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GUILENE DETIMERMANE DE SOUZA CANDIA
Análise Crítica da Metáfora no Discurso Inaugural de
Nelson Mandela
Mestrado em Lingüística Aplicada e Estudo da Linguagem
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO – PUCSP
2009
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GUILENE DETIMERMANE DE SOUZA CANDIA
Análise Crítica da Metáfora no Discurso Inaugural de
Nelson Mandela
Dissertação apresentada à Banca Examinadora
da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
PUCSP, como exigência parcial para obtenção
do título de MESTRE em Lingüística Aplicada e
Estudos da Linguagem, sob a orientação da Profª.
Drª. Mara Sophia Zanotto.
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO – PUCSP
2009
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BANCA EXAMINADORA
Profa. Dra. Mara Sophia Zanotto (Orientadora)
Prof. Dr. Tony Berber Sardinha
Profa. Dra. Helena Gordon Silva Leme
SUPLENTES
Profa. Dra. Marlene Sardinha Gurpilhares
Profa. Dra. Dieli Vesaro Palma
Autorizo, exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, a reprodução
parcial ou total desta dissertação através de fotocópias ou meios eletrônicos.
Assinatura: _____________________________ São Paulo, 17 /03/2009.
DEDICO
Ao meu marido, meu maior incentivador neste mestrado.
Meu companheiro, meu “Co-orientador”, meu cúmplice.
Por todos os finais de semana intensos de trabalho,
leitura, digitação. Pelas manhãs cortadas, enfim, meu
Grande Amor.
Aos meus pais, por todo tipo de apoio dado a seu modo.
Minha mãe se responsabilizando por todas as tarefas
alheias ao mestrado e meu pai, pela contagem dos dias...
AGRADECIMENTOS
A Deus por ter me consentido o dom da vida, saúde e força em todos os
momentos.
À Profa. Dra. Mara Sophia Zanotto, orientadora desta pesquisa, por sua
afabilidade e sua visão ampla da Metáfora, que me levou a uma interpretação
singular do mundo por meio das metáforas.
À Secretaria da Educação do Governo de São Paulo e sua Diretoria de Ensino de
Guaratinguetá/SP, que com o Projeto de Bolsa Mestrado tornou possível a
realização desta pesquisa. À Supervisora de Ensino Eliana Maciel, e à Adelaide
Santos, meus agradecimentos especiais para elas, por seus profissionalismos,
disposição e sempre muito acolhedoras.
Aos professores do LAEL, à Profa. Dra. Regina Luz de Brito e ao Prof. Dr. Adail
Sobral, que muito contribuíram no meu processo de aprendizagem.
Aos membros da Banca Examinadora, Prof. Dr. Tony Berber Sardinha, pela
grande visão no campo da metáfora e seus conselhos muito pertinentes, à Profª.
Drª. Helena Gordon Silva Leme pela visão panorâmica e pontuações precisas
para a finalização dessa dissertação, às suplentes Profa. Dra. Marlene Sardinha
Gurpilhares e Profa. Dra. Dieli, pela disposição.
À secretária do LAEL, Maria Lúcia; à Márcia, bibliotecária do CEPRIL e ao
Rodrigo, da secretaria de Pós-Graduação, todos da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo - PUCP-SP, sempre muito profissionais e eficientes, que
sempre me atenderam com profissionalismo.
Ao ilustre e admirável Nelson Mandela, pelo exemplo de luta contra as diversas
formas de discriminações, pela busca insaciável de justiça, liberdade e respeito ao
ser humano.
Resumo
Esta dissertação de mestrado refere-se à pesquisa, sob a perspectiva crítica e
pragmática, das metáforas conceptuais e lingüísticas que tenham o sentido de
portadora de ideologia e de estratégia de polidez num discurso político. Teve
como base de estudo o Discurso Inaugural do líder sul-africano, Nelson Rolihlahla
Mandela, proferido na ocasião de sua posse como presidente da África do Sul, em
10 de maio de 1994, na cidade de Johannesburgo, capital daquele país. O
discurso foi pronunciado em língua inglesa, mas para a análise servimo-nos da
tradução ao português, interpretando suas ocorrências na mesma. A escolha
deste discurso se deu por acreditarmos que o mesmo tenha sido um marco de
mudanças na história daquele país e, a abordagem da metáfora em uso
pressupõe que, mesmo a metáfora sendo uma figura de pensamento, isto é
conceptual, ela manifesta-se no âmbito da linguagem em uso, e é a partir do
contexto discursivo que ela pode ser mais bem compreendida. E esta dissertação,
portanto, insere-se na abordagem da Metáfora em Uso e na Teoria da Metáfora
Conceptual, primeiramente, por analisar o sentido pragmático das metáforas, isto
é, o seu sentido dentro do contexto sócio-histórico específico e, em segundo lugar,
por conceituar a realidade por meio das metáforas. Considerando essas
ferramentas teóricas e contando com a metodologia da Análise Crítica da Metáfora
esta dissertação se propõe a apontar as metáforas que tenham o sentido de
portadora da ideologia de Mandela e que expressem críticas aos seus
antecessores no poder de maneira polida, salvaguardando as faces dos
envolvidos no discurso. Para tanto foram realizadas as análises, partindo pela
identificação das expressões metafóricas, logo, apontando os tipos de metáforas
identificadas e, por último, considerando por quem, onde e para quem foi proferido
o discurso, buscando o seu sentido pragmático. Os resultados mostraram que
Mandela, ao servir-se das metáforas conceptuais e lingüísticas, primeiramente,
expressou sua ideologia pacifista, mostrando ainda, que é fruto de um longo
caminho e, em segundo lugar, critica seus antecessores no poder, sem provocar
ofensas, isto é, as metáforas, neste discurso, tiveram a função, também, de
desarmar a agressão.
Palavras-Chave: Metáforas Conceptuais, Metáfora em Uso, Análise Crítica da
Metáfora, Ideologia, Polidez.
Abstract
This master's thesis concerns the research, under the critical and pragmatic
perspective, the conceptual and linguistic metaphors that have the effect of the
bearer of ideology and strategy of civility in political discourse. It was the study of
the opening address of the South African leader, Nelson Mandela Rolihlahla,
pronounced in the occasion of his entrance into the office as President of South
Africa on 10 May 1994 in the city of Johannesburg, capital of that country. The
speech was sharp in English language, but for the analysis, we used the
Portuguese translation, interpreting the ideological occurrences in it. The option for
this speech was because we believe it has been a landmark of changes in the
history of that country. The approach of the Metaphor in Use assumes that even
the metaphor is a figure of thought, which is conceptual. It manifests itself in scope
of language in use, and it is from the discursive context that it can most be
understood. This dissertation, therefore, fits into the approach of Metaphor in Use
and in the Theory of Conceptual Metaphor. First, for analyzing the pragmatic
meaning of metaphors, that is, its meaning within the specific socio-historical
context, and secondly for appraising the reality by meaning of metaphors.
Considering these theoretical tools and counting on the methodology of Critical
Analysis of Metaphor, this dissertation aims to identify the metaphors that have the
sense of carrying the ideology of Mandela and that expresses criticism of his
predecessors in power in a polish way, while safeguarding the identities of those
involved in the discourse. Both analyses had been in such a way carried through
leaving for the identification of metaphorical expressions, thus indicating the types
of metaphors identified and, finally, given by whom, where and for whom the
speech was pronounced, seeking its pragmatic sense. The results have shown that
Mandela, making use of linguistic and conceptual metaphors, first, expressed his
pacifist ideology, showing still, that it is fruit of a long way and, secondly, criticized
his predecessors in power, without causing harm, that is, the metaphors in this
discourse had also had a role to disarm the aggression.
Keywords: Conceptual Metaphors, Metaphor in Use, Critical Analysis of
Metaphor, Ideology, Politeness.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
11
OBJETIVOS
13
CAPÍTULO I : FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
14
1 – A Metáfora
14
1.1 – A visão tradicional da Metáfora
15
1.2 – A visão da Teoria da Metáfora Conceptual
20
1.2.1 – Tipos de Metáfora Conceptual
26
1.3 – A visão da abordagem da Metáfora em Uso
28
2 – Análise Crítica da Metáfora
31
2.1 – A Lingüística Crítica
32
2.2 – A Análise Crítica do Discurso
35
2.3 – A Análise Crítica da Metáfora
40
2.4 – A Teoria da Polidez
47
CAPÍTULO II: NELSON MANDELA E A ÁFRICA DO SUL
50
CAPÍTULO III: METODOLOGIA DE ANÁLISE
70
CAPÍTULO IV: ANÀLISE DE DADOS
74
CONSIDERAÇÕES FINAIS
101
REFERÊNCIAS 104
APÊNDICE 109
Light out of Africa
Our deepest fear is not that we are inadequate.
Our deepest fear is that
We are powerful beyond measure.
It is our light, not our darkness,
That most frightens us.
We ask ourselves: Who am I to be brilliant,
Gorgeous, talented and fabulous?
Actually, who are you not to be?
You are a child of the universe.
Your playing small doesn’t serve the world.
There is nothing enlightening about shrinking
So that other people won’t feel insecure around you.
We are born to make manifest
The glory of the universe that is within us
It is not just in some of us: it is in everyone.
And as we let our light shine,
We unconsciously give other people
Permission to do the same.
And as we are liberated from our own fear,
Our presence automatically liberates others.
Nelson Mandela
11
INTRODUÇÃO
Esta dissertação de mestrado refere-se ao estudo, sob a perspectiva
crítica e pragmática, das metáforas conceptuais e lingüísticas presentes no
Discurso Inaugural de Nelson Mandela, proferido na ocasião de sua posse como
presidente da África do Sul e tem como foco principal apontar as que têm
sentido de portadora de ideologia e de estratégia de polidez.
Nos últimos tempos, a metáfora tem sido estudada no paradigma
cognitivo. O foco de interesse das pesquisas tem se deslocado do sentido
semântico das metáforas para as conceptuais subjacentes.
Lakoff e Johnson (1980/2002), maiores representantes da Teoria da
Metáfora Conceptual (TMC), propõem um mapeamento sistemático entre dois
conceitos: o domínio-fonte, que é uma fonte de inferências, e o domínio-alvo, ao
qual as inferências se aplicam. Para esses autores, “A essência de uma
metáfora é compreender e experienciar uma coisa em termos de outra
(2002:47).
O crescente interesse pela pesquisa na área da metáfora advém,
principalmente, da mudança de conceito que recebeu nas últimas décadas.
A visão tradicional ou aristotélica acreditava que a metáfora era,
exclusivamente, objeto da poesia e da retórica e que era oriunda do coração,
portanto, não poderia estar na mente, pois a mente seria literal (Carvalho,
2006:20). Assim, nessa visão a “ciência se fazia com a razão e o literal,
enquanto a poesia se fazia com a imaginação e a metáfora” (Zanotto, 2002:11).
Na perspectiva interacional (Black, 1962 apud Faraco, 2008:32), a
metáfora, ao associar dois domínios de área de conhecimentos diferentes, cria
12
um terceiro sentido, fruto da interação. Com isso, a metáfora passa a adquirir um
estatuto cognitivo antes não reconhecido (KITTAY, 1987 apud Vereza,
2007:490).
Mas, a verdadeira ruptura com o paradigma tradicional deu-se com a
publicação, em 1980, do livro, Metaphors we live by
1
de George Lakoff e Mark
Johnson. Nele os autores mostraram a presença da metáfora em todos os níveis
do discurso, inclusive no do cotidiano e a partir daí, a metáfora não seria mais
uma simples figura de linguagem, mas sim uma figura de pensamento, que
subjaz à linguagem e às nossas ações. Ao deslocarem a metáfora do âmbito da
linguagem para o âmbito do pensamento, Lakoff e Johnson iniciaram a chamada
“virada paradigmática” (Zanotto; 2002:11).
As pesquisas da metáfora na área da Lingüística Aplicada (LA) têm
superado a metodologia proposta por Lakoff e Johnson (1980/2002) (Vereza,
2007:490). Os estudos realizados na área da LA têm como característica
principal a contextualização de seu objeto de estudo e a valorização das áreas
empíricas.
Esta visão da Metáfora em Uso pressupõe a Metáfora Conceptual como
importante ferramenta na construção de significados em determinados campos
do discurso. A análise desta dissertação, isto é, a de um discurso político,
consideraa Metáfora Conceptual de suma importância para a consecução de
seu objetivo.
Com a nova perspectiva, isto é, com a transferência da metáfora da
mente para o mundo (Gibbs, 1999 apud Vereza, 2007: 491), inicia-se uma nova
metodologia de análise, a Análise Crítica da Metáfora. Esta metodologia nasceu
da Análise Crítica do Discurso que, por sua vez, teve como precursora a
1
Traduzido para o português e publicada, em 2002, com o título Metáforas da vida cotidiana,
pelo Grupo de Estudos da Indeterminação e da Metáfora (GEIM), coordenado pela Profa. Dra.
Mara Sophia Zanotto, orientadora desta Dissertação.
13
Lingüística Crítica. A Análise Crítica da Metáfora servirá como modelo de análise
para esta dissertação. A escolha desta metodologia obedeceu à possibilidade de
analisar a dimensão político-ideológica da figuratividade (Charteriz-Black, 2004)
e possibilitar, também, a combinação teórica e analítica do enfoque cognitivo
com o enfoque pragmático, pois será levado em conta a figura do autor do
discurso e o contexto sócio-histórico onde foi produzido.
Esta dissertação parte do pressuposto de que o uso da palavra tem o
poder de transformar o contexto social (Moita Lopes, 2006: 85; Charteris-Black,
2005:13) e que as metáforas conceptuais e lingüísticas podem exercer a função
de portadora da ideologia de Mandela e ao mesmo tempo servir como estratégia
de polidez para criticar os seus antecessores no poder, porém, sem ofendê-los,
salvaguardando, assim, as faces dos envolvidos no discurso.
OBJETIVOS:
Identificar algumas expressões metafóricas existentes no Discurso
Inaugural de Nelson Mandela.
Interpretar as metáforas identificadas, a fim de apontar os seus sentidos
semânticos e pragmáticos, considerando o contexto sócio-histórico da
produção do discurso, servindo-nos da teoria metodológica da Análise
Crítica da Metáfora.
Verificar às vezes em que Mandela se serviu da Metáfora conceptual e da
Metáfora Lingüística para expressar a sua ideologia e para criticar os
seus antecessores no poder, porém, sem ofendê-los, isto é, servindo-se
da metáfora como estratégia de polidez.
14
CAPÍTULO I - FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Minha luta é por uma sociedade democrática livre onde
todas as pessoas de todas as raças vivam juntas em
harmonia e com oportunidades iguais.
Nelson Mandela
1. A Metáfora
Na primeira parte deste capítulo apresentaremos três diferentes formas
de entendimento que recebeu a metáfora ao longo do tempo: a visão tradicional,
a conceptual e a metáfora em uso. Adentraremos nessas perspectivas,
ressaltando, porém, que não o as únicas teorias sobre a metáfora, mas, para
compor esta dissertação são as mais relevantes.
A metáfora na visão tradicional faz parte da tradição retórica em que ela
era vista apenas como ornamentação lingüística sem nenhum valor cognitivo.
Era considerada uma figura própria de linguagens especiais, como a poética e a
persuasiva e o uso seria indesejável para a ciência. A ciência preferia a
linguagem literal, pois ela era considerada clara, precisa e determinada,
portanto, a ciência se faria com a razão e com a linguagem literal, enquanto a
poesia com a imaginação e a metáfora (Zanotto et al. 2002:11).
No entanto, no final da década de 70, por meio de diversas publicações
(Ortony, 1979; Reddy 1979; Lakoff & Johnson, 1980), a metáfora, de figura de
linguagem passou a ser considerada como figura de pensamento, isto é,
começou a ser vista como uma projeção de conceitos. A idéia central do novo
paradigma é de que a cognição é o resultado de uma construção mental, ou
seja, os conceitos são estruturados metaforicamente em termos de outro (Lakoff
15
& Johnson, 1980/2002:48); aparece aqui, então, o conceito da metáfora
conceptual.
E no início desta década, surgiram os estudos da metáfora desenvolvidos
no âmbito da lingüística aplicada que têm como característica a contextualização
da metáfora no discurso. Essas pesquisas pressupõem que a metáfora, mesmo
como figura de pensamento, manifesta-se no âmbito da linguagem em uso, e é a
partir do contexto discursivo que ela pode ser mais bem compreendida (Vereza,
2007:491).
Assim, de maneira resumida, vemos que a metáfora tem sido entendida
ou considerada de diferentes formas, cada perspectiva com características
singulares, mas muitas vezes, ainda é a visão tradicional a que mais se
apresenta quando alguém se refere à metáfora. Portanto, a nossa preocupação,
a seguir, será detalhar essas teorias ou abordagens da metáfora.
1.1 – A visão tradicional da metáfora
Segundo Berber Sardinha (2007:20) o termo tradicional é um rótulo vago,
pois nele é possível encaixar diferentes formas de entendimento que recebeu a
metáfora ao longo de vários séculos. Nesta parte da dissertação, justamente,
incluiremos algumas visões que antecederam à teoria conceptual e a
abordagem da metáfora em uso.
A origem etimológica da palavra metáfora vem do Grego e quer dizer
meta= com/depois e pherein = carregar, clarear, isto é, “expressão ou palavra
que carrega o nome de uma coisa para designar outra” (Charteris-Black 2004:
19).
Foi Aristóteles quem primeiro tratou da metáfora no mundo ocidental.
Segundo ele, uma metáfora é o uso do nome de uma coisa para designar
16
outras. Ele dizia que a metáfora é a “transposição do nome de uma coisa para
outra, transposição do gênero para a espécie, ou da espécie para o gênero, ou
de uma espécie para outra, por via de analogia” (Aristóteles, Arte Retórica,
III,IV,7.182), apresentando os seguintes exemplos como ilustrativos de cada
caso:
1°. Meu navio está imóvel aqui. (Gênero à espécie) “Porque estar preso à
âncora é uma espécie de imobilidade” – diz o próprio filósofo.
2°. Certamente Ulisses realizou milhares de boas ações. (Espécie a gênero).
3°. Ele tirou sua vida com o bronze, com o duro bronze ele lhe arrancou a vida.
(Espécie a espécie). Aristóteles explica: “Aqui tirar equivale a arrancar, que são
duas formas de tirar”.
4°. A taça é para Baco o que o escudo é para Marte. (Analogia)
Segundo Marques (1956:17 apud Carvalho, 2006:18), no entender de
Aristóteles, “haverá analogia ou, melhor, proporção quando o segundo termo
está para o primeiro assim como quarto está par ao terceiro”, podendo-se então
empregar o quarto no lugar do segundo e o segundo no lugar do quarto.
Algumas vezes seria lícito “ajuntar, em lugar do que se fala, aquilo a que a gente
se refere”. Exemplo: “A taça escudo de Baco, o escudo, taça de Marte”.
A visão tradicional considera a metáfora como uma comparação entre
coisas, entre referentes. Ela é um elemento separado da linguagem, que tem a
função estética, que é colocado para suprir lacunas ao dizer as coisas, ao
construir um texto ou para dar mais ênfase à comparação. É uma ornamentação
lingüística, por isso indesejada para fazer ciência. Para essa visão, a metáfora e
outras espécies de linguagem figurada deveriam ser sempre evitadas quando se
pretendesse falar objetivamente.
Esta visão, remontada a Aristóteles, apresenta a metáfora como,
exclusivamente objeto da poesia e da retórica. Os estudiosos desta visão, como
17
Pollio (1990) e outros faziam uma distinção clara entre a linguagem poética e a
linguagem do cotidiano. A primeira era vista como um dom especial dos poetas
e a segunda, como a linguagem de todos, usada no dia-a-dia. Acreditava-se que
o poético viria do coração, não poderia estar na mente, pois a mente seria literal
(Zanotto et al, 2002: 11).
Desde os primórdios, Aristóteles afirmou que a metáfora originou-se da
necessidade que o homem tinha de expressar determinadas coisas para as
quais não existiam palavras. Carvalho (2006:20) afirma, citando Kilipak (1993)
que Cícero, também na antigüidade, dizia que a razão da existência da metáfora
era a pobreza da linguagem e afirmava que,
(...) assim como a vestimenta nasceu da necessidade de proteger o
corpo do frio, para converter-se mais tarde em adorno, a metáfora,
imposta no começo por causa das deficiências da língua, chegou mais
tarde a ser objeto de deleites retóricos (Cicero; Quintiliano, De
Oratore, III, p.38 apud Carvalho, 2006:20).
A metáfora, durante muito tempo, recebeu essa consideração. Zanotto
(1995, p. 211) afirma que a metáfora foi tratada por muitos séculos como um
ornamento, pois não acrescentava nenhuma informação nova. Era um desvio da
linguagem comum, e necessária à linguagem poética e persuasiva”.
Para Aristóteles, a metáfora também proporciona uma idéia nova, mas
exige um esforço mental para encontrar o ponto em comum entre a palavra, dita
literalmente, e o seu significado metafórico. Com isto, segundo Rapp, (2002
apud Berber Sardinha, 2007: 21) Aristóteles teria sinalizado o papel cognitivo
da metáfora, negando que fosse apenas um artifício vazio, mas admitindo ser
ela um processo que propiciava a aprendizagem.
No decorrer do tempo, a categoria metafórica iniciada por Aristóteles foi
dividida e aplicada a muitas figuras de linguagem, foi possível, segundo Berber
Sardinha (2007:21), que na renascença essa classificação das figuras de
18
linguagem tenha se intensificado, em conformidade com a tendência da época
de classificar o mundo em categorias.
Mas, somente na década de 70 apareceram teorias metafóricas
concedendo à metáfora função não mais de mera ornamentação e, sim uma
função cognitiva, esclarecendo que não seria ainda como a entenderia Lakoff e
Johnson (1980), sobre esta posição nos referiremos mais adiante. Dessa época
destacamos a teoria da substituição, a qual afirma que a função da metáfora é
substituir uma expressão literal equivalente; e a de comparação, a qual afirma
que o termo empregado metaforicamente poderia ser substituído pelo termo ao
qual estaria sendo comparado com base na similaridade existente entre ambos
e a interacional. Nesta última perspectiva nos deteremos por considerarmos
mais próxima à metáfora conceptual nascida em 1980.
Para a perspectiva interacional, a metáfora, ao associar dois domínios de
naturezas diversas, cria um terceiro sentido, singular, fruto dessa interação.
Com isso, a metáfora passa a adquirir um estatuto cognitivo antes não
reconhecido (Kittay, 1987 apud Vereza, 2007:490), ainda que esta visão tenha
representado a primeira ruptura com a visão aristotélica, a consideramos como
tradicional, pois ainda a metáfora é abordada a partir de seu uso na linguagem.
Esta perspectiva foi apresentada por Max Black em meado do século XX. Black
(1962 apud Faraco, 2008:32) diz que a metáfora possui um sentido novo que
provem da interação entre o tópico (parte literal da frase) e o veículo (parte
não-literal da frase) da metáfora. Segundo essa abordagem, tanto a fonte (não-
literal - concreto) como o alvo (literal abstrato) da metáfora interagem para
produzir uma nova visão do mundo (Faraco, 2008:32). Segundo Black (1981
apud Carvalho, 2006:29),
o leitor ou ouvinte traria para a compreensão da metáfora um
“complexo implicativo” de compreensões e crenças. Esse complexo
interage através de processos mentais de seleção, mapeamento e
organização, a fim de produzir um novo elemento que não pode ser
parafraseado com equivalentes literais.
19
O predomínio da visão tradicional da metáfora, que partiu de Aristóteles
e sofreu várias modificações ao longo dos séculos, justifica-se, segundo
Zanotto et al (2002: 11), citando Lakoff e Johnson, pelo “mito do objetivismo”,
que supõe ser possível ter acesso a verdades absolutas sobre o mundo
objetivo e considera a linguagem um mero correspondente dessa realidade
objetiva. Nesses termos, a metáfora não poderia ser “levada a sério”, por não
ser objetivamente verdadeira. Esses mesmos autores afirmam que não seria
possível resolver a questão suplantando-a pelo seu oposto, isto é, pelo mito do
subjetivismo, que afirma que a maioria de nossas atividades envolve intuições
nas quais confiamos (Lakoff & Johnson 1980/2002: 297). Eles propõem então
uma concepção chamada experiencialista, que representará uma ruptura
paradigmática na compreensão do valor da metáfora na linguagem humana. A
proposta experiencialista é uma alternativa que nega tanto o objetivismo
quanto o subjetivismo como as únicas escolhas.
Como mencionamos no início deste capítulo, durante anos a metáfora
era considerada apenas como um fenômeno de linguagem, ou seja, um
ornamento lingüístico, artifício para embelezar a linguagem, sem nenhum valor
cognitivo, e no início do século XX, alguns filósofos se interessaram em dar-lhe
novos sentidos, mas somente a partir da cada de 70 deu-se o que os
estudiosos chamam de mudança paradigmática, “que levou” a uma reformulação
profunda na maneira de conceber a objetividade, a compreensão, a verdade, o
sentido e a metáfora” (Zanotto et. al. 2002: 12).
A mudança paradigmática rejeita esse pressuposto objetivista e suas
implicações, recusando a possibilidade de qualquer acesso verdadeiro
à realidade do ponto de vista epistemológico. Como descreve Ortony
(1993) (...) “a cognição é o resultado de uma construção mental. O
conhecimento da realidade, tenha sua origem na percepção, na
linguagem ou na memória, precisa ir além da informação dada” (...) A
metáfora passa a ter seu valor cognitivo reconhecido, mudando do
status de uma simples figura de retórica para a de uma operação
cognitiva fundamental. (Zanotto et. al. 2002: 13).
20
Esse novo paradigma dará origem à chamada Teoria Conceptual da
Metáfora. A esse assunto dedicaremos especial atenção por ser um dos pontos
principais que fundamentará a análise proposta por esta dissertação.
1.2 – A visão da Teoria da Metáfora Conceptual
A Teoria da Metáfora Conceptual está inserida na Semântica Cognitiva e
esta integra a chamada Lingüística Cognitiva, que surgiu no final da cada de
70 e início de 80. A Lingüística Cognitiva surgiu da crítica aos paradigmas
estruturalista e gerativista, que encaravam a linguagem como um sistema
autônomo e descreviam a realidade em termos de categorias discretas. O
modelo estruturalista concebia a linguagem como «um sistema que se basta a si
mesmo» (Silva 1997: 61), não levando em consideração a interação entre o
falante e a realidade onde este está inserido, porque considerava o mundo que
rodeia o falante como extralingüístico. Noam Chomsky, o precursor do modelo
gerativista, considera a linguagem como uma faculdade autônoma da mente,
independente dos restantes processos mentais. Por isso, o estudo da linguagem
não se inter-relaciona com outras áreas de conhecimento.
A Lingüística Cognitiva segundo Silva (1997:59):
é uma abordagem da linguagem perspectivada como meio de
conhecimento e em conexão com a experiência humana do mundo.
As unidades e as estruturas da linguagem são estudadas, não como
se fossem entidades autônomas, mas como manifestações de
capacidades cognitivas gerais, da organização conceptual, de
princípios de categorização, de mecanismos de processamento e da
experiência cutural, social e individual.
Este modelo parte da hipótese de que o ponto principal da investigação
sobre a linguagem reside no significado.
21
A forma deriva da significação, porque é, a partir da construção de
significados, que aprendemos inclusive a lógica e a linguagem. O significado, na
Semântica Cognitiva emerge de dentro para fora, e por isso ele é motivado de
nossas significações corpóreas, dos movimentos de nossos corpos em interação
com o meio que nos circunda.
A Semântica Cognitiva privilegia dois mecanismos, a metáfora e a
metonímia. A metáfora não é entendida como recurso poético, mas sim como
um recurso de organização e produção cognitiva. A metáfora, para a Semântica
Cognitiva, é um processo cognitivo que permite o mapeamento de esquemas,
apreendidos diretamente pelo nosso corpo, cuja experimentação é indireta. A
metáfora, na visão cognitiva, é um conceito estruturado a partir de outro. Ela é
formada por um conceito origem (fonte), de onde parte a produção de sentido, e
um conceito alvo, que recorre ao significado anterior.
Assim, a linguagem é entendida como um domínio cognitivo que se
relaciona com diferentes áreas de conhecimento, como a Psicologia, a
Antropologia ou as Neurociências, proporcionando-se, assim, um estudo
interdisciplinar, com o objetivo de contribuir para o aprofundamento do
conhecimento da cognição humana. Nesse sentido, vemos que a linguagemo
se restringe a uma mera faculdade comunicativa, ela é, principalmente, uma
forma de conceptualizar a realidade e de refletir essa conceptualização. (Silva,
1997:59).
Em 1979, Michael Reddy deu início a um estudo, selecionando um
grande número de enunciados que os falantes de língua inglesa usavam para
falar da comunicação e percebeu que esses enunciados podiam ser organizados
em quatro categorias que constituíam o arcabouço principal que seria
denominado de metáfora do canal, pois esses enunciados evidenciavam que:
(1) a linguagem funciona como um canal, transferindo pensamento
corporeamente de uma pessoa para outra; (2) na fala e na escrita, as
pessoas inserem seus pensamentos e sentimentos nas palavras; (3)
22
as palavras realizam transferência ao conter pensamentos e
sentimentos e conduzi-los às outras pessoas; (4) ao ouvir e ler, as
pessoas extraem das palavras os pensamentos e os sentimentos
novamente. (Reddy 1979 apud Zanotto et al. 2002: 16).
E, a Teoria da Metáfora Conceptual desenvolvida por Lakoff e Johnson
tem como base, justamente esse artigo escrito por Reddy, em 1979, no qual o
autor introduz o conceito de “metáfora do canal”, que seria um tipo de metáfora
conceptual (Zanotto et al. 2002: 17).
A publicação do livro Metaphors we live by (Metáforas da Vida
Cotidiana)
2
, do lingüista George Lakoff e do filósofo Mark Johnson, em 1980
representou a ruptura com a visão tradicional da metáfora, dando destaque à
sua natureza conceptual e como exercendo grande poder de influência no
pensamento e na ação humana. Portanto, nesse, paradigma, a metáfora integra
não a linguagem poética, mas também a linguagem cotidiana e de várias
áreas do conhecimento.
Para esta teoria a metáfora pertence primeiramente ao domínio do
pensamento, e depois à linguagem (Lakoff, 1993:208 apud Carvalho,
2006:32), sendo, portanto, um mecanismo na compreensão e explicação da
cognição humana.
A Teoria da Metáfora Conceptual propõe um mapeamento sistemático
entre os conceitos denominados (a) domínio-fonte e (b) domínio alvo, o primeiro
é uma fonte de inferências e ao segundo as inferências são aplicadas. Para os
autores dessa teoria, “A essência de uma metáfora é compreender e
experienciar uma coisa em termos de outra(Lakoff & Johnson, 1980/2002:47).
Os próprios autores exemplificam com a seguinte metáfora conceptual
AMOR É UMA VIAGEM, neste caso temos um conhecimento sistematicamente
2
Livro traduzido
pelo Grupo de Estudos da Indeterminação e da Metáfora (GEIM) em 2002.
23
organizado sobre o domínio conceptual VIAGEM, que nos serve de apoio para
compreender o domínio conceptual AMOR. Portanto, chama-se metáfora
conceptual porque ela conceptualiza algo, nesse caso, O AMOR. E são
representados com letras maiúsculas.
Esta teoria defende a estruturação de um conceito a partir de outro ou
definição de algo em termos de outra coisa; no exemplo acima é possível
perceber a conceituação do amor em termos de viagem. Conceitua-se o amor a
partir do conceito de viagem, pois, quando amamos, seguimos algumas rotinas e
conceptualizamos sistematicamente o amor como uma viagem. Servimo-nos da
nossa experiência cotidiana com viagens para conceptualizar o amor em termos
de trajetória, partida, despedida e chegada. Por exemplo, utilizamos as
seguintes metáforas lingüísticas: (1) Decidimos tomar caminhos distintos, pois a
nossa relação acabou; (2) Nosso casamento está indo de mal a pior; (3) O
casamento dela afundou.
Lakoff e Johnson (1980/2002:47) fazem uma distinção importante entre
metáfora conceptual e metáfora lingüística. Uma expressão metafórica consiste
numa expressão lingüística que veicula uma metáfora conceptual, isto é, trata-se
de uma manifestação de um pensamento metafórico. Por outro lado, a metáfora
não é uma expressão lingüística, mas antes um mecanismo que consiste em
imagens mentais que nos permitem estabelecer projeções entre domínios
distintos, que, ao nível lingüístico, se podem realizar de várias maneiras.
A metáfora conceptual refere-se às noções abstratas, como a
percepção de aumento expressa em MAIS É PARA CIMA e a emoção
de amar em AMOR É UMA VIAGEM. A metáfora lingüística remete às
expressões lingüísticas que representam tais noções, como, no caso
de MAIS É PARA CIMA, a expressão A inflação está subindo e, no
caso de AMOR É UMA VIAGEM, a expressão O nosso namoro não
vai dar em lugar nenhum (Ferreira, 2008:268).
Na visão conceptual, a metáfora passa de uma simples figura de retórica
para uma operação cognitiva fundamental. Assim, a concepção de metáfora
24
como desvio da linguagem e pertencente a linguagens especiais, como a
poética e a persuasiva, perde a consistência teórica, pois a idéia central desse
paradigma “é de que a cognição é o resultado de uma construção mental”
(Ortony, 1993:1-2, apud Zanotto, 2002:13).
Assim, Zanotto et al (2002:21) comentando Lakoff e Johnson (1980),
afirma que a metáfora não é mais considerada algo desviante, marginal ou
periférico, mas sim um fenômeno central na linguagem e no pensamento, sendo
onipresente em todos os tipos de linguagem, na cotidiana e científica inclusive.
Dessa forma os autores põem em questão a visão objetivista que
diferencia entre o que é literal e o que é metafórico, porque para eles grande
parte dos enunciados da linguagem cotidiana é metafórica, e o literal é
reservado somente para as expressões que não são compreendidas por meio
da metáfora conceptual; para esses mesmos autores, interpretamos nossa
realidade por meio das metáforas.
Segundo Lakoff e Johnson (1980/2002:294), os mitos do objetivismo e do
subjetivismo não mostram que o mundo possa ser entendido por meio da
interação com o mundo. Pois, se por um lado, o objetivismo pressupõe que
existe um mundo totalmente independente do homem, por outro, o subjetivismo
acredita que o homem é independente do mundo; se para o objetivismo uma
verdade absoluta e incondicional, para o subjetivismo a verdade é obtida
através da imaginação, sem interferência do mundo externo (ibid:294). Portanto,
eles rejeitam tanto o objetivismo como o subjetivismo:
Rejeitamos a concepção objetivista de uma verdade absoluta e
incondicional, sem adotar a alternativa subjetivista de verdade obtidas
apenas por meio da imaginação não restringida por circunstâncias
externas (Lakoff & Johnson, 1980/2002:302).
Ao relacionar os dois mitos e a metáfora, é possível perceber que, para o
objetivismo, esse tropo deve ser evitado porque seus significados não são
25
precisos e, portanto, não correspondem à realidade. A realidade é expressa
por meio da linguagem literal. Por outro lado, a metáfora, segundo o
subjetivismo, é a linguagem da imaginação, e, por conseguinte, necessária para
expressar os aspectos únicos e significativos de nossa experiência.
Lakoff e Johnson (1980/2002:294) propuseram uma terceira opção aos
mitos do objetivismo e do subjetivismo, que vem a ser uma conciliação das duas
perspectivas; por um lado, a perspectiva de subjetividade que não implicasse a
noção de sujeito subjacente ao mito do subjetivismo, isto é, um sujeito “intuitivo”,
autônomo, que chega, através de emoções, às realidades espirituais e
emocionais autônomas também, por outro, a alternativa que, promovesse uma
visão que, ao contrário de excluir o sujeito do real que o circunda, como no caso
do objetivismo, propusesse uma relação dialética entre sujeito e realidade, a
construção do outro por meio da experiência do homem no mundo concreto
onde vive.
Essa saída será denominada por Lakoff e Johnson de experiencialista,
nela os autores afirmam que a metáfora é o ponto de união entre a razão e a
imaginação. “A metáfora é, pois, uma racionalidade imaginativa” (Lakoff &
Johnson, 1980/2002:302).
A visão experiencialista concebe o ser humano como parte de seu meio,
com o qual tem uma interação constante, negociando subjetividade e
obejtividade e como conseqüência obtém o entendimento.
O entendimento para este ponto de vista tem uma perspectiva abrangente
nas áreas de nossa experiência diária, assim o explicam Lakoff e Johnson
(1980/2002:349-356):
Iniciam referindo-se à Comunicação interpessoal e entendimento
mútuo, onde afirmam que o entendimento se faz por meio de negociação do
26
significado, respeitando as diferenças. Depois refere-se à auto-compreensão,
que pressupõe entendimento mútuo, servindo-nos de nossas interações com o
meio físico cultural e inter-pessoal com o auxílio das metáforas pessoais, que
fazem sentido em nossas vidas. O Ritual, “gestalt” vem a ser uma seqüência
coerente de ações estruturadas de acordo com as dimensões naturais de nossa
experiência. As metáforas culturais ou pessoais surgem nas ações costumeiras.
A Experiência estética, neste caso, a metáfora permite o entendimento de um
tipo de experiência por meio de outro, e toda experiência nova cria novas
realidades através da racionalidade imaginativa. Por último a Política, que é
sempre determinada metaforicamente, assim como as ideologias e a economia,
pois escondem um aspecto da realidade em virtude de outros.
1.2.1 - Tipos de Metáforas Conceptuais
Partindo da visão da teoria da metáfora conceptual, Lakoff e Johnson
(1980/2002) descrevem três tipos diferentes da metáfora: as estruturais, as
orientacionais e as ontológicas. Os diferentes tipos obedecem às funções que
elas desempenham. Lakoff e Johnson (1980/2002:134) apontam que todos os
tipos fundamentam-se em correlações sistemáticas encontradas em nossas
experiências.
a) As metáforas estruturais, segundo Lakoff e Johnson (1980/2002:134),
são aquelas em que um conceito é estruturado metaforicamente em
termos de outro, isto é, quando nos servimos de um conceito concreto
para falar de outro mais abstrato. Um exemplo disso seria a metáfora
AMOR É UMA VIAGEM, em que utilizamos do campo semântico viagem
para falar sobre amor. Aqui foi utilizado o campo semântico viagem para
falar sobre o amor. As metáforas estruturais, segundo os mesmos
autores, nos permitem fazer muito mais do que simplesmente orientar
conceitos, nos referirmos a eles, quantificá-los, etc.; elas nos possibilitam
27
usar um conceito altamente estruturado e claramente delineado para
estruturar outro (Lakoff & Johnson, 1980/2002:134).
b) As metáforas orientacionais são as que organizam um sistema de
conceitos em relação a outro, difere da estrutural por não organizar
nenhum conceito em termo de outro. As orientacionais partem da nossa
orientação corporal no espaço, tais como para cima para baixo, dentro
fora, frente trás, em cima em baixo, central periférico, fundo
raso, são as que dão um conceito orientacional espacial como BOM É
PARA CIMA, MAU É PARA BAIXO (Lakoff & Johnson, 1980/2002:59).
Lakoff e Johnson (1980/2002:129) apontam:
Embora uma estrutura conceptual claramente delineada para espaço
venha do nosso funcionamento motor-perceptivo, nenhuma estrutura
conceptual claramente delineada para as emoções vem
exclusivamente do nosso funcionamento emocional. Uma vez que
correlações sistemáticas entre nossas emoções (tais como felicidade)
e nossas experiências sensoriais e motoras (tais como postura ereta),
elas formam as bases dos conceitos metafóricos orientacionais (tais
como FELIZ É PARA CIMA).
c) As metáforas ontológicas, que o também chamadas por Lakoff e
Johnson (1980/2002:75) metáforas de entidade e de substâncias. Elas
são motivadas pela nossa experiência com os objetos físicos. Nelas, um
conceito abstrato é transformado em entidades, objetos ou substâncias,
ou seja, são formas de conceber eventos, atividades, emoções, idéias
etc., como substâncias e entidades. Por exemplo, o dia pode ser
expresso como um objeto, um recipiente, quando dizemos Tive um dia
cheio; ou o dia é vazio para ela. Assim, temos a metáfora ontológica O
DIA É UM RECIPIENTE.
Carvalho (2006:39) comenta, citando Lakoff e Johnson (1980/2002), que
as metáforas ontológicas nos capacitam a ver uma estrutura mais
delineada em conceitos onde existe muito pouca ou praticamente
28
nenhuma estrutura. Lakoff e Johnson (1980/2002:76) afirmam que “essas
metáforas servem a vários propósitos e as diferenças que existem entre
elas refletem os diferentes fins”. Os próprios autores exemplificam,
comentando que, a experiência de aumento de preços por meio da
palavra inflação, pode ser vista como uma entidade INFLAÇAO É UMA
ENTIDADE:
1) A inflação está abaixando o nosso padrão de vida.
2) Se houver muito mais inflação, nós nunca sobreviveremos.
3) Precisamos combater a inflação.
As metáforas ontológicas são usadas, também, para compreendermos
eventos, ações, atividades e estados. Eventos e ações são
metaforicamente conceptualizados como objetos, atividades como
substâncias, estados como recipientes (Lakoff & Johnson 1980/2002:83).
1.3 – A visão da abordagem da Metáfora em Uso
A abordagem da metáfora em uso, também denominada metáfora
sistemática, apresentada pela educadora inglesa Lynne Cameron, por volta do
ano 2000, nasceu, segundo Berber Sardinha (2007:38), motivada pelo ceticismo
em relação à teoria da metáfora conceptual e devido à maior disponibilidade de
dados sobre o uso da linguagem, principalmente em formato digital (corpora
eletrônicos), o que permite, com o uso de programas de computador adequados,
a percepção da sistematicidade do uso da metáfora em sua plenitude (Berber
Sardinha, 2007:43).
Um dos questionamentos levantados referente à Teoria da Metáfora
Conceptual (TMC), defendida por Lakoff e Johnson, refere-se à primazia dada à
metáfora conceptual sobre a metáfora lingüística, isto é, a TMC parte do nível
conceptual, da mente, em direção ao uso, e não do conhecimento empírico à
generalização conceptual.
29
Segundo Vereza (2007:490), muito do material lingüístico utilizado para
os estudos feitos por Lakoff e Johnson (1980/2002) está composto por exemplos
não reais de uso, mas inventados. A mesma autora alega que se as amostras
forem autênticas de linguagem em uso, a sua legitimidade e sua eficácia, tanto
como objeto de estudo, como evidências explicativas, podem ser garantidas.
Este será, segundo Berber Sardinha (2007:38), o principal ponto desta
abordagem, isto é, a primazia dada à metáfora em uso.
A abordagem da metáfora em uso pressupõe que mesmo sendo uma
figura de pensamento, a metáfora manifesta-se no âmbito da linguagem em uso,
e é a partir do contexto discursivo que ela pode ser mais bem compreendida
(Vereza, 2007:490).
Ainda a respeito do primeiro motivo apontado como o nascimento desta
abordagem, para os adeptos desta linha de interpretação na teoria da
metáfora conceptual alegações sobre o funcionamento da mente que não foram
esclarecidas suficientemente, como exemplo de que todas as pessoas acionam
a mesma metáfora conceptual independentemente do contexto (Berber
Sardinha, 2007:44). O mesmo autor afirma que para a abordagem da metáfora
em uso os mapeamentos são emergentes, não previsíveis e construídos em
contextos específicos; diferentemente ao da TMC, que pressupõe os
mapeamentos entre os domínios estáveis e previsíveis.
Berber Sardinha (2007:38-41) aponta quatro conceitos principais desta
abordagem:
No primeiro, ele a define como “um grupo de termos ligados
semanticamente (em conjunto com seus sentidos e seu afeto) de um domínio de
Veículo que são usados para falar sobre um conjunto conexo de idéias de
Tópico durante um evento discursivo” (Cameron, 2005:1 apud Berber Sardinha
2007:38). Portanto, é uma formulação metafórica abstrata que resume uma série
30
de metáforas lingüísticas usadas por um indivíduo de pessoas em determinado
contexto.
O segundo conceito apontado é a metáfora lingüística, que é definido
como uma unidade de sentido na escrita vem a ser a oração; na fala, o
enunciado usada metaforicamente. Ainda acrescenta que uma metáfora
lingüística pode ou não ter sido entendida como metáfora, isto é, pode não ter
sido processado na mente do ouvinte ou do leitor como tal. Mas o analista de
metáfora considera um uso como metafórico, independente de saber se as
pessoas envolvidas na interação realmente a interpretaram metaforicamente
aquele uso.
O outro conceito é a metáfora processual, que é definido como uma
palavra, expressão ou frase que sabemos ter sido entendida metaforicamente
por alguém. Portanto, segundo Berber Sardinha (2007:41) processual refere-se
ao processamento mental.
O último conceito apontado é a metaforema, que é definida por Cameron
(2005:1 apud Berber Sardinha 2007:41) como um conjunto de regularidades de
forma, conteúdo, afeto e pragmática, em torno de uma palavra ou colocação,
que subjaz a uma metáfora lingüística. Portanto, metaforema é uma metáfora
lingüística que possui uma forma estável e recorrente e se associa regularmente
com um sentido semântico e pragmático. Este conceito serve para explicar a
relação recorrente entre uso e sentido de uma metáfora, algo que o termo
existente não exprime com clareza.
Ainda, como um outro item deste capítulo, que nos ajudará para a
interpretação das metáforas presentes no Discurso Inaugural de Nelson
Mandela, temos a visão pragmática da metáfora, que considera importante a
significação do enunciado, que não quer dizer o significado da frase, mas o
significado do falante. Numa metáfora, o que é dito aparentemente viola uma ou
31
mais máximas da conversação, por exemplo, algo é claramente falso, ou
absurdo, ou trivialmente verdadeiro. Ao identificar o desvio em relação ao
significado literal, o ouvinte vai inferir o que o falante pretende comunicar.
Trata-se, portanto, de uma aplicação das hipóteses de Grice sobre o que
é dito e as implicaturas. Basicamente, a teoria pragmática desenvolvida por
Searle pretende explicar as metáforas com base na noção de ato de fala
indireto. No caso da metáfora, e tendo em conta os exemplos mais simples, ao
dizer “S é P” implica que S é R”. Para dar conta do aspecto sugestivo de muitas
metáforas, Searle propõe que casos em que um enunciado metafórico pode
dar origem a um número indeterminado de implicaturas S é R1”, S é R2”, S é
R3”.
2 – Análise Crítica da Metáfora
A análise Crítica da Metáfora (ACM) é uma abordagem de análise
proposta por Charteris-Black, com alguma influência, segundo Vereza (2005
apud Carvalho, 2006:65), da Análise Crítica do Discurso (ACD) desenvolvido por
Fairclough em 1989 e tem como objetivo, segundo o próprio Charteris-Black
(2004:34), “revelar as intenções encobertas (e possivelmente inconsciente) dos
usuários da língua”.
Neste capítulo abordaremos as teorias subjacentes ou que deram origem
à ACM. Vamos nos ocupar em definir e caracterizar (1) a Lingüística Crítica que
deu origem à (2) Análise Crítica do Discurso (ACD) que, por sua vez, influenciou
o aparecimento da (3) Análise Crítica da Metáfora (ACM).
2.1 – A Lingüística Crítica
A Lingüística Crítica (L.C.) emergiu no final dos anos 70, como “uma
lingüística instrumental, desenvolvendo uma análise do discurso público criada
32
para chegar à ideologia codificada implicitamente por detrás de proposições
abertas, em particular no contexto das formações sociais” (Fowler & Kress,
1979). O termo Lingüística Crítica (Critical Linguistics) foi usado pela primeira
vez, especificamente, em 1979 por Roger Fowler e Gunther Kress para designar
um capítulo do livro Language and Control, que também teve como autores
Robert Hodge e Tony Trew, todos eram da Universidade de East Anglia,
Norwich, Grã-Bretanha. Este livro teve repercussão entre os lingüistas e
pesquisadores da linguagem. Os autores do referido livro tinham a preocupação
de demonstrar com suas análises, que os grupos e as relações sociais
influenciam o comportamento lingüístico e não-linguístico dos sujeitos, incluindo
a sua atividade cognitiva. Do resultado da análise desses teóricos temos, por
exemplo, que a sintaxe pode codificar uma visão do mundo particular, sem
qualquer escolha consciente por parte dos falantes; ao mesmo tempo, sendo
derivado da relação dos falantes têm com as instituições e a estrutura sócio-
econômica das sociedades de que fazem parte que lhe é confirmada pela
ideologia dessas mesmas sociedades (Fowler & Kress, 1979:85).
A LC vem criticar o dualismo existente entre a crença de que o significado
pode ser separado do estilo ou expressão e a validação da separação entre a
estrutura e o uso lingüístico. Fowler et al. (1979) defendem que a capacidade
lingüística de produção de significado é um produto da estrutura social. Os
mesmos autores afirmam, se o significado lingüístico é inseparável da ideologia,
estando ambos dependentes da estrutura social, então a análise lingüística
deverá ser um instrumento precioso para o estudo dos processos ideológicos
que mediam as relações de poder e de controle (Fowler & Kress, 1979:186).
Portanto, apesar das críticas recebidas, é herança deste projeto o principio
fundamental de que a linguagem é uma prática social, para os autores da
abordagem da LC a linguagem não se encontra separada da sociedade, como
se fossem dois fenômenos independentes. A linguagem, para Fowler et. al., faz
parte da sociedade, a linguagem é uma prática social e, como tal, é um dos
mecanismos pelos quais a sociedade se reproduz e se auto-regula.
33
“A Lingüística Crítica nasceu a partir da conscientização de que trabalhar
com a linguagem é necessariamente intervir na realidade social da qual ela faz
parte. Linguagem é, em outras palavras, uma prática social” (Rajagopalan,
2007:18).
Sendo assim, entendemos que a linguagem permeia todos os setores da
sociedade e tem como campo privilegiado a política, pois a ão política está
ligada diretamente ao trabalho lingüístico.
(...) a linguagem constitui-se em importante palco de intervenção
política, onde se manifestam as injustiças sociais pelas quais passa a
comunidade em diferentes momentos da sua história e onde são
travadas as constantes lutas. A consciência crítica começa quando se
conta do fato de que é intervindo na linguagem que se faz valer
suas reivindicações e suas aspirações políticas. Em outras palavras,
toma-se consciência de que trabalhar com a linguagem é
necessariamente agir politicamente, com toda a responsabilidade
ética que isso acarreta (Rajagopalan, 2007:16)
.
A LC, também galga pelo caminho da interdisciplinaridade, segundo
Gouveia (2002:338), por exemplo, usa o conceito da modalidade própria da
gramática sistêmico-funcional, o da transformação, que é da gramática gerativa,
o ato de fala da pragmática, assim como também, redefine o seu objeto de
estudo que lhe permite utilizar noções usadas em outras áreas de estudo, como,
por exemplo, a noção de discurso, utilizada na área de análise do discurso, a
LC vem enriquecer o seu conceito.
Gouveia (2002:339), nesse sentido, também aponta que os
analistas/lingüistas críticos partilham com os analistas de discurso uma
concepção de discurso que engloba a noção de fragmento/parte/instancia de
uso da linguagem. Para os analistas de discurso, segundo o mesmo autor, a
noção de discurso remete à noção de uso lingüístico, ao passo que, para os
analistas críticos o discurso é concebido como uma prática social em relação a
outras práticas sociais e é socialmente determinada. “Os lingüistas críticos
34
partem do pressuposto inicial de que as nossas falas são atravessadas pelas
conotações político-ideológicas” (Rajagopalan, 2007:19).
A incorporação de diferentes contribuições, sem ser da área da
lingüística, com o intuito de formular uma teoria geral dos processos discursivos,
da construção e circulação do significado foram os momentos de
desenvolvimento da Lingüística Crítica, isto é, foi o momento da passagem da
lingüística crítica para a análise crítica do discurso.
Defendendo a validade da teoria que ajudaram a afirmar na década de
70, Hodge & Kress (1988: Vii apud Gouveia, 2002: 343) reconhecem, porém,
que a mesma, no seu escopo, padece de algumas limitações intrínsecas que
convém rever se se quiser constituir uma teoria crítica da linguagem. Assim,
segundo Gouveia, (2002:343), os textos e a estrutura lingüística constituíam o
ponto de partida para a análise, Agora, a necessidade de fazer das estruturas e
dos processos sociais, das mensagens e do significado o ponto de reflexão a
partir do qual a análise dos sistemas de significado deve ter lugar.
Assim, Fairclough (1985 apud Gouveia, 2002:344) e Hodge & Kress (1988
apud Gouveia, 2002:344), começaram a afastar-se do projeto inicial da
lingüística crítica e a procurar modelos de referência mais abrangentes para a
teoria. Sobretudo para o entendimento do fenômeno lingüístico. Daí a
necessidade de acompanhar o crescimento e o alargamento no escopo da teoria
e de alterar, também, a designação da área que definitivamente erradica a
lingüística do seu âmbito: a lingüística crítica assim lugar numa das suas
vertentes, à Análise Crítica do Discurso (ACD)
2.2 – Análise Crítica do Discurso
Em 1985, Norman Fairclough publica um artigo intitulado Critical and
Descriptive Goals in Discourse Analysis” no Journal of Pragmatics, este artigo de
35
Fairclough marcou o primeiro momento de uma linha de investigação que tem o
seu momento de auge em 1992, com a publicação de Discourse and Social
Change. No artigo de 1985, segundo Gouveia, (2002: 342), encontramos, por
um lado, uma reivindicação da semelhança com a LC e, por outro, de recusa de
confluência de princípios, metodologia e objetivos.
Nesse sentido, Magalhães (2005:3), citando Fowler 1996 e Fairclough
2001, afirma que se considerarmos a ACD como uma simples continuação da
LC, certamente deixaríamos de lado questões que podem ser fundamentais para
ACD, tanto em termos teóricos como metodológicos, pois ela:
estuda textos e eventos em diversas práticas sociais, propondo uma
teoria e um método para descrever, interpretar e explicar a linguagem
no contexto sócio-histórico. Enquanto a LC desenvolveu um método
para analisar o discurso público, a ACD foi além, desenvolveu o
estudo da linguagem como prática social, com vistas à investigação
de transformações na vida contemporânea.
Um outro marco, segundo Pedrosa (2005:1), para o estabelecimento
dessa nova corrente na Lingüística foi a publicação da revista de Van Dijk,
Discourse and Society”, em 1990. Também é importante observar, como
apontado por Gouveia (2002:343) que, entre a publicação de Fairclough de 1985
e a de Van Dijk de 1990, houve outras importantes publicações como os livros:
Language and power”, de Norman Fairclough, em 1989; Language, power and
ideology”, de Ruth Wodak, em 1989; e a obra do mesmo Teun van Dijk sobre
racismo, Prejudice in discourse”, em 1984.
Vale lembrar que em janeiro de 1991, em Amsterdã, houve um simpósio
que foi de suma importância para o desenvolvimento da Análise Crítica do
Discurso, nova perspectiva da linguagem, recém apontada na época, pois
foram apresentados os diferentes enfoques, porém, como diz Pedrosa (2005:1),
estreitamente inter-relacionados. Nesse simpósio estiveram vários lingüistas que
36
hoje são de suma importância para ACD, eles foram: Teun van Dijk, Norman
Fairclough, Gunter Kress, Theo van Leeuven e Ruth Wodak.
A ACD ocupa-se de estudar a linguagem como prática social, no qual o
contexto exerce uma função de extrema importância. Portanto, o foco de sua
análise direciona para a relação existente entre a linguagem e o poder. Segundo
Wodak (2003 apud Pedrosa 2005:4):
é possível defini-la como uma disciplina que se ocupa,
fundamentalmente, de análises que dão conta das relações de
dominação, discriminação, poder e controle, na forma como elas se
manifestam através da linguagem. Nessa perspectiva, a linguagem é
um meio de dominação e de força social, servindo para legitimar as
relações de poder estabelecidas institucionalmente.
A ACD é uma forma de ciência crítica que foi concebida como ciência
social destinada a identificar os problemas que as pessoas enfrentam em
decorrência de formas particulares da vida social e destinada, igualmente, a
desenvolver recursos de que as pessoas podem se valer a fim de abordar e
superar esses problemas (Fairclough, 2003:185)
A ACD interessa-se por um trabalho interdisciplinar, a fim de verificar o
entendimento adequado da maneira como a linguagem atua. Assim, observa a
manifestação da linguagem na constituição e na forma como passa o
conhecimento, na organização das instituições sociais e no exercício do poder.
Dessa forma, a teoria da linguagem busca a questão do poder como condição
essencial da vida em sociedade. Justamente por isso, os analistas críticos do
discurso preocupam-se em apresentar essa dimensão como fundamental. “A
ACD se interessa pelos modos em que se utilizam as formas lingüísticas em
diversas expressões e manipulações do poder” (Wodak, 2003: 31).
A Análise Crítica do Discurso (ACD), que enfoca a língua como prática
social e o discurso como modo de ação das pessoas (sobre o mundo e sobre
37
outras pessoas), bem como forma de representação de significado (que constitui
e constrói o mundo), tal como propõe Fairclough (2001 apud Silva 2005: 94),
embasa esta dissertação, que analisa as funções cognitiva, ideológica e
interacional da Metáfora num discurso proferido num contexto real, por uma
pessoa real e para um povo real.
Ela é uma ciência crítica da linguagem que toma esta como forma de
prática social e se interessa pelas relações entre o texto e as relações
assimétricas de poder.
vários enfoques teóricos e analíticos sobre o discurso, mas
encontramos a ACD de Norman Fairclough (1989) como a principal linha teórica
que estuda o discurso sob uma perspectiva política e ideológica.
Fowler (1991: 89), ao referir-se à Lingüística Crítica, afirma que uma
análise que usa as ferramentas lingüísticas apropriadas e que se refere a um
contexto histórico e social relevante, pode trazer à tona uma ideologia que
normalmente está escondida na habitualidade do discurso. Esta dissertação, ao
analisar as metáforas lingüísticas e conceptuais, presentes no discurso inaugural
de Mandela, considerará a teoria da Análise Crítica da Metáfora e a abordagem
da Metáfora em Uso como ferramentas lingüísticas adequadas e terá em conta o
contexto sócio-histórico da África do Sul, onde foi proferido o discurso a ser
analisado.
Segundo Fairclough (2001: 91), a ACD firma-se como “ciência crítica
sobre a linguagem (ressaltada como forma de prática social) e tem como
propósito o debate teórico e metodológico do discurso e ainda, segundo o
mesmo autor, “é um modo de ação, uma forma em que as pessoas podem agir
sobre o mundo e especialmente sobre os outros”.
E poderíamos indagar: Por que crítica? Segundo Fairclough (1989:5)
a crítica é frequentemente usada para se referir às perspectivas
teóricas e metodológicas que objetivam alterar a ordem social e
38
política existentes (...) é usada no sentido especial de apontar
conexões que possam estar ocultas às pessoas tais como as
conexões entre linguagem, poder e ideologia.
Fairclough (1989:05) define dois objetivos para a ACD:
a) O primeiro (mais teórico), “corrigir o grande descaso em relação à significação
da linguagem na produção, manutenção e mudança nas relações sociais do
poder”.
b) O segundo (mais prático), “aumentar a conscientização de como a linguagem
contribui para o domínio de algumas pessoas sobre as outras, tendo em vista
que a conscientização é o primeiro passo para a emancipação”.
Com relação ao foco da ACD, Chouliaraki e Fairclough (1999:16 apud
Magalhães 2005: 04) ), lembram o seguinte:
Vemos a ACD trazendo uma variedade de teorias ao diálogo,
especialmente teorias sociais, por um lado, e teorias lingüísticas, por
outro, de forma que a teoria da ACD é uma síntese mutante de outras
teorias; não obstante, o que ela própria teoriza em particular é a
mediação entre o social e o lingüístico
3
a ‘ordem do discurso’, a
estruturação social do hibridismo semiótico.
Portanto, a ACD focaliza a linguagem como prática social. Segundo
Magalhães (2000 apud Magalhães 2005:05) “a linguagem não é meramente o
reflexo da vida social, o que significaria um lugar para a sociedade e um outro
para a linguagem”. E como vimos, para a ACD, o lingüístico é social. Segundo
Kress (1989 apud Magalhães, 2005:05). “isso significa que agimos
discursivamente, como também representamos discursivamente o mundo
(social) a nossa volta”.
3
O negrito é nosso, a fim de destacar a expressão.
39
Por isso dizemos que a ACD é aberta, porque permite ação a seus
praticantes e, dessa forma, eles podem moldar ou transformar o contexto a seu
redor, de uma maneira democrática e polida, evitando com isso maiores
constrangimentos.
Devido a seu trânsito nas áreas sociais, culturais e pós-coloniais,
Chouliaraki e Fairclough (1999) argumentam que a “ACD, pode ao mesmo
tempo, possibilitar uma maior atenção às vozes do discurso e uma focalização
maior quanto ao aspecto discursivo da prática social”, e no nosso caso, na
análise de um discurso político.
O processo discursivo, segundo Fairclough (2001:101) é constituído por três
dimensões:
O texto, a prática discursiva e a prática social, sendo que o texto pode
ser também denominado ‘descrição’, a prática discursiva denominada
de ´interpretação` e a prática social de ´explicação`. Portanto, analisar
um discurso, seria esquadrinhá-lo através dessas três dimensões por
meio de três formas, a descrição do texto, a interpretação e a
explicação da prática social. O trabalho do analista é investigar o
discurso com base na interligação dessas dimensões do processo.
Com base na citação acima, no caso específico desta dissertação,
consideramos indispensável verificar como foi escrito o discurso de Nelson
Mandela, a estrutura do mesmo, enfim, o que ele diz para, a partir daí,
interpretarmos a intencionalidade, isto é, o que quer dizer, neste caso específico
ao proferir as metáforas, e por último, explicar tendo em conta o contexto sócio-
histórico onde foi proferido o discurso.
2.3 – A Análise Crítica da Metáfora
De acordo com Vereza (2007:491), a Análise Crítica da Metáfora (ACM)
“investiga a dimensão político-ideológica da figuratividade”. A ACM é uma
abordagem de análise desenvolvida por Charteris-Black, tendo como base a
40
Lingüística Crítica (LC) e, principalmente a Análise Crítica do Discurso (ACD) de
Fairclough sistematizado em 1989. ACM, por exemplo, partilha com a LC e com
ACD o seu objetivo, isto é, “revelar as intenções encobertas (possivelmente
inconscientes) dos usuários da língua” (Charteris-Black, 2004:25). Fowler &
Kress, (1979), referindo-se à LC afirmaram “(...) uma análise do discurso público
criada para chegar à ideologia codificada implicitamente por detrás de
proposições abertas (...)”. E Fairclough (1989:5) - ao explicar o porquê da
abordagem de Análise do Discurso desenvolvido por ele ser uma Análise
´Crítica` do Discurso – afirma: “porque aponta conexões que possam estar
ocultas às pessoas, tais como as conexões entre linguagem, poder e ideologia”.
Portanto, no caso da LC e da ACD, é possível perceber a preocupação pelo que
pode haver atrás das preposições puramente textuais, e no caso da ACM a
preocupação não está somente em entender a metáfora no seu sentido
semântico, mas também no sentido cognitivo e pragmático.
Uma análise crítica da metáfora, tendo em conta o seu contexto poderá
revelar como ela influencia o julgamento de valores dos produtos do discurso e
nos levará à compreensão das suas ideologias (Charteris-Black, 2004:26). No
caso específico desta dissertação tentainterpretar as metáforas conceptuais e
lingüísticas a fim de revelar o não dito e apontar a ideologia do autor do
discurso.
Carvalho (2006:66) aponta que quando um político usa coerentemente as
metáforas pode crer que elas são simplesmente palavras ou expressões que
servem para descrever com precisão a natureza do fenômeno político. Mas,
hoje, com o aparecimento do paradigma cognitivo do estudo da metáfora, é
possível dizer que elas, empregadas em partes significativas de um texto,
podem revelar realidades e servir de base de motivação para as ações.
De acordo com Charteris-Black (2005:20):
41
(..) as metáforas se fazem presentes nos discursos políticos por
omitirem importantes aspectos do que é real, persuadirem por meios
pacíficos e refletirem um sistema compartilhado de crenças sobre o
mundo e sobre o lugar da humanidade nesse mundo.
(Charteris-Black, 2004:26) defende que a metáfora não pode ser definida
por um único critério, pois ela é um conceito relativo. E, afirma ainda, que ao
definir a metáfora devemos ter em conta critérios lingüísticos, cognitivos e
pragmáticos. Aponta, também, que uma das limitações da análise da metáfora
cognitiva que não leva em conta a pragmática considera como única
motivação para o uso da metáfora a base experiencial subjacente, e será
inconsciente. Por outro lado, uma visão pragmática dirá que os falantes se
servirão da metáfora para persuadir.
“Análise Crítica da Metáfora pressupõe, ao contrário da análise
puramente cognitiva, uma visão de ideologia, por um lado, e de persuasão, por
outro, sendo que ambas as instâncias são características essenciais do discurso
político” (Charteris-Black, 2005 apud Carvalho, 2006:65).
Nesse sentido ainda o mesmo autor, em outro texto, afirma:
tentaremos entender como as inter-relações entre os vários níveis de
análise da metáfora dão suporte ao modelo cognitivo da metáfora.
Porém, é necessário tentar compreender também como a Análise
Crítica da Metáfora suplementa a vista semântico-cognitiva somada
por escolhas particulares de metáforas em diferentes tipos de discurso
lidando com um determinado modelo de discurso (...) (Charteris-Black
(2007:144)
Carvalho (2006:65), tendo como base posições de Charteris-Black, (2005)
afirma que:
(...) em discursos planejados, muito do pensamento é lingüística e
pragmaticamente traduzido pelas metáforas que são escolhidas para
formar o quadro geral do tema a ser abordado. Em conversas
espontâneas, a grande parte da linguagem figurada usada resulta de
42
processos cognitivos inconscientes subjacentes, enquanto que em
discursos planejados a metáfora pode, freqüentemente, refletir
decisões pragmáticas conscientes.
O discurso inaugural de Mandela, objeto de análise desta dissertação,
tem a característica de discurso planejado, pois foi escrita antes do ato da
posse, estruturado com certa antecedência e lida.
Para analisar criticamente uma metáfora, Charteris-Black (2004:35)
assinala que se devem seguir três estágios, primeiro a identificação, aqui ele se
refere à identificação das metáforas lingüísticas; segundo a interpretação, nesta
parte da análise ressalta que se deve proceder à identificação das metáforas
conceptuais e; por último a explicação, isto é, a identificação da agencia social
envolvida na produção da metáfora e a sua função social na persuasão.
Charteris-Black chega a estes três estágios, tendo como base os estágios para a
análise de discurso ( ACD) propostos por Fairclough (2001:101), ele aponta que
se, primeiro por uma descrição do texto, logo, a interpretação e, por último, a
explicação da prática social envolvida no discurso.
Faraco (2008:97), citando Charteris-Black (2004:35), afirma que a
metáfora não necessariamente pré-determina certa interpretação; mas pode
criar pré-disposição para uma dada interpretação. Isso ocorre devido aos
julgamentos de valor que estão implícitos em certas palavras e expressões
utilizadas pelo falante. Por isso, podemos afirmar, junto com Charteris-Black,
que a metáfora pode exercer a função de portador de ideologia e com a ajuda da
ACM tentaremos identificar no discurso inaugural de Mandela a ideologia
subjacente nas metáforas proferidas.
As escolhas das metáforas, segundo Faraco (2008:97) são influenciadas
por recursos sociais e individuais. Os recursos sociais o as perspectivas
ideológicas (ponto de vista político e religioso) e conhecimento histórico cultural.
Os recursos individuais são os nossos pensamentos, sentimentos e experiências
43
corporais no mundo. No caso específico desta dissertação entendemos ser de
extrema importância destacar o Capítulo II: Nelson Mandela e a África do Sul,
justamente porque tendo uma visão da história do autor do discurso nos ajudará
a interpretar o porquê das escolhas de determinada metáfora e também a
analisar o significado subjacente dessas metáforas.
Mas, podemos nos perguntar: por que escolhemos as metáforas?
Charteris-Black (2007: 247) responde dizendo: “Metáforas são como muitos
aspectos da linguagem escolhidas pelos falantes para alcançar uma
comunicação particular dentro de contextos particulares sendo predeterminados
pelas experiências humanas”. No entanto, o autor continua argumentando que à
teoria completa da metáfora deve ser incorporada uma perspectiva pragmática
que interprete a escolha da metáfora com referência às propostas do uso dentro
de um contexto específico de discurso. Junta-se a ele Forceville (1996 apud
Charteris-Black 2007: 247) dizendo que “a produção e interpretação da metáfora
inclui referências de muitos elementos contextuais essenciais para a lingüística”.
Em suma, segundo Charteris-Black (2004) a ACM é uma maneira de
revelar ideologias, atitudes e crenças subjacentes e, consequentemente,
constitui um meio importante para compreendermos melhor as relações
complexas entre língua, pensamento e contexto social. Entretanto, como aponta
o mesmo autor, é difícil estabelecer uma distinção entre a função lingüística da
metáfora de preencher lacunas semânticas, sua base afetiva e cognitiva e sua
função retórica de persuasão.
Baseando-nos em Charteris-Black (2007), analisaremos as metáforas,
presentes no discurso inaugural de Nelson Mandela, em dois momentos:
a) Primeiro, partindo da idéia de que embora o modelo semântico-cognitivo seja
satisfatório para analisarmos como as metáforas são interpretadas pelos
indivíduos, consideraremos a influência social da ideologia, da cultura e da
44
história pode proporcionar um resultado mais convincente do porquê as
metáforas são escolhidas em contextos de discursos específicos.
b) Em segundo lugar, partindo da idéia de que a interpretação das metáforas é
freqüentemente inconsciente, verificaremos que uma das razões pelas quais as
metáforas são tão persuasivas é que não estamos sempre conscientes do
quanto elas influenciam nossas respostas.
Concluímos com Charteris-Black (2007), que:
uma visão semântica da metáfora deve sempre ser completada por
uma pragmática. Essa perspectiva não deve excluir a visão semântica
ou cognitiva da mesma, mas reivindica que a escolha da metáfora
deve ser governada por considerações cognitiva, cultural, pragmática,
ideológica e histórica. (pág. 248).
Baseando-nos no que diz Fairclough (2001) pretendemos mostrar,
através dessa análise crítica, que líderes são capazes de mobilizar seus
seguidores por meio de desempenhos discursivos e que, por essa razão, nos
grandes modelos de democracia, a liderança e o poder são legitimados através
do discurso.
As metáforas, segundo Charteris-Black, (2005:xii:20), estão presentes
nos discursos políticos, pois elas omitem importantes aspectos do que é real,
persuadem por meios pacíficos e refletem um sistema compartilhado de crenças
sobre o mundo e sobre o lugar da humanidade neste mundo. Daí a preocupação
desta pesquisa em apontar quais realidades foram omitidos e quais foram
ressaltados por meio das metáforas lingüísticas e das conceptuais no discurso
inaugural de Nelson Mandela. Ademais, a metáfora não é um recurso apenas do
sistema semântico, mas sim uma questão que diz respeito à escolha do falante,
ou seja, uma questão pragmática (Carvalho, 2006:67), portanto, as metáforas
devem ser estudadas na sua relação com o discurso (Chilton, 1993:2 apud
Carvalho 2006: 68). Para melhor evidenciar os apontados acima, faz-se
45
necessário tratar de algumas dimensões discursivas da metáfora, como a
persuasão, emoção, avaliação, o sentido de polidez e, outra, a apontada por
Cameron e Low (1999:86).
Persuasão: Charteris-Black (2005:30 apud Carvalho, 2006:68) define a
persuasão como uma função do discurso de múltiplas camadas que é o produto
de uma interação complexa entre intenção, escolha lingüística e contexto. O
mesmo autor aponta que a persuasão pode ser concebida como processo
comunicativo interativo em que a mensagem do emissor objetiva influenciar as
crenças, atitudes e comportamentos de seu receptor. Na persuasão, o papel
ativo do emissor é caracterizado por intenções deliberadas. A persuasão o é
um acaso, mas um propósito comunicativo por parte do emissor. Para que
aconteça a persuasão, diz o mesmo autor, a mensagem precisa atender os
desejos, necessidades e imaginação do receptor, isto é, o processo
comunicativo do falante deve levar emoções aos seus interlocutores.
A metáfora é tida como a figura privilegiado para a persuasão, justamente
por causa do próximo item que vamos tratar, isto é, por provocar emoções.
Emoção: Charteris-Black (2004) afirma que por causa do potencial da
metáfora em provocar emoções é usada com freqüência na linguagem
persuasiva, entretanto, o feito de determinadas metáforas variará de acordo com
a percepção lingüística e pragmática do usuário da língua, pois, segundo o
mesmo autor, a metáfora se respalda na interpretação.
Avaliação: Carvalho (2006:68), citando Hunston e Tompson (2005:5),
afirma que é um termo amplo para designar atitudes, pontos de vistas ou
sentimentos por parte do falante sobre o que está falando.
A metáfora também se refere à articulação de pontos de vistas e de
como nos posicionamos discursivamente em relação a eles. Isso,
46
talvez, explique uma relação bem próxima entre a avaliação e a
metáfora (Carvalho, 2006:68).
Um outro aspecto discursivo da metáfora é defendido por Cameron e Low
(1999 apud Carvalho, 2006:69). Afirma que:
(...) a metáfora não somente encobre uma posição do discurso direto,
como se nada literal fosse dito, mas ela tem a vantagem inestimável
de combinar o fato de que o falante não pode ser responsabilizado
pela mensagem, com o respaldo de que uma mensagem proposta
que não pode ser discutida abertamente.
Portanto, no discurso persuasivo, a metáfora reduz o risco,
salvaguardando a face. A este tema, por ocupar um papel importante da nossa
análise dedicaremos uma parte deste capítulo.
2.4 - A teoria da polidez
Esta teoria foi originada por Brown e Levinson na década de 80,
especificamente em 1989, que teve como base a teoria das Faces, uma noção
universal caracterizada pelo sociólogo Erving Goffman na década de 60.
Para Goffman (1967 apud Barros, 1996:18), face é um valor social
positivo que uma pessoa reclama para si mesma. É uma auto-imagem delineada
em termos de aprovação de atributos sociais que os outros podem compartilhar.
A face se constitui de um conjunto de desejos que podem ser satisfeitos
somente por ações de outros, daí haver um mutuo interesse de manter as faces.
As pessoas colaboram na manutenção da face na interação devido à
vulnerabilidade mútua da face. A face pode ser perdida ou mantida, e deve ser
constantemente cuidada na interação face-a-face. Esta interação refere-se à
classe de eventos que ocorre durante e em virtude da presença do outro e
envolve, segundo o mesmo autor, um espaço, um tempo e uma restrição aos
eventos sucessivos que completam a interação que já tenha começado.
47
A teoria da polidez para Barros (1996:32), citando Brown e Levinson,
pressupõe um potencial humano para a agressão. A polidez busca, então,
desarmar a agressão a fim de possibilitar a comunicação entre os grupos
potencialmente agressivos, procurando evitar as ofensas. Portanto, para essa
teoria o cerne da vida em sociedade é ter o controle da agressão interna e,
também, tentar reter a agressão em potencial para as relações com outros
grupos. A polidez, segundo a mesma autora, pode tornar possível predições a
respeito da distribuição da igualdade ou desigualdade social, intimidade e
distância social. Portanto, como afirmam Brown e Levinson, a polidez é
fundamental para a ordem social, condição para a cooperação humana.
Evitar atos ameaçadores de face vem a ser uma estratégia de polidez. Ao
tratar das estratégias de polidez na língua, Brown e Levinson (apud Barros,
1996:33) afirmam a seleção de um conjunto de desejos estratégicos a ser
realizados por meios lingüísticos pode envolver a organização e ordenação da
expressão desses desejos. Para os mesmos autores, a quantidade de esforço
despendido no mecanismo lingüístico de manter a face implica em comunicar o
desejo sincero de que as aspirações do ouvinte sejam satisfeitas.
Os conceitos de face envolvidos na polidez proposta por Brown e Levison
são:
A Face positiva que vem a ser, segundo os dois autores (apud Barros,
1996:20) o desejo de aprovação social e de auto-estima. A preservação da face
positiva envolve atividades e verbalizações que vão de encontro às
necessidades e interesses do interlocutor, que deverá sentir-se satisfeito e com
desejo de continuar a interação com o locutor. Portanto, a face positiva é a
afirmação de uma auto-estima positiva ou personalidade reclamada pelos
integrantes.
A face negativa vem a ser o desejo de cada adulto competente de não
ser impedido em suas ações. A preservação desta face implica uma polidez de
48
não-imposição em que o ouvinte, em momento algum, deverá sentir-se
ameaçado em suas pretensões, interesses e crenças.
Também, outro princípio envolvido na estratégia de polidez, que cremos
ser importante para esta dissertação é a negociação da face que vem a ser um
conjunto de ações que as pessoas fazem para preservar as faces. São ações da
pessoa para fazer o que é consistente com a face através do tato, diplomacia,
traquejo social (Barros, 1996:21). Segundo a mesma autora, podemos negociar
com sucesso a face dos participantes, através da percepção da situação,
seguido do uso de estratégias de manutenção ou preservação da face. Essas
estratégias se denominam salvaguarda d face. Nesta dissertação serão
interpretadas as metáforas presentes no discurso inaugural de Nelson Mandela
que tenham a função de polidez, salvaguardando as faces de seus
interlocutores, no caso específico as de seus antecessores no poder, pois,
segundo a mesma autora, citando Goffman (1967), os processos de negociação
da face são afetados através das estratégias de polidez. As estratégias de
polidez, como citado anteriormente, visam evitar os atos ameaçadores da
face.
O ato ameaçador da face também é considerado de suma importância
para a compreensão da estratégia de polidez. Pedidos e ordens, por exemplo,
são atos ameaçadores da face para Brown e Levinson (1978 apud Barros, 1996:
22). O ato ameaçador da face é um ato que ameaça as faces do ouvinte e/ou do
locutor, que pode colocar em perigo a face positiva ou negativa do locutor ou do
interlocutor e pode ofender as faces de ambos. Estes atos ameaçadores podem
ser feitos diretamente (explicitamente) ou indiretamente (implicitamente) e
podem desagravá-los com desculpas pela interferência ou transgressão, por
evasivas na força ilocusionária, por mecanismos de impessoalização e por
outros mecanismos de polidez que darão ao ouvinte uma saída para salvar as
faces.
49
A polidez refere-se, justamente, às técnicas do bem viver em sociedade
através da satisfação das faces dos interlocutores numa interação verbal. Ela
contém, segundo Barros (1996:33), princípios que existem em todas as
sociedades, não importando as variações de interpretação de polidez nos
grupos e nas diferentes situações. Do fato desses princípios terem um status
de princípios universais da interação humana.
Segundo Brown e Levinson (1978 apud Barros,1996: 47-48) existem três
tipos de estratégias de polidez, a primeira é a polidez positiva, que ocorre ao
usarmos expressões de solidariedade que remetem a benefícios para o
interlocutor, logo, a polidez negativa, que se por meio do uso de expressões
que evitam imposições; e por último, a polidez indireta, que se caracteriza pelo
uso de expressões ambíguas e indiretas a fim de evitar ofensas ao ouvinte.
A escolha do tipo de polidez a ser empregado está ligada às relações
sociais entre o falante e o ouvinte que buscam evitar a ofensa. Para entender
melhor a escolha das metáforas que Mandela fez e que consideramos ter a
função de evitar as ofensas a alguns de seus interlocutores, consideramos de
suma importância também relatar a história de luta e sofrimento do autor do
discurso junto com o povo sul-africano, como veremos no capítulo II desta
dissertação.
E, para concluir esta parte da dissertação, queremos apontar que a déia
central da teoria de polidez de Brown e Levinson é de que alguns atos de fala
são atos ameaçadores das faces e, portanto, precisam ser amenizados para que
haja uma boa convivência na sociedade. Essa amenização, nesta dissertação,
será buscada nas metáforas proferidas por Mandela em seu discurso inaugural,
sem tirar a importância de outros fatores de atenuação como, por exemplo, a
entonação, o uso de certas expressões como “por favor” e outros.
50
CAPÍTULO II: NELSON MANDELA E A ÁFRICA DO SUL
“Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de
sua pele, por sua origem ou ainda por sua religião.
Para odiar, as pessoas precisam aprender e, se
podem aprender a odiar, podem ser ensinadas a
amar”.
Nelson Mandela
Consideramos pertinente fazer uma breve retomada panorâmica, tanto da
vida de Nelson Mandela quanto da história da África do Sul, para melhor
entendermos o contexto no qual foram proferidas as metáforas que são o objeto
de análise desta dissertação.
Este capítulo baseia-se principalmente no livro intitulado: Nelson
Mandela, longo caminho para a liberdade: uma auto-biografia (Mandela, 1995),
escrito de forma autobiográfica pelo próprio Nelson Mandela. A escolha deste
livro deve-se, principalmente, ao fato de ele revelar, além da história da África do
Sul, uma visão do próprio Mandela sobre a realidade sócio-política de seu país,
o que cremos que podeajudar-nos a ter uma visão mais adequada sobre os
motivos da escolha das diferentes metáforas presentes em seu discurso
inaugural e revelar-nos, sobretudo, as intenções subjacentes a essas metáforas.
Rolihlahla Mandela nasceu em 18 de julho de 1918, como ele próprio o
diz, nasceu
(...) num lugar rodeado de lindas paisagens, no distrito de Umtata,
capital do Transkei, às margens do rio Mbashe, uma terra linda de
colinas onduladas e vales férteis e mil rios e riachos que até o inverno
se conserva verde (Mandela, 1995: 13).
O lugar era considerado a maior divisão territorial de toda a África do Sul,
com uma população da etnia xhosa de aproximadamente 3,5 milhões de
pessoas. A sociedade xhosa estabelecera uma ordem social equilibrada e
51
harmoniosa em que cada pessoa tinha atribuído a si um lugar específico. Todos
pertenciam a algum clã, denominado como um grupo de pessoas unidas por
parentesco e linhagem e que é definido pela descendência de um ancestral
comum” (Mandela, 1995:14).
Filho de Gadla Henry Mphakanyiswa, que era conselheiro e formador de
reis, (cada tribo tinha o seu rei) e de Nosekeni Fanny, uma mulher lutadora. Seu
pai foi um homem respeitado e muito justo. Gadla teve quatro esposas e treze
filhos, sendo Mandela o mais jovem dentre os filhos homens. Para os padrões
da época, ele era considerado um homem rico, com alguma fortuna e título.
Porém, certo dia, um de seus funcionários, aparentemente querendo manchar
seu nome, disse que lhe havia desaparecido uma vaca e solicitava ao patrão
(Gadla) o reembolso. Gadla recebeu uma intimação do magistrado e,
inconformado com tamanha injustiça, se recusou a comparecer à audiência
(algo considerado na época um grande insulto). Considerado por isso um
insubordinado, foi destituído do cargo e perdeu toda a sua fortuna, bem como
seus títulos. A família, então pobre, mudou-se para Qunu, um vale estreito e
verdejante riscado por riachos de águas límpidas e cercado de morros cobertos
de vegetação” (Mandela, 1995:17). Nessa região Mandela passou, feliz, parte de
sua meninice. O pai sempre lhes contava histórias de lutas históricas de
guerreiros xhosa e a e lhes estimulava a imaginação com lendas e fábulas
xhosas que eram transmitidas de geração em geração. Desde seus cinco anos
de idade Mandela trabalhava como pastor de ovelhas. Quando Mandela
completou seis anos, seguindo a sugestão de um amigo, seu pai o matriculou
em uma escola Metodista para se alfabetizar; recebeu, como era o costume,
seu primeiro nome, inglês, Nelson.
Mandela costumava brincar de luta com os amigos e de montar em
burros. Certo dia, Mandela não conseguiu domar um burro teimoso e caiu “com
a cara no chão”, o que o deixou muito desprestigiado perante seus amiguinhos.
Ele não quis golpear o animal e o fato ele transferiu para o nível humano, do
52
qual tirou uma lição para sua vida e ao lembrar afirma que mesmo tendo sido
um burro que me derrubou, aprendi que humilhar uma pessoa é fazê-la sofrer
um destino desnecessariamente cruel (Mandela, 1995:19). Assim, desde
criança ele aprendeu a derrotar os adversários sem desonrá-los.
Certa noite, seu pai chegou tossindo muito e acabou por perder as forças.
A mãe de Nelson e a esposa mais nova do pai se revezavam para cuidar deste,
que, no entanto, não resistiu. Com sua morte, sem muita escolha, sua mãe o
levou para Mqhekezweni, a capital da Tembolândia, perto dos domínios de
Jongintaba, regente chefe de região, um dos jovens que seu pai havia treinado e
indicado para a sucessão de um rei. Mandela, com nove anos, ficou
maravilhado com o lindo lugar, sem saber que ali seria seu futuro lar.
Jongintaba, que já tinha um casal de filhos, em gratidão e retribuição a seu pai, o
adotou como filho.
Mandela, sendo obrigado pelas circunstâncias, foi viver longe da mãe
onde teve oportunidade de estudar e de ter uma vida melhor. A mãe, que voltara
para Qunu, para ficar com a filha, sua irmã, nunca foi esquecida. Não foram
poucas as vezes em que Mandela participava com seu “irmão”, o sucessor do
regente chefe da região, de reuniões políticas. ele observava que alguns
oradores usavam emoção e linguagem dramática e procuravam comover a
platéia com esse tipo de técnica, ao passo que outros eram brios e
equilibrados e evitavam utilizar a emoção” (Mandela, 1995:27).
Mandela se encantava com aquela vida e, frequentemente, ia com o Sr.
Jongintaba a reuniões e aprendeu o que significava democracia: Formar
algum consenso a partir das diversas opiniões, porém, sem imposição aos que
discordassem; se não chegassem a nenhum acordo, haveria outra reunião
(Mandela, 1995:28).
53
O relato a seguir, acerca das principais fases da história da África do Sul,
baseia-se principalmente em dados extraídos do site
www.africadosul/org.br.historia.asp sugerido pela Embaixada da África do Sul,
via e-mail, no dia 10 de junho de 2006.
Mandela, que na infância havia ouvido muitas histórias, quando
freqüentara a escola, tomou conhecimento da invasão da África do Sul pelos
holandeses e ingleses, e tinha condições de avaliar as conseqüências
decorrentes. As histórias ouvidas contavam que o povo Khoisan, da região
norte de Botsuana, muitos anos atrás tinham desistido da caça para criar gado,
uma atividade que os outros africanos estavam aprendendo. Esse povo se
autodenominava Khoikhois, ou seja, “homens dos homens”, e dava aos
conterrâneos que continuaram a ser caçadores o nome de San. Não havia
fronteiras entre as nações Khoikhoi e San. Na época, a África estava na mira
de alguns exploradores, como o navegador português Bartolomeu Dias, que por
lá passara em 1488, e Vasco da Gama, que a visitou em 1497.
Quando a Companhia das Índias holandesa se instalou permanentemente
na Cidade do Cabo, em 1652, a colonização não era sua principal atividade. A
Cidade do Cabo era um porto conveniente para quem vinha e ia para o
Ocidente, e por isso os holandeses enviaram o comandante Jan van Riebeeck
para o local; ele se desentendeu com os Khoikhois (chamados pelos
holandeses de Hottentots). Declarando guerra ao povo Khoikhoi, aprisionou
seus líderes na Robben Island, dando início ao período histórico de colonização.
Mais tarde, van Riebeeck criou uma colônia de escravos formada em sua
maioria por indonésios.
Os colonizadores brancos viviam, de início, em pequenas fazendas na
Cidade do Cabo. Mas as colônias se espalharam pelas montanhas e em pouco
tempo alcançaram os pastos secos do interior. Esses colonizadores decidiram
se distinguir de seus irmãos da Holanda se autodenominando Bôeres, ou seja,
54
fazendeiros, ou Afrikaaners (africanos). Eles decidiram se apossar do que bem
entendessem, e começaram a matar os adultos dos grupos Khoikhois, fazendo
de seus filhos servos domésticos. Esse foi o início da dominação dos sul-
africanos pelos brancos, o que seria um dos motivos principais da luta
empreendida por Mandela para libertar seu povo da dominação imposta pelos
brancos e defender o direito de igualdade entre os colonizadores e o povo
autóctone, dono da terra.
Com o fechamento da Companhia das Índias em 1795 pelos holandeses,
os ingleses assumiram o controle da região do Cabo. Entre 1803 e 1806, os
ingleses devolveram o poder aos holandeses, porém, mais tarde decidiram
recuperá-lo. Uma das primeiras medidas do governo foi atacar o povo Xhosa
(origem dos ancestrais de Nelson R. Mandela), que habitava nas áreas dos
territórios ocupados pelos colonizadores.
Os ingleses enviaram em 1819, estimados 4 mil colonos, aos quais
entregou terras conhecidas como Zuurveld, que ficavam às margens do rio
Great Fish, região inóspita e sem perspectivas, por cuja ocupação os colonos
tinham de pagar impostos, algo que causou insatisfação com o regime britânico
na Cidade do Cabo - como já havia acontecido com os Bôeres.
O Decreto 50, de 1828, aboliu o trabalho forçado e a distinção de cor
quanto à validade das leis, o que levou em 1834 à abolição da escravidão. Os
Bôeres reagiram transferindo-se para as terras além do rio Orange, fora do
controle britânico, num êxodo que ficou conhecido como o Great Trek.
Em 1867, a África do Sul ainda não era considerada uma nação. No
território coexistiam quatro colônias de brancos e vários reinos de negros.
Embora os britânicos fossem o poder dominante, muitas colônias maiores
detinham poder a partir de atividades como o garimpo de diamantes,
abundantes no país.
55
A descoberta da riqueza do país em termos de diamantes deu-se por
acaso. Em 1866, o jovem Erasmus Jacobs, ao brincar na fazenda do pai, perto
de Hopetown, achou uma linda pedra. Um vizinho quis comprá-la, mas a família,
julgando que a pedra não tivesse valor, deu-a a ele. A linda pedra de Erasmus
era o diamante “Eureka”, de 21,25 quilates, que desencadeou a corrida do
diamante em Kimberley. Três anos depois, esse mesmo vizinho teve a sorte de
encontrar uma pedra ainda maior, de 83,5 quilates, a chamada “Estrela da África
do Sul”.
Surgiu assim o lebre Kimberly Big Hole, um enorme veio de diamantes
que atraiu mais de 50 mil pessoas de todo o mundo. Em condições de vida
horríveis, a área parecia, no entanto, um repositório infinito de diamantes. Eram
terras de fronteira, e os governos do estado de Orange Free, da República Sul-
Africana e de Cape Colony também queriam uma parte da riqueza. Mas em
1880 os britânicos anexaram à área, causando total insatisfação.
Kimberley tornou-se o centro da indústria de diamantes, e aventureiros
como Cecil Rhodes, Charles Rudd e Barney Barnato que acabaram por criar um
poderoso cartel, que, consolidado, tornou-se a De Beers Consolidated Mines,
que domina o mercado mundial de diamantes.
Quando, em 1886, George Harrison, descobriu a camada Main Reef, em
Witwatersrand, a corrida do ouro acirrou-se. As fazendas foram anexadas ao
patrimônio público que foi fundada na região a cidade de Johannesburgo. Os
Bôeres e os britânicos acabaram por chegar a um acordo. Em 1910, proclamou-
se a União da África do Sul. Ao longo do século XX, os Afrikaaners voltaram a
dominar o país por um curto período, e os negros continuaram a viver numa
péssima situação político-social.
56
A população negra começou a aumentar sensivelmente: de pequena
minoria nos centros urbanos na época da União, tornava-se maioria em todas as
cidades principais. Para controlar essa explosão demográfica os brancos
criaram as Pass Laws, leis que controlavam a circulação dos negros para evitar
que saíssem das fazendas dos brancos. Além disso, as leis conhecidas como
Land Acts, de 1913 e 1936, proibiram, os negros de comprarem terras fora das
reservas, obrigando-os a viver nas tribos. E foi nesse contexto que Mandela veio
ao mundo, vivenciando todos os absurdos assim criados. Ele resolveu estudar
direito na Universidade de Fort Hare, intuindo que precisava dessa formação
para poder lutar, dentro da lei, em favor dos sul-africanos. Porém, após dois
anos de estudo, houve uma votação para a composição de um Grêmio
Estudantil, e Mandela e cinco amigos foram eleitos. No entanto, o reitor da
Universidade procurou Mandela e lhe comunicou que alguns trabalhos deveriam
favorecer a Universidade, o que, consequentemente, deixaria seus eleitores
desapontados. Mandela renunciou ao cargo e, sem ter outra opção, o reitor o
expulsou da Universidade.
Ao voltar para casa, Mandela contou o ocorrido a Jongintaba, que se
irritou muito com tamanha inconseqüência e lhe ordenou que, após as rias,
voltasse para a Universidade. Ele disse a Mandela e a seu irmão Justice, seu
sucessor, que, como não era novo, queria que os dois se casassem para
poderem ocupar um lugar na sociedade e que havia escolhido as noivas e
pago seus dotes. Mas os dois não queriam aborrecer o pai e tampouco se casar
com uma moça que não fosse de seu agrado; assim, fugiram de casa e foram
tentar a vida nas minas de ouro, em Johannesburgo. Passaram por muitas
dificuldades, pois não tinham dinheiro e eram filhos de um homem muito
conhecido e respeitado e muitos sabiam que os dois estavam sendo aguardados
pelo pai. Porém, com muito esforço, conseguiram continuar suas trajetórias.
Aos 23 anos de idade, Mandela conseguiu um emprego como estagiário
no escritório de advocacia do Sr. Sidelsky que, para ele, era um professor
57
paciente e generoso que procurava comunicar não os detalhes da lei como a
filosofia que havia por trás dela; e lá aprendi muito” (Mandela, 1995: 67).
No final de 1941 o regente Jongintaba, ao visitar Johannesburgo, foi
procurado por Mandela e ambos tiveram uma longa conversa, na qual o regente
confessou a Mandela que o havia perdoado, o que deixou Mandela em paz. No
ano seguinte, quando Mandela tinha vinte e quatro anos, Jongintaba, seu
segundo pai, faleceu. Mandela e Justice foram para a cerimônia, porém
chegaram depois do funeral. Uma semana depois Mandela voltou para
Johannesburgo para continuar seu trabalho e Justice ficou em Transkei para
assumir o cargo de regente sucessor.
Mandela, que voltara a estudar direito por correspondência, pela
Universidade de Witwatersrand, foi aprovado no exame final de bacharelado e
recebeu seu diploma em 1942, porém tinha consciência de que um diploma não
é um talismã nem um passaporte para o sucesso fácil.
Em 1945, Mandela casa-se com Evelyn Mase e em 1946 nasce o
primeiro filho do casal, Madiba Thembekile. Em 1947, nasce Makaziwe, a
segunda filha, que morreu com nove meses. No mesmo ano, Mandela foi eleito
para a Comissão Executiva do Congresso Nacional Africano (CNA) do
Transvaal. Consciente da realidade de seu país, Mandela achava que o caminho
para a libertação seria um nacionalismo africano o diluído e não um
marxismo nem um multirracionalismo” (Mandela, 1995:95).
Em suas reuniões regulares, o CNA discutia todo tipo de problema da
África do Sul. Um deles foi a Lei do Gueto que circunscrevia as zonas em que
os indianos podiam residir e comercializar e restringia severamente o direito de
compra das propriedades pelos indianos; em troca, os indianos receberam o
direito de ser representados no parlamento pelos delegados brancos com
funções apenas simbólicas” (Mandela, 1995:91)
58
Num clima de turbulência, houve em 1948 eleições gerais para eleitores e
partidos brancos. O Partido Unificado (partido do governo dirigido pelo General
Smuts) enfrentou o Partido Nacionalista, uma antiga agremiação que havia
revivido. Esse, partido, favorável ao apartheid (cuja premissa dizia que os
brancos eram superiores aos africanos, mestiços e indianos e sua função era
fortalecer para sempre a supremacia dos brancos) ganhou as eleições. Segundo
Smuts o apartheid era uma idéia maluca nascida do preconceito e do medo
(Mandela, 1995:98).
O novo governo lançou diversas leis, como a que proibia o casamento
entre brancos e não brancos; a Lei de Registro da População, que classificava
os sul-africanos por raça, fazendo da cor o único e mais importante fator
referente aos indivíduos; a Lei das zonas de grupo, que delimitava zonas
urbanas separadas por grupo racial. Mandela, em uma de suas falas
desabafou: No passado, os brancos se apossaram das terras à força; agora,
asseguram pela lei sua posse” (Mandela, 1995:99).
Nesse mesmo ano, o CNA tornou-se mais ativo, passando a incentivar
greves (o que era considerado um crime na África do Sul), boicotes, faltas ao
trabalho etc., porém continuava contra a violência.
Em 26 de julho de 1950, o CNA lançou O Dia do Protesto, cuja idéia
principal era sustentar uma greve em escala nacional, e teve êxito moderado.
Em 06 de abril de 1952, os sul-africanos brancos comemoravam o
trigésimo aniversário da chegada de Jan van Riebeeck ao Cabo; eles
comemoravam a fundação de seu país, mas esse era o dia que os sul-africanos
execravam por ser o começo de três séculos de escravidão (Mandela, 1995:
107).
59
Nesse mesmo ano, Mandela abriu seu próprio escritório de advocacia,
juntamente com Oliver Tambo, em Johannesburgo.
Em 1953, Mandela foi obrigado a se demitir do CNA, em função da Lei de
Eliminação do Comunismo, e proibido de comparecer a todo tipo de reunião
durante dois anos. Mandela se demitiu, mas continuou participando das reuniões
secretamente. Na época, o governo obrigou os moradores de Sophiatown a se
mudarem para Meadowlands local com um número de casas menor que o
número de habitantes, e os imóveis não tinham acabamento. O interesse era
deixar a cidade livre para os brancos. O CNA reuniu mais de dez mil pessoas
para lutar sem violência contra os policiais, porém foi uma tentativa e todos
tiveram de se retirar, após uma semana de resistência, ao som não de tiros,
mas de canhões e marretas(Mandela, 1995:140). Mandela, indignado, porém,
obediente, foi obrigado a ver mais uma vez seu povo passar por uma
humilhação, e inconformado, disse:
(…) a lição que eu aprendi com a campanha foi que, no fim, não
tínhamos alternativa senão a resistência armada e violenta. Repetidas
vezes havíamos usado as armas não-violentas de nosso arsenal, tais
como discursos, representações, ameaças, marchas, greves, faltas ao
trabalho, prisão voluntária, mas não valeu de nada, pois tudo o que
fazíamos era enfrentado com mão de ferro. Os que lutam pela
liberdade aprendem a duras penas que é o opressor quem define a
natureza da luta e que em geral nada resta ao oprimido senão usar
métodos que espelham os do opressor. Depois de um certo ponto,
se pode combater o fogo com fogo (Mandela, 1995:141).
Nesse mesmo ano o governo lançou a Lei do Ensino Banto, que
determinava: as escolas africanas primárias e secundárias dirigidas pela Igreja
e por grupos missionários tinham a opção de entregar as respectivas escolas
para o governo ou começar a receber subsídios cada vez menores; em outras
palavras, ou o governo assumia a direção do ensino dos africanos ou não
haveria ensino nenhum para eles. Os professores africanos foram proibidos de
criticar o governo ou as autoridades escolares. Era um modo de institucionalizar
a inferioridade(Mandela, 1995:142). O CNA convocou uma paralisação com os
60
pais e alunos como forma de protesto contra o Ensino Banto, que diferenciava o
ensino entre os africanos e os brancos, porém a mobilização foi um fracasso,
embora tenha conseguido que o ensino fosse de igual qualidade para todos, o
que acabou gerando uma geração rebelde cuja ação culminou na década de
1970.
Em 1955, com 38 anos e livre da lei que o obrigava a ficar em
Johannesburgo, Mandela voltou ao Transkei e a Qunu, para rever membros do
CNA, oficializar algumas reuniões e rever sua mãe. À noite, após revê-la,
indagou: pode haver coisa mais importante do que cuidar de nossa própria mãe
idosa? Seria a política um mero pretexto para fugir às responsabilidades, uma
desculpa para não ser tão bom provedor como deveria?” E concluiu: não, são
coisas simplesmente diferentes (Mandela, 1955: 153). E passeando pelas
savanas se deparou com um elefante, fato jamais vivenciado por ele, e
exclamou: Que terra mais linda e tão fora do alcance, possuída por brancos e
intocável por um negro” (Mandela, 1955: 157).
Em 1956, o governo novamente expediu uma proibição contra Mandela,
que durante cinco anos o poderia participar de reuniões e encontros, nem sair
da cidade. Mas certa noite foram buscá-lo em sua casa e o levaram preso. Na
prisão estavam todos os seus amigos (membros do CNA), que, também presos,
eram acusados de alta traição e conspiração nacional, alegavam que seu grupo
incitava a violência, a fim de derrubar o governo e substituí-lo por um Estado
comunista” (Mandela, 1955: 167). Ficaram presos durante quinze dias e julgados
mais tarde.
Nesse mesmo ano Mandela e Evelyn se separam. Em 1958 Mandela se
casa com Nomzamo Winnifred Madikizela, mais conhecida como Winnie, que
também era enfermeira. Ela se encantara com a postura do marido, e começou
a participar de reuniões, por livre e espontânea vontade, e acabou presente num
61
protesto contra a Lei do Passe (Pass Law) para mulheres. Em 1958, Winnie deu
à luz sua primeira filha com Mandela, que recebeu o nome de Zenani.
Em 1959, foi criado o PAC (Congresso Pan-Africanista), rival do CNA,
cujo objetivo era “um governo dos africanos pelos africanos e para os
africanos”, que declarou pretender “derrubar a supremacia dos
brancos e estabelecer um novo governo, cuja principal proposta era
libertar os sul-africanos ate o final de 1963” (Mandela, 1955: 189)
Em 1959, começou o julgamento dos acusados por alta traição. Houve
um atraso de mais de dois anos, devido à morte de um dos juizes que estava
analisando os fatos e também devido a uma manifestação dinâmica contra e Lei
do Passe, que mobilizou a África do Sul. Os advogados de defesa, alegando
desorganização do Tribunal, se declararam não mais participantes daquele
processo e deixaram aos próprios acusados sua defesa.
Em 1960, ainda obrigado à permanência em Johannesburgo, Mandela
soube que seu filho Makgatho estava muito doente e precisava ser operado.
Sem hesitar, Mandela o buscou no Transkei e o trouxe para Johannesburgo. No
mesmo período, Winnie deu à luz sua segunda filha, dando-lhe o nome de
Zindziswa, em homenagem à filha de Samuel, um amigo do povo xhosa.
O veredicto final estava pronto e os acusados sabiam que, se fossem
inocentados, viveriam sob fortes restrições impostas pelo governo e caso
fossem condenados seriam levados diretamente para a prisão. Mandela
retornou à casa, arrumou seus pertences, se despediu de Winnie e de suas
filhas e lhe disse que independente do resultado, ele não voltaria, e que seus
amigos as ajudariam no que fosse preciso. Ele alegou que não suportaria viver
sob tais restrições, que preferiria viver clandestinamente. Saiu e foi se despedir
de seus filhos com Evelyn.
O veredicto final saiu. Todos foram inocentados e dispensados. Mandela
disse que se tornou uma criatura da noite(Mandela, 1995: 221), por viver na
62
clandestinidade: durante o dia ficava em seus esconderijos (e teve que passar
por vários, para não ser descoberto) e à noite saía para fazer seus trabalhos. Foi
apelidado Pimpinela Negro. Criou uma nova identidade, David Motsamayi.
Mandela, cansado com a intransigência do governo, começou a incitar a
luta armada e a convencer o CNA a agir da mesma forma que o governo nas
greves. O CNA começou a aceitar a idéia, embora não por completo.
Nesse período, Mandela se dedicou às leituras. Penetrou no passado da
África do Sul, estudou sua história anterior e posterior aos brancos. Comparou
as guerras entre africanos e africanos, entre africanos e brancos e entre brancos
e brancos(Mandela, 1955: 227). Leu a tese intitulada “Da Guerra”, de Karl von
Clausewitz, que defendia que a guerra era uma continuação da diplomacia por
outros meios” (Mandela, 1995: 228).
Mandela, Oliver e Resha, outro companheiro seu, viajaram pela África a
fim de conseguir novos contatos e com o intuito de aprender com suas políticas.
Foram para o Egito (que surpreendentemente era o único Estado africano que
possuía exército, marinha e força armada de alguma forma comparáveis aos sul-
africanos), Etiópia (e ficaram desapontados com a falta de conhecimento do
resto da África sobre a África do Sul), Marrocos, Argélia, Libéria (onde
conseguiram lares para comprar armamento), Senegal e por último visitaram
Londres” (Mandela, 1995: 243-244). Dessa viagem Mandela retornou depois
de oito semanas, pois ficou em treinamento militar em Adis Abeba.
Em 05 de agosto de 1962 Mandela é reconhecido e preso novamente,
após uma forte perseguição e emboscada. Na prisão, Mandela não esmorece.
Como ele reflete: Eu era o mbolo da justiça no tribunal do opressor, o
representante dos grandes ideais de liberdade, justiça e democracia numa
sociedade que desonrava essas virtudes. Percebi, ali mesmo, que eu poderia
continuar a luta até dentro da fortaleza do inimigo” (Mandela, 1995:260).
63
Surgiram boatos de que Mandela havia sido traído por camaradas do
próprio CNA e isso estava alvoroçando o povo. Após receber o convite para abrir
a Conferência Anual do Congresso da Juventude do Transvaal, Winnie, que
havia conversado por diversas vezes com Mandela, aceitou o convite e
repassou sua mensagem ao povo, dizendo: o percamos tempo procurando
indícios de quem traiu Mandela, esse tipo de boato é calculado para nos manter
lutando entre nós e evitar que nos unamos para combater a opressão
nacionalista” (Mandela, 1995:262).
No dia da audiência, Mandela se vestiu com um manto de pele de
leopardo dos xhosa. Ele tinha a intenção de dar ênfase ao fato simbólico de ser
um africano lutando num tribunal de brancos. Ele estava literalmente
carregando nas costas a história, a cultura e a herança de seu povo(Mandela,
1995: 266). Naquele dia, ele se sentiu a “encarnação do nacionalismo africano, o
herdeiro do passado difícil, porém, nobre da África, e de seu futuro incerto
(Mandela, 1995:266).
Ao ser acusado, Mandela se defendeu dizendo:
Por que motivo neste tribunal estou diante de um juiz branco,
confrontado por um promotor branco e escoltado por ordenanças
brancas? Será que alguém pode sugerir honesta e seriamente que
neste tipo de ambiente os pratos da balança da justiça estão
equilibrados? Por que motivo na história deste país nenhum africano
jamais teve a honra de ser julgado por seus próprios parentes e
amigos, alguém de sua carne e seu sangue? Vou dizer o motivo a
Vossa Reverência: a verdadeira finalidade desta barreira de cor rígida
é garantir que a justiça distribuída pelos tribunais se ajuste à política
do país, por mais em conflito que essa política possa estar com as
normas de justiça aceitas nos judiciários de todo o mundo civilizado
(...) Vossa Reverência, eu detesto com intensidade a discriminação
racial e todas as suas manifestações. Combati a discriminação racial a
vida inteira. Combato-a agora e continuarei a combatê-la até o fim de
meus dias. Detesto da forma mais intensa possível o ambiente que
me cerca aqui. Ele me faz sentir um negro num tribunal de brancos.
Não deveria ser assim (Mandela, 1995:266-267)
64
Após sua defesa, saiu a sentença, Mandela foi condenado a cinco anos
de prisão, sem possibilidade de condicional (três anos por incitar o povo a fazer
greves e dois anos por sair do país sem passaporte).
Em 1963, Mandela, juntamente com três amigos, foi transferido para a
Ilha Robben, novamente sem nenhuma explicação. Enquanto permaneciam lá, o
governo procurava outras provas para incriminar ainda mais o CNA e acabaram
encontrando esconderijos, planos de sabotagem, o que levou Mandela a novo
julgamento.
Ao mesmo tempo em que eles estavam sendo julgados, o governo criou a
Lei da Detenção dos Noventa Dias. Essa lei negava habeas-corpus e dava aos
policiais o poder de deter, sem mandato de prisão, qualquer pessoa suspeita de
crime político. Os presos podiam ficar até noventa dias na prisão, sem
julgamento, acesso a advogado nem proteção contra auto-incriminação. O
resultado foi que a polícia ficou mais selvagem. Nesse período, Winnie e alguns
amigos foram presos e proibidos de sair da cidade.
Após o julgamento, Nelson Mandela, Walter Sizulu, Govan e outros foram
condenados à prisão perpétua e levados para a Ilha Robben. Mandela foi o
preso 46664, que significava ser o 466º preso admitido na ilha com ingresso em
1964. Nesse ano Mandela estava com quarenta e seis anos de idade.
Mandela, mesmo ao se deparar com tantas limitações dentro da prisão,
em termos de espaço, alimentação, vestimenta, distância da família e amigos,
permaneceu otimista, defendendo a idéia de que ser otimista significa em parte
manter a cabeça voltada para o sol e os pés se movimentando para frente
(Mandela, 1995:321); contudo, sem nunca perder a sensatez, tinha consciência
de sua fragilidade e confessa que “houve muitos momentos sombrios em que
sua fé na humanidade foi dolorosamente testada, mas ele não quis, nem pôde
se deixar cair no desespero, porque no desespero residem a derrota e a morte”
(Idem).
65
No entanto, a vida continuava, dentro e fora da prisão. A luta contra o
apartheid continuava, incansável. Mandela, dentro da prisão, criou uma
organização interna, conhecida com Alto Comando (ou Alto Órgão), formado
pelos antigos líderes do CNA na Ilha Robben.
Num belo dia de 1968, Mandela recebeu uma visita muito esperada,
sua mãe e Winnie. Ele notou um semblante muito fragilizado em sua mãe e
pediu a Winnie que cuidasse dela com mais atenção. Algumas semanas depois
da visita, Mandela recebeu um telegrama de seu filho Makgatho informando de
seu falecimento. Ele ficou muito triste e abatido e pediu ao diretor da prisão
permissão para poder enterrar sua mãe, que foi inapelavelmente negada.
Em 1969, Winnie foi presa novamente, de forma brutal. Nesse ínterim,
Mandela recebeu um novo telegrama de Makgatho, dessa vez informando que
seu primogênito, Madiba Thembekile, havia morrido num acidente de carro.
Novamente Mandela solicitou permissão para ir ao enterro e mais uma vez não
a conseguiu.
Mandela se fechou em sua cela e, no silêncio, pensou nas tantas
tragédias às quais havia sido destinado e comparou a vida a um jogo de
xadrez... Porém, como sempre, em todos os momentos, até nos mais difíceis,
ele tirava força para continuar sua luta, refletiu que o caráter se mede
enfrentando situações tremendamente difíceis e que herói é alguém que não se
deixa abater nem diante das circunstâncias mais difíceis” (Mandela, 1995:373)
Fora da Ilha Robben, a luta contra o apartheid havia atraído a atenção do
mundo e com isso o CNA se fortaleceu novamente, após vinte e cinco anos de
clandestinidade. Nesse período, em 1984, o Arcebispo Desmond Tutu
4
foi
agraciado com o Prêmio Nobel da Paz. O governo sul-africano estava sendo
4
Desmond Tutu, Arcebispo Emérito: clérigo e ativista, o arcebispo ascendeu para a fama
internacional nos anos de 1980 como oponente do apartheid. Tutu foi o primeiro arcebispo
anglicano negro da Cidade do Cabo e pontífice da Igreja da Província do Sul da África. Em 1995,
foi nomeado para uma cadeira na Comissão para a Verdade e Reconciliação (Mandela,
2007:347).
66
pressionado internacionalmente. Países do todo o mundo começavam a impor
sanções econômicas a Pretória. Por diversas vezes o governo propôs a soltura
de Mandela, mas ele se recusava, pois havia restrições a serem seguidas, o que
acabaria não sendo uma liberdade de fato. Mandela escreveu uma carta
explicando sua recusa, imaginando que o governo pudesse usá-la para dar as
explicações que lhes conviesse, e a entregou a seu advogado, que fez os jornais
conhecerem seu conteúdo. A carta dizia:
Sou membro do Congresso Nacional Africano. Sempre fui membro do
Congresso Nacional Africano e continuarei a ser membro do
Congresso Nacional Africano até o dia de minha morte. Oliver Tambo
é mais que um irmão para mim. É meu maior amigo e camarada
quase 50 anos. Se entre todos vocês alguém que deseja minha
liberdade, Oliver Tambo a deseja mais, e eu sei que ele daria a vida
para me ver livre (...) Estou surpreso diante das condições que o
governo quer me impor. Não sou um homem violento (...) Nós nos
voltamos para a luta armada quando e somente quando todas as
outras formas de resistência não estavam abertas para nós. Que
Botha demonstre que é diferente de Malan, Strijdom e Verwoerd. Que
renuncie à violência. Que diga que vai desmantelar o apartheid. Que
revogue as proibições impostas aos membros da organização do
povo, o Congresso Nacional Africano. Que liberte todos os que foram
presos, banidos ou exilados porque se opuseram ao apartheid. Que
garanta liberdade de atividade política de modo que o povo possa
decidir quem irá governá-lo. Eu tenho um grande apreço por minha
liberdade, mas tenho um apreço ainda maior pela de vocês. Pessoas
demais morreram depois que eu fui para a cadeia. Um número grande
demais de pessoas sofreu por amor à liberdade. Eu devo isso às
viúvas, aos órfãos, às mães e aos pais enlutados que choraram pelos
que morreram. Não fui o único a sofrer nestes anos infindáveis,
solitários e perdidos. Meu amor à vida não é menor do que o de
vocês. Mas não posso vender o meu direito inato à liberdade, nem
estou disposto a vender o direito inato do povo a essa mesma
liberdade (...) Que liberdade estão me oferecendo, se a organização
do povo continua proibida? Que liberdade estão me oferecendo,
quando eu posso ser preso por andar sem passe? Que liberdade
estão me oferecendo para eu viver minha vida familiar, se minha
querida esposa continua banida em Brandfort? Que liberdade estão
me oferecendo se eu preciso pedir autorização para morar numa zona
urbana? (...) Que liberdade estão me oferecendo, quando minha
própria cidadania de sul-africano não é respeitada? o homem livre
pode negociar. Os presos não podem firmar contratos (...) Não posso
e não vou me comprometer a nada enquanto eu e vocês, o povo, não
formos livres. A liberdade de vocês e a minha não podem ser
separadas. Eu voltarei (Mandela, 1995: 426-427).
67
Na prisão, após uma visita dica rotineira, seu médico diagnosticou um
aumento no tamanho de sua próstata e recomendou-lhe uma cirurgia. Mandela
consultou sua família e em seguida foi operado, ficando por vários dias no Volks
Hospital (Hospital do Povo). No Hospital, recebeu a visita do primeiro ministro,
Sr. Kobie Coetsee, e conversaram como amigos, sem tocar em assuntos
políticos. Quando recebeu alta, foi escoltado pelo brigadeiro Munro que lhe disse
que sua nova cela seria no primeiro andar da prisão de Pollsmoor, não mais no
terceiro andar, juntamente com seus amigos. Apesar de grande e espaçosa, o
lugar fedia a mofo, Mandela preferia a cela anterior, porém pensou que na nova,
e sozinho, poderia refletir melhor e dar início a mais um diálogo com os
governantes, na intenção de reivindicar, novamente, a paz e a liberdade para os
sul-africanos.
Na época, alguns chefes de Estado da Comunidade Britânica em Nassau
se reuniram e criaram um Grupo de Pessoas Eminentes, na África do Sul, que
deveriam dialogar e tentar negociar a paz entre e o governo e o CNA. Faziam
parte desse grupo o ministro da justiça, Kobie Coetsee, o General Willemse, Van
der Merwe, o doutor.Christian Barnard e Nelson Mandela.
Com o aumento da violência política e da pressão internacional, em
agosto de 1989, após sofrer um enfarte, P. W. Botha renunciou à Presidência da
República e Frederik Willem de Klerk assumiu seu lugar. Ele prometeu que
trabalharia para implantar a paz na África do Sul.
Em 10 de outubro de 1989 os amigos de Mandela que haviam sido
condenados à prisão perpétua junto com ele receberam indulto e foram
libertados incondicionalmente. Neste mesmo ano, De Klerk começou a dissolver
sistematicamente alguns fundamentos do apartheid. Abriu as praias sul-
africanas a pessoas de todas as cores e estabeleceu que a Lei de Reserva de
Instalações Separadas logo seria revogada. Extinguiu o Sistema de
Administração de Segurança Nacional (que era uma estrutura secreta
68
estabelecida no governo de Botha para combater as forças contrárias ao
apartheid).
Mandela escreveu uma carta à De Klerk dizendo que o conflito atual
estava exaurindo o sangue vital da África do Sul e a única solução seria o
estabelecimento de discussões” (Mandela, 1995: 451).
E depois de muitas discussões chegaram a um acordo, a liberdade de
Mandela. A data marcada para a soltura foi 11 de fevereiro de 1990. O horário
marcado, 15h30minh. Mandela estava com Winnie. Passada meia hora do
horário combinado, Mandela, bastante ansioso, disse: meu povo me esperou
vinte e sete anos e eu não quero fazê-los esperar mais” (Mandela, 1995: 458).
Mandela e Winnie foram em comboio até quatrocentos metros antes do
portão de saída, onde desceram e foram caminhando aa saída. Do lado de
fora havia milhares de pessoas à sua espera, centenas de fotógrafos,
operadores de televisão, repórteres e muita gente querendo desejar-lhe
felicidades. No meio da multidão Mandela ergueu o braço direito, com o punho
fechado, gesto-símbolo do CNA, e a multidão reagiu com veemência. Apesar de
estar com setenta e um anos de idade, Mandela sentiu que sua vida estava
começando de novo. Finalmente seus dez mil dias de prisão haviam terminado
(Mandela, 1995:459).
No Grand Parade, local combinado para Mandela fazer seu primeiro
discurso, disse:
Amigos, camaradas e conterrâneos sul-africanos. Eu os saúdo em
nome da paz, da democracia e da liberdade para todos! Não estou
aqui diante de vocês como profeta e sim como um servo humilde, um
servo do povo. Os sacrifícios incansáveis e heróicos de vocês me
possibilitaram estar aqui hoje. Por isso coloco em suas mãos os anos
restantes de minha vida (Mandela, 1995: 461).
69
Em seguida, Mandela se reuniu com a Executiva Nacional do CNA e,
depois de uma longa conversa, foi eleito vice-presidente do CNA. Nos seis
meses seguintes à sua soltura, Mandela saiu em excursão por vários países.
Em 6 de agosto de 1990 o CNA e o governo assinaram um acordo que
passou a ser conhecido como a Minuta de Pretória, e cujo objeto era o fim da
luta armada.
Em 1993, morre Oliver Tambo. No mesmo ano, juntamente com De Klerk,
Mandela ganha o Prêmio Nobel da Paz.
Em 10 de maio de 1994, por voto direto e, pela primeira vez, com a
participação em massa do povo, com um percentual de 69,71% de
comparecimento, Nelson Mandela é eleito Presidente da República da África do
Sul.
70
CAPÍTULO III – METODOLOGIA DE ANÁLISE
Para a realização desta análise, servimo-nos da teoria da Metáfora
Conceptual proposta por Lakoff e Johnson (1980/2002), da metodologia da
Análise Crítica da Metáfora (ACM) proposta por Charteris-Black (2005) e da
abordagem denominada Metáforas em uso ou Metáfora Sistemática ou, ainda,
abordagem discursiva da metáfora de Lynne Cameron (2006).
Guiada por essas metodologias foram observados três papéis que a
metáfora pode exercer num discurso político: o primeiro a metáfora como
fenômeno cognitivo; o segundo, como instrumento de construção de ideologia; e
por último, como estratégia de polidez. A escolha destes três se deu por uma
questão de foco da pesquisa e não por serem os únicos papéis.
Para a interpretação das metáforas como fenômeno cognitivo, servimo-
nos da teoria da Metáfora Conceptual de Lakoff e Johnson (1980/2002) e para o
mesmo fim, mas analisando-a em uso real, sobretudo, no seu sentido
pragmático, nos apoiamos na abordagem da Metáfora em Uso (ou Sistemática)
de Lynne Cameron (2006). Para apontá-las como instrumento ideológico foi
considerada a teoria da ACM, de Charteris-Black (2005). E, por último,
continuando com a linha do sentido pragmático, associamo-nos ao conceito de
face de Goffman (1967), ponto de partida para a teoria de polidez de Brown e
Levinson (1996), focalizamos a metáfora, também, como estratégia de polidez
5
.
Como objeto de estudo desta dissertação foi escolhido o Discurso
Inaugural do líder sul-africano Nelson Mandela, proferido na ocasião de sua
posse como presidente da África do Sul, no dia 10 de maio de 1994, em
5
O posicionamento de Goffman (1967: 5) não se refere especificamente à metáfora, e sim ao
conceito de face, tema central nos estudos da Teoria de Polidez, e o termo face é entendido pelo
mesmo autor como atributos sociais positivos que uma pessoa reivindica para si mesma,
baseando-se naquilo que é considerado socialmente aprovado.
71
Johannesburgo. Nelson Mandela é uma figura expressiva na luta pacífica contra
todo tipo de discriminação e é um marco contra esse mal para os demais povos.
As metáforas interpretadas foram extraídas da tradução do discurso ao
português. Este esclarecimento faz-se necessário porque algumas delas podem
ser diferentes devido à tradução
6
. O texto original irá aparecer no rodapé,
acompanhando as partes que estão sendo interpretadas.
O discurso em questão foi dividido em 9 recortes. Tais divisões
obedeceram à ênfase dada aos diferentes assuntos abordados dentro do
discurso, que serão explicados no primeiro parágrafo de cada recorte da análise,
e seguirá a seqüência original do mesmo.
Para o procedimento da análise, em primeiro lugar, foram identificadas
algumas das expressões metafóricas lingüísticas existentes em cada recorte, as
que nos pareciam mostrar mais claramente a ideologia de Mandela e as que
serviam como expressão de polidez. Para a identificação das metáforas
consideramos as características apontadas por Berber Sardinha (2007:22), isto
é, quando se verifica a presença de dois domínios, ou seja, duas áreas de
conhecimento e a transferência de sentido de uma para a outra. Um outro
elemento que consideramos para a identificação das mesmas é a incongruência
existente entre o veículo e o contexto discursivo que o circunda (Cameron,
2003:59).
Num segundo momento, identificamos, seguindo a ordem original do
discurso, a inferência da metáfora conceptual, apontando a presença de dois
domínios e distinguindo o domínio alvo – parte mais abstrata e literal – do
domínio fonte parte real e metafórica. Assim foi possível apontar a
6
Observação feita pelo Prof. Dr. Tony Berber Sardinha (PUCSP), durante o exame de
qualificação realizado em 05 de junho de 2008.
72
compreensão de uma coisa em termos de outra (Lakoff & Johnson,
1980/2002:48).
E, por último, servindo-nos da Teoria da Análise Crítica da Metáfora e da
Abordagem da Metáfora em Uso interpretamos as diferentes metáforas,
buscando o seu sentido semântico, em seguida, seu sentido pragmático e,
também, apontamos a incongruência entre o veículo e o contexto discursivo.
Nesta parte foi de suma importância o posicionamento de Charteris-Black
(2004:25), explicado no Capítulo I, página 40 desta dissertação, pois, durante a
nossa interpretação tentamos apontar as intenções encobertas (e possivelmente
inconscientes) de Mandela ao proferir o seu discurso inaugural. E, seguindo os
objetivos desta dissertação, assinalamos os momentos em que o autor do
discurso serviu-se da metáfora para expressar a sua ideologia e, também, para
criticar os seus antecessores no poder de forma polida, salvaguardando as faces
de seus antecessores e, consequentemente a própria face.
Durante a análise foram empregados alguns termos específicos dos
estudos metafóricos e, nesta parte, queremos esclarecer o sentido dado, nesta
dissertação, a cada um deles.
Expressão metafórica: expressão lingüística que é uma manifestação de
uma metáfora conceptual. Geralmente composta de duas partes (abstrata e
concreta ou metafórica e literal) (Berber Sardinha, 2007:31).
Domínio: área de conhecimento ou experiência humana (Berber
Sardinha, 2007:31).
Domínio Fonte: é aquele a partir do qual conceitualizamos alguma coisa
metaforicamente. Geralmente é algo concreto e advêm da experiência (Berber
Sardinha, 2007:31).
Domínio Alvo: é aquele que será conceituado por meio da metáfora, é a
parte abstrata da expressão (Berber Sardinha, 2007:31).
73
Veículo: parte da expressão que contém palavras usadas
metaforicamente (Berber Sardinha, 2007:42).
Tópico: parte da expressão que contém que contém palavras a que ser
referem os veículos (Berber Sardinha, 2007:42).
Incongruência semântica: quando numa expressão não
correspondência entre o veículo e o contexto discursivo e é uma condição
necessária para identificar as metáforas lingüísticas (Cameron, 2003:59).
A análise inicia-se identificando uma série de metáforas lingüísticas, que
oferecem ligações semânticas comuns para referir-se a um fato, neste caso
ascensão de Mandela ao poder e uma outra série, com as mesmas
características do grupo anterior, para criticar seus antecessores no poder. Para
posteriormente, seguir a ordem seqüencial dos recortes, identificando,
analisando e interpretando os diferentes tipos de metáforas presentes no
discurso em questão.
74
CAPÍTULO IV - ANÁLISE DE DADOS
“(...) embora o fim do nosso primeiro governo
democrático esteja próximo, a tarefa de construir uma
vida melhor para todos não pode parar, mesmo por um
único dia”.
Nelson Mandela
Iniciamos este capítulo, considerando dois grupos de expressões
metafóricas, que aqui serão entendidos como Metáforas em Uso ou
Sistemáticas, pois segundo Berber Sardinha (2007:39) a Metáfora em Uso é
uma “formulação metafórica abstrata que resume uma série de metáforas
lingüísticas usadas por um indivíduo ou grupo de pessoas em determinado
contexto”. As ries de metáforas são formadas por ligações semânticas
comuns. Pois a referida abordagem parte da hipótese de que qualquer
afirmação sobre a existência da metáfora conceptual podeser feita a partir
de dados concretos colhidos em determinado contexto.
Serão interpretadas as expressões metafóricas em uso, num contexto
específico, isto é, a nossa análise iniciar-se-á considerando, em primeiro lugar,
as realizações lingüísticas, para depois, considerarmos, também, as
representações mentais das expressões.
O que chama a atenção, no discurso em questão, é a grande quantidade
de ocorrências de expressões metafóricas ligadas entre si semanticamente. A
seguir listamos uma série dessas metáforas que apontam para um mesmo
sentido, isto é, à conceitualização do governo de Mandela.
conferimos glória e esperança à liberdade que acaba de nascer
deve nascer uma sociedade da qual toda a humanidade se orgulhe
esperanças de uma vida mais gloriosa para todos
temos uma sensação de renovação pessoal
A atmosfera nacional muda como mudam as estações
75
a grama reverdece e as flores brotam
a humanidade nos re-acolheu em seu seio
uma vitória comum da justiça, da paz, da dignidade humana
chegou o momento de curar as feridas
chegou o momento de transpor os fossos que nos separam
O momento de construir está sobre nós
Logramos dar os passos finais para a liberdade
guiar nosso país para fora do vale das trevas
nascimento de um novo mundo
Em todas essas expressões, citadas acima, parece-nos que Mandela -
uma pessoa concreta, num determinado contexto usou expressões com
sentido semântico comum, em referência a um fato: o significado do início do
seu governo. Portanto, é possível identificar o uso sistemático de certas
expressões, que podemos definir como uma série de metáforas lingüísticas que
expressa uma metáfora abstrata (Berber Sardinha, 2007:38), isto é, é o indício
da presença de alguma metáfora conceptual. Neste caso, a metáfora sistemática
formada poderia ser A MINHA POSSE COMO PRESIDENTE DA AFRICA DO SUL É
O INÍCIO DE ALGO BOM PARA TODOS. Segundo Cameron (2003:59), a presença
da incongruência semântica entre o veículo e o contexto discursivo,
independente de sua compreensão pelo ouvinte como metáfora, é a
característica de uma metáfora lingüística. Ainda queremos destacar que todas
essas expressões estão ligadas principalmente ao contexto discursivo.
Ainda seguindo na mesma linha de interpretação, também é possível
identificar um outro grupo de expressões metafóricas com um único sentido
semântico, neste caso para conceitualizar as ações de seus antecessores no
poder.
A profunda dor que todos carregamos em nossos corações quando vimos nosso
país se dilacerar num terrível conflito, e o vimos rejeitado, condenado e excluído
pelos povos do mundo.
nós, que éramos não há muito tempo banidos, temos hoje o raro privilégio de ser
anfitriões das nações do mundo em nosso próprio solo.
(...) de forças sanguinárias que ainda se recusam a ver a luz.
76
Nessas expressões metafóricas é possível identificar uma série de
metáforas lingüísticas, descrevendo, de maneira negativa, a época que
antecedeu à sua posse no poder. Portanto, há indício de que Mandela tenha se
servido das metáforas conceptuais para criticar polidamente os seus
antecessores no poder. Neste caso, as metáforas sistemáticas instauradas
podem ser, entre outros: OS ANTECESSORES SÃO CARGAS, OS
ANTECESSORES SÃO RUINS PARA O POVO SUL-AFRICANO.
Daqui em diante, como indicado no capítulo da metodologia, a nossa
análise seguirá a seqüência original do discurso, iniciando pela identificação das
metáforas lingüísticas e conceptuais presentes no discurso, logo, a interpretação
das mesmas, no seu sentido semântico e pragmático.
Recorte 1
1-
Majestades, Altezas, Ilustres Convidados, Companheiros e Amigos:
2- Hoje, todos nós, realmente, mediante nossa presença aqui, e nossas celebrações em outras partes do nosso país e
3-
do mundo, conferimos glória e esperança à liberdade que acaba de nascer
7
.
Neste primeiro recorte o texto aponta as celebrações que acontecem em várias
partes da África do Sul pela posse do novo presidente, Nelson Mandela, e faz
alusão a que as celebrações não se limitam apenas à África do Sul, mas
ocorrem, também, em outras partes do mundo. Parece que Mandela entende
que a libertação da África do Sul das mãos dos opressores significa glória e
esperança para o mundo, pois muitos dos que conheceram a realidade sofrida
daquele país, certamente sentiram-se vitoriosos e, sobretudo, esperançosos de
um porvir melhor.
A primeira metáfora identificada aqui está na linha 3, liberdade que acaba de
nascer. A identificação deu-se devido à presença de dois domínios, ou duas
7
1- Your Majesties, Your Highnesses, Distinguished Guests, Comrades and friends:
2 - Today, all of us do, by our presence here, and by our celebrations in other parts of our
3 - country and the world, confer glory and hope to newborn liberty.
77
áreas de conhecimento ou experiência humana (Berber Sardinha, 2007:31), que
também podemos denominar de domínio alvo, a parte abstrata da expressão e
domínio fonte, a parte concreta ou metafórica da expressão. No caso específico
da metáfora identificada nesse trecho, temos o termo abstrato liberdade que
será definido pelo termo concreto nascer. Portanto, aqui se exprime o que Lakoff
e Johnson (1980/2002:47) chamam de compreender uma coisa em termo de
outra: a liberdade será compreendida em termos de um ser animado, neste caso
em termo do nascer. Uma outra metáfora que queremos considerar deste
recorte aparece, também, na linha 3, conferimos gloria e esperança à liberdade.
Quando alguém confere glória e esperança espera-se que o faça para alguém,
aqui, Mandela desloca a gloria e a esperança das pessoas para a liberdade.
Segundo Cameron (2003:59) a incongruência entre o veículo e contexto
discursivo evidencia a presença de metáforas lingüísticas. Tomando a primeira
metáfora identificada neste recorte, liberdade que acaba de nascer, é possível
evidenciar a incongruência entre os termos liberdade e nascer. Nascer, o termo
metafórico ou domínio fonte, no seu sentido semântico, nos leva a entender
como próprio do ser humano e de animais e, servindo-nos da nossa experiência
passada, remete-nos ao início de um novo ser. Mas, aqui, o veículo metafórico,
nascer, refere-se à liberdade, portanto, é possível perceber que uma
incongruência semântica. E, referindo-nos à segunda metáfora identificada neste
recorte, conferimos gloria e esperança à liberdade, é possível identificar o
sentido semântico dos termos glória e esperança, aqui concedidas à liberdade
que acaba de nascer. Glória, no sentido semântico, remete-nos a um triunfo ante
uma batalha; esperança à espera de algo melhor (próprio do ser humano). Mas,
aqui, esses veículos metafóricos (glória e esperança) referem-se, também, à
liberdade, portanto, é possível perceber que uma incongruência semântica.
E, seguindo, o critério exposto por Cameron (2003:59), as duas metáforas
identificadas neste recorte são metáforas lingüísticas.
78
Na primeira metáfora, liberdade que acaba de nascer, tendo em conta as
presenças de dois domínios ou duas áreas de conhecimento humano, distinta
uma da outra, liberdade, o domínio alvo, que será conceituado pelo veículo
metafórico nascer, que é um termo concreto e, portanto, podemos chamá-lo de
domínio fonte. Mandela, ao dizer liberdade que acaba de nascer, tendo em
conta o contexto em que foi proferido o discurso, parece querer identificar o seu
governo, que acaba de se iniciar, com a liberdade e para expressar serviu-se do
termo concreto, nascer, que, como apontamos, no se sentido semântico, vem
a ser o início de uma vida, isto é, uma criança, daí podemos encontrar a
seguinte metáfora conceptual de tipo estrutural, MEU GOVERNO É UMA
CRIANÇA. Como toda criança o seu governo necessitará de cuidados para que
possa crescer. Também é possível perceber a presença de uma metonímia ao
identificar, Mandela, o seu governo com a liberdade.
Ainda nos mesmos veículos metafóricos, no recorte 1, podemos identificar, ao
serem conferidas a glória e a esperança à liberdade, que acaba de nascer, os
sentidos ontológicos, pois se poder à liberdade, sabendo que glória e
esperança, no sentido semântico e guiado por experiências passadas, como
foi afirmado anteriormente, são conferidas a pessoas, portanto, podemos
identificar, aqui, a presença de uma metáfora conceptual de tipo ontológica,
concretizando algo abstrato e personificando a liberdade.
Ora, nas mesmas metáforas, considerando os seus sentidos pragmáticos,
vemos que Mandela, ao conferir glória e esperança à liberdade que acabara de
nascer, parece querer afirmar que a sua posse como presidente de seu país
trará algo bom para aquele povo. E deixa subentendido seu descontentamento
por seus antecessores no governo, pois se com a sua posse nasce a liberdade,
deixa a entender que antes não havia liberdade, porém, não proferiu de maneira
desvelada, aqui lembra-nos o objetivo da Análise Crítica da Metáfora: “revelar as
intenções encobertas (possivelmente inconscientes) dos usuários da língua”
79
(Charteris-Black, 2004:25). Também podemos entender que Mandela serviu-se
da metáfora para expressar de maneira polida o seu descontentamento.
Mandela parece ter se servido, também, da metáfora conceptual, do tipo
ontológico ao dar vida à liberdade, conferindo-lhe glória e esperança, pois
estava sendo gerada e acaba de nascer. Considerando o contexto histórico,
parece significar, aqui, o resultado da luta de 342
8
anos, que atravessou
fronteiras, enterrou gerações na luta por uma ideologia pacifista do candidato
que acabava de assumir o poder. A metáfora nascer pode ser considerada como
uma personificação da liberdade, isto é, uma metáfora conceptual, a palavra
liberdade é um substantivo abstrato, mas, aqui, assume o poder de concretizar
um desejo de esperança que muitos habitava nos corações, tanto no do
emissor que ali proferia tais palavras, Nelson Mandela, quanto no dos receptores
que esperavam a liberdade, o povo sul-africano.
Nesse recorte ainda é possível identificar a inclinação ideológica de Mandela em
acreditar que toda a humanidade se alegrava com sua posse, pois esse fato
representava a esperança de um renascimento da África do Sul e o rompimento
com o sistema opressivo, presente durante tanto tempo naquela terra ao conferir
glória e esperança à liberdade que acabava de nascer (...).
Recorte 2
4- A partir da experiência de um extraordinário desastre humano, que se prolongou em demasia, deve
5-
nascer uma sociedade da qual toda a humanidade se orgulhe
9
.
Neste segundo recorte, o autor descreve uma experiência que o povo sul-
africano teve, que não foi uma experiência qualquer, mas “uma experiência de
8
A partir da chegada dos holandeses à cidade do Cabo, ocorrido em 1652 até a ascensão no
poder de Nelson Mandela, ocorrido em 1994, o povo sul-africano passou por imposições
políticas, econômicas e culturais dos brancos (http://www.africadosul.org.br/historia.asp#Fim)
9
4 - Out of the experience of an extraordinary human disaster that lasted too long, must be
5 - born a society of which all humanity will be proud.
80
um extraordinário desastre humano e que durou anos (a história nos conta que
durou 342 anos), e que aquele momento da sua posse era motivo de orgulho
não daquele povo, mas de toda a humanidade, porque foi um momento de
ascensão ao poder de alguém que pertencia à raça negra, discriminada naquele
país, de alguém que teve sua vida transformada na prisão, e, a partir daí, lutou
pacificamente durante anos pelo direito de igualdade, pela justiça, enfim, pela
não segregação racial e eleito diretamente pelo povo.
Os veículos metafóricos a serem interpretados neste recorte vêm a ser as
palavras nascer e orgulhe. Nascer, no seu sentido semântico nos remete ao
início de um novo ser, próprio dos seres humanos e animais. Orgulhe nos leva
entender como uma adjetivação do sentimento tipicamente humano. Mas neste
trecho o que vai nascer não é um ser humano nem um animal, mas uma
sociedade e, quem se orgulha, também, não é uma pessoa e sim a humanidade,
portanto, nas duas palavras, claramente, uma incongruência semântica,
motivo pelo qual as identificamos como metáforas lingüísticas e as
interpretaremos no seu sentido pragmático.
Seguindo as orientações metodológicas da Análise Crítica do Discurso (ACD)
proposta por Fairclough (1999) vemos que o discurso, neste recorte, expressa a
realidade sócio-histórica de um povo sofrido “que experienciou um extraordinário
desastre humano que se prolongou em demasia (...)”. E, também, é possível ver
na afirmação “(...) deve nascer uma sociedade da qual toda a humanidade se
orgulhe”, a presença de uma metáfora conceptual de tipo ontológica, pois o ato
de nascer e orgulhar-se, aqui, dão vida a seres inanimados, à sociedade que
está nascendo e à humanidade que se orgulha, isto é, a sociedade assume
ações humanas ou animais e a humanidade assume um sentimento tipicamente
humano. É possível identificar, aqui, que os termos sociedade e humanidade,
sendo entidades próximas, como metonímia (Berber Sardinha, 2007:23).
81
Continuando com a busca dos sentidos pragmáticos destas metáforas vemos,
no discurso, a esperança do nascimento de uma nova sociedade de que se
orgulhará a humanidade: (...) deve nascer uma sociedade da qual toda a
humanidade se orgulhe. Mandela, servindo-se destes dois termos metafóricos
critica sutilmente a sociedade que negou do povo sul-africano os seus direitos. E
aqui o denomina de, (...) desastre humano (...), e ainda mais (...) que se
prolongou em demasia (...), mas não faz crítica direta, usando assim, a
estratégia de salvaguarda da face sustentada pela Teoria da Polidez de Brown &
Levinson (1996), inspirada no conceito de face de Goffman (1967). É importante
observar que quando Mandela usa ‘desastre humano’ e ‘humanidade’ ou
`sociedade´ se refere genericamente a todos os sul-africanos, brancos e negros,
sem distinção.
Recorte 3
6- Nossas ações cotidianas como sul-africanos comuns têm de produzir uma realidade sul-africana
7- verdadeira que reforce a crença da humanidade na justiça, fortaleça sua confiança na nobreza da alma
8-
humana e sustente todos as nossas esperanças de uma vida mais gloriosa para todos.
9-
Devemos tudo isso a nós mesmos e aos povos do mundo que se acham tão bem
10-
representados aqui hoje
10
.
Neste recorte, na linha 6, o texto reivindica que as ações cotidianas dos sul-
africanos deveriam produzir (must produce = devem produzir) a realidade
daquele país, e não a dos opressores “Nossas ações cotidianas como sul-
africanos comuns devem produzir uma realidade” que seja justa e nobre.
Também descreve a responsabilidade que recai sobre os sul-africanos, de
serem justos e de merecerem confiança, para assim sustentar uma vida mais
gloriosa, isto é, uma vida mais digna, como podemos ver na linha 7 “(...) que
reforce a crença da humanidade na justiça, fortaleça sua confiança na nobreza
10
6 - Our daily deeds as ordinary South Africans must produce an actual South African reality
7 - that will reinforce humanity's belief in justice, strengthen its confidence in the nobility of
8 - the human soul and sustain all our hopes for a glorious life for all.
9 - All this we owe both to ourselves and to the peoples of the world who are so well
10- represented here today.
82
da alma humana e sustente todos as nossas esperanças de uma vida mais
gloriosa para todos”.
O discurso, nesta parte, parece expressar que as ações cotidianas do povo sul-
africano não haviam construído uma verdadeira realidade da África do Sul, mas
de agora em diante, graças ao próprio povo e aos presentes (representantes de
outros países) no ato em que estava sendo proferido o discurso, seria possível
reforçar, cada vez mais a crença na justiça e a confiança na nobreza da alma
humana, isto é, na bondade do ser humano, pois estavam fartos de tanto
sofrimento e desigualdade, impostos pelos seus antecessores no poder.
Para interpretar este trecho do discurso identificamos quatro veículos
metafóricos, elas são: reforce, fortaleça, sustente e devemos. Seguindo nossa
linha metodológica de interpretação, primeiro identificaremos os seus sentidos
semânticos e, logo, os seus sentidos pragmáticos. A palavra reforce, do verbo
reforçar, segundo o significado anotado pelo dicionário de Aurélio, quer dizer
tornar mais forte, mais sólido, mais intenso, dar mais força; a palavra fortaleça,
no seu sentido semântico nos remete a segurança, solidez, constância, energia,
tornar-se forte, robustecer; sustente, do verbo sustentar, sugere-nos a idéia de
segurar algo por baixo, impedindo que caia e, por último, a palavra devemos nos
remete a uma dívida e quando se deve sempre é a alguém. Esses verbos
identificados como metafóricos, ao mesmo tempo, é possível notar que
metaforizam também os termos abstratos que eles predicam, tais como a crença
da humanidade, a confiança na nobreza da alma, as nossas esperanças.
Mas, nesta parte do discurso, o autor, ao proferir estes termos: reforce, fortaleça,
sustente e devemos, parece não querer dizer o que os sentidos semânticos
expressam.
Quando Mandela afirma: nossas ações cotidianas como sul-africanos comuns
têm de produzir uma realidade sul-africana verdadeira que reforce a crença da
83
humanidade na justiça, parece exprimir a sua ideologia, ao sugerir que as ações
cotidianas dos sul-africanos têm de produzir uma realidade que não é mais a
dos opressores. Isto é, ainda que ele não se refira à ideologia reinante até então
naquela terra como ideologia de fora, parece-nos que ele insinua que a ideologia
reinante seja principalmente a oriunda da Inglaterra e da Holanda, que sempre
reinaram naquele país, mas desse momento em diante a ideologia reinante seria
a das pessoas daquela terra, reforçando o que diz Charteris-Black (2005:21)
sobre a ideologia como um sistema de crenças através do qual um grupo social
particular cria os significados que justificam sua própria existência, ou seja, um
exercício de auto-legitimação. E tudo isso fará com que a crença da humanidade
na justiça se reforce. Aqui parece estar claro o que esta metáfora lingüística
expressa, isto é, ao mesmo tempo expressa a ideologia de Mandela, também
podemos identificar no mesmo termo reforce uma forma sutil de criticar seus
antecessores ao poder, pois ao afirmar que a realidade sul-africana verdadeira é
a que vai reforçar a crença na justiça, parece querer dizer que a realidade
presente a então naquele país não era a que poderia reforçar a crença na
justiça. Portanto, Mandela serviu-se da metáfora como estratégia de polidez
para fazer crítica. Assim também o termo fortaleça expressa, no mesmo sentido,
a ideologia do autor do discurso. Ora, o termo sustente expressa que somente a
vivência verdadeira da forma de vida própria sul-africana será a que sustentará
uma vida mais gloriosa para todos, isto é, uma vida mais justa. Mas, tudo isso
não é possível dever para alguém, como expressaria o sentido semântico deste
termo, senão devemos a nós mesmos, isto é, isso ninguém fará pelo povo sul-
africano a não ser o próprio povo.
Ainda neste recorte, na linha 6, Nossas ações cotidianas como sul-africanos
comuns têm de produzir uma realidade sul-africana verdadeira, chama a
atenção, pois, Mandela refere-se às nossas ações como agente que deve
produzir a realidade sul-africana verdadeira, e não usa o pronome nós, ou seja,
ele não diz: nós devemos produzir uma realidade sul-africana verdadeira. Ao
não se referir dessa forma parece que nossas ações são agentes separados de
84
nós e que tem vida própria, portanto, parece-nos que Mandela, nesta parte o
discurso, serviu-se de uma metáfora conceptual de tipo ontológica, dando vida
às nossas ações, como o agente de mudança.
Recorte 4
11-
Não tenho nenhuma hesitação em dizer aos meus compatriotas que cada um de nós está tão
12- intimamente ligado ao solo deste lindo país como o estão os famosos jacarandás de Pretoria e as
13-
mimosas da “bushveld [savana tropical]”.
14- A cada toque nosso no solo desta terra, temos uma sensação de renovação pessoal.
15- O estado de espírito
nacional muda como mudam as estações.
16- Somos impelidos por um sentido de prazer e alegria quando a grama reverdece e
17- As flores brotam.
18- A unicidade espiritual e física que todos partilhamos com esta pátria explica a
19- profunda dor que todos carregamos em nossos corações quando vimos nosso país se dilacerar num
20- terrível conflito, e o vimos rejeitado, condenado e excluído pelos povos
21- do mundo precisamente porque ele se tornou a base universal da prática ideológica
22- perniciosa do racismo e da opressão racial
11
.
Nesta parte do discurso, Mandela serve-se de diferentes metáforas para
expressar seu otimismo e dirigir-se a todos os presentes naquele ato e referir-se
aos habitantes daquele solo como aqueles que estão intimamente ligados ao
solo daquele lindo país. Mandela iguala-se ao povo ao dizer cada um de nós tem
a sensação de renovação pessoal, assim ele assume a sensação de todos, e
mais, sente-se, em nome de todos, impelido por um sentimento de prazer e
alegria.
11
11- To my compatriots, I have no hesitation in saying that each one of us is as intimately
12- attached to the soil of this beautiful country as are the famous jacaranda trees of Pretoria
13- and the mimosa trees of the bushveld.
14- Each time one of us touches the soil of this land, we feel a sense of personal renewal.
15- The national mood changes as the seasons change.
16- We are moved by a sense of joy and exhilaration when the grass turns green and the
17- flowers bloom.
18- That spiritual and physical oneness we all share with this common homeland explains
19- the depth of the pain we all carried in our hearts as we saw our country tear itself apart in
20- a terrible conflict, and as we saw it spurned, outlawed and isolated by the peoples of the
21- world, precisely because it has become the universal base of the pernicious ideology
22- and practice of racism and racial oppression.
85
Aqui identificamos cinco veículos metafóricos a serem interpretados, eles são:
ligado ao solo, toque nosso, renovação, estado de espírito, somos impelidos.
Ligado ao solo como os jacarandás, ligado, particípio passado do verbo ligar, o
dicionário de Língua Portuguesa A.L.A. (p.456) o define como prender com laço,
atar, misturar, unir por vínculos morais ou afetivos. Toque nosso, definido pelo
mesmo dicionário (cit.up.) como pôr a mão, ter contato. Nos leva a entender um
momento de contato, de manuseio, não expressa algo definitivo, mas
passageiro. Renovação, no seu sentido semântico, nos remete à mudança para
algo melhor, fazer novo algo que existe. Estado de espírito expressa
animação ou desânimo de alguém, estado próprio do ser humano. Somos
impelido, particípio do verbo impelir, no seu sentido semântico, nos leva a
entender que somos empurrados, forçados, lançados de algum lugar para outro
Língua Portuguesa A.L.A. (p.408).
Mas, nesta parte do discurso, parece-nos que Mandela não usou estes termos
nos seus sentidos semânticos, pois, ao dizer ligado ao solo ele está se referindo
aos habitantes daquele país; ao dizer toque nosso, parece referir-se não a um
estado físico, mas emocional, afetivo; o termo renovação, ele usa para designar
um sentimento pessoal e não mudança de algo; o estado de espírito é usado
não como se fosse uma característica do ser humano, senão refere-se a um
estado de espírito da nação sul-africana e, por ultimo; ao pronunciar somos
impelidos, parece Mandela querer expressar que uma obrigação de estar
alegres pela nova situação que está surgindo ao assumir o governo daquele
país, portanto, podemos identificá-las como metáforas lingüísticas, pois “uma
metáfora lingüística pode ou não ter sido entendida como metáfora” (Berber
Sardinha, 2007:40). Parece-nos que nestes veículos metafóricos uma
incongruência semântica ou ainda, não expressam o esperado e daí a
necessidade da interpretação metafórica.
86
Nas linhas 11 e 12 encontramos a frase (...) cada um de nós está tão
intimamente ligado ao solo deste lindo país” (…). Ligado ao solo, no seu sentido
pragmático, isto é, considerando o contexto discursivo, sugere-nos que Mandela
está se referindo a aqueles que pisam o solo sul-africano, a aqueles que
sobrevivem com os frutos colhidos naquele solo, aqueles que trabalham naquela
terra, ou seja, refere-se a todos os que habitam a terra sul-africana, inclusive os
europeus que se sustentam daquela terra. Queremos dizer que Mandela serviu-
se desta expressão metafórica para expor a sua ideologia, pois valoriza seu
país, sua terra, e tenta com que os sul-africanos se orgulhem por fazerem parte
dessa terra, por estarem ligados ao solo. Também deixa entender que o sistema
de governo iniciado naquele momento iria trazer (...) um sentido de prazer e
alegria
(...) (linha 16), “prazer e alegria” para todos os que estavam naquela
terra, sem distinção. Também na linha 14, encontramos a frase “a cada toque
nosso no solo desta terra, temos uma sensação de renovação pessoal”,
esta
renovação parece estar ligada, também, à nova situação política iniciada
naquele momento, vendo assim, podemos interpretar que Mandela serviu-se,
por uma parte, da metáfora como expressão ideológica, pois a nova sensação
de otimismo parece estar ligada diretamente com as promessas de mudanças,
as quais ele sempre almejou e que era a filosofia de seu governo; por outra
parte, é possível interpretar nessas mesmas metáforas lingüísticas,
especialmente no termo renovação, a forma polida de expressar seu
descontentamento, pois quando algo se renova, quer dizer que o que existia,
não serve mais. Aqui parece querer referir-se às formas de governos que o
antecederam; assim ele serviu-se da metáfora para salvaguardar as faces de
seus antecessores e, ao mesmo tempo, a sua própria face.
Ainda retomando as linhas 14 e 15, (...) O estado de espírito nacional muda
como mudam as estações” (...), podemos interpretar como se Mandela estivesse
dizendo que as esperanças, as expectativas mudam conforme mudam os
governantes e suas respectivas ideologias, e que a África do Sul havia muito
tempo não via “as novas estações”, sempre reinava naquele país as “mesmas
87
atmosferas” de opressão, de segregação racial, e que com a sua posse estava
se iniciando uma nova fase e se estava concretizando o sonho do povo sul-
africano. Aqui, novamente, pode ser percebido que essa metáfora lingüística
está sendo empregada como expressão ideológica, também, mais uma vez,
manifesta polidamente que o antes era pior.
Nas linhas 16 e 17, temos a frase, “Somos impelidos por um sentimento de
prazer e alegria quando a grama reverdece e as flores brotam”, na qual é
possível perceber uma metáfora lingüística. O ato de serem impelidos por um
sentimento mostra um corte na lógica, pois o ato de impelir requerer forças que
o sentimento não possui, mas aqui, buscando o seu sentido pragmático
podemos entender que eles, os sul-africanos, estão repletos de alegria por esse
novo fato, pela ascensão de uma pessoa negra, discriminada como a maioria do
povo sul-africano, ao poder. Portanto, aqui Mandela parece servir-se da
metáfora lingüística para expressar a sua ideologia, isto é, a interpretação
metafórica nos fornece que Mandela identifica sua ascensão ao poder com a
alegria geral do povo.
Ainda que não tenhamos anunciado no início da interpretação deste recorte,
vemos, neste mesmo recorte, dois veículos metafóricos: prazer e alegria
exercendo função sobre os sujeitos do discurso, ou seja, sobre Mandela e seus
compatriotas, pois o mesmo ao proferir estas palavras o faz em primeira pessoa
do plural “somos impelidos”, interpretando assim, podemos dizer que nesta parte
o discurso vale-se de uma metáfora conceptual de tipo ontológica para
expressar o seu entusiasmo, pois o prazer e a alegria exercem ações sobre as
pessoas.
Continuando, nestas mesmas linhas, encontramos a expressão “(…) a grama
reverdece e as flores brotam”. Aqui parece o se referir à grama e às flores de
maneira literal, mas ao surgimento de uma nova situação dentro do país, isto é,
um novo governo está surgindo. Portanto, a metáfora constituída pode ser: A
88
MINHA POSSE É FLOR. Esta metáfora permite-nos interpretar que Mandela,
serviu-se da metáfora conceptual de tipo estrutural para expressar a sua
ideologia, isto é, que a sua posse trará momentos melhores para aquele país.
Recorte 5
23- Nós, o povo da África do Sul, nos sentimos plenos porque a humanidade nos re-acolheu em seu seio,
24- porque nós, que éramos há não muito tempo banidos, temos hoje, o raro
25- privilégio de ser anfitriões das nações do mundo em nosso próprio solo.
26- Agradecemos a todos os nossos ilustres convidados internacionais por terem vindo tomar posse
27- ao lado do povo de nosso país de algo que é acima de tudo uma vitória comum da justiça,
28-
da paz, da dignidade humana.
29- Acreditamos que vocês continuarão do nosso lado enquanto enfrentamos os desafios de construir a paz,
30-
a prosperidade, o não-sexismo, o não-racismo e a democracia
12
.
Aqui, Mandela agradece aos convidados presentes na cerimônia de sua
posse, pois, vieram tomar também posse junto com seu povo, da vitória da
justiça. Essa vitória da justiça significa a vitória de um grupo, em sua maioria,
formado por negros e muitos simpatizantes brancos que apoiavam a luta contra
o apartheid. Expressa, ainda, que acredita que as demais nações o apoiarão na
construção da paz, da prosperidade e da democracia.
Neste trecho, na linha 23, identificamos uma metáfora, (...) a humanidade
nos re-acolheu em seu seio. Nesta expressão metafórica podemos notar que o
termo: humanidade, podemos considerá-lo como o domínio alvo e re-acolheu
em seu seio, como o domínio fonte. O termo humanidade é um termo abstrato
que será conceituado pelo veículo metafórico seio, que vem a ser um termo
12
23- We, the people of South Africa, feel fulfilled that humanity has taken us back into its
24- bosom, that we, who were outlaws not so long ago, have today been given the rare
25- privilege to be host to the nations of the world on our own soil.
26- We thank all our distinguished international guests for having come to take possession
27- with the people of our country of what is, after all, a common victory for justice, for
28- peace, for human dignity.
29- We trust that you will continue to stand by us as we tackle the challenges of building
30- peace, prosperity, non-sexism, non-racialism and democracy.
89
concreto, parte do corpo de mulher, portanto, podemos identificá-la como uma
metáfora conceptual que, segundo Berber Sardinha (2007:34), tais metáforas
são, em maior ou menor grau, corporificadas, isto é, possuem uma base no
corpo humano. Também queremos marcar aqui que as metáforas conceptuais
têm uma coerência cultural (Lakoff & Johnson, 1980/2002:71) e o ato de acolher
perto do seio, na cultura ocidental, é um ato próprio da mãe que recebe o filho,
oferecendo-lhe carinho, afeto, aconchego, proteção, etc. Nesta parte do
discurso, Mandela afirma que é a humanidade quem acolhe, portanto, podemos
verificar a metáfora conceptual A HUMANIDADE É MÃE e, por conseguinte, A
AFRICA DO SUL É UM BEBÊ e podemos, ainda, mapear da seguinte forma: o
bebê é o próprio país que acaba de nascer, ainda aqui podemos dizer que
Mandela serviu-se da metáfora conceptual para criticar seus antecessores sem
ofendê-los, salvaguardando assim as respectivas faces, pois se a África do Sul é
um bebê quer dizer que antes o que existia não era aquele país. A mãe do bebê
é a humanidade que naquele ato é representada pelas autoridades do mundo
inteiro presentes no ato da posse, agradecemos (...) os nossos ilustres
convidados internacionais por terem vindo tomar posse, aqui, Mandela parece
servir-se da metáfora para expressar a sua ideologia, pois a sua vitória, ele a
identifica como a da paz, a da justiça, a da dignidade humana e o
simplesmente sua própria vitória.
O trecho do discurso onde lemos: agradecemos (...) os nossos ilustres
convidados internacionais por terem vindo tomar posse ao lado do povo de
nosso país de algo que é acima de tudo uma vitória comum da justiça, da paz,
da dignidade humana” podemos comparar com as palavras proferidas por Martin
Luther King, cujo discurso foi analisado por Rodrigues (2006), um der negro
religioso, norte-americano, que como Mandela, lutou pacificamente para acabar
com o preconceito racial e tantas injustiças cometidas em seu país, Estados
Unidos, e que foi morto covardemente logo após ter proferido seu mais famoso
discurso “I Have a Dream”, em 1963.
90
No recorte a seguir, podemos ver a semelhança no uso das metáforas de
tipo ontológica entre Martin Luther King e Nelson Mandela:
“(...) now is the time to rise from dark and desolate valley of segregation to the
sunlit path of racial justice; now is the time to lift our nation from the quicksands of racial
injustice to the rock of brotherhood; now is the time to make justice a reality for all God’s
children” (...)
“(...) [agora é hora de se fazer promessas reais de democracia; agora é hora de
se levantar do vale desolado da segregação para o caminho iluminado da justiça racial;
agora é hora de levantar nossa nação da areia movediça da injustiça racial para a sólida
rocha da fraternidade; agora é hora de se fazer da justiça uma realidade para todas as
crianças de Deus (...)”] (apud Rodrigues, 1996: 113-114)
Segundo Rodrigues, essas palavras refletiam os sentimentos de King
naquele momento histórico, que o faziam comparar a segregação racial a um
vale escuro e a justiça a um caminho iluminado, ao qual poderiam chegar, como
uma vitória.
Nas linhas 29 e 30 “(...) Acreditamos que vocês continuarão do nosso lado
enquanto enfrentamos os desafios de construir a paz, a prosperidade, o não-
sexismo, o não-racismo e a democracia (...)” é possível identificar uma metáfora
conceptual de tipo ontológica, os termos paz, prosperidade, sexismo, racismo e
a democracia o termos abstratos que serão conceituados pelo domínio fonte
ou veiculo metafórico construir , termo concreto que se refere a edificação de
casas, portanto podemos chegar às seguintes metáforas conceptuais de tipo
estrutural: PAZ É CONSTRUÇÃO, PROSPERIDADE É CONSTRUÇÃO, NÃO
SEXISMO É CONSTRUÇÃO, NÃO RACISMO É CONSTRUÇÃO, DEMOCRACIA É
CONSTRUÇÃO. Mandela, ao servir-se dessas metáforas estruturais, parece
expressar uma estratégia de polidez, criticando os governos anteriores, que não
se preocuparam com a “construção”.
91
Recorte 6
31- Agrada-nos profundamente o papel que as massas de nosso povo e de sua massa política
32-
democrática e religiosa, as mulheres, a juventude, das empresas, os líderes tradicionais e outros tiveram na luta para
33-
chegarmos a este desfecho. Não é menos importante entre eles meu Segundo Vice-Presidente
34-
o Honorável F. W. de Klerk.
35- Também gostaríamos de agradecer às nossas forças de segurança, em todas as suas patentes, pelo
36- destacado papel que têm desempenhado para proteger nossa primeira eleição democrática e a transição
37-
para a democracia de forças sanguinárias que ainda se recusam a ver a luz.
38-
Chegou o momento de curar as feridas...
39-
Chegou o momento de transpor os fossos que nos separam.
40-
O momento de construir paira sobre nós
13
.
Na linha 38 “chegou o momento de curar as feridas” podemos identificar uma
metáfora conceptual, pois será possível constatar a conceituação de uma área
de experiência por meio de outra área e, como toda metáfora, consta de dois
domínios (Berber Sardinha, 2007:24). O primeiro, vem a ser chegou o momento,
que aqui podemos identificá-lo como o domínio alvo, isto é, o que será
conceituado pelo domínio fonte, curar as feridas. Encontramos que o termo
momento é um termo abstrato, ao passo que a palavra (veículo) ferida é algo
concreto, fácil de ser apreendida, está ligado ao corpo humano, Berber Sardinha
(2007:34) afirma que muitas metáforas conceptuais têm como origem o corpo
humano. Mandela, ao dizer chegou o momento, parece querer referir-se que o
que chegou é a sua vez de mandar e, mais, o seu mandato será de recuperação
das dores causados pelas injustiças, discriminações raciais, pelos abusos, pela
condenação indevida.
13
31- We deeply appreciate the role that the masses of our people and their political mass
32- democratic, religious, women, youth, business, traditional and other leaders have played
33- to bring about this conclusion. Not least among them is my Second Deputy President,
34- the Honorable F.W. de Klerk.
35- We would also like to pay tribute to our security forces, in all their ranks, for the
36- distinguished role they have played in securing our first democratic elections and the
37- transition to democracy, from blood-thirsty forces which still refuse to see the light.
38- The time for the healing of the wounds has come.
39- The moment to bridge the chasms that divide us has come.
40- The time to build is upon us.
92
Assim também, na linha 39, chegou o momento de transpor os fossos, é
possível identificar que o domínio alvo é o mesmo, isto é, o momento, mas o
domínio fonte, os fossos, está relacionado a um obstáculo concreto, pois fosso
ou fossa refere-se a uma cova aberta em volta de antigas fortificações para
servir como defesa; são aberturas mais ou menos profundas e amplas na terra.
Mandela serve-se dessa expressão concreta para conceituar o momento, pois
ele alega que chegou o momento de transpor os fossos, a interpretamos como o
anuncio do fim da separação racial discriminatória naquele país, que a partir
daquele momento será anulado, superado o obstáculo (o racismo, o apartheid)
que separa os brancos dos negros. O domínio fonte transpor os fossos, parece
ter aqui a função de portadora da ideologia, ou seja, ele se serve dessa
expressão para dizer MEU GOVERNO É PONTE ou SERÁ PONTE para passar os
fossos, isto é, para dar fim à segregação racial. O uso desta metáfora, aqui, parece
exercer a mediação entre o social e o lingüístico, como defende a teoria da ACD,
pois o momento de transpor os fossos é uma maneira elegante de dizer que no
seu governo haverá uma preocupação pelas questões sociais e a teoria
metodológica da ACD nos permite fazer a leitura que o lingüístico possa exercer
ação sobre o mundo e, especialmente, sobre os outros, e aqui essa ação se
boa para todos os sul-africanos.
Na linha 40 encontramos a seguinte frase o momento de construir paira sobre
nós, aqui, como nas duas anteriores, identificamos o mesmo domínio alvo,
momento, que parece referir-se ao governo de Mandela iniciado naquele
instante; agora, o domínio fonte, que vai conceituar o termo momento será o
veículo construir, termo relacionado principalmente a edificação de casas. Aqui,
Mandela parece querer dizer que no seu governo será edificado algo e só
edifica-se onde não há nada edificado, também podemos fazer uma relação
cultural e dizer que construir, levantar casa, na nossa cultura, é sinônimo de
prosperidade, portanto, com a metáfora conceptual de tipo estrutural MEU
GOVERNO É CONSTRUÇÃO ele critica seus antecessores no poder sem expor as
93
faces deles e, ao mesmo tempo, a sua, servindo-se, assim da metáfora para dar
um sentido de polidez ao seu discurso.
Continuando com as três metáforas - (1) chegou o momento de curar as feridas,
(2) chegou o momento de transpor os fossos e (3) o momento de construir paira
sobre nós - é possível identificar que feridas, aqui, não quer dizer rompimento de
tecidos; transpor os fossos não se refere a uma passagem de uma cova ou
barranco e nem construir está se referindo a fazer construção, portanto, parece-
nos haver uma incongruência semântica e nos leva a identificar nestes veículos
metafóricos as presenças, também, de metáforas lingüísticas e interpretando-as
nos seus sentidos pragmáticos podemos encontrar que curar as feridas sugere
um tempo de recuperação das dores causadas pelas injustiças, pelas
discriminações raciais, pelos abusos, pela condenação indevida; ao anunciar a
cura das feridas, ele se serve da metáfora lingüística como portadora de
ideologia, pois anuncia que de agora em diante, com o seu governo, haverá
mudanças na maneira de governar. Na mesma expressão podemos, também,
encontrar uma estratégia de polidez usada pelo autor, tendo em conta o
contexto em que foi proferido, ele sugere que a ferida é uma palavra na voz
passiva, portanto, subentende-se a existência de um agente ativo da ferida, mas
esse agente provocador da ferida não é apontado explicitamente, o que
salvaguarda, mais uma vez, as faces de todos seus antecessores e, ao mesmo
tempo, a dele. Mandela ao dizer transpor os fossos parece querer dizer que de
agora em diante não haverá mais distinção de origem, raça entre os sul-
africanos. E o veículo metafórico construir parece exprimir um projeto político
diferente do que imperava naquela nação, motivo pelo qual podemos
caracterizar esta metáfora como portadora de ideologia, pois tenta alterar, por
meio da metáfora, a ordem social e política existente (Fairclough, 1989:5).
Recorte 7
41-
Alcançamos finalmente nossa emancipação política. Fazemos a promessa solene de libertar todo o nosso
42-
povo da permanente servidão da pobreza, da privação, do sofrimento, do gênero e
94
43-
outras discriminações
44-
Logramos dar os passos finais para a liberdade em condições de relativa paz. Comprometemo-nos com a
45-
construção de uma paz total, justa e duradoura.
46
- Triunfamos no esforço de implantar a esperança no íntimo dos milhões de pessoas do
47-
nosso povo.
48-
Firmamos uma aliança voltada para a construção de uma sociedade em que todos os sul-africanos, tanto
49-
negros como brancos, possam viver altivos, sem nenhum medo em seus corações, seguros de seu direito
50-
inalienável à dignidade humana – uma nação multicor, em paz consigo e com o mundo.
14
Esta parte do discurso caracteriza-se, principalmente, pela expressão das
promessas. Mandela promete libertar o seu povo da pobreza, da privação, do
sofrimento e, também, a construção da paz duradoura. Firmou aliança com
negros e brancos, para possibilitar a vivencia altiva, sem medo e seguro dos
direitos que têm. As promessas parecem fazer parte dos discursos de início de
todo governo, sobretudo quando o novo governo carrega a esperança de uma
vida melhor para seu povo, assim temos o discurso de posse do novo presidente
dos Estados Unidos, Barack Obama, proferido no dia 20 de janeiro de 2009,
também carregado de promessas.
Nós construiremos as estradas e pontes, as instalações elétricas e
linhas digitais que alimentam nosso comércio e nos mantém juntos.
Nós levaremos a ciência a seu lugar de merecimento e controlaremos
as maravilhas da tecnologia para aumentar a qualidade do sistema de
saúde e reduzir seu custo. Nós usaremos o Sol e os ventos e o solo
para abastecer nossos carros e movimentar nossas fábricas. Nós
transformaremos nossas escolas, faculdades e universidades para
suprir as demandas de uma nova era. Tudo isso nós podemos fazer.
E tudo isso nós faremos
15
16
.
14
41- We have, at last, achieved our political emancipation. We pledge ourselves to liberate all
42- our people from the continuing bondage of poverty, deprivation, suffering, gender and
43- other discrimination.
44- We succeeded to take our last steps to freedom in conditions of relative peace. We
45- commit ourselves to the construction of a complete, just and lasting peace.
46- We have triumphed in the effort to implant hope in the breasts of the millions of our
47- people.
48- We enter into a covenant that we shall build the society in which all South Africans, both
49- black and white, will be able to walk tall, without any fear in their hearts, assured of their
50- inalienable right to human dignity--a rainbow nation at peace with itself and the world.
15
We will build the roads and bridges, the electric grids and digital lines that feed our commerce
and bind us together. We will restore science to its rightful place, and wield technology's wonders
to raise health care's quality and lower its cost. We will harness the sun and the winds and the
95
Deste recorte identificamos as seguintes expressões metafóricas: alcançamos
finalmente nossa emancipação política, / Logramos dar os passos finais para a
liberdade / construção de uma paz / construção de uma sociedade. Para a
identificação destas metáforas nos servimos, primeiramente, das presenças de
dois domínios ou duas áreas de conhecimento humano em cada expressão
metafórica (Berber Sardinha, 2007:24). Assim temos em alcançamos finalmente
nossa emancipação política, como veículo metafórico a palavra alcançamos, que
podemos identificá-la como domínio fonte, por ser um termo concreto e, por
outro lado, temos como tópico a expressão emancipação política, como domínio
alvo, este pertence a um domínio abstrato. Uma outra maneira de identificar esta
expressão metafórica foi pela incongruência semântica, pois vemos que o verbo
alcançar, no seu sentido semântico, nos remete a tocar algo ou alguém,
conseguir igualar-se a alguém com a velocidade, ou seja, é uma ação que exige
movimento. Mas, Mandela, ao servir-se deste verbo parece não querer dizer o
que significa o seu sentido literal. Mandela com esta expressão, parece querer
dizer aos presentes que o seu governo será sinônimo de libertação, para tal
serviu-se da metáfora lingüística. Assim também temos a expressão dar passos
finais para a liberdade, primeiro reconhecemos que passos pertencem a um
domínio diferente de liberdade, e, também é possível perceber que há uma
incongruência semântica, pois dar passos é próprio de quem exerce a ação de
caminhar para chegar a algum lugar concreto, mas, Mandela, ao usar esta
palavra parece não querer usar com este significado, pois com os passos, como
é colocado por Mandela, chega-se à liberdade, que é uma palavra abstrata.
Como segundo momento da análise destas expressões metafóricas é a
inferência da metáfora conceptual. Neste caso, é possível identificar que o
domínio fonte, alcançar passos finais, nos remetem a viagem, portanto, é
soil to fuel our cars and run our factories. And we will transform our schools and colleges and
universities to meet the demands of a new age. All this we can do. And all this we will do.
16
Fonte em inglês e tradução: http://www.estadao.com.br/noticias/internacional,veja-a-integra-do-
discurso-de-posse-de-obama,310201,0.htm, acesso em 23/02/2009.
96
possível a presença de uma metáfora conceptual de tipo estrutual,
EMANCIPAÇÃO POLÍTICA É UMA VIAGEM. Também podem ser
caracterizadas como metáforas conceptuais de tipo ontológica, pois tanto a
emancipação política como a liberdade são tratadas como entidades e são mais
facilmente compreendidas. “Os homens têm necessidades, para apreender o
mundo, de impor aos fenômenos físicos limites artificiais que os tornem tão
discretos como nós, quer dizer, fazem deles entidades demarcadas por uma
superfície” (Lakoff & Johnson, 1980/2002:76), Portanto, Mandela serviu-se
destas figuras para expressar seus propósitos ao seu povo.
Ainda no mesmo recorte, as próximas expressões metafóricas selecionadas
para analisar são: construção de uma paz / construção de uma sociedade. Aqui
encontramos um mesmo veículo metafórico construção - para conceituar os
termos paz e sociedade. Também é possível perceber a incongruência entre os
domínios (Cameron, 2003:59), no caso entre construção e os termos paz e
sociedade. Construção, no seu sentido semântico nos leva ao significado de
construção de casas e aqui, Mandela a utiliza para referir-se ao seu governo.
Portanto, licencia as seguintes metáforas lingüísticas: MEU GOVERNO É
CONSTRUÇÃO e PAZ É CONSTRUÇÃO. Também, as mesmas metáforas podem
ser entendidas como conceptual de tipo ontológica, pois aos termos paz e sociedade,
termos abstratos, são fornecidas características reais com a possibilidade de serem
construídas.
Cremos importante observar também que o próprio contexto pragmático do
discurso, isto é, a ascensão no poder de alguém que representa a esperança do
povo sul-africano e o momento de grande júbilo e festa, as promessas são
facilmente compreendidas, ainda que as metáforas não sejam entendidas como
tais (Berber Sardinha, 2007:40).
Recorte 8
51- Como símbolo do compromisso com a renovação de nosso país, o novo Governo Interino de
97
52-
Unidade Nacional vai tratar em regime de urgência da questão da anistia de vários
53-
segmentos de nosso povo que cumprem hoje penas de prisão.
54-
Dedicamos este dia a todos os heróis e heroínas deste país e do resto do mundo
55-
que se sacrificaram de muitas maneiras e entregaram a vida para que pudéssemos ser livres.
56-
Seus sonhos se tornaram realidade. A liberdade é sua recompensa.
57-
Sentimo-nos tanto humildes como exaltados pela honra e o privilégio que vocês, o povo da
58- África do Sul, nos conferiram como o 1º Presidente de uma África do Sul unida, democrática, não-
59-
racista e não- sexista, para guiar nosso país para fora do vale das trevas.
60-
Compreendemos que ainda não há um caminho fácil para a liberdade.
61-
Sabemos muito bem que nenhum de nós agindo sozinho pode alcançar sucesso.
62-
Devemos assim agir juntos como um povo unido, pela reconciliação nacional, pela construção
63-
da nação, pelo nascimento de um novo mundo
17
.
Nesta parte do discurso, Mandela serve-se das conceptualizações metafóricas
da liberdade para continuar com as suas promessas. O autor do discurso aponta
que houve entrega de vidas pela liberdade, pois não caminho fácil para ela e
a promessa vem a ser, guiar o país para fora do vale das trevas, mas haverá
recompensa e será a liberdade.
Para Lakoff e Johnson (1980/2002:76) as nossas experiências com objetos
físicos fornecem a base para conceber eventos, atividades, emoções, idéias etc,
como entidades. Nesta idéia nos apoiamos para identificar a presença de
metáforas conceptuais de tipo ontológico, que servem para traçar objetivos e
motivar ações. Elas são: entregar a vida pela liberdade / não caminho cil
17
51- As a token of its commitment to the renewal of our country, the new Interim Government
52- of National Unity will, as a matter of urgency, address the issue of amnesty for various
53- categories of our people who are currently serving terms of imprisonment.
54- We dedicate this day to all the heroes and heroines in this country and the rest of the
55- world who sacrificed in many ways and surrendered their lives so that we could be free.
56- Their dreams have become reality. Freedom is their reward.
57- We are both humbled and elevated by the honor and privilege that you, the people of
58- South Africa, have bestowed on us, as the first President of a united, democratic, non-
59- racialist and non-sexist South Africa, to lead our country out of the valley of darkness.
60- We understand it still that there is no easy road to freedom.
61 We know it well that none of us acting alone can achieve success.
62- We must therefore act together as a united people, for national reconciliation, for nation
63- building, for the birth of a new world.
98
para a liberdade / guiar o país para fora do vale das trevas / a recompensa será
a liberdade.
Referindo-nos às mesmas metáforas, na primeira, por exemplo, entregar a vida
pela liberdade, também é possível identificar que Mandela serviu-se de uma
metáfora de canal, ainda que não seja o foco desta dissertação, destacamos
que vida aqui é identificada com algum objeto físico, pois foi entregue e o ato de
entregar, no seu sentido semântico remete-nos ao ato de passar algo a alguém.
Mas, aqui, Mandela ao expressar que vidas foram entregues, estava se referindo
aos sacrifícios de muitos para a conquista da liberdade.
E a segunda metáfora a ser analisada, não há caminho fácil para a liberdade,
aqui a palavra caminho nos remete a um lugar físico que nos permite chegar a
algum lugar, isto é, a uma viagem. E isso nos sugere a existência de uma
metáfora conceptual de tipo estrutural, LIBERDADE É UMA VIAGEM. Nesta
metáfora, o termo liberdade é tido como domínio alvo, pois é um termo abstrato
que é conceituado por m termo concreto viagem. Também é possível ver que a
palavra liberdade, como um destino final de uma viagem e Mandela expressa
que o um caminho fácil para ela. Assim, o autor do discurso serviu-se de
uma metáfora estrutural para expressar que, para chegar à liberdade na África
do Sul, ainda há dificuldades a serem superadas.
Na terceira metáfora identificada para a analise, guiar o país para fora do vale
das trevas, o termo país é usado como se fosse algo que pode ir de um lugar a
outro (guiado), especificamente “para fora do vale das trevas”. Portanto,
podemos denominá-la de metáfora conceptual de tipo ontológico, pois por meio
da ação de guiar é selecionada parte da experiência de Mandela para tratá-la
como entidade discreta (Lakoff & Johnson, 1980/2002:75). Ainda referindo-nos à
mesma metáfora, é possível ver que tem a função de portadora de ideologia, ao
afirmar que o país será guiado para fora do vale das trevas, isto é, o guia
(Mandela) parece expressar que levará o país para um lugar melhor; também a
99
mesma metáfora parece expressar uma crítica aos seus antecessores no poder,
pois a expressão “vale das trevas” no contexto do discurso conota algo negativo.
Mas essa metáfora serviu para salvaguardar as faces dos envolvidos, ou seja, é
usada como estratégia de polidez.
E por último, a liberdade é sua recompensa, Mandela conclui a sua promessa,
dando a entender que a sua posse é sinônimo de liberdade. Ainda, a sua posse
é a recompensa dos sacrifícios, mas que trouxe como pagamento a liberdade,
portanto, estabelece-se uma outra metáfora conceptual de tipo estrutural,
LIBERDADE É PAGAMENTO, dessa forma expressa a sua ideologia.
Recorte 9
64-
Que haja justiça para todos.
65-
Que haja paz para todos.
66- Que haja trabalho, pão, água e sal para todos.
67-
Que todos saibam que o corpo, a mente e a alma de cada um foram libertados para se realizarem
68- a si mesmos.
69- Nunca, nunca, nunca mais esta linda terra viverá a opressão
70- de uns pelos outros ou sofrerá a indignidade de ser o pária do mundo.
71- Que reine a liberdade.
72- Que o sol nunca se ponha sobre tão gloriosa realização humana.
73- Deus abençoe a África
18
.
Nesta parte do discurso, Mandela expressa os seus desejos e começamos
identificando algumas metáforas da qual ele serviu-se para expressá-los.
18
64- Let there be justice for all.
65- Let there be peace for all.
66- Let there be work, bread, water and salt for all.
67- Let each know that for each the body, the mind and the soul have been freed to fulfill
68- themselves.
69- Never, never and never again shall it be that this beautiful land will again experience the
70- oppression of one by another and suffer the indignity of being the skunk of the world.
71- Let freedom reign.
72- The sun shall never set on so glorious a human achievement!
73- God bless Africa!
100
Partindo da noção da incongruência semântica (Cameron, 2003:59)
identificamos as seguintes metáforas: o corpo, a mente e a alma de cada um
foram libertados / Que reine a liberdade.
A metáfora identificada é: o corpo, a mente e a alma de cada um foram
libertados. O sentido semântico da palavra libertado remete a algo que se tornou
livre, emancipado, desobrigado e, aqui, os que serão libertados são o corpo, a
mente e a alma, aos quais não se aplica o termo libertados, portanto, parece
haver uma incongruência semântica. Esta metáfora parece exercer a função de
portadora de ideologia, pois Mandela exprime sua crença e sugere que suas
atitudes levariam à realização de uma libertação total, o corpo, a mente e a alma
e, por outro lado, também funciona como estratégia de polidez, pois, ao dizer
que os sul-africanos estavam sendo libertados, deixa entendido que a o
momento presente seu povo estava preso, escravizado, porém, ao servir-se de
uma metáfora, não ofende seus antecessores, salvaguardando, dessa forma, as
faces envolvidas no contexto do discurso.
Na segunda metáfora, que reine a liberdade, aparecem dois domínios, o
primeiro reine, no seu sentido semântico nos leva a ação do poder de alguém,
mas aqui o sugerido para reinar é a liberdade, portanto, mais uma vez aparece
uma incongruência semântica entre o veículo e o contexto discursivo, logo nos
sugere uma metáfora lingüística. Considerando o contexto discursivo desta
metáfora é possível afirmar que dessa maneira, Mandela expressa a sua
ideologia, prometendo liberdade durante seu governo.
101
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nesta dissertação investigamos algumas das metáforas lingüísticas e
conceptuais presentes no discurso inaugural de Nelson Mandela. Para essa
verificação traçamos os seguintes objetivos: primeiro, identificar algumas
metáforas lingüísticas presentes no discurso inaugural de Nelson Mandela;
segundo, interpretar tais metáforas nos seus sentidos semânticos e pragmáticos,
considerando o contexto discursivo em que foi proferido o discurso em questão.
E, por último, inferir as metáforas conceptuais identificadas, apontando cada vez
que Mandela usa este tipo de metáfora para expressar a sua ideologia e criticar
os seus antecessores no poder, porém sem ofendê-los, servindo-se assim das
metáforas como estratégia de polidez.
Durante a análise muitas das conclusões foram apresentadas, porém
aqui faremos ainda algumas considerações.
A metáfora conceptual, evidenciada por meio das expressões lingüísticas,
pode ser considerada como um recurso de portador de ideologia e de estratégia
de polidez. Pois uma expressão lingüística metafórica, para ser entendida, na
maioria das vezes, remete para um conhecimento prévio (pode ser, no caso da
metáfora conceptual, o domínio fonte de onde são utilizados alguns traços) para
que possamos entender o domínio alvo (a metáfora conceptual em questão, na
expressão lingüística que a atualiza).
Mandela, ao servir-se da metáfora conceptual e lingüística, durante o
seu discurso de posse, transpôs certas propriedades de um plano da realidade
para outro, isto é, de um Domínio Fonte para um Domínio Alvo. Por exemplo,
quando - confere glória e esperança à liberdade que acaba de nascerMandela
transpôs o conhecimento que ele e os interlocutores tinham sobre a experiência
de nascer, para um outro domínio, mais abstrato que não está ligado às
experiências, neste caso, glória e esperança. Assim conceptualizou realidades
102
das quais nem Mandela, nem o povo se encontravam o próximos, a partir de
dados mais conhecidos e concretos. Neste processo, como apontado no
capítulo da fundamentação teórica, as experiências física e espacial assumem,
em muitas ocasiões, função importante na escolha da metáfora, uma vez que
essas experiências constituem o nível mais elementar da interação do homem
consigo próprio e com o meio que o envolve.
Mandela serviu-se de diferentes metáforas para expressar sua ideologia,
como exemplo pode ser citado as interpretadas na primeira série de metáforas
lingüísticas, ligadas entre si semanticamente, que lhe serviu para definir seu
governo, chegando à seguinte metáfora conceptual: A MINHA POSSE COMO
PRESIDENTE DA AFRICA DO SUL É O INÍCIO DE ALGO BOM PARA TODOS.
Num discurso político, como o analisado por esta dissertação de
mestrado, na maior parte das vezes, o emissor serve-se da metáfora sem tomar
consciência de que o está fazendo, isso se porque este processo é inerente
ao seu próprio pensamento. Neste sentido, a análise das expressões
metafóricas recorrentes no discurso de posse de Mandela nos permite verificar
que ele se apóia em modelos do mundo concreto para conceptualizar
fenômenos abstratos.
Ao considerar a história de Mandela e o contexto sócio-histórico da África
do Sul que antecederam ao momento do discurso, é possível concluir, também,
que havia motivos suficientes para que Mandela listasse os pontos de
descontentamento das ações de seus antecessores no poder, mas, ele,
servindo-se das metáforas, não deixou de expressar seus desgostos (proferidos
em nome de seu povo), mas o fez, servindo-se da metáfora de uma forma
polida, sem ofender ninguém, salvaguardando, assim, as faces dos envolvidos.
Para exemplificar citamos a seguinte expressão metafórica: guiar nosso país
para fora do vale das trevas. Guiados por nossa experiência é possível
interpretar trevas como algo negativo, incerto, escuro. Portanto, a metáfora
103
conceptual do tipo estrutural nos ajuda a interpretar o que Mandela parecia
querer dizer: O GOVERNO DOS MEUS ANTECESSORES ERA UM VALE DAS
TREVAS. Dessa forma, a metáfora é usada como estratégia de polidez no
Discurso Inaugural de Nelson Rolihlahla Mandela.
104
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109
APÊNDICE
DISCURSO ORIGINAL DE POSSE, DE NELSON MANDELA, PARA PRESIDENTE DA ÁFRICA DO SUL,
EM 10 DE MAIO 1994.
1-
Your Majesties, Your Highnesses, Distinguished Guests, Comrades and friends:
2 -
Today, all of us do, by our presence here, and by our celebrations in other parts of our
3 -
country and the world, confer glory and hope to newborn liberty.
4 -
Out of the experience of an extraordinary human disaster that lasted too long, must be
5 -
born a society of which all humanity will be proud.
6 -
Our daily deeds as ordinary South Africans must produce an actual South African reality
7 -
that will reinforce humanity's belief in justice, strengthen its confidence in the nobility of
8 -
the human soul and sustain all our hopes for a glorious life for all.
9 -
All this we owe both to ourselves and to the peoples of the world who are so well
10-
represented here today.
11-
To my compatriots, I have no hesitation in saying that each one of us is as intimately
12-
attached to the soil of this beautiful country as are the famous jacaranda trees of Pretoria
13-
and the mimosa trees of the bushveld.
14-
Each time one of us touches the soil of this land, we feel a sense of personal renewal.
15-
The national mood changes as the seasons change.
16-
We are moved by a sense of joy and exhilaration when the grass turns green and the
17-
flowers bloom.
18-
That spiritual and physical oneness we all share with this common homeland explains
19-
the depth of the pain we all carried in our hearts as we saw our country tear itself apart in
20-
a terrible conflict, and as we saw it spurned, outlawed and isolated by the peoples of the
21-
world, precisely because it has become the universal base of the pernicious ideology
22-
and practice of racism and racial oppression.
23-
We, the people of South Africa, feel fulfilled that humanity has taken us back into its
24-
bosom, that we, who were outlaws not so long ago, have today been given the rare
25-
privilege to be host to the nations of the world on our own soil.
26-
We thank all our distinguished international guests for having come to take possession
27-
with the people of our country of what is, after all, a common victory for justice, for
28-
peace, for human dignity.
29-
We trust that you will continue to stand by us as we tackle the challenges of building
30-
peace, prosperity, non-sexism, non-racialism and democracy.
31-
We deeply appreciate the role that the masses of our people and their political mass
32-
democratic, religious, women, youth, business, traditional and other leaders have played
33-
to bring about this conclusion. Not least among them is my Second Deputy President,
34-
the Honourable F.W. de Klerk.
35-
We would also like to pay tribute to our security forces, in all their ranks, for the
36-
distinguished role they have played in securing our first democratic elections and the
110
37-
transition to democracy, from blood-thirsty forces which still refuse to see the light.
38-
The time for the healing of the wounds has come.
39-
The moment to bridge the chasms that divide us has come.
40-
The time to build is upon us.
41-
We have, at last, achieved our political emancipation. We pledge ourselves to liberate all
42-
our people from the continuing bondage of poverty, deprivation, suffering, gender and
43-
other discrimination.
44-
We succeeded to take our last steps to freedom in conditions of relative peace. We
45-
commit ourselves to the construction of a complete, just and lasting peace.
46-
We have triumphed in the effort to implant hope in the breasts of the millions of our
47-
people.
48-
We enter into a covenant that we shall build the society in which all South Africans, both
49-
black and white, will be able to walk tall, without any fear in their hearts, assured of their
50-
inalienable right to human dignity--a rainbow nation at peace with itself and the world.
51-
As a token of its commitment to the renewal of our country, the new Interim Government
52-
of National Unity will, as a matter of urgency, address the issue of amnesty for various
53-
categories of our people who are currently serving terms of imprisonment.
54-
We dedicate this day to all the heroes and heroines in this country and the rest of the
55-
world who sacrificed in many ways and surrendered their lives so that we could be free.
56-
Their dreams have become reality. Freedom is their reward.
57-
We are both humbled and elevated by the honor and privilege that you, the people of
58-
South Africa, have bestowed on us, as the first President of a united, democratic, non-
59-
racialist and non-sexist South Africa, to lead our country out of the valley of darkness.
60-
We understand it still that there is no easy road to freedom.
61
We know it well that none of us acting alone can achieve success.
62-
We must therefore act together as a united people, for national reconciliation, for nation
63-
building, for the birth of a new world.
64-
Let there be justice for all.
65-
Let there be peace for all.
66-
Let there be work, bread, water and salt for all.
67-
Let each know that for each the body, the mind and the soul have been freed to fulfill
68-
themselves.
69-
Never, never and never again shall it be that this beautiful land will again experience the
70-
oppression of one by another and suffer the indignity of being the skunk of the world.
71-
Let freedom reign.
72-
The sun shall never set on so glorious a human achievement!
73-
God bless Africa!
111
DISCURSO TRADUZIDO DE POSSE DE NELSON MANDELA, EM 10 DE MAIO DE 1994.
1-
Majestades, Altezas, Ilustres Convidados, Companheiros e Amigos:
2-
Hoje, todos nós, mediante nossa presença aqui, e nossas celebrações em outras partes do nosso país e
3-
do mundo, conferimos glória e esperança à liberdade que acaba de nascer.
4-
A partir da experiência de um extraordinário desastre humano, que se prolongou em demasia, deve
5-
nascer uma sociedade da qual toda a humanidade se orgulhe.
6-
Nossas ações cotidianas como sul-africanos comuns têm de produzir uma realidade sul-africana
7-
verdadeira que reforce a crença da humanidade na justiça, fortaleça sua confiança na nobreza da alma
8-
humana e sustente todos as nossas esperanças de uma vida mais gloriosa para todos.
9-
Devemos tudo isso a nós mesmos e aos povos do mundo que se acham tão bem
10-
representados aqui hoje.
11-
Não tenho nenhuma hesitação em dizer aos meus compatriotas que cada um de nós está tão
12-
intimamente ligado ao solo deste lindo país como o estão os famosos jacarandás de Pretoria e as
13-
mimosas da “bushveld [savanas tropicais]”.
14-
A cada toque nosso no solo desta terra, temos uma sensação de renovação pessoal. A atmosfera
15-
nacional muda como mudam as estações.
16-
Somos impelidos por um sentido de prazer e alegria quando a grama reverdece e
17-
as flores brotam.
18-
A unicidade espiritual e física que todos partilhamos com esta pátria explica a
19-
profunda dor que todos carregamos em nossos corações quando vimos nosso país se dilacerar num
20-
terrível conflito, e a vimos rejeitada, condenada e excluída pelos povos
21-
do mundo precisamente porque ela se tornou a base universal da prática ideológica
22-
perniciosa do racismo e da opressão racial.
23-
Nós, o povo da África do Sul, nos sentimos plenos porque a humanidade nos re-acolheu em seu seio,
24-
porque nós, que éramos há não muito tempo banidos, temos hoje o raro
25-
privilégio de ser anfitriões das nações do mundo em nosso próprio solo.
26-
Agradecemos a todos os nossos ilustres convidados internacionais por terem vindo tomar posse
27-
ao lado do povo de nosso país de algo que é acima de tudo uma vitória comum da justiça,
28-
da paz, da dignidade humana.
29-
Acreditamos que vocês continuarão do nosso lado enquanto enfrentamos os desafios de construir a paz,
30-
a prosperidade, o não-sexismo, o não-racialismo e a democracia.
31-
Agrada-nos profundamente o papel que as massas de nosso povo e de sua massa política
32-
democrática e religiosa, as mulheres, a juventude,das empresas, os líderes tradicionais e outros tiveram na luta para
33-
chegarmos a este desfecho. Não é menos importante entre eles meu Segundo Vice-Presidente
34-
o Honorável F. W. de Klerk.
35-
Também gostaríamos de agradecer às nossas forças de segurança, em todos as suas patentes, pelo
36-
destacado papel que têm desempenhado para proteger nossa primeira eleição democrática e a transição
37-
para a democracia de forças sanguinárias que ainda se recusam a ver a luz.
38-
É chegado o momento de curar as feridas...
39-
É chegado o momento de transpor os fossos que nos separam.
40-
O momento de construir está sobre nós.
41-
Alcançamos finalmente nossa emancipação política. Fazemos a promessa solene de libertar todo o nosso
42-
povo da permanente servidão da pobreza, da privação, do sofrimento, do gênero e
112
43-
outras discriminações
44-
Logramos dar os passos finais para a liberdade em condições de relativa paz. Comprometemo-nos com a
45-
construção de uma paz total, justa e duradoura.
46-
Triunfamos no esforço de implantar a esperança no íntimo dos milhões de pessoas do
47-
nosso povo.
48-
Firmamos uma aliança voltada para a construção de uma sociedade em que todos os sul-africanos, tanto
49-
negros como brancos, possam viver altivos , sem nenhum medo em seus corações,seguros de seu direito
50-
inalienável à dignidade humana – uma nação multicor em paz consigo e com o mundo.
51-
Como símbolo do compromisso com a renovação de nosso país, o novo Governo Interino de Unidade
52-
Unidade Nacional vai tratar em regime de urgência da questão da anistia de vários
53-
segmentos de nosso povo que cumprem hoje penas de prisão.
54-
Dedicamos este dia a todos os heróis e heroínas deste país e do resto do mundo
55-
que se sacrificaram de muitas maneiras e entregaram a vida para que pudéssemos ser livres.
56-
Seus sonhos se tornaram realidade. A liberdade é sua recompensa.
57-
Sentimo-nos tanto humildes como exaltados pela honra e o privilégio que vocês, o povo da
58-
África do Sul, nos conferiram como o 1º Presidente de uma África do Sul unida, democrática, não-
59-
racialista e não- sexista, para guiar nosso país para fora do vale das trevas.
60-
Compreendemos que ainda não há um caminho fácil para a liberdade.
61-
Sabemos muito bem que nenhum de nós agindo sozinho pode alcançar sucesso.
62-
Devemos assim agir juntos como um povo unido, pela reconciliação nacional, pela construção
63-
da nação, pelo nascimento da um novo mundo.
64-
Que haja justiça para todos.
65-
Que haja paz para todos.
66- Que haja trabalho, pão, água e sal para todos.
67-
Que todos saibam que o corpo, a mente e a alma de cada um foram libertados para se realizarem
68-
a si mesmos.
69-
Nunca, nunca, nunca mais esta linda terra viverá a opressão
70-
de uns pelos outros ou sofrerá a indignidade de ser o pária do mundo.
71-
Que reine a liberdade.
72-
Que o sol nunca se ponha sobre tão gloriosa realização humana.
73-
Deus abençoe a África.
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