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entanto, é importante enfatizar que Lacan se refere a uma divisão ao nível do gozo, e não da
identidade.
Para David-Ménard (1998) e Arán (2008b), Lacan não supera o tom de mistério que
envolve a feminilidade desde Freud, tendo em vista que as fórmulas da sexuação, mais uma
vez, impedem qualquer determinação do feminino positivada. Para os críticos do autor, resta
uma dúvida: do que se trata, afinal, o gozo suplementar? Por que a idéia de um gozo não-todo
fálico não é a oportunidade de se romper de vez com a lógica fálica?
Arán (2008b) coloca que tomar o falo como significante a partir do qual toda a teoria é
construída é uma escolha comprometida em conceber o feminino segundo o princípio da
exclusão. A autora entende a fundação do masculino pelo significante como uma versão
psicanalítica para a dominação masculina.
Ainda em relação às fórmulas da sexuação, os escritos abaixo das proposições dizem
respeito a uma divisão da mulher que não corresponde à divisão do inconsciente. O A quer
dizer que uma mulher é dividida entre aquilo que ela é enquanto S e o que ela é enquanto não-
sujeito. O aspecto “não-toda” da feminilidade corresponde ainda a uma posição de “não-toda
sujeito”, ou “não-toda” determinada pelo inconsciente, tendo em vista que, ocupando o lugar
do Outro radical, não pode ser dita pelo inconsciente a não ser a sua falta.
Apesar de nomear as fórmulas do lado direito de femininas, Lacan não pretende
estabelecer o Outro gozo como traço feminino por excelência, o que seria uma tentativa de
delimitar um conjunto das mulheres, tarefa, para ele, impossível, pelo fato de que nenhuma
mulher faz exceção à regra, de modo que também não a estabelece. Isso significa dizer que
nenhuma mulher funda a existência de um sexo não fálico. Enquanto falta a exceção, falta a
regra, e, dessa forma, Lacan propõe que as mulheres sejam inseridas em um conjunto aberto,
ou melhor, que sejam contadas uma a uma, como em uma série.
A partir do entendimento de que o gozo suplementar só pode ser evocado e situado a
partir da castração e da função fálica, torna-se relevante pensar na relação, que, como
veremos, é entendida como uma não-relação, entre um gozo e outro. Em Mais, Ainda (1993
[1972-1973]), o autor se utiliza de um paradoxo de Zenão, o de Aquiles e da tartaruga, para
ilustrar tal tarefa. O argumento lógico diz que, apesar de Aquiles ser mais veloz do que a
tartaruga, nunca a alcançará, porque na altura em que atingir o ponto de onde a tartaruga
partiu, a mesma já terá se deslocado para um ponto mais adiante. A tartaruga “não é toda, não
toda dele. Ainda falta. E é preciso que Aquiles dê o segundo passo, e assim por diante” [grifo
do autor] (Lacan, 1993 [1972-1973]: 16). Se a tartaruga tem uma vantagem sobre Aquiles, o
mesmo só pode alcançá-la na infinitude, porque o espaço em que cada um deles se desloca é