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Maria Tereza de Marsillac Pasinato
Envelhecimento, Ciclo de Vida e Mudanças Socioeconômicas:
Novos Desafios para os Sistemas de Seguridade Social
Tese apresentada como requisito parcial
para obtenção do título de doutor, ao
Programa de Pós-graduação em Saúde
Coletiva, do Instituto de Medicina Social
da Universidade do Estado do Rio de
Janeiro. Área de Concentração: Política,
Planejamento e Administração em Saúde.
Orientador: George E. Machado Kornis
Rio de Janeiro
2009
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CATALOGAÇÃO NA FONTE
UERJ/REDE SIRIUS/CBC
Autorizo, apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total
ou parcial desta dissertação.
_______________________________ ____________________
Assinatura Data
P282
Pasinato, Maria Tereza de Marsillac.
Envelhecimento, ciclo de vida e mudanças socioeconômicas:
novos desafios para os sistemas de seguridade social/ Maria
Tereza de Marsillac Pasinato. – 2009.
221f.
Orientador: George E. Machado Kornis.
Tese (doutorado) – Universidade do Estado do Rio de
Janeiro, Instituto de Medicina Social.
1. Envelhecimento Aspectos sociais
Teses. 2. Assistência à
velhice Teses. 3. Idosos – Teses. 4. Seguro social
Teses. 5.
Previdência social. 6. Assistência de longa duração. I. Kornis
, George
Edward Machado.
II. Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
Instituto de Medicina Social. III. Título.
CDU 308-053.9
Maria Tereza de Marsillac Pasinato
Envelhecimento, Ciclo de Vida e Mudanças Socioeconômicas:
Novos Desafios para os Sistemas de Seguridade Social
Tese apresentada como requisito parcial para
a obtenção do título de doutor, ao Programa
de Pós-graduação em Saúde Coletiva, do
Instituto de Medicina Social da Universidade
do Estado do Rio de Janeiro. Área de
Concentração: Política, Planejamento e
Administração em Saúd
e
Aprovada em __________________________________________________________
Banca Examinadora:
George Edward Machado Kornis (DO/IE-UFRJ/94) - Orientador
Prof. Adjunto do IMS-UERJ
Fernando Gaiger Silveira (DO/UNICAMP/08)
Ministério do Desenvolvimento Social MDS
Mario Francisco Giani Monteiro (DO/London School/90)
Prof. Adjunto do IMS-UERJ
Myriam Moraes Lins de Barros (DO/UFRJ/86)
Porfª Adjunta UFRJ
Sulamis Dain (LD/UFRJ/88)
Profª. Titular do IMS-UERJ
Rio de janeiro
2009
DEDICATÓRIA
Para o meu filho João Pedro, por sua compreensão, carinho e incentivo.
1
AGRADECIMENTOS
Ao meu orientador, que me recebeu de portas abertas e, principalmente, com a cabeça aberta,
para me orientar em um tema tão pouco presente no debate acadêmico brasileiro.
À Mônica, pela paciência, gentileza e elegância com que sempre encarou as inúmeras
invasões a sua casa, em busca de orientação.
À minha professora de Economia do Setor Público, ledora prévia da tese e praticamente uma
co-orientadora – Professora Sulamis Dain – por todos os seus comentários e sugestões e por
sua defesa apaixonada do Estado.
Aos membros da minha banca de qualificação – Professora Myriam Lins de Barros e
Professor Mario Monteiro – pela generosidade intelectual e a gentileza com que me trataram
desde a defesa do projeto.
Aos integrantes da Coordenação de Previdência Social – João, Leonardo, Felix e Fernando –
que foram muito mais do que colegas de trabalho, me guarneceram de todo o apoio e cuidado
que demandei ao longo do processo de elaboração da tese (e, não foi pouco).
Aos colegas José Celso Cardoso Jr. e Jorge Abrahão, pelo apoio que me deram quando
assumiram a direção da Diretoria de Políticas Sociais do Ipea.
Aos meus ex-chefes – Francisco Eduardo Barreto de Oliveira, Kaizô Iwakami Beltrão e Ana
Amélia Camarano – por sua influência na minha trajetória acadêmica.
Aos servidores da secretaria do IMS, que me auxiliaram com os trâmites burocráticos durante
esses quatro anos.
À minha irmã por opção – Maria Paula – com quem pude compartilhar o estresse do início ao
fim.
Por fim, mas não menos importante, às minhas mães, por compartilharem comigo os cuidados
com o meu filho e com o meu pai.
2
“A vida é um direito, não uma obrigação”
(Ramón Sampedro)
3
RESUMO
O processo de envelhecimento populacional, ainda que amplamente reconhecido como
uma das principais conquistas do século XX engendra o desafio de assegurar que o processo
de desenvolvimento ocorra com base em princípios capazes de garantir a dignidade humana e
a eqüidade entre os grupos etários na partilha dos recursos, direitos e responsabilidades
sociais. Além dos desafios impostos aos já tradicionais programas constantes dos atuais
sistemas de seguridade social, o envelhecimento populacional acrescenta uma nova questão
ou risco social: os cuidados de longa duração, demandados pelos idosos com perda de
capacidade instrumental e/ou funcional para lidar com as atividades do cotidiano. Por
capacidade instrumental pode-se entender a capacidade para a realização de atividades
relacionadas a, por exemplo: preparar refeições, fazer compras no mercado, ir ao banco,
cuidar da casa etc. Capacidade funcional, por sua vez, refere-se às seguintes atividades:
alimentar-se, banhar-se, caminhar distâncias curtas, vestir-se etc.
A preocupação com os cuidados de longa duração dos idosos nos países
desenvolvidos, onde o processo de envelhecimento populacional se encontra mais
avançado, surgiu como uma necessidade de se separar os custos crescentes com o tratamento
dos idosos dos demais gastos com saúde. Os custos, tangíveis ou não, envolvidos na atividade
de cuidar/assistir aos idosos tendem a aumentar em função da entrada maciça das mulheres no
mercado de trabalho e das mudanças nos contratos de gênero, sugerindo crescentes
dificuldades para que as famílias arquem com a responsabilidade pelo cuidado de seus idosos.
Em países em desenvolvimento, como o Brasil, essa questão é agravada por se somar a uma
ampla lista a ser respondida pelos sistemas de seguridade social, tais como a pobreza, a
exclusão de crescentes contingentes da população e o nível de desigualdade vigente. No
Brasil, para que se possa avançar no debate sobre os cuidados de longa duração voltados para
uma população idosa crescente, faz-se necessário rediscutir e redefinir uma série de
parâmetros do atual sistema de seguridade social, em especial, a expressiva parcela de
trabalhadores informais alijados do mesmo. O precário equilíbrio, ou resultado, do sistema de
seguridade social brasileiro precisa ser revisto e analisado a luz das tendências demográficas,
sociais e econômicas que se vislumbram para os próximos 20 ou 30 anos. Somente após o re-
equacionamento do sistema é possível pensar a incorporação desta nova e latente demanda da
sociedade brasileira.
4
Palavras Chave: Seguridade Social, Envelhecimento Populacional, Políticas Públicas, Idosos,
Cuidados de Longa Duração.
5
ABSTRACT
The process of population aging, while widely recognized as one of the main
achievements of the 20th century, engenders the challenge of improving the well-being of the
entire population on the basis of its full participation in the process of development and an
equitable distribution of the benefits therefrom. The change in age structure poses
implications about the intergenerational viability of social security systems. Besides the
challenges presented by the traditional programs of the current systems, population aging adds
a new issue or social risk: the long-term care demanded by the elderly due to loss of
instrumental and/or functional ability to deal with activities of daily living (ADL). By
instrumental ability one can understand the ability to perform activities such as fixing meals,
shopping for groceries, going to the bank, house-cleaning etc. Functional ability, on the other
hand, refers to the following activities: feeding oneself, having a bath, walking short
distances, dressing oneself etc.
The concern with long-term care for the elderly in developed countries, where the
process of population aging is more advanced, originated as a need to separate the growing
costs of treatment for the elderly from other health and social security costs. The costs,
whether tangible or not, involved in the activity of caring for/assisting the elderly tend to
increase with the massive entrance of women in the labor market and with the changes in the
gender contracts, suggesting growing obstacles for the families to meet the responsibility of
taking care of their elderly. In developing countries such as Brazil, this question is aggravated
by adding to a long list that demands answer from social security systems, such as poverty,
exclusion of a growing number of people, and the current level of inequality. In order to go
forward in the debate about long-term care aimed at a growing elder population in Brazil, it is
necessary to rediscuss and redefine a series of parameters of the current social security
system, especially the substantial number of informal workers who are barred from it. The
precarious balance, or result, of the Brazilian social security system needs to be revised and
analyzed in the light of demographic, social and economic trends forecast for the next 20 or
30 years. Only after the restructuring of the system is it possible to consider the incorporation
of this new and latent demand from the Brazilian society.
Key Words: Social Security, Ageing, Social Policy, Elderly, Long Term Care.
6
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO 1
INTRODUÇÃO 7
1 SISTEMAS DE SEGURIDADE SOCIAL:
A ARTICULAÇÃO ENTRE FAMÍLIAS, ESTADO E MERCADO
15
1.1 Os Modelos Teóricos 16
1.2 As Origens Históricas da Proteção Social 24
1.2.1 As Leis dos Pobres e a indústria nascente 28
1.2.2 O Sistema Securitário do Chanceler Bismark 31
1.2.3 O Relatório Beveridge e o Estado de Bem-Estar do Pós Guerra 32
1.2.4 Reformismo Previdenciário 35
1.3 Desafios Atuais
38
2 OS CUIDADOS DE LONGA DURAÇÃO PARA IDOSOS:
DEFINIÇÃO, MODALIDADES E EXPERIÊNCIA INTERNACIONAL
46
2.1 Conceito e Modalidades
48
2.2 Os cuidados de longa Duração no Âmbito dos Sistemas de
Seguridade Social: Experiência Internacional
55
2.2.1 Estados Unidos: Modelo Liberal 55
2.2.1.1 Aspectos Sócio-demográficos 58
2.2.1.2 Políticas voltadas para os cuidados de longa duração 66
2.2.2 Alemanha: Modelo Conservador 70
2.2.2.1 Aspectos Sócio-demográficos 73
2.2.2.2 Políticas voltadas para os cuidados de longa duração 79
2.2.3 Dinamarca: Modelo Social-Democrata 84
2.2.3.1 Aspectos Sócio-demográficos 85
2.2.3.2 Políticas voltadas para os cuidados de longa duração 91
3 O SISTEMA DE SEGURIDADE SOCIAL BRASILEIRO 96
3.1 Evolução Histórico-Institucional do Sistema de Seguridade Social
Brasileiro
97
7
3.1.1 Políticas setoriais anteriores a Constituição de 1988: Saúde,
Previdência e Assistência Social
98
3.1.2 A constituição de 1988 e sua implementação 101
3.1.3 Emendas Constitucionais e Ajustes de Rota: Desmonte do Sistema de
Seguridade Social e Reconstrução das Políticas Setoriais
108
3.1.3.1 Previdência Social 109
3.1.3.2 Saúde 114
3.1.3.3 Assistência Social 116
3.2 Mudanças Demográficas e Socioeconômicas: O Envelhecimento da
População Brasileira e as Mudanças no Mercado de Trabalho
120
3.2.1 Envelhecimento Populacional
122
3.2.2 Mudanças no Mercado de Trabalho
131
3.3 Conquistas e Desafios do Sistema de Seguridade Social Brasileiro
137
4 AS POLÍTICAS VOLTADAS PARA OS IDOSOS COM PERDA DE
AUTONOMIA E INDEPENDÊNCIA NO BRASIL E SUA DEMANDA
POTENCIAL
146
4.1 Políticas voltadas para os Idosos com perda de Independência e
Autonomia no Brasil
147
4.2 Perda de Autonomia e Dependência entre os Idosos Brasileiros
164
4.3 Idosos Brasileiros em Instituições de Longa Permanência 176
4.4 Síntese das características das políticas e das condições dos idosos
com perda de independência e autonomia no Brasil
180
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS 185
BIBLIOGRAFIA 195
1
APRESENTAÇÃO
O processo de envelhecimento populacional é mundialmente reconhecido como um
dos principais fenômenos demográficos da segunda metade do século XX. Sua importância
implica entender as transformações na distribuição da população por grupos etários como um
determinante para a demanda por políticas públicas e serviços sociais. Como enfatizado pelos
Planos de Ação para o Envelhecimento da Organização das Nações Unidas (ONU, 1982 e
2002), o envelhecimento populacional engendra o desafio de assegurar que o contínuo
processo de desenvolvimento econômico e social ocorra com base em princípios capazes de
garantir a dignidade humana e a equidade entre os grupos etários na partilha dos recursos,
direitos e responsabilidades sociais.
O envelhecimento pode ser entendido sob duas óticas distintas, porém igualmente
importantes para os Sistemas de Seguridade Social: a do próprio indivíduo que envelhece e a
da sociedade, à medida que mais indivíduos alcançam a idade avançada. Para os indivíduos,
envelhecer não chega a ser uma questão nova, pois corresponde a uma fase natural do ciclo de
vida. Na área da demografia, alguns autores sustentam que a longevidade humana parece
pouco ter se alterado, porém um contingente cada vez maior de indivíduos tem alcançado
idades cada vez longevas.
Para a sociedade, o envelhecimento populacional entendido como um aumento do
número absoluto e relativo de idosos no total da população implica adaptações e desafios
para a reconstrução das relações sociais. Para os sistemas de seguridade social, a mudança na
estrutura etária, decorrente do envelhecimento da população, certamente apresenta
implicações sobre a viabilidade intergeracional dos atuais mecanismos e políticas que o
compõe e são essenciais para a manutenção do bem-estar tanto das gerações mais velhas
atuais idosos -, quanto das gerações mais novas futuros idosos. No plano econômico, por
exemplo, tem-se um agravamento da relação de dependência dos sistemas previdenciários,
estabelecidos em grande parte com base em acordos intergeracionais e em regras de
funcionamento, na melhor das hipóteses, datadas de meados do século passado. No que se
refere aos aspectos de saúde, pode-se dizer que as últimas décadas do século XX
apresentaram importantes avanços na qualidade de vida dos idosos mais jovens. Porém, à
medida que crescentes contingentes de idosos vivem mais tempo, possivelmente crescentes
também serão as demandas por cuidados de longa duração de idosos com algum grau de
dificuldade para a execução das atividades da vida diária. No entanto, a redução do tamanho
das famílias e a crescente participação da mulher tradicional cuidadora no mercado de
2
trabalho, reduzem a capacidades das famílias em prover os cuidados necessários, o que desvia
para a esfera pública estatal a execução ou, pelo menos, a fiscalização dos novos mecanismos
de apoio/suporte demandados.
A situação econômico-financeira, o padrão de vida e a qualidade e disponibilidade dos
benefícios e serviços prestados pelos sistemas de proteção social afetam sobremaneira a vida e
as decisões dos indivíduos nas sociedades. Dessa forma, o processo de envelhecimento
populacional pode ser analisado de forma paradigmática, pois além dos novos desafios
impostos pela mudança na estrutura etária da população aos tradicionais programas
constantes dos sistemas de seguridade social, o crescente número de idosos, especialmente
dos muito idosos, acrescenta uma nova questão ou risco social: os cuidados de longa duração,
demandados pelos idosos, com perda de capacidade instrumental e/ou funcional para lidar
com as atividades do cotidiano. Por capacidade instrumental pode-se entender a capacidade
para a realização de atividades relacionadas a, por exemplo: preparar refeições, fazer compras
no mercado, ir ao banco, cuidar da casa, entre outras. Capacidade funcional, por sua vez,
refere-se às seguintes atividades: alimentar-se, banhar-se, caminhar distâncias curtas, vestir-se
etc. Em conjunto com as políticas previdenciárias, assistenciais e de saúde, essa nova política
conformaria o quarto pilar dos atuais sistemas de seguridade social.
Atualmente, os cuidados de longa duração podem ser subdivididos em quatro
principais modalidades: cuidados institucionais, referentes à internação dos indivíduos em
Instituições de Longa Permanência para Idosos (ILPIs), tradicionalmente denominadas asilos;
cuidados formais intermediários, referentes aos centros-dia e hospitais-dia; cuidados
domiciliares formais, isto é, aqueles prestados por enfermeiros, cuidadores formais e/ou
acompanhantes etc., e cuidados informais, normalmente entendidos como aqueles realizados
pelos próprios familiares. Jacobzone, Cambois e Robine(2000), no entanto, estimam que,
atualmente, para os países membros da OCDE, os cuidados informais correspondam a
aproximadamente 80% dos cuidados demandados pelos idosos com perda de capacidade
funcional e/ou instrumental para a realização das Atividades da Vida Diária (AVD).
A principal questão a ser analisada reside em como alocar as responsabilidades pelo
bem-estar social entre o mercado, a família e o Estado. Esses seriam os três pilares de
sustentação dos sistemas de proteção social em todo o mundo. O mercado consiste na
principal fonte de bem-estar para a maioria dos cidadãos ao longo de sua vida ativa, tanto
porque sua renda advém do mercado, quanto por ser este mesmo mercado a instância onde se
consumam as trocas e se obtêm os insumos necessários para o bem-estar. A solidariedade
3
intrafamiliar, por sua vez, também representa uma das principais instâncias para a geração de
bem-estar e segurança, particularmente em termos da prestação dos serviços de cuidados e
socialização dos riscos. O papel do Estado na promoção do bem-estar reside no papel
redistributivo do contrato social inerente a uma solidariedade coletiva. Como ressalta Esping-
Andersen (2002), esse três pilares são interdependentes. Dessa forma, tanto a família, como o
Estado, podem, em teoria, absorver as falhas do mercado; similarmente o mercado (ou o
Estado) pode compensar as “falhas” na família. O problema emerge quando nenhum dos três
pilares é capaz de ser substituído pelos outros dois. Pode-se agregar ainda a atuação da
sociedade civil organizada. Sua atuação, porém se de forma complementar aos dos pilares
acima referenciados, não participando da divisão formal das responsabilidades pela
promoção do bem-estar social.
A presente tese se propõe a uma análise bibliográfica, documental e estatística para o
entendimento da evolução do sistema de seguridade social no referente às políticas e
programas voltados para o atendimento dos riscos e demandas do contingente idoso com
dificuldades para a realização das AVD ou seja, idosos com perdas de autonomia e
independência. No tangente ao contexto brasileiro, a análise das demandas impostas pelo
processo de envelhecimento populacional empreendida busca o afastamento das linhas de
análise setoriais e fragmentadas das políticas que compõe o sistema de Seguridade Social e a
retomada dos objetivos primários de construção de um arcabouço de políticas integradas
capazes de promover o “bem-estar” para toda a sociedade.
Optou-se pela estruturação da tese em duas partes. A primeira, composta pelos dois
primeiros capítulos, situa a questão dos cuidados de longa duração no contexto internacional
das mudanças sociais e econômicas, que se refletem especialmente sobre a articulação entre
Estado, mercado e famílias para a promoção do bem-estar social. A segunda parte procura
analisar as especificidades com que a questão do envelhecimento populacional e as demandas
por cuidados de longa duração se manifestam no contexto brasileiro
O primeiro capítulo apresenta, além de um breve retrospecto histórico das origens,
consolidação e transformações de que foram objeto neste aproximadamente um século de sua
existência, os mecanismos de proteção social voltados para o atendimento das demandas
impostas pelo processo de produção baseado na indústria, os modelos teóricos propostos para
seu entendimento e uma primeira aproximação com o desafio de entender como as atuais
mudanças socioeconômicas, culturais, demográficas e políticas são impostas e absorvidas
pelos sistemas vigentes.
4
Parte-se da hipótese de que a estrutura assumida pelos sistemas de seguridade social
varia muito entre os países, e que os mesmos são construídos, como mencionado, com base
em um tripé de atuação dos três principias pilares família, Estado e mercado envolvidos
com a construção do bem-estar social. É utilizada a tipologia adotada por Esping Andersen
(1990) que identifica três modelos teóricos, quais sejam: Liberal, Conservador e Social-
Democrata. Cada uma das formas idealizadas dos sistemas de seguridade social tende a
priorizar a atuação de um dos três pilares envolvidos. Procura-se compreender como e em que
extensão a implementação e o desenvolvimento dos sistemas de seguridade social resultaram
na atual necessidade de se repensar a articulação e a divisão das responsabilidades entre a
família, o Estado e o mercado em cada um dos modelos analisados.
O segundo capítulo intitulado Os Cuidados de Longa Duração para Idosos:
Definição, Modalidades e Experiência Internacional procura, ao definir e contextualizar as
experiências internacionais no campo das políticas de cuidados voltados para os idosos,
construir uma ponte com a análise dos sistemas de seguridade social. A escolha dos três
países analisados Alemanha, Dinamarca e Estados Unidos obedeceu ao pertencimento, ou
à proximidade com os três modelos presentes na tipologia adotada na análise. Certamente
cada uma das alternativas de políticas apresenta seus prós e contras. A política adotada nos
Estados Unidos privilegia a participação do mercado como forma de suprir as crescentes
demandas. A alternativa adotada na Dinamarca reflete a opção histórica pela provisão estatal
universal da prestação dos serviços sociais. A alternativa alemã aprofunda o modelo
securitário das políticas sociais, de caráter compulsório, ao mesmo tempo em que busca uma
melhor integração da gerência desse novo risco entre os pilares do sistema.
A breve análise das políticas implementadas nos três países analisados coloca uma
importante questão no que diz respeito à identificação dos cuidados para com os idosos
quanto a sua eventualidade: se programável ou não. Seriam os cuidados de longa duração um
novo risco não programável a ser incorporado e tratado na esfera dos serviços de saúde? Ou
assistenciais? Porém, dado o expressivo contingente de idosos que passam por essa situação,
poder-se-ia considerá-lo um novo risco programável, identificado como uma contingência
típica da idade avançada, nas sociedades contemporâneas? Não se pretende, no entanto,
responder a essas interrogações, mas sim debatê-las e, dentro das limitações existentes
relacionadas com a análise de um novo campo do conhecimento (ou, pelo menos, as novas
formas de entendê-lo), incorporá-las ao debate maior, referente à necessidade de se repensar
os atuais sistemas de seguridade social no contexto das novas formas assumidas pelas
relações sociais, econômicas e políticas .
5
A segunda parte traz a análise para o contexto especificamente brasileiro, com todas as
particularidades e desafios sociais intrínsecos a um país em desenvolvimento, de dimensões
continentais e desigualdades proporcionais ao seu tamanho. Com esse intuito, o terceiro
capítulo apresenta a evolução histórico-institucional do sistema de seguridade social
brasileiro, a partir do marco constitucional e um panorama sobre a questão do envelhecimento
populacional e das mudanças no mercado de trabalho no Brasil, procurando analisar como
essas mudanças afetam o equilíbrio do sistema brasileiro.
O quarto capítulo analisa as políticas voltadas para os idosos com perda de autonomia e
independência e as demandas potenciais por serviços voltados para o seu atendimento no
Brasil. Para tanto, apresenta a evolução das políticas sociais voltadas especificamente para as
questões relacionadas com a perda de autonomia e independência dos idosos, além de procurar
mapear a situação dos idosos com dificuldades para a realização das AVD, residentes em
domicílios particulares, e dos idosos residentes em Instituições de Longa Permanência para
Idosos (ILPI).
A análise das condições de vida e saúde dos idosos com dificuldades para a realização
das AVD se faz com base nos dados do suplemento de saúde das Pesquisas Nacionais por
Amostra de Domicílios (PNAD) de 1998 e 2003, da Fundação Instituto de Geografia e
Estatística do Brasil (IBGE). Apesar da PNAD consistir em uma pesquisa domiciliar de
periodicidade anual, a utilização desses anos decorre dos mesmos serem os únicos que contam
com informações sobre a capacidade funcional e instrumental dos indivíduos, pois os
suplementos constantes dos questionários da PNAD revezam-se em relação aos temas
abordados. Quatro questionários foram realizados para a identificação das condições de
saúde da população – em 1981, 1998, 2003 e 2008. O suplemento saúde da PNAD de 1981, no
entanto, não conta com quesitos relacionados à aferição dos limites e dificuldades para a
realização das AVD, tendo sido portanto, descartado para os fins do presente estudo, enquanto
os resultados da Pesquisa realizada em 2008 não foram todavia publicados, o que inviabiliza
sua utilização.
Na ausência de possíveis conclusões sobre o conjunto de idéias que se procura
apresentar e defender ao longo da tese, tem-se no quinto e último capítulo uma tentativa de
sistematização das medidas adotadas no âmbito do sistema de seguridade social brasileiro e
a apresentação e formalização das lacunas ainda existentes. Como incorporar novas demandas
a um sistema de seguridade social como o brasileiro, submetido a 20 anos de sucessivos
ajustes voltados para seu equilíbrio financeiro/atuarial concomitantes a expansão de sua
cobertura e abrangência?
6
A experiência internacional indica que os custos com cuidados de longa duração dos
idosos tendem a assumir expressiva magnitude. Esses custos elevados acabam por demandar
uma nova distribuição de responsabilidades entre mercados, Estado e famílias no tocante ao
financiamento dos cuidados relativos ao novo padrão demográfico. No Brasil, para que se
possa avançar no debate sobre os cuidados de longa duração voltados para uma população
idosa crescente, faz-se necessário rediscutir e redefinir uma série de parâmetros do atual
sistema de seguridade social.
7
INTRODUÇÃO
No começo da década de 1990 a questão do envelhecimento populacional entrou
definitivamente para a pauta das questões sociais: quer no meio acadêmico, entre
formuladores e executores de políticas públicas, quer no campo cultural. Um marco no plano
acadêmico e institucional foi a publicação, em 1994, do relatório do Banco Mundial intitulado
Averting the old age crises: policies to protect the old and promote the growth, que alertava
para uma suposta crise do envelhecimento associada com o amadurecimento dos sistemas
previdenciários e com a fragilização da família e das redes de proteção social informais. No
plano cultural, filmes como a comédia dirigida por Mario Monicelli Parente é Serpente –,
em 1992, por exemplo, anunciavam que a questão começava a ser percebida e assimilada no
cotidiano das pessoas. No filme, os mecanismos de solidariedade internos à família
contemporânea, são posto a prova quando os avós idosos anunciam o desejo de irem morar
com um de seus filhos.
Todos os aspectos retratados pelo filme são analisados na presente tese com menor ou
maior aprofundamento: as mudanças na organização da produção e no mercado de trabalho, o
novo protagonismo feminino, as mudanças nos contratos de gênero, nos elos familiares;
enfim, mudanças relacionadas com os vários momentos e transições observadas ao longo do
ciclo de vida. Porém, todos esses aspectos são analisados a partir da questão do
envelhecimento, procurando entendê-lo no âmbito das relações intergeracionais e das novas
demandas por cuidados que ocorrem simultaneamente à redução da capacidade familiar em
prove-los. A idade avançada, assim como a juventude e a infância, são resultados de uma
construção social. Essa construção, ainda que associada, em grande medida, com faixas
etárias pré-determinadas, no caso dos idosos nos remete a um período da vida associado a
perdas. Ao longo do século XX os sistemas de seguridade social procuraram equacionar a
questão da perda da capacidade de trabalho na idade avançada, através da provisão de renda .
Porém, como salientado por Beauvoir (1970; p.215): As desgraças temidas pelos velhos
doença, impotência, aumento do custo de vida parecem tanto mais perigosas por serem
capazes de acarretar alterações nefastas no comportamento dos demais”. Isso nos remete a
principal premissa desta tese, qual seja: o envelhecimento não diz respeito apenas a quem
envelhece, mas também à família e à sociedade.
O envelhecimento populacional, atualmente uma tendência mundial, se por um lado
demanda mudanças na atuação dos indivíduos ao longo de todo o ciclo da sua vida, por outro
8
lado, também pode ser entendido como o resultado das mudanças no comportamento dos
indivíduos ao longo deste mesmo ciclo da vida. Dito de outra forma, pode-se pensar o
processo de envelhecimento populacional de forma sistêmica. Por um lado, pode ser
entendido como resultante dos importantes avanços médicos, sociais e científicos, que
permitiram que um número cada vez maior de indivíduos alcançasse idades cada vez mais
longevas. Por outro lado, esses avanços também possibilitaram uma mudança no
comportamento dos agentes que resultou nos impressionantes declínios da taxa de
fecundidade, fazendo com que a importância relativa do contingente idoso crescesse. Isso
pode ser transposto para o jargão da demografia como os dois estágios do processo de
envelhecimento populacional: envelhecimento pelo topo e envelhecimento pela base. De
acordo com Beltrão, Camarano e Kanso (2004) o envelhecimento pela base é ocasionado
sobretudo pela queda da fecundidade, que leva a uma redução na proporção da população
jovem e a um conseqüente aumento na proporção da população idosa; enquanto o
envelhecimento pelo topo está correlacionado com a redução da mortalidade, especialmente
entre as idades mais avançadas.
São marcantes, no entanto, as diferenças nas circunstâncias em que ocorre o processo
de envelhecimento da população entre os países, pois são nas transformações vivenciadas
pelas diferentes coortes que residem algumas das principais diferenças. Nos países
desenvolvidos esse processo foi acompanhado pela expansão dos sistemas de proteção social,
ainda que os mesmos se deparem atualmente com restrições de várias ordens para sua
sustentabilidade no longo prazo. Nos países em desenvolvimento, nos quais o processo de
industrialização foi tardio, isso implicou uma conseqüente demora, também, para o
desenvolvimento e a efetiva proteção de importantes contingentes populacionais. Como
conseqüência, os programas sociais direcionados ao enfrentamento do processo de
envelhecimento das populações nos países desenvolvidos (que começaram a tomar vulto
ainda na década de 1970) tinham por objetivo a manutenção e/ou a re-inserção social dos
idosos e a prevenção da perda de sua autonomia, dado que a questão da manutenção de sua
renda havia sido equacionada pelos sistemas de seguridade social. Em países em
desenvolvimento, como o Brasil, por sua vez, a questão do envelhecimento populacional
soma-se a uma ampla lista de questões sociais mal resolvidas pela sociedade, tais como: a
pobreza e a exclusão de crescentes contingentes da população e aos impressionantes níveis de
desigualdade vigentes na sociedade (CAMARANO e PASINATO, 2004).
De certa forma, a emergência de novas demandas no contexto dos sistemas de
seguridade social e o atual debate sobre o papel e as responsabilidades conjuntas de seus três
9
pilares ou sustentáculos família, Estado e mercado nos remete as questões levantadas no
período compreendido entre a 1
a
e a 2
a
. Guerra Mundial. Como salientado por Esping-
Andersen (2002), quando mudamos o “relógio” para a geração dos nossos avós nos
deparamos com um cenário marcado por expressivos contingentes de idosos pobres
(ESPING-ANDERSEN, 2002: p. 10). Esse retorno, porém se sob um novo prisma.
Enquanto o século XX se iniciou com o entendimento de que a idade avançada constituía uma
etapa da vida marcada pela pobreza e pela marginalização no mercado de trabalho. O século
XXI se inicia com um entendimento dos idosos como privilegiados pelos sistemas de proteção
social (vis-à-vis outros grupos vulneráveis como por exemplo as crianças) e responsáveis
pelos crescentes gastos sociais que pressionam as contas públicas
1
. Ou seja, os sistemas de
seguridade social, estruturados com base em mecanismo de solidariedade intergeracional, se
inicialmente entendidos como uma solução para o problema da pobreza entre os idosos, tem
no envelhecimento da população um mote para as atuais críticas. Não podemos ignorar o fato
de que, como também salientado por Esping-Andersern (2002), se os atuais idosos desfrutam
de uma relativa prosperidade na idade avançada, esta se deve à prosperidade também
observada ao longo de toda a sua trajetória laboral, ao contrário de seus pais que viveram seu
período adulto entre anos de depressão econômica e guerras mundiais (ESPING
ANDERSEN, 2002; p. 130).
Até o século XIX, a idade avançada era identificada com uma etapa da vida marcada
pelo aumento das debilidades físicas e, conseqüentemente, pela pobreza, que os indivíduos
não mais dispunham de condições para o trabalho necessário para a garantia de seu sustento.
Como salientado por Slater (apud PHILIPSON, 1998) medidas voltadas para a proteção dos
idosos não se diferenciavam das voltadas para os doentes, todos entendidos como
incapacitados para o trabalho. Partia-se da premissa que os idosos correspondiam a um grupo
homogêneo, composto por indivíduos dependentes e vulneráveis, tanto no que se refere a
renda quanto as condições de saúde e de autonomia. Rowntree (apud KANGAS e PALME,
1998), por exemplo, observou, a partir das informações para a cidade de York, que a pobreza
estava relacionada com as transições observadas ao longo do ciclo de vida, especialmente
com a participação no mercado de trabalho e a formação de família. A primeira fase do ciclo
marcada pela pobreza se dava na infância, quando os pais tinham que arcar com as obrigações
pela manutenção dos diversos filhos, dada a fecundidade bem mais elevada então observada.
1
Atualmente, expressivas proporções dos gastos sociais são direcionadas ao pagamento de aposentadorias e
pensões, voltados em sua maioria para a manutenção do padrão de vida dos idosos. Ao mesmo tempo a redução
da mortalidade em todas as idades associada aos avanços da medicina propiciou uma postergação dos gastos
com saúde para a idade avançada.
10
Essa situação de pobreza se amenizava ao longo da juventude em virtude da capacidade dos
jovens por prover seu próprio sustento. Quando da formação de seu próprio núcleo familiar,
esses jovens que então entravam na maturidade incorriam em uma nova fase marcada pela
pobreza e pelo nascimento de seus próprios filhos. Quando estes filhos logravam sua própria
capacidade de auto-manutenção, voltava-se a experimentar uma fase de redução da pobreza,
que viria a ser interrompida pela perda da capacidade de trabalho e, conseqüentemente de se
auto-sustentar quando da idade avançada. Nessa última fase da vida os idosos vulneráveis
passavam a contar com o apoio dos filhos para a provisão de suas necessidades.
As famílias continuam a ser uma forma importante de transferência de apoio entre
gerações. A co-residência entre os idosos e seus filhos adultos reflete, por exemplo,
normalmente, necessidades de ambas as gerações. Iacovou (2000), por exemplo, apesar de
reconhecer que a co-residência entre idosos e filhos adultos implique algum grau de
reciprocidade dos cuidados, esta se de forma seqüencial e não contemporânea. As
transferências de apoio intergeracionais, no entanto, não se restringem a co-residência,
perpassam aspectos mais amplos, que vão desde as transferências de renda, bens e recursos,
até o apoio emocional, os cuidados pessoais e outros recursos intangíveis. Nesse sentido, de
acordo com Grundy (2002), mesmo em países desenvolvidos, onde se observa um declínio
da co-residência, nada se pode afirmar quanto aos demais mecanismos de transferências
integeracionais. Uma expressiva proporção de idosos declara receber diversos tipos de ajuda
de seus filhos em cinco países analisados por Grundy e Tomassini (2003) – Alemanha
Canadá, Japão, Reino Unido e Estados Unidos. Em casos de doença, por exemplo, os idosos
com mais de 65 anos reportam receber ajuda dos filhos em proporções que variam de 69%
nos Estados Unidos até 90% no Japão. O caso da Alemanha é especialmente interessante,
pois: 90% dos idosos declarando receber qualquer tipo de ajuda dos filhos, 87% quando estão
doentes; 60% para a realização de atividades domésticas; 72% com transportes e apenas 24%
com dinheiro.
No entanto, a família mudou, os papéis interpretados por homens e mulheres nas
sociedades contemporâneas também mudaram. Gierveld e Dykstra (2003), por exemplo,
ressaltam que o próprio processo de envelhecimento populacional levou a importantes
mudanças na arquitetura familiar. Se por um lado, as famílias se tornaram mais estreitas em
função do declínio da fecundidade, resultando na diminuição das relações e,
conseqüentemente da formação de redes de apoio intrageracionais (irmãos, primos e etc.); por
outro lado, com o aumento da expectativa de vida, as famílias também se tornaram mais
verticais e passaram a ser compostas por varias gerações. Considerando-se que crianças e
11
idosos com perdas de capacidade funcional e instrumental para a realização das AVD contam
com probabilidades cada vez maiores de convivência familiar, é razoável supor uma maior
demanda pelos cuidados prestados pelos membros adultos das famílias, por sua vez, em
menor número. Nesse sentido, Wanderley et al. (1998) salienta que concomitantemente ao
aumento da participação da mulher no mercado de trabalho e a redução do tamanho das
famílias, verificou-se, ao longo do século XX, uma progressiva transferência da prestação dos
cuidados de uma atividade tradicionalmente associada ao espaço privado das famílias para o
espaço público.
À independência financeira dos idosos proporcionada pelo acesso dos mesmos aos
benefícios de renda, integrantes dos sistemas de seguridade social, por sua vez, se soma a
valorização pelas sociedades contemporâneas da possibilidade de se viver sozinho. Essa é
entendida como um bem, estando associada com questões como autonomia, independência e
privacidade. Porém mesmo que o fato de viver sozinho seja uma opção, pode apresentar
conseqüências indesejáveis: supõe-se que idosos que vivem sozinhos apresentam maior
probabilidade de institucionalização do que os que vivem com pelo menos mais uma pessoa
(IACOVOU, 2000). Mesmo quando a institucionalização não é uma prática comum, esses
idosos possivelmente demandarão uma rede maior de apoios do que os que vivem
acompanhados.
Países desenvolvidos, com sistemas de seguridade social plenamente constituídos
parecem confirmar a predileção dos idosos por viverem sozinhos. Na Europa, em países que
adotaram o modelo de políticas social-democrata, praticamente todos os idosos com mais de
70 anos vivem sozinhos ou apenas com seus cônjuges - 96% na Dinamarca (IACOVOU,
2000). Nos demais países se observam uma pluralidade de arranjos familiares. Em países
como Alemanha, França e Inglaterra essa proporção era de aproximadamente 85%,
reduzindo-se em países do sul da Europa, para 71% na Itália até 55% na Espanha. Iacovou
(2000) analisando especificamente as mulheres idosas, não-casadas e com filhos, observou,
como esperado, uma correlação positiva, ainda que não linear entre o aumento da renda e a
probabilidade de estas viverem sozinhas, ao passo em que as restrições de saúde
apresentaram-se negativamente correlacionadas com os arranjos unipessoais apenas nos
países onde os gastos sociais são mais baixos.
Atualmente, o que se observa, especialmente nos países desenvolvidos, é uma
incidência relativa da pobreza menor nas idades avançadas, se comparadas com as demais
fases do ciclo de vida, o que possibilita uma maior independência e autonomia dos idosos, em
termos de renda. Porém, à medida que crescentes contingentes de idosos vivem mais tempo,
12
possivelmente crescentes também serão as demandas por cuidados de longa duração de idosos
com algum grau de dificuldade para a execução das AVD.
Verificam-se nesses países crescentes interesses por mecanismos que possibilitem
maior independência e autonomia para os idosos com alguma limitação de sua capacidade
funcional e ou instrumental. Ainda que a maior parte dos cuidados demandados pelos
membros mais vulneráveis da família recaia sobre os cuidadores familiares informais, é
crescente o debate e a introdução de políticas públicas voltadas para os cuidados de longa
duração. A grande preocupação nos países desenvolvidos onde o processo de envelhecimento
populacional se encontra mais avançado, surgiu como uma necessidade de se separar os
custos crescentes com tratamentos de longa duração dos idosos dos demais gastos com
políticas de saúde e assistência social. A combinação de doenças crônico-degenerativas e
fatores debilitantes não demandam uma “cura” e sim apoio para a manutenção da qualidade
de vida em sua convivência.
A principal questão reside na busca pelo equilíbrio entre as responsabilidades públicas
e privadas. Nesse sentido, tem-se observado como prioridades de políticas o direcionamento
dos programas em favor das alternativas que mantenham o idoso em seus próprios lares e/ou
comunidades em detrimento da sua institucionalização (como forma tanto de reduzir os custos
como de assegurar o bem-estar dos idosos), a necessidade do desenvolvimento de programas
voltados para os cuidadores informais dos idosos (geralmente familiares) e a descentralização
administrativa dos programas (permitindo uma maior aproximação com a população-alvo).
Por outro lado, políticas voltadas para a provisão, quer pública ou privada, dos
serviços de cuidados, permanecem incipientes ou pouco desenvolvidas, especialmente em
países em desenvolvimento como o Brasil. Mesmo os países do Cone Sul, com populações
mais envelhecidas e longa tradição em políticas de seguridade social, enfrentam atualmente
restrições e ajustes de várias ordens, com importantes impactos sobre o seu grau de cobertura
(BARRIENTOS, 1997; PALLONI, 2001 e SAAD, 2001). Nesses países é amplamente
assumido que os cuidados de longa duração não constituem uma prioridade de política, pois
as responsabilidades pelos cuidados costumam ser assumidas pelas famílias com ou sem o
apoio de redes comunitárias informais. Entretanto, nada se pode dizer sobre a satisfação das
necessidades dos idosos e de seus familiares nesses arranjos. Contextos de aumento da
pobreza e rápidas transformações colocam as famílias sob pressão e reduzem sua capacidade
de cuidar dos entes mais vulneráveis. Como salientado por Goldani (2004), a noção de que as
famílias provêem cuidados melhores e mais baratos do que o Estado negligencia duas
importantes questões: os cuidados prestados através de políticas públicas ou pelas famílias
13
não devem ser entendidos como mecanismos excludentes e sim cooperativos; e o fato da
mulher como tradicional cuidadora estar se transformando em um “recurso” cada vez mais
escasso. A análise dos cuidados de longa duração dos idosos com alguma dificuldade para a
execução das atividades da vida diária (AVD), em países em desenvolvimento como o Brasil,
dessa forma, à primeira vista pode ser percebida como um “luxo” ou supérfluo, dados os
níveis de pobreza e desigualdades vigentes. No entanto, à medida que a população envelhece
e os contratos intergeracionais, tanto no âmbito da família (arranjos familiares) quanto em
relação ao Estado (sistemas de seguridade social), são alterados, surge a necessidade de se
repensar (ou re-equacionar) a questão de forma a possibilitar o bem-estar de todas as
gerações.
O cuidado dos idosos encerra uma série de diferenças em relação, por exemplo, aos
cuidados prestados às crianças, que tornam mais complexa sua análise. Uma primeira questão
a ser levantada reside no fato do cuidado no caso dos descendentes (filhos) ser resultado de
escolhas pessoais dos indivíduos em sua fase adulta, ao passo que o cuidado dos ascendentes
em condição de vulnerabilidade (pais idosos com perda de capacidade para a realização das
AVD) geralmente não configuram uma possibilidade de escolha, são dados, fatos (algumas
vezes entendidos como fardos) que não podem ser ignorados, quer por motivos afetivos ou
legais. Esses “fatos”, do pondo de vista dos que alcançam uma idade avançada, por sua vez,
resultam de escolhas realizadas ao longo de seu ciclo de vida, tais como: casamentos,
separações, existência ou não de filhos, poupança previdenciária, formação de redes de apoio,
entre tantos outros que conformam a complexidade e heterogeneidade da vida humana. Uma
segunda questão diz respeito aos prazos, pois filhos crescem e tornam-se independentes, pelo
menos física e emocionalmente, ao longo de períodos razoavelmente, embora socialmente,
pré-determinados, o que não ocorre no caso dos idosos. As fragilidades dos idosos costumam
surgir silenciosamente, intensificando-se com o passar dos anos, sem que se possam delimitar
prazos para a prestação dos cuidados.
A tese aqui desenvolvida procura entender, a partir da experiência internacional, as
possibilidades e perspectivas que se vislumbram para os idosos brasileiros e suas famílias
(estes, também, futuros idosos), pois ainda que a legislação brasileira pareça, até mesmo,
bastante avançada, não condiz com a realidade. A garantia de uma renda mínima, como a
atualmente assegurada a praticamente universalidade dos idosos brasileiros, não significa o
atendimento de condições dignas para a sua sobrevivência e bem estar, além de pouco
interagir com as demandas familiares. Essa realidade explode em cores nos principais
veículos de mídia, de tempos e tempos, em denúncias de maus-tratos contra idosos tanto em
14
instituições coletivas como no caso da morte de 99 idosos em dois meses na Clínica Santa
Genoveva no Rio de Janeiro em 1996
2
– quanto em domicílios particulares – idosa paulistana,
residente em bairro de luxo, identificada em condição de auto-negligência, em 2006
3
.
Encaminhamentos e soluções para as demandas dos idosos com perdas de autonomia e
independência dependem da recuperação e implementação do conceito de seguridade social
no Brasil. A atual conjuntura social, econômica e política não nos permite mais pensar o
sistema de seguridade social fragmentado, com políticas setoriais encerradas em suas áreas
fim, voltadas para grupos etários estanques. Essa nova demanda por cuidados de longa
duração representa um desafio que perpassa toda a vida do indivíduo, dado ser o resultado de
sucessivas escolhas (fumar, beber, casar, ter filhos, etc), estando presente na vida de todos os
indivíduos.
2
Várias matérias ainda encontram-se disponíveis na internet. Consultar, por exemplo,
http://www.terra.com.br/istoe/politica/139324.htm.
3
Em julho de 2006, foram retirados 24 caminhões de lixo de uma casa no Itaim Bibi, bairro nobre de São Paulo,
pertencente a uma idosa de 78 anos. De acordo com matéria do jornal “Folha de São Paulo”, o acúmulo de lixo
foi descoberto porque vizinhos suspeitaram que a idosa havia morrido no local, tamanho era o mau cheiro.
Maiores detalhes, consultar:
http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u128709.shtml .
15
Capítulo 1
SISTEMAS DE SEGURIDADE SOCIAL:
A COMPLEXA ARTICULAÇÃO ENTRE FAMÍLIAS, ESTADO E MERCADO
Nesse capítulo introdutório é feito um breve retrospecto histórico das origens,
consolidação e transformações de que foram objeto, em aproximadamente um século de
existência, os mecanismos de proteção social. Apesar de mecanismos de proteção social
voltados para o enfrentamento da pobreza e miséria serem observados desde o século XVI, as
primeiras medidas, empreendidas pelo Estado, voltadas para uma proteção mais ampla da
população, se deram através da proteção dos trabalhadores contra a perda de sua capacidade
de trabalho em decorrência de doenças, idade avançada e invalidez em fins do século XIX.
Porém, foi ao longo do século XX, que as mesmas se intensificaram, dando origem aos
Estados de Bem-Estar Social, como atualmente denominados.
Esping-Andersen (1999) procura delimitar os limites e as diferenças entre Estado de
Bem-Estar Social, Regimes de Bem-Estar Social e os mecanismos de proteção social. Para o
referido autor os mecanismos de proteção social podem existir na presença ou não de Estados
de Bem-Estar Social, ao passo que o inverso, não ocorre. Além disso, os mecanismos de
proteção social existem enquanto existir alguma forma de ação política coletiva com vistas a
superação dos riscos sociais. Mecanismos de proteção social modernos, por sua vez, são
associados com a introdução do sistema previdenciário contributivo adotado por Bismark , no
final do século XIX. No entanto, um Estado de Bem-Estar Social não pode ser confundido
com um conjunto de benefícios sociais oferecidos pelo Estado, pois sua construção conceitual
envolve o contexto histórico no qual são forjados os contratos sociais entre o Estado e seus
cidadãos. Historicamente, de acordo com Fiori (1997), pode-se dizer, que o Plano Beveridge
implementado em 1946 na Inglaterra, pode ser entendido como a primeira experiência de um
Estado de Bem-Estar Social, na medida em que criou um sistema nacional universal e gratuito
de assistência médica, financiado pelo orçamento fiscal, baseado na condição de cidadania.
O Estado de Bem-Estar Social é um dos três pilares responsáveis pelo gerenciamento
dos riscos sociais, conjuntamente com o mercado e as famílias. Com isso, a forma como os
riscos são enfrentados pelos três pilares determina, de fato, os Regimes de Bem-Estar Social,
aqui denominados, ainda que de forma imprecisa e simplória, como Sistemas de Seguridade
Social. Em termos gerais, um Sistema Seguridade Social pode ser definido como um conjunto
de políticas públicas e ações da sociedade, em geral articuladas com o objetivo de amparar o
indivíduo, e/ou seu grupo familiar, ante os eventos que afetem sua capacidade de gerar renda,
16
usualmente decorrentes de morte, doença, invalidez, idade avançada, desemprego e
incapacidade econômica em geral; assegurar seu acesso aos serviços de saúde quando
necessário e garantir que todos os indivíduos participantes da sociedade possam gozar de uma
vida digna. Da mesma forma, o conceito similar de Estado de Bem-Estar Social pode ser
definido como a responsabilidade estatal por assegurar um padrão mínimo de bem-estar social
para todos os cidadãos. Como não poderia deixar de ser, o caráter genérico destas definições
comporta um sem-número de variantes no campo prático, dependendo de fatores políticos,
econômicos, sociais, históricos e culturais que influenciaram a evolução de cada sistema em
particular.
Dessa forma, apesar da evolução histórica dos mecanismos de proteção social ser de
valoroso auxílio para o entendimento da atual condição social dos indivíduos e suas
necessidades, o estabelecimento de taxonomias e tipologias é essencial para que se possa
delimitar com mais clareza o objeto de estudo. Com esse intuito, a organização do capítulo
obedeceu à seguinte estrutura: a primeira seção deste capítulo apresenta sinteticamente os três
modelos teóricos de sistemas de seguridade social presentes na tipologia proposta por Esping-
Andersen (1990)
4
, quais sejam o Liberal, o Conservador e o Social-democrata e analisa
brevemente sua adequação à análise das novas demandas por cuidados impostas pelo
envelhecimento da população; a segunda seção apresenta as origens das principais
modalidades de proteção social sob a ótica das quatro experiências históricas mais relevantes,
quais sejam: as leis dos Pobres, que perduraram por mais de dois séculos na Inglaterra; o
modelo alemão implementado pelo Chanceler Otto Von Bismark em finais do século XIX; o
Relatório Beverigde e seus impactos no pós-guerra; e, por fim, o período caracterizado pelas
diversas iniciativas de reforma da Previdência Social, nos últimos 30 anos, aqui denominado
Reformismo Previdenciário; a terceira, última seção, apresenta os atuais desafios que as
mudanças socioeconômicas, culturais, demográficas e políticas colocam para os sistemas de
seguridade social atualmente vigentes.
1.1 Os Modelos Teóricos
O desenvolvimento dos sistemas de seguridade social capitaneados pelo Estado,
associados com padrões de intervenção e cobertura distintos, possibilitou o avanço dos
estudos comparativos. Foi pioneira a tipologia desenvolvida por Titmuss em 1958, de acordo
4
Esping-Andersen (1999) alerta para o fato de o objetivo de sua tipologia ser a análise dos regimes de bem estar
– sistemas de seguridade social – e não os Estados de bem-estar ou as políticas sociais individualmente. O
interesse principal é entender como a responsabilidade pela produção do bem-estar nas sociedades é alocada
entre o Estado, o mercado e as famílias (ou domicílios).
17
com a qual, seriam três as principais formas assumidas pelos Estados para a construção do
Bem-Estar Social: residual, corporativa e redistributiva (DRAIBE e RIESCO, 2006). Esping-
Andersen (1990), ancorado em uma metodologia de análise comparativa dos países membros
da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), avançou no
desenvolvimento dessa tipologia, com base no grau de desmercantilização dos bens e serviços
sociais, ou seja, o grau em que os serviços são prestados como um direito e possibilitam a
reprodução social fora do mercado, e seus e efeitos sobre a estratificação social (DRAIBE e
RIESCO, 2006; ARTS e GELISSEN, 2007).
Em seu trabalho de 1990, Esping Andersen parte da premissa de que a garantia dos
direitos sociais, como constante da formulação de Marshall (1950) é essencial para construção
do Estado de Bem-Estar Social. Porém, é necessário que se qualifique o direito social de que
se está tratando. Os direitos sociais precisam emanar das mesmas bases legais que garantem
os direitos de propriedade privada, ou seja, que sejam invioláveis e baseados na noção de
cidadania ao invés de relacioná-los com a performance no mercado, promovendo, com isso, a
desmercantilização do status individual de forma a assegurar sua autonomia em relação ao
mercado. Em textos mais recentes, Esping-Andersen, incorpora também várias das críticas
elaboradas por vários autores ao seu trabalho de 1990 no que se refere à questão da família e
introduz o conceito de desfamiliarização, o qual consiste na redução da dependência dos
indivíduos em relação ao apoio provido pela família (ESPING ANDERSEN, 2002). Esping-
Andersen (1990) ressalta ainda que o Estado de Bem-Estar Social deve ser entendido em si
como um sistema de estratificação, pois consiste em uma força atuante para a ordenação das
relações sociais, através da construção de mecanismos de solidariedade que envolvem a
sociedade de forma geral. O interesse principal de sua análise é, com isso, entender como a
responsabilidade pela produção do bem-estar nas sociedades é alocada entre o Estado, o
mercado e as famílias. São três os modelos de regimes que emergem da análise: Liberal,
Conservador e Social-Democrata.
O modelo Liberal caracteriza-se pelas transferências universais básicas, pelas políticas
assistenciais residuais e focalizadas e sistemas previdenciários com previsão de modesta
reposição de renda. Isso se deve ao fato do modelo ter sido edificado com base em normas
éticas do trabalho de cunho liberal, que estabelecem que os limites do Estado de Bem-Estar
Social devem ser dados pela propensão marginal dos indivíduos optarem entre os benefícios
concedidos e a participação no mercado de trabalho. O enfoque liberal resulta, com isso em
uma dualidade: os riscos “bons” podem ser resolvidos através do mercado; os riscos “ruins”
tornam os indivíduos dependentes das políticas assistenciais. O modelo é voltado
18
principalmente para a clientela de baixa renda, sendo suas regras de elegibilidade bastante
restritivas e, normalmente, associadas a uma estigmatização dos indivíduos. A participação do
Estado consiste em encorajar o mercado, quer através de políticas passivas ao garantir apenas
um mínimo de bem-estar, quer por políticas ativas subsidiando os sistemas privados.
Conseqüentemente, esse modelo promove o mínimo em termos de desmercantilização
e desfamiliarização das relações sociais, além de construir uma estrutura de estratificação
social caracterizada pela relativa equidade da pobreza entre os beneficiários e as
diferenciações promovidas pelo mercado entre a maioria. Sinteticamente podem ser
ressaltados três elementos-chave para a identificação desses sistemas: privilegiam a assunção
apenas dos riscos considerados “ruins” por parte do Estado; as políticas empreendidas pelo
Estado são consideradas residuais, dada a restrita concepção dos riscos que podem ser
considerados sociais; e a promoção dos valores e méritos do mercado, como instância
responsável pelo enfrentamento dos riscos sociais. Os Estados Unidos representam o típico
exemplo deste modelo. Seu sistema pode ser considerado extremamente residual em função
da ausência de um sistema nacional de saúde, benefícios voltados para os riscos de doença e
maternidade e serviços voltados par as necessidades das famílias. Para enfrentar as falhas de
mercado nessas áreas, as políticas públicas são focalizadas nos riscos “ruins”, tais como: o
Medicaid e o Medicare, voltados para a atenção a saúde de pobres e idosos, respectivamente;
assistência social voltada para o atendimento de mães solteiras; e subsídios para as famílias de
baixa renda com filhos.
No modelo Conservador a preocupação com a eficiência do mercado, a
mercantilização das relações sociais, assim como a garantia dos direitos sociais, não são tão
acentuadas. Esse modelo foi erigido com base em um Estado plenamente capaz de substituir o
mercado enquanto provedor de bem-estar. Quaisquer efeitos redistributivos associados a
solidariedade intrínseca dos Estados de Bem-Estar podem ser considerados negligenciáveis,
pois o modelo apenas reflete a estratificação presente na sociedade. Além de o mercado
assumir uma posição marginal para a geração do bem-estar, promovendo com isso algum grau
de desmercantilização, no modelo Corporativo o Estado assume claramente um papel
subsidiário ao papel da família para a promoção do bem-estar, ou seja, o estado é instado a
interferir nos casos em que a família não consegue arcar com seu próprio bem-estar. Para
tanto, o modelo se baseia na família típica formada pelo homem, responsável pela
manutenção (principalmente em termos de renda) de seus membros, e pela mulher,
responsável pelos cuidados domésticos.
19
Um dos principais exemplos ao qual se pode associar este modelo é a Alemanha. A
tônica do sistema é dada pelo papel central que ocupam as políticas previdenciárias,
complementadas por políticas residuais voltadas para os segmentos de inclusão mais precária
no mercado de trabalho. Com isso, uma parte significativa da atenção a saúde e dos serviços
assistenciais, nos países optantes por esse modelo, ainda que não sejam providas pelo Estado,
são desenvolvidas por setores não lucrativos da economia, de forma voluntária e, em muitos
casos associados a igreja , tais como a atuação da Caritas (ligada a igreja católica) na
Alemanha.
Observa-se, dessa forma, uma certa nuance residualista nas políticas constantes dos
sistemas conservadores, a exemplo do observado entre os sistemas liberais, porém as
características desse residualismo diferem quanto a sua essência. Enquanto nos sistemas
liberais o Estado se encarrega de assumir apenas os riscos “ruins” que não puderam ser
absorvidos pelo mercado em função das falhas de mercado, o residualismo conservador atua
no sentido de tentar responder às falhas ocorridas no âmbito da família. Isso pode ser
entendido como uma baixa capacidade de resposta dos sistemas conservadores às demandas
por mecanismos capazes de promover a desfamiliarização das relações sociais.
O terceiro modelo Social-Democrata baseia-se nos princípios de universalidade da
cobertura e total desmercantilização dos direitos sociais. Ao invés de tolerar a dualidade
mercado versus Estado, este modelo promove a equidade em padrões de bem-estar
suficientemente elevados, não a equidade em padrões mínimos de subsistência. Neste modelo
tanto os trabalhadores manuais, quanto os ocupantes de cargos mais elevados na estrutura do
mercado de trabalho disfrutam dos mesmos direitos sociais. A estratificação social presente
no mercado de trabalho não é transposta para o regime. O modelo obscurece o papel do
mercado ao forjar mecanismos de solidariedade universais, onde todos os participantes são ao
mesmo tempo beneficiários e dependentes do sistema, construindo com isso uma obrigação
coletiva para o funcionamento do regime. O modelo Social-Democrata promove ao mesmo
tempo a emancipação dos indivíduos em relação ao mercado e à família. O objetivo do
modelo não reside em maximizar a dependência dos indivíduos na solidariedade familiar, mas
sim maximizar a capacidade de independência dos indivíduos. Isso é obtido através da
construção de uma pesada estrutura de serviços prestados à população em todos os momentos
do ciclo de vida, o que representa a implementação de programas especificamente desenhados
para o atendimento de crianças, idosos, portadores de deficiência, etc. Isso permite, por sua
vez, que as mulheres possam contar realmente com a possibilidade de escolha entre a
participação no mercado de trabalho ou não.
20
Esse sistema é identificado com os países escandinavos. Ainda que estes países sejam
considerados latecomers (referente a sua industrialização e modernização tardias) no âmbito
da dinâmica da economia mundial, as raízes históricas de suas políticas sociais remontam aos
mecanismos de alívio da pobreza datados de finais do século XIX, os quais foram
gradualmente sendo transformados em programas de assistência social e, finalmente, entre as
décadas de 1940 e 1960, resultaram em modernos regimes de bem-estar social. Como
ressaltado por Esping-Andersen (1999, p. 78) a condição universalista dos sistemas é bastante
antiga, tendo sido a Dinamarca o país pioneiro na universalização da proteção ao idoso
vulnerável em 1891. Por outro lado, pode-se dizer que já nacada de 1970, os vários
modelos de sistemas de seguridade social, em todo o mundo ocidental tinham alcançado altos
níveis de cobertura na área previdenciária, de proteção e manutenção da renda. Foi justamente
nesse momento que os regimes social-democratas tomaram um rumo próprio que os
diferenciaria dos demais modelos de sistemas nas décadas subseqüentes: construíram uma
ampla rede de serviços sociais, especialmente voltados para as necessidades das famílias,
além de implementar benefícios pecuniários especialmente voltados para as mulheres que
desejassem participar do mercado de trabalho assalariado. Isso permitiu uma importante
diferenciação da estrutura do mercado de trabalho, quando do aumento do desemprego
estrutural, nesses países. Se, por um lado, as taxas de desemprego nos países escandinavos
pouco difere das observadasnos países da Europa continental, o mesmo não pode ser dito da
taxa de participação no mercado de trabalho, em especial a das mulheres.
A Figura 1 apresenta, de forma bastante simplificada, algumas das principais
características dos três regimes de bem-estar social propostos por Esping-Andersen (1990).
Figura 1 – Aspectos Selecionados dos Regimes de Bem-Estar Social
Liberal Social-Democrata Conservador
Papel da:
Família
Residual Residual Central
Mercado
Central Residual Residual
Estado
Residual Central Subsidiário
Modo de solidariedade
Individual Universal Parentesco, Corporativismo, e
Clientelismo
Lócus de solidariedade Mercado Estado Família
Grau de
desmercantilização
Mínimo Máximo Médio (baseado na família
constituída pelo homem provedor e
mulher cuidadora)
Grau de
desfamiliarização
Mínimo Máximo Médio
Exemplo Estados
Unidos
Dinamarca* Alemanha
Fonte: Adaptado de Esping-Andersen (1999) p. 85.
* A referência a Dinamarca como exemplo de regime de bem-estar social-democrata, neste caso, deve-se a sua atuação
pioneira e ampla cobertura dos serviços prestados pelo Estado para a promoção da desfamiliarização e proteção aos idosos
(objeto da tese).
21
De acordo com Arts e Gelissen (2007), a eleição de outras dimensões e indicadores
para o desenvolvimento de tipologias para os regimes de Bem-Estar social (sistemas de
seguridade social) resultou em um campo da análise dos sistemas comparados bastante
profícuo a partir do trabalho pioneiro de Esping-Andersen (1990). Uma das principais críticas
formuladas à tipologia de Esping-Andersen refere-se à corrente tradicionalmente denominada
“feminista” que se baseia em dois aspectos: o papel da família e os contratos de gênero.
Ambos aspectos se inter-relacionam e complementam, pois o autor ao considerar apenas o
modelo de arranjo familiar baseado no binômio homem provedor / mulher cuidadora,
desconsidera os custos familiares incorridos neste tipo específico e correspondente de arranjo
familiar e suas implicações para a divisão sexual do trabalho (DRAIBE e RIESCO, 2006). A
opção pela adoção de um modelo de família constituído pelo homem provedor e a mulher
cuidadora, reflete, no entanto, a predominância histórica do Sistema Previdenciário enquanto
eixo central dos Estados de Bem-Estar Social, tendo sido o mesmo constituído com base no
assalariamento/ mercantilização da força de trabalho, o que não ocorreu com a atividade do
cuidar. A bem da verdade, em textos mais recentes, o próprio Esping-Andersen, como
mencionado, incorpora várias das críticas feitas ao seu trabalho de 1990 no que se refere à
questão da família e introduz o conceito de desfamiliarização. Reconhece-se dessa forma, que
a implementação e o desenvolvimento dos sistemas de seguridade social implicaram na
necessidade de se repensar a articulação e a divisão das responsabilidades entre a família, o
Estado e o mercado.
A articulação das responsabilidades entre família, Estado e mercado determina o bem
estar dos indivíduos em qualquer que seja a sociedade. O mercado consiste na principal fonte
de bem-estar para a maioria dos cidadãos ao longo de sua vida, tanto porque sua renda advêm
do mercado quanto por ser este a instância onde se consumam as trocas e se obtêm os
insumos necessários para o bem-estar. A solidariedade intrafamiliar, por sua vez, também
representa uma das principais instâncias para a geração de bem-estar e segurança,
particularmente em termos da prestação dos serviços de cuidados e socialização dos riscos. O
papel do Estado na produção do bem estar reside no papel redistributivo do contrato social
inerente a uma solidariedade coletiva. Como ressalta Esping-Andersen (2002), esses três
pilares são interdependentes. Dessa forma, tanto a família, como o Estado, podem, em teoria,
absorver as falhas do mercado; similarmente o mercado (ou o Estado) pode compensar as
“falhas” na família. O problema emerge quando nenhum dos três pilares é capaz de ser
substituído pelos outros dois. A participação da sociedade civil organizada apresenta aspectos
22
de complementariedade à atuação das demais esferas, não participando independentemente na
divisão das responsabilidades sociais.
As críticas referentes ao papel da família também ecoam nas propostas de
incorporação de novos modelos, que melhor atendam conjuntos de países onde sua
participação na divisão das responsabilidades pela promoção do bem-estar social é mais
intensa, tais como os conformados pelos países mediterrâneos e os conformados pelos países
asiáticos. Ferrera (1996)
5
, por exemplo, procurou salientar algumas especificidades do modelo
mediterrâneo de Bem-Estar Social, em uma clara tentativa de dissociá-lo do entendimento do
mesmo como uma simples sub-categoria ou como uma modalidade mais incipiente ou menos
desenvolvida de uma dos três tipos propostos por Esping-Andersen. O referido autor propõe
um modelo mediterrâneo, construído a partir de configurações específicas decorrentes de suas
características históricas e culturais comuns, a configurar um quarto tipo de Estado de Bem-
Estar. Como salientado por Draibe e Riesco (2006), ao invés de adotar novos critérios para a
identificação de uma tipologia substitutiva a proposta por Esping-Andersen (1990), o autor
procura salientar características especificas dos países mediterrâneos de forma a criar um
novo cluster (ou grupo) que os diferenciem dos outros tipos com base nos seguintes aspectos:
a dualidade da sociedade, com a presença de um amplo setor informal na economia alijado do
sistema de proteção social; o papel decisivo da família na distribuição das responsabilidades
pelo bem-estar social e a forte presença de mecanismos políticos, tais como o clientelismo e o
corporativismo, para a conformação das políticas sociais constantes dos sistemas de proteção
social. Ainda que esta opção seja a mais aderente aos sistemas vigentes na América Latina,
quer por razões históricas, aspectos culturais relacionais a herança colonial, entre outros,
pouco agrega em termos de construção de programas sociais capitaneados pelo Estado ou
pelas alternativas de mercado.
No que se refere à questão dos cuidados de longa duração, objeto da tese, tem-se que
os mecanismos presentes no modelo mediterrâneo caracterizam-se mais por uma combinação
distinta entre os programas sociais observados nos tipos propostos por Esping-Andersen e
menos por inovações programáticas e administrativas, pois se parte da hipótese de uma
crescente demanda por parte das famílias, por mecanismos alternativos, que as auxiliem a
arcar com sua tradicional responsabilidade pelos cuidados. Às famílias corresponde a
responsabilidade pela reprodução social relacionada com a procriação, alimentação, cuidados
de proteção física dos membros dependentes crianças, idosos e portadores de deficiência
5
Entre outros autores como, por exemplo:Moreno (2000) e Sarasa (1992) (apud DRAIBE e RIESCO, 2006).
23
e, inclusive, como salientado por Draibe e Riesco (2006) o acesso a recursos e a ativos
sociais, econômicos e simbólicos, internos e externos a instituição familiar. Como salientado
por Goldani (2004), o aumento da demanda por mecanismos de apoio, alternativos à família,
para o atendimento dos cuidados tem sido recorrentemente obscurecido, principalmente em
países latinos, pela ausência de um diagnóstico coerente dos diferenciais de custos incorridos
pelas famílias, o Estado e o mercado. Isso se deve em grande parte à suposição implícita de
que as famílias, especialmente as mulheres, provêem os cuidados gratuitamente. No entanto, o
aumento da participação das mulheres no mercado de trabalho associado a outras importantes
questões da vida moderna, tais como a instabilidade das relações afetivas, faz com que este
deixe de ser um recurso não-aparente para se tornar, cada vez mais, um recurso escasso.
Por outro lado, o desenvolvimento de tipologias específicas para o entendimento da
questão dos cuidados, mais preocupadas com variáveis tais como a diferenciação de políticas
sociais voltadas para a prestação de serviços das voltadas para a transferência de renda e a
participação da mulher no mercado de trabalho, a não resultaram em modelos tão divergentes
dos propostos por Esping-Andersen (1990). Doyle e Timonen (2007) após uma breve resenha
sobre as tipologias propostas por Kohl (1981), Alber (1995), Anttonen e Sipilä (1996) e
Timonen (2005) concluem:
“It is, of course, slightly ironic that efforts to develop a social care classification,
which started with a critique of the three worlds of welfare capitalism, have to date
produced classifications that are not entirely dissimilar from that developed by
Esping-Andersen (…). Despite the fact that different variables are used, the
resulting framework is astonishingly similar to Esping-Andersen’s classification:
surprisingly little has been made of this similarity in the literature.” (DOYLE E
TIMONEN, 2007; p. 4)
Dessa forma, a utilização dos três modelos: Liberal, marcado pela participação mais
incisiva do mercado, Social-Democrata identificado com a prestação direta de serviços
públicos universais e o Corporativo, apoiado na utilização de mecanismos de seguro; faz da
tipologia clássica de Esping-Andersen, se não a mais adequada, pelo menos a mais facilmente
reconhecida do discurso acadêmico para identificação de alternativas para o suprimento dos
novas demandas sociais de que tratam o presente trabalho, baseados nas mudanças na
estrutura etária da população e nas novas modalidades de arranjos familiares e suas
conseqüências em termos de riscos sociais a serem enfrentados ao longo do ciclo de vida.
24
1.2 As Origens Históricas da Proteção Social
Nas sociedades pré-capitalistas, o princípio de coesão social faz parte da própria
estrutura das mesmas, uma vez que as hierarquias e distinções são percebidas como vínculos
naturais. Apesar do trabalho remunerado, da pobreza e da miséria existirem nas sociedades
pré-industriais, foi somente com o trabalho assalariado e o empobrecimento na era industrial
que as demandas por mudanças sociais mais drásticas emergiram na arena social, política e
econômica. Fez-se necessário, dessa forma, nas sociedades modernas buscar novos tipos de
vínculos entre os homens. É nesse contexto que ocorre a transposição de uma estrutura social-
organizacional baseada no status para uma estrutura contratual. Este fenômeno pode ser
identificado no pensamento de Marx como a mercantilização das relações sociais e em Weber
como o processo de orientação para o mercado da sociedade moderna (MACEDO Jr., 1998).
Nesse contexto surgem as doutrinas relacionadas ao direito contratual e, conseqüentemente
aos contratos referentes aos direitos sociais, que deram a tônica aos mecanismos de proteção
social capitaneados pelo Estado, a partir do século XIX.
A idéia prevalecente até então era de que o Estado deveria intervir o mínimo possível
na vida dos indivíduos e a justiça deveria ser entendida essencialmente como a obediência aos
acordos firmados. Macpherson (apud PIERSON, 2006) ressalta, no entanto, que as noções de
preços justos, salários justos e justiça alocativa sustentadas pelo Estado e pela Igreja, através
de sanções externas ao mercado, surgiram como uma necessidade de readequar a ordem pré-
existente as novas relações mercantis. A questão da intervenção do Estado na arena social foi
paulatinamente sofrendo alterações. Talvez uma das mais importantes transformações,
especialmente no que tange aos mecanismos de proteção social, se refira à questão da
igualdade perante a lei ou autoridade maior (o Estado). O reconhecimento da existência de
diferenças substantivas entre indivíduos (ou grupos de) permitiu a progressiva legitimação dos
direitos sociais. Nessa nova perspectiva, a pertinência a determinados grupos de atores sociais
passa a determinar o tipo de regime contratual que regulará as relações das quais os mesmos
fazem parte e determinará padrões específicos e particulares de regulação pública/estatal.
O contrato social clássico, fundamentado na noção de troca, é progressivamente
substituído pela noção de acordos de solidariedade, fundamentados na idéia de justa
distribuição ou eqüitativa alocação dos ônus e lucros sociais (MACEDO Jr.,1998). Viana
(2004) ressalta que a “solidariedade institucionalizada” engloba desde as ações no âmbito
familiar, as empreendidas em função das categorias profissionais e também a noção mais
ampla de cidadania presente nos sistemas de seguridade social desenvolvidos a partir do pós-
25
guerra nos países escandinavos. Com isso, “... os sistemas de proteção social são formados a
partir do compartilhamento dos riscos gerados pelas situações de dependência pela
Sociedade, Mercado e Estado, em diferentes momentos históricos...”(VIANA, 2004: p.4)
A solidariedade, no entanto, impõe um compromisso em torno do considerado
socialmente correto. Permeando toda a discussão se encontra a noção de equilíbrio que em um
contrato pode ser entendida como uma medida de reciprocidade. Macedo Jr (1998) com base
no pensamento de Durkheim (1999) ressalta que a reciprocidade só pode ser obtida através da
cooperação e, isto não ocorre sem divisão social do trabalho, sendo desta forma a
solidariedade o elemento de coesão social (de natureza moral) que permite que os indivíduos
firmem contratos.
Em termos práticos, para a implementação da solidariedade em termos coletivos tem-
se o advento da transposição para as questões sociais relacionadas ao mercado de trabalho do
instrumental securitário, o que ocorreu com o surgimento do cálculo atuarial no século XVII
6
.
Castel (1998) salienta a importância que as técnicas atuariais desempenharam para a
construção da esfera social dos direitos, ao dissociarem as obrigações legais das
responsabilidades individuais e socializarem os interesses. Rosanvallon (1998), por sua vez,
volta às origens do conceito de segurança e, na sua forma específica de gestão social: a)
técnicas de controle e previsão de riscos surgimento dos cálculos atuariais; b) práticas de
reparação de danos - representando uma aproximação do direito contratual com o direito
sobre responsabilização civil (ex. acidentes do trabalho); c) instituições de segurança pública
e privada.
Se por um lado o instrumental securitário facilitou a adoção de mecanismos de
proteção social para os trabalhadores alijados de qualquer outro insumo produtivo que não sua
própria força de trabalho, este se soma ao o reconhecimento dos direitos sociais como
integrantes do conceito de cidadania, como sugerido por Marshall (1950), para a construção
dos atuais sistemas de seguridade social. O reconhecimento da necessidade da construção de
mecanismos de proteção social contra os riscos sociais com os quais se deparam os cidadãos
incorpora, como salientado por Esping-Andersen (1990), com base em trabalhos anteriores de
Polanie e Offe, aspectos relacionados com um processo denominado “desmercantilização”
dos direitos dos indivíduos.
6
É atribuída a Edmond Halley, o matemático e filosofo inglês conhecido por ter calculado a órbita e previsto a
passagem do cometa que leva seu nome, a elaboração da primeira tábua de mortalidade em finais do século
XVII.
26
O mercado, que em um primeiro momento do capitalismo industrial passou a ser
responsável pela intermediação de todas as trocas, inclusive pela reprodução da mão-de-obra,
perde seu posto para o Estado, pois a sociedade passa a entender a sua própria reprodução
como um dever solidário a ser gerenciado e intermediado através do Estado. De acordo com
Bobbio (1995) o slogam dos trabalhistas ingleses em 1945 participação justa de todos
resume bem o conceito de universalismo e cidadania presentes nos sistemas de seguridade
social desenvolvidos no pós-guerra. O princípio norteador desses sistemas reside em que
todos os cidadãos, independentemente de sua renda, tem o direito a serem protegidos contra
os riscos sociais. No pós-guerra todos os países desenvolvidos e boa parte dos países em
desenvolvimento adotaram medidas voltadas para a expansão de suas redes de serviços e
benefícios sociais e intervenção e manutenção do emprego.
As condições materiais que viabilizaram a adoção e o sucesso desses sistemas de
seguridade social no pós-guerra estão relacionadas com um momento da história econômica
marcada pela produção em massa do paradigma fordista, pleno emprego e crescimento
sustentado da economia (FIORI, 1997). No entanto, desde a grande crise da economia
mundial deflagrada na década de 1970 (choques do petróleo e dos juros), o modelo de
trajetória laboral dos indivíduos vem sendo profundamente transformado, tendo rompido com
a ordem até então prevalecente, marcada pelo crescimento estável da economia
concomitantemente com uma sociedade que avançava com base em relações de trabalho
assalariadas mediadas por um forte protocolo social de garantias coletivas que estruturavam a
construção dos princípios de cidadania (BENITO e ORTIZ, 2004).
A nova organização econômica tem por base a permanente inovação tecnológica,
requerendo assim a também permanente adaptação dos trabalhadores às demandas impostas
pelo mercado. Os processos de internacionalização da economia, de descentralização e
reconversão industrial das sociedades desenvolvidas e o crescimento do tamanho e da eficácia
do setor de serviços, teriam, de acordo com Benito e Ortiz (2004), minado as bases do mundo
do trabalho regulado, tendo passado a atuar em um mercado institucionalmente desorganizado
e desencadeador de riscos sociais permanentes (desemprego, exclusão social, marginalização,
etc).
As transformações sociais, econômicas e políticas refletiram-se em uma crise de
legitimação do Estado no que se refere ao seu papel de administrador eficiente dos problemas
sociais. De acordo com Rosanvallon (1998), o Estado, a partir da década de 1980, passou a
ser identificado com um instrumental cada vez mais caro, opaco e crescentemente
burocratizado, o que prejudicou a percepção de sua finalidade e provocou uma crise de
27
legitimidade. Nesse novo contexto socioeconômico, muito se tem enfatizado sobre a
importância das relações de confiança. A confiança se reveste de elemento produtivo mais
importante, em especial dentro de uma estrutura pós-fordista de produção, e pode ser
entendida como uma expectativa mútua de que, em uma troca, nenhuma parte irá explorar a
vulnerabilidade da outra. No entanto, é preciso ressaltar que apesar do conceito de
solidariedade comportar a idéia de confiança, esta última se restringe à questão da não
exploração, não implicando, no entanto, na co-responsabilidade pelos ônus e vantagens,
elemento essencial para o conceito de solidariedade. De acordo com Draibe (1997) os
princípios norteadores dos sistemas de seguridade social passaram a se defrontar com uma
nova configuração de valores referentes aos conceitos abstratos de justiça e liberdade, às
relações entre o indivíduo e a coletividade, entre o público e o privado e, em particular, às
formas da solidariedade (DRAIBE, 1997; p. 8).
Com esse pano de fundo, o período que se seguiu a década de 1970 foi marcado por
um sem número de iniciativas, em todo o mundo, de reformas ou ajustes aos sistemas de
seguridade Social. A conjuntura política, associada com maiores limitações do sistema de
seguridade social vigente no Chile na segunda metade da década de 1970 possibilitou a
ocorrência da possivelmente mais radical reforma de um sistema do Sistema de Seguridade
Social (Reforma Chilena). A Reforma Chilena de 1980 pode ser considerada um divisor de
águas no que se refere à estruturação dos sistemas de seguridade social, pois após três décadas
de avanços no campo das políticas sociais, representou a primeira iniciativa voltada
prioritariamente para o equacionamento dos desequilíbrios financeiro-atuariais da
componente previdenciária do sistema. Pode-se dizer que a Reforma Chilena ressaltou no
âmbito das políticas sociais, uma crescente individualização da sociedade ou quebra dos
pactos de solidariedade.
Atualmente os indivíduos podem fazer suas escolhas de vida sem a necessidade da
observância de um padrão pré-estabelecido, uma vez que suas vidas não são mais
determinadas por tradições. O que por sua vez está também relacionado com as
transformações observadas na família. A maciça incorporação das mulheres ao mercado de
trabalho, associada às mudanças culturais e às novas demandas da atual estruturação do
mercado de trabalho, implica pensar na necessidade de desfamiliarizar a atividade de cuidar,
como bem o aborda Esping-Andersen (1999). Políticas voltadas para a desfamiliarização,
como mencionado, devem ser entendidas como políticas que libertem os indivíduos da
necessidade do suporte familiar e que promovam a maximização do controle dos indivíduos
sobre seus recursos materiais independentemente das reciprocidades conjugais ou familiares.
28
Em seguida são apresentadas as experiências e/ou momentos históricos que marcaram
a evolução do desenvolvimento dos mecanismos de proteção social.
1.2.1 As Leis dos Pobres
Até o final do século XIX, as principais formas de intervenção estatal para a proteção
aos riscos sociais eram de caráter assistencialista e ocorriam ex post, ou seja apenas em casos
onde a família, principal instância de proteção social de então, falhasse. O principal exemplo
foram as Leis dos Pobres (Poor Laws) implementadas na Inglaterra ainda em finais do
século XVI (1597) e reformada no início do século XVII (1601). Inicialmente, essas leis
estabeleciam o dever de assistência aos pobres pela sociedade civil, garantindo um padrão de
vida mínimo aos doentes, idosos e inválidos através de instituições públicas onde os
beneficiários recebiam alimentação e alojamento.
Não se pode falar em uma única e universal Lei dos Pobres. As Leis dos Pobres
compreendem desde as leis criadas a nível local no período Elizabetano até a promulgação do
Poor Law Amendment Act em 1834. O conjunto de medidas legais vigentes entre os primeiros
atos assinados pela Rainha Elizabeth e a Poor Law Amendment Act de 1834 é denominado por
Antiga Lei dos Pobres; sendo entendido como a Nova Lei dos Pobres, o conjunto legal
estabelecido a partir do Poor Law Amendment Act de 1834 e suas posteriores reformulações.
A Antiga Lei dos Pobres pode ser entendida como uma medida de combate à pobreza,
administrada de forma descentralizada pelas paróquias, as quais podem ser entendidas como
as principais unidades administrativas locais. Como cada paróquia ficava responsável pela
manutenção de seus próprios indigentes, surgiram vários problemas para a identificação da
paróquia correta em diversos casos o que resultou em uma Lei auxiliar que fixava os
indivíduos inibindo a livre mobilidade da força de trabalho (Settlement Act). Como salientado
por Brundage (2002), o estatuto legal de 1601 estabelecia expressamente a necessidade de que
se criassem lugares específicos para a habitação dos pobres incapacitados (casas para pobres –
poorhouses). A obrigação do estado á época era no entanto residual, pois sempre que possível,
a família era instada a assumir a responsabilidade por seus entes idosos e incapacitados.
Diferentemente foi a concepção das casas de trabalho (workhouses) para os pobres
desempregados que estivessem em plenas condições para o exercício do trabalho, nestas os
responsáveis pelas paróquias deveriam fazer com que esses pobres produzissem conforme sua
capacidade. Na prática porém essa experimentação se mostrou bastante difícil e custosa,
29
especialmente entre as paróquias rurais. Entre as paróquias urbanas esse experimento
mostrou-se não apenas possível como também até certo ponto lucrativo.
Em torno de 1770, a Inglaterra contava com uma importante rede de comércio, um
impressionante poderio naval e as transações de bens e seguros contavam com alcance
mundial. À medida que os valores da economia de mercado, baseados no poder aquisitivo,
individualismo e maximização dos lucros eram assimilados culturalmente, antigas formas de
organização social e econômica eram contestadas. Ao final do século XVIII, sob a batuta das
importantes mudanças na economia britânica duras críticas quanto ao excessivo papel do
Estado começaram a serem feitas em relação às Leis dos Pobres. Sob a argumentação racional
da Economia Política Clássica, qualquer interferência ao funcionamento do livre mercado,
inclusive a proteção estatal à população em condição de maior vulnerabilidade social,
representava um obstáculo para a realização do pleno potencial econômico das nações. Pode-
se citar entre os críticos: Adam Smith e sua célebre obra “A Riqueza das Nações” de 1776 e
os Ensaios sobre a População de autoria de Thomas Malthus em 1798. Contrariamente às
posições de Malthus e Smith, Jeremy Bentham defendeu a manutenção e o aperfeiçoamento
de medidas de combate à pobreza. A originalidade de seu pensamento residia em suas
argumentações baseadas na razão pura, despindo-a de qualquer aspecto moral. De acordo com
Bentham (apud BRUNDAGE, 2002), a assistência aos pobres e necessitados não se
justificava pela visão degradante dos mesmos, mas pelo enorme potencial revolucionário que
apresentavam para o descontentamento das massas desprovidas. Bentham foi um dos
idealizadores do conceito de utilitarismo, ou seja uma ação deve ser sempre avaliada em
função de suas possíveis conseqüências. “Agir sempre de forma a produzir a maior
quantidade de bem-estar”, pode ser entendido como a máxima da filosofia utilitarista, que
procura assegurar o princípio do bem-estar máximo. A caridade voluntária, contrária à
compulsoriedade das Leis dos Pobres, advogada pelos Economistas Liberais Clássicos, dessa
forma, não era apenas insuficiente, mas, principalmente, ineficiente e insegura. Vale lembrar
que a Inglaterra atravessou a Idade das Luzes sem a mesma turbulência política e social de
sua vizinha, a França.
A influência de Bentham se fez notar, especialmente no longo prazo, com a
promulgação do Poor Law Amendment Act em 1834 (Nova Lei dos Pobres). A aprovação da
nova Lei dos Pobres, no entanto, foi precedida pela realização de estudos feitos por um comitê
Royal Commission – especialmente criado com a função de avaliar as lei dos Pobres
(BRUNDAGE, 2002). O diagnóstico apresentado por este comiapontava a Antiga lei dos
Pobres como ruim e cara e recomendava a adoção de dois conjuntos de princípios: regras de
30
elegibilidade o mais restritas possível, capazes de tornar o ambiente nas casas de trabalho
suficientemente inferiores a qualquer realidade fora das mesmas e com isso eliminar qualquer
incentivo por parte dos trabalhadores “indolentes”; o segundo pregava que qualquer tipo de
auxílio aos mais pobres deveria ser prestado apenas nas casas de trabalho. Porém, estes
princípios jamais foram adotados em toda a sua extensão. Percebe-se a grande preocupação
dos gestores e formuladores dos mecanismos de proteção social à época com a necessidade de
que as Leis dos pobres não inibissem ou criassem desincentivos ao trabalho.
A nova Lei dos Pobres baseou-se na centralização das políticas de auxílio aos pobres
em uma Comissão Nacional para o controle operacional do sistema. Esse processo envolvia a
formação de assocuiações entre as pequenas paróquias - Poor Law Unions de forma a
imprimir maior eficiência ao sistema, em função das plantas mínimas adequadas a construção
das casas dos pobres e as casas de trabalho. A Nova Lei estabeleceu que: (a) nenhum
indivíduo em condição de trabalhar poderia receber dinheiro ou qualquer outro auxílio
provido pela Lei dos Pobres; (b) as condições nas casas de trabalho deveriam ser tais que
desencorajassem os indivíduos a receber auxílio por esta via; (c) os contribuintes de cada
paróquia/comunidade deveriam eleger supervisores que passariam a ser responsáveis pelas
condições nas casas de trabalho e por reportar tais condições à autoridade superior (Central
Poor Law Commission) (BRUNDAGE, 2002).
Apesar das casas de trabalho serem construídas para serem pouco mais do que
cárceres, onde as famílias eram separadas e os indivíduos monitorados, as condições de vida
por várias vezes ainda eram superiores às observadas fora das mesmas. Além disso, essas
instituições resultavam em uma última opção de refúgio fora das ruas, especialmente, para as
famílias monoparentais, chefiadas por mulheres. A hostilidade feroz e a oposição organizada
dos trabalhadores, dos políticos e dos líderes religiosos conduziram a várias reformas,
principalmente a partir da segunda metade do século XIX, com vistas à ampliação da
prestação de serviços aos pobres. Entre as mudanças e reformas decorrentes da observação e
análise dos efeitos das Leis dos Pobres e da forma de funcionamento das casas de pobres e das
casas de trabalho, podemos ressaltar importantes avanços sanitários, médicos e de
escolarização dos internos (PIERSON, 2006). Apesar dos avanços mencionados, a principal
característica das Leis dos Pobres é a estigmatização dos indivíduos que necessitassem
recorrer a sua ajuda, destituindo-os de qualquer tipo de cidadania. As demandas são devidas à
condição de pobreza dos indivíduos e não à garantia de sua plena integração social dada pelo
conceito de cidadania.
31
1.2.2 O Sistema Securitário do Chanceler Bismark
A primeira instituição de um mecanismo de proteção social com base no instrumental
securitário e capitaneado pelo Estado ocorreu na Alemanha, em fins do século XIX. Por
ocasião, a recém unificada Alemanha convivia com a efervescência do movimento operário e
o pensamento revolucionário de Karl Marx e Friedrich Engels, os quais haviam publicado em
1848 o Manifesto do Partido Comunista, com duras críticas ao modo de produção capitalista e
a forma como a sociedade se estruturava a partir do mesmo (BOBBIO, 1995; p.208). Dessa
forma, as medidas adotadas pelo Chanceler Otto von Bismark na década de 1880 podem ser
entendidas, em certa medida, como parte da estratégia do de conter o avanço do acelerado
crescimento e organização do movimento operário. De acordo com Schneider (1989), o
pacote de medidas sociais adotado por Bismark por um lado suprimia os direitos políticos da
classe operária, pois foi precedido por uma Lei contra as greves e a organização do
movimento operário
7
, porém, por outro lado, dava início às políticas sociais empreendidas
pelo Estado.
Bismark considerava que as principais queixas dos trabalhadores alemães à época, em
pleno período de efervescência do capitalismo industrial, referiam-se às incertezas sobre suas
condições de saúde e (des)emprego. Praticamente a única certeza com que os trabalhadores
poderiam contar à época era de que, ao alcançarem uma idade avançada, provavelmente não
teriam condições de trabalhar e acabariam em condição de pobreza. Bismark, a partir desse
diagnóstico, desenvolveu medidas baseadas no instrumental securitário, com vistas ao
aumento da produtividade dos trabalhadores que viria a ser um avançado estatuto social:
Seguro Saúde para os trabalhadores (1883); Seguro Acidentes do Trabalho (1884);
Aposentadorias por idade e invalidez (1889). Pela primeira vez, a proteção aos riscos sociais
era entendida como um direito do trabalhador, ou seja, a questão saía da arena assistencial
para se tornar parte integrante de um pacote de questões mais amplas relacionadas ao mundo
do trabalho da era industrial. Segundo Pierson (2006) a introdução de um seguro social, por
sua vez, incorpora o reconhecimento de que a incapacidade de auferir o próprio sustento na
velhice, na doença ou no desemprego é uma condição normal nas sociedades industrializadas
voltadas para o mercado e a interferência estatal para a organização de provisões coletivas é
uma necessidade legítima.
O Seguro de Saúde adotado em 1883 consistia em um programa de provisão de
serviços de saúde para a população trabalhadora alemã, administrado descentralizadamente
7
Reichs-Gesetzblatt no. 34 de 1878, abolida em 1890 (Schneider, 1989).
32
por comitês locais. A contribuição para o mesmo em bases securitárias era bipartite, sendo 1/3
pago pelos empregadores e 2/3 pagos pelos empregados. O Seguro de Acidentes do Trabalho
(1884), por sua vez, estabeleceu a responsabilidade dos empregadores pelo tratamento de
saúde dos trabalhadores e pelas indenizações(benefícios) devidas aos que se tornassem
inválidos, sendo o valor do benefício equivalente a no máximo 2/3 do salário para os casos de
invalidez total. Por fim, o seguro para reduzir os riscos da idade avançada e da invalidez, pode
ser entendido como o embrião dos atuais Sistema Previdenciários, pois foi o primeiro a contar
com uma contribuição tripartite para seu custeio dos empregadores, dos trabalhadores e do
Estado. Inicialmente, estabeleceu benefícios de aposentadoria para os idosos com mais de 70
anos e para os totalmente incapacitados para o trabalho
8
. A importância do sistema
previdenciário desenvolvido por Bismarck reside justamente no estabelecimento da co-
responsabilidade estatal para a manutenção do padrão de vida e da capacidade de reprodução
da força de trabalho em consonância com o modo de produção capitalista do início da
industrialização. A responsabilidade do Estado deixa de ser residual como no caso das Leis
dos Pobres (século XVI-VIX), onde o Estado era instado a participar apenas nos casos de
falência da família e do mercado para, pela primeira vez na história, tornar-se uma atribuição
e/ou dever estatal legítimo. Deve-se ressaltar a característica contributiva do sistema, que
atribuía à participação no mercado de trabalho o pré-requisito para o gozo da condição de
cidadania plena. Pode-se dizer que entre a iniciativa alemã (da década de 1880) e a década de
1930, praticamente todos os países do ocidente implementaram um Sistema Previdenciário
para os principais riscos aos quais os trabalhadores são expostos: idade avançada, invalidez,
doença e morte.
1.2.3 O Relatório Beveridge e o Estado de Bem-Estar Social do Pós Guerra
Em 1942, ou seja, em pleno período de Guerra, foi publicado na Inglaterra o
Relatório sobre Seguro Social e Serviços Afins (Social Insurance and Allied Services), que
ficou conhecido pelo nome de seu autor Lord William Beveridge membro do Partido
Conservador Britânico. Este é considerado por muitos autores como a base para a criação dos
Estados de Bem-Estar Social do pós-guerra, pois continha a descrição do Plano de Seguridade
Social, a partir desse momento denominado Plano Beveridge. Segundo o próprio Beveridge,
em sua introdução ao livro “Os pilares da Seguridade Social e outros ensaios sobre o período
de guerra” de 1943, tanto o relatório quanto o Plano para a Seguridade Social faziam parte de
8
Para maiores detalhes http://www.ssa.gov/history/age65.html .
33
um amplo projeto de reformas sociais com vistas a enfrentar os grandes males com os quais se
deparava a sociedade britânica no pós-guerra: miséria, as doenças, a ignorância, a falta de
saneamento e o desemprego (BEVERIDGE, 1987).
Para eliminar a miséria, o Plano Beveridge propunha a introdução de uma renda
mínima universal, pois para assegurar o desenvolvimento e a reconstrução da Grã Bretanha no
pós-guerra era necessário que toda a população estivesse a salvo da perda da possibilidade de
viver com dignidade. Ainda que o plano não apresentasse um modelo para a organização de
um serviço de assistência médica universal, ressaltava sua importância para o enfrentamento
dos problemas de saúde da população. A ampliação e melhoria da rede de ensino, por sua vez,
era justificada como uma forma de impedir o desperdício de talentos e potenciais nativos,
mesmo porque, segundo Beveridge, este desperdício representa uma fonte potencial de
infelicidade humana. A educação também não deveria circunscrever-se apenas as crianças e
jovens, deveria ser incentivada em todas as idades. Construir e planejar as cidades de forma a
garantir condições sanitárias adequadas a toda a população deveria ser entendido como uma
forma promover melhores condições de vida a toda a população. Acabar com o desemprego
em massa, o último dos grandes males a serem enfrentados pela Grã Bretanha no pós-guerra,
representava o mais difícil e essencial dos desafios, a ser resolvido através da adoção de
políticas Keynesianas de estímulo a demanda agregada.
O interesse demonstrado pela população pelo que os esperaria após a Guerra era
diametralmente oposto ao desinteresse observado durante o período correspondente à
Primeira Guerra. Enquanto a população, ao longo da 1
a
GG vivia a esperança de que com o
término dos conflitos suas vidas voltassem a ser como na Belle Epoque, a população, durante
a 2
a
GG, temia o retorno a uma situação socioeconômica marcada pela recessão e o
desemprego e, no plano político, marcada pelo “perigo vermelho”. Beveridge ressalta que, em
1916, foi demandado pelo governo britânico um estudo sobre os problemas industriais que
poderiam surgir com o término da guerra. Seus frutos, que resultaram em um projeto de lei
com vistas à ampliação da cobertura do seguro desemprego, criado em 1911, foram
prontamente rechaçados por empregadores e trabalhadores. De acordo com Beveridge:
A derrota desta primeira tentativa para dar segurança econômica depois
da 1
a
GG foi completa. A diferença entre a recepção dada pelo público à
época e a resposta ao meu recente Relatório revela a profundidade do
abismo que separa o mundo de hoje do de vinte e cinco, trinta anos atrás. A
amarga experiência do entre guerras é o abismo. (tradução livre da autora,
BEVERIDGE, 1987, p. 15)
34
O Plano de Seguridade Social
9
proposto, com vistas a proteger os indivíduos contra os
riscos sociais ao longo de todo o seu ciclo de vida, era composto por três pilares: 1) um
sistema previdenciário; 2) um programa assistencial universal
voltado para as crianças,
independentemente da condição de renda ou ocupação dos pais e 3) um programa universal de
assistência médica. Pretendia-se que todos os indivíduos em idade ativa pagassem uma
contribuição semanal. O montante arrecadado seria posteriormente usado para o pagamento
de benefícios relacionados aos riscos de doença, invalidez, idade avançada, desemprego morte
e indigência, segundo a necessidade dos demandantes. Com isso, o plano rompe com o
modelo de proteção social ancorado na participação no mercado de trabalho e ganha os
contornos de um modelo de proteção social nascente baseado na condição de cidadania
ampla. A família, ainda que permaneça como célula essencial para a formulação das políticas
e programas, passa a ter um papel coadjuvante, pois o Estado assume para si o papel de
garantir às crianças a igualdade de oportunidades, independentemente da condição de seus
pais.
A familia seguirá protegendo seus próprios filos. O Estado, como pai de
todas as crianças da comunidade, tem que intervir quando a família falha,
e ao conceder uma oportunidade deve fazê-lo em levar em consideração a
raça ou classe social. O Estado deve fazer com que cada criança receba
todas as oportunidades que mereça (tradução livre da autora;
BEVERIDGE, 1987; p. 47)
O Plano Beveridge tinha por princípios fundamentais: uniformidade de cobertura do
benefício básico, uniformidade da alíquota de contribuição, unificação da responsabilidade
administrativa, suficiência do benefício básico para a manutenção das condições de
subsistência e universalidade de cobertura. A universalidade da cobertura, no entanto se faria
através da divisão da população segundo sua idade, posição e condição na ocupação: 1)
empregados assalariados; 2) indivíduos em outras posições na ocupação, basicamente
empregadores e autônomos; 3)donas de casa, ou seja, mulheres casadas em idade ativa; 4)
outros indivíduos em idade ativa, porém sem ocupação lucrativa; 5) indivíduos que ainda não
se encontram em idade ativa e 6) indivíduos afastados do mercado de trabalho em função
da idade avançada.
É importante ressaltar que o modelo acima apresentado propõe a cobertura das
necessidades básicas dos indivíduos pelo sistema público estatal, indicando que a
9
Cabe ressaltar que o termo seguridade social, versão para o português do termo Social Security, foi utilizado
pela primeira vez pelo governo norteamericano do Presidente Roosevelt com a publicação do Social Security
Act. Este, no entanto, restringia-se a questão previdenciária. Social Security, ou seguridade social, como
atualmente utilizada em português, refere-se ao programa mais amplo proposto pelo Relatório Beveridge.
35
complementação previdenciária desse mínimo deveria ser de iniciativa do próprio indivíduo.
De acordo com o próprio Beveridge: como era para ser apenas um mínimo (básico, essencial),
permitia espaço e incentivo para que os indivíduos aumentassem sua própria poupança
previdenciária segundo seus desejos e capacidades pessoais (BEVERIDGE, 1987). Isso se
deve a uma necessidade de reafirmação e legitimação relativas às liberdades individuais, tão
presentes em sociedades anglo-saxônicas.
Com o término da 2ª. Guerra Mundial, em meio ao processo de reconstrução social, a
Organização das Nações Unidas (ONU) promulga, em 1948, a Declaração Universal dos
Direitos Humanos, na qual se inserem os objetivos de promoção do bem-estar social
constantes do Relatório Beveridge, que viriam a nortear os sistemas de seguridade social
baseados no conceito de cidadania do pós-guerra. O artigo 40 é particularmente
representativo da questão:
Todos têm o direito a um padrão de vida adequado à saúde e ao bem-estar
individual e de sua família, incluindo alimentação, vestimenta, habitação e
cuidado médico, além dos indispensáveis serviços sociais; e o direito à segurança
no caso de desemprego, doença, incapacidade, viuvez, velhice ou outra carência
dos meios de subsistência em circunstâncias que estejam além de seu controle.
(ONU, 1948)
No plano político, o reconhecimento dos direitos sociais por parte da ONU e sua
capacidade multiplicadora nos diversos países membros, pode ser entendido como um
mecanismo promotor de equidade social, em sociedades conformadas por cidadãos livres e
cooperativos. Sua implementação nos diversos países, no entanto, obedeceu às especificidades
históricas da constituição dos Estados, resultando em estruturas e amplitude de cobertura da
população diversos. Como bem o sintetiza Draibe (1997) os sistemas de seguridade social no
pós-guerra inovaram ao impor um particular mecanismo de freios às forças brutas da
desigualdade socialmente produzida pelo mercado, através do sistema de direitos e políticas
sociais.
1.2.4 Reformismo Previdenciário
De acordo com Esping-Andersen (1999), os sistemas de seguridade social
implementados no pós-guerra não pretendiam apenas promover políticas para aliviar os males
sociais, sua principal missão era reescrever o contrato social entre o Estado e seus cidadãos.
Pode-se dizer que os mesmos foram bem sucedidos nas três primeiras décadas subseqüentes,
período também denominado como os trinta (anos) gloriosos (1945-1975). O
desenvolvimento dos sistemas de seguridade social no pós 2
a
GG, principalmente os
36
europeus, ocorreu sob circunstâncias bastante favoráveis, que podem ser sinteticamente
expressas por: um crescimento relativamente contínuo da economia, baseado em um estável
setor manufatureiro capaz de prover altos níveis de emprego e salários para grande parte da
população; um regime demográfico marcado pelo crescimento populacional; arranjos
familiares nucleares e estáveis, capazes de suprir as necessidades de cuidados dos membros
mais frágeis da família (crianças, idosos e portadores de deficiência); governos aptos a
gerenciar sua economia doméstica através de políticas keynesianas amplas que logravam
alcançar baixos índices de desemprego; e, sistemas políticos nos quais a coalizão entre
trabalhadores e classe média permitiam pressionar por melhores condições e padrões dos
mecanismos de proteção social, bem como legitimar as conseqüências fiscais dessas provisões
(TAYLOR-GOOBY, 2004).
A grave crise econômica observada a partir dos choques do petróleo e dos juros na
década de 1970, que atingiu todos os países, porém interromperia o círculo virtuoso entre as
políticas keynesianas no plano econômico e o processo de expansão dos sistemas de
seguridade social (DRAIBE e HENRIQUE, 1988). Os ajustes econômicos demandados
colocaram, principalmente, os setores de políticas sociais na mira dos formuladores e gestores
das políticas públicas. As críticas à atuação do Estado na área social podem ser sinteticamente
resumidas em três principais aspectos: a distorção de mercado causada pela interferência do
Estado; a suposta crise relacionada ao envelhecimento da população e seus efeitos para os
sistemas previdenciários e, por fim, as conseqüências do processo de globalização da
economia, o qual impõe a necessidade de aumento da competitividade das economias
nacionais (ESPING ANDERSEN, 2006). Nesse sentido, Fiori (1997) ressalta o emblemático
título do informe publicado pela OCDE, em 1981: The Welfare State in Crisis. Pode-se citar
também, a publicação em 1994, do relatório do Banco Mundial, que viria a se tornar um
marco de referência para a questão, intitulado Averting the old age crises: policies to protect
the old.
Dessa forma, a necessidade de aumentar a eficiência do gasto social e readequá-lo aos
objetivos macroeconômicos, dado ser o mesmo considerado a raiz dos desajustes do setor
público, levou ao direcionamento das políticas sociais em três dimensões: privatização,
basicamente do setor previdenciário, dado ser o único cuja participação no sistema público é,
geralmente, compulsória e refratária ao desenvolvimento de alternativas de mercado;
focalização, a se dar através do desenvolvimento de programas voltados exclusivamente aos
grupos pobres e vulneráveis; e a canalização de recursos para ações potencialmente geradoras
37
de externalidades, ou seja, a priorização de programas de investimento em capital humano
(DRAIBE, 1995).
Pierson (2006) ressalta que a subida ao poder do Partido Conservador Britânico, com a
posse da primeira ministra Margaret Thatcher em 1979 é normalmente identificada com o fim
do consenso do pós-guerra em torno da promoção da equidade social através de benefícios e
serviços sociais conjugados com políticas de pleno emprego, ou círculo virtuoso, nos termos
de Draibe (1988). A nova agenda do conservadorismo, calcada na liberdade de mercado,
contemplava, entre outros aspectos: a privatização de empresas estatais (British Telecom,
British Gas, British Airways, entre outras), desregulamentação e flexibilização dos contratos e
relações do trabalho e cortes de despesas na área social através de medidas voltadas para o
aumento da eficiência do setor público.
Cortar gastos no âmbito dos sistemas de seguridade social, no entanto, demonstrou ser
uma agenda de difícil trânsito, mesmo para governos conservadores democraticamente
eleitos. Porém parecia haver um consenso sobre a necessidade de reduzir a carga tributária e a
interferência estatal na economia. Com esse pano de fundo, foram incentivadas as alternativas
voltadas para o fortalecimento dos vínculos entre os benefícios associados à participação no
mercado de trabalho com a contribuição previdenciária dos trabalhadores. O pilar
previdenciário compulsório
10
- State Earnings Related Pension Scheme (SERPS), criado em
1978, foi alterado pelo governo conservador de forma a contemplar a contratação dos serviços
no setor privado (contracting out). Nesse caso, poderiam ser contratados tanto planos
empresariais (fundos de pensão ou fundos fechados de previdência), quanto contratados
individualmente junto a um banco ou corretora de seguros (fundos abertos de previdência). A
transferência da administração de parte do sistema previdenciário para o setor privado
representou, por outro lado, a transferência de parte dos riscos sociais (aumento da
expectativa de vida e maior insegurança ao longo da trajetória laboral) para os próprios
indivíduos. Isso se deve ao fato de grande parte dos planos de previdência complementar
privados funcionarem em regime de contribuição definida, ou seja, perde-se parte da
solidariedade existente nos planos de benefícios definidos (típicos dos sistemas públicos),
uma vez que os benefícios passam a ser determinados pelo retorno ex post ao investimento
realizado ao longo de toda a vida ativa dos indivíduos.
Nos países em desenvolvimento, em especial os do continente latino-americano, por
sua vez, a crise econômica que se instalou quando da reestruturação das economias locais às
10
O sistema previdenciário inglês é composto também por um primeiro pilar universal (National Insurance
Fund) que outorga benefícios básicos não vinculados à renda dos indivíduos.
38
mudanças impostas no contexto internacional aumento do preço do petróleo e do juros se
associou às crises políticas, marcadas pela ascensão de regimes autoritários na região –
responsáveis pela asfixia do movimento trabalhista – e com as transformações sociais e
demográficas em curso no continente (tais como as mudanças na estrutura etária e nos
arranjos familiares). De acordo com Esping-Andersen (2003) a onda reformista inaugurada
pela Reforma da Seguridade Social Chilena pode e deve ser entendida como histórica no
contexto da evolução do Estado de Bem-Estar, em função da mesma ter privatizado
integralmente o componente central do sistema de seguridade social Previdência Social e
pelo seu poder de difusão.
1.3 Desafios Atuais
Lidar com riscos individuais de forma coletiva e solidária, como foi visto, sempre foi o
cerne dos sistemas de seguridade social. Mudanças na estrutura demográfica e familiar, com
conseqüentes alterações nas fases ou etapas que compõem o ciclo-de-vida, no mercado de
trabalho e o amadurecimento dos sistemas de seguridade social colocam importantes desafios
para as políticas sociais e sistemas de seguridade social como atualmente constituídos.
Como ressaltado por Taylor-Gooby (2004), no mundo pós-industrial, as taxas de
crescimento econômico são menores e mais incertas, pois as mudanças tecnológicas
significaram que o emprego estável no setor industrial não está mais disponível em larga
escala. O aumento da competição promovido pela globalização da economia, por sua vez,
correlaciona-se com as demandas por maior flexibilidade das relações de trabalho. O regime
demográfico aponta para um rápido e acentuado envelhecimento da população. Enquanto, as
mulheres protagonizaram, provavelmente, as principais mudanças culturais e
socioeconômicas observadas nas últimas décadas, pois ao serem bem sucedidas na busca por
melhores posições tanto em termos educacionais quanto profissionais, pressionaram por
melhores e mais equânimes oportunidades no mercado de trabalho e na família. Com isso,
apesar do indiscutível avanço que os sistemas de seguridade social representaram no campo
social, como se tentou demonstrar ao longo do capítulo, verifica-se, em todo o mundo, um
crescente consenso quanto à necessidade de se repensar a estrutura atual. Além disso, ainda
que essas mudanças possam ser analisadas separadamente, são justamente nas suas
interseções e sobreposições que residem os principais riscos sociais que desafiam a atual
estrutura dos sistemas de seguridade social. Com isso, apesar do foco da análise residir nas
transformações observadas na estrutura etária da população e suas conseqüências para o bem-
39
estar dos indivíduos ao longo de todo o ciclo-de-vida, não como dissociá-los das
transformações observadas na família e no mercado de trabalho, especialmente no que se
refere ao expressivo aumento da participação das mulheres neste último.
Resumidamente, pode-se dizer que no mercado de trabalho as mudanças mais
relevantes são o desemprego bem como o aumento do emprego informal e/ou precário, sem a
tradicional relação trabalhista e previdenciária e o aumento da participação feminina. A
questão do desemprego, que hoje atinge proporções alarmantes em alguns países da Europa,
parece ter caráter estrutural, ou seja, ocorre independentemente da conjuntura econômica. Ao
contrário dos ciclos passados de inovação do capitalismo, os excedentes de mão-de-obra
redundantes na modernização dos processos produtivos parecem não encontrar absorção no
mundo contemporâneo. Assim, os sistemas de proteção social, que, via de regra, tomam o
emprego como a norma e o desemprego como uma condição excepcional e transitória,
passaram a enfrentar enormes pressões. Principalmente nos países em desenvolvimento um
fenômeno que ocorre, muitas vezes, concomitante ao desemprego, é o da informalização e/ou
precarização das relações de trabalho, com efeitos perversos para a previdência social e para
os sistemas de seguridade social de forma geral. Sob o ponto de vista da seguridade social,
este fenômeno implica em redução do número de contribuintes e, dependendo do desenho dos
programas, em uma pressão por aumento da cobertura dos benefícios.
Nos últimos 30 anos foi observada também uma radical mudança no papel da mulher
no mercado de trabalho. Mesmo levando-se em consideração as diferenças culturais e
socioeconômicas entre os países, a partir dos anos 1970, pode-se afirmar que a mulher
intensificou sua participação no mercado de trabalho; ao contrário dos homens que, por sua
vez, diminuíram sua participação. O aumento da participação feminina demanda a releitura da
estrutura de benefícios dos sistemas, voltados inicialmente para a família formada pelo
homem provedor e a mulher cuidadora.
No plano demográfico, o envelhecimento populacional é hoje uma tendência mundial
que atinge tanto os países desenvolvidos quanto os em desenvolvimento. De acordo com o
documento do Conselho Econômico e Social da ONU (2007) o envelhecimento é um reflexo
do processo de desenvolvimento humano, posto que é o resultado de uma menor mortalidade
(associada a uma redução da fecundidade) e um aumento da expectativa de vida. À medida
em que as taxas de mortalidade e fecundidade caem, a estrutura etária das populações é
alterada, com um gradual aumento das faixas etárias com idades mais avançadas. A queda da
taxa de fecundidade e o aumento da expectativa de vida são os fatores chave que impulsionam
a transição do regime demográfico ou, simplesmente, transição demográfica (ONU, 2007). A
40
transição demográfica consiste em um processo que pode ser decomposto em três estágios.
Em um primeiro momento a distribuição etária se rejuvenesce a medida que aumenta a
proporção de crianças como conseqüência da redução da mortalidade infantil. A segunda
etapa corresponde à redução da taxa de fecundidade, a proporção de crianças diminui
concomitantemente ao crescimento da população em idade ativa. A queda da mortalidade em
idades mais avançadas é um fenômeno mais recente, estando associado ao último estágio da
transição demográfica e ao envelhecimento mais acentuado da população (CHESNAIS 1992,
apud LOYD-SHERLOCK, 2004). De acordo com Kannisto (1994, apud JACOBZONE,
CAMBOIS E ROBINE, 2000), a taxa de mortalidade para os indivíduos com mais de 80 anos
de idade, nos países desenvolvidos, caiu, desde princípios dos anos sessenta, uma média de 1
a 2 % por ano para as mulheres e 0,5 a 1 % por ano para os homens. Esse processo também
começa a se intensificar em países em desenvolvimento como o Brasil.
Uma primeira conseqüência do processo de envelhecimento da população é a redução
do numero de pessoas em idade ativa, potencialmente geradoras de renda, em comparação
com o número de pessoas dependentes, incapazes de assegurar sua própria manutenção. Dessa
forma, para os sistemas de seguridade social, a mudança na estrutura etária, decorrente do
envelhecimento da população, apresenta implicações sobre a viabilidade intergeracional dos
atuais mecanismos existentes, essenciais para a manutenção do bem-estar tanto das gerações
mais velhas – atuais idosos -, quanto das gerações mais novas – futuros idosos.
O aumento da expectativa de vida, porém apresenta uma série de implicações também
para o convívio familiar e as relações inter e intrageracionais. Uma primeira decorrência é o
maior número de anos de vida compartilhados por pais, avós e netos (bisnetos) do que em
qualquer outro momento da história da humanidade. Ao mesmo tempo se observa uma
redução do número de filhos, o que torna as famílias contemporâneas mais estreitas ou
verticais (CAMARANO, PASINATO e LEMOS, 2007). Além disso, o aumento do número
de divórcios e recasamentos faz da arquitetura familiar atual um fenômeno mais complexo. Se
essas questões, em seu conjunto, por um lado podem restringir a amplitude da família para um
escopo domiciliar formado apenas pelo núcleo familiar de pais e filhos (POPENOE, 1993
apud BENGTSON; MARTIN, 2001), por outro, podem sugerir uma expansão do núcleo
familiar para além das fronteiras do núcleo familiar formado pelos casamentos. Nesse último
caso, a construção familiar atual incorpora as relações e os vínculos para além das fronteiras
domiciliares. Como ressaltado por Bengtson (apud BENGTSON; MARTIN, 2001), tanto a
modernização quanto o aumento da expectativa de vida não apenas permitiram um aumento
do individualismo e da valorização da vida independente, que resulta em maior número de
41
domicílios unipessoais, mas também uma nova estrutura familiar estendida, formada por três,
quatro e, algumas vezes até mesmo cinco gerações contemporâneas, não necessariamente co-
residentes.
Depreende-se dessa forma que as mudanças na distribuição etária da população, em
especial as relacionadas com o envelhecimento, implicam emexpressivas mudanças na vida
dos indivíduos, nas estruturas familiares e na própria sociedade, alterando também, a demanda
por políticas públicas e a pressão pela distribuição de recursos na sociedade. Os riscos sociais
são distribuídos desigualmente entre as várias fases ou etapas do curso da vida. Esse foi o
grande achado do estudo empreendido por Rowntrees (1901, apud ESPING-ANDERSEN,
1999). Na virada do século XIX para o século XX, Rowntree, observou a partir das
informações para a cidade de York que a pobreza estava relacionada com questões etárias e
de formação de família ao longo do ciclo de vida (KANGAS E PALME, 1998). A primeira
fase do ciclo marcada pela pobreza se dava na infância, quando os pais tinham que arcar com
as obrigações pela manutenção dos diversos filhos, dada a fecundidade bem mais elevada
então observada. Esta situação de pobreza se amenizava ao longo da juventude em virtude da
capacidade dos jovens por prover seu próprio sustento. Quando da formação de seu próprio
núcleo familiar, esses jovens que então entravam na maturidade incorriam em uma nova fase
marcada pela pobreza e pelo nascimento de seus próprios filhos. Quando estes filhos
logravam sua própria capacidade de auto-manutenção, voltava-se a experimentar uma fase de
redução da pobreza, que viria a ser interrompida pela perda da capacidade de trabalho e,
conseqüentemente de se auto-sustentar quando da idade avançada. Nessa última fase da vida
os idosos vulneráveis passavam a contar com a ajuda dos filhos para seu suporte econômico e
físico. Observou-se que a incidência de pobreza ao longo do ciclo de vida não apresenta uma
correspondência estrita com as necessidades e rendas auferidas a cada idade.
Não é surpreendente, dessa forma, que a tradicional cobertura dos sistemas de
seguridade social tenham historicamente se concentrado em dois períodos de inatividade do
ciclo de vida: infância (via benefícios familiares) e idade avançada (aposentadorias e
pensões). Para os liberais estes representam as necessidades merecidas. À medida que os
sistemas de seguridade social do pós-guerra se basearam na família estável ancorada no
homem provedor, todos os seus esforços foram feitos para a proteção de sua segurança no
emprego. De acordo com Pierson (2006), a antiga estrutura dos sistemas de seguridade social
pode ser caracterizada por pesadas transferências orientadas para a cobertura dos riscos de
perda da capacidade de gerar renda, decorrentes da idade avançada, desemprego, doença e
42
invalidez. O segurado típico desses sistemas pode ser representado pelo trabalhador, do sexo
masculino, da indústria, chefe e único responsável pelo sustento familiar.
As mudanças observadas tanto no âmbito familiar quanto no mercado de trabalho, ao
mesmo tempo em que criam novas oportunidades, criam novos riscos e demandas sociais.
Porém, ainda que seja evidente, concomitantemente a terciarização da economia, tanto as
novas demandas familiares quanto a necessidade de gerar empregos para toda a população,
implicam uma expressiva parcela de empregos de baixa qualificação na área social e de
serviços pessoais. Isso cria novas clivagens no mercado de trabalho e provavelmente uma
nova polarização deste: com trabalhadores altamente produtivos e bem preparados por um
lado, convivendo com uma ampla periferia de trabalhadores de baixa qualificação, mal
remunerados e parcamente protegidos pelos sistemas de seguridade social. Esse processo
expõe o atual desafio de gerar maior igualdade de oportunidades entre os indivíduos nas
sociedades, ao mesmo tempo em que desafia o Estado em sua a necessidade de redesenhar as
políticas sociais.
A nova estrutura demandada para os sistemas de seguridade social, por sua vez, pode
ser caracterizada pela prestação de importantes serviços, orientados para aumentar a
capacidade de geração de renda por parte dos indivíduos. Isso pode se dar tanto através de
programas que promovam educação e treinamento continuado (voltados para o mercado de
trabalho), quanto pela desfamiliarização dos serviços de cuidados que procurem facilitar a
combinação entre o trabalho assalariado e o cuidado familiar. Uma leitura simplista das novas
demandas impostas pela atual organização da produção e estruturação do mercado de trabalho
poderia gerar um mau entendimento de que com a promoção do avanço do sistema
educacional, a população conseguiria se adaptar plenamente às novas demandas do mercado
e, conseqüentemente, o problema social estaria resolvido. Porém como ressaltado por Esping-
Andersen(2007) isso significa uma enorme falácia. A nova realidade econômica e social, com
ênfase no capital humano, traz consigo novas iniqüidades relacionadas, especialmente, com o
crescimento do setor de serviços de baixa qualificação.
Não existe um segurado típico para o novo modelo de seguridade social que se
anuncia. Os indivíduos podem ser clientes dos sistemas de seguridade social em diferentes
estágios de seus ciclos de vida: quando crianças (através dos serviços de pré-escola), como
dependentes dos pais trabalhadores; quando adolescentes através dos programas voltados para
o treinamento e capacitação; quando adultos trabalhadores em programas de re-capacitação; e,
ou mesmo quando idosos com perda de autonomia, dependentes dos filhos em idade ativa
(PIERSON, 2006)
43
Da mesma forma, a nova estrutura familiar e as mudanças verificadas ao longo das
fases que compõe o curso da vida também desafiam o atual estado da arte das políticas
sociais. Se por um lado os divórcios, separações e o crescimento das famílias uniparentais
aumentam as probabilidades de que o indivíduos caiam na armadilha da pobreza, por outro
lado, as famílias com duplo provedor minam as bases do atendimendo às necessidades de
cuidados domésticos informais. Com as revoluções no âmbito familiar, especialmente
relacionadas com os novos papéis e performances das mulheres, emergem novos padrões para
o curso da vida, mais heterogêneos, imprevisíveis e complexos. Nas mudanças nos contratos
de gênero, especialmente as decorrentes dos novos padrões de participação no mercado de
trabalho, e na maior diversidade de arranjos familiares presentes na sociedade reside um dos
novos ricos sociais a serem incorporados pelos sistemas de seguridade social. Esse risco se
refere ao difícil equilíbrio entre o cuidado com os afazeres domésticos e o dinamismo
profissional, principalmente tendo-se em conta o aumento dos arranjos familiares
monoparentais e o aumento da demanda por cuidados de longa duração por parte dos idosos.
Via de regra, em qualquer sociedade, o acesso ao trabalho remunerado é a melhor
proteção contra todos os riscos sociais. Tipicamente, os sistemas de seguridade social, à
exceção dos classificados como Social-Democratas, foram construídos com base em uma
expectativa de que a prestação dos cuidados para com os entes vulneráveis da família fossem
assumidos de forma informal e gratuita pela mulher, sendo a entrada das mesmas no mercado
de trabalho entendida como residual e temporária. No entanto, o que se observou nos últimos
30 anos foi uma radical mudança no papel da mulher no mercado de trabalho, como
mencionado. É importante ressaltar que o aumento da participação das mulheres no mercado
de trabalho se deu inclusive entre as mulheres com filhos pequenos. De acordo com Pierson
(2006), em 2000, por exemplo, as taxas de participação das mulheres com filhos eram
superiores a 80% nos países escandinavos e, em geral, superiores a 60% nos demais países da
Europa. Isso parece sugerir um afastamento do antigo padrão no qual as mulheres se
ausentavam do mercado de trabalho por longos períodos, correspondentes ao período de
cuidados mais intensivos de seus filhos. Ao mesmo tempo, tem-se verificado uma postergação
da idade em que as mulheres se casam (quando se casam) e procriam o que tem levado a que
se observem, em todo o mundo, baixas taxas de fecundidade.
Esse crescente envolvimento da mulher com o trabalho assalariado constitui uma
característica contemporânea da divisão do mercado de trabalho. Crescentemente, uma única
fonte de renda familiar tem sido entendida como insuficiente para atender às necessidades
típicas de uma família. Ao mesmo tempo, porém, ainda é visível que uma parcela
44
desproporcional dos cuidados informais (tanto voltados para crianças quanto para idosos)
continua a ser provido pelas mulheres. Como ressaltado por Esping-Andersen (2007) as novas
formas assumidas pela estrutura familiar reforçam o trade-off existente entre o trabalho
assalariado e as atividades domésticas.
O desafio de reconciliar trabalho assalariado e trabalho doméstico é especialmente
aguda nas famílias monoparentais, principalmente entre os trabalhadores menos qualificados,
ou com restrições da capacidade de gerar renda (casos em que a provisão privada para os
cuidados familiares torna-se proibitiva). O número de domicílios formados por famílias
monoparentais aumentou constantemente nos últimos 20 anos. O número de crianças filhas de
mães solteiras cresceu acentuadamente e a correlação dessas famílias com a pobreza é muito
alta. Nos sistemas de seguridade social social-democratas a provisão dos serviços públicos e
universais de boa qualidade na área dos cuidados, no entanto, propiciou a ampla participação
da mulher no mercado de trabalho. Dados para a Dinamarca, por exemplo, apontam para uma
taxa de participação das mulheres no mercado de trabalho de 72% em 2005, ao mesmo tempo
em que mais de 80% das crianças com idade até nove anos desfrutam dos serviços de creches
(day care facilities).
O aumento da instabilidade familiar significa que os indivíduos estão cada vez mais
sujeitos a choques de bem-estar ao longo do ciclo de vida, o que pode ser minimizado através
da provisão de serviços de cuidados, especialmente para as famílias monoparentais. Os
divórcios, por exemplo, podem ser entendidos como uma das principais formas de perdas
inesperadas (não programáveis) de renda, especialmente para as mulheres. Para as mulheres
isso representa um potencial aumento da desproteção previdenciária (pois a separação implica
a perda da condição de dependente/beneficiário). Para os homens, por sua vez, esse fenômeno
pode representar um possível aumento da desproteção familiar para com os cuidados
domésticos e pessoais, principalmente nos casos de dissolução familiar, quando estes
alcancem idades mais avançadas, pois tradicionalmente o cuidado prestado pelos filhos é
direcionado prioritariamente para as mães idosas (GIERVELD e DYKSTRA, 2003; LLOYD-
SHERLOCK e LOCKE, 2008).
Nesse contexto o aumento do número de idosos acrescenta mais um desafio
relacionado com a questão dos cuidados familiares. A última fase da vida tem sido, em geral,
associada com o aparecimento de doenças crônicas, o que pode afetar a capacidade funcional
e instrumental dos idosos e, com isso reduzir sua capacidade de realização das atividades do
cotidiano. O aumento do número de idosos no total da população não representa um desafio
apenas para os sistemas previdenciários em função do aumento do dispêndio com benefícios,
45
representa um desafio também para o sistema de saúde e principalmente para a prestação dos
cuidados de enfermagem e para os cuidados de longa duração. No caso específico da questão
dos cuidados, à medida que a demanda tem crescido, com o aumento do envelhecimento do
próprio contingente idoso, a disponibilidade de cuidadores (geralmente mulheres de meia
idade) tem se reduzido, em função dos motivos acima mencionados. Os cuidados de longa
duração dos idosos são caros e tanto o Estado, quanto as famílias parecem ter dificuldades
para arcar com essa nova fonte de gastos. Por outro lado, a transposição da prestação dos
serviços para o setor privado não corresponde, necessariamente, a um crescimento da
demanda, pois problemas relacionados com a violência e o abuso dos idosos apontam para
importantes demandas por regulação desse novo mercado de serviços.
Esping-Andersen (1999) sintetiza a questão da seguinte forma: quanto mais os riscos
sociais são generalizados (para toda a população), mais fácil é que a família e o mercado
falhem, devido a sua incapacidade de absorver adequadamente esses riscos. Isso se deve ao
fato de a industrialização e a modernização das sociedades ter fragilizado o elo de
solidariedade entre gerações no interior da família e que o mercado apresente uma decantada
lista de falhas para a assunção dos riscos sociais, de forma geral (assimetria de informação,
externalidades, riscos morais, etc).
A experiência internacional parece sinalizar, como será analisado no próximo capítulo,
para uma mudança no paradigma de formulação das políticas sociais. Uma vez que os
tradicionais programas constantes dos sistemas de seguridade social conseguiram equacionar
a questão da manutenção da renda ao longo do ciclo de vida, as atuais demandas se voltam
para a prestação dos serviços de cuidados. Nesse sentido, o crescimento do emprego no setor
de serviços, principalmente dos serviços de baixa qualificação relacionados aos serviços
pessoais, ao mesmo tempo em que cria novos desafios no campo do mercado de trabalho,
pode ser entendido também como uma saída para os desafios colocados pelas mudanças na
estrutura familiar e as transformações observadas ao longo do ciclo-de-vida. Como salientado
por Esping-Andersen (2007, p. 442) no solution exists unless we realize that social protection
and service employment are directly linked. A essência do problema parece residir em que: se,
se optar por suprir as demandas por serviços pessoais através do Estado, possivelmente estas
serão acompanhadas por um aumento das necessidades de financiamento do Estado; ao passo
que, se, se optar por deixar ao sabor do mercado, o resultado possivelmente implicará maiores
desigualdades de salários e renda e o imperativo de promover maior flexibilidade das relações
trabalhistas.
46
Capítulo 2
OS CUIDADOS DE LONGA DURAÇÃO PARA IDOSOS:
DEFINIÇÃO, MODALIDADES E EXPERIÊNCIA INTERNACIONAL
O processo de envelhecimento populacional, como já mencionado no capítulo anterior,
é reconhecido como um dos maiores conquistas sociais da segunda metade do século XX.
Além disso, consiste, atualmente, em um fenômeno mundial inexorável, pelo menos no curto
e médio prazo, uma vez que os futuros idosos já nasceram. Sua importância reside em
entender as transformações na distribuição da população por grupos etários como um
determinante para a demanda por políticas públicas e serviços sociais. Como enfatizado pelos
Planos de Ação para o Envelhecimento da ONU, o envelhecimento populacional engendra o
desafio de assegurar que o processo de desenvolvimento econômico e social ocorra com base
em princípios capazes de garantir a dignidade humana e a equidade entre os grupos etários na
partilha dos recursos, direitos e responsabilidades sociais (ONU, 1982 e 2002).
O desenvolvimento dos sistemas de seguridade social levou a uma melhoria
considerável das condições de vida de expressivas parcelas da população. Essas melhorias das
condições de vida, em parte responsáveis pelo atual processo de envelhecimento
populacional, têm propiciado nas últimas décadas um expressivo aumento do contingente de
idosos muito idosos, entre os quais se observa uma maior prevalência de doenças crônico-
degenerativas, que podem ou não estar associadas com limitações ou dificuldades para a
realização das atividades do cotidiano. Observa-se, por exemplo, uma mudança no perfil
epidemiológico da população, especialmente entre o contingente idoso. Entre os idosos, o mal
de Alzeimer e as enfermidades demenciais estão se tornando cada vez mais prevalentes, ao
mesmo tempo em que um número cada vez maior de indivíduos está convivendo com as
conseqüências de doenças como a diabetes, hipertensão e doenças respiratórias (OMS, 2008).
De acordo com Jacobzone (1999), com base nos dados disponíveis para os países membros da
OCDE, os indivíduos vivem em média entre dois e quatro anos dependentes de cuidados mais
intensivos, no fim de suas vidas.
Com isso, todos os países, principalmente os países desenvolvidos, se defrontam
atualmente com a questão sobre qual a melhor forma de prover os cuidados de longa duração
demandados para os idosos com dificuldades ou limitações para a realização das atividades da
vida diária (AVD), pois estes idosos demandam tanto cuidados pessoais quanto cuidados
médicos propriamente ditos. A definição das capacidades individuais para a realização das
AVD, por sua vez, podem ser divididas entre os aspectos instrumentais e funcionais do
47
cotidiano. O apoio instrumental diz respeito às AVD, que envolvem: preparar refeições, fazer
compras, fazer tarefas domésticas leves, fazer tarefas domésticas pesadas, e cuidar do próprio
dinheiro. O apoio funcional representa a necessidade de auxílio para a realização das
atividades mais básicas do cotidiano, as quais incluem: tomar banho, vestir-se, comer, deitar,
sentar ou levantar, caminhar, sair de casa, e ir ao banheiro. A identificação de limitações para
a realização das atividades entendidas como instrumentais implica a necessidade do apoio de
terceiros para a manutenção de uma vida autônoma, as limitações funcionais representam a
perda concreta da independência desses idosos.
Como incorporar esse novo risco social - os cuidados de longa duração demandados
pelos idosos com perda de autonomia e independência - aos sistemas de seguridade social é a
principal questão a ser respondida atualmente pelos formuladores e gestores das políticas
sociais. Pode-se dizer que a preocupação com os cuidados de longa duração dos idosos nos
países desenvolvidos, onde o processo de envelhecimento populacional se encontra mais
avançado, surgiu como uma necessidade de se separar seus crescentes custos dos demais
gastos com saúde e assistência social. Em quase todos os países, os cuidados de longa duração
situam-se na interseção entre as políticas de saúde e assistenciais, pois apesar de
apresentarem algumas peculiaridades próprias a cada uma das áreas, são sutis as
diferenciações existentes entre curar e cuidar(OMS, 2008).
De forma geral, entre os países analisados foram observadas algumas características
comuns, que serão analisadas em maior profundidade, referentes a: busca pelo equilíbrio
“adequado” entre as responsabilidades públicas e privadas; o direcionamento dos programas
em favor das alternativas que mantenham o idoso em seus próprios lares e/ou comunidades
em detrimento a sua institucionalização (como forma tanto de reduzir os custos como de
assegurar o bem estar dos idosos); a necessidade do desenvolvimento de programas voltados
para os cuidadores informais dos idosos (geralmente familiares) e a descentralização
administrativa dos programas.
O presente capítulo apresenta-se subdividido em duas seções. A primeira corresponde
a definição e identificação das principais modalidades dos Cuidados de Longa Duração. A
segunda seção analisa o processo de envelhecimento populacional e o surgimento da demanda
por cuidados de longa duração no âmbito dos sistemas de seguridade social em três países
desenvolvidos. Os países analisados se encontram em uma fase bastante mais avançada do
processo de envelhecimento do que o Brasil e foram selecionados de forma a abarcar os
diferentes modelos teóricos de regimes de bem-estar analisados por Esping-Andersen (1990).
São eles: os Estados Unidos da América, representando o modelo Liberal, a Alemanha,
48
correspondendo ao modelo Conservador e a Dinamarca, exemplificando o modelo Social-
Democrata.
2.1 Conceito e Modalidades
A atividade de cuidar convencionalmente é entendida como um conjunto de atividades
e relações que envolvem a proteção e o apoio prestado aos enfermos, idosos, deficientes,
crianças e jovens dependentes, tendo surgido na literatura como um conceito relacionado
especificamente ao papel das mulheres na sociedade (DALY, 2001). Como visto no capítulo
anterior a mudança no papel da mulher na sociedade de forma geral e, mais especificamente,
no mercado de trabalho foi um fator fundamental para o posicionamento das questões
emergentes sobre o futuro dos cuidados para com os entes mais vulneráveis da família. Como
ressaltado por Esping-Andersen (2002), existem vários indícios de que estamos em meio a
uma revolução nos comportamentos familiares e demográficos, capitaneadas pela
independência feminina.
Com a entrada da mulher no mercado de trabalho em busca de sua independência
financeira e da realização plena da carreira profissional, o casamento deixou de fazer parte
simplesmente de uma decisão econômica e passou a, cada vez mais, fazer parte das opções
individuais. Isso modifica a estrutura domiciliar e familiar, fragilizando na maioria dos casos
a capacidade de atuação da família como cuidadora de seus entes mais vulneráveis crianças
e idosos. Nessas circunstâncias, as antigas formas de comportamento, as expectativas e
reciprocidades são alteradas no âmbito familiar. Tanto na Europa quanto na América do Norte
podem ser observados movimentos em direção ao aumento da individualismo e transferência
para a esfera pública da atividade do cuidar. Dessa forma, ao mesmo tempo em que se
observa um aumento das liberdades de escolhas individuais, crescem a insegurança e os riscos
associados a essas escolhas. Nesse contexto, como ressaltado por Standing (2001) é
necessário que se reflita melhor sobre as necessidades específicas dos diferentes tipos de
arranjos familiares e seus distintos tipos de relacionamento, tais como: os arranjos familiares
chefiados por mulheres, os relacionamentos homossexuais, os casais de idosos, entre outros.
A transferência da atividade de cuidar para a esfera pública contratual, no entanto,
coloca o que Lister (apud STANDING, 2001) chama de uma variação moderna do dilema de
Wollstonecraft
11
, pois se a mercantilização da atividade de cuidar apenas reforçar a divisão
sexual do trabalho: a medida em que as mulheres permanecem como as principais
responsáveis pelos cuidados, o resultado será a desigualdade. A questão fundamental reside,
11
O dilema de Wollstonecraft, termo cunhado por Pateman (1992) reside nas dificuldades existentes para conciliar o papel
social das mulheres como trabalhadoras e cuidadoras ao mesmo tempo (CIRIZA, 2006; p.86),.
49
dessa forma, nos desafios impostos pelo Dilema de Wollstonecraft à mercantilização dos
cuidados. Este reside na dificuldade de conciliação entre o desejo de mover a questão dos
cuidados para a esfera público-contratual e, ao mesmo tempo, tentar evitar as perspectivas de
que as mulheres continuem a desempenhar predominantemente atividades percebidas como
“menores”, ou menos reconhecidas e legitimadas na esfera pública.
Dessa forma, as transformações relacionadas com o envelhecimento populacional não
se resumem ao aumento do número (relativo ou absoluto) de idosos ou a mudança na
composição da população inativa, correspondente a uma redução da participação de crianças
concomitante ao aumento na participação dos idosos. O processo de envelhecimento
populacional coloca importantes desafios ao longo de todo o ciclo de vida dos indivíduos.
Como ressaltado por Standing (2001), o envelhecimento populacional tem afetado
principalmente a dinâmica familiar, uma vez que as mulheres têm sido capturadas por uma
“armadilha” de prestação de cuidados mais intensivos e subseqüentes; assim que as mulheres
“terminam” de cuidar de seus filhos dependentes passam a ser pressionadas para cuidarem de
seus pais com idades avançadas. Para algumas mulheres, inclusive, esse período se sobrepõe,
haja vista a postergação da idade em que as mesmas iniciam seu período reprodutivo.
Rosenthal (apud JENSON e JACOBZONE, 2000) aponta para o efeito “sanduíche” que
algumas mulheres vivem; imprensadas entre o trabalho assalariado e os cuidados familiares,
entre o cuidado com os filhos e o cuidado com os pais em idades avançadas.
Ainda que a primeira vista, esse processo possa ser entendido apenas como um
aumento das desigualdades presentes nos contratos de gênero, prevalecentes na maioria das
sociedades, o aumento das responsabilidades pelos cuidados familiares não devem ser
entendidas como a assunção de um “fardo” para as mulheres contemporâneas. O processo de
envelhecimento da população coloca a necessidade da livre escolha pelo tipo de provisão de
cuidados mais adequado para cada tipo de família (STANDING, 2001). Para isso, o
desenvolvimento de políticas na área da provisão de cuidados deve compreender os efeitos
complementares entre os pilares dos sistemas de seguridade social: famílias, mercado e
Estado. De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS, 2002) prover os cuidados
para todos, especialmente para os mais fracos e vulneráveis é uma obrigação ética
fundamental das sociedades, além de ser uma pré-condição essencial para que se possam
desenvolver alternativas justas, racionais, equânimes e transparentes sobre o futuro das
políticas de cuidados.
50
A incorporação da questão dos cuidados como um instrumento de política social se
deu com grande parte da literatura tendo sido endereçada a provisão de benefícios pecuniários
e serviços no contexto do desenvolvimento dos regimes de bem-estar ou sistemas de
seguridade social (DALY, 2001). Porém, quando os sistemas de seguridade social respondem
as demandas por cuidados presentes nas sociedades, estes alteram a divisão do trabalho, os
custos e responsabilidades entre o Estado, o mercado e as famílias. Como salientado por
Slater(apud PHILIPSON, 1998), por exemplo, até fins do século XIX, medidas voltadas para
a proteção dos idosos não se diferenciavam das voltadas para os doentes, todos entendidos
como incapacitados para o trabalho. A introdução dos vários sistemas e políticas de bem-estar
legitimou a idéia da idade avançada como um risco social a ser compartilhado por toda a
sociedade. Porém, à medida que esses sistemas buscaram atender as demandas dos idosos,
alteraram a própria dinâmica do avançar da idade nas sociedades contemporâneas e
contribuíram para o surgimento de novas demandas e vulnerabilidades por parte deste
segmento etário. A incorporação das questões relacionadas com a provisão dos cuidados de
longa duração na esfera dos sistemas de seguridade social pode ser entendida como uma
forma de trazer para a esfera pública uma questão anteriormente circunscrita ao ambiente
privado das relações familiares, permitindo a redefinição dos contratos de gênero e, ao mesmo
tempo, como uma forma de integrar as políticas voltadas para a geração de bem-estar social
constitutivas dos sistemas de seguridade social. Como enfatizado por Daly (2001), a questão
dos cuidados caracteriza-se por sua multidisciplinariedade intrínseca pois engloba várias áreas
das políticas sociais.
Cuidados de longa duração para idosos são geralmente definidos como uma variedade
dos serviços de saúde ou assistência social, prestados de forma continuada, voltados para
indivíduos que necessitam apoio em função de suas crescentes limitações físicas ou mentais.
A Organização para o Crescimento e Desenvolvimento Econômico (OCDE) define os
cuidados de longa duração como “uma área de política de corte transversal que reúne uma
gama de serviços voltados para indivíduos que dependem de ajuda para a realização das
atividades da vida diária (AVD) por longos períodos de tempo” e complementa: as demandas
por cuidados de longa duração são mais prevalentes no grupo etário conformado pelos muito
idosos (...) o qual apresenta maiores riscos de experimentar problemas crônicos de longa
duração que causem incapacidades físicas e mentais (OCDE, 2006). De forma semelhante,
porém mais ampla, para a OMS (2000) os cuidados de longa duração podem ser entendidos
como um conjunto de atividades empreendidas por cuidadores informais (família, amigos
51
e/ou vizinhos) e/ou formais (realizadas por profissionais das áreas de saúde e assistência
social) voltadas para a garantia de que indivíduos que não sejam mais plenamente capazes de
assegurar sua auto-suficiência possam tê-la assegurada segundo: os mais elevados níveis de
qualidade de vida possíveis; suas preferências individuais e mecanismos que promovam o
maior grau possível de independência, autonomia, participação social, realização pessoal, e
dignidade humana
12
.
Pode-se perceber, dessa forma, variações quanto à amplitude do cuidado, a
identificação das necessidades do demandante dos cuidados e das taxonomias disponíveis que
definem os cuidados de longa duração dos demais cuidados proporcionados aos indivíduos ao
longo do ciclo de vida. A delimitação das diferenças entre cuidados de saúde e cuidados
sociais é, no caso dos idosos com dificuldades para a realização das AVD, bastante sutil. O
mesmo pode ser dito sobre as diferenças na avaliação do “grau” de deficiência/dependência
dos demandantes dos cuidados e, conseqüentemente, sua cobertura. Medeiros e Diniz (2004),
por exemplo, ressaltam serem as deficiências uma construção social resultante da interação
entre características físicas dos indivíduos com as condições dadas pela sociedade em que
vivem. De acordo com os referidos autores não existe necessariamente uma relação direta
entre limitações físicas e deficiências. No caso dos idosos, especificamente, salientam que:
um ambiente hostil pode fazer com que a acumulação de limitações leves na
funcionalidade corporal torne-se a causa de grandes deficiências entre os idosos.
(...) muito da deficiência é resultado de um contexto social e econômico que se
reproduz no tempo, pois a deficiência no envelhecimento é, em parte, a expressão
de desigualdades surgidas no passado e que o mantidas.” (MEDEIROS E
DINIZ; 2004; p. 356)
Os diferentes níveis de organização e divisão da responsabilidade entre famílias,
Estado e Mercado, bem como os limites entre a componente saúde e a componente
assistencial do cuidado, conduzem a uma grande variação de modalidades de cuidados de
longa duração e de seus papéis dentro dos sistemas de proteção social. Em alguns países, os
cuidados de longa duração também são associados com a noção de integralidade do
atendimento, o que implica, por exemplo, a adoção de sistemas de saúde que atuem desde a
introdução de medidas preventivas, da promoção do envelhecimento ativo, até a prestação dos
cuidados médicos necessários, inclusive dos cuidados paliativos, voltados para o final da vida.
Além disso, não se pode isolar a questão do envelhecimento e dos cuidados de longa duração
das demais políticas sociais, tais como as políticas de combate a pobreza e exclusão social.
12
Esses aspectos correspondem aos princípios formulados no âmbito das Nações Unidas, pela Assembléia Geral
de 1991, em favor da população idosa.
52
Daly (2001) enfatiza ainda as dicotomias que as análises da questão dos cuidados
tendem a assumir, tais como: cuidados formais x cuidados informais, cuidados remunerados x
cuidados não remunerados, cuidados institucionais x cuidados domiciliares.
“The identity of the carer as well as the location and content of care vary,
depending on whether the focus is on care for children and that for adults. This and
other features of care have given rise to a tendency to treat the concept
dichotomously. For example, a differentiation is commonly made between care in
formal and informal settings, between care as provided in the market and the state
sector, and between paid and unpaid care.” (DALY, 2001; p. 35)
De forma geral podemos subdividir os cuidados de longa duração entre os cuidados
informais, prestados voluntariamente, normalmente por pessoas com relações próximas aos
beneficiários dos cuidados, e os cuidados formais prestados por indivíduos ou instituições,
caracterizados por contratos formais entre prestadores e beneficiários dos serviços. Apesar da
expressiva participação dos cuidados informais, estimados em mais de 80% dos cuidados
prestados à idosos com perda de capacidade funcional e/ou instrumental para a realização das
AVD, entre os países membros da OCDE (JACOBZONE et al., 2000), pretende-se aqui
focalizar as modalidades formais dos cuidados de longa duração. Isso se deve, entre outros
motivos, a premissa adotada no presente trabalho da existência de uma crescente escassez da
disponibilidade das famílias e, especialmente, das mulheres em prover os cuidados informais
de forma a garantir padrões de bem-estar adequados tanto aos idosos beneficiários dos
cuidados, quanto a si mesmas.
Assume-se que o risco da perda de autonomia e independência por parte dos idosos
muito idosos, afeta a qualidade de vida tanto dos próprios idosos, quanto dos cuidadores
(geralmente mulheres) e dos demais membros da família e da sociedade. A suposição de que
os cuidados são providos gratuitamente, de forma relativamente “invisível” para fora das
relações familiares, não mais parece ser uma alternativa viável para os formuladores e
gestores de políticas sociais em todo o mundo. Mesmo que os cuidados informais continuem a
preponderar nas mais diversas sociedades, é preciso reconhecê-los, no âmbito da estrutura
socioeconômica de reprodução das sociedades, como uma parcela importante dos mecanismos
de promoção do bem-estar nos diferentes regimes de bem-estar social.
Standing (2001), no entanto, ressalta que uma das óticas possíveis para o entendimento
da questão refere-se a percepção de que a prestação dos cuidados é uma doação, um carinho a
ser prestado a um indivíduo mais vulnerável e, portanto, incompatível com a adoção de
recompensas financeiras. Em se tratando de uma relação que não envolve trocas materiais,
apenas emocionais, tensões e comportamentos oportunistas tendem a não se manifestar. Essa,
porém, de acordo com o mesmo autor, é apenas uma das faces da questão, pois desconsidera
53
os problemas e vulnerabilidades que podem surgir do ponto de vista do prestador dos
cuidados. Estes podem e não raras às vezes são explorados e oprimidos (quer pelo
demandante do cuidado ou pelas circunstancias em que se a prestação dos cuidados). Nos
últimos anos muito se tem enfatizado a necessidade de desenvolvimento e promoção de
mecanismos formais de cuidados que permitam que os idosos possam permanecer em seus
próprios lares, evitando-se com isso a polarização entre os cuidados familiares informais e os
cuidados formais prestados em instituições próprias.
A alternativa aos cuidados informais, tradicionalmente prestados pela família, até a
segunda metade do século XX, consistia basicamente na institucionalização dos idosos em
Instituições de Longa Permanência, os tradicionalmente denominados asilos. Ao longo,
principalmente, do começo do século XX, apesar das expressivas diferenças culturais e
socioeconômicas envolvidas para sua assimilação pelas sociedades, verificou-se o aumento da
oferta e demanda por instituições voltadas para o cuidado integral, por longos períodos, para
contingentes da população em condição de maior dependência: crianças, idosos, deficientes
físicos e mentais (OMS, 2008). Porém, a partir da segunda metade do século XX, essa
tendência foi revertida, a partir das críticas feitas por profissionais das áreas de saúde e
assistência social e da população de forma geral em favor da desinstitucionalização desses
contingentes populacionais. Nas últimas décadas as pressões fiscais e orçamentárias nos
programas públicos voltados para o atendimento de idosos dependentes conduziram ao
desenvolvimento de novas modalidades de cuidados domiciliares formais . De acordo com
Marino et al. (apud JENSON e JACOBZONE, 2000) essas novas modalidades têm-se
demonstrado mais custo-eficaz do que a institucionalização, tanto em termos econômicos e
de qualidade, como no que se refere a preferência dos próprios idosos. Isso tem significado
uma crescente atuação conjunta entre as famílias, o mercado e o Estado na busca por novas
modalidades de cuidados. De acordo com Jenson e Jacobzone (2000):
The 1970s were marked by a movement among health professionals and other
experts critical of the institutionalisation of the frail elderly al well as other
dependent persons. They promoted community care, in the name of more suitable,
desirable and appropriate care arrangements. This perspective led, in some places,
to the invention of new housing arrangements and stock, for example, to provide
arrangements for assisted living. It also brought about the expansion of formal
home care services, ranging from medical services provided at home to help with
needs of daily living or housekeeping. Therefore, there had been a determination to
demonstrate that community care was more cost-effective than
institutionalization”.
(JENSON e JACOBZONE, 2000; p. 12)
Atualmente, a prestação dos cuidados envolve um gradiente de opções que varia desde
a doação e a caridade do prestador, passando pela prestação do cuidado como uma relação
54
onde prevalecem expectativas de reciprocidade, até transferência completa da relação para a
esfera contratual das relações civis. As modalidades de cuidados de longa duração podem ser
classificadas quanto ao grau demandado e tipo de serviços prestados. No que se refere aos
graus de cuidados demandados pelos idosos, estes variam desde os cuidados pessoais até os
cuidados profissionais de enfermagem. Os aqui denominados cuidados pessoais consistem em
assistir aos idosos com dificuldades para a realização das AVD. Os cuidados profissionais de
enfermagem são voltados para os idosos que requerem um acompanhamento médico
intensivo. Entre um extremo e o outro existem os cuidados intermediários, voltados para os
idosos que necessitam de tratamento de saúde profissional apenas ocasionalmente.
No que se refere aos tipos de serviços previstos para os cuidados de longa duração dos
idosos, podemos subdividi-los em três principais grupos de acordo com o local onde são
operacionalizados: 1) os cuidados institucionais, referentes à internação dos indivíduos em
Instituições de Longa Permanência para Idosos (ILPI); 2) os cuidados formais intermediários,
são referentes aos centros-dia e hospitais-dia; e 3) os cuidados domiciliares formais, isto é,
aqueles prestados por enfermeiros, cuidadores formais e/ou acompanhantes etc.
Os cuidados institucionais referem-se aos atendimentos prestados por ILPI. Considera-
se aconselhável, para que não ocorra o isolamento social do idoso, que sejam oferecidos
serviços de atenção biopsicossocial, em regime integral, priorizando o vínculo familiar e a
integração comunitária sempre que possível. Atendem desde os idosos sem dificuldades para
a realização das AVD até os idosos acamados demandantes de assistência médica mais
intensiva.
Os cuidados formais intermediários englobam uma variedade de serviços para o
atendimento das necessidades tanto dos próprios idosos quanto de suas famílias, tais como: a
residência em casa-lar, onde pequenos grupos de idosos convivem entre si e podem contar
com a comunidade para o auxílio da realização das atividades da rotina doméstica; centros-
dia, instituições capazes de atender os idosos em suas demandas na área de saúde, fisioterapia,
apoio psicológico, atividades ocupacionais, lazer e outros, durante o dia e que possibilitam
que os idosos retornem aos seus lares à noite, propiciando, com isso, a manutenção dos
vínculos familiares e sua socialização a custos financeiros mais baixos do que o atendimento
institucional; Centros ou Grupos de convivência, consistem em locais voltados para a
realização, por parte dos idosos, de atividades associativas, produtivas e de promoção da
sociabilidade, procurando contribuir para a autonomia, o envelhecimento ativo e saudável, a
prevenção do isolamento social e a geração de renda.
55
Cuidados domiciliares formais, por sua vez, consistem em uma imensa gama de
serviços prestados aos idosos de acordo com o grau demandado de cuidado. Idosos com
dificuldades instrumentais ou funcionais para a realização das AVD, podem contratar desde o
serviço de acompanhantes até profissionais da área de saúde, tais como enfermeiros e
fisioterapeutas. Também são considerados cuidados domiciliares formais, a contratação de
pessoal e equipamento necessário para o cuidado dos idosos acamados.
2.2 Os cuidados de longa Duração no Âmbito dos Sistemas de Seguridade
Social: Experiência Internacional
Nesta seção procurar-se-á analisar a questão dos cuidados de longa duração dos idosos
no que se refere a sua alocação frente à demanda potencial, organização dos serviços
prestados e a forma de inserção da política no âmbito dos sistemas de seguridade social. Para
tanto, serão analisados os casos de três países representantes dos três modelos idealizados por
Esping-Andersen, a saber: Estados Unidos, exemplificando regimes de bem-estar social de
cunho liberal; Alemanha, exemplificando as políticas adotadas em países com tradição
securitária com regimes de bem-estar social classificados como conservadores; e, Dinamarca
exemplificando as políticas adotadas em regimes de bem-estar social do tipo Social-
Democrata.
Enquanto a classificação dos regimes de bem-estar (sistemas de seguridade social) no
que tange aos programas já estabelecidos no contexto dos sistemas de seguridade social
parecerem funcionar bem; pouco pode ser dito em relação a prestação de serviços
relacionados a atividade de cuidar. Isso se deve a maior complexidade da área e a pouca
disponibilidade de informação sobre quem, como, quando, onde e quanto da demanda por
cuidados de longa duração é provida. Mesmo que se desconsidere a grande interrogação
presente na prestação de cuidados informais, a prestação dos cuidados formais tende a
apresentar uma miríade de nuances, uma vez que os mesmos funcionam, normalmente, de
forma descentralizada e envolvem uma imensa gama de modalidades alternativas de cuidados.
A adoção da tipologia aqui adotada, restringe-se dessa forma a sinalização de tendências na
articulação entre os principais pilares envolvidos na questão: famílias, Estado e mercado.
2.2.1 Estados Unidos: Modelo Liberal
Os Estados Unidos da América são uma república federalista e presidencialista
composta por cinqüenta estados e um Distrito Federal, conformando o terceiro maior país do
56
mundo em extensão territorial e população. Sua primeira e única constituição, datada de 1787,
estabelece a estrutura federativa do Estado, seus órgãos e competências, concedendo grande
autonomia aos entes federados. Atualmente sua população é estimada em 300 milhões de
habitantes, dos quais 13% têm 65 ou mais anos de idade e 3,5% tem 80 ou mais anos de
idade. A menor participação relativa dos idosos na população norte-americana, vis-à-vis os
demais países analisados, deve-se, sobretudo a taxas de fecundidade superiores, pois apesar
desta ter apresentado valores pouco inferiores à taxa de reposição da população no entorno da
década de 1980, reverteu à tendência declinante nos últimos anos e se mantém próxima a taxa
de reposição – 2,05 filhos por mulher em 2005
O caso do sistema norte-americano foi selecionado por exemplificar um sistema
liberal, com ampla participação do mercado. A forte presença da ideologia liberal nos Estados
Unidos pode ser entendida como um dos principais fatores para o sistema de seguridade social
capitaneado pelo Estado, da principal potência econômica do século XX, ter sido um dos
últimos a serem criados entre os países industrializados. Suas primeiras iniciativas são
posteriores a grande crise de 1929, quando a economia americana atravessou um longo
período de recessão. Dentro do regime político federativo, iniciativas pioneiras se deram de
forma isolada em alguns estados confederados, nas décadas de 1920 e 1930. No entanto, o
primeiro passo em direção a um sistema unificado foi dado apenas em 1934, com a instituição
de um Comitê (Comitee on Economic Security) com o objetivo de criar um plano de
seguridade social de abrangência nacional. Com a promulgação da Lei de Seguridade Social
(Social Security Act - SSA), em 1935, foram criados oficialmente os dois primeiros
programas do sistema de seguridade social norte americano: o seguro desemprego e a
aposentadoria por idade (Old Age Benefits - OA). Esses programas entraram em vigor em
Janeiro de 1937. Ao longo dos anos subseqüentes, o sistema foi gradualmente ampliado.
Inicialmente, o programa de aposentadoria por idade foi reformulado e sua cobertura
estendida aos dependentes em caso de morte do segurado – passando a denominar-se Old Age
and Survivors Insurance (OASI ). Em 1956 foi criada a aposentadoria por invalidez
Security Disability Insurance (DI) – endereçada aos segurados que por motivos de doença ou
invalidez perdessem sua capacidade de trabalho. Com isso, o sistema ou conjunto de
programas expandido passou a ser conhecido como OASDI, tendo incorporado, inclusive, os
trabalhadores rurais e autônomos (Social Security Adminitration - SSA, on line).
Para ter direito à aposentadoria por idade o trabalhador deve contar com 40 trimestres
de cobertura registrados. Existe ainda a aposentadoria antecipada aos 62 anos de idade, com
redução de 20% das prestações para aqueles que se aposentarem até 2022, e de 30% para os
57
que se aposentarem após essa data. Até 1983 a idade nima para a obtenção da
aposentadoria plena do OASDI era de 65 anos, mas em função da pressão demográfica, têm-
se tomado medidas (como a reforma de 1983) no sentido de aumentar a idade de
aposentadoria. De acordo com o atual estatuto, os segurados nascidos antes de 1938 (que
atingiram a idade de 65 anos antes de 2003) poderiam ainda se aposentar com rendimentos
totais àquela idade. Mas para os nascidos após 1938, a idade mínima para aposentadoria é
crescente, chegando até 67 anos para os nascidos após 1960. Atualmente a idade mínima para
o requerimento das aposentadorias é de 66 anos (SSA, on line).
No que concerne a assistência a saúde, foram criados em 1965 os programas
Medicare, voltado para a população idosa, portadora de deficiência e doentes renais terminais,
e o Medicaid, para a população pobre em condição de maior vulnerabilidade – idosos,
portadores de deficiência, mulheres grávidas e crianças dependentes. O Medicare consiste em
um programa de seguro de saúde composto, inicialmente, por duas partes: parte “A”, cuja
filiação é obrigatória, referente ao seguro de internação hospitalar Hospital Insurance (HI) –
e, parte “B” voltada para o pagamento de serviços médicos, cuidados ambulatoriais e outros
serviços não cobertos pela parte A - Supplemental Medical Insurance (SMI) de natureza
opcional. Atualmente o Medicare conta com outras duas partes. A parte “C” é composta por
programas diferenciados prestados por seguradores privados, enquanto a parte “D” é voltada
para a compra subsidiada de medicamentos Prescription Drug Plan acessível apenas para
segurados com renda limitada a 10 mil dólares(BATISTA ET AL., 2008).
Para o combate a pobreza, foi criado, em 1972, o Supplemental Security Income (SSI)
com o objetivo de assegurar a idosos e portadores de deficiência o acesso a transferências de
renda. Esse programa também atende a outros segmentos populacionais em condição de
pobreza. Dessa forma, na década de 1970 o sistema público de seguridade social norte-
americano atinge sua atual estrutura: aposentadorias por idade e invalidez e pensão por morte
– OASDI -; assistência médica para idosos – Medicare ; assistência médica de caráter
assistencial para os não segurados em condição de pobreza– Medicaid; e, uma renda
assistencial para idosos e portadores de deficiência – SSI.
Nos EUA é observada uma ampla participação do setor privado na provisão de
programas previdenciários e de assistência a saúde. No campo previdenciário, para os
trabalhadores com renda mais alta, a manutenção de um poder aquisitivo elevado após a
aposentadoria requer uma complementação dos benefícios pagos pelo OASDI. Para tanto,
coexistem no mercado inúmeras entidades fechadas e abertas. No campo dos serviços de
atenção a saúde, por sua vez, os seguros de saúde privados convivem com a provisão dos
58
serviços públicos de saúde para os grupos sociais mais vulneráveis, para os quais as falhas de
mercado são mais exacerbadas: quer por critérios de renda (Medicaid), para os indivíduos sem
capacidade contributiva, quer por critérios de idade (Medicare), como no caso da atenção aos
idosos e portadores de deficiência.
2.2.1.1 Aspectos Sócio-demográficos
Entre 1960 e 2000 a população norte-americana aumentou em aproximadamente 100
milhões de habitantes, tendo passado de 186 milhões de habitantes para aproximadamente 283
milhões de habitantes. Ao longo desses 40 anos, a população idosa, com 65 anos ou mais, por
sua vez, apresentou um crescimento ainda maior, tendo passado de 17 milhões para 37
milhões, ou seja, mais que duplicou. Esse aumento, no entanto, foi acompanhado pela
mudança na distribuição etária associada ao processo de transição demográfica
mencionado. Os gráficos 2.1 a 2.4 apresentam a distribuição etária da população norte-
americana em quatro momentos: 1960, 1980, 2000 e uma projeção da população para o ano
2020. Os gráficos permitem observar o aumento progressivo dos idosos (com 65 anos ou mais
de idade) e o impacto das coortes formadas pelos baby boomers, nascidos entre 1946 e
1964
13
. Ao redor do ano 2000, os Estados Unidos vivenciaram, provavelmente, o
envelhecimento de uma de suas menores coortes, fruto da baixa taxa de fecundidade
observada nos anos que se seguiram a Grande Depressão. Porém, espera-se, a partir do
começo da próxima década, um expressivo aumento do contingente idosos, com a entrada dos
baby boomers na idade avançada. Entre 2000 e 2020 é estimado o crescimento do contingente
com 65 anos ou mais de idade a taxas de 2,2% ao ano, o que corresponde a um aumento
superior a 50% no número desses idosos, perfazendo um total de 54 milhões de idosos em
2020.
13
Nesse período a taxa de fecundidade norte-americana variou entre 3,5 e 4 filhos por mulher (ONU, 2008).
59
Gráfico 2.1
Gráfico 2.2
Estrutura Etária - Estados Unidos - 1960
-6,0% -
4,0%
-2,0% 0,0% 2,0% 4,0%
6,0%
0-4
5-9
10-
14
15-
19
20-
24
25-
29
30-
34
35-
39
40-
44
45-
49
50-
54
55-
59
60-
64
65-
69
70-
74
75-
79
80+
Mulheres 1960
Homens 1960
Fonte: World Population Prospects: The 2008 Population Database Revision, UN (http://esa.un.org/unpp/p2k0data.asp)
Estrutura Etária - Estados Unidos - 1980
-
6,0%
-4,0% -
2,0%
0,0% 2,0% 4,0%
6,0%
0-4
5-9
10-14
15-19
20-24
25-29
30-34
35-39
40-44
45-49
50-54
55-59
60-64
65-69
70-74
75-79
80+
Mulheres 1980
Homens 1980
Fonte: World Population Prospects: The 2008 Population Database Revision, UN (http://esa.un.org/unpp/p2k0data.asp)
60
Gráfico 2.3
Gráfico 2.4
Estrutura Etária - Estados Unidos -
2000
-6,0% -
4,0%
-2,0% 0,0% 2,0% 4,0%
6,0%
0-4
5-9
10-
14
15-
19
20-
24
25-
29
30-
34
35-
39
40-
44
45-
49
50-
54
55-
59
60-
64
65-
69
70-
74
75-
79
80+
Mulheres 2000
Homens 2000
Fonte: World Population Prospects: The 2008 Population Database Revision, UN (http://esa.un.org/unpp/p2k0data.asp)
Estrutura Etária - Estados Unidos - 2020
-
6,0%
-
4,0%
-
2,0%
0,0% 2,0%
4,0%
6,0%
0-4
5-9
10-14
15-19
20-24
25-29
30-34
35-39
40-44
45-49
50-54
55-59
60-64
65-69
70-74
75-79
80+
Mulheres 2020
Homens 2020
Fonte:
World Population Prospects: The 2008 Population Database Revision, UN (http://esa.un.org/unpp/p2k0data.asp)
61
A expectativa de vida nos Estados unidos, por sua vez, apresentou aumentos
significativos nas últimas décadas (tabela 2.1), resultando no envelhecimento do próprio
contingente idoso. Entre 1960 e 2005, a expectativa de vida ao nascer das mulheres norte-
americanas aumentou 7,3 anos, enquanto a dos homens aumentou 8,6 anos. Esse aumento,
relacionado com a redução da mortalidade em todas as idades, também é observado nas
expectativas de sobrevida em idades mais avanças; se aos 65 anos uma mulher norte
americana pode, atualmente esperar viver por mais 20 anos, dos quais 60% em boas
condições de saúde; ao alcançar 85 anos esta contará, em média, com mais 7,2 anos de vida.
Tabela 2.1
Entre 1981 e 2004, de acordo com o Sistema Nacional de Estatísticas Vitais dos
Estados Unidos, o perfil da mortalidade da população idosa apresentou importantes
mudanças. Apesar das doenças do coração continuarem a representar a principal causa de
morte entre os idosos apresentaram uma redução de aproximadamente 44%, enquanto as
mortes por doenças respiratórias crônicas aumentaram sua incidência em mais de 50% e a
diabetes em 38%. Entre 1999 e 2004 o aumento da mortalidade entre idosos norte-americanos
em decorrência do mal de Alzeheimer foi de aproximadamente 32% (OLDER AMERICANS,
2008).
Na última década foi observado um aumento na proporção de idosos que reportam
sofrer de alguma doença crônica (ver tabela 2.2). A incidência de diabetes na população
idosa, por exemplo, aumentou 38,5% entre os períodos 1997/98 e 2005/06. Aumentos
expressivos também foram observados entre idosos com asma, câncer, hipertensão e derrame
cerebral. A porcentagem de idosos com diabetes é maior entre os homens (19,1%) do que
entre as mulheres (17,3%), por outro lado a hipertensão e a asma acometem mais as idosas do
que idosos. Sintomas de depressão clinicamente relevantes, em 2004, foram observados em
11% dos idosos e 17% das idosas. A depressão é uma doença cuja incidência tende a
aumentar com o avanço da idade. Enquanto apenas 10% dos idosos na faixa etária entre 65 e
74 anos apresentam sintomas depressivos, esse percentual aumenta para 19% entre os idosos
Mulheres Homens Mulheres Homens
1960
73,1 66,6 15,8 12,8
1970
74,7 67,1 17,0 13,1
1980
77,4 70,0 18,3 14,1
1990
78,8 71,8 18,9 15,1
2000
79,5 74,1 19,2 16,3
2005
80,4 75,2 20,0 17,2
Fonte: OCDE, 2008.
E
0
E
65
Expectativa de vida ao nascer (E
0
) e aos 65 anos (E
65
)
Estados Unidos -1960/2005
62
com 85 anos ou mais de idade; os percentuais correspondentes no caso das mulheres são
respectivamente16% e 19%.
Tabela 2.2
A convivência com doenças crônicas e degenerativas, como mencionado, pode ou
não resultar em dificuldades ou limitações para a realização das atividades cotidianas. O
gráfico 2.5 e a tabela 2.3, por sua vez, mostram uma redução na proporção dos idosos com
perda de autonomia e independência para lidar com as atividades do cotidiano. O gráfico 2.5
apresenta a população idosa com limitações para a realização das atividades da vida diária,
funcionais ou instrumentais
14
, em 1992 e 2005.
Gráfico 2.5
14
Foram consideradas atividades funcionais da vida diária: banhar-se, vestir-se, alimentar-se, sentar-se/levantar-se, caminhar
ou ir ao banheiro. Por atividades instrumentais foram entendidas as seguintes atividades: fazer compras, realizar serviços
domésticos leves ou pesados, preparar refeições, usar o telefone ou lidar com dinheiro.
Porcentagem da População idosa (65 ou +) que reportou sofrer das doenças crônicas selecionadas
Doenças
Cardíacas
Hipertensão
Derrame
Cerebral
Efisema Asma
Bronquite
Crônica
Cancer Diabetes Artrite
1997-1998 32,3 46,5 8,2 5,2 7,7 6,4 18,7 13,0
1999-2000 29,8 47,4 8,2 5,2 7,4 6,2 19,9 13,7
2201-2002 31,5 50,2 8,9 5,0 8,3 6,1 20,8 15,4
2003-2004 31,8 51,9 9,3 5,2 8,9 6,0 20,7 16,9 50,0
2005-2006 30,9 53,3 9,3 5,7 10,6 6,1 21,1 18,0 49,5
Fonte; Older Americans 2008, Key Indicators of Well Being
5,9
4,3
3,5
2,5
6,1
4,7
19,6
18,3
13,7
12,3
0
5
10
15
20
25
30
35
40
45
50
1992 2005
Apenas Instrumentais
1 ou 2 funcionais
3 ou 4 funcionais
5 ou 6 funcionais
Idoso dependente institucionalizado
Porcentagem dos Idosos vinculados ao Medicare/Medicaid com limitações para a
realização de Atividades da Vida Diária (AVD) por tipo e intensidade
Fonte: Medicare Current Beneficiary
63
Pode-se perceber que a proporção de idosos com limitações diminuiu no período
analisado. A tabela 2.3 apresenta informações sobre a capacidade dos idosos norte-americanos
em realizar algumas atividades específicas presentes no dia-a-dia por sexo em 1991 e 2005.
Como esperado, são as idosas que apresentam maiores dificuldades para a realização das
atividades; 56% das idosas com 85 anos ou mais encontram dificuldades em realizar pelo
menos uma das atividades enquanto a porcentagem comparável entre os homens é de 38%.
Tabela 2.3
Uma importante fonte de apoio para os idosos, como já mencionado, consiste na
família co-residente. Entre 1970 e 2007, a proporção de idosos, com idade compreendida
entre 65 e 74 anos, vivendo sozinhos passou de 11,3% para 16,7%; entre as idosas da mesma
faixa etária, no entanto, esse percentual observou um ligeiro decréscimo, tendo passado de
31,7% para 28%. Entres os idosos com 75 ou mais anos de idade, por outro lado, se pode
observar um aumento para ambos os sexos: a proporção de idosas vivendo sós passou de 37%
em 1970 para aproximadamente 50% em 2007, enquanto os percentuais comparáveis entre os
homens correspondem a 19% e 22%, respectivamente. O gráfico 2.6 apresenta os arranjos
domiciliares da população idosa norte-americana no ano 2007. Pode-se perceber que no caso
dos idosos do sexo masculino, são provavelmente suas cônjuges as principais provedoras do
apoio domiciliar, pois 73% dos mesmos vivem com suas esposas. O mesmo não pode ser dito
sobre as idosas, pois menos da metade destas contam com a presença de cônjuges co-
residentes. Isso se deve a maior probabilidade das idosas se tornarem viúvas (42% contra
menos de 13% dos idosos em 2007), pois sua expectativa de vida é superior a dos homens e
geralmente mulheres se casam com homens mais velhos.
1991 2005 1991 2005
inclinar-se / ajoelhar-se 7,8 9,9 15,2 18,1
alcançar objetos acima da cabeça 3,1 2,6 6,2 5,1
escrever 2,2 1,3 2,6 2,3
caminhar 2 ou 3 quarteirões 14,0 14,6 23,0 22,9
levantar 10 libras 9,1 7,7 18,3 15,5
Pelo menos 1 das atividades 18,9 19,0 32,1 31,9
65-74 13,5 21,7
75-84 22,1 34,3
85 + 38,3 55,9
Homens Mulheres
Porcentagem dos idosos vinculados ao Medicare/Medicaid que apresentam
dificuldades para a realização de algumas atividades físicas por atividade e sexo
Fonte: Medicare Current Beneficiary Survey (Centers for Medicare and Medicaid
Services)
64
Gráfico 2.6
As tendências de participação no mercado de trabalho assalariado norte-americano
sugerem uma disponibilidade familiar, em especial das mulheres, para com os cuidados dos
membros familiares mais frágeis, cada vez menor. Apesar da taxa de participação dos homens
com mais de 16 anos ter reduzido entre 1970 e 2007 (de 80% para 73%) a taxa de
participação total, considerando-se ambos os sexos apresenta contínuos aumentos. Isso reflete,
dessa forma, o aumento da participação da mão-de-obra feminina no mercado de trabalho. O
gráfico 2.7 apresenta a evolução da taxa de participação feminina no mercado de trabalho
entre 1960 e 2000 segundo o estado conjugal.
Arranjos Domiciliares da Idosa (65 ou +), não Institucionalizada por Sexo
Estados Unidos, 2007
72,8
42,2
5,4
17,2
2,8
2,0
19,0
38,6
0
10
20
30
40
50
60
70
80
90
100
Homens Mulheres
sozinhos
Com outros ñ parentes
Com outros parentes
Com conjuge
Fonte:US Census
65
Gráfico 2.7
O aumento da participação no mercado de trabalho das mulheres está relacionado
principalmente com as mudanças que ocorreram entre mulheres casadas. A taxa de
participação das mulheres casadas aumentou de 32% em 1960 para 62% em 2000, ou seja, a
participação das mulheres no mercado de trabalho praticamente dobrou. Mesmo entre as
idosas, o aumento na taxa de participação no mercado de trabalho foi de 43% entre 1960 e
2000. Essa “revolução” no comportamento das mulheres casadas nos Estados Unidos é
enfatizado pela redução observada entre as taxas de participação das idosas que não possuem
cônjuges (solteiras, viúvas, divorciadas, etc).
2.2.1.2 Políticas voltadas para os cuidados de longa duração dos idosos
Em 1965, ano em que foram criados o Medicare e o Medicaid, foi também aprovado
um ordenamento legal bastante avançado para a época: o Estatuto do Idoso Older
Americans Act (OAA). Seus objetivos, são abaixo transcritos:
The Congress hereby finds and declares that, in keeping with the traditional
American concept of the inherent dignity of the individual in our democratic
society, the older people of out Nation are entitled to, and it is the joint and several
duty and responsability of the fovernments of the United States and of the several
Taxa de Participação no Mercado de Trabalho das Mulheres Americanas (15 a 64 anos)
Estados Unidos - 1960-2000
0
10
20
30
40
50
60
70
80
total 65 + total 65 + total 65 +
Solteiras Casadas Outras
1960 1970 1980 1990 2000
Fonte:http://www.allcountries.org/uscensus/651_labor_force_participation_rates_by_marital.html
66
States and their political subdivisions to assist ou older pelople to secure equal
opportunity to the full and free enjoyment of the follwing objectives:
(1) An adequate income in retirement in accordance with the American standard of
living.
(2) The best possible physical and mental health witch science can make available
and without regard to economic status.
(3) Suitable housing, independently selected, designed and located with reference to
special needs and available at costs which older citizens can afford.
(4) Full restorative services for those who require institutional care.
(5) Opportunity for employment with no discriminatory personnel practices because
of age.
(6) Retirement in health, honor, dignity – after years of contribution to the economy.
(7) Pursuit of meaningful activity within the widest range of civic, cultural, and
recreational opportunities.
(8) Efficient community services which provide social assistance in a coordinated
manner and which are readily available when needed.
(9) Immediate benefit from proven research knowledge which can sustain and
improve health and happiness.
(10) Freedom, independence, and the free exercise of individual initiative in planning
and managing their own lives.(ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA, 1965)
Para a consecução de seus objetivos contava com a criação de uma instituição
especialmente voltada para a questão do envelhecimento Administration on Aging (AoA)
no âmbito federal do Departamento de Saúde e Serviços Sociais e, suas congêneres nos
estados e administrações locais. A estrutura organizacional proposta a partir do OAA e de
seus adendos, atuou como um mecanismo catalisador para o desenvolvimento e melhoria da
organização, coordenação e prestação dos serviços a população idosa demandante, sendo
considerada um marcador de divisas na atuação do Estado. As agências são responsáveis por
planejar, desenvolver e coordenar uma ampla gama de serviços. Atualmente a rede de
serviços voltados para os idosos no escopo dos serviços propostos pelo OAA compreende 56
agências estaduais, 655 agências regionais, 235 voltadas para o atendimento da população
idosa indígena, e mais de 30 mil agencias locais (O’SHAUGHNESSY, 2008).
A referida legislação, no entanto, não previa o atendimento de todas as necessidades
dos idosos em seu escopo, pois os recursos disponibilizados se pretendiam a alavancar outros
recursos tanto no âmbito do Estado (em todas as suas esferas e áreas de políticas) quanto da
sociedade civil. Apenas uma pequena proporção dos idosos recebe serviços diretamente
custeados a partir de recursos previstos pelo OAA. Além disso, apesar dos serviços previstos
pelo OAA serem voltados teoricamente para todos os idosos que os demandem, a lei
estabelece que esses serviços devam ser focalizados nos segmentos com maiores necessidades
econômicas (população abaixo da linha de pobreza) e sociais (relacionadas com questões
raciais ou maior dependência para a realização das AVD). As ações previstas englobam
quatro principais áreas programáticas, a saber (O’SHAUGHNESSY, 2008).
67
o Serviços de apoio voltados para a promoção e manutenção da independência dos idosos
em seus próprios lares e comunidades. Variam desde serviços de transporte e prestação de
informação sobre os direitos dos idosos até a provisão, marginal, de alguns serviços
voltados para os cuidados de longa duração dos idosos, tais como cuidados pessoais e
centros de convivência.
o Programas nutricionais voltados para o combate a forme e a insegurança alimentar entre
idosos. Contam com duas principais modalidades: congregate meals, voltado para idosos
com capacidade de mobilidade, através de associações civis (centros de convivência,
igrejas, etc) e o home-delivered meals, voltado para os idosos em condição de maior
vulnerabilidade com perda de autonomia e independência. Consomem aproximadamente
40% dos recursos do OAA.
o Programas voltados para os cuidadores familiares informais (National Family Caregiver
Support Program NFCSP) prove serviços de informação sobre os serviços
disponíveis, assistência aos cuidadores para obtenção dos serviços de apoio, organização
de grupos de apoio aos cuidadores, treinamento, serviços voltados para o descanso dos
cuidadores (respite services) e adaptação das residências as necessidades dos idosos. Sua
capacidade de atendimento é bastante limitada, correspondendo a aproximadamente 7,6%
do total de cuidadores de idosos. Uma pesquisa realizada com os beneficiários do
programa, em 2004, mostrou que os cuidadores atendidos, em sua maioria também se
encontram em situação de potencial vulnerabilidade, pois a maioria desses cuidadores
prestava os cuidados mais de três anos e 77% dos mesmos tinham 75 anos ou mais de
idade.
o programas de saúde preventivos envolvem uma infinita variedade de serviços que
englobam campanhas de vacinação, programas de condicionamento físico, medidas
voltadas para a informação sobre doenças crônicas e seu controle.
Os cuidados de longa duração voltados para a população idosa com limitações para a
realização das AVD que impliquem em perda de autonomia e independência são prestados no
âmbito das ações na área da saúde. No entanto, a ideologia liberal reinante no sistema de
proteção social norte-americano caracteriza-se pelo baixo provisionamento dos serviços
sociais públicos, inclusive no que se refere aos cuidados de longa duração dos idosos. Se, por
um lado, o Medicare não cobre os riscos de tratamentos domiciliares prolongados, pois as
opções disponíveis são bastante restritivas; por outro lado, o Medicaid, que atende aos idosos
de baixa renda, prevê o pagamento por alguns serviços domiciliares e a possibilidade de
institucionalização do idoso, sujeitos a testes de renda e em padrões de qualidade bastante
68
modestos. Isso sugeriria, especificamente no caso dos cuidados de longa duração, que grande
parte das demandas são providas pelo setor privado. Este realmente oferece uma infinita gama
de opções e modalidades, no entanto, a proteção preventiva da população norte-americana em
relação aos riscos de dependência na idade avançada ainda é pequena. De acordo com
Campbell e Morgan (2005) menos de 6% da população com mais de 45 anos está protegida
formalmente por contratos de seguro de longa duração firmados com seguradoras privadas.
Os cuidados de longa duração com cobertura prevista pelo Medicare referem-se aos
estritamente relacionados com as questões de saúde, tais como a assistência de enfermagem,
fisioterapia, terapia ocupacional necessários, normalmente, em períodos pós-operatórios e
tratamentos de saúde intensivos, cuja internação resulte desnecessária e o tratamento se dê por
um período máximo de 100 dias a partir de um período de internação mínimo de 3 dias. Em
alguns casos são previstos os serviços voltados para os cuidados pessoais dos idosos, mas
apenas quando sua prestação está associada a condição médica geradora. Isso decorre de seu
próprio perfil de construção, baseado em um arcabouço securitário. Como alguns casos
prevêem o co-pagamento pelos serviços, alguns idosos contratam os chamados medigaps, que
correspondem a seguros de saúde suplementares desenhados especificamente para a cobertura
do reembolso e suprimento das lacunas dos cuidados de saúde mais agudos. Sua utilização é
estritamente vinculada com a cobertura oferecida pelo medicare, uma vez que suas apólices
não cobrem serviços não previstos e autorizados pelo mesmo.
O Medicaid, por sua vez, em função de suas características assistenciais, funciona com
base em políticas e programas administrados de forma descentralizada, contando com
diretrizes gerais ditadas a nível federal. De acordo com O’Shaughnessy (2008), nas década de
1970 e 1980 ficou claro para as agencias estaduais (tanto no âmbito do Medicaid quanto da
AoA) que os serviços voltados para o cuidado continuado dos idosos vulneráveis, como
previsto pelo OAA praticamente não existiam e que os custos com a institucionalização dos
idosos era crescente. Além disso, datam dessa época as críticas à institucionalização dos
indivíduos dependentes, como mencionado na seção anterior. A convergência desses aspectos
resultou em uma maior atenção, por parte dos formuladores e gestores das políticas a
alternativas voltadas para os cuidados domiciliares de longa duração. Existem, atualmente,
três tipos de programas domiciliares voltadas para os cuidados de longa duração dos idosos
empreendidos dentre do escopo do medicaid, são eles: os programas de saúde; os programas
alternativos à institucionalização (waiver programes) e os programas de cuidados pessoais.
No caso dos programas de saúde, os estados são obrigados a prover serviços de saúde
domiciliares por curtos períodos, desde a década de 1970, para indivíduos com necessidades
69
que incluam desde serviços de enfermagem profissional, acompanhamento médico, até
suprimentos e equipamentos médicos específicos para o uso domiciliar. È necessário ressaltar
que esse tipo de serviço é disponibilizado apenas nos casos em que é requerida a presença de
profissional de enfermagem em tempo integral e dura, geralmente entre 4 e 6 semanas; em
uma tentativa de associação estrita com o tratamento específico dos indivíduos com
problemas de saúde.
Os programas alternativos a institucionalização, por sua vez, foram criados em 1981 e
possibilitam aos estados a isenção do cumprimento de algumas normas e requerimentos
próprios do Medicaid e criação de programas baseados em serviços comunitários. Nesses
programas, como os estados podem decidir quem e quantas pessoas serão atendidas desde que
o custo de cada indivíduo atendido seja inferior ao correspondente gasto em caso de
institucionalização, existe muita diversidade entre os serviços ofertados de acordo com a
administração local. De acordo com Doyle e Timonem (2007), houve uma expressiva
expansão desses programas nos últimos anos; enquanto no começo da década de 2000 apenas
6 estados desenvolviam programas do gênero, aproximadamente cinco anos depois, apenas o
estado de Washington D.C. não conta com o programa.
Os programas voltados para os cuidados pessoais empreendidos pelos estados contam
com o maior grau de flexibilidade administrativa entre as três modalidades de cuidados
domiciliares existente. Atualmente 32 estados contam com essa modalidade que foi criada
ainda em meados da década de 1970. Cada município oferece serviços voltados para os
cuidados de longa duração dos idosos norte-americanos que variam quanto à amplitude do
próprio serviço e a cobertura da população. Nesses programas, os órgãos públicos locais,
voltados para o atendimento dos idosos recebem fundos do governo federal, determinados
pelo OAA, como forma de assegurar a disponibilidade dos serviços comunitários para os
indivíduos com maiores carências socioeconômicas. Os serviços prestados incluem desde os
afazeres domésticos até a provisão de centros-dia, e serviços de transporte.
Apesar da existência de normas relativamente uniformes para o pagamento de
benefícios via medicare e medicaid, a operacionalização das políticas e programas voltados
para o cuidado de longa duração dos idosos diferem entre os vários estados federados (Doyle
e Timonem, 2007). Por lei, as três instâncias de poder público (federal, estadual e municipal)
são responsáveis por cuidar dos indivíduos portadores de deficiência e idosos de forma a lhes
assegurar sua auto-suficiência, sua independência e inclusão social. Nesse sentido a
interpretação vigente (a partir de uma decisão da Suprema Corte de 1999) de um dos marcos
legais do setor (o Americans with Disability Act) é de que os indivíduos não podem ser
70
discriminados em função de suas deficiências e que os mesmos devem ser cuidados
prioritariamente em suas comunidades em detrimento ao cuidado em instituições. Estima-se
em 6% a população idosa norte-americana institucionalizada (United Seniors Health Council,
2002). Em termos práticos isso representa um esforço político do governo central em direção
a desinstitucionalização das políticas e programas voltados para o cuidado de idosos e
portadores de deficiência em condição de dependência. No entanto, o poder discricionário dos
estados e administrações locais faz com que persistam várias disparidades no cuidado
prestado entre os estados e que, de forma geral, o gasto com institucionalização dos idosos
ainda predomine em relação aos gastos com os cuidados domiciliares (DOYLE e TIMONEM,
2007).
2.2.2 Alemanha: Modelo Conservador
A República Federal da Alemanha é um país localizado na Europa central, membro
fundador da União Européia. Com uma população de aproximadamente 83 milhões de
habitantes, a Alemanha é atualmente o país mais populoso da União Européia e um dos mais
envelhecidos, também. Sua população idosa corresponde a aproximadamente 16% do total da
população, o que equivale a um contingente de aproximadamente 13 milhões de idosos.
A unificação do Império Alemão (Segundo Reich) foi provavelmente uma das mais
tardias do continente europeu, tendo se efetivado em 1871, porém após a Segunda Guerra
Mundial, o Estado alemão foi novamente separado em República Democrática Alemã
(Alemanha Oriental regime comunista) e República Federal da Alemanha (Alemanha
Ocidental regime capitalista). A última reunificação alemã começou com a queda do Muro
de Berlim em 1989, símbolo máximo da separação dos regimes. Após a reunificação, o
Estado alemão passou a constituir uma república federal parlamentarista com 16 estados
federados.
Sistemas de Seguridade Social, como o vigente na Alemanha, enfatizam as
responsabilidades familiares, entendendo a atuação do Estado, ainda que forte, como
assessória ou subsidiária, prevista apenas nos casos de ausência da capacidade familiar. Isso
se deve, pelo menos em parte, a própria evolução histórica do sistema de seguridade social
alemão e, mais especificamente da Previdência Social. A Previdência Social constitui parte do
amplo sistema de Seguridade Social alemão e se caracteriza por ter sido a primeira iniciativa
institucional estatal em proteção ao trabalhador empreendida no mundo. As primeiras leis
datam da década de 1880, como mencionado no capítulo anterior, quando o Chanceler Otto
von Bismark introduziu o que, para a época, viria a ser um avançado estatuto social: Seguro
71
Saúde para os trabalhadores (1881); Seguro Acidentes do Trabalho(1884); Aposentadorias
por idade e invalidez (1889).
Após a segunda guerra mundial, o sistema foi substancialmente ampliado. Atualmente
vigora, na Alemanha, um sistema de seguridade social composto por cinco programas
principais, baseados no arcabouço securitário: previdência ou seguro social, seguro
desemprego, seguro-saúde, seguro para cuidados de longa duração e seguro acidentes do
trabalho. Todos os programas são co-financiados pelos trabalhadores e empregadores, sendo
a alíquota de contribuição idêntica para ambos em todos os programas, a exceção do seguro
acidentes do trabalho que é integralmente financiado pelos empregadores. Atualmente essas
alíquotas correspondem a: 19,5% sobre o salário de contribuição para a Previdência Social,
6,5% para o seguro desemprego, 13,7% para o seguro saúde e 1,7% para os cuidados de longa
duração.
A Previdência Social, carro-chefe do sistema de seguridade social, consiste em um
programa composto por três pilares. O primeiro pilar previdenciário é compulsório, estatal, e
funciona em regime de repartição com benefícios definidos e taxa de reposição dos benefícios
próxima a 50% do salário de contribuição. O segundo pilar diz respeito aos fundos de pensão.
O terceiro pilar pode ser entendido como um regime previdenciário voluntário e suplementar,
com diferentes alternativas de composição da poupança privada previdenciária. A previdência
social básica, ou primeiro pilar previdenciário, oferecida pelo Estado, é um dos sustentáculos
da política social na Alemanha; seus gastos representam mais de 10% do PIB, com uma
cobertura de aproximadamente 90% da população economicamente ativa. Apenas os
autônomos e os trabalhadores com renda inferior ao salário mínimo não são obrigados a
contribuir. Sua função é fazer com que os assalariados, após o afastamento da vida ativa, quer
seja por idade ou invalidez, estejam cobertos por um seguro que lhes assegure a manutenção
de um padrão de vida adequado.
No atual contexto econômico, no entanto, a Alemanha enfrenta os efeitos de um, ainda
recente, processo de reunificação e integração econômica entre “Alemanhas” e com a União
Européia
15
e das transformações na organização da produção e mercado de trabalho. Ambos
fenômenos tem levado ao aumento das taxas de desemprego, comprometendo a viabilidade
financeira do sistema previdenciário, baseado em um acordo intergeracional em que atuais
trabalhadores financiam atuais aposentados, em sucessivas gerações. A razão de contribuintes
15
De acordo com Ferrera (2005), apesar da percepção popular não corresponder necessariamente as evidências empíricas,
apresentam importantes correlações com a formulação das políticas. Dados apresentados pelo Eurobarometer (2005) mostram
a União Européia como uma instituição danosa tantos aos mercados de trabalho quanto aos sistemas de proteção social
locais. (FERRERA, 2005; p. 2)
72
por beneficiários ilustra o desequilíbrio do sistema, onde para cada beneficiário do sistema
existiam apenas 1,6 contribuintes em meados da década de 1990 (SCHMÄHL, 2003). Estima-
se que em 2030 essa relação seja de um contribuinte para cada beneficiário. Essa situação é
bastante agravada por três fatores:
As aposentadorias precoces. De acordo com Blondal e Scarpeta (1998, p.55), a idade
média de afastamento do mercado de trabalho entre os homens na Alemanha baixou de 65
anos em 1950 para aproximadamente 60 anos em 1995. Aposentadoria precoces e/ou
motivadas por doença e invalidez representam aproximadamente 2/3 dos motivos para o
afastamento da atividade produtiva entre os homens com idade entre 55 e 64 anos.
Maior período gasto com educação, o que retarda a entrada dos indivíduos no mercado de
trabalho; e,
relativamente baixa participação da força de trabalho feminina, apesar de seu crescimento
acelerado na última década. Ao longo da década de 1990, a taxa de participação feminina
no mercado de trabalho correspondeu a aproximadamente 60%. Em 2007, essa mesma
taxa alcançou 70,1% (EUROSTAT, on line).
O sistema de saúde alemão fazia parte, como já mencionado, de um pacote de
medidas que visava a promoção de um amplo sistema compulsório de seguridade social,
inicialmente estruturado tendo por objetivo a proteção dos trabalhadores da industria foi
paulatinamente incorporando as demais categorias profissionais ao longo do século XX
16
. Os
indivíduos com uma renda mensal inferior a determinado patamar (aproximadamente US$
4.000,00) são obrigados a participar em uma instituição pública ou seguro-saúde estatal. Para
os indivíduos com renda acima deste patamar existe a opção de filiação junto a uma
instituição privada.
Um dos fatores de crescentes preocupações por parte dos formuladores de políticas
públicas nas últimas décadas tem sido os crescentes gastos com saúde. Entre 1970 e 2000, os
gastos com saúde na Alemanha passaram de 6,4% para mais de 10% do Produto Nacional
Bruto. A prestação de serviços de saúde aos idosos talvez seja o item que inspire maiores
16
O sistema de saúde alemão foi estruturado com base na participação no mercado de trabalho, porém ao longo de sua
evolução foi incorporando os grupos sociais mais vulneráveis, que não trabalham. Nesse sentido o sistema faz um distinção
entre aqueles que nunca trabalharam e os desempregados que perderam o emprego. Para aqueles que já haviam trabalhado, a
contribuição passa a ser paga pela agência pagadora do benefício por desemprego. A cobertura dos serviços de saúde para os
que nunca trabalharam fica a cargo dos fundos sociais de responsabilidade das administrações locais. Na Alemanha Oriental,
vigorou um sistema de saúde universal que foi abandonado quando da reunificação em 1990. O sistema que vigorou na
Alemanha Oriental se diferenciava de outros vigentes em países de economia planificada, como a ex-União Soviética, na
medida em que permanecia baseado no seguro social, contando com duas principais instituições: uma voltada para os
trabalhadores empregados e outra para os trabalhadores por conta-própria.
73
preocupações entre os formuladores de políticas, dados os crescentes gastos com assistência
aos idosos como fração dos gastos com totais com saúde, aproximadamente 1/3 do total de
gastos com saúde.
2.2.2.1 Aspectos Sócio-demográficos
Como mencionado, um dos principais fenômenos para o entendimento do atual
processo de envelhecimento da população é o declínio da taxa de fecundidade. Atualmente a
taxa de fecundidade alemã é de aproximadamente 1,4 filhos por mulher, porém desde a
década de 1970 a taxa de fecundidade alemã encontra-se abaixo da taxa de reposição da
população, estimada em 2,1 filhos por mulher. A manutenção por longos períodos de tempo
de baixas taxas de fecundidade implica o decréscimo da população alemã na ausência de
políticas migratórias compensatórias a partir da próxima década (ONU, 2008). Além disso,
como mencionado, a associação entre baixas taxas de fecundidade e a redução das taxas de
mortalidade em todas as idades, resultado dos avanços médicos e tecnológicos que
possibilitaram importantes mudanças no perfil epidemiológico da população, resultam no
envelhecimento da população. Os gráficos numerados de 2.8 a 2.11 apresentam a distribuição
etária da população alemã entre 1960 e 2000 e as projeções para o ano 2020.
Gráfico 2.8
Estrutura Etária - Alemanha - 1960
-
5,0%
-4,0% -3,0% -
2,0%
-
1,0%
0,0%
1,0%
2,0% 3,0%
4,0%
5,0%
0-4
5-9
10-
14
15-
19
20-
24
25-
29
30-
34
35-
39
40-
44
45-
49
50-
54
55-
59
60-
64
65-
69
70-
74
75-
79
80+
Mulheres 1960
Homens 1960
Fonte: World Population Prospects: The 2008 Population Database Revision, UN (http://esa.un.org/unpp/p2k0data.asp)
74
Gráfico 2.9
Gráfico 2.10
Estrutura Etária - Alemanha - 1980
-5,0%
-4,0%
-3,0%
-2,0%
-1,0%
0,0%
1,0%
2,0%
3,0%
4,0%
5,0%
0-4
5-9
10-14
15-19
20-24
25-29
30-34
35-39
40-44
45-49
50-54
55-59
60-64
65-69
70-74
75-79
80+
Mulheres 1980
Homens 1980
Fonte: World Population Prospects: The 2008 Population Database Revision, UN (http://esa.un.org/unpp/p2k0data.asp)
Estrutura Etária - Alemanha -
2000
-5,
0%
-
4,0%
-3,0% -2,0% -
1,0%
0,0% 1,0% 2,0% 3,0%
4,0%
5,0%
0-4
5-9
10-14
15-19
20-24
25-29
30-34
35-39
40-44
45-49
50-54
55-59
60-64
65-69
70-74
75-79
80+
Mulheres 2000
Homens 2000
Fonte: World Population Prospects: The 2008 Pop
ulation Database Revision, UN (http://esa.un.org/unpp/p2k0data.asp)
75
Gráfico 2.11
Pode-se observar com clareza o impacto da manutenção das baixas taxas de
fecundidade na Alemanha para sua distribuição etária, através do estreitamento da base das
pirâmides, ou seja, com a entrada de coortes cada vez menores de crianças ao longo do
período analisado. Por outro lado, a população alemã com 65 anos ou mais de idade, que em
1960 correspondia a 11,5 % do total da população, equivalentes a aproximadamente 8,3
milhões de idosos, em 2000 passou a corresponder a 16% do total da população ou,
aproximadamente 13,4 milhões de idosos. As projeções populacionais na Alemanha estimam
um contingente de idosos em 2020 de 18 milhões de indivíduos, correspondente a 22,5% do
total da população alemã.
São, porém, entre os idosos com 80 anos ou mais de idade que se verificam os maiores
aumentos relativos, pois pelas projeções da população alemã para 2020, este será o maior
subgrupo etário entre as mulheres, correspondendo a 4,5% do total da população. A mudança
nos pesos relativos entre os grupos etários na Alemanha são ainda mais impressionantes
quando comparadas a proporção de idosos e crianças (até 14 anos de idade); se em 1960 a
proporção de crianças 21,4% - era aproximadamente o dobro da de idosos (11,7%), as
projeções para 2020 apontam para uma inversão dessa distribuição, com a proporção de
crianças reduzindo-se para aproximadamente 13% do total da população e a população de
idosos passando a constituir 22,5% desta. A manutenção por um longo período de tempo de
baixas taxas de fecundidade faz da coorte nascida na década de 1960, período associado ao
Estrutura Etária - Alemanha - 2020
-5,0% -4,0% -3,0% -
2,0%
-
1,0%
0,0% 1,0%
2,0%
3,0%
4,0% 5,0%
0-4
5-9
10-14
15-19
20-24
25-29
30-34
35-39
40-44
45-49
50-54
55-59
60-64
65-69
70-74
75-79
80+
Mulheres 2020
Homens 2020
Fonte: World Population Prospects: The 2008 Population Database Revision, UN (http://esa.un.org/unpp/p2k0data.asp)
76
baby boom do pós-guerra, a maior coorte do atual regime demográfico alemão, com a
população estimada entre 50 e 60 anos em 2020, correspondendo ao maior contingente
populacional em números absolutos (gráfico 2.12).
Gráfico 2.12
Fonte: World Population Prospects: The 2008 Population Database Revision, UN
Em termos de aumento da expectativa de vida, a Tabela 2.4 permite observar ganhos
superiores a 10 anos da expectativa de vida ao nascer, tanto no que se refere às mulheres
quanto aos homens, entre 1960 e 2005. Reduções da mortalidade em todos os grupos etários
também possibilitaram expressivos aumentos da expectativa de sobrevida aos 65 anos de
idade; entre as mulheres esta passou de 14 anos em 1960 para 20 anos em 2005, enquanto
entre os homens o aumento observado foi um pouco menor, tendo passado de 12 anos em
1960 para aproximadamente 17 anos em 2005. Dos anos de sobrevida da população alemã
com 65 anos ou mais de idade tem-se que, no ano 2000, aproximadamente metade dos
mesmos eram em gozo de boa saúde no caso das mulheres e 2/3 no caso dos homens.
Tabela 2.4
DISTRIBUIÇÃO DA POPULAÇÃO ALEMÃ POR GRUPO ETÁRIO
Em mil habitantes
-
1.000
2.000
3.000
4.000
5.000
6.000
7.000
8.000
0-4 5-9 10-14 15-19 20-24 25-29 30-34 35-39 40-44 45-49 50-54 55-59 60-64 65-69 70-74 75-79 80+
1980 2000 2020
Mulheres Homens Mulheres Homens
1960
71,7 66,5 14,2 12,2
1970
73,6 67,5 14,9 11,9
1980
76,2 69,6 16,3 12,8
1990
78,5 72,0 17,7 14,0
2000
81,2 75,1 19,6 15,8
2005
82,0 76,7 20,1 16,9
Fonte: OCDE, 2008.
Expectativa de vida ao nascer (E
0
) e aos 65 anos (E
65
)
Alemanha -1960/2005
E
0
E
65
77
Dados sobre a percepção de sua própria saúde na Alemanha são apresentados no
Gráfico 2.13. Com o avanço da idade a proporção de indivíduos na Alemanha que declara
gozar de boas ou muito boas condições de saúde declina. É interessante observar que não são
observadas diferenças entre os sexos nos grupos etários mais jovens ou correspondentes as
idades mais avançadas, no entanto, entre 25 e 74 anos, as mulheres informam gozar de
condições de saúde inferiores as dos homens.
Gráfico 2.13
Essa autopercepção da própria saúde mais débil entre as mulheres é acentuada com
informações sobre a existência de dificuldades ou não para a realização de algumas AVD. A
Tabela 2.5 mostra que aproximadamente 2/3 das idosas alemãs, com 75 anos ou mais de
idade, tem dificuldades para caminhar 1 milha ou levantar/carregar objetos leves, o que
significa dizer que estas idosas provavelmente demandaram o auxílio de outras pessoas para
lidar com as atividades instrumentais da vida contidiana. A tabela 2.5 mostra ainda que 1/3
das idosas nessa mesma faixa etária não conseguem tomar banho sozinhas, ou seja, perderam
sua autonomia em relação as atividades funcionais e demandarão maior apoio para a
manutenção de suas condições de vida com dignidade.
-
10
20
30
40
50
60
70
80
90
100
15-24 25-34 35-44 45-54 55-64 65-74 75+
Mulheres Homens
Porcentagem da População com Autopercepção de sua saúde como Boa ou Muito Boa
Alemanha, 1998
78
Tabela 2.5
Como já mencionado uma das principais fontes de apoio para a população idosa,
independentemente da cultura ou regime de seguridade social vigente no país, refere-se ao
arranjo domiciliar dos indivíduos. Na Alemanha, bem como na grande maioria dos países
desenvolvidos,a proporção de idosos com 65 anos ou mais de idade, vivendo sós, cresceu
muito na segunda metade do século XX. Entre 1960 e 1990, esse percentual passou de
aproximadamente 25% para 41%. A distribuição entre os subgrupos etários dos próprios
idosos permite observar que com o avanço da idade a proporção de domicílios unipessoais
também aumenta na Alemanha: entre os idosos com idade compreendida entre 65 e 74, em
1995, a proporção dos que vivem sós equivale a aproximadamente 30%; entre os indivíduos
com 80 anos ou mais, essa mesma proporção aumenta para 52% (DOYLE e TIMONEM,
2007; p. 15)
Na Alemanha o papel desempenhado pela família é essencial na divisão das
responsabilidades entre o Estado, mercado e famílias para a geração do bem-estar social dos
idosos dependentes. De acordo com Dallinger (2002) aproximadamente 70% dos alemães que
dependem de cuidados na vida cotidiana residem em domicílios privados e em 80% dos casos
é a família a principal provedora dos cuidados necessários. Além disso, segundo a mesma
autora, parece existir uma hierarquia dos cuidados ao longo do ciclo de vida, pois enquanto
mais de 60% dos idosos demandantes de cuidados na faixa etária compreendida entre 65 e 79
anos são cuidados por seus cônjuges (39 % esposas e 22% maridos), essa porcentagem
decresce para aproximadamente 17% para os idosos com 80 ou mais anos de idade. Entre os
idosos com 80 anos ou mais são as filhas e noras as suas principais cuidadoras (44% dos
cuidadores são filhas e 17% são noras). O aumento da participação das mulheres alemãs no
mercado de trabalho, no entanto, parece sugerir a possibilidade de reduções na capacidade da
Mulheres Homens Mulheres Homens Mulheres Homens
15-24 7,6 5,3 1,7 2,4 6,7 3,9
25-34 7,1 4,4 3,5 1,6 1,8 3,5
35-44 13,3 7,2 5,3 3,9 18,4 6,8
45-54 20,0 13,0 9,8 8,3 30,5 12,7
55-64 30,4 23,5 16,3 13,7 44,8 21,0
65-74 42,7 35,1 21,6 19,7 48,3 28,8
75+ 63,6 55,7 32,5 22,8 65,2 40,6
Fonte:European Community Household Panel, 1998
Alemanha, 1998
Proporção da População (em %)com Dificuldades para a Realização de Algumas Atividades da Vida Diária
por Sexo e Idade
caminhar 1600 metros Tomar Banho
Levantar ou carregar objetos
leves
79
família em cuidar de seus idosos dependentes. Nos últimos 15 anos a taxa de participação no
mercado de trabalho das mulheres na Alemanha unificada aumentou aproximadamente 10
pontos percentuais (gráfico 2.14).
Gráfico 2.14
O aumento da participação feminina no mercado de trabalho, no entanto, não foi
uniforme entre as faixas etárias, tendo sido observado um decréscimo entre as mulheres mais
jovens e aumentos mais expressivos entre as mulheres com idade compreendida entre 55 e 64
anos. Atualmente, a taxa de participação das mulheres com idade entre 25 e 54 anos é apenas
10 pontos percentuais inferior a taxa de participação no mercado de trabalho dos homens
nessa mesma faixa etária.
2.2.2.2 Políticas voltadas para o cuidado de longa duração dos idosos
Políticas voltadas para os cuidados de longa duração na Alemanha, até a década de
1990, eram executadas de forma pouco articulada através das áreas de saúde e assistência
social. À assistência social cabia o amparo aos idosos em condição de maior vulnerabilidade,
que não possuíssem condições de viver de forma autônoma e independente em seus próprios
lares e não contassem com a possiblidade de cuidados familiares. Os serviços de saúde, por
TAXA DE PARTICIPAÇÃO FEMININA NO MERCADO DE TRABALHO POR FAIXA ETÁRIA
- Alemanha 1992/2007
0
10
20
30
40
50
60
70
80
90
15-64 15-24 25-54 55-64
1992 2000 2007
Fonte: Eurostat, 2008.
80
sua vez, responsabilizavam-se estritamente pelos cuidados de saúde, excluindo-se com isso os
casos de dependência funcional. De acordo com o direito social alemão, indivíduos doentes
são passíveis de tratamento e recuperação, enquanto a condição de dependência dos
indivíduos é irreversível, não contando com a possibilidade de cura.
Apenas em 1988, com a aprovação de um ajuste a lei de atenção à saúde, foram
incorporadas ao sistema de seguridade social alemão as primeiras disposições com o objetivo
explicito de abarcar os riscos de dependência associados aos cuidados de longa duração. A
referida lei outorgou a um pequeno número de segurados dos planos de saúde o direito aos
cuidados de longa duração em casos de dependência grave, porém compatível com a
prestação dos cuidados em bases domiciliares. A aprovação da medida se deveu a disputa
jurídica empreendida pelos prestadores de assistência à saúde sobre a necessidade de distinção
entre doença e dependência, pois os mesmos se recusavam a arcar com os custos relativos aos
cuidados de longa duração. Com o aumento do número de idosos, em especial dos muito
idosos (com mais de 80 anos de idade) com problemas crônicos de saúde se tornou difícil a
dissociação entre doença e dependência. De acordo com Schneider (1999) as dificuldades
para o estabelecimento das competências entre o que se refere a gastos com saúde e gastos
com cuidados de longa duração constituíram um dos principais desafios a criação do Seguro
voltado para os Cuidados de Longa Duração (SCLD) na Alemanha.
Com essa perspectiva, em 1994, foram excluídos do sistema de saúde os gastos com o
tratamento de longa duração dos idosos, com a concomitante incorporação ao sistema do
quinto pilar ao sistema de seguridade social alemão, um seguro voltado exclusivamente para
os cuidados de longa duração (Pflegeversiherung - SCLD). Até a adoção do seguro de
cuidados de longa duração, o cuidado dispensado aos idosos dependentes era prestado
principalmente pela família, através da prestação direta de serviços não remunerados ou
contratação via mercado dos mesmos. Na ausência de disponibilidade familiar financeira,
física ou emocional, os demandantes de cuidados eram assistidos por programas
empreendidos pelas administrações locais, sujeito a testes de pobreza (carência de renda).
Schneider (1999) ressalta a importância do princípio da subsidiariedade da atuação
estatal, baseado na ética católica romana incorporada ao direito social alemão. De acordo com
esse princípio o bem estar de uma pessoa é prioritariamente de sua própria responsabilidade,
na sua ausência passa a ser de responsabilidade da família, do apoio comunitário para, apenas
em última instância, tornar-se uma questão a ser enfrentada pelo poder público. Em finais da
década de 1980 praticamente a totalidade dos idosos asilados eram beneficiários dos
programas assistenciais locais (CUELLAR e WIENER, 2000). Pode-se dizer, que na
81
Alemanha, tradicionalmente a questão dos cuidados esteve associada a clivagens
socioeconômicas: por um lado os mais pobres, quando necessário e no limite da capacidade
familiar, podiam contar com limitados serviços de institucionalização; por outro lado, os
idosos com melhores condições socioeconômicas podiam contratar cuidadores profissionais e,
com isso, evitar a institucionalização. Dalinger (2002) apresenta dados segundo os quais
enquanto aproximadamente 10% dos idosos com mais de 75 anos pertencentes às classes
sociais baixas e médias de renda utilizam cuidados institucionais, essa fração não alcança
0,2% dos idosos pertencentes a classe alta.
A introdução do SCLD em 1994 sucedeu a uma década de atuação pífia do setor
privado na provisão de seguros voltados para os cuidados de longa duração. Schneider (1999)
ressalta que entre o início da década de 1980, quando foram oferecidos pelo mercado os
primeiros seguros voltados para a cobertura do risco de dependência e 1994 quando da
introdução do seguro compulsório estatal, apenas 315 mil pessoas adquiriram os referidos
seguros. Para se ter uma noção da baixa capacidade de penetração do novo produto basta
compará-lo com o número de potenciais clientes em meados da década de 1990 22,6
milhões de indivíduos com mais de 55 anos; o que, em parte, justifica a compulsoriedade do
novo seguro (SCLD). A adoção de um seguro compulsório público voltado para os cuidados
de longa duração na Alemanha está associada ao entendimento da existência de algumas
falhas de mercado. Pelo lado das seguradoras têm-se questões como as incertezas
demográficas (por exemplo, avanços na área médica e tecnológica que possibilitem
expressivos aumentos da expectativa de vida), a assimetria de informação (os indivíduos
podem omitir informações sobre problemas de saúde pregressos) e os problemas decorrentes
da seleção adversa (provavelmente os indivíduos com maiores riscos serão os principais
demandantes). Pelo lado dos indivíduos as resistências por adquirir um seguro que os proteja
contra os riscos da dependência pode estar correlacionada com: a imprudência associada ao
desconhecimento de seus reais riscos; a preferência pelo consumo presente em detrimento ao
consumo futuro; a opção implícita pela assistência familiar prestada informalmente; um
trade-off entre o custo benefício das apólices oferecidas, pois apólices com preços mais
modestos podem implicar em cestas de benefícios pouco atrativas ao mesmo tempo em que
cestas de benefícios amplas podem significar o pagamento de apólices extremamente caras; a
insuficiência de renda para arcar com os custos deste seguro por grande parte dos potenciais
demandantes e, por fim, a garantia de que em último caso serão amparados pelas políticas
assistenciais.
82
O SCLD implementado em 1994 prove uma ampla gama de serviços voltados para os
cuidados de longa duração para toda a população alemã, independentemente da idade. No
entanto, em 2003, passados 10 anos de sua implementação, a clientela atendida era constituída
prioritariamente por idosos com idade mais avançada; 78% do total de beneficiários tinham
65 anos ou mais de idade, sendo que aproximadamente a metade destes tinham 80 anos ou
mais. O programa é co-financiado, como já mencionado, a exemplo dos demais programas
constantes, pelos empregados e empregadores através de uma alíquota de 1,7% sobre os
salários. No entanto, uma especificidade do novo seguro refere-se a compensação das
potenciais perdas incorridas pelos empregadores através do cancelamento de um feriado
nacional.
A aprovação do novo programa estendeu os serviços voltados para os cuidados de
longa duração a todos aqueles que necessitem de alguma assistência para a execução das
AVDs
17
, por no mínimo seis meses, em razão de uma incapacidade ou de doenças físicas ou
mentais. A avaliação das condições dos demandantes e extensão das necessidades de
tratamento é de responsabilidade dos seguros-saúde aos quais os indivíduos estão vinculados.
São previstas três modalidades de serviços a serem prestados em função do nível de
incapacidade dos demandantes. Estes obedecem a seguinte classificação segundo o grau de
dificuldade para a realização das atividades cotidianas:
baixo – correspondente aos indivíduos que apresentam duas ou mais limitações funcionais
para a execução das AVD requerendo assistência dos cuidadores pelo menos uma vez ao
dia e também demandam ajuda para a execução das atividades instrumentais (AIVD);
médio – corresponde aos indivíduos que apresentam duas ou mais limitações para a
execução das AVD e demandam assistência pelo menos 3 vezes ao dia, além de ajuda
para a execução das AIVD;
Alto - corresponde aos indivíduos que apresentam duas ou mais limitações para a
execução das AVD e demandam cuidados intensivos dia e noite.
A adoção de critérios de elegibilidade para os benefícios vinculados à intensidade com
que os indivíduos demandam apoio para a realização das atividades cotidianas pode ser
entendida como míope, pois ignora as potencialidades de ações preventivas que poderiam
estabilizar quadros de perdas progressivas da capacidade funcional dos indivíduos, geralmente
associados a problemas cognitivos e enfermidades demenciais. Como salientado por
Schneider (1999), os limites e restrições ao apoio quando do início das disfuncionalidades
17
Aproximadamente 90% da população alemã é coberta pelo SCLD, o restante da população refere-se a funcionários
públicos e profissionais liberais cobertos por seguros privados.
83
pode implicar institucionalizações súbitas e prematuras, com elevados custos sociais e
individuais. Em 2001, mudanças na legislação possibilitaram o recebimento de novos
benefícios para indivíduos com problemas cognitivos, no entanto o montante dos benefícios
ainda é bastante baixo, considerando-se, inclusive, a necessidade de monitoramento constante
desses indivíduos.
Os cuidados podem ser prestados nos próprios domicílios dos indivíduos dependentes
ou em instituições de longa permanência. Quando o apoio é prestado domiciliarmente os
indivíduos podem optar por benefícios em dinheiro ou serviços, também sendo possível a
combinação de ambos; no caso de idosos institucionalizados a opção pelo recebimento de
benefícios em dinheiro não existe. O valor dos benefícios depende do grau dificuldade para a
realização das atividades do cotidiano, sendo os benefícios em dinheiro sempre
correspondentes a valores inferiores ao serviço equivalente (aproximadamente a metade). O
apoio para a realização das atividades instrumentais (AIVD) são prestados apenas quando
associados aos cuidados para a realização das atividades funcionais (vestir-se, banhar-se,
alimentar-se, etc). Também se percebe na Alemanha a preocupação com os prestadores de
cuidados. Estes contam com o reconhecimento, por parte do Estado, da prestação dos
cuidados para fins previdenciários. As contribuições previdenciárias são previstas para os
cuidadores que dedicam mais de 14 horas semanais a cuidados de longa duração de idosos e
que trabalham menos de 30 horas por semana. Além disso, os cuidadores contam com a
possibilidade de gozar um período de descanso de quatro semanas por ano, sendo então
rendidos por cuidadores formais.
A preferência pelo recebimento de benefícios em dinheiro no imediato pós-
implementação do SCLD corrobora a tradição alemã de prestação dos cuidados por parte da
família, porém também parece ser influenciada pelo grau de dependência do demandante de
cuidados. De acordo com Cuellar e Wiener (2000), enquanto a proporção de indivíduos que
recebem benefícios em dinheiro corresponde a aproximadamente 80% entre os que gozam de
baixos graus de dependência, essa porcentagem cai em 20 pontos percentuais entre os
indivíduos com dependência severa. Esse cenário, no entanto, tende a mudar. De acordo com
Doyle e Timonem (2007) se pode observar uma tendência de aumento na demanda por
benefícios em serviços. Essa tendência esta associada com o envelhecimento expressivo do
próprio contingente idoso sinalizando para o crescimento potencial do contingente de idosos
com níveis mais graves de dependência e deficiências cognitivas.
De acordo com a legislação é necessário que os cuidadores, mesmo os cuidadores
domiciliares sem formação na área de saúde, tenham suas tarefas supervisionadas por
84
enfermeiras formadas. Isso representou um aumento do emprego de profissionais
qualificados, no entanto os cuidadores com pouca qualificação ainda são maioria no setor.
Na ausência de instâncias de ouvidoria para aferir a qualidade e adequação dos
serviços de cuidados prestados, estão sendo realizados projetos pilotos para sua análise
(DOYLE e TIMONEM, 2007). Se, por um lado, o sistema dispõe da livre escolha para os
demandantes de cuidados, por outro lado não existem instancias nesse sistema de cuidados de
longa duração responsáveis pelo monitoramento dos cuidados prestados.
2.2.3 Dinamarca: Modelo Social-Democrata
A Dinamarca é um país localizado ao norte da Europa, mais especificamente na
península escandinava. Atualmente a população dinamarquesa é composta por
aproximadamente 5,5 milhões de habitantes, dos quais aproximadamente 800 mil são idosos.
Seu sistema de governo é a monarquia constitucional, com o poder executivo sendo exercido
pelo gabinete ministerial e as esferas de poder executivo, legislativo e judiciário gozando
de total independência entre si. Administrativamente, após a reforma municipal de 2007, a
Dinamarca encontra-se dividida em 5 regiões (anteriormente 13 condados) e 98 municípios
(anteriormente 270). Praticamente a totalidade da população dinamarquesa é alfabetizada;
85% vive no meio urbano (1/3 na capital Copenhagen), conta com a 6
a
maior renda per
capita mundial aproximadamente US$ 37.000,00 e constitui uma das sociedades menos
desiguais do planeta.
O sistema de seguridade social dinamarquês enquadra-se no modelo social-
democrata da tipologia de regimes de bem-estar social de Esping-Andersen, tendo por
princípios constitutivos a universalidade, acessibilidade, equidade de gênero, adequação e
sustentabilidade. O sistema é baseado no conceito de cidadania plena e financiado por
impostos gerais, sendo sua associação com o mercado de trabalho bastante tênue e secundária.
Isso faz com que todos os cidadãos tenham, por exemplo, direito aos serviços de atenção a
saúde e uma renda básica ao completar 67 anos (para ambos os sexos).
No plano previdenciário ou de reposição da renda quando da perda da capacidade
de trabalho, pode-se entender o sistema dinamarquês como composto por três pilares. O
primeiro pilar é responsável por assegurar um benefício pecuniário básico universal a todos os
cidadãos independentemente de sua vinculação ao mercado de trabalho ou histórico laboral. O
segundo pilar, que consiste na previdêcia social propriamente dita, é administrado por fundos
de pensão, em regime de capitalização em conta individual com contribuições definidas,
provendo, dessa forma, uma renda complementar a renda básica universal, atrelada a
85
capacidade contributiva de cada indivíduo. O terceiro pilar de caráter suplementar contribui
para dar mais flexibilidade as demandas individuais.
Em sistemas de matiz universalista, como no caso dinamarquês, as políticas sociais e
as voltadas para o Mercado de trabalho atuam de forma complementar, criando sinergias com
vista a promoção do bem-estar das famílias e de cada um de seus membros em particular, ou
seja, as alternativas de política procuram promover a capacidade das famílias em
compatibilizar as demandas familiares com a participação no mercado de trabalho. Para
tanto, é assegurado o acesso a serviços sociais de alta qualidade, tais como creches e pré-
escola para crianças cujos pais (ambos) participem do mercado de trabalho. A prestação
desses serviços ao mesmo tempo em que imprime maior tranqüilidade para que os pais de
crianças pequenas possam participar ativamente do mercado de trabalho e gerar renda,
promovem maior igualdade de gênero ao mercado de trabalho. De acordo com o relatório
sobre proteção e inclusão social (National Report on Strategies for Social Protection and
Social Inclusion):
Thus, ensuring hight-quality day-care facilities is a key issue for the Government,
as is guaranteeing day-care availability from child’s six-month birthday. High-
quality day-care facilities for even very young children are important for several
reasons. These facilities five parents a sense of day-to-day security and are also a
must for creating gender equality in the labour market. (DINAMARCA, 2006; p.4)
A licença maternidade é paga por 52 semanas e pode ser compartilhada com os pais.
De acordo com os dados oficiais, aproximadamente 85% das crianças com idade
compreendida entre 1 e 2 anos frequentavam creches, enquanto 95% das crianças com idade
compreendida entre 3 e 5 anos também ( DINAMARCA, 2006).
2.2.3.1 Aspectos Sócio-demográficos
Na Dinamarca, a população idosa, com 65 anos ou mais de idade, aumentou de 9%
para 15% ao longo da segunda metade do século XX, o que representou em número absolutos
a duplicação desse subgrupo populacional (atualmente, em torno de 800 mil indivíduos).
Estima-se para os primeiros 20 anos do século XXI um crescimento em números relativos e
absolutos do contingente idoso dinamarquês de aproximadamente 40%. Os gráficos
numerados de 2.15 a 2.18 correspondem à evolução da distribuição etária da população da
Dinamarca, entre 1960 e 2000 e sua estimativa para o ano 2020 (ONU, 2008).
86
Gráfico 2.15
Gráfico 2.16
Estrutura Etária - Dinamarca -
1960
-
6,0%
-
4,0%
-
2,0%
0,0% 2,0% 4,0% 6,0%
0-4
5-9
10-14
15-19
20-24
25-29
30-34
35-39
40-44
45-49
50-54
55-59
60-64
65-69
70-74
75-79
80+
Mulheres 1960
Homens 1960
Fonte: World Population Prospects: The 2008 Population Database Revision, UN (http://esa.un.org/unpp/p2k0data.as
p)
Estrutura Etária - Dinamarca -
1980
-
5,0%
-4,0% -
3,0%
-2,0% -1,0%
0,0%
1,0%
2,0% 3,0% 4,0% 5,0%
0-4
5-9
10-14
15-19
20-24
25-29
30-34
35-39
40-44
45-49
50-54
55-59
60-64
65-69
70-74
75-79
80+
Mulheres 1980
Homens 1980
Fonte: World Population Prospects: The 2008 Population Database Revision, UN (http://esa.un.org/unpp/p2k0data.asp)
87
Gráfico 2.17
Gráfico 2.18
Estrutura Etária - Dinamarca -
2000
-
5,0%
-
4,0%
-3,0% -2,0% -
1,0%
0,0% 1,0% 2,0% 3,0%
4,0%
5,0%
0-4
5-9
10-14
15-19
20-24
25-29
30-34
35-39
40-44
45-49
50-54
55-59
60-64
65-69
70-74
75-79
80+
Mulheres 2000
Homens 2000
Fonte: World Population Prospects: The 2008 Population Database Revision, UN (http://esa.un.org/unpp/p2k0data.asp)
Estrutura Etária - Dinamarca - 2020
-
5,0%
-
4,0%
-
3,0%
-2,0% -
1,0%
0,0%
1,0% 2,0% 3,0% 4,0% 5,0%
0-4
5-9
10-
14
15-
19
20-
24
25-
29
30-
34
35-
39
40-
44
45-
49
50-
54
55-
59
60-
64
65-
69
70-
74
75-
79
80+
Mulheres 2020
Homens 2020
Fonte: World Population Prospects: The 2008 Population Database Revision, UN (http://esa.un.org/unpp/p2k0data.asp)
88
Os gráficos são bastante representativos da mudança nos pesos dos diversos
grupos etários no total da população dinamarquesa. Observa-se uma progressiva redução da
base, com a redução da participação de crianças e jovens; seguida pelo aumento relativo da
população em idade adulta; e o alargamento do topo da pirâmide, com o aumento da
proporção de idosos no total da população. Isso se deve ao fato do processo de
envelhecimento da população em curso estar associado ao declínio da fecundidade, que no
caso da Dinamarca encontra-se abaixo da taxa de reposição desde a década de 1970, e a queda
da mortalidade em idades mais avançadas.
Como mencionado, a redução da mortalidade vem se concentrando cada vez
mais sobre as idades mais avançadas (CUTLER e MEARA, 2001). Os avanços tecnológicos
na área da saúde e as melhorias nas condições de vida têm propiciado um expressivo
envelhecimento do próprio contingente idoso e o aumento da expectativa de vida em idades
cada vez mais avançadas. A tabela 2.6 apresenta o avanço da expectativa de vida ao nascer e a
expectativa de sobrevida aos 65 anos ou mais de idade, entre 1950 e 2005, para homens e
mulheres dinamarqueses.
Tabela 2.6
Porém, talvez mais importante do que os avanços observados na expectativa de vida
ao nascer e de sobrevida aos 65 anos na Dinamarca, seja o número de anos vividos com saúde
por seus idosos. Em 2005, dos 19 anos correspondentes a expectativa de sobrevida das
mulheres dinamarquesas aos 65 anos, estas podiam esperar gozar de boas condições de saúde
por aproximadamente 14 anos. Entre os homens os números de anos correspondentes seriam,
respectivamente, 16 e 13
18
. Ainda que viver praticamente ¼ da expectativa de sobrevida aos
65 sem boas condições de saúde possa parecer muito, se comparado com os outros países,
18
Dados obtidos a partir do portal da União Européia acessado em 17 de novembro de 2008
(HTTP://epp.eurostat.ec.europa.eu )
Mulheres Homens Mulheres Homens
1960
74,4 70,4 15,3 13,7
1970
75,9 70,7 16,7 13,7
1980
77,3 71,2 17,6 13,6
1990
77,8 72,0 17,9 14,0
2000
79,2 74,5 18,3 15,2
2005
80,5 76,0 19,1 16,1
Fonte: OCDE, 2008.
E
0
E
65
Expectativa de vida ao nascer (E
0
) e aos 65 anos (E
65
)
Dinamarca -1960/2005
89
como veremos a seguir, representa, provavelmente, um dos melhores resultados, em termos
de condições de vida dos idosos em todo o mundo.
A tabela 2.7 apresenta informações sobre a auto-percepção das condições de saúde
da população dinamarquesa. Como esperado, com o avançar da idade observa-se uma
deterioração da autopercepção das próprias condições de saúde; enquanto aproximadamente
90 % dos jovens declara gozar de condições de saúde boas ou muito boas, apenas metade dos
idosos declaram gozar de boa saúde.
Tabela 2.7
A Tabela 2.8, por sua vez, apresenta a distribuição da população dinamarquesa
segundo suas dificuldades para a realização das AVD, sexo e faixa etária. Enquanto menos de
10% da população com idade compreendida entre 55 e 64 anos declara apresentar
dificuldades para caminhar 400 metros, 65% das idosas e 48% dos idosos com mais de 85
anos declaram apresentar as mesmas dificuldades. Aumentos da mesma magnitude também
são observados no que diz respeito as dificuldades enfrentadas para ler/ enxergar de perto,
ouvir e carregar objetos leves.
Tabela 2.8
Mulheres Homens
15-24 93,6 97,7
25-34 91,3 89,6
35-44 83,9 85,3
45-54 76,1 76,5
55-64 64,1 61,9
65-74 50,7 53,8
75-84 44,4 43,1
85+ 41,0 51,6
Fonte;European Community Household Panel, 1998
Dinamarca, 1998
Proporção da População cuja percepção de sua própria
saúde é Boa ou Muito Boa por Sexo e Idade
Mulheres Homens Mulheres Homens Mulheres Homens Mulheres Homens
45-54 6,4 3,9 3,7 3,3 9,4 12,3 12,4 2,6
55-64 8,0 7,9 2,3 2,6 8,7 17,8 15,2 4,5
65-74 19,5 16,4 7,4 6,5 17,4 25,3 27,5 10,0
75-84 42,0 27,7 18,1 12,8 31,1 39,1 53,0 19,8
85+ 65,1 48,0 41,5 29,4 61,6 65,3 74,6 44,3
Fonte;European Community Household Panel, 1998
Proporção da População (em %)com Dificuldades para a Realização de Algumas Atividades da Vida Diária por Sexo
e Idade
caminhar 400 metros
problemas em
enxergar de perto
problemas de audição
dificuldades para
carregar objetos leves
Dinamarca, 2000
90
A possibilidade de se viver sozinho, nas sociedades contemporâneas, é
tradicionalmente associada com questões como autonomia, independência e privacidade.
Como já mencionado, com o aumento do número de idosos espera-se um concomitante
aumento do número de domicílios compostos por apenas um casal idoso ou mesmo por um
único indivíduo – o que a literatura denominou de “ninhos vazios” (CAMARANO e KANSO,
2003). De acordo com o relatório da Organização das Nações Unidas sobre os arranjos
familiares ao redor do mundo (ONU, 2004), em 1994, 94,3% dos dinamarqueses com 60
anos ou mais de idade viviam sós (24,7%) ou apenas com seus cônjuges (69,5%); 4,7% co-
residiam com filhos e aproximadamente 1% viviam com outras pessoas que não seus filhos
ou cônjuges. Entre 1962 e 1994, o número de idosos (com 65 anos ou mais de idade) vivendo
sozinhos na Dinamarca passou de 18% para 28% entre os homens e de 37% para 55% entre as
mulheres. Dados da Comissão Européia (apud DOYLE E TIMONEM, 2007) permitem
observar também que o número de idosos vivendo sós, na Dinamarca, aumenta com a idade:
enquanto aproximadamente 36% da população dinamarquesa, com idade compreendida entre
65 e 79 anos, vivia sozinha em 1995; entre os idosos com 80 anos ou mais essa proporção
aumentava para 62%.
Os elevados percentuais de idosos vivendo sós ou apenas com seus cônjuges, parecem
refletir uma forte presença do Estado na Dinamarca e principalmente uma ampla estrutura de
serviços disponíveis para os idosos. Além disso a disponibilidade de serviços em bases
universais, possibilita a realização plena das mulheres no mercado de trabalho e a
minimização das desigualdades de gênero. Na Dinamarca as taxas de participação no
Mercado de trabalho se encontram entre as mais elevadas do mundo, tendo alcançado, em
2007, o patamar de 80,2% para ambos os sexos. Essa elevada participação no mercado de
trabalho está relacionada com a forte presença das mulheres, pois 76,4% das mesmas
participam do mercado de trabalho assalariado (EUROSTAT, on line)
19
. Além disso, a
sociedade dinamarquesa pode ser caracterizada por sua homogeneidade, inclusive no que diz
respeito a distribuição dos recursos entre as diferentes gerações. Indivíduos com baixa renda
compreendem 10% do total da população, este percentual cai para 8% entre as crianças e
jovens com menos de 18 anos e para 9% entre os idosos (DINAMARCA, 2006).
19
Acessado em 28 de janeiro de 2009.
91
2.2.3.2 Políticas voltadas para os cuidados de longa duração dos idosos
No caso específico da prestação dos serviços de cuidados à sua população idosa, a
Dinamarca é geralmente entendida como um “país modelo”, tendo sido um dos países
pioneiros na adoção de políticas de cuidados comunitários com a adoção, ainda na década de
1970, de medidas que facilitassem o atendimento dos idosos em seus próprios lares em
detrimento da institucionalização dos mesmos (DOYLE e TIMONEM, 2007). A
singularidade da Dinamarca no que tange a formulação das políticas voltadas para os cuidados
de longa duração dos idosos reside em serem tais políticas uma obrigação do Estado, retirando
da família a responsabilidade, mesmo que assessória, pelos cuidados de seus entes frágeis
(KRÖGER, 2001). Isso não significa que as famílias não participem dos cuidados, mas sim,
que ao fazê-lo, o fazem de acordo com suas condições e de forma cooperativa com o sistema
formal de cuidados.
Por lei, o cuidado domiciliar para com os idosos é devido a todos aqueles que
apresentem dificuldades para a realização das AVD. De forma geral, as políticas voltadas para
os idosos, na Dinamarca, procuram respeitar alguns aspectos principais, referentes a:
continuidade ao longo do ciclo de vida; maximização da utilização dos recursos pessoais e a
autonomia e valorização das experiências individuais. Com isso, são levadas em consideração
as circunstâncias familiares envolvidas em cada caso, como por exemplo, a presença ou não
de cônjuges gozando de boas condições de saúde. A primeira lei voltada para os cuidados
domiciliares dos idosos frágeis data de 1958, tendo sido responsável por determinar que a
administração local se responsabilizasse pela provisão de assistência aos idosos, de forma que
os mesmos pudessem continuar a viver em seus próprios domicílios. Posteriormente a Lei dos
Serviços Sociais (datada de 1972) ampliou as responsabilidades das administrações locais, ao
estabelecer que os municípios deveriam tanto aferir a demanda quanto prover os serviços para
os idosos demandantes de cuidados domiciliares. De acordo com essa Lei, os critérios de
elegibilidade eram determinados pelo grau de perda de autonomia e independência dos idosos,
de forma a que o apoio prestado atendesse aos princípios de promoção da independência dos
idosos através da prestação de serviços domiciliares que os auxiliassem com as atividades da
vida diária. Em termos de estrutura administrativa, a referida lei estabelecia a formulação da
política em bases uniformes para toda a população, com o poder central tendo sua atividade
limitada a determinar as diretrizes gerais e supervisionar a prestação dos serviços
administrados e executados, em bases descentralizadas, através das administrações locais, o
que permite interpretações diversas sobre a adequação dos serviços prestados.
92
Em 1987 foi aprovada uma lei especificamente voltada para a questão da residência
dos idosos, impedindo a construção de novas Instituições de Longa Duração para Idosos
(ILPI). Esse novo ordenamento jurídico implicou a opção por subsidiar a construção de
residências para idosos, onde se pode contar com a assistência profissional de enfermagem e
de serviços domésticos gerais, sendo os mesmos especialmente desenhados de forma a
atenuar os aspectos de impessoalidade tradicionalmente associados às instituições hospitalares
e asilos
20
. Os reflexos dessa nova lei, pronto se fizeram notar: o número de instituições
asilares fechou a uma taxa aproximada de 10% a.a. (DOYLE e TIMONEM, 2007); enquanto
o número das novas residências de idosos passou de 3.356 em 1987 para 37.899 em 2001
(DOYLE e TIMONEM, 2007). Atualmente a proporção de idosos asilados na Dinamarca é
inferior a 10%. Ainda que possa ser considerado um patamar elevado para os padrões latino-
americanos ou mesmo da Europa Continental, vale lembrar que esse percentual chegou a
alcançar níveis próximos a 20% na década de 1980 (GREGORY, GIBSON e PANDYA,
2003).
Em 2003, uma nova lei voltada para a ampliação das alternativas de provisão dos
cuidados para com os idosos, viria a alterar o sistema dinamarquês. A nova lei conta com
múltiplos propósitos: por um lado reforça a responsabilidade da autoridade local por
supervisionar, financiar além de assegurar a oferta dos serviços em quantidade e qualidade
adequadas, permitindo pela primeira vez a participação do setor privado na provisão dos
serviços. A participação do setor privado é advogada como uma forma de promover, em certa
medida a competição e com isso aumentar a qualidade dos serviços prestados. De acordo com
Green-Pedersen (apud DOYLE e TIMONEM 2007) essa nova iniciativa jurídica deve ser
entendida dentro do novo escopo político-ideológico voltado para a reconstrução do Estado de
Bem-Estar Social, mais voltados para os controles de custo e aumento da transparência das
políticas.
Um ponto que merece destaque na política voltada para o cuidado dos idosos na
Dinamarca, refere-se ao seu caráter pró-ativo: não são os idosos que no limite de sua
capacidade funcional e instrumental e dos recursos familiares tangíveis procuram o Estado
para ter acesso aos serviços; os serviços são disponibilizados pelo Estado que periodicamente
procura avaliar as condições dos idosos de forma a que se consiga uma transição gradual e
adaptativa entre uma situação marcada pela total independência e autonomia do idoso para
20
Em 1997, essa lei foi complementada por aditivos legais estabelecendo a obrigatoriedade de certas facilidades relacionadas
ao preparo de refeições, acessibilidade a banheiros, entre outros aspectos.
93
uma situação de perda dessa autonomia e independência, associada com as crescentes
dificuldades dos idosos para a realização das AVD.
A postura preventiva da política de cuidados na Dinamarca reflete os resultados de
um projeto piloto em 1984 (Roedrove Project) que resultou na aprovação em 1998 de uma lei
versando sobre “Visitas Domiciliares Preventivas aos Idosos”. Ao mesmo tempo em que
procuram inibir qualquer estigma reminiscente em relação a questão dos cuidados
domiciliares, as visitas asseguram o contato com os idosos mesmo antes do surgimento de
eventuais problemas ou dificuldades por parte dos idosos para lidar com as atividades do
cotidiano (DOYLE e TIMONEM, 2007). Essas visitas são periódicas e permitem que o
profissional de saúde encarregado das visitas avalie as necessidades dos idosos e ouça as
críticas e queixas com relação ao serviço prestado. De acordo com Hendrick e Vass (2005) as
visitas domiciliares preventivas estão associadas com melhorias da capacidade funcional,
especialmente entre os muito idosos (com 80 anos ou mais de idade). Os idosos, contam,
porém, com a possibilidade de não aceitarem a visita preventiva. Ainda que a maior parte dos
idosos dinamarqueses aceitem, o número de idosos que recusam a visita preventiva varia de
acordo com a faixa etária, sendo maior a proporção de idosos que aceitam, ou mesmo
solicitam as visitas entre as faixas etárias mais envelhecidas (tabela 2.8). Isso parece refletir a
maior necessidade de auxílio entre os idosos mais idosos.
Tabela 8
Na Dinamarca, as visitas domiciliares preventivas não funcionam apenas como uma
ferramenta auxiliar no que tange a avaliação das condições dos idosos; fazem parte de um
conjunto articulado de políticas voltadas para o cuidado de longo prazo dos idosos. Como
forma de assegurar maior objetividade ao processo de identificação das demandas dos idosos,
o sistema conta com a figura dos Assessores para os Cuidados Domiciliares, constituídos,
normalmente por enfermeiras qualificadas, contratadas a tempo integral pelas autoridades
locais para a realização desta função. Estes assessores identificam um conjunto de serviços e
Número de indivíduos que aceitam ou recusam vistas domiciliares preventinas, por faixa de idade
Dinamarca, 2005.
Número de Idosos que recusam a visita
domiciliar
Número de idosos que aceitam uma ou
mais visitas domiciliares
75 - 79 anos 60360 55986
80 - 84 anos 41434 49375
85 e + anos 24333 38321
Total 126127 143682
Fonte: Doyle e Timonem, 2007
94
benefícios especialmente desenhados para satisfazer as necessidades específicas de cada idoso
demandante de cuidados de longa duração.
De acordo com a legislação dinamarquesa, as autoridades locais são responsáveis por
atender a demanda por cuidados de longa duração da forma mais rápida possível. De acordo
com Schultz-Larsen (apud DOYLE e TIMONEN, 2007) em mais da metade dos municípios
as demandas por cuidados domiciliares eram atendidas em até 3 dias e praticamente a
totalidade dos municípios contavam com prazos máximos preestabelecidos para o
atendimento e reavaliação das condições dos idosos.
Os serviços prestados normalmente resultam em uma combinação de serviços de
enfermagem profissional com serviços pessoais, podendo incluir, em alguns casos, os serviços
domésticos de cuidados com a casa. Os prestadores dos serviços podem ser tanto funcionários
públicos diretamente contratados pelas administrações locais, quanto terceirizados -
prestadores privados de serviços. A participação dos prestadores privados de serviços no
setor, por ser recente (2003) não se faz presente, ainda, em todo o território dinamarquês
(DOYLE e TIMONEM, 2007). O setor privado apresenta uma concentração, ou
especialização, em tarefas relacionadas aos serviços domésticos. Verifica-se também um viés
de gênero entre os prestadores de serviços de cuidados, com uma predominância de mulheres,
especialmente na meia idade. A maioria destes trabalha em regime de tempo parcial, com
carga horária de aproximadamente 30 horas semanais, e salários médios em torno de dois mil
e quinhentos euros mensais.
A mão de obra empregada no setor de cuidados, na Dinamarca, caracteriza-se pela
valorização de sua capacitação, com o estabelecimento de critérios de qualificação mínima
por parte das autoridades locais. De acordo com Rostgaard e Fridberg (apud DOYLE e
TIMONEM, 2007), em 1998, 48% dos envolvidos na prestação dos serviços de cuidados para
com os idosos contavam com pelo menos um ano de formação em cuidados domiciliares,
23% tinham noções de enfermagem e apenas 10% não tinham nenhuma formação específica
voltada para a área. Na Capital, Copenhagen, foi criado um programa de treinamento que
prevê o pagamento do salário integral aos futuros cuidadores ao longo do período de
capacitação, estabelecido em três anos.
O mercado de trabalho no setor de cuidados domiciliares voltados para idosos, no
entanto, não se caracteriza por sua atratividade intrínseca, constando entre os principais
desafios a serem enfrentados na Dinamarca. Estudos apontam uma demanda por mais seis mil
e quinhentos cuidadores nos próximos 10 anos. O perfil dos cuidadores implica problemas de
sazonalidade, por exemplo; nos meses de verão verifica-se um forte retração da oferta de
95
mão-de-obra. Nesse sentido, uma importante diretriz do sistema é a inclusão da família no
sistema formal de presatação de cuidados domiciliares aos idosos. Os idosos demandantes de
cuidados podem empregar um parente ou vizinho como cuidadores, desde que a autoridade
local os aprove. Estes, em geral, podem responder pelos cuidados pessoais e domésticos dos
idosos, não podendo, no entanto, prestar serviços de enfermagem profissional a menos que
seja comprovada sua qualificação para a tarefa. Essa opção, no entanto, não é uma opção
adotada pela maioria dos idosos dinamarqueses, que entendem a tarefa de cuidar como um
dever do Estado, totalmente dissociado da questão familiar.
O financiamento dos cuidados se via impostos gerais e participação de todas os
níveis de governo. Os orçamentos, no entanto, são equalizados de forma a compensar as
diferenças entre receitas tributárias dos níveis locais e estrutura populacional. Para esse último
quesito são levados em consideração alguns aspectos da população local, tais como:
distribuição etária, proporção de idosos vivendo sós, taxa de desemprego, número de
indivíduos vivendo em condições de maior vulnerabilidade socioeconômica, , número de
imigrantes, entre outros. Em duas décadas, entre 1980 e 2000, o gasto com cuidados voltados
para idosos apresentou um aumento de 150% em valores expressos em Euros (25 milhões de
Euros em 1999, comparados a 10 milhões de euros em 1980), porém em porcentagem do PIB
esse gasto passou de 2,6% em 1982 para 1,8% em 2003.
Aspectos relacionados com a regulação e fiscalização dos serviços prestados são de
responsabilidade conjunta das administrações locais e central. Todos os municípios contam
com “Conselhos de Idosos” ou assemelhados para onde devem ser encaminhadas todas as
queixas dos beneficiários. Municípios maiores, como a capital Copenhagen - já contam com
a figura do ombudsman. As queixas dos beneficiários também podem ser encaminhadas
diretamente ao Ministério dos Serviços Sociais, responsável pela formulação das políticas de
cuidados.
96
Capítulo 3
O SISTEMA DE SEGURIDADE SOCIAL BRASILEIRO
A evolução do sistema de seguridade social brasileiro coincide com a própria história
republicana. Nos últimos cem anos, o Brasil se industrializou e urbanizou. Datam da
República Velha (1889-1930), as primeiras medidas estatais voltadas para a proteção social da
população brasileira: a lei de acidentes do trabalho (1919) e as primeiras Caixas de
Aposentadorias e Pensões por empresas (1923). O operariado nesse período, apenas começava
a se fazer presente nos grandes centros, e suas condições de vida, como ressaltado por Malloy
(1986) eram péssimas. Durante o Período Vargas (1930-45) observou-se um aumento
progressivo do papel do Estado na arena trabalhista e previdenciária, evidenciado pela criação
do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio (MTIC) e transposição da questão
previdenciária da esfera das empresas para a organização baseada nas categorias profissionais.
Ao longo do breve interregno democrático (1946-64), apesar das diversas tentativas de
uniformização da política previdenciária, o sistema permaneceu fragmentado. O processo de
uniformização do sistema só se efetivou com a implementação do Instituto Nacional de
Previdência Social (INPS), em 1967, em meio à ditadura militar (1964-1984). Durante a
ditadura militar o sistema foi progressivamente incorporando categorias marginalizadas
trabalhadores rurais, autônomos e domésticos. A atual conformação do sistema de Seguridade
Social Brasileiro, no entanto é fruto do processo de redemocratização, por que passou o país
na segunda metade da década de 1980. A Nova República consagrou, através da
promulgação da Constituição Federal de 1988 um amplo sistema de proteção social, voltado
para a construção dos direitos de cidadania em moldes universalistas.
Atualmente o sistema de seguridade social brasileiro outorga aproximadamente 27
milhões de benefícios previdenciários, entre aposentadorias e pensões do Regime Geral de
Previdência Social e dos Regimes Próprios do funcionalismo público de todas as esferas de
governo; cobre virtualmente a totalidade da população em suas demandas na área de saúde;
atende 4 milhões de idosos e portadores de deficiência através do benefício de prestação
continuada (BPC) e 11 milhões de famílias em condição de pobreza através do programa
bolsa-família (PBF). Após 20 anos de sua criação e 10 da primeira de uma série de reformas
constitucionais, não restam dúvidas quanto a sua importância e dimensão. Vários são, no
entanto, os questionamentos quanto à viabilidade futura do sistema de seguridade social
brasileiro. Tais questionamentos referem-se tanto aos problemas intrínsecos à organização do
sistema quanto a sua necessidade de ajustes em função das mudanças observadas nos planos
97
demográficos e socioeconômicos. Essas questões apresentam importantes interações entre si
que contribuem para a emergência das demandas pelo redesenho do atual sistema de
seguridade social.
O presente capítulo tem por objetivo apresentar de forma sintética os 20 anos da
evolução do sistema de seguridade social brasileiro, suas conquistas e desafios. Para tanto,
pretende-se a análise do sistema a partir da seguinte estrutura. A primeira seção apresenta a
evolução histórico-institucional do sistema de seguridade social brasileiro. A segunda seção
apresenta as mudanças demográficas e socioeconômicas observadas no Brasil, especialmente
no que se refere ao atual processo de envelhecimento da população e as mudanças no mercado
de trabalho. Por fim, com base no atual estado da arte, a última seção busca identificar os
desafios impostos pelas mudanças demográficas e socioeconômicas ao sistema de seguridade
social brasileiro.
3.1 Evolução Histórico-Institucional do Sistema de Seguridade Social
Brasileiro
A estrutura do atual sistema de seguridade social brasileiro foi concebida em meados
da década de 1980, em meio ao período de redemocratização que sucedeu as duas décadas de
ditadura militar durante as quais a economia brasileira sofreu grandes transformações não
econômicas mas também sociais e o país se urbanizou e industrializou. A crença à época era
de que com o fim do período autoritário as demandas sociais pautassem a agenda das políticas
nacionais. Com esse pano de fundo, a atual constituição, promulgada em 1988, estabeleceu,
em seu título VIII, da ordem social capítulo II art. 194, o Sistema de Seguridade Social
brasileiro como constituído por um conjunto integrado de ações (do Estado e da sociedade)
com o objetivo de proteger e amparar a sociedade contra uma diversa gama de riscos sociais,
tais como: assegurar a renda dos trabalhadores para os casos de perda da sua capacidade de
trabalho - Previdência Social; prover condições mínimas de subsistência para os segmentos da
sociedade mais necessitados Assistência Social; e, prestar serviços de assistência à saúde
para toda a sociedade. No entanto, ainda que o sistema proposto tenha resultado da evolução
histórica das políticas sociais no país
21
, a análise do período pós-constituição permite observar
que a consolidação do sistema não logrou congregar uma lógica de políticas integradas com
vistas à superação dos riscos vinculados a seguridade social, o que torna imprescindível a
21
Mais especificamente da implementação do Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social – SINPAS - em
1977.
98
recuperação de alguns aspectos da história pregressa das políticas setoriais constitutivas do
sistema.
3.1.1 Políticas setoriais anteriores a Constituição de 1988: Saúde, Previdência e
Assistência Social
São consideradas como as primeiras medidas legais mais amplas de proteção social no
país a Lei dos Acidentes de Trabalho (Lei no. 3.724 de 15 de janeiro de 1919)
22
e a Lei Eloy
Chaves (Decreto-Lei no. 4.682 de 24 de janeiro de 1923) que estabeleceu a obrigação da
criação da primeira Caixa de Aposentadorias e Pensões (CAP) para os trabalhadores de
empresas ferroviárias. Foi, porém, ao longo da década de 1930, na Nova República, em
plena ditadura Vargas, que se observou a estruturação das políticas Previdenciária, de Saúde e
de Assistência Social. Essas políticas são identificadas como importantes recursos de poder
para a estruturação do sistema político que caracterizou o período populista e, no plano
econômico, de relevante contribuição para a dinamização da classe assalariada emergente
(DRAIBE, GUIMARÃES E AZEVEDO, 1991).
Nesse período foram criados os Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAP)
organizados por categorias profissionais, que passaram a conviver com as inicialmente
estabelecidas Caixas de Aposentadorias e Pensões, estruturadas por empresas. Cada
instituição (quer Instituto ou Caixa) tinha a liberdade para o estabelecimento de seu próprio
pacote de benefícios e suas alíquotas de contribuição
23
. No que se refere a atenção à saúde
tem-se a adoção de um modelo dicotômico: enquanto o Ministério da Educação e Saúde
Pública (criado em 1930) ficava encarregado da saúde coletiva da população, a atenção
médica era restrita aos trabalhadores vinculados à categorias profissionais cobertas pelo
sistema previdenciário e suas famílias. As ações assistenciais inicialmente limitavam-se a
estimular as iniciativas de entidades privadas no que concerne proteção à maternidade, à
infância e à adolescência. Apenas em 1942, é reconhecida a importância da Legião Brasileira
22 Essa lei associava os riscos do trabalho às condições para a execução dos mesmos, estabelecendo a
responsabilidade dos empregadores para a contratação junto a companhias de seguro privadas de seguros contra
acidentes de trabalho. A organização do sistema de seguros de acidentes do trabalho administrados por seguros
privados e financiados exclusivamente pelos empregadores, estando portanto a margem do sistema
previdenciário, perduraria até 1967, quando finalmente os riscos relativos aos acidentes do trabalho foram
incorporados ao sistema previdenciários central e passaram a fazer parte do rol dos planos de benefícios do
INPS, criado por ocasião.
23 Foram criados sete IAP: IAPM (dos marítimos), IAPC (dos comerciários), IAPB (dos bancários), IAPTC (dos
transportadores de cargas), IAPE (dos estivadores), IAPI (dos industriários), IAPFESP ( dos ferroviários) e
IPASE (dos servidores públicos)(WERNECK VIANNA, 1998).
99
de Assistência
24
e estabelecida uma fonte de financiamento para a mesma baseada na
contribuição dos empregados, empregadores e do Estado
25
.
As políticas sociais avançaram de forma fragmentada até a década de 1960, apesar das
várias tentativas de unificação do sistema previdenciário, tendo em vista corrigir a
diferenciação existente entre categorias profissionais. A primeira medida implementada para
diminuir a disparidade existente entre as categorias profissionais foi a “Lei Orgânica” da
Previdência Social (LOPS Decreto no. 3.807), promulgada em 26 de agosto de 1960, após
14 anos de tramitação no Congresso Nacional. A importância da LOPS residiu na
uniformização das contribuições, bem como das prestações de benefícios dos diferentes
institutos. A alíquota de contribuição dos empregados ficou estabelecida em 8% do salário de
benefício, bem como a alíquota dos empregadores. Além disso o Estado passou a ser
encarregado do pagamento de pessoal e encargos sociais correspondentes à administração do
sistema previdenciário e a cobertura de eventuais insuficiências financeiras. Isso significou,
em termos de regime de financiamento, o traspasso de um regime de capitalização coletiva
para um regime de repartição simples. A unificação institucional, porém, foi efetivada apenas
em 1966 com a criação do Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), no período
autoritário. O novo órgão, instalado no princípio do ano seguinte, reuniu em uma mesma
estrutura os Institutos de Aposentadorias e Pensões até então existentes
26
. Em 1967, foram
incorporados, ainda, os diversos seguros de acidentes do trabalho, anteriormente sob a tutela
do mercado privado de seguros
27
.
A lógica do processo constitutivo do sistema residiu, dessa forma, na adoção de um
modelo meritocrático particularista (segundo tipologia adotada por Draibe, 1992), tendo
resultado em uma expansão vinculada ao mercado de trabalho. Em função dessa vinculação
24
Órgão não governamental criado originalmente para atender às famílias dos pracinhas que lutaram na 2a Guerra Mundial.
25
De acordo com Sposati et alii (apud FLEURY, 1989) o reconhecimento da LBA como um órgão vinculado ao Estado
representa a “simbiose entre a iniciativa privada e a pública, a presença da classe dominante enquanto poder civil e a relação
benefício/ caridade beneficiário / pedinte, conformando a relação básica entre Estado e classes subalternizadas” (SPOSATI
ET AL., 1985;p. 45)
26
A única exceção foi o IPASE que viria a ser extinto na década de 1980.
27
Em 1944 chegou a ser decretada uma nova regulamentação para o seguro de acidentes do trabalho, através da qual
afirmava ser de responsabilidade estatal e, conseqüentemente de sua competência, a previdência do trabalho. De acordo com
este decreto após um período de transição de 10 anos, em 1953 se daria início o monopólio estatal sobre os seguros de
acidentes do trabalho. Essa medida foi de encontro aos interesses das companhias seguradoras, que tinham nesse ramo da
atividade seguradora, um de seus maiores mercados. Com o fim do Estado Novo as companhias de seguro que já atuavam no
ramo de acidentes do trabalho conseguiram negociar o prazo de transição para o controle estatal, além de garantirem seu
próprio monopólio, que o mercado ficou fechado para a entrada de novos concorrentes. A transferência do seguro de
acidentes do trabalho para a iniciativa bica se consolidou na ditadura militar, através da Lei no. 5.136 de 1967. Esta lei
aplicava-se apenas aos trabalhadores urbanos e substituía o mecanismo de indenizações por um regime de salários. Ou seja,
os benefícios previdenciários foram estendidos aos acidentados e, foi criado um auxílio acidente para o caso da perda de mais
de 25% da capacidade de trabalho. A alíquota (prêmio) para os novos benefícios criados continuariam a ser pagas pelos
empregadores. É importante ressaltar que a unificação do sistema se efetivou neste mesmo ano, 1967, com a entrada em
funcionamento do INPS.
100
ao mercado de trabalho, Wanderley Guilherme dos Santos (1979) cunhou o termo “cidadania
regulada”, pois o exercício da cidadania se dava via regulamentação das profissões.
O aumento da cobertura do sistema viria através da inclusão de categorias
profissionais marginalizadas, como a dos autônomos, domésticos e rurais, que começaram a
ocorrer no princípio da década de 1970. Em 1971 é criado o Pró-Rural, estendendo os
benefícios previdenciários aos trabalhadores rurais. Em 1972, são incluídos os empregados
domésticos (Lei 5.859 de 11 de dezembro de 1972). A regulamentação da inscrição de
autônomos em caráter compulsório se dá em 1973 (Lei 5.850). Em 1974 é instituído o
Amparo Previdenciário aos maiores de 70 anos de idade e aos inválidos não-segurados (Lei
no. 6.179 de 11 de dezembro de 1974)
28
. Por fim, em 1976, os empregadores rurais e seus
dependentes também passam a ser cobertos por benefícios de previdência e assistência
social. Dessa forma, a Previdência Social ao final da década de 1970, passou a abranger
praticamente a totalidade das pessoas que exerciam atividades remuneradas no país. Ainda de
acordo com Wanderley Guilherme dos Santos (1979), a primeira iniciativa do sistema
previdenciário brasileiro para o rompimento com a concepção contratual de previdência
ocorreu com os benefícios rurais, pois os trabalhadores rurais não arcavam com nenhuma
contribuição direta para o sistema. A introdução de um benefício assistencial, por sua vez,
ainda que atrelado à participação prévia no mercado de trabalho assalariado formal, também é
de especial relevância, pois representou a legitimação do direito ao acesso a renda por parte
de contingentes da população em maiores condições de vulnerabilidade (idosos e portadores
de deficiência, ambos entendidos, por então, como inválidos para o trabalho).
Essa expansão da cobertura, no entanto, acarretou problemas para as instituições
responsáveis pela assistência médica, pois sua estrutura física não comportava o conseqüente
aumento da demanda. A solução adotada passou tanto pela ampliação da rede própria como
também pela contratação de uma rede maior de estabelecimentos privados, que seriam
remuneradas em função das unidades de serviço (US) prestadas a clientela coberta.
Em 1974 foi criado o Ministério da Previdência e Assistência Social, que acarretou no
desdobramento do INPS em três novos órgãos: o próprio INPS, agora com suas funções
limitadas à administração e gestão dos benefícios previdenciários e assistenciais; o Instituto
de Administração da Previdência Social (IAPAS), responsável pela gestão administrativa,
financeira e patrimonial do sistema; e, o Instituto Nacional de Assistência Médica da
Previdência Social (INAMPS), responsável pela administração do sistema de saúde
28
Posteriormente transformado em Renda Mensal Vitalícia (RMV).
101
previdenciário. Em 1977, esse processo foi consolidado com a instituição do Sistema
Nacional de Previdência e Assistência Social (SINPAS). Além dos três órgãos criados
em 1974 (IAPAS, INAMPS e INPS) o SINPAS congregou também: as ações relativas a
assistência social às populações carentes através da Legião Brasileira de Assistência (LBA), já
com suas atribuições devidamente reformuladas; a Fundação Nacional do Bem-Estar do
Menor (FUNABEM); a Empresa de Processamento de Dados da Previdência Social
(DATAPREV) e a Central de Medicamentos (CEME). A criação do SINPAS pode ser
entendida, dessa forma, como um passo em direção a adoção de um modelo mais amplo e
solidário de políticas sociais.
Ao longo do processo de transição para a democracia da década de 1980, afloraram
várias demandas sociais e econômicas. As principais aspirações na área da saúde residiam na
construção de um sistema de saúde que atendesse aos princípios de: universalidade,
integralidade e descentralização. Ou seja, um sistema de saúde bastante capilarizado que
atendesse a população em todas as suas demandas por promoção e manutenção da saúde, e
que rompesse com o modelo dicotômico (Ministério da Saúde responsável pela saúde coletiva
X INAMPS responsável pelas ações curativas), entendido como hospitalocêntrico
29
e focado
na gestão das doenças, e não da saúde. Esse processo se cristalizaria com a universalização do
direito a saúde expressa pela Constituição de 1988. Porém, antes mesmo da aprovação do
texto constitucional, foi criado em 1987, o que seria um embrião do sistema; O Sistema
Unificado e Descentralizado de Saúde (SUDS). Com a implantação do SUDS, o INAMPS
perdeu seu papel de prestador de serviços e tornou-se um gestor e co-financiador do sistema,
enquanto a prestação de serviços e o planejamento passaram a ficar a cargo dos estados e
municípios
30
.
3.1.2 A constituição de 1988 e sua implementação
Como bem o descreveu Farias (1996) “A Constituição Federal de 1988 trouxe como
uma de suas mais importantes inovações a instituição da Seguridade Social, sob clara
influencia dos modelos de Estado de Bem-Estar Social vigentes em diversos países europeus,
a partir da segunda metade deste século, e dos ideais de liberdade e justiça social que
embasavam o momento de redemocratização nacional” (p.33).
29
“Este tipo de modelo trazia poucos resultados na solução dos problemas de saúde da grande maioria da população, dado
seu alto custo, sua baixa cobertura e sua distância do quadro nosológico real” (OLIVEIRA, BELTRÃO E MÉDICI, 1993,
52).
30
O que se daria mediante convênios.
102
A Constituição Cidadã, como ficou conhecida a Constituição de 1988 consistiu na
primeira experiência brasileira de reconhecimento dos direitos sociais inerentes a cidadania.
Elaborada no período de redemocratização por que passava o Brasil, tinha como um dos eixos
centrais o resgate da dívida social herdada do período militar e a necessidade de garantir
direitos básicos e universais de cidadania (UGÁ e MARQUES, 2005). Para tanto, o texto
legal introduziu substanciais inovações, estabelecendo como princípios básicos: a
universalidade de cobertura e atendimento; uniformidade e equivalência no atendimento as
populações rurais e urbanas; seletividade e distributividade; irredutibilidade do valor das
prestações; equidade na forma de participação do custeio; diversificação da base de
financiamento; descentralização administrativa e participação dos trabalhadores nos órgãos
colegiados. Todos esses princípios representaram um avanço no sentido de conceituar a
Seguridade Social como um contrato coletivo, integrante do próprio direito de cidadania, onde
benefícios seriam concedidos conforme a necessidade, enquanto o custeio seria feito segundo
a capacidade de cada um.
A assistência social foi, pela primeira vez, entendida como um direito
independentemente de contribuição. Com a promulgação da Constituição, o piso mínimo para
o valor dos benefícios, quer assistenciais ou previdenciários, foi aumentado para um salário
mínimo. Isso representou, no caso dos benefícios assistenciais, um aumento de 100% no valor
dos benefícios em relação ao período imediatamente anterior a vigência da Constituição de
1988. A aprovação da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) em 1993
31
, por sua vez,
reafirmou os princípios constitucionais de descentralização dos serviços de assistência, com a
delimitação mais precisa dos papéis reservados à União, aos estados e municípios e a
instituição dos benefícios de prestação continuada (BPC) aos idosos e portadores de
deficiência independentemente de sua participação prévia no mercado de trabalho, como um
direito de cidadania.
As inovações constantes na LOAS, no entanto, não foram imediatamente
implementadas, tendo a concessão do BPC
32
se iniciado, apenas, em janeiro de 1996 e alguns
aspectos da nova legislação merecem ressalvas. O estabelecimento da responsabilidade
31
Uma primeira versão da LOAS chegou a ser aprovada pelo Congresso Nacional em 1991, tendo sido, porém, vetada pelo
então Presidente da República Fernando Collor.
32
Ainda que concebido no período constituinte como um mínimo social, ou seja, um dispositivo de proteção social destinado
a garantir um valor básico de renda às pessoas que não possuam condições de obtê-la, a demora para sua implementação (8
anos após a Constituição) e o contexto em que se deu a sua implantação, sugerem que o mesmo foi adotado muito mais em
decorrência das questões atuarias que envolviam o financiamento do sistema previdenciário do que como parte do ideário de
justiça social. Ou seja, nas palavras de Sposati (2004): “...a Introdução do BPC ganhou força mais como um mecanismo para
afiançar o caráter contributivo previdenciário. Até então, era realizado o pagamento da renda mensal vitalícia, cujo caráter
contributivo era quase simbólico aos cofres da Previdência”( SPOSATI, 2004; p. 127).
103
familiar pelo provisionamento da renda do idoso pobre, bem como o valor estabelecido, são
claramente dissonantes da idéia original de mínimo de proteção social, transformando a
responsabilidade estatal em um direito acessório, mediante a falência das responsabilidades
familiares. Além disso, pretendia-se por ocasião da aprovação da lei que a idade mínima
estabelecida para o recebimento do benefício por parte dos idosos fosse reduzida para 67e 65
anos após 24 e 48 meses do início da concessão. A primeira redução da idade para o
requerimento do benefício ocorreu em 1998 (Lei 9720). A segunda redução da idade para
requerimento do benefício, no entanto, viria a ocorrer em 2004, sob a vigência do Estatuto
do Idoso.
O Estatuto do Idoso, aprovado em 2003, após sete anos de tramitação no Congresso
Nacional, consistiu em congregar em uma única peça legal toda a legislação pertinente aos
idosos, reafirmando a garantia de seus direitos prioritários (conforme art. 203 da C.F.), como
forma de promover sua autonomia, integração e participação efetiva na sociedade. Uma
importante e polêmica medida aprovada pelo Estatuto foi a exclusão para fins de aferição dos
critérios de elegibilidade para o recebimento do BPC, do computo da renda familiar per
capita, o recebimento de benefícios por outros membros da família (Estatuto do Idoso, art. 34,
parágrafo único).
No campo da saúde, a atual constituição consolidou a reforma sanitária que se
anunciava no período de transição para a democracia ao assegurar “o acesso universal e
igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação” (CF art. 196). O
novo modelo rompia com o modelo de financiamento anteriormente vigente, empreendendo
uma reestruturação político-administrativa (através da descentralização) e definindo como
complementar a participação dos prestadores de serviços privados (UGÁ e MARQUES,
2005). A regulamentação dos princípios constitucionais se deu através da promulgação da Lei
Orgânica da Saúde (LOS Lei 8.080) em setembro de 1990 que estabeleceu a forma de
participação e financiamento das três esferas de governo e dos prestadores privados de
serviços de saúde do Sistema Único de Saúde (SUS).
No que se refere ao atendimento, o Brasil conquistou importantes avanços no campo
da saúde com uma mudança em seu paradigma. O atendimento passou de um modelo
especializado e hospitalocêntrico para um mais voltado para o atendimento primário ou
atenção básica. Essa mudança de paradigma expressou-se dentre outros fatores pela adoção
em 1991 do programa dos Agentes Comunitários de Saúde. Este evoluiu em 1994 para o
Programa de Saúde das Famílias (PSF) que conjugou agentes comunitários e equipes
compostas por médicos, enfermeiros e auxiliares de enfermagem.
104
No tocante à Previdência Social, tem-se dentre as principais medidas, as abaixo
descritas.
Para os trabalhadores do setor privado a serem cobertos pelo Regime Geral de
Previdência Social (RGPS):
o Estabelecimento do piso mínimo do sistema de seguridade social em 1
salário mínimo (pré constituição correspondia a 95% para a clientela
urbana e 50% para a clientela rural);
o Redução do limite de idade para aposentadoria rural em 10 anos para as
mulheres e cinco anos para os homens (pré constituição correspondia a
65 anos para ambos os sexos)
o Alteração do critério de elegibilidade do benefício devido ao segurado
especial (trabalhador rural em regime de economia familiar) da
condição de chefe ou arrimo de família para todos os membros da
família;
o Eliminação das diferenças de gênero para o recebimento do benefício
de pensão por morte (homens passam a ter o mesmo direito das
mulheres)
33
;
o Mudanças nas regras da aposentadoria por tempo de serviço,
estendendo às mulheres o direito a aposentadoria proporcional e a
aposentadoria especial para professores;
o Ampliação do período de licença maternidade de 90 para 120 dias;
o Obrigatoriedade de reajustes que preservassem o valor real dos
benefícios, e
o revisão dos benefícios em gozo para a recomposição do valor dos
mesmos para sua equivalência em salários mínimos por ocasião da
concessão.
Para os servidores públicos:
o Previsão de criação do Regime Jurídico Único (RJU) para os servidores
públicos civis da União, estados e municípios;
o Aumento da taxa de reposição da pensão por morte de 50% para 100%
do salário de benefício;
o Instituição da paridade nos reajustes entre ativos e inativos.
33
Válida também para os servidores públicos.
105
A regulamentação dos ditames constitucionais no plano previdenciário se deu com a
aprovação das leis 8212, que estabeleceu o Plano de Custeio da Previdência Social, e 8213,
que estabeleceu o Plano de Benefícios da Previdência Social, no caso do RGPS. Para os
servidores públicos civis da União a regulamentação se deu com a instituição do RJU pela lei
8112.
Ao criar o sistema de seguridade social a atual constituição se preocupou com
diversificar as fontes de financiamento do sistema, incorporando contribuições a serem pagas
indiscriminadamente por todo o setor produtivo e, posteriormente, por toda a sociedade (como
no caso da CPMF) de forma a não sobrecarregar apenas aos trabalhadores do setor formal,
que os mesmos deixaram de ser os únicos beneficiários das políticas sociais. Para fazer frente
as novas responsabilidades assumidas pelo sistema de seguridade social foi criada a figura do
Orçamento da Seguridade Social(OSS), composto por receitas provenientes das contribuições
sobre folha de salários, faturamento, lucro e concursos de prognósticos (CF art. 195).
As contribuições sobre folha de salários, tradicional fonte de financiamento do setor
previdenciário, foram majoradas. As alíquotas pagas pelos empregados foram mantidas,
porém o número de faixas de salários de contribuição foi reduzido de 5 para 3 faixas;
correspondentes a alíquotas de 8, 9 ou 10%
34
conforme a faixa de salário. A alíquota paga
pelos empregadores foi unificada em 20% sobre o total das remunerações pagas aos
trabalhadores, incorporando dessa forma a alíquota básica, anteriormente vigente, de 10%, a
do salário família de 4%; salário maternidade de 0,3%; a do abono anual de 0,75%; e a da
previdência rural de 2,4% (BELTRÃO ET AL, 1993). As alíquotas referentes ao seguro de
acidentes do trabalho foram inicialmente unificadas em 2% e foi instituída também a
contribuição sobre o 13
o
. salário.
A contribuição sobre o faturamento das empresas havia sido criada sob a
denominação de Fundo de Investimento Social (FINSOCIAL) em 1982 (Decreto lei 1940).
Tinha por objetivo, quando da sua criação, minorar as conseqüências da recessão sobre as
camadas mais vulneráveis da população. Inicialmente a alíquota do FINSOCIAL foi
estabelecida em 0,5%, posteriormente a promulgação da Constituição foi progressivamente
aumentada até atingir o patamar de 2% em 1990 (Lei 8147). A existência de sobreposições
com outras contribuições e impostos acabou por implicar a substituição em 1991 da
contribuição para o FINSOCIAL pela Contribuição para o Financiamento da Seguridade
Social (COFINS). Em 1999 a alíquota foi aumentada para 3% e, em 2003, em decorrência da
34
Posteriormente, essa última alíquota foi aumentada de 10% para 11% do salário de contribuição.
106
aprovação da Emenda Constitucional 42 que estabeleceu a não cumulatividade da
contribuição, a alíquota da COFINS passou para 7,6%, como forma de compensação da
receita
35
.
A ampliação da base de financiamento do sistema, promovida pela constituição,
possibilitou também a instituição da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) em
1988, através da Lei 7689, com vigência a partir de 1989. As alíquotas da CSLL foram
inicialmente estabelecidas em 8%, com exceção das instituições financeiras que deveriam
contribuir com uma alíquota de 12%. Ao longo da década de 1990 foram feitos diversos
ajustes nas alíquotas e formas de cálculo da CSLL. Atualmente a alíquota corresponde a 9% .
A ampliação do sistema de seguridade social, porém implicou um expressivo aumento
de sua cobertura e conseqüentemente dos seus gastos. Em 1991 e 1992, quando entraram em
vigor a maioria das novas regras para a Previdência Social, se fez patente a fragilidade da
nova estrutura de financiamento do sistema. Enquanto em 1988, aproximadamente 57% do
arrecadado a partir das contribuições sobre folha de salários eram suficientes para financiar os
benefícios previdenciários e assistenciais
36
, em 1992 essa porcentagem
alcançava 87%
(MALVAR, 1998). A medida em que os novos encargos do sistema consumiam parcelas
cada vez maiores da receita obtida através das contribuições sobre folha de salários,
montantes cada vez menores eram repassados à Saúde. A União, sem condições de promover
mudanças radicais na estrutura de financiamento da Seguridade Social, passou a criar
contribuições e impostos transitórios, culminando com a introdução da Contribuição
Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), em 1996, com previsão de vinculação de
sua receita à área da saúde. A alíquota foi inicialmente estabelecida em 0,2% , tendo sido
aumentada para 0,38% em 1999. Em 2008, após inúmeras prorrogações de sua vigência
temporária, a CPMF foi finalmente extinta.
Pode-se perceber pela análise do gráfico 3.1 um crescimento contínuo do total de
contribuições sociais entre 1995 e 2006. Talvez mais importante que a diversificação per se
das fontes de financiamento do setor tenha sido a mudança na composição das receitas da
Seguridade Social ao longo das últimas duas décadas. Enquanto a arrecadação bancária
apresentou trajetória praticamente estacionária até meados da década de 2000, a participação
da contribuição sobre o faturamento das empresas duplicou ao longo do período. Como
salientado por Dain (2003), a elevação da carga tributária na segunda metade da década de
35
De acordo com Teixeira (2005) entre 1988 e 2000, a carga tributária relativa a tributos cumulativos sobre vendas gerais
aumentou em 4,6% do PIB. O autor alerta ainda que ao longo do período os tributos de melhor qualidade, como o IPI e o
Imposto de renda, por serem compartilhados com estados e municípios, tornaram-se menos interessantes para a União.
36
Renda Mensal Vitalícia prestada a idosos e inválidos.
107
1990 deveu-se em grande medida aos aumentos nas contribuições sobre faturamento. De
acordo com a mesma autora, a ampliação da receita das contribuições sociais , que não são
compartilhadas com os demais entes federados, permitiu a União neutralizar o processo de
descentralização tributária empreendido pela Constituição de 1988. Enquanto em 1985
aproximadamente 80% da tributação era partilhada com estados e municípios, em 2003 a
proporção dos recursos partilhados caíram para 40% do total da receita (TEIXEIRA, 2005).
Gráfico 3.1
Isso deu margem aos inúmeros debates e controvérsias sobre o equilíbrio orçamentário
da Seguridade Social vis-à-vis a Previdência Social.
O crescimento das despesas com benefícios fez com que o repasse das receitas de
contribuição sobre folha de salários ao setor da saúde fosse interrompido em meados da
década de 1990
37
.
37
Vários autores identificam essa crise financeira e institucional do setor saúde com a queda da qualidade e da
cobertura do sistema público, fazendo com que o recém criado SUS passasse a ser, na prática, um sistema
voltado para o atendimento dos mais pobres, pois os grupos sociais com renda mais alta podiam contar com os
serviços prestados no âmbito dos planos de saúde privados, retornando a caracterização dicotômica anterior à
pretendida universalização do sistema de saúde. Análise semelhante é feita em relação ao PSF, pois o mesmo foi
em seu princípio adjetivado como uma política de saúde focalizada nos mais pobres, contrariamente as
pretensões constitucionais. Passada mais de uma década de sua implementação, já são reconhecidas algumas de
suas qualidades enquanto promotora de melhorias nas condições de saúde de expressivos contingentes da
população nacional.
Evolução das Contribuições Sociais como % do PIB
0%
1%
2%
3%
4%
5%
6%
7%
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
CSLL
COFINS
Arrecadação Bancária sobre Folha de Salários
CPMF
Fontewww,ipeadata.gov.br,
www.receita.fazenda.gov.br
e
www.mps.gov.br
108
A tentativa de construção de um sistema de seguridade social integrado com vistas à
promoção do bem-estar de uma sociedade tão diversa como a brasileira, entretanto, esbarrou
na falência da estrutura orçamentária adotada. De acordo com Dain (2003), o Orçamento da
Seguridade Social nunca se consolidou, impossibilitando, com isso, a integralidade das ações
de proteção social nos campos da saúde, assistência e previdência social. Pode-se dizer, com
isso, que o Brasil vive atualmente um dilema em relação a estrutura de custeio da seguridade
social
38
: se por um lado o sistema criado representou uma pesada carga impositiva para os
agentes, podendo gerar com isso importantes estímulos para a evasão dos impostos e
contribuições e o aumento da informalidade na economia; por outro lado, dado os novos
benefícios criados a partir da Constituição Federal serem em grande maioria voltados para
inserção e promoção da cidadania de subgrupos populacionais com menor capacidade
contributiva, torna-se praticamente impossível controlar os gastos via redução dos benefícios.
3.1.3 - Emendas Constitucionais e Ajustes de Rota: Desmonte do Sistema de
Seguridade Social e Reconstrução das Políticas Setoriais
O ideário constitucional de construção de um amplo e universal sistema de seguridade
social deparou-se, como já mencionado na seção anterior, com um crescente número de
constrangimentos financeiros para sua efetivação. A Constituição de 1988, no entanto, previa,
em seu artigo 3
O
das disposições transitórias, um possível período de revisão, a se dar 5 anos
após sua promulgação, ou seja, em 1993. Dessa forma, ainda que pese terem sido engessados
no texto constitucional, vários dispositivos bastante específicos para o funcionamento do
sistema previdenciário e da seguridade social, estes poderiam ser modificados por maioria
simples durante o período previsto para a revisão. Ao longo dos últimos dez anos vários
ajustes foram levados a cabo com vistas, principalmente, a contenção dos gastos, os quais
resultaram no agravamento do desmonte do sistema de seguridade social.
Por construção, o pilar previdenciário do sistema é onde mais facilmente são
identificados os desequilíbrios orçamentários, uma vez que coube apenas aos gestores das
38
Atualmente encontra-se em tramitação no Congresso Nacional uma proposta de reforma tributária (PEC 233)
baseada na introdução do IVA-F, cuja base de incidência sobre as operações com bens e prestação de serviços,
em substituição a um conjunto de contribuições sociais. Sua instituição prevê a extinção da CSLL , da COFINS,
da CIDE-combustíveis, da contribuição para o Salário Educação e a adaptação do texto constitucional para
posterior extinção do PIS. Além disso, a PEC 233 estabelece que poderá ser criado por lei um adicional ao IVA-
F com vistas a substituir parcialmente a contribuição sobre folha de salários paga pelos empregadores. Grosso
modo, a proposta em tramitação procura substituir as contribuições com receita vinculada ao sistema de
seguridade social por outra fonte de tributação livre de vinculações. A criação do IVA-F, no entanto, não
representa a introdução de um único imposto sobre valor adicionado, pois mantêm, mesmo que com previsão de
alterações, o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS)
109
políticas previdenciárias a gestão de uma fonte de financiamento própria (folha de salários), a
qual no período anterior a Constituição arcava com praticamente a totalidade dos custos das
políticas sociais. Com as transformações no mercado de trabalho, tais como as novas
modalidades de contratos de trabalho, o aumento do desemprego e da informalidade, tem-se
uma perda da importância relativa da folha de salários como fonte primordial do
financiamento das políticas previdenciárias e de forma mais ampla da seguridade social.
Acrescente-se ao fato, como mencionado, o aumento dos gastos decorrentes da extensão da
cobertura aos segmentos de inclusão social mais precária: população rural e/ou em condição
de pobreza.
Nessa seção são analisados os ajustes e reformas empreendidos em cada uma das áreas
de política social constitutivas do sistema de Seguridade Social.
3.1.3.1 Previdência Social
A aproximação do período de revisão coincidiu com o término de uma grande
polêmica em torno do pagamento do reajuste de valor de benefícios (em 147%) aos
aposentados em janeiro de 1992 e à substituição do Ministro do Trabalho e Previdência
Social. Foi criada, por ocasião, pela Câmara dos Deputados uma Comissão Especial para
Estudo do Sistema Previdenciário, visando a um diagnóstico da situação e elaboração de
novas propostas para discussão. O diagnóstico elaborado por essa Comissão, que ficou
conhecido pelo nome de seu relator (Relatório Antônio Britto), era de que a Previdência
Social vivia a delicada soma de três crises, que envolviam questões que abrangiam horizontes
de curto, médio e longo prazos:
- circunstancial, em função da redução da atividade econômica, dos salários médios e
aumento dos índices de desemprego e de informalidade da economia;
- gerencial, decorrente dos altos custos administrativos, descontrole na arrecadação e
nos mecanismos de concessão e manutenção de benefícios; e,
- estrutural, caracterizada pela inexistência de um conceito claro de seguro social vis-à-
vis o sistema de seguridade social criado.
As outras sugestões também elaboradas pela Comissão, referiam-se: a) ao controle da
gestão da Previdência Social, com a criação de um conselho de 12 membros com participação
eqüitativa de Governo, trabalhadores, aposentados e empresários; b) a destinação dos recursos
e das fontes de financiamento, com as receitas de contribuição de empregados e empregadores
custeando somente o seguro social, e a assistência e saúde ficando por conta de outras fontes,
inclusive com a criação da contribuição sobre transações financeiras; c) às alterações no plano
110
de benefícios, tratando do sistema complementar, do sistema dos funcionários públicos e das
condições de acesso a alguns tipos de benefícios, como às aposentadorias especiais e por
tempo de serviço.
Embora o processo de implantação do conjunto das recomendações não tenha sido
prontamente iniciado, de modo a aproveitar o período revisional, várias das sugestões da
Comissão ecoaram durante as gestões seguintes. O próprio governo interino do Presidente
Itamar Franco (1993-94) esboçou uma ampla gama de propostas de reformas para várias
áreas, inclusive a seguridade social. No entanto, observou-se uma grande resistência as
medidas que alterassem os direitos relacionados a Seguridade Social, capitaneadas pelos
sindicatos e associações de aposentados e pensionistas. Agregue-se ao fato ter o período
revisional coincidido com um momento de grande turbulência política e econômica pós-
impeachment do Presidente Fernando Collor e início do “Plano Real”.
Não tendo sido viável a realização dos ajustes necessários quando do período previsto
para a revisão constitucional, as Propostas de Emenda Constitucional enviadas ao Congresso
enfrentaram um longo e tortuoso trâmite nas duas casas do legislativo, como será analisado na
próxima seção.
Em 1995, foi enviada ao Congresso Nacional, pelo poder executivo, uma proposta de
emenda constitucional com o objetivo de alterar o sistema previdenciário brasileiro. Após três
anos de longa e tumultuada tramitação no Congresso Nacional, que a tornou conhecida por
“remendão”, foi aprovada em 1998 a Emenda Constitucional 20 (EC 20).
O debate do setor previdenciário à época foi bastante viesado pela necessidade
imposta após o Plano de Estabilização Monetária de re-equacionamento das contas do sistema
via controle das despesas. Como mencionado na seção anterior, com a implementação das
mudanças previstas pela Constituição houve um crescimento acentuado dos gastos do sistema,
que não foi contrabalançado pelo aumento das receitas decorrente da diversificação das fontes
de financiamento uma vez que apenas a contribuição sobre folha de salários ficou sob
administração direta dos órgãos constitutivos da Seguridade Social. As principais questões
propostas residiam no estreitamento dos vínculos contributivos e na criação de mecanismos
capazes de restringir a concessão de aposentadorias precoces (com idades muito inferiores ao
limite estabelecido para a aposentadoria por idade). Com isso, podemos ressaltar as seguintes
medidas aprovadas pela EC 20:
Substituição do critério de tempo de serviço pelo critério de tempo de
contribuição;
111
Extinção da aposentadoria por tempo de serviço proporcional para ambos
Regimes (RGPS e RJU) e estabelecimento de limite de idade para
aposentadoria por tempo de serviço integral para os servidores públicos
39
;
Eliminação da aposentadoria especial dos professores universitários;
Desconstitucionalização da fórmula de cálculo dos benefícios;
Unificação das regras previdenciárias para União, estados e municípios e
Previsão de criação de regimes complementares para os servidores públicos
voltados para a reposição dos proventos superiores ao teto de benefícios
vigente para o RGPS.
Para aqueles em atividade, previa-se uma regra de transição, onde se estabelecia como
requisitos para a aposentadoria por tempo de serviço, doravante contribuição, proporcional:
Mínimo de 53 anos para homens e 48 para mulheres, e “pedágio”,
correspondente à um adicional de 40% do tempo ainda restante para a
aposentadoria por tempo de contribuição proporcional na data da promulgação
da Emenda para ambos os regimes (RGPS e RJU), e
“pedágio”, correspondente à um adicional de 20% do tempo ainda restante
para a aposentadoria por tempo de contribuição integral para os regimes do
funcionalismo público.
A descontitucionalização da fórmula de cálculo dos benefícios pela EC 20 permitiu o
estabelecimento de nova regra de cálculo dos benefícios para o RGPS pela aprovação da Lei
nº 9.876, em 1999. A nova regra passou a considerar para o cálculo dos benefícios as maiores
contribuições realizadas ao longo do período correspondente a 80% de toda a vida
contributiva do segurado. Sobre o novo valor de benefício obtido passou a ser aplicado um
fator de correção, denominado “Fator Previdenciário”. Esse fator, ao relacionar o valor do
benefício a ser recebido com o tempo de contribuição e a idade na data da aposentadoria,
constituiu em poderoso instrumento de redução do valor dos benefícios. De acordo com
Oliveira, Guerra e Cardoso (2000), por ocasião sua adoção representava uma redução média
de 33,93% no valor dos benefícios dos homens e de 43,92% para o caso das mulheres, em
39
Em função do processo político que envolveu a votação da matéria, um Destaque de Votação em Separado (DVS) logrou
derrubar os limites definitivos de idade, para as aposentadorias por tempo de serviço integral, no caso do RGPS, invalidando,
portanto, também as regras de transição.
112
comparação com a regra de cálculo anterior
40
. Essa mesma Lei (no. 9.876) também eliminou a
escala de salários de contribuição para os contribuintes individuais e estendeu aos mesmos o
direito ao salário maternidade.
Mesmo após a EC 20 os gastos previdenciários continuaram em sua escalada
ascendente. Em março 2003, apenas três meses após a posse do novo governo (o primeiro do
Partido dos Trabalhadores), foi enviada ao Congresso Nacional, uma nova proposta de
emenda constitucional. Com isso, em 2003, cinco anos após a EC 20, é aprovada uma nova
Emenda Constitucional (EC 41). Conforme a exposição de motivos
41
encaminhada ao
Congresso Nacional quando da tramitação da proposta, seu objetivo residia na necessidade de
construção de um sistema previdenciário mais equânime, tendo como princípios norteadores a
isonomia entre o RGPS e os Regimes Próprios de Previdência Social dos servidores públicos
(RPPS). Para tanto, a EC 41 estabeleceu as seguintes principais alterações:
redução do valor da pensão por morte devida aos dependentes dos servidores
públicos para, no máximo, 70% do valor do salário de benefício;
redução do valor da aposentadoria por tempo de contribuição proporcional dos
servidores públicos que se aposentem antes do limite de idade (estabelecido em
60 anos para homens e 55 anos para mulheres) em 5% por ano de antecipação,
a partir das idades de 53 e 48 anos, para homens e mulheres respectivamente,
chegando a 35% de desconto total;
introdução da contribuição de aposentados e pensionistas para a parcela do
benefício que exceda 50%(estados e municípios) ou 60% (no caso da União)
do teto vigente para o RGPS;
fim da paridade para fins de reajuste entre ativos e inativos do serviço público
(para os novos entrantes);
fim da integralidade dos proventos de aposentadorias e pensões para os novos
servidores públicos
aumento do teto de contribuição do RGPS e
40
Essas porcentagens aumentaram em função das atualizações das tábuas de vida (ou mortalidade) que passaram a ser
publicadas e atualizadas anualmente pelo IBGE.
41
A Exposição de Motivos da Proposta de Emenda Constitucional que resultou na EC 41, fazendo menção ao Programa de
Governo Partido dos Trabalhadores à Presidencia da República, reafirmava que a “modernização e reforma do sistema
previdenciário brasileiro desfruta de destaque como um dos instrumentos de um novo modelo
de desenvolvimento, que
englobe crescimento, emprego e eqüidade social”.
113
previsão de criação do Programa Especial de Inclusão Previdenciária,
garantindo aposentadorias por idade no valor de um salário mínimo para
trabalhadores de inserção precária no mercado de trabalho.
Embora os Regimes Próprios de Previdência Social (RPPS) dos servidores públicos
não sejam sensíveis à informalização e ao desemprego, o são em relação ao envelhecimento
da população. Assim, ao determinar o fim da paridade dos reajustes dos benefícios dos
servidores e a perda da integralidade dos proventos de aposentaria para indivíduos que se
aposentassem antes da idade mínima, a EC 41 procurou amenizar o impacto do aumento da
expectativa de vida observada para a população brasileira, principalmente em se tratando de
uma população específica com renda média superior a média da população nacional. Em
2004, com a aprovação da Lei 10.887, os proventos das aposentadorias dos servidores
passaram a ser calculados com base na média aritmética simples das maiores remunerações,
correspondentes a 80% do período contributivo desde 1994.
Sinteticamente, pode-se dizer que a EC 41 empreendeu modificações pontuais nos
critérios de elegibilidade e nas fórmulas de cálculo do valor dos benefícios dos servidores
públicos, passando à margem da isonomia e eliminação das diferenças e privilégios entre os
regimes, ao criar regras mais rígidas para os servidores públicos e omitindo-se sobre as
mesmas questões para os trabalhadores do setor privado. Dessa forma, em 2005, foi aprovada
uma nova emenda constitucional (EC 47). Esta promoveu o relaxamento das regras recém
estabelecidas pela EC 41 no que tange aos servidores públicos ao devolver a paridade aos
reajustes e permitir a redução dos limites de idade para aposentadoria. Para o RGPS, por sua
vez, foi ampliada ainda mais a cobertura do contingente com inserção precária no mercado de
trabalho através da criação de aposentadorias especiais para portadores de deficiência e
inclusão das donas de casa no Sistema Especial de Inclusão Previdenciária, com alíquotas e
carências inferiores às vigentes para os atuais segurados.
É necessário ressaltar também que medidas no sentido de promover a inclusão de
contingentes cada vez mais amplos da população já vinham sendo adotadas desde 1996 com a
aprovação da Lei 9317 que criou o Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e
Contribuições das Microempresas e das Empresas de pequeno Porte (SIMPLES). Este
consistiu em um pacote tributário que estabeleceu o tratamento diferenciado, simplificado e
favorecido as micro e pequenas empresas que se atendessem aos seus critérios de
elegibilidade. Posteriormente, em 2006, foi aprovado o Estatuto nacional da Microempresa e
da Empresa de Pequeno Porte (Lei Complementar 123) que redefiniu as faixas de faturamento
para inserção no programa.
114
3.1.3.2 Saúde
Em 1995, quando da posse do novo governo e após o bem sucedido plano de
estabilização econômica, havia o entendimento que a proposta de universalização da saúde,
como constante na Constituição de 1988, não seria viável sem um aumento substancial dos
gastos com saúde. Com isso tornava-se premente que mudanças e reformas fossem realizadas
(MÉDICI, 2002).
Existiam, também, segundo os técnicos do Ministério, importantes contradições entre
o processo de descentralização e gestão dos recursos do sistema para estados e municípios e
a consolidação de um Sistema Único de Saúde. Se por um lado, é reconhecida a grande
heterogeneidade dos estados e municípios brasileiros, tanto no grau de desenvolvimento
quanto na natureza dos problemas de saúde, por outro lado buscava-se garantir a realização
dos princípios constitucionais referentes a equidade e a universalidade na prestação dos
serviços. Para tanto, era necessário recuperar o processo de descentralização financeira de
forma mais sistêmica, como inicialmente elaborado pela Constituição e LOS, de forma a
facilitar a transferência de recursos automática também para os estados.
Ainda que o Orçamento da Seguridade Social (OSS) estabelecido pela Constituição de
1988 não tenha vinculado fontes específicas para cada área de atuação da Seguridade Social
(Saúde, Previdência e Assistência Social), o mesmo contemplou a natureza distinta dos
benefícios e serviços por eles financiados: enquanto as contribuições sobre folha de salários
correspondiam aos benefícios com vínculos contributivos (aposentadorias e pensões) os
demais benefícios e serviços associados a questão da cidadania corresponderiam as
contribuições cujo fato gerador é mais difuso, devendo ser “pago” por toda a sociedade
Contribuição sobre o Lucro e sobre o Faturamento das empresas e demais recursos do
Tesouro que se fizessem necessários
42
.
O desmonte dos ditames constitucionais para a construção de um orçamento único e
exclusivo do sistema de seguridade social, prontamente se fez presente no período pós
implementação da Constituição. Primeiramente em função da utilização das receitas do OSS
para o pagamento dos Encargos Previdenciários da União (rubrica inicialmente não prevista
para o dispêndio dos recursos do OSS), posteriormente através do contingenciamento dos
repasse ao setor saúde e, finalmente, em nome da estabilização da moeda em 1994, através da
42
A alocação histórica de 30% das receitas de contribuição sobre folha de salários para o setor saúde foi mantida
quando da construção do sistema de seguridade social no imediato subseqüente a aprovação da Constituição,
tendo sido interrompido em 1993 como já mencionado na seção anterior.
115
criação do Fundo Social de Emergência (FSE), que desvinculou parte das receitas do OSS, as
quais passaram a ser de livre utilização por parte da União (UGÁ e MARQUES, 2005).
Dessa forma, tendo em vista a perda de parte dos recursos do OSS e do caráter pró-
cíclico, que dificultava o crescimento da receita, o setor saúde viu na proposta para a criação
da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) a saída para seus
problemas de financiamento. A CPMF foi criada pela Lei 9.311, de 24 de outubro de 1996,
tendo entrado em vigor a partir de 1997. Apesar de constar do corpo da lei que o produto de
sua arrecadação seria destinado integralmente ao Fundo Nacional de Saúde, para o
financiamento das ações e serviços de saúde (art. 18), o aporte de seus recursos acabou, em
um primeiro momento, excluindo outros recursos oriundos do OSS e, posteriormente, tendo o
próprio uso destinado a atividades alheias à saúde
43
. Porém, como ressaltado por Ugá e
Marques (2005), apesar de todas as dificuldades enfrentadas, o volume de recursos gastos
pela saúde na esfera federal foi crescente ao longo dos anos, ainda que não necessariamente
tenha sido suficiente para o atendimento das demandas existentes ou que tenha atingido um
grau de eficácia adequado.
A partilha das responsabilidades pelo financiamento do SUS entre as esferas de
governo, como previsto constitucionalmente, no entanto, permanecia uma questão inconclusa.
Sua resolução começaria a se delinear com a aprovação em outubro de 2000 da EC 29. A
aprovação dessa emenda constitucional foi entendida pelos vários atores da arena da saúde
como um importante avanço para o SUS, uma vez que a mesma além de definir a participação
das várias esferas de governo para o financiamento do sistema, garantiu um montante mínimo
de recursos (FAVARET, 2003). De acordo com a EC 29, deveriam ser alocados no primeiro
ano de sua vigência, 7% das receitas estaduais e municipais ao setor saúde e o orçamento do
ano anterior acrescido de 5% no caso da União. Esses percentuais deveriam ser elevados
progressivamente até 2004, quando corresponderiam a 12% das receitas dos estados, 15 % das
receitas municipais, enquanto a fatia da União seria corrigida anualmente pela taxa de
crescimento nominal do PIB.
A implementação desses percentuais se mostrou bastante complexa em função das
interpretações conflitivas de algumas das questões e parâmetros estabelecidos pela EC 29.
Talvez mais grave do que a não aplicação dos montantes estipulados pela EC 29, por parte
dos entes federados tenha sido a contabilização de itens outros que não os estabelecidos
pelos parâmetros acordados com o Ministério da Saúde. Entre esses itens tem-se, por
43
Desde 1998, as receitas da CPMF deixaram de ser exclusivas da saúde, podendo, através dos recursos
recorrentemente usados a partir do Plano Real, terem parte de sua receita desvinculas.
116
exemplo a inclusão dos gastos com inativos, empresas de saneamento, habitação urbana,
merenda escolar, alimentação de presos, entre outros.
Com vistas a solucionar as dificultadas enfrentadas para a boa implementação da EC
29, foi elaborada pelo Conselho Nacional de Saúde, em conjunto com outras entidades o
documento intitulado “Parâmetros consensuais sobre a implementação e regulamentação da
EC 29”. Após amplo debate sobre o documento com a participação dos vários atores
vinculados ao setor saúde, foi aprovada, em 2002, pelo Conselho Nacional de Saúde e
posteriormente homologada pelo Ministro da Saúde, a resolução no. 316, posteriormente
substituída pela resolução 322 em maio de 2003, que versavam sobre as necessidades de
regulamentação da EC 29.
3.1.3.3 Assistência Social
Apesar da Constituição de 1988 ser considerada um marco para o rompimento com as
características clientelistas, centralizadas e excludentes que marcaram a história pretérita das
políticas de assistência social no país, a implementação de um novo paradigma para a área só
viria a começar a se delinear a partir de sua regulamentação, com a aprovação da LOAS em
1993. Esta foi a última Lei Orgânica setorial aprovada, no âmbito da Seguridade Social. Vale
lembrar os inúmeros escandalos dos quais a LBA foi vítima durante a gestão do Presidente
Fernando Collor
44
. Como salientado por Fleury (1989), romper com as práticas institucionais
vigentes representava um dos principais pontos de resistência às mudanças na área
assistencial.
Como ressaltado por Resende (2000), a situação das políticas sociais na ocasião eram
desoladoras. Por um lado, os programas de alimentação e nutrição para o grupo materno-
infantil tinham sido extintos, a distribuição de merenda escolar não correspondia a demanda, o
Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT) era sub-utilizado e os estoques de alimentos
apodreciam. Por outro lado, iniciativas realizadas dentro do próprio quadro estatal
estimavam
45
que aproximadamente 32 milhões de brasileiros encontravam-se em condição de
indigência. Com esse pano de fundo começaram-se a delinear as mudanças que resultariam na
substituição dos antigos órgãos gestores LBA e FUNABEM - pelo programa Comunidade
Solidária em 1995. Iniciava-se uma nova era, no plano das políticas assistenciais brasileiras,
marcada pelo entendimento da assistência social como uma política voltada prioritariamente
44
Para maiores detalhes ver Sposati (2004).
45
Foi publicado pelo IPEA, em 1993 o estudo denominado “Mapa da Fome: Subsídios à Formulação de uma
Política de Segurança Alimentar”.
117
para o combate à fome e a miséria de um expressivo contingente de brasileiros pobres e/ou
indigentes.
“O Comunidade Solidária nasce, cresce e amadurece a partir de uma experiência
brasileira inédita que emergiu no início de 1993, com o Conselho Nacional de
Segurança Alimentar (CONSEA). O CONSEA inaugurou uma nova era colocando
na agenda do presidente da República a questão do combate à fome e à miséria
como prioridade nacional. Introduziu os princípios da parceria, solidariedade e
descentralização como eixos norteadores da ação do governo federal. Sempre
defendeu a articulação das ações blicas como a melhor estratégia para o
enfrentamento das grandes carências sociais.” (PELIANO ET AL, 1995, p. 20].
Porém, como ressaltado por Sposati (2004), apesar de em tese o novo programa
apregoar uma nova estratégia de organização da política assistencial com vistas a resolução
dos problemas de descontinuidade, descoordenação, centralização, clientelismo, superposição,
pulverização de recursos e fragmentação de ações
46
, o que se observou foi a criação de
inúmeros projetos superpostos, entre os quais sobressaem-se: o auxílio-gás, a bolsa
alimentação, a bolsa escola, entre outros(SPOSATI, 2004).
Os objetivos específicos a serem alcançados pelo Comunidade Solidária e que
nortearia as estratégias de ação consistiam em: reduzir a mortalidade na infância, melhorar as
condições de alimentação dos escolares, trabalhadores e famílias carentes, melhorar as
condições de moradia e saneamento básico, melhorar as condições de vida no meio rural,
gerar emprego e renda e promover a qualificação profissional, apoiar o desenvolvimento da
educação infantil e do ensino fundamental e defender os direitos e promover socialmente
crianças e adolescentes (PELIANO ET AL,1995).
Dentre os programas implementados para a consecução dos objetivos acima
mencionados, o bolsa-escola (administrado pelo Ministério da Educação) merece um maior
detalhamento, uma vez que no governo do Presidente Lula viria a se tornar o carro chefe das
políticas assistenciais. Inicialmente concebido em 1987, por pesquisadores do Núcleo de
Estudos do Brasil Contemporâneo, da Universidade de Brasília (UNB) foi implementado em
1995, pela primeira vez em Campinas. No mesmo ano, foi implementado um programa
semelhante no Distrito Federal (DF). Esta segunda experiência consistia em um programa de
combate a pobreza que condicionava o pagamento de um benefício pecuniário às famílias
pobres à exigência de que as mesmas mantivessem todas as crianças em idade escolar
matriculadas e freqüentando a rede de ensino oficial, sem que pudessem faltar a mais de dois
dias de aula, por mês, sem justificativa. A principal diferença entre os programas estava
relacionada ao entendimento das prioridades para a superação da pobreza. Enquanto o bolsa-
46
Ressalte-se que estes ideais já constavam da agenda Constituinte.
118
escola implementado pela Prefeitura de Campinas procurava atuar como um programa de
proteção a família, o bolsa-escola, implementado no DF procurou associar o recebimento de
um benefício em espécie à elevação da escolaridade de crianças e adolescentes pertencentes a
famílias pobres, dado partir do entendimento de que a educação é a mola propulsora para a
saída da armadilha da pobreza (AGUIAR e ARAUJO, 2002).
Com a repercussão nacional e mundial recebida pelo programa do DF, o governo
federal lançou em 1997 um programa sob sua inspiração: Programa de Erradicação do
Trabalho Infantil (PETI). Este visava fazer com que as crianças envolvidas em trabalhos
penosos e de alto risco retornassem à escola mediante o pagamento de um benefício mensal,
em pecúnia, a suas famílias. Ainda em 1998, o Ministério da Educação lançou o embrião de
um programa ainda mais semelhante ao bolsa-escola, denominado Programa de Garantia de
Renda Mínima. Esse programa funcionava através de uma parceria entre o governo federal e
os municípios. No entanto, foi o lançamento do programa Bolsa-Escola Federal em abril de
2001 que promoveu a implementação do programa em todo o território nacional.
Com a alternância de poder no governo federal a questão do combate a fome e a
pobreza absoluta voltou a pautar a agenda das políticas assistenciais. Foi lançado com grande
estardalhaço um novo programa de combate a fome e a miséria em princípios de 2003,
denominado “Fome Zero” e criado para sua gestão o Ministério Extraordinário da Segurança
Alimentar e Combate a Fome (MESA). O “Fome Zero” pretendia fornecer quantidade,
qualidade e regularidade de alimentos a todos os brasileiros, concomitantemente a
implementação de ações para promoção da produção e distribuição desses alimentos em base
sustentável, além de promover a inclusão social e a educação alimentar e nutricional
(SUPLICY, 2002).
Para a implementação piloto do projeto foram selecionados dois municípios do interior
do Piauí, que apresentavam os piores resultados nacionais em relação ao Índice de
Desenvolvimento Humano (IDH): Guaribas e Acauã. Entre as medidas implementadas
constavam o cadastro de famílias, com renda per capita inferior a ½ salário mínimo, para o
recebimento do cartão-alimentação (por ocasião, no valor de R$50,00 por mês). As outras
medidas se propunham a organizar a sociedade para superar o combate a pobreza. Entre elas
pode-se citar desde a criação de um mutirão contra a fome e a miséria e a criação de
restaurantes populares até a implementação de políticas estruturais, voltadas para a reforma
agrária, o fortalecimento da agricultura familiar, planos de emergência para o enfrentamento
da seca no nordeste, superação do problema de analfabetismo, geração de emprego e renda e
combate a desnutrição materno-infantil.
119
Seis meses após a implementação do programa, especialistas da área alertavam para o
fato de que as dificuldades de operacionalização do programa poderiam arrefecer a
mobilização pública
47
obtida quando do seu lançamento
48
. Na mesma ocasião teve início o
processo de reavaliação do cadastro único dos beneficiários dos programas sociais
49
concebido em 2001 e a formulação e avaliação de uma estratégia de unificação dos diversos
programas de transferência de renda. Em outubro de 2003, é instituído, pela Medida
Provisória 132, o programa Bolsa-Família, destinado às famílias em situação de pobreza e
extrema pobreza, com a proposta de substituição dos programas de transferência de renda
existentes: Bolsa Escola, Bolsa Alimentação, Cartão Alimentação e Auxílio Gás. Este
programa viria a se tornar nos anos subseqüentes o carro chefe dos programas vinculados ao
Fome Zero e da própria seguridade social.
Quando de sua instituição o programa foi estabelecido no âmbito da Presidência da
República, através de um Conselho Gestor Interministerial. Dessa forma, verificou-se um
embate entre três órgãos de poder: o MESA, o Ministério da Assistência Social e o Conselho
Gestor do programa recém criado. A resolução do impasse se deu com a unificação dos dois
ministérios, em janeiro de 2004, com a criação do Ministério do Desenvolvimento Social e
Combate a Fome e a transferência do Conselho Gestor Interministerial do referido programa
do âmbito da presidência da republica para o recém criado ministério.
A operacionalização do novo programa se deu através de termos de cooperação
firmados entre a União e os municípios. O Programa Bolsa Família (PBF) passou a integrar o
Fome Zero e consiste, basicamente, em um programa de transferência direta de renda sujeita
a condicionalidades a exemplo do Bolsa Escola implementado anteriormente no DF. A
concepção do PBF previa sua articulação em torno a três questões: promoção do alívio
imediato da pobreza, proporcionada pela transferência direta de renda à família; promoção do
exercício de direitos sociais básicos nas áreas de Saúde e Educação, através do cumprimentos
das condicionalidades, elementos essenciais para que as famílias logrem romper o ciclo da
pobreza intergeracional; e a sua coordenação com programas complementares para a
superação das condições de pobreza e vulnerabilidade social, tais como os programas de
geração de trabalho e renda, de alfabetização de adultos e de fornecimento de registro civil e
demais documentos.
47
“O Fome Zero conseguiu a proeza de colocar todas as forças sociais em torno de uma mesa imaginária nos últimos meses”
Folha de São Paulo - TENDÊNCIAS/DEBATES - 5/9/2003) WALTER BELIK
48
Seis meses de Lula: Fome Zero tem menos de 60 mil famílias cadastradas
Jornal do Commercio, 30 de junho de 2006.
49
Excluindo-se os beneficiários do BPC.
120
É interessante observar que os governos dos dois presidentes eleitos e reeleitos
democraticamente, após o impeachment do 1º. presidente democraticamente eleito na Nova
República, se caracterizaram por atribuir ao enfrentado das questões da fome e pobreza o
papel central da política assistencial. Esse enfrentamento, nos dois casos, resultou na adoção
prioritária de programas de transferência de renda condicionada para as camadas mais
vulneráveis da população. Como salientado por Yazbek (2004), no entanto, é grande a
probabilidade do PBF se limitar a perspectiva compensatória e residual, centrada numa renda
mínima, nos limites da sobrevivência e voltada aos incapazes de competir no mercado,
podendo vir a se configurar em uma política social excludente, inspirada no “dever
humanitário e solidário” e não pelos princípios da cidadania e reconhecimento público de
direitos sociais. Pouco tem sido feito na área assistencial no sentido de guarnecer a população
sem condições de recorrer ao mercado com serviços assistenciais. Um exemplo, é a limitada
oferta de creches que permitam às famílias uniparentais (principalmente as chefiadas por
mulheres) melhores condições de competição no mercado de trabalho.
3.2 Mudanças Demográficas e Socioeconômicas: O Envelhecimento da
População Brasileira e as Mudanças no Mercado de Trabalho
Dentre as mudanças demográficas e socioeconômicas observadas no atual contexto
brasileiro, a exemplo dos demais países analisados, sobressai-se o envelhecimento da
população, com conseqüências para os arranjos familiares, e as transformações no mercado de
trabalho, decorrentes, inclusive, de mudanças na própria organização da produção. Essas
questões apresentam importantes interações entre si que contribuem para a emergência de
novas demandas e o redesenho de alguns programas.
O aumento relativo e absoluto do número de idosos, por exemplo, tem implicações
tanto para o mercado de trabalho, quanto para as famílias e os sistemas de seguridade social
propriamente dito. O expressivo aumento da esperança de vida imprime ao mesmo tempo
uma enorme complexidade e heterogeneidade ao contingente denominado idoso. Para o
contingente de idosos mais jovens cabe-se pensar em alternativas que os integrem de forma
positiva ao setor produtivo, incorporando suas potencialidades e especificidades. Por outro
lado, o contingente de idosos mais idoso, com perda de autonomia e independência requer
pensar alternativas aos cuidados prestados pela família, pois estas últimas tem enfrentado
radicais mudanças em sua estrutura nas últimas décadas. A maior parte dos cuidados
domiciliares para com os entes familiares mais frágeis (crianças e idosos) continua sendo
121
provido informalmente pelas mulheres. Dessa forma, tendem a sobrecarregar as mulheres que
buscam trabalho remunerado no mercado de trabalho e pressionam por mecanismos
alternativos de provisão dos cuidados – novos contratos de gênero, setor privado, Estado.
Sob o ponto de vista atuarial da seguridade social, este inexorável e incontrolável
processo apresenta importantes impactos. Um maior tempo de vida implica em períodos mais
longos de pagamento de benefícios, o que nos remete a alardeada crise do envelhecimento na
década de 1990
50
. A Universalização da Seguridade Social brasileira, implementada na
década de 1990, na contramão do debate internacional, tem como uma de suas principais
conseqüências as expressivas transferências de renda aos idosos, quer através do pilar
previdenciário ou assistencial. Isso tem levado a que os atuais idosos brasileiros sejam
percebidos como indivíduos privilegiados pelo sistema (vis-à-vis outros grupos vulneráveis,
como, por exemplo, as crianças) e responsáveis pelos crescentes gastos do mesmo.
Véron e Pennec (2007), porém, alertam para a necessidade de se analisar a questão a
luz das complexas interações econômicas e sociais, pois não se pode perder de vista a enorme
complexidade e heterogeneidade do contingente idoso. A medida em que o processo de
envelhecimento populacional se acentua, maiores contingentes de idosos conviverão com
perdas ou limitações de sua capacidade para a realização das AVD. Se em um primeiro
momento os sistemas de seguridade social têm que se adaptar ao crescente número de
inativos, em um segundo momento, passam a ter que lidar com o aumento de inativos em
idades cada vez mais avançadas, dos quais, boa parcela demandará cuidados especiais por
parte do sistema devido a sua perda de autonomia física e mental. Nesse caso, assim como no
caso das crianças, as transferências de renda não são suficientes para a construção de um
sistema capaz de assegurar o bem-estar da população. Essa nova realidade passa a demandar,
também, o provisionamento de serviços voltados para os seus cuidados, tema que será objeto
do próximo capítulo.
Viver por períodos mais longos, porém sem condições de saúde que assegurem
autonomia e independência, não parece ser o objetivo nem dos indivíduos nem das
sociedades. A medicalização do final da vida representa além de um custo financeiro, um
custo psicológico. O convívio com o aumento da longevidade coloca a necessidade de que os
idosos sejam cuidados em sua velhice e não apenas curados de suas enfermidades pontuais, o
que será objeto específico do próximo capítulo.
50
O documento publicado pelo Banco Mundial, em 1994, (Averting the Old Age Crisis: Policies to protect the
old and promote the growh) representa uma possível ilustração dessa visão, pois em seu próprio título deixa
claro o entendimento do envelhecimento populacional como um fator crítico para o desenvolvimento.
122
A seguir são analisados mais detidamente alguns aspectos do processo do
envelhecimento populacional brasileiro e das transformações no mercado de trabalho.
3.2.1 Envelhecimento Populacional
Atualmente um dos maiores desafios para o próprio entendimento do processo de
envelhecimento populacional e suas implicações para as políticas públicas refere-se a
identificação do contingente idoso, dada sua complexidade e heterogeneidade. Como
mencionado, em princípios do século passado, não parecia haver uma clara diferenciação
entre idosos e inválidos, pois a redução da capacidade produtiva decorrente do
envelhecimento, embutia a invalidez progressiva do idoso para o trabalho. Atualmente, com
os avanços na área de saúde, e o entendimento da idade avançada como um risco social a ser
coberto pela previdência social, o período compreendido pelas idades superiores a 60 ou 65
anos (tradicionalmente associados com idades avançadas) ganham novos contornos. A
aposentadoria, como ressaltado por Phillipson (1998), pode ser entendida como a principal
fonte de mudanças nas relações e atividades sociais. A aposentadoria precoce tem levado a
uma reavaliação da equação de equilíbrio entre trabalho e lazer. Pode-se entender, dessa
forma, a transição da idade adulta para a velhice como um período afetado por condições
socioeconômicas, afetivas, culturais e políticas dos indivíduos ao longo de todo o seu ciclo de
vida.
Para fins operacionais, a legislação brasileira adota, atualmente, dois cortes etários
para a definição do contingente idoso: para a formulação das políticas, são entendidos como
idosos, todos os indivíduos com 60 ou mais anos de idade, limite este constante, por exemplo,
da Política Nacional do Idoso e o Estatuto do Idoso; a prestação de bens ou serviços públicos
ou subsidiados pelo setor público, por sua vez, adota a idade de 65 anos como limite etário
(tais como os benefícios assistenciais de renda, a idade requerida para a solicitação de
aposentadoria por idade e a gratuidade nos transportes públicos e eventos culturais). Para os
fins pretendidos pelo presente trabalho, contribuir para a formulação de políticas públicas,
será considerada população idosa aquela formada por indivíduos com 65 anos ou mais de
idade. Isso se deve, por um lado, a comparabilidade com os países analisados e, por outro
lado, pelo entendimento de que esta é a idade de corte utilizada nos demais programas
voltados para idosos constantes do sistema de seguridade social brasileiro.
Os gráficos 3.2 a 3.4 apresentam a evolução da estrutura etária brasileira nos últimos
quarenta anos, enquanto o gráfico 3.5 apresenta a projeção populacional feita pelo IBGE para o
123
ano 2020. A análise dos gráficos permite observar os dois movimentos das componentes
demográficas associados ao envelhecimento populacional: o estreitamento da base, fruto da
redução da taxa de fecundidade e o alargamento do topo, resultado da redução da mortalidade
nas idades mais avançadas.
Em números absolutos, o último Censo Demográfico, realizado em 2000, contabilizou
aproximadamente 10 milhões de idosos residentes no país, o que representava 6% da
população total. A proporção de idosos, com 65 anos ou mais, na população brasileira dobrou
entre 1960 e 2000, e estima-se que no ano 2020 essa proporção corresponda a um décimo da
população brasileira – aproximadamente 21 milhões de idosos, equivalentes ao dobro do
contingente de idosos encontrados pelo censo de 2000. Importa observar também que em
função da sobremortalidade masculina, as mulheres predominam entre os idosos. Essa
tendência se acentua com a idade; quanto mais velho for o contingente idoso analisado, mais
elevada será a proporção de mulheres entre eles.
Gráficos 3.2
DISTRITUIÇÃO DA POPULAÇÃO BRASILEIRA POR
GRUPOS DE IDADE E SEXO, 1960
Fonte: IBGE, Censos Demográficos e Projeção Populacional (revisão 2008)
-10,0% -8,0% -6,0% -4,0% -2,0% 0,0% 2,0% 4,0% 6,0% 8,0% 10,0%
0-4
5-9
10-14
15-19
20-24
25-29
30-34
35-39
40-44
45-49
50-54
55-59
60-64
65-69
70-74
75-79
80+
Mulhere Homen
124
Gráficos 3.3
DISTRITUIÇÃO DA POPULAÇÃO BRASILEIRA POR
GRUPOS DE IDADE E SEXO, 1980
Gráficos 3.4
DISTRITUIÇÃO DA POPULAÇÃO BRASILEIRA POR
GRUPOS DE IDADE E SEXO, 2000
Fonte: IBGE, Censos Demográficos e Projeção Populacional (revisão 2008)
-
10,0%
-8,0% -
6,0%
-
4,0%
-
2,0%
0,0%
2,0% 4,0% 6,0% 8,0% 10,0%
0-4
5-9
10-
14
15-
19
20-
24
25-
29
30-
34
35-
39
40-
44
45-
49
50-
54
55-
59
60-
64
65-
69
70-
74
75-
79
80+
Mulhere Homen
-10,0% -8,0% -6,0% -4,0% -2,0% 0,0% 2,0% 4,0% 6,0% 8,0% 10,0%
0-4
5-9
10-14
15-19
20-24
25-29
30-34
35-39
40-44
45-49
50-54
55-59
60-64
65-69
70-74
75-79
80+
Mulhere Homen
125
Gráficos 3.5
DISTRITUIÇÃO DA POPULAÇÃO BRASILEIRA POR
GRUPOS DE IDADE E SEXO, 1980
Fonte: IBGE, Censos Demográficos e Projeção Populacional (revisão 2008)
Ainda mais expressivo é o crescimento observado e projetado do contingente de idosos
muito idosos, com 80 ou mais anos de idade. Estes representavam aproximadamente 0,5% da
população brasileira em 1980, tendo duplicado sua participação em 2000, quando passaram a
representar aproximadamente 1,1%. Em 2020 estima-se que o percentual de idosos com 80
anos ou mais de idade corresponda a aproximadamente 3% da população como um todo e
30% do contingente com 65 anos ou mais. Esse processo também pode ser visualizado pela
velocidade com que a população brasileira vem envelhecendo. O gráfico 3.6 mostra que a
taxa de crescimento observada entre os idosos brasileiros é bastante superior a dos demais
subgrupos populacionais. Enquanto a população de crianças e jovens com até 14 anos de
idade chegou a observar taxas de crescimento negativas entre os censos de 2000 e 1991, os
idosos com 65 anos ou mais tem apresentado taxas de crescimento, a partir da década de
1960, em torno de 4% ao ano
-10,0% -8,0% -6,0% -4,0% -2,0% 0,0% 2,0% 4,0% 6,0% 8,0% 10,0%
0-4
5-9
10-14
15-19
20-24
25-29
30-34
35-39
40-44
45-49
50-54
55-59
60-64
65-69
70-74
75-79
80+
HomenMulhere
126
Gráfico 3.6
Assim como nos países desenvolvidos analisados, verifica-se para a população
brasileira, expressivos ganhos em termos de redução da mortalidade e seus impactos sobre a
esperança de vida. Entre 1980 e 2007, a expectativa de vida ao nascer dos homens aumentou
10 anos e a das mulheres 12 anos (tabela 3.1). A esperança de vida dos idosos brasileiros, por
sua vez, também tem apresentado contínuos ganhos; em 1980 um idoso que alcançasse a
idade de 65 anos poderia esperar viver em média por mais 12, atualmente um idoso a esta
mesma idade pode esperar viver por praticamente mais 20 anos. A expectativa de sobrevida
das idosas com 80 anos ou mais dobrou no mesmo período.
Tabela 3.1
Esperança de Vida ao Nascer (E
0
) e sobrevida aos 60 (E
60
) 65 (E
65
) e 80 anos (E
80
)
Brasil - 1980, 1990, 2000 e 2007
E
0
E
60
E
65
E
80
E
0
E
60
E
65
E
80
1980
1990
2000
2007
Fonte: IBGE, Anuário estatístico 1996 e acesso a página
ftp://ftp.ibge.gov.br/Tabuas_Completas_de_Mortalidade em 14 de janeiro de 2009.
Homens Mulheres
TAXAS DE CRESCIMENTO ANUAIS DA POPULAÇÃO BRASILEIRA SEGUNDO OS GRUPOS ETÁRIOS
1940-2020
-1%
0%
1%
2%
3%
4%
5%
6%
1940 1950 1960 1970 1980 1990 2000 2010 2020 2030
0-14 15-64 65+
Fonte: IBGE, Censos Demográficos e Projeções da População Brasileira (revisão
127
O envelhecimento da população brasileira, como mencionado, está relacionado com
mudanças no perfil de morbimortalidade da própria população idosa. As principais causas de
morte entre os idosos brasileiros continuam a ser as doenças do aparelho circulatório,
especialmente as cerebrovasculares e isquêmicas que juntas foram responsáveis por mais de
1/3 dos óbitos de idosos em 2006; embora sua proporção no total dos óbitos dos idosos tenha
decrescido entre 1980 e 2006 (gráfico 3.7). Em contrapartida, foram observados aumentos
entre os casos de morte por neoplasias e pneumonia que figuram entre as 10 principais causas
de morte entre idosos brasileiros. Além disso, em conseqüência do envelhecimento da
população, tem-se percebido também o aumento da participação de doenças crônicas entre as
causas de morte, dentre as quais destacam-se: a diabetes que duplicou a sua participação entre
os óbitos ao longo do período; as doenças hipertensivas, cujo aumento foi de 80% e, a
crescente, ainda que baixa, participação da doença de alzeheimer que nos últimos 6 anos
ampliou sua participação de 0,3% dos óbitos de idosos em 2000 para 1,1% em 2006.
Gráfico 3.7
Distribuição Percentual dos Óbitos dos Idosos Brasileiros pelas Principais Causas de Morte,
1980/2006
0%
5%
10%
15%
20%
25%
neoplasias
Diabetes mellitus
Pneumonia
Causas Ex
ternas
Causas Mal definidas
1980 2000 2006
Fonte: SIM, Ministério da Sde.
128
O aumento das doenças crônicas entre idosos é especialmente sentido na análise dos
dados referentes a morbidade dessa população, tendo sido observado um expressivo aumento
do número de idosos que reportam sofrer de hipertensão e diabetes entre 1998 e 2003, para
ambos os sexos (ver gráfico 3.8). Como salientado por Camarano et Al. (2007) esse aumento
pode ser atribuído tanto ao envelhecimento do grupo populacional idoso como e,
provavelmente, também à maior cobertura dos serviços de saúde, pois para reportar sofrer
dessas doenças crônicas é necessário que os indivíduos tenham acessado os serviços de saúde.
As artrites e reumatismos ainda que continuem a representar porcentagens elevadas entre as
doenças reportadas por idosos apresentou uma queda no mesmo período.
Gráfico 3.8
PREVALENCIA DE DOENÇAS CRONICAS ENTRE IDOSOS BRASILEIROS,
1998 e 2003
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
R
eumatismo
D
iab
etes
Bronquit
e ou Asma
Tuberc
ulose
Tendin
ite ou
Tenossinovite
Cirrose
Homens 1998 Homens 2003 Mulheres 1998 Mulheres 2003
Fonte; IBGE/ PNAD de 1998 e 2003.
129
O aumento do número de consultas médicas (nos últimos 12 meses), entre 1998 e
2003, que os idosos declaram ter realizado parece corroborar a ampliação da cobertura dos
serviços de saúde. Comparando as informações de 1998 e 2003, observa-se que aumentou a
proporção de idosos que declarou ter ido a pelo menos uma consulta médica; entre os homens
esta proporção passou de 67% dos em 1998 para 75% em 2003; entre as mulheres idosas, as
proporções comparáveis foram respectivamente de 78% e 83%. Quando se compara a
porcentagem de idosos que procurou atendimento médico nas últimas duas semanas antes da
realização da pesquisa (PNAD) pode-se incluir os dados referentes ao ano de 1981 do
suplemento de saúde da referida pesquisa. Entre 1981 e 2003, a porcentagem de idosos que
procurou atendimento praticamente dobrou tanto entre os homens quanto entre as mulheres
(Gráfico 3.9). Dentre os motivos apresentados, os aumentos mais significativos foram os
observados para a realização de exames de rotina. O diagnóstico precoce, especialmente nas
principais doenças crônicas que acometem os idosos, permite que os mesmos gozem de uma
melhor qualidade de vida na convivência com as doenças.
Gráfico 3.9
PROPORÇÃO DE IDOSOS QUE PROCURARAM ATENDIMENTO MÉDICO NAS ÚLTIMAS
DUAS SEMANAS POR SEXO E MOTIVO
BRASIL, 1981, 1998 e 2003
2%
8%
6%
3%
11%
8%
8%
8%
14%
11%
9%
17%
1%
0%
1%
0%
1%
1%
0%
3%
2%
0%
4%
1%
0%
5%
10%
15%
20%
25%
30%
Homens - 81 Homens - 98 Homens - 03 Mulheres - 81 Mulheres - 98 Mulheres - 03
Ex de Rotina e prevenção Doença Acidente ou Lesão Outras
Fonte: IBGE, PNADs de 1981 , 1998 e 2003.
130
Dessa forma, partindo-se da hipótese que as condições de saúde dos idosos são
bastante influenciadas pela forma com que os mesmos convivem com o aparecimento de
doenças crônicas e debilitantes e a possibilidade de acompanhamento médico, a auto-
percepção da saúde pode representar um bom indicador das reais condições de saúde dos
mesmos. Em 2003, uma maior proporção de idosos declararam gozar de estados de saúde
bons ou muito bons, em comparação com 1998. Essa melhora na auto-percepção da saúde
faz-se notar especialmente entre o contingente feminino (gráfico 3.10).
Gráfico 3.10
Tanto as condições efetivas de saúde como a autopercepção dos idosos em relação a
sua própria condição apresentam importantes correlações também com o processo de
universalização da Seguridade Social promovido pela Constituição de 1988. Se por um lado
tem-se o aumento do acesso aos serviços de saúde; por outro, tem-se uma expressiva
ampliação do acesso a renda por parte dos idosos brasileiros nos últimos 20 anos, quer através
das políticas previdenciárias ou assistenciais. O gráfico 3.11 apresenta a porcentagem de
idosos que recebem benefícios em pecúnia do sistema de seguridade social brasileiro e a
porcentagem dos idosos que não auferem nenhum tipo de renda nos três últimos censos
demográficos realizados no país. Pode-se perceber que para idades superiores a 80 anos o
acesso a renda é, em 2000, praticamente universal entre os idosos brasileiros. A porcentagem
AUTO-AVALIAÇÃO DO ESTADO DE SAÚDE DOS IDOSOS BRASILEIROS,
1998 e 2003
6,4%
7,3%
5,3%
6,9%
33,0%
34,9%
28,9%
32,7%
43,1%
42,8%
46,8%
45,4%
14,3%
12,1%
15,5%
12,4%
3,2%
2,8%
3,5%
2,7%
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
80%
90%
100%
1998 2003 1998 2003
Homens Mulheres
Muito bom Bom Regular Ruim Muito Ruim
Fonte; IBGE/ PNAD de 1998 e 2003.
131
de idosos mais jovens (com idade compreendida entre 65 e 69 anos) com acesso a renda de
benefícios da seguridade social praticamente dobrou entre 1980 e 2000; ao passo em que a
porcentagem desse mesmo contingente sem acesso a renda caiu a menos da metade no mesmo
período.
Gráfico 3.11
A maior autonomia, em termos de saúde e renda parece se refletir em uma tendência de
aumento do número de domicílios unipessoais entre os idosos. A possibilidade de se viver
sozinho é tradicionalmente entendida como um bem, estando associada com questões como
autonomia, independência e privacidade. Com o envelhecimento da população espera-se um
aumento do número de domicílios compostos por apenas um casal idoso ou mesmo por um
único indivíduo (gráfico 3.12), pois à medida que os pais envelhecem, os filhos tornam-se
adultos, independentes, e deixam a casa dos pais para constituir suas próprias famílias em seus
próprios domicílios. Da mesma forma, questões relacionadas com a vida moderna
51
como o
aumento da participação da mulher no mercado de trabalho e de sua escolaridade, queda da
taxa de fecundidade, aumento do número de divórcios e ausência de filhos, também
contribuiriam para o aumento desse tipo de arranjo familiar (PALLONI, DE VOS e PELAEZ,
51
Gierveld, de Valk e Blomemesteijn (2001) chamam a atenção para o fato dessas mudanças nos valores e padrões de
comportamento estarem caminhando em sentido ao individualismo e ao pós-materialismo.
PORCENTAGEM DE IDOSOS QUE RECEBEM BENEFÍCIOS DO SISTEMA DE SEGURIDADE SOCIAL E
DE IDOSOS QUE NÃO AUFEREM NENHUM RENDIMENTO,
BRASIL 1980/2000
42
25
68
20
78
10
71
15
89
9
93
2
0
10
20
30
40
50
60
70
80
90
100
Benef S/renda Benef S/renda Benef S/renda
1980 1991 2000
65-69 70-74 75-79 80+
Fonte: Censos Demográficos de 1980, 1991 e 2000.
132
1999). É interessante notar que o maior aumento entre os domicílios unipessoais de idosos se
deu entre a população com 80 ou mais anos de idade.
Gráfico 3.12
3.2.2 Mudanças no Mercado de Trabalho
Tão importantes quanto os aspectos demográficos para o sistema de seguridade social
brasileiro são as transformações observadas no mercado de trabalho nos últimos 20 anos.
Dentre esses aspectos, chamam a atenção o aumento do desemprego e do emprego informal
e/ou precário, sem a tradicional relação trabalhista e previdenciária, e a entrada maciça da
mulher no mercado de trabalho.
Em todo o mundo, como já mencionado, o aumento do desemprego nas últimas
décadas parece ter atualmente um caráter estrutural, pois ocorre independentemente da
conjuntura econômica. No Brasil, o fenômeno não é diferente. Ainda que as taxas de
desemprego sejam consideravelmente inferiores às observadas em alguns países europeus, por
exemplo, estas vêm crescendo ao longo dos últimos anos. O gráfico 3.13 apresenta a taxa de
desemprego aberto observada nas regiões metropolitanas brasileiras entre 1985 e 2007. Pode-
se perceber que o desemprego passou de patamares próximos a 5% até a primeira metade da
PORCENTAGEM DE IDOSOS VIVENDO POR FAIXA ETÁRIA,
BRASIL 1980/2000
0%
2%
4%
6%
8%
10%
12%
14%
16%
1980
1991
2000
65-69
70-74
75-79
80+
Total
Fonte: IBGE, Censos Demográficos
de 1980, 1991 e
2000.
133
década de 1990, para taxas superiores a 10% na década de 2000, com efeitos perversos para o
equilíbrio do sistema previdenciário.
Gráfico 3.13
TAXA DE DESEMPREGO ABERTO
BRASIL (REGIÕES METROPOL.), 1985/2007
Fonte: OIT, 2007.
Um segundo fenômeno, que no Brasil ocorre concomitante ao desemprego, é o da
informalização e/ou precarização dos mercados de trabalho. Essa precarização do mercado de
trabalho está intimamente relacionada com a contração relativa dos postos gerados pelo setor
industrial e correspondente expansão do setor de serviços. O gráfico 3.14 apresenta a
composição do emprego urbano no Brasil entre 1980 e 2005, por microempresas participantes
do setor forma foram consideradas as empresas com menos de seis empregados. A
precarização da estrutura ocupacional se verifica principalmente com relação ao decréscimo
da participação do empregos urbanos em empresas com mais de seis empregados do setor
privado. Em 1980, mais da metade dos empregos no Brasil encontravam-se nessa categoria.
Passados 25 anos, marcados por importantes desequilíbrios e transformações no cenário
econômico e de organização da produção, a participação do número de empregos em
0
2
4
6
8
10
12
14
1985 1990 1991 1992 1993 1994 1995
1996
1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003
2004
2005 2006 2007
134
empresas do setor privado com mais de 6 empregados reduziu-se em 13 pontos percentuais.
Por outro lado, reforçando a precarização da composição do emprego urbano tem-se um
aumento da participação dos trabalhadores independentes e dos empregos em micro e
pequenas empresas com menos de 6 empregados.
Gráfico 3.14
COMPOSIÇÃO DO EMPREGO URBANO
BRASIL, 1980/2005
Fonte: OIT, 2007.
Essa precarização do mercado de trabalho brasileiro se reflete na distribuição da
população ocupada segundo sua posição na ocupação. Em 2005, segundo dados do Ministério
da Previdência (tabela 3.2), aproximadamente 63% da população ocupada em idade ativa
(entre 16, idade legal mínima para a participação no mercado de trabalho brasileiro e 59 anos)
contava com proteção previdenciária. Porém uma análise mais atenta permite observar que a
proteção previdenciária entre os grupos de inserção mais precária no mercado de trabalho
ainda é bastante restrita. Entre os empregados domésticos, por exemplo, apenas 32% são
protegidos pela Previdência social, sendo que destes 19% não são cobertos diretamente, pois
são trabalhadores sem carteira, provavelmente em período de graça posterior a ruptura do
contrato formal (com carteira) de trabalho.
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
80%
90%
100%
1980 1990 1995 2001 2005
set
or formal privado
setor formal público
setor informal microempresas
setor informal serviço doméstico
setor informal conta própria
135
Tabela 3.2
Outro fenômeno do mercado de trabalho também de grande importância para a
Previdência Social e para o próprio sistema de seguridade social de forma geral é o
crescimento expressivo da participação das mulheres (gráfico 3.15). Ao mesmo tempo em que
o trabalho feminino pode ser entendido como uma complementação necessária das demandas
familiares para seu custeio, este permite maior autonomia e independência por parte das
mulheres, com importantes correlações com as mudanças observadas na composição dos
arranjos familiares
52
. Enquanto a participação das mulheres no mercado de trabalho não
ultrapassava os 50% em 1987, mesmo nos períodos de maior atividade ao longo do ciclo de
vida entre os 20 e os 45 anos de idade em 2000, mais de 70% das mulheres nessa mesma
faixa etária participavam do mercado de trabalho. A inserção da mulher no mercado de
trabalho incorpora além das variáveis socioeconômicas relevantes para a inserção masculina,
também os aspectos relacionados com a constituição da família e a maternidade. De acordo
com IPEA (2006), entre 1980 e 2000, as mudanças observadas no comportamento das
mulheres ao longo do ciclo de vida foram muito semelhantes às observadas entre os homens,
entre as quais se sobressaem o alongamento da vida, a postergação da idade a entrada no
mercado de trabalho, um adiantamento da idade de entrada na escola e a antecipação da idade
de aposentadoria. Entretanto, ao contrario dos homens, e apesar da entrada mais tardia no
mercado de trabalho, observa-se um alongamento do período passado na atividade econômica.
52
Pode-se dizer que as mulheres protagonizaram as principais mudanças observadas nos arranjos familiares
brasileiros nos últimos 20 anos, pois entre 1987 e 2007 a porcentagem dos arranjos formados por mulheres
sozinhas passou de 6% para 9%, enquanto a porcentagem dos formados por mães com filhos passou de 11% para
15% (dados extraídos nas PNAD de 1987 e 2007) .
População Ocupada com idade compreendida entre 16 e 59 segundo sua posição na ocupação e proteção previdenciária
Brasil, 2005
Proteção
Previdenciária\Posição
na ocupação
Empregados
com Carteira
Empregados do
Setor Público
Empregados
sem Carteira
%
Domésticos
com Carteira
Domésticos
sem Carteira
%
Protegidos 26462968 5230574 3963737 78% 1686982 319681 32% 5302486 33% 2047352 64% 63%
Desprotegidos 10195123 22% 0 4167933 68% 10671424 67% 1155886 36% 37%
Total 26462968 5230574 14158860 1686982 4487614 15973910 3203238
Fonte AEPS Infologo
% % Total
Empregados Trabalhadores Domésticos
Conta-
Própria
Empregador
136
Gráfico 3.15
TAXA DE PARTICIPAÇÃO DAS MULHERES BRASILEIRAS NO MERCADO DE TRABALHO
1987, 1997 E 2007
Fonte:
PNADS, IBGE
Para os sistemas de seguridade social, a inserção das mulheres no processo produtivo
traz uma série de implicações. Por um lado, possibilita o aumento da oferta de força de
trabalho, contrabalançando a queda da fecundidade e a redução da participação masculina.
Por outro, altera o seu papel na família, onde elas passam, também, a assumir o papel de
provedoras. A mulher entra para o mercado de trabalho em busca de independência financeira
e de realização plena de suas carreiras profissionais. Isso altera os contratos matrimoniais e
de gênero, imprimindo uma nova e menos estável estrutura domiciliar e familiar. Os sistemas
tradicionais foram concebidos tendo por base a família composta pelo homem provedor e a
mulher cuidadora. Essa mudança implica repensar os tradicionais benefícios e readaptá-los à
nova realidade das famílias com mais de um provedor. Soares e Isaki (2002), por exemplo,
argumentam que foi justamente entre as mulheres brasileiras casadas, na posição de cônjuge,
que se verificaram os aumentos mais significativos na participação no mercado de trabalho.
Isso ocorreu ao contrário do que se poderia esperar, ou seja, de que o aumento da participação
das mulheres no mercado de trabalho nas últimas décadas estivesse relacionado com suas
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
80%
90%
100%
15 a 19 20 a 24 25 a 29 30 a 39 40 a 49 50 a 59 60 anos ou
mais
Homens- 1987 Mulheres - 1987
Homens- 1997 Mulheres - 1997
Homens- 2007 Mulheres - 2007
137
novas demandas de chefes de família, pois entre 1985 e 2007 a chefia feminina dos domicílios
brasileiros passou de 16,9% para 35,1%
53
.
3.3. Conquistas e Desafios do Sistema de Seguridade Social Brasileiro
A transição de um modelo de proteção social baseado na participação no mercado de
trabalho para a garantia de mínimos sociais para toda a população brasileira demonstrou-se
bastante complexa e controversa, como discutido na primeira seção deste capítulo. A tentativa
de identificar o Sistema de seguridade social brasileiro com um dos modelos ideais da
tipologia discutida no primeiro capítulo, resulta impossível. O sistema nasceu com bases
conservadoras, fortemente associado à participação no mercado de trabalho, sob clara
influência do modelo conservqador. A tentativa de construção de um modelo universalista -
social-democrata a partir do marco constitucional, enfrentou toda a sorte de
constrangimentos políticos e fiscais; enquanto os ajustes empreendidos nas últimas duas
décadas, com vistas ao reequacionamento da questão orçamentário-fiscal, por sua vez, deram-
lhe contornos de uma prática de políticas residualistas.
Em termos de renda e redução da pobreza, porém, principalmente entre os idosos, os
resultados são expressivos. Analisando os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios (PNAD) tem-se que o número de idosos pobres reduziu-se a menos da metade
entre 1983 e 2003 (Gráfico 3.16 e 3.17)
54
. Em 1983, o país contava com um padrão de
incidência de pobreza ao longo do ciclo de vida típico de sociedades sem sistemas
previdenciários plenamente constituídos, ou seja: maior incidência de pobreza nos períodos
mais vulneráveis do ciclo de vida infância, período reprodutivo e velhice. Em 2003, após a
universalização do sistema, tem-se um perfil semelhante ao dos países desenvolvidos com
sistemas previdenciários consolidados. Ainda que a pobreza entre os demais grupos etários
não tenha verificado a mesma redução da observada entre os idosos, pode-se perceber que, em
termos gerais, o bem estar relacionado a redução da incidência de pobreza e indigência
apresentou significativa melhora.
53
Revista Desafios, novembro de 2007, http://desafios2.ipea.gov.br/003/00301009.jsp?ttCD_CHAVE=3003 .
54
A pobreza e indigência foram calculadas com base na cesta básica, conforme metodologia adotada por Barros
e Carvalho (2003).
138
Gráfico 3.16
Estrutura Etária da População Brasileira segundo sua
Condição de Pobreza e Indigência – 1983
Fonte:IBGE, PNAD 1983 e 2003.
Gráfico 3.17
Estrutura Etária da População Brasileira segundo sua
Condição de Pobreza e Indigência - 2003
Fonte:IBGE, PNAD 1983 e 2003.
indigentes
pobres
não pobres
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
80%
90%
100%
0 a 4
anos
5 a 9
anos
10 a
14
anos
15 a
19
anos
20 a
24
anos
25 a
29
anos
30 a
34
anos
35 a
39
anos
40 a
44
anos
45 a
49
anos
50 a
54
anos
55 a
59
anos
60 a
64
anos
65 a
69
anos
70 a
74
anos
75 a
79
anos
80 +
anos
indigentes
pobres
não pobres
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
80%
90%
100%
0 a 4
anos
5 a 9
anos
10 a
14
anos
15 a
19
anos
20 a
24
anos
25 a
29
anos
30 a
34
anos
35 a
39
anos
40 a
44
anos
45 a
49
anos
50 a
54
anos
55 a
59
anos
60 a
64
anos
65 a
69
anos
70 a
74
anos
75 a
79
anos
80 +
anos
139
No entanto, várias são as inconsistências, pois o surgimento de novas demandas em
um cenário marcado por restrições fiscais-orçamentárias e ainda expressivos contingentes da
sociedade vivendo em condição de pobreza e indigência, impõe a racionalização do sistema.
A velha máxima do cobertor curto ainda que não deva ser utilizada para o desmonte do
sistema, deve servir para balizar ações voltadas para a resolução desas inconsistências. Com
esse intuito, são aqui levantados aspectos pontuais de alguns dos benefícios, que suscitam um
debate mais amplo à luz das mudanças observadas nos planos demográfico e do mercado de
trabalho. É o caso, por exemplo, das aposentadorias por idade.
Por ocasião do processo constituinte e posteriormente em seu período revisional muito
se questionou sobre a adequação desse limite etário em função da relativamente (se
comparada aos países desenvolvidos) baixa expectativa de vida ao nascer no Brasil à época.
Em 1980 a expectativa de vida ao nascer de um homem brasileiro era de 58,5 anos, ou seja,
inferior ao limite estabelecido para o requerimento do benefício. Porém, o conceito de
expectativa de vida ao nascer é, por construção, muito afetado pela mortalidade infantil
(quanto maior a mortalidade infantil, conseqüentemente menor será expectativa de vida ao
nascer). O que interessa para o regime previdenciário são os indivíduos que entram para o
mercado de trabalho, o que torna mais adequado para efeitos de comparação a utilização do
conceito de expectativa de vida em determinadas idades (ou a idade de entrada para o
mercado de trabalho ou idade de saída do mesmo). Considerando-se a idade a partir da qual os
indivíduos tornam-se elegíveis para o requerimento dos benefícios (65 anos, se homem, e 60,
se mulher) tem-se que atualmente um homem brasileiro que completa 65 anos conta com a
estimativa de viver mais 16 anos; enquanto, aos 60 anos, as mulheres brasileiras podem
esperar viver em média mais 23 anos (respectivamente 3,5 e 4,5 anos a mais do que o
observado em 1980, para homens e mulheres).
O diferencial nas idades em que homens e mulheres se tornam elegíveis para o
benefício tem sido alvo de intensos debates, especialmente nos países desenvolvidos. Os
argumentos tradicionalmente utilizados para a manutenção desse diferencial são: a) uma
forma de compensação pelo tempo de afastamento do mercado de trabalho, a que as mulheres
são submetidas, em função da reprodução; b) uma suposta “fragilidade” do sexo feminino
relativamente ao sexo masculino; c) postos de trabalho de qualidade inferior; d) a dupla
jornada a que as mulheres estariam expostas ao ter que conciliar o trabalho assalariado com as
tarefas domésticas (CAMARANO e PASINATO, 2002) . No entanto, além dos ganhos de
longevidade observados na segunda metade do século XX terem beneficiado mais as
mulheres do que os homens, a sua posição no mercado de trabalho, ainda que desigual em
140
relação aos homens, tem sido objeto de contínuos avanços. Com isso, muitos países têm
promovido a equiparação das idades para a concessão do benefício. Esse é o caso da
Alemanha e dos Estados Unidos, por exemplo.
O aumento da expectativa de vida dos brasileiros impacta, ainda mais, sobre as
aposentadorias por tempo de contribuição, em função da precocidade com que são concedidos
alguns dos benefícios. A aposentadoria por tempo de contribuição foi criada ainda no período
em que o sistema era organizado por categorias profissionais com a denominação de
aposentadoria por tempo de serviço. No entanto, quando da sua criação constava um limite
mínimo de idade para o seu requerimento 55 anos. Apenas em 1968, após a unificação do
regime através da criação do INPS, foi suprimido o limite mínimo de idade. O benefício é
devido ao indivíduo que contribui por no mínimo 35 anos para o sistema, se homem, ou por
30 anos no caso das mulheres. De acordo com Oliveira, Beltrão e Médici (1993), até o início
da década de 1990 apenas oito países contavam com este benefício, sendo que apenas no caso
brasileiro o afastamento do mercado de trabalho não é obrigatório. Com a introdução do
Fator Previdenciário
55
foi possível promover uma redução do valor do benefício para as
idades mais precoces. Porém, a precocidade da concessão da aposentadoria por tempo de
contribuição, atualmente em torno de 52 anos, aliada ao fato da possibilidade legal de
permanência no mercado de trabalho brasileiro resulta no desvirtuamento do objetivo
primordial dos benefícios, qual seja: a manutenção da renda quando da perda da capacidade
de trabalho. Esses passaram a ser entendidos como um bônus
56
pela participação dos mesmos
no mercado de trabalho formal por um período determinado. Não que os aposentados, não
possam necessariamente permanecer em atividade se assim o desejaram, porém caso seja este
o caso deve haver um mecanismo de calibração do sistema que permita compensar a dupla
condição (aposentados exercendo atividades remuneradas), tal como ocorre em outros países.
As mudanças demográficas, no plano da saúde, e principalmente no plano econômico,
relacionada a uma mudança no perfil dos postos de trabalho e setores de atividade, também
se refletem no perfil das doenças que mais acometem os trabalhadores brasileiros e
demandem uma melhor articulação das políticas de saúde e previdência social. Lino e Dias
(on line) classificam o atual padrão brasileiro de morbi-mortalidade por acidentes do trabalho
e doenças ocupacionais ou relacionadas ao trabalho como um perfil misto, com uma
55
Cuja fórmula incorpora a expectativa de vida a idade de aposentadoria.
56
Os debates ocorridos por ocasião da realização do Fórum Nacional de Previdência Social, com a participação
de representantes do governo e da sociedade civil (sindicatos patronais e de empregados, além de associações de
aposentados) permite visualizar com clareza essa desvirtuação do sentido das aposentadorias. Para maiores
detalhes consultar Lopes Jr. (2009).
141
significativa incidência de acidentes do trabalho e doenças ocupacionais picas do início da
indústria (com alta incidência de acidentes fatais), concomitante com o surgimento de novas
afecções ou efeitos dos agentes causadores das doenças ocupacionais ou relacionadas ao
trabalho, tais como as doenças mentais e osteomusculares. De acordo com Camarano e
Pasinato (2008), por exemplo, o número de aposentadorias por invalidez previdenciárias
concedidas por problemas relacionados ao sistema osteomuscular, aumentou 46% entre 2000
e 2003, representando, em 2003, 1/3 do total de aposentadorias por invalidez previdenciárias
concedidas.
Além dos benefícios devidos aos segurados (em gozo de benefício ou ainda em
atividade e, portanto, contribuintes efetivos) da Previdência Social, existem também os
benefícios devidos a seus dependentes, cujo principal benefício pecuniário é a pensão por
morte. São considerados dependentes do instituidor da pensão: o cônjuge, a companheira, o
companheiro e o filho, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido
independentemente de comprovação de dependência econômica; os pais, irmãos menores de
21 (vinte e um) anos ou inválidos ou pessoas designadas, menores de 21 (vinte e um) anos ou
maiores de 60(sessenta) anos ou inválidas, desde que comprovada a dependência econômica
em relação ao instituidor
57
. A inexistência de condicionalidades vinculadas a dependência
econômica do instituidor do benefício de pensão por morte no Brasil, acaba por gerar um
quadro de iniqüidades se, se pensar a questão como uma proteção ao núcleo familiar. Ou seja,
promove-se uma super proteção, principalmente, ainda que não mais exclusivamente, das
viúvas que participam do mercado de trabalho, ou participaram e se encontram em gozo do
benefício de aposentadoria. Camarano e Pasinato (2002) mostraram, a partir de dados da
PNAD, um aumento da proporção de mulheres idosas que acumulam a recebimento de
aposentadorias e pensões de 1,4 % das mulheres urbanas em 1981 para 7,4% em 1999
58
. Isso
reflete um anacronismo entre a evolução do sistema e as transformações observadas na
sociedade. Se por ocasião da criação dos sistemas previdenciários, os benefícios foram
estruturados com base na família tradicional com o cônjuge do sexo masculino como o
responsável pela obtenção da renda, a medida que a mulher também entrou para o mercado
foi feita uma simples transposição dos benefícios para as mesmas, caminhando em direção à
proteção individual e perdendo-se com isso a razão da proteção ao núcleo familiar objeto
primeiro da instituição dos sistemas. Isso descaracteriza, em alguma medida, o sentido do
57
O direito ao benefício por parte dos dependentes cessa quando: de seu falecimento; da sua emancipação aos 21
anos, salvo se inválido, no caso dos filhos; ou da sua reabilitação, nos casos de invalidez.
58
Esse aumento foi ainda maior na área rural, em função das alterações nos critérios de elegibilidade dos
segurados especiais.
142
benefício de pensão por morte incondicional. A opção de alguns países foi pela introdução de
mecanismos limitantes para a outorga desses benefícios.
Depreende-se do acima descrito que os benefícios de longa duração outorgados pela
componente previdenciária do sistema de seguridade social demandam ajustes. As
aposentadorias que deveriam atender aos riscos de invalidez e idade avançada, atendem,
também, ao critério de tempo de contribuição sem que haja qualquer limite etário para o
requerimento da mesma entre os segurados do setor privado, nem tão pouco mecanismos
compensatórios relacionados com o acúmulo de renda do trabalho com a percepção dos
benefícios. O sistema amadurece, mais pessoas passam a contar com as condições mínimas
para a elegibilidade para os benefícios, ao mesmo tempo em que a população envelhece e
goza de melhores condições de saúde e de vida, de forma geral. A concessão precoce de
benefícios, onera o sistema duplamente: ao pagar benefícios por períodos mais longos e por
não receber os montantes devidos de contribuição compatíveis com os benefícios a serem
outorgados.
A componente assistencial, por sua vez, outorga benefícios voltados para os riscos dos
indivíduos que se encontrem em condição de pobreza. O entendimento dessa condição, para a
atual estrutura de benefícios do sistema, é de que a mesma é transitória. Os principais
benefícios pecuniários outorgados são: os Benefícios de Prestação Continuada (BPC) voltados
para o atendimento de idosos e portadores de deficiência que não possuam condições de
prover sua própria manutenção ou tê-la provida por sua família (art. 20 da LOAS)
59
e o Bolsa-
Família voltado para o atendimento a famílias em condição de pobreza (definida a partir de
uma renda
per capita
estabelecida por lei).
O BPC foi definido como sendo a garantia de um salário mínimo mensal aos idosos e
portadores de deficiência, tendo sido estabelecido que o benefício deve ser revisto
periodicamente (a cada dois anos) para a avaliação da continuidade das condições que lhe
deram origem (pobreza - art.21), ou se as mesmas foram superadas. O benefício é concedido
em bases individuais, pois os benefícios assistenciais porventura recebidos por outros
membros da família são expurgados do cálculo da renda domiciliar per capita exigida para a
outorga. Atualmente são concedidos aproximadamente 3 milhões de BPC, entre idosos e
portadores de deficiência. No caso específico do benefício por idade avançada, as atuais
regras de elegibilidade podem ser entendidas como um desincentivo a contribuição para o
sistema previdenciário, pois os benefícios são concedidos à mesma idade (no caso dos
59
Por meios necessários para o provimento de sua manutenção foi estabelecido o limite igual a uma renda
familiar mensal per capita inferior ¼ do salário mínimo (§ 3o. do art. 20 da LOAS).
143
homens) e com o mesmo valor da aposentadoria por idade, para a grande maioria dos casos.
Ainda que se reconheça a precariedade das condições de trabalho de uma parcela expressiva
da população brasileira, as sobreposições legais não são desprezíveis e imparciais no que se
refere a distribuição, ou redistribuição de renda, no Brasil. Ou bem se considera que o
benefício assistencial é voltado para os idosos queo conseguiram acumular condições
mínimas de renda ao longo do ciclo de vida, ou se admite, como o faz atualmente o RGPS, o
pagamento de aposentadorias por idade para indivíduos que perderam sua condição de
segurados, porém contribuíram no passado para o sistema de modo a cumprir com o período
de carência estabelecido.
O Bolsa-Família, por sua vez, consiste em um benefício voltado para as famílias
pobres, geralmente em período reprodutivo ou com filhos em idade escolar. É composto por
uma parcela fixa e outra variável, conforme o número de crianças e adolescentes, gestantes e
nutrizes presentes na família. Atualmente, o programa beneficia aproximadamente 11 milhões
de famílias pobres.
Fica evidente a falta de sinergia entre as políticas que compõem a seguridade social e a
segmentação das próprias políticas assistenciais de transferência de renda. A construção dos
programas BPC e Bolsa-Família parece considerar a existência de “duas” famílias
brasileiras distintas e estanques. Uma formada por idosos desamparados, isolados de suas
famílias e da própria sociedade, e outra formada por famílias jovens, porém tradicionais
formadas por casais com filhos - em cujas avós e avôs, ativos ou dependentes, não existem.
Sintetizando, o sistema de seguridade social contribuiu, sem sombra de dúvidas, para a
melhoria das condições de vida e de redução da pobreza, especialmente do contingente idoso,
nos últimos 20 anos no Brasil. No entanto em um contexto recessivo, como o vigente em
grande parte das últimas décadas, com desequilíbrios fiscais e redução do papel do Estado,
muito se tem questionado sobre a viabilidade futura das atuais políticas sociais que compõem
o sistema de seguridade social brasileiro. As transformações no mundo do trabalho,
associadas com as mudanças na estrutura etária e os vários ajustes e reformulações do sistema
de seguridade social brasileiro alteram sobremaneira o seu equilíbrio financeiro-atuarial.
Essas questões implicam aumentos ou reduções nos contingentes de contribuintes e
beneficiários do sistema. A população de contribuintes, por exemplo, é determinada pela
interação entre a PEA e o grau de formalização das relações de trabalho da mesma. A taxa de
participação da população no mercado de trabalho cresceu nas últimas décadas em função do
aumento da participação feminina, que a taxa de atividade masculina apesar de ter
observado uma leve redução se encontra em níveis próximos a 90% nos grupos etários
144
centrais. A precarização das relações do trabalho, o aumento da informalidade e do
desemprego, por sua vez, aumentaram significativamente entre as décadas de 1980 e 2000.
Pode-se dizer, com isso, que o crescimento da taxa de participação no mercado de trabalho
brasileiro ocorreu simultaneamente a deterioração das relações e contratos de trabalho. Isso
decorre do fato de que, em períodos recessivos, o aumento dos níveis de ocupação se dar via
expansão do número de postos de trabalho mais precários. Com isso, observou-se nas últimas
duas décadas uma estagnação da população de contribuintes como porcentagem da População
Economicamente Ativa (PEA) (gráfico 3.18).
Gráfico 3.18
A população de beneficiários, por sua vez, depende tanto do comportamento das
componentes demográficas quanto da estrutura legal-institucional do sistema. Dada a
expansão da cobertura do sistema de seguridade social, com a inclusão dos contingentes
populacionais de inserção mais precária no mercado de trabalho e conseqüentemente com
baixa capacidade contributiva, observou-se no mesmo período (1980-2000) um aumento do
número de beneficiários como proporção da PEA. Esse fato associado ao aumento da
esperança de vida, que faz com que os beneficiários gozem de seus benefícios por períodos
mais longos quando da inexistência de ajustes as regras e idades estabelecidas legalmente para
o sistema, reduz substancialmente a razão entre contribuintes e beneficiários. O gráfico 3.8
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
1940 1950 1960 1970 1980 1991 2000
-
2
4
6
8
10
12
14
16
18
20
22
Contribuintes/PEA % Beneficiários/PEA % Contribuintes por Beneficiários
PARTICIPAÇÃO DOS CONTRIBUINTES E BENEFICIÁRIOS NO TOTAL DA
PEA E RELAÇÃO ENTRE CONTRIBUINTES E BENEFICIÁRIOS
Fonte:www.ipeadata.gov.
145
permite observar que apenas nos últimos vinte anos a razão entre contribuintes e beneficiários
reduziu-se praticamente a metade, tendo passado de 3,6 contribuintes para cada beneficiário
em 1980 para 2,2 em 2000.
Historicamente os ajustes ao sistema tem sido realizados com base, apenas, em
critérios financeiro-contábeis, sem que se leve em consideração os aspectos demográficos e as
transformações na esfera produtiva que tantos reflexos tiveram sobre a estruturação do
mercado de trabalho e absorção da mão de obra. Esping-Andersen (2004), ao analisar as
reformas previdenciárias empreendidas na América Latina, na década de 1990, frisa que as
mesmas ocorreram como um meio de corrigir problemas de ordem exclusivamente
econômica, sem levar em consideração o bem-estar dos atuais e futuros idosos e nem
tampouco a realidade do mercado de trabalho. Isso representa dizer, em suas palavras: “matar
o mensageiro que traz as más notícias”, o que demandará futuras ondas de debates e reformas
dos sistemas mais preocupados com a questão da segurança socioeconômica na velhice do
que com as taxas de poupança e o desenvolvimento dos mercados de capitais vigentes nas
economias.
146
Capítulo 4
AS POLÍTICAS VOLTADAS PARA OS IDOSOS COM PERDA DE AUTONOMIA E
INDEPENDÊNCIA NO BRASIL E SUA DEMANDA POTENCIAL
O envelhecimento populacional, como se tentou demonstrar é um fenômeno que ocorre
com maior ou menor intensidade em praticamente todos os países do mundo, sendo
praticamente irreversível, pelo menos no curto e médio prazo, uma vez que os futuros idosos
nasceram. Assim como nos demais países, o processo de envelhecimento populacional no
Brasil implica um número maior de idosos com perda da capacidade de realização das AVD,
pois a longevidade, apesar dos avanços da ciência médica, ainda encontra nos dias atuais, forte
correlação com a ocorrência de doenças crônico-degenerativas. A perda da capacidade para a
realização das AVD, como analisado no segundo capítulo, pode ser entendida também como
uma perda de independência e autonomia por parte dos idosos, pois estes passam a demandar
o auxílio de cuidadores
60
para a realização de tarefas que variam desde os cuidados com a
higiene pessoal até a administração dos bens materiais e renda. Dessa forma, questões como a
prevenção e o controle das doenças crônicas e degenerativas e a provisão de mecanismos de
apoio voltados para os cuidados de idosos representam novos desafios para o sistema de
Seguridade Social brasileiro. Como ressaltado por Karch (2003):
“Neste país, a velhice sem independência e autonomia ainda faz parte de uma face
oculta da opinião pública, porque vem sendo mantida no âmbito familiar dos
domicílios ou nas instituições asilares, impedindo qualquer visibilidade e,
conseqüentemente, qualquer preocupação política de proteção social.
(...)
A transição demográfica no Brasil exige novas estratégias para fazer frente ao
aumento exponencial do número de idosos potencialmente dependentes, com baixo
nível socioeconômico, consumidores de uma parcela desproporcional de recursos
da saúde destinada ao financiamento dos leitos de longa permanência.” (KARCH,
12003; p. 862 e 865)
Este capítulo está organizado com base em quatro seções. A primeira seção, em
seqüência ao capítulo anterior apresentará a evolução das políticas voltadas especificamente
para as questões relacionadas com a perda de autonomia e independência dos idosos. A
segunda seção procurará mapear, dentro dos limites impostos pela escassez de dados sobre o
assunto, a situação dos idosos com dificuldades para a realização das AVD, residentes em
domicílios particulares. Para tanto, a análise se fará com base nos dados do suplemento de
saúde das Pesquisas Nacionais por Amostra de Domicílios (PNAD) de 1998 e 2003, da
60
Quer informais, como no caso dos familiares que prestam os cuidados gratuitamente, quer formais, podendo
estes últimos prestar os cuidados nos domicílios dos próprios idosos ou em instituições coletivas voltadas para o
atendimento dos idosos.
147
Fundação Instituto de Geografia e Estatística do Brasil (IBGE)
61
. A terceira seção procura
congregar as poucas informações disponíveis sobre o contingente dos idosos residentes em
domicílios coletivos, tais como os asilos ou como atualmente denominados “Instituições de
Longa Permanência para Idosos (ILPI). Por fim, é apresentada uma breve síntese da questão,
procurando analisar as possibilidades de incorporação das demandas por cuidados de longa
duração ao atual escopo do sistema de seguridade social brasileiro.
4.1 Políticas voltadas para os Idosos com perda de Independência e
Autonomia no Brasil
Ações voltadas para o atendimento de idosos com perda de independência e
autonomia, em seus primórdios, confundem-se com iniciativas assistencialistas públicas
capitaneadas ou não pelo Estado consistindo primordialmente nas instituições asilares.
Groissmam (1999) descreve a passagem do século XIX para o século XX, no Brasil, como um
período especialmente importante para a assimilação da questão da institucionalização dos
idosos por parte da sociedade. Sua análise baseia-se no estudo do caso do Asilo São Luiz para
a velhice desamparada, fundado em 1890 com inicialmente 45 leitos, tendo-se expandido para
um total de 260 leitos na década de 1920. O autor ressalta ter o rápido desenvolvimento da
instituição sido acompanhado pelo surgimento de novas representações sociais da velhice no
Brasil, fato este evidenciado pelos inúmeros artigos e notícias publicados nos jornais da época
não apenas sobre a instituição como, também, sobre a questão do envelhecimento.
A mobilização da sociedade brasileira para com a questão dos efeitos sociais e
econômicos do envelhecimento, no entanto, ganhou força a partir da década de 1950 sob
influencia do debate também recente nos países desenvolvidos. De acordo com a página da
Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG)
62
o interesse de alguns profissionais
na área médica com ligação na academia possibilitaram a realização em 1957 de um “Mesa
redonda sobre Gerontologia” realizada na Santa casa de Misericórdia do Rio de Janeiro, tendo
61
A utilização desses anos, como já mencionado na apresentação, não correspondeu a uma escolha e sim a uma
imposição, dado que os suplementos constantes dos questionários da PNAD revezam-se em relação aos temas
abordados. Quatro questionários já foram realizados para a identificação das condições de saúde da população
em 1981, 1998, 2003 e 2008. O suplemento saúde da PNAD de 1981 não conta com quesitos relacionados à
aferição dos limites e dificuldades para a realização das AVD, tendo sido portanto, descartado para os fins de
pesquisa da presente tese. Enquanto os resultados da Pesquisa realizada em 2008 não foram todavia publicados,
o que inviabiliza sua utilização.
62
www.sbgg.org.br
148
esta contribuído para a criação em 1961 da referida Sociedade (SBGG)
63
. Camarano e
Pasinato (2004) também ressaltam a atuação Serviço Social do Comércio (SESC), que a partir
de 1963 passou a atuar em outras áreas da prestação de serviços à idosos que não o
asilamento.
Por ocasião, no entanto, ocorreu o que pode ser considerado como um dos escândalos
pioneiros no que se refere a questão dos maus-tratos sofridos por idosos em instituições
asilares no país. Este escândalo refere-se a visita, em 1963, da Secretária de Serviços Sociais
da cidade do Rio de Janeiro Sandra Cavalcanti ao Asilo São Francisco de Assis. De
acordo com matéria publicada na revista Querida a visita consistiu em:
Uma das experiências mais dolorosas atravessadas por Sandra Cavalcanti ao
assumir o cargo foi a visita que fez ao “Asilo o Francisco de Assis” para a
velhice desamparada. A imundice e o desconforto eram um insulto à dignidade
humana! (FILLIZOLA, 1972; p. 191).
A estrutura etária brasileira à década de 1960, como visto no capítulo anterior, porém
era conformada majoritariamente por jovens
64
, não constituindo o atendimento as demandas
especificas dos idosos uma prioridade política. Abaixo reproduzo um trecho de um ofício de
autoria da Subchefia do Gabinete do Ministro do Trabalho e Previdência Social em resposta a
solicitação de informações sobre a prestação de assistência geriátrica pela Previdência Social,
realizada em 1969:
O maior portador de assistência médica no Brasil, em âmbito nacional, é sem
dúvida o INPS, o qual, porém, está sujeito a limitações de ordem financeira que o
obrigam a estabelecer prioridade nos atendimentos.(...) Dada a preponderância
marcante de pessoas jovens em nossa população, a elevada taxa de natalidade, a
baixa expectativa de vida, a pequena renda média per capita e a alta incidência de
doenças em massa - os programas de saúde no Brasil devem, necessariamente,
concentrar seus recursos no atendimento das doenças da infância e dos adultos
jovens. A assistência especifica ao velho, é forçoso reconhecer, deve aguardar
melhores dias. (...) Convém lembrar, todavia, que o fato de o paciente ser idoso
não o exclui do direito ao de receber assistência médica normalmente prestada aos
beneficiários em geral, de qualquer idade. (FILLIZOLA, 1972; p. 79-80).
A menção ao texto supracitado permite antever uma questão que perduraria até os dias
atuais, constituindo um dos principais aspectos analisados na presente tese: a impossibilidade
de entendimento das necessidades dos cuidados dos idosos sob a ótica estrita de setores
específicos das políticas sociais, em especial, da prestação de serviços de saúde ou assistência
63
Um dos seus objetivos, como constante em seu sítio na internet consiste em “estimular iniciativas e obras
sociais de amparo à velhice e cooperar com outras organizações interessadas em atividades educacionais,
assistenciais e de pesquisas relacionadas com a Geriatria e Gerontologia”.
64
Como será visto na próxima seção.
149
social. Para respaldar o estado embrionário, porém, presente, já a década de 1970 desta
questão é ilustrativa a transcrição de mais um trecho de Filizzola (1972).
O velho doente não é problema da Secretaria de Serviços Sociais, daí o se
justifica a existência de um Asilo-Hospital como o Asilo São Francisco de Assis,
onde os internados recebem assistência médica quando deveriam receber
assistência social. Tratando-se de um problema que afeta a essas duas Secretarias
de Estado, a velhice fica sendo uma espécie de “zona de ninguém” entre as duas
Secretarias, e como uma não entrosa com a outra, o infeliz do velho, além da idade
que tem, se forçado a suportar a animosidade e o ciúme da burocracia
administrativa. A Secretaria de Saúde, dotada de maior poder econômico que a
Secretaria de Serviços Sociais, goza de maior prestígio junto ao Governador, que
coloca em segundo plano a Secretaria de Serviços Sociais e a desprestigia em
relação à Secretaria de Saúde. (FILIZZOLA, 1972; p. 193)
Na década de 1970, os desafios inerentes ao processo de envelhecimento no Brasil,
porém começaram a integrar a agenda das políticas públicas. Datam desse período as
primeiras iniciativas do poder público visando o aumento da cobertura previdenciária com a
inclusão de categorias profissionais marginalizadas (autônomos, domésticos e rurais,
conforme mencionado no capítulo anterior). No que tange, especificamente, a questão da
prestação de serviços voltados para os cuidados, institucionais ou não, tem-se a realização em
1976 por parte do Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS) de três Seminários
Regionais (São Paulo, Belo Horizonte e Fortaleza) e um último a nível nacional, realizado em
Brasília. O objetivo dos seminários era proceder a identificação das condições de vida da
população idosa brasileira e do apoio assistencial existente para atender suas necessidades.
Com base nas apresentações e debates, as propostas foram consolidadas em documento
intitulado “Política Social para o Idoso: Diretrizes Básicas”, publicado em 1977 e, consistiam
basicamente em (BRASIL, 2002): implantar um sistema de mobilização comunitária, como
forma de apoio ao idoso e sua família; revisar os critérios para a concessão de subvenções a
entidades filantrópicas que abrigassem idosos; introduzir a prestação de serviços médicos
especializados para o idoso (com previsão de atendimento domiciliar); propor a criação de
programas voltados para a transição do período ativo para a aposentadoria no âmbito do
sistema previdenciário; formar recursos humanos capazes de lidar com a complexidade do
envelhecimento nas diversas áreas (saúde e assistência social); construir bancos de dados com
informações e análises sobre a situação do idoso no âmbito de programas de cooperação entre
a Empresa de Processamento de Dados da Previdência e Assistência Social (Dataprev) e a
Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), entre outras. Goldman (2003)
ressalta, no entanto, que, em função da sua extrema generalidade, esse documento de política
se assemelhava mais a “uma carta de intenções do que de um programa consistente e viável”.
150
Como salientado por Camarano e Pasinato (2004), a questão do envelhecimento
populacional começou progressivamente a ganhar importância na arena da formulação das
políticas públicas no Brasil, em grande parte por influência do debate internacional. Como
signatário do plano de ação para o envelhecimento de 1982
65
, o Brasil passou a incorporar o
tema na agenda política. O momento coincidiu com o período de redemocratização do país, o
que possibilitou um amplo debate por ocasião do processo constituinte, resultando na
incorporação do tema ao capítulo referente às questões sociais do texto constitucional.
A atual Constituição é pródiga na defesa dos direitos dos idosos. O artigo 230, por
exemplo, ressalta que o apoio aos idosos é responsabilidade da família, da sociedade e do
Estado, os quais devem assegurar sua participação na comunidade, defender sua dignidade e
bem-estar e garantir seu direito à vida. Em seu primeiro inciso, o artigo estabelece que os
programas de cuidados dos idosos sejam executados preferencialmente em seus lares. O
segundo inciso amplia para todo o território nacional, uma iniciativa que vinha sendo
observada em alguns municípios desde o início da década de 1980: a gratuidade dos
transportes coletivos urbanos para os maiores de 65 anos. A constituição avançou na proteção
dos idosos, também, nos quesitos: assistência social (art. 203); saúde (art. 196); educação (art
208); e mercado de trabalho (art. 7o).
Como sugerido por Uriona e Hakkert (2002), a inclusão de questões voltadas para a
proteção social da população idosa nos textos constitucionais pode ser interpretada como um
indicador de reconhecimento da importância da questão pela sociedade. No Brasil essa
interpretação é respaldada pelo fato de que até a promulgação da Constituição de 1988, todas
as demais constituições tratavam a questão do idoso apenas sob o ponto de vista do amparo a
idade avançada como um direito atrelado a participação prévia ao mercado de trabalho
(CAMARANO e PASINATO, 2004)
66
.
Com base nas diretrizes lançadas pela Constituição e fortemente influenciada pelo
avanço do debate internacional sobre a questão do envelhecimento, foi aprovada, em 1994, a
Política Nacional do Idoso
67
(PNI). De acordo com Camarano e Pasinato (2004), essa política
consistia em um conjunto de ações governamentais com o objetivo de assegurar os direitos
sociais aos idosos, partindo do princípio fundamental de que
“o idoso é um sujeito de direitos
65
Em 1982 foi realizada em Viena a primeira assembléia das Nações Unidas para o envelhecimento. Por ocasião
foi elaborado o primeiro Plano de Ação para o Envelhecimento, que elencou 62 recomendações para os países
signatários agrupadas em sete grandes temas: saúde e nutrição, proteção ao consumidor idoso, moradia e meio-
ambiente, família, bem-estar social, previdência social e emprego e educação.
66
1934 (art. 121 S 1o. h.), 1937 (art.137 item m), 1946 (art.157, XVI) e 1967 (art.158, XVI).
67
Lei 8.842
151
e deve ser atendido de maneira diferenciada em cada uma das suas necessidades: físicas,
sociais econômicas e políticas”.
A Secretaria de Assistência Social do então Ministério da Previdência e Assistência
Social (MPAS), atual Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome (MDS) foi
designada para a administração da PNI
68
. Além do estabelecimento da área assistencial como
órgão gestor da política, as principais diretrizes da PNI guardavam algumas semelhanças com
o documento de 1977. Dentre as diretrizes da Política aprovada em 1994 algumas das
principais consistiam em: incentivar e viabilizar formas alternativas de cooperação
intergeracional; atuar junto as organizações da sociedade civil representativas dos interesses
dos idosos com vistas a formulação, implementação e avaliação das políticas, planos e
projetos; priorizar o atendimento dos idosos em condição de vulnerabilidade por suas próprias
famílias, em detrimento ao atendimento asilar; promover a capacitação e reciclagem dos
recursos humanos nas áreas de Geriatria e Gerontologia; priorizar o atendimento do idoso em
órgãos públicos e privados prestadores de serviços e fomentar a discussão e o
desenvolvimento de estudos referentes a questão do envelhecimento (CAMARANO e
PASINATO, 2004).
O diferencial da PNI residiu, no entanto, em delimitar as competências dos órgãos e
entidades públicas. Sua implantação procurou estimular a articulação e integração dos
ministérios envolvidos através da elaboração de um Plano de Ação Governamental para
Integração da Política Nacional do Idoso no âmbito da União. A operacionalização da
Política, bem como das demais ações empreendidas no campo assistencial, se de forma
descentralizada, através de sua articulação com as demais políticas voltadas para os idosos no
âmbito dos estados e municípios e na construção de parcerias com a sociedade civil
(CAMARANO e PASINATO, 2004).
No que se refere a questão dos cuidados a PNI, mais uma vez, assumia a dicotomia
existente entre as responsabilidades das áreas de assistência social e saúde. No campo da
assistência social, resguardada a diretriz constitucional de atendimento preferencial dos idosos
em seus próprios lares em detrimento ao atendimento asilar, estabelecia o estímulo a criação
de incentivos e de alternativas de atendimento ao idoso, como centros de convivência, centros
de cuidados diurnos, casas-lares, oficinas abrigadas de trabalho, atendimentos domiciliares,
entre outros; bem como promover a capacitação de recursos para atendimento ao idoso. Ao
setor saúde, estabelecia a competência por: prover o acesso dos idosos aos serviços e as ações
68
Foi criado também, o Conselho Nacional dos Direitos do Idoso - CNDI, que veio a ser implementado apenas
em 2002 (Decreto no. 4.227 de maio de 2002).
152
voltadas à promoção, proteção e recuperação da saúde; o desenvolvimento da cooperação
entre as esferas de governo e entre os centros de referência em Geriatria e Gerontologia; a
inclusão da Geriatria como especialidade clínica para efeito de concurso blico, a realização
de estudos e pesquisas na área, além de criar serviços alternativos de saúde para o idoso.
Com isso, foi criada no âmbito do Ministério da Saúde, em 1999, a Política Nacional de
Saúde dos Idosos
69
. A exemplo do observado na análise da questão no plano internacional, a
introdução da Política Nacional de Saúde do Idoso de 1999 já transparecia a preocupação com
os altos custos envolvidos com as internações de longa duração dos idosos brasileiros e a
preocupação com a manutenção e promoção da independência e autonomia entre os idosos.
Vale citar o seguinte trecho de sua introdução:
(...) o principal problema que pode afetar o idoso, como conseqüência da evolução
de suas enfermidades e de seu estilo de vida, é a perda de sua capacidade
funcional, isto é, a perda das habilidades físicas e mentais necessárias para a
realização de suas atividades básicas e instrumentais da vida diária.(MS, 2002).
Com isso, as principais diretrizes traçadas pela política foram:
Promoção do envelhecimento saudável através do desenvolvimento de ações que
orientem os idosos e a população em geral para a importância da melhoria constante de
suas habilidades funcionais, mediante a adoção precoce de hábitos saudáveis de vida e a
eliminação de comportamentos nocivos à saúde;
Manutenção da capacidade funcional a se dar tanto com base na prevenção, como por
exemplo as campanhas de vacinação. quanto na detecção precoce das doenças crônico-
degenerativas;
Assistência às necessidades de saúde do idoso incentivar e promover a adoção de
protocolos médicos mais atentos para as necessidades dos idosos
70
;
Reabilitação da capacidade funcional comprometida - prevenir a evolução e a recuperação
das perdas funcionais incipientes
71
;
Capacitação de recursos humanos especializados a se dar em parceria com o Ministério
da Educação
72
;
69
Portaria 1395/GM – Ministério da Saúde.
70
Por exemplo, no âmbito clínico o acesso dos idosos aos medicamentos prescritos, em função de suas restrições
de renda e deficiências de cobertura do SUS. No âmbito hospitalar refere-se a internações de longa duração.
71
Um exemplo de ações voltadas para a reabilitação da capacidade funcional comprometida são os mutirões
cirurgias eletivas, tais como: catarata, próstata e varizes. Apenas no ano de 2000 foram realizadas 108.201
cirurgias excedentes (por excedente entenda-se além da média histórica que se situava em torno de 6000
cirurgias por mês para o período anterior a 1999). Além disso, algumas secretarias de assistência de Estados e
Municípios tem criado centrais para a doação e encaminhamento de tecnologias assistivas.
72
A capacitação de recursos humanos especializados perpassa todas as demais diretrizes de política, que
reside na atuação desses profissionais a implantação das demais ações. No entanto, a geriatria como
153
Apoio ao desenvolvimento de cuidados informais buscar através de parcerias com a
sociedade civil alternativas para a preparação e informação dos indivíduos encarregados
do cuidado dos idosos além de mecanismos voltados para o apoio físico e emocional dos
próprios cuidadores; e
Apoio a estudos e pesquisas sobre o tema.
Dessa forma, ainda que a política nacional de saúde dos idosos tenha contemplado
vários aspectos associados aos cuidados de longa duração dos idosos brasileiros, tais como o
apoio ao desenvolvimento de cuidadores informais e ações voltadas para a reabilitação da
capacidade funcional comprometida, conceitualmente os cuidados de longa duração no Brasil
fazem parte das políticas assistenciais através dos programas de serviços de ação continuada
na modalidade “atendimento a pessoa idosa”.
Como um reflexo do debate empreendido na arena internacional e antes mesmo de sua
plena absorção cultural pela sociedade brasileira, surgiram severos questionamentos sobre a
adequação da institucionalização como uma prática, em função de seus crescentes custos
econômicos e sociais e de sua baixa eficiência e eficácia. Vale lembrar o escândalo da Clínica
Santa Genoveva, no Rio de Janeiro, em 1996, quando em um período aproximado de dois
meses, morreram 99 idosos, vítimas de maus-tratos. Pode-se dizer que, atualmente, é
consenso entre as mais variadas especialidades científicas de que a permanência dos idosos
em seus núcleos familiares e comunitários contribui para o bem estar dos mesmos. Com isso,
a legislação brasileira, desde o atual texto constitucional, assinalou como preferencial que os
programas de amparo aos idosos sejam executados em seus lares (§1
o
. do art. 230 da CF). Os
serviços voltados para o cuidado dos idosos consistiam no programa de Proteção Social do
Idoso (PSI), integrante da modalidade dos Serviços de Ação Continuada (SAC) e previam,
além Instituições de Longa Permanência (asilos), as seguintes modalidades de cuidados
73
:
- Residência com família acolhedora é o atendimento prestado por famílias
cadastradas e capacitadas para oferecer abrigo às pessoas idosas em situação de abandono,
sem família ou impossibilitadas de conviver com suas famílias.
- Residência em casa-lar - é uma alternativa de residência para pequenos grupos, de
no máximo oito idosos, com mobiliário adequado e pessoa habilitada para apoio às
especialidade médica ainda é pouco difundida, existindo atualmente de acordo com informações constantes da
sítio do Ministério da Educação, apenas 11 cursos de residência médica para esta especialidade (seis em São
Paulo, dois no Rio de Janeiro, um em Minas Gerais, um no Rio Grande do Sul e um na Bahia).
73
Portaria da Secretaria Especial de Assistência Social (SEAS) 2854, de 19 de julho de 2.000, publicada no
Diário Oficial da União de 20 de julho de 2000.
154
necessidades diárias do idoso. Destina-se principalmente a idoso que apresente algum tipo de
dependência.
- Residência em república - é uma alternativa de residência para idosos
independentes, também organizada em pequenos grupos, conforme o número de usuários, e
co-financiada com recursos da aposentadoria, benefício de prestação continuada, renda
mensal vitalícia e outras. Em alguns casos a República pode ser viabilizada em sistema de
autogestão.
- Atendimento em centro-dia - é uma estratégia de atenção em instituições
especializadas, onde o idoso permanece durante oito horas por dia, e recebe serviços de
atenção à saúde, fisioterapia, apoio psicológico, atividades ocupacionais, lazer e outros, de
acordo com as necessidades dos usuários. Possibilidade a pessoa idosa ser atendida durante o
dia e retornar à noite para sua residência, propiciando a manutenção dos vínculos familiares.
- Atendimento domiciliar - é aquele prestado à pessoa idosa com algum nível de
dependência, por cuidadores. Consistem em pelo menos duas visitas semanais ao próprio
domicilio do idoso. Destina-se a apoiar idosos e sua família, nas atividades do seu dia-a-dia,
com vistas à promoção, manutenção e/ou recuperação da autonomia, permanência no próprio
domicílio, reforço dos vínculos familiares e de vizinhança e melhoria da qualidade de vida.
- Centro de convivência e Grupo de convivência - consistem em atividades realizadas
em período diurno para a promoção da sociabilidade, o desenvolvimento de habilidades, a
informação, a atualização, atividades educacionais, artísticas, esportivas e de lazer.
A operacionalização dessas modalidades consistia na transferência de recursos para os
municípios, após a assinatura de convênios, ficando os mesmos responsáveis pelo repasse das
verbas para as instituições prestadoras de serviços e sua fiscalização. De acordo com Batista
et al (2008), foram realizados 335 mil atendimentos nessas modalidades em 2005. Dados do
Suplemento da Pesquisa de Informações Básicas Municipais (MUNIC) realizada em 2005
pelo IBGE (
apud
BATISTA ET AL, 2008) permitem visualizar a presença dos serviços nos
municípios brasileiros. Enquanto os centros de convivência, voltados para a população idosa
ativa, estavam presentes em 41,3% dos municípios brasileiros, ILPI eram encontradas em
apenas 13,9% dos municípios e 4,l% contavam com a presença de centros-dia, voltados para a
permanência diurna dos idosos com perda de capacidade instrumental ou funcional,
155
permitindo conciliar a convivência familiar com a participação no mercado de trabalho por
parte dos cuidadores familiares
74
.
A preparação e o apoio aos cuidadores informais, como se procurou demonstrar na
primeira parte da tese, ainda é pouco desenvolvida mesmo nos países desenvolvidos, onde o
processo de envelhecimento populacional se encontra em estágios mais avançados. No
Brasil, políticas e programas voltados para os cuidadores informais são normalmente
articulados através de parcerias entre o Estado e a sociedade civil, quer através da preparação
e informação direta dos profissionais de saúde para com os indivíduos encarregados do
cuidado dos idosos, quer através de ações da sociedade civil organizada com o auxílio
logístico e/ou financeiro do Estado para o acompanhamento desses cuidadores. Nesse sentido
é notável a atuação da Pastoral da terceira idade (movimento atrelado a Confederação
Brasileira de Bispos do Brasil, que realiza desde 1996 cursos de Cuidador Informal de Idosos,
além da prestação de serviços de atendimento domiciliar a famílias com idosos dependentes) e
do Serviço Social do Comércio (SESC- que desde 1963 disponibiliza centros de convivência
para idosos e atualmente também conta com cursos para a formação de cuidadores de idosos).
Em 2002, foram aprovadas no campo das políticas da saúde programas voltados para o
atendimento domiciliar e atendimento especializado para idosos. A Portaria 738/02 criou a
Assistência Domiciliar e os Hospital-Dia Geriátricos no âmbito do Fundo de Ações
Estratégicas e Compensação (FAEC). No mesmo ano, através da Portaria 702 da Secretaria
de Assistência a Saúde, o Ministério da Saúde propôs a organização e implantação de Redes
Estaduais de Assistência à Saúde do Idoso, com base nas condições de gestão e divisão de
responsabilidades entre os entes federados definidas pela Norma Operacional de Assistência a
Saúde (NOAS). Para a operacionalização dessas redes foram criadas normas para o
cadastramento de Centros de Referência em Atenção a Saúde do Idoso (CRASI)(Portaria
249/02) especificando o cumprimento das seguintes exigências a criação dos seguintes
serviços:
a) Leitos geriátricos - a serem atendidos por equipes multiprofissionais e
interdisciplinares, voltados para os idosos com perda de capacidade funcional em, pelo
menos, uma das AVD.
b) Hospital Dia Geriátrico constitui uma modalidade intermediária de atendimento à
saúde, situada entre a internação hospitalar e a assistência domiciliar, ou complementar a esta,
74
De acordo com Batista et al.(2008) a MUNIC também constatou que 77,8% dos municípios brasileiros contam
com atendimentos assistenciais domiciliares à idosos, porém a cobertura desses serviços apontam para um
percentual bastante limitado de idosos beneficiados.
156
que tem por objetivo viabilizar uma assistência global à saúde do idoso adequada para aqueles
cuja necessidade terapêutica e de orientação de seus cuidadores não justifiquem sua
permanência contínua em ambiente hospitalar e/ou auxiliar as famílias que não apresentam
condições adequadas para as demandas assistenciais desse idoso.
c) Ambulatório Especializado em Saúde do Idoso - nos quais os idosos possam
receber atendimento individual (consulta médica e de enfermagem; fisioterapia; psicoterapia;
terapia ocupacional; apoio, educação e orientações dietéticas; reabilitação da fala e
deglutição) ou grupal (grupo operativo, terapêutico, atividade socioterápica; grupo de
orientação, atividades de sala de espera, atividades educativas em saúde).
d) Assistência Domiciliar - modalidade de assistência prestada no domicílio do
paciente, compreendendo um conjunto de procedimentos diagnósticos, terapêuticos e de
reabilitação para aumento da autonomia e capacidade funcional do idoso. Posibilitanto, além
disso, identificar e orientar o cuidador familiar ou informal. Essa modalidade, convem
lembrar, deve ser articulada junto ao PSF.
Em 2003, como mencionado no capítulo anterior, quase uma década após a PNI, foi
promulgado o Estatuto do Idoso, (Lei 10.741, de 1º de outubro de 2003). O diferencial
imposto pela aprovação de um Estatuto versando sobre um tema específico, como no caso os
idosos, reside na possibilidade de congregar em uma única lei os vários aspectos do tema
anteriormente dispersos na legislação ordinária. Um dos principais aspectos do Estatuto do
Idoso, por exemplo, diz respeito à previsão do estabelecimento de crimes e sanções
administrativas no que se refere ao descumprimento da lei em sua promoção do bem-estar aos
idosos.
Em 2003 foi também realizada em Brasília, a IV Conferência Nacional de Assistência
Social. Com base em suas deliberações e no compromisso firmado por materializar as
diretrizes da LOAS foi aprovada, em 2004 a Política Nacional de Assistência Social (PNAS)
que estabelecia a criação e implementação do Sistema Único de Assistência Social (SUAS).
De acordo com a PNAS, a organização da Assistência Social tem por base as seguintes
diretrizes: descentralização político-administrativa, cabendo à esfera federal a coordenação e
o estabelecimento das normas gerais e às esferas estadual e municipal, a coordenação e
execução dos respectivos programas; a participação da população, por meio de organizações
representativas, na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis; a
primazia da responsabilidade do Estado na condução da Política de Assistência Social em
cada esfera de governo; e a centralidade na família para concepção e implementação dos
benefícios, serviços, programas e projetos.
157
De especial importância para o avanço das políticas voltadas para os cuidados dos
idosos é a questão da família ou, nos termos da política, a matricialidade sociofamiliar para a
gestão da política. Vale ressaltar os seguintes trechos a PNAS:
As reconfigurações dos espaços públicos, em termos dos direitos sociais
assegurados pelo Estado Democrático de um lado e, por outro, dos
constrangimentos provenientes da crise econômica e do mundo do trabalho,
determinaram transformações fundamentais na esfera privada, resignificando as
formas de composição e o papel das famílias. Por reconhecer as fortes pressões
que os processos de exclusão sociocultural geram sobre as famílias brasileiras,
acentuando suas fragilidades e contradições, faz-se primordial sua centralidade no
âmbito das ações da política de assistência social, como espaço privilegiado e
insubstituível de proteção e socialização primárias, provedora de cuidados aos
seus membros, mas que precisa também ser cuidada e protegida. Essa correta
percepção é condizente com a tradução da família na condição de sujeito de
direitos, conforme estabelece a Constituição Federal de 1988, o Estatuto da
Criança e do Adolescente, a Lei Orgânica de Assistência Social e o Estatuto do
Idoso.
A família, independentemente dos formatos ou modelos que assume, é mediadora
das relações entre os sujeitos e a coletividade, delimitando, continuamente os
deslocamentos entre o público e o privado, bem como geradora de modalidades
comunitárias de vida. Todavia, não se pode desconsiderar que ela se caracteriza
como um espaço contraditório, cuja dinâmica cotidiana de convivência é marcada
por conflitos e geralmente, também, por desigualdades, além de que nas
sociedades capitalistas a família é fundamental no âmbito da proteção social.”
(...)
Embora haja o reconhecimento explícito sobre a importância da família na vida
social e, portanto, merecedora da proteção do Estado, tal proteção tem sido cada
vez mais discutida, na medida em que a realidade tem dado sinais cada vez mais
evidentes de processos de penalização e desproteção das famílias brasileiras.
Nesse contexto, a matricialidade sociofamiliar passa a ter papel de destaque no
âmbito da Política Nacional de Assistência Social PNAS. Esta ênfase está
ancorada na premissa de que a centralidade da família e a superação da
focalização, no âmbito da política de Assistência Social, repousam no pressuposto
de que para a família prevenir, proteger, promover e incluir seus membros é
necessário, em primeiro lugar, garantir condições de sustentabilidade para tal.
Nesse sentido, a formulação da política de Assistência Social é pautada nas
necessidades das famílias, seus membros e dos indivíduos
.”(BRASIL, 2004; p.
39)
Ainda de acordo com a PNAS a proteção social brindada pela Assistência Social deve
consistir em um
conjunto de ações, cuidados, atenções, benefícios e auxílios ofertados pelo
SUAS para redução e prevenção do impacto das vicissitudes sociais e naturais ao ciclo da
vida, à dignidade humana e à família como núcleo básico de sustentação afetiva, biológica e
relacional
.” Para tanto, a nova legislação hierarquizou a atuação da Assistência Social em
dois níveis - básico e especial.
A proteção social básica é destinada a população assumida como em condição de
“vulnerabilidade social” em decorrência de sua condição de pobreza ou privação (esta
podendo referir-se à ausência de renda, ao precário ou nulo acesso aos serviços públicos,
dentre outros aspectos). Seu objetivo reside em prevenir situações de risco, por meio do
158
desenvolvimento de potencialidades, aquisições e o fortalecimento de vínculos familiares e
comunitários. Para tanto, pretende-se que os serviços de proteção social básica sejam
executados pelos Centros de Referência da Assistência Social (CRAS) e em outras unidades
básicas e públicas de assistência social. Programa de Atenção Integral às Famílias. Dentre os
serviços a serem prestados são previstos, para os casos dos idosos, os Centros de Convivência.
As demais modalidades de atendimento e prestação de serviços de cuidados aos idosos
são feitas no âmbito da proteção social especial. Esta comporta objetivos bastante amplos e
que consistem em prover atenção socioassistencial a famílias e indivíduos que se encontram
em situação de risco pessoal e social, por ocorrência de abandono, maus tratos físicos e/ou
psíquicos, abuso sexual, uso de substâncias psicoativas, cumprimento de medidas
socioeducativas, situação de rua, situação de trabalho infantil, entre outras e são subdivididos
em alta e média complexidade. A proteção social especial de média complexidade voltada
para os idosos consiste basicamente na prestação de serviços apoio sociofamiliar nas
modalidades referentes aos centros-dia e cuidados domiciliares. Os serviços de proteção
social especial de alta complexidade são aqueles que garantem proteção integral moradia,
alimentação, higienização e trabalho protegido para famílias e indivíduos que se encontram
sem referência e/ou em situação de ameaça, necessitando ser retirados de seu núcleo familiar
e /ou comunitário. Nesses casos os serviços voltados para os idosos consistem basicamente
nos demais serviços previstos pela Portaria 2854/00, a saber: atendimento integral
institucional (ILPI); casa-lar; república; albergues e família acolhedora. Percebe-se, no
entanto, a ausência da modalidade referente aos Centros-dia, única modalidade com previsão
de atenção à saúde.
O estabelecimento de padrões nimos para o funcionamento das ILPI é de
responsabilidade, por sua vez, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Em 2005, através
da aprovação da Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) no. 283, foram definidas normas
para o funcionamento das ILPI, em substituição a Portaria 810 do Gabinete do Ministro do
Ministério da Saúde de 1989. Uma das novidades aportadas pelas novas normas foi a
classificação dos idosos residentes em ILPI idosos institucionalizados com base em sua
capacidade funcional, a saber: grau de dependência I correspondente aos idosos
independentes; grau de dependência II correspondentes aos idosos com dependência em até
três atividades de autocuidado para a realização das AVD, porém sem comprometimento
cognitivo; grau de dependência III correspondente aos idosos com dependência que
demandem assistência para a realização de todas as atividades do autocuidado e tenham
algum comprometimento cognitivo. A importância dessa classificação reside na determinação
159
do número de cuidadores e sua carga horária para o atendimento dos idosos em cada um dos
graus de dependência estabelecidos.
A implementação do Conselho Nacional dos Direitos dos Idosos (CNDI) em 2002, no
âmbito da Secretaria Especial dos Direitos Humanos (SEDH) da Presidência da República, ou
seja, fora dos ministérios responsáveis pelas áreas de políticas MDS, responsável pelas
políticas assistenciais, e Ministério da Saúde - possibilitou, uma nova conformação
institucional com vistas a ultrapassar as dicotomias na atuação das políticas de saúde e
assistência social e sinalizou para os primeiros passos em direção a construção de políticas
mais articuladas. Em maio de 2006, por iniciativa do CNDI, foi realizada, em Brasília, a I
Conferência Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa (I CNDPI), com a participação de
representantes da sociedade civil e do Estado, em suas três esferas, eleitos democraticamente
em Conferências Municipais, Regionais e Estaduais. Essa Conferência culminou com a
proposta de criação de uma Rede Nacional de Proteção e Defesa da Pessoa Idosa (RENADI)
com o objetivo de promover a intersetorialidade e a interdisciplinariedade das ações, serviços,
programas e projetos de atenção a pessoa idosa (DOMINGUES E DERNTL, 2008)
A partir dos debates promovidos pela I CNDPI foram aprovadas 260 deliberações
distribuídas em oito eixos temáticos, a saber: eixo 1 ações para efetivação dos direitos da
pessoa idosa (46 deliberações), eixo 2 violência contra idosos (18 deliberações), eixo 3
saúde da pessoa idosa (86 deliberações), eixo 4 previdência social (30 deliberações), eixo 5
assistência social a pessoa idosa ( 25 deliberações), eixo 6 financiamento e orçamento
público (26 deliberações), eixo 7 educação, cultura, esporte e lazer (38 deliberações) e eixo
8 controle democrático (21 deliberações). Fica patente a carência relacionada com a
prestação dos serviços de saúde, as quais corresponderam a aproximadamente 1/3 do total das
deliberações da I CNDPI. Essas, porém, de acordo com o documento do Ministério da Saúde
datado de agosto de 2006
75
, merecem algumas ressalvas, uma vez que de acordo com o
referido documento “não são do âmbito de responsabilidade do Ministério da Saúde”,
devendo as mesmas serem remetidas aos setores governamentais apropriados. São elas:
Deliberação no. 17 - Criar residência terapêutica temporária (por até sessenta dias)
com serviço de atenção à saúde e reabilitação do idoso em alta hospitalar e em situação de
vulnerabilidade social, com garantia de atendimento domiciliar após a alta.
75
Comentários Às Deliberações Da Conferência Nacional Dos Direitos Da Pessoa Idosa – Eixo
Saúde (Área Técnica Saúde Do Idoso - DAPE/SAS/MS; 2006)
(
http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/relatorio_cndi_2006_idoso.pdf acessado em 24 de fevereiro de
2009).
160
o
Deliberação no.18 - Criar e/ou melhorar Instituições de longa permanência
para abrigar idosos dependentes e em situação de extrema vulnerabilidade ou
insuficiência familiar.
o
Deliberação no. 20 - Firmar convênios entre as três esferas de governo e
instituições filantrópicas prestadoras de serviços de atenção à saúde do idoso,
aumentando o valor do piso de proteção.
o
Deliberação no. 71 - Fomentar a criação de cursos de pós-graduação em
gerontologia nas Universidades Públicas e Privadas.
o
Deliberação no. 76 - Garantir concurso público para a contratação de
profissionais da saúde com especialização em geriatria e gerontologia,
incluindo áreas de reabilitação e saúde mental para atendimento aos idosos nos
diversos níveis de atenção.
O mesmo documento, informa, por outro lado que a
Área Técnica Saúde do Idoso
76
tem buscado uma agenda comum com o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à
Fome no sentido de somar esforços para a implementação de medidas que visem a melhoria
das condições de vida da população idosa institucionalizada
e ressalta ser observado em
alguns estados e municípios um esforço conjunto entre Ministério Público, Secretarias de
saúde e de assistência social bem como conselhos locais de direitos da pessoa idosa em
proceder visitas às instituições e identificar necessidades específicas para que as mesmas
obedeçam as normas estipuladas pela ANVISA no sentido de garantir o acesso dos idosos à
moradia com qualidade, serviços e direitos assegurados na PNI e no Estatuto do Idoso.
Destaca, porém que os CRASI
ficaram com uma demanda de assistência acima de sua
capacidade operativa e as pessoas idosas que buscavam um atendimento especializado na
área de geriatria e de gerontologia não encontravam respostas às suas necessidades”
, dado
fazerem parte das redes estaduais e contarem com grande dificuldade de articulação e
participação de níveis intermediários entre a atenção básica e os Centros de Referência.
76
“A criação e/ou melhoria das instituições de longa permanência para idosos (item 18) o é uma atribuição
legal das esferas de governo da saúde. Entretanto, a assistência à saúde dessa parcela da população idosa que
se encontra institucionalizada é um dever do Estado e cabe, portanto, aos serviços locais essa responsabilidade.
No entendimento da equipe técnica do Ministério da Saúde, um plano de atendimento às necessidades de saúde
das instituições de longa permanência deve ser discutido em âmbito local reunindo os gestores das esferas
municipais e estaduais de saúde, identificando ações comuns e necessidades específicas onde o Ministério da
Saúde poderia apoiar para o pleno atendimento. Cabe destacar, ainda, que, dada a complexidade dos
problemas enfrentados por grande parte das instituições de longa permanência, em especial aquelas que
dependem de recursos públicos para o seu funcionamento, espera-se que no nível local sejam articuladas outras
esferas de governos tais como Ministério blico e os órgãos de Assistência Social. Em outras palavras, a
intersetorialidade é uma exigência fundamental para uma abordagem adequada ás instituições de longa
permanência.” DAPE/SAS/MS (2006; p.12)
161
Em outubro de 2006, o Ministério da Saúde aprova a atualização da Política Nacional de
Saúde da Pessoa Idosa (Portaria 2528). Esta nova medida legal estabelece o prazo de 60 dias
(a partir de sua publicação) para que o Ministério da Saúde adote as providências necessárias
à revisão das Portarias 702/02 e 249/02 para que as mesmas sejam compatibilizadas com as
diretrizes estabelecidas pela nova Política de Saúde da Pessoa Idosa.
A nova política estabelece como sua finalidade primordial “recuperar, manter e
promover a autonomia e independência dos indivíduos idosos, direcionando medidas coletivas
e individuais de saúde para esse fim, em consonância com os princípios e diretrizes do SUS”
(MS, 2006). Para tanto, identifica como primordial o enfrentamento dos seguintes desafios
impostos pelo envelhecimento da população brasileira:
a) a escassez de estruturas de cuidado intermediário ao idoso no SUS, ou seja,
estruturas de suporte qualificado para idosos e seus familiares destinadas a
promover a intermediação segura entre a alta hospitalar e a ida para o domicílio;
b) número insuficiente de serviços de cuidado domiciliar ao idoso frágil previsto no
Estatuto do Idoso. Sendo a família, via de regra, a executora do cuidado ao
idoso, evidencia-se a necessidade de se estabelecer um suporte qualificado e
constante aos responsáveis por esses cuidados, tendo a atenção básica por meio
da estratégia Saúde da Família um papel fundamental;
c) a escassez de equipes multiprofissionais e interdisciplinares com conhecimento
em envelhecimento e saúde da pessoa idosa; e
d) a implementação insuficiente ou mesmo a falta de implementação das Redes de
Assistência à saúde do Idoso.
A nova política reconhece demandar o desenvolvimento de um amplo conjunto de ações
que requerem o compartilhamento de responsabilidades com outros setores, ou seja, assume a
articulação intersetorial como indispensável para a implementação da política. Dentre a
divisão de tarefas, entre estabelecida pela nova legislação consta que a promoção dessa
articulação intersetorial para a efetivação da política é de responsabilidade de todos os níveis
de governo. No que tange especificamente a questão dos cuidados dos idosos com perda de
independência e autonomia são se especial importância as articulações com o SUAS. Constam
das medidas propostas: a implantação de política de atenção integral aos idosos residentes em
ILPI e a implantação e implementação de Centros de convivência e Centros-Dia.
Ainda em outubro de 2006, a Portaria no. 2529 do Ministério da Saúde institui a
internação domiciliar no âmbito do SUS. Por internação domiciliar a nova peça legal entende
o conjunto de atividades prestadas no domicílio a pessoas, qualquer que seja sua idade,
162
clinicamente estáveis que exijam intensidade de cuidados acima das modalidades
ambulatoriais, mas que possam ser mantidas em casa, por equipe exclusiva para este fim. Para
tanto, os serviços de internação domiciliar deverão ser compostos por equipes
multiprofissionais (médicos, enfermeiros e técnicos ou auxiliares de enfermagem). As equipes
serão responsáveis pelo atendimento dos pacientes ao longo dos primeiros 30 dias após a alta
hospitalar. Durante esse período deverá prover além do cuidado do paciente, a preparação do
cuidador.
Em novembro de 2006, é implementada uma medida, a primeira com viés preventivo
aos agravos próprios da idade, prevista pela Portaria no. 399 do Gabinete do Ministro da
Saúde: a Caderneta de Saúde da Pessoa Idosa (para indivíduos com 60 ou mais anos). A
implementação da Caderneta corresponde ao primeiro passo concreto para a articulação dos
cuidados dos idosos no âmbito das políticas de saúde. Esse instrumento, como salientado por
Batista et al. (2008) visa melhorar o conhecimento da população idosa por parte das equipes
do PSF, facilitando a identificação de problemas de saúde instalados bem como potenciais
riscos de saúde dos idosos. A caderneta dispõe de informações tanto do quadro nosológico
dos idosos, quanto da situação familiar dos mesmos.
Após 20 anos do estabelecimento, por força da Constituição, da gestão participativa e
democrática da Seguridade Social, este parece começar a engatinhar. Se, por um lado, a
dicotomia saúde versus assistência na divisão das responsabilidades pelo cuidado dos idosos
dificulta o avanço de políticas públicas sobre o tema; por outro lado, impõe a necessidade de
se adotar princípios de intersetorialidade e interdisciplinariedade na formulação das políticas
de seguridade social. Esses princípios transbordam para além das fronteiras da burocracia do
Estado. Em 2008 foi realizada a II CNDPI. Vale destacar, as palavras do Presidente do CNDI
Dr. Paulo Roberto Ramos sobre a questão do idoso no Brasil, constante do Texto Base
disponibilizado para o Evento:
Impossível assegurar direitos mínimos a população pobre envelhecida no Brasil com
serviços públicos tão mal estruturados. Além disso, com gestores isolados uns dos
outros. Muito embora vários tenham responsabilidades em relação ao contingente
envelhecido da população, não dialogam entre si, impossibilitando o desenvolvimento
articulado e concomitante de ações, o que atenderia com racionalidade e economia
de recursos humanos e materiais as principais demandas do contingente envelhecido
da população. (...) A legislação criou uma rede de promoção e proteção dos direitos
das pessoas idosas, contudo parece que as autoridades não entenderam ou não
quiseram entender esse comando
(
RAMOS, 2008; p.5)
163
4.2 – Perda de Autonomia e Dependência entre os Idosos Brasileiros
Como mencionado ao longo dos capítulos anteriores, os cuidados de longa duração
são voltados para os idosos que não possuem condições, quer físicas ou emocionais, para a
realização das atividades do cotidiano. O apoio instrumental diz respeito às AVDs, que
envolvem: preparar refeições, fazer compras, fazer tarefas domésticas leves, fazer tarefas
domésticas pesadas, e cuidar do próprio dinheiro. O apoio funcional representa a necessidade
de auxílio para a realização das atividades mais básicas do cotidiano, as quais incluem: tomar
banho, vestir-se, comer, deitar, sentar ou levantar, caminhar, sair de casa, e ir ao banheiro. A
identificação de limitações para a realização das atividades entendidas como instrumentais
implica a necessidade do apoio de terceiros para a manutenção da autonomia, as limitações
funcionais representam a perda concreta da independência desses idosos.
É notória a dificuldade de se dispor de dados e pesquisas sobre questões muito
específicas, como no caso da potencial demanda por cuidados de longa duração dos idosos, no
Brasil. No entanto, os Suplemento de Saúde da PNAD dos anos de 1998 e 2003, realizada
pelo IBGE, contam com alguns quesitos voltados para a auto-avaliação dos indivíduos
quanto a sua mobilidade física, capacidade instrumental e funcional para a realização das
AVDs, quais sejam: o grau de dificuldade para alimentar-se, tomar banho ou ir ao banheiro;
para correr, levantar objetos pesados , praticar esportes ou realizar trabalhos pesados;
empurrar mesa ou realizar consertos domésticos; subir escadas ou ladeiras; abaixar-se,
ajoelhar-se ou curvar-se e andar cerca de 100 metros. Estes foram aqui utilizados como uma
ilustração das crescentes limitações instrumentais e funcionais associadas ao avanço da idade.
Com base nas informações e segundo o grau de limitações funcionais e instrumentais
para a realização das AVDs, foram construídas três categorias de idosos brasileiros, com mais
de 65 anos, quais sejam:
Idosos com limitações funcionais - correspondem aos idosos que responderam
qualquer grau de dificuldade no quesito “alimentar-se, tomar banho ou ir ao
banheiro”.
Idosos com limitações instrumentais correspondem aos idosos que não
apresentam limitações funcionais, porém não conseguem ou têm grande
dificuldade para a realização de pelo menos uma das seguintes atividades:
o
empurrar mesa ou realizar consertos domésticos;
164
o
subir ladeiras ou escadas;
o
abaixar-se, ajoelhar-se ou curvar-se; e
o
andar cerca de 100 metros.
Idosos sem limitações idosos que não apresentam limitações funcionais ou
instrumentais, como acima definidas.
O gráfico 4.1 apresenta a distribuição da população idosa brasileira por sexo e faixa
etária, segundo sua capacidade para a realização das AVD. Percebe-se, pela análise do gráfico
que o contingente idoso com perda de capacidade funcional ou instrumental para a realização
das AVD não pode ser considerado um contingente pequeno ou marginal. Entre as mulheres,
mesmo se se considerar apenas a faixa etária mais jovem 65 a 69 anos observa-se uma
superioridade numérica das que apresentam alguma perda de capacidade para a realização das
AVD e, conseqüentemente, incorrem em algum tipo de perda de independência e autonomia.
Os gráficos 4.2 e 4.3, por sua vez, apresentam a distribuição da população idosa (com mais de
65 anos) segundo as categorias analisadas e a faixa etária, respectivamente para homens e
mulheres, nos dois anos analisados. Pode-se perceber uma melhoria nas condições de
independência e autonomia dos idosos brasileiros nos cinco anos que separam a realização das
pesquisas, estas porém são mais acentuadas entre os idosos mais jovens. Entre os idosos mais
idosos, com 80 anos ou mais, essas melhoras são praticamente inexistentes. As limitações
apresentam importantes diferenças por sexo, daí a necessidade de separação dos gráficos por
sexo, e aumentam com o avanço da idade. Enquanto 10% das idosas com idade compreendida
entre 65 e 70 anos reportam limitações funcionais, entre as idosas com mais de 80 anos essa
porcentagem sobe para aproximadamente 36%. Por outro lado, a porcentagem de idosas que
não reportam limitações funcionais ou instrumentais para a realização das AVDs passa de
58% na faixa etária dos 65 aos 70 anos para aproximadamente 18% entre as idosas com mais
de 80 anos. Perfis semelhantes, ainda que em patamares pouco inferiores, são observados
entre os idosos. Ou seja, com o avanço da idade, são crescentes as limitações de mobilidade
física e de capacidade para realização das atividades do cotidiano entre os idosos de ambos os
sexos.
165
Gráfico 4.1
Gráfico 4.2
DISTRIBUIÇÃO DOS IDOSOS POR SEXO E FAIXA ETÁRIA SEGUNDO SUA CAPACIDADE PARA A
REALIZAÇÃO DAS AVD
BRASIL, 2003
(2.500.000) (2.000.000) (1.500.000) (1.000.000) (500.000) - 500.000 1.000.000 1.500.000 2.000.000 2.500.000
65 a 69
70 a 74
75 a 79
80 e +
s/limitações
c/lim. Instrumentais
c/lim.funcionais
Fonte: IBGE/PNAD 1998 e 2003.
Homens
Mulheres
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
65 a 69
70 a 74
75 a 79
80 e +
s/limitações 1998
s/limitações 2003
c/lim. Instrumentais 1998
c/lim. Instrumentais 2003
c/lim.funcionais 1998
c/lim.funcionais 2003
Fonte: IBGE/PNAD 1998 e 2003.
PORCENTAGEM DOS IDOSOS POR FAIXA ETÁRIA SEGUNDO SUA CAPACIDADE PARA A REALIZAÇÃO DAS
AVD, BRASIL, 1998 e 2003
166
Gráfico 4.3
Essas dificuldades estão normalmente associadas à ocorrência de doenças crônicas. De
acordo com os dados da Pnad de 2003, aproximadamente 84% dos idosos que apresentam
alguma dificuldade para a realização das atividades do cotidiano são portadores de pelo
menos uma doença crônica. Dentre as principais doenças crônicas que afetam esses idosos
podem-se ressaltar a hipertensão, os problemas de coluna ou costas, a artrite ou reumatismo e
as doenças de coração, a diabete e a depressão (ver gráficos 4.4 e 4.5).
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
65 a 69
70 a 74
75 a 7
9
80 e +
s/limitações 1998
s/limitações 2003
c/lim. Instrumentais 1998
c/lim. Instrumentais 2003
c/lim.funcionais 1998
c/lim.funcionais 2003
Fonte: IBGE/PNAD 1998 e 2003.
PORCENTAGEM DAS IDOSAS POR FAIXA ETÁRIA SEGUNDO SUA CAPACIDADE PARA A REALI
ZAÇÃO DAS AVD,
BRASIL, 1998 e 2003
167
Gráfico 4.4
Gráfico 4.5
Apesar dos problemas de colunas e costas e artrites e reumatismos afetarem mais de
30% dos idosos brasileiros, tanto homens quanto mulheres, estas observaram expressivas
reduções entre 1998 e 2003. Por outro lado, chama a atenção o aumento na porcentagem de
idosos que declara sofrer de hipertensão e diabete. Enquanto em 1998 apenas 28% dos idosos,
e 29% das idosas, sem limitações para a realização das atividades da vida diária declaravam
ser hipertensas, as porcentagens correspondentes para 2003 equivalem a 34% e 47%,
PREVALENCIA DE DOENÇAS CRÔNICAS ENTRE IDOSoS BRASILEIROS POR TIPO E CAPACIDADE
PARA A EXECUÇÃO DAS ATIVIDADES DA VIDA DIARIA,
1998 E 2003
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
Hipertensão Diabetes tendinite ou
tenossinovite
Coluna ou costas Artrite ou
reumatismo
Doença do
coração
Depressão Bronquite ou asma Doença renal
sem dificuldades 1998 sem dificuldades 2003
c/ dif. Instrumentais 1998 c/ dif. Instrumentais 2003
c/ dif. Funcionais 1998 c/ dif. Funcionais 2003
Fonte: IBGE/PNAD de 1998 e
PREVALENCIA DE DOENÇAS CRÔNICAS ENTRE IDOSAS BRASILEIROS POR TIPO E CAPACIDADE
PARA A EXECUÇÃO DAS ATIVIDADES DA VIDA DIARIA,
1998 E 2003
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
Hipertensão Diabetes tendinite ou
tenossinovite
Coluna ou
costas
Artrite ou
reumatismo
Doença do
coração
Depreso Bronquite ou
asma
Doença renal
sem dificuldades 1998 sem dificuldades 2003
c/ dif. Instrumentais 1998 c/ dif. Instrumentais 2003
c/ dif. Funcionais 1998 c/ dif. Funcionais 2003
Fonte: IBGE/PNAD de 1998 e
168
respectivamente. Entre os idosos com limitações essas proporções são ainda maiores,
correspondendo em 2003 a aproximadamente 63% entre as idosas e mais de metade dos
idosos. Apesar de sua menor incidência, foram as porcentagens de idosos que declararam ser
diabéticos que mais aumentaram. Esse aumento foi maior entre o segmento idoso que não
apresenta limitações para a realização das AVD; entre 1998 e 2003 essa porcentagem
aumentou 23% entre as idosas e 40% entre os idosos. Vale ressaltar, também, as expressivas
diferenças observadas da incidência de transtornos depressivos entre os idosos sem limitações
e os idosos com alguma limitação funcional, pois a proporção parece dobrar, tanto entre os
homens quanto entre as mulheres, à medida que crescem as limitações para a realização das
AVDs.
Maiores limitações, concomitantes com uma também maior incidência de doenças
crônicas tendem a se refletir em maiores proporções de idosos que deixam de realizar suas
atividades rotineiras por motivos de saúde. A tabela 4.1 apresenta os dados referentes aos
idosos que deixaram de realizar suas atividades rotineiras, nas duas últimas semanas
anteriores à realização da pesquisa. Entre 1998 e 2003 verifica-se um ligeiro declínio na
porcentagem de idosos que deixam de realizar suas atividades rotineiras, para ambos os sexos
e em todas as categorias. A composição dos motivos que os levaram a deixar de realizar essas
atividades não apresenta mudança entre os anos analisados. Observa-se, além disso, uma
redução na proporção de idosos acamados no mesmo período considerado em ambos os anos.
Nesse caso, ressalta-se ser a proporção de idosos que estiveram acamados nas duas últimas
semanas anteriores à realização da pesquisa dez vezes maior entre os idosos com limitações
funcionais, em relação aos idosos sem limitações, e quase três vezes maior entre os idosos
com limitações instrumentais.
169
Tabela 4.1
Como observado no capítulo anterior, a porcentagem de idosos que consultaram
médicos aumentou nos últimos anos. O gráfico 4.6 apresenta a porcentagem de idosos que
consultaram médicos nas últimas duas semanas ou nos últimos 12 meses, por sexo, segundo
sua capacidade para a realização das atividades da vida diária em 1998 e 2003. Como
esperado, essa proporção aumenta com o aumento das limitações para a realização das AVD e
sexo. No que se refere à consulta médica nas últimas duas semanas, por exemplo, a proporção
de idosos com limitações funcionais é o dobro da observada entre os idosos sem limitações;
tendo sido observado um aumento mais significativo entre os idosos do sexo masculino.
É, também, entre os idosos com maiores limitações que se observam as maiores
porcentagens de idosos que estiveram internados no ano imediatamente anterior a realização
da pesquisa (ver gráfico 4.7). Porém, ao contrário dos demais indicadores, são entre os
homens que se observam as porcentagens mais elevadas; tendo sido observado, inclusive, um
aumento da porcentagem de idosos com limitações funcionais que estiveram internados no
último ano entre 1998 e 2003.
Algumas questões referentes a saúde dos idosos
1998
2003
1998
2003
1998
2003
Deixou de realizar
atividades nas duas
últimas semanas?
4,8% 4,3% 16,6% 15,4% 34,0% 36,2%
Saúde 80% 86% 87% 88% 93% 89%
Acidentes 6% 4% 2% 3% 3% 2%
Outros motivos 14% 9% 11% 10% 4% 9%
Esteve acamado nas
duas últimas
semanas?
2,7% 2,3% 9,1% 8,3% 29,3% 28,0%
Deixou de realizar
atividades nas duas
últimas semanas?
5,3% 5,2% 15,0% 14,2% 36,0% 35,4%
Saúde 79% 77% 86% 82% 87% 86%
Acidentes 10% 10% 3% 4% 4% 6%
Outros motivos 11% 14% 11% 14% 9% 8%
Esteve acamado nas
duas últimas
semanas?
3,4% 2,8% 9,3% 8,0% 29,2% 29,6%
Fonte; IBGE/PNAD 1998 e 2003.
Mulheres
sem limitações limitações instrumentais limitações funcionais
Homens
170
Gráfico 4.6
Gráfico 4.7
Alguns aspectos sobre os gastos efetuados pelos idosos com serviços de saúde são
possíveis de serem levantados apenas a partir do suplemento saúde da PNAD 1998
77
. A
proporção de idosos que tiveram gastos com saúde é, como esperado, maior quanto maior
forem as dificuldades para a realização das AVD, com exceção dos gastos com planos de
77
Inviabilizando com isso a comparação com o ano 2003.
PORCENTAGEM DE IDOSOS QUE ESTEVE INTERNADA NO ÚLTIMO ANO POR SEXO SEGUNDO
SUA CAPACIDADE PARA A REALIZAÇÃO DAS AVD,
1998 E 2003
0%
5%
10%
15%
20%
25%
30%
35%
idoso sem dificuldades idoso com dificuldades instrumentais idoso com dificuldades funcionais
Homens 1988 Homens 2003 Mulheres 1988 Mulheres 2003
Fonte: IBGE/PNAD de 1998 e
PORCENTAGEM DOS IDOSOS QUE CONSULTARAM O MÉDICO
POR SEXO SEGUNDO SUA CAPACIDADE PARA A REALIZAÇÃO DAS AVD
1998 E 2003
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
80%
90%
100%
último ano 2 últimas semanas último ano 2 últimas semanas último ano 2 últimas semanas
idoso sem dificuldades idoso com dificuldades instrumentais idoso com dificuldades funcionais
Homens 1998 Homens 2003 Mulheres 1998 Mulheres 2003
Fonte: IBGE/PNAD de 1998 e 2003.
171
saúde. Esse último quesito de gastos com saúde pode estar relacionado com a existência de
maiores barreiras a entrada de indivíduos com doenças pré-existentes, ou mesmo, aos valores
mais elevados associados às mensalidades pagas com o avanço da idade (Tabela 4.2). Entre os
gastos incorridos pelos idosos com dificuldades para a realização das AVD chama à atenção a
proporção dos idosos que declaram ter tido gastos com medicamentos - os quais
correspondem a 60% dos idosos com limitações funcionais e os gastos com serviços de
enfermagem domiciliar, os quais apesar de representarem uma parcela pouco significativa da
população idosa triplicam quando se comparam os idosos sem limitações e os com limitações
instrumentais.
Tabela 4.2
Em termos de renda são, também, os idosos com limitações que contam com os piores
indicadores, ou seja, apesar de uma maior parcela dos idosos com limitações incorrer em
gastos com diversos serviços de saúde, sua condição de renda é inferior a dos demais idosos.
Alguns aspectos relacionados à renda dos idosos segundo sua capacidade para a realização
das AVD são apresentados na Tabela 4.3. Analisando-se a incidência da pobreza com base no
cálculo da renda domiciliar per capita, e utilizando os limites atualmente utilizados pelas
políticas públicas para fins de concessão de benefícios assistenciais, equivalentes a 1/4 do
salário nimo (SM) ou ½ SM, a depender da política, percebe-se a existência de diferenças
substantivas entre as categorias de idosos segundo sua capacidade para a realização das AVD
analisadas. São os idosos com limitações funcionais os que apresentam maior incidência de
pobreza, seguidos dos idosos com limitações instrumentais. Ou seja, parece existir uma
relação direta entre aumento das limitações e a incidência da pobreza. Quanto maiores as
limitações para a realização das AVD, maior a incidência de pobreza entre os idosos. Isso é
Idoso sem
dificuldades
Idoso com
dificuldades
instrumentais
Idoso com
dificuldades
funcionais
Medicamentos
39,8%
53,0%
60,0%
Planos de saúde
15,9%
10,1%
6,4%
Consulta médica
4,8%
6,8%
7,1%
Outros Profissionais
0,4%
0,7%
0,8%
Hospitalização
0,7%
0,9%
1,1%
Enfermagem Domiciliar
0,3%
0,5%
0,9%
Exames
2,1%
3,4%
3,4%
Fonte: IBGE/PNAD, 1998.
PROPORÇÃO DE IDOSOS SEGUNDO SUA CAPACIDADE DE REALIZAÇÃO DAS AVD QUE TIVERAM
GASTOS COM SAÚDE NOS ÚLTIMOS 30 DIAS POR TIPO DE GASTO
172
reforçado pelos valores referentes à renda média dos idosos, que tende a ser menor quanto
maiores forem as limitações. A variação entre os anos, ainda que se considere a valorização
do salário mínimo, parece indicar uma ligeira deterioração das condições financeiras dos
idosos, pois nunca é demais lembrar que os benefícios em pecúnia outorgados pelo sistema de
seguridade social brasileiro são atrelados ao salário mínimo.
O protagonismo do idoso no que se refere ao provisionamento de sua renda pode ser
visualizado pelas diferenças observadas na comparação da renda média do idoso e renda
média per capita da família a que o idoso pertence. No caso dos idosos do sexo masculino,
quando estes se encontram em condições de trabalhar, ou seja, não apresentam limitações para
a realização das AVD, sua renda pessoal é praticamente o dobro da renda de sua família.
Entre os idosos com limitações funcionais essa diferença entre as rendas pessoal e familiar
não chega a 40% em 2003. Entre as idosas essa diferença praticamente desaparece, o que nos
remete a próxima questão: com quem vivem esses idosos?
Tabela 4.3
1998
2003
1998
2003
1998
2003
47,1%
49,8%
37,1%
36,0%
15,7%
14,2%
1,8%
2,0%
2,9%
1,9%
3,5%
2,8%
87,0%
88,0%
91,4%
93,9%
91,6%
93,8%
8,9%
9,0%
9,7%
10,9%
12,3%
13,2%
1,6%
1,5%
1,8%
2,0%
1,7%
2,6%
5,76
4,54
3,55
2,63
2,61
2,25
3,17
2,72
2,06
1,74
1,68
1,61
33,9%
36,5%
46,0%
45,4%
20,1%
18,1%
% Idosos sem renda própria
18,8%
16,1%
13,7%
11,0%
10,9%
9,8%
% Idosos beneficiários da Seguridade Social
74,8%
79,0%
82,6%
85,4%
85,9%
87,4%
6,0%
6,3%
6,9%
7,9%
8,6%
10,7%
0,9%
0,7%
1,0%
1,3%
0,7%
1,5%
Renda Média dos Idosos em SM
3,17
2,84
2,20
1,97
1,90
1,77
3,31
2,90
2,35
1,97
1,98
1,77
Fonte: IBGE/PNAD 1998 e 2003.
Obs.: SM (salários mínimos). Em 1998 o valor do SM era R$130,00 e em 2003 R$ 240,00.
ASPECTOS RELACIONADOS COM A RENDA DOS IDOSOS SEGUNDO SUA CAPACIDADE PARA A
REALIZAÇÃO DAS AVD POR SEXO
% Idosos em famílias com renda
per capita
inferior a 1/4 SM.
Renda Média per capita das famílias a que pertencem os
Idosos em SM
Distribuição dos idosos segundo sua capacidade para a
realização das avd
% Idosos em famílias com renda
per capita
inferior a 1/2 SM.
Renda Média dos Idosos em SM
Renda Média per capita das famílias a que pertencem os
Idosos em SM
% Idosos em famílias com renda
per capita
inferior a 1/2 SM.
Distribuição dos idosos segundo sua capacidade para a
realização das avd
% Idosos sem renda própria
% Idosos beneficiários da Seguridade Social
% Idosos em famílias com renda
per capita
inferior a 1/4 SM.
Mulheres
sem limitações
limitações
funcionais
Homens
limitações
instrumentais
173
Tanto os aspectos de saúde quanto os de renda são importantes para a organização dos
arranjos familiares dos idosos. A família, especialmente, mas não exclusivamente, quando co-
residente, representa uma importante fonte de apoio aos idosos. Grundy e Tomassini (2002),
por exemplo, citam evidências de que em vários países desenvolvidos ao contrário do
alardeado em meados da década de 1990, de que em função do amadurecimento dos sistemas
de proteção social e redução do tamanho das famílias, tem-se fortalecido os vínculos
familiares e as transferências de apoio entre as gerações. No Brasil, a situação não é diferente.
A família brasileira está cada vez menor dada a expressiva queda da fecundidade e o aumento
da complexidade dos arranjos familiares (divórcios, re-casamentos e uniões informais), porém
suas estratégias e mecanismos de apoio permanecem vigentes (CAMARANO ET. AL 2004;
SAAD, 2004).
Os gráficos 4.8, 4.9 e 4.10 apresentam a distribuição da população idosa brasileira
segundo a composição de seu arranjo domiciliar
78
, respectivamente para os idosos sem
limitações, com limitações instrumentais e com limitações funcionais para a realização das
AVD, nos dois anos analisados. Em todas as categorias de idosos analisadas, e para ambos os
sexos, verificou-se uma redução da convivência com cônjuges e filhos entre 1998 e 2003.
Essa redução foi concomitante ao aumento da proporção de idosos em domicílios unipessoais
ou conformados pelos idosos e seus cônjuges. Comparando-se as três categorias de idosos,
pode-se dizer que a co-residência com os filhos aumenta, a medida em que aumentam as
limitações para a realização das AVD. São, porém, marcantes as diferenças relacionadas ao
sexo dos idosos. Por exemplo, a proporção de idosas que vivem é mais de 50% superior do
que a observada entre os homens. Enquanto, em 2003, mais de 2/3 dos idosos do sexo
masculino vivia, pelo menos com suas cônjuges, menos da metade das idosas convive com o
cônjuge. Entre as mulheres idosas, é maior a proporção das que vivem com seus filhos, com a
presença ou não de seus cônjuges; ou seja, enquanto são as cônjuges a principal fonte de
apoio para os idosos com limitações ou não para a realização das AVDs, no caso das mulheres
idosas, sua principal fonte de apoio reside na convivência com seus filhos.
78
As categorias utilizadas para a identificação da potencial rede de apoio baseadas na co-residência dos idosos foi construída
a partir da identificação dos componentes do domicílio segundo a sua condição no mesmo, ou seja, se: pessoa de referência,
cônjuges, filhos, outros parentes, agregados, pensionistas ou empregados domésticos ou filhos de empregados domésticos
(variável v0401), conforme metodologia já utilizada anteriormente em Camarano, Pasinato e Lemos (2007). A partir dessa
pré-categorização foi construída a tipologia aqui utilizada para a identificação dos domicílios, quais sejam: domicílios nos
quais o idoso vive só; domicílios compostos apenas pelos idosos e seus cônjuges; domicílios compostos pelos idosos, seus
cônjuges e filhos com a presença ou não de outros; domicílios compostos por idosos e seus filhos – neste caso foi utilizado
como proxy os domicílios em que ou o idoso era a pessoa de referência e co-habitava com seus filhos ou domicílios em que a
pessoa de referencia coabitava com parentes acima de 65 anos; e os domicílios compostos por idosos, identificados como
pessoas de referência, e apenas os agregados e/ou pensionistas e/ou empregados domésticos e/ou filhos de empregados
domésticos.
174
Gráfico 4.8
Gráfico 4.9
DISTRIBUIÇÃO DOS IDOSOS BRASILEIROS COM LIMITAÇÕES INSTRUMENTAIS PARA A
REALIZAÇÃO DAS AVD POR SEXO SEGUNDO A COMPOSIÇÃO DE SEU ARRANJO DOMICILIAR
1998 E 2003
8,1%
10,1%
16,8%
17,2%
28,0%
30,3%
15,0%
16,2%
44,2%
41,0%
24,6%
21,8%
7,6%
7,7%
23,8%
26,1%
12,1%
10,9%
19,9%
18,6%
0%
5%
10%
15%
20%
25%
30%
35%
40%
45%
50%
1998 2003 1998 2003
Homens Mulheres
Vive Só Vive com Cônjuge Vive com Cônjuge e Filhos Vive com Filhos Vive com Outros
Fonte: IBGE/PNAD 1998 e 2003.
DISTRIBUIÇÃO DOS IDOSOS BRASILEIROS SEM LIMITAÇÕES PARA A REALIZAÇÃO DAS AVD POR
SEXO SEGUNDO A COMPOSIÇÃO DE SEU ARRANJO DOMICILIAR
1998 E 2003
8,7%
9,7%
15,8%
17,4%
27,1%
29,8%
16,8%
18,8%
47,1%
44,0%
25,9%
22,4%
6,3%
7,1%
24,6%
24,3%
10,7%
9,4%
17,0%
17,1%
0%
5%
10%
15%
20%
25%
30%
35%
40%
45%
50%
1998 2003 1998 2003
Homens Mulheres
Vive Só Vive com Cônjuge Vive com Cônjuge e Filhos Vive com Filhos Vive com Outros
Fonte: IBGE/PNAD 1998 e
175
Gráfico 4.10
Maiores níveis de transferências intergeracionais, tais como a co-residência com os
filhos, e, principalmente com as famílias dos filhos, podem acarretar maiores conflitos, pois o
idoso passa a conviver com outro núcleo familiar que não o seu. Dessa forma, nada se pode
dizer sobre a qualidade da atenção prestada pela família co-residente, nem tão pouco sobre
suas necessidades de apoio dos cuidadores. São necessários estudos e pesquisas mais
aprofundados sobre as necessidades dos idosos com limitações e suas famílias. Karsch (1998
apud KARSCH 2003), por exemplo, apresenta os resultados da pesquisa intitulada “Estudo do
suporte domiciliar aos adultos com perda de independência e perfil do cuidador principal”
realizada no município de São Paulo, com 102 pessoas com mais de 50 anos que sofreram um
Acidente Vascular Cerebral (AVC), e passaram a depender dos cuidados alheios para a
realização das AVD. De acordo com Karsch (2003), em 98% dos casos pesquisados, o
cuidador era alguém da família, predominantemente do sexo feminino (93%), das quais 44%
eram cônjuges e 31% eram filhas. Segundo a mesma autora 68% dos cuidadores entrevistados
não recebe nenhum tipo de apoio. A mesma pesquisa mostrou ainda que a maioria dos
cuidadores declarara precisar de apoio, tais como: orientações, apoio pessoal, consultas mais
freqüentes, auxílio transporte, etc. Todos estes com previsão legal.
DISTRIBUIÇÃO DOS IDOSOS BRASILEIROS COM LIMITAÇÕES FUNCIONAIS PARA A REALIZAÇÃO
DAS AVD POR SEXO SEGUNDO A COMPOSIÇÃO DE SEU ARRANJO DOMICILIAR
1998 E 2003
8,9%
10,1%
14,4%
16,0%
24,5%
27,4%
10,6%
11,4%
46,0%
39,1%
27,9%
24,9%
9,5%
9,2%
24,5%
25,5%
11,1%
14,2%
22,6%
22,1%
0%
5%
10%
15%
20%
25%
30%
35%
40%
45%
50%
1998 2003 1998 2003
Homens Mulheres
Vive Só Vive com Cônjuge Vive com Cônjuge e Filhos Vive com Filhos Vive com Outros
Fonte: IBGE/PNAD 1998 e
176
4.3 Idosos Brasileiros em Instituições de Longa Permanência
A situação dos idosos com limitações, residentes em domicílios particulares, e de suas
famílias, como se tentou demonstrar, parece apontar para importantes desafios, dadas suas
condições socioeconômicas. A análise dos idosos residentes em ILPI sinaliza para desafios
ainda maiores. Karsch (2003) ressalta, por exemplo, que a internação de idosos em ILPIs,
mesmo em famílias de baixa renda, é considerada uma opção apenas no limite da capacidade
familiar em oferecer os cuidados necessários.
Não contamos no Brasil com informações precisas sobre o número, e muito menos
sobre as condições em que vivem os idosos institucionalizados. Em 2002, a Comissão de
Direitos Humanos da Câmara dos Deputados publicou o relatório intitulado “V Caravana
Nacional de Direitos Humanos: Uma Amostra da Realidade dos Abrigos e Asilos de Idosos
no Brasil”. O documento ressalta que a maior ausência do poder público não reside
simplesmente na insuficiência presumida do mero de vagas existentes e sim nas péssimas
condições em que se encontram essas instituições. Abaixo é transcrito um parágrafo da
apresentação do referido relatório de autoria do Deputado Marcos Rolim (PT/RS):
Muitas dessas casas são, apenas, pequenos e modestos empreendimentos privados
pelos quais seus proprietários auferem renda. Para isso, apropriam-se das
aposentadorias e pensões e outros benefícios dos internos; muitas vezes
manipulando diretamente os cartões bancários de seus “clientes” e a generosidade
da comunidade envolvidas em campanhas beneficentes. Outras instituições
manifestam o resultado de um “espírito filantrópico” que se imaginou auto-
suficiente. Nesses casos, a boa intenção costuma ser rapidamente ultrapassada
pelas carências e dificuldades oferecidas aos próprios internos por conta da
ausência absoluta de qualquer profissionalismo, seja na administração da Casa,
seja no cuidado com os idosos. Tanto numa quanto noutra situação, o que temos
são depósitos de pessoas desassistidas.
Camarano et al (2005), por sua vez, utilizaram como proxy para a identificação do
contingente asilado (institucionalizado) os dados referentes a idosos residentes em domicílios
coletivos na condição individual, constantes do Censo Demográfico de 2000. De acordo com
as autoras, em 2000, teriam sido contabilizados 88 mil idosos institucionalizados, o que
representava aproximadamente 0,9% da população idosa com 65 anos de idade ou mais. Essa
proporção varia conforme o sexo e a faixa etária dos idosos (ver gráfico 4.11). Entre os idosos
mais jovens verifica-se uma proporção ligeiramente maior entre os homens, porém com o
avançar da idade pode-se perceber uma proporção maior entre as mulheres, certamente em
função da maior expectativa de vida das mulheres e também, como mencionado na seção
anterior, as especificidades de seus arranjos domiciliares, com uma proporção maior de
mulheres que não dispõe de seus cônjuges para auxílio na realização das AVD. O gráfico 4.12
apresenta a distribuição da população idosa institucionalizada segundo seu estado conjugal.
177
Pode-se perceber que entre os idosos mais jovens, com até 74 anos, os solteiros são maioria.
O que reforça a importância da família constituída para a prestação dos cuidados aos idosos.
Entre os idosos mais velhos, com mais de 75 anos, os viúvos e separados/divorciados estão
em maioria.
Gráfico 4.11
PROPORÇÃO DE IDOSOS RESIDENTES EM DOMICÍLIOS COLETIVOS
BRASIL, 2000
0,0%
0,5%
1,0%
1,5%
2,0%
2,5%
65-69 70-74 75-79 80+
Homens Mulheres
Fonte: Camarano, 2005.
178
Gráfico 4.12
Aspectos relacionados com a capacidade instrumental e funcional dos idosos são
ilustrados no gráfico 4.13. Entre os idosos institucionalizados, aproximadamente 60% dos
homens e mais de 70% das mulheres apresentam dificuldades para caminhar e/ou subir
escadas, enquanto pouco menos de 30% dos idosos tem problemas mentais permanentes.
Gráfico 4.13
DISTRIBUIÇÃO DOS IDOSOS INSTITUCIONALIZADOS POR ESTADO CONJUGAL E SEXO
BRASIL, 2000
15
21
29
41
22
34
45
55
48
44
41
36
64
52
46
36
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
80%
90%
100%
65-69 70-74 75-79 80+ 65-69 70-74 75-79 80+
Homens Mulheres
Sep/div/desq. Viúvo Solteiro
Fonte: Camarano, 2005.
PROPORÇÃO DE IDOSOS (65+) INSTITUCIONALIZADOS QUE DECLAROU TER PROBLEMA
MENTAL PERMANENTE OU DIFICULDADE PARA CAMINHAR E/OU SUBIR ESCADAS POR SEXO
BRASIL, 2000
-
10
20
30
40
50
60
70
80
Problema Mental Dificuldade para Caminhar/subir escadas
Homens Mulheres
Fonte: Camarano (2005) e IBGE, Censo Demográfico de 2000.
179
Pesquisa atualmente em andamento
79
, com os resultados parcialmente publicados,
empreendida em parceria entre a Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH) e o
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), intitulada “Condições de Funcionamento e
de infra-estrutura nas Instituições de Longa Permanência para Idosos no Brasil” está buscando
mapear a realidade dessas instituições quanto às características dos serviços prestados, sua
infra-estrutura física, os recursos humanos, as fontes de financiamento, os gastos, o número de
idosos (com 60 anos ou mais) residentes e sua condição de autonomia. Já foram publicados os
resultados referentes às regiões Norte, Centro-Oeste e Sul.
O levantamento ressalta serem seus dados uma subestimação da realidade, dado que
algumas das ILPI identificadas se recusam a participar da pesquisa e outras tanta não são
necessariamente identificadas que a pesquisa é feita com base nos cadastros
disponibilizados pelo MDS, secretarias estaduais e municipais de assistência social, listas
telefônicas, entre outros. Para a região Norte, a pesquisa mostra que pouco menos de 60%
dos idosos institucionalizados são dependentes ou semi-dependentes, o que corresponde a
dizer, que os mesmos tem dificuldades para a realização das AVD no plano funcional em
diferentes graus- total (dependentes
80
) e parcial (semi-dependentes
81
).Na região Sul, enquanto
65% das idosas institucionalizadas são dependentes ou semi-dependentes, essa proporção é
pouco inferior a 60% entre os homens. As maiores proporções de idosos com perda de
autonomia e independência institucionalizados foram identificados na região Centro-Oeste,
onde aproximadamente 75% das idosas e 63% dos idosos encontravam-se na condição de
dependentes ou semi-dependentes. Outra questão interessante levantada pela pesquisa refere-
se ao número médio de internos por instituição. Ao contrário do imaginário que ronda essas
instituições muitas vezes associadas com “depósitos de velhos” – o número médio de idosos
residentes correspondeu a 28 na região Sul, 24 na região Norte e 23 na região Centro-Oeste.
Também de grande relevância é a identificação dos custos incorridos pelas instituições com o
cuidado dos idosos. Nas três regiões esses custos flutuaram entre, em média, R$ 638 na
região Norte, R$ 479 na região centro-oeste e R$ 636 na região Sul.
Os resultados da referida pesquisa parecem realçar as diferenças regionais presentes na
sociedade brasileira. Enquanto a população residente nas ILPI na região Norte corresponde a
79
A pesquisa, (IPEA/SEDH, 2007; p. 11), está sendo realizada em todo o território nacional, sendo que a região
Norte, primeira a ser pesquisada, teve seu início em 2006.
80
Idosos dependentes correspondem a idosos que demandam assistência de outras pessoas para a realização de
todas as atividades relacionadas com os autocuidados para a vida diária e ou com comprometimento cognitivo
(IPEA/SEDH, 2008; p. 33).
81
Idosos semi-dependentes correspondem aos idosos com dependência em três atividades de autocuidado para a
vida diária, tais como: alimentação, mobilidade, higiene, etc. (IPEA/SEDH, 2008; p. 33).
180
apenas 0,1%, da população com 60 anos ou mais de idade (1.159 pessoas), na região Sul essa
porcentagem sobe para 0,6% do contingente (correspondente a mais de 15 mil pessoas). No
que se refere as fontes de financiamento, a questão assume contornos ainda mais
interessantes, pois enquanto nas regiões Norte e Centro-Oeste praticamente a totalidade das
instituições são públicas ou privadas sem fins-lucrativos, na Região Sul a presença de
instituições privadas com fins lucrativos pode ser considerada significativa 41% do total
de ILPI. Essa informação é de especial relevância para o entendimento da questão, pois a
maior presença da iniciativa privada, guardadas as devidas proporções (pois os idosos
institucionalizados ainda correspondem a menos de 1% da população da região sul) parece
sinalizar para uma melhor assimilação cultural da questão da mercantilização das atividades
de cuidar.
O Rio Grande do Sul, por exemplo, parece se encontrar em um momento de maior
diversificação das alternativas de cuidados para idosos, com a oferta de serviços procurando
alcançar as diversas classes sociais. Neste estado a pesquisa contou com a participação de 261
instituições, número próximo à soma do número de instituições dos demais estados sulistas, e
infinitamente superior ao encontrado nos demais estados das outras duas regiões
82
. Além
disso, um dos possíveis indicadores desta nova realidade pode ser observado pela enorme
variação nos gastos por residentes entre as ILPI entrevistadas - de um mínimo de R$ 161
mensais até o máximo de R$ 3.022,22. Isso se reflete tanto nas fontes de financiamento
utilizadas pelas instituições - 74% dos recursos utilizados para a manutenção são recebidos
dos residentes e/ou de seus familiares quanto na profissionalização da força de trabalho
utilizada – 81% dos funcionários são assalariados
83
.
4.4 ntese das características das políticas e das condições dos idosos com
perda de independência e autonomia no Brasil
As profundas transformações observadas na sociedade brasileira nas últimas décadas,
como a verticalização das famílias, o aumento da participação das mulheres no mercado de
trabalho e o envelhecimento populacional colocam a questão da provisão dos cuidados para a
população idosa com limitações instrumentais e/ou funcionais na agenda dos formuladores e
gestores de políticas públicas. Esse contingente, como se demonstrou, já é bastante
significativo, representando em 2003 aproximadamente 6,7 milhões de idosos. Entre os idosos
82
No Amapá e em Roraima, por exemplo, foram identificadas e pesquisadas apenas duas instituições em cada
estado.
83
Nas demais regiões sobressaem-se os trabalhadores voluntários.
181
com 80 anos ou mais, a perda de capacidade instrumental ou funcional para a realização das
AVD é uma realidade na vida de ¾ dos idosos e aproximadamente 85% das idosas, sendo que
destes a metade apresenta dificuldades funcionais tomar banho, alimentar-se, vestir-se, etc.
A análise, tanto dos dados referentes a população idosa, residente em domicílios
particulares, com perda de capacidade funcional e/ou instrumental para a realização das AVD,
quanto das poucas e precárias informações sobre as ILPI e os idosos residentes nas mesma, na
ausência da implementação dos inúmeros programas e mecanismos previstos pela legislação
brasileira, sinalizam para uma única e triste realidade nacional: a frágil articulação dos pilares
da seguridade social família, Estado e mercado. As famílias, como observado, são
responsáveis pela atenção de praticamente a totalidade dos idosos com perda de capacidade
instrumental ou funcional para a realização das AVD (menos de 1% da população idosa reside
em ILPI). A escassez de dados, no entanto, não nos permite saber, como estas famílias estão
lidando com essa nova realidade sócio-demográfica.
Essa nova distribuição etária, com suas conseqüências para o aumento da demanda por
cuidados esta presente em toda a sociedade brasileira. Analisando-se a renda per capita das
famílias com idosos com limitações - inferior a dois salários mínimos em 2003 é razoável
supor que essas famílias encontram-se no limite de suas condições materiais e emocionais.
Em 2003, 13% dos idosos e 11% das idosas com perda de capacidade funcional faziam parte
de famílias com renda per capita inferior a ½ salário mínimo. Esses idosos normalmente
consomem quantidades maiores de remédio sendo que, em 1998, 60% destes declararam ter
gastado com remédios, ou seja, suas demandas não estão sendo supridas pelo SUS - e
requerem cuidados mais intensivos. A comparação espúria dos custos médios para a
manutenção de um idoso em ILPI, como levantado pela pesquisa “Condições de
Funcionamento e de infra-estrutura nas Instituições de Longa Permanência para Idosos no
Brasil”, mencionada na seção anterior, em torno de R$ 600,00 em 2007, com o salário
mínimo recentemente reajustado para o valor de R$ 465,00, em fevereiro de 2009, não é
difícil imaginar o atual estado de mal-estar presente nessas famílias.
Reduzida oferta de serviços, altos custos, preconceitos e estereótipos são fatos
normalmente associados com a predileção pelos cuidados familiares no Brasil, em detrimento
aos cuidados institucionais. Por outro lado, pouco se sabe sobre a qualidade dos serviços
oferecidos nas ILPI. Os dados levantados pela pesquisa realizada pela SEDH em parceria com
o IPEA, limitam-se a tentar mapear as ILPI no território nacional e guarnecer alguns
indicadores sobre sua infra-estrutura física e de recursos humanos, não contando com
informações referentes à qualidade dos cuidados prestados, nem tão pouco sobre o bem-estar
182
do idosos residentes. As informações que chegam e quando chegam à dia, por exemplo,
remetem a questão dos maus-tratos, como no caso dos idosos negligenciados nas ILPI e dos
idosos em condição de auto-negligência, cada vez mais presentes no cotidiano das grandes
cidades.
A legislação brasileira, como visto na seção 4.1 é pródiga na previsão de modalidades
de atendimento intermediárias de cuidados aos idosos, tais como os centros-dia e os cuidados
domiciliares, porém nada se pode dizer sobre sua aplicação prática. A questão, apesar dos
avanços mencionados, ainda parece inconclusa quanto ao seu espaço na divisão de
responsabilidades entre as áreas da saúde e da assistência social. Uma comparação grosseira
com a provisão de cuidados estatais para com o grupo “rival” crianças– dos idosos com
dificuldades para a realização das AVD sugere indiretamente a dimensão do problema. No
caso das creches públicas, serviço demandado para o auxílio de famílias, normalmente de
baixa renda, com o cuidado das crianças dependentes, apesar de sua presença datar de mais
longa data entre as demandas sociais, de acordo com o Ministério da Educação, em 2007,
estas atendiam a apenas 11% do total de crianças de zero a três anos
84
. A questão dos
cuidados, tanto com crianças quanto para idosos, parece cair sempre em uma fissura
institucional: o cuidado das crianças pode ser entendido como um espaço marcado pela
sobreposição da atuação dos responsáveis pelas políticas nas áreas assistencial e educacional;
o cuidado dos idosos, por sua vez, se insere na interseção entre as políticas de saúde e
assistenciais. O resultado, porém, parece levar a uma única constatação: a questão dos
cuidados no Brasil não constitui uma prioridade política.
A análise empreendida no capítulo três procurou sinalizar para a priorização de
programas e políticas voltados para a transferência de renda, no âmbito do sistema de
seguridade social brasileiro. No plano assistencial essa priorização se reflete na estrutura
orçamentária. Em 2007, serviços voltados para o cuidado, quer de crianças, portadores de
deficiência ou idosos, representaram apenas 3% do gastos totais do MDS. Apesar desse
montante ser claramente subestimado, pois representa apenas os gastos na esfera da União,
dada a diversidade dos mais de 5000 municípios brasileiros, dos quais a maioria não possui
recursos humanos ou orçamentários para o enfrentamento da questão, é razoável advogar a
pouca importância dispensada a questão dos cuidados pelo Estado brasileiro.
84
Informação obtida, no dia 5 de março de 2009, através do site:
http://www.cut.org.br/index.php?option=com_content&task=view&id=11538
183
Não se pretende dizer com isso que a provisão de renda não seja imprescindível para o
bem-estar da população brasileira. O acesso a renda é sem dúvida uma das melhores formas
de atendimento das necessidades básicas dos indivíduos em qualquer idade. Barros et al
(2007)
85
observam, por exemplo, que os programas de transferência de renda no Brasil são
um dos determinantes da queda dos níveis de desigualdade de renda da população brasileira
na década de 2000, uma vez que a renda familiar dos estratos mais pobres cresceu
continuamente, em contraposição à estabilidade ou queda dos rendimentos dos estratos de
renda médios e superiores. Benefícios previdenciários voltados para a população rural
também figuram como determinantes para a redução da pobreza no campo
86
.
A universalização da seguridade social, com a provisão de renda ao idoso a cargo da
previdência social ou, quando da incapacidade contributiva ao longo do período ativo, através
da assistência social, assegurou ao idoso o acesso a um patamar de renda negado às
populações mais jovens, especialmente em momentos de desemprego e crise em um mercado
de trabalho marcado pela informalidade e precariedade como o brasileiro. Além disso, a
forma como a estrutura de benefícios está estruturada hoje faz com que os aposentados sejam
constituídos por um contingente cada vez mais jovem. Como salientado por Debert (1999),
perdeu o sentido a idéia tradicional de que a aposentadoria era um momento da vida em que o
indivíduo, por causa da idade, não tinha mais como garantir o seu trabalho. Atualmente uma
significativa parcela dos aposentados são constituídos por idosos jovens, em perfeitas
condições de saúde.
Faz-se necessário, no entanto, diferenciar esse novo período ativo, conformado pelos
idosos sem limitações funcionais ou instrumentais para a realização das AVD, para a velhice
em si, quando surgem as limitações. O acesso à renda e a possibilidade de desfrutar uma parte
da idade avançada em atividade não deve obscurecer as questões próprias da idade avançada,
tais como: a solidão, o abandono e a deterioração física e cognitiva. O idoso ativo está cada
vez mais presente na mídia ou nos programas sociais. Vários segmentos do mercado voltados,
por exemplo, para o turismo e o lazer, criam produtos especificamente voltados para os
idosos. O mesmo ocorre com os programas sociais, pois da diminuta participação no
orçamento da assistência social para a prestação de serviços aos idosos, uma fração não
85
A questão tem sido objeto de diversos autores. Para maiores detalhes, consultar, por exempo: Jaccoud, 2006;
Barros & Carvalho & Franco & Mendonça, 2007; Barros & Foguel & Ulyssea, 2007;Ipea 2007, Cedeplar, 2007;
Draibe, 2006; Neri, 2006, Ibase, 2008.
86
Delgado e Cardoso Jr (2002), por exemplo, examinam a questão com muita propriedade. Outras análises
interessantes podem ser encontradas em Schveitzer (2002) e Beltrão, Camarano e Mello (2005).
184
desprezível é voltada para o envelhecimento ativo: universidades da terceira idade, centros de
artesanato, lazer, etc.
A articulação dos setores de políticas constantes do sistema de seguridade social, em
um contexto de restrição orçamentária e surgimento de novas demandas, deve levar em
consideração as necessidades envolvidas ao longo de todo o ciclo da vida. A provisão de
creches, por exemplo, não se limita ao bem-estar das crianças, estando correlacionada
principalmente com o bem-estar de seus pais, principalmente de suas mães, dada a elevada
participação de domicílios formados por mulheres sozinhas ou mães com filhos. Dessa forma,
a criação de uma rede de serviços voltada para os cuidados das crianças permite não apenas a
participação das mulheres no mercado de trabalho, mas, também, sua participação em
condições mais igualitárias. A diferença dos cuidados relativos aos idosos em relação ao
cuidado das crianças, reside, principalmente em que os idosos já percorreram as demais etapas
do ciclo de vida, o que se refletirá em sua idade avançada a existência ou não de uma rede de
apoio familiar disponível para o seu cuidado ou não. Ausência de filhos, divórcios, re-
casamentos, casamentos homossexuais, entre outros aspectos da vida contemporânea colocam
a premência da questão dos cuidados de idosos com perda de capacidade funcional e/ou
instrumental para a realização das AVD na pauta dos formuladores e gestores das políticas
públicas no Brasil, dada a velocidade com que o problema se anuncia.
185
Capítulo 5
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O
Brasil está envelhecendo, é fato. A simples visualização das pirâmides etárias
apresentadas no terceiro capítulo nos leva a esse entendimento. Coortes cada vez menores de
crianças e jovens dão lugar a coortes cada vez maiores de idosos. Em comparação com os
países analisados no segundo capítulo, pode-se dizer que o processo de envelhecimento
populacional brasileiro está ocorrendo de forma mais acelerada. Isso se deve, especialmente à
queda da fecundidade mais tardia e acentuada no Brasil. Enquanto a Alemanha e a Dinamarca
conviviam com taxas de fecundidade, na década de 1960, próximas ao nível de reprodução
(considerado de 2,1 filhos por mulher), o Brasil convivia, na mesma década, com taxas
superiores a 6 filhos por mulher, aproximadamente o dobro da observada nos Estados Unidos
na mesma ocasião. Na década de 1980 a taxa de fecundidade brasileira havia caído à
metade, encontrando-se atualmente em níveis próximos à taxa de reposição da população. Por
outro lado, a progressiva queda da mortalidade,fruto dos avanços na área médica e das
melhorias na qualidade de vida de forma geral, em todas as idades faz com que o próprio
contingente idoso também envelheça
87
. Esse envelhecimento do contingente idoso embute
uma nova realidade socioeconômica, pois em nenhum outro momento da história da
humanidade se conviveu com um contingente tão grande de idosos em idades tão avançadas
como o que se anuncia para as próximas décadas. Isso implica, como analisado no primeiro
capítulo, novos desafios para os sistemas de seguridade social.
Idosos com perda de autonomia e independência demandam o apoio de cuidadores
tanto para a realização de suas atividades cotidianas quanto para a manutenção de suas
condições de saúde. Essas demandas foram tradicionalmente supridas pelas famílias. A atual
conformação das famílias, no entanto, mudou e, conseqüentemente, sua capacidade de cuidar
de seus entes mais frágeis também. À medida que a mulher entrou para o mercado de trabalho
em busca de independência financeira e de realização plena de sua carreira profissional, o
87
Integrar novas tecnologias e tratamentos médicos nos sistemas de saúde pode representar um enorme desafio
em um contexto de envelhecimento populacional. Se por um lado, essas novas tecnologias podem reduzir os
custos de tratamento de certas enfermidades, por outro lado, ao possibilitar o tratamento de condições
anteriormente não previstas, também podem contribuir para aumentar os gastos. Ainda que seja verdade que os
sistemas de saúde terão que se adaptar ao um novo perfil etário-epidemiológico, deve se levar em conta que o
aumento da esperança de vida nas últimas décadas foi acompanhado por melhorias na condição de saúde dos
idosos. Algumas teorias sugerem que enfermidades severas que requerem tratamentos de saúde intensivos
tendem a afetar os indivíduos apenas no final de suas vidas(União Européia - UE, 2003). A medida em que a
vida é prolongada, os tratamentos de saúde tenderiam a ser postergados, ou seja, a queda da mortalidade parece
ser acompanhada por uma compressão da morbidade.
186
tradicional modelo de família, formada pelo homem provedor e a mulher cuidadora, é
rompido. Isso significa a proliferação de novas e, por vezes menos estáveis, estruturas
familiares. Essa nova configuração familiar, como analisado no segundo capítulo, requer a
rearticulação dos tradicionais pilares que compõem os sistemas de seguridade social
famílias, Estado e mercado para a conformação de uma nova divisão de responsabilidades
pelos cuidados dos membros mais frágeis da família. A questão dos cuidados emerge, dessa
forma, em função de sua crescente escassez, pois os cuidados anteriormente restritos ao
âmbito da família deixam de ser um recurso não-aparente com o aumento da participação das
mulheres no mercado de trabalho assalariado. Tendo em mente que os três pilares da
seguridade social são interdependentes, o aumento dos custos – tangíveis ou não envolvidos
na atividade de cuidar/ assistir aos idosos, em contextos de crise econômica, transformações
sociais e mudanças nos contratos de gênero, sugerem que as famílias podem não conseguir
arcar com a responsabilidade pelo cuidado de seus dependentes sem a ajuda do Estado e/ou a
participação do mercado.
A experiência internacional indica que os custos e a complexidade institucional com
políticas voltadas para os cuidados de longa duração dos idosos tendem a assumir magnitudes
crescentes. Essa questão atinge tanto a países desenvolvidos quanto os em desenvolvimento.
Além disso, a experiência internacional aponta para a necessidade de articulação entre as
políticas voltadas para os tradicionais setores que compõem a seguridade social – previdência,
saúde e assistência social. Nesse sentido, os cuidados de longa duração para idosos com perda
de autonomia e independência enfrentam em condições desiguais os desafios inerentes à
construção institucional e estrutura orçamentária em países como o Brasil, onde o desafio do
financiamento desse novo risco social é agravado por condições socioeconômicas adversas,
tais como a pobreza, a exclusão e a desigualdade. Dito de outra forma, ampliar o escopo da
seguridade social em um contexto de qualidade precária ou quantidade insuficiente de
cobertura de vários programas constantes do atual sistema, significa discutir prioridades de
políticas. Por outro lado, políticas voltadas para os cuidados de longa duração dos idosos ao
demandarem o afastamento das linhas de análise setoriais e fragmentadas das áreas que
compõe o sistema de Seguridade Social e sua articulação, permitem a retomada dos objetivos
primários de construção de um arcabouço de políticas integradas com vistas à geração do
“bem-estar” para toda a sociedade.
Pode-se pensar na criação dos sistemas de seguridade social em finais do século XIX –
marcadamente o adotado por Bismark na Alemanha voltados para a superação da perda de
capacidade laboral por parte dos trabalhadores, como a primeira forma de transferência de
187
mecanismos de proteção social da esfera privada das famílias para a esfera pública; ao passo
que os programas voltados para os cuidados de longa duração criados, no fim do século XX,
podem ser entendidos como uma nova transferência da esfera privada das famílias para esfera
pública de uma modalidade de proteção social voltada para a perda de capacidade funcional
ou instrumental dos indivíduos em lidar com as atividades do cotidiano. Nos termos de Esping
Andersen (2002), enquanto, no primeiro caso, a introdução do Seguro ou Previdência Social,
implicou na mercantilização da força de trabalho, esse segundo movimento em direção ao
espaço público pode ser entendido como um movimento em direção à desfamiliarização da
atividade de cuidar. Esse movimento em direção a desfamiliarização, no entanto, requer, em
alguma medida a mercantilização de uma atividade não reconhecida ou valorizada
adequadamente pela sociedade. A proteção social dos indivíduos ao longo de todo o seu ciclo
de vida, no entanto, envolve, na atualidade, a articulação desses dois movimentos, pois a
perda da capacidade funcional ou instrumental para a realização das AVD extrapola a
fronteira da garantia de renda nos casos de perda da capacidade de trabalho e dos cuidados
estritamente relacionados com a saúde ao mesmo tempo em que restringe a participação de
importantes contingentes populacionais – mulheres – no mercado de trabalho.
Enquanto o acesso à renda parece ser uma questão bem equacionada tanto nos países
desenvolvidos analisados quanto no Brasil, questões envolvendo a prestação de serviços de
saúde para idosos e, principalmente, sua articulação com a provisão de bens e serviços na área
assistencial e previdenciária demonstra-se bastante mais complexa. A previdência social foi
pensada como um mecanismo de reposição de renda para os casos de perda da capacidade de
trabalho, porém o envelhecimento de crescentes contingentes populacionais com perda de
autonomia e independência impõe novas demandas financeiras não previstas, com
importantes impactos para a renda dos idosos beneficiários da previdência social e, também,
de suas famílias. Os sistemas de saúde, por sua vez, tendem a concentrar esforços, na maioria
dos casos, para a cura dos pacientes, o que não é possível nos casos de doenças crônico-
degenerativas, quando o tratamento não visa à cura e sim à promoção das melhores condições
de vida possíveis com convivência com a doença. Da mesma forma, os mecanismos
assistências, atuam como “coadjuvantes principais”, pois apesar de à primeira vista parecerem
protagonizar as políticas voltadas para os cuidados de longa duração dos idosos, não são
capazes de fazê-lo de forma isolada das políticas de renda e de assistência à saúde.
A análise das experiências da Alemanha, Dinamarca e Estados Unidos, apresentadas
no segundo capítulo, apontam para o entendimento da demanda por cuidados de longa
duração no âmbito dos sistemas de seguridade social. Certamente, são bastante evidentes as
188
diferenças na conformação institucional dos sistemas de cada um dos países, porém os
desafios para a articulação multidimensional das necessidades dos idosos com perda de
autonomia e independência estão presentes em todos. A análise dos três países selecionados
permite a identificação da questão dos cuidados de longa duração nos três modelos associados
à tipologia desenvolvida por Esping-Andersen (1990).
Dentre os países analisados, a Dinamarca caracteriza-se por contar com o sistema mais
amplo de seguridade social, com cobertura universal dos riscos e de sua população. A
prestação dos cuidados de longa duração aos idosos é de responsabilidade estatal, sendo sua
operacionalização de responsabilidade das administrações locais e, alicerçada na prestação de
bens e serviços não contributivos. A responsabilidade familiar pelo cuidado dos idosos é
subsidiária à responsabilidade do Estado, ao contrário do observado nos demais país. Isso
permitiu uma melhor assimilação de questões como a institucionalização dos idosos e,
posteriormente, a sua desinstitucionalização. Ao longo da década de 1980, como
mencionado no segundo capítulo, aproximadamente 20% da população dinamarquesa com
idade avançada residia em ILPI, porém, em função dos seus crescentes custos, a partir de
1987, as políticas voltadas para os cuidados com os idosos passaram a priorizar a construção
de uma estrutura de cuidados domiciliares. Essa nova estrutura de cuidados permite aos
idosos residirem em seus próprios lares ou em casas para idosos (que corresponderiam às
nossas repúblicas), onde se pode contar com a assistência profissional de enfermagem e de
serviços domésticos gerais. Além disso, a política dinamarquesa de cuidados de longa
duração prevê programas voltados para o apoio dos cuidadores informais (familiares ou não).
A Alemanha exemplifica o modelo conservador baseado em mecanismos securitários.
Em 1994 foi incorporado ao sistema um seguro voltado para os cuidados de longa duração
(SCLD), co-financiado, a exemplo dos demais programas constantes, pelos empregados e
empregadores através de uma alíquota de 1,7% sobre os salários. Porém, como a perda de
capacidade instrumental ou funcional para realizar as atividades da vida diária não representa
um risco associado ao mercado de trabalho, a sua implementação contou com o cancelamento
de um feriado nacional como forma de compensação ao setor produtivo pela incorporação de
mais uma contribuição para o sistema. Até a aprovação do novo seguro, a prestação dos
cuidados de longa duração era de responsabilidade das administrações locais, sendo os
mesmos focalizados nos idosos com restrições de renda. Com o crescimento da população de
idosos com perda de autonomia e independência e com os custos que essa perda de autonomia
e independência impõe para os cuidados dos idosos, tornaram-se crescentes os
constrangimentos de ordem financeira e emocional para as famílias arcarem com a
189
responsabilidade pelos cuidados. A ampliação da cobertura passou a fazer parte da pauta das
políticas sociais, também em função da pressão dos planos de saúde por soluções que
buscassem evitar internações hospitalares de longa duração. A provisão dos cuidados de longa
duração pelo setor privado, por meio de seguros voluntários, por sua vez, não obteve
resultados expressivos na Alemanha. A aprovação do novo seguro, em bases compulsórias,
promoveu, dessa forma, a expansão dos serviços voltados para os cuidados de longa duração a
todos aqueles que necessitem de alguma assistência para a execução das AVD. A avaliação
das condições dos demandantes e extensão das necessidades de tratamento é de
responsabilidade dos seguros-saúde aos quais os indivíduos estão vinculados. São previstas
três as modalidades de serviços a serem prestados: auxílios de enfermagem; auxílios para
tratamentos domiciliares; pagamento de cuidados institucionais integrais. Também se percebe
na Alemanha a preocupação com os cuidadores. Estes contam com o reconhecimento, por
parte do Estado, da prestação dos cuidados para fins previdenciários.
O caso do sistema norte-americano foi selecionado por exemplificar um sistema
liberal, com ampla participação do mercado. Nos Estados Unidos, a participação dos seguros
de saúde privados convive com a provisão dos serviços públicos de saúde para os grupos
sociais mais vulneráveis, quer por critérios de renda medicaid para os indivíduos sem
capacidade contributiva, quer por critérios de idade medicare como no caso da atenção
aos idosos. Essa dicotomia é replicada para a questão dos cuidados de longa duração: idosos
pobres com perda de capacidade funcional ou instrumental são atendidos por programas
assistenciais públicos de qualidade questionável, ao passo que idosos com melhores condições
de renda dispõem de uma infinita gama de programas e modalidades prestadas pelo setor
privado. Verifica-se nos Estados Unidos a fragmentação entre as políticas de saúde e
assistência social. O medicare cobre apenas alguns serviços diretamente relacionados com a
área de saúde: enfermagem, fisioterapia, etc. Enquanto o medicaid, por suas características
assistenciais, pois é voltado para a população carente, prove desde a assistência médica até a
provisão de alguns cuidados pessoais. Nesse caso, por atender a uma população residual, os
programas públicos são formulados e administrados, como característico do federalismo
norte-americano, de forma completamente descentralizada. Uma característica da sociedade
norte-americana que merece destaque, no entanto, é seu alto grau de associativismo e
articulação do voluntariado.
Apesar das marcantes diferenças entre as opções de políticas assumidas por cada um
dos modelos, é possível perceber algumas tendências comuns a todos as experiências:
a busca
por um novo equilíbrio entre responsabilidades públicas e privadas no cuidado dos idosos; o
190
entendimento de que as alternativas que mantenham os idosos em seus próprios lares e/ou
comunidades são preferenciais a institucionalização dos idosos, em função tanto das possíveis
reduções com os custos do atendimento quanto como forma de assegurar o bem estar dos
idosos; a profissionalização da atividade de cuidar; a valorização do papel dos cuidadores
informais, principalmente familiares; e a urgência do desenvolvimento de programas
informativos e de apoio voltados para os mesmos.
A profissionalização da atividade de cuidar e a valorização dos cuidadores informais,
normalmente familiares dos idosos, remetem a um importante aspecto a ser analisado: as
questões de gênero. No âmbito das resoluções da 89ª. Seção da Organização Internacional do
Trabalho (OIT) , em 2001, voltadas para a seguridade social, foi reafirmada a posição de que
a melhor forma para assegurar a garantia de renda para indivíduos em idade ativa consiste no
trabalho assalariado e para que esse se em condições de participação igualitárias, entre
homens e mulheres, faz-se necessário reconhecer o papel da mulher enquanto cuidadora não
remunerada dos membros vulneráveis da família – crianças, portadores de deficiência e
idosos. Medidas voltadas para um tratamento mais equânime entre homens e mulheres no
mercado de trabalho e na Previdência Social devem levar em consideração o impacto das
interrupções nas carreiras das mulheres em função da maternidade e do cuidado das crianças e
idosos.
As profundas transformações observadas na sociedade brasileira nas últimas décadas,
como analisado no terceiro capítulo, tais como a verticalização das famílias, o aumento da
participação das mulheres no mercado de trabalho e o envelhecimento populacional, colocam
a questão da provisão dos cuidados de longa duração para a população idosa com limitações
instrumentais e/ou funcionais na agenda dos formuladores e gestores de políticas públicas
também em nosso país. Esse contingente, como se tentou demonstrar no quarto capítulo, é
bastante significativo. Em 2003, dos aproximadamente 11,6 milhões de idosos brasileiros com
65 anos ou mais de idade, 4,8 milhões (ou 40% dos idosos) apresentavam dificuldades
instrumentais para a realização das AVD e 1,9 milhão (ou 20%) apresentavam dificuldades
funcionas. Para a faixa etária dos idosos com 80 anos ou mais de idade, aproximadamente ¾
das idosas e 65% dos idosos apresentavam dificuldades instrumentais ou funcionais para a
realização das AVD. No entanto, as informações disponíveis sobre esse contingente da
população ainda são escassas e pouco focalizadas na questão da perda de autonomia e
independência
88
.
88
A possibilidade de sistematização das informações coletadas pela Caderneta de Saúde do Idoso pode vir a
representar uma boa fonte para a identificação da população idosa em condição de risco.
191
A cobertura praticamente universal do sistema de seguridade social brasileiro no que
se refere à garantia de renda na idade avançada, como demonstrado no terceiro capítulo, tem
levado o idoso a um importante protagonismo no que se refere à provisão da renda familiar
(CAMARANO, 2002). Porém, como salientado no quarto capítulo, principalmente no caso
dos idosos por perdas de autonomia e independência, a renda familiar não parece ser
suficiente para arcar com os custos necessários para a provisão de seus cuidados remédios,
disponibilidade de atenção integral por parte de um dos familiares, enfermagem, transporte,
entre outros. A potencial fonte de apoio proporcionada pela co-residência dos idosos no
Brasil, ainda que pouco possa ser dito em termos qualitativos, reafirma a preponderância das
mulheres enquanto cuidadoras. Enquanto grande parte do apoio aos idosos com limitações
funcionais e/ou instrumentais parece vir de suas cônjuges, normalmente idosas; no caso das
idosas, esse apoio potencial parece ser principalmente provido por seus filhos. Nesse caso,
tende a crescer a participação da provisão de cuidados por parte dos filhos e a se
intensificarem as transferências intergeracionais. Por um lado, isso pode corresponder a uma
alternativa positiva dado o enxugamento do papel do Estado e suas crescentes restrições
orçamentárias. Por outro lado, pode implicar em um aumento das tensões internas na família,
pois não constam do roll das políticas públicas disponíveis para a sociedade brasileira formas
de apoio à família que a auxiliem no enfrentamento dessas novas demandas.
A institucionalização, ou asilamento dos idosos, por sua vez, não parece ser uma
alternativa presente na vida da grande maioria dos brasileiros tanto em função da insuficiência
da oferta, pois como foi mostrado no quarto capítulo estima-se que uma porcentagem inferior
a 1% dos idosos residam em ILPI, quanto em função de sua qualidade. Verifica-se, de forma
geral, uma deficiência por parte do Estado brasileiro em prover esses serviços, bem como em
fiscalizar e monitorar a provisão privada (quer seja esta provisão com fins lucrativos ou não)
de forma a assegurar padrões de qualidade adequados quanto a infraestrutura física e de
recursos humanos das instituições. Não basta criar o arcabouço regulatório. Para dar
efetividade à política é necessário que a essa criação do arcabouço regulatório se siga a
implantação de um sistema de monitoração e fiscalização que permita uma melhor articulação
entre órgãos públicos e demais instâncias participativas, por exemplo os Conselhos de Idosos.
Para tanto, é imprescindível a articulação das ações entre as áreas que compõem o Sistema de
Seguridade Social. Cabe ao setor saúde tanto a atuação da vigilância sanitária, como forma de
assegurar o comprometimento dos prestadores de serviços com padrões sanitários definidos
pelo poder público, quanto à atenção integral das demandas por serviços de saúde aos idosos
192
asilados. No plano assistencial, como grande parte das ILPI contam com subsídios públicos
para seu funcionamento, cabe ao Estado garantir o bom aproveitamento desses recursos.
A comparação da experiência com políticas voltadas para os cuidados de longa
duração implementadas na Alemanha, Dinamarca e Estados Unidos, permite traçar um
paralelo das alternativas disponíveis para o caso brasileiro. A opção alemã, implica incorporar
e/ou construir um novo programa ao sistema de seguridade social, com correspondentes
alíquotas de contribuição, quer em regimes de capitalização ou repartição, que envolvam
minimamente os preceitos de solidariedade intergeracional típicos de um sistema securitário
compulsório. Essa opção parece sinalizar para um melhor equacionamento dos custos
envolvidos no cuidado dos idosos com perdas funcionais e/ou instrumentais, porém a
possibilidade de adoção de um seguro voltado para os cuidados de longa duração se defronta
com dois potenciais obstáculos. Por um lado, qualquer tentativa de incorporação de novos
riscos e, conseqüentemente, alíquotas incorre em inúmeros vetos e resistências por parte,
principalmente, dos poucos contribuintes do sistema e da baixa capacidade contributiva da
grande maioria dos mesmos, como analisado no terceiro capítulo. Por outro lado, os custos de
provisão de benefícios e serviços para idosos com perda de capacidade funcional tende a ser
alto, o que em uma sociedade marcada pela desproteção social de expressivos contingentes
populacionais pode vir a representar uma enorme pressão pelo aumento da provisão de
serviços públicos e benefícios na esfera assistencial, como o demonstra a experiência
internacional apresentada no segundo capítulo. A opção pela promoção de um mercado de
seguros privados voluntários não se mostrou promissora, como demonstrou a experiência
alemã.
De qualquer forma, são prementes a promoção, ampliação e fortalecimento do
conjunto de serviços voltados para os cuidados de longa duração no Brasil, quer através da
provisão pública ou privada. A opção pelo mercado, como no caso norte-americano não
parece ser o mais adequado para um país como o Brasil, onde aproximadamente 1/3 da
população vive em condição de pobreza estando, portanto, alijada da participação no
mercado. Mesmo no caso dos idosos, em que a incidência da pobreza é menor do que a
observada para o resto da população, uma renda média de dois salários mínimos certamente
não os habilita a buscar serviços de cuidados de longa duração no mercado. Além disso, a
disponibilidade do mercado brasileiro, se tomarmos como exemplo a questão da
institucionalização dos idosos, se demonstra bastante precária, pois as estimativas analisadas
indicam que menos de 1% da população idosa brasileira reside em ILPI.
193
A opção dinamarquesa pela provisão de bens e serviços públicos em bases universais
esbarra nas restrições orçamentárias no plano das políticas de saúde e, principalmente, das
políticas assistenciais. O abismo existente entre as políticas sociais vigentes no Brasil e a
Dinamarca não nos permite identificar na política dinamarquesa uma alternativa viável para a
questão, no curto e médio prazos no Brasil, dadas as decantadas restrições orçamentárias e
fiscais com as quais se depara o Estado brasileiro. Nesse sentido, políticas voltadas para os
cuidados de longa duração no Brasil devem levar em consideração dois importantes aspectos
para sua implementação: tendo em vista tratar-se de uma área que requer a abordagem
multidimensional é necessário que a sua formulação busque a articulação intersetorial,
principalmente das áreas de saúde e assistência social, como forma de evitar sobreposições de
política e racionalizar os parcos recursos disponíveis; por outro lado, mais do que nunca, é
necessário que a questão da co-responsabilidade pelo financiamento das políticas executadas
de forma descentralizada no âmbito do Sistema de Seguridade Social brasileiro seja
equacionada. Se, pelo lado da Saúde, a aprovação da EC-29 pode ser entendida como um
primeiro passo nessa direção, apesar dos percalços que marcam a sua implementação; a área
assistencial, por sua vez, não conta com a delimitação de responsabilidades entre os níveis de
governo.
Como se tentou demonstrar no quarto capítulo apesar da legislação brasileira ser
profícua na garantia e previsão dos serviços, a capacidade de atendimento da população para a
efetiva prestação desses serviços é bastante reduzida. O atendimento dos idosos com perda de
capacidade instrumental e/ou funcional é prevista no âmbito da Assistência Social através do
programa de Proteção Social Especial de média complexidade – centros dia e cuidados
domiciliares e alta complexidade repúblicas, ILPI, entre outras. No, entanto, dada a baixa
capacidade do Estado em monitorar e acompanhar a implementação das políticas públicas,
especialmente no campo da prestação de serviços assistenciais, não é possível fazer
inferências sobre a capacidade de cobertura, nem tão pouco sobre as características do
funcionamento dessa rede de proteção. Como salientado por Batista et al. (2008) não existem
hoje, no país, estudos que identifiquem a totalidade dos serviços públicos assistenciais
existentes, quer na rede pública ou privada.
A experiência norte-americana, ainda que não seja particularmente atraente para o
caso brasileiro, dados os impressionantes níveis de desigualdade ainda presentes na sociedade
brasileira, parece ser a que mais se aproxima de nossa atual realidade. A simples não opção
pela incorporação das demandas voltadas para os cuidados de longa duração no conjunto de
políticas e programas que compõem o sistema de seguridade social brasileiro remetem ao
194
modelo residual e dicotômico vigente nos Estados Unidos. O principal diferencial brasileiro
reside na magnitude do percentual do contingente de idosos com perdas de capacidade
instrumental e/ou funcional para a realização das AVD que não terão acesso aos serviços ou
quando o tiverem este se dará, provavelmente, em condições precárias.
Para que se possa avançar no debate sobre os cuidados de longa duração voltados para
uma população idosa crescente, como a brasileira, faz-se necessário rediscutir e redefinir uma
série de parâmetros do atual sistema de seguridade social, em especial, a expressiva parcela de
trabalhadores informais alijados do mesmo. A informalidade presente no mercado de trabalho,
associada a uma visão de curto-prazo dos membros do executivo e legislativo resultou em
alíquotas de contribuição para o sistema de seguridade social brasileiro, já bastante elevadas e
concentradas no setor produtivo formal, o que dificulta a incorporação de qualquer nova
alíquota ou risco ao sistema. O precário equilíbrio, ou resultado, do sistema de seguridade
social brasileiro precisa ser revisto e sua estrutura de benefícios e serviços analisada a luz das
tendências demográficas, sociais e econômicas que se vislumbram para os próximos 10, 20 ou
30 anos.
A valorização e incorporação dos cuidadores informais, especialmente os de baixa
renda, demanda a articulação das três áreas de política que compõem o sistema de seguridade
social brasileiro. No campo da saúde, é possível pensar na reestruturação do PSF, de forma a
que os mesmos atuem no campo do atendimento domiciliar tanto na provisão de cuidados
técnicos para os idosos quanto na preparação e apoio aos cuidadores informais. A previsão de
benefícios pecuniários aos cuidadores, por sua vez, deve ser pensada de forma articulada entre
áreas de previdência e assistência social, pois se podem pensar alternativas combinadas que
levem em consideração os períodos despendidos com o cuidado de familiares dependentes
para fins de aposentadoria, combinadas com modalidades de benefícios a serem integrados ao
PBF. Qualquer que seja a opção, no entanto, é necessário construir um arcabouço institucional
para o sistema de seguridade social brasileiro que funcione, realmente, de forma sistêmica.
Somente assim será possível pensar a incorporação desta nova e latente demanda da sociedade
brasileira os cuidados de longa duração voltados para os idosos com perda de autonomia e
independência.
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LEGISLAÇÃO CONSULTADA
Constituição da República Federativa do Brasil, 1988
Emendas Constitucionais (EC)
EC- 19 de 1998 (Modifica o regime e dispõe sobre princípios e normas da Administração
Pública, servidores e agentes políticos, controle de despesas e finanças públicas e custeio
de atividades a cargo do Distrito Federal, e dá outras providências)
EC- 20 de 1998 (Modifica o sistema de previdência social, estabelece normas de transição
e dá outras providências).
EC- 29 de 2000 (Altera os arts. 34, 35, 156, 160, 167 e 198 da Constituição Federal e
acrescenta artigo ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, para assegurar os
recursos mínimos para o financiamento das ações e serviços públicos de saúde)
EC- 41 de 2003 (Modifica os arts. 37, 40, 42, 48, 96, 149 e 201 da Constituição Federal,
revoga o inciso IX do § 3 do art. 142 da Constituição Federal e dispositivos da Emenda
Constitucional nº 20, de 15 de dezembro de 1998, e dá outras providências)
EC- 47 de 2005 (Altera os arts. 37, 40, 195 e 201 da Constituição Federal, para dispor
sobre a previdência social, e dá outras providências)
210
Leis e Decretos-Lei
Lei. 3.724 de 1919
Decreto-Lei 4.682 de 1923
Decreto-Lei 3.807 de 1960
Lei 5.859 de 1972
Lei 5.850 de 1973
Lei 6.179 de 1974
Decreto-Lei 1940 de 1982
Lei 7689 de 1988
Lei 8.080 de 1990
Lei 8.112 de 1990.
Lei 8147 de 1990
Lei 8.212 de 1991
Lei 8.213 de 1991
Lei 9720 de 1993
Lei 9.311 de 1996
Lei 9317 de 1996
Lei 9.876 de 1999
Lei 10.741 de 2003
Lei 10.887 de 2004
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