às migrações.
Por fim, Clayr Rochefort comenta os problemas de “infra-estrutura ur-
bana, saneamento e pavimentação”, ressalvando que, quanto à captação de esgoto,
Pelotas ainda possui uma situação privilegiada frente a outras cidades. Para Laure-
ano Bittencourt, “... o abandono do poder público deixou os espaços públicos sem
controle”. Por sua vez, Carlos Alberto Santos comenta que “o espaço urbano, por ser
público, vira um lixo”.
O segundo aspecto diz respeito ao que Gilcéia Bender qualificou de
“baixo astral”: uma atitude negativa, pessimista e resignada da população pelotense,
que se acostumou a anos de estagnação econômica e que não enxerga, ou mesmo
desconhece, as qualidades da sua cidade. Assim, instalou-se na cultura da comuni-
dade a idéia de um lugar que já foi próspero, mas que atualmente não possui as
condições necessárias para retomar o crescimento. Este sentimento, chamado pelo
sociólogo Domenico de Masi de “desalento generalizado”, é assim definido:
O desalento generalizado – aquele que antes chamamos de
idéia de ‘crise’ – não está livre de conseqüências danosas para quem
o observa: quando um povo ou um grupo tem a sensação de estar
em declínio acaba por acelerar o seu curso, pois perde a capacidade
de projetar e produzir o seu próprio futuro (2003, p.168).
Diluído entre os referentes nostalgia e conservadorismo propostos por
Valério Brittos, o negativismo (como preferimos nomeá-lo) constitui-se, assim, como
mais um referente cultural da cidade. Alguns depoimentos esclarecem melhor essa
condição:
92
Pelotas tem uma coisa negativa muito forte, muito grande
que foi instalada aqui dentro, que a gente custa a se desvencilhar em
qualquer área, ela não é direcionada para uma área, ela é direciona-
da para tudo, depende do que tu estás fazendo... aí as pessoas vêm
e dizem: não vai dar certo, isso depende disso, depende daquilo, en-
tão a gente está sempre naquele ‘redondinho’ negativo (Gilcéia Ben-
der)
Pelotas não se conhece, não sabe tudo o que tem (...) eu a-
cho que o pelotense não tem essa boa percepção de tudo que é Pe-
lotas (Marcelo Terra)
Hoje as pessoas em Pelotas são negativas, e eu acho que
elas cultivaram, não sei por onde, esse pensamento (...) se alguém
vai fazer alguma coisa aqui, tem quinhentos para dizer que não vai
dar certo. Tem um problema, falam, falam aqui, falam no jornal, falam
no rádio, mas ninguém faz alguma coisa objetiva (...) então eu sinto
um negativismo geral na cidade, que é fixo, já teve, melhorou um
pouquinho e agora tem um desânimo, parece que a cidade desistiu
dela (Carmem Roig)
Eu acho que o que atrasa a cidade, o que é ruim, o que é
negativo, é que a gente vende mal a cidade, quem mora aqui me-
nospreza a cidade (...) então, o nosso problema é esse, nada dá cer-
to, é ‘lá tinha, lá tinha’; é uma cultura local, aqui as crianças já nas-
cem assim, é uma cultura da comunidade (...) nós não acreditamos
em nós (Michele Lima)
... talvez fosse necessário um comportamento geral e médio
(ou seja, da média da população) mais combativo, menos conforma-
do. Por um lado a tradição é identitária para a cidade como um todo,
por outro, essa tradição oblitera mudanças que são necessárias
(Francisca Michelon)
... é uma cidade que não se enxerga bem, para algumas coi-
sas é uma cidade que tem uma auto-estima elevada demais, na mé-
dia é uma auto-estima muito baixa... (...) incomoda ver como a cidade
tem dificuldade de analisar as oportunidades de desenvolvimento e
de seguir... (Fábio Serqueira)
93
É Importante ressaltar que a preocupação com a atitude negativa do peloten-
se é mais forte em uma parcela da amostra pesquisada, que por sua trajetória pes-
soal e profissional, teve um contato maior com outras localidades, desenvolvendo a
possibilidade de estabelecer comparações com outros centros urbanos. São também
essas pessoas que conseguem vislumbrar uma série de qualidades na cidade, e que
por esse motivo, consideram a atitude apática de seus conterrâneos como um forte
entrave ao desenvolvimento. Por exemplo, Michele Lima comenta a chegada de
grandes empresas como McDonald's, Habib's e Wal-Mart como um sintoma “de al-
guma potencialidade que eles estão vendo e nós não”. Já para Vitor Ramil, os pro-
blemas da cidade são o latifúndio, o empresariado conservador, as relações de tra-
balho arcaicas e a classe política, que trabalha apenas em benefício próprio.
Se a decadência econômica da região, acelerada a partir da década de 30 do
século passado, é a principal razão para a baixa auto-estima do cidadão pelotense,
a dificuldade em alterar esse quadro pode ter origens mais remotas. Carmem Roig e
Francisca Michelon identificam no ócio dos tempos das charqueadas a semente de
uma atitude acomodada e pouco empreendedora do pelotense, que aliada ao seu
conservadorismo, produz um bloqueio ao desenvolvimento. Assim, ao invés de en-
frentar os seus graves problemas, os pelotenses procuram culpados externos para a
decadência, não assumindo a sua parcela de responsabilidade pela cidade. O des-
caso com o espaço público, portanto, influencia e é influenciado por essa atitude
pessimista e imobilizadora.
O terceiro aspecto, já esboçado anteriormente, refere-se ao desempre-
go, à pobreza e à miséria. Centro econômico de uma região com cerca de um milhão
de habitantes, Pelotas atraiu muitos habitantes das cidades vizinhas e do campo,
mesmo experimentando sucessivas crises econômicas. Esse novo contingente de
94
trabalhadores, sem oportunidades dignas de emprego e moradia, acabou por inchar
a periferia da cidade, agravando os problemas de segurança e infra-estrutura, que
se refletem, por sua vez, no espaço público e na forma como os cidadãos enxergam
a sua cidade.
Para Aldo Melo, mesmo para os profissionais mais qualificados as o-
portunidades são reduzidas: “... normalmente os salários são achatados, não exis-
tem grandes possibilidades de trabalho fora do setor público e das universidades...”.
Já o secretário Marcelo Terra reclama da dificuldade em angariar recursos para o-
bras paisagísticas, como a proposta de fazer uma rede elétrica subterrânea no cen-
tro histórico. Esses investimentos não conseguem ser viabilizados porque a cidade
possui um enorme contingente de pessoas sem acesso à infra-estrutura básica, que
acabam sendo o foco prioritário do orçamento municipal.
Porém, se o passado produziu o ócio, produziu também história e pa-
trimônio, considerados como diferenciais da cidade. O pelotense possui orgulho de
viver em uma cidade que “tem história”, expressa nas ruas, nos prédios, nas institui-
ções centenárias (Teatro Sete de Abril, Mercado Público, Biblioteca, Santa Casa) e
naquilo que é imaterial, como os hábitos culturais e sociais e as centenárias receitas
dos doces. Esse imaginário povoa não só a mente dos locais, mas também dos es-
tudantes que vem para Pelotas, e que sonham em formar-se no Teatro Guarany e
comemorar a formatura com um baile em um dos clubes tradicionais. Nesse sentido,
a valorização do patrimônio, através do Programa Monumenta e da isenção do IPTU
dos imóveis inventariados, é apontada como uma tendência que tem modificado a
paisagem local e estimulado uma mudança na percepção da cidade.
95
Outra característica positiva remete à geografia e ao traçado urbano,
características que fazem de Pelotas uma cidade plana, cujo traçado ortogonal facili-
ta a orientação e convida ao deslocamento a pé ou ao uso de bicicletas. Além disso,
as águas do município merecem destaque: a lagoa dos Patos e a praia do Laranjal,
ponto de convívio e lazer; o canal São Gonçalo; e o arroio Pelotas, que possui em
suas margens exemplares de centenárias charqueadas.
A região colonial de Pelotas é mencionada como ponto positivo, mes-
mo que a população ainda não conheça todo o seu potencial. Para Gilcéia Bender, a
colônia de Pelotas está “in natura”, ou seja, não possui as opções de conforto e hos-
pedagem encontrados, por exemplo, na serra gaúcha, mas oferece a autenticidade
há muito perdida na região das hortênsias. Para Gilcéia, “(em) Canela e Gramado
parece que foi tudo desenhado, ‘esticadinho’, nem a folhinha pode mexer para não
sair mal na foto”, ao contrário da colônia pelotense, que oferece recantos quase in-
tocados.
A combinação de uma tradição de viver em sociedade com a renova-
ção proporcionada pelo afluxo de estudantes que chegam todos os anos para estu-
dar nas universidades faz de Pelotas uma cidade em que a socialidade, tal como
apontada por Valério Brittos, seja um referencial importante. Um ponto positivo é o
“movimento”, ou seja, a variedade de opções culturais e gastronômicas que permi-
tem que as pessoas utilizem a rua, apreciem a arte, a vida noturna e as formas de
convívio em comunidade. Para Annie Fernandes, apesar do espaço público mal cui-
dado, “Pelotas não é uma cidade bonita em termos de acabamento, mas é uma ci-
dade bonita de pessoas”. Afirma que o “charme” de Pelotas está não só nos prédios,
mas no fato de que a cidade “tem vida”, as pessoas andam na rua, sentam na calça-
da, jogam futebol nas praças.
96
Para Aldo Melo, a cidade tem um caráter “gregário”, as pessoas gos-
tam de se encontrar nos bares e conversar coisas “que não sejam só de ganhar di-
nheiro”. Igor Simões observa que existe na cidade um público produtor e consumidor
de arte, e considera que este é um caminho para reverter a atual crise econômica.
Sérgio Passos comenta sobre a “educação e cordialidade” nas relações, enquanto
Zênia de Leon menciona “a cultura do povo com uma tradição conhecida no Brasil
inteiro”. Carlos Alberto Santos aponta a qualidade de vida proporcionada pela varie-
dade de opções culturais como cinemas, bares e restaurantes, similar à de cidades
de porte maior, porém sem os problemas de trânsito e segurança encontrados nas
metrópoles.
Não há consenso quanto à melhora na imagem da cidade. No entanto,
uma parcela significativa dos entrevistados percebe um processo de mudança em
curso, relacionado a uma nova forma de perceber o patrimônio, que se fortaleceu a
partir do início da década e que continua no presente. Essa nova forma de perceber
o “velho” como “antigo” está diretamente relacionada a dois eventos: a instalação do
Programa Monumenta, em 2002, e a isenção do IPTU dos imóveis inventariados, em
2005.
Para Joseane Almeida, o conceito de patrimônio se alterou, pois se an-
tes era entendido como um problema passou a ser encarado como uma potenciali-
dade, na medida em que se criaram condições para a sustentabilidade dos prédios
históricos e sua transformação em atrativos turísticos. Carlos Alberto Santos percebe
que houve um “momento crítico” cerca de dez a quinze anos atrás, quando o tom-
bamento de diversos imóveis provocou a revolta dos proprietários, que tinham medo
até de perder a propriedade de suas casas. Nesse período, “... muita coisa foi demo-
lida, muita coisa foi descaracterizada, muita coisa foi estragada para não ser tomba-
97
da”. Comenta que não só a percepção dos proprietários mudou como há atualmente
a ocorrência de um “falso histórico” na cidade:
Hoje eu vejo casas que começam a receber ornamentos, es-
tátuas de Vênus de Milo, que começam a se enfeitar para ter uma
harmonia com as outras construções... eu acho muito fantástico esse
tipo de coisa...
Aldo Melo cita a retirada dos camelôs do centro e a reforma do Calça-
dão como ações que tornaram a cênica urbana mais atrativa do que quando da sua
chegada à cidade, em 1999. Aponta também a existência de um “efeito dominó” de
renovação dos prédios históricos pelo investimento privado. Nesse ponto, indica um
retorno não só econômico, mas também de imagem das empresas que se engajam
nesse projeto:
... tradicionalmente o investidor privado, que ganhou dinheiro
derrubando prédio para construir, agora neste momento está dando
dinheiro (...) ele está botando a placa bem grande: 'estou preservan-
do a cidade’.
Mario Magalhães aponta uma mudança de mentalidade com relação ao
patrimônio. Segundo o historiador havia, há cerca de quinze anos, uma baixa auto-
estima quanto ao futuro, combinada a uma consciência de que o passado devia ser
deixado de lado, para que se pudesse progredir. Contudo, a interpretação que se faz
da cidade tem se tornado mais positiva, e o patrimônio é visto, atualmente, como um
aliado ao desenvolvimento. Na mesma linha, Fábio Serqueira comenta que quando
chegou a Pelotas, em 1991, a preservação estava “perdendo feio” da destruição, e
que atualmente está ganhando. A mudança de percepção dos turistas também cor-
robora esse fato: “... eu vejo pessoas que eu levei a Pelotas como palestrantes, ou
familiares, e voltam hoje e dizem: ‘Como a cidade mudou... ’”. Marcelo Terra confir-
ma essa impressão: “... eles vêm aqui e percebem que nós não somos bobos...”.
98
Responsável direto por essa mudança de postura frente ao patrimônio,
o programa Monumenta é apontado como um instrumento de resgate da auto-estima
local. Para Gilcéia Bender, a cidade está com uma aparência mais cuidada em fun-
ção das reformas nos prédios privados, graças à isenção do IPTU, e nos prédios pú-
blicos, via Monumenta. Considera que “se não fosse o Monumenta, esses casarios
não iam ter condições de sobrevivência”. Francisca Michelon situa a mudança “nos
últimos cinco anos, desde que o Monumenta foi aprovado”, ressalvando que a sua
observação se dá de 1993 para cá. E Vitor Ramil ressalta a mudança de mentalida-
de do setor público no trato com o patrimônio, do qual foi um dos principais destrui-
dores nas últimas décadas, ao substituí-lo por novos prédios para abrigar bancos e
repartições.
Já para Carmem Roig, coordenadora do programa em Pelotas, o Mo-
numenta é “referência para esse olhar novo da cidade”, pois o fato de ser um pro-
grama federal mostra a importância do patrimônio arquitetônico local não só para
Pelotas, como para todo o Brasil:
“... alguém vem aqui e diz 'vocês são importantes para o Bra-
sil, entre 100 cidades vocês foram escolhidos para participar, vocês
tem um patrimônio, vocês tem uma arquitetura única’”.
Apesar de reconhecerem o Monumenta como uma iniciativa importan-
te, alguns entrevistados não acreditam que ele modifique estruturalmente a cidade.
Rosa Rolim de Moura entende que a imagem da cidade permanece a mesma, pois
ainda prevalecem, no cenário urbano, as tipologias construtivas do passado. Consi-
dera a perda de qualidade do espaço público como um aspecto que piorou a ima-
gem da cidade como um todo. Annie Fernandes considera que a arquitetura está
mais pobre e que o espaço público está mais mal cuidado. Fazendo uma reflexão
99
mais ampliada no tempo, Clayr Rochefort observa que a imagem da cidade sofreu
um abalo de 1940 para cá.
Segundo alguns depoentes, o programa possui falhas de escopo e co-
municação. Na opinião de Fábio Serqueira, o Monumenta deu ênfase excessiva ao
patrimônio arquitetônico, deixando em segundo plano aspectos relativos à memória
e à cultura da cidade, como o resgate da história do Grande Hotel. Além disso, fa-
lhou em prestar contas à cidade sobre as modificações que estão em andamento na
Praça Coronel Pedro Osório. Já Nélson Nobre lamenta as “influências externas” que
foram necessárias para o andamento das obras do programa, que acusa de não
respeitar o patrimônio verde, o calçamento e o posteamento originais da praça, sen-
do positivo apenas pelo “aporte de verbas”. Por sua vez, Maria Angélica Nogueira
afirma desconhecer o andamento do programa.
O patrimônio construído é a imagem mais forte da cidade na opinião
dos entrevistados, e a referência visual mais presente é a Praça Coronel Pedro Osó-
rio e o seu entorno. Rosa Rolim de Moura define a Praça como “a cidade”, pois re-
presenta uma síntese histórica, cultural e econômica da urbe: os prédios coloniais do
início do século XIX, posteriormente transformados em neoclássicos; alguns dos
primeiros edifícios em altura, posteriores a 1950; a “ruína” (edifício inacabado ao la-
do da biblioteca); a memória, um tanto esquecida, do pelourinho; os símbolos de po-
der e cultura (bancos, prefeitura, teatro, biblioteca) e também os símbolos de degra-
dação (prostitutas).
Para Mário Magalhães, o chafariz da praça é “o centro da praça central
da cidade”. Na opinião de Clayr Rochefort, o centro histórico “a partir do centro da
Praça Coronel Pedro Osório, com o chafariz que veio da França, os prédios...” é a
100
representação mais fiel de Pelotas. Carlos Alberto Santos aponta o entorno da praça
como a imagem referencial da cidade, por seu valor estético e histórico, e por possu-
ir as construções mais requintadas “... desse período que foi o grande barato de Pe-
lotas e que é resultado da questão das charqueadas”.
A Praça Coronel Pedro Osório vai se configurando, dessa forma, como
“o centro do centro”, ou seja, como o coração da cidade do imaginário, cujos limites
já foram descritos. A própria polêmica quanto às intervenções do Monumenta em
seu interior prova a sua importância no imaginário local. E embora algumas referên-
cias situem-se sobre prédios no seu entorno (Grande Hotel, Secretaria de Finanças,
prefeitura, casarões) ou nas proximidades (Mercado Público, Teatro Guarany),
mesmo as imagens mais metafóricas e poéticas poderiam ter a praça e o seu entor-
no como cenário, o que reforça o seu poder de representação:
... a imagem da cidade de Pelotas (...) seria a de uma mulher
sentada num banco da Praça Coronel Pedro Osório, ornada, extre-
mamente ornada, só que com a roupa extremamente puída (Igor Si-
mões)
Eu acho que eu escolheria uma imagem polêmica que é um
leão que tem no chafariz, um leão que tem nas luminárias do chafariz
que é uma coisa de garra, de força, a gente precisa ter muita força,
ter muita vontade para que as coisas aconteçam aqui (...) e por tudo
o que ela foi, que essa cidade foi de maravilhosa, que eu quero não
perder a crença de que ela possa voltar a ser (Carmem Roig)
Algum casarão com escaiolas, ladrilhos hidráulicos, clarabói-
a, altas janelas etc., diante do qual, sobre um calçamento de parale-
lepípedos regulares, desfilasse um bloco burlesco. A elite deixou a
arquitetura. O povão, a cultura (Vitor Ramil)
A Atenas do Rio Grande e sua praça principal são, portanto, os referen-
tes visuais mais presentes na memória do grupo pesquisado. O seu papel como
101
ponto de referência (de acordo com Lynch), seu destaque na história da cidade (re-
metendo a Rykwert), e a combinação de usos diversos (conforme Jacobs) fazem da
Praça Coronel Pedro Osório e o seu entorno um símbolo de toda a comunidade.
Certamente, a incorporação de outros estratos da população à pesqui-
sa provocaria o surgimento de novos referentes, como o Calçadão ou a feira da A-
venida Bento Gonçalves. No entanto, a verdadeira Satolep está representada, nas
falas do grupo pesquisado, não na forma de um prédio ou praça, mas no movimento
da cidade contemporânea, na sua vida cultural e universitária, na agitação dos bares
e restaurantes, que podem inclusive habitar um espaço físico identificado com a A-
tenas do Rio Grande.
A imagem do doce é, no entanto, a principal representação que vêm
sendo construída fora dos limites do município. Alguns entrevistados citaram que “lá
fora” as pessoas se referem a Pelotas como a cidade do doce, e que essa imagem
vem substituindo até representações estereotipadas, como a de “cidade dos gays”. A
Cidade do Doce é, portanto, a face externa da Atenas do Rio Grande, da qual não
deixa de ser um complemento.
Por fim, a cidade, como organismo vivo, está sempre sujeita às influên-
cias internas e externas que reposicionam a sua percepção na mente das pessoas.
A recente filmagem da minissérie A Casa das Sete Mulheres na Charqueada São
João colocou Pelotas na rota do turismo histórico, ao mostrar o seu papel de relevo
na Revolução Farroupilha. E mais recentemente, o sucesso do grupo circense Tholl
vem ajudando a divulgar Pelotas em nível nacional. Como imagem de Satolep, tor-
na-se um candidato a novo símbolo da cidade no século XXI.
102
CONCLUSÕES
Quando iniciamos este estudo, buscávamos, um tanto ingenuamente,
definir “a” imagem da cidade de Pelotas, seja através de um elemento do cenário lo-
cal (rua, prédio, praça ou acidente geográfico), seja através de algum traço ou frag-
mento que se revelasse constante no imaginário dos seus habitantes (um elemento
construtivo, um aspecto do clima etc.). No decorrer do trabalho, percebemos a total
impossibilidade de sintetizar em uma só imagem o que uma cidade representa aos
olhos dos seus moradores e daqueles que a utilizam. E, se porventura, um símbolo
gráfico é designado para representá-la, o fará sempre de uma forma parcial, e tanto
melhor será o seu desempenho quanto menor a sua pretensão em representar a ci-
dade como um todo coeso e homogêneo.
No entanto, pensamos ter contribuído para apontar os principais aspec-
tos da identidade visual da cidade e a forma como esses referentes se entrelaçam,
assim como as influências do ambiente interno e externo sobre elas. E como a cida-
de sempre será objeto de representações, sejam imagéticas ou textuais, esperamos
que esse estudo colabore na tomada de decisões por parte daqueles que tem a (ár-
103
dua) tarefa de articular palavra e imagem e oferecer aos leitores um traço represen-
tativo da cidade de Pelotas.
De acordo com a hipótese levantada no início dessa pesquisa, há re-
almente uma alteração em curso na forma como os cidadãos enxergam a cidade.
Essa alteração, no entanto, não é percebida da mesma forma por todos: embora a
grande maioria dos entrevistados enxergue uma mudança positiva na imagem da
cidade, uma parcela não vê nessa mudança uma intervenção estrutural no seu coti-
diano, que possa provocar as mudanças de ordem econômica e social necessárias.
Quanto ao Programa Monumenta, em que pese o seu papel de prota-
gonista na renovação urbana ora em curso, não funcionaria como uma iniciativa iso-
lada: ao contrário, foi através de uma consciência preservacionista em processo de
amadurecimento (que proporcionou, entre outras ações, o tombamento do Teatro
Sete de Abril), combinada com a ação efetiva da administração pública no sentido
de dar sustentabilidade ao patrimônio arquitetônico (através da lei 5146), que a res-
tauração dos prédios históricos (iniciada, estrategicamente, na Praça Coronel Pedro
Osório) ganhou vulto, e através da iniciativa privada, está sendo ampliada para toda
a área central da cidade. O que o programa fez, inegavelmente, foi agir sobre a
combalida auto-estima do cidadão pelotense, e os efeitos dessa revalorização ainda
se farão sentir por muitos anos.
Este trabalho propôs uma reflexão. Muitos seriam ainda os caminhos a
percorrer na tentativa de desvendar a identidade visual da cidade e a sua influência
para o cotidiano dos cidadãos. Dentre elas, poderíamos propor a ampliação da a-
mostra pesquisada, com ênfase na percepção de cidadãos das classes C e D e que
vivem nos bairros; ou comparar o desenvolvimento econômico e a captação de in-
104
vestimentos e turistas em diferentes cidades com a percepção dos seus habitantes
quanto à imagem da urbe. De qualquer forma, buscamos um instantâneo, nunca de-
finitivo, do panorama de Pelotas no início do século XXI e da influência que as mu-
danças em curso possuem para a imagem da cidade atual e para a promoção da ci-
dade do futuro.
Há sempre uma cidade imaginada dentro da cidade real, e por mais
que os limites da aglomeração urbana se expandam, há sempre um núcleo (ou vá-
rios) que contém aqueles atributos com os quais a população se identifica e que tor-
nam o local diferente dos demais. Isso é o que faz cada cidade única. O grande de-
safio parece ser conciliar o novo e o antigo, admitindo o legado histórico não como
um entrave, mas como um aliado na promoção do desenvolvimento.
105
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Mestrando: Henrique Macedo Luzzardi
CARTA DE CESSÃO
Autorizo o pesquisador e mestrando do curso de Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional –
PROPUR/UFRGS – Henrique Luzzardi - a utilizar as informações contidas nesta pesquisa em publicações,
seja por meio de artigos ou de produção acadêmica.
Ass.:______________________________________ Data: ___/___/2007.
Questionário de pesquisa
1) Descreva a sua formação profissional e as suas atividades atuais:
2) És nascido(a) em Pelotas?
Sim
Não
3) Há quanto tempo vives em Pelotas?
Sempre vivi em Pelotas
Mais de 20 anos
Entre 10 e 20 anos
Entre 5 e 10 anos
Menos de 5 anos
4) Qual a sua lembrança mais remota relacionada à cidade?
5) Quais as características negativas da cidade?
6) E as positivas?
7) O(A) Sr(a) acha que a imagem da cidade mudou nos últimos anos? Por quê?
8) Se tivesse que escolher uma imagem para representar a cidade, qual seria e por quê?
9) Essa seria a imagem escolhida pela comunidade?
10) Conhece o Programa Monumenta?
11) Para o (a) Sr.(a), as ações do Programa Monumenta colaboram para a formação de uma
determinada imagem da cidade? Se sim, em que medida?
12) Qual o papel do poder público na formação da imagem da cidade?
Nome Completo:___________________________________________________________________
Idade: ____ Sexo: ( )F ( )M
Contato (opcional): ________________________________________________________________
Nível de escolaridade:
Analfabeto
Ensino fundamental
Ensino médio
Segundo grau
Graduação: ________________________________
Especialização:_____________________________
Mestrado:__________________________________
Doutorado:_________________________________
Outro:_____________________________________
Andamento:
Completo
Incompleto
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